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K&né>fs I f:^r^m
I ARBOR I
Presenteei to the
LIBRARY ofthe
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
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ALMOCREVE DE PETAS,
O u
MORAL DISFARÇADA,
PARA CORRECqÃO DAS MIUDEZAS DA VIDA,
POR
JOSÉ DANIEL RODRIGUES DA COSTA,
ENTRE OS PASTORES DO TEJO,
^ O SINO LEIRIENSE.
Só porque o teu visinho hum Livro !cO
Tão mal, que poucas cousas entendeo,
Kão formes desse Livro má idéa ,
Depois de o leres bem , o sentencea.
Manas cri, , . de l $82.
TOMO II.
Segunda edijaô.
LISBOA:
NA OFFICINA DE J. F. M. DE CAMPOS;
1819.
Com licença do Desetubargo do Faço,
AOS LEITORES TAFUES.
D
E VÓS Tafiies de luneta ,
Inimigos do Almocreve,
Vejo mais petas n'um dia ,
Que n'um anno a penna escreye:
Acho-vos bastante graça
Em desdenhardes das petas ,
Mas eu teimando em narrallas
Vos cravo dobradas setas :
Sabei que ha casos immensos^
Qiíe sem deslustrar ninguém,
Que se escrevão ^ que se imprimao
A' mocidade convém:
Tenho petas ^fartar.
Em qupnto o mundo for mundo^
Como ha tolos , e discretos ,
Já sabeis em que me fundo?
Mas se ainda duvidaes
Da abundância, que relato^
Vamos fazer huma aposta ,
Veremos quem paga o Pato:
Apostemos qual primeiro
Nas petas ha de cançar,
Se hei de ser eu de as compor,
Se haveis ser vós de as comprar:
Eu aposto a Collecção,
Vós apostareis o importe;
Porque assim he que se vê
Quem hc fraco , ou quem he forte
Houve hum homem que apostou
Com outro, de hum golpe só,
Cortar-lhc fora as goellas,
Mesmo por baixo do nó ;
Entrarão logo na empreza ,
Depositando a quantia,
E porque a somma era grande,^
Perder cada qual temia :
Lançou-Ihe o ferro á garganta,
Mas topando-lhe n'um osso,
Inda a cabeça do triste,
Ficou pegada ao pescoço:
E como depois do golpe,
Hum momento inda viveo,
Gritou eom voz de pipia ,
Ponha , ponha , que perãeo :
Ora no caso que eu falte
A cumprir a dita aposta.
Dareis c'o a bolça vazia ,
Critanto a mesma resposta :
Fica o nosso ajuste feito ,
Agora nem xus, nem bus ,
Vou pacear pelo mundo,
A escolhu* petas... de truz.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE XLVII.
F
"Calçada do Duque 24 de Fevereiro,
Oi para chorar, e para rir , hum caso Fuccedido ha frcs
di2s ncsra calçada. Ga noíf50s antigrs bem failárao , qu^rdo
disserto, qtie quem não rem venfura, na cama quebra as [ er-
nas. Tinha hum sujeito Tafiíi de se ajuntar ^ora hum ran-
cho de Meninas , que de burrinhos hiâo botar huma cã fora
a cena quinta; o Tafiíl justo, e fimne na promessa , que ti-
nlia feito de acompanhar o rancho , veio ao Arco de S. Fo-
que alugar hum Civallo, achou-o , tnontou , e de Pantaloias
muito justas Fazia huma figura admirável. Não sabcn os de
certo , se era a terceira ve^ na sua vida , que punha cspórgs
nos pés , porém sabe-se com certeza , qye no tempo da íua
maior rapaziada , a que chamamos verduras da mocidade , an-
dara duas semanas a caval-o , vestido de varias cores , cem
sua mascara . capacete , escudo , e ferrugenta , acumpanh ar-
do certo individuo, que pôe Editaes para aqutíla função^ c;uc
se faz no tempo do calor, em huma Praça , que esfá no Sa-
litre^ bem defronte de huma horta, ç huma loja de bebidas 9
47
esta he a raiz do nosso heróe, vamos á folhagem; para ver-
fnos que fruto lirou da sua nova tunçanaía. Montou cooi ef-
feito, e o moço , que serve a loja dos cavallos de aluguer ,.
largou tudo , para vir fazer*lhe as honras de pegar no estri-
bo ,. concertar casaca , apertar loros , e tudo o mais que es-
premido ás mãos , apenas dá hum copo de Água-ardente.
Vindo poréíii o bom Tafiíl pela calçada abaixo com muito
sentido, para tomar huma das Travessas ^ e vir sahir ao Car-
mo, não sei que diabrura alli se metteo de permeio,, que ca-
valio, e cavalleiro, tudo veio a terra; de que ficou o pobre
rapaz a gritar com buma perna torcida , ea outra magoada j
sem poder dar mais passo. Acodio logo a compaixão de vá-
rios , pegarão nelle , e levárao-no para o primeiro andar de
humas casas, onde estavão algumas senhoras- muito sérias ; e
Jasrimadas da infelicidade, lhe derao acolhimento , para lhe
nninisírarem cerveja preta , que- havia na casa , e os Ajudan-^-
tes compassivos ihQ desabotoarão a perna á Pantalona > para
8€ v^r se tinha desmanchado ,*%o quebrado a mesma perna ,v.
lance de que ellc não podia fugir, mas ai que dores padeceo
então este miserável Ta Fui ! quando appareceo metade de hu-
ma meia , eo resto sopprido com hum guardanapo sujo eni"
cada perna, enleados com o seu orelio novo , para encher â
féraia ó& bem justa , e talhada Panialona ! o certo he que nin-
guém sabe para que sahe fora de sua casa.
Braga ^Je Marçe,
C^rfã ^ que o Cavalheiro ãé Bragas costumado a pe%aàelí6¥^
escreveo no seu Amigo de Lisboa , participatido-lhe 9U»
sro so-ftho^ que teve de tanta Variedade ^ e gosto»
Amigo , . promefti communicar-ihe algum sonho ga-
lante, que para o futuro se envolvesse na desordem dos meus
pczadellos , c devo cora a maior satisfação cumprir a pro-
ifressa , e mostrar o grande apreço , que faço da sua amiza-
de. Haverá oito dias, ou para melhor dizer, oito noulcs ,
quacdo. deitâado*me na Ciima leicnoso cm acabar de ler hu^
ftas Viagem y obra particular de certo Cavalheiro, miíeravel*
jucnre deixei cahir o livro da mão , fechando os olhos , e ex-
posto a hum grande perigo de fr go , se a vela, que foi ?té
ao fim , se não consumisse tão direita , que não fez iiuin só
Jadrdo ; aqui verá v. m. que ficou aceza por Falta de hum as-
sopro: as idéas , que tinhso ficado bezi^tadas das taes Via-
gens , unírao-se de tal sorte., que se Viagens lia acordado ^
Viagens fiz dormindo. Eu me vi na margem de hum grânds
íTío, onde andava aboiando ao pá de terra huma pequena lan-
cha cora seus remos, mas tudo na maior solidáo Tentei-nre
a embarcar , e fui remando , cou-a que acordado nunca em
4ninha vida fiz *, cortei pelo rio abaixo algumas legoas , ora
^bordejando por margen? floridas , ora tccando em baixos de
«rca , ora meitendo»me por valias f( iradas de espessas, e ver-
des ramas , até que fatigado , e já ao som d'agua , fui met-
lido por h?ima abobada de medonhos , e levanrados roche-
dos, onde o lio era já bastiinte estreito, e aquellis aguas es-
cudadas pelas mesmas penhas flem a luz do dia as penetniva*
Andei debaixo deste horror á2í natureza tempo immenío., se-
gundi) s€ me figurou, e bem como qunndo amanhece , che^-
guei a ponto de ver raiar alguma claridade , a qual Iria cres-
cendo mais , e mais. Portei em huma vi.vCosa , e iortificsda
Ilha muito povoada pelos edifícios que via ; sahiTão-ire ag
íCncontTo huns homervs , que andavao debruçados pela praia,
ctmo procurando alguma cousa. Saudei-os , e perguntei o
que buscavao? Hum mais expedito respondeo-me : Ní/j Ous^
camof v^fta praia cousmhãs bt^mtas da Nature::^a para <n^
fíites de Senhoras ; parq^.e esta Ilha he a da tafularia ; t
f?òi outros fazemos aqui hum grande negoch. E conto ai Se» .
fihoras deste sth jd vão sabem com que iuio áe cowpór ê
pescoço , e a cabeça , fois tem nsado de tudo quanto ha ^ t
até defii^Õcf vermelhos '^ andemos aqui na tndagaÇào ele
cousas galar.tcs , que as aguas arrojão pr.ra lhes veridrr^
moj nas mssas iojat por alto preço .; porque nesta IH: a /«-
do he tafularia^ Gost i da lembrança , e ^roguei-lhes depois
de alguma ccnv.ísa a re peito de nutm he v, m. , e vv, n:m^
^uem ião y me qui/esscm acompaníiar, fezendo-me ver aqucl-
la liha p r dent o : assim o fizcí^o , e Jevarão-me por J)um«
rua, onde iuais de seis vezes passou por mim hum rapazc^te
^4>
Bem montado cm Iiuma Faca Mestra , sempre de ga!o|>e ; de
sorte que cuidei , que eu tinha descoberto o moto coniínuo-.
Perguntei aos companheiros quem era aquclla figura , e res-
pondeo se-me: este rapaz tem de seu ^ he dono de huma ca^
sn grossa ; porém desae pequeno , qíte mostrava em cavallos
de cana- ^ íUi ifjcknãção ; e com effeito ninguém Ibe falh
em (íuira cousa , que não seja comprar cavallos , vender ca-»
Vallos ^ andar a cavallo^ é^í. porque nests Ilha tudo he ta*
fularia. Voltámos para hum largo grande, e vi dous rapa*
Z-s bem vestidos , hum que mostrava ter doze annos , outro
qua orze^ , a jogarem a concra , á sombra do muro de huna
q iinral , que pegava eom humas casas grandes-, de cujas ja-
neilâs sahia huma criada a tocar huma campainha. Pergun-
tei o para que se tocava, respundeo-se»me : toca*se\aiU na*
quellas casas para a Missa' , porém não ha^ quem ajude , ê
a criada está vendo se passa alguém para esse fim ^ porque
aquelles dous rapa^z^es , que estão jogando a eoncra , são fi*
lhos do dono daquella mesma casa , porém não schem mais
do que a<iuillo , que estão fazendo , porque a mãi diz aue
ã'nda são muitê creançéis para estudos , e tem medo que
lhe morrão c^m trabalho , porque não tem outros ; porém
nesta Ilha tudo he tafularia, Calei-me , e prosegui, quan-
do no principio de huma calçada sahião de huma porta dous
homens ,, hum de casaca , e capote , e outro de casaca só ;
com a cara arranhada , sem fivellas nos çapatos | nem nos caU
^õt s ; ambos instando com falias muito alras , ora em ar de
enfado , ora em ar de piedade. Perguntei também , que bu-
lha era aquella ? Respondeo-se-me : o que vem em casaca ,
ttve muito de seu ^ tudo de herança de seus Pas , t Aves ,
roaou nesta Ilha em carruagem sua , veio a casar com a
filha do seu Çíipateiroi tem dado com tudo à sola em jogo ^
e rinha ^ vem àaquella c^sa de bilhar , e vem ftrido de de*
safios qut teve^ jogou dinheiro , e fireílas , costume que já
ftivguem lhe- tira y e p(de dquelie me^mo , que lhe ganhou a
dinheiro , o capote emprestadj para ir /ara sua casa , ^
seis vinténs para comprar de pão d famiha , que esta diar ^
e dias sem comer , mtserta em que se não jaz reparo ^ por»
que nesta^ Ilha tudo he tafularia. Não disse cu mais psia»
wâ , (jtjando debaixo de bum arco , por onde hiamos passaa^
do, 5e achavãodous- homens a conversar, e por não etijoar et
companheiros coro perguntes, demorei o passo, a ver se ou«
c.Via alguma cousa, que me fizesse expectação , e oufi dizer a
hum dos ditos homens , olhe , weu queriào Amigo , a bum
Foeta como v. m» não necessita^ senão^ tocar o pensamento que
quero , z\m. ha de jazer-me huma "Decima , para eu^ mandar
tto fim da carta á minha Tirsêa , na qual dtga , qp^e encon*
irei seu Pai na minha rua , e que estive quasi pedindú^a
para casamento) ena mesma Decima dirá, que lhe pe^& per*
ílão^ e me desculpe de ter j aliado a vêlla ha cinco dtas , que^
a causa desta falta foi hum leictnçoj que me veio a hum caU
canhar ^ mas este leicençe^ e este calcanhar ^que vá explica^
do por aquellas palavrinhas das Odes , que sã» boas , mas que
tila conheça , que foi a leicençê- motivo^ , e ha de acabar a
Decima no fim , de saudades morrerei : Faça»me v, m. isso ,.
que eu hei de dar^lhe para hum capote y se ella se certificar
do leicenço , que he muito natural se capacite por tafula ^
porque bem vê que nesta Ilha tudo he tafularia. Fui passan*
do para diante pasmado da encoramenda , e de ral miterjali-
dade ; o mais, que se me offereceo á vista , ílca para o cory
reio que vem, que não faltarei, porque sou muito seu
P.Si Ifltimo Amigo, e criada
Lembranças ás Me^
ninas.
(Assignado) D. Sonho Sonhe.
Gofífinuação dos ridículos abusoT\ com que foi creada a
Mãi do Fe lho de Romu lares ^ pelas Velhas do seu
tempo.
Jlgouros por cousas inesperadaSé
Morar em casas de canto , - - Infelicidades^»-
Em casas de esquina , r í: r Fortuna,^'
fJuanJo a candêa fàz morrão, Signal ãe wento.
'Quando a luz espirra, - - -Vem dinheiro a casa*
'Quando o bocado cahe da boca, Alguém quer f a liar ^ e não po-
de.
Vidro estalado ,.---- Md noticia.
Vinho entornado na meza , ^Signal de alegria.
Azeite entornado , - - - - Stgríal de írtsíeza para o do»
no.
Pão que tem tocas por dentro ^Tem a alma da padeira.»
Mulher,, e marido do mesmo
nome , - - - - - - - ^^^^ se hgrão. «^^ ^
ííascer implicado , - - - - Signal de ditoso^
Agouros pelos signaes do corpo.
Ter bico de cabello na testa, Ha de ser viuvo.
Chave de ra^o larga, •- - -Ha de ser liberal.
Orelha pegada, - - - - - Ha de ser rico.
Altura grande de nariz ao bei-
ço,- - - - - - - "Ba de chegar d velhice*
Unha com pinta vermelha, - Signal ^e mentira.
jDentes. ralos , -^ - - - - Signal de chocalheiro.
iContinuar-se-hãon
Aqui trouxe o Moço do Poeta hum Soneto , que Hzerá
Í^Máquina Aerostatica , novaiiiente aperfeiçoada em outros
Reinos; em aliusao a huraa conversa , que ouvira em certa
casa a huns TaFiies , que já se esiaváo ensaiando para fazer
viagens aérias , protestando de mandar á gaita as podres se-
ges de aluguer, , que se alugao pelo que valem em tempo de
feiras , -e por mais is vezes ; e nas funç5cs de campo , pôr
de participantes os burros de cadeira, que sem Cerem falta de
.vista, usatáo de cangalhas.
SONETO.
Em corpo, e alma irei aos Ceos voando.
Na maquina do ar, feito coraela,
Que ainda que pareça estranha a peta :
Se cm obra ee puzer , fico campando :
Lá no cimo das nuvens passeando ,
Verei o baixo Mundo por luneta;
E porque ha de haver lá muito Estafeta,
Noticias do que vir, logo c4 mando:
Entendendo os Tafiícs , que a moda he boaj
Andaráó como bandos de estorninhos ^
De Feira em Feira , pelo ar á tôa:
y^remos crescer malvas^ nos caminhos ;
Faráô vispre nas síícias áQ Lisboa
Botes, seges , câvallos ,e burrinhoSá
A advinhaçâo em huma Decima , que vem na Parte desíi
Obra Número XXXXV* , e principia :
Eu sou do tempo de Adão^ (^C.
Declara-se aos Senhores curiosos, que entendida ; e bem
decifrada, não paSsa de ser o nome ^ que se dá a todas as coii?^
sas do Mundo.
Avisoa
Monsteur Tresantó ^ homem dcí 77 annos , chegou' S"-^
esta Capital, e faz saber ao PúbJico, que elle assiste env hur
n as aguas fu/tadas , que foráo do Chafariz de Arroyos , e
que usâ com todo o segredo , porque não quer que se saiba,.
- ... <^ 5
de huffia receita simpática composta dos mesmos mistos de
que se faz a que se ministra na Enfermaria das Palha?. Elle
cura todas as moléstias exteriores , nascidas de olharmos hur.s
para os outros, que vulga^rmenie chamamos quebranto, e por
eíFeifo de fomenta(,'âo de Corrêa cura paixões instantâneas ,
saudades de oito dias , suspiros exhalados com pouco custo ,
dores pensadas, ais, e soluços de choro de apartamento sem
ser d'âlma .; zelos, e frenesins das primeiras vistas , e desen-
volturas de cascos leves \ male* que elle padeceo na sua moci-
dade, que foi quem o tez alveitar ; e visto o seu prestÍHio ,
roga a todos os senhores cortados desta epidemi) se queirão
valer do teu remédio , que elle applicará por doses segundo
as suas enfermidades, cómmodamen^e , c a pessoas pobres de
graça.
Bejíto Fi//^^<?, Espingardeiro de Nação, c morador da*
qui hum tiro de espingarda , faz saber ao público , que elle
descobrio o raeihodo de fazer caruncho da mais fina qualida-
de: as pessoas adiantadas era annos , que estiverem sem elle ,
se podem aproveitar pre-sentemenle^ fazendo o seu sortimento.
Estevão Tar&tay Forneiro, morador naquelle mesmo si-
tio , vende hum remédio o roais exacto , e de pouco custo pa-
ra a extinção das pulgas, «moscas^ percevejos , e ratos ; as
pessoas que se virem perseguidas xlesícs insectos , o podem
procurar ; porque elle dá em pequena porqâo huma acha em
braza , com a qual cada hum a seu cómmodo pode pegar fo-
^go ás casas, que forem perseguidas dos ditos insecios, porque
infeUiveimente ardendo estas , extingue-se a sua creação ; isto
,he, scudo as casas da própria pessoa , por não cauaâr prcjui»
^í^ de terceiro.
WSBQA. NA OFFICINA DE J. F. M. DE CAMPOS,
I 8 I 8.
r. ' C^m licença da Mtza do Desembargo do Faço.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE 'XLVIII.
H
Rua âõs Vanquetros 21 de Março:
A nesta rua hum morador muito ^agaz cam seu^ laivcs
de Coimbra , e tinrura de scienciâ j que par-a se preve.nir ei^s
calotes do mundo , pelo se-guro , de tudo suppóe mal , já
iDais houve para elle Alfaiate, que -nao roiíbaiííe ira fâzencia ,
çapateiro , que nao o deteriorasse no cabedal , e outros nr.ui^
tos ofíicios , de que a sociedade dos homens precisa para a
sua subsistCDcis : ora o mez passado , procurcndo tWt hum
moço para o servir, lhe appârcceo hum pobre lôrpa , qne fe
ioi ajustar com este esperto amo. Dímc-I1i€ este- c rr^íbrilho,
que tinha a sua casa , e a po^jcos passo? tratarão de preçn^
e dis«e-jhe o amo , qpte prtmetro que a soldada , queria ss*
ker ^ quanto ellc lhe è avia furtar tada mez nas compras que
fizesse ! o rapaz rio-se muito , asíentando ser âoullio hun^í
graça; porédi o amo eai hum tom mais sério » \\\t wxnc.w a
dizer: pois ^ homtm ^ assentemos em que me has de jurtar só
30 réu cada dia \ estás por isto ? O irtO\jo muito humilde
disse, seja o qu: v, m, quiser. Meiteo-ihe tâíDbem -era pa^r*
48
( i )
tido, que n^o se devia adiantar a cousa alguma, sem que el-
le o mandasfe : o moço tomou muiro sencido , e tio dia se-
guinte foi comprar a carne > que lhe mandarão buscar, e pôz-
se na cozinha a olhar para ella : o Amo » que deo com
elle CíT) pasníaceira , disse-lhe: forque n⧠pÕes a panelia ao
lume}. Respondeo-lhe o moço ; for me não acUa^ítar : essa
he hoa ^ tornou o Amo, vat lavar a carne y mttte-a na pa»
relia , e pÕe-^na ao lume^ O moço assim o fez sempre muito
lírnido, não querendo adiantar-sc aos mandados de seu Amo;
quando pelas dez horas, pouco mais, ou menos, estando o
Amo recebendo huma visita , ouve hum formidável estoiro,
que parecia huma peça ; foi dentro , perguntou o que era ,
respondeo-lhe o raoço muito rransso, foi a panelia f que eS'
touroíi : examinou^a e vio a carne en carvão, e tudo ás
sêccas, increpou o moço de ter posto a vaca sem agua ao lu-
me , ao que elle responde© , fiz o que v» m, me mandou ,
não me qui^ adiantar . Benzeo-se o Amo de tal brutalidade ,
c ainda o soíFreo por espasso de hum mez , no fim do quai
chamaado-o , lhe encaixou na mao três vinténs , dizendo-
Ihe : fa% hoje bum mez , que entrastes na minha casa , e
^ue íí' ajustei por dous cruzados novos , convencionei comti'
go ofurtr,res-nie xc' 30 réis cada dia ^ trinta trinta réis são
*iov€ tostões y com ires vinténs^ que te dou , são 960 ; esta*
wcs de- conia.s- justos^ O moço fez beiço de biquinho en-
volvido em choro a olhar para a miséria , mas com a ins»
piração da tranca deo a ellas , que parecia huma ventoi-
nha.
B.uà dos AInwcreves 17 de Marçoi
Que caso ! Gaeo espantoso , p,uis a náo ser o espan-
to, não juccedcíia o caso !.' Erao seis horas e meia da ma-
nha , quarido^ clíegou o Almocreve com as petas á sua esta»
lagem costiisnada , e tirando as malas, ^ de que vinha carrega-
do o cavai lii)ho ,. as mctteo na algibeira da sua vestia , para
8s ir levar a casa do Editor ,. determinando ao rapaz seu mo-
ço, que. ein quanto dcscançf va , fcssc m.e^ter no pateo aquel»
le bruto,, no sequeiro do Caracol da Penha , pois já para is-
8.0. linha obtido licença, c depois o levasse a beber» Q ra-»
paz , que queria agradar a sua conveniência , foi correndo
em hum pé > com o cavallínho pela mao , cíiCgou ao sitia
dererminado por seu Amo, largou ocavâIJinho, para que se
abastecesse do que quizesse , pela variedade de pasfagem ,
que alli ha , sendo a maior quantidade de carrapareiros , e
cardos 4 e como o Asno com fome , dízem , que cardos come «
o cavaliinho como nunca a teve , nem a terá , n5o queria
maisj que acipipcs para descnfasiiar. Hia o bom anima! pas-
seaF.do , e debicando, como quem não queria s cousa: a este
tempo abrio-se numa porta naqueile sitio , donde ?ah!0 hura
Alfaiate para o seu trabalho, que alli mora, o qual anda tra-
balhando no concerto de humas casas iva rua dos Algibebcs.,
c a traz delle huma matilha de c^es , fazendo íium latido uo
dcsa:rasoado, que ocavailinho não lhe cheirando bem a per»
seguirão , mcífeo pernas , e paríio a correr p^lo largo da
Penha fora, de sorte que rcio sahir á rua da Graça, sempre
em hum gaíope seguido , e os cáes em -seu seguimento, que
elíe convidava cori surda artiiheria , como em agradecimenro
a ião boa sociedade. Topou com iiumas cangalhas, que esia-
vão no Arco de Santo André , aprefentou«lhes dou€ couces,
que as escangalhou, metteo-se pela Cosía do Castello , mos-
cando sempre de trope , e veio sahir zo Correio \ pdos si-
ties, por onde passava, fez suas esíropolias, porque descen-
do á Ribeira Velha , mordeo hum homem , que estava toí-
quiando hum jumento; porque cuidou era ladrão , que esta-
va despindo o seu semelhante. Ao Cáes de Santarém quebrou
hum assador, e fogareiro a huma rapariga, que se tinha des-
accommodâdo de huma casa , p?Ta vir cm a^^adeira princi-
piar o seu mundo , e a deixou a pedir por portas. A's ga!-
linheiras atropelou hum bando de patos, que a!ii costuma es-
tar, c matou dous , que estão á dependura em hum daquel-
les lugares, e já tem dentro enxames de outros animaes, es-
perando por glgum comprador pobre de casa rica. Ao prin-
cipio da rua Augusta atirou com iruma tcrida de bolos a ter-
ra , que foi hum grande fortun^o para os gaiatos , ficando
prejudicada a vendedcira em nove vinténs , e trinta e cinco
réis de fazenda, fora humas argolas , que vários ?uj-ifos lie
levarão, porque precisavão delias. Cheg-ou ao llocio , c adiai»
le do Tâlaveiraà logo Jlie dco o cheito dos cambai lachos ,
( 4 )
qjufe alll se Ta 7 era com os da sua espécie ; deitou-se no- chão,
Cipojandc-se muito com a lembrança da sua parental ha , vol-
ta para aqui, volta para alli ,. volta para aeolá , levou neste
cm beleza mento 15- tDJnutos bem puxados' o rapaz, moço do
Almocfeve, tirando noticias, veio em seu seguimento, edeo
com o cavallinho em terra , rinchando como quem festejava a
sya chegada, mas fraco da lida , que se não podia levantar ,
a rapaz vendo a debilidade-, em que elle se aciíava , dando-
ihe o braço, como pôde, o levou para a Estalagem, e con<?
tando todo o facto a seu Amo , este o mandou logo sangrar,
ej*á fica a pé ,. como se vê.na estampa , em que não diiffere^
nada du vivo ao pintado»
úof;íím^cã0 dor ridhuhs ahusos , €x>m qut foi creaâa a Màt
do Velho de Romuiar es feias velhas do seu tem f o»
Jgouros por Antmaes^
Pnlga na psteada mão esquerda, Zíj/^z^ alguém a dizer mah
XXi\'ã na palma da .mão direita , Está alguém adizerbem*
Cantar a coruja defronte daja-
nejla, - - - -- - - - Morte de noute.
Quando os gato» arranhão a es-
quina da pcrtaj - - - - He presefít^».
Quando entra em casa bisouto
loiro, -. - •- -^ -- - '^ Traz õuroh
Qiiãndo entra bisouro negro , . - Mdo agouro»
Quando entra. mosva vzvQgóra ^ Presenre de carnes»
í^f.to atravessando caminho , - Signal de desgraça,
Oo a uivar, • - - - - -Doença em ciut^m o ouve.
Cr^àjlo qu€.caDia fora á^hoíàs ^ òignal tnfausío i, eht comido
(&m ^rroz ao outro díãi
Forco nTorto-em minguante , - Encolhe na panella,
G^tos brincando , ^ .- - - Vento l^cracste.
Pássaros caiando-se, - - ^ Signal d^agua.
Espirros Ue bode, - - - ^ - Si^nal de hm íemfo*
( ? )
Matar anáoriíihas , - - - - Perde a fortutta.
Malar cobra , - - - - ^Tudo vai fará tr&%*
Crear pombos, e deixar de os
crear , ------ - Pobreza na essa*
Mão que mata toupeira, - -T^ira dores.
Pulga em fato novo , - - - }r{a de seu dono rompeUo,
Piolho no fato novo, - - -Isão se logra stu dono delter
Borboleta na- luz, - - -- -Boas jtovas.
Continuar-se-hãoç
'Braga 17 ãe Març$.
Cvntwuaçãif do Sonho da Ilha dot Tafties na seguinte Car^
ta ao Amigo de Lisboa.
Kstimâdissimo Amigo itíèu; alguma coossí molesto- ; e
com basranre pressa, por não faltar , passo a coniinuar-Ihe com
a" maior brevidade o sonho , que lhe annunciei o Correio pa«r
sado, Dcsejo-lhe saúde , &c.
Largando pois o maierialãô , que eiícommendou o Mo-
te: de saudades morrerei^ fui com toda a paciência na com-
panhia daquelles bons homens , vendo o resto da Ilha , e
quando elles me hião contando , qife os divertimentos alii
cpão imniensos , porque havia taful , e tafulas , que nao dor*
n)ião três noutes sempre era cutiihões , e contradanças \ de
que já-dous rcbecas , tocados de moléstia de nervos ,* rinhao
íicado com o braço direito a dar para- baixO , e para- cima ^.^
sem haver , quem lhes possa socegar aquelle movimenro ^.
mal que certamente os levará á sepultura , que tanto -pòífe
a continuação das funçanaias daquella liha ; eifque de hum
beco resoavão humas vozes de^ mulheres em icm de briga*^;
botei a cabeça para deniro do beco , e vi iiuma rap2^ ~
ligora bolando milho em huaia capoeira • de gallin-has,
muito- avermelhada , dardo taivosas raróes , e diiputan-
do ter dom , ou não ter dom , com huma mulher de h^m
homem ^ que fãzia mechas para o ga&io daquella ilha :
f'5>
dÍ2Ía a primeira: naa seynetta com o meu dom; maJdito hatr^
fo , em todos os lugares , onde morei , todas me chamarão D^
Pulquerta^ sem me perguntarem a razão. Respondia a segun-
da; Cnle^se ^ que he huma louca , que eu tenha dom ^ porque
sem o emprego do meu marido , não pôde esta ilha passar ,
muito embora , mas vos sê querer dom ^ olhe quem \ huma mu-
lher de pilla pilla \ Instava^ihe a outra: Vossê he que he hu-
ma mtxíriqueira , e não he capaz, de mostrar a nobreza de
seus Avós como eu. Tornava a segunda : olhem a geração da
Senhora^ que cria gallinhas ! supponho , que o seu dom lhe
•vem da gema ! Coai estas , e outras descomposturas , larguei
o beco , e tomando para a Praça , achei hum Negociante já
velho de caracter honrado , de poucas palavras, porém mui-
to agoniado com hura Petimetre , alçando até a bengala para
lhe dar. Perguntei aos companheiros o que aquillo seria. Res*
pondeo-se-me : aquelle bem comportado velho he hum dos hon-
rados cavalheiros desta Ilha , fiou^se de hum tratante , a quem
qui'^ ajudar , porém sahio pelo contrario a tal ajuda , porque
aquelle rapaz levando dinheiros para a Amerixa ao bom
'0.lho ^^orãi} lá taes as funções ^ banquetes ^ j^g^^ , ^ outros
vicios , nutridos com o remédio alheio , éiue parecendo-lhe que
o velho jã tinha morrido^ appareceo aqui em corpo bem feito
iem hum vintém de seu, O velho he tão honrado , que lhe não
fez mal algum , e aquelles enfados são só dirigidos a que eilt
Ibe não appareça diante dos seus olbos , de que o t^itro nada
se lhe dd \ porque nesta Ilha tudo he tafularia, V. m. per-
doará fazer-lh-i gastar hum vintém neste Correio com huma
carta ião pequena , porém eu sei quem com ella gasta trinta
réis , e mais caU-se: espero de v. ra. a mesma bondade ,. co«
nhecendo que sempre serei seu
p, s. Amigo mais fiel
Espere Carta para o CorreJo
que vem para a continuação
do mesmo sonho.
(Assignado) D. Sonho Sonhe.
( 7 )
O moço do Poeta lerr.brando-se de que ha muita gente
curiosa de Musica , que a terem letra , lhe fariao a solfa ^
oíFerece a seguinte Modinha para o dito fim.
Glha , Mareia, eu não te posso
Falsidades supportar ; ^<y
Ou jura que me não deixas,
Ou me acaba de matar.
R E M A T E.:
Minhas suspeitas
He bem acabes ,
Que tu bem sabes,-
Se eu sei amar.
AVIS O S.
Hum sujeito filho de boa gente, alto , bem desempe-
nado, o qual lambem se encolhe , quando hc preciso, tem
hum grande conhecimento das primeiras letras , e as sabe
pronunciar coro todos os efes, e erres, Chinezas , Gregss,
Arábicas 3 e Romanas, pelo seguinte methodo : nas Chine-
zas pronuncia: Afolhagem ^ Bagagem^ Cibagem ^ D'tbagem\
nas Gregas : Alfa , Beta , Gama , Delta j nas Arábicas :
Aid ^ Balây Cala ^ Dald\ e nas Romanas : A^ B\C^ D ;
c não passa daqui ; porque não teve tempo para aprender as
inâis : sabe dar o valor ao Dubleu Inglez ; conra singular-
mente pelas contas , ainda que estejão muito embaraçadas, e
também pelos dedos, quando he necessário. Quem se quizer
servir do seu préstimo p,âra ihe desarrumar os livros , e até
/ o V
rasgâIIo5 , se for preciso , deixe o seu nome esfampgdo em
qualquer esquina das casas desta Cidade , ou se«ão faíle-lhe.
que c\k por alii anda.
' . ^-^^j^ quizer comprar trastes usa Joi , bem sabe aonde ha,
de ir; não lie preciso , que eu tenha o incóramodo de o cn-
sinár, le/e dinheiro , não se desavenha no preço , que não
ha de vir sem os que quizer, e se puder bifar algum, sahir-
Ihe-ha mais em conca.
O memorável espectáculo da Sarra.ção âa Velha , que
quasi sempre tantos incómmodos dá pela incerteza do siriti
do Cadafalso ; c que no presente anno trouxe tanta genre du-
vidosa, que perd^êrâo a sua noute, sem poderem acertar cora
o lugar da Fançâo ; por estes , e outros motivos , íka de^lc
anno por diante transferida, para se executar na Pr/aça da Fi-
gueira de Lisboa , na manha do dia de S. João das cinco pa-
ra as seis horas, por ser hum. tempo , ena que cada hum pôde
de huraa via fazer dous mandados; quaes são, ver ^s Foguei-
fas de noute, e ter esia .festa de dia , além de que feita nes-
ta estação, promette maiores utilidades, por ser já tempo de
caroço.
O Cambio he boje ; na. nossja Praça da Figueira , para os
jBo^os compradores de casas ficas, a éc réis por Pinto.
LISBOA. NA OFFICINA DE J. F. M, DE CAMPOS* j
1818.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço,
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE XLIX.
Paraizo 26 de Março.
Um Cavalheiro deste Bairro cançado de soffrer inepcias
de Jorpas , despcdio hum galucJio, que o servia, assentando
de não tomar criado senão muiro vivo, e esperto : entre n:ui-
tos, que lhe vierão á escolha, chegcii hum calvo, clho a-
zul , ar carregado, mas xto reihcrico, e esperto, que lhe
encheo as medidas; ajustou-o , e Jogo o m.ccii ho lhe pedio
dinheiro adiantado, para mandcr solar l.urs çapatcs : deo o
Amo o dinheiro, chegarão as heras de se jantsr, desenga-
çoií o criado com hum appetite ;o ccn cr , qte o Amo jul-
gou que o moço andava convalcscerdo de algiira n alina ;
quando lá pela tarde , disse-lhe o /m.o: aqui tttis àjfikeír9 ^
Tai comprar alguma cousa fará a cca\ òt ackares f(i:e ^ itrá
n.elhor que tudo\ sahio o m.ojo , jrorém der?o quí^no, derão
cin^, dcrão seis, o Am.o a esperar por ellc , d( sorte que
já tinha feito estômago a ficar sen ncço, e sen diríeiro,
até que se resolveo a pegsr r.o chrféc, c sahir, a ver se da-
va com eJle, e descendo o frixrciío If.nce de cs(;da, vê o
49
CO
moço sentado no degráo debaixo. 0/ , homem , lhe disse q
Amo , inda agora vejií ? inda èu não fui , lhe respondeo o
moço, essa he boa ^ então porque^ lhe perguntou o Amo,
mas o mocinho valendo-se da rethorica , que tinha , lhe fez
entáo huma dissertação , pela qual \\\z provava , que qWq Amo
tinha lucrado mais em elle ficar, e nao ir, dizendo-lhe : i«-
da não parou de chover ; se eu fosse , molbava»me todo , vi*
tiha doente pára casa \ se fosse para o Hospital ^ ficavav^m*
sem moço , se me curasse em casa , onde botaria a despeza ! o
Amo ainda levando de galhofa a lembrança , foi para cima,
porém já não muito contente de ver tanta filosofia : no dia
seguinte erão dez horas da manha , e o moço na cama : a
Amo , que queria ouvir a razão a tudo , e nao gostava de
quem lha não sabia dar , foi perguntar-lhe á cama a causa
daquella demora, e acha o mocinho posto de costas, olho
muito aberto, botando linhas imaginarias, perguntou-lhe a
razão daq^elle descanço, a que o moço respondeo, voltan-
do-se de ilharga, eu ^ ò^enhor ^ não me levantei cedo ^ porque
estou dando attenção a hum sujeito , ^ a huma Ma dama ,
que todas as manhãs ^ em qualquer parte onde esteja^ vem
arrazoar comigo , elle chamasse cuidado , e ella preguiça ;
elle me anima a levantar -me , lembrando-me que tenho de ser^
vir a V. m. , ella pelo contrario díz-me , que eu devo buscar
o socego do mm corpo , que por dous dias que hei de viver ,
fará que me hei de consumir : elle defende as suas razoes ,
ella replica^lhe , e eu como Juiz da causa estou ouvindo as
disputas , para poder sentencear ; o Amo muito prudente , e
com toda a mansidão , lhe respondeo , pois á manha has^
de^lhe dar Audiência no meio da rua , que eu não quero dous
escritórios em minha casa: dito isto, virou-lhe as costas, e
o moço vestio-se ; e julga-se, que foi fazer escritório em al-
guma taberna de todo.
Braga 24 de Março.
Continuação do sonho na seguinte Carta.
Estimável Amigo, por não querer ser-lhe pezado com
os importunos sonhos dos meus/pezadellos , eu tinha forma-
dó tenção de não continuar o que lhe principiei a corarau-
nicar nos dous Correios passados; porém como recebi a sua
attenciosa Carta, louvando-me muito a combinação das mi-
nhas idéas dormideiras, e nella me insta por tudo o mais, que
presenciei na celebrada Ilha dos Tafiies, passo a continurr
o galante sonho, que muitas cousas delle vi-as com tanta ap-
prehcnsao , que me parece que ainda hoje as estou vendo :
louvando eu muito a prudência do tal Velho Negociante, dei-
xei aqueIJe passo , e caminhámos ; no fira da mesma Praça
estava huma loja de Alfaiate, com dez offíciaes a trabalha-
rem, e mal pude ver de longe , que o que faziao , não erao
vestias, nem casacas, e em monte á mesma porta achavão-
se seis Tafues , dizendo hum delles , Senhor Mestre , Senhor
Mestre , não me falte com as minhas F anta lonas , que sou
Juiz da Festa de tal , e hei de apparecer no chefe , vou de
chapéo redondo y e não hei de apparecer de calções. Os ou-
tros faziao huma igual gritaria: cheguei ao pé da porta, e
olhando para dentro, vejo dez officiacs, e o Mestre, tudo a
trabalhar em onze Pantalonas , fiquei pasmado , porém hum
dos meus companheiros , me disse , mg se admire do que
^'^, que nesta Ilha tudo hs tafularia. Caminhei com todo
o socego, e fomos sahir a outro largo, aonde estava huma
loja grande de café, e três Velhos folgazões á porta em ar-
gumentos, e lium Taful , que mostrava 22 annos, muito
vermelho , matando-se em satisfações. Perguntei aos meus
Amigos aquelle enigma , respondcrão-me , aquelles três Vc"
lhos não são muitos abastados , vivem da sua agencia ca»
da hum tem sua filha , davão funções em casa , e aquelle
Taful , que está ao fécklles , frequentaxa-lhes as casas te to*
dos três ^ e prometi eo c as amem o a cada huma -^ estão os
Pais disputando a primazia , porque cada hum qier o ri paz
para seu genro porque he Morgado. Disse cu ccmigo, /V--
to ha de ser bem y o Taful dividido em trcs parieílas \ ou^
çanios como se somma a conta. Gritava hum dosVclJiOS, Se^
nhor Taful ^ eu ajanhei a minha filho mais de cniccrnta
escritos , todos asseierando promessa de casamerto. Dizia
o segundo Velho : O òenhcr laful , não tem nioíívo a gum
para desprezar minha filha , porc^ue eu rescenuo d&s /^.imei^
rins ^ dos Ervilhòes , dos Slíísícís ^ e oi<tros ^ tm í^uííjí jc"
C 4 )
der não teve a morte. Dizia então o terceiro com muita
mansidáo : Cá por mtm faça o Senhor Taful o que quízer ^
só lhe digo , que o Padrinho de minha filha pi a doutou com vifi"
te mil cruzados ^ he muito honesta, discrtta , recolhida , e
bem creada \ nestas qualidades igualão ás filhas destes Se~
nhjres , em quanto a dote , 'vinte mH cruzados , vinte mil
cruzados, Separei-me logo dalli , assentando que com vinte
mil cruzados fícavão bem liquidadas aquellas contas, e que
o terceiro Velho estava por instantes tendo sentença a fa«
vor, visto que naquella Ilha tudo he tafularia. Fui proseguin-
do , e vi em huma janella de hum terceiro andar duas Me-
ninas já de vinte para cima, asquaes eu já tinha admirado de
as ver de longe tanto tempo á janella. Perguntei queraerão,
respondêrão-rae os companheiros : Aquellas duas raparigas
sempre alli se achão , desde que amanhece , até que anoute^
ce ^ de sorte que quando alguém procura por fulano, ou si»
crano daquella rua , o modo de se lhe ensinar he assim , vá
V» m, pela rua abaixo , e onde vir huma janella com duas ra»
parigasy he defronte, e tão costumadas estão á jamlla , que
já servem de signal como hum marco em huma esquina , por^
que nesta Ilha tudo he tafularia, Conformei-me com o que
me disserão, e fomos desembocar a outra Praça, aonde se
achava huma grande Feira, muito ajuntamento , e entre a-
quella multidão , vimos hum Taful a metter a cabeça por to-
das as cabanas das Adélas , para baixo, para cima ; para ci-
ma , para baixo ; de sorte que me parecia doudo. Perguntei
quem era aquelía figura , e foi-me respondido : aquelle ra*
paz he tafulão de funções , não lhe escapa assembléa algu^
ma , e sempre apparece nellas muito aceadinho , chega aqui
aos dias de Feira , andasse engenhando , e compra tudo mui'^
to cómmodo', agora anda em procura de huma luneta,^ e hum
par de meias de seda , que sejão bem palmilhadas ; e co*
fno não tem dado com estas duas cousas a sèu gosto nas
Adélas , continua a sua diligencia , e muito agoniado , por^
que tem d noute função , e quer apparecer de óculo d ca^»
ra ^ o qu* não admira ♦ vi no que he Taful , e que nesta Itha
tudo he tafularia. Msis objectos se me representarão nesta
Feira, e no resto da Ilha, que tudo deixo para o Gor-
rcio que Ycm , coiitentando-mc por agora cora mostrar, que
(O
desejo satisfazello cm tudo , porque sou por votos da minha
amizade seu
P^S. Muito Amigo, e affectuosissirao criado
Me fará lembrado a
toda a sua familiar
(Assignado) D. Sonho Sonhe.
Cintra 26 de Março.
Não se deve omittir no presente folheto Inim succes-
2>o que acaba de succeder , succedido na Serra de Cintra, de
duas successões pasmosas , que successivamente succedêríio em
consequência do divertimento de quatro curiosos caçadores:
forão estes ás lebres, e levarão comsigo huma galga prenhe,
que tinhão , famosa no seu préstimo : descobrio esta huma
grande lebre, que pela grossura se deixava ver que estava
no estado da cadella; tanto correrão os dons animaes , que
com o excesso pario a lebre lebritos, e a galga gaíguitos,
ao mesmo tempo foi então hum gosto ver a galga a traz da
lebre, e os gaíguitos a traz dos lebritos; os caçadores era
altos brados cheios de alegria , ora na verdade foi huma cou-
sa digna de se presenciar , que tanto podem as propensões
da natureza.
Continuação dos ridtcuhs ahusos ^ com que foi creaãa a Mãi
do Velho de Romulares pelas velhas do seu tempo.
Agouros pelas acções.
Comer tromba de porco , - - - Fa% quebrar a louca.
Queimar papeis, ------ Molhar a cama.
Cortar unhas á noute , - - - - Gasta a vista.
Beber agoa de noute, sem a bater
bem primeiro , porque está dor-
mindo, -------*. Faz dores.
Beber a escuma do vinho, - - - Faz flatos»
CO
Vestir, ou calçar do avesso, - - São dddhaf^
Saltar por cima,- ----- Enguiça,
Espada á cabeceira ,----- Livra de bruxas.
Calções sobre a massa , - - - - Alevéda.
Fallar só,- -- - - - - - He f aliar com o Demo,
Qiiem balha com a sombra , - - Nunca casa»
Dar soluços, quando se falia era Morre cedo em quem se
alguém,- ------- falia.
Beber' agua juntamente com outro , Signa l de ser compadre»
Comer canto, ------ ^^ para casar ceao.
Entornar sal , - - - - - - - Signal de hulhas.
Espada dada por mulher, - - - Pendência na rua.
X)ar agulhas, - - ^ ^ , - , Inimizades.
Dar contas , - - ^ - - - - Apartamentos.
Dar lenços, ------- Despedida,
Dar alfinetes,- * - - ^ - - São amores.
Dar maçã partida, - - • - - Discórdia,
Dar maçã inteira, ----- Amizade. ^
Quem dá^ e toma, ----- Nascc^lhsbuma corcovai
Rua da Fr ata 22 de Março.
No Folheto XXXVIII. desta obra se annunciou ao Pú-
blico hum guindado TafuI namorado , que escreve cartas á
sua Amada, as quaes andão nos annais da fama , por cujo motivo
o moço do Almocreve não cessa de fazer as diligencias pre-
cisas para as apanhar á unha , e com effeito aqui se apresen-
ta com a seguinte, que não sabemos com que tramóia o dia-
bo do rapaz a conseguio.
C{!pia.
Se a c/7tJstr6fe , Minha Senhora j se a catástrofe díZ
sua amjzade empregnando os bipedes zelos de encómios co-
rajosos , . wf va pui as se o dorso com chore as^ usança antiga ,
ViCu sulfúreo c/2r,ição teria ag^oa d') pelas vêas de meu peito ^
onde o somnifero Amor dos limites passa jôrá': bem podem
os alcantilados remorsos , que me lambem o s o cego , jazer
hiatos ^ que eu ou hei de casar -com v. m. , ou ir para o
C7>
Deserto fazer vida com os rúbidos , farftíiites , e loquazes
híchinbos y em cuja, fronte raia li íio tíãs vtãfihãs deifirer'
7Í0 y porque he tão espcuterico este gnidío estratagema ^que
ainda que eu o risse hydrtpica dt htxigas , Tido desfrezaria
a V» m. y mm d Senhora sua Mãi , a auem nulto me re-
commenda. Não tema que o tédio Nazal grete , cu r empa
vs remoques ^ que a sua visinha da escada me dá , quando
eu passo , que os effiu-vics efjicazes retumhcio cada zez mais
fios sórdidos euiidos deste seu serio , e cntante , que em
todo o tempo ha de vir nas faixces cmorosas a ser o espelho
daquelles y que calçarem com e meu capateiro, Bstês sloos
furos votos do meu chamejante amor y qve até d morte ha
de conservar este seu
Titilante criado y Amigo ^ e Venerador .
(^Assignado) Valério Tança.
O moço do Poeta aqui chegou contentíssimo com duas
Decimas para o presente folheto, feitas a hum Mote, q^ue
lhe dco a criada da mesma casa em que ella está.
MOTE.
Vi a Cupido brincando y
A cabeça lhe quebrei.
GLOSA.
Estando-me honrem deitando,
Senti mexer no ferrolho
Puz á fechadura o olho ,
Vi a ('uptdo brincando :
due quer cá ? vá-se sajando ^
Do postigo lhe gritei ,
Não fez caso, e eu que observei
Que de mim fazia pouco,
Fui-me a elle , e" sí^ de hum soco
Al cabeça lhe quebrei.
< 8 >
Ao mesmo» Glosa MarujaU
Hontem vindo ao cáes chegando
De dar hum gauderio ás Mocas^
Na praia fazendo possas,
Vi a Cupido brincando ;
Eu que desne não sei quando
Delle escaldado fiquei ,
Quiz vingar-me , e lhe atirei
Cuma pedra tao danada ,
Que da primeira pedrada
A cabeça lhe quebrei.
AVISOS.
Imprin3Ío-se em hum pequeno folheto, Methoâo facll
de tircr o c abei linho da venta ^ ainda na cara mais soromba^
tica ^ com advertências precisas, para senão espirrar no acto
da operação j fica-se-lhe pondo massa, para se vender era
bruxura.
No largo de S. Paulo era huraa loja , que tem hora-
breiras de pedra , se vendem presentemente huns barris pe-
quenos, vindos do Algarve, cora escabeche de saramaga-
Ihães com couves , e beldroegas com feijões , tudo posto em
calda , que pode aturar muito tempo , e cómmodos no preço.
Ao Bairro Alto na rua do Norte se vende em peque-
nas porçòes ftnno de papel cjueiwado para esféricos , convul-
sões, e outras moléstias de Senhoras, cujas fumaças tem pro-
vado muito bem. Adverte-sc, que igualmente se vende fumo
em pó para caldos de susta nela j e tudo por despeza de ba-
gatella.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS,
I 8 I 8.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço»
D.
ALMOCREVE DE PETAS,
P A R TE L.
Caí fada do Combro ij de Março.
logencs, que os Antigos reputarão sábio, foi* corrigido
por hum innocente, pois \\\q fez ver, que a natureza tinha
dado ao homem todos os instrumentos para poder servir-se
sem a arte, porém o luxo tem chegado a hum tal ponto, que
parece indispensável, que este possa passar sem certos trastes para
se servir. Hum Ancião muito aceado vendo, que na sua casa
faltava hum traste, que lhe fazia muita falta para o aceio ,
foi ter com hum Marceneiro , que vende móveis de bom gos-
to, e da ultima moda, para se refazer nacJsó do traste, que
precisava , mas de outro de que também se lembrou : entrou
na loja, e o Mestre vendo que a pertenção era de comprar,
facilitou-lhe o ver todos os trastes da melhor invenção, que
tinha. O Ancião fez revoWer o armazém, fazendo carinhas
a tudo quanto se lhe mostrava; mostrou-lhe o Mestre cadei-
ras Chinezas, e Gregas, mostrou-lhe canapés, treinos, ban-
cas, cómmodas , tudo do primeiro gosto; o Ancião foi ven-
do tudo , mas sempre procurando com a vista o que tinha no
pensamento, até que o Mestre Marceneiro lhe disse: òV-
50
fihòr^ o que per tende v. w, ? pe^a por boca , porque vesta m>
fiha loja , e arwazem ba hum í^oni sortimento, O Ancião pe-
gou em huma das cadeiras, e levantandp-a ao ar, disse: es-
ta invenção Grega tem tido o seu. séquito ^. porém xeio a con*
fundir o antiquaria de tanta duração, Ejta balbúrdia dos
moder^nsmos pÕe tudo na confusão de Rabylonia \ he traste^
que eu não coviprdra , porque n^Q prefiro e^tas a humas ca*
deiras , que tenho de sola , e pregaria com figuras entalha*
das , qus tem sido eternas na minha ca^a, O Mestre , qUe
sté alli tinha feito estômago a alguma boa estreia, tornou-
jhe , pois , Senhor , eu não obrigo a quç v, ?n. compre cadei*
r-as ^ poréw como a seu respeito tenho reuohido todos os tras-
tes de sttíirmaztm ^ eocplique-se ^ porque eu não posso advi-^
rbar o que pertende, A isto respondeo o Ancião, pois Senhor
Âlestre j já vejo que v. m. não temo que ett procuro ^ eu que*
ria duas paz para o lixo, e hum descai fador para botas, O
Mestre afflicto lhe disse : Aqui ^ Senhor., não se vendem essas
ridicularias^ vá v. wj. ao Arco da Graça ^ que lá achará es»
ses bons trastes ; ora não está mão o dcsempacko. O Ancião
m-atando-se era satisfações, foi-se retirando, dizendo, cada
hum procura o que ha de mister y fique-se em paz ^ jdqueeu
%ou sem ellas^
Braga ^i de Març^v
Continuação do sonho da Ilha dos Tafues.
Amigo, e Senhor, satisfazendo á minha promessa, pe-
go ;na penna para lhe continuar o grande sonho, íiliio legi-
timo dos meus pezadellos , e lembrando-me que fiquei o Cor-
reio passado no TafuI , que na Feira imaginaria procurava
meias , e luneta, narrarei o mais , que na mesma Feira vi. Se-
guido pois dos meus inseparáveis companheiros, chegou-se a
mim huma Adéla , qye não trazia menos que huma colcha
bordada , três Jenqoes, e huma camiza íiiia , e tudo era im-
porfunar-rae , se eu queria comprar , se eu queria ver, que el-
la desdobraria a colcha, e com tal caramunha, que me vi
doudo comella. Eu a fugir lhe, e ella a seguir-me com es-
tas falias, olhe y WfU <Senhor y compre-me isto, que compra
bem ^ e muito em conta , porque sua dona estâem hum gran-
de m^xame ,y se ajustar ^tfdo ^ até. faz puma obra de mturi'
(3)
eordía ^ para ualer á casa, donde tstov^M : v.vi, p,aosa&so
vexame , de que livra a pobre dona. Assentei eu que era penho-
ra , que se lhe fazia, ou viuva cora algumas orfas , que que-
ria matar a fome á sua flimilia ; parei, e cheio de compai-
xão, instei que me dissesse quem era a dona, porque ^í com-
prar, queria comprar sem escrúpulo, nno fosse da cnma de
algum tisico. A este tempo chegou-se a Adéla a mim , e qv^^-
si era segredo , me disse, isto be de huma ^enkora viuva ,
que faz hoje os seus annos , convidou muitas 0'evhorns da sua
amizade y ha huma grande Q\.\embléa ^ e cmtadiííha está sem
real \ tão depressa v, m. ajuste alguma cousa destas^ cnmo
logo vai tudo para chã , assacar , e hlos. Dei a minha risnda ,
mas nao me fiz esíraniio no caso, por Conhecer que naquci-
Ja Ilha tudo he tafuiaria ; virei as costas, e segui o meu ca-
minho. Porém a hum lado admirei hum TaFulao, que dJ2Ía
dentro da cabana de outra Adéla: Olhe^ Senhora ^ tilas cus-
tarão-me duas peças , pezào 4Ó00 , e atém de perder o fei-^
th , quero perder imais seis tostões , v. w. pronieite mela
moeda , e jd lhas dou por 400c reis , v» nu compra bem , e
eu vou comprar hum cbapéo redondo ^ e hum lenço de seda ^
que he todo o meu gosto para andar d r/ird^i ^ porque fivelas
posso eu dispensar , pvndo os lacinhos nos çapatoSm Nao des-
gostei da asneira, porém nao lhe quiz ver o fim, pois co-
nheci logo que tudo aquillo era tafularia. Tirei-me da Fei-
ra , e luettendo-me por huma travessa , estava a huma janeí-
linha perto da rua huma velha de óculos, ensinando a ler a
Neta , que teria quatorze annos, huma carta de amores, que
hum petiraetre lhe tinha dado ; foi então que me enchi de
cólera, lancei-lhe a mão ao papel, e disse-lhe, admiro-me
que a cançada velhice carrega dfi das desordens do mundo ,
caia em levar a mocidade por hum caminho tão errado ) en^
sine a essa pobre menina os preceitos da sua Lei , e as vir"
tudes moraes , que os seus annos dexem desempenhar d pro*
porção do seu augmento, A velha ficou corrida , ecuseparan-
do-me, me encaminhei por outra rua, e porque a fome me
apertava, fiz entrar os companheiros era huma casa de pasto.
Oh que figurões alli se rae representarão , nunca vi maior bal-
búrdia! hum gritava, que queria Bifesteques ^ estes vinhao
tão encortiçados , que tornavao para dentro com quatro pragas ,
e dahi a pouco hião fazer figura em outra Meza, outro
< ^ >
qôcixava-se ae lhe levarem dezeseh tostões ^ porque coweo
redovalho , e quiz de mais a mais ôacalhâe mexido com ó"
'VOS ^ outro lamentava, afferec rem-lhe pargo ^ e àúrem-lhe
capatão ^ que era r er em tnmi ma d iro : os moços da cafa
não tinliáo mãos a medir, a fazerem peloticas , sobejos de
luim com sobejos de outro, armaváo hum prato no ar , e
com luima rodinha de limão por cima , que traziao empalma-
da, serviáo com toda a pressa outro freguez : outro, que se
tinha enganado com a barriga , e queria comer por força tu-
do quanto tinha- mandado vir, já que o pagava, desabotoa^
va a vestia, fazendo-se de mil cores: passei pela cozinha-^
v-cjo o cosinheiro a chupar no dedo os molhos do peixe , e
da carne ao mesmo tempo, dizendo a tudo, bem feito ,
bem gostosol Se se pedia selada, com aquelles mesmos de-
dos era mexida, para tomar mais da calda-, e finalmente o
compendio da porcaria, o espelho do enxuvalho, e do no-»
JQ., estava debaixo daquella escura ,, enfarruscada abobada , e
fiquçi tão farto com aquella Scena- , que tornei a sahir, sem
iiiet.ter bocado na boca, e lendo o Letreiro da Porta, dizia t
L.aia de Fasto dos Tafães, Desci por huma ladeira , e na
ftiTi dêila appJicando, o ouvido , ouvi duas paixões desencon-
tradas, porque ora rcsoava choro, ora resoava musica, e a-
pcnas percebi que erao duas creanças a chorar, pedindo pão ^
q.ue tiubào fome ^ e a Mai muito senhora de si lhe cantava.
20 mesmo tempo esta moda \ Fai a teu pai que to ganhe ^
que não seja mandrião \ lé íé mandrião ^ Ic lé mandrião. A-
qui devo parar, meu est.imadissimo Amigo, que o sonho ain-
da vai por diante; porque foi. sonhado em huma noute de
Tjiverno, e como o Correio parte-, para o.que vem, serei mais
extenso , por agora sou cpm muito affccto seu .
P. S. Amigo que mais o preza , e beni lhe deseja
Beijinhos às suas
Jóias.
(Assignado) D. Sonho Sofibu
(O
Eua ã\ítalaya 2 íle Abril,
O nosso experiente àe cousas económicas offerece para o
presente folheto a seguinte Dissertação,
Que admiráveis soccorros nao ministrao os Livros aos
estudiosos! Nelles acha pasto o espirito, e utilidades a na-
tureza ! Em poucas horas fazem saber, por meio da sua Li-
ção , o que gastou ás vezes annos em se descubrir, porém
immensas obras de merecimento ficao sepultadas no Lethes;
porque os seus Authores , ou por falta de meios , ou por des-
cuido não as immortaliz«1o cora a estampa! Eu bem vejo que
o pouco gasto das obras fazem perder o gosto de as publi-
car, porque os ha, louvado seja Dcos ! de tanta virtude,
q.ue assentão , que fazem huma esmola em serem assignantes
de hum volume, para que nao mettcm prego, nem estopa ;
outro nao repara na Obra , porém repara , se a encaderna-
ção lie mais ordinária: ha ainda muitos génios applicados^
e estes ás vezes descobrem os arcanos da natureza por aca-
sos, e muitos destes Authores avaros das suas dcscubertas,
apenas entregão a hum niéro apontamento o que devia ser
patenteado a todo o Universo. Entre os famosos manuscri-
tos, que se acharão áquelle abalizado interprete das línguas
animalicas , homem que conversava tanto com os quadrúpe-
des, como com as aves , sabendo grammaticalmente a lin-
gua de burro , de cão , de cabra , de porco , não ignorava a
Jingua de moxo , de arra , e até mesmo em lingua de baça-
Iháo era hum belíz *, este nosso heroe, aliás João Burro, a-
chou por hum mero acaso dous famosos remédios, os quaes
deixou escritos com carvão na parede de hum nuiro , o pri-
meiro era, que rabão com sai nao fazia arrolar, e o segun-
do, que alhos em jejum livravão de quebranto.
Continuação dos rtdiculos abusos ^ com que foi creaãa a M.ãi
do Velloo de Romulares pelas velhas do seu tempQ.,
Agouros na noute de S, João,
Chamuscar pela meia noute na fogueira huma alcíacho-
fra ^.repeiindo-se ao queiraalla o nomç da^pe^soa, de quem.
se quer fazer experiência da amizade ; se esta pela manha ap-
parece florida , he certo que a dita pessoa e^uer bem a quem
a deitou , e se nâo fiorece , he falta de amizade,
A herva Pinheira tem a mesma virtude , mas depois de
chamuscada deve guardar-se por espasso de hum anno , ob-
scrvando-se nxjos os dias , porque mostra as distracções do
objecto amado ; se hoje apparece viçosa , he signa/ que o
Amante hoje se lembrou da sua Amada mais do que homem ,
e se de todo murchou , he porque de todo se esqueceo.
Tomar, era quanto se está ouvindo ameia noute, huma
bochecha de agua, e depois de passar por três portas, chegar
á janella , o primeiro nome ^ que esta pessoa ouvir ^ he dg
Esposo , cu Esposa , com quem se ha de casar.
Botar cinco réis na fogueira, e dallos depois ao primei-
ro pobre, que vier á porta, pergunrando-se-liie a idade, tan^
tos annos eík tenha , tantos annos se hão de lograr os noi^
vos.
Escrever todos os nomes da folhinha, cada hum em seu
papelinho separado, e embrulhados como sortes, lançallos
em hum. copo de agua pela meia noute, quantos estivereín
,ãesenibrulhados pela manhã , tantos filhos demos trão que hão
.d? ter os casados \ mas hão de se ir ver, antes de sahir o
Sol: e se nenhum se abrir, nenhum filho terão.
Partir hum ovo, lançallo em hum copo de agua, e pol-
lo ao sereno , ao sahir do Sol se deve ir ver a figura , que
mostra , pela qual se conhece o officio , que ha de ter o noivo.
Pôr huma banca quadrada no meio da casa, e cm hum
canto da dita meza pôr saj , n^outro hum ovo, no terceiro
hum lenço, e no quarto huma vela , e depois de dar meia
noute, pegar em hum lenço, tapar bem os olhos, e dar cin-
co voltas ao redor da meza , depois mesmo ás cegas ir bus-
car hum canto delia, se este for o do sal, he signal de ser
pobre y se for o do ovo, ha de ser rica ^ se for o do len-
ço , ha ae casar cedo ^ se for o que tem a vela, ha de ser
solteira,
Lançar-se huma porção de sal na fogueira, quantos es»
ítalos der ^ quantos desgostos ha de ter com o marido.
Trouxerao ao Editor de presente a seguinte quadra,
-com a sua glosa, e seú Author estimará que dê no g.ôco.
(7)
Entreguemos pois a Amor
Nofjoí livres corações ,
Beijando sempre com gosto
Nas as douradas prizões.
GLOSA.
Li
Téni d'Amor broíndo, e jucundo
O Universo dependência ,
Deve a Amor sua existência
Tudo o que existe no raundo:
Do Ar , da Terra , e Mar profundo,
He Cupido povoador ;
Ah ! Se o Nurae encantador
Todos prende nos seus laços í
BelJa Mareia, os Jivres braços
Entreguemos pois a Amor,
IL
Quem as cadéas despreza
Do vendado soberano ,
Mostra com peito inliumano,
Que amantes paixões não preza :
Tem Amor graça, e pureza j
Sáo doces os seus griJhÒes,
Vamos render-Ihe oblações,
M^eu Bem, seremos diiosos.
Não mais sejão criminosos,
Jt^ossos livres corações.
IIL
Não temas o tempo inquieto
Que as ternas paixões insulta.
Que huma simpathia occulta
Eterniza o nosso affecto :
Quando a idade em teu aspecto
Tiver seu ferrete posto ;
Ceando enrugar o meu rosto.
Crescendo então os extremos j
Nossas prizóes andaremos
Beijando sempre com gosto*
(8)
IV.
O gêlo da fria idade ,
Qiie nao respeita ninguém,
Mais lia de atear , meu Bem
Nosso Amor, nossa amizade;
Constante felicidade
Terão nossos corações;
De Amor daremos lições,
E Amor terá para exemplo
Penduradas no seu Templo
Mossas douradas frtzões»
AVISOS.
Ha três mezes , pouco mais, ou menos, que chegou do
Vesúvio de Itália Eiidoro Coxini^ natural de Modena^ o qual
exerceo na sua terra ser mestre de pós de çapatos, graxa, e
outros ingredientes : elle veio estabelecer o seu laboratório no
sitio do Pinheiro, e de próximo se queixa amargamente de
hum não pensado roubo, que lhe fízeráo, levando-lheosag-
gressores do attentado o valor de $S^555 ^^ fazenda já em-
pacotada, € prompta^ que estava para se embarcar para Gui-
né, remettida á Fábrica dos Pretos daquelle Continente; quem
souber por indicio , ou de sciencia certa quem forao os malva-
dos, que praticarão o furto, o vá logo depor no Juizo de Ra-
damanto, e não se envergonhe disso, que lá vai muita gen-
te boa.
Madawa C^avqueta faz aviso ao Público, que acaba de
receber de f)ra huma escolhida, e moderna collecção de mo-
dinhas postas por musica, para se cantarem de i.% e2.* voz,
com as letras seguintes: Ba/erma mísera. Senhor Francisco
Bandalho. Já Id vai para o Deserto, Âi triste de mim. Cal*
Te minha vida , que id to dirão. Ai liric roxo. Nao tem que
teimar comigot O som de Esgueira. Já os soldados vão pa*
ra a Parada. Qj4€ vd , que não venha , não se me dd% Tu-
do com acompanhamento de cravo , e ferradura.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I8i8.
Çom licença da Meza do Desembargo do Paço,
D
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LI.
Rua Bella da Rainha 8 de Abril.
E Pernambuco chegou ha pouco hum Marujo , que das
canquilharias que levara, e dos eíFeiíos , que lá prodtázírão,
contou era Lisboa o lucro de meia dúzia de centos de mil
téis bera puxados, e logo assentou entre si, de nao emlar-
car mais pela inconstância dos terapos. Vendo-se este bera
homem a nadar em dinheiro ( porque não era avaro) não
sabia loraar pé nem a que se havia de arrimar para o segui-
mento do giro daquella riqueza , por nao ser dos mais esper-
tos; bem via elle , que o dinheiro deve produzir dinheiro,
ao menos cinco por cento ; foi á rua dos Ourives , comprou
hum par de fivelas de çapaio, de quatro marcos de pezo , e
feita está^diligencia , em que andou rua abaixo, rua acima,
por acaso vio era outra rua huma casa , que vende sortes de
pequena moeda; lembrou-se que o lucro das sortes he mais
de cento por cento, sem ir a Macáo , deixou o empenho,
que trazia de contratar em outra cousa , e tentou^se em com-
prar dous vinténs delias. Desembrulhadas que torão , âchou
51
J^.
três prémios , que lhe qua#^^ão o dinheiro, que foi quem
o enganou. Foi no ôotro dia,; comprou dez tnil réis delias,
não lhe saliio nada; dahi a dous diâs* comprou 20(3^)000
réis, nao tirou nada. Iíiflammado> tornou pelo vezo, com-
prou mais ^0^000 réis, sahio-lhe hum cràzado novo, in-
íluio-se, comprou 20i^ooo réis, não lhe sahijb nada , âtéque
cahio em si, dando balanço ao dinheiro , que íhe ficou, e co-
mo tinha comprado algumas bagatellas , muito menos adiou,
porém com esje resto entrou em huma taberna , não houve pa-
rente pobre, e poz-se a jogar a la«ca ; lasca foi ella , que fí"
cou lascado por huma vez , tão enxuto de dinheiro como o
Neptuno do Chafariz do Carmo em diâ3 de calma, e iresco
da sua vida como o mesmo Neptuno em dias de chuva j po-
rém como já não tinha remédio a desordem dó seu máo pen-
sar, sahindo da rabérna, disse á porta esta sentença, jul-
gando-sc hum Catão : a agoa o deo , a agoa o kxou , quem
não quír perder , não jogue ^
Belém 10 de AbriL
r ' Neste Bairro hum sujeito muito curioso de ter raras pin^
tur^is, encommendou a hum Italiano grande Pintor dous qua--
dros , hum, em que viessem as quatro Virtudes Cardeaes bem
figuradas, e em outro os sete Peccados Moriaes. Rccebeo o
Pintor a encommenda , e no fim de três mezes trouxe os dous
quadros com o maior desempenho, e esperando receber hum
grande primor, o dono \\\q satisfez com huma insignificante
quantia. O Pintor desembrulhando o papelinho, e vendo a
ridicularia da paga, virou para o dono, e disse, ora este
quadro dos sete íeccados Mortaes ^ para ficar mais desu^
sado y hei de levallo ^ para lhe accrescfntar mais hum ,
t ha de ser hum devedor . do suar alheio. Aeodio o dono
Jogo , dizendo ; pois olhe , leve tavibcm o das quatro ViY;^
tudes ^ e para ficar inais raro ^ aceres cente-lhe huma,
que he ter paciência \ e como se entendessem hum ao outro,
com .pouco mais vulto na esmola ficarão os painéis.
'< 3 5
Braga 6 de AhrlL
Contimaçãs eh sonho ãa Ilha dos Taftíes pelo Cavilheirõ
dos pezadelhs ao seu Amiga de Lisboa na seguinte
Carta,
Cápia.
Com o maior gosto , meu querido Amigo , lhe vou
continuar o meu sonho , fazendo-!he ver as diversas scenas ,
que me representavão as minhas desorganizadas idéas dentro
de huraa cama ^ e de huma casa ás escuras: se bem me lem-
bra, depois de ouvir aquella célebre Mãi a consolar a fome
das filhas com a modinha do Mandrião^ segui o meu ca-
minho, quando em huma janelia de grades ouvi hum grito,
que dizia, ó Silva ^ dá cá o doce. Assentei que era algum
Cavalhe-iro Escolástico, que se tratava bem, e em huma pe^
quena parada, que fiz, vi da rua o tal criado Silva cora
huma bandejinha de charão, e hum copo de agoa acompa-
nhado de hum grande confeito , a que vulgarmente se chama
do Porto, prezo por huma \\x\\{^ ^ e observei, que o Amo
pegou no confeito , e botando-o dentro do copo, puxou pe*
la linha, e era ar de hum balde levou-o á boca duas vezes,
dando-lhe de cada vez hum pasraoso chupão , e bebendo-lhe
depois a agoa em cima; perguntei aos companheiros, que
loucura era aquella ? Respon ieo-se-rne : v, m, chama-lhe
loucura ? pois assente qide he economia : aqr/e/le sujei f o
he enfatuado^ e depois de jantar senta -se á janelia j e^
dindo doce ao criado , para que a 'visinha^iça conheça que
se trata , e aquelle confeito , que v, m, vi o , he quem
paga as favas , de sorte que ha confeito na que lia casa ,
qt/s dura oito mezes em chupões , e inda depois de se lhe
tirar toda a sustancii^ fica para o cria o \ taf alaria^
tajularia, Calei-me , e querendo proseguir na j. rnada, vejõ-
ipe rodeado de s-^ges , humas a i^em para baixo, outras a
virem para cima , todas muito fechadas, mostrando que quem
hia dentro se não queria constipar, e a huma porta p-iroiii
luimaddlas, apeou-se o criado da trazeira, tirou da algibeit
■■(4)
ra num'rol, leo-o, e puxando por dous bilhetes, foi Icval-
lòs a cima. Desceo para baixo, poz*se^ouira vez na trazeira,
e vi cheg;5r o dono da casa por entre iium postigo mal aber-
to a espreitar quem vinha dentro, quando na voka , que dep
o boleeiro para viran, pilha huma sobreroda , tomba a sege ,
acode gente , e vem da dita casa a correr o dono delia para acodir
ao seu Amigo, que deo tão gr.inde qwéda , vai-se como hum
raio a cortinas, para lhe fazer a oíFerta da casa, abre-as , e
não acha ninguém dentro. Eu, que esNava de parte, dei hu-
THi gr ín-ie gargalhada, e perguntei aos companheiros, que
veio fazer aquella sege alli ; respondeo-se-me. , oquillo ke
hum rasgo cia Tafularla ^ eh ama- se dar boasVestâs , quem
as dá fica ent €asa , e nianda a sege a esse fim .^ pjreci ndo-
'lhe que senão vem a saJ^er \ disse eu logo , não he mdo
cnniprimento ^ virem os machos substituir j elo dono -^ gr^in^
de politica^ hem empregado tempo» Mudei de rua., e en-
contro dous homens a descomporcra-se , ambos muito acea-;
dos, e quasi indo á unha : perguntei o que aquillo seria,
respondecme hum dos companheiros ; o de chapéo redonda
he bum cómico do The atro desta Ilha , 7nuito bom rapaz ^
e o outro .he hum bom Poeta , que est d enfureci do , pnr ter
dado huma Tragedia para o dito The atro , e aqtieíle co^
mica saltar-lhe^nella y cortar -lhe muitas falias y remenn
dar-ihe outras^ e em fim desfigurar 'lhe a peçi de tal sor"
te , que seu author mal a conhecia^ O dono hn ta , que se ti'
nha defeitos , que lha dissesse pessoa que tivesse princi^
pios , e que. disso entendesse , porque a elle em quéntovivo^
he que pertencia a emenda ^pornào ter feito para isso pro-
curação a ninguem\ porém aquelle atrevimtinto nocónuco^
joi por t afilaria y e o Pceta^, como novo na terra , ignora^
ainda o ^conume. ão.Pai%* Pasiei adiante , e vejo na- loja
de hum Mercador hum sujeito muitovgrave , mand.?ndo cor»,
tar panno para hum capote, e para huma vestia ,, ejuníodelle
hum venerando Velho, com a cabeça muito branca , que mos-
trava de 98. para cima, arrumado a hum-cajado; dei-lhcs
tabaco, e entrámos em conversa, e contou-me o bom. Velho ,<
hoje ganhei . huma vestia y e hum capote n^uma aporta ,
qu^e fiz com este Sehhor, de quem sou cazciro^ hmtem ^
quando. vim. dar-lhe contas j pergunto n-mc. que receita era
a minha para viver tnf:to , e ter tao boiís core: ^ di^sr»
lhe que era comer carne com lom toucinho , e feij o ros
dias de jejum ^ com huma açorda stmpre por alnoço^ a
que aconiiãnhft meio quartilho de li- lha pinga, Não me
quiz acred ta'\ ão jantar drgumcntti^ihe ^ que a suame-
za de vinte guizados , cada hum era hum inimigo contra
a sua vida ^ e tanto disiutdmos ^ que por aposta se ajus-
tou , que eu do que cotnejse havia guardar em huwa pa^
ne4la até hoje , e que tile jaria o mesmo juntando em ou-
tra , huma amostra de todos os guizados , se os meus se
corrompessem ^ o havia de sen ir hum íim.o de graça ^ e
se se corrompe f sem os seus ^ me hatia ce vestir de novo.
Com effeito hoje se vio a minha pantlía^ que tinhavacca ^
e toucinho , de qiie ainda posso jantar , porém a de meu
Amo , elle mesmo confessa a dor de cabeça cofn que estd
do fétido daquelles vapores. Gostei rruiro dai]uella lição,
com a qual dou a prec-ente Carta por scabada , guardando a
mais para o Correio que vem, por agora sou seu
S. P. Multo Amigo, e obrigadissimo Criado
Me fard certa a minha •
escravidão a essa minha
Senhora.
( Assigiiado ) Z). Sonho Sonhe.
Pedrou ços 9 de Abril,
Sahindo de Lisboa dous barcos de agoa acima carre*
gados de palha de senteio, oue hiao p^ra Paço d^Arcos,
como fosse grande a tormenta do venta, logo abaixo da
Torre de Belém houve a infelicidade de naufregarem os bar-
cos , salvou-se a gente , e a palha foi ao fundo, e em tão
grande monte , que ficou fazendo naquelle sitio hum baixa
teinivel , de sorte que terça feira passada ,. entrando três na-
vios carregados de ferro , como os Pilotos náo sdvcrtirsem
no eminente perigo, a que estavão sujeitos, se dessem no
referido baixo, por desgraça tocando- lhe, dérao os navios
á costa, e hum deites se despedaçou inteiramente; consta
que se salvarão alguns marinheiros a cavalío nas barras de
ferro , que aboiavão ao cima d'agoa. Se o tempo , e a for-
ça das ondas não desraaRchar aqueile grande raonte de p^t-
Jhâ, carreráó rauito rUco iodas as embarcaçòes, que entra-
rera.
Máximas do Fe lho de Romu lares continuadas na maior
Parte destes Folhetos*
De canteiro que trabalha,
De pedreiro de telhado.,
E de carro carregada , \
Fugir sempre pela malha ;
Porque se a desgraça encalha ,
o Logo acerta era quem parou,
Que pondo-se a conversar,
iPara os pVigos não olhou.
"1 Homem de riso amarello ,
Qiie á razão não dá abrigo,
: He preciso conhecello ^
He cheio de opinião
He capaz ao seu Amigo
De arrancar«lhe o coração.
Porém, que direi daquelle,
Que de pouca cousa vem !
Por dous cofres, que possue,
Logo hydropesia tem ,
Mas isto assim lhe convém ,
Que eu inda não vi Pigraêo ,
Que não mandasse fazer
Nos çapatos grande salto j
Por ver se com tal idéa ,
Póds pareiíer mais alto.
Homem , qub úq tudo arde ,
Qjie "ò isen^blante de msnhá
Nâo sabe ir.Gsirnr de tarde ^
He figura pouco sã ,
Se ora louva , ora diz mal ,
Nelhí ninguém faça fé,
Porque he muito pouco igual.
Estanqueiras , e fanqueiras,
Que as filhas páe ao balcão,
He para que hum mocetão ,
Filho de casa abundante ,
Gora quatro mezes de amante,
Escritos , promessas , falias ,
Venha a cahir nas entalias ,
De lhe dar a mão de Esposo^
Pondo os conselhos por nullos^
De que o Pai pouco gostoso ,
Logo que o sabe dá pulos.
O m»oço do Poeta 5 que foi chamado de huma janell^
por humas Senhoras do conhecimento de seu Amo, depois
de ser por estas muito mettido a bulha , tratando-o de po^
bre homem , para refinarem rrais a zombaria , que delie fí-*
zerão , lhe derão o seguinte Mote, que elle promptamente ,
depois de o golozar, lhe levou escrito no mesmo dia, de
que me trouxe a presente cópia.
MOTE.
Fem o Mundo a ser vada a quem bem pensa..
GLOSA.
Eu nSo tenho galões, nem Senhoria,
Co' a sege estremecer não faço a rua,
Porque a minha desgraça nua , e crua ,
S5 mè deixâ de meu a noute, e o dia; :
(8)
Eu não tenho respeito, nem valfa ,
Nem cargo , que por tal me constitua ,
Nâo tenho hum só principio^ que me influa,
Mando, soberba, luxo, ou bizarria;
Sou Moço de servir , mas sou da maça
Daquclles, a quem sirvo, co' a difterença
Somente da fortuna, ou da desgraça:
Mas nisto a sorte não me faz oíFensa ,
Se o tempo destróe tudo, e despedaça,
Vem o Mundo a ser nada a quem hempensa*
AVISOS.
Sahio á Uiz o tratado da inorulação das hexiç^as de
Porco pelas mãos dos rapaze^ na cabeça de quem passa ,
em que se prova aproveitar mais , e ser o tempo mais pró-
prio para esta operação , o do Entrudo.
Quem quizer iodo íino , e da melhor qualidade, mui-
to cómmodo no preço, dirija-se a Cabo ruivo , por mar, e
desembarque na vasante , que eu já de lá vim huma miséria.
(^em adiasse hum homem de idade de 63 annos, ba-
ptizado na Freguezia dos Oiivaes , filho de Pais incógnitos,
o qual se perdeo a cavallo desde a rua Augusta , até ao Ro-
cio , vá fallar com Andreza Reboissa , com lugar de cama-
rões na Ribeira, que he sua Mãi , e dará boas alviçaras a
quem lho trouxer.
Quem quizer dar, e levar cento e trinta e seis arro-
bas de soco velho, da primeira sorte, e muito são, dirigin-
do se ao Cáes da Pedra, a hora da Praça dos Cairaeiros ,
ialle com Dize tu , Direi eu , e deixe o caso por minha conta.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 8.
Çom licença da Meza do Desembargo do Paço*
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LII.
M^
ParãíZo II de JhriL
iUdou-se o Natal passado para esta rua hutn sujeito da
Lourinhã, porém que nlo envergonha a sua Pátria: o outro
dia foi a casa de hum çapateiro pedindo-lhe, que lhe vendesse
huns çapatos para hum filho, que tinha, mas como não le-
vava^ a medida, perguntou-Ihe o çapateiro, quantos pontos
havião ter, para assim conhecer o tamanho do pé; respon-
deo elle ao Mestre , espere v. ;;/. qr e eu vcu n casa , e Ih tra»
go já arespcsta. Então o bom Lourinhanista voltou a casa,
pegou nos çapatos velhos do filho , arrancou-Jhe a sola cora
huraa faca , e poz-se a contar qusntcs pontos tinha. Depois
desta conta, tornou á loja doçapateiro, edisse lhe, queque-
ria huns çapatos de 63 pontos ; o çapaieiro ficou admirado
do que o liomem lhe disse, e poz-se a rir. O outro , que o
vio rir, repliccu-lhe; v, m ttm lo a fará servir o Povo ^
e asstm dtve fazer a obra, que^ lhe encovmer.àayem\ se
he porque teme a p' ga , aqui lhe dnxo hun.a peta de si-
gnal , e sfm dizer mais nada , at^rp..-'.-. r n> ^ r- r*^ po M^*?-
ire , se foi embora, O Mestre c i
5"^
Atanado , muita solla y e cora effeito fez huns famosos çapa-
tÓes, de sorte quesemettia o Aprendiz dentro delles para pas-
sar o fio. No fim de oito dias veio q Lourinhão buscar os
çapatos, e quando liios apresentarão , cuidando que era luan-
gaçao 5 entrou a descompor o çap.iteiro , e a pedir-ihe a pe-
ça , que llie deixara i o Mestre também allcgando as suas ra-
zões, entrou a pedir-lhe o resto da paga da obra , e tal foi
a disputa, que vierão ao murro sêcco : acudirão os chuços
para os prender; o Mestre escondeo-se dentro em hum dos
ditos çapatos, razão porque só o da Lourinhã foi prezo, e
da cadêa ranndou citar o çapnteiro peia peça, a tempo que o
Mestre também o mandou cirar pelo resto : andão á deman-
da, na qual estão tremendo os Fiéis de feitos, não se man-
dem a ppensar aos autos os çapatdes, porque então será preciso
andar o feito o páo e corda de Escritório para Escritoric?^
Braga 13 ^e Abril,
Continuação do sonho da Ilha dos Tafues , sonhado pelo Cg'
V alheiro dos pezadeílos^ e exposto ao seu Amigo de
Lisboa na seguinte Carta*
Estimável Amigo , da forma que posso , a pezar das
minhas moléstias, pego na penna , escrevo, e reraetto o maJ-s ,
que se me seguio no meu decantado sonho. Instruído pois da
lição, que me deo o bom velho do modo de se comporiarno
seu sustento, caminhei a huma pequena Praça, onde estavao
dous homens a fallar muito , e com grandes iniimativas \ per-
guntei aos meus Amigos o que era,, responderao-me : aqueU
les homens são dous espertos , e muito sagazes , hí/m ven-
de cavalgaduras , e outro be Frocuréidor de causas \ o FrO'
curador quer-thc comprar hum machinho para andar ^ e
mui tf) em conta ^ e o oulro quer- ih o vender , e muito caro\
estão ambos a qual ha de evgan/ir hum ao outro ^ j d durão
aju te ha três semanas^ h? impossível pela esperteza de
ambos poder -se saber qual de les ha de ser o logrado, Dis-
viei-me daqueJIc sitio, e vi a huma porta de pequenas casas
algumas três seges, perguntei quem morava alli , respondeo-
se-me, he hum Ta fui desta lUia muito procurado , o ho"
viem rmis fácil em tudo quanto fromette , que se tem vis-
to s traz muita gente a reboque ^ e nada concilie \ per que
%elle y [or íafularia y o mesmo he promctter^ que jaltar^
twlo empata , engana a todos comroclehs, e estratagem^t
de persuasão^ e fá a muitos^ tio seu projecto^ lhe tem
tardado algum tombo por fim da galhofa. Disse eu cá co-
migo, destes ha muitos Id na minha terra. Continuei o
meu caminho, e ouvi eni voz alta alli para hum lado , ha
quem mais lance , senão arremato. Perguntei o que aquillo
era, respondeo-se-roe , naquellas xãsas morreo hum Medico
desta Ilha ha pouco tempo ^ e agora se Ike está fazendo
Itilão da saa livraria. Como curioso cheguei mais ao pe ,
e vi para cima de quatrocentos volumes , puxei dos meus o-
culos , e fui vendo alguns delles , achei todas as tolhas cos
livros em branco, e só linhão em cada pagina na cabeceira
estas palavras: agoa morna, no meio da pagina dizia : aju^
das , e no fim, ^liéta , tudo muito bera encadernado, po-
rém nem hum só livro , que não fosse deste modo. Estava
era cima d*uma banca hum grande maço de papeis , desatei ,
vi , e por acaso dei com esta minuta , que dizia , nos meus
livros achar dÕ os enfermos Eotsca , Cirurgião , e Medico ,
porque ajudada a natureza das três cousas que elles cen^
tem , fica sendo tudo o tnais reboco das tripas. Não des-
gostei da instrucção ; e passando adiante, vi huma pequena
tenda pegada cora huma pequena loja de Barbeiro , e sem pa-
rarem, o rendeiro visitava o barbeiro, e o barbeiro visitava
o lendelro. Fez-rae aquelle desassocego sua espécie, e pergun-
tei o que aquillo era , respondeo-se-me: aquel/es ríous to-
mens são o amparo desta liba , porque quem necessita de
dinheiro , vem ter com elles , rebatem quartéis mui'- o em
<:onta \ por exemplo , por dez moedas dão seis cem wuita
caridade y e com espera de oito dias ^ em cujas noutes mal
dormem , com o sentido que o loful^ que os occupa , os
Tião logre y só tem o defeito de não dar em linttm sobre pS-
fihores , quem quizer ha de v^ndtr o traste , que he avaliado
sete , cu oito vezes , e se vale vinte , para remirem o ve-
xame de quem vende ^ comprão por dez : as sabidas que
estão fazendo hum a casa do outro , ke porque certaynente
lá estd algum miserável cahindo na rede \ e sem etes ho-
mens , que seria da tabularia desta Ilha ? Fiquei de boca
aberta com tal noticia , porém como he Mundo , de tudo
ha nelle como ria Botica. Tenho até aqui cumprido com
os deveres da minha promessa , dispen^ç-me de não set
. <" 4 >
niaís extenso, o qu^ £ir.-i para o Correio que vem, cc mi-
íiuando-líie ainia alguns restos do tal sonho, porque muito o
deseja divertir este seu
P. S. Maior Artigo, e humilde servo
Saudades aos meninos^
( Assignado ) D. Sonho Sonhe\
'Rua da Rosa 16 ãe Abril,
Mettendo tudo a saque, e pondo tudo pelo pó do ga^
to veio ser hospede nesta rua em eerta casa hum divertido
honieai ; porém com a balda de ser muito scisroaiico a res-
peito de saúde. Houve neste dia alli huina grande função , era
que se juntou huma aprazivel sociedade , nao parou nada cora
d sujeito divertido, a todos pregou peças, fez cahir a vários
cm diíFerentes esparrelas de riso , e o mais he queatéaorues-
mo dono da casa , que ainda que era de igual feição , com
tudo, iogo lá comsigo protestou de também lha pregar. Aca-
bou-se a asscmbléa , tocou-se a recolher, e apenas o alegre
hospede se deitou, e dormio, foi o dono da casa pé ante
pé á cama deile, tirou-lhe o fato subrepticiamente , e entre-,
gou-o á familia , que toda a noute levou em lho apertar , des-
cozendo-lhe as costuras, e cozendo»lhas outra vez por dentro,
Forão-lhe pôr o fdto no mesmo sitio , e cora hum alfinete
pregado a huma vara , pela greta de iiuma porta lhe derão
huma grande zagui\chada , sem que o pobre visse o que era j
este estremeceo , e acordou , apalpou a cama , não topou na-
da , por cujo motivo ficou pensando se seria bicho, que o
mordesse; e como isto foi ao amanhecer, e vio , como lá
dizem, luzir o bjraco, entrou a vestir-se, e lodos de casa a
espreitarera-no. Vestio a camíza , e ao abotoar ocoliarinho,
que estava sobreposto, vio que lhe nao servia, e descon-
fiou de que eslava inchado. Foi vestir os calções , e por mais
forças que fez, nao lhe passarão do joelho , e mudando de
cor, já bastante agoniado, vesiio o colete, porém não o pô-
de abjtoar, Eis-aqui o miserável dizendo mal á sua vida, juU
cn
gando ter sido algum lacráo , que o rrordcssc» Chamou pelo
dono da casa, veio este , e disse-Ihe logo, rjue lem i?. w. ,
quf he i so ^ eitd tão inchado'^. O triste Iiospede mais mor-
to , que vivo, pedio que lhe acudis e, que lhe tinha de nou-
te mordido hum bicho , e que lhe mandasse logo logo chamar o
Cirurgião. O dono da casa, íingindo-se muito aíÃicto, man-
dou chamar outro Amigo , a quem contou a passagem , o
qual entrou aíFectando de Licenciado, fazendo mil escarcéos
da inchação. Tomou-lhe o pulso, vio a picada do ahinete ,.
e disse: Este veneno âa mordedura está muito erarã^i-a^
do\ o caso está muito más. O hospede apenas tal ouvio,
entrou a desfalecer, de sorte que lhe sahio a famiiia a per-
suadillo de que tudo fora hum mero fingimento \ fizerao-ihe
ver a vara do alfinete , fizerão que ç\\ç, reparasse no sobrepos-
to do collarinho , e em tudo o mais, e custou muito a capa-
citallo da verdade. Calou-se elle, metteo o caso a boa fei-
ção; e porque se lembrou que na alcoba , em quedormio,
estavão humas botas do dono da casa ; o hospede muito dis-
farçado lhe pedio huns chinellos para calçar, porque tinha
hum callo , que o molestava muito, e não queria por casa
andar de çapatos pelo não oggravar : respondeo-lhe o dona
da casa, que era traste, de que não usava, que se tivesse era
casa alguns chinelos, de boamente o servia. Instou o hospe-
de , dizendo: r, m. eri^â^Jíi-nie ^ r. m, tem chinelos^ enâo
os quer emprestar. Sobre tenho, não tenho, apostouo hos-
pede , que lhe havia mostrar chinelos, que erao delíe, e em
menos de hum quarto de hora; ha de mostrar, não ha de
mostrar, apostou*se o valor de dezeseis tostões, e o hospe-
de foi dentro á alcoba, pegou nas botas do Patrão, e com
huma faca cortou-lhe os canos , e calcando-lhe os chinelos»
sahio para a casa de fora , dizendo : então tinha^ ou nao
tinha ? era má Tcnt^de de mos tmjrestar^ ou não eral
lembra-se o dono da casa das botas, poz as mãos na cabeça,
porque perdeo nellas não mencs que huma moeda de ouro,
porque ainda erao novas ; poz o hospede na rua o mais po-
litico que pôde, e protestou de nunca mais tirar desforra de
graqas , porque ás vezes são como as cereias, que vem humas
encadeadas nas outras, humas podres, e outras sãas.
