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Full text of "Almocreve de petas, ou, Moral disfarçada, para correcção das miudezas da vida"

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K&né>fs  I   f:^r^m 


I  ARBOR  I 


Presenteei  to  the 

LIBRARY  ofthe 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


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ALMOCREVE  DE  PETAS, 

O  u 

MORAL    DISFARÇADA, 

PARA  CORRECqÃO  DAS  MIUDEZAS  DA  VIDA, 

POR 

JOSÉ  DANIEL  RODRIGUES  DA  COSTA, 
ENTRE  OS  PASTORES  DO  TEJO, 

^  O  SINO  LEIRIENSE. 

Só  porque  o  teu   visinho  hum    Livro   !cO 
Tão  mal,  que  poucas  cousas  entendeo, 
Kão  formes  desse  Livro  má  idéa , 
Depois  de  o  leres  bem  ,  o  sentencea. 

Manas  cri,  ,  .   de    l  $82. 


TOMO     II. 


Segunda    edijaô. 


LISBOA: 

NA  OFFICINA  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS; 

1819. 

Com  licença  do  Desetubargo  do  Faço, 


AOS  LEITORES  TAFUES. 


D 


E  VÓS  Tafiies  de  luneta , 
Inimigos  do  Almocreve, 
Vejo  mais  petas  n'um  dia  , 
Que  n'um  anno  a  penna  escreye: 

Acho-vos  bastante  graça 

Em  desdenhardes  das  petas  , 
Mas  eu  teimando  em  narrallas 
Vos  cravo  dobradas  setas  : 

Sabei  que  ha  casos  immensos^ 
Qiíe  sem  deslustrar  ninguém, 
Que  se  escrevão  ^  que  se  imprimao 
A'  mocidade  convém: 

Tenho  petas  ^fartar. 

Em  qupnto  o  mundo  for  mundo^ 
Como  ha  tolos ,  e  discretos  , 
Já  sabeis  em  que  me  fundo? 

Mas  se  ainda  duvidaes 

Da  abundância,  que  relato^ 
Vamos  fazer  huma  aposta  , 
Veremos  quem  paga  o  Pato: 

Apostemos  qual  primeiro 
Nas  petas  ha  de  cançar, 
Se  hei  de  ser  eu  de  as  compor, 
Se  haveis  ser  vós  de  as  comprar: 


Eu  aposto  a  Collecção, 
Vós  apostareis  o  importe; 
Porque  assim  he  que  se  vê 
Quem  hc  fraco ,  ou  quem  he  forte 

Houve  hum  homem   que  apostou 
Com  outro,  de  hum  golpe  só, 
Cortar-lhc  fora  as  goellas, 
Mesmo  por  baixo  do  nó ; 

Entrarão  logo  na  empreza , 
Depositando  a  quantia, 
E  porque  a  somma  era  grande,^ 
Perder  cada  qual  temia : 

Lançou-Ihe  o  ferro  á  garganta, 
Mas  topando-lhe  n'um  osso, 
Inda  a  cabeça  do  triste, 
Ficou  pegada  ao  pescoço: 

E  como  depois  do  golpe, 
Hum  momento  inda  viveo, 
Gritou  eom  voz  de  pipia , 
Ponha  ,  ponha ,  que  perãeo : 

Ora  no  caso  que  eu  falte 
A  cumprir  a  dita  aposta. 
Dareis  c'o  a  bolça  vazia  , 
Critanto  a  mesma  resposta  : 

Fica  o  nosso  ajuste  feito  , 
Agora  nem  xus,  nem  bus  , 
Vou  pacear  pelo  mundo, 
A  escolhu*  petas...  de  truz. 


ALMOCREVE    DE   PETAS. 
PARTE     XLVII. 


F 


"Calçada  do  Duque   24  de  Fevereiro, 


Oi  para  chorar,  e  para  rir  ,  hum  caso  Fuccedido  ha  frcs 
di2s  ncsra  calçada.  Ga  noíf50s  antigrs  bem  failárao  ,  qu^rdo 
disserto,  qtie  quem  não  rem  venfura,  na  cama  quebra  as  [  er- 
nas.  Tinha  hum  sujeito  Tafiíi  de  se  ajuntar  ^ora  hum  ran- 
cho de  Meninas  ,  que  de  burrinhos  hiâo  botar  huma  cã  fora 
a  cena  quinta;  o  Tafiíl  justo,  e  fimne  na  promessa  ,  que  ti- 
nlia  feito  de  acompanhar  o  rancho  ,  veio  ao  Arco  de  S.  Fo- 
que alugar  hum  Civallo,  achou-o  ,  tnontou  ,  e  de  Pantaloias 
muito  justas  Fazia  huma  figura  admirável.  Não  sabcn  os  de 
certo  ,  se  era  a  terceira  ve^  na  sua  vida  ,  que  punha  cspórgs 
nos  pés  ,  porém  sabe-se  com  certeza  ,  qye  no  tempo  da  íua 
maior  rapaziada  ,  a  que  chamamos  verduras  da  mocidade  ,  an- 
dara duas  semanas  a  caval-o  ,  vestido  de  varias  cores  ,  cem 
sua  mascara  .  capacete  ,  escudo  ,  e  ferrugenta  ,  acumpanh ar- 
do certo  individuo,  que  pôe  Editaes  para  aqutíla  função^  c;uc 
se  faz  no  tempo  do  calor,  em  huma  Praça  ,  que  esfá  no  Sa- 
litre^  bem  defronte  de  huma  horta,  ç  huma  loja  de  bebidas  9 
47 


esta  he  a  raiz  do  nosso  heróe,  vamos  á  folhagem;  para  ver- 
fnos  que  fruto  lirou  da  sua  nova  tunçanaía.  Montou  cooi  ef- 
feito,  e  o  moço  ,  que  serve  a  loja  dos  cavallos  de  aluguer  ,. 
largou  tudo  ,  para  vir  fazer*lhe  as  honras  de  pegar  no  estri- 
bo ,.  concertar  casaca  ,  apertar  loros  ,  e  tudo  o  mais  que  es- 
premido ás  mãos  ,  apenas  dá  hum  copo  de  Água-ardente. 
Vindo  poréíii  o  bom  Tafiíl  pela  calçada  abaixo  com  muito 
sentido,  para  tomar  huma  das  Travessas  ^  e  vir  sahir  ao  Car- 
mo, não  sei  que  diabrura  alli  se  metteo  de  permeio,,  que  ca- 
valio,  e  cavalleiro,  tudo  veio  a  terra;  de  que  ficou  o  pobre 
rapaz  a  gritar  com  buma  perna  torcida  ,  ea  outra  magoada  j 
sem  poder  dar  mais  passo.  Acodio  logo  a  compaixão  de  vá- 
rios ,  pegarão  nelle  ,  e  levárao-no  para  o  primeiro  andar  de 
humas  casas,  onde  estavão  algumas  senhoras- muito  sérias  ;  e 
Jasrimadas  da  infelicidade,  lhe  derao  acolhimento  ,  para  lhe 
nninisírarem  cerveja  preta  ,  que- havia  na  casa  ,  e  os  Ajudan-^- 
tes  compassivos  ihQ  desabotoarão  a  perna  á  Pantalona  >  para 
8€  v^r  se  tinha  desmanchado  ,*%o  quebrado  a  mesma  perna  ,v. 
lance  de  que  ellc  não  podia  fugir,  mas  ai  que  dores  padeceo 
então  este  miserável  Ta  Fui  !  quando  appareceo  metade  de  hu- 
ma  meia  ,  eo  resto  sopprido  com  hum  guardanapo  sujo  eni" 
cada  perna,  enleados  com  o  seu  orelio  novo  ,  para  encher  â 
féraia  ó&  bem  justa ,  e  talhada  Panialona  !  o  certo  he  que  nin- 
guém sabe  para  que  sahe  fora  de  sua  casa. 


Braga  ^Je  Marçe, 


C^rfã  ^   que  o  Cavalheiro  ãé  Bragas  costumado  a  pe%aàelí6¥^ 

escreveo  no  seu  Amigo  de  Lisboa  ,   participatido-lhe  9U» 

sro  so-ftho^  que  teve  de  tanta  Variedade  ^  e  gosto» 

Amigo  ,  .  promefti  communicar-ihe  algum  sonho  ga- 
lante, que  para  o  futuro  se  envolvesse  na  desordem  dos  meus 
pczadellos  ,  c  devo  cora  a  maior  satisfação  cumprir  a  pro- 
ifressa  ,  e  mostrar  o  grande  apreço  ,  que  faço  da  sua  amiza- 
de. Haverá  oito  dias,  ou  para  melhor  dizer,  oito  noulcs  , 
quacdo.  deitâado*me   na  Ciima  leicnoso   cm  acabar  de  ler  hu^ 


ftas  Viagem y  obra  particular  de  certo  Cavalheiro,   miíeravel* 
jucnre  deixei  cahir  o  livro  da  mão  ,  fechando  os  olhos  ,  e ex- 
posto a  hum  grande  perigo  de  fr  go  ,  se  a  vela,    que  foi  ?té 
ao  fim  ,    se  não   consumisse   tão  direita  ,    que  não  fez  iiuin  só 
Jadrdo  ;    aqui  verá  v.  m.  que  ficou  aceza  por  Falta  de  hum  as- 
sopro:   as  idéas  ,    que  tinhso  ficado  bezi^tadas   das  taes  Via- 
gens ,  unírao-se   de  tal  sorte.,    que  se  Viagens  lia  acordado  ^ 
Viagens  fiz  dormindo.    Eu  me  vi   na  margem   de  hum  grânds 
íTío,  onde  andava  aboiando  ao  pá  de  terra   huma  pequena  lan- 
cha cora  seus  remos,  mas  tudo  na  maior  solidáo     Tentei-nre 
a  embarcar  ,    e  fui  remando  ,    cou-a  que  acordado  nunca    em 
4ninha  vida  fiz  *,   cortei  pelo  rio  abaixo  algumas  legoas  ,    ora 
^bordejando   por  margen?  floridas  ,    ora  tccando  em  baixos  de 
«rca  ,  ora  meitendo»me  por  valias  f(  iradas  de  espessas,  e  ver- 
des ramas  ,  até  que  fatigado  ,    e  já  ao  som   d'agua  ,    fui  met- 
lido   por  h?ima    abobada    de  medonhos  ,    e  levanrados  roche- 
dos, onde  o  lio  era  já  bastiinte  estreito,  e  aquellis  aguas  es- 
cudadas pelas  mesmas  penhas  flem   a  luz  do  dia   as  penetniva* 
Andei  debaixo  deste  horror   á2í  natureza  tempo  immenío.,    se- 
gundi)  s€  me  figurou,    e  bem  como  qunndo  amanhece  ,    che^- 
guei  a  ponto  de  ver  raiar  alguma  claridade  ,    a  qual  Iria  cres- 
cendo mais  ,    e  mais.    Portei   em  huma  vi.vCosa  ,    e  iortificsda 
Ilha  muito   povoada    pelos  edifícios    que  via  ;    sahiTão-ire   ag 
íCncontTo  huns  homervs  ,    que  andavao  debruçados   pela  praia, 
ctmo   procurando    alguma    cousa.    Saudei-os  ,    e  perguntei    o 
que  buscavao?  Hum  mais  expedito  respondeo-me  :     Ní/j   Ous^ 
camof  v^fta  praia  cousmhãs   bt^mtas  da  Nature::^a  para  <n^ 
fíites  de  Senhoras  ;    parq^.e  esta  Ilha  he  a  da  tafularia  ;    t 
f?òi  outros  fazemos  aqui  hum  grande   negoch.    E  conto  ai  Se»  . 
fihoras  deste  sth  jd  vão  sabem   com  que   iuio  áe  cowpór  ê 
pescoço ,    e  a  cabeça  ,  fois  tem  nsado   de  tudo  quanto  ha  ^   t 
até  defii^Õcf    vermelhos  '^    andemos   aqui  na    tndagaÇào   ele 
cousas  galar.tcs  ,     que  as  aguas  arrojão  pr.ra  lhes   veridrr^ 
moj  nas  mssas  iojat  por  alto  preço  .;    porque  nesta  IH: a  /«- 
do  he  tafularia^    Gost  i  da  lembrança  ,    e  ^roguei-lhes  depois 
de  alguma  ccnv.ísa  a  re  peito  de  nutm  he  v,  m.  ,    e  vv,  n:m^ 
^uem  ião  y  me  qui/esscm  acompaníiar,   fezendo-me  ver  aqucl- 
la  liha  p  r  dent  o  :    assim  o  fizcí^o ,    e  Jevarão-me  por  J)um« 
rua,    onde  iuais  de  seis  vezes  passou    por  mim  hum  rapazc^te 


^4> 

Bem  montado  cm  Iiuma  Faca  Mestra  ,  sempre  de  ga!o|>e  ;  de 

sorte  que  cuidei  ,   que  eu  tinha  descoberto  o  moto  coniínuo-. 
Perguntei    aos  companheiros    quem  era  aquclla   figura  ,    e  res- 
pondeo  se-me:    este  rapaz  tem  de  seu  ^   he  dono  de  huma  ca^ 
sn  grossa  ;  porém  desae  pequeno  ,  qíte  mostrava  em  cavallos 
de  cana-   ^  íUi  ifjcknãção  ;    e  com  effeito  ninguém   Ibe  falh 
em  (íuira  cousa ,   que  não  seja  comprar  cavallos  ,   vender  ca-» 
Vallos  ^  andar  a  cavallo^   é^í.  porque  nests  Ilha  tudo  he  ta* 
fularia.   Voltámos    para    hum  largo   grande,    e  vi  dous  rapa* 
Z-s  bem  vestidos  ,  hum  que  mostrava  ter  doze  annos  ,  outro 
qua  orze^  ,    a  jogarem  a  concra  ,    á  sombra  do  muro   de  huna 
q  iinral ,   que  pegava  eom  humas  casas  grandes-,    de  cujas  ja- 
neilâs   sahia   huma   criada   a  tocar   huma   campainha.    Pergun- 
tei o  para  que    se  tocava,  respundeo-se»me  :    toca*se\aiU  na* 
quellas  casas  para  a  Missa' ,   porém  não  ha^  quem  ajude  ,   ê 
a  criada  está  vendo  se  passa   alguém  para  esse  fim  ^    porque 
aquelles   dous  rapa^z^es  ,    que  estão   jogando  a  eoncra  ,  são  fi* 
lhos  do  dono  daquella  mesma  casa  ,   porém  não  schem  mais 
do  que  a<iuillo  ,    que  estão  fazendo  ,    porque  a  mãi   diz  aue 
ã'nda    são  muitê   creançéis  para  estudos  ,    e  tem   medo   que 
lhe  morrão  c^m  trabalho  ,  porque  não  tem   outros  ;  porém 
nesta  Ilha  tudo   he  tafularia,  Calei-me  ,    e  prosegui,    quan- 
do no  principio   de  huma  calçada  sahião   de  huma   porta  dous 
homens  ,,  hum  de  casaca  ,   e  capote  ,    e  outro  de  casaca  só  ; 
com  a  cara  arranhada  ,  sem  fivellas  nos  çapatos  |  nem  nos  caU 
^õt  s  ;    ambos  instando  com  falias  muito  alras  ,    ora  em  ar  de 
enfado  ,   ora  em  ar  de  piedade.  Perguntei   também  ,    que  bu- 
lha era  aquella  ?    Respondeo-se-me  :    o  que  vem  em  casaca  , 
ttve  muito  de  seu  ^    tudo  de  herança  de  seus  Pas  ,    t  Aves  , 
roaou  nesta    Ilha  em   carruagem   sua  ,    veio  a  casar  com  a 
filha  do  seu  Çíipateiroi    tem  dado  com  tudo   à  sola  em  jogo  ^ 
e  rinha  ^  vem  àaquella  c^sa  de  bilhar  ,   e  vem  ftrido  de  de* 
safios  qut  teve^  jogou  dinheiro  ,    e  fireílas  ,    costume  que  já 
ftivguem  lhe-  tira  y    e  p(de  dquelie  me^mo  ,   que  lhe  ganhou  a 
dinheiro  ,    o  capote  emprestadj  para    ir  /ara  sua  casa  ,    ^ 
seis  vinténs  para  comprar  de  pão  d  famiha  ,  que  esta  diar  ^ 
e  dias  sem  comer  ,   mtserta  em  que  se  não  jaz  reparo  ^  por» 
que  nesta^  Ilha  tudo  he  tafularia.    Não   disse  cu  mais   psia» 
wâ ,  (jtjando  debaixo  de  bum  arco  ,   por  onde  hiamos  passaa^ 


do,  5e  achavãodous- homens  a  conversar,  e  por  não  etijoar  et 
companheiros  coro  perguntes,  demorei  o  passo,  a  ver  se  ou« 
c.Via  alguma  cousa,  que  me  fizesse  expectação  ,  e  oufi  dizer  a 
hum  dos  ditos  homens  ,  olhe  ,  weu  queriào  Amigo  ,  a  bum 
Foeta  como  v.  m»  não  necessita^  senão^  tocar  o  pensamento  que 
quero  ,  z\m.  ha  de  jazer-me  huma  "Decima  ,  para  eu^  mandar 
tto  fim  da  carta  á  minha  Tirsêa  ,  na  qual  dtga  ,  qp^e  encon* 
irei  seu  Pai  na  minha  rua  ,  e  que  estive  quasi  pedindú^a 
para  casamento)  ena  mesma  Decima  dirá,  que  lhe  pe^& per* 
ílão^  e  me  desculpe  de  ter  j aliado  a  vêlla  ha  cinco  dtas  ,  que^ 
a  causa  desta  falta  foi  hum  leictnçoj  que  me  veio  a  hum  caU 
canhar  ^  mas  este  leicençe^  e  este  calcanhar  ^que  vá  explica^ 
do  por  aquellas  palavrinhas  das  Odes ,  que  sã»  boas ,  mas  que 
tila  conheça  ,  que  foi  a  leicençê-  motivo^ ,  e  ha  de  acabar  a 
Decima  no  fim  ,  de  saudades  morrerei :  Faça»me  v,  m.  isso ,. 
que  eu  hei  de  dar^lhe  para  hum  capote  y  se  ella  se  certificar 
do  leicenço  ,  que  he  muito  natural  se  capacite  por  tafula  ^ 
porque  bem  vê  que  nesta  Ilha  tudo  he  tafularia.  Fui  passan* 
do  para  diante  pasmado  da  encoramenda  ,  e  de  ral  miterjali- 
dade  ;  o  mais,  que  se  me  offereceo  á  vista  ,  ílca  para  o  cory 
reio  que  vem,  que  não  faltarei,  porque  sou  muito  seu 

P.Si  Ifltimo  Amigo,  e  criada 


Lembranças  ás  Me^ 
ninas. 


(Assignado)        D.  Sonho  Sonhe. 


Gofífinuação  dos  ridículos  abusoT\  com  que  foi  creada  a 

Mãi  do  Fe  lho  de  Romu  lares  ^  pelas  Velhas  do  seu 

tempo. 

Jlgouros  por  cousas  inesperadaSé 

Morar  em  casas  de  canto ,     -     -  Infelicidades^»- 
Em  casas  de  esquina ,       r    í:    r  Fortuna,^' 


fJuanJo  a  candêa  fàz  morrão,  Signal  ãe  wento. 

'Quando  a  luz  espirra,  -     -     -Vem  dinheiro  a  casa* 

'Quando  o  bocado  cahe  da  boca,  Alguém  quer  f a  liar  ^  e  não  po- 
de. 

Vidro  estalado  ,.----  Md  noticia. 

Vinho  entornado  na  meza  ,     ^Signal  de  alegria. 

Azeite  entornado  ,    -     -    -    -  Stgríal  de  írtsíeza  para  o  do» 

no. 

Pão  que  tem  tocas  por  dentro  ^Tem  a  alma  da  padeira.» 

Mulher,,  e  marido  do  mesmo 

nome ,  -     -    -    -     -     -     -  ^^^^  se  hgrão.  «^^  ^ 

ííascer  implicado  ,  -    -    -     -  Signal  de  ditoso^ 

Agouros  pelos  signaes  do  corpo. 

Ter  bico  de  cabello   na  testa,  Ha  de  ser  viuvo. 
Chave  de  ra^o  larga,     •-     -     -Ha  de  ser  liberal. 
Orelha  pegada,  -     -     -    -     -  Ha  de  ser  rico. 

Altura  grande  de  nariz  ao  bei- 
ço,-    -    -    -     -    -     -    "Ba  de  chegar  d  velhice* 

Unha  com  pinta  vermelha,     -  Signal  ^e  mentira. 
jDentes. ralos  ,   -^    -    -    -    -  Signal  de  chocalheiro. 

iContinuar-se-hãon 


Aqui  trouxe  o  Moço  do  Poeta  hum  Soneto  ,  que  Hzerá 
Í^Máquina  Aerostatica  ,  novaiiiente  aperfeiçoada  em  outros 
Reinos;  em  aliusao  a  huraa  conversa  ,  que  ouvira  em  certa 
casa  a  huns  TaFiies  ,  que  já  se  esiaváo  ensaiando  para  fazer 
viagens  aérias  ,  protestando  de  mandar  á  gaita  as  podres  se- 
ges de  aluguer, ,  que  se  alugao  pelo  que  valem  em  tempo  de 
feiras  ,  -e  por  mais  is  vezes  ;  e  nas  funç5cs  de  campo  ,  pôr 
de  participantes  os  burros  de  cadeira,  que  sem  Cerem  falta  de 
.vista,  usatáo  de  cangalhas. 


SONETO. 

Em  corpo,  e  alma  irei  aos  Ceos  voando. 
Na  maquina  do  ar,  feito  coraela, 
Que  ainda  que  pareça  estranha  a  peta  : 
Se  cm  obra  ee  puzer ,  fico  campando : 

Lá  no  cimo  das  nuvens  passeando , 
Verei  o  baixo  Mundo  por  luneta; 
E  porque  ha  de  haver  lá  muito  Estafeta, 
Noticias  do  que  vir,  logo  c4  mando: 

Entendendo  os  Tafiícs ,  que  a  moda  he  boaj 
Andaráó  como  bandos  de  estorninhos  ^ 
De  Feira  em  Feira  ,  pelo  ar  á  tôa: 

y^remos  crescer  malvas^  nos  caminhos  ; 
Faráô  vispre  nas  síícias  áQ  Lisboa 
Botes,  seges ,  câvallos ,e  burrinhoSá 

A  advinhaçâo  em  huma  Decima ,  que  vem  na  Parte  desíi 
Obra  Número  XXXXV* ,  e  principia  : 

Eu  sou  do  tempo  de  Adão^  (^C. 

Declara-se  aos  Senhores  curiosos,  que  entendida ;  e  bem 
decifrada,  não  paSsa  de  ser  o  nome  ^  que  se  dá  a  todas  as  coii?^ 
sas  do  Mundo. 


Avisoa 

Monsteur  Tresantó  ^    homem    dcí  77  annos  ,   chegou' S"-^ 
esta  Capital,  e  faz  saber  ao  PúbJico,    que  elle  assiste  env  hur 
n  as    aguas  fu/tadas  ,    que  foráo  do  Chafariz  de  Arroyos  ,   e 
que  usâ  com  todo  o  segredo ,   porque  não  quer  que  se  saiba,. 


-     ...    <^ 5 

de  huffia  receita  simpática  composta  dos  mesmos  mistos  de 
que  se  faz  a  que  se  ministra  na  Enfermaria  das  Palha?.  Elle 
cura  todas  as  moléstias  exteriores  ,  nascidas  de  olharmos  hur.s 
para  os  outros,  que  vulga^rmenie  chamamos  quebranto,  e  por 
eíFeifo  de  fomenta(,'âo  de  Corrêa  cura  paixões  instantâneas  , 
saudades  de  oito  dias  ,  suspiros  exhalados  com  pouco  custo  , 
dores  pensadas,  ais,  e  soluços  de  choro  de  apartamento  sem 
ser  d'âlma  .;  zelos,  e  frenesins  das  primeiras  vistas  ,  e  desen- 
volturas  de  cascos  leves  \  male*  que  elle  padeceo  na  sua  moci- 
dade, que  foi  quem  o  tez  alveitar  ;  e  visto  o  seu  prestÍHio  , 
roga  a  todos  os  senhores  cortados  desta  epidemi)  se  queirão 
valer  do  teu  remédio  ,  que  elle  applicará  por  doses  segundo 
as  suas  enfermidades,  cómmodamen^e ,  c  a  pessoas  pobres  de 
graça. 

Bejíto  Fi//^^<?,  Espingardeiro  de  Nação,  c  morador  da* 
qui  hum  tiro  de  espingarda  ,  faz  saber  ao  público  ,  que  elle 
descobrio  o  raeihodo  de  fazer  caruncho  da  mais  fina  qualida- 
de:  as  pessoas  adiantadas  era  annos  ,  que  estiverem  sem  elle  , 
se  podem  aproveitar  pre-sentemenle^  fazendo  o  seu  sortimento. 

Estevão  Tar&tay  Forneiro,  morador  naquelle  mesmo  si- 
tio ,  vende  hum  remédio  o  roais  exacto  ,  e  de  pouco  custo  pa- 
ra a  extinção  das  pulgas,  «moscas^  percevejos  ,  e  ratos  ;  as 
pessoas  que  se  virem  perseguidas  xlesícs  insectos  ,  o  podem 
procurar  ;  porque  elle  dá  em  pequena  porqâo  huma  acha  em 
braza ,  com  a  qual  cada  hum  a  seu  cómmodo  pode  pegar  fo- 
^go  ás  casas,  que  forem  perseguidas  dos  ditos  insecios,  porque 
infeUiveimente  ardendo  estas  ,  extingue-se  a  sua  creação  ;  isto 
,he,  scudo  as  casas  da  própria  pessoa  ,  por  não  cauaâr  prcjui» 
^í^  de  terceiro. 


WSBQA.  NA  OFFICINA  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS, 

I  8  I  8. 
r. '        C^m  licença  da  Mtza  do  Desembargo  do  Faço. 


ALMOCREVE    DE   PETAS. 


PARTE     'XLVIII. 


H 


Rua  âõs  Vanquetros  21  de  Março: 


A  nesta  rua  hum  morador  muito  ^agaz  cam  seu^  laivcs 
de  Coimbra  ,  e  tinrura  de  scienciâ  j  que  par-a  se  preve.nir  ei^s 
calotes  do  mundo  ,  pelo  se-guro  ,  de  tudo  suppóe  mal  ,  já 
iDais  houve  para  elle  Alfaiate,  que  -nao  roiíbaiííe  ira  fâzencia , 
çapateiro  ,  que  nao  o  deteriorasse  no  cabedal  ,  e  outros  nr.ui^ 
tos  ofíicios  ,  de  que  a  sociedade  dos  homens  precisa  para  a 
sua  subsistCDcis  :  ora  o  mez  passado  ,  procurcndo  tWt  hum 
moço  para  o  servir,  lhe  appârcceo  hum  pobre  lôrpa  ,  qne  fe 
ioi  ajustar  com  este  esperto  amo.  Dímc-I1i€  este-  c  rr^íbrilho, 
que  tinha  a  sua  casa  ,  e  a  po^jcos  passo?  tratarão  de  preçn^ 
e  dis«e-jhe  o  amo  ,  qpte  prtmetro  que  a  soldada  ,  queria  ss* 
ker  ^  quanto  ellc  lhe  è avia  furtar  tada  mez  nas  compras  que 
fizesse  !  o  rapaz  rio-se  muito  ,  asíentando  ser  âoullio  hun^í 
graça;  porédi  o  amo  eai  hum  tom  mais  sério  »  \\\t  wxnc.w  a 
dizer:  pois  ^  homtm  ^  assentemos  em  que  me  has  de  jurtar  só 
30  réu  cada  dia  \  estás  por  isto  ?  O  irtO\jo  muito  humilde 
disse,   seja  o  qu:  v,  m,  quiser.    Meiteo-ihe  tâíDbem  -era  pa^r* 

48 


( i ) 

tido,  que  n^o  se  devia  adiantar  a  cousa  alguma,  sem  que  el- 
le  o  mandasfe  :  o  moço  tomou  muiro  sencido  ,  e  tio  dia  se- 
guinte foi  comprar  a  carne  >  que  lhe  mandarão  buscar,  e  pôz- 
se  na  cozinha  a  olhar  para  ella  :  o  Amo  »  que  deo  com 
elle  CíT)  pasníaceira  ,  disse-lhe:  forque  n⧠ pÕes  a  panelia  ao 
lume}.  Respondeo-lhe  o  moço  ;  for  me  não  acUa^ítar  :  essa 
he  hoa  ^  tornou  o  Amo,  vat  lavar  a  carne  y  mttte-a  na  pa» 
relia ,  e  pÕe-^na  ao  lume^  O  moço  assim  o  fez  sempre  muito 
lírnido,  não  querendo  adiantar-sc  aos  mandados  de  seu  Amo; 
quando  pelas  dez  horas,  pouco  mais,  ou  menos,  estando  o 
Amo  recebendo  huma  visita  ,  ouve  hum  formidável  estoiro, 
que  parecia  huma  peça  ;  foi  dentro  ,  perguntou  o  que  era  , 
respondeo-lhe  o  raoço  muito  rransso,  foi  a  panelia  f  que  eS' 
touroíi  :  examinou^a  e  vio  a  carne  en  carvão,  e  tudo  ás 
sêccas,  increpou  o  moço  de  ter  posto  a  vaca  sem  agua  ao  lu- 
me ,  ao  que  elle  responde©  ,  fiz  o  que  v»  m,  me  mandou  , 
não  me  qui^  adiantar .  Benzeo-se  o  Amo  de  tal  brutalidade  , 
c  ainda  o  soíFreo  por  espasso  de  hum  mez  ,  no  fim  do  quai 
chamaado-o  ,  lhe  encaixou  na  mao  três  vinténs  ,  dizendo- 
Ihe  :  fa%  hoje  bum  mez  ,  que  entrastes  na  minha  casa  ,  e 
^ue  íí'  ajustei  por  dous  cruzados  novos  ,  convencionei  comti' 
go  ofurtr,res-nie  xc'  30  réis  cada  dia  ^  trinta  trinta  réis  são 
*iov€  tostões  y  com  ires  vinténs^  que  te  dou  ,  são  960  ;  esta* 
wcs  de-  conia.s-  justos^  O  moço  fez  beiço  de  biquinho  en- 
volvido em  choro  a  olhar  para  a  miséria  ,  mas  com  a  ins» 
piração  da  tranca  deo  a  ellas  ,  que  parecia  huma  ventoi- 
nha. 

B.uà  dos  AInwcreves  17  de  Marçoi 

Que  caso  !  Gaeo  espantoso  ,  p,uis  a  náo  ser  o  espan- 
to,  não  juccedcíia  o  caso  !.'  Erao  seis  horas  e  meia  da  ma- 
nha ,  quarido^  clíegou  o  Almocreve  com  as  petas  á  sua  esta» 
lagem  costiisnada  ,  e  tirando  as  malas, ^  de  que  vinha  carrega- 
do  o  cavai lii)ho  ,.  as  mctteo  na  algibeira  da  sua  vestia  ,  para 
8s  ir  levar  a  casa  do  Editor ,.  determinando  ao  rapaz  seu  mo- 
ço,  que.  ein  quanto  dcscançf  va  ,  fcssc  m.e^ter  no  pateo  aquel» 
le  bruto,,  no  sequeiro  do  Caracol  da  Penha  ,  pois  já  para  is- 
8.0.  linha  obtido  licença,    c  depois  o  levasse  a  beber»  Q  ra-» 


paz  ,    que  queria  agradar   a  sua  conveniência  ,    foi  correndo 
em  hum  pé  >    com  o  cavallínho    pela  mao  ,    cíiCgou    ao  sitia 
dererminado  por  seu  Amo,  largou  ocavâIJinho,   para  que  se 
abastecesse    do  que   quizesse  ,    pela  variedade   de   pasfagem  , 
que  alli  ha  ,    sendo  a  maior   quantidade   de  carrapareiros  ,    e 
cardos  4  e  como  o  Asno  com  fome ,  dízem ,  que  cardos  come « 
o  cavaliinho    como  nunca   a  teve  ,     nem  a  terá  ,    n5o  queria 
maisj  que    acipipcs    para  descnfasiiar.    Hia  o  bom    anima!  pas- 
seaF.do  ,  e  debicando,  como   quem  não  queria  s  cousa:  a  este 
tempo  abrio-se   numa  porta  naqueile  sitio  ,    donde  ?ah!0  hura 
Alfaiate  para  o  seu  trabalho,  que  alli  mora,  o  qual  anda  tra- 
balhando no  concerto    de  humas  casas  iva  rua  dos  Algibebcs., 
c  a  traz  delle  huma  matilha  de  c^es ,    fazendo  íium  latido  uo 
dcsa:rasoado,   que  ocavailinho  não  lhe  cheirando  bem  a  per» 
seguirão  ,     mcífeo    pernas  ,    e  paríio   a  correr    p^lo  largo   da 
Penha  fora,  de  sorte  que  rcio  sahir   á  rua   da  Graça,    sempre 
em  hum  gaíope  seguido  ,    e  os  cáes  em -seu  seguimento,  que 
elíe  convidava  cori  surda  artiiheria  ,  como  em  agradecimenro 
a  ião  boa  sociedade.  Topou  com  iiumas  cangalhas,  que  esia- 
vão  no  Arco   de  Santo  André  ,    aprefentou«lhes  dou€  couces, 
que  as  escangalhou,  metteo-se   pela  Cosía  do  Castello  ,  mos- 
cando sempre    de  trope  ,    e  veio  sahir   zo  Correio  \    pdos  si- 
ties,  por  onde  passava,  fez  suas  esíropolias,    porque  descen- 
do á  Ribeira   Velha  ,    mordeo  hum  homem  ,    que  estava  toí- 
quiando  hum  jumento;    porque  cuidou  era  ladrão  ,    que  esta- 
va despindo  o  seu  semelhante.   Ao  Cáes  de  Santarém   quebrou 
hum  assador,  e  fogareiro  a  huma  rapariga,  que  se  tinha  des- 
accommodâdo    de  huma  casa  ,    p?Ta  vir   cm  a^^adeira  princi- 
piar  o  seu  mundo  ,     e  a  deixou    a  pedir  por  portas.    A's  ga!- 
linheiras  atropelou  hum  bando  de  patos,  que  a!ii   costuma  es- 
tar, c  matou  dous ,    que  estão  á  dependura  em  hum   daquel- 
les  lugares,  e  já  tem  dentro  enxames  de  outros  animaes,    es- 
perando por  glgum  comprador   pobre  de  casa  rica.    Ao  prin- 
cipio da  rua  Augusta    atirou  com  iruma  tcrida  de  bolos  a  ter- 
ra ,    que  foi  hum    grande   fortun^o  para    os  gaiatos  ,    ficando 
prejudicada    a  vendedcira   em  nove   vinténs  ,    e  trinta    e  cinco 
réis  de  fazenda,    fora  humas  argolas  ,    que  vários  ?uj-ifos  lie 
levarão,  porque  precisavão  delias.  Cheg-ou  ao  llocio  ,  c  adiai» 
le  do  Tâlaveiraà   logo  Jlie  dco  o  cheito  dos   cambai lachos  , 


(  4  ) 

qjufe  alll  se  Ta  7  era  com  os  da  sua  espécie  ;    deitou-se  no- chão, 

Cipojandc-se  muito  com  a  lembrança  da  sua  parental  ha  ,  vol- 
ta para  aqui,  volta  para  alli  ,.  volta  para  aeolá  ,  levou  neste 
cm  beleza  mento  15-  tDJnutos  bem  puxados'  o  rapaz,  moço  do 
Almocfeve,  tirando  noticias,  veio  em  seu  seguimento,  edeo 
com  o  cavallinho  em  terra  ,  rinchando  como  quem  festejava  a 
sya  chegada,  mas  fraco  da  lida  ,  que  se  não  podia  levantar  , 
a  rapaz  vendo  a  debilidade-,  em  que  elle  se  aciíava  ,  dando- 
ihe  o  braço,  como  pôde,  o  levou  para  a  Estalagem,  e  con<? 
tando  todo  o  facto  a  seu  Amo  ,  este  o  mandou  logo  sangrar, 
ej*á  fica  a  pé ,.  como  se  vê.na  estampa  ,  em  que  não  diiffere^ 
nada  du  vivo  ao  pintado» 


úof;íím^cã0  dor  ridhuhs  ahusos  ,  €x>m  qut  foi  creaâa  a  Màt 
do  Velho  de  Romuiar es  feias  velhas  do  seu  tem f o» 


Jgouros  por  Antmaes^ 

Pnlga  na  psteada  mão  esquerda,  Zíj/^z^  alguém  a  dizer  mah 
XXi\'ã  na  palma  da  .mão  direita ,  Está  alguém  adizerbem* 
Cantar  a  coruja  defronte  daja- 

nejla,    -     -     -     --  -     -     -  Morte  de noute. 

Quando  os  gato»  arranhão  a  es- 
quina da  pcrtaj    -     -     -     -  He  presefít^». 

Quando  entra  em  casa  bisouto 

loiro,    -.  -     •-  -^  --  -     '^  Traz  õuroh 
Qiiãndo  entra  bisouro  negro  ,  .  -  Mdo  agouro» 
Quando  entra. mosva  vzvQgóra  ^  Presenre  de  carnes» 
í^f.to  atravessando  caminho  ,    -  Signal  de  desgraça, 
Oo  a  uivar,  •     -     -     -     -     -Doença  em  ciut^m  o  ouve. 

Cr^àjlo  qu€.caDia  fora  á^hoíàs  ^  òignal  tnfausío  i,    eht  comido 

(&m  ^rroz  ao  outro  díãi 
Forco  nTorto-em  minguante  ,    -  Encolhe  na  panella, 
G^tos  brincando  ,     ^    .-     -     -  Vento  l^cracste. 
Pássaros  caiando-se,       -     -     ^  Signal  d^agua. 
Espirros  Ue  bode,    -  -  -    ^    -  Si^nal  de  hm  íemfo* 


( ? ) 

Matar  anáoriíihas  ,  -     -     -  -  Perde  a  fortutta. 

Malar  cobra  ,      -     -     -     -  ^Tudo  vai  fará  tr&%* 

Crear  pombos,    e  deixar  de  os 

crear ,    ------  -  Pobreza   na  essa* 

Mão  que  mata  toupeira,    -  -T^ira  dores. 

Pulga  em  fato  novo ,     -     -  -  }r{a  de  seu  dono  rompeUo, 

Piolho  no  fato  novo,    -     -  -Isão  se  logra  stu  dono  delter 

Borboleta  na- luz,     -    -    --  -Boas  jtovas. 

Continuar-se-hãoç 


'Braga  17  ãe  Març$. 

Cvntwuaçãif  do  Sonho  da  Ilha  dot  Tafties  na  seguinte  Car^ 
ta  ao  Amigo  de  Lisboa. 

Kstimâdissimo  Amigo  itíèu;  alguma  coossí  molesto- ;  e 
com  basranre  pressa,  por  não  faltar ,  passo  a  coniinuar-Ihe  com 
a"  maior  brevidade  o  sonho  ,  que  lhe  annunciei  o  Correio  pa«r 
sado,  Dcsejo-lhe  saúde ,  &c. 

Largando  pois  o  maierialãô  ,    que  eiícommendou  o  Mo- 
te: de  saudades  morrerei^  fui  com  toda  a  paciência  na  com- 
panhia daquelles    bons  homens  ,    vendo   o  resto   da  Ilha  ,    e 
quando   elles  me   hião  contando  ,    qife  os  divertimentos  alii 
cpão  imniensos  ,  porque  havia  taful  ,  e  tafulas  ,    que  nao  dor* 
n)ião  três  noutes   sempre   era  cutiihões  ,    e  contradanças  \    de 
que  já-dous  rcbecas ,    tocados  de  moléstia  de  nervos  ,*    rinhao 
íicado  com   o  braço   direito  a  dar  para- baixO ,   e  para- cima  ^.^ 
sem  haver  ,    quem    lhes    possa   socegar    aquelle    movimenro  ^. 
mal    que  certamente   os  levará   á  sepultura  ,    que  tanto  -pòífe 
a  continuação   das  funçanaias  daquella   liha  ;    eifque  de  hum 
beco    resoavão   humas   vozes   de^  mulheres   em  icm    de  briga*^; 
botei    a   cabeça    para  deniro    do    beco   ,     e   vi    iiuma    rap2^  ~ 
ligora    bolando    milho    em   huaia    capoeira  •  de    gallin-has, 
muito-  avermelhada    ,     dardo  taivosas    raróes  ,    e   diiputan- 
do   ter   dom  ,    ou  não   ter  dom  ,    com  huma  mulher  de  h^m 
homem  ^    que   fãzia    mechas  para    o  ga&io    daquella   ilha  : 


f'5> 

dÍ2Ía  a  primeira:  naa  seynetta  com  o  meu  dom;  maJdito  hatr^ 
fo ,  em  todos  os  lugares ,  onde  morei ,  todas  me  chamarão   D^ 
Pulquerta^  sem  me  perguntarem  a  razão.  Respondia  a  segun- 
da;  Cnle^se  ^    que  he  huma  louca  ,   que  eu  tenha  dom  ^  porque 
sem  o  emprego   do  meu  marido  ,  não  pôde  esta  ilha  passar  , 
muito  embora  ,  mas  vos  sê  querer  dom  ^  olhe  quem  \  huma  mu- 
lher de  pilla  pilla  \  Instava^ihe  a  outra:    Vossê  he  que  he  hu- 
ma  mtxíriqueira  ,    e  não  he  capaz,  de  mostrar  a  nobreza  de 
seus  Avós  como  eu.  Tornava  a  segunda  :  olhem  a  geração  da 
Senhora^   que  cria  gallinhas  !    supponho  ,   que  o  seu  dom  lhe 
•vem  da  gema  !    Coai  estas  ,  e  outras  descomposturas  ,  larguei 
o  beco  ,    e  tomando  para  a  Praça  ,    achei  hum  Negociante  já 
velho  de  caracter   honrado  ,    de  poucas  palavras,  porém  mui- 
to agoniado  com  hura  Petimetre  ,    alçando  até  a  bengala  para 
lhe  dar.  Perguntei  aos  companheiros  o  que  aquillo  seria.  Res* 
pondeo-se-me  :  aquelle  bem  comportado  velho  he  hum  dos  hon- 
rados  cavalheiros  desta  Ilha  ,  fiou^se  de  hum  tratante  ,  a  quem 
qui'^  ajudar ,  porém  sahio  pelo  contrario  a  tal  ajuda ,  porque 
aquelle    rapaz   levando  dinheiros  para    a  Amerixa   ao    bom 
'0.lho  ^^orãi}  lá  taes  as  funções  ^   banquetes  ^  j^g^^  ,  ^  outros 
vicios  ,  nutridos  com  o  remédio  alheio  ,  éiue  parecendo-lhe  que 
o  velho  jã  tinha  morrido^  appareceo  aqui  em  corpo  bem  feito 
iem  hum  vintém  de  seu,  O  velho  he  tão  honrado  ,  que  lhe  não 
fez  mal  algum  ,  e  aquelles  enfados  são  só  dirigidos  a  que  eilt 
Ibe  não  appareça  diante  dos  seus  olbos  ,    de  que  o  t^itro  nada 
se  lhe  dd  \    porque  nesta  Ilha  tudo  he  tafularia,  V.  m.  per- 
doará fazer-lh-i   gastar  hum    vintém    neste  Correio   com  huma 
carta  ião  pequena  ,    porém  eu  sei  quem   com  ella  gasta  trinta 
réis  ,    e  mais  caU-se:  espero  de   v.  ra.   a  mesma  bondade  ,.  co« 
nhecendo  que  sempre  serei  seu 

p,  s.  Amigo  mais  fiel 

Espere  Carta  para  o  CorreJo 
que  vem  para  a  continuação 
do  mesmo  sonho. 

(Assignado)  D.  Sonho  Sonhe. 


(  7  ) 

O  moço  do  Poeta  lerr.brando-se  de  que  ha  muita  gente 
curiosa  de  Musica  ,  que  a  terem  letra  ,  lhe  fariao  a  solfa  ^ 
oíFerece  a  seguinte  Modinha  para  o  dito  fim. 


Glha ,  Mareia,  eu  não  te  posso 

Falsidades   supportar  ;  ^<y 

Ou  jura  que  me  não  deixas, 
Ou  me  acaba  de  matar. 


R  E  M  A  T  E.: 


Minhas  suspeitas 
He  bem  acabes  , 
Que  tu  bem  sabes,- 
Se  eu  sei  amar. 


AVIS  O  S. 

Hum  sujeito  filho  de  boa  gente,  alto  ,  bem  desempe- 
nado,  o  qual  lambem  se  encolhe  ,  quando  hc  preciso,  tem 
hum  grande  conhecimento  das  primeiras  letras  ,  e  as  sabe 
pronunciar  coro  todos  os  efes,  e  erres,  Chinezas  ,  Gregss, 
Arábicas  3  e  Romanas,  pelo  seguinte  methodo  :  nas  Chine- 
zas  pronuncia:  Afolhagem  ^  Bagagem^  Cibagem  ^  D'tbagem\ 
nas  Gregas  :  Alfa  ,  Beta  ,  Gama  ,  Delta  j  nas  Arábicas  : 
Aid  ^  Balây  Cala  ^  Dald\  e  nas  Romanas  :  A^  B\C^  D  ; 
c  não  passa  daqui  ;  porque  não  teve  tempo  para  aprender  as 
inâis  :  sabe  dar  o  valor  ao  Dubleu  Inglez  ;  conra  singular- 
mente pelas  contas  ,  ainda  que  estejão  muito  embaraçadas,  e 
também  pelos  dedos,  quando  he  necessário.  Quem  se  quizer 
servir  do  seu  préstimo  p,âra  ihe  desarrumar  os  livros  ,   e  até 


/   o    V 

rasgâIIo5 ,  se  for  preciso  ,  deixe  o  seu  nome  esfampgdo  em 
qualquer  esquina  das  casas  desta  Cidade  ,  ou  se«ão  faíle-lhe. 
que  c\k  por  alii  anda. 

'  .  ^-^^j^  quizer  comprar  trastes  usa Joi ,  bem  sabe  aonde  ha, 
de  ir;  não  lie  preciso  ,  que  eu  tenha  o  incóramodo  de  o  cn- 
sinár,  le/e  dinheiro  ,  não  se  desavenha  no  preço  ,  que  não 
ha  de  vir  sem  os  que  quizer,  e  se  puder  bifar  algum,  sahir- 
Ihe-ha  mais  em  conca. 

O  memorável  espectáculo  da  Sarra.ção  âa  Velha  ,  que 
quasi  sempre  tantos  incómmodos  dá  pela  incerteza  do  siriti 
do  Cadafalso  ;  c  que  no  presente  anno  trouxe  tanta  genre  du- 
vidosa, que  perd^êrâo  a  sua  noute,  sem  poderem  acertar  cora 
o  lugar  da  Fançâo  ;  por  estes  ,  e  outros  motivos  ,  íka  de^lc 
anno  por  diante  transferida,  para  se  executar  na  Pr/aça  da  Fi- 
gueira de  Lisboa  ,  na  manha  do  dia  de  S.  João  das  cinco  pa- 
ra as  seis  horas,  por  ser  hum. tempo ,  ena  que  cada  hum  pôde 
de  huraa  via  fazer  dous  mandados;  quaes  são,  ver  ^s  Foguei- 
fas  de  noute,  e  ter  esia  .festa  de  dia  ,  além  de  que  feita  nes- 
ta estação,  promette  maiores  utilidades,  por  ser  já  tempo  de 
caroço. 

O  Cambio  he  boje  ; na. nossja  Praça  da  Figueira ,  para  os 
jBo^os  compradores  de  casas  ficas,  a  éc  réis  por  Pinto. 


LISBOA.  NA  OFFICINA  DE  J.  F.  M,  DE  CAMPOS* j 

1818. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      XLIX. 

Paraizo  26  de  Março. 


Um  Cavalheiro  deste  Bairro  cançado  de  soffrer  inepcias 
de  Jorpas  ,  despcdio  hum  galucJio,  que  o  servia,  assentando 
de  não  tomar  criado  senão  muiro  vivo,  e  esperto  :  entre n:ui- 
tos,    que  lhe  vierão    á  escolha,    chegcii  hum  calvo,  clho  a- 
zul  ,    ar  carregado,    mas  xto  reihcrico,    e  esperto,    que  lhe 
encheo  as  medidas;  ajustou-o  ,  e  Jogo  o  m.ccii  ho  lhe  pedio 
dinheiro  adiantado,    para  mandcr  solar  l.urs  çapatcs :  deo  o 
Amo  o  dinheiro,    chegarão  as  heras  de  se  jantsr,    desenga- 
çoií  o  criado  com  hum  appetite  ;o  ccn  cr ,  qte  o  Amo  jul- 
gou   que    o    moço  andava  convalcscerdo  de  algiira  n  alina ; 
quando  lá  pela  tarde  ,  disse-lhe  o  /m.o:  aqui  tttis  àjfikeír9  ^ 
Tai  comprar  alguma  cousa  fará  a  cca\  òt  ackares  f(i:e  ^  itrá 
n.elhor  que  tudo\  sahio  o  m.ojo  ,  jrorém  der?o  quí^no,  derão 
cin^,    dcrão   seis,  o  Am.o  a  esperar  por  ellc  ,  d(  sorte  que 
já  tinha  feito  estômago  a  ficar  sen    ncço,    e  sen  diríeiro, 
até  que  se  resolveo  a  pegsr  r.o  chrféc,  c  sahir,  a  ver  se  da- 
va com  eJle,    e  descendo  o  frixrciío  If.nce  de  cs(;da,  vê  o 
49 


CO 

moço  sentado  no  degráo  debaixo.   0/  ,   homem ,   lhe  disse  q 
Amo  ,  inda  agora  vejií  ?    inda  èu  não  fui  ,  lhe  respondeo  o 
moço,    essa  he  boa  ^    então  porque^  lhe  perguntou  o  Amo, 
mas  o  mocinho  valendo-se  da  rethorica  ,    que  tinha  ,  lhe  fez 
entáo  huma  dissertação  ,  pela  qual  \\\z  provava  ,  que  qWq  Amo 
tinha  lucrado  mais  em  elle  ficar,  e  nao  ir,  dizendo-lhe  :  i«- 
da  não  parou  de  chover  ;  se  eu  fosse ,  molbava»me  todo ,  vi* 
tiha  doente  pára  casa  \  se  fosse  para  o  Hospital  ^  ficavav^m* 
sem  moço  ,  se  me  curasse  em  casa  ,  onde  botaria  a  despeza  !  o 
Amo  ainda  levando  de  galhofa  a  lembrança  ,  foi  para  cima, 
porém  já  não  muito  contente  de  ver  tanta  filosofia  :   no  dia 
seguinte  erão  dez  horas  da  manha  ,   e   o  moço  na  cama  :   a 
Amo  ,   que  queria  ouvir  a  razão  a  tudo  ,    e   nao  gostava  de 
quem  lha  não  sabia  dar ,    foi  perguntar-lhe  á  cama  a  causa 
daquella  demora,    e  acha  o  mocinho  posto  de  costas,    olho 
muito  aberto,    botando  linhas  imaginarias,  perguntou-lhe  a 
razão  daq^elle  descanço,    a  que  o  moço   respondeo,    voltan- 
do-se  de  ilharga,  eu  ^  ò^enhor  ^  não  me  levantei  cedo  ^  porque 
estou  dando  attenção  a  hum  sujeito  ,    ^  a  huma  Ma  dama , 
que  todas  as  manhãs  ^    em  qualquer  parte  onde  esteja^  vem 
arrazoar  comigo  ,   elle  chamasse  cuidado  ,   e  ella  preguiça  ; 
elle  me  anima  a  levantar -me  ,  lembrando-me  que  tenho  de  ser^ 
vir  a  V.  m. ,  ella  pelo  contrario  díz-me ,  que  eu  devo  buscar 
o  socego  do  mm  corpo ,  que  por  dous  dias  que  hei  de  viver , 
fará  que  me  hei  de  consumir  :   elle  defende  as  suas  razoes , 
ella  replica^lhe ,    e  eu  como  Juiz  da  causa  estou  ouvindo  as 
disputas  ,  para  poder  sentencear  ;  o  Amo  muito  prudente ,  e 
com  toda    a  mansidão  ,    lhe  respondeo ,    pois  á  manha  has^ 
de^lhe  dar  Audiência  no  meio  da  rua  ,  que  eu  não  quero  dous 
escritórios  em  minha  casa:  dito  isto,  virou-lhe  as  costas,  e 
o  moço  vestio-se  ;  e  julga-se,  que  foi  fazer  escritório  em  al- 
guma taberna  de  todo. 

Braga  24  de  Março. 

Continuação  do  sonho  na  seguinte  Carta. 

Estimável  Amigo,  por  não  querer  ser-lhe  pezado  com 
os  importunos  sonhos  dos  meus/pezadellos ,  eu  tinha  forma- 


dó  tenção  de  não  continuar  o  que  lhe  principiei  a  corarau- 
nicar  nos  dous  Correios  passados;  porém  como  recebi  a  sua 
attenciosa  Carta,    louvando-me  muito  a  combinação  das  mi- 
nhas idéas  dormideiras,  e  nella  me  insta  por  tudo  o  mais,  que 
presenciei  na  celebrada  Ilha  dos  Tafiies,    passo  a  continurr 
o  galante  sonho,  que  muitas  cousas  delle  vi-as  com  tanta  ap- 
prehcnsao  ,   que  me  parece  que  ainda   hoje  as  estou  vendo  : 
louvando  eu  muito  a  prudência  do  tal  Velho  Negociante,  dei- 
xei aqueIJe  passo  ,   e  caminhámos  ;    no  fira  da  mesma  Praça 
estava  huma  loja  de  Alfaiate,    com  dez  offíciaes  a  trabalha- 
rem, e  mal  pude  ver  de  longe ,  que  o  que  faziao ,  não  erao 
vestias,    nem  casacas,   e  em  monte  á  mesma  porta  achavão- 
se  seis  Tafues ,  dizendo  hum  delles ,  Senhor  Mestre ,  Senhor 
Mestre ,    não  me  falte  com  as  minhas  F  anta  lonas ,    que  sou 
Juiz  da  Festa  de  tal ,  e  hei  de  apparecer  no  chefe ,    vou  de 
chapéo   redondo  y   e  não  hei  de  apparecer  de  calções.   Os  ou- 
tros faziao  huma  igual  gritaria:    cheguei  ao  pé  da  porta,    e 
olhando  para  dentro,  vejo  dez  officiacs,  e  o  Mestre,  tudo  a 
trabalhar  em  onze  Pantalonas  ,    fiquei  pasmado  ,  porém  hum 
dos  meus  companheiros ,    me  disse ,   mg  se  admire  do  que 
^'^,    que  nesta  Ilha  tudo  hs  tafularia.    Caminhei  com  todo 
o  socego,    e  fomos  sahir  a  outro  largo,   aonde  estava  huma 
loja  grande  de  café,    e  três  Velhos  folgazões  á  porta  em  ar- 
gumentos,   e  lium  Taful ,   que   mostrava   22  annos,   muito 
vermelho ,    matando-se  em   satisfações.    Perguntei   aos  meus 
Amigos  aquelle  enigma ,  respondcrão-me ,  aquelles  três  Vc" 
lhos  não  são    muitos  abastados  ,  vivem  da  sua  agencia    ca» 
da  hum  tem  sua  filha  ,  davão  funções  em  casa ,  e   aquelle 
Taful ,  que  está  ao  fécklles  ,  frequentaxa-lhes  as  casas  te  to* 
dos  três  ^  e  prometi  eo  c  as  amem  o  a  cada    huma -^   estão  os 
Pais  disputando  a  primazia  ,  porque  cada  hum  qier  o  ri  paz 
para  seu  genro  porque  he  Morgado.  Disse  cu  ccmigo,  /V-- 
to  ha  de  ser  bem  y  o  Taful  dividido  em  trcs  parieílas  \  ou^ 
çanios  como  se  somma  a  conta.  Gritava  hum  dosVclJiOS,  Se^ 
nhor  Taful  ^   eu  ajanhei  a  minha  filho    mais  de  cniccrnta 
escritos  ,  todos  asseierando  promessa  de  casamerto.    Dizia 
o  segundo  Velho  :  O  òenhcr  laful ,  não  tem  nioíívo  a  gum 
para   desprezar  minha  filha  ,  porc^ue  eu  rescenuo  d&s  /^.imei^ 
rins ^  dos  Ervilhòes  ,  dos  Slíísícís  ^  e  oi<tros  ^  tm  í^uííjí  jc" 


C  4  ) 

der  não  teve   a  morte.    Dizia   então  o  terceiro  com  muita 

mansidáo  :    Cá  por  mtm  faça  o  Senhor  Taful  o  que  quízer  ^ 
só  lhe  digo ,  que  o  Padrinho  de  minha  filha  pi  a  doutou  com  vifi" 
te  mil  cruzados  ^  he  muito  honesta,    discrtta  ,  recolhida ,  e 
bem  creada  \    nestas  qualidades  igualão  ás  filhas  destes  Se~ 
nhjres ,    em  quanto  a  dote  ,  'vinte  mH  cruzados  ,    vinte  mil 
cruzados,    Separei-me  logo  dalli  ,  assentando  que  com  vinte 
mil  cruzados  fícavão  bem  liquidadas   aquellas  contas,  e  que 
o    terceiro   Velho   estava  por  instantes  tendo  sentença  a  fa« 
vor,  visto  que  naquella  Ilha  tudo  he  tafularia.  Fui  proseguin- 
do ,    e  vi   em  huma  janella  de  hum  terceiro  andar  duas  Me- 
ninas já  de  vinte  para  cima,  asquaes  eu  já  tinha  admirado  de 
as  ver  de  longe  tanto  tempo  á  janella.  Perguntei  queraerão, 
respondêrão-rae  os  companheiros  :    Aquellas  duas  raparigas 
sempre  alli  se  achão  ,    desde  que  amanhece  ,  até  que  anoute^ 
ce  ^    de  sorte  que  quando  alguém  procura  por  fulano,    ou  si» 
crano  daquella  rua  ,  o  modo  de  se  lhe  ensinar  he  assim ,  vá 
V»  m,  pela  rua  abaixo ,  e  onde  vir  huma  janella  com  duas  ra» 
parigasy  he  defronte,  e  tão  costumadas  estão á  jamlla  ,  que 
já  servem  de  signal  como  hum  marco  em  huma  esquina ,  por^ 
que  nesta  Ilha  tudo  he  tafularia,  Conformei-me  com  o  que 
me  disserão,    e   fomos  desembocar  a  outra  Praça,    aonde  se 
achava  huma  grande  Feira,    muito  ajuntamento  ,   e  entre  a- 
quella  multidão ,  vimos  hum  Taful  a  metter  a  cabeça  por  to- 
das as  cabanas  das  Adélas ,    para  baixo,  para  cima  ;  para  ci- 
ma ,  para  baixo  ;  de  sorte  que  me  parecia  doudo.   Perguntei 
quem   era   aquelía  figura  ,    e  foi-me  respondido  :    aquelle  ra* 
paz   he  tafulão  de  funções  ,  não  lhe  escapa  assembléa  algu^ 
ma ,    e  sempre  apparece  nellas  muito  aceadinho  ,  chega  aqui 
aos  dias  de  Feira  ,  andasse  engenhando ,  e  compra  tudo  mui'^ 
to  cómmodo',  agora  anda  em  procura  de  huma  luneta,^  e  hum 
par   de  meias   de  seda  ,    que  sejão    bem  palmilhadas  ;  e  co* 
fno   não  tem  dado    com  estas    duas  cousas    a  sèu  gosto  nas 
Adélas ,  continua  a  sua  diligencia ,  e  muito  agoniado  ,   por^ 
que  tem  d  noute  função  ,    e  quer  apparecer  de    óculo  d  ca^» 
ra  ^  o  qu*  não  admira  ♦  vi  no  que  he  Taful ,  e  que  nesta  Itha 
tudo    he  tafularia.    Msis  objectos  se  me  representarão  nesta 
Feira,    e   no  resto  da  Ilha,    que   tudo   deixo    para    o  Gor- 
rcio  que  Ycm ,  coiitentando-mc  por  agora  cora  mostrar,  que 


(O 

desejo  satisfazello  cm  tudo ,  porque  sou  por  votos  da  minha 
amizade  seu 

P^S.  Muito  Amigo,  e  affectuosissirao  criado 

Me  fará  lembrado  a 
toda  a  sua  familiar 

(Assignado)  D.  Sonho  Sonhe. 

Cintra  26  de  Março. 

Não  se  deve  omittir  no  presente  folheto  Inim  succes- 
2>o  que  acaba  de  succeder ,  succedido  na  Serra  de  Cintra,  de 
duas  successões  pasmosas  ,  que  successivamente  succedêríio  em 
consequência  do  divertimento  de  quatro  curiosos  caçadores: 
forão  estes  ás  lebres,  e  levarão  comsigo  huma  galga  prenhe, 
que  tinhão ,    famosa    no  seu  préstimo :    descobrio  esta  huma 
grande  lebre,   que   pela    grossura  se  deixava  ver  que  estava 
no  estado  da  cadella;    tanto  correrão  os  dons  animaes  ,  que 
com   o  excesso  pario  a  lebre  lebritos,    e  a  galga  gaíguitos, 
ao  mesmo  tempo  foi  então  hum  gosto  ver  a  galga  a  traz  da 
lebre,    e  os  gaíguitos  a  traz  dos  lebritos;   os  caçadores  era 
altos  brados  cheios  de  alegria ,  ora  na  verdade  foi  huma  cou- 
sa digna  de  se  presenciar ,   que  tanto  podem  as  propensões 
da  natureza. 

Continuação  dos  ridtcuhs  ahusos  ^  com  que  foi  creaãa  a  Mãi 
do  Velho  de  Romulares  pelas  velhas  do  seu  tempo. 

Agouros  pelas  acções. 

Comer  tromba  de  porco ,     -    -    -  Fa%  quebrar  a  louca. 

Queimar  papeis,   ------  Molhar  a  cama. 

Cortar  unhas  á  noute ,   -    -     -    -  Gasta  a  vista. 

Beber  agoa  de  noute,  sem  a  bater 
bem  primeiro ,  porque  está  dor- 
mindo,  -------*.  Faz  dores. 

Beber  a  escuma  do  vinho,  -    -    -  Faz  flatos» 


CO 

Vestir,  ou  calçar  do  avesso,   -     -  São  dddhaf^ 

Saltar  por  cima,-     -----  Enguiça, 

Espada  á  cabeceira  ,-----  Livra  de  bruxas. 

Calções  sobre  a  massa ,  -    -     -     -  Alevéda. 

Fallar  só,-     --     -     -    -    -    -  He  f aliar  com  o  Demo, 

Qiiem  balha  com  a  sombra  ,     -     -  Nunca  casa» 

Dar  soluços,   quando   se   falia  era  Morre  cedo  em  quem  se 
alguém,-     -------         falia. 

Beber' agua  juntamente  com  outro  ,  Signa l  de  ser  compadre» 

Comer  canto,       ------  ^^  para  casar  ceao. 

Entornar  sal ,  -     -    -    -     -     -    -  Signal  de  hulhas. 

Espada  dada  por  mulher,   -    -    -  Pendência  na  rua. 

X)ar  agulhas,  -    -    ^    ^    ,     -    ,  Inimizades. 

Dar  contas ,    -    -     ^     -     -     -     -  Apartamentos. 

Dar  lenços,    -------  Despedida, 

Dar  alfinetes,-     *     -     -     ^     -     -  São  amores. 

Dar  maçã  partida,     -     -     •     -     -  Discórdia, 

Dar  maçã  inteira,     -----  Amizade.  ^ 

Quem  dá^  e  toma,  -----  Nascc^lhsbuma corcovai 

Rua  da  Fr  ata  22  de  Março. 

No  Folheto  XXXVIII.  desta  obra  se  annunciou  ao  Pú- 
blico hum  guindado  TafuI  namorado ,  que  escreve  cartas  á 
sua  Amada,  as  quaes  andão  nos  annais  da  fama ,  por  cujo  motivo 
o  moço  do  Almocreve  não  cessa  de  fazer  as  diligencias  pre- 
cisas para  as  apanhar  á  unha  ,  e  com  effeito  aqui  se  apresen- 
ta com  a  seguinte,  que  não  sabemos  com  que  tramóia  o  dia- 
bo do  rapaz  a  conseguio. 

C{!pia. 

Se  a  c/7tJstr6fe  ,  Minha  Senhora  j  se  a  catástrofe  díZ 
sua  amjzade  empregnando  os  bipedes  zelos  de  encómios  co- 
rajosos , .  wf  va  pui  as  se  o  dorso  com  chore  as^  usança  antiga , 
ViCu  sulfúreo  c/2r,ição  teria  ag^oa d')  pelas  vêas  de  meu  peito  ^ 
onde  o  somnifero  Amor  dos  limites  passa  jôrá':  bem  podem 
os  alcantilados  remorsos  ,  que  me  lambem  o  s  o  cego  ,  jazer 
hiatos  ^  que  eu  ou  hei  de  casar -com  v.  m.  ,  ou  ir  para  o 


C7> 

Deserto  fazer  vida  com  os  rúbidos ,  farftíiites  ,  e  loquazes 
híchinbos  y  em  cuja, fronte  raia  li  íio  tíãs  vtãfihãs  deifirer' 
7Í0  y  porque  he  tão  espcuterico  este gnidío  estratagema  ^que 
ainda  que  eu  o  risse  hydrtpica  dt  htxigas  ,  Tido  desfrezaria 
a  V»  m.  y  mm  d  Senhora  sua  Mãi ,  a  auem  nulto  me  re- 
commenda.  Não  tema  que  o  tédio  Nazal  grete  ,  cu r empa 
vs  remoques  ^  que  a  sua  visinha  da  escada  me  dá  ,  quando 
eu  passo  ,  que  os  effiu-vics  efjicazes  retumhcio  cada  zez  mais 
fios  sórdidos  euiidos  deste  seu  serio  ,  e  cntante  ,  que  em 
todo  o  tempo  ha  de  vir  nas  faixces  cmorosas  a  ser  o  espelho 
daquelles  y  que  calçarem  com  e  meu  capateiro,  Bstês  sloos 
furos  votos  do  meu  chamejante  amor  y  qve  até  d  morte  ha 
de  conservar  este  seu 

Titilante  criado  y  Amigo  ^  e  Venerador  . 

(^Assignado)  Valério  Tança. 

O  moço  do  Poeta  aqui  chegou  contentíssimo  com  duas 
Decimas  para  o  presente  folheto,  feitas  a  hum  Mote,  q^ue 
lhe  dco  a  criada  da  mesma  casa  em  que  ella  está. 

MOTE. 

Vi  a  Cupido  brincando  y 
A  cabeça  lhe  quebrei. 

GLOSA. 

Estando-me  honrem  deitando, 
Senti  mexer  no  ferrolho 
Puz  á  fechadura  o  olho , 
Vi  a  ('uptdo  brincando  : 
due  quer  cá  ?  vá-se  sajando  ^ 
Do  postigo  lhe  gritei  , 
Não  fez  caso,  e  eu  que  observei 
Que  de  mim  fazia  pouco, 
Fui-me  a  elle ,  e"  sí^  de  hum  soco 
Al  cabeça  lhe  quebrei. 


<  8  > 

Ao  mesmo»  Glosa  MarujaU 

Hontem  vindo  ao  cáes  chegando 
De  dar  hum  gauderio  ás  Mocas^ 
Na  praia  fazendo  possas, 
Vi  a  Cupido  brincando ; 
Eu  que  desne  não  sei  quando 
Delle  escaldado  fiquei , 
Quiz  vingar-me ,  e  lhe  atirei 
Cuma  pedra  tao  danada  , 
Que  da  primeira  pedrada 
A  cabeça  lhe  quebrei. 


AVISOS. 

Imprin3Ío-se  em  hum  pequeno  folheto,  Methoâo  facll 
de  tircr  o  c  abei  linho  da  venta  ^  ainda  na  cara  mais  soromba^ 
tica ^  com  advertências  precisas,  para  senão  espirrar  no  acto 
da  operação j  fica-se-lhe  pondo  massa,  para  se  vender  era 
bruxura. 

No  largo  de  S.  Paulo  era  huraa  loja ,  que  tem  hora- 
breiras  de  pedra  ,  se  vendem  presentemente  huns  barris  pe- 
quenos,  vindos  do  Algarve,  cora  escabeche  de  saramaga- 
Ihães  com  couves ,  e  beldroegas  com  feijões ,  tudo  posto  em 
calda  ,  que  pode  aturar  muito  tempo  ,  e  cómmodos  no  preço. 

Ao  Bairro  Alto  na  rua  do  Norte  se  vende  em  peque- 
nas porçòes  ftnno  de  papel  cjueiwado  para  esféricos  ,  convul- 
sões, e  outras  moléstias  de  Senhoras,  cujas  fumaças  tem  pro- 
vado muito  bem.  Adverte-sc,  que  igualmente  se  vende  fumo 
em  pó  para  caldos  de  susta  nela  j  e  tudo  por  despeza  de  ba- 
gatella. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS, 

I  8  I  8. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço» 


D. 


ALMOCREVE   DE   PETAS, 
P  A  R  TE       L. 

Caí  fada  do  Combro  ij  de  Março. 


logencs,  que  os  Antigos  reputarão  sábio,  foi*  corrigido 
por  hum  innocente,    pois  \\\q  fez  ver,  que  a  natureza  tinha 
dado   ao  homem   todos  os  instrumentos   para  poder  servir-se 
sem  a  arte,  porém  o  luxo  tem  chegado  a  hum  tal  ponto,  que 
parece  indispensável,  que  este  possa  passar  sem  certos  trastes  para 
se  servir.  Hum  Ancião  muito  aceado  vendo,  que  na  sua  casa 
faltava  hum  traste,    que  lhe  fazia  muita  falta  para  o  aceio , 
foi  ter  com  hum  Marceneiro ,  que  vende  móveis  de  bom  gos- 
to, e  da  ultima  moda,  para  se  refazer  nacJsó  do  traste,  que 
precisava ,  mas  de  outro  de  que  também  se  lembrou  :  entrou 
na  loja,  e  o  Mestre  vendo  que  a  pertenção  era  de  comprar, 
facilitou-lhe  o  ver  todos  os  trastes  da  melhor  invenção,  que 
tinha.    O  Ancião  fez  revoWer  o  armazém,  fazendo  carinhas 
a  tudo  quanto  se  lhe  mostrava;  mostrou-lhe  o  Mestre  cadei- 
ras Chinezas,  e  Gregas,  mostrou-lhe  canapés,  treinos,  ban- 
cas, cómmodas  ,  tudo  do  primeiro  gosto;  o  Ancião  foi  ven- 
do tudo ,  mas  sempre  procurando  com  a  vista  o  que  tinha  no 
pensamento,   até  que  o  Mestre  Marceneiro  lhe  disse:    òV- 
50 


fihòr^  o  que  per  tende  v.  w,  ?  pe^a  por  boca  ,  porque  vesta  m> 
fiha  loja  ,  e  arwazem  ba  hum  í^oni  sortimento,  O  Ancião  pe- 
gou em  huma  das  cadeiras,  e  levantandp-a  ao  ar,  disse:  es- 
ta invenção  Grega  tem  tido  o  seu. séquito ^. porém  xeio  a con* 
fundir  o  antiquaria  de  tanta  duração,  Ejta  balbúrdia  dos 
moder^nsmos  pÕe  tudo  na  confusão  de  Rabylonia  \  he  traste^ 
que  eu  não  coviprdra ,  porque  n^Q  prefiro  e^tas  a  humas  ca* 
deiras  ,  que  tenho  de  sola ,  e  pregaria  com  figuras  entalha* 
das  ,  qus  tem  sido  eternas  na  minha  ca^a,  O  Mestre  ,  qUe 
sté  alli  tinha  feito  estômago  a  alguma  boa  estreia,  tornou- 
jhe ,  pois ,  Senhor ,  eu  não  obrigo  a  quç  v,  ?n.  compre  cadei* 
r-as  ^  poréw  como  a  seu  respeito  tenho  reuohido  todos  os  tras- 
tes de  sttíirmaztm  ^  eocplique-se  ^  porque  eu  não  posso  advi-^ 
rbar  o  que  pertende,  A  isto  respondeo  o  Ancião,  pois  Senhor 
Âlestre  j  já  vejo  que  v.  m.  não  temo  que  ett  procuro  ^  eu  que* 
ria  duas  paz  para  o  lixo,  e  hum  descai fador  para  botas,  O 
Mestre  afflicto  lhe  disse  :  Aqui  ^  Senhor.,  não  se  vendem  essas 
ridicularias^  vá  v.  wj.  ao  Arco  da  Graça  ^  que  lá  achará  es» 
ses  bons  trastes  ;  ora  não  está  mão  o  dcsempacko.  O  Ancião 
m-atando-se  era  satisfações,  foi-se  retirando,  dizendo,  cada 
hum  procura  o  que  ha  de  mister  y  fique-se  em  paz  ^  jdqueeu 
%ou  sem  ellas^ 

Braga  ^i  de  Març^v 

Continuação  do  sonho  da  Ilha  dos  Tafues. 

Amigo,  e  Senhor,  satisfazendo  á  minha  promessa,  pe- 
go ;na  penna  para  lhe  continuar  o  grande  sonho,  íiliio  legi- 
timo dos  meus  pezadellos  ,  e  lembrando-me  que  fiquei  o  Cor- 
reio passado  no  TafuI ,  que  na  Feira  imaginaria  procurava 
meias  ,  e  luneta,  narrarei  o  mais  ,  que  na  mesma  Feira  vi.  Se- 
guido pois  dos  meus  inseparáveis  companheiros,  chegou-se  a 
mim  huma  Adéla  ,  qye  não  trazia  menos  que  huma  colcha 
bordada  ,  três  Jenqoes,  e  huma  camiza  íiiia  ,  e  tudo  era  im- 
porfunar-rae  ,  se  eu  queria  comprar  ,  se  eu  queria  ver,  que  el- 
la  desdobraria  a  colcha,  e  com  tal  caramunha,  que  me  vi 
doudo  comella.  Eu  a  fugir  lhe,  e  ella  a  seguir-me  com  es- 
tas falias,  olhe  y  WfU  <Senhor y  compre-me  isto,  que  compra 
bem  ^  e  muito  em  conta  ,  porque  sua  dona  estâem  hum  gran- 
de  m^xame ,y  se  ajustar  ^tfdo ^  até.  faz  puma  obra  de  mturi' 


(3) 

eordía  ^  para  ualer  á  casa,  donde  tstov^M  :   v.vi,  p,aosa&so 

vexame  ,  de  que  livra  a  pobre  dona.  Assentei  eu  que  era  penho- 
ra ,  que  se  lhe  fazia,  ou  viuva  cora  algumas  orfas  ,  que  que- 
ria matar  a  fome  á  sua  flimilia  ;    parei,    e  cheio  de  compai- 
xão, instei  que  me  dissesse  quem  era  a  dona,  porque  ^í  com- 
prar,   queria  comprar  sem  escrúpulo,  nno  fosse  da  cnma  de 
algum  tisico.  A  este  tempo  chegou-se  a  Adéla  a  mim  ,  e  qv^^- 
si  era  segredo  ,    me  disse,    isto  be  de  huma  ^enkora  viuva  , 
que  faz  hoje  os  seus  annos ,  convidou  muitas  0'evhorns  da  sua 
amizade  y  ha  huma  grande  Q\.\embléa  ^  e  cmtadiííha  está  sem 
real \  tão  depressa  v,  m.   ajuste  alguma  cousa  destas^  cnmo 
logo  vai  tudo  para  chã ,  assacar  ,  e  hlos.  Dei  a  minha  risnda  , 
mas  nao  me  fiz  esíraniio  no  caso,    por  Conhecer  que  naquci- 
Ja  Ilha  tudo  he  tafuiaria  ;  virei  as  costas,  e  segui  o  meu  ca- 
minho. Porém  a  hum  lado  admirei  hum  TaFulao,    que  dJ2Ía 
dentro  da  cabana  de  outra  Adéla:  Olhe^  Senhora  ^  tilas  cus- 
tarão-me  duas  peças  ,    pezào  4Ó00  ,  e  atém  de  perder  o  fei-^ 
th  ,    quero  perder  imais  seis    tostões ,    v.  w.   pronieite  mela 
moeda ,    e  jd  lhas  dou  por  400c  reis ,  v»  nu  compra  bem  ,  e 
eu  vou  comprar  hum  cbapéo  redondo  ^    e  hum  lenço  de  seda  ^ 
que  he  todo  o  meu  gosto  para  andar  d  r/ird^i  ^  porque  fivelas 
posso  eu  dispensar  ,  pvndo  os  lacinhos  nos  çapatoSm  Nao  des- 
gostei da  asneira,    porém   nao  lhe  quiz  ver  o  fim,    pois  co- 
nheci logo  que  tudo  aquillo  era  tafularia.  Tirei-me  da  Fei- 
ra ,  e  luettendo-me  por  huma  travessa  ,  estava  a  huma  janeí- 
linha  perto  da  rua  huma  velha  de  óculos,   ensinando  a  ler  a 
Neta ,  que  teria  quatorze  annos,  huma  carta  de  amores,  que 
hum  petiraetre  lhe  tinha  dado  ;    foi  então  que  me  enchi  de 
cólera,  lancei-lhe  a  mão  ao  papel,   e  disse-lhe,  admiro-me 
que  a  cançada  velhice  carrega dfi  das  desordens  do  mundo , 
caia  em  levar  a  mocidade  por  hum  caminho  tão  errado )  en^ 
sine  a  essa  pobre  menina  os  preceitos  da  sua  Lei ,  e  as  vir" 
tudes  moraes ,    que  os  seus  annos  dexem  desempenhar  d  pro* 
porção  do  seu  augmento,  A  velha  ficou  corrida ,  ecuseparan- 
do-me,    me  encaminhei  por  outra  rua,  e  porque  a  fome  me 
apertava,  fiz  entrar  os  companheiros  era  huma  casa  de  pasto. 
Oh  que  figurões  alli  se  rae  representarão  ,  nunca  vi  maior  bal- 
búrdia!   hum  gritava,   que  queria  Bifesteques ^  estes  vinhao 
tão  encortiçados ,  que  tornavao  para  dentro  com  quatro  pragas  , 
e  dahi  a  pouco  hião  fazer  figura  em   outra   Meza,   outro 


<  ^  > 

qôcixava-se  ae  lhe  levarem  dezeseh  tostões  ^  porque  coweo 
redovalho ,  e  quiz  de  mais  a  mais  ôacalhâe  mexido  com  ó" 
'VOS  ^  outro  lamentava,  afferec  rem-lhe  pargo  ^  e  àúrem-lhe 
capatão  ^  que  era  r  er  em  tnmi  ma  d  iro  :  os  moços  da  cafa 
não  tinliáo  mãos  a  medir,  a  fazerem  peloticas ,  sobejos  de 
luim  com  sobejos  de  outro,  armaváo  hum  prato  no  ar ,  e 
com  luima  rodinha  de  limão  por  cima  ,  que  traziao  empalma- 
da, serviáo  com  toda  a  pressa  outro  freguez  :  outro,  que  se 
tinha  enganado  com  a  barriga  ,  e  queria  comer  por  força  tu- 
do quanto  tinha- mandado  vir,  já  que  o  pagava,  desabotoa^ 
va  a  vestia,  fazendo-se  de  mil  cores:  passei  pela  cozinha-^ 
v-cjo  o  cosinheiro  a  chupar  no  dedo  os  molhos  do  peixe  ,  e 
da  carne  ao  mesmo  tempo,  dizendo  a  tudo,  bem  feito  , 
bem  gostosol  Se  se  pedia  selada,  com  aquelles  mesmos  de- 
dos era  mexida,  para  tomar  mais  da  calda-,  e  finalmente  o 
compendio  da  porcaria,  o  espelho  do  enxuvalho,  e  do  no-» 
JQ.,  estava  debaixo  daquella  escura  ,, enfarruscada  abobada ,  e 
fiquçi  tão  farto  com  aquella  Scena- ,  que  tornei  a  sahir,  sem 
iiiet.ter  bocado  na  boca,  e  lendo  o  Letreiro  da  Porta,  dizia  t 
L.aia  de  Fasto  dos  Tafães,  Desci  por  huma  ladeira  ,  e  na 
ftiTi  dêila  appJicando,  o  ouvido  ,  ouvi  duas  paixões  desencon- 
tradas, porque  ora  rcsoava  choro,  ora  resoava  musica,  e  a- 
pcnas  percebi  que  erao  duas  creanças  a  chorar,  pedindo  pão ^ 
q.ue  tiubào  fome ^  e  a  Mai  muito  senhora  de  si  lhe  cantava. 
20  mesmo  tempo  esta  moda  \  Fai  a  teu  pai  que  to  ganhe  ^ 
que  não  seja  mandrião  \  lé  íé  mandrião  ^  Ic  lé  mandrião.  A- 
qui  devo  parar,  meu  est.imadissimo  Amigo,  que  o  sonho  ain- 
da vai  por  diante;  porque  foi.  sonhado  em  huma  noute  de 
Tjiverno,  e  como  o  Correio  parte-,  para  o.que  vem, serei  mais 
extenso  ,  por  agora  sou  cpm  muito  affccto  seu  . 


P.  S.  Amigo  que  mais  o  preza  ,  e  beni  lhe  deseja 


Beijinhos  às  suas 
Jóias. 


(Assignado)  D.  Sonho  Sofibu 


(O 

Eua  ã\ítalaya  2  íle  Abril, 

O   nosso  experiente  àe  cousas  económicas  offerece  para  o 
presente  folheto  a  seguinte  Dissertação, 

Que  admiráveis  soccorros  nao  ministrao  os  Livros  aos 
estudiosos!  Nelles  acha  pasto  o  espirito,  e  utilidades  a  na- 
tureza  !  Em  poucas  horas  fazem  saber,  por  meio  da  sua  Li- 
ção ,  o  que  gastou  ás  vezes  annos  em  se  descubrir,  porém 
immensas  obras  de  merecimento  ficao  sepultadas  no  Lethes; 
porque  os  seus  Authores  ,  ou  por  falta  de  meios  ,  ou  por  des- 
cuido não  as  immortaliz«1o  cora  a  estampa!  Eu  bem  vejo  que 
o  pouco  gasto  das  obras  fazem  perder  o  gosto  de  as  publi- 
car, porque  os  ha,  louvado  seja  Dcos  !  de  tanta  virtude, 
q.ue  assentão ,  que  fazem  huma  esmola  em  serem  assignantes 
de  hum  volume,  para  que  nao  mettcm  prego,  nem  estopa  ; 
outro  nao  repara  na  Obra  ,  porém  repara  ,  se  a  encaderna- 
ção lie  mais  ordinária:  ha  ainda  muitos  génios  applicados^ 
e  estes  ás  vezes  descobrem  os  arcanos  da  natureza  por  aca- 
sos, e  muitos  destes  Authores  avaros  das  suas  dcscubertas, 
apenas  entregão  a  hum  niéro  apontamento  o  que  devia  ser 
patenteado  a  todo  o  Universo.  Entre  os  famosos  manuscri- 
tos, que  se  acharão  áquelle  abalizado  interprete  das  línguas 
animalicas  ,  homem  que  conversava  tanto  com  os  quadrúpe- 
des, como  com  as  aves ,  sabendo  grammaticalmente  a  lin- 
gua  de  burro  ,  de  cão  ,  de  cabra  ,  de  porco ,  não  ignorava  a 
Jingua  de  moxo  ,  de  arra  ,  e  até  mesmo  em  lingua  de  baça- 
Iháo  era  hum  belíz  *,  este  nosso  heroe,  aliás  João  Burro,  a- 
chou  por  hum  mero  acaso  dous  famosos  remédios,  os  quaes 
deixou  escritos  com  carvão  na  parede  de  hum  nuiro  ,  o  pri- 
meiro era,  que  rabão  com  sai  nao  fazia  arrolar,  e  o  segun- 
do, que  alhos  em  jejum  livravão  de  quebranto. 

Continuação  dos  rtdiculos  abusos  ^  com  que  foi  creaãa  a  M.ãi 
do  Velloo  de  Romulares  pelas  velhas  do  seu  tempQ., 

Agouros  na  noute  de  S,  João, 
Chamuscar  pela  meia  noute  na  fogueira  huma  alcíacho- 
fra  ^.repeiindo-se  ao  queiraalla  o  nomç  da^pe^soa,  de  quem. 


se  quer  fazer  experiência  da  amizade ;  se  esta  pela  manha  ap- 
parece  florida  ,  he  certo  que  a  dita  pessoa  e^uer  bem  a  quem 
a  deitou  ,  e  se  nâo  fiorece  ,   he  falta  de  amizade, 

A  herva  Pinheira  tem  a  mesma  virtude  ,  mas  depois  de 
chamuscada  deve  guardar-se  por  espasso  de  hum  anno ,  ob- 
scrvando-se  nxjos  os  dias ,  porque  mostra  as  distracções  do 
objecto  amado ;  se  hoje  apparece  viçosa  ,  he  signa/  que  o 
Amante  hoje  se  lembrou  da  sua  Amada  mais  do  que  homem , 
e  se  de  todo  murchou ,  he  porque  de  todo  se  esqueceo. 

Tomar,  era  quanto  se  está  ouvindo  ameia  noute,  huma 
bochecha  de  agua,  e  depois  de  passar  por  três  portas,  chegar 
á  janella ,  o  primeiro  nome  ^  que  esta  pessoa  ouvir  ^  he  dg 
Esposo  ,  cu  Esposa  ,  com  quem  se  ha  de  casar. 

Botar  cinco  réis  na  fogueira,  e  dallos  depois  ao  primei- 
ro pobre,  que  vier  á  porta,  pergunrando-se-liie  a  idade,  tan^ 
tos  annos  eík  tenha ,  tantos  annos  se  hão  de  lograr  os  noi^ 
vos. 

Escrever  todos  os  nomes  da  folhinha,  cada  hum  em  seu 

papelinho  separado,    e  embrulhados    como  sortes,    lançallos 

em  hum. copo  de  agua  pela  meia  noute,   quantos  estivereín 

,ãesenibrulhados  pela  manhã  ,  tantos  filhos  demos trão  que  hão 

.d?  ter  os  casados  \    mas   hão  de  se  ir  ver,    antes  de  sahir  o 

Sol:  e  se  nenhum  se  abrir,  nenhum  filho  terão. 

Partir  hum  ovo,  lançallo  em  hum  copo  de  agua,  e  pol- 
lo  ao  sereno ,  ao  sahir  do  Sol  se  deve  ir  ver  a  figura  ,  que 
mostra  ,  pela  qual  se  conhece  o  officio  ,  que  ha  de  ter  o  noivo. 
Pôr  huma  banca  quadrada  no  meio  da  casa,  e  cm  hum 
canto  da  dita  meza  pôr  saj ,  n^outro  hum  ovo,  no  terceiro 
hum  lenço,  e  no  quarto  huma  vela  ,  e  depois  de  dar  meia 
noute,  pegar  em  hum  lenço,  tapar  bem  os  olhos,  e  dar  cin- 
co voltas  ao  redor  da  meza ,  depois  mesmo  ás  cegas  ir  bus- 
car hum  canto  delia,  se  este  for  o  do  sal,  he  signal  de  ser 
pobre  y  se  for  o  do  ovo,  ha  de  ser  rica  ^  se  for  o  do  len- 
ço ,  ha  ae  casar  cedo  ^  se  for  o  que  tem  a  vela,  ha  de  ser 
solteira, 

Lançar-se  huma  porção  de  sal  na  fogueira,  quantos  es» 
ítalos  der  ^  quantos  desgostos  ha  de  ter  com  o  marido. 

Trouxerao  ao    Editor  de  presente  a  seguinte  quadra, 
-com  a  sua  glosa,  e  seú  Author  estimará  que  dê  no  g.ôco. 


(7) 

Entreguemos  pois  a  Amor 
Nofjoí  livres  corações  , 
Beijando  sempre  com  gosto 
Nas  as  douradas  prizões. 

GLOSA. 

Li 

Téni  d'Amor  broíndo,  e  jucundo 
O  Universo  dependência  , 
Deve  a  Amor  sua  existência 
Tudo  o  que  existe  no  raundo: 
Do  Ar ,  da  Terra  ,  e  Mar  profundo, 
He  Cupido  povoador  ; 
Ah  !  Se  o  Nurae  encantador 
Todos  prende  nos  seus  laços  í 
BelJa  Mareia,  os  Jivres  braços 
Entreguemos  pois  a  Amor, 
IL 
Quem  as  cadéas  despreza 
Do  vendado  soberano , 
Mostra  com  peito  inliumano, 
Que  amantes  paixões  não  preza : 
Tem  Amor  graça,  e  pureza j 
Sáo  doces  os  seus  griJhÒes, 
Vamos  render-Ihe  oblações, 
M^eu  Bem,  seremos  diiosos. 
Não  mais  sejão  criminosos, 
Jt^ossos  livres  corações. 
IIL 
Não  temas  o  tempo  inquieto 
Que  as  ternas  paixões  insulta. 
Que  huma  simpathia  occulta 
Eterniza  o  nosso  affecto  : 
Quando  a  idade  em  teu  aspecto 
Tiver  seu  ferrete  posto  ; 
Ceando  enrugar  o  meu  rosto. 
Crescendo  então  os  extremos  j 
Nossas  prizóes  andaremos 
Beijando  sempre  com  gosto* 


(8) 

IV. 

O  gêlo  da  fria  idade , 
Qiie  nao  respeita  ninguém, 
Mais  lia  de  atear ,  meu  Bem 
Nosso  Amor,  nossa  amizade; 
Constante  felicidade 
Terão  nossos  corações; 
De  Amor  daremos  lições, 
E  Amor  terá  para  exemplo 
Penduradas  no  seu  Templo 
Mossas  douradas  frtzões» 


AVISOS. 

Ha  três  mezes ,  pouco  mais,  ou  menos,  que  chegou  do 
Vesúvio  de  Itália  Eiidoro  Coxini^  natural  de  Modena^  o  qual 
exerceo  na  sua  terra  ser  mestre  de  pós  de  çapatos,  graxa,  e 
outros  ingredientes  :  elle  veio  estabelecer  o  seu  laboratório  no 
sitio  do  Pinheiro,  e  de  próximo  se  queixa  amargamente  de 
hum  não  pensado  roubo,  que  lhe  fízeráo,  levando-lheosag- 
gressores  do  attentado  o  valor  de  $S^555  ^^  fazenda  já  em- 
pacotada,  €  prompta^  que  estava  para  se  embarcar  para  Gui- 
né,  remettida  á  Fábrica  dos  Pretos  daquelle  Continente;  quem 
souber  por  indicio  ,  ou  de  sciencia  certa  quem  forao  os  malva- 
dos, que  praticarão  o  furto,  o  vá  logo  depor  no  Juizo  de  Ra- 
damanto,  e  não  se  envergonhe  disso,  que  lá  vai  muita  gen- 
te boa. 

Madawa  C^avqueta  faz  aviso  ao  Público,  que  acaba  de 
receber  de  f)ra  huma  escolhida,  e  moderna  collecção  de  mo- 
dinhas postas  por  musica,  para  se  cantarem  de  i.%  e2.*  voz, 
com  as  letras  seguintes:  Ba/erma  mísera.  Senhor  Francisco 
Bandalho.  Já  Id  vai  para  o  Deserto,  Âi  triste  de  mim.  Cal* 
Te  minha  vida ,  que  id  to  dirão.  Ai  liric  roxo.  Nao  tem  que 
teimar  comigot  O  som  de  Esgueira.  Já  os  soldados  vão  pa* 
ra  a  Parada.  Qj4€  vd ,  que  não  venha  ,  não  se  me  dd%  Tu- 
do com  acompanhamento  de  cravo  ,  e  ferradura. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I8i8. 
Çom  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


D 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LI. 

Rua  Bella  da  Rainha  8  de  Abril. 


E  Pernambuco  chegou  ha  pouco  hum  Marujo  ,    que  das 
canquilharias  que  levara,    e  dos  eíFeiíos ,    que  lá  prodtázírão, 
contou  era  Lisboa    o  lucro  de  meia    dúzia  de  centos  de  mil 
téis  bera  puxados,    e  logo  assentou  entre  si,    de  nao  emlar- 
car   mais   pela  inconstância    dos  terapos.    Vendo-se  este  bera 
homem    a    nadar    em   dinheiro  (  porque   não  era  avaro)  não 
sabia   loraar  pé  nem  a  que  se  havia  de  arrimar  para  o  segui- 
mento do  giro  daquella  riqueza  ,  por  nao  ser  dos  mais  esper- 
tos;    bem  via  elle  ,    que  o  dinheiro  deve  produzir  dinheiro, 
ao  menos  cinco  por  cento  ;  foi  á  rua  dos  Ourives  ,  comprou 
hum  par  de  fivelas  de  çapaio,  de  quatro  marcos  de  pezo ,  e 
feita  está^diligencia  ,    em  que  andou  rua  abaixo,  rua  acima, 
por  acaso  vio  era  outra  rua  huma  casa ,  que  vende  sortes  de 
pequena    moeda;    lembrou-se  que   o  lucro  das  sortes  he  mais 
de  cento    por  cento,   sem  ir  a  Macáo ,    deixou  o  empenho, 
que  trazia  de  contratar  em  outra  cousa  ,  e  tentou^se  em  com- 
prar dous   vinténs  delias.  Desembrulhadas  que  torão ,   âchou 
51 


J^. 


três  prémios ,  que  lhe  qua#^^ão  o  dinheiro,  que  foi  quem 
o  enganou.  Foi  no  ôotro  dia,;  comprou  dez  tnil  réis  delias, 
não  lhe  saliio  nada;  dahi  a  dous  diâs* comprou  20(3^)000 
réis,  nao  tirou  nada.  Iíiflammado>  tornou  pelo  vezo,  com- 
prou mais  ^0^000  réis,  sahio-lhe  hum  cràzado  novo,  in- 
íluio-se,  comprou  20i^ooo  réis,  não  lhe  sahijb  nada ,  âtéque 
cahio  em  si,  dando  balanço  ao  dinheiro  ,  que  íhe  ficou,  e  co- 
mo tinha  comprado  algumas  bagatellas ,  muito  menos  adiou, 
porém  com  esje  resto  entrou  em  huma  taberna  ,  não  houve  pa- 
rente pobre,  e  poz-se  a  jogar  a  la«ca  ;  lasca  foi  ella  ,  que  fí" 
cou  lascado  por  huma  vez  ,  tão  enxuto  de  dinheiro  como  o 
Neptuno  do  Chafariz  do  Carmo  em  diâ3  de  calma,  e  iresco 
da  sua  vida  como  o  mesmo  Neptuno  em  dias  de  chuva  j  po- 
rém como  já  não  tinha  remédio  a  desordem  dó  seu  máo  pen- 
sar,  sahindo  da  rabérna,  disse  á  porta  esta  sentença,  jul- 
gando-sc  hum  Catão :  a  agoa  o  deo ,  a  agoa  o  kxou  ,  quem 
não  quír  perder ,  não  jogue ^ 


Belém  10  de  AbriL 


r  '  Neste  Bairro  hum  sujeito  muito  curioso  de  ter  raras  pin^ 
tur^is,  encommendou  a  hum  Italiano  grande  Pintor  dous  qua-- 
dros ,  hum,  em  que  viessem  as  quatro  Virtudes Cardeaes  bem 
figuradas,  e  em  outro  os  sete  Peccados  Moriaes.  Rccebeo  o 
Pintor  a  encommenda ,  e  no  fim  de  três  mezes  trouxe  os  dous 
quadros  com  o  maior  desempenho,  e  esperando  receber  hum 
grande  primor,  o  dono  \\\q  satisfez  com  huma  insignificante 
quantia.  O  Pintor  desembrulhando  o  papelinho,  e  vendo  a 
ridicularia  da  paga,  virou  para  o  dono,  e  disse,  ora  este 
quadro  dos  sete  íeccados  Mortaes ^  para  ficar  mais  desu^ 
sado  y  hei  de  levallo  ^  para  lhe  accrescfntar  mais  hum  , 
t  ha  de  ser  hum  devedor .  do  suar  alheio.  Aeodio  o  dono 
Jogo  ,  dizendo ;  pois  olhe  ,  leve  tavibcm  o  das  quatro  ViY;^ 
tudes  ^  e  para  ficar  inais  raro  ^  aceres cente-lhe  huma, 
que  he  ter  paciência  \  e  como  se  entendessem  hum  ao  outro, 
com  .pouco  mais  vulto  na  esmola  ficarão  os  painéis. 


'<  3  5 

Braga  6  de  AhrlL 

Contimaçãs   eh  sonho  ãa  Ilha  dos  Taftíes  pelo   Cavilheirõ 
dos   pezadelhs    ao  seu  Amiga  de  Lisboa  na  seguinte 

Carta, 

Cápia. 

Com  o    maior  gosto ,    meu    querido  Amigo ,    lhe  vou 
continuar  o  meu  sonho ,    fazendo-!he  ver  as  diversas  scenas  , 
que   me   representavão  as  minhas  desorganizadas  idéas  dentro 
de  huraa  cama  ^  e  de  huma  casa  ás  escuras:  se  bem  me  lem- 
bra,   depois   de  ouvir  aquella  célebre  Mãi  a  consolar  a  fome 
das    filhas  com   a   modinha  do  Mandrião^    segui  o  meu  ca- 
minho,   quando  em  huma  janelia  de  grades  ouvi  hum  grito, 
que  dizia,  ó  Silva  ^   dá  cá  o   doce.    Assentei  que  era  algum 
Cavalhe-iro  Escolástico,   que  se  tratava  bem,    e  em  huma  pe^ 
quena    parada,    que   fiz,    vi   da   rua  o    tal  criado  Silva  cora 
huma   bandejinha   de  charão,    e  hum  copo  de  agoa    acompa- 
nhado de  hum  grande  confeito  ,  a  que  vulgarmente  se  chama 
do    Porto,    prezo   por  huma  \\x\\{^  ^    e  observei,    que  o  Amo 
pegou  no  confeito  ,    e  botando-o  dentro  do  copo,  puxou  pe* 
la  linha,   e   era  ar  de  hum  balde  levou-o  á  boca  duas  vezes, 
dando-lhe  de  cada  vez  hum  pasraoso  chupão  ,   e  bebendo-lhe 
depois  a  agoa  em  cima;    perguntei  aos  companheiros,    que 
loucura    era   aquella  ?    Respon  ieo-se-rne :     v,    m,   chama-lhe 
loucura  ?    pois  assente   qide  he  economia  :     aqr/e/le   sujei f o 
he  enfatuado^    e  depois  de  jantar  senta -se    á  janelia  j  e^ 
dindo  doce  ao  criado  ,  para  que   a  'visinha^iça  conheça  que 
se    trata  ,    e    aquelle  confeito  ,   que   v,   m,  vi  o  ,    he  quem 
paga  as  favas  ,    de  sorte  que  ha  confeito   na  que  lia  casa , 
qt/s  dura  oito  mezes  em  chupões  ,  e  inda   depois  de  se  lhe 
tirar  toda   a  sustancii^  fica   para  o  cria  o  \    taf alaria^ 
tajularia,  Calei-me ,    e  querendo  proseguir  na  j.  rnada,  vejõ- 
ipe   rodeado    de  s-^ges  ,    humas    a  i^em  para  baixo,  outras  a 
virem  para  cima  ,  todas  muito  fechadas,  mostrando  que  quem 
hia   dentro    se   não   queria    constipar,    e  a  huma  porta  p-iroiii 
luimaddlas,  apeou-se  o  criado  da  trazeira,  tirou  da  algibeit 


■■(4) 

ra  num'rol,  leo-o,  e  puxando  por  dous  bilhetes,  foi  Icval- 
lòs  a  cima.  Desceo  para  baixo,  poz*se^ouira  vez  na  trazeira, 
e  vi  cheg;5r  o  dono  da  casa  por  entre  iium  postigo  mal  aber- 
to a  espreitar  quem  vinha  dentro,  quando  na  voka  ,  que  dep 
o  boleeiro  para  viran,  pilha  huma  sobreroda  ,  tomba  a  sege  , 
acode  gente ,  e  vem  da  dita  casa  a  correr  o  dono  delia  para  acodir 
ao  seu  Amigo,  que  deo  tão  gr.inde  qwéda ,  vai-se  como  hum 
raio  a  cortinas,  para  lhe  fazer  a  oíFerta  da  casa,  abre-as ,  e 
não  acha  ninguém  dentro.  Eu,  que  esNava  de  parte,  dei  hu- 
THi  gr ín-ie  gargalhada,  e  perguntei  aos  companheiros,  que 
veio  fazer  aquella  sege  alli  ;  respondeo-se-me. ,  oquillo  ke 
hum  rasgo  cia  Tafularla  ^  eh  ama- se  dar  boasVestâs  ,  quem 
as  dá  fica  ent  €asa ,  e  nianda  a  sege  a  esse  fim  .^  pjreci  ndo- 
'lhe  que  senão  vem  a  saJ^er  \  disse  eu  logo ,  não  he  mdo 
cnniprimento  ^  virem  os  machos  substituir  j  elo  dono -^  gr^in^ 
de  politica^  hem  empregado  tempo»  Mudei  de  rua.,  e  en- 
contro dous  homens  a  descomporcra-se  ,  ambos  muito  acea-; 
dos,  e  quasi  indo  á  unha :  perguntei  o  que  aquillo  seria, 
respondecme  hum  dos  companheiros  ;  o  de  chapéo  redonda 
he  bum  cómico  do  The  atro  desta  Ilha  ,  7nuito  bom  rapaz  ^ 
e  o  outro  .he  hum  bom  Poeta  ,  que  est  d  enfureci  do  ,  pnr  ter 
dado  huma  Tragedia  para  o  dito  The  atro  ,  e  aqtieíle  co^ 
mica  saltar-lhe^nella  y  cortar -lhe  muitas  falias  y  remenn 
dar-ihe  outras^  e  em  fim  desfigurar 'lhe  a  peçi  de  tal  sor" 
te  ,  que  seu  author  mal  a  conhecia^  O  dono  hn ta  ,  que  se  ti' 
nha  defeitos  ,  que  lha  dissesse  pessoa  que  tivesse  princi^ 
pios  ,  e  que.  disso  entendesse  ,  porque  a  elle  em  quéntovivo^ 
he  que  pertencia  a  emenda  ^pornào  ter  feito  para  isso  pro- 
curação a  ninguem\  porém  aquelle  atrevimtinto  nocónuco^ 
joi  por  t afilaria  y  e  o  Pceta^,  como  novo  na  terra  ,  ignora^ 
ainda  o  ^conume.  ão.Pai%*  Pasiei  adiante ,  e  vejo  na-  loja 
de  hum  Mercador  hum  sujeito  muitovgrave  ,  mand.?ndo  cor», 
tar  panno  para  hum  capote,  e  para  huma  vestia  ,,  ejuníodelle 
hum  venerando  Velho,  com  a  cabeça  muito  branca  ,  que  mos- 
trava de  98.  para  cima,  arrumado  a  hum-cajado;  dei-lhcs 
tabaco,  e  entrámos  em  conversa,  e  contou-me  o  bom.  Velho  ,< 
hoje  ganhei  .  huma  vestia  y  e  hum  capote  n^uma  aporta , 
qu^e  fiz  com  este  Sehhor,  de  quem  sou  cazciro^  hmtem  ^ 
quando. vim.  dar-lhe  contas j  pergunto n-mc. que  receita  era 


a  minha  para  viver  tnf:to  ,  e  ter  tao  boiís  core:  ^  di^sr» 
lhe  que  era  comer  carne  com  lom  toucinho  ,  e  feij  o  ros 
dias  de  jejum ^  com  huma  açorda  stmpre  por  alnoço^  a 
que  aconiiãnhft  meio  quartilho  de  li- lha  pinga,  Não  me 
quiz  acred  ta'\  ão  jantar  drgumcntti^ihe  ^  que  a  suame- 
za  de  vinte  guizados ,  cada  hum  era  hum  inimigo  contra 
a  sua  vida  ^  e  tanto  disiutdmos  ^  que  por  aposta  se  ajus- 
tou ,  que  eu  do  que  cotnejse  havia  guardar  em  huwa  pa^ 
ne4la  até  hoje  ,  e  que  tile  jaria  o  mesmo  juntando  em  ou- 
tra ,  huma  amostra  de  todos  os  guizados  ,  se  os  meus  se 
corrompessem  ^  o  havia  de  sen  ir  hum  íim.o  de  graça  ^  e 
se  se  corrompe f sem  os  seus  ^  me  hatia  ce  vestir  de  novo. 
Com  effeito  hoje  se  vio  a  minha  pantlía^  que  tinhavacca  ^ 
e  toucinho  ,  de  qiie  ainda  posso  jantar  ,  porém  a  de  meu 
Amo  ,  elle  mesmo  confessa  a  dor  de  cabeça  cofn  que  estd 
do  fétido  daquelles  vapores.  Gostei  rruiro  dai]uella  lição, 
com  a  qual  dou  a  prec-ente  Carta  por  scabada ,  guardando  a 
mais  para   o  Correio  que  vem,  por  agora  sou  seu 

S.  P.  Multo  Amigo,  e  obrigadissimo  Criado 

Me  fard  certa  a  minha  • 

escravidão  a  essa  minha 
Senhora. 

(  Assigiiado  )  Z).  Sonho  Sonhe. 


Pedrou ços  9  de  Abril, 

Sahindo  de  Lisboa  dous  barcos  de  agoa  acima  carre* 
gados  de  palha  de  senteio,  oue  hiao  p^ra  Paço  d^Arcos, 
como  fosse  grande  a  tormenta  do  venta,  logo  abaixo  da 
Torre  de  Belém  houve  a  infelicidade  de  naufregarem  os  bar- 
cos ,  salvou-se  a  gente  ,  e  a  palha  foi  ao  fundo,  e  em  tão 
grande  monte ,  que  ficou  fazendo  naquelle  sitio  hum  baixa 
teinivel ,  de  sorte  que  terça  feira  passada  ,.  entrando  três  na- 
vios carregados  de  ferro  ,  como  os  Pilotos  náo  sdvcrtirsem 
no   eminente   perigo,    a   que  estavão  sujeitos,   se  dessem  no 


referido  baixo,  por  desgraça  tocando- lhe,  dérao  os  navios 
á  costa,  e  hum  deites  se  despedaçou  inteiramente;  consta 
que  se  salvarão  alguns  marinheiros  a  cavalío  nas  barras  de 
ferro ,  que  aboiavão  ao  cima  d'agoa.  Se  o  tempo  ,  e  a  for- 
ça das  ondas  não  desraaRchar  aqueile  grande  raonte  de  p^t- 
Jhâ,  carreráó  rauito  rUco  iodas  as  embarcaçòes,  que  entra- 
rera. 

Máximas   do    Fe  lho  de  Romu  lares  continuadas  na  maior 
Parte  destes   Folhetos* 

De  canteiro  que  trabalha, 
De  pedreiro  de  telhado., 

E  de  carro  carregada ,  \ 

Fugir  sempre  pela  malha  ; 
Porque  se  a  desgraça  encalha  , 
o  Logo  acerta  era  quem  parou, 

Que  pondo-se  a  conversar, 
iPara  os  pVigos  não  olhou. 

"1  Homem  de  riso  amarello  , 
Qiie  á  razão  não  dá  abrigo, 
:  He  preciso   conhecello  ^ 
He  cheio  de  opinião 
He  capaz  ao  seu  Amigo 
De  arrancar«lhe  o  coração. 

Porém,  que  direi  daquelle, 
Que  de  pouca  cousa  vem  ! 
Por  dous  cofres,  que  possue, 
Logo   hydropesia  tem  , 
Mas  isto  assim  lhe  convém  , 
Que  eu  inda  não  vi  Pigraêo  , 
Que  não  mandasse  fazer 
Nos  çapatos  grande  salto  j 
Por  ver  se  com  tal  idéa  , 
Póds  pareiíer  mais  alto. 


Homem  ,  qub  úq  tudo  arde , 
Qjie  "ò  isen^blante  de  msnhá 
Nâo  sabe  ir.Gsirnr  de  tarde  ^ 
He  figura  pouco  sã  , 
Se  ora  louva  ,  ora  diz  mal , 
Nelhí  ninguém  faça  fé, 
Porque  he  muito  pouco  igual. 

Estanqueiras  ,  e  fanqueiras, 
Que  as  filhas  páe  ao  balcão, 
He  para  que  hum   mocetão  , 
Filho  de  casa  abundante  , 
Gora  quatro   mezes  de  amante, 
Escritos ,  promessas  ,  falias  , 
Venha  a  cahir  nas   entalias  , 
De  lhe  dar  a  mão  de  Esposo^ 
Pondo  os  conselhos  por  nullos^ 
De  que  o  Pai  pouco  gostoso , 
Logo  que  o  sabe  dá  pulos. 

O  m»oço  do  Poeta  5  que  foi  chamado  de  huma  janell^ 
por  humas  Senhoras  do  conhecimento  de  seu  Amo,  depois 
de  ser  por  estas  muito  mettido  a  bulha  ,  tratando-o  de  po^ 
bre  homem  ,  para  refinarem  rrais  a  zombaria  ,  que  delie  fí-* 
zerão ,  lhe  derão  o  seguinte  Mote,  que  elle  promptamente  , 
depois  de  o  golozar,  lhe  levou  escrito  no  mesmo  dia,  de 
que  me  trouxe  a  presente  cópia. 

MOTE. 

Fem  o  Mundo  a  ser  vada  a  quem  bem  pensa.. 

GLOSA. 

Eu    nSo  tenho  galões,  nem  Senhoria, 
Co'  a  sege  estremecer  não  faço  a  rua, 
Porque  a  minha  desgraça  nua  ,  e  crua  , 
S5  mè  deixâ  de  meu  a  noute,  e  o  dia;  : 


(8) 
Eu  não  tenho  respeito,  nem  valfa  , 
Nem  cargo  ,  que  por  tal  me  constitua  , 
Nâo  tenho  hum  só  principio^  que  me  influa, 
Mando,  soberba,  luxo,  ou  bizarria; 

Sou  Moço  de  servir ,  mas  sou  da  maça 
Daquclles,  a  quem  sirvo,  co'  a  difterença 
Somente  da  fortuna,  ou  da  desgraça: 

Mas  nisto  a  sorte  não  me  faz  oíFensa  , 
Se  o  tempo  destróe  tudo,  e  despedaça, 
Vem  o  Mundo  a  ser  nada  a  quem  hempensa* 


AVISOS. 

Sahio  á  Uiz  o  tratado  da  inorulação  das  hexiç^as  de 
Porco  pelas  mãos  dos  rapaze^  na  cabeça  de  quem  passa  , 
em  que  se  prova  aproveitar  mais ,  e  ser  o  tempo  mais  pró- 
prio para  esta  operação  ,  o  do  Entrudo. 

Quem  quizer  iodo  íino  ,  e  da  melhor  qualidade,  mui- 
to cómmodo  no  preço,  dirija-se  a  Cabo  ruivo  ,  por  mar,  e 
desembarque  na  vasante ,    que  eu  já  de  lá  vim  huma  miséria. 

(^em  adiasse  hum  homem  de  idade  de  63  annos,  ba- 
ptizado na  Freguezia  dos  Oiivaes  ,  filho  de  Pais  incógnitos, 
o  qual  se  perdeo  a  cavallo  desde  a  rua  Augusta ,  até  ao  Ro- 
cio ,  vá  fallar  com  Andreza  Reboissa  ,  com  lugar  de  cama- 
rões na  Ribeira,  que  he  sua  Mãi ,  e  dará  boas  alviçaras  a 
quem  lho  trouxer. 

Quem  quizer  dar,  e  levar  cento  e  trinta  e  seis  arro- 
bas de  soco  velho,  da  primeira  sorte,  e  muito  são,  dirigin- 
do se  ao  Cáes  da  Pedra,  a  hora  da  Praça  dos  Cairaeiros  , 
ialle  com  Dize  tu ,  Direi  eu  ,  e  deixe  o  caso  por  minha  conta. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  8. 
Çom  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço* 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LII. 


M^ 


ParãíZo  II  de  JhriL 


iUdou-se  o  Natal  passado  para  esta  rua  hutn   sujeito  da 
Lourinhã,    porém  que  nlo  envergonha  a  sua  Pátria:  o  outro 
dia  foi  a  casa  de  hum  çapateiro  pedindo-lhe,  que  lhe  vendesse 
huns  çapatos  para  hum  filho,    que  tinha,    mas  como  não  le- 
vava^ a  medida,    perguntou-Ihe  o  çapateiro,    quantos  pontos 
havião    ter,    para   assim  conhecer  o  tamanho  do  pé;  respon- 
deo  elle  ao  Mestre ,  espere  v. ;;/.  qr  e  eu  vcu  n  casa  ,  e  Ih   tra» 
go  já  arespcsta.  Então  o  bom  Lourinhanista  voltou  a  casa, 
pegou  nos  çapatos  velhos  do  filho  ,    arrancou-Jhe  a  sola  cora 
huraa  faca  ,    e  poz-se  a  contar  qusntcs  pontos  tinha.  Depois 
desta  conta,  tornou  á  loja  doçapateiro,  edisse  lhe,  queque- 
ria  huns  çapatos  de  63  pontos  ;   o  çapaieiro  ficou  admirado 
do  que  o  liomem  lhe  disse,    e  poz-se  a  rir.   O  outro  ,   que  o 
vio  rir,  repliccu-lhe;  v,  m    ttm  lo  a  fará  servir  o  Povo  ^ 
e  asstm  dtve  fazer  a  obra,    que^ lhe  encovmer.àayem\  se 
he  porque  teme  a  p' ga ,  aqui  lhe  dnxo  hun.a  peta  de  si- 
gnal ,  e  sfm  dizer  mais  nada  ,   at^rp..-'.-.  r  n>  ^  r- r*^  po  M^*?- 
ire ,  se  foi  embora,   O  Mestre  c  i 
5"^ 


Atanado  ,  muita  solla  y  e  cora  effeito  fez  huns  famosos  çapa- 
tÓes,  de  sorte  quesemettia  o  Aprendiz  dentro  delles  para  pas- 
sar o  fio.  No  fim  de  oito  dias  veio  q  Lourinhão  buscar  os 
çapatos,  e  quando  liios  apresentarão  ,  cuidando  que  era  luan- 
gaçao  5  entrou  a  descompor  o  çap.iteiro ,  e  a  pedir-ihe  a  pe- 
ça ,  que  llie  deixara  i  o  Mestre  também  allcgando  as  suas  ra- 
zões, entrou  a  pedir-lhe  o  resto  da  paga  da  obra  ,  e  tal  foi 
a  disputa,  que  vierão  ao  murro  sêcco  :  acudirão  os  chuços 
para  os  prender;  o  Mestre  escondeo-se  dentro  em  hum  dos 
ditos  çapatos,  razão  porque  só  o  da  Lourinhã  foi  prezo,  e 
da  cadêa  ranndou  citar  o  çapnteiro  peia  peça,  a  tempo  que  o 
Mestre  também  o  mandou  cirar  pelo  resto :  andão  á  deman- 
da, na  qual  estão  tremendo  os  Fiéis  de  feitos,  não  se  man- 
dem a  ppensar  aos  autos  os  çapatdes,  porque  então  será  preciso 
andar   o  feito  o  páo   e  corda  de  Escritório  para  Escritoric?^ 

Braga  13  ^e  Abril, 
Continuação  do  sonho  da  Ilha  dos  Tafues  ,  sonhado  pelo  Cg' 
V alheiro  dos  pezadeílos^  e  exposto  ao  seu  Amigo  de 
Lisboa  na  seguinte  Carta* 
Estimável  Amigo  ,  da  forma  que  posso  ,  a  pezar  das 
minhas  moléstias,  pego  na  penna  ,  escrevo,  e  reraetto  o  maJ-s , 
que  se  me  seguio  no  meu  decantado  sonho.  Instruído  pois  da 
lição,  que  me  deo  o  bom  velho  do  modo  de  se  comporiarno 
seu  sustento,  caminhei  a  huma  pequena  Praça,  onde  estavao 
dous  homens  a  fallar  muito ,  e  com  grandes  iniimativas  \  per- 
guntei aos  meus  Amigos  o  que  era,,  responderao-me :  aqueU 
les  homens  são  dous  espertos  ,  e  muito  sagazes  ,  hí/m  ven- 
de cavalgaduras  ,  e  outro  be  Frocuréidor  de  causas  \  o  FrO' 
curador  quer-thc  comprar  hum  machinho  para  andar  ^  e 
mui  tf)  em  conta  ^  e  o  oulro  quer- ih  o  vender  ,  e  muito  caro\ 
estão  ambos  a  qual  ha  de  evgan/ir  hum  ao  outro  ^  j d  durão 
aju  te  ha  três  semanas^  h?  impossível  pela  esperteza  de 
ambos  poder -se  saber  qual  de  les  ha  de  ser  o  logrado,  Dis- 
viei-me  daqueJIc  sitio,  e  vi  a  huma  porta  de  pequenas  casas 
algumas  três  seges,  perguntei  quem  morava  alli ,  respondeo- 
se-me,  he  hum  Ta  fui  desta  lUia  muito  procurado  ,  o  ho" 
viem  rmis  fácil  em  tudo  quanto  fromette  ,  que  se  tem  vis- 
to s  traz  muita  gente  a  reboque  ^  e  nada  concilie  \  per  que 
%elle  y  [or  íafularia  y  o  mesmo  he  promctter^  que  jaltar^ 


twlo  empata  ,  engana  a  todos  comroclehs,  e  estratagem^t 
de  persuasão^    e  fá  a  muitos^    tio  seu  projecto^    lhe  tem 
tardado  algum  tombo  por  fim  da  galhofa.   Disse  eu  cá  co- 
migo,   destes   ha  muitos  Id  na  minha  terra.    Continuei  o 
meu  caminho,    e   ouvi  eni  voz  alta  alli  para  hum  lado  ,  ha 
quem  mais  lance  ,  senão  arremato.  Perguntei  o  que  aquillo 
era,  respondeo-se-roe ,  naquellas  xãsas  morreo  hum  Medico 
desta  Ilha  ha  pouco  tempo  ^  e  agora  se  Ike  está  fazendo 
Itilão  da  saa  livraria.  Como  curioso  cheguei  mais  ao  pe , 
e   vi  para  cima  de  quatrocentos  volumes ,   puxei  dos  meus  o- 
culos  ,   e  fui  vendo  alguns  delles  ,    achei  todas  as  tolhas  cos 
livros   em  branco,  e  só  linhão  em  cada  pagina  na  cabeceira 
estas  palavras:  agoa  morna,  no  meio  da  pagina  dizia  :  aju^ 
das ,    e  no  fim,    ^liéta  ,   tudo  muito  bera  encadernado,  po- 
rém  nem   hum  só  livro ,  que  não  fosse  deste  modo.   Estava 
era  cima  d*uma  banca  hum  grande  maço  de  papeis ,  desatei , 
vi ,  e  por  acaso  dei  com  esta  minuta ,  que  dizia ,  nos    meus 
livros  achar dÕ  os  enfermos  Eotsca ,  Cirurgião ,  e  Medico , 
porque  ajudada  a  natureza  das  três  cousas   que  elles  cen^ 
tem ,  fica  sendo  tudo  o  tnais  reboco  das  tripas.  Não  des- 
gostei da   instrucção  ;  e  passando  adiante,  vi  huma  pequena 
tenda  pegada  cora  huma  pequena  loja  de  Barbeiro ,  e  sem  pa- 
rarem,  o  rendeiro  visitava  o  barbeiro,    e  o  barbeiro  visitava 
o  lendelro.  Fez-rae  aquelle  desassocego  sua  espécie,  e  pergun- 
tei   o  que  aquillo  era  ,    respondeo-se-me:    aquel/es  ríous  to- 
mens  são  o  amparo  desta  liba  ,  porque  quem  necessita  de 
dinheiro  ,  vem  ter  com  elles  ,  rebatem  quartéis  mui'- o  em 
<:onta  \  por  exemplo ,   por  dez  moedas  dão  seis  cem  wuita 
caridade  y  e  com  espera  de  oito  dias  ^  em  cujas  noutes  mal 
dormem  ,    com  o  sentido  que  o  loful^    que  os  occupa ,  os 
Tião  logre  y  só  tem  o  defeito  de  não  dar  em  linttm  sobre  pS- 
fihores  ,  quem  quizer  ha  de  v^ndtr  o  traste  ,  que  he  avaliado 
sete  ,  cu  oito  vezes  ,  e  se  vale  vinte  ,  para   remirem  o  ve- 
xame de  quem  vende  ^    comprão  por   dez :    as  sabidas  que 
estão  fazendo  hum  a  casa  do  outro ,  ke  porque  certaynente 
lá  estd  algum  miserável  cahindo  na  rede  \  e  sem  etes  ho- 
mens ,  que  seria  da  tabularia  desta  Ilha  ?  Fiquei  de  boca 
aberta   com   tal   noticia  ,   porém  como  he  Mundo  ,   de  tudo 
ha    nelle   como   ria   Botica.   Tenho  até  aqui  cumprido  com 
os    deveres   da  minha   promessa  ,    dispen^ç-me    de  não  set 


.  <"  4  > 

niaís  extenso,    o  qu^  £ir.-i  para  o  Correio   que  vem,   cc mi- 

íiuando-líie  ainia  alguns  restos  do  tal  sonho,  porque  muito  o 
deseja  divertir  este  seu 

P.  S.  Maior  Artigo,  e  humilde  servo 

Saudades  aos  meninos^ 

(  Assignado  )  D.  Sonho  Sonhe\ 

'Rua  da  Rosa  16  ãe  Abril, 

Mettendo  tudo  a  saque,  e  pondo  tudo  pelo  pó  do  ga^ 
to   veio    ser  hospede  nesta  rua  em  eerta  casa  hum  divertido 
honieai ;  porém  com  a  balda  de  ser  muito  scisroaiico  a  res- 
peito de  saúde.  Houve  neste  dia  alli  huina  grande  função  ,  era 
que  se  juntou  huma  aprazivel  sociedade ,  nao  parou  nada  cora 
d  sujeito  divertido,  a  todos  pregou  peças,  fez  cahir  a  vários 
cm  diíFerentes  esparrelas  de  riso ,  e  o  mais  he  queatéaorues- 
mo   dono  da  casa  ,    que  ainda  que  era  de  igual  feição ,    com 
tudo,  iogo  lá  comsigo  protestou  de  também  lha  pregar.  Aca- 
bou-se  a  asscmbléa  ,    tocou-se  a  recolher,    e  apenas  o  alegre 
hospede  se  deitou,  e  dormio,    foi  o  dono  da   casa  pé  ante 
pé  á  cama  deile,    tirou-lhe  o  fato  subrepticiamente  ,  e  entre-, 
gou-o  á  familia  ,  que  toda  a  noute  levou  em  lho  apertar ,  des- 
cozendo-lhe  as  costuras,  e  cozendo»lhas  outra  vez  por  dentro, 
Forão-lhe   pôr  o  fdto   no  mesmo  sitio  ,    e  cora  hum  alfinete 
pregado   a   huma  vara  ,    pela  greta  de  iiuma  porta  lhe  derão 
huma  grande  zagui\chada  ,    sem  que  o  pobre  visse  o  que  era  j 
este  estremeceo  ,  e  acordou  ,  apalpou  a  cama ,  não  topou  na- 
da ,    por  cujo  motivo  ficou  pensando  se  seria  bicho,    que  o 
mordesse;   e  como  isto  foi  ao  amanhecer,    e  vio  ,    como  lá 
dizem,  luzir  o  bjraco,  entrou  a  vestir-se,  e  lodos  de  casa  a 
espreitarera-no.  Vestio   a  camíza  ,  e  ao  abotoar  ocoliarinho, 
que    estava    sobreposto,    vio  que   lhe  nao  servia,    e  descon- 
fiou de  que  eslava  inchado.  Foi  vestir  os  calções ,  e  por  mais 
forças    que  fez,    nao  lhe  passarão  do  joelho  ,    e  mudando  de 
cor,  já  bastante  agoniado,  vesiio  o  colete,  porém  não  o  pô- 
de abjtoar,  Eis-aqui  o  miserável  dizendo  mal  á  sua  vida,  juU 


cn 

gando  ter  sido  algum  lacráo ,  que  o  rrordcssc»  Chamou  pelo 
dono  da  casa,  veio  este  ,  e  disse-Ihe  logo,  rjue  lem  i?.  w. , 
quf  he  i  so  ^  eitd  tão   inchado'^.   O  triste  Iiospede  mais  mor- 
to ,  que  vivo,  pedio  que  lhe  acudis  e,  que  lhe  tinha  de  nou- 
te  mordido  hum  bicho  ,  e  que  lhe  mandasse  logo  logo  chamar  o 
Cirurgião.  O  dono  da  casa,  íingindo-se  muito  aíÃicto,  man- 
dou chamar  outro  Amigo ,   a  quem   contou  a  passagem  ,  o 
qual  entrou  aíFectando  de  Licenciado,    fazendo  mil  escarcéos 
da  inchação.  Tomou-lhe  o  pulso,   vio  a  picada  do  ahinete  ,. 
e  disse:  Este  veneno  âa  mordedura  está  muito  erarã^i-a^ 
do\    o    caso  está  muito  más.  O  hospede  apenas  tal  ouvio, 
entrou    a  desfalecer,    de  sorte  que  lhe  sahio  a   famiiia  a  per- 
suadillo  de  que  tudo  fora  hum  mero  fingimento  \   fizerao-ihe 
ver  a  vara  do  alfinete ,  fizerão  que  ç\\ç,  reparasse  no  sobrepos- 
to do  collarinho  ,  e  em  tudo  o  mais,  e  custou  muito  a  capa- 
citallo    da  verdade.  Calou-se  elle,   metteo  o  caso  a  boa  fei- 
ção;   e   porque   se  lembrou  que  na  alcoba  ,   em  quedormio, 
estavão  humas  botas  do  dono  da  casa  ;  o  hospede  muito  dis- 
farçado  lhe   pedio  huns  chinellos  para  calçar,    porque  tinha 
hum  callo ,   que  o    molestava  muito,   e  não  queria  por  casa 
andar   de    çapatos  pelo  não  oggravar :    respondeo-lhe  o  dona 
da  casa,  que  era  traste,  de  que  não  usava,  que  se  tivesse  era 
casa  alguns   chinelos,    de  boamente  o  servia.  Instou  o  hospe- 
de ,  dizendo:  r,   m.  eri^â^Jíi-nie  ^  r.   m,  tem  chinelos^  enâo 
os  quer  emprestar.    Sobre  tenho,  não  tenho,  apostouo  hos- 
pede ,  que  lhe  havia  mostrar  chinelos,  que  erao  delíe,   e  em 
menos  de  hum   quarto  de  hora;    ha  de  mostrar,   não  ha  de 
mostrar,   apostou*se   o  valor  de  dezeseis  tostões,    e  o  hospe- 
de  foi   dentro  á  alcoba,   pegou  nas  botas  do  Patrão,  e  com 
huma    faca  cortou-lhe  os  canos ,    e  calcando-lhe   os  chinelos» 
sahio    para  a  casa  de  fora ,   dizendo  :  então  tinha^    ou  nao 
tinha  ?   era   má  Tcnt^de   de  mos  tmjrestar^    ou  não  eral 
lembra-se  o  dono  da  casa  das  botas,  poz  as  mãos  na  cabeça, 
porque   perdeo   nellas    não  mencs  que  huma  moeda  de  ouro, 
porque   ainda  erao  novas  ;   poz  o  hospede  na  rua  o  mais  po- 
litico   que  pôde,   e  protestou  de  nunca  mais  tirar  desforra  de 
graqas ,  porque  ás  vezes  são  como  as  cereias,  que  vem  humas 
encadeadas  nas  outras,   humas  podres,  e  outras  sãas. 


