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ALVORADAS
ALVORADAS
POR
^Uxaxùxe ina (^oiutìcào
PORTO
TYP. DE FRANCISCO GOMES DA FONSECA
Rua do Bomjardim, 72
1866
S8r7a70
'29
A se\i pae
0 ILL.^^ SNR.
BERNARDINO SIMÒES DA CONCEigÀO
O Auetor
A MEU PAE
Se tudo quanto vive é grato ao Deus da vida,
se a fior deve o perfume ao sol que a fecundou,
cu, pois que vejo em si a imagem reflectida
' de Deus, sol da minh'alma, a fior d'alma Ihe dou.
m m DE PROLOGO
N'esta luta fecunda dos espiritos,
que tem por vasta arena a imprensa - um mundo -
e por meta o ideal,
na phalange dos que andam trabalhando
por levantar a Deus, ao Bem, um tempio
das ruinas do mal;
— 10 —
n'esta cruzada santa do progresso
que traz todas as almas empenhadas
que sabem crèr e amar,
nao é nunca de mais qualquer esfor90j
nao é nunca de mais qualquer obreiro
que queira trabalhar.
Neophyto sem nome e fraco e debil,
nao me arreceio pois de vir à festa,
festa de communhao ;
nao temo ser expulso d'este tempio,
que nao trago na capa dos hypocritas
en volto 0 coragao.
Bem nu de mais temo eu que elle se mostre
n'este tempo em que dizem que os poetas
jà sorriem do amor;
do amor!... a cousa santa entro as mais santas,
entro os homens mulher, Deus entro os idolos,
entro os espinhos fior.
— li-
se amar é ser creanga, estou no bergo ;
poeta e nao amar!... nao sou poeta
nem o desejo ser,
que nao acho eu ahi cousa mais bella,
mais formoso ideal, mais santo enlevo
do que seja a mulber.
Mas mulher qtie nos erga e nos levante,
mas mulher que nos mostre em caso riso
um mimdo a conquistar,
mulher que nos nao seja mansenilha^
mas arvore de vida a cuja sombra
possàmos descan9ar.
Mulher comò a Brunhilt dos Nibelungen,
que so qu'ria cingir ao peito altivo
0 peito d'um heroe ;
mulher que nos console e nos anime,
quando formos vasar-lhe na alma candida
a màgoa que nos doe«
— 12 —
E eu dei com almas d'estas no meu transito ;
deixeij pois, corno deixa um namorado,
cantar o coragao,
e se mirrha levei a outros idolos
foi por sentir ferver dentro do craneo
a mesma inspiraQao.
Ide, pois, ó meus versos, ide em bando,
corno notas dispersas d'esse cantico
das aves da manha ;
tendes por certa a gloria... da indiffrenga;
se qualquer alma, pois, vos der abrigo,
essa alma é minha irma.
RILIGIO
(A Cixstodio José Dxiarte)
Nào digam qiie depois da palpebra cerrada
A luz que em nós brilhou nào dura um só instante,
Que a sombra é sempre sombra e o nada é sempre nada...
0 carvào em crystal é um puro diamante.
(Gustodio José Duarte.)
Pois a minha alma é pó quebrado o vaso ?
Entào corno é que a idea se aniquila?. . .
Onde se esconde està intima sybilla
que me diz que inda ha luz depois do occaso ?
— 14 —
Quem pensa no infinito volve ao nada ?
Qiiem sonila o goso eterno ha-de acabar ? .
E' bem inutil, pois, este aspirar
a urna ventura, aqui nunca encontrada.
0 fogo que me anima, ai ! nào, nào finda!..
E' mais que pò a chamma de uma idea,
e este intimo anhelar que me incendéa
ha-de encontrar seu goso em vida infinda !
A lagem tumular é o firme apoio
d'onde nossa alma anciosa vòa ao ceu^
terra que impura limpha recebeu
para a golfar mais longe em claro arroio.
Nao vejo aqui na terra mao tao forte
que possa aniquilar-me o pensamento,
e Deus, dando-me a luz do entendimento^
nao póde, sendo justo, dar-lhe a morte.
— is-
serei eu corno a folha desprendida
que um sopro eleva e um sopro volve ao chao,
eu, que sinto banhar-me a inspiracao
se penso bem nos gosos de outra vida!...
Eu, que me vou sentar sobre a montanha
às horas langorosas do sol posto
e às solidoes contar o meu desgosto,
corno se mo entendéra fada estranha?!...
E é pó.,. e é tudo pó?!.. Mas, quem blasphema?!..
0 acaso póde, loucos, ser um Deus?!...
Olbae... olhae a abobada dos ceus:
dizei-me se entendeis esse poema?...
Dizei-me se esse turbilhào de estrellas
langadas pelo espaco corno a areia,
0 acaso as procreou, ou se uma Idea,
n'um tempo que eu nao sei, foi accendél-as.
— 16 —
Ea Cerro o olhar e vejo!... Como é isto?
Que forca aqui da terra eleva ao ceu
minha alma quando o corpo adormecea,
entao que eu para a terra nao existo?!...
Loucos !... ha n'esta vida tal ventura
que possa completar qualquer destino?...
e eu quando a um pensamento a fronte inclino...
é para o ver morrer na sepultura ?
Loucos!... Pois eu que penso, e quero e sinto,
que sei que existe Deus — o immenso amor — ,
que 0 busco, sequioso viajor,
sem vél-o, mas que existe bem presinto,
nao sou mais do que o verme que se arrasta?!..
(Ou mesmo nao serei eu tanto ainda...
quem sabe se a existencia n'elle finda,
se apenas està vida aqui Ihe basta!...
— 17 —
Quem sabe ?) . . . Oh ! eu . . . eu sei de mim um pouco :
cu sei que Deus nao póde ser o mal,
sei, pois, que està minha alma è immortai
— raio de cuja luz é Deus o foco ! —
2
ACTRIZ
Eiiailia. das Neves e Souisa.
Fundi n'um typo só a arte e o genio,
juntae estes dois bellos ao das fórmas,
ao bello da mulher;
mettei-lhe n'alma a inspiragao dos anjos,
e sobre o pedestal da caridade
adore-a qaem souber.
— 19 —
Sente-se orgulho ao vér-te portugueza !...
a terra de Camoes é tua patria,
escolhida de Deus !...
Està nacao colosso inda em ruinas
faz brotar d'entre as pedras desconjuntas
urna fior dos ceus.
Scintilla-te no olhar vago e profondo
aquelle fogo santo dos prophetas
que vem do coragào !...
Em ti ha nao sei que de um bello antigo
que faz lembrar a Sapho erguendo a fronte.
ébria de inspiragào.
Como 0 anjo da poesia, ora a tua harpa
desferes sobre a aresta de um abysmo
das tormentas a luz,
outras vezes serena e pensativa,
corno 0 anjo da saudade, vais sentar-te
junto aos degraus da cruz.
— 20 —
E's corno 0 Orpheu das tradicgoes da Grecia,
arrastas na harmonia do leu genio
0 mondo apoz de ti !.. .
Creio, corno Platào, mulher, ouvindo-te,
n'uma existencia incerta de oiitra vida
passada, onde te ouvi
Tu és 0 que se sente e nao se exprime...
és corno a fórma angelica do bello
no seu maior fulgor!...
és a poesia immensa do universo,
vaga, incerta, reunida n'um só typo
pelas maos do Senhor.
Quem te souber cantar que o faga... eu calo-me ;
és comò a luz do sol ante meus olhos,
nao te posso filar !...
Sinto-me estremecer de enthusiasmo,
mas eu, bem vés, nao tenho a voz de Homero
e nao te sei cantar.
DE NOITE
Archanjo, nào te assuste da noite a magestade
e vem, pallida virgem, sentar-te ao pè de mim ;
estende ao largo a vista no azul da immensidade
e le no livro eterno de paginas sem fimo
Que vès? — 0 incompr hensivel ! — E' Deus. . . nào tenhas medo.
Que mais ? — Milhòes de estrellas ! — E' o throno do Senhor.
Depois? — Là surge a Ina detraz do arvoredo! —
E' urna onde anjos queimam incenso ao Creador.
— 22 —
— Eiasinto-me opprimida!— Reclina-te em meu seio,
que eu canto ao som das vagas e dorme-te a sonhar ;
esconde-me os teus olhos. . . no azul dos ceus eu leio
mysterios d'esse affecto que exprime um teu olhar.
Perfumes que da encosta voais na aragem mansa
da noite socegada, quedae-vos ora aqui,
adejai sobre os labios da virgem que descanca
em paga ireis mais ricos, mais suaves d'alli.
Eil-a a estatua de neve, que de espuma se veste!...
Como a dormir é linda. . . Nào dorme, pensa em Deus,
lirio que fecha o calix e o perfume celeste
no zephiro das tardes envia para os ceus.
