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Full text of "Annaes Maritimos e Coloniaes"

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dos E ado 


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p 


MARITEMOS E COLONIATS. 
N? 1l | 
SEGUNDA SERIE, 


"DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 


ACI 


Novembro de 1841. 


ti. a ao Major General d'Armada, remettendo 
copia da Circular, que pelo Ministerio dos Negocios Estran- 
geiros do Brasil, foi dirigida em 7 de Julho ultimo ao Mis 
nistro de Sua Magestade na Côrte do Rio de Janeiro, sobre 
as medidas sanitarias, a que devem prestar-se todos os Na- 
vios de fingra , que hajam d'entrar no portos d'aquelle Im- 
perio. 
16. Dicretoi nomeando Segundo Tenente Graduado da 
Armada, sem que jámais possa pertencer ao respectivo Qua- 
dro, e sem que por esta fórma possa ter direito a maiores ven- 
cimentos, que actualmente tem, o Segundo Tenente Honora- 
rio, Lourenço Antonio Rochodel, Patrão Mór da Ilha de S. 
Thiago de Cabo Verde. 


Dezembro de 1841. 


6. Portaria, ordenando que o Major General, quando 
carecer de alguns papeis impressos ou Iythografados, os mande 
promptificar na Imprensa Nacional, podendo competentemente 
representar contra qualquer abuso ou falta que encontre nos 
mesmos papeis. 

7. Officio, ordenando ao Major Gii remetta á Se- 


2 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.º 4. 


cretaria d'Estado uma relação de todos os Officiaes d' Armada, 
que não tiverem tirado as suas Patentes. 

7. Decreto, promovendo a Primeiros Tenentes d'Arma- 
da, os Segundos Tenentes == Antonio José Freire, Manoel Luiz 
BAe , € Agostinho José Duarte. , 

9. Do promovendo ao posto de Primeiro Tenente 
d'Armada, não ficando por esta fórma pertencendo ao Quadro 
eilectivo, nem com direito a accesso, o Segundo Tenente d'Ar- 
mada e Patrão do Arsenal da Marinha de Lisboa, Antonio 
Antunes. 

„Idem. Portaria, nomeando uma Commissão para rever al- 
guns dos artigos do Regimento Provisional de Marinha, e do 
Regulamento. do Batalhão Naval; e propôr as alterações que, 
para bem do Serviço, convém fazer nos ditos Regulamentos. 


— o mmm 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
Sessão 4.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


[hirs de lida e approvada a acta da Sessão antecedente , leu 
tambem o Secretario J. J. G. de Mattos Corra um officio, no qual 
a Camara Municipal da Ilha do Principe responde á Circular que, 
com o fim de obter dados estatísticos, a Associação dirigira ás auto- 
ridades do Ultramar. y 
— O Sr. Antonio Maximiano Leal pedio a palavra, e fez uso d'ella 
propondo para Socio effectivo o Sr. Jacinto da Silva Mengo, Official 
da Secretaria d" Estado dos Negocios Estrangeiros. 

O Sr. Presidente poz á votação o seguinte quesito, como termo 
da questão que tinha ficado pendente da Sessão antecedente: Po- 
derá a acta de uma Sessão legal ser approvada em outra , onde o nu- 
mero de Socios seja apenas suficiente para , segundo as deliberações an- 
teriores, se poder conhecer dos objectos de puro expediente? A Assem- 
bléa decidio negativamente , depois de terem fallado neste sentido os 
Senhores, Possolo, Tavares de Macedo, Rozendo, Falcão, e Freitas. 

O parecer da Secção de Marinha Militar, ácerca da organisação 
do Batalhão Naval, cuja discussão havia sido encetada nas Sessões 
antecedentes, foi lido novamente pelo Secretario o Sr. Antonio Ma- 
ria Couceiro, e entrou em discussão. 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO: 3 


O autor da proposta, o Sr. Antonio Gregorio de Freitas, susten- 
tando que a discussão devia versar não só sobre o parecer da Secção, 
mas tambem sobre a sua proposta; e pedio que se lessem os pareceres 
dos revisores. 

Os Senhores Barahona, Marques Pereira, e Couceiro oppozeram-se 
a esta leitura, fundamentando a sua opinião em disposições dos Es- 
tatutos. 

O Sr. Freitas retirou o seu pedido; e, passando a discorrer so= 
bre a materia, procurou mostrar que o Batalhão Naval, com a or- 
ganisação actual, não póde preencher os fins a que é destinado; e a 
necessidade de crear um Corpo de Artilheiros Marinheiros. 

No mesmo sentido orou o Sr. Setti, conformando-se com o pare- 
cer da Commissão, tão sómente na primeira parte que diz dever o 
Batalhão Naval estar debaixo da Inspecção e ordens immediatas do 
Major General d' Armada. 

~ Os Senhores, Falcão, Tavares de Macedo, Couceiro, e Marques 
Percira, fallaram sobre a ordem; e o primeiro destes Senhores, pes 
dindo segunda vez a palavra, propoz que se creasse uma Commis- 
são para tratar este assumpto com inteiro desenvolvimento, e apre- 
sentar o plano da organisação militar que lhe pareça mais convir á 
perfeição da Marinha do Estado; e que este plano, discutido e ap- 
provado pela Associação, seja levado ao conhecimento do Governo de 
Sua Magestade. 

Esta proposta, depois de sustentada por todos os Socios que an- 
tecedentemente haviam tomado parte na discussão, foi approvada, bem 
como, que a Commissão se compozesse de cinco membros, e fosse no- 
“meada pela mesa. 

O Sr. A. B. de Mascarenhas agradeceu á Associação a honra que 
disse lhe havia feito nomeando-o Socio honorario, elogiou os fins da 
Associação, e manifestou os seus desejos vehementes de ver, como 
verdadeiro Portuguez, prosperar a navegação e o commercio. 

O Sr. Presidente agradeceu, em nome da Associação, as expres- 
sões com que este Sr. a havia elogiado; e o Sr. Louzada, innume- 
rando os serviços pelo mesmo prestados á Associação, e o seu amor 
pelas cousas pórtuguezas, pedio que a Assembléa lhe votasse agrade- 
cimentos ; proposta que foi recebida e approvada por acclamação. 

O Sr. Antonio do Nascimento Rozendo mandou para a mesa a 
seguinte indicação : 

« Que, nos Annaes Maritimos e Coloniaes, se publiquem os no- 
« mes dos Officiaes das diversas classes, que compõem o Corpo da 
« Armada, que serviram na Esquadra Libertadora, com a declaração 
« dos postos, graduações , ataques em quê entraram, e ferimentos. » 

Julgada urgente, a pedido do Secretário Mattos Corrêa, decidio 
a Assembléa que a mesa nomeásse uma Commissão de cinco membros 
para lhe dar execução. 

O Sr. Secretario A. M, Couceiro deu algumas explicações ácerca 


y RE 


4 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.º ud. 


da mudança do local da Associação, das quaes resultou encarregar-se 
o Sr. Presidente deste negocio; findo o que, o Sr. Presidente fe- 
chou a Sessão. 

Sala das Sessões, 15 de Novembro de 1841.==0 Secretario, 
Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa, 


Sessão 42.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente, 


Depois de lida e approvada a acta da Sessão antecedente , com- 
municou o Sr. Presidente á Associação, que havia nomeado para a 
. Commissão encarregada de examinar qual seja o systema de organi- 
sação militar que mais convenha á perfeição da Marinha do Estado, 
aos Senhores. José Xavier Bressane Leite, João Pedro Nolasco da Cu- 
nha, Joaquim José Falcão, Pedro Alexandrino da Cunha, e Antonio 
Gregorio de Freitas; e para a Commissão encarregada de levar á exe- 
cução a proposta do Sr. Antonio do Nascimento Rozendo , aos Se- 
nhores Antonio Maximiliano Leal, Antonio do Nascimento Rozendo , 
Fernando José de Santa Rita, José Maria Ferreira do Amaral, e Joa- 
quim Pedro Celestino Soares. 

Passando o Secretario, Mattos Corrêa, a dar conhecimento da 
correspondencia, leu nm officio que o Sr. Presidente dirigio ao Sr. 
Vice-Presidente, e que acompanha um exemplar de uma relação dos 
faroes que se accendem em todas as cóstas de França, publicada por 
ordem do Ministro das obras publicas daquella nação, cujo exemplar 
S. Ex., o Sr. Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estran- 
geiros , offerece á Associação para ser depositado no seu archivo. 

Leu tambem o mesmo Secretario uma proposta do Sr. Feliciano | 
Antonio Marques Pereira, sobre a melhor coliocação dos fogões a bor- 
do das curvetas e navios maiores , -a qual ficou para segunda leitura. 

Correu o escrutinio e ficou approvado Socio ordinario, o Sr. Ja- 
cinto da Silva Mengo, que havia sido proposto na Sessão antecedente 
pelo Socio o Sr. Antonio Maximiliano Leal. 

O Sr. Louzada propoz que novamente se officie a todos os func- 
cionarios do Ultramar, que ainda não responderam ás perguntas que 
a Associação lhes dirigio, com o fim de obter dados estatísticos ; e 
se peca ao Governo de Sua Magestade, que outra vez lhes recommen- 
de a satisfação daquelle pedido. 

O Sr. J. P. Celestino orou no mesmo sentido; e a proposta, 
posta à votação, foi approvada. 

Sobre a publicação dos Annaes, mandou tembem para a mesa 0 
mesmo Sr. Louzada duas propostas, que ficaram para segunda leitura. 

Havendo o Sr. Bernardino Antonio Gomes feito experiencias, ten- 
dentes a achar o modo de evitar a oxidação do cobre que forra o 

. costado dos navios, mergulhando em agua do mar laminas polidas 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 5 


de cobre em contacto com o chumbo, o estanho, o ferro fundido e 
forjado, e o zinco, communicou o resultado destas experiencias á 
Associação; e pedio que fossem por ella examinadas. 

Os Senhores Joaquim Pedro Celestino, e Feliciano Antonio Mar- 
ques, fizeram algumas observações sobre este assumpto ; e o Secreta- 
rio Mattos Corrêa propoz que a Associação convidasse o digno Socio, 
autor das experiencias, a escrever a exposição que verbalmente aca- 
bava de fazer, afim de ser publicada em os Annacs ; e que se creasse 
uma Commissão para, conjunctamente com o mesmo Sr., continuar 
as investigações e observações que julgasse tendentes á completa so~ 
lução do problema. Estas propostas foram approvadas; e o Sr. Pre- 
sidente nomeou paraconpdr a Commissão os Senhores, Manoel de 
Vasconcellos Pereira de Mello, João Pedro Nolasco da Cunha, Ma- 
rino Miguel Franzini, Bernardino Antonio Gomes, e Joaquim Pedro 
Celestino Soares. > 

O Sr. João Pedro Nolasco da Cunha, como Relator da Secção de 
Marinha Mlitar, keu um parecer ácerca da proposta do Sr. Antonio 
Lopes da-Costa e Almeida, que tem por objecto as habilitações dos pi- 
lotos da marinha mercante, no qual considera a proposta digna de 
todo o apreço; e, conformando-se com o pensar do autor, julga que 
os mencionados pilotos devem ter uma habilitação legal. 

Este parecer entrou em discussão, e fallaram primeiro os Senho- 
res, Bernardino Antonio Gomes, e o Secretario Mattos Corréa, os 
quaes, considerando por um lado as vantagens que resultam para o 
bem da humanidade e progresso das sciencias maritimas, da instruc- 
cão regular da clásse dos pilotos, e por outro a necessidade absoluta 
de diminuir quanto possivel o costeamento dos navios, unico modo 
de poder a nossa marinha mercante concorrer com as marinhas es- 
trangeiras, concordaram em a necessidade de uma habilitação legal, 
julgando todavia de grave importancia o quantum desta habilitação , 
afim de não prejudicar um ou outro dos lados oppostos por onde a 
questão póde ser considerada. 

Seguiram-se os Senhores, Joaquim Pedro Celestino, e Antonio 
Lopes da Costa e Almeida : estes Socios sustentaram o parecer da Sec- 
ção, e produziram muitos argumentos para provar a necessidade da 
instrucção dos pilotos, adquirida nas escólas publicas, e sanccionada 
por diploma legal. 

O Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira sustentou a opinião 
contraria, dizendo, entre varios argumentos que produzio, que os 
contractos entre particulares, e as transacções commerciaes, devem estar 
fóra da acção restrictiva do Governo; e que os donos dos navios, co- 
mo primeiros interessados no bom exito das navegações, são os jui- 
zes naturaes da habilitação dos pilotos. 

Em consequencia de estar a hora adiantada, ficou esta materia 
adiada para a seguinte Sessão. 

O Sr. Louzada propoz, e foi seguidamente approvado, que, em 


6 ÁCERCA BA EDUCAÇÃO PUBLICA Nº 4. 


consequencia da perca que o Sr. Presidente acaba de soffrer no falle- 
-cimento da sua virtuosa consorte, a Associação lhe dirigisse, por meio 
de uma Deputacão, a expressão do seu sentimento. 

Houve ainda algumas observações ácerca da Sessão de eleições ; 
depois do que o Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 7 de Dezembro de 1841. ==0 Secretario, Joa- 
quim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


LT SAS) r-— 


Memoria ácerea da educação publica nos Estados da Índia, 
approvada para se publicar nos Annaes d’ Ássociação. 


ee == Já um de nossos dignos Socios, a quem des- 
de a infancia consagro não interrompida amizade, e cujas lu- 
zes e philan'ropicos sentimentos em muito aprecio, vos fallou 
da educação e civilisação de póvos que , além de nos trazerem 
gloriosas recordações, podem, se quizermos, compensar-nos mui- ` 
tas das perdidas riquezas do Brasil; pois, como judiciosamente 
refectio == « Os rendimentos dos Dominios Africanos foram por . 
« muitos annos a principal renda da Corôa Portugueza, que 
« com ellas se enriqueceu, e lhe deram cabedal para fazer as 
« conquistas do Oriente e Novo Mundo. » = Seguros passos di- 
rigio na indagação das causas da decadencia do nossas Posses- 
sões Ultramarinas, e facil foi ao genio investigador, ao cida- 
dão probo, ra a principal” d'essas causas, na falta de 
luz do Evangelho, e por conseguinte na desmoralisação, e 
ignorancia publica, em cujo estado anniquilador vive o homem 
uma existencia bruta e definhada : == «Só o Christianismo, que 
« civilisou a Europa, poderá civilizar a Africa »== é o pensa- 
mento profundo de uma erudita memoria, que então vos foi 
por aquelte illustre Socio apresentada, a que désteis bem me- 
recido apreço, e o logar que lhe pertencia nas Actas e Annaes 
de uma Associação, que se honra com o timbre do grande fn- 
fante D. Henrique ; o por Estatuto tem a prosperidade de tão 
remotas, como inhóspitas regiões. 

Honra portanto ao benemerito autor d'aquella memoria , 
que não hesitou pronunciar, neste seculo a qne chamam das 
luzes, o pensamento grave e profundo, cuja pureza a razão at- 
testa, e cuja conyeniencia a experiencia das nações confirma ; 


1842. NOS ESTADOS DA INDIA. 7 


s 
as quaes nós vemos, e com especialidade a Inglaterra, procu- 
rando assiduamente derramar as sementes do Christianismo en- 
tre os póvos da sua conquista e fóra d'ella; não só por seus 
Missionarios, como por meio d'associações de homens zelosos, 
que a peito tomam cathequisar as gentes, para o que não pou- 
pam esforços e despezas. A toda a parte elles mandam os hi= 
vros necessarios para a instrucção dos neófytos; traducções da 
Biblia em differentes dialectos, que repartem gratuitamente 
pelos póvos. Eu vi, Senhores, uma d'essas versões, em muito 
má linguagem portugueza, cheia de erros, que no anno de 1833 
levou a Gôa o Missionario Inglez José Wolff, e alli distribuio 
por muitos de seus habitantes. É sem duvida luminoso e in- 
contestavel o principio estabelecido na memoria a que alludo. 
Oxalá se realisem os meios que, para o levar a effeito nos Do= 
minios Africanos, foram propostos: pois que as maximas salu- 
tares do Christianismo são as que essencialmente concorrem 
para melhorar a condição humana. 

Mas se a Africa nos merece attenção pelo util que nos pó- 
de ser, a Ásia não-é de menor interesse para nós, pelo que 
foi» pelo que é, e pelo que ainda póde ser, se bem dirigida, 
e aproveitada por genios Portuguezes, que a vejam com os 
olhos da realidade, e não pelos da imaginação preoccupada de 
vas theorias. 

A Asia, Senhores, foi o melhor theatro das gentilezas de 
nossos maiores. Pregoeira de illustres feitos, que alli passaram, 
dirá em tradição constante de pais a filhos, como a Marinha 
Portugueza, transpondo as barreiras do Oceano, foi pôr mar- 
cos com onome portuguez em todas as melhores enseadas, e por- 
tos maritimos, desde o cabo Tormentoso até ao Japão ; ensinando 
a navegar as nações do mundo, que por aquelles mares não 
ousavam faze-lo sem passaporte Luzitano. Estas só basta- 
riam, se razões d'interesse comum dos póvos não reclamassem 
nossos desvélos a prol d'esses poucos monumentos, que hoje nos 
restam de tanta gloria. O commercio da Ásia Portugueza com 
a Cósta d'Africa Oriental póde ainda ser de bastante proveito ; 
e os estaleiros de Damão e Gôa bem podem dar augmento á 
nossa marinha, que pela navegação para a Asia conservará 
uma das suas melhores escólas: mas nem o commercio florece, 


8 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO. PUBLICA Nº 4 


nem as artes prosperam sem a necessaria instrucção, pois é pelo 
desenvolvimento dos conhecimentos humanos que todas as cou- 
sas se nutrem e aperfeiçoam. A prosperidade de um paiz 
depende. essencialmente dos seus bons costumes; e estes só se 
adquirem por meio da educação tanto civil como religiosa. Dir- 
vos-hei, Senhores, qual tem sido a sorte de uma e outra em 
as nossas Possessões Asiaticas. | 

Os Estados da India Portugueza, onde predominam as cas- 
tas gentilicas, e o Mahometanismo, estão mui longe de ter 
ajustada idća da civilização Européa, que estas castas nem co- 
nhecer querem. Os nativos sem estabelecimentos onde a adqui- 
ram, e ressentindo-se. dos prestigios d'eilas, disputam ainda 
muitos entre si o apuro e preeminencias d'aquella de que pro- 
cedem, contentando-se em viver como seus pais viveram, e 
em seguir o mesmo que elles seguiram ; maximes derivadas de 
ua antiga crença, origem primaria do atrazamento em que se 
acham a todos os respeitos. Posso sem temor de erro aflirmar 
que a sciencia residia nos claustros d'onde tambem desappare- 
ceu com os seus moradores; ficando esses bellos e gigantes- 
gos monumentos da piedade de nossos maiores; em testimunho 
do que fomos na Asia, e do muito que aquelles alli trabalha- 


ram para a civilisação dos póvos; e na distincta classe militar 


de Gôa, unico arrimo da gente Portugueza e de seus descen- 
dentes, que, tendo nossos usos e costnmes, possue mais illus- 
tração, e os conhecimentos proprios da sua profissão, que ad- 
quire em uma Academia Militar e de Marinha, que em 1774 
começou como aula de artilhoria regimental, e passando duas 
differentes reformas, teve estatutos, que o Vice-Rei D. Ma- 
noel de Portugal e Castro melhorou, colocando-a no excellente 
pé, em que hoje se acha. Para vos dar, Senhores, comprovada 
informação do estado da educação publica em Gôa, porei aqui 
cópia fiel de um Officio deste Vice-Rei, e do 4 37 de outro 

escripto por um de seus predecessores; porque depois d'elles 
pouco se ha avançado. 

«N.º 8. =” e Ex.”"º Sr. == Tendo achado em todo 
este Estado a instrucção publica na mais lamentavel situação, 
principalmente pelo que respeita ás cadeiras de primeiras le- 
tras, me propuz estabelecer algumas nos lugares de maior con- 


a - 


` 


18142. “NOS ESTADOS DA INDIA. 9 


sideração, a saber: uma cadeira na Nha de Gôa, outra na 
Provincia de Salsete, e a terceira na de Bardez ; tendo reconhe- 
cido esta necessidade por ter achado por propria experiencia , 
que era rarissimo o papel, d'entre os mùitos que diariamente 
se me apresentam , que fosse escripto conforme as mais tri- 
viaes regras de grammatica e orthografia portugueza, devendo-se 
em grande parte um tal inconveniente a que a nossa lingoa não é 
aqui a vulgar, havendo apenas dois ou tres entre cem habi- 
tantes que a fallam. Movido destas considerações, e achando- 
se na Secretaria a Carta Regia de 13 de Agosto de 1799, 
que tratava deste importante assumpto, que expressamente de- 
termina que o exame, escôlha, e nomeação dos professores 
para as cadeiras pertencessem ao Governo, conjunctamente com 
o Reverendo Arcebispo, o convidei pelo meu Officio de 9 de 
Junho do anno passado, para ambos d'accordo levarmos ao seu 
devido efeito aquella Regia Providencia. O Arcebispo respon- 
deu, recusando prestar-se ao que se lhe propunha. ..... 

Por esta occasião não posso deixar de representar a V. Ex." 
a falta d'educação de que geralmente carecem aqui as diffe- 
rentes classes dos habitantes do paiz, já por falta de mestres 
e de luzes, já porque não podem mandar seus filhos instruir- 
se a esse reino por felta de meios para fazerem as despezas da 
viagem, e para n'elle se sustentarem o tempo que durar a mes- 
ma educação. Para occorrer a este grave inconveniente, lem- 
brei-me propôr, que dos dois Seminarios, que aqui ha, cuja 
manutenção custa annualmente á Fazenda 20.000 xerafins, 
e estão entregues aos padres naturaes do paiz da congregação 
de S. Filippe Neri, em consequencia das Reaes Ordens, seja 
o que está situado na ilha de Chorão , defronte desta de Gôa, 
exclusivamente para a educação e instrucção dos clerigos da 
diocese; e o outro situado em Rachol, provincia de Salsete 
para os seculares, para n'elle se formarem bons cidadãos , 
que possam vir a servir o Rei e a Patria nas differentes re- 
partições militares e civís d'este Estado, e suas dependencias ; 
vindo os primeiros mestres, e pelos primeiros seis annos de 
Portugal, providos de bons livros, como já em outra occastão 
vieram pelos annos de 1782. Se esta minha lembrança mere- 
cer a approvação do Serenissimo Senhor Infante Regente, po- 


10 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO PUBLICA NE q: 


derei na monção correspondente apresentar mais amplas idéas ; 


e mesmo um plano para o estabelecimento do dito Seminario, . 


e para a instrucção publica deste Estado : devendo além d'isto 
declarar que quando S. Alteza se conforme com este meu ar- 
bitrio, não deverá o Arcebispo ter a menor ingerencia n'este 
segundo Seminario, que em tudo ficará sujeito ao governo do 
Estado, e ambos á Junta de Fazenda na parte economica. 

Deos guarde V. Ex.” etc. = Gôa 27 de Fevereiro 1829. == 
Assignado, D. Manoel de Portugal e Castro. » 


« Cópia do § 37 do Officio dirigido a Sua Magestade 
pelo Vice-Re D. Manocl da Camara, 
em 22 de Janeiro 1823. 

« $ 37==A instrucção publica aqui é quasi nulla. N'uma 
população de 269.000 almas não ha uma unica casa d'edu- 
cação. Ha cinco cadeiras de grammatica latina, e nenhuma da 
lingoa portugueza. Em os dois Seminarios, em que a Fazenda 
Publica sustenta com o despendio annual de 20.000 xerafins, 
30 alumnos para clerigos, ensina-se tambem a mesma gram- 
matica latina, filosofia, theologia dogmatica, e moral, por 
um methodo antiquado e prolongado. Mas os mestres todos 
naturzes do paiz d'onde nunca sahiram , não tendo tido estu- 
“dos preparatorios ‘d'aquellas faculdades, nem ouvido bons mes- 
tres, Vossa Magestade ajuizará facilmente do pé em que aqui 
podem estar estes conhecimentos. Os que soffrem mais da falta 
d'instrucção são os filhos dos Portuguezes e seus descendentes, 
que todos se destinam á profissão das armas; os quaes, nada 
possuíndo , ` mais que os seus poucos soldos, carecem de meios 
para fazer instruir seus filhos; sendo o mesmo mal tambem 
transcendente áquellas pessoas, que destinam os seus para ser= 
virem nas Repartições d'administração publica do Estado. E 
portanto estes póvos, que anhelam instruir-se, receberiam co- 
mo um dos maiores beneficios do Paternal Governo de Vossa 
Magestade, e da actual ordem de cousas, um estabelecimento 
Tits e d'educação que, fazendo-os beber em fonte pura os 
principios do systema constitucional, os tornasse verdadeira- 
mente uteis á Patria. » 

Eis-aqui como ía a educação publica em Gôa até ao tempo 


RD E O, 


- 


15842. NOS ESTADOS DA INDIA. ti 


do ultimo Vice-Rei d'aquelles Estados; e do que se refere nestes 
dois Oficios, poder-se-ha julgar que discipulos poderão sahir 
dos dois Seminarios para pastorear póvos christãos, cathequisar 
os idolatras, e repelir as aggressões dos propagandistas no nos- 
so padroado. 

O sexo femenino, de quem tão essencialmente depende a 
felicidade do homem, só acha em Gôa a educação, que é pos- 
sivel obter-se nos institutos da Casa da Misericordia, que a 
piedade de nossos antepassados ali deixou para as filhas e or- 
fas de seus confrades, e por isso circumscripta a numero desi- 
gnado, e em si imefficaz para o interessante fim de inspirar 
aquelles sentimentos necessarios, e que uma boa mãi de fami- 
lia possa communicar a seus filhos, ou para ser d'elles, cuja 
tatéla a lei lhe confia, economica administradora ; por isso que 
nem têm mestras, nem regimento adoptado a tão impartantes fins. 

Foi o mesmo Vice-Rei, D. Manoel de Portugal e Castro, 
que, depois de regular vantajosamente o systema da Academia 
Militar e de Marinha; depois de haver proposto a necessaria 
reforma dos Collegios deChorão e de Rachol, como acabamos de 
ver, instituio novas escólas de primeiras letras e de grammatica 
portugueza é latina; dando-lhes, em data de 5 de Setembro 
de 1831, instrucções para seu regimento e fiscalisação, pondo 
o magisterio d'ellas a concurso, no qual preferio em igualdade 
de circumstancias aos européos alli deportados pela Usurpação, 
não só para lhes dar decente meio de subsistencia, como para 
fazer extirpar das escólas os vicios, erros, e impureza que os 
nativos introduzem, ensinando em uma lingoa que lhes é es- 
tranha, e apenas fallam aquelles , que estão em contacto com 
os curopéos alli: residentes, e seus descendentes. Foi tambem 
este mesmo Vice-Rei, que lançou os primeiros fundamentos 
de uma bibliotheca publica, no mesmo edificio que fez cons- 
truir, e onde colocou a Academia Militar; cuja bibliotheca 
tem sido enriquecida com alguns mil volumes: de obras esco- 
lhidas nas livrarias dos extinctos conventos, que o Governo 
Provisorio lhe mandou adjudicar. 

O fallecido Barão do Candal fez suscitar a observancia das 
citadas instrucções de seu predecessor, em Portaria de & de 
Janeiro de 1840, ordenando mais, que os professores de gram- 


12 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO PUBLICA NS 


matica latina não admittam discipulo algum, sem que mostre 
estar perfeitamente instruido em-grammatica portugueza. Em 
Loutolim, aldêa da provincia de Salsete, existe hoje um Se- 
minario particular, denominado do — Archanjo S. Miguel — cu- 
jo programma se vê approvado por Portaria do mesmo Barão 
Governador Geral, de 29 de Fevereiro de 1840, unica noticia 
que delle alcanço. 

Os collegios de Chorão e de Rachol são , como já se men- 
cionou , os unicos onde hoje se instraem os que se dedicam ao 
sacerdocio. Estas duas casas de bella construcção, com a gran- 
deza e accommodações proprias ao fim para que estão aplica- 
das, eram dois magnificos edificios, que serviam de noviciado 
e collegio da extincta Companhia de Jesus, cuja direcção es- 
tava ultimamente entregue aos Congregados do Oratorio, d'en- 
tre os quaes o Arcebispo escolhia os Reitores e Mestres. Os 
alumnos pobres nada pagam, e. fazem termo de ir para as 
missões; os que têm bens, são sustentados por uma quota men- 
sal. A Fazenda despende com estes dois Seminarios 20.000 
xerafins ou 3:2003000 réis fortes por anno, dos quaes os 
Reitores dão contas á Junta da Fazenda Publica. 

A Santa Casa da Misericordia sustenta o recolhimento de 
Nossa Senhora da Serra, e o das Convertidas, ou de Santa 
Maria Magdalena, hoje transferidos para o vasto convento de 
Santo Agostinho: aquelle para viuvas e filhas dos irmãos que 
fallecem sem “herança; e para as mulheres e filhas dos que 
sahem em serviço para logares distantes; este para as dos irmãos 
mecanicos e muitas vezes para casa de correcção: ambos estão 
em grande decadencia, pela diminuição que têm experimen- 
tado os rendimentos da Misericordia, que hoje são de 30.000 
xerafins por anno. 

Ha ainda no hospital militar uma aula de medicina que o 
Fysico mór é obrigado a ensinar, para a qual nenhuns pre- 
paratorios ha; assim como nenhuns se exigem dos que se apli- 
cam ao direito, que qualquer rábula do paiz ensina; e assim 
passam uns a dispôr das vidas e os outros da fazenda dos infe- 
lizes, que se lhes entregam na enfermidade, ou para a defeza 
de seus litigios; nos quaes estes aprendizes de leis, muitas ve- 
zes julgam, em primeira instancia. 


1842. NOS ESTADOS DA INDIA. | 13 


Aqui está, Senhores, o quadro miserrimo a que não vejo 
attender; e quando se mostra a educação primaria e secunda- 
ria tão mesquinha; a ecclesiastica quasi nulla, e sem princi- 
pios, pelo-que lá vamos perdendo as 'ragalias do padroado, tão 
importantes na Ásia; que a industria tem acabado, e o com- 
-mercio se perde, apenas se esboçam projectos de méro luxo, 
ou que tendam a restringir a educação a certos individuos, 
que nenhum proveito darão ao paiz, por que é de outros 
meios que a sua educação por ora carece. 

A India Portugueza não precisa fazer grandes doutores ou 
estadistas, porque nem a sua posição o demanda, nem sempre 
a sua administração conterá as incoherencias e anomalias, que 
hoje apresenta: tempo virá que melhor conhecedores de nossos 
interesses, e do bem dos póvos, imitaremos tambem o regi- 
men que as nações cultas têm adoptado nas suas colonias, se 
quizermos, que as nossas, como as d'aquellas, prospérem é nos 
auxiliem: mas em qualquer hypothese convirá que tenha cida- 
dãos morigerados, e um clero illustrado e capaz de instruir os 
póvos nos seus mais importantes deveres. Antes de ter douto- 
res e estadistas, a India precisa adquirir aquelles principios 
que se bebem na infancia, e sem os quaes nenhum progresso 
se póde fazer no bem: taes são os da moral, verdadeiro sup- 
plemento das leis; os elementos da religião, apoio de todas as 
virtudes sociaes e domesticas; e aquelles conhecimertos de 
primeira necessidade, tendentes a harmonisar as relações dos 
homens entre si, e habilita-los a passar, pelo estudo, a 
maiores disciplinas. E esta uma das primeiras necessidades a 
occorrer n'aquelle paiz. 

O conhecimento da religião é a base da sabedoria huma- 
na; sem ella não ha virtude no homem. O empenho da reli- 
gião consiste em melhorar a condição humana: por isso, ella 
-ensina todas as verdades uteis ao homem, abraça todas as ac- 
ções, regula o coração, poder que as leis não têm, porque as 
leis só suspendem o braço do cidadão, e só regulam certas 
acções. Pertence ao clero, e com especialidade aos parochos, 
-ensinar 0s seus preceitos, e talvez poucos estejam em circum- 
stancias de o fazer; porque de facto não têm os conbecimen- 
tos precisos, nem ainda os principios preparatorios para osal- 


44 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO PUBLICA N.º A 


cançar; e poucos se dão por isso ao desempenho de deveres, 
ue mal conhecem. E não será portanto esta uma outra né= 
cessidade de primeira importancia a occorrer ? 

O Immortal Duque de Bragança, de sempre saudosa me- 
moria, bem quiz acudir aos males enormes que vão por essas 
Igrejas do Ultramar, chamando, pelo Decreto de 2% de De- 
zembro de 1833, duzentos sacerdotes de reconhecida virtude; 
sciencia, e zelo pela religião e bem estar de seus similhantes, 
para alli irem parochiar e prégar o Evangelho. Não sei que 
diabolico espirito dissuadio tão próveitoso intento, tão con- 
ducente para a civilisação dos póvos, e assim elles continuam 
a jazer na mais abjecta ignorancia e immoralidade ; e os idola» 
tras lá vão o seu caminho. 

Aquella tão necessaria e salutar medida, ainda de igual ur- 
gencia é para as missões e Igrejas do nosso padroado em todo 
o Indostão e fóra delle. A residencia entre differentes póvos, a 
emulação das seitas, e mais que tudo as intrigas e as tramas 
dos da == Propaganda fide == collocam o missionario portuguez 
na posição de lutar inimigos tenazes e ilustrados; cujos ata- 
ques e cujos erros precisam destruir; e por conseguinte muito 
lhes importa ostentar sciencia, decente apparencia, e virtudes, 
nas quaes estes os respeitem; pois que a sciencia e os actos 
externos são os que mais férem a alma e formam a impressão 
dos objectos que, sendo ornados do ridiculo, jámais podem 
produzir sensação saudavel: quando estes missionarios sahiam 
dos conventos, que a seu cargo tinham differentes districtos, 
era sob os melhores auspicios que partiam a exercer o seu santo 
ministerio; para o qual a vida claustral, a regularidade de 
costumes, e uma educação litteraria e religiosa adquirida nos 
mosteiros, perfeitamente os habilitava: pois é bem que aqui 
se declare que o clero regular de Gôa era instruído e d'uma 
condncta exemplar: jámais o viram fóra da órbita de seus de- 
veres. 

Demais, a India Portugueza deve vegetar a vida indus- 
trial. Todos alli trabalhar devem para viver: é uma sociedade 
de perfeita igualdade; e o systema das communidades agrico- 
las bem o comprova; e por isso precisa conhecer as artes im- 
mediatamente connexas ao seu estado e posição. Os seus ar- 


1848. NOS ESTADOS DA INDIA. 15 


tistas imitam o que se lhes apresenta, e fazem só aquillo que 
sempre viram fazer: não têm gosto nem invenção; desconhe- 
cem quasi todas as ferramentas de seus oficios; e estão mui 
longe de um estado mediano: havendo porém quem os instrua 
e os faça largar os máos methodos que conhecem , serão tão 
bons como os nossos, porque lhes não falta habilidade e pene- 
tração; e eis-aqui outra urgente necessidade. 

Do que fica exposto concluo que, antes de crear doutores, 
estadistas, ou cousa que o valham, o paiz requer essencial- 
mente instrucção primaria e secundaria, que chegue a todas 
as classes, sem distincção de côr ou de casta; e a todos os an- 

«gulos dos nossos dominios asiaticos; porque se em Gôa é como 
fica relatado, em Damão e Diu vai muito peior, e em Timor 
em completo abandono, 

Convém-lhe muito que o seu clero adquira a educação , 
sciencia, e elevação de sentimentos que uma religião philan- 
tropica inspira e ordena; afim de que nas missões e no cargo 
parochial elle seja o sustentador d'essa mesma religião, admi- 
nistrador dos seus beneficios , que em fim leve a paz e a eari- 
dade ao seu rebanho, em vez de lançar-se no seio das facções para o 
dilacerar, como alli se tem visto desde a infausta Era de 1787 
a nossos dias. 

Carece em fim crear homens proprios para todas as agen- 
cias da vida; e por isso, antes de ter esculptores e outros 
misteres do luxo, necessita ensinar carpinteiros , tecelões, ça- 
pateiros, e outros indispensaveis para os primeiros usos da vi- 
da; e para nada disto ha mestres no paiz, que mereçam esse 
nome. 

Os Seminarios de Chorão e de Rachol já não satisfazem 
aos fins a que são destinados, tanto pela falta de bons mestres, 
como pelo defeituoso systema e methodos rançosos de que ain- 
da usam. A reforma que para elles sollicitou o Vice-Rei, D. 
Manoel de Portugal e Castro, só teve o efeito de mandar 
chamar alguns rapazes a Portugal, para aqui se educarem á 
custa das “Camaras agrarias; mas este arbitrio, com quanto 
vantajoso, é para aquelles a quem cabe em sorte ; de nenhum 
proveito se torna para o paiz ; porque os que lá ficam continuam a 
finar-se na mesma privação de que parece os querem tirar; ea 


16 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO PUBLICA NAM, 


experiencia nos está mostrando que nem um só dos que têm 
vindo, quer voltar á patria, que lhes não offerece os interesses, os 
commodos, e os prazeres que encontram'em Portugal; e por 
isso ahi os vemos engrossar o numero dos pretendentes pelas 
escadas das Secretarias, ou empregados, cuidando de si, des- 
lembrados do dever em que estão para com os seus conterra- 
neos; e é este o defeito em que essencialmente laboram esses 
projectos de que ha pouco fallei, qne se dizem para bem dos pó- 
vos, sendo aliás para o de individuos que alli mais não voltam. 
-~ Nem os que vierem instruir-se em qualquer arte ou offi- 
cio preferirão tornar a Góa para ter o jornal de 3 = tangas 
(100 réis fortes) que lá se dá por exemplo a um carpinteiro, 
deixando o que aqui podem haver, por mãos operarios que se- 
jam; donde é evidente que taes projectos são de méro luxo, 
pelo menos em quanto se-não ordenar que os agraciados re- 
gressem ao paiz, em cujo beneficio se proclamam. 

Em quanto observamos que dos que vêm a Portugal estu- 
dar, nenhuma utilidade se deva a Gôa, notarei, porque são 
factos sabidos, que regendo os dois collegios os Jesuitas, e de- 
pois d'elles os missionarios italianos , tiveram optimos discipu- 
los, que dignamente exerceram o magisterio , e se distingui- 
ram nas missões. É de nossos dias o estado florecente da Acà- 
demia Militar, depois que de Portugal lhe foram mandados 
dois lentes , officiaes do corpo de engenheiros, que crearam os 
mestres que hoje regem as suas differentes aulas, e outros 
discipulos de merecimento ; e por isso o exercito conta em si a 
parte mais illustrada de Gòa. Não quero com isto dizer se não 
proteja o talento, nem venham a Portugal estudar por conta 
da Fazenda ,` ou das Camaras, aquelle ou aquelles que , dota- 
dos de genio e penetração, ou engenho distincto , lhes faltem 
os meios de o aproveitar, e de se graduar em alguma facul- 
dade ou arte. Eu só quizera esta distint ção se A a um ta- 
lento e merecimento conhecido; e quando de outro modo se 
determine, reverta em utilidade do paiz, e como um meio de 
lhe levar a instrucção que assim compra. ` 

Emfim, Senhores, o meu intento é promover o melhora- 

“mento da educação civi e religiosa dos póvos da Asia Portu- 
gueza, e não a de individuos destacados , e em todos aquelles 


i8%2: “NOS ESTADOS DA INDIA: 17 


dominios; e para o conseguir não existe senão o meio de en- 
viar-lhe os mestres e os livros de que carecem : dictar-lhe o 
methodo, e as cousas que por elle se devem ensinar, em har- 
monia com o estado e necessidades publicas. Os meios pecunia- 
rios são sobejos os que alli ha; e, se faltarem, ha donde os 
supprir, especialmente se do que se arbitra no orçamento para 
a educação das Colonias, fôr alguma parte applicada a este fim ; 
e; como passo a declarar, O essencial é o seguinte : 

Primo. Promover desveladamente em Goa, e suas depen- 
dencias, a instrucção primaria e secundaria, dirigindo-a pelos 
methodos que ultimamente estão- adoptados entre nós. 

Secundo. Reformar os collegios de Chorão e Rachol, de 
modo que o primeiro fique sendo o Seminario da Diocese, su- 
bordinado ao Arcebispo, para instrucção dos que se dedicam 
ao sacerdocio; e o segunda para seculares debaixo da imme- 
diata direcção do Governo, que a um e outro deyerá dar -re- 
gimento. 

Tertio. Que se enviem de Portugal os livros e compendios 
necessarios, bem como os professores para aquelles Seminarios, 
escolhidos por concurso d'entre os Egressos de melhor nota 
e saber; pelo menos os que se destinarem para o Seminario 
do Arcebispado. 

Quarto. Que em ambos estes Seminarios se continue a 
admittir o mesmo numero d'alumnos pobres, preferindo para 
isso os filhos de Militares e Empregados Civís, cujos pais, 
por seu bom serviço e POORER , se tornem merecedores deste 
beneficio. 

Quinto. Que como até aqui se recebam tambem pensio- 
nistas pela paga mensal, que sufficiente fôr para o seu susten- 
to, segundo no respectivo regimento se deve declarar. Os alum- 
nos rp pe continuarão a ouvir as lições gratuitamente. 

Sexto. Que se attenda cuidadosamente á educação do sexo 
femenino, fazendo que uma Commissão de cidadãos Europcos, 
e descendentes destes, zelosos pelo bem de seus similhantes , 
reveja o Compromisso da Casa da Misericordia; e, propondo 
as alterações que convierem, apresente um plano d'educação 
em ambos os Recolhimentos, tanto para as proprias recolhidas, 
como para pensionistas, que pelo seu sustento e ensino pa- 


Num. 2, 


18 ÁCERCA DA EDUCAÇÃO PUBLICA NE: 


guem á casa mensalmente o que se arbitrar, acabando 
o intoleravel abuso, que se observa no das Convertidas, de 
conservar as que alli vão por correcção, em contacto com pes- 
soas honestas, que por isso deviam ter logares separados para 
sua habitação e decente trato. 

Setimo. Autorisar e fixar o numero das que nestes Reco- 
lhimentos se recebem arbitrariamente, a que alii chamam re- 
colhidas = esmoladas == e fazer que este beneficio só recaia 
a favor de pessoas pobres e miseraveis. 

Oitavo. Estabelecer outros tantos logares para filhas e or- 


fas de militares e Empregados pobres, que, por conta do Go- 
8 p 


vergo , alli vão receber uma educação , que ihes obtenha um 
futuro decente é sem miseria, 

Uma grande necessidade ha ainda a indicar; e vem a sêr, 0 
estabelecimento de uma aula, na qual se ensine a ler e traduzir 
os caracteres gentilicos do Malabar, como preparatorio indis= 
pensavel para Empregados Civís, em ordem a acabar com a 
falsa posição do Governo e mais autoridades, que, para o exa= 
me de qualquer documento ou correspondencia escripta em 
aquelles caracteres, dependem de um traductor gentio, com+ 
mumente de casta bramine, a mais astuta € infiel d'entre els 
las; o qual faz essas traducções sem criterio algum para uma 
lingua que lhe é estranha, e torpemente falla; por cujas tra- 
ducções o Governo e autoridades têm de resolver e julgar, 
sem correctivo; o que, mais de uma vez, tem induzido a erro, 
Util seria tambem que no Seminario diocesano se ensinasse o 
idioma dos pôvos , cujas missões nos pertencem. 

Uma aula da lingoa ingleza seria de bastante interesse ; 
porque são os Inglezes os visinhos que alli nos cercam, e com 
os quaes por conseguinte são hoje quasi todas as nossas rela- 
ções externas na India. 

Em qualquer dos Conventos extinctos se poderá collocar 
um instituto de bellas artes; mas para tudo será necessario 
mandar mestres e instrumentos, porque nem uns nem outros 
ha no paiz, nem mesmo quem com estes saiba trabalhar. Que- 
rendo o Vice-Rei, D. Manoel de Portugal, reformar a Casa 
da Moeda de Gôa, que foi encontrar no mais abjecto e ver- 
gonhoso estado, emittindo uma moeda informe, cunhada a 


K 


1842. NOS ESTADOS DA INDIA. 19 


malho e na mais crassa ignorancia do processo competente , 
procurou fizer no paiz as maquinas e mais utensilios proprios 
ara a sua laboração, cujos disenhos eram conhecidos ; mas 
foram infructiferas e perdidas as diligencias e despezas que 
para isso fez; porque ninguem soube alli collocar as ditas ma- 
quinas em estado de laborar, nem dos artistas, que para essa 
obra foram chamados, è eram os melhores de Gôa, houve 
mais do que um que soubesse trabalhar com as ferramentas, 
que para. melhor facilidade e execução se fizeram debaixo da 
direcção de um Européo. 

Muito hei fatigado, Senhores, a vossa paciencia; mas 
grande bem se fará aos póvos da India, se o que tenho referi- 
do, fôr corregido è aproveitado ; e por isso o submetto à vossa 
consideração , afim de leyar-se a effeito. 

Ainda que os Estatutos desta Associação não designam co- 
mo caminhar neste, e similhantes assumptos, ninguem por 
certo contestará o direito que derivamos do artigo 15 da Con- 
stituição Politica da Monarchia, para dirigir aos Poderes do 
Estado reclamações e petições sobre objectos d'interesse pu- 
blico. Ñenhum ha de maior transcendencia, que aquelle de 
que aqui se trata; nem a sua urgencia póde ser mais demon- 
strada. Attestem-o todos os que por algum tempo residiram 
em Gòôa. À illustração é uma divida que o Governo deve aos 
póvos, e não aos individuos. Honra será para esta Associação 
o reclama-la a favor daquelles que tanto brilho deram às Ar- 
mas e á Marinha Portugueza. Jámais a Nossa Augusta Sobe- 
rana deixou de attender tão justas supplicas : portanto 

Proponho; que se dirija uma respeitosa representação a 
Sua Magestade , pedindo-lhe se Digne providenciar ás neces- 
sidades que ficam ponderadas, como em Sua Alta Sabedoria 
mais conveniente pareça: Dignando-se outro sim para isso 
benignamente acolher os meios que ficam propostos, se elles 
obtiverem a vossa approvoção, 

Lisboa e Sala das Sessões da Associação Maritima e Co- 
lonial aos 15 de Março de 1841,==0 Soeio, Vice-Secreta- 
rio, Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d' Azevedo. 


2 x 


20 SÓCCORROS AOS NÁVIOS N.º i: 


Representação que a Associação Maritima e Colonial de Lisboa 
dirigio a Sua Magestade , sobre os soccorros que julga pos- 
sivel prestar aos navios em perigo de naufragio na barra 
de Lisboa. 


MENHORA t= Pelo Decreto de 5 de Novembro de 1839, 
em que Vossa Magestade se Dignou approvar os Estatutos da 
Associação Maritima e Colonial de Lisboa, foram dia 
das as vantagens que desta Associação podiam resultar ao 
Commercio e á Marinha ;' e este honroso conceito da Corda é 
por certo um dos maiores incentivos pará cada um de seus 
membros desveladamente se occupar em satisfazer ao seu pro- 
gramma , e bem merecer de Vossa Magestade e da Patria. 

De quantos assumptos a Associação Maritima e Colonial 
de-Lishboa se tem occupado, nenhum ha, que melhor mereça a 
Consideração de Vossa Magestade, e as sympathias publicas, 
como aquelle que hoje tem à gloria de fazer subir ao Conhe- 
cimento de Vossa Magestade , tendente a salvar os navios em 
perigo e a geute naufragada ; por quanto, possuindo nós um 
dos primeiros a da Europa pela sua bondade , pela sua 
posição geografica, e pelo seu Commercio, que póde e deve 
ser outra vez consideravel e florecente, é de grave censura 
que aos olhos do mundo civilisado , e das nações que frequen- 
tam este porto, pareça termos como cousa indifferente o mo~ 
do de prestar uteis e promptos soccorros aos navios que , na 
proximidade da barra de Lisboa, corram perigo, ou effectiva- 
mente o tenham sofrido. 

Em muitas nações vemos nós estabelecimentos optima- 
mente montados por conta do Governo ou de Associações phi- 
lantropicas, com o unico intuito de salvar as vidas e fazendas 
dos naufragados em suas costas: digno de sério reparo seria, 
que existindo nesta Capital uma Associação , denominada Ma- 
ritima, composta de toda a Corporação d' Armada, e de ou- 
tras pessoas amantes da humanidade e do credito do seu paiz, 
se não occupasse ella de um objecto tão transcendente , e de 
tão grande importancia para a mesma humanidade , para o 


t812. EM PERIGO DE NAUFRAGIO. 21 


Commercio Portuguez, e para todas as nações que o procu- 
ram. Ciosa de sua propria gloria e excitada por estes senti- 
mentos, a Associação Maritima e Colonial de Lisboa tem pro- 
curado apresentar a Vossa Magestade um systema capaz de 
levar a effeito , se não em todo o nosso littoral, ao menos so- 
bre as praias da Capital, a salvação das vidas e fazendas dos 
infelizes que junto d'ellas se acharem em risco ou tenham de 

ninufragar : bem convencida do acolhimento que tão nobre in- 
tento ha de encontrar no Magnanimo Coração e Maternal Go- 
verno de Vossa Magestade. 

Não são medidas extraordinarias as que a Associação aqui 
reclama , ou que dependam de despezas avultadas; são aquel- 
las já sanccionadas no Alvará de 12 de Agosto de 1797 com 
os melhoramentos que a experiencia tem provado necessarios 
para se tornarem de proveito e efficazes. 

No $ 37 deste Alvará se declarou ==« que é obrigação 
« dos Intendentes de Marinha assistir com a possivel brevi- 
« dade ás Embarcações de Guerra que se acharem em perigo 
« em qualquer parte da visinhança do porto com tudo quanto 
« lhes fòr requerido, ou entenderem necessario ; para cujo fim 

“« terão sempre promptas no Arsenal algumas ancoras e anco- 
« rotes com as competentes amarras e viradores; e da 
« mesma fórma assistirão a todos os navios nacionaes e estrangei- 
« ros que se acharem em iguaes circunstancias, pagando el- 
« les todas as despezas do valor do generos consumidos, e os 
« salarios da gente que se empregar em seu auxilio. » == 

Este G do citado Alvará tem sido observado no nosso Ar- 
senal da Marinha de Lisboa; mas a distancia em que está da 
foz do Téjo e outras causas, têm tornado muitas vezes moro- 
sos os soccorros que d'alli partem , apesar do zelo e activida- 
de com que sempre foram expedidos; porque uma maré de 
cheio, ventos do quadrante do NO. e do SO. bastam para os 
retardar, ou os frustrar completamente ; e no entanto seja li- 
cito lembrar neste logar quão deploravel será a situação do 
Official do mar que, proximo do porto, se vê em risco de 
perder a vida e bens, a tripulação e carga; sendo muitas ve- 
zes estes effeitos produzidos por causas imprevistas, que se 
tornam irremediaveis, por incuria ou por falta de soccorros 


23 SOCCORROS AOS NAVIOS N.º 1. 


si md 


promptos e opportunos. E portanto, Senmora, de urgente 
necessidade collocar estes soccorros na proximidade da barra, 
afim de não serem illusorios, mas de momento e infalliveis ,, 
quanto possivel a salvar aquelles que os carecem. Com este 
fim, e tendo em vista a maior economia da Fazenda Nacio- 
nal, que neste assumpto não deve ser mesquinha, a Associa- 
ção Maritima e Colonial de Lisboa vai nos seguintes $$ sub- 
metter respeitosamente á Consideração de Vossa Magestade 
quanto em resultado de suas meditações e experiencia achou 
indispensavel, para tornar proficuas as providencias do citado. 
Alvará. 
Quanto ao. local de soccorros e material indispensavel. 


