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Full text of "Alvoradas"

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ALVORADAS 


ALVORADAS 


POR 


^Uxaxùxe  ina  (^oiutìcào 


PORTO 

TYP.  DE  FRANCISCO  GOMES  DA  FONSECA 
Rua  do  Bomjardim,  72 

1866 


S8r7a70 

'29 


A  se\i  pae 


0  ILL.^^  SNR. 


BERNARDINO  SIMÒES  DA  CONCEigÀO 


O  Auetor 


A  MEU  PAE 


Se  tudo  quanto  vive  é  grato  ao  Deus  da  vida, 
se  a  fior  deve  o  perfume  ao  sol  que  a  fecundou, 
cu,  pois  que  vejo  em  si  a  imagem  reflectida 
'  de  Deus,  sol  da  minh'alma,  a  fior  d'alma  Ihe  dou. 


m  m  DE  PROLOGO 


N'esta  luta  fecunda  dos  espiritos, 

que  tem  por  vasta  arena  a  imprensa  -  um  mundo  - 

e  por  meta  o  ideal, 
na  phalange  dos  que  andam  trabalhando 
por  levantar  a  Deus,  ao  Bem,  um  tempio 

das  ruinas  do  mal; 


—  10  — 


n'esta  cruzada  santa  do  progresso 
que  traz  todas  as  almas  empenhadas 

que  sabem  crèr  e  amar, 
nao  é  nunca  de  mais  qualquer  esfor90j 
nao  é  nunca  de  mais  qualquer  obreiro 

que  queira  trabalhar. 

Neophyto  sem  nome  e  fraco  e  debil, 
nao  me  arreceio  pois  de  vir  à  festa, 

festa  de  communhao  ; 
nao  temo  ser  expulso  d'este  tempio, 
que  nao  trago  na  capa  dos  hypocritas 

en volto  0  coragao. 

Bem  nu  de  mais  temo  eu  que  elle  se  mostre 
n'este  tempo  em  que  dizem  que  os  poetas 

jà  sorriem  do  amor; 
do  amor!...  a  cousa  santa  entro  as  mais  santas, 
entro  os  homens  mulher,  Deus  entro  os  idolos, 

entro  os  espinhos  fior. 


—  li- 


se amar  é  ser  creanga,  estou  no  bergo  ; 
poeta  e  nao  amar!...  nao  sou  poeta 

nem  o  desejo  ser, 
que  nao  acho  eu  ahi  cousa  mais  bella, 
mais  formoso  ideal,  mais  santo  enlevo 

do  que  seja  a  mulber. 

Mas  mulher  qtie  nos  erga  e  nos  levante, 
mas  mulher  que  nos  mostre  em  caso  riso 

um  mimdo  a  conquistar, 
mulher  que  nos  nao  seja  mansenilha^ 
mas  arvore  de  vida  a  cuja  sombra 

possàmos  descan9ar. 

Mulher  comò  a  Brunhilt  dos  Nibelungen, 
que  so  qu'ria  cingir  ao  peito  altivo 

0  peito  d'um  heroe  ; 
mulher  que  nos  console  e  nos  anime, 
quando  formos  vasar-lhe  na  alma  candida 

a  màgoa  que  nos  doe« 


—  12  — 


E  eu  dei  com  almas  d'estas  no  meu  transito  ; 
deixeij  pois,  corno  deixa  um  namorado, 

cantar  o  coragao, 
e  se  mirrha  levei  a  outros  idolos 
foi  por  sentir  ferver  dentro  do  craneo 

a  mesma  inspiraQao. 

Ide,  pois,  ó  meus  versos,  ide  em  bando, 
corno  notas  dispersas  d'esse  cantico 

das  aves  da  manha  ; 
tendes  por  certa  a  gloria...  da  indiffrenga; 
se  qualquer  alma,  pois,  vos  der  abrigo, 

essa  alma  é  minha  irma. 


RILIGIO 


(A  Cixstodio  José  Dxiarte) 


Nào  digam  qiie  depois  da  palpebra  cerrada 

A  luz  que  em  nós  brilhou  nào  dura  um  só  instante, 

Que  a  sombra  é  sempre  sombra  e  o  nada  é  sempre  nada... 

0  carvào  em  crystal  é  um  puro  diamante. 

(Gustodio  José  Duarte.) 


Pois  a  minha  alma  é  pó  quebrado  o  vaso  ? 
Entào  corno  é  que  a  idea  se  aniquila?. . . 
Onde  se  esconde  està  intima  sybilla 
que  me  diz  que  inda  ha  luz  depois  do  occaso  ? 


—  14  — 


Quem  pensa  no  infinito  volve  ao  nada  ? 
Qiiem  sonila  o  goso  eterno  ha-de  acabar  ? . 
E'  bem  inutil,  pois,  este  aspirar 
a  urna  ventura,  aqui  nunca  encontrada. 

0  fogo  que  me  anima,  ai  !  nào,  nào  finda!.. 
E'  mais  que  pò  a  chamma  de  uma  idea, 
e  este  intimo  anhelar  que  me  incendéa 
ha-de  encontrar  seu  goso  em  vida  infinda  ! 

A  lagem  tumular  é  o  firme  apoio 
d'onde  nossa  alma  anciosa  vòa  ao  ceu^ 
terra  que  impura  limpha  recebeu 
para  a  golfar  mais  longe  em  claro  arroio. 

Nao  vejo  aqui  na  terra  mao  tao  forte 
que  possa  aniquilar-me  o  pensamento, 
e  Deus,  dando-me  a  luz  do  entendimento^ 
nao  póde,  sendo  justo,  dar-lhe  a  morte. 


—  is- 


serei eu  corno  a  folha  desprendida 

que  um  sopro  eleva  e  um  sopro  volve  ao  chao, 

eu,  que  sinto  banhar-me  a  inspiracao 

se  penso  bem  nos  gosos  de  outra  vida!... 

Eu,  que  me  vou  sentar  sobre  a  montanha 
às  horas  langorosas  do  sol  posto 
e  às  solidoes  contar  o  meu  desgosto, 
corno  se  mo  entendéra  fada  estranha?!... 


E  é  pó.,.  e  é  tudo  pó?!..  Mas,  quem  blasphema?!.. 
0  acaso  póde,  loucos,  ser  um  Deus?!... 
Olbae...  olhae  a  abobada  dos  ceus: 
dizei-me  se  entendeis  esse  poema?... 

Dizei-me  se  esse  turbilhào  de  estrellas 
langadas  pelo  espaco  corno  a  areia, 
0  acaso  as  procreou,  ou  se  uma  Idea, 
n'um  tempo  que  eu  nao  sei,  foi  accendél-as. 


—  16  — 


Ea  Cerro  o  olhar  e  vejo!...  Como  é  isto? 
Que  forca  aqui  da  terra  eleva  ao  ceu 
minha  alma  quando  o  corpo  adormecea, 
entao  que  eu  para  a  terra  nao  existo?!... 

Loucos  !...  ha  n'esta  vida  tal  ventura 
que  possa  completar  qualquer  destino?... 
e  eu  quando  a  um  pensamento  a  fronte  inclino... 
é  para  o  ver  morrer  na  sepultura  ? 

Loucos!...  Pois  eu  que  penso,  e  quero  e  sinto, 
que  sei  que  existe  Deus  —  o  immenso  amor — , 
que  0  busco,  sequioso  viajor, 
sem  vél-o,  mas  que  existe  bem  presinto, 

nao  sou  mais  do  que  o  verme  que  se  arrasta?!.. 
(Ou  mesmo  nao  serei  eu  tanto  ainda... 
quem  sabe  se  a  existencia  n'elle  finda, 
se  apenas  està  vida  aqui  Ihe  basta!... 


—  17  — 


Quem  sabe  ?) . . .  Oh  !  eu . . .  eu  sei  de  mim  um  pouco  : 
cu  sei  que  Deus  nao  póde  ser  o  mal, 
sei,  pois,  que  està  minha  alma  è  immortai 
—  raio  de  cuja  luz  é  Deus  o  foco  !  — 


2 


ACTRIZ 


Eiiailia.  das  Neves  e  Souisa. 


Fundi  n'um  typo  só  a  arte  e  o  genio, 
juntae  estes  dois  bellos  ao  das  fórmas, 

ao  bello  da  mulher; 
mettei-lhe  n'alma  a  inspiragao  dos  anjos, 
e  sobre  o  pedestal  da  caridade 

adore-a  qaem  souber. 


—  19  — 


Sente-se  orgulho  ao  vér-te  portugueza  !... 
a  terra  de  Camoes  é  tua  patria, 

escolhida  de  Deus  !... 
Està  nacao  colosso  inda  em  ruinas 
faz  brotar  d'entre  as  pedras  desconjuntas 

urna  fior  dos  ceus. 

Scintilla-te  no  olhar  vago  e  profondo 
aquelle  fogo  santo  dos  prophetas 

que  vem  do  coragào  !... 
Em  ti  ha  nao  sei  que  de  um  bello  antigo 
que  faz  lembrar  a  Sapho  erguendo  a  fronte. 

ébria  de  inspiragào. 

Como  0  anjo  da  poesia,  ora  a  tua  harpa 
desferes  sobre  a  aresta  de  um  abysmo 

das  tormentas  a  luz, 
outras  vezes  serena  e  pensativa, 
corno  0  anjo  da  saudade,  vais  sentar-te 

junto  aos  degraus  da  cruz. 


—  20  — 


E's  corno  0  Orpheu  das  tradicgoes  da  Grecia, 
arrastas  na  harmonia  do  leu  genio 

0  mondo  apoz  de  ti  !.. . 
Creio,  corno  Platào,  mulher,  ouvindo-te, 
n'uma  existencia  incerta  de  oiitra  vida 

passada,  onde  te  ouvi 

Tu  és  0  que  se  sente  e  nao  se  exprime... 
és  corno  a  fórma  angelica  do  bello 

no  seu  maior  fulgor!... 
és  a  poesia  immensa  do  universo, 
vaga,  incerta,  reunida  n'um  só  typo 

pelas  maos  do  Senhor. 

Quem  te  souber  cantar  que  o  faga...  eu  calo-me  ; 
és  comò  a  luz  do  sol  ante  meus  olhos, 

nao  te  posso  filar  !... 
Sinto-me  estremecer  de  enthusiasmo, 
mas  eu,  bem  vés,  nao  tenho  a  voz  de  Homero 

e  nao  te  sei  cantar. 


DE  NOITE 


Archanjo,  nào  te  assuste  da  noite  a  magestade 
e  vem,  pallida  virgem,  sentar-te  ao  pè  de  mim  ; 
estende  ao  largo  a  vista  no  azul  da  immensidade 
e  le  no  livro  eterno  de  paginas  sem  fimo 

Que  vès?  —  0  incompr  hensivel  !  —  E'  Deus. . .  nào  tenhas  medo. 
Que  mais  ?  —  Milhòes  de  estrellas  !  —  E'  o  throno  do  Senhor. 

Depois?  —  Là  surge  a  Ina  detraz  do  arvoredo! — 
E'  urna  onde  anjos  queimam  incenso  ao  Creador. 


—  22  — 


— Eiasinto-me  opprimida!— Reclina-te  em  meu  seio, 
que  eu  canto  ao  som  das  vagas  e  dorme-te  a  sonhar  ; 
esconde-me  os  teus  olhos. . .  no  azul  dos  ceus  eu  leio 
mysterios  d'esse  affecto  que  exprime  um  teu  olhar. 

Perfumes  que  da  encosta  voais  na  aragem  mansa 
da  noite  socegada,  quedae-vos  ora  aqui, 
adejai  sobre  os  labios  da  virgem  que  descanca 
em  paga  ireis  mais  ricos,  mais  suaves  d'alli. 

Eil-a  a  estatua  de  neve,  que  de  espuma  se  veste!... 
Como  a  dormir  é  linda. . .  Nào  dorme,  pensa  em  Deus, 
lirio  que  fecha  o  calix  e  o  perfume  celeste 
no  zephiro  das  tardes  envia  para  os  ceus. 