0' lua, nao m'a roubes, ou leva-me com ella
de manso pelos ares immerso em teu palor,
tu tens milhoes de estrellas, e eu só tenho està estrella. . .
0' lua, nao m'a invejes, nao m'a invejeis, Senhor.
0 ROUXINOL
E' noite ; tudo dorme,
e até là em baixo o mar ;
corno para scismar
calou a voz enorme.
Da terra os seios tumidos
arfam, por que o ribeiro
no tronco do salgueiro
imprime os labios humidos.
_ 24 ~
No campo é calmo tudo ;
a aragem sobre a fior
suspira ébria de amor
e da-lhe um beijo mudo»
Ao longe o ceu desmaia,
e aos valles, da montanha
desce urna brisa estranha
sobre a foiba da olaia.
Là surge da assomada
a lua pelo ceu...
0 lirio estremeceu
ao vèr a sua amada!..,
A rosa da campina
córou ao ver-lhe a face,
corno se divisasse
0 rosto que a fascina.
— 25 —
E' noite ; e do arvoredo,
là em baixo aos salgueiraes
de quando em quando uns ais
sahem corno em segredo.
Depois pelas escarpas
repetem-se cadentes,
corno notas plangentes
de solitarias harpas...
E' 0 rouxinol da margem
que envia às solidoes
d'alma as inspirafoes
nos perfumes da aragem.
Treme-lhe a voz, e o canto
sae-lhe corno inspirado,
tao doce e apaixonado
que mais parece um pranto.
— 26 —
E cala-se um momento,
corno para aspirar
no palor do iuar
um novo pensamento.
Depois baixinho, a medo
modula branda nota
que vae perder-se ignota
nas sombras do arvoredo.
Entào ébrio retoma
a lyra de crystal,
e ao canto o salgueiral
de amor agita a coma.
Tado treme e delira,
ludo anceia, enlouquece !...
e 0 rouxinol parece
que mais e mais se inspira.
*
— 27 —
Eil-o acaba tremente
soltando um longo ai...
Que foiba ao rio cae
e desce na corrente?
E' elle, que, poeta,
su'alma aos ceus envia
em ondas de barmonia,
chrysallida inquieta. ,
DESENGANOS
(Ao Snr. J, T), Flamallao Ortigao)
Fallece-me a coragem n'esta luta ;
nao quero mais erguer que é sempre em^^balde
meus vòos para a luz ;
que Iute quem tiver forcas p'ra isso ;
eu nào ; deixo no meio da montanha
està pezada cruz.
— 29 —
Sacudo 0 pó da veste em desalinho
e vou sentar-me à sombra do arvoredo...
preciso descanQar;
quebrou-me exforgo debil... dei um passo;
mas logo vi que as forgas me faltavam
para poder andar.
Romeiro de um so dia, jiilguei sempre
que para ver a Meka desejada
bastava a fé e o amor ;
loucura de fanatico!... a Victoria
nao se alcanca por crér muilo na causa,
precisa-se valor
Conheci o meu erro muito cedo...
Inda bem... inda bem que nao fui longe
do tecto paternal;
se me tornasse a noite no caminho
nào podia guiar-me para a volta
0 fumo do casal,
— 30 —
E eu amo tanto a vida socegada,
a vida junto ao lar, a vida obscura,
a vida seni rumor!...
Os conselhos de um pae que nos adora
e as caricias da irmà disputam mimos
a qualquer outro amor.
Alli nào custam lagrimas as palmas;
alli nào ha traigào em nenhum riso,
nem o insulto vii;
quando o pezar a fronte nos acurva,
ha sempre um seio amigo onde escondel-a...
e 0 anno é sempre Abril !
0 anno é sempre Abril, e eu amo as flòres,
as noites de luar, um ceu de estrellas,
0 rio e OS sals^ueiraes !...
Eu jà pedi a Deus outr'ora os gosos
de uma vida agitada e concedeu-m'os...
ai ! nao os quero mais.
— 31 —
Tomou-me bem depressa o desalento.
Depois julguei ouvir soar no espago •
a palavra de Deus,
senti banhar-me a luz do enthusiasmo,
e ergili, ébrio de amor, de fé e crengas,
a vista para os ceus.
Julgava eu que o Senhor tambem me dera
aquelle fogo estranho dos prophetas
que OS faz estremecer!. . .
Quiz lér tambem no livro dos destinos,
mergulhar meus olh^res no infinito;
mas. . . nào passei de qu'rer.
Subi a tarde aos cimos da montanha
ver 0 sol afundar-se todo chammas
nas solidoes do mar,
ouvi estremecendo a voz dos ventos,
senti a inspiragào banhar-me o rosto;
mas... nao pude cantar.
— 32 —
Cantar!... Como cantar o que em minha alma
se passava a taes horas, se hoje mesmo
inda 0 nào sei dizer ? !...
Cantar?!... Como cantar a immensidade,
a luz, 0 ceu, o mar, se o livro eterno
só Deus 0 sabe lér ? !
Embalava-me a vida um còro de anjos,
banhava-me a pupilla um raio de ouro,
a inspiragào do amor !...
Um riso de traigao toldou-me os ares,
collocando-me o ceu a uma distancia
que eu nao posso transpòr
Embora ! Nào fallemos do passado,
de uma illusào de amor que ao dissipar-se
OS seios me rasgou !
Nao é para tristezas o momento,
quero entrar a sorrir-me no caminho
que a razao me apontou.
— 33 —
Mas volto a face às bandas do Oriente,
e prostro-me por terra ante os fulgores
da luz que eu adorei ;
se eu nao posso seguir mais adiante,
quero saudar aqui todo o romeiro
que va onde eu nao sei.
Outr'ora desejava muito as palmas,
d'essas que as mais das vezes só ao tumulo
concede a multidào,
boje, que me encarei no proprio orgulho,
retiro mal ferido d'està luta;
mas salvo o coragao.
E eu tenho quem me entenda os cantos da alma,
Jà agora nao procuro outras victorias,
nem quero outro viver;
a irma quando me estende os bragos, rindo,
compensa-me sobejo os poucos louros
que eu podesse collier.
3
SIMILIA SIMILIBUS
Vés?... quando à tua face o pejo assoma,
corno no ceu a nuvem matutina,
ou quando esse rubor que te illumina
escondes a sorrir entre a aurea coma,
parece-me estar vendo n'esse pejo
a timidez da pomba que tem medo
do mais leve sussurro do arvoredo,
cuidando que o rumor Ihe pede um beijo.
— 35 —
A ti tambem... meu Deus !... ludo te assusta !...
Que medo podes ter quando eu te fallo?...
Por que córàs assim quando eu me calo?...
Parece que até mesmo a olbar te custa!
Se te fallo de amor nao me respondes,
se vou para beijar-te ris córando,
e concedes o beijo, mas curvando
a fronte ao seio, aonde tu m^a escondes.
Esconde; olba, eu, por mim, nao me arrenego;
0 que te digo é que esse teu receio
faz às vezes com que eu te beije o seio,
corno errando o caminbo — se estou cégo ! —
Desterra para longe esse embarago ;
vamos, olba p'ra mim, mas sem tal pejo;
vamos, se nao córares dou-te um beijo,
se córares... entào... dou-te um abrago.
NO TUMULO DE UMA CRIANQA
Passou corno nas harpas da floresta
passa às noites a brisa do Occidente,
passou corno nas agoas da corrente
passa 0 lirio que o vento arranca à leiva;
passoQ corno nas auras um perfame,
sem deixar mais vesligios que a saudade,
passou, rosa de um dia, à immensidade,
a procurar em Deus a eterna seiva.
SONHOS
(A Pedro de Lima)
Sonhos doirados de gloria,
quem vos desfez, meus amores,
pombas e chuva de flores
do meu carro de victoriaj
— 38 —
còro alegre de andorinhas,
que logo de madrugada
me cantava urna alvorada
de sobre as casas visinhas,
anjos pallidos que eu mudo
via cercarem-me em bando,
se me assentava scismando
a minha meza de estudo,
grupo de sylphos travessos,
que me appareciam a sesta
na luz vaga da floresta
e a tarde pelos cabegos...
Quem vos desfez, meus encantos,
meus sonhos de raocidade...
sem me deixar, é verdade,
um so de tantos e tantos?.,.
— 39 —
Inda assim o amor — que louco ! —
é minha esp'ranca e meu rumo,
ai! mas vae-se comò o fumo,
desfazendo a pouco e pouco.
Se ao menos està... mentirà
m'a nào dissipasse a vida,
eu dava por bem perdida
loda a gloria que antevira.
Oh! a multidào com palmas
nunca exprime o que se exprime
no beijo longo, sublime
da fusao de duas almas.