Reconhecido como é que os soccorros que o & 17 do Al- 
vará de 12 d'Agosto de 1797 manda ter prestes no Arse- 
nal da Marinha, estão muito distantes do logar do perigo, e 
por isso dificeis; cumpre te-los mais proximos, e para isso 
transferi-los para Paço d'Arcos e Trafaria, que são os pon- 
tos mais convenientes; em cada um dos quaes deve estar uma 
lancha de não, com maior pontal, que as do costume , forra- 
da de cobre, com toletes, boa palamenta, mastros, vélas , e 
gaviete. Estas duas lanchas deverão estar fundeadas n'aquel- 
les dois pontos, em amarrações de correntes, com pequenos 
ferros ou fatexas. 

Em cada um destes locaes devem haver viradores de 19 polle-. 
gadas e ostáxas de 7 pollegadas com seus ferros proporcionados ; 
e estes utensilios podem ter para sua arrecadação , na Trafa- 
ria, o armazem que hoje serve á Companhia de Pescarias. 
Lisbonense, e em Paço d'Arcos, alguma das casas que o Es- 
tado alli tem, servindo na Repartição da Saude. 

Os dois pontos oppostos que ficam designados para estada, 
e partida das embarcações são de absoluta necessidade para 
que a lancha que houver de partir surta sempre de barlaven- 
to; não só porque desta posição é que mais facilmente poderá 
demandar o logar do naufragio , como porque a barlavento é. 
que se abrigam as embarcações de pésca, das quaes devem 
ser tirados os homens precisos para equipar as lanchas , como. 
abaixo se dirá. 


i842. EM PERIGO DE NAUFRAGIO. 23 


Para o caso em que as lanchas não possam sahir a barra, 
indicam-se os yarinos, ou meais luas dos maiores com coberta 
corrida de pôpa á prôa. à 

Comprando-se duas destas embarcações se lhes farão os 
reparos necessarios para o fim a que se dedicam; de modo 
que fiquem tendo a borda falsa, ou cabeços para toletes, e 
n'um dos bicos cabeços mais do para conducção de um an- 
corote de BB a EB , atravessado em cima e peiado aos mes- 
mos cabeços, levando as espias colhidas sobre as cavernas, para 
onde deve haver um pequeno escotilhão, que apenas facilite a 
pratica de um homem. 
=- Estas embarcações assim construidas são quasi insubmer- 
giveis, e os pescadores , acostumados n ellas, navegam aflou- 
tos, e a despeito, d'empolados mares com admiravel agilidade, 
como por vezes se tem chservado. 

Similhantes soccorros prestados por varinos rarissimas Ye- 
zes serão impraticaveis : succedendo todavia que a estação tor- 
mentosa obste á sua sahida da barra, não é impossivel sup- 
prir-se esta falta, tendo na Costa iguaes embarcações, onde, 
como fica dito a respeito da pet „ deverão haver identicos 
varinos e utensilios. É sem duvida deste sitio que, com maior 
destreza e menos embaraços, podem taes recursos ser proi- 
cuos; porque accresce- haverem alli muitos homens habitua- 
dos à pésca, todos subordinados a tres ou quatro mestres que, 
sendo os mesmos donos das embarcações, têm tão intimamen- 
te a si ligados os maritimos de suas respectivas companhas ,. 
que lhes não é dificil contarem com os resultados de um de- 
eidido respeito e prompta obediencia. 

Os motivos que se apontam para que áquem da barra ha- 
jam auxilios em dois pontos oppostos, são os mesmos que in- 
duzem -a requere-los álém da mesma barra, na Costa e na 
bahia de Cascaes; mas nesta bahia são elles mais dificeis, at- 
tentas as despezas que se farão, por não haverem adju- 
-torios estranhos com que contar; porque os seus pescadores 
-São em pequeno numero, e só fazem uso de pequenas lanchas. 
As muletas que costumam aportar n'esta bahia , só o fazem 
com bom tempo. Nada ha que possa alli servir em tempo 
mão, 


24 SOCCORROS AOS NAVIOS NEA, 


Quanto ao pessoal. 


O bom acondicionamento e conservação das lanchas deve 
estar a cargo de Officiaes marinheiros, que já não são aptos 
para serviço activo, mas de E probidade, boa cons 
ducta e prestimo. Estes Officiaes devem ter ração de embar- 
E além do seu soldo, e se responsabilisarão pelas lanchas 
e seus pertences, cabos de auxilio, ete:, o que tudo recebe- 
rão por inventario. 

E preciso que hajam em cada lancha dois homens de Ar- 
senal , vencendo pela féria, aos quaes se deve tambem abonar 
ração d'embarque. Um destes homens será guarda, como é es- 
tylo, na própria embarcação e attenta vigia; para o que con- 
vém fornecer-lhe encerados-e mais aprestes necessarios, fican- 
do assim promptas as lanchas para darem a tempo qualquer 
auxilio que preciso seja. 

As guarnições das lanchas e varinos devem ser tiradas 
d'entre as das embarcações da pésca, existentes nos logares in- 
dicados, apenas fôr necessario largar a soccorrer qualquer 
navio ou pessoa em perigo; porque são estes homens os mais 
promptos e aptos a este serviço: acostumados diariamente ao 
mar alto, estão experimentados e perfeitamente habituados ás 
suas tormentas. Em Inglaterra e França são os pescadores 


que se empregam e mais uteis se mostram nestes apurados cou- 


flictos. As guarnições dos escaleres d'Alfandega, e da Saude, es- 
tacionados n'aquelles pontos, devem ser das primeiras que vão 
dar soecorro, até porque á Alfandega pertence arrecadar as 
fazendas salyadas, sob as penas já sanccionadas, e que lhes 
deverão impôr as autoridades respectivas, em caso de negli- 
gencia ou falta ao serviço. 

Os patrões dos barcos de pésca que se acharem n'aquelles 


logares, devem responder pela pontualidade destes trabalhos ; - 


devendo todos os que se empregarem n'elles ser recompensa- 
dos como a lei tem estabelecido , ou castigados , sendo neces- 
sario, como as circumstancias o exigirem. Na Cósta se deve 
entregar o desempenho deste serviço aos mestres das compa- 
nhas de que já se fallou; e não seria fóra de proposito, para 
mais os attrahir, conceder-lhes uma tal ou qual graduação de 


1842. EM PERIGO DE NAUFRAGIO. 25 


Officiaes marinheiros que, servindo de estimulo, os contente 
e excite á prompta execução dos deveres que ficam relatados. 

“A estes mestres incumbe ter as suas guarnições sempre 
promptas e dispostas a operar no momento da urgencia, no 
qual deverão instantaneamente largar com os ancorotes e ca- 
bos de auxilio, quando o soccorro fôr de assistencia ao navio, 
ou sem apparelho algum destes, quando o nautragio fòr infalhi- 
vel, ou tiver já acontecido. Convém que n'aquelle local haja 
tambem um Official marinheiro responsavel e gratificado , co- 
mo os que ficam designados para as estações da Trafaria e 
Paço d'Arços. 

É para acreditar, que se estes meios nem sempre produ- 
zam o desejado effeito, applicados elles com actividade e ener- 
gia, poucas vezes falharão : supplica-los a Vossa Magestade é o 
serviço mais transcendente que a Associação Maritima e Co- 
lonial de Lisboa se présa fazer à humanidade e ao Commer- 
cio, 

Soccorros de vidas. 


A simples idéa de naufragio basta para attrahir todas as 
sympathias sobre os infelizes que as ondas vão submergir. To- 
dos correm ao logar da scena horrorosa; e os expectadores 
que da praia e de cima dos rochedos a observam , sem poder 
levar soccorro, muitas vezes a 4 ou 6 braças de distancia, 
gémem e lamentam, ou bramem de justo furor, pór não verem 
auxilio onde seria facil, e até devido, encontra-lo. A dôr, ao 
ver engolir as victimas, que providencias promptas e acerta- 
das teriam salvado, por muito tempo domina o homem mais 
ou menos sensivel aos infortunios dos seus similhantes; e d'ahi 
nasceram essas bellas e philantropicas Associações que, em 
França e Inglaterra, se têm formado, com o unico fim de 
salvar os naufragados; e os repetidos ensaios praticados para 
alcançar o modo de mais seguramente o conseguir. 

As barcas inventadas por Henrique Greatheed têm salvado 
das ondas centenares de individuos. O Parlamento Britannico 
lhe votou uma recompensa avultada ; e distinctos premios teve 
de alguns Monarchas e de casas commerciaes. 

Ninguem desconhece a necessidade de collocar barcas de 


26 * SOCCORROS AOS NAVIOS N.º dh. 


salvação de vidas em differentes pontos da cósta de Portugal, 
sobre a qual desastrosos naufragios se repetem na estação. in- 
vernosa ; € o seu estabelecimento marcaria uma das mais bri- 
lhantes épocas do Governo de Vossa Magestade: mas se as 
nossas finanças o não  permittem por agora, ao menos 05 pe-' 
quenos varinos são de urgente necessidade nos portos das duas 
principaes cidades do reino. 

“Cumpre ainda reclamar outros soccorros para salvar as 
vidas dos infelizes tirados das ondas, ou por ellas arrojados 
semi-vivos sobre as praias; os quaes infalliveimente perecerão, 
se não forem prompta e cuidadosamente tratados. 

para isso que nos mesmos locaes onde se estabelecem. 
os depositos das lanchas e yarinos, devem estar em arrecada- 
ção todos os objectos, medicamentos , e maquinas necessarias 
para reanimar e tornar á vida os affogados : devendo, logo que. 
haja signal de navio em perigo, avisar-se o Facultativo mais 
proximo para ir ao-logar delle, afim de prestar os auxilios de.” 
sua arte aos que delles carecerem , em quanto não possam ser 
levados a outro logar. 


Despezas. 


São em verdade módicas e bem poucas as despezas ex- 
traordinarias que, para se organisar o proposto systema , se 
exigem; por quanto no Arsenal da Marinha se encontram as 
lanchas j já destinadas por lei a este serviço; e as poucas emen- 
das que têm de se lhes fazer, são pequenas, e obra do mesmo 
Arsenal. 

Tambem alli existem os cabos, fatexas e ancorotes que o 
4 17 do Alvará de 12 de Agosto de 1797 manda ter pres- 
tes: por tanto só resta collocar estas lanchas e mais objectos 
em logar d'onde instantaneamente possa com elles acudir-se ao 
perigo, em vez de os conservar a 3 legoas de distancia da 
barra, o que por si basta para se verem inuteis. 

sa sete rações diarias, que apparecem em novo consumo , 
para tres Officiaes marinheiros e para quatro homens do troço 
ou Algarves, é dispendio de tão pouca monta, que por certo 
ninguem se atreverá a lembra-lo como obstaculo a tão inte- 
ressante projecto. A compra de quatro varinos ou meias luas , 


1842. EM PERIGO DE NAUFRAGIO om 


as emendas já indicadas em suas construcções , 0s que se de- 
vem construir para salvação de vidas e o logar para guarda 
destas embarcações na Cósta , são as unicas despezas extraor- 
dinarias, e por uma só vez. 

Não avultam os objectos indispensaveis para chamar á vi- 
da os affogados; porque podem ser fornecidos pelo Hospital da 
Marinha, os que welle houverem; e os que alli se não en- 
contrarem , é dever de um póvo culto possui-los e presta-los. 
Elles são de obrigação ás guarnições dos Navios de Guerra. 
Os mercantes nacionaes e estrangeiros devem indemnisa-los , 
assim como a outros respeitos está determinado no Alvará ci- 
tado. 

As guarnições das embarcações salvadoras têm por lei sa 
lario nos dias em que trabalham na salvação de navio ou de 
objectos naufragados; e têm mais direito a um premio ex- 
traordinaaio , quando fazem serviço extraordinario e relevante. 
Se o navio é mercante, a mesma lei lhe impõe a obrigação 
de pagar todas as despezas: se é de Guerra, ao Estado per- 
tence sempre a sua solução. 


Meios. 


Para o costeamento destes depositos, e occorrer a quaes- 
quer necessidades, bom será prover aos fundos convenientes , 
de modo que nem estes faltem, nem se grave o Thesouro Pu- 
blico; e por isso parece de razão e de justiça que todos aquel- 
les proventos que varias leis, desde a Ord. do L. 2.º G 32, 
até ao Codigo Commercial Portuguez, autorisam se recebam. 
e appliquem a este unico fim; e assim o producto das despezas 
mencionadas no $ 17 do Alvará de 12 d'Agosto de 1797, e 
$ 29 do Tractado de Commercio de 1810, e artigos 1595 a 
1599 do mesmo Codigo, seja arrecadado em um cofre no 
“Arsenal da Marinha ou na Contadoria da mesma, para delle 
se pagarem, em conformidade destas leis, os generos consu- 
midos no salvamento do navio, e os salarios e premios das 
guarnições de salvação, em proporção do trabalho que fizeram 
e segundo o Regulamento posto nos artigos 1600, 1602, 1603, 
e outros do Codigo citado. 


28 SOC. AOS NAVIOS EM PERIGO DE NAUFRAGIO. N.º £, 


As cousas naufragadas do inimigo que o Alvará de 29 de 
Dezembro de t7413 applicou para o fisco, os destroços naufra- 
gos, as cousas que o mar regeita e lança na praia, cujo 
dono se desconhece, e das quaes , pela Portaria de 25 d'Abril 
de 1836, tem hoje a Fazenda Nacional só duas terças partes, de- 
vem, como d'antes, pertencer todas á Fazenda, e entrar no 
referido cofre o seu producto. 

Facil seria, SENHORA , descobrir mais abundante receita, 
que habilitasse o Governo a levar estes auxilios a toda a parte 
onde a necessidade os reclama. Uma subscripção voluntaria do 
Commercio, donativos das casas de seguros maritimos , que 
tanto nisto interessam, se poderiam sollicitar e obter. Um im- 
posto módico sobre os navios nacionaes e estrangeiros que sur- 
girem em os nossos ancoradouros, seriam meios bastantes para 
tão interessante objecto; mas a Associação Maritima e Colonial 
de Lisboa não os pede: lembra-os apenas, apesar das difficulda- 
des que reconhece para obte-los; e por isso a Associação nada 
propõe, que não esteja nas attribuições de Vossa Magestade , 
como Chefe da Nação; e o que sollicita, é o mesmo que está 
mandado pelo § 17 do Alvará de 12 d' Agosto de 1797, com 
as alterações e providencias indispensaveis para se levar a ef- 
feito a sua disposição, sem as quaes é illusoria e insufficiente ;; 
fazendo ardentes e incessantes vetos para que venha o dia em 
que este beneficio se possa estender a todos os portos deste 
reino. Se a Associação Maritima e Colonial de Lisboa tiver a 
felicidade de ver por Vossa Magestade approvadas as medidas 
que soilicita, Vossa Magestade se Dignará dar o Regimento 
que convenha para a sua boa direcção. 
- E com o mais decidido interesse pelo bem publico, por 
sentimentos de humanidade, e para que em fim, nada cedá- 
mos ás nações mais cultas, que a Associação Maritima e Go- 
lonial de Lisboa respeitosamente implora a Vossa Magestade a 
graça de lançar suas beneficas vistas sobre esta franca e leal 
exposição de seus trabalhos: e para que elles sejam de pro- 

veito ao Commercio Portuguez; nos atraiam as bençãos das 
nações que o buscam; e daqueles que, no horror do perigo, 
encontrarem em nosso porto todos os auxilios, que o mundo 
civilisado se empenha em prodigalisar, Vossa Magestade Haja 


1842. CHRONICA DO DESC. E CONQUISTA DE GUINÉ. 29 


por bem tomar o exposto em Sua Alta Consideração, e at- 
tende-lo como convém á Dignidade da Sua Real Corda, e de 
um pôvo que tão distincto logar occupa entre as nações cul- 
tas.==E R. M.“ 


MINISTERIO DA MARINHA E ULTRAMAR. 


Soa Magestade a Raixma, a Quem foi presente a Repre- 
sentação que, em data de £5 d' Agosto proximo passado., Lhe 
dirigio a Associação Maritima e Colonial de Lisboa, tratando 
do modo por que se poderão salvar os navios em perigo, ou a gen- 
te em caso de naufragio ; Manda, pela Secretaria d' Estado dos 
Negocios da Marinha e do Ultramar, participar á mesma Asso- 
ciação, que, Louvando-a pelo zêlo e interesse que demonstra 
nesta Representação pelo credito: do Governo e bem da huma- 
nidade afilicta, nesta mesma data se exigio da autoridade 
competente o orçamento da despeza que haverá a fazer para 
se levar a effeito tão util providencia. Paço das Necessidades 
em 17 de Setembro de 1841. =— José Ferreira Pestana. 


> nO — 

À Chronica da conquista de Guiné pelo Chronista Gomes - 
Eannes de Azarara, e a Memoria sobre a prioridade dos des- 
cobrimentos feitos pelos Portuguezes na costa occidental da 
Africa, escripta, para lhes servir de introdueção, pelo Sr. Vis- 
conde de Santarem, são peças de tanta importancia, -a pri- 
meira como documento historico, e a segunda como solução 
das duvidas que alguns escriptores Francezes modernamente 
têm pretendido lançar sobre aquella prioridade , e tão ligados 
são. estes assumptos com os fins da Associação Maritima e Co- 
lonial de Lisboa, que ella certamente poderia ser arguida de 
omissa no desempenho da missão que a si mesma impoz , se 
não fizesse lançar em os seus Annaes álgumas linhas, tenden- 
tes a recommendar a leitura da primeira, e tributar ao illus- 
tre litterato, autor da segunda, os bem merecidos elogios e 
agradecimentos pela execução de um trabalho, onde a par de 


30 CHRONICA DO DESCOBRIMENTO N.º 1. 


vastissima erudicção, transluz o desejo verdadeiramente Por- 
tuguez de restabelecer feitos onde muito vai a gloria de nos- 
sos antepassados, e da nação a que nos prezamos pertencer : 
com este intuito pois, começámos a atar alguns pensamen- 
tos; porém lendo na Revista da Bibliografia analytica, que se 
publica em París, o artigo que neste logar se transcreve ; é 
encontrando nelle boa parte do que sobre o assumpto podera- 
mos dizer, julgâmos conseguir melhor o nosso fim publicando-o, 
movidos pela consideração, a nosso ver ponderosa , de que 
a sua origem franceza affasta toda a idéa de que possa haver 
parcialidade a nosso favor no julgamento das obras e na ques- 
tão da prioridade, 


—4 <> e 


renina muito em França, principalmente francez é 
latim, um ponco de grego e de inglez, e nada ou quasi nada 
das outras linguas vivas. Perdeu-nos o periodo victorioso do 
imperio, que fez da nossa lingua um instrumento europeo. Vi- 
vemos da sciencia alheia, e com tudo só nos tolera a vontade 
ler francez-e fallar francez com os Inglezes, com os Alemães, 
com os Italianos, e com os Portuguezes. Levâmos à nossa apa- 
thia ao ponto de deixar a estrangeiros a gloria e o mereci- 
mento de dar á luz os documentos preciosos, que o acaso ou à 
conquista collocaram em nossas mãos Quando muito, limitá- 
mos o nosso esforço a indicar que existem os que se reputam 
perdidos. Um serviço desta natureza foi feito ultimamente á 
historia da geographia por Mr. Ferdinand Denis, que na sua 
obra intitulada Chronicas cavalheirescas de Hespanha e de Por- 
tugal, tomo 2.º pag. 41, deu o extracto de uma chronica do 
decimo quinto seculo, que elle encontrou na bibliotheca real 
de París, e que em Portugal se tinha por perdida. Debaixo 
do titulo primeiro dia da jornada a Lagos, reino dos Algar 
ves, verteu em francez Mr. Ferdinand Denis uma passagem 
muito interessante. O 'manuscripto, de que se trata, carece de 
titulo, porem é designado no cathalogo por chronica da con- 
quista de Guiné. Nelle se contém a historia completa das pri- 
imitivas descobertas do celebre Infante de Portugal D. Henri- 
que, que póde ser considerado como o predecessor natural de 


1812. E CONQUISTA DE GUINÉ. gi 


Christovão Colombo. Este bello livro, que servio de guia in- 
separavel a João de Barros, foi composto por Gomes Eaunes 
d'Azurara, chronista-mór do reino e guarda-mór da Torre do 
Tombo, que o escreveu em 1453 por ordem de Affonso V. 
o Africano. Fórma o mencionado manuscripto o primeiro vo- 
lume da obra composta por Azurara sobre as conquistas de 
Guiné; não consta que fizesse segundo: pelo menos foi esse 
primeiro o unico de que o insigne historiador Barros teve no- 
ticia. Azurara, habil escriptor , queixa-se da rudeza de estilo 
de Affonso da Cerveira, chronista informe, seu antecessor. 
Comtudo, parece certo, accrescenta Mr. Denis, que este Cer- 
veira foi testimunha occular de parte das expedições que re- 
feriu. Em tal supposto, seriam dignas de muito apreço as suas 
obras, se infelizmente o accaso, ou o. desleixo, as não ti- 
vesse perdido. Gomes Eannes d'Azurara foi á Africa; porém 
o diligente chronista, como lhe chama Barros, apenas viu Ceu- 
ta e Tangere. » y 

Do que vai dito, póde inferir-se qual seja a importancia 
da Chronica da conquista de Guiné. Em nome da sciencia , 
agradecemos a Mr. Ferdinand Denis o serviço que lhe pres- 
tou, descobrindo e assignalando a existencia de um mo- 
numento tão precioso. Entretanto, o merecimento de o trazer 
á luz pertencia de direito a um sabio Portuguez, que houvesse 
consagrado especialmente as suas vigilias ao estudo da historia 
geografica e das descobertas maritimas, Fallando deste modo , 
facilmente se deprehenderá que alludimos ao Sr. Visconde de 
Santarem, o qual, apesar de achar-se ausente do seu paiz, 
obteve ultimamente da Camara dos Deputados em Lisboa o 
suffragio mais lisongeiro para elle, na duplicada qualidade de 
homem letrado e de homem de Estado. Muito tempo ha que 
ò illustre Visconde prepara um trabalho em que pertende 
mostrar a prioridade das descubertas maritimas Portuguezas ; 
este trabalho apparecerá em breve. Era pois elle naturalmente 
o homem designado para edictor da Chronica de Azurara; e 
dffèctivamėnte , de accordo com o Embaixador Portuguez em 
París, se encarregou desta interessante publicação. o texto é 
de tal modo recheado de termos obsolectos, o estylo do autor 
+ to. obscuro, os nomes proprios tão desfigurados, que só um. 


39 CHRONICA DO PESCOBRIMENTO N.º 4; 


Portuguez, digamo-lo em obsequio á verdade , podia dar uma 
edicção tão satisfactoria a todos os respeitos. Nomear o Sr, 
Visconde de Santarem importa o mesmo que fazer o elogió 
da maneira por que'a obra foi estampada, e do saber com 
que elle escreveu os commentarios que acompanham o texto. 
A Chronica da conquista de Guiné por Gomes Eannes de 
Azurara é não sómente um dos monumentos mais preciosos dos 
annaes da gloria Portugueza , mas ainda o primeiro livro es- 
cripto por autor européo sobre as terras situadas na costa occi- 
dental d'Africa, além do Cabo Bojador. Neste livro se encontram 
as primeiras narrações das testimunhas contemporaneas , que 
viram e admiraram os esforços dos seus compatriotas, e que 
referem como os intrepidos navegadores Porluguezes penetra- 
ram o celebre mar tenebroso dos arabes e transposeram os li= 
mittes, que serviam de barreira aos navegantes mais experi- 
mentados do Mediterraneó, ou das costas da Europa. A hon- 
rosa missão de referir as descobertas dos Portuguezes coube , 
e devia caber, a um Portuguez ; nobre successão que reune 
n'uma gloriosa nacionalidade o heroe, o historiador e o editor. 
Além do interesse historico e geographico , offerece a obra de 
Azurara outra vantagem; revela-nos o estado das sciencias e 
da erudição durante a idade media. A sua chronica dá-nos a 
noticia dos livros que os sabios estudavam com preferencia nos 
seculos XIV e XV. Assim, para os theologos, citaremos a 
biblia, e mais que tudo os livros de Salomão , os profetas, S, 
Jeronymo, S. Chrysostomo, S. Thomás d'Aquino , etc. ; para 
os classicos: Herodoto, Homero, Hesiodo, Aristotles, Cesar, 
Tito Livio, Cicero, Salustio, Valerio Maximo, os dois Sene- 
cas, Vegecio, Ovidio, Josepho , Ptolomeo ; para os amadores 
da meia idade, Orosio , Isidoro de Sevilha, o astronomo ara- 
be Alfragan, Rodrigo de Toledo, Marco Paulo, Frei Gil de 
Rona, João Scott, Alfredo o grande, e o celebre Pedro d'A:l- 
ly. Tambem se vê que Azurara leu as chronicas, as historias 
estrangeiras e os romances de cavallaria , principalmente de 
França, de Hespanha, de Italia e de Alemanha. Mostra ter 
profundo conhecimento da geographia systematica dos antigos ; 
todavia, deve confessar-se que elle põe demasiada confiança na 
influencia dos astros, e na astrologia judiciaria; preoccupações 


1842. ` E CONQUISTA DE GUINÉ. 33 


que bebeu de certo na obra de Ptolomeu intitulada Opus qua- 
dripartitum de astrorum- judiciis. 

Seria dificil enumerar e apreciar aqui o valor das parti- 
cularidades historicas, que se contêm na dita Chronica, e que 
são da mais alta importancia. Comtudo, não deve passar em 
silencio uma noticia curiosa; isto é, que o Rei D. João I 
occupava ao mesmo tempo Ceuta e Gibraltar, d'onde se póde 
inferir, e até concluir, com uma quasi certeza, que os Por- 
tuguezes eram senhores da chave do Mediterraneo e da Africa 
septentrional. Recusar á Nação Portugueza a prioridade destas 
descubertas maritimas, é dar prova fi ignorancia ou de má fé. 
O amor da verdade deve ser o unico movel do historiador , 
quaesquer que sejam —a época em que elle escreve, o seu 
paiz e a sua religião. Sêde justos na vossa apreciação, e no 
vosso juizo, se quereis ser julgados com justiça pelos vossos 
contemporaneos, e pela posteridade. A verdade, tomada no 
sentido absoluto, é uma e immutavel; o no que a ella 
conduz, é seguro, ou se tome á direita ou á esquerda. Neste 
ponto costumam perder-se a maior parte dos espiritos sys- 
tematicos, esses inventores de descubertas , que negam os fa- 
ctos existentes, e que os substituem com supposições mais ou 
menos arbitrarias. Estamos no seculo do scepticismo; não ha 
pois originalidade nem merito em negar o que existe, e em dar ao 
mundo uma apparencia que elle não tem. Os lunaticos estão fóra 
de moda; a realidade historica é procurada pelos homens re- 
flexivos; e o positivo no negar e no affirmar já não é considera- 
do como uma prova AUE Entre a obstinação do scepti- 
cismo e a cegueira da credulidade ha um meio termo que to- 
do o homem sensato deve seguir. Não creiâmos sem exame ; 
mas não recusemos leyianamente o testimunho dos escriptores 
conscienciosos. A fidelidade de Azurara, como historiador, é 
incontestavel, e a sua autoridade como autor contemporanco 
deve ser de grande peso para nós. Em quanto ao mais, cum- 
pre dizer que todas estas questões, que tocámos de leve, foram 
tratadas com extensão e profundidade pelo Sr. Visconde de 
Santarem , na Memoria de que fizemos menção no principio 
deste artigo; a ella voltaremos em outra occasião. A 
Chronica de Azurara, considerada debaixo de outra relação, 

ANE SL 3 


34 CHRONICA: DO DESC. E CONQUISTA DE GUINÉ. N.º 1. 


é ainda de grande importancia; restifue-nos a maior parte da 
obra de Affonso Cerveira, hoje perdida, a qual continha a 
historia das conquistas de Portugal na costa d'Africa; e torna 
menos sensivel a deploravel perda dos archivos nauticos de Sa- 
gres. A destruição destes archivos é um successo muito im- 
portante na historia litteraria de Portugal; não podemos por- 
tanto dispensar-nos de tratar por um momento deste assum- 
pto. Deixazemos fallar Mr. Ferdinand Denis, que deve as va- 
liosas informações, que vão ler-se, à officiosa erudicção do Sr. 
Visconde de Santarem. 

«Se muitos elogios merece Gomes Eannes, como escri= 
ptor, mui pesada censura lhe cabe como Guarda-mór : elle 
contribuio para a destruição, no decimo quinto seculo, das 
origens historicas tão necessarias á feitura d'uma historia com- 
pleta e perfeita da Peninsula. Eu quiz adquirir exacta informação 
deste facto, e entendi que ninguem me poderia esclarecer melhor 
do que um dos ultimos successores de Gomes Eannes. Eis-aqui 
as informações que me deu o Sr. Visconde de Santarem, cuja 
sciencia e favor estão patentes a quem quer que os procura.» 

« Durante as Côrtes reunidas em Lisboa, no anno de 1459, 
sob o reinado de D. Affonso V, pediram os deputados do pôvo 
a reforma dos archivos reaes da Torre do Tombo, afim, di- 
ziam elles, de destruir os papeis e documentos, que se jul- 
gassem inuteis. Tratava-se de remediar a confusão que fa em 
augmento; e podia-se evitar d'um golpe o trabalho, que da- 
vam diariamente as buscas neste estabelecimento, diminuin— 
do-se as despezas a que eram obrigados os individuos , que ti- 
nham de fazer extrahir cópias legaes de documentos existentes 
naquella casa. Gomes Eannes era então Guarda mór, ou Guar- 
da geral dos archivos. Foi elle quem se encarregou da execu- 
cão desta medida, que desgraçadamente recebêra a Sancção 
do Rei; Gomes Eannes se houve neste negocio com um zelo 
digno dos tempos barbaros. A proscripção a que condemnou 
documentos da mais subida importancia, foi tal, que a sua me- 
moria se tem conservado, por assim dizer, proverbialmente. É 
uma Era desastrosa invocada em Portugal por todos os sabios 
que se têm occupado da sciencia diplomatica. Ainda hoje se 
falla na proscripção de Gomes Eannes d’'Azurara. » 


18492. NOTICIA DA RÉPUBLICA DO CENTRO-AMERICA. 35 


«Por um acaso feliz tinham muitas Camaras Municipaes, 
entre ellas a do Porto, mandado tirar cópias authenticas de 
documentos preciosos, condemnados pela fatal medida. A esta 
causal diligencia se deveu a sua conservação. Outros documen- 
tos que existiam em duplicata nos proprios archivos, mas cuja 
existencia era ignorada, foram descubertos sob a administra- 
ção de outro Guarda mór ; e felizmente o zelo desapiedado de 
Gomes Eannes não teve todo o mão- resultado que era de sup- 
pôr.» 

Terminando esta analyse, julgâmos dever prevenir o leitor 
de que o trabalho do Sr. Visconde de Santarem, como editor, 
é digno de todos os elogios. Não consiste a dificuldade em 
publicar um texto; mas sim em esclarecer todas as passagens 
obscuras, em explicar historicamente todos os factos, todas as 
alusões, que são do dominio da historia, em dar a synonymia 
geografica pelo que toca ás localidades pouco conhecidas, e 
finalmente, em pôr notas onde são necessarias. O Sr. Viscon- 
de de Santarem desempenhou a sua tarefa de uma maneira, 
que faz honra ao seu gosto depurado, á sua critica e á sua 
erudicção. Para completar o trabalho, que emprendeu, deu-nos 
um glossario das palavras mais dificeis que se encontram na 
Chrouica de Azurara; esta parte do trabalho foi feita pelo Sr. 
Roquete, autor de um diccionario de que já fallámos. 

(Revue de bibliographie analytique. ) 


—— ne (<=> 


Noticia estatistica e commercial da Républica do .Centro-Ame- 
rica; por Mr. Rosamel, Capitão Tenente, Commandante da 
corveta franceza Danaida. — Fevereiro de 1840. 


À Républica do Centro-America compõe-se de cinco Es- 
tados, a saber: Costa-Vica, Nicaragua, San-Salvador, Gua- 
timala e Hunduras. Guatimala, grande e bella cidade, situada 
a 32 legoas da costa, junto ao volcão do mesmo nome, tem 
sido até ao presente a capital e séde do Governo. O amo 
passado estas provincias subleyaram-se , e declararam-se inde- 
pendentes, tendo guerra entre si; cada uma F suas leis pare 

> x 


36 À NOTICIA DA RÉPUBLICA ` N.º f. 


ticulares para se administrar, e seus regulamentos para o com- 
mercio, de que tem resultado uma anarchia politica e com- 
mercial a que se não póde prever o fim. Estas dissenções 
trouxeram comsigo o despreso total da agricultura; o que 
causou, este anno, uma alta consideravel no preço do anil e 
da cochonilha, cujas colheitas foram muito diminutas. 


Portos abertos ao commercio. 


Os portos pertencentes á á Républica , situados no Oceano 
Pacifico, e onde os navios do commercio podem aportar, são : 
Punta-Avenas, Realeso, La Union, La Libertad, Los Reme- 
dios, Istapa, e Porto de San-Juan del Sul, (canal de Nica- 
ragua). 

Punta-Ávenas — Na provincia de Costa-Rica, no fundo 
do golfão de Nicoya, frequentado de ha pouco, excellente 
porto. 

Realeso. — Na provincia de Nicavayana, a 12 legoas da 
cidade de Leão. Excellente porto, mas muito estreito, e de 
uma entrada assás difficil; nas proximidades do ancoradouro 
não ha habitação alguma. Os navios são accommettidos de 
nuvens de mosquitos, que vêm das praias do porto, que são 
muito pantanosas. O calor é insupportavel. A villa de Realeso 
fica 2 legoas pela terra dentro sobre o ribeiro, do qual aem- 
bocadura forma o ancoradouro. Este ponto não é frequentado 
senão por alguns navios que ahi vão receber madeira de todas 
as qualidades, que faz aqui o principal ramo do commercio. 

La Union, ou San-Carlos, ou Conchayna. — Na provincia 
de San-Salvador, no fundo do golfão de Fonseca, ou Anapala, 
ou Conchayna. Muito bom porto, fechado e proprio para 
toda a qualidade de navios, mas cercado de altas montanhas ; 
o que faz com que os calores ahi sejam insupportaveis. Os lo- 
dos, que a baixa-mar deixa descubertos, fazem este porto muito 
doentio. Só nos mezes de Outubro e de Novembro é que cos- 
tuma ser frequentado por navios de todas as nações, que vêm 
assistir á feira de San-Miguel, onde se fazem compras consi- 
deraveis d'anil. No mez de Outubro de 1839, achayam-se 
neste ancoradouro onze navios, entre os quaes se contava a 


18142. DO CENTRO-AMERICA. at 


Belle Poule, galera de Bordéos. Esta grande concorrencia de 
compradores, e a diminuta colheita, fez com que o preço do 
anil levantasse demasiadamente ; chegou mesmo a ser pago a 
razão de um peso duro por cada libra, quando, no anno an- 
tecedente, só obteve 240 réis. 

La Libertad. — Na provincia de San-Salvador , porto da 
cidade do mesmo nome, e na distancia de 18 legoas. Na barra 
arrebenta o mar constantemente, e faz as communicações dif- 
ficeis e mesmo perigosas; tanto mais quanto a praia está cheia 
de grossos penedos. Este ponto é pouco frequentado. Vêem-se 
algumas vezes ahi, em Maio ou Julho, alguns navios, cujos 
Capitães vão a San-Salyador assistir às feiras em que se fa- 
zem as compras da cochonilha. 

La Libertad, mal collocada nas Cartas, fica em 91º 35' 26” 
de longitude O. 

Los Remedios ou Acajutla. — Porto da cidade de Sonso- 
nate, affastado della 8 legoas, no meio da costa, e assás fre- 
quentado; a barra ahi é menos má do que em La Libertad. 

Etapa. — Na provincia de Guatimala, perto da capital, 
situado no meio da costa; elle é sómente accessivel 10 ou 15 
dias do mez, e isto com muitas precauções. Nestes logares , 
os embarques e desembarques sómente se podem effectuar por 
meio de lanchas de fundo de prato, conduzidas por os Indios , 
as quaes fundeiam ao largo, tendo um cabo de maça com volta 
em terra, o qual passa por dois gavietes um na prôa outro 
na pôpa das barcas; alla-se pelo cabo e larga-se o leme. Quasi 
sempre as mercadorias chegam a bordo molhadas. O preço de 
cada viagem é entre 640 e 800 réis. 

As carregações fazem-se muito de vagar por causa do 
pouco peso com que as barcas podem, e pela perguiça dos 
Indios, que, recebendo cada um 80 réis por viagem, conten- 
tam-se com esta pequena “somma por dia, importando-lhes 
pouco ganhar mais dinheiro, o qual seria suderíluo para as 
suas precisões ; e por isso é raro que queiram fazer mais via- 
gens por dia 

Tem acontecido a alguns navios estar aqui 40 e 50 dias, 
sem poderem ter communicação com a terra. 

Em Istapa, e nos dois portos ultimamente mencionados , 


x 


38 NOTICIA DA RÉPUBLICA N.º 1. 


ha armazens da Alfandega para receber as mercadorias em 
quanto se espera o embarque ou a partida para o interior. 
Ha tambem um administrador do porto' encarregado dos re- 
gistos da Alfandega e de dirigir o serviço das lanchas. 

Istapa está collocada, o mais errado possivel, sobre as 
Cartas. Existe neilas 30 milhas ao O. da sua verdadeira posição, 
vindo a ficar ao SO. do volcão de Guatimala; quando a sua 
verdadeira posição é N. S. verdadeiro com o mesmo volcão ` 
isolado ou volcão d'agua de Guatimala. 

A sua latitude e longitude é 13º 55/35 N. e 92º 56/35” 
O. de París. 

Porto de San-Juan del Sul, Canal de Nicaragua. — No 
fundo do golfão do papagaio, acha-se o pequeno porto de San- 
Juan del Sul, o qual não é frequentado. É mui pouco conhe- 
cido; a sua importancia póde todavia chegar a ser considera- 
vel, por quanto este porto deve servir de embocadura ao ca- 
nal projectado até à lagôa de Nicaragua. A Républica do 
Centro-America não tem abandonado este projecto; e, se não 
fossem as guerras civís, que a têm consternado , assegura-se , 
que já teria sido effectuado: Os engenheiros inglezes, que es- 
tão ao serviço da Républica, acham-se actualmente emprega- 
dos em levantar planos e estudar o paiz; e estes trabalhos de- 
vem ficar ultimados no fim deste anno. 

Se nos regularmos pelo que elles já têm feito, conhecer- 
se-ha que a empreza é muito mais facil do que geralmente 
se suppunha. O canal que querem efectuar, deve dar passa- 
gem aos maiores navios; deverá ter a sua embocadura no 
Oceano Pacifico na ribeira de San Juan del Sul, que des- 
agôa no porto a que dá o nome, e nasce na lagôa de Nica- 
ragua. 

O rio de San-Juan de Nicaragua far-se-ha tambem na- 
vegavel, e effectuará a communictição da lagôa com o Atlan- 
tico. 

Em 1830, o Rei da Hollanda fez um tractado com o Go- 
verno do Centro-America para se levar a effeito este canal; 
preparava-se tudo, e os trabalhos iam começar, quando a re- 
volução da Belgica os veio interromper. Se dermos credito aos 
habitantes do paiz, é d'esperar que se vá decidir alguma cousa 


1842. DO CENTRO-AMERICA. 39 


sériamente sobre este importante trabalho , mesmo apesar da 
revolução que parece arruinar tudo; mas estes póvos têm da- 
do, desgraçadamonte , tantos exemplos da sua incapacidade e 
perguiça, que muito fazem recear quem os quer acompanhar 
nas suas esperanças. 


Relações Commerciaes. — Producções. 

Ha já alguns annos que as relações commerciaes da Ré- 
publica do Centro-America têm consideravelmente augmenta- 
do. Em 1827 e 1828, eram quasi nullas; apenas um ou dois 
navios frquentavam as suas costas occidentaes. As poucas re- 
lações, que mantinha com os paizes estrangeiros, effectua- 
vam-se pelo Atlantico : na época actual, o commercio interior 
deste Estado vai em tal desenvolvimento, que não póde deixar 
de crescer consideravelmente 'em razão dos seus recursos ter- 
ritoriaes, uma vez que seus habitantes , cansados das guerras 
civís, que despovôam os campos, venham a gozar de uma 
paz, que lhes permitta a cultura e colheita das ricas produc- 
ções de que são susceptiveis.os seus maravilhosos terrenos. O 
anil e a cochonilha têm alli uma producção expontanea'; os 
processos empregados na sua colheita e preparação são tão 
grosseiros, que é por isso que o resultado não póde attingir á 
perfeição que os faria rivalisar com os mesmos productos im- 
portados da India. 

O cacão, assucar e café são da primeira qualidade. 

A cultura do algodão vai tomando grande incremento, e 
dá um producto de uma limpeza e finura admiraveis, Os bal- 
samos, as resinas e as madeiras para carpinteria e marcene- 
ria, existem em grande quantidade. Fla dois annos que a 
amoreira foi aqui plantada, pela primeira vez, e já muitas 
habitações estão cobertas dellas nos arrebaldes de Guatimala : 
a verdura conservya-se nellas todo o anno; e os bixos de seda, 
por ellas nutridos, têm prosperado perfeitamente, dando 
uma seda de admiravel belleza: este novo ramo d'industria 
vai necessariamente ter um grande desenvolvimento; e, den- 
tro em pouco, Guatimala poderá rivalisar, a este respeito, com 
os paizes, que até hoje forneciam a seda de primeira qualidade. 


40 NOTICIA DA RÉPUBLICA N.º i. 


As provincias de Costa-Rica, de Nicaragua e de Hondu- 
ras contêm minas de ouro, de prata, de cobre e de ferro, 
que até hoje não têm sido exploradas, mas que são reconhe- 
cidas por muito ricas. 

A todas estas producções se deve accrescentar o trigo que 
se cultiva em Los Altos de Honduras, mas que a falta de 
meios de communicação obriga a consumir só nas localidades. 


Exportações. — Consumos. 


As exportações de tão variados productos valeram, no an- 
no passado, a somma de 2:500.000 pesos duros ; isto só nas 
provincias de Guatimala e San-Salvador, que são as unicas 
que têm relações commerciaes mais extensas. Ignora-se o va- 
lor dos generos exportados das outras provincias. A Républica 
no mesmo anno consumio perto de 3:000.000 de pesos duros 
de productos européos trazidos pelos Inglezes, Alemães, Ame- 
ricanos e Francezes. 


Commercio dos Inglezes por Baliza. 


O grande commercio dos Inglezes com a Républica do 
Centro-America é feito pelo interposto da ilha Baliza, situada 
na costa de Honduras, onde elles têm um porto franco; daqui 
innundam todo o paiz com suas mercadorias, que entram, 
parte legalmente, e parte por contrabando. Um barco a va- 
pôr faz constantemente o serviço entre Baliza e Xacapa, no 
fundo do golfão de Dulce; alh, as mercadorias destinadas a 
atravessar o paiz para serem exportadas para o Pacifico, ou 
entrarem por contrabando pela fronteira do Mexico, pagam 
um direito de transporte de 2 por cento. As que são desti- 
nadas ao consumo, pagam 20 por cento. Os Inglezes introdu- 
zem por aqui uma tamanha quantidade de fazendas que, ás 
vezes, são vendidas em Guatimala pelo preço da fabrica; mas 
seja qual fôr a grande quantidade que possam introduzir no 
paiz, acham sempre sahida e resultam-lhe lucros. 

Todas estas fazendas são fabricadas para a classe com- 
mum; e, conforme seus gostos e usos, de pouca duração e 


1842. DO CENTRO-AMERICA. ' 41 


muito baratas; e é por isso que se consomem: de uma maneira 
extraordinaria. 


Estabelecimento inglez na ilha da Baliza. 


O estabelecimento inglez da Baliza tem origem no direito 
que tem esta nação de cortar páo de campeche e d'acaju nas 
costas do mar do Estado de Honduras, e nas de Yucatan no 
Mexico. Em 1820, a população desta ilha constava 2.000 
habitantes; hoje sobe a 6.000. A rapidez deste augmento não 
tem nada que surprehenda, quando se vê a facilidade com 
que todos os productos britannicos sahem desta ilha para to- 
das as Républicas visinhas, especialmente para o Mexico, on- 
de os direitos de importação são tão excessivos que resultam 
grandes benefícios aos contrabandistas. Que grande utilidade 
não dão á metropole similhantes colonias collocadas na proxi- 
midade de paizes sem industria! Em 182%, entrou em Ba- 
liza um milhão de pesos, proximamente, em mercadorias in- 
glezas; a população andava talvez por 2.500 habitantes: em 
1838, entraram 3:500.000 pesos, a população tinha dupli- 
cado; em 1839, a importação chegou a seis milhões de pe- 
sos, e a população constava de 6.000 almas. Tal crescimento 
nas importações e população annuncia uma grande prosperi- 
dade; mas que grandes valores não sahiram para pagar uma tão 
grande importação ! 

Navios Francezes 


Na Républica do Centro-America apenas terão aportado' 
cada anno 4 até 6 navios francezes de commercio. Os que 
têm vindo pelo lado do Atlantico, trazem proximamente 
150.000 pesos de mercadorias francezas. Pelo Pacifico só veio 
a Belle Paule e a Melânia; não pude saber a importancia das 
mercadorias que venderam. 


Commercio que fizeram. 


Alguns destes navios que vêm destinados para o Chili e 
Perú, sobem costa a cima para se desfazerem dos restos de 


42 SOCIOS: D' ASSOCIAÇÃO MARITIMA NI 


suas cargas, e recebem em troca anil, cochonilha e algodão, 
etc.; ou tambem, como aconteceu à Belle Poule , afretam-se 
com carga para a costa occidental do Mexico, unico paiz, 
nestes mares, com quem Guatimala entretem algumas rela- 
ções commerciaes, sendo quasi nullas as que tem para o S. 
Os direitos das alfandegas variam de 40 a 100, e até 
a 125 por cento sobre os objectos manufacturados. O direito 
d'ancoragem nos portos é de 480 réis por tonellada ; por ou- 
tra, os direitos das alfandegas são verdadeiramente prohibiti- 
vos; comtudo, por não affastar totalmente dos portos do Pa- 
cifico, todos os navios estrangeiros, os administradores mexica- 
nos, entram em composição com os commerciantes; os nego- 
ciantes de Guatimala, aproveitando-se desta vantagem , fazem 
vir de Baliza mercadorias inglezas, atravessam com elias a 
Républica e embarcam-nas em Istapa para serem conduzidas 
a Maratlan, Guiamas ou San-Blaz; e o que aconteceu à Belle 
Poule, a qual foi afretada por 50 pesos por dia para levar 
150 a 200 tonelladas de mercadorias inglezas a Marattan. 


RELAÇÃO DOS NOMES DOS SOCIOS DA ASSOCIAÇÃO 
MARITIMA E COLONIAL DE LISBOA. 


Socios Imstalladores. 
Os Senhores 
Antonio Lopes da Costa Almeida, Relator da Secção de Mari- 
nha mercante. 
Antonio Maximiliano Leal, Membro da Commissão Adminis- 
trativa. 
Feliciano Antonio Marques Pereira, Secretario da Secção de 
Marinha Militar e Membro da Commissão de Redacção. 
Fernando José de Santa Rita. 
Francisco Soares Franco. 
José Xavier Bressane Leite, 
Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa, Secretario da Ás- 
sociação e Membro da Commissão de Redacção. 
Joaquim José Cecilia Kol, Secretario da Secção do Ultramar. 
João Bressane Leite. 


1842. “E COLONIAL DE LISBOA. 43 


João da Costa Carvalho, Vice-Presidente. - 

Joño de Fontes Pereira de Mello. 

João Maria Ferreira do Amaral. 

“João Pedro Nolasco da Cunha, Presidente da Secção de Ma- 
rinha Militar. 

Joaquim Pedro d' Andrade Pinto. 

Joaquim José Corrêa. 

José Joaquim Alves. 

Lourenço Germak Possollo. 

` Manoel Thomás da Silva Cordeiro. 

Profirio Antonio Felner. 


Socios Efectivos. 
Os Senhores ` 
Antonio Manoel de Noronha. 
Antonio Herculano Rodrigues. 
Antonio José Alvares. 
Antonio José Freire. 
Antonio Teixeira Doria. 
Antonio Maria Couceiro. 
Antonio: Gregorio de Freitas. 
Antomo de Oliveira. 
Antonio Pedro de Carvalho. 
Antonio Olavo Monteiro Torres. 
Antonio Joaquim de Gouvêa. 
“Antonio do Nascimento Rozendo, Membro da Commissão Ad- 
ministrativa. 
Antonio Cabral de Sá Nogueira. 
Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro. 
Augusto José de Carvalho. 
Antonio Aluísio Jervis d'Atouguia, Presidente da Seccão do 
Ultramar. 
Antonio Jorge d'Oliveira Lima. 
Antonio Diniz do Couto Valente. 
Antonio Joaquim de Carvalho e Menezes, 
Antonio Caetano Pacheco. 
Bernardino Antonio Gomes. 
Bernardo Ramires Esquivel. 


4% SOCIQS D' ASSOCIAÇÃO MARITIMA Nat 


Barão do Tojal. 

Bruno Nugent Wite. 

Caetano Maria Batalha. 

Carlos Craveiro Lopes. 

Conde do Sabugal. 

Conde do Bomfim. 

Conde de Villa Real. 

Conde de Cêa. 

Conde do Lavradio. 

Carlos Augusto de Moraes e Almeida. 