(6) 

Maxlmds   do  Velho  de  RomuJarcs» 

A  viuva  mui  sentida , 

Que  aos  trcs  raezes  rauda  o  luto , 
De  pós,  e  cara  brunida, 
A  solo  modas  cantando; 
E  que  vai  á  contradança, 
Dando  ao  Par  hum  ar  de  riso  , 
Ou  ficou  mui  criança ,  ou  sem  juizo. 
Foge  de  feição  jocosa, 

Seja  na  casa,  ou  na  Praça, 
Procura  seres  louvado 
Por  huraa  acção  virtuosa , 
E  não  por  bonita  graça. 
Nunca  desprezes  aqueile , 
Porque  já  servir  não  pode  ,• 
Antes  com  gosto  lhe  acode: 
Se  já  foi  Mecenas  teu  , 
Os  deveres  se  duplicao  ; 
Que  se  hum  telhado  abateoí 
As  paredes  sempre  ficao. 
Se  quando  salies  para  fóra , 
Por  lembranças  não  perder, 
Assentas  com  fino  lápis 
Tudo  ,  que  intentas  fazer  : 
Também  logo  ao  recolher  ; 
He  bem  no  mesmo  se  estude. 
Por  ver  se  em  quanto  fizeste. 
Te  faltou  honra  ,  ou  virtude. 
Os  males  nem  todos  vem 
Da  Estrella  da  creatura  , 
A  má  escolha  dos  homens 
Os  poe  em  triste  figura: 
Largão  o  que  lhes  convém ,' 
Abraçando  o  que  os  estraga, 
De  que  a  prudência  se  ri  : 
Porém  quando  vão  ao  fundo., 
Qijeixão*se  de  todo  o  mundo, 
Mas  não  se  queixão  de  si. 


(7) 

Mulher  testetrunhadeira , 

Que  sempre  a  mentir  acode  J 
Que  na  historia  verdadeira 
Accrescenta  o  mais  que  pôde, 
Por  fazer  o  seu  partido: 
Na  galé  do  soíFrimento 
Traz  sempre  o  pobre  Marido. 

Ao  Editor  reracttêrãõ  do  Brazil  no  Combcio  passado  a 
seguinte  quadra,  com  a  sua  glosa,  para  o  presente  fcllieto  : 
haverá  muita  gente  ,  que  nâo  goste  delia,  e  eu  sim,  tio 
gostos. 

Zomba  emhara  de  meus  males  ^ 

Jd  qut  licença  te  dei , 
;  Que  eu   mesmo  fui  o  culpado,  y 

Sem  remédio  chorarei* 


GLOSA, 


I. 


Ingrata  que  mal  te  fiz  ? 
Para  d*um  tiiste  zombares  ^ 
Folgas  de  ver  rreus  pezares  , 
E  de  escuiar-me  le  ris  l 
De  triste  pranto   infeliz  , 
Inundo  os  montes  ,  e  os  valles  ; 
Semv^uehum  momento  te  abale' 
Ao  ver  meu  pezar  vehemente  , 
Porém  se  isto  o  Ceo  consente , 
Zomba  embora,  de  meus  m/illes, 
11. 

Para,  ingrata,  conheceres, 
Quanto  era  firme  este  amor  , 
De  exerceres  teu  rigor 
Te  dei   licença,   e  poderes: 
Suppuz  depois  de  fazeres 
As  provas,  que  te  ensinei , 
Te  abrandasses  ;  mas  errei  , 
Que  o  teu  rigor  teve  augmento 
Dobra  embora  o  meu   toimento 
Jã  que  licença  te  dei. 


III. 


Vendo  a  graça  ,  e  formosura 
De  teu  ros'^0   alvo  ,  e  perfeito. 
Julguei,  que  houvesse  em  teu  peito- 
Mais   piedade,  mais  ternura: 
Mas  da  minha  conjectura 
Cedo  fui  desenganado  j 
Zombas  do  meu  pobre  estado  ;. 
Mns  do  que  sinto  ,  e  senti, 
Náo  me  c^ueixo ,  náo  de  ti , 
Q^ue  eu  mesmo  fui  o  culpado, 
IV. 

A   constante  zombaria  , 
Que  de  mim   fazes,  extingue; 
Teme,  que  a  scrte  me  vingue, 
Desía  fera  tyrannia : 
Vê  ,  que  has  de  ter  algum  dia 
Justo  castigo  ;  cu  o  sei  j 
Enráo  chorar  te  verei 
Os  enganos ,  qne  Amcr  traça  y 
E  eu  mesmo  a  tua  desgraça 
Sem  remedia  chorarei. 


O  moço  do  Poeta  aqui  chegou  esta  mat^hS  muito  con*- 
tcnte    de  ter  feito  o  seguinte  enigma,  para  dar  que  fazer  2os 


(8) 

curiosos ,    e  com  tanto  segredo ,   que   nem  âo  Editor  disse  o 
]iic  era,  nias  para  a  semana  todos  o  saberemos. 


Qd 


Et!  a  toãoí  sou  pszado  , 

E  a  todos  dou  alegria , 

Jigraãeço  a  quem  me  cria  ^ 

Com  quanto  tenho  ajuntado : 

Caro  me  sahs  o  bocado , 

Que  me  trazem  com  bons  modos  ^ 

Se  depois  destes  engodos  , 

Para  tudo  lhes  pagar , 

JV^i ,  e  crii  me  hã')  de  deixar , 

Posto  d  xer ganha  de  todos. 

Em   raatcria   de  adivinhações,    quem  he  capaz  saia  cá 
para  fora. 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  Iiura  livro  intitulado,  Tromba  d^  PorcOy 
vende-se  para  Novembro  a  pezo  nas  bancas,  e  por  de  traz 
dos  Quaríeisé 

Qt^iem  quizer  levar  por  bem  o  que  escusa  levar  por  mal, 
e  o  mais  que  dér,  e  vier,  e  com  tudo  o  que  Jhe  pertence, 
livre  de  penção  alguma,  pôde  falíar,  e  guardar  o  seu  di- 
nheiro. 

Qiiem  quizer  comprar  lium  vestido  roxo  ,  era  meio  uso  , 
cs^pere  algum  tempo,  parque  quem  o  traz  está  na  tinta. 

Quem  perdesse  i8  peças  de  6(^)400,  algumas  em  tro- 
cos miúdos ,  que  se  acharão  em  humas  cartas  sem  sobrescri- 
tos ,  está  servido;  nao  falle  a  mais  ninguém;  porque  quem  as 
achou ,  pôde  dar  sota  ,  e  az. 

Quem  precisar  de  huma  criada  para  varrer,  muito  há- 
bil, e  perfeita,  vá  falíar  com  Janizara  da  Costa,  de  quem 
receberá  huma  boa  informação,  porque  na  casa  ,  donde  sahio, 
juio  só  varria  ,  mas  servia  de  pá  ,  e  vassoura. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  i>E  J.  F.  M.  DE  CAMi^US- 

I  8  I  8. 
f^np-f  l^crr/j  dí  Meza  do  Desembargo  do  Pafo» 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 

PARTE      LIII. 

Rtía  das  Taipas  i^  de  AbriL 


I.Um  servidor  de  Pedreiros  de  robustas  forças,  valentão 
afíanaado ;  foi  avisado  pelo  Cabo  Geral  do  seu  districro  ,  pa- 
ra entrar  de  ronda  na  noute  de  Sabbado  para  o  Domingo  , 
para  que  a  perda  desta  o  não  impossibilitasse  de  ir  trabalhar 
no  dia  seguinte :  apenas  acabou  do  seu  tráfego ,  chegou  a  sua 
casa ,  pregou  com  a  cêa  no  bandulho ,  bebeo  os  seus  três 
quartilhos  de  vinho;  porque  assim  o  permettia  o  trabalho, 
e  a  noute;  e  logo  que  acabou  de  cear  ,  pegou  no  capote,  e 
hutn  varapáo,  e  foi  buscar  as  ordens  do  aviso  :  repartidas  as 
patrulhas,  foi  este  incumbido  chefe  da  sua,  cuja  direcjão  in- 
cluia  até  á  Calçada  da  Gloria  :  dado  o  primeiro  gyro ,  que 
preencheo  até  ás  ii  horas,  sentarão  os  da  patrulha  na  des- 
pedida ,  que  fossem  visitar  huma  baiuca  :  a  noute  estava  fri- 
gidissima,  e  a  primeira  voz  foi:  í^enha  hum  quartilho  de 
agua  ardente',  offereceo-se  ao  chefe,  que  pregou  com  ella 
na  barriga,  inteiro,  e  entregado:  mandou  elle  repetir  a  mes- 
ma doze,  e  foi  bebida  entre  quatro,  que  o  acompanhavao  ; 
Rahírão,  c  forao-se  sentar  sobre  humas  pedras,  que  estão  eni 
51 


(4) 

cima  ãã  mura^lha  ,  entrarão  a  conversar,  o  tempo  a  passzr^ 
a  sgQ:i  ardente  n  lavrar ,  e  qu^sí  iodos  n  roncnr  ;  pnrqiie  o 
soiiino  Tomou  posse  delles  com  muita  facUidade.  O  Chefe,  em 
qtacm  todos  descançavão,  tinha  muito  medo  de  bruxas,  mui- 
to persuadido  de  que  havia  no  mundo  esta  hlssL  ridicularia  ; 
entrou  este  a  passear,  e  dando-Ihe  a  sede,  foi -direito  ao  Cha- 
fariz ,  que  ha  naquelle  sitio  v  fartou-se  de  beber,  e  quando 
voltou  ouvio  humas  gargalhadas  de  riso,  que  davao  humas 
raparigas  ,  que,  acabando  :0  serão  de  casa  da  visinha,  se  des- 
pcdiao  ;  as  quacs  levavao  ^as  mãos  huns  bocados  de  rolos  ac- 
cesos :  o  pobre  homem-,  que  The  vio  luzinhas,  logo  disse; 
olá  temos  bruxas  !  pois  vossês  hoje  mão  tem  que  jazer  comi^ 
g0  \  porque  eu  almocei  fão  com  alhos  ^  jamte-i  feijões  comsa» 
r âmagos  ^  e  ceei  peixe  espada  ^  e  com  estes  contra  venenos  es^^ 
tou  descançada  ,  de  que  vossês  me  ataquem  \  virou-lhesas  cos- 
tas, e  entrou  no  projecto  de  medir  a  muralha  a  palmos  j  c 
como  era  canhoto,,  que  foi  a  sua  felicidade,  .principiava  da 
esquerda  para  a  direita  ,  e  indo-se  a  abaixar  para  principiar  a 
medição  pelo  frizo,  pezou-Ihe  mais  a  cabeça  ,  doqueospés^ 
e  foi  abaixo  só  na  altura  de  duas  braças  e  meia,  cuja  queda 
foi  por  entre  cardos,  e  ortigas,  que  o  maltratarão  pela  cara, 
e  mãos:  ora  com  a  pancada  do  tombo  ficou  alguns  minutos 
dormente,  porém  como  pôde  arrancou  huraa  ripa,  e  arruma- 
do a  ella  chegou  á  sua  porta,  porque  capote,  chapéo,  e  ca- 
jado,  tudo  lá  ficou  pelas  custas  j  bateo,  batco  ,  e  a  mulher 
a  perguntar  quem  era,  e  como  o  marido  lhe  n3o  respondeo, 
entrou  a  gritar  pelos  chuços,  os  quaes  acudirão  a  tempo,  que 
eíle  disse  :  isto  agora  he  que  he  bruxaria  ;  conhece^lhe  ella 
a  falia,  abre-lhe  a  porta  ,  entra  elle ,  e  vai  direito  para  a  ca- 
ma, donde  se  não  levantou,  senão  na  segunda  feira,  quando 
foi  para  o  trabalho:  os  officiaes  da  obra,  que  lhe  virão  a  ca- 
ra ,  e  as  mãos  arranhadas,  perguntárão-lhe  ,  se  as  bruxas  o 
tinhão  topado?  mas  elle  meio  corrido ,  respondeo,  que  não, 
que  elle  he  que  se  tinha  embruxado  a  si  mesmo  :  consta  que 
já  não  bebe ,  e  que  está  presentemente  hum  perfeito  rondis- 
ita. 

Braga  21  de  MrtL 
Continuação  do  sonho  da  liba  dos  'Tafues. 
Meu  muito  estimado  amigo ,  não  perdendo  de  vista  a  pro* 
ancssa^  gue  lhe  fiz  ^   Uie  continuo  as  varias -^acenas  sonhadas 


( 3  ^ 

ftá  rainha  IIIu  dos  Ta  Pu  es  ,  que  ainda  qne  me  dao  algum  tra- 
balho escrevellas ,  serve-rae  de  sarisFação  o  ter  a  noticia,  de 
que  V»  m.  engraçou  com  cilas;  este  o  motivo,  porque  prosi- 
go  ,  dizendo-lhe ,  que  depois  que  vi  os  dous  grandes  usurá- 
rios, tomei  outra  vareda  ,  onde  encontrei  huma  velha  decen- 
temente vestida,  com  o  seu  cró,  e  cm  trages  de  viuva,  pe- 
dindo-rae,  que  a  soccorresse  com  huma  esmola  ;  assim  o  fiz , 
e  porque  lhe  observei  hum  semblante  de  senhora  de  bem,  in- 
quiri dos  meus  companheiros,  quem  era  aquella  pobre  senho- 
ra ,  ao  que  me  responderão:    esta  miserável  viuva   he  Mãi 
de  huyn  grande  lajul  desta  Llha  ;  que  faZ  ci^  ,  enãa  perto 
de  seiscentos  mil  réis  nos  seus  empregos  ,  porém  tão  desor* 
ãenado  na  sua  tájuUiria^   qtie  tudo  reparte  com  as  que  lhe 
vão  são  nada  ,  despregando  queffi  lhe  ãeo  o  ser  ,  e  consentin- 
do que  sua   Mãi   mendigue  de  porta  em  porta  o  pão  fará  o 
seu  sustento ,  e  anda  tão  allucinado  ,  ^ue  por  mais  que  a  pru- 
dência de  alguns  Cnv alheiros  ihe  inste  com  bons  conselhos  a 
leste  respeito ,  elle  tudo  atropella  ,  parecende-lhe ,  que  fazendo 
o  contrario  ,  deixa  de  ser  Tnful :   e  hc  certo  cpue  ninguém  ihs 
fspera  bom  fim,  Benzi-me  mais  de  6  vezes  de  huma  cousa  a 
meus  ouvidos  tão  estranha,  e  dando  mais  huns  passos,  passei 
por  huma  tenda,  e  vi  hum  pobre  homem  com  as  lagrimas  nos 
olhos,    e  o  Tendeiro  enfadando-se  com  elle,    e  disse  então 
comigo  :  este  homem  he  de  vergonha,  nao  tem  nada  de  Ta- 
fui :  virei  para  os  companheiros ,  e  perguntei  se  o  conhecião  ? 
Respondco-me  hum  delles  :  sim ,  Senhor  ^  este  homem  ke  mui^ 
to  conhecido  ,  foi  o  chefe  da  tafularia  nesta  llha  em  outrcs 
tempos  ,  todas  as  noutes  roiavão  d  sua  porta  20,  30  carrua* 
gens  ,  as  sallas  em  cima  nadavão  em  contradanças  ,  compu- 
fihão^se  as  partidas  da  maior  tnfularia  \  pcrém  todos  cjue 
Ike  hião  a  casa  ,  lhe  pedião  que  ficasse  elle   por  seu  fiador 
"neste  ,  e  nn  que  lie  negocio  de  sommas  importantíssimas^  no  que 
elle  convinha  por  muito  gosto  ,  por  grangear  esta  aura  ,  a 
que  chama  o  fama  ^  e  de  tal  sorte  o  cravarão  com  a  multi' 
plicidade  das  fianças ,  que  ardeo  neste  fogo  até  o  decente  aS" 
seio  da  sua  atormentada  famíiia  ,  que  jd  não  tem  com  que  sa^ 
hirfóra  ;  e  elle ,  que  ainda  lhe  r  es  tão  os  honrados  sentimentos 
da  Creação  ,  que  tcve  ,  não  cessa  de  gemer ,  quando  vê  que  o 
Tendeiro  lhe  apresenta  o  rol  da  quotidiana  dii^ida^  a  qual  líem 
SC  quer  jd  pôde  pagar.  Apenas  me  repetirão  esta  scena,  enlutou- 


.(4) 
se-nie  o  ceraçao,   e  desejava ,  que  todos  sonhassem  este  laiv* 

ce ,    para  que  servisse  de  espelho  a   tanto  estratagema  desta 
natureza  ,  de  que  se  compõe  o  Mundo. 

Dirijo-me  por  huma  calçada  abaixo,  e  no  fundo  delia 
vi  huma  vizinha  desccviipondo  outra  ;  perguntei  porque  seria 
tão  grande  descompostura  ?  Respondeo-se-me,  a  que  de  se  om» 
põe  tem  assaz  bastante  razão  para  o  fazer  ^  porque  a  outra 
tem  com  sua  má  itídole  sido  a  causa  delia  padecer  tormen^ 
tos  com  seu  marido  \  esta  mulher  vendia  algum  tempo  chocO" 
late  pelas  portas ,  agulhas  ,  e  alfinetes  :  nào  entrava  em  ca^ 
sa  alguma,  que  não  a  deixasse  enredada ,  muitas  vezes  por 
culpa  das  donas  das  casas  ,  que ,  por  quererem  saber  a  vida 
das  alheias ,  a  brindavão  com  comezanas :  largou  por  fim  es" 
te  trato ,  e  veio  morar  para  esta  rua  ,  onde  ainda  não  tem 
cessado  de  retalhar  com  a  maligna  lingua  a  pobre  vizinha  \ 
se  esta  he  visitada  licitamente ,  diz  a  todos ,  que  os  que  lá 
vão  ,  a  visitãopormalicia'.  os  testemunhos  fervem  ,  que  che* 
gão  aos  ouvidos  de  seu  Marido ,  e  vi-oe  aquella  pobre  em  hu* 
ma  galé  continuada.  Fiquei-a  conhecendo  ;  quando  ao  longe 
vejo  vir  hum  homem  já  adiantado  em  annos ,  que  trazia  na 
mão  esquerda  huma  bolsa  de  dinheiro,  huma  garrafa,  hum 
baralho  de  cartas,  e  huma  mascara ,  ena  direita  humacadêa, 
e  huma  espada  ,  e  querendo  analizar  aquelles  symbolos,  per-^ 
guntei  aos  companheiros  ,  que  figura  era  aquella,  e  para  que 
fira  se  conduzia  com  aquelles  trastes  ?  Respondeo-^se-me :  a* 
cjuelle  homem  diz  que  em  toda  a  sua  vida  nào  achou  mais 
que  hum  Amigo ,  e  em  ar  de  loucura  p«tr  força  da  sua  pai" 
xão  traz  aquella  cadêa  em  signal  do  laço  ida  amizade  ,  que 
o  ligava ,  e  a  espada  para  brigar ,  e  dar  a  vida  por  eU 
le.  A  bolsa ,.  a  garrafa^  o  baralho ,  e  a  mascara  são  os 
instrumentos  ^  com  que  adquirio  muitos  conhecidos  ,  qu^ 
attrnhidos  do  jogo  ^  dos  banquetes  ,  da  bebedeira^  e  damur^f 
tnuração ,  o  não  deixarão)  na  sua  mocidade  \  e  tanto  que 
mudtíu  de  tpm^^  todos  o  desampararão  y  não  podendo  liquidar 
dentre  elles  hum  só  Amigo.  Aqui  farei  pauea  sobre  estes  suç^ 
cessos  sonhados ,  deixando  matéria  para  q  Correio  que  vera. 
Miíito  me  interesso  em  Ber  seu 

?•  S,  Muito  Amigo ,  e  obrigadissimo  Criado 

Boas  Festas  a  toda 

a  sua  familÍ4t*         (Assignad^)        D»  Sonho  Sonhe. 


cr) 

P.ua  d'Atalíiya  25  ck  Abril. 

O  Atfiigo  apflícndo  a  experiências  ecojidmic^s  mostra  que 

SC  tem  cavsaão  em  depurar  a  n  ssu  Lihgua  túrtugue- 

s^a  ,  pe/a  seguinte  Dissertação ,  que  ojferece. 

Todas  as  Línguas  tem  seus  idiotismos  particulares,  e  pa- 
lavras ,  que  se  introduzem,  que  no  fim  dos  Sccu  los  fica  o  con- 
fundidas, por  se  ignorar  a  sua  derivação;  nós  faremos  hum 
beneficio  á  Posteridade,  se  memorarmos  a  origem  de  algu- 
mas frases,  e  palavras,  que  temos  no  nosso  Idioma,  como 
por  exemplo  :  deo  com  tudo  em  pantana  :  efsa  he  de  Oeiras , 
ou  de  Cabo  de  Esquadra  :  disse  das  bogas  :  fe^  vispere  y  e 
estas  serão  o  assumpto  da  presente  dissertação.  Nós  chama- 
mos  ás  lagoas  Pantams\  e  porque  segundo  a  gentilidade,  O' 
Averno  era  cortado  de  rios,  e  Jagôas,  lhe  chamarão  Reine 
Pantanoso,  daqui  veio  corrupto  locabulo  chamarem  Pantana 
ao  Tártaro,  ou  Inferno,  no  sentido  Poético;  e  porque  de  lá^ 
não  torna  a  vir  nada  ,  por  isso  quando  alguém  decipa  dos 
seus  bens ,  se  diz ,  deo  com  tudo  em  Pantana ,  que  he  o  mes- 
mo que  dizer,  perdê-os  para  çempre. 

A  Oeiras  foi  hum  Cabo  de  Esquadra  procurar  onde  mo- 
rava seu  Pai  j  que  lhe  queria  fallar,  e  toraar-lhe  a  satisfação 
porque  morreo ,  e  não  lhe  deixou  nada  \  e  como  esta  asnei- 
ra foi  remarcavel  ,  por  isso  quando  sç  ouve  alguma  muito 
grande,  dizemos:  essa  ht  de  Oeiras',  essa  he  de  Cabo  de 
Esquadra. 

Huma  cozinheira  estava  frigindo  humas  bogas  y  teve  fo- 
me, comeo  humas  poucas;  perguntou-Ihe  a  dona  da  casa 
por  ellas,  e  a  moça  imputou  a  culpa  ao  gato:  hum  Papa- 
gaio, que  observara  tuíio,  revelou  o  segredo;  a  moça  em 
vingança  atirou-lhe  çom  9gup  fervendo  a  cabeça  ,  de  sorte 
que  o  pelou,  melhorou  o  Papagaio j  c  estando  hum  dia  ája- 
nella,  vio  vir  hum  calvp,  então  lembrado  do  seu  caso,  gri- 
tou ,  ó  calvo ,  também  tu  disstftes  dfis  bogas  ?  E  eis-aqui 
donde  vem  este  ditado. 

Fez  vispere,  he  huma  palavra  introduzida  ha  pouco 
tempo  no  Theatro  do  Salitre,  poisiazendo-sealli  humas  pe- 
jas ópticas  p   por  meig  de  §pííibras,  iuvia  hum  Magico  nas 


ditas  peçsi,  a  cujo  mafido  apparecí^o  varias  geenas,  e  quan-* 
do  elíe  queria,  qvie  a  scena  se  sumisse,  dizia  :  vispere ,  ede 
repente  desapparecia  :  ficando  em  moda  o  mesmo  vis  per  e  pe- 
la palavra  ,  desapparecco. 

Continuaremos  com  as  nossas  etymologias  em  outros 
folhetos,  buscando  a  origem  de  outras  muitas  palavras  para 
proveito  nosso ,  e  honra  do  nosso  próximo. 

Máximas  do  Velho  de  Ro^nulares, 

Bem  trata  o  seu  semelhante , 

Que  quem  rouba  ,  fere  ,  e  mata  , 

He  hum  bruto  devorante , 

Que  a  Humanidade  não  preza  ^ 

E  faz  que  possa  a  ambição 

Mais  que  a  própria  natureza. 
Se  por  grandes  teus  trabalhos 

Tu  vás  relatar  áquelles, 

Quê  talvez  andem  gemendo 

Outros  maiores  do  que  ellesj 

Será  bem  ca  liar  sof frendo  ; 

Pois  que  tiro  -eíi  de  narrar 

Cousas,  que  aos  outros  não  dóem^ 

Nem  podem  remediar. 
Desgraçado  aquelle  génio  ^ 

Que  tão  mal  sabe  escolher, 

Que  dos  bens ,  que  tem  á  mão  ^ 

Lança  mão  para  os  perder. 
Se  tu  não  creastè  o  Mundo , 

Como  o  pertendes  reger? 

Não  negocees  Sem  fundo  ^ 

Que  has  de  quebrar,  e  perder: 

Se  o  Mundo  he  quem  nos  domina, 

Não  ha  loucura  maior, 

Que  quererem  tudo  os  homens, 

Q^ie  lhes  saia  a  seu  sabor. 
Neí=te  Theatro  infeliz 

Nós  fazemos  a  tragedia  ; 

Porque  nós  nelle  não  somos 

Mais  que  actores  de  comedia  \ 


<7) 

Mas  a  escolha  da  figura. 
Que  havemos  representar , 
Vem  de  quem  ca  nos  mandou, 
E  se  lia  de  desempenhar. 
Seja  bom  pobre,  o  que  he  pobre, 
Bom  rico  seja  ,  o  que  he  rico , 
Que  esta  scena  nada  encobre  : 
Estudados  os  preceitos 
Desta  representação , 
Ninguém  queira  figurar 
Mais ,  que  a  parte ,  que  lhe  da©* 

O  moço  do  Poeta   aqui  apresenta  a  seguinte  quadra^ 
glosada  pela  nova  forma,  que  não  deixa  de  ter  sua  ■grjaga* 

ausente  de  Mareia,  hella , 
IJnico  Bem ,  que  in^a  adoro  , 
S(m  cartas  y  sem  rcvas  àella 
Suspiro  y  soluto  f  e  choro. 

GLOSA, 


Assim  eomo  os  rips  ventos 
Armão   no   mar  a  porcella; 
Tal   me   trazem   as   saudades. 
Ausente  de  Mareia  beUa, 

L  Y  R  A. 

Meu  peito  afflicto, 
Que   não  descança  : 
Sem   que  eu  a   avistt  5 
Não  tem  bonança. 

II. 

Das  esperanças  cançàdat 
Fim  ditoso  aos  Ceos    imploro. 
Porque  torne  a   ver  aquelle 
l/nico  Benjf  tjue  Inda  ador^ 

L  Y  R  A. 

De  Amante  ausente 
He  só  a  gloria 
Ter  o  seu  Bem  , 
3empre  «m  memoria» 


III. 

Mas   se  as  novas  são  meu  léme,. 
Se  as   cartas    são  minha  veia, 
Ce  mo  estarei  destroçado, 
Sem  cartas,  sem  novas  delia, 
L  Y  R  A. 

Entregue  ás  ondas 
Da  dura  sorte  , 
Em  rosto  sempre 
A  fêa  morte. 

IV. 

Linda  MíTcia  ,  ah  !  que  mal  sabe« 
Em   qHe  naufragi,   laboro  ! 
Sem  saber  de  ti  ,  sem  ver-tc, 
Sufpiro  ,  sofífço  ,  c  chêro^ 

h  Y  R  A. 
Posto   me  sinta 
Semare  a  morrer  é 
fió  para  amar-te 
t^guero  vÍTer«, 


(S) 


A  V  I  S  o  S, 

Vende-se  por  preço  cómmodo  liuma  espingarda  de  nova 
invenção,  não  tera  ponto,  nem  mira,  mas  sim  hum  espe- 
lho nas  costas  do  fuzil  :  o  caçador,  que  a  pu2er  diante  de  si 
a  prumo ,  logo  que  vir  no  espelho  a  caça ,  que  vai  por  ci- 
ma voando,  desfechará  ligeiro,  e  he  infallivel  cahirem-lhe 
as  perdizes,  cá  para  trás  das  costas. 

Victorina  'Iherez^a  de  Biscaia  perdeo  os  dias  passados 
Jiuraa  agulha  de  cozer  em  Hollatida ,  indo  buscar  hum  cesto 
de  palha  a  hum  palheiro  para  botar  huraa  gallinha ;  e  por- 
que a  dita  agulha  lhe  faz  grande  falta  para  as  suas  costuras , 
porque  se  dava  bem  côm  ella  ,  e  com  facilidade  não  encon- 
trará outra  ,  com  que  se  sirva  tanto  a  seu  gosto  ,  promctte 
boas  alviçaras  a  quem  lha  entregar  ,  porque  sabe  que  nesta 
Cidade  ha  gente  capaz  de  achar  huma  agulha  em  hum  pa^ 
Iheiro* 

Thomé  Ildefonso  dá  a  saber  ao  Público ,  que  a  bem  da 
Humanidade,  é  á  custa  de  grande  trabalho,  pôdedescubrir, 
que  dous  quartos  fazem  huraa  pipa ,  quatro  quartos  são  hu- 
ma folha,  huma  hora  tem  quatro  quartos,  de  quartos  se  faz 
a  Estalagem  para  commodidade  do  Povo,  a  belleza  de  huiq 
cavallo  ne  ter  bons  quartos  ,  com  quartos  se  carrega  hum 
bacamarte,  em  quartos  se  faz  muita  cousa  neste  mundo;  e 
porque  se  cançou  eiu  utilidade  pública,  avisa  a  todos  os  cu- 
riosos, que  para  o  quarto  que  vem,  quesaonoutes  de  Luar, 
nas  casas  da  sua  residência,  abre  a  sua  Aula  de  lições  espe- 
culativas a  respeito  de  quartos,  levando  por  cada  dúzia  de 
bjilhetes  hum  quarto  de  ouro. 

Os  moradoi*es  da  Penha  de  França  participao  que  elles 
promettcm  sgradecer  bem  a  quem  declarar  ondese  escondeo, 
ou  para  onde  fugio  o  Poço  dor  Mouros ,  visto  que  toda  a- 
quella  geirrc  depois  da  sua  fuga  o  procurao  de  balde. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  8. 
Com  lUença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS- 
P  ARTE      LÍV. 

Jogo  da  Pella  ^^  de  abril. 


E  lamentável  a  catástrofe  succedida  ao  realce  da   formo- 
sura ,    ver  como  a  pillida  doença  corn  o  mais  pequeno  toque 
da    sua    fria    mao    abate    do   seu  auge  a  belleza  das  creaiuias 
humanas,    sem   que  para  isso  concorra  o  tempo:    faz  ciiorar 
as    pedras,    ver  Inuna  Senhora  de  poucos  annos  ,    nesta  rua, 
como  a  desfigurou  a  moléstia  ,  que  padece  ,   por   cuja  causa , 
a   mandarão   tomar    os  aros  do  lugar  d^AppelJaçao  :  antes  da 
doença  era  muito  gorda  ,  muito  anafada,  fazia  três  barbas ,  e 
todo  o  corpo  á  proporção  de  bclla  era  huma  montanha  ;    ho- 
je  está   tão  abatida ,    que  tudo  nella  são  pelles ;    ao  pescoço 
huma  grande  tira  de  pelles  de  Petredizes  ;    nas  roupinhas  vi- 
vos de  pelles  de  Marta  ;    o  cnpote,    em  que  se  embuça  ,  for- 
rado de  pelles  de  Aimister ;  e  até  se  suppoe  que  está  pejlada , 
pois   sempre  anda  de  coifa  de  seda  cora  pelles  de  Arminho; 
roandão-lhe  os    Médicos   comer  pelles  de  bacalháo  ;    porque 
dizem  que  a  sua  moléstia  procede  de  se  pellar  por  ludo  o  que 
he  bom. 


5-4 


(O      ' 

Braga  zSula  Abrih 
Cofstífittãção  íiâ  Sonho  da  liba  d^s  Tafues, 
Muito  esp.'cial  Arcigo  n:eu  ,  e  muito  do  meu  cora-^ 
Çíio  ,  eu  lhe  desejo  felz  saúde,  muito  >dinheiro,  e  bons  bo- 
cados ,  que  esre  compoifo  fornia  o  enganoso  deleite  do  Mun- 
do, a  que  a  gente  nao  deixa  de  ter  o  seu  apego,  inda  que 
mal  entendido,,  pois  tudo  quanto  nelle  passa  o  homem  a- 
cordado  ,  vem  a  sahir  por  fim  de  contas  ,  o  mesmo  que  eu 
passo  sonhando;  porém  comoa  obrigação  he  viver,  ou  me-» 
nos  vivâ-se,  tomando-se  o  gosto  áquellas  cousas,  que  nem 
dao  ,  nem  tirão,  se  se  sabe  cora  prudência  usar  delias;  per- 
doará a  miásão,  mas  a  minha  melancolia  me.  faz  fallar  pelos 
cotovelios  •,  se  he  que.os  CQtovellos  tem  boca-:  vamos  pois 
dormir  no  passado,  para  continuar-mos  o  sonho.  Depois  que 
o  bom  homem  da  bolça ,  garrafa  ,  baralho ,  caclêa.^  espa^ 
da  y  e  mascara  SQ  separou  da  minha  vista,  voltando  eu  a- 
quella  rua  ouvi  de  humas  casas  huns  gritos,  com  que  todos  ■ 
íc  amoíinavão  ,  perguntei  aos  companheiros  o  que  era  ,  res- 
pondêrão-me;  aquclles  gritos  são  de  duas  Irmãs  i,  qut  des- 
compõe  sua  Mãi^  porque  tUa  lhes  prohibe  irem  fora  da 
terra  a  ver  huns  touros  ;  que  se  fazetn  pela  Festa  do  Es" 
piritô  òiafjto  em  huma  Villa  ,  que  fica  daqui  seis  léguas  , 
d  Mãi  as  convence  de  ^que  são  duas  m/ninas  donzeílas  sem 
Fai  ,  e  que  lhes  fica  muito  mal  andar  a  Mãi  com  as  fi-^ 
lhas  em  serãelkantes  festins^  fazendo  despezas y  cnobri-* 
^andoa  que  alguém  os  f^ça,  pois  he  jalta  de  decoro 
CO  seu  estado  \  porém  ellas^  que  se  enthusiasmdrão  de  que 
€7:Ao  Taful^s.^  e  são  ds  buma  condição  jorte  ^  e  desordena- 
da ^  fazem  aquêlle  alarido  insuffriíel  ,  e  todos  tem  dó  dj* 
que!  a  pchre  Mãi,  inda  que  lhe  pÕe  culpa  da  mimofa  crea^ 
çã(f  y  queJhes  deo  ,  então  disse  xoraigo,  aqui  se  vê  quãodil^ 
iicultoso  he  encaminhar  o  tronco  de  huma  arvore ,  depois  de 
CQ.pulenu,  e  immoveJ.,  se  em  tenra  se  lhe  não  deo  o  gei- 
tp  :  passei  adiante,  e  vi-^hum  homem  sentado  em  huma  vi- 
çosa lameda  ,  cqra  hjm  grande  Chafariz  cercada  de  assentos  de 
pedra,  e  os  Milords  da  Ilha  a  fazerera-lhe  Corte  ;  elle  a  fal- 
lar muito,  e  iodos  a  ouvillo  coma  maior  attençao.  Perguntei 
quem  era  ,  respondêrao-me  ;  aquelle  he  hum  homem  muito 
íékbre  desta  llha^  enterra  vi.os  ^  e  desenterra  mortos  ,  e 


<  3  ) 
U  hum  exacto  tom! o  de  tudo  o  que  aqiíi  suece/Jet  elkse  ex» 

pUcaquetrasina  imagina fão  hum  Mvstu  de  figuras^  e  sue- 
cessos  de  raridade^  hebum  gó^sto  oavillo  ^  ainda  qua pican- 
te ,  poss  não  guarda  úgoaç  a  ninguém  ,  ds  todos  heeòcuta- 
do,  e  todos  o  temem-,  porém  mosirao-lbe  bom  moiío  ^  a  ver, 
se  Ibe  escap^n  ,  segw:do  o  ait-ad') ,  no  bom  para  que  te  hoKrc  , 
e  ao  mdo  para  qr-ée  te  não  de s honre ,  e  com  isto  fíe^;r-céa  ^ 
que  se  presume  ,  que  nlguiwi  vez  lhe  darão  Cí'í^'0  d-  fundo 
com  que  quebre  ,  pr^is  ntc^mmette  os  mesmos  ,  com  qnem 
vive,  A  isto  respondi  eu  ,  quanto  melhor  lhe  seria  andar  só 
pelos  defuntos ,  c  ausentes.  Fui  caminhando,  echegou-séa 
mim  hum  homem  alço,  estrangeiro,  de  casaca  muito  esfarra- 
pada ,  rnas  com  idioma  que  eu  percebia  ,  puxou  d'um  vidro 
d'algibeira  cheio  de  certa  agoa  ,  com  huma  receita  impressa  , 
a  ver  se  cu  queria  conp-ar ;  perguntei-Ihe  de  que  servia  ,  res- 
pondeo-me  ,  he  hum  remedia  ,  que  eu  só  faço  de  mistos  ra^ 
ros  ,  que  tira  febres  y  inftgestoes  ^  jlatos  ,  dores  it tricas^ 
gota  ,  dor  de  cabeça  ,  dor  de  ouvidos  ,  frieiras  ,  panaria 
zios  y  pleurizes  ^  defluxos  ,  dor  de  peito  ,  cnhs ,  ictericia  , 
accidentes  ,  sezões  ^  bexigas  ^  tinha  ,  carbúnculos  ,  entra" 
zes  y  sarsja  y  dor  de  pedra y  moléstias  célticas  y  e  sangue 
pela  boca ;  estive  em  Londres  ,  na  China ,  na  Rússia  ,  nd 
Itália  y  no  terú  ,  e  outros  muitos  Reinos  ,  o>íde  fiz  rnara' 
uilhas.  Perguntei  quanto  custava,  respondeo-me  ,  que  huma 
peça  pela  diffícuidade  do  seu  composto.  DisszAhe  ^  que  era 
muito  caro  ,  veio  descendo  de  preço  de  tal  forma  ,  que  chegcu 
a  seis  vinténs;  então  lhe  tornei  ;  pois  nem  assim  me  Jaz  ron» 
ia  ,  porque  a  andar  v,  m.  por  onde  me  tem  dito  com  remédio  , 
que  serve  para  tudo  ,  não  havia  v,  m,  andar  em  figura  de  não 
servir  pura  nada.  Virou  costas,  e  eu  também  virei,  e  pas- 
sando por  humas  janeljas  baixas  de  grades ,  em  huma  delias  li  es- 
te letreiro  :  tese  a  tolos  ;  olhei  para  dentro  ,  vi  huma  grande  rae- 
za  toda  rodeada  de  Tafues ,  dobrando  a  orelha  á  sóra ,  e  hum 
muito  aceado  com  hum  monte  de  peças  diantede  si,  desfulhando 
hum  pequeno  baralho  ,  e  a  cada  carta  que  tirava  ,  hia  coçar  a  dos 
circumstantes  com  muita  seriedade:  logo  tratei  de  resto  tempo  tão 
mal  empregado  ,  dizendo  comigo  ,  se  o  vidro  do  Estrangeiro  cu- 
rasse esta  moléstia  ,  que  preço  náo  teria  ,  pago  pelos  Pais  destes 
Tafues.  Mais  extenso  quizera  ser ,  porém  sinto-me  bastante  af- 
frouxado,  porque  o  tempo  por  cá  anda  muito  irregular ,  de  que  a 


minha    cabeça    he    reportório,    e   para  o  Correio  que  vem, 
lhe  farei  ver  o  mais  que  falta  j  hc  seu 

P«  S.  Amigo  verdadeiro  e  do  Coração 

Muúo  prezei  a  lembrança  das 
suas  meninas  ,  a  quem  fardcer" 
ta  a  mijíba  estimação. 

(Assignado)  D.  Sonho  Sonhe. 

Máximas   do  Velho  de    Romulares  continuadas  nu  maior 
Farte  destes  Folhetos. 

Porque  hei  de  eu  julgar  tão  mal 
De  encontrar  huma  crearura^ 

Ou  porque  níío  faz  figura  ; 
Ou  porque  não  tem  real  ? 

Se  ella  poderá  ser  tal , 

Que  vendo,  que  me  enganei, 

Julgue  de  mim  cora  certeza, 

O  quanto  eu  delia  juigei. 
Grande  cousa  he  fazer  versos. 

Melhor  seria  entendellos  ; 

Que  ha  Leitores  tão  diversos, 

E  algum  tão  rude  se  topa  , 

(Jue  quando  se  poe  a  lellos , 
- —     Caida  que  he  o  rol  da  roupa. 
Se  fores  ao  confeiteiro 

Calda  d'abobra  comprar , 

Olha  que  te  hão  de  lograr ; 

Pois  compras  por  icu  dinheiro 

Calda  de  todos  os  doces , 

Cuja  perdida  doçura, 

Mais  arruina  ,  que  cura. 
Se^  era  Botica  mal  provida 

Arrobe  de  amoras  queres, 

Nova  lograrão  te  coube; 

Prcgão-ta  de  irona  e  maço  j 

Porque  te  dão  por  arrobe 

HííiR  mal  fciviúa  melaço. 


Ríia  dn  Atalay/i  30  ãe   AbrlU 

O  nosso  sábio ,  e  esttídioío  ,  ^ue  tem  cor.thuado em descu- 

hrir  a    erigem  de  algumas  palavras  ,    de  que  muita 

gente  se  serve  ,  stm  sabe?  donde  nascer  ao  ,  of* 

ferece  n  seguinte  Dissertação, 

Gs  vai-vens  da  fortuna  quebrão  mil  vezes  o  fio  dos 
progressos  Literários,  eraprelicndem*se  obras,  que  odesasso- 
cego  de  espirito  atalha  ,  e  seus  aiuhores  muitas  vezes  nao 
concluem  ,  deixando  os  quadros  apenas  com  os  pequenos  tra- 
jos ;  eu  tomei  a  empreza  de  acabar  algumas  obras,  que  te- 
nho visto  imperfeitas ,  e  gastei  a  mocidade  na  indagação  da 
Origem  dos  dicterios  Portuguezes,  e  iiuma  boa  parte  delies 
já  me  não  são  ignotos!  já  expliquei  o  que  era  dar  com  tudo 
em  pantana  ',  essa  he  de  Oeiras^  cu  de  Cabo  de  Esquadra: 
disse  das  bogas  ^  &c.  Tratarei  agora  da  origem  de  se  dizer : 
caros  alhos  Compadre  :  não  níe  peça  dtmazias  :  sabe  a 
gaitas :  Vtlho  gaiteiro  :  e  anda    em   papos  de  aranha. 

Hum  homem  sabendo  que  seu  Compadre  hia  á  Feira  ; 
deo-Ihe  huma  peça  ,  por  não  ter  outro  troco  ,  para  lhe  com- 
prar duas  navalhas  de  meio  tostão,  huma  vara  de  panno  de 
linho  de  doze  vinténs  ,  três  va»as  de  fita  preta  de  três  vin- 
téns,  e  quatro  resteas  de  aljios :  o  Compadre  qaando  veio, 
trouxc*Ihe  todas  as  encoramendas ,  mas  não  lhe  deo  demazia  j 
o  outro  deixando-se  de  comprimentos,  pedic-lhe  o  resto,  a 
que  o  Compadre  respondeo  :  não  me  peça  demasias ,  por- 
que  duas  navalhas  a  50  réis  fazem  ico ,  com  i^odepan" 
no  faz  dezesete  ,  com  três  raras  de  fita  a  60  reis  faz 
520  ,  ^  o  resto  foi  o  que  custarão  as  quatro  resteas  de  a^ 
lhos  y  a  que  v.  nu  não  estipulou  preço  ;  respondeo  o  outro 
Jogo  ;  caros  alhos  Compadre  ;  e  porque  este  caso  foi  públi- 
ca, daqui  vierao  os  dous  ditos. 

Todos  os  homens  antigos  linhao  por  costume  aprender 
a  tocar  gaita  ,  mas  pelas  suas  distracções  nunca  vinhao  a  ser 
perfeitos,  senão  quando  erlo  veliios,  e  então  como  já  o  seu 
loque  não  enfastiava  ,  tocavao  continuamente  ;  como  isto  era 
quasi  geral,  em  se  vendo  hum  vtlko  ^  Já  lhes  chamavao  ga'- ^ 


(O 

tetro:  e  como  a  estes  homens  nada  mais  lhe  agradava  que  ò 
toque  da  sua  ^aita  ,  e  hc  uso  rodos  tirarem  as  comparações 
do  Officio ,  de  que  fazem  vida,  como  v.  g.  o  Marujo, 
quando  quer  dizer  que  chegou,  diz:  fiz  hum  bordo ^  quan- 
do quer  dizer ,  Fulano ,  vai  depressa  ,  diz :  leva  xento  em 
fep^y  Síc, ,  assim  esres  tocadores,  como  achavão  tanto  sabor 
no  seu  toque  ,  quando  explicavão  que  alguma  cousa  lhe  sa- 
bia bem  ,  logo  diziao ;  sabe  a  gaitas* 

A  aranha,  insecto  bissexo  ,  na  soa  propagação  íórraa 
huns  .pequenos  saccos ,  ou  papos  cheios  de  humor  espremati- 
co,  donde,  passados  alguns  tempos,  nascem  immensos  ara- 
nhiços; porém  primeiro  formão  huma  lêa,  donde  os  pendu- 
rão  ;  mas  as  criadas  ie  servir  quando  varrem  a  caza,  eni 
vispando  estes  papos,  pregao-lhe  tamanha  vassourada,  que 
os  lanção  pelos  ares  com  lêa,  e  tudo,  e  por  isso  quando 
algucm  anda  de  esquentilhão,  ou  faz  alguma  cousa  depressa, 
atabalhoadamente,  Iogo.se  lhe  diz  :  que  tudo  vai  em  papos 
de  aranha. 

Tem  sido  huma  porcada  a  fallacia  ,  que  tem  havido  a 
respeito  da  advinhação,  que  principia  :  Eu  a  todos  sou  pe^ 
zaJQ  :  impressa  na^Parte  LII.  destes  Folhetos,  e  o  Editor, 
que  se  tem  visto  doudo  com  perguntas  dos  curiosos  ,  man- 
dou chamar  o  moço  do  Poeta  ,  entadou-ss  com  elle;  porque 
lhe  nâo  havia  dizer  logo  o  que  aquillo  era  ;  até  que  final- 
mente se  descartou,  dizendo,  que  era  hutn  porco ^  e  de  ca- 
minho entregou  a  seguinte  quadra  ,  e  disse  que  não  era  o- 
bra  sua  ,  porém  que  a  achara  em  huns  papeis  de  hum  Ami- 
go seu ;  seja  como  for ,  he  a  mais  bem  glosada  quadra  que 
se  tem  visto. 

A  mais  heróica  fineza 

Qual  pena  deve  escolher  ; 

Se  Der  morta  a  prenda  amada , 

Se  vella  n*outro  poder  ? 

GLOSA. 

I. 

Entrei  no  Templo  de  Amor , 
Vi  seu  Sacerdote  tero , 
Vi  esse  Numen  severo, 
Que  a  lodos  causa  pavor: 


(7) 

Quiz  fallar-lhe ,  e  tal  honor 
Concebeo  a  Natureza , 
Que  a  voz  na  garganta  preza 
Me  ficou  ,  quando  queria 
Saber  delle  qual  seria 
A  mais  heróica  fineza, 
11. 
Era    o  Throno  Diamantino, 
A  iium  lado  chararaas  ardiao, 
Ao   outro  grilhões  rugião 
Arrastados  de  conlíno : 
Vi  o  zelo,  monstro  indino , 
Suas  entranhas  roer, 
E  a  Impiedade  seu  poder 
Alii  estava  exercitando , 
Ao  mesmo  Amor  ensinando. 
Qual  pena  deve  escolher^ 

Então  decretou  Cupido , 

Saber  o  que  eu  pertendia, 
E  ao  Ministro  seu  dizia, 
Que    fosse  eu  por  elle  ouvido: 
iiábio  Mifiistro  de  Gvido  , 
Lhe  disse,  com  voz  turbada, 

Quero   comuosco  int  rança  da 

Hum  a  questão  dissolver  , 

Se  he  vielhor  zelos  soffrer  ^ 

Se  ver  morta  a  prenda  amaàa* 
IV. 
O  Ministro  vacilou, 

O  zelo  de  novo  ardeo, 

A  impiedade  se  esqueceo 

De  seu  officio,  e  pasmou  : 

De  novo  Amor  consiéVou 

Qual  era  mais  de  temer , 

Disse :   l^ão  sei  resolver 

Qual  deixa  a  Alma  mais  ferida  ^ 

òe  ver  a  amante  sem  vida , 

4$*^  vella  n^ outro  foder. 


(8) 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  a  nova  Arte  dd  caçar  Pombos  Troc^<zes  , 
obra  posthuma  ,  e  dada  ao  Prelo  pelo  seu  Autlior ,  o  qual 
depois  de  pon-ierar  os  iaconvenicntes,  e  cançassos  dos  caça- 
dores, que  de  ordinário  perdera  o  seu  rerapo  ,  sem  conse- 
guirem apanhar  a  abundância,  que  desejão  destes  pássaros, 
por  sua  natureza  espantadiços ,  passa  a  rucsrrar  no  mesmo  li- 
vio  huma  idéa  de  os  piliur  vivos,  e  ficarem  logo  em  ar  de 
se  porem  a  tiracolio:  e  vem  a  ser,  que  estes  pássaros  são 
perdidos  por  bolotas ;  mande  o  curioso  ferver  bolotas  cora 
ruibarbo,  maná,  e  sêne,  e  prenda' a  cada  huma  bolota  huma 
linha  bera  forte,  e  comprida,  e  esta  S€  prenda  ao  tronco  de 
hum  sobreiro  ,  e  se  deixe  só  ;  porque  o  pombo  chega  ,  come 
a  bolota,  que  acha  no  chão,  e  fica  prezo  na  linha  como 
peixe  em  an^ol :  he  então  natural  que  os  purgantes  ,  em  que 
a  boloia  ,se  ferveo ,  o  fajão  escarmentar  a  mesma  bolota,  e 
fica, deste. modo  o  pombo  todo  enfiado  na  linha  desd«  o  bico , 
até  á  cauda  ;v  vem  outro  pombo ,  ^  succede-lhe  o  mesmo  cora 
a  mesma  bolota  ,  e  vindo,  outro^  e  outrQ,  vem  o  cajador  no 
fim  do  dia  a  achar  lo  ,  e  12  enfiados  na  referida  linha  ,  que 
kvando-os  a  tiracolio,  terá  huma  cêa  de  gosto,  o  que  tudo 
melhor  se  explica  na  mesma  Arte.  Esta  obra  foi  lida  em  voz 
alta  na  casa  dos  Orates,  onde  mereceo  muita  acceitaçâo  de 
todos. 

Na  esquina  do  beco  da  calçada,  virando  para  a  rua 
direita  ,  se  esiabeleceo  de  novo  huma  Fabrica  de  Cartas  de 
todas  as  qualidades,  com  sortimentos  de  Portuguezas ,  Fran- 
cezas  ,  Hespanholas  ,  Cartas  de  marear,  Cartas  de  Guia, 
Cartas  de  Examinação,  Cartas  de  Amores,  etc.  Quem  se 
quizer  descartar  dos  seus  vinténs ,  alli  poderá  fazer  vaza  a 
seu  contento. 


LISBOA.    NA  OFFIG  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

181' 8. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço^ 


E 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LV. 

Mrantes  y  de  Mah. 


iScrevem  desta  Villa ,  que  por  effeitos  de  hum  rigoroso 
Inverno,  c]ue  alli  se  reai  sentido,  se  tem  igualmente  experi- 
mentado intensíssimos  frios;  e  succedeo  que  dous  visinhos  ,  a 
semana  passada ,  os  quaes  morão  no  alto  da  rua  da  Esperança  , 
querendo  conversar  pela  manha  cedo  das  janellas ,  por  mais  que 
gritavâo,  nao  se  ouvia  hum  ao  outro  ;  porque  até  as  pala- 
vras se  congelavâo  ao  sahir  das  bocas  ;  e  como  teimassem  na 
conversa  por  muito  tempo  ,  sobrevreio  hum  Sol ,  que  derreten- 
do aquella  chusma  de  palavras,  se  ouvio  huma  tempestade  de 
vozes  confusas ,  que  assustou  toda  a  gente  \  e  o  que  he  mais 
de  admirar,  hc  o  socego,  em  que  ficarão  as  mulheres  da- 
fluella  rua  ,  que  ha  dias  parecem  mudas;  porque  como  o  frio 
faz  aquelles  effeitos  nas  falias ,  não  podem  murmurar  con- 
forme o  seu  costume ,   e  vivem  por  agora  no  maior  vexame. 

Arcos  das  Aguas  Livres  3  de  Mato. 
A  idéa  dos  homens ,   que  não  descança  de  fazer  repre- 
senta jÕcs  de  facilidade,  encanta  de  tal  sorte  os  mesmos  ho* 
55- 


mens  ,  que  rriuiros  nao  socegao  ^  em  quanto  níío  conseguem 
o  exiro  ,  seja  qual  for,  do  seguimento  dos  seus  projectos: 
hum  temerário  sujeito,  poréiU  de  agudo  engenho,  vendo  em 
líuma  sala  pintada  em  azulejo  a  tentura  de  Ícaro  voando,  em 
quanto  scnao  derreterão  a»  azas  ,  è"  vendo  jUntamente  como 
Dv^dalo  principiava  a  formar  o  seu  vóo  ,  sobre  o  monte,  in- 
flammou-se  o  bom  homem  de  tal  sorte  com  esta  vista  ,  que 
Jogo  alli  promette©  a  dous  amigos,  de  pôr  por  obra  o  mes- 
mo pensamento,  sem  mais  causa;  que  a  prcsumpçno  de  os 
desbancar;  sàhio  da  sala  com  a  companhia  ,  vierão  ao  Rocio, 
entrarão  em  huma  loja  de  bebidas  ,  almoçarão  f^/6'',  hum  dei- 
Jcs  dizendo  muitas  graças ,  c  muito  pf(oso ,  e  sahindo  daili 
se  encam.inbáráo  ás  gallinheiras  da  Ribeira  Velha,  onde  o 
Amigo  cnthusiasmado  fez  hum  grande  sortimento  de  pennas 
de  Peru,  comprou  quatro  folhas  de  papelão,  cordel  de  bar- 
bante, goma  de  libeque,  foi  para  casa  com  este  trem,  e  fez 
dous  camidos  com  válvulas,  e  contra  válvulas  para  attracçao 
do  ar,  receo  sobre  ellesasazas,  fez  huma  famosa  cauda  ,  que 
atou  pela  cintura  ,  regulou  o  pezo  de  toda  a  m.áquina  ,  o  quaL 
augmentava  ,  e  diminuía  com  tiras  de  papel,  fez  a  experien-- 
cia  ,  e  conheceo  que  o  ar  o  sustentava  librado,  e  o  deixava 
mostrar  ao  mundo ,  que  sem  o  auxilio  do  gaz  ú\q  se  elevava 
a4é  onde  a  siia  direcção  quizesse :  escolheo  dia  para  mostrar 
o  promettido 5  convidou  os  seus  amigos,  despedio-sedos  que 
tinha  presente,  e  foi  aos  ares  batendo  as  azas  com  tanta  fe- 
licidade ,  que  todos  os  apaixonados  llie  derao  vivas  :  a  esta 
grita  melhorou  de  animo  ,  dobrou  o  voo,  e  a  afouteza ,  de 
^iie  era  doutado,  ilie  dava  toda  a  segurança-,  e  em  raern^sde 
huma  hora,  entranhando-se  pelos  ares,  ^desappareceo :  pas- 
sados dous  dias  ,  vimdo  o  Almocreve  das  Petas  pela  estrada 
de  Bem.fiCa  ,  encontrou  o  postilhão  de  Apollo,  o  qual  Iheen* 
Tregou  iiuma  carta  do  dito  voador,  que  era  para  hum  seu  a- 
migo,  a  quem  noticiava  a  sua  jornada,  incumbio-se  o  Almo- 
creve da  entrega,  que  logo  fez,  cuja  carta  he  a  cópia^  se- 
guinte* 

Cópia. 

Amigo,  por  effeitos  da  emulação  causada  pelo  que  vi 
em  hum  azulejo  ,  sem  me  lembrar  que  hia  muito  do  vivo  ao 
pintado,  xm  dispuz  com  muito  gosio  a  fazer  aininliaraáqui-? 


na  para  gyrar  a  Esfera,  de  que  estou  bastante  arrependido, 
pois  não  tirei  o  fructo ,  que  perfendia  ;  e  querendo  baixíír,  o 
TLT  mo  nao  tem  permittido  ;  não  sei  ainda  o  que  farei,  por 
agora  ffle  vali  do  Arco  íris,  onde  tenho  descançado  neste  in- 
tervallo  de  tempo ,  servindo-me  de  consolação  ter  por  cá  encon- 
trado rauitOB,  que  se  tem  enganado  nos  seus  projectos  ,  bem 
^omo  a  mim  me  succedeo.  Tenho  admirado  o  ver  a  fábrica 
dos  raios,  as  cacimploras  dn  Neve,  o$  folies,  que  agitao  o 
ar,  e  outras  muitas  cousas,  ti  pczar  de  me  escapar  ver  algiv 
Tnas  ,  por  nio  ter  óculo  de  ver  ao  longe.  Aqui  me  appareceo 
D  Baiã^  d€  Boims  Arex  ^  querendo  ligar  amizade  comigo, 
òffereceo-me  Café,  que  era  mesmo  huma  agua  de  castanhas , 
que  não  pude  tragar:  se  ime  offcrecesse  licor,  mais  Ihoagrc- 
deceria  ,  para  resistir  aos  frios,  que  aqui  sinto,  porque  de 
C<j/^  sou  eu  farto  Id  -em  Lisboa  ,  e  inda  suspiro  pela  nossa 
«ociedade,  que  espero  que  seja  cedo.  Dareis  saudades  a  todos 
viue  por  mim  perguntarem.  Sou  vosso  servo. 

(  Assignado  )  ícaro  IL 

Brag4i  5  de  Maio. 

Ultima  continuação  do  sonho  da  Ilha  dos  Tafues  pelo  Ca- 
valheiro dos  pezadellos  a  hum   seu  Amigo  de  Lis- 
boa na  seguinte  Carta. 

Estimadíssimo  Amigo ,  he  já  tempo  de  pôr  termo  ao 
•neu  sonho  da  Ilha  dos  Tafues  com  esta  Carta  ,  em  que  satis- 
arei  com  o  resto  do  mesmo  sonho,  desvaneeendo-me  muito 
da  graça,  que  v.  m.  lhe  tem  achado,  por  se  assemelharem 
algumas  cousas,  das  que  eu  vi  dormindo,  com  muitas  das 
que  V.  m.  tem  visto  acordado  por  esse  mundo  velho,  onde 
a  variedade  de  acontecimentos,  génios,  e 'figuras  ,  compõe 
o  grande  livro  da  Lição  Pública  nas  miudezas  da  vida  ;  que 
bonita  cousa  não  he  ,  ver  hum  homem  embriagado  ,  caminhan- 
do por  longa  praia  ,  batcndo-lhc  a  maré  por  meia  perna  , 
sem  a  sentir,  e  rindo-se  do  que  vai  pela  estrada  enxuta  ?  as- 
sim andamos  todos  embebidos  em  errados  systemas,  moldan- 
do aos  outros  muitas  das  engraçadas  críticas,  que  em  nós  tal- 
vez melhor  asseatarião  j   era  fim  he  mundo ,   onde  todos  jo- 


'  (  4  ) 

gao,  e  poucos  saben'i  fazer  a  sua  vaza  :  vamos  a  aca-baroso- 
Jiho  5    e  veremos  depoii;  se  com   elie  acórdão  alguns  dos  que 
dormem  nos  vicios ,  que  se  me  tem  figurado.  Apenas  me  se- 
parei da  janella  de  grades,    onde  vi  o  esperto  Banqueiro  ar- 
iTiPndo  aos   ratos,    cheguei  a  hum  grande  Rocio,  que  linha 
no  meio  hum  obelisco  de  extraordinária  altura  ,  posto  em  hu- 
ma  base  de  pedra  quadrada  ,  e  em  huma  das  faces  se  mostra- 
va,   como  emblema,    a  figura  da  soberba ^    do  interesse  ^  da 
murmuração  ^  e  da  vingança^  conduzindo  a  verdade  para  a 
borda  de  hum  poço;  perguntei  o  que  significava  aquelia  me- 
íiioria,.e  foi-me  respondido,    que  como  aquelia  Ilha  era  a- 
bundante  de  Tafues ,  se  fa^ia  preciso  aquelle  espelho,  a  fim 
de  que  elevados  na  tafularia  ,  não  perdessem  da  lembrança  o 
ser  de  homens  de  bem.  ?Vletti-me  por  hum  beco  bastante  es- 
treito ,  quando  de  huma  janella  de  hum  saguão,   ouvi  huma 
gritaria  com  estas  palavras:    Eu  te  arrenego  Diabo  \    querâ'^ 
7'em   de   huma   criada   qu^    não   chegue   ã  janella,  a.  tomar: 
ar  !  não  me  credrão  assim  ;  se  a  louça  estupor  lavar ^  o  trd^ 
halho  eu  he  ,qne  o  faço  ^  d  noute  a  lavaria^  ou  d  mauhã:,  q-: 
vim  a  colligir ,  que  erão  estas  vozes  de  huma  criada  de  ser-- 
vir ;  a  isto   sahio  a  Ama,    dizendo:  He  huma  porca  ^  huma 
enxuvalhada ,  e  fazendo  que  minhas  filhas  tamhem  o  sejão ,  , 
rã:0   quero  taes  exemplos  ^  por  isso  os  pratos  para  a  Me^a 
trazem  selada  .i€  escamas  de  peixe  pegadas  da  noute  antece^  • 
dentei  já  te   não  posso  fazer  boa  ^    o  teu  ponto  he  dormir^ 
comer  ,  e  janella  ,  e  ordenado  que  corra  ,    aturando  a  gente 
todos  os  dias  visitas  da  velha ,  que  cã  te  pGZ ,  que  depois -que  tal 
Síiccede  y  vai-ss  em  hum  instante  o  azeite^  e  o  toucinho  ^  an 
lém  da  roupa  que  se  some  \  tornou  a  criada  ,  í2  mulher  ^  que 
me  inculcou  ninguém  tem. que  lhe  dizer  ^  sérvio  no  seu  tempo 
hoventa  e  oito  casas  ,    e  só  foi  preza  huma  vez.,  por  lhe  a^ 
charem  em  casa  dofis  haús^  que  ella  não  sabia  que  os  tinha  \ 
he  muito  honrada. ,    e  fiel ,  e  se  eu  lhe  não  sirvo ,  não  ponha 
a  boca  em  ninguém  ,  qtéerorme  ir  embora^  mande^ma  chamar  i 
nunca  estou  melhor^  que  quando  estou  na  sua  casa  ,  hamui^it 
ta  castanha  que  se  venda  ^    muita  louça  da  Panasqueira  ^    e 
nwito  em  que  se  g-anhe  a  vida  pela  rua  em  liberdade  honra^ 
damente  ,    não  sou   nenhum  peixe  pozlre\    sahio  logo  a  Ama^ 
jâ  e  já  :   Deos  perdoe  a  quem  tem  dó  de  filhas  alheias  ,  que  só 
ÍMSCjão  fi.  SHa  perdição]  veto  .de  capa  emprestadíi ,  e  jáj?a  da 


levar  trotaca,  Ficavíl  ao  pé  de  mirn  Inim  moço  a  jjiin^a  por- 
ta rachando  lenha,  nao  sei  que  geito  deo ,  que  lhe  saltou  o 
ferro  do  machado  ,  o  qual  acertou  com  a  minha  testa  ,  e  cora 
a  força  da  dor  ,  e  do  susto ,  acordei  ,  e  achei-rae  no  meu 
Jeito  muito  dcscançado,  e  louvei  a  Deos  o  ter  sido  mentira 
tudo  quanto  tinha  sonhado;  se  eu  tiver  outro  pezadello ,  fa- 
rei outra  narração,  confessando  sempre  ser 

P. S.  De  V.  m.  o  mais  íntimo  Amigo,  e  criado 

'De  Hj  ar  et  que  v»  w. ,  e  essa  mi' 
nha  Senhora  venhão  a  esta  Lu  - 
Áade  para  o  Verão, 

(Assignado)  D»  Sonho  SònhèJ^ 

De  Viana  do  Minho  mandarão  ao  Editor  a  seguinte 
Garta ,  producção  de  hum  génio  jovial ,  e  como  não  deixa 
cie  ter  sua  graça  ,  o  Editor  a  poe  a  público  ,  assim  como  a 
recebeo. 

Senhor  Editor  do  Almocreve  de  Petas  ,  depois  que  o 
pluvioso  Astro  evacuando  as  suas  inflammadas  bochechas  , 
com  tanta  pressa,  que  parecia  trazer  fogo  no  rabo,  e  fican- 
do de  boca  aberra  para  esta  Provincia ,  nos  enviou  hum  dilu- 
vio de  agua,  tive  então  eu  a  opportunidade  de  pilhar  na  en- 
xorrada  hum  embrulho  de  papeis ,  que  todos  tinhão  por  ti- 
tulo ,  Almocreve  de  Petas  ,  e  como  era  fazenda  nova  nesta 
Terra  ,  levado  de  hum  espirito  curioso ,  que  necessariamente 
deve  animar-me,  visto  ter-sido  creado  com  letra  redonda,  e 
feito  nas  Bcllas  Letras  progressos  taes  ,  que  tenho  merecido 
aos  caracterizadores  dos  homens  sábios  o  honroso  epitheto  de 
Pai  velho  ,  que  v.  m.  muito  bem  ha  de  conhecer  ,  levado 
pois  da  minha  adventicia  curiosidade,  principiei  a  Jer  es  taes 
folhetos  ,  e  não  acabei  senão  no  fim  ;  mas  a  tempo  que  já 
estava  com  o  queixo  á  banda  ,  e  a  baba  de  mais  de  palmo 
cada  fio. 

Nío  foi  motivo  da-  miníia  admiração  ,  e  extática  pas- 
maceira ,  ver  eu  unido  em  v.  m.  tudo  quanto  nos  deixarão  em 
conceitos  os  nossos  antigos  Historiadores,  foi  sim  observar 
a. delicadeza  de  tintas,  com  que  v..ra.  impingia  tanus. petas  : 


mascaradas  era  verdades,  e  tantas  verdades  em  ar  de  petas; 
por  este  beneficio,  que  v.  in.  faz  ao  público,  ficará  o  cavnl- 
Jiniio  para  o  futuro  mais  alto  que  v.  ni.  o  pôe ;  eii  também 
se  quizesse  concorrer  para  huma  barrigada  de  riso,  era  pôr 
em  letra  redonda  hum  caso ,  que  me  succede  :  ora  sempre 
lho  conto,  mas  nâo  nomeio  o  Machacaz.  Hum  estudante  de 
Latim ,  depois  de  ter  andado  alguns  annos  cora  vários  Mes- 
tres, ultimamente  tem  feito  comigo  ta  es  progressos,  que  pe- 
ga na  iSekaa  primeira ,  e  lê  hum  §  principiando  a  traduzir 
com  tanta  graça,  que  faz  escangalhar  os  companheiros  cora 
riso.  O  mesmo  estudante  pertende  dar  á  luz  o  systema ,  por 
ondeie  tem  adiantado  tanto,  e  de  próximo  mandando-lhe  eu 
traduzir  os  seguintes  Versos ,  o  fez  como  v.  m,  verá. 

JVi?  Jmeros  coram  populo  Medea  truàdet , 

Âut  huniãfía  falam  coqiíat  exta  nefarius  At  réus. 

'í/iP  para  que  não  M<?í/^/?  molhe  trmidet  torcidas  popu^ 
h  de  pao  de  ló  coram  çàraâp  ptíeros  nos  púcaros,  Àat  ou 
Atreus  o  atrevido  coquat ..  de  coques  palam  com  o  páo  huma- 
na  íK)S  humanos  txta  que  estão  mfarius  alfarios. 

Finalmente  como  v.  m.  faz  ao  público  muito  úteis,  € 
saudáveis  avisos  ,  também  lhe  advirto  ,  para  v.  m.  passar  re- 
cado ,  que  quem  quizer  empregar  as  tardes  em  hum  diverti- 
TTiento  o  mais  innocente  ,  e  barato,  porque  se  não  paga  na- 
da ,  antes  se  leva  para  casa  ,  vá  á  praia  apanhar  conchinhas  , 
e  na  observação  da  sua  variedade  contemplará  as  raridades  da 
inatureza  ;  perdoe  a  extensão  ,  e  a  despeza  ,  em  que  o  raetto, 
porém  como  eu  pago  dous  Pintos  pela  assignatura ,  pague 
v.  m.  duas  de  dez,  e  ficamos  bem.  Para  o  outro  Correio  pa- 
gará o  mesmo  até  liquidarmos  a  conta  ,  porque  he  ditado 
antigo,  que  a  grão  a  grão,  &c.  Nada  mais  de  comprimen- 
tos ,  porque  inter  amicos  mn  datur  ^irigonça. 

Viana  do  Minho  neste 
mesmo  mez  de  98, 

(  Jlssigi2ado  )  Ego  sum. 

.  O  Moço  do  Poeta  aqui  chegou  com  muita  pressa ,  a  tra- 
zer para  o  presente  Folheto  o  seguinte  Enigma  ,  cora  presura- 


(  7) 

pç^o  de  que  estes  nnsgances  de  bom  gosto  h^o  de  ficar  era 
jejuiu  ,  por  mais  que  trabalhem  na  sua  intelligencia  ^  ei-lo  que 
chega. 

Duas  plantas  se  desfazem , 

Se77do  de  huma  a  outra  esptlbo  \ 

Delias  huma  adoça  o  moço , 

CuênUo  a  outra  alenta  o  'vdho. 

Hum  curioso  d'agua  doce,  a  quem  certas  Senhoras  de- 
rao  o  seguinte  Mete ,  desempenhou  a  sua  Glosa  pela  forma , 
que  vv.  mna.  verão. 

MOTE. 

A  doce  lei  da  ternura, 

GLOSA. 

Vamos,  Nynfa  ,  ao  Sacro  Templo^ 
Onde  Amor  império  tem, 
Porque  alli  veremos  quem, 
Nos  deve  servir  de  exemplo : 
Lá  mil  amantes  contemiplo, 
Cantando  a  sua  ventura  ^ 
Sim  5  meu  bem ,  Amor  procura , 
E  verás  ,  querida  Anarda  , 
Que  fructos  tira  quem  guarda 
A  d(^e  Iti  da  ternura. 

Ao  mesmo. 

Como  queres  izentar-te 
Pastora,  de  Amor  sentir! 
Se  para  delle  fugir, 
Já  senão  descobre  arte : 
Elle  impera  cm  toda  a  parte, 
Fere  a  todos ,  que  procura  j  . 

E  nesta  mesma  figura 
Por  effeitos  naturacs , 
Aprendem  os  anin  aes 
A.ÁQuWt  doiJernura. 


(8) 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  O  Mestre  de  Obras  ^  ou  allcerse  seguro 
fava  muros  de  taipa  ,  4  volumes  ornados  com  suas  estampas 
de  parede  velha  ,  vende-se  na  rua  das  Taipas ,  no  fim  da 
Muralha. 

Monsieur  Capelai  fez  hura  novo  invento  ,  productodos 
seus : grandes  estudos,  e  consiste  em  huma  máquina,  para  se 
lavrarem  as  terras,  sem  occupar  gado  ,  armando  no  lugar  dos 
bois  duas  vélns  de  panno,  que  soprando-lhe  o  vento,  corre 
o  arado  com  velocidade ,  como  cada  hum  quer  :  este  inven- 
to já  foi  aprovado  nas  Academias  do  Japão.      ' 

Vende-se  hum  fino ,  e  delicado  vestido  feito  todo  de 
azas  de  aioscas  ,  obra  prima ,  que  huma  Brazileira  fizera  pa- 
ra divertir  a, preguiça  j  quem  o  quizer  comprar,  n^o  perca 
tempo ,  e  no  caso  que  ppr  alguma  demora  se  ache  já  vendi- 
do o  de  azas  de  moscas^  ha. outro  de  azas  de  páo,  feito  pe- 
la mesma  x\uthora  ,  que  não  deixa  de  ajustar  melhor  ao  cor- 
po. 

Avisa-sc  a  todas  as  Senhoras,  que  por  falta  de  educa- 
ção não  souberem  fiar,  e  quizerem  cora  facilidade  aprender 
esta  prenda,  pois  he  a  primeira  herança  dos  nossos  Pais, 
que  fallem  na  Ribeira  Velha  era  huma  loja  de  miudezas  ,  a 
qual  tem  por  cima  da  porta  este  letreiro  :  boje  não  se  fia , 
á  manhã  sim;  e  faz  este  aviso,  porque  também  tem  dias  fe- 
riados. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS- 

I  8  I  8. 
ijCom  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Pafo. 


o 


ALMOCREVE   DE   PETA& 
PARTE      LVL 

Chefias  24  de  AhriK 


S  cachos  de  uvas  com  barbas  ,  que  nos  nossos  tempos  fo- 
rão  vistos  em  hurtia  quinta  para  sete  Rios,  investiga ndo-se  a 
causa   desta  impensada  producção,    e  combinando-se  a  liga, 
que  a  natureza   faz  das  plantas  com  os  arbustos  ,    assentarão 
os  mais  cordatos  contratadores   de  violas,    e   agriões,  gente 
que  de  Veiao  está  na  parra,    e  de  inverno  está  nas  malvas, 
que  as  raizes  da  vide  chuparão   o  sueco  nutritivo  aos  grãos 
de  milho,    que  o  cazeiro  lhe  semeou  ao  pé,    por  cuja  razão 
veio  ao  fruto  aquella  substancia  adquirida  sobrenatural  ,  e  com- 
municada  pela  mesma  vide  ,  por  ser  esta  muito  nova ,  que  a 
Ser  velha  tal  lhe  não  succedêra  :  fez  este  fenómeno  iiuma  gran- 
de expectação   era  Lisboa  aos  que  não  conhecem  quanto  he 
próvida  a   natureza  :    a    maravilha   das   suas  funçòes   agorí 
de  próximo  mais   se  immortaliza  ,  e  admira ,  descuberta  era 
huma   horta  deste  valle,    a  qual  faz  destruir  toda  a  repug- 
nância,   que   tenha  o  génio  mais    intelligcnte    em  acreditar 
os  seUs  prodigies:   creava*se  ha  dous  annos  hum  repolho  de 
cór  avermelhada ,    e  de  extraordinária  grandeza ,  íazendo-sç* 

5^ 


(2) 

lhe  os  maiores  exames,  para  o  íim  de  verem  se  espigava,  c 
se  a  sua  semente  faria  o  effeito ,  que  faz  a  que  veradeHoI- 
landa  :  passado  algum  tempo,  entrou  o  repolho  a  murchar  na 
terra,  e  o  hortelão  vendo  a  sua  esperança  frustrada,  arran- 
cou-o ,  e  sentindo-ihe  hum  grande  pezo ,  levou-o  a  sua  mu- 
lher; esta  foi  logo  cortallo  ao  meio ,  porém  a  faca  não  entrou 
senão  até  certa  altura  ;  chamou  o  marido ,  que  vendo  a  resis- 
íencia ,  achou  por  melhor  tirar-lhe  as  folhas  em  roda ,  para 
conhecer  a  causa  daquella  dureza,  e  veio  a  ficar  o  repolho  do 
tamanho  de  hum  coco  descascado,  e  tão  duro,  que  a  faca  lhe 
não  fazia  moça  ;  o  hortelão  impacientado ,  pegou  em  huraa 
machadinha.,  e  foi  então,  que  lhe  fez  hum  grande  golpe ^ 
cora  o  qual  se  abrio  de  meio  a  meio ;  sahírâo-lhe  de  dentro 
I,iuns  cazulos  de  cousas  muito  extraordinárias,  porque  huns  erao 
cheios  de  pevide  de  pepinos,  outros  de  pinhões^  outros  de 
sementes  de  alfaces ,  e  do  centro  do  tallo  nascia  huma  folha 
verde  com  immas  letras  brancas,  quedizião:  Ac  abou- se  a 
feta. 

Arcoí  das  Aguas  Livres  14  de  Mato. 
Hontem  pela  meia  noite  vinha  o  Almocreve  de  Petas  re-- 
colhendo-se  para  casa,  trazendo  as  malas  cheias  delias  para 
servir  a  vv.  mm. ,  quando  o  Postilhão  de  Apóllo  lhe  sahe  ao 
encontro,  e  feita  a  saudação  do  costume,  mais  quartilho,  me- 
nos quartilho,  lhe  entregou  outra  Carta  do  Ícaro  dos  nossos 
tempos,  o  voador,  que  anda  lá  por  ares,  e  ventos  perdido 
nas  nuvens.  O  Almocreve  sem  a  abrir,  leo  a  maior  parte  delr 
Ja  ,  por  ser  escrita  em  papel  passento ,  e  por  não  perder  o 
vintém,  foi  levalla  á  pessoa,  para  quem  vinha,  que  Ihedeo 
a  seguinte 

Cópia. 

Amigo  do  coração ,  estou  aério  com  o  que  tenho  pof 
cá  visto ,  e  de  mim  se  pode  dizer ,  que  nenhum  vivente  se 
vio  tão  alto  ;  saberá  que  aqui  me  conservo  na  Região  eté- 
rea ,.  aluguei  casas  na  Via  Láctea,,  que  são  de  huma  leiteira, 
bisneta  do  célebre  conserveiro,  que  mandou  lá  para  o  Mun-» 
do  o  toucinho  do  Ceo,  o  manjar  celeste,  e  os  paposde  An- 
jos;  mora  este  defronte  do  Ferreito  de  Júpiter,  junto  á  mi- 
nha habitação:  o  tal  Ferreirinho  me  não  tem  feito  boa  visi- 
aahanjja  pela  fumaça  j,  ç  motinada,  que  tem  era  casa  quotidia'^ 


(3) 

namente ,  mas  escuso  de  accender  lume  para  as  minlias  cozi- 
nhadas, porque  elle  me  empresta  sempre  dois  rayos  accezos , 
com  que  faça  o  jantar,  que  depois  lhos  torno  a  restituir,  no 
-que  poupo  muito ,  o  que  me  nao  succederia  lá  ,  onde  a  saca 
de  carvão  se  vende  por  oiro  tostões.  Este  Mestre  Ferreiro  se 
dá  por  meu  Amigo,  e  saio  com  elle  a  passeio  nos  dias  feria- 
dos ;  he  assim  de  meia  idade  ,  e  já  ha  dez  annos  o  era  ,  se 
morresse  dahi  a  tantos  quantos  contava.  Não  he  alto  ,  nem 
baixo ,  nem  gordo ,  nem  magro ,  pouco  cabello  ,  mas  náo  tão 
calvo,  que  lhe  appareçao  os  miolos,  orelha  de  marca  ordi- 
nária, nariz  regular,  cora  o  seu  ecúleo  nomeio,  aboca  nem 
muito  aberta ,  nem  muito  fechada ,  olhos  nem  como  os  de 
Jince,  nem  como  os  de  toupeira,  e  são  assim  com  pouca  dif- 
ferença,  como  os  olhos  dos  estudantes,  quando  sahem  da  Au- 
Ja,  em  fim  homem  simplex  et  rectuí.  Este  Amigo  pois  he 
ião  ligeiro  ,  e  hábil ,  que  faz  tudo  pelos  ares  ,  e  anda  ,  que 
parece  huma  ventoinha  ;  com  elle  he  que  eu  tenho  feito  as 
minhas  viagens ,  pois  neste  vácuo  precisava  de  guia  para  me 
ensinar  o  caminho  :  terça  feira  passada  fomos  ver  o  Palácio 
do  Sol ,  porque  eu  pensava  que  era  sustentado  por  altas,  e  su- 
blimes columnas ,  brilhando  o  ouro,  e  os  Piropos,  que  se  as- 
semelhão  ao  fogo  pelas  chammas  que  lanção.  Pensei  achar- 
Ihe  portas  ebúrneas,  e  que  seria  tal  e  qual  o  pinta  certo  su- 
jeito advogado  dos  ouvidos ,  que  foi  servir  de  virgula  para 
O  Ponto;  mas  só  na  matéria  superabat  opus  ^  he  que  achei, 
que  não  mentia  ;  porque  a  obra  era  nulla,  e  a  matéria  vas- 
ta ;  o  tal  Sol  não  tem  casas ,  nem  vida  ,  e  neste  Reino  sem- 
pre he  Sol  posto ,  porém  nunca  ha  noute.  Perguntei  se  este 
Sol  era  de  todas  as  quatro  Partes  do  Mundo  ,  disserão-me  que 
não,  que  allumiava  só  três  partes,  porque  a  índia  tinha 
Sol  separado :  fiquei  c;ora  a  boca  aberta  com  tal  resposta  ,  e 
disse  ao  Mestre  Ferreiro,  que  crão  horas,  e  que  nos  fosse- 
mos; porque  fora  da  minha  casa,  já  não  havia  Sol,  que  me 
aquentasse.  Abalámos,  ficando  convidados  para  outro  dia  ir-* 
mos  ao  lumiar  da  Lua,  que  tem  lá  pelo  mundo  tanto  Neto, 
porque  quando  lá  andei ,  ouvi  dizer  a  muitos;  que  crão  Filhos 
do  Sol,  e  Netos  da  Lua.  Sou,  e  serei  sempre 


Vosso  Amigo,  servo,  e  obrigadissimo. 
iAssignado)  ícaro  IL 


(4) 

Arco  de  S»  Jcão  da  Praça  i$  de  Maio. 

Com  as  faces  amarei  las  ,  os  oJJios  estourados ,  cabello 
arripiado,  e  penugem  pela  cara,  hum  avarento  usurário sen- 
íindo  agastamentos ,  entrou  em  huma  casa  de  pasto  deste  si- 
tio, para  alimentar  o  individuo,  porém  temendo  gastar,  pe- 
dia sómerhte  pao  ,  e  caldo.  Perguniou-lhe  o  Patrão,  porque 
Bao  <]ueria  huma  isca  de  carne,  que  a  tinha  excellente.  Escu- 
sou-seo  avaro ,  dizendo  ,  que  iião  gostava ,  por  ser  mui  to  for- 
te :  o  Patrão,  q^e  conhecia  a  Alimária,  e  sabia  quanto  era 
iniseravèl,  levou-lhe  huma  grande  sopeira  decaído  com  suas 
folheis  de  couve;  e  no  fundo  impingio-lhe huma  posta  boa  de 
íarnç,  e  poz-se  á  espreita  :  então  o  faminto  migando  o  pão^ 
fez  sopas ,  e  poz-se  a  manducar ;  porém  achando  a  posta  no 
fundo  ,  disse  :  oh  I  como  admirado ,  e  gostoso  do  encontro  ^ 
editando  na  carne,  mamou-a,  imaginando  que  tinha  vindo 
por  engano ,  ou  esquecimento ;  pedio  o  seu  tneio  quartilho 
da  pinga ,  e  ficou  como  hum  maço  y  entendendo  que  não  te- 
ria gasto  mais  de  70  réis:  bateo  na  meza,  veio  o  Patrão,  « 
indo  a  contas  da  pescaria  passada  ^  disse  o  Patrão  dest€  modo  : 
hum  vinttm  àe  pão  ,  outro  de  caldo ,  são  dous ;  trinta  réis 
de  vinho  ,  faz  tetenta ,  e  hum  tostão  de  oh ,  faz  oito  e  meio* 
Respondeo  o  avaro  :  de  oh  ?  Que  guizad^  heesse  !  He  a  que  l'» 
le  que  v,  ni,  achou  no  fundo  da  sopeira  \  disse  o  dono  da  ca- 
ça :  Se  Vé  nt.  comesse ,  e  não  dissesse ,  oh  ^  não  tinha  nome , 
não  lhe  pedia  nada  y  mas  como  v,  m.  me  crismou  a  carne  ^ 
não  me  ha  de  crismar  na  paga.  Pois  ^  Senhor  ^  eu  não  pago  \ 
disse  o  avarento ,  levantando-se  com  aceleração ,  mas  levan- 
do a  toalha  preza  a  si.,  quebrou  a  sopeira,  e  a  garrafa  do 
vinho.  O  Patrão  pondo  mais  duas  parcellas  á  conta,  fechou*- 
lhe  a  porta  :  o  pobre  homem  ,  que  tinha  que  ir  fazer  huns  re- 
bates, e  via  que  se  lhe  fazia  tarde,  pagou  ,  ficando  com  tal 
zanga  aos  ohs ,  que  não  compra ,  nem  come  tâmaras ,  só  porr 
que  estas  o  tem  no  caroço.. 

Barcarena  9  dè  Maio* 

Querendo  a  natureza  (  porque  também  tem  querer)  en-- 
»cher  de  mimos  ao  Senhorio  da  Quinta  do  Gbincalho,    faria 
-producçóes  tão  raras,  que  erao  o  pasmo  dos  Naturalistas :  o 
«eu  grande  pomar  de  espinho  J>um  anno  por  desfastio  não  deo 
rs^ão  feydes  frades,  de  tão  extraordinária  grandeía-,   que 


lium  FÓ  feijão  enchia  hufn  caideiráo :  o  seu  roeloal  deo  hnmâ 
vez  hum  queijo  flamengo,  tamaniio  de  h uma  inó de  moinho  ^ 
da  casca  de  hum  rabão ,  que  lhe  nasceo  na  sua  seara  ^  fez 
hum  cortiço  para  abelha$  ,  donde  tirava  Agua  pé,  que  era 
hum  mimo  ;  porém  de  poucas  cousas  se  aproveitava ,  pc^rque 
como  a  natureza  era  a  sua  beínfeitora  ,  queria  seguiila  em  tu- 
do;.  a  todas  as  pessoas,  que  lhe  entfavão  na  quinta,  ainda 
que  nunca  as  tivesse  visfo ,  liberalizava  com  eilas  das  raras  pro- 
ducçoes  do  seu  terreno;  a  hum  dava  as  primorcsos  maçãs,  a 
outros  os  cotetos  codornos ,  que  tem  o  gosto  como  nozes 
com  pão  4  a  outros  os  moscatéis  marmellos,  que  sabiao  a  gai- 
tas ,  de  sorte  que  todos  os  annos  ,  como  foro  annual ,  vjnhão  de 
todos  aquelles  contornos  pessoas,  humas  .com  alcofas,  outras 
cora  ceiróes  ás  costas ,  outras  com  canastras ,  a  buscar  o  seu 
quinhão ;  mas  quão  ingrata  he  a  condição  dos  homens  !  O 
anno  passado ,  o  anno  passado  ,  que  a  natureza  foi  a  Cassi- 
Jhas  tomar  banhos  de  agua  tépida  por  causa  dos  flatos  esfé- 
ricos que  padecia  ,  descuida ndo-se  de  IJie  honrar  a  sua  fazen- 
da com  os  seus  abortos,  as  figueiras  derão-lhe  figas,  as  ma- 
ceiras  maçãs  de  escravelho,  os  codornos  sahírão  tão  duros, 
como  o  seu  consoante,  de  sorte  que  vindo  os  Irmãos  Mi- 
gueis com  as  suas  alcofas  a  receber  os  reditos,  que  o  bora 
vivan  lhe  prodigalizava,  vendo  o  que  desta  vez  lhes  offer* 
tou  5  julgando  que  era  desfeita,  atirárao-lhe  com  os  codor- 
nos á  cabeça  ,  de  sorte  que  lhe  quebrarão  hum  joelho :  o  po- 
bre homem  ficou  tão  angustiado  com  a  ingratidão  dos  mar- 
manjos, que  se  foi  enforcar  em  huma  figueira,  a  qual  dá: 
agora  côcqs  como  tanhos.  Os  seus  herdeiros  querem-na  arren- 
dar., inas  ha  de  o  rendeiro  mostrar,  que  entende  de  horta; 
porque  iião  querem  fiar  o  seu  remédio  de  quem  o  não  entei> 
4e^. 

Máximas  dà  Velho  de  Romulãns,, 

Se  és  hum  valente  soldado , 
Não  sejas  valente 'SÓ  ; 
Não  consiste  a  valentia,. 
Era  fazer  o  mundo  etn  pó  : 
Para  enfrear  as  paixões,. 
He  freciw  sábio  ser  j. 


Pefdera  o  valor  as  forças> 

Sa  Sê  nSo  sabem  reger» 
Era  tudo  quanto  fizeres, 

Pratica  sempre  a  virtude , 

Para  uso  não  perderes ; 

O  mesrao  ferro  se  pule, 

Se  pelas  mãos  sempre  andou  , 

Se  se  guarda ,  e  se  não  usa, 

De  ferrugem  se  manchou. 
Faze  escolha  dos  Amigos , 

Que  tenhão  bom  proceder, 

E  te  livrarás  de  perigos; 

Delles  terás   que  aprender, 

Se  a  escolha  for  venturosa  ; 

Tu  a  dez  podes  seguir  , 

Mas  dez  seguirem-te  a  ti, 

He  cousa  difncultosa. 

De  Leiria  foi  mandada  a  seguinte  quadra,  com  a  sua 
Glosa  ao  Editor ,  para  este  Folheto ,  e  por  esta  razão  se  pu- 
blíca  j  e  espera-se  que  agrade  a  quem  dá  os  seus  40  réis. 

As  minhas  mãos  inmcentes 
Aos  duros  grilhões  vou  dar  , 
Fade  Amor  no  seu  Império 
Mais  huma  escrava  contar. 

GLOSA, 

N'um  bosque  de  rubras  flores , 
Tinha  Amor  hum  digno  Altar, 
Onde  vinhão  tributar 
Gratos  votos  os  Pastores : 
Eu  d'uns  ouvindo  os  clamores , 
Outros  rojando  correntes, 
Ao  Deos  mil  preces  ardentes 
Por  viver  era  paz  fazia, 
E  junto  ao  seu  Throno  erguia 
As  minhas  mãos  imiocentes^ 


(7) 

11. 

Mas  pôde  tanto  o  costume, 
Que  afeita  aos  prémios  de  Amor, 
Já  não  me  causava  horror 
O  ferro ,  o  veneno  ,  o  lume  : 
Illudida  pelo  Nume 
Eu  mesma  invejo  o  penar  ^ 
Anhelo  por  suspirar, 
E  sem  terror  dos  seus  laços  ^ 
Por  gosto  meus  livres  braços^ 
Aos  duros  grilhões  vou  dar», 

HL 
Logo  a  victima  acceitou, 
O  fero  Nume  vendado  , 
Lançou-me  hum  grilhão  pezado^ 
E  o  peito  me  traspassou : 
Depois  cruenro  apartou 
Do  meu  damno  o  refrigério  y 
Poz  meu  pensamento  aério, 
Mas  tudo  soffro  gostosa, 
Porque  fazer-rae  ditosa, 
Vóde  Amor  no  seu  Império^ 

IV. 

N^um  momento  de  favor, 
Que  nos  conceda  o  Vendado, 
Deixa  bera  recompensado 
Largo  tempo  de  anciã,  e  dort 
Eu  inda  espero  que  Amor, 
Modifique  o  meu  penar  j 
Porque  se  esta  dor  soar 
Em  todo  o  vasto  universo  j^ 
Não  poderá  o  perversa,. 
Mais  buma  escraia  contar^ 


Tera-me  chegado  aos  ouvidos  as  Impertinentes  ques- 
tSes,  que  suscitou  a  advinhação  do  Folheto  passado,  e  por- 
que ha  peda£o  de  raíganão  ,  que  tem  posto  a   boca  era. 


(?) 

qoantag  plantas  ha ,  instando ,  e  defendendo  ,  sem  dar  hum  co- 
nhecimento da  verdade,  não  devo  demorar  a  decisão  cio  refe- 
rido enigma,  vindo  a  ser  as  duas  plantas,  a  c-atia  de  que  se 
faz  o  assucar  ,  e  a  herva  de  que  se  faz  o  tabaco ,  que  expe- 
rimentao  huma  igual  sorte ,  para  produzirem  o  seu  effeito. 


AVISOS. 

Ha  em  Portugal  presentemente  hum  grande  sortimento 
dé  Serras ,  feitas  pelo  melhor  Author ,  que  se  conhece  ,  gran- 
des, e  pequenas,  e  de  boa  tempera,  como  se  verá  na  sua 
qualidade :  os  manufactores  ,  que  precisarem  delias ,  podem 
ir  fazer  a  t^colha  á  sua  vontade:  em  preço  não  fallenios , 
porque  á  vista  do  lote  se  fará  o  ajuste  ;  a  saber ,  a  Serra  de 
Cintra ,  a  Serra  da  Arrábida ,  a  Serra  de  Monte  junto ,  a 
Serra  de  Monsão ,  a  Serra  d^Ossa ,  a  Serra  de  Monxique , 
a  Serra  da  Estreita  ,  e  outras  ,  ccno  melhor  se  verá  no 
Mappa,  todas  capazes  para  a  satisfação  de  quem  as  procurar. 

'G  açougue ,  que  está  na  Freguezia  de  S.  Paulo  ,  avisa 
ao  Público  ,  que  elle  dá  lições  de  esgrima ,  e  ensina  a  atirar 
talhos  com  a  maior  ligeireza:  quem  se  quizer  aproveitar, 
dirija-se-lhc  em  todos  oi  dias  da  semana,  menos  á  sexta  Fei- 
ra, 

Quem  achasse  hum  canário  amarello,  que  fugio  omez 
passado  da  gaiola  a  seu  dono,  com  quatro  pennas  compri- 
das na  cauda  ,  com  duas  azas,  e  hum  bico,  fallará,  se  qui- 
zer, que  lhe  darão  avultadas  alviçaras. 

Quem  quizer  comprar  as  danças  do  Amável  ^  e  Passa- 
pe\  com  os  seus  Minuetes  obrigados ,  antes  que  a  seu  dono 
esqueçao  algumas  passagens  dos  ba laces ,  para  estarem  prom- 
ptas  ,  quando  se  tornarem  a  usar,  appareça  com  alguma  bre- 
vidade, porque  seu  dono  está  necessitado  de  dinheiro,  e  pe- 
la precisão  que  tem  se  ha  de  aCComraodar  no  preço. 


LISBOA.     NA  OFFIC*  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Câm  litenÇa  da  Meza  da  Desembargo  do  Paço, 


F 


ALMOCREVE   DE   PETAS, 
P  A'R  T  E      LVIL 

Alfama   i8  de  Mito. 


Oi  cousa  admirável  a  variedade,  que  se  fez  maniPeçta 
em  dois  acasos  saccedidos  enfre  duas  embarcações  de  pescar 
deste  sitio  :  saliírão  duas  companhas  cada  huma  na  Hia  em- 
barcaçao,  segunda  feira  passada,  a  botarem  as  su^s  redes., 
liuma  ao  pé  da  Trafaria  ,^  e  outra  junto  so  Seixal:  a  primeira, 
quando  levantou  o  seu  rasto,  lhe  veio  ncJle  muito  peixe  gros- 
so,  e  miúdo,  e  entre  estes  hum,  que  os  pescadores  não  co- 
nhecerão: era  do  tamanho  de  hum  Atum,  a  cabeça  de  Par- 
go, a  côr  prateada,  e  a  cauda  de  Cherne ,  e  com  duas  azas 
bem  semelhantes  a  duas  Arraias  ;  assentarão  os  homens  do 
barco,  que  o  devião  partir,  a  fim  de  lhe  gostarem  o  sabor, 
aquando  o  forao  postejar ,  dividiti.^o-se-lhc  em  bocados  a 
cabeça,  lhe  foi  encontrada  no  toutiço  huma  pedra  redonda 
do  tamanho  de  huma  laranja  tangerina  ,  a  qual  era  branca , 
e  a^sim  como  anilada  *,  lirárão-lha,  e  vindo  com  ella  aos  La- 
pidarios  de  Lisboa,  assentarão,  que  aquella  pedra  era  o  ver- 
dadeiro leiíuario.  Seguio-se  deste  discurso,  faxerem  experiên- 
cia em  huma  Vacca ,   quecreava,    pondo-lha  ao  pescoço,    e 

57 


(O 

fogo  no  dia  seguinte  lhe  mugirão  das  tetas  nada  menos  de 
qubrenra  canadas  de  leite  ,  quando  elia  no  dia  a  penas  dava 
duas.  Avaliou-se  a  pedra,  visto  o  eífeito,  em  i^Oí^)  réis,  e 
não  me  lembra  agora  st  lhe  faltou  algum  tostão,  o  certo 
he,  que  foi  paga  por  hum  cazeiro  de  certa  qiàinta,  que  ne- 
gocêa  cm  mandar  vender  leite  á  Cidade  ,  o  qual  também  a 
aluga,  no  que  vai  fazendo  hum  grosso  rendinento,  eic,  A 
segunda  etnbarc^jâo;  levantando  t«mbem  a  sua  rede,  que 
com  muito  custo  meiteo  dentro,  lhe  veio  embaraçada  nas 
cordas  huma  ancora  de  12  quiniaes  de  pêzo  ,  preza  a  hum 
pedaço  de  cadeia  de  hum  metal,  que  á  primeira  vista  pare- 
cia oiro  ;  tinha  a  referida  ancora  humas  letras  ,  que  dizião 
Túgus :  Elles  a  recolherão  conientissimos  coio  as  esperanças 
nas.  alviçaras  ,  que  o  dono  delia  lhes  daria.  Fizerão  hum  E- 
dital,  que  vieráo  pôr  na  porta  da  Praça  Ingleza,  o  qual  di- 
zia :  Quem  perdesse  huma  ancora  no  rio  de  Lhboa  com 
bvimãs  letras  gravadas^  que  dizem  :=z  Jagus^  vã  f a  liar  ^ 
Ce*  Vista  esta  noticia  com  admiração  de  muifos ,  pois  ta! 
nome  foi  bastante  estranho  a  quem  náo  s«fíbia  Grego,  nem 
Latim,  passou  hum  Arménio  muito  instruído,  e  vendo  tar.- 
to  povo  ao  E.^ital ,  demorou-se  na  explicação  daquclle  Eni- 
gma, porque  havia  sujeito  de  tanta  curiosidade,  que  estava 
olhando  pà^-a  o  papel  desde  as  sele  horas  da  manhã  até  ao 
mc\o  dia,  costume  antigo  de  Lisboa,  que  em  parando  hum 
]iomem  ,  párao  logo  meia  dúzia  so  pé  delle ,  e  alli  ficão  sem 
íaberem  para  qne  pirão;  com  eíFeito  0  Arirenio  percebendo 
a  Confusão,  que  o  Edital  causava,  fez  então  ?abcr  oa  públi- 
co, que  aqueile  nome  era  Grego,  e  que  significava  em  Por- 
\K)gu<:z  Tejo ^  que  aquella  ancora  fora  certamen^eda  Náo ,  em 
q-ué  Úiys^s  passou  a  Qsit  Ribeira  ,  e  que  qucrdo  a  quiz  le- 
vantar para  seguir  o  resto  dos  seus  projectos,  porque  a  anco- 
ra estaria  ferrada  na  rocha ,  quebrara  a  amarra,  que  era  feita 
de  metal  de  Coriniho,  porque  havia  memoria  ,  queon>esmo 
Ulysses  dissera  naquellc  ccnflicto=:  Cã  fica  /2  mnihaTagus  ^ 
i^u-e  ciará '(yn(.  me  a  esta  fcru  osa  EUelra,  Ora  se  isto  asjira 
wão  he  ,  áéja  lá  o  que  vv.  min.  quizerern,  que  eu  estou  por 
rudo. 

Camfo   de  Sar.ta  Annn   i^  de  Maio. 
Assistia   neste   baífro  hum  homem,    o  qual  tinha  ojui- 
tb  mutilado  ,    porém-  Ibgraya   saudc    vigorosa  :  á  proporção 


dos  seus  teres,  comia  os  seus  feijíSes  cozidos  ,  e  assado^,  e 
vivia  contente  assim,  assim  ;  inorfco^lh^  hum  parente,  de 
quem  elle  era  herdeira  forçado  ,  e  recebendo  a  avultadissima 
herança,  em  quanío  cila  durcu  ,  uâo  houve  parente  pobre, 
e  tanro  se  raeíieo  peiln  terra  dcatfiO  em  cousas  nocivas  pelo 
vicio  da  gula  ,  e  de  outras  cousas  (  vv.  mm.  bem  me  enten- 
dem )  que  ainda  não  tmlia  passado  hum  aiuio  ,  já  elle  conta- 
va com  mil  achaques ,  sendo  o  maior  a  lembrança  de  como 
os  tinha  adquirido  ;  porém,  a  falta  de  respiração  ,  que  sentia 
na  algibeira  ,  lhe  fez  liuir.a  suíFocaçao,  que  o  pez  por  perras  ; 
e  chegando  a  huma  das  dos  seus  chamados  amigos  ,  Ihesdes- 
cobrio  a  ultima  indigência  ,  a  que  est>iva  reduzido  ,  e  este  o 
consolou  com  palaíifrorios ,  dizendo- lhe  entre  outras  muitas 
cousas  :  Âmigo\,  jd  agora  o  remsdto  que  isso  tem  ^  he  das 
Caldas  y  bebe  a  agua  da  Copa  ,  e  dizc  que  te  engano,  O  po- 
bre hoirjem  com  c?re  conselho  despcdio-se  do  amigo,  e  vin- 
do para  a  rua  ,  conauItando»se  sobre  o  expediente  que  tomaria , 
Fentio  chocalhos,  os  quacá  eiáo  das  bestas  do  Almocreve  de 
Óbidos  ,  arranchou-se  com  elle  ,  e  foi  na  sua  companhia  ; 
chegou  ás  Caldas ,  foi  direito  á  Copa  ,  a  tempo  que  se  acha- 
va cheia  de  gente,  pedio  dois  copos  d'agoa  ,  e  a  penas  os  be- 
beo  ,  como  a  sua  natureza  os  nao  abraçasse,  entrou  cm  hura 
desmaio,  que  o  tiverao  quasi  morto;  acodirão-Ihecom  refrac- 
coes  espirituosas,  tornou  a  si,  e  tcdos  lhe  perguntarão,  que 
moléstias  padecia.  A  maior  he  a  de  ser  pobre  (confessou  elle) 
Respondêrão-lhe  ,  então  bebe  agoa  da  Copa  ^  para  se  cumr 
íia  pobreza}  Sim  y  Senhores^  disse  elle,  porque  hum  amigo 
vieu  lá  em  Lisboa,  depois  de  me  comer  ,  e  ajuJar  a  estruir 
tudo  q^ianto  tinha  de  meu  ^  me  aconselhou  ^  que  parao  mru 
mal  só  o  remeUo  das  Caldas.  Rirão-se  todos  muito  ,  e  res- 
pondêrão-lhe;  meu  amigo  ^  errarão4he  ucura  ^  aqui  aggra- 
va^se  mais  essa  moléstia  ,  que  ha  tãl  j  que  com  seis  annos 
de  CalJas  fica  de  rastos ,  porque  cada  copo  desta  agoa  he 
hum  purgante  para  as  bolsas.  Discnganando-seo  miserável  de 
não  achar  remédio,  voltou  para  Lisboa,  e  se  propoz  a  ne- 
gociar em  alhos ,  por  ser  negocio  para  aue  se  precisa  pouco  fundo. 
Ribeira  Felba  i6  de  Maio. 
Por  hura  cálculo  de  economia  feito  pelos  Anciões  de 
Torres,  em  attenção  á  carestia,  que  se  sente  em  tudo  que 
SC  compra,  e  com  o  projecto  de  verçin  se  podemdesterrar.de 


,        .  ^  4  ) 

numa  vez  o  abuso  introdnzido  de  cah irem  os  parentes  em  des- 
honra  daquelles,  que  se  servem  por  si,  principalmente  em 
Lisboa,  onde  se  vê  pagar  carretos,  que  custâo  mais,  que  as 
mesmas  cousas  compradas  ^  assentou  o  concilio  económico, 
pelo  systema  de  que  muito  pode  a  velha  para  sua  casa,  adop- 
tando igualmente  o  Provérbio  ,  se  te  queres  bem  servido  ,  vai , 
e  não  mandes ;  que  está  tão  longe  de  ser  deshonra  a  utilida- 
de  própria  ,  como  está  Villa  Franca  da  Fonre  da  Pip.i  \  isto 
provado,  e  reprovado  de  huma  vez  se  fica  sabe  do,  que  des- 
pez^s  desnecessárias  dão  com  huma  casa  nos  caxopos;os  re- 
feridos Anciões  dão  muitos  louvores  a  todo  aquelle  homem  , 
que  he  regateador  no  ajustar ,  e  que  poupando-5e  á  paga  do 
frete,  traz  debaixo  do  seu  capote,  ou  na  copa  do  seuchapéo , 
a  dúzia  de  laranjas,  g  arrátel  de  carneiro,  a  perdiz,  o  pom.- 
bo ,  e  até  o  queijo  saloio,  e  se  isto  propagar,  a  Deoy  Gaí* 
liza  ^  porque  cora  mais  razão  se  dirá  no  tempo  de  hoje,  du- 
zentor  Galleo^os  na Õ  fazem  hum  homem ,  porque  se  até  a- 
gora  erão  gentes,  era  á  nossa  custa.  A  semana  passada  man- 
darão de  Setúbal  a  hum  sujeito  muilo  poiido  hum  mim.o  de 
peixe  em  huma  canastra  pelo  estafeta,  o  qual  sendo  avisado 
do  obsequio,  que  lhe  fazião  pela  entrega  da  carta,  toi  pes- 
soalmente para  a  fazer  conduzir  ao  Campo  pequeno,  onde 
assistia  ,  e  como  achasse  excessivo  o  que  lhe  pedirão  os  cha- 
mados homens  de  ganhar.  Por  hum  lado  lendo  impressas  na 
memoria  as  instrucçoes  de  economia  ,  que  assima  fícão  ditas^ 
e  por  outro  vendo  que  o  importe  do  frete  excedia  em  iresdo- 
bro  ao  valor  da  canastra,  sem  mais  ceremonia ,  pegou  nelia  ás 
costas ,  como  quem  vai  de  caminho,  e  levou-a  para  sua  car;a , 
protestando  que  dahi  por  diante  havia  ser  creado  de  si  mes^. 
mo^  ou  D,  Jôaõ  de  Ali: arado  :  assim  o  facão  todos,  e  ve- 
rão o  que  ajuntão. 

P^enha  de  França  lo  de  Maio- 
As  observaçpes  oculares  sobre  a  prova  de  bomba  ,  e  ar- 
gau ,  feitas  em  sete  Castellos-,  e  na  Quinta  nova,  tem  sido 
huma  mina  para  os  seus  rendeiros ;  certas  classes  de  manufa- 
ctores  ,  e  também  pessoas  de  outra  classe,  que  ha  muitos  an- 
nos  concordarão  em  terem  hum  pouco  de  refrigério  nas  tar- 
des dos  Domingos,  tem  continuado  no  antigo  estsbelecimen- 
to  de  vira^edpos ,  já  mais  faltando  com  a  sua  assistência  , 
sem   precisarem  de  avisP;   ou  carta  circular,   sempre  iguaes 


no  manejo  da  goela,  e  na  frescura  do  appelite,  não  se  alte- 
rando o  soccgo,  inda  que  estejao  atacados  pela  impertinência, 
ou  do  tinto  ,  ou  do  branco  ;  porque  em  se  tocando  a  rebate 
na  pipa  ,  que  lhes  gerve  de  Zabumba  ,  juntao-se  as  patruljjas 
com  evoluções  de  manillia  fallada ,  três  setes  na  meza  ,  laran- 
jinha rasteira,  e  chinquilho,  apresentando  cada  hum  de  res- 
to o  seu  petisco  para  fazer  boca:  hum  fulano,  que  costuma 
acompanhar  o  farrancho  conhecido  por  tolineiro,  Domingo 
passado,  que  se  achava  sem  isca  para  a  pinga,  nem  vintém, 
com  que  a  comprasse,  subindo  pelo  Caracol  da  Graça  ,  para 
se  dirigir  pela  Cruz  dos  quatro  caminhos  á  assembléa  patus- 
cai,  como  sempre  ruins  tem  ventura,  deparou-jhe  o  acaso  no 
simo  do  Caracol  hum  homem  vendendo  queijos  Flamengos, 
com  huma  alcofa  delles  ;  chegou-seaopé  ,  mandou  calar  hum  , 
provou-lhe  a  qualidade,  e  pcz-se  com  elk  na  mão  tratando 
de  ojuste  ,  a  tempo  que  per  malicia  o  deixou  cahir  das  mãos, 
que  veio  rebolando  pelo  Caracol  abaixo,  desorte ,  que  não  pa* 
rou  senão  no  fim:  o  pobre  vendedor,  com  politica  não  con* 
sentio  ,  que  dk  o  fosse  buscar,  antes  poz  a  alcofa  no  chão, 
e  desceo  a  buscalo,  O  comprador,  tanto  que  o  pilhou  em 
baixo,  pegou  na  alcofa,  e  foí  hum  ar  que  lhe  àeo,  O  pobre 
homem  vio  ,  quando  subia  pelo  Caracol  já  com  o  queijo,  que 
o  outro  pegou  na  alcofa  ,  e  se  safou  ;  porém  não  \\\q  podia 
ser  bom,  porque  a  distancia  estafava.  Chegou  assima  ,  e  nem 
ra5to  vio  mais  de  tal  homem,  ficou  chorando  o  seu  mal ,  era 
quanto  o  tolineiro  fazia  que  a  sucia  em  ?ete  Casicllos  fosse 
cahindo  na  isca  dos  queijos  com  garrafas,  que  os  outros  man- 
darão vir,  dia  memorável  para  o  taverneiro  ,  que  ha  annos  a 
esta  parte,  inda  não  teve  huma  tarde,  e  noite  de  mais  venda  , 
e  conta-se  que  no  outro  dia  ficou  de  cama  moido  dos  braços , 
de  tantas  canadas  que  médio. 

Entre  os    papeis  d&  fios s o  Velho  ík  'Roynohres  se  acharão 

dois  ^    hum  das  qualidades  do  homem  rico  ^    outro  das 

qualidades  do  homem  pobre  ^  o  primeiro  se  descrê- 

ve  7uste  folheto  ^  deixando  para  o  folheto  se^ 

guinte  o  segundo. 

Qualidades  de  homem  rico^ 
He   hum  homem  rico  huma  viçosa  scára  da  terra  ^    to- 


(6) 
dos  o  visitao ,  os  qae  dependem  delle  em  tudo  Iheacliao  gra- 
ça, fervem  os  respeitos;  achão-lhe  animo  generoso,  grande 
viveza,  espirito  nobre,  duas  falias  que  profere  são  Provér- 
bios de  Salomão  ,  he  applaudido  de  grandes ,  e  pequenos , 
hum  dito  frio  he  julgado  por  huma  sentença  ,  lium  disparate 
he  tido  por  enigma  ,  infunde  alegria  em  qualquer  parte  onde 
esreja,  todos  lhe  abrem  a  porta,  não  tem  lugar  vedado ,  a  ca- 
da memento  se  lhe  estende  a  geração  ,  porque  todos  querem 
eer  seus  parentes,  ainda  que  seji  filho  de  hum  arlequim.  Ves- 
te se  daquella  fazenda,  que  se  vende  na  rua  Augusta,  a  que 
chamão  Nobreza,  a  esta  corresponde  o  tratamento,  todos 
delle  fiâo  tudo,  todos  os  obséquios  tem  por  pequenos,  espe- 
rando que  se  multipliquem;  come  do  melhor,  veste  do  mais 
exquisito,  não  apanha  sol  ,  não  teme  a  calma,  não  molha  os 
pés,  resiste  HO  frio  ;  a  opera  o  diverte,  o  banquete  o  entre- 
tém, a  Musica  o  distrahe,  as  lisonja;^  o  recreão ,  n^ida  o  des- 
gasta ,  a  pompa  o  segue,  o  fausto  o  bafeja,  e  como  arbitro 
d^  ventura  reparte  a  sorte  aos  infelices,  ampara  Órfãos,  sus- 
, tenta  Viuvas,  veste  mendigos;  estes  oráo  por  elle  em  quanto 
vivo,  c  depois  de  morto,  ^inda  o  oiro  lhe  ministra  nas  es- 
molas que  deix.i.,  nos  suíFragios  que  para  si  reserva,  hum 
proveito  eterno,  vindo  a  servir-lhe  a  riqueza  tanto  para  o 
corpo,  como  para  a  alma,  tanto  para  a  vida  ,  como  para  a 
morte,  se  he  tão  ditoso  ,  que  sabe  fazer  bom  uso  dos  bens 
que  possue ,  manejando  as  virtudes  com  humaaidade,  como 
ainda  muitos  fazem. 

jircos  das  aguas  livres  it  de  Maio. 

Copii  de  huma  Carta  ^  qte  o  ni?sx)  ícaro    IL  o  Voador  es- 

creveo  ao  seu  amigo  de  Lisboa  ,  dandú^lhs  parte  do  que 

tem  visto  ms  nUuras ,  em  que  se  acha. 

Amigo  cotn   fervoroso    desejo  de  lhe  comraunicar  noti- 
cias minhas,    lhes  envio  a  presente  Carta  por  esse  aguaceiro, 
que  agora  por  aqui  pasjou  ,  e  cora  certeza  podsrá  dizer  a  to- 
dos ,    que    por  mim  perguntarem,    que  teve  noticias  frescas, 
, com  expressões  de  vivas  saudades:   por  essa  Carta  verá  V.  m. 
.o  quanto  tudo  aqui  diíFere  do  vivo  ao  pintado.     Aqui  tenho 
rfccebido  algumas   visitas  do  Balão  de  Buenos  Ayres ,    e  me 


(7) 

convidava  para  eu  passar  adiante  ,  o  que  não  acceitei ,  porque 
o  convite  foi  de  tarde  ,    e  pelo  pavor  que  concebi ,   quando  a 
boca  da  noite  ,    fszendo  medonhos  movimentos ,    e  rengendo 
a  dentuça  ,  me  a  tirou   huma  torquezada  com  os  dentes,  que 
parecia  que  me  queria  tragar.  Eu  me  encolhi  o  mais  que  pô- 
de  ser,    e   cora   o   susro  n^o  sei  o  que  fiz,    pois  me  deixou 
em  hum  escuro,    que  mettia  o  dedo  pelo  olho  ,  tanto  que  ao 
mover-me  para  hum  lado,    dei  huraa  cabeçada  tão  grande  era 
huma  nuvem  das  que  me  cercavão ,    que  me  fez  ver  as  estrel- 
las,  quanto  a  vista  alcançava  :  cada  huma  era  maior  que  hu- 
ma  roda    de   carro,    e  mosiravão  ser  tão  benignas,    que  não 
sei  como  ha  quem  delias  se  queixe;    porque  passando  muitas- 
pela  instancia,  aonde  me  acho  feito  Gonstellação  do  Arco  da^ 
velha  ,  me  cortejavao  ao  nosso  modo  de  pensar  ;  muita  partej 
da  noite  passada  levei  recreando-me  em  ver  âs  luminárias  Ce- 
lestes, e  lhe  affirmo,   que  as  que  fez  a  infausta  Rainha  Dido^ 
pela  sua  morte  no  seu  mesmo  Palácio,  não  forao  mais  brilhan- 
tes ,  que  as  que  se  divisão  squi  pelo  nascimento  da  rubicun- 
da Aurora;  sonoras,  e  confusas  vozes  ouvia  ao  longe,  cujos 
signaes  me  deixavão  na  mesma  confusão,  até  qne  ao  estrondo 
de    hum   estalo   como   de    castanha  ,    que  arrebenta  na  beca  , 
vi    que    entrava  a  luzir  a  Esfera  por  huma  fenda  ,    e  tão  bri- 
lhante, que  quanto  ha  de  maior  valor,  não  tinha  valor  á  sua 
vista  :    logo   depois  pude  ver  no  Horizonte  figurado  nas  nu- 
vens hum  magnifico  anfiiheatro  todo  guarnecido  de  lifne  côr 
de  pérola,  e  rodeado  de  Fyramides,  maiores   que  as  doEgy- 
pto  ;    alli    vi  correr  alcancias  pelos  voláteis ,    e  os  siraplices 
cordeirinhos    fazem   hum    grande  festejo  ao  nascimenro  do  Sol , 
então  fui  pouco  a  pouco  descobrindo  os  teares,    aonde  se  te- 
cem  volantes  de  nvil  cores,    e  muitos  já  feitos  estavão  esten- 
didos pela  azulada  campina  a  enxugar  a  gomma  :    só  me  ad- 
miro que  na  Europa  façao  tanio  apreço  de  hutna  fazenda  ,  que 
aqui  leva  o  vento  para  onde  elle  quer ,  sem  custo  algum ,  por- 
que a  sua  matéria  he  tcda  de  apparencia:   por  cá  também  te- 
nho visto  a   caldeira  aonde  se  ajuntao  os  atom.os ,  que  com  o 
rigor    do   tempo   se   conglutinão   com  as  particulas  mineraes, 
fiara    formar  o  raio,    que  sahe  á  violência  do  fogo  pelo  la m- 
bique,    para   re 'uzir  a  nada  a  mesmja  apparcncia  desta  fante» 
sia  :  vi  a  fabric     de  caram.tlo,    onde  se  fabrica  com  tanto  a- 
cdo,  que  parec    de  neve,  vi  o  crivo  da  seraiva,  que  macú- 


Ia  os  frutos  só  com  o  seu  toque ,  cada  huma  aqui  lie  do  ta- 
manho de  hum  confeito  do  Porto.  Vi  ultimamente  os  Ele- 
mentos não  estimarem  o  mesmo  que  produzem,  o  que  me  fez 
conhecer,  que  as  cousas,  a  que  os  homens  dâo  tnaior  valor, 
são  de  pouca  entidade,  e  tudo  que  não  for  tornar  para  a  com- 
panhia de  vv.  mm. ,  hc  para  mira  morrer  como  o  carrapato 
na  lá,  Adeos  até  á  vista  ,  porque  o  tempo  de  ver  mais  cou- 
ws  não  me  dá  lugar  para  demora. 

Sou  muito  seu  do  coração 

(  Assignado  )  ícaro  IL 


A  VISO  S. 

Sahio  á  luz  hum  folheto  de  manuscrito  intitulado  C?;;- 
serveiro  subtil:  obra  de  chupeta  ó  Cartaxo,  que  ensina  a 
fazer  o  baça  Ih  áo  albardado  de  celira  á  Ingleza  ^  os  confeitos 
de  enforcado,  os  sonhos,  que  sonhava  o  cego,  as  ameixas 
de  conserva,  que  tudo  isto  tem  amoras  para  se  fazer. 

Quem  quizer  aforar  parte  do  Cha?^cfi do  para  fazer  ca- 
sas, com  condição  de  as  fazer  com  quatro  portas  ^  para 
nno  haver  engano  a  quem  alli  procurar  alguma  coMsa  as  três  ^ 
falie  com  Raymundo  Varéila  bem  conhecido  nesta  Cidade, 
que  ainda  que  faz  pequeno  vulto, ,  e  he  hum  tanto  gago  ,  com 
tudo  eniendç-se  muito  bem. 

Avisa-áe  ao  público,  que  por  esquecimento  o  Repor- 
tório deste  anno  trouxe  o  erro  de  não  declarar  a  quantos  do 
niez  era  dia  de  Entru4o  ,  dia  da  Serração  da  Velha  ,  dia  de 
Compadres ,  e  quinta  feira  de  Comadres  ;  esta  falta  porém 
se  lia  de  recuperar  para  o  anno,  isto  he,  para  aquelles  que 
lá  chegarem. 


LISBOA.     NA  OI^FIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Cam  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS, 
PARTE     LVIIL 

Camarate  8  de  Março. 


Ura  aprendiz  de  Taful ,  que  principiou  por  jaqueta ,  e 
pantalona,  e  hoje  já  anda  com  bandeira  no  top^,  por  cuja 
razão  se  espera,  que  este  offxio  venha  ainda  a  ser  embandei- 
rado;  este  bom  moço,  a  quem  os  poucos  teres  não  deixão 
respirar  livre,  vive  metiendo  agulhas  por  alfinetes,  para  po- 
der coalhar  algum  vintcm  ;  não  sei  de  próximo  em  que  ne- 
gocio se  mjetteo  ,  que  pode  ajuntar  huns  tostccs ,  com  os  quaes 
íbi  cojnprando  hoje  h-um  traste,  e  á  manhã  outro,  para  o  a- 
ceio  do  Domingo;  e  dirigindo- se  terça  feira  á  Praça  d'AIe- 
gria,.  vio  na  mão  de  iium  vendilhão  huma  casaca  de  felica- 
tacira  cor  de  rosa,  forrada  defeJi]óesl>r^nquiçado,  ainda  em 
muito  bom  uso  ,  porque  as  nossas  Fábricas  já  Jioje  fazem  fa- 
zendas de  muita  dura ,  e  tinha  a  tal  casaca  só  o  pequeno  de- 
feito de  huma  nódoa  de  sumo  de  Jaranja  nas  costas :  avançou 
este  novo  Taful  a  ella  ,  e  comprou-a  por  720:  veio  para  ca- 
sa ,  contente  como  gato  com  sardinha,  e  achou-lhe  na  algi- 
beira hum  escrito  feito   com  penna  de  Japis,    que  ainda  se 

58 


percebia,  que  expressava  amores,  e  avisava  o  dono  da  casa- 
ca, para  que  fosse  á  Procissão  de  Camarate ,  com  mais  algu- 
mas cousas  de  signaesj  o  que  o  novo  TafuI  intentou  apro- 
veitar, vendo  que  a  casaca  Jhe  servia  ,  e  que  elle  se  asseme- 
lhava na  figura  ao  primeiro  dono,  e  que  faria  equivocara  tal 
Senhora  do  escrito,  como  se  o  hábito  fizesss  o  Monge.  Che- 
gado o  dia  da  Procissão,  alugou  hum  jumento,  que  bem  des- 
gostos lhe  dco  pelos  anexins,  que  ouvio  a  respeito  da  ca- 
valgadura ,  como  abrande-lbe  a  rédea  :  tenha  dó  do  pequeno : 
hve-o  ao  colo  :  mande-o  ao  Pasteleiro  ;  e  outras  investidas  des- 
te lote ,  e  logo  á  entrada  do  lugar  chegarão  a  elle  dois  mo- 
cetões ,  e  lhe  disserão  :  Ah  seu  amigo  ,  a  pé  que  temos  que 
fallar ,  ao  mesmo  tempo  disse  hum  para  o  outro  :  este  he  o 
tal  ^  olha  por  stgnal  lá  tem  nas  costas  da  casaca  a  nódoa 
da  laranjada:  saltão  ao  cachação  a  elle,  que  o  amarrotarão 
bem  á  sua  vontade,  acudio  gente,  e  os  dois  sempre  dizen- 
do :  havemos  desancar  este  bribantão ,  que  anda  desmquietan" 
do  a  nossa  criada  :  consta  que  o  pobre  rapaz  depois  de  bem 
zurzido  despio  a  casaca  ,  e  fez  delia  enxerga  ,  vindo  em  man- 
gas de  camizâ  para  Lisboa, ,  por  se  temer  que  no  caminho  a- 
proveitassc  mais  alguma  esmola  daquella  qualidade,  que  es- 
tivesse guardada  para  o  primeiro  corpo  que  a  vestio  ;  e  a  in- 
tenta pôr  segunda  vez  na  feira,  a  ver  se  ha  alguém,  que  a 
compre,  para  ir  com  ella  para  o  anno  a  Camarate. 