Como eu dera de bom grado
todas as glorias do Dante
por um beijo delirante,
por um collo perfumado ;
por um seio, um agasaiho
onde a minha fronte mesta,
corno n'am dia de festa
repousasse do traballio;
por ter quem n'um riso brando
me revelasse os mysterios
d'aquelles versos aerios,
que eu julgo escrever sonhando;
por ter quem estas doidices
dos meus vinte annos escaQos
repr'hendesse com abragos
e acalmasse com meiguices;
por ter quem algum deseja
no meu resto descobrindo
viesse correndo e rindo
satisfazer com um beijo ;
„ 41
por ter quem, leve e ligeira,
com medo qiie ea despertasse,
ao meu leito se achegasse
sentando-se à cabeceira ;
por ter quem, quando me visse
sobre algum livro scismando,
sosinho, gesticulando^
m'o roubasse e m'o sumisse;
por ter quem, vendo-me triste,
sinta a tristeza comigo,
por ter na vida um abrigo,
por ter um anjo, se exisle !
0' meus amores risonhos^
ó meus amores serenos,
nao me fujais vós ao menos,
jà que nào tenho outros sonhos !
AVE CHRISTE!
(A J. Maria. Regalla)
A Italia era o prostibulo das ragas.
Roma, a heroica Lucrecia dos Tarqainios
tornara-se a bacchante dissoluta
dos festins dos Caligulas e Neros.
0 mando, acorrentado ao Capitolio,
segando Prometheu de um drama borri veL
estorcia-se em ancias de agonia
— 43 —
sentindo nas entranhas as cera garras
da escravidao — abutre hediondo. — Os homens
eram vendidos em leilào aos centos,
ou rasgados no Circo pelas feras
aos applausos de uma plebe infrene
qae levava Vitello sobre o escudo
e assassinava Cicero na estrada !
A terra estremecera a tantos crimes ;
depois, ébria de sangue e de lorpezas,
cahira extenuada de cansago
e par'cia dormir um somno eterno. , .
Foi entao que dos lados do Oriente,
das montanhas distantes da Judéa
se ergueu o sol da Redempgào humana.
Roma, cega das noites de Suburra,
sentindo a luz de aurora tao esplendida
chover-lhe sobre as pustulas sangrentas
raivou blasphemias de um furor selvagem,
e louca pela idèa de vinganga,
cabaleando embriagada e tropega,
comò um homem que sae de uma taberna,
cahiu ao tropegar nos proprios idolos !
_ 44 —
Sobre as ruinas do colosso informe
ergueu-se entào a cruz do Christianismo,
arca mysteriosa de allianga
salvando a humanidade de am diluvio.
Salve, arv're symbolica da idea
que faz de um homem bom um Deus de graga l
Salve, ó luz benefica dos mundos,
phanal de esperanca a encaminhar os povos
à futura existencia de alem tumulo ! . . .
Eu creio em ti, ó victima do Golgotha !
Das f ridas do teu corpo incorruptivel
cada gota de sangue é um mar de vida ;
dos teus labios, cerrados perdoando
deriva a fonte pura da verdade ;
a teus pés, magoadas e sublimes,
pranteia a Magdalena e chora a Virgem ;
0 clarào que te cerca a fronte loura
é luz que vem dos ceus e inunda a terra I
Salve, salve, ó victima do Golgotha I
HARMONIAS VAGAS
Desprende as azas no espaco,
anjo immenso de poesia,
leva-me aos ceus, à harmonia
dos mundos d onde Vieste,
desata os lagos da vida
ai !.. . mas leva-me coQìtigo,
nao me deixes, meu abrigo,
nao me fujas, fior celeste.
— 46 —
Soltas as roupas na aragem,
as louras trangas ao vento,
no vago do firmamento
0 longo olhar embebido,
foge, vai, mas nào me deixes,
meu doce anhelo mais santo. . .
anjo, envolve-me em teu manto,
nas pregas do teu vestido.
Como a Ina às horas mortas
ergue a cabega em segredo
por detraz do arvoredo
de uma solitaria aldéa,
tu tambem ergue o teu rosto,
desprende as azas. . . ai !.. . foge. . .
quero entrar comtigo hoje
no ceu, 0 tempio da idea.
Là vem surgindo da serra
a pensativa dos ermos...
— 47 —
é a bora de nos perdermos
no seio da eternidade !...
Sobe à crista da montanha,
soltas as trangas, ascende...
teus Yòos ao largo estende,
pelo espago... à immensidade!...
Entorna da lyra aeria
mais um canto, tim canto vago...
olha : é tao sereno o lago,
tao sereno o firmamento!
Vem, deixemos està vida,
que eu na terra viva morto,
só depois de em ti absorto
acharei meu pensamento.
SOLIDÀO
(A J. Dias d'Oliveira.)
Vai-se-me a vida em sonhos de ventura;
Jà mesmo dentro d'alma se me apaga
a espVanga de gosar;
e aquella imagem, toda formosura,
(J'um futuro de amor jà nao me affaga
meu constante sonhar.
— 49 —
Julguei retél-a um dia ; e ebrio e louco
de ventura dei-lhe o que sentia
de bom no coragào!...
Fui 0 mendigo, em sonhos rico ha pouco,
que acorda e sobresalto e ve vasia
e pobre a fria mao.
Estendo ao largo a vista no horisonte
e perde-se-nae o olhar na immensidade
de um areal sem firn!...
Se volvo ao que bei passado, ao dia de honte',
é tudo gelo, bruma, escuridade,
nao sei por onde vim.
Longe, bem longe, incerta, vaporosa
julgo estar vendo a imagem pensativa
d'um bello e casto ser,
orna-lhe a fronte pallida e formosa
a aureola de uma luz que me cativa...
ai ! mas nao é mulher!
4
Agitam-se-lhe os labios ao de leve,
ergue a fronte e sorri, falla ao infinito...
Gloria ! — Meu Deus, que luz !
Loucura!... a ave nocturna nao se atreve
a 0 sol fitar e foge dando um grito
do brilho que a seduz.
Como a virgem que junto da corrente
se vai sentar sosinha e distrahida
scismando sern pensar,
eu vejo deslisar-se brandamente
um dia apoz mil outros d'està vida
sem goso, nem pezar.
Eu quero em meu baixel, a vela ao vento,
vogar em mar revolto, oh ! multo embora
me sorva um escarceu !
De que me serve està alma, o pensamento
se nao ti ver o seu gosar de uma bora?...
so morre quem viveu.
— 51 —
E a Vida assim tao Ma, tao deserta,
tao inutil, embora socegada
nao tem gosos p'ra mim !...
Apraz-me a vaga torva ondeando incerta...
nao amo a symetria compassada
nas flores de um jardim.
Eu quero o mar, a laz, o ceu, o espaco
e 0 meu barco saltando ondas de espuma
ao largo pelo mar,
sentir-me preso à vida por um lago
que me pague as caricias uma a uma,
que chore se eu chorar.
A hera tem o muro onde se abraga,
a fior tem outra fior que a comprehende,
toda a magoa tem do,
a vide tem o olmeiro onde se enlaga,
ao pobre a caridade a mao estende,
Senhor, e eu vivo só.
— 52 —
Assento-me ao banquete dos prazeres
corno um conviva taciturno e frio
que nao ama ninguem ;
comò 0 sorrir de impudicas mulheres
que riem p'ra agradar, eu tambem rio
se vejo rir alguem.
Mas sinto o gelo na alma ; nunca um rise
em mim traduz a intima ventura
do que na vida ere ;
ao longe, no futuro, nao diviso
nem uma rosa, um ponto de verdura
que uma esp'ranga me de.
Do bergo à campa é solitaria a estrada;
sou comò a harpa suspensa na palmeira
tocando à solidao,
um som 'de corda em paramo estalada
p'ios ventos do deserto e qual poeira
perdido na amplidao.
— 53 —
E quando alfim no extremo do caminho
langar um olhar amortecido à vida
para dizer-lhe adeus,
oh I corno agora e sempre orphao, sosinho,
Senhor, nao terei urna yoz querida
que me chame dos ceus?
PRECE
Qaem me diz o que eu sinto se ao sol posto
me vou sentar nos cimos da montanha?...
Qae sons, que melodia de harpa estranha
me torna o olhar em fogo e em fogo o rosto ?
Que vejo alem, nas faxas do Occidente ?
Que sede do infinito me devora ?
Acaso a luz que esse horisonte córa
me falla da que brilha eternamente ?
— 55 —
Desejo o ceu^ voar na immensidade
perder-me n'esse mar dias sem termo,
buscar na solidao e de ermo em ermo
uma alma igual à minha em mocidade.
Eu sinto em mim o peso do infinito,
um desejo de amor ardente e vago...
apraz-me às noites só ir junto ao lago
sentar-me sobre as rochas de granito.
Oh ! quem me dera as azas da aguia altiva,
buscar no espago o ar que est'alma anhela,
fugir, correr voar de estrella a estrella,
vèr pó està prisào que me cativa,
vagar incerto na amplidào do espago,
transpòr a curva azul do firmamento
correr nos ares comò corre o vento,
cahir alem dos mundos de cansago!...