D. Francisco de S. Luiz, Presidente da Commissão de Re- 
dacção. 

D. Manoel de Portugal e Castro. 

D. Antonio de Mello de Saldanha e Castro. 

Domingos Corrêa Arouca. 

Domingos Fortunato do Valle. 

Ernesto Maria d"Espie. 

Estevão Gonsalves Torres. 

Fernando Carlos da Costa. 

Francisco Rodrigues Batalha. 

Firmino Jacomo Tasso. 

Francisco de Borja Pereira de Sá, Membro da Commissão de 
Redacção. 

Francisco Pedro da Costa. 

Francisco de Paula Aguiar Ottolini. 

Francisco de Paula da Cunha Maldonado Athaide Barahona , 
Vice-Secretario da Associação. 

Francisco Maria Pereira da Silva. 

Francisco Pedro Celestino Soares. 

Frederico L. G. Warnhagem. 

Fihppe Maria Barboza. 

Fortunato José Ferreira. 

José Bernardo da Silva. 

José Alemão de Mendonça Cisneros e Faria. 

Joaquim Maria Bruno de Moraes, Membro da Commissão Ad- 
ministrativa, e Secretario da Secção de Marinha mer- 
cante. 

Joaquim Simões Ramos. 


as 


1842, E COLONIAL DE LISBOA. 45 


Joaquim José Falcão, Presidente da Secção de Marinha mer- 
cante. 

José Manoel Nogueira. 

João Jacinto de Sousa. 

João Caetano de Bulhões Leote. 

João Baptista da Silva. 

Joaquim Pedro Celestino Soares. 

João Leandro Valladas. 

José Maria Pereira da Silva. 

Joaquim José de Magalhães. 

José Maximo de Castro Netto Leite e Vasconcellos. 

João Guilmore. 

José Gregorio Pegado. 

Joaquim da Cunha Roda. 

José Pereira da Silva, 

João José da Cunha Fidié. 

João José d'Assumpção e Silva. 

José Maria Vieira. 

Joaquim Cordeiro Feio. 

Joaquim da Costa Carvalho. 

João Nepomuceno de Seixas. 

José Chelmik. 

José Gregorio Taloni. 

Jacinto da Silva Mengo, Relator da Seccão do Ultramar e 
Membro da Commissão de Redacção. 

João de Sousa. 

Joaquim da Silva Belem. 

João Rodrigues Galhardo. 

Joaquim Elias Rodrigues Sette. 

José Maria Marques. 

José Tavares de Macedo, Vice-Secretario da Associaçção e 
Membro da Commissão de Redacção. 

José Alexandre de Campos. 

João Xavier de Sousa Trindade. 

José de Sá Ferreira Santos do Valle. 

Laurenço do Ó. 

Leonardo Pinheiro da Cunha Carneiro. 

Luiz Corrêa d'Almeida. 


46 SOCIOS D'ASSOCIAÇÃO MARITIMA E COLONIAL. N.º 1. 


Lourenço d'Oliveira Grijó. 

Luiz Duprat. 

Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello. 

Manoel Jorge d'Oliveira Lima. 

Manoel Luiz Esteves, Thesoureiro da Associação. 

Marquez do Fayal. 

Marquez de Saldanha. 

Manoel Ignacio de Sampaio e Pina. 

Manoel Ramires Esquivel. 

Manoel Felicissimo Louzada d'Araujo d' Azevedo, Secretario da 
Associação e Membro da Commissão de Redacção. 

Manoel Antonio Martins. 

Marino Miguel Franzini. 

Pedro Corrêa de Sá. 

Paulo Centurini. 

Pedro Olegario Alves. 

Pedro Alexandrino da Cunha, Relator da Secção de Marinha 
mercante. 

Pedro Valente da Costa Loureiro e Pinho. 

Rodrigo da Fonceca Magalhães. 

Raimundo José da Silveira. 

Rafael Florencio da Silva Vidigal. 

Theodorico José d' Abranches. 

Theofilo José Dias. 

Vicente Ferreira Duarte. 

Verissimo Maximo d'Almeida. 

Venceslão Anselmo Soares. 

Vicente José dos Santos Moreira Lima. 

Visconde de Sá da Bandeira, Presidente da Associação. 


Socios Honorarios. 
Os Senhores 
Antonio Barão de Mascarenhas. 
Miguel Antonio da Silva. 


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N € $ 9Peipuypsopueuso pf auu ogudeg| 9% |t owuease |e enneg 
*9ALBDIY Op 81500 EN € P Jorun pf ‘sagem A E auau owd * “opad ‘A ; 
“fog, ON £ F terttt t WAIS ep g ‘e ‘auaa, ogudeo “Joja PIA } **" sanôug 
*pjosuy wy p p Quid əpeipuy,p cpf 'oquauag ownd Ra ET ; 
“ola 7, ON p G “e esewiy op ‘g N e quan ogndeg pee A OLDANI 
“gipu EN z z treere *sanbiv “fd ‘uaua, ogydeo ajudo vjuejuy | od T q 
“list ON [A G See voc GA S A “aquaua | ogydeg ****- T ogof a é E 
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Pre o sr 1 


“GVBY Posau ap o PON 
'SONILSSA SNAS A 'OLNIWVINHV MA OAVLSA OA SOIAVN 


KEARSE a DE CNA ca 


ERRATA. 


ão 42.º, linhas 26, onde se lê = sobre a melhor 


Na pag. 4.º, Sess 
etas e navios maiores = lêa- 


collocacão dos fogões a bordo das cory 
se==das corvetas e navios menores. 


MARITEHOS E 
N? 2. 
SEGUNDA SERIE. 


» 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 
Dezembro de 18441. 


z TEREM determinando que a despeza do Ministerio 
da Marinha, autorisada pelo artigo 5.º da Carta de Lei de 16 
de Novembro ultimo, seja distribuida na fórma da Tabella, 
que faz parte do mesmo Decreto. 

24. Decreto, approvaado e confirmando os Estatutos da ` 
Associação de Soccorro e Monte Pio Geral da Marinha. 


Janeiro de 1842. 


5. Decreto, nomeando Cavalleiro da Ordem de Christo, 
ao Segundo Tenente d'Armada, Manoel Nunes. 

11. Por Officio recebido do Intendente de Marinha da 
Cidade Porto, consta que, tendo-se sondado a barra e rio 
daquelle porto por differentes vezes depois da ultima cheia, 
se achou, da primeira vez, sobre o banco em prea-mar de 
agoas de lua, marca nova, ao Anjo, 26 palmos; e pelo NO. 
passando as lages 24 palmos; depois em marés de lua cheia, 
se achou no canal da marca nova ao Anjo, 23 palmos; e pelo 
NO. das lages, 26 e 27 palmos; por entre as lages até á cruz 
de ferro se achou 30 palmos e mais; e da cruz para cima até 
ás lobeiras de sobreiras , na baixa-mar, 19 palmos: no anco- 


50 ÁCTAS DA ASSÓCIAÇÃO. N: B: 


radouro 25; e dahi para cima até ao Monte d'Arrabida , por 
um pequeno canal proximo ao caes da parte do N., 18 pal- 
mos em baixa-mar de maré de quarto dë lua. 


ACTAS DA ASSOCIAÇÃO, 


a 


Sessão 43. 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente, 


Li e approvada a acta da Sessão antecedente, deu o Sr. Pres 
sidente a palavra ao Thesoureiro o Sr. Manoel Luiz Esteves, o qual 
leu o Relatorio e Contas da sua gerencia finda em o ultimo de No- 
vembro. : 

Seguio-se a eleição da Commissão que, segundo os Estatutos , 
deve rever estas Contas, e foram para clla eleitos os Senhores Her- 
culano Rodrigues, Tavares de Macedo, e Cecilia Kol. 

O Sr. Joaquim José Cecilia Kol, como Secretario da secção do 
Ultramar, leu dois pareceres: o primeiro sobre a proposta do Sr. 
-Manoel Felicissimo Louzada, que tem por objecto a educação publi- 
ca na Asia Portugueza: diz, depois de elogiar este trabalho, que | 
deve ser publicado em os Annaes; o segundo ácerca da descripção 
de uma viagem feita por terra, da Bahia ao Rio de Janeiro, sef 
guindo o littoral, e offerecido à Associação pelo Sr. Antonio Grego- 
rio de Freitas: diz, que deve ser enviada á Commissão de Redacção 
para fazer della o uso que julgar mais conveniente. 

O Sr. Joaquim José Falcão communicou à Associação, que havia 
organisado um projecto de Monte Pio para todas as classes da Mari- 
nha Militar, o qual se achava submettido à approvação de Sua Ma- 
gestade; e rogou. aos Socios, a quem podesse interessar, o quizessem 
examinar, para o que se achava por cópia na Contadoria Geral da 
Marinha. 

Tiveram segunda leitura as propostas do Sr. Manoel Felicissimo 
Louzada, que têm por objecto publicações em os Annaes; e a do 
Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira, sobre a collocação dos fogões 
a bordo das corvetas e embarcações menores. 

Continuou a discussão ácerca das habilitações dos Pilotos; e te- 
ve primeiro à palavra o Sr. Sette, o qual concluio, manifestando a 
opinião de que os Pilotos devem passar por um exame publico, e 
obter,, em consequencia delle, um diploma, embora os seus conhe- 
timentos em pilotagem sejam ig quis: com mestros particulares, 
ou.mesmo a bordo. 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 54 


O Sr. Louzada, depois de haver examinado a legislação vigente, 

- concluio dizendo, .qne não é questão se os Capitães ou Pilotos dos 

navios devem ser legalmente habilitados, pois que isso está deter- 

minado nos artigos 1362 e 1422 do Codigo Commercial; mas que 

para facilitar estas habilitações, lhe parecia sufficiente o exame so- 

bre diversas viagens e nautica , além das qualificações dos artigos 
citados. 

O Sr. Pereira continuou a sustentar os principios que tinha 
manifestado na Sessão antecedente; e concordando em que Seria con- 
veniente que os Pilotos podessem ser examinados e obter diplomas , 
que cemproyasnom a sua aptidão, insístio todavia, attenta a necessi- 
dade de embaratecer quanto possivel a nossa navegação, em que 
este titulo de merecimento não fosse indispensavel para poderem des- 
pachar os ńavios e navegar como Pilotos. 

O Sr. Cecilia Kol, por motivo de estar a hora adiantada , pedio 
que esta questão ficasse adiada ; e esta proposta , sendo apoiada por 
varios Socios, foi posta á votação e approvada. 

O Secretario Mattos Corrêa, como membro da Commissão de Re- 
daeção, pedio que a memoria do Sr. Louzada, sobre a educação 
publica, approvada na Secção do Ultramar , fosse agora considerada 
para poder ser publicada no primeiro numero dos Annaes; e tendo 
a Assembléa annuido a este pedido, foi seguidamente approvado ; 
findo o que o Sr. Presidente fechou a Sessão , dando para ordem do 
dia da Sessão seguinte as eleições. 

Sala das Sessões, 20 de Dezembro de 1844. = O Secretario, 
Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


Sessão 44.4 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Aberta a Sessão foi lida e approvada a acta antecendente. 
`- O Sr. Tavares de Macedo, por parte da Commissão de revisão 
das Contás, apresentou o parecer da mesma Commissão, sobre o 
Relatorio e Contas do anno proximo findo, o qual foi approvado. 

O Sr. Presidente declarou que, em conforsiidado do artigo 20 
dos Estatutos, se ia proceder ás eleições, que faziam o objecto da 
presente Sessão -extraordinaria ;. e propoz que a votação para 
Presidente e Vice-Presidente, Secretarios e Vice-Secretarios, se fizesse 
conjunctamente.; e recolhidas assim as listas, chamou para escruti- 
nadores os Senhores Vice-Secretarios Louzada d” Araujo, e Barabona. 
Entraram na urna 18 listas, quantos eram os Socios presentes e de- 
ram o seguinte resultado: 

Para Presidente dº Associação. 


Os Srs. Visconde de Sá da Bandeira... .......ccc... com 45 votos 
Conde-de: Villa Real. ES NS ahn SEA 2 ia 
Francisco de Paula Aguiar Ottolini.........» 1» 


32 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. NS 2 


Para Vice-Presidente. 


Os Srs. João da Costa Carvalho ..... cesses... .. com 16 votos 
João Pedro Nolasco da Cunha.............. » i » 
Pedro Alexandrino da Cunha .............. sia 
Secretarios. 


“Os Srs. Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa . .. . com 17 votos 
Manoel Felicissimo Louzada d'Araujo d’Azevedo » 16 » 


Feliciano Antonio Marques Pereira. ......... pos MLD 
Antonio Maria Couceiro ti -adere asip se aea E, ES: 
Pedro Alexandrino da Cunha ......... ARN S IR 


Vice-Secretarios. 


Os Srs. Francisco de Paula da Cunha M. A. Barabona com 16 votos 


José Tavares de Macedo ................... » 13» 
Feliciano Antonio Marques Pereira... ....... ágio fair. 
Joaquim José Cecilia Kol..,.............. Digo EAN 
Joaquim José Falcão. ............ AS ER TE DEAE T 
Antonio Herculano Rodrigues... ........... SR HEE) 


Em consequencia de-terem maioria absoluta , foram proclamados 
para Presidente o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, Vice-Presidente 
o Sr. João da Costa Carvalho, Secretarios os Srs. Joaquim José Gon- 
salves de Mattos Corrêa , 'e Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo de 
Azevedo, e Vice-Secretarios os Srs. Francisco de Paula da Cunha 
Maldonado Athaide Barahona , e-José Tavares de Macedo. 

Passou-se á eleição do Presidente da Commissão de Redacção ; 
e, entrando o mesmo numero de listas, foi unanimemente eleito o 
Eminentissimo Sr. Patriarcha D. Francisco de S. Luiz. 

Seguio-se a eleição para a Commissão Administrativa , para a 
qual obtiveram 


Os Srs. Antonio do Nascimento Rozendo................ 17 votos 
José fivegórioiPegado.. niie deemim eras cuia 16 » 
Joaquim Maria Bruno de Moraes ............... 16 » 
Joaquim Pedro Celestino Soares. ............... 1 » 
João Pedro Nolasco da Cunha. ................. ds » 
João da Gosta Carvalhos -ru i. sbt Ro as o fe rg 1» 
Joaquim José: Falcão «su agagmnde cs secs deves 1» 
Antonio Cabral de Sá Nogueira ................ 1» 

E para Thesoureiro obtiveram 

OS Bs Manoel LU Esteves O: Siad RC ane ara É 17 votos 

Antonio Herculano Rodrigues. ................. 1 » 


Terminando assim as eleições, o Sr. Presidente fechou a Sessão. 
Sala das Sessões, 29 de Dezembro de 1844. — O Secretario, Joa- 
quim José Gonsalves de Mattos Corréa. 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 83 


SEGUNDO ANNO. 
Sessão 1.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Depois de lida a acta da Sessão antecedente, que não foi votada 
por se não achar na sala numero sufficiente de Socios, leu tam- 
bem o Secretario Louzada d' Araujo um officio, que S. Ex.ºo Sr. Vis- 
conde de Sá da Bandeira, ultimamente eleito Presidente, dirige á 
Associação, agradecendo a escolha que nelle havia feito para o cargo 
de Presidente, e desculpando-se de. não assistir a esta Sessão por 
motivo de molestia. 

Terminada esta leitura, o Sr João da Costa Carvalho, Vice-Pre- 
sidente novamente eleito , dirigio á Assembléa a seguinte alocução : 

Em virtude da eleição a que se procedeu na Sessão anterior, e 
por se não achar presente o nosso nobre Presidente, tenho hoje a 
honra de occupar esta cadeira. Agradecido e summamente penhorado 
por este distincto signal de benevolencia, farei quanto em mim cou- 
ber para corresponder á lisongeira obrigação a que me sujeita o car- 
go de Vice-Presidente de tão illustre Associação. Conscio porém do 
acanhado circulo das minhas faculdades, reclamo indulgencia pelas 
faltas que involuntariamente commetter ; espero que a sabedoria da 
Assembléa corrigirá meus erros, e estou certo de que a urbanidade 
que caracterisa todos os seus membros, tornará suave o desempenho 
das minhas funcções. 

E não havendo assumpto d'expediente a tratar, fechou a Sessão. 

Sala das Sessões em 3 de Janeiro de 1842. — O Secretario, 
Manoel Felicissimo Lauzada d” Araujo. 


ão a 
ASIA PORTUGUEZA. 


PRIMEIRA MEMORIA. 


Sobre as principaes causas remotas da decadencia dos Portu- 
guezes na Ásia, pelo Socio e Secretario da Associação , 
Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo d Azevedo. 


À. actuaes possessões Portuguezas na Ásia podem asse- 
melhar-se a annosos, e carcomidos troncos de arvores gigan- 


54 CAUSAS DA DECADENCIA N.º 9; 


tes, que tendo sido a belleza das florestas, raios e furacões as 
destroçaram, deixando-lhes apenas poucas hastes, já sem viço, 
testémunho de seu antigo esplendor é grandeza. Ha duzentos 
annos, a melhor parte das enseadas e portos maritimos de 
cabo de Correntes até ao Japão estava em poder dos Portu- 
guezes, ou era por elles visitada, e frequentada. Desde Sofála 
até Cantão, os pontos mais consideraveis da orla maritima 
continental estavam povoados de fórtes, ou feitorias Portugue- 
zas, por uma extensão mais de 4000 legoas, além das prin- 
cipaes ilhas entre Madagascar e às Molucas; e cento e tin- 
coenta principes da Africa Oriental e Asia eram feudatarros do 
Rei de Portugal. Os mares d'Arabia, Persia, India, China e 
Molucas eram seus; e ninguem ousava navegar n'aquellas par- 
tes sem passaporte Lusitano. Todo este poderio acabou, e hoje 
apenas resta a Portugal a posse precaria de Macão, o Senho- 
rio de uma pequena parte de Timor, a pequena e insignifi- 
cante ilha de Angediva, e os territorios de Goa, Damão e 
Diu, não ricos e florecentes, como antes eram, mas pobres, e 
definhados, sem habitantes, sem cultura, sem manufacturas ; 
è sem commercio. 

A lei que regula as gerações terrenas, é a mesma que 
dispõe dos imperios; os quaes hoje se elevam para ámanhã 
cahirem, e de suas ruinas se reproduzem novos que têm de- 
soffrer o mesmo fado. O decreto de retaliação, esse decreto 
invariavel, e eterno da Natureza, que vinga os crimes comet- 
tidos contra o direito das nações, manifestamente se vio execu- 
tado nas Colonias da Asia Portugueza : succedeu-a Portugal o 
que nas antigas éras experimentou Carthago, depois a Grecia, 
Roma, e Arabia. O engrandecimento Portuguez nas Indias 
Orientaes foi címentado pela ruina do Commercio Arabio ; 
sobre a decadencia dos Portuguezes elevou-se a Hollanda ; e 
sobre a desta potencia a Inglaterra, que hoje não só conserva 
o imperio maritimo , senão a melhor porção do continente do 
Indostão, e as mais importantes ilhas em todo o Oceano In- 
dico. 

Descoberto o novo caminho do Oriente pelo immortal 
Vasco ‘da Gama, e entrando os Portuguezes na Ásia, 0 com- 
mercio meridional d'esta bella região mudou de vias: os Ara» 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA. 55 


bios, que eram d'elle senhores , constituam o seu- principal 
emporio em Alexandria, donde os povos mercantes da Euro- 
pa (Veneza especialnrente) exportavam as mercadorias da In- 
dia, da China, e Archipélago Malaio, as quaes íam gspalhar- 
se pelo occidente do antigo Hemisphério. Em menos de 30 
annos as frótas Mussulmanas desappareceram, destruidas umas 
pelos Portuguezes , apodrecidas outras em Suez , e nos pórtos 
septentrionaes do mar Vermelho. Lisboa passou então a sub- 
stituir Alexandria no trafico do Oriente; e os mercadores de 
Veneza, Genova, Florença, e outras ds maritimas, con- 
corriam á foz do Téjo a celebrar as transacções mercantís que 
até alli celebravam na foz do Nilo. A mudança foi tão rapida 
e tão completa que, no meio do seculo 16.º da Era Christã, 
o Egypto, o melhor interposto para o commercio das tres 
partes do mundo, era desconhecido e ignorado, da mesma 
fórma que o fôra muitos seculos antes d’ Capra 

Esta espantosa revolução, que sobremaneira influio nas 
leis e costumes dos Povos, que impedio o dominio universal, 
“a que se encaminhaya o Islamismo; e que deu á Europa, tal- 
vez para sempre, o perdominio sobre o resto do velho mundo, 
mais firme e mais solido do que lho dera Roma. Esta empre- 
za, executada por uma Nação pequena, a milhares de legoas 
de distancia, não podia durar muito, e durou ainda mais de 
cem annos, pelo abatimento em que a Europa jazia. Todavia, 
não deixa ainda hoje d'admirar como um Estado , que não ti- 
nha quatro milhões de habitantes, conservou tanto tempo de- 
baixo do seu dominio os immensos territorios desde Tanger 
até Gillo, ganhados á força d'armas, e pela força de 

- Muitas foram as causas conhecidas , que motivaram a de- 
ct Portugueza na Asia: fallarei das primeiras e mais 
notaveis, porque referir todas seria longo e inutil, sem comtu- 
do deixar de tocar nas que até hoje contribuem para a nossa 
completa anniquilação no Oriente. 

A multiplicidade de portos, fortalezas, e territorios , que 
Portugal adquirio, e tanto se esforçou por manter, mesmo no 
começo da sua queda, é sem duvida uma das causas que 
para ella mais contribuio, desde remotas eras. De continuo 
observamos caminhar a passos largos para à sua ruina as pe- 


56 CAUSAS DA DECADENCIA N.º 2, 


quenas potencias, que desproporcionadamente se extendem em 
je É fundar um grande edifício sobre pequenos alicer- 
Os cabedaes da nação se espargem pelas conquistas, a 
enpita se despovôa; e quando se lhe pede auxilio, já não está 
em circumstancias de o prestar, nem de defender os pontos 
que forem atacados: e assim em pouco Metropole e Colonias 
se perdem. Tal foi a sorte de Carthago, de Genova, e Portu- 
gal, e ainda ha pouco da Hollanda. 

A Inglaterra, que é muitas vezes maior que Portugal, 
apesar d'authorisar a instituição da Companhia das Indias 
Orientaes, e promover por todos os meios possiveis o adian- 
tamento della, jámais perdeu de vista evitar a despovoação , 
que é um dos maiores males, que póde sobrevir a um Estado. 
Entre as clausulas com que esta associação foi confirmada, 
apparece constantemente a de não poderem os cidadões Ingle- 
zes da Europa adquirir bens immoveis na India. Com esta po- 
Htica o Governo Inglez conseguio ver circular nas ilhas Brita- 
nicas, as riquezas do Oriente, sem mingoa dos braços, e da 
aa de seus habitantes. O systema de Portugal foi diver- 

. Como a descuberta da India tinha por objecto, não só 
rm Lisboa o emporio das mercancías do Oriente, e des- 
truir o commercio e navegação dos Mouros, mas tambem pro- 
pagar a Religião Catholica, era preciso conquistar tudo, e 
tudo conservar. Para isto melhor se alcançar, e mais consoli- 
dar o dominio sobre os póvos conquistados , lembrou-se Albu- 
querque de promover casamentos entre os Portugnezes e India- 
nas, e o estabelecimento d'aquelles, em todas as possessões 
orientaes; cujo plano foi depois invariavelmente seguido pelos 
Governadores subsequentes, a ponto de se arriscar mais d'uma 
vez a perda total dos estabelecimentos asiaticos , só por não 
ceder uma pequena parte, de que nenhum ou mui pouco pre- 
juizo devia resultar. Era do brio de todo o Governador que 
chegava, não largar uma pollegada de terreno, que do ante- 
cessor recebesse. Esta pratica fez-se principalmente ver no 2.º 
Governo do bravo D. Luiz d'Ataide que, atacado por toda a 
Asia maritima, desde Surrate até ás Molucas, fez frente 
áquella formidavel liga, e não desamparou possessão alguma 
apesar do voto do Arcebispo e outro Conselheiro, que insis- 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA. 57 


tiam se acudisse aos pontos mais importantes da India, por 
não haver forças para acudir a toda a parte. 

Este plano podia ir ávante, em quanto Portugal não ti- 
nha por concorrentes e rivaes, no trafico oriental, poderosos 
potentados da Europa; mas logo que elles appareceram, cum- 
pria mudar , largando os pontos menos importantes, e menos 
defensaveis, para conservar só aquelles que sustivessem o do- 
minio e propriedade dos Portuguezes, e para cuja defeza hou- 
vessem forças sufficientes : o contrario era ostentar um falso 
brilho de luxo de conquistas, e ter a simplicidade de acredi- 
tar, que um punhado de homens poderia, por força magica, 
conservar eternamente a posse de dominios maritimos por 
milhares de legoas: e que a voz do Gabinete Luso , apoiado 
só de Bullas pontificias, havia de ser sempre respeitada e 
obedecida desde os confins do Occidente até lá onde nasce o dia. 

Se á morte do Cardeal Ð. Henrique não estivesse derra- 
mada pela Africa e Asia a flôr das tropas Lusitanas, não se- 
ria Portugal invadido por 30.000 homens, quasi sem resisten- 
cia, apesar do grande partido a favor de Castella; e os Por- 
tuguezes arrostariam melhor que os Flamengos o poder de 
Filippe II. Por outro lado, se fosse menos alongada a linha 
das possessões portuguezas, e mais concentradas as suas for- 
ças maritimas e terrestres, os pescadores das lagôas da Hol- 
landa não ousariam ataca-las, nem as ganhariam , umas após 
outras , como desgraçadamente aconteceu , desde os principios 
do seculo XVII em diante. 

O plano que adoptaram os Portuguezes, de serem junta- 
mente conquistadores e commerciantes, foi outro motivo do 
nosso abatimento. Parece que o conhecimento dos verdadeiros 
principios, ou fontes da prosperidade do commercio, e o es- 
tabelecimento de amigaveis relações entre as sociedades civís 
da terra, nasceu e morreu com Tyro. Antes desta nação flo- 
recer, os homens encontravam-se e conheciam-se unicamente ` 
com as armas na mão, roubando, captivando e assassinando 
uns aos outros. Tyro foi quem constituio convenções de com- 
mercio, amizade e união por meios pacificos, e fez ver a to- 
da a terra, que os homens não haviam nascido para barbaros, 
grosseiros e feroces. Os Tyrios por fim acabaram; e o seu 


58 CAUSAS DA DECADENCIA NB: 


exemplo, louvado por todos os póvos, de nenhum é imitado. 
Ao tempo da descoberta: das Indias, Portugal era uma nação, 
como as mais da Europa, puramente militar. Em todos os 
portos onde as Luzas Quinas tremulavam , as transacções mer- 
cantís se faziam com o ferro em punho: os commandantes das 
frotas eram os mesmos sobrecargas e caixas do Rei, e os que 
pela força escolhiam e arbitravam o preço das mercadorias. 
Um tal systema de oppressão não dura. O commerciante pa- 
cifico foge ou desampara um genero de vida em que a todo 
o instante se yê atterrado e opprimido, Os Portuguezes fa- 
ziam o commercio da Asia, como ainda hoje os Malaios de 
Borneo e Achem, e os Siamezes: os empregados publicos pra- 
ticavam vexações de toda a especie; de modo que ninguem po- 
dia contar com a propriedade segura. Um pôvo conquistado a 
nada olha; a nada attende senão ás armas que o subjugam. 
E preciso fazer a guerra? O dinheiro se exige por força, ou 
pede-se, e não se paga, senão depois de immensas demoras 
e prejuizos. São necessarias esquadras? Os navios particulares 
se apprehendem e armam. Estes e outros vexames se prati- 
cavam de necessidade nas Indias Portuguezas, onde as guerras 
se reproduziam sem cessar por toda a extensão daquelles vastos 
dominios ; sendo a consequencia de um tão desastroso systema , 
a destruição do commercio pela falta de liberdade , oppressão 
dos negociantes; e a pouca segurança e desguarnecimento das 
conquistas, pois que a receita publica jámais chegava para a 
enorme despeza. 

O fanatismo religioso foi outra poderosa causa da nossa 
decadencia. Este flagello que, desde o principio das sociedades 
civís, tem feito correr rios. de sangue; e, espedaçando os la- 
cos da Natureza, tem armado pais contra filhos, parentes e 
amigos uns contra os outros; soprou aos Portuguezes um odio 
cego, contra os sectarios de qualquer outro culto, que não 
fosse o Catholicismo. Póde bem imaginar-se o espanto, que 
causaria na India o contradictorio proceder de um pôvo que, 
prégando uma religião de paz, mansidão e caridade, não tole- 
raya nenhuma outra seita religiosa. Os póvos eram forçados a 
descrer e abjurar, sem convicção, opiniões e sentimentos 
tom que tinham sido educados desde o berço, e prohibidos e 


18142. * DOS PORTUGUEZES NA ASIA: 59 


proscriptos os actos exteriores € ceremonias do culto dominan- 
te: individuos da mais alta jerarchia se tiravam por força da 
casa de seus pais, e os baptisavam. E notavel, entre outros, 
o arrebatamento da Princeza, filha do Rei de Meale, succedi- 
do no governo de Francisco Barreto. Orient. cong. 4. disp. 2. 
$ 18. Os pagodes, obliscos, e pyramides do gentihsmo eram 
postos por terra, e em seu logar levantadas igrejas, capelias, 
e cruzeiros. As obras admiraveis subterraneas de Salsete è 
Elefanta, pequenas ilhas separadas da de Bombaim por es- 
treiros canaes, onde ainda se observam restos desses monu- 
mentos, que foram. dos mais celebres do Indostão, foram mu- 
tiladas e destruidas. Demolio-se um grande tanque em Gôa, 
onde concorriam a lavar-se nos anmversarios de suas festas sa- 
gradas os gentios de muitas legoas de distancia, que se de- 
moravam e deixavam naquella cidade sommes consideraveis. 
Foi queimado o dente de Buddu, divindade principal de Ceylão 
e dos paizes a Leste da India , achado no pagode de Jaflanapa- 
tan, pelo qual, além de muitas offertas, o Rei do Pegá dava 
300.090 cruzados (a). Por fim a Inquisição , esse tribunal de 
fogo, arrojado na superficie do globo para flagello da huma- 
nidade, instituição horrível, que eternamente cobrirá de op- 
probrio os seus autores, fixou seu brutal domicilio nos ferteis 
plainos do Indostão. Ao aspecto do monstro tudo fugio e des- 


. 


(a) Pela conquista do reino de Jaffanapatan, na ilha de Cey- 
lão, foi apprehendido no grande pagode daquelle paiz um dente, 
que os Indios Buddutas veneravam como dente de Buddu , que é o 
Fó dos Chinezes, a Laca dos Japonezes, e a principal Divindade de 
toda a India extra Gangem. A grande veneração que os nativos tinham 
áquella falsa reliquia , empenhos que fizeram para a restaurar, e as 
offertas, que o Rei do Pegú fez por ella, induziram o V. Rei Ð. 
Constantino de Bragança, a deliberar sobre o caso em uma Junta 
d'Ecclesiasticos com as pessoas principaes e mais graduadas de Góa ; 
na qual, depois de muitos debates, foi vencido, que o dente devia 
ser queimado, apesar dos grandes interesses, que o Estado recebia, 
se o entregasse aos gentios, que o reclamavam. Aquella sentença 
executou-se; o dente foi pisado, e o pó lançado no fogo. O Autor 
do Oriente Conquistado, referindo este facto, Conq. 1.º Disp. 2.º 
S 79 louva muito o zelo religioso e virtudes do V. Rei D. Constan- 
tino !! cuja impolitica, pelo menos, é patente. Taes eram as idéas 
t"aquelles tempos!!! | i 


60 CAUSAS DA DECADENCIA N.º 9 


appareceu, Mogols, Arabios, Persas, Armenios e Judeos. Os 
Indios, mesmo os mais tolerantes e pacificos, pasmados de ver 
o Deos do Christianismo mais cruel què o de Mahomet , de- 
sertavam do territorio dos Portuguezes para o dos Mouros, 
com quem o tempo os havia congrassado, não obstante have- 
rem delles recebido enormissimos e incalculaveis males. Desta 
maneira, ficaram ermos campos e cidades, como estão hoje 
Diu e Gôa. 

A selecção de Góa para capital do Imperio Portuguez na 
Ásia conduzio tambem muito para a sua decadencia. 

Nos primeiros annos da descuberta da India, o designio 
da Côrte de Lisboa não era engrandecer-se pelas conquistas , 
nem defender-se com castellos e fortalezas; mas apoderar-se 
do commercio maritimo, defende-lo e conserva-lo com esqua- 
dras. Este projecto foi suggerido por D. Francisco de Almei- 
da, primeiro Vice-Rei da India, -o qual era de opinião, que 
quantas mais fortalezas o Rei alli tivesse, menos firme e só- 
lido seria o seu poder; e que o dominio Portuguez só com 
grossas armadas devia sustentar-se. Almeida estava persuadido 
que quem dominasse o mar, dominaria a terra; systema que 
já fôra em outro tempo discutido, e seguido pelos Athenien- 


ses, e modernamente se tem visto verificado na Europa. A- 


manutenção do commercio não exige praças nem baluartes ; 
mas sómente alguma feitoria para a brevidade das carrega- 
ções, e os mares limpos de inimigos, o que bem se conse- 
guia com o systema proposto; porém o grande Albuquerque 
vio as cousas por diversa face. A India ficava a 4.000 legoas 
de Portugal: uma tempestade, ou um combate de horas, po- 
dia dissipar uma frota ou um exercito, e d'onde havia esta 
perda de reparar-se, se anno e meio, pelo menos , se preci- 
sava para trazer a noticia á Metropole, e chegar o soccorro 
á India? Demais, o Sr, Rei D. Manoel insistia na total des- 
truição do commercio dos Arabes; e elles tinham as princi- 
paes escalas em Adem, Ormuz e Malaca: era por isso indis- 
pensavel conquistar aquelles pontos , e todos os mais que fos- 
sem favoraveis á navegação e commercio dos mares Erithreo, 
e Indico; e formar um estabelecimento sólido de portos, e 
praças muradas, onde os navios podessem acolher-se, e re- 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA. 61 


parar-se em caso de necessidade ; e por fim estabelecer uma 
capital bem fortificada, que ligasse os membros dispersos 
daquelle grande todo. Cheio desta idéa, e vendo que o porto 
de Gôa era vasto e commodo para o deposito da marinha, e 
ficava a pequena distancia das costas d' Arabia e Africa oriental, 
onde já Portugal tinha muitas possessões, e ao mesmo tempo, no 
centro da orla maritima occidental da India, tomou posse del- 
le, fortificou-o, e o constituio cabeça de todo o Estado In- 
diano. Isto porém foi um erro. Se os dominios Portuguezes 
fossem limitados pelo cabo Camorim , ou por algum territorio 
mais a Leste, era toleravel aquelle designio; mas no governo 
do mesmo Albuquerque foi conquistada Malaca, e-uma: grande 
parte do trafico orieutal era feita nos mares da China , da 
Sonda e Molucas, para onde eram necessarios, em tempo de 
monção , dois mezes para ida, e outro tanto tempo para vol- 
ta: eis Gôa já excentrica, e sem poder corresponder ao fim 
para que fôra constituida capital. 

A estes inconvenientes accrescia ser o paiz aberto pelo 
Norte, Leste e Sul; sendo necessario um grande numero de 
tropas para conter os potentados visinhos, os mais bellicosos 
do Indostão, que pelo tempo adiante muito inquietaram os 
Portuguezes. Por fim as ilhas de Gôa já n'aquelle tempo eram 
epidémicas, não só a de Tissuari, onde Gôa estava edificada, 
mas as adjacentes; e por força assim devia ser, estando aquelle 
pequeno archipélago situado em um terreno cortado todo de 
rias e canaes, e nivelado com a superficie do mar. 

No erro em que Albuquerque cahio , cahiram os Hollan- 
dezes , erigindo a capital das suas possessões muito a Leste, 
e em um sólo o mais doentio da Asia. Foram talvez estes iu- 
convenientes, que induziram Caron a propôr á Corte de París 
tomar posse de Ceylão, que era o melhor ponto para dominar 
a India; pois além de ficar situada no centro d'ambas as 
cóstas, era uma ilha muito defensavel, e com portos commodos 
para todas as estações do anno, tendo Columbo, Ponta de Ga- 
le, Trincomalé uma das mais seguras bahias do mundo , e 
onde os Francezes se podiam conservar ‘com o decimo da des- 


peza, que faziam os Portuguezes em Gôa, e os Hollandezes 
em Betayia. 


62 CAUSAS DA DECADENCIA N.º 9 


Com o dominio de .Socotorá, Mascate e Diu estava apoiado 
o commercio d'Arabia, Persia e Guzarate: Baroche, a antiga 
Barygazo lhe ministraya os mais bellos tecidos, que o Egypto 
e Tyro exportaram: Bombaim era necessario pelo excellente 
porto que tem, onde entra e sahe toda a sorte de navios, e 
em qualquer tempo do anno, sem risco: Ceylão devia ser a 
capital; e depois Chittagong, Sincapur, e Macão no estado 
em que foi concedido aos Portuguezes pelo Imperador Kia- 
Tsing, eram sufficientes para manter o commercio da India 
extra Gangem. Se Portugal se contentasse com aquellas acqui- 
sições, e tratasse de bem defende-las, póde ser, que apesar 
da sugeição a Castella, ainda hoje fossem os Portuguezes res- 
peitados na India. 

O systema de ter na India numerosos corpos de Européos 
foi outro erro. Quando os Portuguezes chegaram à Ásia e ob- 
servaram a falta de valor e de disciplina dos nativos, princi- 
piaram a trata-los com desprezo, e fizeram d'elles sempre 
mui pouca confiança, alistando apenas, em caso de necessidade, 
alguns na infanteria. D'aqui resultava por necessaria consequen- 
cia, ser preciso um exercito formidavel de soldados brancos, 
que não descia de 25.000 homens, para complemento do qual 
iam de Portugal 3.000 uns annos por outros, que mais não 
voltavam. Se os Portuguezes cuidassem em disciplinar os nati- 
vos, como praticam os Inglezes, não haveria a necessidade de 
despovoar e enfraquecer o Reino, com os reforços annuaes de 
gente, que d'elle sabiam, e dos quaes uma porção se perdia 
com os navios no mar, outra em terra com as doenças pro- 
prias do clima, e o resto extraviado por paizes estrangeiros. 

Diga-se o que se disser sobre a politica de ter a soldo 
tropas estrangeiras na Europa; argua-se embora, que ellas 
foram a causa da ruima de Carthago, e do enfraquecimento, 
da Hollanda: na India o caso é mui diverso, e. por experien- 
cia se conhece o acerto dos Conquistadores Européos em ser- 
vir-se d'Asiaticos nos seus exercitos. Alexandre sahio da Gre- 
cia com 35.000 Européos, e quando voltou das margens do 
Indo, as suas tropas chegavam a 120.000 homens, quasi todos 
Astaticos (Rennel. Memoir of Hindostan ). A companhia Ingle- 
za das Indias tem a seu soldo mais de 200.000 homens, sendo 


1842. DOS POTUGUEZES NA ASIA. 63 


mui insignificante o numero d’ Européos entre elles: e todo o 
mundo sabe as grandes acquisições, que ella tem feito no Indos- 
tão, as formidaveis coalisões, que tem dissipado, e os combates 
em que tem ficado vencedora desde a Arabia até ao Nipol. 
Os nativos têm menos força muscular , e menos valentia que 
os Européos, mas a disciplina suppre tudo. Tem-se visto os 
Sipaes Inglezes, capitaneados por officiaes brancos, fazerem 
prodigios de valor no assalto mesmo de praças fortificadas. 
Accresce a isto a menor despeza que se faz com a tropa na- 
tiva; a maior facilidade com que ella marcha, e faz todo o 
serviço no tempo do maior calor, e da maior chuva, em cujas 
estações os brancos adoecem por centenas; e por ultimo a 
céga obediencia (tendo certeza do castigo) e submissão, que 
têm a seus chefes e officiaes, que os commandam. Os soldados 
nativos sejam Arabes, Patanes, Mogols, ou Indios, se os deixam 
satisfazer seus ritos e costumes religiosos, não entram em 
conspiração de deserção, nem de motins, ou sublevações, nem 
olham a mais cousa alguma, que o preencher as obrigações 
do officio militar, de que recebem paga para se sustentarem, 
e suas familias. Tudo o mais lhes: é estranho ; a escolha porém 
de officiaes deve ser a mais apurada, por isso que o soldado 
nativo cegamente vai para onde estes o levarem. 

O monopolio do commercio das Indias, que o Governo de 
Portugal a si chamou, foi outro errado passo na sua marcha. 
O Governo não deve jámais ser commerciante, esse éo mister 
dos subditos que a elle se destinam, de cujos lucros € especu- 
lações o mesmo Governo- tira proveitos e a nação vantagens 
conhecidas. O Imperador Theofilo, vendo entrar no porto de 
Constantinopla um navio carregado de fazendas por conta da 


Imperatriz, as mandou queimar. Quando o lucro de qualquer 


negocio pertence ao Rei, ainda que redunde em beneficio dos 
Povós, olhá-se sempre, como estranho, e-não se tem nunca 
o cuidado, zelo, e energia, que ha com os proprios negocios. 
D'ali provinha partirem as nãos de Lishoa para a India mal 
esquipadas, e muitas vezes fóra de monção ; e por isso eram 
mais frequentes os naufragios, extraviavam-=se muitos generos, 
e outros se corrompiam, mettiam-se clandestinamente merca- 
dorias d'avultado preço, que entravam, e sahiam roubadas aos 


64 CAUSAS DA DECADENCIA Nº 


direitos, de modo que as vantagens do Governo eram nenhu- 
mas depois de tiradas as despezas (b). É verdade, que no 


E 


(b) Desde 1500, em cujo anno os Portuguezes começaram a 
fazer o commercio do Oriente, até á morte de D. João de Castro em 
. 4548, sahiram de Lisboa para a India 494 navios, dos quaes se per- 
dêram 41 na viagem. Supponha-se que chegavam 19 de dous-em 
dous annos; e como muitos eram armados em guerra, e ficavam 
para o serviço da India, cinco voltariam annualmente a Portugal. 
Desde 1548 até que Filippe II subio ao Throno Portuguez, partiram 
para a India 173 navios; destes perderam-se 17. Nesta época póde 
calcular-se, que partiam cada anno 5 e voltavam 3. Nos sessenta 
annos da dominação d'Hespanha 285 navios sahiram para a India, 
e sómente 236 voltaram ; sendo que alguns annos não entrou, nem 
sahio navio algum. Durante esta época, além de ser a partida fóra 
de monção, e as embarcações sobcarregadas, como sempre ; grande 
parte era tomada pelos Hollandezes e Inglezes, podendo conjectu- 
rar-se, que cada dous annos chegariam 3 a Lisboa, Bem se vê, que 
um numero tão diminuto de navios não podia fazer commercio, de 
que resultassem proveitos capazes de contrabalançar as despezas das 
armações, e perda de gente, que todos os annos, ou uns por outros, 
andava por 3.000 homens. Os rendimentos das alfandegas principaes 
eram 160.000 corôas em Gôa. 100.000 em Diu; 170.000 em Mala- 
ca, e os das outras insignificantes. Tudo isto junto a 200.000, que 
pagavam os Principes feudatarios a Portugal; e a parte, que o Fisco 
levava nas prêzas, podia chegar a um milhão de patacas ou pezos , 
o rendimento que a Corôa de Portugal tinha no Oriente, e tudo alli 
se despendia e não chegava. Esta foi a causa porque Felippe II em 
1587, governando a India D. Duarte de Menezes, estabeleceu uma 
companhia Portugueza das Indias Orientaes , á qual passou o mono- 
polio do commercio até áquelle tempo em mãos do governo. Esta 
medida excitou grande descontentamento nos ricos e poderosos, que 
faziam o commercio por contrabando. A companhia teve pouca in- 
fluencia, porque no mesmo anno da sua creação os V. Reis alcan- 
caram para si, e para outros licença d'enviar nos navios da Coroa 
certos objectos de commercio; o que posto depois fosse abolido, 
continuou clandestinamente. 

Em quanto a administração fiscal chegou a esta decadencia, os 
particulares faziam um commercio immenso nos mares da Asia entre 
a Ethiopia e China. O capitão Inglez Best encontrou nos mares de 
Cambaya, uma fróta de 240 navios mercantes Portuguezes : Em 1617, 
quando Selim filho d'Alibar, vulgarmente chamado Ichangiri, ou 
Senhor do Mundo (segundo a chronologia de Ferexta) nos declarou 
guerra, foram sequestrados 200 navios nos portos do Indostão : e 
em 1605 nas raias de Malaca os Hollandezes destruiram uma fróta 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA. 65 


principio do seculo 16, nem havia marinha mercante em 
Portugal, nem mercadores: de  cabedaes grossos, que podes- 
sem emprehender negociações tão importantes, ou que se 
resolvessem a dar dinheiros para negociações tão longiquas , 
tão demoradas, e de tanto risco. Não era reprehensivel que 
“então o Governo fizesse o commercio da India, mas devia 
sempre deixar aos particulares a liberdade de commerciar 
tambem: e logo que a navegação foi mais conhecida, e o 
trafico tomou um pé regular, devêra instituir uma companhia 
de negociantes , do que teria resultado um proveito immenso , 
não só aos interessados, mas a toda a Nação, e ao Governo. 
Esta medida devêra ser adoptada até nos nossos dias, e não 
como o foi na desgraçada situação em que ficou Portugal pela 
sujeição a Castella : nessa época nada aproveitava, e muito 
menos um remedio tão despendioso. 

A má policia do Governo e a pessima administração na 
India teve grande parte para a nossa decadencia O seculo 16 
em que principiámos a estabelecer-nos na Ásia, era época , 
ainda de fanatismo, ferocidade e ignorancia. O commercio 
diminuio um pouco estes males; mas conduzio o luxo immo- 
derado, a infidelidade, e os mais vicios do Oriente, e d'alhi pro- 
vieram immensos males. Os Governadores succediam-se uns 
aos outros tão rápidamente, que apenas um tinha noticia dos 
territorios sujeitos á sua administração, já apparecia successor 
a rende-lo: e ássim, ou não se deleriam com conhecimento 
de causa muitos negocios da competencia do Governo, ou não 
importava aos Govertiadorés dar-se a objectos e trabalhos que 
o resultado eram intrigas, fataes muitas vezes, ou eram depois 
desmanchadas pelos successores, o que com justiça ou pelo bem 
publico haviam ordenado. 


de 34 vélas de negociantes Portuguezes. O lucro porém deste com- 
mercio não sahia da India, alli se consumia em fundações d"Igrejas, 
e obras de 'um luxo immoderado; e se algum revertia a Portugal, 
tinha a mesma sorte. O mão estado das rendas publicas induzio Fi- 
lippe IL a abandonar a India, cujo projecto estava a pontos de 
realisar-se. 

N. B. Os calculos lembrados nesta nota são feitos por Faria 
na Asia Portugueza ; e por Mikle na Dissertação sobre a Historia da 
India, junta á traducção de Camões pelo mesmo autor. 


Num. 2. 2 


66 CAUSAS DA DECADENCIA Ne”: Bi 


Se para todos os logares e officios se devem escolher os 


homens, muito mais o devia ser para o Governo da India, 
que tinha estreitas relações com um grande numero de póvos, 
diversos em Leis e costumes, e muitos delles formidaveis em 
poder e opulencia. Cumpria que o nome Portuguez fosse tido 
em respeito, e não em desprezo e odio como chegou a ser. 

Quando Affonso d'Albuquerque morreu , os Soberanos da 
Asia, que tinham amisade com os Portuguezes, sentiram ex- 
tremosamente a sua morte; e largo tempo os nativos, a quem 
era feita alguma injustiça, que não fosse reparada , iam quei- 
xar-se sobre o tumulo d'aquelle grande homem. Foi Albuquer- 
que um dos Empregados publicos de maior desinteresse, amor 
de patria, e demasiadamente severo na disciplina militar. Mui- 
tos Principes o procuravam para arbitro de suas differenças , 
e o venerayam, como um ente mais que humano. Parece que 
tantas boas partes davam direito a Albuquerque para conti- 
nuar a governar a India, em quanto podesse ; mas não succedeu 
assim: uma turba d'ambiciosos, e intrigantes o malquistou 
com o Rei; as intrigas e calumnias foram escutadas, e só 
depois da morte d'Affonso d'Albuquerque, é que o Sr. D. 
Manoel conheceu o vassallo, que tinha perdido. Succedeu o 
mesmo com alguns outros, cuja memoria está entregue á pos- 
teridade por escriptores nacionaes , e estrangeiros; mas foram 
em pequeno. numero, e interpolados; e por isso nào podiam 


suster a torrente de males que por fim nos ia a precipitar. ` 


A desordem, as violencias, intrigas, e todo o genero de mal- 
versações chegaram a indispor toda a Asia contra os Portu- 
guezes. Da China, tres vezes foram banidos; de Cantào em 
1517: de Liampu em 1544: e de Chencheo em 1548: e 
nos, outros paizes frequentes coalisões se formaram para os ex- 
pulsar. Em quanto eram só Asiaticos os potentados combinados, 
o valor e energia Portugueza bastava para dissipar as ligas ; 
mas quando Européos chegaram , forçoso foi ceder. Os Hollan- 
dezes e Inglezes eram por toda a parte acolhidos pelos nativos 
com os braços abertos, para os ajudar a expellir seus inimi- 
gos naturaes; e tal era a aversão ao dominio Portuguez, que 
se não tratava d'investigar ,se os novos chegados eram menos 
despotas, ou mais justos e virtuosos que os antigos. Venha 


` 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA; 67 


quem vier, diziam os Indios, não póde ser peor, que os que 
cá estão. Assim se ligou em 1622 com os Inglezes Xá Abbas, 
Rei da Persia, para nos lançar d'Ormuz; e com os Hollan- 
dezes se uniram em 1607 os Malaios d'Amboina ; os Japone- 
zes em 1638; o Rei de Jahore em Malaca em 1640; e os 
Cinguleses em Ceilão em 1960; e outros muitos. 

Finalmente a conquista de Filippe IE deu o golpe fatal 
na grandeza dos Portuguezes na Asia. Logo depois da sujei- 
ção a Castella toda a politica desta monarquia consistio em 
enfraquecer Portugal, tirando-lhe os navios e a artilheria ; 
impondo-lhe pezadas contribuições, para o reduzir ao estado 
de não poder mais levantar-se. Systema errado para a Hespa- 
nha, mas que felizmente mais depressa conduzio á heroica re- 
volução de 4640. Naquelle infausto periodo de 60 annos os 
Portuguezes espalhados pelas quatro partes do mundo, repu- 
tando-se sem patria, foram pouco a pouco degenerando do 
heroismo militar, e das virtudes com que seus antepassados 
se engrandeceram ; uns adoptaram o infame officio de piratas, 
em que miseravelmente acabaram ; outros foram alistar-se no 
servico dos estrangeiros,-e até mesmo no dos inimigos de 
Portugal; e outros se estabeleceram em diversos territorios 
do continente e ilhas da Asia, como Siam, Camboge, Cochin- 
“china e Borneo, onde ainda hoje existem familias a quem não 
importa, nem a origem, nem o nome Portuguez. 