(6)
Maxlmds do Velho de RomuJarcs»
A viuva mui sentida ,
Que aos trcs raezes rauda o luto ,
De pós, e cara brunida,
A solo modas cantando;
E que vai á contradança,
Dando ao Par hum ar de riso ,
Ou ficou mui criança , ou sem juizo.
Foge de feição jocosa,
Seja na casa, ou na Praça,
Procura seres louvado
Por huraa acção virtuosa ,
E não por bonita graça.
Nunca desprezes aqueile ,
Porque já servir não pode ,•
Antes com gosto lhe acode:
Se já foi Mecenas teu ,
Os deveres se duplicao ;
Que se hum telhado abateoí
As paredes sempre ficao.
Se quando salies para fóra ,
Por lembranças não perder,
Assentas com fino lápis
Tudo , que intentas fazer :
Também logo ao recolher ;
He bem no mesmo se estude.
Por ver se em quanto fizeste.
Te faltou honra , ou virtude.
Os males nem todos vem
Da Estrella da creatura ,
A má escolha dos homens
Os poe em triste figura:
Largão o que lhes convém ,'
Abraçando o que os estraga,
De que a prudência se ri :
Porém quando vão ao fundo.,
Qijeixão*se de todo o mundo,
Mas não se queixão de si.
(7)
Mulher testetrunhadeira ,
Que sempre a mentir acode J
Que na historia verdadeira
Accrescenta o mais que pôde,
Por fazer o seu partido:
Na galé do soíFrimento
Traz sempre o pobre Marido.
Ao Editor reracttêrãõ do Brazil no Combcio passado a
seguinte quadra, com a sua glosa, para o presente fcllieto :
haverá muita gente , que nâo goste delia, e eu sim, tio
gostos.
Zomba emhara de meus males ^
Jd qut licença te dei ,
; Que eu mesmo fui o culpado, y
Sem remédio chorarei*
GLOSA,
I.
Ingrata que mal te fiz ?
Para d*um tiiste zombares ^
Folgas de ver rreus pezares ,
E de escuiar-me le ris l
De triste pranto infeliz ,
Inundo os montes , e os valles ;
Semv^uehum momento te abale'
Ao ver meu pezar vehemente ,
Porém se isto o Ceo consente ,
Zomba embora, de meus m/illes,
11.
Para, ingrata, conheceres,
Quanto era firme este amor ,
De exerceres teu rigor
Te dei licença, e poderes:
Suppuz depois de fazeres
As provas, que te ensinei ,
Te abrandasses ; mas errei ,
Que o teu rigor teve augmento
Dobra embora o meu toimento
Jã que licença te dei.
III.
Vendo a graça , e formosura
De teu ros'^0 alvo , e perfeito.
Julguei, que houvesse em teu peito-
Mais piedade, mais ternura:
Mas da minha conjectura
Cedo fui desenganado j
Zombas do meu pobre estado ;.
Mns do que sinto , e senti,
Náo me c^ueixo , náo de ti ,
Q^ue eu mesmo fui o culpado,
IV.
A constante zombaria ,
Que de mim fazes, extingue;
Teme, que a scrte me vingue,
Desía fera tyrannia :
Vê , que has de ter algum dia
Justo castigo ; cu o sei j
Enráo chorar te verei
Os enganos , qne Amcr traça y
E eu mesmo a tua desgraça
Sem remedia chorarei.
O moço do Poeta aqui chegou esta mat^hS muito con*-
tcnte de ter feito o seguinte enigma, para dar que fazer 2os
(8)
curiosos , e com tanto segredo , que nem âo Editor disse o
]iic era, nias para a semana todos o saberemos.
Qd
Et! a toãoí sou pszado ,
E a todos dou alegria ,
Jigraãeço a quem me cria ^
Com quanto tenho ajuntado :
Caro me sahs o bocado ,
Que me trazem com bons modos ^
Se depois destes engodos ,
Para tudo lhes pagar ,
JV^i , e crii me hã') de deixar ,
Posto d xer ganha de todos.
Em raatcria de adivinhações, quem he capaz saia cá
para fora.
AVISOS.
Sahio á luz Iiura livro intitulado, Tromba d^ PorcOy
vende-se para Novembro a pezo nas bancas, e por de traz
dos Quaríeisé
Qt^iem quizer levar por bem o que escusa levar por mal,
e o mais que dér, e vier, e com tudo o que Jhe pertence,
livre de penção alguma, pôde falíar, e guardar o seu di-
nheiro.
Qiiem quizer comprar lium vestido roxo , era meio uso ,
cs^pere algum tempo, parque quem o traz está na tinta.
Quem perdesse i8 peças de 6(^)400, algumas em tro-
cos miúdos , que se acharão em humas cartas sem sobrescri-
tos , está servido; nao falle a mais ninguém; porque quem as
achou , pôde dar sota , e az.
Quem precisar de huma criada para varrer, muito há-
bil, e perfeita, vá falíar com Janizara da Costa, de quem
receberá huma boa informação, porque na casa , donde sahio,
juio só varria , mas servia de pá , e vassoura.
LISBOA. NA OFFIC. i>E J. F. M. DE CAMi^US-
I 8 I 8.
f^np-f l^crr/j dí Meza do Desembargo do Pafo»
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LIII.
Rtía das Taipas i^ de AbriL
I.Um servidor de Pedreiros de robustas forças, valentão
afíanaado ; foi avisado pelo Cabo Geral do seu districro , pa-
ra entrar de ronda na noute de Sabbado para o Domingo ,
para que a perda desta o não impossibilitasse de ir trabalhar
no dia seguinte : apenas acabou do seu tráfego , chegou a sua
casa , pregou com a cêa no bandulho , bebeo os seus três
quartilhos de vinho; porque assim o permettia o trabalho,
e a noute; e logo que acabou de cear , pegou no capote, e
hutn varapáo, e foi buscar as ordens do aviso : repartidas as
patrulhas, foi este incumbido chefe da sua, cuja direcjão in-
cluia até á Calçada da Gloria : dado o primeiro gyro , que
preencheo até ás ii horas, sentarão os da patrulha na des-
pedida , que fossem visitar huma baiuca : a noute estava fri-
gidissima, e a primeira voz foi: í^enha hum quartilho de
agua ardente', offereceo-se ao chefe, que pregou com ella
na barriga, inteiro, e entregado: mandou elle repetir a mes-
ma doze, e foi bebida entre quatro, que o acompanhavao ;
Rahírão, c forao-se sentar sobre humas pedras, que estão eni
51
(4)
cima ãã mura^lha , entrarão a conversar, o tempo a passzr^
a sgQ:i ardente n lavrar , e qu^sí iodos n roncnr ; pnrqiie o
soiiino Tomou posse delles com muita facUidade. O Chefe, em
qtacm todos descançavão, tinha muito medo de bruxas, mui-
to persuadido de que havia no mundo esta hlssL ridicularia ;
entrou este a passear, e dando-Ihe a sede, foi -direito ao Cha-
fariz , que ha naquelle sitio v fartou-se de beber, e quando
voltou ouvio humas gargalhadas de riso, que davao humas
raparigas , que, acabando :0 serão de casa da visinha, se des-
pcdiao ; as quacs levavao ^as mãos huns bocados de rolos ac-
cesos : o pobre homem-, que The vio luzinhas, logo disse;
olá temos bruxas ! pois vossês hoje mão tem que jazer comi^
g0 \ porque eu almocei fão com alhos ^ jamte-i feijões comsa»
r âmagos ^ e ceei peixe espada ^ e com estes contra venenos es^^
tou descançada , de que vossês me ataquem \ virou-lhesas cos-
tas, e entrou no projecto de medir a muralha a palmos j c
como era canhoto,, que foi a sua felicidade, .principiava da
esquerda para a direita , e indo-se a abaixar para principiar a
medição pelo frizo, pezou-Ihe mais a cabeça , doqueospés^
e foi abaixo só na altura de duas braças e meia, cuja queda
foi por entre cardos, e ortigas, que o maltratarão pela cara,
e mãos: ora com a pancada do tombo ficou alguns minutos
dormente, porém como pôde arrancou huraa ripa, e arruma-
do a ella chegou á sua porta, porque capote, chapéo, e ca-
jado, tudo lá ficou pelas custas j bateo, batco , e a mulher
a perguntar quem era, e como o marido lhe n3o respondeo,
entrou a gritar pelos chuços, os quaes acudirão a tempo, que
eíle disse : isto agora he que he bruxaria ; conhece^lhe ella
a falia, abre-lhe a porta , entra elle , e vai direito para a ca-
ma, donde se não levantou, senão na segunda feira, quando
foi para o trabalho: os officiaes da obra, que lhe virão a ca-
ra , e as mãos arranhadas, perguntárão-lhe , se as bruxas o
tinhão topado? mas elle meio corrido , respondeo, que não,
que elle he que se tinha embruxado a si mesmo : consta que
já não bebe , e que está presentemente hum perfeito rondis-
ita.
Braga 21 de MrtL
Continuação do sonho da liba dos 'Tafues.
Meu muito estimado amigo , não perdendo de vista a pro*
ancssa^ gue lhe fiz ^ Uie continuo as varias -^acenas sonhadas
( 3 ^
ftá rainha IIIu dos Ta Pu es , que ainda qne me dao algum tra-
balho escrevellas , serve-rae de sarisFação o ter a noticia, de
que V» m. engraçou com cilas; este o motivo, porque prosi-
go , dizendo-lhe , que depois que vi os dous grandes usurá-
rios, tomei outra vareda , onde encontrei huma velha decen-
temente vestida, com o seu cró, e cm trages de viuva, pe-
dindo-rae, que a soccorresse com huma esmola ; assim o fiz ,
e porque lhe observei hum semblante de senhora de bem, in-
quiri dos meus companheiros, quem era aquella pobre senho-
ra , ao que me responderão: esta miserável viuva he Mãi
de huyn grande lajul desta Llha ; que faZ ci^ , enãa perto
de seiscentos mil réis nos seus empregos , porém tão desor*
ãenado na sua tájuUiria^ qtie tudo reparte com as que lhe
vão são nada , despregando queffi lhe ãeo o ser , e consentin-
do que sua Mãi mendigue de porta em porta o pão fará o
seu sustento , e anda tão allucinado , ^ue por mais que a pru-
dência de alguns Cnv alheiros ihe inste com bons conselhos a
leste respeito , elle tudo atropella , parecende-lhe , que fazendo
o contrario , deixa de ser Tnful : e hc certo cpue ninguém ihs
fspera bom fim, Benzi-me mais de 6 vezes de huma cousa a
meus ouvidos tão estranha, e dando mais huns passos, passei
por huma tenda, e vi hum pobre homem com as lagrimas nos
olhos, e o Tendeiro enfadando-se com elle, e disse então
comigo : este homem he de vergonha, nao tem nada de Ta-
fui : virei para os companheiros , e perguntei se o conhecião ?
Respondco-me hum delles : sim , Senhor ^ este homem ke mui^
to conhecido , foi o chefe da tafularia nesta llha em outrcs
tempos , todas as noutes roiavão d sua porta 20, 30 carrua*
gens , as sallas em cima nadavão em contradanças , compu-
fihão^se as partidas da maior tnfularia \ pcrém todos cjue
Ike hião a casa , lhe pedião que ficasse elle por seu fiador
"neste , e nn que lie negocio de sommas importantíssimas^ no que
elle convinha por muito gosto , por grangear esta aura , a
que chama o fama ^ e de tal sorte o cravarão com a multi'
plicidade das fianças , que ardeo neste fogo até o decente aS"
seio da sua atormentada famíiia , que jd não tem com que sa^
hirfóra ; e elle , que ainda lhe r es tão os honrados sentimentos
da Creação , que tcve , não cessa de gemer , quando vê que o
Tendeiro lhe apresenta o rol da quotidiana dii^ida^ a qual líem
SC quer jd pôde pagar. Apenas me repetirão esta scena, enlutou-
.(4)
se-nie o ceraçao, e desejava , que todos sonhassem este laiv*
ce , para que servisse de espelho a tanto estratagema desta
natureza , de que se compõe o Mundo.
Dirijo-me por huma calçada abaixo, e no fundo delia
vi huma vizinha desccviipondo outra ; perguntei porque seria
tão grande descompostura ? Respondeo-se-me, a que de se om»
põe tem assaz bastante razão para o fazer ^ porque a outra
tem com sua má itídole sido a causa delia padecer tormen^
tos com seu marido \ esta mulher vendia algum tempo chocO"
late pelas portas , agulhas , e alfinetes : nào entrava em ca^
sa alguma, que não a deixasse enredada , muitas vezes por
culpa das donas das casas , que , por quererem saber a vida
das alheias , a brindavão com comezanas : largou por fim es"
te trato , e veio morar para esta rua , onde ainda não tem
cessado de retalhar com a maligna lingua a pobre vizinha \
se esta he visitada licitamente , diz a todos , que os que lá
vão , a visitãopormalicia'. os testemunhos fervem , que che*
gão aos ouvidos de seu Marido , e vi-oe aquella pobre em hu*
ma galé continuada. Fiquei-a conhecendo ; quando ao longe
vejo vir hum homem já adiantado em annos , que trazia na
mão esquerda huma bolsa de dinheiro, huma garrafa, hum
baralho de cartas, e huma mascara , ena direita humacadêa,
e huma espada , e querendo analizar aquelles symbolos, per-^
guntei aos companheiros , que figura era aquella, e para que
fira se conduzia com aquelles trastes ? Respondeo-^se-me : a*
cjuelle homem diz que em toda a sua vida nào achou mais
que hum Amigo , e em ar de loucura p«tr força da sua pai"
xão traz aquella cadêa em signal do laço ida amizade , que
o ligava , e a espada para brigar , e dar a vida por eU
le. A bolsa ,. a garrafa^ o baralho , e a mascara são os
instrumentos ^ com que adquirio muitos conhecidos , qu^
attrnhidos do jogo ^ dos banquetes , da bebedeira^ e damur^f
tnuração , o não deixarão) na sua mocidade \ e tanto que
mudtíu de tpm^^ todos o desampararão y não podendo liquidar
dentre elles hum só Amigo. Aqui farei pauea sobre estes suç^
cessos sonhados , deixando matéria para q Correio que vera.
Miíito me interesso em Ber seu
?• S, Muito Amigo , e obrigadissimo Criado
Boas Festas a toda
a sua familÍ4t* (Assignad^) D» Sonho Sonhe.
cr)
P.ua d'Atalíiya 25 ck Abril.
O Atfiigo apflícndo a experiências ecojidmic^s mostra que
SC tem cavsaão em depurar a n ssu Lihgua túrtugue-
s^a , pe/a seguinte Dissertação , que ojferece.
Todas as Línguas tem seus idiotismos particulares, e pa-
lavras , que se introduzem, que no fim dos Sccu los fica o con-
fundidas, por se ignorar a sua derivação; nós faremos hum
beneficio á Posteridade, se memorarmos a origem de algu-
mas frases, e palavras, que temos no nosso Idioma, como
por exemplo : deo com tudo em pantana : efsa he de Oeiras ,
ou de Cabo de Esquadra : disse das bogas : fe^ vispere y e
estas serão o assumpto da presente dissertação. Nós chama-
mos ás lagoas Pantams\ e porque segundo a gentilidade, O'
Averno era cortado de rios, e Jagôas, lhe chamarão Reine
Pantanoso, daqui veio corrupto locabulo chamarem Pantana
ao Tártaro, ou Inferno, no sentido Poético; e porque de lá^
não torna a vir nada , por isso quando alguém decipa dos
seus bens , se diz , deo com tudo em Pantana , que he o mes-
mo que dizer, perdê-os para çempre.
A Oeiras foi hum Cabo de Esquadra procurar onde mo-
rava seu Pai j que lhe queria fallar, e toraar-lhe a satisfação
porque morreo , e não lhe deixou nada \ e como esta asnei-
ra foi remarcavel , por isso quando sç ouve alguma muito
grande, dizemos: essa ht de Oeiras', essa he de Cabo de
Esquadra.
Huma cozinheira estava frigindo humas bogas y teve fo-
me, comeo humas poucas; perguntou-Ihe a dona da casa
por ellas, e a moça imputou a culpa ao gato: hum Papa-
gaio, que observara tuíio, revelou o segredo; a moça em
vingança atirou-lhe çom 9gup fervendo a cabeça , de sorte
que o pelou, melhorou o Papagaio j c estando hum dia ája-
nella, vio vir hum calvp, então lembrado do seu caso, gri-
tou , ó calvo , também tu disstftes dfis bogas ? E eis-aqui
donde vem este ditado.
Fez vispere, he huma palavra introduzida ha pouco
tempo no Theatro do Salitre, poisiazendo-sealli humas pe-
jas ópticas p por meig de §pííibras, iuvia hum Magico nas
ditas peçsi, a cujo mafido apparecí^o varias geenas, e quan-*
do elíe queria, qvie a scena se sumisse, dizia : vispere , ede
repente desapparecia : ficando em moda o mesmo vis per e pe-
la palavra , desapparecco.
Continuaremos com as nossas etymologias em outros
folhetos, buscando a origem de outras muitas palavras para
proveito nosso , e honra do nosso próximo.
Máximas do Velho de Ro^nulares,
Bem trata o seu semelhante ,
Que quem rouba , fere , e mata ,
He hum bruto devorante ,
Que a Humanidade não preza ^
E faz que possa a ambição
Mais que a própria natureza.
Se por grandes teus trabalhos
Tu vás relatar áquelles,
Quê talvez andem gemendo
Outros maiores do que ellesj
Será bem ca liar sof frendo ;
Pois que tiro -eíi de narrar
Cousas, que aos outros não dóem^
Nem podem remediar.
Desgraçado aquelle génio ^
Que tão mal sabe escolher,
Que dos bens , que tem á mão ^
Lança mão para os perder.
Se tu não creastè o Mundo ,
Como o pertendes reger?
Não negocees Sem fundo ^
Que has de quebrar, e perder:
Se o Mundo he quem nos domina,
Não ha loucura maior,
Que quererem tudo os homens,
Q^ie lhes saia a seu sabor.
Neí=te Theatro infeliz
Nós fazemos a tragedia ;
Porque nós nelle não somos
Mais que actores de comedia \
<7)
Mas a escolha da figura.
Que havemos representar ,
Vem de quem ca nos mandou,
E se lia de desempenhar.
Seja bom pobre, o que he pobre,
Bom rico seja , o que he rico ,
Que esta scena nada encobre :
Estudados os preceitos
Desta representação ,
Ninguém queira figurar
Mais , que a parte , que lhe da©*
O moço do Poeta aqui apresenta a seguinte quadra^
glosada pela nova forma, que não deixa de ter sua ■grjaga*
ausente de Mareia, hella ,
IJnico Bem , que in^a adoro ,
S(m cartas y sem rcvas àella
Suspiro y soluto f e choro.
GLOSA,
Assim eomo os rips ventos
Armão no mar a porcella;
Tal me trazem as saudades.
Ausente de Mareia beUa,
L Y R A.
Meu peito afflicto,
Que não descança :
Sem que eu a avistt 5
Não tem bonança.
II.
Das esperanças cançàdat
Fim ditoso aos Ceos imploro.
Porque torne a ver aquelle
l/nico Benjf tjue Inda ador^
L Y R A.
De Amante ausente
He só a gloria
Ter o seu Bem ,
3empre «m memoria»
III.
Mas se as novas são meu léme,.
Se as cartas são minha veia,
Ce mo estarei destroçado,
Sem cartas, sem novas delia,
L Y R A.
Entregue ás ondas
Da dura sorte ,
Em rosto sempre
A fêa morte.
IV.
Linda MíTcia , ah ! que mal sabe«
Em qHe naufragi, laboro !
Sem saber de ti , sem ver-tc,
Sufpiro , sofífço , c chêro^
h Y R A.
Posto me sinta
Semare a morrer é
fió para amar-te
t^guero vÍTer«,
(S)
A V I S o S,
Vende-se por preço cómmodo liuma espingarda de nova
invenção, não tera ponto, nem mira, mas sim hum espe-
lho nas costas do fuzil : o caçador, que a pu2er diante de si
a prumo , logo que vir no espelho a caça , que vai por ci-
ma voando, desfechará ligeiro, e he infallivel cahirem-lhe
as perdizes, cá para trás das costas.
Victorina 'Iherez^a de Biscaia perdeo os dias passados
Jiuraa agulha de cozer em Hollatida , indo buscar hum cesto
de palha a hum palheiro para botar huraa gallinha ; e por-
que a dita agulha lhe faz grande falta para as suas costuras ,
porque se dava bem côm ella , e com facilidade não encon-
trará outra , com que se sirva tanto a seu gosto , promctte
boas alviçaras a quem lha entregar , porque sabe que nesta
Cidade ha gente capaz de achar huma agulha em hum pa^
Iheiro*
Thomé Ildefonso dá a saber ao Público , que a bem da
Humanidade, é á custa de grande trabalho, pôdedescubrir,
que dous quartos fazem huraa pipa , quatro quartos são hu-
ma folha, huma hora tem quatro quartos, de quartos se faz
a Estalagem para commodidade do Povo, a belleza de huiq
cavallo ne ter bons quartos , com quartos se carrega hum
bacamarte, em quartos se faz muita cousa neste mundo; e
porque se cançou eiu utilidade pública, avisa a todos os cu-
riosos, que para o quarto que vem, quesaonoutes de Luar,
nas casas da sua residência, abre a sua Aula de lições espe-
culativas a respeito de quartos, levando por cada dúzia de
bjilhetes hum quarto de ouro.
Os moradoi*es da Penha de França participao que elles
promettcm sgradecer bem a quem declarar ondese escondeo,
ou para onde fugio o Poço dor Mouros , visto que toda a-
quella geirrc depois da sua fuga o procurao de balde.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 8.
Com lUença da Meza do Desembargo do Paço,
H
ALMOCREVE DE PETAS-
P ARTE LÍV.
Jogo da Pella ^^ de abril.
E lamentável a catástrofe succedida ao realce da formo-
sura , ver como a pillida doença corn o mais pequeno toque
da sua fria mao abate do seu auge a belleza das creaiuias
humanas, sem que para isso concorra o tempo: faz ciiorar
as pedras, ver Inuna Senhora de poucos annos , nesta rua,
como a desfigurou a moléstia , que padece , por cuja causa ,
a mandarão tomar os aros do lugar d^AppelJaçao : antes da
doença era muito gorda , muito anafada, fazia três barbas , e
todo o corpo á proporção de bclla era huma montanha ; ho-
je está tão abatida , que tudo nella são pelles ; ao pescoço
huma grande tira de pelles de Petredizes ; nas roupinhas vi-
vos de pelles de Marta ; o cnpote, em que se embuça , for-
rado de pelles de Aimister ; e até se suppoe que está pejlada ,
pois sempre anda de coifa de seda cora pelles de Arminho;
roandão-lhe os Médicos comer pelles de bacalháo ; porque
dizem que a sua moléstia procede de se pellar por ludo o que
he bom.
5-4
(O '
Braga zSula Abrih
Cofstífittãção íiâ Sonho da liba d^s Tafues,
Muito esp.'cial Arcigo n:eu , e muito do meu cora-^
Çíio , eu lhe desejo felz saúde, muito >dinheiro, e bons bo-
cados , que esre compoifo fornia o enganoso deleite do Mun-
do, a que a gente nao deixa de ter o seu apego, inda que
mal entendido,, pois tudo quanto nelle passa o homem a-
cordado , vem a sahir por fim de contas , o mesmo que eu
passo sonhando; porém comoa obrigação he viver, ou me-»
nos vivâ-se, tomando-se o gosto áquellas cousas, que nem
dao , nem tirão, se se sabe cora prudência usar delias; per-
doará a miásão, mas a minha melancolia me. faz fallar pelos
cotovelios •, se he que.os CQtovellos tem boca-: vamos pois
dormir no passado, para continuar-mos o sonho. Depois que
o bom homem da bolça , garrafa , baralho , caclêa.^ espa^
da y e mascara SQ separou da minha vista, voltando eu a-
quella rua ouvi de humas casas huns gritos, com que todos ■
íc amoíinavão , perguntei aos companheiros o que era , res-
pondêrão-me; aquclles gritos são de duas Irmãs i, qut des-
compõe sua Mãi^ porque tUa lhes prohibe irem fora da
terra a ver huns touros ; que se fazetn pela Festa do Es"
piritô òiafjto em huma Villa , que fica daqui seis léguas ,
d Mãi as convence de ^que são duas m/ninas donzeílas sem
Fai , e que lhes fica muito mal andar a Mãi com as fi-^
lhas em serãelkantes festins^ fazendo despezas y cnobri-*
^andoa que alguém os f^ça, pois he jalta de decoro
CO seu estado \ porém ellas^ que se enthusiasmdrão de que
€7:Ao Taful^s.^ e são ds buma condição jorte ^ e desordena-
da ^ fazem aquêlle alarido insuffriíel , e todos tem dó dj*
que! a pchre Mãi, inda que lhe pÕe culpa da mimofa crea^
çã(f y queJhes deo , então disse xoraigo, aqui se vê quãodil^
iicultoso he encaminhar o tronco de huma arvore , depois de
CQ.pulenu, e immoveJ., se em tenra se lhe não deo o gei-
tp : passei adiante, e vi-^hum homem sentado em huma vi-
çosa lameda , cqra hjm grande Chafariz cercada de assentos de
pedra, e os Milords da Ilha a fazerera-lhe Corte ; elle a fal-
lar muito, e iodos a ouvillo coma maior attençao. Perguntei
quem era , respondêrao-me ; aquelle he hum homem muito
íékbre desta llha^ enterra vi.os ^ e desenterra mortos , e
< 3 )
U hum exacto tom! o de tudo o que aqiíi suece/Jet elkse ex»
pUcaquetrasina imagina fão hum Mvstu de figuras^ e sue-
cessos de raridade^ hebum gó^sto oavillo ^ ainda qua pican-
te , poss não guarda úgoaç a ninguém , ds todos heeòcuta-
do, e todos o temem-, porém mosirao-lbe bom moiío ^ a ver,
se Ibe escap^n , segw:do o ait-ad') , no bom para que te hoKrc ,
e ao mdo para qr-ée te não de s honre , e com isto fíe^;r-céa ^
que se presume , que nlguiwi vez lhe darão Cí'í^'0 d- fundo
com que quebre , pr^is ntc^mmette os mesmos , com qnem
vive, A isto respondi eu , quanto melhor lhe seria andar só
pelos defuntos , c ausentes. Fui caminhando, echegou-séa
mim hum homem alço, estrangeiro, de casaca muito esfarra-
pada , rnas com idioma que eu percebia , puxou d'um vidro
d'algibeira cheio de certa agoa , com huma receita impressa ,
a ver se cu queria conp-ar ; perguntei-Ihe de que servia , res-
pondeo-me , he hum remedia , que eu só faço de mistos ra^
ros , que tira febres y inftgestoes ^ jlatos , dores it tricas^
gota , dor de cabeça , dor de ouvidos , frieiras , panaria
zios y pleurizes ^ defluxos , dor de peito , cnhs , ictericia ,
accidentes , sezões ^ bexigas ^ tinha , carbúnculos , entra"
zes y sarsja y dor de pedra y moléstias célticas y e sangue
pela boca ; estive em Londres , na China , na Rússia , nd
Itália y no terú , e outros muitos Reinos , o>íde fiz rnara'
uilhas. Perguntei quanto custava, respondeo-me , que huma
peça pela diffícuidade do seu composto. DisszAhe ^ que era
muito caro , veio descendo de preço de tal forma , que chegcu
a seis vinténs; então lhe tornei ; pois nem assim me Jaz ron»
ia , porque a andar v, m. por onde me tem dito com remédio ,
que serve para tudo , não havia v, m, andar em figura de não
servir pura nada. Virou costas, e eu também virei, e pas-
sando por humas janeljas baixas de grades , em huma delias li es-
te letreiro : tese a tolos ; olhei para dentro , vi huma grande rae-
za toda rodeada de Tafues , dobrando a orelha á sóra , e hum
muito aceado com hum monte de peças diantede si, desfulhando
hum pequeno baralho , e a cada carta que tirava , hia coçar a dos
circumstantes com muita seriedade: logo tratei de resto tempo tão
mal empregado , dizendo comigo , se o vidro do Estrangeiro cu-
rasse esta moléstia , que preço náo teria , pago pelos Pais destes
Tafues. Mais extenso quizera ser , porém sinto-me bastante af-
frouxado, porque o tempo por cá anda muito irregular , de que a
minha cabeça he reportório, e para o Correio que vem,
lhe farei ver o mais que falta j hc seu
P« S. Amigo verdadeiro e do Coração
Muúo prezei a lembrança das
suas meninas , a quem fardcer"
ta a mijíba estimação.
(Assignado) D. Sonho Sonhe.
Máximas do Velho de Romulares continuadas nu maior
Farte destes Folhetos.
Porque hei de eu julgar tão mal
De encontrar huma crearura^
Ou porque níío faz figura ;
Ou porque não tem real ?
Se ella poderá ser tal ,
Que vendo, que me enganei,
Julgue de mim cora certeza,
O quanto eu delia juigei.
Grande cousa he fazer versos.
Melhor seria entendellos ;
Que ha Leitores tão diversos,
E algum tão rude se topa ,
(Jue quando se poe a lellos ,
- — Caida que he o rol da roupa.
Se fores ao confeiteiro
Calda d'abobra comprar ,
Olha que te hão de lograr ;
Pois compras por icu dinheiro
Calda de todos os doces ,
Cuja perdida doçura,
Mais arruina , que cura.
Se^ era Botica mal provida
Arrobe de amoras queres,
Nova lograrão te coube;
Prcgão-ta de irona e maço j
Porque te dão por arrobe
HííiR mal fciviúa melaço.
Ríia dn Atalay/i 30 ãe AbrlU
O nosso sábio , e esttídioío , ^ue tem cor.thuado em descu-
hrir a erigem de algumas palavras , de que muita
gente se serve , stm sabe? donde nascer ao , of*
ferece n seguinte Dissertação,
Gs vai-vens da fortuna quebrão mil vezes o fio dos
progressos Literários, eraprelicndem*se obras, que odesasso-
cego de espirito atalha , e seus aiuhores muitas vezes nao
concluem , deixando os quadros apenas com os pequenos tra-
jos ; eu tomei a empreza de acabar algumas obras, que te-
nho visto imperfeitas , e gastei a mocidade na indagação da
Origem dos dicterios Portuguezes, e iiuma boa parte delies
já me não são ignotos! já expliquei o que era dar com tudo
em pantana ', essa he de Oeiras^ cu de Cabo de Esquadra:
disse das bogas ^ &c. Tratarei agora da origem de se dizer :
caros alhos Compadre : não níe peça dtmazias : sabe a
gaitas : Vtlho gaiteiro : e anda em papos de aranha.
Hum homem sabendo que seu Compadre hia á Feira ;
deo-Ihe huma peça , por não ter outro troco , para lhe com-
prar duas navalhas de meio tostão, huma vara de panno de
linho de doze vinténs , três va»as de fita preta de três vin-
téns, e quatro resteas de aljios : o Compadre qaando veio,
trouxc*Ihe todas as encoramendas , mas não lhe deo demazia j
o outro deixando-se de comprimentos, pedic-lhe o resto, a
que o Compadre respondeo : não me peça demasias , por-
que duas navalhas a 50 réis fazem ico , com i^odepan"
no faz dezesete , com três raras de fita a 60 reis faz
520 , ^ o resto foi o que custarão as quatro resteas de a^
lhos y a que v. nu não estipulou preço ; respondeo o outro
Jogo ; caros alhos Compadre ; e porque este caso foi públi-
ca, daqui vierao os dous ditos.
Todos os homens antigos linhao por costume aprender
a tocar gaita , mas pelas suas distracções nunca vinhao a ser
perfeitos, senão quando erlo veliios, e então como já o seu
loque não enfastiava , tocavao continuamente ; como isto era
quasi geral, em se vendo hum vtlko ^ Já lhes chamavao ga'- ^
(O
tetro: e como a estes homens nada mais lhe agradava que ò
toque da sua ^aita , e hc uso rodos tirarem as comparações
do Officio , de que fazem vida, como v. g. o Marujo,
quando quer dizer que chegou, diz: fiz hum bordo ^ quan-
do quer dizer , Fulano , vai depressa , diz : leva xento em
fep^y Síc, , assim esres tocadores, como achavão tanto sabor
no seu toque , quando explicavão que alguma cousa lhe sa-
bia bem , logo diziao ; sabe a gaitas*
A aranha, insecto bissexo , na soa propagação íórraa
huns .pequenos saccos , ou papos cheios de humor espremati-
co, donde, passados alguns tempos, nascem immensos ara-
nhiços; porém primeiro formão huma lêa, donde os pendu-
rão ; mas as criadas ie servir quando varrem a caza, eni
vispando estes papos, pregao-lhe tamanha vassourada, que
os lanção pelos ares com lêa, e tudo, e por isso quando
algucm anda de esquentilhão, ou faz alguma cousa depressa,
atabalhoadamente, Iogo.se lhe diz : que tudo vai em papos
de aranha.
Tem sido huma porcada a fallacia , que tem havido a
respeito da advinhação, que principia : Eu a todos sou pe^
zaJQ : impressa na^Parte LII. destes Folhetos, e o Editor,
que se tem visto doudo com perguntas dos curiosos , man-
dou chamar o moço do Poeta , entadou-ss com elle; porque
lhe nâo havia dizer logo o que aquillo era ; até que final-
mente se descartou, dizendo, que era hutn porco ^ e de ca-
minho entregou a seguinte quadra , e disse que não era o-
bra sua , porém que a achara em huns papeis de hum Ami-
go seu ; seja como for , he a mais bem glosada quadra que
se tem visto.
A mais heróica fineza
Qual pena deve escolher ;
Se Der morta a prenda amada ,
Se vella n*outro poder ?
GLOSA.
I.
Entrei no Templo de Amor ,
Vi seu Sacerdote tero ,
Vi esse Numen severo,
Que a lodos causa pavor:
(7)
Quiz fallar-lhe , e tal honor
Concebeo a Natureza ,
Que a voz na garganta preza
Me ficou , quando queria
Saber delle qual seria
A mais heróica fineza,
11.
Era o Throno Diamantino,
A iium lado chararaas ardiao,
Ao outro grilhões rugião
Arrastados de conlíno :
Vi o zelo, monstro indino ,
Suas entranhas roer,
E a Impiedade seu poder
Alii estava exercitando ,
Ao mesmo Amor ensinando.
Qual pena deve escolher^
Então decretou Cupido ,
Saber o que eu pertendia,
E ao Ministro seu dizia,
Que fosse eu por elle ouvido:
iiábio Mifiistro de Gvido ,
Lhe disse, com voz turbada,
Quero comuosco int rança da
Hum a questão dissolver ,
Se he vielhor zelos soffrer ^
Se ver morta a prenda amaàa*
IV.
O Ministro vacilou,
O zelo de novo ardeo,
A impiedade se esqueceo
De seu officio, e pasmou :
De novo Amor consiéVou
Qual era mais de temer ,
Disse : l^ão sei resolver
Qual deixa a Alma mais ferida ^
òe ver a amante sem vida ,
4$*^ vella n^ outro foder.
(8)
AVISOS.
Sahio á luz a nova Arte dd caçar Pombos Troc^<zes ,
obra posthuma , e dada ao Prelo pelo seu Autlior , o qual
depois de pon-ierar os iaconvenicntes, e cançassos dos caça-
dores, que de ordinário perdera o seu rerapo , sem conse-
guirem apanhar a abundância, que desejão destes pássaros,
por sua natureza espantadiços , passa a rucsrrar no mesmo li-
vio huma idéa de os piliur vivos, e ficarem logo em ar de
se porem a tiracolio: e vem a ser, que estes pássaros são
perdidos por bolotas ; mande o curioso ferver bolotas cora
ruibarbo, maná, e sêne, e prenda' a cada huma bolota huma
linha bera forte, e comprida, e esta S€ prenda ao tronco de
hum sobreiro , e se deixe só ; porque o pombo chega , come
a bolota, que acha no chão, e fica prezo na linha como
peixe em an^ol : he então natural que os purgantes , em que
a boloia ,se ferveo , o fajão escarmentar a mesma bolota, e
fica, deste. modo o pombo todo enfiado na linha desd« o bico ,
até á cauda ;v vem outro pombo , ^ succede-lhe o mesmo cora
a mesma bolota , e vindo, outro^ e outrQ, vem o cajador no
fim do dia a achar lo , e 12 enfiados na referida linha , que
kvando-os a tiracolio, terá huma cêa de gosto, o que tudo
melhor se explica na mesma Arte. Esta obra foi lida em voz
alta na casa dos Orates, onde mereceo muita acceitaçâo de
todos.
Na esquina do beco da calçada, virando para a rua
direita , se esiabeleceo de novo huma Fabrica de Cartas de
todas as qualidades, com sortimentos de Portuguezas , Fran-
cezas , Hespanholas , Cartas de marear, Cartas de Guia,
Cartas de Examinação, Cartas de Amores, etc. Quem se
quizer descartar dos seus vinténs , alli poderá fazer vaza a
seu contento.
LISBOA. NA OFFIG DE J. F. M. DE CAMPOS.
181' 8.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço^
E
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LV.
Mrantes y de Mah.
iScrevem desta Villa , que por effeitos de hum rigoroso
Inverno, c]ue alli se reai sentido, se tem igualmente experi-
mentado intensíssimos frios; e succedeo que dous visinhos , a
semana passada , os quaes morão no alto da rua da Esperança ,
querendo conversar pela manha cedo das janellas , por mais que
gritavâo, nao se ouvia hum ao outro ; porque até as pala-
vras se congelavâo ao sahir das bocas ; e como teimassem na
conversa por muito tempo , sobrevreio hum Sol , que derreten-
do aquella chusma de palavras, se ouvio huma tempestade de
vozes confusas , que assustou toda a gente \ e o que he mais
de admirar, hc o socego, em que ficarão as mulheres da-
fluella rua , que ha dias parecem mudas; porque como o frio
faz aquelles effeitos nas falias , não podem murmurar con-
forme o seu costume , e vivem por agora no maior vexame.
Arcos das Aguas Livres 3 de Mato.
A idéa dos homens , que não descança de fazer repre-
senta jÕcs de facilidade, encanta de tal sorte os mesmos ho*
55-
mens , que rriuiros nao socegao ^ em quanto níío conseguem
o exiro , seja qual for, do seguimento dos seus projectos:
hum temerário sujeito, poréiU de agudo engenho, vendo em
líuma sala pintada em azulejo a tentura de Ícaro voando, em
quanto scnao derreterão a» azas , è" vendo jUntamente como
Dv^dalo principiava a formar o seu vóo , sobre o monte, in-
flammou-se o bom homem de tal sorte com esta vista , que
Jogo alli promette© a dous amigos, de pôr por obra o mes-
mo pensamento, sem mais causa; que a prcsumpçno de os
desbancar; sàhio da sala com a companhia , vierão ao Rocio,
entrarão em huma loja de bebidas , almoçarão f^/6'', hum dei-
Jcs dizendo muitas graças , c muito pf(oso , e sahindo daili
se encam.inbáráo ás gallinheiras da Ribeira Velha, onde o
Amigo cnthusiasmado fez hum grande sortimento de pennas
de Peru, comprou quatro folhas de papelão, cordel de bar-
bante, goma de libeque, foi para casa com este trem, e fez
dous camidos com válvulas, e contra válvulas para attracçao
do ar, receo sobre ellesasazas, fez huma famosa cauda , que
atou pela cintura , regulou o pezo de toda a m.áquina , o quaL
augmentava , e diminuía com tiras de papel, fez a experien--
cia , e conheceo que o ar o sustentava librado, e o deixava
mostrar ao mundo , que sem o auxilio do gaz ú\q se elevava
a4é onde a siia direcção quizesse : escolheo dia para mostrar
o promettido 5 convidou os seus amigos, despedio-sedos que
tinha presente, e foi aos ares batendo as azas com tanta fe-
licidade , que todos os apaixonados llie derao vivas : a esta
grita melhorou de animo , dobrou o voo, e a afouteza , de
^iie era doutado, ilie dava toda a segurança-, e em raern^sde
huma hora, entranhando-se pelos ares, ^desappareceo : pas-
sados dous dias , vimdo o Almocreve das Petas pela estrada
de Bem.fiCa , encontrou o postilhão de Apollo, o qual Iheen*
Tregou iiuma carta do dito voador, que era para hum seu a-
migo, a quem noticiava a sua jornada, incumbio-se o Almo-
creve da entrega, que logo fez, cuja carta he a cópia^ se-
guinte*
Cópia.
Amigo, por effeitos da emulação causada pelo que vi
em hum azulejo , sem me lembrar que hia muito do vivo ao
pintado, xm dispuz com muito gosio a fazer aininliaraáqui-?
na para gyrar a Esfera, de que estou bastante arrependido,
pois não tirei o fructo , que perfendia ; e querendo baixíír, o
TLT mo nao tem permittido ; não sei ainda o que farei, por
agora ffle vali do Arco íris, onde tenho descançado neste in-
tervallo de tempo , servindo-me de consolação ter por cá encon-
trado rauitOB, que se tem enganado nos seus projectos , bem
^omo a mim me succedeo. Tenho admirado o ver a fábrica
dos raios, as cacimploras dn Neve, o$ folies, que agitao o
ar, e outras muitas cousas, ti pczar de me escapar ver algiv
Tnas , por nio ter óculo de ver ao longe. Aqui me appareceo
D Baiã^ d€ Boims Arex ^ querendo ligar amizade comigo,
òffereceo-me Café, que era mesmo huma agua de castanhas ,
que não pude tragar: se ime offcrecesse licor, mais Ihoagrc-
deceria , para resistir aos frios, que aqui sinto, porque de
C<j/^ sou eu farto Id -em Lisboa , e inda suspiro pela nossa
«ociedade, que espero que seja cedo. Dareis saudades a todos
viue por mim perguntarem. Sou vosso servo.
( Assignado ) ícaro IL
Brag4i 5 de Maio.
Ultima continuação do sonho da Ilha dos Tafues pelo Ca-
valheiro dos pezadellos a hum seu Amigo de Lis-
boa na seguinte Carta.
Estimadíssimo Amigo , he já tempo de pôr termo ao
•neu sonho da Ilha dos Tafues com esta Carta , em que satis-
arei com o resto do mesmo sonho, desvaneeendo-me muito
da graça, que v. m. lhe tem achado, por se assemelharem
algumas cousas, das que eu vi dormindo, com muitas das
que V. m. tem visto acordado por esse mundo velho, onde
a variedade de acontecimentos, génios, e 'figuras , compõe
o grande livro da Lição Pública nas miudezas da vida ; que
bonita cousa não he , ver hum homem embriagado , caminhan-
do por longa praia , batcndo-lhc a maré por meia perna ,
sem a sentir, e rindo-se do que vai pela estrada enxuta ? as-
sim andamos todos embebidos em errados systemas, moldan-
do aos outros muitas das engraçadas críticas, que em nós tal-
vez melhor asseatarião j era fim he mundo , onde todos jo-
' ( 4 )
gao, e poucos saben'i fazer a sua vaza : vamos a aca-baroso-
Jiho 5 e veremos depoii; se com elie acórdão alguns dos que
dormem nos vicios , que se me tem figurado. Apenas me se-
parei da janella de grades, onde vi o esperto Banqueiro ar-
iTiPndo aos ratos, cheguei a hum grande Rocio, que linha
no meio hum obelisco de extraordinária altura , posto em hu-
ma base de pedra quadrada , e em huma das faces se mostra-
va, como emblema, a figura da soberba ^ do interesse ^ da
murmuração ^ e da vingança^ conduzindo a verdade para a
borda de hum poço; perguntei o que significava aquelia me-
íiioria,.e foi-me respondido, que como aquelia Ilha era a-
bundante de Tafues , se fa^ia preciso aquelle espelho, a fim
de que elevados na tafularia , não perdessem da lembrança o
ser de homens de bem. ?Vletti-me por hum beco bastante es-
treito , quando de huma janella de hum saguão, ouvi huma
gritaria com estas palavras: Eu te arrenego Diabo \ querâ'^
7'em de huma criada qu^ não chegue ã janella, a. tomar:
ar ! não me credrão assim ; se a louça estupor lavar ^ o trd^
halho eu he ,qne o faço ^ d noute a lavaria^ ou d mauhã:, q-:
vim a colligir , que erão estas vozes de huma criada de ser--
vir ; a isto sahio a Ama, dizendo: He huma porca ^ huma
enxuvalhada , e fazendo que minhas filhas tamhem o sejão , ,
rã:0 quero taes exemplos ^ por isso os pratos para a Me^a
trazem selada .i€ escamas de peixe pegadas da noute antece^ •
dentei já te não posso fazer boa ^ o teu ponto he dormir^
comer , e janella , e ordenado que corra , aturando a gente
todos os dias visitas da velha , que cã te pGZ , que depois -que tal
Síiccede y vai-ss em hum instante o azeite^ e o toucinho ^ an
lém da roupa que se some \ tornou a criada , í2 mulher ^ que
me inculcou ninguém tem. que lhe dizer ^ sérvio no seu tempo
hoventa e oito casas , e só foi preza huma vez., por lhe a^
charem em casa dofis haús^ que ella não sabia que os tinha \
he muito honrada. , e fiel , e se eu lhe não sirvo , não ponha
a boca em ninguém , qtéerorme ir embora^ mande^ma chamar i
nunca estou melhor^ que quando estou na sua casa , hamui^it
ta castanha que se venda ^ muita louça da Panasqueira ^ e
nwito em que se g-anhe a vida pela rua em liberdade honra^
damente , não sou nenhum peixe pozlre\ sahio logo a Ama^
jâ e já : Deos perdoe a quem tem dó de filhas alheias , que só
ÍMSCjão fi. SHa perdição] veto .de capa emprestadíi , e jáj?a da
levar trotaca, Ficavíl ao pé de mirn Inim moço a jjiin^a por-
ta rachando lenha, nao sei que geito deo , que lhe saltou o
ferro do machado , o qual acertou com a minha testa , e cora
a força da dor , e do susto , acordei , e achei-rae no meu
Jeito muito dcscançado, e louvei a Deos o ter sido mentira
tudo quanto tinha sonhado; se eu tiver outro pezadello , fa-
rei outra narração, confessando sempre ser
P. S. De V. m. o mais íntimo Amigo, e criado
'De Hj ar et que v» w. , e essa mi'
nha Senhora venhão a esta Lu -
Áade para o Verão,
(Assignado) D» Sonho SònhèJ^
De Viana do Minho mandarão ao Editor a seguinte
Garta , producção de hum génio jovial , e como não deixa
cie ter sua graça , o Editor a poe a público , assim como a
recebeo.
Senhor Editor do Almocreve de Petas , depois que o
pluvioso Astro evacuando as suas inflammadas bochechas ,
com tanta pressa, que parecia trazer fogo no rabo, e fican-
do de boca aberra para esta Provincia , nos enviou hum dilu-
vio de agua, tive então eu a opportunidade de pilhar na en-
xorrada hum embrulho de papeis , que todos tinhão por ti-
tulo , Almocreve de Petas , e como era fazenda nova nesta
Terra , levado de hum espirito curioso , que necessariamente
deve animar-me, visto ter-sido creado com letra redonda, e
feito nas Bcllas Letras progressos taes , que tenho merecido
aos caracterizadores dos homens sábios o honroso epitheto de
Pai velho , que v. m. muito bem ha de conhecer , levado
pois da minha adventicia curiosidade, principiei a Jer es taes
folhetos , e não acabei senão no fim ; mas a tempo que já
estava com o queixo á banda , e a baba de mais de palmo
cada fio.
Nío foi motivo da- miníia admiração , e extática pas-
maceira , ver eu unido em v. m. tudo quanto nos deixarão em
conceitos os nossos antigos Historiadores, foi sim observar
a. delicadeza de tintas, com que v..ra. impingia tanus. petas :
mascaradas era verdades, e tantas verdades em ar de petas;
por este beneficio, que v. in. faz ao público, ficará o cavnl-
Jiniio para o futuro mais alto que v. ni. o pôe ; eii também
se quizesse concorrer para huma barrigada de riso, era pôr
em letra redonda hum caso , que me succede : ora sempre
lho conto, mas nâo nomeio o Machacaz. Hum estudante de
Latim , depois de ter andado alguns annos cora vários Mes-
tres, ultimamente tem feito comigo ta es progressos, que pe-
ga na iSekaa primeira , e lê hum § principiando a traduzir
com tanta graça, que faz escangalhar os companheiros cora
riso. O mesmo estudante pertende dar á luz o systema , por
ondeie tem adiantado tanto, e de próximo mandando-lhe eu
traduzir os seguintes Versos , o fez como v. m, verá.
JVi? Jmeros coram populo Medea truàdet ,
Âut huniãfía falam coqiíat exta nefarius At réus.
'í/iP para que não M<?í/^/? molhe trmidet torcidas popu^
h de pao de ló coram çàraâp ptíeros nos púcaros, Àat ou
Atreus o atrevido coquat .. de coques palam com o páo huma-
na íK)S humanos txta que estão mfarius alfarios.
Finalmente como v. m. faz ao público muito úteis, €
saudáveis avisos , também lhe advirto , para v. m. passar re-
cado , que quem quizer empregar as tardes em hum diverti-
TTiento o mais innocente , e barato, porque se não paga na-
da , antes se leva para casa , vá á praia apanhar conchinhas ,
e na observação da sua variedade contemplará as raridades da
inatureza ; perdoe a extensão , e a despeza , em que o raetto,
porém como eu pago dous Pintos pela assignatura , pague
v. m. duas de dez, e ficamos bem. Para o outro Correio pa-
gará o mesmo até liquidarmos a conta , porque he ditado
antigo, que a grão a grão, &c. Nada mais de comprimen-
tos , porque inter amicos mn datur ^irigonça.
Viana do Minho neste
mesmo mez de 98,
( Jlssigi2ado ) Ego sum.
. O Moço do Poeta aqui chegou com muita pressa , a tra-
zer para o presente Folheto o seguinte Enigma , cora presura-
( 7)
pç^o de que estes nnsgances de bom gosto h^o de ficar era
jejuiu , por mais que trabalhem na sua intelligencia ^ ei-lo que
chega.
Duas plantas se desfazem ,
Se77do de huma a outra esptlbo \
Delias huma adoça o moço ,
CuênUo a outra alenta o 'vdho.
Hum curioso d'agua doce, a quem certas Senhoras de-
rao o seguinte Mete , desempenhou a sua Glosa pela forma ,
que vv. mna. verão.
MOTE.
A doce lei da ternura,
GLOSA.
Vamos, Nynfa , ao Sacro Templo^
Onde Amor império tem,
Porque alli veremos quem,
Nos deve servir de exemplo :
Lá mil amantes contemiplo,
Cantando a sua ventura ^
Sim 5 meu bem , Amor procura ,
E verás , querida Anarda ,
Que fructos tira quem guarda
A d(^e Iti da ternura.
Ao mesmo.
Como queres izentar-te
Pastora, de Amor sentir!
Se para delle fugir,
Já senão descobre arte :
Elle impera cm toda a parte,
Fere a todos , que procura j .
E nesta mesma figura
Por effeitos naturacs ,
Aprendem os anin aes
A.ÁQuWt doiJernura.
(8)
AVISOS.
Sahio á luz O Mestre de Obras ^ ou allcerse seguro
fava muros de taipa , 4 volumes ornados com suas estampas
de parede velha , vende-se na rua das Taipas , no fim da
Muralha.
Monsieur Capelai fez hura novo invento , productodos
seus : grandes estudos, e consiste em huma máquina, para se
lavrarem as terras, sem occupar gado , armando no lugar dos
bois duas vélns de panno, que soprando-lhe o vento, corre
o arado com velocidade , como cada hum quer : este inven-
to já foi aprovado nas Academias do Japão. '
Vende-se hum fino , e delicado vestido feito todo de
azas de aioscas , obra prima , que huma Brazileira fizera pa-
ra divertir a, preguiça j quem o quizer comprar, n^o perca
tempo , e no caso que ppr alguma demora se ache já vendi-
do o de azas de moscas^ ha. outro de azas de páo, feito pe-
la mesma x\uthora , que não deixa de ajustar melhor ao cor-
po.
Avisa-sc a todas as Senhoras, que por falta de educa-
ção não souberem fiar, e quizerem cora facilidade aprender
esta prenda, pois he a primeira herança dos nossos Pais,
que fallem na Ribeira Velha era huma loja de miudezas , a
qual tem por cima da porta este letreiro : boje não se fia ,
á manhã sim; e faz este aviso, porque também tem dias fe-
riados.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS-
I 8 I 8.
ijCom licença da Meza do Desembargo do Pafo.
o
ALMOCREVE DE PETA&
PARTE LVL
Chefias 24 de AhriK
S cachos de uvas com barbas , que nos nossos tempos fo-
rão vistos em hurtia quinta para sete Rios, investiga ndo-se a
causa desta impensada producção, e combinando-se a liga,
que a natureza faz das plantas com os arbustos , assentarão
os mais cordatos contratadores de violas, e agriões, gente
que de Veiao está na parra, e de inverno está nas malvas,
que as raizes da vide chuparão o sueco nutritivo aos grãos
de milho, que o cazeiro lhe semeou ao pé, por cuja razão
veio ao fruto aquella substancia adquirida sobrenatural , e com-
municada pela mesma vide , por ser esta muito nova , que a
Ser velha tal lhe não succedêra : fez este fenómeno iiuma gran-
de expectação era Lisboa aos que não conhecem quanto he
próvida a natureza : a maravilha das suas funçòes agorí
de próximo mais se immortaliza , e admira , descuberta era
huma horta deste valle, a qual faz destruir toda a repug-
nância, que tenha o génio mais intelligcnte em acreditar
os seUs prodigies: creava*se ha dous annos hum repolho de
cór avermelhada , e de extraordinária grandeza , íazendo-sç*
5^
(2)
lhe os maiores exames, para o íim de verem se espigava, c
se a sua semente faria o effeito , que faz a que veradeHoI-
landa : passado algum tempo, entrou o repolho a murchar na
terra, e o hortelão vendo a sua esperança frustrada, arran-
cou-o , e sentindo-ihe hum grande pezo , levou-o a sua mu-
lher; esta foi logo cortallo ao meio , porém a faca não entrou
senão até certa altura ; chamou o marido , que vendo a resis-
íencia , achou por melhor tirar-lhe as folhas em roda , para
conhecer a causa daquella dureza, e veio a ficar o repolho do
tamanho de hum coco descascado, e tão duro, que a faca lhe
não fazia moça ; o hortelão impacientado , pegou em huraa
machadinha., e foi então, que lhe fez hum grande golpe ^
cora o qual se abrio de meio a meio ; sahírâo-lhe de dentro
I,iuns cazulos de cousas muito extraordinárias, porque huns erao
cheios de pevide de pepinos, outros de pinhões^ outros de
sementes de alfaces , e do centro do tallo nascia huma folha
verde com immas letras brancas, quedizião: Ac abou- se a
feta.
Arcoí das Aguas Livres 14 de Mato.
Hontem pela meia noite vinha o Almocreve de Petas re--
colhendo-se para casa, trazendo as malas cheias delias para
servir a vv. mm. , quando o Postilhão de Apóllo lhe sahe ao
encontro, e feita a saudação do costume, mais quartilho, me-
nos quartilho, lhe entregou outra Carta do Ícaro dos nossos
tempos, o voador, que anda lá por ares, e ventos perdido
nas nuvens. O Almocreve sem a abrir, leo a maior parte delr
Ja , por ser escrita em papel passento , e por não perder o
vintém, foi levalla á pessoa, para quem vinha, que Ihedeo
a seguinte
Cópia.
Amigo do coração , estou aério com o que tenho pof
cá visto , e de mim se pode dizer , que nenhum vivente se
vio tão alto ; saberá que aqui me conservo na Região eté-
rea ,. aluguei casas na Via Láctea,, que são de huma leiteira,
bisneta do célebre conserveiro, que mandou lá para o Mun-»
do o toucinho do Ceo, o manjar celeste, e os paposde An-
jos; mora este defronte do Ferreito de Júpiter, junto á mi-
nha habitação: o tal Ferreirinho me não tem feito boa visi-
aahanjja pela fumaça j, ç motinada, que tem era casa quotidia'^
(3)
namente , mas escuso de accender lume para as minlias cozi-
nhadas, porque elle me empresta sempre dois rayos accezos ,
com que faça o jantar, que depois lhos torno a restituir, no
-que poupo muito , o que me nao succederia lá , onde a saca
de carvão se vende por oiro tostões. Este Mestre Ferreiro se
dá por meu Amigo, e saio com elle a passeio nos dias feria-
dos ; he assim de meia idade , e já ha dez annos o era , se
morresse dahi a tantos quantos contava. Não he alto , nem
baixo , nem gordo , nem magro , pouco cabello , mas náo tão
calvo, que lhe appareçao os miolos, orelha de marca ordi-
nária, nariz regular, cora o seu ecúleo nomeio, aboca nem
muito aberta , nem muito fechada , olhos nem como os de
Jince, nem como os de toupeira, e são assim com pouca dif-
ferença, como os olhos dos estudantes, quando sahem da Au-
Ja, em fim homem simplex et rectuí. Este Amigo pois he
ião ligeiro , e hábil , que faz tudo pelos ares , e anda , que
parece huma ventoinha ; com elle he que eu tenho feito as
minhas viagens , pois neste vácuo precisava de guia para me
ensinar o caminho : terça feira passada fomos ver o Palácio
do Sol , porque eu pensava que era sustentado por altas, e su-
blimes columnas , brilhando o ouro, e os Piropos, que se as-
semelhão ao fogo pelas chammas que lanção. Pensei achar-
Ihe portas ebúrneas, e que seria tal e qual o pinta certo su-
jeito advogado dos ouvidos , que foi servir de virgula para
O Ponto; mas só na matéria superabat opus ^ he que achei,
que não mentia ; porque a obra era nulla, e a matéria vas-
ta ; o tal Sol não tem casas , nem vida , e neste Reino sem-
pre he Sol posto , porém nunca ha noute. Perguntei se este
Sol era de todas as quatro Partes do Mundo , disserão-me que
não, que allumiava só três partes, porque a índia tinha
Sol separado : fiquei c;ora a boca aberta com tal resposta , e
disse ao Mestre Ferreiro, que crão horas, e que nos fosse-
mos; porque fora da minha casa, já não havia Sol, que me
aquentasse. Abalámos, ficando convidados para outro dia ir-*
mos ao lumiar da Lua, que tem lá pelo mundo tanto Neto,
porque quando lá andei , ouvi dizer a muitos; que crão Filhos
do Sol, e Netos da Lua. Sou, e serei sempre
Vosso Amigo, servo, e obrigadissimo.
iAssignado) ícaro IL
(4)
Arco de S» Jcão da Praça i$ de Maio.
Com as faces amarei las , os oJJios estourados , cabello
arripiado, e penugem pela cara, hum avarento usurário sen-
íindo agastamentos , entrou em huma casa de pasto deste si-
tio, para alimentar o individuo, porém temendo gastar, pe-
dia sómerhte pao , e caldo. Perguniou-lhe o Patrão, porque
Bao <]ueria huma isca de carne, que a tinha excellente. Escu-
sou-seo avaro , dizendo , que iião gostava , por ser mui to for-
te : o Patrão, q^e conhecia a Alimária, e sabia quanto era
iniseravèl, levou-lhe huma grande sopeira decaído com suas
folheis de couve; e no fundo impingio-lhe huma posta boa de
íarnç, e poz-se á espreita : então o faminto migando o pão^
fez sopas , e poz-se a manducar ; porém achando a posta no
fundo , disse : oh I como admirado , e gostoso do encontro ^
editando na carne, mamou-a, imaginando que tinha vindo
por engano , ou esquecimento ; pedio o seu tneio quartilho
da pinga , e ficou como hum maço y entendendo que não te-
ria gasto mais de 70 réis: bateo na meza, veio o Patrão, «
indo a contas da pescaria passada ^ disse o Patrão dest€ modo :
hum vinttm àe pão , outro de caldo , são dous ; trinta réis
de vinho , faz tetenta , e hum tostão de oh , faz oito e meio*
Respondeo o avaro : de oh ? Que guizad^ heesse ! He a que l'»
le que v, ni, achou no fundo da sopeira \ disse o dono da ca-
ça : Se Vé nt. comesse , e não dissesse , oh ^ não tinha nome ,
não lhe pedia nada y mas como v, m. me crismou a carne ^
não me ha de crismar na paga. Pois ^ Senhor ^ eu não pago \
disse o avarento , levantando-se com aceleração , mas levan-
do a toalha preza a si., quebrou a sopeira, e a garrafa do
vinho. O Patrão pondo mais duas parcellas á conta, fechou*-
lhe a porta : o pobre homem , que tinha que ir fazer huns re-
bates, e via que se lhe fazia tarde, pagou , ficando com tal
zanga aos ohs , que não compra , nem come tâmaras , só porr
que estas o tem no caroço..
Barcarena 9 dè Maio*
Querendo a natureza ( porque também tem querer) en--
»cher de mimos ao Senhorio da Quinta do Gbincalho, faria
-producçóes tão raras, que erao o pasmo dos Naturalistas : o
«eu grande pomar de espinho J>um anno por desfastio não deo
rs^ão feydes frades, de tão extraordinária grandeía-, que
lium FÓ feijão enchia hufn caideiráo : o seu roeloal deo hnmâ
vez hum queijo flamengo, tamaniio de h uma inó de moinho ^
da casca de hum rabão , que lhe nasceo na sua seara ^ fez
hum cortiço para abelha$ , donde tirava Agua pé, que era
hum mimo ; porém de poucas cousas se aproveitava , pc^rque
como a natureza era a sua beínfeitora , queria seguiila em tu-
do;. a todas as pessoas, que lhe entfavão na quinta, ainda
que nunca as tivesse visfo , liberalizava com eilas das raras pro-
ducçoes do seu terreno; a hum dava as primorcsos maçãs, a
outros os cotetos codornos , que tem o gosto como nozes
com pão 4 a outros os moscatéis marmellos, que sabiao a gai-
tas , de sorte que todos os annos , como foro annual , vjnhão de
todos aquelles contornos pessoas, humas .com alcofas, outras
cora ceiróes ás costas , outras com canastras , a buscar o seu
quinhão ; mas quão ingrata he a condição dos homens ! O
anno passado , o anno passado , que a natureza foi a Cassi-
Jhas tomar banhos de agua tépida por causa dos flatos esfé-
ricos que padecia , descuida ndo-se de IJie honrar a sua fazen-
da com os seus abortos, as figueiras derão-lhe figas, as ma-
ceiras maçãs de escravelho, os codornos sahírão tão duros,
como o seu consoante, de sorte que vindo os Irmãos Mi-
gueis com as suas alcofas a receber os reditos, que o bora
vivan lhe prodigalizava, vendo o que desta vez lhes offer*
tou 5 julgando que era desfeita, atirárao-lhe com os codor-
nos á cabeça , de sorte que lhe quebrarão hum joelho : o po-
bre homem ficou tão angustiado com a ingratidão dos mar-
manjos, que se foi enforcar em huma figueira, a qual dá:
agora côcqs como tanhos. Os seus herdeiros querem-na arren-
dar., inas ha de o rendeiro mostrar, que entende de horta;
porque iião querem fiar o seu remédio de quem o não entei>
4e^.
Máximas dà Velho de Romulãns,,
Se és hum valente soldado ,
Não sejas valente 'SÓ ;
Não consiste a valentia,.
Era fazer o mundo etn pó :
Para enfrear as paixões,.
He freciw sábio ser j.
Pefdera o valor as forças>
Sa Sê nSo sabem reger»
Era tudo quanto fizeres,
Pratica sempre a virtude ,
Para uso não perderes ;
O mesrao ferro se pule,
Se pelas mãos sempre andou ,
Se se guarda , e se não usa,
De ferrugem se manchou.
Faze escolha dos Amigos ,
Que tenhão bom proceder,
E te livrarás de perigos;
Delles terás que aprender,
Se a escolha for venturosa ;
Tu a dez podes seguir ,
Mas dez seguirem-te a ti,
He cousa difncultosa.
De Leiria foi mandada a seguinte quadra, com a sua
Glosa ao Editor , para este Folheto , e por esta razão se pu-
blíca j e espera-se que agrade a quem dá os seus 40 réis.
As minhas mãos inmcentes
Aos duros grilhões vou dar ,
Fade Amor no seu Império
Mais huma escrava contar.
GLOSA,
N'um bosque de rubras flores ,
Tinha Amor hum digno Altar,
Onde vinhão tributar
Gratos votos os Pastores :
Eu d'uns ouvindo os clamores ,
Outros rojando correntes,
Ao Deos mil preces ardentes
Por viver era paz fazia,
E junto ao seu Throno erguia
As minhas mãos imiocentes^
(7)
11.
Mas pôde tanto o costume,
Que afeita aos prémios de Amor,
Já não me causava horror
O ferro , o veneno , o lume :
Illudida pelo Nume
Eu mesma invejo o penar ^
Anhelo por suspirar,
E sem terror dos seus laços ^
Por gosto meus livres braços^
Aos duros grilhões vou dar»,
HL
Logo a victima acceitou,
O fero Nume vendado ,
Lançou-me hum grilhão pezado^
E o peito me traspassou :
Depois cruenro apartou
Do meu damno o refrigério y
Poz meu pensamento aério,
Mas tudo soffro gostosa,
Porque fazer-rae ditosa,
Vóde Amor no seu Império^
IV.
N^um momento de favor,
Que nos conceda o Vendado,
Deixa bera recompensado
Largo tempo de anciã, e dort
Eu inda espero que Amor,
Modifique o meu penar j
Porque se esta dor soar
Em todo o vasto universo j^
Não poderá o perversa,.
Mais buma escraia contar^
Tera-me chegado aos ouvidos as Impertinentes ques-
tSes, que suscitou a advinhação do Folheto passado, e por-
que ha peda£o de raíganão , que tem posto a boca era.
(?)
qoantag plantas ha , instando , e defendendo , sem dar hum co-
nhecimento da verdade, não devo demorar a decisão cio refe-
rido enigma, vindo a ser as duas plantas, a c-atia de que se
faz o assucar , e a herva de que se faz o tabaco , que expe-
rimentao huma igual sorte , para produzirem o seu effeito.
AVISOS.
Ha em Portugal presentemente hum grande sortimento
dé Serras , feitas pelo melhor Author , que se conhece , gran-
des, e pequenas, e de boa tempera, como se verá na sua
qualidade : os manufactores , que precisarem delias , podem
ir fazer a t^colha á sua vontade: em preço não fallenios ,
porque á vista do lote se fará o ajuste ; a saber , a Serra de
Cintra , a Serra da Arrábida , a Serra de Monte junto , a
Serra de Monsão , a Serra d^Ossa , a Serra de Monxique ,
a Serra da Estreita , e outras , ccno melhor se verá no
Mappa, todas capazes para a satisfação de quem as procurar.
'G açougue , que está na Freguezia de S. Paulo , avisa
ao Público , que elle dá lições de esgrima , e ensina a atirar
talhos com a maior ligeireza: quem se quizer aproveitar,
dirija-se-lhc em todos oi dias da semana, menos á sexta Fei-
ra,
Quem achasse hum canário amarello, que fugio omez
passado da gaiola a seu dono, com quatro pennas compri-
das na cauda , com duas azas, e hum bico, fallará, se qui-
zer, que lhe darão avultadas alviçaras.
Quem quizer comprar as danças do Amável ^ e Passa-
pe\ com os seus Minuetes obrigados , antes que a seu dono
esqueçao algumas passagens dos ba laces , para estarem prom-
ptas , quando se tornarem a usar, appareça com alguma bre-
vidade, porque seu dono está necessitado de dinheiro, e pe-
la precisão que tem se ha de aCComraodar no preço.
LISBOA. NA OFFIC* DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Câm litenÇa da Meza da Desembargo do Paço,
F
ALMOCREVE DE PETAS,
P A'R T E LVIL
Alfama i8 de Mito.
Oi cousa admirável a variedade, que se fez maniPeçta
em dois acasos saccedidos enfre duas embarcações de pescar
deste sitio : saliírão duas companhas cada huma na Hia em-
barcaçao, segunda feira passada, a botarem as su^s redes.,
liuma ao pé da Trafaria ,^ e outra junto so Seixal: a primeira,
quando levantou o seu rasto, lhe veio ncJle muito peixe gros-
so, e miúdo, e entre estes hum, que os pescadores não co-
nhecerão: era do tamanho de hum Atum, a cabeça de Par-
go, a côr prateada, e a cauda de Cherne , e com duas azas
bem semelhantes a duas Arraias ; assentarão os homens do
barco, que o devião partir, a fim de lhe gostarem o sabor,
aquando o forao postejar , dividiti.^o-se-lhc em bocados a
cabeça, lhe foi encontrada no toutiço huma pedra redonda
do tamanho de huma laranja tangerina , a qual era branca ,
e a^sim como anilada *, lirárão-lha, e vindo com ella aos La-
pidarios de Lisboa, assentarão, que aquella pedra era o ver-
dadeiro leiíuario. Seguio-se deste discurso, faxerem experiên-
cia em huma Vacca , quecreava, pondo-lha ao pescoço, e
57
(O
fogo no dia seguinte lhe mugirão das tetas nada menos de
qubrenra canadas de leite , quando elia no dia a penas dava
duas. Avaliou-se a pedra, visto o eífeito, em i^Oí^) réis, e
não me lembra agora st lhe faltou algum tostão, o certo
he, que foi paga por hum cazeiro de certa qiàinta, que ne-
gocêa cm mandar vender leite á Cidade , o qual também a
aluga, no que vai fazendo hum grosso rendinento, eic, A
segunda etnbarc^jâo; levantando t«mbem a sua rede, que
com muito custo meiteo dentro, lhe veio embaraçada nas
cordas huma ancora de 12 quiniaes de pêzo , preza a hum
pedaço de cadeia de hum metal, que á primeira vista pare-
cia oiro ; tinha a referida ancora humas letras , que dizião
Túgus : Elles a recolherão conientissimos coio as esperanças
nas. alviçaras , que o dono delia lhes daria. Fizerão hum E-
dital, que vieráo pôr na porta da Praça Ingleza, o qual di-
zia : Quem perdesse huma ancora no rio de Lhboa com
bvimãs letras gravadas^ que dizem :=z Jagus^ vã f a liar ^
Ce* Vista esta noticia com admiração de muifos , pois ta!
nome foi bastante estranho a quem náo s«fíbia Grego, nem
Latim, passou hum Arménio muito instruído, e vendo tar.-
to povo ao E.^ital , demorou-se na explicação daquclle Eni-
gma, porque havia sujeito de tanta curiosidade, que estava
olhando pà^-a o papel desde as sele horas da manhã até ao
mc\o dia, costume antigo de Lisboa, que em parando hum
]iomem , párao logo meia dúzia so pé delle , e alli ficão sem
íaberem para qne pirão; com eíFeito 0 Arirenio percebendo
a Confusão, que o Edital causava, fez então ?abcr oa públi-
co, que aqueile nome era Grego, e que significava em Por-
\K)gu<:z Tejo ^ que aquella ancora fora certamen^eda Náo , em
q-ué Úiys^s passou a Qsit Ribeira , e que qucrdo a quiz le-
vantar para seguir o resto dos seus projectos, porque a anco-
ra estaria ferrada na rocha , quebrara a amarra, que era feita
de metal de Coriniho, porque havia memoria , queon>esmo
Ulysses dissera naquellc ccnflicto=: Cã fica /2 mnihaTagus ^
i^u-e ciará '(yn(. me a esta fcru osa EUelra, Ora se isto asjira
wão he , áéja lá o que vv. min. quizerern, que eu estou por
rudo.
Camfo de Sar.ta Annn i^ de Maio.
Assistia neste baífro hum homem, o qual tinha ojui-
tb mutilado , porém- Ibgraya saudc vigorosa : á proporção
dos seus teres, comia os seus feijíSes cozidos , e assado^, e
vivia contente assim, assim ; inorfco^lh^ hum parente, de
quem elle era herdeira forçado , e recebendo a avultadissima
herança, em quanío cila durcu , uâo houve parente pobre,
e tanro se raeíieo peiln terra dcatfiO em cousas nocivas pelo
vicio da gula , e de outras cousas ( vv. mm. bem me enten-
dem ) que ainda não tmlia passado hum aiuio , já elle conta-
va com mil achaques , sendo o maior a lembrança de como
os tinha adquirido ; porém, a falta de respiração , que sentia
na algibeira , lhe fez liuir.a suíFocaçao, que o pez por perras ;
e chegando a huma das dos seus chamados amigos , Ihesdes-
cobrio a ultima indigência , a que est>iva reduzido , e este o
consolou com palaíifrorios , dizendo- lhe entre outras muitas
cousas : Âmigo\, jd agora o remsdto que isso tem ^ he das
Caldas y bebe a agua da Copa , e dizc que te engano, O po-
bre hoirjem com c?re conselho despcdio-se do amigo, e vin-
do para a rua , conauItando»se sobre o expediente que tomaria ,
Fentio chocalhos, os quacá eiáo das bestas do Almocreve de
Óbidos , arranchou-se com elle , e foi na sua companhia ;
chegou ás Caldas , foi direito á Copa , a tempo que se acha-
va cheia de gente, pedio dois copos d'agoa , e a penas os be-
beo , como a sua natureza os nao abraçasse, entrou cm hura
desmaio, que o tiverao quasi morto; acodirão-Ihecom refrac-
coes espirituosas, tornou a si, e tcdos lhe perguntarão, que
moléstias padecia. A maior he a de ser pobre (confessou elle)
Respondêrão-lhe , então bebe agoa da Copa ^ para se cumr
íia pobreza} Sim y Senhores^ disse elle, porque hum amigo
vieu lá em Lisboa, depois de me comer , e ajuJar a estruir
tudo q^ianto tinha de meu ^ me aconselhou ^ que parao mru
mal só o remeUo das Caldas. Rirão-se todos muito , e res-
pondêrão-lhe; meu amigo ^ errarão4he ucura ^ aqui aggra-
va^se mais essa moléstia , que ha tãl j que com seis annos
de CalJas fica de rastos , porque cada copo desta agoa he
hum purgante para as bolsas. Discnganando-seo miserável de
não achar remédio, voltou para Lisboa, e se propoz a ne-
gociar em alhos , por ser negocio para aue se precisa pouco fundo.
Ribeira Felba i6 de Maio.
Por hura cálculo de economia feito pelos Anciões de
Torres, em attenção á carestia, que se sente em tudo que
SC compra, e com o projecto de verçin se podemdesterrar.de
, . ^ 4 )
numa vez o abuso introdnzido de cah irem os parentes em des-
honra daquelles, que se servem por si, principalmente em
Lisboa, onde se vê pagar carretos, que custâo mais, que as
mesmas cousas compradas ^ assentou o concilio económico,
pelo systema de que muito pode a velha para sua casa, adop-
tando igualmente o Provérbio , se te queres bem servido , vai ,
e não mandes ; que está tão longe de ser deshonra a utilida-
de própria , como está Villa Franca da Fonre da Pip.i \ isto
provado, e reprovado de huma vez se fica sabe do, que des-
pez^s desnecessárias dão com huma casa nos caxopos;os re-
feridos Anciões dão muitos louvores a todo aquelle homem ,
que he regateador no ajustar , e que poupando-5e á paga do
frete, traz debaixo do seu capote, ou na copa do seuchapéo ,
a dúzia de laranjas, g arrátel de carneiro, a perdiz, o pom.-
bo , e até o queijo saloio, e se isto propagar, a Deoy Gaí*
liza ^ porque cora mais razão se dirá no tempo de hoje, du-
zentor Galleo^os na Õ fazem hum homem , porque se até a-
gora erão gentes, era á nossa custa. A semana passada man-
darão de Setúbal a hum sujeito muilo poiido hum mim.o de
peixe em huma canastra pelo estafeta, o qual sendo avisado
do obsequio, que lhe fazião pela entrega da carta, toi pes-
soalmente para a fazer conduzir ao Campo pequeno, onde
assistia , e como achasse excessivo o que lhe pedirão os cha-
mados homens de ganhar. Por hum lado lendo impressas na
memoria as instrucçoes de economia , que assima fícão ditas^
e por outro vendo que o importe do frete excedia em iresdo-
bro ao valor da canastra, sem mais ceremonia , pegou nelia ás
costas , como quem vai de caminho, e levou-a para sua car;a ,
protestando que dahi por diante havia ser creado de si mes^.
mo^ ou D, Jôaõ de Ali: arado : assim o facão todos, e ve-
rão o que ajuntão.
P^enha de França lo de Maio-
As observaçpes oculares sobre a prova de bomba , e ar-
gau , feitas em sete Castellos-, e na Quinta nova, tem sido
huma mina para os seus rendeiros ; certas classes de manufa-
ctores , e também pessoas de outra classe, que ha muitos an-
nos concordarão em terem hum pouco de refrigério nas tar-
des dos Domingos, tem continuado no antigo estsbelecimen-
to de vira^edpos , já mais faltando com a sua assistência ,
sem precisarem de avisP; ou carta circular, sempre iguaes
no manejo da goela, e na frescura do appelite, não se alte-
rando o soccgo, inda que estejao atacados pela impertinência,
ou do tinto , ou do branco ; porque em se tocando a rebate
na pipa , que lhes gerve de Zabumba , juntao-se as patruljjas
com evoluções de manillia fallada , três setes na meza , laran-
jinha rasteira, e chinquilho, apresentando cada hum de res-
to o seu petisco para fazer boca: hum fulano, que costuma
acompanhar o farrancho conhecido por tolineiro, Domingo
passado, que se achava sem isca para a pinga, nem vintém,
com que a comprasse, subindo pelo Caracol da Graça , para
se dirigir pela Cruz dos quatro caminhos á assembléa patus-
cai, como sempre ruins tem ventura, deparou-jhe o acaso no
simo do Caracol hum homem vendendo queijos Flamengos,
com huma alcofa delles ; chegou-seaopé , mandou calar hum ,
provou-lhe a qualidade, e pcz-se com elk na mão tratando
de ojuste , a tempo que per malicia o deixou cahir das mãos,
que veio rebolando pelo Caracol abaixo, desorte , que não pa*
rou senão no fim: o pobre vendedor, com politica não con*
sentio , que dk o fosse buscar, antes poz a alcofa no chão,
e desceo a buscalo, O comprador, tanto que o pilhou em
baixo, pegou na alcofa, e foí hum ar que lhe àeo, O pobre
homem vio , quando subia pelo Caracol já com o queijo, que
o outro pegou na alcofa , e se safou ; porém não \\\q podia
ser bom, porque a distancia estafava. Chegou assima , e nem
ra5to vio mais de tal homem, ficou chorando o seu mal , era
quanto o tolineiro fazia que a sucia em ?ete Casicllos fosse
cahindo na isca dos queijos com garrafas, que os outros man-
darão vir, dia memorável para o taverneiro , que ha annos a
esta parte, inda não teve huma tarde, e noite de mais venda ,
e conta-se que no outro dia ficou de cama moido dos braços ,
de tantas canadas que médio.
Entre os papeis d& fios s o Velho ík 'Roynohres se acharão
dois ^ hum das qualidades do homem rico ^ outro das
qualidades do homem pobre ^ o primeiro se descrê-
ve 7uste folheto ^ deixando para o folheto se^
guinte o segundo.
Qualidades de homem rico^
He hum homem rico huma viçosa scára da terra ^ to-
(6)
dos o visitao , os qae dependem delle em tudo Iheacliao gra-
ça, fervem os respeitos; achão-lhe animo generoso, grande
viveza, espirito nobre, duas falias que profere são Provér-
bios de Salomão , he applaudido de grandes , e pequenos ,
hum dito frio he julgado por huma sentença , lium disparate
he tido por enigma , infunde alegria em qualquer parte onde
esreja, todos lhe abrem a porta, não tem lugar vedado , a ca-
da memento se lhe estende a geração , porque todos querem
eer seus parentes, ainda que seji filho de hum arlequim. Ves-
te se daquella fazenda, que se vende na rua Augusta, a que
chamão Nobreza, a esta corresponde o tratamento, todos
delle fiâo tudo, todos os obséquios tem por pequenos, espe-
rando que se multipliquem; come do melhor, veste do mais
exquisito, não apanha sol , não teme a calma, não molha os
pés, resiste HO frio ; a opera o diverte, o banquete o entre-
tém, a Musica o distrahe, as lisonja;^ o recreão , n^ida o des-
gasta , a pompa o segue, o fausto o bafeja, e como arbitro
d^ ventura reparte a sorte aos infelices, ampara Órfãos, sus-
, tenta Viuvas, veste mendigos; estes oráo por elle em quanto
vivo, c depois de morto, ^inda o oiro lhe ministra nas es-
molas que deix.i., nos suíFragios que para si reserva, hum
proveito eterno, vindo a servir-lhe a riqueza tanto para o
corpo, como para a alma, tanto para a vida , como para a
morte, se he tão ditoso , que sabe fazer bom uso dos bens
que possue , manejando as virtudes com humaaidade, como
ainda muitos fazem.
jircos das aguas livres it de Maio.
Copii de huma Carta ^ qte o ni?sx) ícaro IL o Voador es-
creveo ao seu amigo de Lisboa , dandú^lhs parte do que
tem visto ms nUuras , em que se acha.
Amigo cotn fervoroso desejo de lhe comraunicar noti-
cias minhas, lhes envio a presente Carta por esse aguaceiro,
que agora por aqui pasjou , e cora certeza podsrá dizer a to-
dos , que por mim perguntarem, que teve noticias frescas,
, com expressões de vivas saudades: por essa Carta verá V. m.
.o quanto tudo aqui diíFere do vivo ao pintado. Aqui tenho
rfccebido algumas visitas do Balão de Buenos Ayres , e me
(7)
convidava para eu passar adiante , o que não acceitei , porque
o convite foi de tarde , e pelo pavor que concebi , quando a
boca da noite , fszendo medonhos movimentos , e rengendo
a dentuça , me a tirou huma torquezada com os dentes, que
parecia que me queria tragar. Eu me encolhi o mais que pô-
de ser, e cora o susro n^o sei o que fiz, pois me deixou
em hum escuro, que mettia o dedo pelo olho , tanto que ao
mover-me para hum lado, dei huraa cabeçada tão grande era
huma nuvem das que me cercavão , que me fez ver as estrel-
las, quanto a vista alcançava : cada huma era maior que hu-
ma roda de carro, e mosiravão ser tão benignas, que não
sei como ha quem delias se queixe; porque passando muitas-
pela instancia, aonde me acho feito Gonstellação do Arco da^
velha , me cortejavao ao nosso modo de pensar ; muita partej
da noite passada levei recreando-me em ver âs luminárias Ce-
lestes, e lhe affirmo, que as que fez a infausta Rainha Dido^
pela sua morte no seu mesmo Palácio, não forao mais brilhan-
tes , que as que se divisão squi pelo nascimento da rubicun-
da Aurora; sonoras, e confusas vozes ouvia ao longe, cujos
signaes me deixavão na mesma confusão, até qne ao estrondo
de hum estalo como de castanha , que arrebenta na beca ,
vi que entrava a luzir a Esfera por huma fenda , e tão bri-
lhante, que quanto ha de maior valor, não tinha valor á sua
vista : logo depois pude ver no Horizonte figurado nas nu-
vens hum magnifico anfiiheatro todo guarnecido de lifne côr
de pérola, e rodeado de Fyramides, maiores que as doEgy-
pto ; alli vi correr alcancias pelos voláteis , e os siraplices
cordeirinhos fazem hum grande festejo ao nascimenro do Sol ,
então fui pouco a pouco descobrindo os teares, aonde se te-
cem volantes de nvil cores, e muitos já feitos estavão esten-
didos pela azulada campina a enxugar a gomma : só me ad-
miro que na Europa façao tanio apreço de hutna fazenda , que
aqui leva o vento para onde elle quer , sem custo algum , por-
que a sua matéria he tcda de apparencia: por cá também te-
nho visto a caldeira aonde se ajuntao os atom.os , que com o
rigor do tempo se conglutinão com as particulas mineraes,
fiara formar o raio, que sahe á violência do fogo pelo la m-
bique, para re 'uzir a nada a mesmja apparcncia desta fante»
sia : vi a fabric de caram.tlo, onde se fabrica com tanto a-
cdo, que parec de neve, vi o crivo da seraiva, que macú-
Ia os frutos só com o seu toque , cada huma aqui lie do ta-
manho de hum confeito do Porto. Vi ultimamente os Ele-
mentos não estimarem o mesmo que produzem, o que me fez
conhecer, que as cousas, a que os homens dâo tnaior valor,
são de pouca entidade, e tudo que não for tornar para a com-
panhia de vv. mm. , hc para mira morrer como o carrapato
na lá, Adeos até á vista , porque o tempo de ver mais cou-
ws não me dá lugar para demora.
Sou muito seu do coração
( Assignado ) ícaro IL
A VISO S.
Sahio á luz hum folheto de manuscrito intitulado C?;;-
serveiro subtil: obra de chupeta ó Cartaxo, que ensina a
fazer o baça Ih áo albardado de celira á Ingleza ^ os confeitos
de enforcado, os sonhos, que sonhava o cego, as ameixas
de conserva, que tudo isto tem amoras para se fazer.
Quem quizer aforar parte do Cha?^cfi do para fazer ca-
sas, com condição de as fazer com quatro portas ^ para
nno haver engano a quem alli procurar alguma coMsa as três ^
falie com Raymundo Varéila bem conhecido nesta Cidade,
que ainda que faz pequeno vulto, , e he hum tanto gago , com
tudo eniendç-se muito bem.
Avisa-áe ao público, que por esquecimento o Repor-
tório deste anno trouxe o erro de não declarar a quantos do
niez era dia de Entru4o , dia da Serração da Velha , dia de
Compadres , e quinta feira de Comadres ; esta falta porém
se lia de recuperar para o anno, isto he, para aquelles que
lá chegarem.
LISBOA. NA OI^FIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Cam licença da Meza do Desembargo do Paço,
H
ALMOCREVE DE PETAS,
PARTE LVIIL
Camarate 8 de Março.
Ura aprendiz de Taful , que principiou por jaqueta , e
pantalona, e hoje já anda com bandeira no top^, por cuja
razão se espera, que este offxio venha ainda a ser embandei-
rado; este bom moço, a quem os poucos teres não deixão
respirar livre, vive metiendo agulhas por alfinetes, para po-
der coalhar algum vintcm ; não sei de próximo em que ne-
gocio se mjetteo , que pode ajuntar huns tostccs , com os quaes
íbi cojnprando hoje h-um traste, e á manhã outro, para o a-
ceio do Domingo; e dirigindo- se terça feira á Praça d'AIe-
gria,. vio na mão de iium vendilhão huma casaca de felica-
tacira cor de rosa, forrada defeJi]óesl>r^nquiçado, ainda em
muito bom uso , porque as nossas Fábricas já Jioje fazem fa-
zendas de muita dura , e tinha a tal casaca só o pequeno de-
feito de huma nódoa de sumo de Jaranja nas costas : avançou
este novo Taful a ella , e comprou-a por 720: veio para ca-
sa , contente como gato com sardinha, e achou-lhe na algi-
beira hum escrito feito com penna de Japis, que ainda se
58
percebia, que expressava amores, e avisava o dono da casa-
ca, para que fosse á Procissão de Camarate , com mais algu-
mas cousas de signaesj o que o novo TafuI intentou apro-
veitar, vendo que a casaca Jhe servia , e que elle se asseme-
lhava na figura ao primeiro dono, e que faria equivocara tal
Senhora do escrito, como se o hábito fizesss o Monge. Che-
gado o dia da Procissão, alugou hum jumento, que bem des-
gostos lhe dco pelos anexins, que ouvio a respeito da ca-
valgadura , como abrande-lbe a rédea : tenha dó do pequeno :
hve-o ao colo : mande-o ao Pasteleiro ; e outras investidas des-
te lote , e logo á entrada do lugar chegarão a elle dois mo-
cetões , e lhe disserão : Ah seu amigo , a pé que temos que
fallar , ao mesmo tempo disse hum para o outro : este he o
tal ^ olha por stgnal lá tem nas costas da casaca a nódoa
da laranjada: saltão ao cachação a elle, que o amarrotarão
bem á sua vontade, acudio gente, e os dois sempre dizen-
do : havemos desancar este bribantão , que anda desmquietan"
do a nossa criada : consta que o pobre rapaz depois de bem
zurzido despio a casaca , e fez delia enxerga , vindo em man-
gas de camizâ para Lisboa, , por se temer que no caminho a-
proveitassc mais alguma esmola daquella qualidade, que es-
tivesse guardada para o primeiro corpo que a vestio ; e a in-
tenta pôr segunda vez na feira, a ver se ha alguém, que a
compre, para ir com ella para o anno a Camarate.
Largo do Rato 27 de Mímo.