Largo  do  Rato  27  de  Mímo. 
Faz  pasmar ,  ver  as  forças  que  o  homem  maneja  pelo 
conhecimento  da  razão  ,  para  poder  quartar  as  suas  paixões, 
;e  o  como  se  deixa  suggerir  por  huma  inclinação,  que  o  faz 
dobrar  ao  vicio ,  pondo  de  rastos  a  nobreza  de  espirito:  en- 
tre a  mukiSão  de  divertimentos,  que  o  ócio  tem  inventado, 
«e  iuiclue  Ijurn  ,  que  a  necessidade  tinha  descuberio,  para  re- 
mediar ero  parte  as  precisões  do  homem ,  qual  he  o  da  ca- 
ça ,  cujo  eiercicio  vemos  praticar  a  muitas  pessoas  sérias  ,  que 
adoptarão- fsire  divertimento,  já  como  conservação  da  saúde, 
íe?  fora  dessa  ,  immtínsos  se  lhe  tem  dedicado  por  tafularia  ,  ^xa^ 
jcitanii<r»-«e  a  passai (?m  por  immensos  inconvenientes,  como 
por  c»?*uipÍo-y  fiv.icr»  jornada  de  três  legoas ,  levando  de  far- 
Uel  síí:  páa 'Çt>n4  a;sei*íido  de  o  comer  com  perdiz,  a  qual  se 


C3) 

tfansformou  cm  huraa  açorda  d^alhos ,  ou  tm  numa  posta  de 
bacalháo;  matar  a  gallinhoJa  ,  e  metter-se  até  á  cintura  pela 
lagoa  dentro ,  para  a  ir  buscar ,  e  isto  aquelle  mesmo ,  que 
para  ir  a  hum  negocio  de  Inverno,  nas  ruas  de  Lisboa,  cal- 
ça botas ,  veste  casacão  de  barrcgana ,  arma-se  de  ciiapéo  de 
sol  de  ole:do,  e  todcs  os  mais  reparos  contra  constipações, 
e  molhadellas,  dispara-$e  o  tiro,  rebenta  a  espingarda,  e  fi- 
ca servindo  de  caça  o  Caçador  ,  etc.  Por  salvar  estes  incóm- 
modos  ,  e  nutrir  ao  mesmo  tem^po  a  sua  paixão,  hum  acér- 
rimo Caçador  que  ha  neste  sitio,  todas  as  noites  sahe  á  ca- 
ça por  nova  idéa  ,  pois  quando  o  escuro  dá  lugar,  sahe  da 
meia  noite  por  diante  a  caçar  ratos,  e  morcegos  com  huma 
matilha  de  gatos,  huma  doninha  ,  que  lhe  serve  de  fudo,e 
huma  espingarda  de  vento,  a  qual  evita  desastres,  faz  ef fei- 
to ,  e  não  espanta  a  caça,  e  dando  volta  por  alguns  sitiosda 
Cidade,  nSo  se  recolhe  com  menos  dos  seus  200  ratos,  50 
morcegos,  e  ás  vezes  a  sua  coruja,  nutrindo  com  este  diver- 
timento a  sua  compleição,  e  dando  hum  assalto  geral  aos  ini- 
icigos  dos  viveres,  e  tem  protestado  não  desistir  da  empre* 
za  ,  em  quanto  não  der  cal3o  destas  sevandijas.  Não  se  tem 
descoberto  até  ao  presente  huma  peste  roais  forte  para  os  ra- 
tos ,  que  o  tal  meu  senhor. 

Braga   16  de  Maio, 

Carta  que  escreve  o  Cavalheiro  deita  Cidade  atreito  a  pe^ 

smdelíês  ao  jeu  Amigo  de  Lisboa,  dando- lhe  farte 

die  outro  sonho,  que  ttve  ^  como  se  ré  na  seguinte 

Cópia. 

Amigo  fwuito  da  minha  estimação,  como  sei  o  quanto 
V.  m.  com  algumas  pessoas  dessa  Cidade  tem  applaudido  os 
meus  extensos  sonhos  ,  de  ncvo  passo  a  narrar-lhc  hum  ,  que 
tire  a  noite  passada,  se  o  tempo  me  der  lugar.  Serião  dez  ho- 
ras da  noite ,  quando  de  minha  casa  se  dcspedio  a  sociedade 
gamonal ,  em  que  houve  muita  praga  aos  dados  ;  porque  nun- 
ca botarão  cousa  que  fizesse  casa,  nem  deixavão  de  falhar, 
ainda  havendo  casas  em  aberto,  houverâo  muitos  óculos  nos 


narizes  dos  circamstantes  minores,  fízerão-sè  aposta* ,  dlspH*^ 
táríío-se  lances ,  e  em  fim  estava  a  minha  SaJa  feita  Inima  bo- 
tica de  fora  da  terra  em  noite  de  Inverno  ;  descartei-me  àeU 
les  amigos,  mandei  vir  a  cêa,  lambi-lhe  os  dedos,  suppos- 
to  não  como  com  a  mão,  porém  twlo  bem  me  soube,  qucve- 
rificando-se  o  ditado  àe  í?arriga  cheia  ^  pé  dorme  fite  ^  encami- 
nhei-me  para  a  cama  ;  onde  levei  hum  somno  ,  ou  o  somno 
me  levou  ,  tão  despropositadamente  entre  os  meus  pezadellos 
a  taes  confusões,  que,  depois  que  acordei,  fiquei  pasmado.. 
Foi  o  caso:  apenas  fechei  os  olhos,  entrei  a  viajar  ,  monta- 
do em  hum  cavallo  rabão  ,  seguido  do  meu  mojo ,  que  vi- 
iiha  em  hum  burro  com  hum  teliz 

Que  botadas  bem  as  contas 

Aié  o  mesmo  meio  erão  jd  pontas^ 

Atravessámos  Provincias  ,  cortámos  Reinos  ,  e  chegámos  a 
hum  paiz ,  onde  de  repente  o  meu  rabão  tomou  o  freio  nos 
dentes,  e  entrou  a  saltar  de  tal  sorte,  que  chamei  por  San- 
cho ,  que  este  era  o  nome  do  meu  criado ,  porém  este  tambera 
se  achava  atrapalhado  cora  a  sua  cavalgadura  ^  porque  o  bur- 
rinho de  canceira 

Caminhava  com  tanto  desencaixo^ 

Que  ao  montar-se-lhe  em  sima  vinha  abaixo^ 

Com  effeito  torno  a  chamar  pelo  meu  criado ,  que  parecia 
huma  abóbora  em  trajes  de  repolho ,  pelo  que  tinha  de  re- 
dondo,  e  fraco,  e  era  muito  não  ser  quadrado,  porém  não 
me  acudio  tanto  a  tempo,  que  o  meu  rabão  não  atirasse  co- 
migo a  terra ,  e  mettesse  pernas ,  deixando-rae  estirado  como 
hum  cassão ,  e  com  hum  pé  torcido.  Ajudou-rae  o  meu  San- 
cho a  montar  sobre  o  jumentinho,  perguntou  aonde  era  o 
Hospital  daquella  terra,  que  segundo  se  disse,  era  o  Paiz  das 
Ballinas.  Eu  que  ha  pouco  tempo  tinha  chegado  da  libados 
Tafíées  y  escaldado  do  que  lá  tinha  visto,  lá  temi  novas  Ta- 
íularias,  entrei  para  o  Hospital ,  e  logo  dois  galfarros  me  ca- 
Jiírão  á  perna  ,  que  nem  gato  a  bofes  :  foi  então  que  estive 
^uasi  acordando  com  as  dores ,  receitárâo-me  mezinha  ,  e  dis- 


'sè  então  comigo ,  estranha  condição ,  estranha  gente  :  com 
efteiro  nao  me  achei  lual  com  o  remédio,  e  então  me  certi- 
fiquei de  que  lioma  ajuda  indireita  liura  homem  \  logo  que  rtie 
achei  melhor,  fui  visitar  as  mais  enfermarias,  e  encontrei 
hum  homem ,  que  se  queixava  de  huma  grande  dor  em  hum 
pé,  ao  qual  ápplicavão  gemmadas,  e  emplastro  de  unguento 
confortativo.  Perguntei  que  remédio  era  aquellc.,  e  que  doen^ 
ça  era  aquella,  rcspondêráo-me  que  era  huma  dôr  no  peito 
do  pé,  e  Guesedavao  gcmmadas  so  enfermo,  porque  por  ser 
peito  de  pe,  nao  perdia  a  essência  de  peito.  Fiquei  perple- 
xo vendo  o  novo  curativo  daquelle  Paiz,  e  então  clamei  : 
Ditosa  condição ,  dito f a  gente,  nr;  Qulo  pouco  sabe  quem  não 
sabe  do  seu  ninho\  Sahí  do  ilospital ,  e  vindo  para  a  rua, 
vejo  o  meu  moço  Sancho  mettido  em  luima  fofa  carruagem, 
atroando  as  ruas,  raetteo-me  a  luneta,  eu  tirei  o  meu  cha- 
péo ,  e  fui-me  chegando  para  lhe  fallar  ,  porém  elle  não  me  deo 
lugar  a  isso,  porque  a  berlinda  não  parou  ,  grande  caso  !  dis- 
se comigo,  hontem  de  burro,  hoje  de  -sege,  quem  ha  de  en- 
tender o  mundo  !  Volto  huma  esquina  ,  e  vejo  ir  dois  ho- 
mens ,  hum  carregado  cora  hum  barril  de  manteiga ,  huma 
ceira  de  figos,  huma  saca  de  arroz,  e  trcs  queijos  londrinos, 
e  o  outro  a  traz  dclle  com  passo  socegado ,  observando-lhe  as 
acções.  G  homem  que  hia  carregado,  parou  a  descarh^ar,  e 
o  que  o  seguia ,  também  parou  ao  pé  delle.  O  que  levava  o 
trem  ,  perguntou-lhe  o  que  queria  ?  ao  que  o  outro  com  to- 
da a  mansidão  lhe  respondeo  :  Eu  venho  ver  onde  v,  m.  de^ 
termina  que  estabeleça  a  minha  tenda*  O  tratante  quando  tal 
ouvio  ,  deitou  a  fugir,  e  eu  pasmado  do  que  ouvia  ,  pergun- 
tei a  causa  de  tal  successo,  então  se  me  respondeo,  que  o 
homem  que  vinha  carregado,  era  hum  ladrão  ,  que  tinha  rou- 
bado aquelle  tendeiro ,  e  que  o  dono  dos  roubos  piihando-o 
na  empreza  o  vinha  seguindo  com  toda  a  cautela  ,  até  encon- 
trar a  Justiça.  Ora  m^is  cousas  presenceei ,  que  lhe  deveria 
continuar  na  presente  carta,  porém  o  moço,  qtié  me  serve, 
está  impaciente  por  ir  deitar  esta  no  Correio :  eu  me  não  des- 
cuidarei de  noticiar-lhe  o  resto. 

Amicus  ex  corde 

(^Assígnãdo)  D,  Sonho  Sonhét 


(6) 


Qttalidades  do  homem  pobre  ^  ésnnwnciadas  no  Folheio  ante^ 

cedinte ,    e  achadas  ao  nosso  Velho  de  Romulares. 

O  homem  sem  dinheiro  he  hum  corpo  dormindo,  a  to- 
dos esquece  ,  confunde  todas  as  suas  idéas  ,  representa  hum  es- 
pectro medonho  ,  o  semblante  he  triste ,  a  conversação  lan- 
guida,  a  companhia  pezada ,  nunca  encontra  em  casa  quem 
visita  ,  quer  fallar ,  he  interrompido  a  cada  momento,  todos 
temera  delle,  que  acabe  o  discurso  pedindo  esmola,  tratao- 
f)o  de  empestado,  considerlo-no  pezo  inútil  da  terra ,  selem 
juizo  ,  nunca  tem  lugar  de  o  mostrar ,  se  o  não  tem  ,  he  o 
aJvo  dos  opprobrios  ;  os  de  raáo  humor  lhe  atirão  como  a  cão 
damnado  :  os  benignos,  quando  delle  fallâo,  começão-lhe  o 
elogio  por  encolher  os  hombros  com  huma  carinha  de  fastio, 
Gomo  cousa  que  desagrada  ao  paladar  :  a  necessidade  o  desper- 
ta de  madrugada  ,  a  miséria  o  acom.panha  até  á  noite,  todos 
lhe  dão  o  que  menos  presta  ,  os  Mercadores,  e  Alfayates  que- 
rem que  como  os  primeiros  viventes,  elle  se  vista  de  folhas 
de  figueira;  quando  compra  qualquer  cousa,  primeiro  lhe  pe- 
dem a  paga  ,  se  deve  algum  resto ,  he  velhaco ,  em  quanto  o 
nao  satisfaz,  os  rapazes  o  perseguem,  os  mesmos  cães  lhe  la- 
drão, os  parentes  o  desnegão  ;  todo  o  testemunho  principia 
ncllc,  todos  o  detestão ,  e  finalmente  hc  hum  mappa  de  con- 
fusão do  mundo  o  mais  triste  ,  como  diz  aquelle  Soneto  de 
hum  Poeta  dos  nossos  tempos.  :=:  Para  traçar  a  tmagevt  da 
tristeza ,  etc.  Mas  esta  mesma  pobreza  pode  degenerar  era 
fortuna  ,  se  encontra  no  abundante  os  claros  conhecimen- 
tos da  virtude ,  nobreza  de  espirito,  compaixão,  e  prudência,, 
porque  não  ha  regra  sem  excepção. 


O  Moço  do  Poeta  aqui  trouxe  ao  Editor  três  décimas, 
que  clle  fez  a  hum  Mote,  que  lhe  derão  de  huma  Janella 
huma  destas  noites  de  luar,  cujo  Mote  foi  o  seguinte. 


\\noi 


(7) 

MOTE. 

Com  huwa  espada  de  cana. 

GLOSA. 

Hontem  vindo  em  casa  entrando^ 
Vi  na  loja  hwns  embuçados , 
De  páos  5  e  pedras  armados^ 
Que  me  estavão  esperando  : 
Eu  fui-me  desembuçando , 
Entendendo  rer  cravana^ 
Puxei  pela  duridana , 
Mas  ao  subir  das  escadas, 
Pregou-me  hum  três  estocadas , 
Com  hffma  espada  de  cana. 

Ao  mesmo. 
Vês  aquelle  meu  Senhor , 
Que  vomitando  razões , 
Diz  que  fez  grandes  acções 
Nas  terras  do  Grão  Mogor  ? 
Que  cheio  d'alto  valor , 
Aos  Mouros  fez  a  pavana , 
Que  deo  co'  Turco  em  pantana  ? 
Pois  este  homem  sem  parelha 
Hontem  levou  taipa  velha , 
Com  huma  espada  de  cana. 


? 


De  Velha. 
Tens  os  ouvidos  quebrados 
Sempre  na  rua  has  de  estar  ? 
O'  José ,  vem  merendar  ; 
Qual ,  nem  novas  ,  nem  mandados  ! 
O'  rapaz  dos  meus  peccados, 
De  seres  cego  tens  gana  ? 
Já  me  dixe  honte  a  Joanna, 
Que  o  Braz  filho  do  Zarolho, 
Te  hia  esbugalhando  hum  olha. 
Com  huma  aspada  de  cana. 


(  8  ) 


AVISOS. 

A  incurável  moléstia  pecuniária ,  que  padecera  innume- 
raveis  pessoas  ,    tena  obrigado  a  muitos  homens  fazerem  mil 
descobertas  úteis  ,  para  o  cómmodo  do  Povo,  e  interesse  pró- 
prio ,    para  assim  paliarem  a  vida^    sem  vergonha  do  Mun- 
do.   Ha  hum  homem  na  rua  de  S.  Joíío  da  Praça  ,    entre  os 
muitos  que  aJli  morao ,  que  parafusando  o  meio  de  se  poder 
valer,    e  ver-se   livre  desta  pestilente  morrinha,    lembrou-se 
de  huraa  acquisição  útil,  qual  foi  a  de  repartir  as  suas  casas 
em  pequenos  albergues,    muito  aceados,   pintou-lhes  nas  pa- 
redes vários  paizes  de  figura  Topiaria ,  ornou  cada  Camaro- 
te cora  cortinas  de  riscado  de  Fungao ,   poz  huma  cama  em 
cada  hum  ^   adereçou-os  dos  mais  trastes  competentes  para  o 
effeito  ,,  €  faz  pelo  Almocreve  de  Petas  saber  ao  público  ,  que 
toda  a  pessoa ,  que  jantar  pelas  Casas  de  Pasto  de  Lisboa,  se 
pódè  dirigir  áquelle  sitio,  e  áquellas  casas,  a  fira  de  dormir 
a  sesta  depois  de  jantar  ,   onde  achará  as  commodidades  se- 
guintes :  Huma  cama  y  onàe  se  encoste  ,  huyn  falito  paraeS' 
gravai  ar  os  dentes ,  huma  bacia ,  e  jarro  para  lavar  as  maos^ 
coifa  para  pôr  na  cabeça  ,   se  for  de  cabelleira  ;    hum  garo» 
to  muito  hábil  para  limpar  çapatos^  e  de  muito  engenho  pa- 
ra limpar  as  fivelas  ,.  huma  thesoura  para  cortar  as  unhas , 
dois  Livros  de  Novellas  para  consillar  o  somno  ,  cculos  pã' 
ra  quem  tiver  falta  de  7íista ,    e  seringa  para  emendar  al- 
guma indisposição  do  estornado  causada  pelo  jantar  ,  além  de 
huma  janella  y  donde  se  az  is  ta  Almada^  Porto  Biandão,  Tra- 
faria y  e  huma  pontinha  dos  Caxopos :    tcdas  estas  commodi- 
dades por  700  réis  cada  pessoa  ,  estes  primeiros  quinze  dias- 
de  novidade  ;    que  conforme  a  occurrencia  ,  talvez^  ainda  ve- 
nha a  ser  a  quarenta  réis.. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

1819. 
Cí/m  licença  da  Meza  do  Desembargo  ào  Paço. 


o 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LIX. 

Chafariz  de  Dentro   i  fie  Junho: 

Incentivo ,  que  se  oíFerece  á  vista  na  representação  do 
objecto,  faz  entranhar  no  coração  hura  nao  sei  q^ue  ,  que 
senão  entende,  porém  tem  dado  que  entender  a  muitos,  pa- 
ra a  quererem  explicar :  Jie  regra  geral  ,  e  os  maiores  Dou- 
tores tem  balbuceado  no  descernimento  das  paixões ,  tem-se- 
Ihe  chamado  muito  nome;  sobre  os  seus  efFeitos  huns  tem 
sido  de  opinião,  que  sim  ,  outros  que  nao,  combate  este, 
que  até  produzio  huma  modinha,  que  diz; 

Nh/guem  sabe ,  ninguém  sahe 

Ninguém  sahe  o  que  he  Amor, 
Porém  o  que  nós  todos  sabemos  he,  que  por  Amor  ^  o  rico 
se  faz  pobre,  o  pobre  se  faz  rico:  graças  aos  velhos  forretas, 
que  passão  mal,  e  enthesourão  para  o  genro  depois  andarde 
Cxivallo  ;  o  certo  he,  que  quem  diz  yfw<?r  ,  á\z  Loucura  ^  por- 
que ha  pedaço  de  afFecto ,  que  he  mesmo  huma  dor  dealmn, 
ver  aonde  se  dirige,  a  que  muitos  respondem  o  adagio  vul- 
gar, que  quem  o  feio  ama  ^  bonito  lhe  parece.  Succede  neste 
Bairro,  que  hum  Tafulão  de  três  peloá, anda  perdido  por Ixu- 
59 


ma  rapariga  ,  que  vende  peixe  pelas  ruas  da  Cidade;  pensa- 
se  que  o  cheiro  da  maresia  ,  que  exhala  ,  he  o  que  tem  dado 
motivo  áquelle  embellezaitiento  ,  pois  nto  tem  outra  ponta  por 
onde  se  lhe  pegue,  salvo  se  he  algum  dos  três  muitos,  que 
a  tal  rapariga  tem,  que  vem  a  ser ,  mu  ito  enxovalhada  ,  muito 
feia,  porém  muito  sisuda,  que  implica,  e  o  nosso  TafuI  po- 
lido, que  não  dá  satisfações  a  ninguém,  vai  a  todo  o  custo 
fazendo  por  ella  mil  finezas  de  preço ,  acompanha-a  de  ma- 
nhã ,  e  de  tarde  pelos  sitios  das  suas  Freguezas ,  e  como  a  es- 
sência do  amor  consiste  era  dar  allivios  ao  objecto  amado , 
de  tudo  que  o  mortifica,  já  nos  consta^  que  até  de  noite  por 
lhe  suavisar  o  pezo  da  celha  do  peiXe,  elle  mesmo  lha  leva 
á  cabeça ,  até  acabar  a  venda ,  cuja  passagem  inesperadamen- 
te foi  vista  por  effeito  de  huma  sege ,  que  passou  com  archote ,. 
a  que  elle  de  casaca  ,  e  terçado  se  não  pôde  occultar ,  por 
niais  diligencias  que  fez,  contentando-se  de  obter  só  por  pre-- 
ífiio   da  sua  paixão  hum  simples  adcos  até  á  manhã. 

Braga  2  d^  Junhoi 

C^ntífiuaçSõ  âú  sonho  do    Cavalheiro  dos  fre%aJellos  na  se^  ^ 
guinte  carta  ao  sen  Amigo  de  Lisboa. 

Amigo ,  tão  impressos  me  ficão  na  nnemoria  os  meu» 
pezadeilosj  que  muitas  vezes  succede,  que  os  factos  veridi- 
cos  ,  e.  reaes  observados  por  mim  me  esqueção,  e  aquelles^ 
que  não  passão  de  hum  mero  sonho,  pelas  impressões  que  m^ 
deixão,  se  perpetuem  na  minha  lembrança:  o  correio  passada 
fiquei  de  lhe  continuar  o  resto  do  meu  pezadello,  o  que  vou 
a  cumprir.  Depois  que  perdi  de  vista  o  individuo ,  que  tinha 
roubado  o  rendeiro  ,  vi  hum  grande  ajuntamento  em  hum  cáes 
chamado  o  da  Conversa  ,  e  como  o  espirito  da  curiosidade 
anima  a  qu^si .todas  as  pessoas,  eu  nao  quiz  ser  dos  exce- 
ptuados^ .,  fui  chegando  mais  ao  pé,  então  vi  dois  homens  ma- 
ritimos^  jogando  o  soco>,  e  coiligí  delles,  que  o  motivo  era 
porque  hum,  tendo  sido  Camponéz,  tin-lia  a  sua  casa  junto 
de  huma  solitária  praia,  e  persumido  de  coojiecer  os  ventos, 
tinha  arruinado  a  embarcação  do  outro ,  poit?  que  o  Campo- 
nês conhecia  pela  direcção  do  fumo,  de  donde  estava  o  ven- 
to, e  quando  havião,,  om  mo.  havião  borrascas^   enthusks^ 


roado  cotn   esta   ridícula  sabedoria,   vomitava  nvil  conceitos 
matheraaticos,  que  era  mesrao  liuma  salsada  :  o  ourro  que  se 
persuadio  (  como  succede  a  mu  ira  gente  )   que  em  hum  hof- 
inem  fallando  muito,   ja  he  sábio,    inda  que  as  asneiras  ve- 
nhão  como  enf.adas  de  peros,  ficou  de  pedra  ,  e  cal ,  assen- 
tando que  o  Camponez  era  hum  grande  Astrónomo,  e  Pilo- 
to,   por  cuja  causa  lhe  deo  partido  na  sua  embarcação,    ro- 
gando-©   muito   para  que  ge  mudasse  para  a  vida  marítima : 
o  Camponez,    que  nunca  tinha  embarcado,    cheio  de  fatui- 
dade deo  suppôrem  entendido,  acceitou  o  convite,  metteo- 
se  no  barco,  e  navegou  :  em  quanto  houve  bonança  tudo  foi 
,bçm  ,  mas  sobrevindo  huma  tempestade ,  o  donodo  barco  fia- 
do na  sciencia  do  Camponez  não  tomou  as  precauções,    que 
devia,  para  se  melhorar  na  tormenta,  gritou-lhe  muito,  po- 
rém o  Camponez  só  a  tudo  respondia  ,    que   lhe  faltava  nlli 
a  sua  chaminé^  porque  o  fumo  tinha  sido  n  arte  ,  for  onde 
aprendera  a  conhtcer  os  ventos  \  mas  como  em  quanto  gri- 
tavão,  o  barco  era  ludibrio  das  ondas ,  veio  fazer-se  cm  pe»- 
daços  naquelle  Cães ,  onde  os  dois  por  milagre  escaparão  ;  o 
Camponez  desculpava-se,  sem  se  lembrar,  que  o  bom  Piloto 
^3onhece-se    na  tormenta,    o  maritimo  dizia  mal  á  sua  vida, 
por  ter  julgado  por  sábio  hum  ignorante :  (  e  quantos  destes 
Pilotos  de  barra  secca  estamos  nós  vendo  em  outros  casos  ! ) 
Vou   a  voltar  para  traz,    e  vejo  o  meu  criado  Sancho  entre 
dois  homens  de  capote  algemado  ,  admirei-me  ,  pois  que  pou^ 
CO  antes  o  tinha  visto  de  berlinda:  segui-o  á  Cadeia,  a  tem^ 
po  que  já  lá  estava  o  Juiz,  entrou  com  perguntas,  dizendo- 
Ihe  :  homem  ,  és  accusado  de  furtares  hum  cavnllo ,  de  que 
ha  multas  testemunhas :   dize-me ,  como  fíze^ftes  este  rou^ 
bo ,  e  onde  existe  ?  Respondeo-lhe  o  Sancho  :  isso  he  hum  tes^ 
temunho  ,  que  me  levantão  ,  eu  o  que  queria  furtar  era  só* 
mente  hum  freio  ,  que   he  huma  cousa  de  hagatella ,  peguei 
nelle^  mas  o  maldito  cavallo  ^  que  estava  junto  ^   naqutlls 
pressa  ,  não  reparei  que  vinha  prezo  a  elle  ,  e^n  casa  he  que 
o  vi  pegado  ao  freio ;  e  co^no  para  o  vir  trazer  outra  ^ex , 
fo^iião  agarrar -me ,  fui  rende  lio  a  huns  Si^ano^  \    e  creia 
«r.  ;;i. ,  que  isto  he  verdade^  que  o  meu  intento  era  só  qte- 
rfr  o  freio  ^  e  não  o  cavallo:  ouvidas  estas  razoes,  lembra- 
me,  que  roguei  ao  Juiz  o  livramento  do  meu  criado,  pondo 
cu  a   quantia,   importância  do  roubo i    e  sçguiado-se  hum* 


^  4  ) 

iTorrorosa  pancada  de  agua,  com  alguns  trovões,  acordei  a 
hum  delles  ,  e  não  pude  mais  pegar  no  somnoaquelly  noite  : 
ancioso  espero  que  v,  ra.  também  me  communique  algumas 
novidades  dessa  Corte,  para  que  eu  possa  communicallds  aos 
meus  amigos,  e  levar  o  tempo  com  mais  algum  gosto,  o 
que  aqui  succede  poucas  vezes  pela  serasaboria  da  solidão  em 
que  se  vive. 
Pesejo-ihe   felicidades ,    e   sempre  lhe  mostrarei  que  sou  seu 

Amigo,  que  muito  o  respeita, 

{Assignâdo)  D.  Sonho  Sonhe. 

Arco  do  Soccôrro  4  àe  Ju^hoi 
He  certo  que  nem  o  tempo ,  nem  a  experiência  podem 
prevenir  os  homens  para  as  lograções  do  mundo:  três  annos 
de  moço  de  cego  ,  dez  de  aquiié  das  estradai  de  Coimbra , 
doze  de  Marujo-,  e  vinte  de  Arreeiro,  nada  disto  foi  bastan- 
te a  /Jleixo  Perdigão  Teixeira  ^  para  escapar  ao  logro,  que 
lhe  pregou  hum  Beirão,  que  tinha  vindo  a  Lisboa  a  certo 
requerimento.  Este  nosso  Aleixo^  au  Teixeira,  quando  a*- 
Jugava  a  sua  sege  ,  apenas  o  freguez  se  apeava,  antes  de  lhe 
pagar,  se  não  deixava  o  capote  dentro  delia,  ou  o  espadim, 
nunca  o  largava,  também  não  usava  de  postigo  nas  costas 
da  sege,  porque  muitos  freguezes  de  noite  se  lhe  safavão  por 
eileé  Até  hum  Mie  furtou  as  cortinas,  e  abalou,  cortando  o 
parzavão ,  e  escuando-se  por  baixo:  de  todas  estas  peças  es- 
tava o  pobre  Ttixeira  calvo  j  porém  o  Beirão  lha  pregou  na 
menina  do  olho:  alugou-lhe  a  sege  para  o  pôr  em  Évora, 
com  a  condição  de  não  dcscançar,  senão  em  quanto  as  bestas 
se  pensassem,  porque  até  de  noite  queria  andar,  dizendo  que 
levava  armas  para  se  defender  dos  ladroes:  feito  o  ajuste, 
que  foi  de  bom  preço,  mettco-se  o  Beirão  dentro,  e  man* 
dou  pôr  luima  grande  mala  fechada ,  e  recheada  de  palha  ,  e 
cascalho  na  trazeira  ,  porque  fato  não  o  possuía  :  na  primeira 
estalagem  disse  o  Beirão  ao  arreeira,  que  pagasse,  porque  o 
dinheiro,  que  trazia,  vinha  n'hum  escaninho  de  segredo  da*- 
quella  mala  ,  e  por  não  estar  desapertando  ,  e  abrindo ,  que  ao 
depois  se  ajusrariao  as  contas.  O  arreeiro  que  vio  que  tinha 
penhor,  fez-sc  prompto  em  pagar,  promettendo  comsigo  de 


(?) 

tirar  o  juro  á  satisfação  dos  ajustes:  e  na  segunda  estalagem^ 
e  na  terceira  succedeo  o  mesmo,  e  seinpre  pelo  caminho  o 
Beirão  lhe  foi  contando  valentias  de  encontros,  que  tinha 
tido  com  ladrões  j  e  apenas  passou  Mcnte-Mór ,  dalli  meia 
legoa  ,  apeou-se  o  Beirão ,  e  a  certos  movimentos  pondo  hu- 
ma  pistola  a  geito  disparou-a  para  o  chão,  e  rompeo  cora  a 
mesma  ligeireza  hum  papo  de  perum  ,  que  levava  cheio  de 
sangue  junto  a  huma  ilharga,  fingindo  que  por  descuido  suc- 
cedêra  a  infelicidade  de  se  lhe  desparar  a  pistola,  que  tra- 
zia comsigo.  Cahio  no  chão ,  entrou  a  pedir  confissão ,  e  o 
pobre  Teixeira  imaginando  ser  verdade  aqueIJe  acaso,  cheio 
de  susto  já  temia  que  julgassem  ,  que  elle  era  que  lhe  tinha 
dado  o  tiro  i  para  o  nicirer  dentro  da  sege,  e  tornajlo  a  le- 
var para  traz  temia,  que  lhe  morresse  nas  mãos;  tanto  bata- 
lhou com  a  idéa ,  que  tomou  a  resolução  de  montar  no  ma- 
cho da  sclla  ,  e  ir  a  Monte-Mór,  a  buscar-lhe  Cirurgião,  e 
a  penas  partio  ,  levantou-se  o  amigo  enfermo  fingido,  tirou 
o  macho  das  varas,  que  ainda  não  valia  pouco,  e  safou-se 
com  elle,  deixando  com  giz  gravado  este  letreiro  na  caixa 
da  sege,  que  ficou  na  memoria  ao  pobre  arreeiro  para  todos^ 
os  dias  da  sua  vida. 

Ifída  que  te  custm  cara  ^  í\ 

ISJão  te  esquema  esta  Itcãa^ 
He  pequena  toda  a  giria 
Fará  a  gíria  d^hum  ladrão. 


Máximas    do    Velho    de  RinioI/?res  continuadas  na  maior 
parte  dos  jaíbeios  antecedentes^ 

Se  a  escondidos  vendilhões 
Compras  carneiro- barato, 
Pagaste  carneiro,  e  pato; 
Pois  quando  poupar  quizesfe, 
Cabra  gorda  he  que  comeste. 

Se  morcellas  vás  comprar, 
Cuidando,  que  são  de  porco, 
Estragas  o  teu  dinheiro, 


.     ( ^ ) 

Sangue  de  boi ,  de  carneiro 
Misturáo  para  as  encher 
Os  vendedores  remissos  ; 
Nós  sempre  ouvimos  dizer , 
Quera  tem  sangue  faz  chouriços; 

Se  te  fiaste  em  barqueiro , 
Da  jornada  que  intentaste 
Pelo  caminho  ficaste  : 
Se  queres  ir  para  Abrantes , 
A  pezar  da  tua  queixa  , 
Pára  o  barco  em  Santarém , 
E  alli  se  pòe  de  remolho , 
Largando  eterna  fateixa. 
Lá  porque  ao  Arraes  convém. 

E  que  logração  náo  he ! 
Alugar  sege  de  tarde, 
E  -a  qualquer  parte  aonde  saio  , 
Sumirrseiogo  o  lacaio  ; 
O  meu -negocio  parado, 
E  eu  posto  na  rua  hum  ora, 
Até  que  apparece,  e  diz , 
Cuidei  tinha  aqui  demora* 

E  quando  eu  vou  pela  rua 
A  cousa  de  precisão , 
E  encontro  num  impertinente 
Agarrando-me   na  mão , 
Querendo  nesta  parada , 
Que  ouça,  da  parte  d'ElRei , 
Huma  extensa  narração , 
Que  rae  não  importa  nada  I 

E  o  que  rae  vem  consultar 
Caso  de  ponderação, 
E  quer  por  força ,  ou  por  geito , 
Lhe  dê  a  tudo  razão , 
Não  a  tendo  por  Direito ! 


<7) 

E  aquelle,  que  por  desmanchos, 
Nada  tem  do  que  percisa , 
E  quer  que  da  minha  casa 
Tudo  vá  a  soccorrello ; 
Pedindo  hum  traste  emprestado^ 
Que ,  ou  me  vem  arruinado , 
Ou  não  torno  mais  a  vêllo  ! 

Quando  se  encontrareiu 
Chupantes  assim  , 
Que  a  trastes,  e  tempo ^ 
Pertendem  dar  fim  j 
Aprece-se  o  passo, 
Também  por  matreiro,. 
Boquinha  calada  , 
Cara  de  ferreiro. 


O  moço  do  Poeta  aqui  me  conduzio  dois  Motes  glosados 
que  lhe  pedirão  de  peta ,  e  que  elle  fez  desempenhajido  pelo 
modo  seguinte.  '^    ^ 


modo  seguinte* 


MOTE. 

Huma  fé  refalseada 
Não  deve  ser  attendida. 

GLOSA. 

*!f5ire  huma  causa  ganhada , 
Era  contra  meu  irmão, 
Mas  passando  o  Escrivão- 
Humã  jé  refalseada  \ 
Fez  isto  tal  embrulhada, 
Que  esteve  hum  anno  detida; 
Em  fim ,  era  já  perdida , 
Segundo  o  Letrado  diz. 
Eis  que  despacha  o  Juiz, 
Hão  deve  ser  ai  tendida^ 


(8) 

MOTE. 
Encontrei  hontem  CufAdê 
N^òuma  sege  de  alugueL 

G  L  O  S  A. 

Na  cocheira  do  Garrido, 
Que  fica  junto  ao  Chiado , 
A  ralhar ,  todo  zangado  , 
Encontrei  honiem  Cupido : 
Que  he  isso^  está  consumido  } 
Disse-ine  elle  :  estou  de  fel  y 
Podendo  eu  ir  n^hum  batel 
Por  doze  vinténs  a  Povos  ^ 
Gasto  seis  cru  zoados  novos 
JN^buma  sege  de  alugueL 


A  V  I  S  O  S. 

"Quem  perdesse  três  cabellos  de  barba,  dois  pretos.,  & 
hum  branco,  fazenda  que  em  outro  tempo  se  empenhava  por 
tanto  dinheiro,  se  se  achar  com  barbas  para  dar  alviçaras, 
falle  com  o  primeiro  cego,  que  está  á  esquinado  Rocio  veir- 
vendo  papeis,  que  foi. quem  os  achou. 

Quem  quizçr  dois  botes.,  que  se  dão  por  preço  muito 
módico,  vá  Domingo  pelas  três  horas  da  tarde  á  Praça  do 
Commercio  ,  e  falle  com  o. Pai  Miguel,  mestre  de  espada, 
que  os  costuma  dar  muito  baratos. 

Tbimoteo  Tare /lo  tem.  em  Ahnada  ,  aonde  assiste,  hu- 
ma  grande  quantidade  de  sardas  em  pilha,  e  faz  aviso  ao  pú- 
blico para  a  sua  extracção..,  advertindo  porém,  que  não  as 
pôde  vender  senão  caras  ,  porque  estão  no  rosto  de  sua  mulher. 

Quem  quizer  baús  de  Moscovia ,  e  outros  forrados  de 
vistoso  foi ié,  tudo  no  ultimo  aceio,  dirija-se  á  rua  dos  Cor- 
reeiros, porém  no  ajuste  pratique  toda  a  esperteza  i  porque 
toda  aquella  gente  he  de  arcas  encoiradas. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

1819. 
Com  licença  da.  Mes&a  do  Desembargo  do  Paço* 


c 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PA  R  T  E      LX. 

Ginjal  II  de  Junho, 


(Hegado  o  dia,  era  que  fazia  annos  a  desejadissiraa  ,  gos* 
tosissiraa  ,  e  sempre  fresquissima  Penhora  '),  honteda  Pipa  , 
por  quem  os  apaixonados  da  sua  formosura  tem  rido  a  glo- 
ria de  darera  com  tudo  em  vasabarriz  ;  todas  as  Senhoras  da 
sua  amizade,  parentes,  e  mais  convidados  a  vieraó  felicitar, 
e  dar-lhe  o  gosto  de  lhe  assistirem  ao  esplendido  banquete, 
que  todos  os  annos  lhes  apresenta  ,  sendo  a  profusão  das  igua- 
rias o  justo  motivo  para  a  fama  das  aguas.  Os  primeiros  fi- 
gurões ,  que  chegarão  á  outra  banda ,  com  aquella  decência  , 
que  pcrmittia  huai  tal  dia,  forao  o  Chafariz  das  Janelías 
Verdes  ^  e  o  da  Esperança  ^  pois  como  mais  rapazes,  não 
querião  perder  hum  instante  de  huma  companhia  de  tanto  sa- 
bor:  depois  chegou  o  Chafariz  da  Praia  ^  como  parente  mais 
chegado  ,  trazendo  na  sua  companhia  a  Precíarissima  Se* 
fthora  D.  Fonte  de  Mello  vestida  á  jaqué ,  de  Mclanía  de  oji* 
das  azul  celeste,  guarnecida  de  pingos  de  agua,  que  com 
a  refracçno  dos  raios  do  Sol ,  mostravão  o  fogo  dos  brilhan- 
tes da  Ásia:  seguio-se  o  Chafariz  d^/IrroiosáQ  botas  y  ecs- 
6o 


porâs  ,  trazendo  pelo  hrã^o  a  suavíssima  PofJíe  do  Loiro ,  ves- 
tida de  verde  á  pastora  ^  guarnecido  de  espeguilha  de  prata 
de  reima  de  caracol,  que  lhe  estava  a  matar,  acompanhada 
das  suas  criadas  as  FoJ2taínhas  vestidas  á  saloya  ,  gibões  de 
hicterra  alagartado,  feitos  nas  Caldas,  que  as  fazião  tao  lu- 
zidas, que  parecião  de  vidro  j  chegou  logo  o  Chafariz  das 
Amoreiras  ,  e  o  do  Rato  acompanhando  a  bellisstma  Senho* 
ta  /A  Fonte  coberta  ^  que  vinha  em  hábitos  menores  ,  por  ser 
huma  das  que  havia  servir  no  banquete,  e  por  isso  vinha  dis- 
farçada. Seguio-se  depois  o  Chafariz  da  Rua  Formosa  ^  que 
com  sua  graça  dava  realce  á  estimadisstma  Senhora  D,  Fon* 
te  Santa  ^  que  vinha  vestida  de  nobreza  branca  ,  daquella  com. 
que  a  enriqueceo  a  natureza  ,  cuja  brandura  repartia  com  to- 
dos ^  por  ser  muito  dada  ,  como  o  tem  experimentado  mui- 
tos ,  que  tem  gozado  dos  seus  prazeres.  Vinha  ella  seguida  do 
Chafariz  de  São  Fedro  de  Alcaniara  ,  do  Chafariz  do  Lore- 
íe  ,  do  do  Carmo  ^  do  da  Praça  d^  Alegria^  do  áo  Campo  de 
Santa  Anna  ^  e  ultimamente  do  Chafariz  d^ElRei^  acompa- 
nhado do  seu  criado  Chafariz  de  dentro^  que  levava  no  fe- 
liz as  Armas,  a  quem  todos  vieráo  buscar  a  Praia,  nao  pela 
sua  antiguidade ,  mas  pela  sua  authoridade,  tanto  em  nobre- 
za ,  como  em  riqueza,  pois  he  o  único,  que  tem  huma  era- 
Ixarcação ,  em  que  passeia  pelo  mar,  quando  se  quer  diver- 
tir; rbi  este  recebido  cora  aquellas  genuflexões  ,.  que  merece, 
expressando-lhe  todos  os  seus  desejos,  e  fazendo-lhe  sacrifí- 
cio das.  suas  vontades ,  cuja  falácia  alterada  em  tom  de  ór- 
gão,  fazia  huma  bulha  de  cascata  mais  suave,  que  aquellas 
que  goza  o  Gr  ao  Turco  nos  seus  Jardins  •  somente  quem  fal- 
tou a  esta  companliia  linfática  ,  foi  a  Senhora  D.  BieadoC^a» 
J>atõ  ^  por  velha,  e  por  exhalar  de  si  aquelle  pestifero  chei- 
ro de  suor  de  pés,  achaque,  que  só  a  morte  lhe  pode  curar : 
subirão  todos  para  a  grarKie  sala ,  que  se  tinha  pedido  em- 
prestada para  este  dia  ao  Padre  Téjs  ^  que  também  não  assis- 
tio  ao  banquete  por  comprazer  com  certas  l^ynfas  ^  a  quem 
era  preciso  administrar  a  virtude  das  suas  aguas  nos  banhos, 
que  a  Medicina  lhes  applicou  ,  tomados  na  Praia  da  Junquei- 
ra j  passados  os  comprimentos,  e  politicas,  que  se  praticarão 
entre  a  Senhora  D^  Fulana^  e  a  Senhora  D.  Fu tana ^^hra-^ 
ços  ,  beijinhos  na  face ,  narrações  de  algumas  moléstias  qne 
padecião,  conversajao  de  mudas  sobre  J^^í/í/í'/,  eChapelinhos ^ 


(o    )     .  .... 

F.  »y.«  cdy  V.  S,a  lá ^  seguio-sc  o  jantar,  o  qual  principiou 
pelas  três  horas ,  e  acabou  pela  meia  noite ;  estava  esta  gran- 
de sala  toda  guarnecida  de  quadros  ,  que  mostravao  a  Histo- 
ria de  Çnido  ,  a  destruição  de  Tvúia  ^  e  o$  Sacrifícios  de  Bac- 
cho^  tudo* em  branco;  porque  a  matéria  assim  o  perraittia. 
Estava  bem  no  meio  da  Sala  luima  grande  meza  ,  feita  de  huma 
só  concha  de. Madre  Pérola,  com  hum  dezer  da  invenção  de 
Ganimedss  ^  em  que  se  viâo  todas  as  figuras  dos  Heróts  A- 
quaticos,  o  Felko  Oceano,  Neptuno,  Tritão  ^  GUuco  ^  Pr  o» 
theo ,  Ihttis ,  Amphitrite ,  Dóris ,  Syrcne  ,  Potermpe ,  e  ou". 
tros:  toda  a  meza  adereçada  de  ramagem  decorai,  e conchi- 
nhas das  mais  galantes ,  que  a  natureza  produz.  Seguio-se  o 
primeiro  prato  ,  de  que  todos  gostarão  ,  por  ser  de  agua  es- 
tufada ^  guarnecido  de  camarões  ^  brinde,  que  fizera  o  Cães 
de  Vilia  Franca  ^  já  que  nao  pôde  vir,  por  se  achar  tirando 
huma  devassa  sobre  huma  briga  ,  que  tiverão  os  barqueiros 
por  occasiiío  dos  vinhos  novos.  Depois  velo  outro  prato  de 
agua  açadano  espeto^  com  molho  de  filtração  ^  que  teve  igual 
merecimento.  Logo  outro  prato  de  Agua  de  Inglaterra  com 
santólas  recheadas  de  lodo,  que  estava  hum  portento.  Este 
prato  veio  no  Paquete  de  propósito  para  esta  função,  de  que 
todos  gostarão ,  por  ser  cousa  estrangeira.  Seguírao-se  diífe- 
rentes  pratos  huns  de  Agua  de  Meltcias  feitas  em  Melecas , 
outros  de  aguas  saluíi feras  das  Caldas  ,  alguns  de  agua  da 
Rainha  de  Hungria  ^  que  servia  em  lugar  de  mostarda  para 
incitar  o  appetite,  e  logo  depois  hum  prato  áe  es  per  regado  de 
arras  com  seus  biocinhos  de  conta  em  lugar  de  alcaparra,  Ap- 
pareceo  muito  direita  huma  formosa  torta  de  miolos  de  cara^ 
coes ,  e  humas  travesinhas  Inglezas  para  guarnição  de  cabidela 
la  de  cágados^  guizado  exquisito.  Fizerâo-se  varias  saúdes 
cora  agua  do  Estoril ^  e  entrarão  a»  sobreraezas  de  agua  de 
F/or  ,  agua  rozada ,  agua  mel ,  agua  de  coco  ,  e  agua  neva* 
da,  Concluido  que  fosse  o  jantar,  lavarão  as  mãos  em  agua 
de  murta  ^  e  tomarão  em  lugar  de  Café  agua-ardente  ^  psra 
que  o  estômago  fizesse  boa  digestão.  Foi  o  cozinheiro  de  to- 
da esta  ocharia  ,  aquelle  rapaz  neto  das  aguas  ^  que  sendo  to- 
do fogo,  misteriosamente  fez  tudo  sem  calor  j  e  sem  que  es- 
pirrassem as  fagulhas  dos  zelos  ,  obsequio  que  lhe  raereceo  a 
Senhora,  que  fazia  os  annos  ,  finalizando  tudo  em  cantarem 
duas  das  Fontainhas  hura  terceto  cora  o  Chafariz  da  Espe^ 
rança  a  Letra  seguinte : 


(4) 
LETRA. 

Com  tuas  aguas,  Permítta  o  Fado, 

Fonte  da  Pipa  ,  Que  esta  virtude 

Amor  suave  A  mão  do  tempo 

Paixões  dissipa.  De  ti  náo  mude. 

Os  que  te  gostão  Em  aguas  claras 

Huma  só  vez,  Tu  sahes  da  rocha  y 

Por  ti  de  amores  E  na  agoapé 

Morrem  hum  raez.  Te  bebem  roxa. 

Pois  tu  lhe  esparges  Por  te  gostarem 

Com  teu  sabor  Sempre  os  humanos. 

Os  sentimentos,  Todos  os  dias 

Que  causa  amor.  Tu  faças  annos. 

Assim  que  se  acabou  de  cantar  ,  todos  enriquecerão  com 
prendas  a  Senhora  D,  Fonte  da  Pipa ,  huns  com  anneis  d^agua^ 
outros  com  adereces  de  cristaes  d"*  agua  ^  e  huma  gr  att  de  flor 
de  peito  com  huma  pedra  no  meio  à^agua  martnha^  circula- 
da  de  pingos  d^agua ,  razão  porque  se  sentio  estes  primeiros 
dias  huma  grande  falta  de  agua  nas  casas  de  Lisboa ,  que  se 
cjiegpu  a  dar  seis  vinténs  por  hum  barril. 

Máximas  do  Velho  de  Romulares. 

Se  hum  cargo  serio  exerceres , 
Segue  o  passo  á  sã  justiça , 
Mas  S€  da  vista. o  perderes,. 
Ficarás  sempre  odioso: 
Repar<i,  que  o  cão  raivoso 
Morde  a  pedra  ,  que  \\\q  deo ,. 
Dos  olhps.  vibrando  a  ira, 
Porque  não  pode  morder 
A  certa  mão  ,  que  Ihç  atira* 

Compra  os  livros  para  os  leres,. 
Não  para  cnfçitar, estantes, 


Que  se  o  contrario  fizeres, 
Ficas  tolo  como  d'antes  : 
Não  tenhas  ler  por  abuso , 
Que  he  raelhor  o  uso  das  letras, 
Que  ter  as  letras  sem  uso. 

Se  te  jactares  de  Sábio 
Não  querendo  ter  defeito , 
Figurando  de  ignorante. 
Perderás  todo  o  conceito,, 

Sg  próceres  peccant ,  si  peccarere  V artrites  \ 

Exemplo  y  ^  sceleri  pacna  paranda  duplex  y 

ò^epe  patrís  mores  imitatur  filius  iufansx. 

Qualís  erit  mater  ,  filia  talis  erit. 

Casta  refert  casta  genitricis filia  mores', 

Lascivie  nunquam  filia  casta  juit, 

tt  verbo  ^  ÍT  facto  pravis  sit  regula  ftatisy 

Óptima  sitque  omni  tempore  norma  pater, 

Mlter  a  natura  est  habitus :  quam  júnior  ar  tem  i 

Perdisces ,  to/let  nu  lia  senecta  tibi. 

Se  os  maiores'  dei  inquirem , 
Para  a  lei  ser  ajustada 
Ao  delicto ,  e  máo  exemplo  , 
Ha  de  a  pena  ser  dobrada. 

Os  filhos  aos  pais  imitão 
Na  propensão  boa,  ou  má; 
E  como  viver  a  mãi , 
A  filha  assim  vivirá. .  l 

Faz  a  natureza  o  costume,. 
Doutrine-se  a  mocidade, 
Que   as  arte?,  que  em  moça  aprendes, 
Terás  na  senecta  idade*. 

Ao  mesmo  Velho  de  Romulares  entre  as  suas  Máximas 
se  achou  a  seguinte  reflexão ,  sobre  as  idades  do  homem ,  e 
mostra,  que 


<  ^ ) 

Ao  rapaz  até  á  idade  de  cinco  annos,  perguntasse  a 
outrem  pela  saúde  delle. 

Dos  cinco  até  aos  dez ,  esquece  perguntar-se-lhe  pela 
saúde. 

Dos  dez  até  aos  vinte ,  não  faz  caso  de  moléstias ,  e 
por  esta  raz^ão  não  ha  que  perguntar. 

Dos  vinte  até  aos  quarenta ,  já  vai  adinittindo  receitas 
de  outros. 

Dos  quarenta  até  aos  cincoenta ,  queixa-se  de  flatos ,  e 
já  se  lhe  pergunta  como  vai  isso  ? 

Dos  cincoenta  até  aos  sessenta  ,  todos  lhe  dizem  cui' 
de  em  si. 

Dos  sessenta  por  diante,  fallão  as  moléstias  por  elle. 

O  moço  do  Poeta  recebendo  huma  Quadra ,  que  lhe  de- 
ra huma  Senhora,  para  ser  glosada  ,  desempenhou  nas  se- 
guintes Décimas ,  e  as  trouxe  ao  Editor  para  preenciíer  este 
Folheto. 

Não  te  lembres  mais  de  mim^ 
Deixa-me  viver  queixosa  , 
Que  tu  não  és  o  culpado 
ly  eu  ser  pouco  venturosa^ 

G  L  O  S  A. 


Se  a  minha  cruel  desgraça. 
Que  nunca  applacar  consigo., 
De  te  ver,  e  estar  coratigo 
A  ventura  me  embaraça: 
Se  infeliz  por  mais  que  faça , 
Não  vejo  a  meUs  damnos  fim  ; 
Se  Amor  quer,  que  eu  viva  assira^ 
Triste  amante,  e  consternada. 
Foge  d'huma  desgraçada , 
Não  te  lembres  mais  de  mim. 


C7) 
IL 

Em  profundo  esquecimento 
Meu  infausto  nome  fique; 
Teme  que  se  communique 
A  ti  este  Ímpio  tormento  : 
Pode  meu  triste  lamento 
Turbar  tua  paz  ditosa  ; 
Sim,  meu  bera,  mil  ditas  goza 
Na  triste  separação; 
E  entre  as  serpes  d'afflicção  ,. 
Deixa-me  vivtr  queixosa^, 

IIL 

Ah  meu  bem,  e  poderás, 
Riscar-rae  da  tua  ideia  , 
Quebrar  de  amor  a  cadeia , 
E  depois  viver  em  paz  ! 
Sim,  porque  assim  cumprirás 
As  Leis  do  tyranno  fado ; 
Mas  se  neste  pobre  estado 
Minha  alma  de  dor  se  parte, 
Não  devo  a  culpa  tornar-te, 
Que  tu  não  és  o  culpado. 

IV. 

Amor  cruento  não  quer 
Que  eu  a  ti  viva  Jigada , 
Qpe  era  teus  braços  descançada ,' 
Goze  o  mais  doce  prazer: 
Nega-me  o  bem  de  te  ver,. 
E  o  bem  de  me  ver  ditosa , 
Mas  Ceos  !  dor  tão  pavorosa, 
Que  me  enche  de  pranto  a  face, 
Não  nasce  d''Amor ,  só  nasce , 
De  eu  ser  pouco  venturosa. 


<8) 


A  V  I  S  O  S. 

Sahio  ás  escuras,  parque  não  teve  tempo  de  sahir  cora 
]uz ,  hum  pecúlio y  Chefe  de  obra,  o  qual  faz  conhecer  co- 
mo se  deve  saber  distinguir  de  cores  pela  vista,  perceber  o 
que  se  falia  pelo  ouvir,  conhecer  a  arruda  pelo  cheiro ,  sen- 
tir o  que  se  come  pelo  gostar  ,  e  differençar  a  ortiga  pelo 
apalpar.  Vende-se  tudo  isto  era  partes  divididas  por  30  réis 
na  loja  da  Gazeta, 

Servító  Monsieur  ^  c\\xQ  foi  mais  de^vinte  annos  jardi- 
neiro das  dúzias,  tendo  por  isto  muito  pouco  que  fazer,  of- 
ferece  o  seu  préstimo  a  quem  quizer  capar  mangericóes ,  sem 
que  \\\Q  fiquem  castrados ,  enxertar  cravos  em  ferraduras  ,  e 
conservar  cada  hum  em  sua  casa  ortaliça  fresca  todo  o  anno  : 
quem  se  quizer  servir  áo  seu  estudo ,  procure  por  elle  aos 
JÉrvanarios  na  feira. 

ííum  senhor  de  cotefcqué  ,  e  do  seu  nariz ,  que  paga 
os  altos  de  veluto  no  melhor  sitio  desta  Cidade.,  por  huma 
sympathia  que  tomou,  conhecendo  agora,  que  he  asneira  fa- 
zer esta  despeza  tantos  annos,  como  não  he  já  tempo  depor 
escritos,  para  ver  se  ha. outro,  que  os  queira,  está  na  reso- 
lução de  trespasse  por  qualquer  dinheiro,  que  lhe  offereção : 
quem  precisar  dos  ditos  altos,  pôde  procurar  por  elle  nos  bai- 
xos, onde  praticará  o  seu  ajuste. 

Qtiem  quizer  comprar  hum  coche  de  nova  invenção^, 
aue  não  tem  mais  que  huma  roda,  e  descança  era  quatro  pés 
para  maior  commodidade^  e  segurança,  era  qualquer  loja  de 
ii3arbeiro  o  pode  ver  não  sendo  cego.  .  ,0 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  .J., E.  M.  DE  CAMPOS. 

.1819. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço» 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS, 
3>  A  R  T  E     LXL 

Calçada  das   Necessidades   i6  de  Junho. 


Ura  maricas,  que,  desde  que  se  conhece,  sempre   na- 
tlou  era  dinheiro,    e  que  foi  na  sua  infância  robusto,    capaz 
t3e  levar  ás  costas,  ou  na  barriga   huma  pipa  de  vinho;  per- 
feito, esbelto,  cuja  engraçada  figura  elle  lhe  não  deixava  crear 
bolor  ,   porque  todos   os   dias  \\\q  dava  ar  ,    passeando-a  por 
quantas  ruas  ,  e  travessas  tem  Lisboa  ,  enthusiasmado  este  A- 
donis,    que  a  sua  presença  namoraria  todas  as  Senhoras,  que 
calhassem   para   elle ,    tera    consumido    todo  o  seu  tempo  com 
esta  roal  fundada  suspeira  ,  até  ao  estado  em  que  se  acíia  ve- 
lho ,  cheio  de  rugas ,  desdentado  ,  e  trôpego  ;  porem  peral- 
ta ,    e  desvanecido  :   quiz  ultlinamenre  Amor  ,    para  lhe  aca- 
bar mais  depressa  o  tormento   em  que  vive  ,    que  passassem 
pela  ponte  d'Alcanlara  duas  Ciganas  muito  tafulas ,  a  tempo 
<|ue   elle   se  achava  vendo  lavar  no  rio  as  lavadeiras;  e  como 
a  sua  conducta,  por  se  não  poder  cont«r,  lhe  fizesse  dizer  das 
suas   costumadas,   com    oíFereci mentos  cheios  de  engraçados 
risos,    as  duas  labercas  desprezarão  tudo,    fazendo  primeira- 
6i 


( o 

mente  poucn  ca^o  delle,  e  como  coníinuasse  a  importunalUs, 
ellas  ouvindo  as  oíFertas  íizerãa  ponto  fixo  de  âs  acceitarem  , 
c  perguntárno-lhe  por  onde  se  hia  para  as  Necessidades..  Res- 
ponJco  eile;  que  esthnnrja  muúo  ^  fo*^tuna  ck  as  acorn- 
IHinknr  ,  se  lhe  permittissem  licença  de  as  conduztr  ao 
sitio,  Acceitáráo  a  expressão  com  o  sentido  na  toJina ,  se- 
/'^undo  a  basofia  que  tinhao  ouvido  \  aos  primeiros  passos  lo- 
go disse  huma  ,  que  queria  agoa ,  ao  que  elIe  respondeo  afoa 
sem  doce  y  minha  iíenhora  ^  isso  he  impróprio,  e chega ndo- 
se  a  hum  Maltez  ,  que  estava  em  siaia  da  Ponte  vendendo 
alíelóa  ,  comprou-lhe  trinta  réis  delia,  e  puxou  pela  bolsa, 
que  estava  recheada  de  Peças  de  6400,  deo-lhe  huma  para 
que  se  pagasse.  Disse  o  Maitez ,  que  não  tinha  troco,  po- 
rém que  não  desconfiava  por  ler  freguez  •,  forão  caminhando  , 
e  quando  eníravao  a  subir  a  Calçada  ,  huma  delias  ,  que  era 
fina  como  hum  cora],  piscou-lhe  hum- dente :  elle  vendo-se 
favorecido,  entrou  a  arrotar  postas  de  pescada,  viteila  assa- 
da, pasteis,  empadas,  e  tudo  o  mais  que  quizessem  naeren-? 
dar:  a  outra,  que  se  lhe  forão  os  olhos  atrás  da  bolsa,  co- 
mo naquella  occasião  não  passasse  alguém  ,  deixou-se  ficar  mais  a 
traz  ,  e  com  a  maior  ligeireza  sacou-liie  a  bolsa ,  porque  a 
vio  recolher  na  algibeira  da  casaca,  segundo  a  moda,  ea 
poucos  passos  esta  mesma  olhando  para  traz ,  vendo  que  vi- 
nlia  hum  Saloyo  apregoando  cebolas,  disse:  Id  vtm  o  Tio 
João  ,  acudio  a  outra  dizendo  ao  velho,  disfarce^  e  vã an* 
dando  adiante  de  nós  ,  es  per  estios  junto  ao  Chafariz ,  que 
jd  vamos  y  deo  elle  em  andar  para  sima  ,  e  ellas  para  baixo  ; 
chegárão-se  ao  Saloyo,  apressárão*lhe  as  cebolas  ,  e  assira 
que  perderão  de  vista  o  nosso  namorado,  safarão  se,  tendo- 
Ihe  a  outra  também  já  tirado  hum  lenço  branco.  Chegou  o 
tal  meu  Senhor  ao  Chafariz ,  e  querendo  alimpar  o  suor  com 
o  seu  lenço,  não  o  achou;  lembra-se  da  bolsa,  despeja  âs 
algibeiras ,  e  acha-se  roubado ,  augmenta-se-lhe  o  suor  ,  e 
hum  flato  sobre  o  coração  tão  forte  ,  que  cahio  ;  acudirão» 
]he  valeo-lne  então  mtiito  estar  tão  perto  do  Chafariz ,  mas 
«empre  o  levarão  em  braços  para  casa  ,  e  espera-se  que,  ou 
dé  á  casca ,  ou  que  vá  para  a  Arrábida  ,  se  viver ,  desenga- 
nado do  Mundo:  lição  bem  empregada,  e  que  devem  tomar 
tcdos  aquelles  que  crcm  de  leve. 


<3^ 

Arcos  das  Agoas  livres  14  de  Junho. 
Por    Mercúrio  foi   entregue  huraa  carta  ao  Almocreve 
de  Peras,    e  huma   carta  por  esses  ares,  escrita  pelo  sujeito, 
que  voou  na  máquina,  ao  seu  Amigo  de  Lisboa,  dando-lhe 
parte  do  mais  que  tem  visto. 

Carta, 

Meu  bom  Amigo,  bem  podeis  desvanecer  o  espasmo, 
cm  que  vos  terá  posro  a  minha  ausência  ,  se  he  que  vos  lem- 
brais,' que  por  esta  Esfera,  por  onde  vago,  possa  ter  sido 
atacado  de  algum  inconveniente  ,  que  me  moleste:  aqui  não  fal- 
ta senão  o  que  se  precisa,  porque  de  tudo  o  mais  ha  abun- 
dância; penso  que  o  não  ter  recebido  noticias  vossas  he  pela 
falta  de  correios  para  esta  Região  ,  como  porém  tenbo  «go- 
ra portador  certo  por  Mercúrio  ,  vos  envio  esta  ,  a  fazer-vos 
saber  o  novo  rumo  ,  que  tomei  ,  porque  também  por  cã  ha 
mudanças,  porém  fazem-se  menos  despezas  com  o  fato,  por- 
que todos  o  tem  de  coelho;  nella  vos  informo  do  mais  que 
renho  visto,  que  me  tem  transportado  o  gosto  de  tal  sorte, 
que  me  nao  posso  apartar  desta  deliciosa  scena.  Assim  que 
o  Sol  hum  destes  dias  chegou  ao  Zenith  ,  vi  que  o  veio  vi- 
sitar huma  Ave,  maior  que  a  Torre  de  Moncorvo,  e  que  as 
suas  pennas  enserravão  em  si  todas  as  cores  deliciosas,  com 
que  a  vista  se  engana,  trazia  atravessado  no  bico  hum  ramo 
de  arvore ,  o  qual  vi  incendiar,  e  baixandoTnstantanearaente 
á  terra  desaparece©  :  Icrabrou-me  se  esta  seria  a  Ave  Feniz, 
tantas  vezes  cantada,  e  nunca  vista;  crêde-me  ^  meu  rico  A- 
migo  ,  que  eu  desejaria  ter  apanhado  algumas  pennas  desta 
Ave,  para  com  ellas  fazer  hum  mimo  ás  Senhoras  da  Euro- 
pa, a  fim  de  lhes  servirem  de  ornato,  por  não  gastaretn  os 
seus  bellos  vinténs  nas  plumas,  que  leva  o  vento  ,  nos  volantes 
que  o  vento  espalha  ,  e  nas  flores  de  espuma  ,  cuja  matéria  he 
vento,  enfeites  próprios  da  base,  em  que  secollocão;  porque 
vemos  que  algumas  são  cabeças  de  vanto  ;  também  não  igno- 
rais, que  já  se  enfeitarão  com  loiras  palhas,  em  que  d^.- 
vão  a  conhecer,  que  o  sitio  estava  enfermo;  estas  e  ou- 
tras reflexões  me  não  deixavão  ver ,  que  o  Arco  da  Velha , 
^em  que  eu  descansava,   tinha  as  cores  desvanecidas,  e  quasi 


(4) 

desfeita  a  sua  existência ,  e  por  esta  razão  obrigado  a  novo 

voo,  que  Felizmente  foi  até  a  altara  do  Ponto  Euxino ,  aonde 
Jibrado  sobre  as  azas ,  assisto  em  companhia  de  alguns  su- 
blimes pensamentos,  que  por  aqui  ficarão  do  desterrado  O  vi- 
<iio;  e  por  acaso  olhando  para  a  parre  da  Gurlandia,  vi  as 
serras  da  neve,  ha  mil  annos  feitas,  ráo  frescas,  como  na 
hora  era  que  se  congelarão :  a  neve  por  si  mesma  se  repartia 
para  aquellas  partes  aonde  he  appetecida ,  sem  que  o  seu  con- 
ductor  á  desfilada  a  leve  era  sorveieiras ;  sobre  as  serras  pas- 
iavão  os  mnocentes  Arminhos,  e  lembrão-me  quantos  enga- 
nos encobrrráo  as  coifas  guarnecidas  com  miúdos  pedaços  des- 
tas pelles ,  que  representando  cabeças  aceadas ,  muitas  vezes 
debaixo  das  coifas  haveráõ  cousas  monstruosas ,  que  a  Natu- 
reza cria  pela  preguiça  ,  que  ainda  hoje  domina  em  algumas, 
de  arrumarem  o  seu  cabello ,  cuidando  só  nas  apparencias: 
U  sobre  a  taixk  se  me  representarão  era  grandes  montes  as 
oito  cores,  com  que  a  natureza  faz  tanta  cousa  galante,  e  vi 
^ue  a  tnais^  pequena  era  a  encarnada  ;  logo  conheci  a  razão; 
porque  não  he  só  a  mesma  Natureza,  que  gasta  esta  côr, 
também  os  viventes  de  ambos  os  sexos  lhe  tem  extorquido  hu* 
ma  terça  parle,  mascarando  a  cara,  sistema  de  que  não  pos- 
so comprehender  o  fim  :  chegou  finalmente  a  noite  ,  fazendo 
caretas  tão  feias,  que  metterião  medo  até  aos  de  mama;  po- 
rém não  me  assustarão,  por  ser  em  parte  aonde  a  noite  não 
mette  medo  a  ninguém ;  assim  que  elia  poz  o  cró ,  e  se  em- 
buçou na  capoceira  ,  tudo  se  cobrio  de  negras  cores,  como 
balliza,  que  ao  seu  movimento  se  fâzem  as  evoluções;  eis' 
q.U£  de  repente  vejo  estampar  á  outra  parte  a  côr  de  fogo, 
que  muitos  cuidarião  ser  Aurora  Boreal,  e  certo  he  que  me 
descobrirão  com  todo  o  segredo  ,  que  pelo  máo  proceder  dos 
homens  lá  na  terra,  se  fazia  cá  no  Ceo  a  face  vermelha;  se 
assim  he  ,  infeliz  condição  ,  infeliz  gente.  Não  vos  quero 
mortificar  mais ,  pois  Mercúrio  parte  com  alguma  pressa  ,  dei- 
xando-me  ás  boas  noites,  e  coro  a  agoa  na  boca,  porque 
principia  a  chover;  contai  sempre  com  a  minha  amizade^ 
que  todo  vosso  he 

G  vosso  Amigo, 

<  Assio^nada^  ícaro  IL . 


CO 

Máximas  do  Velha  de  Romulares. 

Se  sentes  o  frio  inverno  , 
Não  busques  nunca  o  fcgão; 
Nem  fogareiro  cora  brazas  , 
Que  minar- te  o  corpo  váo: 
Séccas  a  transpiração, 
De  que  ao  depois  bem  te  péza  , 
Porque  quizestes  mudar 
A  ordem  da  natureza* 

G  vinho  alimenta  a  vida  ,^ 
Sendo  em  pequena  porção, 
Quanto  baste,  para  o  homem 
Fazer  boa  digestão* 
Mas  se  a  garrafa  escorrida 
Por  outra  garrafa  puxa. 
Cuidando ,  que  fica  forte. 
Fica  deitado  por  terra , 
Debaixo  das  mãos  da  morte^ 

Quando  vires  transpirar 
O  corpo  por  mais  cançado, 
E  a  sede  te  atormentar  j 
Vai  sentar-te  o  teu  bocado, 
Deixa  hora  e  meia  passar, 
E  depois  que  socegado 
Enxuto  o  corpo  ficar, 
Vai-te  na  fonte  faxian 

Que  te  cures  da  doença  •, , 
Que  te  flagella  ,  e  padeces  ^ 
A  tempo  o  faz  quem  bera  pensa  j> 
Porém  pores-te  a   julgar , 
Que  a  moléstia  de  tuJano 
Inda  a  ti  pôde  chegar, 
E  queres  todo  o  anno 
Os  Médicos  consultar 


(6) 

Sobre  a  queixa  ,  que  nâo  tens , 
Por  força  do  teu  pensar, 
Tolo  te  posso  charaar. 

Rua  da  Atalaia  ao  de  Junho, 

Dissertação  do  nosso  homem  applicado  a  experiências 

económicas* 

Como  nno  seja  possível  conseguir  de  hum  homem  ap- 
plicado,  que  se  incline  ao  ócio,  pois  que  a  imaginação  tra- 
balhando assiduamente  ,  já  mais  pôde  deixar  de  indagar  os 
porquês  de  muita»  cousas,  he  por  este  motivo,  que  náo  per- 
raitlindo  o  meu  génio,  que  eu  descance  de  fazer  descobertas, 
com  o  maior  fervor  me  applico  a  trabalhar  nas  cousas  úteis 
para  a  ordem  da  vida,  que  para  a  ordem  da  morte  qualquer 
trabalha. 

Na  Parte  XFIIL  desta  Obra  se  tratou  do  verdadeiro 
methodo  de  matar  pulgas ,  o  que  tem  sido  disputado  por  bons 
juizos ,  e  que  produzio  híim  tratadinho  das  comixões  em  oi' 
tavOy  impresso  na  era  de  5*00 ,  que  ensina  differentes  meios 
para  a  extinção  deste  insecto,  mas  com  toda  a  sua  abundân- 
cia, escaparão  ao  seu  Aulhor  duas  famosas  invenções,  que 
não  são  para  desprezar.  A  primeira  ensina  a  ter  sempre  huraa 
espingarda  carregada  á  cabeceira  da  cama,  e  logo  que  se  sen- 
tir que  a  pulga  morde,  se  inclinará  a  espingarda  para  o  si- 
tio ,  e  se  desparará  ,  que  deverá  ser  carregada  de  chumbo  , 
porque  como  este  insecto  he  bastante  subtil  nos  seus  saltos , 
espalhando-se  o  chumbo  ,  não  será  tão  fácil  alguma  fuga.  A 
segunda  invenção  não  he  de  menos  apreço,  pois  não  causa  sus- 
to algum,  c  vem  a  ser,  metter  a  gente  comsigo  na  cama  hu- 
ma  daquellas  grandes  ratoeii as  armadas  ,  pondo-!he  era  lugar  de 
isca  huraa  mão,  ou  hum  pé  no  lugar,  em  que  elía  se  costu- 
ma pôr,  para  melhor  attrahir  a  pulga,  e  terá  muito  cuida- 
do a  pessoa  em  estar  á  vigia  para  desarmar  a  mesma  ratoei- 
ra ,  a  penas  a  sentir,  porque  infallivelmente  ficará  preza  pela 
cabeça.  Estas  duas  descobertas  já  tem  merecido  algum  applau- 
so  particular,  e  o  seu  Auihor  não  deixa  de  aspirar  aos  agra- 
decimentos do  público  pelo  muito,  que  se  tem  interessado  na 
sua  commodidade. 


f  7) 

De  S.  Sebast!?o  da  Pfdreira  recebeo  o  Eàitrr  liuira 
Cafta  de  hom  amigo  seu  >  e  entre  es  coufas,  quç  continha, 
se  lia  a  adivinhação  seguifjte  ,  para  quem  quizer  puxar  pelo 
caco,  lenhio  os  Senhores  Leitores  esse  irabaiiío,  que  a  raim 
já  me  falta  a  paciência  ,  e  como  espero  que  o  lal  amigo  des- 
cubra a  verdade  do  caso ,  o  Editor  não  faltai á  a  ânnunéial- 
lo. 

Todos  me  deixão  fartar : 
Depois  que  nutrida  estou  , 
Me  fazem  arrebentar  ; 
Daqui   me  querem  mudar , 
Mas  só  em  pedaços  lom 

O  moço  do  Poeta  ,  em  huitia  sala  aonde  ficou  com  seu 
Amo  ,  ouvio  questionar  o  poder  da  formosura  entre  certos 
Milofds ,  que  requestavao  algumas  Senhoras  da  dita  compa- 
nhia ,  de  que  as  mesmas  se  desvanecido  muito  ,  e  como  huraa 
das  Senhoras  tratou  o  Amo  muito  mal ,  mostrando  que  elle 
era  sem  sabor,  e  mettendo-o  muito  a  bulha ,  este  moço, 
como  bom  criado ,  intentou  despicar  seu  Amo  com  o  seguin- 
te Soneto ,   do    qual   deo  a  cópia  para  a  presente  collecção. 

SONETO, 

Crespa  madeixa  em  turmas  atínelada , 
Nova  lafula  enfeita  presumida. 
Já  na  idade  pueril  desvanecida  , 
Quer  ter  mil  chichisbeos,  ser  namorada: 

Dos  quinze  avante ,  em  modas  esmerada , 
Por  adornar  a  formosura  lida  ^ 
Traz  a  reboque  os  sócios  da  partida. 
Até  ver  cahir  hum  na  rede  armada : 

Duplica  a  idade,  os  annos  vão  fugindo ^ 
O  rosto  enruga,  o  corpo  desfigura, 
Neva  o  cabello ,  os  dentes  vão  cahindo , 

Faz  horror ,  a  que  íôra  huma  pintura , 
Se  era  todas  damno  tal  vou  descobrindo. 
Sou  seu  servo,  senhora  formosura. 


(  8  ) 
O  Edifor  desta  obra ,    peia  raz3o  de  fer  recebido  vsí 

rias  Cartas  jocosas  no  Correio,  se  vê  obrigadt)  a  declarar 
que  elle  não  he  o  Autlior  do  CéOfé  jocoso^  neai  do  papel  in- 
ri  tu  lado  Retorno  do  Almocreve  ,  pois  nâo  deseja  por  modo 
algum  usurpar  a  gloria  devida  aos  seus  Authores,  conten- 
tando-se  a  penas  com  a  sua  composi<;ão  do  Almocrexe  de 
Vetas  ^  cora  a  qual  roga  a  todos  a  continuação  da  curiosi- 
dade* 


AVISOS. 

O  Doutor  Bcfiifrate  taiy  e  quál^  projectando  ser  uril 
ao  público  por  meio  do  seu  maquinisrao  ,  se  propoz  fazer 
huma  armadilha  muito  subtil  para  moer  trigo  ,  centeio ,  e 
milho,  independente  de  moinhos:  esta  máquina  bastante 
difficultosa  em  se  organizar,  tem  a  maior  tacilidade  em  pro- 
duzir o  seu  eíFeito  ,  mettendo-se  dentro  delia  hum  gato,  que 
este  pela  sua  inquietação  íaz  andar  o  tal  engenho. 

De  15'  do  mez  que  vem  por  diante,  toda  a  pessoa  que 
quizer  fazer  jornadas,  achará  na  rua  dos  Alamos  huma  arma- 
ção de  cortiça,  com  suas  rodas  altas,  tendo  a  hum  dos  la- 
dos hum  engenho  de  mão,  raette-se  a  pessoa  dentro,  bole- 
se  na  tecia,  vai-se  sempre  tangendo  a  máquina ,  edeixe-sc  ir, 
isto  por  preço  muito  cómmodo. 

Sendo  indizível  a  despeza ,  que  os  Senhorios  das  casas 
desta  Corte  fazem  com  vidraças ,  se  lhes  avisa  ,  que  em  lugar 
de  vidros  deveráÕ  usar  de  pelles  de  cabrito  cortidas  ,  porque 
são  mais  claras ,  que  os  mesmos  vidros ,  e  náo  se  quebrão. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LXII. 

Boa-Morte  ^i  de  'Junho. 

\^Uem  diria  que  o  Chapinha  cego,  havia  enganar  seuVom- 
padre  o  Pé-leve  calvo,    e  o  mais  manhoso  homem,  que 
se  conhecia ,  jogador  eterno  do  jogo  do  pilha  ,  que  o  joga- 
va sem  os  parceiros  o  saberem  !    O  nosso  bom  cego  entre  a 
soraraa  do  perdoe  y  e  Deos  o  favoreça  tinha  ajuntado  as  suas 
trinta  moedas;  e  porque  temesse  os  larápios,    não  se  fiando 
cie  as  guardar  dentro  de  casa ,  nem  sabendo  onde  as  occultas- 
se ,  parecendo-se  nisto  comsigc ,    porque  quem  não  sabe ,  he 
o  mesmo  que  quem  não  vê  ;  tomou  o  expediente  de  irão  seu 
quintal,    abrio  huma  cova  na  lerra ,    e  mettcndo  o  dinheiro 
dentro  de  huma  pucara ,    lhe  fez  o  enterro  sem  pompa  ,  nem 
despeza  :  o  compadre  calvo  ,  que  morava  paredesnreias  ,  e  sem- 
pre lhe  andava  na  cola  observando  os  passes ;    vio  o  funeral 
do  dinheiro,  e  apenas  o  cego  acabou  do  encerramento,  e  vol- 
tou,   logo  o  bom  calvo  lhe  fez  a  trasladação  para  sua  casa. 
O  cego  foi-se  deitar ,   mas  dando-lhe  de  noite  saudades  da 
sua  prenda  amada ,  ao  nascer  do  dia  lhe  foi  fazer  huma  visi- 
ta ,  e  não  achou  mais  que  o  sitio ;   xnctteo-se  ena  casa  muito 
62 


triste  ;  porém  suspeitando  quem  lhe  tinha  feito  a  esmola  á 
segunda  luz  dos  seus  oihos,  idepu  huma  trama  de  esperteza, 
que  a  poucos  lembraria.  Foi  a  Cisa  do  compadre  calvo,  e  lhe 
disse  :  Compadre  ,  eu  teiího  junto  o  meu  far  df  ibintens ,  jâ 
guardei  a  quarta  parts  delles  em  sitio  ^  onde  certamente  os 
la  ir  fies  nm  ma  fartafv)  ^  e  agara  as  Ires  partes  ^  que  me 
restai ,  Tíãj  sei  se  as  ponha  na  rnãG  de  hum  homem  de  negO" 
cio  meu  amigo  a  risto  ,  ou  se  as  guarde  aonde  tenho  as  ou» 
trás  y  porque  me  lembro  ,  que  o  negocio  pôde  falhar  ^  e  eu  per* 
delias  :  v-^nbo  pois  tonar  este  c^níelbo  com  o  meu  compadre  , 
que  espero  me  diga  sinceramenfe  o  qm  sente,  Rcspondeo-lhe 
G  laberco  calvo,  guarlãe-as  antes  ^  chitipaàre  ^  guarde^as  ^ 
guarã?'ai  onde  tem  o  mais '^  porém  este  conselho  foi  dado 
com  muita  alegria,  luzindo-lhe  o  olho  por  cilas:  despedio- 
se  o  cego  para  ir  ao  pediroftõ,  è  o  cafvo  pensando,  que  ti- 
nha miis  noventa  moedas  para  ajuntar  ás  outras,  e  que  se  o 
cego  fosse,  ao  sitio,  e  nao  achasse  a  pucara  com  o  dinheiro, 
não  inetterta  lá  o  mais^,  pegou  fielmente  no  que  tinha  furta- 
do,  e  foi-o  pôr  na  mesma  parte  em  ar  de  isca  para  pescar  o 
rcsío  :  o  cego  á  noite  quando  veio  foi  visitar  a  sua  mina,  e 
quando  nelk  achou  o  seu  dinheiro,  pulando  de  contente,  ti- 
ro u-o  ,  e  merceo  no  mesmo  si  rio  huma  panella  cheia  de..« 
etc. ,  tapou  ,  e  foi-se  pôr  na  porca  do  quintal  a  escutar  o  qué 
O  Compadre  faria  ;  o  qual ,  apenas  lhe  pareceo  lioras ,  desceo 
o  iiuiro  ,  veio  ao  sitio,  desenterrou  a  panelia,  e  achando*a 
pezado  ,  cheio  de  gosto  ,  e  de  susto  ,  que  sempre  o  tein. maior 
quem  furta ,  do  que  quem  perde  ,  foi-se  safando  com  cila  :  a 
cego  que  o  presentio  ,  gritou  de  cá  ,  fora.  ladrões^  ó  dos 
chuços  \  o  calvo  com  a  pressa ,  e  com  a  ambição,  querendo^ 
saltar  0  niurO,  quebra  a  pfínelia  que  levava  arrimada  aopei- 
TO  ,  de  que  ficou  preiamar  pelas  hervas.  Consta  que  o  tal  com-^ 
padre  no  outro  dia  chamara  três  homens  de  tinta  fina  de  es- 
iá'i^v^^• ,'-  e  qiie  os  deixara  só  coiti  o  meio  pregão ,  porque  Ihea- 
CWTÍÍ)i*Oti  -toda  a  alía'4eH.ia-Tque  Icvivvão  para  se  defumar. 

Qaes  iè  ^oàré  17  de  Junho^ 

Còí^  a  Tmiiire^za  ^fH-odufe^^  vo'ntadc  da  providência  ,  ra* 
It^o  porque  reparte  'iízual  com  os  irrncionaes^  seguindo  os  suas 
^pcws ,  t  estes  peJo  ettsiho  do  iiomem  cliegão  a  doiuar-sé 


tanto  ,  q-uanto  a  ágílichde  do  íinimal  prcrmitte.  Nao  nos  s:ío 
estranhas  as  cxhibiçóes,  que  fazia  o  pequeno  c^o  do  pobre 
alegre,  chamado  periquito,  o  qual  por  espaços  de  tenipo  o 
via-mos  eis-lo  morto,  ci?-io  vivo  ás  giiias  vozes  do  ensino, 
por  temer  bordoada  de  cego  :  níio  devemos  pasmar  dás  niqui- 
ces  dos  macacos  de  D.  Guan  Pepino,  tantas  vezevS  vistas  nas 
Praças  públicas,  porque  esses  além  do  seu  natural,  temiao  o 
chicotinho,  que  IhQ  hia  pclris  gambias:"  nao  devemos  pasmar 
do  cavailiniio  de  Friza  do  Senhor  Risol ,  que  ao  pequeno  ac- 
cionado da  visinha  conhecia  as  cartas  de  jogar  viradas  para 
baixo,  se  erao  figuras,  ou  pontos,  porque  temia  que  a  mes- 
ina  visinha  lhe  zurzisse  as  orelhas  :  não  nos  eleve  a  fereza 
dos  ursos  domados  pelos  Montanhczes  de  Spetsbergen  na 
■Gurlandia ,  os  quaes  se  punhão  cm  pé  d^ndo  saltos,  e  ron- 
cando ao  tempo  que  llies  falia va  oPetimelre,  pelo  temor  do 
-ferro  em  braza  ,  que  Ih^  viria  ás  mãos  :  púnhamos  de  parte  o 
Canário  de  Monsieur  Tacotim,  que  cantava  as  árias  ao  som 
do  mstrumento  ,  cora  que  fora  creado  desde  pequeno,  pois  já 
'mais  ouvira  cantar  ourro  pássaro  ,  e  pelo  costume  aturava  até 
á  conclusão,  conhecendo  as  oito  cores  naíui'acs  ,  e  hindo  pi- 
car naquella  ,  que  seu  dono  queria  differenç^da  ,  porque  a  fo- 
me lhe  tinha  ensinado  o  lugar  aonde  estava  occmer,  quan- 
do nas  differ entes  falias  do  s.u  mestre  lhe  annunciava  o  si- 
tio: nao  nos  elevemos  no  Papagaio  do  Mogor  de  I5C0,  que 
era  do  tamanho  de  hum  perúui  ,  e  failava  por  quantas  jun- 
tas tinha  todas  as  línguas,  que  lhe  ensinavao  ,  pois  está  viS- 
to ,  c  miais  que  visto  ,  que  a  percepção  destes  brutos  abran- 
ge qualidades  taès ;  porém  o  que  deve  adnlirar  são  deis  gal- 
los  ,  que  ha  no  sitio  de  Piraguí  no  Brasil ,  que  sem  ensino 
algum  bailão  ó  londum,  não  f  Irando  a  hum  ponto  do  soiti, 
que  com  a  boca  lhes  toca  huma  Molatinha  ,  que  trata  das-gil- 
linhas,  e  m.ais  dellcs,  attribueai  os  politicós  ser  este  fenóme- 
no natureza  do  Clima. 

Ribeira  Fe  Ih  a  2^  de  Junho, 

A  incógnita  virtude  da  pedra  filosofal,  crm  que  tan- 
tas vezes  doirou  d'agua  o  ambicioso  C.himico  os  seus  proje- 
ctos, que  enganado  com  e"? ta  patranha  chegava  a  ponto  de 
enlouquecer ,  quando  realmente  lhe  não  succedia ,  fez  novamen- 


(  4  ) 

te  gastar  o  seu,  e  o  alheio  ao  célebre  BaUique  de  Mesatu 
tropia ,  o  qual  depois  de  mosrrar  os  grandes  talentos  nas  Au- 
las públicas  de  toda  a  Europa  ,  mostrava  nas  companhias 
aos  Professares,  que  muitas  vezes  imburem  gato  por  lebre, 
o  qua'nto  valem  pelas  regras  da  anatomia  miolos  ,  e  lingua 
bem  preparada,  e  isto  pela  agilidade  do  seu  estudo,  fazen- 
do-o  saber  a  toda  a  sociedade ,  ainda  que  fosse  de  cera  pes- 
soas,  pois  chegada  a  sopa,  em  duas  palhetadas  punha  logo 
tudo  em  pratos  limpos,  trinchava  com  tanta  ligeireza  hum 
prato  de  hervas,  que  nenhum  da  companhia  ficava  sem  r*- 
çao,  merecendo  hum  geral  applauso  ,  e  como  deslindava  isto, 
todos  ficavão  contentes :  intentou  novamente  descobrir  cora 
alquimias  illusoes  filosóficas  o  modo  de  preparar  huraa  pasti- 
lha com  o  destino,  que  quem  a  mascasse,  doiraria  cora  o  ba- 
fo pilulas,  papel,  pinturas  ,  e  até  as  próprias  palavras,  que 
proferissem  seriao  doiradas  ,  porém  como  para  esta  descuber- 
ta  llie  faltasse  somente  hum  triz,  teve  a  felicidade,  que  te- 
ve o  Chimico  de  Saxonia,  a  hum  truz  do  cadilho  que  arre^ 
bentou,  por  nao  poder  supportar  ò  fogo  violento,  hindo  tu- 
do pelos  ares  ,  e  como  o  Senhor  Bailique  andasse  com  estas, 
e  com  outras  descuberras  filosofando  no  passeio ,  que  fazia  pe- 
las praias  dos  Trinacrios  montes  ,  vio  que  sobre  as  agoas  boia- 
vao  huns  vultos,  que  as  ondas  arrojavao  a  terra  ,  que  o  dei- 
xavão  estupefacto  ,  e  conhecendo  a  matéria,  e  o  quanto  po- 
dia o  seu  organizado,  de  repente  confundindo  huma  cousa, 
por  acaso  descobrio  outra  ,  que  muitos  cuidarão  ,  que  será  pe^- 
ta.  Os  de  Antuérpia  <^  e  Cracov/a  y  jà  tiverao  o  gosto  de  o 
verem  passar  sobre  as  agoas  das  suas  ribeiras ,  e  como  as  cou^ 
sas  mais  misteriosas  se  tem  descuberto  por  acaso  ,  nao  pade- 
cerá dávida  o  espectáculo,  que  elle  offerece  aos  Senhores  Por- 
tuguezes  de  o  verem  passear  pela  Ribeira  do  plácido  Tejo, 
cousa  que  nao  deve  admirar ,  senão  pela  novidade  ,  por  nao 
ser  vista  de  raaquinismo  ,  mas  sim  obra  da  natureza  ,  que  tem 
maior  valor;  o  primeiro  Domingo,  em  que  o  tempo  estiver 
sereno,  elle  convida  a  todos  para  o  Cães  da<s  Columnas,  pa- 
ra que  o  vejão  dar  sobre  as  ondas  passos  de  Gigante,  calça- 
do com  huinas  botas  como  as  dos  Correios  Estrangeiros,  com 
hum  bordão  na  mio ,  que  lho  serve  de  maromba ,  para  lhe 
sustentar  o  equilíbrio  ,  que  a  flexível  estrada  lhe  não  deixa  fa- 
zer sem  este  arrimo ,  virtude  esta ,  que  elle  descobrio  na  pe- 


dra  Pomes,  nós  o  veremos  caminhar  até  contra  a  msré ,  e 
depois  de  passar  o  pontal  de  Cassilhas,  aonde  espera  jdntar, 
oti  cear  com  aquelles,  que  o  quizerem  obsequiar  em  fazer  a 
despeza  ;  elle  se  propõe  mostrar  por  hum  buraco  todos  os 
instrumentos  deste  fenómeno,  para  que  acreditem  o  que  pro- 
mette ,  e  isto  na  casa  de  pasto  do  raal  cozinhado ,  aonde  es- 
tá de  assistência. 

Rua  dos  Çavalletros  iS  de  Julha. 

Huma  destas  noites  de  luar  sahio  de  huma  taberna  do 
Terreirinho  hum  famigerado  bêbado,  homem  que  sempre  nes- 
ta matéria  desempenhou  os  deveres  da  sua  obrigação  ,  e  quan- 
do no  meio  da  rua  deo  de  repente  com  o  luar,  pareceo-lhe 
a  claridade,  que  dava  na  mesma  rua  ,  hum  grande  rio  ,  e  de 
repente  disse,  temos  hgo  ^  não  ha  mais  remédio  ^  que  des- 
pir ^  e  nadar  ^  sentou-se  á  sombra,  despio-se  todo,  e  atirou 
comsigo  para  a  parte  do  luar,  nadando  pela  rua  cora  braços, 
c  pernas ,  e  com  toda  a  fatiota  atada  ao  cachaço  :  com  a  for- 
ça deste  movimento  sobreveio-lhe  hum  grande  vomito  alijan- 
do a  carga,  a  tempo  que  passou  hum  cão,  e  como  Jhe  chei- 
rasse a  comida  vomitada  ,  principiou  a  iamber-lhe  a  cara ,  e 
o  bêbado ,  que  fora  de  si ,  perturbado ,  sentia  as  lambcdellas 
em  alta  voz  gritava,  faça  ^  faça  ^  senhor  Mestre,  que  a 
navalha  está  hum  brinco» 

Declara-se  ao  publico,  que  a  advinhação  do  Folhcfo 
antecedente,  que  principia:  ^  Todos  me  dei  xão  fartar  rr 
não  he  o  que  vv.  mm.  dizem,  se  he  que  o  dizem  ,  com  a 
pequena  despeza  de  40  réis  saberão ,  que  he  huma  Pedreira, 

Máximas    do    Velho    de    'Rtmcrhres  continuadas  na  maior 
parte  dos  jolhetos  antecederdes. 

Guarda-te  do  Sol  de  Inverno, 
Foge  do  Sol  de  Verão , 
Que  em  huma ,  e  outra  Estação , 
Sempre  o  Sol  tem  força  tal , 
Qiie  quando  menos  cuidamos, 
O  seu  calor  nos  fez  mal. 


(6) 

Se  sabes,  que  a  natureza 
Nao  te  abraça  tal  guizado , 
Qu.indo  estás  ecn  farta  meza  ; 
Nunca  faças  nelíe  preza, 
QuQ  triste  consolação 
He  morrer  por  hum  bocado, 
Ou  por  huiua   fartadeiJa, 
Que  só  no  engolir  tem  gosto,. 
Para  me  ver  sem  remédio  , 
Á'3  portas  da  morte  posto. 


O  ser  regular  na  boca 
Parece  conveniente  , 
Mas  não  ser  invencioneiro, 
Porque  isto  h*  fno  ,  isto  he  quente^ 
Isto  afrouxa  ,  ou  isto  he  forte , 
AnJjr  nisto  todo  o  dia  , 
Pondo-me  em  nada  comer, 
Que  doida  melancolia  , 
He  querer-me  devorar 
Eu  mesmo  por  minhas  raaos.^ 
Sem  iiaver ,  que  acautelar. 


Briolanja  de  pé  á  facaia ., 

Com  ligeiro  Marujo  atravez, 

Que  Wvz  deo  capa  nova,  e  deo  saia. 

Se  enfeitado  casquilho  lhe  fez 

Passeios,  yoltinhas  ,  bixancros,  acenos, 

Páolada  ,  massada  ,  facada ,  pedrada  !, 

Na  roda  hum  Taíul  se  x:9nta  de  menos* 


O  mnco  do  Poeta  aqui  trouxe  o  seguinte  Mote  glosa- 
do,  p.^ra  sj  pòr  ny  presente  folheto.    . 


(7) 
M  O  T  E. 

Na  gale  do  soffrhnento. 

GLOSA. 

Fez  Vénus  grande  função, 
Quando  este  anuo  Araor  fez  annos, 
E  deo  a  certos  fulanos , 
Nesse  dia  beijamão : 
Eu  quiz  ,  prezo  seni  razão,. 
Tratar  dò  meu  Jivraraento , 
Fiz-lhe  o  meu  requerimento , 
Disse  ,  que  não  defiria , 
Que  vivesse  aofide  vivia 
IS! a  galé  do  soffrimento. 

Ao  mesmo  de  Velhai 

Na  noite,  em  que  ergueo  fateixa  , 
A  náo,  onde  o  Xinxa  estava, 
A  Avó  do  Bamba  botava 
Lagrima  maior  ,  que  ameixa  : 
Tua  Naivjt  assim  se  deixa? 
Dhh  posta  ao  relento, 
Faltaste-me  ao  casamento  i 
Déste-me  a  ires  cordões  fim  ^ 
'£  queres  que  eu  fique  assim 
\Na  galé  do  scfjrimento  ? 


A  V  rs  O  & 

Avisao  da  Abraçalha,  lugar  contíguo  áVilía  de  Abran- 
tes ,  que  hum  homem  rústico,  com  admiração  de  todos,  fi- 
zera hum  plano  para  remediar  a  falta  de  bezerros,  que  ha 
na  Cidade    de  Lisboa  ,   descobrindo  no   meímo    plano  hum 


(8) 

novo  methodo ,   com  que  os  ditos  çapatos  podem  ficar  rauir 
to  baratos,  e  vem  a  ser,  andarem  todos  descalços. 

Ha  nesta  Cidade  de  Lisboa  hum  homem  ,  que  por  cu- 
riosidade ,  e  gosto,  tem  cortido  muita  peile^  hindo-lhe mui- 
tas vezes  ao  coiro ,  e  porque  se  acha  approvado  pelos  Ades- 
tres de  Còrtume,  elle  offerece  o  seu  préstimo  a  toda  a  pes- 
soa, que  de  vez  em  quando  quizer  a  sua  pelle  cortida  ,  fal- 
lem  com  elle  se  o  conhecerem,  todos  os  que  o  necessitarem j 
pois  se  eu  disser  quem  he ,  todos  o  conheòeráò,  o  que  náo 
faço  ,  porque  o  nâo  conheço  :  adverte  que  também  se  pro- 
põe corcir  pslles  de  rato  para  cordovao ,  pois  como  os  ça- 
fíatos  da  moda  leváo  pouco  cabedal.,  com  quaesquer  duas  pel- 
es destas  se  faz  hum  par. 

Quem  tiver  nos  sitios  da  outra  banda  algum  Armazém 
bem  reparado  do  tempo,  que  o  queira  arrendar  por  preço 
cómmodo ,  por  espaço  de  alguns  mezes ,  para  servir  de  la- 
zareto ás  petas  deste  Almocreve,  dirija-se  ao  cavallo do  mes* 
mo  Almocreve,  faltando  de  forma  que  se  entenda. 


Vendesse  esta  Ohra ,  e  todas  as  mais  partes  de  que  he 
composta  ,  e  vão  sahindo  saccessivamente ^  nas  Lojas  seguin- 
tes :  Nu  de  Jo  lo  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter^ 
reiro  do  Paço  :  Na  ds  Brancisco  Xavier  de  Carvalho  no  Chia» 
do  defronte  da  rui  de  S,  Francisco  :  Nade  António  Manoel 
P o (y carpo  na  arcada  do  Senado:  Na  de  Desiderio  Marques 
Leão  ao  Calbariz  NJ^  12. :  Na  de  António  Pedro  Lopes  na 
rua  do  Ouro  junto  ã  d:i  Gazeta :  Na  de  Leal  em  Alcântara  : 
E  em  Belém  na  de  Capdla  de  Jo^é  Tiburci$  :  Também  se 
achão  na  mesma  Ofjicina  em  que  se  fazem. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 

Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço. 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LXIII. 

Caes  da  Vunclição  30  de  Junho. 

Xlrf  M  huma  feira,  que  se  fiz  era  Celorico,  se  achava  íium 
<)ia   o    Cavalheiro  do  Deserto,    illusrre  na  apparencia  ,    des- 
cendente dos  Exóticos,  e  rapaz  de  juízo  obtuso;  rem   muito 
de  seu,  porém  ainda  hoje  se  intimida,  quando  se  lhe  falia  no 
papão,  e  como  o  seu  empenho  era  o  gosto  de  comprar  algu- 
iDas  das  bugigangas,  que  os  feirantes  alli  apresentão  ,    succe- 
deo,  que  raosirando-lhe  hum  huraa  figura  de  Hercules  cober- 
to com  a  pelle  de  Leão  de  Nemea,  lhe  disse,  aqt4í  temeste 
heróe  ^  que  estd  muito  taful  :  taful}    replicou   o  rapaz  as- 
Fustado,  quando  ouvio  este  nome;  pois  se  \\\q  figurou  na  sua 
idéa  ,    que  taful  era  monstro  terrestre  ,    como  a  bicha  de  sete 
Cabeças,  ou  ao  menos  como  o  bicho  de  Chaves,  e  largando 
o  boneco  de  repente  ,  pelo  medo  que  concebeo,  veio  pergun- 
tar, que  (intmal  era  o  taful-,  o  companheiro  a  quem elle  per- 
guntou ,    era   hum  maierialão,    que  tinha  chegado  de  Lisboa 
similix  cum  similibus  ^  que  o  poz  ainda  em  maior  confusão  , 
dizendo-lhe:  ,,  eu  não  sei  o  que  he,  o  que  vos  possr»  dizer, 
que  estando  cu  hum  dia  a  passear  no  Cães  da  Praga  do  Com- 

í>3      ' 


(O 

niercio,  ouvi  dizer,  lá  vem  hum  cafol,  e«paníes*mc  ao  ouvir 
este  nome ,  e  olhava  para  ver  se  era  de  figura  de  u'?o ,  ou 
timno  ,  e  não  vi  cnaís  ,  que  ecíre  aquella  barafunda  ,  que  pas- 
seava como  eu,  alguns  desres  ,  coai  trajes  disformes,  liuns  níío 
eiáo  calqudos  ,  nem  deixavão  de  o  ser ,  outros  iBe  pareceo  que 
andavão  na  rauda,  pois  mostraváo  casaca  de  duas  cores ;  outro» 
com  os  cabellos  da  cabeça  cabidos  pela  cara,  e  tão  desgre- 
nhados j  como  se  pintão  as  fúrias  do  Averno-,  ecolligí,  que 
erão  certamente  da  tal  raça  :  „  Hum  prudente  homem  ,  que 
isto  ouvio  na  ieira  ,  acudio  logo,  dizendo;  „  Senííor  Cava- 
lheiro, V.  m,  não  sabe  ainda  o  que  he  ser  taful ,  e  eu  lho  fa- 
ço conhecer ;  ha  muitos  tempos  >  que  os  homens,  e  as  Senho- 
ras ,  gostáo  de  trajar  pelas  modas  dos  Paizes  Estrangeiros ,  e 
os  primeiros  Nacionaes ,  que  apparecem  vestidos  ámoda,  são 
apontados ,  e  conhecidos  por  este  nome :  os  antigos  modis- 
tas fora  o  chamados  bandarras,  facecios ,  casquilhos,  donde 
vem  o  nome  de  Cassilhas,  e  ja  ultimamente  lhes  applicão  os 
reformadores  das  modas  os  nomes  de  peraltas,  e  lafues,  e 
qualquer  d elles  em  se  graduando  com  estas  honras,  logo  co- 
gita o  chamar  aos  antigos ,  e  sérios;  Jarretas ,  principalmen- 
íe  se  alguns  procurão  reprehender  as  desenvolfuras  do  século. 
Ora  o  sistema  destes  individuos  propagadores  do  luxo,  con- 
siste (dizem  elles)  era  passar  bem  ,  dê  onde  der,  estragarem 
funções,  saia  donde  sahir ,  esiurdiar,  e  pregar  petas  sem  se 
lembrarem  do  pró,  ou  contra;  e  nada  de  amofinações,  res- 
pirar livre  :  aqui  tem,  Senhor  Cavalheiro,  o  que  he  ser  Ta- 
ful, e  o  que  sao  as  suas  tafularias  ,  e  não  essas  monstruosida- 
des ,  que  se  ilie  represenião  na  idéa  :  estes  figurões  são  os  que 
merecem  a  attenção  de  algumas  Senhoras  tafulas  (  mangas  co- 
mede aqui,  que  a  vós  honrão ,  não  amim)  esres  são  os  que 
fazem  vistosas  as  praças,  são  os  que  delcitão  as  companhias , 
e  uliioiamente  os  que  presumem  de  mais  sociáveis;  a  instruc- 
ção  nelles  ferve  em  caxões,  e  cada  hum  de  persi  estuda  como 
brilhará  mais  que  o  diamanre.  „  Acabada  esta  falia  ,  salta  o 
Cavalheiro  dizendo:  ,,  então  quero  ser  taful,  pois  tenho  ren» 
das  para  tudo  isso,  e  ainda  para  muipomais.  „  Respondeo- 
lhe  o  companheiro  ;  ,,  Amigo  ,  em  hum  Aldeã  ,  como  esta, 
não  podeis  ser  tafwl ,  pois  vos  falcão  o»  moldes ,  se  quereis 
íafularias ,  Li^lioa,  e  mais  Lisboa,  que  he  o  pai,  eamãide 
2&uibii§  my^cnjões.,  e  Sj^nao  vós  mo  direis;  pois  amanhã  pano 


para  Lisboa,  ,,  disse  o  tal  Cavaílieiro  ,  e  mettenSo-se  ao  ca- 
minho ,  veio  este  novo  painclista  dai  modas  desembarcar  no 
Cae5  da  Fundiçio ,  consta  que  fôra  assistir  para  huma  das 
Estalagens  contiguas ,  e  já  corre  a  fama  do  seu  projecto  ,  e  de 
que  traz  muito  dinheiro;  tenu  sido  muito  visitado  por  certos 
calculistas,  que  lhe  vão  fazendo  a  póia ,  .e  condescendendo 
com  eile  em  todos  os  seus  diccames ;  espera-se  por  fins  de  tem- 
pos, segundo  a  sua  va  cabeça,  vermos  ainda  nelle  o  segun- 
do tomo  de  D,  João  da  Falperra. 


Carta   que  de  Cmmbra  escreverão  ao    'Editor* 

Senhor  Editor, 

Com    a    maior    admiração    renho  comprado,    e  lido  a 
Collecçao  do  seu  Almocreve  de  Petas ,  e  louvando-ihe  muito 
a  difficuldadc,  a  que  se  propoz  ,  visto  que  vai  deserapenhan» 
do  o  proraettido  :  he  cerro,  que  até  quinto,  ou  sexto  folhe- 
to eu  disse  comigo  ,  que  tão  impossível  era  a  sua  continua- 
ção,  como  a  sua  venda,    pois  que  o  povo  tanto  se  chorava 
inda   para    as   cousas  da  primeira  necessidade  em  tempos  ião 
críticos  ;  porém  em  ambas  as  cousas  me  enganei ,  na  primeira  , 
porque   vejo  a   sua  Ccltecção  volumosa  ,    sem  se  repetir  nos 
pensamentos,  antes  augmentando  o  sal,   e  amoralidade,  ena 
segunda  ,  tão  longe  já  estou  de  pensar  no  pouco  gasto  ,  que 
o  papel  teria,   que  aconselho  a  v.  m.  ,  sem  lhe  levar  nada  pe- 
lo conselho,  que  faça  petas  por  toda  a  eternidade,    sem  que 
lema  o  seu  consumo;  á  vista  do  que  presenciei  Domingo,  e 
vera   a  ser  o  caso,    que  indo  eu  a  essa  Cidade  de  Lisboa,  e 
estando  de  hospede  na  rua  direita  dos   Anjos,  não  pude  dor* 
mir  mais  na  noite  do  Domingo  das  quatro  horas  por  diante, 
pois  era   na   rua    tal  algazarra  de  Saloyas ,    e  Saloyos  pafi  a 
Praça,  que  pasmei,  vesti-me  logo,  abri  a  janelía  ,  e  dei  lou- 
vores a  Deos  de  ta!  enchente:    não  he  maior  o  concurso  do 
acompanhatnento,  que  vai  a  traz  da  procissão  dos  passos ,  foi 
rompendo    o  dia ,    e   então  divisei  o  que  esta  ^ente  levava  : 
cu   contei    para    sima  de  30  leitoa5,    40  dúzias  de  pombos, 
§3    canastras  de  gallinhas  ,    e  7  dúzias  delias  ás  mãos,    900 
frangos,    115:  perdÍ2.es,  87  çodhos,  42  cabritos,   17    eníiarr 


Í4) 

das  de  pâídaes  a  480  cada  huma  ,  porque  Foi  o  que  irre  ten- 
tei apreçar  por  curiosidade  de  ver  o  em  que  se  faz  dinheiro, 
18  galinholas,    200  cabazinhos  de  ovos ,    43  lebres,    que  já 
senão  levanravão  ,  92  cargas  de  laranja  ,    e  &c.  &c.  &c.  ora 
vendo    eu   esta    abundância  ,    e  dizendo-me  o  dono  da  cas^a  , 
que  tudo  aquillo  se  gastava  em  Lisboa,    e  que  no  outro  dia 
se  repetia  a  mesma  scena ,  peguei  no  meu  capote,  e  segui  a 
comitiva,  para   me  desenganar,  calculando,  que  pela  rua  de 
S.  José  ,  e  pelo  Rato  vem  outro  tanto,  além  do  qne  se  con- 
duz da   borda  d'agoa ,    que  desembarca  por  esses  cães.    Che- 
guei á  Praça  da  Figueira  ,    e  vi  vender  leiloes  como  raros  a 
400  réis,  olhei  para  ás  bancas,  e  vi  que  o  lombo  dff  porco 
Ília    a  nove  vinténs  o  arrátel,    cheguei  ao  Rocio,    e  de  oito 
rebanhos  de  periis  só  restava  huma  periia ,  que  se  vendeo  por 
três  cruzados  novos  ;  tudo  isto  seriao  nove  horas  ,    quando  e- 
não  dez  voltei  outra  vez  á  Praça,  já  náo  havia  huma  só  ave, 
4\em  para  hum  desejo  ,  e  a  mesma  Praça  apenas  com  dois  mon- 
tes ,  iium  de  chicória  ,  e  outro  de  couves.  Nas  bancas  já  náo 
vi  mais  -que  toucinho,    visitei  52  pasteleiros  neste  dia,   e  ji 
não  tinhão  «ada  do  seu,    porque  o  que  divisei  erao  encom- 
mendas  de  fora ,    e  finalmente  engolio  a  Senhora  Dona  Lis-> 
h<ia  dentro  de  ires  horas,  tudo  quanto  se  lhe  apresentou  nes- 
te dia ,    além  dos  açougues  ,    e  dizem  que  ainda  ficara   cora> 
fome.  Por  isto,    que  se  presenciou,    se  vê  muito  bem,    que 
nenhum    dos   Saloyos  tornou  a  levar  o  que  trouxe.  Deixa-se 
muito  bem  conhecer  o  grande  número  de  -funções ,  de  ceias  , . 
e   jantares,    em   que   desafogao  as  brincadeiras  deste  tempo: 
vejo  por  outro  lado,  que  em  todas  a  feiras  he  immenso  po- 
vo   â    comprar  ^    e    immensa   bizarria   da  ordem  dos  tatuts  ; 
vejo  que   no  luxo  se  multiplicáo  as  modas ,    e  0$  preços  das 
caças  bordadas  de  oiro,  das  cambraias,  das  casimiras,    e  de 
todos  0$  mais  géneros  Paquetaes ;    tudo  Lisboa  came,    e  de 
tudo  Lisboa  se  veste:    ninguém  falta  a  estas  cer  emonias ;    os 
theatros  tem  enchetites ,  de  Verão  não   ha  quintas  com  escri- 
tos, ao  Domingo  he  preciso  empenho  para  híima  sege,  nada 
&e  faz  de  graça  ,  a  moeda  corre  a  pezar  da  choradeira  do  não 
í£fíbo ,  não  entendo,  dizia  certo  doido  vide  Santarém.   Ora 
combinando    o  que  assima  fica  dito  ,  com  o  diminuto  preço 
de  40  réis,  que  custa  o  seu  folheto,    devo  affoitamcnte  ro*. 
gar-Il>e,^  que  nâo  pare  í"<?«í  as  /'f/^/,.  porque  esiá  sabido, 


que  todos  tem  para  tudo,  e  mais  nos  certifica  o  seu  calculo, 
que  li  no  folheto  número  XXXl^lh 

D?  próximo  chegarão  á  minha  presença  huns  folhetos 
feitos  no  Porto  intiiiilados  Retorno  do  Almocreve  de  Fttas ^ 
parecérão-me  muiio  bem  ,  inda  que  dcixão  conhecer ,  que  o 
Almocreve  de  v,ni»  traz  as  malas  d^y  Feias  pouco  seguras, 
e  creio  que  algumas  abertas,  e  que  vem  semeando  pela  estra- 
da ,  por  descuido,  aá  noticias  que  traz,  de  que  o  Retorno  se 
aproveita  ,  principalmente  nos  Avisos  âo  Fovo,  He  verdade 
que  os  ditos  folhetos  são  bastaníeanifngdos  ,  porém  fazem  cer- 
to aquelle  ditado ,  que  em  fallariílo  hurá  Peritít^uez  ,  fallão 
dois,  e  trez  ,  ^^^  bom  foi  ser  v.  ra.  o  que  fai  lasse  primeiro. 
Também  me  admira  que  propondo.se  o  Retornos  ampliaras 
noticias  de  v.  m  ,  deixe  muitas  no  interior  de  certos  folhetos 
por  diante,  íazen^o  degenerar  a  obra  de  Retorno  do  Almo'^ 
creve  ,  em  Almocreue  n.vo  ^  parecendo  que  o  que  promeiteo, 
foi  hum  gaibão  com  que  se  cobrio  para  se  reparar  das  inver- 
nadas da  estrada.  Se  elle  se  cingisse  á  ampliação  proraettida ,. 
leria  dobrado  merecimento,  mas  dando  o  seu  a  seu  dono ,  sou 
obrigado  a  confessar,  que  o  lai  Editor  tem  ti^lentos,  e  pro- 
pensão para  as  gracinhas ;  eu  me  não  descuido  de  ajuntar  huns  , 
e  outros  folhetos  j  porque  gosto,  e  o  vejo  fazer  nesta  Cidade 
a  muita  gente  de  bom  gosto,  Deos  lhe  prolongue  a  vida  para 
desterro  da  nossa  melancolia,  e  lhe  dê  a  v.  m. ,  e  a  elle  tantos 
40  réis ,  como  de  petas  nos  encaixão ,  sirva-se  da  minha  a- 
mizade,  que  sempre  experiniemará  no  seu 

I 

Muito  Amigo. 
Sã  Vidra. 


O  Moço  do  Poeta-  cffêrece  ao»  Senliores  applicados  e 
muito  acérrimos  a  indagar  a  wzao  da  razão,  oseguinte  Apo- 
lo go. 


(6) 
O  RATO,    E    A  BORBOLET  A. 

A  P  O  L  O  G  O. 

O  Ratinho ,  e  a  Borboleta 
Gerta  noire  se  ajuntarão  , 
E  depois  dos  cumprimento». 
Largo  teropo  conversarão : 

Knirou  o  Rato  a  narrar-lhe 
O  modo  do  seu  viver , 
Dizendo,  muito  me  custa 
O  grangear  que  comer ! 

Cuidiiãoso  ,  e   acautelado 
As  casas  de   noite  rondo  , 
Busco  os  quartos  mais  escuros  , 
£  a  salvo  nelks  me  escondo  : 

N^^huma  despensa  ,  ou  armário  , 
Vou  roendo  pauco  ,  e  pouco  , 
Que  de  grandes  fartadellas 
Vejo  morrer  mràto  louco  : 

De  bum  salto  ,  que  dou  ,   ms  occuho , 
Para  de  ningutm  ssr  visto  \ 
Que  andar  nos  olhos  de  todos  , 
tâde-me  jazer  malquiste : 

Aili  não  temo  algum  perigo  ^ 
Hija  na  casa   o  que  houver , 
iSe  vejo  o  caso  apertado , 
]^a  toca  me  vou  metter. 

Só  armada  ratoeira , 
Ou  gatinha  Uoe ,  e  esperta  , 
Vilhando-me  descuidado  , 
hso  então  he  morte  certa  : 

Attendeo  a  Borboleta 
Tpdo,  que  lhe  disse  o  Rato, 
Mas  depois  de  tudo  ouvida, 
O  tratou  de  mentecapto : 

E  logo  delle  mofando, 
Re5pnndeo,  és  desgraçado  ! 
Levando  tão   triste  a  i  ida 
ttlos  cantos  encerrado  : 


(7) 

Eu  he  qtft  vivo  gostosa^ 
Tenho  em  toda  a  parte  entrada , 
O  meu  regalo  he  loar 
jS^huma  casa  illuminada: 

Toda   a  gente  me  faz  festas  ^^ 
E  por   me   verem  melhor  ^ 
Me  vou  pôr  úo  pé  das  luzes , 
Dundo  voltas  ao  redor  : 

ISIão  gosto  da  escuridão^ 
Por  ir  ds  luzes  jorcejo ; 
N^kum  lustre  de  7  inte  l^mes 
Be  onde  melhor  adeje: 

Revoando  fíJas  casas  ^ 
Subo  ao  viais  alto  lugar  y 
Giro  de  hum  a  outro  lado  , 
Sem  ningnem  me  molestar  : 

E  poís ,  que  naquella  sala 
Luzes  se  vão  accender  \ 
Observa  agora  daqui 
A  vista ,  que  eu  vou  fazer: 

Foi  â  pobre  infatuadâ , 
A's  azas  dando  contente, 
tí  com  valor  desteraido  , 
Rompendo  por  entre  a  gente : 

Foi-se  a  hum  lustre  de  dez  lumes , 
Entre  as  luzes  se  metteo , 
Tanto  esvoaçou  entre  ellas, 
Que  se  queimou  ,  e  raorreo : 

O  Ratinho  lá  de  longe , 
Bem  vio  o  infeliz  successo, 
£  disse  ,  este  meu  retiro 
Em  que  eu  vivoy    não  tem  freço\ 

A  luz  de  longe  alumia , 
Muitas  nos  olhos  roais  cegão , 
£   os  que  mais  nellas  se  eiitranlião^ 
Ao  precipício  se  chegão:. 

A  teima  da  Borboleta 
Nos  grita  limite,  e  modo, 
Náo  vão  buscar  tantas  luzes, 
Qjíe  podem  cegar  de  todo^ 


AVISOS. 

De  próximo  se  fez  huma  famosa  descoberta  ,  muito  cóm- 
moda  para  todas  as  pessoas,  que  administrão  funções  de 
arraial,  e  outras  festividades,  e  se  lhes  faz  saber,  que  todos 
os  que  quizerem  foguetes  baratissiraos  ,  com  muito  estoiro  , 
dirijáo-se  ás  casas  de  jogo  desta  Cidade,  onde  ha  certos  par- 
ceiros ,  que  os  fabricão ,  por  qualquer  bagatejia. 

Como  em  Lisboa  $e  confundem  os  camelloes  da  terra 
cora  os  de  fora  ,  padecendo  por  isso  o  Público  graves  pre- 
juízos, a  fim  de  que  não  liajão  mais  dúvidas  sobre  a  desigual- 
dade de  fazenda  a  fazenda  ;  se  estabelece  na  Praça  do  Ro- 
cio, com  privilegio  de  Lubis-homem  ,  huma  conferencia  com 
seis  contrastei  da  primeira  ordem  dos  ignoraniões  ,  para  de» 
cidirem  dos  seus  semelhantes,  e  saber-se  a  qualidade  do  ver- 
dadeiro caraeliâo  :  o  primeiro  dia  da  sua  abertura  se  annun- 
-ciará  pelo  bando  dos  toiros. 

Manoel  José  Baoneta  ,  Jogador  de  espadi'  preta ,  çj- 
yato  mor  do  murro  seco ,  senhor  de  pedrada  certa  ,  admh 
nistrador  gerai  das  cizas  das  compras  ptihlicas  ,  e  jresi-» 
dente  actual  das  Cúrjas  bréjetraes  ,  faleceo  da  vida  presente 
no  Palácio  d2  áanto  Antão,  de  33  annos  de  idade,  com  três 
facadas  de  navalha  de  ponta,  e  huma  roda  de  páo  ,  deixando 
por  seu  Testamenteiro  Mtrcurio  da  Fonseca  Azougal ,  que 
fora  SdU  íntimo  amigo  durante  a  sua  vida. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

18  19. 
Com  licença  da  Mtza  do  Desembargo  do  Paço, 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LXIV. 

Pampulha  9  de  ^tãbo. 

Loucura,  que  em  trvunfo  da  sua  audácia  arrasta  ao  carro 
da  fantasia  maniatados  com  grossas  cadeias  de  fumo  milhões, 
e  milhões  de  infelices,  presentemente  faz  com  os  seus  trans- 
portes passar  pela  scena  mais  sem  razão,  a  gemer  debaixo  do 
mesmo  jtigo  a  imm  gentil  mancebo  ;  Adonh  ,  I'^^  ar  ciso  ,  Per- 
éeo  ^  e  o  Amante  de  lisbe  íicao  a  perder  de  vista,  nenhum 
delles  era  para  lhe  <ieitar  agua  ás  m.aos  em  bclleza  ,  desvane- 
cimento ,  valor,  e  constância;  porque  o  seu  fallar  encanta , 
sua  presença  attrahc ,  sua  vista  eleva,  e  a  sua  candura  arre- 
bata: toca,  dança,  canta,  e  versa,  tudo  com  perfeição ,  cu- 
jos dons  attractivos,  gesto,  e  graças,  o  enchem  de  tanto  me- 
recimento ,  que  o  fazem  credor  da  mais  bella  Dulcirca.  El- 
Je  vivia  enamorado,  e  com  tanta  paixão  uo  seu  querer,  que 
bem  se  lhe  podia  chamar  sem  offcnsa  o  Rei  dos  An  antes; 
^\\c  caprichava  gostoso  em  se  apresentar  lodos  os  dias  dian- 
te da  sua  amada  ,  vestido  no  chefe  da  iiToda  ,  com  tanto  aceio, 
que  fazia  chegar^ao  maior  auge  a  sua  perspectiva  j  estas  pren* 
áas,  e  excessos  deverião  ser  correspondidos  j^r  iiuma  grata, 

64 


e  fiel  correspondência ,  da  qual  já  elle  vivia  ha  muito  satis- 
feito na  esperança,  que  tinlia  ;  porém  ainda  que  raras  vezes  ^ 
houyerão  dias,  em  que  elle  ardeo  na  voraz  cliamma  dos  ze-- 
los,  atacavio  pelo  ciúme,  só  na  lembrança  de  que  podesse  ha- 
ver quem  dentre  seus  braços  lhe  roubasse  este  bem:  scja-me 
permittido  contra  as  leis  do  sigillo,  que  eu^escuhra  o  facto 
uiais  lamentável  dos  nossos  Séculos.  Era  o  alvo  destes  affcctos 
huma  Auadeira  de  cíistanhas ,  que  estava  na  praia  de  San- 
tos, a  qual  o  entretinha  de  esperanças  ;  quando  Domingo  pas- 
sado (que  martyrio  para  o  nosso  amante)  esta  se  foi  receber 
com  hum  Marujo,  homem  prudente  ,  e  que  tem  ajuntado 
muito  daquillo  ,  porque  baila  o  cao,  e  canta  o  cego  :  vai  fal 
desgosto  no  namorado,  que  está  com  huma  paixão  de  mor- 
te, e  em  toda  a  companhia,  a  que  preside,  se  vê,  ou  se  se 
falia  em  castanhas  assadas  ^  já  suspira,  e  já  tem  desmaios  3,, 
porque  na  verdade  sao  muitos  íiatulentas. 

Calculo  certo  da  despeza^  que  faz  huma  Senhora  para  se 

pôr  na  rua  com  a  moda  ,  desde  os  bicos  dos  pés  até 

ã  cabeça  ,    na  função  para  que  foi  convidada  . 

dos  amos  da  Prima, 

Bois  dias  antes  do  dia  Natalicio  se  apresenta  o 
criado  por  alcunha  o  Patnca  ,  com  hum  escrito  da 
Prima,  e  huma  condecinlia  de  bolinholos  d:ís  Freiras  V 

dp  tal,  cujo  escrito,  aléni  detratar  da  remessa,  ccn^ 
vida  para  a  função  dos  annosj  e  que  remédio  ha  se 
nao  dar  ao  pobre  moço <Í)I2* 

Eis-aqui  se  consulta  o  penteado  ,  que  se  ha  de 
l<ívar  ^  e  porque  se  usao  muito  huns  chapelinlios  de 
seda,  e  papelão  entre  retrós,  e  seda ^í)^' 

Agora  entrou  a  Senhora  no  appetite  de  hum  ccr- 
àío  de  -oiro  com  borlas  para  a  roda  da  copa  ,  e  gcs- 
fcU"Se  miúi      ,      .     .     .     • ...»   i(X)Ó0x 

O  rosto  da  Senhora  deve  nesse  dia  parecer  bran- 
co ccmo  a  própria  neve,  mas  a  Sjnh.ora  he  amarei- 
la  como  sidra  ,  e  de  que  forma  se  ha  de  remediar  is- 
to,  ahi  manda  comprar  :i  loja  do  Maça  de  pós  de 
aljofres .,..,...      ,J>24< 

Aqui  diz  a  Senhora  ,.  que  já  nao  quer  as  Pérolas 


de  vidro  grofws  que  tinlm ,  porque  vio  em  D,  Fula* 
na  y  e  D«  Fuhina  huns  fios  no  pescoço  de  Turibios, 
e  pérolas  amârdias douradas,  ora  vámaísisío,  eim- 
portáo  em   *    *    •    *    * ,    *    •    .   2<^4cx) 

Temos  nova  dc^gr^iça ,  que  he  pogguír  a  Senho- 
ra leíi  veitídos  de  Cãmbr^í.i ,  e  de  ^eda ,  e  lí^nlsum 
ier  bordado,  de  oiro  ,  entre  cá,  gtnbcr  contrabandis- 
ta, que  aqui  ha  de  ibrr^r-^e  dastomadíag,  que  tem 
goffndo  ,  cada  vara  a  moeda  de  oiro  ,  cinco  varas  faz 
a  obra,  abra,  Senhor  Pai,  ou  Senhor  marido  a  boi" 
63,  e  adeos     .     ^ .  ^14^000 

Qiieixa-se  a  Senhora  que  não  tem  renda  para 
guarnecer,  e  não  deve  por  isto  ficar  imperfeito  o 
vestido  ,  abra-se  outra  yez  a  bolsa  ,  e  ahi  está  hu- 
nia  mulher  de  capa,  e  lenço,  c  donaire  pejado  de 
rendas  de  Franja  a  4000  réis  avara,  bastão  só  ires, 
.eimportao l2(J)ooo 

Para  se  fingir  a  cintura  Jogo  abaixo  da  boca  do 
estômago  ,  irremediavelmente  se  precisa  huma  fita  de 
de  veludo  preto,  a  360  a  vara,  e  vara  e  meia  im- 
portou      •     .      (í)540 

Esta  fita  precisa  de  duas  chapinhas  de  oito  pa- 
ra feixos  ;  vamos  mais  cora  isto  . i^ôqo 

He  muito  preciso  hum  jaqué,  que  não  seja  qual- 
quer cousa  ,  porque  he  n.oda  ,  e  abafa  muito  m.eias 
costas,  para  se  não  constiparem,  e  não  se  fez,  vis- 
to ser  guarnecido  de  galãozinho  com  alguns  alama- 
res,  com  menos  de 4(2)COO 

Precisa-se  hum  corte  de  ehinellas  com  a  musica 
do  Regimento  bordada  na  palia  ,  porque  a  Senhora 
he  apaixonadíssima  do  Zabumba,  c  levou  a  borda- 
doura  pela  exquisitice 2(j)4co 

A  Senhora  tem  dez  dedos  nas  mãos,  como  cu 
que  o  digo  ,  precisão-se  dez  anneis  de  fisica  barata, 
e  entre  zabumbas,  c  outros  de  pedras  .     .     .     .     .  I4(í;4co 

Ahi  soube  agora  a  Senhora  ,  que  ao  CapeJlista 
'fulano  Ihç  vierão  de  Inglaterra  huns  leques,  oh  que 
leques  de  nova  invenção  !  com  isto,  e  aquillo  teci- 
dos,   e  bordados,    e  porque  gão  da  primeira  sorte, 
importa  hum ^(iioco 


(  4) 

Temos  a  Senhora  prorapta ,  porém  os  annos  da' 

Prima  cahem  por  infelicidade  em  dia  de  feira,  não 
se  acha  huma  só  sege  ,  apenas  se  descobrio  huiiia  com 
seu  ramo  de  turpor ,  porém  como  riido  neste  mundo 
tem  sua  serventia,  vai  tomar  ar  esta  tarde,  o  que 
não  fazia  ha  muitos  tempos,  e  sabe  contra  sua  von- 
tade, peto  preço  nada  menos,  que  de  .     .     ,     .     .    2(2{)4oo 

Na  função  foi  infeliz  a  Senhora  ,  porque  na  pas- 
sagem de  hum  xavão,  pegou-se-lhe  o  vestido  de  tal 
sorte,  que  fez  hum  rasgão  de  dois  palmos,  e  será 
preciso  mais  huma  vara  daquella  fazenda  para  reme- 
diar o  caso,  que  a  succeder  assim  são  mais   .     •     .   4(^)800 

Somma  tudo •     •    .     j6(^joo 


Por  caridade  omittiraos  a  constipação  ao  raetter  da  se- 
ge, depois  de  vir  quente  das  contradanças,  Medico,  Cirur- 
gião, Botica,  e  ás  vezes  ,  salva  tal  lugar,  enterro:  com  tu- 
do importando  esta  despeza  no  que  se  vé ,  e  ouvindo-se  por 
outro  lado  pelos  Pai^  de  famílias  huma  choradeira  continua- 
da ,  q^e  tudo  está  caro ,  que  nada  chega ,  porque  estou  ar-^ 
rastado y  he  hum  louvar  a  Deos  ver  a  abundância  das  faro- 
fias ,  e  das  pessoas  de  que  se  compõe.  Assentão  os  Pditicos 
isto  não  poder  ser  natural  ,  e  que  ou  ha  grande  multidão  de 
calotes,  ou  anda  pelo  mundo  occuka  a  varitiha  de  condão, 
com  que  minha  Avó  me  embalou. 