Na imbecilidade do Governo dos Filippes poderam os Hol- 
landezes estabelecer-se a salvo, e consolidar o seu-dommio na 
Asia, e apoderar-se de todo o commercio do Oriente. Pela 
restauração o povo Portuguez ganhou seu antigo vigor e ener- 
gia; mas 60 annos d'escravidao tinham enervado e empobreci- 
do a nação inteira: a guerra com a Hespanha exhauria todos 
os recursos, c a melhor parte do Brasil estava em poder dos 
Hollandezes; era por tanto impossivel tentar de novo figurar 
na Ásia, ou recuperar a posse dos territorios perdidos, que 
estavam em poder de uma nação livre, valorosa e opulenta , 
dominadora dos mares, e senhora da balança do commercio. 

Estes ponderosos motivos obrigaram a Côrte de Portugal 
a entrar em negociações com os Estados Geraes, e por inter- 
venção da Inglaterra se assignou em 1661 um tratado de paz, 

2 


68 CAUSAS DA DECADENCIA N.º-2, 


pelo qual cedemos de todas as pertenções que podessemos ter 
ás conquistas dos Hollandezes na Asia, e estes reconheciam 
o direito de Portugal ao Brasil. Assim foi solemnemente esti- 
pulada á face do mundo a decadencia dos Portuguezes no 
Oriente, sob os auspicios de seus antigos e muito fieis alliados. 

O Successivo engrandecimento dos Inglezes na Asia, e a 
falta de cumprimento aos tractados celebrados com Portugal , 
poz o remate a esta mesma decadencia. 

Depois de tanta gloria passámos ao mais humilde abati- 
mento ; e os conquistadores da Asia, os descendentes dos Albu- 
querques e dos Castros, passaram a ser pupillos de seus hospe- 
des, e-sob a tutela daquelles a quem ensinaram a navegar, e 
o caminho do Oriente. Posto que a independencia de Portugal 
fosse reconhecida pela Inglaterra e pela Hollanda, foi nesta 
época, e tendo comnosco uma trégoa de 10 annos, que os 
Hollandezes continuaram as suas conquistas na Asia, que o 
tractado de 6 de Agosto de 1661, mediante à intervenção de 
Inglaterra, lhes assegurou. Nesse mesmo anno se assignou outro 
` tractado com a mesma Inglaterra, pelo qual no 1 1.º artigo, sob 
o pretexto de nos poderem os Inglezes melhor defender o res- 
to das nossas possessões da Asia, lhe cedemos a importantis- 
sima ilha de Bombaim, e todas as conquistas (artigo 14) que 
fizessem aos Hollandezes daquillo que dantes era nosso, lhe 
ficasse d'alli por diante pertencendo de direito =e a Ingla- 
terra se obrigou pelo artigo 15 a defender Portugal e seus 
dominios como a ella propria e seus dominios ;= a defender 
e proteger (artigo secreto) todas as colonias e conquistas de 
Portugal tanto contra os seus inimigos presentes, como futuros. 
==« E no casò que depois do 1.º de Maio de 1661 os Hol- 
« Jandezes ainda tomassem algumas possessões Portuguezas, a 
« Inglaterra tambem se obrigava a que ellas fossem inteira e 
« completamente restituidas. » == Nesse mesmo anno de 1661 
eram os Portuguezes vivamente atacados pela Hespanha; e os 
Hollandezes, aproveitando-se deste embaraço, tomaram-nos Cou- 
lão em 166t, Cranganor em 1662, Cananor e Cochim em 1663. 
Nada nos foi restituido ; e a Inglaterra possue hoje estes dis- 
trictos. 

A Hollanda perdeu, durante a guerra da revolução de 


1842. DOS PORTUGUEZES NA ASIA. 69 


França , todas as colonias da Asia, que haviam sido dos Por- 
tuguezes, as quaes cahiram nas mãos dos Inglezes ; era d'es- 
perar, que na paz geral se restituissem aquellas que pelos 
tractados haviam sido solemnemente garantidas: ao contrario 
conquistaram Ceylão; e em vez de nos restituir Columbo , 
como se haviam obrigado pelo mencionado tractado , a entre- 
garam aos Hollandezes. Devia a Inglaterra fazer que a Hol- 
landa desistisse de suas pertenções sobre Cochim, que nos 
usurpára em 1663, e depois fôra conquista Ingleza; mas com 
o maior desprezo de suas promessas a guardou para si, e em 
13 de Agosto de 1814 cedeu á Hollanda a ilha da Banca 
nos mares do Oriente, em troca de Cochim e suas dependen- 
cias (ec). 

Quando a Inglaterra assim procedia, assignou em Vienna 
aos 22 de Janeiro de 1815 um novo tractado com Portugal, 
em cujo 3.º artigo declarou = « Que se não invalidavam os 
« antigos tractados d'alliança, amisade, e garantia, que por 
« tanto tempo, e tão felizmente, têm subsistido entre as duas 
« cordas»== e apesar d'elles Portugal perdeu para sempre 
as suas melhores conquistas da. Asia, e vio por este modo es- 
carnecer as suas mais fundadas e justas reclamações, para 
sobre ellas se erguer o colossal poderío dos que, promettendo- 
lhe amisade, segurança, e protecção, de tudo abusaram. 

Tratarei em uma segunda memoria do estado actual, 
d'esses pequenos restos, por ora escapos a tanta ambição, e 
das causas que de dia a dia os têm conduzido á nullidade a 
que estão reduzidos. Praza aos Ceos, os queiramos ainda apre- 
ciar, como o unico deposito de nossa passada gloria, e o 
pantheon dos heroes, que alli repousam, e que a patria tanto 
sublimaram. 


(e) Ensaio kistorico e politico de J. Liberato Freire de Carvalho, 


70 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 2. 


Noticia do estado do commercio de Portugal com as suas 
possessões wltramarinas, pelo Socio Vice-Secretario, 

z José Tavares de Macedo. 

h. ou não é util a uma nação a posse de estabelecimen- 
tos colontaes ? Eis-aqui uma questão resolvida negativamente pela 
generalidade dos economistas apaixonados da illimitada liber- 
dade de commercio; mas ao mesmo tempo uma das questões 
em que aos homens menos preoccupados de idéas systematicas, 
mais visivel apparece a falta de exactidão de uma solução ge- 
ral applicada á- immensa variedade dos casos especiaes. Se, 
por exemplo, a favor da negativa se allega o augmento do com- 
mercio de Bristol rapidamente crescente com a independencia 
das Colonias Britanicas nº America do Norte; nós sem mais exa- 
mes lhe poderemos infelizmente oppor a decadencia do comer- 
cio Portuguez desde que os portos das suas antigas possesões fo- 
ram franqueados ás nações estrangeiras; exemplo, de per si 

“só, sufficiente para demonstrar que a questões desta natureza 
se não póde dar uma resposta geral. As cidades da Grecia vi- 
ram muitas vezes a salvação do socego publico na sahida de 
uma parte da sua população para ir habitar novos paizes : Ro- 
ma estabeleceu Colonias como meio para consolidar. o seu do- 
minio em provincias remotas, e por ventura para desviar os 
males que a suspensão da guerra occasiona muitas vezes aos 
paizes que têm tido numerosos exercitos por annos sucessi- 
vos: Portugal desde o seculo 15.º, as cidades de Italia ainda 
antes, e a Hespanha, a Inglaterra, a Hollanda, e outras na- 
ções Européas desde o 16.º seculo, têm considerado as Colonias 
por um lado mais propriamente economico, como meio de ri- 
queza para a metropole. Entretanto que a maioria dos eco- 
nomistas clama que ha erro neste calculo, outros, e tambem 
muito illustres, reprehendem só o modo por que têm sido go- 
vernadas e dirigidas as colonias da Europa, e consideram a 
colonisação como util à causa da civilisação, e quasi como um 
instincto, uma necessidade dos Povos da familia Européa. A 
generalidade dos Governos illustrados recusa ainda fiar-se nas 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 74 


theorias dos economistas, e a Inglaterra continúa a considerar 
os seus estabelecimentos coloniaes como a ancora mais segura 
da sua prosperidade (a). Em Portugal não tem faltado quem 
sustente ou rejeite a conveniencia das colonias. João de Barros 
enthusiasma-se no meio do 16.º seculo com as utilidades do 
commercio dos estabelecimentos Portuguezes ; mas já nos prin- 
cipios do 17.º seculo um escriptor de mui bom entendimento 
(b) se queixava que, crescendo a população Portugueza até ao 
anno de 1500, desde então até seus dias fôra sempre dimi- 
nuindo ; e já antes outro escriptor mais celebre (c) se queixa- 
va, de que as riquezas adquiridas na Asia nenhum bem ti- 
nham feito ao Reino. Todavia, as minas do Brasil que depois 
se descobriram, poderam ter enriquecido o Reino, se fosse 
bem applicada a riqueza que produziam , e por largos annos 
floreceu Lisboa com o commercio da India e do Brasil. 

Seja porém qual for a resolução da sciencia economica so- 
bre a conveniencia de estabelecimentos coloniaes, a questão é 
muito mais complicada do que se podéra afigurar aos simpli- 
ces economistas; pois que póde ter outros muitos aspectos. A 
“Inglaterra, por exemplo, considera alguns dos seus estabele- 
cimentos como pontos convenientes para a dominação e impe- 
rio dos mares; e colonias ha que são consideradas como luga- 
res para degredo. 

Para nós os Portuguezes a questão colonial mui longe vai 
de dever ser considerada só pelo tado economico. O logar que 
os descobrimentos e estabelecimentos dos Portuguezes lhes de- 
ram na Historia geral do mundo, é tão bello aos nossos olhos, 
e tão invejado dos estrangeiros, que o primeiro lado por onde 


(a) É para notar que as questões a este respeito suscitadas em 
Inglaterra, versam sobre a administracão e melhor systema colonial, 
e de sorte nenhuma sobre a conservação ou abandono das colonias : 
antes homens mui habeis as consideram como utilissimas é indispen- 
saveis á Inglaterra para a manutenção da sua prosperidade industrial, e 
como o unico meio que a póde salvar dos effeitos da reacção indus- 
trial, que se tem manifestado em todos os Estados da Europa. É di- 
gna de ler-se a falla recitada por M. Ward no Parlamento em Junho 
de 1839. 

(b) = Noticias de Portugal. 

(e) Couto == Soldado pratico. 


72 j COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 2, 


qualquer Portuguez logo encara os nossos estabelecimentos ul- 
tramarinos, é como herança de nossos maiores, como um vin- 
culo de gloria que a todos nos enobrece , e ao mundo mostra 
que somos os descendentes dos que souberam fazer tão gran- 
des acções, que a ellas deve em muita parte a Europa as fei- 
ções que distinguem a sua historia moderna da historia da 
idade media, De sorte que o lado economico, que em outras 
circumstancias devêra ser o principal aspecto desta questão, 
é para nós de alguma sorte secundario e subordinado a outro 
de natureza mais elevada, Mas se por um lado seria como um 
parricidio querer tirar á Nação Portugueza um objecto tão 
caro ao seu coração, por outro seria tambem um crime hor- 
rendo aos olhos do bem publico, conservar em abandono as 
possessões que ainda temos, ou não as utilisar para a riqueza 
e prosperidade da Metropole. Quaes sejam os meios mais pro- 
prios para conseguir que prosperem os nossos estabelecimentos 
ultramarinos, e que delles nos venha a utilidade que importa 
ao bem estar do povo Portuguez, é um grande problema, que 
nos não lisongeamos de saber resolver, mas a cujo estudo nos 
chama o muito que nos honramos da qualidade de Portuguez, 
e o muito amor que temos á Nação em que nascemos. Como 
porém todos reconhecem que sem relações commerciaes bem 
entendidas se não póde conseguir benefica reciprocidade entre 
as diversas provincias do Imperio Portuguez, desejosos de con- 
tribuir, quanto em nós cabe, para esta grande obra de bem 
publico, que a Associação Maritima e Colonial de Lisboa tem 
tanto em vista, nos pareceu de muita conveniencia consignar 
neste Jornal a noticia estatistica das nossas relações commer- 
ciaes com as provincias ultramarinas, para que sobre o co- 
nhecimento dos factos se possam solidamente esteiar as con- 
cepções que tenderem ao nobre fim da prosperidade da Fami- 
lia Portugueza nas diversas partes da terra. 

Diremos primeiro o que respeita á exportação para as pro- 
vincias ultramarinas; depois o que respeita á importação ; e 
concluiremos com algumas observações geraes sugeridas por 
este mesmo estudo. 

Estas noticias referir-se-hão especialmente ao anno de 
1840 por ser o mais moderno, cuja estatistica possuimos, não 


e 


1842, COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 73 


se tendo ainda acabado os trabalhos respectivos a 1844, de 
que tambem daremos noticia logo que nos seja possivel. Por 
não podermos, como era nosso desejo, apresentar noticias de 
uma longa serie de annos, e todavia convir tomar alguns ter- 
mos de comparação, escolhemos para este fim os annos de 
1806 e 1825, por serem ambos elles os que antecederam a 
duas épocas notaveis por grandes acontecimentos e alterações 
politicas em Portugal, que por differentes fórmas influiram no 
nosso estado economico. 


PARTE 1 
Exportação de Portugal para as provincias ultramarinas. 
ASIA. 
Nos primeiros annos deste seculo o commercio Portuguez 
com os diversos estabelecimentos na Asia era ainda objecto de 


muito grande importancia. No anno de 1806 as remessas para 
a Asia chegaram segundo os calculos officiaes á importancia 


de-réis:. sis. TD DEE RR UR E ARA DA E 1.622:8063430 
Já em 1825 só importayam em ......... 133:2908977 
E em 1840 apenas chegaram a ......... 58:1765207 


A imperfeição das estatisticas respectivas ao anno de 1839 
e precedentes, não nos permitte dizer com igual aproximação 
o valor total das exportações em cada um delles; mas conhe- 
ce-se facilmente ter sido inferior. Entremos em alguns porme- 
nores sobre o commercio das tres épocas mencionadas. 

Posto que em 1806 as remessas em dinheiro se calculas- 
sem em 1.421:400,5000 réis, sendo 393:0008000 em moe- 
da Portugueza , 468:400,3000 em patacas , e 560:000,3000 
em dinheiro sacado do Rio de Janeiro por sete navios que por 
alli fizeram escala; todavia, além de bastantes objectos de 
manufactura Portugueza e outros da estrangeira, ainda foram 
para a Ásia Portugueza 35 pipas de aguardente , no valor de 
réis 4:0675000; e 1525 pipas de vinho no valor de réis 
86:3975750. 

Na exportação de 1825 só entram 6 pipas de aguardente 


74 COMMERCIO DE PORTUGAL Nº a. 


no valor de 4803000 réis, e 463 e meia pipas de vinho no 
valor de 24:1028009 réis: mas na exportação de 1840 
(Mappa N.º 1.) comprehendem-se , além da tenuissima quan- 
tidade de 4 almudes e meio de aguardente no valor de réis 
113700, 1367 pipas de vinho no saler de 45:244 8907 réis. 
Todo este vinho foi exportado por Lisboa; e é para notar que 
em 1839 só se haviam exportado para as mesmas possessões 24 
almudes de aguardente no valor de 488000 réis e 434 pipas 
e 9 álmudes de vinho no valor de 15:4458320 réis. É este 
o unico genero de alguma importancia mandado para a Asia; 
pois que todos os outros assim os de producção nacional, como 
os de producção estrangeira (Mappa N.º 2.) apenas fazem a 
importancia de 12:9223600 réis. 


ÁFRICA. 


Pelos Mappas N.º 1 e 2 se veem os generos remettidos 
para as possessões Africanas, tanto os de producção Portugueza, 
como os de origem estrangeira. 

Do Mappa N.º 1 se vê que neste anno foram para a Africa 
Portugueza 20% pipas e 19 almudes de vinho no valor de 
85:6754800 réis, e igualmente 7 pipas e 12 almudes de 
aguardente de producção Portúgiieza no valor de 66234616 réis. 
Em qi haviam sahido de Lisboa para a Africa spies 565 
pipas e 22 almudes de vinho, e do Porto 331 pipas e 22 al- 
mudes, rh no valor total de 17:581 8743 réis; e 17 pipas 
e 19 almudes de aguardente no valor de 1:049 8170 réis. 

Na exportação de 1825 havia sahido de 


Aguardente .... 6f pipas, no valor de... .. 4:8808000 
Adis i OEE 655 » D AERE A 36:7575750 


Na exportação de 1806 haviam-se incluido 354 pipas de 
aguardente e 902 pipas de vinho. 

É para notar que de generos de producção' Portagueza 
apenas sahio para a Africa em 1840, além de vinho e aguar- 
dente, a insignificante porção de 4 arrobas de presunto. To- 
das as mais mercadorias mandadas para a África, em que 
avultam principalmente as fazendas de algodão, posto que che- 
guem ao valor total de 117:4135200 réis, são de origem 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 45 


estrangeira. Todavia, em 1825 ainda foram 64% pipas de vina- 
gre, e 950 instrumentos de agricultura de fabricação Portu- 
gueza. Em 1806 tanto Lisboa como o Porto mandavam para 
a Africa chitas, lenços, pannos de là ordinarios , sedas , e ou- 
tros objectos de manufactura Portugueza. Nesta época eram 
ainda tão importantes estas remessas que, além de baêtas e 
outros objectos de là, só de panno estrangeiro se remetteram 
26270 covados. 

Já se vê quão vasto campo offerecem estes factos ás refle- 
xões do Economista e do Politico; nós todavia nos absteremos 
neste lugar de qualquer ponderação sobre este objecto, reser- 
vando para offerecermos algumas considerações, para depois 
de termos exposto o que respeita á importação dos generos de 
producção ultramarina. Só duas cousas nos cumpre aqui notar : 
a primeira é que se démos mais particular attenção ao com- 
mercio dos vinhos, é porque não só este genero é o mais im- 
portante que mandamos para o Ultramar, mas tambem esta 
producção é tão propria da nossa agricultura, e está em tão 
grande soffrimento, que tudo que lhe respeita deve merecer 
mui particular contemplação; e ainda mais, que não é sem 
fundamento a esperança geral que nas provincias ultramarinas 
hajamos de obter importante consumo deste producto. A sc- 
gunda cousa que devemos notar é que, não obstante a authen- 
ticidade, que podemos afliançar , das noticias que offerecemos 
a nossos leitores, mais alguns poucos objectos se têm expor- 
tado para o ultramar, que se não acham mencionados nos map- 
pas, e são aquelles que pela pauta das alfandegas sahem livres 
de direitos. Estes objectos hão de nos annos futuros ser com- 
prehendidos na estatistica das exportações; mas a sua pequena 
importancia faz que da sua ommissão nos mappas que apre- 
sentamos, se não siga erro de consideração. 

Na segunda parte desta Noticia trataremos da importação, 
e concluiremos, pela fórma que dissemos, com algumas refle- 
xões tendentes á formação de um systema colonial com reci- 
proca vantagem das diversas provincias do Reino de Portugal, 
assim Européas, como das outras partes da terra. 

(Continuar-se-ha. ) 


Ed 
a 
& 


COMMERCIO DE PORTUGAL NS t3, 


NE 


| Mappa dos generos de producção Portugueza exportados para 
as possessões Portuguezas na Asia e na Africa 
no amo de 1840. 


PARA AS POSSESSÕES PARA AS POSSESSÕES 


| GENEROS EXPOR- NA ASIA NA AFRICA 


TADOS 


à Aguardente ha 57 2 6628616 
| Azeite doce... ... , ; » 


é Cortiça em bruto. . 

Cortiça em obra.. 

Presuntos 

548600 

| Vinho (Lisboa)... 1367p945c|45: 2490711040 p 15a 34:237 50 
Vinho (Porto) ERA » » 100123416 51: 36/30 


46:402 5207 86:347 %016 | 


== pipas, almudes, canadas. 
=: oa arrobas, libras ou arrateis. 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. qi 


N.º-2. 

Mappa dos generos de producção estrangeira reexportados 
para as possessões Portuguezas na Ásia e na África 

no anno de 1840. 


E 


PARA AS POSSESSÕES PARA AS POSSESSÕES 
GENEROS REEX- NA ASIA NA AFRICA 


PORTADOS 
Quantidade Falor Quantidade Valor 


| Aguardente 2p2a6c| 2008000] 28p11a | 1:355,8000] 
Algodão manufa- ` : 
cturado (Lisboa)| 8904! | 520000] 2346431 | 75:836 5000; 
à Dito dito (Porto). % » » | 32361 2.9128 400] 
7 » » 25 q 1158000 
EE T A 21barric| 3604000] 300a 161 ) 
Bacalhão 774000] 45q 
4084000] 2854 161 
VEM 641 
Contaria vasada pa- 
ra collares 1184 161 
Cutelaria com cabo 
» 51a201 
25000 » 
BRA. 5 28a 231) 1885000] 15601471 
Fato feito 4008000] 710000 
Lã manufacturada . » » 3:204 000 
Legumes y » 
Linho manufactur. | 103791 2 984000 
Manteiga 10a81 F 4988000 
Metaes em obra . .|332a 111 2:951.4000 
Obra de ourives .. » ; 
Obra de serigueiro| 561 
Papel. ..........|626a 10] 2 0904000 
Pedras em obra...| 8131 | 1:884,5000 
Queijos » 
Seda manufacturad » 
Tabaco em bruto. . » 


» 
Diversos objectos. . |871a 221 4:163 000| 6030 a TI | 24:827 000 


11:7744000 117:413,$200 


pipas, almudes, canadas. 
quintaes, arrobas, libras ou arrateis. 


78 NOTICIA DA RÉPUBLICA Nº 2, 


SER: 


Conclue a noticia estatistica e commercial da Republica 
do Centro-America. (Continuada de pag. 42.) 


Mercadorias francezas. 


As mercadorias francezas que melhor se vendem na Ameri- 
ca central são as seguintes: vinho de Bordeos em barris , e ain- 
da melhor em caixotes de garrafas, Champanhe, aguas arden- 
tes, de que se faz um grande consumo, seja qual fôr a qua- 
lidade , licôres, conservas de collin, as chitas de primeira 
qualidade, mas em pequenas porções, porque não têm con- 
sumo senão entre a classe abastada, fitas com desenhos varia- 
dos, veludos de ramagem para coletes de homem, sedas, 
chamadas vulgarmeute gros de Naples, differentes sedas va- 
riadas das fabricas de Lyão, alguns perfumes, joias falsas, 
tanto das ordinarias como das mais delicadas e custosas ; os 
pannos de là poderiam entrar nesta descripção ; mas seria pre- 
ciso que fossem expressamente fabricados para poderem sus- 
tentar a concorrencia ingleza, tanto em razão do modico pre- 
ço, como pela sua ligeireza e finura. Poder-se-hiam citar ainda 
algumas outras manufacturas de pouca importancia. Tambem 
por a pouca quantidade que de cada especie se poderia vender, 
escusado é fazer expressamente remessas para o Centro-Ame- 
rica. Como já disse, só se deve tentar este paiz desde o Pe- 
rú, do Chili e do Equador, como ultimo recurso, ou com a 
intenção de levar anil e cochonilha; e de mais para que os 
nossos negociantes possam fazer boas especulações em todos os 
paizes da costa occidental d'America, é preciso que ahi te- 
nham habitado por algum tempo, e que tenham estudado os 
usos, gostos e costumes de cada classe da sociedade; que te- 
nham perfeitamente conhecido as precisões da população , to- 
mado exacto conhecimento das fortunas dos consumidores, do 
estado politico das nações; e sobre tudo, da maneira de com- 
merciar dos mercadores. Tem acontecido que alguns dos nos- 
sos compatriotas, depois de terem habitado por muitos annos 


1842. DO CENTRO-AMERICA. à 79 


na America, partiram d'alli com todos os conhecimentos e 
todos os dados que a experiencia" lhes fez adquirir, voltando 
depois com generos e fazendas encommendadas e confeccionadas 
expressamente para o paiz, não poderam dar-lhe consumo e 
mesmo neste momento estão a vende-las a baixo preço, por 
não perderem inteiramente todos os seus capitaes, e pagarem 
parte dos seus empenhos. 

Desgraçado o imprudente que, partindo de dados pouco 
certos, vem especular nestas provincias, onde tem que tratar 
com individuos sem fé, e onde as leis, se as ha, não têm ef- 
feito algum protector para o commercio. Só achará ruina 
e desgostos. Um dos lances mais funestos que póde encontrar, 
e esse lhe ha de acontecer muitas vezes, é abordar em um 
paiz entregue á guerra civil. Então não ha negocio seguro ; o 
dinheiro está escondido; a cultura dos principaes generos de 
troca abandonada; e, muitas vezes, as pessoas perseguidas, 
Comtudo, que se não desanime ; que estude por si mesmo -a 
maneira de commerciar no paiz; que tente novas especulações, - 
mais apropriadas ás circumstancias; e, com alguma felicida- 
de, póde ter grandes lances com que reparar todos os males 
da fortuna. à tas 

Direitos d'importação. 


Os direitos d'importação de toda a qualidade de merca- 
dorias estrangeiras são de 20 por cento; mas como a avaliação 
se faz sempre por um preço menor que o da fabrica, fica 
sendo de 14 ou 15 por cento o verdadeiro direito d'importa- 
ção. Além deste ha tambem o direito de transito, o qual é 
lançado sobre as mercadorias que atravessam a Républica. 

Todas as nações são tratadas com igualdade ; e para evi- 
tar compromettimentos, o governo do Centro-America não 
favorece pessoa alguma. Sendo tão moderados os direitos, isto 
faz com que o contrabando seja desconhecido nas costas do 
. Pacifico. 

Direitos d'ancoradouro , ete. 


Os direitos do porto e ancoradouro. sào de 160 réis por 
tonellada ; e pagam-se no primeiro porto da Républica a que 


80 NOTICIA DA RÉPUBLICA Nºº2, 


chega qualquer navio. Comtudo , depois que as provincias an= 
dam em guerra, cada uma dellas quer exigir uma nova paga 
de direitos d'ancoradouro ou porto; mas estas reclamações 
não têm sido attendidas pelos capitães, e isso não tem dado 
logar a consequencias. O mesmo tem acontecido com os di- 
reitos d'importação ; tantos pequenos Estados , tantas leis no- 
vas; o melhor é cada um cingir-se á lei geral da nação. 


Chegada dos navios. 


Quando chega qualquer navio de commercio deve apre- 
sentar o manifesto da sua carga, especificando o que deve 
desembarcar naquella alfandega, e o que é destinado para 
outra nação. Como nos portos habitados não existem meios de 
communicação, a alfandega não manda official a bordo; é o 
capitão que deve levar os seus papeis logo que vai a terra, 


Termo em que se devem pagar os direitos. 


Depois do desambarque das mercadorias, pagam todos os 
direitos em prompto pagamento até á somma de 1.000 pe- 
sos; mas quando excede esta quantia, são concedidos dois 
mezes d'espera. 

Prohibições. 


Sómente é prohibida a entrada ou desembarque das ar- 
mas de guerra, e dos escravos da costa d'Africa. 


Direitos sobre o ouro e a prata na sua sahida. 
Quando sahe da Républica a prata amoedada paga 4 por 
cento, e o ouro 2 e meio. A prata e o ouro em barra não se 
exportam pelo Pacifico. 


Francezes estabelecidos. 


Em Guatimala e seu territorio, ha poucos francezes esta- 
belecidos. O commercio que elles fazem limita-se em geral 


PN 


1842. DO CENTRO-AMERICÁ. 8í 


ao trafico das mercadorias francezas que lhes são censignadas, 
ou que vendem por sua conta. Nenhum delles tem estabele- 
cimentos notaveis. Vindo para alli com poucos recursos, a sua 
prosperidade não tem sido notavel. Dois ou tres estão nos 
campos como rendeiros de herdades ou roças, e ahi fabricam 
assucar , aguas ardentes etc.; mas parece que este genero de 
industria não os tem feito prosperar muito. Assim como todos 
os estrangeiros, os nossos compatriotas não são favoravelmente 
tratados pelos habitantes, nem pelo governo; ha de haver 18 
mezes que a sua fortuna, e até mesmo a sua existencia, se- 
gundo contam, esteve muito compromettida na crise de uma 
revolução. 
Agricultura. 


Na America Central, a agricultura está ainda na infan- 
cia. A terra é tão fertil que epi sem trabalho, e quasi 
que é inutil empregar o arado. E facil de comprehender que, 
se esta terra fosse um tanto trabalhada, os seus productos se- 
riam de melhor qualidade, e augmentariam em quantidade, 
e tambem em valor. Mas que lhe importa áquella gente com 
isso? Quando um Americano tem com que viver um dia, 
pouco lhe importa com o dia seguinte; uma banana, um bólo 
de milho cozido sobre as cinzas, tal é o seu nutrimento; e, 
desde que o tem, o trabalho lhe é impossivel. A perguiça , a 
indolencia, se é possivel, ainda vai mais longe entre os bran- 
cos. Elles não têm senão uma unica paixão, que é o jôgo, e 
nella empregam toda a energia de que são capazes. 


Terras incultas. 


É impossivel imaginar a graude quantidade de terrenos 
incultos que existem em toda a extensão do litoral da Répu- 
blica. Immensas planicies se estendem desde o mar até as cor- 
dilheiras de montanhas : estas planicies são cortadas por uma 
infinidade de rios e regatos, e cobertas de bosques i impene- 
traveis. A camada de terra que as cobre é de tal maneira 
fertil, que basta queimar sobre ella as arvores e arbustos pa- 


ra a fazer entrar em uma activa producção, Se se deixa a 
Nom. 2. 3 


82 NOTICIA DA RÉPUBLICA | N.º 2 


planicie e se começa nas montanhas Andes, à elevação pro- 
gressiva vai apresentando todos os climas temperados da Eu- 
ropa; mas alli, como na planicie, só apparecem bosques im- 
penetraveis. Com algum trabalho, que variados productos não 
apresentaria a agricultura em tão diversos climas e tempera- 
turas! Proximo das costas de mar, todas as ricas producções 
dos tropicos; sobre as montanhas, todos os cereaes e colhei- 
tas das zonas temperadas. 

Quando se considera que, apesar do estado de abandono 
em que existem as terras, apesar dos poucos cuidados que se 
prestam para obter boas colheitas d'anil e cochonilha , estes 
productos, bem que grosseiros e mal preparados , apresentam 


immensos beneficios ; não se póde conceber como , entre estes. 


homens, se não criam desejos de adquirir uma fortuna que os 
faça sahir do miseravel estado em que a maior parte delles 
vegeta. É preciso que a perguiça, a inercia e a apathia te= 
nham mais poder nelles do que cousa alguma , até mesmo do 
que o amor do ouro; e que não se possam mover estas almas 
inervadas senão para a moleza e para a libertinagem. 


Estações. 


Em geral, a costa de mar da Républica do Centro-Ame- 
rica, desde Julho até Outubro, é muito doentia; as febres 
terçãs e perniciosas ahi reinam com toda a sua força. Durante 
esta estação, a costa é constantemente açoitada por tufões dos 
quadrantes do SE. e SO., bem como de tempestades muito 
perigosas, acompanhadas de grandes trovoadas. Tambem, 
nesta pessima estação, a costa fica abantlonada pelos habitan- 
tes, e nem um só navio ahi apparece; mas desde Novembro 
até Maio tudo muda absolutamente. O tempo fica sendo ma- 
gnifico ; as brizas da terra e do mar muito bem regradas; só 
ha que soffrer o excessivo calor que, especialmente em terra, 
é insuportavel. A bordo, no ancoradouro, a temperatura va- 
ría entre 25 e 30º centigrados. Toda a costa, especialmente 
as compridas e interminaveis praias d'arêa que nella existem, 
é constantemente batida por uma grossa vaga que, por occa- 
sião de lua nova ou cheia, torna o desembarque muito peri- 
goso, ou quasi impossivel. 


1813, DO CENTRO-AMERICA. 83 


Ventos. 


“Ainda variam as opiniões sobre a melhor navegação que 
se deve fazer para montar toda a costa SO. da Républica da 
America Central, desde o cabo Branco de Nicoya, até á en- 
trada do golfão de Tehuantepec e ainda além. De Novembro 
até Maio, proximo da terra, acham-se brizas variaveis por 
todos os quadrantes. A Danaida contornou quasi sempre a 
costa, e a sua travessa desde Panamá até Bealcop e Istapa 
foi muito curta. A briza de noite era bastante fraca; come- 
cava proximo da meia noite, e durava até ás nove ou dez 
horas da manhã; a isto succediam algumas horas de calma, 
e vinha depois a viração do SO. rondando até O. para a hora do 
pôr do Sol: passada essa hora , outra vez calma. Eis-aqui ò 
que diz o capitão Hall, que tem frequentado muito esta costa. 
« De Dezembro até Maio inclusivê, os ventos entre Panamá 
e o cabo Branco de Nicoya reinam pelo NO. até ao N.; do 
cabo Branco a Realeso e Remedios ou Acajutla são NE. eE. ; 
mas nesta estação vêm muitas vezes do golfão de Papagaio 
violentas rajadas, que ordinariamente vêm do NE. e vão até 
ao N.; senão são muito fortes, deixam facilmente ganhar ca- 
minho para O. Ordinariamente duram muitos dias: o Ceo 
sempre claro, mas o horisonte ennuveado e avermelhado. To- 
do o navio deve ir bem preparado para estas ventanias, pois 
não só o mar se torna rapidamente agitado, como tambem 
por ser muito curta a vaga, o que muito fatiga os navios. » 

Os golfos de Papagaio e de Tehvantepec são muito temidos 
no paiz. A Danaida quando os attravessou, mesmo no meio 
delles, encontrou sempre calmas; o que sempre geralmente 
lhe aconteceu todas as vezes que, por circumstancias , esteve 
fóra do alcance das brizas da terra e das do mar. 


População. 


A população das cinco províncias que compõem a Ré- 
publica do Centro-America póde ser estimada do modo se- 
guinte : 

E Re 


84 NOTICIA DA REPUBLICA DO CENTRO-AMERICA. N.º 9. 


Provincia de Guatimala...... BOB RIO e | A 400.000 
San=Salvador sa. = NA E 350.000 

Honduras , entrando Los Altos.. 500.000 

Nitara ora RR EA BE 300.000 

Usta Rica AE ATE ua end EAHA 75.000 

EROE E EEEN RT A .. 1:625.000 


Este recenseamento é aproximativo, e não se póde res- 
ponder absolutamente pela sua exactidão ; todavia, tudo nos 
leva a pensar, que mais será diminuido do que augmentado. 


Viagem para Guatimala. 


Não se deve emprender a viagem d'Istapa para Guatimala 
senão quando urgente precisão a isso nos forçar. Esta viagem é 
a peor possivel na boa estação, e absolutamente impraticavel 
na má. Quasi todas as mercadorias se transportam ás costas 
de homens. Guatimala é uma grande e formosa cidade, se- 
gundo dizem, cuja população chega a 40.000 habitantes; si- 
tuada sobre um plano elevado , ella goza sempre de um clima 
delicioso; os seus arrabaldes são muito cultivados ; mas esta cultu- 
ra não yai muito longe. Tdi 


De tal estado d'ignorancia resulta quasi uma ausencia to- 
tal da industria. A mais importante"é a fabricação de grossos 
tecidos d'algodão e de lā, que a classe baixa consome ou que 
se exportam por contrabando para o Mexico. 

Toda a hydrographia das costas da Républica do Centro- 
America está ainda por fazer. As cartas actuaes estão cheias 
d'erros de posição e configuração das costas, os quaes podem 
ser muito perigosos. À expedição ingleza do capitão Belcher , 
commandante do Sulfur, acaba de e um trabalho scienti- 
fico, que dizem ser muito completo, o qual comprehende to- 
dos os ramos da sciencia. É para lamentar que os sabios Fran- 
cezes não tenham vindo ainda investigar estes paizes, Inteira- 
mente novos, e totalmente desconhecidos a todos os respeitos. 

Bordo da Danaida, Fevereiro de 1840. = J. de Rosamel, 
capitão de curveta, commandante. 


1842, NOVO COMBUSTIVEL PARA OS BARCOS A VAPÓR. 85 


Samôo certo que a applicação do vapôr à navegação do 
alto mar tem facilitado de uma maneira prodigiosa as com- 
municações entre os differentes pontos de Globo, de sorte que, 
sem exaggeração, podemos dizer que se encurtaram as dis- 
tancias na mesma proporção que tem diminuido a duração das 
viagens : não estando ainda de todo generalisada uma tão util 
navegação, por causa do combustivel que se emprega na pro- 
ducção do vapôr ; pois o carvão de pedra de que actualmente 
se faz uso, além de não produzir bastante calorico, tambem, 
pelo seu peso e volume, não é possivel embarcar uma quan- 
tidade tal que seja sufficiente para supprir o grande consumo 
em uma viagem mais dilatada, tornando-se por tanto mui 
dificeis as viagens longiquas quando não ha portos interme- 
dios onde -se estabeleçam os competentes depositos; obsta- 
culo este que em grande parte será removido, logo que se des- 
cubra algum outro. combustivel, que não tenha os mesmos in- 
convenientes. Foi por estas razões que nos pareceu interessan- 
te publicar nestes Annaes o artigo que segue, extraido do 
N.º 10 do Nautical Magasine relativo “a um novo combustivel 
inventado por Mr. Grant, o qual, além de outras excellentes 
qualidades comparado ao carvão de pedra, tem de mais a 
grande ventagem de produzir um maior efleito na geração do 
vapôr, ao mesmo tempo que occupa muito menor espaço ; 
por tanto, qualquer. sao a vapôr poderá receber maior 
porção deste combustivel, ficando por isso habilitado para 
mais larga navegação, aproximando-se assim cada vez mais 
as distancias; o que muito deverá concorrer para se estabele- 
cer regularmente a projectada communicação entre os princi 
paes portos do antigo e novo mundo, por meio de differentes 
linhas de barcos a vapôr. =F. B. P. S. 


Novo combustivel de Mr. Grant para uso dos barċos a vapór. 


Temos grande satisfação de saber qne esta importante in- 
venção do nosso engenhoso concidadão vai finalmente a ter 


=" 


86 NOVO COMBUSTIVEL Nat 8: 


um uso geral. Depois de uma longa serie de experiencias feitas 


por. Mr. Grant debaixo da direcção do Almirantado , seguidas 
de outras frequentes provas a bordo dos barcos de vapôr do 
Serviço de S. M. B., o mesmo Almirantado lhe indicou que 
se devia munir de um privilegio , afim de se acautelar e ao 
publico, contra as tentativas dé quaesquer pertendentes á dita 
invenção, Estando este negocio regulado, é para desejar, como 
exige o rigoroso dever do governo, que os beneficios dos tra- 
balhos de Mr. Grant se derramem por todo o paiz. 

„Numerosas supplicas têm sido dirigidas a Mr. Grant por 
varias companhias da navegação a vapôr para obterem licença 
de fazer uso do seu privilegio: segundo nos consta, os Lords 
do-Almirantado já lhe insinuaram que podia conceder permis- 
são para a manufactura do seu combustivel a todas as pessoas 
que a sollicitassem; por tanto, nenhuma duvida temos que 
Suas Senhorias lhe darão a devida autorisação, Estamos certos 
que as condições serão tão moderadas como convém aos in- 
teresses daquellas companhias para empregarem este novo agen- 
te na producção do vapór a bordo dos. seus barcos, que nave- 
gam nos differentes mares, 

Para satisfazer a curiosidade dos nossos leitores, diremos 
duas palavras tanto sobre a natureza e propriedade do com- 
bustivel de Mr. Grant, como a respeito das vantagens que se 
poderão seguir do seu uso; o que tambem não deixará de ser 
util áquellas pessoas que hoje estão associadas nas grandes em- 
prezas dos barcos a vapôr. 

Não é nossa intenção, nem nos parece proprio, descrever 
com miudeza o progresso que segue Mr. Grant na manufactura 
do seu combustivel; bastará dizer que é composto de pó de 
carvão e outros ingredientes combinados em certas e determi- 
nadas porporções, e feito em fórma e tamanho dos tijólos or- 
dimarios. 

As vantagens do combustivel de Mr. Grant sobre o me- 
lhor carvão reduzem-se principalmente ás seguintes: — 1.º 
Uma superior efficacia em produzir o yapôr, que se póde ava- 
liar deste modo: 200 tonelladas deste combustivel deverão fa- 
zer o mesmo effeito, que 300 tonelladas do carvão de que 
geralmente se usa. — 2.º O novo combustivel occupa muito 


x 


1812. PARA OS BARCOS A VAPÔR. 87 


menor espaço; de sorte que 590 tonclladas podem accommo- 
dar-se no mesmo logar em que se arrumam 400 tonelladas 
de carvão. — 3.º Os chegadores e fogueiros servem-se delle 
mais facilinente que do carvão ordinario; ao mesmo tempo que 
pouco, ou nada suja, nem levanta poeira ; circumstancias es- 
tas de grande importancia, se attendermos á delicadeza do 
mechanismo de um engenho de vapór. — 4.º O seu fogo não 
damnifica tanto as caldeiras e as fornalhas como o do carvão. — 

Accende-se tão completamente que, em comparação do 
carvão, pouco fumo deita, e sómente deixa uma pequena 
quantidade de cinzas. — 6.º O custo de uma porção de com- 
bustivel de Mr. Grant para produzir em um tempo dado uma 
certa quantidade de vapôr é muito menor do que o do car- 
vão que se consumiria para o mesmo effeito. Por tanto, inde- 
pendente das vantagens de melhor arrumação , limpeza e fa- 
cilidade de trabalho, este novo combustivel, por si mesmo, 
deve chamar a attenção de todos os proprietarios de barcos 
a vapôr. (+) 


(+) Pelos subsequentes Numeros do mencionado == Nautical Ma- 
gasine == somos informados que o uso do novo combustivel tem cor- 
respondido inteiramente, na pratica, ao que promettiam as experien- 
cias: já o barco a vapór ==Soudan ==, um dos da expedição Afri- 
cana empregados na navegação do Niger, se servio delle na sua via- 
gem para aquelle destino, colhendo o feliz resultado de consumir só 


uma tonellada e um terço no mesmo tempo em que eram necessa- 


rias duas tonelladas de carvão ordinario para produzir o mesmo ef- 
feito. Igualmente sabemos que o Almirantado de Inglaterra vai a 
contractar o fornecimento de 25.000 tonelladas deste combustivel pa- 
ra uso dos barcos -a vapôr do Estado, as quaes deverão ser entre- 
gues em duas porções iguaes nos differentes arsenaes e outras esta- 
ções, dentro do praso de seis e doze mezes. Por tudo isto, não hesi- 
tamos em aílirmar que com o auxilio do novo combustivel a navega- 
ção a vapôr receberá um maior incremento, e que em breve serão 
realisadas as nossas bem fundadas esperancas de a vermos seguir em 
differentes direcções a travez do Atlantico. 


88 PRUMO LE COENTRE. N.º 2. 


<DD>) 


Prumo Le Coentre. 


(). Annaes Maritimos e Coloniaes da França , do fim do 
anno passado, entre variós dos seus artigos, que sempre são 
de reconhecido interesse, apresenta-nos a invenção, descripção 
e uso de um prumo para sondas, inventado por Mr. Le Coen- 
tre, Commissario da Marinha e Empregado na Administração 
Central de París. 

Este prumo que tem, por meio do seu machinismo, a 
propriedade de indicar ao certo o numero de braças que pro- 
fundou, ainda mesmo que não ache o fundo, pareceu-nos um 
instrumento de summa utilidade; especialmente em circum- 
stancias melindrosas em que muitas vezes se acha qualquer 
navio na proximidade de uma costa ou de suppostos ou co- 
nhecidos escólhos, em occasião de tempestade, em uma es- 
cura noite ou cerração compacta. Passaremos á sua deseri- 
pção. i 

Uma pyramide cónica truncada , e ôca, feita de folha de 
cobre assás grossa; 48 centimetros de altura, 14 de diame- 
tro inferior, e 5, 5 de diametro superior; com uma fenda em 
todo o seu comprimento, pela qual, a travez de um vidro 
com 6 milimetros de grossura, deixa observar uma escala 
graduada em milimetros, desde O até 330, No eixo da py- 
ramide cónica está um parafuso sem fim, e sobresahe na par- 
te superior: este parafuso faz correr um index que marca os 
grãos na escala graduada; na parte superior , que sobresahe, 
estão ligadas duas poquenas azas tambem de cobre articuladas 
a meio, torcendo ou imelinadas 25º com o eixo; isto é, fa- 
zendo com a base do instrumento um angulo de 65º. Estas 
duas azas estão envolvidas por quatro descanços metalicos col- 
locados logo por baixo do anel onde pega a sondareza , fixado 
tudo por uma cavilha de ferro metida em um cylindro de 
chumbo convenientemente pesado para romper o fluido que 
tem que atravessar, cujo cylindro é concavo na parte inferior 
para receber uma porção de cebo que deve indicar, como é 
sabido, a naturéza do fundo, 


1842. PRUMO LE COENTRE. 89 


Este novo prumo de sondar, tão simples como engenhoso , 
deve ser lançado ao mar e arreado com promptidão como 
qualquer prumo ordinario; a resistencia encontrada na acção 
de romper o fluido, a qual obra no sentido vertical de baixo 
para cima, é quem faz com que as azas metalicas se abram 
dentro do machinismo , e ajudadas pelo effeito da sua inclina- 
ção não possam ficar em repouso e comecem a girar em roda 
do eixo, fazendo igualmente girar o parafuso sem fim que ar- 
rastará o index desde zero até certo numero de divisões ; e 
logo que qualquer ponto da machina tocar no fundo, tudo pa- 
rará absolutamente dentro da mesma; a força que dava o 
movimento ás azas cessará inteiramente; e-ellas, cedendo ao 
seu proprio peso, se dobrarão ; parando o parafuso, bem como 
o index. Quando se ala o prumo para cima, as azas conti- 
nuam a ficar dobradas sobre o eixo, e não ha causa alguma 
que faça mover o parafuso nem o index. 

Os officiaes que compunham o estado maior da fragata a 
Argelina, surta no ancoradouro de Brest, foram nomeados 
para formar uma commissão encarregada do exame e expe- 
riencias relativas a este prumo: procedeu-se pois ás expe- 
riencias mesmo dentro do porto por 15, 18, 20 e 25 braças: 
mas não contentes fizeram-se de véla, sahiram do porto e foram 
prumar em maior profundidade a O. d'Ouessant , e conclai- 
ram que, qualquer que fosse a profundidade , duas divisões 
da escala correspondiam a uma braça percorrida. 

A maneira de sondar com este prumo, estando o navio 
atravessado , é a seguinte: larga-se o prumo da grinalda, di- 
ligenciando-se que elle vá mergulhando o mais vertical possivel, 
e que de modo algum encontre qualquer resistencia até chegar ao 
fundo; deve-se por consequencia deitar ao mar a maior por- 
ção de linha possivel em razão do fundo , pouco importa que 
sobejem 20 ou 30 braças da sondareza necessaria para en- 
contrar o fundo; o que se quer é que não porte pela mesma 
antes de lá chegar: póde-se mesmo deitar ao mar a sondare- 
za toda ou em porções, mesmo colhida, por quanto, indo 
clara, o prumo a irá levando e descolhendo. 

Se o navio vai andando entre duas e quatro milhas por 
hora, pode-se prumar largando o prumo tambem da gri- 


(S 


90 Ha PRUMO LE COENTRE. Nºº 2, 


nalda, com tanto que o fundo não exceda a 80 braças ; logo 
atraz do prumo se lançará uma porção de sondareza colhida 5 
e ir-se-ha depois arreando como quem deita a barca, sem 
consentir que o navio puxe pelo prumo. Se o seguimento fòr 
maior do que quatro milhas, então melhor será largar © pru- 
mo das mesas do traquete, tendo sempre toda: a cautella em 
que os marinheiros não tentéem a sondareza na mão; mas 
sim que vão arreando sempre em demasia; porque já se deve 
ter percebido que neste systema só se conhece o numero de 
braças quando o prumo vem acima, lendo na escala; poucó 
importa a linha de mais que elle levou para o fundo. 

Quanto mais fina ou delgada fôr a linha da sondareza, 
tanta mais exactidão se poderá obter na sonda, porque me- 
nor resistencia experimentará ao romper a agua. 

Quando se alar o prumo dentro, far-se-ha seguido sem 
arrear cousa alguma; aliàs faria abrir novamente as azas € 
percorrer o parafuso alguns grãos da escala. 


Antes de sahir de qualquer porto, é sempre bom experi- 


mentar o prumo, mesmo porque póde ser construido de uma 
outra maneira; isto é, que duas divisões da escala não cor- 
respondam a uma braça, mas sim a mais ou a menos. Para 
conservar sempre o prumo Le Coentre apto para o serviço, de- 


ve ter-se cuidado em que o parafuso se não oxide, e que gire 


com facilidade; o que se poderá conseguir trazendo-o sempre 
azeitado. == F. A: M. P, 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 91 


; AVISOS AOS NAVEGANTES. 
N.º. 
Farol de Hessello , no mar Kattegat. 


Repartição Hydrografica do Almirantado, 9 d'Outubro de 18441. 


À Direcção das Alfandegas de Copenhague publicou a se- 
guinte noticia : 

Acaba de se erigir um farol na ilha de Hessello, no Kattegat, 
o qual se deveria accender naquelle mez. A sua luz é de rota- 
ção, durando cada revolução por espaço de um minuto na fórma 
que se segue: a uma mui brilhante luz, continuada por 11 
segundos, succederá outra mais fraca, por 19 segundos, a 
qual se eclipsará por 11 segundos, tornando outra vez a ap- 
parecer por 19 segundos, findos os quaes seguir-se-ha nova- 
mente a luz brilhante. 

Este farol, estando 85 pés acima do nivel do mar, póde 
ser visto de toda a parte do Horisonte , na distancia de 14 
milhas. 

O edificio tem 32 pés de altura; é caiado ou pintado de 
branco, e está situado na latitude 56º 14! 45" N., e na lon- 
gitude 11º 42' 20" E. de Greenwich. 

(Nautical Magasine, Dezembro de 4844.) 


N.º 2. 
Faroes de Gottenburg. 


Repartição Hydrografica do Almirantado, 26 d'Outubro de 1841. 