Faz pasmar , ver as forças que o homem maneja pelo
conhecimento da razão , para poder quartar as suas paixões,
;e o como se deixa suggerir por huma inclinação, que o faz
dobrar ao vicio , pondo de rastos a nobreza de espirito: en-
tre a mukiSão de divertimentos, que o ócio tem inventado,
«e iuiclue Ijurn , que a necessidade tinha descuberio, para re-
mediar ero parte as precisões do homem , qual he o da ca-
ça , cujo eiercicio vemos praticar a muitas pessoas sérias , que
adoptarão- fsire divertimento, já como conservação da saúde,
íe? fora dessa , immtínsos se lhe tem dedicado por tafularia , ^xa^
jcitanii<r»-«e a passai (?m por immensos inconvenientes, como
por c»?*uipÍo-y fiv.icr» jornada de três legoas , levando de far-
Uel síí: páa 'Çt>n4 a;sei*íido de o comer com perdiz, a qual se
C3)
tfansformou cm huraa açorda d^alhos , ou tm numa posta de
bacalháo; matar a gallinhoJa , e metter-se até á cintura pela
lagoa dentro , para a ir buscar , e isto aquelle mesmo , que
para ir a hum negocio de Inverno, nas ruas de Lisboa, cal-
ça botas , veste casacão de barrcgana , arma-se de ciiapéo de
sol de ole:do, e todcs os mais reparos contra constipações,
e molhadellas, dispara-$e o tiro, rebenta a espingarda, e fi-
ca servindo de caça o Caçador , etc. Por salvar estes incóm-
modos , e nutrir ao mesmo tem^po a sua paixão, hum acér-
rimo Caçador que ha neste sitio, todas as noites sahe á ca-
ça por nova idéa , pois quando o escuro dá lugar, sahe da
meia noite por diante a caçar ratos, e morcegos com huma
matilha de gatos, huma doninha , que lhe serve de fudo,e
huma espingarda de vento, a qual evita desastres, faz ef fei-
to , e não espanta a caça, e dando volta por alguns sitiosda
Cidade, nSo se recolhe com menos dos seus 200 ratos, 50
morcegos, e ás vezes a sua coruja, nutrindo com este diver-
timento a sua compleição, e dando hum assalto geral aos ini-
icigos dos viveres, e tem protestado não desistir da empre*
za , em quanto não der cal3o destas sevandijas. Não se tem
descoberto até ao presente huma peste roais forte para os ra-
tos , que o tal meu senhor.
Braga 16 de Maio,
Carta que escreve o Cavalheiro deita Cidade atreito a pe^
smdelíês ao jeu Amigo de Lisboa, dando- lhe farte
die outro sonho, que ttve ^ como se ré na seguinte
Cópia.
Amigo fwuito da minha estimação, como sei o quanto
V. m. com algumas pessoas dessa Cidade tem applaudido os
meus extensos sonhos , de ncvo passo a narrar-lhc hum , que
tire a noite passada, se o tempo me der lugar. Serião dez ho-
ras da noite , quando de minha casa se dcspedio a sociedade
gamonal , em que houve muita praga aos dados ; porque nun-
ca botarão cousa que fizesse casa, nem deixavão de falhar,
ainda havendo casas em aberto, houverâo muitos óculos nos
narizes dos circamstantes minores, fízerão-sè aposta* , dlspH*^
táríío-se lances , e em fim estava a minha SaJa feita Inima bo-
tica de fora da terra em noite de Inverno ; descartei-me àeU
les amigos, mandei vir a cêa, lambi-lhe os dedos, suppos-
to não como com a mão, porém twlo bem me soube, qucve-
rificando-se o ditado àe í?arriga cheia ^ pé dorme fite ^ encami-
nhei-me para a cama ; onde levei hum somno , ou o somno
me levou , tão despropositadamente entre os meus pezadellos
a taes confusões, que, depois que acordei, fiquei pasmado..
Foi o caso: apenas fechei os olhos, entrei a viajar , monta-
do em hum cavallo rabão , seguido do meu mojo , que vi-
iiha em hum burro com hum teliz
Que botadas bem as contas
Aié o mesmo meio erão jd pontas^
Atravessámos Provincias , cortámos Reinos , e chegámos a
hum paiz , onde de repente o meu rabão tomou o freio nos
dentes, e entrou a saltar de tal sorte, que chamei por San-
cho , que este era o nome do meu criado , porém este tambera
se achava atrapalhado cora a sua cavalgadura ^ porque o bur-
rinho de canceira
Caminhava com tanto desencaixo^
Que ao montar-se-lhe em sima vinha abaixo^
Com effeito torno a chamar pelo meu criado , que parecia
huma abóbora em trajes de repolho , pelo que tinha de re-
dondo, e fraco, e era muito não ser quadrado, porém não
me acudio tanto a tempo, que o meu rabão não atirasse co-
migo a terra , e mettesse pernas , deixando-rae estirado como
hum cassão , e com hum pé torcido. Ajudou-rae o meu San-
cho a montar sobre o jumentinho, perguntou aonde era o
Hospital daquella terra, que segundo se disse, era o Paiz das
Ballinas. Eu que ha pouco tempo tinha chegado da libados
Tafíées y escaldado do que lá tinha visto, lá temi novas Ta-
íularias, entrei para o Hospital , e logo dois galfarros me ca-
Jiírão á perna , que nem gato a bofes : foi então que estive
^uasi acordando com as dores , receitárâo-me mezinha , e dis-
'sè então comigo , estranha condição , estranha gente : com
efteiro nao me achei lual com o remédio, e então me certi-
fiquei de que lioma ajuda indireita liura homem \ logo que rtie
achei melhor, fui visitar as mais enfermarias, e encontrei
hum homem , que se queixava de huma grande dor em hum
pé, ao qual ápplicavão gemmadas, e emplastro de unguento
confortativo. Perguntei que remédio era aquellc., e que doen^
ça era aquella, rcspondêráo-me que era huma dôr no peito
do pé, e Guesedavao gcmmadas so enfermo, porque por ser
peito de pe, nao perdia a essência de peito. Fiquei perple-
xo vendo o novo curativo daquelle Paiz, e então clamei :
Ditosa condição , dito f a gente, nr; Qulo pouco sabe quem não
sabe do seu ninho\ Sahí do ilospital , e vindo para a rua,
vejo o meu moço Sancho mettido em luima fofa carruagem,
atroando as ruas, raetteo-me a luneta, eu tirei o meu cha-
péo , e fui-me chegando para lhe fallar , porém elle não me deo
lugar a isso, porque a berlinda não parou , grande caso ! dis-
se comigo, hontem de burro, hoje de -sege, quem ha de en-
tender o mundo ! Volto huma esquina , e vejo ir dois ho-
mens , hum carregado cora hum barril de manteiga , huma
ceira de figos, huma saca de arroz, e trcs queijos londrinos,
e o outro a traz dclle com passo socegado , observando-lhe as
acções. G homem que hia carregado, parou a descarh^ar, e
o que o seguia , também parou ao pé delle. O que levava o
trem , perguntou-lhe o que queria ? ao que o outro com to-
da a mansidão lhe respondeo : Eu venho ver onde v, m. de^
termina que estabeleça a minha tenda* O tratante quando tal
ouvio , deitou a fugir, e eu pasmado do que ouvia , pergun-
tei a causa de tal successo, então se me respondeo, que o
homem que vinha carregado, era hum ladrão , que tinha rou-
bado aquelle tendeiro , e que o dono dos roubos piihando-o
na empreza o vinha seguindo com toda a cautela , até encon-
trar a Justiça. Ora m^is cousas presenceei , que lhe deveria
continuar na presente carta, porém o moço, qtié me serve,
está impaciente por ir deitar esta no Correio : eu me não des-
cuidarei de noticiar-lhe o resto.
Amicus ex corde
(^Assígnãdo) D, Sonho Sonhét
(6)
Qttalidades do homem pobre ^ ésnnwnciadas no Folheio ante^
cedinte , e achadas ao nosso Velho de Romulares.
O homem sem dinheiro he hum corpo dormindo, a to-
dos esquece , confunde todas as suas idéas , representa hum es-
pectro medonho , o semblante he triste , a conversação lan-
guida, a companhia pezada , nunca encontra em casa quem
visita , quer fallar , he interrompido a cada momento, todos
temera delle, que acabe o discurso pedindo esmola, tratao-
f)o de empestado, considerlo-no pezo inútil da terra , selem
juizo , nunca tem lugar de o mostrar , se o não tem , he o
aJvo dos opprobrios ; os de raáo humor lhe atirão como a cão
damnado : os benignos, quando delle fallâo, começão-lhe o
elogio por encolher os hombros com huma carinha de fastio,
Gomo cousa que desagrada ao paladar : a necessidade o desper-
ta de madrugada , a miséria o acom.panha até á noite, todos
lhe dão o que menos presta , os Mercadores, e Alfayates que-
rem que como os primeiros viventes, elle se vista de folhas
de figueira; quando compra qualquer cousa, primeiro lhe pe-
dem a paga , se deve algum resto , he velhaco , em quanto o
nao satisfaz, os rapazes o perseguem, os mesmos cães lhe la-
drão, os parentes o desnegão ; todo o testemunho principia
ncllc, todos o detestão , e finalmente hc hum mappa de con-
fusão do mundo o mais triste , como diz aquelle Soneto de
hum Poeta dos nossos tempos. :=: Para traçar a tmagevt da
tristeza , etc. Mas esta mesma pobreza pode degenerar era
fortuna , se encontra no abundante os claros conhecimen-
tos da virtude , nobreza de espirito, compaixão, e prudência,,
porque não ha regra sem excepção.
O Moço do Poeta aqui trouxe ao Editor três décimas,
que clle fez a hum Mote, que lhe derão de huma Janella
huma destas noites de luar, cujo Mote foi o seguinte.
\\noi
(7)
MOTE.
Com huwa espada de cana.
GLOSA.
Hontem vindo em casa entrando^
Vi na loja hwns embuçados ,
De páos 5 e pedras armados^
Que me estavão esperando :
Eu fui-me desembuçando ,
Entendendo rer cravana^
Puxei pela duridana ,
Mas ao subir das escadas,
Pregou-me hum três estocadas ,
Com hffma espada de cana.
Ao mesmo.
Vês aquelle meu Senhor ,
Que vomitando razões ,
Diz que fez grandes acções
Nas terras do Grão Mogor ?
Que cheio d'alto valor ,
Aos Mouros fez a pavana ,
Que deo co' Turco em pantana ?
Pois este homem sem parelha
Hontem levou taipa velha ,
Com huma espada de cana.
?
De Velha.
Tens os ouvidos quebrados
Sempre na rua has de estar ?
O' José , vem merendar ;
Qual , nem novas , nem mandados !
O' rapaz dos meus peccados,
De seres cego tens gana ?
Já me dixe honte a Joanna,
Que o Braz filho do Zarolho,
Te hia esbugalhando hum olha.
Com huma aspada de cana.
( 8 )
AVISOS.
A incurável moléstia pecuniária , que padecera innume-
raveis pessoas , tena obrigado a muitos homens fazerem mil
descobertas úteis , para o cómmodo do Povo, e interesse pró-
prio , para assim paliarem a vida^ sem vergonha do Mun-
do. Ha hum homem na rua de S. Joíío da Praça , entre os
muitos que aJli morao , que parafusando o meio de se poder
valer, e ver-se livre desta pestilente morrinha, lembrou-se
de huraa acquisição útil, qual foi a de repartir as suas casas
em pequenos albergues, muito aceados, pintou-lhes nas pa-
redes vários paizes de figura Topiaria , ornou cada Camaro-
te cora cortinas de riscado de Fungao , poz huma cama em
cada hum ^ adereçou-os dos mais trastes competentes para o
effeito ,, € faz pelo Almocreve de Petas saber ao público , que
toda a pessoa , que jantar pelas Casas de Pasto de Lisboa, se
pódè dirigir áquelle sitio, e áquellas casas, a fira de dormir
a sesta depois de jantar , onde achará as commodidades se-
guintes : Huma cama y onàe se encoste , huyn falito paraeS'
gravai ar os dentes , huma bacia , e jarro para lavar as maos^
coifa para pôr na cabeça , se for de cabelleira ; hum garo»
to muito hábil para limpar çapatos^ e de muito engenho pa-
ra limpar as fivelas ,. huma thesoura para cortar as unhas ,
dois Livros de Novellas para consillar o somno , cculos pã'
ra quem tiver falta de 7íista , e seringa para emendar al-
guma indisposição do estornado causada pelo jantar , além de
huma janella y donde se az is ta Almada^ Porto Biandão, Tra-
faria y e huma pontinha dos Caxopos : tcdas estas commodi-
dades por 700 réis cada pessoa , estes primeiros quinze dias-
de novidade ; que conforme a occurrencia , talvez^ ainda ve-
nha a ser a quarenta réis..
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
1819.
Cí/m licença da Meza do Desembargo ào Paço.
o
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LIX.
Chafariz de Dentro i fie Junho:
Incentivo , que se oíFerece á vista na representação do
objecto, faz entranhar no coração hura nao sei q^ue , que
senão entende, porém tem dado que entender a muitos, pa-
ra a quererem explicar : Jie regra geral , e os maiores Dou-
tores tem balbuceado no descernimento das paixões , tem-se-
Ihe chamado muito nome; sobre os seus efFeitos huns tem
sido de opinião, que sim , outros que nao, combate este,
que até produzio huma modinha, que diz;
Nh/guem sabe , ninguém sahe
Ninguém sahe o que he Amor,
Porém o que nós todos sabemos he, que por Amor ^ o rico
se faz pobre, o pobre se faz rico: graças aos velhos forretas,
que passão mal, e enthesourão para o genro depois andarde
Cxivallo ; o certo he, que quem diz yfw<?r , á\z Loucura ^ por-
que ha pedaço de afFecto , que he mesmo huma dor dealmn,
ver aonde se dirige, a que muitos respondem o adagio vul-
gar, que quem o feio ama ^ bonito lhe parece. Succede neste
Bairro, que hum Tafulão de três peloá, anda perdido por Ixu-
59
ma rapariga , que vende peixe pelas ruas da Cidade; pensa-
se que o cheiro da maresia , que exhala , he o que tem dado
motivo áquelle embellezaitiento , pois nto tem outra ponta por
onde se lhe pegue, salvo se he algum dos três muitos, que
a tal rapariga tem, que vem a ser , mu ito enxovalhada , muito
feia, porém muito sisuda, que implica, e o nosso TafuI po-
lido, que não dá satisfações a ninguém, vai a todo o custo
fazendo por ella mil finezas de preço , acompanha-a de ma-
nhã , e de tarde pelos sitios das suas Freguezas , e como a es-
sência do amor consiste era dar allivios ao objecto amado ,
de tudo que o mortifica, já nos consta^ que até de noite por
lhe suavisar o pezo da celha do peiXe, elle mesmo lha leva
á cabeça , até acabar a venda , cuja passagem inesperadamen-
te foi vista por effeito de huma sege , que passou com archote ,.
a que elle de casaca , e terçado se não pôde occultar , por
niais diligencias que fez, contentando-se de obter só por pre--
ífiio da sua paixão hum simples adcos até á manhã.
Braga 2 d^ Junhoi
C^ntífiuaçSõ âú sonho do Cavalheiro dos fre%aJellos na se^ ^
guinte carta ao sen Amigo de Lisboa.
Amigo , tão impressos me ficão na nnemoria os meu»
pezadeilosj que muitas vezes succede, que os factos veridi-
cos , e. reaes observados por mim me esqueção, e aquelles^
que não passão de hum mero sonho, pelas impressões que m^
deixão, se perpetuem na minha lembrança: o correio passada
fiquei de lhe continuar o resto do meu pezadello, o que vou
a cumprir. Depois que perdi de vista o individuo , que tinha
roubado o rendeiro , vi hum grande ajuntamento em hum cáes
chamado o da Conversa , e como o espirito da curiosidade
anima a qu^si .todas as pessoas, eu nao quiz ser dos exce-
ptuados^ ., fui chegando mais ao pé, então vi dois homens ma-
ritimos^ jogando o soco>, e coiligí delles, que o motivo era
porque hum, tendo sido Camponéz, tin-lia a sua casa junto
de huma solitária praia, e persumido de coojiecer os ventos,
tinha arruinado a embarcação do outro , poit? que o Campo-
nês conhecia pela direcção do fumo, de donde estava o ven-
to, e quando havião,, om mo. havião borrascas^ enthusks^
roado cotn esta ridícula sabedoria, vomitava nvil conceitos
matheraaticos, que era mesrao liuma salsada : o ourro que se
persuadio ( como succede a mu ira gente ) que em hum hof-
inem fallando muito, ja he sábio, inda que as asneiras ve-
nhão como enf.adas de peros, ficou de pedra , e cal , assen-
tando que o Camponez era hum grande Astrónomo, e Pilo-
to, por cuja causa lhe deo partido na sua embarcação, ro-
gando-© muito para que ge mudasse para a vida marítima :
o Camponez, que nunca tinha embarcado, cheio de fatui-
dade deo suppôrem entendido, acceitou o convite, metteo-
se no barco, e navegou : em quanto houve bonança tudo foi
,bçm , mas sobrevindo huma tempestade , o donodo barco fia-
do na sciencia do Camponez não tomou as precauções, que
devia, para se melhorar na tormenta, gritou-lhe muito, po-
rém o Camponez só a tudo respondia , que lhe faltava nlli
a sua chaminé^ porque o fumo tinha sido n arte , for onde
aprendera a conhtcer os ventos \ mas como em quanto gri-
tavão, o barco era ludibrio das ondas , veio fazer-se cm pe»-
daços naquelle Cães , onde os dois por milagre escaparão ; o
Camponez desculpava-se, sem se lembrar, que o bom Piloto
^3onhece-se na tormenta, o maritimo dizia mal á sua vida,
por ter julgado por sábio hum ignorante : ( e quantos destes
Pilotos de barra secca estamos nós vendo em outros casos ! )
Vou a voltar para traz, e vejo o meu criado Sancho entre
dois homens de capote algemado , admirei-me , pois que pou^
CO antes o tinha visto de berlinda: segui-o á Cadeia, a tem^
po que já lá estava o Juiz, entrou com perguntas, dizendo-
Ihe : homem , és accusado de furtares hum cavnllo , de que
ha multas testemunhas : dize-me , como fíze^ftes este rou^
bo , e onde existe ? Respondeo-lhe o Sancho : isso he hum tes^
temunho , que me levantão , eu o que queria furtar era só*
mente hum freio , que he huma cousa de hagatella , peguei
nelle^ mas o maldito cavallo ^ que estava junto ^ naqutlls
pressa , não reparei que vinha prezo a elle , e^n casa he que
o vi pegado ao freio ; e co^no para o vir trazer outra ^ex ,
fo^iião agarrar -me , fui rende lio a huns Si^ano^ \ e creia
«r. ;;i. , que isto he verdade^ que o meu intento era só qte-
rfr o freio ^ e não o cavallo: ouvidas estas razoes, lembra-
me, que roguei ao Juiz o livramento do meu criado, pondo
cu a quantia, importância do roubo i e sçguiado-se hum*
^ 4 )
iTorrorosa pancada de agua, com alguns trovões, acordei a
hum delles , e não pude mais pegar no somnoaquelly noite :
ancioso espero que v, ra. também me communique algumas
novidades dessa Corte, para que eu possa communicallds aos
meus amigos, e levar o tempo com mais algum gosto, o
que aqui succede poucas vezes pela serasaboria da solidão em
que se vive.
Pesejo-ihe felicidades , e sempre lhe mostrarei que sou seu
Amigo, que muito o respeita,
{Assignâdo) D. Sonho Sonhe.
Arco do Soccôrro 4 àe Ju^hoi
He certo que nem o tempo , nem a experiência podem
prevenir os homens para as lograções do mundo: três annos
de moço de cego , dez de aquiié das estradai de Coimbra ,
doze de Marujo-, e vinte de Arreeiro, nada disto foi bastan-
te a /Jleixo Perdigão Teixeira ^ para escapar ao logro, que
lhe pregou hum Beirão, que tinha vindo a Lisboa a certo
requerimento. Este nosso Aleixo^ au Teixeira, quando a*-
Jugava a sua sege , apenas o freguez se apeava, antes de lhe
pagar, se não deixava o capote dentro delia, ou o espadim,
nunca o largava, também não usava de postigo nas costas
da sege, porque muitos freguezes de noite se lhe safavão por
eileé Até hum Mie furtou as cortinas, e abalou, cortando o
parzavão , e escuando-se por baixo: de todas estas peças es-
tava o pobre Ttixeira calvo j porém o Beirão lha pregou na
menina do olho: alugou-lhe a sege para o pôr em Évora,
com a condição de não dcscançar, senão em quanto as bestas
se pensassem, porque até de noite queria andar, dizendo que
levava armas para se defender dos ladroes: feito o ajuste,
que foi de bom preço, mettco-se o Beirão dentro, e man*
dou pôr luima grande mala fechada , e recheada de palha , e
cascalho na trazeira , porque fato não o possuía : na primeira
estalagem disse o Beirão ao arreeira, que pagasse, porque o
dinheiro, que trazia, vinha n'hum escaninho de segredo da*-
quella mala , e por não estar desapertando , e abrindo , que ao
depois se ajusrariao as contas. O arreeiro que vio que tinha
penhor, fez-sc prompto em pagar, promettendo comsigo de
(?)
tirar o juro á satisfação dos ajustes: e na segunda estalagem^
e na terceira succedeo o mesmo, e seinpre pelo caminho o
Beirão lhe foi contando valentias de encontros, que tinha
tido com ladrões j e apenas passou Mcnte-Mór , dalli meia
legoa , apeou-se o Beirão , e a certos movimentos pondo hu-
ma pistola a geito disparou-a para o chão, e rompeo cora a
mesma ligeireza hum papo de perum , que levava cheio de
sangue junto a huma ilharga, fingindo que por descuido suc-
cedêra a infelicidade de se lhe desparar a pistola, que tra-
zia comsigo. Cahio no chão , entrou a pedir confissão , e o
pobre Teixeira imaginando ser verdade aqueIJe acaso, cheio
de susto já temia que julgassem , que elle era que lhe tinha
dado o tiro i para o nicirer dentro da sege, e tornajlo a le-
var para traz temia, que lhe morresse nas mãos; tanto bata-
lhou com a idéa , que tomou a resolução de montar no ma-
cho da sclla , e ir a Monte-Mór, a buscar-lhe Cirurgião, e
a penas partio , levantou-se o amigo enfermo fingido, tirou
o macho das varas, que ainda não valia pouco, e safou-se
com elle, deixando com giz gravado este letreiro na caixa
da sege, que ficou na memoria ao pobre arreeiro para todos^
os dias da sua vida.
Ifída que te custm cara ^ í\
ISJão te esquema esta Itcãa^
He pequena toda a giria
Fará a gíria d^hum ladrão.
Máximas do Velho de RinioI/?res continuadas na maior
parte dos jaíbeios antecedentes^
Se a escondidos vendilhões
Compras carneiro- barato,
Pagaste carneiro, e pato;
Pois quando poupar quizesfe,
Cabra gorda he que comeste.
Se morcellas vás comprar,
Cuidando, que são de porco,
Estragas o teu dinheiro,
. ( ^ )
Sangue de boi , de carneiro
Misturáo para as encher
Os vendedores remissos ;
Nós sempre ouvimos dizer ,
Quera tem sangue faz chouriços;
Se te fiaste em barqueiro ,
Da jornada que intentaste
Pelo caminho ficaste :
Se queres ir para Abrantes ,
A pezar da tua queixa ,
Pára o barco em Santarém ,
E alli se pòe de remolho ,
Largando eterna fateixa.
Lá porque ao Arraes convém.
E que logração náo he !
Alugar sege de tarde,
E -a qualquer parte aonde saio ,
Sumirrseiogo o lacaio ;
O meu -negocio parado,
E eu posto na rua hum ora,
Até que apparece, e diz ,
Cuidei tinha aqui demora*
E quando eu vou pela rua
A cousa de precisão ,
E encontro num impertinente
Agarrando-me na mão ,
Querendo nesta parada ,
Que ouça, da parte d'ElRei ,
Huma extensa narração ,
Que rae não importa nada I
E o que rae vem consultar
Caso de ponderação,
E quer por força , ou por geito ,
Lhe dê a tudo razão ,
Não a tendo por Direito !
<7)
E aquelle, que por desmanchos,
Nada tem do que percisa ,
E quer que da minha casa
Tudo vá a soccorrello ;
Pedindo hum traste emprestado^
Que , ou me vem arruinado ,
Ou não torno mais a vêllo !
Quando se encontrareiu
Chupantes assim ,
Que a trastes, e tempo ^
Pertendem dar fim j
Aprece-se o passo,
Também por matreiro,.
Boquinha calada ,
Cara de ferreiro.
O moço do Poeta aqui me conduzio dois Motes glosados
que lhe pedirão de peta , e que elle fez desempenhajido pelo
modo seguinte. '^ ^
modo seguinte*
MOTE.
Huma fé refalseada
Não deve ser attendida.
GLOSA.
*!f5ire huma causa ganhada ,
Era contra meu irmão,
Mas passando o Escrivão-
Humã jé refalseada \
Fez isto tal embrulhada,
Que esteve hum anno detida;
Em fim , era já perdida ,
Segundo o Letrado diz.
Eis que despacha o Juiz,
Hão deve ser ai tendida^
(8)
MOTE.
Encontrei hontem CufAdê
N^òuma sege de alugueL
G L O S A.
Na cocheira do Garrido,
Que fica junto ao Chiado ,
A ralhar , todo zangado ,
Encontrei honiem Cupido :
Que he isso^ está consumido }
Disse-ine elle : estou de fel y
Podendo eu ir n^hum batel
Por doze vinténs a Povos ^
Gasto seis cru zoados novos
JN^buma sege de alugueL
A V I S O S.
"Quem perdesse três cabellos de barba, dois pretos., &
hum branco, fazenda que em outro tempo se empenhava por
tanto dinheiro, se se achar com barbas para dar alviçaras,
falle com o primeiro cego, que está á esquinado Rocio veir-
vendo papeis, que foi. quem os achou.
Quem quizçr dois botes., que se dão por preço muito
módico, vá Domingo pelas três horas da tarde á Praça do
Commercio , e falle com o. Pai Miguel, mestre de espada,
que os costuma dar muito baratos.
Tbimoteo Tare /lo tem. em Ahnada , aonde assiste, hu-
ma grande quantidade de sardas em pilha, e faz aviso ao pú-
blico para a sua extracção.., advertindo porém, que não as
pôde vender senão caras , porque estão no rosto de sua mulher.
Quem quizer baús de Moscovia , e outros forrados de
vistoso foi ié, tudo no ultimo aceio, dirija-se á rua dos Cor-
reeiros, porém no ajuste pratique toda a esperteza i porque
toda aquella gente he de arcas encoiradas.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
1819.
Com licença da. Mes&a do Desembargo do Paço*
c
ALMOCREVE DE PETAS.
PA R T E LX.
Ginjal II de Junho,
(Hegado o dia, era que fazia annos a desejadissiraa , gos*
tosissiraa , e sempre fresquissima Penhora '), honteda Pipa ,
por quem os apaixonados da sua formosura tem rido a glo-
ria de darera com tudo em vasabarriz ; todas as Senhoras da
sua amizade, parentes, e mais convidados a vieraó felicitar,
e dar-lhe o gosto de lhe assistirem ao esplendido banquete,
que todos os annos lhes apresenta , sendo a profusão das igua-
rias o justo motivo para a fama das aguas. Os primeiros fi-
gurões , que chegarão á outra banda , com aquella decência ,
que pcrmittia huai tal dia, forao o Chafariz das Janelías
Verdes ^ e o da Esperança ^ pois como mais rapazes, não
querião perder hum instante de huma companhia de tanto sa-
bor: depois chegou o Chafariz da Praia ^ como parente mais
chegado , trazendo na sua companhia a Precíarissima Se*
fthora D. Fonte de Mello vestida á jaqué , de Mclanía de oji*
das azul celeste, guarnecida de pingos de agua, que com
a refracçno dos raios do Sol , mostravão o fogo dos brilhan-
tes da Ásia: seguio-se o Chafariz d^/IrroiosáQ botas y ecs-
6o
porâs , trazendo pelo hrã^o a suavíssima PofJíe do Loiro , ves-
tida de verde á pastora ^ guarnecido de espeguilha de prata
de reima de caracol, que lhe estava a matar, acompanhada
das suas criadas as FoJ2taínhas vestidas á saloya , gibões de
hicterra alagartado, feitos nas Caldas, que as fazião tao lu-
zidas, que parecião de vidro j chegou logo o Chafariz das
Amoreiras , e o do Rato acompanhando a bellisstma Senho*
ta /A Fonte coberta ^ que vinha em hábitos menores , por ser
huma das que havia servir no banquete, e por isso vinha dis-
farçada. Seguio-se depois o Chafariz da Rua Formosa ^ que
com sua graça dava realce á estimadisstma Senhora D, Fon*
te Santa ^ que vinha vestida de nobreza branca , daquella com.
que a enriqueceo a natureza , cuja brandura repartia com to-
dos ^ por ser muito dada , como o tem experimentado mui-
tos , que tem gozado dos seus prazeres. Vinha ella seguida do
Chafariz de São Fedro de Alcaniara , do Chafariz do Lore-
íe , do do Carmo ^ do da Praça d^ Alegria^ do áo Campo de
Santa Anna ^ e ultimamente do Chafariz d^ElRei^ acompa-
nhado do seu criado Chafariz de dentro^ que levava no fe-
liz as Armas, a quem todos vieráo buscar a Praia, nao pela
sua antiguidade , mas pela sua authoridade, tanto em nobre-
za , como em riqueza, pois he o único, que tem huma era-
Ixarcação , em que passeia pelo mar, quando se quer diver-
tir; rbi este recebido cora aquellas genuflexões ,. que merece,
expressando-lhe todos os seus desejos, e fazendo-lhe sacrifí-
cio das. suas vontades , cuja falácia alterada em tom de ór-
gão, fazia huma bulha de cascata mais suave, que aquellas
que goza o Gr ao Turco nos seus Jardins • somente quem fal-
tou a esta companliia linfática , foi a Senhora D. BieadoC^a»
J>atõ ^ por velha, e por exhalar de si aquelle pestifero chei-
ro de suor de pés, achaque, que só a morte lhe pode curar :
subirão todos para a grarKie sala , que se tinha pedido em-
prestada para este dia ao Padre Téjs ^ que também não assis-
tio ao banquete por comprazer com certas l^ynfas ^ a quem
era preciso administrar a virtude das suas aguas nos banhos,
que a Medicina lhes applicou , tomados na Praia da Junquei-
ra j passados os comprimentos, e politicas, que se praticarão
entre a Senhora D^ Fulana^ e a Senhora D. Fu tana ^^hra-^
ços , beijinhos na face , narrações de algumas moléstias qne
padecião, conversajao de mudas sobre J^^í/í/í'/, eChapelinhos ^
(o ) . ....
F. »y.« cdy V. S,a lá ^ seguio-sc o jantar, o qual principiou
pelas três horas , e acabou pela meia noite ; estava esta gran-
de sala toda guarnecida de quadros , que mostravao a Histo-
ria de Çnido , a destruição de Tvúia ^ e o$ Sacrifícios de Bac-
cho^ tudo* em branco; porque a matéria assim o perraittia.
Estava bem no meio da Sala luima grande meza , feita de huma
só concha de. Madre Pérola, com hum dezer da invenção de
Ganimedss ^ em que se viâo todas as figuras dos Heróts A-
quaticos, o Felko Oceano, Neptuno, Tritão ^ GUuco ^ Pr o»
theo , Ihttis , Amphitrite , Dóris , Syrcne , Potermpe , e ou".
tros: toda a meza adereçada de ramagem decorai, e conchi-
nhas das mais galantes , que a natureza produz. Seguio-se o
primeiro prato , de que todos gostarão , por ser de agua es-
tufada ^ guarnecido de camarões ^ brinde, que fizera o Cães
de Vilia Franca ^ já que nao pôde vir, por se achar tirando
huma devassa sobre huma briga , que tiverão os barqueiros
por occasiiío dos vinhos novos. Depois velo outro prato de
agua açadano espeto^ com molho de filtração ^ que teve igual
merecimento. Logo outro prato de Agua de Inglaterra com
santólas recheadas de lodo, que estava hum portento. Este
prato veio no Paquete de propósito para esta função, de que
todos gostarão , por ser cousa estrangeira. Seguírao-se diífe-
rentes pratos huns de Agua de Meltcias feitas em Melecas ,
outros de aguas saluíi feras das Caldas , alguns de agua da
Rainha de Hungria ^ que servia em lugar de mostarda para
incitar o appetite, e logo depois hum prato áe es per regado de
arras com seus biocinhos de conta em lugar de alcaparra, Ap-
pareceo muito direita huma formosa torta de miolos de cara^
coes , e humas travesinhas Inglezas para guarnição de cabidela
la de cágados^ guizado exquisito. Fizerâo-se varias saúdes
cora agua do Estoril ^ e entrarão a» sobreraezas de agua de
F/or , agua rozada , agua mel , agua de coco , e agua neva*
da, Concluido que fosse o jantar, lavarão as mãos em agua
de murta ^ e tomarão em lugar de Café agua-ardente ^ psra
que o estômago fizesse boa digestão. Foi o cozinheiro de to-
da esta ocharia , aquelle rapaz neto das aguas ^ que sendo to-
do fogo, misteriosamente fez tudo sem calor j e sem que es-
pirrassem as fagulhas dos zelos , obsequio que lhe raereceo a
Senhora, que fazia os annos , finalizando tudo em cantarem
duas das Fontainhas hura terceto cora o Chafariz da Espe^
rança a Letra seguinte :
(4)
LETRA.
Com tuas aguas, Permítta o Fado,
Fonte da Pipa , Que esta virtude
Amor suave A mão do tempo
Paixões dissipa. De ti náo mude.
Os que te gostão Em aguas claras
Huma só vez, Tu sahes da rocha y
Por ti de amores E na agoapé
Morrem hum raez. Te bebem roxa.
Pois tu lhe esparges Por te gostarem
Com teu sabor Sempre os humanos.
Os sentimentos, Todos os dias
Que causa amor. Tu faças annos.
Assim que se acabou de cantar , todos enriquecerão com
prendas a Senhora D, Fonte da Pipa , huns com anneis d^agua^
outros com adereces de cristaes d"* agua ^ e huma gr att de flor
de peito com huma pedra no meio à^agua martnha^ circula-
da de pingos d^agua , razão porque se sentio estes primeiros
dias huma grande falta de agua nas casas de Lisboa , que se
cjiegpu a dar seis vinténs por hum barril.
Máximas do Velho de Romulares.
Se hum cargo serio exerceres ,
Segue o passo á sã justiça ,
Mas S€ da vista. o perderes,.
Ficarás sempre odioso:
Repar<i, que o cão raivoso
Morde a pedra , que \\\q deo ,.
Dos olhps. vibrando a ira,
Porque não pode morder
A certa mão , que Ihç atira*
Compra os livros para os leres,.
Não para cnfçitar, estantes,
Que se o contrario fizeres,
Ficas tolo como d'antes :
Não tenhas ler por abuso ,
Que he raelhor o uso das letras,
Que ter as letras sem uso.
Se te jactares de Sábio
Não querendo ter defeito ,
Figurando de ignorante.
Perderás todo o conceito,,
Sg próceres peccant , si peccarere V artrites \
Exemplo y ^ sceleri pacna paranda duplex y
ò^epe patrís mores imitatur filius iufansx.
Qualís erit mater , filia talis erit.
Casta refert casta genitricis filia mores',
Lascivie nunquam filia casta juit,
tt verbo ^ ÍT facto pravis sit regula ftatisy
Óptima sitque omni tempore norma pater,
Mlter a natura est habitus : quam júnior ar tem i
Perdisces , to/let nu lia senecta tibi.
Se os maiores' dei inquirem ,
Para a lei ser ajustada
Ao delicto , e máo exemplo ,
Ha de a pena ser dobrada.
Os filhos aos pais imitão
Na propensão boa, ou má;
E como viver a mãi ,
A filha assim vivirá. . l
Faz a natureza o costume,.
Doutrine-se a mocidade,
Que as arte?, que em moça aprendes,
Terás na senecta idade*.
Ao mesmo Velho de Romulares entre as suas Máximas
se achou a seguinte reflexão , sobre as idades do homem , e
mostra, que
< ^ )
Ao rapaz até á idade de cinco annos, perguntasse a
outrem pela saúde delle.
Dos cinco até aos dez , esquece perguntar-se-lhe pela
saúde.
Dos dez até aos vinte , não faz caso de moléstias , e
por esta raz^ão não ha que perguntar.
Dos vinte até aos quarenta , já vai adinittindo receitas
de outros.
Dos quarenta até aos cincoenta , queixa-se de flatos , e
já se lhe pergunta como vai isso ?
Dos cincoenta até aos sessenta , todos lhe dizem cui'
de em si.
Dos sessenta por diante, fallão as moléstias por elle.
O moço do Poeta recebendo huma Quadra , que lhe de-
ra huma Senhora, para ser glosada , desempenhou nas se-
guintes Décimas , e as trouxe ao Editor para preenciíer este
Folheto.
Não te lembres mais de mim^
Deixa-me viver queixosa ,
Que tu não és o culpado
ly eu ser pouco venturosa^
G L O S A.
Se a minha cruel desgraça.
Que nunca applacar consigo.,
De te ver, e estar coratigo
A ventura me embaraça:
Se infeliz por mais que faça ,
Não vejo a meUs damnos fim ;
Se Amor quer, que eu viva assira^
Triste amante, e consternada.
Foge d'huma desgraçada ,
Não te lembres mais de mim.
C7)
IL
Em profundo esquecimento
Meu infausto nome fique;
Teme que se communique
A ti este Ímpio tormento :
Pode meu triste lamento
Turbar tua paz ditosa ;
Sim, meu bera, mil ditas goza
Na triste separação;
E entre as serpes d'afflicção ,.
Deixa-me vivtr queixosa^,
IIL
Ah meu bem, e poderás,
Riscar-rae da tua ideia ,
Quebrar de amor a cadeia ,
E depois viver em paz !
Sim, porque assim cumprirás
As Leis do tyranno fado ;
Mas se neste pobre estado
Minha alma de dor se parte,
Não devo a culpa tornar-te,
Que tu não és o culpado.
IV.
Amor cruento não quer
Que eu a ti viva Jigada ,
Qpe era teus braços descançada ,'
Goze o mais doce prazer:
Nega-me o bem de te ver,.
E o bem de me ver ditosa ,
Mas Ceos ! dor tão pavorosa,
Que me enche de pranto a face,
Não nasce d''Amor , só nasce ,
De eu ser pouco venturosa.
<8)
A V I S O S.
Sahio ás escuras, parque não teve tempo de sahir cora
]uz , hum pecúlio y Chefe de obra, o qual faz conhecer co-
mo se deve saber distinguir de cores pela vista, perceber o
que se falia pelo ouvir, conhecer a arruda pelo cheiro , sen-
tir o que se come pelo gostar , e differençar a ortiga pelo
apalpar. Vende-se tudo isto era partes divididas por 30 réis
na loja da Gazeta,
Servító Monsieur ^ c\\xQ foi mais de^vinte annos jardi-
neiro das dúzias, tendo por isto muito pouco que fazer, of-
ferece o seu préstimo a quem quizer capar mangericóes , sem
que \\\Q fiquem castrados , enxertar cravos em ferraduras , e
conservar cada hum em sua casa ortaliça fresca todo o anno :
quem se quizer servir áo seu estudo , procure por elle aos
JÉrvanarios na feira.
ííum senhor de cotefcqué , e do seu nariz , que paga
os altos de veluto no melhor sitio desta Cidade., por huma
sympathia que tomou, conhecendo agora, que he asneira fa-
zer esta despeza tantos annos, como não he já tempo depor
escritos, para ver se ha. outro, que os queira, está na reso-
lução de trespasse por qualquer dinheiro, que lhe offereção :
quem precisar dos ditos altos, pôde procurar por elle nos bai-
xos, onde praticará o seu ajuste.
Qtiem quizer comprar hum coche de nova invenção^,
aue não tem mais que huma roda, e descança era quatro pés
para maior commodidade^ e segurança, era qualquer loja de
ii3arbeiro o pode ver não sendo cego. . ,0
LISBOA. NA OFFIC. DE .J., E. M. DE CAMPOS.
.1819.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço»
H
ALMOCREVE DE PETAS,
3> A R T E LXL
Calçada das Necessidades i6 de Junho.
Ura maricas, que, desde que se conhece, sempre na-
tlou era dinheiro, e que foi na sua infância robusto, capaz
t3e levar ás costas, ou na barriga huma pipa de vinho; per-
feito, esbelto, cuja engraçada figura elle lhe não deixava crear
bolor , porque todos os dias \\\q dava ar , passeando-a por
quantas ruas , e travessas tem Lisboa , enthusiasmado este A-
donis, que a sua presença namoraria todas as Senhoras, que
calhassem para elle , tera consumido todo o seu tempo com
esta roal fundada suspeira , até ao estado em que se acíia ve-
lho , cheio de rugas , desdentado , e trôpego ; porem peral-
ta , e desvanecido : quiz ultlinamenre Amor , para lhe aca-
bar mais depressa o tormento em que vive , que passassem
pela ponte d'Alcanlara duas Ciganas muito tafulas , a tempo
<|ue elle se achava vendo lavar no rio as lavadeiras; e como
a sua conducta, por se não poder cont«r, lhe fizesse dizer das
suas costumadas, com oíFereci mentos cheios de engraçados
risos, as duas labercas desprezarão tudo, fazendo primeira-
6i
( o
mente poucn ca^o delle, e como coníinuasse a importunalUs,
ellas ouvindo as oíFertas íizerãa ponto fixo de âs acceitarem ,
c perguntárno-lhe por onde se hia para as Necessidades.. Res-
ponJco eile; que esthnnrja muúo ^ fo*^tuna ck as acorn-
IHinknr , se lhe permittissem licença de as conduztr ao
sitio, Acceitáráo a expressão com o sentido na toJina , se-
/'^undo a basofia que tinhao ouvido \ aos primeiros passos lo-
go disse huma , que queria agoa , ao que elIe respondeo afoa
sem doce y minha iíenhora ^ isso he impróprio, e chega ndo-
se a hum Maltez , que estava em siaia da Ponte vendendo
alíelóa , comprou-lhe trinta réis delia, e puxou pela bolsa,
que estava recheada de Peças de 6400, deo-lhe huma para
que se pagasse. Disse o Maitez , que não tinha troco, po-
rém que não desconfiava por ler freguez •, forão caminhando ,
e quando eníravao a subir a Calçada , huma delias , que era
fina como hum cora], piscou-lhe hum- dente : elle vendo-se
favorecido, entrou a arrotar postas de pescada, viteila assa-
da, pasteis, empadas, e tudo o mais que quizessem naeren-?
dar: a outra, que se lhe forão os olhos atrás da bolsa, co-
mo naquella occasião não passasse alguém , deixou-se ficar mais a
traz , e com a maior ligeireza sacou-liie a bolsa , porque a
vio recolher na algibeira da casaca, segundo a moda, ea
poucos passos esta mesma olhando para traz , vendo que vi-
nlia hum Saloyo apregoando cebolas, disse: Id vtm o Tio
João , acudio a outra dizendo ao velho, disfarce^ e vã an*
dando adiante de nós , es per estios junto ao Chafariz , que
jd vamos y deo elle em andar para sima , e ellas para baixo ;
chegárão-se ao Saloyo, apressárão*lhe as cebolas , e assira
que perderão de vista o nosso namorado, safarão se, tendo-
Ihe a outra também já tirado hum lenço branco. Chegou o
tal meu Senhor ao Chafariz , e querendo alimpar o suor com
o seu lenço, não o achou; lembra-se da bolsa, despeja âs
algibeiras , e acha-se roubado , augmenta-se-lhe o suor , e
hum flato sobre o coração tão forte , que cahio ; acudirão»
]he valeo-lne então mtiito estar tão perto do Chafariz , mas
«empre o levarão em braços para casa , e espera-se que, ou
dé á casca , ou que vá para a Arrábida , se viver , desenga-
nado do Mundo: lição bem empregada, e que devem tomar
tcdos aquelles que crcm de leve.
<3^
Arcos das Agoas livres 14 de Junho.
Por Mercúrio foi entregue huraa carta ao Almocreve
de Peras, e huma carta por esses ares, escrita pelo sujeito,
que voou na máquina, ao seu Amigo de Lisboa, dando-lhe
parte do mais que tem visto.
Carta,
Meu bom Amigo, bem podeis desvanecer o espasmo,
cm que vos terá posro a minha ausência , se he que vos lem-
brais,' que por esta Esfera, por onde vago, possa ter sido
atacado de algum inconveniente , que me moleste: aqui não fal-
ta senão o que se precisa, porque de tudo o mais ha abun-
dância; penso que o não ter recebido noticias vossas he pela
falta de correios para esta Região , como porém tenbo «go-
ra portador certo por Mercúrio , vos envio esta , a fazer-vos
saber o novo rumo , que tomei , porque também por cã ha
mudanças, porém fazem-se menos despezas com o fato, por-
que todos o tem de coelho; nella vos informo do mais que
renho visto, que me tem transportado o gosto de tal sorte,
que me nao posso apartar desta deliciosa scena. Assim que
o Sol hum destes dias chegou ao Zenith , vi que o veio vi-
sitar huma Ave, maior que a Torre de Moncorvo, e que as
suas pennas enserravão em si todas as cores deliciosas, com
que a vista se engana, trazia atravessado no bico hum ramo
de arvore , o qual vi incendiar, e baixandoTnstantanearaente
á terra desaparece© : Icrabrou-me se esta seria a Ave Feniz,
tantas vezes cantada, e nunca vista; crêde-me ^ meu rico A-
migo , que eu desejaria ter apanhado algumas pennas desta
Ave, para com ellas fazer hum mimo ás Senhoras da Euro-
pa, a fim de lhes servirem de ornato, por não gastaretn os
seus bellos vinténs nas plumas, que leva o vento , nos volantes
que o vento espalha , e nas flores de espuma , cuja matéria he
vento, enfeites próprios da base, em que secollocão; porque
vemos que algumas são cabeças de vanto ; também não igno-
rais, que já se enfeitarão com loiras palhas, em que d^.-
vão a conhecer, que o sitio estava enfermo; estas e ou-
tras reflexões me não deixavão ver , que o Arco da Velha ,
^em que eu descansava, tinha as cores desvanecidas, e quasi
(4)
desfeita a sua existência , e por esta razão obrigado a novo
voo, que Felizmente foi até a altara do Ponto Euxino , aonde
Jibrado sobre as azas , assisto em companhia de alguns su-
blimes pensamentos, que por aqui ficarão do desterrado O vi-
<iio; e por acaso olhando para a parre da Gurlandia, vi as
serras da neve, ha mil annos feitas, ráo frescas, como na
hora era que se congelarão : a neve por si mesma se repartia
para aquellas partes aonde he appetecida , sem que o seu con-
ductor á desfilada a leve era sorveieiras ; sobre as serras pas-
iavão os mnocentes Arminhos, e lembrão-me quantos enga-
nos encobrrráo as coifas guarnecidas com miúdos pedaços des-
tas pelles , que representando cabeças aceadas , muitas vezes
debaixo das coifas haveráõ cousas monstruosas , que a Natu-
reza cria pela preguiça , que ainda hoje domina em algumas,
de arrumarem o seu cabello , cuidando só nas apparencias:
U sobre a taixk se me representarão era grandes montes as
oito cores, com que a natureza faz tanta cousa galante, e vi
^ue a tnais^ pequena era a encarnada ; logo conheci a razão;
porque não he só a mesma Natureza, que gasta esta côr,
também os viventes de ambos os sexos lhe tem extorquido hu*
ma terça parle, mascarando a cara, sistema de que não pos-
so comprehender o fim : chegou finalmente a noite , fazendo
caretas tão feias, que metterião medo até aos de mama; po-
rém não me assustarão, por ser em parte aonde a noite não
mette medo a ninguém ; assim que elia poz o cró , e se em-
buçou na capoceira , tudo se cobrio de negras cores, como
balliza, que ao seu movimento se fâzem as evoluções; eis'
q.U£ de repente vejo estampar á outra parte a côr de fogo,
que muitos cuidarião ser Aurora Boreal, e certo he que me
descobrirão com todo o segredo , que pelo máo proceder dos
homens lá na terra, se fazia cá no Ceo a face vermelha; se
assim he , infeliz condição , infeliz gente. Não vos quero
mortificar mais , pois Mercúrio parte com alguma pressa , dei-
xando-me ás boas noites, e coro a agoa na boca, porque
principia a chover; contai sempre com a minha amizade^
que todo vosso he
G vosso Amigo,
< Assio^nada^ ícaro IL .
CO
Máximas do Velha de Romulares.
Se sentes o frio inverno ,
Não busques nunca o fcgão;
Nem fogareiro cora brazas ,
Que minar- te o corpo váo:
Séccas a transpiração,
De que ao depois bem te péza ,
Porque quizestes mudar
A ordem da natureza*
G vinho alimenta a vida ,^
Sendo em pequena porção,
Quanto baste, para o homem
Fazer boa digestão*
Mas se a garrafa escorrida
Por outra garrafa puxa.
Cuidando , que fica forte.
Fica deitado por terra ,
Debaixo das mãos da morte^
Quando vires transpirar
O corpo por mais cançado,
E a sede te atormentar j
Vai sentar-te o teu bocado,
Deixa hora e meia passar,
E depois que socegado
Enxuto o corpo ficar,
Vai-te na fonte faxian
Que te cures da doença •, ,
Que te flagella , e padeces ^
A tempo o faz quem bera pensa j>
Porém pores-te a julgar ,
Que a moléstia de tuJano
Inda a ti pôde chegar,
E queres todo o anno
Os Médicos consultar
(6)
Sobre a queixa , que nâo tens ,
Por força do teu pensar,
Tolo te posso charaar.
Rua da Atalaia ao de Junho,
Dissertação do nosso homem applicado a experiências
económicas*
Como nno seja possível conseguir de hum homem ap-
plicado, que se incline ao ócio, pois que a imaginação tra-
balhando assiduamente , já mais pôde deixar de indagar os
porquês de muita» cousas, he por este motivo, que náo per-
raitlindo o meu génio, que eu descance de fazer descobertas,
com o maior fervor me applico a trabalhar nas cousas úteis
para a ordem da vida, que para a ordem da morte qualquer
trabalha.
Na Parte XFIIL desta Obra se tratou do verdadeiro
methodo de matar pulgas , o que tem sido disputado por bons
juizos , e que produzio híim tratadinho das comixões em oi'
tavOy impresso na era de 5*00 , que ensina differentes meios
para a extinção deste insecto, mas com toda a sua abundân-
cia, escaparão ao seu Aulhor duas famosas invenções, que
não são para desprezar. A primeira ensina a ter sempre huraa
espingarda carregada á cabeceira da cama, e logo que se sen-
tir que a pulga morde, se inclinará a espingarda para o si-
tio , e se desparará , que deverá ser carregada de chumbo ,
porque como este insecto he bastante subtil nos seus saltos ,
espalhando-se o chumbo , não será tão fácil alguma fuga. A
segunda invenção não he de menos apreço, pois não causa sus-
to algum, c vem a ser, metter a gente comsigo na cama hu-
ma daquellas grandes ratoeii as armadas , pondo-!he era lugar de
isca huraa mão, ou hum pé no lugar, em que elía se costu-
ma pôr, para melhor attrahir a pulga, e terá muito cuida-
do a pessoa em estar á vigia para desarmar a mesma ratoei-
ra , a penas a sentir, porque infallivelmente ficará preza pela
cabeça. Estas duas descobertas já tem merecido algum applau-
so particular, e o seu Auihor não deixa de aspirar aos agra-
decimentos do público pelo muito, que se tem interessado na
sua commodidade.
f 7)
De S. Sebast!?o da Pfdreira recebeo o Eàitrr liuira
Cafta de hom amigo seu > e entre es coufas, quç continha,
se lia a adivinhação seguifjte , para quem quizer puxar pelo
caco, lenhio os Senhores Leitores esse irabaiiío, que a raim
já me falta a paciência , e como espero que o lal amigo des-
cubra a verdade do caso , o Editor não faltai á a ânnunéial-
lo.
Todos me deixão fartar :
Depois que nutrida estou ,
Me fazem arrebentar ;
Daqui me querem mudar ,
Mas só em pedaços lom
O moço do Poeta , em huitia sala aonde ficou com seu
Amo , ouvio questionar o poder da formosura entre certos
Milofds , que requestavao algumas Senhoras da dita compa-
nhia , de que as mesmas se desvanecido muito , e como huraa
das Senhoras tratou o Amo muito mal , mostrando que elle
era sem sabor, e mettendo-o muito a bulha , este moço,
como bom criado , intentou despicar seu Amo com o seguin-
te Soneto , do qual deo a cópia para a presente collecção.
SONETO,
Crespa madeixa em turmas atínelada ,
Nova lafula enfeita presumida.
Já na idade pueril desvanecida ,
Quer ter mil chichisbeos, ser namorada:
Dos quinze avante , em modas esmerada ,
Por adornar a formosura lida ^
Traz a reboque os sócios da partida.
Até ver cahir hum na rede armada :
Duplica a idade, os annos vão fugindo ^
O rosto enruga, o corpo desfigura,
Neva o cabello , os dentes vão cahindo ,
Faz horror , a que íôra huma pintura ,
Se era todas damno tal vou descobrindo.
Sou seu servo, senhora formosura.
( 8 )
O Edifor desta obra , peia raz3o de fer recebido vsí
rias Cartas jocosas no Correio, se vê obrigadt) a declarar
que elle não he o Autlior do CéOfé jocoso^ neai do papel in-
ri tu lado Retorno do Almocreve , pois nâo deseja por modo
algum usurpar a gloria devida aos seus Authores, conten-
tando-se a penas com a sua composi<;ão do Almocrexe de
Vetas ^ cora a qual roga a todos a continuação da curiosi-
dade*
AVISOS.
O Doutor Bcfiifrate taiy e quál^ projectando ser uril
ao público por meio do seu maquinisrao , se propoz fazer
huma armadilha muito subtil para moer trigo , centeio , e
milho, independente de moinhos: esta máquina bastante
difficultosa em se organizar, tem a maior tacilidade em pro-
duzir o seu eíFeito , mettendo-se dentro delia hum gato, que
este pela sua inquietação íaz andar o tal engenho.
De 15' do mez que vem por diante, toda a pessoa que
quizer fazer jornadas, achará na rua dos Alamos huma arma-
ção de cortiça, com suas rodas altas, tendo a hum dos la-
dos hum engenho de mão, raette-se a pessoa dentro, bole-
se na tecia, vai-se sempre tangendo a máquina , edeixe-sc ir,
isto por preço muito cómmodo.
Sendo indizível a despeza , que os Senhorios das casas
desta Corte fazem com vidraças , se lhes avisa , que em lugar
de vidros deveráÕ usar de pelles de cabrito cortidas , porque
são mais claras , que os mesmos vidros , e náo se quebrão.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço,
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXII.
Boa-Morte ^i de 'Junho.
\^Uem diria que o Chapinha cego, havia enganar seuVom-
padre o Pé-leve calvo, e o mais manhoso homem, que
se conhecia , jogador eterno do jogo do pilha , que o joga-
va sem os parceiros o saberem ! O nosso bom cego entre a
soraraa do perdoe y e Deos o favoreça tinha ajuntado as suas
trinta moedas; e porque temesse os larápios, não se fiando
cie as guardar dentro de casa , nem sabendo onde as occultas-
se , parecendo-se nisto comsigc , porque quem não sabe , he
o mesmo que quem não vê ; tomou o expediente de irão seu
quintal, abrio huma cova na lerra , e mettcndo o dinheiro
dentro de huma pucara , lhe fez o enterro sem pompa , nem
despeza : o compadre calvo , que morava paredesnreias , e sem-
pre lhe andava na cola observando os passes ; vio o funeral
do dinheiro, e apenas o cego acabou do encerramento, e vol-
tou, logo o bom calvo lhe fez a trasladação para sua casa.
O cego foi-se deitar , mas dando-lhe de noite saudades da
sua prenda amada , ao nascer do dia lhe foi fazer huma visi-
ta , e não achou mais que o sitio ; xnctteo-se ena casa muito
62
triste ; porém suspeitando quem lhe tinha feito a esmola á
segunda luz dos seus oihos, idepu huma trama de esperteza,
que a poucos lembraria. Foi a Cisa do compadre calvo, e lhe
disse : Compadre , eu teiího junto o meu far df ibintens , jâ
guardei a quarta parts delles em sitio ^ onde certamente os
la ir fies nm ma fartafv) ^ e agara as Ires partes ^ que me
restai , Tíãj sei se as ponha na rnãG de hum homem de negO"
cio meu amigo a risto , ou se as guarde aonde tenho as ou»
trás y porque me lembro , que o negocio pôde falhar ^ e eu per*
delias : v-^nbo pois tonar este c^níelbo com o meu compadre ,
que espero me diga sinceramenfe o qm sente, Rcspondeo-lhe
G laberco calvo, guarlãe-as antes ^ chitipaàre ^ guarde^as ^
guarã?'ai onde tem o mais '^ porém este conselho foi dado
com muita alegria, luzindo-lhe o olho por cilas: despedio-
se o cego para ir ao pediroftõ, è o cafvo pensando, que ti-
nha miis noventa moedas para ajuntar ás outras, e que se o
cego fosse, ao sitio, e nao achasse a pucara com o dinheiro,
não inetterta lá o mais^, pegou fielmente no que tinha furta-
do, e foi-o pôr na mesma parte em ar de isca para pescar o
rcsío : o cego á noite quando veio foi visitar a sua mina, e
quando nelk achou o seu dinheiro, pulando de contente, ti-
ro u-o , e merceo no mesmo si rio huma panella cheia de..«
etc. , tapou , e foi-se pôr na porca do quintal a escutar o qué
O Compadre faria ; o qual , apenas lhe pareceo lioras , desceo
o iiuiro , veio ao sitio, desenterrou a panelia, e achando*a
pezado , cheio de gosto , e de susto , que sempre o tein. maior
quem furta , do que quem perde , foi-se safando com cila : a
cego que o presentio , gritou de cá , fora. ladrões^ ó dos
chuços \ o calvo com a pressa , e com a ambição, querendo^
saltar 0 niurO, quebra a pfínelia que levava arrimada aopei-
TO , de que ficou preiamar pelas hervas. Consta que o tal com-^
padre no outro dia chamara três homens de tinta fina de es-
iá'i^v^^• ,'- e qiie os deixara só coiti o meio pregão , porque Ihea-
CWTÍÍ)i*Oti -toda a alía'4eH.ia-Tque Icvivvão para se defumar.
Qaes iè ^oàré 17 de Junho^
Còí^ a Tmiiire^za ^fH-odufe^^ vo'ntadc da providência , ra*
It^o porque reparte 'iízual com os irrncionaes^ seguindo os suas
^pcws , t estes peJo ettsiho do iiomem cliegão a doiuar-sé
tanto , q-uanto a ágílichde do íinimal prcrmitte. Nao nos s:ío
estranhas as cxhibiçóes, que fazia o pequeno c^o do pobre
alegre, chamado periquito, o qual por espaços de tenipo o
via-mos eis-lo morto, ci?-io vivo ás giiias vozes do ensino,
por temer bordoada de cego : níio devemos pasmar dás niqui-
ces dos macacos de D. Guan Pepino, tantas vezevS vistas nas
Praças públicas, porque esses além do seu natural, temiao o
chicotinho, que IhQ hia pclris gambias:" nao devemos pasmar
do cavailiniio de Friza do Senhor Risol , que ao pequeno ac-
cionado da visinha conhecia as cartas de jogar viradas para
baixo, se erao figuras, ou pontos, porque temia que a mes-
ina visinha lhe zurzisse as orelhas : não nos eleve a fereza
dos ursos domados pelos Montanhczes de Spetsbergen na
■Gurlandia , os quaes se punhão cm pé d^ndo saltos, e ron-
cando ao tempo que llies falia va oPetimelre, pelo temor do
-ferro em braza , que Ih^ viria ás mãos : púnhamos de parte o
Canário de Monsieur Tacotim, que cantava as árias ao som
do mstrumento , cora que fora creado desde pequeno, pois já
'mais ouvira cantar ourro pássaro , e pelo costume aturava até
á conclusão, conhecendo as oito cores naíui'acs , e hindo pi-
car naquella , que seu dono queria differenç^da , porque a fo-
me lhe tinha ensinado o lugar aonde estava occmer, quan-
do nas differ entes falias do s.u mestre lhe annunciava o si-
tio: nao nos elevemos no Papagaio do Mogor de I5C0, que
era do tamanho de hum perúui , e failava por quantas jun-
tas tinha todas as línguas, que lhe ensinavao , pois está viS-
to , c miais que visto , que a percepção destes brutos abran-
ge qualidades taès ; porém o que deve adnlirar são deis gal-
los , que ha no sitio de Piraguí no Brasil , que sem ensino
algum bailão ó londum, não f Irando a hum ponto do soiti,
que com a boca lhes toca huma Molatinha , que trata das-gil-
linhas, e m.ais dellcs, attribueai os politicós ser este fenóme-
no natureza do Clima.
Ribeira Fe Ih a 2^ de Junho,
A incógnita virtude da pedra filosofal, crm que tan-
tas vezes doirou d'agua o ambicioso C.himico os seus proje-
ctos, que enganado com e"? ta patranha chegava a ponto de
enlouquecer , quando realmente lhe não succedia , fez novamen-
( 4 )
te gastar o seu, e o alheio ao célebre BaUique de Mesatu
tropia , o qual depois de mosrrar os grandes talentos nas Au-
las públicas de toda a Europa , mostrava nas companhias
aos Professares, que muitas vezes imburem gato por lebre,
o qua'nto valem pelas regras da anatomia miolos , e lingua
bem preparada, e isto pela agilidade do seu estudo, fazen-
do-o saber a toda a sociedade , ainda que fosse de cera pes-
soas, pois chegada a sopa, em duas palhetadas punha logo
tudo em pratos limpos, trinchava com tanta ligeireza hum
prato de hervas, que nenhum da companhia ficava sem r*-
çao, merecendo hum geral applauso , e como deslindava isto,
todos ficavão contentes : intentou novamente descobrir cora
alquimias illusoes filosóficas o modo de preparar huraa pasti-
lha com o destino, que quem a mascasse, doiraria cora o ba-
fo pilulas, papel, pinturas , e até as próprias palavras, que
proferissem seriao doiradas , porém como para esta descuber-
ta llie faltasse somente hum triz, teve a felicidade, que te-
ve o Chimico de Saxonia, a hum truz do cadilho que arre^
bentou, por nao poder supportar ò fogo violento, hindo tu-
do pelos ares , e como o Senhor Bailique andasse com estas,
e com outras descuberras filosofando no passeio , que fazia pe-
las praias dos Trinacrios montes , vio que sobre as agoas boia-
vao huns vultos, que as ondas arrojavao a terra , que o dei-
xavão estupefacto , e conhecendo a matéria, e o quanto po-
dia o seu organizado, de repente confundindo huma cousa,
por acaso descobrio outra , que muitos cuidarão , que será pe^-
ta. Os de Antuérpia <^ e Cracov/a y jà tiverao o gosto de o
verem passar sobre as agoas das suas ribeiras , e como as cou^
sas mais misteriosas se tem descuberto por acaso , nao pade-
cerá dávida o espectáculo, que elle offerece aos Senhores Por-
tuguezes de o verem passear pela Ribeira do plácido Tejo,
cousa que nao deve admirar , senão pela novidade , por nao
ser vista de raaquinismo , mas sim obra da natureza , que tem
maior valor; o primeiro Domingo, em que o tempo estiver
sereno, elle convida a todos para o Cães da<s Columnas, pa-
ra que o vejão dar sobre as ondas passos de Gigante, calça-
do com huinas botas como as dos Correios Estrangeiros, com
hum bordão na mio , que lho serve de maromba , para lhe
sustentar o equilíbrio , que a flexível estrada lhe não deixa fa-
zer sem este arrimo , virtude esta , que elle descobrio na pe-
dra Pomes, nós o veremos caminhar até contra a msré , e
depois de passar o pontal de Cassilhas, aonde espera jdntar,
oti cear com aquelles, que o quizerem obsequiar em fazer a
despeza ; elle se propõe mostrar por hum buraco todos os
instrumentos deste fenómeno, para que acreditem o que pro-
mette , e isto na casa de pasto do raal cozinhado , aonde es-
tá de assistência.
Rua dos Çavalletros iS de Julha.
Huma destas noites de luar sahio de huma taberna do
Terreirinho hum famigerado bêbado, homem que sempre nes-
ta matéria desempenhou os deveres da sua obrigação , e quan-
do no meio da rua deo de repente com o luar, pareceo-lhe
a claridade, que dava na mesma rua , hum grande rio , e de
repente disse, temos hgo ^ não ha mais remédio ^ que des-
pir ^ e nadar ^ sentou-se á sombra, despio-se todo, e atirou
comsigo para a parte do luar, nadando pela rua cora braços,
c pernas , e com toda a fatiota atada ao cachaço : com a for-
ça deste movimento sobreveio-lhe hum grande vomito alijan-
do a carga, a tempo que passou hum cão, e como Jhe chei-
rasse a comida vomitada , principiou a iamber-lhe a cara , e
o bêbado , que fora de si , perturbado , sentia as lambcdellas
em alta voz gritava, faça ^ faça ^ senhor Mestre, que a
navalha está hum brinco»
Declara-se ao publico, que a advinhação do Folhcfo
antecedente, que principia: ^ Todos me dei xão fartar rr
não he o que vv. mm. dizem, se he que o dizem , com a
pequena despeza de 40 réis saberão , que he huma Pedreira,
Máximas do Velho de 'Rtmcrhres continuadas na maior
parte dos jolhetos antecederdes.
Guarda-te do Sol de Inverno,
Foge do Sol de Verão ,
Que em huma , e outra Estação ,
Sempre o Sol tem força tal ,
Qiie quando menos cuidamos,
O seu calor nos fez mal.
(6)
Se sabes, que a natureza
Nao te abraça tal guizado ,
Qu.indo estás ecn farta meza ;
Nunca faças nelíe preza,
QuQ triste consolação
He morrer por hum bocado,
Ou por huiua fartadeiJa,
Que só no engolir tem gosto,.
Para me ver sem remédio ,
Á'3 portas da morte posto.
O ser regular na boca
Parece conveniente ,
Mas não ser invencioneiro,
Porque isto h* fno , isto he quente^
Isto afrouxa , ou isto he forte ,
AnJjr nisto todo o dia ,
Pondo-me em nada comer,
Que doida melancolia ,
He querer-me devorar
Eu mesmo por minhas raaos.^
Sem iiaver , que acautelar.
Briolanja de pé á facaia .,
Com ligeiro Marujo atravez,
Que Wvz deo capa nova, e deo saia.
Se enfeitado casquilho lhe fez
Passeios, yoltinhas , bixancros, acenos,
Páolada , massada , facada , pedrada !,
Na roda hum Taíul se x:9nta de menos*
O mnco do Poeta aqui trouxe o seguinte Mote glosa-
do, p.^ra sj pòr ny presente folheto. .
(7)
M O T E.
Na gale do soffrhnento.
GLOSA.
Fez Vénus grande função,
Quando este anuo Araor fez annos,
E deo a certos fulanos ,
Nesse dia beijamão :
Eu quiz , prezo seni razão,.
Tratar dò meu Jivraraento ,
Fiz-lhe o meu requerimento ,
Disse , que não defiria ,
Que vivesse aofide vivia
IS! a galé do soffrimento.
Ao mesmo de Velhai
Na noite, em que ergueo fateixa ,
A náo, onde o Xinxa estava,
A Avó do Bamba botava
Lagrima maior , que ameixa :
Tua Naivjt assim se deixa?
Dhh posta ao relento,
Faltaste-me ao casamento i
Déste-me a ires cordões fim ^
'£ queres que eu fique assim
\Na galé do scfjrimento ?
A V rs O &
Avisao da Abraçalha, lugar contíguo áVilía de Abran-
tes , que hum homem rústico, com admiração de todos, fi-
zera hum plano para remediar a falta de bezerros, que ha
na Cidade de Lisboa , descobrindo no meímo plano hum
(8)
novo methodo , com que os ditos çapatos podem ficar rauir
to baratos, e vem a ser, andarem todos descalços.
Ha nesta Cidade de Lisboa hum homem , que por cu-
riosidade , e gosto, tem cortido muita peile^ hindo-lhe mui-
tas vezes ao coiro , e porque se acha approvado pelos Ades-
tres de Còrtume, elle offerece o seu préstimo a toda a pes-
soa, que de vez em quando quizer a sua pelle cortida , fal-
lem com elle se o conhecerem, todos os que o necessitarem j
pois se eu disser quem he , todos o conheòeráò, o que náo
faço , porque o nâo conheço : adverte que também se pro-
põe corcir pslles de rato para cordovao , pois como os ça-
fíatos da moda leváo pouco cabedal., com quaesquer duas pel-
es destas se faz hum par.
Quem tiver nos sitios da outra banda algum Armazém
bem reparado do tempo, que o queira arrendar por preço
cómmodo , por espaço de alguns mezes , para servir de la-
zareto ás petas deste Almocreve, dirija-se ao cavallo do mes*
mo Almocreve, faltando de forma que se entenda.
Vendesse esta Ohra , e todas as mais partes de que he
composta , e vão sahindo saccessivamente ^ nas Lojas seguin-
tes : Nu de Jo lo Henriques na rua Augusta junto ao Ter^
reiro do Paço : Na ds Brancisco Xavier de Carvalho no Chia»
do defronte da rui de S, Francisco : Nade António Manoel
P o (y carpo na arcada do Senado: Na de Desiderio Marques
Leão ao Calbariz NJ^ 12. : Na de António Pedro Lopes na
rua do Ouro junto ã d:i Gazeta : Na de Leal em Alcântara :
E em Belém na de Capdla de Jo^é Tiburci$ : Também se
achão na mesma Ofjicina em que se fazem.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXIII.
Caes da Vunclição 30 de Junho.
Xlrf M huma feira, que se fiz era Celorico, se achava íium
<)ia o Cavalheiro do Deserto, illusrre na apparencia , des-
cendente dos Exóticos, e rapaz de juízo obtuso; rem muito
de seu, porém ainda hoje se intimida, quando se lhe falia no
papão, e como o seu empenho era o gosto de comprar algu-
iDas das bugigangas, que os feirantes alli apresentão , succe-
deo, que raosirando-lhe hum huraa figura de Hercules cober-
to com a pelle de Leão de Nemea, lhe disse, aqt4í temeste
heróe ^ que estd muito taful : taful} replicou o rapaz as-
Fustado, quando ouvio este nome; pois se \\\q figurou na sua
idéa , que taful era monstro terrestre , como a bicha de sete
Cabeças, ou ao menos como o bicho de Chaves, e largando
o boneco de repente , pelo medo que concebeo, veio pergun-
tar, que (intmal era o taful-, o companheiro a quem elle per-
guntou , era hum maierialão, que tinha chegado de Lisboa
similix cum similibus ^ que o poz ainda em maior confusão ,
dizendo-lhe: ,, eu não sei o que he, o que vos possr» dizer,
que estando cu hum dia a passear no Cães da Praga do Com-
í>3 '
(O
niercio, ouvi dizer, lá vem hum cafol, e«paníes*mc ao ouvir
este nome , e olhava para ver se era de figura de u'?o , ou
timno , e não vi cnaís , que ecíre aquella barafunda , que pas-
seava como eu, alguns desres , coai trajes disformes, liuns níío
eiáo calqudos , nem deixavão de o ser , outros iBe pareceo que
andavão na rauda, pois mostraváo casaca de duas cores ; outro»
com os cabellos da cabeça cabidos pela cara, e tão desgre-
nhados j como se pintão as fúrias do Averno-, ecolligí, que
erão certamente da tal raça : „ Hum prudente homem , que
isto ouvio na ieira , acudio logo, dizendo; „ Senííor Cava-
lheiro, V. m, não sabe ainda o que he ser taful , e eu lho fa-
ço conhecer ; ha muitos tempos > que os homens, e as Senho-
ras , gostáo de trajar pelas modas dos Paizes Estrangeiros , e
os primeiros Nacionaes , que apparecem vestidos ámoda, são
apontados , e conhecidos por este nome : os antigos modis-
tas fora o chamados bandarras, facecios , casquilhos, donde
vem o nome de Cassilhas, e ja ultimamente lhes applicão os
reformadores das modas os nomes de peraltas, e lafues, e
qualquer d elles em se graduando com estas honras, logo co-
gita o chamar aos antigos , e sérios; Jarretas , principalmen-
íe se alguns procurão reprehender as desenvolfuras do século.
Ora o sistema destes individuos propagadores do luxo, con-
siste (dizem elles) era passar bem , dê onde der, estragarem
funções, saia donde sahir , esiurdiar, e pregar petas sem se
lembrarem do pró, ou contra; e nada de amofinações, res-
pirar livre : aqui tem, Senhor Cavalheiro, o que he ser Ta-
ful, e o que sao as suas tafularias , e não essas monstruosida-
des , que se ilie represenião na idéa : estes figurões são os que
merecem a attenção de algumas Senhoras tafulas ( mangas co-
mede aqui, que a vós honrão , não amim) esres são os que
fazem vistosas as praças, são os que delcitão as companhias ,
e uliioiamente os que presumem de mais sociáveis; a instruc-
ção nelles ferve em caxões, e cada hum de persi estuda como
brilhará mais que o diamanre. „ Acabada esta falia , salta o
Cavalheiro dizendo: ,, então quero ser taful, pois tenho ren»
das para tudo isso, e ainda para muipomais. „ Respondeo-
lhe o companheiro ; ,, Amigo , em hum Aldeã , como esta,
não podeis ser tafwl , pois vos falcão o» moldes , se quereis
íafularias , Li^lioa, e mais Lisboa, que he o pai, eamãide
2&uibii§ my^cnjões., e Sj^nao vós mo direis; pois amanhã pano
para Lisboa, ,, disse o tal Cavaílieiro , e mettenSo-se ao ca-
minho , veio este novo painclista dai modas desembarcar no
Cae5 da Fundiçio , consta que fôra assistir para huma das
Estalagens contiguas , e já corre a fama do seu projecto , e de
que traz muito dinheiro; tenu sido muito visitado por certos
calculistas, que lhe vão fazendo a póia , .e condescendendo
com eile em todos os seus diccames ; espera-se por fins de tem-
pos, segundo a sua va cabeça, vermos ainda nelle o segun-
do tomo de D, João da Falperra.
Carta que de Cmmbra escreverão ao 'Editor*
Senhor Editor,
Com a maior admiração renho comprado, e lido a
Collecçao do seu Almocreve de Petas , e louvando-ihe muito
a difficuldadc, a que se propoz , visto que vai deserapenhan»
do o proraettido : he cerro, que até quinto, ou sexto folhe-
to eu disse comigo , que tão impossível era a sua continua-
ção, como a sua venda, pois que o povo tanto se chorava
inda para as cousas da primeira necessidade em tempos ião
críticos ; porém em ambas as cousas me enganei , na primeira ,
porque vejo a sua Ccltecção volumosa , sem se repetir nos
pensamentos, antes augmentando o sal, e amoralidade, ena
segunda , tão longe já estou de pensar no pouco gasto , que
o papel teria, que aconselho a v. m. , sem lhe levar nada pe-
lo conselho, que faça petas por toda a eternidade, sem que
lema o seu consumo; á vista do que presenciei Domingo, e
vera a ser o caso, que indo eu a essa Cidade de Lisboa, e
estando de hospede na rua direita dos Anjos, não pude dor*
mir mais na noite do Domingo das quatro horas por diante,
pois era na rua tal algazarra de Saloyas , e Saloyos pafi a
Praça, que pasmei, vesti-me logo, abri a janelía , e dei lou-
vores a Deos de ta! enchente: não he maior o concurso do
acompanhatnento, que vai a traz da procissão dos passos , foi
rompendo o dia , e então divisei o que esta ^ente levava :
cu contei para sima de 30 leitoa5, 40 dúzias de pombos,
§3 canastras de gallinhas , e 7 dúzias delias ás mãos, 900
frangos, 115: perdÍ2.es, 87 çodhos, 42 cabritos, 17 eníiarr
Í4)
das de pâídaes a 480 cada huma , porque Foi o que irre ten-
tei apreçar por curiosidade de ver o em que se faz dinheiro,
18 galinholas, 200 cabazinhos de ovos , 43 lebres, que já
senão levanravão , 92 cargas de laranja , e &c. &c. &c. ora
vendo eu esta abundância , e dizendo-me o dono da cas^a ,
que tudo aquillo se gastava em Lisboa, e que no outro dia
se repetia a mesma scena , peguei no meu capote, e segui a
comitiva, para me desenganar, calculando, que pela rua de
S. José , e pelo Rato vem outro tanto, além do qne se con-
duz da borda d'agoa , que desembarca por esses cães. Che-
guei á Praça da Figueira , e vi vender leiloes como raros a
400 réis, olhei para ás bancas, e vi que o lombo dff porco
Ília a nove vinténs o arrátel, cheguei ao Rocio, e de oito
rebanhos de periis só restava huma periia , que se vendeo por
três cruzados novos ; tudo isto seriao nove horas , quando e-
não dez voltei outra vez á Praça, já náo havia huma só ave,
4\em para hum desejo , e a mesma Praça apenas com dois mon-
tes , iium de chicória , e outro de couves. Nas bancas já náo
vi mais -que toucinho, visitei 52 pasteleiros neste dia, e ji
não tinhão «ada do seu, porque o que divisei erao encom-
mendas de fora , e finalmente engolio a Senhora Dona Lis->
h<ia dentro de ires horas, tudo quanto se lhe apresentou nes-
te dia , além dos açougues , e dizem que ainda ficara cora>
fome. Por isto, que se presenciou, se vê muito bem, que
nenhum dos Saloyos tornou a levar o que trouxe. Deixa-se
muito bem conhecer o grande número de -funções , de ceias , .
e jantares, em que desafogao as brincadeiras deste tempo:
vejo por outro lado, que em todas a feiras he immenso po-
vo â comprar ^ e immensa bizarria da ordem dos tatuts ;
vejo que no luxo se multiplicáo as modas , e 0$ preços das
caças bordadas de oiro, das cambraias, das casimiras, e de
todos 0$ mais géneros Paquetaes ; tudo Lisboa came, e de
tudo Lisboa se veste: ninguém falta a estas cer emonias ; os
theatros tem enchetites , de Verão não ha quintas com escri-
tos, ao Domingo he preciso empenho para híima sege, nada
&e faz de graça , a moeda corre a pezar da choradeira do não
í£fíbo , não entendo, dizia certo doido vide Santarém. Ora
combinando o que assima fica dito , com o diminuto preço
de 40 réis, que custa o seu folheto, devo affoitamcnte ro*.
gar-Il>e,^ que nâo pare í"<?«í as /'f/^/,. porque esiá sabido,
que todos tem para tudo, e mais nos certifica o seu calculo,
que li no folheto número XXXl^lh
D? próximo chegarão á minha presença huns folhetos
feitos no Porto intiiiilados Retorno do Almocreve de Fttas ^
parecérão-me muiio bem , inda que dcixão conhecer , que o
Almocreve de v,ni» traz as malas d^y Feias pouco seguras,
e creio que algumas abertas, e que vem semeando pela estra-
da , por descuido, aá noticias que traz, de que o Retorno se
aproveita , principalmente nos Avisos âo Fovo, He verdade
que os ditos folhetos são bastaníeanifngdos , porém fazem cer-
to aquelle ditado , que em fallariílo hurá Peritít^uez , fallão
dois, e trez , ^^^ bom foi ser v. ra. o que fai lasse primeiro.
Também me admira que propondo.se o Retornos ampliaras
noticias de v. m , deixe muitas no interior de certos folhetos
por diante, íazen^o degenerar a obra de Retorno do Almo'^
creve , em Almocreue n.vo ^ parecendo que o que promeiteo,
foi hum gaibão com que se cobrio para se reparar das inver-
nadas da estrada. Se elle se cingisse á ampliação proraettida ,.
leria dobrado merecimento, mas dando o seu a seu dono , sou
obrigado a confessar, que o lai Editor tem ti^lentos, e pro-
pensão para as gracinhas ; eu me não descuido de ajuntar huns ,
e outros folhetos j porque gosto, e o vejo fazer nesta Cidade
a muita gente de bom gosto, Deos lhe prolongue a vida para
desterro da nossa melancolia, e lhe dê a v. m. , e a elle tantos
40 réis , como de petas nos encaixão , sirva-se da minha a-
mizade, que sempre experiniemará no seu
I
Muito Amigo.
Sã Vidra.
O Moço do Poeta- cffêrece ao» Senliores applicados e
muito acérrimos a indagar a wzao da razão, oseguinte Apo-
lo go.
(6)
O RATO, E A BORBOLET A.
A P O L O G O.
O Ratinho , e a Borboleta
Gerta noire se ajuntarão ,
E depois dos cumprimento».
Largo teropo conversarão :
Knirou o Rato a narrar-lhe
O modo do seu viver ,
Dizendo, muito me custa
O grangear que comer !
Cuidiiãoso , e acautelado
As casas de noite rondo ,
Busco os quartos mais escuros ,
£ a salvo nelks me escondo :
N^^huma despensa , ou armário ,
Vou roendo pauco , e pouco ,
Que de grandes fartadellas
Vejo morrer mràto louco :
De bum salto , que dou , ms occuho ,
Para de ningutm ssr visto \
Que andar nos olhos de todos ,
tâde-me jazer malquiste :
Aili não temo algum perigo ^
Hija na casa o que houver ,
iSe vejo o caso apertado ,
]^a toca me vou metter.
Só armada ratoeira ,
Ou gatinha Uoe , e esperta ,
Vilhando-me descuidado ,
hso então he morte certa :
Attendeo a Borboleta
Tpdo, que lhe disse o Rato,
Mas depois de tudo ouvida,
O tratou de mentecapto :
E logo delle mofando,
Re5pnndeo, és desgraçado !
Levando tão triste a i ida
ttlos cantos encerrado :
(7)
Eu he qtft vivo gostosa^
Tenho em toda a parte entrada ,
O meu regalo he loar
jS^huma casa illuminada:
Toda a gente me faz festas ^^
E por me verem melhor ^
Me vou pôr úo pé das luzes ,
Dundo voltas ao redor :
ISIão gosto da escuridão^
Por ir ds luzes jorcejo ;
N^kum lustre de 7 inte l^mes
Be onde melhor adeje:
Revoando fíJas casas ^
Subo ao viais alto lugar y
Giro de hum a outro lado ,
Sem ningnem me molestar :
E poís , que naquella sala
Luzes se vão accender \
Observa agora daqui
A vista , que eu vou fazer:
Foi â pobre infatuadâ ,
A's azas dando contente,
tí com valor desteraido ,
Rompendo por entre a gente :
Foi-se a hum lustre de dez lumes ,
Entre as luzes se metteo ,
Tanto esvoaçou entre ellas,
Que se queimou , e raorreo :
O Ratinho lá de longe ,
Bem vio o infeliz successo,
£ disse , este meu retiro
Em que eu vivoy não tem freço\
A luz de longe alumia ,
Muitas nos olhos roais cegão ,
£ os que mais nellas se eiitranlião^
Ao precipício se chegão:.
A teima da Borboleta
Nos grita limite, e modo,
Náo vão buscar tantas luzes,
Qjíe podem cegar de todo^
AVISOS.
De próximo se fez huma famosa descoberta , muito cóm-
moda para todas as pessoas, que administrão funções de
arraial, e outras festividades, e se lhes faz saber, que todos
os que quizerem foguetes baratissiraos , com muito estoiro ,
dirijáo-se ás casas de jogo desta Cidade, onde ha certos par-
ceiros , que os fabricão , por qualquer bagatejia.
Como em Lisboa $e confundem os camelloes da terra
cora os de fora , padecendo por isso o Público graves pre-
juízos, a fim de que não liajão mais dúvidas sobre a desigual-
dade de fazenda a fazenda ; se estabelece na Praça do Ro-
cio, com privilegio de Lubis-homem , huma conferencia com
seis contrastei da primeira ordem dos ignoraniões , para de»
cidirem dos seus semelhantes, e saber-se a qualidade do ver-
dadeiro caraeliâo : o primeiro dia da sua abertura se annun-
-ciará pelo bando dos toiros.
Manoel José Baoneta , Jogador de espadi' preta , çj-
yato mor do murro seco , senhor de pedrada certa , admh
nistrador gerai das cizas das compras ptihlicas , e jresi-»
dente actual das Cúrjas bréjetraes , faleceo da vida presente
no Palácio d2 áanto Antão, de 33 annos de idade, com três
facadas de navalha de ponta, e huma roda de páo , deixando
por seu Testamenteiro Mtrcurio da Fonseca Azougal , que
fora SdU íntimo amigo durante a sua vida.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
18 19.
Com licença da Mtza do Desembargo do Paço,
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXIV.
Pampulha 9 de ^tãbo.
Loucura, que em trvunfo da sua audácia arrasta ao carro
da fantasia maniatados com grossas cadeias de fumo milhões,
e milhões de infelices, presentemente faz com os seus trans-
portes passar pela scena mais sem razão, a gemer debaixo do
mesmo jtigo a imm gentil mancebo ; Adonh , I'^^ ar ciso , Per-
éeo ^ e o Amante de lisbe íicao a perder de vista, nenhum
delles era para lhe <ieitar agua ás m.aos em bclleza , desvane-
cimento , valor, e constância; porque o seu fallar encanta ,
sua presença attrahc , sua vista eleva, e a sua candura arre-
bata: toca, dança, canta, e versa, tudo com perfeição , cu-
jos dons attractivos, gesto, e graças, o enchem de tanto me-
recimento , que o fazem credor da mais bella Dulcirca. El-
Je vivia enamorado, e com tanta paixão uo seu querer, que
bem se lhe podia chamar sem offcnsa o Rei dos An antes;
^\\c caprichava gostoso em se apresentar lodos os dias dian-
te da sua amada , vestido no chefe da iiToda , com tanto aceio,
que fazia chegar^ao maior auge a sua perspectiva j estas pren*
áas, e excessos deverião ser correspondidos j^r iiuma grata,
64
e fiel correspondência , da qual já elle vivia ha muito satis-
feito na esperança, que tinlia ; porém ainda que raras vezes ^
houyerão dias, em que elle ardeo na voraz cliamma dos ze--
los, atacavio pelo ciúme, só na lembrança de que podesse ha-
ver quem dentre seus braços lhe roubasse este bem: scja-me
permittido contra as leis do sigillo, que eu^escuhra o facto
uiais lamentável dos nossos Séculos. Era o alvo destes affcctos
huma Auadeira de cíistanhas , que estava na praia de San-
tos, a qual o entretinha de esperanças ; quando Domingo pas-
sado (que martyrio para o nosso amante) esta se foi receber
com hum Marujo, homem prudente , e que tem ajuntado
muito daquillo , porque baila o cao, e canta o cego : vai fal
desgosto no namorado, que está com huma paixão de mor-
te, e em toda a companhia, a que preside, se vê, ou se se
falia em castanhas assadas ^ já suspira, e já tem desmaios 3,,
porque na verdade sao muitos íiatulentas.
Calculo certo da despeza^ que faz huma Senhora para se
pôr na rua com a moda , desde os bicos dos pés até
ã cabeça , na função para que foi convidada .
dos amos da Prima,
Bois dias antes do dia Natalicio se apresenta o
criado por alcunha o Patnca , com hum escrito da
Prima, e huma condecinlia de bolinholos d:ís Freiras V
dp tal, cujo escrito, aléni detratar da remessa, ccn^
vida para a função dos annosj e que remédio ha se
nao dar ao pobre moço <Í)I2*
Eis-aqui se consulta o penteado , que se ha de
l<ívar ^ e porque se usao muito huns chapelinlios de
seda, e papelão entre retrós, e seda ^í)^'
Agora entrou a Senhora no appetite de hum ccr-
àío de -oiro com borlas para a roda da copa , e gcs-
fcU"Se miúi , . . . • ...» i(X)Ó0x
O rosto da Senhora deve nesse dia parecer bran-
co ccmo a própria neve, mas a Sjnh.ora he amarei-
la como sidra , e de que forma se ha de remediar is-
to, ahi manda comprar :i loja do Maça de pós de
aljofres .,..,... ,J>24<
Aqui diz a Senhora ,. que já nao quer as Pérolas
de vidro grofws que tinlm , porque vio em D, Fula*
na y e D« Fuhina huns fios no pescoço de Turibios,
e pérolas amârdias douradas, ora vámaísisío, eim-
portáo em * * • * * , * • . 2<^4cx)
Temos nova dc^gr^iça , que he pogguír a Senho-
ra leíi veitídos de Cãmbr^í.i , e de ^eda , e lí^nlsum
ier bordado, de oiro , entre cá, gtnbcr contrabandis-
ta, que aqui ha de ibrr^r-^e dastomadíag, que tem
goffndo , cada vara a moeda de oiro , cinco varas faz
a obra, abra, Senhor Pai, ou Senhor marido a boi"
63, e adeos . ^ . ^14^000
Qiieixa-se a Senhora que não tem renda para
guarnecer, e não deve por isto ficar imperfeito o
vestido , abra-se outra yez a bolsa , e ahi está hu-
nia mulher de capa, e lenço, c donaire pejado de
rendas de Franja a 4000 réis avara, bastão só ires,
.eimportao l2(J)ooo
Para se fingir a cintura Jogo abaixo da boca do
estômago , irremediavelmente se precisa huma fita de
de veludo preto, a 360 a vara, e vara e meia im-
portou • . (í)540
Esta fita precisa de duas chapinhas de oito pa-
ra feixos ; vamos mais cora isto . i^ôqo
He muito preciso hum jaqué, que não seja qual-
quer cousa , porque he n.oda , e abafa muito m.eias
costas, para se não constiparem, e não se fez, vis-
to ser guarnecido de galãozinho com alguns alama-
res, com menos de 4(2)COO
Precisa-se hum corte de ehinellas com a musica
do Regimento bordada na palia , porque a Senhora
he apaixonadíssima do Zabumba, c levou a borda-
doura pela exquisitice 2(j)4co
A Senhora tem dez dedos nas mãos, como cu
que o digo , precisão-se dez anneis de fisica barata,
e entre zabumbas, c outros de pedras . . . . . I4(í;4co
Ahi soube agora a Senhora , que ao CapeJlista
'fulano Ihç vierão de Inglaterra huns leques, oh que
leques de nova invenção ! com isto, e aquillo teci-
dos, e bordados, e porque gão da primeira sorte,
importa hum ^(iioco
( 4)
Temos a Senhora prorapta , porém os annos da'
Prima cahem por infelicidade em dia de feira, não
se acha huma só sege , apenas se descobrio huiiia com
seu ramo de turpor , porém como riido neste mundo
tem sua serventia, vai tomar ar esta tarde, o que
não fazia ha muitos tempos, e sabe contra sua von-
tade, peto preço nada menos, que de . . , . . 2(2{)4oo
Na função foi infeliz a Senhora , porque na pas-
sagem de hum xavão, pegou-se-lhe o vestido de tal
sorte, que fez hum rasgão de dois palmos, e será
preciso mais huma vara daquella fazenda para reme-
diar o caso, que a succeder assim são mais . • . 4(^)800
Somma tudo • • . j6(^joo
Por caridade omittiraos a constipação ao raetter da se-
ge, depois de vir quente das contradanças, Medico, Cirur-
gião, Botica, e ás vezes , salva tal lugar, enterro: com tu-
do importando esta despeza no que se vé , e ouvindo-se por
outro lado pelos Pai^ de famílias huma choradeira continua-
da , q^e tudo está caro , que nada chega , porque estou ar-^
rastado y he hum louvar a Deos ver a abundância das faro-
fias , e das pessoas de que se compõe. Assentão os Pditicos
isto não poder ser natural , e que ou ha grande multidão de
calotes, ou anda pelo mundo occuka a varitiha de condão,
com que minha Avó me embalou.