Rua  d^Atalaya  9  de  '^ulho*. 

'Dissertação  filosófica  da  correlação ,  qvie  tem  o  ar  cem  ns 

cvrpos  fysicos  ^  producçào  do  nosso  estudioso  apflicado 

a  experiências  económicas-. 

O  corpo  humano  composto  de  hurna  matéria  corruptf- 
Yel ,  e  dividido  em  partes-,  substancialmente  mostra  nos  seus 
viridicos  princípios  a  reunião^  ou  o  nexo,  que  interiormen- 
te t-em  com  as  partículas^,  que  o  infícionão,  levando  a  mes- 
ma matéria  ao  ponto  de  vir  a  confundir-se  a  máquina,  por 
varedas  syinpaticas ,  c  mcognitas ,  que  por  hum  cálculo  cer- 


ff) 

to,  vem  a  concíulr  proporcionadamente  aqiieflesinejiros  prin- 
cipies, que  levao  a  raça  humana  aos  preceitos  de  hurra  sa  fi- 
losofia. Do  mesmo  golpe  de  vista  observamos,  que  o  ar  ex- 
travasado pela  influencia  da  atmosfera  ,  ou  seja  na  mudança 
das  estações,  ou  na  regularidade  delias,  convencionao  huma 
cerra  ,  e  imperceptivel  alliança  com  os  mesmos  corpos  ani- 
m.ados ;  e  porque  esta  iníiuencia  traz  comsigo  a  experiência 
fysica  da  mesma  cousa  ,  vem  consequentemente  a  tocar  os  po- 
ros, que  evaporao  o  sueco  nutritivo  da  organização  dos  ner- 
vos: esta  razão  tão  clara,  e  palpável,  que  muitos  ignorão, 
tem  pela  mesma  ignorância  produzido  os  péssimos  effeitos, 
que  redundarino  era  utilidade  pública,  se  o  materialismo  de 
muitos  cedesse  ás  impressões,  que  a  sensibilidade  natural ,  cora 
prudente  modificação,  dirige  pelos  aqueductos  superiores  da 
mesma  natureza  ;  tirando-se  destes  dois  argumentos  a  prova 
incontrastavel ,  de  que  aquella  inseparável,  e  invisivel  co- 
Jumna  de  ar ,  que  sobpeza  sobre  as  nossas  cabeças ,  não  nos 
faz  tanta  impressão,  não  obstante  o  pezo  que  tem  ,  como  nos 
faria  huma  daquellas  coluranas,  que  estão  no  cães  da  pedra, 
se  pezassera  sobre  nós. 

As  pessoas  que  precisarem  coraraento  para  entenderem 
a  Dissertação  assima  ,  consolem-se ,  que  eu  também  sem  elie 
ouço  muitos  argumentos  aos  prezados  de  Sábios  pelas  Praças  y. 
e  Jojas  de  bebidas. 

Maxhnas  do  Velho  de  Romulans. 

São  cousas  de  mal  soffrer , 
Qiintro  que  vou  a  dizer; 
A  mulher  mui  presumida, 
O  homem  que  for  mui  rola, 
Festa  de  Pretos  na  Ermida , 
Rapaz  desinquieto  ao  collo. 

Se  o  Procurador  de  causas , 
Que  mui  pouco  tem  de  seu  , 
A  demanda  se  vendeu, 
Levando-a  com  muitas  pausas  j 
O  Author  que  for  esperto, 
Queira  antes  ruim  concerto* 


?êde  tempo  de  Letrado  •, 
L^go  vou  dê  mojo  molle ; 
XoAto  d*âflímal  cançado^ 
Õ^^m  x%^%  píluki  engole, 
S^4i  ÍI18S  fo^gr  fêfístencíi , 
Rgtr4ro  póie  i^r  da  padencíi, 

Mâi  qug  dlrgí  ^u  di  vellu,    ■ 
Que  quííndo  ram  já  {içfsenU, 
Ao  cravo  fudo  atonnenta  , 
Caiua.iJo,  ç  gargantçando , 
Inda  vai  bera  ,  se  ella  he  rica; 
Se  he  pobre,  solteira  fica. 

Vindo  o  Almocreve  de  jornada,  e  pousando  em  liuma 
estalagem,  em  quanto  foi  ferrar  o  Cavallinho ,  lhe  pregarão 
na  malla  por  fora  com  hum  alfinete  o  seguinte  Ap^íogo  ^  que 
eile  estim3u  muito,  e  logo  mandou  vir  raaís  raeia  canada, 
que  bebeo  i  saúde  do  seu  Author, 

A  P  O  L  O  G  O. 

O  PAPAGJlOy  E  O  PARDAL, 

Havia  hum  bom  Papagaio , 
Assas  experto  ,  e  fallante  , 
Prezo  em  pintada  gaiola, 
Em  casa  rica ,  abundante  : 

Apenas  raiava  o  dia, 
Era  de  janella  posto, 
E  o  comcdoiro  provido 
De  coisinhas  de  seu  gosto : 

Fallava,  cantava,  e  ria , 
Pois  que  tão  bem  o  tratavão  ; 
Kra  invejado  na  rua 
De  quantas  aves  passavão ; 

Hum  Pardal  daquelle  sitio.. 
Destes  de  bico  amarei  Io  , 
Tratou  com  elle  amizade., 
Estimando  conhecello  : 


<^7> 
De  hora  a  hora  o  visitava , 

Talvez  fiado  era  ser  loiro , 

Que  no  meio  das  conversas , 

Punha  o  bico  ao  comedoiro; 

Não  previa  o  Papagaio 
A  causa  desta  amizade, 
E  foi  ca h indo  no  laço 
Com  muita  sinceridade  : 

Quando  comer  pertendía, 
Ficava  triste  o  animal , 
Vendo  o  fundo  ao  comedoiro , 
Sem  lhe  lembrar  o  Pardal: 

Mas  pela  continuação 
Das  petas  ,  que  supportou  , 
O  sincero  Papagaio 
Na  tramóia  reparou:  ♦ 

Hum  dia  antes  da  visita  ^ 
Comeo,  e  o  que  sobejou 
Co'  torto  bico  na  rua 
Por  experiência  lançou : 

Veio ,  como  era  costume 
O  Pardal  a  visitalio , 
Poz-se  o  Papagaio  á  mira ,  . 
Para  o  ver  cahir  no  caio  : 

Mettia  o  Pardal  o  bico,  . 
Mas  porque  nada  tirava, 
Despedia-se  ligeiro, 
No  mesmo  instante  voltava  : 

Tantas  visitas  lhe  fez  , 
Quantas  logrado  ficou  ; 
Que  o  matreiro  Papagaio, 
A   salvo  a  trama  lhe  armou  :  : 

E  como  pelo  interesse 
He  que  a  simizade  tecco , 
Assim  que  a  tola  falhou  , 
Nunca  mais  Ihç  appareceo : 

Gostou  muito  o  Papagaio 
De  tirar  esta  lição  , 
E  se  ve  Pardal  de  perto, 
Torquezada,  ou  repelão; 


(6) 

Nao  desprezeis  este  conto, 
Amigos  de  poucos  dias  j 
Que  de  Amigos  vos  tornais 
Em  esfaimadas  harpias. 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  o  Livro  intitulado  Refresco  m  aro  tal  fias 
Praias  de  Lisboa^  obra  muito  inútil  para  os  que  vem  de  em- 
barque largar  a  soldada  nos  fornos  da  cal,  no  sitio  de  Pe- 
droiços,  no  canto  do  Cães  da  Pedra,  e  por  de  traz  dos  Es- 
taleiros do  Cães  do  Tojo  ,  nestes  mesmos  sitios  se  vende  a 
referida  obra  em  oitavo  pequeno  a  tostão,  porque  tem  ^z 
folhas. 

Sabbado  passado,  depois  deSabbado  que  vem,  na  pra- 
ça do  quinque  nove,  se  põe  a  lanço  para  se  vender  a  quem 
mais  der,  a  quinta  que  está  depois  da  quarta,  sem  pensão  al- 
guma; quem  se  quizer  aproveitar  desta  aberta  para  poder  ba- 
zofiar,  que  vai  para  a  quiíita,  appare^a ,  e  nao  se  faça  de 
rogar. 

Ruy  Raposo  Ratado  tem.  licença  franca  de  nova  inven- 
ção ,  par4  nos  dias  da  feira  da  Luz  vender  publicamente,  e 
ás  escondidas  drogas,  e  fazendas  de  arromba^  a  saber  Ruy 
Barbo  ,  Rezhjas  ,  Rabecas  ,  Ramalhetes  de  Rosas  ,  Peças 
de  retina^  rodinhas  de  fogo,  rubins  em  bruto,  requifes  ^ 
rendai ,  rolhas  ^  e  remédios  já  receitados  ,  quem  precisar  de 
alguma  destas  ridicularias  o  procure  nesta  feira  ,  que  a  tro-« 
CO  dos  seus  réis  será  remediado :  E  receberá  mercê. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  819. 
Com  licença  da  Meg,a  do  Desembargo  do  Paço. 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXV. 

Magdalena  \6  de  Julho. 


Ouve  neste  bairro,  e  neste  dia  liiiina  grande  função  fes- 
tejando-se  a  chegada  do  dono  da  casa,  que  veio  da  America ; 
estava  a  sala  toda  illuminada  ,  n.uitas  Senhoras,  e  immensos 
Peraltas  do   conhecimento   da   mesma  casa ;    achava-se  nesta 
companhia  hum  Ta  fui ,  qtie  tanto  tinha  de  rico,  como  de  to- 
lo, iá  de  sima ,    e  muito  presumido  de  estudioso,  vomitando 
conceitos,  que  era  huma  miséria:  succedeo  que  huma  das  Se- 
nhoras cantasse,    cJiegou  o  nosto  discreto  ao  pé,    ajoclliou , 
e  disse;    »  quem  me  dera,  minha  Senhora,  que  o  tympano 
do  meu  ouvido  fosse  tão  opaco,  ccmo  esse  crbe  celeste,  pa- 
ra retombarem  nelle  as  melodias  da  sua  voz.  »  A  Senhora  es- 
tupefacta do  queouvio,  respondeo-lhc  ,  «<  não  entendo,  meu 
Senhor,  m    Outro  amigo,  que  estava  ao  pé,  acudio^lhe,  di- 
zendo:   <c  o  que  o  Senhor  quer  dizer,    he  que  desejava  ter 
huma  orelha  tão  comprida,  como  daqui  á  rua  Augusta,  pa- 
ra que  só  elle  se  aproveitasse  da  suavidade  dessa  garganta:  » 
continuou  o  brinco  por  diante,  e  foi  a  mesma  Senhora ,  que 
cantou,   seníar-se  ao  cravo  para  topr^   levaiuou-se  o  nosso 


C  i  ) 

Tafiil ,  como  huma  xará ,  poz-se  ao  pé  do  cravo ,  e  disse  es»» 
ta  fineza,  n  Minha  rica  Senhora  ,  quem  poderá  alcançar  ver 
essas  mios  cortadas  ;  >?  assastoti-se  a  pobre  Menina,  tirou  as 
mãos  do  cravo,  c  perguntou,  «  que  crime  tinha  ella  feiro 
p^íra  se  lhe  cortarem  as  mãos.  »>  Rcspondeo  logo  o  Ta  fui , 
«  o  eu  querellas  cortadas,  er-a  para  ter  a  fortuna  de  as  pos- 
suir ,  e  mandallas  engast-ar  cm  oiro  ,  ou  prata,  e  cravejallas 
de  diamantes,  brilhantes,  camafeos,  cristaes,  e  pedras  pre- 
ciosas. >>  Saltou  tudo  a  rir  de  tal  sorte  ,  que  o  tal  Tafulão 
ficou  servindo  toda  a  noite  de  palito  aos  circunstantes. 

Barca,  ãe  Sacavém  i^  d€  'Julko. 

Primeira  encora ro ,    qtie  teve  o  Almocreve  de  Lisboa 
.  cam  o  Lieurno  do  For  to», 

Ao  passar  da  Barca  quarta  feira  teve  o  nosso  Aftrsocre- 
ve  hum  encontro  com  o  Retorno,  que  hia  para  o  Porto  bus- 
car novidades  ao  ^^\\  Editor;,  e  como  se  dcísem  por  amigos, 
depois  da    pirada,   e  do  quartilho,   se  snudárao  rrtUtuamente 
dentro  da  Estalagem  de  Sacavém..   Perguntou   o  Retorno  do 
Porto  ao  Almocreve  de  Lisboa,    como  hia  com  as  suas'  pe- 
tas, se  tinlíão  gasto,  porque  tinlia  ouvido  fall^r  delias  cer- 
ras cousas,  que  calava  por  miodestia  ;  a  que  o  Almocreve de- 
Lisbca  sahio  logo  dizendo  :    <*  olha  tu,   a  faílar  a  verdade, 
^u  também  tenho  ouvido  fallar  tanta  cousa  do  teu  P^etorno,.. 
que  até  me  envergonho  de  as  dizer.  5»  Respondeo-lhe  o  ou- 
tf o ,  «  pois  que  defeitos  lhe  apontao?  '>»  disse-lhe  o  Almo- 
creve, <<  immensos,  o  primeiro  he  que  as  taes  petas  do  Por- 
ro ,  parte  delias  sao  as  minlias  mascaradas;    depois  meu  ame- 
€;ança-se  cm  bu;*cíír  os  papciinlios  mni*;  raros,  e  trabalhados,, 
como  s1o  *is  Maxim ís  do  Velho  de  Romolares ,  e  outros,  e- 
o.  teu   Editor  vai  á  Prosódia  copiar  aquelles  anexins,    como: 
ríipaz   de  escola,   que  cobre   letra  secca,.  ou  que  escreve  por 
tr.iSlâdo,  etc,  que  n^U)  quero  ter  má  língua.  Eu  n^o  nego  que 
(^  teu  Ediàor  tem  algum  gciro,  porém  precisa  muito  desbar-- 
tado.  >>  Saliou  logo  o  Rcrorno  :   "  olha  ttj  corro  falias,  que 
iBçu  Amo  n:u)  he  ahi  quslquer  cous.i ,  snhe  a   Grammata  fo«-~ 
da  de  cór,  sabe  a  Filocoíia  ,  sabeaRcthorja  ,  c  fe?  altos  cm ' 
Gçjmbu  dentro  de  iium  annc,  e  treSijjiezcç ,  -que  não  íoiprc-«> 


p 


.        f '  >  = 

•^ciso  la  tornar  mais,  e  ouvi  dizer  em  liuma  taberna,  que  elu 
iio  seu  tempo,    foi  quem  levou  o  »?  R  ?>  grande  dos  Mes 
ires,  que  parece,    que  iie  hum  premio,    qiie  lá  se  dá,  sim., 
Senhor;  e  iá  no  Porro  vai  a  iodas  as  Boiica-s  á  noire  conversar, 
e  todos  gosrao  muito  dellc:  o  teu  i\.migo  cá  de  Lisboa,  he 
'ique  eu  já  sei ,  que  tirado  das  peras  nílo  vale  dez  réis,  e  já  me 
dizem,  que  para  as  armar,  se  anda  pegando  pelas  paredes.»^ 
Respondeo-lhe  o  Almocreve:  «<  Isso  assim  será,    porém  elle 
vai  dando  conta  de  si,  e  muita  gente  de  aito  bordo  se  enga- 
nou com  elle  a  este  respeito,    de  sorte  que  já  confessáo   por 
ahi,  que  a  tal  Obra  não  he  para  todos,  e  que  tem  dente  de 
■coelho   fazer  os  Folhetos,    como  elle  os  faz,    sem  ter  nin- 
guém, em  que  se  fie:  Teu  Amo  he  que  trabalha  sobre  o  tra- 
balho delle  ,  grande  cousa  he,  meu  amigo,  deitar-rae  na  ca^ 
ina  ,    que  acho  feita,    e  nao   ter   de  a  íazer ,    cahindo  com 
somno :  Acaba  tu  de  enxugar  este  copo,  que  quero  partir.» 
Disse-lhe  o  Retorno  ;  «   Pois  hum  Café  jocoso  ,  que  medis- 
serão  tinlia  saindo  !  ouvi  dizer  tanto  mal  delle....  traz  lá  hu- 
mas  cousas  da  Alatagata,  que  he  daquillo,  de  que  se  fazem 
as  Folhinhas,   que  se  conhece  quando  ha  Sol,    e  quando  ha 
ie  chover,    e  dizem  que  vem  tão   mal  alinhavado...   O  Au- 
íhor  chama-sc  o...  o...  valha-rae  Deos  !    he  o  que,..., 
que...   que.  .  .  tenho-lhe  o  nome  debaixo  da  lingua,  ...  a- 
diante;  todos  dizem,  que  saliíra  com  o  tal  Caf^  por  inveja- 
das tuas  petas,  mas  que  íicára  logrado.  >>  Tornou-lhe  o  Al- 
inocreve ,  "  meti  Amo  tem  muitos  macacos,  mas  todos andao» 
cora  o  sepo  ;    bem  se  lhe  dá  a  elle  das  rãs  ,    que  andao  nos 
charcos ;  adcos  Amigo  ,  faze  boa  jornada  ,  c  se  me  achares  al- 
guma cousa  peio  caminho,    aproveita-te,  que  meu  Amo  não' 
faz  c?so  dessas  ridicularias :  iá  vai  á  tua  saúde  :  >>;  que  te  pres- 
te, adcos;  >9  Respondeo  o  Retorno,'  cassiiiise  despedirão  ate 
segundo  encontro, 

Svte  Rios  1%  de  Julho. 

Chegou  finalmente  á  sua  cíisa  o  Ictívo  IL  dos  nossos  ten*- 
pos  ,  depois  dos  transportes  da  sua  réria  viagem  ,  alli  rece^^' 
bco  muitos  parabéns  daquelles,  que  o  olhavao  como  a  Lu-' 
itardi  ,  que  voou  á  nossa  vista.  Elle  veio  tãcr^ordo  como  o' 
espeto  na  ponta  ,  pois  só  bebendo  ver^tos  se  suspentou  do  ar 


f4)  . 

ambiente  j  em  quanto 'viajou.  »  Amigos,  »>  disse  elle ,  «  a 
rapidez  dos  rasgos  dos  meus  voos,  me  dóvao  espernnça  de 
girar  todo  o  orbe  em  menos  de  seis  mezes ,  e  com  tanto  gos- 
to o  fiizia  ,  que  me  nao  lembrava  comer  ,  nem  beber ,  porém 
a  facilidade,  com  que  me  propuz  fazer  a  máquina  para  satis- 
fazer o  gosto,  que  tinha  emprehendido ,  nao  me  deixou  ver 
o  precipício,  a  que  me  conduzia,  bem  como  aquelle ,  que 
enfurecido  corre  a  despenhar-sc  ,  e  nenhum  brado  o  sustem. 
Em  huma  das  minhas  Cartas  vos  informei  do  grande  chuvei- 
ro ,  em  que  ficava  mettido  *,  este  foi  bastante  a  desfazer  a  mi- 
nha louca  prcsumpçáo ,  pois  humedecendo  com  elle  as  gom- 
mas  do  encanamento  das  pennas  das  azas ,  logo  conheci  fra- 
queza ;  e  baixando  á  terra  ,  fui  dar  á  Polónia  ;  que  fértil  Paiz 
Jie  este  !  aonde  as  cousas  se  vendem  a  trcs  por  duas  ;  que  a- 
ceio  de  Madamas !  ver  huma  Senhora  Polaca  a  pé,  ou  a  ca- 
vallo ,  encanta  •,  a  que  veste  de  verde,  he  verde  desde  o  bi- 
co do  pé  até  á  cabeça  ,  pois  até  o  cabello  he  apolvilhado 
com  poz  verdes,  ficando  a  Senhora  toda  de  huma  cor,  exce- 
ptuando a  cara  ;  ainda  espero  ver  em  Lisboa  esta  moda  em 
bem  pouco  tempo  ,  pois  que  no  passado  já  vimos  as  cabeças 
amarellas  :  eu  sim  ficaria  neste  Ruz  saudável,  se  me  nao  cha- 
massem os  interesses  da  minha  casa;  dalli  passei  á  Suécia', 
aonde  vi  menos  luxo  nos  Povos,  poucas  pessoas  vestem  se- 
da, talvez  será  porque  o  Paiz  a  nSo  cria,  e  nao  porque  se- 
jao  pobres,  pois  abundao  aquellas  terras  de  grandes  mineraes 
de  ferro,  e  de  pinheiracs,  cercado  todo  o  continente  de  for- 
nalhas,  aonde  se  destilla  o  alcatrão  ,  que  fazemi  o  capital  des- 
te famoso  Reino.  He  hum  gosto  ver  a  facilidade,  com  que 
os  homens  fabricao  destas  espécies  o  oiro ,  porque  todos  sus- 
pirão  ,  que  mais  me  custa  a  mim  lembrar  huma  peta  ,  que  nao 
tenha  consequências  funestas.  Dalli  passei  á  Dinamarca  ,  aon- 
da  vi  trabalhar  os  Carpinteiros  na  construcçao  do  Peixe  páo,; 
o  qual  a  primeira  vez  que  o  vi  comer,  me  soube  a  gaitas, 
nao  tendo  eu  ainda  comido  nem  huma  cousa  ,  nem  outra.  Dal- 
li passei  aos  Paizes-Baixos,  que  por  baixos  me  parecerão  an- 
r»6es ,  todos  os  homens  vi  muito  aceados  ,  vestidos  com  as 
suas  gibaitonas,  ou  casacas  até  aos  pés ;  porém  descalços  de 
péy  e  perna,  perguntei  a  causa  daquelle  desconcerto,  dissc- 
rao-me,  que  n.lo  queriao  padecera  dor  de  calos,  que  fazem 
nos  dedos  dos  pés  os  çapatos^  esta  receita  nao  he  má,  se  se 


adoptar.  Dalli  passei  a  Dunquerque ,  sonde  vi  Iiuma  fábrica 
de  serveja  da  raelhor,  que  se  gasta  na  Europa,  e  vcndo-a 
fazer  de  sorvas  velhas,  conheci  a  etyniologia  do  noiric  dcsre 
licor.  Depois  me  embarquei  cm  huma  escuna  Americnna  ,  que 
com  felicidade  rae  conduzio  a  Lisboa,  aonde  cheguei  já  sem 
a  máquina  ,  porque  na  embarcação  os  ratos  de  noite  derao 
cabo  delia.  »  Todos  os  Amigos  saltarão  aos  abraços  a  clle  ^ 
c  o  leváráo  comsigo. 

O  moço  do  Poeta  aqui  conduz  estas  duas  glosas  a  dois 
Motes,  que  Ihepedio  hum  Peraltinha,  que  lhos  glosasse  cora 
tod®  o  segredo  j  porque  as  queria  dar  por  suas  á  Senhora  , 
cora  quem  está  para  casar,  por  ser  empenho  da  mesma  Se- 
nhora ,  e  julguemos  todos  ,  que  gurgeta  não  xuparia  o  tal 
mocinho  pelo  desempenho! 


MOTE    r. 

Disputão  Cupido  ,  e  Baccho , 
Qt^al  mais  desordens  tem  feito. 

G  L  O  S  A^ 

Sobre  ser  forte ,  ou  ser  fraco , 
Cora  teimas  razoes  tamanhas , 
Do  seu  poder  as  façanhas, 
Disputão  Cupido^  e  Baccbo, 

Amor,  que  he  velho  macaco. 
Não  lhe  quer  fallar  ao  geito  j 
Baccho  enfadado,  e  direito, 
Grita,  que  o  troféo  lhe  cabe > 
Mas  ao  certo  não  se  sabe, 
Qual  mais  desordens  tem  feito^ 

MOTE    JI. 

Vi  Cupijdo  feito  Baccho  ; 
Mettc  medo  tal  figura* 


GLOSA. 

Cum  chapéo  feito  n'um  caca, 
ChoquentLi  capa  arrastando, 
Pela  lama  parinhando  , 
Vi  Cupido  feito  Baccbo : 

Com  bigodes  de  tabaco , 
Não  ha  mais  feia  pintura  ! 
Perdeo  toda  a   formosura , 
Fez-se  irrisão  dos  amantes, 
Já  nao  he  quem  era  d'antés , 
Mette  medo  tal  figura,  < 

DífS€rtafão  do  nosso  Anigo  estúdios/)  em  exptrienciaí     • 
económicas, 

Qií~  C0ÍS3  se  encdntr^  no  rnundo,  em  que  o  homem  na® 
queira  ter  domínio  acti\^o  ?    Elle  quer   que  o  mesmo  tempo 
jhc  obedeça,  e  que  a  seu  sabor  se  moya  a  roda  das  estações; 
pertende  a  chuva  rias  terras  dos  seus  Vínculos,  equer  no  mes- 
mo dia   hum  vivo  Sol  na  rua  por  onde  passeia  \    quer  vento 
jios  moinhos ,  que  \\\<í  rendem  ,  e  aó  mesmo  tempo  hum  bran- 
do zé Fy ro  ,    quando  roda  na  férvida  Berlinda;    o  homem,  a 
que  chamamos  polido,    chega   ao  ponto  de  querer  fazer  hu- 
iiiilhar  a  mesma  natureza  aos  desordenados  impulsos  dos  seus 
appetires:  a  máquina  do  homem,  na  sua  construcç^io,  tanto 
tem  de  delicada^    como  de  frôxa  ;    e  o  mesmo  homem,    que 
nlo  se  observa  tomando  as  medidas  á  proporção  da  sua  fra- 
gilidade,   cahe  nos  precipícios,    fulmina  a  sua  ruina  ,  a  que 
já  nlo  pôde  valer  a  alciveza  do  seu  império:    leva  o  homem 
cortezno,  e  abastado  ha  cama  hum.a  grande  parte  da  manha , 
entregando  se  á  frôxidão,    em  quanto  o  seu  caseira  ao  rom- 
per da  Aurora,    ou   empunha  a  enxada' ,    c  se  esti  curtindo 
com  o  guio,  que  prateia  a  terra;  ou  cingido  de  húmido  jun- 
co ,  áca  a  abrolhada  vide ,    p^ara  a  iiiclhor  forma  da  sua  pro- 
ducçno  !  le/anta-se  o  homem  polido  pelas  dez, horas,  almoça 
o  chá,  e  o  leite,  enclíerido  a  barriga  de  fatiaè  oleosas ;  por- 
que eiiáo  biMi  coradas,'  e  asFfmr  me^fno  fizeraò  huma  grande 
azia  no  estQ.D.igoj  o  que  não  succedeo  ao  bisoiilio  caseiro; 


porque  cotnco  cedo,  etraballiou  braçalmente :  leva  o  hoincni' 
polido  huma  hora  a  passear  na  Quinta,  duas  em  palanfro- 
rios,  e  cabelleireiro ,  p6e-se  a  carruagem ,  vai  á  Praça,  reco- 
JJie-se  pelas  três  horas  ,  ás  quatro  senta-se  á  meza ,  come  de 
quarenta  e  tantas  cousas,  cozidas,  e  assadas,  guizadas ,  de 
escabeche ,  erc.  etc.  erc.  pespega  no  buxo  coin  outras  tantas 
fructas,  bebc-lhes  diversos  licores,  entrega-se  á  molleza  ,  e 
por  consequência  á  cama  ,  quando  o  rústico  caseiro  jantando 
ao  meio  dia  só  huma  até  duas  simples  cousas,  se  acha  vigo- 
roso, proseguindo  no  seu  trabalho:  acordou  o  homem  poli- 
do ao  principio  da  noite,  manda  pôr  a  sege,  vai  para  a  par- 
tida ,  donde  se  recolhe  farto  de  chá  pela  huma,  c  duas  ho- 
ras, senta-se  á  meza,  ceia  ,  tem  outra  profusão  de  guizados, 
em  tudo  mexe,  de  tudo  come,  deita-se  peias  três  até  alto 
dia,  em  que  acorda  na  mesma  frôxidáo;  esta  desordenada  vi- 
da náo  tem  o  bom  velho  caseiro,  que  ao  anoitecer  ceou  sem 
se  fartar  ,  e  logo  dormio  ficando  prompto  para  com  agili- 
dade principiar  o  dia  de  amanha.  Aqui  temos  o  nosso  poli- 
do já  cora  huma  indigestão,  com  fraq-ueza  de  nervos,  a  que 
correspondem  banhos  de  mar,  agoa  das  Caldas  ,  vinhos  qui- 
nados, vomitório?,  más  cores,  febres  lentas,  e  ou  sepultu- 
ra ,  quando  menos  a  espera  ,  ou  representar  hum  esqueleto  vi- 
vo, (em  que  o  fazem  mcrto  antes  do  tempo  ,  como  succcdeo 
agor^  ao  Author  desta  Obra  ,  )  pede  jantas,  porque  sempre 
gostou  de  muita  gente  ao  pé  de  si,  visto  quelhe  não  podem 
servir  senão  cie  companhia  ;  e  quando  lium  destes  lê  esta  pin- 
tura ,  responde  ,  ca-<la  t^m  no  que  tem  habituado  a  sua  na» 
tureza  ^  (i(ò\TxO  zt  o  homiCm  a  douiinasse  !  seja  o  que  for,  com 
estes,  c  ainda,  outros  excessos  se  estraga  a  saúde:  sepultura  ^ 
e  doença  sempre  as  h.ouvcrao  ,  porém  os  nossos  Avós  não  se 
vomitarão  tanto,  não  hião  a  banhos  de  mar,  não  precisavão 
tanta  quiirn  ,  e  quando  se  queria  hum  Portueuez  robusto,  até- 
na  idade  dos  .setenta  se  achava  ;  Jicje  os  de  vinte  ií)uos  '^w^ 
dão  com  o  rheumatismo  dos  homens  de-bem:.  z^  vá  em  ao* 
ra  que  aproveite. 


O  Editor  desta  Obra  pela  razão  de  ter  recebido  va- 
rias Cartas  jocGsas.no  Coueio,    torna  a  tJecI;írar,  que  eiie 


(  8  )   ^' 

nlo  he  o  Author  do  Café  jocoso ,  nem  do  papel  intitula-^ 
do  Retorno  do  Airaocreve;  pois  nao  deseja  por  modo  algum 
ustirpar  a  gloria  devida  aos  seus  Authores;  contentando-se  a- 
pcnas  cora  a  sua  coinposipo  do  Almocre/e  de  Petas,  cora  a 
qual  roga  a  todos  a  continuarão  desta  curiosidade  i  equeliie 
re^em  pela  vida ,  os  que  liie  tem  rezado  pela  alma ,  porque 
escá  de  saúde  perfeita  para  servir  a  Vy.  mm. 


AVISOS. 

Madama  Borragem ,  que  tem  a  astúcia  de  cortar  por 
rnoldes  as  roupas  Balinas,  e  Trapizondas,  e  toucados  de  bo- 
laveruQt ,  por  cuja  razão  lem  merecido  nos  Paizes  estranhos 
gr.indes  applaiisos  das  Senhoras  ,  faz  saber  ao  Publico  , 
que  ella  de  próximo  chegou  ao  Paço  do  Boi  formoso  ,  onde 
foi  recebi Ja  com  os  obséquios,  que  merecem  as  suas  pren- 
das, e  qualidades:  e  offerece  o  seu  préstimo  ao  Publico,  até 
ás  Senhoras,  que  forem  calvas  de  todo,  pois  prepara  marra- 
fas fingidas ,  e  perucas  de  canudoS  da  ultima  moda  ,  e  se  hou- 
ver alguma  pessoa,  que  se  agrade  da  excellente  ponta  de  lín- 
gua ,  que  tem ,  e  quizer  cortar  a  sua  pelo  mesmo  molde  , 
nlo  tem  dúvida  alguma  em  dar  o  molde  delia.  j 

Qí^iem  quizer  comprar  ,  vá  onde  se  vende  ;  quem  qui-í| 
zer  vender,  apregoe:  quem  quizer  ajustar  faça  preço:  quem 
quizer  desajustar ,  roa  a  corda  ;  quem  quizer  rir ,  vá  á  feira ; 
quem  quizer  chorar,  dê  pancada  era  seu  descuido:  quera  he 
tolo  ,  peça  a  Deos  que  o  raate ;  e  quem  o  nâo  he  ,  dê-lhe 
muitos  louvores ,  que  assim  se  faz  em  Lisboa. 

Alaria  do  0\  Alfamista  de  nação,  e  inoradoura  onde 
succede ,  vende  camarões  feios ,  que  não  tem  inveja  aos  for- 
mosos, quem  tiver  barbas  para  lhos  comprar,  nao  se  torça, 
que  a  navalha  o  buscará. 


lisb:)a.   na  offic.  de  j.  f.  m.  de  campos. 

I  8  I  9. 
Com  hcsnça  dn  Mcz^a  dç  Desembargo  d»  Paço. 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXVr. 


N 


Salitrt  19  de  Fevereiro. 


Ão  foi  preciso  ir  fora  de  Lisboa  para  ver  hum  caso  ga- 
lantissimo ,  que  tinha  obrigaçíio  de  succeder  fora  da  terra  ,  e 
não  nesta  Cidade,  que  ainda  que  me  chegou  láo  tarde  á  no- 
ticia, sempre  o  descreverei.  Pedro  Mef2des  Tabarosa  ^  homem 
de  sua  casa  ,  que  negociava,  e  lúo  deixava  de  ter  algum  vin- 
tém ,  vendo  que  na  Gazeta  sahia  o  plano  da  Loreria  do  Thea- 
tro  de  Sao  Carlos,  partio  a  comprar  14  moedas  de  Bilhetes, 
só  para  si ,  fora  mais  seis  moedas  delles  deencoraraendas.  Veio 
muito   contente  cora  os  taes  bilhetes,    e|  lançou-os   em  cima 
de  huma  banca  no  seu  quarto  ;    e  porque  erão  horas  de  Pra- 
ça ,    foi-se  a  toda  a  pressa  tratar  do  seu  negocio  :    hum  pe- 
queno que  tem  sete  annos ,    como  criança,  pegou  cm  huma 
tezoura,  que  pôde  pilhar,  e  foi  ao  quarto  do  Pai,  e  de  hum 
papel  que  estava  no  chão  ,    fez  huma  mitra  •,  a  mai ,  que  era 
muito  amoravel ,    e  todo  o  seu  forte  era  encobrir  ao  marido 
qualquer  maldade  do  pequeno,   veio  c^preitallo,    e  o  achoa 
de  tezoura  na  miio ,  e  reparando  para  cima  da  m^eza ,  vio  os 
bilhetes  da  loteria  j  que  nlo  sabia  o[que  era  ^  porém  pasma- 
6G 


CO 

da  de  os  ver  recortados,  assentou  sem  mais  tir-te,  nem  guar- 
te  ,  que  aqiielles  recortados  tinhao  sido  obra  do  rapaz,  Jan- 
çou-se  a  clíe,  açoitou-o  muito  bem  ,  e  muito  consumida  ,  lhe 
dizia,  cc  para  que  recortastes  aqiicjlcs  papeis?  que  ha  de  di- 
zer teu  Pai,  quando  tal  vir?  valha-me  Deos ,  não  ha  mais 
remédio,  que  ir  endireitallos  á  tezoura  ,  que  podem  ser  pa- 
peis de  iaiportancia ,  e  não  quero  que  elle  tal  conheça.  Se  o 
rapaz  assim  como  os  recortou  por  hum  lado,  lhe  mette  a  te- 
zoura mais  dentro,  que  taí  fico  eu!  »  E  pegando  na  te- 
zoura foi  hum  gosto  vê-]a  com  toda  a  curiosidade  endireitar 
os  recortes,  e  logo  que  acabou,  botou  o  pequeno  fora  do 
quarto,  fechou  a  porta  ,  e  ficou  muito  satisfeita  de  ter  emen- 
dado o  erro  ;  quando  o  marido  veio  o  que  seseguio,  discor- 
rao  Vv.  mm. ,  que  talvez  por  casos  idênticos  sticceda  a  mes- 
ma scena  nas  casas  de  cada  hum. 

Segundo  encontro  y    que    teve  o    Almocreve  de  Lisboa  com 
o  Retorno  do  Porto ,  na  Ribeira  de  Santarém. 

Seriâo  dez  horas  da  manha,  quando  segunda  vez  se  en- 
contrarão o  Retorno  do  Porto  com  o  Almocreve  de  Lisboa, 
na  Ribeira  de  Santarém;  saudárao-se  ,  e  disse  o  Ahnocreve: 
>j  Tens  ahi  hum  bocado  de  papel  para  fazermos  hum  slgar- 
ro  ?  »  Respondeo  o  Retorno ,  «  tenho  huraas  folhas  do  ul- 
timo Café  jocoso ,  mas  como  tem  letras  nao  hebom  para  is- 
so;  e  vierâo-me  ás  mãos,  porque  succedeo  huma  cousa  gak  i- 
te  com  este  Folheto.  Hum  sugeifo  em  Leiria  comprou  o  Ca- 
fé numero  12,  por  lhe  dizerem,  que  tinha  muita  cousa  con- 
tra as  tuas  petas,  e  contra  o  seu  Editor,  custou-lhe  três  vin- 
téns, e  depois  de  o  ler  vcndco-o  ao  ?eu  visinho  por  30  réis ; 
o  tal  principiou-o  a  ler ,  e  a  enjoar  de  sorte,  que  mandou 
fazer  chá  de  Maixrelia  para  tomar,  visto  que  aquelle  Café  lhe 
perdia  o  estômago;  deo-lhc  hum  rasgão,  e  botou-o  fora, 
de  que  eu  apanhei  estas  folhas,  que  são  da  lauda  317,  320, 
eíc.  Deixa  ver  >v(  lhe  dijse  o  Almocreve)  ,  que  logo  foi  len- 
do nellas  ,  e  analisando-as  pelo  modo  seguinte  ás  gargalha- 
das: j>  Diz  aqui  hum  da  sua  sociedade,  que  lera  hum  livro 
intitulado  Escritorsem  princípios;  hc  livro  de  que  nao  tenho 
noticia;  o  que  eu  me  lembro  de  ter  visto  na  banca  de  me 
Amo,  he  hmxi  livro  intitulado,  Escritor  confundido  nos  seu 


o 

\ 


I.    .  .'  (3) 

Sítios  princípios,  de  sorte  que  nirda  ire  recordo  de  dizer 
meu  Amo  huma  vez  ,  que  os  pcnsan:cntos  daquclle  livro  re- 
presentrvão  os  camaroeiros  ,  quando  os  rapazes  no  Cacs  da 
Fundição  os  tirão  da  agua  cheios  de  csirarces  rodos  a  salta- 
rem huns  por  sima  dos  outros  em  con ti nuc.da  confusão.  >?Res- 
pondeo  o  Retorno  ;  pois  desse  joie  j.e  o  tal  Cí:fé.  >)  Tornou 
o  Almocreve  ;  »  cá  vera  outra  satyra  a  respeito  de  meu  A- 
mo  ,  sobre  os  Verbos  da  Lingua  Portugueza  ;  he  verdade, 
que  ás  orações  deste  Café  não  lhes  falta  Nominativo  ,  Ver- 
bo, e  Caso,  pontos,  virgulas,  e  divisões,  porém  falta-lhes 
o  melhor,  que  he  a  graça.  Oh!  Cá  vem  na  pagina  329  hu- 
ma moléstia  d^ollios  ,  com  suas  explicações  fysicas,  em  que 
o  Author  amontoa  o  olho  da  razão,  o  olho  do  coração,  olho 
para  aqui  ,  olho  para  alli  ,  ollio  torto,  olho  direito;  porém 
ôinda  lhe  escapou  huma  qualidade  de  olho,  ro qual  ficava  mais 
bem  applicada  a  receita,  que  traz  na  pagina  332.  «  Rtspon- 
deo-lhe  o  Retorno  ,  >>  bem  sei  ,  he  o  olho  da  rua ,  para  on*- 
de  se  bota  o  que  não  presta:  >j  vircu  o  Almocreve,  dizen- 
•do :  »  agora  he  que  nós  estamos  pecres ,  que  nunca ,  que  o 
Author  se  contentasse  só  em  comipôr  huma  dúzia  de  folhetos 
deste  Café  !  paciência  ,  mas  promettcr  mais,  como  aqui  pro- 
mette ,  he  peor  a  prom.essa  ,  que  a  prim.eira  composição  del- 
le,  porém  nosso  Senhor  bem  sabe  proporcionar  es  castigos 
aos  mortaes ;  permitte-lhes  os  terremotos ,  as  chuvas  de  pe- 
dra, as  sêccas,  e  até  se  vale  da  peste  deste  Café,  porque  tu- 
do lhe  merecemos  pelos  nossos  grandes  peccados.  »  Pergun- 
tou o  Retorno,  »>  que  fez  leu  Amo  a  este  horctm  para  o  in- 
gerir nos  Folhetos  do  seu  Café  ?  55  Respondeoo  Almocreve, 
creio  que  nunca  o  offendeo  em  cousa  alguma  ;  porém  como 
prometreo  doze  folhetos,  e  já  pf.ra  o  fim  não  tinha  com  que 
os  encher  ,  tomou-o  para  a  sua  Alma  com  estas  scrnsabcrias , 
porque  nesta  manta  de  retalhos  iodas  as  cores  assentao  bem. 
Tenho  visto;  todas  as  gracinhas  que  tem,  vcmapáo,  e  cor- 
da ,  e  quer  que  o  Povo  Ih.e  pague  os  três  vinténs  de  frete.  >j 
A  isto  puxou  o  Retorno  por  hum  pão  de  milho,  deo  meta- 
de ao  Almocreve,  que  acceitou  ,  e  disse:  99  eu  he  que  man- 
do vir  a  pinga  ,  são  horas  de  partirmos,  mas  primeiro  vamos 
fazer  quatro  saúdes;  á  saudc  dos  ncsfos  Amos ,  e  não  julgues 
que  hco  com  ódio  ?.o  tal  Author,  que  se  aqui  appareccsse 
r.csta  sucia,    lambem  o  mandava  beber,   deste  vinho;  acaba 


(4) 

de  enxugar  este  cd-po ,    e  aJeos:  »   assim  se  despedirão  até 
mais  algum  encontro. 

Calculo  certo  da^  despezí ,    que  faz  hum  homeyn  ^    quando 
leva  a  sua  familia  d  Opera* 

Alugado  que  seja  o  Camarote,  porque  lie  gran- 
de a  familia,  pro:ura-se  hum  de  melhor  vista  ,  este 
não  custa  menos  de  .     .     • 3cí)iOO 

Alugou-se  logo  huma  sege,  que,  porque  ficou 
apalavrada  ha  dias,  e  perdeo  outros  alugueis,  im- 
portou em  .............     •     .    i(J)200 

Ao  boleeiro ,  que  esteve  por  tudo  ,  bom  meço , 
lom  moço  ^  pois  fez  quatro  caminhos  ,  e  em  hum  del- 
les  levou  três  em  carga ^^\o. 

Abrio-se  o  Camarote,  e  por  estudo  dos  Senho- 
res, que  os  administrao  ,  nlo  se  lhe  acha  senão  hura 
banco;  porque  em  hindo  míi^s  de  três  pessoas,  ou 
hão  de  estar  em  pá ,  ou  se  hão  de  sentar  no  chão, 
vai-se  pedir  cadeira^,  e  responde-se  ,  t<  cada  huma, 
querendo,  são  seis  vinténs,  e  cada  banco  dois- tos- 
tões :  não  está  má  a  entrega  ,  veio  hum  banco ,  e  duas 
odeiras      ,      . (3)4.40 

Ora  deo  sede  nas  Senhoras,  veio  ponche  por 
causa  das  constipações;  he  do  botequim  da  Opera, 
e  dobra  a  parada  no  preço ,  não  sei  com  que  razão , 
seis  copos   . (2)300 

Houve  huma  dor,  venha  chá  ,.  e  por  hum  bole 
de  agua  quente,  com  quatro  folhas  no  fundo,. 
»- De  cangado  chá  que  ferve, 
95  Com  esta  a  sétima  vez.  u  .     .     .     .     .      ^300 

O  mandarim  5  garoto  mais  refinado  ,  que  o  assu- 
car,  qu:i  conduz  ,  não  se  contenta  pelo  trabaliio  de 
subir  escadas  com  menos  de     .......     .      ^iio 

Era  muito  boniti  a  Opera,  ou  era  muito  feia, 

porém,    ou  feia,  ou  bonita  ,    imporíou  a  sua  som- , 

ma  em  ................     5^)860 


Oa  os  Senhoras  moJiíiquem  estes  estratagemas ,  ou  aãg 
verão  dez  réis  dç  quem. tiver  juizo.. 


Conceitos   achados  entre  os  papeis  curiosos  do  nosso  Vtiho 
de  Romulares, 

Perguntou  este  bom  Velho  aos  Velhos  do  seu  tempo, 
jí  de  tjuem  se  podia  fiar  hum  segredo,  que  ficasse  sem  o  pe- 
rigo de  se  revelar,  >?  responderão-lhe  huDS  <<  quede  hum  sur- 
do ,  outros  ,  que  de  hum  mudo;  »  porém  o  nosso  Velhiniio 
disse,  «<  que  de  hum  mentiroso,  porque  como  nunca  se  a- 
credita  o  que  diz,  ainda  que  o  descubra,  íica  senipre  inta- 
cto. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  havia  na  m.ocidade  três  qua- 
lidades de  memoria,  <<  memoria  de  agua  ,  memoria  de  areia, 
e  mem.oria  de  pedra;  que  na  primeira  ?>  entravao  os  estudos, 
e  sahião  sem  demora  ,  com  a  mesma  facilidade  com  que  en- 
travao, bem  como  a  agua  era  vaso  roto  »  que  na  segunda 
entravao  os  estudos  ,  demoravao-se  alguma  cousa  ,  e  em  pou^ 
CO  tempo  se  gastavao  ,  bem  como  as  letras  na  areia  dando- 
Ihe  o  vento,  e  as  ondas:  >>  que  na  terceira  os  estudos  entra- 
V-lo  á  custa  de  muito  trabalho,  mas  huma  vez  que  isro  se 
conseguia  ,  nunca  mais  sahiao ,  bem  como  a  escultura  na  pe- 
dra ,  que  tanta  duração  conserva* 

Dizia  o  nosso  Velho  ,  »  que  o  homem  faz  doido  o 
tempo,  e  o  tenipo  faz  doido  o  homem,  »  porque  o  que  es- 
pera huma  ruina  no  fím  de  seis  annos ,  quer  que  os  seis  an* 
nos  se  estendão  a  seis  séculos ;  o  que  espera  huma  boa  fortu^ 
na  no  mesmo  tempo  ,  quer  que  os  seis  annos  passem  como 
seis  mezcjs;  e  quando  conta  setenta  de  idade ,  diz  ,  >3  que  se 
lhe  foi  o  tempo  por  entre  os  dedos,  n  mrs  que  isto  nasce  do 
homem  conhecer  tudo,.e  não  se  conhecer  a  si. 

Dizia  o  nosso  Velho,  jj  que  o  hcmem  comilSo  no  de- 
curso de  hum  anno  comia  menos,  que  es  outros,  porcuc  dê 
cada  fartadella  tinha  iiuma  indigestão,  que  o  punha  oiiodias 
a.  caldo  de  gallinha.. 


(6) 

Palia  do  Editor  a  respeito  da  curiosidade  desta  CoUecção 

de  Folhetos. 

Senhores  Portuguezes  ,  Amigos,  conhecidos,  e  desco- 
nhecidos 5  nao  posso  engolir  em  sêcco  ,  que  tendo  todos  gran- 
des desejos  de  serem  ricos  ,  e  os  que  o  sao  de  o  serem  mais, 
nao  desejem  também  ver-me  com  huma  igual  riqueza,  a  tro- 
co de  \\na^2i  pa^va  quantitas  ^  que  ma  nao  dão  por  meus 
olhos  bellos,  pois  nao  tenho  merecimentos  para  isso,  mas 
sim  por  hum  termo  licito,  termo  que  faz  o  distincto  cara» 
cter  do  homem  ,  a  que  alguns  Doutores  charaao  trabalho , 
outros  agencia \  .e  como  eu  nesta  curiosidade  uso  delia,  de- 
vo pela  ordem  da  dependência,  que  tenho,  participar  a  to- 
dos os  meus  sentimentos,  e  o  modo  fácil  de  me  enriquece- 
rem, que  nao  hc  impossível;  eu  nas  rainhas  poucas  posses 
ajudo  a  todos  aqueíles,  de  quem  preciso,  e  nao  com  tao  pou- 
co ,  que  nao  seja  com  centos  ,  e  centos  de  mil  réis  todos  os 
annos ;  e  se  nao  haja  vista  ás  partes.  Eu  enriqueço  o  Sonu 
br  et  retro  ,  o  Alfaiate ,  a  loja  de  Cape  lia  ,  a  do  Mercador  , 
a  do  Fanqueiro ,  o  Fabricante  de  meias ,  o  C^apateiro ,  e  to- 
da a  mais  corporação ,  de  que  o  homem  depende  para  se  ves- 
tir com  decência.  Se  vamos  ao  gasto  da  boca ,  hoc  opus ,  hic 
labor  est ,  falle  essa  Ribeira,  falle  o  assougue,  que  para 
isso  tem  lingua  de  palmo ,  falle  o  Confeiteiro ,  a  Padeira  , 
a  Mercearia  y  e  fallem  finalmente  os  Barcos  d*agua  acima 
nas  conduções  que  me  fazem;  porém  nao  fallem  ao  mesmo 
tempo,  que  ninguém  se  entenderá;  e  veremos  aonde  isto  bo- 
ta ;  pois  se  eu  com  o  meu  pouco  ,  desejo  enriquecer  tantos , 
quantas  sao  as  cousas  de  qUe  preciso ,  ergo  porque  nao  hao 
de  tantos  concorrer  para  cu  ser  rico  com  tao  pequena  por- 
ção  ?  Agora  estareis  vós  filosofando  com  os  vossos  botões,  o 
modo  porque  eu  quererei  a  tal  prova  ;  talvez  que  vos  lembre 
se  será  emprestando-me  dinheiros  para  nunca  mais  os  pagar, 
segundo  a  tarifa  ;  se  será  emprestando-nie  trastes  para  nun- 
ca mais  os  restituir,  segundo  a  moda  ;  se  será  armando  fi" 
guras  de  invenções  agradáveis  ,  com  que  muitos  ficão  de  cal ^ 
e  pedra ,  e  cabem  nelUs  como  pardal  na  rede  em  boca  de  pom( 
ço ,  segundo  as  subtilezas  de  vários  papelões;  pois  nao.  Se" 
nliores ,  o  ponto  está  na  espingarda ,  e  este  caso  he  outro  ^ 


1 

\ 


^7) 

modo  com  que  pode  ser,    ?ei  eu  inellior  que  ninguém;  e  se 
náo  vede,    ha  em  Portugal  milhòes,    e  milhces  de  casrs  fo« 
voadas  de  gente  ,  e  s(5  bastava  ,  que  os  habitantes  de  cada  hu- 
iTia  ,  daqui  ãté  29  de  Dezembro,  que  tanto  hao  de  durar  estes 
folhetos ,  me  fizessem  o  obsequio  de  hospedar  em  sua  casa  o  meu 
Almocreve,  por  huma  só  vez  ,  pois  me  parece,  que  nao  custará 
muito  a  sustentar  j  porque  panella,  que  se  faz  para  dois  che- 
ga a  três,  por  mais  faminta  que  seja  a  casa;  e  quanto  mais 
clie,  que  não  he  comilão,  pois  ainda  que  passem  os  três  dias 
de  hospede  nunca  enjoa  ,    porque  a  maior  dcspeza  ,    que  vos 
pode  fazer  em  todo  o  tempo ,  he  a  de  40  réis ,  e  o  que  se  lhe 
faz  não  se  bota  era  saco  roto ,  porque  a  sua  conversa  he  to- 
lerável ,  faz  rir  com  as  suas  demasiadas  ,  e  debaixo  do  sério , 
de  que  he  revestido  ,  encaixa  a  sua  peta  como  hum  homem  : 
também  tem  algumas  seaisaborias ,  porém  são  cabellinhos  do 
odre,  e  esta  falta  lhe  desculpará  o  paladar  sublime,  que  co- 
mer sal  ás  mãos  cheias.    Tenho  botado  o  risco ,    e  confio  de 
vós,  que  mettereis  as  cores  de  sorte,  que  este  quadro  m.e se- 
ja agradável;  hospedai  o  Almocreve,  que  eu  o  que  posso  fa- 
zer da  minha  parte,  he  agradecer-vos  o  bom  agazalho,  que 
lhe  fizerdes;    e  de  nada  importa,    que  deixeis   o  Cavallinho 
ao  relento ,  que  a  estação  para  os  brutos  não  vai  áspera. 


AVISOS. 

Por  hum  cálculo  certo  feito  com  a  maior  miudeza  pa- 
ra se  noticiar  ao  público,  fazemos  saber ,  que  em  Janeiro 
passado ,  andarão  no  rio  desta  Cidade  3420  gaivotas  á  sar- 
dinha ;  forão  perseguidas  por  79  curiosos ,  morrerão  espin- 
gardeadas  2,  e  4  só  do  susto  ,  que  lhes  metteo  hum  dos  miC- 
Ihores  caçadores;  errárão-se  230  tiros,  perdêrão-se  onze  ar- 
rajeis  de  chumbo,  e  .80  arráteis  de  pólvora  ,  escaparão  da 
morte  3414;  veremos  para  o  anno  o  progresso  desta  curio- 
sidade. 

Por  Dereto  de  4  do  corrente ,    foi  a  morre  servida  fa- 
2cr  a  graça  a  hum  bêbado,  que  andava  pelo  Bairro  Alto,  de 


(8) 

O  levar  pira  si,    com  a  faculdade  de  poder  dispor  dos  seus 
bens  em  beneficio  dos  seus  parentes ,  e  da  sua  Alma. 

Despachos  para  Militares. 

r>  Por  aviso  de  22  do  raez  passado,  feito  ao  Recovei- 
ro de  S.  Pedro  do  Sul ,  se  despacharão  nas  sete  Casas  três 
presuntos  cozidos  em  hum  panno  ,  para  dois  soldados  do  Re- 
gimento de  Lippe,  mandados  por  seus  Pais. 

n  Por  aviso  datado  do  mesmo  tempo,  que  se  fez  para 
Abrantes,  se  despacharão  no  mesmo  sitio  duas  sacas  de  car- 
vão, para  hum  Cabo  de  Esquadra  do  Regimento  de  Mili- 
cias,  coín  o  accesso  de  poder  mandar  vir  outras  duas,  logo 
qae  estas  se  acabem,  vencendo  o  tempo  por  inteiro  da  sua 
duração,  e  não  morrendo  antes  do  seu  consumo. 

Junto  á  loja  da  Gazeta  está  hum  Passarinheiro  ,  que  ven- 
de canários,  cocos,  gaiolas,  e  vassoiras  de  piassar. 


Vendesse  esta  Obra ,  e  todas  as  mais  partes  de  que  he 
composta  ,  e  vão  sahindo  saccessivamente  ^  nas  Lojas  seguin- 
tes :  Na  de  João  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter- 
reiro do  Paço  :  Na  de  Brancisco  Xavier  deCarvalòo  no  Cbíã' 
do  defronte  da  rua  de  S*  Francisco  :  Na  ds  António  Manoel 
Po ly carpo  na  Arcada  do  Senado:  Na  de  Desiderio  Marques 
Leão  ao  Calhariz  NJ*  12.  :  Na  de  António  Pedro  Lopes  na 
rua  do  Ouro  junto  d  da  Gazeta;  Na  de  Leal  em  Alcântara  : 
E  em  Belém  na  de  Capella  de  José  Tiburcio  :  Também  se 
achão  na  mesma  Officina  em  que  se  fazem. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

181  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço. 


A. 


ALMOCREVE   DE   PETA& 
PARTE      LXV-II. 

Rua  de  São  de  Paulo  22  Vf  Julho. 


.Os  homens  de  senso  nao  faz  expectação  os  extravagan- 
tes,    e  exquisitos  penteados  das  Senhoras  Modistas:  hontem 
como  serras  levantadas,  hoje  de  estradas  seguidas  até  aos  con- 
fins da  Europa ,  e  amanha  de  carapetas  da  secia  ,  que  as  faz 
andar  em  huma  roda  viva  :  apparecem  por^m  agora  asSenho^ 
ras  penteadas  com  ameixas  reinoes  fora  de  tempo ,  como  que 
as  trazem  a  secar  na  cabeça  ,    para  fazerem  charopes  de  pre- 
venção para  os  defluxos ,  penteado  este,  que  custa  a  fazer  a- 
meixas  de  conserva,   supportando  a  Madama  ,    ou  da  creada 
que  a  penteia,  ou  do  mestre  Cabelleireiro  ,  huma  infallivel  quei-» 
madura,  que  se  refrigera  com  hum  v.  w.  perdoe  ^  ou  delle, 
ou  da  creada:  ei-Ia  ahi  de  cabello  á  caçadora  de  Francforte: 
este  penteado ,   que  novamente  vemos  ,    tem  sido  visto ,  se- 
gundo as  épocas  333  vezes  com  esta;  esenão  calculem  o  tem- 
po lendo  a  Âppologia  safada  de  Esopo  ^    no  Capitulo  Pmte 
das  Mus/f ^  ^    no  qual  elle  assim  se  explica  :  «  levantando-sc 
Euripide  huma  manhã  com  pressa  para  receber  huma  visita  de 
^7 


<  V) 

ceremonia,  velo  com  a  cabeça  estupefacta,  con3osah  ira  da  ca- 
ma ,  e  cuidando  a  visita  que  ella  viixiia  j4  penteada ,  se  agra- 
dou tanto  da  grenha ,  que  íogp  se  virh)  na  Grécia  todas  as 
Senhoras  penteadas  de  encarapinhado  grosso,  ao  qual  chama- 

vao  grisalha  :  Vê-se  nas  Bamhíixíitas  dt  Jpeles  hum  Quadro 
do  roubo  da  famosa  Hellena ,  eiri  que  cila  apparece  pentea- 
da á  Macedónia  ,  com  os  cabellcs  esparzidos  ao  vento  confor- 
me a  natureza  lhos  arranjava ,  cingida  a  cabeça  com  huma 
fita  de  preciosa  pedraria,  a  que  o  modernismo  chamou  Mar- 
rafa.  As  suas  Servas  usavao  do  mesm.o  que  ás  formosas  estava 
a  matar  ,  e  ás  feias  parecião  Fúrias  do  Averno  :  girao  estas  modas 
de  Paizes  em  Paizes ,  e  as  meninas  tudo  adopiao,  estejao  ,  ou 
não  bem  ao  parecer.  A  que  he  foniiosa  deveria  fazer  hum 
penteado  ,  que  a  não  desfeiasse,  e  a  que  he  feia  deveria  fa- 
zer outro,  que  lhe  chamasse  a  formosura  :  ha  cousa  mais  dis- 
forme, que  hum  penteado  gordo  em  cara  magra?  Não  di- 
ráõ  todos,  que  iie  ranho  em  parede?  Ora  contarei  o  que  suc- 
cedeo  de  próximo  a  certa  Senhora  a  respeito  do  tal  pentea- 
do de  geringonça:  Mandou  chamar  Monsteur  Serveté  ^  mes- 
tre affamado  de  perucas,  para  a  pentear  no  ultimo  ponto  da 
moda  ,  pois  havia  ir  aos  annos  de  sua  Cunhada  D,  Galhaibei* 
ra  ^  com  caraçóes  soltos:  Veio  o  mestre,  pôz-se  á  chirino- 
b  ,  e  disse-lhe  :  Senhora  ,  jã  se  nào  u  são  pós  ,  o  chefe  da  mo^ 
da  he  ir  o  cahello  como  azeviche  ;  aqui  trago  hum  vidrinho 
de  óleo  de  nozes ,  que  he  com  que  o  cahello  pôde  ir  negro ,  e 
lustroso.  Ficou  a  Senhora  saltando  de  contente ,  fez-lhe  o  mes* 
tre  toda  a  cabeça  em  caraçóes  do  tamanho  de  carambolas  de 
jogo  de  bilhar,  com  muita  sinalefa  pelo  meio,  e  o  cabello 
ocorrendo  em  óleo ,  porém  preto  no  ultimo  ponto:  acabou- 
se  a  obra  ,  dirigio-se  a  Senhora  á  função  na  companhia  do 
i;eu  estiinavel  Esposo,  que  nesse  dia  botou  hum  vestido  de  se* 
da  primorosissimo  i  rompeo-se  a  sccna  das  contradanças,  ele- 
ge o  marido  para  ser  par  huma  galante  Senhora,  que  lá  es- 
tava; ^xào.  Madama  em  zelos,  cahe  convulsa  ,  sustenta-a  o 
Esposo  nos  braços,  satisfações  para  aqui,  fumaças  para  aco- 
fá  ,  no  fim  da  festa  tanto  o  marido,  como  os  mais  milords, 
<3ue  a  segurarão  parecião  huns  azeiteiros  ;  porque  nondea  Se- 
nhora arrumou  a  cabeça  cheia  de  óleo  de  nozes,  deixava  os 
vestidos  huma  miséria.  Houve  piranga  que  até  chorou  por  ver 
iQ  &Q)X  vestido  perdido ;  rogando  pragas,  e  dizendo ;  que  nun^^ 


.    ^  3  > 

cavtais  acoita  a  enfermidades  de  Senhoras  .^  ([tie  $^  o  covvU 

das  sem  para  algum  enterro  ,  ainda  ,  au^da. 

Terceiro  encontro ,    que  tcv:  o    Almocreve  de  Lisboa  coká 
o  Retomo  do  Porto  ^  nos  Campos  da  Goliegã. 

Encontrados?  q^ic  fnrâo  os  dois  Amigos,  o  Almocreve 
de  Peras ,  e  o  Retorno  do  Porío ,  deo  o  Retorno  nos  campos 
da  Gollegã  algumas  horas  de  pasto  á  sqa  .cavaJgadura  ,  pois 
que  vinha  de  mais  iongc ,  e  tanto  que  deo  coii)  o  Almocre- 
ve,  abraçárão-se  com  muita  alegria,  e  perguniou-ihe  o  Re- 
torno, que  fícvidadef  hãviào}  Respondeo  o  Almocreve, 
»  que  não  sabia  cousa  de  maior,  poríjue  algumas  de  irais 
supposição  vinhão  feciíadas  na  mala.  ■»>  Poz-se  a  sigarrar,  e 
continuou,  dizendo :  >>  agora  me  lembra  riuma  ,  que  pôde  dar 
motivo  para  o  tempo,  que  aqui  nos  demoramos  \  saberás  que 
ainda  quarta  feira  passada  me  veio  ás  mãos  o  folheto  nume- 
ro onze  do  Café  Jocoso,  olha  que  te  seguro,  que  todo  elle 
he  huma  sétta  contra  meu  amo  :  »  respondeo  o  Retorno  : 
y*  também  já  ouvi  fallar  nisso,  e  que  fere  ainda  mais  ,  que 
aquellas  folhas  que  te  e,a  dei  a  vi^igem  passada  :  nao  ha  du- 
vida i  que  me  dizes  tw  (continuou  o  Almocreve)  ao  desem- 
baraço, por  lhe  nao  chamar  desaforo,  com  que  o  Author  do 
tal  Café,  quem  quer  que  elle  seja,  ameaça  com  páos ,  e  com 
pedras  no  folheto  numero  onze  na  lauda  271  os  que  não  gos- 
tno  da  tal  Obra,  bemdito  seja  Deos  I  ha  Authores  que,  ou 
a  bolça  ,  ou  a  vida.  19  Respondeo  o  Retorno ,  >>  e  se  lhes  não 
comprão  as  obras  vai  tudo  pelo  pó  do  gato;  a  mim  disse- 
r2o-mc  que  nesse  folheto  na  primeira  folha  vem  o  dia  de  pan- 
talonas  cor  de  rosa  ;  o  Author  mostra  que  estudou  ,  vê  tu  se 
elle  p6e  o  dia  em  calças  pardas,  que  desgosto  para  todos  !.>f 
Aqui  continuou  a  fallar  o  Almocreve;  »j  na  lauda  284  vem 
atacar  meu  Amo,  admirando-se  muito  dos  sonhos ,  que  tra- 
zem as  petas,  mas  cu  assento  que  he  mais  nuural  soniiarl:um 
homem  deveras  cousas,  que  vestir  o  dia  de  pantalonas  ;  cm 
Que  se  podia  achar  algum  milagre  era  no  homem  dormindq 
fallar  com  mais  acerto,  que  elle  acordado.  Na  jnuda  298  a- 
tira  o  tal  Author  outra  pedrada  ,  mas  não  acertou,  dizendo, 
que  as  petas  não  tem  gasto,  quando  todos  sabem  que  pelo  ter  , 
he  que  a  inveja  se  poz  a  moer  café.  Também  promette  pa- 


^4  5 

ra  o  Entrudo  hum  papel  feito  a  meu  Amo  ,  acabando  a  pro- 
messa como  Musica  de  Igreja  com  rres  Améns  no  fim,  co-^ 
mo  tu  poderás  ver  na  lauda  299.  »  Disse  logo  o  Retorno  ; 
íj^a  consolação  que  pode  ter  teXi  Amo  lie,  que  pouca  gente- 
lia  de  ver  a  tal  Obra  ,  só  se  elleader  de  graça.  «  Continuou 
o  Almocreve;  »  sabes  tu  que  mais,  que  meu  Amo  he  tao 
bom  homem,  que  sabendo  que  ha  na  loja  da  Gazeta  Gafe  pa- 
ra 300  annos,  me  fallou  por  esrem.odo:  » tenho  visto  os  fo- 
lhetos do  Café  jocoso ,  se  te  encontrares  em  alguma  estrada 
com  alguém,  e  fallarem  nesta  obra,  tudo  o  máo  que  disse- 
rem, (isto  he  só  da  Obra,  que  do  regulamento  da  vidados 
Aurhores  ,  he  falta  de  honra  fallar  nisso  ,  )  quero  que  me  tra- 
gas ;  e  as  taes  conversas  que  tiveres,  quero-as  pôr  nos  folhe- 
tos dae  petas  para  ajudarmos  o  Author  do  Café  ,  porque  o 
Povo  em  presentindo  complicação  ,  ha  de  ir  comprar  os  12  fo- 
lhetos dessa  Obra,  para  fazer  as  suas  combinações,  e  fica  o 
pobre  homem,  coitado,  com  esse  lucro  por  minha  interven- 
ção, e  agora  mais  te  advirto  a  ti  ,  que  nao  penses  que  por 
elÍQ  cahir  íia  materialidade  de  se  esforçar  em  trilhar  hum  ca-^- 
minho  para  que  a  natureza  o  não  leva,  deixa  de  ser  homem 
de  Letras,  pois  tem  seus  rasgos,  quem  quer  que  he,  pelos 
quaes  mostra  dedo  de  gigante;  não  precisa  certamente,  qfíe 
o  seu  amanuense  lhe  dê  luzes :  porém  em  querer  pôr  em  pa- 
pelinhos taes,  as  Filosofias  ,  as  Mathematicas,  as  Theolo- 
gias;  matérias,  que  tratadas  seriamente  não  são  para  todos, 
h€  em  que  o  tal  Author  se  perde;  pois  veste  huma  casaca  da 
brilhante  em  hum  cavador  de  enxada  de  botas  brancas  ;  e  se 
elle  me  accommette  pelos  meus  poucos  estudos  ,  cuidando  que^ 
me  abate,  he  quando  me  forma  o  meu  maior  elogio  ,  que  com 
farinha  todos  amação.  >j  Responde©  o  Retorno,  »  ora  mui* 
to  me  contas ,  pois  a  nossa  conversa  vai  ás  petas  ?  n  Disse 
o  Almocreve,  >f  sim  senhor,  sim  senhor,  para  fazermos  por 
beneficio  vender  alguns  folhetos  do  Café  jocoso,  eadeosquc 
tenho  o  Cavalinho  manco,  e  he  preciso  ferrallo.  »  Tornou 
o  Retorno,  »  pois  dá-me  esse  sigarro  ,  e  adeosj  assim  se  des-^ 
pedirão  ambos  até  outro  cnconiro* 


(?) 

Continuação  dos  ccnceitos  achados  ao  nosso  Velho  de  Ro- 

mu  lar  es* 

Dizia  o  nosso  Velho ,  que  havia  no  mundo  quatro  cou^ 
sas  muito  Itvss  ,  e  ciuco  muito  pezadas ;  que  as  primeiras 
erão  o  ar ,  a  chamma  ,  o  fumo  ,  e  a  mulher  ;  e  as  segundas  , 
que  erão  o  oiro,  o  azogue ,  o  chumbo,  o  ferro,  e  lium  tes- 
temunho no  homem  honrado. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  havia  no  mundo  quatro  ani» 
maes\  de  que  o  homem  precisava  muito  ^  e  seis  que  se  lhe  fa- 
zião  bem  desnecessários  \  os  primeiros  ^  que  rao  o  boi,  o  ca- 
vallo  ,  a  gallinha  ,  eo  cão  \  e  os  segundos  ,  que  erao  as  moscas, 
as  baratas,  as  pulgas,  os  piolhos,  os  persevejos ,  e  os  ratos. 

Dizia  o  nosso  Velho  ,  que  kazia  mais  moeda  falsa  na  a^ 
mizade ,  que  no  dinheiro-^  que  o  homem  seria  muito  rico  se 
assim  como  descobrio  a  pedra  aonde  se  toca  o  oiro  para  se 
distinguir  o  fino  do  falso,  descobrisse  a  pedra  para  tocares 
amigos. 

Havendo  no  beco  dos  Captivos ,  hum  segundo  andar  de 
humas  casas  com  escritos,  mandou  o  Poeta  o  seu  moço  para  as 
varrer,  e  limpar;  porque  já  lhe  tinha  feito  o  arrendamento, 
o  que  o  moço  fez  logo  com  todo  o  cuidado;  porém  hindo 
basculhar  as  aguas  furtadas  ,  deo  cora  huma  canastra  velha  , 
cheia  de  papeis  maltratados,  mina  que  elle  estimou  por  ser 
muito  curioso,  e  já  soube  que  erão  do  ultimo  habitador, 
que  pouco  tempo  antes  tinha  hido  espirar  ao  Hospital  :  en- 
tre elles  se  achdrao  as  misérias ,  era  que  vivem  sacrificados  os 
Poetas,  que  hiremos  dividindo  por  estes  follietos ,  pois  que  a 
mo^o  faz  nisso  o  raaior  empenho,. 

SYLYA,. 

Ah  que  d'ElRei  não  quero  ser  Poeta  3. 
Qiie  receio  me  fira  a  mordaz  sétta  ; 
Que  prémios  são  os  que  se  tirão  disto i. 
Que  Poetas  felices  se  tem  visto? 
Elevados  na  magica  negaça  , 
Que  lhes  corrompe  do  juizo  a  raaça^ 


(6) 

De  loiro ,  e  palraa  a  ímarcesivd  gloria , 

E  niíl  Padrões  no  Templo  da  Memoria  , 

Que  o  homem  já  mais  vio,  que  buscão  todos 

Com  diversas  tenções ,  diversos  modos  j 

Estes  os  frutos  são ,  estes  os  bens , 

Mas  na  algibeira  ,  nada  de  vinténs  ; 

Muitos  ha,  que  servir  possao  d'exempIo , 

Dos  que  tiverão  no  Hospital  seu  templo i 

E  em  galardão  da  remontada  veia, 

Nao  ter  certo  o  jantar,  falrar-lhes  ceia  : 

Allego  com  Camões  ^  iamães  divino, 

Nobre  brazao  do  Tejo  crystallino, 

Cuja  alta  fama,  o  tempo  o  náo  consome*, 

Morrendo  de  trabalhos,  e  de  fome: 

O  portentoso  T^fo  incomparável , 

Reduzido  a  miíeria  lamentável , 

Viveo  n'hum  Lazareto  ferrolhado, 

Como  se  fora  orate  rematado  : 

Ser  Poeta  eu  nao  quero ,  a  fites  caixeiro  , 

De  farto  Mercador ,  gordo  Ttndeiro , 

Estes  «im,  que  tem  bolcjas  recheadas, 

Vao  ás  funções  nas  seges  alugadas, 

Mostrao  nos  trajes  serem  abundantes,  ^ 

Não  se  queixão  de  Damas  inconstantes; 

E  o  Poeta  se  vai  ver  as  Meninas , 

Vem  de  norte  a  marrar  pelas  esquinas  ; 

Se  faz  oiteiro  ,  era  que  trabalha,  e  sua, 

Quando  lhe  escuta  hum  bravo,  he  cá  da  rua; 

He  certo  que  grangêa  a  eterna  fama. 

Mas  falta-lh^  o  vestido ,  a  côdea ,  a  cama. 

Continuar  "St- ha. 

Rua  da  Atalaya  ^i  de  Julho. 

Dissertação  do  nosss  Sãbií)  applicado  a  exp^eriencJaí 
económicas. 

Depois  que  o  Mundo  perdeo  o  thesouro  da  Medicina, 
ou  a  célebre  Farmacopéa,  que  o  sem  segundo  Salomão  Có- 
digo da  Sabedoria ,  eompozera  ,  entrarão  os  homens  como  ás 


<7) 

cegas  a  tatuar  os  antídotos  dos  morbos ,  que  atacao  a  humani- 
dade :  os  enfermos  expostos  nas  Pnjas  públicas  ,  entregues  nas 
mãos  do  acaso  ;  crao  o  alvo  onde  se  dírigião  as  experiências 
das  virtudes  úos  ires  reinos  da  natureza :  Hum  Avtcena  , 
hum  QalUno  ^  e  a lgiu>s  outros  cxcogitadores  subtis  das  crizes 
dos  morbos,  indagáríio  as  cauías,  observarão  es  remédios,  e 
notarão  os  cfíeiíos :  no  seio  dos  vtgetaes  ,  mifjeraes  ,  e  ani^ 
mães  depositou  a  Omnipcrencia  o  salutar  defensivo  das  en- 
fermidades tão  nocivas  aos  humanos  ,  e  centrarias  á  sua  dura- 
ção ;  porém  os  hcm.ens  ainda  não  indagarão  ,  nem  conhece- 
rão rodos  os  mysterios  da  natureza  \  -com  tardos,  e  vagaro- 
sos passos  he  que  o  tempo  lhos  vai  descobrindo^  enconirao- 
se  ás  vezes  os  rcm.edics  ronde  m.cncs  se  julgão.  Quení  dirá 
que  o  FioifjG  tem  tantas  virtudes  ,  e  que  em  vez  de  ser  hum  im- 
portuno perseguidor  dos  humanos,  he  o  seu  bemfeitor:  tan- 
to comido  ,  como  comendo  ;  comido  hebom  para  a  ictericia , 
comendo  suca  os  hum.ores  infectos  derramados  por  entre  a  cú- 
tis, donde  procedem  graves  doenças,  seja  pois  o  nosso  cui- 
dado todo,  dirigido  á  propagação  de  tão  salutifero  insecto; 
graças  ao  meu  trabalho,  e  ás  mánhss  experiências!  que  me 
Tem  descoberto  o  meio  da  sua  producçao  ,  que  a  bera  da  hu- 
manidade revelo.  Consiste  este  importante  segredo,  embotar 
pós  de  trigo  na  cabeça,  e  comer  fava  verde  crua,  que  os  pós 
he  para  os  sustentar,  e  fava  para  os  produzir;  e  assim  era 
pouco  tempo  se  consegue  haver  cada  píolbo  como  fava  ,  por- 
que a  fava  cria  piolho  ,  ainda  quando  está  na  faveira. 


AVISOS. 

Vendo  Monsieur  Paquetini  a  grande  necessidade,  que 
J)a  de  moinhos,  e  ao  mesmo  tempo,  que  a  vigilância  dos  ho- 
liiens  ainda  não  tem  descuberto  mais  q.ue  metade  deste  inven- 
te, elle  faz  ver  ultimamente  as  duas>  espécies  delles  que  fal- 
tavão  :  havião  até  agora  somente  moinhos  de  agua  ,  e  de  ven- 
to ,  agora  pelas  descubertas  deste  grande  homem,  também  os 
ha  de  terra  ,  e  fogo  ,  e  assim  temos  moinhos  de  todos  os  qua- 
tro Elementos, 


(  8  ) 


AVIS  O  S. 

Limiano  àa  Fonseca^  Cascarejo  por  varonia ,  na  sua 
-tenda  telhada  de  esteira  de  tabúa  ,  vende  pelo  miúdo  varias 
iarabugens  de  comida  com  muita  commodidade  para  a  pobre* 
za  ,  vende  5  réis  de  azeite  para  untar  pao ,  e  para  se  comer 
bacalháo  cru  ;  e  porque  o  vinagre  he  muito  barato  ,  quem 
quer  huma  pinga  delle  para  comer  duas  sardinhas  fritas ,  de- 
've  dar-lhe  as  cabeças,  e  hum  bocado  do  rabinho  de  huma  : 
dá  dentes  d'aIho  para  açorda  ,  por  huma  colherada  delia  ,  e 
flté  aluga  sigarros  a  dez  fumaças ,  ou  cachimbadelas  por  cin- 
co réis ,  e  nao  importa  que  se  não  tomem  todas  no  mesmo 
<lia,  que  elie  assenta  com  giz  aos  freguezes  as  que  tema  con- 
ta ;  tudo  para  cómmodo  do  público  :  ninguém  duvida  que  te- 
rá freguezia  immensa  ,  visto  que  ha  lojas  de  mercearia,  que 
tião  querem  dar  meio  arrátel  de  arroz.,  nem  d^z  réis  de  as- 
■sucar. 

Na  Praça  do  Rocio  se  ha  de  pôr  aleilao-piiblico,  hum 
grande  sortimento  de  cortezias  de  todos  os  lotes,  como  cor- 
tezias  ãe  mãof.^  cortezias  de  olbos^  cortezias  àe  chapéo  ^  e 
crjrtezfas  rasgadas^  quQ  neste  género  de  fazenda  são  as  mais 
caras  i  quem  quizer  arrematar  algumas,  e  não  tiver  armazém 
para  as  accommodar  ,  pôde  deixalas  mesmo  na  rua  sem  me- 
do dos  ladroes  j  porque  elles  desta  fazenda ,  nem  usão ,  nem 
vendem. 

De  Vallada  para  sima ,  }á.  principia  o  Tejo  a  ter  agua 

doce. 


LISBOA.    NA  OFFIG.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  Ucsnça  da  Meza  do  Desembargo  do  Paçú. 


F. 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXVIIL 

Rua  direita  da  Fatriarchal  2  de  Agosto, 


Oi  galantissirao  o  desencontro,  que  houve  no  presente  c?r- 
so  succedido  nesta  rua.  Hum  sujeito  já  adiantado  em  annos 
dono  da  sua  casa,  casado,  e  que  rinha  huma  filha  de  19  pa- 
ra 20  annos  na  sua  companhia  ,  e  huma  criada  bastantemen- 
te  esperta  ,  veio  no  conhecimento  de  huma  logração  ,  que  lhe 
pregava,  a  que  o  acaso  acudio  ,  fazendo-o  a  elle o  instrumen- 
to para  remedear,  em  parte,  o  seu  mesmo  mal :  A  filha  na- 
morava hum  Cavalheirote  Morgado,  e  profectou  fugir  com 
elle,  ajustando-se  na  véspera,  visto  que  o  Pai  se  recolhia  tar- 
de, de  lhe  deitar  pelas  8  horas  da  noite  da  jnnelia  abaixo 
todas  as  suas  jóias,  para  que  pelas  2  horas  da  noite  ella  com 
mais  facilidade  podesse  sahir,  csperando-a  elle  a  esta  mesma 
Jiora  de  ponto  certo.  Logo  quiz  a  fortuna ,  ou  a  desgraça 
que  a  Criada  sem  saber  da  Aina  tivesse  projectado  o  mesmo 
com  hum  Lacaio,  com  quem  tinha  também  ajustado,  que  a- 
pcnas  anoitecesse  viesse  buscar  algumas  cousas  ,  que  llie  ha* 
via  de  deitar  pela  janella ,  e  que  em  sendo  meia  noite  a  vies- 
se buscar  a  ella  :  Logo  depois  de  Trindades  appareceo  o  La- 
68 


<^2 ) 

cajo ,  e  porque  à  Criada  estava  occupada  em  coDí?a ,  que  â 
Dona  da  cnsa  lhe  mííndou  fazer,  de  que  se  não  podi?!  tirar 
tao  cedo,  veio  a  filha  á  janella,  que  andava  coiro  doidinha^ 
e  já  tinha  huma  grande  condcça  promprar  clieia  das  suas  pe- 
ças,  e  do  mais  precioso  que  tinha,  e  porque  vio  aquelle  vul- 
to perguntou,  he  voné  y  respondeo-lhe*o  Lacaio  debaixo  ima- 
ginando ser  a  Oiada  que  lhe  fallava,  sou,  hãi  te  demoret 
em  bofar  isso.  Foi  a  filhazinha  da  minha  a!ma  para  dentro, 
e  em  jiuma  volta  de  mao  por  huma  cordinha  ,  dcitou-lhe  a 
condeça  ,  com  que  o  Lacaio  se  foi  rolando.  Quando  erao  8 
lioras  da  noite  veio  o  Cavalheiro  Morgado  na  fórma  do  a- 
jtiste ,  e  a  Criada  que  já  estava  desempedida  veio  a  outra  Ja- 
ne] Ia ,  e  disse,  tem  paciência  se  esperaste  nitítt o  ^  toma  con* 
ta  nh^io  ^  e  por  hum  orelo  lhe  botou  h uma  frouxa.  Porém 
quando  esta  hia  descendo  pelo  ar,  o  velho  dono  da  casa,  que 
supposto  se  demorava  todas  as  noites  era  huma  palestra,  que 
tinha  ..até.' ás  II  horas,  tendo  por  acaso  naquella  noire  huma 
grande  dor  de  cabeça,  vinha  para  casa  a  toda  a  pressa  met- 
ter  os  pés  em  agga  quente,  e  apenas-deo  com  o  vulto ,  eque 
descia  huma  trouxa  de  sua  casa  ,  passou  para  diante  náo  fa- 
zendo caso,  porém  ouvio  dizer  de  cima,  em  sendo  meianoU 
te  estou  prompta  para  ir  comtigo.  O  velho  foi  seguindo  o 
vulto,  e  quando  o  pilhou  em  outras  ruas  longe  da  sua,  a- 
garrou-o ,  gritou ,  e  foi  clle  meaiio  com  ronda  conduzindo-o 
para  o  Limoeiro.  Feita  esta  conducçao  entrou  em  huma  Bo- 
tica,  fez  huma  carta  ,  e  mandou-a  á  mulher  dizendo  ^  e^ue 
r,ão  esperasse  por  elle  Kaquella  noite  porque  estava  asstsiin" 
do  a  hiím  amigo  seu  ^  que  de  repente  se  achava  ãs  portas  da 
morte ,  e  que  nelle  não  tiveise  al^um  cuidado  Ficou  a  Cria-»» 
da  muito  contente  com  a  noticia ,  a  filha  ficou  saltando  ,  sem 
huma  saber  da  outra  cousa  alguma ,  pois  entcndião-  assim 
metter  melhor  as  cores  nos  riscos  qtietinhao  lançado  ;  equan* 
do  era  meia  noite  appareeeo  o  pobre  velho  debaixo  da  ja- 
nclla.  A  Criada  que  vio  vulto  desceo  ,  e  sahio  pela  porta  fó* 
ra.  Disse-lhe  o  velho  em  voz  muito  baixa,  segue-me ^  e  foi 
andando  não  a  perdendo  de  vist?  ,  e  chegando  ao  Limoeiro, 
a  encaixou  de  dentro.  Feita  esta  segunda  conducçao  com  to* 
^o  o  socego  ,  vinha  para  casa  já  perto  das  duas  horas  ,  equan»- 
^o  hia  para  bater  na  porta  ,  oavio  de  sima  a  filha  dize-r,  ht 
àaa  Qccasião  ^  cu  vou^  eu  vou*  Susteve-se  o  velho  dizendo  lá 


imsl^o,  ora  pschncla^  fizer ãê-me  eaho  ãa  ronía  do  níem 
\afrrOf  aqui  tenho  nova  emprega  ,  se  esta  gefjte  me  a^visa 
iftQ ,  tfftha-lbe  aiu^ado  buma  sege  ,  eis-qiie  sahe  a  filha  pe- 
la porta  fóra,  desviou-se  elle  hum  bocadinho,  e  disse-lhc  de 
longe  era  voz  baixa  ,  vem-^me  seguindo  depressa^  cem  hum  ins- 
iflte  a  conduzio  para  casa  de  hum  amigo  seu,  que  tinha  fami- 
Ka  ;  e  era  que  ian^c  se  nao  achou  esta  miserável  quando  vio 
o  amante,  trocado  em  outra  qualidade  de  Morgado!  Cons- 
ta que  a  Criada  foi  para  o  Castello,  o  Morgado  para  a  ín- 
dia ,  a  filha  para  hum  Convento,  o  velho  para  casa,  e  o  La- 
caio que  fora  pôr  loja  d^  Ourives  para  Hespanha ,  pois  le- 
vava cora  que,  nas  jóias  que  Uie  derao  ;  vindo  a  concluir, 
que  por  salvar  estes  enganos,  se  houver  alguma  filha  de  ca- 
sa de  seus  Pais,  que  queira  tugir,  fuja  antes  de  dia.,  quede 
noite,  e  dar-oie-ha  40  réis  pelo  conselho. 


IRua  dos  Galegos  6  dv  Juld0. 

Hum  Estudante  de  má  Grammatica,  cora  o  devido  res- 
peito, porém  destes  que  dão  bom  burro  ao  difiimo,  Ioga 
que  principiou  a  construir  pedio  a  seu  Pai  que  lhe  compras- 
se huma  Prosódia  ;  o  Pai  pelos  grandes  desejos  que  tinha  de 
ver  seu  filho  (dizia  elle)  hum  Catalão  nas  letras  lha  comprou, 
e  passados  15'  dias  tornou  o  Estudante  a  dizer  a  seu  Pai ,. 
que  lhe  comprasse  outra  Prosódia  porque  aquella  já  elle  sabia 
de  cór ,  e  argumentada  i  e  como  elle,  aliás  sempre  de  cor, 
correo  pelos  estudos  á  rédea  solta  ,  saltou  por  cima  da  Filo- 
sofia, entrou  pela  Rhetorica  dentro,  e  foi  dar  comsigo  em 
Coimbra,  assim  como  quem  nao  quer  a  cousa  ,  onde  foz  actos 
grandes ,  segundo  o  que  se  esperava  dos  seus  talentos  :  forraou- 
«c  por  informação  ,  e  passou  a  Lisboa  a  fazer  exames  vacua- 
dos,  leo  de  Jure  fechado,  pois  que  a  sua  sciencia  consistia 
em  segredo,  ficou  approvado,  e  na  esperança  de  hum  despa- 
cho surdo  ,  o  qual  no  decurso  de  30  annos  nunca  yjrdio  :  El- 
íe  vendo-se  cançndo  de  esperar,  e  arrazado  em  contas,  pas- 
sou a  ensinar  por  casas  á  mocidade  a  regra  do  A,  B,  C, 
donde  lhe  entrário  a  chnmar,  por  ant-onomazia  ,  o  Doutor 
yix  f  Eu,.  EMc  se  aclia  hoje  em  dia  muito  curto  da  vk^ta  pe- 
la ter  cançada  de  olhar  para  os  livros,  por  cuja  razão oisa de 


(4) 

óculos,  trazendo-os  seaipre  no  nariz,  signal  evidente  de  Dou- 

tor  chapado,  poréin  nao  usa  delles  de  noire ,  porque  entío 
vê  hum  Mosquito  na  banda  d'além  se  lhe  faz  conta  :  Soube 
clle  hum  dia  do  seu  Aguadeiro  ,  que  morava  também  na  mes- 
ma rua  aonde  clle  morava,  em  companhia  de  outros  Gale- 
gos, que  hum  delles  hia  á  terra  levar  hum  taleigo  de  moe- 
das, que  tinha  ajuntado  da  venda  da  agua,  e  de  fretes;  foi 
esta  hu4na  noticia  que  lhe  fez  tremer  a  vista,  e  cahir  os  o- 
Gulos  de  gosto  ;  entrou  logo  a  ver,  se  na  sua  filosofia  podia 
achar  termo  com  que  lhe  viesse  á  mão  aquella  porção  de  di- 
nheiro :  o  principio,  meio,  e  fira  do  que  lhe  lembrou,  foi 
o  seguinte;  como  elle  era  só  em  casa  pegou  era  dois  molhos 
de  carq»ueija  ,  desenfeixou-os,  e  po-los  dentro  da  chaminé,  e 
quando  erao  nove  horas  da  noite  largou-lhe  o  fogo,  e  veio 
iogo  pôr-se  ao  pé  da  porta  dos  raes  Galegos :  Assim  que  da 
rua  foi  visto  o  clarão  dentro  de  casa  ,  e  a  chaminé  a  botar 
muito  fumo ,  e  lavaredas  ,  entrarão  a  gritar  na  rua  fogo  ^  fo^ 
go  ,  fogo»  Acodem  os  Aguadeiros,  e  todos  os  Galegos  da- 
quella  rua,  e  inadvertidamente  deixarão  a  casa  ao  desamparo 
por  ser  o  fogo  na  visinhança  :  o  Doutor  aproveitando-se  des- 
ta aberta,  pela  informação  que  tinha,  lançou  a  mão  ao  di- 
jiheiro ,  e  veio  abalando  com  os  caximbos  muito  socegado  a 
acudir  ao  fogo  de  sua  casa,  de  que  elle  bem  pouco  se  lhe  da- 
va ,  a  tempo  que  já  o  fogo  estava  apagado  por  ser  fogo  vif 
to  Imgoiça.  Elle  mudou-se  logo  do  bairro,  e  o  Galego  da 
casa  para  a  sepultura  ;  porque  se  inforcou  sem  ninguém  lhe 
poder  valer  ;  ficamos  esperando  o  saber  se  este  Doutor  faz  mais 
algum  furto  no  bairro  para  onde  se  mudou,  que  fielmente  se 
publicará. 

Continuação  âas  lastimas  em  que  vivem  sacrificados 
os  Poetas. 


Nós  vimos  vezes  mil ,  o  terno  Mattos  ^ 

Rota  a  camiza ,  rotos  os  çapatos , 

E  chorando  o  rigor  de  Daraiana , 

Passar  a  pão ,  e  agua  ,  huma  semana  : 

Mas  quero  conceder,  que  alguém  que  estude,. 

Ame,  deseje,  estime  esta  virtude ^ 


Sem  appellar  ao  Século  vindouro , 

Ciíija  ao  vivo  Pocra,  hum  verde  louro, 

Que  campêe  aceado ,  e  viva  farto, 

Qiie  hum  Grande  lhe  dê  mcza  ,  e  lhe  dê  quarto; 

Poderemos  negar  ,  que  vem  hum  dia, 

Em  que  acaba  de  todo  esta  obra  Pia , 

Porque  o  Dono  da  casa  se  suffoca , 

E  nao  quer  sustentar  mais  huraa  boca  , 

E  logo  que  deo  fim  tal  subsistência, 

Náo  vive  da  Divina  Proxidetícia  ! 

Que  Mister  tao  penoso  ,  e  que  trabalho  í 

Antes  alçando,  ou  picareta,  ou  malho. 

Era  profundos  caboucos  sepultado, 

Fosse  a  cortar  penedos  condemnado  ; 

Do  que  ir  á  banca  ,  com  papel  diante, 

Esperar  hum  rebelde  consoante; 

Atolhando  o  nariz,  vazando  a  caixa , 

Dá  voltas  ao  juizo,  inda  o  nao  acha  : 

Nao  cuidem  que  lhe  minto,  hum  dia  intei-ro, 

Ao  cepo  atado  neste  captiveiro. 

Chega  á  noite,  o  mofino  por  pirraça. 

Sem  querer  deixar  ver-se  a  noite  passa  ; 

Cançado  de  lutar  busca  aposento , 

E  quando  divertido  o  pensamento 

Nas  margens  de  Epicuro  se  apascenta, 

Sem  saber  quando,  e  como  se  apresenta, 

Salta  da  cama,  e  salta  de  contente, 

Qual  Ârchimedes  do  metal  luzente 

2>iO  banho  achando  o  pezo ,  sem  repêuso , 

Achei ,  ackei  já  grita  presuroso  ; 

Impunha  a  pena,  escreve,  acaba  o  verso 

Gh  destino  cruel,  oh  fado  adverso! 

Cuidando  ter  de  todo  concluido , 

Falta  á  Syntaxe,  torse-se  o  sentido; 

Eis  desmancha  outra  vez,  e  outra  vez  fica 

No  mesmo  pasmo,  pois  de  novo  embica. 

CofUinuar^se-bãi 


(6) 

Entre  âr  curhíOf  papis  ào  msso  bom  Veíbo  de  Romularef 

se  acharão  algumas  anecâstat  galantes  ,   e  de  boa  esoh 

iba  ,  que  hàremos  rgpartindo  pelos  seguintes  fQlbetos^ 

ãando-lhe  principio  com  as  três  presentes, 

A  N  E  C  D  O  T  A    L 

Havia  hum  Gato  em  certo  Convento ,  que  pelo  costu- 
me de  ver,  quando  se  tocava  o  sino  do  Refeitório,  liirem 
os  Religiosos  comer ,  donde  lhe  resultava  igualmente  o  seu 
sustento ,  estava  tão  habituado  a  isto ,  que  era  ouvindo  tocar 
ao  Refeitório,  era  elle  o  primeiro  que  se  achava,  ainda  que 
era  o  ultimo ,  que  comia  :  Aconteceo  porém  ,  ficar  hum  dia 
fechado  na  cella  de  hum  Donato ,  a  tempo  que  oRefeitorei- 
ro  tocava  a  comer:  o  miserável  animal  com  berros,  unhadas, 
e  estropulias ,  bem  declarava  o  seu  sentimento  *,  o  Donato  sen- 
tindo aquelle  motim,  abrio-lhe  a  porta  ,  e  o  faminto  Gato 
de  jesquentilhão  partio  a  toda  a  brida  para  o  Refeitório  ,  mas 
ítão  tarde  chegou  ,  que  já  estava  varrido.  A  fome  o  apertava  , 
e  as  diligencias  de  ver  «e  achava  com  que  a  matar,  não  ces- 
sarão :  Era  quasi  noite ,  c  o  triste  trepando  por  sima  dos 
bancos,  queria  achar  refrigério  á  sua  necessidade,  até  que  se 
trepou  á  corda  do  sino  para  marinhar  por  ella  ,  a  tempo  que 
com  o  pezo  entrou  a  tocar-,  acodio  a  Gommunidade  louvan- 
do muito  ao  Refeitorerro  o  apromptar-lhe  a  cêa  tão  cedo  , 
porém  o  raesmo  Refeitoreiro  vendo-os  juntos ,  por  aqueile 
acontecimento,  lhes  disser  quem  vos  chamou^  $knhores ^  vós 
estais  logrados  !  vindes  ao  Refeitório ,  e  ainda  não  tenho  na^ 
da  proyupto  y  a  isto  respondeo  o  Donato:  Tivemos  a  sorte  do 
GatOy  elle  porque  veio  tarde ,  e  nós  porque  viemos  cedo, 

A  N  E  C  D  O  T  A    IL 

O  valor  Militar  em  toda  a  parte  do  mundo  se  distin- 
gue,  e  se  faz  credor  da  maior  estimação.  Na  guerra  de  sete 
finnos  houve  huma  batalha  entre  Austríacos  ^  e  Prussianos  ^ 
íhum  soldado  da  Prússia  teve  naquella  acção  tanta  coragem^ 
tque  se  entranhou  pelo  exercito  inimigo,  sem  temer  a  funesta' 
«consequência,    ficou   porém   ferido,    perdeo  o  cavallo ,    mas 


çntre  aquella  confeío ,  admirando  o  General  Austríaco  o  va- 
lor daquelle  intrépido  Frussiana^  íazendo-o  levantar  o  tra- 
tou com  o  maior  acoRiiinento  ,  fez-Jhe  curar  as  feridas ;  e 
tanto,  que  o  achou  restabelecido,  o  mandou  de  presente  ao 
seu  General ,  abalizando-Ihe  deste  modo  ,  o  valor  daquelle 
bom  soldado,  que  deve  ser  espelho  de  quera  defende  a  sua 
Fatriâ. 

AIS^ECDGTA    III; 


Conta-5e  que  á  pouco  terr;  o  nesta  Cidade  de  Lisboa , 
lium  Mordomo  de  huma  casa  abastada  ,  depois  de  fazer  o 
seu  partido  por  espaço  de  dez  annos,  no  fim  destes,  dando 
^teis  razões,  se  despedi©  do  dono  da  casa.  o  qual  sem  se 
espantar  de  hum  caso  tão  inopinado ,  só  lhe  respondco  :  na 
minha  infância  vi  em  winha  casa^,  que  estando  huma  gar». 
rafa  meia  de  kite  em  huma  banca  ,  huma  cobra  se  introdu» 
Zfo  nel/a,  e  bebendo  todo  o  ktte  quiz  sahir  y  mas  em  vão  o 
Untou  ,  a  pezar  dos  esforços  que  fez ,  porque  não  cabia  pt» 
lo  gargalo  da  mesma  garrafa  \  até  que  para  conseguir  o  seu 
fim  não  teve  outro  remédio  mais  ,  ciue  tornar  a  vomitar  Q 
mesma  leite  ,  que  tinha  bebido ,  e  então  he  que  sahio* 


AVIS  OS,. 

Quem  quizer  emprestar  algum  dinheiro  sobre  humas 
casas  que  rendem  'yQc^ooo  réis  cada  hum  anno  ,  dá-se  20 
por  100  de  premio;  toda  a  pessoa  que  o  poder  fazer,  era 
attenção  ao  promettido  ,  não  tem  mais  que  ir  para  sima  do 
telhado  da  dita  propriedade  esperar  pelo  siijeito ,  que  o  per- 
tende,  que  elle  níío  pode  tardar  muito. 

Sexta  feira  17  do  corrente  mez  de  Agosto,  na  casa 
d'agua  jynto  ao  abarracamento  de  Peniche,  se  ha  de  arrema- 
tar a  quem  mais  der,  o  contracto  do  pingo,  e  espera-se^ 
f>eIos  simptomas,  que  no  anno  futuro  haja  huma  grande  co- 
heita  :  Toda  a  pessoa,  que  andar  pingando  por  sua  culpa, 
e  não  souber  o  que  isto  dá  de  si ,   pode  arrematar  sem  sustp 


<8) 

de  perder:    aprompte  vasilhas,    e  lembre-se  que  a  grSú ^   9 

grão  y  enche  a  Gatinha  o  papo. 

Quem  quizer  parreiras  racionaes,  dirija-se  ao  Talavei- 
ras ,  e  ás  Tabernas  que  lhe  ficão  visinhas ,  que  alii  quasi  de 
graça  nao  lhe  faltarão  enxertos. 

Por  detraz  da  travessa  da  espera  ,  como  quem  vai  pa- 
ra a  Bica  do  çapato ,  virando  para  o  Arco  da  Ribeira  No- 
va ,  mesmo  na  esquina  da  Fabrica  da  Seda  se  vendem  doces 
de  toda  a  qualidade,  e  por  preço  muito  cómraodo ,  allise  a- 
cha  doce  de  lima  surda  sem  calda ,  doce  de  amêndoa  de  brin- 
cos  de  Senhora  ,  doce  de  cocada  feiui  de  coco  do  pote  ,  e  do^ 
ces  de  seringa  de  estanho :  as  pessoas  que  necessitarem  de  fa- 
zer algum  sortimento  já  lhe  ensinei  aonde  era. 


Vendesse  esta  Obra ,  e  todas  as  mais  partes  de  que  he 
composta  ,  e  vão  sahindo  successivamente  ^  nas  Lojas  seguin- 
tes-. Na  de  João  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter* 
r  eirado  Pafo  :  Na  de  Francisco  Xavier  de  Carvalho  ao  Cota- 
do  defronte  da  rua  de  S,  Francisco  ;  Na  de  António  Manoel 
Poíy carpo  na  Arcada  do  Senado:  Na  de  Desidetio  Marques 
Leão  no  Calhariz  N,^  ii. :  Na  de  António  Pedro  Lopts  na 
rua  do  Ouro  junto  d  da  Gazeta:  Na  de  Leal  em  Alcântara  : 
E  em  Belém  na  de  CapeJla  de  José  Tiburcio  :  Também  se 
achão  na  mesma  Oficina  em  que  se  fazem. 


LISBOA.     NA  OFFIG.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço» 


o 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LXIX. 

Moncorvo  4  ck  Jgosto. 


Seu  arrojo  os  punio,  he  para  que  nao  sejao  fólios ,  não  lhes 
vaieo  serem  ambos  Estudantes,  para  não  deixarem  de  cshir  na 
trama  que  se  lhes  armou.  A  mulher  do  Boticário,  que  hehu- 
ma    boa    mulher,    e  mora  nesta  Villa  ,    dizem  que  he  casada 
cora  hum  Boticário  ,  ainda  que  outros  sffiriTião  ,  que  o  Boti- 
cário he  que  he  cassdo  com  ella  :  dois  Estudantes  que  tinhão 
aqui  vindo  tomar  ares,    attrahídos ,    ou  namorados  da  Fua  fi- 
sionomia, entrárão-lhe  a    fazer  tone,  A  pobre  mulher  que  se 
via  perseguida  daquella  feição  escolástica,  foi  ccntalla  ao  ma- 
rido ,  para  ver  se  lhe  dava  algum  rercedio  da  Bctic?.  O  ma- 
rido ensinuou-lhe  o  que  ella  havia  fazer,  indestrandc-a  em  hu- 
roa  galante    peça ,   era   que  os  dois  esculápios  forão  envolvi- 
dos;  tomou  ella  muito  sentido  na  tramóia,    e  portou-se  com 
lai  lição,  pelo  modo  seguinte:    Appareceo  o  primeiro  namo- 
rado muito  lépido,    e  fez-lhe  hum  agaté,  oíFcreceo-lhe  hura 
escrito,    a  tempo  que  ella  fez  hum  aceno,  para  que  o  Cha- 
veco   viesse   á   falia  :    elle  sem  demora  meiteo  de  ló ,   e  com 
vento  era  popa  Jhe  fez  hum  bordo,  e  quando  já  estava  roais 
69 


(i ) 

perto  disse^lheellâ,  meu  mando  trata^me  multo  mal ^  nunca 
se  tira  de  casa  ,  nem  me  deixa  ser  senhor^^  de  chegar  a 
huma  janella  ,  porque  só  de  noite  he  que  sahe  ,  e  em  sendo 
9  horas  em  ponto  vem  para  casa  \  nestes  terrnos  se  V,m,me 
estima  faça-ihe  huma  espera  ,  e  d  manhã  ds  9  horas  da 
noite  quando  elle  estiver  d  porta  venha  V»  m,  mascarada 
com  hum  chicote  na  mão ,  e  apenas  elle  tocar  na  argolla 
dealbe  até  não  poder  mais  ^  prcjue  assim  fico  eu  vihgada 
dos  seus  accintes  ,  e  V,  rn.  terá  lugar  de  me  poder  f ai  lar 
em  quanto  elle  estiver  de  cama*  Ficou  o  Estudante  muita 
contente,  e  capacitado  daquella  fortunaça,  despedio-se  coiíii 
o  projecto  de  pôr  em  execução  tudo  quanto  lhe  foi  deternii- 
nado.  Passadas  algumas  horas  passou  o  outro  Estudante  ,  que 
não  era  sumenos  em  valor,  e  amante  até  á  raiz  do  cabelio,' 
passou  pela  janella,  vio  a  tal  mulher  do  Boticário,  e  confor- 
me o  seu  costume,  tez  huma  cara  de  lã  vou  d  noite ^  ajun- 
tou procuração,  desfez-se  em  finezas  por  acções,  até  queella 
lhe  insinuou,  que  se  chegasse  mais  ao  perto:  elle  assim  o 
fez  ,  e  disse-lhe  éh  com  todo  o  segredo :  F^  m,  d  manha 
feias  9  bora  da  noite  sem  fakncia  vcviha  aqui  ^  e  apenas 
chegar  ,  toque  na  porta  ,  e  venha  armado  com  hum  chico* 
te  para  me  vingar  de  tantas  escandolas  que  tenho  demeíê 
marido ;  se  me  quer  bem  ha  de  me  despicar  ,  elle  todas  as 
noites  sahe ,  e  se  elle  vier  em  quanto  estivermos  comer» 
sanáo  ,  ou  antes  ,  dé-^ihe  ,  e  macero  bem  ,  e  naÕ  o  tema 
forque  elle  he  niuilo  medi  o  o:  ficou  este  segundo  amante 
certo  de  fazer  quanto  se  lhe  pedia  ,  e  chegando  a  hora  assi- 
gnalada,  chegou  também  o  primeiro  Estudante,  e  pc2«se  á 
lerta  ,  a  ver  quando  chegava  o  Boticário:  logo  depois  che- 
gou o  segundo,  e  confonre  a  senha  dada,  tocou  na  porta  ; 
o  primeiro  que  pensou  que  era  o  Boticário  ,  que  vinha  entran- 
do ,  $âlia-me  nelle  ,  desenvolve  o  ouiro  ranhem  o  chicote  , 
ferveo  a  mosquetnria  de  chicotada  entre  o  escuro  da  roite  ,  e 
sem  se  ouvir  palavra,  o  l^oricario  ,  e  a  mulher  por  dentro  da 
roíola  a  rirem,  que  se  nao  podido  itr,  e  os  dois  na  rua  mia- 
çados  hum  pelo  ouíro  no  uliuno  ponto.  A  este  tempo  passou 
hum  archote,  conhecerão  o  engano,  porém  ficáiao  tão  moí- 
dos de  v^rgalhada  ,  que  hum  dclles  foi  preciso  ir  tm  braços 
p3rq  crtSJ  \  ambos  forao  san^^rados ,  e  postos  em  lercóes  de 
Wíiho^  iua3  por  viag^inj*^  ííí»ics  dois  enfermos ,  mandai)  buscar 


os  remédios  duas  íegons  de  disrancí^  ,   que  llie  cusiao  dobra* 
do,  só  por  não  darem  que  fazer  áquelie  Boiicsrio. 

Cruz    dos  quatro  caminhos  \A.  àc  A\josto^ 

H.1    neste  sitio  hum  romeiP  ,  que  iruiros  lhe  fs7em  a 
festa  de  manhoso  ,   só  porque  ssbe  rcgiilnr  ccri)  econi  niiri  o» 
seus  teres,    e  haveres;    ejle  iie  de  honi   bem  nutrinento   pois 
vive  do  que    come,    (de  tola)    porque   itin    z  hsbilicpdc  de 
jantar  de  barreie  fora  ,  por  casa  de  seus  antigos,  a  troco  des- 
tes gostarem  da  scdiça  Rhetorica  com  que  es  adormece,  cheia 
de  passagens  dos    Contos  de  1  rançoso,    dn  celebrada  guerra 
dos  Raros  com  os  Gatos  na  VilJa  de  Aiccutíín  ;  alguma  peta 
de  nova  invenção,  assira  com  v.  g.  mistuicda  cem  o  seu  riso 
araareilo,  para  se  congratular  com  os  ouvintes  que  o  appiau- 
dera ,  repartindo,  para  lhes  não  ser  pezado,    hum  dia  aqui, 
outro  acolá,  segundo  a  conta  do  Kaiendarioda  semana  5  pois 
como  isto  de  comer,   e  beber,  á  custa  da  barba  longa,  he  a 
melhor  Providencia  que  se  tem  descuberto,  parece  que  a  regra 
he  infailivel,   quando  o  tempo  se  compassa.    Domingo  passa- 
do  lhe  succedeo  (salva  tal  lugar)   ficar  sem  jantar  por  certo 
inconveniente,  e  não  por  descuido  pessoal,  porque  chegando 
o  tempo  de  jantar  já  elle  andava  a  ver  as  esirejlas ,  e  calcu- 
lando-as  com  a  vontade  de  comer ;  logo  que  sentia  estar-lhe  a 
barriga     dando  horas  conhecia  ,    que  era  meio  dia  ,   largava 
esta  curiosa  Mathematica  ,  e  hia  calcurriando  para  casa  do  seu 
bemfeitor  daquelledia,  por  não  passar  por  baixo  da  rreza  como 
lá  dizem  ,  e  muito  mais  este  que  he  hum  daquelles  que  costuma 
dizer,  quem   ás  horâs  não  vier  ,  comerá  do  que  trouxer,  o  que 
lhe  succedeo  neste  dia    por  se  fazerem  naquelia  casa  inespera- 
damente  os  officios  da  côdea  mais  cedo  ,  por  certos  motivos  , 
e  como  SC  visse  obrigado  a   ir  jantar  á  sua  custa  ,  cm  huma 
occasiâo  em  que  se  achava  baldo  a  naipes,  defermircu  jantar 
passeio,  que  não  he  máo  bocado  para  quando  ha  vontade  de 
comer,  e  indo  até  Penha  de  Frarqa  ,  teve  a  felicidade  de  en- 
contrar ao  sahirda  Igreja  hum  rancho  que  pelo  tamanho  pare- 
cia o  da  carqueija  ;  o  qual  era  de  huns  Pescadores  de  Setúbal , 
que  tinhão  vindo  com  as  suas  famílias ,  a  fazer  huma  romí^gcm  , 
e  andavão  procurando  sitio  para  pass.uem  a  calma  ,  e  esp^tiía  - 
rem  hum  sarapatel  que  irazião  em  huma  teiga  destas  de  trcsein 


P''at0;j   o    nosso  amigo  bein  diligencias  fazia  por  desfarçar  ar 
fome,    porém  naco  podia  conseguir  ^    e  lembrando-se  ,    que^ 
mettendo-se  de  gorra   com  aquellcs  amantes,  poderia  tirar  seu 
ventre  de  miséria,  e  trazer  para  remir  algum  vexame  dos  que 
elíe  padece,   como  era  prático  do  siiío  se  oíFcreceo  com  a  sua 
cosiu.nada    maciíavelisse    para   os    levar    para    liuma    parte  re- 
tirada, e  o  seu  preitimo  aié  para  ir  buscar  o  vinho  sequizes- 
sem ;  acceirárao  o  ofF^Tccimento  sem  mais  lembrança  ,    que  a 
boa  fé  ,  e  elleos  levou  para  a  Quinta  da  Minhoca  \  fingindo-se 
ser    amigo   do  Cazeiro    pela  facilidade  com  que  conseguio  a 
Ikença ;  entráo  lodos  na  Quinta  ,  buscao  logo  a  sombra  para 
refrigerar  a  calma,  e  o  nosso  amigo  já  não  sabia  quando  ha- 
via  encher  a  buzsra  ,    para  se  pôr  lambem  ao  fresco  no  caso ' 
de  pegar  a  labca  ,  que  assim  succedeo  :  Entrão  os  amantes  a 
comer,  e  beber  âsalvajadamente  ,   (porque  esta  gente  domar 
he  rauiro  farta)  e  de  repente  com  /"/  vãi  d  saúde   dos  únii" 
gos  se  en-chugárão  oito  canadas  de  vinho  que  traziao  em  hu- 
ma;  borracha  ,    e  o  nosso  am.igo  acompanhando  o  farranxo ,  c  | 
dizendo   entre  outras  graças  néJQ    ha    hora    ruim  no  mundo ,  | 
de  que  os  melientes  muito  goítavao  ,    vt;nba    vinho ^  e  mair  \ 
linho   griíavão    toJos   á   boca  cheia,    e  incumbirão  o  nosso! 
amigo  para  o  ir  comprar^  não  teve  elIe  dúvida  pois  já  estava  - 
com  a  barriga  bem  feita  ,  derão-lhe  3'ico,  e  assim  que  os  a-  | 
panhou  á  unha,  e  mais  a  borracha,  não  Ilie  pezou  o  pé  huma  | 
onça,  e  até  á  data  desta  ,   pareccndo-lhe  no  que  fez,  que  mct— 
tieo  huma  lança  em  Africa  :  Diz-se  que  o  rancho  fizera  nova^ 
promessa  se  apparecesse  o  tratante. 


Rua  da  AtaUya  12  de  Agosto», 

Lhser tacão  da  nosso  sahio  que  tanto  se  emprega  nas  ex^ 
pertenci  as   tc^onomioís. 

Depois  que  o  astro  luminoso  esconde  os  seus  igneoj 
raios,  levando  a  luz  aos  nossos  Antípodas;  e  a  $on»bria  noi< 
te  desdobra  o  taciturno  minto  sobre  a  terra  ,  a  alhraosfera  s< 
começa  a  iaipregnar  d^  vapores  térreos,  e  mineraes,  queen< 
ícanio  no  nosào  exofegp ,  atacáo  as  entranhas,  e  aubarajá( 


a  digestão  ,  principalmente  de  fubstnncias  forres:  He  certo, 
que  a  terra  sempre  está  transpirando,  e  cmí^npm^o  do  seu 
centro,  eflúvios,  ou  corpúsculos  de  huir.a  ir.areria  indigcífa  ; 
mas  os  ardentes  raios  do  diurno  Planeta  es  acrisclao,  epuri» 
ficão,  de  sorte  que  a  sua  nociva  natureza  não  enpece  a"  coação 
digestiva.  Os  alimentos  fortes  arruinão  a  m^áquina  corpórea  ; 
a  carne  entrando  no  nosso  vcníiculo  faz  o  rr^efrao  que  as  pe- 
dras lançadas  na  n:ó  do  moinho,  como  aííírm.a  hura  célebre 
Filosofo  dos  nossos  tempos  ,  que  tem  o  nome  de  certo  Pás- 
saro agoureiro,  chamado  Solitário',  A  mó  he  certo  que  des- 
gasta a  pedra  ,  mas  também  a  mesma  mó  fica  desgastada. 
Ora  nem  só  a  carne  faz  damno  comida  á  noite ,  todos  os  a- 
limentos  indigestos,  ou  de  difficil  digestáosão  nocivos  ,  o  mi- 
lho que  tanto  nutre,  e  anafa  as  Galinhas,  he  de  huma  natu- 
reza fria  ,  e  indcgcstiva ,  e  quando  es  raios  do  Sol  não  puri- 
ficão  os  ares  ambientes  ,  entrega  a  saúde  ao  ponto  da  sua  maior 
ruina ;  concluindo,  Senhores,  nâo  só  pelo  expressado,  mag 
também  pelas  crebras  experiências  ,  que  a  minha  indagação- 
tem  feito,  que  papas  á  noite,  sempre  causarão  azia. 


Continuarão    das  lastimas  em  que  vivem  sacrifica  .for 

CS  f  ceias* 


Não  valle  mais  ter  banca  de  Letrado*, 

De  gordos,  sujos  feitos  rodeado, 

E  cirando,  sem  ver,  grossas  Pandectas, 

Rir-se  de  versos,  rir-se  de  Poetas! 

A  quem  não  rende  huma  Epopéa  hum  chavo 

Ganhar  dinheiro,  por  appello,  e  aggravo  ! 

Se  depois  de  fadigas,  e  suores, 

De  dias  muito  máos ,  noiteí?  peiores  , 

Hum  Poema  acabou,  se  sahe  de  novo  , 

Eis  cahe  nas  mãos  do  caorichoso  Povo  ^ 

Trata  o  Plhfo  .'e  inscflFridos  ventos-, 

O  Lavrador  de  terras,  e  de  armentos ; 

De  ferros     e  bigo-na«í  o  Ferreiro ; 

De  troulha     e  de  colher  trata  o  Pedreiro  ;.  , 

Fora  do  offi^úo,  cm  que  pâncipios  teve, 


Ni/ig'i3n  sahir ,   ningueiii  falUr  se  atreve 

MiS  d.n  verso?  n?.o  in  qui^m  se  nâo  metta  , 

Capitulafídí)  o   rnisero   Poeca  : 

Hum  ,  já  Ihs  cliarin  frouxo,  outro  impoiado } 

Outro  se  ri  do  verso  desarmado  , 

D.i  riiiii  em  que  viveo  de  eterna  posse  j 

BorrUlengo  Fueta  d^agoa  doce 

Ojtro  lhe  chama,  aquelle  o  ataçalha  , 

Aqu>:lle  da  invenção  murmura,  e  ralha, 

K  diz  jjlginHj  tinta  injúria  cm  pouco 

Qu^  he  Poera  ,  o  sinonimo  de  huco  : 

Sí  a?g'jem  de  versos   não  apaixonado 

O  Poeta  vendo  está  routo,  e  rasgado, 

De  amirello,  ou  famélico  semblante  , 

Mjdin.lo  os  aiios  Ceos ,  co-a  vista  errante, 

Em  ar  de  parasito,  ou  de  mendigo  , 

Chetri  ^  exclama,  a   Poeta  o  tal  étmig9 

E  cs:irnecenJo  delle  ,  hum  dia  inteiro  , 

Q^jerem  levallo  a  Còellar  a  hum  outeiro,' 

Qiie  depois  de  soíFrer  immensos   tratos, 

Dá3*lhe  hum  colete  velho,  huns  máos  çapatos» 

Continuação  as  anecàotns  juntas  pela  curiosidade  do  ms* 
so  Velho  de  Romulares. 

Est.indo  hum  sujeito  do  Porto  a  jantar  era  casa  de  hum 
Cavalheiro  de  Lisboa  ,  disse  o  tal  amigo  Portuense  para  o 
dono  da  cisa  :  Meu  querido  amigo  lá  mi  d  sua  saúde  ,  e 
quero  que  me  perdoe  hum  vicio  ,  quç  tenho  ,  que  he  em  he* 
brnh  muito ,  dd-me  a  bebedeira  em  descompor ,  e  dizer 
mil  dos  Fílh',t^s  de  Lisboa.  Respondeo  logo  o  dono  da  casa  j 
eu  nh  me  em''ayaço  com  isso  ^  pó4e  dizer  o  que  quizer  ^ 
tam'7em  me  defcuioard  o  grande  vicio  ^  que  tenho  em  be- 
heido  de  mxts  ^  que  he  pegar  naquella  bengalla  que  está 
dq-ielle  caiti ,  e  dimane  ir  toiov  a [ueUe;  que  me  injurião , 
v.iõ  eçti  miis  ni  mnha  mão*  O  amigo  calou-se,  que  nem 
inais    palavrinha  se  lhe  pilhou. 

Hivia  em  Lisboa  hum  homem  banantemente  rico,  que 
casando  quatro  vjz:? ,  sempre  lhe  raorrião  as  mulheres  de  re- 
pente.  Hun   Civalheifo  que  tinha  huma  filha  lha  foi  oíFere- 


cer  p^ra  quintas  Núpcias,  ao  que  elle  respnndfo,  rue  só  ss 
se  poztsse  ta  Escritura  a ckusula  delia  raò  norrer  ,  for^ 
que  es t nua  já  cansado  de  aturar  mulhtres  que  morrião, 

ElRei  de  Prússia  sabendo  que  hum  General  Atsfriaco  o 
não  gostava  muito,  cujo  desgosto  acompsnliava  com  algumas 
expressões  menos  dccorosag  ,  e  vindo-Ihe  a  cahir  prisioneiro, 
o  tratou  com  o  maior  desvelo,  e  distincção;  o  que  sendo 
estranho  por  todos  aquelles ,  que  cercavão  o  Monarcha, 
lhe  dizião  :  Como  ke  fossivel  que  sabendo  vos  ^  qudo  pouco 
devedor  sois  a  este  General  nas  suas  txpressces  ^  o  trateis 
tão  distihctamente}  A  isto  respondco  o  Monarcha:  Eu  lhe 
perdoo  todas  as  asneiras  qus  disse  ,  por  huma  ciuefez  hoje^ 
que  foi  perder  a  batalha. 


AVISOS. 

O  Almocreve  das  Petas  ,  tendo  admoestado  o  seo  Ca- 
valinho, €m  muitas  exhibiçoes  próprias  de  hum  insigne  ma- 
quinista ,  o  pôs  prompto  nas  galanterias  seguintes.  Conra  a 
historia  de  Joáo  Ratão,  explicando-a  com  pés  ,  mãos  ,  e  ca- 
beça ,  que  assim  ha  muita  gente  :  Joga  a  espada  preta  ,  para 
traz  como  qualquer  principiante  de  dança:  Faz  bailar  hum 
pião  do  ar,  á  unha,  jogando*o  de  garupa  :  Vôa  sem  azas, 
de  hum  poio  a  outro  polo,  só  por  emulação  ao  Pégazo , 
sem  que  para  isto  lhe  digão  arre  burrinho  para  Azeilãt^, 
Entende  pelo  bolir  dos  beiços,  o  que  lhe  períruntão ,  e  res- 
ponde cousas  exqiji^itas  ,  que  dão  no  goro.  P6e  em  prática 
outras  muitas  habilidades  que  fr.zem  pasmar:  As  pessoas  cu- 
riosas  que  quizerem  ter  o  gosto  de  verem  este  idivisivel  es- 
pectáculo, que  em  seu  beneficio  fi>z  o  Almocreve  na  Praça 
do  Salitre,  a  26  do  corrente,  dirijão-se  ás  casas  mencionadas 
das  Nutlcias  da  venda  destes  Folhetos^  que  alli  entre  vidra- 
ças Echarác  o  Almocreve,  e  o  Cavalinho,  vendendo  estes 
Folhetos,  que  hão  de  servir  de  bilhetes^  pelo  pieço  de40  réis 
cada  hum,  esperando  da  attenção-  do  público  que  quando  vi- 
rem o  Cavalinho  n;i  P»açi  llie  não  atirem  com  batatas  ,  ft^ 
míiíõiS'^  poís  q^ue  desempenha  o  que  prometU'^  c  quando  te* 


nlra  algum  falta,    S3  deve  desculpar    visto   ser  hum  pobre 
bruto. 

Tendo  sido  assas  tão  diíEcuItoso  o  descobrimento  do 
pomo  se  prepárát) ,  e  construem  as  delicadas  obras  de  louça 
da  Panasqueira,  qu3  se  vsnJe  por  todos  os  mercados,  soube- 
se ,  e  não  com  pequeno  custo,  que  o  barro  se  amaça  comos 
pés  ,  e  a  obra  se  t^az  com  as  mãos. 

Fica-se  vendendo  na  Praça  da  Figueira  ameixa  tamanha 
assim  ^ 


Vendesse  tsta  Obra ,  e  todas  as  mais  partes  de  que  he 
composta  ,  e  vão  sabindo  successivamente  ^  nas  Lojas  seguin* 
tes:  Na  de  João  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter- 
reiro do  Paço  :  Na  de  Francisco  Xavier  de  Carvalho  ao  Chia" 
da  defronte  da  rui  de  Y.  Francisco  :  Na  dí  António  Manoel 
Poly  carpo  na  Arcada  do  Senado:  Nade  Desiderio  Marques  ^ 
Leão  ao  Calharia  N!*  12. :  Na  de  António  Pedro  Lopes  n^  \ 
rua  do  Ouro  junto  d  da  Gazeta\   Na  de  Leal  em  Alcântara  :    ' 
E  em  Belém  na  de  Capella  de  José  Tiburcio  :  Também  se  :^ 
achão  na  mesma  Officina  em  que  st  fazem.  | 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS, 

18  19. 
Com  licença  da  Me^a  do  Desembargo  do  Pafo, 


O: 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXX. 