O Conselho do Almirantado de Stockolm publicou o se- 
guinte ; 


92 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 2, 


1.° Um farol na ilha de Winga se accenderia pela pri- 
meira vez no principio de Novembro ultimo, e continuará to- 
das as noites durante o anno. 

2.º Os farces nas ilhas de Puskar, e Botto tambem se 
deveriam accender no primeiro do dito mez, porém continua- 
rão sómente entre os dias 15 de Agosto e 15 de Abril de 
cada ammo. (Idem. Idem.) 


N.º d. 
Farol na ilha de Pracestoe, Noruega. 


Repartição Hydrografica do Almirantado, 26 d"Ontubro de 41844. 


O Conselho do Almirantado de Stockolm fez publico, que 
se acha estabelecido um farol fixo na ilha de Praestoe, no golfo 
de Folden (Provincia de Drontheim) situado na latitude de 
64º 47' 26" N., e na longitude de 11º 87a E. de Greenwich. 

Este farol está elevado 33 pés acima da superficie do mar, 
sendo por isso visivel na distancia de 10 milhas. 

O dito farol será illuminado todas as noites, desde 15 de. 
Agosto até 30 de Abril de cada anno. 

Os navios que navegarem para Nacroe Sound em deixan- 
do o golfo de Folden, deverão observar que se descobre uma 
mui brilhante luz, demorando a ENE., e que dirigindo-se 
pat ella, seguindo o dito rumo, evitarão os perigos de am- 
bos os lados do canal ao SO. da ilha de Praestoe : deverão porém 
ter a cauteila de não se encostarem tanto para E. que percam 
de vista a luz. Logo que cheguem a um quarto de legoa de 
Praestoe deverão governar ao NNE, até que a ilha demore a 
E.; e então Deitado ao rumo de NE., que os conduzirá a Nae- 
roe Sound. 

N. B. Os rumos indicados são magneticos, sendo a varia- 


ção de 20º NO. (Idem Idem. ) 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 93 
Nºº A. 


Novas boyas nos bancos India, Arklow e Glassgorman na costa 
de Leste da Irlanda. 


Repartição do Lastro em Dublin, 44 d'Outubro de 1844. 

A corporação encarregada da conservação e melhoramento 
do porto de Dublin faz publico, que uma nova boya se collo- 
cou na extremidade do S. do banco Índia, e que se annexou 
uma balisa á boya da extremidade do N. do banco Arklow: 
em seguida vão às explicações dadas por Mr. Halpin, Inspe- 
ctor dos faroes, sobre a posição e apparencia das ditas boyas. 
A boya da extremidade do S. do banco Índia é pintada de 
preto, e tem na parte mais larga, em letras brancas, as se- 
guintes palavras == Índia Grounds South== A boya está an- 
corada em 5 braças na baixa-mar. 

A boya da extremidade do N. do banco Arklow é pintada 
de preto com listas brancas, que a circulam de todos os la- 
dos: na parte inferior, é toda preta, e na mesma se lê em 
caracteres brancos o seguinte letreiro == Arklow Bank North — 
Uma balisa de figura cónica , pintada de branco, está fixa na 
parte superior da boya sobre um estrado triangular. Esta boya 
está ancorada em 5 braças na baixa-mar. 

Wicklow Head, demorando ao N. 4 NO. 
Mizen Head, » ao O. 

Trata-se de collocar mais duas boyas pela parte de fóra 
do banco Arklow, de que se dará a devida noticia: a sua ex- 
tremidade do S. está presentemente marcada pelo farol fla- 
ctuante de Arklow Bank. | 

Ao O. do farol fluctuante de Arklow Bank, e ao mar da 
costa de Wexford está o banco Glassgorman, em cuja ponta 
do NE. existe uma grande hoya pintada de preto com listas 
encarnadas em todo o seu comprimento , e na parte mais lar- 
ga tem em letras brancas as palavras ==Glassgorman Bank — 
Esta boya tambem está ancorada em 5 braças na baixa-mar. 

Arklow Rock (ponta de fóra) demorando ao N. 4 NO. 

Tara Hill....... Edo tada a >» ao O. 

Os rumos são magneticos. == Por ordem. == H. Vereker, 
Secretario. pra (Idem. Idem. ) 


—— — 


in 


94 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 2. 
INS Todo 
Farol de Liorne. 


O governo do Grão Duque de Toscana fez constar, mea 0 
farol dê porto de Liorne, na latitude de 43º 32/ 44" N., 
na longitude de 10º 17' 35” a E. de Greenwick, que tá 
aqui era de uma luz fixa, appareceria desde 15 de Dezembro 
ultimo em diante como uma luz interpolada , alternadamente 
vermelha e branca, cada uma por espaço de 40 segundos, 
com eclipses entre uma e outra. 

Esta luz, estando 154 pés acima do nivel do mar, será 
visivel na distancia de 20 milhas: durante os eclipses ainda 
se descobrirá uma luz mui fraca até á distancia de 9 milhas, 
além da qual a obscuridade é completa. (Idem. Idem.) 

N.º 6. 
O rochedo Havre ao Norte da Nova Zelandia. 

A seguinte noticia deste rochedo é importante aos nave- 
gantes, visto que ainda as cartas não fazem menção delle : 
parece ter relação com o grupo das ilhas situadas ao NE. da 
Nova Zelandia. 

O capitão Privat do navio baleeiro == Havre == refere que 
elle descobrio, nas agoas da Nova Zelandia, um perigoso ro- 
chedo, distante 5 legoas e um quarto ao NO. 4 1 O. (Ma- 
gnetico, sendo a variação media 12º 10' NE.) do rochedo 
Esperance. Segundo as sondas que o dito capitão fez, mostra 
ser a extremidade de uma rocha, pouco mais ou menos do 
tamanho de um navio, tendo em cima apenas 3 ou 4 pés de 
agoa, ao mesmo tempo que em roda delle se acham 12 a 19 
braças de fundo. 

Este rochedo está situado na latitude 31º 19' S., e na 
longitude 178º 35" a E. (julgo ser de Greenwich) achada por 
dois chronometros, a qual tambem concorda com a posição 
do rochedo Esperance. 

Como este rochedo ainda não era conhecido nem estava 
marcado em carta alguma, por isso o capitão o denominou 
==Havre == do nome do seu proprio navio. 

(Shipping Gazette.) 


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Wo op ojstõoy op “ofo ON e o119p100 'S Ep ‘L IN “Quouap ogudeg| oc l | -eg ap vzonbng |} — sejesvag| 


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sousa Z ER, 8 > sop ` Bop SIWON sep 
Eos E sourou a 'socdenpma “arg [i 
e a Ss E) ope em 
Feto) eS esenp RF pepi 


SYBE PP onada op oh ON 
'SONILSAG SAAS A '0OLNIWVIWNHV WA OAVLSA OA SOIAVN 


ERRATA. 


Na pagina 42, onde termina a noticia da Republica do Centro- 
- America, deve lêr-se = (Continuar-se-ha. ) 


uU 


WARITEMOS E COLGNIAESo 
N.º 3 
SEGUNDA SERIE, 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 
Janeiro de 1842. 


19. Tender: promovendo ao posto de Segundos Te- 
nentes d'Armada os Guardas Marinhas José Maria Cardoso , 
Augusto Pio dos Santos, Augusto Piauhilino Craveiro Lopes, 
José Gomes Hemiterio Pinna, Antonio Francisco Gonsalves, 
Domingos Avelino de Sousa Neves e José Joaquim de Sousa 
Neves, contando os primeiros seis a sua antiguidade de 
26 de Novembro de 1840. 


Fevereiro. 


3. Decreto, promovendo a Capitão o Primeiro Tenente 
da extincta Brigada da Marinha Lourenço Justiniano Rodri- 
gues, continuando a ficar em disponibilidade, como actual- 
mente se acha. 

5. Decreto, passando á Classe dos Officiaes em disponi- 
bilidade da extincta Brigada de Marinha, com o soldo da Fa- 
rifa de 1814, o Capitão do Batalhão Naval Carlos Francisco 
Rangel, em consequencia de contar 31 annos de bom serviço, 
tendo soffrido uma longa prisão, por desafecto ao Governo 
do Usurpador, e achar-se presentemente muito arruinado de 
saude. 


1 


98 ACTOS DO GOVERNO. N.º 3. 


Circular a que se refere o Oficio ao Major General d’ Armada 
de 114 de Novembro de 1841. 


O abaixo assignado, do Conselho de S. M. o Imperador, 
io e Secretario. d Estado dos Negocios Estrangeiros, tem 
a honra de dirigir-se ao Sr. Ildelfonso Leopoldo Bayard, En- 
viado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Sua Ma- 
gestade Fidelissima , para significar-lhe que o Sr. Ministro da 
Marinha communica ao abaixo assignado , que em consequen- 
cia de alguns abusos que se têm observado , expedira ordem 
ao Quartel General da Marinha, para que sempre que che- 
gar a esta Córte algum navio da Armada Nacional e Impe- 
rial vindo de portos estrangeiros , onde conste haver molestias 
contagiosas, ou haja encontrado na sua derrota qualquer na- 
vio com taes molestias, ou procedente de taes portos, seja 
sujeito à visita da saude, e não tenha communicação com a 
terra, sem autorisação do dito Quartel General, ficando de- 
baixo da vigilancia da embarcação da referida Armada, que 
estiver fazendo o registo do porto. O abaixo assignado apres- 
sa-se a comunicar esta medida sanitaria ao Sr. Bayard, que 
o Governo Imperial acaba de adoptar com o louyavel fim de 
empecer á propagação de contagios, que ás vezes contaminam 
populações inteiras, por falta de precauções, mesmo na Eu- 
ropa onde ellas se tomam em grande escala; e está bem certo 
que o Sr. Bayard se servirá intervir completamente para que 
as Embarcações de Guerra da sua nação, que hajam de en- 
trar nos portos do Imperio, se prestem ás medidas determi- 
nadas pelo Governo Imperial, nos casos especificados , dando 
outro sim os seus Commandantes, ao da embarcação de re- 
gisto, nos portos em que a houver, ou ás autoridades terri- 
toriaes, parte por escripto dpenas derem entrada no por- 
to do sen destino, do estado sanitario das suas equipagensy 
para poderem sem demora communicar com a terra. O abaixo 
assignado aproveita a occasião para reiterar ao Sr. Bayard as 
expressões da sua perfeita estima e distincta consideração. — 
Palacio do Rio-de Janeiro, 7 de Julho de 1841. == Aurelia- 
no de Sousa e Oliveira Coutinho — Está conforme, == José de 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 99 


Vasconcellos e Sousa. — Está conforme. — Secretaria d’ Estado. 
dos Negocios Estrangeiros em & de Novembro de 1841. = 
Antonio Joaquim Gomes de Oliveira. — Está conforme. == 
Antonio Jorge de Oliveira Lima. 


ACTAS DA ASSOCIAÇÃO, 


SEGUNDO ANNO. 


Sessão 2.º 


Presidida pelo Sr. Vice-Presidente, - 

iii as actas das duas Sessões antecedentes, e foram. ap= 
provadas. 

Leu tambem o Secretario um officio do Sr. Isidoro Francisco 
Guimarães Junior, o qual communica á Associação que por se achar 
quasi sempre em serviço fora de Lisboa , não póde continuar a ser 
socio. — Outro do Sr. Ignacio de Vilhena Barbosa, que agradece a 
remessa dos Annaes da Associação, e offerece uma collecção com- 
pleta do Universo Pittoresco. — Terceiro do Sr. José Gregorio Pe- 
gado, pedindo ser exonerado de pertencer á Commissão Administra- 
tiva para que havia sido eleito. — E finalmente , uma proposta so- 
bre o arranjo e direcção do Archivo da Associação, que dirige o Sr. 
José Xavier Bressane Leite, desculpando-se de não poder assistir á 
Sessão em consequencia de doença. 

Terminadas todas estas leituras, decidio a Assembléa, que se 
acceitasse a renuncia do Sr. José Gregorio Pegado, e que a proposta 
do Sr. Bressane Leite passasse á Commissão Administrativa para, 
acerca della, interpôr o scu parecer. 

O Sr. Jacinto da Silva Mengo communicou á Assembléa que o 
Sr. Presidente o havia encarregado de dar conhecimento á Associa- 
ção que, por doença, lhe não era possivel assistir a esta sessão. 

Os Senhores João Pedro Nolasco da Cunha, Joaquim José Cecilia 
Kol, e Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa participaram á As- 
sembléa, que as eleições a que se procedeu nas Secções, em virtude 
` do que dispõem os Estatutos, tiveram o seguinte resultado ; 


Marinha Militar. 


Presidente, o Sr. João Pedro Nolasco da Cunha. 
Secretario, o Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira, 


é ds 


190 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.º 3. 


Relator, Pedro Alexandrino da Cunha, 
Membros da Commissão de Redacção, os Senhores Feliciano 
Antonio Marques Pereira, e Francisco de Borja Pereira de Sá. 


Ultramar. 
Presidente, o Sr. Antonio Aluisio Jervis d' Athouguia. 
Secretario, o Sr. Joaquim José Cecilia Kol. 
Relator, o Sr. Jacinto da Silva Mengo. 
Membros da Commissão de Redacção, os Senhores José Tavares 
de Macedo, e Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo. 


Marinha Mercante. 


Presidente, o Sr. Joaquim José Falcão. 

Secretario, o Sr. Joaquim Maria Bruno de Moraes. 

Relator, o Sr. Antonio Lopes da Costa e Almeida. 

Membros da Commissão de Redacção, os Senhores Jacinto da 
Silva 1 Mengo, e Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 

Entrou em discussão a proposta do Sr. Marques Pereira, sobre 
a collocação dos fogões a bordo dos navios menores; e, depois do 
Sr. João Pedro Nolasco da Cunha ter manisfestado que não só as 
suas intenções, mas tambem o que já havia começado a mandar 
executar a este respeito estava em harmonia com o pensamento da 
proposta, foi esta retirada por seu autor. 

O Sr. Antonio Maria Couceiro oflereceu á Associação seis exem- 
plares do indice chronologico das navegações, viagens, descubri- 
mentos e conquistas dos Portuguezes nos paizes estrangeiros, desde 
o seculo XV, ultimamente publicado; e proximo a retirar-se para 
a provincia do Alemtéjo, oferece á Associação os seus serviços 
naquella parte da Monarchia. 

O Sr. Presidente agradeceu a este Sr. tão graciosos offerecimen- 
tos, significando-lhe igualmente, em nome da Associação, o senti- 
mento que lhe cccasionava a ausencia de um Socio que tão desvela- 
damente se tinha empenhado no desenvolvimento e execução, do seu 
programma. 

E estando a hora adiantada fechou a Sessão, dando para ordem 
do dia' da seguinte o parecer da Secção de Marinha Militar, ácerca 
das habilitações dos pilotos, e a descripção da viagem por terra da 
Bahia ao Rio de Janeiro, oflerecida pelo-Sr. Antonio Gregorio de 
* Freitas. 


Sala das Sessões, 18 de Janeiro de 1842, — O Secretario, Joa- 
quim José Gonsalves de Mattos Corréa. 


a di n 


f942. `- POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 101 


— D =—— 
ASIA PORTUGUEZA. 


” SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Asia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario: d Associação, 
Manoel Felicissimo. Louzada d' Araujo d' Azevedo. 


Goa. 

N, antecedente memoria designei as limitadas possessões 
que hoje nos restam na Asia; e, Ca agora por dar no- 
ticia da sua anfiga capital, repetirei as palavras de Mr. Cotti- 
nau de Kloguen, que em 1831 escreveu sobre este assumpto.’ 

«A cidade de Gôa, diz o citado A., foi celebrada em 
« todo o Universo: poucos homens ha, que desconhecam O 
« seu nome, a sua posição geografica, e o titulo que lhe per- 
« tence de capital dos Portuguezes da Asia; a parte que to- 
« mou nos successos do Oriente; a sua conquista em 1510; 0 
« esplendor e riqueza a que depressa subio, e a sua succes- 
“« siva decadencia se lê em todos os livros, que tratam destas 
« cousas: mas a sua historia local, a população e extensão de 
« seu territorio, o estado e o numero de seus edificios mais 
« notaveis, quando construidos, as diversas instituições, leis e 
« costumes de seus babitantes, as castas em que estes se divi- 
« dem, ou são pouco conhecidas ou inficlmente descriptas ; e 
« ainda mais desconhecido é o estado presente daquella cidade 
« famosa, e do importante territorio a que presta o seu nome. » 

Assim se exprime um dos membros honorarios da socie- 
dade auxiliar Asiatica de Bombaim, e da sociedade litteraria 
de Madrasta , fallando de Gôa; e se ás suas judiciosas refle- 
xões accrescentarmos o errado conceito em que todos os dias 
vemos tomar as cousas da India, e a dificuldade de ir por 
ellas sem um tribunal consultivo, demonstrado ficará o serviço 
que se faz áquelles póvos e ao Estado, apresentando , ainda 
que em tôsco e resumido quadro, tudo aquillo que o escriptor 


coevo suppõe desconhecido dos estranhos; e infelizmente o é 
de nacionaes, 


102 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º2,. 


E com effeito as cousas da Asia só alli se aprendem, por- 
que muito diflerem das da Europa. A todo o instante ellas se 
ressentem de leis heterogeneas, que a êsmo se têm alli plan- 
tado, e de innovações que a capricho se têm posto. A sua ad- 
ministração particular é totalmente estranha a um Europêo. Os 
usos e costumes de seus póvos discordam em tudo dos nossos ; 

e os seus interesses têm principios só a elles peculiares ; o que 
tudo cumpre ter bem presente para com acerto se tomar 
qualquer deliberação que lhes diga respeito. A distancia da 
metropole, o modo porque os negocios da India muitas vezes 
se representam e outras considerações, fizeram alli estabelecer 
em outro tempo um conselho legislativo ; dizendo-se na Carta 
Regia de sua creação datada de 9 d'Abril de 1778 « que só 
« na Índia se poderá bem saber, o que na Índia se precisa. » 
Em algumas das suas colonias da Asia, têm os Inglezes estes 
corpos legislativos, (tal é a convicção deste principio) não ob- 
stante a facilidade, e meios de' rapida communicação com a 
metropole. As leis, usos e estylos daquelles póvos se respei- 
tam ; ainda hoje muitos delles são, por estas leis, e usos julga- 
dos em tribunaes Inglezes. Cegos plagiarios das ei dos outros 
paizes, ainda nos não lembrou seguir tão bello exemplo; e 
assim as necessidades das nossas possessões ultramarinas, ou se 
ignoram, ou se não provêm no labyrinto de informações, as 
mais das vezes, oppostas e encontradas. Em alguma cousa po- 
rém fomos originaes; mas a triste experiencia só tem produ- 
zido enorme despeza para a Fazenda Nacional. 

A dicção da presente memoria, ainda que imperfeita e 
sem methodo , occorrerá talvez a algum destes inconvenientes. 
A residencia no paiz por alguns annos, com exercicio nos 
principaes empregos de justiça e fazenda; na presidencia e 
exercicio de commissões importantes; o auxilio de pessoas 
melhor conhecedoras delle, e alguns escriptos posteriores que 
se consultaram, garantem a possivel exactidão; e a leitura 
deste breve resumo convencerá, pelo menos, que só quem 
não conhece Gôa e o importante territorio que a cérca, po- 
derá receber a idéa insensata, e que por vezes tem vogado,, - 
de abandonar aquella possessão : idéa nascida na ferrenha do- 
minação de Castella, para acabar com todos os monumentos 


` 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 103 


de gloria Portugueza. É preciso conhecer Gôa, e o quanto 
nos serve e poderá ainda ser grandemente util, pela sua pro- 
ximidade de nossos dominios d'Africa Oriental, se despertando 
do lethargo em que jazemos , quizermos ainda cultivar a ri- 
queza immensa , que elles produzem. 

O territorio de Gôa é situado na orla maritima occiden- 
tal da Asia nos limites do Concão do Sul ou costa dos pira- 
tas. (a) A latitude marcada pelo Castello d'Agoada, que» fór- 
ma a ponta do Norte da bahia, é de 15º 28° 20" do Septen- 
trião , conforme Rennell e Darlrymple. 3 

O nome de Gôa (b) não apparece na carta de Ptolomeo 


(a) A costa occidental da India, desde o tempo dos Romanos 
em diante, foi celebrada por assento de piratas; e Plinio menciona 
com especialidade o porto de Niticas, que Rennell 'suppõe ser New- 
tis entre Vingorlá e Maluana:, donde sahiam as embarcações in- 
dianas a cruzar naquella costa. As piraterias não cessaram até ha 
poucos annos, que toda a orla maritima veio ao dominio Inglez ; e 
é por isso que em algumas cartas geograficas o Concão do Sul vem 
denominado Costa dos piratas. É pois Concão e Costa dos piratas 
uma, e a mesma cousa; mas se o territorio de Góa cra comprehen- 
dido neste paiz, se pertencia ao Canará, ou se tinha nome particular 
diferente do Concão e Canará, póde admittir duvida. Rennell sup- 
põe que o territorio de Gôa fazia parte da Costa dos piratas ou Con- 
cão. A denominação que os gentios conservaram de Concanós, a af- 
finidade de lingoagem , costumes e manciras, e até a topografia do 
paiz tudo indica que o districto de Gôa fazia e faz parte do Concão 
meridional; sendo o Canará desde o cabo de Rama ou do Piro até 
Talicheira. Póde fazer duvida a denominação de Canarins dada aos 
nativos Christãos de Gôa ; mas se se attender que o Canará foi chri- 
slianisado dez annos antes de Gôa, e que muitos dos nativos daquel- 
Je paiz acudiram a este, talvez os Goanos Christãos quizessem antes 
donominar-se Canarins do que Concanós; ou que os gentios, con-= 
servando este appellido, dessem o outro aos neófitos.; 

(b) Gôa, ou Gopacpour, cidade de véla (talvez por muito 
commerciante em remotas eras) tira o seu nome do Rei seu funda- 
dor, Goaldeo, filho de Cheturbhum e neto de Toloccken Cadambó , 
segundo duas laminas descobertas soterradas, com uma inscripção 
de letra Nandinagar e lingoagem Sansorut , datadas d' Abril de 1054 
da era vulgar. Não se menciona o logar e anno desta descuberta , 
no escripto donde se extrahio a presente nota. O grande A. @’ Albu- 
querque lhe poz o nome de == Manoel = por ser conquistada no fe- 


liz reinado do Sr, D, Manoel. Prompt. das difin. Ind. Trat. 2.º 
cap. 3.º 


104% MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA Nº 


nem no Periplo do mar Erythreo, assim como nenhum dos 
outros paizes, em que Plinio diz commerciavam os Romanos, 
vêm enumerados pela nomenclatura de hoje. Rennell suppõe 
ser Gôa o == Tyndis == do Periplo; e, considerada a vastidão, 
commodidade e segurança daquelle porto , é crivel que elle 
fosse visitado e frequentado pelos navios do Occidente , que 
navegavam no mar da India. 

Até aos fins do seculo 14.º , Gda se conservou no dominio dos 
Soheranos Indios da dynastia == Cadame == que eram feuda- 
tarios, ou pagavam tributo aos Imperadores do Bisnagar, 
Principes que foram algum tempo dos mais poderosos da In- 
dia. Por aquella épocha (ignora-se precisamente o anno,) ha- 
vendo caducado a dynastia reinante, os Arabios que em 1053, 
convidados por Zaquexi Cadame, se tinham estabelecido em 
Gôa, com casas, feitorias e commercio se senhoresram della, 
e se fizeram independentes : e foi este o primeiro Governo 
estrangeiro, que teve aqueile paiz, apesar das muitas invasões, 
que já então soffrera o Indostão. Em 140% foram os Arabios 
expulsos, e Gôa passou outra vez ao poder dos Reis Indios. 
Vir Ari-lar Rajá Chefe do Bisnagar a unio a seus estados , 
e unida continuou até ao anno de 1479, em que, levantan- 
do-se os póvos de Onor contra os Mouros alli residentes, um 
grande numero destes, capitaneados por Melique Oûm , des- 
embarcou em Gôa e fundou novo Estado e Governo. (c) 

Em 1491 Issuf Hidalxá de nação Patane, que era Rei 
de Visiapur, estendeu os seus limites até Gôa, e mandon sem 
filho o Principe Xahagad (vulgarmente o Sabajo cu Sabaio) 
governa-la. Em 1510 Affonso d'Alhbuquerque a conquistou e 
constituio capital do Imperio Portuguez na India, em cuja Ca- 
thegoria se tem mantido até nossos dias. 

“A cidade de Gôa, na lingoa do paiz Govay , era situada 
na parte do Sul da Ihoa ded Tissuary , onde hoje se chama 
= Gôa velha==; e se observam ainda ruinas e vestigios de 
largas ruas e edificios. Melique Oum a mudou para a parte 
do Norte, e foi depois da conquista cercada de muros e en- 
grandecida : dista quasi 6 milhas do Oceano. 

(c) Barros Decad. 1.º L. 8.º cap. 10,” Orient, Cong. 4i 
D. 1.º 8 1%. 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 105 


Affonso d'Albuquerqueaportou a Gôda em 17 de Feve- 
reiro de 1510. As suas náos fundearam defronte da fortaleza 
de Pangim, hoje residencia dos Governadores , e atacando lo- 
go a cidade, se senhoreou della; mas em Maio seguinte ca- 
hio sobre a ilha o Hidalcão com poder tal, que o conquista- 
dor Portuguez teve de recolher-se às nãos com a sua 
gente, abandonando a cidade e o porto. Em Novembro do 
mesmo anno voltou Albuquerque, e á viva força recuperou a 
conquista perdida, aos'25 do dito mez, que por ser o anni- 
versario de Santa Catharina, a tomou por padroeira e prote- 
ctora da cidade, em cuja capella se celebra annualmente este 
dia: á- festividade assiste o Governador, a Relação, Camara 
Municipal e mais Autoridades e o Clero. 

Albuquerque deu-se logo ao cuidado de fortificar a cida- 
de, e de a tornar florecente £e a embellezou com palacios c- 
igrejas que mandou edificar. Deu-lhe leis e tribunaes, animoa 
o commercio, fez cunhar moeda em nome d'EiRei D. Manoel, 
promoveu os casamentos entre os Européos e nativas do paiz, 
e Gôa subio à sua maior prosperidade até ao anno de 1571, 
tendo sido erecta em bispado em 1534, e depois arcebispa- 
do primaz do Oriente no anno de 1557. Foi seu primeiro 
Bispo Ð. Fr. João d'Albuquerque;, franciscano e parente do 
heroe deste nome. D. Gaspar de Leão Pereira, Conego da 

«Sé d'Evora, foi o seu primeiro Arcebispo. O Vice-Rei D. 
Antão de Noronha, que governou de 1564 a 1568, deu 
principio á grande muralha que ainda existe pelo NE. da ci- 
dade e costêa a ilha pela banda de Léste, e que depois foi 
continuada na direcção de Oeste até ao monte que fica pelo 
Sul do Convento de Santo Agostinho, onde ainda se observam 
vestigios de uma pequena bateria, vindo a acabar no outeiro 
sobranceiro á casa da polvora, cujo espaço immenso o não 
guarnecem dois mil homens : obra imperfeita, em muitas par- 
tes arruinada (d) e que hoje para nada serve, estando a cidade 


(d) Pelo lado de Panelim a muralha está já cahida; porém o 
fósso que parece a guarnecia, ainda se vê proximo do Collegio de S. 
Thomás, com uma pequena ponte, que communica com a cidade e 
hoje serve para desagoamento das agoas do Monte. Pelo lado do Sul 
tambem esta muralha está por terra, 


196 “MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 3. 


abandonada, e por conseguinte differente a posição da capi- 
tal e o systema da sua defeza. Os antigos muros da cidade 
estão por terra. 

A cidade tinha milha e meia de extensão, e quasi outro 
tanto de largo e 7 milhas em circunferencia; e comprehendia 
cinco freguezias, duas das quaes eram priorados. Os seus me- 
lhoxes edifícios eram a Cathedral, o palacio contiguo do Ar- 
cebispo, o palacio do Governo, o da Inquisição, que era o anti- 
go serralho do Elidalcão, o Arsenal, a casa do Senado da Cama- 
ra, da Relação, da Junta da Fazenda, Hospital militar, o 
dos pobres, Casa da Misericordia, e differentes Conventos de 
magnifica e elegante architectura, entre os quaes muito avul- 
tam ainda os da Ordem de Santo Agostinho e de S. Domin- 
gos. A planta junta indicará estes edificios, e os logares 
onde existiram os que hoje estão demolidos: por ella se póde 
conjecturar o que foi esta cidade famosa , que em si contava 
mais de 200.600 habitantes, e hoje não tem uma só familia, 
nem casas de particulares ; e apenas poucas choupanas e pa- 
lhotas se encontram espalhadas entre as ruinas, que ainda 
guarnecem os vestigios de praças e de largas ruas. Todavia, 


quem pela primeira vez subir o rio e se dirigir a Gôa, será - 


agradavelmente illudido ao ver ao longe estes edificios, suas 
altas torres e zimborios, e a soffrivel apparencia das casas de 
Panelim , antigo suburbio da cidade; mas chegando ao excel- 
lente caes, que ainda existe, conhecerá a ilusão, e que quanto 
ao longe se lhe figurava reunido, impondo uma grande povoa- 
ção, está disperso e isolado entre matto e palmares, no meio 
dos quaes só reconhecerá hoje os nomes dos bairros antes do- 
miciliados por gentes de differentes seitas, o pelourinho e o 
bazar mobis Pelo resto da ilha, nas de Chorão e Divar, 
e á beira dos rios de Bardez e Salsete, a população era em 
proporção á da cidade, onde os Christãos eram em tão cres- 
cido numero, que só do livro dos baptisados do priorado de Nossa 
Senhora da Luz se vêem relacionadas mais de 30.000 almas. 
Ha por alli agora freguezias que não têm um só fogo, outras 
que apenas contam dois, quatro ou pouco mais; como são 
Santa Anna, Batim, Moulá, S. Simão, Neurá , Bambolim', 
Chicalim e outras. 


1842 DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASTA. 107 


A causa principal desta despovoação é a insalubridade dos 
lugares, e os costumes dos gentios. Não ha bairro de bons 
ares dentro da cidade, qualquer que seja a causa, dizia Fr. 
Antonio de Sousa no seu Orient. Cong. 1. D. 1. § 16 e 17. 
P. 1. Os ares da cidade são muito nocivos á vida dos Portu- 
guezes, è ainda dos nativos, particularmente nos mezes de 
Outubro, Novembro e Maio, nos quaes antigamente os Mou- 
ros costumavam retirar-se para as suas quintas ou palmares.’ 
A epidemia declarou-se na cidade em 1635, governando o 
Vice-Rei Pedro da Silva; e os ricos habitantes della começa- 
ram a abandonar as suas habitações; o mesmo Governo mu- 
dou a sua residencia para o palacio de Panelim , suburbio da 
“cidade, onde hoje está o Hospital militar : este exemplo foi 
depois facilmente seguido ; porque os Asiaticos são geralmente 
cosmopolitas, e e mudam: frequentemente de morada segundo 
o interesse os convida. E muito ordinario ver em qualquer 

eserto, ou sitio montanhoso, onde acodem tropas, de repente 
formado um campo com casas e bazares, que se póde tomar 
por uma grande villa, a qual com a mesma facilidade desap- 
parece, sahindo a tropa (e). O mesmo succede em. occasiões 
d'epidemias , que são frequentes na Zona torrida. Logo que a. 
epidemia se declara em uma aldêa ou contornos , desappare- 
cem os que têm pouco que perder, que são quasi todos; e o 
resto perece, ou se retira pouco a pouco ; e em menos de 
dez annos, não fica um só edificio em pé. Tal foi o occorrido 
na cidade, que muito perdeu tambem pela extincção dos Je- 
suitas e pelo abandono de cinco de suas magniíicas casas, duas 
das quaes já não existem; e assim irão os demais soberbos 
Conventos, cuja impolitica suppressão foi pôr o remate á des- 
truição de Gôa. Entretanto, os Governadores continuaram a 


(e) Assim aconteceu quando, durante a guerra de Napoleão, 
os Inglezes occuparam o sitio do ==Cabo= proximo a Pangim. 
Aquelle monte se tornou logo em uma bella e grande povoação, 
aonde concorria tudo : hoje só alli existe a casa conventual dos ex- 
tinctos franciscanos, reformados e os quarteis, hospital e cemiterio 
que os Inglezes edificaram, e se conservam no dominio da Compa- 
nhia Togleza ; ; e é logar de convalescença, por elles muito procurado, 
pela sua elevada e saudavel situação, 


108 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NASS 


residir occasionalmente no palacio de Gôa, o qual de todo 
abandonaram desde 1812, e alli recebiam em dias de grande 
galla o cortejo para taes dias decretado, embaixadas e outros 
actos d'etiqueta. Ainda hoje se celebra na cidade a procissão 
de Corpus Christi, a festividade de Santa Catharina, as accla- 
mações dos Reis, a posse dos Governadores, e outras solemni- 
dades publicas. 

Ao Governador D. José Pedro da Camara, o primeiro 
que foi á India com o titulo de Capitão General, se ordenou 
em 1774 residisse na cidade, que faria reedificar, chamando 
para ella as-familias dispersas; e com effeito algumas ruas se 
edificaram á borda do rio, para o que se lançou o imposto 
de um por cento, arrecadado na alfandega da capital; e foram 
fintadas as camaras geraes e as communidades das aldêas, que 
construiram casas para dar de arrendamento ; mas todos estes 
trabalhos e-despezas mallegrou a insalubridade do logar, e já 
nenhum desses edificios existe: com tudo as repartições pu- 
blicas alli permaneceram até 1818, em que o Vice-Rei., 
Conde do Rio Pardo, mudou a Relação e a Junta de Fazenda 
para Pangim , onde já, desde 1811, estava a alfandega, e a 
Séde do Governo desde 1759. Em 1835, para alh transferio 
tambem o Governo Provisorio, a Camara Municipal e o trem 
do exercito. Hoje só habitam a cidade as freiras de Santa 
Mónica, as recolhides da Misericordia, os Administradores 
dos Conventos extinctos, e os doentes e empregados do hospital 
dos pobres. Os Conegos da Sé e a gente do arsenal, acabado o 
dia, se recolhem ás aldêas visinhas, em que habitam. O Vice-Rei 
D. Manoel de Portugal e Castro fez demolir até aos alicerces 
as paredes da Inquisição, do palacio do Governo e outros edi- 
ficios em ruinas, cuja pedra e materiaes fez empregar na no- 
va casa da alfandega de Pangim, e em outras obras que, no 
seu governo, se fizeram de grande utilidade publica e do ser- 
viço: mandando porém, em Portaria de 20 d'Agosto de 1830, 
conservar, como monumento historico, o arco e portal da ci- 
dade junto ao palacio; a imagem de Santa Catharina, a es- 
tatua de Vasco da Gama, que em o mesmo portal existiam, 
e era 0 logar onde o Senado da Camara costumava ir receber 
os Vice-Reis no dia da sua posse, e lhes entregava ag -cha- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 109 


ves da cidade, depois de uma breve arenga, que o seu pre- 
sidente recitava em latim; cujo ceremonial se observou até 
ao ultimo Vice-Rei, apesar de já não existirem portas, mu- 
ros, nem cidade. E assim se mantém ainda a capella de San- 
ta Catharina, de que ha pouco fallei, com o seguinte letreiro : 

« Aqui neste logar era a porta por quem entrou o Gover- 
á « nador Affonso d'Albuquerque, e tomou esta cidade 

« aos Mouros, em dia de Santa Catharina, anno 1510, 
« em cujo louvor e memoria o Governador Jorge Ca- 
“« bral mandou fazer esta casa á custa de S. A.» 

Da cidade portanto só hoje resta a celebridade e o no- 
-me que transmite a todo o paiz, e os edificios já menciona- 
dos. 

O sen territorio comprehende a ilha de Góa, conquista 
do grande Albuquerque em 1510, e adjacentes, das quaes 
as principaes são as de Chorão, Piedade ou Divar Jua ou 
Santo Estevão e Combarjual. A peninsula de Bardez ao Norte 
das ilhas; e a de Salsete ao Sul, encorporadas no Estado em 
1544, no governo de Martim Affonso de Sousa, por cessão 
de Acedecan Rei de Narsinga, confirmada em 1538 por 
Ibraem-can neto do Hidalcão, às quaes se dá o nome de ves 
lhas conquistas. As dez provincias denominadas das novas con- 
quistas que são Pondá ou Antruz, Embarbacem, Chandro- 
vaddy, Bally, Astragar, Cacorá: (estas cinco pequenissimas 
provincias tambem se appellidam provincias de Zambaulim ou 
“por outro nome — Panchemal) ; e todas ellas foram ganhadas 
em 1763, no governo do Conde da Ega Manoel de Saldanha 
d' Albuquerque : assim como a provincia de Canacona em 1764 
com a jurisdicção de Cabo de Rama que della fazia parte. 
Bicholim e Sanquelim e suas dependencias em 1781 e 82, 
governando D. Frederico Guilherme de Sousa; e Pernem, fi- 
nalmente , restaurada em 1800 pelo Gevernador Francisco 
Antonio da Veiga Cabral. Todo este territorio é-unido, sem 
que dentro des limites delle alguma outra potencia tenha 
parte; e tem, segundo o almanak de Gôa para o anno de 
1840, 16 e meia legoas de 18 ao grão, no seu maior com- 
primento. N. S., desde Torchem na provincia de Pernem até 
Palem em Canacona, sobre 10: na sua maior largura, de 


t10 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 3, 


Cuessem a Murmugão, O seguinte mappa publicado em 1836 
na folha oficial de Gôa, lhe dá 3154556 habitantes. 


CPE CPSL ESTE 


MAPPA 


$ e 
à Da População do Estado da India, de ambos os sexos, É 
e de todas as idades, segundo os ultimos 


: recenseamentos. 

: Portugue- i Pretos e Pardos | 

p ZES e seus 

p descen—| Naturaes i 

ES dentes Captivos| Livres | Somma 

B S À ES 

ES| DISTRICTOS [| T E E =| geral } 

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M es A rI IS | PRESS FERE, JET E | 

E) ELSA sS a 

ES Salsette, oh i 296/114 37520 17 i 4h 78494 

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| jiha e Praça de » » 293 » | »| » 621 

| | Angediva..... | 

jo? nt d'Alorna.| » » 27 » | »| » 67; 
Sommas. ... a EE Cord i 331/193/1920315556; 


PESE NS TEST O TE DES LEE PEO 


A população de Gôa se divide como indica este mappa ; 
mas os naturaes se subdividem em outras classes, a que yul- 
garmente chamam castas. São tres as principaes; Bramines 
ou Bragmanes, Charadós, 'é Sudros; rivaes entre si, com es- 
pecialidade as duas primeiras, que se disputam a supremacia : 
estas castas são tão apreciadas entre os Christãos nativos como 
entre os gentios. Os Charadós reputam-se os melhores e ós 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIN. fit 


principaes da India, ascendentes dos seus antigos Reis; e di- 
zem que os Bramines, que costumam ser os que tratam dos 
Idolos, são de origem estranha, e adventicios ao paiz. Os Su- 
dros constituem a terceira classe inferior ás duas primeiras ; 
mas, contentes da sua inferioridade, não aspiram nem mve- 
jam a das outras; e apenas se limitam a seguir e valer o que 
seus pais sempre seguiram e valeram. Todas estas castas se 
subdividem em muitas outras, as quaes gozam mais franque- 
zas e liberdade reciproca no trato commum e nas comidas. 
Nenhuma destas castas se confunde. Perpetuam-se pelos 
«casamentos. São raros os Christãos Bragmanes que casam 
com Charadós, € nenhum com Sudros; ao mesmo tempo que 
têm sido frequentes os casamentos com Européos. (f) Nas 


(f) Em Góa, os Portuguezes chegados da Europa ou d' Ame- 
rica são indistinctamente denominados Fringues ou Franguins e rei- 
moes: os filhos delles ou nascidos na India, mas de puro sangue 
Portuguez, castiços, o que correspende á denominação de creoulos 
n'America meridional. Os de pais Portuguezes e mãis Indianas ap- 
pellidam-se místicos. Os Christãos de pai e mãi Indiana Canarins ; 
e os gentios Concanós. 

Sobre a etymolcgia da palavra Fringuirs nada se colhe com 
. acerto. Os Historiadores Portuguezes trazem em varios logares a 
palavra Frangues, que poderia entender-se alterada de Francos, no- 
me dado, desde antigo tempo, aos Européos occidentaes no Egypto, 
Syria, e Constantinopla; mas a singularidade de assim chamar só 
os Portuguezes, e a diferença mesmo de Frangues e -Fringuins 
causa duvida; lendo-se porém a historia do Indostão , por Ferexta, 
traduzida do Persiano por Dou se vê que — Fring — na lingoa per- 
_ siana significa Europa. Tom. 2.º pag. 146: e assim o termo Frin- 
guins corresponde a todos os Européos, conhecidos por homens de 
chapéo, visto que os asiaticos, á excepção de alguns chinezes, usam 
de turbantes, barretes , e-toucas. 

- Os epithetos de Castiços, mistiços, e Canarins são olhados como 
injuriosos entre os filhos da India. Os dous primeiros, porque con- 
tando uma grande parte de familias avoengas e parentes nobres em 
Portugal, parece-lhes que por aquella denominação perdem a quali- 
dade de Portuguezes, ou que são reputados mal: os ultimos não 
sabem de que se queixam; porque ainda hoje todos ignoram, se os 
limites do Canará abrangiam Gda ; e se o abrangessem nenhuma ra- 
zão havia de queixa; porque, Canarins se diziam póvos do Canará, 
assim como Chinezes da China, etc. Sobre este ponto ha ainda du- 
vida, e talvez haverá sempre, pela falta de historias veridicas ou 


112 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTÁTISTICA N.º 3 


mesmas corporações religiosas entrava a selecção e rivalidade 
das castas; pois Conventos havia só e exclusivamente para 
Bragmanes, como eram os dos Theatinos, e os da Congrega- 
ção do Oratorio; e outros para Charadós, como o dos Carme- 
litas descalços. 

Além destas, todas as outras castas infinitas são inferiores 
e se empregam em differentes officios e misteres: como exem- 
plo ourives, carpinteiros; Boiazes, que são os conductores das 
manchilas, cadeirinhas, Dolys; e vehiculos que supprem as car- 
roagens tanto nas povoações, como em caminho; marinheiros 
para escaleres e embarcações miudas ; pescadores; Begarins, 
que são jornaleiros e carregadores; e Farazes, que fazem es- 
teiras de bambus, e são para os trabalhos mais infimos, e a 
que nenhuma das outras castas se submete. 

Entre os gentios ha mais a casta de Murdangueiros e Bai- 
ladeiras. Estas dançam e cantam nos pagodes, nos casamen- 
tos, e festevidades gentilicas; e se entregam à prostituição, a 
que os homens da mesma familia as conduzem; e acompa- 
nham o seu canto e dança nos pagodes com uma especie de 
tamboril, a que dão o nome de murdango, donde lhes vem o 
de Murdangueiros. O paiz é tambem habitado por Mouros, 
Bancanes, Parsios e gentes de outras seitas. 

A celebre cordilheira dos Gattes o separa a Leste dos do- 
pra Britannicos; estes o cercam em toda a sua extensão 

terrestre; o mar o banha na restante parte, sobre o qual 


tem extensas e muito formosas preias. As suas montanhas 


mais consideraveis são as de Chandarnate na provincia de 
Chandrovaddy, Sidnato em Borim, Consid no Astragar, e 
Vaguerim em Gululem. As comarcas de Salsete e Bardez são 
menos montanhosas. 


memorias acreditaveis. O que parece mais verosimil é o já pondera- 
do em a nota (a): donde se vê que esta denominação não é offensi- 
va; mas como habitualmente se emprega por mófa e desprezo, os 
naturaes a retribuem chamando mistiços aos descendentes dos Euro- 
péos, em geral, alli nascidos. Todavia, todos, sem distineção de 
casta ou de côr, são admitidos ao serviço publico (do que muito se 
acautellam os Inglezes nas suas possessões); e assim tem sido deter- 
minado por differentes Ordens Régias, especialmente em 1774; uma 


das quaes fez caso d'injuria o chamar Canarins aos naturaes de Góa.' 


1812. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 113 


No districto de Gôa, não ha uma unica estrada que me- 
teça esse nome, senão as que na ilha de Gôa mandou fazer o 
Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro, para darem com- 
modo accesso aos tres mais consideraveis pontos nas immedia- 
ções da capital. Nas provincias da Nova Conquista as commu- 
nicações por terra não podem ser peores; e alli, como por 
toda a parte, se fazem por estreitissimos trilhos. Todavia, me- 
lhores são as que conduzem para fóra do Estado até aos Gat- 
tes; das quaes as mais frequentadas são : a que vai de Quelau- 
lim em Sanquelim até á aldêa Chorlem=Gatte nos Gattes. A de 
Gaval-(ratte que communica a Buingoddo, e vem a Sanquelim. 
A de Quel-fratte que vai de Sanquelim e Usgão a Quelir do 
Satary até á aldêa Talvar. A de Colim d'Embarbacem a Ti- 
nai-fratte. A de Dumengoddo dirige-se para Pondá — Cuessi 
idem vem de Supem. A: de Digui=Gatte principia em Supem 
até Uguem, e dall se dirige a Sanguem, Cussumane, Zam- 
baulim, P Parodá , Talvardá e Verodá á comarca de Salsete. 
A de Cundal vaï de Conculim a Naiquini até Supem. A Don- 
corpem principia em Neturli e acaba em Hudvem. 

Das estradas que mencionei na Ilha de Gôa, é a primeira 
é totalmente nova de um quarto de legoa, e 80 palmos de 
largo, sobre pantanos e arêa solta, desde o Campal novo, obra 
do mesmo Vice-Rei, ao forte de Gaspar Dias, e ao quartel 
do regimento de infanteria ; donde, voltando por Santa Ignez 
até á villa, em uma igual extensão se vê renovada e alargada 
a antiga estrada. A segunda vai de Pangim ás praias de: D. 
Paula, fronteiras á importante praça de Murmugão , que de- 
dende a barra deste nome: é como a primeira; tem uma le- 
goa de extensão, e é muito vantajosa para a communicação 
da praça com a capital, e para as pessoas que , descendo o 
rio Zuarim, buscam a ilha de Gôa, e mesmo a comarca de 
Bardez. A terceira começa em Ribandar, atravessa as povoa- 
ções de Panelim e S. Pedro, passando pelo hospital militar , 
fabrica da polvora, e palacio do Arcebispo , até ao arsenal, 
ónde tomou nova direcção, com a qual muito melhoraram as 
casas da Misericordia e seus recolhimentos, e se dirige ao 
Jargo da Sé. Ella foi construida sobre a antiga estrada que se 
alargou on man mondo , cortando-lhe muitas sinuosidades 
— Num. 3. 2 


114 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA Nº 3 


que tinha. É de mais de uma legoa de extensão, e muito fre- 
quentada para as provincias de Pondá e Salsete, e outros los 
gares; e de muitos estrangeiros, que continuamente vão visi= 
tar as ruinas de Gôa e admirar a belleza e magnificencia dê 
seus Templos e Conventos. 

Esta frequencia è o mais que fica referido convencem då 
importancia desta estrada, que demais era digna do melhora- 
mento que teve; não só por ser bordada por boas casas em 
toda à sua o como para aformosear as melhores pos 
voações da ilha, das quaes faz a rua principal. 

A quarta tem mais de meia legoa de comprimento, desde 
a ad de Ribandar pela de Chimbel ao outeiro de Bambolim, 
até Santa Anna, e muito facilita o transito destas povoações 
e das immediatas para a comarca de Salsete. Nesta mesma 
comarca ha outra, que vai desde a sua capital até ao lugar 
chamado = Raia ==, ónde chega um pequeno braço navegas 
vel, em maré cheia, do rio Zuarim. 

Além destas, nenhumas outras estradas ha em bom esta- 
do : todavia, a falta dellas é grandemente supprida pelos rios, 
ou antes braços de mar navegavcis, que interceptam o paiz em 
todas as direcções, formam as ilhas de Gôa, e banham grande 
numero de povoações. 

São oito os principaes destes rios; a saber: o de Tiracol, 
ou Arodem, que, bordando pelo Norte toda a provincia de. 
Pernem, tem a sua foz junto á aldêa e fortaleza daquelle no» 
me, que separa a dita provincia das terras do Bounsoló. 

O rio de Chaporá ou de Coluale separa a comarca de 
Bardez e provincia de Bicholim e Sanquelim da de Pernems, 
e forma a bahia daquelle nome, ao Norte d'Agoada. 

Ambos estes rios nascem fóra do territorio de Gôa: o seù 
curso dentro-do paiz é avaliado, quanto ao primeiro, em 145 
milhas, e em 18 o segundo. > 

O rio de Baga fórma a pequena enseada do mesmo nome, 
ao Sul de Chaporá : o seu curso é de uma milha. 

O de Ta fórma, com o Oceano, a piam da 
Agoada, com 3 4 milhas no seu curso. 

O Mandovi tem a sua foz junto á fortaleza d'Agoada, e 
subindo, porque mais se deye reputar um braço de mar, 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA, 115 


deixando à direita Pangim, Ribandar, S. Pedro, e Gda, e á 
esquerda o forte dos Reis-Magos, se divide em varios braços ; 
e dos principaes delles, corre o primeiro, entre a ilha de Cho- 
tão e comarca de Bardez, na qual penetra, com o nome de rio 
de Mapuçá, até esta villa, sua capital; e recebe os rios d’ Asso- 
norá e de Bicholim e outros insignificantes. O segundo, to- 
imando o nome de rio de Naroá, passa ao Sul e Oeste da 
mesma ilha, e ao Norte das da Piedade e de Jua, e d'alh 
entre as provincias de Pondá e Bicholim até aos confins do 
Satari e Sanquelim. O terceiro, denominando-se rio de Gôa, 
vai entre à ilha da Piedade e a de Gôa, pelo Norte da de Jua, 
e separando-se do precedente na direcção do Sul, banha a 
mesma ilha de Gêa e a provincia de Pondá, e vai confundir- 
se, entre Marcaim e S. Lourenço, com o Zuarim. Fem 38 E 
milhas no seu maior curso, 

O Zuarim nasce acima de Usguem ; e; cortando o Zam- 
baulim, vai per entre a provincia de Pondá e Salsete até S. 
Lourenço, onde se divide em dois braços; um dos quaes se 
mistura logo com um dos bracos do Mandovi, e o outro entra 
mo mar junto á barra de Murmugão, depois de correr 39 
“milhas, 

O rio do Sal é formado por um esteiro do mar que entrå 
na comarca de Salsete em Betul, e subindo a Leste até 
Carmoná segue para Conculim deitando alli um braço para 
o Norte até junto á villa de Margão. Tem 15 milhas no seu 
maior curso. 