— 56 —
E eu amo tudo: o monte, o prado, a rosa,
0 ceu, a terra, o sol, o mar, a espuma ;
quero, pois, estas formas urna a uma
juntal-as n'uma so e mais formosa !
Oh ! rasga o espago, emmana?ao divina,
e senta-te ao mea lado, anjo formoso,
0 vacuo da minha alma enche de goso,
é ao peito que me arqueja a face inclina;
murmura-me essas fallas de ternura
que jà te ouvi em sonhos de crianga,
surge no ar, estrella de bonanga,
illumina-me a vida de ventura.
Ando sempre a estender pYa ti meus bragos,
comò Christo os estende a humanidade,
e em vez de me abragar a uma verdade
so encontro por meus frios espagos.
— 57 —
Vem, pomba, dar-me a nova da bonanga,
illuminar-me a vida de ventura,
murmurar-me essas fallas de terniira
que jà te ouvi em sonhos de crianga.
Aos
ACADEMICOS DE 63
(Na noite de um beneficio que elles deram no theatro de S. Joào do Porta
a favor das victimas da ultima insurreicào polaca.)
Eis pois mais um conviva à meza do progresso!...
Eis mais um nobre esforgo, eis mais um arremesso
na estrada do porvir !...
Um povo ergue-se alem, do Vistula, inspirado
langa um grito no espago ! . . . Quem tao potente brado
deixaria de ouvir ?
— 59 "
Escuta-o Portugal, e su'alma estremece
de puro enthusiasmo, o olhar Ihe resplandece
da luz da inspiragào!...
E ardente, nobre e grande, encara a immensidade,
e manda ao povo irmao, na voz da mocidade
um abrago de irmao. 0 i
Oh ! terra de Camoes, nem tu, nobre, podias
renegar o valor e a fé que em outros dias
provaste a combater!...
E' teu irmao de certo, é teu irmao nas cren gas
0 povo que prefere a luz às trevas densas
e diz : — Quero viver ! —
E luta e ha-de viver que Ihe assiste um direito
0 mais santo que Deus nos infundiu no peito:
ser livre por pensar !
Deus fez-nos a alma livre, é livre a intelligencia
do homem, ou da nagao que busca a luz da sciencia
para se allumiar.
— 60 —
Quem poderà suster a estrella nos espagos ?
Quem pode a urna nagao fazer cruzar os bragos
e prohibir-lhe a luz ?
Entào é urna chimera a palavra do Eterno ?...
E', pois, um sonho mau, um escarneo do inferno
0 Golgotha e a Cruz?
Pois 0 povo que luta, o povo grande e nobre
ha-de ser sempre o lodo, o miseravel pobre
que nos estende a mao?
Que fez entao o Christo em subir ao Calvario ?
Que fez ensanguentando a tela do Sudario,
se existe a escravidao !
•
Mas vós, cuja alma incende o fogo da sciencia,
que adorais està luz ctiamada intelligencia,
corno OS Incas o sol,
que estremeceis de amor à voz da Liberdade,
corno estremece a fior a viva claridade
de um formoso arrebol,
— 61 —
fizestes bem em vir; aqui a vossa crenga
é Evangelho saato, é urna fè immensa
igual à vossa fé !...
Ouvindo atravessar o espago o vosso grito,
corno a um sopro de Deus, d'umi impulso infinito
erguemos-nos de pé 1
Bem vindos, pois, irmaos; bem vindos,.pois, de novo,
filhos da liberdade, apostolos do povo,
à terra liberal !
Nós saudamos com vosco essa primeira bora
de urna grande nagao, comò jà foi outr'ora
saudado Portugal.
EXCOMMUNGADO
(No albiartì d.e Ciastodio José
Diaarte)
I
Era moQo e poeta e bom e louro,.. um Christo;
e pagao corno Goethe, havia n'elle um mixto
de Phidias e Platao, de artista e pensador
que 0 fariam querer e amar a propria dòr
só para se estudar no grande livro da alma.
— 63 —
A fronte um pouco baixa e pensativa e calma
par'cia procurar na terra — a grande mae —
as fontes de onde jorra a forga, a vida e o bem.
Em seu olbar sereno havia um que de vago
que fazia lembrar um socegado lago
reflotindo no espelho a cupula dos ceus
profunda corno o eterno e immensa corno Deus.
Em seu pallido rosto, a sombrear-lhe os labios,
Yia-se a ruga leve e modesta dos sabios,
nao filha do desdem, mas filha do saber.
Espirito de Vico em peito de mulher,
austero scismador, tinha na sua estante
a par de Hegel Camoes e de Pascal o Dante.
E sonhava, aquella alma, ébria de multa luz
no abrago fraternal do Crescente e da Cruz.
II
Era moQO e poeta e bom e louro e triste ;
amava quanto soffre, amava quanto existe,
e tinha para tudo o que é sublime e bom
no coragao um canto e em sua lyra ura som.
Fallava em redempcào, em destinos dos povos,
em idades de luz, em horisontes novos,
no progresso do bom, em Deus e no porvir,
comò se jà no mundo estivesse a cahir
a beuQao do Senhor no dia das venturas
em que elle ha-de descer à terra das alturas.
Um dia ouviu-o alguem, andando elle a scismar
urna tarde na praia, estas phrases soltar :
III
— (( Se nao existe Deus, comò é que o pensamento
chegou a conceber um Deus um só momento?...
podia acaso urna alma arder n'um grande amor
sem a idea do bem, do justo e do melhor?
Se a natureza é Deus nao creio no infinito ;
alem da creagao e do mundo que habito
— 65 —
ou ha-de preexistir o immenso, o eterno ser,
cu eu que n'um momento o pude conceber
sou esse creador, e caio no impossivel.
Existe Deus portanto, um Deus indivisivel,
consciente, infinito, eterno, sabedor,
causa de lodo o bem, fonte de todo o amor,
que prende a terra ao ceu pelo lago da idea,
a Vida a cada corpo, o mar ao grào de areia,
0 mastodonte ao verme, a pianta ao minerai
e 0 homem comò um fillio aos seios do ideal.
Como é que sem um Deus haveria a verdade
a virtude e o bem, o mando e a immensidade?
E tu, ó grande mar, comò é que sem um Deus
servirias de espelho às estrellas dos ceus?
E tu, meu coragao, que aspiras o infinito
andarias em balde a suspirar, proscripto,
por um mundo melhor, um mundo todo luz
sem n'um Golgotha, alfim, depòres essa cruz ?
0' verdade sublime, ó infinito anceio,
pois hei-de eu ter cà dentro, aqui dentro do seio
uma cousa que sonha a eterna perfeigao,
e ha-de ella estar sujeita às leis da corrupcào,
5
— 66 —
corno urna cotisa vii sem luz, nem consciencia?!..
Protesta, ó coragao, protesta intelligencia !
IV
Era moQo e poeta ... aos vinte annos raorreu ;
e um bom de um sacerdote excommungou o atlieu
que nao cria na Igreja, em padres nem nos santos^
e dissera a expirar à màe lavada em prantos :
— •(( Abengòa-me, ó santa, e dà-me a extrema uncgào
de um teu abrago, ó mae, ó grande coragao,
onde eu sempre encontrei a superficie e ao fundo
consolacoes do ceu para as magoas do mando^,
biblia onde eu aprendi a sciencia do amor,
d'aquelle amor do bem puro de magoa e dòr,
ninho que me acoitava em horas de tristeza,
tempio onde eu adorei a Deus e a natureza,
ó santa pelo amor aos humildes e aos teus,
abengòa-me tu, que me revelas Deus.
VISAO
(A Ch-eria-bino Lag
Ai ! quem me dirà onde
eii possa ir encontral-a
a visao que me falla
e sempre se me esconde ?
— 68 —
Em sonhos me namora,
e acordado me foge...
ea quero vél-a hoje,
eu quero \él-a agora.
Eu quero ouvir o harpejo
da sua voz suave
comò 0 canto de uma ave
em seu primeiro adejo.
Eu quero vél-a ao perto
e em seu olhar divino
lér todo 0 meu destino,
comò n'um livro aberto.
Quero ver se acordando
em seu rosto diviso
aquelle mesmo riso
que eu Ihe via sonhando.
— 69 —
Quero ver se ella ainda
tem um vestido leve,
mais branco do que a neve,
qae a fazia tao linda.
Quero saber depressa
em que jardim de amores
nascem d'aquellas flores
que ella traz na cabega.,
E quero que me ensine,
para poder cantal-a,
a lingua que ella falla
e que se nao define.
Quero cantar-lhe as magoas
que eu tinha antes de vél-a
e que eu só e sem ella
ia contando às agoas.
— 70 —
Quero dizer-lhe tudo
0 que minila alma sente,
e abragando-a tremente
dizer-lb'o outra vez mudo.