Rua d^Atalaya 9 de '^ulho*.
'Dissertação filosófica da correlação , qvie tem o ar cem ns
cvrpos fysicos ^ producçào do nosso estudioso apflicado
a experiências económicas-.
O corpo humano composto de hurna matéria corruptf-
Yel , e dividido em partes-, substancialmente mostra nos seus
viridicos princípios a reunião^ ou o nexo, que interiormen-
te t-em com as partículas^, que o infícionão, levando a mes-
ma matéria ao ponto de vir a confundir-se a máquina, por
varedas syinpaticas , c mcognitas , que por hum cálculo cer-
ff)
to, vem a concíulr proporcionadamente aqiieflesinejiros prin-
cipies, que levao a raça humana aos preceitos de hurra sa fi-
losofia. Do mesmo golpe de vista observamos, que o ar ex-
travasado pela influencia da atmosfera , ou seja na mudança
das estações, ou na regularidade delias, convencionao huma
cerra , e imperceptivel alliança com os mesmos corpos ani-
m.ados ; e porque esta iníiuencia traz comsigo a experiência
fysica da mesma cousa , vem consequentemente a tocar os po-
ros, que evaporao o sueco nutritivo da organização dos ner-
vos: esta razão tão clara, e palpável, que muitos ignorão,
tem pela mesma ignorância produzido os péssimos effeitos,
que redundarino era utilidade pública, se o materialismo de
muitos cedesse ás impressões, que a sensibilidade natural , cora
prudente modificação, dirige pelos aqueductos superiores da
mesma natureza ; tirando-se destes dois argumentos a prova
incontrastavel , de que aquella inseparável, e invisivel co-
Jumna de ar , que sobpeza sobre as nossas cabeças , não nos
faz tanta impressão, não obstante o pezo que tem , como nos
faria huma daquellas coluranas, que estão no cães da pedra,
se pezassera sobre nós.
As pessoas que precisarem coraraento para entenderem
a Dissertação assima , consolem-se , que eu também sem elie
ouço muitos argumentos aos prezados de Sábios pelas Praças y.
e Jojas de bebidas.
Maxhnas do Velho de Romulans.
São cousas de mal soffrer ,
Qiintro que vou a dizer;
A mulher mui presumida,
O homem que for mui rola,
Festa de Pretos na Ermida ,
Rapaz desinquieto ao collo.
Se o Procurador de causas ,
Que mui pouco tem de seu ,
A demanda se vendeu,
Levando-a com muitas pausas j
O Author que for esperto,
Queira antes ruim concerto*
?êde tempo de Letrado •,
L^go vou dê mojo molle ;
XoAto d*âflímal cançado^
Õ^^m x%^% píluki engole,
S^4i ÍI18S fo^gr fêfístencíi ,
Rgtr4ro póie i^r da padencíi,
Mâi qug dlrgí ^u di vellu, ■
Que quííndo ram já {içfsenU,
Ao cravo fudo atonnenta ,
Caiua.iJo, ç gargantçando ,
Inda vai bera , se ella he rica;
Se he pobre, solteira fica.
Vindo o Almocreve de jornada, e pousando em liuma
estalagem, em quanto foi ferrar o Cavallinho , lhe pregarão
na malla por fora com hum alfinete o seguinte Ap^íogo ^ que
eile estim3u muito, e logo mandou vir raaís raeia canada,
que bebeo i saúde do seu Author,
A P O L O G O.
O PAPAGJlOy E O PARDAL,
Havia hum bom Papagaio ,
Assas experto , e fallante ,
Prezo em pintada gaiola,
Em casa rica , abundante :
Apenas raiava o dia,
Era de janella posto,
E o comcdoiro provido
De coisinhas de seu gosto :
Fallava, cantava, e ria ,
Pois que tão bem o tratavão ;
Kra invejado na rua
De quantas aves passavão ;
Hum Pardal daquelle sitio..
Destes de bico amarei Io ,
Tratou com elle amizade.,
Estimando conhecello :
<^7>
De hora a hora o visitava ,
Talvez fiado era ser loiro ,
Que no meio das conversas ,
Punha o bico ao comedoiro;
Não previa o Papagaio
A causa desta amizade,
E foi ca h indo no laço
Com muita sinceridade :
Quando comer pertendía,
Ficava triste o animal ,
Vendo o fundo ao comedoiro ,
Sem lhe lembrar o Pardal:
Mas pela continuação
Das petas , que supportou ,
O sincero Papagaio
Na tramóia reparou: ♦
Hum dia antes da visita ^
Comeo, e o que sobejou
Co' torto bico na rua
Por experiência lançou :
Veio , como era costume
O Pardal a visitalio ,
Poz-se o Papagaio á mira , .
Para o ver cahir no caio :
Mettia o Pardal o bico, .
Mas porque nada tirava,
Despedia-se ligeiro,
No mesmo instante voltava :
Tantas visitas lhe fez ,
Quantas logrado ficou ;
Que o matreiro Papagaio,
A salvo a trama lhe armou : :
E como pelo interesse
He que a simizade tecco ,
Assim que a tola falhou ,
Nunca mais Ihç appareceo :
Gostou muito o Papagaio
De tirar esta lição ,
E se ve Pardal de perto,
Torquezada, ou repelão;
(6)
Nao desprezeis este conto,
Amigos de poucos dias j
Que de Amigos vos tornais
Em esfaimadas harpias.
AVISOS.
Sahio á luz o Livro intitulado Refresco m aro tal fias
Praias de Lisboa^ obra muito inútil para os que vem de em-
barque largar a soldada nos fornos da cal, no sitio de Pe-
droiços, no canto do Cães da Pedra, e por de traz dos Es-
taleiros do Cães do Tojo , nestes mesmos sitios se vende a
referida obra em oitavo pequeno a tostão, porque tem ^z
folhas.
Sabbado passado, depois deSabbado que vem, na pra-
ça do quinque nove, se põe a lanço para se vender a quem
mais der, a quinta que está depois da quarta, sem pensão al-
guma; quem se quizer aproveitar desta aberta para poder ba-
zofiar, que vai para a quiíita, appare^a , e nao se faça de
rogar.
Ruy Raposo Ratado tem. licença franca de nova inven-
ção , par4 nos dias da feira da Luz vender publicamente, e
ás escondidas drogas, e fazendas de arromba^ a saber Ruy
Barbo , Rezhjas , Rabecas , Ramalhetes de Rosas , Peças
de retina^ rodinhas de fogo, rubins em bruto, requifes ^
rendai , rolhas ^ e remédios já receitados , quem precisar de
alguma destas ridicularias o procure nesta feira , que a tro-«
CO dos seus réis será remediado : E receberá mercê.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 819.
Com licença da Meg,a do Desembargo do Paço.
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXV.
Magdalena \6 de Julho.
Ouve neste bairro, e neste dia liiiina grande função fes-
tejando-se a chegada do dono da casa, que veio da America ;
estava a sala toda illuminada , n.uitas Senhoras, e immensos
Peraltas do conhecimento da mesma casa ; achava-se nesta
companhia hum Ta fui , qtie tanto tinha de rico, como de to-
lo, iá de sima , e muito presumido de estudioso, vomitando
conceitos, que era huma miséria: succedeo que huma das Se-
nhoras cantasse, cJiegou o nosto discreto ao pé, ajoclliou ,
e disse; » quem me dera, minha Senhora, que o tympano
do meu ouvido fosse tão opaco, ccmo esse crbe celeste, pa-
ra retombarem nelle as melodias da sua voz. » A Senhora es-
tupefacta do queouvio, respondeo-lhc , «< não entendo, meu
Senhor, m Outro amigo, que estava ao pé, acudio^lhe, di-
zendo: <c o que o Senhor quer dizer, he que desejava ter
huma orelha tão comprida, como daqui á rua Augusta, pa-
ra que só elle se aproveitasse da suavidade dessa garganta: »
continuou o brinco por diante, e foi a mesma Senhora , que
cantou, seníar-se ao cravo para topr^ levaiuou-se o nosso
C i )
Tafiil , como huma xará , poz-se ao pé do cravo , e disse es»»
ta fineza, n Minha rica Senhora , quem poderá alcançar ver
essas mios cortadas ; >? assastoti-se a pobre Menina, tirou as
mãos do cravo, c perguntou, « que crime tinha ella feiro
p^íra se lhe cortarem as mãos. »> Rcspondeo logo o Ta fui ,
« o eu querellas cortadas, er-a para ter a fortuna de as pos-
suir , e mandallas engast-ar cm oiro , ou prata, e cravejallas
de diamantes, brilhantes, camafeos, cristaes, e pedras pre-
ciosas. >> Saltou tudo a rir de tal sorte , que o tal Tafulão
ficou servindo toda a noite de palito aos circunstantes.
Barca, ãe Sacavém i^ d€ 'Julko.
Primeira encora ro , qtie teve o Almocreve de Lisboa
. cam o Lieurno do For to»,
Ao passar da Barca quarta feira teve o nosso Aftrsocre-
ve hum encontro com o Retorno, que hia para o Porto bus-
car novidades ao ^^\\ Editor;, e como se dcísem por amigos,
depois da pirada, e do quartilho, se snudárao rrtUtuamente
dentro da Estalagem de Sacavém.. Perguntou o Retorno do
Porto ao Almocreve de Lisboa, como hia com as suas' pe-
tas, se tinlíão gasto, porque tinlia ouvido fall^r delias cer-
ras cousas, que calava por miodestia ; a que o Almocreve de-
Lisbca sahio logo dizendo : <* olha tu, a faílar a verdade,
^u também tenho ouvido fallar tanta cousa do teu P^etorno,..
que até me envergonho de as dizer. 5» Respondeo-lhe o ou-
tf o , « pois que defeitos lhe apontao? '>» disse-lhe o Almo-
creve, << immensos, o primeiro he que as taes petas do Por-
ro , parte delias sao as minlias mascaradas; depois meu ame-
€;ança-se cm bu;*cíír os papciinlios mni*; raros, e trabalhados,,
como s1o *is Maxim ís do Velho de Romolares , e outros, e-
o. teu Editor vai á Prosódia copiar aquelles anexins, como:
ríipaz de escola, que cobre letra secca,. ou que escreve por
tr.iSlâdo, etc, que n^U) quero ter má língua. Eu n^o nego que
(^ teu Ediàor tem algum gciro, porém precisa muito desbar--
tado. >> Saliou logo o Rcrorno : " olha ttj corro falias, que
iBçu Amo n:u) he ahi quslquer cous.i , snhe a Grammata fo«-~
da de cór, sabe a Filocoíia , sabeaRcthorja , c fe? altos cm '
Gçjmbu dentro de iium annc, e treSijjiezcç , -que não íoiprc-«>
p
. f ' > =
•^ciso la tornar mais, e ouvi dizer em liuma taberna, que elu
iio seu tempo, foi quem levou o »? R ?> grande dos Mes
ires, que parece, que iie hum premio, qiie lá se dá, sim.,
Senhor; e iá no Porro vai a iodas as Boiica-s á noire conversar,
e todos gosrao muito dellc: o teu i\.migo cá de Lisboa, he
'ique eu já sei , que tirado das peras nílo vale dez réis, e já me
dizem, que para as armar, se anda pegando pelas paredes.»^
Respondeo-lhe o Almocreve: «< Isso assim será, porém elle
vai dando conta de si, e muita gente de aito bordo se enga-
nou com elle a este respeito, de sorte que já confessáo por
ahi, que a tal Obra não he para todos, e que tem dente de
■coelho fazer os Folhetos, como elle os faz, sem ter nin-
guém, em que se fie: Teu Amo he que trabalha sobre o tra-
balho delle , grande cousa he, meu amigo, deitar-rae na ca^
ina , que acho feita, e nao ter de a íazer , cahindo com
somno : Acaba tu de enxugar este copo, que quero partir.»
Disse-lhe o Retorno ; « Pois hum Café jocoso , que medis-
serão tinlia saindo ! ouvi dizer tanto mal delle.... traz lá hu-
mas cousas da Alatagata, que he daquillo, de que se fazem
as Folhinhas, que se conhece quando ha Sol, e quando ha
ie chover, e dizem que vem tão mal alinhavado... O Au-
íhor chama-sc o... o... valha-rae Deos ! he o que,...,
que... que. . . tenho-lhe o nome debaixo da lingua, ... a-
diante; todos dizem, que saliíra com o tal Caf^ por inveja-
das tuas petas, mas que íicára logrado. >> Tornou-lhe o Al-
inocreve , " meti Amo tem muitos macacos, mas todos andao»
cora o sepo ; bem se lhe dá a elle das rãs , que andao nos
charcos ; adcos Amigo , faze boa jornada , c se me achares al-
guma cousa peio caminho, aproveita-te, que meu Amo não'
faz c?so dessas ridicularias : iá vai á tua saúde : >>; que te pres-
te, adcos; >9 Respondeo o Retorno,' cassiiiise despedirão ate
segundo encontro,
Svte Rios 1% de Julho.
Chegou finalmente á sua cíisa o Ictívo IL dos nossos ten*-
pos , depois dos transportes da sua réria viagem , alli rece^^'
bco muitos parabéns daquelles, que o olhavao como a Lu-'
itardi , que voou á nossa vista. Elle veio tãcr^ordo como o'
espeto na ponta , pois só bebendo ver^tos se suspentou do ar
f4) .
ambiente j em quanto 'viajou. » Amigos, »> disse elle , « a
rapidez dos rasgos dos meus voos, me dóvao espernnça de
girar todo o orbe em menos de seis mezes , e com tanto gos-
to o fiizia , que me nao lembrava comer , nem beber , porém
a facilidade, com que me propuz fazer a máquina para satis-
fazer o gosto, que tinha emprehendido , nao me deixou ver
o precipício, a que me conduzia, bem como aquelle , que
enfurecido corre a despenhar-sc , e nenhum brado o sustem.
Em huma das minhas Cartas vos informei do grande chuvei-
ro , em que ficava mettido *, este foi bastante a desfazer a mi-
nha louca prcsumpçáo , pois humedecendo com elle as gom-
mas do encanamento das pennas das azas , logo conheci fra-
queza ; e baixando á terra , fui dar á Polónia ; que fértil Paiz
Jie este ! aonde as cousas se vendem a trcs por duas ; que a-
ceio de Madamas ! ver huma Senhora Polaca a pé, ou a ca-
vallo , encanta •, a que veste de verde, he verde desde o bi-
co do pé até á cabeça , pois até o cabello he apolvilhado
com poz verdes, ficando a Senhora toda de huma cor, exce-
ptuando a cara ; ainda espero ver em Lisboa esta moda em
bem pouco tempo , pois que no passado já vimos as cabeças
amarellas : eu sim ficaria neste Ruz saudável, se me nao cha-
massem os interesses da minha casa; dalli passei á Suécia',
aonde vi menos luxo nos Povos, poucas pessoas vestem se-
da, talvez será porque o Paiz a nSo cria, e nao porque se-
jao pobres, pois abundao aquellas terras de grandes mineraes
de ferro, e de pinheiracs, cercado todo o continente de for-
nalhas, aonde se destilla o alcatrão , que fazemi o capital des-
te famoso Reino. He hum gosto ver a facilidade, com que
os homens fabricao destas espécies o oiro , porque todos sus-
pirão , que mais me custa a mim lembrar huma peta , que nao
tenha consequências funestas. Dalli passei á Dinamarca , aon-
da vi trabalhar os Carpinteiros na construcçao do Peixe páo,;
o qual a primeira vez que o vi comer, me soube a gaitas,
nao tendo eu ainda comido nem huma cousa , nem outra. Dal-
li passei aos Paizes-Baixos, que por baixos me parecerão an-
r»6es , todos os homens vi muito aceados , vestidos com as
suas gibaitonas, ou casacas até aos pés ; porém descalços de
péy e perna, perguntei a causa daquelle desconcerto, dissc-
rao-me, que n.lo queriao padecera dor de calos, que fazem
nos dedos dos pés os çapatos^ esta receita nao he má, se se
adoptar. Dalli passei a Dunquerque , sonde vi Iiuma fábrica
de serveja da raelhor, que se gasta na Europa, e vcndo-a
fazer de sorvas velhas, conheci a etyniologia do noiric dcsre
licor. Depois me embarquei cm huma escuna Americnna , que
com felicidade rae conduzio a Lisboa, aonde cheguei já sem
a máquina , porque na embarcação os ratos de noite derao
cabo delia. » Todos os Amigos saltarão aos abraços a clle ^
c o leváráo comsigo.
O moço do Poeta aqui conduz estas duas glosas a dois
Motes, que Ihepedio hum Peraltinha, que lhos glosasse cora
tod® o segredo j porque as queria dar por suas á Senhora ,
cora quem está para casar, por ser empenho da mesma Se-
nhora , e julguemos todos , que gurgeta não xuparia o tal
mocinho pelo desempenho!
MOTE r.
Disputão Cupido , e Baccho ,
Qt^al mais desordens tem feito.
G L O S A^
Sobre ser forte , ou ser fraco ,
Cora teimas razoes tamanhas ,
Do seu poder as façanhas,
Disputão Cupido^ e Baccbo,
Amor, que he velho macaco.
Não lhe quer fallar ao geito j
Baccho enfadado, e direito,
Grita, que o troféo lhe cabe >
Mas ao certo não se sabe,
Qual mais desordens tem feito^
MOTE JI.
Vi Cupijdo feito Baccho ;
Mettc medo tal figura*
GLOSA.
Cum chapéo feito n'um caca,
ChoquentLi capa arrastando,
Pela lama parinhando ,
Vi Cupido feito Baccbo :
Com bigodes de tabaco ,
Não ha mais feia pintura !
Perdeo toda a formosura ,
Fez-se irrisão dos amantes,
Já nao he quem era d'antés ,
Mette medo tal figura, <
DífS€rtafão do nosso Anigo estúdios/) em exptrienciaí •
económicas,
Qií~ C0ÍS3 se encdntr^ no rnundo, em que o homem na®
queira ter domínio acti\^o ? Elle quer que o mesmo tempo
jhc obedeça, e que a seu sabor se moya a roda das estações;
pertende a chuva rias terras dos seus Vínculos, equer no mes-
mo dia hum vivo Sol na rua por onde passeia \ quer vento
jios moinhos , que \\\<í rendem , e aó mesmo tempo hum bran-
do zé Fy ro , quando roda na férvida Berlinda; o homem, a
que chamamos polido, chega ao ponto de querer fazer hu-
iiiilhar a mesma natureza aos desordenados impulsos dos seus
appetires: a máquina do homem, na sua construcç^io, tanto
tem de delicada^ como de frôxa ; e o mesmo homem, que
nlo se observa tomando as medidas á proporção da sua fra-
gilidade, cahe nos precipícios, fulmina a sua ruina , a que
já nlo pôde valer a alciveza do seu império: leva o homem
cortezno, e abastado ha cama hum.a grande parte da manha ,
entregando se á frôxidão, em quanto o seu caseira ao rom-
per da Aurora, ou empunha a enxada' , c se esti curtindo
com o guio, que prateia a terra; ou cingido de húmido jun-
co , áca a abrolhada vide , p^ara a iiiclhor forma da sua pro-
ducçno ! le/anta-se o homem polido pelas dez, horas, almoça
o chá, e o leite, enclíerido a barriga de fatiaè oleosas ; por-
que eiiáo biMi coradas,' e asFfmr me^fno fizeraò huma grande
azia no estQ.D.igoj o que não succedeo ao bisoiilio caseiro;
porque cotnco cedo, etraballiou braçalmente : leva o hoincni'
polido huma hora a passear na Quinta, duas em palanfro-
rios, e cabelleireiro , p6e-se a carruagem , vai á Praça, reco-
JJie-se pelas três horas , ás quatro senta-se á meza , come de
quarenta e tantas cousas, cozidas, e assadas, guizadas , de
escabeche , erc. etc. erc. pespega no buxo coin outras tantas
fructas, bebc-lhes diversos licores, entrega-se á molleza , e
por consequência á cama , quando o rústico caseiro jantando
ao meio dia só huma até duas simples cousas, se acha vigo-
roso, proseguindo no seu trabalho: acordou o homem poli-
do ao principio da noite, manda pôr a sege, vai para a par-
tida , donde se recolhe farto de chá pela huma, c duas ho-
ras, senta-se á meza, ceia , tem outra profusão de guizados,
em tudo mexe, de tudo come, deita-se peias três até alto
dia, em que acorda na mesma frôxidáo; esta desordenada vi-
da náo tem o bom velho caseiro, que ao anoitecer ceou sem
se fartar , e logo dormio ficando prompto para com agili-
dade principiar o dia de amanha. Aqui temos o nosso poli-
do já cora huma indigestão, com fraq-ueza de nervos, a que
correspondem banhos de mar, agoa das Caldas , vinhos qui-
nados, vomitório?, más cores, febres lentas, e ou sepultu-
ra , quando menos a espera , ou representar hum esqueleto vi-
vo, (em que o fazem mcrto antes do tempo , como succcdeo
agor^ ao Author desta Obra , ) pede jantas, porque sempre
gostou de muita gente ao pé de si, visto quelhe não podem
servir senão cie companhia ; e quando lium destes lê esta pin-
tura , responde , ca-<la t^m no que tem habituado a sua na»
tureza ^ (i(ò\TxO zt o homiCm a douiinasse ! seja o que for, com
estes, c ainda, outros excessos se estraga a saúde: sepultura ^
e doença sempre as h.ouvcrao , porém os nossos Avós não se
vomitarão tanto, não hião a banhos de mar, não precisavão
tanta quiirn , e quando se queria hum Portueuez robusto, até-
na idade dos .setenta se achava ; Jicje os de vinte ií)uos '^w^
dão com o rheumatismo dos homens de-bem:. z^ vá em ao*
ra que aproveite.
O Editor desta Obra pela razão de ter recebido va-
rias Cartas jocGsas.no Coueio, torna a tJecI;írar, que eiie
( 8 ) ^'
nlo he o Author do Café jocoso , nem do papel intitula-^
do Retorno do Airaocreve; pois nao deseja por modo algum
ustirpar a gloria devida aos seus Authores; contentando-se a-
pcnas cora a sua coinposipo do Almocre/e de Petas, cora a
qual roga a todos a continuarão desta curiosidade i equeliie
re^em pela vida , os que liie tem rezado pela alma , porque
escá de saúde perfeita para servir a Vy. mm.
AVISOS.
Madama Borragem , que tem a astúcia de cortar por
rnoldes as roupas Balinas, e Trapizondas, e toucados de bo-
laveruQt , por cuja razão lem merecido nos Paizes estranhos
gr.indes applaiisos das Senhoras , faz saber ao Publico ,
que ella de próximo chegou ao Paço do Boi formoso , onde
foi recebi Ja com os obséquios, que merecem as suas pren-
das, e qualidades: e offerece o seu préstimo ao Publico, até
ás Senhoras, que forem calvas de todo, pois prepara marra-
fas fingidas , e perucas de canudoS da ultima moda , e se hou-
ver alguma pessoa, que se agrade da excellente ponta de lín-
gua , que tem , e quizer cortar a sua pelo mesmo molde ,
nlo tem dúvida alguma em dar o molde delia. j
Qí^iem quizer comprar , vá onde se vende ; quem qui-í|
zer vender, apregoe: quem quizer ajustar faça preço: quem
quizer desajustar , roa a corda ; quem quizer rir , vá á feira ;
quem quizer chorar, dê pancada era seu descuido: quera he
tolo , peça a Deos que o raate ; e quem o nâo he , dê-lhe
muitos louvores , que assim se faz em Lisboa.
Alaria do 0\ Alfamista de nação, e inoradoura onde
succede , vende camarões feios , que não tem inveja aos for-
mosos, quem tiver barbas para lhos comprar, nao se torça,
que a navalha o buscará.
lisb:)a. na offic. de j. f. m. de campos.
I 8 I 9.
Com hcsnça dn Mcz^a dç Desembargo d» Paço.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXVr.
N
Salitrt 19 de Fevereiro.
Ão foi preciso ir fora de Lisboa para ver hum caso ga-
lantissimo , que tinha obrigaçíio de succeder fora da terra , e
não nesta Cidade, que ainda que me chegou láo tarde á no-
ticia, sempre o descreverei. Pedro Mef2des Tabarosa ^ homem
de sua casa , que negociava, e lúo deixava de ter algum vin-
tém , vendo que na Gazeta sahia o plano da Loreria do Thea-
tro de Sao Carlos, partio a comprar 14 moedas de Bilhetes,
só para si , fora mais seis moedas delles deencoraraendas. Veio
muito contente cora os taes bilhetes, e| lançou-os em cima
de huma banca no seu quarto ; e porque erão horas de Pra-
ça , foi-se a toda a pressa tratar do seu negocio : hum pe-
queno que tem sete annos , como criança, pegou cm huma
tezoura, que pôde pilhar, e foi ao quarto do Pai, e de hum
papel que estava no chão , fez huma mitra •, a mai , que era
muito amoravel , e todo o seu forte era encobrir ao marido
qualquer maldade do pequeno, veio c^preitallo, e o achoa
de tezoura na miio , e reparando para cima da m^eza , vio os
bilhetes da loteria j que nlo sabia o[que era ^ porém pasma-
6G
CO
da de os ver recortados, assentou sem mais tir-te, nem guar-
te , que aqiielles recortados tinhao sido obra do rapaz, Jan-
çou-se a clíe, açoitou-o muito bem , e muito consumida , lhe
dizia, cc para que recortastes aqiicjlcs papeis? que ha de di-
zer teu Pai, quando tal vir? valha-me Deos , não ha mais
remédio, que ir endireitallos á tezoura , que podem ser pa-
peis de iaiportancia , e não quero que elle tal conheça. Se o
rapaz assim como os recortou por hum lado, lhe mette a te-
zoura mais dentro, que taí fico eu! » E pegando na te-
zoura foi hum gosto vê-]a com toda a curiosidade endireitar
os recortes, e logo que acabou, botou o pequeno fora do
quarto, fechou a porta , e ficou muito satisfeita de ter emen-
dado o erro ; quando o marido veio o que seseguio, discor-
rao Vv. mm. , que talvez por casos idênticos sticceda a mes-
ma scena nas casas de cada hum.
Segundo encontro y que teve o Almocreve de Lisboa com
o Retorno do Porto , na Ribeira de Santarém.
Seriâo dez horas da manha, quando segunda vez se en-
contrarão o Retorno do Porto com o Almocreve de Lisboa,
na Ribeira de Santarém; saudárao-se , e disse o Ahnocreve:
>j Tens ahi hum bocado de papel para fazermos hum slgar-
ro ? » Respondeo o Retorno , « tenho huraas folhas do ul-
timo Café jocoso , mas como tem letras nao hebom para is-
so; e vierâo-me ás mãos, porque succedeo huma cousa gak i-
te com este Folheto. Hum sugeifo em Leiria comprou o Ca-
fé numero 12, por lhe dizerem, que tinha muita cousa con-
tra as tuas petas, e contra o seu Editor, custou-lhe três vin-
téns, e depois de o ler vcndco-o ao ?eu visinho por 30 réis ;
o tal principiou-o a ler , e a enjoar de sorte, que mandou
fazer chá de Maixrelia para tomar, visto que aquelle Café lhe
perdia o estômago; deo-lhc hum rasgão, e botou-o fora,
de que eu apanhei estas folhas, que são da lauda 317, 320,
eíc. Deixa ver >v( lhe dijse o Almocreve) , que logo foi len-
do nellas , e analisando-as pelo modo seguinte ás gargalha-
das: j> Diz aqui hum da sua sociedade, que lera hum livro
intitulado Escritorsem princípios; hc livro de que nao tenho
noticia; o que eu me lembro de ter visto na banca de me
Amo, he hmxi livro intitulado, Escritor confundido nos seu
o
\
I. . .' (3)
Sítios princípios, de sorte que nirda ire recordo de dizer
meu Amo huma vez , que os pcnsan:cntos daquclle livro re-
presentrvão os camaroeiros , quando os rapazes no Cacs da
Fundição os tirão da agua cheios de csirarces rodos a salta-
rem huns por sima dos outros em con ti nuc.da confusão. >?Res-
pondeo o Retorno ; pois desse joie j.e o tal Cí:fé. >) Tornou
o Almocreve ; » cá vera outra satyra a respeito de meu A-
mo , sobre os Verbos da Lingua Portugueza ; he verdade,
que ás orações deste Café não lhes falta Nominativo , Ver-
bo, e Caso, pontos, virgulas, e divisões, porém falta-lhes
o melhor, que he a graça. Oh! Cá vem na pagina 329 hu-
ma moléstia d^ollios , com suas explicações fysicas, em que
o Author amontoa o olho da razão, o olho do coração, olho
para aqui , olho para alli , ollio torto, olho direito; porém
ôinda lhe escapou huma qualidade de olho, ro qual ficava mais
bem applicada a receita, que traz na pagina 332. « Rtspon-
deo-lhe o Retorno , >> bem sei , he o olho da rua , para on*-
de se bota o que não presta: >j vircu o Almocreve, dizen-
•do : » agora he que nós estamos pecres , que nunca , que o
Author se contentasse só em comipôr huma dúzia de folhetos
deste Café ! paciência , mas promettcr mais, como aqui pro-
mette , he peor a prom.essa , que a prim.eira composição del-
le, porém nosso Senhor bem sabe proporcionar es castigos
aos mortaes ; permitte-lhes os terremotos , as chuvas de pe-
dra, as sêccas, e até se vale da peste deste Café, porque tu-
do lhe merecemos pelos nossos grandes peccados. » Pergun-
tou o Retorno, »> que fez leu Amo a este horctm para o in-
gerir nos Folhetos do seu Café ? 55 Respondeoo Almocreve,
creio que nunca o offendeo em cousa alguma ; porém como
prometreo doze folhetos, e já pf.ra o fim não tinha com que
os encher , tomou-o para a sua Alma com estas scrnsabcrias ,
porque nesta manta de retalhos iodas as cores assentao bem.
Tenho visto; todas as gracinhas que tem, vcmapáo, e cor-
da , e quer que o Povo Ih.e pague os três vinténs de frete. >j
A isto puxou o Retorno por hum pão de milho, deo meta-
de ao Almocreve, que acceitou , e disse: 99 eu he que man-
do vir a pinga , são horas de partirmos, mas primeiro vamos
fazer quatro saúdes; á saudc dos ncsfos Amos , e não julgues
que hco com ódio ?.o tal Author, que se aqui appareccsse
r.csta sucia, lambem o mandava beber, deste vinho; acaba
(4)
de enxugar este cd-po , e aJeos: » assim se despedirão até
mais algum encontro.
Calculo certo da^ despezí , que faz hum homeyn ^ quando
leva a sua familia d Opera*
Alugado que seja o Camarote, porque lie gran-
de a familia, pro:ura-se hum de melhor vista , este
não custa menos de . . • 3cí)iOO
Alugou-se logo huma sege, que, porque ficou
apalavrada ha dias, e perdeo outros alugueis, im-
portou em ............. • . i(J)200
Ao boleeiro , que esteve por tudo , bom meço ,
lom moço ^ pois fez quatro caminhos , e em hum del-
les levou três em carga ^^\o.
Abrio-se o Camarote, e por estudo dos Senho-
res, que os administrao , nlo se lhe acha senão hura
banco; porque em hindo míi^s de três pessoas, ou
hão de estar em pá , ou se hão de sentar no chão,
vai-se pedir cadeira^, e responde-se , t< cada huma,
querendo, são seis vinténs, e cada banco dois- tos-
tões : não está má a entrega , veio hum banco , e duas
odeiras , . (3)4.40
Ora deo sede nas Senhoras, veio ponche por
causa das constipações; he do botequim da Opera,
e dobra a parada no preço , não sei com que razão ,
seis copos . (2)300
Houve huma dor, venha chá ,. e por hum bole
de agua quente, com quatro folhas no fundo,.
»- De cangado chá que ferve,
95 Com esta a sétima vez. u . . . . . ^300
O mandarim 5 garoto mais refinado , que o assu-
car, qu:i conduz , não se contenta pelo trabaliio de
subir escadas com menos de ....... . ^iio
Era muito boniti a Opera, ou era muito feia,
porém, ou feia, ou bonita , imporíou a sua som- ,
ma em ................ 5^)860
Oa os Senhoras moJiíiquem estes estratagemas , ou aãg
verão dez réis dç quem. tiver juizo..
Conceitos achados entre os papeis curiosos do nosso Vtiho
de Romulares,
Perguntou este bom Velho aos Velhos do seu tempo,
jí de tjuem se podia fiar hum segredo, que ficasse sem o pe-
rigo de se revelar, >? responderão-lhe huDS << quede hum sur-
do , outros , que de hum mudo; » porém o nosso Velhiniio
disse, «< que de hum mentiroso, porque como nunca se a-
credita o que diz, ainda que o descubra, íica senipre inta-
cto.
Dizia o nosso Velho, que havia na m.ocidade três qua-
lidades de memoria, << memoria de agua , memoria de areia,
e mem.oria de pedra; que na primeira ?> entravao os estudos,
e sahião sem demora , com a mesma facilidade com que en-
travao, bem como a agua era vaso roto » que na segunda
entravao os estudos , demoravao-se alguma cousa , e em pou^
CO tempo se gastavao , bem como as letras na areia dando-
Ihe o vento, e as ondas: >> que na terceira os estudos entra-
V-lo á custa de muito trabalho, mas huma vez que isro se
conseguia , nunca mais sahiao , bem como a escultura na pe-
dra , que tanta duração conserva*
Dizia o nosso Velho , » que o homem faz doido o
tempo, e o tenipo faz doido o homem, » porque o que es-
pera huma ruina no fím de seis annos , quer que os seis an*
nos se estendão a seis séculos ; o que espera huma boa fortu^
na no mesmo tempo , quer que os seis annos passem como
seis mezcjs; e quando conta setenta de idade , diz , >3 que se
lhe foi o tempo por entre os dedos, n mrs que isto nasce do
homem conhecer tudo,.e não se conhecer a si.
Dizia o nosso Velho, jj que o hcmem comilSo no de-
curso de hum anno comia menos, que es outros, porcuc dê
cada fartadella tinha iiuma indigestão, que o punha oiiodias
a. caldo de gallinha..
(6)
Palia do Editor a respeito da curiosidade desta CoUecção
de Folhetos.
Senhores Portuguezes , Amigos, conhecidos, e desco-
nhecidos 5 nao posso engolir em sêcco , que tendo todos gran-
des desejos de serem ricos , e os que o sao de o serem mais,
nao desejem também ver-me com huma igual riqueza, a tro-
co de \\na^2i pa^va quantitas ^ que ma nao dão por meus
olhos bellos, pois nao tenho merecimentos para isso, mas
sim por hum termo licito, termo que faz o distincto cara»
cter do homem , a que alguns Doutores charaao trabalho ,
outros agencia \ .e como eu nesta curiosidade uso delia, de-
vo pela ordem da dependência, que tenho, participar a to-
dos os meus sentimentos, e o modo fácil de me enriquece-
rem, que nao hc impossível; eu nas rainhas poucas posses
ajudo a todos aqueíles, de quem preciso, e nao com tao pou-
co , que nao seja com centos , e centos de mil réis todos os
annos ; e se nao haja vista ás partes. Eu enriqueço o Sonu
br et retro , o Alfaiate , a loja de Cape lia , a do Mercador ,
a do Fanqueiro , o Fabricante de meias , o C^apateiro , e to-
da a mais corporação , de que o homem depende para se ves-
tir com decência. Se vamos ao gasto da boca , hoc opus , hic
labor est , falle essa Ribeira, falle o assougue, que para
isso tem lingua de palmo , falle o Confeiteiro , a Padeira ,
a Mercearia y e fallem finalmente os Barcos d*agua acima
nas conduções que me fazem; porém nao fallem ao mesmo
tempo, que ninguém se entenderá; e veremos aonde isto bo-
ta ; pois se eu com o meu pouco , desejo enriquecer tantos ,
quantas sao as cousas de qUe preciso , ergo porque nao hao
de tantos concorrer para cu ser rico com tao pequena por-
ção ? Agora estareis vós filosofando com os vossos botões, o
modo porque eu quererei a tal prova ; talvez que vos lembre
se será emprestando-me dinheiros para nunca mais os pagar,
segundo a tarifa ; se será emprestando-nie trastes para nun-
ca mais os restituir, segundo a moda ; se será armando fi"
guras de invenções agradáveis , com que muitos ficão de cal ^
e pedra , e cabem nelUs como pardal na rede em boca de pom(
ço , segundo as subtilezas de vários papelões; pois nao. Se"
nliores , o ponto está na espingarda , e este caso he outro ^
1
\
^7)
modo com que pode ser, ?ei eu inellior que ninguém; e se
náo vede, ha em Portugal milhòes, e milhces de casrs fo«
voadas de gente , e s(5 bastava , que os habitantes de cada hu-
iTia , daqui ãté 29 de Dezembro, que tanto hao de durar estes
folhetos , me fizessem o obsequio de hospedar em sua casa o meu
Almocreve, por huma só vez , pois me parece, que nao custará
muito a sustentar j porque panella, que se faz para dois che-
ga a três, por mais faminta que seja a casa; e quanto mais
clie, que não he comilão, pois ainda que passem os três dias
de hospede nunca enjoa , porque a maior dcspeza , que vos
pode fazer em todo o tempo , he a de 40 réis , e o que se lhe
faz não se bota era saco roto , porque a sua conversa he to-
lerável , faz rir com as suas demasiadas , e debaixo do sério ,
de que he revestido , encaixa a sua peta como hum homem :
também tem algumas seaisaborias , porém são cabellinhos do
odre, e esta falta lhe desculpará o paladar sublime, que co-
mer sal ás mãos cheias. Tenho botado o risco , e confio de
vós, que mettereis as cores de sorte, que este quadro m.e se-
ja agradável; hospedai o Almocreve, que eu o que posso fa-
zer da minha parte, he agradecer-vos o bom agazalho, que
lhe fizerdes; e de nada importa, que deixeis o Cavallinho
ao relento , que a estação para os brutos não vai áspera.
AVISOS.
Por hum cálculo certo feito com a maior miudeza pa-
ra se noticiar ao público, fazemos saber , que em Janeiro
passado , andarão no rio desta Cidade 3420 gaivotas á sar-
dinha ; forão perseguidas por 79 curiosos , morrerão espin-
gardeadas 2, e 4 só do susto , que lhes metteo hum dos miC-
Ihores caçadores; errárão-se 230 tiros, perdêrão-se onze ar-
rajeis de chumbo, e .80 arráteis de pólvora , escaparão da
morte 3414; veremos para o anno o progresso desta curio-
sidade.
Por Dereto de 4 do corrente , foi a morre servida fa-
2cr a graça a hum bêbado, que andava pelo Bairro Alto, de
(8)
O levar pira si, com a faculdade de poder dispor dos seus
bens em beneficio dos seus parentes , e da sua Alma.
Despachos para Militares.
r> Por aviso de 22 do raez passado, feito ao Recovei-
ro de S. Pedro do Sul , se despacharão nas sete Casas três
presuntos cozidos em hum panno , para dois soldados do Re-
gimento de Lippe, mandados por seus Pais.
n Por aviso datado do mesmo tempo, que se fez para
Abrantes, se despacharão no mesmo sitio duas sacas de car-
vão, para hum Cabo de Esquadra do Regimento de Mili-
cias, coín o accesso de poder mandar vir outras duas, logo
qae estas se acabem, vencendo o tempo por inteiro da sua
duração, e não morrendo antes do seu consumo.
Junto á loja da Gazeta está hum Passarinheiro , que ven-
de canários, cocos, gaiolas, e vassoiras de piassar.
Vendesse esta Obra , e todas as mais partes de que he
composta , e vão sahindo saccessivamente ^ nas Lojas seguin-
tes : Na de João Henriques na rua Augusta junto ao Ter-
reiro do Paço : Na de Brancisco Xavier deCarvalòo no Cbíã'
do defronte da rua de S* Francisco : Na ds António Manoel
Po ly carpo na Arcada do Senado: Na de Desiderio Marques
Leão ao Calhariz NJ* 12. : Na de António Pedro Lopes na
rua do Ouro junto d da Gazeta; Na de Leal em Alcântara :
E em Belém na de Capella de José Tiburcio : Também se
achão na mesma Officina em que se fazem.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
181 9.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço.
A.
ALMOCREVE DE PETA&
PARTE LXV-II.
Rua de São de Paulo 22 Vf Julho.
.Os homens de senso nao faz expectação os extravagan-
tes, e exquisitos penteados das Senhoras Modistas: hontem
como serras levantadas, hoje de estradas seguidas até aos con-
fins da Europa , e amanha de carapetas da secia , que as faz
andar em huma roda viva : apparecem por^m agora asSenho^
ras penteadas com ameixas reinoes fora de tempo , como que
as trazem a secar na cabeça , para fazerem charopes de pre-
venção para os defluxos , penteado este, que custa a fazer a-
meixas de conserva, supportando a Madama , ou da creada
que a penteia, ou do mestre Cabelleireiro , huma infallivel quei-»
madura, que se refrigera com hum v. w. perdoe ^ ou delle,
ou da creada: ei-Ia ahi de cabello á caçadora de Francforte:
este penteado , que novamente vemos , tem sido visto , se-
gundo as épocas 333 vezes com esta; esenão calculem o tem-
po lendo a Âppologia safada de Esopo ^ no Capitulo Pmte
das Mus/f ^ ^ no qual elle assim se explica : « levantando-sc
Euripide huma manhã com pressa para receber huma visita de
^7
< V)
ceremonia, velo com a cabeça estupefacta, con3osah ira da ca-
ma , e cuidando a visita que ella viixiia j4 penteada , se agra-
dou tanto da grenha , que íogp se virh) na Grécia todas as
Senhoras penteadas de encarapinhado grosso, ao qual chama-
vao grisalha : Vê-se nas Bamhíixíitas dt Jpeles hum Quadro
do roubo da famosa Hellena , eiri que cila apparece pentea-
da á Macedónia , com os cabellcs esparzidos ao vento confor-
me a natureza lhos arranjava , cingida a cabeça com huma
fita de preciosa pedraria, a que o modernismo chamou Mar-
rafa. As suas Servas usavao do mesm.o que ás formosas estava
a matar , e ás feias parecião Fúrias do Averno : girao estas modas
de Paizes em Paizes , e as meninas tudo adopiao, estejao , ou
não bem ao parecer. A que he foniiosa deveria fazer hum
penteado , que a não desfeiasse, e a que he feia deveria fa-
zer outro, que lhe chamasse a formosura : ha cousa mais dis-
forme, que hum penteado gordo em cara magra? Não di-
ráõ todos, que iie ranho em parede? Ora contarei o que suc-
cedeo de próximo a certa Senhora a respeito do tal pentea-
do de geringonça: Mandou chamar Monsteur Serveté ^ mes-
tre affamado de perucas, para a pentear no ultimo ponto da
moda , pois havia ir aos annos de sua Cunhada D, Galhaibei*
ra ^ com caraçóes soltos: Veio o mestre, pôz-se á chirino-
b , e disse-lhe : Senhora , jã se nào u são pós , o chefe da mo^
da he ir o cahello como azeviche ; aqui trago hum vidrinho
de óleo de nozes , que he com que o cahello pôde ir negro , e
lustroso. Ficou a Senhora saltando de contente , fez-lhe o mes*
tre toda a cabeça em caraçóes do tamanho de carambolas de
jogo de bilhar, com muita sinalefa pelo meio, e o cabello
ocorrendo em óleo , porém preto no ultimo ponto: acabou-
se a obra , dirigio-se a Senhora á função na companhia do
i;eu estiinavel Esposo, que nesse dia botou hum vestido de se*
da primorosissimo i rompeo-se a sccna das contradanças, ele-
ge o marido para ser par huma galante Senhora, que lá es-
tava; ^xào. Madama em zelos, cahe convulsa , sustenta-a o
Esposo nos braços, satisfações para aqui, fumaças para aco-
fá , no fim da festa tanto o marido, como os mais milords,
<3ue a segurarão parecião huns azeiteiros ; porque nondea Se-
nhora arrumou a cabeça cheia de óleo de nozes, deixava os
vestidos huma miséria. Houve piranga que até chorou por ver
iQ &Q)X vestido perdido ; rogando pragas, e dizendo ; que nun^^
. ^ 3 >
cavtais acoita a enfermidades de Senhoras .^ ([tie $^ o covvU
das sem para algum enterro , ainda , au^da.
Terceiro encontro , que tcv: o Almocreve de Lisboa coká
o Retomo do Porto ^ nos Campos da Goliegã.
Encontrados? q^ic fnrâo os dois Amigos, o Almocreve
de Peras , e o Retorno do Porío , deo o Retorno nos campos
da Gollegã algumas horas de pasto á sqa .cavaJgadura , pois
que vinha de mais iongc , e tanto que deo coii) o Almocre-
ve, abraçárão-se com muita alegria, e perguniou-ihe o Re-
torno, que fícvidadef hãviào} Respondeo o Almocreve,
» que não sabia cousa de maior, poríjue algumas de irais
supposição vinhão feciíadas na mala. ■»> Poz-se a sigarrar, e
continuou, dizendo : >> agora me lembra riuma , que pôde dar
motivo para o tempo, que aqui nos demoramos \ saberás que
ainda quarta feira passada me veio ás mãos o folheto nume-
ro onze do Café Jocoso, olha que te seguro, que todo elle
he huma sétta contra meu amo : » respondeo o Retorno :
y* também já ouvi fallar nisso, e que fere ainda mais , que
aquellas folhas que te e,a dei a vi^igem passada : nao ha du-
vida i que me dizes tw (continuou o Almocreve) ao desem-
baraço, por lhe nao chamar desaforo, com que o Author do
tal Café, quem quer que elle seja, ameaça com páos , e com
pedras no folheto numero onze na lauda 271 os que não gos-
tno da tal Obra, bemdito seja Deos I ha Authores que, ou
a bolça , ou a vida. 19 Respondeo o Retorno , >> e se lhes não
comprão as obras vai tudo pelo pó do gato; a mim disse-
r2o-mc que nesse folheto na primeira folha vem o dia de pan-
talonas cor de rosa ; o Author mostra que estudou , vê tu se
elle p6e o dia em calças pardas, que desgosto para todos !.>f
Aqui continuou a fallar o Almocreve; »j na lauda 284 vem
atacar meu Amo, admirando-se muito dos sonhos , que tra-
zem as petas, mas cu assento que he mais nuural soniiarl:um
homem deveras cousas, que vestir o dia de pantalonas ; cm
Que se podia achar algum milagre era no homem dormindq
fallar com mais acerto, que elle acordado. Na jnuda 298 a-
tira o tal Author outra pedrada , mas não acertou, dizendo,
que as petas não tem gasto, quando todos sabem que pelo ter ,
he que a inveja se poz a moer café. Também promette pa-
^4 5
ra o Entrudo hum papel feito a meu Amo , acabando a pro-
messa como Musica de Igreja com rres Améns no fim, co-^
mo tu poderás ver na lauda 299. » Disse logo o Retorno ;
íj^a consolação que pode ter teXi Amo lie, que pouca gente-
lia de ver a tal Obra , só se elleader de graça. « Continuou
o Almocreve; » sabes tu que mais, que meu Amo he tao
bom homem, que sabendo que ha na loja da Gazeta Gafe pa-
ra 300 annos, me fallou por esrem.odo: » tenho visto os fo-
lhetos do Café jocoso , se te encontrares em alguma estrada
com alguém, e fallarem nesta obra, tudo o máo que disse-
rem, (isto he só da Obra, que do regulamento da vidados
Aurhores , he falta de honra fallar nisso , ) quero que me tra-
gas ; e as taes conversas que tiveres, quero-as pôr nos folhe-
tos dae petas para ajudarmos o Author do Café , porque o
Povo em presentindo complicação , ha de ir comprar os 12 fo-
lhetos dessa Obra, para fazer as suas combinações, e fica o
pobre homem, coitado, com esse lucro por minha interven-
ção, e agora mais te advirto a ti , que nao penses que por
elÍQ cahir íia materialidade de se esforçar em trilhar hum ca-^-
minho para que a natureza o não leva, deixa de ser homem
de Letras, pois tem seus rasgos, quem quer que he, pelos
quaes mostra dedo de gigante; não precisa certamente, qfíe
o seu amanuense lhe dê luzes : porém em querer pôr em pa-
pelinhos taes, as Filosofias , as Mathematicas, as Theolo-
gias; matérias, que tratadas seriamente não são para todos,
h€ em que o tal Author se perde; pois veste huma casaca da
brilhante em hum cavador de enxada de botas brancas ; e se
elle me accommette pelos meus poucos estudos , cuidando que^
me abate, he quando me forma o meu maior elogio , que com
farinha todos amação. >j Responde© o Retorno, » ora mui*
to me contas , pois a nossa conversa vai ás petas ? n Disse
o Almocreve, >f sim senhor, sim senhor, para fazermos por
beneficio vender alguns folhetos do Café jocoso, eadeosquc
tenho o Cavalinho manco, e he preciso ferrallo. » Tornou
o Retorno, » pois dá-me esse sigarro , e adeosj assim se des-^
pedirão ambos até outro cnconiro*
(?)
Continuação dos ccnceitos achados ao nosso Velho de Ro-
mu lar es*
Dizia o nosso Velho , que havia no mundo quatro cou^
sas muito Itvss , e ciuco muito pezadas ; que as primeiras
erão o ar , a chamma , o fumo , e a mulher ; e as segundas ,
que erão o oiro, o azogue , o chumbo, o ferro, e lium tes-
temunho no homem honrado.
Dizia o nosso Velho, que havia no mundo quatro ani»
maes\ de que o homem precisava muito ^ e seis que se lhe fa-
zião bem desnecessários \ os primeiros ^ que rao o boi, o ca-
vallo , a gallinha , eo cão \ e os segundos , que erao as moscas,
as baratas, as pulgas, os piolhos, os persevejos , e os ratos.
Dizia o nosso Velho , que kazia mais moeda falsa na a^
mizade , que no dinheiro-^ que o homem seria muito rico se
assim como descobrio a pedra aonde se toca o oiro para se
distinguir o fino do falso, descobrisse a pedra para tocares
amigos.
Havendo no beco dos Captivos , hum segundo andar de
humas casas com escritos, mandou o Poeta o seu moço para as
varrer, e limpar; porque já lhe tinha feito o arrendamento,
o que o moço fez logo com todo o cuidado; porém hindo
basculhar as aguas furtadas , deo cora huma canastra velha ,
cheia de papeis maltratados, mina que elle estimou por ser
muito curioso, e já soube que erão do ultimo habitador,
que pouco tempo antes tinha hido espirar ao Hospital : en-
tre elles se achdrao as misérias , era que vivem sacrificados os
Poetas, que hiremos dividindo por estes follietos , pois que a
mo^o faz nisso o raaior empenho,.
SYLYA,.
Ah que d'ElRei não quero ser Poeta 3.
Qiie receio me fira a mordaz sétta ;
Que prémios são os que se tirão disto i.
Que Poetas felices se tem visto?
Elevados na magica negaça ,
Que lhes corrompe do juizo a raaça^
(6)
De loiro , e palraa a ímarcesivd gloria ,
E niíl Padrões no Templo da Memoria ,
Que o homem já mais vio, que buscão todos
Com diversas tenções , diversos modos j
Estes os frutos são , estes os bens ,
Mas na algibeira , nada de vinténs ;
Muitos ha, que servir possao d'exempIo ,
Dos que tiverão no Hospital seu templo i
E em galardão da remontada veia,
Nao ter certo o jantar, falrar-lhes ceia :
Allego com Camões ^ iamães divino,
Nobre brazao do Tejo crystallino,
Cuja alta fama, o tempo o náo consome*,
Morrendo de trabalhos, e de fome:
O portentoso T^fo incomparável ,
Reduzido a miíeria lamentável ,
Viveo n'hum Lazareto ferrolhado,
Como se fora orate rematado :
Ser Poeta eu nao quero , a fites caixeiro ,
De farto Mercador , gordo Ttndeiro ,
Estes «im, que tem bolcjas recheadas,
Vao ás funções nas seges alugadas,
Mostrao nos trajes serem abundantes, ^
Não se queixão de Damas inconstantes;
E o Poeta se vai ver as Meninas ,
Vem de norte a marrar pelas esquinas ;
Se faz oiteiro , era que trabalha, e sua,
Quando lhe escuta hum bravo, he cá da rua;
He certo que grangêa a eterna fama.
Mas falta-lh^ o vestido , a côdea , a cama.
Continuar "St- ha.
Rua da Atalaya ^i de Julho.
Dissertação do nosss Sãbií) applicado a exp^eriencJaí
económicas.
Depois que o Mundo perdeo o thesouro da Medicina,
ou a célebre Farmacopéa, que o sem segundo Salomão Có-
digo da Sabedoria , eompozera , entrarão os homens como ás
<7)
cegas a tatuar os antídotos dos morbos , que atacao a humani-
dade : os enfermos expostos nas Pnjas públicas , entregues nas
mãos do acaso ; crao o alvo onde se dírigião as experiências
das virtudes úos ires reinos da natureza : Hum Avtcena ,
hum QalUno ^ e a lgiu>s outros cxcogitadores subtis das crizes
dos morbos, indagáríio as cauías, observarão es remédios, e
notarão os cfíeiíos : no seio dos vtgetaes , mifjeraes , e ani^
mães depositou a Omnipcrencia o salutar defensivo das en-
fermidades tão nocivas aos humanos , e centrarias á sua dura-
ção ; porém os hcm.ens ainda não indagarão , nem conhece-
rão rodos os mysterios da natureza \ -com tardos, e vagaro-
sos passos he que o tempo lhos vai descobrindo^ enconirao-
se ás vezes os rcm.edics ronde m.cncs se julgão. Quení dirá
que o FioifjG tem tantas virtudes , e que em vez de ser hum im-
portuno perseguidor dos humanos, he o seu bemfeitor: tan-
to comido , como comendo ; comido hebom para a ictericia ,
comendo suca os hum.ores infectos derramados por entre a cú-
tis, donde procedem graves doenças, seja pois o nosso cui-
dado todo, dirigido á propagação de tão salutifero insecto;
graças ao meu trabalho, e ás mánhss experiências! que me
Tem descoberto o meio da sua producçao , que a bera da hu-
manidade revelo. Consiste este importante segredo, embotar
pós de trigo na cabeça, e comer fava verde crua, que os pós
he para os sustentar, e fava para os produzir; e assim era
pouco tempo se consegue haver cada píolbo como fava , por-
que a fava cria piolho , ainda quando está na faveira.
AVISOS.
Vendo Monsieur Paquetini a grande necessidade, que
J)a de moinhos, e ao mesmo tempo, que a vigilância dos ho-
liiens ainda não tem descuberto mais q.ue metade deste inven-
te, elle faz ver ultimamente as duas> espécies delles que fal-
tavão : havião até agora somente moinhos de agua , e de ven-
to , agora pelas descubertas deste grande homem, também os
ha de terra , e fogo , e assim temos moinhos de todos os qua-
tro Elementos,
( 8 )
AVIS O S.
Limiano àa Fonseca^ Cascarejo por varonia , na sua
-tenda telhada de esteira de tabúa , vende pelo miúdo varias
iarabugens de comida com muita commodidade para a pobre*
za , vende 5 réis de azeite para untar pao , e para se comer
bacalháo cru ; e porque o vinagre he muito barato , quem
quer huma pinga delle para comer duas sardinhas fritas , de-
've dar-lhe as cabeças, e hum bocado do rabinho de huma :
dá dentes d'aIho para açorda , por huma colherada delia , e
flté aluga sigarros a dez fumaças , ou cachimbadelas por cin-
co réis , e nao importa que se não tomem todas no mesmo
<lia, que elie assenta com giz aos freguezes as que tema con-
ta ; tudo para cómmodo do público : ninguém duvida que te-
rá freguezia immensa , visto que ha lojas de mercearia, que
tião querem dar meio arrátel de arroz., nem d^z réis de as-
■sucar.
Na Praça do Rocio se ha de pôr aleilao-piiblico, hum
grande sortimento de cortezias de todos os lotes, como cor-
tezias ãe mãof.^ cortezias de olbos^ cortezias àe chapéo ^ e
crjrtezfas rasgadas^ quQ neste género de fazenda são as mais
caras i quem quizer arrematar algumas, e não tiver armazém
para as accommodar , pôde deixalas mesmo na rua sem me-
do dos ladroes j porque elles desta fazenda , nem usão , nem
vendem.
De Vallada para sima , }á. principia o Tejo a ter agua
doce.
LISBOA. NA OFFIG. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com Ucsnça da Meza do Desembargo do Paçú.
F.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXVIIL
Rua direita da Fatriarchal 2 de Agosto,
Oi galantissirao o desencontro, que houve no presente c?r-
so succedido nesta rua. Hum sujeito já adiantado em annos
dono da sua casa, casado, e que rinha huma filha de 19 pa-
ra 20 annos na sua companhia , e huma criada bastantemen-
te esperta , veio no conhecimento de huma logração , que lhe
pregava, a que o acaso acudio , fazendo-o a elle o instrumen-
to para remedear, em parte, o seu mesmo mal : A filha na-
morava hum Cavalheirote Morgado, e profectou fugir com
elle, ajustando-se na véspera, visto que o Pai se recolhia tar-
de, de lhe deitar pelas 8 horas da noite da jnnelia abaixo
todas as suas jóias, para que pelas 2 horas da noite ella com
mais facilidade podesse sahir, csperando-a elle a esta mesma
Jiora de ponto certo. Logo quiz a fortuna , ou a desgraça
que a Criada sem saber da Aina tivesse projectado o mesmo
com hum Lacaio, com quem tinha também ajustado, que a-
pcnas anoitecesse viesse buscar algumas cousas , que llie ha*
via de deitar pela janella , e que em sendo meia noite a vies-
se buscar a ella : Logo depois de Trindades appareceo o La-
68
<^2 )
cajo , e porque à Criada estava occupada em coDí?a , que â
Dona da cnsa lhe mííndou fazer, de que se não podi?! tirar
tao cedo, veio a filha á janella, que andava coiro doidinha^
e já tinha huma grande condcça promprar clieia das suas pe-
ças, e do mais precioso que tinha, e porque vio aquelle vul-
to perguntou, he voné y respondeo-lhe*o Lacaio debaixo ima-
ginando ser a Oiada que lhe fallava, sou, hãi te demoret
em bofar isso. Foi a filhazinha da minha a!ma para dentro,
e em jiuma volta de mao por huma cordinha , dcitou-lhe a
condeça , com que o Lacaio se foi rolando. Quando erao 8
lioras da noite veio o Cavalheiro Morgado na fórma do a-
jtiste , e a Criada que já estava desempedida veio a outra Ja-
ne] Ia , e disse, tem paciência se esperaste nitítt o ^ toma con*
ta nh^io ^ e por hum orelo lhe botou h uma frouxa. Porém
quando esta hia descendo pelo ar, o velho dono da casa, que
supposto se demorava todas as noites era huma palestra, que
tinha ..até.' ás II horas, tendo por acaso naquella noire huma
grande dor de cabeça, vinha para casa a toda a pressa met-
ter os pés em agga quente, e apenas-deo com o vulto , eque
descia huma trouxa de sua casa , passou para diante náo fa-
zendo caso, porém ouvio dizer de cima, em sendo meianoU
te estou prompta para ir comtigo. O velho foi seguindo o
vulto, e quando o pilhou em outras ruas longe da sua, a-
garrou-o , gritou , e foi clle meaiio com ronda conduzindo-o
para o Limoeiro. Feita esta conducçao entrou em huma Bo-
tica, fez huma carta , e mandou-a á mulher dizendo ^ e^ue
r,ão esperasse por elle Kaquella noite porque estava asstsiin"
do a hiím amigo seu ^ que de repente se achava ãs portas da
morte , e que nelle não tiveise al^um cuidado Ficou a Cria-»»
da muito contente com a noticia , a filha ficou saltando , sem
huma saber da outra cousa alguma , pois entcndião- assim
metter melhor as cores nos riscos qtietinhao lançado ; equan*
do era meia noite appareeeo o pobre velho debaixo da ja-
nclla. A Criada que vio vulto desceo , e sahio pela porta fó*
ra. Disse-lhe o velho em voz muito baixa, segue-me ^ e foi
andando não a perdendo de vist? , e chegando ao Limoeiro,
a encaixou de dentro. Feita esta segunda conducçao com to*
^o o socego , vinha para casa já perto das duas horas , equan»-
^o hia para bater na porta , oavio de sima a filha dize-r, ht
àaa Qccasião ^ cu vou^ eu vou* Susteve-se o velho dizendo lá
imsl^o, ora pschncla^ fizer ãê-me eaho ãa ronía do níem
\afrrOf aqui tenho nova emprega , se esta gefjte me a^visa
iftQ , tfftha-lbe aiu^ado buma sege , eis-qiie sahe a filha pe-
la porta fóra, desviou-se elle hum bocadinho, e disse-lhc de
longe era voz baixa , vem-^me seguindo depressa^ cem hum ins-
iflte a conduzio para casa de hum amigo seu, que tinha fami-
Ka ; e era que ian^c se nao achou esta miserável quando vio
o amante, trocado em outra qualidade de Morgado! Cons-
ta que a Criada foi para o Castello, o Morgado para a ín-
dia , a filha para hum Convento, o velho para casa, e o La-
caio que fora pôr loja d^ Ourives para Hespanha , pois le-
vava cora que, nas jóias que Uie derao ; vindo a concluir,
que por salvar estes enganos, se houver alguma filha de ca-
sa de seus Pais, que queira tugir, fuja antes de dia., quede
noite, e dar-oie-ha 40 réis pelo conselho.
IRua dos Galegos 6 dv Juld0.
Hum Estudante de má Grammatica, cora o devido res-
peito, porém destes que dão bom burro ao difiimo, Ioga
que principiou a construir pedio a seu Pai que lhe compras-
se huma Prosódia ; o Pai pelos grandes desejos que tinha de
ver seu filho (dizia elle) hum Catalão nas letras lha comprou,
e passados 15' dias tornou o Estudante a dizer a seu Pai ,.
que lhe comprasse outra Prosódia porque aquella já elle sabia
de cór , e argumentada i e como elle, aliás sempre de cor,
correo pelos estudos á rédea solta , saltou por cima da Filo-
sofia, entrou pela Rhetorica dentro, e foi dar comsigo em
Coimbra, assim como quem nao quer a cousa , onde foz actos
grandes , segundo o que se esperava dos seus talentos : forraou-
«c por informação , e passou a Lisboa a fazer exames vacua-
dos, leo de Jure fechado, pois que a sua sciencia consistia
em segredo, ficou approvado, e na esperança de hum despa-
cho surdo , o qual no decurso de 30 annos nunca yjrdio : El-
íe vendo-se cançndo de esperar, e arrazado em contas, pas-
sou a ensinar por casas á mocidade a regra do A, B, C,
donde lhe entrário a chnmar, por ant-onomazia , o Doutor
yix f Eu,. EMc se aclia hoje em dia muito curto da vk^ta pe-
la ter cançada de olhar para os livros, por cuja razão oisa de
(4)
óculos, trazendo-os seaipre no nariz, signal evidente de Dou-
tor chapado, poréin nao usa delles de noire , porque entío
vê hum Mosquito na banda d'além se lhe faz conta : Soube
clle hum dia do seu Aguadeiro , que morava também na mes-
ma rua aonde clle morava, em companhia de outros Gale-
gos, que hum delles hia á terra levar hum taleigo de moe-
das, que tinha ajuntado da venda da agua, e de fretes; foi
esta hu4na noticia que lhe fez tremer a vista, e cahir os o-
Gulos de gosto ; entrou logo a ver, se na sua filosofia podia
achar termo com que lhe viesse á mão aquella porção de di-
nheiro : o principio, meio, e fira do que lhe lembrou, foi
o seguinte; como elle era só em casa pegou era dois molhos
de carq»ueija , desenfeixou-os, e po-los dentro da chaminé, e
quando erao nove horas da noite largou-lhe o fogo, e veio
iogo pôr-se ao pé da porta dos raes Galegos : Assim que da
rua foi visto o clarão dentro de casa , e a chaminé a botar
muito fumo , e lavaredas , entrarão a gritar na rua fogo ^ fo^
go , fogo» Acodem os Aguadeiros, e todos os Galegos da-
quella rua, e inadvertidamente deixarão a casa ao desamparo
por ser o fogo na visinhança : o Doutor aproveitando-se des-
ta aberta, pela informação que tinha, lançou a mão ao di-
jiheiro , e veio abalando com os caximbos muito socegado a
acudir ao fogo de sua casa, de que elle bem pouco se lhe da-
va , a tempo que já o fogo estava apagado por ser fogo vif
to Imgoiça. Elle mudou-se logo do bairro, e o Galego da
casa para a sepultura ; porque se inforcou sem ninguém lhe
poder valer ; ficamos esperando o saber se este Doutor faz mais
algum furto no bairro para onde se mudou, que fielmente se
publicará.
Continuação âas lastimas em que vivem sacrificados
os Poetas.
Nós vimos vezes mil , o terno Mattos ^
Rota a camiza , rotos os çapatos ,
E chorando o rigor de Daraiana ,
Passar a pão , e agua , huma semana :
Mas quero conceder, que alguém que estude,.
Ame, deseje, estime esta virtude ^
Sem appellar ao Século vindouro ,
Ciíija ao vivo Pocra, hum verde louro,
Que campêe aceado , e viva farto,
Qiie hum Grande lhe dê mcza , e lhe dê quarto;
Poderemos negar , que vem hum dia,
Em que acaba de todo esta obra Pia ,
Porque o Dono da casa se suffoca ,
E nao quer sustentar mais huraa boca ,
E logo que deo fim tal subsistência,
Náo vive da Divina Proxidetícia !
Que Mister tao penoso , e que trabalho í
Antes alçando, ou picareta, ou malho.
Era profundos caboucos sepultado,
Fosse a cortar penedos condemnado ;
Do que ir á banca , com papel diante,
Esperar hum rebelde consoante;
Atolhando o nariz, vazando a caixa ,
Dá voltas ao juizo, inda o nao acha :
Nao cuidem que lhe minto, hum dia intei-ro,
Ao cepo atado neste captiveiro.
Chega á noite, o mofino por pirraça.
Sem querer deixar ver-se a noite passa ;
Cançado de lutar busca aposento ,
E quando divertido o pensamento
Nas margens de Epicuro se apascenta,
Sem saber quando, e como se apresenta,
Salta da cama, e salta de contente,
Qual Ârchimedes do metal luzente
2>iO banho achando o pezo , sem repêuso ,
Achei , ackei já grita presuroso ;
Impunha a pena, escreve, acaba o verso
Gh destino cruel, oh fado adverso!
Cuidando ter de todo concluido ,
Falta á Syntaxe, torse-se o sentido;
Eis desmancha outra vez, e outra vez fica
No mesmo pasmo, pois de novo embica.
CofUinuar^se-bãi
(6)
Entre âr curhíOf papis ào msso bom Veíbo de Romularef
se acharão algumas anecâstat galantes , e de boa esoh
iba , que hàremos rgpartindo pelos seguintes fQlbetos^
ãando-lhe principio com as três presentes,
A N E C D O T A L
Havia hum Gato em certo Convento , que pelo costu-
me de ver, quando se tocava o sino do Refeitório, liirem
os Religiosos comer , donde lhe resultava igualmente o seu
sustento , estava tão habituado a isto , que era ouvindo tocar
ao Refeitório, era elle o primeiro que se achava, ainda que
era o ultimo , que comia : Aconteceo porém , ficar hum dia
fechado na cella de hum Donato , a tempo que oRefeitorei-
ro tocava a comer: o miserável animal com berros, unhadas,
e estropulias , bem declarava o seu sentimento *, o Donato sen-
tindo aquelle motim, abrio-lhe a porta , e o faminto Gato
de jesquentilhão partio a toda a brida para o Refeitório , mas
ítão tarde chegou , que já estava varrido. A fome o apertava ,
e as diligencias de ver «e achava com que a matar, não ces-
sarão : Era quasi noite , c o triste trepando por sima dos
bancos, queria achar refrigério á sua necessidade, até que se
trepou á corda do sino para marinhar por ella , a tempo que
com o pezo entrou a tocar-, acodio a Gommunidade louvan-
do muito ao Refeitorerro o apromptar-lhe a cêa tão cedo ,
porém o raesmo Refeitoreiro vendo-os juntos , por aqueile
acontecimento, lhes disser quem vos chamou^ $knhores ^ vós
estais logrados ! vindes ao Refeitório , e ainda não tenho na^
da proyupto y a isto respondeo o Donato: Tivemos a sorte do
GatOy elle porque veio tarde , e nós porque viemos cedo,
A N E C D O T A IL
O valor Militar em toda a parte do mundo se distin-
gue, e se faz credor da maior estimação. Na guerra de sete
finnos houve huma batalha entre Austríacos ^ e Prussianos ^
íhum soldado da Prússia teve naquella acção tanta coragem^
tque se entranhou pelo exercito inimigo, sem temer a funesta'
«consequência, ficou porém ferido, perdeo o cavallo , mas
çntre aquella confeío , admirando o General Austríaco o va-
lor daquelle intrépido Frussiana^ íazendo-o levantar o tra-
tou com o maior acoRiiinento , fez-Jhe curar as feridas ; e
tanto, que o achou restabelecido, o mandou de presente ao
seu General , abalizando-Ihe deste modo , o valor daquelle
bom soldado, que deve ser espelho de quera defende a sua
Fatriâ.
AIS^ECDGTA III;
Conta-5e que á pouco terr; o nesta Cidade de Lisboa ,
lium Mordomo de huma casa abastada , depois de fazer o
seu partido por espaço de dez annos, no fim destes, dando
^teis razões, se despedi© do dono da casa. o qual sem se
espantar de hum caso tão inopinado , só lhe respondco : na
minha infância vi em winha casa^, que estando huma gar».
rafa meia de kite em huma banca , huma cobra se introdu»
Zfo nel/a, e bebendo todo o ktte quiz sahir y mas em vão o
Untou , a pezar dos esforços que fez , porque não cabia pt»
lo gargalo da mesma garrafa \ até que para conseguir o seu
fim não teve outro remédio mais , ciue tornar a vomitar Q
mesma leite , que tinha bebido , e então he que sahio*
AVIS OS,.
Quem quizer emprestar algum dinheiro sobre humas
casas que rendem 'yQc^ooo réis cada hum anno , dá-se 20
por 100 de premio; toda a pessoa que o poder fazer, era
attenção ao promettido , não tem mais que ir para sima do
telhado da dita propriedade esperar pelo siijeito , que o per-
tende, que elle níío pode tardar muito.
Sexta feira 17 do corrente mez de Agosto, na casa
d'agua jynto ao abarracamento de Peniche, se ha de arrema-
tar a quem mais der, o contracto do pingo, e espera-se^
f>eIos simptomas, que no anno futuro haja huma grande co-
heita : Toda a pessoa, que andar pingando por sua culpa,
e não souber o que isto dá de si , pode arrematar sem sustp
<8)
de perder: aprompte vasilhas, e lembre-se que a grSú ^ 9
grão y enche a Gatinha o papo.
Quem quizer parreiras racionaes, dirija-se ao Talavei-
ras , e ás Tabernas que lhe ficão visinhas , que alii quasi de
graça nao lhe faltarão enxertos.
Por detraz da travessa da espera , como quem vai pa-
ra a Bica do çapato , virando para o Arco da Ribeira No-
va , mesmo na esquina da Fabrica da Seda se vendem doces
de toda a qualidade, e por preço muito cómraodo , allise a-
cha doce de lima surda sem calda , doce de amêndoa de brin-
cos de Senhora , doce de cocada feiui de coco do pote , e do^
ces de seringa de estanho : as pessoas que necessitarem de fa-
zer algum sortimento já lhe ensinei aonde era.
Vendesse esta Obra , e todas as mais partes de que he
composta , e vão sahindo successivamente ^ nas Lojas seguin-
tes-. Na de João Henriques na rua Augusta junto ao Ter*
r eirado Pafo : Na de Francisco Xavier de Carvalho ao Cota-
do defronte da rua de S, Francisco ; Na de António Manoel
Poíy carpo na Arcada do Senado: Na de Desidetio Marques
Leão no Calhariz N,^ ii. : Na de António Pedro Lopts na
rua do Ouro junto d da Gazeta: Na de Leal em Alcântara :
E em Belém na de CapeJla de José Tiburcio : Também se
achão na mesma Oficina em que se fazem.
LISBOA. NA OFFIG. DE J. F. M. DE CAMPOS.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço»
o
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXIX.
Moncorvo 4 ck Jgosto.
Seu arrojo os punio, he para que nao sejao fólios , não lhes
vaieo serem ambos Estudantes, para não deixarem de cshir na
trama que se lhes armou. A mulher do Boticário, que hehu-
ma boa mulher, e mora nesta Villa , dizem que he casada
cora hum Boticário , ainda que outros sffiriTião , que o Boti-
cário he que he cassdo com ella : dois Estudantes que tinhão
aqui vindo tomar ares, attrahídos , ou namorados da Fua fi-
sionomia, entrárão-lhe a fazer tone, A pobre mulher que se
via perseguida daquella feição escolástica, foi ccntalla ao ma-
rido , para ver se lhe dava algum rercedio da Bctic?. O ma-
rido ensinuou-lhe o que ella havia fazer, indestrandc-a em hu-
roa galante peça , era que os dois esculápios forão envolvi-
dos; tomou ella muito sentido na tramóia, e portou-se com
lai lição, pelo modo seguinte: Appareceo o primeiro namo-
rado muito lépido, e fez-lhe hum agaté, oíFcreceo-lhe hura
escrito, a tempo que ella fez hum aceno, para que o Cha-
veco viesse á falia : elle sem demora meiteo de ló , e com
vento era popa Jhe fez hum bordo, e quando já estava roais
69
(i )
perto disse^lheellâ, meu mando trata^me multo mal ^ nunca
se tira de casa , nem me deixa ser senhor^^ de chegar a
huma janella , porque só de noite he que sahe , e em sendo
9 horas em ponto vem para casa \ nestes terrnos se V,m,me
estima faça-ihe huma espera , e d manhã ds 9 horas da
noite quando elle estiver d porta venha V» m, mascarada
com hum chicote na mão , e apenas elle tocar na argolla
dealbe até não poder mais ^ prcjue assim fico eu vihgada
dos seus accintes , e V, rn. terá lugar de me poder f ai lar
em quanto elle estiver de cama* Ficou o Estudante muita
contente, e capacitado daquella fortunaça, despedio-se coiíii
o projecto de pôr em execução tudo quanto lhe foi deternii-
nado. Passadas algumas horas passou o outro Estudante , que
não era sumenos em valor, e amante até á raiz do cabelio,'
passou pela janella, vio a tal mulher do Boticário, e confor-
me o seu costume, tez huma cara de lã vou d noite ^ ajun-
tou procuração, desfez-se em finezas por acções, até queella
lhe insinuou, que se chegasse mais ao perto: elle assim o
fez , e disse-lhe éh com todo o segredo : F^ m, d manha
feias 9 bora da noite sem fakncia vcviha aqui ^ e apenas
chegar , toque na porta , e venha armado com hum chico*
te para me vingar de tantas escandolas que tenho demeíê
marido ; se me quer bem ha de me despicar , elle todas as
noites sahe , e se elle vier em quanto estivermos comer»
sanáo , ou antes , dé-^ihe , e macero bem , e naÕ o tema
forque elle he niuilo medi o o: ficou este segundo amante
certo de fazer quanto se lhe pedia , e chegando a hora assi-
gnalada, chegou também o primeiro Estudante, e pc2«se á
lerta , a ver quando chegava o Boticário: logo depois che-
gou o segundo, e confonre a senha dada, tocou na porta ;
o primeiro que pensou que era o Boticário , que vinha entran-
do , $âlia-me nelle , desenvolve o ouiro ranhem o chicote ,
ferveo a mosquetnria de chicotada entre o escuro da roite , e
sem se ouvir palavra, o l^oricario , e a mulher por dentro da
roíola a rirem, que se nao podido itr, e os dois na rua mia-
çados hum pelo ouíro no uliuno ponto. A este tempo passou
hum archote, conhecerão o engano, porém ficáiao tão moí-
dos de v^rgalhada , que hum dclles foi preciso ir tm braços
p3rq crtSJ \ ambos forao san^^rados , e postos em lercóes de
Wíiho^ iua3 por viag^inj*^ ííí»ics dois enfermos , mandai) buscar
os remédios duas íegons de disrancí^ , que llie cusiao dobra*
do, só por não darem que fazer áquelie Boiicsrio.
Cruz dos quatro caminhos \A. àc A\josto^
H.1 neste sitio hum romeiP , que iruiros lhe fs7em a
festa de manhoso , só porque ssbe rcgiilnr ccri) econi niiri o»
seus teres, e haveres; ejle iie de honi bem nutrinento pois
vive do que come, (de tola) porque itin z hsbilicpdc de
jantar de barreie fora , por casa de seus antigos, a troco des-
tes gostarem da scdiça Rhetorica com que es adormece, cheia
de passagens dos Contos de 1 rançoso, dn celebrada guerra
dos Raros com os Gatos na VilJa de Aiccutíín ; alguma peta
de nova invenção, assira com v. g. mistuicda cem o seu riso
araareilo, para se congratular com os ouvintes que o appiau-
dera , repartindo, para lhes não ser pezado, hum dia aqui,
outro acolá, segundo a conta do Kaiendarioda semana 5 pois
como isto de comer, e beber, á custa da barba longa, he a
melhor Providencia que se tem descuberto, parece que a regra
he infailivel, quando o tempo se compassa. Domingo passa-
do lhe succedeo (salva tal lugar) ficar sem jantar por certo
inconveniente, e não por descuido pessoal, porque chegando
o tempo de jantar já elle andava a ver as esirejlas , e calcu-
lando-as com a vontade de comer ; logo que sentia estar-lhe a
barriga dando horas conhecia , que era meio dia , largava
esta curiosa Mathematica , e hia calcurriando para casa do seu
bemfeitor daquelledia, por não passar por baixo da rreza como
lá dizem , e muito mais este que he hum daquelles que costuma
dizer, quem ás horâs não vier , comerá do que trouxer, o que
lhe succedeo neste dia por se fazerem naquelia casa inespera-
damente os officios da côdea mais cedo , por certos motivos ,
e como SC visse obrigado a ir jantar á sua custa , cm huma
occasiâo em que se achava baldo a naipes, defermircu jantar
passeio, que não he máo bocado para quando ha vontade de
comer, e indo até Penha de Frarqa , teve a felicidade de en-
contrar ao sahirda Igreja hum rancho que pelo tamanho pare-
cia o da carqueija ; o qual era de huns Pescadores de Setúbal ,
que tinhão vindo com as suas famílias , a fazer huma romí^gcm ,
e andavão procurando sitio para pass.uem a calma , e esp^tiía -
rem hum sarapatel que irazião em huma teiga destas de trcsein
P''at0;j o nosso amigo bein diligencias fazia por desfarçar ar
fome, porém naco podia conseguir ^ e lembrando-se , que^
mettendo-se de gorra com aquellcs amantes, poderia tirar seu
ventre de miséria, e trazer para remir algum vexame dos que
elíe padece, como era prático do siiío se oíFcreceo com a sua
cosiu.nada maciíavelisse para os levar para liuma parte re-
tirada, e o seu preitimo aié para ir buscar o vinho sequizes-
sem ; acceirárao o ofF^Tccimento sem mais lembrança , que a
boa fé , e elleos levou para a Quinta da Minhoca \ fingindo-se
ser amigo do Cazeiro pela facilidade com que conseguio a
Ikença ; entráo lodos na Quinta , buscao logo a sombra para
refrigerar a calma, e o nosso amigo já não sabia quando ha-
via encher a buzsra , para se pôr lambem ao fresco no caso '
de pegar a labca , que assim succedeo : Entrão os amantes a
comer, e beber âsalvajadamente , (porque esta gente domar
he rauiro farta) e de repente com /"/ vãi d saúde dos únii"
gos se en-chugárão oito canadas de vinho que traziao em hu-
ma; borracha , e o nosso am.igo acompanhando o farranxo , c |
dizendo entre outras graças néJQ ha hora ruim no mundo , |
de que os melientes muito goítavao , vt;nba vinho ^ e mair \
linho griíavão toJos á boca cheia, e incumbirão o nosso!
amigo para o ir comprar^ não teve elIe dúvida pois já estava -
com a barriga bem feita , derão-lhe 3'ico, e assim que os a- |
panhou á unha, e mais a borracha, não Ilie pezou o pé huma |
onça, e até á data desta , pareccndo-lhe no que fez, que mct—
tieo huma lança em Africa : Diz-se que o rancho fizera nova^
promessa se apparecesse o tratante.
Rua da AtaUya 12 de Agosto»,
Lhser tacão da nosso sahio que tanto se emprega nas ex^
pertenci as tc^onomioís.
Depois que o astro luminoso esconde os seus igneoj
raios, levando a luz aos nossos Antípodas; e a $on»bria noi<
te desdobra o taciturno minto sobre a terra , a alhraosfera s<
começa a iaipregnar d^ vapores térreos, e mineraes, queen<
ícanio no nosào exofegp , atacáo as entranhas, e aubarajá(
a digestão , principalmente de fubstnncias forres: He certo,
que a terra sempre está transpirando, e cmí^npm^o do seu
centro, eflúvios, ou corpúsculos de huir.a ir.areria indigcífa ;
mas os ardentes raios do diurno Planeta es acrisclao, epuri»
ficão, de sorte que a sua nociva natureza não enpece a" coação
digestiva. Os alimentos fortes arruinão a m^áquina corpórea ;
a carne entrando no nosso vcníiculo faz o rr^efrao que as pe-
dras lançadas na n:ó do moinho, como aííírm.a hura célebre
Filosofo dos nossos tempos , que tem o nome de certo Pás-
saro agoureiro, chamado Solitário', A mó he certo que des-
gasta a pedra , mas também a mesma mó fica desgastada.
Ora nem só a carne faz damno comida á noite , todos os a-
limentos indigestos, ou de difficil digestáosão nocivos , o mi-
lho que tanto nutre, e anafa as Galinhas, he de huma natu-
reza fria , e indcgcstiva , e quando es raios do Sol não puri-
ficão os ares ambientes , entrega a saúde ao ponto da sua maior
ruina ; concluindo, Senhores, nâo só pelo expressado, mag
também pelas crebras experiências , que a minha indagação-
tem feito, que papas á noite, sempre causarão azia.
Continuarão das lastimas em que vivem sacrifica .for
CS f ceias*
Não valle mais ter banca de Letrado*,
De gordos, sujos feitos rodeado,
E cirando, sem ver, grossas Pandectas,
Rir-se de versos, rir-se de Poetas!
A quem não rende huma Epopéa hum chavo
Ganhar dinheiro, por appello, e aggravo !
Se depois de fadigas, e suores,
De dias muito máos , noiteí? peiores ,
Hum Poema acabou, se sahe de novo ,
Eis cahe nas mãos do caorichoso Povo ^
Trata o Plhfo .'e inscflFridos ventos-,
O Lavrador de terras, e de armentos ;
De ferros e bigo-na«í o Ferreiro ;
De troulha e de colher trata o Pedreiro ;. ,
Fora do offi^úo, cm que pâncipios teve,
Ni/ig'i3n sahir , ningueiii falUr se atreve
MiS d.n verso? n?.o in qui^m se nâo metta ,
Capitulafídí) o rnisero Poeca :
Hum , já Ihs cliarin frouxo, outro impoiado }
Outro se ri do verso desarmado ,
D.i riiiii em que viveo de eterna posse j
BorrUlengo Fueta d^agoa doce
Ojtro lhe chama, aquelle o ataçalha ,
Aqu>:lle da invenção murmura, e ralha,
K diz jjlginHj tinta injúria cm pouco
Qu^ he Poera , o sinonimo de huco :
Sí a?g'jem de versos não apaixonado
O Poeta vendo está routo, e rasgado,
De amirello, ou famélico semblante ,
Mjdin.lo os aiios Ceos , co-a vista errante,
Em ar de parasito, ou de mendigo ,
Chetri ^ exclama, a Poeta o tal étmig9
E cs:irnecenJo delle , hum dia inteiro ,
Q^jerem levallo a Còellar a hum outeiro,'
Qiie depois de soíFrer immensos tratos,
Dá3*lhe hum colete velho, huns máos çapatos»
Continuação as anecàotns juntas pela curiosidade do ms*
so Velho de Romulares.
Est.indo hum sujeito do Porto a jantar era casa de hum
Cavalheiro de Lisboa , disse o tal amigo Portuense para o
dono da cisa : Meu querido amigo lá mi d sua saúde , e
quero que me perdoe hum vicio , quç tenho , que he em he*
brnh muito , dd-me a bebedeira em descompor , e dizer
mil dos Fílh',t^s de Lisboa. Respondeo logo o dono da casa j
eu nh me em''ayaço com isso ^ pó4e dizer o que quizer ^
tam'7em me defcuioard o grande vicio ^ que tenho em be-
heido de mxts ^ que he pegar naquella bengalla que está
dq-ielle caiti , e dimane ir toiov a [ueUe; que me injurião ,
v.iõ eçti miis ni mnha mão* O amigo calou-se, que nem
inais palavrinha se lhe pilhou.
Hivia em Lisboa hum homem banantemente rico, que
casando quatro vjz:? , sempre lhe raorrião as mulheres de re-
pente. Hun Civalheifo que tinha huma filha lha foi oíFere-
cer p^ra quintas Núpcias, ao que elle respnndfo, rue só ss
se poztsse ta Escritura a ckusula delia raò norrer , for^
que es t nua já cansado de aturar mulhtres que morrião,
ElRei de Prússia sabendo que hum General Atsfriaco o
não gostava muito, cujo desgosto acompsnliava com algumas
expressões menos dccorosag , e vindo-Ihe a cahir prisioneiro,
o tratou com o maior desvelo, e distincção; o que sendo
estranho por todos aquelles , que cercavão o Monarcha,
lhe dizião : Como ke fossivel que sabendo vos ^ qudo pouco
devedor sois a este General nas suas txpressces ^ o trateis
tão distihctamente} A isto respondco o Monarcha: Eu lhe
perdoo todas as asneiras qus disse , por huma ciuefez hoje^
que foi perder a batalha.
AVISOS.
O Almocreve das Petas , tendo admoestado o seo Ca-
valinho, €m muitas exhibiçoes próprias de hum insigne ma-
quinista , o pôs prompto nas galanterias seguintes. Conra a
historia de Joáo Ratão, explicando-a com pés , mãos , e ca-
beça , que assim ha muita gente : Joga a espada preta , para
traz como qualquer principiante de dança: Faz bailar hum
pião do ar, á unha, jogando*o de garupa : Vôa sem azas,
de hum poio a outro polo, só por emulação ao Pégazo ,
sem que para isto lhe digão arre burrinho para Azeilãt^,
Entende pelo bolir dos beiços, o que lhe períruntão , e res-
ponde cousas exqiji^itas , que dão no goro. P6e em prática
outras muitas habilidades que fr.zem pasmar: As pessoas cu-
riosas que quizerem ter o gosto de verem este idivisivel es-
pectáculo, que em seu beneficio fi>z o Almocreve na Praça
do Salitre, a 26 do corrente, dirijão-se ás casas mencionadas
das Nutlcias da venda destes Folhetos^ que alli entre vidra-
ças Echarác o Almocreve, e o Cavalinho, vendendo estes
Folhetos, que hão de servir de bilhetes^ pelo pieço de40 réis
cada hum, esperando da attenção- do público que quando vi-
rem o Cavalinho n;i P»açi llie não atirem com batatas , ft^
míiíõiS'^ poís q^ue desempenha o que prometU'^ c quando te*
nlra algum falta, S3 deve desculpar visto ser hum pobre
bruto.
Tendo sido assas tão diíEcuItoso o descobrimento do
pomo se prepárát) , e construem as delicadas obras de louça
da Panasqueira, qu3 se vsnJe por todos os mercados, soube-
se , e não com pequeno custo, que o barro se amaça comos
pés , e a obra se t^az com as mãos.
Fica-se vendendo na Praça da Figueira ameixa tamanha
assim ^
Vendesse tsta Obra , e todas as mais partes de que he
composta , e vão sabindo successivamente ^ nas Lojas seguin*
tes: Na de João Henriques na rua Augusta junto ao Ter-
reiro do Paço : Na de Francisco Xavier de Carvalho ao Chia"
da defronte da rui de Y. Francisco : Na dí António Manoel
Poly carpo na Arcada do Senado: Nade Desiderio Marques ^
Leão ao Calharia N!* 12. : Na de António Pedro Lopes n^ \
rua do Ouro junto d da Gazeta\ Na de Leal em Alcântara : '
E em Belém na de Capella de José Tiburcio : Também se :^
achão na mesma Officina em que st fazem. |
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS,
18 19.
Com licença da Me^a do Desembargo do Pafo,
O:
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXX.