0'  lua,  nao  m'a  roubes,  ou  leva-me  com  ella 
de  manso  pelos  ares  immerso  em  teu  palor, 

tu  tens  milhoes  de  estrellas,  e  eu  só  tenho  està  estrella. . . 

0'  lua,  nao  m'a  invejes,  nao  m'a  invejeis,  Senhor. 


0  ROUXINOL 


E'  noite  ;  tudo  dorme, 
e  até  là  em  baixo  o  mar  ; 
corno  para  scismar 
calou  a  voz  enorme. 

Da  terra  os  seios  tumidos 
arfam,  por  que  o  ribeiro 
no  tronco  do  salgueiro 
imprime  os  labios  humidos. 


_  24  ~ 


No  campo  é  calmo  tudo  ; 
a  aragem  sobre  a  fior 
suspira  ébria  de  amor 
e  da-lhe  um  beijo  mudo» 

Ao  longe  o  ceu  desmaia, 
e  aos  valles,  da  montanha 
desce  urna  brisa  estranha 
sobre  a  foiba  da  olaia. 


Là  surge  da  assomada 
a  lua  pelo  ceu... 
0  lirio  estremeceu 
ao  vèr  a  sua  amada!.., 

A  rosa  da  campina 
córou  ao  ver-lhe  a  face, 
corno  se  divisasse 
0  rosto  que  a  fascina. 


—  25  — 


E'  noite  ;  e  do  arvoredo, 
là  em  baixo  aos  salgueiraes 
de  quando  em  quando  uns  ais 
sahem  corno  em  segredo. 

Depois  pelas  escarpas 
repetem-se  cadentes, 
corno  notas  plangentes 
de  solitarias  harpas... 

E'  0  rouxinol  da  margem 
que  envia  às  solidoes 
d'alma  as  inspirafoes 
nos  perfumes  da  aragem. 

Treme-lhe  a  voz,  e  o  canto 
sae-lhe  corno  inspirado, 
tao  doce  e  apaixonado 
que  mais  parece  um  pranto. 


—  26  — 


E  cala-se  um  momento, 
corno  para  aspirar 
no  palor  do  iuar 
um  novo  pensamento. 

Depois  baixinho,  a  medo 
modula  branda  nota 
que  vae  perder-se  ignota 
nas  sombras  do  arvoredo. 


Entào  ébrio  retoma 
a  lyra  de  crystal, 
e  ao  canto  o  salgueiral 
de  amor  agita  a  coma. 

Tado  treme  e  delira, 

ludo  anceia,  enlouquece  !... 

e  0  rouxinol  parece 

que  mais  e  mais  se  inspira. 


* 

—  27  — 


Eil-o  acaba  tremente 
soltando  um  longo  ai... 
Que  foiba  ao  rio  cae 
e  desce  na  corrente? 

E'  elle,  que,  poeta, 
su'alma  aos  ceus  envia 
em  ondas  de  barmonia, 
chrysallida  inquieta.  , 


DESENGANOS 


(Ao  Snr.  J,  T),  Flamallao  Ortigao) 


Fallece-me  a  coragem  n'esta  luta  ; 

nao  quero  mais  erguer  que  é  sempre  em^^balde 

meus  vòos  para  a  luz  ; 
que  Iute  quem  tiver  forcas  p'ra  isso  ; 
eu  nào  ;  deixo  no  meio  da  montanha 

està  pezada  cruz. 


—  29  — 


Sacudo  0  pó  da  veste  em  desalinho 
e  vou  sentar-me  à  sombra  do  arvoredo... 

preciso  descanQar; 
quebrou-me  exforgo  debil...  dei  um  passo; 
mas  logo  vi  que  as  forgas  me  faltavam 

para  poder  andar. 

Romeiro  de  um  so  dia,  jiilguei  sempre 
que  para  ver  a  Meka  desejada 

bastava  a  fé  e  o  amor  ; 
loucura  de  fanatico!...  a  Victoria 
nao  se  alcanca  por  crér  muilo  na  causa, 

precisa-se  valor 

Conheci  o  meu  erro  muito  cedo... 
Inda  bem...  inda  bem  que  nao  fui  longe 

do  tecto  paternal; 
se  me  tornasse  a  noite  no  caminho 
nào  podia  guiar-me  para  a  volta 

0  fumo  do  casal, 


—  30  — 


E  eu  amo  tanto  a  vida  socegada, 
a  vida  junto  ao  lar,  a  vida  obscura, 

a  vida  seni  rumor!... 
Os  conselhos  de  um  pae  que  nos  adora 
e  as  caricias  da  irmà  disputam  mimos 

a  qualquer  outro  amor. 

Alli  nào  custam  lagrimas  as  palmas; 
alli  nào  ha  traigào  em  nenhum  riso, 

nem  o  insulto  vii; 
quando  o  pezar  a  fronte  nos  acurva, 
ha  sempre  um  seio  amigo  onde  escondel-a... 

e  0  anno  é  sempre  Abril  ! 

0  anno  é  sempre  Abril,  e  eu  amo  as  flòres, 
as  noites  de  luar,  um  ceu  de  estrellas, 

0  rio  e  OS  sals^ueiraes  !... 
Eu  jà  pedi  a  Deus  outr'ora  os  gosos 
de  uma  vida  agitada  e  concedeu-m'os... 

ai  !  nao  os  quero  mais. 


—  31  — 


Tomou-me  bem  depressa  o  desalento. 

Depois  julguei  ouvir  soar  no  espago  • 

a  palavra  de  Deus, 
senti  banhar-me  a  luz  do  enthusiasmo, 
e  ergili,  ébrio  de  amor,  de  fé  e  crengas, 

a  vista  para  os  ceus. 

Julgava  eu  que  o  Senhor  tambem  me  dera 
aquelle  fogo  estranho  dos  prophetas 

que  OS  faz  estremecer!. . . 
Quiz  lér  tambem  no  livro  dos  destinos, 
mergulhar  meus  olh^res  no  infinito; 

mas. .  .  nào  passei  de  qu'rer. 

Subi  a  tarde  aos  cimos  da  montanha 
ver  0  sol  afundar-se  todo  chammas 

nas  solidoes  do  mar, 
ouvi  estremecendo  a  voz  dos  ventos, 
senti  a  inspiragào  banhar-me  o  rosto; 

mas...  nao  pude  cantar. 


—  32  — 


Cantar!...  Como  cantar  o  que  em  minha  alma 
se  passava  a  taes  horas,  se  hoje  mesmo 

inda  0  nào  sei  dizer  ?  !... 
Cantar?!...  Como  cantar  a  immensidade, 
a  luz,  0  ceu,  o  mar,  se  o  livro  eterno 

só  Deus  0  sabe  lér  ?  ! 

Embalava-me  a  vida  um  còro  de  anjos, 
banhava-me  a  pupilla  um  raio  de  ouro, 

a  inspiragào  do  amor  !... 
Um  riso  de  traigao  toldou-me  os  ares, 
collocando-me  o  ceu  a  uma  distancia 

que  eu  nao  posso  transpòr 

Embora  !  Nào  fallemos  do  passado, 

de  uma  illusào  de  amor  que  ao  dissipar-se 

OS  seios  me  rasgou  ! 
Nao  é  para  tristezas  o  momento, 
quero  entrar  a  sorrir-me  no  caminho 

que  a  razao  me  apontou. 


—  33  — 


Mas  volto  a  face  às  bandas  do  Oriente, 
e  prostro-me  por  terra  ante  os  fulgores 

da  luz  que  eu  adorei  ; 
se  eu  nao  posso  seguir  mais  adiante, 
quero  saudar  aqui  todo  o  romeiro 

que  va  onde  eu  nao  sei. 

Outr'ora  desejava  muito  as  palmas, 
d'essas  que  as  mais  das  vezes  só  ao  tumulo 

concede  a  multidào, 
boje,  que  me  encarei  no  proprio  orgulho, 
retiro  mal  ferido  d'està  luta; 

mas  salvo  o  coragao. 

E  eu  tenho  quem  me  entenda  os  cantos  da  alma, 
Jà  agora  nao  procuro  outras  victorias, 

nem  quero  outro  viver; 
a  irma  quando  me  estende  os  bragos,  rindo, 
compensa-me  sobejo  os  poucos  louros 

que  eu  podesse  collier. 

3 


SIMILIA  SIMILIBUS 


Vés?...  quando  à  tua  face  o  pejo  assoma, 
corno  no  ceu  a  nuvem  matutina, 
ou  quando  esse  rubor  que  te  illumina 
escondes  a  sorrir  entre  a  aurea  coma, 

parece-me  estar  vendo  n'esse  pejo 
a  timidez  da  pomba  que  tem  medo 
do  mais  leve  sussurro  do  arvoredo, 
cuidando  que  o  rumor  Ihe  pede  um  beijo. 


—  35  — 


A  ti  tambem...  meu  Deus  !...  ludo  te  assusta  !... 
Que  medo  podes  ter  quando  eu  te  fallo?... 
Por  que  córàs  assim  quando  eu  me  calo?... 
Parece  que  até  mesmo  a  olbar  te  custa! 

Se  te  fallo  de  amor  nao  me  respondes, 
se  vou  para  beijar-te  ris  córando, 
e  concedes  o  beijo,  mas  curvando 
a  fronte  ao  seio,  aonde  tu  m^a  escondes. 

Esconde;  olba,  eu,  por  mim,  nao  me  arrenego; 
0  que  te  digo  é  que  esse  teu  receio 
faz  às  vezes  com  que  eu  te  beije  o  seio, 
corno  errando  o  caminbo  —  se  estou  cégo  !  — 

Desterra  para  longe  esse  embarago  ; 
vamos,  olba  p'ra  mim,  mas  sem  tal  pejo; 
vamos,  se  nao  córares  dou-te  um  beijo, 
se  córares...  entào...  dou-te  um  abrago. 


NO  TUMULO  DE  UMA  CRIANQA 


Passou  corno  nas  harpas  da  floresta 
passa  às  noites  a  brisa  do  Occidente, 
passou  corno  nas  agoas  da  corrente 
passa  0  lirio  que  o  vento  arranca  à  leiva; 
passoQ  corno  nas  auras  um  perfame, 
sem  deixar  mais  vesligios  que  a  saudade, 
passou,  rosa  de  um  dia,  à  immensidade, 
a  procurar  em  Deus  a  eterna  seiva. 


SONHOS 


(A  Pedro  de  Lima) 


Sonhos  doirados  de  gloria, 
quem  vos  desfez,  meus  amores, 
pombas  e  chuva  de  flores 
do  meu  carro  de  victoriaj 


—  38  — 


còro  alegre  de  andorinhas, 
que  logo  de  madrugada 
me  cantava  urna  alvorada 
de  sobre  as  casas  visinhas, 

anjos  pallidos  que  eu  mudo 
via  cercarem-me  em  bando, 
se  me  assentava  scismando 
a  minha  meza  de  estudo, 

grupo  de  sylphos  travessos, 
que  me  appareciam  a  sesta 
na  luz  vaga  da  floresta 
e  a  tarde  pelos  cabegos... 

Quem  vos  desfez,  meus  encantos, 
meus  sonhos  de  raocidade... 
sem  me  deixar,  é  verdade, 
um  so  de  tantos  e  tantos?.,. 


—  39  — 


Inda  assim  o  amor  —  que  louco  !  — 
é  minha  esp'ranca  e  meu  rumo, 
ai!  mas  vae-se  comò  o  fumo, 
desfazendo  a  pouco  e  pouco. 

Se  ao  menos  està...  mentirà 
m'a  nào  dissipasse  a  vida, 
eu  dava  por  bem  perdida 
loda  a  gloria  que  antevira. 

Oh!  a  multidào  com  palmas 
nunca  exprime  o  que  se  exprime 
no  beijo  longo,  sublime 
da  fusao  de  duas  almas. 