Qaero vér-lhe os cabellos
d'aquelle estranho louro
que me parecem de ouro
a mim, que cego ao vél-os;
e desatar-lh'os, rindo,
do seu timido enleio,
em ondas pelo seio
que arfando a està trahindo.
Quero esconder nas trangas
a minha e sua fronte,
ninho em chorao da fonte
de duas pombas mansas.
_ 71 —
Eu qu'ria à sua face
unir tanto o meu rosto,
que 0 anjo do desgosto
nunca Ih'a divisasse.
Ai ! quem me dirà onde
eu possa ir encontral-a
a pomba que me falla
e 0 ninho em que se esconde ?
AO PARTIR
Adeus... nào chores... tem animo
hei-de voltar, meu amor!...
Ta, filha, pede ao Senhor...
pedo que eu volte depressa.
Nao quero vér-te assim tremula
abragando-me a chorar...
Coragem!... hei-de voltar
quando menos te parega.
73 —
Olha... esconcle-me essas lagrimas.»,
eu nao choro... tu bem vés..,
D'aqui a um anno talvez
eu volte co' as tuas flòres,
Que importa, pois, està auzencia,
se temos tanto porvir?
Eu quero vér-te sorrir.
sé minha amiga... nao chores.
Nao chores ; basta o martyrio
de pensar que vou viver
longe de ti... sem te ver...
ve que existencia me espera !
E' forga partir... abraga-me!...
Vamos, nao chores... adeus!...
— Quem ao menos, grande Deus^
estas lagrimas tivera ! ~
AO REI
No sec'lo pensador em qae vivemos^
nós, OS filhos do povo, jà podemos
erguer a fronte aos ceus ;
nao nos cega de um rei a magestade ;
ha acima da c'ròa a liberdade.
e acima d'està Deus.
— 75 —
Cahiu emfim o sceptro ao despotismo!...
a ceremonia augusta do baptismo
nao é formula va!...
todos tem um logar a mesma ceia ;
um rei nao é um sceplro, é uma idea
da liberdade irma.
E a liberdade é o facho que alumia
a palavra da lei — essa poesia,
essa luz da razao — ;
0 povo 0 heroe sublime do poema,
0 rei 0 mesmo povo n'um diadema
que se charaa nagao.
E um povo assim se aos pés de um rei se prostra,
é que ve n'elle o. homem que Ihe mostra
0 caminho a seguir,
é que vé n'elle a mào tres vezes santa
que aos ventos do progresso nos levanta
0 pendao do porvir, ^
— 76 —
0 porvir!... oporvir!... cousa sublime!...
idea que se sente e nao se exprime
comò a idea de Deus !...
mysteriosa visao da humanidade!...
Yoz que faz levantar a mocidade
a fronte para os ceus !
0 porvir!... o porvir!... Ha quem me diga
que mysterios o espafo infmdo abriga
na sua vastidào?...
0 immenso de uma idea nao se pinta ;
0 segredo da portentosa tinta
nao sai do coragao.
0 porvir!... que nos falla do infinito,
comò do Iman o solitario grito
nas torres de Stambul!...
tudo 0 que é grande e bom, sublime e vago,
mas onde se ve Deus, comò n'um lago
0 firmamento azul !
— 77 —
E 0 rei é està idea grandiosa,
a columna de luz, mao poderosa
que nos conduz ao bem!,..
é 0 Moysés, que à frente do seu povo
Ihe aponta no porvir destino novo
segaindo-o elle tambem.
E' este 0 rei que eu hoje aqui saudo;
0 homem que nos faz do sceptro escudo
e do throno urna grei ;
em quem o pobre encontra sempre um brago,
e que sabe apertar no mesmo lago
a liberdade e a lei.
Salve, pois, digno irmào d esse monarcha,
Tito no coragào na alma Petrarcha,
que Deus nos quiz levar!...
Este povo, que adora a liberdade,
tambem se curva aos pés da Magestade
que a sabe respeitar.
so^
Oh I que saudades tao longas
pode ter um coragao^
quando na aurora da vida
ve em torno a solidào!...
Vinte e dois annos!... que inuteis
se as rosas da mocidade
me vao cahindo urna a urna
aos ventos da soledade!...
— 79 —
Vinte e dois annosi... e quantos
outros mais eu viverei
sem ter visto aquella imagem
que em longas noites sonhei !
Sonhar. . . sonhar!... é a vida;
a realidade é tao fria
para as almas possuidas
do demonio da poesia!...
A poesia, aquelle abutre
eterno de Prometheu
que roe de continuo as almas
que ousaram subir ao ceu !
Dai-me a existencia um so dia,
Senhor, corno a certas flòres^
mas dai-m'a chela de affectos
mas dai-m'a chela de amores.
— 80 —
0 amor . . . o amor é a vida,
e eu ainda nao vivi...
e uma alma assim tao sosinha
nao sei que faz por aqui.
Faz 0 que ea faco, que pego
às rhimas aquelle harpejo
que nao pude achar ainda
nas rhimas doidas de um beijo.
Faz 0 ^ue eu faco, faz versos
a amantes que nunca viu,
imaginando que sente
paixoes que nunca sentiu.
Le 0 Pelrarcha, e suspira;
le Lamartine, e entristece;
le Camoes, mais triste fica;
le Byron e empallidece.
— 81 —
E traz a cabeca em chammas,
traz em fogo o coragao,
e tem uns amores loucos
com nao sei que apparigao.
E passa corno urna sombra
n'esta vida, que Ihe é noite,
Sem ter collo onde se abrace,
Sem ter seio onde se acoite.
Ai I comò é longa està vida
para um pobre coragao,
que nao tem, sendo poeta,
quem Ihe de a inspiragao!...
A CAMÒES
Influencia fatai da tua estrella !
Ha destinos assim, e o teu, poeta,
quasi nos faz descrér da providencia!
Em cada fior achaste mil espinhos ;
tua alma toda luz, e fogo e crengas
finou-se de saudades n'um exilio I...
Pagaram-te um poema corno a Iliada
co' a enxerga do hospital!... Rafa de frades!.
Mas 0 mundo córou de tanta infamia,
astro a brilhar no seio do infinito,
e adora-te depois do teu occaso.
Ta, pois, qae n'esta vida foste um martyr,
na morte, corno o Christo, nos pe*rdoa...
bem cara està vergonha temos pago.
Ai ! da nagao de heroes que ta cantaste
talvez nem a memoria hoje restasse,
se 0 teu livro nào fosse o que tu foste :
a luz suspensa ao carro do progresso
tornando vulto ao passo que se avanga
na noite do porvir !
Salve, poeta,
monumento gigante do passado
erguido nos confins da nossa gloria !
Morreu comtigo a patria... tu disseste-o ;
mas se te deu o leito da miseria
teve ella o jugo vii dos sessenta annos...
Perdòa a desgragada... é tua patria.
ADORMECIDA
Silencio!... fallai baixo... dorme a bella;
adeja-lhe nos labios um sorriso,
que 0 dissereis um ar do paraiso
a perfumar-lhe as faces, a envolvel-a,
Silencio !... fallai baixo, que ella acorda,
e é maldade acordar quem sonha rindo ;
deixai, deixai que expanda assira dormindo
0 jubilo em que o seio Ihe trasborda.
— 85 —
Nao sabeis que existencia é um sonho quando
brota em sorrisos taes n'uoi labio puro !...
E' corno se ao sahir de um antro escuro
entrassemos n'um tempio venerando.
Que linda !... Ai ! eu nao sei se a fior curvada
ao beijo perfumado de uma aurora
tem mais mimo e frescór do que ella agora
assim, soltas as trangas reclinada.
Eu jà vi nos meus sonhos, pelas sestas,
surgir ao pé de mim, mas nao sei d'onde,
um anjo que se curva e que me esconde
nas trangas que eu jurava serem estas. . .
As trangas eram de oiro... vi-as perto;
e 0 mesmo ar socegado, e o mesmo riso,
e se a dormir seus olhos nao diviso
nunca eu de uns olhos soube a cor ao certo.
— 86 —
Nao é visao, nao é... Visoes tao bellas!...
E urna visao nao dorme, nem respira ;
e se ha visoes assim, quem nao suspira
por ter n'um sonho urna visào d'aquellas?
Quem a vida levàra assim sonhando!...
Ao menos nao te vira a ti dormindo,
anjo, que me roubaste a alma sorrindo
sem eu saber por que, nem corno e quando.
EN AVANT
(A G-diltLermie Braga.)
#
Desfez-se à immensa luz da idea nova
a sombra qae pesava corno um crime
por sobre as multidoes;
0 vulto informe e vào da idade media
esconde-se nos antros do passado
solfando imprecagoes.
— 88 —
Compr'hendeu-se afinal que a vida é santa
por que é Deus que a dispensa, o Deus-bondade
e nào 0 Deus rancor.
0 Christo, 0 louro Glho de urna virgem,
surgiu de novo abengoando os mundos
com palavras de amor.