O Talpona entra na provincias de Canacona, no porto de 
que deriva o nome, e chega a Portagale, em 7 milhas que 
percorre. 

Todos estes rios têm ramificações que, como já se disse, 
penetram as provincias em muitas direcções, cuja communica- 
ção entre si, e com as capitaes de cada uma, se faz por elles 
muito facil e commoda , em embarcações de differentes tama- 
nhos, a que chamam = Tonas== que com as marés vão as 
mais pequenas destas embarcações a toda a parte onde a agoa 
chega. 

| - (Continuar-se-ha. ). 


2 + 


116 COMMERCIO DE PORTUGAL Ne 3 
[To T—— 


Conclue a Noticia do estado do commercio de Portugal com as 
suas possessões ultramarinas, pelo Socio Vice-Secretario José 
Tavares de Macedo. (Continuada de pag. 77.) 


PARTE IK 


Importação e reexportação de generos provenientes dos 
estabelecimentos ultramarinos. 


Não nos é possivel quanto aos generos provenientes dos 
estabelecimentos ultramarinos dizer, como a respeito dos para 
alli exportados , as quantidades e valor medio dos que vieram 
no anno de 1840. A falta que por muito tempo houve de tra- 
balhos estatisticos sobre o nosso commercio, e ainda depois à 
sua imperfeição, pois que só actualmente começam a ser fei- 
tos com regularidade e igualdade de systema, apenas nos per- 
mittiria dizer o numero dos volumes, do que muito pouca ou 
antes nenhuma utilidade se poderia tirar. Temos pois de limi- 
tar-nos ao conhecimento dos generos que se despacharam para 
o consumo interno ou para serem reexportados para paizes es- 
trangeiros, no mencionado anno, sem considerarmos se já es- 
tariam de outro anno no armazens das Alfandegas, ou se por 
ventura ainda nos mesmos armazens ficariam outras porções 
de similhantes mercadorias. (1) 

No mappa n.º 3 se vêem os generos importados dos es- 
tabelecimentos d'Asia e d'Africa, despachados para consumo 
em 1840; e no mappa n.º 4 se vêem os generos vindos dos 
mesmos estabelecimentos, reexportados para paizes estrangei- 
ros no mesmo anno. 


(1) Nos antigos balanços da Junta do Commercio não podiam 
oecorrer similhantes difficuldades; porque não podendo os generos 
ter demora indefinida, como actualmente , nos armazens das Alfan- 
degas, pelos despachos de importação ou baldeação se conheciam 
necessariamente os generos trazidos de qualquer paiz. 


e 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 117 


Asia. 


Nos generos vindos d'Asia (mappa n.º 3) avultam apenas 
as fazendas de algodão, o arroz, mas principalmente o chá. 
Somma toda a importação e reexportação deste anno a quan- 
tia de 218:5048700 réis; todavia a de 1825 ainda sommavya 


557:8993230 réis, e a de 1806 a quantia de 1.794:0003000 
réis, na qual se incluiam : 


52.741 arrobas d'arroz no valor de. ....... 26:3703500 
921 arrateis deichá. ri scenes 153:63084100 

11.756 arrobas de salitre .............. 11:7568000 
640.421 arrateis de especiarias (canella , cra- 

A ERRAR Je te PRE PAR 35:3088470 


As sedas e as fazendas de algodão tinham então a maior 
importancia neste commercio ; muitas passavam a outros pai- 
zes da Europa, e grandissima porção ia para Africa e para o 
Brasil. Os lucros do commercio d'Asia eram então immensos. 


ÁFRICA, 


Entre os generos vindos d'Africa (mappas n.” 3 e 4) ape- 
nas avulta o marfim; e merece mencionar-se o café pela 
quantidade de 863 arrobas e meia. Todavia, no anno de 1825 
.já haviam vindo d'Angola 709 arrobas de café, e de Cabo 
Verde 162. Do que se conhece não ter havido até este anno 
de 1840 augmento no commercio desta producção. No mesmo 
anno de 1825 vieram tambem de Angola 30 arrobas de al- 
godão em rama, e 20 de Cabo Verde, 


118 =. COMMERCIO DE PORTUGAL N.º:3. 


N.º 3. 
Mappa dos generos vindos das possessões Portuguezas na Asia 


e na África, despachados para consumo 
no anno de 1840. 


VINDOS DAS POSSESSÕES 
D'AFRICA 


VINDOS DAS POSSESSÕES 
GENEROS DES- D'ASIA 


PACHADOS 


Quantidade Valor 


— m 


Aço em bruto. ...|19q2a 8! 1204000 
Algodão manufa- 
etutado ... 2.1: 378111 | 28:693 5009 


Tp eso eco» o, TM d 


BAssucar......... 2 saecos 73,3090 

Barba de baleia .. 2l 34000 
Barro manufactu- 

RUMO. 5 else. E 211 dd REA 
A Cacáo A EAE A A DOT » » 
Cafés ai 26a 261 
Canella is ass 185141 Lda EO 
Carnes: Ss as » » 
Cera em bruto, ... » » 


18a 161 
iba 161 


» manufactura- 
REIS PEDIA 2%a 161 143500 
ERA ENN ET 854291 | 75:743,4000 
Dhapcos. <<. 4 20,500 
É Cocos e cogquilhos » » 
$ Couros salgados... » » 
Di Secos..... weit, » 
Diversos objectos. .|34a 311] 41:721$000] 91a 191 
DOCE 4 es ze co ado 1a sl 17,000] 5a 141 
Pragas. => ns sera ee 22474 131] 6: 7618 a 3304271 


Gomma, farinha, e 
tapioca......... 13q 191] 3184000/3360171 
Lã manufacturada .| 2! 120 408000] 261 130 
Legumes i... o » » 4q 
Linho em rama...|3q2a2l 804000, 
» manufactur. |44! 140 564000 


sessfþ essea o cs HOC OIIIMNNVUNVUT «cr co ve. 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 119 


GENEROS DES- 
PACHADOS 


Transporte. ...|....u... 
Eoudam as sara 44a 281 
Madeira em bruto |249a 11 

em obra. » 

RE RIR Sã 1471110 
Melato . ca cao o » 
Metaes em obra .. 11o 
Obra de ourives . . |57 marcos 

» de capateiro » 


ma ed o pu fo q e a 


DX SEOCAS. s etuora 
Pimenta......... 
Pinturas a oleo... 
Pontas d’escravelho 
d’ unicornio. 
E REA 621g 2a 251 
e E E DR 228 a 71l 
Seda manufacturad | 65190 
Tabaco em bruto. . » 
Martaruga .,. arser 
Unicornio em obra 
Ungella- 4 es 
FADOS opii aa 


VINDOS DAS POSSESSÕES | VINDOS DAS: POSSESSÕES 
D’ ASIA D’ AFRICA 


Quantidade Palor 


EL 6:927 000 
18000 
343000 


» 
8:248 000 
95000 
144000 
1:1808 000 
1000 

» 
285000 
80,000 
25000 

» 
648000 
30000 

» 

> D 

» 
525000 
1354000 
il 18000 
1470q1a8l|47:429000 
15000 


139:251 000 25:135 8000 


q a | o = quintaes, arrobas, libras ou arrateis, onças, 


420 COMMERCIO DE PORTUGAL 


N.º 4 
Mappa dos generos vindos das possessões Portuguezas , 


reexportados para paizes estrangeiros no anno 
de 1840. 


GENEROS REEXPORTADOS MAASTA D'AFRICA 


afat d 


Quantidade Falor Quantidade Falor 
Aguardente. aii se es k » 40 a 12058000 ; 
Algodões brancos (tecidos) | 203761 | 3:6788000] 5841 803000) 
» estampados. ,...| 527921 |40:6513000 » » À 
» tintos em fio... . 238 1208009 ” ” 
“O vis BS NR E - ” ” 10a 191 2003000 À 

PArtilhério...... oaeen » » |9g2a81 10300 À 

Cairo manufacturado. .... 490 g 301 | 2:9223000 n » 

Canella, iad. aii „a. ee| 119587 7003000 » » 

Carne de Porco ......... » » 77a 3l 1318000 E 
» t de vacca......... » » 17a 2l 413000 i 

E Cera em bruto.......... ” » į 10624 7:8398000 : 
Eb AD ARTS A À 258901 |23:2508000 » ” s 

| Chapéos de chuva de seda.. ” » AA 168000 j 

» de palha . srece ss » » 1 1800 5 
» depello ........ » » 5 25000 q 

E Chifres...... PES JD ” » 146a 131 2295000; 
Cobre velho ..... SRS E » » 3a 121 208000 k 

é Couros SECOS ena uea o oE » » 130a 241 3483000: N 

AE EIA a la 121 25000 n ” i 
Estôfos d'algod. estampados 9184 6008000 » » 

À Ditos ditos tinto em fio. . 2381 1208000 » 

Espingardas de munição .. BiT » » 48000; 
Faiança pintada. ....... .| 108a 3005000 ” 
Kansas. Si cien o e TE] 6907 6:1028000 ” 7” 

E Gomma copal....... os » » 3384 311 5928000, 

| Madeira em obra...... . 4a 83000 » » 

E Marfim ...... essncecos. E » » 53019 39:4678100 | 
Quinquilherias.......... 88a 281 4203000] 2 volumes 303000 | 
A A ARAA a A 3448000 » » 

RA E EE » » 9q 248000 
Marrek ases qu eioten » » 1264 808000 

É em obra....... » n 4 onç. 8000 
Tecidos de seda. ........| 21 B8ong. 365700 n » 
AE EAI » E 4399 q 131 |38:8598000 


79:2533700] 88:0928100 


q a l vol. = quintaes, arrobas, libras ou arrateis, volumes 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 121 


ConcLUSÃO. 


3 


Reflexões tendentes à formação de um systema colonial (x). 


Não é sem um certo pejo que attentamos a pouca impor- 
tancia das nossas actuaes relações de commercio com os esta- 
belecimentos ultramarinos. Basta considerar a vastidão e rique- 
za natural só das nossas possessões d'Africa, para facilmente se 
conhecer a razão do que sentimos. Tudo quanto temos naquella 
parte do mundo, ilhas de Cabo Verde e de S. Thomé e Prin- 
cipe, estabelecimentos de Guiné, Angola e Benguella, Mo- 
cambique e suas dependencias, ou são teknikari. ferteis, ou 
praças situadas em logares proprios para importante commer- 
cio; e todavia é este tão limitado como temos visto. 

Facil nos seria fazer longo cathalogo das producções espon- 
taneas da natureza destas diversas regiões, e das que nellas 
facilmente se podem cultivar; e que dariam materia a um 
commercio activo: como porém esta nomenclatura, posto que 
extensa fosse, sempre seria imperfeita e insufficiente para o 
verdadeiro conhecimento dos objectos, preferimos antes remet- 
ter-nos ás diversas obras em que se encontram noticias mais 
copiosas (1). 


“ (+) O que vamos dizer respeita propriamente á Africa: as mui- 
to diversas circumstancias das possessões d'Asia e da Oceania nos 
obrigam a diferir para outra occasião a exposição das nossas idéas 
a seu respeito. 

(1) Mencionamos as seguintes como mais faceis de consultar : 

Memoria sobre as colonias de Portugal situadas na costa occiden- 
tal d’ Africa, por Antonio de Saldanha da Gama. = París, 1839. 

Memoria sobre Angola e suas dependencias: (impressa no n.º 199 
do Periodico dos Pobres, de 17 d'Agosto de 1838.) 

Extracto de uma memoria que sóbre as producções, commercio e 
. finanças das Ilhas de Cabo Verde, apresentou J. de R. Costa : (im- 
presso no n.º 5 do Museu Litterario. ) 

Considerações politicas e commerciaes sobre os descobrimentos e pos- 
sessões dos Poriuguezes na Africa e na Asia, por José Accursio das 
Neves. Lisboa, 1830. 
| Memoria estatistica sobre os dominios Portuguezes na África orien- 
tal, por Sebastião Xavier Botelho. Lisboa, 1835, 


1292 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 3. 


Sendo tantas e tão diversas producções ou dons esponta- 
neos da natureza, e não se tendo aproveitado como convém, 
ou sendo a terra propria para ellas, e não se tendo culti 
vado, ou tanto como cumpria para reciproca vantagem do 
Portugal Européo e do Portugal Africano, claramente se in- 
fere que o mal deve provir do systema d'administração e com- 
mercio das colonias, systema imperfeito ou antes errado, è 
não qual devêra ser para se conseguir o bem que é possivel. 
Ao trafico da escravatura se deve em muito grande parte at- 
tribuir tão triste resultado; pois que é um facto constante, 
que os subidos lucros daquelle nefando commercio attrahiam 
a elle todos os capitaes, ou a sua maior parte, que aliàs de- 
vêram applicar-se á verdadeira industria. Em taes circumstan- 
cias não se cuidava dos verdadeiros ramos de producção, se- 
não quanto era exigido como condição para continuação do 
trafico ; nem isto mesmo era feito com prudencia, pois se pri- 
vava a terra dos proprios que a deviam fertilisar (2). O re- 


Diversas Memorias nos tomos I, IV, e V, das Economicas da Aca- 
demia Real das Sciencias de Lisboa. 

Noticia de alguns productos dos reinos vegetal e mineral que ha em 
nossas possessões Africanas: (impressa nos n.º 6, 7, e 9, do Tomo 
IE, do Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana. 

O n.º 1.º do Memorial Ultramarino e Maritimo, impresso em 1836. 

Entre os manuscriptos que temos visto merece especialmente ser 
mencionado. o Plano para um regimento ou nova constituição econo- 
mica e politica da capitania de Rios de Senna... organisado pelo Gover- 
nador da mesma colonia, Antonio Norberto de Barbosa de Villas-Boas 
Truão no anno de 1806. 

(2) De Angola lê-se a pag. 336 das Memorias, contendo a Bio- 
graphia do Vice-Almirante Luiz de Motta Feo e Torres; por João Car- 
tos Feo Cardozo de Castello Branco e Torres, Paris 1825. 

«O numero de escravos exportados para o Brasil desde 1816 
«até 1819, isto é, no decurso de trez annos , subio a 53.427; de 
« Benguella sahiram em um destes annos 4.048; de sorte que a 
« quantidade de escravos despachados nas alfandegas, chega a perto 
«de 22.000 por anno: se a este numero se juntarem os que sahiram 
«de outros portos subtrahidos aos direitos, poderá conhecer-se a 
«que ponto monta a perda da povoação , que podería empregar-se 
«na cultura, pesca e mineralisação das possessões da Africa Occi- 
« dental. 


Em 2 de Novembro de 1829 escrevia ao Governador de Mo= 


eambique o Juiz de Fóra Dionisio Ignacio de Lemos Pinto : 


CET Ar va o E ES RN 


4842.. COM “AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 123 


sultado é serem as colonias hoje de tão pouca utilidade á me- 
tropole, e acharem-se reduzidas a tristissimo estado. 

Felizmente já terminou a permissão de commerciar em 
homens: o trafico que ainda se faz, já não é um erro e um 
crime social; apenas o é de alguns individuos. Mas como ad- 
verte o sabio Heeren (x): « À sorte das colonias Francezas e 
« Portuguezas nas costas d'Africa estava ligada em grande 
« parte ao trafico dos negros. E necessario saber se poderão 
« agora prosperar cultivadas por mãos livres . . . A colonia de 
« Serra-Leoa, estabelecida com este fim, progride de vagar. » 
Mas com escravatura ou sem escravatura, o commercio de 
Portugal com os estabelecimentos d'Africa, apesar da riqueza 
natural do paiz, continúa a ser tão limitado, que ninguem 
contesta a necessidade de tomar medidas proprias para o seu 
augmento. — Eis-nos-aqui chegados ao ponto que queriamos 
tratar; mas antes de dizermos o que nos parece melhor, ex- 
aminemos se o remedio será tão facil, como não falta quem 
o creia, e que só da mais ampla liberdade de commercio - 
concedida aos estabelecimentos ultramarinos, dependa a sua 
prosperidade e augmentos. 

Para que a liberdade de. commercio podesse considerar-se 
como a medida propria para desenvolver a prosperidade das 
colonias, seria necessario suppor que nellas abundavam os pro- 


« Os habitantes daquelles estabelecimentos (Inhambane, Sofala, 
«etc. ), entregando-se todos ao commercio dos escravos, fizeram dos 
« sertões um theatro de continuas guerras para haverem os escravos, 
«de que resultou a devastação em que se acham os mesmos sertões, 
«e por consequencia a falta que padecem dos artigos da primeira 
«necessidade, a ponto de serem os mantimentos tão escassos naquel- 
«les pontos, que estão sendo presentemente o primeiro objecto da 
«exportação desta capital para aquelles’, ha dois annos a esta par- 
«te; resultando a sua carestia aqui, proveito só para os Arabes, uni- 
cos impatadores de todos os cereaes qne se consomem em toda esta 
mcapitania, e em todos os navios que vêm a ella.» 

i E bem sabido que muitos dos Emphiteutas dos prazos de Riós 
de Sena e Sofala chegaram a vender os colonos dos mesmos prazos, 
servos ađscripticios da gleba, mas de sorte nenhuma escravos seus. 
(5) Manuel historigue du système politique des Etats de l’ Europe. 
-8.º periodo, 3.º época. 


424 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 3. 


ductos em estado de serem negociados, ou ao menos todas as 
condições necessarias para a abundancia das mercadorias, e 
que só pela metropole não comprar bastante ou por preços 
justos, os generos se perdiam ou as forças industriaes se inu- 
tilisavam pela inacção; circumstancias que ficariam inteira- 
mente mudadas, se os estrangeiros fossem admittidos a com- 
prar os generos superabundantes, ou pela sua concorrencia ele- 
vassem o preço das mercadorias ao ponto conveniente para a 
sua producção. Aprouvera a Deos que neste caso se achassem 
os dominios Portuguezes, que então facil seria o remedio. Po- 
rém o mal é de outra natureza. Nenhum dos nossos estabele- 
cimentos está naquellas circumstancias ; pois em nenhum, ape- 
sar da riqueza natural do paiz, ha generos que superabundem 
depois de satisfeito o nosso mercado, e nenhum deixa de pro- 
duzir por falta de mercado mais conveniente. Eis-aqui qual 
foi, em 1840, a quantidade total de diversos generos impor- 
tados em Lisboa, e a parte que desses generos é producção 
dos estabelecimentos Africanos. 


Importação 
Importação das colonias 
total. d Africa. 
Algodão em rama .... 5.082 arrobas 281 » 
ATOZ si ado 60.328 quintaes » 
ET AA TRT ARDER 49.910 arrobas 8634191 
TOBAGO, So Setec 65.648 arrobas 99101 


E todavia o algodão “o arroz, o café, o tabaco, são proprios 
das terras d'Africa, e a nossa conveniencia seria compra-los 
nos nossos estabelecimentos, onde infallivelmente os haveriamos 
em troco de generos de producção Portugueza , ou levados de 
Portugal com vantagem da navegação nacional. Mas ainda mais, 
se a liberdade de commercio devesse dar a prosperidade ás colo- 
njas, qual não deveria ser a prosperidade das ilhas de S. Tho- 
mé e Principe, que desde o anno de 1721 gozam de inteira liber- 
dade de commerciar directamente com todas as nações ? As ilhas 
de Cabo Verde são igualmente abertas a todos os povos ; e porto 
nenhum ha nos nossos estabelecimentos, aonde não entrem ef- 
fectivamente estrangeiros, uns em consequencia de antigas cir- 
cumstancias, e outros sob pretextos mais ou menos mal colo» 


EO CGL aa a ad Did a a dn cr Di e EE ai Dc 


| 
| 
| 
| 
| 
, 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 125 


ridos (3). A liberdade de commercio não é um poder magico, 
que eleve indefinidamente e em toda a parte as relações com- 
merciaes a grande augmento. O emporio de Singapura tem 
causado a decadencia do Rió; (não ignora a Inglaterra a arte 
de chamar a si o commercio alheio) e para que á liberdade 


(3) Eis-aqui o que em data de 2 de Novembro de 1829 infor- 
maya ao Governador de Mocambique o Juiz de Fóra daquella cida- 
de Dionizio Ignacio de Lemos Pinto : 

«Fudo tem sobejamente concorrido para a decadencia do com- 
«mercio em geral desta capitania, só vantajoso aos que a ella vêm 
«por similhante motivo (falla do commercio da escravatura ,) quer 
«do Brasil, quer tambem da India, donde constantemente vêm fa- 
«zendas que remettem os Baneanes estabelecidos nas praças de Diu 
«e Damão principalmente, a outros que têm vindo para esta praca, 
«só por tanto tempo quanto é necessario para adquirirem alguma 
«fortuna com a qual se ausentam para o seu paiz natal sem que 
«daqui resulte proveito áquelles dominios da Corôa Portugueza , ao 
«mesmo passo que são e tem sido para esta capitania o maior ob- 
«staculo à sua prosperidade, visto que nesta classe de negociantes 
«adventicios e temporarios sempre esteve a maior parte do commer= 
«cio, e hoje todo esse que existe e ha. » 

« Não têm side e são menos nocivos os Arabes que estão senho- 
«res de todo o commercio das Ilhas de Cabo Delgado até ás portas . 
« desta capital, mais parecendo aquelle estabelecimento uma colonia 
« daquelles que nossa, ao ponto de não haverem relações algumas 
«desta capital para aquellas Ilhas senão por meio destes Estran- 
« geiros. » 


(Vejam-se as palavras do mesmo Magistrado na nota antece- 
dente.) e 

Em uma similhante Informação escrevia em 9 de Outubro de 

4829 o Ouvidor de Mocambique Joaquim Xavier Dinis Costa : 
g « Temos relações commerciaes..... com os estabelecimentos 
w Portuguezes e praças de Gôa, Diu e Damão, com o Brasil, com 
«os Arabes, e fazem por este porto escala alguns navios Inglezes, 
« Francezes, e da confederação e provincias unidas da America se- 
-« ptentrional, os quaes traficam de cabotagem e fazem o commercio 
«de transporte. » 

«O commercio externo maritimo é tratado pelos navios e em- 
= barcações estrangeiras. As do novo Imperio do Brasil... nos an- 
«nos proximos em cada anno não têm entrado menos de vinte... 
«Os Arabes nos seus pangaios, que frequentam nestes annos proxi- 
«mos muito este porto, e sempre excede a 50 o numero desta qua- 
«lidade de embarcações annualmente entradas. . . « Nenhumas rels- 
«ções commerciaes ba com Portugal, » 


126 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 3 


de commercio se podessem attribuir as- virtudes que alguns 
lhe creem, seria necessario que em toda a parte augmentassé 
o commercio sem a diminuição do de outros logares. 

Não está pois o mal dos nossos estabelecimentos na falta de 
liberdade de commercio; nem em tal liberdade póde consistir 
o remedio do mal presente: antes nos parece poder concluir 
que muito errada é a politica que toma sobre si o peso da 
conservação de taes estabelecimentos, e não reserva para si 
mais avultada Pg de beneficios (4). 

Se sem dificuldades podémos concluir que não é na aber= 
tura legal dos por Fa das colonias à todas as nações, que está 
o remedio para seus males, nem o fundamento da sua gran= 
deza, não é todavia igualmente facil dizer qual seja o meio 
ou systema mais proprio para obter similhante fim. 

Grande gloria cabe a Portugal pelo que fez a favor do 
commercio e da civilisação d'Africa: Logo no 15.º seculo, os 
mesmos navios levavam generos para mercancia, operarios pa+ 
ra trabalhos uteis ao commercio (5), e religiosos Aposto= 
los, para que juntamente se introduzissem em África as poli- 
cias da Europa e uma mais sublime civilisação, que ; segundo 


(4) Já no Numero antecedente des Annaes dissemos positiva- 
mente que não é possivel abandonar as possessões que ainda temos 
no ultramar; mas tambem é necessario não dissimular que a sãa 
conservação nos custa avultadas despezas e alguma cousa mais. É 
evidente que uma parte das despezas da Marinha de Guerra é exi 
gida pela posse dos estabelecimentos ultramarios, e outras despezas 
se fazem ainda mais privativamente por causa delles, e por causa 
delles estamos padecendo afronta no pundonor nacional, Tornamos æ 
repetir; é impossivel em boa politica supprimir aquellas despe- 
zas; mas é tambem certo que é um grande erro a falta da devida 
attenção aos negocios coloniaes; e que é um dever reservar para Por- 
tugal beneficios bem entendidos do commercio das suas posses- 
sões. > 
(5) Não só se construiam castellos e feitorias para protecção 
do commercio, mas obras de outra natureza se emprendiam para 
bem do commercio. Tratando do Gambia, diz Barros: « Acima do 
« resgate do ouro tem uma pedra, que por totalmente impedir a 
« passagem, este Rei D. João de que fallimos, mandou lá ofliciaes 
« para a quebrarem, o que se não fez por ser cousa mui custosa, e 
« de grande trabalho.» (Decada I Liv. 3.º cap. 8.º : 


18492, COM ÀS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 127 


a expressão de Montesquieu, posto que pareça dirigida só á 
felicidade eterna, é igualmente util nesta vida. E não foi pe- 
queno o fructo de tal sementeira; pois que os navios voltavam 
carregados de riquezas (6) e a Fé Christã propagou-se, che- 
gando a haver no Congo não sómente sacerdotes, mas até 
Bispos negros. Diversas circumstancias fizeram que se perdes- 
se grão tão bem fructificado. 

As riquezas d'Asia começaram a desviar a attenção das 
“cousas d'Africa: Portugal não teve, no 16.º seculo, Reis que 
soubessem “agricultar para o futuro, como um D. João 2.º: 
“cahio depois no captiveiro de Castella. Os progressos do Brasil, 
o augmento que todos os dias tomava o trafico da escravatu- 
ra, e as guerras dos Hellandezes, acabaram a ruina do que 
ainda restava de bom; e chegou-se a tempo em que a im- 
portancia das colonias d'Africa quasi que só se media pelo 
numero “de escravos que exportavam. No emtanto o crime do 
commercio de sangue foi reconhecido pelos Christãos da Eu- 
ropa. A Dinamarca compete a honra de ser a primeira que 
nos tempos proximos deu outra natureza aos estabelecimentos 
d'Africa , e a primeira que prohibio o commercio da escrava- 
tura: a altiva Inglaterra só veio depois: todavia Portugal, 
posto que ainda só posteriormente completasse a abolição do 
trafico, já de annos muito antigos cogitava de o acabar, e 
‘augmentar o licito commercio d'Africa. Em quanto a Ingla- 
terra ufanamente triunfava em Utrech, obtendo para si só o 
privilegio de provêr de escravos a America Hespanhola, e para 
“continuar os lucros deste commercio, não duvidava depois sus- 

“citar guerras, as ilhas «e sertões d'Africa eram explorados por 
Portuguezes pára, pelo conhecimento das suas producções, es- 
tabelecerem relações de verdadeiro commercio (7). 


(6) «Eu não sei em este reino jugada, portagem, dizima, cisa, 
«ou algum outro direito Real mais certo ; nem que regularmente 
“« cada anno a si responda, sem rendeiros allegarem esterilidade ou 
“« perda, do que é o rendimento do commercio de Guiné: e tal que, 
e se o seubermos agricultar e grangear, com pouca semente nosres- 
-« ponderá com maior novidade que os reguengos do reino e lisiras. 
« do campo de Santarem. » (Barros. I, IH, 12.) 

(7) O acto do Parlamento Britannico que prohibe o trafico com 
pena de morte é de 1806. Portugal sem influencia de estranhos e 


128 COMMERCIO DÉ PORTUGAL N.º 3: 


No estado actual do mundo; que poderemos esperar da 
Africa? Será possivel elevar os nossos estabelecimentos a não 
vista prosperidade, ou serão condeêmnados pelas circumstancias 
a permanecer na quasi nenhuma importancia que actualmente 
têm ? Parece-nos que a verdade está entre os dois extremos; 
e que as terras d'Africa, apesar da sua natural riqueza, nunca 
poderão obter uma prosperidade igual à das da Europa, ou da 
America e ilhas d'Asia que lhes correspondem em latitude. 
Não é porém necessario expor neste logar os fundamentos 
desta nossa persuasão; pois que ella se não oppõe ao estudo 
em que vamos entrar, dos meios mais proprios para que che 
guem à grandeza e prosperidade a que podem chegar, e que 
segundo entendemos, são incomparavelmente superiores ao es- 
tado de abatimento em que se hoje acham. 

Um principio nos parece necessario estabelecer como con+ 
dição essencial de qualquer projecto para o melhoramento e 
prosperidade dos estabelecimentos Portuguezes em Africa, e 
é, que só por meio da população negra, indigena do paiz, é 
que nelles póde haver solidos progressos industriaes. 

Se exceptuarmos o cabo de Boa Esperança, toda a Africa 
equinoxial e meridional é absolutamente inhospita para os Eu- 
ropées. Rarissimos são os que resistem inteiramente á acção 
do clima, conservando saude e forças, ainda com as commodi- 
dades e modo de viver das povoações maritimas; e talvez se 
não possa apontar exemplo de homem necessitado a passar vida 
laboriosa, especialmente sendo exposto ás variações da at- 
mosphera, que tenha conseguido completar em Africa a du~ 
ração ordivaria da vida nas terras da Europa, a não ser algum 
dos que se dão ao commercio, emtre os quaes, apesar de 


sem alardear filantropia, já em 1761 tinha mostrado horror á es+ 
cravidão, acabando-a inteiramente nas terras da Europa; e, desde o 
15.º seculo, procurava conhecer o interior d'Africa com o fim de 
augmentar as relações de commercio licito; o que a Inglaterra só 
tem tentado desde os fins do seculo passado , com maior estrondo , 
mas não maior intelligencia e perseverança. Póde consultar-se a este: 
respeito o preciosissimo Indice Chronologico das Navegações , Via- 
gens, Descubrimentos, e Conquistas dos Portuguezes nos paizes ultra= 
marinos , desde o principio do 15.º seculo. Lishqa. 1841. 


ADE 


dlos 
| 
montes 


a tia 
Ain] 


Ke T 


nadar 


to i y 
4 Conv, ext" da Crux dos milagres dos P” 


da Congregação do Oratorio. 
25 Parroquial Igreja da $” Trindade 
em ruinas. 
26 Hospital antigo guaxi abandonado. 
27 Ruinas do Collegio de s. Paulo dos 
jesuitas. 
28 Parroquial Tgr gja de $. Thome Apos 
tolo. 
29 Hospital de 8. Daxaro. 
30 Igreja e Casa de N.S" do Monte. 
ôl Parroquial Tgreja de 5º Luxia. 
52 Convento extincto de 4. Domingos. 
55 Antiga casa d' Alfandega, em ruinas. 
34 Extincto convento de S. Caetano. 
dó Antigo convento dos Carmelitas, e de- 
pois collegio, extincto, dos Póda Congreg 
56 Parroquial Igreja de 8S” Aleixo, em ruina 
97 Açougue. 
50 Baxar demolido. 
59 Collegio extincto de S. Boavent” dos Franc 
40 Collegio extincto de 5 Thomaz da ordem 
de d. Domingos. 


e 41 Parroquial Igreja de 4. Pedro, nos subur 
al 7 


bios da Cidade. 

4% Ponte sobre terreno alagade. Daqui 
segue à estrada por Panelim, e Riban 
dar até à ponte de Pangim, à direita: | 
e para Chimbel, S“ Anna &,d esquer- 
da da sahida do mesmo lugar de 
Ribandar. 


1 Cathedral 
9 Palacio do Arcebispo, deshabitado 


b Palacio dos Vice-reys, resta d'elle somen 


te o arco e portal, 


4 Batincto convento de $ Francisco 


á Capella de S" Catharina 

6 Arsenal 

7 Capella das cinco Chagas dentro do Arg 

6 Aljube 

9 Casas du Cumara 

10 Antiga casa de Camara, hoje hospital dos 
pobres 

1) Palacio da inquisição do qued ja nada 


Festa 


1% Misericordia e recolhimentos annexos 

15 Igreja do Bom Jesus, casa professa dos Je 
suitas, onde existe o corpo de SFran Xavier 

14 Brtincto convento de 3" Agostinho 


1ó Collegio extincto da mesma ordem 

16 Casa do noviciado duto 

17 Capella de SY Antonio 

18 $. Roque, collegio demolido da compa- | 


nhia de Jesus 
19 Colegiada e Parroquial Igreja do Rosa- 
rto, ; 
2 Convento das freiras de S!" Monica. | 
21 Convento extincto de 4 João de Deos 
8 Escadas do caes 
2 Collegiada e parroquial Igreja de N 5% 
da Luz, acabou 


ZA , 
f mae fondendt Mir eopago do zrevthica e mera Ccite Cirle e lta puerto de grelha 


PLANTA DA CIDADE DE GOA, EM 1851, 


3 + 
Fdificios om RUE 


particulares 


Ka es 
IL 


AE, Lugares hoje chevos de Lados | T 


Igrejas e edificios em Altares das 


palmeiras 


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1 26 Parroquial Igreja da 47 Trindade 


Y4 Conti axt? da Cruz dos milagres dos PY 
da Congregação odo Oratorio 


ent ruinas 
26 Hospital antigo guari abandonaclo. 
27 Ruinas do Colegio ede S. Paulo dos 
Jesuitas 
20 Parroquial Igreja de 8 Thome Apos 
tolo. 
19 Hospital de 4. bararo. 
d0 Igreja e Corsa de N S'do Monte. 
D Parroquial Igreja de $ Duxia 
08 Convento evtinoto de 4 Domingos. 
39 Antiga casa d' Afandiga, em ruinas. 
dk Botineto convento def Covtrno, 
dó Antigo convento dos Carmelitas, e de- 


pois collegio, exstincto, dos P'da Congreg 

56 Parroquial Igreja de Aleixo, em ruina 

37 Açougue. 

56 Bazar demolido. 

39 Collegio extincto de 4 Boavent” dos Prane” 

á0 Collegio extincto de S Thomaz da ordem 
de 4 Domingos. 

Al Purroquial Igreja de ô. Pedro, nos subur 
bios da Cidade 

4t Ponte sobre terveno alugado. Daqui 
seguo a estrada por Panelim, e Riban 
dar ati á ponte de Pangim, a direita: 
e para Chimbel, S" Anna de, d esquer- 
da da sahida do mesmo lugar de 

Ribandar. 


Dik da A Go AF bimar harpi gikyrlla NAI 


18142. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 129 


grande mortandade , não faltam exemplos de homens que têm 
resistido aos trabalhos de longas viagens nos sertões. Mas ain- 
da quando táes exemplos fossem mais numerosos, sempre se- 
rá certo serem tão poucos em relação ao numero necessario 
para a povoação do paiż, e é infelizmente cousá tão sabida o 
numero de vidas Européas sacrificadas pelos ares d'Africa, que 
não será possivel haver sufficiente numero de colonos para os 
trabalhos das diversas industrias, e seria muito criminosa bar- 
baridade seduzir Furopéos para tão desigual batalha, pois que 
à experiencia mostra que o clima, ainda quando deixa de al- 
tançar completa victoria, sempre imprime na natureza uma 
acção damnosa: 

É verdade que em muitas partes à insalubridade geral é 
dugmentada por causas locaes, que felizmente será possivel re- 
mover; todavia não se póde deixar de reconhecer que ella 
provém de elementos proprios e especiaes da constituição do 
clima, quando se considera que a insalubridade é geral em 
todas as regiões Africanas que pertencem á raça negra, e que 
a ellas de alguma sorte sé limita; pois, como é sabido, a re- 
gião do Cabo j já não participa desta triste natureza (8). 


(8) A insalubridade da Africa equinoxial (toda a região dos 
póvos negros) para os homens de raça branca é um facto inteira- 
mente notorio e bem conhecido. Não será todavia improprio lancar 
neste lugar alguns testimunhos mais curiosos: 

-~ «Parece (diz Barros) que, por nossos peccados ou por algum 
« juizo de Deos occulto a nós, nas entranhas desta grande Ethiopia 
« que nós navegâmos;, poz um Anjo percuciente com uma espada 
« de fogo de mortaes febres, que nos impede não poder penetrar ao 
« interior das fontes deste horto de que procedem estes rios de ou- 
« ro; que por tantas partes da nossa conquista sahem ao mar. » 
(Decada 1.º Liv. 3.º cap. 12.º 

Das ilhas de Cabo Verde, escreve o Padre Cordeiro: «O bom 
« Doutor Fructuoso ... persiste em affirmar serem muito sadias estas 
ilhas, e que suas doenças vêm da intemperança no comer e pro- 
ceder dos que lá vão, e que os que são regrados e continentes vi- 
vem muito nellas. O certo porém é que para os que vão de fóra 
é o clima muito opposto, ainda que o não seja para os naturaes 
de lá; e que bem se sabe quão regrados são em tudo os Padres 
« da Companhia de Jesus, e tendo na ilha Episcopal de Sant’ Iago 
« muitos annos um collegio, experimentaram ser um natural acou- 
“ gue dos que lá iam e estavam, sem poderem lá viver, e sem te« 


Num. 3. 3 


AE SIDA 


130 COMMERCIO DE PORTUGAL | N.º 3. 


Mas ao mesmo tempo que o clima. d'Africa se mostra tão 


« rem entrada a prégar na terra firme aos barbaros de Cabo Verde, 
« aonde iriam dar a vida pela Fé como vão por todo o mundo; e 
« assim se resolveram a largar, è largaram, collegio tão inutil para. 
« a salvação do proximo, e tão nocivo aos mais: que nem Bispo ha 
« achar que queira ir para lá, nem o exemplar Fructuoso pertendeu 
« tal para si, nem para os seus Padres da Companhia. »( Historia In- 
sulana , Liv. 2.º cap. 9.º) 

Tratando da ilha de S. Thomé, diz um navegante Portuguez;, 
que lá foi varias vezes: « Os habitantes brancos da Povoação (a ca- 
« pital da ilha) ordinariamente em todo o anno , todos os oito ou 
« dez dias, soffrem uma especie de sezão; isto é, primeiro o frio, 
« depois a febre, e em duas horas passa tudo, segundo a complei= | 
« ção que têm: este accidente acontece áquelles que habitam alli de 
« continuo, os quaes se sangram tres ou quatro vezes no anno ; po- 
« rém os estrangeiros que alli vêm com navios a primeira febre que 
« os acomette é mortal e costuma-lhes durar vinte dias; ...se pos- 
« sam o setimo, esperam ainda o quatorzeno;,'e depois os dão por 
« salvos se não fazem alguma grande desordem.» (Navegação de 
Lisboa á ilha de S. Thomé, cap. 19.º l 

Gaspar Barleo diz o seguinte, fallando tambem de 'S. Thomé: 
« O seu clima é perniciosissimo principalmente aos estrangeiros; 
« como o de quasi toda a Africa meridional. » E logo refere como 
em poucos dias desde que os Kollandezes alli aportaram (no anno 
de 1600) lhes morreram os seus principaes chefes Pedro Douza € 
Stormio, com dezesete officiaes de marinha, escapando apenas um 
official dos das tropas de terra. (G. Barlaei-Rerum per oetennium in 
Brasilia et alibi nuper gestarum. .. Historia Amstelodami 1667.) 

As noticias modernas ninguem ignora que comprovam a verdade 
“das antigas. Citam-se todavia alguns logares como excepção á regra 
geral. i 
O Sr. Coronel Fortunato de Mello (autor da Memoria sobre An- 
gola e suas dependencias citada na nota 1) assegura que no presidio 
“de Pungo-andongo o paiz é mais saudavel do que muitas povoações da 
nossa Beira-baixa. Alli não ha carneiradas grandes nem pequenas ; O 
ar é fino e quasi sempre fresco; a agua é pura, leve, e constante- 
“mente fria. 

Da villa de Tette, diz o Governador Truão : O clima é o melhor 
de toda a colonia, e a situação da villa, posto que não seja a mais 
` favoravel . . . póde dizer-se que faz bem pouca differença dos paizes 
mais saudaveis da Europa. A população da villa confirma esta verda- 
de, porque, não sendo possivel aos moradores de Quilimane e Senna 
conservarem uma quarta parte dos seus filhos, em Tette pelo contrario 
se vé uma numerosa mocidade bem constituida. 

Em uma descripção dos prasos de Rios de Senna lemos igual- 
mente, que algum delles merece verdadeiramente o nome de saudavel. 


f2%2. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 131 


ingrato aos Europtos, os negros indigenas não recebem delle 
igual influxo. Sejam quacs forem as causas remotas e proxi- 
mas deste fenomeno, é certo que os ro etos completam a du- 
ração regular da vida, conservam saude e forças, resistem a 
sóes abrazadores , e podem ailoitamente executar quaesquer 
trabalhos em circumstancias que infallivelmente seriam fataes 
acs Europćos. Não pertendemos dizer que os pretos uão são 
sujeitos a doenças, e que não padeçam tambem das febres, 
e outras molestias proprias; mas a verdade é que o clima 
d'Africa para os pretos não é peior que o da Europa para os 
brancos, considerada a variedade de locaes e de estações (9). 
— Aqui nos parece poder já assentar que a importancia dos 
nossos estabelecimentos Africanos não ha de provir da sua po- 
pulação de origem Européa, mas sómente do gráo a que sou- 
bermos elevar a industria dos naturaes. 

A aptidão dos negros para uma civilisação elevada, assim 
pela cultura do entendimento, como pela pratica das artes e 
industria necessaria á vida civil, só tem sido contestada pelos 
homens interessados na continuação do commercio da escra- . 
vatura, ou por aquelles a que estes têm por diversas fórmas 
iludido, Parece fóra de duvida que todas as nações da grande 
familia humana são dotadas de igual perfectibilidade ; mas is- 
to que de todas dizemos que parece, é indubitavel dos pretos 
a respeito dos Européos. O juizo formado logo pelos primeiros 
Européos que com elles trataram, no 15.º seculo, é-lhes in- 
teiramente favoravel (10): a Igreja Romana, sempre sollícita 
de qualidades distinctas no clero, não duvida elevar os negros 
ao sacerdocio, e até á dignidade Episcopal: em geral o estado 
social dos negros, posto que barbaro, como o da Europa em 


(9) «O clima (de Angola) não póde chamar-se doentio para os 
« naturaes.» (Feo Cardoso. — Memorias : pag. 328. 

« Poucos são os habitantes (da ilha de S. Thomé) que passam de 
« cintoenta annos, sendo cousa extraordinaria ver um homem bran- 
« co com barba branca : mas os negros chegam a cento e dez annos 
« por ser o clima apropriado á sua natureza. » ( Navegação de Lis- 
-boa á ilha de S. Thomé, cap. 20.) 

(10) «Nas cousas de que não têm pratica são simples e pouco 
« sagazes: mas nas cousas de que a têm, são espertos como qualquer 
« de nós» (Cadamosto, primeira Navegação, cap. 19.) 

3 * 


132 COMMERCIO DE PORTUGAL Nº & 


algum tempo (11), suppõe uma intelligencia não inferior á dos 
Européos: è o que mais é não têm deixado de apparecer entre 
os homens de pelle negra 'en'endimentos tão distinctos como o 
d'illustres Européos (19). E se mais vezes se não têm repetido 
similhantes exemplos não ha que admirar, pois é evidente 
que mil causas diversas, mas não incarnadas na sua natureza, 
se oppõem ao desenvolvimento intellectual e moral dos negros. 
Homero já disse, que Jupiter tirava metade da alma ao ho- 
mem que cahe em escravidão ; e será para estranhar que d'en- 
tre homens , que quasi só conhecemos para os reduzir áquelle 
estado, não estejam pullulando individuos distinctos? O ponto 
a que a escravidão e trabalhos duros podem reduzir o homem, 
têm-se bem conhecido em brancos, a quem em longo captiveiro 
nas terras de Berberia havia esquecido a lingua e 'o nome da 
patria em que nascêram. 

«De que a raça Ethiope, diz um celebre Naturalista , 
« (x) é diversa da Européa que a opprime e que lhe perten= 
« de ser moralmente superior, não se segue que a natureza 
« condemnasse necessariamente aquelles homens ao estado de 
« bestas de carga, como incapazes de civilisação. Os carras- 


(11) E impossivel ler as noticias do estado social dos póvos 
negros, sem lhes achar numerosas analogias com póvos brancos hoz 
je civilisados. 

(12) Se -a obra do Abbade Greégoire== De la Littérature der 
Negres==não fosse tão conhecida, facil nos era extrahirmos della 
exemplos de negros distinctos por diversos principios. Ao seu cata- 
logo poderiamos juntar novos exemplos; mas um só mencionaremos , 
o Doutor Botado Galvão, habil Jurisconsulto e Advogado da Casa 
da Supplicação, por ventura conhecido de pessoas que ainda vivem. 

Por esta occasião advertimos, que se mais vezesnão citamos au~ 
tores estrangeiros, é porque nos parece geralmente melhor em ob- 
jectos Portuguezes citar autoridades nacionaes, e evitar mais exten- 
são em um escripto que deve comprehender-se em curtos limites. A 
não ser este motivo, não resistiriamos ao desejo de transcrever nesta 
nota o logar da obra citada, em que o celebre escriptor nota com 
razão, que se em Portugal, e igualmente em Hespanha , não têm 
apparecido escriptos a favor da causa dos negros, é porque nunca na 
Peninsula Iberica se recusou aos negros, como em Inglaterra e ou- 
tros paizes, a capacidade para tudo que póde pertencer á digni- 
dade da especie humana. 

(+) Bory de S. Vincent = De Vhomme. = 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 133 


« cos que têm defendido a escravatura, afirmam que o negro 
« é naturalmente estupido. E que prova têm dado? a estupi- 
« dez e a ignorancia dos desgraçados que são devorados pelas 
nossas colonias ? mas que ente humano se não embruteceria 
com o mado por que são tratados estes infelizes? São só os 
negros a quem a escravidão abate ?... Lembrem-se os op= 
pressores dos negros que o pezo do jugo não esmagou os 
Africanos em Haiti: levantaram-se , fizeram uma patria, è 
mostraram, que por serem negros, não deixavam de ser ho- 
mens : vingaram: a especie Pa da reputação de inca- 
pacidade, que lhe attribuiam, e protestaram, no tribunal 
da razão, contra a pretendida superioridade , que' a respei- 
to delles suppunham ter senhores, que não. valiam tanto 
como elles, pois que eram despidos de humanidade e con- 
tinuam a calumnial-os (13). » 

Mas se é evidente que só por meio da raça negra podem 
adquirir importancia as nossas possessões d' Africa, (14) é tam- 


ARARASNASRAS 


A 


(13) São dignas de toda a attenção as seguintes palavras do sa- 
bio Ritter: «Se fizessemos um parallelo entre os póvos Alpinos das 
« extremidades oppostas até onde tem chegado o mahometismo, isto 
« é, entre os habitantes dos Alpes de Cachemira „ e os dos Alpes 
« de Foulah, a comparação terminaria a favor destes. Assim na 
« Asia como na Africa, a mesma cultura, a mesma industria, a 
« mesma actividade, a mesma habilidade, a mesma belleza ; posto 

que na Asia estas qualidades sobresaiam pela natureza do conti- 
« nente e pelo andamento da civilisacão e da historia. Mas a natu- 
« reza moral na sua primeira manifestação , "é muito mais pura e 
« mais singela nos Fulahs do que nos Asiaticos já corrompidos pela 
« civilisação e pela sensualidade. O caracter poetico e moral dos 
« Fulahs communica-se fortemente a tudo, e especialmente á sua 
« linguagem. O modo como adoptaram o mahometismo, mostra-nos q 
« sentimento religioso em toda a sua pureza: adoptando esta reli- 
« gião , tiraram-lhe tudo o que tem de sanguinario e de intolerante, 
« conservando respeito a todas as religiões, e até ao Christianismo. » 
(Geog. geral. Parte I. Div. 4.º S 16. 

(14) Não pretendemos concluir que se deve entregar a Africa 
Portugueza á discrição dos póvos negros: o que se segue explica o 
nosso pensamento; mas não é inopportuno declarar neste logar que 
mos parece de absoluta necessidade conservar, e estabelecer onde as 
não ha, feitorias armadas na proximidade das bocas dos rios navegaveis 
e nos portos de alguma importancia. Com as cautellas e soccorros que 


a 


134 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 3. 


bem verdade, que não obstante a aptidão natural dos pretos , 
é necessario desenvolver nelles a intelligencia das cousas e a 
actividade da vida industrial, 

Quanto ao ensino dos pretos e habitantes dos estabeleci- 
mentos Africanos, muito errada nos parece a idéa de os tra- 
zer à Europa para lhes ensinar o que necessitam saber, A eg- 
periencia prova de sobejo a repugnancia que geralmente sen+ 
tem a voltar ás suas terras nataes aquelles que das Possessões 
têm vindo estudar à Europa, Este ensino sahe tambem sum- 
mamente despendioso em relação ao numero de individuos que 
se habilitam. Mas ainda outro objecto nos parece mais atten- 
divel. À sciencia que mais necessario é introduzir e diffundir 
em Africa , é a de cultivar as producções pe para O 
commercio, colher as que a natureza o ferece espontanea , € 
preparar umas e outras para poderem ser convenientemente 
negociadas: e esta sciencia só no proprio paiz se póde bem 
ensmar. Só por este meio é que póde augmentar a sua rique- 
za e importancia: e quando o commercio for florecente e 
houver facilidade em fazer interesses e adquirir cabedaes, não 
faltarão homens instruidos que se resolvam a ir passar na- 
quelles paizes uma parte da vida para possuirem no resto. 
Estes homens não só serão uteis com a sua propria sciencia , 
mas tambem. a poderão communicar aos outros, e com o tem> 
po nada faltará no paiz daquillo que lhe for necessario, E não 
deixaremos de dizer, que seria ainda por eutro principio im+ 
prudente tirar d'Africa os seus naturaes por longo espaço, 
pois se assegura que os indigenas que têm feito longa ausen- 
cia, são muito facilmente a pae do clima, quando regressam 
ás suas terras. - 


póde haver em taes situações, e com a frequente communicação destes 
diversos pontos, a vida dos Européos correrá menos riscos, e con= 
servaremos sobre as terras a influencia e poder que realmente nos 
convém. Nem tambem disto se conclua, que devemos retirar-nos in- 
teiramente do interior; pois me persuado deverem conservar-se to- 
dos os presídios que a experiencia não tiver mostrado inhabitaveis ; 
e, se é verdade o gue mencionámos no fim da nota (8), naquelles h 
gares e outros similhantes se deverão estabelecer povoações de Eu- 
ropéos, e nelles poderá haver algumas das escólas que são indise 
pensaveis. 2 


1842. COM AS: POSSESSÕES: ULTRAMARINAS. 135 


A: sctividade da vida industrial conhecemos que não é fa- 
eil comununical-a ; mas não devemos suppor os negros tão pou- 
co amigos do trabalho, que não se encontre entre elles uma 
certa industria, que exige cuidado, attenção e perseverança, 
no trabalho (15): e de mais ninguem ignora que a vista dos 
objectos proprios para tentar a cobiça , segundo os gostos dos 
paizes e dos individuos: é o mais forte incentivo para o tra- 
balho; incentivo que a experiencia mostra ter igual acção nos 
homens. negros. (16) 


(15) Só erè que os pretos não trabalham livremente e- que só a 
isso os póde obrigar a dureza do tratamento que lhes fazem os brancos, 
quem absolutamente ignora o. estado social dos negros em Africa. 
Todos os que. os. têm visto no seu paiz natal, referem factos que 
mostram, que os póvos negros não differem dos brancos em igualda- 
de decir cumstancias. E pois fallamos em testimunhas de vista, não 
citaremos Edrisi, de cuja geografia extrahiriamos noticias que mos- 
trariam o conceito que os negros já no 12.º seculo mereciam aos 
Arabes que os tratavam : mas Leão Africano, que esteve no paiz dos 
negros, nos descreve Guiné como abundante em arroz, peixe, gado 
e algodão, de que os naturaes fazem pannos que vendem com lucro aos 
mercadores da Berberia. O mesmo escriptor, fallando: do reino de 
Melli, diz que abunda em gr dos, carne e algodão, e que a povoação 
maior que deu o nome ao paiz, tem obra de seis mil fogos com grande 
numero de artistas : e accrescenta que o póvo de Melli fóta o primeiro 
da Nigricia, que adoptara o mahometismo, e por isso tinha leitores 
nos templos. Leão testimunha similhante civilisação de Tombuto ẹ 
outros Ingares. (Leão, liv. VII.) 