Como  eu  dera  de  bom  grado 
todas  as  glorias  do  Dante 
por  um  beijo  delirante, 
por  um  collo  perfumado  ; 


por  um  seio,  um  agasaiho 
onde  a  minha  fronte  mesta, 
corno  n'am  dia  de  festa 
repousasse  do  traballio; 

por  ter  quem  n'um  riso  brando 
me  revelasse  os  mysterios 
d'aquelles  versos  aerios, 
que  eu  julgo  escrever  sonhando; 

por  ter  quem  estas  doidices 
dos  meus  vinte  annos  escaQos 
repr'hendesse  com  abragos 
e  acalmasse  com  meiguices; 

por  ter  quem  algum  deseja 
no  meu  resto  descobrindo 
viesse  correndo  e  rindo 
satisfazer  com  um  beijo  ; 


„  41 


por  ter  quem,  leve  e  ligeira, 
com  medo  qiie  ea  despertasse, 
ao  meu  leito  se  achegasse 
sentando-se  à  cabeceira  ; 

por  ter  quem,  quando  me  visse 
sobre  algum  livro  scismando, 
sosinho,  gesticulando^ 
m'o  roubasse  e  m'o  sumisse; 

por  ter  quem,  vendo-me  triste, 
sinta  a  tristeza  comigo, 
por  ter  na  vida  um  abrigo, 
por  ter  um  anjo,  se  exisle  ! 

0'  meus  amores  risonhos^ 
ó  meus  amores  serenos, 
nao  me  fujais  vós  ao  menos, 
jà  que  nào  tenho  outros  sonhos  ! 


AVE  CHRISTE! 


(A  J.  Maria.  Regalla) 


A  Italia  era  o  prostibulo  das  ragas. 
Roma,  a  heroica  Lucrecia  dos  Tarqainios 
tornara-se  a  bacchante  dissoluta 
dos  festins  dos  Caligulas  e  Neros. 
0  mando,  acorrentado  ao  Capitolio, 
segando  Prometheu  de  um  drama  borri veL 
estorcia-se  em  ancias  de  agonia 


—  43  — 


sentindo  nas  entranhas  as  cera  garras 

da  escravidao  —  abutre  hediondo.  —  Os  homens 

eram  vendidos  em  leilào  aos  centos, 

ou  rasgados  no  Circo  pelas  feras 

aos  applausos  de  uma  plebe  infrene 

qae  levava  Vitello  sobre  o  escudo 

e  assassinava  Cicero  na  estrada  ! 

A  terra  estremecera  a  tantos  crimes  ; 

depois,  ébria  de  sangue  e  de  lorpezas, 

cahira  extenuada  de  cansago 

e  par'cia  dormir  um  somno  eterno.         , . 

Foi  entao  que  dos  lados  do  Oriente, 

das  montanhas  distantes  da  Judéa 

se  ergueu  o  sol  da  Redempgào  humana. 

Roma,  cega  das  noites  de  Suburra, 

sentindo  a  luz  de  aurora  tao  esplendida 

chover-lhe  sobre  as  pustulas  sangrentas 

raivou  blasphemias  de  um  furor  selvagem, 

e  louca  pela  idèa  de  vinganga, 

cabaleando  embriagada  e  tropega, 

comò  um  homem  que  sae  de  uma  taberna, 

cahiu  ao  tropegar  nos  proprios  idolos  ! 


_  44  — 


Sobre  as  ruinas  do  colosso  informe 

ergueu-se  entào  a  cruz  do  Christianismo, 

arca  mysteriosa  de  allianga 

salvando  a  humanidade  de  am  diluvio. 

Salve,  arv're  symbolica  da  idea 

que  faz  de  um  homem  bom  um  Deus  de  graga  l 

Salve,  ó  luz  benefica  dos  mundos, 

phanal  de  esperanca  a  encaminhar  os  povos 

à  futura  existencia  de  alem  tumulo  ! . . . 

Eu  creio  em  ti,  ó  victima  do  Golgotha  ! 

Das  f  ridas  do  teu  corpo  incorruptivel 

cada  gota  de  sangue  é  um  mar  de  vida  ; 

dos  teus  labios,  cerrados  perdoando 

deriva  a  fonte  pura  da  verdade  ; 

a  teus  pés,  magoadas  e  sublimes, 

pranteia  a  Magdalena  e  chora  a  Virgem  ; 

0  clarào  que  te  cerca  a  fronte  loura 

é  luz  que  vem  dos  ceus  e  inunda  a  terra  I 

Salve,  salve,  ó  victima  do  Golgotha  I 


HARMONIAS  VAGAS 


Desprende  as  azas  no  espaco, 
anjo  immenso  de  poesia, 
leva-me  aos  ceus,  à  harmonia 
dos  mundos  d  onde  Vieste, 
desata  os  lagos  da  vida 
ai  !.. .  mas  leva-me  coQìtigo, 
nao  me  deixes,  meu  abrigo, 
nao  me  fujas,  fior  celeste. 


—  46  — 


Soltas  as  roupas  na  aragem, 
as  louras  trangas  ao  vento, 
no  vago  do  firmamento 
0  longo  olhar  embebido, 
foge,  vai,  mas  nào  me  deixes, 
meu  doce  anhelo  mais  santo. . . 
anjo,  envolve-me  em  teu  manto, 
nas  pregas  do  teu  vestido. 

Como  a  Ina  às  horas  mortas 

ergue  a  cabega  em  segredo 

por  detraz  do  arvoredo 

de  uma  solitaria  aldéa, 

tu  tambem  ergue  o  teu  rosto, 

desprende  as  azas. . .  ai  !.. .  foge. . . 

quero  entrar  comtigo  hoje 

no  ceu,  0  tempio  da  idea. 

Là  vem  surgindo  da  serra 
a  pensativa  dos  ermos... 


—  47  — 


é  a  bora  de  nos  perdermos 
no  seio  da  eternidade  !... 
Sobe  à  crista  da  montanha, 
soltas  as  trangas,  ascende... 
teus  Yòos  ao  largo  estende, 
pelo  espago...  à  immensidade!... 


Entorna  da  lyra  aeria 
mais  um  canto,  tim  canto  vago... 
olha  :  é  tao  sereno  o  lago, 
tao  sereno  o  firmamento! 
Vem,  deixemos  està  vida, 
que  eu  na  terra  viva  morto, 
só  depois  de  em  ti  absorto 
acharei  meu  pensamento. 


SOLIDÀO 


(A  J.  Dias  d'Oliveira.) 


Vai-se-me  a  vida  em  sonhos  de  ventura; 
Jà  mesmo  dentro  d'alma  se  me  apaga 

a  espVanga  de  gosar; 
e  aquella  imagem,  toda  formosura, 
(J'um  futuro  de  amor  jà  nao  me  affaga 

meu  constante  sonhar. 


—  49  — 


Julguei  retél-a  um  dia  ;  e  ebrio  e  louco 
de  ventura  dei-lhe  o  que  sentia 

de  bom  no  coragào!... 
Fui  0  mendigo,  em  sonhos  rico  ha  pouco, 
que  acorda  e  sobresalto  e  ve  vasia 

e  pobre  a  fria  mao. 

Estendo  ao  largo  a  vista  no  horisonte 
e  perde-se-nae  o  olhar  na  immensidade 

de  um  areal  sem  firn!... 
Se  volvo  ao  que  bei  passado,  ao  dia  de  honte', 
é  tudo  gelo,  bruma,  escuridade, 

nao  sei  por  onde  vim. 

Longe,  bem  longe,  incerta,  vaporosa 
julgo  estar  vendo  a  imagem  pensativa 

d'um  bello  e  casto  ser, 
orna-lhe  a  fronte  pallida  e  formosa 
a  aureola  de  uma  luz  que  me  cativa... 

ai  !  mas  nao  é  mulher! 

4 


Agitam-se-lhe  os  labios  ao  de  leve, 
ergue  a  fronte  e  sorri,  falla  ao  infinito... 

Gloria  !  —  Meu  Deus,  que  luz  ! 
Loucura!...  a  ave  nocturna  nao  se  atreve 
a  0  sol  fitar  e  foge  dando  um  grito 

do  brilho  que  a  seduz. 

Como  a  virgem  que  junto  da  corrente 
se  vai  sentar  sosinha  e  distrahida 

scismando  sern  pensar, 
eu  vejo  deslisar-se  brandamente 
um  dia  apoz  mil  outros  d'està  vida 

sem  goso,  nem  pezar. 

Eu  quero  em  meu  baixel,  a  vela  ao  vento, 
vogar  em  mar  revolto,  oh  !  multo  embora 

me  sorva  um  escarceu  ! 
De  que  me  serve  està  alma,  o  pensamento 
se  nao  ti  ver  o  seu  gosar  de  uma  bora?... 

so  morre  quem  viveu. 


—  51  — 


E  a  Vida  assim  tao  Ma,  tao  deserta, 
tao  inutil,  embora  socegada 

nao  tem  gosos  p'ra  mim  !... 
Apraz-me  a  vaga  torva  ondeando  incerta... 
nao  amo  a  symetria  compassada 

nas  flores  de  um  jardim. 

Eu  quero  o  mar,  a  laz,  o  ceu,  o  espaco 
e  0  meu  barco  saltando  ondas  de  espuma 

ao  largo  pelo  mar, 
sentir-me  preso  à  vida  por  um  lago 
que  me  pague  as  caricias  uma  a  uma, 

que  chore  se  eu  chorar. 

A  hera  tem  o  muro  onde  se  abraga, 
a  fior  tem  outra  fior  que  a  comprehende, 

toda  a  magoa  tem  do, 
a  vide  tem  o  olmeiro  onde  se  enlaga, 
ao  pobre  a  caridade  a  mao  estende, 

Senhor,  e  eu  vivo  só. 


—  52  — 


Assento-me  ao  banquete  dos  prazeres 
corno  um  conviva  taciturno  e  frio 

que  nao  ama  ninguem  ; 
comò  0  sorrir  de  impudicas  mulheres 
que  riem  p'ra  agradar,  eu  tambem  rio 

se  vejo  rir  alguem. 

Mas  sinto  o  gelo  na  alma  ;  nunca  um  rise 
em  mim  traduz  a  intima  ventura 

do  que  na  vida  ere  ; 
ao  longe,  no  futuro,  nao  diviso 
nem  uma  rosa,  um  ponto  de  verdura 

que  uma  esp'ranga  me  de. 

Do  bergo  à  campa  é  solitaria  a  estrada; 
sou  comò  a  harpa  suspensa  na  palmeira 

tocando  à  solidao, 
um  som  'de  corda  em  paramo  estalada 
p'ios  ventos  do  deserto  e  qual  poeira 

perdido  na  amplidao. 


—  53  — 

E  quando  alfim  no  extremo  do  caminho 
langar  um  olhar  amortecido  à  vida 

para  dizer-lhe  adeus, 
oh  I  corno  agora  e  sempre  orphao,  sosinho, 
Senhor,  nao  terei  urna  yoz  querida 

que  me  chame  dos  ceus? 


PRECE 


Qaem  me  diz  o  que  eu  sinto  se  ao  sol  posto 
me  vou  sentar  nos  cimos  da  montanha?... 
Qae  sons,  que  melodia  de  harpa  estranha 
me  torna  o  olhar  em  fogo  e  em  fogo  o  rosto  ? 

Que  vejo  alem,  nas  faxas  do  Occidente  ? 
Que  sede  do  infinito  me  devora  ? 
Acaso  a  luz  que  esse  horisonte  córa 
me  falla  da  que  brilha  eternamente  ? 


—  55  — 


Desejo  o  ceu^  voar  na  immensidade 
perder-me  n'esse  mar  dias  sem  termo, 
buscar  na  solidao  e  de  ermo  em  ermo 
uma  alma  igual  à  minha  em  mocidade. 

Eu  sinto  em  mim  o  peso  do  infinito, 
um  desejo  de  amor  ardente  e  vago... 
apraz-me  às  noites  só  ir  junto  ao  lago 
sentar-me  sobre  as  rochas  de  granito. 

Oh  !  quem  me  dera  as  azas  da  aguia  altiva, 
buscar  no  espago  o  ar  que  est'alma  anhela, 
fugir,  correr  voar  de  estrella  a  estrella, 
vèr  pó  està  prisào  que  me  cativa, 

vagar  incerto  na  amplidào  do  espago, 
transpòr  a  curva  azul  do  firmamento 
correr  nos  ares  comò  corre  o  vento, 
cahir  alem  dos  mundos  de  cansago!... 