A verdade!... a verdadel... eis nosso rumo!
Nào me venham dizer que o pensamento
nào nos conduz aos ceus ;
eu creio na rasao corno em Deus mesmo,
creio no sentimento, irmao da idea,
filha do proprio Deus.
s
Creio que a intelligencia é a luz espiendida
guiando a humanidade pensativa
a futura Chanaan,
cada homem um ser que traz na fronte
escripto desde o bergo o seu destino,
0 mystico — En avant ! —
— 89 —
Eu vejo em ludo a grande lei do Eterno
cada homem depoe no aitar da vida
a offrenda ao Creador ;
Kepler offerta a lyra das espheras,
Gutemberg a palavra do universo
e Fulton o vapor!...
Colombo arranca ao seio do Oceano
a perola escondida das Americas
mostrando-a à luz do sol,
e a humanidade inteira solta um grito
vendo raiar da fronte de Luthero
mais um grande arrebol.
Nós, que abrimos as portas do Oriente,
que andamos pelos mares recolhendo
Malaca, Ormuz, Ceylào,
nós, primeira nagao da nova idade,
curvàmos a cabega laureada
à voz da Inquisigao !
— 90 —
Que longa somnolencial... 0 mando absorto
rias augustas conquistas da sciencia
esquecea-nos por firn,
e em quanto nós resando adormeciamos,
là fora erguia a voz para o infinito
Descartes e Franklin.
Afinal acordamos do lethargo !
Abengoada a aurora d'esse dia...
Portugal nao morreu!
Ao sol da liberdade tudo esplende!...
Garrett encontra a mascara de Eschylo,
Catào é Prometheu!
Herculano desfaz na mao robusta
OS velhos preconceitos dos fanaticos
e escreve os seus Annaes,
Castilho encontra a lyra de Virgilio,
e ouvindo-a Portugal cobre de beijos
OS Passos e os Leaes.
— 91 —
Sejamos dignos de tao boa heranga,
nao paremos estaticos olhando
tao illustres brasoes,
falle em nós este santo amor da patria,
avante no caminho das conquistas
que nos chama Gamoes !
Avante !... E em cada peito o enthusiasmo
faga nascer a fior abengoada
da espVanga do porvir!...
0 mando jà sentiu que caminhamos,
a terra promettida jà se avista,
agora é proseguir.
JOELHOS
OS teas oìbos kngaidos
° Pomba adormecida < '
aspirar a vida
'"^ de um tea olhar.
f^-osteass.ostren.„as
e as forni.s de/icadas
^^ofa'-e as aln^ofadas
^ aeixa-te adorar.
— 93 —
Ergue-te, virgem pallida!...
fascine-me um teu riso ;
abre-me o paraiso
dando-me a inspiragào.
Quero contar-le em jubilos,
em beijos e em loucuras
as fundas amarguras
da minha solidào.
Meu coragao tristissimo,
corno a pomba sem ninho,
tem vivido sosinho
buscatido-te a cantar ;
e este viver na ausencia
vai-lhe matando o alento,
ave que contra o vento
voou atè cangar.
Ai ! nao negues ao timido
consolagoes e vida...
— 94 —
Meu Deus, se a flòr pendida
nao pode reviver? !...
Oh! pode, sim, eu quero-te...
quero viver urna bora,
embora... muito embora
venha perto o morrer.
E's, corno as virgens, pudica,
és, corno OS anjos, casta ;
um teu olhar me basta,
vivo de um teu olhar,
que nos teus olhos humidos
ha nao sei que de vago
que faz lembrar um lago
visto à luz do luar.
Desprende as azas lucidas,
doirada borboleta,
e torna-me poeta
e torna-me cantor,
— 95 —
dà-me o baptismo angelico,
de um teu brando carinho...
eu vivo tao sosinho !...
Oh 1 dà-me o teu amor.
PEJO?
<r — Juro-te, guardo segredo
se tu me deres um beijo ;
nao te convences, bem vejo,
mas juro, nào tenhas medo.
E se alguem m'o perguntar,
hei-de negar, affianco ;
podes ficar em descango,
ninguem ha-de suspeitar.
— 97 —
Mas se tens inda receios
de que eu nào seja discreto,
lembro-te um meio selecto...
talvez 0 melhor dos meios :
Em vez de vires aqui
dar-me um beijo envergonhado,
eu fico sendo o culpado
dando-te os beijos a ti ---- »
Com taes vantagens à vista
hesitou, mas foi cedendo...
Eu porem fiquei sabendo
que era urna grande egoista.
A
UM ARTISTA BRAZILEIRO
Um dia urna alma grande, um grande genio
pensou ver muito ao longe no liorisonte
fantasticos jardins,
e transpondo o Oceano, aguia alterosa
poisou beijando a terra promettida
em ignotos confins.
— 99 —
Depois ergueu-se: a luz dos inspirados
brilhava n'esse olhar que elle estendia
ao largo pelo mar !...
Os ventos sussurraram nas florestas
e ao longo das quebradas corno qu'rendo
esse vulto adorar !...
Das rochas espumaram mil torrentes,
OS eccos acordaram assustados
dos homeus ao labor,
e 0 carro do progresso arando os plainos
deixou apoz de si do immenso transito
um estranilo rumor!...
0 sol, que ao levantar-se vira pàramos,
doirou a tarde o tecto dos palacios
e 0 cimo às cathedraes;
e a lua, que esentava pensativa
0 canto ao sabià, ouviu scismando
da lyra os meigos ais.
— 100 —
Tudo tremeii, brilhou, falgiu no espago
corno se o proprio Deus elaboràra
segunda creagao I...
E via-se um povo de hontem indo à frente
dos mais povos na estrada do progresso
ébrio de inspiragao!
Eis, pois, a tua patria, ó nobre artista ;
doirou-te o bergo a luz de outro hemispherio,
um sol inspirador ;
depois scismando à sombra das florestas
aprendeste harmonias nao sabidas
no seu vago rumor!...
Abriu-te a patria os seios uberantes,
e a seiva fecundante do talento
nas veias te ferveu !...
Ergueste ao ceu a fronte abraseada...
Era chegada a bora dos prodigios ;
tu'aUfia estremeceu.
— 101 —
Sentiste entao arfar-te o peito em ancias,
corno se te fallasse o ar là dentro
e transposeste o mar!...
A chamma do talento é corno a estrella,
quer espagos sem firn e ceus sem termo
para melhor brilhar.
Vai, pois, vai teu caminho, oh ! mas na volta
à patria, nao deslembres està terra,
0 velho Portugal ;
e leva a teus irmaos um longo abrago,
um abraco estremoso, que Ih'o enviam
OS netos de Cabrai.
MARIA
Entre as sombras da immensa procella
ha no ceu sempre um raio de luz...
teu olhar, comò o brilho da estrella,
OS meus passos na vida conduz.
Bebé a fior n'um sorriso da aurora
luz e selva, perfume e frescor,
e a minha alma, que os risos te adora,
bebé o ceu n'um teu riso de amor.
— 103 —
E's 0 centro divino a que tende
0 meu ser, sequioso de beni,
és a Cruz que os dois bragos me estende
corno a um fillio os estende unia mae.
E's a fiamma sagrada da idea
que a minha alma no escuro desceu
e a palavra de amor que incendeia
e 0 thesouro que é meu e só meu.
E's 0 vaso de mystico aroma
que urna fada me deixa aspirar^
e 0 salgueiro de tremula coma
que desenha no rio o luar.
E's a rosa onde a brisa suspira
comò beijos furtando-lhe a rir,
és a corda mais doce da lyra
que eu por ti tentarci desferir.
— 104 —
E's a bella das bellas, mais linda
do que as santas de mais devocao,
e se és bella nas formas, ainda
és mais bella em grandeza e paixào.
GOlVOS
Fugiu-me corno a luz foge da sombra,
fugiu-me corno a estrella à tempestade,
fugiu-me sem deixar mais claridade
que um sol depois do occaso deixa à alfombra»
Fugiu-me comò a luz de um bello dia,
fugiu-me comò a concha foge à vaga,
comò a virgem que em sonhos nos affaga
fugiur^me quando os bra^os Ihe estendia.
— 106 —
Fugiu-me corno a nuvem do Occidente,
leve e da cor da rosa, foge aos ventos,
fugia-me corno os grandes pensamentos
que ella soube inspirar-me brandamente.
Fugia-me corno o adeus foge na aragem,
fugiu-me comò um ai foge do peito,
comò ainda de junto do meu leito
me foge, se desperto, a sua imagem.
Fugiu-me comò a sombra do meu vulto,
fugiu-me corno o riso dos meus labios,
Fugiu-me comò foge inda aos mais sabios
0 segredo da morte, o mais occulto.
Fugiu-me comò a pomba da esperanga
Sem me deixar o ramo, e eu vago incerto
nos mai^'es da existencia, o ceu coberto
Sem bussola, sem leme e sem bonanga.