Andaluz» 8 de Julho,
S Representantes de Inima partida das que ha' neste Bai-
ro, enjoados de chá , café, chocolate, com que nas noites
dos dias do jogo refrigerao as impaciências das perdas , de-
terminarão fazer huma brincadeira de comes , e bebes no lu-
gar, que melhor se elegesse: Avisárão-?e todos os da sucia
para conferirem o tempo , e o sitio • chegado que fo«i o Pre-
■sidente dizião huns , que fosse pelo Entrudo , responderão cu-
eiros isso he tempo desabrido \ ouvio-se huma voz, seja pela
■Páscoa ; disserao alguns , ahi temos rjôs a Páscoa ao Domin^
go\ finalmente assentou-se ser pelo S. Jcao; porque eraodias
grandes : Levanfou-se nova questão a respeito do sitio , em
^ue havia ser o bcngalé ; dizião huns que na Costa da Tra*
faria ^ pois era campo largo, e muito aceado por ser lava-
do dos ares: Gritarão outros, Dãjundo ^ e mais Dáfutjh
pois não passamos o mar que he lance de precipício, AUi
^ Tia Joamia serve bem \ porém este voto foi muito dc-
í^aiido , por haver hum na companhia que níio levava a
íajo de Arcos passar com cabra guizada, entre abóbora
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carneira, azejtonMS çapateiras, e sellada de orelha de MuIIa ;
queijo de cortiça, e alguma ginja gallega ; máo vinho, e
hum horror de dinheiro segundo a carestia daquella casa , que
clle já sabia ; mas sendo vencido era votos assentarão todos
que fosse alli o campo da batalha ; para o que principiou-se
a jogar logo depois do Natal , e as perdas de cada noite se
foráo intrincheirando em hum raialheiro de barro, para que
na acção do combate houvesse o reforço emboscado , para os
soccorrer a tempo ; Chegou o perfixo dia ; deo-se balanço
na vespora , e achou-se o mialheiro fornecido : erão dez os in-
divíduos, e alguns de muito bons bigodes. Alugárão-se dez
burrinhos, e pelas quatro horas da madrugada se pôz esta tro-
pa em marcha. Como todos erão machos não faltou galhofa
no caminho, sem emulação dos jumentos, que festejavao zur-
rando , o transporte da sucia. Chegarão ao sitio, compriraen-
tário a Tia [Joanna , ella muito contente cuidando que erão
Estrangeiros pelo traje; brincou-se, comeo-se, bebeo-se,ar-
rotou^se muita basofia , veio por fim hum grande prato de pa»
litos , e por ultimo guizado hum bom proveito lardeado, que
se pegou no fundo, porque cheirava a esturro; Todos a três
de fundo desempenhando o nome do sitio , muita algazarra ^
mãos aos arames, os moços dos burros estavão era tal esía-
d<), que nenhum conhecia seu Amo , jmjíta, monta ^ nin-
guém fez escolha de jumentos, huns partirão logo, outros
mais depois com tanta felicidade, que se deixavão ir para
cnde os burrinhos tomavão ; houve melro que foi dar a C/«-
tra , outro a Cascaes , alguns a Bemfica , e poucos a Lisboa \
e consta que três ^múpiúoTj&s Alpendres de Belém : no fira
de oito dias he que houverao algumas noticias delles ; não-
fica mais dispersa a carga de chumbo de hum tiro, do qu©
ficou este estimável rancho.
Rua da Praia i^ de agosto,
O nosso guindado TV?/^//author das cartas de amores eit
língua barbaresca continuadas em alguns Folhetos desta col-
lecçao , e com que varias Senhoras se teiti divertido, vende
úo subid.i , e crespa correspondência, hoíiíem se deliberou a"
pedir a sua amada a seu Pai no mesmo elevado estylo , que
parecendo peta , dizem que pouco mais , ou menos foi ver*-
dade, SefiSo quatro horas da tarde, subio pela escada do fu-
íu-o soí^ro, bateo á porta, a tempo que hum Gall^go que
servia a casa perguntou quem be} ao que o guindado Taful
principiando a elcvar-se respondeo , est gentium, Disse-lheo
Gallego pois se he de geço nâo apanhe chuva, que se ha de
desfazer: Nisto veio huma criada por valentona , e com to-
da a resolução abrio a porta sein perguntar: o Tafu! logo
al!i lhe deo hum extenso agradecimento em lingua Sarrace-
na , de que a pobre moça ficou o resto do dia com dôr de
enxaqueca : entrou para dentro , c sem fazer mais comprinjen-
tos, que huma vénia com a cabeça á dona da casa, pôz-se
de joelho em terra ao Pai da noiva , rompendo nestas pala-
vras : Os sorombãiictís corações dos Entes semivivos , o^^ãa
holocaustos nas aras da pos terna formosura da Senhora sua
filha , com quem quero casar , se P^, m, quizcr ; porque os
coruscantes eflúvios , e circunspecto pudor virgiíial triunfão
mesmo na gema, V. m, não pôde duvidar da igualdade que
ha entre a minha , e a sua nobreza ; porque Mi ramo Hm ca-
sou com D. ò^ancha /b^^.es , e esta com Rui Ba^s segunda
vez, que teve o foro de duas Galinhas por anno em huma
terra , que aforou. Deste matrimonio sahio d lu:::, Fiigundes
Arripiada que foi inventora do arrepia , a qual casou com
/iffonso Tripas , que teve a honra de morrer de abafo por
não revelar hum segredo-, bisneto pela parte materna de Joa*
nico , e pela collateral de Redovalho Zanaga qus foi Execu*
tor de modas em Tavira , e este introncou-se na casa dos Bar^
retinas com huma Senhora que foi muito tempo Administra-
dora dos Meninos Órfãos , e desta he que eu descendo, Hcu^
verão mats honras nos meus antepassados , mas com ínfeli*
cidade de se nao acharem documentos \ pelo que , se este fa^
melico amante mence a relutante posse de sua filha minha
KSenhora , xista a minha qualificada nobreza , j d desde a^
qui fico na expectável posse do futuro cumpri\::ento , do agra-
dável htmeneo , a cujas benignas , e satisfactorias influen*
cias , espero que o seu coração não resista por o b dure eido que
esteja \ porque se o ser Pai he hum dom benéfico da naturc'
za , espero que nisto assinta \ porque assim como eu o que-
ro ser, jd F. m, o foi: O Pai que era daquelles do gosto
antigo, a quem nem tudo agrada, por seguir a máxima de
qiíepalayras sem obras, são plumas lançadas ao vento, íazendo .
Jògo cera certo tino especial o devido conceito do t?l Petinqetre,
lhe deo a resposta , que merecia , dizendo-llie com o pò^i-
ve] laconismo: Qae não fosse tollo ^ e adiantado em fali ar •
ibe em semelhante tíegoíioj ao que accrescentou virando-se
para elle, e visto ser V. w. hum jumento y supposto que ra-
cional y sinto muito não ter ao presente no meu banco algu-
ma frradura* Ora vd-se com S. Pedro , e rogue a alguém
que o ferre y que o vejo em perigo de se damuar. Dito isto
se seguio huraa gande rizada , e pateada , tanto 'masculina , ,
como feminina; ao que o Paralra não achou outro remédio,
que escafcder-se muito sonso pela escada a-baixo. Consta que
já tem feito iguaes tentativas por outras casas, supposro que^
com igual fortuna , levando a sua maçada de entremeio para .
ver se se endireita do juizo.
Rua da Cruz 17 de Agosto.
Acabou á cacheirada huma tão celebre função, vejão .
Vv» mm. o que he a gente estar de má fé , e desconfiar de
si! Hum morador desta rua, homem provecto, prezado de-
lido , e affectador de má boca, alcançando cobrar huma lar--
ga somma de dinheiro , de que já não tinha esperanças , de-
terminou celebrar os seus annos , para o que convidou huma>
grande orquesta , Poetas, muitos amigos, e Senhoras do seu
conhecimento. A casa do Bródio ficava por cima de huma lo-
ja , onde se recolhia hum burro do mesmo Patrão ; e estan-^
do a saila prompra, e a noite chegada, entrarão os convida-
dos augurando huma bonita assembiéa , já todos esperando ti- ^
rar a ferrugem ás pernas nos CotilhÔes, e Contradanças;
rompeo-se a orquesta, e logo que esta acabou os seus deve-
res surdirão os curiosos de Poesia com Sonetos, Decimas,
Quadras, e tudo o ir.ais que seda por este tempo. Ora, en-
tre estes celebrados Vates, vinha hum aprendiz de Cirurgião,
que costumava anatomizar os versos alheios, rapaz que tinha
de cor, e sabia salteados quantos versos tinha abortado era
festas de Nixo o grande raio , que succedeo ao trovão; de-
senrolou este Menino hum portocolo, e dizendo: Ode nos
faustos annos do Senhor^ &c, Pôz-se tão infiuido a ler, ea
olhar para o Elogiado , que não dava assenso a mais nada :
por acaso neste tempo o burro, que ficava por baixo, entrou.
<5)
descomraedidamente a zurrar, e o Elogiado dono da casa,
que queria ouvir cantar o seu nome com altisonante voz, dis-
se todo impaciente, facão calar esse burro-, o inflaramado
Poeta, que só dava assenso ao que lia , tomando a palavra ao
pé da letra, e o freio nos dentes, feixa o papel, ergue-se
em pé, e responde, o tollo sou eu \ eu he que seu odesaver^
gonhado em cã vir repet trilhe obras aos seus aniws , que vos^
sé nunca ha de entcfider. Hum parente do Patrão, que náo
soffria injúrias, lançou-se logo ao Poeta, acodem os amigos
deste, que tinhão hido na sua companhia, razão para aqui,
barulho para acolá, rachárão-se cabeças, esmurra rão-se ven-
tas, houve seu dente fora, as Senhoras com desmaios, bu-
irias em convulsões, outras em gritos, as Mais a pedirem a-
gua , alguns a chamarem pelos chuços, até que resultou acu-
direm estes, e ir o dono da casa com o acompanhamento mas-
culino entre tocheiras , acabar de fazer os seus annos ao Li-
moeiro, onde fez rermo de nunca mais lhe entrarem era casa
* oetas coléricos, nem burro zurrador.
Máximas do FeJho de Romulares continuadas na maior-
parte destes Folbuos.
Se te vires em desgraça ,
Chora comtigo o teu mal.
Não te lastimes ao povo i
Mas se prospero te vires.
Não te faças homem novo.
Assira como agua e lume a ninguém negas-j
Honra , e virtude a todos deve dar-se;
Sempre fazenda tal , bem se arriscou ,
Quem negoceia assim , nunca quebrou»
O espirito máo da novidade ,
Já mais dentro em teu peito se agazalhe ;
E para viver bem , viver seguro ,
Desfructa aquelle bem, que tens presente,
Que está mais certo, do que hum bem futuro
('5)
Se o lemlte da vida tu regesses ,
Pelo tempo cortar largo podias ,
Mas quem te diz a li que as esperanças ,
Se não sepultâo hoje com teus dias?
Trata o servo, que tens, como teu filho,
Ou seja no castigo , ou no sustento j
Quem te creou a ti, creou a elie
O sangue he de igual cor, a maça a mesma ,
E não he bom voar no abatimento.
Se á pertenção de fulano,
Útil te poderes ser,
Não seja a maligna inveja,
Qiiem bote tudo a perder :
Que nesta maça do mundo,
Tal confusão sempre achei,
Que á manliã eu necessito,,
Daquelle que honte ajudei.
O Moço do Poeta ouvindo que a seu Amo encommen-
dárâo o seguinte Mote , tentou-sc a glosallo também, e por
brincadeira , no mesmo dia em que seu Amo satisfez á en-
commenda ,- trouxe estas quatro Decimas ao Editor.
jM O T E.
Que triste cousa he morrer.
GLOSA
"Entre José, e Vicente , ambos Marujos.
FíCb José não me fazes papo,
Se te pilho co*a Malhada ,
Ou eu, ou tu, tem facada,
E ha de chover o sopapo :
^oSé Olhem quem, o mios de sapo!
He que me ha de em mim bater !
C7)
Vic. Eu mesmo ,querelIo ver?
jfos. Quero sim, vamos acabe,
Vic, Ai,.., que o Menino nao sabe,
Que trtite cousa he morrer !
Ao mesmo de Velha*
Ferver-lhe o vinho no bxiclio,
Rosa vera cá, chama gente,
Qu€ o José, mais o Vicente,
Quasi estão , pucho , não pucho ,
Quem acode ah que do chuxo \
Rapazes, que vão fazer!
Tenhao pialdadc de ver
Como estes olhos me chorão,
Vossês bulhão; porque inorao,
Que triste cousa he morrer.
Ao mesmo^
Faz hum anno este Natal,
Por contentar minha Irma ,
Fui comprar huma marra ,
Junto ao Gampo do curral :
Leveia , e no meu quintal ,
Sobre hum banco a fiz prender,
Entrei-lhe a faca a metter,
Grunhio , derão-lhe tremores ,
Roncou, torceo-se: Kh. senhores,
Çjée triste cousn he morrer.
Ao me imo.
Triste cousa, hum Preta d i:^
He servir a máo Senhor j
Triste cousa he ter amor,
Disse hum amante infeliz :
Triste cousa he gastar giz.
Sem nunca dinheiro ver,
(8)
Disse hum Tendeiro a gemer \
Triste cousa he não ter trigo ,
Hum Padeiro disse; e eu digo,
Que triste cousa he morrer*
AVISOS,
Quem quizer ter maleitas [muito sazonadas, e de bom ,
tamanho, ponha^se ao Sol , e coma fruta verde.
òimâo MonecQ faz saber ao público, que elle he Maqui-
nista insigne, novamente chegado a esta Corte; e que com
esta sciencia remedea coxos, e manetas, ainda que lhe fal-
tem pernas inteiras, braços, ou mios ; supprindo isto com
excellentes máquinas de páo , á feição da perna , braço, ou
mão que faltar , que de repente equivoca-se se he natu- \
ral ; porém adverte , que a operação dos braços , e das per- í|
nas só a costuma fazer a tamboretes , mezas , e canapés , e -
as das mãos a graes,
Manosl Eugénio Barbeiro ao Bairro Alto , costuma to-
das as semanas dar pannos , e fios com liberalidade, por cu- |
jo motivo avisa o público , para se aproveitar deste benefi- |
cio; advertindo que os fios que dá, são ás navalhas, e os
pannos á Lavadeira.
Vendera-se ainda em muito bom uso huns flatos , quefo«
rão de Vitorino das Dores ^ que lhe ficarão por morte de sua
filha D. Louca dos Frenezrns , a qual se divertia com elles
iDiais a Prima Anica ^ e faziao mortificar não só as suas fa-
mílias , como os apaixonados ; quem os quizer comprar para
fazer presente ás Senhoras da sua amizade , falle se he ho-
mem, diga o seu nome, e acuda-lhe a tempo, pois como
he fruta de todo o anno , e se gasta como canella , vindo
com brevidade achará por onde escolher.
USBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPQS.
I 819.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço,
R
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXL
Passeio Público 30 dt ^ulh$.
Atnalho dos Ramos , Cinirão de rodos os quatro cos-
tados, descendente das Excelienrissimas Senhoras queijadas,
homem do tempo das adagas , conhecido por lesta de ferro \
porque não deixa fazer o ninho siraz ria orelha tem sustenta-
do com debates , as turras de alguns tafues seus Patrícios, que
querem á força impingir-Ihe ser uiil a todos o uso das modas
extravagantes , sem estes se lembrarem , que ellas cora excesso
fazem redicularisar muitos indivi duos , chegando até o ponto
de os pôr em precipício, Elle os persuade que se deixem de
questões, e tornem á vaca fria, de seus antigos trajes, que
tanto os fazia respeitar em toda a parte. Ora este bom Velho
vendo hum dia de festa dois caxopos seus parentes vestidos
da fraqueza , em que quasi todos es Modistas cahem no tem-
po presente, lhes disse: Eítais galantes figuras de crif/ta-
ra opnca, vós por acaso sois ò'/^ÍTS0Sy ou Portuguezes ^
Ao que elles responderão, isto Scnhcr lio são modas que
ij se li são na Cidade , as quaeí tem grassado entre nòs depois
I que esta Vtlla serve de recreia a muita ^^nte \ V% nu nã9
71
. ( - )
gorta deste trajo} pois elle he bonito , é até fnz os Velhos
moços \ se V m, for agora d Ctdaàe com o seu antigo
vestido ser d apoupudo y e motivava riso a todos que o vi-
rem. Qu3 dizeis^ respondeo o Velho rangendo os dentes,
kão de apoupar hum homem porque vai serio sem temerem
o seu despique , eu não creia que Lisbod esteja tão aluci-
nada pelos estafermos que voisês r/te querem capacitar que
ha nella. Eu d manhã mesmo me desenganarei , quero par*
tir para Lisboa , e ver Id se os homens deixão de ser ho»
mens para serem bonecos, E coin eíFeiío no dia seguinte ar-
mou-se com o seu vestida de três pellos que recebeo na he-
rança de seu quinto Avô, pôz hum chapéo de Braga feito
em 1740. armado em triangulo, sem que a ihisoura concor-
resse para a sua prespectiva , cabello cortado como o trazem
os do sitio da Nazareih , sua gravata , que as pontas arre-
xnatavão na ultima casa da vestia , huraas meias, que mais
pareciáo de pregas , que lizas , peio mal puxadas que esta-
vão; huns çapatos, que ja tinhão beiço na solla de altura
de dois dedos , cortados a diante para reparo das topadellas ,
que lhos fez Manoel Braz Mestre çapareiro que hiácEen*
to Antónia^ que a maior parte das pessoas conhecerão , cin- j
gio o lado com huraa espada capaz de cortar pelo meio a «
torre do Bogio com tudo quanto tem dentro , e sahindo de j
madrugada veio jantar a casa do Talaveiras, Alli descanqou
até ás quatro horas da tarde para se recolher a casa de hum
seu parente, que morava na rua da Trabuqueta, e como lhe'
tinhão gavado tanto o Passeio Público não quiz passar sem
entrar dentro, e ver se correspondia á fama, (aqui forao ci-
las ) pois assim que descortinou este frondoso bosque de
Diana, entrou a dar louvores ao Creador pela diversidade de
objectos que foi encontrando : aos primeiros passos vio sen-
tada em hum dos assentos de pedra huma figura de mulher
toda de branco, e porque lhe vio a cintura junto da gargan-
ta chegòu-se mais ao pé, e cora vozes compassivas lhe per-
guntou se fora de nascença aquelle aleijão} Ao lado desta
figura estava outra em pé de idade mais avançada , que lhe
virou as costas julgando atrevimento o que era pura sinceri»
dade : Foi dando volta por aquelle delicioso sitio, mas sem-
pre pasmado da confusão, em que via mettida a mocidade,
pois nâo podia, analysar o que era moda naquelle concurso
. (3)
de gente, e quancío vinha letirando-se foi l^oir.brfado por
quatro Tafulòes que de prcposito vinh2o ínvestillo, a quem
disserão , ah sou amigo como vão as searas ? O Velho cor»
teziDente fez huaia grande barierada, e saltando todos quatro
a rir, desconfiou o Velho, abaixsndo a vizeiía, e nSo ficou
jiiuiio pão de trigo; entíáião-so a chasquiar, e enião disse
eile ai que os meninos querem jata^ e ao terrpo que lhe fi-
zerão hum insulto > os mandou nieiter mão áí» suas empadi-
nhas , e ú\^ nictteo raão á sua dizendo briguem senãodou'
lhe , e não houve mais remédio que defendererc-se , porque
o Velho á primeira pranchada, que deo, buíou hum a ter-
ra , e do mesmo talho, e revez, botou-lhe os alfinetes fora
das raãos aos outros, acodírão mais, e o Velho os ataran-
tou a todos , e como os mais delles não tinhão com que se
defenderem da espada , tira cada hum o seuçapato, queerao
destes de bico de lanceta , e saltão á chuçada ao Velho , hum
tirou huma judia , e não se len brou que o canhão das meias
era de seda, e o resto de linha crua , e desra forma traba-
lharão o Velho de lustro : c\U sim os fez fugir pelo passeio
fóra , mas ficou com tantas cisuras no corpo a botar-lhe san-
gue , quantas forão as estocadas que lhe deião com os çapa-
los, que parecia que tinha levado bixas.
Materialidades em que cahe huma grande fnr te dos himení
apontadas feio nosso Vtlbo de R emulares no seu gran^
de pecúlio»
Ir á Opera de sege para se ver a farofia , e vir a pé
para ás constipações.
Fazer saúdes a todo o género humano.
Fazer trabalhar o Cozinheiro em oitenta guizados pa-
ra se comerem sete , ou oito.
Andar dois annos namorando da rua, de dia, e de noi-
te, exposto a chuvas, e páoladas , para casar no fim deste
tempo, e depois tratar mal a mulher por quem íez tantos
excessos.
Dar boas festas de sege como por obrigação.
Trazer na algibeira huira colkcçao de caitrs de smcrcs
pita mostrar aos amigos que não tem »ãos a medir j-or
querido.
( 4)
Dar humi queda, chorar com a dor, e pôr-se a rir
quando vê cahir o oatro.
Qjerer nas Assembléas , ou na rua, que a rapariga sé-
ria, e civilizada, o namore por foiç^^a, porque elie enpre-
hendeo nisso.
Casar pobre* viver pobre, vestir pobre , e querer Se-
nhoria.
Gastar hoje ■^oo(f)ooo réis que náo são seus, porque
traz huma demanda em que faz muita té , donde espera pa-
gar , não tendo nella ainda nem a primeira sentença.
Casar com hum grande dote muito atarracado para lhe
não pôr a mão por cima , que he o mesmo que casar po-
bre.
Ser Correio de mas novas com cara alegre , como quem
pede alviçaras pela noticia.
Continuar-se-hão
Rua Augusta 27 de Agosto.
Não só pondo huma faca aos peitos se furta o dinhei-
ro á gente , porque ás vezes ha astúcias , que fazem mais
eíFeito pelas subíile5?:as, com que se praiicão tanto de mãos-,
como de dolos, e he a que vulgarmente chamamos iapida-
rios , cujo nome teve origem do seguinte successo: Havia no
Porto hum lapidario de todos os quatro quilates , a quem
hum Cavalheiro muito rico , que estava para brindar a sua
Esposa , mandou polir hum annel de hum formoso diamante
brilhante, que tinha, avaliado em i:SoO(^réis; porém o
bom lapidario pegou em huma pedra do Canadá , que sãi
pedras muito similhantes aos diamantes, polio^a, e coriou-aí
á f.^ição do dito brilhante, encastoou^a , e levou-a ao Cava-
lheiro; roas receando que se conhecesse o roubo, que fizera ,]
veio para a Mãi dos pobres , isto he , para Lisboa , e pe-
gou em outra igual pedra do Canadá , fez-Ihe a mesma o-
bra , que no Porto tinha feito, e encastoou-a bem similhan*
te ao diamante, que bifara ao dito Cavalheiro, e tendo oí
do:s anneis promptos , foi a casa de hum Mercador da rui
Augusta, bastante rico, e muito avaro, e depois de muitos
comprimentos de introducção, disse: que erahum Cnvúlhei'
ro do Minho , que vinha casar a Lisboa cmi huma àenhot
(O
ra y que tinha virde wil cruzínlos de ih te tm dífihihc \
cue elle tinha gaito qí^fito trazia ^ em caYTtifigtns ^ e
freiaros c^a casa^ cm cujos ttrmos f entendia lhe (crfcsse
túfitas , e fartas feçr.s de Sída^ tuntas , e tentas feças
de pannos y (que vinha tudo a iirj^ortar em tcc^ léis)
para o que elle dam ( qtelle cnneí em penhor ^ e que logo
que recebesse o dote , 'vinha satisfa%ír a que lia impor tan^
cia ^ dando hum tanto mais de agradeciweiita. O miserável
Mercador pela ambição de vender, e da prorressa da ga-
gem , annuio á proposta, e foi com o Cavalheiro lapidista
a casa do Contraste, puchou o tal traficante pelo l>rilhante
verdadeiro, e logo o Contraste passou huma certidão do
seu intrinseco valor pelo que tinha visto. Foi o Mercador para
casa muito contente entregar a fazenda, e receber o penhor;
então o subtil Japidirio puchou pelo annel falso perecido
com o fino, c foi-lho encampando, dizendo: Bem será ^
meu querido amigo , pois ha morrer , e vizer , que me pas-*
se hum recibo desta peço ^ que f ca em seu poder ^ ftrque
tu também passarei huma cautela , dando-lhe a liberdade
de o vender , se no prazo de hum mez eu c não xier tirar ;
Feitos os ajustes, e reconhecidos os pspeis, passados quin-
ze dias veio o meu bom íapidario com lestcn unha^ á loja
do Mercador, que vinha satisfazer, e receber o seu brillian-
te : o Mercador muito alegre lho foi logo buscar, porem o
lapidariosinho pegando-jhe, respondeo muito Senhor de si :
l^ão he este o meu Irilhcihíe ^ he , não he , forão a casa
do Contra re tirar a dúvida, a que este respondeo com toda
a verdade : E^ía pedra não he a que eu azv^liei, ,, Ora não
he nada, por fins de contas veio o consternado Mercrdor a
pagar três mil cruzados , ainda em cirra : Não se pode du-
vidar que he hum officio rendoso, e que presenten ente tem
muitos officiaes , qt-e se ignorao , por não terem aprendido'
em loja de Mestre examinação , mas sim de curiosidade pró-
pria. Consta que até as Senhoras em Libboa tem lomfdn taí
zanga com este successo , ás pedras precicsss , cue já não
querem p3ra os seus enfeitei? mais que pedras de vidro, com'
que bordão , e lhe servem para tudo.
( 6 )
Rtí7 dar Janellas verdes 30 de Agosto,
A quç ponto não chega a vaidade das mulheres ! Mas
a sua in veji he igual á sua vaidade. Nenhuma quer ser ex-
cedida por ourra, nem ainda nas mesmas faltas, ou defeitos.
JuncárâO"Se humi noite destas em huma casa deste Bairro
quatro Senhoras, a qual mais presumida, e invejosa, e por-
que iiuraa delias disse que era muito delicada , logo as ou-
tras três o quizerão ser mais do que ella : conversou-se , e
vindo a preguiça aã rem , todas se quizerao exceder era pre-
guiçosas; daqui entrarão a altercar sobre a delicadeza, e pre-
guiça , de sorte que fizerão largas apostas , e tomarão por
Juiz liuni Letrado velho, que se achava na dita casa, ao
qual expoz a primeira: Eu sou tão delicada que bífido ^ ha^
'vtrd quatro mezes ao meu jardim , forque for descuido me
cahio huma folha de rosa sobre hum pé , andei três mezes
cocha : Disse então a segundai. ,, Pois eu sou tal que dei»
xando^me for desmazello a minha Aia huma vez bumarté»
ga nos meus lençóes de Hollanda , indo^me ^ sem o saber ^
deitar sobre ella , quebrei huma costella ^ de que estive bent
7^1 ai \ Mais me succedeo a mim, disse a terceira. ,y torque
a minha cre.^da grave o íjíez pasmâo por descuido , quan-
do me penteou , e apirtou o cabello , me deixou mais cinco
de huma banda que djz outra , ficou^me a pelle da testa tn^
c Una da para aquella banda mais de quinze dias : Ora
disse a quarta „ Todas sois muito grosseiras comparadas
comigo. He certo que todas vós chorais quando tendes aU
gu}n m tico , e que não vos succede o que a mim me succe*
deo , que tendo o outro dia causa de chorar , e ifido a
fazei lo , a primeira lagrima , que me cahio pela face , me
escalavrou a pelle , e me abrio huma chaga , a qual por
milagre se curou , porque eu não lhe consenti remédios , te^
mendo que o seu pezo me fizesse nova chaga* O Juiz ficou
perplexo ena dar a preferencia , e disse ,, Que provassem a
sua preguiça , para lançar depois a sua sentença. Eu ,
Tornou outra vez]a primeira , sou tão preguiçosa y que estando
sentada no meu jardim , veio huma vespa para me mor-
der , e por não levantar o braço para a enxotar , levei
huma jerroadela , que me fQp imtnensas dores : Disse então
(7)
a segunda ;, Estanòo cu lum cUâ ercvitciU âo fé fie Jum
rejucho cia vArha Qj.íhta ^ relef:tcu este , e eu tjácstpjr
víio jvgir ^ f}.e ciíixei clígcr^ ivcs €òtí%do íí»m sede iião
abri a boca fará Lebir: Mais ttfdo eu feito ^ disse a ter-
ceira,; LezárJando-se kuni àta kpm fé de letito em hum
passeio y que dei ^ e ergue vdc^se kuma gr onde nuiim de
foeira-y foi tal a viinha pfgui^a , que -per 7:riO jeckar os
olhos , conserJi que r.eiles me ertrasse tarta terra que ht,m
vie% não juãe ver: Respondeo Jogo a quarta iruito delan bi-
da ,, Ao meu Ter , rurJtma me eoccede ^ fcis es ti: fido sen-
tada em minha casfl y per desctido ptgcu fcgo ^ e eu per
preguiça de jífgir , kia vier rendo quLimcida , senco viesse
gente ^ que me lei cu to cvllo da/li para fora : Fois ^ Se^
fihoras , disse o Juiz , eu também seu tão delicado ^ e tão
preguiçoso , que não só por ter preguiça , Tíão decido , maí
também porque me incha a boca pelo excesso de fali ar ^
O Moço do Poeta golosou á ftia Lavadeira o seguin-
te Mote, que ella lhe deo de Marujo.
MOTE
Que lucros tira quem ama.
GLOSA.
Ando ha trez annos de amores ,
Com a filha do Alho, a Francisca,
Que he a Moça rr.ais arisca ,
Que ha por estes arredores :
Já hum dos Tios Tambores,
Me maçou a alma em Alfama :
O Pai quer fazer-rae a cama;
E a degradar-me se obriga ;
Aqui tens tu rapariga,
Que lucros tira quem ama»
Ao mesmo de Velha*
Não sabe que mais Vesinha !
Deixou-me o meu Manoel ;
Assim pagou o cruel,
O grande amor que lhe tinha:
Lavava-o , se porco vinha,
Limpava-lhe os pés da Iama>
C8 )
HÍ3 abafallo na cama ,
Mas por pagar tanto bem ,
Roub3u-nie, e foi-se ; aqui tem
Que lucros tira quem ama.
AVISOS.
Sahio á luz hum Livro intitulado, Ignorância esp$vita»
Ha transbordan Uj peio alcatruz da jo^tuni e;n volume de
8.° com encadernação de pelle de ovo, e em broxara , e não
he muito caro.
Certo Peralta de Pantalonas sahindo d:: huma casa de
jogo, desde o Terreiro do Paço até á rua das Pretas , per-
deo o 'juízo , e ti dinheiro , qu^m achasse estas duas cousas,
e as quizer restituir levante o dedo para o ar , que elle tam-
bém assim faz promettendo nao jogar roais.
Terça feira na Praça da Alegria se ha de pôr a lanços
no terceiro lugar da parte esquerda indo para cima , ( por-
que morreo seu dono) huma camiza das mais famigeradas
caínizas que se tem visro, principiou a sua vida çm lençol ^
substitui o por muitos tempos a cortina d i Alcoha , muitas
e muitas vezes chegou a ser toalha de Meza , e de mãos,
e por mostrar ainda o seu préstimo não obstante a sua anti-
guidade foi por accesso a camiza^ devendo muitas obriga-
ções a quem a talhou, que esteve em perigo de não achar
por onde cortar. Eue traste porém digno de ir á historia
natural se^ arremata c nn módica avaliação , visto que ainda
pelas mangas , e coíeirinho se conhece o que he. Toda ai
pessoa que se tentar dirija se ao sitio , que sempre achará;
ponta por onde lhe pegue,
A Buenos Aires se acha huma casa de educação para
ordem, e desordem da vida, alli s^ ensina por meihudo fá-
cil a fallar Francez com duas , ou três g-írrafas de vinh
do Porto, e se se esgotar vúás alguma se faliará Inglez
Arábico*
LISBOA. NA OFFIC. DS J. F. M. DE CAMPOS.
1819.
Con licença da Meza do Desemlargo^do Paço.
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXII
Bairro âe S, Chrhtovão i de Setembro,
A multo tempo que não siiccede hum caso como este
pela materialidade d^; numa Cre^da de empréstimo que se
prezava de saber fazer tudo sem saber í^izer nada. Em huma
casa deste Bairro, em que houve hum casamento , e nso ha-
via mais que huma Preta para servir, valêrão-se de huma
visinha para que lhe emprestasse huma Creada , a qual pre-
sumia de ser huma excellente copeira. Não he nada, descan-
sou a família para o púcaro d*3gua da função da noite, nesta
iiabil servente , chegou o dono da casa á cosinha , e disse-
Jhe : Naquèlle armarto estão ãoh ocajates de limões \ ti*
raras fará p?jche ; aqui tens esta garrafa de agua-ar-
dente , aqui tens dois arráteis de chocolate ^ assucar ^ etc*
€ aqui tens esta l^reta fará te ajudar em tudo que tu
mandares* Respondeo-lhe a Creada muito esperta , descance
que tudo se ha de f^zer a seu gosto. Veio o pobre honnera
para a companhia muito alcgve, e descançado, e ella foi ao
armário, provou os limões, e pegou em huns que erão áo*
7i
ces,' e foi espremendo parecendo-lhe; que senão liavía de
dar aos convidados limão azedo. Encheo huma cafeteira de
agua-ardjnte, e poz ao lume, pois nunca linha feiro, nera
visto fazer ral bebija : foi dor Deos não a deixar ferver por-
que seria cerra a desgraça do fogo ; e tanto que a pilhou
raorna botou assucar nos copos, e fez hum ponche sem agua
para desconto dos nossoí peccados ; e por não se perder o
lume foi fazendo o chocolate, pedio á Preta o pio deoba*-
ler, e disse-lhe a Preta que ella o linha quebrado o outro
dia , porém não queria que a Senhora o soubesse. Respon-
deo-lhe a Creada deixa estar, quí euUuão remedeio^ por-
que vio pendurado na parede hum traste com que podia sup-
prir. Foi o ponche para a salla , entrão os- convidados a fa-
zer caretas , envergonha-se o dono da casa , vai dentro , e
vê que o ponche fora feito com limões doces, e agua-ar-
dente simples: repara para a chocolateira que estava no lume,,
e vê a boa da Creada a bater o cliocolatc cora o páo da
seringa : tinha-lhe tirado as estopas ; e porque se assemelhava
hia-se remediando. O dono. da casa entre a cólera dá-lhe:
hum frouxo de rizo, acodem os convidados, conta-se o suc-
cesso , hojLive rauita gargalhada , e assenlou-se que o pobre^
homem he que levou aquella ajuda em se lhe cstruir o pon-
.(Ehe, e o chocolate; e cora aqnellej^rcmedio ficou curado para^
nunca mais se fiar em geníe tolla , ^presumida.
Calçíjda de Safto André 5 de Setembro.
Domingo passado huma pobre mulher que morava em
hura^ lojas foi para a Missa, e impensadamente deixou Im-
m%^ rodjjha junto ao fogareiro em que tinha a panella ao lu-
me; e com.o segundo a Sintaxe de huma prqídem.Jaísca se
levmta hum grande incendia ^ pegou fogo no panno , fez
lavareda , pegou na ferrugem de cima, vio-se a chamma
fora d^ chaminé, tocarão os sinos, acudirão as providencias ,
que não são poucas em Lisboa parn este fim , a tenipo que
hum S(^jeito de Vis^eo que estava de hospede na rua dos Cor-
rieiros. se raerteo na curiosidade de querer ir ver o fogo com
muito alvoroço: poz o capote,, chegou ao sitio, e já não
vio mais que fumo, porque com rodo o cuidado se atalhou;
e^sieve hum pedaço de leiripo porém com car5. de desgosto ;
( 3 ) . . .
c quando vio que as bombas se rctiravao virou para o rovo
que estava, e disse: tara isio me ciesaccomynodet ^ eu cuu
dava que tinha mais que xtr ^ se as casas ardessem todas
sempre isto durava mais ten.po , e era outro aiverttmen*
to*, huiica mais torno a vir ao fogo em quanto estiver em
Lisboa. Constj que hum Aguadeiío bem desembaraçado de-
pois de lhe dar iium valente pescoçcío que o fez ir a terra,
pilhando-o no chão lhe vazara o barril em cin.a , e cresce-
ria a vingança do Aguadeiro pelo dito se algumas pessoas
prudentes nao iicudissesn a socegar o tumulto.
Continuação das materialidade s apontadas no pecúlio do
nosso l^^elho de Komulares.
Pôr-se ao jogo , e por querer ganhar quanto dinheiro vé
perder o que tem ganhado , e quanío tem de seu.
Ir a cavallo de vagar , e aonde encontra roais gente luet^
ter de galope para enxovalhar a lodoi?.
Quando a Senhora está no Cravo pôr-«e por detraz da
cadeira, e de minuto a minuto dizer bravo para mostrar que
entende, interrompendo os que estão ouvindo,
Tocir no fim de hum minuete , e puchar por hum lenço
branco, fazendo-se ver muito para que a Senhora o tire para
dançar por não ficar a sua prenda no escuro.
Pedir Motes á companhia que os n^o preza, nem enienr
de , porque quer fazer versos á queima roupa.
Não poder ter criados, e levar a toda a parte humPaqui-
lira , ou Jaqué de nove annos engenhado cora galões da
Feira para affectar grandeza.
Matar a gente nas sociedades com historias muito compri-
das , e insulsas , querendo que os mais iiie achem graça por
íorça.
Festejar annos pedindo-?e fora de casa castiçaes , apare-
lho de chdy cadeiras ^ e quando Deos quer até o mesmo
assucar,
(^erer na rua de noite dar o braço d Senhora D* Fulana
para que não tropece, e deixar vir cora callos a Mãí da
LMenina aos rombos.
Mettcr-ác a Trinxador no banquete, e fazer ludo em a*
çoída.
(4)
Bairro J/to 30 de Agosto,
Ha neste Bairro huma rua, e nesra rua huraas casas ^
onde mora huma Senhora bem morigerada, Senhora que já
mais deo escândalo á visinhança , porque se furfa alguma
cousa he só a seu marido, muito trabalhadeira ao seião, e
por eíFeitos da sua curiosidade sempre he a ultima pessoa ,
que se deita em casa , porque depois que pilha o marido a
dormir a somno solto, eila lhe vai logo com o maior cuida-
do ao fato, ver se no colete lhe falta algum botão, se lhe
arrebentou alguma casa, e de caminho também examina a
bolça do dinheiro , por ver se tem algum pomo, que lhe
tome; e quando n^o acha ponfo, sempre delja toma alguma
cousa. Em fim mulher de sua casa, ou como lá dizem, mu-
lher de mão cheia. Ora em hum destes dias succedeo entre
estes dois casados hum caso galante. Tinha esta Senhora
nsandado fazer huma chavinha , que servisse na carteira do
marido, onde estavaovhuns saquinhos de medalhas antigas,
destas que vsh^m a 6^/s^co réis cada huma j porém só cora o
projecto de que se o marido perdesse a sua chave, ter ella
de prevenção aquella para se não arrombar o traste: Terça
feira passada foi a Senhora de chavinha na mão para abrir a
carteira, veio o marido péantepé, e hia piihando-a naera-
preza j porém ficando tudo em dúvida, ella disfarçou , che-
gou á janella do quintal, e atirou com a chave, para que o
marido Jha não visse, que toi apenas o tempo, que teve.
Hum pequeno de seis annos, que vio atirar a Mai com a
chave, poz-se a dizello ao Pai, e a Senhora a tapar-lhe a
boca, e a entretello , porque como crcança hia esturrando o
guizado. Nesse me&rno dia de tarde torncu o pequeno ao
Escritório do Pai sòsinho , e vendo hum relógio de oiro de
repetição, pegou nelie para o querer abrir, c brincar; então
casualmente aparecendo-Ihe a Mãi , o rapaz intinúdado do
castigo que teria por ter pegado no relógio, disfarçou, e
lembrando-se de como a Mãi escapou por atirar com a cha-
ve fora, CQrreo para a mesma janella, e atirou com o reló-
gio ao quintal, onde espirou em pedaços; e por mais que a
Mãi lhe perguntava o que alli fízia , o rapaz nunca confessou
no que mecheo ^ roas achando-se depcis o relógio no quin-
t
1
tal , e examinando o dcno da casa o fill:o, então este se
explicou coíiio pôde, dizendo: Que for ver que sua N-ii
fítirou com a chave uo qtuntal p:.ra se vúo síiher ^ eJlè fi*
zera o mesmo com o relógio. Aqui se an^onlonrao es des-
gostos entre os dois casados, deixando estes o excirploque
diante de creanças só se devem praticar virtfdes , porque a
ir.ocidade tenra he como o vidro com aço que mostra o bof
niro, e o feio, que se lhe apresenta.
Ríia de S, José i de Setêmlro,
A todos causou espanto buma repentina chuva, que
honrem pela manhã se sentio nesta rua, a qual apezar de fa-
zer alguns estragos , não deixou de aproveitar a muitos , por
ser huma chuva de livros, que a tempestade de hum Doutor
arrojou; hum Calepit-o rachou a cabeça a hum galopim que
hia passando , hum Genuense hia sncando hum olho a fiuma
creança \ hum Lineo matou lium gallo e hum Bffa.t entor-
nou a celha a huma Frialeira , que vendia besugos , sendo a
causa deste successo o seguinte caso; H»jm Doutor vaidoso
dos seus inventes, por ter dado á Republica literária novas
luzes, e feito gemer os Prelos com, as suas composições,
vivia meio á Diogena em liumas pequenas casas desta rua íó
com o seu Galuxo, Honíem de m.anlm estando zangado por
ter perdido toda a noite sem frucio em querer fazer luma
descoberta ,• e em armar humas razões, com que a parte se
f^-^z á Malta, veio baier-lhe á porra a moça de hum>^ visinha ,
que lhe pedia huma braza de lume da sua chaminé': o Dou-
r r mandando-a entrar, lhe perguntou se trazia onde a levas-
se j ao que a rapariga rcspondeo : Pí^^** nfio tir cnde ú Inâr ^
na o het de ficar sem lume. Como? Perguntou o Doutor. O
fojyp rjão he 4:' usa que se leve na rnão. Pois na mão he que
o kel de ler ar ^ lhe tornou a rapariga ; e dizendo isto, dei-
tou huma pouca de cinza fria na palm.a , poz-lhe a braza cm
Cima , e retirou^se muito contente. O Doutor de ver tal íi-
cou tão espantado, e envergonhado de huma creança lhe dar
quináo , que accrescendo isto á zanga de ter perdido a roite
e além disso á sua vaidade, raivoso, disse: De que v:e ser*
vem /i'vros ^ e estudos , se os troncos sabem ^nais do q e
iu ? E logo entrou como doido a mudar os livros de casa
C6)
para a rui, Djzcm que lionteiu «lesino se fora raetter leigo , aín-
éa qus leva a vantagem de o não parecer por est^r calvo do que
estudou.
Rua da Atalaya 4 de Setembro,
Dissertação do nosso amigo Estudioso , e tão applicaão ds
Experiências económicas.
Quanto nao he prodigiosa , e admirável a miquina do
homea) ! Q^ianro não s;1o delicados os seus órgãos! As vêas
capillares mais delgadas que huru cabello dão nutrição a cer-
tos vnsos por meio dos fluidos , que dentro lhe gyrão. A
circulação do sangue descoberta ha pouco mais de dois sé-
culos , que prodígio não he ! A raesma digestão , e separa-;
ção das fezes no ventrículo , tudo são mysterios ; por isso.
certos Filósofos chamarão ao homem Mundo abbreviado.
Mas que portento não he o fogo eléctrico , que dentro em
nós encerramos ! Milhares de vezes do meu corpo tem sa-
ilido por meio da máquina eléctrica faíscas , como as de
carvão de cepa. E que bruralldadj , que loucura , que insci-
encia não vemos hoje arraigada nos Cirurgiões modernos,
oh têmpora , oh viores ! Os nossos antigos , ninguém pôde
duvidar, que andavão nos certos eixos das cousas; ellescon*
suhnvão a natureza, e sobre o curativo da frágil humanida-
de caminhavão com passos mais seguros, e acautelados. Hoje
siíbsndo ainda as creanças que os nossos corpos conservaoem
si huma parte de matéria ígnea , e que este fogo se acende
em toda a extensão dos mesmos corpos , ha Cirurgiões tão
materiae^ que mettem pelas feridas huma mecha , sem terem
medo cst:3 Senhores que pegue fogo , e morra assado o pobre
enfermo.
Ao Editor mandarão de presente a Quadra seguinte pa-
ra ser publicada pelo Almocreve das Petas, pois ainda que
antiga por muito bem glosada se deve fazer memoria delia.
dU A D R A.
A vida que tem hum Prezo ^
lit: comer da caridade-^
B^:her agoa de hiíma btlha ,
E peair esmola d grade.
(7)
GLOSA.
I.
Roto ; nu, dormir no chão,
Sofírer do ferro o imnbolho ,
Coçar, n alar o picího ,
Sem lenço assoar*sc á mioi
Ouvir daquelle a razão,
Que prr soltallo anda acezo j
Ver de todos o desprezo ;
Do despacho a desventura j
Assim he que se figura
jí vida , que tan hum prezo.
II.
A]ém disto a toda a hora
Anda em continuo gemido
Co' o si: jo braço estendido
Sempre pela ^rade fora :
Oh minha nolre Senhora ,
Çueira ter de mim p edace ,
E assim *que chega a Jiirandade ,
E CS negros Caldeirões vem,
O refrieerio que resn
He comer da Caridade.
in.
Hum dalli noMia a gamella,
A* grade creíce o susi rrc ;
O urro com gteira de murro ,
Vai embutindo a ligeila :
Dáo-lhe a rrçáo pega nella ,
Que he couve , feijão , ou ervilha ^
]MaI que ra barriga a j íiha ,
Sem se Jimpar , btzuntaJo ,
Vai mesmo asfim engasgado
Beber r:gua d^uma bilha.
IV.
Depois parte a desça nçar
Lá rnra o stu aposeito.
Que já rem ccnht cimento.
Do can inho que ha de^ndar
Conversi , ou p6e-$e a jogar ,
Diz muita de paridade;
Chora não rer libeidade,
E f-em poder ccnsdar-se
Não faz mnis, cue rportcar^se ,
E pedir esmola á grade.
AVISOS.
Sahio á Iu2 Methndo jacjl da rtlkice se f^^er d vi L
ta na trí:h.^r,ra da nwrte , 7/ impressão, vende-se na lua
do Cfllçpdo Velho, e na Portaria dcs Ergeitados?.
Nas biírreiras de Aln^ada tem hum fulano tençíío de fa--
zer humas casas, por fcr bom sitio lavado dos aics, e pró-
prio para o intento, pois querem hum dos seus armazéns
vender íiauidcs, os qunes^ ainda tem iruito que liquid:Ar |^or
serem de diffcrenres qualidades, a saber: VírJo do oito c m
1'oJet'a de surf o . porem faz falkr os mudos a 3^0 réis O)
aJuiude;^ e engarrafado a 35',
Dito da primeira sorte de uvas de cão , ai mude a 8o
réis , engarrafado a 27 nove fora nada.
Dito de pulhetas a pontapés por airr.ude, engarrafado
a murro Secco.
LICORES.
Barrasquinho do Japno,
Dito lindeza de Londres,
Dito VinhatiiO das Ilhas-, tudo a pezo de- por onça.
Tudo isto se achará no mesmo armazém , porém não
quer que se saiba por certa circunstancia. ^
Alli para os Alagados da Sé , quinta feira que vem se
hão de pôr a lanços as Co nenàas d*Aldêa de Bifa cem to-
dos os seus pertences, e rendimentos das Cizas , que se co-
brão nos assougues , e Ribeira desta Cidade de Lisboa com
a clausula de o arrematante admittir novos Administradores,
visto que os actuaes já estão encarregados de certas Com-
missóes para os Estados da índia , e devem partir no prefi-
xo mez de Março do anno que vem , que só os poderá im-
possibilitar de tal expedição alguma raoleitia de garganta.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço.
p.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXIII.
Cães de Sentarem 8 de Setembro.
Or cartas vindas de Thomar, e conduzidas por pessoas
•de todo o porte a este Cáes, se sabe o caso ião inesperado
que já mais alguera pôde imaginar succedido naq^iella ViJla.
Hum Cavalheirote muito senhor do seu nariz , teve huma pen-
•dcncia nocturna , c esta em quarto minguante , houve ir.uita
cutilada de parte a parte até que huma o deixou desnariga-
do com bera mágoa sua porque não tinha outro nnriz ; twdo
Jhe foi para traz a este miserável Cavalheiro depois desta in-
felicidade: hum hábil Cirurgião da ViJla., no dia seguinte o
consolou dizendo-lhe, que se podia soldar se ai tida appare^
cesse: estimou muito o infeliz a noticia, e foi ao sitio da
briga ver se achava o seu nariz ; não o achou ; poicm en-
. centrando hum mendigo , a troco de hum par de moedas , ccn-
scniio este que o Cirurgião lhe cortasse o nariz que tinha pa^
ra se soldar na cara do Cavalheiro, onde se poz , só com o
defeito de ficar hum tanto mais comprido , e conheccr-seque
.era nariz de tabaco de esturro, quando o Cavalheiro só lo-
íuava rapé de Franga ; passados três annos luorreo o mendi-
73 ' • - •••
go, e á proporção que ò corlpo se foi corrompendo na ter-
ra , se corro iiípco o ftàrrz na cara do Cavalheiro , que era d a-
queíle corpo : o Cavalhèjfô tom segundo desgosto passou a
demandar o Cirurgião pétò p^eMiVnehtp clò seu segundo na-
riz , de que o Licenciado kè *<teí%nâfe feei^áto : que elle só st
obrigou a solãúr-lho , pétl^Hi nãò -n 'tfUe èura^-se além da vi*
da do primeiro dono : a dèfnand^a lixí íorré , os advogados a
trarão com o maior empenho; h Sc thègar a vir o feito á
Corte, ha de èe ver nas razoeis hum galante jogo do nariz,
porque sen^o fizerem coftiposLção hão. de dar arabos infalli-
velmente, codo lá *dÍ5íe& , com os n^lzes em hum sedeiro.
Bdirrb JU^ j de 'Setéht0'fâ. .
Entre à qiià'htiâadè de lojas de bebidas que aformozeao
esta Cidade , ha huma que tinha hum Caixeiro que era hum
lince com todas as circunstancias precisas para fazier a loja
famosa ; principiava© as suas qualidades por ser muito esper-
to, civilisado , Cara alegre, e diligente, de sorte que fazia
pelos ares quanto se lhe pedia por boca, servindo com tanta
promptidão aos Freguezes que parecia lhes advinhavaos pen-
samentos : dava-lhe o Patrão de ordenado por raez meia moe-
"^da , almoço, jantar, e cêa , e contava o tal maganão de mais
a mais com doze vinténs certos dos lucros da casa , isto por
hum calculo que lhe ensinou a fazer hum patrício seu que era
'hiestre em artes; e o bòra do rapaz tomou logo tão bem a
lijão , que já pode ensinar de cadeira a qualquer. Ora como
SL algumas pessoas parecerá esta conta Grega, he preciso ex-
'plicalla por miúdo : H ornem ^ lhe dizia o ?útr\ç\o ^ as cou"
tàs são cmno cada hum as faz \ dizem íá na nossa terra ai''
guns homens de pequenos sentimentos ^ mas de grande alma ^
''que ioc(í) réis em divida ^ e loC(i) ^^^^ ^^ dinheiro^ tude
são icoíi) ^éis \ for esta regra sempre estarás em pa^ y que
tão he das peores cousas ; porém pára tu pilhares algum vin^
tttn avultado he necessário qUe a Geometria bifante andena
casa dianteira^ pela dúvida da quebra do fiegocio que possa
acontecer : para acautelares isto compraras hum mialhetro ^
t todos os dias lançarás dentro de lie quatro vinténs da ten-
da da casa y e outros quatro miettendo^os elm conta ao Pa^
irão , di^cfíMhc que ião do teu almoço^ cujo almoço supri*
rds com qualquer cousa ; porque quem anda com as mSos na
massa sempre lhe ficão untadas ; por esta conta se teu Pa^
trão te paga , hem pago ficas ; e se te não paga , bem pa-
go vãs , no caso de te despedir. Se houver treguez que por
iilguma nica te despreze o copo de café , ou de ponche , bati
com elie no bandulho que tudo lá se acha , porque quem adian*
te não olha, a traz fica. Agradou tanto o conselho ao meni-
no que sajiio fipo como hum coral para a manobra ; porém
como o Demónio sempre as tece, e elle era huraas contas
que fez rcpartio cora o Patrão dos ganhos da loja , comoiV^»-
tarem com Coracbe , foi ameaçado do raesrao Patrão para
que em acabando aqueIJa semana se pozesse ao fresco ; e nãp
contente o tal Caixeirinho cora a sangria qiie fez na lo-
ja , projectou hum novo jestratagema pelo modo seguinte : In-
culcou a todos os Freguezes rapé de França maravilhoso a
quartinho, dando a provar huraa araostrinha , e dizendo ^írr
tinha hum fulano de tal , que debaixo de todo o segredo p
vendia: Os Tafues que confiavao neile, e temiao que a ra-
pé se acabasse , forão-lhe dando dinheiro para a mão , huns
lhe davao huma moeda, outros meia, outros querião seis ar-
rates, e finalmente era íiura assougue o balcão; foi acceitan-
do de todos, e fazendo huma lista para não haver engano,
promettendo, que no Domingo seguinte todos serião satisfei-
tos ; mas ah quáo pouco subtis são os narizes desta paralta-
da que era lugar dè rapé lhes devia logo cheirar a esturro sk
cncommenda 1 O tratante vendo-se com doze moedas para a
tal compra, nessa mesma noite se despedio do Patrão, dei-
xando os encomraendaates sem rapé, e sera dinjiciro. Consta
que o tal rapaz se foi sentar nos Caxoupos a qspcrar pelo Na-
vio que ainda ha de trazer a eacoramenda , e que os miserá-
veis Tafues que derao o seu dinheiro , para memoria da sua
materialidade , andão entulhando ^as ventas de esturro negro , e
simonte claro, fazendo cora hum vintém, o que d'anles fa-
ziao com dezeseis tostões, e confe$^ão que purgao mais, e
que sentam menos vertigens. , >
Continuação das ãnecdotas achadas ao Velho de Ro*
mular^s*
Dizia hum Filosofp luglez , que a ipulhçr deve^er,
t4)
é nao ser como as tres cousas seguintes, :z: deve ser como o
caracol em estar sempre na sua casa , t nao ser como o cera"
cal que traz tudo quanto tem ds costas*
Deve ser a aiulher como o eco era nao faliar senão
quando se lhe falia , e não ser corno a éco que tem sempre a
ulttma respoita.
Deve ser a mulher como o relógio da torre, que sere-'
gula bera, e não deve ser como o rehgio em faliar tão alta
que toda a Cidade a ouça.
Henrique IF, sahindo á caça algumas legoas distant^e
da Gorte, em quanto os batedores, e toda a mais comitiva
se entretinhao nas suas obrigações, se alongou aquellc Mo-
narca só no seu cavallo a ver algumas Aldeãs visinhas , e re-
parou que a huaia porta estava hum Çapateiro trabalhando^
armou-Ihe conversa , e perguntou-lhe se jd ttnha tido d
Corte , ao que respondeo o Qapateiro que nunca Id tinha hi^
doj porém que lhe não faltavão desejos ^ porque queria ain*'
da ver o seu Monarca \ disse o Rei que muito perto o tinha
forque andava d ca^a dalli não muito distante com mui*
ta gente y e que se o queria ver que se puzesse alli de an^
tas com elle que o conduziria ao sitio : agradeceo muito o
C^apateiro aquella bondade, poz o chapéo na cabeça , e mon-
tou com todo o desembaraço ; porém no caminho fez esta
pergunta ; como bei de eu conhecer ElRei entre tanta gentt
que Id está: disse-lhe o Monarca aquelle que tu vires com
chapéo na cabeça quando os outros o tirarem , esse he que bi
o Rei : chegarão ao sitio, e aperras appareceo Henrique IV; '
todos tirarão o chapéo : o Çapateiro que estava com o seu
posto, e vio que só o Cayalleiro que o conduzia he que tam-
bém ficava de chapéo na cabeça, virou para elle, e disse:
Âh Senhor , quem he aqui o Rei > hum de nos dois o ha de
ser , ou o sou eu ^ ou o sois vós que somos os que estamos de
ihapéos.
Andando hum Cura com alguns Irmãos , na segunda
oitava da Páscoa , a receber a contribuição dos Povos , como
he costume , ouvirão em huma casa huma grande gritaria , e
enfados; era o dono delia que estava muito colérico ralhan-
do cora a Creada, porque ao accender do lume atirara a rua
com a mecha acceza , que ainda podia servir para outra vez,
c disse o Cura aqui níidaf tiremos^ casa onde se ralha tan^
c r )
to por se estrutr huma mecha , nao dd nem cinco rets ? po-
rém hum dos Irmnos sempre bateo na porra ; chegou o do-
no da casa 5 e tratando a todos com bom modo, puchou de
Jiuma moeda de oiro , e deo-a ao seu Pároco ; ficarão todos
admirados ,' e disse hum da comitiva : nifjguem esperava tal
rasgo de geríeroíidade onde se gritava por se esperdiçar hw
ma mecha , o dono da casa que ainda ouvio respondeo da ja-
nella , he ryie preciso fazer caso de huma mecha ^ e de cousas
inda mais pequenas para poder dar essa moeda de oiro.
O Moço do Poeta trouxe de presente ao Editor os se-
guintes versinhos a que elle chama desvarios das Musas ^
nestes pensamentos soltos , porém bonitos»
jímor Navegante.
Amor a navegar tu me convidas,
E ao desprender da Praia , então me mostras
Tranquillo o mar, o vento adormecido:
Eu vou ; mas se depois arrependido
Voltar ao Porto intento ,
Acharei socegado o mar, e o vento .^
Amor , e a Innocencia»
A' fácil , meiga Innocencia ,
' Disse hum travesso amorinho,.
Para ir alli brincar
Dd'me aquelle Passarinhos
I'
Cora debil prizão segura ,
Alva Pomba lhe entregou.
Logo o pérfido Cupido ^
A prizão despedaçou :
A Pomba voou, fugio,
E dando sinaes de dôr.
Desde então, foi a Innocencia
Sempre , inimiga de Amor.
(6)
Amor foge da velhice.
Ingrato Amor , tu foges do meu lado ,
Porque sou calvo , e ruço , não te agrado ?
Desprezas a velhice sem clemência ?
Ora pois , nada importa ; paciência :
Procura esses Tafues namoradinhos;
Inda ha muitos chorões , mil rapasinhos
Que as Damas trazem sempre muito inquietas,
Que sabem uso dar ás tuas setas ;
Mas era elles sentindo na moleira
O sal, que tu lhes pões por brincadeira,
Em sentindo, que ao corpo a roupa chegas,
Pilhados dos calotes , que lhes pregas j
Como não choraráò taes intervallos,
Ora cheios de tinha , ora de callos !
Rua da Atalaya ii de Setembro.
Dissertação do nosso applkado em atilidade do público.
Como seja o meu génio incansável em desentranhar do
centro das bellas cousas do mundo , as cousas mais úteis pa-
ra a commodidade da vida , e igualmente o meio mais facil
de se usar delias,, continuo nas minhas combinações botando
linhas sobre o desconcerto do orbe, e riscando de dedo a re-
gulação popular. De dia a dia vou conhecendo , inda que cora
muito trabalho, pela regra de quem de lo tira 4 ficao 6,
que a falta que nisso houver alguém a ha de sentir: não dei-
xa de me ser estranho que os homens, senhores de fazendas ,
empreguem tantos, e tantos milhões de pessoas no trabalho ;
bem que da primeira necessidade, cora tudo, opprimido de
huma extraordinária despeza j que levando tudo por deminu-
tivos , a final ha de dar huma grande quebra. Eu pois me
proponho remediar em parte os Lavradores com hum modo
facil , e uril de uhimarem as suas vendimas , sem os prejuí-
zos acima mostrados. Lembro-me que não s6 no tern\o de
Lisboa, mas era qualquer parte do Reino se mandem avisar
(7 )
«piantos rapazes howTerem pelos Bairww ; por<}*ie estes são os
iraeiros agentes p^ra «eioelJiante einpre:^a , de vendimarem
uma vinha, em menos de hum dia por maior que elia seja,.
sem que os seus senhorios façao a d^speza afinual , por<jue
rapazes cora qualquer cousa se contentao.
AVI S O SL
A superabundância de leitoas que forao vist»is na Fei-
ra da Luz este anno passado vivas, co-zidae , e assadas, pos-
tas a. vender a todo o bicho careta, a preço de 120 cada hu-
ma, em hum tempo em que tudo está como lá dizem pela
hora da morte, fez cora que hum investigador da natureza
tomasse por seu bom barato apurar nao a causa dá venda ^
porque essa estava vista, mas o como se ajuntara em tão
pouco tempo a magna comita^ite caterva de leitoas que pa-
recião nascidas de huma só vez, e soube por meças de páo,
c além-via , que procedera de ter parido a porca do sino da
torre da pohora de Beirollas , q^ue se suppde que tem 30a
annos de idade , e o que admira mais , he que estando a por-
ca fechada na torre, tal succedesse, salvo se foi alguma chu-
va de chumbo , . assim como a chuwa de oiro qu^ penetrou a
torre de imtal , em que estava Danne*
Noticia y i aviso tudo junto.
Bem defronte do tal sitio, ha huma rua que vem dar
á mesma parte, e antes de chegar á rua , está sempre em ca-
sa , porque não sahe fora , hum homem muito curioso cotn
mãos de prata , que faz galantarias para utilidade do públi-
co, arma Jaços subtis para mosquitos, e faz humas espingar-
dinhas de cana, para quem quizer andar á caça das moscas;
porém as pessoas, que forem perseguidas destes inimigos,
e pelo muito que tiverem que "fazer não quiserem perder
tempo em armar, e desarmar as máquinas, apolvilhem a ca-
beça com assucar, e barrem subtilmente a cara com mel,
que seja de enxame novo , que dentro de hum quarto de ho-
ra apanharáõ estes intecios scíq laaior trabalho*
f ^ )
Quem quizer sacatrapos muito bons dirija-se ás casas
da Opera , e ponha-se á porta , porque das Ave Marias por
diante não ha trapinho que náo saia fora fazendo vista de
novo, e alli poderá escolher.
Vendesse esta Obra , e todas as mais partes de que he
composta , e vão sahindo suctessivamente ^ nas Lojas seguin^
tes : Ha de João Henriques na rua Augusta junto ao Ter-
reiro do Paço : Na de Francisco Xavier de Carvalho no Chia*
do defronte da rua de S\ Francisco : Nade António Manoel
Po (y carpo na Arcada do Senado: Na de Desiderio Marques
Leão ao Calhariz Nf 12,: Na de António Pedro Lopes na
rua do Ouro junto d da Gazeta: Na de Leal em Alcântara :
E em Belém na de Capella de José Tihurcio : Também te
acbão na mesma Officina em que se fazíem.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS-
1819.
Com licença da Me%a do Desembargo do Paço. .
H
ALMOCREVE DE PETAS.
P A R T E LXXIV.
Vai escuro ló de S^tembr9i
A para a Cruz dos quatro caminhos hum sujeito esbel^
io , de trinta e tantos annos, cora a balda de ser valente ; em
jahindo de noite não fica pedra sobre pedra, de espada , e
capote , agora o vereis , com tudo enrosta , tudo reconhece ,
e finalmente alguns estudiosos deste Bairro, que tem lido mui -
\o , lhe chamão o segundo tomo do Joannico : ora^ neste va*
"eroso homem não se verifica o ditado, de quem dá primei^
o , dá duas vezes , porque elle dá , e não espera a resposta
elo mesmo caso da pergunta. Huma noite destas foi a Vai
curo cumprir huma promessa ; devoção de que Deos nos
ivre , e hindo pela estrada , de repente vio, que d"entfe hu-
as oliveiras a elle se encaminhava hum vulto ; não quiz o
nosso valente roais ver, traça o capote, pucha da espada,
corre ao vulto, enterra lhe o íerro , e assentando que o tinha
orto , enche-se de pavor, parecendo-lhe que a jusriça era já
sobre elle: bota a fugir do sitio com o capotinho ás costas,
não lhe emportando nem a espada , que a deixou cravada no
desgraçado vulto, e chegando a casa muito fatigado > disse a
74
sua mãl : Eu eertamtnle estou per dUo ^ eu matei quem quer
CjUt fõ se ^ e \oi dà primeira estocada ^ pflrque mo ouvi
palavra , e o peor foi ficar^me lá a minha escada , que tal-
vez» tila será a minha inimiga úccusaiíora, h niãí cahio lo-
go com liutna convulsão^í, a que acudirão duas visinhas da
escada; clíe nem pôde 'dormir de susto, e «ío aroanhecer
foi dcsfarçado dar volta ao sitio a ouvir o que se dizia , e
quando esperava ouvir gritar, homem morto ^ homem morto ^
vií) em humas terras hum burro albardado , que andava per-
dido com a sua espada , mettida entre a albarda , e a enxerga t.
veio muito contente para casa consolar sua mãi, que estava
lastimando o defuulo se seria pai. de família.
Poço Novo 21 ik Setembro.
Grande caso, natavcl carreira dos tempos lisongeiros, e
interessantes costumes , oh têmpora ^ oh mores l Sim, senho-
res, havia nesta rua huraa casa de huraa viuva, cora quatro
filhas muito cultivadas de Tafues pelas continuadas assem-
b!éas , que ajli se oíFereciao aos espíritos alegres ^ porém não
havia função que náo fosse feita em honra dos annos de al-
guma das senhoritas, e como erão repetidas, a companhia
de hoje, já não era a mesma de á manha ; convidadas, ecoa-
vidndos , ( como as aves na muda ) largavão toda a penna com
dadivas de prenda á menina, que fazia es annos, e este lan-
gará a^cilicet chuchadeira , dava motivo á continuação destas
funções: ora em certa Praça huma tarde se ajuntarão alguns
dos Tafues, e por casualidade conversarão a respeito desta
casa; disse hum , hontem estive nor annos de D, Gerigota ,
fio que logo respondeo outro do ranclio , ahi haetígano ^ por»
que D. Gerigota fez annos haverá três mezeç ^ e eu assuti
à brincadeira, Acodio outro ao argumento dizendo: Vossês
kstão-me logrando , haverá seis mezes que ella fez os seus
ãnnoí , por sinal a brinàei muito bem , e convivi na Assem-
hléa que houve '^ teima para aqui, disputa para acolá, con-
Tcio-se, e soube-se , que tanto a Á^enh ora D, Gerigota , como
sufts irmãs ^ fazião annos de três a três mezes, e houve Ta-
M que botandc-lhc a conta ás idades , schou a cada huma
das dita^ meninas, pela marca das ditas funções, para sima
de 5*0 annos quando pela Era não linhâo mais de 20, mas
tiido merece desculpa , porque também os relógios se des-
acerião , qm huns aadão pelo Sol , cutro* pdo lempo.
(3 )
Lamego 17 de Setembro,
Avisão desta Cidííde, que chegando a ella hum Estran-
geiro cora huma chusma de (Cartazes, que póz pelâs esv^^ui-
nas , fez saber ao público , que clle coai toda a delicadeza ti-
rava quantas espécies de calos havia , de cuja operação tam-
bém tinha tirado hum grande lucro era outros Clitaas : certo
sujeito, que attentamente !co este papel , e adiando qae lá
lhe tocava pela roupa, procurou logo esre liabil Professo»*, o
qual com facilidade deoexcuçáo a esta melindrosa obra; po-
rém como o estrangeiro se. demorasse pouco naquella Cidade ,
estabelccendo-se eai outra ferra vinte c cinco íegoas de dis-
tancia , entre tanto tornando-sc o dito sujeito â ver achdca?
do do tal maldito mal de raiz, accrescendo a isto huma tre-
menda topada, que por infelicidade sua deo nus degráos de
huma escada, neste caso se lembrou logo do dito cura cai-
los, e chegando cora muito custo a casa , poz huína perna
sobre a outra, pegou em huma navalha de barba coríou o
dedo aonde estava o cáb^^ e pondo-o sobre a mezá,"; embru-
lhou o pé em huma toalha , pegou na penna , e esdreveo ao
Estrangeiro communicando lhe- por carta , que como estava
ausente, e gWh accorameítido da mesma moléstia, que na cura
parsada tão, bem succedido fora, sendo impraticável pela
distancia em que se achava entrar em novo curaiivoj lhe re-
ir.ettia o dedo, para que á sua vontade, e sem dôr ího hou-
vesse de curar radicalmente; feciíou a carta, preparou a en-
commendinha n huma pequena condeça , e despedio hum pró-
prio, que espera com a maior ância , ainda qlle com o des*.
gosto de ver hir contaminando os outros dedjs da mesma mo-
iestia ; porque como tem a fama d« bom homem, os calos
le se lhe pregão são immensos.
laxhnas í/o Felòo de Romolares continuadas na maior
parte destes folhetos
Que lucra a Dona dà caáa ,
Em quanto poupando vai ,
Se dá dmlieiros ao filho ,
A*s escondidas do pai ^
Com que os vícios são nutridos
Ein preversas companhias.
Que pôe tudo cm dissabor ;
Sendo a mai toda a ruina ,
Porque jhe tem muito amor l
Que direi do meu Ta fui
Prendado, e gentil figura,
Que por quantos bairros ha
Ter amizades procura ,
Achando Damas tão loucas ,
Que até dinheiro lhe dão ,
Fiadas no casamento.
Lance que nunca verão;
Acautele-sc a que he va ^
Conheça o que lhe convém,_
:.-> ^ E as traças que muitos tem
Para viver de lolã.
Que direi d^outros gavolas ,
E faltos de consciência ,
Que nas lojas das bebidas ,
Sem gosto, ou conveniência^,
fazendo gala dos vicios,
Pôe casas á dependura !
E as filhas de hum tal tulano .
Pelas ruas da amargura !
Qae direi de huma creada
Servindo casa abundante,
Que por ladra j e. por golosa
Faz com que ande toda a casa
Sempre em quarto minguante.
Rua da. Atalaya i<^ de Setòmlro.
O nosso amigo estudioso , e tão applicado nas desco-
bertas económicas , e intelligencias de palavras , que vi-
vera sepultadas no esquecimento se propõe analisar a ori-
gem de palavra ncnhures^ e do ceio de grih na seguinte
(O
DISSERTAqÂO.
A origem das palavras deve ser a primeira indagação
dos Sábios ; 23 palavras para o dizer com os Filósofos , são
como as cerejas , porém a origem de tcdas as cerejas he co-
nhecida , e a de todas as palavras não o he ; igualmente nos
servimos dos ditados ignorando o ?eu nascimento nenhw es ^
e ctbo dt grilo que he bom faro graxa , palavra , e rifão,
que dá no goto a todos, serão o alvo da presente Disserta-
ção, para a qual confessarei, que me servirão de muito os
manuscriptos que me ficarão por morte do célebre Ervanario
o Almeiróo jteiquinho\ assim ccmo nos laboratórios Ghi-
micos os Alquimistas descompõe os metae« para saberá sua^
origem, e composição, assim nós devemos fazer ás palavras,,
que lhe são tão análogas, pois não ignoramos que ha pala-^
vras de oiro , e palavras de ferro : começando pois pela pala-
vra nenhures ^ direi que esta palavra he composta do substan-
tivo ninho ^ e da segunda pessoa do Verbo Latino tiro ^ que
he uris , e .aqui temos nós que a colizão destâs duas palavras diz
^ queimas o nir.ho. zz; Ora nitho he o ncme quedamos, e
dávamos ás nossas casas, logo isto dava tamfccm huma idéa
de que tinhamos queimado a casa \ e porque cousa queimada
não existe, he a razão porque dizemos 'vou ã nenhures ^ que
vale o mesmo que dizer ; lou a nenhuma farte, Persuado-
me ler satisfeito aos Senhores curiosos : agora para demons-
trar o ditado cebo de grilo ^ me valho como já disse das me-
morias que achei ao Almeirão fresquinho. Consta por hum
raanuscripto muito antigo do dito, que havia hum sujeito na
Lourinhã muito indagador da natureza , o qual esc^evia tcdas
as suas descobertas. Este grande homem como olhava para
tudo com olhos de reflexão , querendo hum dia fazer graxa,
para humas botas que linha , e sabendo que esta se compu-
nha de pouca cera, muito cebo, e pós deçapatos, vendo
então que só os pos erão negros, e tudo o mais era branco,
entrou na indagação de achar algum animal, cuja gordura,
ou cebo fosse negro: entre mil que estripou achou que ogr/V^
no baixo ventre enserrava huma espécie de humor crasso, e
pegajoso , de côr negra ; então deo parabéns á sua desco-
berta, e visto que cada grilo que matava lhe subministia^^
(6)
va tanta porção como a abeça de hum alfinete de real, fez-
se algoz ií?/ grilo f de todas aquella» terras, donde obteve a
alcunha de miía gnlor , família dit^tincta daquelJes contor-
«08; de sorte qae naquella» vísinhánças se queria ás vezes
hum grih para hunu iivésínha , c náo o havia. Este homem
dez annos que víveo , a pezaf de toda a sua diligencia não
pôde ajuntar mais que ires grãos do dito cebo ; e antes de
luorrer para utilidade publica, e para que chegasse á noticia
de rodos mandou gravar no Portal de huraa fazenda sua este
Jeireiror: ceòo de griío he bom para graxa =: querendo que
o Mundo se aproveitasse desta descoberta ; porém como esta
invenção he quasi impossível de se pôr em praxe, por isso
quando nos pedem alguma cousa difficultosa , ou para raelliar
dizermos asnatica, respondemos aíFoitamente , ora cebo de
grilo que he bom pAva graxa.
Ao Editor remettêrão de Leiria a seguinte advinhação :
os peritos nesta arte se devirtirao com ellí? desenvolvendo a sua
intelligencia , se tiverem paxorra para isso , que o folheto se-
guinte tirará iodas as dúvidas.
Por ave nos ares vivo ,
Mas da terra me sustento,
Sirvo aos homens de alimento,
E a quem me quer nao me esquivo;
Preza estou, mas com motivo,
Preza esiâr não me entristece;
A muita gente aborrece
A minha grznà^ dureza,
Sou quente por natureza^
Tenho lã , roas t\2ío me aquece.
O moço do Poeta hindo huma noite destas assistir a
hum casamento da Enleada do seu çapateiro , para que fora
convidado, e vendo que ôoi toda aquellâ companhia ferviãcr
os fjons , pois a Irmã do dono da casa era O, Aniceta , a
inãi viuva U.Fictoriria^ huma sobrinha D> M^^urhia , eaté
liuma criada em honra do Dia, peitou os ofíiciaes , e apren-
dizes para iiie chamarem D, /liberta^ desembrulhou-se este
jtótóiuio daquclla praga de Vons com o seguinte
I
(7)
S O N E T O.
Senhora Dona AMa chegue cá,
Com Dcrja Contradança venha aqui ;
Porque a Lona Farofa agora ouvi
Dizer , que já sem Lcm Dan:as não ha:
A criada que esfrega , ou traz o cliá ,
Com Dtvt em certa essa ha pcuco vi;
E se isto vai avante per ahi,
O leque de Dcm^ Lorn^ em fogo dá.
Ha muitas que não tem dez réis de pão.
Querendo lhe dem Lom sem tom nem som,
E só do ar ào iJom vivendo vão :
Nada , meninas, isto não vai bom !
Porque se acaso as rrcdas nisto dão ,
Não vereis cão nem gato sem ter Dom.
AVISOS.
InsvríGTiO Jaqves Serr/!o ^ homtm que eu conheço;
e vossas mercês iião, declara a bem da humanidade, o reme-
do para tcdas as pessoas que forem calvas , c de quaíqiíer
idade que sej$o ; vem a ser; usarem todos os dias decabel-
Jeira , porque deste modo fica a mesma calva incoberta aos
olhos de todos \ advertindo que a dita ha de ser feita por ca-
belleireiro, e to^da de cabeJJo,.
Rebuim ^^ari^ue de nação Arábica, passou a esta Ca-
<8)
pitai attraliído da fama que corre da delicadeza, com que a
ponta da agulha cm Portugal faz os seus deveres, nãoestan.
áo ferrugenta, pois tem vi«to bordados de muita galantaria:
elíe traz mappas, e dcbuchos em que se metieo para se lhe
bordar a sua arvore de Geraj.lo em Barbaria , ou Ruão de
Cofe, que são fazendas, em que se distinguem bem as cores
desta Nação : f^ houver algum curioso que borde bem de re*
^emuinho,^ ou ^J fonto a traz , e pmtto adiante ^ e quizer
ajustar a factura da obra, não tem roais que fazer argel a
qualquer pessoa que topar no largo dos Inglezinhos. Adver-
íe-se que o mesmo Rebuim Zarique também dá muito que
fazer era lhe tomarem pontos ás meias de que usa.
Chegou a esta Cidade Clavina de Ambrósio^ fomoso
dentista, que concerta, agussa , e alimpa toda aqualidadede
dentes, tanto de. serra, de pente, de roda de nora, como de
ancora, e de alho, &c. também pôe ordens de dentes posti-
ços, feitos de cera, tanto na gente, como nos aniraaes, e
os que não podem chegar a este gasto lhos pòe de cebo , fi-
cando táo fortes, que se pôde comer coni clles, e .partir
£jioze8,,e. pinhões.
LISBOA. NA OFFIC. DE J, F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
€om licença da Meza do Desembargo do Paço*
' •iíljtifc
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXV.
Cruz dos quatro caminhos 24 de Setembro,
V^ Ue ha horas desdichadas , e diis aziagos, hí dos li-
vros: Judas quando nasceo botou tanta reima no seu
dia, que sempre quando vem faz mal. O Mestre Simão,
Çjpateiro de Nação porque nasceo em rua de Capateiros,
e em casa de CJapateiro, hum dia desta semana levantou-se
da rabeca com tanta zanga , que pareceo que aíguin zarolho
o atravessou ; logo ao destr?ncar a porta quebrou o bebedouro
das Galinhas, e esborrachou hum Pinto, que quando lhe
puchavão pelo rabinho picava na aza , signa! evidente que
havia ser Galinha , e não Gallo, Ao solar humas botas es-
toirou-lhe a cevella , picou hun dedo, e entroi^-lhe o bispo
DOS feijões, que tinha para o jantar : Não pararão ainda a-
qui as infelicidades do Mestre, foi avisado para a ronda.
(Oh quanro melhor fora metter homem por si, e gasrar a
caravella do que succe3er-lhe o que lhe succedeo, ) Derno
Ave Marias , eis o bom Mestre embuça-se no capote de sete
cores , agarra no espadim de luto , e sahe , mas ao sahir
pega-lhe o feixo da porta na rede, e faz-lhe huma reve-
rá
renda farpa. Partio, esconjiH-ando-se, a casa de huma saa
Tia velha que benzia de quebranto para Jheendireitar a sorte,
e purificar os humores cora alguma lenga lenga , mas a velha
não estava em casa ; e o Arrogante , o efío mais matreiro
daquella rua tomou-lhe o pulso com os dentes a huma per-
na , e fez-Ihe a meia n'um frangalho. Não parou ainda aqui
o teimoso destino do Mestre Sistor-^ entrou n*uma Taberna
a beber o seu meio quartilho do tinto, e como eslava aza-
ranzado de tanto naufrágio escorrega-Jhe o copo , e foi mais
hum tostão, farte dia dizia o Mestre, mas não se iembra»^
va já que era noite, e que aquillo erão prelúdios de maio»
res infortúnios. Foi ao Rende z vous da ronda onde Jhe en-
caixarão nas unhas huma matraca , c o mandarão para aquel-
le descampado da estrada da Penha. Aili se ameijoou o po-
bre, quando ãs duas por três sente ruido , e vê vir huma
faca mestra toda torsida tazendo torsicolos pelo caminho, e
batendo com as patas nas silhas, então a guardou que lhe
chegasse mais ao pé , e locou : porém a faca que era nova,
e vinha desapercebida, espantou-se, tem daqui , tem daiJi ,
atira com o Cavalleiro ao chão que também vinha desaper-
cebido , e quai em vingança de tal desordem vai-se ao Mes-
tre , e arrochou-lhe o corpo com a espada sem o comover
os seus tristes rogos. O C^apateito então tez tenção de não
tornar a tocâr a matraca aquelia noite por lhe não succeder
oalra; quando dalii a pouco vem hum Militar muito reso]uro
embuçado no seu capote, e com a su^ espada lestra , e passa
mesmo pelo pé de Matraqueiro \ este não tocou , e o militar
julgando ser ladrão hum homem ãquellas horas natyuelle sitio,
íembrando-ise que quem dá primeiro dá duas vezes, bota-sc
««lie como hum raio, o Mestre gritou piedade, c a matra-
ca resoou com as taponas, que foi a sua tedempção , cho-
rando cora as dores das sarabandas ^ e então assentou o Ca-
pateiro comsigo a homem de cavallo não tocar, e a homenn
de pé tocar sempre; eis neste comenos sente pés de quadrú-
pede , disse então comsigo: ftào toco que estou -embrado
da outra ; mas este era o Alcaicie do Bairro que hia a huma
diligencia , o qu-al vendo que o Matraqueiro não tocava de-
pois de o reprehender asperamente mandou«o render, e ^w^
caixoíar no Limoeiro, que foi coro que coroou a festa de
Ião âssignalado dia.
( 3 )
Guimarães 19 de SetemWê»
Sabemos por noticias frescas a inextinguível epidemia
que gfaça por toda esta Vilja , morrendo huraa grande quan-
tidade de genfe por cousas boas ; principia este mal por hu-
ma inquieta çHo no desejo , degenera ás 24 horas em dór de
ilharga , e acabj em grandes ítquxos de rizo , além das pes«
#oas que tem sido vicrimns deste grande mal, se observou,
que elle fe/: diversos effeiros em hum Cavalheirote tíaquella
Viila chamado Z). Feliciano de dtas cançadoç ^ o qual juU
gando»se em perfeita saúde, e entrando huma noite e«tura
pelo lugar de VaJ de lançóes lhe à^o hum accidente qjie o
deixou em hum iethargo , em que esteve toda a noite até
que tornou a si com borritos da agoa da Aurora.
Carta que escreveo Iheodozia Miria a seu filho , tjue anda
nos Estudos d^ C'>tyHhra , n qt*al psr artes rio Almo-
creve veio em copia às mãos do Editar.
Pard 30 de Ju/i/o,
Meu caríssimo , « muito amado filho da minha varo*
nica do coração: a minha benção te boto , e te cubra para
que sejaá hum Santo ; do mesmo modo se te recommenda
teu Pai , que te nao escreve , senão esta , que hé ^eira por
mim , pois anda alabutando nas fazendas.
Cá a recebi noticias tuas por hum carta , que a recebeo
teu Pai , e elle se agastou muito pelo tratares com tantas
therolicas, e pyrarabulas jaculatórias. Tinha a tal carta huma
letra tão somenos, e enrabiscada, que não Iheescapsndo hum
seitil com a ingrilaçlo da vista, lhe suou o nariz tanto, que
os olicos lhe cahírão inflabilidades de vezes sem lomhrig.ír
os teus amantes colloquios ; e como eu estava muito occupa-^
da nessa incasião , chamou teu Pai hum menino orfao , nos-
so visinho, para que lhe puzesse em Portiiguez a maldita Car-
t.i. Lá lhe mandavas dizer que estavas pa^a entrar no curso
do degráo de Bacharelo; a isto responde teu Pai que depois
de hires correr essa Nuversidade, parece mal vires só Bacha-
relo, porque já cá o eras ingeminado, porque quando teu
t4)
Pai esbarrou comtigo nessa Terra , era para termos a jubifa»
çâo de re enxergarnios ó Sirurgiáo , ó iníoríBado na Diíficul-
daJe dos Creligos, que os mais, diz teu Pai, que são Dou-
tores de íibis quoeres: e não desejamos que te chamem por
cá quindunho, que não lia cousa mais amazoilada. Também
se consumio muito por mudares de nome , pois se eras d'an-
tcs Ambrósio Piíorra , para que puzestes no sobrescrito Am-
brósio Palhoça: eiíe jurou-te pelas barbas, chamando-te in-
divido ;_ e o certo he que vossês outros em se apartando do
bafo da saia , logo íevaiuão o olho á coifa sem fazerem min*
goa de que aínda rrezandão aos coeiros. Teu irmão mais
velho já está Precurador da Irmandade , e o pequeno já cons-
truio o outro dia nos olhos de teu Pai a Prezodia ; e o tal
iDenino.oifão, nosso visinho, não lhe pôde dar hum sóqui-
náo nos demifiativos na parte neltra ; e anda agora metendo
na cabeça as lambaragens. Não te esqueças de ler naquelles
livros, qne te det=: Dos contos de Trancoso, :=: a Plingri*
nação de Angélica, s e as Canónicas da Grdera de Bertol-
do , que sobre tudo são as ma^s divertidas. Tua Irmã fica
iBuito doente de quebranto ^ e untada do ungoento saralhôto.
As novidades, que aqui correra , meu rico filho, são que nas
guelras , que trazem os Turcos com os da nova Apolónia,
já pedirão trevas. Não tenho mais que dizer-t€, senão que-
sejas bom , não tenhas más companhias, cozeste comtigo ^
Bera te traves com alguém , e cuida nos teus estúrdios com^
aquelle desvario- que. de ti espero. Arrecebe a minha benção.
Amem.
Tua Mãi , que tanto ?e ingemera cn:i'
que saias perfeito á luz do Mundo»
( Assignada* ) 'Iheodozia. Maria.
Máximas fio Velho de Romolares continuadas na mai^r^
parte destes Folhetos*
Tuas acções , teus passos medir deves >
Primeiro que no Público se vejão,
Discorre no que falias, no que escreves,
Pára salvar que desacertos sejão:
C f )
Toma por mestre o tempo em todo o lance ,
Elle te mostrará que seguir devas ,
Também mostrar-te pode de que fujas,
Que assim seguro o vencimento kvas.
Escuta os teus louvores de ti longe.
Porque esses vem nos braços da verdade;
Mas se tu os pedires, e tos derem,
Rogando«te emprestado aigum dinheiro,
Olha que he Iodo seco com olheiro.
Será bom pagar bem sempre com bem ,
Mas o mal não he bom pagar com mal ,
A paga , que Deos dá devemos ver,
Se Deos pagasse o mal do Mundo assim,
Nen^ ÍMím pão haveria que comer.
Se tens raeza posta , e cadeiras na salla ,
De mais cumprimentos te escusa, e te calla:
E a quem a taes horas te vem visitar ,
N^m mandes que coma, nem mandes sentar j
Que quem trouxer fome, ou cançado vier,
Sem que tu lho digas, o sabe fazer.
Rua da Atalaya t6 áe Setêmlro.
DisíertílCão do nosso Estudieso Económico.
Quantos concebendo a vaidade de innovadores, que*
rem destruir as máximas, c os axiomas dos Sábios, commet-
lendo erros de kza natureza. Os grandes Filósofos Natura-
listas dividem em ires Reinos os successivos productos do
Orbe terrestre, a que chaitâo i^m^y/mw^?/ , Rtíno Vege^
t^l , Reino Mineral , e cada hum destes Reinos subdivi-
dem, e clasifícão em diíFerenies espécie?. Huma ginja, e
huma noz, he certo que pertencem ao Reino vegetal, por
(6)
«erera fructos de arvorrs ; poréín que diíFsrenqa nSo ha de
huma cousa á outra ? A' noz coius-se-lhe o interno , e lan-
ça-se fora o externo; á ginj^ coíBese o externo, e esperdi-
ça-se o interno. Quem negará que o figo ha hunna flor , e
que se come ^ e que a maj^â de escaravelho he hum Fructo
que só ge cheira , e nSo se come. Além disso que difFeren-
ça nao vemos no Reino Animal , tendo todos os quatro Ele-
mentos habitadores ? Na agca habiráo , e vivem os peixes ,
nrj ar as aves : fia terra os reptis ; e no fi^p a salamandra.
Porém sendo todos animaes , era lhe mudando o Elemento,
todos acabâo. O peixe »a terra não vive; o teptil fta agoa
morre; a ave no fogo termina; a salamand^^a ho ar espira.
Logo pela differença, que se encontra nos Entes àa mesma
espécie, e pelo qííe se acaba de ver que todos tem o seu
Elemento próprio, de tal sorte que tirados delle, he difi-
cultosa a sua existência, se conclue que errão todos aquelles,
que tem por falsos os dois Provérbios, que dizemss Alfaces
fiãff são pepinos =: e ovelhas mo sào para mata.
Com effeito da Praça da Figueira remctte huma cola-
reija que alli ha esperta como hum Kagado , e mais fina do
que a sua lã , ao Editor a verdadeira intelligencia da ndvi'
nhação do Folb to passado , dizendo que he huma Avelã ,
e que tem abundância delias , se alguém lhas quizer com-
prar.
O moço do Poeta aqui conduzio a seguinte quadra , que
)he pedio huma Cozinheira para se despicar das ofFeosas que
tinha d'um Carvoeiro com quem teve pensamentos de casar.
Efcreveo a dura morte ^
Com vfgros dedos mirra4(ís >
JSfo Livro dos inftlizes ,
Os meus dias desgraçados^
(7)
GLOSA,
I.
Eoto vesgo , enf..rfu5c.ido ,
Encontrei hum Carvotiio,
Com passo de I^oí traireiro,
E cl'hu iTa <i?:c^ ajoiado t
Onde vds tição c remado ^
Lh
;o , aai .. deisa sorte >
Xornou-rre . pagã "tje o porte ^
B dessa faca nojunio
Trago huma carta que ao mundo
Escreve o a ánra morte,
II.
Respondi -lhe , deixa ver :
Deo-ma , estendendo a mão suja ,
Topei tanta gafatuja ,
Que na<la pude entender:
Rj-me sem me pocei ter,
Mas o cáo que be dos iradcs,
Erguendo os braços tisnados,
Por me ver dclle iombar,
Me t]Uiz os olhos tirír,
Cmn negros dedos minados.
Safa , arrede sof4 z^róíbo
Lhí disse, olhe qí^e o engidlp j
NiSto estranho ^ e dando huiii pulo
Lhe balo hum bem rapa olho :
j4i que o catita quer molho
Me Gjz , instei, O qtíe dizes^
çjues qtie te tcrtif aoi narhes'^
Volta-sc a mim, atide , tome ^
E foi escrever ireii nome
No Livro dos in/tlizes»
IV.
Este Carvoeiro ímcrundo.
Era o ccrreio exquisito,
Que lá do Iníerno maldito^
Trizia cartas ao inundo ;
¥tz sahir desse profundo.
Centra miiTi , ímpios cuidados.
Se rre jzentassem os fados.
De Carvoeiros, que piáo.