—  56  — 


E  eu  amo  tudo:  o  monte,  o  prado,  a  rosa, 
0  ceu,  a  terra,  o  sol,  o  mar,  a  espuma  ; 
quero,  pois,  estas  formas  urna  a  uma 
juntal-as  n'uma  so  e  mais  formosa  ! 

Oh  !  rasga  o  espago,  emmana?ao  divina, 
e  senta-te  ao  mea  lado,  anjo  formoso, 
0  vacuo  da  minha  alma  enche  de  goso, 
é  ao  peito  que  me  arqueja  a  face  inclina; 

murmura-me  essas  fallas  de  ternura 
que  jà  te  ouvi  em  sonhos  de  crianga, 
surge  no  ar,  estrella  de  bonanga, 
illumina-me  a  vida  de  ventura. 

Ando  sempre  a  estender  pYa  ti  meus  bragos, 
comò  Christo  os  estende  a  humanidade, 
e  em  vez  de  me  abragar  a  uma  verdade 
so  encontro  por  meus  frios  espagos. 


—  57  — 


Vem,  pomba,  dar-me  a  nova  da  bonanga, 
illuminar-me  a  vida  de  ventura, 
murmurar-me  essas  fallas  de  terniira 
que  jà  te  ouvi  em  sonhos  de  crianga. 


Aos 


ACADEMICOS  DE  63 

(Na  noite  de  um  beneficio  que  elles  deram  no  theatro  de  S.  Joào  do  Porta 
a  favor  das  victimas  da  ultima  insurreicào  polaca.) 

Eis  pois  mais  um  conviva  à  meza  do  progresso!... 
Eis  mais  um  nobre  esforgo,  eis  mais  um  arremesso 

na  estrada  do  porvir  !... 
Um  povo  ergue-se  alem,  do  Vistula,  inspirado 
langa  um  grito  no  espago  ! . . .  Quem  tao  potente  brado 

deixaria  de  ouvir  ? 


—  59  " 


Escuta-o  Portugal,  e  su'alma  estremece 

de  puro  enthusiasmo,  o  olhar  Ihe  resplandece 

da  luz  da  inspiragào!... 
E  ardente,  nobre  e  grande,  encara  a  immensidade, 
e  manda  ao  povo  irmao,  na  voz  da  mocidade 

um  abrago  de  irmao.         0  i 

Oh  !  terra  de  Camoes,  nem  tu,  nobre,  podias 
renegar  o  valor  e  a  fé  que  em  outros  dias 

provaste  a  combater!... 
E'  teu  irmao  de  certo,  é  teu  irmao  nas  cren  gas 
0  povo  que  prefere  a  luz  às  trevas  densas 

e  diz  :  —  Quero  viver  !  — 

E  luta  e  ha-de  viver  que  Ihe  assiste  um  direito 
0  mais  santo  que  Deus  nos  infundiu  no  peito: 

ser  livre  por  pensar  ! 
Deus  fez-nos  a  alma  livre,  é  livre  a  intelligencia 
do  homem,  ou  da  nagao  que  busca  a  luz  da  sciencia 

para  se  allumiar. 


—  60  — 


Quem  poderà  suster  a  estrella  nos  espagos  ? 
Quem  pode  a  urna  nagao  fazer  cruzar  os  bragos 

e  prohibir-lhe  a  luz  ? 
Entào  é  urna  chimera  a  palavra  do  Eterno  ?... 
E',  pois,  um  sonho  mau,  um  escarneo  do  inferno 

0  Golgotha  e  a  Cruz? 

Pois  0  povo  que  luta,  o  povo  grande  e  nobre 
ha-de  ser  sempre  o  lodo,  o  miseravel  pobre 

que  nos  estende  a  mao? 
Que  fez  entao  o  Christo  em  subir  ao  Calvario  ? 
Que  fez  ensanguentando  a  tela  do  Sudario, 

se  existe  a  escravidao  ! 

• 

Mas  vós,  cuja  alma  incende  o  fogo  da  sciencia, 
que  adorais  està  luz  ctiamada  intelligencia, 

corno  OS  Incas  o  sol, 
que  estremeceis  de  amor  à  voz  da  Liberdade, 
corno  estremece  a  fior  a  viva  claridade 

de  um  formoso  arrebol, 


—  61  — 


fizestes  bem  em  vir;  aqui  a  vossa  crenga 
é  Evangelho  saato,  é  urna  fè  immensa 

igual  à  vossa  fé  !... 
Ouvindo  atravessar  o  espago  o  vosso  grito, 
corno  a  um  sopro  de  Deus,  d'umi  impulso  infinito 

erguemos-nos  de  pé  1 

Bem  vindos,  pois,  irmaos;  bem  vindos,.pois,  de  novo, 
filhos  da  liberdade,  apostolos  do  povo, 

à  terra  liberal  ! 
Nós  saudamos  com vosco  essa  primeira  bora 
de  urna  grande  nagao,  comò  jà  foi  outr'ora 

saudado  Portugal. 


EXCOMMUNGADO 


(No  albiartì  d.e  Ciastodio  José 
Diaarte) 

I 

Era  moQo  e  poeta  e  bom  e  louro,..  um  Christo; 
e  pagao  corno  Goethe,  havia  n'elle  um  mixto 
de  Phidias  e  Platao,  de  artista  e  pensador 
que  0  fariam  querer  e  amar  a  propria  dòr 
só  para  se  estudar  no  grande  livro  da  alma. 


—  63  — 


A  fronte  um  pouco  baixa  e  pensativa  e  calma 
par'cia  procurar  na  terra  —  a  grande  mae  — 
as  fontes  de  onde  jorra  a  forga,  a  vida  e  o  bem. 
Em  seu  olbar  sereno  havia  um  que  de  vago 
que  fazia  lembrar  um  socegado  lago 
reflotindo  no  espelho  a  cupula  dos  ceus 
profunda  corno  o  eterno  e  immensa  corno  Deus. 
Em  seu  pallido  rosto,  a  sombrear-lhe  os  labios, 
Yia-se  a  ruga  leve  e  modesta  dos  sabios, 
nao  filha  do  desdem,  mas  filha  do  saber. 
Espirito  de  Vico  em  peito  de  mulher, 
austero  scismador,  tinha  na  sua  estante 
a  par  de  Hegel  Camoes  e  de  Pascal  o  Dante. 
E  sonhava,  aquella  alma,  ébria  de  multa  luz 
no  abrago  fraternal  do  Crescente  e  da  Cruz. 


II 


Era  moQO  e  poeta  e  bom  e  louro  e  triste  ; 
amava  quanto  soffre,  amava  quanto  existe, 


e  tinha  para  tudo  o  que  é  sublime  e  bom 
no  coragao  um  canto  e  em  sua  lyra  ura  som. 
Fallava  em  redempcào,  em  destinos  dos  povos, 
em  idades  de  luz,  em  horisontes  novos, 
no  progresso  do  bom,  em  Deus  e  no  porvir, 
comò  se  jà  no  mundo  estivesse  a  cahir 
a  beuQao  do  Senhor  no  dia  das  venturas 
em  que  elle  ha-de  descer  à  terra  das  alturas. 
Um  dia  ouviu-o  alguem,  andando  elle  a  scismar 
urna  tarde  na  praia,  estas  phrases  soltar  : 


III 


— ((  Se  nao  existe  Deus,  comò  é  que  o  pensamento 
chegou  a  conceber  um  Deus  um  só  momento?... 
podia  acaso  urna  alma  arder  n'um  grande  amor 
sem  a  idea  do  bem,  do  justo  e  do  melhor? 
Se  a  natureza  é  Deus  nao  creio  no  infinito  ; 
alem  da  creagao  e  do  mundo  que  habito 


—  65  — 


ou  ha-de  preexistir  o  immenso,  o  eterno  ser, 
cu  eu  que  n'um  momento  o  pude  conceber 
sou  esse  creador,  e  caio  no  impossivel. 
Existe  Deus  portanto,  um  Deus  indivisivel, 
consciente,  infinito,  eterno,  sabedor, 
causa  de  lodo  o  bem,  fonte  de  todo  o  amor, 
que  prende  a  terra  ao  ceu  pelo  lago  da  idea, 
a  Vida  a  cada  corpo,  o  mar  ao  grào  de  areia, 
0  mastodonte  ao  verme,  a  pianta  ao  minerai 
e  0  homem  comò  um  fillio  aos  seios  do  ideal. 
Como  é  que  sem  um  Deus  haveria  a  verdade 
a  virtude  e  o  bem,  o  mando  e  a  immensidade? 
E  tu,  ó  grande  mar,  comò  é  que  sem  um  Deus 
servirias  de  espelho  às  estrellas  dos  ceus? 
E  tu,  meu  coragao,  que  aspiras  o  infinito 
andarias  em  balde  a  suspirar,  proscripto, 
por  um  mundo  melhor,  um  mundo  todo  luz 
sem  n'um  Golgotha,  alfim,  depòres  essa  cruz  ? 
0'  verdade  sublime,  ó  infinito  anceio, 
pois  hei-de  eu  ter  cà  dentro,  aqui  dentro  do  seio 
uma  cousa  que  sonha  a  eterna  perfeigao, 
e  ha-de  ella  estar  sujeita  às  leis  da  corrupcào, 

5 


—  66  — 


corno  urna  cotisa  vii  sem  luz,  nem  consciencia?!.. 
Protesta,  ó  coragao,  protesta  intelligencia  ! 


IV 


Era  moQo  e  poeta ...  aos  vinte  annos  raorreu  ; 
e  um  bom  de  um  sacerdote  excommungou  o  atlieu 
que  nao  cria  na  Igreja,  em  padres  nem  nos  santos^ 
e  dissera  a  expirar  à  màe  lavada  em  prantos  : 
— •((  Abengòa-me,  ó  santa,  e  dà-me  a  extrema  uncgào 
de  um  teu  abrago,  ó  mae,  ó  grande  coragao, 
onde  eu  sempre  encontrei  a  superficie  e  ao  fundo 
consolacoes  do  ceu  para  as  magoas  do  mando^, 
biblia  onde  eu  aprendi  a  sciencia  do  amor, 
d'aquelle  amor  do  bem  puro  de  magoa  e  dòr, 
ninho  que  me  acoitava  em  horas  de  tristeza, 
tempio  onde  eu  adorei  a  Deus  e  a  natureza, 
ó  santa  pelo  amor  aos  humildes  e  aos  teus, 
abengòa-me  tu,  que  me  revelas  Deus. 


VISAO 


(A  Ch-eria-bino  Lag 


Ai  !  quem  me  dirà  onde 
eii  possa  ir  encontral-a 
a  visao  que  me  falla 
e  sempre  se  me  esconde  ? 


—  68  — 


Em  sonhos  me  namora, 
e  acordado  me  foge... 
ea  quero  vél-a  hoje, 
eu  quero  \él-a  agora. 

Eu  quero  ouvir  o  harpejo 
da  sua  voz  suave 
comò  0  canto  de  uma  ave 
em  seu  primeiro  adejo. 

Eu  quero  vél-a  ao  perto 
e  em  seu  olhar  divino 
lér  todo  0  meu  destino, 
comò  n'um  livro  aberto. 


Quero  ver  se  acordando 
em  seu  rosto  diviso 
aquelle  mesmo  riso 
que  eu  Ihe  via  sonhando. 


—  69  — 


Quero  ver  se  ella  ainda 
tem  um  vestido  leve, 
mais  branco  do  que  a  neve, 
qae  a  fazia  tao  linda. 

Quero  saber  depressa 
em  que  jardim  de  amores 
nascem  d'aquellas  flores 
que  ella  traz  na  cabega., 

E  quero  que  me  ensine, 
para  poder  cantal-a, 
a  lingua  que  ella  falla 
e  que  se  nao  define. 

Quero  cantar-lhe  as  magoas 
que  eu  tinha  antes  de  vél-a 
e  que  eu  só  e  sem  ella 
ia  contando  às  agoas. 