Andaluz»  8  de  Julho, 


S  Representantes  de  Inima  partida  das  que  ha'  neste  Bai- 
ro,    enjoados  de  chá  ,    café,  chocolate,    com  que   nas  noites 
dos  dias  do  jogo  refrigerao  as  impaciências  das  perdas  ,   de- 
terminarão fazer  huma  brincadeira  de  comes  ,  e  bebes  no  lu- 
gar,  que  melhor  se  elegesse:    Avisárão-?e  todos  os  da  sucia 
para  conferirem  o  tempo  ,  e  o  sitio  •  chegado  que  fo«i  o  Pre- 
■sidente  dizião  huns ,  que  fosse  pelo  Entrudo  ,  responderão  cu- 
eiros isso  he  tempo  desabrido  \  ouvio-se  huma  voz,  seja  pela 
■Páscoa ;  disserao  alguns  ,  ahi  temos  rjôs  a  Páscoa  ao  Domin^ 
go\  finalmente  assentou-se  ser  pelo  S.  Jcao;  porque  eraodias 
grandes :  Levanfou-se  nova  questão  a  respeito  do  sitio  ,    em 
^ue  havia  ser  o  bcngalé ;  dizião  huns  que  na  Costa  da  Tra* 
faria ^    pois  era  campo  largo,  e  muito  aceado  por  ser  lava- 
do dos  ares:   Gritarão  outros,    Dãjundo ^    e  mais  Dáfutjh 
pois  não  passamos  o   mar  que  he  lance  de  precipício,    AUi 
^   Tia  Joamia  serve  bem  \    porém  este  voto  foi  muito  dc- 
í^aiido ,    por   haver    hum    na  companhia   que    níio   levava   a 
íajo  de  Arcos   passar  com  cabra  guizada,   entre  abóbora 
70 


carneira,  azejtonMS  çapateiras,  e  sellada  de  orelha  de  MuIIa  ; 
queijo  de  cortiça,    e  alguma  ginja  gallega ;    máo  vinho,    e 
hum  horror  de  dinheiro  segundo  a  carestia  daquella  casa  ,  que 
clle  já  sabia ;    mas  sendo   vencido  era  votos  assentarão  todos 
que  fosse  alli  o  campo  da  batalha  ;  para  o  que  principiou-se 
a  jogar  logo  depois  do  Natal ,    e  as  perdas  de  cada  noite  se 
foráo  intrincheirando  em  hum  raialheiro  de  barro,    para  que 
na  acção  do  combate  houvesse  o  reforço  emboscado ,  para  os 
soccorrer  a  tempo  ;    Chegou   o  perfixo  dia  ;   deo-se  balanço 
na  vespora  ,  e  achou-se  o  mialheiro  fornecido  :  erão  dez  os  in- 
divíduos, e  alguns  de  muito  bons  bigodes.    Alugárão-se  dez 
burrinhos,  e  pelas  quatro  horas  da  madrugada  se  pôz  esta  tro- 
pa em  marcha.  Como  todos  erão  machos  não  faltou  galhofa 
no  caminho,  sem  emulação  dos  jumentos,  que festejavao  zur- 
rando ,  o  transporte  da  sucia.  Chegarão  ao  sitio,  compriraen- 
tário  a  Tia  [Joanna  ,  ella  muito  contente  cuidando  que  erão 
Estrangeiros  pelo  traje;  brincou-se,  comeo-se,  bebeo-se,ar- 
rotou^se  muita  basofia  ,  veio  por  fim  hum  grande  prato  de  pa» 
litos  ,  e  por  ultimo  guizado  hum  bom  proveito  lardeado,  que 
se  pegou  no  fundo,  porque  cheirava  a  esturro;  Todos  a  três 
de  fundo  desempenhando  o  nome  do  sitio ,  muita  algazarra  ^ 
mãos  aos  arames,    os  moços  dos  burros  estavão  era  tal  esía- 
d<),   que  nenhum  conhecia  seu  Amo  ,    jmjíta,    monta  ^  nin- 
guém  fez  escolha  de  jumentos,    huns  partirão  logo,    outros 
mais  depois  com  tanta   felicidade,    que  se  deixavão  ir  para 
cnde  os  burrinhos  tomavão  ;  houve  melro  que  foi  dar  a  C/«- 
tra  ,  outro  a  Cascaes  ,  alguns  a  Bemfica  ,  e  poucos  a  Lisboa  \ 
e  consta  que  três  ^múpiúoTj&s  Alpendres  de  Belém  :  no  fira 
de  oito  dias   he  que  houverao  algumas  noticias  delles ;    não- 
fica   mais  dispersa  a  carga  de  chumbo  de  hum  tiro,   do  qu© 
ficou  este  estimável  rancho. 

Rua  da  Praia  i^  de  agosto, 

O  nosso  guindado  TV?/^//author  das  cartas  de  amores  eit 
língua  barbaresca  continuadas  em  alguns  Folhetos  desta  col- 
lecçao  ,  e  com  que  varias  Senhoras  se  teiti  divertido,  vende 
úo  subid.i  ,  e  crespa  correspondência,  hoíiíem  se  deliberou  a" 
pedir  a  sua  amada  a  seu  Pai  no  mesmo  elevado  estylo  ,  que 
parecendo  peta  ,   dizem  que  pouco  mais ,   ou  menos  foi  ver*- 


dade,  SefiSo  quatro  horas  da  tarde,  subio  pela  escada  do  fu- 
íu-o  soí^ro,  bateo  á  porta,   a  tempo  que  hum  Gall^go  que 
servia  a  casa  perguntou  quem  be}    ao  que  o  guindado  Taful 
principiando  a  elcvar-se  respondeo ,  est  gentium,  Disse-lheo 
Gallego  pois  se  he  de  geço  nâo  apanhe  chuva,  que  se  ha  de 
desfazer:  Nisto  veio  huma  criada  por  valentona ,  e  com  to- 
da a  resolução  abrio  a  porta  sein  perguntar:  o  Tafu!  logo 
al!i  lhe  deo  hum  extenso  agradecimento  em  lingua  Sarrace- 
na ,  de  que  a  pobre  moça  ficou  o  resto  do  dia  com  dôr  de 
enxaqueca  :  entrou  para  dentro  ,  c  sem  fazer  mais  comprinjen- 
tos,    que  huma  vénia  com  a  cabeça  á  dona  da  casa,    pôz-se 
de  joelho  em  terra  ao  Pai  da  noiva  ,    rompendo  nestas  pala- 
vras :    Os  sorombãiictís  corações  dos  Entes  semivivos ,  o^^ãa 
holocaustos  nas  aras  da  pos terna  formosura  da  Senhora  sua 
filha  ,  com  quem  quero  casar  ,    se  P^,  m,  quizcr  ;  porque  os 
coruscantes  eflúvios ,    e  circunspecto  pudor  virgiíial  triunfão 
mesmo  na  gema,    V.  m,  não  pôde  duvidar  da  igualdade  que 
ha  entre  a  minha  ,  e  a  sua  nobreza  ;  porque  Mi  ramo  Hm  ca- 
sou  com  D.  ò^ancha  /b^^.es  ,    e  esta  com  Rui   Ba^s  segunda 
vez,    que  teve  o  foro  de  duas  Galinhas  por  anno  em  huma 
terra ,  que  aforou.  Deste  matrimonio  sahio  d  lu:::,  Fiigundes 
Arripiada  que  foi  inventora  do  arrepia  ,    a  qual  casou  com 
/iffonso   Tripas ,   que  teve  a  honra  de  morrer  de  abafo  por 
não  revelar  hum  segredo-,  bisneto  pela  parte  materna  de  Joa* 
nico ,  e  pela  collateral  de  Redovalho  Zanaga  qus  foi  Execu* 
tor  de  modas  em  Tavira ,  e  este  introncou-se  na  casa  dos  Bar^ 
retinas  com  huma  Senhora  que  foi  muito  tempo  Administra- 
dora dos  Meninos  Órfãos ,  e  desta  he  que  eu  descendo,   Hcu^ 
verão  mats  honras  nos  meus  antepassados  ,   mas  com  ínfeli* 
cidade  de  se  nao  acharem  documentos  \   pelo  que ,  se  este  fa^ 
melico  amante  mence  a  relutante  posse  de  sua  filha  minha 
KSenhora ,    xista  a   minha  qualificada  nobreza  ,  j d  desde  a^ 
qui  fico  na  expectável  posse  do  futuro  cumpri\::ento  ,  do  agra- 
dável htmeneo ,    a  cujas  benignas ,    e  satisfactorias  influen* 
cias ,  espero  que  o  seu  coração  não  resista  por  o  b  dure  eido  que 
esteja  \  porque  se  o  ser  Pai  he  hum  dom  benéfico  da  naturc' 
za ,  espero  que  nisto  assinta  \    porque  assim  como  eu  o  que- 
ro  ser,  jd  F.  m,  o  foi:   O  Pai  que  era  daquelles  do  gosto 
antigo,    a  quem  nem  tudo  agrada,  por  seguir  a  máxima  de 
qiíepalayras  sem  obras,  são  plumas  lançadas  ao  vento,  íazendo  . 


Jògo  cera  certo  tino  especial  o  devido  conceito  do  t?l  Petinqetre, 
lhe  deo  a  resposta  ,    que  merecia  ,  dizendo-llie  com  o  pò^i- 
ve]  laconismo:    Qae  não  fosse  tollo  ^  e  adiantado  em  fali  ar  • 
ibe  em  semelhante  tíegoíioj    ao  que   accrescentou   virando-se 
para  elle,  e  visto  ser  V.  w.  hum  jumento  y  supposto  que  ra- 
cional  y  sinto  muito  não  ter  ao  presente  no  meu  banco  algu- 
ma frradura*  Ora  vd-se  com  S.  Pedro ,   e  rogue  a  alguém 
que  o  ferre  y  que  o  vejo  em  perigo  de  se  damuar.    Dito  isto 
se  seguio  huraa  gande  rizada  ,    e  pateada  ,    tanto 'masculina  , , 
como  feminina;  ao  que  o  Paralra  não  achou  outro  remédio, 
que  escafcder-se  muito  sonso  pela  escada  a-baixo.  Consta  que 
já  tem  feito  iguaes  tentativas  por  outras  casas,  supposro  que^ 
com  igual  fortuna ,  levando  a  sua  maçada  de  entremeio  para . 
ver  se  se  endireita  do  juizo. 

Rua  da  Cruz  17  de  Agosto. 

Acabou  á  cacheirada  huma  tão  celebre  função,    vejão . 
Vv»  mm.  o  que  he  a  gente  estar  de  má  fé ,    e  desconfiar  de 
si!  Hum  morador  desta  rua,  homem  provecto,    prezado  de- 
lido ,  e  affectador  de  má  boca,  alcançando  cobrar  huma  lar-- 
ga  somma  de  dinheiro  ,  de  que  já  não  tinha  esperanças ,  de- 
terminou  celebrar  os  seus  annos ,  para  o  que  convidou  huma> 
grande  orquesta ,  Poetas,  muitos  amigos,  e  Senhoras  do  seu 
conhecimento.  A  casa  do  Bródio  ficava  por  cima  de  huma  lo- 
ja ,  onde  se  recolhia   hum  burro  do  mesmo  Patrão  ;  e  estan-^ 
do  a  saila  prompra,  e  a  noite  chegada,  entrarão  os  convida- 
dos augurando  huma  bonita  assembiéa  ,  já  todos  esperando  ti- ^ 
rar  a   ferrugem  ás   pernas  nos  CotilhÔes,    e  Contradanças; 
rompeo-se  a  orquesta,  e  logo  que  esta  acabou  os  seus  deve- 
res surdirão   os  curiosos  de  Poesia  com  Sonetos,    Decimas, 
Quadras,  e  tudo  o  ir.ais  que  seda  por  este  tempo.  Ora,  en- 
tre estes  celebrados  Vates,  vinha  hum  aprendiz  de  Cirurgião, 
que  costumava  anatomizar  os  versos  alheios,  rapaz  que  tinha 
de  cor,    e   sabia  salteados  quantos  versos  tinha  abortado  era 
festas  de  Nixo  o  grande  raio ,    que  succedeo  ao  trovão;  de- 
senrolou este  Menino  hum  portocolo,    e  dizendo:    Ode  nos 
faustos  annos  do  Senhor^  &c,  Pôz-se  tão  infiuido  a  ler,  ea 
olhar  para  o  Elogiado  ,    que  não  dava  assenso  a  mais  nada : 
por  acaso  neste  tempo  o  burro,  que  ficava  por  baixo,  entrou. 


<5) 

descomraedidamente  a  zurrar,  e  o  Elogiado  dono  da  casa, 
que  queria  ouvir  cantar  o  seu  nome  com  altisonante  voz,  dis- 
se todo  impaciente,  facão  calar  esse  burro-,  o  inflaramado 
Poeta,  que  só  dava  assenso  ao  que  lia  ,  tomando  a  palavra  ao 
pé  da  letra,  e  o  freio  nos  dentes,  feixa  o  papel,  ergue-se 
em  pé,  e  responde,  o  tollo  sou  eu  \  eu  he  que  seu  odesaver^ 
gonhado  em  cã  vir  repet trilhe  obras  aos  seus  aniws  ,  que  vos^ 
sé  nunca  ha  de  entcfider.  Hum  parente  do  Patrão,  que  náo 
soffria  injúrias,  lançou-se  logo  ao  Poeta,  acodem  os  amigos 
deste,  que  tinhão  hido  na  sua  companhia,  razão  para  aqui, 
barulho  para  acolá,  rachárão-se  cabeças,  esmurra  rão-se  ven- 
tas, houve  seu  dente  fora,  as  Senhoras  com  desmaios,  bu- 
irias em  convulsões,  outras  em  gritos,  as  Mais  a  pedirem a- 
gua  ,  alguns  a  chamarem  pelos  chuços,  até  que  resultou  acu- 
direm estes,  e  ir  o  dono  da  casa  com  o  acompanhamento  mas- 
culino entre  tocheiras ,  acabar  de  fazer  os  seus  annos  ao  Li- 
moeiro, onde  fez  rermo  de  nunca  mais  lhe  entrarem  era  casa 
*  oetas  coléricos,  nem  burro  zurrador. 


Máximas  do  FeJho  de  Romulares  continuadas  na  maior- 
parte  destes  Folbuos. 


Se  te  vires  em  desgraça , 
Chora  comtigo  o  teu  mal. 
Não  te  lastimes  ao  povo  i 
Mas  se  prospero  te  vires. 
Não  te  faças  homem  novo. 

Assira  como  agua  e  lume  a  ninguém  negas-j 
Honra  ,  e  virtude  a  todos  deve  dar-se; 
Sempre  fazenda  tal ,  bem  se  arriscou , 
Quem  negoceia  assim ,  nunca  quebrou» 

O  espirito  máo  da  novidade , 
Já  mais  dentro  em  teu  peito  se  agazalhe ; 
E  para  viver  bem  ,  viver  seguro , 
Desfructa  aquelle  bem,  que  tens  presente, 
Que  está  mais  certo,  do  que  hum  bem  futuro 


('5) 

Se  o  lemlte  da  vida  tu  regesses , 
Pelo  tempo  cortar  largo  podias  , 
Mas  quem  te  diz  a  li  que  as  esperanças , 
Se  não  sepultâo  hoje  com  teus  dias? 

Trata  o  servo,  que  tens,   como  teu  filho, 
Ou  seja  no  castigo ,  ou  no  sustento  j 
Quem  te  creou  a  ti,  creou  a  elie 
O  sangue  he  de  igual  cor,  a  maça  a  mesma  , 
E  não  he  bom  voar  no  abatimento. 

Se  á  pertenção  de  fulano, 
Útil  te  poderes  ser, 
Não  seja  a  maligna  inveja, 
Qiiem  bote  tudo  a  perder : 
Que  nesta  maça  do  mundo, 
Tal  confusão  sempre  achei, 
Que  á  manliã  eu  necessito,, 
Daquelle  que  honte  ajudei. 


O  Moço  do  Poeta  ouvindo  que  a  seu  Amo  encommen- 
dárâo  o  seguinte  Mote ,  tentou-sc  a  glosallo  também,  e  por 
brincadeira ,  no  mesmo  dia  em  que  seu  Amo  satisfez  á  en- 
commenda ,- trouxe  estas  quatro  Decimas  ao  Editor. 

jM  O  T  E. 

Que  triste  cousa  he  morrer. 

GLOSA 

"Entre  José,  e  Vicente ,  ambos  Marujos. 

FíCb  José  não  me  fazes  papo, 

Se  te  pilho  co*a  Malhada  , 

Ou  eu,  ou  tu,  tem  facada, 

E  ha  de  chover  o  sopapo  : 
^oSé  Olhem  quem,  o  mios  de  sapo! 

He  que  me  ha  de  em  mim  bater ! 


C7) 
Vic.  Eu  mesmo  ,querelIo  ver? 

jfos.  Quero  sim,  vamos  acabe, 

Vic,  Ai,..,  que  o  Menino  nao  sabe, 

Que  trtite  cousa  he  morrer ! 

Ao  mesmo  de  Velha* 

Ferver-lhe  o  vinho  no  bxiclio, 
Rosa  vera  cá,  chama  gente, 
Qu€  o  José,  mais  o  Vicente, 
Quasi  estão  ,  pucho  ,  não  pucho  , 
Quem  acode  ah  que  do  chuxo  \ 
Rapazes,  que  vão  fazer! 
Tenhao  pialdadc  de  ver 
Como  estes  olhos  me  chorão, 
Vossês  bulhão;  porque  inorao, 
Que  triste  cousa  he  morrer. 

Ao  mesmo^ 

Faz  hum  anno  este  Natal, 
Por  contentar  minha  Irma  , 
Fui  comprar  huma  marra , 
Junto  ao  Gampo  do  curral : 
Leveia  ,  e  no  meu  quintal , 
Sobre  hum  banco  a  fiz  prender, 
Entrei-lhe  a  faca  a  metter, 
Grunhio  ,  derão-lhe  tremores  , 
Roncou,  torceo-se:  Kh.  senhores, 
Çjée  triste  cousn  he  morrer. 

Ao  me  imo. 

Triste  cousa,  hum  Preta  d i:^ 
He  servir  a  máo  Senhor  j 
Triste  cousa  he  ter  amor, 
Disse  hum  amante  infeliz  : 
Triste  cousa  he  gastar  giz. 
Sem  nunca  dinheiro  ver, 


(8) 
Disse  hum  Tendeiro  a  gemer  \ 
Triste  cousa  he  não  ter  trigo , 
Hum  Padeiro  disse;  e  eu  digo, 
Que  triste  cousa  he  morrer* 


AVISOS, 

Quem    quizer  ter  maleitas  [muito  sazonadas,    e  de  bom  , 
tamanho,  ponha^se  ao  Sol ,  e  coma  fruta  verde. 

òimâo  MonecQ  faz  saber  ao  público,  que  elle  he  Maqui- 
nista insigne,  novamente  chegado  a  esta  Corte;  e  que  com 
esta  sciencia  remedea  coxos,  e  manetas,  ainda  que  lhe  fal- 
tem pernas  inteiras,  braços,  ou  mios  ;  supprindo  isto  com 
excellentes  máquinas  de  páo ,  á  feição  da  perna  ,  braço,  ou 
mão  que  faltar  ,  que  de  repente  equivoca-se  se  he  natu-  \ 
ral ;  porém  adverte ,  que  a  operação  dos  braços  ,  e  das  per-  í| 
nas  só  a  costuma  fazer  a  tamboretes ,  mezas  ,  e  canapés  ,  e  - 
as  das  mãos  a  graes, 

Manosl  Eugénio  Barbeiro  ao  Bairro  Alto  ,    costuma  to- 
das as  semanas  dar  pannos ,  e  fios  com  liberalidade,  por  cu-    | 
jo  motivo  avisa  o  público  ,    para  se  aproveitar  deste  benefi-    | 
cio;   advertindo  que  os  fios  que  dá,    são  ás  navalhas,    e  os 
pannos  á  Lavadeira. 

Vendera-se  ainda  em  muito  bom  uso  huns  flatos ,  quefo« 


rão  de  Vitorino  das  Dores  ^  que  lhe  ficarão  por  morte  de  sua 
filha  D.  Louca  dos  Frenezrns ,  a  qual  se  divertia  com  elles 
iDiais  a  Prima  Anica  ^  e  faziao  mortificar  não  só  as  suas  fa- 
mílias ,  como  os  apaixonados  ;  quem  os  quizer  comprar  para 
fazer  presente  ás  Senhoras  da  sua  amizade ,  falle  se  he  ho- 
mem, diga  o  seu  nome,  e  acuda-lhe  a  tempo,  pois  como 
he  fruta  de  todo  o  anno ,  e  se  gasta  como  canella  ,  vindo 
com  brevidade  achará  por  onde  escolher. 


USBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPQS. 

I  819. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


R 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXL 

Passeio  Público  30  dt  ^ulh$. 


Atnalho  dos  Ramos  ,  Cinirão  de  rodos  os  quatro  cos- 
tados, descendente  das  Excelienrissimas  Senhoras  queijadas, 
homem  do  tempo  das  adagas ,  conhecido  por  lesta  de  ferro  \ 
porque  não  deixa  fazer  o  ninho  siraz  ria  orelha  tem  sustenta- 
do com  debates  ,  as  turras  de  alguns  tafues  seus  Patrícios, que 
querem  á  força  impingir-Ihe  ser  uiil  a  todos  o  uso  das  modas 
extravagantes  ,  sem  estes  se  lembrarem ,  que  ellas  cora  excesso 
fazem  redicularisar  muitos  indivi duos ,  chegando  até  o  ponto 
de  os  pôr  em  precipício,  Elle  os  persuade  que  se  deixem  de 
questões,  e  tornem  á  vaca  fria,  de  seus  antigos  trajes,  que 
tanto  os  fazia  respeitar  em  toda  a  parte.  Ora  este  bom  Velho 
vendo  hum  dia  de  festa  dois  caxopos  seus  parentes  vestidos 
da  fraqueza  ,  em  que  quasi  todos  es  Modistas  cahem  no  tem- 
po presente,  lhes  disse:  Eítais  galantes  figuras  de  crif/ta- 
ra  opnca,  vós  por  acaso  sois  ò'/^ÍTS0Sy  ou  Portuguezes  ^ 
Ao  que  elles  responderão,  isto  Scnhcr  lio  são  modas  que 
ij  se  li  são  na  Cidade  ,  as  quaeí  tem  grassado  entre  nòs  depois 
I    que  esta  Vtlla  serve  de  recreia  a  muita  ^^nte  \  V%  nu  nã9 

71 


.   ( - ) 

gorta  deste  trajo}  pois  elle  he  bonito  ,  é  até  fnz  os  Velhos 
moços  \  se  V  m,  for  agora  d  Ctdaàe  com  o  seu  antigo 
vestido  ser  d  apoupudo  y  e  motivava  riso  a  todos  que  o  vi- 
rem.  Qu3  dizeis^  respondeo  o  Velho  rangendo  os  dentes, 
kão  de  apoupar  hum  homem  porque  vai  serio  sem  temerem 
o  seu  despique ,  eu  não  creia  que  Lisbod  esteja  tão  aluci- 
nada pelos  estafermos  que  voisês  r/te  querem  capacitar  que 
ha  nella.  Eu  d  manhã  mesmo  me  desenganarei ,  quero  par* 
tir  para  Lisboa  ,  e  ver  Id  se  os  homens  deixão  de  ser  ho» 
mens  para  serem  bonecos,  E  coin  eíFeiío  no  dia  seguinte  ar- 
mou-se  com  o  seu  vestida  de  três  pellos  que  recebeo  na  he- 
rança de  seu  quinto  Avô,  pôz  hum  chapéo  de  Braga  feito 
em  1740.  armado  em  triangulo,  sem  que  a  ihisoura  concor- 
resse para  a  sua  prespectiva  ,  cabello  cortado  como  o  trazem 
os  do  sitio  da  Nazareih  ,  sua  gravata  ,  que  as  pontas  arre- 
xnatavão  na  ultima  casa  da  vestia ,  huraas  meias,  que  mais 
pareciáo  de  pregas  ,  que  lizas ,  peio  mal  puxadas  que  esta- 
vão;  huns  çapatos,  que  ja  tinhão  beiço  na  solla  de  altura 
de  dois  dedos  ,  cortados  a  diante  para  reparo  das  topadellas , 
que  lhos  fez  Manoel  Braz  Mestre  çapareiro  que  hiácEen* 
to  Antónia^  que  a  maior  parte  das  pessoas  conhecerão ,  cin-  j 
gio  o  lado  com  huraa  espada  capaz  de  cortar  pelo  meio  a  « 
torre  do  Bogio  com  tudo  quanto  tem  dentro  ,  e  sahindo  de  j 
madrugada  veio  jantar  a  casa  do  Talaveiras,  Alli  descanqou 
até  ás  quatro  horas  da  tarde  para  se  recolher  a  casa  de  hum 
seu  parente,  que  morava  na  rua  da  Trabuqueta,  e  como  lhe' 
tinhão  gavado  tanto  o  Passeio  Público  não  quiz  passar  sem 
entrar  dentro,  e  ver  se  correspondia  á  fama,  (aqui  forao  ci- 
las )  pois  assim  que  descortinou  este  frondoso  bosque  de 
Diana,  entrou  a  dar  louvores  ao  Creador  pela  diversidade  de 
objectos  que  foi  encontrando  :  aos  primeiros  passos  vio  sen- 
tada em  hum  dos  assentos  de  pedra  huma  figura  de  mulher 
toda  de  branco,  e  porque  lhe  vio  a  cintura  junto  da  gargan- 
ta chegòu-se  mais  ao  pé,  e  cora  vozes  compassivas  lhe  per- 
guntou se  fora  de  nascença  aquelle  aleijão}  Ao  lado  desta 
figura  estava  outra  em  pé  de  idade  mais  avançada  ,  que  lhe 
virou  as  costas  julgando  atrevimento  o  que  era  pura  sinceri» 
dade :  Foi  dando  volta  por  aquelle  delicioso  sitio,  mas  sem- 
pre pasmado  da  confusão,  em  que  via  mettida  a  mocidade, 
pois  nâo   podia,  analysar  o  que  era  moda  naquelle  concurso 


.     (3) 

de  gente,  e  quancío  vinha  letirando-se  foi  l^oir.brfado  por 
quatro  Tafulòes  que  de  prcposito  vinh2o  ínvestillo,  a  quem 
disserão  ,  ah  sou  amigo  como  vão  as  searas  ?  O  Velho  cor» 
teziDente  fez  huaia  grande  barierada,  e  saltando  todos  quatro 
a  rir,  desconfiou  o  Velho,  abaixsndo  a  vizeiía,  e  nSo  ficou 
jiiuiio  pão  de  trigo;  entíáião-so  a  chasquiar,  e  enião  disse 
eile  ai  que  os  meninos  querem  jata^  e  ao  terrpo  que  lhe  fi- 
zerão  hum  insulto  >  os  mandou  nieiter  mão  áí»  suas  empadi- 
nhas ,  e  ú\^  nictteo  raão  á  sua  dizendo  briguem  senãodou' 
lhe  ,  e  não  houve  mais  remédio  que  defendererc-se  ,  porque 
o  Velho  á  primeira  pranchada,  que  deo,  buíou  hum  a  ter- 
ra ,  e  do  mesmo  talho,  e  revez,  botou-lhe  os  alfinetes  fora 
das  raãos  aos  outros,  acodírão  mais,  e  o  Velho  os  ataran- 
tou a  todos  ,  e  como  os  mais  delles  não  tinhão  com  que  se 
defenderem  da  espada  ,  tira  cada  hum  o  seuçapato,  queerao 
destes  de  bico  de  lanceta  ,  e  saltão  á  chuçada  ao  Velho ,  hum 
tirou  huma  judia  ,  e  não  se  len  brou  que  o  canhão  das  meias 
era  de  seda,  e  o  resto  de  linha  crua  ,  e  desra  forma  traba- 
lharão o  Velho  de  lustro :  c\U  sim  os  fez  fugir  pelo  passeio 
fóra  ,  mas  ficou  com  tantas  cisuras  no  corpo  a  botar-lhe  san- 
gue ,  quantas  forão  as  estocadas  que  lhe  deião  com  os  çapa- 
los,  que  parecia  que  tinha  levado  bixas. 

Materialidades  em  que  cahe  huma  grande  fnr te  dos  himení 
apontadas  feio  nosso  Vtlbo  de  R  emulares  no  seu  gran^ 

de  pecúlio» 

Ir    á   Opera   de   sege  para  se  ver  a  farofia ,   e  vir  a  pé 
para  ás  constipações. 

Fazer  saúdes  a  todo  o  género  humano. 

Fazer  trabalhar  o  Cozinheiro  em  oitenta  guizados  pa- 
ra se  comerem  sete  ,  ou  oito. 

Andar  dois  annos  namorando  da  rua,  de  dia,  e  de  noi- 
te, exposto  a  chuvas,  e  páoladas ,  para  casar  no  fim  deste 
tempo,  e  depois  tratar  mal  a  mulher  por  quem  íez  tantos 
excessos. 

Dar  boas  festas  de  sege  como  por  obrigação. 

Trazer  na  algibeira  huira  colkcçao  de  caitrs  de  smcrcs 
pita  mostrar  aos  amigos  que  não  tem  »ãos  a  medir  j-or 
querido. 


(  4) 

Dar  humi  queda,  chorar  com  a  dor,  e  pôr-se  a  rir 
quando  vê  cahir  o  oatro. 

Qjerer  nas  Assembléas  ,  ou  na  rua,  que  a  rapariga  sé- 
ria, e  civilizada,  o  namore  por  foiç^^a,  porque  elie  enpre- 
hendeo  nisso. 

Casar  pobre*  viver  pobre,  vestir  pobre ,  e  querer  Se- 
nhoria. 

Gastar  hoje  ■^oo(f)ooo  réis  que  náo  são  seus,  porque 
traz  huma  demanda  em  que  faz  muita  té  ,  donde  espera  pa- 
gar ,  não  tendo  nella  ainda  nem  a  primeira  sentença. 

Casar  com  hum  grande  dote  muito  atarracado  para  lhe 
não  pôr  a  mão  por  cima ,  que  he  o  mesmo  que  casar  po- 
bre. 

Ser  Correio  de  mas  novas  com  cara  alegre  ,  como  quem 
pede  alviçaras  pela  noticia. 

Continuar-se-hão 

Rua  Augusta  27  de  Agosto. 

Não    só  pondo  huma  faca  aos  peitos  se  furta  o  dinhei- 
ro   á    gente ,    porque    ás   vezes  ha  astúcias  ,    que  fazem  mais 
eíFeito  pelas  subíile5?:as,  com   que  se  praiicão  tanto  de  mãos-, 
como   de  dolos,    e    he   a  que  vulgarmente   chamamos  iapida- 
rios ,  cujo  nome  teve  origem  do  seguinte  successo:  Havia  no 
Porto   hum    lapidario   de   todos    os   quatro  quilates ,    a  quem 
hum    Cavalheiro   muito   rico  ,    que  estava  para  brindar  a  sua 
Esposa  ,  mandou   polir  hum  annel  de  hum  formoso  diamante 
brilhante,    que   tinha,    avaliado  em   i:SoO(^réis;    porém  o 
bom  lapidario  pegou    em  huma  pedra  do  Canadá  ,    que  sãi 
pedras  muito  similhantes  aos  diamantes,  polio^a,  e  coriou-aí 
á  f.^ição  do  dito  brilhante,  encastoou^a  ,  e  levou-a  ao  Cava- 
lheiro; roas  receando  que  se  conhecesse  o  roubo,  que  fizera  ,] 
veio  para  a  Mãi  dos  pobres ,    isto  he ,    para  Lisboa ,  e   pe- 
gou  em   outra   igual  pedra  do  Canadá  ,    fez-Ihe  a  mesma  o- 
bra ,  que  no  Porto  tinha  feito,  e  encastoou-a  bem  similhan* 
te    ao  diamante,    que  bifara  ao  dito  Cavalheiro,    e  tendo  oí 
do:s  anneis  promptos ,    foi   a    casa  de  hum  Mercador  da  rui 
Augusta,  bastante  rico,  e  muito  avaro,  e  depois  de  muitos 
comprimentos  de  introducção,  disse:  que  erahum  Cnvúlhei' 
ro  do  Minho ,  que  vinha  casar  a  Lisboa  cmi  huma  àenhot 


(O 

ra  y  que  tinha  virde  wil  cruzínlos  de  ih  te  tm  dífihihc  \ 
cue  elle  tinha  gaito  qí^fito  trazia  ^  em  caYTtifigtns ^  e 
freiaros  c^a  casa^  cm  cujos  ttrmos  f entendia  lhe  (crfcsse 
túfitas  ,  e  fartas  feçr.s  de  Sída^  tuntas  ,  e  tentas  feças 
de  pannos  y  (que  vinha  tudo  a  iirj^ortar  em  tcc^  léis) 
para  o  que  elle  dam  ( qtelle  cnneí  em  penhor  ^  e  que  logo 
que  recebesse  o  dote  ,  'vinha  satisfa%ír  a  que  lia  impor  tan^ 
cia  ^  dando  hum  tanto  mais  de  agradeciweiita.  O  miserável 
Mercador  pela  ambição  de  vender,  e  da  prorressa  da  ga- 
gem ,  annuio  á  proposta,  e  foi  com  o  Cavalheiro  lapidista 
a  casa  do  Contraste,  puchou  o  tal  traficante  pelo  l>rilhante 
verdadeiro,  e  logo  o  Contraste  passou  huma  certidão  do 
seu  intrinseco  valor  pelo  que  tinha  visto.  Foi  o  Mercador  para 
casa  muito  contente  entregar  a  fazenda,  e  receber  o  penhor; 
então  o  subtil  Japidirio  puchou  pelo  annel  falso  perecido 
com  o  fino,  c  foi-lho  encampando,  dizendo:  Bem  será ^ 
meu  querido  amigo ,  pois  ha  morrer ,  e  vizer ,  que  me  pas-* 
se  hum  recibo  desta  peço  ^  que  f  ca  em  seu  poder  ^  ftrque 
tu  também  passarei  huma  cautela ,  dando-lhe  a  liberdade 
de  o  vender ,  se  no  prazo  de  hum  mez  eu  c  não  xier  tirar ; 
Feitos  os  ajustes,  e  reconhecidos  os  pspeis,  passados  quin- 
ze dias  veio  o  meu  bom  íapidario  com  lestcn  unha^  á  loja 
do  Mercador,  que  vinha  satisfazer,  e  receber  o  seu  brillian- 
te  :  o  Mercador  muito  alegre  lho  foi  logo  buscar,  porem  o 
lapidariosinho  pegando-jhe,  respondeo  muito  Senhor  de  si  : 
l^ão  he  este  o  meu  Irilhcihíe  ^  he  ,  não  he  ,  forão  a  casa 
do  Contra  re  tirar  a  dúvida,  a  que  este  respondeo  com  toda 
a  verdade  :  E^ía  pedra  não  he  a  que  eu  azv^liei,  ,,  Ora  não 
he  nada,  por  fins  de  contas  veio  o  consternado  Mercrdor  a 
pagar  três  mil  cruzados  ,  ainda  em  cirra  :  Não  se  pode  du- 
vidar que  he  hum  officio  rendoso,  e  que  presenten  ente  tem 
muitos  officiaes  ,  qt-e  se  ignorao ,  por  não  terem  aprendido' 
em  loja  de  Mestre  examinação  ,  mas  sim  de  curiosidade  pró- 
pria. Consta  que  até  as  Senhoras  em  Libboa  tem  lomfdn  taí 
zanga  com  este  successo ,  ás  pedras  precicsss ,  cue  já  não 
querem  p3ra  os  seus  enfeitei?  mais  que  pedras  de  vidro,  com' 
que  bordão ,  e  lhe  servem  para  tudo. 


(  6  ) 

Rtí7  dar  Janellas   verdes  30  de  Agosto, 

A  quç  ponto  não  chega  a  vaidade  das  mulheres  !  Mas 
a  sua  in veji  he  igual  á  sua  vaidade.  Nenhuma  quer  ser  ex- 
cedida por  ourra,  nem  ainda  nas  mesmas  faltas,  ou  defeitos. 
JuncárâO"Se  humi  noite  destas  em  huma  casa  deste  Bairro 
quatro  Senhoras,  a  qual  mais  presumida,  e  invejosa,  e  por- 
que iiuraa  delias  disse  que  era  muito  delicada  ,  logo  as  ou- 
tras três  o  quizerão  ser  mais  do  que  ella  :  conversou-se  ,  e 
vindo  a  preguiça  aã  rem ,  todas  se  quizerao  exceder  era  pre- 
guiçosas; daqui  entrarão  a  altercar  sobre  a  delicadeza,  e  pre- 
guiça ,  de  sorte  que  fizerão  largas  apostas  ,  e  tomarão  por 
Juiz  liuni  Letrado  velho,  que  se  achava  na  dita  casa,  ao 
qual  expoz  a  primeira:  Eu  sou  tão  delicada  que  bífido  ^  ha^ 
'vtrd  quatro  mezes  ao  meu  jardim ,  forque  for  descuido  me 
cahio  huma  folha  de  rosa  sobre  hum  pé  ,  andei  três  mezes 
cocha  :  Disse  então  a  segundai.  ,,  Pois  eu  sou  tal  que  dei» 
xando^me  for  desmazello  a  minha  Aia  huma  vez  bumarté» 
ga  nos  meus  lençóes  de  Hollanda  ,  indo^me  ^  sem  o  saber  ^ 
deitar  sobre  ella  ,  quebrei  huma  costella  ^  de  que  estive  bent 
7^1  ai  \  Mais  me  succedeo  a  mim,  disse  a  terceira.  ,y  torque 
a  minha  cre.^da  grave  o  íjíez  pasmâo  por  descuido  ,  quan- 
do  me  penteou  ,  e  apirtou  o  cabello  ,  me  deixou  mais  cinco 
de  huma  banda  que  djz  outra ,  ficou^me  a  pelle  da  testa  tn^ 
c  Una  da  para  aquella  banda  mais  de  quinze  dias :  Ora 
disse  a  quarta  „  Todas  sois  muito  grosseiras  comparadas 
comigo.  He  certo  que  todas  vós  chorais  quando  tendes  aU 
gu}n  m  tico ,  e  que  não  vos  succede  o  que  a  mim  me  succe* 
deo ,  que  tendo  o  outro  dia  causa  de  chorar ,  e  ifido  a 
fazei  lo ,  a  primeira  lagrima  ,  que  me  cahio  pela  face  ,  me 
escalavrou  a  pelle ,  e  me  abrio  huma  chaga ,  a  qual  por 
milagre  se  curou ,  porque  eu  não  lhe  consenti  remédios ,  te^ 
mendo  que  o  seu  pezo  me  fizesse  nova  chaga*  O  Juiz  ficou 
perplexo  ena  dar  a  preferencia ,  e  disse  ,,  Que  provassem  a 
sua  preguiça ,  para  lançar  depois  a  sua  sentença.  Eu , 
Tornou  outra  vez]a  primeira  ,  sou  tão  preguiçosa  y  que  estando 
sentada  no  meu  jardim ,  veio  huma  vespa  para  me  mor- 
der ,  e  por  não  levantar  o  braço  para  a  enxotar ,  levei 
huma  jerroadela  ,  que  me  fQp  imtnensas  dores  :  Disse  então 


(7) 
a  segunda  ;,  Estanòo  cu  lum  cUâ  ercvitciU  âo  fé  fie  Jum 
rejucho  cia  vArha  Qj.íhta  ^  relef:tcu  este  ,  e  eu  tjácstpjr 
víio  jvgir  ^  f}.e  ciíixei  clígcr^  ivcs  €òtí%do  íí»m  sede  iião 
abri  a  boca  fará  Lebir:  Mais  ttfdo  eu  feito ^  disse  a  ter- 
ceira,; LezárJando-se  kuni  àta  kpm  fé  de  letito  em  hum 
passeio  y  que  dei  ^  e  ergue  vdc^se  kuma  gr  onde  nuiim  de 
foeira-y  foi  tal  a  viinha  pfgui^a  ,  que  -per  7:riO  jeckar  os 
olhos  ,  conserJi  que  r.eiles  me  ertrasse  tarta  terra  que  ht,m 
vie%  não  juãe  ver:  Respondeo  Jogo  a  quarta  iruito  delan  bi- 
da  ,,  Ao  meu  Ter  ,  rurJtma  me  eoccede  ^  fcis  es  ti:  fido  sen- 
tada  em  minha  casfl  y  per  desctido  ptgcu  fcgo ^  e  eu  per 
preguiça  de  jífgir  ,  kia  vier  rendo  quLimcida  ,  senco  viesse 
gente  ^  que  me  lei  cu  to  cvllo  da/li  para  fora  :  Fois  ^  Se^ 
fihoras  ,  disse  o  Juiz  ,  eu  também  seu  tão  delicado  ^  e  tão 
preguiçoso ,  que  não  só  por  ter  preguiça ,  Tíão  decido  ,  maí 
também  porque  me  incha  a  boca  pelo  excesso  de  fali  ar  ^ 

O  Moço   do    Poeta  golosou  á  ftia  Lavadeira  o  seguin- 
te Mote,  que  ella  lhe  deo  de  Marujo. 

MOTE 
Que  lucros  tira  quem  ama. 
GLOSA. 

Ando  ha  trez  annos  de  amores , 
Com  a    filha  do  Alho,  a  Francisca, 
Que  he  a  Moça  rr.ais  arisca  , 
Que  ha  por  estes  arredores  : 
Já  hum   dos  Tios  Tambores, 
Me  maçou  a  alma  em  Alfama  : 
O  Pai  quer  fazer-rae  a  cama; 
E  a  degradar-me  se  obriga  ; 
Aqui   tens  tu  rapariga, 
Que  lucros  tira  quem  ama» 

Ao  mesmo  de  Velha* 
Não  sabe  que  mais  Vesinha  ! 
Deixou-me  o  meu  Manoel ; 
Assim  pagou  o  cruel, 
O  grande   amor  que  lhe  tinha: 
Lavava-o  ,  se  porco  vinha, 
Limpava-lhe  os  pés  da  Iama> 


C8  ) 

HÍ3  abafallo  na  cama  , 
Mas  por  pagar  tanto  bem  , 
Roub3u-nie,  e  foi-se  ;  aqui  tem 
Que  lucros  tira  quem  ama. 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  hum  Livro  intitulado,  Ignorância  esp$vita» 
Ha  transbordan  Uj  peio  alcatruz  da  jo^tuni  e;n  volume  de 
8.°  com  encadernação  de  pelle  de  ovo,  e  em  broxara  ,  e  não 
he  muito  caro. 

Certo  Peralta  de  Pantalonas  sahindo  d::  huma  casa  de 
jogo,  desde  o  Terreiro  do  Paço  até  á  rua  das  Pretas ,  per- 
deo  o  'juízo  ,  e  ti  dinheiro  ,  qu^m  achasse  estas  duas  cousas, 
e  as  quizer  restituir  levante  o  dedo  para  o  ar  ,  que  elle  tam- 
bém assim  faz  promettendo  nao  jogar  roais. 

Terça  feira  na  Praça  da  Alegria  se  ha  de  pôr  a  lanços 
no  terceiro  lugar  da  parte  esquerda  indo  para  cima  ,  (  por- 
que morreo  seu  dono)  huma  camiza  das  mais  famigeradas 
caínizas  que  se  tem  visro,  principiou  a  sua  vida  çm  lençol ^ 
substitui  o  por  muitos  tempos  a  cortina  d  i  Alcoha  ,  muitas 
e  muitas  vezes  chegou  a  ser  toalha  de  Meza ,  e  de  mãos, 
e  por  mostrar  ainda  o  seu  préstimo  não  obstante  a  sua  anti- 
guidade foi  por  accesso  a  camiza^  devendo  muitas  obriga- 
ções a  quem  a  talhou,  que  esteve  em  perigo  de  não  achar 
por  onde  cortar.  Eue  traste  porém  digno  de  ir  á  historia 
natural  se^  arremata  c  nn  módica  avaliação  ,  visto  que  ainda 
pelas  mangas  ,  e  coíeirinho  se  conhece  o  que  he.  Toda  ai 
pessoa  que  se  tentar  dirija  se  ao  sitio  ,  que  sempre  achará; 
ponta  por  onde  lhe  pegue, 

A    Buenos    Aires  se  acha  huma  casa  de  educação  para 
ordem,  e  desordem  da  vida,    alli  s^  ensina  por  meihudo  fá- 
cil  a  fallar  Francez  com  duas  ,    ou  três  g-írrafas  de  vinh 
do  Porto,   e  se   se  esgotar  vúás  alguma   se  faliará  Inglez 
Arábico* 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DS  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

1819. 
Con  licença  da  Meza  do  Desemlargo^do  Paço. 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE      LXXII 

Bairro  âe  S,  Chrhtovão  i  de  Setembro, 


A    multo    tempo  que  não  siiccede  hum  caso  como  este 
pela  materialidade   d^;   numa    Cre^da    de    empréstimo    que  se 
prezava   de    saber  fazer  tudo  sem  saber  í^izer  nada.  Em  huma 
casa  deste  Bairro,    em  que  houve  hum  casamento  ,  e  nso  ha- 
via  mais   que    huma   Preta   para  servir,    valêrão-se  de  huma 
visinha    para  que  lhe  emprestasse  huma  Creada ,    a  qual  pre- 
sumia de  ser  huma   excellente  copeira.  Não  he  nada,  descan- 
sou a  família  para  o  púcaro  d*3gua  da  função  da  noite,   nesta 
iiabil  servente ,    chegou  o  dono  da  casa  á  cosinha  ,    e  disse- 
Jhe  :    Naquèlle  armarto  estão  ãoh  ocajates  de  limões  \    ti* 
raras   fará    p?jche ;    aqui    tens  esta  garrafa  de  agua-ar- 
dente  ,  aqui  tens  dois  arráteis  de  chocolate  ^  assucar  ^  etc* 
€  aqui    tens    esta    l^reta  fará    te  ajudar  em  tudo  que  tu 
mandares*  Respondeo-lhe  a  Creada  muito  esperta  ,  descance 
que  tudo  se  ha  de  f^zer  a  seu  gosto.  Veio  o  pobre  honnera 
para  a  companhia  muito  alcgve,  e  descançado,  e  ella  foi  ao 
armário,    provou  os  limões,    e  pegou  em  huns  que  erão  áo* 
7i 


ces,'    e   foi    espremendo  parecendo-lhe;    que  senão  liavía  de 
dar    aos  convidados    limão  azedo.   Encheo  huma  cafeteira  de 
agua-ardjnte,    e  poz  ao  lume,    pois  nunca  linha  feiro,  nera 
visto  fazer  ral  bebija  :  foi  dor  Deos  não  a  deixar  ferver  por- 
que  seria    cerra    a    desgraça  do  fogo  ;    e  tanto  que  a  pilhou 
raorna  botou  assucar  nos  copos,  e  fez  hum  ponche  sem  agua 
para  desconto   dos   nossoí    peccados ;    e  por  não  se  perder  o 
lume  foi  fazendo  o  chocolate,   pedio  á  Preta  o  pio  deoba*- 
ler,    e   disse-lhe   a   Preta    que  ella  o  linha  quebrado  o  outro 
dia  ,    porém   não  queria  que  a  Senhora  o  soubesse.   Respon- 
deo-lhe  a  Creada  deixa  estar,  quí  euUuão  remedeio^  por- 
que vio  pendurado  na  parede  hum  traste  com  que  podia  sup- 
prir.  Foi  o  ponche  para  a  salla  ,  entrão  os-  convidados  a  fa- 
zer  caretas  ,    envergonha-se  o  dono  da  casa ,    vai  dentro  ,    e 
vê   que  o    ponche   fora  feito  com  limões  doces,    e  agua-ar- 
dente  simples:  repara  para  a  chocolateira  que  estava  no  lume,, 
e   vê    a   boa  da   Creada    a    bater  o  cliocolatc  cora  o  páo  da 
seringa :  tinha-lhe  tirado  as  estopas  ;  e  porque  se  assemelhava 
hia-se    remediando.    O   dono.   da    casa  entre  a  cólera  dá-lhe: 
hum  frouxo  de  rizo,  acodem  os  convidados,  conta-se  o  suc- 
cesso  ,    hojLive   rauita  gargalhada  ,    e  assenlou-se  que  o  pobre^ 
homem    he    que   levou  aquella  ajuda  em  se  lhe  cstruir  o  pon- 
.(Ehe,  e  o  chocolate;  e  cora  aqnellej^rcmedio  ficou  curado  para^ 
nunca  mais  se  fiar  em  geníe  tolla  ,  ^presumida. 

Calçíjda  de  Safto   André  5   de  Setembro. 

Domingo  passado  huma  pobre  mulher  que  morava  em 
hura^  lojas  foi  para  a  Missa,  e  impensadamente  deixou  Im- 
m%^  rodjjha  junto  ao  fogareiro  em  que  tinha  a  panella  ao  lu- 
me; e  com.o  segundo  a  Sintaxe  de  huma  prqídem.Jaísca  se 
levmta  hum  grande  incendia  ^  pegou  fogo  no  panno  ,  fez 
lavareda ,  pegou  na  ferrugem  de  cima,  vio-se  a  chamma 
fora  d^  chaminé,  tocarão  os  sinos,  acudirão  as  providencias  , 
que  não  são  poucas  em  Lisboa  parn  este  fim  ,  a  tenipo  que 
hum  S(^jeito  de  Vis^eo  que  estava  de  hospede  na  rua  dos  Cor- 
rieiros.  se  raerteo  na  curiosidade  de  querer  ir  ver  o  fogo  com 
muito  alvoroço:  poz  o  capote,,  chegou  ao  sitio,  e  já  não 
vio  mais  que  fumo,  porque  com  rodo  o  cuidado  se  atalhou; 
e^sieve   hum  pedaço  de  leiripo  porém  com  car5.  de  desgosto ; 


(  3  )      .     .     . 

c  quando  vio  que  as  bombas  se  rctiravao  virou  para  o  rovo 

que  estava,  e  disse:  tara  isio  me  ciesaccomynodet ^  eu  cuu 
dava  que  tinha  mais  que  xtr  ^  se  as  casas  ardessem  todas 
sempre  isto  durava  mais  ten.po  ,  e  era  outro  aiverttmen* 
to*,  huiica  mais  torno  a  vir  ao  fogo  em  quanto  estiver  em 
Lisboa.  Constj  que  hum  Aguadeiío  bem  desembaraçado  de- 
pois de  lhe  dar  iium  valente  pescoçcío  que  o  fez  ir  a  terra, 
pilhando-o  no  chão  lhe  vazara  o  barril  em  cin.a  ,  e  cresce- 
ria a  vingança  do  Aguadeiro  pelo  dito  se  algumas  pessoas 
prudentes  nao  iicudissesn  a  socegar  o  tumulto. 

Continuação   das   materialidade s   apontadas    no  pecúlio  do 
nosso  l^^elho  de  Komulares. 

Pôr-se  ao  jogo  ,  e  por  querer  ganhar  quanto  dinheiro  vé 
perder  o  que  tem  ganhado  ,  e  quanío  tem  de  seu. 

Ir  a  cavallo  de  vagar  ,  e  aonde  encontra  roais  gente  luet^ 
ter  de  galope  para  enxovalhar  a  lodoi?. 

Quando  a  Senhora  está  no  Cravo  pôr-«e  por  detraz  da 
cadeira,  e  de  minuto  a  minuto  dizer  bravo  para  mostrar  que 
entende,  interrompendo  os  que  estão  ouvindo, 

Tocir  no  fim  de  hum  minuete  ,  e  puchar  por  hum  lenço 
branco,  fazendo-se  ver  muito  para  que  a  Senhora  o  tire  para 
dançar  por  não    ficar  a  sua  prenda  no  escuro. 

Pedir  Motes  á  companhia  que  os  n^o  preza,  nem  enienr 
de  ,   porque  quer  fazer  versos  á  queima  roupa. 

Não  poder  ter  criados,  e  levar  a  toda  a  parte  humPaqui- 
lira ,  ou  Jaqué  de  nove  annos  engenhado  cora  galões  da 
Feira  para  affectar  grandeza. 

Matar  a  gente  nas  sociedades  com  historias  muito  compri- 
das ,  e  insulsas ,  querendo  que  os  mais  iiie  achem  graça  por 
íorça. 

Festejar  annos  pedindo-?e  fora  de  casa  castiçaes ,  apare- 
lho de  chdy  cadeiras  ^  e  quando  Deos  quer  até  o  mesmo 
assucar, 

(^erer  na  rua  de  noite  dar  o  braço  d  Senhora  D*  Fulana 
para  que  não  tropece,  e  deixar  vir  cora  callos  a  Mãí  da 
LMenina  aos  rombos. 

Mettcr-ác  a  Trinxador  no  banquete,  e  fazer  ludo  em  a* 
çoída. 


(4) 
Bairro  J/to  30  de  Agosto, 

Ha  neste  Bairro  huma  rua,  e  nesra  rua  huraas  casas ^ 
onde  mora  huma  Senhora  bem  morigerada,  Senhora  que  já 
mais  deo  escândalo  á  visinhança ,  porque  se  furfa  alguma 
cousa  he  só  a  seu  marido,  muito  trabalhadeira  ao  seião,  e 
por  eíFeitos  da  sua  curiosidade  sempre  he  a  ultima  pessoa  , 
que  se  deita  em  casa  ,  porque  depois  que  pilha  o  marido  a 
dormir  a  somno  solto,  eila  lhe  vai  logo  com  o  maior  cuida- 
do ao  fato,  ver  se  no  colete  lhe  falta  algum  botão,  se  lhe 
arrebentou  alguma  casa,  e  de  caminho  também  examina  a 
bolça  do  dinheiro  ,  por  ver  se  tem  algum  pomo,  que  lhe 
tome;  e  quando  n^o  acha  ponfo,  sempre  delja  toma  alguma 
cousa.  Em  fim  mulher  de  sua  casa,  ou  como  lá  dizem,  mu- 
lher de  mão  cheia.  Ora  em  hum  destes  dias  succedeo  entre 
estes  dois  casados  hum  caso  galante.  Tinha  esta  Senhora 
nsandado  fazer  huma  chavinha  ,  que  servisse  na  carteira  do 
marido,  onde  estavaovhuns  saquinhos  de  medalhas  antigas, 
destas  que  vsh^m  a  6^/s^co  réis  cada  huma  j  porém  só  cora  o 
projecto  de  que  se  o  marido  perdesse  a  sua  chave,  ter  ella 
de  prevenção  aquella  para  se  não  arrombar  o  traste:  Terça 
feira  passada  foi  a  Senhora  de  chavinha  na  mão  para  abrir  a 
carteira,  veio  o  marido  péantepé,  e  hia  piihando-a  naera- 
preza  j  porém  ficando  tudo  em  dúvida,  ella  disfarçou  ,  che- 
gou á  janella  do  quintal,  e  atirou  com  a  chave,  para  que  o 
marido  Jha  não  visse,  que  toi  apenas  o  tempo,  que  teve. 
Hum  pequeno  de  seis  annos,  que  vio  atirar  a  Mai  com  a 
chave,  poz-se  a  dizello  ao  Pai,  e  a  Senhora  a  tapar-lhe  a 
boca,  e  a  entretello ,  porque  como  crcança  hia  esturrando  o 
guizado.  Nesse  me&rno  dia  de  tarde  torncu  o  pequeno  ao 
Escritório  do  Pai  sòsinho ,  e  vendo  hum  relógio  de  oiro  de 
repetição,  pegou  nelie  para  o  querer  abrir,  c  brincar;  então 
casualmente  aparecendo-Ihe  a  Mãi  ,  o  rapaz  intinúdado  do 
castigo  que  teria  por  ter  pegado  no  relógio,  disfarçou,  e 
lembrando-se  de  como  a  Mãi  escapou  por  atirar  com  a  cha- 
ve fora,  CQrreo  para  a  mesma  janella,  e  atirou  com  o  reló- 
gio ao  quintal,  onde  espirou  em  pedaços;  e  por  mais  que  a 
Mãi  lhe  perguntava  o  que  alli  fízia  ,  o  rapaz  nunca  confessou 
no  que  mecheo  ^    roas  achando-se  depcis  o  relógio  no  quin- 


t 


1 


tal  ,  e  examinando  o  dcno  da  casa  o  fill:o,  então  este  se 
explicou  coíiio  pôde,  dizendo:  Que  for  ver  que  sua  N-ii 
fítirou  com  a  chave  uo  qtuntal  p:.ra  se  vúo  síiher  ^  eJlè  fi* 
zera  o  mesmo  com  o  relógio.  Aqui  se  an^onlonrao  es  des- 
gostos entre  os  dois  casados,  deixando  estes  o  excirploque 
diante  de  creanças  só  se  devem  praticar  virtfdes ,  porque  a 
ir.ocidade  tenra  he  como  o  vidro  com  aço  que  mostra  o  bof 
niro,  e  o  feio,  que  se   lhe  apresenta. 

Ríia  de  S,  José  i  de   Setêmlro, 

A    todos   causou   espanto  buma  repentina  chuva,    que 
honrem  pela  manhã  se  sentio  nesta  rua,  a  qual  apezar  de  fa- 
zer alguns  estragos  ,  não  deixou  de  aproveitar  a  muitos  ,  por 
ser   huma  chuva  de   livros,  que  a  tempestade  de  hum  Doutor 
arrojou;   hum  Calepit-o  rachou  a  cabeça  a  hum  galopim  que 
hia  passando ,    hum  Genuense  hia  sncando  hum  olho  a  fiuma 
creança  \  hum  Lineo  matou  lium  gallo     e  hum  Bffa.t  entor- 
nou a  celha  a   huma   Frialeira  ,  que  vendia  besugos ,  sendo  a 
causa    deste  successo  o  seguinte  caso;    H»jm  Doutor  vaidoso 
dos  seus  inventes,    por  ter  dado  á  Republica  literária  novas 
luzes,    e    feito    gemer    os   Prelos   com,  as  suas  composições, 
vivia  meio  á  Diogena  em  liumas  pequenas  casas  desta  rua  íó 
com   o  seu  Galuxo,  Honíem  de  m.anlm  estando  zangado  por 
ter    perdido    toda   a    noite   sem  frucio  em  querer  fazer  luma 
descoberta  ,•  e  em  armar   humas  razões,    com  que  a  parte  se 
f^-^z  á  Malta,  veio  baier-lhe  á  porra  a  moça  de  hum>^  visinha , 
que  lhe  pedia  huma  braza  de  lume  da  sua  chaminé':    o  Dou- 
r  r  mandando-a  entrar,    lhe  perguntou  se  trazia  onde  a  levas- 
se j  ao  que  a   rapariga  rcspondeo  :    Pí^^**  nfio  tir  cnde  ú  Inâr  ^ 
na  o  het  de  ficar  sem  lume.  Como?  Perguntou   o  Doutor.  O 
fojyp  rjão  he  4:' usa   que  se  leve  na  rnão.  Pois  na  mão  he  que 
o  kel  de  ler  ar  ^  lhe  tornou  a  rapariga  ;    e  dizendo  isto,  dei- 
tou huma  pouca   de  cinza  fria  na  palm.a  ,  poz-lhe  a  braza  cm 
Cima  ,    e   retirou^se  muito  contente.    O  Doutor  de  ver  tal  íi- 
cou  tão  espantado,   e  envergonhado  de  huma  creança  lhe  dar 
quináo  ,  que  accrescendo  isto  á  zanga  de  ter  perdido  a  roite 
e  além  disso  á  sua   vaidade,  raivoso,  disse:  De  que  v:e ser* 
vem  /i'vros  ^    e    estudos  ,    se  os  troncos  sabem   ^nais  do  q  e 
iu  ?    E   logo   entrou  como  doido  a  mudar  os  livros  de  casa 


C6) 

para  a  rui,  Djzcm  que  lionteiu  «lesino  se  fora  raetter  leigo  ,  aín- 
éa  qus  leva  a  vantagem  de  o  não  parecer  por  est^r  calvo  do  que 
estudou. 

Rua  da  Atalaya  4  de  Setembro, 

Dissertação  do  nosso  amigo  Estudioso  ,  e  tão  applicaão  ds 
Experiências  económicas. 

Quanto  nao  he  prodigiosa  ,  e  admirável  a  miquina  do 
homea)  !  Q^ianro  não  s;1o  delicados  os  seus  órgãos!  As  vêas 
capillares  mais  delgadas  que  huru  cabello  dão  nutrição  a  cer- 
tos vnsos  por  meio  dos  fluidos ,  que  dentro  lhe  gyrão.  A 
circulação  do  sangue  descoberta  ha  pouco  mais  de  dois  sé- 
culos ,  que  prodígio  não  he  !  A  raesma  digestão  ,  e  separa-; 
ção  das  fezes  no  ventrículo ,  tudo  são  mysterios  ;  por  isso. 
certos  Filósofos  chamarão  ao  homem  Mundo  abbreviado. 
Mas  que  portento  não  he  o  fogo  eléctrico  ,  que  dentro  em 
nós  encerramos !  Milhares  de  vezes  do  meu  corpo  tem  sa- 
ilido  por  meio  da  máquina  eléctrica  faíscas ,  como  as  de 
carvão  de  cepa.  E  que  bruralldadj  ,  que  loucura  ,  que  insci- 
encia  não  vemos  hoje  arraigada  nos  Cirurgiões  modernos, 
oh  têmpora  ,  oh  viores  !  Os  nossos  antigos  ,  ninguém  pôde 
duvidar,  que  andavão  nos  certos  eixos  das  cousas;  ellescon* 
suhnvão  a  natureza,  e  sobre  o  curativo  da  frágil  humanida- 
de caminhavão  com  passos  mais  seguros,  e  acautelados.  Hoje 
siíbsndo  ainda  as  creanças  que  os  nossos  corpos  conservaoem 
si  huma  parte  de  matéria  ígnea ,  e  que  este  fogo  se  acende 
em  toda  a  extensão  dos  mesmos  corpos ,  ha  Cirurgiões  tão 
materiae^  que  mettem  pelas  feridas  huma  mecha  ,  sem  terem 
medo  cst:3  Senhores  que  pegue  fogo ,  e  morra  assado  o  pobre 
enfermo. 

Ao  Editor  mandarão  de  presente  a  Quadra  seguinte  pa- 
ra ser  publicada  pelo  Almocreve  das  Petas,  pois  ainda  que 
antiga   por   muito  bem  glosada  se  deve  fazer  memoria  delia. 

dU  A  D  R  A. 

A  vida  que  tem  hum  Prezo  ^ 
lit:  comer  da  caridade-^ 

B^:her  agoa  de  hiíma  btlha  , 
E  peair  esmola  d  grade. 


(7) 
GLOSA. 


I. 


Roto  ;    nu,  dormir  no  chão, 
Sofírer   do    ferro  o  imnbolho , 
Coçar,  n  alar  o  picího  , 
Sem  lenço  assoar*sc  á  mioi 
Ouvir  daquelle  a  razão, 
Que  prr  soltallo  anda   acezo  j 
Ver  de  todos  o  desprezo  ; 
Do  despacho  a   desventura  j 
Assim    he  que  se  figura 
jí  vida ,  que  tan  hum  prezo. 


II. 


A]ém  disto  a  toda  a  hora 
Anda  em  continuo  gemido 
Co'  o  si: jo  braço  estendido 
Sempre  pela    ^rade  fora  : 
Oh  minha  nolre  Senhora  , 
Çueira  ter  de  mim  p  edace  , 
E  assim  *que  chega  a  Jiirandade  , 
E  CS  negros  Caldeirões  vem, 
O   refrieerio  que   resn 
He  comer  da  Caridade. 


in. 

Hum  dalli  noMia  a  gamella, 
A*  grade  creíce  o  susi  rrc  ; 
O  urro  com  gteira  de  murro  , 
Vai  embutindo  a  ligeila  : 
Dáo-lhe  a  rrçáo  pega  nella  , 
Que  he  couve  ,  feijão  ,  ou  ervilha  ^ 
]MaI  que  ra  barriga   a  j  íiha  , 
Sem  se  Jimpar  ,   btzuntaJo  , 
Vai  mesmo  asfim  engasgado 
Beber  r:gua  d^uma  bilha. 

IV. 

Depois  parte  a  desça nçar 
Lá  rnra  o  stu  aposeito. 
Que  já  rem   ccnht cimento. 
Do   can  inho  que  ha  de^ndar 
Conversi ,  ou  p6e-$e  a  jogar  , 
Diz  muita  de  paridade; 
Chora  não  rer  libeidade, 
E  f-em  poder  ccnsdar-se 
Não  faz  mnis,  cue   rportcar^se , 
E  pedir  esmola  á  grade. 


AVISOS. 

Sahio  á  Iu2  Methndo  jacjl  da  rtlkice  se  f^^er  d  vi  L 
ta  na  trí:h.^r,ra  da  nwrte ,  7/  impressão,  vende-se  na  lua 
do  Cfllçpdo  Velho,  e  na  Portaria  dcs  Ergeitados?. 

Nas  biírreiras  de  Aln^ada  tem  hum  fulano  tençíío  de  fa-- 
zer  humas  casas,  por  fcr  bom  sitio  lavado  dos  aics,  e  pró- 
prio para  o  intento,  pois  querem  hum  dos  seus  armazéns 
vender  íiauidcs,  os  qunes^ ainda  tem  iruito  que  liquid:Ar  |^or 
serem  de  diffcrenres  qualidades,  a  saber:  VírJo  do  oito  c  m 
1'oJet'a  de  surf  o  .  porem  faz  falkr  os  mudos  a  3^0  réis  O) 
aJuiude;^  e  engarrafado  a  35', 


Dito  da  primeira  sorte  de  uvas  de  cão  ,  ai  mude  a  8o 
réis ,  engarrafado  a  27  nove  fora  nada. 

Dito  de  pulhetas  a  pontapés  por  airr.ude,  engarrafado 
a  murro  Secco. 

LICORES. 

Barrasquinho  do  Japno, 
Dito  lindeza  de  Londres, 
Dito  VinhatiiO  das  Ilhas-,  tudo  a  pezo  de-  por  onça. 

Tudo  isto  se  achará  no  mesmo  armazém  ,  porém  não 
quer  que  se  saiba  por  certa  circunstancia.  ^ 

Alli  para  os  Alagados  da  Sé  ,  quinta  feira  que  vem  se 
hão  de  pôr  a  lanços  as  Co  nenàas  d*Aldêa  de  Bifa  cem  to- 
dos os  seus  pertences,  e  rendimentos  das  Cizas  ,  que  se  co- 
brão  nos  assougues ,  e  Ribeira  desta  Cidade  de  Lisboa  com 
a  clausula  de  o  arrematante  admittir  novos  Administradores, 
visto  que  os  actuaes  já  estão  encarregados  de  certas  Com- 
missóes  para  os  Estados  da  índia  ,  e  devem  partir  no  prefi- 
xo mez  de  Março  do  anno  que  vem  ,  que  só  os  poderá  im- 
possibilitar  de  tal  expedição  alguma  raoleitia  de  garganta. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço. 


p. 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE    LXXIII. 

Cães  de  Sentarem  8  de  Setembro. 


Or  cartas  vindas  de  Thomar,  e  conduzidas  por  pessoas 
•de  todo  o  porte  a  este  Cáes,  se  sabe  o  caso  ião  inesperado 
que  já  mais  alguera  pôde  imaginar  succedido  naq^iella  ViJla. 
Hum  Cavalheirote  muito  senhor  do  seu  nariz  ,  teve  huma  pen- 
•dcncia  nocturna ,  c  esta  em  quarto  minguante  ,  houve  ir.uita 
cutilada  de  parte  a  parte  até  que  huma  o  deixou  desnariga- 
do  com  bera  mágoa  sua  porque  não  tinha  outro  nnriz ;  twdo 
Jhe  foi  para  traz  a  este  miserável  Cavalheiro  depois  desta  in- 
felicidade: hum  hábil  Cirurgião  da  ViJla.,  no  dia  seguinte  o 
consolou  dizendo-lhe,  que  se  podia  soldar  se  ai  tida  appare^ 
cesse:  estimou  muito  o  infeliz  a  noticia,  e  foi  ao  sitio  da 
briga  ver  se  achava  o  seu  nariz  ;  não  o  achou  ;  poicm  en- 
.  centrando  hum  mendigo ,  a  troco  de  hum  par  de  moedas ,  ccn- 
scniio  este  que  o  Cirurgião  lhe  cortasse  o  nariz  que  tinha  pa^ 
ra  se  soldar  na  cara  do  Cavalheiro,  onde  se  poz ,  só  com  o 
defeito  de  ficar  hum  tanto  mais  comprido ,  e  conheccr-seque 
.era  nariz  de  tabaco  de  esturro,  quando  o  Cavalheiro  só  lo- 
íuava  rapé  de  Franga  ;  passados  três  annos  luorreo  o  mendi- 

73   '   • -    ••• 


go,  e  á  proporção  que  ò  corlpo  se  foi  corrompendo  na  ter- 
ra  ,  se  corro iiípco  o  ftàrrz  na  cara  do  Cavalheiro  ,  que  era  d a- 
queíle  corpo  :  o  Cavalhèjfô  tom  segundo  desgosto  passou  a 
demandar  o  Cirurgião  pétò  p^eMiVnehtp  clò  seu  segundo  na- 
riz ,  de  que  o  Licenciado  kè  *<teí%nâfe  feei^áto  :  que  elle  só  st 
obrigou  a  solãúr-lho ,  pétl^Hi  nãò  -n  'tfUe  èura^-se  além  da  vi* 
da  do  primeiro  dono :  a  dèfnand^a  lixí  íorré ,  os  advogados  a 
trarão  com  o  maior  empenho;  h  Sc  thègar  a  vir  o  feito  á 
Corte,  ha  de  èe  ver  nas  razoeis  hum  galante  jogo  do  nariz, 
porque  sen^o  fizerem  coftiposLção  hão. de  dar  arabos  infalli- 
velmente,  codo  lá  *dÍ5íe& ,  com  os  n^lzes  em  hum  sedeiro. 

Bdirrb  JU^  j  de 'Setéht0'fâ.  . 

Entre  à  qiià'htiâadè  de  lojas  de  bebidas  que  aformozeao 
esta  Cidade ,  ha  huma  que  tinha  hum  Caixeiro  que  era  hum 
lince  com  todas  as  circunstancias  precisas  para  fazier  a  loja 
famosa ;  principiava©  as  suas  qualidades  por  ser  muito  esper- 
to,  civilisado  ,  Cara  alegre,  e  diligente,  de  sorte  que  fazia 
pelos  ares  quanto  se  lhe  pedia  por  boca,  servindo  com  tanta 
promptidão  aos  Freguezes  que  parecia  lhes  advinhavaos  pen- 
samentos :  dava-lhe  o  Patrão  de  ordenado  por  raez  meia  moe- 
"^da  ,  almoço,  jantar,  e  cêa  ,  e  contava  o  tal  maganão  de  mais 
a  mais  com  doze  vinténs  certos  dos  lucros  da  casa ,  isto  por 
hum  calculo  que  lhe  ensinou  a  fazer  hum  patrício  seu  que  era 
'hiestre  em  artes;  e  o  bòra  do  rapaz  tomou  logo  tão  bem  a 
lijão  ,  que  já  pode  ensinar  de  cadeira  a  qualquer.  Ora  como 
SL  algumas  pessoas  parecerá  esta  conta  Grega,  he  preciso  ex- 
'plicalla  por  miúdo  :  H ornem  ^  lhe  dizia  o  ?útr\ç\o  ^  as  cou" 
tàs  são  cmno  cada  hum  as  faz  \  dizem  íá  na  nossa  terra  ai'' 
guns  homens  de  pequenos  sentimentos  ^  mas  de  grande  alma  ^ 
''que  ioc(í)  réis  em  divida  ^  e  loC(i)  ^^^^  ^^  dinheiro^  tude 
são  icoíi)  ^éis  \  for  esta  regra  sempre  estarás  em  pa^  y  que 
tão  he  das  peores  cousas  ;  porém  pára  tu  pilhares  algum  vin^ 
tttn  avultado  he  necessário  qUe  a  Geometria  bifante  andena 
casa  dianteira^  pela  dúvida  da  quebra  do  fiegocio  que  possa 
acontecer  :  para  acautelares  isto  compraras  hum  mialhetro  ^ 
t  todos  os  dias  lançarás  dentro  de  lie  quatro  vinténs  da  ten- 
da da  casa  y  e  outros  quatro  miettendo^os  elm  conta  ao  Pa^ 
irão ,  di^cfíMhc  que  ião  do  teu  almoço^  cujo  almoço  supri* 


rds  com  qualquer  cousa  ;  porque  quem  anda  com  as  mSos  na 
massa  sempre  lhe  ficão  untadas ;  por  esta  conta  se  teu  Pa^ 
trão  te  paga ,  hem  pago  ficas  ;    e  se  te  não  paga  ,  bem  pa- 
go vãs  ,  no  caso  de  te  despedir.  Se  houver  treguez  que  por 
iilguma  nica  te  despreze  o  copo  de  café ,  ou  de  ponche  ,  bati 
com  elie  no  bandulho  que  tudo  lá  se  acha ,  porque  quem  adian* 
te  não  olha,  a  traz  fica.  Agradou  tanto  o  conselho  ao  meni- 
no que  sajiio  fipo  como  hum  coral  para  a  manobra  ;    porém 
como  o  Demónio  sempre  as  tece,   e    elle  era  huraas  contas 
que  fez  rcpartio  cora  o  Patrão  dos  ganhos  da  loja  ,  comoiV^»- 
tarem  com   Coracbe ,    foi  ameaçado   do  raesrao  Patrão  para 
que  em  acabando  aqueIJa  semana  se  pozesse  ao  fresco ;  e  nãp 
contente  o    tal  Caixeirinho   cora  a   sangria  qiie   fez    na  lo- 
ja ,  projectou  hum  novo  jestratagema  pelo  modo  seguinte :  In- 
culcou  a  todos  os  Freguezes  rapé  de  França  maravilhoso  a 
quartinho,  dando  a  provar  huraa  araostrinha  ,  e  dizendo ^írr 
tinha   hum  fulano  de  tal ,   que  debaixo  de  todo  o  segredo  p 
vendia:  Os  Tafues  que  confiavao  neile,  e  temiao  que  a  ra- 
pé se  acabasse ,  forão-lhe  dando  dinheiro  para  a  mão ,  huns 
lhe  davao  huma  moeda,  outros  meia,  outros  querião  seis  ar- 
rates,  e  finalmente  era  íiura  assougue  o  balcão;  foi  acceitan- 
do  de  todos,   e  fazendo  huma  lista  para  não  haver  engano, 
promettendo,  que  no  Domingo  seguinte  todos  serião  satisfei- 
tos ;    mas  ah  quáo  pouco  subtis  são  os  narizes  desta  paralta- 
da  que  era  lugar  dè  rapé  lhes  devia  logo  cheirar  a  esturro  sk 
cncommenda  1    O  tratante  vendo-se  com  doze  moedas  para  a 
tal  compra,  nessa  mesma  noite  se  despedio  do  Patrão,  dei- 
xando os  encomraendaates  sem  rapé,  e  sera  dinjiciro.  Consta 
que  o  tal  rapaz  se  foi  sentar  nos  Caxoupos  a  qspcrar  pelo  Na- 
vio que  ainda  ha  de  trazer  a  eacoramenda  ,  e  que  os  miserá- 
veis Tafues  que  derao  o  seu  dinheiro ,    para  memoria  da  sua 
materialidade  ,  andão  entulhando  ^as  ventas  de  esturro  negro  ,  e 
simonte  claro,  fazendo  cora  hum  vintém,  o  que  d'anles  fa- 
ziao  com  dezeseis  tostões,    e  confe$^ão  que  purgao  mais,    e 
que  sentam  menos  vertigens.  ,   > 

Continuação  das  ãnecdotas  achadas  ao  Velho  de  Ro* 

mular^s* 

Dizia  hum  Filosofp  luglez  ,   que  a  ipulhçr  deve^er, 


t4) 
é  nao  ser  como  as  tres  cousas  seguintes,  :z:  deve  ser  como  o 
caracol  em  estar  sempre  na  sua  casa ,   t  nao  ser  como  o  cera" 
cal  que  traz  tudo  quanto  tem  ds  costas* 

Deve  ser  a  aiulher  como  o  eco  era  nao  faliar  senão 
quando  se  lhe  falia  ,  e  não  ser  corno  a  éco  que  tem  sempre  a 
ulttma  respoita. 

Deve  ser  a  mulher  como  o  relógio  da  torre,  que  sere-' 
gula  bera,    e  não  deve  ser  como  o  rehgio  em  faliar  tão  alta 
que  toda  a  Cidade  a  ouça. 

Henrique  IF,  sahindo  á  caça  algumas  legoas  distant^e 
da  Gorte,  em  quanto  os  batedores,  e  toda  a  mais  comitiva 
se  entretinhao  nas  suas  obrigações,  se  alongou  aquellc  Mo- 
narca só  no  seu  cavallo  a  ver  algumas  Aldeãs  visinhas ,  e  re- 
parou que  a  huaia  porta  estava  hum  Çapateiro  trabalhando^ 
armou-Ihe  conversa  ,  e  perguntou-lhe  se  jd  ttnha  tido  d 
Corte ,  ao  que  respondeo  o  Qapateiro  que  nunca  Id  tinha  hi^ 
doj  porém  que  lhe  não  faltavão  desejos  ^  porque  queria  ain*' 
da  ver  o  seu  Monarca  \  disse  o  Rei  que  muito  perto  o  tinha 
forque  andava  d  ca^a  dalli  não  muito  distante  com  mui* 
ta  gente  y  e  que  se  o  queria  ver  que  se  puzesse  alli  de  an^ 
tas  com  elle  que  o  conduziria  ao  sitio :  agradeceo  muito  o 
C^apateiro  aquella  bondade,  poz  o  chapéo  na  cabeça ,  e  mon- 
tou com  todo  o  desembaraço  ;  porém  no  caminho  fez  esta 
pergunta  ;  como  bei  de  eu  conhecer  ElRei  entre  tanta  gentt 
que  Id  está:  disse-lhe  o  Monarca  aquelle  que  tu  vires  com 
chapéo  na  cabeça  quando  os  outros  o  tirarem ,  esse  he  que  bi 
o  Rei  :  chegarão  ao  sitio,  e  aperras  appareceo  Henrique  IV;  ' 
todos  tirarão  o  chapéo  :  o  Çapateiro  que  estava  com  o  seu 
posto,  e  vio  que  só  o  Cayalleiro  que  o  conduzia  he  que  tam- 
bém ficava  de  chapéo  na  cabeça,  virou  para  elle,  e  disse: 
Âh  Senhor ,  quem  he  aqui  o  Rei  >  hum  de  nos  dois  o  ha  de 
ser ,  ou  o  sou  eu  ^  ou  o  sois  vós  que  somos  os  que  estamos  de 
ihapéos. 

Andando  hum  Cura  com  alguns  Irmãos  ,  na  segunda 
oitava  da  Páscoa ,  a  receber  a  contribuição  dos  Povos ,  como 
he  costume ,  ouvirão  em  huma  casa  huma  grande  gritaria  ,  e 
enfados;  era  o  dono  delia  que  estava  muito  colérico  ralhan- 
do cora  a  Creada,  porque  ao  accender  do  lume  atirara  a  rua 
com  a  mecha  acceza  ,  que  ainda  podia  servir  para  outra  vez, 
c  disse  o  Cura  aqui  níidaf tiremos^  casa  onde  se  ralha  tan^ 


c  r ) 

to  por  se  estrutr  huma  mecha  ,  nao  dd  nem  cinco  rets  ?  po- 
rém hum  dos  Irmnos  sempre  bateo  na  porra  ;  chegou  o  do- 
no da  casa  5  e  tratando  a  todos  com  bom  modo,  puchou  de 
Jiuma  moeda  de  oiro  ,  e  deo-a  ao  seu  Pároco ;  ficarão  todos 
admirados  ,'  e  disse  hum  da  comitiva  :  nifjguem  esperava  tal 
rasgo  de  geríeroíidade  onde  se  gritava  por  se  esperdiçar  hw 
ma  mecha  ,  o  dono  da  casa  que  ainda  ouvio  respondeo  da  ja- 
nella  ,  he  ryie  preciso  fazer  caso  de  huma  mecha  ^  e  de  cousas 
inda  mais  pequenas  para  poder  dar  essa  moeda  de  oiro. 

O  Moço  do  Poeta  trouxe  de  presente  ao  Editor  os  se- 
guintes versinhos  a  que  elle  chama  desvarios  das  Musas  ^ 
nestes  pensamentos  soltos ,  porém  bonitos» 

jímor  Navegante. 

Amor  a  navegar  tu  me  convidas, 
E  ao  desprender  da  Praia ,  então  me  mostras 
Tranquillo  o  mar,  o  vento  adormecido: 
Eu  vou ;  mas  se  depois  arrependido 

Voltar  ao  Porto  intento , 
Acharei  socegado  o  mar,  e  o  vento .^ 

Amor ,  e  a  Innocencia» 

A'  fácil ,  meiga  Innocencia  , 
'  Disse  hum  travesso  amorinho,. 

Para  ir  alli  brincar 

Dd'me  aquelle  Passarinhos 
I' 

Cora  debil  prizão  segura , 

Alva  Pomba  lhe  entregou. 

Logo  o  pérfido  Cupido  ^ 

A  prizão  despedaçou : 

A  Pomba  voou,  fugio, 
E  dando  sinaes  de  dôr. 
Desde  então,  foi  a  Innocencia 
Sempre ,  inimiga  de  Amor. 


(6) 
Amor  foge  da  velhice. 

Ingrato  Amor ,  tu  foges  do  meu  lado , 

Porque  sou  calvo ,  e  ruço  ,  não  te  agrado  ? 

Desprezas  a  velhice  sem  clemência  ? 

Ora  pois ,  nada  importa  ;  paciência : 

Procura  esses  Tafues  namoradinhos; 

Inda  ha  muitos  chorões ,  mil  rapasinhos 

Que  as  Damas  trazem  sempre  muito  inquietas, 

Que  sabem  uso  dar  ás  tuas  setas  ; 

Mas  era  elles  sentindo  na  moleira 

O  sal,  que  tu  lhes  pões  por  brincadeira, 

Em  sentindo,  que  ao  corpo  a  roupa  chegas, 

Pilhados  dos  calotes ,  que  lhes  pregas  j 

Como  não  choraráò  taes  intervallos, 

Ora  cheios  de  tinha ,   ora  de  callos  ! 


Rua  da  Atalaya  ii  de  Setembro. 

Dissertação  do  nosso  applkado  em  atilidade  do  público. 

Como  seja  o  meu  génio  incansável  em  desentranhar  do 
centro  das  bellas  cousas  do  mundo ,  as  cousas  mais  úteis  pa- 
ra a  commodidade  da  vida ,  e  igualmente  o  meio  mais  facil 
de  se  usar  delias,,  continuo  nas  minhas  combinações  botando 
linhas  sobre  o  desconcerto  do  orbe,  e  riscando  de  dedo  a  re- 
gulação popular.  De  dia  a  dia  vou  conhecendo ,  inda  que  cora 
muito  trabalho,  pela  regra  de  quem  de  lo  tira  4  ficao  6, 
que  a  falta  que  nisso  houver  alguém  a  ha  de  sentir:  não  dei- 
xa de  me  ser  estranho  que  os  homens,  senhores  de  fazendas , 
empreguem  tantos,  e  tantos  milhões  de  pessoas  no  trabalho  ; 
bem  que  da  primeira  necessidade,  cora  tudo,  opprimido  de 
huma  extraordinária  despeza  j  que  levando  tudo  por  deminu- 
tivos ,  a  final  ha  de  dar  huma  grande  quebra.  Eu  pois  me 
proponho  remediar  em  parte  os  Lavradores  com  hum  modo 
facil ,  e  uril  de  uhimarem  as  suas  vendimas ,  sem  os  prejuí- 
zos acima  mostrados.  Lembro-me  que  não  s6  no  tern\o  de 
Lisboa,  mas  era  qualquer  parte  do  Reino  se  mandem  avisar 


(7   ) 

«piantos  rapazes  howTerem  pelos  Bairww ;  por<}*ie  estes  são  os 
iraeiros  agentes  p^ra  «eioelJiante  einpre:^a  ,  de  vendimarem 
uma  vinha,  em  menos  de  hum  dia  por  maior  que  elia  seja,. 
sem  que   os  seus  senhorios  façao  a  d^speza  afinual ,  por<jue 
rapazes  cora  qualquer  cousa  se  contentao. 


AVI  S  O  SL 

A  superabundância  de  leitoas  que  forao  vist»is  na  Fei- 
ra da  Luz  este  anno  passado  vivas,  co-zidae ,  e  assadas,  pos- 
tas a.  vender  a  todo  o  bicho  careta,  a  preço  de  120 cada  hu- 
ma,  em  hum  tempo  em  que  tudo  está  como  lá  dizem  pela 
hora  da  morte,  fez  cora  que  hum  investigador  da  natureza 
tomasse  por  seu  bom  barato  apurar  nao  a  causa  dá  venda  ^ 
porque  essa  estava  vista,  mas  o  como  se  ajuntara  em  tão 
pouco  tempo  a  magna  comita^ite  caterva  de  leitoas  que  pa- 
recião  nascidas  de  huma  só  vez,  e  soube  por  meças  de  páo, 
c  além-via ,  que  procedera  de  ter  parido  a  porca  do  sino  da 
torre  da  pohora  de  Beirollas  ,  q^ue  se  suppde  que  tem  30a 
annos  de  idade  ,  e  o  que  admira  mais  ,  he  que  estando  a  por- 
ca fechada  na  torre,  tal  succedesse,  salvo  se  foi  alguma  chu- 
va de  chumbo , .  assim  como  a  chuwa  de  oiro  qu^  penetrou  a 
torre  de  imtal ,  em  que  estava  Danne* 

Noticia  y  i  aviso  tudo  junto. 

Bem  defronte  do  tal  sitio,  ha  huma  rua  que  vem  dar 
á  mesma  parte,  e  antes  de  chegar  á  rua ,  está  sempre  em  ca- 
sa ,  porque  não  sahe  fora  ,  hum  homem  muito  curioso  cotn 
mãos  de  prata  ,  que  faz  galantarias  para  utilidade  do  públi- 
co,  arma  Jaços  subtis  para  mosquitos,  e  faz  humas  espingar- 
dinhas  de  cana,  para  quem  quizer  andar  á  caça  das  moscas; 
porém  as  pessoas,  que  forem  perseguidas  destes  inimigos, 
e  pelo  muito  que  tiverem  que  "fazer  não  quiserem  perder 
tempo  em  armar,  e  desarmar  as  máquinas,  apolvilhem  a  ca- 
beça com  assucar,  e  barrem  subtilmente  a  cara  com  mel, 
que  seja  de  enxame  novo ,  que  dentro  de  hum  quarto  de  ho- 
ra apanharáõ  estes  intecios  scíq  laaior  trabalho* 


f  ^ ) 

Quem  quizer  sacatrapos  muito  bons  dirija-se  ás  casas 
da  Opera  ,  e  ponha-se  á  porta  ,  porque  das  Ave  Marias  por 
diante  não  ha  trapinho  que  náo  saia  fora  fazendo  vista  de 
novo,  e  alli  poderá  escolher. 


Vendesse  esta  Obra ,  e  todas  as  mais  partes  de  que  he 
composta  ,  e  vão  sahindo  suctessivamente  ^  nas  Lojas  seguin^ 
tes :  Ha  de  João  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter- 
reiro  do  Paço  :  Na  de  Francisco  Xavier  de  Carvalho  no  Chia* 
do  defronte  da  rua  de  S\  Francisco  :  Nade  António  Manoel 
Po (y carpo  na  Arcada  do  Senado:  Na  de  Desiderio  Marques 
Leão  ao  Calhariz  Nf  12,:  Na  de  António  Pedro  Lopes  na 
rua  do  Ouro  junto  d  da  Gazeta:  Na  de  Leal  em  Alcântara  : 
E  em  Belém  na  de  Capella  de  José  Tihurcio  :  Também  te 
acbão  na  mesma  Officina  em  que  se  fazíem. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS- 

1819. 
Com  licença  da  Me%a  do  Desembargo  do  Paço. . 


H 


ALMOCREVE   DE  PETAS. 
P  A  R  T  E    LXXIV. 

Vai  escuro  ló  de  S^tembr9i 


A  para  a  Cruz  dos  quatro  caminhos  hum  sujeito    esbel^ 
io ,  de  trinta  e  tantos  annos,  cora  a  balda  de  ser  valente  ;  em 
jahindo  de    noite  não  fica  pedra  sobre  pedra,    de  espada ,    e 
capote  ,  agora  o  vereis  ,  com  tudo  enrosta  ,    tudo  reconhece  , 
e  finalmente  alguns  estudiosos  deste  Bairro,  que  tem  lido  mui - 
\o ,  lhe  chamão  o  segundo  tomo  do  Joannico  :  ora^  neste  va* 
"eroso  homem  não  se  verifica  o  ditado,  de   quem  dá  primei^ 
o ,   dá  duas  vezes  ,  porque  elle  dá  ,  e  não   espera  a  resposta 
elo  mesmo  caso  da  pergunta.    Huma  noite  destas  foi  a  Vai 
curo  cumprir  huma    promessa  ;    devoção   de  que  Deos  nos 
ivre ,  e  hindo  pela  estrada  ,  de  repente  vio,   que  d"entfe  hu- 
as   oliveiras   a  elle  se  encaminhava  hum  vulto  ;    não  quiz  o 
nosso  valente   roais  ver,    traça  o  capote,    pucha  da  espada, 
corre  ao  vulto,  enterra  lhe  o  íerro  ,  e  assentando  que  o  tinha 
orto ,  enche-se  de  pavor,  parecendo-lhe  que  a  jusriça  era  já 
sobre  elle:  bota  a  fugir  do  sitio  com  o  capotinho  ás  costas, 
não  lhe  emportando  nem  a  espada ,  que  a  deixou  cravada  no 
desgraçado  vulto,  e  chegando  a  casa  muito  fatigado >  disse  a 
74 


sua  mãl :  Eu  eertamtnle  estou  per  dUo  ^  eu  matei  quem  quer 
CjUt  fõ  se  ^  e  \oi  dà  primeira  estocada  ^    pflrque  mo  ouvi 
palavra  ,  e  o  peor  foi  ficar^me  lá  a  minha  escada  ,  que  tal- 
vez» tila  será  a  minha  inimiga  úccusaiíora,  h  niãí  cahio  lo- 
go   com    liutna  convulsão^í,    a  que  acudirão    duas  visinhas  da 
escada;    clíe   nem    pôde 'dormir  de  susto,    e  «ío  aroanhecer 
foi    dcsfarçado  dar   volta   ao    sitio  a  ouvir  o  que  se  dizia  ,    e 
quando  esperava  ouvir  gritar,  homem  morto  ^  homem  morto  ^ 
vií)  em  humas  terras  hum  burro  albardado  ,  que  andava  per- 
dido com  a  sua  espada  ,  mettida  entre  a  albarda  ,  e  a  enxerga  t. 
veio  muito    contente  para  casa  consolar  sua  mãi,    que  estava 
lastimando  o  defuulo  se  seria  pai. de  família. 
Poço  Novo  21  ik  Setembro. 
Grande  caso,  natavcl  carreira  dos  tempos  lisongeiros,  e 
interessantes  costumes  ,  oh  têmpora  ^  oh  mores  l  Sim,  senho- 
res, havia  nesta  rua  huraa  casa  de  huraa  viuva,    cora  quatro 
filhas    muito  cultivadas   de   Tafues    pelas  continuadas  assem- 
b!éas  ,  que  ajli  se  oíFereciao  aos  espíritos  alegres  ^  porém  não 
havia    função   que  náo  fosse  feita  em  honra  dos  annos  de  al- 
guma  das  senhoritas,    e  como  erão  repetidas,    a  companhia 
de  hoje,  já  não  era  a  mesma  de  á  manha  ;  convidadas,  ecoa- 
vidndos  ,  (  como  as  aves  na  muda  )  largavão  toda  a  penna  com 
dadivas  de  prenda  á  menina,  que  fazia  es  annos,  e  este  lan- 
gará  a^cilicet  chuchadeira  ,    dava  motivo  á  continuação  destas 
funções:  ora   em   certa  Praça  huma  tarde  se  ajuntarão  alguns 
dos    Tafues,    e    por   casualidade  conversarão   a  respeito  desta 
casa;  disse  hum  ,    hontem  estive  nor  annos  de  D,  Gerigota  , 
fio  que  logo  respondeo  outro  do  ranclio  ,  ahi  haetígano  ^  por» 
que  D.   Gerigota  fez  annos  haverá  três  mezeç  ^  e  eu  assuti 
à  brincadeira,  Acodio  outro  ao  argumento  dizendo:  Vossês 
kstão-me    logrando  ,    haverá   seis  mezes  que  ella  fez  os  seus 
ãnnoí  ,  por  sinal  a  brinàei  muito  bem ,  e  convivi  na  Assem- 
hléa  que  houve '^    teima  para  aqui,  disputa  para  acolá,    con- 
Tcio-se,   e  soube-se  ,  que  tanto  a  Á^enh ora  D,  Gerigota  ,  como 
sufts  irmãs ^  fazião  annos  de  três  a  três  mezes,  e  houve Ta- 
M    que    botandc-lhc   a  conta  ás  idades  ,    schou  a  cada  huma 
das  dita^  meninas,  pela  marca  das  ditas  funções,  para  sima 
de  5*0  annos  quando    pela    Era   não  linhâo  mais  de  20,  mas 
tiido    merece   desculpa  ,    porque   também  os  relógios  se  des- 
acerião  ,  qm  huns  aadão  pelo  Sol ,  cutro*  pdo  lempo. 


(3  ) 

Lamego  17  de  Setembro, 

Avisão  desta  Cidííde,  que  chegando  a  ella  hum  Estran- 
geiro cora  huma  chusma  de  (Cartazes,  que  póz  pelâs  esv^^ui- 
nas ,  fez  saber  ao  público  ,  que  clle  coai  toda  a  delicadeza  ti- 
rava quantas  espécies  de  calos  havia  ,    de   cuja  operação  tam- 
bém tinha  tirado  hum  grande  lucro  era  outros  Clitaas :    certo 
sujeito,    que  attentamente  !co  este  papel  ,    e    adiando  qae  lá 
lhe  tocava  pela  roupa,   procurou  logo  esre  liabil  Professo»*,  o 
qual  com  facilidade  deoexcuçáo  a  esta  melindrosa  obra;   po- 
rém como  o  estrangeiro  se. demorasse  pouco  naquella  Cidade  , 
estabelccendo-se    eai   outra   ferra  vinte  c  cinco  íegoas  de  dis- 
tancia ,    entre  tanto  tornando-sc  o  dito  sujeito  â  ver  achdca? 
do  do  tal  maldito  mal  de  raiz,  accrescendo  a  isto  huma  tre- 
menda topada,    que  por  infelicidade  sua  deo  nus  degráos  de 
huma  escada,    neste  caso  se  lembrou  logo  do  dito  cura  cai- 
los,    e   chegando    cora  muito  custo  a  casa  ,    poz  huína  perna 
sobre   a    outra,    pegou  em  huma  navalha  de  barba  coríou  o 
dedo  aonde  estava  o  cáb^^  e  pondo-o  sobre  a  mezá,";   embru- 
lhou o  pé  em  huma  toalha  ,    pegou   na  penna  ,  e  esdreveo  ao 
Estrangeiro  communicando  lhe-  por  carta  ,    que   como  estava 
ausente,  e  gWh  accorameítido  da  mesma  moléstia,  que  na  cura 
parsada    tão,  bem    succedido    fora,    sendo    impraticável  pela 
distancia  em  que  se  achava  entrar  em  novo  curaiivoj  lhe  re- 
ir.ettia  o  dedo,  para  que  á  sua  vontade,  e  sem  dôr  ího  hou- 
vesse de  curar  radicalmente;  feciíou  a    carta,    preparou  a  en- 
commendinha  n  huma  pequena  condeça  ,  e  despedio  hum  pró- 
prio,  que  espera  com  a  maior  ância  ,  ainda  qlle  com    o  des*. 
gosto  de  ver  hir  contaminando  os  outros  dedjs  da  mesma  mo- 
iestia  ;  porque  como  tem   a    fama    d«  bom  homem,  os  calos 
le  se  lhe  pregão  são  immensos. 

laxhnas    í/o    Felòo    de  Romolares  continuadas  na  maior 
parte  destes  folhetos 


Que  lucra   a  Dona  dà  caáa , 
Em  quanto  poupando  vai  , 
Se  dá  dmlieiros  ao  filho  , 
A*s  escondidas  do  pai  ^ 


Com  que  os  vícios  são  nutridos 
Ein  preversas  companhias. 
Que  pôe  tudo  cm  dissabor ; 
Sendo  a  mai  toda  a  ruina , 
Porque  jhe  tem  muito  amor  l 

Que  direi  do  meu  Ta  fui 
Prendado,  e  gentil  figura, 
Que  por  quantos  bairros  ha 
Ter  amizades  procura  , 
Achando  Damas  tão  loucas , 
Que  até  dinheiro  lhe  dão , 
Fiadas  no  casamento. 
Lance  que  nunca  verão; 
Acautele-sc  a  que  he  va  ^ 
Conheça  o  que  lhe  convém,_ 
:.->  ^     E  as  traças  que  muitos  tem 
Para  viver  de  lolã. 

Que  direi  d^outros  gavolas , 
E  faltos  de  consciência  , 
Que  nas  lojas  das  bebidas , 
Sem   gosto,  ou  conveniência^, 
fazendo  gala  dos  vicios, 
Pôe  casas  á  dependura  ! 
E  as  filhas  de  hum  tal  tulano . 
Pelas  ruas  da  amargura  ! 

Qae  direi  de  huma  creada 
Servindo  casa  abundante, 
Que  por  ladra  j  e.  por  golosa 
Faz  com  que  ande  toda  a  casa 
Sempre  em  quarto  minguante. 

Rua  da.  Atalaya  i<^  de  Setòmlro. 

O  nosso  amigo  estudioso  ,  e  tão  applicado  nas  desco- 
bertas económicas  ,  e  intelligencias  de  palavras  ,  que  vi- 
vera sepultadas  no  esquecimento  se  propõe  analisar  a  ori- 
gem de  palavra  ncnhures^   e   do  ceio  de  grih  na  seguinte 


(O 

DISSERTAqÂO. 

A    origem  das  palavras   deve  ser   a  primeira  indagação 
dos  Sábios  ;    23  palavras  para  o  dizer  com  os  Filósofos  ,    são 
como  as   cerejas  ,   porém  a  origem  de  tcdas  as  cerejas  he  co- 
nhecida ,    e  a  de  todas  as  palavras  não  o  he  ;  igualmente  nos 
servimos   dos  ditados  ignorando  o  ?eu  nascimento   nenhw  es ^ 
e    ctbo  dt  grilo  que  he  bom  faro  graxa  ,    palavra  ,  e  rifão, 
que  dá  no  goto  a  todos,    serão  o  alvo  da  presente  Disserta- 
ção,   para    a  qual  confessarei,   que  me  servirão  de  muito  os 
manuscriptos   que  me  ficarão  por  morte  do  célebre  Ervanario 
o    Almeiróo  jteiquinho\    assim  ccmo  nos  laboratórios  Ghi- 
micos    os  Alquimistas  descompõe  os  metae«  para  saberá  sua^ 
origem,  e  composição,  assim  nós  devemos  fazer  ás  palavras,, 
que  lhe  são  tão  análogas,    pois  não  ignoramos  que  ha  pala-^ 
vras  de  oiro ,  e  palavras  de  ferro :  começando  pois  pela  pala- 
vra nenhures  ^  direi  que  esta  palavra  he  composta  do  substan- 
tivo ninho  ^    e  da  segunda  pessoa  do  Verbo  Latino  tiro  ^  que 
he  uris  ,  e  .aqui  temos  nós  que  a  colizão  destâs  duas  palavras  diz 
^  queimas  o  nir.ho.  zz;    Ora  nitho  he  o  ncme  quedamos,  e 
dávamos  ás  nossas  casas,    logo  isto  dava  tamfccm  huma  idéa 
de  que  tinhamos  queimado  a  casa  \  e  porque  cousa  queimada 
não  existe,  he  a  razão  porque  dizemos  'vou  ã  nenhures  ^  que 
vale  o  mesmo   que  dizer ;    lou  a  nenhuma  farte,  Persuado- 
me    ler  satisfeito  aos  Senhores  curiosos  :    agora  para  demons- 
trar o  ditado  cebo  de  grilo  ^  me  valho  como  já  disse  das  me- 
morias que    achei    ao  Almeirão  fresquinho.   Consta  por  hum 
raanuscripto  muito  antigo  do  dito,  que  havia  hum  sujeito  na 
Lourinhã  muito  indagador  da  natureza  ,  o  qual  esc^evia  tcdas 
as  suas    descobertas.    Este  grande  homem  como  olhava  para 
tudo  com  olhos  de  reflexão  ,   querendo  hum  dia  fazer  graxa, 
para  humas  botas  que  linha ,    e  sabendo  que  esta  se  compu- 
nha de  pouca    cera,    muito  cebo,    e  pós  deçapatos,    vendo 
então  que  só  os  pos  erão  negros,  e  tudo  o  mais  era  branco, 
entrou  na  indagação  de  achar  algum  animal,    cuja  gordura, 
ou  cebo  fosse  negro:  entre  mil  que  estripou  achou  que  ogr/V^ 
no    baixo   ventre  enserrava  huma  espécie  de  humor  crasso,  e 
pegajoso ,    de   côr  negra ;    então   deo    parabéns  á  sua  desco- 
berta,   e  visto  que  cada   grilo  que  matava  lhe  subministia^^ 


(6) 

va  tanta  porção  como  a  abeça  de  hum  alfinete  de  real,  fez- 
se  algoz  ií?/  grilo f  de  todas  aquella»  terras,  donde  obteve  a 
alcunha  de  miía  gnlor ,  família  dit^tincta  daquelJes  contor- 
«08;  de  sorte  qae  naquella»  vísinhánças  se  queria  ás  vezes 
hum  grih  para  hunu  iivésínha ,  c  náo  o  havia.  Este  homem 
dez  annos  que  víveo  ,  a  pezaf  de  toda  a  sua  diligencia  não 
pôde  ajuntar  mais  que  ires  grãos  do  dito  cebo ;  e  antes  de 
luorrer  para  utilidade  publica,  e  para  que  chegasse  á  noticia 
de  rodos  mandou  gravar  no  Portal  de  huraa  fazenda  sua  este 
Jeireiror:  ceòo  de  griío  he  bom  para  graxa  =:  querendo  que 
o  Mundo  se  aproveitasse  desta  descoberta  ;  porém  como  esta 
invenção  he  quasi  impossível  de  se  pôr  em  praxe,  por  isso 
quando  nos  pedem  alguma  cousa  difficultosa  ,  ou  para  raelliar 
dizermos  asnatica,  respondemos  aíFoitamente  ,  ora  cebo  de 
grilo  que  he  bom  pAva  graxa. 

Ao  Editor  remettêrão  de  Leiria  a  seguinte  advinhação : 
os  peritos  nesta  arte  se  devirtirao  com  ellí?  desenvolvendo  a  sua 
intelligencia ,  se  tiverem  paxorra  para  isso ,  que  o  folheto  se- 
guinte tirará  iodas  as  dúvidas. 

Por  ave  nos  ares  vivo , 

Mas  da  terra  me  sustento, 

Sirvo  aos  homens  de  alimento, 

E  a  quem  me  quer  nao  me  esquivo; 

Preza  estou,  mas  com  motivo, 

Preza  esiâr  não  me  entristece; 

A  muita  gente  aborrece 

A  minha  grznà^  dureza, 

Sou  quente  por  natureza^ 

Tenho  lã ,  roas  t\2ío  me  aquece. 

O  moço  do  Poeta  hindo  huma  noite  destas  assistir  a 
hum  casamento  da  Enleada  do  seu  çapateiro  ,  para  que  fora 
convidado,  e  vendo  que  ôoi  toda  aquellâ  companhia  ferviãcr 
os  fjons ,  pois  a  Irmã  do  dono  da  casa  era  O,  Aniceta  ,  a 
inãi  viuva  U.Fictoriria^  huma  sobrinha  D>  M^^urhia  ,  eaté 
liuma  criada  em  honra  do  Dia,  peitou  os  ofíiciaes  ,  e  apren- 
dizes para  iiie  chamarem  D,  /liberta^  desembrulhou-se  este 
jtótóiuio  daquclla  praga  de  Vons  com  o  seguinte 


I 


(7) 
S  O  N  E  T  O. 


Senhora    Dona  AMa  chegue  cá, 
Com  Dcrja  Contradança  venha  aqui ; 
Porque  a   Lona  Farofa  agora  ouvi 
Dizer  ,  que  já  sem  Lcm  Dan:as  não  ha: 

A    criada  que  esfrega  ,  ou  traz  o  cliá  , 
Com  Dtvt  em  certa  essa  ha  pcuco  vi; 
E  se  isto  vai  avante  per  ahi, 
O   leque  de  Dcm^  Lorn^  em  fogo  dá. 


Ha  muitas  que  não  tem  dez  réis  de  pão. 
Querendo  lhe  dem  Lom  sem  tom  nem  som, 
E  só  do  ar  ào  iJom  vivendo  vão : 


Nada  ,  meninas,  isto  não  vai  bom  ! 
Porque  se  acaso  as  rrcdas  nisto  dão , 
Não  vereis  cão  nem  gato  sem  ter  Dom. 


AVISOS. 


InsvríGTiO  Jaqves  Serr/!o ^  homtm  que  eu  conheço; 
e  vossas  mercês  iião,  declara  a  bem  da  humanidade,  o  reme- 
do para  tcdas  as  pessoas  que  forem  calvas  ,  c  de  quaíqiíer 
idade  que  sej$o  ;  vem  a  ser;  usarem  todos  os  dias  decabel- 
Jeira  ,  porque  deste  modo  fica  a  mesma  calva  incoberta  aos 
olhos  de  todos  \  advertindo  que  a  dita  ha  de  ser  feita  por  ca- 
belleireiro,  e  to^da  de  cabeJJo,. 

Rebuim  ^^ari^ue  de  nação  Arábica,  passou  a  esta  Ca- 


<8) 

pitai  attraliído  da  fama  que  corre  da  delicadeza,  com  que  a 
ponta  da  agulha  cm  Portugal  faz  os  seus  deveres,  nãoestan. 
áo  ferrugenta,  pois  tem  vi«to  bordados  de  muita  galantaria: 
elíe  traz  mappas,  e  dcbuchos  em  que  se  metieo  para  se  lhe 
bordar  a  sua  arvore  de  Geraj.lo  em  Barbaria ,  ou  Ruão  de 
Cofe,  que  são  fazendas,  em  que  se  distinguem  bem  as  cores 
desta  Nação :  f^  houver  algum  curioso  que  borde  bem  de  re* 
^emuinho,^  ou  ^J  fonto  a  traz  ,  e  pmtto  adiante  ^  e  quizer 
ajustar  a  factura  da  obra,  não  tem  roais  que  fazer  argel  a 
qualquer  pessoa  que  topar  no  largo  dos  Inglezinhos.  Adver- 
íe-se  que  o  mesmo  Rebuim  Zarique  também  dá  muito  que 
fazer  era  lhe  tomarem  pontos  ás  meias  de  que  usa. 

Chegou  a  esta  Cidade  Clavina  de  Ambrósio^  fomoso 
dentista,  que  concerta,  agussa  ,  e  alimpa  toda  aqualidadede 
dentes,  tanto  de.  serra,  de  pente,  de  roda  de  nora,  como  de 
ancora,  e  de  alho,  &c.  também  pôe  ordens  de  dentes  posti- 
ços, feitos  de  cera,  tanto  na  gente,  como  nos  aniraaes,  e 
os  que  não  podem  chegar  a  este  gasto  lhos  pòe  de  cebo ,  fi- 
cando táo  fortes,  que  se  pôde  comer  coni  clles,  e  .partir 
£jioze8,,e. pinhões. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J,  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
€om  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço* 


'     •iíljtifc 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 

PARTE     LXXV. 

Cruz  dos  quatro  caminhos  24  de  Setembro, 

V^  Ue  ha  horas  desdichadas  ,  e  diis  aziagos,  hí  dos  li- 
vros: Judas  quando  nasceo  botou  tanta  reima  no  seu 
dia,  que  sempre  quando  vem  faz  mal.  O  Mestre  Simão, 
Çjpateiro  de  Nação  porque  nasceo  em  rua  de  Capateiros, 
e  em  casa  de  CJapateiro,  hum  dia  desta  semana  levantou-se 
da  rabeca  com  tanta  zanga  ,  que  pareceo  que  aíguin  zarolho 
o  atravessou  ;  logo  ao  destr?ncar  a  porta  quebrou  o  bebedouro 
das  Galinhas,  e  esborrachou  hum  Pinto,  que  quando  lhe 
puchavão  pelo  rabinho  picava  na  aza  ,  signa!  evidente  que 
havia  ser  Galinha  ,  e  não  Gallo,  Ao  solar  humas  botas  es- 
toirou-lhe  a  cevella ,  picou  hun  dedo,  e  entroi^-lhe  o  bispo 
DOS  feijões,  que  tinha  para  o  jantar  :  Não  pararão  ainda  a- 
qui  as  infelicidades  do  Mestre,  foi  avisado  para  a  ronda. 
(Oh  quanro  melhor  fora  metter  homem  por  si,  e  gasrar  a 
caravella  do  que  succe3er-lhe  o  que  lhe  succedeo, )  Derno 
Ave  Marias ,  eis  o  bom  Mestre  embuça-se  no  capote  de  sete 
cores  ,  agarra  no  espadim  de  luto  ,  e  sahe  ,  mas  ao  sahir 
pega-lhe  o  feixo  da  porta  na  rede,  e  faz-lhe  huma  reve- 
rá 


renda   farpa.   Partio,    esconjiH-ando-se,    a   casa  de  huma  saa 
Tia  velha  que  benzia  de  quebranto  para  Jheendireitar  a  sorte, 
e  purificar  os  humores  cora  alguma  lenga  lenga  ,  mas  a  velha 
não  estava    em   casa ;    e  o  Arrogante  ,    o  efío  mais  matreiro 
daquella   rua    tomou-lhe   o  pulso  com  os  dentes  a  huma  per- 
na ,    e  fez-Ihe  a  meia  n'um  frangalho.    Não  parou  ainda  aqui 
o  teimoso  destino  do  Mestre  Sistor-^    entrou  n*uma  Taberna 
a  beber   o   seu    meio  quartilho  do  tinto,    e  como  eslava  aza- 
ranzado  de  tanto  naufrágio  escorrega-Jhe  o  copo  ,  e  foi  mais 
hum  tostão,  farte  dia  dizia  o  Mestre,  mas  não  se  iembra»^ 
va    já  que  era  noite,    e  que  aquillo  erão  prelúdios  de  maio» 
res  infortúnios.    Foi   ao  Rende z  vous  da  ronda  onde  Jhe  en- 
caixarão nas  unhas  huma  matraca  ,  c  o  mandarão  para  aquel- 
le  descampado  da  estrada  da  Penha.    Aili  se  ameijoou  o  po- 
bre,   quando   ãs    duas    por  três  sente  ruido ,   e  vê  vir  huma 
faca    mestra  toda  torsida  tazendo  torsicolos  pelo  caminho,  e 
batendo  com  as    patas   nas   silhas,    então  a  guardou  que  lhe 
chegasse  mais  ao  pé ,    e  locou  :  porém  a  faca  que  era  nova, 
e  vinha  desapercebida,    espantou-se,  tem  daqui ,    tem  daiJi , 
atira    com  o   Cavalleiro  ao  chão  que  também  vinha  desaper- 
cebido ,  e  quai  em  vingança  de  tal  desordem  vai-se  ao  Mes- 
tre ,    e    arrochou-lhe  o  corpo  com   a  espada  sem  o  comover 
os  seus   tristes   rogos.    O  C^apateito  então  tez  tenção  de  não 
tornar   a   tocâr  a  matraca  aquelia  noite  por  lhe  não  succeder 
oalra;  quando  dalii  a  pouco  vem  hum  Militar  muito  reso]uro 
embuçado  no  seu  capote,  e  com  a  su^  espada  lestra  ,  e  passa 
mesmo  pelo  pé  de  Matraqueiro  \  este  não  tocou  ,  e  o  militar 
julgando  ser  ladrão  hum  homem  ãquellas  horas  natyuelle  sitio, 
íembrando-ise  que  quem  dá  primeiro  dá   duas  vezes,    bota-sc 
««lie  como  hum  raio,  o  Mestre  gritou  piedade,  c  a  matra- 
ca   resoou  com  as  taponas,    que  foi  a  sua  tedempção  ,    cho- 
rando cora  as   dores  das  sarabandas  ^  e  então  assentou  o  Ca- 
pateiro  comsigo  a  homem  de  cavallo  não  tocar,   e  a  homenn 
de    pé  tocar  sempre;    eis  neste  comenos  sente  pés  de  quadrú- 
pede ,    disse  então  comsigo:    ftào  toco    que  estou  -embrado 
da  outra ;  mas  este  era  o  Alcaicie  do  Bairro  que  hia  a  huma 
diligencia  ,    o  qu-al  vendo  que  o  Matraqueiro  não  tocava  de- 
pois   de  o  reprehender  asperamente  mandou«o  render,    e  ^w^ 
caixoíar    no    Limoeiro,   que    foi   coro  que  coroou  a  festa  de 
Ião  âssignalado  dia. 


(  3  ) 

Guimarães  19  de  SetemWê» 

Sabemos  por  noticias  frescas  a  inextinguível  epidemia 
que  gfaça  por  toda  esta  Vilja  ,  morrendo  huraa  grande  quan- 
tidade de  genfe  por  cousas  boas  ;  principia  este  mal  por  hu- 
ma  inquieta çHo  no  desejo  ,  degenera  ás  24  horas  em  dór  de 
ilharga ,  e  acabj  em  grandes  ítquxos  de  rizo  ,  além  das  pes« 
#oas  que  tem  sido  vicrimns  deste  grande  mal,  se  observou, 
que  elle  fe/:  diversos  effeiros  em  hum  Cavalheirote  tíaquella 
Viila  chamado  Z).  Feliciano  de  dtas  cançadoç  ^  o  qual  juU 
gando»se  em  perfeita  saúde,  e  entrando  huma  noite  e«tura 
pelo  lugar  de  VaJ  de  lançóes  lhe  à^o  hum  accidente  qjie  o 
deixou  em  hum  iethargo  ,  em  que  esteve  toda  a  noite  até 
que  tornou  a  si  com  borritos  da  agoa  da  Aurora. 

Carta  que  escreveo  Iheodozia  Miria  a  seu  filho  ,  tjue  anda 
nos  Estudos  d^  C'>tyHhra  ,  n  qt*al  psr  artes  rio  Almo- 
creve veio  em   copia  às  mãos  do  Editar. 

Pard  30  de  Ju/i/o, 

Meu  caríssimo  ,  «  muito  amado  filho  da  minha  varo* 
nica  do  coração:  a  minha  benção  te  boto  ,  e  te  cubra  para 
que  sejaá  hum  Santo  ;  do  mesmo  modo  se  te  recommenda 
teu  Pai ,  que  te  nao  escreve  ,  senão  esta ,  que  hé  ^eira  por 
mim ,  pois  anda  alabutando  nas  fazendas. 

Cá  a  recebi  noticias  tuas  por  hum  carta  ,  que  a  recebeo 
teu  Pai ,  e  elle  se  agastou  muito  pelo  tratares  com  tantas 
therolicas,  e  pyrarabulas  jaculatórias.  Tinha  a  tal  carta  huma 
letra  tão  somenos,  e  enrabiscada,  que  não  Iheescapsndo  hum 
seitil  com  a  ingrilaçlo  da  vista,  lhe  suou  o  nariz  tanto,  que 
os  olicos  lhe  cahírão  inflabilidades  de  vezes  sem  lomhrig.ír 
os  teus  amantes  colloquios ;  e  como  eu  estava  muito  occupa-^ 
da  nessa  incasião ,  chamou  teu  Pai  hum  menino  orfao ,  nos- 
so visinho,  para  que  lhe  puzesse  em  Portiiguez  a  maldita  Car- 
t.i.  Lá  lhe  mandavas  dizer  que  estavas  pa^a  entrar  no  curso 
do  degráo  de  Bacharelo;  a  isto  responde  teu  Pai  que  depois 
de  hires  correr  essa  Nuversidade,  parece  mal  vires  só  Bacha- 
relo,   porque   já  cá  o  eras  ingeminado,   porque  quando  teu 


t4) 

Pai  esbarrou  comtigo  nessa  Terra ,  era  para  termos  a  jubifa» 

çâo  de  re  enxergarnios  ó  Sirurgiáo  ,  ó  iníoríBado  na  Diíficul- 
daJe  dos  Creligos,  que  os  mais,  diz  teu  Pai,  que  são  Dou- 
tores de  íibis  quoeres:  e  não  desejamos  que  te  chamem  por 
cá  quindunho,  que  não  lia  cousa  mais  amazoilada.  Também 
se  consumio  muito  por  mudares  de  nome  ,  pois  se  eras  d'an- 
tcs  Ambrósio  Piíorra ,  para  que  puzestes  no  sobrescrito  Am- 
brósio Palhoça:  eiíe  jurou-te  pelas  barbas,  chamando-te  in- 
divido ;_  e  o  certo  he  que  vossês  outros  em  se  apartando  do 
bafo  da  saia  ,  logo  íevaiuão  o  olho  á  coifa  sem  fazerem  min* 
goa  de  que  aínda  rrezandão  aos  coeiros.  Teu  irmão  mais 
velho  já  está  Precurador  da  Irmandade  ,  e  o  pequeno  já  cons- 
truio  o  outro  dia  nos  olhos  de  teu  Pai  a  Prezodia ;  e  o  tal 
iDenino.oifão,  nosso  visinho,  não  lhe  pôde  dar  hum  sóqui- 
náo  nos  demifiativos  na  parte  neltra  ;  e  anda  agora  metendo 
na  cabeça  as  lambaragens.  Não  te  esqueças  de  ler  naquelles 
livros,  qne  te  det=:  Dos  contos  de  Trancoso,  :=:  a  Plingri* 
nação  de  Angélica,  s  e  as  Canónicas  da  Grdera  de  Bertol- 
do ,  que  sobre  tudo  são  as  ma^s  divertidas.  Tua  Irmã  fica 
iBuito  doente  de  quebranto  ^  e  untada  do  ungoento  saralhôto. 
As  novidades,  que  aqui  correra ,  meu  rico  filho,  são  que  nas 
guelras  ,  que  trazem  os  Turcos  com  os  da  nova  Apolónia, 
já  pedirão  trevas.  Não  tenho  mais  que  dizer-t€,  senão  que- 
sejas  bom  ,  não  tenhas  más  companhias,  cozeste  comtigo ^ 
Bera  te  traves  com  alguém ,  e  cuida  nos  teus  estúrdios  com^ 
aquelle  desvario- que.  de  ti  espero.  Arrecebe  a  minha  benção. 
Amem. 

Tua  Mãi ,   que  tanto  ?e  ingemera  cn:i' 
que  saias  perfeito  á  luz  do  Mundo» 

(  Assignada* )  'Iheodozia.  Maria. 

Máximas    fio    Velho    de  Romolares  continuadas  na  mai^r^ 
parte  destes  Folhetos* 

Tuas  acções  ,  teus  passos  medir  deves > 
Primeiro  que  no  Público  se  vejão, 
Discorre  no  que  falias,  no  que  escreves, 
Pára  salvar  que  desacertos  sejão: 


C  f  ) 

Toma  por  mestre  o  tempo  em  todo  o  lance , 
Elle  te  mostrará  que  seguir  devas , 
Também    mostrar-te  pode  de  que  fujas, 
Que  assim  seguro  o  vencimento  kvas. 


Escuta  os  teus  louvores  de  ti  longe. 
Porque  esses  vem  nos  braços  da  verdade; 
Mas  se  tu  os  pedires,  e  tos  derem, 
Rogando«te  emprestado  aigum  dinheiro, 
Olha  que  he  Iodo  seco  com  olheiro. 


Será  bom  pagar  bem  sempre  com  bem , 
Mas  o  mal  não  he  bom  pagar  com  mal , 
A  paga  ,  que  Deos  dá  devemos  ver, 
Se  Deos  pagasse  o  mal  do  Mundo  assim, 
Nen^  ÍMím  pão  haveria  que  comer. 


Se  tens  raeza  posta  ,  e  cadeiras  na  salla , 
De  mais  cumprimentos  te  escusa,   e  te  calla: 
E  a  quem  a  taes  horas  te  vem  visitar , 
N^m  mandes  que  coma,  nem  mandes  sentar  j 
Que  quem  trouxer  fome,  ou  cançado  vier, 
Sem  que  tu  lho  digas,  o  sabe  fazer. 


Rua  da  Atalaya  t6  áe  Setêmlro. 

DisíertílCão    do  nosso  Estudieso  Económico. 

Quantos  concebendo  a  vaidade  de  innovadores,  que* 
rem  destruir  as  máximas,  c  os  axiomas  dos  Sábios,  commet- 
lendo  erros  de  kza  natureza.  Os  grandes  Filósofos  Natura- 
listas dividem  em  ires  Reinos  os  successivos  productos  do 
Orbe  terrestre,  a  que  chaitâo  i^m^y/mw^?/ ,  Rtíno  Vege^ 
t^l ,  Reino  Mineral ,  e  cada  hum  destes  Reinos  subdivi- 
dem,  e  clasifícão  em  diíFerenies  espécie?.  Huma  ginja,  e 
huma   noz,   he  certo  que  pertencem  ao  Reino  vegetal,  por 


(6) 
«erera  fructos  de  arvorrs ;  poréín  que  diíFsrenqa  nSo  ha  de 
huma  cousa  á  outra  ?  A'  noz  coius-se-lhe  o  interno  ,  e  lan- 
ça-se  fora  o  externo;  á  ginj^  coíBese  o  externo,  e  esperdi- 
ça-se  o  interno.  Quem  negará  que  o  figo  ha  hunna  flor ,  e 
que  se  come  ^  e  que  a  maj^â  de  escaravelho  he  hum  Fructo 
que  só  ge  cheira  ,  e  nSo  se  come.  Além  disso  que  difFeren- 
ça  nao  vemos  no  Reino  Animal ,  tendo  todos  os  quatro  Ele- 
mentos habitadores  ?  Na  agca  habiráo  ,  e  vivem  os  peixes , 
nrj  ar  as  aves :  fia  terra  os  reptis ;  e  no  fi^p  a  salamandra. 
Porém  sendo  todos  animaes  ,  era  lhe  mudando  o  Elemento, 
todos  acabâo.  O  peixe  »a  terra  não  vive;  o  teptil  fta  agoa 
morre;  a  ave  no  fogo  termina;  a  salamand^^a  ho  ar  espira. 
Logo  pela  differença,  que  se  encontra  nos  Entes  àa  mesma 
espécie,  e  pelo  qííe  se  acaba  de  ver  que  todos  tem  o  seu 
Elemento  próprio,  de  tal  sorte  que  tirados  delle,  he  difi- 
cultosa a  sua  existência,  se  conclue  que  errão todos aquelles, 
que  tem  por  falsos  os  dois  Provérbios,  que  dizemss  Alfaces 
fiãff  são  pepinos  =:  e  ovelhas  mo  sào  para  mata. 


Com  effeito  da  Praça  da  Figueira  remctte  huma  cola- 
reija  que  alli  ha  esperta  como  hum  Kagado ,  e  mais  fina  do 
que  a  sua  lã  ,  ao  Editor  a  verdadeira  intelligencia  da  ndvi' 
nhação  do  Folb  to  passado  ,  dizendo  que  he  huma  Avelã  , 
e  que  tem  abundância  delias  ,  se  alguém  lhas  quizer  com- 
prar. 

O  moço  do  Poeta  aqui  conduzio  a  seguinte  quadra ,  que 
)he  pedio  huma  Cozinheira  para  se  despicar  das  ofFeosas  que 
tinha   d'um  Carvoeiro  com  quem  teve  pensamentos  de  casar. 

Efcreveo  a  dura  morte  ^ 
Com  vfgros  dedos  mirra4(ís  > 
JSfo  Livro  dos  inftlizes , 
Os  meus  dias  desgraçados^ 


(7) 
GLOSA, 


I. 


Eoto  vesgo  ,   enf..rfu5c.ido , 
Encontrei  hum  Carvotiio, 
Com  passo   de   I^oí  traireiro, 
E  cl'hu  iTa  <i?:c^   ajoiado  t 
Onde  vds  tição  c  remado  ^ 


Lh 


;o  ,  aai ..  deisa  sorte  > 


Xornou-rre  .   pagã  "tje  o  porte  ^ 
B  dessa  faca  nojunio 
Trago  huma  carta  que  ao  mundo 
Escreve  o  a  ánra  morte, 

II. 

Respondi -lhe  ,  deixa  ver  : 
Deo-ma ,   estendendo  a  mão  suja , 
Topei  tanta  gafatuja  , 
Que  na<la  pude  entender: 
Rj-me  sem  me  pocei  ter, 
Mas    o    cáo   que  be  dos  iradcs, 
Erguendo  os   braços  tisnados, 
Por  me  ver  dclle  iombar, 
Me  t]Uiz  os  olhos  tirír, 
Cmn  negros  dedos  minados. 