Pensar eu que me deste
n'um teu sorriso o ceu,
e ver que te escondeu
a sombra de um cypreste
Pensar eu que vivia
da luz do teu olhar
para t'o ver fitar
na luz do eterno dia,
è ver-me compellido
a renegar da fé
em Deus, se Deus nào é
palavra sem sentido.
— ao8 —
Nao tens seio onde te escondas,
coragao, perdeste o rumo !
Se a ventura é corno o fumo !... '
Se a desgraga é corno as ondas,
que apoz uma, que ergue o vento,
vem um cento.
LA DANCEUSE
Quando em requebros languidos,
airosa borboleta,
a sorrir inquieta
pizas de leve o chào,
parece-nos que as sylphides
da grega antiguidade
sao mais urna verdade
que poetica ficgào.
— 110 —
A arvéloa que se langa
pelos ares cantando
0 alvo cysne boiando
n'am lago todo anil,
nào tem o teu encanto^
n5o tem essa belleza,
vòa aquella mais preza,
aste é menos gentil.
Quando em teus vòos rapidos
nos foges vaporosa,
ou afrouxas langorosa
corno para adejar,
pareces-nos a dryade
de urna encantada selva
que vem dancar na relva
em noites de luar.
— Ili —
Tu, n'uraa volta breve
sobre o pé pequenino
Oli n'um giro continuo
corno louca de amor,
semelhas foiba solta
ao vento dos espagos,
ou fada que em seus bragos
endensa alguma fior.
SANTELMO
Deixa qae pouse a fronte em teu regalo
0 viajante morto de cansago,
coberto de suor;
nao te ha-de macular o pó da estrada,
hei-de lavar-te a veste perfumada
com lagrimas de amor.
— 113 —
Foi longa a minha via dolorosa,
0 caminho nào tinha urna só rosa
nem urna folha só !...
Este exilio de amor foi-me um deserto,
até 0 proprio ceu achei coberto
por turbillioes de pó.
Nào sei corno vivi ... se aquillo é vida,
vèr a arvore da fé loda despida
e morto o coragao ;
ter sempre os olhos Atos no passado
e um dia vél-o em fumo dissipado...
ai ! nào é vida, nào.
A vida és tu, porque eu morri perdendo-te,
nào por que te nào visse, estava vendo-te
mesmo longe de ti ;
morri por que julguei que renegàras
aquelle santo amor que me juràras...
e a que eu tambem menti ! . . .
— 114 —
Menti doido de amor, na desp'ranQa,
a chorar... a chorar corno a crianga
que nào sabe negar!...
Menti-te na loucura, no delirio!...
impunha-me a mira proprio este martyriO:,
querendo-me vingar!
Ai! que inferno deamor, meu Deus, que inferno!...
E eu sempre a vér-te em sonhos o olhar terno
e 0 riso Yirginal!...
Fugia de mira mesmo... estive louco;
depois veio o lethargo pouco a pouco
e adormeci no mal 1
Que Vida de loucuras!... que demencia!
Futuro, coracao, intelligencia,
tudo prostitui !
Arrastei-me no lodo comò um verme
procurando matar-me ou esquecer-me
para sempre de ti.
Opéra-se hoje em mim novo genésis,
depois de ter libado até às fezes
0 meu calix de dòr ;
brilha em minha alma o iris da bonanga,
allumiou-me o abysmo a luz da esp'ranga. . .
sorri-me o teu amor.
Ergo-me à luz da vida estremecendo ;
anda a sorrir-me tudo o que estou vendo...
tudo hoje me sorri !...
Tudo em torno de mim traja de festa ;
até 0 vago harpejo da floresta
me vem fallar de ti.
Cobre-me um ceu de amor todo alegrias ;
ha perfumes no ar e melodias
. que eu nào sei d'onde vem.
A Vida!... a vida!... eu quero-a!... E' tao formosa
quando temos na terra mao piedosa
que nos conduz ao bem!
— 116 —
Deixa que pouse a fronte em teu regago
0 viajante morto de cansa^o,
de um longo caminbar ;
foi tao grande o martyrio d'està auzencia,
que eu preciso do abrigo da innocencia
para me repousar.
BRINDE ACADEMICO
Quem um dia surgiu do baptismo
que a sciencia nos dà para o bem
nao se curva ante o vii despotismo
nem humilde se dobra a ninguem.
Embalou-nos o som da peleja
que fez pó todo o sceptro dos reis,
e està luz que em nossa alma lampeja
só DOS manda curvar ante as leis.
— 118 —
Quem um dia sentiu dentro d^alma
justo orgulho de ser portuguez
encontrou jà no bergo urna palma,
que ningiiem calcara a seus pés.
Chove a luz a torrentes do espaco
sobre as almas que a idea incendeu;
nós sentimos o mystico abrago
que a sciencia inda jovens nos deu.
Sòmos filhos de heroes, somos povo,
temos intima fé no porvir :
Portugal ha-de erguer-se de novo
e nos ceus de outra idade fulgir.
Desfraldémos aos ventos da aurora
0 pendao que a Victoria conduz!...
Nao ha sangue nas lutas de agora ;
falle em nós sempre o verbo da Cruz.
— 119 —
Resurjamos à voz do infinito!...
0 futuro nos chama... é partir!
— Portugal! — seja pois nosso grito
Ao porvir, meus irmaos, ao porvir !
Ao porvir, ao porvir, à Victoria!...
Surja a terra do Gama outra vez !
Levantemos nos bragos da historia^
solto ao vento, o pendào portuguez •
MAGDA
(A Ernesto Pinto d' AlmeidLa)
A's vezes quando vejo pensativo
0 ceu ir entre as sombras desmaiando,
quando o vento do mar — leao captivo —
parece a voz de Deus os soes chamando,
„ 121 —
figura-se-me ver-te, ó branca imagem,
envolvida na luz do firmamento,
e ouvir a tua voz, solta na aragem,
murmurar-me nao sei que estranho alenlo.
E sinto aliviar-se està saudade,
que me nao foge da alma um só instante
depois que revoando a eternidade
de meus bragos ficaste assim distante.
Tao longe!... E eu sera saber se alem da morte
ha mais vida do que està onde se encontram
as almas que attrahiu o mesmo norte,
OS seres que um destino igual affrontam.
Quem, meu calix sagrado, te ha partido ?
0' Cruz do meu aitar, quem te ha quebrado ?
Thesouro sem igual, quem te ha sumido?...
Biblia do meu amor, quem te ha fechado?
— 122 —
Quem fez d'aquelle amor urna lembranga?
Quem fez de tado aquillo urna saudade ?
quando, apenas no goso de urna esp'ranca
sentia em mim o ardor da mocidade?...
Quando, louco de fé, mogo e amante,
me andava o peito a arfar em devaneios,
comò a virgem que aos gritos de um infante
sentia entumecerem-se-lhe os seios?...
Fechou-se-me o poema do universo ;
jà nem sei lér no livro das estrellas,
0 meu olhar em sombras sempre immerso
nao póde, inda que tente, percebél-as.
Parece que nas dobras da mortalha
se foi comtigo o amor da propria vida,
por que eu nao acho aqui nada que valha
a magoa de te ver de mim perdida.
— 123 —
Perdida corno a luz que o vento apaga ;
perdida corno a fior que o vento leva ;
perdida corno a perola na vaga ;
perdida corno o fumo que se eleva...
Perdida corno a areia no deserto,
perdida corno a voz na immensidade ;
perdida corno a estrella em ceu coberto;
perdida para mim na eternidade.
A
ARTHUR NAPOLEÀO
Espera. Tambem eu quero saudar-te,
por que eu tambem, idolatra do bello^.
creio na inspira?ào ;
tu exprimes a idea na harmonia,
eu busco traduzir pela palavra
OS sons do coracào*
— 125 —
0 culto é 0 mesmo, a forma é que é diversa;
mas tu comò os antigos sacerdotes
ou druydica vestal
és só 0 que conheces os mysterios
da religiào do bello, do intangivel,
do immenso, do ideal.
Viu-te nascer o Porto, onde um archanjo
te deu 0 beijo santo que é o baptismo
dos grandes e dos bons;
e apenas deixas, timido, o teu bergo
langas no espago um grito que se muda
n uma chuva de sons.
Era bello entao ver-te inda crianga,
Messias quando infante, confundindo
a todo 0 sabedorl...
Era bello entao ver-te, arvéloa implume^
alando-te às regioes serenas da arte
com azas de condor !...
— 126 —
Pasmaram do prodigio os mais descrentes !
E' que a luz de um talento assim fascina
quando nos fere o olhar !
Póde fitar-se a alampada das noites ;
nias 0 sol, o priaieiro dos prodigios,
nào se póde fitar.
Ergueste aqui os teus priraeiros vòos ;
depois, firmando o pé, subiste aos ares
rass^ando a immensidào!...
A andorinha quer sol e vida e flores,
e tu sempre encontraste primaveras
em cada regiao.