—  70  — 


Quero  dizer-lhe  tudo 
0  que  minila  alma  sente, 
e  abragando-a  tremente 
dizer-lb'o  outra  vez  mudo. 


Qaero  vér-lhe  os  cabellos 
d'aquelle  estranho  louro 
que  me  parecem  de  ouro 
a  mim,  que  cego  ao  vél-os; 

e  desatar-lh'os,  rindo, 
do  seu  timido  enleio, 
em  ondas  pelo  seio 
que  arfando  a  està  trahindo. 

Quero  esconder  nas  trangas 
a  minha  e  sua  fronte, 
ninho  em  chorao  da  fonte 
de  duas  pombas  mansas. 


_  71  — 


Eu  qu'ria  à  sua  face 
unir  tanto  o  meu  rosto, 
que  0  anjo  do  desgosto 
nunca  Ih'a  divisasse. 

Ai  !  quem  me  dirà  onde 

eu  possa  ir  encontral-a 

a  pomba  que  me  falla 

e  0  ninho  em  que  se  esconde  ? 


AO  PARTIR 


Adeus...  nào  chores...  tem  animo 
hei-de  voltar,  meu  amor!... 
Ta,  filha,  pede  ao  Senhor... 
pedo  que  eu  volte  depressa. 
Nao  quero  vér-te  assim  tremula 
abragando-me  a  chorar... 
Coragem!...  hei-de  voltar 
quando  menos  te  parega. 


73  — 


Olha...  esconcle-me  essas  lagrimas.», 

eu  nao  choro...  tu  bem  vés.., 

D'aqui  a  um  anno  talvez 

eu  volte  co'  as  tuas  flòres, 

Que  importa,  pois,  està  auzencia, 

se  temos  tanto  porvir? 

Eu  quero  vér-te  sorrir. 

sé  minha  amiga...  nao  chores. 


Nao  chores  ;  basta  o  martyrio 
de  pensar  que  vou  viver 
longe  de  ti...  sem  te  ver... 
ve  que  existencia  me  espera  ! 
E'  forga  partir...  abraga-me!... 
Vamos,  nao  chores...  adeus!... 
—  Quem  ao  menos,  grande  Deus^ 
estas  lagrimas  tivera  !  ~ 


AO  REI 


No  sec'lo  pensador  em  qae  vivemos^ 
nós,  OS  filhos  do  povo,  jà  podemos 

erguer  a  fronte  aos  ceus  ; 
nao  nos  cega  de  um  rei  a  magestade  ; 
ha  acima  da  c'ròa  a  liberdade. 

e  acima  d'està  Deus. 


—  75  — 


Cahiu  emfim  o  sceptro  ao  despotismo!... 
a  ceremonia  augusta  do  baptismo 

nao  é  formula  va!... 
todos  tem  um  logar  a  mesma  ceia  ; 
um  rei  nao  é  um  sceplro,  é  uma  idea 

da  liberdade  irma. 

E  a  liberdade  é  o  facho  que  alumia 
a  palavra  da  lei  —  essa  poesia, 

essa  luz  da  razao  — ; 
0  povo  0  heroe  sublime  do  poema, 
0  rei  0  mesmo  povo  n'um  diadema 

que  se  charaa  nagao. 

E  um  povo  assim  se  aos  pés  de  um  rei  se  prostra, 
é  que  ve  n'elle  o.  homem  que  Ihe  mostra 

0  caminho  a  seguir, 
é  que  vé  n'elle  a  mào  tres  vezes  santa 
que  aos  ventos  do  progresso  nos  levanta 

0  pendao  do  porvir,  ^ 


—  76  — 


0  porvir!...  oporvir!...  cousa  sublime!... 

idea  que  se  sente  e  nao  se  exprime 

comò  a  idea  de  Deus  !... 
mysteriosa  visao  da  humanidade!... 
Yoz  que  faz  levantar  a  mocidade 

a  fronte  para  os  ceus  ! 

0  porvir!...  o  porvir!...  Ha  quem  me  diga 
que  mysterios  o  espafo  infmdo  abriga 

na  sua  vastidào?... 
0  immenso  de  uma  idea  nao  se  pinta  ; 
0  segredo  da  portentosa  tinta 

nao  sai  do  coragao. 

0  porvir!...  que  nos  falla  do  infinito, 
comò  do  Iman  o  solitario  grito 

nas  torres  de  Stambul!... 
tudo  0  que  é  grande  e  bom,  sublime  e  vago, 
mas  onde  se  ve  Deus,  comò  n'um  lago 

0  firmamento  azul  ! 


—  77  — 


E  0  rei  é  està  idea  grandiosa, 
a  columna  de  luz,  mao  poderosa 

que  nos  conduz  ao  bem!,.. 
é  0  Moysés,  que  à  frente  do  seu  povo 
Ihe  aponta  no  porvir  destino  novo 

segaindo-o  elle  tambem. 

E'  este  0  rei  que  eu  hoje  aqui  saudo; 
0  homem  que  nos  faz  do  sceptro  escudo 

e  do  throno  urna  grei  ; 
em  quem  o  pobre  encontra  sempre  um  brago, 
e  que  sabe  apertar  no  mesmo  lago 

a  liberdade  e  a  lei. 


Salve,  pois,  digno  irmào  d  esse  monarcha, 
Tito  no  coragào  na  alma  Petrarcha, 

que  Deus  nos  quiz  levar!... 
Este  povo,  que  adora  a  liberdade, 
tambem  se  curva  aos  pés  da  Magestade 

que  a  sabe  respeitar. 


so^ 


Oh  I  que  saudades  tao  longas 
pode  ter  um  coragao^ 
quando  na  aurora  da  vida 
ve  em  torno  a  solidào!... 

Vinte  e  dois  annos!...  que  inuteis 
se  as  rosas  da  mocidade 
me  vao  cahindo  urna  a  urna 
aos  ventos  da  soledade!... 


—  79  — 


Vinte  e  dois  annosi...  e  quantos 
outros  mais  eu  viverei 
sem  ter  visto  aquella  imagem 
que  em  longas  noites  sonhei  ! 

Sonhar. . .  sonhar!...  é  a  vida; 
a  realidade  é  tao  fria 
para  as  almas  possuidas 
do  demonio  da  poesia!... 

A  poesia,  aquelle  abutre 
eterno  de  Prometheu 
que  roe  de  continuo  as  almas 
que  ousaram  subir  ao  ceu  ! 

Dai-me  a  existencia  um  so  dia, 
Senhor,  corno  a  certas  flòres^ 
mas  dai-m'a  chela  de  affectos 
mas  dai-m'a  chela  de  amores. 


—  80  — 


0  amor . . .  o  amor  é  a  vida, 
e  eu  ainda  nao  vivi... 
e  uma  alma  assim  tao  sosinha 
nao  sei  que  faz  por  aqui. 

Faz  0  que  ea  faco,  que  pego 
às  rhimas  aquelle  harpejo 
que  nao  pude  achar  ainda 
nas  rhimas  doidas  de  um  beijo. 

Faz  0  ^ue  eu  faco,  faz  versos 
a  amantes  que  nunca  viu, 
imaginando  que  sente 
paixoes  que  nunca  sentiu. 

Le  0  Pelrarcha,  e  suspira; 
le  Lamartine,  e  entristece; 
le  Camoes,  mais  triste  fica; 
le  Byron  e  empallidece. 


—  81  — 


E  traz  a  cabeca  em  chammas, 
traz  em  fogo  o  coragao, 
e  tem  uns  amores  loucos 
com  nao  sei  que  apparigao. 

E  passa  corno  urna  sombra 
n'esta  vida,  que  Ihe  é  noite, 
Sem  ter  collo  onde  se  abrace, 
Sem  ter  seio  onde  se  acoite. 

Ai  I  comò  é  longa  està  vida 
para  um  pobre  coragao, 
que  nao  tem,  sendo  poeta, 
quem  Ihe  de  a  inspiragao!... 


A  CAMÒES 


Influencia  fatai  da  tua  estrella  ! 

Ha  destinos  assim,  e  o  teu,  poeta, 

quasi  nos  faz  descrér  da  providencia! 

Em  cada  fior  achaste  mil  espinhos  ; 

tua  alma  toda  luz,  e  fogo  e  crengas 

finou-se  de  saudades  n'um  exilio  I... 

Pagaram-te  um  poema  corno  a  Iliada 

co'  a  enxerga  do  hospital!...  Rafa  de  frades!. 


Mas  0  mundo  córou  de  tanta  infamia, 
astro  a  brilhar  no  seio  do  infinito, 
e  adora-te  depois  do  teu  occaso. 
Ta,  pois,  qae  n'esta  vida  foste  um  martyr, 
na  morte,  corno  o  Christo,  nos  pe*rdoa... 
bem  cara  està  vergonha  temos  pago. 
Ai  !  da  nagao  de  heroes  que  ta  cantaste 
talvez  nem  a  memoria  hoje  restasse, 
se  0  teu  livro  nào  fosse  o  que  tu  foste  : 
a  luz  suspensa  ao  carro  do  progresso 
tornando  vulto  ao  passo  que  se  avanga 
na  noite  do  porvir  ! 

Salve,  poeta, 
monumento  gigante  do  passado 
erguido  nos  confins  da  nossa  gloria  ! 
Morreu  comtigo  a  patria...  tu  disseste-o  ; 
mas  se  te  deu  o  leito  da  miseria 
teve  ella  o  jugo  vii  dos  sessenta  annos... 
Perdòa  a  desgragada...  é  tua  patria. 


ADORMECIDA 


Silencio!...  fallai  baixo...  dorme  a  bella; 
adeja-lhe  nos  labios  um  sorriso, 
que  0  dissereis  um  ar  do  paraiso 
a  perfumar-lhe  as  faces,  a  envolvel-a, 

Silencio  !...  fallai  baixo,  que  ella  acorda, 
e  é  maldade  acordar  quem  sonha  rindo  ; 
deixai,  deixai  que  expanda  assira  dormindo 
0  jubilo  em  que  o  seio  Ihe  trasborda. 


—  85  — 


Nao  sabeis  que  existencia  é  um  sonho  quando 
brota  em  sorrisos  taes  n'uoi  labio  puro  !... 
E'  corno  se  ao  sahir  de  um  antro  escuro 
entrassemos  n'um  tempio  venerando. 

Que  linda  !...  Ai  !  eu  nao  sei  se  a  fior  curvada 
ao  beijo  perfumado  de  uma  aurora 
tem  mais  mimo  e  frescór  do  que  ella  agora 
assim,  soltas  as  trangas  reclinada. 

Eu  jà  vi  nos  meus  sonhos,  pelas  sestas, 
surgir  ao  pé  de  mim,  mas  nao  sei  d'onde, 
um  anjo  que  se  curva  e  que  me  esconde 
nas  trangas  que  eu  jurava  serem  estas. . . 

As  trangas  eram  de  oiro...  vi-as  perto; 
e  0  mesmo  ar  socegado,  e  o  mesmo  riso, 
e  se  a  dormir  seus  olhos  nao  diviso 
nunca  eu  de  uns  olhos  soube  a  cor  ao  certo. 


—  86  — 


Nao  é  visao,  nao  é...  Visoes  tao  bellas!... 
E  urna  visao  nao  dorme,  nem  respira  ; 
e  se  ha  visoes  assim,  quem  nao  suspira 
por  ter  n'um  sonho  urna  visào  d'aquellas? 

Quem  a  vida  levàra  assim  sonhando!... 
Ao  menos  nao  te  vira  a  ti  dormindo, 
anjo,  que  me  roubaste  a  alma  sorrindo 
sem  eu  saber  por  que,  nem  corno  e  quando. 


EN  AVANT 


(A  G-diltLermie  Braga.) 
# 

Desfez-se  à  immensa  luz  da  idea  nova 
a  sombra  qae  pesava  corno  um  crime 

por  sobre  as  multidoes; 
0  vulto  informe  e  vào  da  idade  media 
esconde-se  nos  antros  do  passado 

solfando  imprecagoes. 


—  88  — 


Compr'hendeu-se  afinal  que  a  vida  é  santa 

por  que  é  Deus  que  a  dispensa,  o  Deus-bondade 

e  nào  0  Deus  rancor. 
0  Christo,  0  louro  Glho  de  urna  virgem, 
surgiu  de  novo  abengoando  os  mundos 

com  palavras  de  amor. 