Codamosto, que não admirou a cultura dos negros de Cabo Ver- 
de, diz todavia que fôra ver um mercado, a que concorria gente de 
quatro ou cinco milhas, porque os mais distantes iam a outros mer- 
cados, e que em taes feiras viera «no conhecimento de ser esta gen- 
« Le pobrissima, pelas cousas que traziam a vender nellas, que con- 
sistiam em algodões, mas em pouca quantidade, fiados e pannos do 
mesmo algodão, legumes, azeite, milho, gamellas de pão, esteiras 
de palma, e todas as outras cousas proprias para os seus usos do- 
« mesticos, etc.» 

Mas é escusado amontoar autoridades sobre um objecto que fa- 
cilmente e melhor se avalia pela leitura de qualquer viagem em 
Africa. 

(16) Fallando da região de Sofala, diz J. de Barros : « É a gente 
« preguiçosa nesta parte de o buscar (o ouro) ou por melhor dizer 
« tão pouco cubiçosa, que muita fome ha de ter um daquelles nos 
« gros quando o fôr cavar. Para o haver dos quaes, os Mouros que 


AAA 


136 COMMERCIO DE PORTUGAL Nº 3. 


= No que deixamos ponderado, nos parece ter mostrado que 
um systema de colonisação na Africa equinoxial só póde reali- 
sar-se por meio de um bem entendido modo de civilisar os 
negros; e que a este fim se devem dirigir todos os esforços. 
Já em outro lugar notômos, que não é a liberdade do com- 
mercio instrumento proprio para o conseguir; nem quando o 
fôra, entendemos nós que devesse adoptar-se, se de sua adop- 
ção devesse resultar ficar entregue todo o commercio das Pos- 
sessões aos mercadores estrangeiros, como é facil prever que 
nas actuaes cireumstancias haveria de acontecer. Quando nos- 
sos maiores tentaram tão maravilhosas expedições para desco- 


« andam entre elles neste tracto, ainda têm artificio de os fazer cu- 
« bicosos, porque cobrem a elles e a suas mulheres de pannos, con- 
« tas, e brincos, com que elles folgam, e depois que os têm conten- 
tes, fiam-lhes tudo, dizendo que vão cavar o ouro, e quando vier 
para tal tempo, que lhes pagará aquellas pecas; de maneira, que 
por este modo de lhes dar fiado os obrigam a cavar, e são tão 
verdadeiros que cumprem com sua palavra. » (Batros, Dec. 1, X,1.) 

«Os Mouros, principalmente o genro d' El-Rei, a quem esta obra 
não era aprasivel, vendo que os Cafres com cubiça do premio acu- 
diam bem ao trabalho etc. (Barros I, X, IF.) 

Facilmente formará idéa da importancia do commercio que se 
póde fazer com os naturaes da Africa oriental, quem souber o flere- 
cente estado das cidades daquela costa, no fim do 15.º seculo, eo 
commercio que ainda hoje alli fazem os Arabes, e especialmente os 
de Mascate. 

Dos negros de Angola, diz o Sr. Feo Cardeso: « A casta indi- 
a gena...é laboriosa, soffredora e intelligente , a ponto de apren- 
« der com facilidade os oflicios mechanicos mais complicados, » 
{Memorias , pag. 332.) 

Bastem estas citações sobre um objecto de que facilmente se 
póde escrever muito. A 

É um grande erro qualificar de inerte e preguiçoso qualquer 
pôvo , por não se applicar assiduamente ao trabalho. Não é só entre 
os pretos, mas é verdade igualmente applicavel aos homens da fa- 
milia Européa, que quem póde deixar de trabalhar, não trabalha. 
Como será pois para admirar que em paizes, onde é facil satisfa- 
zer ás primeiras necessidades, e onde o calor do clima certa- 
mente não instiga ao exercicio, homens de poucas necessidades se 
não dêm a penosos trabalhos? E não deve esquecer que muitas ve» 
zes os accusadores são homens que queriam aproveitar-se do trabalho 
Rihcio sem remuneração, 


RRRA 


1842. COM. AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 137 


brimento de terras incognitas, não eram cavalleiros andantes , 
que fossem buscar aventuras; estimulava-os mais que tudo o 
interesse publico. Em commercio- conservar e adquirir fregue- 
zia, é um ponto em que nunca se póde ser demasiado escru- 
puloso e activo; e indisculpavel erro seria dar a outrem aquil- 
lo de que necessitamos. 

Com razão o Decreto de 17 de Janeiro de 1837, estabe- 
leceu meios para que o vinho e mais algumas producções Por- 
tuguezas tivessem a preferencia na importação das colonias; e 
similhantemente a Pauta das Alfandegas favorece a importa- 
ção dos generos provenientes das provincias ultramarinas. Sem 
duvida que são boas estas providencias ; mas tambem é certo, 
que são insufficientes como systema de que deva resultar o bem 
das provincias do Ultramar, e o augmento do nosso commer- 
cio (17). A primeira e principal necessidade é desenvolver a 
producção e depois assegurar-lhe sahida : e ninguem deixa de 
saber que para os productos serem negociaveis, devem ser 
não só de conveniente qualidade, mas preparados da maneira 
mais propria para serem bem acceitos nos mercados a que se 
destinam; e que da falta deste predicado resulta o. menor 
apreço de alguns generos d'Africa. E necessaria uma certa 
instrucção commercial; são necessarios capitaes para comprar 
os generos aos productores, e tel-os promptos para a exporta- 
ção ; são necessarias outras muitas circumstancias , que aquel- 
las medidas de per si só não podem produzir : necessitam-se 
outras providencias mais directas, sem as quaes aquellas serão 
sempre inefficazes. 

A concessão de sesmarias, como tem havido nas ilhas de 
Cabo Verde , sendo feitas a grossos capitalistas, e que saibam 
conhecer as condições necessarias para o melhoramento da in= 
dustria nas terras d'Africa, seria excellente medida : porém é 


(17) O augmento progressivo que tem tido nos ultimos quatro 
annos a exportação do vinho para as possessões ultramarinas , deve 
principalmente ser attribuido ao Decreto de 17 de Janeiro de 1837. 
Mas é para notar que em todos os mais generos, assim Portuguezes, 
como coloniaes, ou não tem havido augmento, ou não corresponde 
ao que se devia esperar da protecção das Pautas, se só della depen- 
desse o progresso da industria. 


£38 COMMERCIO DE PORTUGAL NIS 


certo que não se acham muitos homens nas circumstancias 
mencionadas, e que aquelle meio, posto que bom , só é ap- 
plicavel a territorios pouco distantes dos portos de mar , pois 
de outra sorte a necessidade de estradas e outras vias de trans- 
porte, e que só do Governo se podem esperar, exigirão uma 
Intervenção mais immediata do Governo, recónhecendo-se por 
isso a insufficiencia da medida como systema : insuíficiencia , 
que mais se ha de sentir quando fôr necessario emprender 
obras em que sejam interessadas diversas pessoas. Sendo tam= 
bem para considerar quão facilmento-os particulares desani- 
mam em similhantes especulações, as difficuldades que repe- 
tidas vezes encontram , e os embaraços que têm em providen- 
ciar opportunamente, pois que a limitada importancia das 
suas emprezas não permitte a frequencia das communicações. 

Depois do que temos ponderado, parece-nos não só a me- 
dida mais propria, mas tambem a unica, para os fins que te- 
mos em vista, o estabelecimento de uma ou mais companhias, 
à quem se concedesse o exclusivo de alguns artigos de com= 
mercio, e expressamente o de'todos os que actualmente se 
não exportam das colonias para Portugal, ou de Portugal para 
as colonias. Que houvesse de fazer-se uma companhia geral ou 
varias para os diversos estabelecimentos Africanos, não é nossa: 
intenção tratal-o: mas que interessar uma ou mais compa- 
nhias no melhoramento e commercio das colonias é uma ne+ 
cessidade, se vê claramente do triste estado em que jazem 
com a ampla liberdade de commercio para todos os Portugue- 
zes e até para os estrangeiros. A companhia sollicitaria mer- 
cadorias, ensinaria a sua cultura e preparação , e obrigar-se- 
hia a compral-as por justos preços. Às companhias pela espe- 
cialidade da sua instituição, pela perseverança dos seus es- 
forços, pela somma dos seus capitaes, e até pela sua impor- 
tancia como instituições publicas, são capazes de esforços e 
resultados impossiveis aos particulares (18). 

O grande numero de acções de que necessariamente se 
comporia o fundo da companhia ou companhias, e que não 


(18) As reflexões que fizemos, fallando das sesmarias de Cabo 
Verde, poderão talvez exceptuar estas Ilhas da regra geral, 3 


1842; COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS, 139 


poderia deixar de pertencer a grande numero de individuos, 
tiraria a tal instituição o odioso: do privilegio ; nem este se de- 
verá considerar odioso para homens que não fazem uso de 
uma faculdade, a qual lhes é inteiramente inutil: o privilegio 
seria uma justiça quando o melhoramento das possessões se 
tivesse realisado pelos esforços da companhia; e depois viria 
tempo em que nem já o privilegio seria necessario. 

Uma cousa vamos dizer, que nos parece responderá a 
muitas dificuldades. O exclusivo do commercio poderia não 
comprehender o exclusivo da navegação. Até os estrangeiros 
poderiam ser admittidos em certos portos; mas só com a com- 
panhia poderiam negociar as mercadorias que lhe competissem. 
A companhia pelo seu proprio interesse saberia descer a con- 
dições rasoaveis nas suas relações de commercio. 

Não podemos ignorar quantas dificuldades encontra hoje 
em Portugal a formação de uma companhia, A escacez de ca- 
pitaes, o seu grande preço, o mão resultado de diversas com+ 
panhias que se têm formado, tudo são obstaculos de uma na- 
tureza mui seria. Talvez o Governo podesse até certo ponto in= 
teressar-se na companhia com alguns fundos, ou tambem sem 
o emprego de fundos, que só com grande onus poderia haver : 
não é impossivel augmentar as viagens das embarcações do Es 
tado, com o que a companhia teria necessidade de menos ca- 
pital, e a Marinha do Governo mais actividade. Levantar-se- 
hiam tambem grandes duvidas sobre os fructos de uma com- 
panhia para melhorar a Africa, á vista do exemplo, que of- 
ferecem diversos ensaios de colonisação, tentados por outras 
nações. Apesar da humanidade e intelligencia do Governo Di- 
namarquez, apesar de uma longa serie de esforços para a 
prosperidade de seus estabelecimentos, este Governo tem esta- 
do a ponto de ceder as suas possessões, e por ventura que só 
o não tem feito por não ter achado quem lhe dê por ellas al- 
gum valor. Serra-Leoa , colonia formada com fins tão philan- 
tropicos, não tem prosperado de maneira que pague as des- 
pezas que com ella faz a metropole: os outros estabelecimen- 
tos Inglezes não lhe levam vantagem; se é que não está já 
abandonado algum, (+) cujo prestimo apenas se sentia no com- 
— (6) Ode Widahou Ajuda. o DT 


140 COMMERCIO DE PORTUGAL Nf 8: 


mercio dos escravos. Só da colonia Americana Liberia se diz 
que prospéra (19). | 

Advirta-se porém que nenhum destes ensaios tem sido 
feito pela fórma que nos parece bem, e em circunstancias 
similhantes. Serra-Leoa , por exemplo, é um composto confu- 
so de negros de mil nações diversas, entre as quaes ha sem- 
pre odios e antipathias hereditarias, e que pela maior parte 
antes de entrarem naquelle estabelecimento, têm passado pelos 
habitos de outros modos de vida, e casos e baldões da fortu- 
na, que não podem deixar de ter maligna influencia no cara- 
cter e nos costumes. Não é pois de admirar que sempre neste 
estabelecimento tenha faltado uma certa harmonia e intelli- 
gencia geral, sem a qual nada póde ter solido e elevado pro- 
gresso. Todos os ensaios feitos até hoje em similhantes esta- 
belecimenios têm sido para introduzir nelles as artes e civili- 
sação da Europa. Homens creados em idéas e preocupações, 
e até superstições, muito alheias das opiniões e crenças reli- 
giosas da Europa, é quasi impossivel que possam identificar-se 
com o espirito e desejos dos Européos, para que com uma 
certa espontaneidade prosigam na sua obra. Os progressos do 


(19) A colonia Liberia dos Americanos tem sido celebrada com 
grandes gabos, como excepção ás infelizes tentativas, para introduzir 
em Africa a civilisação Européa: com tudo nos ultimos annos tem: 
sido objecto de serios ataques da parte dos Inglezes. Parece indubi- 
tavel que, posto que fossem excellentes as intenções de muitos dos 
que tomaram parte nos negocios da Liberia, entre os quaes se dis~- 
tingue o ex-Govyernador Jehudi Ashmun , o pensamento fixo dos ver- 
dadeiros directores era livrarem-se dos negros forros, pelo receio que 
delles têm os Americanos; e, para os levarem a Africa, não podendo: 
violenta-los, usaram nos primeiros tempos de toda a qualidade de 
artificios. Ultimamente parece provado que os Americanos fazem 
grande commercio de escravos, se não propriamente em Liberia, 
nas suas visinhanças. Sendo este o estado das cousas, nenhuma es- 
tranheza causará se se souber que Liberia não prospéra. Pela nossa 
parte n'uma cousa insistimos e muito: é de absoluta necessidade 
distinguir o modo de viver dos negros, ainda os livres, nas colonias 
cheias de raça Européa, do modo de viver dos negros nos paizes em 
que elles se sentem com a dignidade de homens. Nos primeiros o 
preto muitas vezes parece um animal incapaz de cousa boa ; nos ou- 
tros mostra intelligencia, industria e moralidade, 


1842. COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 144 


mahometismo nas regiões de Guiné são tambem um dos gran- 
dissimos obstaculos á introducção da civilisação Européa na- 
quellas terras; pois é infelizmente uma verdade , que os do- 
gmas e a moral do mahometismo têm mais analogias com o 
estado social dos povos de Guiné, do que os dogmas e moral 
do Christianismo. E é bem sabido que de tempos muito anti- 
gos, os Mouros, como lhes costumam chamar , fazem quanto 
lhes é possivel para destruir a influencia dos Européos. Estas 
causas, posto que nem sempre sejam igualmente sensíveis, é 
indubitavel que pela constancia da sua acção não podem dei- 
xar de ter muita influencia. As guerras frequentes dos diver- 
sos regulos são outra causa que dificulta estabelecimentos e 
relações que só podem prosperar com a paz. 

Nada disto acontece nos nossos estabelecimentos, exce- 
ptuando unicamente os do continente de Guiné, e terras visi- 
nhas á ilha de Moçambique: não só nas Ilhas ha inteira paz, 
mas nos sertões de Angola e Benguella, bem como nos de 
Rios de Senna e Sofala, são os naturaes inteiramente sujeitos 
ou nossos amigos. A influencia dos Mouros ainda não chegou 
ás terras de Angola; e na costa oriental, posto que já esti- 
vessem estabelecidos muito antes dos nossos descobrimentos , 
a sua acção é mais sentida pela concorrencia no commercio , 
do que pela influencia religiosa (20). 

Mas cumpre neste logar notar, como observação princi- 
palmente importante, que se os estabelecimentos tentados para 


(20) Seja dito incidentemente; ainda que a prégação do Evan- 
gelho tenha sido proposta como o meio mais proprio para civilisar a 
Africa, e estejamos muito longe “de não approvar tão sublime instru- 
mento, parece-nos todavia que, politicamente fallando, este meio ne- 
-cessita ser acompanhado de outros. Posto que a Fé seja um dom de 
Deos, é indubitavel que ha circumstancias que favorecem ou con- 
trariam a sua propagação. Clima, inclinações naturaes, habitos, 
crenças, tudo póde apresentar obstaculos, se não á Fé, por certo á 
sua prégação. E ainda que nestes objectos haja grandes differencas 
entre os povos Africanos ao Norte e ao Sul do Equador, sempre é 
verdade que o Evangelho tem encontrado e encontra nos povos Afri- 
canos mais contrariedade, do que nas nações da America. Dizendo 
o nosso verdadeiro pensamento ==a prégação do Evangelho póde con~ 
-siderar-se como poderoso auxiliar; mas seria indigno da sua celeste 
origem consideral-o como instrumento ou meio para fins temporges. 


142 COMMERCIO DE PORTUGAL N.º 3. 
dar á Africa a civilisação Européa, não têm prosperado tanto ; 
como a todos os respeitos era para desejar; um resultado mui 
grande se tem obtido, por si só digno de muitos esforços, e 
bastante para o objecto de que tratamos. Não só o commercio 
Inglez, mas igualmente o de outros Européos, tem adquirido 
nos ultimos tempos grande augmento na costa d'Africa (21), 
Fructos iguaes poderemos obter dos estabelecimentos de Gui 
né, onde ainda os conservamos dignos de consideração , posto 
que quasi inuteis para Portugal no actual estado de relações. 
De Angola e costa oriental é indubitavel que podemos haver 
iguaes vantagens, e por ventura outras muitas e maiores, € 
tudo pelo honroso meio de honestas e não criminosas relações 
com os naturaes do paiz, a quem a Providencia nos impoz a 
obrigação de communicarmos uma verdadeira civilisação, æ 
que felizmente estão ligados os nossos bem entendidos inte- 
resses. 
O grande consumo, e que todos os dias augmenta, de 
muitos generos proprios d'Africa, ou que facilmente póde pro- 


(21) Muito crraria quem confundisse o progresso dos estabele= 
cimentos Europécs em Africa, com o commercio que nelles se faz. 
A França exporta annualmente só para o Senegal o valor de mais de 
quatro milhões de francos, e o Senegal exporta o valor de dois mi- 
lhões e meio ou mais de francos, em que entram dois milhões de 
gomma arabia que lhe é vendida por tribus que vivem ao Norte do 
Senegal. Serra-Leoa leva sommas muito superiores aos resultados , 
que sec obtêm como de estabelecimento para introduzir em Africa o 
que se chama ordinariamente civilisação: todavia o commercio da 
Africa não deixa de ser importante para os Inglezes, e lá andam 
actualmente fazendo esforços para estender o seu commercio ao cen- 
tro daquella região. Só o commercio do azeite de palma assegura 
200 viagens de 7 a 8 mezes a navios de 300 tonelladas. O seguinte 
mappa mostra o augmento que tem tido a importação do azeite de 
palma em Inglaterra até 1836. 


„Annos Kilogram. | Annos Kilogram. 
IBAT i. x OE po pra 72000 ARERR aa pe sato sli 6:327,850 
DEDO mf tapa ed 0)! 874,800 |] 1829 ...... AE ivo 10:673,490 
MRE Srs RE 3:194,900.| 1830.. Sp st ias o 28:556,500 
MBB o sado nóis 4:274,800 | 1836 ............. 32:427,560 


Os Americanos começam tambem a fazer algum commercio , já 
importante, na costa oriental d'Africa, onde nenhum cstabeleci- 
mento têm. 


1849, COM AS POSSESSÕES ULTRAMARINAS. 143 


‘duzir, affiançaria á companhia uma actividade commercial , de 
que lhe deviam resultar lucros infalliveis, attenta a protecção 
das leis ao commercio das colonias, e clausulas que facilmente 
seriam admittidas na instituição da companhia. Não desenvol- 
vemos mais esta consideração; porque (e muito pedimos se 
attenda) não é este breve escripto um projecto de colonisação 
d'Africa, mas apenas algumas reflexões que nos pareceu de- 
verem ser tomadas em consideração quando se tratar da in- 
dispensavel e urgente formação de um systema colonial. — 
Lisboa, 28 de Fevereiro de 1842. 


José Tavares de Macedo. 


ES eee apre TES DESSE EE SIS EETA E 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 
No 4.º de Março de 1842. 


le 


Mar nha 
dos 


Guardas- 
Marinhas e 


j Qualidade 


Graduações, e nomes 
das 


dos 
Commandantes 


Destinos 


N.º depe- 
ças, ou ca- 
ronadas 
N.º dosOf- 
ficiaes « 
Aspirantes 


Í (em meio e gue 450 Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 6 | No Téjo, de Registo do Porto. 
d E a (Diana ........) 50- [Capitão Tenente, J. S. Ramos.........] 4 » f eE ce q Deposito à 
Oito de Julho.. f 24 |Primeiro Tenente, F. A. G. Cardozo. ... 5 2 |Em Angola. 
orretan „J |P- João T.....] 24 |Capitão Tenente, F. S. Franco......... 5 4 No Brasil. 
b vê Infanta Regentel 24 | Capilão Tenente, T. J. Marq pat 2 2 Na India. 
Urânia........] 24 [Capitão Tenente J. M. F. do å OA 5 4 No Téjo. 
i Andaz ........17 18 [Primeiro Tenente, J. J. d Anirade Pintol 4 3 Em Angola. N 
ý Brigues ... 4 [Villa Flor. «| 16 [Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 4 4 Nos Açores. 
£ D. Pedro. | 16 | Primeiro Tenente, E. F. Guimarães, Junior 4 3 
i: Charrua. E Magnanimo -| 26 | Capitão Tenente, J. 3. Fernandes d Andrade PE eE 
E Brig. Escuna | Vouga........) 13 |Primeiro Tenente, P. Centurini.... cc] 4 3 | Na Madeira. 
i Liberal s... | 13 | Primeiro Tenente, J. M. Esteves.. ...... 3 2 No “Tejo. 
Amelia .......] 10 | Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 3 2 No Téjo. 
O EsCunao Esperança gaia ta 8 | Segundo Tenente, A. AOliveira,....... 2 1 Em Cabo Verde, 
“at 3 | Boa Vista ..... 1 [Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferra] 1 1 Em Cabo Verde, 
Cabo Verde,... 1 {Segundo Tenente, V. R. Ganhado...... 1 1 [Em Cabo Verde, 
À NINAS ec soe 1 [Segundo Tenente, V. do N. Teive,..... 1 1 Em Angola, 
PRE Is. Boaventura ” Primeiro Tenente, F. ge A. e Silva..... 1 ” No Téjo. 


Andorinha 


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1] 


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TOTARA , 


N.º 4. 
SEGUNDA SERIE, 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 
Fevereiro de 1842. | 


18. i eo nomeando Cavalleiro da Ordem de S. 
Bento d'Aviz, o Primeiro Tenente d'Armada, Antonio José 
Freire. 

23. Decreto, concedendo passagem para a classe dos 
Officiaes em disponibilidade da extincta Brigada de Marinha, 
ao Major Francisco de Sá Nogueira, e ao Alferes Francisco 
Antonio Coelho, ambos do Batalhão Naval. 

2%. Decreto, exonerando do Cargo de Ministro d’ Estado 
dos Negocios da Marinha, ao Conselheiro , Ministro e Secre- 
tario d'Estado Honorario , José Jorge Loureiro. 

Idem. Decreto, nomeando interinamente o Conselheiro 
Antonio José Maria Campello, Official Maior da Secretaria 
dEstado dos Negocios da Marinha e Ultramar, Ministro e 
Secretario d’ Estado da mesma Repartição. 

25. Portaria, nomeando Guarda Marinha ageregado , 
com a clausula de não poder passar a outro posto sem ter as 
habilitações, que a lei ordena, o Piloto extranumerario d'Ar- 
mada, Guilherme José dos Reis. 

28. Portaria, nomeando Capitão do Porto de Villa Real 
de Santo Antonio, ao Capitão Tenente , João Caetano de Bu- 


lhões Leote. 
1 


146 ACTOS DO GOVERNO. N.º 4. 


Março. 


` 3. Portaria, approvando a proposta para passarem a Of- 
ficines das Brigadas da Companhia dos Guardas Marinhas, os. 
Guardas Marinhas José Severo Tavares, Carlos Henrique Por- 
tugal. Prayce, João Baptista Garção, e Vicente Ferrer Bar- 
rancho- - 
Idem. Decretos, promovendo á effectividade do Posto de 
Brigadeiro, o Brigadeiro Graduado Joaquim José d'Almeida ; 
ao Posto de Coronel Graduado, o Tenente Coronel Francisco 
de Sá Magalhães; ao de Tenente Coronel Graduado , o Major 
D. Duarte da Costa de Sousa de Macedo ; todos da extincta 
Brigada de Marinha. 

k. Decreto, promovendo a Segundos Tenentes Graduados 
d Armada, os Guardas Marinhas aggregados Daniel Baptista 
Barros, Francisco Antonio Corrêa, Manoel Leocadio de Al- 
meida, Joaquim José d'Azevedo, Fernando Pinto Ferreira, 
Antonio Francisco Ribeiro Guimarães, Francisco Silverio Tor- 
res, Francisco Christovão de Sena, Francisco José de Jesus, 
João Manoel Mendes, Domingos Leonardo Vieira, Manoel da ` 
Silva Caldas, José Silvestre Machado, Manoel Antonio de 
Barros, e Guilherme José dos Reis, com a clausula de não 
passarem á effectividade do mesmo Posto sem completarem os 
Estudos que lhes faltam. 

S. Portaria, nomeando para Secretario da Commissão , 
que se acha encarregada de coordenar um Projecto de Codi- 
go Florestal, o Segundo Tenente d' Armada Alexandre Gon- 
salves Torres, não obtante continuar naquelle exercicio , até 
que siga viagem para o Districto para que fôra despachado 
Governador, o Capitão Tenente Fernando Carlos da Costa. 
© 9. Decreto, nomeando Governador da Praça de Bissão, 
o Primeiro Tenente d' Armada Antonio José Torres. 

Idem. Decreto, despachando Alferes para a Provincia 
- d'Angola, o Aspirante a Guarda Marinha Luiz de Figueiredo 
Magalhães Castello Branco. 

Idem. Decreto, concedendo passagem para a classe dos 
Officiaes em disponibilidade da extincta Brigada de Marinha, 
ao Tenente do Batalhão Naval Sebastião Pedro Xavier. 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 147 


10. Portaria, mandando readmittir na praca de Guarda 

Marinha Graduado a Carlos May. 

< fA.: Portaria, ordenando que a bordo dos Navios do Es- 
tado embarquem alguns Aspirantes a Guardas Marinhas, da- 
quelles que não chegam á á idade que a Lei marca para se ma- 
tricularem no curso mathematico, além dos marcados nas suas 
respectivas lotações. 

Idem. Decreto, nomeando Cirurgião Mór do Batalhão 
Naval, o Cirurgião da extincta Brigada de Marinha Joaquim 
Antonio dos Prazeres Batalhoz; e Cirurgião Ajudante, o Ci- 
Turgião do mesmo extincto corpo Francisco de Borja Carvalho 
é Mello. 

Idem. Decreto, promovendo ao posto de Capitão Tenen- 
te, sem prejuizo d'antiguidade dos que a tiverem maior , fi- 

cando esta Graça sem ARto quando por qualquer motivo o 
dito Official deixe de partir para o seu destino, ou mesmo 
quando, sem ordem expressa superior, alli se não conserve o 
tempo de tres annos, o Primeiro Tenente d' Armada Antonio 
José de Torres. 

i2. Portaria, nomeando Guardas Marinhas effectivos, os 
Guardas Marinhas Graduados Augusto Victor d’ Andrade, Ja- 
cinto Fernandes da Rocha Rodrigues Bastos, José Maximo 
Jacques dos Reis, Domingos de Sousa Rodrigues, Augusto 
Eduardo Alincourt Braga, elmo da Silva Franco, e o Às- 
pirante Theodoro Casimiro dos Reis. 

14. Portaria, nomeando Guarda Marinha Graduado, com 
vencimento de cinco mil réis mensaes, o Aspirante Janam 
Henrique Fradesso da Silveira. 

22. Decreto, nomeando Governador de Damão, o Ca- 
pitão Tenente Rafael Florencio da Silva Vidigal. 


> O 


Doxa “MARIA por Graça de Deos e pela Constituição 
da Monarchia raisga de Portugal e dos Algarves etc. Faço 
saber aos que esta Minha Carta virem , que, Tendo em con- 
sideração o que Me foi presente por parte de diversos Empre- 
gados da Repartição de Marinha, Hei por bem Autorisar a As- 

ʻi * 


148 ACTOS DO GOVERNO. N.º 4. 


sociação do Monte-Pio formada pelos ditos Empregados com a 
denominação de == Associação DE Soccorro E MonxtTE-Pio 
Gerar pa MarixHa == e Confirmar os Estatutos , que para, 
a mesma Associação organisara em setenta e oito artigos 
dividos em seis Capitulos. Pelo que Ordeno às Auioridades e 
mais Pessoas a quem esta fôr apresentada que a tenham e 
cumpram tão inteiramente como mella se contém. Pagaram 
doze mil réis de Direitos de Mere como consta do conheci- 
mento em fórma, que apresentaram na respectiva Secretaria 
d'Estado, com data de quatro do corrente mez, e numero 
seiscentos noventa e seis. — E para firmeza do que dito a 
lhes Mandei passar a presente Carta, por Mim assignada , 
sellada com o Sello pendente das Armas Reaes, — Dada no 
Palacio das Necessidades em treze de Janeiro -de mil oito 
centos quarenta e dois. — A RAINHA com Rubrica e Guar- 
da. == José Ferreira Pestana. — Logar do Sello das Armas 
Reaes. — Carta pela qual Vossa Magestade Ha por bem Au- 
torisar a Associação de Monte-Pio dos Empregados da Repar- 
tição de Marinha, com a denominação de == Associação DE 
Soccorro E MonTE-Pio GERAL DA MARINHA = e Confirmar os 
Estatutos organisados para regulamento da mesma Associa- 
ção. — Para Vossa Magestade vêr. — Por Decreto de vinte e 
quatro de Dezembro de mil oitocentos quarenta e um. = An- 
tonio Jorge d'Oliveira Lima, a fez escrever. == Antonio Xa- 
vier de Brito, a fez. — Logar do Sello da Causa Publica. — 
Pagou dez mil réis de Sello. — Lisboa dezesete de Janeiro 
de mil oitocentos quarenta e dois. — Numero cento vinte e 
quatro. == Couto == Nolasco. 


Decreto. 


no em Consideração o que Me foi presente por parte 
de diversos Empregados da Repartição de Marinha, os quaes, 
havendo concebido o projecto de uma Associação para a for- 
mação de um Monte-Pio, com a denominação de == AssocIa= 
ção DE Soccorro E Monre-Pro GERAL DA MarinHa == Me 
pediram Houvesse por bem Dar a Minha Real Approvação aos 


s 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 149 


Estatutos, que para este fim redigiram, e Me foram presen- 
tes; e, Conhecendo a utilidade, que deste Estabelecimento 
póde resultar tanto á Fazenda Publica, como aos interesses 
dos proprios Empregados: Hei por bem, Conformando-Me 
com o Parecer do Conselheiro Procurador Geral da Corda, 
Approvar e Confirmar os mesmos Estatutos , organisados em 
setenta e oito artigos, divididos em seis capitulos, os quaes 
baixam assignados pelo Ministro e Secretario d' Estado dos 
Negocios da Marinha e do Ultramar, sendo a dita Associação 
obrigada a tirar Carta pela respectiva Secretaria d' Estado. O 
mesmo Ministro e Secretario d'Estado o tenha assim entendido 
e faça executar. Paço das Necessidades em vinte e quatro de 
Dezembro de mil oitocentos quarenta e um, == RAINHA, == 
José Ferreira Pestana. 


Estatutos da Associação de Soccorro e Monte-Pio Geral 
da Marinha. 


Caprruro 1.º 
Da Associação , Fundo, e Administração. 


Artigo 1.º ) estabelecido entre os Empregados Militares e Ci- 
vis, e entre os de qualquer classe da Repartição da Marinha que o 
quizerem voluntariamente, uma Associação, a qual se denominará 
== Associação DE Soccorro E MonTtE-Pro (GERAL DA MARINHA. == 

Art. 2.º O fim desta Associação é prestar soccorros ás familias 
dos empregados e dos individuos de qualquer classe das dependentes 
da Repartição da Marinha, e aos proprios empregados e individuos 
nas differentes circumstancias que se marcarem nos presentes Esta- 
tutos. 

Art. 3.º A Associação compõe-se dos Socios que estiverem 
inscriptos até á approvação dos Estatutos, pelo Governo, e dos que 
para o futuro forem admittidos com as restricções que se designa- 
rem. 

- Sunico. São Socios Fundadores os que se inscreverem até ao 
dia 31 de Dezembro de 1844. 

Art. 4.º O capital do Monte-Pio será, por em quanto, fixo até 
á quantia de 60:000$4000 de réis, e será composto das seguintes 
fontes : 

1.º do producto das joias. 


150 “ACTOS DO GOVERNO. * NEM 


2.º das quotas mensaes. 

3.º das multas. E 

4.º dos legados, cu Gonativos. 

5.º de qualquer beneficio com que esta Instituição possa 
ser legalmente auxiliada. 5 

S unico. Chegando a 60:000 %000 de-réis, são destinados só- 
mente para augmentar o capital —- o producto das joias — o pro- 
ducto de 5 por cento, deduzidos dos rendimentos do capital e das 
importancias das quotas annuaes — o producto das multas impostas 
aos Socios — os legados ou donativos — e o producto de quaesquer 
beneficios com que esta Instituição possa ser legalmente auxiliada. 

Art. 5.º O capital, á proporção que for entrando no Cofre, será 
empregado em fundos publicos com vencimento de juro que maior 
credito mereçam. Dentro dos limites dos fundos e na fórma que a 
Administração julgar garantido o capital que se empregar, se farão 
rasoaveis descontos nos vencimentos dos Socios e Pensionistas que o 
precisarem. 

Art. 6.º Além do capital, que deve ser intacto, a Associação 
terá fundos disponiveis applicados para os encargos do Estabeleci- 
mento. 

S 1.º Os fundos disponiveis, em quanto o capital não chegar 
a 69:000,84000 de réis, são os rendimentos do capital. 

S 2.º Chegando o capital a 60:0004000 de réis, os fundos 
disponiveis são — o producto do rendimento do capital — o produ- 
cto das quotas annuaes, feita a dedueção de que trata o S unico 
do Artigo 4.º 

Art. 7.º Por delegação da Assembléa Geral a administração do . 
capital e dos fundos disponiveis da Associação, assim como a geren- 
cia de todos os negocios do Estabelecimento, é encarregada-a uma 
Junta electiva e annual. 

Art. 8.º O anno economico administrativo principiará no 1.º 
de Janeiro, e findará no ultimo de Dezembro. ` 


Carrruro 2,° 
Dos deveres e direitos dos Socios. 


Art. 9.º São admittidos à Associação todos os individuos per- 
tencentes à Repartição da Marinha, uma vez que a nomeação do seu 
emprego seja feita pelo Governo, e fundada em Lei. 

Art. 10.º Quando algum Socio deixar por qualquer motivo de 
pertencer á Repartição da Marinha, ficam não obstante intactos seus 
direitos e deveres marcados nos presentes Estatutos. 

Art. 11.º Para os individuos residentes em Portugal adquiri- 
rem o caracter de Socio, é mister que tenham inscripto o seu nome 
no Livro da Matricula até á época em que os presentes Estatutos ti- 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 151 


verem sido approvados, e dentro d'um anno depois da sua publica- 
ção para os ausentes de Portugal. 

Art. 12.º Os individuos que depois da approvação Real destes” 
Estatutos passarem a pertencer à Repartição da Marinha ,, e que 
nessa qualidade queiram ser Socios, assim o farão constar å Asso- 
ciação até 6 mezes depois da sua nomeação, contribuindo com as 
quotas e a joia, a datar do dia do Diploma ou Titulo da mesma. 

Art. 13.º Serão tambem admittidos Socios todos os emprega- 
dos que, estando fóra dos casos precedentes, o requererem, e a As- 
sembléa Geral assim o resolver, observando com tudo a disposição 
do Artigo seguinte. 

Art. 14.º Os empregados que não se inscreverem nos prasos 
marcados nos Artigos antecedentes, pagarão, além da joia estabeleci- 
da no Artigo 19.º, mais uma sua metae. — Se a inscripção for um 
anno depois dos prasos legaes, pagará o dobro da joia que lhe per- 
tencer na Tabella ao diante transcripta. 

Art. 15.º Os Socios do Monte-Pio têm as obrigações seguin- 
tes: 

S 1.º Pagar pela admissão ao Monte-Pio uma joia da impor- 
tancia declarada nos Artigos 18.º e 19.º 

S 2.º Pagar uma quota annual da importancia declarada nos 
Artigos 20.º e 214.º 

S 3.º Satisfazer as dividas por que forem responsaveis ao Co- 
fre, se por algum motivo legal ou algum outro casonão previsto dei- 
xar de pertencer á Associação. 

S 4.º Servir gratuitamente os cargos da Associação para que 
forem eleitos pela Assembléa Geral na conformidade do Artigo 16.º, 
sob pena d'uma multa igual á contribuição d'um anno. 

Art. 16.º O Socio eleito pela primeira vez só poderá ser alli- 
viado do encargo, se por molestia grave mostrar legalmente perante 
a Junta Administrativa a impossibilidade de o servir. 

Se porém o Socio for reeleito, poderá cscusar-se do cargo. 

Art. 17.º Os Socios serão obrigados a entrar no Cofre com 
uma joia, por uma vez, e dentro do tempo que se determinar, e 
bem assim a contribuir mensalmente com uma quota de seus venci- 
mentos pela fórma marcada nos Artigos seguintes, e nas Tabellas 
que acompanham os presentes Estatutos. 

Art. 18.º A importancia da joia de Socio Fundador, para os 
que subscreverem até á idade de 30 ânnos, será de 5 por cento — 
de 30 a 40 annos, augmentará na razão de -4 por cento annualmente 
— de 40 a 50 annos de & annualmente — e de 50 a 60 de 1 por 
cento cada anno. 

Art. 19.º Os Socios que não forem Fundadores ,'seguirão a 
mesma regra até á idade de 30 annos — de 30 a 40 annos terão 1 
por cento d'augmento por cada anno — de 40 a 50 amos 2 por 
cento d'augmento, c de 50 annos em diante, só poderá ser admitti- 


” 


152 ACTOS DO GOVERNO. N.º d. 


do por uma resolução da Assembléa Geral, e com as condições que 
esta eo À 
Art. 20.º A quota annual com que cada Socio Fundador deve 
contribuir, será de 5 por cento até á idade de 50 annos— e de 50 
a 60 annos, pagará meio por cento mais por cada anno que exceder 
aos 50. 

Art. 21.º Os Socios que não forem Fundadores, contribuirão 
tambem com 5 por cento se ao inscreverem-se não tiverem mais de 
30 annos — os que tiverem mais de 30, contribuirão mais com o 
augmento de 5 por cada anno até 40 — com -£ por cada anno que 
exceder a 40, e só até aos 50 annos: — desta idade em diante será 
regulada a admissão só por decisão d' Assembléa Geral. 

Art. 22.º A base para o calculo das joias e das quotas será o 
vencimento, ou subscripção annual do Socio; mas nunca se admit- 
tirão vencimentos maiores de 60080900 réis; e aquelle Socio que 
mais vencer, só contribuirá, ou fruirá na razão daquella quantia, 
que é o maximo para os effeitos legaes destes Estatutos. 

Art. 23.º É permittido ao Socio de pequeno vencimento o sub- 
serever por uma quantia maior, com tanto que não exceda o limite 
marcado no Artigo antecedente. 

Art. 24.º O Socio que subscrever com uma quantia maior que 
o seu vencimento, ser-lhe-ha permittido-a todo o tempo augmenta- 
la, ou diminui-la, com tanto que nem exceda o maximo, nem desça 
a menos do seu vencimento ; e optando por menos, nunca terá resti- 
tuição do Cofre. 

Art. 25.º As diversas importancias de joias, e quotas para os 
Socios Fundadores, c não Fundadores, vão reguladas nas Tabellas 
juntas, sobre uma base dum Socio, cujo vencimento , ou capital 
fosse de 100,5000 réis. 

Art. 26.° O pagamento das joias será feito por uma vez, em 
prestações, ou mensalmente com a contribuição, com tanto que se 
conclua dentro do primeiro anno. 

Art. 27.º O pagamento das quotas mensaes será deduzido, 
com permissão do Governo , no acto do processo, ou pagamento do 
seu respectivo vencimento. 

Art. 28.º Deduzindo-se na Repartição Publica a quota do Mon- 
te-Pio, a Associação receberá, com permissão do Governo, pela res- 
pectiva Repartição um Titulo equivalente aos ditos descontos. 

„Art. 29.º A Junta Administrativa dará as providencias para 
que estes Titulos sejam remettidos ao Thesoureiro d' Associação ,a 
fim de prover a sua cffectiva c mais prompta cobrança. 

Art. 30.º O pagamento das quotas relativas aos Socios que 
deixarem de pertencer a esta Repartição, e não vencerem por ella, 
será feito regularmente aos mezes , ficando excluidos da Associação 
os que não pagarem dentro do mez seguinte. 

Art. 34.” Competem aos Socios os seguintes direitos : 


18142. ACTOS DO GOVERNO. 153 


S 4.º Transmittir uma Pensão aos herdeiros na conformidade 
da ordem estabelecida no Capitulo 5.º 

S 2.º Continuar a ser Socio ainda que passe a ser empregado 
em outra Repartição, ou deixe de ser empregado de todo, com tanto 
que cumpra as obrigações destes Estatutos. 

S 3.º Fazer parte da Assembléa Geral, quando for Socio que 
contribua na razão d'um capital igual, ou superior a 200000 réis. 

S 4.º Fazer parte da Assembléa Geral, quando for Socio que, 
ainda que não contribua com 2008000 réis, lhe pertença accesso 
na sua carreira a logares de vencimento superior áquella quantia. 

S 5.º Tomar parte em todos os assumptos da incuínbencia da 
Assembléa Geral, quando o julgue em proveito e beneficio do esta- 
belecimento. 

Art. 32.º A reforma — aposentadoria — jubilação — separa- 
ção dos quadros com subsidio, ou qualquer outra qualidade a que 
chegue o Empregado na sua carreira Publica, sempre se entenderá 
como situação activa para fruir e cumprir todas as disposições desta 
instituição , satisfazendo devidamente as obrigações de Socio. 

Art. 33.º Os Socios desta Instituição perdem os seus direitos : 

S 1.º Se não chegarem a contribuir com a joia, e as suas res- 
pectivas quotas por tempo d'um anno , ao que tudo aliás podem sa- 
tisfazer duma só vez querendo, por meios de desconto em seus ven- 
cimentos, ou em dinheiro. 

S 2.º Se na hypothese do S 2.º do Artigo 31.º deixarem de 
satisfazer as suas respectivas prestações lontra do mez segiinte ao 
do seu pagamento. 

S 3.º Se recusarem o pagamento das multas impostas nestes 
Estatutos dentro de 3 mezes depois da intimação. 

S 4.º Se for convencido de delapidação, ou de qualquer outro 
crime contra os interesses da Associação. 

Art. 34.º Se por qualquer motivo dos marcados nestes Esta- 
tutos, ou por outro não previsto, o Socio deixar de o ser, as con- 
tribuiçõos e joias reverterão a favor da Instituição. 

Art. 35.º Se uma reforma, ou qualquer outra mudança na 
qualidade d'Empregados, por um acto do Governo, ou voluntario 
da parte do Socio, fizer com que venha a vencer menos, poderá 
tambem ficar contribuindo na razão menor : nesse caso a pensão que 
transmiílte a seus herdeiros, será o termo medio das duas maiores 
quotas, em que tiver preenchido um anno de contribuição. Se o an- 
no de contribuição for só preenchido em algum dos dous casos só- 
mente, aquelle em que se verificar o anno de contribuição, regulará 
o subsidio. 

Art. 36.º Salvo o caso de perder os direitos por delapidação, 
e outros crimes designados no § 4.º do Artigo 33.º, todo-o Empre- 
gado que antes já fôra Socio, póde reassumir todos os seus direitos, 
indemnisando o Cofre das quotas relativas ao tempo de suspensão, 


x 


154 ACTOS DO GOVERNO. N.º 4. 


augmentadas do juro de 5 por 100 ao anno, pelo calculo do juro 
simples. 
CapiruLo 3.º 


Da Assembléia Geral. 


Art. 37.º A Assembléa Geral é a reunião dos Socios do Mon- 
te-Pio, designados nos $$ 3.º e 4.º do Artigo 31.º, convocados por 
annuncios publicos na Folha Official, com oito dias pelo menos de 
antecipação. 

Art. 38.º A Mesa d'Assembléa Geral será composta de — um 
Presidente — um Vice-Presidente — dois Secretarios — e dois Vice- 
Secretarios. 

Art. 39.° Compete ao Presidente, e no seu impedimento ao 
Vice-Presidente : ! 

S 4.” Convocar a Assembléa Geral para as Sessões ordinarias. 
e para as extraordinarias nos casos dos Artigos 44.º e 45.º 

S 2.º Addiar as Sessões conforme o Artigo 47.º 

S 3.º Abrir e fechar as Sessões, regular os seus trabalhos, e 
manter nellas a devida ordem. 

S 4.º Assignar toda a correspondencia da Assembléa Geral, 
rubricar todos os Livros d'Associação , e assignar os termos d'aber- 
tura e encerramento dos mesmos. 

Art. 40.º Compete ao primeiro Secretario, e no seu impedi- 
mento ao segundo : 

§ 1.º Redigir as Actas das Sessões. 

S 2.º Fazer todo o expediente da competencia da Mesa. 

S 3.º Lavrar os termos d'abertura e encerramento dos Livros. 
S 4.º Assignar, e fazer publicar os annuncios de convocação: 

Art. 44.º A eleição da Mesa será feita pela fórma marcada no 
Artigo 75.º, na primeira Assembléa Geral de cada anno. 

Art. 42.º Em cada semestre do anno civil haverá duas Assem- 
bléas Geraes Ordinarias : ; 

S 1.º A 4.º Assembléa Ordinaria de semestre será no 2.º Do- 
mingo de Janeiro — e no 2.º Domingo de Julho, nas quaes se ele- 
gerá á pluralidade de votos, uma Commissão de 6 Membros para 
examinar o Relatorio, Contas, Livros, e todos os actos administra- 
tivos da Junta ; e bem assim o estado dos fundos, e dos dividendos, 
c o estado geral do Monte-Pio. 

§ 2º A 2º Assembléa Ordinaria será no 4.º Domingo de Ja- 
neiro, e no 4.º Domingo de Julho, nas quites a Conmissão sobre- 
dita apresentará o seu parecer sobre os objectos mencionados no S 
antecedente, propondo ao mesmo tempo as providencias que tiver 
por convenientes para o progresso e melhor administração do esta- 
belecimento. 

§ 3.º Sendo porém impedidos qualquer dos dias indicados nos 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 155 


$$ 1.º e 2.º, o Presidente convocará a Assembléa Geral precisamente 
dentro dos oito dias que se lhes seguirem. 
“Art. 43.º E da competencia da Assembléa Geral : 

SG 4.º Fiscalisar a obscrvancia dos Estatutos e mais resoluções 
da Associação. 

2.º Eleger a Junta Administrativa de que tratam os Artigos 
50.º e 51.º | 
pura Eleger à Commissão de que trata o $ 1.º do Artigo 42.º 

S 4.º Fiscalisar a administração da Junta, tomando conheci- 
mento dos recursos que se interpozerem della, e annullando os des- 
pachos quando forem injustos. 

§ 5.º Deliberar sobre todos os negocios do de aÃ, e 
tomar as resoluções que mais convier aos seus interesses. 

S 6.º Designar annualmente a applicação dos fundos perma- 
nentes. em conformidade com as bases geraes , e restricções marca- 
das nestes Estatutos. 

S 7.º Fazer qualquer regulamento necessario para assegurar 6 
desenvolvimento , prosperidade, e duração da Associação. 

S 8.º Entender sobre o modo mais conveniente d'admittir os 
Socios não Fundadores que excedem a 50 annos. 

S 9.º Approvar ou reprovar o orçamento e contas apresenta- 
das pela Junta Administrativa, depois d'examinadas pela Commissão 
Revisora. 

S 10.º Impor e confirmar as multas aos Socios conforme o § 
4.º do Artigo 15.º á 

S 11.º Sollicitar por todos os meios s legaes perante o Governo 
todos os auxilios e protecção necessarios para à conservação e pros- 
peridade da Instituição. 

Art. 44.º Quando doze Membros d'Assembléa Geral represen- 
tarem ao Presidente della a necessidade de a convocar, deve-lo-ha 
fazer dentro em oito dias, e não o fazendo, será responsavel pelos 
prejuizos que dessa falta resultarem. 

Art. 45.º Tambem convocará a Assembléa Geral quando o jul- 
gar conveniente: sempre que a Junta Administrativa o exigir; e 
quando lhe constar provadamente que se praticou alguma cousa con- 
tra o disposto nestes Estatutos, e em prejuizo do Estabelecimento. 

§ unico. Será igualmente responsavel pelos prejuizos que re- 
sultarem da falta de convocação nestes casos. 

Art. 46.º Todas as resoluções d'Assembléa Geral serão le- 
gaes, estando reunida metade dos Membros residentes em Lisboa., 
tendo precedido o annuncio publico, e por votação de metade e 
mais um dos Socios presentes. 

Art. 47.º Não se reunindo numero sufficiente de Bein, ficará 
a Sessão addiada para ď’ahi a 8 dias, o que se annunciará; e será 
legal a decisão tomada pelos Socios então presentes. 