Safa  ,  arrede  sof4  z^róíbo 
Lhí   disse,   olhe  qí^e  o  engidlp  j 
NiSto  estranho  ^  e  dando  huiii  pulo 
Lhe  balo  hum   bem   rapa  olho  : 
j4i  que  o  catita  quer  molho 
Me  Gjz  ,    instei,  O  qtíe  dizes^ 
çjues   qtie  te  tcrtif  aoi  narhes'^ 
Volta-sc  a  mim,  atide ,  tome  ^ 
E  foi  escrever  ireii  nome 
No  Livro  dos  in/tlizes» 

IV. 

Este     Carvoeiro  ímcrundo. 
Era   o   ccrreio  exquisito, 
Que  lá  do  Iníerno  maldito^ 
Trizia  cartas  ao  inundo  ; 
¥tz  sahir  desse  profundo. 
Centra    miiTi ,  ímpios  cuidados. 
Se   rre  jzentassem  os  fados. 
De  Carvoeiros,  que  piáo. 
Corro  hoje  sáo  ,  não  seriáo  , 
Gs  meus  dias  desgraçados. 


A  V  I  S  O  SL 

Thomé  da  Fonfeca  Arronches  faz  saber  ao  público  que 
elle  abre  segunda  feira  a  sua  Aula  de  esgrima  ,  com  arma 
branca  ;  os  Senhores  curiosos  que  tiverem  barbas  para  se 
lhe  opporem  ,  appareção  porque  elle  se  preza  de  ter  feito  a 
barba  a  muitos  pelas  diíFerentes  partes  por  onde  tem  viaja- 
^,  aos  quaes  quando  experimentão  o  rigor  das  suas  armas, 
costuma  dizer,    9ião  se  torsãQ ^    que  a  í^íivalha  os  buscara. 

Quem  quizcr  lançar  ?io  Baharíc  de  Alcântara  que  se 
tia  de  arrematar  hum  dia  destes,  vá  fallar  am  o  Md  worte 
Boticário  do  Cães  da  P«dra  o  qud  porque  hum  dia  quebrou 


(S) 

Boticário  do  Cães  da  Pedra  o  qual  porque  hum  dia  quebroii 
hom  remo  no  dito  Baluarte  não  passa  por  elle  que  o  não  ar- 
remate com  pragas  exquisitas.  Adveríe-se,  que  podem  lanhar 
nelie  quanto  quizerem  até  mesmo  lançár  fora ,  que  elle  não 
diz  nada. 

Faz-se  saber  ao  público  que  no  sitio  chamado  a  Triste  ^ 
fgta  mora  Victorta  Zabumba  lavadeira  afamada  que  lava  no^ 
rio  seco  ,  a  qual  tem  huma  singularidade  no  seu  lavar  dif- 
ferente  de  todas  as  outras  Lavadeiras  ,  porque  da  ropa  qu« 
laya,  tira  maquia  como  os  Moleiros;  a  que  vai  sã  vera  ro- 
la-^ ia  que  vai  rota  vem  esfarrapada  ,  e  a  que  vai  esfarrapada 
fica  lá  pelas  custas ,  praticando  isto  com  o  melhor  aceio  do 
mundo.  As  pessoas  que  se  quizerem  afreguezar  com  ella  prò- 
curem-na  ,  advertindo  que  tem  tanto  que  fazer ,  que  a  ropa 
<|ue  lhe  vai  á  mão  pelo  Natal ,  não  a  traz  senão  pelo  S. 
João, 

^  abertura  do  priraeire  curso  da  Aúthmetica  bastar» 
da  pelo  Professor  da  Girigorice  he  na  Travessa  das  Bruxas, 
no  dia  3  de  Novembro  do  presente  anno  ;  elle  se  propõe 
ipúBlicamenic  a  fazer  ver  por  hum  novo  algarismo ,  quantos 
fazem  dois  em  huma  só  figura  ,  conhecendo-se  por  todos  os 
ângulos  a  razão  porque  cifra  vale  9  que  10  não  pode;  por- 
que a  poder  muitos  se  teriáo  valido  dessa  aberta :  Como  se 
deve  entender  quem  de  nove  tira  dez  quantos  fícão :  Como 
se  conhecerá  o  valor  de  hum  Barco  com  velas  ,  etudo;  Tu- 
do isto  ensina  em  hum  abrir ,  e  fechar  d'olhos  :  as  pessoas 
que  estiverem  airazadas  em  contas  ,  e  se  quizerem  adiantar 
nellas  serão  admittidis  na  Aula  por  assignatura  de  mez ;  e 
quem  quizer  lições  por  casa  pôde  sufecrever  o  seu  nome  no 
muro  novo,  que  he  adiante  das  Olarias. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembarga  do  Paço. 


ALMOCREVE   DE   PETA& 

P  A  R  T  E     LXXVIL 

Eua  dês  Brilhantes  lo  de  Outubro. 

Em  succedido  chegarem  ás  ventas  a  muitos  s6  por  dá  cá 
aquelia    palha;   porém  estes  araotinadores  dos  Bairros  ,   que  an- 
dáo    de    richavelha   ha  seis  mezes   de  dia  á  dia  assim  que  sé 
encontrarão  ao  virar  da  esquina  desta  rua,  sem  mais    tira-te, 
nem  guarda-te  ,    raetiêrâo  os  ^ois*  mãos   ás  celebradas  esp?di- 
nhas    da    moda  para  se  acutilarem,    sem  usí^rem  das  ceremo- 
nias    de    politica  que  os  antigos  praticdvao  no?  seu«  dnéíos  ; 
ha  quem  diga  que  estes  dois  individuos  tem  toda  a  ra'Z'1o  para 
o  fazerem  assim  ;  porem  eu  digo  que  são  hans  Ioi>co>  de  ^e- 
dras,  e  creio  que  náo  desistirão  da  empreza  cm  quenroslfum 
nao    ficar  pelas  custas.  O  objecto  desta   pendência   Ivc  a  pre- 
sumpÇclo  que  se  lhe  merteo  a  ambos   na  ciheça  de  cue  são  Fi- 
dalgos de  meia  tigella  ,  o  que  negg  hum  ao  ourro  qjaiuio  cm' 
alguma  companhia  apurão  as  çu>s  gerações;  hum  dizquerrírt 
Senhoria    de  Itália,    porque  he  filho  d^i  velha,    o  outio  dtz 
que  tem    /).   de   CasteUa  fo^ijue   he  filht  di  joba:    hum 
todas   as    acç6es    que    pensa  spo   por    esses   ares  ;     ^7    outr<í 
tJécío  quanto  faz  be  por  hi  além  y    hum  prcâume  de  sábio  , 
17 


o  outro  capricha  de  tollo  \  huai  he  valente,  e  parte,  o  ou^^ 
tro  parte  ^  e  não  he  va/t»te  ^  \mm  he  gordo  como  hum  ra- 
nho, o  outro  he  magro  c9m&  hum  ca''4ipdo\  hum  he  de  mar-^ 
ca  de  Pilatos ,  o  outro  he  de  marca  de  'Judas ;  hum  he  lar- 
go das  espadoas,  o  outro  he  curto  cos  ms'^  hum  he  rico 
como  hum  porco,  o  outro  he  pobre  como  Diógenes  hura 
sempre  traz  a  bolsa  rolJça  ,  o  outro  sempre  a  traz  chata  ; 
hum  he  feio  de  gordo,  o  outro  ainda  que  magro  he lem  pa* 
Tecido  ^  de  sorte  que  a  differença  de  parte  a  parte  he  muito 
pouca,  e  esta  mesma  foi  bastante  para  no  fira  da  pendência 
hum  ficar  sem  o  chapéo,  o  outra  ficar  sem  o  Joséstnho\ 
hum  ficar  sem  hum  çapato,  o  outro  ficar  sem  o  alfintte  com 
que  se  defendia  \  hum  ficar  sem  jantar ,  o  outrç  ficar  se yn 
cêa y  porque  o  ciaso  não  era  pára  menos;  e  senão  fora  hum 
paz  d'ahTja  que  os  apartou  naquelle  conflicto  certamente  acon- 
teceria metter-se  oRocio  pela  Biiesga,  hum  pépor  huma  mão, 
CS  dedos  pelos  olhos,  agulhas  por  alfinetes,  e  chegarem  a 
saber  todos  as  linhas  com  que  cada  hura  delles  se  coze,  que 
era  peior  que  chover  no  raolhavo ,  pois  que  a  sua  bulha  jus- 
tamente se  assemelhava  com  as  que  tem  as  mulheres  na  Ri- 
beira  ,  onde  se  ouve  o  feito ,  e  o  por  fazer ,  o  que  são ,  e  o 
que  forão ,  onde  os  miseráveis  Avós  ainda  depois  de  mortos 
fazem  ás  vezes  huma  bem  triste  figura,  porque  naquellas  bô* 
cas  de  Arraia  tudo  se  accommoda. 

Boa  Morte   iz  de  Outubro. 

Domingo  passado  serião  seis  horas  da  manhã  quando 
se  vio  todo  este  Bairro  amotinado  ;  muita  lagrima,  efallacia 
de  compaixão  pelo  voato  que  alli  correo  com  toda  a  certeza 
que  huns  rapazes  no  principio  da  travessa  dos  Ladroes  ti n hão 
achado  huma  cabeçi  dentro  de  hum  saco.  Esta  noticia  encheo 
toda  aquella  gente  de  pavor,  e  liuma  pobre  mulher  que  linha 
hum  filho  bastantemente  turbulento  ficou  em  anelas  se  seria  o 
seu  filho  o  sacrificado  pelas  mãos  da  tyrannia ,  chamando-se 
a  mulher  mais  desgraçada,  e  toda  a  visinhança  compungida, 
e  mortificada  do  desastre,  que  se  ouvia  lamentar :  sahírao  aU 
gumas  pessoas  a  quererem  ser  expectadores  daquella  horrorosa 
scena  ,  e  chegando  ao  sitio  logo  souberâo  que  com  cíFeito 
fora  certo  terem  achado  os  rapazes  hum  saco  com  huma  ca* 


Í3>     , 

beça    de  páo  denfro,    <jue   cahira  de  hiifra  canastra  na  noite 

antecedenre  a  hum  Galego  que  andava  mudando  os  trasces  da 
Joja  de  hum  Cabelleireiro. 

Santa   Martha    7  de  Otituhro. 

Qa^rta  feira  passada  houve  Reste  sitio  huina  grande  fun- 
ção dedicada  aos  annos  de  humja  Senhora,    de  que  &e  segiiio 
a  assembléa  mais  vistosa ,    luzente,    e  farra,    que  já  mais  se 
observou,  Forão  a  esía  função  dois  sujeitos  hum  que  tocnva 
flauta    por  curiosidade ,    e  outro   que   fazia  versos  no  ultimo 
ponto  de  perfeição.  Depois  de  se  brincar  muito  houve  huma 
abundante  cêa  ,  em  que  o  da  flauta  bebeo  só  á  sua  parte  duas 
garrafas   de    vinho,    e    ficou   tio   pezado  que  o  companheiro 
mal    podia  com  elie.  Era  huma  hora  da  noite  quando  sahírão 
da  festa ,  eis  o  Poeta  com  :dó  de  desamparar  o  Flautista  por- 
que morava  em  Alcântara ;  e  como  o  Poeta  estivesse  também 
de  hospede  na  rua  Augusta,    e  lhe  parecesse  mal  entrar  cora 
segundo   hospede  pela  porta  dentro,    entrou  a  considerar  co- 
mo  se  havia    de    descartar  do  seu  amigo  sem  que  lhe  succe- 
desse  perigo  ;    e  lembrando*se  que  na  rua  dos  Canos  está  hu- 
ma Estalage  com  seges  de  aluguer  ,    e  que  de  noii€  'fica  hu- 
ina   caleça  na  rua,    com  muito  custo  foi  conduzindo  o  com- 
panheiro,   que  mal  se  podia  ter,    ao  referido  sitio;    e  a  pe- 
nas  chegou   abrio  a  caleça ,    mctteo  para  dentro  o  Fkuiista , 
fechou. lhe  as  cortinas ,    e  deixou-o   como  quem  o  deixava  na 
«ua  aícoba.  A  desgraça  porém  que  nunca  se  descuida  de  per- 
seguir os  infelices  fez  com  que  a  dita  caleça  estivesse  alugada 
para  ir  naquella  madrugada  para  Torres  buscar  huma    gente, 
e    com    effeito  serião  duas  horas  quando  o  Calecciro  metreo 
as  bestas  nos  varaes,  e  sem  abrir  as  cortinas  montou,  e  par- 
lio ;    e   chegando    a   Santo  António  do  Tojal  ao  romper  da 
manhã  ,    foi    então   quando  o  amigo  Flautista  acordou  muito 
espantado  do  que  via,  abre  as  cortinas  ,  o  .Arrieiro  olha  para 
a  caleça,  ficão  em  hum  expasmo  :  o  homem  quer  sahir,  o  Ar- 
rieiro quer  apear-se  de  vergalho  na  mão,    dftxa-nvs  ,f?ão  me 
dés  y    diz  hum,  ponha- fe  fora  velhaco^    diz  o  outro,   qt/er 
fa^^^r  jornada  de  graça}  bei  de  macallox  a  esie  tempo  che- 
ga hum  rapazote  montado  em  hum  cavallo  que  lhe  cm  pres- 
lárão  que  nada  tinha  de  manco,    e  seguia  a  mesma  estrada 


para  Aléraqoer ,  e  vencto  aqudla  tyrannia  apeou-se  para  osa- 
pai  tar  ;  porém  o  cavalliníio  que  se  pilhou  sem  carga  ,  foi 
huma  ventoinha  para  Lisboa  á  redéa  solia  ,  que  foi  aonde  pa- 
rou. O  Caleceiro  seguio  a  sua  jornada  ,  e  os  dois  miseráveis 
sem  dinheiro  na  algibeira  não  tiverão  ir.ais  remédio  que  vi- 
rem em  b(.»a  união  pelo  seu  pé  como  quem  anda  passeando 
pelo  passeio  público  :  hum  protestou  de  nunca  mais  montar 
a  cavallo ,  e  o  outro  de  nunca  mais  andar  de  sege. 

Maxrmaj  do  f^c/bo  de  Romulcires  continuadas  na  maior 
parte  destes  Folhetos. 

Que  direi  de  alguns  daminhos , 
Com  entrada  em  toda  a   parte  j 
Porque  hum  amigo  traz  outro, 
Entra  na  fé  dos  Padrinhos 
Casaa  de  hom  paladar. 
Onde  a  multidão  se  estima; 
Ditosos  antjos  da   Prima  , 
Que  a  noite  fazem  perder  \ 
Nem  se  procura  saber. 
Os  individues  quem  sâo, 
Entra  tudo  a  trouxe-mouxe, 
Que  o  que  se  quer  he  brincar. 
Se  o  Senhor  TafuI  das  modas 
Souber  bem  contradançar  : 
Juro  que  toda  â  desordem, 
Nasce  desta  má  escolha  j 
Se  formos  correr  a  folha, 
A  algum  destes  Taful6es, 
Veremos  que  os.  seus  brazoes, 
Vem  de  huma  vida  vadia ^ 
Para  bem  se  conhecerem, 
Precisa  muita  invençãq, 
E  ainda  assim  mal  se  conhecem 
Porque  huns  parecem,  não  são. 
Outros  são  ,  não  o  parecem. 

Moço  fui ,  e  inda  alcancei 
Os  bpns  costumes  antigos^ 


It 


A's  funções  que  eu  observei  , 
Não  hião  chusmas  de  annigos : 
Hia  o  filho  por  prendado, 
Na  companhia  do  Pai, 
Dias  antes  empenhado , 
Até  que  dizia  =:  vai  : 
Que  se  melindre  he  preciso, 
Na  donzeiJa  recatada  , 
Nao  menos  se  necessita  , 
Para  entrar  Monsieur   de  tal 
Na  casa  seria  ^  e  honrada 

"Rato  t  de  Outuiro. 

Pelas  ultimas  cartas,  que  vierãp  em  hum  masso  da  Fa-:^ 
brica,  se  souberão  nrvidades  dignas  de  expectação,  a  res- 
peito do  jogo  :  Hum  Taful,  que  estava  em  huma  companhia 
de  homens  cordatos  jogando  o  Voltarete,  e  pedindo  o  pri* 
meiro  a  costumada  licença  ,  s?hio  o  Taful  pedindo  prefe- 
rencia, e  declarou  gerai  em  copas,  s€m  ter  a  espadilha  :  ou- 
tro jogando  o  Wisle,  terdo  as  quatro  manilhas ,  não  fez  hu- 
ma só  vaza;  porque  lhe  cortarão  rodas,  até  a  do  trunfo :  ou- 
tro jogando  a  arrenegada  ,  e  sendo  obrigado  a  ir  á  cascarri- 
Iha  ,  deitou  a  espadilha  fora,  para  levar  o  basto:  outro,  que 
estava  jogando  a  zanga  ,  perdeo  de  resposta  com  chalupão  , 
e  dois  valés  guardados  ,  pois  se  zangou,  porque  o  seu  moço 
a  este  tempo  lhe  veio  pedir  lo  réis  para  ir  comprar  de  chá, 
para  dar  ás  visitas,  que  tinha  em  casa:  outro  jogando  o  pi- 
lha com  Senhoras,  teve  por  felicidade  perder  quanto  dinheiro 
levava  comsigo;  porque  ellas  he  que  erao  o  pilha:  outro  jo- 
gando a  bisca,  fez  cinco  biscas,  e  nove  pontos  em  fipurfis ,  e 
não  gonhou  o  jogo:  outro,  que  estava  jogando  o  delia,  fi- 
cou sem  elle ,  porque  lhe  ganhou  o  parceiro;  e  só  consta  que 
hum  jogando  os  murros  ganhasse,  porque  o  parceiro  lhe  deo 
vinte  e  cinco  de  partido. 
t  . 

Rua  da  Atalaya  9  de  Outubro. 
Dissertarão  do  grande  Estudioso  ccerrimo  nas  experiências 

económicas. 

Por    falta  de  indagação  desconhecemos  as  mais  das  ve- 
zes os  fenómenos   da   natureza  :    olhamos  com  os  olhos  su* 


perfíciaes  para  os  objectos,  e  deixamos  em  total  abandono 
a  investigação  das  suas  qualidades.  He  a  agua  hufn  sólido  a 
quem  vulgarmente  quasi  todos  os  homens  chamâo fluido,  mas 
a  sua  superficialidade  he  que  os  illude.  Todos  sabem  que  na 
Noroega  ,  na  Laponia  ,  Rússia,  e  vulgarmente  em  todos  os 
Paizes  do  Norte  logo  que  o  Sol  passa  para  o  Trópico  de 
Capricórnio,  as  fontes  se  prendem,  os  rios  se  gelão,  eoraar 
se  enrigela  :  logo  quem  motiva  este  fenómeno?  he  a  falra  de 
calor  i  logo  o  calor  he  quem  traz  este  sólido  dissolvido.  As 
icoileculas  ip^neas  de  figura  orbicular ,  que  se  introduzem  pe- 
los intresiicios  deste  sólido  são  quem  fazem  a  sua  desunião 
de  partes  ,  e  de  solução  ,  nao  precisa  o  itosso  vistnho  Feijó 
conçar-se  em  no-lo  mostrar  nas  suas  paradoxas ,  que  a  recta 
razão  o  estava  pregando  :  por  consequência  sendo  a  gua  hum 
sólido  tem  toda  a  homogenidade  com  a  abobra  carneira:  pri- 
meiro ,  a  agua  he  sólido  ,  e  a  abobra  também  o  he  :  segundo^ 
a  agua  he  branca,  e  a  abobra  igualmente:  terceiro,  a  agua 
he  fresca,  e  que  cousa  mais  fresca  que  a  abobra  !  Q|.íarro, 
com  a  agua  lava-se  o  rosto  ,  e  as  mãos  ,  com  o  miolo  da 
abobra  faz-se  o  mesmo:  A  agua  procura  a  barriga,  e  a  abo- 
bra procura  a  das  pernas  secundum  sensum  Boctorum  :  só  tem 
cada  hum  destes  sólidos  huma  prerogativa  própria ,  e  he  que 
a  abobra  torna-se  em  agua,  e  a  agua  não  se  pôde  tornar  em 
abobra  ;  que  a  agua  nasce  sem  abobra,  e  a  abobra  não  pôde 
nascer  sem  agua  ;  donde  seconclúe  pela  identidade  destes  dois 
sólidos,    que  não  errão  os  que  dizem  que  a  abobra  he  agua. 

O  Moço  do  Poeta  vespora  da  Procissão  do  Corpo  de 
Deos  perdeo  a  noite  pelas  ruas  glosando  alguns  motes  ás 
Senhoras  que  nas  janellas  eníeriinhão  o  somno ,  e  no  princi- 
pio da  rua  Augusta  teve  huma  menina  o  animo  de  em  lugar 
de  Mote  lançar  pela  boca  fora  a  seguinte  t^uadra  ^  e  a  pe- 
zar  dos  ditos  soltos ,  que  sempre  apparccem  naquella  occa- 
íiião  vexando  os  Poetas  ,  o  bom  do  Mocinho,  mandando  callar 
a  parle  do  Sol,  c  pedindo  aircnjão  á  parte  da  sombra ,  sahio 
,1  público  com  a  seguinte  Glosa. 

a  U  A  D  R  A. 

Perliné)  de  port.i  em  porta 
Andu  o  yí/bre  todo  o  dia , 


(7) 
Dorme  tio  chão  sobre  trapos , 
Mas  vive  com  alegria. 

GLOSA. 

I. 

Vive  o  pobre  entre  imraundicía, 
Pur  magro  feito  hum  cangalho , 
Tem  por  vestido  hum  frangalho  | 
O  rosto  he  cor  de  icterícia  : 
Traz  por  costume  j  ou  malícia , 
No  peito  a  cabeça  torta , 
O  frio  as   carnes  Ihè  corta  \ 
Anda  ,  pede  ,  reza ,  e  lida  , 
Mas  alegre  passa  a  vida 
Jredtndo  de  porta  cm  porta* 

II. 
Do  peito  as  fundas  cavernas , 
Quando  ergue  a  voz  se  lhe  ampIeião„ 
Pelo  fato  lhe  passei  ao 
Migalhas  de  pão  com  pernas  : 
Porém  devoto  ás  Tabernas 
De  noite  faz  romaria  ; 
Troca  vinho  por  fatia  , 
Os  seus  devotos  brindando; 
Por  este  bem  mendigando 
Anda  o  Pobre  todo  o  dia. 

IIL 

Seu  alvergue  he  hum  telheiro , 
Traz  unhas  bem  como  enchadas. 
Barbas  somente  cortadas 
Por  aprendiz  de  Barbeiro  : 
Por  três  réis  c'um  companheiro 
A's  vezes  joga  os  sopapos; 
Todo  o  seu   trem  são  farrapos. 
Mas  a  trabalhos  aíFeito, 
Melhor,  que  o   rico  cm  bom  leito. 
Dor -me  no  chSo  sobre  traios. 


(8) 

IV. 
Se  topa  hum  bom  camarada, 
Náo  faltâo  contos ,  e  ás  veze  s 
Também  nisto  de  Francezes 
Mctte  a  sua  colherada  : 
Murmura  estar  acabada 
A  devoção  d'algum  dia  ; 
E  sem  mais  tafularia, 
Que  andar  cahindo  a  bocados., 
Náo  só  ronca  sem  cuidados, 
Mas  vive  com  alegria. 


A  VISOS. 

Quem  quizer  ler  de  cadeira,  n^o  tem  mais  que  sentar-se 
nella  com  hum  livro  na  mão,  e  sabendo  ler  vencerá  em  hum 
instante,  o  que  muitos  não  conseguem  era  annos. 

Vende-se. ainda  em  muito  bom  uso  huma  peça  de  fumo 
da  chaminé ,  feita  de  vários  combustiveis  j  quem  precisar  del- 
ia para  alguns  enfeites  tristes,  falle  cora  o  Bicho  da  Cosi- 
nha  que  foi  de  /Jgos linho  Botelho  ^<\wq  2i  vQná^  por  precisão 
que  tem  de  bezaruco. 

Silvestre  do  Valle  ^  homem  de  mão  cheia  tem  licença  pa- 
ra fazer  em  cima  de  hum  monte  hum  moinho  para  moer  a 
paciência  á  inveja,  e  seus  sequazes;  as  pessoas  inimigas  des- 
tes monstros ,  que  quizerem  concorrer  para  este  beneficio ,  o 
podem  fazer  pois  utilisao  duas  cousas  no  empenho ;  a  primei- 
ra venderem  o  vento  que  poderem  apanhar  com  odres  ,  ou  em 
sacos,  porque  elle  lho  paga  a  pezo  de  ouro;  e  a  segunda  o 
verem-se  livres  de  semelhante  flagello, 

Faz-se  saber  ao  publico  o  que  elle  ainda  não  sabe  ;  equera 
quizer  saber  mais  aprenda  á  sua  custa,  porque  o  saber  não 
occupa  lugar,  e  senão  saibão  quantos  estes  papeis  virem,  que 
para  que  se  saiba  que  os  ha ,  se  vendem  a  40  réis. 


LISBOA.    NA  OFFIC  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

1819. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço. 


ALMOCREVE   DE  PETAS. 
PARTE     LXXVIIL 

Advertência  do  Editor  aos  prudentts ,  e  benigVíOS  Lei-» 

tores. 

Om  effeito  está  esta  obra  do  Almocreve  de  Fet/JS  no 
número  78,  e  acaba  esta  primeira  collecçao  no  dia  29  de 
Dezembro  do  presente  anno ,  para  se  poder  encadernar  era 
hum  volume,  acompanhado  do  seu  índice  >,  porque  os  Senho- 
res Curiosos  ,  e  as  Senhoras  Donas  Curiosas  possao  de  Jiura 
golpe  de  vista  achar  no  dito  Livro  as  cousas  mais  notáveis, 
e  que  mais  lhes  derao  no  goto,  ainda  que  muitas  cousas 
perdem  o  sabor  da  graça,  em  muitos  sugeitos,  que  Icm  de 
tal  sorte  gaguejando,  que  ora  se  Jjie  figura  ser  liUma  asneira 
liuma  discrição,  ora  tem  huma  discrição  por  htma  asneira  j 
e  tão  afferrados  á  sua  opinião,  com  ouvidos  de  pedra,  e 
cal,  que  Icvantao  testemunhos  a  iiido  que  lem ,  sem  i lies  fa- 
zer estranheza  na  orelhinha.  Vá  cm  desconto  dos  nesses  pcc- 
cados  o  chorrilho  de  Leitores  ião  pios,  que  são  capazes  de 
tirar  a  graça  ,  não  digo  só  dos  papeis,  mas  até  do  alto  co 
Caracol,  onde  ella  está  situada.  O  Editor  não  perde  da  lem- 
brança as  querélrs  ,  que  lerá  tido  [or  esses  Escriíoiics,  por 
7^ 


(O 

ter  acertado  com  tantas  pedradas  em  immensidade  de  cabe- 
ças ;    porém  discorre    que  os  trabalhos  sao  inseparáveis  dos 
homens,  e  com  isso  se  consola,  levando  carta  de  seguro  na 
boa  tenção,    com  que  o  teiji  feiro:  Os  Senhores  se  queixao 
das  petas,  que  lhes  faz  engolir,  c  no  cabo  ènganao-se,  que 
elle  he  quem  as  come,  segundo  dizem  os  quarenta  réis.  Mul- 
to? o  tem  descomposto,    dizendo-lhe  que  as  suas  letras  s3a 
mais   gordas    do   que  elle,    sem  se  lem.brarem  que  para  isso 
ser  assim,  pouco  basta  ,  pois  que  o  preceito  de  dar  hum  fo- 
lheto cada  semana,  lhe  tem  diminuído  mais  de  três  arrobas 
de  carne ,  e  isto  por  divertir  a  Vv.  mm. ;  pois  muitas  vezes 
succedeo  ao  Editor ,  na  hora  em  que  só  tinha  motivos  para 
chorar,    ir  compor   petas  para  os  mais  se  rirem.   Todos  co- 
nhecem este  trabalho ,    todos  o  gabão,   todos  delle  se  admi- 
rão ,  mas  as  quatro  moedas  de  dez  réis  para  chegarem  á  loja 
da  Gazeta  váo  a  páo,    e  corda  ;    este  o  motivo,    porque  os 
Escritores  desanimão  ,    e  até  o  Editor  desta  Obra,    que  nao 
he   dos   mais    queixosos,    não  pelos  seus  olhos  bellos,    mas. 
pela  benevolência  de  Vv.  mm»,  que  Deos  guarde  muitos  an» 
nos,    se  vê  obrigado  a  declarar  que  tem  ainda  fetas  em  a- 
bundancia,^^  verdades  peteaâus  para  continuar  cora  ellas  o 
anno,    que   vem  j    porém  declara  ao  mesmo  tempo  que  nao 
as  pôde   pôr   em  público  ,    sem  que  Vv.  mm.  concorrao  nq 
prefixo  termo  de  quarenta  dÍ3S  contados  do  dia  de  hoje ,  20 
de  Outubro  em  diante ,    a  assignarem  o  seu  nome  na  loja  da^ 
Gazeta   por  hum  anno,   a  fim,  de  que  se  preencha  o  número 
de   Assignantes  ^    onde  se  leve  certa  a  receita  para  a  despe* 
za ;  e  fiquem  todos  de  acordo  Senhores ,  e  Senhoras ,  Meni- 
nos, e  Meninas,  velhos,  e  moços  ,  que  seníío  houver  a  cer* 
reza  destas  assignaturas ,  o  Editor  vai  para  a  sua  Quinta,  a 
Almocreve  para  a  sua  terra,  c  o  cavallinho  para  a  Feira  até 
que  seja  comprado  por  algum  destes  Senhores,  que  andão  a 
cordoes,  repicando  sinos,  com  huma  bestinha  só  nos  varaes, 
que  também  nao  dt^ixa  de  ser  boa  peta.  Elstes  folhetos,  sup- 
posto   sejão  de  huma  ordem  baixa  y    di/em  alguns  Senhores* 
de  óculos,    que  ainda  não  sahio  hum  só^  que  não  trouxesse 
a}/?;uiiia  lembranç^i ,    que  deixasse  de  valer  os  quarenta  réis; 
e  ainda   que  os  ten-ipos  est^o  de  moletas ,    quarenta  réis  nao- 
fezem   fiirlta  a    quem   vai  dar  trcs  peças  por  hum  Camarote, 
par-á  ouvir    no    primeiro,  dia    huma  voz,,   que  fica  cantandt> 


( 3 ) 

todo  o  anno;  e  muito  menos  falta  fazem  a  quem  comprcni 
hum  arrátel  de  feijão  verde  por  Inun  cruzado  no  primeiro 
dia  ,  que  apparccêrâo  na  Ribeira  Nova  ,  de  que  a  minha 
-frcgueza  ficou  saltando  ;  e  me  cont(u  que  já  comprara  á  fi- 
lha mais  hum  cordão  de  ouro.  Ora  Vv»  mm.  bem  entendem 
^sre  portugucz,  c  que  todas  as  voltas  da  enguia  vao  dar  á 
agoa.  Se  quizerem  que  as  feií.s  cuf;tinyem  ^  corrao  alojada 
Oazeta  a  assignarem  os  seus  noaies,  que  o  Editor  acceitaas 
boas  festas  em  todo  o  tempo. 

Campo  Grande  17  de  Outubro, 
Neste  memorável  dia  segundo  da  Feira  do  Campo 
Grande,  he  que  succedeo  o  caso  que  se  vai  a  contar,  c^so 
com  que  até  eu  me  perdi  de  rizo,  quando  o  escrevi  por  ver 
a  idéa  de  que  usarão  dois  Tafues  para  supprirem  a  falta  de 
"SQgQ.  Oito  dias  antes  que  estes  dois  amigos  atafulados  ti- 
^nhão  estado  em  Palma  de  ciina  contradançando,  e  levando 
huma  noite  muito  divertida  ,  ajustarão  com  as  Senhoras  da 
casa  de  se  acharem  nesta  Feira  no  segundo  dia  á  noite  para 
de  rancho  passearem  todos,  e  verem  a  abundância,  e  espe- 
cialidade de  géneros  que  ao  Campo  Grande  concorrem.  Hou- 
ve muita  promessa  de  parte  a  parte,  huma  âhcnào  não  J-aU 
te  meu  bom  goTto  ^  outra  veja  íd  o  que  faz  meu  escolhido  ; 
elles  promptos  em  certificar  n:o  se  fartavao  de  dizer  que 
só  faltando  a  saúde  elles  faltariao.  Chegou  finahr.ente  o  pre- 
fixo dia ,  quando  estes  dois  Tafues  não  só  não  procurarão 
sege,  mas  nem  tinhão  a  excessiva  quantia  porque  se  aluga- 
vão  naquella  tarde,  fízerao  suas  conferencias,  e  resultou del- 
Jas  virem  ambos  ao  largo  da  Saúde  depois  das  Trindades,  a- 
justárão  dois  Galegos  a  cruzado  cada  hum ,  que  r.os  hom- 
bros,  com<o  quem  sahe  de  huma  (mbarcaçao,  os  pozcsstmi  na 
Feira.  Houve  muita  rizada  nos  Galegos,  porém  o  niíu  di' 
nheiro  ,  e  o  teu  dinheiro  nesta  classe  de  gente  faz  htn  a  bu- 
lha mais  forte  :  resolvêrão-se ,  montarão  es  Tafues,  e  che- 
garão á  Feira  tiradinhos  do  pó,  encontrárao-se  cem  as  taes 
Seniioras ,  mettêrão-sc  de  rancho,  m.uita  festa,  ziia  rucm 
^ão  faltou  ,  forão  increpados  de  tardarem  ,  ao  que  responderão, 
não  viemos  mais  cedo  porque  nos  embcírgàrào  a  sfge  ,  (^ue 
Unhamos  justa  ,  e  para  acharmos  ata  em  que  viemos  jot  pre» 
ciso  dar  huma  [eça.  Correrão  a  leira  tod-a,  e apenas cuão 


novQ  horas  já  os  Galegos  andaváo  á  rossa  para  os  conduzir: 
Jiuma  das  SenhorJs  reparou  nellesr^  perguntou  para  que  vi- 
nhao  aquelles   Galegos?    Respondeo   hum    dos  Tafucs  mais 
expedito  muito  vermelho  he para  nos  conduzirem  humas  com- 
fras  que  fizemos.  Derao  todos  novo  passeio  a  tempo  que  a 
Mãi   das  meninas,    que  era    muito   atreita  a  estericos  cahio 
com  huma  convulçao  :  poz-se  o  rancho  era  desordem,  as  me- 
ninas consumida?,    porque  a  enferma  não  podia  ir  de  burri- - 
nlio,  era  fim  pedírio  aos  dois  Tafues  que  mandassem  pôr  a 
sua  sQgQ  para  a  Mli  ser  conduzida.  Podia-se  neste  lance  ter 
d()  dos  miseráveis  :  entrarão  a  gritar  ,  oh  Coimbra^  oh  Coim' 
hra !    Paréra  os  Galegos    quanto   mais   eíJes    gritavao  mais 
se  escangalhavão  cora  rizo.  Hum  dos  Tafues  dizia  :  Maldi* 
t&s  moços ,    não  apparece   o   Boleeiro  \    quem  pôde  dar  com 
elie  em  tanta  confusão\  até  que  o  outro  respondeo;  na fal* 
ta  de  sege ,    minhas    Senhoras  ,  este^^  dois  Galegos  podem 
supprir ,    visto  que  não  he  muito  longe.  Hum  dos  Galegos 
que  ardeo  com  a   nova  carga  ,  respondeo  logo,    nada  ^  nãO' 
Senhor  ,    pelo  mesmo   que    trouxemos  a  V^ossas  mercês  nãõ 
vamos  pôr  a  Senhora  em  casa.  Os  Tafues  qu.indo  tal  ouvi- 
rão sum/rão-se,  as  Senhoras  ficarão  varadas  com  a  proposta, 
e  os  Galegos  ficarão  como  o  espnrgo  no  monte  sema  paga, 
nem   esperança  de  a  haverem;    com  effeito,    consta  que  por 
não  perderem  tudo,    engenhárao-se  de  páo,    e  corda ,    e  na 
cadeirinha   do  Juraentioho  a  levarão  com  toda  a  serenidade, 
pois  a  moléstia  não  soffria  o  minimo  balanço. 
Bairro  /íltij  i^  de  Outubro. 
Vexado  por  dinheiro,  como  succedc  a  muita  gente  boa  , 
certo   Snloyo  que  era  credor  a  algumas  dividns  importantes , 
se  encaminhou  a  casa  de  hum  Letrado  deste  sitio  para  se  acon- 
selhar,   e  convir  no    modo   mais  fácil  de  pilhar  algum  vin- 
tém á  unha.  Entrou  pelo  Escritório  dentro,  que  achou  des- 
embaraçado de  gente,  e  com  ser  Saloyo  não  liie  escapou  ver 
que  o  Escrevente  estava  com  hum  canivete  cortando  tirinhas 
de  pnpel  por  não  ter  que  fazer,    e  o  Letrado  subido  a  huma 
eideira    divcrtindo-se   em    sacudir  com   o  lenço  do  tabaco  a 
poeira  dos  Livros.   Alli  se  virão-  dois  extremos:  o  Saloyo  a 
pe:<ar  da  informação,  que  tinlia  delle,   Hcou  mais  morto  que 
vivo;  c  o  Doutor  creou  huma  ahna  nova  apenas  o  vio.  Ex- 
pôz  o  Saloyo  a  divida.,    qae  ihe  devia  hum  sugeito  de  Lis- 


-boa,  parecendo-Ihe  esta  a  mais  facil  de  cobríir:  cuvic  o  Le- 
trado  todas    as   confrontações,    e  encaixando,    com  rodo  o 
respeito,    os    óculos  no  nariz,   virou  para  o  Escrevente,    e 
disse-lhe.  z:^  Dchre  lá  fãícl  para  huma  petição.  Perguntou- 
Jhe  o  nome  ,  c  continuou  ^  Diz  /hitonio  Mendes  Barri  lia  , 
acudio  Jogo  o  Saloyo  dizendo:    Olhe y    Senhor    Doutor,    se 
se  podesse   fdzer  a  fetiçào  sem  ir  lã  o  meu  nome  ,    porque 
eu  não  qufria  que  o  meu  devedor  soubesse  qve  cu  sou  o  que 
lhe  pesso  a  diiida  por  'Justiça  :    Rcspondeo-Ilie  o  Doutor; 
Vos  sê  não  sabe  o  que  diz  nisso  ,  não  tema  nada  ,  que  como 
eu  estou  Senhor  do  caso  eu  o  defenderei  de  todo  o  mal  que 
lhe  succeder,    Calou-se   o   SaJoyo ,    fez-se   hum.a  petição  de 
medida  grande,  e  acabada  que  ío\  perguntou  o  Saloyo  quan- 
to devia:    respondeo  o  Letrado  que  doze  vinténs,    meitco  o 
Saloyo   a   mao   na  algibeira  apalpando  muito,    e  depois  de 
hum  grande  espaço  de  tempo,  virou  para  o  Letrado,  edissc: 
Queira    o  Senhor   jyoutor   deixar  ficar  a  petição  até  lo'j^o  ^ 
forque   não    tenho  aqui    essa   quantia.   Conveio  o  Doutor 
nisso,  porém  ao  sahir  da  porta ,  já  de  lonje  tornou  o  Saloyo 
a  dizer-lhe  :  ;=:  Olhe  ,  Senhor  Doutor  ,  se  eu  tardar  muito ,  e 
'vier  alguém  que  a  queira  po^  amor  de  mim  não  perca  "cenda. 
Enfiou  pela  escada  abaixo,    deixando  ao  Escrevente  mnis  a- 
quelle  papel  para  a  brincadeira  das  tirinhas. 

Na  cabeçada  do  Cavallinho  do  Almocreve  houve  ma- 
ganão que  pregou  com  hum  alfinete  o  seguinte  enigma  ,  e 
poz  por  baixo,,  que  esperava  pela  resposta  naqucUe  iresmo 
sitio,  zz  Pensa  o  Almocreve  que  o  sugcito  espera  a  resposta 
pregada  na  retranca,  mi 

ENIGMA. 

Sou  muda  por  natureza ,  |^ 

Mas  tal  dom  tenho  comigo 

Que  todas  as  cousas  digo. 

Que  dou  gosto ,  e  dou  tristeza : 

Estando  encerrada  ,  e  preza 

A's  vezes  o  Mundo  gyro  \ 

Quasi  sempre  onde  vou,  tiro  j 

Porém  sou  tão  desgraçada, 

Que  ou  feneço  espcdaçada.. 

Ou  em  vivo  fogo  espiro. 


(  6  ) 

Mios  á  obra ,  discorrer  no  caso ,    e  para  a  semana  se 
dirá  o  que  he. 

Rua  da  Atalaya  i6  de  Outubro, 

O   nosso   bom  estudioso 'applicado  ás  experiências  eco-| 
nomicas ,  remstte  a  seguinte  Dissertação  assaz  bem  trabalha- 
da para  liçáo  dos  sábios  modernos. 

DISSERTAqÃO. 

O   espirito   do    homem    insocegavel  já  mais  deixa  sub- 
mergir-se    no  ócio,    logo  que  huma  vez  vê  bem  sazonado, 
e  pago  o  frucro  dos  seus  laboriosos  disvéios  ;    a  nossa  alma 
se  regozija,    e  recebe  huma  certa  satisfação,    quando  chega 
a  tocar    a    meta  ,   a  que  se  propoz  ;  os  nossos  sentidos  cor- 
.poraes    são    as   portas  da  ahna  ,    e  por  estas  portas  somente 
he  que   ella  recebe  as  suas  idéas ;   e  se  alguma  destas  se  im- 
pede,    cila   sente,    e   não   pode  perfeitamente  unir  idéas  de 
todas  as  qualidades  ;    mas  qual  destes  sentidos  he  o  que  faz 
mais  falta  á  nossa  alma  ?    he  sem  dúvida  a  vista  ,    e  por  isso 
podemos   dizer  que  esta  he  a  porta  principal  do  nosso  espi- 
rito. A  obsirucção,  ou  imperfeição  de  alguns  dos  órgãos  ópti- 
cos ,   ou    mesmo  das  partes ,   que  compõe  o  nosso  olho ,  são 
quem  nos  vedao  o  bem  da  vista.   O  olho  está  envolvido  em 
três   túnicas  ;    a    primeira ,   e  exterior  se  chama  córnea  ,    he 
xie  figura    esférica ,    e   na  parte  exterior  tem  hum  segmento 
de  huma  pequena  esfera,    que  lhe  faz  vulto,   g  he  de  hum$ 
matéria  transparente;    a  segunja  chama-se  sclerotica^  e  tem 
huma  abertura,    que  se  chama  Pupilla\  esta  abertura  he  al- 
catiflíii^  de  huma  espécie  de  véo  negro  ,  pardo  ,  oú  azulado , 
que  se  chama  íris  ^    que  sempre  conserva  a  fc>rma  circular  a 
Pupiila  :    a  terceira  túnica  se  chama  tv^íTdí/V/^  ,  he  hum  tapís 
aveludado^    embebido    de  hum  licor  negro,    que  serve  para 
fazer  do  olho  Iiuma  camera  escura  \  na  choroide  ,  e  debaixo 
da  Pupiila  está  ligada  huma  espécie  de  lentilha,  quese  cha- 
ma cbrystálim  ^  e  he  sostida  por  dois  músculos,  quesecha- 
mão  Ugamentos  ciliares  \  no  fundo  do  olho  está  huma  rede- 
zinha  muito  branca,    e  fina,  chamada  a  Retina^  que  se  di- 
lata  sobre  a  choroide  ^   ehe  huma  expansão  do  nervo  opti- 


,c  7  y 

CO  :    no  espaço,    que   está  entre  a  cof/jâíi ,    e  o  chrysialirio 
ha  hum  licor  muito  límpido,  e   claro,  em  que  o  7;;jnrdr, 
chamado  liumor  aquoso,;  entre  o  chrystalino  ,  e  o  fundo  do 
olho   ha    huma  substancia  muito  clara  ,  mas  de  hum.a  consis- 
tência gelatinosa  ,  chamada  humor  vitrio  \  daqui  vemos  quan- 
to   he    melindrosa  a  organisaçao  do  olho,    e  quanto  lie  ne- 
cessário  nao  o  molestarmos:  as  inflammaçces ,  que  os  perse- 
guem ,  tem  sido  a  causa  de  muitos  serem  cégcs,    porque  in- 
sofridos com  dedos  incautos,    logo  que  sentem  pruiçao,  os 
aggraváo  ;  e  daqui  vem  que  aquellas  partes  delicadas  offen- 
didas    se  destroem ,    e  impossibiliíão  de  exercer  as  suas  fun- 
ções. Se  em  similhantes  moléstias  soffrer-mos  com  paciência 
a  pruiçao  ,  que  sentimos,  sem  que  aggraveraos  os  olhos  com 
os  cossarraos ,  melhoraremos;    donde  se  segue  ser  jenuina  a 
receita,  que  paciência  ke  boa  para  a  vista. 

Sabendo  o  Editor  que  o  Author  do  Café  Jocoso  lhe 
está  respondendo  com  toda  a  azáfama  aos  encontros  do  Al- 
mocreve,  \\\Q  dirige  as  seguintes  Decimas, 


I. 

Senhor  Aoihor  do  C/i/^', 
Já  sei  que   lenho  resposta  , 
Pois  se  escreve  ce  mão  posta  i 
E  me  dizem  que  he  vossê  :. 
Muito  embora  nisso  dê, 
Mas  veja   como  emparelha  ; 
I  embre-se  bem  ,  queiem  relha  ; 
Que  o  andar  á  chuva  molha  j 
E  c]ue  se   he  filho  da  folha  , 
Eu  cá  sou  filho  da  velha. 

IT. 

Se  eu  logo  ao  talho  primeiro 
O  não  mandar  para  a  Quinta  , 
Negra  seja  a   minha   tinta  , 
Que   eu  tenho   no  meu  tinteiro: 
Olhe  ,  amigo  ,  o  verdadeiro 
He  metter-se  no  seu  canto; 
Não  lhe  causar  nada  espanto; 
E  a   ver    ^e  a  tormenta   passa, 
Vá  dando  o  Cajé  de  graça  , 
Que  talvez  não  fallem  tanto. 


IIT. 
De   que  muito  o  Povo  arJeo  t 
Foi  áz  três  vinténs  pagar, 
Sem   poder  na    cbra  achar 
A  causa  ,  porque  tal  deo  : 
De  huma  tal  obra  ,  até  eu 
Arderia,  se  a  comprasse; 
Mas  olhe,   não  se  embarace 
Com  cousas  de  pouca  monta  , 
Se  tem  da  despeza    a  conta  , 
Vista  a  razáo  ,  dei-ihe  hum  passe. 

IV. 

Se  tal  fez  por   ver  purgado 
Todo  o    Povo  de   repente  , 
-Antes  Ihí  desse  agoa   cjaente , 
Com  assucar  m.ascavado  : 
Mas   c/ifé  láo  esturrado  , 
Que  a  todos   deixa  em  jejum  í 
Disto  he  que  nasce  o-rum-rum-j 
Náo    entra  em   gente   Cai'  olica  , 
Qnerer  meiíer  hnma   cólica 
No   buxo   de  cada  hum  ! 


(8) 
V.  VI. 

A  tal  obra  o  nome  muJe ,  Bem  conheço  ,  que  já  agora 

Se  nío  em  trabalhos  cahe,  Mui  pouco  remédio   tem  ; 

Que  ouço  dizer,  ha  quem  vai  Mas  ò  que  mais  lhe  convém 

Denuncialo  á  saúde :  He  ir  tomar  ares  fora  : 

Primeiro  qa3  e  creva  estude  Dar  na  cabeça  huma  hora  ^ 

j4o  Café  termos  idóneos ;  De  desaffogo  aos  embate? ;  ^ 

Que  alguns  que  não  sáo  boloneos  ,  Dormir  beber  q^antum  satis  ', 

Dizem  ,  com  boca  pro(erva ,  Cuide  em  si ,  se  o  náo  fizer 

ÍSJáo  ser  Cnfé  de  Adinerva  ,  Receio  que  inda  vá  ver 

Sim  de  trezentos  Demónios.  As  cazinhas  dosOrates. 


AVISOS. 


ij 


Ein  hum  dos  Domingos  do  raez  passado  na  Praça  do^ 
Salitre  se  perderão  de  rizo  nas  trincheiras  duas  raparigas :. 
C^i^^^m  as  tiver  achado  ,  bote-as  fóra  ,  que  não  achou  das  me- 
lhores cousas. 

Sahio  á  hz  a  Zhguezarra  Algibehica  ,  o  Pandeiro, 
anonymo ,  e  o  'lamhoriléque  Lngiez  ,  com  o  seu  traquejado! 
a  duo,  e  huma  analyse  livre  de  todo  o  cuidado,  composta 
a  sua  solfa  por  hum  Author  invisivel,  vende-se  esta  Obra 
desencadernada ,  por  todo  o  preço  em  Porto  de  Moz  ,  lu-! 
gar  próprio  para  moer  os  ossos  a  qualquer,  que  a  for  lá 
comprar. 

Os  Paraltas  que  quizerem  supprir  os  lenços  riscados  cora 
laços,  feitos  de  nova  invenção  para  o  pescoço,  fallem  cora 
hum  homem,  que  assiste  alli  para  o  Limoeiro  na  grade  de- 
baixo, que  os  dará  muito  accommodados  em  preço. 

Quem  quizer  lançar  cm  humas  rendas,  e  comprar  hu- 
mas  casas  sitas  na  Travessa  do  punho,  ao  pé  da  Rua  do 
Cotoveilo,  nasL  quaes  ainda  assiste  o  botão  de  ouro  macisso 
por  akunha  ,  falle  com  a  lilustrissima  Senhora  D.  Camizo- 
ía  ,  poréai  veja  como  lhe  falia  ,  que  se  faz  muito  preciso 
levalli  com  goito  ,  porque  he  Senhora  tão  encolerizada  ,  e 
tem  bofes  taes,  que  rompe  com  todos,  que  lhe  não  dão, 
mimoso  tratamento. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desmhrgo  do  Pafo. 


9 


D 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXIX. 

Castello  Picão  21    de  Outubro* 


E  Pais  lerdos  nascem  filhos  sábios,  T/Ve*  o  (!csconcerró 
da  natureza.  Ha  nesta  Cidade  Jiiini  licnfieir  rico,  que  tem  .hum 
sà  filho  já  coai  oiío  annos  de  idnde  ,  |  or  quem  bebe  os  ven- 
tos,  vistas  as  galantarias,  que  o  menino  tem;  pois  como 
Jic  dotado  de  ]ium  memoriao  mrcho,  con.o  í-eu  pai,  apren- 
de tudo  quanto  lhe  ensinao  em  hum  abrir,  e  fechar  de  o- 
ihos  :  Elie  j£iz  burro  xelho  ^  lyodr^guihho  do  Campo  ^  Pofi' 
de-o  alli  moças  ,  Dá  tia  btbeda  que  não  Icba  ,  canta  corro  gál- 
io ,  arremeda  asvisinhas,  e  com  estas  espertezas  coiViC  na  mai, 
como  em  galinha:  Elle  hc  rcgalr.do  cotn  todos  os  mimos,  e 
divertimentos  da  puerícia,  o  que  tem  sido  agoa  de  rozas  pa- 
ra a  encarquilhada  Avó  da  crennça  ;  ainda  lhe  nao  faltarão  ca- 
vallinhos  de  assobio,  berim.báos,  bonecos  de  Estremoz,  c  es- 
pera-se,  pela  crcação  que  \\\z  dáo ,  que  venha  a  ser  hum  per- 
leiíu  Serdanapolo.  O  pai,  que  o  ve  já  crescido,  deseja  que 
elle  tenha  hum  cabal  conhecimento  das  Artes  Liberacs ,  Po- 
lincos,  e  Mecânicas:  intenta  civiiizallo  sem  outra  educação 
iiiais,  que  a  que  dá  a  natureza,  dizendo  que  por  ane  o  ha 
79 


1 


de  fazer  a  seu  gelto,    só  porque  n^o   vá  ás  Aulas  aprender 
com  os  mais  Estudantes  aquillo,  que  eile  não  sabe,  nem  nun- 
ca saberá.  O  rapaz  tem  hum  gosto  natural  á  picaria,  e  mon- 
tado na  roca  da   criada  corre  alcancias  pelos  quartos  das  ca- 
sas atraz  dos  cães  ,  que  vai  tudo  pelo  pó  do  gato.  Os  tratos, 
que  faz  á  Avó,    isso  são  canas  com  caniços,    rindo-se  todos 
de  casa  de  verem  em  tão  pouca  idade  tanta  esperteza  junta, 
sem  que  ao  menos  huma  só  vez  entre  para  seu  par  na  contra- 
dança das  diabruras  a  menina  de  ctnco  olhos.  Nos  dias  Santos 
saiie  fora  de  tarde  com  seu  pai,  que  o  leva  ao  Cáes  das  Co- 
lumnas  a  mostrar-lhe  os  Navios  para  o  inclinar  á  Náutica.: 
depois  vai  mostrar-lhe  as  famosas. pinturas,  que  ornão  as  pa- 
redes da   rua  do  Arcenal  ^    alli  com  miúda  explicação  diz  o 
pai  ao  menino,   aquelk  quadro  he  do  Mundo  ás  avessas  j    a 
outro  he  dos  sete  Alfaiates  da  Qidaàe  de  Talharim ,  que  qui* 
zerão  matar  a  Tarântula  ;    o  outro  he  o  da  Maquina  aeros* 
tatica  do  célebre  Rscapim ,  que  vâou  na  Criméa  d  vista  dos 
grandes  ^  qu£  a  virão  em  171 8.  O  pequeno  assim  que  vio  a 
Maquina  ,   nio  cabia  em  si  de  contente  ,  por  ter  ouvido  fal- 
lar  tantas  vezes  na  de  Lu  na  rd  i.  Pedio  ao  pai  com  rogos  lha 
comprasse,  porém  o  pai  abanou-iiie  as  oreiJias.    Veio  o  me- 
nino para  casa  todo  sorombatico  ,  e  foi  empenhar  o  valimen- 
to de  sua  Avó  com  lagrimas  nos  olhos,  porque  queria  a  Ma- 
quina ,  até  que  a  Avó  lhe  disse:  deixa  estar  meu  neto  ^  eu  te 
mandarei  fazer  huma  Mânica  -viva  para  tu  brincares.  E  no 
outro  dia  pela  manhã  foi  o  primeiro  Dcos  vos  salve  com  que  o 
menino  entrou  no  quarto  da  Avó,  que  não  teve  mais  remé- 
dio, do  que  mandar  chamar  hum  Alemão  visinho,  para  que 
lhe  fizesse  huma  Maquina  do  tamanho  de  hum  barrií  de  man- 
teiga- Ajustou  o  Alemlo  com  a  Avó  em  vinte  moedas,  que 
lhe  deo   logo  dez   á  conta  para  co:nprar  o  que  era  preciso 
para  ella ,  e  mais  para  elle;  foi  o  Alemão  a  ioda  a  pressa  a- 
juscar  o  vitrioío,  preparou  o  barril  para  o  gaz ,  e  juntamen- 
te a  Maquina,  que  foi  feita  de  huma  saia  de  seda  da  mulher , 
que  rinha  sido  cor  de  roza  cora  sua  rede  à<:  nastroazul  ;  pas- 
sados alguns  dias  foi  o  menino  ver  a  Maquina,  ç\\\q  lhe  pa- 
recia impjssivcl  o  lograíla  ,  esperarKlo-se  tão  somente  por  hum 
dia   sereno  p<\ra  o  menino  a  ir  ver  voar:  Adoece  neste  tem- 
po o  Alemão  comesperguiçamenios  ,  dores  de  cabeça  ,  e  mui- 
ta mortal;    he  constipjçã^j  ^    não  hc  constipação ^    até  que  a 


Cirurgia  lhe  mandou  fazer  tantos  remédios  ,  queo  poza  pito, 
e  laranja:  a  cuidadosa  Esdí  sa  do  Alemão,  que  não  queria, 
que  por  algum  descuido  seu  padecesse  o  marido,  que  estava 
sem  acordo  ,  foi  o  mesmo  que  se  dissesse  fogo  visto  iingoi- 
ça  ,  porque  o  tal  pequeno  vindo  ver  a  sua  Maquina  a  tempo 
era  que  a  mulher  estava  para  deitar  huma  mezinha  no  enfer-í 
mo,  como  rapazes  nunca  estão  quietos,  entrando  a  holirera 
tudo,  que  estava  na  casa,  sem  que  a  mulher  visse,  destapou 
o  menino  o  barril ,  cm  que  est^iva  o  gaz  ,  e  fez  tamanho  tur- 
bilhão de  fumo,  que  entrando  este  subtilmente  pelo  poro, 
onde  o  Alemão  havia  de  receber  a  mezinha,  se  entrou  o  po- 
bre homem  a  elevar  sobre  a  cama  pouco,  e  pouco:  a  mu- 
LiCr,  que  não  sabia  a  causa  entrou  a  gritar  pela  visinhança, 
que  lhe  acodissera  ;  porém  como  o  hon  cm  também  he  Ma- 
quina ,  quando  os  visinhos  chegarão,  jáelle  tinha  partido  pe- 
la janella  tora,  com  muito  bom  successo,  e  se  diz  que  a  es- 
tas horas  hirá  a  Sacavém  cora  esta  fjtta  encaixada  nos  testos. 

Carta  ,    que  escreveo  Manoel  o  Trouxa  ,    natural  de  Gui* 

maràes  ^    e  assistente  em  /ilmada  ^  a  íuma  sua  Ctf- 

madre  de  Lisboa, 

Senhora  Anicetra  Barba,  estimarei  que  estas  duas  rcgoag 
acheín  a  V,  m.  com  todas  aquellas,  e  aquelles,  que  V.  m. 
desejar,  para  que  se  sirva  de  mdo  âquillo,  que  o  meu  e  ff  ei- 
to \[\^  deseja.  Sua  Con^adre  vai  gorda  como  huma  vacca ,  e 
manda-lhe  muitas  alumbranças  :  O  seu  afilhado  he  que  tem  an- 
dado muito  moquenco  desne  que  o  trouvemos  de  lá:  diz  o 
Alveitir  que  são  esfregas  de  se/óes  ,  anda  tomando  esquina; 
mas  não  se  acha  melhorsinho.  O  burro  do  Senhor  Ccrr padre 
he  que  vai  engordando  com  o  restolho,  e  já  níio  manqueja 
tanto;  V.  m.  \\\q  dará  da  mmha  parte  muitos  arecados ,  c  di- 
ga-lhe  que  já  citei  a  mulher  do  vinheiro  para  a  conta  dos 
niarmellos.  Agora  quero  pedir  a  V.  m.  que  he  fa^er  com  o 
Senhor  meu  Compadre,  que  me  empreste  clle  aquellas  suas 
botas  grossas  de  montar  a  cavallo,  que  he  só  por  cinco,  ou 
seis  mezcs ,  cm  quanto  eu  não  cobro  o  meu  remcdiosinho, 
com  que  faça  humas  novas  ,  que  então  lhas  voltarei.  í  á  tive 
a  Jumbrança  de  dizer  á  minha  Francisca  que  lhe  botasse  hum 
ovo  na  pedrez ,  que  chocou ,  e  já  sei  que  está  cheio ;  porque 


(4) 

a  vísIíjIki  Maria  Ratada  o  vio  honrem  á  candeia  :   Eu  já  me 

tenho  pegado  para  que  saia  femei  ,  e  a?sim  ha  de  siicceder  , 
porqu*'  o  ovo  era  muito  redondinho.  Cá  tenho  dois  grillos 
guardidos  para  o  seu  menino,  e  nao  lhos  mando  agora  por- 
que ainda  nâo  fiz  a  gaiola.  E  com  isto  não  enfado  mais  a 
V.  m. ,  beijo  a  mão  de  V,  m..  não  ha  de  que  zi:  seu  Com^pa- 
dre,  e  seu  servo 

(  As  sigilado. )       Maneei  Treuxa». 

Campo  pequeno  i%  de  Outubro, 
A  semana  passada  passou  por  este  sitio  hum  homem  a 
correr  á  desfilada  com  hum  cacho  rha  mão,  esparvorido,  ees-  | 
pantado  a  olhar  para  traz^  como  quem  hia  fugindo,  e  per- '^ 
guntando-se-lhe  a  causa ,  respondeo  ,  balbuceando,  o  seguin- 
te :  ~  Que  estando  clle  cavando  a  terra  nas  Varges  de  Lour 
res  para  apan-har  mrnhocas  para  as  suas  pescarias,  de  repente 
sentira  boiir  a  terra  desde  os  bicos  dos  pés  até  á  cabeça  ,  com 
hum  movimento  fora  do  seu  natural ,  pois  se  levantava ,  dei- 
tava ,  e  fazia  collo  ,  como  de  corpo  vivo  ,  sem  tremer  em  mais 
part-e  alguma-,  que  assustasse  ,  cuja  vista  o  encheo  de  hum 
terror  pânico,  que  o- assombrou;  razão  porque  fugia  de  me» 
do:  Não  fez  admiração  esta  primeira  vista  âos  que  o  ouvi- 
rão, porém  no  outro  dia  pela  manha  se  soube  por  canas  vin* 
das  do  Milharado,  e  com  individuação,  em  summa ,  a  iiis- 
toria  ,  que  motivou  este  feiíomeno  j  porque  assim  que  lá  che- 
gou a  noticia,  vierao  logo  rústicos  Filósofos,  e  Naturalis- 
tas sábios  investigar  e>ta  evolução  da  natureza  :  examinada  que 
foi,  assentarão  a  maioF  parte  delles,  que  aquelle  movimen^ 
ío ,  que  fazia  a  terra  só  naquelle  lugar,  era  o  corpo  do  Gi^ 
ganle  Axiqu?  ^  Irm-lo  de  Adamastor  ^  Atiteo^  e  outros  ^  que 
Júpiter  corvverteo  em  montes  pela  sua  petulância  ;  e  que  pa- 
ra provar  esta  verdade,  todos  sabem  que  o  outeiro,  que  es- 
tá entre  Mafra  ^  e  Loures  he  acabeça  do  ditaCr/^/íjí/í',  pois 
quem  se  quer  desenganar,  poe-lhe  a  mão  em  cima,  e  ainda 
]hQ.  sente  bolir  a  moleirinha  :  hc  tão  grande  o  concurso  de 
gente,  qiie  se  aballa  a  ir  ver  esta  agigantada  pctrificação,  se- 
n")i:nort3 ,  semiviva ,  que  todos  os  que  de  lá  vem  ,  trazem  as 
n.ãos  na  ca'.")eça ,  outro?  vem  com  as  cabeças  por  esses  ares, 
curros  dizem  que  aquillo  nlo  tem  pés  ,  nem  cabeça  ;  e  a  mkii 
G.  que  me  parece,  pois  também  fui  chamado  para  dar  o  mea 


<^  ? ) 

voto  ,  he  que  iFto  hsí  4^  dar  na  cabeça  a  truitos,  f.cprâo  por 
saberem  esta  novidade ,  com  quarenta  réis  de  n:cncs  por  cabeça. 

Como  seja  constante  por  toda  esta  Cidade  de  Lisboa  as 
dúvidas,  apostas,  e  argumentos,  que  tem  havido  a  respeito 
da  advinhaçao  do  folheto  passado,  que  principia  :i:  Sau  mu^» 
da  pnr  natureza  ;=:  he  de  justiça  que  se  concorra  para  o  so- 
ccgo  do  público,  e  que  sem  usar  de  rr;ais  rodeies,  se  Jhe  des- 
cubra com  toda  a  ingenuidade  que  dcfinindo-se  ao  pé  da  letra 
com  todas  as  suas  propriedades  a  tal  advinhaçrosinha  ,  achn- 
se  por  todos  os  lados  que  ke  huma  carta  ^  e  Vv.  11:111.  dirão 
se  ha  cousa  mais  própria. 

Máximas  do  Velho  de  Romulares. 

Pem  como  se  indaga  o  dia 
Para  o  fato  ser  vestido 
Próprio  do  Sol,  ou  da  chuva, 
A  mulher  sagaz  vigia 
O  génio  de  seu  marido  : 

O  que  doma  o  Elefante  , 
Vestido  branco  nno  traz*, 
E  ao  Tigre  tambor  não  toca  , 
Para  o  conservar  em  paz  : 

Se  o  marido  he  de  máo  génio , 
O  m.odo  de  o  abrandar 
Kao  he  buscando  motivos 
De  o  fazer  mais  incitar. 

Observe  o  pai  a  seus  filhos 
Se  tem  más  inclinaçces, 
Que  do  pouco  caso  disto 
Provém  o  serem  ladroes  : 

Se  aíguri'^  delles,  sem  motivo, 
For  ladrSo  por  natureza  , 
Na  índia  com  brevidade 
Lhe  de  cama,  e  lhe  dê  mcz?.: 


Se  o  for  por  vicio  pGgãdò , 
De  algumas  más  cotnpcinhias, 
Tonie-lhe  conta  dos  paços 
Onde ,  c  como  emprega  os  dias  r 

Mas  SC  acaso  for  ladrão , 
Só  porque  a  fome  o  aperra , 
Chegue-o  a  si ,  mas  com  geito , 
Qite  o  desmancho  inda  concertaè 

A  fortuna  que  hum  pai  hz  a  seu  filíio, 
Náo  consiste  em  deixar-lhc  os  mil  cruzados, 
Se  ensino  lhe  não  deo  ,  nem  cuidou  nelle , 
Deixa  hum  rico  no  rol  dos  desgraçados, 

Deixa-lhe  as  armas  da  total  ruina  , 

Qiiando  de  seus  dobrões  o  faz  herdeiro, 

Hajão  respeito,  criaçíio,  castigos, 

Qiie  he  melhor  dote  a  honra,  que  o  dinheiro. 

De  Setúbal  se  remetteo  ao  Editor  o  seguinte  Enigma  , 
porque  o  Author  quer  experimentar  a  subtileza  dos  Senhores 
curiosos  apaixonados  de  advinhaçôes;  e  depois  de  eu  saber  o 
que  Vv.  mm.  dizem  a  este  respeito  ,  também  noticiarei  a 
Vv.  mm.  o  que  elle  me  disser. 

ENIGMA. 

l^ada  do  que  tém  reparte , 
De  gabaras e  não  descauça  , 
Com  íormsfita  ,  ou  com  bonança , 
Navega  por  toda  a  parte  : 
Da  JSatureza,  e  da  Arte 
Depende  o  c^Ue  tem  Comsigo  \ 
O  tempo  he  seti  inimigo  j 
Apetites  dão^lbe  a  morte  \ 
Quando  se  ju'ga  mais  forte ^ 
He  que  estd  em  maior  perigo. 

O  Moço  do  Poeta  era  huraa  noite  da  Lua  passada  foi 


(7) 

convidado  para  Inima  brincadeira  de  irar  ,  onde  havia  liuma 
Falua  rcchecda  de  Senhoras,  c  hum  Fscaler  cc.in  n~i)ircs  Ins- 
trumentistas,  Poetas,  e  grande  ilIunJnacro  ;  dirijçida  esra 
brincadeira  aos  annos  de  hunia  das  nicrna?  Senhoras.  Sahirfo 
á  luz  vários  Motes  ,  e  tanibcru  sahio  a  seguinte  Quadra  ,  c]ue 
clk  jovialmente  glosou. 

Na  loja  de  Vénus  vi 
fazendas  de  toda  a  cor  y 
Çt4e  me  cortasse  pedi 
Huma  amoií rinha  de  amor. 

GLOSA. 


I. 

Pensando  em   comprar   fazenda, 

Para  fazer   calções   novos  , 

Puz-me  a  dormir  ,  eis  que  em  PóvfS, 

Vi   huma   Feira  tremenda: 

Cada   Deosa  em  sua  tenda, 

Vendia   drogas    alii; 

Pu  enfeirar    pettendi  , 

Dei    á«    irais    lojas   re   r<osto ; 

Pois  só    fazenda  de    gosto 

ifa  loja   de    Vc/ius    vi. 


iir. 

Gostei  de  ver   o  lugar , 
Que   psra   mim   foi  de  novo, 
Tittha  a  )  balcão  tanto  poVo  , 
Que  me  custava   a  entiar  : 
Hum    retalho   separar 
Mandei  ,  a;  enrs  o  vi , 
Puchei   da  bolç.?  ,  e  abri; 
JVlas    por  pouco  endinheirado 
A'  Deosa   hum   calção    fiado 
Que  me  cortasse  pedi. 


TI. 

.!A  fazenda,  que   vendia  , 
Era  bastante   asseada , 
JJt  muita    dura,   tochada  » 
"E  «^m    aJíuma  avana  ; 
âT-i-Ki   mu'ta   fre;íuezia  , 
Xomrravão-Ihe  da  melhor: 
P»gavc!o-lha ,   e   com    primor, 
lei  negocio  a  seu  contento  , 
|*o's  t:nha   por  sortii)  ento 
^Saícnrías  de    totía    a    cor. 
'l 


IV. 

De  tal  me  ouvir  descrtnfii  , 
E    diz-me   com    rosto  iravio , 
Menino  ,    vem   Cngo/oida  , 
JVíjr.j    loja   não  se  jin  • 
Entrei   a    chamar-ihe  Tia 
E  á  apaziguar- lhe    o  furor; 
E  logo  hum    novo   favor 
Lhe  pedi  .   que  me  fizesie  , 
Que   rre    cortasse,  e  irie  desse, 
Jiiima   ãnwitrinha  de   on.or. 


AVISOS. 


Os  Directores  da  Fabrica  dos  alforges  de  la  preta  ,  rran- 
;^uitos,  e  ircias  de  la  parda,  e  rutrr.s  <  hras  de  trifularia  , 
fazcra  saber,  que  a  descoberta  de  la  cie  Lamclloi ,  junta  cem 


(8  ) 

com  p*JíUgê  d^  Pitot  faz  huma  boa  liga  pelo  seu  mórbido  , 
servindo  de  utilidade,  e  proveito  a  todas  aquellas  pessoas, 
que  usao  destes  trastes,  nao  só  pela  finura  do  seu  fio,  como 
pela  duração,  que  promette  este  organisamento  ;  porém  co- 
mo a  correspondência  da  Tartaria  está  cortada  com  a  Chi" 
na  por  intrigas,  que  raetteo  o  grande  muro  ^  que  divide  os 
dois  Impérios,  que  he  donde  vinháo  estes  productos ,  rem- 
sc  sentido  huma  grande  taltâ  destes  dois  géneros,  em  termos 
de  se  vao  poder  continuar  nas  manufacturas.  Qiiem  souber  ae 
alp-uns  Canielhs  ^  ou  Fatos  ,  que  queirão  vender  a  sua  lá,  ou 
peiíuí^e,  fallem  Câtn  Mame/  Lanzudo ^  que  ellc  tem  ordem 
pura  coa^iprar  quantos  liaja ,  e  até  clle  mesmo  os  sabe  tos- 
quiar ,  e  depennar  sem  páo  nem  pedra. 

Como  se  tenha  descoberto  immensos  sítios  lavados  dos 
ventos  nos  sete  Montes  desta  Cidade  de  Lisboa ,  sem  se  dar 
a  primaria  a  algum  dos  mesmos  sítios,  e  isto  em  prejuízo  da 
mocidade,  assentou-se  finalmente  que  no  fim  da  Calçada  da 
Estrelía  junto  á  Travessa  dos  Ladroes  he  onde  o  vento  faz 
mais  impressão,  e  o  lugar  mais  próprio  para  botar  papagaios 
de  p:U">el  :  Por  este  motiyo  se  avisa  ao  Público,  que  todo  o 
pai  de  famílias,  que  quizer  divertir  os  seus  pequenos  a  botar 
pipaí^alos  ao  ar,  ou  seja  de  noite  com  lanterna,  ou  de  dia 
sem  cila  ,  se  conduza  a  este  grande  largo  ,  onde  terá  o  gos- 
to de  ver  ir  os  pap:i gaios  de  seus  filhos  voando  na  longitu- 
de de  trinta  braças  de  cordel. 

Hum  Alumno  da  Academia  vaga  da  Travessa  das  Bru- 
xas teve  á  custa  de  muito  estudo  a  felicidade  de  descobrir 
a  rc^Tiila:ao  da  balança  g^fga,  He  esta  composta  de  dois  fun- 
dos ?ic  melancia  com  o  braço  de  prata  ,  o  fiel  de  feitos,  cos 
fiadores  abonados  :  Por  esta  descoberta  foi  na  mesma  Aca- 
demia despachado  pira  Abrantes,  onde  se  julga  fará  provi- 
mento para  seis  mezes. 


LISBOA.     NA  OFFIC.  DS  J.  F.  M.  DS  CAMPOJ. 

1819. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


l 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
P  A  R  T  E     LXXX. 

Escolas  Geraes  27  cie  Qutulro. 


E  boa  historia  esta  !    Níío  ha  hum  C2so  assim  !  O  ca- 
racter do  homem  prevertido  ,  a  ordem  da  natureza  s iterada  I 
Ms   Senhoras    vestidas   como  hcmens,    e  os  hcn.ers  vestidos 
como    as  Senhoras  !    He  boa  historia   esta  !    Kun-a  n.utação 
simples,    que    faz   pôr    em   confusão  a  mcsira  ratuieza  !    Q 
homem  exhalando  de  si  afeminados  cheires,    c  erfeitando-se 
com  melindre  !  vestido  com  huma  casaca  até  aos  [és ,  ecom 
roupinhas,  parecendo  a  casaca  depois  de  abotosda  htira  saia: 
he  boa  iiistcria  esta  !     Sugeitandc-sc  ])ara  figurar  de  Senho- 
ra ,  a  fiar  na  força  do  seu  maior  negocio  ;  até  cozendo  pela 
boa  digestão  do  estômago  a  sua  fornada  ,  com  agilidade  pro- 
priamente mulheril,   não  só  para  arrimar  hum  haúdercupa, 
mas  desarimar  dois,  ou  três,  o  ponto  he  chcgar-Jhe  quan- 
do tem  vocação;  h  liando  de  falcete,  e  amaricado ,  figuran- 
do em  si  o  mundo  ás  avessas,  somente  por  capricho  i  he  boa 
historia  esta!  A  Senhora  cora  o  cabello  desgadelhado,  cha- 
péo  na  cabeça ,  lenço  no  pescoço  em  ar  de  gravata ,  ou  pes- 
cocinho ;  capote  de  mangas ,  e  çapatos  de  cunha ,  passeando 

'         '8a 


cora  varonil  desembaraço,  indú  á  Praqa  da  Figueira  tratardo 
seu  negocio ,  se  lhe  hc  preciso  ,  mette  núo  á  sua  espada  ,  e 
corta  com  ella  pcor  que  as  columbinas.,  iie  boa  historia  esta  I 
Se    ha  occasiao   agarra   a  sua  cabclleir,!  como  hum  liomem, 
fallando  com  voz  de  trovão,  para  affectar  homem,  figuran- 
do  de    Amazona   somente    por   jiviandade :    he  boa  historia 
esta!    Sexta    Feira  passada  andavao  neste  sitio  os  rapazes  da 
escola  á  aposta  co:-n  as  suas  matérias,  c  vendo  ao  longe  hu- 
ma  figura  destas,   se  forao  a  cila  como  gato  a  bofes,    e  en- 
tráo  a  gritar  huns  daqui,  outros  dalli  ,  scjihor  hcmem  dê  a* 
qtti  o  seu  voto  msta  matéria  ,  cujos  votos  senão  derao  nao 
porque   os  nao  soubesse  dar  a  quem  os  merecesse  a  tal  figu- 
ra,  mas  porque  hum  dos  rapazes  dos  últimos,  que  chegarão, 
desmanchou  a  festa,  pois  conliecendo  que  era^huma  tia  sua  a 
quem  estavão  pedindo  os  votos,  lhe  entrou  a^dar  sorriadns, 
e  então  he  que  conhecerão  que  era  mulher  quardo  sedesem- 
buçou    para  deitar  a  bençno  ao  sobrinho  j    a  razão  deste  en- 
gano dos  rapazes  está  conhecida  ;  foi  porque  a  tal  figura  vi- 
nha de  chapéo  redondo  na  cabeça,    capote  de  mangas,  ca- 
pares de  cunha,    embuçada,    e  arregaçada  por  amor  das  la- 
mas,   e  por  isso  lhes  p:íreceo  que  era  homem,    he  boa  his- 
toria esta  !    Logo  mais  abaixo  sahindo  as  raparigas  da  Mes- 
tra se  foi  huma  abraçar  por  detrás  a  hum  homem  destes  que 
representão  de  saias,   pois  se  enganou  com  a  cor  do  vestido, 
e  cuidava  que  abraçava  sua  Madrinha  :  he  boa  historia  esta  ! 
Ah  bom  Simão  de  Orates  ,    só  tu  sabias  curar  isto  sem  páo 
nem  pedra  j  e  tudo  o  mais  he  historia. 

Ribeirú  velha  30  de  Outubro. 

Hum  Viajante  que  partio  de  Lisboa  ,  e  nao  levava  a 
bolça  muito  provida  ,  havia  por  isso  pedido  ao  Arreeiro  o 
ícvasse  á  Estalagem  ,  onde  houvesse  hum  Patrão  mais  ba ra- 
fei ro  :  depois  de  ter  andado  mais  de  cinco  íegoas,  se  fasti- 
Hiàva  ao  mesmo  Arreeiro  da  carestia  ,  com  que  o  Estalaja- 
deiro a  tinha  escaldado  ;  e  achando-lheo  Arreeirinho  alguma 
rhzao ,  o  fez  apear  do  macho  com  muitos  protestos  dequea 
havia  despicar;  e  montando-the  no  machinho,  voltou,  dei- 
xii^o  o  amo,  onde  se  demorou  bastante  tempo.  G  Viajante 
ja  líao.  escava  iiaaito   comeiuc,    eis  senão  quando  0  vê  vif' 


com  Iiuma  trouxa  adiante  de  si,  de  sorte  que  ò  a tno  assen- 
tou que  o  bom  do  Arreeirinho  tinha  furtado  ao  Patrão  Jcn- 
çóes,  travesseiros,  cobertores,  toallias ,  etc  e  chcgando-se 
mais  ao  pé  dellc  ^  salta  o  Arreeiro  estas  palavras  :  áh  òe" 
nhor  meu  amo,  ertd  desprcúdo  :  Pois  que  trazes  ãhi  } 
disse  amo;  respondeo  o  b.hcvco  ,  flí  Jurf  ar  áquei/e  /a-Irãa 
todo  o  jogo  da  tclla  ^  que  Ibt  vdofícaldmmhinnyao^  Rio- 
«c  o  Viajante  muito,  e  iiindo  a  montar,  reparou  que  nao  via 
a  sua  rcalia  ,  e  perguntou  ao  Ancciro  por  clla^  a  isto  íicou 
o  tal  moço  embatucado,  e  respondeo  zi:  Ccrtamerite  ma  fur- 
tarão em  quaríto  cu  fui  dentro  ^íj  quintal  do  EstGiiijadei^ 
ro ,  ainda  agora  o  amo  se  está  esconjurando  ,  a  lan:entar-se 
com  as  mãos  debaixo  do  braço,  e  disse  ::::  Despicas-te-rne 
muito  bem  ^  estou  muito  bem  despicado  \  trazrs-me  hiniijO" 
gs  de  bilía ,  e  deixas  furtar  a  minha  ma  lia  com  quanto 
fato  tinha,  A  isto  o  Arreeiro  para  o  ccneohir,  lhe  .disse; 
lenha  paciência  y  Senhor  ^  eu  histo  rdome  ajasiei  da  or- 
de,n  do  Mundo  ^  que  bt  andarmos  furtando  kuuâ  aos  antros* 

Bica  do  Çúpato  26  de  Outubro. 

Por  cartas  rindas  da  Alhandra  consfa  a  lamentável  mor- 
te de  hum  homem,  chamado  per  alctnlia  o  sim  ^^im  ^  qw.ús 
valente  que  o  m,esmo  Sansào  \  as  fciças  atste  hni.o^o  herce 
erao  as  maiores,  quc  se  virão  no  Mundo;  dco  hunra  vez 
hum  pontapé  n'um  rapaz  de  três  annos,  c  atirou  cem  elle 
tao  alto,  que  quando  cahio  já  íazia  a  barba,  listando  hum 
dia  jiesta  Villa  da  Alliandra  em  hum  alto,  e  querendo  avi- 
sar hum  seu  amigo,  que  tinha  no  Rio  de  janeiro ,  de  huma 
penhora,  que  de  cá  llie  hiáo  fazer,  cscreveo-lhe  huma  car- 
ta, e  atando-.i  -a  luima  pedra  ,  e  oriCntândo-sc  per  huma 
carta  de  maneira  atirou  com  tai  ícrça  ,  c  proporção  ,  que 
foi  a  carta  mariar  pela  j^nella  diniro  de  seu  aii.i^o  ,  que  es- 
tava esburgando  iium  coco  para  ccmcr.  De  outra  vez  vendo 
que  outro  seu  amigo  tinha  chamado  trinta  honens  para  lhe 
abrirem  hum  poço  de  duas  bradas  de  dinirctro,  e  vinte  de 
fundo,  este  valente  liomem  para  poupar  os  gastos  ao  seu*  a- 
mií;o  ,  foi-sc  a  huma  pedreira,  airsncou  tom  a  unha  huma 
Icisca  de  pedira  de  duíis  bricas,  e  indo  á  Quinta  do  amJgo, 
feateo  com  tauta  forja  com  a  tal  pedra  no  cijão,  quq  abuò 


hum  poço  de  trinta  braçasde  fundo,  de  sorte  que  sinâ^  ò 
dono  entupio  dez.  Eue  valente  brutamonte  matou-se  a  si  mes- 
mo desestradamente :  Hum  dia  que  se  encaraçou ,  cnlrou  em 
casa  de  hum  Moleiro  seu  compadre  a  chaírear:  falicu-se  eiu 
forças,  e  disse  o  Moleiro:  í/ue  queria  ver  se  com  hum  cu* 
téllo  partia  ells  huma  mó  da  moinho  d  tra-vez,  O  tal  bor» 
rachão  sim  sim  sem  dizer  tião  não  ^  enfiou  o  dedo  pela  mó  , 
arrimou-a  ao  peiío,  pegou  no  cutéllo,  e  como  estava  em- 
briagado, nao  soube  proporcionar  a  força,  que  poz  mnia  , 
que  cortou  a  mó  pelo  meio  ,  paríio*se  a  si  pela  cintura  ,  c 
ainda  cortou  oiio  saccos  de  farinlia  ,  que  \\\q  íicavao  por  de^ 
tra7.  Deve  eternizar-se  a  memoria  deste  homem ,  pois  hc 
preciso  que  passem  séculos  ,  para  apparecer  outro  de  iguaes 
íforças* 

"Rua  dos  Alamos  7^0  de  Outubro* 
Aqui  chegarão  a  esta  Estalagem  pelo  Correio  das  Cal- 
das cartas  do  Cadaval,  e  de  pessoas  fidedignas,  queasseverao 
Jiura  acontecimento  raro,  que  houve  naquella  Villa:  Mor- 
rendo hum  Lavrador  dos  mais  ricos,  intentarão  os  seus  her- 
deiros fazer»Ihe  hum  ofíicio  de  sepultura  com  seus  Responso- 
rios  de  Musica^  para  o  que  mandarão  vir  de  Óbidos,  e  de 
todo  aqueiie  Termo  as  roelhores  vozes,  e  os  melhores  Ins- 
trumentistas, que  se  pudérao  descobrir:  Dando-se  principio 
áquelle  acto,  apenas  a  Musica  começou,  foi  tal  o  descnroa- 
mento ,  que  o  mesmo  defunto,  que  estava  na  Eça,  se  en» 
trou  a  confranger ,  e  a  torcer :  Todos  os  convidados  se  arre- 
piarão, sahírão  arordidos  a  foglr ,  e  não  faha  quem  suppo- 
nha  que  aquella  ahna  está  em  bom  lugar,  visto  ter  naquella 
musica  tãa  penoso  purga  tório, 

O  amigo  de  Setúbal ,  que  deseja  a  Vv.  rom.  todos,  que 
comprarem  este  Folheto,  sâude  peifeira,  aqui  me  avisa  que 
o  Enigma,  que  principia  Nada  do  que  tem  reparte^  não 
passa  de  ser  o  mesmo  ,  que  já  dis?e  lhes  desejava  ,  e  fechou 
a  carta  dizendo,  saúde  ^  e  mais  saúde. 

Dissertação  do  msso  amigo  applicado  a  experiências  econo" 
micas  em  utilidade  do  Público. 
O    movimento   de   rota0o  da  terra  em  torno  do  seu  ei* 
xo,  qa:  nos  dá  o  dia,   e  a  noiíe ,    e  o  seu  gvro  annual  na 


Ecliptica  ,    que  nos   disíribue   as  Estaçdfs-,   c  nos   dlviVe  o 
lenipo  ,    dá    hunia  época  fixa  a  todas  as  producçocs  terrestres. 
Nem    em    todos   os   tempos  se  produzem  íVucrcs,    crdâ  ciial 
delles    tem  huma  estação  particular  ,    cm  cie  sazcna.    C)  lio- 
mem  nem  sempre  pode  rer  íirbiíro  das  stas  acções,   he  pre- 
ciso   que  o  lempo  o  proteja  ,    e  faz-se  igualmente  necessário 
que  se   espere  este  mesmio  tempo.    Os  n'are>  encapejiados,  e 
as  vagas  rebentando  em  caxao,  os  impetuosos  sopros  dc^s  A- 
quillo?  vedão  que  o  homem  transite  além  das  barreiras  da  ter- 
ra pelo  liquido  elemento.  O  Sol  Planeta  creador ,    e  seiíiindo 
a  p,ente  da  propag^içao  „    So/  &"  homo  generunt  kornir.e\  ,, 
De  Inverno  he  consolador,  agazaliiador,  suave,  e  g^aio;  de 
Verão  he  importuno  ,    cruel ,    malfazejo  ,    e  insuportável :   A 
neve  que  tanto  pelo  Estio  deleita,    e  espiritualiza,   na  lista- 
rão frigida  constipa  ,    e  empece.    O  pepino,    hum  dcs  vege- 
taes  assas  saborosos,  comido  em  Agosto  he  nocivo,  en.harií- 
ça  a  digestão,    e  arruina  o  estômago :  A  couve  neste  rreímo 
mez    muitas    vezes    tem    chegado  a  roubar  a  vida  a  quem  se 
lem  alimentado  com  ella  ;  por  isso  os  nossos  antigos  dizião,, 
o  rifcío ,,    Se  queres  tiU  marido   morto  ^  clá^lhe   couies  tm 
agosto.    Donde  se  conclúe  que  certos  comestíveis  tem  sua  é- 
poça  própria  ,    que   fora  delia  fazem  damno  ;    e  que  he  ver- 
dadeira esta  proposição,,    ludo  se  qu(r  no  s(u  tempo ,  como^ 
a  Arraia  no  Advthto  ,  e  o  tas  são  je/o  S.  joão. 

Carta  circular  a  todos  os  curiosos  de  amlos  es  sexos.- 

Amigos  do  bom,  e  barato,  o  tem.po  que  he  precioso 
não  SC  pôde  perder  hum  só  irstsnte,  que  não  vepha  dçpois 
a  fazer  falta  :  Eu  me  vejo  novan^ente  debaixo  de  condiçHo 
meio  obrigado  de  algumas  pefsoas  a  relatar  mais  succeisis, 
que  no  Theatro  do  Àlundo  se  represem ão  ,  distribuindo  ues- 
tts  Folhetos  do  Aimccreie  de  Vetas  ss  panes  pr(>priaf 
com  aquella  escolha,  cue  reqter  a  acção,  sendo  a  primei- 
ra Dama  a  mvito  rdre  ^  e  setrpre  leal  Cidadf  tíe  l  ishoa^ 
3  segunda  Dama  a  Senhora  elevada  Tafularia  da  nejma  Ci^ 
dade  :  Q\cv.%  seu  lerwoy  e  /:rrabaldcs  ^  Lacaia  a  Asítrln 
da  vida  ^  e  Gracioso  o  calote  gerai  ^  razão  porque  sepi^rda 
vz  CS  inpoflur.o  ,  ri:srdo  esiava  já  ro  píojí-Cío  de  vos 
i>ão  mtks:ar,    c  qec  vciisíLCiue  virá  a  succeder,  tç  iio  um- 


pO'  ji  mencionado,  não  vindes^  ou  mindaís  nssignnr  na  lojà 
da  Gazeia  com  cruzes,  ou  cunhos,  para  continuar  no  novo 
anno  ,  a  desenrolar  as  petas,  em  que  tp.uitos  caliem  ,  outros 
practicão,  e  a  rnalicia  descobre,  ferindo  a  todos  ni  ponta 
da  aza,  e  não  matando  nenluim  ,  porque  nao  incorra  cm 
pena  o  meu  Almocreve,  que  não  fiz  mais  que  divertira 
Vv.  mm.  cora  cila. 

A  minha  Musa,  que  não  sei  quem  lhe  disseque  a  obra 
estava  em  termos  de  continuar,  vestio-sc  de  manto  de  seda  , 
e  muito  Senhora  do  seu  nariz  veio  ter  coaiigo  ,  dizendo  to- 
da empespinhada ,  com  voz  de  pipia:  vej,^  Li  em q  e sevitt* 
te  \  SC  esta  obra  continua  ,  e  V,  m.  quer  o  meu  su  corro  ha 
de  fazer  o  seu  gasto  comigo^  Tesínulo-m  ■  de  ponto  cm 
•branco.  Logo  a  traz  delia  seguio-se  o  Ahtiocreve  dizendo* 
me,  com  voz  de  capado,  se  a  obra  continua^ ,  eu  tarnhem 
quero  hum  vestido  novo*.  Pela  outra  pp.rte  sâhio-me  o  Mo- 
ço com  voz  de  gaita  de  folies,  e  disse:  tu  lanibsni  qUtjtn 
ser  vestido  desde  os  bicos  dos  pés  aí é  d  cabeça  ^  purquc  to* 
do  o  fato  que  iinha  ^  tenho  gasto  nestas  jornrtdas  \  e  o  ca- 
VâUinlio  tainbcm  fazendo  signa!  com  voz  de  Uiço 
Me  mostrou  que  queria  muito  ufa72o 
Huma  ração  dobrada  para  o   anno* 

Cada  hum  me  allegou  o  seu  trabalho,  e  cu  pasmri  â 
olhar  para  elles  ,  rcfleciinlo  na  dúvida  em  que  o  lance  está 
para  a  sua  pcrtengão ,  admirando  o  gosto,  com  que  elles  já 
4:cKtão  com  o  ovo,  que  a  galinha  ha  de  pôr,  estando  ainda 
tudo  no  mais  difficultoso  embaraço.  Eu  os  desenganei  ,  fa- 
zendo-lhes  ver  as  calamidades  da  Época,  que  para  tudo  hia 
íVii,  e  que  o  nao  continuar  a  obra,  he  porque  tinha  hurtí 
embargo  pela  moeda ,  e  nao  porque  fdtasáem  petas  para  O 
anno  \  que  o  dinheiro  a  cada  hum  mal  cliegava  para  os  boca* 
dos  da  boca  ,  quanto  mais  para  comprar  huma  folha  de  pa* 
pel  tão  ordinário  como  e^íte  por  quarenta  réis.  Então  o  AJ« 
mocreve  me  re^pondeo  com  voz  dí  ferro  ,,  ainda  ha  muit^ 
dinheiro  ,  se  o  não  houvesse,  não  se  satlsfariuo  tantos  ape* 
tites\  arfuelle  sogeito  ,  que  y,  m.  amiuncia  na  Pane  70 
desta  Obra  que  comordra  os  feijões  verdei  tão  caros  ,  com» 
pi'OU  daíli  a  três  dias  cinco  t  omites  por  doze  vinténs  para 
os  temperar  ^  os'  quies  nem  ai'i:l'i  sua*  tinhãOy  e  a  su4 
obra  sempre  tem  tal  ^  ou  qual  chorume.  .Ao  que  promptâ* 


(7) 

irente  respondi,  creio  que  a  obra  tem  encontrado  cem  irui- 
&>s^  e  se  alguém  diz  ir.al ,  todos  tendes  costas  ,  o  pcntccsiá 
que  nos  não  dem  nclla?.  Eu  pedi  o  piazo  de  quarenta  dirs 
para  o  fim  das  assigraturas  ;  traba]j]erros  todos  ccmon*e5n.o 
cuidado,  e  vejamos  o  que  o  tempo  dá  de  5Í.  Cem  que,  m:eu5 
Senhores,  o  que  vos  digo,  he  que  vos  lembreis  de  miim,  e 
desta  canalha,  que  me  cerca  j  por  cujo  beneficio  seir.pre con- 
fessarei ser  vosso, 
P.    S.  EDITOR. 

SúUílaíles  aov  amigos  forretas  ^  eUmhr atalhe  atjecn' 
tis  ver  este  Caxcltnha  do  Jilnucrtve  ^  dO  c>tie  -ver  o  Carne l^ 
lo  ^  e  os  Macacos  da  Fraca  do  Salitre. 

O  Moço  do  Poeta  Sabbado  passado  indo  fazer  a  bar- 
ha  ,  se  vio  importunado  pelo  seu  Esrl.e:ro  ,  p?ra  que  lhe 
gln>as5e  a  sepiiinte  Qiiadra  ,  que  era  dada  por  sua  Pr^m.o  ,  c 
que  a  vir  de  desempenho  Jhe  faria  quatro  semanas  a  barba  de 
g^^aça  \  que  betadas  bem  as  contas,  vem  a  sahir  cada  barba 
I  or  c^cz  vtTscs.  Ahi  vai  a  Quadra,  e  a  Gíosa  ,  e  Vv.  nrm« 
diiso  se  o  Moço  tiiou  as  barbas  de  vcrgonjia. 

h^erculea  força  não  pode 
Arrancar  htnna  paixáo  ^ 
Que  terias  raízes  tem 
ISio  fundo  do  coração* 

GLOSA. 

Fntre  hum  Barbeiro  y  e  hum  Freguez. 

I.  H. 

Treg»   Senhor  I\lestre  ,  venha  cá ,  Borh  Que  cli?  ,  meu  freguez  ,  que  dii  i 

Aiule  ,  corra   diligente,  Havia  tirar-lho  fora, 

"Venha  aqui  ver  este  dente,  Jnda  c;ue    tivessse  agora. 

Que   tantas  dotes  me  dá:  De  palmo  e  meio    a    raiz  í 

To(J.o  o   £]ueixo  inchado  está,  Não   ha  homem   nais  feliz 

^alor   para   aqui  me  acode }  Neita    crsta  de  rp'tacn«  , 

Fa^a  coivi  queeu  n  e  accf  rrmodc,  Até  os  arranco  á  mão; 

Ande    já;    veiíha   tirar-mo  ;  levo  a  tmios  nisto  a   palma, 

Wai  ru  creio  que  arrancar-mo  Assim    eu   pudera  d'alina  , 

■Hfircif/tffl  fcr^a  não  pódçt  Arramac  tutma  faixai* 


(S) 

.1".  IV. 

Amar  tem  muitos  de-jcontos ,  P''^^'   Hiij,   pois  vosse  não  medi» 

J^J-ds    eu   namorada  est(Ui  :  Que   os  tira  de  toda  a  sorte? 

E  á  nianhá  ca^ar  ir.e   vou  .  Inda    tendo  algum    mais  fotte 

Por  cer  quem  me   di  doi<  p)ntos  :  De  palmo,  e  meio   a  raiz? 

l^reg..    Oeixe-mo-iio;  dessas  concas  ,  J}a'-[,.    Confesso  fui  infeliz  , 

, 2^ão  ms  importa  cá  niiiguem  :  Esca.-^ou  me  o  boticao  : 

K7ri.   Povsande  ,  abra  a  boca  b;in  :  Fre^.   O.i    pedante  ,   igncrantão  p 

í''*^'^'.  Sio)  ,  ijias  tire-o  levemente  :  Já  ,  e    já   deíç  i-me  a  etcada  , 

J^arh,   Gouo  hçii  d'en  tirar  Iiu  n  dente  Senão   cravo.Ii>e  esta   espada 

Qíte   tortas  raizcs   tçin^  ISoJa.tdo  do  coração. 


A  V  I  S  O  S. 

Sihio  á  hiT;  o  tratadií  do  papd  branco^  obra,  q^ie  ha 
«ecuk)s  tsrín  estadcj  ás  escuras,  porque  quasi  todos  que  a  lião 
fíciváo  em  branco.  Esta  obra  £12  conhecer  a  ditYcrcnça  ,  que 
ha, entre  o  prero  ,  e  o  branco,  e  a  razão  porque  iici?  Lote- 
riás  ha  mais  sortes  em  branco,  do  que  em  prcro.  Seu  Author 
assignado  cm  branco  ,  vende-se  encadernado  em  carneira 
branca ,  em  c^sa  de  João  Branco ,  por  doze  vinténs  na  Ri- 
beira Velha  junio  ás  casas  do  Branco, 

Pfomettem-se  dez  peças  de  calibre  de  6  e  4  á  prlmeí''a 
pessoa ,  que  ensine  como  se  poderá  abrir  a  boca  a  hum  sc- 
gcito  ,  que  a  tem  pegada  com  cuspo  para  se  lhe  levantar  a 
íingoa  ,  e  tirar-se-lac  hum  nome  ,  que  tem  debaixo  delia, 
qu?  he  para  acabar  de  fazer  huma  carta  a  hum  rapa/  da  es- 
cola ,  que  jl  sabe  de  còr  o  Bamebao,  e  principia  agora  a 
ííprender  nomes ,  para  depois  os  chamar  a  quem  elle  quizer. 
(iae.u  se  arre^er  a  ganhar  o  premio ,  vá  apresentar-se  ao 
Forre  de  S.  Kidio  ,  onde  escolhetá  o  proractiido  á  sua  von- 
tade. 


LISBOA,     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOi 

I  8  I  9. 
C-om  licençã  da  Mcsia  do  Desmbargo  do  Paçú. 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXXI. 

Fortãs  de  Santo  Antão  28  de  Outubro. 

XJLE  para  pasmar  ver  as  traças  que  fazem  os  ídeistas  do 
Mundo,  para  nelle  passarem  a  vida  !  sem  vintém,  sem  espe- 
rança <]e  o  terem  ,  e  sem  cousa  que  o  valha  !  Mora  nesta  rua 
hum  maganão,  destes  que  passão  com  o  alheio  soffrivelmen- 
te,  e  cada  dia  usa  do  seu  estratagema  para  poder  coalhar 
algum  real,  se  he  que  os  reaes  secoalhão,  e  hum  destes  dias 
que  lhe  veio  á  cançada  idéa  huma  invenção  que  não  deixa  de 
ter  sua  graça,  e  castiga  muiro  bem  quem  crê  de  leve  ^  levan- 
tou-se  este  honrado  homem  da  sua  cama  ainda  que  tem  algu- 
ma cou?a  de  velhaco,  foi  ao  Arcenal ,  comprou  lumia  cha- 
ve, que  lhe  pareceo  mais  geitosa  a  figurar  de  camarote  ^  por- 
que entre  aquelles  ferros  velhos  sempre  ha  por  onde  escolher , 
desenferrujou-a ,  pulio-a  ,  e  foi  para  huma  casa  de  jogo  mui-^ 
to  satisfeito  da  sua  vida  ,  e  no  copcursoque  se  achava  presen-» 
te  ,  offerecco-se  para  fazer  huma  rifa  da  chave  de  hum  camarote 
da  Opera  do  Salitre,  mettendo  de  permeio  muita  rhetorica  , 
de  que  era  abundante,  e  patacuada  de  aventureiro:  Mais  de 
meia  dúzia  de  patinhos  de  agua  doce  se  offcrecêrâo  a  entrar 
81 


na  mesma  rifaj  hum  com  o  sentido  de  levar  a  Prima  á  Ope- 
ra com  dois  tostões  ■éeeíaíTâdâ -,  outro  pensando  dar  este  di- 
vertimento ás  manas  j  e  etc,  etc.  ctc.  apparecêrao  os  dados, 
passou  se  o  dinheiro  para  a  imo  de  ri&iite^  l/ofa  tu  ,  que  eu 
logo  botarei  :  Eu  quero  str  ^  màimv^  Iim  stret  o  primeiro  \ 
com  cffcito  dccidio-se  a  fortnim  por  ham  Cabelleireiro,  que 
fazia  de  Presidente,  na  ^Síái^.  Assemblèa  :  Muita  rizada  ,  mui- 
to contentamento  'Sâhio  logo  o  afioí-tunatío  danda  mil  para- 
béns á  sua  sorte,  jurando  de  para  o  futuro  entrar,  em  quan- 
tas rifas  houver.,  ainda:  que  se  extinga  mcllas  todo  o  dinliei- 
ro  dos  seus  partidos;  N^o  Jhe  pezoa  ©  pé  h uma  onça  porque 
clle  todo  era  leve,  e  foi  convidar  não  menos  que  duas  Fre- 
guezas  suas  em  cuja  companhia  tem  tocado  guitarra  eterna- 
mente: Elias -a  ceei  t^  rã  o  logo,  v\to  foi  preciso  sege,  mesmo 
a  pé,  porqire  moravao  perlo,  o  meliente  as  conduzio  :  En- 
trou este  pelos  corredores,  procurou  o  número  que  hia  era 
huma  taboinha  pendente  da  chave,  e  aos  primeiros  inovimen- 
tos  da  fechadura  ,  abrem-lhe  de  dentro  a  porta ,  e  com  máo 
modo  lhe  responderão ,  que  quer  V.  nu  cá  ?  F.  tn,  está  en- 
ganado no  nnmer&\  Ficou  mais  branco  do  que  os  pôs  de  que 
usa,  e  partío  como  hum  raio  com  as  duas  Senhoras  pelo  bra- 
ço á  casa  dos  camarotes,  argumentos^  instancias  ^  be  nMo 
te ,  fói  não  foi^  já  se  resolvia  o  Senhor  Mestre  a  querer  a- 
lugar  por  todo  o  dinheiro  ,  qualquer  outro  camarote,  que 
estivesse  de  voluto ;  porém  a  enfelicidade,  que  não  deixa  de 
acompanhar  todas  aç  desordens  ,  fez  cora  que  todos  estives- 
sem alugados  :  Eis-aqui  o  Monsiur  ,  que  conheceo ,  ainda 
que  tarde,  o  ópio  em  que  cahio,  raatando-se  em  satisfações 
para  com  as  Senhoras,  ellas  enjuriadas  do  lance,  elle queren- 
do com  capilés ,  filipinas,  limonadas,  ponches ,  chocolate, 
doces ,  promessas  para  o  dia  seguinte ,  e  finalmente  todo  o 
seu  valor ,  socegar  a  tormenta  era  que  se  via ,  nada  foi  bas- 
tante; recuarão  por  fim  a  carruagem  calcante  fedibus  as  di- 
tas Senhoras,  e  elle  as  foi  pôr  em  casa,  que  hiao  capazes 
de  dar  em  si  de  raivosas,  entíío  ficou  o  pobre  coitadinhoper- 
dendo  aquella  freguezia  ,  e  apenas  chegou  ao  seu  quarto,  fezr 
etíí  pedaços  a  guitarra  por  sacrificio  á  sua  afflicção. 


(  5  T 

Carta  que  José  Bolota  Saveiro ,  Marujo  de  todos  os  qua-- 

tro  costados  ,  mandou  á  sua  Maria  apenas  portou 

em  Lisboa  na  segunda  viagem. 

Senhora  Maria  »  Hootcm  quando  desembarquei  ao  mes- 
míssimo tempo  que  puz  os  peis  cm  terra  me  deráo  taes  refre- 
gas por  barlavento,  que  considerei  que  o  Norte  de  seus  áris 
me  asoprnva  pela  facha ,  e  que  o  meu  desejo  hia  já  chegan- 
do ao  Cabo  da  Boa  Espirança,  e  não  me  cngani  ;  porque  a 
agulha  do  meu  pensamento  logo  m€  mostrou  o  roteiro  para 
me  pôr  a  caminho,  largando  barcos,  e  redes  por  dar  allivio 
ás  cavernas  do  meu  prampto*  Cheguei  á  sua  porta  por  ver 
?e  estava  seu  Pai  cm  casa  ,  e  piiz-me  á  capa  até  que  visse  o 
mar  era  bonança,  atirci-ihe  coin  iiura  escarro,  e  a  este  re- 
clamo acudio  sua  Irma  mais  pequena  ,  e  dixe-me  que  V.  rru 
não  estava  em  casa.  Juro  pelas  ondas  salgadas  que  nunca 
fiz  tamanha  agorda  ,  como  foi  o  agoaceiro  que  fízerao  as 
duas  bombas  do  meu  prampto,  e  mais  quando  me  dixerao 
que  vossê  me  fazia  guaditerios  c'o  filho  da  Caçoa  por  alcu- 
nha* Isto  então  hum  Grumete  que  toda  a  sua  vida  se  crcou 
a  varrer  a  Náo  Cabrra  ,  que  nunca  soube  ferrar  huma  escota , 
nem  tomar  huma  gata.  Hum  homem  de  meio  quinjião,  quem 
me  dixera  a  mim  que  hovia  passar  a  linha  por  seu  respeito 
para  agora  as  estar  torcendo  !  Por  ventura  elle  he  niais  ho- 
mem que  eu  ?  Se  me  tem  por  fraco  por  aquella  pendência  que 
tive  no  Cáes  da  pedra  ,  de  que  me  derao  duas  bofetadas  nal- 
iria  da  cara,  isso  pouco  emporta  que  também  a  sua  mercê  na 
noite  em  que  me  fui,  abalroou  aquelie  Marujo  chamado  o 
Pé  leve,  e  lhe  díjcc  que  sua  mercê  era  má  mulher,  e  outras 
cousas,  e  eu  fui  tão  honrado  que  nunca  repari  nessas  ninha- 
rias. Quanto  mais  eu  a  procuro,  roais  sua  mercê  se  esconde 
da  pissoa  :  algumas  quatro  no  bairro  me  rogao  ,  e  eu  estou 
trincando  a  amarra  ,  e  creia  sua  mercê  que  3e  fizera  alguma 
fecilidade  no  seu  amor  era  capass  até  de  fossar  lama  a  seu  res- 
peito :  mande-rae  resposta  Senhora  Maria  antes  que  de  era 
secco ,  e  me  ponha  a  criar  limos.  »  Deste  seu  coraqao  que 
espera  a  ccena  dos  seus  mimos  para  melhorar  de  rumo. 

.(^Assignado)  ^osé  Bolota  Saveiro. 


(4) 

Jlua  (h  Rosa  i  de  Novewt-ro, 
D.  Brizida  Brites  da  Albrolhota  ,  Scnliorn  cnsada ,  e  in- 
Ccins.ivcl  nisto  de  contradanças,  e  ciitilhoes,  qiic  até  trazia 
a  Folhinlia  corada  com  os  dias  repartidos  para  as  fun^Òcs  de 
tal  parte  ,  e  de  ral  parte;  systcnui  ,  que  seu  marido  não  levava 
á  paciência  :  Nas  vésperas  do  dia,  cm  que  fazia  anncs  o  scU 
homem  ,  não  o  largou  hun]  só  instante  ,  rogando-lhe  conrínua- 
incnlc  que  fizesse  huma  função  em  casa  no  seu  dia  natalicio: 
o  marido,  que  tão  perseguido  se  vio  delia,  protestou-lhe  que 
dcscnncasse  ,  que  a  função  estava  certa  :  Não  quiz  a  menina 
mais  ouvir,  e  passou  Jogo  a  mandar  convidar  as  suas  amrgas; 
porém  chegando  o  mencionado  dia,  poucas  horas  antes  de 
entrarem  as  visitas  ,  pegou  o  marido  em  humas  baetas  pre- 
tas, que  pedio  emprestadas,  e  cm  quanto  a  Senhora  estava  ao 
toucador,  com  cilas  forrou  as  paredes  o  mais  breve  que  pô- 
de; poz  huma  vela  grande  era  hum  castiçal  sobre  huma  ban- 
quinha  ao  canto  da  casa,  fechou  portas,  e  janellas ,  vestio- 
se  de  preto  ,  e  sentou-se  em  huma  cadeira.  Concorrerão  os  con- 
vidados ,  entravão ,  e  fícavão  esmorecidos,  até  que  veio  a  do- 
na da  casa,  que  esperando  ver  cortinas  de  damiasco,  vio  as 
tristes  baetas  ;  incrcpou  o  marido  ,  e  todos  iguahrientc  lhe 
instarão  pela  razão  daquelle  luto,  até  que  elle  respondeo  ;  que 
esperavào  Fv,  nnn,  de  quem  vai  camifi bando  para  a  morte  ? 
4$*^  eu  fizesse  hum  anno  de  menos  ,  viotho  era  de  alegria ; 
vtas  fazer  huma  função  porque  faço  hum  anno  de  mais  ,  e  feS' 
tejar-me  ,  porque  fui  moÇo  ,  e  me  vejo  velho ,  he  asr.eira  ,  em 
que  não  caio  ,  qut  a  conta  de  meus  annos  me  jaz,  entrar  em 

JUÍZO, 

Rua  da  Fé  4  de  Novembro. 
Os  abusos,  que  a  bizonharia  do  homem  derramou  sobre 
a  terra ,  fez  que  o  respeito  deste  nome  ficasse  sujeito  a  mil 
esdruxularias  ,  as  quaes  tem  passado  de  pais  a  filhos,  sem  que 
o  uso  da  razão  lhe  sirva  para  detestar  estas  ridicularias,  que 
o  Gentilismo  venerou  :  Ouviar  o  cão  Jie  natural,  procedido 
de  causa,  que  lhe  agita  o  ssngue,  ou  porque  vê  (abjecto  de 
pavor,  que  o  intimida,  ou  porque  fome  canina  o  aperta  ;  ser 
isto  presagio  de  máo  successo ,  he  asneira  pcnsallo.  A  hum 
sugeito  entranhado  nestas  pieguices  com  presum>pçío  elástica 
de  muito  acautelado,  que  não  move  hum  pé  sem  ir  ver  ao 


catalogo  ,  se  o  dia  tem  azia  ,  aconteceo  que  fazendo  elle  a  bar- 
ba a  si,  nío  sei- se  de  curiosidade,  se  de  esíudo,  e  sendo  na 
noite  antecedente  convidado  para  ir  acompanhar  huir.as  Senho- 
ras fl  Maraviila  ,  no  dia  seguinte  sahio  muito  cedo  de  sua  ca- 
sa para  o  intento,  e  lembrando-sc  já  na  rua,  que  não  tinha 
feito  a  barba  ,  a  tempo  que  entrava,  na  rua  de  S.  José ,  vio  que 
hum   Barbeiro   destes  das  dúzias  estava  pondo  na  porta  hum 
pedaço   de  cortina,    que  já  nno  era  verde,    porque  miostrava 
estar  cahindo  de  madura.    Elle    todo  lépido   Ilie  perguntou; 
jIò  Serhor  Mestre^  Um  agua  quente  \  de  neve  ^  ni<  u  Senhor  \ 
Jlie  respondeo  o  Barbeiro.    Elle  que  n?o  perccbeo  a  mutação 
da  falia,  lhe  diz  :  pois  faça-nie  a  barba  de  huma  só  vez  ^  que 
tenho  muita  preça  :  Assenta-se  ,.  poe-lhe  o  Barbeiro  hum  vol- 
vedoiro  pelo  pescoço  ,  e  com  agua  fria,  tirada  do  pote,  Jhe 
principia  a  banhar  a  cara;  assustou-se  o  Freguez  ao  primei- 
ro enxagoate,    mas  foi  soffrendo  :    O  Mestre  que  nao  tinha 
sabão  em  casa,  nem  com  que  o  comprar  fora  ,  e  não  queria 
dar  o  seu  braço  a  torcer  áquella  personagem  ,  que  elle  conhe- 
cia por  interlectos,.  Jembrou-se  de  hum  bocado  de  queijo  de 
Monte-Mor  curado  ,   que  lhe  tinha  sobejado  da  cêa  ,  e  cora 
elle,  em  ar  de  sabonete,  lhe  entrou  a  ensaboar  a  barba:  el- 
le que  sente  na  face  aquella  rostolhada  da  dureza,  e  do  sal,, 
lhe  diz  :  ah  Senhor  Mestre ,  que  diabo  de  sabão  he  esse ,  com 
qtie  me  está  emoboat.do  a  bútha  ?  dlcccnimode^ie ,  Jhe  diz  o 
Barbeiro,  he  o  que  dto  o  Reportório  este  anno  ^  todo  foi  assim 
sarabolhento\  e  passando  a  fazer^llie  a  barba  ,  por  onde  o  fer- 
ro hia,  feria  fogo  ,  e  levava  ccuro,  e  cabello  :  gritou  o  ho- 
mem (e   linha  razão  )  que  maldita  navalha  he  a  que  V.  m. 
vte  escolhto  ?  Foi  dando  alguns  ais,  e  no  íim  de  duas  horas, 
que  tanto  gastcu  a  tal  barbinha  ,  levantou-se,  evio-se  ao  es- 
pelho,  (  justamente  parecia  que  tinha  levado  bixas  pela  ca- 
ra ,    porque  de  espaço  a  espaço  só  se  vião  pequenas  cisuras) 
assim  mesmo  sahio  zangado,  a  tempo  que  as  Senhora?  já  ti-p 
nhão  partido  á  vela  ,  porque  hino  de  pannos  largos.  Mette- 
se  em  hum  Catraio,  toma  posse  do  leme,  fa2-se  ao  largo ,  e 
á  primeira  rabanada  de  vento,  elle,  chapéo  ,  Catraio,  eCa- 
traeiro  ,  tudo  se  poz  de  fundo  para  o  ar.  A  bom  salvamento 
pôde  patinhar  pelo  lodo,  defronte  do  Grilo ,  e  muito  ingri-r 
lado,  e  já  descalço  se  poz  na  praia  divertindo-secm  ver  ope^ 
culio  dos  dias  aziagos,  que  sempre  trazia  comsigo. 


(6) 

Bairro  da  Lapa  6  de  Novembro* 

Nvio  foi  a  invenção  quem  se  empenhou  no  presente  ca*. 
SC,  mas  sim  í1  verdade  mia,  e  crua,  que  quer  fazer  saber  aos 
outros  huma  repentina  scena ,  em  que  entrarão  três  meninas 
formosas.  Ha  neste  Bairro  três  meninas,  porém  já  talludas , 
ie  como  lá  dizem  deètas  de  ires  em  prato  ;  são  muito  galan- 
tes, muito  liabeis ,  e  tão  desembaraçadinhas,  benza-as  Deos, 
que  he  hum  gosto  vê-las  deliberar  em  todos  os  lances,  occor*- 
rendo-lhe  ao  mesmo  tempo  a  grande  infelicidade  de  não  sa- 
iiirem  bem  de  tudo  que  projectão ;  porque  se  por  apressadas 
á  meza  querem  comer  em  breve ,  pregão  cada  escaldadura  na 
-boca  que  he  huma  consolação.  Se  com  a  mesma  abbreviaturíi 
«obem  por  hunia  escada  ,  com  a  mesma  pressa  cahem  porella 
a'baix:o.  Se  se  deitao  cedo  para  pegarem  logo  no  somno  ,  he 
tal  a  palestra  que  ar-^-.ão  humas  ás  outi-as ,  que  não  fedião  os 
cylhos  senão  depois  das  diias  horas  da  noite;  e  tanto  lhe  sahe 
tudo  'áo  contrario  do  que  intentao  fa^er ,  que  hum  dia  destes 
Vendo  que  hu-m  tio  seu  alugava  st^^  para  jrviar  os  seus  nego- 
ciou èm  quanto  este  fe^  a  barba,  e  ^  penteou ,  quizeríro  as 
três  meninas  que  a  sege  as  fosse  pôr  em  casa  de  sua  Avóseiu 
que  o  tio  fosse  sabedor  ;  e  porque  a  sege  não  fiiesse  faka, 
tíjesmo  da  fórnna  que  estavao  era  casa  de  sahinhas  debaixo, 
jaquetas  ,  e  cabello  a  razão  de  juros  entrouxarão  os  -seus  fati- 
wh  os  -aceados  para  lá  vestirem  ,  e  mettendo-se  na  sege  cada 
Imhrà  Com  siia  trouxinha  ,  fecharão  postigos,  e  cortinas,  e 
pái^tírão  em  n'târé  de  ròzas.  Mas  oh  infelicidade'!  <jomo  a  des- 
graça sempre  as  acompanhou  em  tudo  quanto  pensarão,  per- 
íft  d&  c^sâ  dá  Avó  ao  vipar  huma  esquina  ,  cahe  bom  dosnra- 
Cltos,  quebfa-se  hutn¥arâl ,  abrem^-se  as  cortinas,  e desde  lo- 
go ficãô  as  três  Es-tíiítuns  citadas  para  despejo.  Sairão  para  a 
ru^  *âs  triár-eis  figui-inhà^  erti  h'abito5  menores  todas  envergonha- 
das ,  e  de  bum  salfò  ^de  puJga  se  mctt^rão  na  casa. para  onde 
hilio  ,  de  áorte  que  qUem  as  encofitPou  de  froiíXÍnh£<sdeb<iixa 
Úo  b1íâçò^sen^árão '-^ue  er^o^ri$iónei¥as  de  nalgum 'Corsatio. 
Dej>õis  deste  |'ab(?ò  bohsta  que -cada  hut^a  fez  seu  votodefa- 
2èrem  twá<)  de  vagar,  'e  com  reflexão  de  tal  forma  ,  que  |)a- 
ra  d'àré^  hUm  páiso ,  ou  rhaWabrat  qualquer  cousa  gastãohu- 
ttia  hóí^ ,  fc  qirándò  D^cos  c|tiór  h'ifim'dia,  qUe  ^semio  sabe  q'iial 
dos  dois  ■extremos  era  iiielliór -papa  -o  idõno  4a -casa. 


<7) 
Contffgttaç^ú  ios  eonttttos  achados  69  Velho  de  Ronful^rex'^ 

Pk'ia  o  nosso  velho  qjje  com  ^  enfçriD idade  não  ha  ^r^- 
zer  ,  que  o  pobre  tudo  tem  tendo  saúde  \  e  que  o  rico  n.i^díi 
íefp  se  â  .«auide  \hti  h\i&^ 

Dizia  o  nosso^tvelh^  .que  íUíaj^  yal^  liuma  p^d^  ^çomcia 
em  paz,  e  dada  por  t>om  ^enio  ,  que  trinta  cobertas  de  gui- 
zados  comidos  tix>  Jabyrin-tiio  ,  e  dados  de  ir.á  vontade. 

Dizia  o  nosso  vplbo  -que  mais  se  enganáo  os  olhos  no 
que  vêm  do  que  o  coraçaa  no  que  p^nsa. 

Dizia  o  nosso  velho  que  a  saúde  tem  muitos  avaliado- 
res ;  mas  he  depois  de  perdida. 

Dizia  o  nossp  velho  que  o  premio  que  o  homem  devia 
dar  a  quem  o  louvava ,  era  no  procedimento  não  lhe  fazer 
iuentiroso  o  louvor. 

Dizia  ç  nosso  jr-dLlip  .gue  quem  faz  o  que  pode,  faz  .a 
que  deve.  .  -^        . 

Diz-ia  «G ,  íio&so  velho  que  0S  mulheres  tem  n^ais  propen-^ 
ião  para  crear  filhos  ^  que  para  guardar  segredos. 

Dizia  o  nosso  velho  que  o  Jioraem  devia  usar  de  palavras 
-como  usa  dos  vestidos.,    trazendo  huns ,  e  guardando  outros. 

Dizia  o  nosso  velho  que  ninguém  sabe  corno  se  ha  4^ 
haver  eom  jBUulheres  j  por^que  senão  as  ama  ,  he  tido  por  hura 
•néscio  ;  se  as  namora  ,  he  atrevido  i  se  as  deixa,  he  cobarde  ; 
se  ^  segue,  he  tolo  ;  se  o  occupão,  e  serve  ,  nem  por  isso 
o  es  timão  mais  ;  se  se  nega  a  servir,  aborrecem -no  ;  se  as 
ípertende ,  dcsprezão-no  \  -se  se  faz  iudifferente ,  perseguem-no  j 
íse  as  gaba ,  he  fa  rol  eiró  ;  se  as  abate ,  he  mal  creado  ;  se  as  en- 
cana, hesevandija;  se  as.tra;a  com  verdade,  he  mal  correspondi- 
do j  se  se  humilha  ,  he  pobre  liomem ',  se  se  eleva,  he  papelão. 

Dhia  o  nosso  velho  que  seis  cousas  botavao  o  homem 
.a  perder  »  Amigos,  jogo,  mulheres,  fianças,  confianças, 
fC  desconfianças. 

Dizia  o  nosso  velho ,  que  o  homem  de  offício  público^ 
deve  ser  sábio  ,  para  saber  o  que  faz  ,  deve  ser  prudente  pa- 
ra atinar  com  o  que  faz,  deve  ser  experiente  para  saber  quan- 
do o  fa^.,  e  deve  ser  receoso  para  emendar  o  que  faz. 

Dizia  o  nosso  velho ,  que  cinco  cousas  perdia  huma  ca- 
sa, hospedagens,  funjoes  ,  dcsmazellos  ,  lingoa  comprida ,. 
a  máos  visinhos. 

Dizia  o   nosso  velho  ^  que  seis  cousas  tem  as  creadas 


C  8  ) 

de  servir  comsigo,  serem  golozas ,  serem  chocalheiras,  se- 
rem abelhudas,  serem  dorminhocas,  serem  descuidadas ,  e  se- 
rem janeleiras. 

Dando  certa  Mulata  de  Lisboa  muito  presumida  hum 
vintém  a  hum  pobre,  succedeo  o  seguinte; 

Cerra  Mulata  hum  vintém 

Quiz  de  esmola  a  hum  pobre  dar  ^ 

E  elle  hindo-lhe  a  pegar, 

Talvez  por  ser  maganí^o , 

Pegou  na  esmola  ,  e  na  mão  : 

Fugio-lhe  ella,  e  elle  sizudo 

Lhe  disse  »  Como  sou  pobre  ^ 

E  tudo  be  da  cor  do  cobre  ^ 

Cuidei  que  me  dava  tudo. 


i 


AVISOS.  \ 

'■■  '  i^'Diz  o  Almocreve  de  Petas,  o  seu  Moço ,  e  o  CavalH- 
nho,  que  elles  precisão  que  o  Senhor  Povo  se  vá  cossando 
com  a  sua  de  40  sem  interrupção  alguma ,  e  isto-era  rèmune- 
raçíío  dos  serviços,  que  lhe  tem  feito  tanto  nisto,  eoraona- 
quillo  j  por  tanto. 

*  .  a  «uas  Mercês  que  se 'na o  des- 
cuidem da  cossadura  ,  q4.íe  reque- 
rem. E  R  M.<í« 
Sahio  á  luz  o  Livro  intitulado  Competidio  Grammatical 
de  termos  escuros  ^    em  que  se  instrue  o  público  na  origem 
de  dois  ditados ;  que  são:   Estou  ninando  ^  e  tudo  vai  peio  pó 
do  gato,  n.  tomm.  em  folio  grande,  illustrados  com  annotar 
ções  dos  peiores  Authores.                       i   ,  ?  ,) 
Vendé-se  huraa  cama,    cousa  rica  ^  coma  singularidade 
de  conciliano  somno  a  toda  a  pessoa  ,  que  ou  por  cuidados, 
ou   por   moléstia  não  puder  dormir.    Não   se  pode  de  forma 
aJguma  duvidar  deste  préstimo,  que  seannuncía,  porque  seu 
"iilltimo  dono  tinha  quarenta  e  tantos  credores  de  somraas  a vul- 
*tiadasj'e  dormia  nella  a  somno  solto. 

Também  se  annuncía  que  era  Lua  nova,    e  Lua  cheia, 
•^reartírir  ás  duas  e  meia. 


•.LISBOA,  NA  OFFIG.  DE  J.  F.  M..  DE  CAMPOS.    1819. 
Com  licença  da  Meza  dj  Desembargo  do  Paf^. 