Corro hoje sáo , não seriáo ,
Gs meus dias desgraçados.
A V I S O SL
Thomé da Fonfeca Arronches faz saber ao público que
elle abre segunda feira a sua Aula de esgrima , com arma
branca ; os Senhores curiosos que tiverem barbas para se
lhe opporem , appareção porque elle se preza de ter feito a
barba a muitos pelas diíFerentes partes por onde tem viaja-
^, aos quaes quando experimentão o rigor das suas armas,
costuma dizer, 9ião se torsãQ ^ que a í^íivalha os buscara.
Quem quizcr lançar ?io Baharíc de Alcântara que se
tia de arrematar hum dia destes, vá fallar am o Md worte
Boticário do Cães da P«dra o qud porque hum dia quebrou
(S)
Boticário do Cães da Pedra o qual porque hum dia quebroii
hom remo no dito Baluarte não passa por elle que o não ar-
remate com pragas exquisitas. Adveríe-se, que podem lanhar
nelie quanto quizerem até mesmo lançár fora , que elle não
diz nada.
Faz-se saber ao público que no sitio chamado a Triste ^
fgta mora Victorta Zabumba lavadeira afamada que lava no^
rio seco , a qual tem huma singularidade no seu lavar dif-
ferente de todas as outras Lavadeiras , porque da ropa qu«
laya, tira maquia como os Moleiros; a que vai sã vera ro-
la-^ ia que vai rota vem esfarrapada , e a que vai esfarrapada
fica lá pelas custas , praticando isto com o melhor aceio do
mundo. As pessoas que se quizerem afreguezar com ella prò-
curem-na , advertindo que tem tanto que fazer , que a ropa
<|ue lhe vai á mão pelo Natal , não a traz senão pelo S.
João,
^ abertura do priraeire curso da Aúthmetica bastar»
da pelo Professor da Girigorice he na Travessa das Bruxas,
no dia 3 de Novembro do presente anno ; elle se propõe
ipúBlicamenic a fazer ver por hum novo algarismo , quantos
fazem dois em huma só figura , conhecendo-se por todos os
ângulos a razão porque cifra vale 9 que 10 não pode; por-
que a poder muitos se teriáo valido dessa aberta : Como se
deve entender quem de nove tira dez quantos fícão : Como
se conhecerá o valor de hum Barco com velas , etudo; Tu-
do isto ensina em hum abrir , e fechar d'olhos : as pessoas
que estiverem airazadas em contas , e se quizerem adiantar
nellas serão admittidis na Aula por assignatura de mez ; e
quem quizer lições por casa pôde sufecrever o seu nome no
muro novo, que he adiante das Olarias.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença da Meza do Desembarga do Paço.
ALMOCREVE DE PETA&
P A R T E LXXVIL
Eua dês Brilhantes lo de Outubro.
Em succedido chegarem ás ventas a muitos s6 por dá cá
aquelia palha; porém estes araotinadores dos Bairros , que an-
dáo de richavelha ha seis mezes de dia á dia assim que sé
encontrarão ao virar da esquina desta rua, sem mais tira-te,
nem guarda-te , raetiêrâo os ^ois* mãos ás celebradas esp?di-
nhas da moda para se acutilarem, sem usí^rem das ceremo-
nias de politica que os antigos praticdvao no? seu« dnéíos ;
ha quem diga que estes dois individuos tem toda a ra'Z'1o para
o fazerem assim ; porem eu digo que são hans Ioi>co> de ^e-
dras, e creio que náo desistirão da empreza cm quenroslfum
nao ficar pelas custas. O objecto desta pendência Ivc a pre-
sumpÇclo que se lhe merteo a ambos na ciheça de cue são Fi-
dalgos de meia tigella , o que negg hum ao ourro qjaiuio cm'
alguma companhia apurão as çu>s gerações; hum dizquerrírt
Senhoria de Itália, porque he filho d^i velha, o outio dtz
que tem /). de CasteUa fo^ijue he filht di joba: hum
todas as acç6es que pensa spo por esses ares ; ^7 outr<í
tJécío quanto faz be por hi além y hum prcâume de sábio ,
17
o outro capricha de tollo \ huai he valente, e parte, o ou^^
tro parte ^ e não he va/t»te ^ \mm he gordo como hum ra-
nho, o outro he magro c9m& hum ca''4ipdo\ hum he de mar-^
ca de Pilatos , o outro he de marca de 'Judas ; hum he lar-
go das espadoas, o outro he curto cos ms'^ hum he rico
como hum porco, o outro he pobre como Diógenes hura
sempre traz a bolsa rolJça , o outro sempre a traz chata ;
hum he feio de gordo, o outro ainda que magro he lem pa*
Tecido ^ de sorte que a differença de parte a parte he muito
pouca, e esta mesma foi bastante para no fira da pendência
hum ficar sem o chapéo, o outra ficar sem o Joséstnho\
hum ficar sem hum çapato, o outro ficar sem o alfintte com
que se defendia \ hum ficar sem jantar , o outrç ficar se yn
cêa y porque o ciaso não era pára menos; e senão fora hum
paz d'ahTja que os apartou naquelle conflicto certamente acon-
teceria metter-se oRocio pela Biiesga, hum pépor huma mão,
CS dedos pelos olhos, agulhas por alfinetes, e chegarem a
saber todos as linhas com que cada hura delles se coze, que
era peior que chover no raolhavo , pois que a sua bulha jus-
tamente se assemelhava com as que tem as mulheres na Ri-
beira , onde se ouve o feito , e o por fazer , o que são , e o
que forão , onde os miseráveis Avós ainda depois de mortos
fazem ás vezes huma bem triste figura, porque naquellas bô*
cas de Arraia tudo se accommoda.
Boa Morte iz de Outubro.
Domingo passado serião seis horas da manhã quando
se vio todo este Bairro amotinado ; muita lagrima, efallacia
de compaixão pelo voato que alli correo com toda a certeza
que huns rapazes no principio da travessa dos Ladroes ti n hão
achado huma cabeçi dentro de hum saco. Esta noticia encheo
toda aquella gente de pavor, e liuma pobre mulher que linha
hum filho bastantemente turbulento ficou em anelas se seria o
seu filho o sacrificado pelas mãos da tyrannia , chamando-se
a mulher mais desgraçada, e toda a visinhança compungida,
e mortificada do desastre, que se ouvia lamentar : sahírao aU
gumas pessoas a quererem ser expectadores daquella horrorosa
scena , e chegando ao sitio logo souberâo que com cíFeito
fora certo terem achado os rapazes hum saco com huma ca*
Í3> ,
beça de páo denfro, <jue cahira de hiifra canastra na noite
antecedenre a hum Galego que andava mudando os trasces da
Joja de hum Cabelleireiro.
Santa Martha 7 de Otituhro.
Qa^rta feira passada houve Reste sitio huina grande fun-
ção dedicada aos annos de humja Senhora, de que &e segiiio
a assembléa mais vistosa , luzente, e farra, que já mais se
observou, Forão a esía função dois sujeitos hum que tocnva
flauta por curiosidade , e outro que fazia versos no ultimo
ponto de perfeição. Depois de se brincar muito houve huma
abundante cêa , em que o da flauta bebeo só á sua parte duas
garrafas de vinho, e ficou tio pezado que o companheiro
mal podia com elie. Era huma hora da noite quando sahírão
da festa , eis o Poeta com :dó de desamparar o Flautista por-
que morava em Alcântara ; e como o Poeta estivesse também
de hospede na rua Augusta, e lhe parecesse mal entrar cora
segundo hospede pela porta dentro, entrou a considerar co-
mo se havia de descartar do seu amigo sem que lhe succe-
desse perigo ; e lembrando*se que na rua dos Canos está hu-
ma Estalage com seges de aluguer , e que de noii€ 'fica hu-
ina caleça na rua, com muito custo foi conduzindo o com-
panheiro, que mal se podia ter, ao referido sitio; e a pe-
nas chegou abrio a caleça , mctteo para dentro o Fkuiista ,
fechou. lhe as cortinas , e deixou-o como quem o deixava na
«ua aícoba. A desgraça porém que nunca se descuida de per-
seguir os infelices fez com que a dita caleça estivesse alugada
para ir naquella madrugada para Torres buscar huma gente,
e com effeito serião duas horas quando o Calecciro metreo
as bestas nos varaes, e sem abrir as cortinas montou, e par-
lio ; e chegando a Santo António do Tojal ao romper da
manhã , foi então quando o amigo Flautista acordou muito
espantado do que via, abre as cortinas , o .Arrieiro olha para
a caleça, ficão em hum expasmo : o homem quer sahir, o Ar-
rieiro quer apear-se de vergalho na mão, dftxa-nvs ,f?ão me
dés y diz hum, ponha- fe fora velhaco^ diz o outro, qt/er
fa^^^r jornada de graça} bei de macallox a esie tempo che-
ga hum rapazote montado em hum cavallo que lhe cm pres-
lárão que nada tinha de manco, e seguia a mesma estrada
para Aléraqoer , e vencto aqudla tyrannia apeou-se para osa-
pai tar ; porém o cavalliníio que se pilhou sem carga , foi
huma ventoinha para Lisboa á redéa solia , que foi aonde pa-
rou. O Caleceiro seguio a sua jornada , e os dois miseráveis
sem dinheiro na algibeira não tiverão ir.ais remédio que vi-
rem em b(.»a união pelo seu pé como quem anda passeando
pelo passeio público : hum protestou de nunca mais montar
a cavallo , e o outro de nunca mais andar de sege.
Maxrmaj do f^c/bo de Romulcires continuadas na maior
parte destes Folhetos.
Que direi de alguns daminhos ,
Com entrada em toda a parte j
Porque hum amigo traz outro,
Entra na fé dos Padrinhos
Casaa de hom paladar.
Onde a multidão se estima;
Ditosos antjos da Prima ,
Que a noite fazem perder \
Nem se procura saber.
Os individues quem sâo,
Entra tudo a trouxe-mouxe,
Que o que se quer he brincar.
Se o Senhor TafuI das modas
Souber bem contradançar :
Juro que toda â desordem,
Nasce desta má escolha j
Se formos correr a folha,
A algum destes Taful6es,
Veremos que os. seus brazoes,
Vem de huma vida vadia ^
Para bem se conhecerem,
Precisa muita invençãq,
E ainda assim mal se conhecem
Porque huns parecem, não são.
Outros são , não o parecem.
Moço fui , e inda alcancei
Os bpns costumes antigos^
It
A's funções que eu observei ,
Não hião chusmas de annigos :
Hia o filho por prendado,
Na companhia do Pai,
Dias antes empenhado ,
Até que dizia =: vai :
Que se melindre he preciso,
Na donzeiJa recatada ,
Nao menos se necessita ,
Para entrar Monsieur de tal
Na casa seria ^ e honrada
"Rato t de Outuiro.
Pelas ultimas cartas, que vierãp em hum masso da Fa-:^
brica, se souberão nrvidades dignas de expectação, a res-
peito do jogo : Hum Taful, que estava em huma companhia
de homens cordatos jogando o Voltarete, e pedindo o pri*
meiro a costumada licença , s?hio o Taful pedindo prefe-
rencia, e declarou gerai em copas, s€m ter a espadilha : ou-
tro jogando o Wisle, terdo as quatro manilhas , não fez hu-
ma só vaza; porque lhe cortarão rodas, até a do trunfo : ou-
tro jogando a arrenegada , e sendo obrigado a ir á cascarri-
Iha , deitou a espadilha fora, para levar o basto: outro, que
estava jogando a zanga , perdeo de resposta com chalupão ,
e dois valés guardados , pois se zangou, porque o seu moço
a este tempo lhe veio pedir lo réis para ir comprar de chá,
para dar ás visitas, que tinha em casa: outro jogando o pi-
lha com Senhoras, teve por felicidade perder quanto dinheiro
levava comsigo; porque ellas he que erao o pilha: outro jo-
gando a bisca, fez cinco biscas, e nove pontos em fipurfis , e
não gonhou o jogo: outro, que estava jogando o delia, fi-
cou sem elle , porque lhe ganhou o parceiro; e só consta que
hum jogando os murros ganhasse, porque o parceiro lhe deo
vinte e cinco de partido.
t .
Rua da Atalaya 9 de Outubro.
Dissertarão do grande Estudioso ccerrimo nas experiências
económicas.
Por falta de indagação desconhecemos as mais das ve-
zes os fenómenos da natureza : olhamos com os olhos su*
perfíciaes para os objectos, e deixamos em total abandono
a investigação das suas qualidades. He a agua hufn sólido a
quem vulgarmente quasi todos os homens chamâo fluido, mas
a sua superficialidade he que os illude. Todos sabem que na
Noroega , na Laponia , Rússia, e vulgarmente em todos os
Paizes do Norte logo que o Sol passa para o Trópico de
Capricórnio, as fontes se prendem, os rios se gelão, eoraar
se enrigela : logo quem motiva este fenómeno? he a falra de
calor i logo o calor he quem traz este sólido dissolvido. As
icoileculas ip^neas de figura orbicular , que se introduzem pe-
los intresiicios deste sólido são quem fazem a sua desunião
de partes , e de solução , nao precisa o itosso vistnho Feijó
conçar-se em no-lo mostrar nas suas paradoxas , que a recta
razão o estava pregando : por consequência sendo a gua hum
sólido tem toda a homogenidade com a abobra carneira: pri-
meiro , a agua he sólido , e a abobra também o he : segundo^
a agua he branca, e a abobra igualmente: terceiro, a agua
he fresca, e que cousa mais fresca que a abobra ! Q|.íarro,
com a agua lava-se o rosto , e as mãos , com o miolo da
abobra faz-se o mesmo: A agua procura a barriga, e a abo-
bra procura a das pernas secundum sensum Boctorum : só tem
cada hum destes sólidos huma prerogativa própria , e he que
a abobra torna-se em agua, e a agua não se pôde tornar em
abobra ; que a agua nasce sem abobra, e a abobra não pôde
nascer sem agua ; donde seconclúe pela identidade destes dois
sólidos, que não errão os que dizem que a abobra he agua.
O Moço do Poeta vespora da Procissão do Corpo de
Deos perdeo a noite pelas ruas glosando alguns motes ás
Senhoras que nas janellas eníeriinhão o somno , e no princi-
pio da rua Augusta teve huma menina o animo de em lugar
de Mote lançar pela boca fora a seguinte t^uadra ^ e a pe-
zar dos ditos soltos , que sempre apparccem naquella occa-
íiião vexando os Poetas , o bom do Mocinho, mandando callar
a parle do Sol, c pedindo aircnjão á parte da sombra , sahio
,1 público com a seguinte Glosa.
a U A D R A.
Perliné) de port.i em porta
Andu o yí/bre todo o dia ,
(7)
Dorme tio chão sobre trapos ,
Mas vive com alegria.
GLOSA.
I.
Vive o pobre entre imraundicía,
Pur magro feito hum cangalho ,
Tem por vestido hum frangalho |
O rosto he cor de icterícia :
Traz por costume j ou malícia ,
No peito a cabeça torta ,
O frio as carnes Ihè corta \
Anda , pede , reza , e lida ,
Mas alegre passa a vida
Jredtndo de porta cm porta*
II.
Do peito as fundas cavernas ,
Quando ergue a voz se lhe ampIeião„
Pelo fato lhe passei ao
Migalhas de pão com pernas :
Porém devoto ás Tabernas
De noite faz romaria ;
Troca vinho por fatia ,
Os seus devotos brindando;
Por este bem mendigando
Anda o Pobre todo o dia.
IIL
Seu alvergue he hum telheiro ,
Traz unhas bem como enchadas.
Barbas somente cortadas
Por aprendiz de Barbeiro :
Por três réis c'um companheiro
A's vezes joga os sopapos;
Todo o seu trem são farrapos.
Mas a trabalhos aíFeito,
Melhor, que o rico cm bom leito.
Dor -me no chSo sobre traios.
(8)
IV.
Se topa hum bom camarada,
Náo faltâo contos , e ás veze s
Também nisto de Francezes
Mctte a sua colherada :
Murmura estar acabada
A devoção d'algum dia ;
E sem mais tafularia,
Que andar cahindo a bocados.,
Náo só ronca sem cuidados,
Mas vive com alegria.
A VISOS.
Quem quizer ler de cadeira, n^o tem mais que sentar-se
nella com hum livro na mão, e sabendo ler vencerá em hum
instante, o que muitos não conseguem era annos.
Vende-se. ainda em muito bom uso huma peça de fumo
da chaminé , feita de vários combustiveis j quem precisar del-
ia para alguns enfeites tristes, falle cora o Bicho da Cosi-
nha que foi de /Jgos linho Botelho ^<\wq 2i vQná^ por precisão
que tem de bezaruco.
Silvestre do Valle ^ homem de mão cheia tem licença pa-
ra fazer em cima de hum monte hum moinho para moer a
paciência á inveja, e seus sequazes; as pessoas inimigas des-
tes monstros , que quizerem concorrer para este beneficio , o
podem fazer pois utilisao duas cousas no empenho ; a primei-
ra venderem o vento que poderem apanhar com odres , ou em
sacos, porque elle lho paga a pezo de ouro; e a segunda o
verem-se livres de semelhante flagello,
Faz-se saber ao publico o que elle ainda não sabe ; equera
quizer saber mais aprenda á sua custa, porque o saber não
occupa lugar, e senão saibão quantos estes papeis virem, que
para que se saiba que os ha , se vendem a 40 réis.
LISBOA. NA OFFIC DE J. F. M. DE CAMPOS.
1819.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXVIIL
Advertência do Editor aos prudentts , e benigVíOS Lei-»
tores.
Om effeito está esta obra do Almocreve de Fet/JS no
número 78, e acaba esta primeira collecçao no dia 29 de
Dezembro do presente anno , para se poder encadernar era
hum volume, acompanhado do seu índice >, porque os Senho-
res Curiosos , e as Senhoras Donas Curiosas possao de Jiura
golpe de vista achar no dito Livro as cousas mais notáveis,
e que mais lhes derao no goto, ainda que muitas cousas
perdem o sabor da graça, em muitos sugeitos, que Icm de
tal sorte gaguejando, que ora se Jjie figura ser liUma asneira
liuma discrição, ora tem huma discrição por htma asneira j
e tão afferrados á sua opinião, com ouvidos de pedra, e
cal, que Icvantao testemunhos a iiido que lem , sem i lies fa-
zer estranheza na orelhinha. Vá cm desconto dos nesses pcc-
cados o chorrilho de Leitores ião pios, que são capazes de
tirar a graça , não digo só dos papeis, mas até do alto co
Caracol, onde ella está situada. O Editor não perde da lem-
brança as querélrs , que lerá tido [or esses Escriíoiics, por
7^
(O
ter acertado com tantas pedradas em immensidade de cabe-
ças ; porém discorre que os trabalhos sao inseparáveis dos
homens, e com isso se consola, levando carta de seguro na
boa tenção, com que o teiji feiro: Os Senhores se queixao
das petas, que lhes faz engolir, c no cabo ènganao-se, que
elle he quem as come, segundo dizem os quarenta réis. Mul-
to? o tem descomposto, dizendo-lhe que as suas letras s3a
mais gordas do que elle, sem se lem.brarem que para isso
ser assim, pouco basta , pois que o preceito de dar hum fo-
lheto cada semana, lhe tem diminuído mais de três arrobas
de carne , e isto por divertir a Vv. mm. ; pois muitas vezes
succedeo ao Editor , na hora em que só tinha motivos para
chorar, ir compor petas para os mais se rirem. Todos co-
nhecem este trabalho , todos o gabão, todos delle se admi-
rão , mas as quatro moedas de dez réis para chegarem á loja
da Gazeta váo a páo, e corda ; este o motivo, porque os
Escritores desanimão , e até o Editor desta Obra, que nao
he dos mais queixosos, não pelos seus olhos bellos, mas.
pela benevolência de Vv. mm», que Deos guarde muitos an»
nos, se vê obrigado a declarar que tem ainda fetas em a-
bundancia,^^ verdades peteaâus para continuar cora ellas o
anno, que vem j porém declara ao mesmo tempo que nao
as pôde pôr em público , sem que Vv. mm. concorrao nq
prefixo termo de quarenta dÍ3S contados do dia de hoje , 20
de Outubro em diante , a assignarem o seu nome na loja da^
Gazeta por hum anno, a fim, de que se preencha o número
de Assignantes ^ onde se leve certa a receita para a despe*
za ; e fiquem todos de acordo Senhores , e Senhoras , Meni-
nos, e Meninas, velhos, e moços , que seníío houver a cer*
reza destas assignaturas , o Editor vai para a sua Quinta, a
Almocreve para a sua terra, c o cavallinho para a Feira até
que seja comprado por algum destes Senhores, que andão a
cordoes, repicando sinos, com huma bestinha só nos varaes,
que também nao dt^ixa de ser boa peta. Elstes folhetos, sup-
posto sejão de huma ordem baixa y di/em alguns Senhores*
de óculos, que ainda não sahio hum só^ que não trouxesse
a}/?;uiiia lembranç^i , que deixasse de valer os quarenta réis;
e ainda que os ten-ipos est^o de moletas , quarenta réis nao-
fezem fiirlta a quem vai dar trcs peças por hum Camarote,
par-á ouvir no primeiro, dia huma voz,, que fica cantandt>
( 3 )
todo o anno; e muito menos falta fazem a quem comprcni
hum arrátel de feijão verde por Inun cruzado no primeiro
dia , que apparccêrâo na Ribeira Nova , de que a minha
-frcgueza ficou saltando ; e me cont(u que já comprara á fi-
lha mais hum cordão de ouro. Ora Vv» mm. bem entendem
^sre portugucz, c que todas as voltas da enguia vao dar á
agoa. Se quizerem que as feií.s cuf;tinyem ^ corrao alojada
Oazeta a assignarem os seus noaies, que o Editor acceitaas
boas festas em todo o tempo.
Campo Grande 17 de Outubro,
Neste memorável dia segundo da Feira do Campo
Grande, he que succedeo o caso que se vai a contar, c^so
com que até eu me perdi de rizo, quando o escrevi por ver
a idéa de que usarão dois Tafues para supprirem a falta de
"SQgQ. Oito dias antes que estes dois amigos atafulados ti-
^nhão estado em Palma de ciina contradançando, e levando
huma noite muito divertida , ajustarão com as Senhoras da
casa de se acharem nesta Feira no segundo dia á noite para
de rancho passearem todos, e verem a abundância, e espe-
cialidade de géneros que ao Campo Grande concorrem. Hou-
ve muita promessa de parte a parte, huma âhcnào não J-aU
te meu bom goTto ^ outra veja íd o que faz meu escolhido ;
elles promptos em certificar n:o se fartavao de dizer que
só faltando a saúde elles faltariao. Chegou finahr.ente o pre-
fixo dia , quando estes dois Tafues não só não procurarão
sege, mas nem tinhão a excessiva quantia porque se aluga-
vão naquella tarde, fízerao suas conferencias, e resultou del-
Jas virem ambos ao largo da Saúde depois das Trindades, a-
justárão dois Galegos a cruzado cada hum , que r.os hom-
bros, com<o quem sahe de huma (mbarcaçao, os pozcsstmi na
Feira. Houve muita rizada nos Galegos, porém o niíu di'
nheiro , e o teu dinheiro nesta classe de gente faz htn a bu-
lha mais forte : resolvêrão-se , montarão es Tafues, e che-
garão á Feira tiradinhos do pó, encontrárao-se cem as taes
Seniioras , mettêrão-sc de rancho, m.uita festa, ziia rucm
^ão faltou , forão increpados de tardarem , ao que responderão,
não viemos mais cedo porque nos embcírgàrào a sfge , (^ue
Unhamos justa , e para acharmos ata em que viemos jot pre»
ciso dar huma [eça. Correrão a leira tod-a, e apenas cuão
novQ horas já os Galegos andaváo á rossa para os conduzir:
Jiuma das SenhorJs reparou nellesr^ perguntou para que vi-
nhao aquelles Galegos? Respondeo hum dos Tafucs mais
expedito muito vermelho he para nos conduzirem humas com-
fras que fizemos. Derao todos novo passeio a tempo que a
Mãi das meninas, que era muito atreita a estericos cahio
com huma convulçao : poz-se o rancho era desordem, as me-
ninas consumida?, porque a enferma não podia ir de burri- -
nlio, era fim pedírio aos dois Tafues que mandassem pôr a
sua sQgQ para a Mli ser conduzida. Podia-se neste lance ter
d() dos miseráveis : entrarão a gritar , oh Coimbra^ oh Coim'
hra ! Paréra os Galegos quanto mais eíJes gritavao mais
se escangalhavão cora rizo. Hum dos Tafues dizia : Maldi*
t&s moços , não apparece o Boleeiro \ quem pôde dar com
elie em tanta confusão\ até que o outro respondeo; na fal*
ta de sege , minhas Senhoras , este^^ dois Galegos podem
supprir , visto que não he muito longe. Hum dos Galegos
que ardeo com a nova carga , respondeo logo, nada ^ nãO'
Senhor , pelo mesmo que trouxemos a V^ossas mercês nãõ
vamos pôr a Senhora em casa. Os Tafues qu.indo tal ouvi-
rão sum/rão-se, as Senhoras ficarão varadas com a proposta,
e os Galegos ficarão como o espnrgo no monte sema paga,
nem esperança de a haverem; com effeito, consta que por
não perderem tudo, engenhárao-se de páo, e corda , e na
cadeirinha do Juraentioho a levarão com toda a serenidade,
pois a moléstia não soffria o minimo balanço.
Bairro /íltij i^ de Outubro.
Vexado por dinheiro, como succedc a muita gente boa ,
certo Snloyo que era credor a algumas dividns importantes ,
se encaminhou a casa de hum Letrado deste sitio para se acon-
selhar, e convir no modo mais fácil de pilhar algum vin-
tém á unha. Entrou pelo Escritório dentro, que achou des-
embaraçado de gente, e com ser Saloyo não liie escapou ver
que o Escrevente estava com hum canivete cortando tirinhas
de pnpel por não ter que fazer, e o Letrado subido a huma
eideira divcrtindo-se em sacudir com o lenço do tabaco a
poeira dos Livros. Alli se virão- dois extremos: o Saloyo a
pe:<ar da informação, que tinlia delle, Hcou mais morto que
vivo; c o Doutor creou huma ahna nova apenas o vio. Ex-
pôz o Saloyo a divida., qae ihe devia hum sugeito de Lis-
-boa, parecendo-Ihe esta a mais facil de cobríir: cuvic o Le-
trado todas as confrontações, e encaixando, com rodo o
respeito, os óculos no nariz, virou para o Escrevente, e
disse-lhe. z:^ Dchre lá fãícl para huma petição. Perguntou-
Jhe o nome , c continuou ^ Diz /hitonio Mendes Barri lia ,
acudio Jogo o Saloyo dizendo: Olhe y Senhor Doutor, se
se podesse fdzer a fetiçào sem ir lã o meu nome , porque
eu não qufria que o meu devedor soubesse qve cu sou o que
lhe pesso a diiida por 'Justiça : Rcspondeo-Ilie o Doutor;
Vos sê não sabe o que diz nisso , não tema nada , que como
eu estou Senhor do caso eu o defenderei de todo o mal que
lhe succeder, Calou-se o SaJoyo , fez-se hum.a petição de
medida grande, e acabada que ío\ perguntou o Saloyo quan-
to devia: respondeo o Letrado que doze vinténs, meitco o
Saloyo a mao na algibeira apalpando muito, e depois de
hum grande espaço de tempo, virou para o Letrado, edissc:
Queira o Senhor jyoutor deixar ficar a petição até lo'j^o ^
forque não tenho aqui essa quantia. Conveio o Doutor
nisso, porém ao sahir da porta , já de lonje tornou o Saloyo
a dizer-lhe : ;=: Olhe , Senhor Doutor , se eu tardar muito , e
'vier alguém que a queira po^ amor de mim não perca "cenda.
Enfiou pela escada abaixo, deixando ao Escrevente mnis a-
quelle papel para a brincadeira das tirinhas.
Na cabeçada do Cavallinho do Almocreve houve ma-
ganão que pregou com hum alfinete o seguinte enigma , e
poz por baixo,, que esperava pela resposta naqucUe iresmo
sitio, zz Pensa o Almocreve que o sugcito espera a resposta
pregada na retranca, mi
ENIGMA.
Sou muda por natureza , |^
Mas tal dom tenho comigo
Que todas as cousas digo.
Que dou gosto , e dou tristeza :
Estando encerrada , e preza
A's vezes o Mundo gyro \
Quasi sempre onde vou, tiro j
Porém sou tão desgraçada,
Que ou feneço espcdaçada..
Ou em vivo fogo espiro.
( 6 )
Mios á obra , discorrer no caso , e para a semana se
dirá o que he.
Rua da Atalaya i6 de Outubro,
O nosso bom estudioso 'applicado ás experiências eco-|
nomicas , remstte a seguinte Dissertação assaz bem trabalha-
da para liçáo dos sábios modernos.
DISSERTAqÃO.
O espirito do homem insocegavel já mais deixa sub-
mergir-se no ócio, logo que huma vez vê bem sazonado,
e pago o frucro dos seus laboriosos disvéios ; a nossa alma
se regozija, e recebe huma certa satisfação, quando chega
a tocar a meta , a que se propoz ; os nossos sentidos cor-
.poraes são as portas da ahna , e por estas portas somente
he que ella recebe as suas idéas ; e se alguma destas se im-
pede, cila sente, e não pode perfeitamente unir idéas de
todas as qualidades ; mas qual destes sentidos he o que faz
mais falta á nossa alma ? he sem dúvida a vista , e por isso
podemos dizer que esta he a porta principal do nosso espi-
rito. A obsirucção, ou imperfeição de alguns dos órgãos ópti-
cos , ou mesmo das partes , que compõe o nosso olho , são
quem nos vedao o bem da vista. O olho está envolvido em
três túnicas ; a primeira , e exterior se chama córnea , he
xie figura esférica , e na parte exterior tem hum segmento
de huma pequena esfera, que lhe faz vulto, g he de hum$
matéria transparente; a segunja chama-se sclerotica^ e tem
huma abertura, que se chama Pupilla\ esta abertura he al-
catiflíii^ de huma espécie de véo negro , pardo , oú azulado ,
que se chama íris ^ que sempre conserva a fc>rma circular a
Pupiila : a terceira túnica se chama tv^íTdí/V/^ , he hum tapís
aveludado^ embebido de hum licor negro, que serve para
fazer do olho Iiuma camera escura \ na choroide , e debaixo
da Pupiila está ligada huma espécie de lentilha, quese cha-
ma cbrystálim ^ e he sostida por dois músculos, quesecha-
mão Ugamentos ciliares \ no fundo do olho está huma rede-
zinha muito branca, e fina, chamada a Retina^ que se di-
lata sobre a choroide ^ ehe huma expansão do nervo opti-
,c 7 y
CO : no espaço, que está entre a cof/jâíi , e o chrysialirio
ha hum licor muito límpido, e claro, em que o 7;;jnrdr,
chamado liumor aquoso,; entre o chrystalino , e o fundo do
olho ha huma substancia muito clara , mas de hum.a consis-
tência gelatinosa , chamada humor vitrio \ daqui vemos quan-
to he melindrosa a organisaçao do olho, e quanto lie ne-
cessário nao o molestarmos: as inflammaçces , que os perse-
guem , tem sido a causa de muitos serem cégcs, porque in-
sofridos com dedos incautos, logo que sentem pruiçao, os
aggraváo ; e daqui vem que aquellas partes delicadas offen-
didas se destroem , e impossibiliíão de exercer as suas fun-
ções. Se em similhantes moléstias soffrer-mos com paciência
a pruiçao , que sentimos, sem que aggraveraos os olhos com
os cossarraos , melhoraremos; donde se segue ser jenuina a
receita, que paciência ke boa para a vista.
Sabendo o Editor que o Author do Café Jocoso lhe
está respondendo com toda a azáfama aos encontros do Al-
mocreve, \\\Q dirige as seguintes Decimas,
I.
Senhor Aoihor do C/i/^',
Já sei que lenho resposta ,
Pois se escreve ce mão posta i
E me dizem que he vossê :.
Muito embora nisso dê,
Mas veja como emparelha ;
I embre-se bem , queiem relha ;
Que o andar á chuva molha j
E c]ue se he filho da folha ,
Eu cá sou filho da velha.
IT.
Se eu logo ao talho primeiro
O não mandar para a Quinta ,
Negra seja a minha tinta ,
Que eu tenho no meu tinteiro:
Olhe , amigo , o verdadeiro
He metter-se no seu canto;
Não lhe causar nada espanto;
E a ver ^e a tormenta passa,
Vá dando o Cajé de graça ,
Que talvez não fallem tanto.
IIT.
De que muito o Povo arJeo t
Foi áz três vinténs pagar,
Sem poder na cbra achar
A causa , porque tal deo :
De huma tal obra , até eu
Arderia, se a comprasse;
Mas olhe, não se embarace
Com cousas de pouca monta ,
Se tem da despeza a conta ,
Vista a razáo , dei-ihe hum passe.
IV.
Se tal fez por ver purgado
Todo o Povo de repente ,
-Antes Ihí desse agoa cjaente ,
Com assucar m.ascavado :
Mas c/ifé láo esturrado ,
Que a todos deixa em jejum í
Disto he que nasce o-rum-rum-j
Náo entra em gente Cai' olica ,
Qnerer meiíer hnma cólica
No buxo de cada hum !
(8)
V. VI.
A tal obra o nome muJe , Bem conheço , que já agora
Se nío em trabalhos cahe, Mui pouco remédio tem ;
Que ouço dizer, ha quem vai Mas ò que mais lhe convém
Denuncialo á saúde : He ir tomar ares fora :
Primeiro qa3 e creva estude Dar na cabeça huma hora ^
j4o Café termos idóneos ; De desaffogo aos embate? ; ^
Que alguns que não sáo boloneos , Dormir beber q^antum satis ',
Dizem , com boca pro(erva , Cuide em si , se o náo fizer
ÍSJáo ser Cnfé de Adinerva , Receio que inda vá ver
Sim de trezentos Demónios. As cazinhas dosOrates.
AVISOS.
ij
Ein hum dos Domingos do raez passado na Praça do^
Salitre se perderão de rizo nas trincheiras duas raparigas :.
C^i^^^m as tiver achado , bote-as fóra , que não achou das me-
lhores cousas.
Sahio á hz a Zhguezarra Algibehica , o Pandeiro,
anonymo , e o 'lamhoriléque Lngiez , com o seu traquejado!
a duo, e huma analyse livre de todo o cuidado, composta
a sua solfa por hum Author invisivel, vende-se esta Obra
desencadernada , por todo o preço em Porto de Moz , lu-!
gar próprio para moer os ossos a qualquer, que a for lá
comprar.
Os Paraltas que quizerem supprir os lenços riscados cora
laços, feitos de nova invenção para o pescoço, fallem cora
hum homem, que assiste alli para o Limoeiro na grade de-
baixo, que os dará muito accommodados em preço.
Quem quizer lançar cm humas rendas, e comprar hu-
mas casas sitas na Travessa do punho, ao pé da Rua do
Cotoveilo, nasL quaes ainda assiste o botão de ouro macisso
por akunha , falle com a lilustrissima Senhora D. Camizo-
ía , poréai veja como lhe falia , que se faz muito preciso
levalli com goito , porque he Senhora tão encolerizada , e
tem bofes taes, que rompe com todos, que lhe não dão,
mimoso tratamento.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença da Meza do Desmhrgo do Pafo.
9
D
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXIX.
Castello Picão 21 de Outubro*
E Pais lerdos nascem filhos sábios, T/Ve* o (!csconcerró
da natureza. Ha nesta Cidade Jiiini licnfieir rico, que tem .hum
sà filho já coai oiío annos de idnde , | or quem bebe os ven-
tos, vistas as galantarias, que o menino tem; pois como
Jic dotado de ]ium memoriao mrcho, con.o í-eu pai, apren-
de tudo quanto lhe ensinao em hum abrir, e fechar de o-
ihos : Elie j£iz burro xelho ^ lyodr^guihho do Campo ^ Pofi'
de-o alli moças , Dá tia btbeda que não Icba , canta corro gál-
io , arremeda asvisinhas, e com estas espertezas coiViC na mai,
como em galinha: Elle hc rcgalr.do cotn todos os mimos, e
divertimentos da puerícia, o que tem sido agoa de rozas pa-
ra a encarquilhada Avó da crennça ; ainda lhe nao faltarão ca-
vallinhos de assobio, berim.báos, bonecos de Estremoz, c es-
pera-se, pela crcação que \\\z dáo , que venha a ser hum per-
leiíu Serdanapolo. O pai, que o ve já crescido, deseja que
elle tenha hum cabal conhecimento das Artes Liberacs , Po-
lincos, e Mecânicas: intenta civiiizallo sem outra educação
iiiais, que a que dá a natureza, dizendo que por ane o ha
79
1
de fazer a seu gelto, só porque n^o vá ás Aulas aprender
com os mais Estudantes aquillo, que eile não sabe, nem nun-
ca saberá. O rapaz tem hum gosto natural á picaria, e mon-
tado na roca da criada corre alcancias pelos quartos das ca-
sas atraz dos cães , que vai tudo pelo pó do gato. Os tratos,
que faz á Avó, isso são canas com caniços, rindo-se todos
de casa de verem em tão pouca idade tanta esperteza junta,
sem que ao menos huma só vez entre para seu par na contra-
dança das diabruras a menina de ctnco olhos. Nos dias Santos
saiie fora de tarde com seu pai, que o leva ao Cáes das Co-
lumnas a mostrar-lhe os Navios para o inclinar á Náutica.:
depois vai mostrar-lhe as famosas. pinturas, que ornão as pa-
redes da rua do Arcenal ^ alli com miúda explicação diz o
pai ao menino, aquelk quadro he do Mundo ás avessas j a
outro he dos sete Alfaiates da Qidaàe de Talharim , que qui*
zerão matar a Tarântula ; o outro he o da Maquina aeros*
tatica do célebre Rscapim , que vâou na Criméa d vista dos
grandes ^ qu£ a virão em 171 8. O pequeno assim que vio a
Maquina , nio cabia em si de contente , por ter ouvido fal-
lar tantas vezes na de Lu na rd i. Pedio ao pai com rogos lha
comprasse, porém o pai abanou-iiie as oreiJias. Veio o me-
nino para casa todo sorombatico , e foi empenhar o valimen-
to de sua Avó com lagrimas nos olhos, porque queria a Ma-
quina , até que a Avó lhe disse: deixa estar meu neto ^ eu te
mandarei fazer huma Mânica -viva para tu brincares. E no
outro dia pela manhã foi o primeiro Dcos vos salve com que o
menino entrou no quarto da Avó, que não teve mais remé-
dio, do que mandar chamar hum Alemão visinho, para que
lhe fizesse huma Maquina do tamanho de hum barrií de man-
teiga- Ajustou o Alemlo com a Avó em vinte moedas, que
lhe deo logo dez á conta para co:nprar o que era preciso
para ella , e mais para elle; foi o Alemão a ioda a pressa a-
juscar o vitrioío, preparou o barril para o gaz , e juntamen-
te a Maquina, que foi feita de huma saia de seda da mulher ,
que rinha sido cor de roza cora sua rede à<: nastroazul ; pas-
sados alguns dias foi o menino ver a Maquina, ç\\\q lhe pa-
recia impjssivcl o lograíla , esperarKlo-se tão somente por hum
dia sereno p<\ra o menino a ir ver voar: Adoece neste tem-
po o Alemão comesperguiçamenios , dores de cabeça , e mui-
ta mortal; he constipjçã^j ^ não hc constipação ^ até que a
Cirurgia lhe mandou fazer tantos remédios , queo poza pito,
e laranja: a cuidadosa Esdí sa do Alemão, que não queria,
que por algum descuido seu padecesse o marido, que estava
sem acordo , foi o mesmo que se dissesse fogo visto iingoi-
ça , porque o tal pequeno vindo ver a sua Maquina a tempo
era que a mulher estava para deitar huma mezinha no enfer-í
mo, como rapazes nunca estão quietos, entrando a holirera
tudo, que estava na casa, sem que a mulher visse, destapou
o menino o barril , cm que est^iva o gaz , e fez tamanho tur-
bilhão de fumo, que entrando este subtilmente pelo poro,
onde o Alemão havia de receber a mezinha, se entrou o po-
bre homem a elevar sobre a cama pouco, e pouco: a mu-
LiCr, que não sabia a causa entrou a gritar pela visinhança,
que lhe acodissera ; porém como o hon cm também he Ma-
quina , quando os visinhos chegarão, jáelle tinha partido pe-
la janella tora, com muito bom successo, e se diz que a es-
tas horas hirá a Sacavém cora esta fjtta encaixada nos testos.
Carta , que escreveo Manoel o Trouxa , natural de Gui*
maràes ^ e assistente em /ilmada ^ a íuma sua Ctf-
madre de Lisboa,
Senhora Anicetra Barba, estimarei que estas duas rcgoag
acheín a V, m. com todas aquellas, e aquelles, que V. m.
desejar, para que se sirva de mdo âquillo, que o meu e ff ei-
to \[\^ deseja. Sua Con^adre vai gorda como huma vacca , e
manda-lhe muitas alumbranças : O seu afilhado he que tem an-
dado muito moquenco desne que o trouvemos de lá: diz o
Alveitir que são esfregas de se/óes , anda tomando esquina;
mas não se acha melhorsinho. O burro do Senhor Ccrr padre
he que vai engordando com o restolho, e já níio manqueja
tanto; V. m. \\\q dará da mmha parte muitos arecados , c di-
ga-lhe que já citei a mulher do vinheiro para a conta dos
niarmellos. Agora quero pedir a V. m. que he fa^er com o
Senhor meu Compadre, que me empreste clle aquellas suas
botas grossas de montar a cavallo, que he só por cinco, ou
seis mezcs , cm quanto eu não cobro o meu remcdiosinho,
com que faça humas novas , que então lhas voltarei. í á tive
a Jumbrança de dizer á minha Francisca que lhe botasse hum
ovo na pedrez , que chocou , e já sei que está cheio ; porque
(4)
a vísIíjIki Maria Ratada o vio honrem á candeia : Eu já me
tenho pegado para que saia femei , e a?sim ha de siicceder ,
porqu*' o ovo era muito redondinho. Cá tenho dois grillos
guardidos para o seu menino, e nao lhos mando agora por-
que ainda nâo fiz a gaiola. E com isto não enfado mais a
V. m. , beijo a mão de V, m.. não ha de que zi: seu Com^pa-
dre, e seu servo
( As sigilado. ) Maneei Treuxa».
Campo pequeno i% de Outubro,
A semana passada passou por este sitio hum homem a
correr á desfilada com hum cacho rha mão, esparvorido, ees- |
pantado a olhar para traz^ como quem hia fugindo, e per- '^
guntando-se-lhe a causa , respondeo , balbuceando, o seguin-
te : ~ Que estando clle cavando a terra nas Varges de Lour
res para apan-har mrnhocas para as suas pescarias, de repente
sentira boiir a terra desde os bicos dos pés até á cabeça , com
hum movimento fora do seu natural , pois se levantava , dei-
tava , e fazia collo , como de corpo vivo , sem tremer em mais
part-e alguma-, que assustasse , cuja vista o encheo de hum
terror pânico, que o- assombrou; razão porque fugia de me»
do: Não fez admiração esta primeira vista âos que o ouvi-
rão, porém no outro dia pela manha se soube por canas vin*
das do Milharado, e com individuação, em summa , a iiis-
toria , que motivou este feiíomeno j porque assim que lá che-
gou a noticia, vierao logo rústicos Filósofos, e Naturalis-
tas sábios investigar e>ta evolução da natureza : examinada que
foi, assentarão a maioF parte delles, que aquelle movimen^
ío , que fazia a terra só naquelle lugar, era o corpo do Gi^
ganle Axiqu? ^ Irm-lo de Adamastor ^ Atiteo^ e outros ^ que
Júpiter corvverteo em montes pela sua petulância ; e que pa-
ra provar esta verdade, todos sabem que o outeiro, que es-
tá entre Mafra ^ e Loures he acabeça do ditaCr/^/íjí/í', pois
quem se quer desenganar, poe-lhe a mão em cima, e ainda
]hQ. sente bolir a moleirinha : hc tão grande o concurso de
gente, qiie se aballa a ir ver esta agigantada pctrificação, se-
n")i:nort3 , semiviva , que todos os que de lá vem , trazem as
n.ãos na ca'.")eça , outro? vem com as cabeças por esses ares,
curros dizem que aquillo nlo tem pés , nem cabeça ; e a mkii
G. que me parece, pois também fui chamado para dar o mea
<^ ? )
voto , he que iFto hsí 4^ dar na cabeça a truitos, f.cprâo por
saberem esta novidade , com quarenta réis de n:cncs por cabeça.
Como seja constante por toda esta Cidade de Lisboa as
dúvidas, apostas, e argumentos, que tem havido a respeito
da advinhaçao do folheto passado, que principia :i: Sau mu^»
da pnr natureza ;=: he de justiça que se concorra para o so-
ccgo do público, e que sem usar de rr;ais rodeies, se Jhe des-
cubra com toda a ingenuidade que dcfinindo-se ao pé da letra
com todas as suas propriedades a tal advinhaçrosinha , achn-
se por todos os lados que ke huma carta ^ e Vv. 11:111. dirão
se ha cousa mais própria.
Máximas do Velho de Romulares.
Pem como se indaga o dia
Para o fato ser vestido
Próprio do Sol, ou da chuva,
A mulher sagaz vigia
O génio de seu marido :
O que doma o Elefante ,
Vestido branco nno traz*,
E ao Tigre tambor não toca ,
Para o conservar em paz :
Se o marido he de máo génio ,
O m.odo de o abrandar
Kao he buscando motivos
De o fazer mais incitar.
Observe o pai a seus filhos
Se tem más inclinaçces,
Que do pouco caso disto
Provém o serem ladroes :
Se aíguri'^ delles, sem motivo,
For ladrSo por natureza ,
Na índia com brevidade
Lhe de cama, e lhe dê mcz?.:
Se o for por vicio pGgãdò ,
De algumas más cotnpcinhias,
Tonie-lhe conta dos paços
Onde , c como emprega os dias r
Mas SC acaso for ladrão ,
Só porque a fome o aperra ,
Chegue-o a si , mas com geito ,
Qite o desmancho inda concertaè
A fortuna que hum pai hz a seu filíio,
Náo consiste em deixar-lhc os mil cruzados,
Se ensino lhe não deo , nem cuidou nelle ,
Deixa hum rico no rol dos desgraçados,
Deixa-lhe as armas da total ruina ,
Qiiando de seus dobrões o faz herdeiro,
Hajão respeito, criaçíio, castigos,
Qiie he melhor dote a honra, que o dinheiro.
De Setúbal se remetteo ao Editor o seguinte Enigma ,
porque o Author quer experimentar a subtileza dos Senhores
curiosos apaixonados de advinhaçôes; e depois de eu saber o
que Vv. mm. dizem a este respeito , também noticiarei a
Vv. mm. o que elle me disser.
ENIGMA.
l^ada do que tém reparte ,
De gabaras e não descauça ,
Com íormsfita , ou com bonança ,
Navega por toda a parte :
Da JSatureza, e da Arte
Depende o c^Ue tem Comsigo \
O tempo he seti inimigo j
Apetites dão^lbe a morte \
Quando se ju'ga mais forte ^
He que estd em maior perigo.
O Moço do Poeta era huraa noite da Lua passada foi
(7)
convidado para Inima brincadeira de irar , onde havia liuma
Falua rcchecda de Senhoras, c hum Fscaler cc.in n~i)ircs Ins-
trumentistas, Poetas, e grande ilIunJnacro ; dirijçida esra
brincadeira aos annos de hunia das nicrna? Senhoras. Sahirfo
á luz vários Motes , e tanibcru sahio a seguinte Quadra , c]ue
clk jovialmente glosou.
Na loja de Vénus vi
fazendas de toda a cor y
Çt4e me cortasse pedi
Huma amoií rinha de amor.
GLOSA.
I.
Pensando em comprar fazenda,
Para fazer calções novos ,
Puz-me a dormir , eis que em PóvfS,
Vi huma Feira tremenda:
Cada Deosa em sua tenda,
Vendia drogas alii;
Pu enfeirar pettendi ,
Dei á« irais lojas re r<osto ;
Pois só fazenda de gosto
ifa loja de Vc/ius vi.
iir.
Gostei de ver o lugar ,
Que psra mim foi de novo,
Tittha a ) balcão tanto poVo ,
Que me custava a entiar :
Hum retalho separar
Mandei , a; enrs o vi ,
Puchei da bolç.? , e abri;
JVlas por pouco endinheirado
A' Deosa hum calção fiado
Que me cortasse pedi.
TI.
.!A fazenda, que vendia ,
Era bastante asseada ,
JJt muita dura, tochada »
"E «^m aJíuma avana ;
âT-i-Ki mu'ta fre;íuezia ,
Xomrravão-Ihe da melhor:
P»gavc!o-lha , e com primor,
lei negocio a seu contento ,
|*o's t:nha por sortii) ento
^Saícnrías de totía a cor.
'l
IV.
De tal me ouvir descrtnfii ,
E diz-me com rosto iravio ,
Menino , vem Cngo/oida ,
JVíjr.j loja não se jin •
Entrei a chamar-ihe Tia
E á apaziguar- lhe o furor;
E logo hum novo favor
Lhe pedi . que me fizesie ,
Que rre cortasse, e irie desse,
Jiiima ãnwitrinha de on.or.
AVISOS.
Os Directores da Fabrica dos alforges de la preta , rran-
;^uitos, e ircias de la parda, e rutrr.s < hras de trifularia ,
fazcra saber, que a descoberta de la cie Lamclloi , junta cem
(8 )
com p*JíUgê d^ Pitot faz huma boa liga pelo seu mórbido ,
servindo de utilidade, e proveito a todas aquellas pessoas,
que usao destes trastes, nao só pela finura do seu fio, como
pela duração, que promette este organisamento ; porém co-
mo a correspondência da Tartaria está cortada com a Chi"
na por intrigas, que raetteo o grande muro ^ que divide os
dois Impérios, que he donde vinháo estes productos , rem-
sc sentido huma grande taltâ destes dois géneros, em termos
de se vao poder continuar nas manufacturas. Qiiem souber ae
alp-uns Canielhs ^ ou Fatos , que queirão vender a sua lá, ou
peiíuí^e, fallem Câtn Mame/ Lanzudo ^ que ellc tem ordem
pura coa^iprar quantos liaja , e até clle mesmo os sabe tos-
quiar , e depennar sem páo nem pedra.
Como se tenha descoberto immensos sítios lavados dos
ventos nos sete Montes desta Cidade de Lisboa , sem se dar
a primaria a algum dos mesmos sítios, e isto em prejuízo da
mocidade, assentou-se finalmente que no fim da Calçada da
Estrelía junto á Travessa dos Ladroes he onde o vento faz
mais impressão, e o lugar mais próprio para botar papagaios
de p:U">el : Por este motiyo se avisa ao Público, que todo o
pai de famílias, que quizer divertir os seus pequenos a botar
pipaí^alos ao ar, ou seja de noite com lanterna, ou de dia
sem cila , se conduza a este grande largo , onde terá o gos-
to de ver ir os pap:i gaios de seus filhos voando na longitu-
de de trinta braças de cordel.
Hum Alumno da Academia vaga da Travessa das Bru-
xas teve á custa de muito estudo a felicidade de descobrir
a rc^Tiila:ao da balança g^fga, He esta composta de dois fun-
dos ?ic melancia com o braço de prata , o fiel de feitos, cos
fiadores abonados : Por esta descoberta foi na mesma Aca-
demia despachado pira Abrantes, onde se julga fará provi-
mento para seis mezes.
LISBOA. NA OFFIC. DS J. F. M. DS CAMPOJ.
1819.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço,
l
H
ALMOCREVE DE PETAS.
P A R T E LXXX.
Escolas Geraes 27 cie Qutulro.
E boa historia esta ! Níío ha hum C2so assim ! O ca-
racter do homem prevertido , a ordem da natureza s iterada I
Ms Senhoras vestidas como hcmens, e os hcn.ers vestidos
como as Senhoras ! He boa historia esta ! Kun-a n.utação
simples, que faz pôr em confusão a mcsira ratuieza ! Q
homem exhalando de si afeminados cheires, c erfeitando-se
com melindre ! vestido com huma casaca até aos [és , ecom
roupinhas, parecendo a casaca depois de abotosda htira saia:
he boa iiistcria esta ! Sugeitandc-sc ])ara figurar de Senho-
ra , a fiar na força do seu maior negocio ; até cozendo pela
boa digestão do estômago a sua fornada , com agilidade pro-
priamente mulheril, não só para arrimar hum haúdercupa,
mas desarimar dois, ou três, o ponto he chcgar-Jhe quan-
do tem vocação; h liando de falcete, e amaricado , figuran-
do em si o mundo ás avessas, somente por capricho i he boa
historia esta! A Senhora cora o cabello desgadelhado, cha-
péo na cabeça , lenço no pescoço em ar de gravata , ou pes-
cocinho ; capote de mangas , e çapatos de cunha , passeando
' '8a
cora varonil desembaraço, indú á Praqa da Figueira tratardo
seu negocio , se lhe hc preciso , mette núo á sua espada , e
corta com ella pcor que as columbinas., iie boa historia esta I
Se ha occasiao agarra a sua cabclleir,! como hum liomem,
fallando com voz de trovão, para affectar homem, figuran-
do de Amazona somente por jiviandade : he boa historia
esta! Sexta Feira passada andavao neste sitio os rapazes da
escola á aposta co:-n as suas matérias, c vendo ao longe hu-
ma figura destas, se forao a cila como gato a bofes, e en-
tráo a gritar huns daqui, outros dalli , scjihor hcmem dê a*
qtti o seu voto msta matéria , cujos votos senão derao nao
porque os nao soubesse dar a quem os merecesse a tal figu-
ra, mas porque hum dos rapazes dos últimos, que chegarão,
desmanchou a festa, pois conliecendo que era^huma tia sua a
quem estavão pedindo os votos, lhe entrou a^dar sorriadns,
e então he que conhecerão que era mulher quardo sedesem-
buçou para deitar a bençno ao sobrinho j a razão deste en-
gano dos rapazes está conhecida ; foi porque a tal figura vi-
nha de chapéo redondo na cabeça, capote de mangas, ca-
pares de cunha, embuçada, e arregaçada por amor das la-
mas, e por isso lhes p:íreceo que era homem, he boa his-
toria esta ! Logo mais abaixo sahindo as raparigas da Mes-
tra se foi huma abraçar por detrás a hum homem destes que
representão de saias, pois se enganou com a cor do vestido,
e cuidava que abraçava sua Madrinha : he boa historia esta !
Ah bom Simão de Orates , só tu sabias curar isto sem páo
nem pedra j e tudo o mais he historia.
Ribeirú velha 30 de Outubro.
Hum Viajante que partio de Lisboa , e nao levava a
bolça muito provida , havia por isso pedido ao Arreeiro o
ícvasse á Estalagem , onde houvesse hum Patrão mais ba ra-
fei ro : depois de ter andado mais de cinco íegoas, se fasti-
Hiàva ao mesmo Arreeiro da carestia , com que o Estalaja-
deiro a tinha escaldado ; e achando-lheo Arreeirinho alguma
rhzao , o fez apear do macho com muitos protestos dequea
havia despicar; e montando-the no machinho, voltou, dei-
xii^o o amo, onde se demorou bastante tempo. G Viajante
ja líao. escava iiaaito comeiuc, eis senão quando 0 vê vif'
com Iiuma trouxa adiante de si, de sorte que ò a tno assen-
tou que o bom do Arreeirinho tinha furtado ao Patrão Jcn-
çóes, travesseiros, cobertores, toallias , etc e chcgando-se
mais ao pé dellc ^ salta o Arreeiro estas palavras : áh òe"
nhor meu amo, ertd desprcúdo : Pois que trazes ãhi }
disse amo; respondeo o b.hcvco , flí Jurf ar áquei/e /a-Irãa
todo o jogo da tclla ^ que Ibt vdofícaldmmhinnyao^ Rio-
«c o Viajante muito, e iiindo a montar, reparou que nao via
a sua rcalia , e perguntou ao Ancciro por clla^ a isto íicou
o tal moço embatucado, e respondeo zi: Ccrtamerite ma fur-
tarão em quaríto cu fui dentro ^íj quintal do EstGiiijadei^
ro , ainda agora o amo se está esconjurando , a lan:entar-se
com as mãos debaixo do braço, e disse :::: Despicas-te-rne
muito bem ^ estou muito bem despicado \ trazrs-me hiniijO"
gs de bilía , e deixas furtar a minha ma lia com quanto
fato tinha, A isto o Arreeiro para o ccneohir, lhe .disse;
lenha paciência y Senhor ^ eu histo rdome ajasiei da or-
de,n do Mundo ^ que bt andarmos furtando kuuâ aos antros*
Bica do Çúpato 26 de Outubro.
Por cartas rindas da Alhandra consfa a lamentável mor-
te de hum homem, chamado per alctnlia o sim ^^im ^ qw.ús
valente que o m,esmo Sansào \ as fciças atste hni.o^o herce
erao as maiores, quc se virão no Mundo; dco hunra vez
hum pontapé n'um rapaz de três annos, c atirou cem elle
tao alto, que quando cahio já íazia a barba, listando hum
dia jiesta Villa da Alliandra em hum alto, e querendo avi-
sar hum seu amigo, que tinha no Rio de janeiro , de huma
penhora, que de cá llie hiáo fazer, cscreveo-lhe huma car-
ta, e atando-.i -a luima pedra , e oriCntândo-sc per huma
carta de maneira atirou com tai ícrça , c proporção , que
foi a carta mariar pela j^nella diniro de seu aii.i^o , que es-
tava esburgando iium coco para ccmcr. De outra vez vendo
que outro seu amigo tinha chamado trinta honens para lhe
abrirem hum poço de duas bradas de dinirctro, e vinte de
fundo, este valente liomem para poupar os gastos ao seu* a-
mií;o , foi-sc a huma pedreira, airsncou tom a unha huma
Icisca de pedira de duíis bricas, e indo á Quinta do amJgo,
feateo com tauta forja com a tal pedra no cijão, quq abuò
hum poço de trinta braçasde fundo, de sorte que sinâ^ ò
dono entupio dez. Eue valente brutamonte matou-se a si mes-
mo desestradamente : Hum dia que se encaraçou , cnlrou em
casa de hum Moleiro seu compadre a chaírear: falicu-se eiu
forças, e disse o Moleiro: í/ue queria ver se com hum cu*
téllo partia ells huma mó da moinho d tra-vez, O tal bor»
rachão sim sim sem dizer tião não ^ enfiou o dedo pela mó ,
arrimou-a ao peiío, pegou no cutéllo, e como estava em-
briagado, nao soube proporcionar a força, que poz mnia ,
que cortou a mó pelo meio , paríio*se a si pela cintura , c
ainda cortou oiio saccos de farinlia , que \\\q íicavao por de^
tra7. Deve eternizar-se a memoria deste homem , pois hc
preciso que passem séculos , para apparecer outro de iguaes
íforças*
"Rua dos Alamos 7^0 de Outubro*
Aqui chegarão a esta Estalagem pelo Correio das Cal-
das cartas do Cadaval, e de pessoas fidedignas, queasseverao
Jiura acontecimento raro, que houve naquella Villa: Mor-
rendo hum Lavrador dos mais ricos, intentarão os seus her-
deiros fazer»Ihe hum ofíicio de sepultura com seus Responso-
rios de Musica^ para o que mandarão vir de Óbidos, e de
todo aqueiie Termo as roelhores vozes, e os melhores Ins-
trumentistas, que se pudérao descobrir: Dando-se principio
áquelle acto, apenas a Musica começou, foi tal o descnroa-
mento , que o mesmo defunto, que estava na Eça, se en»
trou a confranger , e a torcer : Todos os convidados se arre-
piarão, sahírão arordidos a foglr , e não faha quem suppo-
nha que aquella ahna está em bom lugar, visto ter naquella
musica tãa penoso purga tório,
O amigo de Setúbal , que deseja a Vv. rom. todos, que
comprarem este Folheto, sâude peifeira, aqui me avisa que
o Enigma, que principia Nada do que tem reparte^ não
passa de ser o mesmo , que já dis?e lhes desejava , e fechou
a carta dizendo, saúde ^ e mais saúde.
Dissertação do msso amigo applicado a experiências econo"
micas em utilidade do Público.
O movimento de rota0o da terra em torno do seu ei*
xo, qa: nos dá o dia, e a noiíe , e o seu gvro annual na
Ecliptica , que nos disíribue as Estaçdfs-, c nos dlviVe o
lenipo , dá hunia época fixa a todas as producçocs terrestres.
Nem em todos os tempos se produzem íVucrcs, crdâ ciial
delles tem huma estação particular , cm cie sazcna. C) lio-
mem nem sempre pode rer íirbiíro das stas acções, he pre-
ciso que o lempo o proteja , e faz-se igualmente necessário
que se espere este mesmio tempo. Os n'are> encapejiados, e
as vagas rebentando em caxao, os impetuosos sopros dc^s A-
quillo? vedão que o homem transite além das barreiras da ter-
ra pelo liquido elemento. O Sol Planeta creador , e seiíiindo
a p,ente da propag^içao „ So/ &" homo generunt kornir.e\ ,,
De Inverno he consolador, agazaliiador, suave, e g^aio; de
Verão he importuno , cruel , malfazejo , e insuportável : A
neve que tanto pelo Estio deleita, e espiritualiza, na lista-
rão frigida constipa , e empece. O pepino, hum dcs vege-
taes assas saborosos, comido em Agosto he nocivo, en.harií-
ça a digestão, e arruina o estômago : A couve neste rreímo
mez muitas vezes tem chegado a roubar a vida a quem se
lem alimentado com ella ; por isso os nossos antigos dizião,,
o rifcío ,, Se queres tiU marido morto ^ clá^lhe couies tm
agosto. Donde se conclúe que certos comestíveis tem sua é-
poça própria , que fora delia fazem damno ; e que he ver-
dadeira esta proposição,, ludo se qu(r no s(u tempo , como^
a Arraia no Advthto , e o tas são je/o S. joão.
Carta circular a todos os curiosos de amlos es sexos.-
Amigos do bom, e barato, o tem.po que he precioso
não SC pôde perder hum só irstsnte, que não vepha dçpois
a fazer falta : Eu me vejo novan^ente debaixo de condiçHo
meio obrigado de algumas pefsoas a relatar mais succeisis,
que no Theatro do Àlundo se represem ão , distribuindo ues-
tts Folhetos do Aimccreie de Vetas ss panes pr(>priaf
com aquella escolha, cue reqter a acção, sendo a primei-
ra Dama a mvito rdre ^ e setrpre leal Cidadf tíe l ishoa^
3 segunda Dama a Senhora elevada Tafularia da nejma Ci^
dade : Q\cv.% seu lerwoy e /:rrabaldcs ^ Lacaia a Asítrln
da vida ^ e Gracioso o calote gerai ^ razão porque sepi^rda
vz CS inpoflur.o , ri:srdo esiava já ro píojí-Cío de vos
i>ão mtks:ar, c qec vciisíLCiue virá a succeder, tç iio um-
pO' ji mencionado, não vindes^ ou mindaís nssignnr na lojà
da Gazeia com cruzes, ou cunhos, para continuar no novo
anno , a desenrolar as petas, em que tp.uitos caliem , outros
practicão, e a rnalicia descobre, ferindo a todos ni ponta
da aza, e não matando nenluim , porque nao incorra cm
pena o meu Almocreve, que não fiz mais que divertira
Vv. mm. cora cila.
A minha Musa, que não sei quem lhe disseque a obra
estava em termos de continuar, vestio-sc de manto de seda ,
e muito Senhora do seu nariz veio ter coaiigo , dizendo to-
da empespinhada , com voz de pipia: vej,^ Li em q e sevitt*
te \ SC esta obra continua , e V, m. quer o meu su corro ha
de fazer o seu gasto comigo^ Tesínulo-m ■ de ponto cm
•branco. Logo a traz delia seguio-se o Ahtiocreve dizendo*
me, com voz de capado, se a obra continua^ , eu tarnhem
quero hum vestido novo*. Pela outra pp.rte sâhio-me o Mo-
ço com voz de gaita de folies, e disse: tu lanibsni qUtjtn
ser vestido desde os bicos dos pés aí é d cabeça ^ purquc to*
do o fato que iinha ^ tenho gasto nestas jornrtdas \ e o ca-
VâUinlio tainbcm fazendo signa! com voz de Uiço
Me mostrou que queria muito ufa72o
Huma ração dobrada para o anno*
Cada hum me allegou o seu trabalho, e cu pasmri â
olhar para elles , rcfleciinlo na dúvida em que o lance está
para a sua pcrtengão , admirando o gosto, com que elles já
4:cKtão com o ovo, que a galinha ha de pôr, estando ainda
tudo no mais difficultoso embaraço. Eu os desenganei , fa-
zendo-lhes ver as calamidades da Época, que para tudo hia
íVii, e que o nao continuar a obra, he porque tinha hurtí
embargo pela moeda , e nao porque fdtasáem petas para O
anno \ que o dinheiro a cada hum mal cliegava para os boca*
dos da boca , quanto mais para comprar huma folha de pa*
pel tão ordinário como e^íte por quarenta réis. Então o AJ«
mocreve me re^pondeo com voz dí ferro ,, ainda ha muit^
dinheiro , se o não houvesse, não se satlsfariuo tantos ape*
tites\ arfuelle sogeito , que y, m. amiuncia na Pane 70
desta Obra que comordra os feijões verdei tão caros , com»
pi'OU daíli a três dias cinco t omites por doze vinténs para
os temperar ^ os' quies nem ai'i:l'i sua* tinhãOy e a su4
obra sempre tem tal ^ ou qual chorume. .Ao que promptâ*
(7)
irente respondi, creio que a obra tem encontrado cem irui-
&>s^ e se alguém diz ir.al , todos tendes costas , o pcntccsiá
que nos não dem nclla?. Eu pedi o piazo de quarenta dirs
para o fim das assigraturas ; traba]j]erros todos ccmon*e5n.o
cuidado, e vejamos o que o tempo dá de 5Í. Cem que, m:eu5
Senhores, o que vos digo, he que vos lembreis de miim, e
desta canalha, que me cerca j por cujo beneficio seir.pre con-
fessarei ser vosso,
P. S. EDITOR.
SúUílaíles aov amigos forretas ^ eUmhr atalhe atjecn'
tis ver este Caxcltnha do Jilnucrtve ^ dO c>tie -ver o Carne l^
lo ^ e os Macacos da Fraca do Salitre.
O Moço do Poeta Sabbado passado indo fazer a bar-
ha , se vio importunado pelo seu Esrl.e:ro , p?ra que lhe
gln>as5e a sepiiinte Qiiadra , que era dada por sua Pr^m.o , c
que a vir de desempenho Jhe faria quatro semanas a barba de
g^^aça \ que betadas bem as contas, vem a sahir cada barba
I or c^cz vtTscs. Ahi vai a Quadra, e a Gíosa , e Vv. nrm«
diiso se o Moço tiiou as barbas de vcrgonjia.
h^erculea força não pode
Arrancar htnna paixáo ^
Que terias raízes tem
ISio fundo do coração*
GLOSA.
Fntre hum Barbeiro y e hum Freguez.
I. H.
Treg» Senhor I\lestre , venha cá , Borh Que cli? , meu freguez , que dii i
Aiule , corra diligente, Havia tirar-lho fora,
"Venha aqui ver este dente, Jnda c;ue tivessse agora.
Que tantas dotes me dá: De palmo e meio a raiz í
To(J.o o £]ueixo inchado está, Não ha homem nais feliz
^alor para aqui me acode } Neita crsta de rp'tacn« ,
Fa^a coivi queeu n e accf rrmodc, Até os arranco á mão;
Ande já; veiíha tirar-mo ; levo a tmios nisto a palma,
Wai ru creio que arrancar-mo Assim eu pudera d'alina ,
■Hfircif/tffl fcr^a não pódçt Arramac tutma faixai*
(S)
.1". IV.
Amar tem muitos de-jcontos , P''^^' Hiij, pois vosse não medi»
J^J-ds eu namorada est(Ui : Que os tira de toda a sorte?
E á nianhá ca^ar ir.e vou . Inda tendo algum mais fotte
Por cer quem me di doi< p)ntos : De palmo, e meio a raiz?
l^reg.. Oeixe-mo-iio; dessas concas , J}a'-[,. Confesso fui infeliz ,
, 2^ão ms importa cá niiiguem : Esca.-^ou me o boticao :
K7ri. Povsande , abra a boca b;in : Fre^. O.i pedante , igncrantão p
í''*^'^'. Sio) , ijias tire-o levemente : Já , e já deíç i-me a etcada ,
J^arh, Gouo hçii d'en tirar Iiu n dente Senão cravo.Ii>e esta espada
Qíte tortas raizcs tçin^ ISoJa.tdo do coração.
A V I S O S.
Sihio á hiT; o tratadií do papd branco^ obra, q^ie ha
«ecuk)s tsrín estadcj ás escuras, porque quasi todos que a lião
fíciváo em branco. Esta obra £12 conhecer a ditYcrcnça , que
ha, entre o prero , e o branco, e a razão porque iici? Lote-
riás ha mais sortes em branco, do que em prcro. Seu Author
assignado cm branco , vende-se encadernado em carneira
branca , em c^sa de João Branco , por doze vinténs na Ri-
beira Velha junio ás casas do Branco,
Pfomettem-se dez peças de calibre de 6 e 4 á prlmeí''a
pessoa , que ensine como se poderá abrir a boca a hum sc-
gcito , que a tem pegada com cuspo para se lhe levantar a
íingoa , e tirar-se-lac hum nome , que tem debaixo delia,
qu? he para acabar de fazer huma carta a hum rapa/ da es-
cola , que jl sabe de còr o Bamebao, e principia agora a
ííprender nomes , para depois os chamar a quem elle quizer.
(iae.u se arre^er a ganhar o premio , vá apresentar-se ao
Forre de S. Kidio , onde escolhetá o proractiido á sua von-
tade.
LISBOA, NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOi
I 8 I 9.
C-om licençã da Mcsia do Desmbargo do Paçú.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXXI.
Fortãs de Santo Antão 28 de Outubro.
XJLE para pasmar ver as traças que fazem os ídeistas do
Mundo, para nelle passarem a vida ! sem vintém, sem espe-
rança <]e o terem , e sem cousa que o valha ! Mora nesta rua
hum maganão, destes que passão com o alheio soffrivelmen-
te, e cada dia usa do seu estratagema para poder coalhar
algum real, se he que os reaes secoalhão, e hum destes dias
que lhe veio á cançada idéa huma invenção que não deixa de
ter sua graça, e castiga muiro bem quem crê de leve ^ levan-
tou-se este honrado homem da sua cama ainda que tem algu-
ma cou?a de velhaco, foi ao Arcenal , comprou lumia cha-
ve, que lhe pareceo mais geitosa a figurar de camarote ^ por-
que entre aquelles ferros velhos sempre ha por onde escolher ,
desenferrujou-a , pulio-a , e foi para huma casa de jogo mui-^
to satisfeito da sua vida , e no copcursoque se achava presen-»
te , offerecco-se para fazer huma rifa da chave de hum camarote
da Opera do Salitre, mettendo de permeio muita rhetorica ,
de que era abundante, e patacuada de aventureiro: Mais de
meia dúzia de patinhos de agua doce se offcrecêrâo a entrar
81
na mesma rifaj hum com o sentido de levar a Prima á Ope-
ra com dois tostões ■éeeíaíTâdâ -, outro pensando dar este di-
vertimento ás manas j e etc, etc. ctc. apparecêrao os dados,
passou se o dinheiro para a imo de ri&iite^ l/ofa tu , que eu
logo botarei : Eu quero str ^ màimv^ Iim stret o primeiro \
com cffcito dccidio-se a fortnim por ham Cabelleireiro, que
fazia de Presidente, na ^Síái^. Assemblèa : Muita rizada , mui-
to contentamento 'Sâhio logo o afioí-tunatío danda mil para-
béns á sua sorte, jurando de para o futuro entrar, em quan-
tas rifas houver., ainda: que se extinga mcllas todo o dinliei-
ro dos seus partidos; N^o Jhe pezoa © pé h uma onça porque
clle todo era leve, e foi convidar não menos que duas Fre-
guezas suas em cuja companhia tem tocado guitarra eterna-
mente: Elias -a ceei t^ rã o logo, v\to foi preciso sege, mesmo
a pé, porqire moravao perlo, o meliente as conduzio : En-
trou este pelos corredores, procurou o número que hia era
huma taboinha pendente da chave, e aos primeiros inovimen-
tos da fechadura , abrem-lhe de dentro a porta , e com máo
modo lhe responderão , que quer V. nu cá ? F. tn, está en-
ganado no nnmer&\ Ficou mais branco do que os pôs de que
usa, e partío como hum raio com as duas Senhoras pelo bra-
ço á casa dos camarotes, argumentos^ instancias ^ be nMo
te , fói não foi^ já se resolvia o Senhor Mestre a querer a-
lugar por todo o dinheiro , qualquer outro camarote, que
estivesse de voluto ; porém a enfelicidade, que não deixa de
acompanhar todas aç desordens , fez cora que todos estives-
sem alugados : Eis-aqui o Monsiur , que conheceo , ainda
que tarde, o ópio em que cahio, raatando-se em satisfações
para com as Senhoras, ellas enjuriadas do lance, elle queren-
do com capilés , filipinas, limonadas, ponches , chocolate,
doces , promessas para o dia seguinte , e finalmente todo o
seu valor , socegar a tormenta era que se via , nada foi bas-
tante; recuarão por fim a carruagem calcante fedibus as di-
tas Senhoras, e elle as foi pôr em casa, que hiao capazes
de dar em si de raivosas, entíío ficou o pobre coitadinhoper-
dendo aquella freguezia , e apenas chegou ao seu quarto, fezr
etíí pedaços a guitarra por sacrificio á sua afflicção.
( 5 T
Carta que José Bolota Saveiro , Marujo de todos os qua--
tro costados , mandou á sua Maria apenas portou
em Lisboa na segunda viagem.
Senhora Maria » Hootcm quando desembarquei ao mes-
míssimo tempo que puz os peis cm terra me deráo taes refre-
gas por barlavento, que considerei que o Norte de seus áris
me asoprnva pela facha , e que o meu desejo hia já chegan-
do ao Cabo da Boa Espirança, e não me cngani ; porque a
agulha do meu pensamento logo m€ mostrou o roteiro para
me pôr a caminho, largando barcos, e redes por dar allivio
ás cavernas do meu prampto* Cheguei á sua porta por ver
?e estava seu Pai cm casa , e piiz-me á capa até que visse o
mar era bonança, atirci-ihe coin iiura escarro, e a este re-
clamo acudio sua Irma mais pequena , e dixe-me que V. rru
não estava em casa. Juro pelas ondas salgadas que nunca
fiz tamanha agorda , como foi o agoaceiro que fízerao as
duas bombas do meu prampto, e mais quando me dixerao
que vossê me fazia guaditerios c'o filho da Caçoa por alcu-
nha* Isto então hum Grumete que toda a sua vida se crcou
a varrer a Náo Cabrra , que nunca soube ferrar huma escota ,
nem tomar huma gata. Hum homem de meio quinjião, quem
me dixera a mim que hovia passar a linha por seu respeito
para agora as estar torcendo ! Por ventura elle he niais ho-
mem que eu ? Se me tem por fraco por aquella pendência que
tive no Cáes da pedra , de que me derao duas bofetadas nal-
iria da cara, isso pouco emporta que também a sua mercê na
noite em que me fui, abalroou aquelie Marujo chamado o
Pé leve, e lhe díjcc que sua mercê era má mulher, e outras
cousas, e eu fui tão honrado que nunca repari nessas ninha-
rias. Quanto mais eu a procuro, roais sua mercê se esconde
da pissoa : algumas quatro no bairro me rogao , e eu estou
trincando a amarra , e creia sua mercê que 3e fizera alguma
fecilidade no seu amor era capass até de fossar lama a seu res-
peito : mande-rae resposta Senhora Maria antes que de era
secco , e me ponha a criar limos. » Deste seu coraqao que
espera a ccena dos seus mimos para melhorar de rumo.
.(^Assignado) ^osé Bolota Saveiro.
(4)
Jlua (h Rosa i de Novewt-ro,
D. Brizida Brites da Albrolhota , Scnliorn cnsada , e in-
Ccins.ivcl nisto de contradanças, e ciitilhoes, qiic até trazia
a Folhinlia corada com os dias repartidos para as fun^Òcs de
tal parte , e de ral parte; systcnui , que seu marido não levava
á paciência : Nas vésperas do dia, cm que fazia anncs o scU
homem , não o largou hun] só instante , rogando-lhe conrínua-
incnlc que fizesse huma função em casa no seu dia natalicio:
o marido, que tão perseguido se vio delia, protestou-lhe que
dcscnncasse , que a função estava certa : Não quiz a menina
mais ouvir, e passou Jogo a mandar convidar as suas amrgas;
porém chegando o mencionado dia, poucas horas antes de
entrarem as visitas , pegou o marido em humas baetas pre-
tas, que pedio emprestadas, e cm quanto a Senhora estava ao
toucador, com cilas forrou as paredes o mais breve que pô-
de; poz huma vela grande era hum castiçal sobre huma ban-
quinha ao canto da casa, fechou portas, e janellas , vestio-
se de preto , e sentou-se em huma cadeira. Concorrerão os con-
vidados , entravão , e fícavão esmorecidos, até que veio a do-
na da casa, que esperando ver cortinas de damiasco, vio as
tristes baetas ; incrcpou o marido , e todos iguahrientc lhe
instarão pela razão daquelle luto, até que elle respondeo ; que
esperavào Fv, nnn, de quem vai camifi bando para a morte ?
4$*^ eu fizesse hum anno de menos , viotho era de alegria ;
vtas fazer huma função porque faço hum anno de mais , e feS'
tejar-me , porque fui moÇo , e me vejo velho , he asr.eira , em
que não caio , qut a conta de meus annos me jaz, entrar em
JUÍZO,
Rua da Fé 4 de Novembro.
Os abusos, que a bizonharia do homem derramou sobre
a terra , fez que o respeito deste nome ficasse sujeito a mil
esdruxularias , as quaes tem passado de pais a filhos, sem que
o uso da razão lhe sirva para detestar estas ridicularias, que
o Gentilismo venerou : Ouviar o cão Jie natural, procedido
de causa, que lhe agita o ssngue, ou porque vê (abjecto de
pavor, que o intimida, ou porque fome canina o aperta ; ser
isto presagio de máo successo , he asneira pcnsallo. A hum
sugeito entranhado nestas pieguices com presum>pçío elástica
de muito acautelado, que não move hum pé sem ir ver ao
catalogo , se o dia tem azia , aconteceo que fazendo elle a bar-
ba a si, nío sei- se de curiosidade, se de esíudo, e sendo na
noite antecedente convidado para ir acompanhar huir.as Senho-
ras fl Maraviila , no dia seguinte sahio muito cedo de sua ca-
sa para o intento, e lembrando-sc já na rua, que não tinha
feito a barba , a tempo que entrava, na rua de S. José , vio que
hum Barbeiro destes das dúzias estava pondo na porta hum
pedaço de cortina, que já nno era verde, porque miostrava
estar cahindo de madura. Elle todo lépido Ilie perguntou;
jIò Serhor Mestre^ Um agua quente \ de neve ^ ni< u Senhor \
Jlie respondeo o Barbeiro. Elle que n?o perccbeo a mutação
da falia, lhe diz : pois faça-nie a barba de huma só vez ^ que
tenho muita preça : Assenta-se ,. poe-lhe o Barbeiro hum vol-
vedoiro pelo pescoço , e com agua fria, tirada do pote, Jhe
principia a banhar a cara; assustou-se o Freguez ao primei-
ro enxagoate, mas foi soffrendo : O Mestre que nao tinha
sabão em casa, nem com que o comprar fora , e não queria
dar o seu braço a torcer áquella personagem , que elle conhe-
cia por interlectos,. Jembrou-se de hum bocado de queijo de
Monte-Mor curado , que lhe tinha sobejado da cêa , e cora
elle, em ar de sabonete, lhe entrou a ensaboar a barba: el-
le que sente na face aquella rostolhada da dureza, e do sal,,
lhe diz : ah Senhor Mestre , que diabo de sabão he esse , com
qtie me está emoboat.do a bútha ? dlcccnimode^ie , Jhe diz o
Barbeiro, he o que dto o Reportório este anno ^ todo foi assim
sarabolhento\ e passando a fazer^llie a barba , por onde o fer-
ro hia, feria fogo , e levava ccuro, e cabello : gritou o ho-
mem (e linha razão ) que maldita navalha he a que V. m.
vte escolhto ? Foi dando alguns ais, e no íim de duas horas,
que tanto gastcu a tal barbinha , levantou-se, evio-se ao es-
pelho, ( justamente parecia que tinha levado bixas pela ca-
ra , porque de espaço a espaço só se vião pequenas cisuras)
assim mesmo sahio zangado, a tempo que as Senhora? já ti-p
nhão partido á vela , porque hino de pannos largos. Mette-
se em hum Catraio, toma posse do leme, fa2-se ao largo , e
á primeira rabanada de vento, elle, chapéo , Catraio, eCa-
traeiro , tudo se poz de fundo para o ar. A bom salvamento
pôde patinhar pelo lodo, defronte do Grilo , e muito ingri-r
lado, e já descalço se poz na praia divertindo-secm ver ope^
culio dos dias aziagos, que sempre trazia comsigo.
(6)
Bairro da Lapa 6 de Novembro*
Nvio foi a invenção quem se empenhou no presente ca*.
SC, mas sim í1 verdade mia, e crua, que quer fazer saber aos
outros huma repentina scena , em que entrarão três meninas
formosas. Ha neste Bairro três meninas, porém já talludas ,
ie como lá dizem deètas de ires em prato ; são muito galan-
tes, muito liabeis , e tão desembaraçadinhas, benza-as Deos,
que he hum gosto vê-las deliberar em todos os lances, occor*-
rendo-lhe ao mesmo tempo a grande infelicidade de não sa-
iiirem bem de tudo que projectão ; porque se por apressadas
á meza querem comer em breve , pregão cada escaldadura na
-boca que he huma consolação. Se com a mesma abbreviaturíi
«obem por hunia escada , com a mesma pressa cahem porella
a'baix:o. Se se deitao cedo para pegarem logo no somno , he
tal a palestra que ar-^-.ão humas ás outi-as , que não fedião os
cylhos senão depois das diias horas da noite; e tanto lhe sahe
tudo 'áo contrario do que intentao fa^er , que hum dia destes
Vendo que hu-m tio seu alugava st^^ para jrviar os seus nego-
ciou èm quanto este fe^ a barba, e ^ penteou , quizeríro as
três meninas que a sege as fosse pôr em casa de sua Avóseiu
que o tio fosse sabedor ; e porque a sege não fiiesse faka,
tíjesmo da fórnna que estavao era casa de sahinhas debaixo,
jaquetas , e cabello a razão de juros entrouxarão os -seus fati-
wh os -aceados para lá vestirem , e mettendo-se na sege cada
Imhrà Com siia trouxinha , fecharão postigos, e cortinas, e
pái^tírão em n'târé de ròzas. Mas oh infelicidade'! <jomo a des-
graça sempre as acompanhou em tudo quanto pensarão, per-
íft d& c^sâ dá Avó ao vipar huma esquina , cahe bom dosnra-
Cltos, quebfa-se hutn¥arâl , abrem^-se as cortinas, e desde lo-
go ficãô as três Es-tíiítuns citadas para despejo. Sairão para a
ru^ *âs triár-eis figui-inhà^ erti h'abito5 menores todas envergonha-
das , e de bum salfò ^de puJga se mctt^rão na casa. para onde
hilio , de áorte que qUem as encofitPou de froiíXÍnh£<sdeb<iixa
Úo b1íâçò^sen^árão '-^ue er^o^ri$iónei¥as de nalgum 'Corsatio.
Dej>õis deste |'ab(?ò bohsta que -cada hut^a fez seu votodefa-
2èrem twá<) de vagar, 'e com reflexão de tal forma , que |)a-
ra d'àré^ hUm páiso , ou rhaWabrat qualquer cousa gastãohu-
ttia hóí^ , fc qirándò D^cos c|tiór h'ifim'dia, qUe ^semio sabe q'iial
dos dois ■extremos era iiielliór -papa -o idõno 4a -casa.
<7)
Contffgttaç^ú ios eonttttos achados 69 Velho de Ronful^rex'^
Pk'ia o nosso velho qjje com ^ enfçriD idade não ha ^r^-
zer , que o pobre tudo tem tendo saúde \ e que o rico n.i^díi
íefp se â .«auide \hti h\i&^
Dizia o nosso^tvelh^ .que íUíaj^ yal^ liuma p^d^ ^çomcia
em paz, e dada por t>om ^enio , que trinta cobertas de gui-
zados comidos tix> Jabyrin-tiio , e dados de ir.á vontade.
Dizia o nosso vplbo -que mais se enganáo os olhos no
que vêm do que o coraçaa no que p^nsa.
Dizia o nosso velho que a saúde tem muitos avaliado-
res ; mas he depois de perdida.
Dizia o nossp velho que o premio que o homem devia
dar a quem o louvava , era no procedimento não lhe fazer
iuentiroso o louvor.
Dizia ç nosso jr-dLlip .gue quem faz o que pode, faz .a
que deve. . -^ .
Diz-ia «G , íio&so velho que 0S mulheres tem n^ais propen-^
ião para crear filhos ^ que para guardar segredos.
Dizia o nosso velho que o Jioraem devia usar de palavras
-como usa dos vestidos., trazendo huns , e guardando outros.
Dizia o nosso velho que ninguém sabe corno se ha 4^
haver eom jBUulheres j por^que senão as ama , he tido por hura
•néscio ; se as namora , he atrevido i se as deixa, he cobarde ;
se ^ segue, he tolo ; se o occupão, e serve , nem por isso
o es timão mais ; se se nega a servir, aborrecem -no ; se as
ípertende , dcsprezão-no \ -se se faz iudifferente , perseguem-no j
íse as gaba , he fa rol eiró ; se as abate , he mal creado ; se as en-
cana, hesevandija; se as.tra;a com verdade, he mal correspondi-
do j se se humilha , he pobre liomem ', se se eleva, he papelão.
Dhia o nosso velho que seis cousas botavao o homem
.a perder » Amigos, jogo, mulheres, fianças, confianças,
fC desconfianças.
Dizia o nosso velho , que o homem de offício público^
deve ser sábio , para saber o que faz , deve ser prudente pa-
ra atinar com o que faz, deve ser experiente para saber quan-
do o fa^., e deve ser receoso para emendar o que faz.
Dizia o nosso velho , que cinco cousas perdia huma ca-
sa, hospedagens, funjoes , dcsmazellos , lingoa comprida ,.
a máos visinhos.
Dizia o nosso velho ^ que seis cousas tem as creadas
C 8 )
de servir comsigo, serem golozas , serem chocalheiras, se-
rem abelhudas, serem dorminhocas, serem descuidadas , e se-
rem janeleiras.
Dando certa Mulata de Lisboa muito presumida hum
vintém a hum pobre, succedeo o seguinte;
Cerra Mulata hum vintém
Quiz de esmola a hum pobre dar ^
E elle hindo-lhe a pegar,
Talvez por ser maganí^o ,
Pegou na esmola , e na mão :
Fugio-lhe ella, e elle sizudo
Lhe disse » Como sou pobre ^
E tudo be da cor do cobre ^
Cuidei que me dava tudo.
i
AVISOS. \
'■■ ' i^'Diz o Almocreve de Petas, o seu Moço , e o CavalH-
nho, que elles precisão que o Senhor Povo se vá cossando
com a sua de 40 sem interrupção alguma , e isto-era rèmune-
raçíío dos serviços, que lhe tem feito tanto nisto, eoraona-
quillo j por tanto.
* . a «uas Mercês que se 'na o des-
cuidem da cossadura , q4.íe reque-
rem. E R M.<í«
Sahio á luz o Livro intitulado Competidio Grammatical
de termos escuros ^ em que se instrue o público na origem
de dois ditados ; que são: Estou ninando ^ e tudo vai peio pó
do gato, n. tomm. em folio grande, illustrados com annotar
ções dos peiores Authores. i , ? ,)
Vendé-se huraa cama, cousa rica ^ coma singularidade
de conciliano somno a toda a pessoa , que ou por cuidados,
ou por moléstia não puder dormir. Não se pode de forma
aJguma duvidar deste préstimo, que seannuncía, porque seu
"iilltimo dono tinha quarenta e tantos credores de somraas a vul-
*tiadasj'e dormia nella a somno solto.
Também se annuncía que era Lua nova, e Lua cheia,
•^reartírir ás duas e meia.
•.LISBOA, NA OFFIG. DE J. F. M.. DE CAMPOS. 1819.
Com licença da Meza dj Desembargo do Paf^.