A  verdade!...  a  verdadel...  eis  nosso  rumo! 
Nào  me  venham  dizer  que  o  pensamento 

nào  nos  conduz  aos  ceus  ; 
eu  creio  na  rasao  corno  em  Deus  mesmo, 
creio  no  sentimento,  irmao  da  idea, 

filha  do  proprio  Deus. 

s 

Creio  que  a  intelligencia  é  a  luz  espiendida 
guiando  a  humanidade  pensativa 

a  futura  Chanaan, 
cada  homem  um  ser  que  traz  na  fronte 
escripto  desde  o  bergo  o  seu  destino, 

0  mystico  —  En  avant  !  — 


—  89  — 


Eu  vejo  em  ludo  a  grande  lei  do  Eterno 
cada  homem  depoe  no  aitar  da  vida 

a  offrenda  ao  Creador  ; 
Kepler  offerta  a  lyra  das  espheras, 
Gutemberg  a  palavra  do  universo 

e  Fulton  o  vapor!... 

Colombo  arranca  ao  seio  do  Oceano 
a  perola  escondida  das  Americas 

mostrando-a  à  luz  do  sol, 
e  a  humanidade  inteira  solta  um  grito 
vendo  raiar  da  fronte  de  Luthero 

mais  um  grande  arrebol. 

Nós,  que  abrimos  as  portas  do  Oriente, 
que  andamos  pelos  mares  recolhendo 

Malaca,  Ormuz,  Ceylào, 
nós,  primeira  nagao  da  nova  idade, 
curvàmos  a  cabega  laureada 

à  voz  da  Inquisigao  ! 


—  90  — 


Que  longa  somnolencial...  0  mando  absorto 
rias  augustas  conquistas  da  sciencia 

esquecea-nos  por  firn, 
e  em  quanto  nós  resando  adormeciamos, 
là  fora  erguia  a  voz  para  o  infinito 

Descartes  e  Franklin. 


Afinal  acordamos  do  lethargo  ! 
Abengoada  a  aurora  d'esse  dia... 

Portugal  nao  morreu! 
Ao  sol  da  liberdade  tudo  esplende!... 
Garrett  encontra  a  mascara  de  Eschylo, 

Catào  é  Prometheu! 


Herculano  desfaz  na  mao  robusta 
OS  velhos  preconceitos  dos  fanaticos 

e  escreve  os  seus  Annaes, 
Castilho  encontra  a  lyra  de  Virgilio, 
e  ouvindo-a  Portugal  cobre  de  beijos 

OS  Passos  e  os  Leaes. 


—  91  — 


Sejamos  dignos  de  tao  boa  heranga, 
nao  paremos  estaticos  olhando 

tao  illustres  brasoes, 
falle  em  nós  este  santo  amor  da  patria, 
avante  no  caminho  das  conquistas 

que  nos  chama  Gamoes  ! 

Avante  !...  E  em  cada  peito  o  enthusiasmo 
faga  nascer  a  fior  abengoada 

da  espVanga  do  porvir!... 
0  mando  jà  sentiu  que  caminhamos, 
a  terra  promettida  jà  se  avista, 

agora  é  proseguir. 


JOELHOS 


OS  teas  oìbos  kngaidos 
°  Pomba  adormecida  <  ' 
aspirar  a  vida 
'"^  de  um  tea  olhar. 

f^-osteass.ostren.„as 
e  as  forni.s  de/icadas 

^^ofa'-e  as  aln^ofadas 
^  aeixa-te  adorar. 


—  93  — 


Ergue-te,  virgem  pallida!... 
fascine-me  um  teu  riso  ; 
abre-me  o  paraiso 
dando-me  a  inspiragào. 
Quero  contar-le  em  jubilos, 
em  beijos  e  em  loucuras 
as  fundas  amarguras 
da  minha  solidào. 

Meu  coragao  tristissimo, 
corno  a  pomba  sem  ninho, 
tem  vivido  sosinho 
buscatido-te  a  cantar  ; 
e  este  viver  na  ausencia 
vai-lhe  matando  o  alento, 
ave  que  contra  o  vento 
voou  atè  cangar. 

Ai  !  nao  negues  ao  timido 
consolagoes  e  vida... 


—  94  — 


Meu  Deus,  se  a  flòr  pendida 
nao  pode  reviver?  !... 
Oh!  pode,  sim,  eu  quero-te... 
quero  viver  urna  bora, 
embora...  muito  embora 
venha  perto  o  morrer. 

E's,  corno  as  virgens,  pudica, 
és,  corno  OS  anjos,  casta  ; 
um  teu  olhar  me  basta, 
vivo  de  um  teu  olhar, 
que  nos  teus  olhos  humidos 
ha  nao  sei  que  de  vago 
que  faz  lembrar  um  lago 
visto  à  luz  do  luar. 

Desprende  as  azas  lucidas, 
doirada  borboleta, 
e  torna-me  poeta 
e  torna-me  cantor, 


—  95  — 

dà-me  o  baptismo  angelico, 
de  um  teu  brando  carinho... 
eu  vivo  tao  sosinho  !... 
Oh  1  dà-me  o  teu  amor. 


PEJO? 


<r  —  Juro-te,  guardo  segredo 
se  tu  me  deres  um  beijo  ; 
nao  te  convences,  bem  vejo, 
mas  juro,  nào  tenhas  medo. 

E  se  alguem  m'o  perguntar, 
hei-de  negar,  affianco  ; 
podes  ficar  em  descango, 
ninguem  ha-de  suspeitar. 


—  97  — 


Mas  se  tens  inda  receios 
de  que  eu  nào  seja  discreto, 
lembro-te  um  meio  selecto... 
talvez  0  melhor  dos  meios  : 


Em  vez  de  vires  aqui 
dar-me  um  beijo  envergonhado, 
eu  fico  sendo  o  culpado 
dando-te  os  beijos  a  ti  ----  » 

Com  taes  vantagens  à  vista 
hesitou,  mas  foi  cedendo... 
Eu  porem  fiquei  sabendo 
que  era  urna  grande  egoista. 


A 


UM  ARTISTA  BRAZILEIRO 


Um  dia  urna  alma  grande,  um  grande  genio 
pensou  ver  muito  ao  longe  no  liorisonte 

fantasticos  jardins, 
e  transpondo  o  Oceano,  aguia  alterosa 
poisou  beijando  a  terra  promettida 

em  ignotos  confins. 


—  99  — 


Depois  ergueu-se:  a  luz  dos  inspirados 
brilhava  n'esse  olhar  que  elle  estendia 

ao  largo  pelo  mar  !... 
Os  ventos  sussurraram  nas  florestas 
e  ao  longo  das  quebradas  corno  qu'rendo 

esse  vulto  adorar  !... 

Das  rochas  espumaram  mil  torrentes, 
OS  eccos  acordaram  assustados 

dos  homeus  ao  labor, 
e  0  carro  do  progresso  arando  os  plainos 
deixou  apoz  de  si  do  immenso  transito 

um  estranilo  rumor!... 

0  sol,  que  ao  levantar-se  vira  pàramos, 
doirou  a  tarde  o  tecto  dos  palacios 

e  0  cimo  às  cathedraes; 
e  a  lua,  que  esentava  pensativa 
0  canto  ao  sabià,  ouviu  scismando 

da  lyra  os  meigos  ais. 


—  100  — 


Tudo  tremeii,  brilhou,  falgiu  no  espago 
corno  se  o  proprio  Deus  elaboràra 

segunda  creagao  I... 
E  via-se  um  povo  de  hontem  indo  à  frente 
dos  mais  povos  na  estrada  do  progresso 

ébrio  de  inspiragao! 

Eis,  pois,  a  tua  patria,  ó  nobre  artista  ; 
doirou-te  o  bergo  a  luz  de  outro  hemispherio, 

um  sol  inspirador  ; 
depois  scismando  à  sombra  das  florestas 
aprendeste  harmonias  nao  sabidas 

no  seu  vago  rumor!... 

Abriu-te  a  patria  os  seios  uberantes, 
e  a  seiva  fecundante  do  talento 

nas  veias  te  ferveu  !... 
Ergueste  ao  ceu  a  fronte  abraseada... 
Era  chegada  a  bora  dos  prodigios  ; 

tu'aUfia  estremeceu. 


—  101  — 

Sentiste  entao  arfar-te  o  peito  em  ancias, 
corno  se  te  fallasse  o  ar  là  dentro 

e  transposeste  o  mar!... 
A  chamma  do  talento  é  corno  a  estrella, 
quer  espagos  sem  firn  e  ceus  sem  termo 

para  melhor  brilhar. 

Vai,  pois,  vai  teu  caminho,  oh  !  mas  na  volta 
à  patria,  nao  deslembres  està  terra, 

0  velho  Portugal  ; 
e  leva  a  teus  irmaos  um  longo  abrago, 
um  abraco  estremoso,  que  Ih'o  enviam 

OS  netos  de  Cabrai. 


MARIA 


Entre  as  sombras  da  immensa  procella 
ha  no  ceu  sempre  um  raio  de  luz... 
teu  olhar,  comò  o  brilho  da  estrella, 
OS  meus  passos  na  vida  conduz. 

Bebé  a  fior  n'um  sorriso  da  aurora 
luz  e  selva,  perfume  e  frescor, 
e  a  minha  alma,  que  os  risos  te  adora, 
bebé  o  ceu  n'um  teu  riso  de  amor. 


—  103  — 


E's  0  centro  divino  a  que  tende 

0  meu  ser,  sequioso  de  beni, 

és  a  Cruz  que  os  dois  bragos  me  estende 

corno  a  um  fillio  os  estende  unia  mae. 

E's  a  fiamma  sagrada  da  idea 
que  a  minha  alma  no  escuro  desceu 
e  a  palavra  de  amor  que  incendeia 
e  0  thesouro  que  é  meu  e  só  meu. 

E's  0  vaso  de  mystico  aroma 
que  urna  fada  me  deixa  aspirar^ 
e  0  salgueiro  de  tremula  coma 
que  desenha  no  rio  o  luar. 

E's  a  rosa  onde  a  brisa  suspira 
comò  beijos  furtando-lhe  a  rir, 
és  a  corda  mais  doce  da  lyra 
que  eu  por  ti  tentarci  desferir. 


—  104  — 


E's  a  bella  das  bellas,  mais  linda 
do  que  as  santas  de  mais  devocao, 
e  se  és  bella  nas  formas,  ainda 
és  mais  bella  em  grandeza  e  paixào. 


GOlVOS 


Fugiu-me  corno  a  luz  foge  da  sombra, 
fugiu-me  corno  a  estrella  à  tempestade, 
fugiu-me  sem  deixar  mais  claridade 
que  um  sol  depois  do  occaso  deixa  à  alfombra» 


Fugiu-me  comò  a  luz  de  um  bello  dia, 
fugiu-me  comò  a  concha  foge  à  vaga, 
comò  a  virgem  que  em  sonhos  nos  affaga 
fugiur^me  quando  os  bra^os  Ihe  estendia. 


—  106  — 


Fugiu-me  corno  a  nuvem  do  Occidente, 
leve  e  da  cor  da  rosa,  foge  aos  ventos, 
fugia-me  corno  os  grandes  pensamentos 
que  ella  soube  inspirar-me  brandamente. 

Fugia-me  corno  o  adeus  foge  na  aragem, 
fugiu-me  comò  um  ai  foge  do  peito, 
comò  ainda  de  junto  do  meu  leito 
me  foge,  se  desperto,  a  sua  imagem. 

Fugiu-me  comò  a  sombra  do  meu  vulto, 
fugiu-me  corno  o  riso  dos  meus  labios, 
Fugiu-me  comò  foge  inda  aos  mais  sabios 
0  segredo  da  morte,  o  mais  occulto. 

Fugiu-me  comò  a  pomba  da  esperanga 
Sem  me  deixar  o  ramo,  e  eu  vago  incerto 
nos  mai^'es  da  existencia,  o  ceu  coberto 
Sem  bussola,  sem  leme  e  sem  bonanga. 