I 


H 


ALMOCREVE    DE   PETAS. 
PARTE     LXXXIL 

RU  eira  velha  o  i^  de  NoXiembrcl 

A  cnda    naco  de  traficante  nesta  Cidade,    que  he  ver- 
gonlia    chamar-llie    por  tu,  Faz-se  digna  de  adiriraçao  a  li- 
Cviíitiivi  com  que  hum  mocetão  de  22  unhas  ,  contando  rsduas 
dar  p.ilmaí    das  mao^ ,    bifou  oito  n:il  cibzadcs  a  varies  sin- 
ceros.  Ora  huns  as  pensão  de  dia,  para  as  f'/crcm  de  noite, 
outros  as  pensão  de  noite  para   ss  fazerem  de  dia.  Apresen- 
tou-se  quarta  feira  passada  o  tal  marmanjo  (do  quem  ignoro 
a  graça,    ainda    que    lhe    achei  bastante)    na  Ribeira  vellia 
failando  eai  tom  de  mineiro  ,    com  dois  Galegos  carregados 
com  duas  burras  intrévadas,  i?to  he,    d^s  que  nao  anaao,  e 
lium  Preto  com  a   sua  malla,  parecendo  que  tinha  desembar- 
cado. Entrou  cm  huma  Estalagem,  e  pedio  dois  quartos  hum 
por  sima  do  outro,    dizendo,    que  o  de  sima  era  para  clle  , 
e  o  debaixo  era  para  o  seu  Preto.  Mandou  logo  chamar  hum 
Negociante  de  cavallos  para  lhe  comprar  dois,  que  ajustou, 
e  mandou   que  na  sexta  feira  lhos  levasse  ás  onze  da  manhã 
para  lhos  pagar»   Deitou  voz,  e  fama  pelo  Estalajadeiro,  c 
mais  algumas  pessoas,  que  quem  quizessc  trocar  billictcs  ^or 
82 


ainíieiro  com  hum  pequeno  interesse,  se  dirigisse  no  dia  se- 
guinte ckjuella  Estalagem,  dizendo  que  trazia  vinte  mil  cru- 
zados,    e  que  queria  ganhar  no  rebate.    Correo  fama,    e  na 
sexta    feira  jogava-se  o  murro  á  porta  da  Estalagem  para  en- 
trar povo,  Abrio-se  a  scena  ,  e  appareceo  o  Traficante  no  seu 
quarto  encostado  a  huma  meza  cora  papel,  e  iinta  ,  e  as  duas 
burras  ao  pé,  huma  aberta  que  m.ostrava  hum  horror  desac- 
cos  cheios,  atados  pela  boca,  e  a  outra  fecliada  com  o  Pre- 
to ao  pé.  Foi  o  tal  Mineiro  imaginado  pedindo  os  bilhetes 
aos  que  lhe  estavâo  mais  próximos,    dizendo,   para  evitar 
confuíões  ,  hei  de  lançar  neste  papel  os  bilhetes  que  recebo  , 
e  os  nomes  de  seus  donos ,  e  depois  em  bnxe  se  faz  o  pa*» 
gamento  ^    servindo^me  de  governo  esta  lista*    Dito  isto  fot 
recebendo  bilhetes,   e  mais  bilhetes ,  mettendo-os  dentro  do 
cofre,    que   estava  fechado,    fazendo-Iiie  primeiro  os  assen- 
tos ;    quando  já   tinha    recebido    huma  boa  porpo ,    veio  o 
moço    da  Estalagem  dizer-lhe  que  estava  lá  era  baixo  o  ho* 
mera  que  vendeo  os  cava  lios  ,  pedio  elle  licença  ao  povo  pa- 
ra  o    hir   aviar,    e  que  já  voltava  a  fazer  o  pagamento.  Os 
pobres  homens    como   virito    a  lista,    e  os  cofres  entenderão 
que  fícavao  seguros.  Elle  retirou-se,  deo  meio  dia  ,  deo  hu- 
jna  hora,  e  o  tratante  sem  vir  para  sima;  o  Preto  fechou  o 
cofre  aberto  ,    e  foi  abaixo  com  o  pretexto  de  o  chamar ,    e 
igualmente  se  sumio,    o  povo  enjoado  da  espera:    descerão 
alguns  abaixo,   mas    procurando   por  elle  ninguém  mais  lhe 
pôde  pôr  a  vista  era  sima.  Com  as  solemnidades  precizasfo- 
rão   aos    cofres,    e  acharão  o  que  se  imaginava  de  dinheiro 
cheio  de  saquinhos  d'area ,    e  outro  sem  fundo,  furado  o  so- 
brado  naquelle  mesmo  lugar  ,    por  cuja  razão  cahiso  os  bi- 
lhetes  que  elle   deitava  no  quarto  do  Preto.    Ao  máo  esto* 
mago  com  que  o  povo  ficou ,    nem  a  agua  das  Caldas  pode 
aproveitar. 

Praga  do  Commercto  ii  de  Isovembro, 

Por  hum  próprio ,  que  cliegou  das  Ilhas  por  terra  em 
dia  e  meio  ,  consta  de  hum  grande  fogo  ,  que  hia  haven- 
do em  hum  dos  Theatras  Públicos  daquelle  Paiz,  procedis.lo 
do  seguinte  successo.  A**  Jiora  própria  de  se  entrar  para 
Opera,   entre  o  povo  foi  entrando  hum  Milord  Estrangeir 


\ 


(3) 

uito  paralta  ,  e  ricamente  vestido,  talvez  ccíT)  o  pcnsair.en- 
de  aterrar,  e  inetter  n'um  chinello  todos  o?  Figurões  da- 
uella  terra;  levava  huma  cazaca  de  magnifica  seda,  coni  a- 
otoadura  de  oiro  j  entrando  para  a  Platca  ,  por  desgraça  lhe 
cou  atraz  hum  sogeito  assignalado  da  natureza,  que  tinha 
jseis  unhas  em  cada  mão,  o  qual  subtilmente  lhe  foi  cortan- 
ído  os  botões  das  pregas  da  cazaca,  e  depois  passando  para  o 
•fieu  lado,  lhe  foi  arrancando  o  resto.  O  Milord  embebido 
l-na  Comedia,  que  se  estava  representando  ( e  era  Frecipicioí 
4^  Fnetonte')  não  tinha  percebido  nada  do  furto-,  porém  no 
•penúltimo  botão,  que  se  lhe  arrancava,  vio  por  acaso  a  mão 
;  íiabil  do  larapio  ;  disfarçou,  c  mettendo  mão  a  huma  faca 
'<jue  trazia  na  algibeira  ,  a  toda  a  pressa  lhe  cortou  huma  o- 
Telha  fora  :  Eis  o  ladrão  aos  grilos  com  as  dores.  O  Taful 
a  lamentar  a  perda  dos  seus  botões,  o  povo  amotinado,  o 
ladrão  lavado  em  sangue  pedindo  justiça  ,  a  tempo  que  o 
Milord  já  lhe  offerecia  a  orelha  ,  com  tanto,  que  lhe  desse 
©s  seus  botões.  Clamava  o  ladião,  que  tornassem  as  cousas 
ao  estado  antigo,  que  lhe  pegasse  a  orelha,  que  elle  lhe  pe- 
garia os  botões.  Neste  tempo  vmha  tnetontc  pelo  ar  regen- 
do o  carro  de  seu  Par,  ouvio  o  motim,  e  movido  de  curio- 
sidade ,  querendo  saber  o  que  era  ,  guiou  os  Etontes  para 
onde  estava  o  concurso  ;  porém  saltou  huma  faisca  do  carro  , 
cjue  se  hum  homem  lhe  não  pce  o  pé  em  cima,  certamente 
todos  terião  a  sorte,  que  tem  qt^m  aihos  cerne. 

Loires  ii  de  Novembro. 

Hum  Cavalheiro  cm  Loires  no  dia  dos  Seus  annos  con- 
vidou immensos  Tafues  de  Lisboa  seus  amigos  para  lhos  fes- 
tejarem ;  e  pelas  1 1  horas  áA  manhã  estando  toda  a  comiti- 
va junta,  lembrou-se  o  dono  da  casa  de  mandar  chamar  hum 
Saloio,  que  havia  dalli  meia  legoa  distante,  muito  engraça- 
do, pára  ser  o  alvo  da  boa  feição  dos  ditos  Tafues.  Chegou 
o  Saloio  montado  no  seu  jumento,  toda  a  com-panhia  daja- 
nelía  lhe  disse  muita  graça,  desafiardo-o  ,  e  vicrao-no  bus* 
car  á  porta  da  rua  ;  o  Saloio  desenxovalhou-se  com.o  pôde, 
dizendo  a  todos  algumas  chufis,  ainda  queengraçadcs,  pi- 
cantes. Accommodou  elle  6  jumicntinho  na  cavaliiarice,  c  n- 
dc  estavão  as  cavalgaduras  de  toda  aquella  sociedade;    sobí- 


'<4) 

TÍo  toJos    para  cima  ,    e  hum  delles  mais  escandalisado  foi 

com  toda  a  cautella  ao  jumento  do  Saloio,  cortou-lhe  a  cau- 
da cercia ,  e  o  prendeo  ás  vcssas  á  manjadoura,  e  foi  muito 
disfiirçado  associar-se  ao  rancho.  Seriâo  quatro  horas  da  tar- 
de, quando  o  Saloio  depois  de  jantar,  á  custa  de  muitos 
dicterios,  e  risadas,  em  que  abundavao  os  circunstantes  pela 
participação  da  peça,  veio  abaixo  tratar  do  cómmododoseu 
jumento,  sem  ser  visto  ao  íim  que  vinha;  e  vendo  o  misera^ 
vel  estado  em  que  lho  tinhao  posto,  puxou  de  hum.a  nava- 
Ihiniia,  e  a  7  cavalios,  que  estavtio  na  mesma  cavalharice, 
cortou  fora  o  beiço  de  cima,  e  o  beiço  debaixo,  e  deixan*- 
do  ficar  o  jumentinho  da  meima  sorte,  tornou  para  o  ajun^ 
tamento.  Continuarão  as  graças  até  qi-e  dahi  a  duas  horas  se 
despedio  para  se  retirar;  desceo  peia  escada  com  lium  gran- 
de acompanhamento  dos  Tafues ,  que  o  forao  seguindo  até 
á  cavalharice :  Diziáo-lhe  huns  o  seu  jujnenSo  comeo  toda  a 
ração  aos  cavalios^  diziáo-lhe  outros  o  jumento  trazia  a 
cauda  pcgndi  com  maca  ,  e  isto  com  rizadas  infinitas  ,  a 
que  o  Saloio  correspondia  com  outras  tantas ,  até  que  o  dono 
da  casa  lhe  perguntou,  porque  seria  elle  com  tanta  von- 
tade ?  O  Saloio  promptamente  respondeo  :  O  caso  ^  Senho* 
res  ,  não  he,  para  menos  ,  porque  não  só  Vv.  mw,  riem  ; 
até  vs  mesmos  cavalios  ^  que  ai  li  estão  ^  se  arreji:anhão  \  e 
estão  rindo  da  linda  peça,\  que  fJie  p^egdrão;  E  reparan- 
do cntáo  os  Tafues  na  desforra  do  marmanjo,  secou-se-lhe 
o  rizo,  e  ficarão  com  as  tromíbas  líio  compridas ,  quepodião 
supprir  cora  ellas  as  que  faltavão  nos  eavailos. 

Rua  No-ja  da  Palma  6  de  Novembro, 
Nesta  vwx  lium  Capitão  da  Ordenança  ,  homem  já 
maior,  padecia  huma  d'aquellas  moléstias  ,  que  emse  lhe  nao 
sabendo  o  nome,  já  se  lhe  chama  flatos,  os  quaes  nem  os 
enfermos,  nem  , os  Médicos  ainda  souberao  em  que  consis- 
liao.  Padecia,  csie  pobre  homem  humas  vertigens,  e  humas 
dores  vagas  com  suas  palpitações,  esfriavao-lhe  os  pés  ,  e  era 
então  <\\.\^  desconfianJo,  de  si,  mandava  cham.ar  o  seu  Medico 
para  lhe  modificar  aquelia  enfermidade.  E  como  isto  era  a 
Mirudo,  tentou  o  Medico  mandallo  purgar,  sangrar,  e  adie-? 
lan,  o  que  com  effeito  pòz  o  enfermo  bom  ci-paz  de  durar 
ciirnos  pnto5  annos ;  porem  q  Medico,    que  cia  muito  per^ 


I 


luxo,  e  lá  enrtndia  cuie  ainda  a  obra  não  estava  "perfeita, 
virou  para  o  doente,  e  disse:  Amigo  ^  isro  icu quast  Inre  ^ 
porém  quero  diT-lhehum  tcm^  cjue  ainda  se  jaz  -[reciso, 
M*  manhã  ha  de  tcviar  ht^m  rorniicrio  ,  f  ara  o  (jue  a  rui 
lhe  áeíxo  a  recúta,  Confornou-se  o  enfermo,  e  tomando-o 
no  dia  seguinte  de  manlia,;  quando  erao  4  horas  da  carde, 
foi  para  a  Eternidade  com  toda  a  pressa.  Hum  visinlio  da 
mesma  escada  ^  que.  se  curava-  cora  o  mesmo  Medico ,  e  pa- 
decia liuma  semcUiante  moléstia  ,  quando  acabou  da  cura  , 
disse-ilie  o  Medico,,  que  llie  queria  ainda  dar  lium  tom, 
porém  o  enfermo  vendoi.o  exemplo  do  seu  visinlio  ,  respcn- 
deo-Ihe  :  Olhe  Senhor  Doutor  ,  deixemo-nos  de  tom  ,  que 
eu  quero  viver  mesmo  assim  desafinado. 

Dissertação  do  nosso  s/d^io  cppHcado  ás  experiências 
ecunomtias^. 

-  Quanto    úteis  sao  as  subtis  idéas  dos  homens  aos  mes- 
inos  homensy  e  quantOí  prejudiciacs  llies  sao  es  seus  desman- 
chos I/Na^cjasse  dos  homens  ricos,  todos  sonhão  ,    e   traba- 
lhão.os  meios  de  augmentar  no  chapeado  cofre  as  avultadas 
sommas',  que  dentro  delle  se  fechao  ;  e  na  classe  dos  pobres  , 
pelo   seu.  desmazeJlo,    todos  trabalhão  por  accumular  a  des- 
graça á  triste  vida  que  tem..  Projecta  o  Mestre  Barbeiro  pôr 
a  sua    loja,    compra  bancos,    e  cadeiras,    pinta  as  paredes, 
onde  não  falta  de- guarnição  a  Historia  do  filho  prodii^o  ,0 
papel  da  M^tquina  erost atiça  ^  o  Rt^nniento  com  Zãbníii a  ^ 
tudo  pinturas  da  sua  escolha,  compradas  na  rua  do  Arsenal  » 
e  pregadas    na  parede  da  loja  com  molduras  de  papel  doira- 
do i  pendura  á  por'ta  quatro  bacias,  por  cima  de  duas  corti- 
nas verde  esmeralda  ,    circuladas  de  fita  côr  de  roza.  Arma- 
se  o  Mestre  de  quatro  Comedias  para  ler  aos  freguezcs  ,    e 
assenta    re.r   por    isto   feito  toda  a  sua  fortuna;    mas  apen.^s 
entra  o  freguez,  apresenta-llie  huma  bacia  com  azebredcpaU 
mo,  huma   toalha,  que  bota  fora  os  7  dias  da  semana  ,  mer- 
tcndo-se  cada  vez  mais  nç  escuro  de  suja,  com  farpas,    por 
onde  o   freguez    pôde    tomar  tabaco  querendo ,    sem  ircom- 
i^iodar  mais  q-ue  òs  dedos  ^  que  por  ella  mette ,  alémdehum^ 
sabjlo  .^pbepto  ,  e,  duas-,  navalhas.:  de  trcs  roísaduras  a  cada  ca- 
la ç/jlo,;  (D  r,aí. que.  çiegpçio  .pôde  íazer.  este  b^^m  Mesirei    E. 


( 6 ) 

que  razao  terá  para  se  queixar  da  fortuna  ?  Se  o  dinheiro 
das  pinturas  se  empregasse  ena  meia  dúzia  da  toalhas,  eraais 
aprestes  para  distinguir  o  asseio  de  hum  freguez  polido ,  do 
iramundo  Carvoeiro,  ou  Moço  de  servir,  nio  concorrerião 
todos  a  ajuda  lio  ?  Prop5e-se  o  Mestre  Cabelleireiro  a  adqui- 
rir freguezia,  aqui  o  temos  metriJo  era  hum  palmo  de  casa  , 
affogando  tudo  em  poz  ,  arrumando  ao  vestido  novo  do  fre- 
guez hum  penteador  já  voltado  sete  vezes,  com  o  qual  fica 
o  vestido  de  ponto  em  branco,  sem  se  lembrar  este  bom  Ca- 
belleireiro ,  que  devia  ter  outro  quarto  guarnecido  de  assea- 
dos penteadores,  donde  ninguém  temesse  enxovalhar-se,  boas 
escovas  novas,  casa  varrida,  chrystalino  espelho,  para  que 
assim  mettesse  apetite  ir  cada  hum  arrumar  o  seu  cabello , 
nttrahido  de  tao  bom  asseio.  Povoou-se  Lisboa  de  Casas  de 
Pasto ,  querendo  todas  ser  Isidro  no  nome  ;  porém  no  mais 
sem  fartura ,  e  sem  delicadeza.  Temos  hum  letreiro  á  porta 
com  o  titulo  de  tudo  bom,  entra-se  dentro,  o  servente raet- 
te  nojo  ,  e  mette  a  unha  crescida ,  e  negra  no  molho  que 
conduz,  alémdea  metter igualmente  na  bolça  do  hospedado  , 
a  toalha  parece  de  chita,  e  da  mais  grosseira  ,  os  pratos  já 
pelo  uso  tem  o  debrum,  que  a  Fabrica  lhe  não  poz,  a  co- 
lher ,  o  garfo  ,  a  faca  tudo  he  passado  pela  caldeira ,  ondô 
tudo  o  mais  se  lava,  o  azeite  he  de  saibo,  o  vinagre  he  tur- 
vo ,  as  galhetas  sao  porcas,  o  queijo  he  sebo,  a  fruta,  ou 
hc  dura  de  verde ,  ou  he  molle  de  podre,  o  comer  he  hum 
mixto  que  custa  a  distinguir  ,  a  carne  sabe  a  peixe,  o  peixe 
s.ibe  a  carne,  de  sorte  que  se  figura  que  tudo  se  coseo  junto. 
Oh  paladares  valentes!  que  com  tudo  envestcm ,  para  dize- 
rem no  fim  ,  assente  Id  !  Porém  que  fructos  nlo  tiraria  hu- 
ma  casa  asseada  ,  com  boa  ordem  ,  sem  dispender  mais  cora 
o  asseio  ,  que  o  que  dispende  com  a  porcaria.  Meus  alican- 
tineiroj  da  vida  nao  he  esse  o  modo  de  chamar  o  povo  aos 
interesses  particulares  das  vossas  traças,  e  assentemos  que  fa- 
ma sem  obras  he  barco  sem  leme. 

Receitando-se  hum  purgante  a  certo  doente,  pegou  no 
remédio ,  e  guardou-o ,  sem  o  querer  tomar  por  mais  que 
o  Cirurgião   íhe  instavi   que  se  dispuzesse  a  isso ,    até  que 


(7  5 

o  cnferrao  lhe  declarou  o  seu  systcma ,  c  disse :  Senhor  L/. 
cerciado  y  como  úinda  espero  que  zcnha  temjo  ,  em  que  este 
purgante  se  não  approve  ^  quero^me  jd^rexehir  emo  tuíoto" 
mar.  ReSponcieo-lhe  o  Cirurgião;  hui  ^  Senhor^  f<isy\nu 
duvida  du  n:eu  curatiio}  Disse-lheo  enfcriro,  dtiiido ,  sim 
setíhor  ^  assim  como  Vv»  mm,  outros  duxidãodocuratho  àa^ 
quflles  ^  que  erão  tidos  for  grandes  hvmens  nesta  matert  a  ^ 
e  fufido^me  em   que  algum  dia  uegarãd  ao  malignado  Ivma 
sede  d'*agoa  y    hoje    quanta  o  enfermo  possa  heíer^    p:  ohi-' 
biào-se  laranjas  d  noite  hoje  mandão  que  se  ccwa  a  toda  a 
hora.  Um  cima  da  lagosta  ^   camarão^   [epino  ,    melancia y 
e  ovos  mandavão  fugir  d^agoa^  como  o   demo  da  Cruz,  hc^ 
je  applicu' se-lhe  agoa  ,  e  mais  agoa»  Os  banhos  sempre  fo- 
rào  de  agoa  morna  ,  hoje  so  se  querem  d'*agcíifria  ;  algum 
diã  sangrava-se  multo  ,    hoje  não  se  sangra  ninguém  ;  nes» 
tes  termos  meu  amigo  ^   como  o  curativo  vai  por  modas  ^  a* 
qui  conservarei  o  purgante  até  vêr  em  que  ellns  pdrão. 

Perguntarão  a  hum  bêbado  de  que  qualidade  de  vinho 
gostava  mais  ,  respondeo  elle  ,  o  vinho  do  Forto  he  bom^  Cha» 
musca  ,  Barra  d  Barra ,  Madeira  são  excellentes  ,  mas  cd 
fura  mim  não  ha  vinho  como  he  o  alheio, 

Disserao  certas  Senhoras  cm  huma  corrpanhia  que  era 
mal  empregado  terem  todos  os  homens  alguns  defeitos,  ao 
que  hum  delies  respondeo,  nós  outros  temos  milhares^  e 
milhares  delies  ^  mas  igualmente  não  levamos  a  bem  ^  que  as 
Senhoras  tenbão  só  d^is^  que  todos  lhe  encontroo ^  que  são: 
nem  fazerem  nada  que  preste ,  nem  dizerem  cousa  que  boa 
seja. 

Dizia  o  nosso  Velho  que  o  Jogador ,  e  o  Contraban- 
dista ^  devião  emendar-se  para  sempre,  e  mudar  de  vida, 
logo  que  estivessem  de  ganho,  porque  serião  tolos  se  dei- 
xassem perder  em  huma  hora  ,  quanto  a  fortuna  lhe  dco  em 
muitos  dias. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  só  de  seis  cousas  se  ò,qv\^ 
a  mulher  fazer  senhora,  da  agulha  y  do  fogareiro^  da  pd  ^ 
da  vassoira ,  do  fuzo  ,  e  da  roc^, 

Di/ia  o  nosso  Velho,  que  todo  o  homem  avnrcnroqner 
viver  pobre  para  morrer  rico;  e  como  pode  ser  lom  p^ra 
amigo  dos  outros ,   se  he  hum  inimigo  de  si  mesmo  ? 


C8-) 

Cefta   Coztnhstra   aniante   do  Moço  do  Foeta  psãh-Ihe 
^'Wm  o  maior  empenho^  que  lhe  cantasse  tile  coma  principiou 
àfaZfr   Imersos,    e   por    onde  akançou  aqueila  prenda  \   a$ 
que  e! Is  satisfez,  contanio-lhe  esta  historia  no  seguinte 

SONETO. 
••'      Era  Iiuma  vez  lium  dia:  ú\w  ,  bem  digo, 
Chovia  por  signal;  V3Í  se  nao  quando, 
'pLiz;iBe  n'U'míívro  velho  folheando,   . 
Li  =  Jains »versos  ,•  que  -se$npre  andão^  comigo  : 
Sc  Kl z(?r  outro  tanto  inda  comsigo  , 

Ciíeio 'de  gosto,  disse,  erttao  saltando; 
Mas  ah  !  que  estou  as  quadras  acabando, 
Nos  tercetos  verei  ;se"  o-conto  ?igo  : 
Ora  espera,   Menina,  eu  te  promcrto 
-tv  De  trazer  esta  historia  bera  sabida  , 

Sein  pôr  para  a  contar  ol lios  no  tecto: 
Tem  paciência,  se  ficas  consumida  , 
(^íe  já  agora  no  resto  do  Soneto 
Não  me  cabe  huma  historia  táo  comprida; 


AVISOS. 

Sahio  á  luz  hoje  este  E)lòeto  ^  rcst^  qu2  pela  falta  de 
<ro.mpra  nno  venha  a  ficar  ás  escuras. 

Avisa-se  a  todas  as  pessoas  que  vao  tornar  banhos  ao 
ni:ir ,  que  para  o  anno  que  vem  devem  tomar  o  seu  banho, 
estando  sempre  com  as  cabeças  debaixo  d'agoa ,  porque  cora 
-eihis  de  fora  parecem  humas  bolas,  c  incommodão  as  carrei- 
ras de  Belém  a  desviarem-se  delias.  Igualmente  se  lhes  an- 
iiuncia  que  íás  portas  do  mar  se  vendem  iiuns  vidrinhos  de 
jicor  d^alho,  que  corrobora  muito  o  estômago,  tomando-se 
hum  gole,    quando   se  sahe  d*agoa. 

Todo  o  Pai  de  família,  que  se  quizer  livrar  de  com- 
prar nas  Feiras  zabumhíis  para  o  seu  pequeno,  antes  dei. ir 
a  ellas  tMn  sua  casa  cómmodatricnte,  seai  lhe  custar  vintenr, 
com  huma  xibatinha^  Trcibiimha  nelle.- 

Qiiem  quizer  ter  em  sua  casa  espirros  bons  sem  depen- 
dência iie  que  outrem  o  faça  espirrar,  use  de  scvadilha  em 
lu?ar  de  tabaco,  e  alljviírá  nuíito  da  cabeça. 


í:^--^, 


LISBOA,  NA  Oí^iTC;  i:)tí  JlF.  M.  DlEtiAMPoS,    1819. 
Lom  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Baço, 


M 


ALMQCllEVE   DE   PETAS. 

PARTE     LXXXÍII, 
Bairro  Jlto  14  ck  Novembro. 


Udou-ce   estes  seis  mezes  huoi  sugcito  para  este  Bai- 
ro  ,    chamado  Sinomlm  Faz,   mcndts  por  alcunha  ,    o  qual 
falia  huma  linguagem,  que  nem  o  Diabo  o  poderá  entender , 
ao    mesmo  passo  que  presume  de  muito  sábio,    e  de  manejar 
a  lingoa    perfeitamente,    substituindo   ás    palavras  os  sinóni- 
mos.   Hontem   d  noite  descorapoz  de  rústico ,    e  de  ignoran- 
te  lium  seu  crejdo  ,  porque  o   não  enicndeo,  quando  lhe  dis- 
se ,   boje  q litro  andar  lic  bah/tc^fao  quadrúpede  ^  jitmtZUy 
Ison  ,   aquclla  agora  na  mesma  ,    que  espara  jrtJ.  Orn  va- 
mos   á    interpretação,    que   o    ncsso  Taful  da  lingoa  deo  a 
asta  nigromancia.    Ihje   quero   andar  et  habitaçãv  quadru- 
p(de  ^  quer  dizer  quero   andar  de  caz^cão^    porque  caza  he 
o  mesmo  que  habitação  ^    e  cão  o  mesmo  que  ajiadrupech\ 
Frimezay    Ison  aquclla  agora  na  mesma  ^  quer  áricrjcíba 
aquella   janella  :  firmeza   he  o  mesmo  que  fé  ,    e  Iscn ,  o 
mesmo  que  chi  ,  logo  ávi  fecha  :  ágcra  he  o  mesmo  que  jV/, 
e  na  mesma  o  mesmo  que  nella  ,    togo  faz  jarelia  :    que  es* 
para  frio  quer  dizer  que  está  frio  j  porque  pára  he  o  mes* 

83 


mo  que  ta^  logo  espara  áiz  erta  y  vindo  a  dizer  to^^a  esta; 
perlcnga,  hoje  quero  andar  de  Cãzncão  ^  fecha  aqueUa  ja- 
ndía  ,  que  está  frio.  Muitos  dos  seus  aírúgos  vímh  de  longe 
lomar  a  sua  casa  barrigadinhas  de  riso  com  esta  jingoagem  , 
que  elle  cora  todí  a  seriedade  julga  perfeita.  jPs  rme^^'.  nun» 
ca  chama  senão  despido  aproxtm  :sie  ^  dizendo  q-.ie  dei j ido 
he  o  mesmo  que  «/i,  e  aproximaste  lie  o, mesmo  que  vefis^ 
Jio  canapé  nunca  chama  senão  ouço  arbusto  pc-ta  ;  porque 
€ana  he  ham  arbusto  ouço  ^  e  pé  he  o  niesn  o  que/>/rf^.  Fi- 
ca-se  esperando  até  á  Lua  que  vem  que  mude  de  lingoagem  ; 
que  senão  mudar ,  sahifá  despachado  para  Lente  de  lingoa 
Portugueza,  dando-se-Ine  casas,  e  ração  gratuita  ,  em  quanta 
utiver,  no  Hospital  Real. 

Bairro  de  Andaluz   9  de  l>Iovemlro. 

Hum  Doutor  jubilado  em  gaiunices,  graduado  na  fa- 
culdade  de  surripia  ^  entrou  ha  tempos  em  huma  Estalagem 
desta  Corte,  e  disse  ao  Patrão,  que  queria  ajustar  quanto 
lhe  havia  de  levar  por  jantar,  cêa  ,  e  cama  todos  os  dias, 
aitendendo  a  que  elle  vinha  demorar-se  muito  em  Lisboa  :  a- 
justáráo  a  seiscentos  reis  por  cada  dia,  o  que  elle  pagou  lo- 
go adiantado  por  huma  semana;  em  quanto  o  Patrso  foi  para 
dentro  ,  entrou  a  metter-se  de  gorra  com  a  Patroa  ,  e  a  con- 
rar-lhe  a  sua  vida,  dizendo  que  tinha  ajustado  hum  Oílicio 
por  dez  mil  cruzados,  de  que  dcia  dois  á  conta  ,  e  o  dono 
cielle  o  vendera  depois  a  ouiro,  e  assim  que  elle  queria  ficar 
com  o  Officio  ,  dando  os  oito,  pois  devia  prevôicc.r  por  ter 
ji  dado  principio  ao  pagamento,  que  vinha  accusar  o  ven- 
dedor ,  e  ficar  com  o  OflTcio  \  para  o  que  trazia  prompios  y 
e  contados  os  ditos  oito  mii  cruzados.  Em  quanto  a  Estala- 
jadeira lamentava  as  trafícancias  do  Mundo  ,  lhe  rogou  elle- 
quizesse  ella  tomar  entrega  do  referido  dinheiro  ,  e  que  o  fe- 
chasse bem  em  alguma  parte,  porqu^e  temia  lho  roubassem 
do  quarto.  Nisto  foi  buscar  hum  caixoiinho  fechado  com  dois 
cadeados,  e  quatro  fechaduras,  e  deo-lho  a  guardar:  a  mu» 
íher  assim  o  fez,  e  raetteo  o  caixote  dentro  de  hum  caixão, 
que  estava  em  huma  casa,  de  que  ella  só  linha  a  chave:  a 
boa  da  mulher  logo  foi  passar  ao  marido  que  o  hospede  \\\Q' 
linha  dado  a  guardar  oito  mil  cr.uzadoá ,  o  que  fezconaque: 


o  Estalajadeiro  nunca  mais  lhe  pedisse  contas,  cm  trcs  ftiezes 
qve  .0  traficante  lhe  esteve  cm  casa,  o  qual  sahia  por  ccsíu- 
me  todos.  OS'; lèJa'^  ;  vinha  ao  jantar  ,•€  depois  tcrnava  ,  e  vi- 
nha á  noite,!  aíFectando  de  grandes  dependências.  Hum  dia 
soube  que  a  Pairoa  hia  dálii  cinco  legoas  visitar  h-urr a  Irtpã  , 
que  se  rinha  cazado,  esperou  que  elia  sahisse,  e  huma  hora 
depois  foi  todo  azafaraado  á  Estalagem  perguntar  peia  mu* 
Jher,  dizendo,  que  queria  tirar  seiscentos  mil  réis  do  seu  di- 
nheiro, para  remir  hura  amigo  j  a  quem  taziao  huma  penho- 
ra, e  este  lhe  vendia  humas  casas  per  aquella  mesma  quan- 
tia, que  valiuo  hum  -çènt-o  de  féis ,  e  que  assim  de  hum  dia 
para  outro  ganhava  elle  quatrocentos  mil  réis;  o  Patríío  dis- 
se lhe  que  siw  mulher  tinha  sahido,e  levado  as  chaves:  ellc 
-então  coitio  do  i<i^«  ,  escumando  ,  rogando  pragas,  e  lamentan- 
do a  sua  desgraça,  pedio  ao  pairão  que  se  arrombasse  a  por- 
ta da  cas^,,  e  o  caixão;  porque  não  era  só  pelos  quatrocen- 
tos mil  réis,  .que  ganhava,  tr.as  lambem  por  valer  ao  seu  a- 
migo  ;  o  Estalajadeiro  lhe  disse  que  elle  nno  abria  a  porta, 
Jieni  arrombava  o  caixão,  pcrque  como  eslava  ió  em  casa, 
nao  linha  tempo  para  estar  guardando  o  que  lá  havia  den« 
tro ,  fícarhdo  a  porra  escancarada,  e  que  mais  facil  lhe  era 
^  emprestar  .eile  os  seiscentos  m.il  réis,  do  que  fazer  tal:  O 
^  fíHHtgòM Larapio,  que  não  desejava  outra  eclusa  ,  ainda  lhe  fez 
cara,  e  .o  bom  do  homem  ainda  foi  pedir  duzentos  mil  réis 
-emprestados  para  lho  satisfazer  ;  com  cuja  conta  o  salafrário 
§'P)íoi  sa!tand(> ,  jivostrando  muito  gosto  çm  servir  o  seu  aroi- 
4gO»  e :  promettendo  humas  luvas  ao  Estalajadeiro  pelo  favcr- 
jA';  noite  veio  a  Patroa,  a  quem.  o  n>arido  contou  ocaso: 
eliavioda  se;  agoniou  de  só  naqiiella  cccasião  IhCiSer  preçiiO 
p  dinheiro  ;  porém  puzerao-se  á  espera  delíc,  que  nnquella 
oioiíe  não  appareceo  ,  o  que  não  deo  maior  cuidado  por  jul- 
^âreip  ,eetaF,conV  o.amigp :,  .ixias  passará  o-»  se  oito  dias,  e  na- 
da de  novo;  o  homem  com  o  seu  dinheiro  eriípatado;  o  tal, 
a  quem  tinha  pedido  os  duzentos,  a  spcitallo  por  ellos ;  en- 
o  julgando,  que-.reria  si^ccedido  alguma  cousa  ao  hospede, 
andou  chívmar  Escrivão,  e  diante  de  testen  unhas  foi  abrir 
caixiio,  quando  em  lugar  de  dinheiro  aLlião  cascalho  :  jul- 
guem que  tal  ficaria  o  amigo  tendo  ainda  €ni  sinia  ce  pagar 
-a  diligencia. 


C4) 

Indo  o  Moço  do  Alnv^creve  a  dar  de  beber  ao  Caval- 
Hnho  ao  Chafariz  d'Arroios  na  estrada  c]ue  vem  da  Aitieixo- 
cira  entr^  o  Arco  da  Cruz  da  Pedra,  e  a  Ponte  de  Alcânta- 
ra ,  mesmo  á  es.]uina  do  Convenro  do  Bom  Successo  achou 
no  chão  huma  Carta  fcxada  ,  e  inferio,  o  que  na  verdade  foi 
que  cahio  da  algibeira  a  hum  passageiro,  pois  que  até  trazia 
números  no  sobescripto  em  que  mostrava  a  demora  de  ires 
Correios;  e  como  a  curiosidade  o  incitasse,  abrio-a ,  e  a- 
chou-se  com  as  seguintes  regras. 

Copia  da  Carta  dita. 

Senhor  Agosi  inhg  Empulheta  de  Azevedo -z^  O  Correio 
passado  recebi  huma  sua,  em  que  V.  m.  me  mandava  pedir 
informação  de  Alexandre  fiteira  ,  que  intentava  casar  nessa 
Corte.  Neste  ponto  só  posso  dizer  a  V.  m.  que  he  hum-  ra- 
paz bem  procedido  ,  e  que  anda  arrebentando  pelas  ilhargas 
por  casar,  he  sujeito  a  frieiras,  e  masca  tabaco  de  fumo. 
No  que  foca  á  qualidade,  he  íilho  nem  legitimo,  nem  bas- 
tardo, e  em  qu?nto  a  teres  tem  a  cabeça  a  razão  de  juros, 
t  diàSiS  capellas  nos  olhos:  não  se  lhe  encontra  vicio  algum, 
ique  o  arruine,  bel?e  tudo  quanto  o  mandarem,  menos  viíiho, 
iixão  he  jogador,  e  se  se  diverte  alguma  vez,  he  á  bilharda 
com  quatro  amigos  sinceros:  dizem  que  tem  duas  mortes  que 
fizera  este  Nãtal  passado,  porém  já  se  não  falia  nisso:  logo 
no  principio  por  estes  crimes  esteve  ern  lermos  de  ir  pela 
Barra  fora  cora  hum  pesa^iello  que  leve  de  noite.  Elle  conta 
já  trinta  e  dois  annos  bem  calejados ;  faz  seu  versinho  ,  mas 
devagar.  He  quanto  posso  dizer  â  seu  respeito  ;  informe  V;  rr^ 
a  Senhora  de  tudo,  para  que  saiba  o  que  leva,  ^  se  não 
queixe  de  nós;  descolpe-mc  o  serrão  coní^-so  .  e  conheça  que 
«empre  serei  =:  Maior  Amigo,  e  menor  Criador  "^trmymo 
José  Mendes  Couraça,  t= 

Rua  da  Gloria  i^  -dê  Novrmhro. 
He  certo  que  o  limitado  talento  dos  homens  jamais^ 
pôde  investigar  os  arcanos  da  natureza  :  todos  os  dia?  succe- 
dem  fenómenos,  que  fazem  pasmar.  A  &efnan«  passada  hia 
hum  sujeito  nesta  rua  para  voltar  huma  esquina  ,  e  entrar 
para  hum  beco,  e  teve  hum  encontro  desastrado ;  porque  este- 


sujeito  com  quem  a  natureza  zonibru  quando  o  formcu  tinlia 
hum  senhor  nariz,  que  he  vergonha  ch^msr-ihe  per  tu;  l.e 
cio  feitio  da  bigorna  de  hum  Fenaccr,  cem  o  seu  cavalete 
em  siira  ;  qusndo  entra  em  qualquer  parte  está  prirreiro  a 
enrrar  luriz  ^  Knriz  y  .jiaviz  y  e  no  fim  d 'hum  quarto,  depois 
ria  casa  estar  cheia  ,  he  que  elJe  entra  pegado  ao  tal  fencílo. 
Aconteceo  porém  como  hia  dizendo,  que  este  sujeito  ao 
voltar  a  tal  esquina  se  encontrasse  com  outro  que  sicut  nos 
manquejava  de  hum  olho,  porém  tinha  o  c.utro  muito  aber- 
to, e  eí^pcrtote  ;  ora  com  a  violência,  com  que  ambos  volta- 
rão hum  para  o  outro  succedco  que  a  famosa  penca  acertas- 
se no  olho  são  do  pobre  zansga  ,  que  lho  betou  fora  do  seu 
lugar  ,  de  sorte  que  ficou  pegado  o  bugalho  á  ponta  do  tal 
nariz,  o  qual  cora  o  imipeio  também  se  escalabrou  ,  e  botcu 
sangue.  O  pobre  que  ficou  cego  entrou  era  altos  gritos  fcm 
atinar  no  que  fizesse ,  e  o  senhor  do  seu  nariz ,  sumio-se 
com  bastante  pezar  do  successo ;  passados  alguns  dias,  sen- 
tio  o  narigudo  huma  nodinha  preta  na  ponta  do  seu  nariz  , 
desconfiou  não  fosse  alguma  nascida  ,  e  mandou  chamar  Ci- 
rur-gião  porém  este  não  atinando  com  o  que  seria  ,  fcdio  Jun- 
ta ,  ao  fazer  desta  ,  observarão  os  Peritos  ,  que  era  I]um  o» 
ihinlTo  novo  que  lhe  hia  nascendo;  e  instruidos  do  successo 
antecedente  ,  assentarão  que  o  olho  que  Jhe  ficou  pegndo  na 
ponta  ferida  do  nariz,  pegou  de  borbulha,  com  baí^tan^c  ra- 
ridade ;  e  confessarão  que  era  o  mais  novo  enxerto  q(^\ç.  je 
tem  visto;  O  amigo  já  distingue  de  cores  cem  o  nevo  n- 
jho ,  e  espera  enriquecer  por  este  meio  mcstrando-se  ao  p(^vo 
por  dinheiro.  De  Londres  Já  lhe  ií?andárão  buiCâr  o  retraio, 
e  estão  vários  Anatómicos  tratando  do  crxeito  dos  olh<  s ,  o 
que  não  parece  muito  diííicil  ,  visto  que  as  bexigas  lambera 
pegão   de  borbulha. 

Maximai  do  Felho  de  Romulnres  conttvvaàas  fianiúior 
farte  destes  Folhetos. 

Duas  Irmarís  sei  que  vivem 
lím  huma  grai  de  união  ; 
Gémeas  parece  que  são  , 
Jamais  líouve  entre  ellas  luta^ 
Seus  nomes  porei  patentes  y 


(6) 

A  língoa  dos  mal  dizentes, 
A  orelha  de  quem  a  escuta. 

Se  vemos  ci  neste  mundo  , 
Homens  por  homens  julgados  J 
A  caurelâ   a  vi  ia  errante  , 
Qjie  íe  nao  possão  manchar, 
Para  poderes  julgar  , 
Com  honra ,  o  leu  similhante. 

Ninguém  se  fie  no  tempo 
Qij:í  he  muito  roáo  devedor, 
E  de  rastos  ficaria  , 
D'anno  a  anno  ,  dia  a  dia  , 
Se  elle  fosse  a  pagar  tudo  , 
Porque  fica  fiador. 

Três  condições  traz  a  morte  , 
Ser  sem  remédio  intallivel  ; 
Ser  única  ,  e  ser  incerta  ; 
Ora  dos  erros  disperta  ; 
S'e  te  perdes  na  carreira  , 
Nao  tens  cá  segunda  vida. 
Para  emendar  a  primeira, 

Não  falles  mais   do  que  deves, 
Olha  o  conceito  do  mundo  , 
Q^jcm  muito  faila,  parece 
Huraa  vazilha  sem  fundo. 

O  tempo  muda  o  sitio,  os  homens  muda, 
Nno  intentes  subir  tão  mal  grudado; 
Se  o  bafo  vil  da  inveja  le  desgruda,   , 
Vens  a  ficar  pêor ,  que  o  amigo  estado; 
Aos  saltos   sobe  a  serra  a  leve  corça  , 
E  mostra  em  despenhar-se  a  mesma  fo'ça. 

O  Moço  do  Poeta  aqui  chegou  muito  contente  com  as 
seguintes  duas  Decimas  jocosas ,  que  liie  pedio  huma  Menina 
a  este 


(7) 
MOTE. 

^olre  a   Vira  fumegante 
Araem  ternos  corações. 

GLOSA. 

Entro  em  casa  do  tonante 
Cupido  ,  e  disse  á  Mãizinha 
Asse  Id  esta  sardinha 
Sobre  a  Pira  jumegante  : 
Tenha  Id  mão  seu  tratante 
Me  diz  o  Deos  das   Traições 
7  ire  dalli  dois  tições 
Asse  a  sardinha  cã  fora  ; 
Forque  sobre  a  Pira  agora 
Ardem  ternos  corações. 

Ao  mesmo. 

Certa  Cozinheira  amante. 
Muito  doida,    e  nauito  bella, 
Poz  a  cozer  a  panella 
Sobre  a  Pira  jumegante  \ 
Veio   Aaior  n'aquelle  instante 
E  deo-lhe  dois  safanões ; 
ISíão  tem  lá  achas  ,  carvões  ? 
Lhe  diz  ,  ora  £\hde  lilhaca 
Aqui  não  se  coze  vacca  , 
Arderti  ternos  cor^cÕes^ 


O  mesmo  Moço  fez  a  seguinte  advinhação,  e  pedio  ao 
Editor  com  todo  o  tmpcnho  que  a  propuzeese  ao  yí/Wí't?V7.é', 
e  ao  Moço  do  Retorno  ,  para  se  lhe  ouvirem  a?  asneiras 
sobre  a  sua  intelligercia  \  pr.rém  se  houver  algum  Curioso 
de  fora,  que  lhe  queira  pôr  as  mãos  para  â  desenvolver, 
pegue-lhe  coíd  hum  irapo  quente. 


Sou  de  todos  'conhecido 
Desde  o  principio  do    Mundo  y 
li  sem  j4mais  hir  ao  fundo  , 
"b^o  mar  me  unho  sostido  : 
Mil  "cez^s   tenho  morrido 
De  moléstias ,  qt^  decidem  ; 
Agora  discorrão ,  lidem 
E'ii  saber  quem  me  creou  \ 
Irino  ^  e  umj  ^el  que  sou  \ 
Que  não  sou  De  os  não  duvidem, 


AVISOS. 

Quem  perdesse  hum  saquinho  com  seis  rail  cruzados  em 
oiro,  e  quizer  que  \\\Q  venhaa  á  mao  com  sua  raiua  ,  e  fior , 
ponin  escritos  ,  que  assim  hz  ,  quem  perde  alguma  cousa  cá 
€in  Lisboa;  e  prometia  de  alviçaras  trezentos,  ou  quatrocen- 
tos mil  réis,  e  verá  quantos  querem  restituir  a  dita  somma 
perdida  ,  ainda  sem  a  terem  achado. 

Qí^iem  quizer  comprar  iiuma  camiza  nova  em  folha,  que 
tem  onze  varas,  três  de  largo,  e  oito  de  comprido,  cjm 
bofes  de  viiella,  e  punhos  de  espada,  a  qual  se  íez d- propó- 
sito para  huma  pessoa  graúda,  que  a  vende  por  lhe  não  che- 
gar o  tempo  de  so  meiter  nella  ,  vá  fallar  com  hum  homem  , 
que  vende  longueirôss  aspados  no  pontal  de  Cacilhas,  que 
ciie  mesmo  de  lá  lhe  mostrará  quem  a  vende  em   Lisboa. 

Pela  summa  carci^tia,  e  escacez  ,  em  que  se  acha  a  ma- 
deira de  bordo  ,  os  Tanoeiros  desta  Corte  ,  ha  tempos  a  esta 
parte  ,  tem  sentido  hum  grande  corte  no  seu  Officio  ;  porém 
na  rui  da  horta  da  passigem  ,  esrá  hum  Mestre  Tanoeiro, 
que  com  a  iDaíor  arte  tem  feito  abundância  de  pipas  que  ven- 
de com  3  mao  na  ilharga  ,  e  recea-se-Ihe  desgosto  pelo  furto, 
que  se  lhe  considera  j  poiá  a  maior  parte  das  pipas  são  cons- 
truídas das  adoellas  ,  que  íaliáo  a   muita  geme. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9. 
Com  licença  dz  Mi^^t  do  D.'sembargo  do  P  afo. 


'OS.       i 

fo.         J 


ALMOCREVE   DE   PETA& 
PARTE    LXXXIV. 

Chiado  25  de  Ncvemlro, 

Soberba  do  borrem  fez  ros  paf«ados  fcculcs  ccnfun* 
dir  em  B^bylonia  a  iraterpa  lirgragím  dos  nossos  prineiros 
Pais  i  e  a  loucura  do  hrrrcm  uw  feito  ro?  prefCTitcs  stculcs 
confundir  os  itage?  dos  nosso?  priíreircs  Pcvcadrrcs.  Eião  al- 
gum dia  os  Poriuguczcs  crrht:'ci<:)cs  á  legoa  em  todas  as  psr- 
les  do  Mundo  por  onde  viyjavso  ,  ou  pr^r  rnde  a  vcniura  os 
alonpava  :  Hoje  em  dia  no  cenfo  de  Lisl  oa  es  vetros  con* 
fundrios  Iiurs  com  os  outros,  pela  sua  perspectiva,  íffccran- 
ào  mt-ios  ?crtugu€ze3  ^  n.clos  y-lcrfúros  ,  wcics  Ing/fzes  ^ 
p-eios  lo  aços  y  neios  Z~vgíiros  ^  meies  VíoUindezts  ^  neíos 
s^uiÇ}^  ,  e  meies  Surc  s ^  e  cem  muiia  bítvidííde  es  espero 
vêr,  no  trage  ,  múos  1  uf  cor  ^  meies  Míilonef^tios  -y  pois 
que  ião  junto  de  rós  sndao  es  medeies  i  huns  cem  beras, 
e  ^'apat*  s  de  unha  de  Gtãc-besia  ,  euircs  cem  os  calções, 
que  fazem  lembrar  o  ditado,  Cnl.i^ctíS'  wann  c/iJçotoS  ^  elu- 
do o  mais  que  serve  de  compostura  ao  litniem  ,  desorgani- 
sado  ,  e  fora  dos  eixo5  ,  cliapéo  ,  pcnlesdo  ,  gravata,  c^faca, 
sobrecasaca,  e  mais  iiuma  albardiíiha ,  vestia^  e  cairão  1 
84 


melas,  e  botinhas,  tudo  sem  ordem,  tudo  a  fogír,  que  nem 
para  se  usar  dão  espera,  desafiando  de  propósito  o  luxo ,  pa- 
ra se  arruinarem  a  si ,   ca  todos  í^quelles  ,  que  principiâo  a 
abrir  os  olhos  da  razão,  como  succedeo ,    ha  oito  dias  ní'sre 
Bairro  a  lium  filho  de  hura  Negociante  rico  ,  a  quem  a  lou- 
cura fez  comer  mal  pelo  seu  dinheiro.  Porqi^e  passando  o  pai 
pelo  desgosto  de  lhe  dizerem  os  seus  Amigos,  que  seu  filho 
já  náo  merecia  a  pena  de  lhe  chamarem  Portuguez ,  mas  sim 
Arlequim,  fez  este  Velho  huma  seria  reflexão  ;  foi  para  casa, 
e  como  pai  honrado  chamou  o  filho,  e  tudo  que  era  do  seu 
vestuário,    cortou,  rasgou,  esbandalhou  ,    e  fez  em  fanicos. 
E  não    satisfeito,    pegou  em  hum  páo,    e  malhou  no  filho ^ 
como    quem    malha   em  senteio  verde:    Na  manhãa  seguinte 
muito  cedo  baterão  á  porta ,  e  forao  dizer  ao  pai  ,  que  esla- 
va alli  hum  sugeito  ,  que  trazia  as  Platónicas  do  menino:  o 
pai  cui  iando  que  era  algum  livro  de  Fysica  ,  correo  á  porta  , 
e  vé  aas   mãos   de   hum    Alfaiate  huns  calções  com  meias  ^ 
j.íleco ,    e  tudo  pegido:  então  lhe  di^sen:  lere  Senhor  Mes^ 
ire^    isso  fião  hs  para  meu  filho  ,   qtie  elle  ah  da  não  mu* 
dou  a  pelle ,  porque  hontem  lhe  cheguei  a  roupa  ao  couro. 
Ao  mesmo   tempo  appareceo  o  Mestre  da  dança  ,    que  vinha 
ensaiar  o   menino  ,  scguio-se  logo  o  Cabellcireiro  ,  e  tão  doi- 
do fízerão    o    Velho    todos  três,    que  elle  vendo  que  se  não 
querião   hir,    poz-se  a  gritar:    d  Angélica  da  cd  hum  páo  ^ 
que  query  pentear  ertrs    trastes".    Elles    logo   despejarão    a 
beco,  que  foi  a  sua  felicidade;  porém  sabe-se  pelo  Velho  que 
elles   não    e^capao  de  alguma  trabusana  ;    porque  os  Cabeças 
03  Saúde    do»   seus    Bjirros  )á   estão  avisados  para  passarem 
bilhete  para  o  enterro  ,  logo  que  morrão. 

Carta  que  do  Porto  escreve  o  hum  sug^iro  a  hum  seu  Amt'» 

go  de  Lisboa  ,    dando-lhe  parte  do  mal  que  se 

dava  com  sua  mulher. 

Amigo,  que  multo  préfo,  dou  parte  a  V,  m.  que  estou  'j 
convencido  de  que  nada  ha  que  ensine  melhor  o  homem  ,  que 
a  experiência,  e  de  que  a  paixão  arrebatada  he  o  precipício 
certo  do  mesmo  homem:  Infelizmente  me  acho  casado ,  por- 
que invejando  o  Matrimonio  de  alguns  Amigos  meus,  me 
apaixQnei  por  huma  mulher,  sem  me  lembrar  da  desigualdade 


de  génios,  de  que  se  compõe  este  sexo.  Agora  vejo  bem  a 
meu  pesar,  que  ha  mulheres  que  formão  hum  composto  de 
labyrintho,  onde  o  homem  se  nno  sabe  entender ,  nemenien- 
délas.  Questionarão  certos  Filósofos,  em  que  tempo  a  mu- 
lher era  boa  ,  melhor,  e  óptima  ,  e  assentarão  que  era  boa, 
quando  morria,  melhor  quando  n^Of  ria  logo,  e  óptima  se  dei- 
xava o  marido  rico.  Também  questionarão  quando  era  má  , 
pêor ,  e  pessiaia  ;  e  igualmente  assentarão,  que  era  má  sem- 
pre ,  pêor  quando  a  tratavão  bem  ,  e  péssima  quando  a  tralavao 
mal.  Vistos  estes  pareceres,  e  analysando  o  que  passo,  con- 
cluo, que  poucas  merecerão  a  excepção  dcsra  regra.  Sc  lhes 
dá  em  serem  doentes,  os  ais  são  immensos ,  as  queixas  são 
eternas  ,  as  convulsões  ,  os  cslericcs  ,  as  epicondrias  ,  tudo 
anda  em  contínuo  gyro  de  hora  a  hora  ,  até  que  huroa  doze 
de  Opera,  de  Quinta,  ou  de  Assembléa  tomada  a  miúdo, 
faz  serenar  por  huma  noite  aquella  tormenta.  Se  \h^$  dá  em 
serem  soberbas,  divinizão-se  nas  falias,  as  mesuras  são  de 
cabeça,  como  que  se  arrependem  no  meio  delias,  tudo  lhe 
faz  hum  dissabor  ,  tudo  lhes  ha  de  render  vassallagem.  Pe* 
gar  hum  botão  na  casaca  de  seu  marido  he  hum  favor ,  era 
Cjue  se  falia  quinze  dias,  dizendo-se  que  mal  cuidava  elle  que 
havia  huma  senhora  pegar-lhç  hum  botão  ;  e  não  dercança  em 
quanto  aquelle  beneficio  não  he  remunerado  cera  hum  iraste 
do  Paquete,  o  qual  depois  de  recebido  bc  conceituado  por 
huma  bagatella.  Se  lhes  dá  em  serem  vaidosas ,  não  querem 
se  não  companhias  ,  onde  se  façlio  ver  ;  janella  ,  cnJe  todos 
as  cortejem;  cumprimentos  de  Milofds  ,  que  de  minuto  a 
minuto  despendão  hum  chuveiro  de  lisonjas ,  c  mais  que  tudo 
assentando  que  a  belleza  dos  20  dura  nos  60;  e  que  a  roda 
do  tempo  parou  a  seu  respeito.  Al^i  mas  se  esquecem  do  es- 
tarão, que  lera;  dos  filhos,  que  crino,  e  do  respeito  que  de- 
vem conciliar.  Se'lhes  dá  em  serem  perguiçosas  ,  a  manhã  leva- 
se  de  cama,  a  tarde  na  Quinta  ,  a  lioiíe  nas  visitas  ;  as  Coma- 
dres são  chamadas  para  engomarem  ,*  cozerem  ,  e  par?  tudo  o 
mais  preciso,  que  a  treco  de  dinheiro,  e  outras  dadivas  cilas 
em  ar  de  Mágica  aprompiãoiudo  ,  snies  que  os  logrados  niari- 
do5  se  rccolhão,  a  fim  de  afFectarem  que  trabalharão  muito  na 
sua  ausência.  Se  lhes  dá  em  serem  golcsas  ,  sahem  liumas  perfei- 
tas Consei  veiras  ,  e  cham.ando  a  isto  governo ,  não  ha  doce  que 
não  fa  jão  3  nada  avisiáo  que  não  desejem ,   e  úo  peicre&  de  que 


OS  próprios  filhos,  quândo  pasj>eiáo  na  Feira  por  lugares  de 
bonitos  de  crianças.  Se  lhes  dá  em  serem  enxovalhadas,  cui- 
dâo  só  nas  apparencias,  c  todo  o  interior  da  casa  lie  hum  nojo 
continuado,  os  filhos  immundos  ,  a  cosinha  em  podridão  de 
cousas  guardadas  ,  e  nunca  revistas  ,.  tudo  sem  ordem,  nem  a- 
nianho.  Se  Ihss  dá  em  serem  discretas,  de  tudo  entendem  ,  de 
tudo  ídllao,  e  são  logo  Matheiíiaíicas,  Filosóficas,  France- 
zas,  e  do  que  ínais  deviao  ser ,  náo  são  ,  pois  n^o  sabem  ser  hu- 
rnas  boas  donas  de  suas  casas.  Em  fim  chorão,  e  fi^m  juntamen- 
te ^  aíFdgão  ,  e  escandalisão  ;  desprezão  o  mtsFoo  que  querem  , 
falião  muito  pensando  que  nada  fcdlão  j  premêão  huii)  fuvor  com 
hum  precipicio;  querem  ser  livres,  e  queos  hon^cns  stjão  huns 
escravos,  Eis-aqui  as  condições  da  desordenada  máquina  de  hu- 
ma  grande  parte  deste  sexo.  E  como  V.  m.  ire  tem  dado  pane  do 
muito  que  tem  passsado  cora  sua  mulher,  para  o  consolar  lhe  an*- 
núncio  também  os  meus  desgostos.  Eu  não  sei,  nem  posso  des- 
cobrir o  meio  mais  favorável  de  qualquer  homem  fazer  a  swa  esco- 
lha para  o  santo  estado  do  Matrimonio  ,  porque  se  o  homem  se 
agrada  da  mulher  pela  formosura  ,  logo  que  ella  pilhe  esta 
paixão  ,  não  ha  agrado  que  lúo  faça  ,  não  ha  lagrimas  ,  que  não 
derrame;  porém  apenas  se  casa,  não  ha  tolice  que  não  mos- 
tre, nem  desacerto  que  não  obre.  Se  o  homem  se  agrada  da 
mulher  por  discreta  de  lingoa  ,  e  ella  pilha  esta  paixão,  não 
ha  livro,  que  não  peça  para  ler;  a  cada  lance  vêm  huma 
dissertação  politica,  e  engraçada  ;  porém  apenas  se  casa  ^ 
não  se  vê  neHa  roais  que  palanfrorios,  lendo  de  cadeira,  e 
toda  a  casa  á  descripção,  sem  arrumo,  nem  governo.  Se  o 
homem  se  agrada  da  mulher  porque  esta  tem  alguma  cousa 
de  seu,  e  ella  lhe  pilha  huma  tal  paixão,  faz-se  n  uiio  hu- 
milde, muito  meiga,  multo  extremosa;  porém  apenas  se 
casa ,  quer  ser  fidalga  ,  quer  iraiamcnio  de  ostentação ,  lan- 
çando em  rosto  que  trouxe  com  que  :  Hum  oote  de  2oO(i> 
réis,  quer  que  fjssem  40  mil  cruzados:  Huma  barraca,  que 
trouxe,  que  seja  tida  por  hum  Palácio;  hum  Qiiintal  por 
huma  Oiiinta  ;  c  desta  sorte  he  lavada  a  cara  do  miserável 
marid  )  sns  ,    e  sete  vezes  no  dia  com  taes  infaiuaçòes. 

Estas  puras  verdades ,  de  que  sem  pejo  o  sexo  íemcni- 
GO  se  ri  ,  tendo-as  por  petas ,  são  o  nosso  fiagello ,  e  de 
imtnensos  indivíduos,  que  se  calão,  por  não  agravarem  mai» 


as   SU35    feridss  ;    e  nós  tanibein  í^ssim  fareircs ,    visto  que  a 
nossa  cnferijúdade  já  não  lem  cura. 

Amigo    e  conpanheiro  nos  Iratail.os 

(  Aíftgvado  )  Víctorino  Aniceto  Zagal dt  Sousa. 

A  resposta  desta  Carta  foi  escrita  por  hurra  senhora 
Esposa  do  Correspondente  acima ,  que  pilhandc-a  ás  n  ãos 
intentou  despicar  valoTOsamente  o  seu  ?exo  ,  pondo  nas  bo- 
xexinhas  dos  homens  o  feito  ,  e  o  por  fazer:  ficasse  copian- 
do no  Folheto  da  semana  que  vem  para  igualmente  chegar  á 
noticia  de  todos. 


1 


O  Editor  da  presente  collecçao  ,  tendo  noticia  de  I  u- 
ma  resposta  em  defeza  do  Café  Jotoio ,  contra  o  Ala  ocreve 
das  Peras,  Jhe  oíFerece  este  brazeiro  para  dar  huma  fervura 
ao  referido  Cate, 

Menino  chore-o  na  cama; 

Respostas  taes  não  ccmponha  , 

Por  mais  enfeites ,  que  ponha  , 

Não  faz  mais  formosa  a  Dama  : 
Deixe»se,  por  caridade. 

De  proseguir  nâ  contenda  , 

Calle  o  bico,  e  não  pertenda  , 

Em  petas  achar  verdadç  : 
Follieios  de  brincadeira, 

Esiiilo  pedem  corrente, 

Não  são  papeis,  onde  a  gente, 

Se  ponha  a  lêr  de  cadeira  : 
De  hum  Alfdate  dizião  , 

Quando  \\\Q  davão  matracas. 

Que  se  ralhava  casacas, 

Carapbças  lhe  sahiáo: 
De  igual  mo.^o  fm  mortas  cores, 

Qiiiz  imitallo  vosso; 

Pois  dcFendcn'0  o  C/?/y, 

Vem  insultar  us  Leitores: 


(  6  ) 

Se  a  graça  na  penna  sua  , 

Sempre  esrá  ,  coitada  em  férias, 
Em  composições  mais  sérias  , 
Melhor  lie  que  nos  instrua: 

Se  cuida  que  graça  tem , 
Para  algum  lucro  tirar, 
Vai  perdido,   ha  de  ficar 
Toda  a  vida  sem  vintém: 

Já  muira  gente,  não  leiga, 
Aífírma  que  inda  ha  de  vêr-se, 
Café  jocoso  a  vender-se, 
Para  se  embrulhar  manteiga  : 

Hum  que  a  méia  melhor   toca  , 
Vendo-lhe  o  gasto  moroso, 
Diz,  que  ha  de  o  Café  Jocoso 
Vir  a  ser  Café  da   Moca  j 

Outro  que  experiência  tem 
De  muitos  casos  antigos, 
Diz  que  andará,  como  os  figos i 
A  ires  dúzias  hum  vintém  : 

Huma  obra  sem  enfeite, 
r  Posta  a  três  vinténs,  escalía, 
Onde  não  ha   huma  falia  , 
Que  nos  instrua  ,  ou  deleite! 

Eu  ii-a  a  humas  visinhas  ,     .   . 
Que  não  poderão  sofFrê-la  , 
Pois  quantos  fallavão  nella 
Parecião  Tarquitinhas  . . ,  (*) 

Porém  olhe  Amigo  ,  attenda  , 
Hum  remédio  lhe  vou  dar, 
Para  o  Café  se. gasta r , 
Inda  que  he  fraca  fazenda : 

Na  Turquia  ha  muita  gente, 
E  isto  lá  faz  novidade, 
Mandando-se  quantidade. 
Vem  em  dinheiro  corrente  ; 

Alli  serão  bem  aceitos 
Oá  Folhetos  do  Café  , 


^')     Tarquiunhi   luicn  dos   íivu-rões    mais  appfovados ,    t^ue    repre^ciiu 
na  referida  Obra  do  Café  Jocoso. 


.      (rf 

Que  aquella  gente  lê,  lê, 
Sem  Ilie  descobrir   defeitos : 

Se  vir  ,  que  o  contracto  enfia  ; 
E  c]ue  os  Folhetos  se  passão  , 
Té  pode  pedir  ,  que  o  faqão 
Escriptor  para  a  Turquia  : 

Em  fira  meu  Author  querido , 

Que  eu  com  quem  fallo ,  não  sei , 

Infinito  estimarei , 

Que  lhe  facão  bom  partido  : 

E  já  que  cahio  na  asneira, 
De  tão  sério  responder , 
Querendo-se  defender, 
Cora  tamanha  frioleira : 

Observando  o  quanto  estima  , 
O  fallar  por  termo  escuro. 
Que  se  entenda-lo  procuro , 
Em  tudo  lhe  acho  hum  Enigma, 

Como  os  engenhos  agudos  , 
Brilhão  mais  postos  na  acção  ; 
Tem  agora  occasião  , 
De  mostrar  os  seus  estudos: 

Pois  quo  de  cançar-se  gosta  , 
Este  Fnigma  ,  se  lhe  expõe, 
Branco  be  ,  galinha  o  põe : 
Dou-lhe  hum  mez  para  a  resposta. 


AVISOS. 

Quem  qu  ízer  mãhazia  engarrafada,  e  da  irelhor  nua- 
l'dade  a  toitao  a  cansda  ,  dirija-se  ás  Barracas  ,  que  estão 
na  Pi  aça  do  Co.n  mercio  no  Cães  da  área  ,  porque  ai  li  en> 
cima  do  balcão  de  manhã,  de  tarde,  e  á  noiíe  apenas  huma 
garrafa  he  mrJvazia  ^  já  se  manda  vir  outra  chea. 

Vende-se  hurn  relógio  do  Sol  ,  de  figura  cubica,  com 
sua  moldura  á  Goda  ,  e  nella  entalhada  a  r(gra  do  ,^,  /;,r, 
por  onde  os  meninos  poc'eni  estudar  ,  c  apierder*a  solefrar 
o  Fn^g':a  do  A  ,,  Arvore  ;,,"£?  ,,  Bc.^ta  „  C,,  Ce^ta  ,,  />„ 
Dado   &c.    Este   relógio   he    "íxcellcncc  para  ornar  huma  salla 


nobre ,  pelo  bom  gosto  de  seu  desenho ,  pois  fói  feito  de 
propósito  p^ra  parede  de  edifício  grânie:  Regula  tanibem 
de  noife  á  luz  de  huma  véli.i  aceza;  porque  o  ponteiro  vai 
ptT  si  mesmo  fazer  sombra  sobre  as  hotas  era  que  dá  :  O 
sea  Àutlior  foi  o  discípulo  do  Lunario  perpetuo  ^  que  fez 
hum  rjlogio  da  agoa  do  i£iiori[,  que  alborcou  por  hum  cão 
d'ãg  >a  :  (j^j^m  se  dispuzer  a  coraprallo ,  procure  o  para  en- 
trar em  prego. 

O  Cavalbrira  Podim  ^  que  tem  viajado  por  toda  a  Eu- 
ropa ,  chegou  y  ha  quinze  dias,  a  Lisboa  ,  e  foi  desça nçar 
á  casa  de  Pasto  do  Isidro  ,  por  achar  nella  hum  tracto  civil  \ 
alli  tem  sidi»  procurado  de  muitos  indivíduos  Nacionaes,  e 
Estrangeiros,  que  o  prezao ;  dos  quaes  rem  recebido  obsé- 
quios dignos  do  seu  merecimento:  Elle  he  completo,  een- 
ire  o  todo,  que  forma  as  suas  qualidades  ,  di$iingue«se  de 
tudo  o  miis,  no  suave  paladar  da  sua  conversa,  faTa  gram* 
maricalmente  na  lint^oa  Inglez^i  ,  Alemãa  ^  HespaJíhoh  ,  A- 
rabie ã  ,  Grega  ,  e  Portugueza  ,  e  ainda  era  todas  as  mais 
adjacentes  ,  ás  vezes  com  tanta  velocidade  ,  que  parece  que 
falia  pelos  cotovelos  ;  e  como  nesta  Corte  ha  pessoas  que  de- 
sejao  gostar  as  lingoas  Estrangeiras,  parece  que  não  poderão 
tfr  melhor  occasião ,  que  esta.  Elle  he  bello  para  sociedade, 
maganão  de  bom  gosto,  sabe  bera,  nno  tem  nada,  que  se 
lhe  deite  fora,  e  se  compromctte  a  agradar  a  grandes,  e pe- 
quenos ,  por  meio  de  hum  instrumento  ,  a  que  chamão  cruza- 
do novo.  As  pessoas,  que  quizerem  utilizar-se  de  quanto  elle 
ssbe  ,  vão  procurallo  á  dirá  casa;  e  quem  não  souber  onde  he, 
pergunte  que  quem  tem  boca  vai  a  Ronja.  Adverte  que  tam-' 
bera  ensina  por  casas  a  oito  tostões  c^da  li<^ão. 

A  advinhação  do  Folheto  aníecedenre,  que  principia 
Sou  de  todos  conhecido^  vem  a  ser  aquella  letra  que  esta  a 
diante  do  L,  e  antes  do  N" ,  que  Vv.  mm.  todos  acharão  na 
regra  do  //  ,  ^  ,  r ,  se  he  que  não  sahio  para  fora  ,  c  quando 
nao  a  bncqntreaí ,  perguntem  por  cila  a  algum  Mestre  de 
Meninos ,  que  «file  a  descobrirá. 


LISBOA.     NA  OFFíC.  DS  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 
Com  licença  da  Mt^a  do  Desembargo  do  Paço. 


ALMOCREVE   DE   PETAa 
PARTE     LXXXV. 

Respf^fta  que  ciã  huma  Senhora  d  Carta  que  se  publicou  no 
V  olhe  tf)  passado  ,  desaggravando  o  seu  sexo. 

ílJ  Enhor  Victorino  Aniceto  Z/tgardè  Sousa*.  Adindo  á  rai- 
nha mao  a  sua  lastimosa  Carta,  e  sendo  para  ncs  outras  tão 
sensível  o  vermos  que  quasi  todos  os  homens' atirão  aô  nosso 
sexo,  increpando-nos  de  defeitos,  de  que  muitas  ve^es  os 
homens  são  morivo ,  passo  em  nome  de  todas  a  advogar  nes- 
ta causa  pela  melhor  forma  de  direito,  fazendo  ver  que  o  nos- 
so sexo  tem  assaz  toda  a  razão  para  mostrar  aos  olhos  do 
Mundo,  e  da  verdade  os  hon>ens  ,  por  suas  culpas ,  repre- 
sentados na  mais  triste  figura.  E  se  cumprir.  ' 

Prosará  que  os  homens  são  huns  inquietadores  de  nds 
outras,  pois  ainda  não  consta  que  huma  só  se  tirasse  de  sua 
casa  para  hir  buscar  hum  homem,  com  quem  caze ,  antes 
elles  valendo-se  das  assembiéas,  das  funções  piíblicas ,  dos 
passeios,  das  introducçócs  nas  casas  de  cada  huma ;  bum 
porque  canta  ,    o  outro  pgrque  laca,  este  porque >ílança,  a'-* 


( 1) 

queilc  porqujp  faz  versos  i:e  puitos  porque  são  d'âquem  e 
d'aÍéíM,  Morgados  disto,  e  d^aquilio,  aié,  com  bem  magoa 
minha  o  digo,  se  valem  dos  lugares  nijis^sagrados,  somente 
para  o  fim  de  in^qtâerar-nos.         -  .      ..        V 

Provará  que  as  moléstias  sempre  for^lo  pensão  da  liu« 
manidade ,  e  que  a  mulher  doente  por  mais  eiifertra  que  es- 
teja ,  não  perde  da  lemtrança  o  governo  da  sua  casa  ,  pre- 
venindo ,  como  pôde,  as  cousas,  que  lhe  pertencem;  eque 
eljes  liomens  não  sendo  feitos  de  differenle  massa  ,  são  sojei* 
tos  a  imm.ensos  ach?ques ,  dando  no  curativo  deiies  muito 
mais  que  fazer,  que  huma  mulher,  porque  o  homem  com 
qualquer  dor  de  cabeça  logo  perde  o  ai^iiro  ,  e  deseja  metter 
em  casa  quantos  Médicos  ha ,  e  quantas  Boticas  tem  Lisboa , 
julga ndo-se  ás  portas  da  morte  para  o  padecimento  da  moies- 
lia ,  e  nada  pára  a  emenda  dá  desordenada  vida. 

Provara  que  elles  são  huns  soberbos ,  que  se  levantão 
com  p  santo ,  e  com  a  esmola  ,  pois  destroindo  quanto  a  fa- 
vorecida mulher  trouxe ,  deixão-se  a  si  ,  e  a  roda  a  familia 
pedindo  huraa  esmola,  e  conservando  apenas  os  fumos  da  a- 
bundancia ,  que  já  liverio  •,  fazem  da  mulher  huma  escrava, 
onde  a  necessidade  augmenta  o  ódio,  e  fulmina  o  seu  máo 
comportamento,  pensando  que  isto  de  receber  huma  mulher, 
,iie  o  mesmo  que  alugar  humas  casas,  ú'ende  se  muda  ,  quan- 
do se  não  da  bem. 

Provara  que  a  vaidade  nasceo  nos  homens,  pois*  já 
do  primeiro  foi  a  perdição  a  vaidade  de  querer  saber  por  meio 
áo  pomo,  quanto  sabe  oincomprehensivel  Ente,  que  ocrcá- 
la  ;  Elles  se  abalanção  aos  maiores  excessos.  O  solteiro  por 
vaidade  julga  que  todas  lhe  querem  bem,  trazendo  enganadas 
4^2,  e  vinte  ao  mesmo  tempos  e  he  certo  que  se  humas 
soubessem  das  outras ,  nenhuma  mulher  he  tão  soíFrcdora  ,  e 
insensata  ,  que  proscguisse  na  sua  paixão  ;  e  he  igualmente 
certo  que  ellçs  na  confusão  deste  labyriniho,  nem  se  canção 
€m  fazer  escolha:  Inquieião  a  velha,  a  rapariga,  a  ama,  a 
creada  para  brazão  da  sua  grande  lista,  e  bazofia.  O  viuvo 
gabando  muito  a  primeira  ,  chorando  por  ella  ,  anda  palpan- 
do onde  acha  maior  somma  para  se  conchegar;  tom  a  vai- 
<lade  de  ficar  melhor,  que  da  primeira  vez.  O  velho  coro 
«mufiiasmo  de  rapaz  he  hum  baboso  ccntinurdo,  ^ssenfanc^o 
cçmsigo  liQ  íundo  do  seu  corajão,  que  ha  deser  huniNcstor  ^ 


na  prçservsção;  nSo  se  poupando  a;  divertimento  algum  ;  « 
certamente  não  ha  para  as  Madamas  hum  papel  de  tanto  gos- 
to, como  o  vêf  hum  Gmja  namorado. 

Provará  que  ha  homens  de  perguiça ,  e  tao  poltrões:, 
que  aferrados  á  ociosidade,  fairão  até  aos  deveres  dos  seus 
officios:  hum  não  salie  hoje  ,v  porque  chove;  outro  não  sahe 
porque  faz  calma  ,  e  muitos  até  deixão  de  comer  algumas  ve- 
zes, pelo  não  agencearem  a  tempo,  cuja  perguiça  os  põe  era 
inacção  tal,  que  a  me>ma  casa  ,  ifrfi  que  haéitão  solteiros, 
he  hum  chiqueiro,  onde  então  melhor  se  mostra  a  falta  da^- 
quelle  pique,  e  aninho  feminil  para  o  asseio.  -    >        . 

Frovard  que  são  tão  golotões  ,  e  appetitosos ,  que  fa*- 
zendo  gasto  diário  na.  sua  císa  ,  andão  pelas  de  pasto  i  poi?- 
que  ha  bifesteques  ^  viteUas  de  leite  y  podins  ,  guizadinhoT 
fomentadores  d^^  boas  feições  ,  chegando  os  individos  ao  pon- 
to ,  até  de  se  recolherem  bêbados  para  suas  casas  ,  onde  nós 
outras  vivemos  sacrificadas  a  ouvir  os  gritos,  a  vêr  os  mãos 
modos ,  como  victiraas  da  bebedeira  para  que  não  concorremos. 

Provará  que  são  tao  enjcovalhados ,  que  de  contínuo 
fazem  andar  a  triste  familia  sempre  de  ferro  na  mão ;  porque 
a  camisa  engomada  apenas  serve  huma  vez,  o  colete,  o  cal- 
ção, são  os  estragadores  de  quanta  greda  ha  ;  e  quat^to  maiis 
se  lhes  manifestaria  este  defeito  j:  senos  ,  as  pobres  mulhe*" 
res  os  desamparássemos  ! 

Provará  que  os  homens  a  titulo  de  discretos ,  trope- 
ção a  cada  passo,  cobrindo  tudo  com  a  fama  que  adquiri- 
rão \  observando-se,  porém  ,  no  particular  ,  que  os  prezados 
de  mais  sábios  são  os  que  fazem  asneiras  aos  montes  ^  e  taçs' 
que  o  mais  rude,  e  grosseiro  nã,o  cahe  nellas.  ■ 

Provará  que,  passando  ao  fingimento  de  que  somos 
accusadàs ,  elles  homens  são  muito  mais  fingidos;  em  quanto 
amantes  são  huns  alfenis  ,  era  quanto  casados  h uns  tigres.,  ech 
quanto  pobres  huns  servos  humildes  ,  em  quanto  ricos  huns 
Neros  tyrannosi  clles  na  dependência  tem  lagrimas  nos  olhos, 
mel  nos  beiços ,  e  fel  no  coração  ;  ellcs  nos  seus  projectos 
são  Como  bandeirinha  de  torre  ,  como  navio  nas  ondas  ,  como 
Si>l  de  Inverno;  e  finalmente  huma,  e  muitas  vezes  Provará 
o  noàso  sexo,  em  defeza  própria,  com  a  verdade  sabida ^ 
que  o  homem  he  huma  Camera  optiça  ,  onde  com  agradáveis 
côíes  se   mostrão  os    vicios ,    e  as  virtudes ,    em  continuada 


confusão;  e  ou  sé  componhao  nesta  idémianda  >    refreando  a 
Jingoa;;  a    nosso  respeito ,    ou  acharás  emmiítilnmVa^  'Advo- 
gada ,    que  lhes   faça  com  ajustadas  raz6es,    mais  iiíimoriaes 
no  Th ea iro  do  Mundo  as  suas  desenvolruras. 

.àií.    Ci^ntmusçãa   dos  conceitos  achados  ao  nosso  Velho 
-íiv  ^.:if  i^T]:'"^  -";íí'.o  de  Romulares. 

m»  ';'■:■ '4  s^^í 

^ '"«:';':  Dizia  o  nosso  Velho,  que  bastava  huma  garrafa  de 
3goa;,  para  manchar  huma  garrafa  de  tinta,  mas  que  para 
a  fazer  outra  vez  boa,  n^ao  tinha  forqas  huraa  pipadeagoa'; 
^ue  da  mesma  sorte  bastava  hum  homem  niáo ,  para  iníicio- 
-nar  huma  sociedade  de  bons,  mas  que  para  os  fazer  outra 
■sf èz  bons  não  tinhãó  forças  hum  cento  de  máos. 
^n  .  DÍ2Ía  o  nosso  Velho  que  tanto  traball>o  tem  o  pobre 
?<to  procurxir  pelos  bons  o  que  lhe  falta ,  quanto  trabalho  tem 
íO  rico  em  guardar  dos  ladroes  o  que  lhe  sobra. 

Dizia  o  nosso  Velho  ,  que  toda  a  mulher  de  bem  sen* 
tç  roais  huma  oíFensa  que  se  lhe  faz,  do  que  estima  huma 
fineza  que  se  lhe  diz. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  nos  trabalhos  do  mundo,  e 
nas  enfermidades  do  corpo ,  todos ^receitao  para  os  outros, 
.e  nenhum  se  sabe  curar  a  si* 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  o  homem  he  escravo  do  que 
falia ,  e  senhor  do  que  calla. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  nas  guerras  civis,  maispe*- 
JejaQ  os  homens  pela  opmião,  que  lomâo,  que  pela  razão 
ique  tem. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  o  homem  que  dá,  compra 
a  liberdade;  e  o  que  recebe  vende  a  que  tem. 

Dizia  o  nosso  Velho ,  que  o  sábio  tem  a  lingoa  no 
corajão,  e  o  toilo  o  coração  na  lingoa. 

Receita  para  os  Amantes* 

Dez  onqas  ,  ic  reflexão^  Wijture,  e  ponha  a  coier, 

<5uatro  oitavas,  ác  indiferença  ^  Que    lhe  fiquc;  era   tetça  parte. 

Seis    grãos,    de   temor  eteoffença^  E  deixe    esfriar    com  arie ,      . 

Dní*   molhos  ,   </e   ingratidão:  Ate   que  possa   beber; 

Três  quartns  ,  de  occupução ,  Se  isfo  bem    llie  não  firer 

Hum  punhado,  de  riv«l;  A  Wcciícoa  não  cohviilç  ; 


Sinco  dores,  àe  alegam  wal  Em  se  curar  tnaí*.  não  lide  ^ 

Para   entieter  as    idcas,  Ouifornie-se  nos  peiares  ; 

Com  sete   xavcnas  chcas  Toine  banhos,    mude  d«  are»  , 

Dí   conversação    eom  Sol,  E  viva    com   a  pevkic. 

Estahgem  Jo    Jrco  tfo  Cíiet  de  Santarém. 

O  appararo  da  bandaíhrce  cm  todas  as  épocas  tem  feifo 
que  os  homens  sérios ,  grifos,  ou  perluxos  desdeniiem  no 
principio  da  estravagancia  das  modas,  adoptando-as ,  porém 
depois,  insensivelmente  as  defendem  á  ponta  da  espada  j  lie 
por  esta  razão  que  não  admira,  que  bolonios,  e  calouros  te- 
iihão  tantas  demasiadas.  Era  pelos  fins  de  Agosto  quando  em 
Lisboa  se  apresentou  hum  basofía  a  titulo  de  Morgado ,  que 
em  duas  palhetadas  ficou  formado  na  faculdade  de  TafuL  Os 
sabixócs  da  Corte  que  lhe  conhecerão  hum  animo  pródigo 
cora  ensanchas  por  onde  se  alargar,  receberão  este  m.enino, 
como  huma  dádiva  da  fortuna,  e  sem  jamais  o  largarem  , 
lhe  oíFerecérão  os  langarás  da  tafularia,  ministrando-lhe  no 
mesmo  oíFerecimento  morte  á  bolça  com  estocada  de  punho, 
só  porque  elle  fosse  nas  funções  quem  pagasse  o  pato  ;  esera 
conhecer  a  malicia,  de  dia,  e  de  noite  foi  logo  visto,  já 
na  sege,  já  no  cavallo,  já  na  Opera,  já  na  Assembléa  ,  já 
no  Isidro,  já  no  Nicola,  já  na  cerveja^,  já  nos  licores,  e  já 
na  neve,  bebida  esta  que  lhe  foi  estranha,  apesar  de  eMe  ser 
do  monte.  A  primeira  vez  que  a  bebeo  foi  tão  asalvajada- 
mente  ,  que  vindo-lhe  as  lagrimas  aos  olhos,  julgou-a quen- 
te, e  que  se  tinha  escaldado;  e  para  beber  o  resto  entrou  a 
asoprar  nella.  No  dia  seguinte  contou  este  successo  a  hum 
seu  maior  amigo,  que  não  era  menos  do  que  o  Pai  Pai  da 
neve,  exaggerando-lhe  tanto  o  gosto  daquella  bebida,  que 
nunca  se  fartaria  de  neve.  Ora  como  os  géneros  quanto  mais 
se  gastão,  mais  encarecem,  tratou  o  talanigo,  temendo  vir 
a  sentir  alguma  falta  delia  ,  de  o  desvanecer ,  dizendo-Iheque 
sempre ^que  a  bebesse  havia  de  sentir  o  mesmo  assalto,  pois 
so  o  não  sentião  os  que  não  tinhão  dentes :  a  isto  respon^ 
deo  logo  o  calouro,  pois  vou  já  daqui  tirar  os  dentes  to- 
dos, por  ter  á  manhãa  o  gosto  de  beber  huma  ponxeira  de 
neve,  projecto,  que  não  admira  aos  que  pensão,  quando 
vemos  qtie^  ha  homens  de  6o  annos ,  que  largao  a  cabellci- 
ra  ,  e  deixao   crescer  p  cabello   para  se  pentearem  á  mar* 


( 6 ) 

rafa,  «  qoe  outros  sem  moléstia  alguma  andão  ligados  cora 
suspensórios  ,  ou  tirantes,  só  para  que  o  cíilção  platino  nao 
faça  hum  a  só  ruga.  Finalmente  o  nosso  Morgado  carcuro  já 
disse  que  como  em  Portugal  não  ha  toda  aquella  porção  de 
neve,  que  ejle  está  resoluto  a  beber,  que  no  primeiro  Paque- 
te,  que  daqui  partir,  vai  para  Inglaterra,  para  de  lá  se  pas- 
sar á  Noruega  ,  só  por  ter  o  gosto  de  escrever  aos  seus  amif 
gos,  mandando-lhe  dizer  que  está  na  neve. 

Dissertação    do  nosso   amigo  applicaào  a  experiências 

económicas. 

Jamais  descançáráo  os  bons  engenhos  de  fazerem  de?co« 
"bertas  úteis  para  o  trafico  da  vida  ,  e  multidão  das  modas  do 
itempo.  Que  rara  invenção  não  he  possuir  huma  casa  adorna- 
rda  de  trastes  preciosos  sempre  em  folha,  conservando-se  ao 
mesmo  tempo  a  família  delia  com  abundância  de  vestidos  da 
moda  de  varias  sedas,  cambraias,  e  caças  de  diversos  feitios , 
tdando-se  jantares,  e  cêas  com  algum  estrondo  ,  mostrando-se 
ijíor  es.te  modo  ao  público  grandeza  na  casa  ,  fartura  na  meza, 
ife  asseio  nas  pessoas!  isto  no  tempo  de  hoje  he  facílimo  ,  raro, 
%  da  maior  estimação  pela  mesma  escacez ,  em  que  vemos  os 
iempos.  He  pois  o  raethodo  o  seguinte.  A  casa  que  fizer 
*^oo<i)  réis  de  renda,  quando  lhe  chegar  esta  rcdempçâo  ,  es- 
colha nos  Marceneiros  de  Lisboa  os  trastes  de  melhor  gosto, 
-reforme  a  familia  de  vestidos  da  ultima  moda,  convide  com- 
|)ânhia  ,  a  quem  nos  «primeiros  15*  dias  dê  dois  jantares,  c 
cêas  com  delicadeza  ,.e  fartura ;  de  sorte  que  feita  a  conta 
iao  que  se  cobrou,  fique  ainda  a  casa  alcançada  em  alguns 
restos.  Mostrada  que  seja  esta  grandeza  ,  passe-se  alguns  d  ias 
ao  jantar  com  foi*sura  com  arroz,  e  torradas  á  noite  i  epara 
•F:e  supprir  ao  mais  gasto  diário,  chame-se  a  familia  a  huma 
'brev<;  conferencia  ,  em  que  se  façao  sortes  para  qual  do  ran- 
cho ha  de  primeiro  dar  o  seu  vestido  á  venda  ;  hoje  por 
-exemplo  cahio  a  triste  sorte  na  Prima  D*  'Julta^  á  raa- 
flhãa  cahe  na  Mana  D*  Yelicia  ,  correndo  por  este  modo  a 
troda  j  díiado  que  fazer  ás  Adellas,  vendendo-se  por  4  o  que 
custou  2,Oíàté  ticar  a  familia  toda  em  jaquetas  ;  depois  saU 
-te-ie  no  ornato  da  casa  ,  e  por  terceiras  pessoas  se  facão  três , 
«M  qitarro  stífts  dos  trastes  deliam  e.  logo  que  de  novo  che^ 


•(■7) 
gtie  a  renda,  repita-se  ^scena 'das  mesmas  córnpra?  ,  fiçao-se 
os  mesmos  banquetes;  e  aqui  temos  a  casa  com  boa  faxa  na 
apparencia  ,  ainia  que  cravadinha  de  enfermidades  no  parti- 
cular;  porque  quem  vem  atraz,  fechará  a  porta,  que  esta 
he  a  conta  da  presente  Tafularia. 

Falia  que  fez  o  Almocreve  ao   Editor  s^u  Ano^    ces» 
peciitido-se  de  o  servir. 
Senhor  Editor,  tem  V.  m.  daqui  a  três;  semanas  com-f 
pletado    esta    obra   ao    número  promettido  de  88  Folhetos;, 
e  dou-lhe    a    infeliz    noticia    que  nao  deve  ficar  desvanecido 
de  que   o    Público  gostou  delia,    porque  a  ser  assim,    con- 
correriao  á  loja  da  Gazeta  mil  Assignantes  para  o  seu  con- 
sumo ;    porém  não  só  deixarão  de  appai-ecer  os  novos,    mas 
ainda   os  que  havia  se  derriscárao  das  raes  assignaturas :    Eiu^ 
parte  nao  he  mal  feito  para  Jhe  quebrar  a  presumpçao ,   pois 
já    lhe  estava    parecendo   que   isto  de  fazer  88  Folhetos  era 
huma   cousa    muito  rara  :    Desengane-se  que  cm  se  acabando 
este  anno ,  ha  muito  quem  as  vá  continuar,  supprindo  a  sua 
faJta  com  mais  graça  ,  com  mais  arte,  e  com  mais  natureza : 
Lisboa  está  pilhada   de  sábios  modernos,  que  nno  fazem  <:asd 
destas  suas  redicularias.  Ha  rapazes  muito  estudiosos,  que  sd 
eroprehenderem  fazer  outro  tanto  neste  género  ,  hão  de  des- 
empenhar a  em  preza  melhor  do  que  V.m. :  Sim  senhor  ;/ô 
de  mais  deve  saber,    para  não  estranhar  a  pouca  venda,  que 
hoje  a  murmuração,    o  luxo,  e  o  jogo  ião  as  figuras,  com 
que  se  abre  a  scena  nas  assembléas,  e  tudo  o  rraishe  tratado 
de  bcigatella:  Já  se  «íio  dança  nas  funções,  já  se  não  canta, 
já  se  não  glosa  ,  que  estas  prendas  são  grifarias  ;  e  veja  V.  m. 
nas  rodas  modernas  que  valor  podião  ter  as  suas  verdades  pe- 
teadas  ?    Se    V.  m.  escrevesse  no  tempo  ,    em  que  havião  cal- 
ções ,  então  não  digo  nada;  mas  querer  V.  m.  no  século  das 
pantalonas    raetfer  pelos   olhos   Livros,    e    Folhetos   para  a; 
mocidade  lêr ,  olhe,  f^erdoe-me,  isfo  heser  pacovio  ;  mude 
de  vida,  se  quer  ter  algum  vintém,  negoceie  em  géneros  para 
a  boca,    venda    por  20  o  que  lhe  custou  5:,    tome  exemplo 
nessas  lojas  de  Mercearia,  lugar  onde  nada  imporíão  assuas 
sediçí^s  petas;  e  fique  si.bendo  {:\\]q  tenho  dado  pd^fhal  em- 
pregado o  ten  po ,  que  estive  com  V.m.,  e  que  desde  já  me 
despejo   para  ser   caixeiro  de  huma  desías  lojas,   eniáo  veiv- 


me-ha  daqui  a  dois  dias  fazer  mil  petas  ao  vivo ,  muito  dif- 
tercnres,  e  mais  rendosas  que  as  suas,  que  são  pintadas; 
trate  de  me  ajustar  a  minha  conta,  e  peça  ao  Público  per- 
dão de  liie  dar  a  pagina  de  ler  huma  insulsa  folha  de  papel, 
tomando-ihe  o  tempo,  e  fazendo-lhe  gastar  40  réis  cada  se- 
mana ;  somma  ,  que  tão  precisa  se  lhe  faz  ,  para  quando  ap- 
parecerem  outros  macacos,  outro  urso  ,  e  outro  caraello,  que 
se  não  mosrrao  de  graça,  que  eu  desde  já  também  Jlie  peço 
perdão  do  mal  que  o  tenho  servido  nas  minlias  jornadas. 


AVISOS, 

Sahio  ái  luz  huma  Obra  intitulada:  Misturadas  dê 
Mundo  ,  ou  verduras  da  Mocidade  \  obra  em  que  não  esca- 
pa talo  de  alface;  vai  sahindo  aos  poucos,  e  vende-se  ás 
folhas  para  cómmodo  dos  curiosos, 

Desâccommodou-se  de  huma  casa  para  se  accoramodar 
era  outra,  que  precisar  delia ,  Victorina  Rosa^  creada  de 
bons  costumes  ;  foi  despedida  da  casa  ,  onde  esteve ,  por  hum 
testemunho,  que  lhe  levantarão;  pois  como  o  dono  da  casa 
visse  que  peixe  ,  frangos ,  perdizes  ,  tudo  lhe  levava  o  gato  , 
fez  a  experiência  ,  sem  ella  saber,  de  pezar  hum  dia  o  dito 
gato,  que  tinha  três  arrates ;  e  porque  infelizmente  este  co- 
messe dois  arráteis  de  carneiro ,  que  estavão  na  parteleira ,  o 
dono  da  casa  não  dando  credito  a  creada  ,  tornou  a  pezar  o 
gato,  e  porque  lhe  não  achou  cinco  arrates  de  pezo,  pela 
regra  de  três  e  dois  são  cinco,  poz  a  Moça  fora.  Quem  a 
quizer  ajustar  falle-lhe. 

Torna-se  a  lembrar  a  Vv.  mm.  que  esta  obra  he  só  de 
buma  folha  cada  semana,^  e  que  quatro  moedas  de  dez  réis 
são  quarenta  réis. 


USBOA.     NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

I  8  I  9, 
.  ,    Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço, 


H 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXXVI. 

Fraca  da  Alegria  9  de  Dez  mbro* 


A  simplicidades,  que  parecera  subtilezas  de  juízo ,  e 
estas  ás  ve/es  produzidas  em  gtnio>  úo  riisiiccs,  qu«  fazem 
pasmar.  Alora  neste  Bairro  hum  Dcutcr  nibito  civilisado,  e 
estudioso,  o  qual  coir.prova  o  qi;e  ncima  fica  d  iro  coin  o 
qje  liic  succedco  a  semana  pasrada.  Tinha  este  Cavalheiro 
hum  bom  ii-oço  já  com  dois  mezes  de  casa  ,  que  o  servia 
com  aptidão ,  e  esperteza  ,  porém  muiío  entusiasmado  de 
querer  saber  ler,  e  em  pilhando  o  Amo  fora,  andava  a  livra- 
ria pelo  pò  de  gato:  Quinta  feir.  foi  mandado  por  seu  Amo 
coiB  huma  C^artâ  ao  Convento  d'^  Cheias;  e  pelo  rre?  mo  mo- 
o  remeitêrâo  du  dito  C!onvcnio  em  rtspcsta  liUma  primuriisa 
.^ndcja  de  doces,  com  pucatas,  ccvilheres,  c  sequilhos  de 
guarnição;  e  vindo  isto  tudo  C(;m  jium  escrito  de  recado  a- 
bcrto,  o  mocinho,  <\ui  Jhe  n'Jo  escapa  papel  cem  letras ,  pela 
anciã,  que  tem  de  saber  lér ,  com  a  maicr  curiosidade  í.oca- 
minlio  desdobrou  o  escrito,  pôz  o  prcscnrc  cm  cima  de  iiu- 
ma  pedra  ,  e  \èo  :  {  não  de  cadeira,  poique  a  r.ao  linha  iili) 
dizia  o  recado:  Ijirds  ão  Senhor  Dr*  Aníbniohelix  liUhUis- 
U 


i 


Pereira  Couctiro  Caça? ,  ç//c?  sua  muita  ât tenta  venerni^a^ 
ra  ,  e  obrigada  Mad  -e  Soror  D,  lulana  de  tal ,  e  tal  to^ 
ma  a  confiança  de  o[fcrecer  es^a  Insignificante  bandeja  de 
doces  que  ser i  para  o  seu  creadot  e  que  muito  certa  até 
onde  abrange  a  bondade  summa  de  sua  Senhoria^  espera 
merecer  o  perdão  ,  pois  que  aí  offertns  quanto  mais  limita" 
das  ,  m  lis  cuthorizà)  a  ur  banida  de  das  pessoas  que  as 
recebem^  e  que  lhe  segísr^a  que  não  perder  d  occasião  emque 
possa  mostrar  ser  agradecida  ,  segundo  as  obrigações ,  em  que 
a  tem  constitui  do.  Apenas  o  bom  do  moço  vio  entre  tantos 
palanfrorios  estas  palavras,  que  será  para  o  seu  creado  y  Çím 
cou  saltando;  pega  na  banieji,  vai  direito  ao  Chafariz,  on- 
de costumava  hir  buscar  agua  ,  e  não  houve  parente  pobre  -y 
pucara  a  hum,  covilhete  a  outro;  enchêrâose  as  algibeiras, 
de  sorte  que  parecia  o  Chafariz  hum  noivado  de  fora  da  ter- 
ra ;  e  acabada  a  partilha,  foi  para  casa  de  bandeja  vazia  de- 
baixo do  braço,  e  toalha  ao  hombro  ;  chega  aopédo  Amo,, 
c  diz:  V,  m  não  sabe  o  ([ue  são  de  yyiinhas  amigas  as  Se- 
nhoras  li  no  Convento y  ainda  aqui  lhe  trago  algumas  cou ' 
sas  daç  que  Id  me  derão\  sempre  lhe  guardei  este  covlhe- 
te\  Re.^ponde  o  Amo  já  meio  encordoado;  pois  que  foi  que 
te  derão}  Derãu^me  esta  bandeja  cbêa  de  doces ^  disse  o 
Rapaz:  Tornou-lhs  o  Amo,  pois  i^so  não  vinba  para. mim} 
Salta  o  creado  dizendo  :  Hui  !  V,  m,  cuida  que  eu  havia  de 
ser  tão  goloso ,,  que  se  viesse  para  V*  m,  lha  não  entrega-^ 
ria  ?  Olhe  ,  por  este  escrito  ,  que  vifiha  aberto ,  V.  m.  verá 
a  minha  verdade.  Aqui  diz  ,,  essa  bandeja  de  dfjCes  ^  que 
será  para  o  seu  creado.  ,,  Ainda  agora  o  Amo  poe  as  mãos 
na  cabeça  ,  arde,  vai  buscar  hum  pio,  o  moço  foge  a  des- 
compôlio,  pondo-lhe  na  hoxexa  que  lhe  queria  íicar  com  o 
que  lhe  ài^úo  para  elle ;  e  finahr.cn-e  foi  huma  bulha  suja. 
Jiaquellç  Bairro.  Nisto  se  vê  que  he  huma  asneira,  que  ha  de 
causar  mil  desordens  destas,  mandarem-se  os  presentes  aos 
Amos,,  dizendo  que  será  para  os  síus  creadoí ,  ou  para  as- 
sitias  creadas ,  quando  se  sabe  que  ha  casa  ,  em  que  as  po- 
bres creadas  não  provão  de  taes  remessas,  pois  se  vão  encarf 
ceíar  de  tal  sorte,  que  ha  presentes  que  vão  á  rua  podres, 
QU  com  bolor,  sem  que  ás  bocas  da  família  vá  hum  só  bo- 
cado dellcs;  e  o  m^is  he  qae  os  acanhados.  Amos. chamão  a 
i:lo  governo. 


(3) 

Rva  Aurca, 

Ainda  pgora  nos  chega  á  noticia  o  que  sDccedec  ao 
nosso  Morgado  calouro,  que  no  Folheto  pafsac^o  se  escaldou 
com  a  neve  ;  Querendo  pois  este  bem  horrcm  tirar  todrs  os 
seus  dentes  para  a  beber  mais  á  sua  vontade,  teve  a  infelici- 
dade de  cahir  nas  mãos  de  hum  charlatão  ,  que  não  jó  lhos 
•tirou  ,  mas  também  parte  do  queixo  de  cima  ,  íicandc-Ihe 
este  pendurado  pela  beca  fora,  e  ficando  igualtrente  todcs 
os  que  assistiiio  á  operaqao  de  queixo  cahido.  O  atabalhoa- 
do charlatão,  ou  Dentista,  que  periendeo  logo  remedear  eí^ta 
desordem,  mandgu  buscar  huma  cabeça  de  alhos,  lirou-lhe 
Oi  denteá ,  que  era  a  quem  qWg  os  sabia  tirsr  ,  pizou-cs  wom 
mostarda,  e  recolhendo  a  dentuça  do  ptbre  calouro  lavLida 
em  vinagre,  poz-lhe  o  cáustico  em  cima  ,  ligcu-ihe  o  quei- 
xo, e  em  doze  dins  o  poz  brm.  Ora  no  principio  da  cura 
não  percebeo  o  Morgado,  por  estar  atotmentacio  das  dores , 
o  estiaiulante  efFeito  da  mostarda  ,  como  succede  a  quero  a  não 
sabe  merter  na  boca,  quando  come  com  eJla  carne,  ou  pei-? 
xc ;  porém  quando  íoi  á  paga  he  que  a  mcstarda  lhe  chegoa 
ao  nariz;  roas  a  pezar  disso,  eiíc  gcsiou  lanfo  doseudesfas- 
lio  ,  que  perferia  o  m^erecinjento  da  rrcstarda  a  cutra  qualquer 
especiaria,  e  desde  cniao  ,  ainda  u  esmo  aImcç.ando  café  com 
Jeite,  e  torradas,  não  come  ccusa  í^lgun  a  sem  ser  incitado 
do  pique  da  mostarda,  como  observarão  os  que  o  víiao  al- 
moçar a  semana  passada.  He  este  hcmtm  tão  caótico  por 
bons  bocados,  que  se  chegar  cm  Lisboa  a  provar  de  huma 
cousa  que  eu  cá  sei  ,  já  os  ralhi-tas,  e  teimcsos  por  mais  que 
nas  saas  questões  se  eníadem ,  não  se  mandarão  á  lubua  huns  aos 
t)atros. 

Rua  Nora  da  Vahna  6    àe  D  fremir  o. 

Havendo  nesta  rua  bium  (^vall.ciro  bera  nrorigeraáo, 
que  tem  hum  filho  a  quem  í\\jícx  n  uiio  ,  e  pelo  djmirufo 
juizo  m.creco  pouco,  porque  saiiio  ,  Icuvcdo  seja  o  Stnbor, 
com  cara  de  Irmão  das  A  imas  ,  succedeo  que  adccccnt  o  es- 
te bera  Pai  se  visse  obrig.-^do  a  mandar  por  pquejle  simples 
filho  dar  os  parabéns  a  cutro  Cavalheiro  da  sua  amizat'e, 
que  se  tinha  recebido  ,  e  juntamente  que  á  noitinha  qurrdo 
«e  rtcoihessc    dtsiç  es  ptzaitcs  ao  Prior  fia  Frcguczia  de  lhe 


^4) 

tér  morri  ío  seu  irjnlo.  Emístrido  o  rapaz  pelo  pobre  Pai 
que  Ihs  nlo  deo  p3v.]u:no  trabalho  pelo  niuiro  queofiihotem 
de  simples,  v^stio-sc  este  á^  liuiti.i  côr  honesta,  nem  alegre, 
Jíem  luciuosa  ,  pira  poder  5:m  escândalo  figurar  nas  duas  par- 
tes ,  e  sahio.  Chagou  a  casa  dos  noivos  onde  se  achavão  bas- 
tantes convidados,  e  feita  a  sua  vénia  disse:  jMe^f  Pái  ^ 
minha  MU  ^  e  eu  sem  imo;  muito  tudo  o  que  p.ide  a  V*  m, 
(lar  mortificado  \  e  nuu  Pai  principalmente  manda  dar  a 
V,  m^  os  p^Zitmes  do  lorn  acerto  que  teve^  e  que  se  cor, forme 
porque  he  carreira  qu^  todos  ba'vemos  anàar  j  e  isto  em  quan» 
10  elle  não  vinn  em  pess&ã  enxugar -lhe  as  lagrimas  ^  porque 
acompanha  a  V^  m,  na  mesma  pena,  Faz-sc  indisivel  a  ri- 
sonha impressão,  que  fez  o  compriuienio.  deste  tolloemtoda 
a  cotnpanhia,  de  que  muito  satisfeito  se  despedio  logo,  e 
procurando  a  casa  do  seu  Prior  para  lhe  dar  os  pezames, 
rorapeo  nestas  tormaes  palavras:  AquiTenho  ^  Senhor  Priâr  ^ 
ii/$  parte  de  vieti  Pai  dar  os  parabéns  a  V,m,  de  sen  Irmão 
ter  jd  passado  a  outra  vida  :  nós  todos  fie  dmos  contentes  coma 
noticia,  e  minha  Mãi  estimou  muito  o  seu  bom  acerto  ,  e  que 
tudo  quanto  estiver  naquella  casa  está  muito  á  sua  cr- 
denis  O  Prior  que  a  pezar  da  sua  pena  nãosepoude  ter  ,  sol- 
tou em  hum  froxo  de  risj,  d<ísculpando  o  rapaz  por  conhe- 
cer o  seu  pouco  tino. 

Castella  de  Lishaa  lo  de  Dezembro, 
Este  caso  deve  ler  desculpa  por  dois  motivos,  o  pri- 
meiro porque  nao  foi  pensado  ,  e  o  segundo  porque  a  idade 
assim  o  pedia:  elle  não  se  sabia,  nem  se  saberia  se  não  fosse 
huma  má  língua  que  o  fez  saber  ao  Paidacreança  ,  poissenx 
respeito  aos  deveres  da  honra  o  publicou  só  por  dar  á  tara» 
m::lla  ,  que  coma  he  língua  sem  freio  a  todos  diz  o  feito,  e 
o  por  fazer  ,  siui  mais  causa  que  satisfazer  com  isto  a  sua  mi 
Índole;  não  he  cousa  de  cuidado,  he  hum  páo  por  hum  olho  : 
o  pobre  rapgz  ainda  bem  não  tinha  posto  o  pé  já  tinha  feiro 
a  pegada,  e  o  Pjí,  que  lhe  andava  pelas  piugadas ,  informada 
do  Ijngoareiro  o  fji  apanhar  com  a  boca  no  saco,,  e  entalla- 
do  com  o  rabo  na  ratoeira  ;  e  elle  a>sim  que  o  vio  ficou  bran- 
co como  2l  cal  da  parede,  e  não  diss?  xuz  ,  nem  bux  em  sua. 
difeza ;  rapaziada,  rapaziada.  Este  excelhn te  rapaz  tem  hunt 
génio  de  hum  borrego ,  o  coração  de  huma  pomba  ,  elle  to- 
do he  huma  nata ,    derrete-se  como  manteiga ,  e   quando  vê 


na  rua  alguma  seniiorita  vestida  á  jardineira  ,  ctrbasbííca»  e 
crescendc-ihe  a  ngua  na  boca,  pinga-ihf  o  beiço,  e  hz  fio 
de  baba  ,  que  lhe  chega  hié  à  cintiirs.  Gfifisva  efte  pç.  fsiu- 
do  de  Minerva,  para  hir  á  tscóla  ce  (  upido,  e_csrr?isfos 
dias  hia  dar  lição  á  Praça  d'AFn'as  do  Cnstello  ,  junío  á 
quarta  peça  de  bronze,  como  ponto  fixo  da  sua  derrota  aon- 
de consurr.ia  iiuma  tarde  inteira  fazendo  assistência  a  hut-va 
creada  grave  que  irora  em  humas  agoas  furtadas  de  cctas 
casas  que  ha  no  Chiado  ,  cuja  paixão  o  fazia  esquecer  ás  ve« 
vcs  até  de  conhecer  que  era  noite.  Quinta  feira  pasFflda  as- 
sim que  acabou  de  jantar  sahio  logo  ,  dizendo  so  Pai  que  hia 
mais  cedo  pois  linha  que  fazer  no  estudo  a  respeito  da  Pos- 
tilla  :  o  Pai  que  ssbia  que  era  dia  de  suero ,  e  conhecesse 
que  elje  o  queria  enganar  aos  olhos  vistos  cem  aquelle  pre- 
texto ,  sahio  atraz  delle  ,  e  por  caminhos  diíFerentes  o  foirs- 
perar  ao  sitio  de  que  estava  inforoiado  ;  o  rspaz  assiiv  oue 
chegou  puxou  pelo  seu  óculo  de  punho  ,  tirou  o  seu  lenço 
branco,  e  fez  o  signa!  alimpando  o  suor,  e  connnuou  na 
v*sta  ;  o  Pai  que  o  vio  descuidado  veio  pé  snte  pé,  e  che- 
gandc-se  a  elle  pela  parte  de  traz  o  quiz  zurzir ;  porém  ten* 
do  respeito  á  sentinella  o  reprchendeo  dizendo  lhe  ,  que  se  o 
tornasse  a  apanhar  naquella  errpreza,  que  elle  teria  t?mbem 
G  goí^to  de  o  ver  daquelle  sitio  passear  pela  Barra  em  hum 
cavallinho  depáo.. 

Múxhfiaj  do  Felho  de  RomuJares  continuadas  r.a  maior 
parte  destes  Folhetos. 

Anduo  os   loucos  buscando 

Modos  de  passar  o  tempo, 

Prazeres  vãos   ideando; 

Mas  he  tr?.balho  baldado, 

Qije  o  mesmo  tem.po  em  passar 

Mostra  bastante  cuidado. 
Nao  vos  eleve  o  dinheiro  , 

Que  na  abundância  maior 

Tanto  tem  de  bom,  escravo;. 

Tanto  tem  de  máo,  senhor. 
Quem  pelo  respeito  homano  , 

A  verdade  nunca  falia  ^ 


(6) 

ÇViem  com  cila  falta  ao  justo,' 

Porque  teme  ,  se  nao  calh  ; 
Qiiem  a  muitos  de?conrenta  , 

Por  só  a  si  contentar  ; 

Deixa  o  casco  naufragar , 

Em  horrorosa  tormenta ; 
Qjjc  estes  são  os  grandes  rombos; 

Cora  que  a  náo  já  descomposta. 

Sobre  as  pragas  dos  queixosos , 

Vai  dar  sem  remédio  á  cosu. 
E's  tollo  ,  e  desordenado  , 

Se  em  pensamento  tiveres  , 

Náo  quereres  quando  podes  , 

O  que  era  não  podendo  queres. 
Não  precisa  General , 

Ser  o  homem  por  memoria  , 

Dentro  em  si  tera  a  batalha  , 

Que  lhe  de  mais  fama,  e  gloria: 
Custa  mais  ser  vencedor, 

Do  vicio  que  tem  comsigo, 

Qije  de  exércitos  armados, 

Pelos  campos  do  inimigo. 
O  Moço  c-o  Poeta  que  ji  pela  prenda  se  lembra  de  que* 
ter    casar,    entre    as  que  traz  á  escolha,    anda  doidinha  por 
elle   huma    creada   de   servir    da  sua  rua ,    a  qual  huaia  noite 
destas   na    conversa    que    com  elle  teve  da  janella  abaixo  Jhc 
perguntou,    de  que  cor  andava  o  seu  Amor  vestido;    ao  que 
eJIe  promptamenie  respondeo  no  seguinte 
SONETO, 
O  meu  Amor  hc  verde  ;  mas  nao  he 

Pela  pouca  esperança  com  que  esta'; 

Amareiio  ha  de  ser  ;  mas  nao  será 

Porque  nao  desespera  eii)  vossa  fé; 
Dou-lhe,  que  seja  azul  ;  mss  para  quel 

Se  o  vosifo  amor  ciúmes  lhe  nãu  dá; 

Boa  cor  be  vejiivjlho  ;  po^ém  já 

He  hum  sígnal  de  guerra  em  quem  a  vê  ; 
Scra  branco  talvez,  será,  mas  oh  ! 

Qíie  se  em  branco  me  dcixi,  he  f^enezi; 

Vou  vestillo  de  escuro,  côr  de  dó: 


Já  de  todas  as  cores  o  vesti , 
Fazei  de  todas  cjlas  hun^a  só, 
Porque  sendo  clie  htui  ló ,  leii)  ttdo  em  ?!. 

O  mesfno  rapazinho  trouxe  para  o  premente  Folheto  a 
seguinte  advinliação  para  divertin^ento  do»  Scr.h.»  res  Curio- 
sos, que  não  querem  deixar  cousa  slguna  no  escuro. 

A  D  V  I  N  H  A  q  Ã  O. 

Ando  em  mão  calosa  ,  t  dura  y 
Entre  o  mats  forte  eíemenío^ 
Os  sopros^  suj.ro  do  vento ^ 
Qavo  a  nwttos  sepul'ura  : 
Aos  homefís  devo  a  fgura^ 
Mas  de  Lomens  não  jui  gerado  j. 
Sem  ser  em  prizíio  ligado- 
Como  inútil  me  nn^gino  , 
£*  fião   sendo  Ente  Uiviao  , 
A  muitos  tenho  salvado.. 

Gom  que,  meus  Senhores,  trabalhar  e  decidir ,.  que  as- 
sim faço  eu  para  ganhar  trinta  réis. 


AVISOS.. 

Vende-se  hum  relógio  de  algibeira  de  casaca  ,  de  xis- 
X'sbeo  de  Itijia,  cravejado  de  pedras  de  sal,  do  tnmanho 
de  hum  queijo  Flan^engo  ,  feiro  cm  Valada  pelo  Auihor  do 
Landum,  he  número  «ele,  ainda  que  seu  AuiliOr  nãj  fez 
senão  cinco  desta  fabrica  ,  Relógio  encyclopedico  com  suas 
notas,  que  lhe  ledi  posto  a  boca  daquelles  ,  por  cujís  nãos 
tem  andado;  regula  por  si- sem  que  se  precise  dar-lhe  cof 
da  :  m<  stra  as  et  usas  mais  notáveis  cm  seis  mostradores 
que  tem,  hum  ds  Cape// f ta  ^  outro  de  mercador^  outro  de 
Retrozeiro  ,  outro  de  Droguista ,  outro  de  Chapekiro  .  e 
outo  de  Ccnquilharia  niosf^a  o  nascimento  do  S  )1  no  Ho- 
rizonte ;  até  mostra  o  Sol  posto  em  muitas  partes  da  tcrfa  , 
e  ao    meio  dia   mostra  Alexandre  Magno  a  cauHo  cm   ci^ 


(8) 

ma  cia  Ponte  do  Eufrates ,  vendo  p.issar  no  e?paço  de  hu- 
ma  hora  o  seu  Exercito  óq  6oO(^  homens,  200f|)  de  CavaU 
laria,  e  o  resto  de  ínfanteria  com  a  bagagem.  IVm  hum  rc- 
poaoíio  das  miidançí?s  do  tercpo,  cjue  presume  seu  dono  ser 
achaque  que  padece,  razão  porque  o  vende:  quem  o  quix^er 
comp^-ar  pode  f-izer  r!e  conta  que  bota  o  seu  diniieiro  na  rua , 
e  muiro  cómmoJo  m  sua  avaliação. 

Nesta  Cidade  vive  hum  Tintureiro  que  cómmodamen- 
te  ,  e  com  a  maior  destreza  tinge  quanto  se  lhe  apresenta  , 
con  âs  tintas  maii  tinas,  e  agradáveis  que  elevão  a  vi^- 
13,  chama-se  Amor  Froprioy  e  he  mestre  sem  segundo  enni 
dar  cor  a  tudo  :  adverte  que  pouco  tempo  existe  na  loja  ,  por- 
que anda  pel.is  ca?as  tingindo  immensas  cousas  a  muita  ^cí\Xq 
que  o  chama. 

Çh)C{Ti  quizer  hum  quintal  de  pólvora,  que  ainda  não 
sérvio,  falie  com  O.  João  da  Falperra  ,  que  não  só  teve  a 
habilidade  de  a  ajuntar  a  grão,  e  grão,  mas  reHnou-a  por- 
que elle  também  he  refinado,  e  dá-se  hum  porco  com  ícíra» 
duras  a  quein  o  enganar  na  compra, 

Mún>r,  Boldrié  de  Nação  Baltica,  assiste  em  Lisboa 
em  liumas  casas  ,  que  ainda  se  não  sabe  quem  as  ha  dí  pa- 
gar, e  faz  saber  a  rodas  a  pessoas  curiosas,  e  de  bom  gos- 
lo  ,  que  D.íiningo  que  vem  se  não  chover,  desde  as  seis  ho- 
ras da  manhia  a?é  ao  meio  dia  mostra  no  meio  do  Rocio 
huma  collecção  de  caras  fêas ,  e  bonitas  de  homens,  e  sc- 
nhora^ ,  tiradas  ao  natural,  e  bem  semelhantes  a  todos,  que 
as  quizerera  ver;  e  de  tarde  desde  as  quatro  horas  até  ás 
seis  no  Piisseio  Público  ,  entre  as  producçóes  da  natureza  ,  e 
da  arte,  mostra  outra  collecçno  de  figuras  Portuguezas ,  c 
Estrangeiras,  e  entre  cWá^  mostrará  a  figura  de  CogeC^ofar, 
inimigo  capital  que  foi  da  Praça  de  Dio  ,  no  caso  que  ellc 
Já  vá  pelo  seu  pé  ;  quem  tiver  visto  o  seu  retrato,  não  du- 
vidaiá  do  que  se  pfometie.  Espera  o  difo  Boldrié  que  torne, 
a  agrad.ir  a  Vv.  ni  ii.  para  ter  o  sé-|UÍto  ,  qae  teve  algum  dia  , 
e  poder  hizir,  porq  le  até  agora  tem  estado  á  dependura  por 
causa  do  gancho. 


LISBOA.     NA  OFFíC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOi. 

I  8  I  9. 

Com  hce^iça  da  Meza  do  Oesembargs  d9  Paço. 


-11*2^  huo  c  rn 


I 


ALM0C6.EVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXXVIL 

Alemquer  i^  de  Dezembro. 

OStnpre  a  natureza  de  quando  ena  quando ,  ou  de  séculos 
a  séculos  costuma  abrotar  d'entre  os  homens  homens,  que  se 
distinguem  nas  prendas,  huns  peritos  nas  Artes,  outros  nas 
Armvis ,  outros  nas  Letras,  e  muitos  nas  tretas,  cuja  raridade 
os  outros  homens  olhao  como  sobrenatural  ;  e  se  não  diga-o 
Thesalia  ,  Thebas ,  Macedónia  ,  Creta  ,  Corintho  ,  Roma  ,  e 
ainda  o  nosso  Portugal,  onde  a  natureza  derramando  os  seus 
dons  ha  40  annos  a  esta  parte,  mais  dia  menos  dia  ,  tem  fei- 
to juntar  em  Lisboa  a  ma^ffia  comitante  caterva  de  Heróes 
de  diFfcrentes  terras;  porque  a  mesma  natureza  nao  faz  de 
huns  filhos,  e  de  outros  enteados.  Celorico  dos  bêbados  dei- 
tou aqui  o  decantado  Valverde,  que  não  só  desempenhou  o 
emprego ,  em  que  sempre  foi  visto ,  mas  tirou  as  barbas  de 
vergonha  ao  seu  Paiz.  Vallada  crcou  entre  outros  o  grande 
João  Burro,  tno  famigerado  na  solfa  da  sua  Pátria  ,  que  des- 
bancou a  quantos  havia  no  Termo  de  Lisboa.  Além  destas 
terras,  Alemquer,  que  tem  sido  berço  de  Heróes  de  alto  co- 
UWWiu.déo  á  lua  por  empenho  da  natureza  hum  làomcm  fa* 
^7 


famoso ,  applicado  á  curiosidade  sofistica ,  com  o  qual  estu- 
do conseguio  achar  o  avesso  das  regras  da  simetria ,  o  que 
melhor  se  pode  coligir  das  suas  experiências  fundamentaes  : 
Gasta  o  Oleiro  hum  dia  para  fazer  seis  dúzias  de  pratos  no 
seu  engenho,  e  este  Hepóe  tarabem  em  iíura  instante  os  faz 
no  seu  engenho  era  peda^ços ,  vindo  a  ser  huiU  perito  em  to- 
das as  outras  proporções  contrarias.  A  caça  nunca  teve,  nem 
terá  hum  protector,  como  elle,  porque  precisando  o  Caça- 
dor de  huma  vista  aguda  para  descobrir ,  e  acertar  o  tiro , 
ou  ver  onde  cahe  a  caça,  elle  que  sempre  anda  a  pedir  vis- 
ta, ainda  assim  mesmo  arrota  de  caçador  esperto ,  e  astuto: 
He  hum  gosto  ver  como  elle  busca  as  aves  no  ar  com  a  lu- 
neta acestada  no  olho,  aqui,  e  aUi,  até  as  vêr  descançar  na 
arvore ,  ou  no  monte :  Engatilha  a  espingarda ,  faz  pontaria 
para  o  sitio  pouco  mais,  ou  menos,  e  sempre  de  luneta ;  po- 
rém depois  que  dispara  o  tiro,  tem  a  cautela.de  perguntar  era 
alta  voz  aos  que  estão  com  elle :  matei  ?  vai  de  aza  ferida  } 
cu  cahio}  quando  mil  vezes  succede  ficar  a  caça  de  saúde  per- 
feita ,  seguindo  a  sua  jornada ,  porque  quasi  sempre  elle  lhe 
dá  passaporte  até  á  ultima  terra  ,  onde  lhe  fazem  o  catatáo» 
Este  caso  foi  asseverado  por  hum  Saloio  y  a  quem  comprei 
liuma  perdiz  viva,  e  me  disse,  que  aquella  mesma  perdiz^ 
três   vezes  tinha  sido  atacada  pelo  caçador  de  Alemquer,    e 

Sue  sempre  lhe  escapara  :,  falta-me  indagar  donde  elleosou- 

Rua  Áurea  ij  àe  Dezembro. 

O  nosso  Morgado  já  annunciado  nos  dois  Folhetos  pas^- 
sados  ,  depois  que  vio  os  seus  queixos  por  mãoô  alhêas ,  per- 
deo  de  todo  a  lembrança  da  neve,  e  mostarda  ^  e  porque  nas 
yasitas,  que  lhe  fizerão  alguns  amigos,  em  conversa  ouviõ 
dizer  a  hum  todo  mettido  a  nobre  cora  pés  de  engonços , 
que  não  havia  huma  bebida  tão  singular,  como  era  o  chá  pé- 
rola ,  persuadindo  ao  Morgado  que  usasse  delle ,  e  que  pa- 
ra principiar  lhe  mandaria  huma  pequena  porção  de  hum  pe- 
queno presente,  que  lhe  mandarão  de  Cantão,  ficou  o  pobre 
calouro  de  pedra ,  e  cal  fixo  em  usar  a  tal  bebida  ;  e  quan- 
do estava  já  no  uso  delle,  soube  a  grande  falta,  que  ha  em 
Lisboa  de  chá  pérola  :  para  não  experimentar  esta  grande  fel- 
t^,  e  vêr  de  caminho  seu  pedaço  de  Mundo,  resolveo-se esr 


((3) 

te  bom  homem  a  hir  de  passagem  em  Iium  nnvio  Sueco,  que 

seguia  viajem  á  Ilha  de  Java,  para  dalli  se  passar  a  Macáo, 
cuidando  que  era  hir  a  Santarém  ;  e  isto  só  pelo  gosto  que 
tinha  de  lá  ahnoçar  chá,  jantar  chá,  merendar  chá,  e  cear 
chá  ,  que  não  lie  das  peiores  céas ,  e  muito  grave  nas  casas 
de  bem,  onde  se  n^o  passa  de  iirroz  ,  ou  sellada.  Determi- 
nado o  viajante,  no  dia  6  de.  Novembro  deo  o  navio  á  ve- 
la pela  Barra  de  Lisboa  fora  ,  mas  com  vento  tão  contrario , 
^ue  em  menos  de  doze  horas  arribou  a  Setúbal ,  escapando 
ser  devorado  nas  rochas  de  Espichel.  O  miserável  Morgado , 
"infeliz  naufragante,  saloio  logo  engoiadinho  nas  faldas  da 
«erra  da  Arrábida,  e  seguindo  a  primeira  vnreda  ,  que  encon- 
trou, se  raetteo  naquelle  lahvrintho  da  natureza  ,  aonde  achou 
para  socegar  o  espirito  aquella  deliciosa  vista  do  mato,  que 
neste  tempo  tazem  os  medronheiros ;  e  como  hia  cora  ella  atra- 
zada  ,  provou  a  sua  fruta  ,  e  gostando  entrou  a  comer  nelia , 
como  quem  se  despedia,  envolvendo  de  permeio  alguns  arre- 
bentabois ,  cuidando  serem  medronhos,  Pensa-se  que  dará  al- 
gum estoiro,  se  a  natureza  não  arrojar:  para  elie  foi  desgra- 
çado o  appetite,  porém  ha  muitos  que  o  nnitão  ,  comendo 
trapos,  e  frangalhos. 

Bairro  de  S,  José  2  de  Dezembro. 