I
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXXIL
RU eira velha o i^ de NoXiembrcl
A cnda naco de traficante nesta Cidade, que he ver-
gonlia chamar-llie por tu, Faz-se digna de adiriraçao a li-
Cviíitiivi com que hum mocetão de 22 unhas , contando rsduas
dar p.ilmaí das mao^ , bifou oito n:il cibzadcs a varies sin-
ceros. Ora huns as pensão de dia, para as f'/crcm de noite,
outros as pensão de noite para ss fazerem de dia. Apresen-
tou-se quarta feira passada o tal marmanjo (do quem ignoro
a graça, ainda que lhe achei bastante) na Ribeira vellia
failando eai tom de mineiro , com dois Galegos carregados
com duas burras intrévadas, i?to he, d^s que nao anaao, e
lium Preto com a sua malla, parecendo que tinha desembar-
cado. Entrou cm huma Estalagem, e pedio dois quartos hum
por sima do outro, dizendo, que o de sima era para clle ,
e o debaixo era para o seu Preto. Mandou logo chamar hum
Negociante de cavallos para lhe comprar dois, que ajustou,
e mandou que na sexta feira lhos levasse ás onze da manhã
para lhos pagar» Deitou voz, e fama pelo Estalajadeiro, c
mais algumas pessoas, que quem quizessc trocar billictcs ^or
82
ainíieiro com hum pequeno interesse, se dirigisse no dia se-
guinte ckjuella Estalagem, dizendo que trazia vinte mil cru-
zados, e que queria ganhar no rebate. Correo fama, e na
sexta feira jogava-se o murro á porta da Estalagem para en-
trar povo, Abrio-se a scena , e appareceo o Traficante no seu
quarto encostado a huma meza cora papel, e iinta , e as duas
burras ao pé, huma aberta que m.ostrava hum horror desac-
cos cheios, atados pela boca, e a outra fecliada com o Pre-
to ao pé. Foi o tal Mineiro imaginado pedindo os bilhetes
aos que lhe estavâo mais próximos, dizendo, para evitar
confuíões , hei de lançar neste papel os bilhetes que recebo ,
e os nomes de seus donos , e depois em bnxe se faz o pa*»
gamento ^ servindo^me de governo esta lista* Dito isto fot
recebendo bilhetes, e mais bilhetes , mettendo-os dentro do
cofre, que estava fechado, fazendo-Iiie primeiro os assen-
tos ; quando já tinha recebido huma boa porpo , veio o
moço da Estalagem dizer-lhe que estava lá era baixo o ho*
mera que vendeo os cava lios , pedio elle licença ao povo pa-
ra o hir aviar, e que já voltava a fazer o pagamento. Os
pobres homens como virito a lista, e os cofres entenderão
que fícavao seguros. Elle retirou-se, deo meio dia , deo hu-
jna hora, e o tratante sem vir para sima; o Preto fechou o
cofre aberto , e foi abaixo com o pretexto de o chamar , e
igualmente se sumio, o povo enjoado da espera: descerão
alguns abaixo, mas procurando por elle ninguém mais lhe
pôde pôr a vista era sima. Com as solemnidades precizasfo-
rão aos cofres, e acharão o que se imaginava de dinheiro
cheio de saquinhos d'area , e outro sem fundo, furado o so-
brado naquelle mesmo lugar , por cuja razão cahiso os bi-
lhetes que elle deitava no quarto do Preto. Ao máo esto*
mago com que o povo ficou , nem a agua das Caldas pode
aproveitar.
Praga do Commercto ii de Isovembro,
Por hum próprio , que cliegou das Ilhas por terra em
dia e meio , consta de hum grande fogo , que hia haven-
do em hum dos Theatras Públicos daquelle Paiz, procedis.lo
do seguinte successo. A** Jiora própria de se entrar para
Opera, entre o povo foi entrando hum Milord Estrangeir
\
(3)
uito paralta , e ricamente vestido, talvez ccíT) o pcnsair.en-
de aterrar, e inetter n'um chinello todos o? Figurões da-
uella terra; levava huma cazaca de magnifica seda, coni a-
otoadura de oiro j entrando para a Platca , por desgraça lhe
cou atraz hum sogeito assignalado da natureza, que tinha
jseis unhas em cada mão, o qual subtilmente lhe foi cortan-
ído os botões das pregas da cazaca, e depois passando para o
•fieu lado, lhe foi arrancando o resto. O Milord embebido
l-na Comedia, que se estava representando ( e era Frecipicioí
4^ Fnetonte') não tinha percebido nada do furto-, porém no
•penúltimo botão, que se lhe arrancava, vio por acaso a mão
; íiabil do larapio ; disfarçou, c mettendo mão a huma faca
'<jue trazia na algibeira , a toda a pressa lhe cortou huma o-
Telha fora : Eis o ladrão aos grilos com as dores. O Taful
a lamentar a perda dos seus botões, o povo amotinado, o
ladrão lavado em sangue pedindo justiça , a tempo que o
Milord já lhe offerecia a orelha , com tanto, que lhe desse
©s seus botões. Clamava o ladião, que tornassem as cousas
ao estado antigo, que lhe pegasse a orelha, que elle lhe pe-
garia os botões. Neste tempo vmha tnetontc pelo ar regen-
do o carro de seu Par, ouvio o motim, e movido de curio-
sidade , querendo saber o que era , guiou os Etontes para
onde estava o concurso ; porém saltou huma faisca do carro ,
cjue se hum homem lhe não pce o pé em cima, certamente
todos terião a sorte, que tem qt^m aihos cerne.
Loires ii de Novembro.
Hum Cavalheiro cm Loires no dia dos Seus annos con-
vidou immensos Tafues de Lisboa seus amigos para lhos fes-
tejarem ; e pelas 1 1 horas áA manhã estando toda a comiti-
va junta, lembrou-se o dono da casa de mandar chamar hum
Saloio, que havia dalli meia legoa distante, muito engraça-
do, pára ser o alvo da boa feição dos ditos Tafues. Chegou
o Saloio montado no seu jumento, toda a com-panhia daja-
nelía lhe disse muita graça, desafiardo-o , e vicrao-no bus*
car á porta da rua ; o Saloio desenxovalhou-se com.o pôde,
dizendo a todos algumas chufis, ainda queengraçadcs, pi-
cantes. Accommodou elle 6 jumicntinho na cavaliiarice, c n-
dc estavão as cavalgaduras de toda aquella sociedade; sobí-
'<4)
TÍo toJos para cima , e hum delles mais escandalisado foi
com toda a cautella ao jumento do Saloio, cortou-lhe a cau-
da cercia , e o prendeo ás vcssas á manjadoura, e foi muito
disfiirçado associar-se ao rancho. Seriâo quatro horas da tar-
de, quando o Saloio depois de jantar, á custa de muitos
dicterios, e risadas, em que abundavao os circunstantes pela
participação da peça, veio abaixo tratar do cómmododoseu
jumento, sem ser visto ao íim que vinha; e vendo o misera^
vel estado em que lho tinhao posto, puxou de hum.a nava-
Ihiniia, e a 7 cavalios, que estavtio na mesma cavalharice,
cortou fora o beiço de cima, e o beiço debaixo, e deixan*-
do ficar o jumentinho da meima sorte, tornou para o ajun^
tamento. Continuarão as graças até qi-e dahi a duas horas se
despedio para se retirar; desceo peia escada com lium gran-
de acompanhamento dos Tafues , que o forao seguindo até
á cavalharice : Diziáo-lhe huns o seu jujnenSo comeo toda a
ração aos cavalios^ diziáo-lhe outros o jumento trazia a
cauda pcgndi com maca , e isto com rizadas infinitas , a
que o Saloio correspondia com outras tantas , até que o dono
da casa lhe perguntou, porque seria elle com tanta von-
tade ? O Saloio promptamente respondeo : O caso ^ Senho*
res , não he, para menos , porque não só Vv. mw, riem ;
até vs mesmos cavalios ^ que ai li estão ^ se arreji:anhão \ e
estão rindo da linda peça,\ que fJie p^egdrão; E reparan-
do cntáo os Tafues na desforra do marmanjo, secou-se-lhe
o rizo, e ficarão com as tromíbas líio compridas , quepodião
supprir cora ellas as que faltavão nos eavailos.
Rua No-ja da Palma 6 de Novembro,
Nesta vwx lium Capitão da Ordenança , homem já
maior, padecia huma d'aquellas moléstias , que emse lhe nao
sabendo o nome, já se lhe chama flatos, os quaes nem os
enfermos, nem , os Médicos ainda souberao em que consis-
liao. Padecia, csie pobre homem humas vertigens, e humas
dores vagas com suas palpitações, esfriavao-lhe os pés , e era
então <\\.\^ desconfianJo, de si, mandava cham.ar o seu Medico
para lhe modificar aquelia enfermidade. E como isto era a
Mirudo, tentou o Medico mandallo purgar, sangrar, e adie-?
lan, o que com effeito pòz o enfermo bom ci-paz de durar
ciirnos pnto5 annos ; porem q Medico, que cia muito per^
I
luxo, e lá enrtndia cuie ainda a obra não estava "perfeita,
virou para o doente, e disse: Amigo ^ isro icu quast Inre ^
porém quero diT-lhehum tcm^ cjue ainda se jaz -[reciso,
M* manhã ha de tcviar ht^m rorniicrio , f ara o (jue a rui
lhe áeíxo a recúta, Confornou-se o enfermo, e tomando-o
no dia seguinte de manlia,; quando erao 4 horas da carde,
foi para a Eternidade com toda a pressa. Hum visinlio da
mesma escada ^ que. se curava- cora o mesmo Medico , e pa-
decia liuma semcUiante moléstia , quando acabou da cura ,
disse-ilie o Medico,, que llie queria ainda dar lium tom,
porém o enfermo vendoi.o exemplo do seu visinlio , respcn-
deo-Ihe : Olhe Senhor Doutor , deixemo-nos de tom , que
eu quero viver mesmo assim desafinado.
Dissertação do nosso s/d^io cppHcado ás experiências
ecunomtias^.
- Quanto úteis sao as subtis idéas dos homens aos mes-
inos homensy e quantOí prejudiciacs llies sao es seus desman-
chos I/Na^cjasse dos homens ricos, todos sonhão , e traba-
lhão.os meios de augmentar no chapeado cofre as avultadas
sommas', que dentro delle se fechao ; e na classe dos pobres ,
pelo seu. desmazeJlo, todos trabalhão por accumular a des-
graça á triste vida que tem.. Projecta o Mestre Barbeiro pôr
a sua loja, compra bancos, e cadeiras, pinta as paredes,
onde não falta de- guarnição a Historia do filho prodii^o ,0
papel da M^tquina erost atiça ^ o Rt^nniento com Zãbníii a ^
tudo pinturas da sua escolha, compradas na rua do Arsenal »
e pregadas na parede da loja com molduras de papel doira-
do i pendura á por'ta quatro bacias, por cima de duas corti-
nas verde esmeralda , circuladas de fita côr de roza. Arma-
se o Mestre de quatro Comedias para ler aos freguezcs , e
assenta re.r por isto feito toda a sua fortuna; mas apen.^s
entra o freguez, apresenta-llie huma bacia com azebredcpaU
mo, huma toalha, que bota fora os 7 dias da semana , mer-
tcndo-se cada vez mais nç escuro de suja, com farpas, por
onde o freguez pôde tomar tabaco querendo , sem ircom-
i^iodar mais q-ue òs dedos ^ que por ella mette , alémdehum^
sabjlo .^pbepto , e, duas-, navalhas.: de trcs roísaduras a cada ca-
la ç/jlo,; (D r,aí. que. çiegpçio .pôde íazer. este b^^m Mesirei E.
( 6 )
que razao terá para se queixar da fortuna ? Se o dinheiro
das pinturas se empregasse ena meia dúzia da toalhas, eraais
aprestes para distinguir o asseio de hum freguez polido , do
iramundo Carvoeiro, ou Moço de servir, nio concorrerião
todos a ajuda lio ? Prop5e-se o Mestre Cabelleireiro a adqui-
rir freguezia, aqui o temos metriJo era hum palmo de casa ,
affogando tudo em poz , arrumando ao vestido novo do fre-
guez hum penteador já voltado sete vezes, com o qual fica
o vestido de ponto em branco, sem se lembrar este bom Ca-
belleireiro , que devia ter outro quarto guarnecido de assea-
dos penteadores, donde ninguém temesse enxovalhar-se, boas
escovas novas, casa varrida, chrystalino espelho, para que
assim mettesse apetite ir cada hum arrumar o seu cabello ,
nttrahido de tao bom asseio. Povoou-se Lisboa de Casas de
Pasto , querendo todas ser Isidro no nome ; porém no mais
sem fartura , e sem delicadeza. Temos hum letreiro á porta
com o titulo de tudo bom, entra-se dentro, o servente raet-
te nojo , e mette a unha crescida , e negra no molho que
conduz, alémdea metter igualmente na bolça do hospedado ,
a toalha parece de chita, e da mais grosseira , os pratos já
pelo uso tem o debrum, que a Fabrica lhe não poz, a co-
lher , o garfo , a faca tudo he passado pela caldeira , ondô
tudo o mais se lava, o azeite he de saibo, o vinagre he tur-
vo , as galhetas sao porcas, o queijo he sebo, a fruta, ou
hc dura de verde , ou he molle de podre, o comer he hum
mixto que custa a distinguir , a carne sabe a peixe, o peixe
s.ibe a carne, de sorte que se figura que tudo se coseo junto.
Oh paladares valentes! que com tudo envestcm , para dize-
rem no fim , assente Id ! Porém que fructos nlo tiraria hu-
ma casa asseada , com boa ordem , sem dispender mais cora
o asseio , que o que dispende com a porcaria. Meus alican-
tineiroj da vida nao he esse o modo de chamar o povo aos
interesses particulares das vossas traças, e assentemos que fa-
ma sem obras he barco sem leme.
Receitando-se hum purgante a certo doente, pegou no
remédio , e guardou-o , sem o querer tomar por mais que
o Cirurgião íhe instavi que se dispuzesse a isso , até que
(7 5
o cnferrao lhe declarou o seu systcma , c disse : Senhor L/.
cerciado y como úinda espero que zcnha temjo , em que este
purgante se não approve ^ quero^me jd^rexehir emo tuíoto"
mar. ReSponcieo-lhe o Cirurgião; hui ^ Senhor^ f<isy\nu
duvida du n:eu curatiio} Disse-lheo enfcriro, dtiiido , sim
setíhor ^ assim como Vv» mm, outros duxidãodocuratho àa^
quflles ^ que erão tidos for grandes hvmens nesta matert a ^
e fufido^me em que algum dia uegarãd ao malignado Ivma
sede d'*agoa y hoje quanta o enfermo possa heíer^ p: ohi-'
biào-se laranjas d noite hoje mandão que se ccwa a toda a
hora. Um cima da lagosta ^ camarão^ [epino , melancia y
e ovos mandavão fugir d^agoa^ como o demo da Cruz, hc^
je applicu' se-lhe agoa , e mais agoa» Os banhos sempre fo-
rào de agoa morna , hoje so se querem d'*agcíifria ; algum
diã sangrava-se multo , hoje não se sangra ninguém ; nes»
tes termos meu amigo ^ como o curativo vai por modas ^ a*
qui conservarei o purgante até vêr em que ellns pdrão.
Perguntarão a hum bêbado de que qualidade de vinho
gostava mais , respondeo elle , o vinho do Forto he bom^ Cha»
musca , Barra d Barra , Madeira são excellentes , mas cd
fura mim não ha vinho como he o alheio,
Disserao certas Senhoras cm huma corrpanhia que era
mal empregado terem todos os homens alguns defeitos, ao
que hum delies respondeo, nós outros temos milhares^ e
milhares delies ^ mas igualmente não levamos a bem ^ que as
Senhoras tenbão só d^is^ que todos lhe encontroo ^ que são:
nem fazerem nada que preste , nem dizerem cousa que boa
seja.
Dizia o nosso Velho que o Jogador , e o Contraban-
dista ^ devião emendar-se para sempre, e mudar de vida,
logo que estivessem de ganho, porque serião tolos se dei-
xassem perder em huma hora , quanto a fortuna lhe dco em
muitos dias.
Dizia o nosso Velho, que só de seis cousas se ò,qv\^
a mulher fazer senhora, da agulha y do fogareiro^ da pd ^
da vassoira , do fuzo , e da roc^,
Di/ia o nosso Velho, que todo o homem avnrcnroqner
viver pobre para morrer rico; e como pode ser lom p^ra
amigo dos outros , se he hum inimigo de si mesmo ?
C8-)
Cefta Coztnhstra aniante do Moço do Foeta psãh-Ihe
^'Wm o maior empenho^ que lhe cantasse tile coma principiou
àfaZfr Imersos, e por onde akançou aqueila prenda \ a$
que e! Is satisfez, contanio-lhe esta historia no seguinte
SONETO.
••' Era Iiuma vez lium dia: ú\w , bem digo,
Chovia por signal; V3Í se nao quando,
'pLiz;iBe n'U'míívro velho folheando, .
Li = Jains »versos ,• que -se$npre andão^ comigo :
Sc Kl z(?r outro tanto inda comsigo ,
Ciíeio 'de gosto, disse, erttao saltando;
Mas ah ! que estou as quadras acabando,
Nos tercetos verei ;se" o-conto ?igo :
Ora espera, Menina, eu te promcrto
-tv De trazer esta historia bera sabida ,
Sein pôr para a contar ol lios no tecto:
Tem paciência, se ficas consumida ,
(^íe já agora no resto do Soneto
Não me cabe huma historia táo comprida;
AVISOS.
Sahio á luz hoje este E)lòeto ^ rcst^ qu2 pela falta de
<ro.mpra nno venha a ficar ás escuras.
Avisa-se a todas as pessoas que vao tornar banhos ao
ni:ir , que para o anno que vem devem tomar o seu banho,
estando sempre com as cabeças debaixo d'agoa , porque cora
-eihis de fora parecem humas bolas, c incommodão as carrei-
ras de Belém a desviarem-se delias. Igualmente se lhes an-
iiuncia que íás portas do mar se vendem iiuns vidrinhos de
jicor d^alho, que corrobora muito o estômago, tomando-se
hum gole, quando se sahe d*agoa.
Todo o Pai de família, que se quizer livrar de com-
prar nas Feiras zabumhíis para o seu pequeno, antes dei. ir
a ellas tMn sua casa cómmodatricnte, seai lhe custar vintenr,
com huma xibatinha^ Trcibiimha nelle.-
Qiiem quizer ter em sua casa espirros bons sem depen-
dência iie que outrem o faça espirrar, use de scvadilha em
lu?ar de tabaco, e alljviírá nuíito da cabeça.
í:^--^,
LISBOA, NA Oí^iTC; i:)tí JlF. M. DlEtiAMPoS, 1819.
Lom licença da Meza do Desembargo do Baço,
M
ALMQCllEVE DE PETAS.
PARTE LXXXÍII,
Bairro Jlto 14 ck Novembro.
Udou-ce estes seis mezes huoi sugcito para este Bai-
ro , chamado Sinomlm Faz, mcndts por alcunha , o qual
falia huma linguagem, que nem o Diabo o poderá entender ,
ao mesmo passo que presume de muito sábio, e de manejar
a lingoa perfeitamente, substituindo ás palavras os sinóni-
mos. Hontem d noite descorapoz de rústico , e de ignoran-
te lium seu crejdo , porque o não enicndeo, quando lhe dis-
se , boje q litro andar lic bah/tc^fao quadrúpede ^ jitmtZUy
Ison , aquclla agora na mesma , que espara jrtJ. Orn va-
mos á interpretação, que o ncsso Taful da lingoa deo a
asta nigromancia. Ihje quero andar et habitaçãv quadru-
p(de ^ quer dizer quero andar de caz^cão^ porque caza he
o mesmo que habitação ^ e cão o mesmo que ajiadrupech\
Frimezay Ison aquclla agora na mesma ^ quer áricrjcíba
aquella janella : firmeza he o mesmo que fé , e Iscn , o
mesmo que chi , logo ávi fecha : ágcra he o mesmo que jV/,
e na mesma o mesmo que nella , togo faz jarelia : que es*
para frio quer dizer que está frio j porque pára he o mes*
83
mo que ta^ logo espara áiz erta y vindo a dizer to^^a esta;
perlcnga, hoje quero andar de Cãzncão ^ fecha aqueUa ja-
ndía , que está frio. Muitos dos seus aírúgos vímh de longe
lomar a sua casa barrigadinhas de riso com esta jingoagem ,
que elle cora todí a seriedade julga perfeita. jPs rme^^'. nun»
ca chama senão despido aproxtm :sie ^ dizendo q-.ie dei j ido
he o mesmo que «/i, e aproximaste lie o, mesmo que vefis^
Jio canapé nunca chama senão ouço arbusto pc-ta ; porque
€ana he ham arbusto ouço ^ e pé he o niesn o que/>/rf^. Fi-
ca-se esperando até á Lua que vem que mude de lingoagem ;
que senão mudar , sahifá despachado para Lente de lingoa
Portugueza, dando-se-Ine casas, e ração gratuita , em quanta
utiver, no Hospital Real.
Bairro de Andaluz 9 de l>Iovemlro.
Hum Doutor jubilado em gaiunices, graduado na fa-
culdade de surripia ^ entrou ha tempos em huma Estalagem
desta Corte, e disse ao Patrão, que queria ajustar quanto
lhe havia de levar por jantar, cêa , e cama todos os dias,
aitendendo a que elle vinha demorar-se muito em Lisboa : a-
justáráo a seiscentos reis por cada dia, o que elle pagou lo-
go adiantado por huma semana; em quanto o Patrso foi para
dentro , entrou a metter-se de gorra com a Patroa , e a con-
rar-lhe a sua vida, dizendo que tinha ajustado hum Oílicio
por dez mil cruzados, de que dcia dois á conta , e o dono
cielle o vendera depois a ouiro, e assim que elle queria ficar
com o Officio , dando os oito, pois devia prevôicc.r por ter
ji dado principio ao pagamento, que vinha accusar o ven-
dedor , e ficar com o OflTcio \ para o que trazia prompios y
e contados os ditos oito mii cruzados. Em quanto a Estala-
jadeira lamentava as trafícancias do Mundo , lhe rogou elle-
quizesse ella tomar entrega do referido dinheiro , e que o fe-
chasse bem em alguma parte, porqu^e temia lho roubassem
do quarto. Nisto foi buscar hum caixoiinho fechado com dois
cadeados, e quatro fechaduras, e deo-lho a guardar: a mu»
íher assim o fez, e raetteo o caixote dentro de hum caixão,
que estava em huma casa, de que ella só linha a chave: a
boa da mulher logo foi passar ao marido que o hospede \\\Q'
linha dado a guardar oito mil cr.uzadoá , o que fezconaque:
o Estalajadeiro nunca mais lhe pedisse contas, cm trcs ftiezes
qve .0 traficante lhe esteve cm casa, o qual sahia por ccsíu-
me todos. OS'; lèJa'^ ; vinha ao jantar ,•€ depois tcrnava , e vi-
nha á noite,! aíFectando de grandes dependências. Hum dia
soube que a Pairoa hia dálii cinco legoas visitar h-urr a Irtpã ,
que se rinha cazado, esperou que elia sahisse, e huma hora
depois foi todo azafaraado á Estalagem perguntar peia mu*
Jher, dizendo, que queria tirar seiscentos mil réis do seu di-
nheiro, para remir hura amigo j a quem taziao huma penho-
ra, e este lhe vendia humas casas per aquella mesma quan-
tia, que valiuo hum -çènt-o de féis , e que assim de hum dia
para outro ganhava elle quatrocentos mil réis; o Patríío dis-
se lhe que siw mulher tinha sahido,e levado as chaves: ellc
-então coitio do i<i^« , escumando , rogando pragas, e lamentan-
do a sua desgraça, pedio ao pairão que se arrombasse a por-
ta da cas^,, e o caixão; porque não era só pelos quatrocen-
tos mil réis, .que ganhava, tr.as lambem por valer ao seu a-
migo ; o Estalajadeiro lhe disse que elle nno abria a porta,
Jieni arrombava o caixão, pcrque como eslava ió em casa,
nao linha tempo para estar guardando o que lá havia den«
tro , fícarhdo a porra escancarada, e que mais facil lhe era
^ emprestar .eile os seiscentos m.il réis, do que fazer tal: O
^ fíHHtgòM Larapio, que não desejava outra eclusa , ainda lhe fez
cara, e .o bom do homem ainda foi pedir duzentos mil réis
-emprestados para lho satisfazer ; com cuja conta o salafrário
§'P)íoi sa!tand(> , jivostrando muito gosto çm servir o seu aroi-
4gO» e : promettendo humas luvas ao Estalajadeiro pelo favcr-
jA'; noite veio a Patroa, a quem. o n>arido contou ocaso:
eliavioda se; agoniou de só naqiiella cccasião IhCiSer preçiiO
p dinheiro ; porém puzerao-se á espera delíc, que nnquella
oioiíe não appareceo , o que não deo maior cuidado por jul-
^âreip ,eetaF,conV o.amigp :, .ixias passará o-» se oito dias, e na-
da de novo; o homem com o seu dinheiro eriípatado; o tal,
a quem tinha pedido os duzentos, a spcitallo por ellos ; en-
o julgando, que-.reria si^ccedido alguma cousa ao hospede,
andou chívmar Escrivão, e diante de testen unhas foi abrir
caixiio, quando em lugar de dinheiro aLlião cascalho : jul-
guem que tal ficaria o amigo tendo ainda €ni sinia ce pagar
-a diligencia.
C4)
Indo o Moço do Alnv^creve a dar de beber ao Caval-
Hnho ao Chafariz d'Arroios na estrada c]ue vem da Aitieixo-
cira entr^ o Arco da Cruz da Pedra, e a Ponte de Alcânta-
ra , mesmo á es.]uina do Convenro do Bom Successo achou
no chão huma Carta fcxada , e inferio, o que na verdade foi
que cahio da algibeira a hum passageiro, pois que até trazia
números no sobescripto em que mostrava a demora de ires
Correios; e como a curiosidade o incitasse, abrio-a , e a-
chou-se com as seguintes regras.
Copia da Carta dita.
Senhor Agosi inhg Empulheta de Azevedo -z^ O Correio
passado recebi huma sua, em que V. m. me mandava pedir
informação de Alexandre fiteira , que intentava casar nessa
Corte. Neste ponto só posso dizer a V. m. que he hum- ra-
paz bem procedido , e que anda arrebentando pelas ilhargas
por casar, he sujeito a frieiras, e masca tabaco de fumo.
No que foca á qualidade, he íilho nem legitimo, nem bas-
tardo, e em qu?nto a teres tem a cabeça a razão de juros,
t diàSiS capellas nos olhos: não se lhe encontra vicio algum,
ique o arruine, bel?e tudo quanto o mandarem, menos viíiho,
iixão he jogador, e se se diverte alguma vez, he á bilharda
com quatro amigos sinceros: dizem que tem duas mortes que
fizera este Nãtal passado, porém já se não falia nisso: logo
no principio por estes crimes esteve ern lermos de ir pela
Barra fora cora hum pesa^iello que leve de noite. Elle conta
já trinta e dois annos bem calejados ; faz seu versinho , mas
devagar. He quanto posso dizer â seu respeito ; informe V; rr^
a Senhora de tudo, para que saiba o que leva, ^ se não
queixe de nós; descolpe-mc o serrão coní^-so . e conheça que
«empre serei =: Maior Amigo, e menor Criador "^trmymo
José Mendes Couraça, t=
Rua da Gloria i^ -dê Novrmhro.
He certo que o limitado talento dos homens jamais^
pôde investigar os arcanos da natureza : todos os dia? succe-
dem fenómenos, que fazem pasmar. A &efnan« passada hia
hum sujeito nesta rua para voltar huma esquina , e entrar
para hum beco, e teve hum encontro desastrado ; porque este-
sujeito com quem a natureza zonibru quando o formcu tinlia
hum senhor nariz, que he vergonha ch^msr-ihe per tu; l.e
cio feitio da bigorna de hum Fenaccr, cem o seu cavalete
em siira ; qusndo entra em qualquer parte está prirreiro a
enrrar luriz ^ Knriz y .jiaviz y e no fim d 'hum quarto, depois
ria casa estar cheia , he que elJe entra pegado ao tal fencílo.
Aconteceo porém como hia dizendo, que este sujeito ao
voltar a tal esquina se encontrasse com outro que sicut nos
manquejava de hum olho, porém tinha o c.utro muito aber-
to, e eí^pcrtote ; ora com a violência, com que ambos volta-
rão hum para o outro succedco que a famosa penca acertas-
se no olho são do pobre zansga , que lho betou fora do seu
lugar , de sorte que ficou pegado o bugalho á ponta do tal
nariz, o qual cora o imipeio também se escalabrou , e botcu
sangue. O pobre que ficou cego entrou era altos gritos fcm
atinar no que fizesse , e o senhor do seu nariz , sumio-se
com bastante pezar do successo ; passados alguns dias, sen-
tio o narigudo huma nodinha preta na ponta do seu nariz ,
desconfiou não fosse alguma nascida , e mandou chamar Ci-
rur-gião porém este não atinando com o que seria , fcdio Jun-
ta , ao fazer desta , observarão os Peritos , que era I]um o»
ihinlTo novo que lhe hia nascendo; e instruidos do successo
antecedente , assentarão que o olho que Jhe ficou pegndo na
ponta ferida do nariz, pegou de borbulha, com baí^tan^c ra-
ridade ; e confessarão que era o mais novo enxerto q(^\ç. je
tem visto; O amigo já distingue de cores cem o nevo n-
jho , e espera enriquecer por este meio mcstrando-se ao p(^vo
por dinheiro. De Londres Já lhe ií?andárão buiCâr o retraio,
e estão vários Anatómicos tratando do crxeito dos olh< s , o
que não parece muito diííicil , visto que as bexigas lambera
pegão de borbulha.
Maximai do Felho de Romulnres conttvvaàas fianiúior
farte destes Folhetos.
Duas Irmarís sei que vivem
lím huma grai de união ;
Gémeas parece que são ,
Jamais líouve entre ellas luta^
Seus nomes porei patentes y
(6)
A língoa dos mal dizentes,
A orelha de quem a escuta.
Se vemos ci neste mundo ,
Homens por homens julgados J
A caurelâ a vi ia errante ,
Qjie íe nao possão manchar,
Para poderes julgar ,
Com honra , o leu similhante.
Ninguém se fie no tempo
Qij:í he muito roáo devedor,
E de rastos ficaria ,
D'anno a anno , dia a dia ,
Se elle fosse a pagar tudo ,
Porque fica fiador.
Três condições traz a morte ,
Ser sem remédio intallivel ;
Ser única , e ser incerta ;
Ora dos erros disperta ;
S'e te perdes na carreira ,
Nao tens cá segunda vida.
Para emendar a primeira,
Não falles mais do que deves,
Olha o conceito do mundo ,
Q^jcm muito faila, parece
Huraa vazilha sem fundo.
O tempo muda o sitio, os homens muda,
Nno intentes subir tão mal grudado;
Se o bafo vil da inveja le desgruda, ,
Vens a ficar pêor , que o amigo estado;
Aos saltos sobe a serra a leve corça ,
E mostra em despenhar-se a mesma fo'ça.
O Moço do Poeta aqui chegou muito contente com as
seguintes duas Decimas jocosas , que liie pedio huma Menina
a este
(7)
MOTE.
^olre a Vira fumegante
Araem ternos corações.
GLOSA.
Entro em casa do tonante
Cupido , e disse á Mãizinha
Asse Id esta sardinha
Sobre a Pira jumegante :
Tenha Id mão seu tratante
Me diz o Deos das Traições
7 ire dalli dois tições
Asse a sardinha cã fora ;
Forque sobre a Pira agora
Ardem ternos corações.
Ao mesmo.
Certa Cozinheira amante.
Muito doida, e nauito bella,
Poz a cozer a panella
Sobre a Pira jumegante \
Veio Aaior n'aquelle instante
E deo-lhe dois safanões ;
ISíão tem lá achas , carvões ?
Lhe diz , ora £\hde lilhaca
Aqui não se coze vacca ,
Arderti ternos cor^cÕes^
O mesmo Moço fez a seguinte advinhação, e pedio ao
Editor com todo o tmpcnho que a propuzeese ao yí/Wí't?V7.é',
e ao Moço do Retorno , para se lhe ouvirem a? asneiras
sobre a sua intelligercia \ pr.rém se houver algum Curioso
de fora, que lhe queira pôr as mãos para â desenvolver,
pegue-lhe coíd hum irapo quente.
Sou de todos 'conhecido
Desde o principio do Mundo y
li sem j4mais hir ao fundo ,
"b^o mar me unho sostido :
Mil "cez^s tenho morrido
De moléstias , qt^ decidem ;
Agora discorrão , lidem
E'ii saber quem me creou \
Irino ^ e umj ^el que sou \
Que não sou De os não duvidem,
AVISOS.
Quem perdesse hum saquinho com seis rail cruzados em
oiro, e quizer que \\\Q venhaa á mao com sua raiua , e fior ,
ponin escritos , que assim hz , quem perde alguma cousa cá
€in Lisboa; e prometia de alviçaras trezentos, ou quatrocen-
tos mil réis, e verá quantos querem restituir a dita somma
perdida , ainda sem a terem achado.
Qí^iem quizer comprar iiuma camiza nova em folha, que
tem onze varas, três de largo, e oito de comprido, cjm
bofes de viiella, e punhos de espada, a qual se íez d- propó-
sito para huma pessoa graúda, que a vende por lhe não che-
gar o tempo de so meiter nella , vá fallar com hum homem ,
que vende longueirôss aspados no pontal de Cacilhas, que
ciie mesmo de lá lhe mostrará quem a vende em Lisboa.
Pela summa carci^tia, e escacez , em que se acha a ma-
deira de bordo , os Tanoeiros desta Corte , ha tempos a esta
parte , tem sentido hum grande corte no seu Officio ; porém
na rui da horta da passigem , esrá hum Mestre Tanoeiro,
que com a iDaíor arte tem feito abundância de pipas que ven-
de com 3 mao na ilharga , e recea-se-Ihe desgosto pelo furto,
que se lhe considera j poiá a maior parte das pipas são cons-
truídas das adoellas , que íaliáo a muita geme.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9.
Com licença dz Mi^^t do D.'sembargo do P afo.
'OS. i
fo. J
ALMOCREVE DE PETA&
PARTE LXXXIV.
Chiado 25 de Ncvemlro,
Soberba do borrem fez ros paf«ados fcculcs ccnfun*
dir em B^bylonia a iraterpa lirgragím dos nossos prineiros
Pais i e a loucura do hrrrcm uw feito ro? prefCTitcs stculcs
confundir os itage? dos nosso? priíreircs Pcvcadrrcs. Eião al-
gum dia os Poriuguczcs crrht:'ci<:)cs á legoa em todas as psr-
les do Mundo por onde viyjavso , ou pr^r rnde a vcniura os
alonpava : Hoje em dia no cenfo de Lisl oa es vetros con*
fundrios Iiurs com os outros, pela sua perspectiva, íffccran-
ào mt-ios ?crtugu€ze3 ^ n.clos y-lcrfúros , wcics Ing/fzes ^
p-eios lo aços y neios Z~vgíiros ^ meies VíoUindezts ^ neíos
s^uiÇ}^ , e meies Surc s ^ e cem muiia bítvidííde es espero
vêr, no trage , múos 1 uf cor ^ meies Míilonef^tios -y pois
que ião junto de rós sndao es medeies i huns cem beras,
e ^'apat* s de unha de Gtãc-besia , euircs cem os calções,
que fazem lembrar o ditado, Cnl.i^ctíS' wann c/iJçotoS ^ elu-
do o mais que serve de compostura ao litniem , desorgani-
sado , e fora dos eixo5 , cliapéo , pcnlesdo , gravata, c^faca,
sobrecasaca, e mais iiuma albardiíiha , vestia^ e cairão 1
84
melas, e botinhas, tudo sem ordem, tudo a fogír, que nem
para se usar dão espera, desafiando de propósito o luxo , pa-
ra se arruinarem a si , ca todos í^quelles , que principiâo a
abrir os olhos da razão, como succedeo , ha oito dias ní'sre
Bairro a lium filho de hura Negociante rico , a quem a lou-
cura fez comer mal pelo seu dinheiro. Porqi^e passando o pai
pelo desgosto de lhe dizerem os seus Amigos, que seu filho
já náo merecia a pena de lhe chamarem Portuguez , mas sim
Arlequim, fez este Velho huma seria reflexão ; foi para casa,
e como pai honrado chamou o filho, e tudo que era do seu
vestuário, cortou, rasgou, esbandalhou , e fez em fanicos.
E não satisfeito, pegou em hum páo, e malhou no filho ^
como quem malha em senteio verde: Na manhãa seguinte
muito cedo baterão á porta , e forao dizer ao pai , que esla-
va alli hum sugeito , que trazia as Platónicas do menino: o
pai cui iando que era algum livro de Fysica , correo á porta ,
e vé aas mãos de hum Alfaiate huns calções com meias ^
j.íleco , e tudo pegido: então lhe di^sen: lere Senhor Mes^
ire^ isso fião hs para meu filho , qtie elle ah da não mu*
dou a pelle , porque hontem lhe cheguei a roupa ao couro.
Ao mesmo tempo appareceo o Mestre da dança , que vinha
ensaiar o menino , scguio-se logo o Cabellcireiro , e tão doi-
do fízerão o Velho todos três, que elle vendo que se não
querião hir, poz-se a gritar: d Angélica da cd hum páo ^
que query pentear ertrs trastes". Elles logo despejarão a
beco, que foi a sua felicidade; porém sabe-se pelo Velho que
elles não e^capao de alguma trabusana ; porque os Cabeças
03 Saúde do» seus Bjirros )á estão avisados para passarem
bilhete para o enterro , logo que morrão.
Carta que do Porto escreve o hum sug^iro a hum seu Amt'»
go de Lisboa , dando-lhe parte do mal que se
dava com sua mulher.
Amigo, que multo préfo, dou parte a V, m. que estou 'j
convencido de que nada ha que ensine melhor o homem , que
a experiência, e de que a paixão arrebatada he o precipício
certo do mesmo homem: Infelizmente me acho casado , por-
que invejando o Matrimonio de alguns Amigos meus, me
apaixQnei por huma mulher, sem me lembrar da desigualdade
de génios, de que se compõe este sexo. Agora vejo bem a
meu pesar, que ha mulheres que formão hum composto de
labyrintho, onde o homem se nno sabe entender , nemenien-
délas. Questionarão certos Filósofos, em que tempo a mu-
lher era boa , melhor, e óptima , e assentarão que era boa,
quando morria, melhor quando n^Of ria logo, e óptima se dei-
xava o marido rico. Também questionarão quando era má ,
pêor , e pessiaia ; e igualmente assentarão, que era má sem-
pre , pêor quando a tratavão bem , e péssima quando a tralavao
mal. Vistos estes pareceres, e analysando o que passo, con-
cluo, que poucas merecerão a excepção dcsra regra. Sc lhes
dá em serem doentes, os ais são immensos , as queixas são
eternas , as convulsões , os cslericcs , as epicondrias , tudo
anda em contínuo gyro de hora a hora , até que huroa doze
de Opera, de Quinta, ou de Assembléa tomada a miúdo,
faz serenar por huma noite aquella tormenta. Se \h^$ dá em
serem soberbas, divinizão-se nas falias, as mesuras são de
cabeça, como que se arrependem no meio delias, tudo lhe
faz hum dissabor , tudo lhes ha de render vassallagem. Pe*
gar hum botão na casaca de seu marido he hum favor , era
Cjue se falia quinze dias, dizendo-se que mal cuidava elle que
havia huma senhora pegar-lhç hum botão ; e não dercança em
quanto aquelle beneficio não he remunerado cera hum iraste
do Paquete, o qual depois de recebido bc conceituado por
huma bagatella. Se lhes dá em serem vaidosas , não querem
se não companhias , onde se façlio ver ; janella , cnJe todos
as cortejem; cumprimentos de Milofds , que de minuto a
minuto despendão hum chuveiro de lisonjas , c mais que tudo
assentando que a belleza dos 20 dura nos 60; e que a roda
do tempo parou a seu respeito. Al^i mas se esquecem do es-
tarão, que lera; dos filhos, que crino, e do respeito que de-
vem conciliar. Se'lhes dá em serem perguiçosas , a manhã leva-
se de cama, a tarde na Quinta , a lioiíe nas visitas ; as Coma-
dres são chamadas para engomarem ,* cozerem , e par? tudo o
mais preciso, que a treco de dinheiro, e outras dadivas cilas
em ar de Mágica aprompiãoiudo , snies que os logrados niari-
do5 se rccolhão, a fim de afFectarem que trabalharão muito na
sua ausência. Se lhes dá em serem golcsas , sahem liumas perfei-
tas Consei veiras , e cham.ando a isto governo , não ha doce que
não fa jão 3 nada avisiáo que não desejem , e úo peicre& de que
OS próprios filhos, quândo pasj>eiáo na Feira por lugares de
bonitos de crianças. Se lhes dá em serem enxovalhadas, cui-
dâo só nas apparencias, c todo o interior da casa lie hum nojo
continuado, os filhos immundos , a cosinha em podridão de
cousas guardadas , e nunca revistas ,. tudo sem ordem, nem a-
nianho. Se Ihss dá em serem discretas, de tudo entendem , de
tudo ídllao, e são logo Matheiíiaíicas, Filosóficas, France-
zas, e do que ínais deviao ser , náo são , pois n^o sabem ser hu-
rnas boas donas de suas casas. Em fim chorão, e fi^m juntamen-
te ^ aíFdgão , e escandalisão ; desprezão o mtsFoo que querem ,
falião muito pensando que nada fcdlão j premêão huii) fuvor com
hum precipicio; querem ser livres, e queos hon^cns stjão huns
escravos, Eis-aqui as condições da desordenada máquina de hu-
ma grande parte deste sexo. E como V. m. ire tem dado pane do
muito que tem passsado cora sua mulher, para o consolar lhe an*-
núncio também os meus desgostos. Eu não sei, nem posso des-
cobrir o meio mais favorável de qualquer homem fazer a swa esco-
lha para o santo estado do Matrimonio , porque se o homem se
agrada da mulher pela formosura , logo que ella pilhe esta
paixão , não ha agrado que lúo faça , não ha lagrimas , que não
derrame; porém apenas se casa, não ha tolice que não mos-
tre, nem desacerto que não obre. Se o homem se agrada da
mulher por discreta de lingoa , e ella pilha esta paixão, não
ha livro, que não peça para ler; a cada lance vêm huma
dissertação politica, e engraçada ; porém apenas se casa ^
não se vê neHa roais que palanfrorios, lendo de cadeira, e
toda a casa á descripção, sem arrumo, nem governo. Se o
homem se agrada da mulher porque esta tem alguma cousa
de seu, e ella lhe pilha huma tal paixão, faz-se n uiio hu-
milde, muito meiga, multo extremosa; porém apenas se
casa , quer ser fidalga , quer iraiamcnio de ostentação , lan-
çando em rosto que trouxe com que : Hum oote de 2oO(i>
réis, quer que fjssem 40 mil cruzados: Huma barraca, que
trouxe, que seja tida por hum Palácio; hum Qiiintal por
huma Oiiinta ; c desta sorte he lavada a cara do miserável
marid ) sns , e sete vezes no dia com taes infaiuaçòes.
Estas puras verdades , de que sem pejo o sexo íemcni-
GO se ri , tendo-as por petas , são o nosso fiagello , e de
imtnensos indivíduos, que se calão, por não agravarem mai»
as SU35 feridss ; e nós tanibein í^ssim fareircs , visto que a
nossa cnferijúdade já não lem cura.
Amigo e conpanheiro nos Iratail.os
( Aíftgvado ) Víctorino Aniceto Zagal dt Sousa.
A resposta desta Carta foi escrita por hurra senhora
Esposa do Correspondente acima , que pilhandc-a ás n ãos
intentou despicar valoTOsamente o seu ?exo , pondo nas bo-
xexinhas dos homens o feito , e o por fazer: ficasse copian-
do no Folheto da semana que vem para igualmente chegar á
noticia de todos.
1
O Editor da presente collecçao , tendo noticia de I u-
ma resposta em defeza do Café Jotoio , contra o Ala ocreve
das Peras, Jhe oíFerece este brazeiro para dar huma fervura
ao referido Cate,
Menino chore-o na cama;
Respostas taes não ccmponha ,
Por mais enfeites , que ponha ,
Não faz mais formosa a Dama :
Deixe»se, por caridade.
De proseguir nâ contenda ,
Calle o bico, e não pertenda ,
Em petas achar verdadç :
Follieios de brincadeira,
Esiiilo pedem corrente,
Não são papeis, onde a gente,
Se ponha a lêr de cadeira :
De hum Alfdate dizião ,
Quando \\\Q davão matracas.
Que se ralhava casacas,
Carapbças lhe sahiáo:
De igual mo.^o fm mortas cores,
Qiiiz imitallo vosso;
Pois dcFendcn'0 o C/?/y,
Vem insultar us Leitores:
( 6 )
Se a graça na penna sua ,
Sempre esrá , coitada em férias,
Em composições mais sérias ,
Melhor lie que nos instrua:
Se cuida que graça tem ,
Para algum lucro tirar,
Vai perdido, ha de ficar
Toda a vida sem vintém:
Já muira gente, não leiga,
Aífírma que inda ha de vêr-se,
Café jocoso a vender-se,
Para se embrulhar manteiga :
Hum que a méia melhor toca ,
Vendo-lhe o gasto moroso,
Diz, que ha de o Café Jocoso
Vir a ser Café da Moca j
Outro que experiência tem
De muitos casos antigos,
Diz que andará, como os figos i
A ires dúzias hum vintém :
Huma obra sem enfeite,
r Posta a três vinténs, escalía,
Onde não ha huma falia ,
Que nos instrua , ou deleite!
Eu ii-a a humas visinhas , . .
Que não poderão sofFrê-la ,
Pois quantos fallavão nella
Parecião Tarquitinhas . . , (*)
Porém olhe Amigo , attenda ,
Hum remédio lhe vou dar,
Para o Café se. gasta r ,
Inda que he fraca fazenda :
Na Turquia ha muita gente,
E isto lá faz novidade,
Mandando-se quantidade.
Vem em dinheiro corrente ;
Alli serão bem aceitos
Oá Folhetos do Café ,
^') Tarquiunhi luicn dos íivu-rões mais appfovados , t^ue repre^ciiu
na referida Obra do Café Jocoso.
. (rf
Que aquella gente lê, lê,
Sem Ilie descobrir defeitos :
Se vir , que o contracto enfia ;
E c]ue os Folhetos se passão ,
Té pode pedir , que o faqão
Escriptor para a Turquia :
Em fira meu Author querido ,
Que eu com quem fallo , não sei ,
Infinito estimarei ,
Que lhe facão bom partido :
E já que cahio na asneira,
De tão sério responder ,
Querendo-se defender,
Cora tamanha frioleira :
Observando o quanto estima ,
O fallar por termo escuro.
Que se entenda-lo procuro ,
Em tudo lhe acho hum Enigma,
Como os engenhos agudos ,
Brilhão mais postos na acção ;
Tem agora occasião ,
De mostrar os seus estudos:
Pois quo de cançar-se gosta ,
Este Fnigma , se lhe expõe,
Branco be , galinha o põe :
Dou-lhe hum mez para a resposta.
AVISOS.
Quem qu ízer mãhazia engarrafada, e da irelhor nua-
l'dade a toitao a cansda , dirija-se ás Barracas , que estão
na Pi aça do Co.n mercio no Cães da área , porque ai li en>
cima do balcão de manhã, de tarde, e á noiíe apenas huma
garrafa he mrJvazia ^ já se manda vir outra chea.
Vende-se hurn relógio do Sol , de figura cubica, com
sua moldura á Goda , e nella entalhada a r(gra do ,^, /;,r,
por onde os meninos poc'eni estudar , c apierder*a solefrar
o Fn^g':a do A ,, Arvore ;,,"£? ,, Bc.^ta „ C,, Ce^ta ,, />„
Dado &c. Este relógio he "íxcellcncc para ornar huma salla
nobre , pelo bom gosto de seu desenho , pois fói feito de
propósito p^ra parede de edifício grânie: Regula tanibem
de noife á luz de huma véli.i aceza; porque o ponteiro vai
ptT si mesmo fazer sombra sobre as hotas era que dá : O
sea Àutlior foi o discípulo do Lunario perpetuo ^ que fez
hum rjlogio da agoa do i£iiori[, que alborcou por hum cão
d'ãg >a : (j^j^m se dispuzer a coraprallo , procure o para en-
trar em prego.
O Cavalbrira Podim ^ que tem viajado por toda a Eu-
ropa , chegou y ha quinze dias, a Lisboa , e foi desça nçar
á casa de Pasto do Isidro , por achar nella hum tracto civil \
alli tem sidi» procurado de muitos indivíduos Nacionaes, e
Estrangeiros, que o prezao ; dos quaes rem recebido obsé-
quios dignos do seu merecimento: Elle he completo, een-
ire o todo, que forma as suas qualidades , di$iingue«se de
tudo o miis, no suave paladar da sua conversa, faTa gram*
maricalmente na lint^oa Inglez^i , Alemãa ^ HespaJíhoh , A-
rabie ã , Grega , e Portugueza , e ainda era todas as mais
adjacentes , ás vezes com tanta velocidade , que parece que
falia pelos cotovelos ; e como nesta Corte ha pessoas que de-
sejao gostar as lingoas Estrangeiras, parece que não poderão
tfr melhor occasião , que esta. Elle he bello para sociedade,
maganão de bom gosto, sabe bera, nno tem nada, que se
lhe deite fora, e se compromctte a agradar a grandes, e pe-
quenos , por meio de hum instrumento , a que chamão cruza-
do novo. As pessoas, que quizerem utilizar-se de quanto elle
ssbe , vão procurallo á dirá casa; e quem não souber onde he,
pergunte que quem tem boca vai a Ronja. Adverte que tam-'
bera ensina por casas a oito tostões c^da li<^ão.
A advinhação do Folheto aníecedenre, que principia
Sou de todos conhecido^ vem a ser aquella letra que esta a
diante do L, e antes do N" , que Vv. mm. todos acharão na
regra do // , ^ , r , se he que não sahio para fora , c quando
nao a bncqntreaí , perguntem por cila a algum Mestre de
Meninos , que «file a descobrirá.
LISBOA. NA OFFíC. DS J. F. M. DE CAMPOS.
Com licença da Mt^a do Desembargo do Paço.
ALMOCREVE DE PETAa
PARTE LXXXV.
Respf^fta que ciã huma Senhora d Carta que se publicou no
V olhe tf) passado , desaggravando o seu sexo.
ílJ Enhor Victorino Aniceto Z/tgardè Sousa*. Adindo á rai-
nha mao a sua lastimosa Carta, e sendo para ncs outras tão
sensível o vermos que quasi todos os homens' atirão aô nosso
sexo, increpando-nos de defeitos, de que muitas ve^es os
homens são morivo , passo em nome de todas a advogar nes-
ta causa pela melhor forma de direito, fazendo ver que o nos-
so sexo tem assaz toda a razão para mostrar aos olhos do
Mundo, e da verdade os hon>ens , por suas culpas , repre-
sentados na mais triste figura. E se cumprir. '
Prosará que os homens são huns inquietadores de nds
outras, pois ainda não consta que huma só se tirasse de sua
casa para hir buscar hum homem, com quem caze , antes
elles valendo-se das assembiéas, das funções piíblicas , dos
passeios, das introducçócs nas casas de cada huma ; bum
porque canta , o outro pgrque laca, este porque >ílança, a'-*
( 1)
queilc porqujp faz versos i:e puitos porque são d'âquem e
d'aÍéíM, Morgados disto, e d^aquilio, aié, com bem magoa
minha o digo, se valem dos lugares nijis^sagrados, somente
para o fim de in^qtâerar-nos. - . .. V
Provará que as moléstias sempre for^lo pensão da liu«
manidade , e que a mulher doente por mais eiifertra que es-
teja , não perde da lemtrança o governo da sua casa , pre-
venindo , como pôde, as cousas, que lhe pertencem; eque
eljes liomens não sendo feitos de differenle massa , são sojei*
tos a imm.ensos ach?ques , dando no curativo deiies muito
mais que fazer, que huma mulher, porque o homem com
qualquer dor de cabeça logo perde o ai^iiro , e deseja metter
em casa quantos Médicos ha , e quantas Boticas tem Lisboa ,
julga ndo-se ás portas da morte para o padecimento da moies-
lia , e nada pára a emenda dá desordenada vida.
Provara que elles são huns soberbos , que se levantão
com p santo , e com a esmola , pois destroindo quanto a fa-
vorecida mulher trouxe , deixão-se a si , e a roda a familia
pedindo huraa esmola, e conservando apenas os fumos da a-
bundancia , que já liverio •, fazem da mulher huma escrava,
onde a necessidade augmenta o ódio, e fulmina o seu máo
comportamento, pensando que isto de receber huma mulher,
,iie o mesmo que alugar humas casas, ú'ende se muda , quan-
do se não da bem.
Provara que a vaidade nasceo nos homens, pois* já
do primeiro foi a perdição a vaidade de querer saber por meio
áo pomo, quanto sabe oincomprehensivel Ente, que ocrcá-
la ; Elles se abalanção aos maiores excessos. O solteiro por
vaidade julga que todas lhe querem bem, trazendo enganadas
4^2, e vinte ao mesmo tempos e he certo que se humas
soubessem das outras , nenhuma mulher he tão soíFrcdora , e
insensata , que proscguisse na sua paixão ; e he igualmente
certo que ellçs na confusão deste labyriniho, nem se canção
€m fazer escolha: Inquieião a velha, a rapariga, a ama, a
creada para brazão da sua grande lista, e bazofia. O viuvo
gabando muito a primeira , chorando por ella , anda palpan-
do onde acha maior somma para se conchegar; tom a vai-
<lade de ficar melhor, que da primeira vez. O velho coro
«mufiiasmo de rapaz he hum baboso ccntinurdo, ^ssenfanc^o
cçmsigo liQ íundo do seu corajão, que ha deser huniNcstor ^
na prçservsção; nSo se poupando a; divertimento algum ; «
certamente não ha para as Madamas hum papel de tanto gos-
to, como o vêf hum Gmja namorado.
Provará que ha homens de perguiça , e tao poltrões:,
que aferrados á ociosidade, fairão até aos deveres dos seus
officios: hum não salie hoje ,v porque chove; outro não sahe
porque faz calma , e muitos até deixão de comer algumas ve-
zes, pelo não agencearem a tempo, cuja perguiça os põe era
inacção tal, que a me>ma casa , ifrfi que haéitão solteiros,
he hum chiqueiro, onde então melhor se mostra a falta da^-
quelle pique, e aninho feminil para o asseio. - > .
Frovard que são tão golotões , e appetitosos , que fa*-
zendo gasto diário na. sua císa , andão pelas de pasto i poi?-
que ha bifesteques ^ viteUas de leite y podins , guizadinhoT
fomentadores d^^ boas feições , chegando os individos ao pon-
to , até de se recolherem bêbados para suas casas , onde nós
outras vivemos sacrificadas a ouvir os gritos, a vêr os mãos
modos , como victiraas da bebedeira para que não concorremos.
Provará que são tao enjcovalhados , que de contínuo
fazem andar a triste familia sempre de ferro na mão ; porque
a camisa engomada apenas serve huma vez, o colete, o cal-
ção, são os estragadores de quanta greda ha ; e quat^to maiis
se lhes manifestaria este defeito j: senos , as pobres mulhe*"
res os desamparássemos !
Provará que os homens a titulo de discretos , trope-
ção a cada passo, cobrindo tudo com a fama que adquiri-
rão \ observando-se, porém , no particular , que os prezados
de mais sábios são os que fazem asneiras aos montes ^ e taçs'
que o mais rude, e grosseiro nã,o cahe nellas. ■
Provará que, passando ao fingimento de que somos
accusadàs , elles homens são muito mais fingidos; em quanto
amantes são huns alfenis , era quanto casados h uns tigres., ech
quanto pobres huns servos humildes , em quanto ricos huns
Neros tyrannosi clles na dependência tem lagrimas nos olhos,
mel nos beiços , e fel no coração ; ellcs nos seus projectos
são Como bandeirinha de torre , como navio nas ondas , como
Si>l de Inverno; e finalmente huma, e muitas vezes Provará
o noàso sexo, em defeza própria, com a verdade sabida ^
que o homem he huma Camera optiça , onde com agradáveis
côíes se mostrão os vicios , e as virtudes , em continuada
confusão; e ou sé componhao nesta idémianda > refreando a
Jingoa;; a nosso respeito , ou acharás emmiítilnmVa^ 'Advo-
gada , que lhes faça com ajustadas raz6es, mais iiíimoriaes
no Th ea iro do Mundo as suas desenvolruras.
.àií. Ci^ntmusçãa dos conceitos achados ao nosso Velho
-íiv ^.:if i^T]:'"^ -";íí'.o de Romulares.
m» ';'■:■ '4 s^^í
^ '"«:';': Dizia o nosso Velho, que bastava huma garrafa de
3goa;, para manchar huma garrafa de tinta, mas que para
a fazer outra vez boa, n^ao tinha forqas huraa pipadeagoa';
^ue da mesma sorte bastava hum homem niáo , para iníicio-
-nar huma sociedade de bons, mas que para os fazer outra
■sf èz bons não tinhãó forças hum cento de máos.
^n . DÍ2Ía o nosso Velho que tanto traball>o tem o pobre
?<to procurxir pelos bons o que lhe falta , quanto trabalho tem
íO rico em guardar dos ladroes o que lhe sobra.
Dizia o nosso Velho , que toda a mulher de bem sen*
tç roais huma oíFensa que se lhe faz, do que estima huma
fineza que se lhe diz.
Dizia o nosso Velho, que nos trabalhos do mundo, e
nas enfermidades do corpo , todos ^receitao para os outros,
.e nenhum se sabe curar a si*
Dizia o nosso Velho, que o homem he escravo do que
falia , e senhor do que calla.
Dizia o nosso Velho, que nas guerras civis, maispe*-
JejaQ os homens pela opmião, que lomâo, que pela razão
ique tem.
Dizia o nosso Velho, que o homem que dá, compra
a liberdade; e o que recebe vende a que tem.
Dizia o nosso Velho , que o sábio tem a lingoa no
corajão, e o toilo o coração na lingoa.
Receita para os Amantes*
Dez onqas , ic reflexão^ Wijture, e ponha a coier,
<5uatro oitavas, ác indiferença ^ Que lhe fiquc; era tetça parte.
Seis grãos, de temor eteoffença^ E deixe esfriar com arie , .
Dní* molhos , </e ingratidão: Ate que possa beber;
Três quartns , de occupução , Se isfo bem llie não firer
Hum punhado, de riv«l; A Wcciícoa não cohviilç ;
Sinco dores, àe alegam wal Em se curar tnaí*. não lide ^
Para entieter as idcas, Ouifornie-se nos peiares ;
Com sete xavcnas chcas Toine banhos, mude d« are» ,
Dí conversação eom Sol, E viva com a pevkic.
Estahgem Jo Jrco tfo Cíiet de Santarém.
O appararo da bandaíhrce cm todas as épocas tem feifo
que os homens sérios , grifos, ou perluxos desdeniiem no
principio da estravagancia das modas, adoptando-as , porém
depois, insensivelmente as defendem á ponta da espada j lie
por esta razão que não admira, que bolonios, e calouros te-
iihão tantas demasiadas. Era pelos fins de Agosto quando em
Lisboa se apresentou hum basofía a titulo de Morgado , que
em duas palhetadas ficou formado na faculdade de TafuL Os
sabixócs da Corte que lhe conhecerão hum animo pródigo
cora ensanchas por onde se alargar, receberão este m.enino,
como huma dádiva da fortuna, e sem jamais o largarem ,
lhe oíFerecérão os langarás da tafularia, ministrando-lhe no
mesmo oíFerecimento morte á bolça com estocada de punho,
só porque elle fosse nas funções quem pagasse o pato ; esera
conhecer a malicia, de dia, e de noite foi logo visto, já
na sege, já no cavallo, já na Opera, já na Assembléa , já
no Isidro, já no Nicola, já na cerveja^, já nos licores, e já
na neve, bebida esta que lhe foi estranha, apesar de eMe ser
do monte. A primeira vez que a bebeo foi tão asalvajada-
mente , que vindo-lhe as lagrimas aos olhos, julgou-a quen-
te, e que se tinha escaldado; e para beber o resto entrou a
asoprar nella. No dia seguinte contou este successo a hum
seu maior amigo, que não era menos do que o Pai Pai da
neve, exaggerando-lhe tanto o gosto daquella bebida, que
nunca se fartaria de neve. Ora como os géneros quanto mais
se gastão, mais encarecem, tratou o talanigo, temendo vir
a sentir alguma falta delia , de o desvanecer , dizendo-Iheque
sempre ^que a bebesse havia de sentir o mesmo assalto, pois
so o não sentião os que não tinhão dentes : a isto respon^
deo logo o calouro, pois vou já daqui tirar os dentes to-
dos, por ter á manhãa o gosto de beber huma ponxeira de
neve, projecto, que não admira aos que pensão, quando
vemos qtie^ ha homens de 6o annos , que largao a cabellci-
ra , e deixao crescer p cabello para se pentearem á mar*
( 6 )
rafa, « qoe outros sem moléstia alguma andão ligados cora
suspensórios , ou tirantes, só para que o cíilção platino nao
faça hum a só ruga. Finalmente o nosso Morgado carcuro já
disse que como em Portugal não ha toda aquella porção de
neve, que ejle está resoluto a beber, que no primeiro Paque-
te, que daqui partir, vai para Inglaterra, para de lá se pas-
sar á Noruega , só por ter o gosto de escrever aos seus amif
gos, mandando-lhe dizer que está na neve.
Dissertação do nosso amigo applicaào a experiências
económicas.
Jamais descançáráo os bons engenhos de fazerem de?co«
"bertas úteis para o trafico da vida , e multidão das modas do
itempo. Que rara invenção não he possuir huma casa adorna-
rda de trastes preciosos sempre em folha, conservando-se ao
mesmo tempo a família delia com abundância de vestidos da
moda de varias sedas, cambraias, e caças de diversos feitios ,
tdando-se jantares, e cêas com algum estrondo , mostrando-se
ijíor es.te modo ao público grandeza na casa , fartura na meza,
ife asseio nas pessoas! isto no tempo de hoje he facílimo , raro,
% da maior estimação pela mesma escacez , em que vemos os
iempos. He pois o raethodo o seguinte. A casa que fizer
*^oo<i) réis de renda, quando lhe chegar esta rcdempçâo , es-
colha nos Marceneiros de Lisboa os trastes de melhor gosto,
-reforme a familia de vestidos da ultima moda, convide com-
|)ânhia , a quem nos «primeiros 15* dias dê dois jantares, c
cêas com delicadeza ,.e fartura ; de sorte que feita a conta
iao que se cobrou, fique ainda a casa alcançada em alguns
restos. Mostrada que seja esta grandeza , passe-se alguns d ias
ao jantar com foi*sura com arroz, e torradas á noite i epara
•F:e supprir ao mais gasto diário, chame-se a familia a huma
'brev<; conferencia , em que se façao sortes para qual do ran-
cho ha de primeiro dar o seu vestido á venda ; hoje por
-exemplo cahio a triste sorte na Prima D* 'Julta^ á raa-
flhãa cahe na Mana D* Yelicia , correndo por este modo a
troda j díiado que fazer ás Adellas, vendendo-se por 4 o que
custou 2,Oíàté ticar a familia toda em jaquetas ; depois saU
-te-ie no ornato da casa , e por terceiras pessoas se facão três ,
«M qitarro stífts dos trastes deliam e. logo que de novo che^
•(■7)
gtie a renda, repita-se ^scena 'das mesmas córnpra? , fiçao-se
os mesmos banquetes; e aqui temos a casa com boa faxa na
apparencia , ainia que cravadinha de enfermidades no parti-
cular; porque quem vem atraz, fechará a porta, que esta
he a conta da presente Tafularia.
Falia que fez o Almocreve ao Editor s^u Ano^ ces»
peciitido-se de o servir.
Senhor Editor, tem V. m. daqui a três; semanas com-f
pletado esta obra ao número promettido de 88 Folhetos;,
e dou-lhe a infeliz noticia que nao deve ficar desvanecido
de que o Público gostou delia, porque a ser assim, con-
correriao á loja da Gazeta mil Assignantes para o seu con-
sumo ; porém não só deixarão de appai-ecer os novos, mas
ainda os que havia se derriscárao das raes assignaturas : Eiu^
parte nao he mal feito para Jhe quebrar a presumpçao , pois
já lhe estava parecendo que isto de fazer 88 Folhetos era
huma cousa muito rara : Desengane-se que cm se acabando
este anno , ha muito quem as vá continuar, supprindo a sua
faJta com mais graça , com mais arte, e com mais natureza :
Lisboa está pilhada de sábios modernos, que nno fazem <:asd
destas suas redicularias. Ha rapazes muito estudiosos, que sd
eroprehenderem fazer outro tanto neste género , hão de des-
empenhar a em preza melhor do que V.m. : Sim senhor ;/ô
de mais deve saber, para não estranhar a pouca venda, que
hoje a murmuração, o luxo, e o jogo ião as figuras, com
que se abre a scena nas assembléas, e tudo o rraishe tratado
de bcigatella: Já se «íio dança nas funções, já se não canta,
já se não glosa , que estas prendas são grifarias ; e veja V. m.
nas rodas modernas que valor podião ter as suas verdades pe-
teadas ? Se V. m. escrevesse no tempo , em que havião cal-
ções , então não digo nada; mas querer V. m. no século das
pantalonas raetfer pelos olhos Livros, e Folhetos para a;
mocidade lêr , olhe, f^erdoe-me, isfo heser pacovio ; mude
de vida, se quer ter algum vintém, negoceie em géneros para
a boca, venda por 20 o que lhe custou 5:, tome exemplo
nessas lojas de Mercearia, lugar onde nada imporíão assuas
sediçí^s petas; e fique si.bendo {:\\]q tenho dado pd^fhal em-
pregado o ten po , que estive com V.m., e que desde já me
despejo para ser caixeiro de huma desías lojas, eniáo veiv-
me-ha daqui a dois dias fazer mil petas ao vivo , muito dif-
tercnres, e mais rendosas que as suas, que são pintadas;
trate de me ajustar a minha conta, e peça ao Público per-
dão de liie dar a pagina de ler huma insulsa folha de papel,
tomando-ihe o tempo, e fazendo-lhe gastar 40 réis cada se-
mana ; somma , que tão precisa se lhe faz , para quando ap-
parecerem outros macacos, outro urso , e outro caraello, que
se não mosrrao de graça, que eu desde já também Jlie peço
perdão do mal que o tenho servido nas minlias jornadas.
AVISOS,
Sahio ái luz huma Obra intitulada: Misturadas dê
Mundo , ou verduras da Mocidade \ obra em que não esca-
pa talo de alface; vai sahindo aos poucos, e vende-se ás
folhas para cómmodo dos curiosos,
Desâccommodou-se de huma casa para se accoramodar
era outra, que precisar delia , Victorina Rosa^ creada de
bons costumes ; foi despedida da casa , onde esteve , por hum
testemunho, que lhe levantarão; pois como o dono da casa
visse que peixe , frangos , perdizes , tudo lhe levava o gato ,
fez a experiência , sem ella saber, de pezar hum dia o dito
gato, que tinha três arrates ; e porque infelizmente este co-
messe dois arráteis de carneiro , que estavão na parteleira , o
dono da casa não dando credito a creada , tornou a pezar o
gato, e porque lhe não achou cinco arrates de pezo, pela
regra de três e dois são cinco, poz a Moça fora. Quem a
quizer ajustar falle-lhe.
Torna-se a lembrar a Vv. mm. que esta obra he só de
buma folha cada semana,^ e que quatro moedas de dez réis
são quarenta réis.
USBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
I 8 I 9,
. , Com licença da Meza do Desembargo do Paço,
H
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXXVI.
Fraca da Alegria 9 de Dez mbro*
A simplicidades, que parecera subtilezas de juízo , e
estas ás ve/es produzidas em gtnio> úo riisiiccs, qu« fazem
pasmar. Alora neste Bairro hum Dcutcr nibito civilisado, e
estudioso, o qual coir.prova o qi;e ncima fica d iro coin o
qje liic succedco a semana pasrada. Tinha este Cavalheiro
hum bom ii-oço já com dois mezes de casa , que o servia
com aptidão , e esperteza , porém muiío entusiasmado de
querer saber ler, e em pilhando o Amo fora, andava a livra-
ria pelo pò de gato: Quinta feir. foi mandado por seu Amo
coiB huma C^artâ ao Convento d'^ Cheias; e pelo rre? mo mo-
o remeitêrâo du dito C!onvcnio em rtspcsta liUma primuriisa
.^ndcja de doces, com pucatas, ccvilheres, c sequilhos de
guarnição; e vindo isto tudo C(;m jium escrito de recado a-
bcrto, o mocinho, <\ui Jhe n'Jo escapa papel cem letras , pela
anciã, que tem de saber lér , com a maicr curiosidade í.oca-
minlio desdobrou o escrito, pôz o prcscnrc cm cima de iiu-
ma pedra , e \èo : { não de cadeira, poique a r.ao linha iili)
dizia o recado: Ijirds ão Senhor Dr* Aníbniohelix liUhUis-
U
i
Pereira Couctiro Caça? , ç//c? sua muita ât tenta venerni^a^
ra , e obrigada Mad -e Soror D, lulana de tal , e tal to^
ma a confiança de o[fcrecer es^a Insignificante bandeja de
doces que ser i para o seu creadot e que muito certa até
onde abrange a bondade summa de sua Senhoria^ espera
merecer o perdão , pois que aí offertns quanto mais limita"
das , m lis cuthorizà) a ur banida de das pessoas que as
recebem^ e que lhe segísr^a que não perder d occasião emque
possa mostrar ser agradecida , segundo as obrigações , em que
a tem constitui do. Apenas o bom do moço vio entre tantos
palanfrorios estas palavras, que será para o seu creado y Çím
cou saltando; pega na banieji, vai direito ao Chafariz, on-
de costumava hir buscar agua , e não houve parente pobre -y
pucara a hum, covilhete a outro; enchêrâose as algibeiras,
de sorte que parecia o Chafariz hum noivado de fora da ter-
ra ; e acabada a partilha, foi para casa de bandeja vazia de-
baixo do braço, e toalha ao hombro ; chega aopédo Amo,,
c diz: V, m não sabe o ([ue são de yyiinhas amigas as Se-
nhoras li no Convento y ainda aqui lhe trago algumas cou '
sas daç que Id me derão\ sempre lhe guardei este covlhe-
te\ Re.^ponde o Amo já meio encordoado; pois que foi que
te derão} Derãu^me esta bandeja cbêa de doces ^ disse o
Rapaz: Tornou-lhs o Amo, pois i^so não vinba para. mim}
Salta o creado dizendo : Hui ! V, m, cuida que eu havia de
ser tão goloso ,, que se viesse para V* m, lha não entrega-^
ria ? Olhe , por este escrito , que vifiha aberto , V. m. verá
a minha verdade. Aqui diz ,, essa bandeja de dfjCes ^ que
será para o seu creado. ,, Ainda agora o Amo poe as mãos
na cabeça , arde, vai buscar hum pio, o moço foge a des-
compôlio, pondo-lhe na hoxexa que lhe queria íicar com o
que lhe ài^úo para elle ; e finahr.cn-e foi huma bulha suja.
Jiaquellç Bairro. Nisto se vê que he huma asneira, que ha de
causar mil desordens destas, mandarem-se os presentes aos
Amos,, dizendo que será para os síus creadoí , ou para as-
sitias creadas , quando se sabe que ha casa , em que as po-
bres creadas não provão de taes remessas, pois se vão encarf
ceíar de tal sorte, que ha presentes que vão á rua podres,
QU com bolor, sem que ás bocas da família vá hum só bo-
cado dellcs; e o m^is he qae os acanhados. Amos. chamão a
i:lo governo.
(3)
Rva Aurca,
Ainda pgora nos chega á noticia o que sDccedec ao
nosso Morgado calouro, que no Folheto pafsac^o se escaldou
com a neve ; Querendo pois este bem horrcm tirar todrs os
seus dentes para a beber mais á sua vontade, teve a infelici-
dade de cahir nas mãos de hum charlatão , que não jó lhos
•tirou , mas também parte do queixo de cima , íicandc-Ihe
este pendurado pela beca fora, e ficando igualtrente todcs
os que assistiiio á operaqao de queixo cahido. O atabalhoa-
do charlatão, ou Dentista, que periendeo logo remedear eí^ta
desordem, mandgu buscar huma cabeça de alhos, lirou-lhe
Oi denteá , que era a quem qWg os sabia tirsr , pizou-cs wom
mostarda, e recolhendo a dentuça do ptbre calouro lavLida
em vinagre, poz-lhe o cáustico em cima , ligcu-ihe o quei-
xo, e em doze dins o poz brm. Ora no principio da cura
não percebeo o Morgado, por estar atotmentacio das dores ,
o estiaiulante efFeito da mostarda , como succede a quero a não
sabe merter na boca, quando come com eJla carne, ou pei-?
xc ; porém quando íoi á paga he que a mcstarda lhe chegoa
ao nariz; roas a pezar disso, eiíc gcsiou lanfo doseudesfas-
lio , que perferia o m^erecinjento da rrcstarda a cutra qualquer
especiaria, e desde cniao , ainda u esmo aImcç.ando café com
Jeite, e torradas, não come ccusa í^lgun a sem ser incitado
do pique da mostarda, como observarão os que o víiao al-
moçar a semana passada. He este hcmtm tão caótico por
bons bocados, que se chegar cm Lisboa a provar de huma
cousa que eu cá sei , já os ralhi-tas, e teimcsos por mais que
nas saas questões se eníadem , não se mandarão á lubua huns aos
t)atros.
Rua Nora da Vahna 6 àe D fremir o.
Havendo nesta rua bium (^vall.ciro bera nrorigeraáo,
que tem hum filho a quem í\\jícx n uiio , e pelo djmirufo
juizo m.creco pouco, porque saiiio , Icuvcdo seja o Stnbor,
com cara de Irmão das A imas , succedeo que adccccnt o es-
te bera Pai se visse obrig.-^do a mandar por pquejle simples
filho dar os parabéns a cutro Cavalheiro da sua amizat'e,
que se tinha recebido , e juntamente que á noitinha qurrdo
«e rtcoihessc dtsiç es ptzaitcs ao Prior fia Frcguczia de lhe
^4)
tér morri ío seu irjnlo. Emístrido o rapaz pelo pobre Pai
que Ihs nlo deo p3v.]u:no trabalho pelo niuiro queofiihotem
de simples, v^stio-sc este á^ liuiti.i côr honesta, nem alegre,
Jíem luciuosa , pira poder 5:m escândalo figurar nas duas par-
tes , e sahio. Chagou a casa dos noivos onde se achavão bas-
tantes convidados, e feita a sua vénia disse: jMe^f Pái ^
minha MU ^ e eu sem imo; muito tudo o que p.ide a V* m,
(lar mortificado \ e nuu Pai principalmente manda dar a
V, m^ os p^Zitmes do lorn acerto que teve^ e que se cor, forme
porque he carreira qu^ todos ba'vemos anàar j e isto em quan»
10 elle não vinn em pess&ã enxugar -lhe as lagrimas ^ porque
acompanha a V^ m, na mesma pena, Faz-sc indisivel a ri-
sonha impressão, que fez o compriuienio. deste tolloemtoda
a cotnpanhia, de que muito satisfeito se despedio logo, e
procurando a casa do seu Prior para lhe dar os pezames,
rorapeo nestas tormaes palavras: AquiTenho ^ Senhor Priâr ^
ii/$ parte de vieti Pai dar os parabéns a V,m, de sen Irmão
ter jd passado a outra vida : nós todos fie dmos contentes coma
noticia, e minha Mãi estimou muito o seu bom acerto , e que
tudo quanto estiver naquella casa está muito á sua cr-
denis O Prior que a pezar da sua pena nãosepoude ter , sol-
tou em hum froxo de risj, d<ísculpando o rapaz por conhe-
cer o seu pouco tino.
Castella de Lishaa lo de Dezembro,
Este caso deve ler desculpa por dois motivos, o pri-
meiro porque nao foi pensado , e o segundo porque a idade
assim o pedia: elle não se sabia, nem se saberia se não fosse
huma má língua que o fez saber ao Paidacreança , poissenx
respeito aos deveres da honra o publicou só por dar á tara»
m::lla , que coma he língua sem freio a todos diz o feito, e
o por fazer , siui mais causa que satisfazer com isto a sua mi
Índole; não he cousa de cuidado, he hum páo por hum olho :
o pobre rapgz ainda bem não tinha posto o pé já tinha feiro
a pegada, e o Pjí, que lhe andava pelas piugadas , informada
do Ijngoareiro o fji apanhar com a boca no saco,, e entalla-
do com o rabo na ratoeira ; e elle a>sim que o vio ficou bran-
co como 2l cal da parede, e não diss? xuz , nem bux em sua.
difeza ; rapaziada, rapaziada. Este excelhn te rapaz tem hunt
génio de hum borrego , o coração de huma pomba , elle to-
do he huma nata , derrete-se como manteiga , e quando vê
na rua alguma seniiorita vestida á jardineira , ctrbasbííca» e
crescendc-ihe a ngua na boca, pinga-ihf o beiço, e hz fio
de baba , que lhe chega hié à cintiirs. Gfifisva efte pç. fsiu-
do de Minerva, para hir á tscóla ce ( upido, e_csrr?isfos
dias hia dar lição á Praça d'AFn'as do Cnstello , junío á
quarta peça de bronze, como ponto fixo da sua derrota aon-
de consurr.ia iiuma tarde inteira fazendo assistência a hut-va
creada grave que irora em humas agoas furtadas de cctas
casas que ha no Chiado , cuja paixão o fazia esquecer ás ve«
vcs até de conhecer que era noite. Quinta feira pasFflda as-
sim que acabou de jantar sahio logo , dizendo so Pai que hia
mais cedo pois linha que fazer no estudo a respeito da Pos-
tilla : o Pai que ssbia que era dia de suero , e conhecesse
que elje o queria enganar aos olhos vistos cem aquelle pre-
texto , sahio atraz delle , e por caminhos diíFerentes o foirs-
perar ao sitio de que estava inforoiado ; o rspaz assiiv oue
chegou puxou pelo seu óculo de punho , tirou o seu lenço
branco, e fez o signa! alimpando o suor, e connnuou na
v*sta ; o Pai que o vio descuidado veio pé snte pé, e che-
gandc-se a elle pela parte de traz o quiz zurzir ; porém ten*
do respeito á sentinella o reprchendeo dizendo lhe , que se o
tornasse a apanhar naquella errpreza, que elle teria t?mbem
G goí^to de o ver daquelle sitio passear pela Barra em hum
cavallinho depáo..
Múxhfiaj do Felho de RomuJares continuadas r.a maior
parte destes Folhetos.
Anduo os loucos buscando
Modos de passar o tempo,
Prazeres vãos ideando;
Mas he tr?.balho baldado,
Qije o mesmo tem.po em passar
Mostra bastante cuidado.
Nao vos eleve o dinheiro ,
Que na abundância maior
Tanto tem de bom, escravo;.
Tanto tem de máo, senhor.
Quem pelo respeito homano ,
A verdade nunca falia ^
(6)
ÇViem com cila falta ao justo,'
Porque teme , se nao calh ;
Qiiem a muitos de?conrenta ,
Por só a si contentar ;
Deixa o casco naufragar ,
Em horrorosa tormenta ;
Qjjc estes são os grandes rombos;
Cora que a náo já descomposta.
Sobre as pragas dos queixosos ,
Vai dar sem remédio á cosu.
E's tollo , e desordenado ,
Se em pensamento tiveres ,
Náo quereres quando podes ,
O que era não podendo queres.
Não precisa General ,
Ser o homem por memoria ,
Dentro em si tera a batalha ,
Que lhe de mais fama, e gloria:
Custa mais ser vencedor,
Do vicio que tem comsigo,
Qije de exércitos armados,
Pelos campos do inimigo.
O Moço c-o Poeta que ji pela prenda se lembra de que*
ter casar, entre as que traz á escolha, anda doidinha por
elle huma creada de servir da sua rua , a qual huaia noite
destas na conversa que com elle teve da janella abaixo Jhc
perguntou, de que cor andava o seu Amor vestido; ao que
eJIe promptamenie respondeo no seguinte
SONETO,
O meu Amor hc verde ; mas nao he
Pela pouca esperança com que esta';
Amareiio ha de ser ; mas nao será
Porque nao desespera eii) vossa fé;
Dou-lhe, que seja azul ; mss para quel
Se o vosifo amor ciúmes lhe nãu dá;
Boa cor be vejiivjlho ; po^ém já
He hum sígnal de guerra em quem a vê ;
Scra branco talvez, será, mas oh !
Qíie se em branco me dcixi, he f^enezi;
Vou vestillo de escuro, côr de dó:
Já de todas as cores o vesti ,
Fazei de todas cjlas hun^a só,
Porque sendo clie htui ló , leii) ttdo em ?!.
O mesfno rapazinho trouxe para o premente Folheto a
seguinte advinliação para divertin^ento do» Scr.h.» res Curio-
sos, que não querem deixar cousa slguna no escuro.
A D V I N H A q à O.
Ando em mão calosa , t dura y
Entre o mats forte eíemenío^
Os sopros^ suj.ro do vento ^
Qavo a nwttos sepul'ura :
Aos homefís devo a fgura^
Mas de Lomens não jui gerado j.
Sem ser em prizíio ligado-
Como inútil me nn^gino ,
£* fião sendo Ente Uiviao ,
A muitos tenho salvado..
Gom que, meus Senhores, trabalhar e decidir ,. que as-
sim faço eu para ganhar trinta réis.
AVISOS..
Vende-se hum relógio de algibeira de casaca , de xis-
X'sbeo de Itijia, cravejado de pedras de sal, do tnmanho
de hum queijo Flan^engo , feiro cm Valada pelo Auihor do
Landum, he número «ele, ainda que seu AuiliOr nãj fez
senão cinco desta fabrica , Relógio encyclopedico com suas
notas, que lhe ledi posto a boca daquelles , por cujís nãos
tem andado; regula por si- sem que se precise dar-lhe cof
da : m< stra as et usas mais notáveis cm seis mostradores
que tem, hum ds Cape// f ta ^ outro de mercador^ outro de
Retrozeiro , outro de Droguista , outro de Chapekiro . e
outo de Ccnquilharia niosf^a o nascimento do S )1 no Ho-
rizonte ; até mostra o Sol posto em muitas partes da tcrfa ,
e ao meio dia mostra Alexandre Magno a cauHo cm ci^
(8)
ma cia Ponte do Eufrates , vendo p.issar no e?paço de hu-
ma hora o seu Exercito óq 6oO(^ homens, 200f|) de CavaU
laria, e o resto de ínfanteria com a bagagem. IVm hum rc-
poaoíio das miidançí?s do tercpo, cjue presume seu dono ser
achaque que padece, razão porque o vende: quem o quix^er
comp^-ar pode f-izer r!e conta que bota o seu diniieiro na rua ,
e muiro cómmoJo m sua avaliação.
Nesta Cidade vive hum Tintureiro que cómmodamen-
te , e com a maior destreza tinge quanto se lhe apresenta ,
con âs tintas maii tinas, e agradáveis que elevão a vi^-
13, chama-se Amor Froprioy e he mestre sem segundo enni
dar cor a tudo : adverte que pouco tempo existe na loja , por-
que anda pel.is ca?as tingindo immensas cousas a muita ^cí\Xq
que o chama.
Çh)C{Ti quizer hum quintal de pólvora, que ainda não
sérvio, falie com O. João da Falperra , que não só teve a
habilidade de a ajuntar a grão, e grão, mas reHnou-a por-
que elle também he refinado, e dá-se hum porco com ícíra»
duras a quein o enganar na compra,
Mún>r, Boldrié de Nação Baltica, assiste em Lisboa
em liumas casas , que ainda se não sabe quem as ha dí pa-
gar, e faz saber a rodas a pessoas curiosas, e de bom gos-
lo , que D.íiningo que vem se não chover, desde as seis ho-
ras da manhia a?é ao meio dia mostra no meio do Rocio
huma collecção de caras fêas , e bonitas de homens, e sc-
nhora^ , tiradas ao natural, e bem semelhantes a todos, que
as quizerera ver; e de tarde desde as quatro horas até ás
seis no Piisseio Público , entre as producçóes da natureza , e
da arte, mostra outra collecçno de figuras Portuguezas , c
Estrangeiras, e entre cWá^ mostrará a figura de CogeC^ofar,
inimigo capital que foi da Praça de Dio , no caso que ellc
Já vá pelo seu pé ; quem tiver visto o seu retrato, não du-
vidaiá do que se pfometie. Espera o difo Boldrié que torne,
a agrad.ir a Vv. ni ii. para ter o sé-|UÍto , qae teve algum dia ,
e poder hizir, porq le até agora tem estado á dependura por
causa do gancho.
LISBOA. NA OFFíC. DE J. F. M. DE CAMPOi.
I 8 I 9.
Com hce^iça da Meza do Oesembargs d9 Paço.
-11*2^ huo c rn
I
ALM0C6.EVE DE PETAS.
PARTE LXXXVIL
Alemquer i^ de Dezembro.
OStnpre a natureza de quando ena quando , ou de séculos
a séculos costuma abrotar d'entre os homens homens, que se
distinguem nas prendas, huns peritos nas Artes, outros nas
Armvis , outros nas Letras, e muitos nas tretas, cuja raridade
os outros homens olhao como sobrenatural ; e se não diga-o
Thesalia , Thebas , Macedónia , Creta , Corintho , Roma , e
ainda o nosso Portugal, onde a natureza derramando os seus
dons ha 40 annos a esta parte, mais dia menos dia , tem fei-
to juntar em Lisboa a ma^ffia comitante caterva de Heróes
de diFfcrentes terras; porque a mesma natureza nao faz de
huns filhos, e de outros enteados. Celorico dos bêbados dei-
tou aqui o decantado Valverde, que não só desempenhou o
emprego , em que sempre foi visto , mas tirou as barbas de
vergonha ao seu Paiz. Vallada crcou entre outros o grande
João Burro, tno famigerado na solfa da sua Pátria , que des-
bancou a quantos havia no Termo de Lisboa. Além destas
terras, Alemquer, que tem sido berço de Heróes de alto co-
UWWiu.déo á lua por empenho da natureza hum làomcm fa*
^7
famoso , applicado á curiosidade sofistica , com o qual estu-
do conseguio achar o avesso das regras da simetria , o que
melhor se pode coligir das suas experiências fundamentaes :
Gasta o Oleiro hum dia para fazer seis dúzias de pratos no
seu engenho, e este Hepóe tarabem em iíura instante os faz
no seu engenho era peda^ços , vindo a ser huiU perito em to-
das as outras proporções contrarias. A caça nunca teve, nem
terá hum protector, como elle, porque precisando o Caça-
dor de huma vista aguda para descobrir , e acertar o tiro ,
ou ver onde cahe a caça, elle que sempre anda a pedir vis-
ta, ainda assim mesmo arrota de caçador esperto , e astuto:
He hum gosto ver como elle busca as aves no ar com a lu-
neta acestada no olho, aqui, e aUi, até as vêr descançar na
arvore , ou no monte : Engatilha a espingarda , faz pontaria
para o sitio pouco mais, ou menos, e sempre de luneta ; po-
rém depois que dispara o tiro, tem a cautela.de perguntar era
alta voz aos que estão com elle : matei ? vai de aza ferida }
cu cahio} quando mil vezes succede ficar a caça de saúde per-
feita , seguindo a sua jornada , porque quasi sempre elle lhe
dá passaporte até á ultima terra , onde lhe fazem o catatáo»
Este caso foi asseverado por hum Saloio y a quem comprei
liuma perdiz viva, e me disse, que aquella mesma perdiz^
três vezes tinha sido atacada pelo caçador de Alemquer, e
Sue sempre lhe escapara :, falta-me indagar donde elleosou-
Rua Áurea ij àe Dezembro.
O nosso Morgado já annunciado nos dois Folhetos pas^-
sados , depois que vio os seus queixos por mãoô alhêas , per-
deo de todo a lembrança da neve, e mostarda ^ e porque nas
yasitas, que lhe fizerão alguns amigos, em conversa ouviõ
dizer a hum todo mettido a nobre cora pés de engonços ,
que não havia huma bebida tão singular, como era o chá pé-
rola , persuadindo ao Morgado que usasse delle , e que pa-
ra principiar lhe mandaria huma pequena porção de hum pe-
queno presente, que lhe mandarão de Cantão, ficou o pobre
calouro de pedra , e cal fixo em usar a tal bebida ; e quan-
do estava já no uso delle, soube a grande falta, que ha em
Lisboa de chá pérola : para não experimentar esta grande fel-
t^, e vêr de caminho seu pedaço de Mundo, resolveo-se esr
((3)
te bom homem a hir de passagem em Iium nnvio Sueco, que
seguia viajem á Ilha de Java, para dalli se passar a Macáo,
cuidando que era hir a Santarém ; e isto só pelo gosto que
tinha de lá ahnoçar chá, jantar chá, merendar chá, e cear
chá , que não lie das peiores céas , e muito grave nas casas
de bem, onde se n^o passa de iirroz , ou sellada. Determi-
nado o viajante, no dia 6 de. Novembro deo o navio á ve-
la pela Barra de Lisboa fora , mas com vento tão contrario ,
^ue em menos de doze horas arribou a Setúbal , escapando
ser devorado nas rochas de Espichel. O miserável Morgado ,
"infeliz naufragante, saloio logo engoiadinho nas faldas da
«erra da Arrábida, e seguindo a primeira vnreda , que encon-
trou, se raetteo naquelle lahvrintho da natureza , aonde achou
para socegar o espirito aquella deliciosa vista do mato, que
neste tempo tazem os medronheiros ; e como hia cora ella atra-
zada , provou a sua fruta , e gostando entrou a comer nelia ,
como quem se despedia, envolvendo de permeio alguns arre-
bentabois , cuidando serem medronhos, Pensa-se que dará al-
gum estoiro, se a natureza não arrojar: para elie foi desgra-
çado o appetite, porém ha muitos que o nnitão , comendo
trapos, e frangalhos.
Bairro de S, José 2 de Dezembro.
A inveja nas almas baixas sempre fez perniciosos effei-
tos. Os antigos a pintarão de olhos esquinados, ou tortos,
porque tudo entorta. Fez annos D. Solomé, que tinha ami-
sade muito antiga em casa de D, Clemência , cuja rimisadese
grudou também no dia dos taes annos : rebateo D. Solomé a
sua tença para não faltar a este dever , convidou D. Clemên-
cia, como era uso todos os annos, e mais algumas pessoas ,
que cooperavão para se fazer huma bonita funç.^.o : poz D,
Solomé o seu chá , sua? fatias com manteiga , huma bandeja'
de bolaxinhas, e ha quem diga que também veio hum pires'
com ginjis doces, que por ser huma só a testemunha, não
remos dis?o a maior certeza ; he verdade que não Jiouve ri-
queza , porém tudo era de casa. Ora D. Clemência fazia an-
nos dahi a 15 dias, emcsmo alli convidou logo toda a sú-
cia para sua casa. E acabada aquella função, «como D. Cle-
mência tinha huns espirito» por ahi d'âléin, logo no outro •>
(4) ,
'jdía da jiínel Ia abaixo com as visinhas murmurou muito do
chá de D. Soloiiié; e querendo dcspicar-se no seu solemne
dia, dando aos convidados hum chá de gente, aiandou pe-
dir a D» Soionié o seu bule emprestado, e mais duas bande-
jinhas de xarao , e isto porque huma única bandeja de pra-
ia , que tinha de conchas>,. a vendeo para o desempenho cla-
que IJ a noite» Mandou fazer hum excellente podim , muitos
bolos de amor,, argolinhas, cavaquinhas^ e paliros, e já D.