Pensar  eu  que  me  deste 
n'um  teu  sorriso  o  ceu, 
e  ver  que  te  escondeu 
a  sombra  de  um  cypreste 


Pensar  eu  que  vivia 
da  luz  do  teu  olhar 
para  t'o  ver  fitar 
na  luz  do  eterno  dia, 


è  ver-me  compellido 
a  renegar  da  fé 
em  Deus,  se  Deus  nào  é 
palavra  sem  sentido. 


— ao8  — 


Nao  tens  seio  onde  te  escondas, 
coragao,  perdeste  o  rumo  ! 
Se  a  ventura  é  corno  o  fumo  !...  ' 
Se  a  desgraga  é  corno  as  ondas, 
que  apoz  uma,  que  ergue  o  vento, 
vem  um  cento. 


LA  DANCEUSE 


Quando  em  requebros  languidos, 
airosa  borboleta, 
a  sorrir  inquieta 
pizas  de  leve  o  chào, 
parece-nos  que  as  sylphides 
da  grega  antiguidade 
sao  mais  urna  verdade 
que  poetica  ficgào. 


—  110  — 


A  arvéloa  que  se  langa 
pelos  ares  cantando 
0  alvo  cysne  boiando 
n'am  lago  todo  anil, 
nào  tem  o  teu  encanto^ 
n5o  tem  essa  belleza, 
vòa  aquella  mais  preza, 
aste  é  menos  gentil. 


Quando  em  teus  vòos  rapidos 
nos  foges  vaporosa, 
ou  afrouxas  langorosa 
corno  para  adejar, 
pareces-nos  a  dryade 
de  urna  encantada  selva 
que  vem  dancar  na  relva 
em  noites  de  luar. 


—  Ili  — 


Tu,  n'uraa  volta  breve 
sobre  o  pé  pequenino 
Oli  n'um  giro  continuo 
corno  louca  de  amor, 
semelhas  foiba  solta 
ao  vento  dos  espagos, 
ou  fada  que  em  seus  bragos 
endensa  alguma  fior. 


SANTELMO 


Deixa  qae  pouse  a  fronte  em  teu  regalo 
0  viajante  morto  de  cansago, 

coberto  de  suor; 
nao  te  ha-de  macular  o  pó  da  estrada, 
hei-de  lavar-te  a  veste  perfumada 

com  lagrimas  de  amor. 


—  113  — 


Foi  longa  a  minha  via  dolorosa, 
0  caminho  nào  tinha  urna  só  rosa 

nem  urna  folha  só  !... 
Este  exilio  de  amor  foi-me  um  deserto, 
até  0  proprio  ceu  achei  coberto 

por  turbillioes  de  pó. 

Nào  sei  corno  vivi ...  se  aquillo  é  vida, 
vèr  a  arvore  da  fé  loda  despida 

e  morto  o  coragao  ; 
ter  sempre  os  olhos  Atos  no  passado 
e  um  dia  vél-o  em  fumo  dissipado... 

ai  !  nào  é  vida,  nào. 

A  vida  és  tu,  porque  eu  morri  perdendo-te, 
nào  por  que  te  nào  visse,  estava  vendo-te 

mesmo  longe  de  ti  ; 
morri  por  que  julguei  que  renegàras 
aquelle  santo  amor  que  me  juràras... 

e  a  que  eu  tambem  menti  ! . . . 


—  114  — 


Menti  doido  de  amor,  na  desp'ranQa, 
a  chorar...  a  chorar  corno  a  crianga 

que  nào  sabe  negar!... 
Menti-te  na  loucura,  no  delirio!... 
impunha-me  a  mira  proprio  este  martyriO:, 

querendo-me  vingar! 

Ai!  que  inferno  deamor,  meu  Deus,  que  inferno!... 
E  eu  sempre  a  vér-te  em  sonhos  o  olhar  terno 

e  0  riso  Yirginal!... 
Fugia  de  mira  mesmo...  estive  louco; 
depois  veio  o  lethargo  pouco  a  pouco 

e  adormeci  no  mal  1 

Que  Vida  de  loucuras!...  que  demencia! 
Futuro,  coracao,  intelligencia, 

tudo  prostitui  ! 
Arrastei-me  no  lodo  comò  um  verme 
procurando  matar-me  ou  esquecer-me 

para  sempre  de  ti. 


Opéra-se  hoje  em  mim  novo  genésis, 
depois  de  ter  libado  até  às  fezes 

0  meu  calix  de  dòr  ; 
brilha  em  minha  alma  o  iris  da  bonanga, 
allumiou-me  o  abysmo  a  luz  da  esp'ranga. . . 

sorri-me  o  teu  amor. 

Ergo-me  à  luz  da  vida  estremecendo  ; 
anda  a  sorrir-me  tudo  o  que  estou  vendo... 

tudo  hoje  me  sorri  !... 
Tudo  em  torno  de  mim  traja  de  festa  ; 
até  0  vago  harpejo  da  floresta 

me  vem  fallar  de  ti. 


Cobre-me  um  ceu  de  amor  todo  alegrias  ; 
ha  perfumes  no  ar  e  melodias 

.  que  eu  nào  sei  d'onde  vem. 
A  Vida!... a  vida!...  eu  quero-a!...  E'  tao  formosa 
quando  temos  na  terra  mao  piedosa 
que  nos  conduz  ao  bem! 


—  116  — 


Deixa  que  pouse  a  fronte  em  teu  regago 
0  viajante  morto  de  cansa^o, 

de  um  longo  caminbar  ; 
foi  tao  grande  o  martyrio  d'està  auzencia, 
que  eu  preciso  do  abrigo  da  innocencia 

para  me  repousar. 


BRINDE  ACADEMICO 


Quem  um  dia  surgiu  do  baptismo 
que  a  sciencia  nos  dà  para  o  bem 
nao  se  curva  ante  o  vii  despotismo 
nem  humilde  se  dobra  a  ninguem. 

Embalou-nos  o  som  da  peleja 
que  fez  pó  todo  o  sceptro  dos  reis, 
e  està  luz  que  em  nossa  alma  lampeja 
só  DOS  manda  curvar  ante  as  leis. 


—  118  — 


Quem  um  dia  sentiu  dentro  d^alma 
justo  orgulho  de  ser  portuguez 
encontrou  jà  no  bergo  urna  palma, 
que  ningiiem  calcara  a  seus  pés. 

Chove  a  luz  a  torrentes  do  espaco 
sobre  as  almas  que  a  idea  incendeu; 
nós  sentimos  o  mystico  abrago 
que  a  sciencia  inda  jovens  nos  deu. 

Sòmos  filhos  de  heroes,  somos  povo, 
temos  intima  fé  no  porvir  : 
Portugal  ha-de  erguer-se  de  novo 
e  nos  ceus  de  outra  idade  fulgir. 

Desfraldémos  aos  ventos  da  aurora 
0  pendao  que  a  Victoria  conduz!... 
Nao  ha  sangue  nas  lutas  de  agora  ; 
falle  em  nós  sempre  o  verbo  da  Cruz. 


—  119  — 


Resurjamos  à  voz  do  infinito!... 
0  futuro  nos  chama...  é  partir! 
—  Portugal!  —  seja  pois  nosso  grito 
Ao  porvir,  meus  irmaos,  ao  porvir  ! 

Ao  porvir,  ao  porvir,  à  Victoria!... 
Surja  a  terra  do  Gama  outra  vez  ! 
Levantemos  nos  bragos  da  historia^ 
solto  ao  vento,  o  pendào  portuguez  • 


MAGDA 


(A  Ernesto  Pinto  d' AlmeidLa) 


A's  vezes  quando  vejo  pensativo 
0  ceu  ir  entre  as  sombras  desmaiando, 
quando  o  vento  do  mar  —  leao  captivo  — 
parece  a  voz  de  Deus  os  soes  chamando, 


„  121  — 


figura-se-me  ver-te,  ó  branca  imagem, 
envolvida  na  luz  do  firmamento, 
e  ouvir  a  tua  voz,  solta  na  aragem, 
murmurar-me  nao  sei  que  estranho  alenlo. 

E  sinto  aliviar-se  està  saudade, 
que  me  nao  foge  da  alma  um  só  instante 
depois  que  revoando  a  eternidade 
de  meus  bragos  ficaste  assim  distante. 

Tao  longe!...  E  eu  sera  saber  se  alem  da  morte 
ha  mais  vida  do  que  està  onde  se  encontram 
as  almas  que  attrahiu  o  mesmo  norte, 
OS  seres  que  um  destino  igual  affrontam. 

Quem,  meu  calix  sagrado,  te  ha  partido  ? 
0'  Cruz  do  meu  aitar,  quem  te  ha  quebrado  ? 
Thesouro  sem  igual,  quem  te  ha  sumido?... 
Biblia  do  meu  amor,  quem  te  ha  fechado? 


—  122  — 


Quem  fez  d'aquelle  amor  urna  lembranga? 
Quem  fez  de  tado  aquillo  urna  saudade  ? 
quando,  apenas  no  goso  de  urna  esp'ranca 
sentia  em  mim  o  ardor  da  mocidade?... 

Quando,  louco  de  fé,  mogo  e  amante, 
me  andava  o  peito  a  arfar  em  devaneios, 
comò  a  virgem  que  aos  gritos  de  um  infante 
sentia  entumecerem-se-lhe  os  seios?... 

Fechou-se-me  o  poema  do  universo  ; 
jà  nem  sei  lér  no  livro  das  estrellas, 
0  meu  olhar  em  sombras  sempre  immerso 
nao  póde,  inda  que  tente,  percebél-as. 

Parece  que  nas  dobras  da  mortalha 
se  foi  comtigo  o  amor  da  propria  vida, 
por  que  eu  nao  acho  aqui  nada  que  valha 
a  magoa  de  te  ver  de  mim  perdida. 


—  123  — 


Perdida  corno  a  luz  que  o  vento  apaga  ; 
perdida  corno  a  fior  que  o  vento  leva  ; 
perdida  corno  a  perola  na  vaga  ; 
perdida  corno  o  fumo  que  se  eleva... 

Perdida  corno  a  areia  no  deserto, 
perdida  corno  a  voz  na  immensidade  ; 
perdida  corno  a  estrella  em  ceu  coberto; 
perdida  para  mim  na  eternidade. 


A 


ARTHUR  NAPOLEÀO 


Espera.  Tambem  eu  quero  saudar-te, 
por  que  eu  tambem,  idolatra  do  bello^. 

creio  na  inspira?ào  ; 
tu  exprimes  a  idea  na  harmonia, 
eu  busco  traduzir  pela  palavra 

OS  sons  do  coracào* 


—  125  — 


0  culto  é  0  mesmo,  a  forma  é  que  é  diversa; 
mas  tu  comò  os  antigos  sacerdotes 

ou  druydica  vestal 
és  só  0  que  conheces  os  mysterios 
da  religiào  do  bello,  do  intangivel, 

do  immenso,  do  ideal. 

Viu-te  nascer  o  Porto,  onde  um  archanjo 
te  deu  0  beijo  santo  que  é  o  baptismo 

dos  grandes  e  dos  bons; 
e  apenas  deixas,  timido,  o  teu  bergo 
langas  no  espago  um  grito  que  se  muda 

n  uma  chuva  de  sons. 


Era  bello  entao  ver-te  inda  crianga, 
Messias  quando  infante,  confundindo 

a  todo  0  sabedorl... 
Era  bello  entao  ver-te,  arvéloa  implume^ 
alando-te  às  regioes  serenas  da  arte 

com  azas  de  condor  !... 


—  126  — 


Pasmaram  do  prodigio  os  mais  descrentes  ! 
E'  que  a  luz  de  um  talento  assim  fascina 

quando  nos  fere  o  olhar  ! 
Póde  fitar-se  a  alampada  das  noites  ; 
nias  0  sol,  o  priaieiro  dos  prodigios, 

nào  se  póde  fitar. 