A  inveja  nas  almas  baixas  sempre  fez  perniciosos  effei- 
tos.    Os  antigos  a  pintarão  de  olhos  esquinados,   ou  tortos, 
porque  tudo  entorta.  Fez  annos  D.  Solomé,  que  tinha  ami- 
sade  muito  antiga  em  casa  de  D,  Clemência ,  cuja  rimisadese 
grudou  também  no  dia  dos  taes  annos  :  rebateo  D.  Solomé  a 
sua  tença  para  não  faltar  a  este  dever ,  convidou  D.  Clemên- 
cia, como  era  uso  todos  os  annos,  e  mais  algumas  pessoas , 
que  cooperavão    para  se  fazer  huma  bonita  funç.^.o  :    poz  D, 
Solomé  o  seu  chá  ,  sua?  fatias  com  manteiga  ,  huma  bandeja' 
de  bolaxinhas,  e  ha  quem  diga  que  também  veio  hum  pires' 
com  ginjis  doces,  que  por  ser  huma  só  a  testemunha,  não 
remos  dis?o  a  maior  certeza  ;    he   verdade  que  não  Jiouve  ri- 
queza ,  porém  tudo  era  de  casa.  Ora  D.  Clemência  fazia  an- 
nos dahi  a  15  dias,  emcsmo  alli  convidou  logo  toda  a  sú- 
cia para  sua  casa.  E  acabada  aquella  função,  «como  D.  Cle- 
mência tinha  huns  espirito»  por  ahi  d'âléin,    logo  no  outro  •> 


(4)  , 

'jdía  da   jiínel Ia  abaixo  com    as  visinhas  murmurou  muito  do 
chá    de  D.  Soloiiié;    e   querendo  dcspicar-se  no  seu  solemne 
dia,    dando  aos  convidados  hum  chá  de  gente,    aiandou  pe- 
dir a  D»  Soionié  o  seu  bule  emprestado,  e  mais  duas  bande- 
jinhas   de  xarao  ,    e  isto  porque  huma  única  bandeja  de  pra- 
ia ,  que  tinha  de  conchas>,.    a  vendeo  para  o  desempenho  cla- 
que IJ  a  noite»    Mandou   fazer  hum  excellente  podim ,   muitos 
bolos  de  amor,,  argolinhas,  cavaquinhas^  e  paliros,  e  já  D. 
Solomé ,    porque  sempre  ha  quem  dê  com  a  lingua  nos  den- 
tes sabia  que  D.  Clemência  achara  muito  reles  a  sua  função, 
e:.que  rodo  aquelle  bródio  era  em  despique  a  ella  :  jurou  Jo- 
go a  murmurada  pelas  barbas  da   murmuradoura ,    e  chegan- 
do a  feliz  noite,    chegarão  seges,    Madaraas,    e  Tafues  em 
quantidade  ,  e  de  mais  a  mais  hum  Preto  para   tocar  Contra- 
danças,  o  que  D.  Solomé  não  teve,  porque  se  remediou  com 
Jium  curioso   de  Guitarra  ;    forão-se   fazendo  horas  de  dar  o 
chá,    e  D.  Solomé  parecia  que  arrebentava,  se  nao  fallava: 
depois  que  se  distribuirão  as  chicaras ,  perguntou  D^Cleaien- 
cia  :  Entã»  minhas  Senhoras ,    que  tal  achao  o  chá ,  em  so- 
taque a   D.  Solomé;  porém  esta  ardendo,  respondeo ,  muito 
bom  ,  wuito  bom ,    pori^ue  esse  bule  sempre  fez  bom  chã  \   e 
quando  o  meu  homem  o  comprou ,    não  mo  parecia  :    a  outra 
querendo  encobrir  o  empréstimo,  instou,  o  seu  homem  faz- 
me  muito  favor  ^  tem-me  feito  compras  maravilhosas  ,  o  an- 
7J0  passado  comprou^me  huma  arroba  de  bacalháo ,  que  era  co- 
7no  pescada  \  sim,  respondeo  D.  Solomé,  mas  este  bule  sem^ 
pre  me  sahio  muito  bom  ;   e  quando  a  Mana  mo  mandou  lá 
pedir, . . .  Perdoe ,  lhe  tornou  D.  Clemência ,  abafando-lhe  a 
expressão,  se  o  mandei  pedir ,  bem  sabe  a  precizão  ^  que  ti" 
nha  delle ,  se  não  podia  lá  ficar  o  tempo ,  que  quizesse.  Es* 
sa  he  boa ,  minha  Mana ,  disse  D.  Solomé ,  ardendo  por  ver 
quanto  a  outra  encobria  a  petição  do  bule,    se  elle  he  meu ^ 
não   me  podia  servir  delle  ?    Fois  assente  que  se  o  chá  sahe 
kom  y  he  pelo  bule ,  e  não  pela  sua  qualidade ;  respondeo  D. 
Clemência  ,  he  muito  desvanecida ,  minha  Mana  \  V.  m,  já 
se  não  lembra  do  chá  que  apresentou  o  outro  dia  ,  que  chetrava 
a  bafio  \    veja  agora  a  differença  se  he  do  bule ,  ou  se  he  do 
chá ;  replicou   D.  Solomé ,    ai  que  nojura  !  he  huma  atrevi^ 
dona ,  huma  piranga  ,  e  md  lingoa ,  e  até  be  tal  que  dos  bo* 
ks  que  ensacou  na  minha  fundão  he  que  faz>  a  sua^  Acodia 


<5  ) 

logo  D..  Clemência  j  que  havia.,  eu  de  ensacar  y  só  se  fosse 
huma  fatia  co)n  manteiga  de  satho  ^  m  alguma  holãxa.  Fi- 
nalmente foi.  a  qliestão  do  chá  táo  comprida,  que  em  roda  a 
noite  nao  deo  tempo  ao  Preto  para.  a f tina r  a  rabeca.  As 
duas  vierão  á  unha,  houve  .muito  grito,  e  depois  que  a  com- 
panhia ,  e  a  separação,  serenarão,  aquçíla  tormenta  ,  ambas  íi- 
zerao  votos  de  nunca  mais  fazer  a n nos.  E  foi, este  bum  aca- 
so providente,,  pois  que  fez  baralhar  o  avultado  número,  dos 
muitos,  que  hiâo  contando. 


Aqui  nos  diz  o  Moço  do  Poeta,  que  t  definição  do 
Enigma  do  Folheto  antecedente,  que  principia  :  Ando  em 
rnào  calosa^  e  í/arj ,  segundo  as  propriedades ,  que  Vv.rara. 
podem  analysar ,  quando  não  tiverem  outra  cousa  que  fazer, 
vem  a  ser  hum  remo* 

Pelo  Correio  da  Beira  recebeo  o  Editor  a  seguinte  De- 
cima que  elle  não  sabe  se  he  para  si,  se  he  para  Vv.  mm. 
Vejão  lá  isso,  e  avisem  da  sua  intelligencia. 

DECIMA. 

Torto  sou ,  mas  assim  torto 
Eoubo  a  vida  ao  mais  direito -^ 
Sem  ser  de  veneno  ffi^o^ 
Quem  me  ingoie  fica  morto  \ 
Dou  do  sustento  o  conforto , 
Com  mortifero  apparato , 
Dos  mortos  faço  o  meu  fato  y 
E  he  minha  condição  tal  ^ 
Que  solto  não  faço  mal^ 
E  quando  ateu  prezo  ,  mato. 


Derige  o  Editor  ao  Author  do  Café  as  seguintes  sete 
Oitavas,  acabadinhas  da  agulha,  levando  cada  huma  no  íim 
hum  Verso  de  Camões  sergido. 


C  «  ) 

Quer  o  Author  ào  Café  puchar  a  espada , 
Sem  vêr  que  me  incitou  na  obra  sua , 
Disponho-me  a  brigar,  nao  á  pancada, 
Que  nao  quero  enxovalhos  pela  rua: 
Prompta  a  penna  terei  sempre  aparada , 
E  vêr  pertendo,  quai  de  nós  acuda;   . 
Que  eu  hei  de  defender-me  era  qualquer  parte, 
^e  a  tanto  me  ajudar  engenho  y  e  arte.-  '''ní)bíví 

Gam,  Cant.  i.    ^f  u 

Co  a  primeira  jornada  do  Almocreve , 
Se  inflarama  o  nosso  Author\  á^  inveja  armado, 
Não  da  baixa  matéria,  que  se  escreve, 
Mas  sim  do  invento  nao  lhe  ter  lembrado : 
Falia  desta  obra  mal ,  e  então  prescreve 
Como  hum  novo  Café  será  traçado, 
Cousas  pomposaè  nas  idéas  trava , 
Mas  não  lhe  sue  cede  o  como  cuidava.  - 

dit.  Cant.  i,   8/  44, 

A  folheto ;  e  folheto  pSe  na  praça  ,         > 
Nada  menos  qiie  doze,  e  não  discorra  o^2i  • 
Que  isto,  além  de  sciencia ,  requer  graça. 
Que  onde  esta  faka  ,  toda  ã  obra  morre  : 
Havia  no  consumo  ter  desgraça  , 
Pois  que  sem  alicerce ,  fez  a  torre; 
Palavras  fofas ,  cogitando  ,  e  pondo , 
Que  sem  comcerto  ,  fazem  tudo  estrondo» 

dit.  Cant/2,    8/  96. 

Composição  que  he  desta  natureza 
Não  deve  pensamentos  ter  escuros  , 
Porque  o  Povo  grosseiro  não  os  preza  , 
Que  anda  sempre  por  baixo  mais  dois  fUros: 
Pertendo  que  lhes  falleni  cotn  pureza, 
Devem  os  argumentos  ser  seguros; 
pe  sorte  que  lhes  possão  dar  valia 
Ò'FeVjo  inerte  y  a  Mãi  que  c  filho  cria,  ^ 

dit.  Cant.  !•    8.*^90;  ' 


Mal  que  o  C<?/V  Jhe  levantou  fervura  , 
Juntou-lhe,  em  ar  de  leite,  a  obra  minha. 
Na  liba  dos  Tafues  depois  procura 
Mostrar  a  todos,  que  me  tem  espinha: 
Sem  que  ninguém  lhe  louve  esta  loucura, 
Huraa  vez  que  assentou  ,  que  lhe  convinha, 
Editor ,  e  Almocreve ,  tudo  a  terra  , 
Derriba  ,  fere ,  mata  ^  e  pÕe  por  terra. 
-n'imivoiq   <  i-'-  Cam.  Gant.  r,   8/  88; 

-moa  n  rbol  r  •  .  ; 

Que  importa  ao  nosso  Author  os  meus  estudos ! 
-ijnc  loDizendo  a  todos  ,  quesâo  máos ,  e  poucos  ! 
^bt)H    Solte  embora  os  seus  Cantos  mais  agudos, 
•is  ç  ôivNão  faça  caso  dos  meus  grasnos  roucos : 
oLuT    íoréra  queira  trocar-nos  em  miúdos, 
-ricj  9  Frazes  de  escuma  ,  pensamentos  oUcos  ; 
ob  R?.fiD  Que  hum  Café  mal  torrado  ,  e  pouco  quente , 

Vtrdt  a  virtude  contra  tanta  gente,   >   0*,.;;:..^; 

dir.  Canfi-4í'  8i^ ^y. 

Ora  tome  este  Author  no  meu  conselho 
Huma  receita,   a  mais  corroborante ; 
Beba  hum  copazio  bom  de  vinho  velho , 
Se  o  flato  de  compor  lhe  for  á  vante : 
Use  da  medicina  ,  que  aconselho  , 
Náo  me  inquiete,  fazendo-se  secante; 
Se  não,  .por  esta  amostra  a  peça  veja , 
Que  se  restste ,  contra  si  peleja, 

dit.  Cant.  '2.  ^.*  49. 


A  Vi  SOS. 

Sahio  á  luz  o  Livro  de  casos  passados ^  ou  memoriado 
tempo ^  que  jd  passou.  Esta  obra  he assim,  assim,  e  traduc- 
çãp  da  lingta  Gahzjaria,  Imípriu)io-se  em*  papeL  passento , 
mas  não  se  passa  amda  á  venda,  porque  falta  traduzir-se. 

No  sitio  da  Gualva  ,  Tèrirro  de  Lisboa  vende  Joã^  Dias 
EspiculondrtJiCQ ,  porque  igu  precisão  de  vinténs ,  hum  for- 


nioso  casal,  muito  eavconta  ,  comvtodosjos»  seus  pertences, 
que  por  s^r  de  perus  iie  iivre  de  foro ,  e  tem  já  pago  o  di- 
zimo. Quem  o  quizerviComprar,  espere  por  eUé  no  alto  da 
Porcalhora,     :  '■:.'.•:-;  'v.>  v   ,  .  ?  .   ,-    Vi   < 

Queo)  rquiíser  xtó  podres  i.'eías«ucar  mascavado  ,  falle 
com  os  Mfiruvheiros,  que  tem  chegadofífios  portos,  onde  se 
criáo  semeiiiantes  géneros ,  e  vista  a  care&tia  ,  a-que  já  cá  vão 
chegando  ,  ngo  deixíio  estes  de  ser  muito  cómmoàos-  a  quem 
faz  funçóeç  de  annos  todos  os  dias  era  sua  casa  ;  provimen- 
to este,  que  até  pode  servir  de  vomitório  leve  a  toda  a  cora- 
panbi^..ri-^c,  Rii^jrn  go  i^^Uvi^  o^-íon  oe  eiioqmí  ^fif) 

Vende-se  liuraa  Medalha  multo  rara  de  AutHor  anti- 
go,  que  pode  servir  para  o  peito  de  alguma  Senhora  :  He  de 
pedra  maruK)çe,/.)e  mostra  a  creaçáo:  de  íiomulo\  e  Hèmo  ,  ar- 
rojados a  huma  prai^ ,  ^  sustentados  ipor  huma  fera :  Tudo 
muito  bem  esculpido;  foiraçhada  em.humas  ruinas ,  e  con- 
duzida sem,  damniticaçáo,  alguma,  em  hum  carro  para  casa  do 
seu  primeiro  vendedor.  A  Senhora ,  que  a  quízer 'comprar 
para  nao  faltará  moda,  acha  o  benefício  de  não  precisar  pôr- 
Ihe  laço  de  fita ,  porque  o  tem  nascido  da  mesma  pedra. 

,  (3 '  1 ! ')  V  c  ii  í  i  1 V  .  o  h  fTi  od  o  i  ^  ^^;  o'^  ff:  ^  ri  s  q 3 ;  \ 
Vendesse  esta  Obra  ^  e  ibdas  as  mais  partes  dè  que  he 
composta  ,  e  vão  sahindo  sticcessivamente\  nas  Lojas  seguiri' 
tes:  Na  de  João  Henriques  na  rua  At^gusta  junto  ao  Ter* 
retro  do  Faco  :  Na  de  Francisco  Xavier  dtQarvalho  no  Chia^ 
do  defronte  da  rua  de  Si  Francis  C9^\  Na  de  António  Manoel 
Po fy carpi)  na  ^  Arcada  4o  Senado:  Na  de  Desiderij  Marques 
Leão  ao  Calhariz  N.^  12.  :  Na  de  António  Ptdro  Lopas  na 
rua  do  Ouro  junto  d  da  Qa^eta :  Na  de  Leal  em  Alcântara  : 
É  em  Belém  na  de  Capei  la  de  José  Tilurcio  :  Tampem  se 
achão  na  mesma  UfficÍH'aem(pC,  se  fazem. 


LISBaA,    NA  OFFIC.  DE  J..F*  M.  DE  CAMPOS. 

.'r-     •    \-   ."í  -f.  •  .    O  fia  Òf' 

Cani^  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço^ 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE     LXXXVIII 

Trai^fs^  dg  ^trvnica  zt  dt  Dazemirv. 

JL  Km  os  hoitiens  preserrtemente  imreat^o  cousas  para  a  sa- 
tisfação dos  seus  apper ires ^  que  jámails  lembrarão  aos  nossos 
antigos^,  a  pezar  da  longa  experiência,  «jue  tinhão  dosTem- 

tos.    ^íós  vemos  Jiojc  lium  ^iiorrelão  ciirioso  fazer  brinde  de 
uma  couve  Ror  eiia  Agosto:  Vetnos^em  Abril  ap:^^iircc«*  liiwn 
melão,   dado  de  presente:    Vefiios  lem   Março  in-andar-se  de 
minx)  hum  cacho  de  uvas  brancas  tão  perfciriís ,  cótno  se fos- 
te era  Serembro  ;  he  por  este  motivo  que  ]mm  homem  neste 
Bairro  e>nDr ou  a  pensar  no  melhor  mmio  de  cotTservar  chouri- 
ços de  sangue  todo  o  an-no^  t.^o  frescos-,  <?oino  se  aciíão  nes- 
te  tempo.    G  ser  inuiito  amigo  delles,    e  a  economia,  r>ife 
descobrio  nesta  qualidade  de  Jiíifnemo,  porque  com  rueio  (o«- 
tíio  adubava    muito  arroz,    por  não   poder  chegar   á  curistia 
da  vacca  ,  o  fez  discorrer ,  ^e calcular ;  deo  na  tina.  (Desco- 
berta ,    que  se  se  adoptar,    podem  fechar  as  barracas  as  Se- 
nhoras da  rua  da  invi^ja. )  Este  boiw  líOínein ,  como  quem  tem 
huma  vacca  em  casa  para  lhe  dar  leite,  assim  conserva  huma 
AleiLtada  paica  ,  que  comprou ,  paaa  Jhe  dar  sa^^ngue  duas  ve- 
88 


<  * ) 

2es  no  mez ,,  tirando-lhe  duas  canadas  delle  em  cada  sangria, 
que  lhe  faz,  de  que  manobra  a  sua  dúzia  de  chouriços.  He 
hum  gosto  enrrar-lhe  em  casa  pelo  cheiro  dos  adubos.  Elle 
confessa  que  se  dá  muito  bem  com  a  invenção,  e  do  mesmo 
modo  o  pode  fazer  quem  quizer  ter  era  sua  casa  chouriços, 
lemporces,  e  sorodios. 

Campa  de  Santa  Anna  26  de  Dezembro». 

Por  mais  que  a  mocidade  com  os  seus  novos  estudos  se 
empenhe  em  mostrar-se  mais  sábia ,  económica ,  e  indagado- 
ra,  nenhum  estudioso  dos  do  tempo  presente  he  capaz  de  bo- 
tar agua  ás  mãos  a  hum  só  velho  do  outro  tempo  era  desco- 
bertas económicas..  A  quem  lembraria  hoje  fazer  hum  mo- 
nopólio de  tabaco  pelo  raodo  seguinte ,  se  naò  a  hura  velho  ? 
Mora  nesta  rua  hura  Sacristão ,  que  já  conta  os  seus  70 ,  e 
reje-se  este  para  o  sustento  do  seu  nariz  nesta  conformidade  : 
Depois  de  ter  o  lenço  era  que  se  assoa,  bera  seco,  estende  a^ 
sua  folhinha  de.  papel  sobre  a  banca ,.  esfrega-o  rauito  bera,, 
e  todo  o  tabaco,  que  cahe  esfarelado,  que  se  tornou  de  es* 
turro  era. rapé  grosso,  bera  como  em  algumas  casas  serve  o 
chá  fervido  três  ,  e  quatro  vezes,  de  igual  sorte  he  aprovei- 
tado o  tabaquinho  do  lenço  deste  bom  homera.  Ainda  aqui 
nâo  pára  toda  a  invenção,  pois  dirigindo-se  ás  noites  para  a 
conversação  de  huma  Botica  daquelle  sitio,  onde  se  juntão 
muitos  tabaquistas  da  mesma  antiguidade ,  o  nosso  ecoriorai- 
co  esturrista  tem  a  paxorra  de  estar  toda  a  noite  a  tomar  pi- 
radas aos  outros,  que  apenas  as  recebe,  leva  os  dedos  fecha- 
dos ás  gadelhinhas  da  orelha,  e  alli  os  abre,  ficando  lá  o  ta- 
baco,, como  quem  toma  huma  barrella  de  poz  ;  mas  em  sen- 
do dez  horas  ,  despede-se  da  companhia,  chega  a  casa,  pe- 
de o  pente  miúdo  ao  seu  moço,  estende  a  folhinha,  e  ago- 
ra o  vereis  ;  tira  de  cada  voz  30  réis  de  tabaco  muito  bein 
pezados  ,  com  que  se  entretém  até  á  noite  seguinte* 

Rua^  Áurea  20  de  Dezemèra, 

Vitimo  successo  do  nosso  Morgado* 

.Não  podendo  o  ácido  do  estômago  do  Morgado  digi^ 


<3) 

-fir  a  bârrigada  dos  medronhos,  e  arrebenta  bois,  que  to- 
mou na  Serra  d^  Arrábida  esteve  cm  terraos  (por  huma  unht 
negra)  de  arrebentar  de  rizo  pelas  ilhargas,  se  a  Medicina 
com  os  seus  prodígios  nâo  cortasse  o  embarasso  daquella  moe- 
da ,  que  o  fazia  gemer  como  hum  urso  ,  pois  anseado  este 
com  o  pezo  de  huma  indigestão  Aziatica  que  lhe  sobreveio, 
deliberou  proferindo  por  intercadencia  de  imaginações,  lou- 
curas que  faziáo  enternecer  até  o  maior  bruto:  xarope  desa- 
ragaço ,  fumentaçoes  de  enxundisi  de  lontra ,  Jalapa  com  an- 
timonio,  manná,  quina,  ópio,  raiz  d'aiineirão  bem  fresqui- 
nha lhe  fizerão  desembaraçar  humas  vias  de  reeommendação 
que  qUq  ha  muito  esperava  para  hum  ataque  destes  *,  porém 
como  neste  dia  estavao  além  d'Evora  três  semanas  prom.pta- 
inente  chegarão  a  fazer  o  seu  dever;  que  as  obrigações,  e 
o  respeito  de  alguns  dos  antídotos  destes  apontados,  obe- 
decendo sem  ceremonia ,  ficarão  promptos  para  servirem  no 
que  prestassem  ,  que  se  nao  fora  assim  daria  hum  estoiro,  co- 
tno  sigarra  no  inez  d^c  Agosto;  e  porque  esta  raext)rofada  por 
onde  vai  sempre  deixa  rasto ,  ficou  o  pobre  Morgado  por  es- 
ta razão,  além  do  queixo  fora  do  seu  lugar ,  o  nariz  verme- 
lho como  hum  pimentão,  com  as  entranhas  queimadas,  o  fí- 
gado açado,  o  buxo  cozido,  e  o  bofe  engrolado,  e  o  mais 
resto  do  ventre  opilado,  ^  tão  duro  como  hum  tambor,  qu<í 
disserao  os  senhoras  da  Junta  que  se  lhes  fez,  que  ellc  estava 
mcttido  em  huma  hidropezia  clandestina  ,  simbólica ,  e  pro"- 
pendicular  com  princípios  de  podrifícaçao  ignia,  causada  pe- 
jas partículas  dos  cáusticos  que  elle  em  pequeno  mettia  na  bar- 
riga ,  que  precisava  estar  <le  molho  no  Tejo  oito  dias  succes- 
sivos  até  lhe  dar  a  agua  pela  barba  ,  descançando  só  quatro 
horas  em  cada  hum  como  andava  AvUetja  com  hutna  rigoro- 
sa dieta,  bebendo  todos  os  dias  meio  quartilho  de  leite  de 
morcego,  se  quizessc  ficar  bom  de  todo,  e  tornar  ao  seu 
antigo  vigor;  ou  se  não  que  appellasse  para  as  malvas  que 
lá  melhoraria:  á  sua  vista  acudio  o  Doutor  assistente  dizen- 
do que  elle  linha  calculado  a  natureza  do  enfermo  ,  e  que  lhe 
parecia  que  o  mais  conveniente  era  que  fosse  para  a  sua  ter- 
ra, pois  tornando  á  sua  antiga  açorda,  podia  ser  que  a  natu- 
reza pouco  a  pouco  por  si  mesma  arrojasse  aquelle  barco  de 
lastro  que  elíc  tinha  na  barriga,  e  que  a  Senhora  sua  asneira 
lhe  tinha  mettido  sm  casa  pela  descendência,  de  palpai,  fi- 


^(4l 
CftifKÍn   allkiacío  cotímí.  «âTÍo  velho  qiie  se  cttcalha  pela  teíra 

Edtiifage.m  Nô^m  âo^  Cães  de  Santarém  2 f  db,  Dezembro» 

Como '  os-  roubos  dos  gatos  sempre  sao  mais  prejudica- 
tiv^s  que  os;  dos  ratos  ,  assim  as  traficancias  dos  gatunos  sâo 
mm  papa^  cenier  qu«  as  dos  ra tonei ros:  Ham  Tafuí  do  Mi- 
nho eii>  v-esperas  de  partir  para-  a  cara  Pátria  ^  achando-se 
precisado  de  horas  de  jornada  ,  e  fldto  da  chapinha,  com  que 
se  coonprao  as  abóboras  ,  veio  deshonrar  o  nosso  Bairro*  pelo 
il3Qdo:  ifeguinte  :  Foi  a  huma  Estalagem  visinha,  que  está  na 
Ribeira  Velha-,  pedir  hum  quarto  aceado  para  viver,  dizen- 
do que  chegava^  agora  do  Alemtéjo ,  que  era  Jium  Cavalhei- 
m  rauito  iJiustre ,  que  vinha  á  Cor^e  a  dependências;  ajus- 
tou por  alto  preço  o  seu  sustenta,  e  estada-,  e  foi  a  easa  de 
InjOi  Correeiro-  para  lhe  comprar  duas  arcas  ;  taes  lerias  1  he  ar- 
mon  y  que.  o  simples  homem  lhas  deo  fiadas  para  pagar  dal-^ 
li  a  cinco  dias :  No  dia  seguinte  foi  vendellas  a  outro,  que 
estava  na  mesma.  Estalagem ,  dizerado,  que  se  hia  dahi  a  qua^ 
iro  dias,  e  que  levava  a  sua  roupa- na  inala  :  O  mofo  da  Es- 
tdagem  o  servia  com  o  maior  contentamento,  por  estar  en- 
gajado por  elle  com  promessas  de  o  levar  comsigo  para  Fei- 
tor das-  suas  herdades.  Mandou  chamar  hum  Çapateiro ,  a* 
qiiem  encommendou  hum  par  de  botas,  com  estas,  eaquef-^ 
las  parricularidades ,  justas  em  huma  peça ,  com  a  condiçâa 
de  Lhas  levar  dahi  a  três  dias  ás  7  horas  em  ponto,  despe- 
dindo-se  o  Mestre,  mandou  chamar  segundo. Çapateiro,  to- 
mou nova  medida  ,  fez  a.  mesma  encommenda  justa  pelo  itícs- 
raa  preço  para  dalli  a  três  dias  pelas  9  horas  da  manhã  Ihar 
tfazer  :  acabado  este  lance,  chamou  o  moço,  e  disse-lheque- 
por  nao  andar  alugando  seges  todos  os  dias,  queria  comprar 
hum  Gavalio  ajaezado,  e  mandou-o  a  casa  de  algum  corre- 
tor de  bestas,  o  que  o  moço  fez  diligente,  informando  o 
corretor  de  que  havia  hum  Fidalgo ,  que  lhe  queria  comprar 
o^  melhor  cav-alto  ,  que  tivesse  arreado.  Nesse  mesmo  dia  llie; 
trouxera  o  o  bucéfaío  ,  mas  o  supposto  Cavalheiro  desculpou- 
se  com  ter  que  sahir,  e  mandou  que  tornasse  dalli  a  três  dias 
dô  manhã  pelas  10  horas.  Chegou  o  tempo  aprasado,  c  che- 
gou tambera  q  primeiro  Mestre  com  as  suas  botas,   caljou 


ff) 

o  Miliâ^nfe  haiaa ,  me  ]\\<t  í^<m  joli ,  míis  íTo  c^íp^  da  ou- 
tra entrou  a  doer-se,  e  d1ss<j ,  w?*»»  Mostre  ^  eu  qutbrà  tstn 
pertja  ,  ha  doís  annos ,  e  esqueceo^me  retamnvenèar-lhi:  que 
queria  a  da  perna  esquerda  mais  la?ga^ ,  tenha  paci-entia , 
W  metíelia  na  encespra^^  e  ^faga-ma  âe  jantar  :  deixou-lhô 
a  Çapateiro  a  ourra^  caFçâdn- ,  e  íbi  alargar  âqiielTa  :  a  pau* 
tos'  espaços  entrou  o-  segundo  Mesrfe  tainheiti  coit»  as  íiiíis  bo- 
fas, e  ttra is  palavra,  róenos  palavra,  fez-íhe  o^ CaVírIlieiro  a 
mesma  pantomima  ,  vindo  a  ficar  por  este  modo  com  duas  bo^ 
tas  novas;  Chegou  depois  o  corretor  tom  hmn  bom  cavallo 
para  sua  Senhoria  ,  então-  swa  Senhoti^á  iliafidóu-o  priíiieiró 
passear,  resoívco  por  estar  de  botíís,  montar  fámbem  nelle, 
deo  a  sua  volta  para  o  experimentar,  já  de  furta  passo  j  fade 
trorey  já  de  galope  a^té  que  perdco  o  dono  de  vi^ta  ,  sobio  tra- 
vessas, dcsceo  bêco«^,  e  foi  caminhando  para  o  Minho  Còrn 
â' nnaior  facilidade.  Era  hum  gosto  vero  corretor  desesperado 
da  espera  à  ilharga  dós  dois  C^apa toiros,  qii€  bambem  tinhaõ 
chegado  com  as  botas  das  encospias ;  fazia  mais  brilhante  a- 
quella  scena  o  Correeiro  a  querei*  os  seus  caixões ,  o  que  os 
comprou  segunda  vez,  disputando-Iíie  a  primasia,  a  Estala- 
jadeira pondo  embargos  a  tudo ,  pelo  que  sua  Senhoria  ficou 
devendo  na  Estalageiti ;  e  fi trate elit^  nao  se  sabendo  mais  do 
cavalheiro^  só  se  sabe  que  esta  funÇao  íem  dado  de  si  sexfi 
pares  êe  vestido»  nevoe  a  Letrados,  Escrivães  j  e  Procurado*- 
res  ,  de  que  Deos  N.  Senhor  nos  livre. 


Continha çãíf  dos  caficeHoS'  achados  ao  fjffssa  Fèíio  dè 
Rffmularet, 

Dizia  o  nosso  Velho-,  que  ao  hortiettí  nada  lhe  falta  pá- 
ra se  sustentar ,  nem  nad*  lihe  sobra  para  sfe'  perder. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  os  filhos  devem  casar  quan- 
do souberem  o  que  elegem,  e  o  pezo,  que  tomão. 

Dizia  o  nosso  Velho  ,  que  seis  cousas  tinhao  as  velhas, 
ambição  ,  vaidade ,  desconfiança  ,  desteniperos ,  impertinên- 
cia ,  e  flatos. 

Dizia  o  nosso  Velho ,  que  assim  como  o  valido  se  não 
conhece  a  si  j  quando  descahe  da  graça,  não  he  conhecido 
dos  outros.  , 


c  ^ ) 

Dizia  o  no5so  Velho,  que  os  homens  d«  juizo,  quan- 
do nlo  podem  o  que  querem ,  querem  o  que  podem. 

.  Dizia  o  nosso  Velho,  que  as  mulheres  dissolutas  que- 
rem achar  quatro  qualidades  nos  homens:  mancebos  que  pos- 
sáo  presistir,  liberaes  que  possao  gastar,  pacientes  que  pos« 
são  soffrer ,  e  tolos  que  nao  temao  arruinar-se. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  cinco  cousas  desorganizâo  a 
boa  ordem  da  vida ,  o  logo  voa^  o  não  importa ^  o  bei  devir 
a  ter,  o  bem  sei  o  que  fafo^  e  não  se  me  4d. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  a  mulher  he  como  a  balan- 
ça que  inclina  para  onde  mais  recebe. 

Dizia  o  nosso  Velho,  que  depois  que  veio  ao  Mundo 
o  teu  ,  e  meu ,  he  que  se  procura  quem  és  tu  ,  e  quem  sou  eu. 

Três  cousas  diz  o  Editor  desta  obra,  que  por  ultimo 
deseja  a  Vv.  mm.,  curiosidade  de  lhe  comprarem  a  Collec- 
çáo  ,  dinheiro  para  lha  pagarem,  e  desembaraço  era  a  ler  pa- 
ra lhe  não  diminuirera  alguma  graça  que  tem. 


Saibão  todos  quantos  estas  duas  regras  virem  ,  que  a 
advinhação  do  Folheto  antecedente,  que  principia:  Torto 
sou ,  mas  assim  t^rto ,  parecendo  que  não  he  nada  ,  he  hum 
anzol. 

Pedindo  a  Cozinheira ,  namorada  do  Moço  do  Poeta  , 
ao  mesmo  Moço  que  lhe  mandasse  a  Gazeta,,  porque  tinha 
empenho  de  ver  nella  certa  novidade  ,  elle  lhe  mandou  di- 
zer que  por  falta  de  vinténs  não  era  assignante  delia  ,  nem 
tinha  a  quem  a  pedir  emprestada  5  porém  que  por  satisfazei- 
la  ,  Ine  compunha  huma  Gazeta  nova  feita  no  seguinte 


SONETO. 

Gazeta  deste  mez ,  dez  do  passado. 
Ha  de  amores  tão  grande  epidemia-, 
Que  chamando-lhe  alguns  tafula»-ia ; 
Vêm  a  acabar  em  misero  noivado : 


(7  ) 
Porto ,  seis  do  torrente ,  o  luxo  armado 
Vai  triunfando  das  modas  dia  a  dia  , 
De  ponto  sobe  era  tudo  a  carestia , 
Partidas ,  c  funções  nao  tera  faltado : 

hssboa^  os  ladroes  vao  levando  corte, 

Quem  quizer  ter  dinheiro  ,  e  nao  ser  fraco,. 
Poupe  vinténs,  não  case,  e  será  forte: 

A  visão  lá  das  partes  do  5í/f<7r^ 
Que  todas  as  mulheres  cá  na  Corte 
Parecem  no  trajar  nabos  em  saco.. 


A.  Y  I  S  O  Si. 


Sahio  á  luz  o  Berimbau  de  AfoUo^  olra  Pastoril  y^ 
ficão-se  imprimindo  na  mesma  Offícina  as  obras  seguintes: 
Descaídas  de  Phaetmte  em  4.*';  as  Maçarocas  de  Hercu- 
les era  quartetos  j  e  os  couces  do  Pegazo  em  quadrinha  me- 
nor. 

Terça  feira,  que  vem,  se  não  chover,  se  ha  de  pro- 
ceder o  leilão  nos  bens  do  ausente  Morgado  da  Falperra  , 
tudo  moveis  de  alguma  estimação;  porque  os  de  raiz  le- 
vou elle  comsigo  ;  e  os  que  se  arrematão  são  os  seguintes: 
Hum  leito  precioso  pela  sua  invenção ,  pois  he  formado  de 
sete  peças,  a  saber:  cinco  taboas  de  pinho,  e  dois  bancos 
de  ferro  ,  e  prompto  a  desarmar-se  em  hum  instante,  por  cu- 
ja facilidade  está  livre  do  contagio  de  percevejos  :  Hunia  ban- 
ca ,  a  que  chamao  de  aza  cahida  ,  pelo  desmancho  das  abas,, 
mas  ainda  tem  remediou  Fuma  bandeja  de  casca  de  sobro,, 
axaroada  com  toda  a  galanteria:  Bum  aparelho  de  albarda  ^ 
que  mette  curiosidade  usar  delle,  pelo  bem  conservado  ,  que 
está:  Quatoize  quadros  de  pintura^  que  pela  sua  antigui- 
dade se  não  pede  ccnhecer  de  que  Author  são  ,  reas  ainda 
mostrão  ,  que  o  Auihor  jião  era  dos  modernos:  Mti/t  dw^ia 
de  cadeiras  destas  de  três  pés  seir  costas ,  á  Grega  :  l)o'^s 
caixotes  de  íoaça  de  jogo  ^,mm\Q  mimosa,  com  panellas,  e 


tijellas  de  toão%  es  tanaaahos :  Huma  ^ais^a  de  tAaco^  fei- 
ta já  neUe,  çi^  cobre,  esmaltado  eai  partes,  e  outros  ^  que 
meliior  se  verão  mo  Inventario. 

Acabou  com  o  ultimo  dia  do  anno,  o  Primeiro  Tomo 
desta  curiosa  Cbílkcção,  no  presente  Folheto  N.  88  ;  e  es- 
teve em  termos  de  não  continuar  j  porque  quasi  todos  gosta- 
vão  muito  de  a  ler  de  gnaça  :  principiarei  porem  o  segundo 
Tomo,  vista  a  occurrencia  dos  Senhores  Assignantes,  que  já 
vejo  se  não  enfastiáo  de  que  se  lhe  critiquem  os  vícios,  a- 
pontando^se-lhes  na  Moral ^  as  virtudes;  e  adverie-se  ao  Pu- 
blico, que  não  julgue  que  o  Author  desta  Obra  que  critica 
os  outros ,  satisfaz  como  tem  de  obrigação  ás  mesmas  Virtu- 
des Moraes  que  aconselha.;  nem  o  conseituem  livre  dos  vi- 
cios  que  reprova  ;  porque  elle,  pela  sua  fragilidade,  he  da- 
quelles  que  nem  faz  o  cfue  diz,  nem  diz  ó  que  faz,  e  por 
esta  razão  melhor  será  que  o  lêáo,  do  que  o  imitem. 


Vendesse  esta  Ohra^  e  todas  as  niah  partes  de  que  ée 
ctnnposta ,  e  vãú  sahtnds  succesMvamtnt^  ^  ag^s  \Lojãs  jeguiu' 
tes:  Na  de  João  Henriques  na  rua  Augusta  junto  ao  Ter- 
reiro do  Paço:  NadeFrancisc9^vierdeCarvalhD^o  Qhia^ 
do  durante  da  rus  de  S\  Frm/cisco  :  Nn  de  iânt(jnÍ9  Mtwoel 
rVoíy^arpê  tm  Arcada  do^i^nadox  Na  de  De sJ der éo  Marques 
.litão-^o  Calhar i:&  Nf  ii. :  N^  de  ántomâ  F^dro  Jbopes  ma 
irtm  do  Qurojumv  d  da  Game  ta :  Na  de  LeaJrm  Akani<arã  : 
E  em  BeJém  jia  de  Cape  tia  de  José  Tiifíuví9  :  Tunóem^e 
.mhM  ua  mesma  Officína\em  que  se  fazem. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  BE  CAMPOS. 
Qmi  4ieençn  da  Mt^aa  do  Destmèargo  do  Pwpf* 


o 


ALMOCREVE   DE  PETAS. 

P  AR  T  E     LXXXIX, 

Falia  qus  faz  o  Editor  da  presente  Celkcção. 


Ra   ninguém    se    maldiga;  quem  dissera  ao  Author  da« 
Petas,    que  os  Senhores  de  pantnionas  se  haviáo  chegar  tanto 
á  razão,  que  a  maior  parte  dos  assignantes  novos  ,  que  con- 
eorrôrão   para    o   presente   anno  quasi  todos  são  deste  traje  i 
t)   Certo   lie  ,    que   o   habito  não  faz  o  Monge,    Jogava-sc  o 
murro  secco  o  mez  passado  á   porta  da  Loja  da  Gazeta  a  qual 
havia   assignar  primeiro    para  o   segundo  Tomo  ,    que  neste 
Folheto  se  principia;    e  isto  pelo  que!     porque  virão  que  as 
petas  traziâo   aquelia   Carta    escrita  do  Porto  Qot\u:\  2^^  ^Q" 
nhoras  do   presente   Século :    coitadinhas !    não   sei  como  ha 
quem  diga  mal  das  pobres  Senhoras;  cu  !  o  Ceo  me  defenda 
de    p^gar   na   penna   para   semelhante    fim  !    e  e^ncs  Senhores 
Tafues    tanto   se  esmerão  em    lhes  botar  o  credito  a  perder; 
porém   se  tem  raá  lingua,   lá  o  acharão;    que  a  mim  o  que 
me  importa,    he    faaer,  o  meu  papelinho  sem   entender  com 
pessoa   alguma  ,  e  ver  se  se  gasta  ,  para  tapar  a  boca  a  tanta 
gente,  que   me  cerca  :  com  effeito  parece-me,    que  daqui  em 
diante  não  terei  razão  de  queixa :  bem  me  dizia  a  mim  o  meu 

8? 


(O 

Almocreve  r    Trabalhe  ,  Senhor  ,    tralí^lhe  na?  Tetas  ,    quê 
o  consumo  be  certo \   parece  que  tem  aquelie  rapaz  natureza 
de    gato    pela  promptidáo  com  que  advinha  os  ventos  :    e  O; 
certo    lae ,    que  nie   fallou   muita   verdade,    porque  segundo 
vejo,  já  o  anno  novo  vai  abrindo  para  mim  o  olho  direito, 
se  até  agora  parecia  que  estava  dormindo.    Terça  feira  pas- 
sada fui  á  Feira  y  e  nos  lugares  dos  Adellos''ándei  a  escolher 
Livros    velhos  para  cora  elles  fazer  cousas  novas  ;    pois  tirei 
esta  lição    das    Casas  de  Pasto  de  Lisboa,  que  dos^  accresci- 
mos.  de   três,   e   quatro  dias  dao  aos  Tafúes  hum  banquete 
no    dia  seguinte,   que  parece  feito  para  alli  \    tanto  podem 
os  adubos,    a  manteiga  ,    os  tom.ates  !    ora  entre  os  alfarrá- 
bios que  alli  vi  peguei  casualmente  em  huns  folhetos  do  Re- 
torno  ^  e  huns  caderninhos  da  Ilha  dos  Tafiíes ,  e  por  mais 
que  os  quizesse  lêr,  poz-se  hum  rapaz  por  detraz  de  mim  a 
gritar:  Papagaio  Real^  Papagaio  Real,  com  gritos  tão  des- 
ordenados ,  que  não  continuei  a  ver  cousa  alguma  em  seme- 
lhante  lugar ;   sabida  a  historia  foi  porque  o  tal  Adello  ti- 
nha  huma  gaiolla  com  este  pássaro  á  venda ,  que  era  a  cha- 
mariz de    quantos   rapazes   alli  passavão  :   cheguei-me  mais 
para   o    fim   da    Feira,    e  achei  huma  pobre  mulher  viuva, 
que  vendia    os  papei»,    e  Livros  de  seu  marido,   que  tinha 
sádo  hum  santo  homem,    segundo  confessava  a  mesma  mu- 
lher, porque  nunca  lhe  punha  mão,  e  só  lhe  mostrava  a  boa 
vontade ;  e  balbociando  de  choro  muito  saudosa  me  mostrou 
hum    Livro  de  folio ,    já  com  as  primeiras  folhas  fora ,    que 
ella  lhe  tinha  tirado  para  carapuças  da  roca,  mas  assim  mes- 
mo lho  comprei,    porque  traz  muita  cousinha  para  o  nosso 
caso,  que  hiremos  dando  ao  Público  pouco  a  pouco ,  que  nis- 
to não  me  affasto  de  cega  opinião  de  muitos  que  affirmão  , 
^e  cousas  novas  já  se  não  dizem  ;  quero-lhe  fartar  a  vonta- 
de, verificar-lhe  a  sua  teima,  e  chupar-lhe  os  quarenta  réis, 
que  no  tempo  de  hoje  he  huma  mina :   farei  por  agradar ,  e 
por  cumprir   o  que  prometto,    se  Cirurgiões,    e  Boticários 
não   d^rera  cabo  de  mira  primeiro,    que  são,    no  meu  con- 
ceito ,  huns  correios  particulares  da  morte ,  e  muito  capazes 
4e   me  fazerem  gastar  era  vigitaes ,   e  mineraes  tudo  quanta 
lucrar  nas  minhas  Petas. 


(  3  ) 

Impugnação  ao  LihelJo  ^  que  certa  Senhora  de  Lisboa  {e^^ 

mo  Advogada  do  stu  sexo)  fez  piíblico  em   o  Folheto 

».**  85  desta   Collecção  ,    remettida  da   Cidade  do 

Porto  ao  Marido  da  mesma  Senhora. 

Amigo  do  corarão,  com  bastante  mágoa  minha  pego 
na  penna  para  responder  aos  Capítulos  de  huraLibello ,  que 
•a  sua  irada  Esposa  nos  intenta  provar:  Eu  não  seise  V.  m. 
foi  sabedor  desta  accusação ,  que  recebi  no  Correio  das  Petas 
escrita  por  essa  minha  Senhora,  querendo  no  mesmo  Libei- 
lo  ,  por  força  da  paixão  convencer-me ,  de  que  os  homens 
são  huns  monstros,  e  as  Senhoras  humas  estrellas  ;  e  como 
rae  vejo  instado  pela  força  da  razão,  não  tomo  a  confiança 
de  liie  escrever  positivamente,  mas  sim  de  pôr  nas  mãos  de 
V.  m,  a  seguinte  resposta,  que  por  direito  lhe  envio,  afina 
de  que  chegue  á  presença  da  sua  Esposa,  minha  Senhora  , 
impugnando-ihe  as  granídes,  e  furiosas  expressões  com  que 
nos  abate. 

Com  o  míiis  devido  respeito,  e  humilde  veneração ,  que 
se  deve  ao  delicado  sexo  ,  donde  descendem  as  Deosas  fabu- 
losas, do  Thcatro  de  los  Deoses,  desfarei  a  enthusiasmada 
presumpção  de  que  se  nutre  a  feminina  ordem ,  a  fim  de  lhe 
mostrar,  que  as  Senhoras  nao  são  tão  izentas  de  maldade, 
que  deixem  de  concorrer  para  o  precipício  do  homem.  He 
verdade  que  ha  entre  estas  algumas,  que  nem  por  sombras 
devem  representar  na  presente  scena  ;  e  escuso  cançar-meem 
lhes  dar  aqui  a  primazia,  pois  que  por  si  mesmas  se  distin- 
guem =::  ... 

:=;  E   aqui  lhe  deixe  agora  hum  vasto  Campo , 
Para  jogarem  soccn ,  e  bofetadas  ; 
Vois  na  conversa  que  tiverem  juntai  , 
Todas  se  hão  de  julgar  exceptuadas. 
Depois  da   excepção  acima   tocando  em  geral  este  mi- 
moso sexo  perguntarei  j  porque  se  não  contenta  huma  Senho- 
ra com  a  cor  que  Deos  lhe  deo  ?    Se  he  de  sua  natureza  a- 
marella ;    porque   dá  gasto  ao  carmim  ?    E  se  he  trigueira  ; 
porque  manda   comprar  os  pós  de  Aljôfar?    Se  isto  me  ne- 
gar,   notificarei  a  loja  do  Massa,  para  que  deponha  no  Juí- 
zo da  vaidade,   a  iimuensa  extra^cfâo,    que  tem  nesícs  g/e- 


neros  para  o  refendo  fim.  Agora  respondao-me  :  Estas  com- 
posrwa*  artificiosas,  não  são  para  melhor  inquietarem  aos 
homens ,  armando-lhes  a  rede  da  formosura  para  que  elíes 
com  mais  facilidade  calão  na  escolha  j  Jogo  de  que  fequei- 
xão  ?     ' 

Passando  ao  segundo  Capitulo  era  que  não  querem  sef 
doentes  por  arte,  não  he  constante  na  lembrança  de  nossas 
Avós,  que  muitas  meninas  por  moléstias  im:ognitasvomita- 
vão  alfinetes?  Sirva»me  de  exemplo  hum  caso,  qae  presen- 
ciei ha  dois  annos  quando  estive  nessa  Corte.  Hindo  eu  em- 
barcar para  Belém  ,  veio  para  o  mesmo  fim  huma  velha  com 
huma  rapariga  bem  trajada j  mettêrao-se  no  bote,  e  reparei 
que  a  velha  a  segurava  muito;  pei-guntei-lhe ,  que  tinha  a 
menina?  Respondeo-me  que  tinha  fernezins  de  se  botar  ao 
mar;  e  que  de  quarto,  em  quarto  de  hora  vomitava  pedri- 
nhas. Estimei,  logo  a  noticia,  com  o  desejo  de  ver  aquella 
raridade;  com  effeiío  a  maré  era  contraria,  gastárão-se  doas 
horas,  e  neste  decurso  de  tempo  não  tive  hum  instante  era 
que  podesse  ver  tal  fenómeno;  antes  aconselhei  á  veJha  ,  quc: 
trouxesse  sempre  aquella  menina  ao  mar,  porque  talvez  a ^ 
melhora  que  experimentava  fosse  daquelles  ares.  Não  ha  ain* 
da  hoje  immensas  convolusóes  daquellas  a  que  a  Medicina 
só  descobrio  o  famoso  remédio  de  lejolos  em  braza  ,  reme* 
dio  que  só  fallado  tem  certa  antepatia  com  a  moléstia  de 
tal  sorte,  que  ainda  bem  senão  nomeia ,  já  desapparece  o 
mal  ?  Ora  à  vista  disto  que  mais  esforços  preciso  para  provar-, 
lhe  o  artificio. 

Passemos  ao  terceiro  Capitulo.  Nós  vemos  que  huma 
Senhora  por  soberba  arroga  a  si  todas  as  venerações  ,  e  res- 
peitos,  julgando  na  sua  fantasia  todos  os  obséquios  por  pe- 
quenos, e  que  sempre  he  credora  a  todas  as  decencias ,  pois 
nada  ha  que  a  satisfaça  ,  tendo  de  si  para  si,  que  muito  mais 
lhe  devem  fazer:  c  cora  este  enthusiasrao  anda  sempre  em 
contínuo  império,  cortejando  o  menos  que  pode,  e  divini* 
zando  as  falias  no  ultimo  extremo :  não  lhe  cremino  esta  so- 
berania que  em  algumas  passa  como  recato ,  só  lhe  estranho 
aaffíctaç  ao  de  laes  sentimentos, 

Ciue  direi  da  sua  vaidade?  allegárão  para  a  prova  do 
nosso  vicio  cora  o  Perno  de  Adão  ^  sem  se  lembrarem,  que 
ío\  Eva  a   tentadora.  Enfeitarse  a  solteira^ .  e  nos  públicos 


já  inals  jufgôu ,  que  houvesse  outra  igual  a  ella  :  enfeifa-se  a 
•  casada  pensando  que  ainda  está  nos  seus  primeiros  annos  ^  e 
às  vezes  tão  indiscreta  que  imita  o  desgarre  das  filhas ,  sem 
repanir  na  d i ffe r cnqa  ,  que  vai  da  velhice,  á  mocidade:  cn- 
feica-se  a  viuva  dizendo  que  ainda  não  he  algum  peixe  podre  ^ 
sem  mais  discurso  ,  que  a  satisfação  do  desejo  de  segundas , 
e  terceiras  núpcias;  e  setii  discorrer  no  pezo  que  faz  huma 
mulher  a  hum  homem  ,  que  sem  reflectir  na  falta  de  meios  , 
$e  casa.  Apostarão  dois  homens  em  huma  Praça  pública  qual 
linha  nraisforça,  e  para  eífcituarem  a  aposta,  foi  hum.  le- 
vantar do  chão  a  mó  de  hum  moinho,  que  alli  se  achava, 
porém  o  outro  dando  dois  passos,  pegou  so  collo  em  huma 
mulher,  que  s^eguia  o  seu  caminho  com  toda  a  decência,  e 
disse  para  o  companheiro  :  7efíòo  nwslra^a  que  jeguei  na 
cousa  de  maior  pezo  ^  e  for  consequeTicia  ganho  a  aposta^ 
c  outros  muitos  axemplos  allegaria  se  preciso  fosse. 

Respondendo  ao  quinto  Capitulo  direi  ,  que  a  preguiça 
domina  muito  mais  no  sexo  Femenino ,  pois  descançando 
este  no  vigilante  cuidado  dos  homens  prudentes ,  lhes  impõe  , 
como  por  obrigação,  o  cuidarem  em  tudo  o  preciso  da  casa  ; 
reservando  só  para  si,  não  a  factura  de  huma  téa ,  mas  sim 
o  enfeite  de  hum  vestido;  não  o  governo  económico,  mas 
sim  a  conversação  da  assembléa. 

Direi  respondendo  a  todos  os  outros  Capilulos,  que  lia 
imraensas  Senhoras  golosas,  cheias  de  appetites,  governan- 
do por  este  motivo  a  casa  com  vinte  ,  o  que  muito  bem 
podião  fazer  com  dez:  e  finalmente,  que  são  immensas  as 
fingidas  ,  cujo»  fingimentos  por  muitas  vezes  tem  sido  a  ruí- 
na de  infinitos  homens :  houve  já  hum  que  as  conceituou 
por  compendio  de  todos  os  irales;  e  sendo  casado  com  huma 
anã  lhe  pergunláião  alguns  amigos  a  razão  daquella  escolha  ? 
Ao  que  elle  prompto  respondeo  :  Casei  com  huma  viulher 
pequenina ,  porque  sempre  ouvi  dizer  ,  que  do  mal  se  deve 
escolher  o  menor.  Ao  grande  Aurélio  Filosofo  perguntarão 
cm  outro  tempo  qual  seria  melhor :  Se  casar  com  mulher 
rica ^  se  casar  com  mulher  pobre}  E  por  elle  foi  respondi- 
do, que  ambas  erão  más:  porque  a  J obre  custava  a  susten- 
tar, e  a  rtca  custava  a  soffrer  ;  e  por  esta  razão  todos  os 
homens  deverião  escolher  a  mulher  com  os  ouvidos,  e  não 
com  os  olhos ;  que  he  mais  importante  ouvir  â  fama  do  seu 


CO 

bom  comportamento  ,  do  que  ver  a  sua  formosura.  E  quan- 
tos ha  que  até  desprezando  estas  duas  circumstancias  só  a  re- 
cebera a  pezo  do  dote,  que  traz  sera  verem  que  a  mulher 
he  hum  labyrintho  na  amizade ,  hum  perigo  domestico  ,  e 
huma  tentação  importuna  !  Seja-me  licito  este  desafogo,  des- 
affrontando  como  posso  os  meus  iguaes  ^  e  he  de  esperar  que 
a  nossa  contraria  discorrendo  na  razão ,  se  arrependa  do  que 
disse  desprezando  o  mesmo  Libello ,  e  fazendo*nos  justiça 
em  se  convencer  da  nossa  verdade ,   que  tu 

He  Fama  Ptíblica, 
Esta   foi  a  impugnação ,    e  esperamos  com  o  maior  al- 
voroço,    para   o  folheto  seguinte,    a  sustentação  do  Libello 
feita  pela  mesma  Authora ,  que  não  he  possível  que  se  des- 
cuide de  desaggravar  o  seu  sexo* 

Vindo  o  Almocreve  Sabbado  passado  na  continuação , 
da  sua  jornada ,  e  passando  por  Viila  Franca ,  vio  que  de 
huma  janella  hum  homem  já  velho  de  óculos,  e  roupão,  o 
chamava,  chegou,  e  recebendo  da  sua  mão  hum  papel  ,  lhe 
ouvio  estas  palavras:  Tenha  paciência^  entregue^me  ao  E- 
dítor  dos  seus  folhetos  estes  versos  feitos  ao  Ouro  ,  pro^ 
ducção  ainda  da  minha  mocidade  ,  que  talvez  os  não  de* 
sestims  para  encher  algum  quarto  de  papel ,  nestes  termos 
aqui  vão  taes ,  e  quaes  se  receberão,  e  cora  a  approva^ão 
de  muita  gente  Sábia, 

Jlo  Ouroi 
L 
T.ouro  metal ,  que  lá  do  centro  escuro 
Da  terra ,  que  no  centro  te  escondia , 

Sahiste  a  ver  o  dia 
Por  mãos  do  ferro,  mais  que  o  ferro,  duro, 
E  mais  que  o  ferro  ,  artifice  de  guerra  ; 

Tyrannisando  a  terra , 
Soberbo  foste  bravamente  forte. 
Adquirindo  o  poder  da  própria  morte. 

Indigno  foi  de  nome  generoso, 
Qiiem  penetrando  abobedas  escuras, 

Vio  das  entranhas  duras, 
Da  terra,  anathoraista  rigoroso, 


,      (7) 

Os  recôncavos  intimes,  a  donde 

Justa  a  terra  te  esconde; 
Pois  crendo  qu-e  o  teu  jugo  se  redime^ 
Entre  grilhões  de  mármore  te  oppriinek 

IlL 
Em  seu  rigor  piedosamente  esquiva 
Quando  ao  trato  comraum  te  difiiculta 

No  centro  em  que  te  occulta , 
Em  cárceres  te  pòe  de  penha  viva^ 
Avara  conservando  deste  modo, 

A  paz  do  mundo  todo ; 
Porque  soberbo  cora  diligencias  tantas 
Com  os  Impérios  do  mundo  te  levantas  ? 

IV. 
Com  presumpçao  de  entrepido,  e  de  altivo/ 
A  effeito  trouxe  de  seu  próprio  damno , 

Atrevimento  humano  ; 
Do  luminoso  ardor ,  ardor  nocivo  ; 
Porém  mais  temerário  atrevimento 

Por  impulso  violento , 
Te  foi  buscar  era  destruição  do  mundo. 
Pálida  fúria  ,  ao  Báratro  profundo. 

V. 
A   violcncia  trouxestes,  a  fraude  ímpia, 
Perturbadora  do  socego  humano, 

E  desculpando  o  en^no 
Fizeste  lei  da  própria  tyrannia ; 
O  trato  fiel,  o  inexpugnável  muro 

He  por  ti  mal  seguro, 
Pois  figurada  era  vão  deixa  rendida 
Dafiai  2i  honra ,  e  Polidcro  a  vida, 

VI. 
Tu  deste  alentos  ao  primeiro  pinho, 
Para  qne  arando  o  Campo  nunca  enxuto ji 

Largasse  resoluto 
Azas  ao  vento  ,  de  delgado  linho  ; 
Tu  quebrantaste  a  paz  ao  mar  sagrado; 

E  enganando  o  cuidado, 
Porque  esqueça  o  perigo  co'  memoria 
Déstc  ao  perigo  títulos  de  gloria. 


(S) 

VIL 
Tu  só  por  Insolente  respeitado  , 
Ao  vulgo  superior  dos  meiaes  todos 

Cobras  por  vários  modos 
Hura  lugar  a  sobre  sorte  collocadoi 
E  em  virtude  da  própria  formosura 

Andas  sobre  a  ventura  , 
Acclamado  do  mundo ,  não  somente 
Rei  dos  metaes ,  mas  ídolo  da  -gente 


AVISOS. 

Quem  quizer  comprar   humá'  nora  sem  roda,    nem  ar» 

rióz ,  masque  anda  por  si  só,  e  tira  agoa  sem  alcatruzes ;  vá 

failar  a  Brizida  Moquenca  ,  a  qual  se  quer  desfazer  delia  pelo 

motivo   de  que  sendo  esta  sua  escrava  teve  a  astúcia  de  casar 

».com  o  filho  delia  vendedora. 

Quem  quizer  huma  fazenda  na  outra  banda,  que  tem 
seus  altos,  e  baixos,  que  assim  lia  muita  cousa  neste  mundo, 
cora  hum  excellente  Pomar  de  pomada  alvíssima ,  e  outras 
arvores  que  produzem  fruta,  que  não  sendo  de  caroço,  tem 
amoras  para  se  saber  que  frutas  são,  e  que  confina  com  hum 
grande  Olival  de  Asnos,  para  onde  vão  alguns  velhos  con- 
versar, que  suppre  muito  bem  pelo  Cáes  da  pedra  de  Lisboa , 
com  humas  Casas  com  D.,  porque  são  Nobres ,  asquaestem 
no  patco  hum  grande  poço  de  letras ;  appareça  ,  que  tudo  se 
pôde  fazer  em   bem. 

A  três  do  mez  passado  hum  Tafiíl  sectário  acérrimo 
das  modas ,  Protector  da  Cotovia ,  e  Estragador  mor  do  seu  , 
e  alheio,  falleceo  de  huma  dôr  ,  que  teve  no  vazio  da  cabe- 
ça ,  nota-se  por  cousa  rara  vir  a  dôr  a  tal  sitio  ,  sendo  o 
vazio  nas  iilíargas,  mas  em  cinco  dias  deo  a  casca  porque 
taiíibem  não  linha  outra  cousa  que  dar  ,  por  mais  que  se  lhe 
procurou  o  raiôlo. 


I 


USBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  OE  jC^MPOS. 

I  8  I  9.        ''^''^'^"i  of.  i>;cx!'' 
C(ÊW«  /iceufa  da  Metia  do  Desembargo  do  Paço* 


S-Tr-íÇTC:    V. 


ALMOCREVE   DE  PETAS. 
PARTE     XC. 

Sustentação  do  Libello  que  fez  a  estimável  Senhora ,  qut 
tomou  a  seu  cargo  defender  as  cio  seu  sexo  ,  instando , 
aggravp.ndo ,  e  até  afpellando  \  fois  que  jjara  tudo  se  lhe 
cancedem  todos  os  poderes  em  Direito  necessários. 


O  Efíhor  Victorino  António  Zagal  de  Sousa  :  com  a  maior 
brevidade  passo  a  ccrtificallo  ,  de  que  veio  á  minha  presen* 
ja  a  sua  descarada  impugnação,  abiindo-me  o  campo  para 
«uslentar,  e  provar  as  péssimas  qualidades  dos  homens,  e  as 
nossas  brilhantes  qualidades  j  e  com.o  hc  dicado  dos  nossos 
antigos ,  que  quem.  diz  o  que  quer  cuve  o  que  não  quer ,  re- 
ceberá nesse  palmo  de  cara  a  n;inha  verdade^  que  já  mais 
se  occuhou  aos  olhos  da  ra^ão. 

For  principio  de  sustentação,  ?cm  mais  outro  í^m  ,  que 
o  desaggravar  as  minhas  iguaes ,  oíTercço  á  séria  utlcXaO 
do  mundo  os  seguinres  Capitulof. 

Sem   que   lance  mão  das  rediculas  pcsquisaçócs,  que  faz 
o  nosso   contrario,    como   são   as  dos  enfeites,    c  adornos  da 
nossa   decência,    as   m.olestias  fingidas,    e  outras  cousas  que 
90 


(O 

por  pequenas,  e  baixas,  tendo  immensps  respostas  porggora 
se  omitteoi ,  ro.u  só  a  tratar  das  qualidades,  que  nos  acoin- 
panhão,  para  na  final  sentença  se  fazer  a  justiça,  que  itiere^ 
cemos. 

Quem  duvidará  que  já  no  principio  do  mundo  houve 
amor,  inclinação,  e  lealdade  na  primeira  mulher,  e  que  es- 
te menino,  chamado  agora  vulgarmente  /Imcr ^  brincou  ran» 
to  então  com  estes  dois  Esposos ,  como  no  tempo  presente 
brinca  entre  nós  ?  ora  se  já  dos  primeiros  dias  nos  vêm  esta 
inclinação  ,  porque  seremos  arguidas  de  a  praticarmos  ? 

Qiiera  duvidará,  que  quando  o  Poder  Immenso  construío 
o  mundo.  Jogo  fez  a  muílier  como  huraa  grande  parte  do 
mesmo  mundo ,  não  a  creando  composta  das  frivolas  cousi- 
nhas ,  que  o  nosso  Adversário  nos  atíribue,  mas  sim  de  hu- 
JDa  matéria  mais  docii ,  e  mais  polida,  que  a  do  homem; 
dotada  de  hum  animo  inclinado  sempre  á  compaixão  ,  cora 
huraa  piedade  sempre  tao  generosa,  que  a  mulher  por  amaro 
homem  he  capaz  de  arriscar  a  sua  reputação,  e  a  sua  vida? 
e  se  vemos  hum  amante  lançado  aos  nossos  pés,  o  elevamos 
aos  nossos  braços,  e  talvez  des!;edindo  abundantes  lagrimas, 
como  em  reraunerajao  ,  que  são  os  signaes  mais  certos  ái 
noísa  ternura.  .^4  AVc 

\  .  A  nós  só  he  dado  aquelle  sublime  altributo  de  Mái  ,  Ião 
honroso  como  necessário  pelo  laço  da  Santa  Igreja  i  e  como 
huma  mulher  se  não  pode  reproduzir  de  si ,  em  si ,  segundo 
as  medidas  do  seu  mesmo  Author,  de  necessidade  ha  de  amar  , 
que  para  isso  tem  comsigo  o  descernimcnto ,  as  leis  do  re- 
cato, e  da  honestidade,  prmas  seguras  com  que  todas  sede 
fendem  contra  os  seus  inimigos  nas  occasioci;  arriscada.?. 

Qi^iem  duvidará  ,  que  em  todos  os  tempos  houverao  fa* 
mosas  Heroínas,  que  governarão  Reinos,  e  até  vencerão 
batalhas,  decidindo  as  cousas  intrincadas,  c  de  maior  pezo, 
prerogativas  estas,  que  os  homens  só  a  si  querem  arrogar , 
còh;;?  se  a  Providencia  se  limitasse  para  com  o  nosso  sexo, 
nas  tres  yictencias  que  lhes  confiou. 

Nada  pôde  adinirar ,    era  que  a  mulher  ame  o  homem, 
Jogo  que  dclle  procedço,    se  he  natural  em  tudo  buscar  a  sua 
origem.  A  delicadeza,  e  gravidade  de  huma  mulher ,  deman-- 
da  o  mesmo  homem  pdos  respeitosos  obséquios  ,  e  pelas  de- 
corosas finezas j  ç  a  faltai  o  homem  a  estes  deveres,   deixa- 


(  3  í 
rà    de  ser  sociável,    e  assemelhar-se-hla  a  huma  terra j  que 

sempre  esteve  sem  cultura, 

Se  os  homens  nos  attribucm  hum  génio  variável ,  direi 
que  elles  são  a  causa  da  nossa  variedade ,  pois  sobre  huma 
folha  do  álamo  pendente  do^  ramo ,  já  mais  se  pôde  pôr  hum 
pomo  seguro  ;  assim  pois  na  sociedade  das  gentes ,  como  po- 
de huma  mulher  mosirar-se  constante  a  hum  íiomera  ,  que 
muda  os  seus  projectos  todos  osannos,  iodos  os  mczes , 
todas  as  semanas ,  todos  os  diíis ,  e  todas  as  horas  ?  Poucos 
homens  ha  que  se  conduzão  pela  razão,  a  maior  parte  del- 
les  se  regem  pela  moda,  pelo  capricho  ,  pelo  apetite,  e  pe* 
las  occasiões  que  achão :  ora  aqui  os  temos  formando  o  mes- 
mo labyrintho,  de  que  falia  o  nosso  Adversário,  onde  nós 
he  que  os  não  sabemos  entender  ^  elles  fiuciuão  enrre  a  verda- 
de ,  e  a  mentira;  elles  querem,  e  não  querem  ao  mesmo 
tempo;  hoje  desejão  a  paz  da  sua  própria  mulher,  á  manha 
apetecem  o  damno  de  huma  depravada  :  ah  se  fora  possível,, 
que  elles  mesmos  se  analisassem,  como  não  achariâo  em  si  a 
natureza  de  Camalião? 

Finalmente  são  imraensos  os  discursos,  q«e  me  lembro 
fazer  contra  os  homens;  e  faria  outios  tantos  em  nosfo  fa- 
vor cora  vivo»  exemplos  ,  senão  temesse  degenerar  aquelia 
natural  piedade,  que  anima  a  nos«a  condição,  e  que  deve 
ser  praticada  cora  o  sexo  masculino,  de  quem  tenho  o  maior 
dó;  e  por  isso  me  calo  com  mais  brevidade,  ccrtifícando-rae 
de  que  o  roeu  contrario  reconhecerá  a  minha  prudência,  e 
-  me  fará  em  conhecer  a  razão  a  devida  justiça. 

Salvador  i/^  de  Janeiro, 

Não  ha  cousa  como  he  hum  homem  ter  juizo  ,  ainda 
que  seja  tolo,  porque  logo  adquire  amigos,  rouba  attençócs , 
e  lhe  tazem  obséquios;  he  tratado  cem  respeito,  confcsjão- 
Ihe  o  merecimento,  c  todos  lhe  fazem  rapa*pé;  elle  ufano 
com  a  fantasia,  que  tem  concebido  de  rao  ^cr  lerdo,  cale 
cm  simpliccs  absurdos,  que  não  conhece,  e  sómer^tea  ciisse , 
como  contraste,  he  que  lhe  dá  o  seu  valor;  (  victcrfeição, 
não  vai  a  desconfiar,  porque  o  caso  não  he  para  isso)  n.a% 
he  para  provar  a  que  ponto  chega  a  louca  defeiivohuia  de 
hum  presumido  namorado  cem  créditos  de  Sábio:    htm  des- 


(  4  ) 
te5  que  diga,  porque  destes  lia  muitos,  fiíeítéo-se-ihe  na  ca- 
beça vencer  hum  impossível  em  querer  hir  visitar  humas  Se- 
nhoras da  sua  veneração,  a  quem  elle  correspondia  de  vista , 
as  quaes  estavão  nas  suas  quintas,  huma  em  Porto  Salvo, 
outra  em  Camarate ,  e  de  resto  vir  a  Pahna  de  cima  ,  em 
Companhia  de  outras,  que  elle  conhecia  por  infcrraação :  en- 
trou QSiQ  a  calcular  as  distancias,  e  achou  que  de  sua  casa  a 
Camarate  havião  de  longitude  para  o  Nordeste  duas  léguas*, 
e  a  Porto  Silvo  para  o  Noroeste  outras  duas ;  e  que  de  sua 
casa  a  Palma  de  cima  para  o  Norte,  havia  huma  légua  pe- 
quena, e  favorável:  sommada  a  conta  descobrio  na  somma 
cinco  léguas  para  caminhar  era  hum  só  dia,  para  dar  com- 
primento á  sua  palavra;  pois  tinha  promettido  por  acções 
deixar-se  ver  em  os  sitios  onde  as  Senhoras  se  achaváo,  nao 
se  lembrando  do  desconto  de  as  tornar  a  caminhar  de  hum 
sitio  ao  outro,  só  sim  de  perguntar  a  hum  seu  amigo  Geo- 
métrico, quantos  passos  fazião  huma  légua  ?  e  dizendo-Ilie 
este,  que  ires  mil,  entrando  altos,  e  baixos,  fez  logo  hum 
passeio  desde  sua  casa  até  Arroios,  contando  os  passos;  e. 
como  andasse  mil,  era  quinze  minutos,  assentou  que  seis 
horas  fazia  a  sua  jornada  com  muiio  descanço,  e  que  sindâ 
lhe  subejava  tempo  para  as  mais  vistas  de  olhos:  como  elle 
nao  tinha  cella,  nem  cavallo,  nem  cí  usa  que  o  valesse,  as- 
sim  que  chegou  a  casa,  mandou  logo  |'or  hum  rapaz  pedira 
alguns  dos  seus  amigos ,  batas,  esporas,  traçado,  e  ciiapéo 
de  Sol:  huns  linhao  ,  e  naoqueijáoj  ouiíos  querião,  e  náo 
íinhão  ,  e  esteve  em  termos  de  ficar  sem  cousa  alguma,  dos- 
pedidas;  porem  sssim  mesmo  nrmou-se  o  mcll  or  que  ;  i  ie  , 
e  Domingo  pela  manhã  rahio  de  sua  casa  à  pé,  e  cuidando 
que  se  benzia  ,  quebrou  as  pernas,  pois  topando  huns  ami- 
gos, que  hião  ao  bota-fóra  de  hum  navio,  lhe  oíferecéraa 
deitaílo  em  Paço  de  Arcos,  segundo  o  risco  da  sua  jorna». 
da:  acceita  o  Taful  o  convite,  embarcão  no  Cães  da  Pedra 
lodos,  muito  contentes;  e  como  a  maré  estava  vazia,  foi  a. 
embarcação  com  muito  bom  successo  encravar-se  na  unha  de 
huma  ancora  ;  encheo-se  o  barco  d'agna  ,  e  em  quanto  c& 
}\io  salvarão  estiverão  de  molho  ;  sahírao  á  terra  ,  e  cada 
ííum  procurou  a  s^ua  vida  ,  que  julgou  perdida  :  porén^  q  nossa 
fimigo  foi  enchugar-se  para  hum  forno  de  cal  ,  de  donde  sa-. 
hio  tolhido  de  dores,   porque  tinha  moléstias  compliciida&rv 


,    .  í  ^  > . 

consta  que  está  no  hospital  linrado  ,  e  be2ijnfí5('o ,  e  que 
dalli  será  n;udado  ás  nrãcs  de  quatro  ;  porqte  rão  cá  tjf e- 
ranças  de  itelhora.  Olho  vivo  meus  Taíúes,  que  quem  íi^da 
á  chuva  sempre  se  molha. 

Beco  dos  ires  engenhos  16  d€  J/j joeiro. 

O  homem  incansável,  e  ambicioso  do  bem  con'mum, 
já  mais  deixa  de  fazer  força  por  tirar  do  centro  da  ignorân- 
cia tudo  o  que  ha  útil,  não  só  para  si,  como  por  deixar  á 
Posteridade  mais  huma  vantagem  no  sugir.enio  da  Scicncir^ 
Hum  curioso,  cem  lábios  de  Mathafysiologico  ,  Artemiojo- 
gico,  Mcnoriologico  ,  Algramandeologico  ,  não  só  por  seus 
estudos  fantasiologicos ,  como  por  seus  Quimiciogiccs  nntc- 
passados,  tem  feito  varias  descuberlas  felices,  e  proveitosas 
com  a  machina  estrarcbólica  da  sua  invenção  ;  e  isto  nova- 
mente se  vio  na  Anathcmiologica  ,  que  fez  á  cabejleira  de 
hum  Sátrapa,  que  eslava  inlrévada  pela  muita  idade  que  ti- 
nha ,  e  por  ser  contemporânea  da  Cczárea  ,  a  qual  padecia 
a  moléstia  de  grizalla ,  que  a  opprimia  àçiÒQ  creança  ;  ecste 
lha  tirou  com  delicadeza,  sem  lhe  offender  os  lendôes,  de 
cujas  mjclhoras  ficou  remontada  com  btljezas ,  marrafa  ,  cas- 
tanhinha, e  hum  rabicho,  que  lhe  armou  de  trancinhas  ,  co- 
mo certamente  o  não  faria  o  melhor  Professor  j  consta  que 
já  sahe  fora  ,  porque  a  semana  passada  foi  vista  na  feira  ,  na 
mão  de  hi'm  rapaz  que  a  vendia,  e  hum  calvo  vendo-a  "tom- 
bem lhe  proraeueo  por  çlla  quinhentos  e  trinta  ,  e  hum  copo 
de  ponche  de  molhadura  ;  espera-se  que  este  Alsquinistà  ad- 
quira huiiia  grande  frcguezia  ,  e  que  s^ja  reputí>da  a  i\]2  ha- 
bilidade em  grande  preço  ,  na  opinião  dos  calvjsras  do  icm.- 
po  presente,  que  não  são  poucos,  depois  cjue  per  falta  de 
gomraa  se  usarão  de  poz  de  trigo,  e  de  balatas. 

Máximas  do  Vdho  de  Romulares  continuadas  na  makr 
farte  destes  Folhetos, 

Todo  aquelle  homem  que  ignora  , 
Quanto  devia  saber , 

He  mais  hum  bruto,  entre  os  homens,. 
Que  íó  serve  de  comer. 


C67 

JiTandas  fazer  hum  vestido 
Para  o  corpo  (e  cubrir , 
Porém  por  desvanecido , 
Tafulão,  e  pouco  esperto, 
E's  táo  escravo  da  moda, 
Qiie  andas  sempre  mal  cuberto. 

Que  fácil  he  prometter 
O  homem  ludo  o  que  tem  i 
Quando  o  desejo  quer  ver 
Satisfeito  em  mal,  ou  bera? 

Mas  depois  que  a  conseguir 
Gs  seus  desejos  começa , 
Qiião  difíicultoso  he 
De  se  cumprir  a  promessa! 

Não  sejas  tão  ignorante, 
Que  intentes  botar  fatexa, 
Sem  veres  do  porto  o  fundo; 
Que  pode  em  roxa  constante^ 
A  ancora  nao  pegar , 
E  fícar  trincada  a  amarra. 
Que  te  deve  segurar. 

Os  homens,  que  o  sabem  lúo  ensinão, 
Ourros  que  ensinão,  e  o  contrario  fazem; 
Sáo  huns  monstros  em  tudo  desiguaes, 
De  que  servem  taes  homens  entre  os  mais  ? 

Julga  o  homem  grande  sorte  , 
Ter  muitos  gostos  na  vida  , 
E  larga  fama  na  morte  ; 
Sempre  esta  aura  se  tem  visto," 
Mas  depois  do  final  corte, 
Que  vai  isto? 

No  livro  da  Viuva,  mencionado  na  falia  do  Folheto  n.» 
f?9  desf.H  Collecçao  ,  se  achou  a  seguinte  quadra  cora  a  sua 
giosa^que  não  deve  ficar  no  escmo  pur  ter  algum  merecimento. 


<  7  ) 

^dJiH   votos  de  querer-te.y 
Mil  emjentos  de  adorar^te  , 
íort una  foi  conhecerei e  ^ 
Desgraça  será  deixar -te, 
GLOSA. 
I. 
No  peito  hura  altar  ergui 
Por  dar-te  o  culto  melhor  j 
Foi  o  Sacerdote  Amor 
Por  mãos  de  quem  to  offereci? 
Por  mim,  por  elle,  e  por  ti, 
Jurei  de  nunca  offender-ie, 
E  para  a  vida  offerecer-te, 
Entre  promessas  mais  claras , 
Pondo  as  mãos  nas  Santas  Aras  j 
^ã  fiz  totós  de  querer^te. 
II. 
Sempre  em  querer-te  empenhado, 
Verás  o  meu  coração  ; 
E  já  mais  de  ingratidão 
Espero  ser  accusado  : 
Meu  cruel,  e  antigo  fado,, 
Não  terá  poder  ,  nem  arte , 
Para  de  mim  separar-te 
Neste  empenho  tão  distincto ; 
Onde  i  rad  :  instante  sinto, 
MH  cwfcn/ji^f  de  aàorar-te* 
III. 
Coi.iieci  que  tu  só  eras 
'Jigna  de  empenho  tão  puro, 
E  pelos  teus  olhos  juro  , 
Que  estas  falias  são  sinceras: 
Ah  roeu  bein  ,  se  tu  souberas 
O  mais  que  não  sei  dizer-te ! 
Virias  a  convencer-te , 
De  que  para  o  meu  amor, 
No  mundo,  a  saa  maior 
Fortuna  ,  joi  conhecer^te. 
IV. 
Multrs  terão   por  loucura 
A  minha  justa  paixão, 


(35 

Cegueira  lhe  cliamaráõ, 

Mas  eu  chamo-llie  ventura: 
De  tristeza,  e  de  ternura, 
Suspirar  por  toda  a  parte; 
Contínuarnente  adorar*te. 
Sem  poder  cahir»te  em  graça  , 
Ninguém  cuide  ,   que  he  desgraça  , 
Desgraça  será  deixar -te. 


A  V  I  S  O  S. 

Qjjem  tiver  achado  algom  dinheiro  por  vezes,  e  onao 
íqxúx^  restituído  por  não  saber  a  queai ,  querendo-se  de  aU 
gum  modo  desobrigar  de  algum  pezo,  que  este  lhe  faça  na 
íilgib^ira  ,  diriJ3-se  á  loja  da  Gazeta,  e  faça  a  obra  mérito- 
íia  de  comprar  a  Coilecção  do  primeiro  Tomo  do  Almocre- 
ve de  Petas,  qus  nisto  faz  hum  grande  serviço  a  si ,  e  a  mim  , 
pois  que  o  Almocreve  está  á  e?pera  dos  quarenta  réis,  co- 
rno os  barbeiros  á  espera  do  vintém. 

Quem  quizer  comprar  huma  partida  de  chá  verde,  que 
já  está  maduro  por  estar  cm  Lisboa  ha  quarenta  annos  ,  fal- 
íe  com  Monsieur  Garnize  ,  que  tem  a  commissao  de  o  ven« 
der,  c  pode  ser  que  o  dê  era  conta,  por  se  achar  falto  de 
cobre  com  letras. 

Avisão  de  Mirandeíla  ,  que  ha  naquelía  Villa  huma 
anulher  de  hum  Molleiro  com  o  sestro  de  comer  pó  de  pedra 
misturavio  com  cal,  e  arêa  ,  de  sorte ,  que  havia  dia  ,  que 
comia  dois,  e  três  arrates:  o  marido  dizenao  mal  á  sua  vi- 
da ,  pois  já  lhe  talfão  duas  mós  do  moinho,  fallou  como 
Medico,  e  ententando  este  quartar  semelhante  vicio,  o  con- 
seguio  por  meio  de  algumas  exquisitas  ,  e  particulares  recei- 
tas ;  porém  nao  se  sab:?  qual  foi  melhor  para  o  marido ,  pois 
que  a  dita  mulher  deixando  de  se  rebocar  por  dentro ,  deo  em 
se  rcbojar  por  f.Sr^  com  alvaiades,  cor,  c  outras  unturas  des- 
ta natureza  ,  dcsíi garando-se  de  tal  fórma,  que  nem  o  mari- 
do ás  vezes  a  conhece. 


LISBOA.    NA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMFOS. 

18  19. 
Com  liceu^a  d;t  M(^si4  do  Desembargo  do  Paço» 


N 


ALMOCREVE   DE  PETAS. 
PARTE    XCL 

Chafariz  da  Praça  19  ds  janeiro. 


Egras  modas,  negras  tafularias,  quantas  desordens  cati- 
saes  ,  o'  têmpora  ,  o*  mores  !  oh  tempo  das  amoras  !  mas  quod 
natura  datur  nemo  negare  pote  st ,  o  que  se  mefte  nos  armá- 
rios ,  nao  se  pode  pôr  atrás  dos  potes:  hontcm  quasiá  noite 
tinha  sahido  vestido  de  ponto  em  branco  hum  TafuI  para  ir 
a  huns  annos ,  onde  todos  os  trastes  erno  do  ultimo  trinco  ; 
huma  grande  poupinha  adiante  ,  nocabcllo,  e  atrá^  hum  chi- 
cotiniio  de  meio  palmo  de  comprido  muito  tezo,  e  pegado 
ao  casco:  passou  pois  este  pcriquiteto  saltando  de  pcdrinlia 
em  pedrinha  por  pé  do  chafariz  da  Praia  ,  c  como  debaixo 
•dos  pés  se  Icvantao  os  trabalhos,  andando  hum  Galego  na- 
quelle  sitio  de  cabeça  baixa  esgravatando  na  lama  ,  como  quem 
procura  alguma  cousa  que  pcrdeo,  ergucndo-se,  e  desvian- 
se  para  o  deixar  passar  ,  dá  de  repente  hum  piilo,  salta  nel- 
le  pelas  costas,  e  agarra-se-lhc  ao  rabixinho  a  gritar:  Lar* 
gue  sou  ladrão,  largue  sou  ladrão  ^  acudio  logo  toda  a  maf- 
tezia  de  barril ,  vierao  os  dos  chussos  pegão  \\o  pobre  homem  ^ 
91 


pergunfao-IKe  a  causa  daqiiella.  desordem,  e  elle  sem  acertar 
palavra,  bv-ílbiiciante  de  susto,-  mas  o  Galiego  todo  aforsura- 
do  sem  ainda  querer  largar  o  rabicho  do  miserável ,  gritou: 
Mjudem-ine  a  segurallo  ^  que  me  fortou  asusptro  do  barril  ^ 
e  agora  tem-o  agarrado  ao  cachaço  sem  o  querer  largar  :  foi 
então   geral  o  riso  em  todos,  eo  pobre  Taful  corrido ,  e  en- 
vergonhado jurou  de   não  usar  mais  se  nao  de  castanha,    só 
para  ter  o  gosto  de  a  fazer  estalar  na  boca  a  muita  gente. 
liua  do  Carvalho  23  de  [janeiro, 
António  ,  hva  teu  irmão  hoje  comttgo  ,  coitado ,  que  tam^  ■ 
hm  he  gente  ^  e  quer-se  divertir  ^  ista  dizia  D.  Brígida  a  seu 
íilho   mais  velho,    que  tinha  tanto  de  esperto,   e  prudente,, 
quanto  o  queridinho  da  Mai  tinha  de  tolo»  S.nhora^  lhe  res-- 
pondeo  elle :  ^r  ni,  não  sabe  o  que  elle  he  ?  acaso  ignora  ,  que 
o  rapaz  nao  abre  boca  que  não  diga  asneira',    fiem  jaz  ac* 
ção  y  ciue  não  obre  parvoíce  ?  respondco-lhe  a  Mãi ,  a  pezar 
disso  leva- o.  comtigOy.  e  elle  que  não  falle\^    nem  fc^Ça  acião 
que  tu  lhe  não  determines  \    ficou  isto  justo,  e  foi  chamado^ 
o  André,,  e  advertido  do  que  havia  decxecutar  na  companhia^ 
de  seu  irmão:  chegou-se  a  noite,  vestio-se  o  rapaz  com  o  seu.> 
colete  azul  de  seda,  seu  calção  de  setim  preto,  e  sua  casaca 
escarlate,    na  qual. logo  pregou,  huma  moncada  por  culpa  da 
Mai ,   que  lhe  esqueceo  dar-lhc  lenço  \  foi  para  a  sociedade 
muito  bera  ensaiado,  e  o  irmão  logo  teve  a  vigilância  (ape- 
nas entrou  na  casa  da  Assembléa  )   de  arrumar  o  rapaz  para 
traz  do  cravo ,  lugar  onde  costumão  ficar  os  velhos,  que  era 
quanto  se  canta  se  póem  a  cabeciar  com  somno  em  siraa  do 
castão  da  bengalla  :  ora  o  rapaz  executou  á  risca  a  adverteiT- 
cia ,    pois  perguntando-lhe   huma  Senhora  se  queria  contra- 
dançar, não  respondeo  palavra  ,    até  que  o  deixou  entenden-- 
do  que  era  mudo  :  entrou-se  na  contradança.,.,  e  observcii  el- 
le que  dois  sugeitos,  que  ficavão  em  hum  canto  fronteiro  es- 
tóvão  sem  dizer  palavra,    até  que  o  rapasinho  não  se  pôde 
ter,  (julgando  que  achava  cartas  do  seu  naipe)  lovantou-se 
donde  estava,  foi  direito  a  elles,^.  e  abanando-os  llies  disser 
O'  Senhores  ^  Vv.  mm.   também  são  tão  tohs  como  fu^  por» 
que  pergunta  V^  w.  isso}  respondeo  hum  delles  :  disse  ora* 
paz  porque  Vv,  mm»  não  tem  dado  palavra ,  e  enttndotjue  he 
por  não   dizerem  asneiras  \    tornou-lhe  o  outro,    pois  r.uem 
uâo  jalla  he  tolol   instou-lhe  o  rapaz,  sim  Senhor-^  assim 


(  3  ) 
é^cm  quem  falia  muito  íempre  o  be  ^  que  assim  o  disí  ;;//- 

fiha  Mãi\   foi  esta  Ruma  resposta,   qub  fez  logo  encordoar 
hum   Cadete,   que  estava   perro  delies ,    e  que  ainda  toda  a 
noite  nao  tinha  fecliado  a  boca  ,  matando  de  dor  de  ilharga 
huma   Senhora  ,    em  lhe  contar  ^  historia  de  Carlos  Magno 
de  cabo  a  rabo;  exaggcrando-lhe  o  affecto  da  constante  hia^ 
ripei  com  Gííí  de  Horganha  ,    e  rogando-Ihe  que  fosse  assim 
para  com  q\\q  ;  porém  o  Senhor  António  querendo  acudir  ás 
matrialidades   de  seu   irmão,    botou  agua  na  fervura,    e  não' 
foi  o  caso  a  mais  :    a  este  tempo  estava  a  meza  posta ,  e  fo- 
rão    chamados   para  a  cêa  ;    o  rapaz  por  nao  errar  poz-se  a 
imitar  o  irmão  em  tudo  quanto  eile  fazia  :  vio  que  o  irmão 
foi  trinchar  hum  peru,    ergueo-se  elíe  tnmbem  ,    e  foi  trin- 
char hum  prato  de  seílada  ,  e  trinchadura  ^ò\  ella ,  que  botou 
prato,    e  molho  por  sima  de   huma  velha  muito  caiada,  que 
Jhe  íicava  ao  pc ,  a  qual  lhe  rogou  pragas  iramensas ,  depois 
vendo  o  rapaz,  que  huma  Senhora  ,  por  affecto  ,   mettia  hum 
bocadinho  de  perii  na  boca  ào  irmão  ,  e  estranhando  muito 
que  \\\ii   não  fizessem   o  mesmo  a  elle,    abrio  a  boca  para  a 
velha  que  lhe  ficava  ao  lado,  querendo  que  ella  também  lhe 
mettesse  os  bocados  na  boca  :    a  velha  que  julgou  isto  ma  li- 
gação  atirou-lhe  huma  formidável  bofetada  ,    de  que  se  se- 
guio  engaifinharem-se  ambos,  vir  a  banca  ao  meio  do  chão, 
fazer-se  a  louça  em  pedaços,  até  que  o  Senhor  Anronio  le- 
vou   de  envergon-hado   o  Senhor   André   aos  pontapés  pela 
efcada  abaixo:  a  velha  exaltou-:íe-!he  o  esférico  de  tal  sorte, 
que   está   cuberta   de  vcnrozas ,    e  ja  se  despejarão  dois  col- 
xoes  para  lhe  dar  a  cheirar  lã  queimada,  que  de  algum  mo- 
do: a  tem  feito  tornara  si:    cantinuar-^e*-háo"OS'deátemperoSK 
do  Senhor  Andié.  ^"'■.'"'  ' 

Indo  á  Commi.^sno  por  certos  motivos  no  Tribunal  da 
Razão  huns  Autos  em  que  letigão  os  doií  sexos,  cujos  Au- 
tos andão  por  traslado  na  parte  ^'4,  e  85-', -do  primeiro  To-* 
mo  do  Almocreve  das  Petas^  '  e  no  primeiro ,  e  segundo  fò*-^- 
Ihetos  deste  II.  Tomo ,  nonieou-se  para  Rclaror  hum  ho- 
mem dos  mais  experientes  do  jogo  do  mundo  sincero,  e 
desinteressado,  servindo-lhe  de  adjuntos  duas  Senhoras  bas- 
t^nremente. sérias,  e  prudentes,  e  desta  conferencia  sahio  o 
seguinte 


(4^ 
A  e  o  R  D  Â  O. 

Acórdão  08  do  Tribunal  da  Rnzao.  que  v.istos  estes  au- 
tos de  provas,  e  contraditas  era  que  Jerigao  ambos  os  sexos, 
cxaminaiido  ioda  a  subsrancia  dos- mesmos  autos  se  vé  a  folh. , 
que  o  Author  está  bastantemente  flagelado  pelo  feroz  génio 
de  sua  Esposa  ,  e  que  os  motivos  da  sua  paixão  combinados 
com  os  pareceres  dos'  Filósofos  antigos  sobre  as  qualidades 
de  huma  mulher,  o  allucinoude  tal  sorte  quando  narrou  o  seu 
flagello  ,  que  comprehendco  todas  as  outras  mulheres,  deven- 
do fazer  alguma  excepção  j  e  mosira-se  que  destes  lances  ira- 
penssados  nascera  os  desacordos ,  e  por  isso  nesta  parte  ad- 
mitte  toda  a  desculpa» 

Vê-se  que  quando  fallou  dás  moléstias  do  sexo  fcraeni- 
1)0  te\'e  roda  a  razão,  pelos  artifícios,  que  a  este  respeito  se 
tem  descuberto  no  mundo,  e  que  este  fingimento  para  diver- 
sos fins,,  por  ser  já  de  costume  em  quasi  todas  as  Senhoras ^ 
lera  traiístornado  a.  ordem  de  muitas  casas-,  e  fulminado  a  des- 
erdem delias,  vindo  os  muitos  exemplos  desta  natureza  a  ser- 
vir de  prova  evidente  a  favor  do  Author  no  presente  Cap. 

He  igualmente  innegavel  a  vaidade  de  que  se  nutrem, 
como  aponta  o  Author  a  folh.,.  e  a  fòlh.,  pois  até  chegãa 
por  desvanecidas  a  arrogar  a  si  o  tratamento  de  Senhoria  ,  que 
rauitas  vezes  não  tem ,  fazendo  jactância  da  formosura  para  a 
desinquietação  dos  homens  ;  o  que  fica  bera  provado  pelo 
Author  nos  documentos  que  ajunta  a  folh. 

Não  deixa  cora  tudo  de  merecer  toda  a  séria  reflexão  a 
preguiça  de  que  he  arguido  orae?mosexo  feraenino,  pois  de* 
ve  nesta  parte  merecer  alguns  elogios  este  sexo ,  e  ficar  ad- 
vertido o  Author,  em  que  não  he  prova  bastante  na  occur- 
rencia  de  hum  sem  numero  de  Senhoras ,  achar-se  hum  pe- 
queno numero  delias  cora  alguma  froxidão,  pois  que  o  me- 
lindre, e  delicadeza  do  mesmo  sexo  as  desculpa  de  serem  me- 
nos hábeis  para  hum  trabalho  mais  assiduo.. 

Menos  razão  se  concede  ao  Author  èra  accusar  as  Se- 
nhoras de  golozas ,  porque  ordinariamente  nenhuma  Senhora,, 
de  qualquer  estado,  ou  condição  que  seja ,  inda  arrastou  a^ 
sua  casa  pelo  sustento  quotidiano ,  por  serem  de  muito  pour- 
Co  aliracnto. 


Em  as  tratar  de  enxovalhadas  a  ío\íh  rtao  obrou  âehoà 
fé,  pois  tem  contra  si  a  grande  prova  das  muitas,  c  mnírai 
faltas,  que  se  conhecem  na  casa  onde  vive  hum  homem  gó, 
sem  o  aninho  ,  zeío,  e  cuidado  de  ha  ma  mulhen 
r  s  Em  que  de  forma  alguma  se  lhe  náo  pode  escurecera  ra- 
zão ,  he  no  Cap,  da  iiteraiura  dasSenhoras,  vrsío  que  a  gen- 
te se  náo  farta  de  ouvir  a  cada  instante  mil  historias  da  af- 
fectaçao  do  juízo  de  quasí  rodas,  em  que  tropeção  com  al- 
guns desconcertos,  lao  irrisório»,  que  cfaegâo  ao  pomo  de 
merecerem  roda  a  compaixao,- 

Examinando  porém  o  Libello  folh.  da  parte  85',  offere-^ 
eido  conrrí!  os  homens,  se  desfaz  a  instancia  do  primeiro 
Cap.  com  dizer-se,  que  por  maisf  inquietadores  que  os  homens 
sejão,  nâo  tem  forças  bastantes  para  obrigar  huma  mitíher  a 
ter-lhc  amor,  se  elía  esquecendo-se  do  recato,  da  modesrís,. 
€  do  respeito  com  que  deve  deknder-se  se  não  arreganha  pa- 
ra este,  e  para  aquelíe,  que  ha  tal  que  de  tudo  se  ri,  e  em 
tudo  acha  graça,  principalmente  se  a  gabão,  balda  certa  de 
quasi  todas. 

Mostra-se,  e  muito  claramente  se  deixa  ver  em  todoíos 
outros  Capitulos  do  mesmo  Libello,  o  qual  foi  muito  bera 
impugnado  ,  e  sustentado  frouxamente ,  que  ainda  no  caso 
concedido,  que.hajão  homens  máos,  desordenados  no  trafe- 
go da  sua  vida  ,  e  de  más  condições ,  nem  por  isso  fica  o  se- 
xo feminino  ao  ponto  de  merecer  favor  algum  nos  fíagellos, 
que  soffre  a  mulher  de  hum  máo  Marido  :  I.  Porque  nin- 
guém a  obrigou  a  casar :  II.  Porque  não  rinha  necessidade 
de  casar  sem  reflexão:  III.  Porque  quiz  homem  que  tivesse 
dinheiro,  e  não  homem,  que  tivesse  }Uizo  :  IV.  Porque  o 
quiz  sem  dinheiro ,  e  sem  juízo ,  e  só  se  elevou  do  toque  da 
rebeca,  da  guitarra,  e  do  solo  Inglez:  V^  Porque  já  houve 
huma  ,  que  se  agradou  de  hum  Taful  por  hum  geitinhoque 
dava  ao  braço  quando  tirava  o  chapéo.  Ficão  poiçí  manifes- 
tas, e  convencidas  as  subtis  idéas  com  que  o  sexo  feminino 
pertendia  anniquillar  os  homens,  para  obrigar  a  compaixão 
do  género  humano  ;  o  que  lhe  não  pôde  de  forma  alguma 
aproveitar,  logo  que  as  mesmas  Senhoras  são  a  causa  dos  seus 
próprios  males,  e  d(  s  estragos  dos  homens. 

Por  tanto,  e  pelo  mais  dos  autos  condemnao  ao  sexo  fe^ 
minino  na  perda  dos  agrados,   c  namoraçóes  adventícias  y  e 


(6) 

âdai^em  voltas  a  quantos  vestidos  tiverem,  reformãíiiío-se 
no  traje,  iio  perfixo  terino  de  oiro  dias,  nâo  apparecendò 
nas  ruas  de  Lisboa  se  não  ao  Domingo,  e  dias  Santos,  cora 
o  Dono  da -casa  ,  e  toda  a  mais  fragumalha,  que  tiver  das 
|)ortas  para  dentro,  por  evitar  desre  modo  o  haverem  ruas 
em  que  íio  dia  de  semana  se  encontra  maior  numero  de  mu- 
lheres, que  de  homens;  e  assim  mais  as  conderanáo  nas  cus^ 
tas,  que  não  passão  de  quarenta  réis  »  século  passado  »  Ho^ 
mstidade  »  Mediania. 


Petição  qvs  fez  o  sexo  femifiino  para  Embargos  d 
sentença. 

Diz  huma  Dama  aggravada 
Que  se  proferio  sentença  , 
Fazendo-íhe  grande  o ffensa 
Na  forma  com  que  foi  dada  : 
Pertende  seja  embargada  , 
Pois  que  em  vexame  se  vê , 

Pede,  vista  se  \\\ç.  dê  , 

Que  nno  passe  á  revelia 

Da  justa  razSo  confia, 

•E  Receberá  Mercê. 

DESPACHO* 

Dê-se-lhe  a  vista  pedida 
■  Pela  forma  que  requer  ; 
Porque  liuma  pobre  mulher 
Dcvtí  ser  sempre  attendida ; 
Seja  em'  térrnos  concedida  , 
Mas  em 'auto  separado, 
oít f  n j :-      Por*  n^o"-  ser  'etnbarâçndo 
c^      C)  Feito  na  execução  ,••     i 

Porque  isso  he  contra  a  raião  : 
Lisboa  ^i  Cu  to  passado. 


?9YDíi  8. 


1:70 

Segunda  Pttição, 

Diz  a  tal   Dama  offendida, 

Que  tem  juizo  seguro ; 

E  se  lhe  faz  rnujto  duro 

Não  ser  nos  próprios  ouvida,, 

Qae  deve  ser  atiendida 

Pois  requer  de  boa  fé  \ 

Pede  assim  como  se  vê , 
Se  lhe  ouça  defcza  tal,. 
Por  direito  natural , 
E  Receberá  Mercê, 

D  E  SP  A  CKO. 

Seja-  a  vista  comredida  , 
Nos  próprios  autos,  que  diz, 
Não  gnte  contra  o  Juiz, 
Se  fica  favorecida  : 
Ouvir  mulher  oífendida, 
Sempre  he  tyranno  bocado; 
(^anto  aqui  vai  ordenado 
Execute  o  Escrivíio  ; 
Suspendida  a  execução, 
Lisboa  >i  òecuío  pasòado. 


AVISOS. 

Por  hum  Navio  Neutro,  que  navegava  pela  Bahia  de 
Biscaia ,  e  chegou  arribado  ao  l'orto  de  Lisboa  se  soube . 
liuma  noticia,  que  nao  deixa  de  ser  interessante  á  primei-- 
ra  vista  a  lodos  os  curiosos  que  vivem  rcsccnridos  do  suc- 
cesso  que  teve  aquella  preciosa  peça  feita  pelo  famoso  Ar- 
tista o  Sr.  P.  Q^  a  que  chamavao  Grão  Magor ,  a  qual  nau- 
fragou juntamente  com  o  Bargantim,  que  a  levava  a  Ingla- 
terra :  no  dia  15  de  Novembro  pela  manhã  no  Cabo  de  Pi- 
ris Terra*  descobrirão  ao  longe  no  mar  os  Marinheiros  deste 
Navio   hum  grande  cardume  que  prcsmcião  ser  de  peixes,,^ 


«  poT  cítna  áestes  muitos  pássaros  voando,  fazenao  luittlâ  gâ« 
ralhada  ,  que  incitou  a  curiosidade  do  Capitão  ,  que  era  fa- 
moso Naturalista:  como  elle  visse  o  tempo  calmoso  ,  e  o  mar 
pacifico  mandou  deitar  o  escaler  fora;  metreo-se  dentro  delle 
com  quatro  Marinheiros,  os  quaes  forão  remando  para  o  si- 
tio que  cada  vez  se  lhe  hia  alongando  mais  do  seu  Navio  ; 
como  o  dito  Capitão  tivesse  a  lembrança  de  levar  entre  ou- 
tros instrumentos  hum  óculo  de  ver  ao  longe ,  pôde  descu- 
^brir  com  este  hum  coche  pintado  de  verde  ,  e  marchetado  de 
muitos  mariscos ,  tirado  por  seis  cavallos  Marinhos ,  era  os 
quaes  montavao  Tritões  Aquáticos,  e  Delíins,  rodeados  de 
Génios  que  com  instrumentos  de  buzinas  tocavao  huma  des- 
concertada musica,  que  mais  espantava  doqueattrahia  :  den- 
tro delle  hia  Neptuno  sustentado  com  huma  mão  o  Tridente ,  e 
na  outra  a  máquina  do  Grão  Magor ,  cuja  peça  foi  achada  no 
seu  Reino,  e  a  levava  de  mimo  ao  Douro,  o  qual  a  dera  á 
Gaya  cora  quem  dizem  está  para  casar ;  e  que  ella  a  mandou 
de  presente  a  seu  Tio  o  ^Lima  ,  e  ác  \à  passou  aos  Paizes 
Baixos,,  tornando  ao  seu  centro  aonde  se  deixa  ver  por  30  réis 
a  Preto  ,  e  Branco.  Toda  a  pessoa  curiosa  que  a  quizer  ver 
por  informação,  falle  com  os  que  a  virão,  que  elles  lhe  ex- 
plicarão tudo  pá  ,  pá  Santa  Justa. 

Quera  quizer  comprar  humas  horas  vagas  ,  que  são  de 
hum  homem  Mandrião  de  Tal,  que  as  tem  possuido  nos  dias 
da  sua  vida,  e  lhe  não  servem  para  cousa  alguma,  vá  faliar 
com  elle  a  sua  casa,  aonde  o  achará  de  manhã  até  ás  onze  ho- 
ras na  cama ,  e  de  tarde  no  Passeio  Publico  a  expriguijar-se 
:á  sua  vontade. 

Domingo  passado  na  rua  dos  Correeiros  cm  hum  outei- 
■ro  que  se  fez  em  obsequio  dos  annos  de  certa  Senhora  ,  hou- 
-ve  hum  curioso  de  Poesia,  que  miseravelmente,  com  a  for- 
'Ça  de  se  explicar  torceo  hum  pé  á  Decima  que  repetia,  ^ 
'qual  foi  cm  braços  para  o  hoí^pital ,  e  consta  que  já  passou 
para  a  enfers-nnria  dos  incurav.'is. 

Qiiem  tiver  vista  curta,  ou  padecer  moléstia  de  olhos, 
vú  'inorar  para  a  Boa- Vista. 


USiSOA.     iNA  OFFIC.  DE  J.  F.  M.  DE  CAMPOS. 

í  ^8  i  9. 
Com  licença  da  Meza  do  Desembargo  do  Paço* 


L 


ALMOCREVE   DE   PETAS. 
PARTE    XCII. 

Rua  Bella  da  Rainha  2  de  Fevereiro. 


Ellio  Fábio,  filho  de  Fábio  Lellio,  e  de  D.  Aylilh 
Reza,  Sobrinho  de  Roza  Aylylla ,  c  Nero  de  Tritollé , 
descendente  de  macho ,  a  macho  do  homem  de  ferro  de  Toledo , 
moço  de  prendas,  por  servir  nesta  Cidade  hum  amo,  que 
as  tem  boas,  que  como  delias  vive  o  trás  «a  clle  cheio,  íar- 
to ,  e  muito  anafado,  representando  luim  Hgurao  de  mao 
cheia ,  andava  este  na  amorosa  pertençao  de  satisfazer  a  vista 
de  huma  Senhorita,  que  tmha  huns  olhos  de  azeite,  e  vina- 
gre, postos  em  huma  cara  cor  de  enxúndia  de  galinlia  ,  de 
rexunxuda  que  era  ,  e  nao  deixava  esta  também  da  sua  parte* 
perder  hum  instante  de  o  ver  quando  elle  passava  :  neste  dia 
em  que  elle  vtnha  nos  bicos  jDos  pés  pelo  raeiodarua,  acaso 
estava  a  dita  suppiicada  á  sua  janella  dando  corda  ao  seu 
relógio  de  contemplação  :  o  supplicante  que  o  vio  parou 
justamente  sobre  iium  ralo  dos  que  recolhem  as  aguas  nos 
canos  da  mesma  rua,  tirou  elle  lambem  pelo  seu  relógio , 
que  era  destes  de  atrazar  o  tempo  feito  em  Hamburgo ,  e 
4o  tamanho  dos  que  se  fazem  na  pexelaria ,  para  regular  as 
91 


(O 

Jioras  com  o  da  Senhora,  e  á  vista  da  bella  vista  ficou  em 
hum  extasi ,  que  nao  sentio  cahir-ihe  o  tal  relógio  das  mãos , 
cahindo  com  tanta  infelicidade,  que  se  lhe  foi  como  hum 
passarinho,  por  hum  dos  buracos  abaixo:  torna  o  homem  a 
si,  que  parece  que  íicou  sem  pinga  de  sangue  na  algibeira, 
e  seai  cousa  alguma  que  vallesse  cinco  réis,  que  destes  ha 
muitos  em  Lisboa  :  houverão  alli  logo  almas  compadecidas 
destas  que  levando  cinco,  trazem  seis,  que  o  consolavao 
com  esperanças  de  que  algum  dia  appareceria,  e  hum  rapaz 
muito  gaiato  assignante  effectivo  do  Comboy  do  assucar 
junto  ao  torreão  d' Alfandega  ,  foi  o  que  se  offereceo  para 
ir  pelo  cano  dentro  buscar  o  relógio,  para  o  que,  disse  ^z 
dono  que  senão  tirasse  daquelle  lugar  ,  e  que  lhe  gi  * 
decima ,  para  elle  saber  debaixo  onde  era  a  paragem  - 
o  relógio  tinha  cahido  :  fòi  o  rapaz  com  muito  bom  suv 
so,  e  de  espaça,  a  espaço  era  hum  gostinho  ouvir  o  Tati  : 
a  gritar:  cã  esíou,  cd  ertou ,  cd  estou  ^  e  como  não  sentisse 
por  baixo  o  rapasinho,  para  lhe  fazer  mais  viva  a  voz,, 
poz-se  de  joelhos  no  meio  da  rua ,  e  cora  a  boca  no  ralo 
dava,  coroo  podia,  maiores  signaes  de  que  alli  estava;  po- 
rém huma  ^Qg^  ^  que  corria  a  todo  o  panno ,  e  trazia  o  Bo- 
leeiro mais  farto  de  vinho  do  que  eu  estou  de  moedas,  não 
Ulie  dando  tempo  a  levantar-se,  inda  lhe  quebrou  huma  per- 
ija  ;  e  levado  em  braços  sem  o  seu  rico  relógio,  que  estava 
avaliado  em  quinze  tostões,  mandou  na  convalecença  dizer 
4  Senhora  por  escrito,  que  não.  tinha  dúvidacontinuJrna  sua 
correspondência,  cora  tanto  porém  que  lhe  havia  mandar 
hum  relógio ,  pois  que  a  seu  respeiío  tinha  perdido  o  que 
possuia :  A  Senhora,  que  vio  tão  redicula  petição  aban- 
donou logo  o  objecto,  e  tirou  aquella  lição,  que  dev<?m  ti- 
rar todas  aquellas  que  se  elevao  nos  namorados  aventureiros, 
q-ue  andão  de  esquina  era  esquina,  tirando  o  chapéo  a torto^ 
«  a  direito,  de  longe,  e  de  perto  á  velha  que  está  ao  Sol: 
íta  trapeira,  e  á  criada  quando  da  janella  da  cosínha  bota 
agoas  fora. 

"Rua  Áurea  y  de  Fevereiro. 

Nada  ha  que  possa  rebater  a  paixão  daquelle  homem, 
ífue  não  tem  no  ratciocinio  aquella  igualdade  de  pezo,  que 
Éa  oão  havec  desconcerto    nos.  seus  transportes,   pois  pen^ 


C  3  i 

dendo  a  esta,  ou  áquella  parte,  esta  inclinação  ás  vcze»  sti'* 

jeita  a  vontade  a  mil  parvoíces,  que  obra  sem  tora,  nem 
som  quando  se  topa  hum  homem  destes,  costumao  os  outros 

t  dizer  que  aquillo  nelle  lie  fado,  outros  que  he  sina,  e  ou* 
tros  que  duro  he ,  e  mal  se  cozeo  :  eu  não  me  Importa  de^ 
cidir  o  que  he,  pois  só  pertendo  fazer  ver  no  presente  caso 

i  hum  homem  que  toda  a  sua  delicia  he  a  pescaria  de  noite, 
e  de  dia  ao  candeio,  inda  que  ha  quem  diga,  que  elle  dis«* 
to  não  pesca  nada.  Este  bom  homem  impossibilitado  ha  quinze 
dias  de  poder  satisfazer  o  seu  appetitc  por  causa  dos  tem- 
poraes  que  tem  havido,  andava  como  exasperado  de  sorte, 
<]ue  nem  os  amigos  já  o  podião  aturar ,  até  que  hum  destes 
,Jhe  disse  por  eh  asco :  Não  fws  caus  tiques  mais ,  se  queres 
pescar  enguifis  em  iua  mesma  casa  o  poderás  fazer  y  por^ 
que  o  tempo  o  permitte  j  como  assim ,  lhe  perguntou  o  oU' 
tro}  e  foi-Ihe  respondido,  vai  para  tua  casa  leva  humas 
poucas  de  minhocas  em  hum  pcquefio  camarueiro ,  inda  que 
seja  de  alguma  coifa  velha  ,  atalhe  bum  cordel ^  e  lança*^ 
v  pela  casinha  de  s  rventia  que  tiver  a  tua  cozinha  ^  tfue 
comú  esta  corresponde  ao  cana  da  Cidade  ,  em  a  maré  cS'» 
tando  preiamar  conseguirás  fazer  huma  abundantissima 
pesca  \  foi  dito,  e  feito,  e  com  tanta  felicidade  que  em  ra* 
;í5ao  de  engulas  assenta  o  homem  que  tem  dentro  era  casa  a 
Alagôa    de  Óbidos,    tão  elevado  nesta  pesca,    que  se  fecha 

I       jia   tal   casinha ,    de  pela  manha  até  á  noite  sem  Jhe  lembrar 

^      'jçomer,  nem  beber,  esperando  a  maré  das  enguias, 

I      %arta   que   mandou  9   Correspondente  de  Lisboa  ao  Cava* 
^  iheiro  de  Braga  mencionado  em  algumas  partes  desta 

Collecçào  mandando^lhe  algumas  novidades  de  Lisboa. 

penhor  D.  Sonho  Sonhe  y  depois  que  recebi  as  suas  pre- 
^Closas  Cartas  em  que  me  participava  os  seus  exquisitos  so- 
^.hos,  vi  que  na  ultima  V.  m.  me  pedia  novidades  de  Lis-f 
Jboa;  então  por  falta  de  tempo,  e  por  diversos  motivos  nao 
p^tisfiz  ao  seu  empenho,  agora  porém  me  resolvo  cumprir 
com  o  seu  deáejo  por  desafogar  o  meu  espirito  ,  que  tão 
çan<;ado  se  vê  de  observar  ,  e  experimentar  as  desordens  da 
íafularia  de  Lisboa  :  oh  que  raras  cousas  são  commcntadas 
«par  Êuiiix^  e  por  pessoas  de  asais  séria  rcflqxio  ]   temo»  poç 


cá  multa    qualidade    de    gente,    e  vendo-se  Lisboa  povoada 
de  Portuguezes  ,  observa-se  entre  elles  tal  variedade,  que  al- 
guns até  se  hzein  Gregos  pelo  rauito  que  custáo  a  entender: 
cu  vou  por  hunia  rua  ,    e   encontro  quatro  Pnntalóes  descor- 
rendo  em  Mathematicas  ,    dando  terras,  e  novos  mundos  no 
centro  da  Lua,  descobrindo  mil  Cometas,  primeiro  (mt  a  si 
se  descubrao  ,    levando   pela  regra   de  dois  dedos   da' mesma 
Mathematica  tudo  á  espada  i  escarnecendo  o  pobre,  que  hu- 
mildemente lhe  roga  o  scccorro   de  huma  esmolla ,  e  libera- 
lisando  somente  os  affaveis  cortejos   á  esperta  rapariga  com- 
boyada   por  sagaz,    e   perdida  velha,    que  volve  os  ollics  á- 
quelles  onde  conhece  que  ha  lombrigas,  segundo  o  nosso  an- 
tigo rifão:    volto-me  a  outro  lado,    e  vejo  hum  cardum.e  de 
usurários  destes,  e  daquelles  rebates  sem  mágoa  nem  cora  pai* 
xíío  do  afflicto,   que  lhos  commette,    formando  sobre  o  ali- 
cerce da  necessidade,  o  edifício  dos  seus  exorbitantes  lucros j, 
e  então  passando  avante  vejo  outros  de  comedido  traje,  pas- 
sos lentos,  a  cabeça  inclinada  aos  pés,  com  os  olhos  ineios  • 
abertos,  meios  fechados,  lanhando  pela  boca  fora  alguns  con*^ 
ceitos  de  razão,    oh    que  mescla  !    quando  pensamos  destes, 
que  estamos  com  hum  homem  virtuoso ,  sem  sabermos  o  como , 
ou  por  onde  nos  veio  este  raro  bem,  que  por  tal  o  julgamos  ,  e 
se  introduzio  esta  séria  figura  no  negocio,  ou  contracto  des- 
te,  e  daquelle  amigo,  então  vemos,  que  se  não  levanta  com 
mais    facilidade  o  panno  da  Opera  acima  ,    como   este  bom 
heròe  se  transforma  em  Pitemetre,    rodando,  galopando,  e 
caloteando  os  homens  bem  criados,  sérios,  e  de  todo  o  cre- 
dito ,  que  fazem  brilhante ,  e  respeitável  esta  Capital  :  tanto 
pôde  a  bondade  destes ,  e  a  astúcia  daquelles ,  que  só  pertcn- 
dem  conseguir  a  alma  do  negocio,   sem  se  precaverem  para 
o  negocio  da  alma  !  Aqui  me  volto  a  outro  lado  ,  e  vejo  hum 
turno  de  gente  desta  que  pornoita  ,  e  amanhece  nos  bilhares, 
sem  modo  de  vida  ,    sem  credito  para  o  adquirirem ,  susten- 
tados pela  Divina  Providencia,    povoando  os  Cafés  das  mes- 
mas casas  de  jogo ,   dando   de  palanfrorio  volta  ao  mundo 
com  medo  não  se  esturre ,   e  alli  com  a  maior  desenvoltura 
mermurao  do  pretérito,  do  presente ,  e  do  futuro,   e  o  mais 
hc  que  entretidos  nesta  vagabunda  vida ,    quando  se  procura 
hum  rapaz  para  este  ,   ou  aquelle  exercício  era  que  se  occu* 
pe,  e  ganhe  algum  vintém,  nâo  se  acha:  he  huiiia  dascoiL-- 


CO 

sas  com  qjue  pasmo  !  ver  a  carestia  de  tvão  em  Lisboa,  e 
já  por  nossos  peccados  fora  delia,  dí;sde  o  gcntTo  itiais  infe- 
rior,  até  ao  mais  superlativo,  e  haver  então  menos  quem  se 
sujeite  ao  trabalho.  Eu  não  creio  em  bruxas,  que  se  fosse 
velho  do  antigo  tempo  capacitar-me-hia  de  que  tantos,  e  tan- 
tos indivíduos  desta  narurezn  se  poderiao  manter  só  por  ar- 
te de  Berliques  ,  Berloques,  conto  com  que  me  acalentava 
minha  Avó,  que  era  huma  simpleirona,  e  destas  que  virão 
na  sua  mocidade  levantar-se-lhes  três  vezes  o  coco  do  pote 
com  telhador,  e  tudo  sem  ninguém  lhe  mecher. 

Contente-se  V.  ra.  com  isto  por  agora  ,  e  para  o  ou- 
tro Correio  darei  as  crecenças,.  receba  saudades  infinitas  da 
minha  Eva ,  e  do  Joãosinho ,  que  já  cuspio  na  cara  da  Mãi 
duas  vezes  de  arrenegado ,  e  o  outro  dia  deo  hum  murro  na 
Tia  ,  de  que  cila  está  muito  satisfeita,  pelo  rapaz  dar  nisto 
mostras  de  vir  a  ser  muito  vivo. 

Amigo  que  muito  o  venera ,  e  estima 

{Assignado^        Caracol  Dias  de  Abreu. 

Da  Trafaria  escreve  hum  Barqueiro,  a  huma  Pereira 
da  Ribeira  nova,  que  he  muito  da  sua  amizade,  contando- 
Ihe,  que  hontem  pela  manha  vio  andar  junto  á  praia  huma 
earta  nadando,  qur.si  affogada,  e  que  qWq  por  piedade  se 
metteo  na  agua ,  e  a  salvou  ;  que  depois  de  a  enxugar  a  le- 
ra ,  e  achando  que  erso  versos  em  fraze  m.aritima ,  por  sa- 
ber a  paixão,  que  ella  tinha  por  versos,  pois  canta  ao  de- 
safio como  ninguém,  lhos  mandava  para  se  divertir  com  el- 
les. 

Jls  voltas  que  o  mundo  dá^. 

GLOSA. 

'E^itre  hum  Marujo ,  e  huma  Regai  eira. 

Regi         Compadre  ,  onde  tem  estado 
Sem  cá  ylr?  ai  CQiCâdinho ! 


Como  está  vossê  magrinho 
Parece  hum  peixe  escalado: 

Mar,    Com  romboá  desalvorado 
Dei  quage  á  costa  por  lá  ; 
Comadre  por  mim  verá  , 
Quando  a  desgraça  abolroa, 
E  pôe  veníos  pela  proa  , 
Jls  voltas  que  o  mundo  dii\ 
Ao  mesmo. 

Mar,    Eu  a  nove  de  Janeiro  , 
Fui  á  tasca  da  Forsada , 
Mandei  vir  meia  canada  , 
Qiie  offereci  a  hum  Barreireiro : 
Quiz  elle  arriar  dinheiro 
Respondi-lhe  eu  :  alto  Id 
Qtíe  aonde  o  Chtbante  esta    , 
Ntngueyn  mette  dorsa  o  teme , 
forque  hum  home  cá  não  teme 
-As  voltas  que  o  mundo  dá% 

Bile  antances  cabaciando , 
Diz-me,  chiba \  temos  mercta), 
Metro  máo  á  maniversia 
Fui  cora  elle  abalroando  : 
Saíra  a  Tasqueira  gritando  , 
O'  dos  chussos   venhão  cã  : 
Hum  ma' garra  ,  outro  me  dá  ^ 
Então  sem  fugir  poder, 
Do  Limoeiro  fui  ver 
As  voltas  que  o  mundo  dá» 

l^eg.     Foi  prezo  ?  ai  prove  coitado  ! 

Mar,    Sim,  no  purão  da  Enxovia, 
Fiz  hum  bordo  á  Infermaria  , 
Com  o  Thalhaaiar  csmorrado  : 
O  Chinxorro  ,  e  meu  Cunhado  , 
Tanto  labotárão  cá , 
(ÍLie  eu  fui  solto  ,  o  outro  está 
Na  prizão  farto  de  fome  , 
^Qi^ie  alli  he  que- sabe  hum  home 
ids  voltas  que  o  mundo  dá. 


C  7  > 

Qiíerendo  juntar  a  este  Folheto  os  Embargos  perten- 
centes á  eausa  que  corre  entre  Partes  o  sexo  Masculino,  cora 
o  Feminino,  se  não  pôde  conseguir  na  próxima  Instancia, 
porque  o  Advogado  das  Senhoras  pedio  reforma  de  termo,; 
que  lhe  foi  concedida. 

Continuação  das  tolices  do  Senhor  André  Irmão  do  Senhor 
/.ntonio ,    c  filho  da  Stnhora  D.  Brígida, 
lUia  da  Carvalho  9  de  Fevereiro, 
O    Senhor  André  que  depois  do  caso  da  velha  do  Fo- 
lheto antecedente  Jkára  prohibido  de  ir  mais  a  funções  pcío 
vexame,    e   risco  em  que  punha  seu  Irmão,    a  compadecida 
M^i  com  dó  do  menino  senão  divertir,  na  primeira  funçno 
que  o  Senhor  António  teve,   logo  lhe  foi  pedir,    que  qui- 
zesse  levar  o  Senhor  André  comsigo ;  a  que  o  Senhor  Antó- 
nio  repugnou    com    todas  as  instancias ,    edesfarccs;    mas  a 
Mííisinha  ,  que  he  daquellas ,  que  se  babão  pelas  suas  jóias, 
a  que   chamao  com  toda  a  ternura  pedaços  d'Alma  ,    vencea- 
a  dithculdade,   e  tem  tido  a  arte  de  fazer  o  filho  mais  tola 
do  que  era:  com  effeito  preparou-se  o  Senhor  André,  e  foi 
na    companhia  do  Senh.or  António,    em  dia  de  Procissão,  a 
huma  casa  de  gente  muito  de  bem  \  entrou  o  Senhor  André 
pela    sala    seguindo  seu  Irmão  de  cabeça  baixa,    e  fazendo 
Jiuma   zunida  de  bizouro,    em  lugar  de  comprim.ento  a  toda 
a  gente,  de  sorte  que  se  lhe  não  entendeo  palavra  ;  e  estan- 
do huma  meza  de  jogo  ,    chegou-se  elle  para  o  pé  entreteii- 
do-se  em  ver;  e  porque  as  luzes  estavao  hum  tanto  mortas, 
quando    lhe  pareceo,    de  seu  moto  próprio,    pegou  na  ihe- 
soura  das   velas,    atiçou-as  com  tanto  geito,    que  deixou  a 
todos   ás  escuras  :    levarão  os  mais  aquelle  lance  por  brinca- 
deira ,    porém    o  Senhor  António  m.udou  de  côr,    envergo- 
nhado uo  que  seu  Irmão  tinha  feito.  Huma  das  Senhoras  pu-- 
chou  por  hum  paliteiro,  e  mcttendo  hum  palito  na  boca  \oh 
o  Senlior    André   muito  lépido    pcdir-lhe  logo  outro  palito» 
com  que  se  poz  a  esgrpvatar  os  dentes;  nao  sei  porque  mo- 
tivo   cahio    j  palito  da  Senhora  no  chão,    porém  o  Senhor 
André   por  força  da  sua  politica  tirou  logo  o  palito  da  sua 
boca  ,  e  o  foi  (iffcrecer  á  Senhora  dizendo:  que  elle  hgose 
server iíA    ■wc>y:ífn  a  Serihora  acabasse  :  foi  a  gargalhada  ge- 
ral,  e  o  Senhor  Antçnio  fazendo-se  de  fel,   e  vinagre  com 


âè  matrialídades  de  Seu  Irmão.  Veio  a  roda  àe  chá  tfõUXé^ 
río-Jhe  a  primeira  chávena  ,  bebeo-a  ,  irouxerãô-lhe  segun- 
da ,  bebeo-a  ,  trouxerao-lhe  terceira,  bebeo-a;  e  o  alarve 
do  Senhor  André  sem  atravessar  a  colher  na  chávena ,  nem  dar 
signal  de  que  estava  farto  de  chá;  e  como  lhe  pareceo  ira- 
politica  deixar  de  ir  acceitando,  intalou  ochapéo  entre  os  joe- 
lhos,  e  quantas  chávenas  lhe  traziao ,  hia  vazando  na  copa: 
era  já  a  undécima  chávena  ,  e  nao  tendo  mais  onde  o  botar 
virou  para  a  Criada  que  lho  conduzia,  e  disse;  Minha  Se* 
nhora  v.?ja  o  modo  porqus  ha  de  di^er  d  Dona  da  Cara  , 
qiie  jd  tenho  o  chapéo  trasbordando  de  chd  ^  mas  que  náà 
julgue  ella ,  que  o  nao  ac ceita  for  falta  de  at tenção :  a 
Criadinha  que  era  descarada  foi  hum  instante  em  quanto  pas- 
sou a  praça  ;  e  entrando  todos  a  olhar  para  o  Senhor  André^ 
calções ,  cadeira  ,  e  chão  estava  tudo  em  huma  sopa  de  chá  : 
foi  entáo  quando  o  Senhor  António  deo  aquella  tunçao  por 
acabada  ,  levando  seu  Irmão  comsigo  a  toda  a  pressa  para  fa- 
zer ver  á  Mãi  o  seu  menino^  que  mais  precisava  coeiros  ,  que 
ealçòes. 


AVISOS. 

Quem  he  avisado,  he  avisado;  e  quem  nao  he  avisa- 
do ,  nlo  he  avisado  ;  quem  me  avisa  meu  amigo  he  ,  e  quem 
me  n^o  avisa  ,  nem  foi  ,   nem  he. 

Quem  quizer  livrár-se  de  callos  nao  ^z  a  fazenda  que 
tiver;  não  empreste  trastes,  nem  dinheiro,  nem  sir^a  pes- 
soa alguma  sem  pagamento  adiantado. 

Toda  a  pessoa  que  nao  quizer  padecer  de  indigestões, 
que  nao  quizer  ser  barrigudo  ,  e  se  quizer  conservar  esbel- 
to,  tome  o  meu  conselho,  nao  coma. 

Aqui  chegou  de  Nápoles  ha  15  dias  huma  Italiana  mu- 
da,  com  o  destino  de  ir  para  primeira  Cantarma  do  Thea- 
tro  do  Porto,  alguns  surdos  que  já  a  ouvirão  afíirmão,  que 
he  cousa  nunca  vista  :  as  pessoas  que  quizerem  desfrutar  es- 
ta prenda  pohhao-se  á  escuta. 


LISBOA.    Ma  Oi^TlC.  DE  J.  F.  M.  DE  i^AMí^OS- 

18  19, 
Q^M  licença  da  Meza  do  Desembargo  dú  Faço, 


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