Cada som que enviavas aos espagos
parece que levava em si envolto
0 germen de urna fior,
por que chegando às almas dos que ouviam
transformavam-se todos em grinaldas
e em canticos de amor !
— 127 —
A's horas do descango tinhas sempre
0 genio da Victoria junto ao leito
velando-te o dormir,
e por sobre o docel o archanjo pallido
da patria abria as azas luminosas
olhando-te a sorrir.
Abriste ante a columna do teu genio
urna estrada da luz que tarde ou nunca
0 vento ha-de apagar !..
Pódes pousar a fronte corno Tito,
soubeste comò poucos n'esta vida
0 dia aproveitar.
Mas tu inda nem pensas no descango,
0 teu dia nem mesmo vai em meio,
0 estio comecou ;
e agora tendo em vista novos rumos
vens de novo inspirar-te aos ceus da patria;
foi Deus que te guiou.
— 128 —
Podes seguir avante o teu caminho ;
bem vés, tens a Victoria mais que certa...
aqui tudo o faz crér:
este poYO de irmaos que te estremecem
melhor te diz n'um bravo clamoroso
0 que eu nao sei dizer.
As almas corno a tua sao as aves
que só sabem voar na tempestade,
e a gloria é um vendavel;
mas na louca vertigem dos triumphos
nào deixes esquecer um grande nome,
a patria, Portugal *.
♦ Recitada no theatro de S» Joào do Porto pelo actor Santos ao Lit2
Portuguez.
NA ALDEA
(A J. M. Nogiaeira. Lim.cL)
A aurora jà purpuréa
toda a banda do Oriente,
a pé, meu corpo indolente,
a pé, que estamos na aldéa !
— 130 —
Em quanto me estou lavando
oigo fallar um creado
entre bocejos ao gado,
que 0 escuta ruminando.
•
Abro depois a vidraga
e a brisa da madrugada,
fresca, leve e perfumada
pelas faces me esvoaga.
E vejo ao tanque do poco
irem lavar-se os creados ;
e 0 fumo de alguns telhados
jà presagia o almoQO.
E do pomar lodo flòres,
onde gorgeiam mil aves,
vem perfumes tao suaves,
vem tao suaves olores!...
— 131 —
Desgo depois à cosinha,
onde estala urna fogueira
de paus velhos de parreira
ou de estacas de urna vinha.
Alli mocoila corada
dà-me os bons dias com pejo
por que se lembra de um bejo
que eu Ihe dei n'uma esfolhada.
(Conselhos de algiima velha,
0 pejo da rapariga ;
pois se eu achàra urna espiga
entre as outras tao vermelha !...)
Saio entao, e logo à porta
sinto um rafeiro ao meu lado
latir alegre e orvalhado
por ter dormido na horta.
— 132 —
Adiante um perdigueiro,
que vai doido de contente
a ladrar a toda a gente,
alvorota um gallinheiro.
Depois a matilha inteira
por sobre os montes de mato
persegue um pobre de um gato,
que Ihe foge na parreira.
Mais longe uma rapariga,
a quem sei dos conversados,
vem de olhos no chào pregados
por que foi a desobriga.
Depois encontro um visinho
a porta da sua adega
e que todo se arrenega
se nao Ihe provo do vinho.
— 133 —
Mais abaixo o bom do abbade
vem contar-me quantas petas
leu nas ultimas gazetas,
que vieram da cidade.
E accendendo as maravalhas
dos seus gostos reaccionarios,
vai contando os casos varios
de sanguinosas batalhas.
Narra-me entao co' a bengala
as guerras do Piomonte,
e 0 successo de Aspromonte
em que figurou a baia.
E assim de quadro em quadro,
cada qual mais feio e tosco,
vamos a parar comnosco,
sem dar por isso, no adro.
— 134 —
Quando a aurora purpurea
toda a banda do Oriente,
quem pode ser indolente
na primavera e na aldéa ?
DESAPONTAMENTO
a.lb"u.m d.e Antonio Moiatinlao
d.e Soiasa.)
Eramos sós n'uma sala;
ella em silencio, eu fallava ;
e a mim tremia-me a falla
e a ella a mao que eu beijava.
— 136 —
Amo-te, disse-lhe, e ella
córou, corno adivinhando
que, se pallida era bella,
era mais bella córando.
Pedi-lhe baixinho um bejo,
e ella curvoii a cabega,
e depois disse com pejo
« Nao é cousa que se pega ! »
— Nao é ? mas rouba-se — E n'isto
(Vejam corno eu ficaria !)
à porta da sala avisto
um priminho que se ria.
A
FRANCISCO TABORDA
Doirou-te a fronte augusta o sol da intelligencia,
deu-te 0 beijo de amor a pallida Psyché
que se chama talento, essa estranha demencia
dos homens corno Tasso, ou Dante ou Mahomet.
— 138 —
Dos homens corno tu, dos homens dos prodigios,
dos homens que vao sempre atraz de urna visao,
que Ihes deixa ao passar na terra por vestigios,
aqui um Capitolio, além um Pantheao.
Semeadores do bem, do bello e da verdade
deixaes em cada sulco uma esteira de luz,
e colheis muita vez por messe a crueldade,
a fome, a ingratidào, a cicuta ou a cruz !
A historia é a ingratidào cantada n'um poema !
E' grande, bem o sei, do grande Vasco a nau ;
mas onde irei eu lér o ignorado lemma
do triste scismador dos ermos de Macau.
0 espirito de Deus passou por sobre os povos
erguendo ao firmamento as almas corno soes,
e rasgando no ceu mil horizontes novos,
fez do sangue dos bons surgir centos de heroes.
— 139 —
E agora, Deus loiivado, a c'ròa da desgraga
jà raro vetn cingir urna fronte real,
e quando um pensador diante de nós passa,
nao vai para morrer na enxerga do hospital.
Entre nós e o passado ha um profundo abysmo,
entre nós e o passado ergueu-se a inquisicào,
essa idea infernal, n^mà do despotismo
que transforma o algoz em deus de redempcao.
Outra idade nos luz, outro porvir nos chama,
e, se nào temos jà mais terra a descobrir, o
temos mundos sem fim que o sol do amor infiamma,
OS mundos do ideal, os mundos do porvir!...
Os mundos do traballio, os mundos da sciencia,
esse mytho real da escada de Jacob ;
mundos de que é Colombo o genio, a intelligencia,
um Victor Hugo,um Talma,umKant,umMirabeau.
— 140 —
Tu, corno elles tambem ungido do talento,
encontraste na scena a virgem do ideal,
e, pallido de assombro, olhando-a iim so momento,
gritaste, ébrio de amor : — Afinal !... afmal !... —
Entrara-te no peito a sede da Victoria,
inandava-te a mente a luz da inspiragao,
e atirando-te cego a conquista da gloria
choveram-te na estrada as flòres da ovagao :
Agora, ó lutador, jà vés postar-se em ala
0 povo, 0 grande heroe, para te ver passar !...
Converteste o theatro em recinto de gala,
e 0 palco para ti fez-se de throno aitar !
Doira-te a fronte augusta o sol da intelligencia,
deu-te 0 beijo de amor a pallida Psyché
que se chama talento, essa estranha demencia
quo a nós, filhos da luz, nos faz erguer de pé.
INDICE
A meu Pae. ....... 7
Em vez de prologo . 9
Riligio (a Custodia José Duarte). ... 13
A* actriz Emilia das Neves 18
De noite 21
0 rouxinol 23
Desenganos (ao snr. J. D. Ramalho Ortigào). . 28
Similia similibus 34
No tumulo de urna crianca 36
Sorihos (a Fedro de Lima). . ... . 37
Ave Christel (a J. Maria Regalla). ... 42
Harmonias vagas 45
Solidào (a J. Dias d'Oliveira) 48
142 INDICE
Prece 54
Aos academicos de 63 58
Excoramungado i^no Album de C. J. Duarte). . 62
Visào (a Cherubino Lagoa) 67
Ao partir. 72
Ao rei 74
Só 78
A Camòes. 82
Adormecida, 84
En avant (a Guilherme Braga). . . , 87
De joelhos 92
Pejo? . 96
A um artista brasileiro 98
Maria 102
Goivos 105
La danceuse 109
Santeìmo H2
Brinde academico 117
Magoa (a Ernesto Finto d'Almeida). . . . 120
A Arthur Napoleào. 124
Na aidèa (a J. M. Nogueira Lima). . . 129
Desapontamento (no Album de A. Moutinho de
Souza) . . 135
A Francisco Taborda l37
Erratas
Pag.
1 LiN.
Erros
Emendas
47
1 12
viva
vivo
61
' 12
san dado
saudada
99
11
do immenso
no immenso
141
, 8
endensa
endeusa
127
! 8
da luz
de luz
1-28
1 9
vendavel
vendaval
à
J}1
0 027 250 924 4S