Ergueste  aqui  os  teus  priraeiros  vòos  ; 
depois,  firmando  o  pé,  subiste  aos  ares 

rass^ando  a  immensidào!... 
A  andorinha  quer  sol  e  vida  e  flores, 
e  tu  sempre  encontraste  primaveras 

em  cada  regiao. 

Cada  som  que  enviavas  aos  espagos 
parece  que  levava  em  si  envolto 

0  germen  de  urna  fior, 
por  que  chegando  às  almas  dos  que  ouviam 
transformavam-se  todos  em  grinaldas 

e  em  canticos  de  amor  ! 


—  127  — 


A's  horas  do  descango  tinhas  sempre 
0  genio  da  Victoria  junto  ao  leito 

velando-te  o  dormir, 
e  por  sobre  o  docel  o  archanjo  pallido 
da  patria  abria  as  azas  luminosas 

olhando-te  a  sorrir. 

Abriste  ante  a  columna  do  teu  genio 
urna  estrada  da  luz  que  tarde  ou  nunca 

0  vento  ha-de  apagar  !.. 
Pódes  pousar  a  fronte  corno  Tito, 
soubeste  comò  poucos  n'esta  vida 

0  dia  aproveitar. 

Mas  tu  inda  nem  pensas  no  descango, 
0  teu  dia  nem  mesmo  vai  em  meio, 

0  estio  comecou  ; 
e  agora  tendo  em  vista  novos  rumos 
vens  de  novo  inspirar-te  aos  ceus  da  patria; 

foi  Deus  que  te  guiou. 


—  128  — 


Podes  seguir  avante  o  teu  caminho  ; 
bem  vés,  tens  a  Victoria  mais  que  certa... 

aqui  tudo  o  faz  crér: 
este  poYO  de  irmaos  que  te  estremecem 
melhor  te  diz  n'um  bravo  clamoroso 

0  que  eu  nao  sei  dizer. 

As  almas  corno  a  tua  sao  as  aves 
que  só  sabem  voar  na  tempestade, 

e  a  gloria  é  um  vendavel; 
mas  na  louca  vertigem  dos  triumphos 
nào  deixes  esquecer  um  grande  nome, 

a  patria,  Portugal  *. 


♦  Recitada  no  theatro  de  S»  Joào  do  Porto  pelo  actor  Santos  ao  Lit2 
Portuguez. 


NA  ALDEA 


(A  J.  M.  Nogiaeira.  Lim.cL) 


A  aurora  jà  purpuréa 
toda  a  banda  do  Oriente, 
a  pé,  meu  corpo  indolente, 
a  pé,  que  estamos  na  aldéa  ! 


—  130  — 


Em  quanto  me  estou  lavando 
oigo  fallar  um  creado 
entre  bocejos  ao  gado, 
que  0  escuta  ruminando. 

• 

Abro  depois  a  vidraga 
e  a  brisa  da  madrugada, 
fresca,  leve  e  perfumada 
pelas  faces  me  esvoaga. 

E  vejo  ao  tanque  do  poco 
irem  lavar-se  os  creados  ; 
e  0  fumo  de  alguns  telhados 
jà  presagia  o  almoQO. 

E  do  pomar  lodo  flòres, 
onde  gorgeiam  mil  aves, 
vem  perfumes  tao  suaves, 
vem  tao  suaves  olores!... 


—  131  — 


Desgo  depois  à  cosinha, 
onde  estala  urna  fogueira 
de  paus  velhos  de  parreira 
ou  de  estacas  de  urna  vinha. 

Alli  mocoila  corada 
dà-me  os  bons  dias  com  pejo 
por  que  se  lembra  de  um  bejo 
que  eu  Ihe  dei  n'uma  esfolhada. 

(Conselhos  de  algiima  velha, 
0  pejo  da  rapariga  ; 
pois  se  eu  achàra  urna  espiga 
entre  as  outras  tao  vermelha  !...) 

Saio  entao,  e  logo  à  porta 
sinto  um  rafeiro  ao  meu  lado 
latir  alegre  e  orvalhado 
por  ter  dormido  na  horta. 


—  132  — 


Adiante  um  perdigueiro, 
que  vai  doido  de  contente 
a  ladrar  a  toda  a  gente, 
alvorota  um  gallinheiro. 

Depois  a  matilha  inteira 
por  sobre  os  montes  de  mato 
persegue  um  pobre  de  um  gato, 
que  Ihe  foge  na  parreira. 

Mais  longe  uma  rapariga, 
a  quem  sei  dos  conversados, 
vem  de  olhos  no  chào  pregados 
por  que  foi  a  desobriga. 

Depois  encontro  um  visinho 
a  porta  da  sua  adega 
e  que  todo  se  arrenega 
se  nao  Ihe  provo  do  vinho. 


—  133  — 


Mais  abaixo  o  bom  do  abbade 
vem  contar-me  quantas  petas 
leu  nas  ultimas  gazetas, 
que  vieram  da  cidade. 

E  accendendo  as  maravalhas 
dos  seus  gostos  reaccionarios, 
vai  contando  os  casos  varios 
de  sanguinosas  batalhas. 

Narra-me  entao  co'  a  bengala 
as  guerras  do  Piomonte, 
e  0  successo  de  Aspromonte 
em  que  figurou  a  baia. 

E  assim  de  quadro  em  quadro, 
cada  qual  mais  feio  e  tosco, 
vamos  a  parar  comnosco, 
sem  dar  por  isso,  no  adro. 


—  134  — 


Quando  a  aurora  purpurea 
toda  a  banda  do  Oriente, 
quem  pode  ser  indolente 
na  primavera  e  na  aldéa  ? 


DESAPONTAMENTO 


a.lb"u.m  d.e  Antonio  Moiatinlao 
d.e  Soiasa.) 


Eramos  sós  n'uma  sala; 
ella  em  silencio,  eu  fallava  ; 
e  a  mim  tremia-me  a  falla 
e  a  ella  a  mao  que  eu  beijava. 


—  136  — 


Amo-te,  disse-lhe,  e  ella 
córou,  corno  adivinhando 
que,  se  pallida  era  bella, 
era  mais  bella  córando. 

Pedi-lhe  baixinho  um  bejo, 
e  ella  curvoii  a  cabega, 
e  depois  disse  com  pejo 
«  Nao  é  cousa  que  se  pega  !  » 

—  Nao  é  ?  mas  rouba-se  —  E  n'isto 
(Vejam  corno  eu  ficaria  !) 
à  porta  da  sala  avisto 
um  priminho  que  se  ria. 


A 


FRANCISCO  TABORDA 


Doirou-te  a  fronte  augusta  o  sol  da  intelligencia, 
deu-te  0  beijo  de  amor  a  pallida  Psyché 
que  se  chama  talento,  essa  estranha  demencia 
dos  homens  corno  Tasso,  ou  Dante  ou  Mahomet. 


—  138  — 


Dos  homens  corno  tu,  dos  homens  dos  prodigios, 
dos  homens  que  vao  sempre  atraz  de  urna  visao, 
que  Ihes  deixa  ao  passar  na  terra  por  vestigios, 
aqui  um  Capitolio,  além  um  Pantheao. 

Semeadores  do  bem,  do  bello  e  da  verdade 
deixaes  em  cada  sulco  uma  esteira  de  luz, 
e  colheis  muita  vez  por  messe  a  crueldade, 
a  fome,  a  ingratidào,  a  cicuta  ou  a  cruz  ! 

A  historia  é  a  ingratidào  cantada  n'um  poema  ! 
E'  grande,  bem  o  sei,  do  grande  Vasco  a  nau  ; 
mas  onde  irei  eu  lér  o  ignorado  lemma 
do  triste  scismador  dos  ermos  de  Macau. 

0  espirito  de  Deus  passou  por  sobre  os  povos 
erguendo  ao  firmamento  as  almas  corno  soes, 
e  rasgando  no  ceu  mil  horizontes  novos, 
fez  do  sangue  dos  bons  surgir  centos  de  heroes. 


—  139  — 

E  agora,  Deus  loiivado,  a  c'ròa  da  desgraga 
jà  raro  vetn  cingir  urna  fronte  real, 
e  quando  um  pensador  diante  de  nós  passa, 
nao  vai  para  morrer  na  enxerga  do  hospital. 

Entre  nós  e  o  passado  ha  um  profundo  abysmo, 
entre  nós  e  o  passado  ergueu-se  a  inquisicào, 
essa  idea  infernal,  n^mà  do  despotismo 
que  transforma  o  algoz  em  deus  de  redempcao. 

Outra  idade  nos  luz,  outro  porvir  nos  chama, 
e,  se  nào  temos  jà  mais  terra  a  descobrir,  o 
temos  mundos  sem  fim  que  o  sol  do  amor  infiamma, 
OS  mundos  do  ideal,  os  mundos  do  porvir!... 

Os  mundos  do  traballio,  os  mundos  da  sciencia, 
esse  mytho  real  da  escada  de  Jacob  ; 
mundos  de  que  é  Colombo  o  genio,  a  intelligencia, 
um  Victor  Hugo,um  Talma,umKant,umMirabeau. 


—  140  — 

Tu,  corno  elles  tambem  ungido  do  talento, 
encontraste  na  scena  a  virgem  do  ideal, 
e,  pallido  de  assombro,  olhando-a  iim  so  momento, 
gritaste,  ébrio  de  amor  :  —  Afinal  !...  afmal  !...  — 

Entrara-te  no  peito  a  sede  da  Victoria, 
inandava-te  a  mente  a  luz  da  inspiragao, 
e  atirando-te  cego  a  conquista  da  gloria 
choveram-te  na  estrada  as  flòres  da  ovagao  : 

Agora,  ó  lutador,  jà  vés  postar-se  em  ala 
0  povo,  0  grande  heroe,  para  te  ver  passar  !... 
Converteste  o  theatro  em  recinto  de  gala, 
e  0  palco  para  ti  fez-se  de  throno  aitar  ! 

Doira-te  a  fronte  augusta  o  sol  da  intelligencia, 
deu-te  0  beijo  de  amor  a  pallida  Psyché 
que  se  chama  talento,  essa  estranha  demencia 
quo  a  nós,  filhos  da  luz,  nos  faz  erguer  de  pé. 


INDICE 


A  meu  Pae.     .......  7 

Em  vez  de  prologo                                     .  9 

Riligio  (a  Custodia  José  Duarte).      ...  13 

A*  actriz  Emilia  das  Neves   18 

De  noite   21 

0  rouxinol   23 

Desenganos  (ao  snr.  J.  D.  Ramalho  Ortigào).    .  28 

Similia  similibus   34 

No  tumulo  de  urna  crianca   36 

Sorihos  (a  Fedro  de  Lima).      .       ...       .  37 

Ave  Christel  (a  J.  Maria  Regalla).    ...  42 

Harmonias  vagas   45 

Solidào  (a  J.  Dias  d'Oliveira)   48 


142  INDICE 

Prece   54 

Aos  academicos  de  63   58 

Excoramungado  i^no  Album  de  C.  J.  Duarte).    .  62 

Visào  (a  Cherubino  Lagoa)   67 

Ao  partir.   72 

Ao  rei   74 

Só   78 

A  Camòes.   82 

Adormecida,   84 

En  avant  (a  Guilherme  Braga).       .       .      ,  87 

De  joelhos   92 

Pejo?                                                     .  96 

A  um  artista  brasileiro   98 

Maria   102 

Goivos   105 

La  danceuse   109 

Santeìmo   H2 

Brinde  academico   117 

Magoa  (a  Ernesto  Finto  d'Almeida).  .      .       .  120 

A  Arthur  Napoleào.   124 

Na  aidèa  (a  J.  M.  Nogueira  Lima).  .  .  129 
Desapontamento  (no  Album  de  A.  Moutinho  de 

Souza)                                         .       .  135 

A  Francisco  Taborda   l37 


Erratas 


Pag. 

1  LiN. 

Erros 

Emendas 

47 

1  12 

viva 

vivo 

61 

'  12 

san  dado 

saudada 

99 

11 

do  immenso 

no  immenso 

141 

,  8 

endensa 

endeusa 

127 

!  8 

da  luz 

de  luz 

1-28 

1  9 

vendavel 

vendaval 

à 


J}1 


0  027  250  924  4S