Solomé , porque sempre ha quem dê com a lingua nos den-
tes sabia que D. Clemência achara muito reles a sua função,
e:.que rodo aquelle bródio era em despique a ella : jurou Jo-
go a murmurada pelas barbas da murmuradoura , e chegan-
do a feliz noite, chegarão seges, Madaraas, e Tafues em
quantidade , e de mais a mais hum Preto para tocar Contra-
danças, o que D. Solomé não teve, porque se remediou com
Jium curioso de Guitarra ; forão-se fazendo horas de dar o
chá, e D. Solomé parecia que arrebentava, se nao fallava:
depois que se distribuirão as chicaras , perguntou D^Cleaien-
cia : Entã» minhas Senhoras , que tal achao o chá , em so-
taque a D. Solomé; porém esta ardendo, respondeo , muito
bom , wuito bom , pori^ue esse bule sempre fez bom chã \ e
quando o meu homem o comprou , não mo parecia : a outra
querendo encobrir o empréstimo, instou, o seu homem faz-
me muito favor ^ tem-me feito compras maravilhosas , o an-
7J0 passado comprou^me huma arroba de bacalháo , que era co-
7no pescada \ sim, respondeo D. Solomé, mas este bule sem^
pre me sahio muito bom ; e quando a Mana mo mandou lá
pedir, . . . Perdoe , lhe tornou D. Clemência , abafando-lhe a
expressão, se o mandei pedir , bem sabe a precizão ^ que ti"
nha delle , se não podia lá ficar o tempo , que quizesse. Es*
sa he boa , minha Mana , disse D. Solomé , ardendo por ver
quanto a outra encobria a petição do bule, se elle he meu ^
não me podia servir delle ? Fois assente que se o chá sahe
kom y he pelo bule , e não pela sua qualidade ; respondeo D.
Clemência , he muito desvanecida , minha Mana \ V. m, já
se não lembra do chá que apresentou o outro dia , que chetrava
a bafio \ veja agora a differença se he do bule , ou se he do
chá ; replicou D. Solomé , ai que nojura ! he huma atrevi^
dona , huma piranga , e md lingoa , e até be tal que dos bo*
ks que ensacou na minha fundão he que faz> a sua^ Acodia
<5 )
logo D.. Clemência j que havia., eu de ensacar y só se fosse
huma fatia co)n manteiga de satho ^ m alguma holãxa. Fi-
nalmente foi. a qliestão do chá táo comprida, que em roda a
noite nao deo tempo ao Preto para. a f tina r a rabeca. As
duas vierão á unha, houve .muito grito, e depois que a com-
panhia , e a separação, serenarão, aquçíla tormenta , ambas íi-
zerao votos de nunca mais fazer a n nos. E foi, este bum aca-
so providente,, pois que fez baralhar o avultado número, dos
muitos, que hiâo contando.
Aqui nos diz o Moço do Poeta, que t definição do
Enigma do Folheto antecedente, que principia : Ando em
rnào calosa^ e í/arj , segundo as propriedades , que Vv.rara.
podem analysar , quando não tiverem outra cousa que fazer,
vem a ser hum remo*
Pelo Correio da Beira recebeo o Editor a seguinte De-
cima que elle não sabe se he para si, se he para Vv. mm.
Vejão lá isso, e avisem da sua intelligencia.
DECIMA.
Torto sou , mas assim torto
Eoubo a vida ao mais direito -^
Sem ser de veneno ffi^o^
Quem me ingoie fica morto \
Dou do sustento o conforto ,
Com mortifero apparato ,
Dos mortos faço o meu fato y
E he minha condição tal ^
Que solto não faço mal^
E quando ateu prezo , mato.
Derige o Editor ao Author do Café as seguintes sete
Oitavas, acabadinhas da agulha, levando cada huma no íim
hum Verso de Camões sergido.
C « )
Quer o Author ào Café puchar a espada ,
Sem vêr que me incitou na obra sua ,
Disponho-me a brigar, nao á pancada,
Que nao quero enxovalhos pela rua:
Prompta a penna terei sempre aparada ,
E vêr pertendo, quai de nós acuda; .
Que eu hei de defender-me era qualquer parte,
^e a tanto me ajudar engenho y e arte.- '''ní)bíví
Gam, Cant. i. ^f u
Co a primeira jornada do Almocreve ,
Se inflarama o nosso Author\ á^ inveja armado,
Não da baixa matéria, que se escreve,
Mas sim do invento nao lhe ter lembrado :
Falia desta obra mal , e então prescreve
Como hum novo Café será traçado,
Cousas pomposaè nas idéas trava ,
Mas não lhe sue cede o como cuidava. -
dit. Cant. i, 8/ 44,
A folheto ; e folheto pSe na praça , >
Nada menos qiie doze, e não discorra o^2i •
Que isto, além de sciencia , requer graça.
Que onde esta faka , toda ã obra morre :
Havia no consumo ter desgraça ,
Pois que sem alicerce , fez a torre;
Palavras fofas , cogitando , e pondo ,
Que sem comcerto , fazem tudo estrondo»
dit. Cant/2, 8/ 96.
Composição que he desta natureza
Não deve pensamentos ter escuros ,
Porque o Povo grosseiro não os preza ,
Que anda sempre por baixo mais dois fUros:
Pertendo que lhes falleni cotn pureza,
Devem os argumentos ser seguros;
pe sorte que lhes possão dar valia
Ò'FeVjo inerte y a Mãi que c filho cria, ^
dit. Cant. !• 8.*^90; '
Mal que o C<?/V Jhe levantou fervura ,
Juntou-lhe, em ar de leite, a obra minha.
Na liba dos Tafues depois procura
Mostrar a todos, que me tem espinha:
Sem que ninguém lhe louve esta loucura,
Huraa vez que assentou , que lhe convinha,
Editor , e Almocreve , tudo a terra ,
Derriba , fere , mata ^ e pÕe por terra.
-n'imivoiq < i-'- Cam. Gant. r, 8/ 88;
-moa n rbol r • . ;
Que importa ao nosso Author os meus estudos !
-ijnc loDizendo a todos , quesâo máos , e poucos !
^bt)H Solte embora os seus Cantos mais agudos,
•is ç ôivNão faça caso dos meus grasnos roucos :
oLuT íoréra queira trocar-nos em miúdos,
-ricj 9 Frazes de escuma , pensamentos oUcos ;
ob R?.fiD Que hum Café mal torrado , e pouco quente ,
Vtrdt a virtude contra tanta gente, > 0*,.;;:..^;
dir. Canfi-4í' 8i^ ^y.
Ora tome este Author no meu conselho
Huma receita, a mais corroborante ;
Beba hum copazio bom de vinho velho ,
Se o flato de compor lhe for á vante :
Use da medicina , que aconselho ,
Náo me inquiete, fazendo-se secante;
Se não, .por esta amostra a peça veja ,
Que se restste , contra si peleja,
dit. Cant. '2. ^.* 49.
A Vi SOS.
Sahio á luz o Livro de casos passados ^ ou memoriado
tempo ^ que jd passou. Esta obra he assim, assim, e traduc-
çãp da lingta Gahzjaria, Imípriu)io-se em* papeL passento ,
mas não se passa amda á venda, porque falta traduzir-se.
No sitio da Gualva , Tèrirro de Lisboa vende Joã^ Dias
EspiculondrtJiCQ , porque igu precisão de vinténs , hum for-
nioso casal, muito eavconta , comvtodosjos» seus pertences,
que por s^r de perus iie iivre de foro , e tem já pago o di-
zimo. Quem o quizerviComprar, espere por eUé no alto da
Porcalhora, : '■:.'.•:-; 'v.> v , . ? . ,- Vi <
Queo) rquiíser xtó podres i.'eías«ucar mascavado , falle
com os Mfiruvheiros, que tem chegadofífios portos, onde se
criáo semeiiiantes géneros , e vista a care&tia , a-que já cá vão
chegando , ngo deixíio estes de ser muito cómmoàos- a quem
faz funçóeç de annos todos os dias era sua casa ; provimen-
to este, que até pode servir de vomitório leve a toda a cora-
panbi^..ri-^c, Rii^jrn go i^^Uvi^ o^-íon oe eiioqmí ^fif)
Vende-se liuraa Medalha multo rara de AutHor anti-
go, que pode servir para o peito de alguma Senhora : He de
pedra maruK)çe,/.)e mostra a creaçáo: de íiomulo\ e Hèmo , ar-
rojados a huma prai^ , ^ sustentados ipor huma fera : Tudo
muito bem esculpido; foiraçhada em.humas ruinas , e con-
duzida sem, damniticaçáo, alguma, em hum carro para casa do
seu primeiro vendedor. A Senhora , que a quízer 'comprar
para nao faltará moda, acha o benefício de não precisar pôr-
Ihe laço de fita , porque o tem nascido da mesma pedra.
, (3 ' 1 ! ') V c ii í i 1 V . o h fTi od o i ^ ^^; o'^ ff: ^ ri s q 3 ; \
Vendesse esta Obra ^ e ibdas as mais partes dè que he
composta , e vão sahindo sticcessivamente\ nas Lojas seguiri'
tes: Na de João Henriques na rua At^gusta junto ao Ter*
retro do Faco : Na de Francisco Xavier dtQarvalho no Chia^
do defronte da rua de Si Francis C9^\ Na de António Manoel
Po fy carpi) na ^ Arcada 4o Senado: Na de Desiderij Marques
Leão ao Calhariz N.^ 12. : Na de António Ptdro Lopas na
rua do Ouro junto d da Qa^eta : Na de Leal em Alcântara :
É em Belém na de Capei la de José Tilurcio : Tampem se
achão na mesma UfficÍH'aem(pC, se fazem.
LISBaA, NA OFFIC. DE J..F* M. DE CAMPOS.
.'r- • \- ."í -f. • . O fia Òf'
Cani^ licença da Meza do Desembargo do Paço^
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE LXXXVIII
Trai^fs^ dg ^trvnica zt dt Dazemirv.
JL Km os hoitiens preserrtemente imreat^o cousas para a sa-
tisfação dos seus apper ires ^ que jámails lembrarão aos nossos
antigos^, a pezar da longa experiência, «jue tinhão dosTem-
tos. ^íós vemos Jiojc lium ^iiorrelão ciirioso fazer brinde de
uma couve Ror eiia Agosto: Vetnos^em Abril ap:^^iircc«* liiwn
melão, dado de presente: Vefiios lem Março in-andar-se de
minx) hum cacho de uvas brancas tão perfciriís , cótno se fos-
te era Serembro ; he por este motivo que ]mm homem neste
Bairro e>nDr ou a pensar no melhor mmio de cotTservar chouri-
ços de sangue todo o an-no^ t.^o frescos-, <?oino se aciíão nes-
te tempo. G ser inuiito amigo delles, e a economia, r>ife
descobrio nesta qualidade de Jiíifnemo, porque com rueio (o«-
tíio adubava muito arroz, por não poder chegar á curistia
da vacca , o fez discorrer , ^e calcular ; deo na tina. (Desco-
berta , que se se adoptar, podem fechar as barracas as Se-
nhoras da rua da invi^ja. ) Este boiw líOínein , como quem tem
huma vacca em casa para lhe dar leite, assim conserva huma
AleiLtada paica , que comprou , paaa Jhe dar sa^^ngue duas ve-
88
< * )
2es no mez ,, tirando-lhe duas canadas delle em cada sangria,
que lhe faz, de que manobra a sua dúzia de chouriços. He
hum gosto enrrar-lhe em casa pelo cheiro dos adubos. Elle
confessa que se dá muito bem com a invenção, e do mesmo
modo o pode fazer quem quizer ter era sua casa chouriços,
lemporces, e sorodios.
Campa de Santa Anna 26 de Dezembro».
Por mais que a mocidade com os seus novos estudos se
empenhe em mostrar-se mais sábia , económica , e indagado-
ra, nenhum estudioso dos do tempo presente he capaz de bo-
tar agua ás mãos a hum só velho do outro tempo era desco-
bertas económicas.. A quem lembraria hoje fazer hum mo-
nopólio de tabaco pelo raodo seguinte , se naò a hura velho ?
Mora nesta rua hura Sacristão , que já conta os seus 70 , e
reje-se este para o sustento do seu nariz nesta conformidade :
Depois de ter o lenço era que se assoa, bera seco, estende a^
sua folhinha de. papel sobre a banca ,. esfrega-o rauito bera,,
e todo o tabaco, que cahe esfarelado, que se tornou de es*
turro era. rapé grosso, bera como em algumas casas serve o
chá fervido três , e quatro vezes, de igual sorte he aprovei-
tado o tabaquinho do lenço deste bom homera. Ainda aqui
nâo pára toda a invenção, pois dirigindo-se ás noites para a
conversação de huma Botica daquelle sitio, onde se juntão
muitos tabaquistas da mesma antiguidade , o nosso ecoriorai-
co esturrista tem a paxorra de estar toda a noite a tomar pi-
radas aos outros, que apenas as recebe, leva os dedos fecha-
dos ás gadelhinhas da orelha, e alli os abre, ficando lá o ta-
baco,, como quem toma huma barrella de poz ; mas em sen-
do dez horas , despede-se da companhia, chega a casa, pe-
de o pente miúdo ao seu moço, estende a folhinha, e ago-
ra o vereis ; tira de cada voz 30 réis de tabaco muito bein
pezados , com que se entretém até á noite seguinte*
Rua^ Áurea 20 de Dezemèra,
Vitimo successo do nosso Morgado*
.Não podendo o ácido do estômago do Morgado digi^
<3)
-fir a bârrigada dos medronhos, e arrebenta bois, que to-
mou na Serra d^ Arrábida esteve cm terraos (por huma unht
negra) de arrebentar de rizo pelas ilhargas, se a Medicina
com os seus prodígios nâo cortasse o embarasso daquella moe-
da , que o fazia gemer como hum urso , pois anseado este
com o pezo de huma indigestão Aziatica que lhe sobreveio,
deliberou proferindo por intercadencia de imaginações, lou-
curas que faziáo enternecer até o maior bruto: xarope desa-
ragaço , fumentaçoes de enxundisi de lontra , Jalapa com an-
timonio, manná, quina, ópio, raiz d'aiineirão bem fresqui-
nha lhe fizerão desembaraçar humas vias de reeommendação
que qUq ha muito esperava para hum ataque destes *, porém
como neste dia estavao além d'Evora três semanas prom.pta-
inente chegarão a fazer o seu dever; que as obrigações, e
o respeito de alguns dos antídotos destes apontados, obe-
decendo sem ceremonia , ficarão promptos para servirem no
que prestassem , que se nao fora assim daria hum estoiro, co-
tno sigarra no inez d^c Agosto; e porque esta raext)rofada por
onde vai sempre deixa rasto , ficou o pobre Morgado por es-
ta razão, além do queixo fora do seu lugar , o nariz verme-
lho como hum pimentão, com as entranhas queimadas, o fí-
gado açado, o buxo cozido, e o bofe engrolado, e o mais
resto do ventre opilado, ^ tão duro como hum tambor, qu<í
disserao os senhoras da Junta que se lhes fez, que ellc estava
mcttido em huma hidropezia clandestina , simbólica , e pro"-
pendicular com princípios de podrifícaçao ignia, causada pe-
jas partículas dos cáusticos que elle em pequeno mettia na bar-
riga , que precisava estar <le molho no Tejo oito dias succes-
sivos até lhe dar a agua pela barba , descançando só quatro
horas em cada hum como andava AvUetja com hutna rigoro-
sa dieta, bebendo todos os dias meio quartilho de leite de
morcego, se quizessc ficar bom de todo, e tornar ao seu
antigo vigor; ou se não que appellasse para as malvas que
lá melhoraria: á sua vista acudio o Doutor assistente dizen-
do que elle linha calculado a natureza do enfermo , e que lhe
parecia que o mais conveniente era que fosse para a sua ter-
ra, pois tornando á sua antiga açorda, podia ser que a natu-
reza pouco a pouco por si mesma arrojasse aquelle barco de
lastro que elíc tinha na barriga, e que a Senhora sua asneira
lhe tinha mettido sm casa pela descendência, de palpai, fi-
^(4l
CftifKÍn allkiacío cotímí. «âTÍo velho qiie se cttcalha pela teíra
Edtiifage.m Nô^m âo^ Cães de Santarém 2 f db, Dezembro»
Como ' os- roubos dos gatos sempre sao mais prejudica-
tiv^s que os; dos ratos , assim as traficancias dos gatunos sâo
mm papa^ cenier qu« as dos ra tonei ros: Ham Tafuí do Mi-
nho eii> v-esperas de partir para- a cara Pátria ^ achando-se
precisado de horas de jornada , e fldto da chapinha, com que
se coonprao as abóboras , veio deshonrar o nosso Bairro* pelo
il3Qdo: ifeguinte : Foi a huma Estalagem visinha, que está na
Ribeira Velha-, pedir hum quarto aceado para viver, dizen-
do que chegava^ agora do Alemtéjo , que era Jium Cavalhei-
m rauito iJiustre , que vinha á Cor^e a dependências; ajus-
tou por alto preço o seu sustenta, e estada-, e foi a easa de
InjOi Correeiro- para lhe comprar duas arcas ; taes lerias 1 he ar-
mon y que. o simples homem lhas deo fiadas para pagar dal-^
li a cinco dias : No dia seguinte foi vendellas a outro, que
estava na mesma. Estalagem , dizerado, que se hia dahi a qua^
iro dias, e que levava a sua roupa- na inala : O mofo da Es-
tdagem o servia com o maior contentamento, por estar en-
gajado por elle com promessas de o levar comsigo para Fei-
tor das- suas herdades. Mandou chamar hum Çapateiro , a*
qiiem encommendou hum par de botas, com estas, eaquef-^
las parricularidades , justas em huma peça , com a condiçâa
de Lhas levar dahi a três dias ás 7 horas em ponto, despe-
dindo-se o Mestre, mandou chamar segundo. Çapateiro, to-
mou nova medida , fez a. mesma encommenda justa pelo itícs-
raa preço para dalli a três dias pelas 9 horas da manhã Ihar
tfazer : acabado este lance, chamou o moço, e disse-lheque-
por nao andar alugando seges todos os dias, queria comprar
hum Gavalio ajaezado, e mandou-o a casa de algum corre-
tor de bestas, o que o moço fez diligente, informando o
corretor de que havia hum Fidalgo , que lhe queria comprar
o^ melhor cav-alto , que tivesse arreado. Nesse mesmo dia llie;
trouxera o o bucéfaío , mas o supposto Cavalheiro desculpou-
se com ter que sahir, e mandou que tornasse dalli a três dias
dô manhã pelas 10 horas. Chegou o tempo aprasado, c che-
gou tambera q primeiro Mestre com as suas botas, caljou
ff)
o Miliâ^nfe haiaa , me ]\\<t í^<m joli , míis íTo c^íp^ da ou-
tra entrou a doer-se, e d1ss<j , w?*»» Mostre ^ eu qutbrà tstn
pertja , ha doís annos , e esqueceo^me retamnvenèar-lhi: que
queria a da perna esquerda mais la?ga^ , tenha paci-entia ,
W metíelia na encespra^^ e ^faga-ma âe jantar : deixou-lhô
a Çapateiro a ourra^ caFçâdn- , e íbi alargar âqiielTa : a pau*
tos' espaços entrou o- segundo Mesrfe tainheiti coit» as íiiíis bo-
fas, e ttra is palavra, róenos palavra, fez-íhe o^ CaVírIlieiro a
mesma pantomima , vindo a ficar por este modo com duas bo^
tas novas; Chegou depois o corretor tom hmn bom cavallo
para sua Senhoria , então- swa Senhoti^á iliafidóu-o priíiieiró
passear, resoívco por estar de botíís, montar fámbem nelle,
deo a sua volta para o experimentar, já de furta passo j fade
trorey já de galope a^té que perdco o dono de vi^ta , sobio tra-
vessas, dcsceo bêco«^, e foi caminhando para o Minho Còrn
â' nnaior facilidade. Era hum gosto vero corretor desesperado
da espera à ilharga dós dois C^apa toiros, qii€ bambem tinhaõ
chegado com as botas das encospias ; fazia mais brilhante a-
quella scena o Correeiro a querei* os seus caixões , o que os
comprou segunda vez, disputando-Iíie a primasia, a Estala-
jadeira pondo embargos a tudo , pelo que sua Senhoria ficou
devendo na Estalageiti ; e fi trate elit^ nao se sabendo mais do
cavalheiro^ só se sabe que esta funÇao íem dado de si sexfi
pares êe vestido» nevoe a Letrados, Escrivães j e Procurado*-
res , de que Deos N. Senhor nos livre.
Continha çãíf dos caficeHoS' achados ao fjffssa Fèíio dè
Rffmularet,
Dizia o nosso Velho-, que ao hortiettí nada lhe falta pá-
ra se sustentar , nem nad* lihe sobra para sfe' perder.
Dizia o nosso Velho, que os filhos devem casar quan-
do souberem o que elegem, e o pezo, que tomão.
Dizia o nosso Velho , que seis cousas tinhao as velhas,
ambição , vaidade , desconfiança , desteniperos , impertinên-
cia , e flatos.
Dizia o nosso Velho , que assim como o valido se não
conhece a si j quando descahe da graça, não he conhecido
dos outros. ,
c ^ )
Dizia o no5so Velho, que os homens d« juizo, quan-
do nlo podem o que querem , querem o que podem.
. Dizia o nosso Velho, que as mulheres dissolutas que-
rem achar quatro qualidades nos homens: mancebos que pos-
sáo presistir, liberaes que possao gastar, pacientes que pos«
são soffrer , e tolos que nao temao arruinar-se.
Dizia o nosso Velho, que cinco cousas desorganizâo a
boa ordem da vida , o logo voa^ o não importa ^ o bei devir
a ter, o bem sei o que fafo^ e não se me 4d.
Dizia o nosso Velho, que a mulher he como a balan-
ça que inclina para onde mais recebe.
Dizia o nosso Velho, que depois que veio ao Mundo
o teu , e meu , he que se procura quem és tu , e quem sou eu.
Três cousas diz o Editor desta obra, que por ultimo
deseja a Vv. mm., curiosidade de lhe comprarem a Collec-
çáo , dinheiro para lha pagarem, e desembaraço era a ler pa-
ra lhe não diminuirera alguma graça que tem.
Saibão todos quantos estas duas regras virem , que a
advinhação do Folheto antecedente, que principia: Torto
sou , mas assim t^rto , parecendo que não he nada , he hum
anzol.
Pedindo a Cozinheira , namorada do Moço do Poeta ,
ao mesmo Moço que lhe mandasse a Gazeta,, porque tinha
empenho de ver nella certa novidade , elle lhe mandou di-
zer que por falta de vinténs não era assignante delia , nem
tinha a quem a pedir emprestada 5 porém que por satisfazei-
la , Ine compunha huma Gazeta nova feita no seguinte
SONETO.
Gazeta deste mez , dez do passado.
Ha de amores tão grande epidemia-,
Que chamando-lhe alguns tafula»-ia ;
Vêm a acabar em misero noivado :
(7 )
Porto , seis do torrente , o luxo armado
Vai triunfando das modas dia a dia ,
De ponto sobe era tudo a carestia ,
Partidas , c funções nao tera faltado :
hssboa^ os ladroes vao levando corte,
Quem quizer ter dinheiro , e nao ser fraco,.
Poupe vinténs, não case, e será forte:
A visão lá das partes do 5í/f<7r^
Que todas as mulheres cá na Corte
Parecem no trajar nabos em saco..
A. Y I S O Si.
Sahio á luz o Berimbau de AfoUo^ olra Pastoril y^
ficão-se imprimindo na mesma Offícina as obras seguintes:
Descaídas de Phaetmte em 4.*'; as Maçarocas de Hercu-
les era quartetos j e os couces do Pegazo em quadrinha me-
nor.
Terça feira, que vem, se não chover, se ha de pro-
ceder o leilão nos bens do ausente Morgado da Falperra ,
tudo moveis de alguma estimação; porque os de raiz le-
vou elle comsigo ; e os que se arrematão são os seguintes:
Hum leito precioso pela sua invenção , pois he formado de
sete peças, a saber: cinco taboas de pinho, e dois bancos
de ferro , e prompto a desarmar-se em hum instante, por cu-
ja facilidade está livre do contagio de percevejos : Hunia ban-
ca , a que chamao de aza cahida , pelo desmancho das abas,,
mas ainda tem remediou Fuma bandeja de casca de sobro,,
axaroada com toda a galanteria: Bum aparelho de albarda ^
que mette curiosidade usar delle, pelo bem conservado , que
está: Quatoize quadros de pintura^ que pela sua antigui-
dade se não pede ccnhecer de que Author são , reas ainda
mostrão , que o Auihor jião era dos modernos: Mti/t dw^ia
de cadeiras destas de três pés seir costas , á Grega : l)o'^s
caixotes de íoaça de jogo ^,mm\Q mimosa, com panellas, e
tijellas de toão% es tanaaahos : Huma ^ais^a de tAaco^ fei-
ta já neUe, çi^ cobre, esmaltado eai partes, e outros ^ que
meliior se verão mo Inventario.
Acabou com o ultimo dia do anno, o Primeiro Tomo
desta curiosa Cbílkcção, no presente Folheto N. 88 ; e es-
teve em termos de não continuar j porque quasi todos gosta-
vão muito de a ler de gnaça : principiarei porem o segundo
Tomo, vista a occurrencia dos Senhores Assignantes, que já
vejo se não enfastiáo de que se lhe critiquem os vícios, a-
pontando^se-lhes na Moral ^ as virtudes; e adverie-se ao Pu-
blico, que não julgue que o Author desta Obra que critica
os outros , satisfaz como tem de obrigação ás mesmas Virtu-
des Moraes que aconselha.; nem o conseituem livre dos vi-
cios que reprova ; porque elle, pela sua fragilidade, he da-
quelles que nem faz o cfue diz, nem diz ó que faz, e por
esta razão melhor será que o lêáo, do que o imitem.
Vendesse esta Ohra^ e todas as niah partes de que ée
ctnnposta , e vãú sahtnds succesMvamtnt^ ^ ag^s \Lojãs jeguiu'
tes: Na de João Henriques na rua Augusta junto ao Ter-
reiro do Paço: NadeFrancisc9^vierdeCarvalhD^o Qhia^
do durante da rus de S\ Frm/cisco : Nn de iânt(jnÍ9 Mtwoel
rVoíy^arpê tm Arcada do^i^nadox Na de De sJ der éo Marques
.litão-^o Calhar i:& Nf ii. : N^ de ántomâ F^dro Jbopes ma
irtm do Qurojumv d da Game ta : Na de LeaJrm Akani<arã :
E em BeJém jia de Cape tia de José Tiifíuví9 : Tunóem^e
.mhM ua mesma Officína\em que se fazem.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. BE CAMPOS.
Qmi 4ieençn da Mt^aa do Destmèargo do Pwpf*
o
ALMOCREVE DE PETAS.
P AR T E LXXXIX,
Falia qus faz o Editor da presente Celkcção.
Ra ninguém se maldiga; quem dissera ao Author da«
Petas, que os Senhores de pantnionas se haviáo chegar tanto
á razão, que a maior parte dos assignantes novos , que con-
eorrôrão para o presente anno quasi todos são deste traje i
t) Certo lie , que o habito não faz o Monge, Jogava-sc o
murro secco o mez passado á porta da Loja da Gazeta a qual
havia assignar primeiro para o segundo Tomo , que neste
Folheto se principia; e isto pelo que! porque virão que as
petas traziâo aquelia Carta escrita do Porto Qot\u:\ 2^^ ^Q"
nhoras do presente Século : coitadinhas ! não sei como ha
quem diga mal das pobres Senhoras; cu ! o Ceo me defenda
de p^gar na penna para semelhante fim ! e e^ncs Senhores
Tafues tanto se esmerão em lhes botar o credito a perder;
porém se tem raá lingua, lá o acharão; que a mim o que
me importa, he faaer, o meu papelinho sem entender com
pessoa alguma , e ver se se gasta , para tapar a boca a tanta
gente, que me cerca : com effeito parece-me, que daqui em
diante não terei razão de queixa : bem me dizia a mim o meu
8?
(O
Almocreve r Trabalhe , Senhor , tralí^lhe na? Tetas , quê
o consumo be certo \ parece que tem aquelie rapaz natureza
de gato pela promptidáo com que advinha os ventos : e O;
certo lae , que nie fallou muita verdade, porque segundo
vejo, já o anno novo vai abrindo para mim o olho direito,
se até agora parecia que estava dormindo. Terça feira pas-
sada fui á Feira y e nos lugares dos Adellos''ándei a escolher
Livros velhos para cora elles fazer cousas novas ; pois tirei
esta lição das Casas de Pasto de Lisboa, que dos^ accresci-
mos. de três, e quatro dias dao aos Tafúes hum banquete
no dia seguinte, que parece feito para alli \ tanto podem
os adubos, a manteiga , os tom.ates ! ora entre os alfarrá-
bios que alli vi peguei casualmente em huns folhetos do Re-
torno ^ e huns caderninhos da Ilha dos Tafiíes , e por mais
que os quizesse lêr, poz-se hum rapaz por detraz de mim a
gritar: Papagaio Real^ Papagaio Real, com gritos tão des-
ordenados , que não continuei a ver cousa alguma em seme-
lhante lugar ; sabida a historia foi porque o tal Adello ti-
nha huma gaiolla com este pássaro á venda , que era a cha-
mariz de quantos rapazes alli passavão : cheguei-me mais
para o fim da Feira, e achei huma pobre mulher viuva,
que vendia os papei», e Livros de seu marido, que tinha
sádo hum santo homem, segundo confessava a mesma mu-
lher, porque nunca lhe punha mão, e só lhe mostrava a boa
vontade ; e balbociando de choro muito saudosa me mostrou
hum Livro de folio , já com as primeiras folhas fora , que
ella lhe tinha tirado para carapuças da roca, mas assim mes-
mo lho comprei, porque traz muita cousinha para o nosso
caso, que hiremos dando ao Público pouco a pouco , que nis-
to não me affasto de cega opinião de muitos que affirmão ,
^e cousas novas já se não dizem ; quero-lhe fartar a vonta-
de, verificar-lhe a sua teima, e chupar-lhe os quarenta réis,
que no tempo de hoje he huma mina : farei por agradar , e
por cumprir o que prometto, se Cirurgiões, e Boticários
não d^rera cabo de mira primeiro, que são, no meu con-
ceito , huns correios particulares da morte , e muito capazes
4e me fazerem gastar era vigitaes , e mineraes tudo quanta
lucrar nas minhas Petas.
( 3 )
Impugnação ao LihelJo ^ que certa Senhora de Lisboa {e^^
mo Advogada do stu sexo) fez piíblico em o Folheto
».** 85 desta Collecção , remettida da Cidade do
Porto ao Marido da mesma Senhora.
Amigo do corarão, com bastante mágoa minha pego
na penna para responder aos Capítulos de huraLibello , que
•a sua irada Esposa nos intenta provar: Eu não seise V. m.
foi sabedor desta accusação , que recebi no Correio das Petas
escrita por essa minha Senhora, querendo no mesmo Libei-
lo , por força da paixão convencer-me , de que os homens
são huns monstros, e as Senhoras humas estrellas ; e como
rae vejo instado pela força da razão, não tomo a confiança
de liie escrever positivamente, mas sim de pôr nas mãos de
V. m, a seguinte resposta, que por direito lhe envio, afina
de que chegue á presença da sua Esposa, minha Senhora ,
impugnando-ihe as granídes, e furiosas expressões com que
nos abate.
Com o míiis devido respeito, e humilde veneração , que
se deve ao delicado sexo , donde descendem as Deosas fabu-
losas, do Thcatro de los Deoses, desfarei a enthusiasmada
presumpção de que se nutre a feminina ordem , a fim de lhe
mostrar, que as Senhoras nao são tão izentas de maldade,
que deixem de concorrer para o precipício do homem. He
verdade que ha entre estas algumas, que nem por sombras
devem representar na presente scena ; e escuso cançar-meem
lhes dar aqui a primazia, pois que por si mesmas se distin-
guem =:: ...
:=; E aqui lhe deixe agora hum vasto Campo ,
Para jogarem soccn , e bofetadas ;
Vois na conversa que tiverem juntai ,
Todas se hão de julgar exceptuadas.
Depois da excepção acima tocando em geral este mi-
moso sexo perguntarei j porque se não contenta huma Senho-
ra com a cor que Deos lhe deo ? Se he de sua natureza a-
marella ; porque dá gasto ao carmim ? E se he trigueira ;
porque manda comprar os pós de Aljôfar? Se isto me ne-
gar, notificarei a loja do Massa, para que deponha no Juí-
zo da vaidade, a iimuensa extra^cfâo, que tem nesícs g/e-
neros para o refendo fim. Agora respondao-me : Estas com-
posrwa* artificiosas, não são para melhor inquietarem aos
homens , armando-lhes a rede da formosura para que elíes
com mais facilidade calão na escolha j Jogo de que fequei-
xão ? '
Passando ao segundo Capitulo era que não querem sef
doentes por arte, não he constante na lembrança de nossas
Avós, que muitas meninas por moléstias im:ognitasvomita-
vão alfinetes? Sirva»me de exemplo hum caso, qae presen-
ciei ha dois annos quando estive nessa Corte. Hindo eu em-
barcar para Belém , veio para o mesmo fim huma velha com
huma rapariga bem trajada j mettêrao-se no bote, e reparei
que a velha a segurava muito; pei-guntei-lhe , que tinha a
menina? Respondeo-me que tinha fernezins de se botar ao
mar; e que de quarto, em quarto de hora vomitava pedri-
nhas. Estimei, logo a noticia, com o desejo de ver aquella
raridade; com effeiío a maré era contraria, gastárão-se doas
horas, e neste decurso de tempo não tive hum instante era
que podesse ver tal fenómeno; antes aconselhei á veJha , quc:
trouxesse sempre aquella menina ao mar, porque talvez a ^
melhora que experimentava fosse daquelles ares. Não ha ain*
da hoje immensas convolusóes daquellas a que a Medicina
só descobrio o famoso remédio de lejolos em braza , reme*
dio que só fallado tem certa antepatia com a moléstia de
tal sorte, que ainda bem senão nomeia , já desapparece o
mal ? Ora à vista disto que mais esforços preciso para provar-,
lhe o artificio.
Passemos ao terceiro Capitulo. Nós vemos que huma
Senhora por soberba arroga a si todas as venerações , e res-
peitos, julgando na sua fantasia todos os obséquios por pe-
quenos, e que sempre he credora a todas as decencias , pois
nada ha que a satisfaça , tendo de si para si, que muito mais
lhe devem fazer: c cora este enthusiasrao anda sempre em
contínuo império, cortejando o menos que pode, e divini*
zando as falias no ultimo extremo : não lhe cremino esta so-
berania que em algumas passa como recato , só lhe estranho
aaffíctaç ao de laes sentimentos,
Ciue direi da sua vaidade? allegárão para a prova do
nosso vicio cora o Perno de Adão ^ sem se lembrarem, que
ío\ Eva a tentadora. Enfeitarse a solteira^ . e nos públicos
já inals jufgôu , que houvesse outra igual a ella : enfeifa-se a
• casada pensando que ainda está nos seus primeiros annos ^ e
às vezes tão indiscreta que imita o desgarre das filhas , sem
repanir na d i ffe r cnqa , que vai da velhice, á mocidade: cn-
feica-se a viuva dizendo que ainda não he algum peixe podre ^
sem mais discurso , que a satisfação do desejo de segundas ,
e terceiras núpcias; e setii discorrer no pezo que faz huma
mulher a hum homem , que sem reflectir na falta de meios ,
$e casa. Apostarão dois homens em huma Praça pública qual
linha nraisforça, e para eífcituarem a aposta, foi hum. le-
vantar do chão a mó de hum moinho, que alli se achava,
porém o outro dando dois passos, pegou so collo em huma
mulher, que s^eguia o seu caminho com toda a decência, e
disse para o companheiro : 7efíòo nwslra^a que jeguei na
cousa de maior pezo ^ e for consequeTicia ganho a aposta^
c outros muitos axemplos allegaria se preciso fosse.
Respondendo ao quinto Capitulo direi , que a preguiça
domina muito mais no sexo Femenino , pois descançando
este no vigilante cuidado dos homens prudentes , lhes impõe ,
como por obrigação, o cuidarem em tudo o preciso da casa ;
reservando só para si, não a factura de huma téa , mas sim
o enfeite de hum vestido; não o governo económico, mas
sim a conversação da assembléa.
Direi respondendo a todos os outros Capilulos, que lia
imraensas Senhoras golosas, cheias de appetites, governan-
do por este motivo a casa com vinte , o que muito bem
podião fazer com dez: e finalmente, que são immensas as
fingidas , cujo» fingimentos por muitas vezes tem sido a ruí-
na de infinitos homens : houve já hum que as conceituou
por compendio de todos os irales; e sendo casado com huma
anã lhe pergunláião alguns amigos a razão daquella escolha ?
Ao que elle prompto respondeo : Casei com huma viulher
pequenina , porque sempre ouvi dizer , que do mal se deve
escolher o menor. Ao grande Aurélio Filosofo perguntarão
cm outro tempo qual seria melhor : Se casar com mulher
rica ^ se casar com mulher pobre} E por elle foi respondi-
do, que ambas erão más: porque a J obre custava a susten-
tar, e a rtca custava a soffrer ; e por esta razão todos os
homens deverião escolher a mulher com os ouvidos, e não
com os olhos ; que he mais importante ouvir â fama do seu
CO
bom comportamento , do que ver a sua formosura. E quan-
tos ha que até desprezando estas duas circumstancias só a re-
cebera a pezo do dote, que traz sera verem que a mulher
he hum labyrintho na amizade , hum perigo domestico , e
huma tentação importuna ! Seja-me licito este desafogo, des-
affrontando como posso os meus iguaes ^ e he de esperar que
a nossa contraria discorrendo na razão , se arrependa do que
disse desprezando o mesmo Libello , e fazendo*nos justiça
em se convencer da nossa verdade , que tu
He Fama Ptíblica,
Esta foi a impugnação , e esperamos com o maior al-
voroço, para o folheto seguinte, a sustentação do Libello
feita pela mesma Authora , que não he possível que se des-
cuide de desaggravar o seu sexo*
Vindo o Almocreve Sabbado passado na continuação ,
da sua jornada , e passando por Viila Franca , vio que de
huma janella hum homem já velho de óculos, e roupão, o
chamava, chegou, e recebendo da sua mão hum papel , lhe
ouvio estas palavras: Tenha paciência^ entregue^me ao E-
dítor dos seus folhetos estes versos feitos ao Ouro , pro^
ducção ainda da minha mocidade , que talvez os não de*
sestims para encher algum quarto de papel , nestes termos
aqui vão taes , e quaes se receberão, e cora a approva^ão
de muita gente Sábia,
Jlo Ouroi
L
T.ouro metal , que lá do centro escuro
Da terra , que no centro te escondia ,
Sahiste a ver o dia
Por mãos do ferro, mais que o ferro, duro,
E mais que o ferro , artifice de guerra ;
Tyrannisando a terra ,
Soberbo foste bravamente forte.
Adquirindo o poder da própria morte.
Indigno foi de nome generoso,
Qiiem penetrando abobedas escuras,
Vio das entranhas duras,
Da terra, anathoraista rigoroso,
, (7)
Os recôncavos intimes, a donde
Justa a terra te esconde;
Pois crendo qu-e o teu jugo se redime^
Entre grilhões de mármore te oppriinek
IlL
Em seu rigor piedosamente esquiva
Quando ao trato comraum te difiiculta
No centro em que te occulta ,
Em cárceres te pòe de penha viva^
Avara conservando deste modo,
A paz do mundo todo ;
Porque soberbo cora diligencias tantas
Com os Impérios do mundo te levantas ?
IV.
Com presumpçao de entrepido, e de altivo/
A effeito trouxe de seu próprio damno ,
Atrevimento humano ;
Do luminoso ardor , ardor nocivo ;
Porém mais temerário atrevimento
Por impulso violento ,
Te foi buscar era destruição do mundo.
Pálida fúria , ao Báratro profundo.
V.
A violcncia trouxestes, a fraude ímpia,
Perturbadora do socego humano,
E desculpando o en^no
Fizeste lei da própria tyrannia ;
O trato fiel, o inexpugnável muro
He por ti mal seguro,
Pois figurada era vão deixa rendida
Dafiai 2i honra , e Polidcro a vida,
VI.
Tu deste alentos ao primeiro pinho,
Para qne arando o Campo nunca enxuto ji
Largasse resoluto
Azas ao vento , de delgado linho ;
Tu quebrantaste a paz ao mar sagrado;
E enganando o cuidado,
Porque esqueça o perigo co' memoria
Déstc ao perigo títulos de gloria.
(S)
VIL
Tu só por Insolente respeitado ,
Ao vulgo superior dos meiaes todos
Cobras por vários modos
Hura lugar a sobre sorte collocadoi
E em virtude da própria formosura
Andas sobre a ventura ,
Acclamado do mundo , não somente
Rei dos metaes , mas ídolo da -gente
AVISOS.
Quem quizer comprar humá' nora sem roda, nem ar»
rióz , masque anda por si só, e tira agoa sem alcatruzes ; vá
failar a Brizida Moquenca , a qual se quer desfazer delia pelo
motivo de que sendo esta sua escrava teve a astúcia de casar
».com o filho delia vendedora.
Quem quizer huma fazenda na outra banda, que tem
seus altos, e baixos, que assim lia muita cousa neste mundo,
cora hum excellente Pomar de pomada alvíssima , e outras
arvores que produzem fruta, que não sendo de caroço, tem
amoras para se saber que frutas são, e que confina com hum
grande Olival de Asnos, para onde vão alguns velhos con-
versar, que suppre muito bem pelo Cáes da pedra de Lisboa ,
com humas Casas com D., porque são Nobres , asquaestem
no patco hum grande poço de letras ; appareça , que tudo se
pôde fazer em bem.
A três do mez passado hum Tafiíl sectário acérrimo
das modas , Protector da Cotovia , e Estragador mor do seu ,
e alheio, falleceo de huma dôr , que teve no vazio da cabe-
ça , nota-se por cousa rara vir a dôr a tal sitio , sendo o
vazio nas iilíargas, mas em cinco dias deo a casca porque
taiíibem não linha outra cousa que dar , por mais que se lhe
procurou o raiôlo.
I
USBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. OE jC^MPOS.
I 8 I 9. ''^''^'^"i of. i>;cx!''
C(ÊW« /iceufa da Metia do Desembargo do Paço*
S-Tr-íÇTC: V.
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE XC.
Sustentação do Libello que fez a estimável Senhora , qut
tomou a seu cargo defender as cio seu sexo , instando ,
aggravp.ndo , e até afpellando \ fois que jjara tudo se lhe
cancedem todos os poderes em Direito necessários.
O Efíhor Victorino António Zagal de Sousa : com a maior
brevidade passo a ccrtificallo , de que veio á minha presen*
ja a sua descarada impugnação, abiindo-me o campo para
«uslentar, e provar as péssimas qualidades dos homens, e as
nossas brilhantes qualidades j e com.o hc dicado dos nossos
antigos , que quem. diz o que quer cuve o que não quer , re-
ceberá nesse palmo de cara a n;inha verdade^ que já mais
se occuhou aos olhos da ra^ão.
For principio de sustentação, ?cm mais outro í^m , que
o desaggravar as minhas iguaes , oíTercço á séria utlcXaO
do mundo os seguinres Capitulof.
Sem que lance mão das rediculas pcsquisaçócs, que faz
o nosso contrario, como são as dos enfeites, c adornos da
nossa decência, as m.olestias fingidas, e outras cousas que
90
(O
por pequenas, e baixas, tendo immensps respostas porggora
se omitteoi , ro.u só a tratar das qualidades, que nos acoin-
panhão, para na final sentença se fazer a justiça, que itiere^
cemos.
Quem duvidará que já no principio do mundo houve
amor, inclinação, e lealdade na primeira mulher, e que es-
te menino, chamado agora vulgarmente /Imcr ^ brincou ran»
to então com estes dois Esposos , como no tempo presente
brinca entre nós ? ora se já dos primeiros dias nos vêm esta
inclinação , porque seremos arguidas de a praticarmos ?
Qiiera duvidará, que quando o Poder Immenso construío
o mundo. Jogo fez a muílier como huraa grande parte do
mesmo mundo , não a creando composta das frivolas cousi-
nhas , que o nosso Adversário nos atíribue, mas sim de hu-
JDa matéria mais docii , e mais polida, que a do homem;
dotada de hum animo inclinado sempre á compaixão , cora
huraa piedade sempre tao generosa, que a mulher por amaro
homem he capaz de arriscar a sua reputação, e a sua vida?
e se vemos hum amante lançado aos nossos pés, o elevamos
aos nossos braços, e talvez des!;edindo abundantes lagrimas,
como em reraunerajao , que são os signaes mais certos ái
noísa ternura. .^4 AVc
\ . A nós só he dado aquelle sublime altributo de Mái , Ião
honroso como necessário pelo laço da Santa Igreja i e como
huma mulher se não pode reproduzir de si , em si , segundo
as medidas do seu mesmo Author, de necessidade ha de amar ,
que para isso tem comsigo o descernimcnto , as leis do re-
cato, e da honestidade, prmas seguras com que todas sede
fendem contra os seus inimigos nas occasioci; arriscada.?.
Qi^iem duvidará , que em todos os tempos houverao fa*
mosas Heroínas, que governarão Reinos, e até vencerão
batalhas, decidindo as cousas intrincadas, c de maior pezo,
prerogativas estas, que os homens só a si querem arrogar ,
còh;;? se a Providencia se limitasse para com o nosso sexo,
nas tres yictencias que lhes confiou.
Nada pôde adinirar , era que a mulher ame o homem,
Jogo que dclle procedço, se he natural em tudo buscar a sua
origem. A delicadeza, e gravidade de huma mulher , deman--
da o mesmo homem pdos respeitosos obséquios , e pelas de-
corosas finezas j ç a faltai o homem a estes deveres, deixa-
( 3 í
rà de ser sociável, e assemelhar-se-hla a huma terra j que
sempre esteve sem cultura,
Se os homens nos attribucm hum génio variável , direi
que elles são a causa da nossa variedade , pois sobre huma
folha do álamo pendente do^ ramo , já mais se pôde pôr hum
pomo seguro ; assim pois na sociedade das gentes , como po-
de huma mulher mosirar-se constante a hum íiomera , que
muda os seus projectos todos osannos, iodos os mczes ,
todas as semanas , todos os diíis , e todas as horas ? Poucos
homens ha que se conduzão pela razão, a maior parte del-
les se regem pela moda, pelo capricho , pelo apetite, e pe*
las occasiões que achão : ora aqui os temos formando o mes-
mo labyrintho, de que falia o nosso Adversário, onde nós
he que os não sabemos entender ^ elles fiuciuão enrre a verda-
de , e a mentira; elles querem, e não querem ao mesmo
tempo; hoje desejão a paz da sua própria mulher, á manha
apetecem o damno de huma depravada : ah se fora possível,,
que elles mesmos se analisassem, como não achariâo em si a
natureza de Camalião?
Finalmente são imraensos os discursos, q«e me lembro
fazer contra os homens; e faria outios tantos em nosfo fa-
vor cora vivo» exemplos , senão temesse degenerar aquelia
natural piedade, que anima a nos«a condição, e que deve
ser praticada cora o sexo masculino, de quem tenho o maior
dó; e por isso me calo com mais brevidade, ccrtifícando-rae
de que o roeu contrario reconhecerá a minha prudência, e
- me fará em conhecer a razão a devida justiça.
Salvador i/^ de Janeiro,
Não ha cousa como he hum homem ter juizo , ainda
que seja tolo, porque logo adquire amigos, rouba attençócs ,
e lhe tazem obséquios; he tratado cem respeito, confcsjão-
Ihe o merecimento, c todos lhe fazem rapa*pé; elle ufano
com a fantasia, que tem concebido de rao ^cr lerdo, cale
cm simpliccs absurdos, que não conhece, e sómer^tea ciisse ,
como contraste, he que lhe dá o seu valor; ( victcrfeição,
não vai a desconfiar, porque o caso não he para isso) n.a%
he para provar a que ponto chega a louca defeiivohuia de
hum presumido namorado cem créditos de Sábio: htm des-
( 4 )
te5 que diga, porque destes lia muitos, fiíeítéo-se-ihe na ca-
beça vencer hum impossível em querer hir visitar humas Se-
nhoras da sua veneração, a quem elle correspondia de vista ,
as quaes estavão nas suas quintas, huma em Porto Salvo,
outra em Camarate , e de resto vir a Pahna de cima , em
Companhia de outras, que elle conhecia por infcrraação : en-
trou QSiQ a calcular as distancias, e achou que de sua casa a
Camarate havião de longitude para o Nordeste duas léguas*,
e a Porto Silvo para o Noroeste outras duas ; e que de sua
casa a Palma de cima para o Norte, havia huma légua pe-
quena, e favorável: sommada a conta descobrio na somma
cinco léguas para caminhar era hum só dia, para dar com-
primento á sua palavra; pois tinha promettido por acções
deixar-se ver em os sitios onde as Senhoras se achaváo, nao
se lembrando do desconto de as tornar a caminhar de hum
sitio ao outro, só sim de perguntar a hum seu amigo Geo-
métrico, quantos passos fazião huma légua ? e dizendo-Ilie
este, que ires mil, entrando altos, e baixos, fez logo hum
passeio desde sua casa até Arroios, contando os passos; e.
como andasse mil, era quinze minutos, assentou que seis
horas fazia a sua jornada com muiio descanço, e que sindâ
lhe subejava tempo para as mais vistas de olhos: como elle
nao tinha cella, nem cavallo, nem cí usa que o valesse, as-
sim que chegou a casa, mandou logo |'or hum rapaz pedira
alguns dos seus amigos , batas, esporas, traçado, e ciiapéo
de Sol: huns linhao , e naoqueijáoj ouiíos querião, e náo
íinhão , e esteve em termos de ficar sem cousa alguma, dos-
pedidas; porem sssim mesmo nrmou-se o mcll or que ; i ie ,
e Domingo pela manhã rahio de sua casa à pé, e cuidando
que se benzia , quebrou as pernas, pois topando huns ami-
gos, que hião ao bota-fóra de hum navio, lhe oíferecéraa
deitaílo em Paço de Arcos, segundo o risco da sua jorna».
da: acceita o Taful o convite, embarcão no Cães da Pedra
lodos, muito contentes; e como a maré estava vazia, foi a.
embarcação com muito bom successo encravar-se na unha de
huma ancora ; encheo-se o barco d'agna , e em quanto c&
}\io salvarão estiverão de molho ; sahírao á terra , e cada
ííum procurou a s^ua vida , que julgou perdida : porén^ q nossa
fimigo foi enchugar-se para hum forno de cal , de donde sa-.
hio tolhido de dores, porque tinha moléstias compliciida&rv
, . í ^ > .
consta que está no hospital linrado , e be2ijnfí5('o , e que
dalli será n;udado ás nrãcs de quatro ; porqte rão cá tjf e-
ranças de itelhora. Olho vivo meus Taíúes, que quem íi^da
á chuva sempre se molha.
Beco dos ires engenhos 16 d€ J/j joeiro.
O homem incansável, e ambicioso do bem con'mum,
já mais deixa de fazer força por tirar do centro da ignorân-
cia tudo o que ha útil, não só para si, como por deixar á
Posteridade mais huma vantagem no sugir.enio da Scicncir^
Hum curioso, cem lábios de Mathafysiologico , Artemiojo-
gico, Mcnoriologico , Algramandeologico , não só por seus
estudos fantasiologicos , como por seus Quimiciogiccs nntc-
passados, tem feito varias descuberlas felices, e proveitosas
com a machina estrarcbólica da sua invenção ; e isto nova-
mente se vio na Anathcmiologica , que fez á cabejleira de
hum Sátrapa, que eslava inlrévada pela muita idade que ti-
nha , e por ser contemporânea da Cczárea , a qual padecia
a moléstia de grizalla , que a opprimia àçiÒQ creança ; ecste
lha tirou com delicadeza, sem lhe offender os lendôes, de
cujas mjclhoras ficou remontada com btljezas , marrafa , cas-
tanhinha, e hum rabicho, que lhe armou de trancinhas , co-
mo certamente o não faria o melhor Professor j consta que
já sahe fora , porque a semana passada foi vista na feira , na
mão de hi'm rapaz que a vendia, e hum calvo vendo-a "tom-
bem lhe proraeueo por çlla quinhentos e trinta , e hum copo
de ponche de molhadura ; espera-se que este Alsquinistà ad-
quira huiiia grande frcguezia , e que s^ja reputí>da a i\]2 ha-
bilidade em grande preço , na opinião dos calvjsras do icm.-
po presente, que não são poucos, depois cjue per falta de
gomraa se usarão de poz de trigo, e de balatas.
Máximas do Vdho de Romulares continuadas na makr
farte destes Folhetos,
Todo aquelle homem que ignora ,
Quanto devia saber ,
He mais hum bruto, entre os homens,.
Que íó serve de comer.
C67
JiTandas fazer hum vestido
Para o corpo (e cubrir ,
Porém por desvanecido ,
Tafulão, e pouco esperto,
E's táo escravo da moda,
Qiie andas sempre mal cuberto.
Que fácil he prometter
O homem ludo o que tem i
Quando o desejo quer ver
Satisfeito em mal, ou bera?
Mas depois que a conseguir
Gs seus desejos começa ,
Qiião difíicultoso he
De se cumprir a promessa!
Não sejas tão ignorante,
Que intentes botar fatexa,
Sem veres do porto o fundo;
Que pode em roxa constante^
A ancora nao pegar ,
E fícar trincada a amarra.
Que te deve segurar.
Os homens, que o sabem lúo ensinão,
Ourros que ensinão, e o contrario fazem;
Sáo huns monstros em tudo desiguaes,
De que servem taes homens entre os mais ?
Julga o homem grande sorte ,
Ter muitos gostos na vida ,
E larga fama na morte ;
Sempre esta aura se tem visto,"
Mas depois do final corte,
Que vai isto?
No livro da Viuva, mencionado na falia do Folheto n.»
f?9 desf.H Collecçao , se achou a seguinte quadra cora a sua
giosa^que não deve ficar no escmo pur ter algum merecimento.
< 7 )
^dJiH votos de querer-te.y
Mil emjentos de adorar^te ,
íort una foi conhecerei e ^
Desgraça será deixar -te,
GLOSA.
I.
No peito hura altar ergui
Por dar-te o culto melhor j
Foi o Sacerdote Amor
Por mãos de quem to offereci?
Por mim, por elle, e por ti,
Jurei de nunca offender-ie,
E para a vida offerecer-te,
Entre promessas mais claras ,
Pondo as mãos nas Santas Aras j
^ã fiz totós de querer^te.
II.
Sempre em querer-te empenhado,
Verás o meu coração ;
E já mais de ingratidão
Espero ser accusado :
Meu cruel, e antigo fado,,
Não terá poder , nem arte ,
Para de mim separar-te
Neste empenho tão distincto ;
Onde i rad : instante sinto,
MH cwfcn/ji^f de aàorar-te*
III.
Coi.iieci que tu só eras
'Jigna de empenho tão puro,
E pelos teus olhos juro ,
Que estas falias são sinceras:
Ah roeu bein , se tu souberas
O mais que não sei dizer-te !
Virias a convencer-te ,
De que para o meu amor,
No mundo, a saa maior
Fortuna , joi conhecer^te.
IV.
Multrs terão por loucura
A minha justa paixão,
(35
Cegueira lhe cliamaráõ,
Mas eu chamo-llie ventura:
De tristeza, e de ternura,
Suspirar por toda a parte;
Contínuarnente adorar*te.
Sem poder cahir»te em graça ,
Ninguém cuide , que he desgraça ,
Desgraça será deixar -te.
A V I S O S.
Qjjem tiver achado algom dinheiro por vezes, e onao
íqxúx^ restituído por não saber a queai , querendo-se de aU
gum modo desobrigar de algum pezo, que este lhe faça na
íilgib^ira , diriJ3-se á loja da Gazeta, e faça a obra mérito-
íia de comprar a Coilecção do primeiro Tomo do Almocre-
ve de Petas, qus nisto faz hum grande serviço a si , e a mim ,
pois que o Almocreve está á e?pera dos quarenta réis, co-
rno os barbeiros á espera do vintém.
Quem quizer comprar huma partida de chá verde, que
já está maduro por estar cm Lisboa ha quarenta annos , fal-
íe com Monsieur Garnize , que tem a commissao de o ven«
der, c pode ser que o dê era conta, por se achar falto de
cobre com letras.
Avisão de Mirandeíla , que ha naquelía Villa huma
anulher de hum Molleiro com o sestro de comer pó de pedra
misturavio com cal, e arêa , de sorte , que havia dia , que
comia dois, e três arrates: o marido dizenao mal á sua vi-
da , pois já lhe talfão duas mós do moinho, fallou como
Medico, e ententando este quartar semelhante vicio, o con-
seguio por meio de algumas exquisitas , e particulares recei-
tas ; porém nao se sab:? qual foi melhor para o marido , pois
que a dita mulher deixando de se rebocar por dentro , deo em
se rcbojar por f.Sr^ com alvaiades, cor, c outras unturas des-
ta natureza , dcsíi garando-se de tal fórma, que nem o mari-
do ás vezes a conhece.
LISBOA. NA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMFOS.
18 19.
Com liceu^a d;t M(^si4 do Desembargo do Paço»
N
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE XCL
Chafariz da Praça 19 ds janeiro.
Egras modas, negras tafularias, quantas desordens cati-
saes , o' têmpora , o* mores ! oh tempo das amoras ! mas quod
natura datur nemo negare pote st , o que se mefte nos armá-
rios , nao se pode pôr atrás dos potes: hontcm quasiá noite
tinha sahido vestido de ponto em branco hum TafuI para ir
a huns annos , onde todos os trastes erno do ultimo trinco ;
huma grande poupinha adiante , nocabcllo, e atrá^ hum chi-
cotiniio de meio palmo de comprido muito tezo, e pegado
ao casco: passou pois este pcriquiteto saltando de pcdrinlia
em pedrinha por pé do chafariz da Praia , c como debaixo
•dos pés se Icvantao os trabalhos, andando hum Galego na-
quelle sitio de cabeça baixa esgravatando na lama , como quem
procura alguma cousa que pcrdeo, ergucndo-se, e desvian-
se para o deixar passar , dá de repente hum piilo, salta nel-
le pelas costas, e agarra-se-lhc ao rabixinho a gritar: Lar*
gue sou ladrão, largue sou ladrão ^ acudio logo toda a maf-
tezia de barril , vierao os dos chussos pegão \\o pobre homem ^
91
pergunfao-IKe a causa daqiiella. desordem, e elle sem acertar
palavra, bv-ílbiiciante de susto,- mas o Galiego todo aforsura-
do sem ainda querer largar o rabicho do miserável , gritou:
Mjudem-ine a segurallo ^ que me fortou asusptro do barril ^
e agora tem-o agarrado ao cachaço sem o querer largar : foi
então geral o riso em todos, eo pobre Taful corrido , e en-
vergonhado jurou de não usar mais se nao de castanha, só
para ter o gosto de a fazer estalar na boca a muita gente.
liua do Carvalho 23 de [janeiro,
António , hva teu irmão hoje comttgo , coitado , que tam^ ■
hm he gente ^ e quer-se divertir ^ ista dizia D. Brígida a seu
íilho mais velho, que tinha tanto de esperto, e prudente,,
quanto o queridinho da Mai tinha de tolo» S.nhora^ lhe res--
pondeo elle : ^r ni, não sabe o que elle he ? acaso ignora , que
o rapaz nao abre boca que não diga asneira', fiem jaz ac*
ção y ciue não obre parvoíce ? respondco-lhe a Mãi , a pezar
disso leva- o. comtigOy. e elle que não falle\^ nem fc^Ça acião
que tu lhe não determines \ ficou isto justo, e foi chamado^
o André,, e advertido do que havia decxecutar na companhia^
de seu irmão: chegou-se a noite, vestio-se o rapaz com o seu.>
colete azul de seda, seu calção de setim preto, e sua casaca
escarlate, na qual. logo pregou, huma moncada por culpa da
Mai , que lhe esqueceo dar-lhc lenço \ foi para a sociedade
muito bera ensaiado, e o irmão logo teve a vigilância (ape-
nas entrou na casa da Assembléa ) de arrumar o rapaz para
traz do cravo , lugar onde costumão ficar os velhos, que era
quanto se canta se póem a cabeciar com somno em siraa do
castão da bengalla : ora o rapaz executou á risca a adverteiT-
cia , pois perguntando-lhe huma Senhora se queria contra-
dançar, não respondeo palavra , até que o deixou entenden--
do que era mudo : entrou-se na contradança.,., e observcii el-
le que dois sugeitos, que ficavão em hum canto fronteiro es-
tóvão sem dizer palavra, até que o rapasinho não se pôde
ter, (julgando que achava cartas do seu naipe) lovantou-se
donde estava, foi direito a elles,^. e abanando-os llies disser
O' Senhores ^ Vv. mm. também são tão tohs como fu^ por»
que pergunta V^ w. isso} respondeo hum delles : disse ora*
paz porque Vv, mm» não tem dado palavra , e enttndotjue he
por não dizerem asneiras \ tornou-lhe o outro, pois r.uem
uâo jalla he tolol instou-lhe o rapaz, sim Senhor-^ assim
( 3 )
é^cm quem falia muito íempre o be ^ que assim o disí ;;//-
fiha Mãi\ foi esta Ruma resposta, qub fez logo encordoar
hum Cadete, que estava perro delies , e que ainda toda a
noite nao tinha fecliado a boca , matando de dor de ilharga
huma Senhora , em lhe contar ^ historia de Carlos Magno
de cabo a rabo; exaggcrando-lhe o affecto da constante hia^
ripei com Gííí de Horganha , e rogando-Ihe que fosse assim
para com q\\q ; porém o Senhor António querendo acudir ás
matrialidades de seu irmão, botou agua na fervura, e não'
foi o caso a mais : a este tempo estava a meza posta , e fo-
rão chamados para a cêa ; o rapaz por nao errar poz-se a
imitar o irmão em tudo quanto eile fazia : vio que o irmão
foi trinchar hum peru, ergueo-se elíe tnmbem , e foi trin-
char hum prato de seílada , e trinchadura ^ò\ ella , que botou
prato, e molho por sima de huma velha muito caiada, que
Jhe íicava ao pc , a qual lhe rogou pragas iramensas , depois
vendo o rapaz, que huma Senhora , por affecto , mettia hum
bocadinho de perii na boca ào irmão , e estranhando muito
que \\\ii não fizessem o mesmo a elle, abrio a boca para a
velha que lhe ficava ao lado, querendo que ella também lhe
mettesse os bocados na boca : a velha que julgou isto ma li-
gação atirou-lhe huma formidável bofetada , de que se se-
guio engaifinharem-se ambos, vir a banca ao meio do chão,
fazer-se a louça em pedaços, até que o Senhor Anronio le-
vou de envergon-hado o Senhor André aos pontapés pela
efcada abaixo: a velha exaltou-:íe-!he o esférico de tal sorte,
que está cuberta de vcnrozas , e ja se despejarão dois col-
xoes para lhe dar a cheirar lã queimada, que de algum mo-
do: a tem feito tornara si: cantinuar-^e*-háo"OS'deátemperoSK
do Senhor Andié. ^"'■.'"' '
Indo á Commi.^sno por certos motivos no Tribunal da
Razão huns Autos em que letigão os doií sexos, cujos Au-
tos andão por traslado na parte ^'4, e 85-', -do primeiro To-*
mo do Almocreve das Petas^ ' e no primeiro , e segundo fò*-^-
Ihetos deste II. Tomo , nonieou-se para Rclaror hum ho-
mem dos mais experientes do jogo do mundo sincero, e
desinteressado, servindo-lhe de adjuntos duas Senhoras bas-
t^nremente. sérias, e prudentes, e desta conferencia sahio o
seguinte
(4^
A e o R D Â O.
Acórdão 08 do Tribunal da Rnzao. que v.istos estes au-
tos de provas, e contraditas era que Jerigao ambos os sexos,
cxaminaiido ioda a subsrancia dos- mesmos autos se vé a folh. ,
que o Author está bastantemente flagelado pelo feroz génio
de sua Esposa , e que os motivos da sua paixão combinados
com os pareceres dos' Filósofos antigos sobre as qualidades
de huma mulher, o allucinoude tal sorte quando narrou o seu
flagello , que comprehendco todas as outras mulheres, deven-
do fazer alguma excepção j e mosira-se que destes lances ira-
penssados nascera os desacordos , e por isso nesta parte ad-
mitte toda a desculpa»
Vê-se que quando fallou dás moléstias do sexo fcraeni-
1)0 te\'e roda a razão, pelos artifícios, que a este respeito se
tem descuberto no mundo, e que este fingimento para diver-
sos fins,, por ser já de costume em quasi todas as Senhoras ^
lera traiístornado a. ordem de muitas casas-, e fulminado a des-
erdem delias, vindo os muitos exemplos desta natureza a ser-
vir de prova evidente a favor do Author no presente Cap.
He igualmente innegavel a vaidade de que se nutrem,
como aponta o Author a folh.,. e a fòlh., pois até chegãa
por desvanecidas a arrogar a si o tratamento de Senhoria , que
rauitas vezes não tem , fazendo jactância da formosura para a
desinquietação dos homens ; o que fica bera provado pelo
Author nos documentos que ajunta a folh.
Não deixa cora tudo de merecer toda a séria reflexão a
preguiça de que he arguido orae?mosexo feraenino, pois de*
ve nesta parte merecer alguns elogios este sexo , e ficar ad-
vertido o Author, em que não he prova bastante na occur-
rencia de hum sem numero de Senhoras , achar-se hum pe-
queno numero delias cora alguma froxidão, pois que o me-
lindre, e delicadeza do mesmo sexo as desculpa de serem me-
nos hábeis para hum trabalho mais assiduo..
Menos razão se concede ao Author èra accusar as Se-
nhoras de golozas , porque ordinariamente nenhuma Senhora,,
de qualquer estado, ou condição que seja , inda arrastou a^
sua casa pelo sustento quotidiano , por serem de muito pour-
Co aliracnto.
Em as tratar de enxovalhadas a ío\íh rtao obrou âehoà
fé, pois tem contra si a grande prova das muitas, c mnírai
faltas, que se conhecem na casa onde vive hum homem gó,
sem o aninho , zeío, e cuidado de ha ma mulhen
r s Em que de forma alguma se lhe náo pode escurecera ra-
zão , he no Cap, da iiteraiura dasSenhoras, vrsío que a gen-
te se náo farta de ouvir a cada instante mil historias da af-
fectaçao do juízo de quasí rodas, em que tropeção com al-
guns desconcertos, lao irrisório», que cfaegâo ao pomo de
merecerem roda a compaixao,-
Examinando porém o Libello folh. da parte 85', offere-^
eido conrrí! os homens, se desfaz a instancia do primeiro
Cap. com dizer-se, que por maisf inquietadores que os homens
sejão, nâo tem forças bastantes para obrigar huma mitíher a
ter-lhc amor, se elía esquecendo-se do recato, da modesrís,.
€ do respeito com que deve deknder-se se não arreganha pa-
ra este, e para aquelíe, que ha tal que de tudo se ri, e em
tudo acha graça, principalmente se a gabão, balda certa de
quasi todas.
Mostra-se, e muito claramente se deixa ver em todoíos
outros Capitulos do mesmo Libello, o qual foi muito bera
impugnado , e sustentado frouxamente , que ainda no caso
concedido, que.hajão homens máos, desordenados no trafe-
go da sua vida , e de más condições , nem por isso fica o se-
xo feminino ao ponto de merecer favor algum nos fíagellos,
que soffre a mulher de hum máo Marido : I. Porque nin-
guém a obrigou a casar : II. Porque não rinha necessidade
de casar sem reflexão: III. Porque quiz homem que tivesse
dinheiro, e não homem, que tivesse }Uizo : IV. Porque o
quiz sem dinheiro , e sem juízo , e só se elevou do toque da
rebeca, da guitarra, e do solo Inglez: V^ Porque já houve
huma , que se agradou de hum Taful por hum geitinhoque
dava ao braço quando tirava o chapéo. Ficão poiçí manifes-
tas, e convencidas as subtis idéas com que o sexo feminino
pertendia anniquillar os homens, para obrigar a compaixão
do género humano ; o que lhe não pôde de forma alguma
aproveitar, logo que as mesmas Senhoras são a causa dos seus
próprios males, e d( s estragos dos homens.
Por tanto, e pelo mais dos autos condemnao ao sexo fe^
minino na perda dos agrados, c namoraçóes adventícias y e
(6)
âdai^em voltas a quantos vestidos tiverem, reformãíiiío-se
no traje, iio perfixo terino de oiro dias, nâo apparecendò
nas ruas de Lisboa se não ao Domingo, e dias Santos, cora
o Dono da -casa , e toda a mais fragumalha, que tiver das
|)ortas para dentro, por evitar desre modo o haverem ruas
em que íio dia de semana se encontra maior numero de mu-
lheres, que de homens; e assim mais as conderanáo nas cus^
tas, que não passão de quarenta réis » século passado » Ho^
mstidade » Mediania.
Petição qvs fez o sexo femifiino para Embargos d
sentença.
Diz huma Dama aggravada
Que se proferio sentença ,
Fazendo-íhe grande o ffensa
Na forma com que foi dada :
Pertende seja embargada ,
Pois que em vexame se vê ,
Pede, vista se \\\ç. dê ,
Que nno passe á revelia
Da justa razSo confia,
•E Receberá Mercê.
DESPACHO*
Dê-se-lhe a vista pedida
■ Pela forma que requer ;
Porque liuma pobre mulher
Dcvtí ser sempre attendida ;
Seja em' térrnos concedida ,
Mas em 'auto separado,
oít f n j :- Por* n^o"- ser 'etnbarâçndo
c^ C) Feito na execução ,•• i
Porque isso he contra a raião :
Lisboa ^i Cu to passado.
?9YDíi 8.
1:70
Segunda Pttição,
Diz a tal Dama offendida,
Que tem juizo seguro ;
E se lhe faz rnujto duro
Não ser nos próprios ouvida,,
Qae deve ser atiendida
Pois requer de boa fé \
Pede assim como se vê ,
Se lhe ouça defcza tal,.
Por direito natural ,
E Receberá Mercê,
D E SP A CKO.
Seja- a vista comredida ,
Nos próprios autos, que diz,
Não gnte contra o Juiz,
Se fica favorecida :
Ouvir mulher oífendida,
Sempre he tyranno bocado;
(^anto aqui vai ordenado
Execute o Escrivíio ;
Suspendida a execução,
Lisboa >i òecuío pasòado.
AVISOS.
Por hum Navio Neutro, que navegava pela Bahia de
Biscaia , e chegou arribado ao l'orto de Lisboa se soube .
liuma noticia, que nao deixa de ser interessante á primei--
ra vista a lodos os curiosos que vivem rcsccnridos do suc-
cesso que teve aquella preciosa peça feita pelo famoso Ar-
tista o Sr. P. Q^ a que chamavao Grão Magor , a qual nau-
fragou juntamente com o Bargantim, que a levava a Ingla-
terra : no dia 15 de Novembro pela manhã no Cabo de Pi-
ris Terra* descobrirão ao longe no mar os Marinheiros deste
Navio hum grande cardume que prcsmcião ser de peixes,,^
« poT cítna áestes muitos pássaros voando, fazenao luittlâ gâ«
ralhada , que incitou a curiosidade do Capitão , que era fa-
moso Naturalista: como elle visse o tempo calmoso , e o mar
pacifico mandou deitar o escaler fora; metreo-se dentro delle
com quatro Marinheiros, os quaes forão remando para o si-
tio que cada vez se lhe hia alongando mais do seu Navio ;
como o dito Capitão tivesse a lembrança de levar entre ou-
tros instrumentos hum óculo de ver ao longe , pôde descu-
^brir com este hum coche pintado de verde , e marchetado de
muitos mariscos , tirado por seis cavallos Marinhos , era os
quaes montavao Tritões Aquáticos, e Delíins, rodeados de
Génios que com instrumentos de buzinas tocavao huma des-
concertada musica, que mais espantava doqueattrahia : den-
tro delle hia Neptuno sustentado com huma mão o Tridente , e
na outra a máquina do Grão Magor , cuja peça foi achada no
seu Reino, e a levava de mimo ao Douro, o qual a dera á
Gaya cora quem dizem está para casar ; e que ella a mandou
de presente a seu Tio o ^Lima , e ác \à passou aos Paizes
Baixos,, tornando ao seu centro aonde se deixa ver por 30 réis
a Preto , e Branco. Toda a pessoa curiosa que a quizer ver
por informação, falle com os que a virão, que elles lhe ex-
plicarão tudo pá , pá Santa Justa.
Quera quizer comprar humas horas vagas , que são de
hum homem Mandrião de Tal, que as tem possuido nos dias
da sua vida, e lhe não servem para cousa alguma, vá faliar
com elle a sua casa, aonde o achará de manhã até ás onze ho-
ras na cama , e de tarde no Passeio Publico a expriguijar-se
:á sua vontade.
Domingo passado na rua dos Correeiros cm hum outei-
■ro que se fez em obsequio dos annos de certa Senhora , hou-
-ve hum curioso de Poesia, que miseravelmente, com a for-
'Ça de se explicar torceo hum pé á Decima que repetia, ^
'qual foi cm braços para o hoí^pital , e consta que já passou
para a enfers-nnria dos incurav.'is.
Qiiem tiver vista curta, ou padecer moléstia de olhos,
vú 'inorar para a Boa- Vista.
USiSOA. iNA OFFIC. DE J. F. M. DE CAMPOS.
í ^8 i 9.
Com licença da Meza do Desembargo do Paço*
L
ALMOCREVE DE PETAS.
PARTE XCII.
Rua Bella da Rainha 2 de Fevereiro.
Ellio Fábio, filho de Fábio Lellio, e de D. Aylilh
Reza, Sobrinho de Roza Aylylla , c Nero de Tritollé ,
descendente de macho , a macho do homem de ferro de Toledo ,
moço de prendas, por servir nesta Cidade hum amo, que
as tem boas, que como delias vive o trás «a clle cheio, íar-
to , e muito anafado, representando luim Hgurao de mao
cheia , andava este na amorosa pertençao de satisfazer a vista
de huma Senhorita, que tmha huns olhos de azeite, e vina-
gre, postos em huma cara cor de enxúndia de galinlia , de
rexunxuda que era , e nao deixava esta também da sua parte*
perder hum instante de o ver quando elle passava : neste dia
em que elle vtnha nos bicos jDos pés pelo raeiodarua, acaso
estava a dita suppiicada á sua janella dando corda ao seu
relógio de contemplação : o supplicante que o vio parou
justamente sobre iium ralo dos que recolhem as aguas nos
canos da mesma rua, tirou elle lambem pelo seu relógio ,
que era destes de atrazar o tempo feito em Hamburgo , e
4o tamanho dos que se fazem na pexelaria , para regular as
91
(O
Jioras com o da Senhora, e á vista da bella vista ficou em
hum extasi , que nao sentio cahir-ihe o tal relógio das mãos ,
cahindo com tanta infelicidade, que se lhe foi como hum
passarinho, por hum dos buracos abaixo: torna o homem a
si, que parece que íicou sem pinga de sangue na algibeira,
e seai cousa alguma que vallesse cinco réis, que destes ha
muitos em Lisboa : houverão alli logo almas compadecidas
destas que levando cinco, trazem seis, que o consolavao
com esperanças de que algum dia appareceria, e hum rapaz
muito gaiato assignante effectivo do Comboy do assucar
junto ao torreão d' Alfandega , foi o que se offereceo para
ir pelo cano dentro buscar o relógio, para o que, disse ^z
dono que senão tirasse daquelle lugar , e que lhe gi *
decima , para elle saber debaixo onde era a paragem -
o relógio tinha cahido : fòi o rapaz com muito bom suv
so, e de espaça, a espaço era hum gostinho ouvir o Tati :
a gritar: cã esíou, cd ertou , cd estou ^ e como não sentisse
por baixo o rapasinho, para lhe fazer mais viva a voz,,
poz-se de joelhos no meio da rua , e cora a boca no ralo
dava, coroo podia, maiores signaes de que alli estava; po-
rém huma ^Qg^ ^ que corria a todo o panno , e trazia o Bo-
leeiro mais farto de vinho do que eu estou de moedas, não
Ulie dando tempo a levantar-se, inda lhe quebrou huma per-
ija ; e levado em braços sem o seu rico relógio, que estava
avaliado em quinze tostões, mandou na convalecença dizer
4 Senhora por escrito, que não. tinha dúvidacontinuJrna sua
correspondência, cora tanto porém que lhe havia mandar
hum relógio , pois que a seu respeiío tinha perdido o que
possuia : A Senhora, que vio tão redicula petição aban-
donou logo o objecto, e tirou aquella lição, que dev<?m ti-
rar todas aquellas que se elevao nos namorados aventureiros,
q-ue andão de esquina era esquina, tirando o chapéo a torto^
« a direito, de longe, e de perto á velha que está ao Sol:
íta trapeira, e á criada quando da janella da cosínha bota
agoas fora.
"Rua Áurea y de Fevereiro.
Nada ha que possa rebater a paixão daquelle homem,
ífue não tem no ratciocinio aquella igualdade de pezo, que
Éa oão havec desconcerto nos. seus transportes, pois pen^
C 3 i
dendo a esta, ou áquella parte, esta inclinação ás vcze» sti'*
jeita a vontade a mil parvoíces, que obra sem tora, nem
som quando se topa hum homem destes, costumao os outros
t dizer que aquillo nelle lie fado, outros que he sina, e ou*
tros que duro he , e mal se cozeo : eu não me Importa de^
cidir o que he, pois só pertendo fazer ver no presente caso
i hum homem que toda a sua delicia he a pescaria de noite,
e de dia ao candeio, inda que ha quem diga, que elle dis«*
to não pesca nada. Este bom homem impossibilitado ha quinze
dias de poder satisfazer o seu appetitc por causa dos tem-
poraes que tem havido, andava como exasperado de sorte,
<]ue nem os amigos já o podião aturar , até que hum destes
,Jhe disse por eh asco : Não fws caus tiques mais , se queres
pescar enguifis em iua mesma casa o poderás fazer y por^
que o tempo o permitte j como assim , lhe perguntou o oU'
tro} e foi-Ihe respondido, vai para tua casa leva humas
poucas de minhocas em hum pcquefio camarueiro , inda que
seja de alguma coifa velha , atalhe bum cordel ^ e lança*^
v pela casinha de s rventia que tiver a tua cozinha ^ tfue
comú esta corresponde ao cana da Cidade , em a maré cS'»
tando preiamar conseguirás fazer huma abundantissima
pesca \ foi dito, e feito, e com tanta felicidade que em ra*
;í5ao de engulas assenta o homem que tem dentro era casa a
Alagôa de Óbidos, tão elevado nesta pesca, que se fecha
I jia tal casinha , de pela manha até á noite sem Jhe lembrar
^ 'jçomer, nem beber, esperando a maré das enguias,
I %arta que mandou 9 Correspondente de Lisboa ao Cava*
^ iheiro de Braga mencionado em algumas partes desta
Collecçào mandando^lhe algumas novidades de Lisboa.
penhor D. Sonho Sonhe y depois que recebi as suas pre-
^Closas Cartas em que me participava os seus exquisitos so-
^.hos, vi que na ultima V. m. me pedia novidades de Lis-f
Jboa; então por falta de tempo, e por diversos motivos nao
p^tisfiz ao seu empenho, agora porém me resolvo cumprir
com o seu deáejo por desafogar o meu espirito , que tão
çan<;ado se vê de observar , e experimentar as desordens da
íafularia de Lisboa : oh que raras cousas são commcntadas
«par Êuiiix^ e por pessoas de asais séria rcflqxio ] temo» poç
cá multa qualidade de gente, e vendo-se Lisboa povoada
de Portuguezes , observa-se entre elles tal variedade, que al-
guns até se hzein Gregos pelo rauito que custáo a entender:
cu vou por hunia rua , e encontro quatro Pnntalóes descor-
rendo em Mathematicas , dando terras, e novos mundos no
centro da Lua, descobrindo mil Cometas, primeiro (mt a si
se descubrao , levando pela regra de dois dedos da' mesma
Mathematica tudo á espada i escarnecendo o pobre, que hu-
mildemente lhe roga o scccorro de huma esmolla , e libera-
lisando somente os affaveis cortejos á esperta rapariga com-
boyada por sagaz, e perdida velha, que volve os ollics á-
quelles onde conhece que ha lombrigas, segundo o nosso an-
tigo rifão: volto-me a outro lado, e vejo hum cardum.e de
usurários destes, e daquelles rebates sem mágoa nem cora pai*
xíío do afflicto, que lhos commette, formando sobre o ali-
cerce da necessidade, o edifício dos seus exorbitantes lucros j,
e então passando avante vejo outros de comedido traje, pas-
sos lentos, a cabeça inclinada aos pés, com os olhos ineios •
abertos, meios fechados, lanhando pela boca fora alguns con*^
ceitos de razão, oh que mescla ! quando pensamos destes,
que estamos com hum homem virtuoso , sem sabermos o como ,
ou por onde nos veio este raro bem, que por tal o julgamos , e
se introduzio esta séria figura no negocio, ou contracto des-
te, e daquelle amigo, então vemos, que se não levanta com
mais facilidade o panno da Opera acima , como este bom
heròe se transforma em Pitemetre, rodando, galopando, e
caloteando os homens bem criados, sérios, e de todo o cre-
dito , que fazem brilhante , e respeitável esta Capital : tanto
pôde a bondade destes , e a astúcia daquelles , que só pertcn-
dem conseguir a alma do negocio, sem se precaverem para
o negocio da alma ! Aqui me volto a outro lado , e vejo hum
turno de gente desta que pornoita , e amanhece nos bilhares,
sem modo de vida , sem credito para o adquirirem , susten-
tados pela Divina Providencia, povoando os Cafés das mes-
mas casas de jogo , dando de palanfrorio volta ao mundo
com medo não se esturre , e alli com a maior desenvoltura
mermurao do pretérito, do presente , e do futuro, e o mais
hc que entretidos nesta vagabunda vida , quando se procura
hum rapaz para este , ou aquelle exercício era que se occu*
pe, e ganhe algum vintém, nâo se acha: he huiiia dascoiL--
CO
sas com qjue pasmo ! ver a carestia de tvão em Lisboa, e
já por nossos peccados fora delia, dí;sde o gcntTo itiais infe-
rior, até ao mais superlativo, e haver então menos quem se
sujeite ao trabalho. Eu não creio em bruxas, que se fosse
velho do antigo tempo capacitar-me-hia de que tantos, e tan-
tos indivíduos desta narurezn se poderiao manter só por ar-
te de Berliques , Berloques, conto com que me acalentava
minha Avó, que era huma simpleirona, e destas que virão
na sua mocidade levantar-se-lhes três vezes o coco do pote
com telhador, e tudo sem ninguém lhe mecher.
Contente-se V. ra. com isto por agora , e para o ou-
tro Correio darei as crecenças,. receba saudades infinitas da
minha Eva , e do Joãosinho , que já cuspio na cara da Mãi
duas vezes de arrenegado , e o outro dia deo hum murro na
Tia , de que cila está muito satisfeita, pelo rapaz dar nisto
mostras de vir a ser muito vivo.
Amigo que muito o venera , e estima
{Assignado^ Caracol Dias de Abreu.
Da Trafaria escreve hum Barqueiro, a huma Pereira
da Ribeira nova, que he muito da sua amizade, contando-
Ihe, que hontem pela manha vio andar junto á praia huma
earta nadando, qur.si affogada, e que qWq por piedade se
metteo na agua , e a salvou ; que depois de a enxugar a le-
ra , e achando que erso versos em fraze m.aritima , por sa-
ber a paixão, que ella tinha por versos, pois canta ao de-
safio como ninguém, lhos mandava para se divertir com el-
les.
Jls voltas que o mundo dá^.
GLOSA.
'E^itre hum Marujo , e huma Regai eira.
Regi Compadre , onde tem estado
Sem cá ylr? ai CQiCâdinho !
Como está vossê magrinho
Parece hum peixe escalado:
Mar, Com romboá desalvorado
Dei quage á costa por lá ;
Comadre por mim verá ,
Quando a desgraça abolroa,
E pôe veníos pela proa ,
Jls voltas que o mundo dii\
Ao mesmo.
Mar, Eu a nove de Janeiro ,
Fui á tasca da Forsada ,
Mandei vir meia canada ,
Qiie offereci a hum Barreireiro :
Quiz elle arriar dinheiro
Respondi-lhe eu : alto Id
Qtíe aonde o Chtbante esta ,
Ntngueyn mette dorsa o teme ,
forque hum home cá não teme
-As voltas que o mundo dá%
Bile antances cabaciando ,
Diz-me, chiba \ temos mercta),
Metro máo á maniversia
Fui cora elle abalroando :
Saíra a Tasqueira gritando ,
O' dos chussos venhão cã :
Hum ma' garra , outro me dá ^
Então sem fugir poder,
Do Limoeiro fui ver
As voltas que o mundo dá»
l^eg. Foi prezo ? ai prove coitado !
Mar, Sim, no purão da Enxovia,
Fiz hum bordo á Infermaria ,
Com o Thalhaaiar csmorrado :
O Chinxorro , e meu Cunhado ,
Tanto labotárão cá ,
(ÍLie eu fui solto , o outro está
Na prizão farto de fome ,
^Qi^ie alli he que- sabe hum home
ids voltas que o mundo dá.
C 7 >
Qiíerendo juntar a este Folheto os Embargos perten-
centes á eausa que corre entre Partes o sexo Masculino, cora
o Feminino, se não pôde conseguir na próxima Instancia,
porque o Advogado das Senhoras pedio reforma de termo,;
que lhe foi concedida.
Continuação das tolices do Senhor André Irmão do Senhor
/.ntonio , c filho da Stnhora D. Brígida,
lUia da Carvalho 9 de Fevereiro,
O Senhor André que depois do caso da velha do Fo-
lheto antecedente Jkára prohibido de ir mais a funções pcío
vexame, e risco em que punha seu Irmão, a compadecida
M^i com dó do menino senão divertir, na primeira funçno
que o Senhor António teve, logo lhe foi pedir, que qui-
zesse levar o Senhor André comsigo ; a que o Senhor Antó-
nio repugnou com todas as instancias , edesfarccs; mas a
Mííisinha , que he daquellas , que se babão pelas suas jóias,
a que chamao com toda a ternura pedaços d'Alma , vencea-
a dithculdade, e tem tido a arte de fazer o filho mais tola
do que era: com effeito preparou-se o Senhor André, e foi
na companhia do Senh.or António, em dia de Procissão, a
huma casa de gente muito de bem \ entrou o Senhor André
pela sala seguindo seu Irmão de cabeça baixa, e fazendo
Jiuma zunida de bizouro, em lugar de comprim.ento a toda
a gente, de sorte que se lhe não entendeo palavra ; e estan-
do huma meza de jogo , chegou-se elle para o pé entreteii-
do-se em ver; e porque as luzes estavao hum tanto mortas,
quando lhe pareceo, de seu moto próprio, pegou na ihe-
soura das velas, atiçou-as com tanto geito, que deixou a
todos ás escuras : levarão os mais aquelle lance por brinca-
deira , porém o Senhor António m.udou de côr, envergo-
nhado uo que seu Irmão tinha feito. Huma das Senhoras pu--
chou por hum paliteiro, e mcttendo hum palito na boca \oh
o Senlior André muito lépido pcdir-lhe logo outro palito»
com que se poz a esgrpvatar os dentes; nao sei porque mo-
tivo cahio j palito da Senhora no chão, porém o Senhor
André por força da sua politica tirou logo o palito da sua
boca , e o foi (iffcrecer á Senhora dizendo: que elle hgose
server iíA ■wc>y:ífn a Serihora acabasse : foi a gargalhada ge-
ral, e o Senhor Antçnio fazendo-se de fel, e vinagre com
âè matrialídades de Seu Irmão. Veio a roda àe chá tfõUXé^
río-Jhe a primeira chávena , bebeo-a , irouxerãô-lhe segun-
da , bebeo-a , trouxerao-lhe terceira, bebeo-a; e o alarve
do Senhor André sem atravessar a colher na chávena , nem dar
signal de que estava farto de chá; e como lhe pareceo ira-
politica deixar de ir acceitando, intalou ochapéo entre os joe-
lhos, e quantas chávenas lhe traziao , hia vazando na copa:
era já a undécima chávena , e nao tendo mais onde o botar
virou para a Criada que lho conduzia, e disse; Minha Se*
nhora v.?ja o modo porqus ha de di^er d Dona da Cara ,
qiie jd tenho o chapéo trasbordando de chd ^ mas que náà
julgue ella , que o nao ac ceita for falta de at tenção : a
Criadinha que era descarada foi hum instante em quanto pas-
sou a praça ; e entrando todos a olhar para o Senhor André^
calções , cadeira , e chão estava tudo em huma sopa de chá :
foi entáo quando o Senhor António deo aquella tunçao por
acabada , levando seu Irmão comsigo a toda a pressa para fa-
zer ver á Mãi o seu menino^ que mais precisava coeiros , que
ealçòes.
AVISOS.
Quem he avisado, he avisado; e quem nao he avisa-
do , nlo he avisado ; quem me avisa meu amigo he , e quem
me n^o avisa , nem foi , nem he.
Quem quizer livrár-se de callos nao ^z a fazenda que
tiver; não empreste trastes, nem dinheiro, nem sir^a pes-
soa alguma sem pagamento adiantado.
Toda a pessoa que nao quizer padecer de indigestões,
que nao quizer ser barrigudo , e se quizer conservar esbel-
to, tome o meu conselho, nao coma.
Aqui chegou de Nápoles ha 15 dias huma Italiana mu-
da, com o destino de ir para primeira Cantarma do Thea-
tro do Porto, alguns surdos que já a ouvirão afíirmão, que
he cousa nunca vista : as pessoas que quizerem desfrutar es-
ta prenda pohhao-se á escuta.
LISBOA. Ma Oi^TlC. DE J. F. M. DE i^AMí^OS-
18 19,
Q^M licença da Meza do Desembargo dú Faço,
: é:.:^ ■:• ■ /:• "í5^^ -> ^ ■■■'»« ^^^?^'yi
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