Art. 48.º A Mesa da Assembléa Geral é o Fiscal necessario 


156 ACTOS: DO GOVERNO. N.º 4. 


da Associação, e tem a seu cargo vigiar sobre todos os actos da 
Junta Administrativa. 


CarituLo 4.º 
Da Junta Administrativa. 


Art. 49.º O Monte-Pio é administrado por uma Junta de sete 
Membros , eleitos annualmente pela Assembléa Geral, na conformi- 
dade do Artigo 75.º, comprehendendo neste numero o Presidente, 
que será eleito designada e separadamente. 

S unico. Se alguns dos Membros da Junta se acharem impe- 
didos, o que participarão com a necessaria antecedencia, serão sub- 
stituidos pelos Socios mais votados na eleição da Junta ; e para este 
effeito os primeiros tres serão desde logo proclamados Vogaes sup- 
plentes. 

Art. 50.° Fazem parte da Junta, sem ter voto nella, um The- 
soureiro, e um Escrivão eleitos annualmente pelo mesmo modo , e 
ao mesmo tempo em que se proceder á nomeação da Junta. 

Art. 81.º É da competencia da Janta Administrativa : 

- $ 1.º Prover á administração economica do Monte-Pio na con- 
formidade dos Estatutos, e decisão d' Assembléa Geral. 

2.º Deferir sobre a admissão dos Empregados, e Individuo s 
no Monte-Pio, e ácerea de todos os negocios delle, que forem espc- 
cialmente reservados á decisão d' Assembléa Geral. 

S 3.º Dar a cada um dos Socios um titulo impresso, em que 
se declare o nome e emprego do Socio — o dia da sua admissão — 
a importancia da joia, e quota annual. Neste titulo, que será assi- 
gnado pelos tres Clavicularios do Cofre, se farão de futuro as con- 
venientes declarações sobre as promoções do Socio — a sua refor- 
ma — ou qualquer outra alteração no Emprego, ou na quantia com 
que tiver subscrevido de que resulte augmento ou diminuição na 
prestação correspondente. 

S 4.º Conhecer das habilitações dos individuos que recla- 
marem o subsidio do Monte-Pio, e mandar proceder ao assentamento 
dos que forem declarados Pensionistas, e ao pagamento das suas 
Pensões nos termos do Artigo 67.º 

S 5.º Reclamar a convocação da Assembléa Geral nos perio- 
dos marcadas nestes Estatutos < dando todas as providencias para 
esse fim, e extraordinariamente todas as vezes que o bem da Insti- 
tuição O exigir. 

§ 6.º Reunir-se, pelo menos, duas vezes mensalmente para 
deliberar , e prover sobre os objectos da sua incumbencia. 

S 7.º Fiscalisar as Folhas dos Pensionistas, e mandar-lhes pa- 
gar todos os mezes o que lhes competir, annunciando com antici- 
pação o dia, e o local em que ha de ter logar o pagamento. 

S 8.° Prestar em cada semestre contas documentadas dos seus 


© 


1842, ACTOS DO GOVERNO. 157 


actos administrativos , apresentando á Assembléa Geral um relatorio 
circumstanciado do estado da Associação. 

S 9.º Verificar na ultima reunião mensal o balanço do Cofre 
pertencente a esse mez. 

S 10.º Apresentar na primeira Sessão o orçamento das despe- 
zas do expediente; bem como o inventario dos objectos a seu cargo, 
á vista do qual dará posse á Junta que a substituir; cobrando reci- 
bo, que ficará registado. E ; 

- S$ 44.° Vigiar por si, ou designadamente por um de seus 
Membros, se as pensões pagas aos menores herdeiros dos Socios , 
são applicadas a seu beneficio, e se lhes é dada a conveniente edu- 
cação e instrucção. 

Art. 52.º Pertence ao Presidente da Junta, e no seu impedi- 
mento ao Vice-Presidente : 

S 4.º Determinar o dia da reunião extraordinaria. 

S 2.º Propôr as materias, de que se ha de tratar nas reu- 
niões, e manter nellas a devida ordem. 

S 3.º Assignar toda a correspondencia da Junta. 

S 4.º Assignar, com o Escrivão e Vogal Claviculario , os Ti- 
tulos de todos os Socios e Pensionistas. 

S 5.º Assignar, com o Thesoureiro, Escrivão e Vogal Clavi- 
culario, os Cheques e Guias para o Banco, ou outro qualquer Es- 
tabelecimento de Credito, que a Assemblêa Geral approvar. 

S 6.º Assignar todas as ordens de pagamento conjunctamente 
com tres Membros da Junta pelo menos. 

Art. 53.º Pertence ao Escrivão : 

S 1.º Lavrar as Actas has reuniões. 

Dar á Junta toda as informações que lhe forem pedidas. 
. Passar e assignar os Titulos dos Socios e Pensionistas , 


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assim como os Cheques e Guias. 

S 4.º Assignar, e fazer publicar os annuncios da Junta. 

S 5.º Cuidar na guarda e arranjo do Cartorio. 

S 6.º Fazer toda a escripturação. 

S 7.º Fazer e registar toda a correspondencia. 

S 8.º Processar as Folhas dos Pensionistas, e das mais des- 
pezas. 


Art. 54.º Pertence ao Thesoureiro : 
1.° Arrecadar os fundos e rendimentos da Associação. 
§ 2.º Effectuar todos os pagamentos legalmente ordenados. 

S 3.º Passar recibos de todas as quantias que lhe forem en- 
tregues, os quaes serão tambem assignados pelo Escrivão e Vogal 
Claviculario, com referencia ao Livro e Folhas. 

§ 4.º Assignar os Cheques e Guias, na conformidade do Ar- 
tigo 52.º 

S 3.º Assistir imperterivelmente ás reuniões da Junta. 

S 6.º Escripturar o Livro da Caixa. 


158 ACTOS DO GOVERNO. Nick, 


Art. 55.º O Thesoureiro não póde receber quantia alguma, 
sem ser previamente lançada nos Livros da Associação. 

Art. 56.º No impedimento do Escrivão e Thesoureiro, farão 
as suas vezes os Socios mais votados para estes logares. 

Art. d7.º Cada um dos Vogaes da Junta servirá por dois me- 
zes de Claviculario, e como tal assignará o que lhe compete. 

Art. 58.º Os Membros da Junta Administrativa de qua trata 
o Artigo 49.º, serão responsaveis in solidum por todo o prejuizo que 
causarem ao Estabelecimento, e bem assim o Thesoureiro e Escri- 
vão na parte que lhes pertencer. 


CAPITULO 5.º 
Dos Soccorros. 


Art. 59.º A Associação confere uma Pensão annual ás familias 
dos Socios fallecidos, proporcionada ao vencimento ou fundo com 
que concorreram, nunca mais nem menos de uma metade da quan- 
tia a que subscreveram, e á qual tiverem adquirido direito comple- . 
to, na conformidade destes Estatutos. 

“Art. 60. Em quanto os fundos disponiveis, do que trata o 
Capitulo 1.º, não chegarem a preencher iutégralmente as Pensões 
do Artigo antecedente, serão pagas com os fundos que houverem 
disponiveis na proporção do que por estes Estatutos lhes pertenceria 
receber por inteiro; porém logo que hajam sobras, serão indemnisa- 
dos os Pensionistas. 

Art. 61.º As pessoas a quem a Associação confere o Monic- 
Pio, 'são: 

4.º À mulher, filhas solteiras, filhas viuvas, filhos meno- 
res de 18 amnos legitimos, ou legitimados, do Socio fallecido. Neste 
“caso a viuva é a pessoa habil para receber do Cofre a Pensão, cuja 
fruição é commum. 

S 2.º Pela morte da viuva, ou casando esta, continuará a 
mesma Pensão ás mesmas filhas em commum, ou separadamente em 
partes iguaes; diminuindo porém a mesma Pensão de 4 parte, € 
sem supervivencia d'um a outro. a" 

S 3.º Se pela morte do Socio não ficar viuva, e sim filhas e 
filhos, expressos no § 1.º, terão todos a Pensão que pertencia á 
viuva, em commum, ou rateadamente, sem supervivencia na con- 
formidade dos §§ antecedentes. 

S 4.º Se igualmente pela morte do Socio não ficarem viuva 
nem filhas ou filhos como é expresso no S antecedente, a Pensão 
será conferida á mãi viuva, pai decrepito, e irmãs solteiras e viu- 
vas, no caso de indigencia, para a disfructarem em commum ou re- 
partidamente , e sem supervivencia. 

$ 5.º Se a mãi fôr viva, e não estiver viuva, e dandó-se o 


x 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 159 


caso de o marido estar decrepito e ser indigente, reputar-se-ha viu- 
va para fruir a Pensão, como é expresso no S antecedente. 

S 6.º Se acontecer não haver pela morte do Socio nenhuma 
das pessoas para herdar a Pensão pela fórma dita, este a poderá le- 
gar a qualquer parente, ou em beneficio de quem julgar, sendo em 
todo o caso o legado sujeito a todas as restricções marcadas e desi- 
gnadas no Artigo 65.º, não podendo em hypothese alguma o her- 
deiro assim beneficiado, ficar em melhor condição do que os Pen- 
sionistas de que tratam os §§ antecedentes. 

Art. 62.º Acontecendo que uma familia já tenha uma Pensão, 
segundo estes Estatutos, e que por morte de outro Socio lhe coubesse 
uma segunda ou terceira Pensão, acumulará todas, distribuidas se- 
gundo vai mencionado nos SS antecedentes. 

Art. 63.º São habeis para receber a Pensão do Monte-Pio as 
pessoas mencionadas nos SS antecedentes, se os Socios a que ellas 
disserem respeito, deixarem cumpridas as obrigações de que tratam 
os Artigos de 17:º a 21.º É 

Art. 64.º Quando a Pensão fôr repartida por diversos Pensie- 
nistas, as quotas que vagarem, reverterão a beneficio do Cofre. 

Art. 69.º Perdem o dircito à Pensão do Monte-Pio : 

S 1.º A mulher e a mãi do Socio fallecido logo que passem 
a segundas nupcias. À 

S 2.° As filhas e irmãs do mesmo fallecido logo que casem. 

S 3.º Os filhos legitimos ou legitimados : — logo que tenham 
completado 18 annos d'idade, salvo o caso d'incapacidade moral de 
nascença, ou impossibilidade fysica visivel, em quanto durarem — 
quando forem empregados antes de 18 annos com ordenado igual ou 
superior á Pensão ; e no caso de ser menor, receberão a differenca. 

Art. 66.º As pessoas que quizerem habilitar-se para Pensio- 
nistas do Monte-Pio, devem apresentar á Junta Administrativa os 
seus requerimentos, instruidos com os seguintes documentos, devi- 
damente legalisados : 

S 1.º Certidão d'obito do Socio fallecido, e titulo por onde se 
mostre o direito exclusivo á Pensão do Monte-Pio, ou a parte della, 

S 2.º Certidão de casamento, sendo viuva — e de baptismo, 
sendo filhas, filhos, ou irmãs legitimas. 

S 3.º Titulo de legitimação sendo legitimados. 

S 4.º Sendo pai ou mai, certidão de casamento , e tambem 
do baptismo do finado, e certidão do testamento sendo parente ou 
estranho. 

S 5.º Os filhos maiores de 18 annos apresentarão , além da 
certidão de baptismo, um documento que prove a sua incapacidade 
moral, ou impossibilidade fysica de poderem adquirir meios de sub- 


_ sislencia. 


R 6.º As pessoas comprehendidas no Artigo 61.º e seus $$ 
serão obrigadas a apresentar todos os semestres certidões authenticas 


160 ACTOS. .DO GOVERNO. N.º 4. 


do seu Parocho de que se conservam no estado de solteiras, de v viu- 
yez, ou impossibilidade fysica ou moral. 

: Art. 67.º O processo d'hahilitação, e assentamento dos Pen- 
sionistas, e bem assim das folhas de seu respectivo pagamento, será 
do modo seguinte : 

S 1.º A Junta entregará os e id ii ao Thesoureiro e 
Escrivão para informarem : — se os Socios fallecidos satisfizeram as 
obrigações estipuladas por estes Estatutos — e qual seja a Pensão 
que pertença aos requerentes. 

S 2.º A informação lançada á margem dos mesmos requeri- 
mentos: pelo Escrivão , que será assignada por.este, e pelo: Thesou- 
xeiro. 

§-3. A Junta, em acto de Sessão, resolverá sobre o Eni 
mento das habilitações por seu despacho. 

S 4.º. Se as habilitações forem approvadas, os requerentes se- 
rão comtenplados como Pensionistas do Monte-Pio, e a Junta lhes 
mandará abrir o competente assentamento, emique se deelurará 
tambem -a: pensão que lhes possa competir para, nos termos do Ar- 
tigo 59.º, haverem o pagamento della, desde a morte dos Socios 
fallecidos. 

§- 5-2 O. Escrivão cumprirá o despacho da Junta Administra- 
tiva, fazendo o assentamento mencionado no § antecedente , e in- 
cluirá os Pensionistas habilitados nas Folhas que d'ahi em diante 
houver de processar. 

S 6.º As Folhas dos Pensionistas devidamente processadas pe~ 
lo Escrivão, serão por elle presentes á Junta Administrativa para 
fiscalisar a exactidão dellas, e ordenar.o seu pagamento nas épocas 
competentes. 

S 7.º Determinado o pagamento das Folhas, que será feito 
com a regularidade que couber na força do Cofre, na conformidade 
dos Artigos 59.º e 60.º, a Junta mandará annunciar o dia e hora 
em que os Pensionistas devam ir por si, ou por seu bastante Procu- 
rador, ou Administrador, se forem menores ou dementes, receber 
a pensão que lhe couber, sem dependencia de outra alguma forma- 
lidade. 

Art. 68.º Das decisões da Junta Administrativa sobre a ma- 
teria do Artigo antecedente, e ácerca de quaesquer outros objectos 
relativos ao Monte-Pio, podem os interessados interpór recurso para 
a Assembléa Geral, a qual lhes deferirá como fôr justo nos termos 
declarados no Artigo 43.º S 4.º 

Art. 69.º As Pensões são responsaveis pela dividas do Socio 
para com a Associação: quanto ao mais têm natureza de alimentos. 

Art. 70,º A Associação confere uma Pensão aos Empregados 
demittidos sem Sentença, ou causa contra a sua honra, e probidade, 
se este ficar sem meios, e neste caso a requerer. 

Igualmente no caso d'impossibilidade fysica, e que não tenha 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 161 


meios de subsistencia, poderá qualquer Socio requerer até metade 
da Pensão que pertenceria por sua morte á sua família: se nesta si- 
tuação d'impossibilidade fysica, e falha de meios, tiver alguma Pen- 
são, ou vencimento de reforma pelos Cofres Pablicos, só poderá re- 
querer a differença, se este provento for inferior á metade da Pensão 
que caberia á sua familia. 

Caprruro 6.º 


Disposições Geraes. 


Art. 71.º - Haverão dois Cofres com tres chaves differentes cada 
um, os quaes estarão no logar que a Assembléa Geral designar, e que 
seja seguro. As chaves serão distribuidas pelo Presidente da Junta, 
Thesoureiro, e Vogal, que servir de Claviculario, de fórma que ne- 
nhum dos Cofres se possa abrir sem a presença dos tres Clavicu- 
larios. 3 

Art. 72.º Um destes Cofres servirá para os fundos em dinhei- 
ro da Associação, o outro pára papeis de valor, que fizerem parte 
dos mesmos fundos. 

Art. 73.º Os fundos em dinheiro só poderão ser arrecadados 
no Cofre até á quantia d'um conto de réis; o excesso existirá no 
Banco de Lisboa, ou em outro qualquer Estabelecimento que a As- 
sembléa Geral approvar. 

Art. 74.º Haverá para o expediente do Estabelecimento os li- 
vros seguintes : 

S 1.º Os livros necessarios para a contabilidade da Associa- 
ção. 

- $ 2.º Um livro para as Actas da Assembléa Geral, as quaes 
serão assignadas pelos Vogaes da Mesa. 

S 3.º Um livro para as Actas da Junta Administrativa, as 
quaes serão assignadas por todos os Vogaes della. 

S 4.º Um livro para o Registo dos Estatutos . e para a Ma- 
tricula, e assentamento de todos os Membros da Associação, em 
que serão mencionados os seus nomes — idade — filiação — natura- 
lidade — emprego — e qualquer occorrencia que lhes possa respeitar, 
com declaração dos que forem Fundadores do Estabelecimento. 

S 5.º Um livro para assentamento dos Pensionistas habilita- 
dos, em que se façam todas as declarações, que a bem delles, e 
da Associação forem necessarias. 
° § 6.º Finalmente, haverão todos os mais livros que a Junta 
julgar indispensaveis para a clareza dos negocios, e segurança dos 
interesses da Associação. 

Art. 75.º Todas as eleições serão feitas por escrutinio secreto 
separadamente , em listas que contenham os nomes necessarios, e a 
designação dos cargos, ficando eleitos os que obtiverem a maioria 
absoluta, bastando a relativa no segundo escrutinio, e decidindo a 


Noum. 4. 2 


162 ACTOS DO GOVERNO. “Nº 4 


sorte no' caso de empate. As votações para os casos de que tratam 
os $$ 8.º e 9.º do Artigo 43.º j serão por esferas. 

Art. 76.º Os cargas do Monte-Pio são annuaes, á excepção 
dos da Commissão Revisora ; e é prohibida a reeleição successiva por 
mais de uma vez, salvo a determinada no $ 2.º deste Artigo. 

S 1.º. Os-que não têm voto na Assembléa Geral: não podem 
ser eleitos. 

S 2.º Dous dos Membros da Junta Administrativa hão de 
necessariamente ficar reconduzidos por eleição especial para a Junta 
que a substituir no anno seguinte. 

Art; 77.º Estes Estatutos só poderão ser alterados passados 
tres-annos, contados depois do primeiro anno da sua gerencia; e 
para isso será necessario que o deliberem dous terços dos Socios 
residentes em Lisboa, precedendo aviso individual que designe o 
dia da reuinão, e o seu objecto; com tres mezes de anticipação , 
nunca- menos , remettendo=se a cada Socio um projecto das altera=s 
cões que se pertendem fazer, 

Art. .78.º A gradação da Tabella, tanto a respeito da joia co- 
mo da quota annual, continuará a ser applicada aos Socios Funda- 
dores, que tenham mais de 60 annos, com o augmento annual de 
um por cento para a joia, e meio por cento para a quota, por cada 
anno que exceder aos 60 annos. — Secretaria d' Estado dos Negocios 
da Marinha e Ultramar, em 24 de Dezembro de 1841.=-José Fer= 
reira Pestana. 


_ 1842. ACTOS DO GOVERNO. 163 


TABELLA 


Da Joia e Contribuição annual que têm a gagar os Socios ; 
que no acto de se inscreverem tiverem as idades abaixo 
mencionadas , calculadas sobre o vencimento, ou capital 
de 1003000 réis. 


JOIA DE | QUOTA ANNUAL DE... 


Socio Fundador Socio futuro Socio Fundado 


Por. Por | Por Por Por Por 
cento 1003 rs. 100% rs. À cento | 100% rs. | cento 
| 


5,000 
58000 
54000 
54000 
3000 
58000 
58000 
58000 
58000 
58000 
58000 
5000 
5000 
58000 
54000 
5,000 
5,000 
5,000 
58000 
58000 
55000 
5300 
68000 
64500 
78000 
7,500 
84000 
84500 
9,5000 
„5| 98500 
10 [408000 


Annes de idade 


54000 

64000 

75000] 

850001 

9,000 | 
104000 
118000 
128000 
13,5000 
14000 
158000 
178000 
198000 
21,5000 
23,4000 
258000 
27 8000 
29 Z000 
314000 
33000 
35000 


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164 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.º k. 
— e 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 

SEGUNDO ANNO. 

Sessão 3.º 


Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Devo de approyada a acta da Sessão antecedente, leu o Secre- 
tario Mattos Corrêa um officio do Sr. Domingos Fortunato do Valle, 
no qual communica à Associação, que não póde continuar a ser Socio. 

“Outro do Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, partecipando que 
acceita e agradece o convite para Socio que a Associação lhe havia 
dirigido. . iz 

Terceiro do Sr. Antonio Maria Couceiro , dirigido com o fim de 
oferecer, em nome do Socio, o Eminentissimo Patriarcha de Lisboa, 
as duas obras seguintes: — Regulations and Instructions relating to 
this Magesty Service at Sea= e = Geographie des Grecs analysée par 
Mr. Gosselin. E 
— Deu tambem conhecimento o mesmo Secretario de que o Socio 
9 Sr. Antonio Manoel de Noronha enviara, para ser depositado no 
Archivo da Associação , a primeira parte da Memoria Biografica dos 
Tenentes Generaes Leites , offerecida pelo Sr. João de Mello Sousa 
da Cunha. 

“E finalmente o seguinte officio do dignissimo Secretario perpe- 
tuo do Instituto Historico e Geografico Brasileiro, o Sr. Conego J. 
da C. Barbosa : 


Instituto Historico e Geografico Brasileiro fundado sob os Auspicios da 
“Sociedade Auxilidora da Industria Nacional debaixo da immediata 
protecção de 8. M. o Senhor D. Pedro IT. 

«TH.”º Sr. — Foi lida, em Sessão do Instituto de 13 de Setembro 
deste anno, a Carta de V. S.º de 2 de Junho, como Secretario da 
Associação Marilima e Colonial de Lisboa, na qual significa desejos 
de mutua correspondecia tom o Instituto Historico e Geografico , a 
bem do desenvolvimento dos fins de ambas as Sociedades; e o Insti- 
tuto, acceitando a offerta dessa sabia Associação, como penhor da 
confraterridade em que se vão ligar de hoje em diante, agradece mni- 
to a V. S as honrosas expressões com que trata o Instituto, ede bom 
grado se presta a corresponder-se, fazendo desde já presente dos 
seus impressos para serem depositados na Bibliotheca dessa Asso 
ciação Maritima e Colonial. 


— —— 


1842. ACTAS DA, ASSOCIAÇÃO. 165 


«O Instituto, querendo tambem dar uma prova de seu agradeci- 
mento ao honroso convite de V, S.º, remette nesta occasião o Diplo- 
ma de Membro Honorario para o sabio Presidente dessa Associação, 
e o de Socio Correspondente a V. 8.º, como seu Dignissimo Secre- 
tario, em conformidade com o Artigo dos nossos Estatutos e de pos- 
teriores decisões, que assim nos fazem proceder para com todas as 
Sociedades com as quaes nos correspondemos. 

« Téndo a honra de ser o orgão do Instituto nesta communicação, 
aproveito o ensejo de offerecer a V. S;º, e a todos os Membros da As- 
sociação Maritima e Colonial de Lisboa, o meu insignificante presti- 
mo, ou como Secretario do Instituto, ou como respeitador das letras 
e boas qualidades de todos os seus Membros. 

«Deos guarde a V. S.º Rio de Janeiro, 18 de Outubro de 1841. 
JU.”º Sr. Joaquim José Gonsalves de Mattos Corrêa, Secretario da 
Associação Maritima e Colonial de Lisboa, e Socio Correspondente 
do. Instituto Historico e Geografico do Brasil. == Conego J. da C. 
Barbosa, Secretario perpetuo. » 

Terminadas estas leituras, decidio a Assembléa, sobre proposta 
do Sr. Presidente, que se agradecesse ao Eminentissimo Patriarcha 
a sua valiosa offerta, e se enviassem aos Senhores Presidente e Se- 
cretario perpetuo. do Instituto Historico e Geografico, Brasileiro , Di- 
plomas de Socios Honorarios , como prova do apreço e muita conta 
em que têm a correspondencia de tão illustre Associação. 

O Sr. Secretario Louzada d’ Araujo leu um parecer da Commis- 
são Administrativa, sobre a proposta do Sr. Bressane Leite, que tem 
por objecto encarregar-se um Socio do arranjo e guarda do Archi- 
vo e Bibliotheca , o qual, depois de varias reflexões, ficou para ser 
considerado na Sessão seguinte. 

O mesmo Sr. Secretario deu igualmente conhecimento á Asso- 
ciação, de que se achava sobre a mesa o 6.º numero do Roteiro Ge- 
ral, offerecido por seu autor o Sr. A. L. da Costa e Almeida ,.e o 
autografo de uma Memoria Hydrografica das ilhas de Cabo Verde, 
escripta e offerecida, no Rio de Janeiro, a Sua Alteza .o-Almirante 
General, pelo Capitão de Mar e Guerra Antonio Pussich, cujo au- 
tografo, encontrado entre os papeis do Vice-Almirante Quintella , 
offerece á Associação o Sr. Antonio Gregorio de Freitas. Depois de 
produzidas varias reflexões, e ter o Sr. A. L. da Costa e Almeida 
dito que esta Memoria fôra apresentada na Academia das Sciencias e 
por ella mandada archivar , decidio a Assembléa que se enviasse á 
Commissão de Redacção afim de fazer della o uso que julgasse mais 
conveniente, e se agradecesse ao Socio offerente ; e igual destino te- 
ve a descripção de uma viagem por terra da Bahia ao Rio de Janeiro, 
seguindo o littoral, offerecida pelo mesmo Sr. - 

Entrou novamente em discussãoo parecer da Secção de Mari- 
nha Militar, ácerca da proposta do Sr. A. L. da Costa e Almeida, 
sobre habilitações dos Pilotos; e, tendo este assumpto sido larga- 


166 ACTAS DA: ASSOCIAÇÃO.: NEA. 


mente tratado pelos Senhores Sette, Louzada d' Araujo, Tavares de: 


Macedo, Costa Carvalho, Mattos Corrêa, Nolasco da Cunha, Hers 
culano Rodrigues , Amaral e Alves, e proposto como substituição, o 


Sr. Secretario Louzada d'Araujo, «que se peça a Sua Magestade se. 


«digne ordenar que em porto algum destes-reinos se dê o passe a 
«navio para navegação de longo curso, sem que o respectivo Capi- 


« tão ou Piloto se mostre, pela apresentação da sua carta de exame, 


«» competente e legalmente habilitado para dirigir o rumo e marea- 
«ção do mesmo navio; e que a apresentação dessa carta se men= 
«cione no registo determinado pelo Decreto de 17 de Dezembro de 


« 1836»; e o Secretario Mattos Corrêa que no caso de se rogar ao: 


Governo- de Sua Magestade que faça pôr em execução a Legisla- 


cão vigente , sobre: habilitações de Pilotos, ao que lhe parecia es= 


tar a Assembléa inclinada, se commettesse novamente o exams 
dessa Legislação á Secção de Marinha Militar. 


O Sr. Presidente poz à votação os seguintes quesitos , os quaes: 


foram approvados; bem como que se convidassem-os Senhores Pres 
sidente, Relator, e Secretario da Secção: de Marinha Mercante, e 
os Senhores Louzada d' Araujo, e Tavares de Macedo a unirem-se & 
Secção de Marinha: Militar , quando nella se-tratar-este assumpto. 

> Proponho, que a proposta original do Sr. Lopes e Almeida, e o 
respectivo parecer voltem à Commissão, afim de que, depois d'exa- 
minar 0 antigo systema a respeito das habilitações dos Pilotos mer- 
cantes, proponha ; -— 1.ºSe é conveniente pedir-se ao Governo, que 
ponha em efectivo vigor a Legislação existente, tal qual se acha, 
ou com quaes alterações ::— 2.º Se convem que todas as embarcas 
ções, menos as de cabotagem no continente do reino, e nos limites 
de: cada uma das provincias ultramarinas, tragam Pilotos habilita-/ 
dos , ou quaes as excepções que se devem indicar, 


E terminada assim esta questão, o Sr. Presidente fechou a Ses 
são, dando para ordem do dia da seguinte a proposta do Sr. Bres-- 


sane Leite. 


Sala das Sessões, 21 de Fevereiro de 1842. == O Secretario, Jons 


quim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


i 


Sessão 4,4 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Depois de haver sido lida e approvada a aeta, passon @ Secre 
tario Mattos Corrêa a dar conta da correspondencia externa; e leu 
um officio do Bispo Eleito de Cabo Verde, e varias respostas, com 
que o mesmo Sr, satisfaz ás perguntas que, em nome da Associars 
ção, lhe haviam sido dirigidas, com o fim de se conhecer se é 


18142. ACTAS ' DA" ASSOCIAÇÃO. 167 


possivel restabelecer o antigo Seminario, ou como crear-se nova- 
mente outro. 

Este officio e respostas foram, depois de bhava discussão, en- 
viadas á Commissão Permanente” d’ Estatistica. 

O Sr. Secretario Louzada d’ Araujo deu conhecimento á Assem- 
bléa, de que o Socio o Sr. Antonio Gregorio de Freitas offerecia á 
Associação um trabalho, que tem por titulo == Ensaio Fisico e Poli- 
tico da ilha de S. Nicolao == feito por Antonio Pussich ; Intendente 
da Marinha nas ilhas de Cabo Verde, no anno de 1803.7A Assem- 
bléa decídio que se agradecesse ao Sr. Freitas a sua offerta, e que 
o trabalho fosse enviado á Secção do Ultramar; afim de o examinar, 

O mesmo Sr. Secretario, Louzada d'Araujo;, disse que; pelas: 
noticias mais recentes recebidas dos nossos: Estados da India, lhe 
constava que o actual Governador, o Sr. Lopes'de Lima, havia es- 
tabelecido alli parte do systema de educação publica que elle tinha 
apontado c desenvolvido na sua Memoria sobre este assumpto, e que 
já se acha impressa em os Annaes; e, na certeza dos bans res 
sultados que estas medidas devem prodazir, pedia á Associação 
que votasse agradecimentos áquelle Governador, e rogasse ao Gover= 
no de Sua Magestade que houvesse por bem mandar adoptar e ap- 
plicar, naquelles Estados, as mais indicações, ou a pisa que a 
mesma Memoria contém. 

O Sr. Presidente pedio ao Sr. Louzada d' Araujo ; is tivesse a: 
bondade de apresentar esta proposta por escripto, afim de entrar em 
discussão na Sessão seguinte, considerando-se a expressão verbal de 
hoje como primeira leitura; ao que o mesmo Sr. annuio. 

Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão a proposta 
do Sr. José Xavier Bressane Leite, que tem por objectova creação;, 
e eleição d'um Archivista ; e, tendo fallado sobre este assumpto os: 
Senhores Barahona , Mattos Corrêa, Cecilia Kol, Louzada d'Araujo 
e Marques Pereira," decidio a Assembléa, que houvesse um Socio 
encarregado do Archivo e Bibliotheca, e que a eleição para este 

. cargo fosse annual, e na mesma Sessão em que tiverem logar todas 
as mais. 

Passando-se á eleição de Archivista, obtiveram os Senhores Set- 
te 9 votos, Freitas 5, e Tavares de Macedo 2; e ficou consequen- 
temente eleito o primeiro destes Senhores. 

Findo o que, o Sr. Presidente fechou a Sessão, dando para or- 
dem do dia a proposta do Sr. Louzada d'Araujo, e pareceres das 
Secções. 

Sala das Sessões, 28 de Março de 1841.==0 Secretario, Joa- 
quim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


168 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NIB: 
O O los j 


ASIA PORTUGUEZA, 
SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Asia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d' Associação , 
Manoel Felicissimo Louzada d Araujo d' Azevedo. (Continu= 
da de pag. 115.) 


A total superficie das ilhas de Gôa e provincias adjacen- 
tes comprehende 1,089 milhas quadradas, (Inglezas) inclusivê 
a- dos rios; e o seu territorio se divide em tres comarcas; a 
saber: a das ilhas de Gôa, Salsete, e Bardez; em cada uma 
das quaes ha Camara Municipal e Agraria, Juiz de Direito , 
e as mais authoridades, que o Codigo Administrativo estabe- 
lece para Portugal. As Novas. Conquistas que, por convenções 
solemnes , garantidas pela Corôa, tiveram sempre um Juiz; 
que o Governo da India julgou indispensavel fazer’ residir no 
centro dellas, e assim o mandou, por Portaria de 8 de Junho 
de 1830; e cuja população, situação, extensão e importan- 
cia do seu. territorio as tornam um districto muito superior a 
todas as outras comarcas, foram, pelo Decreto de 7 de De- 
zembro de 1836, retalhadas, e adjudicadas (quanto ao judi- 
cial sómente !!) a cada, uma das precedentes comarcas em 
tres partes, como tiradas ái regoa sobre o mappa; violentando 
os seus moradores a irem buscar ,' a districto alheio , a deei- 
são de seus pleitos, mantidos seus estilos e antigos usos de julgar, 
“com graves incommodos; tendo, debaixo de um Sol ardente, 
ou onde d'inverno a-chuva cahe. em torrentes, que atravessar 
grandes distancias, montanhas, e rios. caudalosos, sem que al- 
gum proveito os compense ;.e sem que em seu vasto territorio 
reste autoridade civil ou criminal, que possa fazer um corpo 
de delicto, ou provêr qualquer caso extraordinario, Esta ano- 
malia é uma das muitas, que vão hoje no regimen da India. 

Pangim, vulgarmente villa, é hoje a Séde do Governo, 
assento da Relação, da Junta da Fazenda, do Supremo Tri- 
bunal de Justiça Militar, da Casa da Moeda, de um Juiz de 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 169 


Direito, da Camara Municipal, .e-d'Agraria : tem Cadêa Pu- 
blica, Academia Militar e de Marinha, Bibliotheca Publica, 
aula de Grammatica Portugueza e Latina, de Primeiras Le- 
tras, ditas das lingoas Ingleza e Franceza, de Historia, Geo- 
grafia, Chronologia e Estatistica, ha pouco creadas pelo Go- 
vernador: Geral“interino, Lopes de Lima: é o domicilio de -to- 
das as autoridades, e empregados civís. Está situada sobre a 
margem esquerda do rio" Mandovi, “a uma legoa da sua foz, e 
a legoa e meia da antiga cidade de Gôa. ©- D ph) 
Era uma ridicula e immunda aldêa. O seu local, posto 
querem uma planicie deleitavel, era em grande parte mal 
são”, cheio de: palhotas confusamente espalhadas entre denso 
arvoredo ; palmares, e arbustos venenosos. Pántanos havia no 
centro da povoação; e sargêtas d'agoas estágnadas; ê apenas 
duas estreitas e tortuosas ruas cercavam e dividiâm' a povóa- 
ção. Quem: de novo alli chegasse difficultosamente encontraria 
casa para se recolher e habitar. Não tinha uma unica praça rezu- 
lar ou edificio notavel, á excepção da casa do Governo, é asda 
Junta da Fazenda, onde tambem a Relação fazia o despachos 
r falta de casa propria, e mui poucas de particulares ; 6 
eis-ahi o local que, abandonada a antiga e opulênta cidade de 
Gôa, passou a ser capital dos Portuguezes no Oriente ,' vista 
em 1827. f ' 
Hoje não é o mesmo, e em pouco tempo Pangim “se vio 
renascer, e transformar em uma excellente e linda villa, pela 
direcção e exforços do Vice-Rei D. Manoel de Portugal e 
Castro, cujo governo foi de 9 de Outubro de 1827 à 14 deJa- 
neiro de 1835. Como Pangim se faz hoje notavel por sua subita 
mudança, não é fóra de proposito descrever já quanto para o 
seu melhoramento contribuio, e os edificios publicos, que hoje 
a embellezam. Nivelon-se ò seu” terreno, entupindo-se tres 
grandes vargeas , ou campos d'arroz, que no centro da povoa- 
ção conservavam as agoas estagnadas , e dois grandes esteiros: 
e outros mais pequenos onde, d'inverno nas vasantes da maré, 
e de verão, em todo 0 tempo, se conservava tudo infecto; o 
que junto ás immundicies, que se lhes deitavam dos lugares 
visinhos, faziam a sua proximidade inhabitavel : accrescendo, 
que um destes esteiros passava contiguo a uma das frentes do 


170 MEMORIA DESCRIPTIVA” E ESTATISTICA N.º 4. 


palacio do Governo, com ‘asquerosa apparencia, onde agora está 
um:bello caes com assentos ; desde “o qual se levantou uma 
cortina sobre o“rio, que, bordando por aquelle lado toda a 
villa, transformou em uma rua de: 30: palmos de largo o loda- 
cal da praia; beneficiando muito o ar e as casas que a maré 


começava a minar. Para supprir a vasão que estes esteiros 


davam, se abrio uma sargêta em direcção recta, extensa , e 
escoante, a qual passa por fóra da melhor porção da villa, 
com as margens reforçadas por duas grandes muralhas, e des- 
peja em sólo arenoso. Construiram-se seis pontes de 42 pal- 
mos de largo, quatro das quaes, sobre esta sargêta, facilitam 


o transito e serventias da villa; e as outras duas, sobre um ` 


braço de rio na extremidade della, conduzem ambas ao ma- 
gnifico campal, tambem novo, cingido d'arvoredo, que hoje 
serve de passeio publico, e para exercicio das tropas da guar- 
nição ; para o que não bavia localidade alguma dentro ou fóra 
da villa. Este campal comprehende o grande espaço d'areal en- 
tre estas “duas pontes; e um grande pantano, que tudo se 
terraplanou. A primeira destas pontes é extensa e guarneci- 
da de gradaria, com dois pedestaes ao centro de cada lado, e 
respectivas columnas; a da direita tem as Armas do antigo 
Senado da Camara, que são as Armas Reaes, com o Corda e 
Timbre de El-Rei D. Affonso Henriques, e a roda de Santa 
Catharina, epor baixo a legenda : 

«O Senado já sõe erguer ovánte 

« Da Lusitania o Timbre tão famoso , 

« Ora as forças reune diligente 

« Aos projectos de um genio glorioso. 

(Anno “de 1832.) 

A da parte esquerda tem a estatua de Minerva, assentada na 
base da columna, com a Egide aos pés; sustentando na mão 
esquerda o escudo das Armas dos Marquezes de Valença , de 
cuja preclara estirpe aquelle Vice-Rei procede, com a legenda 

« Este escudo que vês, ó caminhante , 

« A gloria sustentou d'Alta Lisboa, 

« E anteposto se mostra á forte Egide 

« No grão restaurador da Nova Gôa. 

(Anno de 1829.) 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. Mm. 


Esta ponte é construida de um só arco de 40 palmos de vão. 
O campal tem assentos em meia laranja. ao centro sobre uma 
linda praia, encarando a barra e suas fortalezas. e nos extre- 
mos dellas- se elevam duas grandes columnas cylindricas com 
os seguintes versos : 

Na do- lado:do Norte ‘ 

« Posteridade-imparcial pondéra : 
«O quanto póde a mente creadora 
« Soccorrida pela luz da quarta esféra. 
(Anno de 1832.) 
Nado. dado; do Sul. 
«O braço que m'ergueu ant'estes mares , 
«q Segue os passos do genio Lusitano, 

« Que vio primeiro os campos Malabares, 

(Anno de 1832.) 

Este campal foi denominado = Campo de D. Manoel = por 
Portaria do Governador Geral Barão de Sabroso, em memoria 
do edificador da mova Pangim , e daquelle bellissimo passeia 
publico; e um dos melhores Governadores da India. 

Na villa abriram-se espaçosas praças, e ruas de: 80 pal- 
mos de largo, tiradas a cordel, nas quaes se hão- edificado 
mui boas casas de particulares, e edificios publicos : destes o 
mais importante e recommendavel é o quartel noyo, destinado 
para o batalhão de artilheria, até então alojado em um te- 
lheiro immundo, que fôra cavallariça da extincta companhia 
de cavallos, 

Neste quartel, que tem quatro frentes, e no centro uma 
grande praça, accommodam-se hoje dois batalhões de infante- 
ria, e a companhia de Mouros da guarda do Governo; e nos 
seus torreões as Secretarias e quartel de bandeiras ; a Acade- 
mia Militar c de Marinha; a Bibliotheca Publica; Junta e 
cofre do fardamento do exereito; Casa da Relação, e a do 
Suppremo Conselho de Justiça Militar, e um excellente thea- 
tro particulur; sobre a porta pringipal do-lado do Nascente 
se lê a seguinte inscripção : 

« Não vos hão de faltar gente famosa 
« Honra , valor e fama gloriosa. 


— 


172 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N° 4. 


« No bom e feliz governo do Ulustrissimo e 
« Excellentissimo Sr. D.' Manoel de Portugal 
«e Castro, Vice-Rei da India. 

(Anno de 1832.) 


ARTILHERIA DE GÔA. 


Foi mais obra deste Vice-Rei a novacasa d'Alfandega de 
Pangim e seu excelente caes. A Alfandega da capital dos Es- 
tadis da India estava em uma especie de barracão, e não ti- 
nha armazens, 0s-quaes se alugavam. Agora é um bello edificio 
com boas sallas e armazens necessarios , que poupam á Fa- 
zenda Nacional os seus alugueis ; e assim se economisam os 
de muitas das repartições, que já se vió, se acham hoje ex- 
cellentemente collocadas nos torreões do quartel referido. 

A Cadêa Publica de dois andares, em um' dos extremos da 
villa, com todas as accomimodações necessarias, e divisões para 
homens e mulheres, para gentios e Christãos. As antigas en- 
xovias, além de serem taes, que fazia lastima ver o estado 
cadaverico a que se reduziam os miseraveis presos, que por 
algum: tempo se demoravam nellas, eram umidas, escuras , 
acanhadas, “e: contiguas ás officinas da fabrica do polvora, hos- 
pital militar, e casa da moeda, em cujo recinto geral esta- 
vam. 

A casa da moeda foi depois transferida para Pangim, pelo 
mesmo Vice-Rei, no anno de 1833, e collocada em edificio, 
que se apropriou áquelle effeito ; e tal, que em parte do mes- 
mo está tambem o trem do exercito, transferido do Arsenal 
em 1835 : 


Além destes edifícios, tem Pangim o palacio dos Gover- 


nadores, notavel: por ser uma antiga fortaleza do Hidalcão, 
refeita pelo Vice-Rei D. Jeronymo d'Azevedo em! 1615. A 
salla do docel é grande e espaçosa ; guarnecida, e algumas 


das sallas iriiinediatass com os retratos de todos os Goseraisd 


dores e Vice-Reis da India, taes quaes se observam na im- 
portante colleeção, que está publicando o Sr. José Maria De- 
lorme Collaço, 

Este palacio tem sobre a porta do lado do rio a seguinte 
inscripção : 


-—— 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA' ASIA. 173 


« Rege Fidelissimo Josepho primo 
« Pro rege; Comite ab Ega 
« Senatus ex informi, formavit. 

Em frente deste palacio, e formando com elle uma peque- 
nissima praça irregular, unica que na villa havia, está a ca- 
sa das sessões da Junta da Fazenda, a sua Contadoria, e 
o Thesouro ; e' no mesmo: edifício estão o cofre do deposito 
publico, estabelecido em 1828 a requisição minha, servindo 
o logar de Ouvidor Geral do Civel; a casa do Sello ; Correio; 
e a aula de primeiras letras. No angulo que fórma: a parede 
da frente deste edificio, e a lateral da parte d'Oeste, se lê 

«No reinado de Sua: Magestade Fidelis- 
« sima El-Rei D. João 6.º » governando 
«o Hlustrisssmo e Excellentissimo Senhor 
“« D. Manoel da Camara a India, este; 
« por Portaria de 25 de Novembro de 
« 1824, estaheleceu o Monte-Pio para 
«o Exercito de Gôa, o qual erigio es- 
«ta ad Perpetuam rei memoriam. 

A Camara Agraria das ilhas de Gôa tambem edificou em 
1831 uma boa casa para as suas sessões, em uma das pra- 
ças novas, 

A villa hoje conta quatro grandes praças, umas das quaes 
é-destinada para o pelourinho , e tres outras mais pequenas ; 
sete ruas de 70 a 80 palmos de largo, e aquella já mencio- 
nada, que a cinge- pela: banda do rio : as duas antigas ruas 
foram alargadas e melhoradas. O actual Governador Geral in- 
terino, Lopes de Lima, fez dar denominação a todas estas ruas 
e praças, e mandou: abrir e alargar a que atravessa o bairro 
das Fontainhas, e desobstruir outros logares, oude já ha-novas 
casas. Em fim, os melhoramentos desta: villa são taes, que os 
estrangeiros a procuram como um logar de amenidade e re- 
creio, e a todos que anteriormente a conheceram, surprehende a 
sua extraordinaria e repentina mudança. Tem um pagode gen- 
tilico pouco consideravel. 

Pangim é hoje o unico verdadeiro receptaculo das forças 
de Gôa, se o inimigo a envadisse. Em prova desta asserção, 
porei aqui as proprias palavras do Vice-Rei Marquez:d' Alorna, 


{174 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATÍSTICA NA, 


cujas proezas militares na India lhe trouxeram aquelle honroso 
titulo, impressas em Gôa no anno de 1836. 

« Por cima da Igreja de Pangim se acha um terreno espa- 
« çoso, e'da maior vantagem que se póde desejar, para que 
« no caso que os inimigos entrem em Gôa, não possam pres 
« sistir nella: tem uma explanada natural por todas as partes 
« igualmente dominante a todo © paiz circumvisinho, sem pa- 
« drasto algum, que lhe possa servir de ataque; termina-se 
« nelle a ponte de Pangim; eè, feito um pequeno reducto na 
« testa della, em Ribandar , e outro no fim, será impossivel 
« que os inimigos possam penetrar : por um lado desta ponte 
« a defende 'um “caudaloso rio ; e pelo outro um terreno innun- 
« dado e cortado de salinas: está perto da barra, por onde 
« podem vir os mantimentos; naquella praia podem as em- 
« barcações maiores e menores estar seguras é abrigadas de 
« toda a tempestade. Depois que reconheci aquelle terreno , 
« assentei que elle era o unico e verdadeiro receptaculo das 
« forças de Gôa, se o inimigo a invadisse; e que não póde- 
«ria presistir nella sempre que nos mantivessemos naquelle 
e sitio: oque bastará para lhe fazer perder as esperanças 
« de senhorear-se nunca desta capital.» — O Vice-Rei 
Marquez d'Alorna' governou a India pelos annos de 1744 a 
1750. 

A ponte que neste logar se menciona , é obra que, entre 
outras, muito ' caracterisa ó governo do Vice-Rei Conde de 
Linhares D. Miguel de Noronha; communica sobre terreno 
innundado Pangim e Ribandar na extensão de 4.448 covados. 
Do lado de Pangim está sobre 38 arcos, o maior de 6 + Co- 
vados de altura e 8 5 de largo: tem mais 3 arcos ao meio ; 
é outros tres junto a Ribandar, sendo destes o maior de 8 3 
covados de altnra e 7 3 de largo, com a seguinte inscripção : 


« No anno de 1699, sendo João. Ro- 
« drigues da Costa Vereador do Se- 
« nado da Camara da cidade de Gôa 
« mandou reedificar este arco. 


Do lado de Pangim havia uma cruz sobre-o arco maior, 
em cuja peanha está esculpido * 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 175 


« Reinando a Magestade do Catholico 
« Rei D: Filippe 3.º, Nosso Senhor, go- 
« vernando este Estado o Vice-Rei D. Mi- 
« guel de Noronha, Conde de Linhares, 
« mandou a Cidade fazer esta ponte, do 
« dinheiro de um por cento, e se come- 
« cou. o anno de 633, e se acabou:o 
«-anno 634. 

Em 1832 se tirou a cruz, que foi substituida pela pedra 
que- contém- este, memorandum : quasi ao meio da ponte ex- 
iste outra cruz, e por baixo della : 

« Sendo. Governador e Capilão General 
«deste Estado o Illustrissimo. e Excel- 
« lentisso Sr. D. João José de Mello, se 
« renovou esta ponte á custa do nobre 
« Senado da Camara no anno de 1774. 

Os arcos mencionados são para dar passagem ás marés, 
que entram nas salinas de que ha pouco se fez menção ;.e no 
resto a ponte é construida sobre estacadas, Foi concebido o 
projecto da sua construceção com o principal intuito de absor- 
ver quantias, que Filippe 3.º chamava a Lisboa; é de ex- 
traordinaria utilidade, porque communica a capital com a, po- 
voação de Ribanda, Panelim , Gôa , e outros lugares mui fre- 
quentados. 

O Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castrô a fez reparar 
em partes, onde estava muito arruinada, e alluida; concerta- 
ram-se os seus arcos, e se fizeram de novo a maior parte dos 
parapeitos , que já estavam ao nivel do chão, e quatro calça- 
das extremas, tirado o grande declive que primeiro tinham, 
cuja obra se acabou no anno de 1832. 

Pangim tem excellente agoa de uma nascente, não muito 
abundante, no bairro das Fontainhas; porém a maior parte 
de seus habitantes se servem da agoa de póços, posto que no 
verão seccam quasi todos, e então se sente alguma falta d'agoa. 
Querendo o Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro pro- 
vêr a este mal, se achou na raiz do onteiro, junto ao pago- 
de, uma pequena nascente; construio-se a fonte; mas mui 
escassa é a quantidade d'agoa , que se tira della. No entanto, 


176. MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


a pouca' distancia da villa, em Santa Barbara; e mais ainda, 
em Panelim, ha muita e optima agoa, que alli vem de uma 
nascente abutidaiitissitia do outeiro de Banguinim, que anti- 
gamente abastecia a cidade de Gôa, pelo aqueducto, cujos res- 
tos ainda se vêem junto ao collegio de S. Thomás da extincta 
Ordem dos Dominicos. Pangim tem 10.000 habitantes, segun- 
do o mappa estatístico dei 1839. A folhinha de Gôa, para o 
anno de 1841, lhe dá sómente 5.327 em 1.145 fogos. A 
autoridade do primeiro me parece mais digna de credito, por 
ser feito em presença de documentos aieas e conhecimen- 
tos adquiridos na Secretaria do Governo. 

Margão ; é a capital da comarca de Salsete. Foi erecta villa 
em 12 de Junho de 1779. Está situada no sitio mais aprasi- 
vel desta bella comarca, a 6 legoas de Pangim: é muito bem 
construida , com excellentes casas e ruas espaçosas: Em frente 
da Igreja Matriz, que é uma das melhores do Estado, tem 
uma grande praça, onde tambem está a casa da Camara Mu- 
nicipal. O seu mercado, ou bazar, é grande e abundante, e 
abastece toda a comarca. O rio do Sal, de que já fallei, vem 
proximo desta villa, onde residem muitos dos mais respeita- 
veis e mais ricos habitantes nativos, que são, como em geral 
todos os desta comarca, múito affaveis, e hospitaleiros. Os 
contornos desta villa são pittorescos, e o seu ar muito sauda- 
vel. Ella começou a ser epidemica ha poucos annos : seus mo+ 
radores se viam já abandona-la; mas depois de muitas e ex- 
traordinarias diligencias e methodos , que inutilmente se em- 
pregaram para extirpar a origem do mal, elle desappareceu, 
logo que, escavado o solo da Igreja, se removeu a terra das 
sepulturas, que se achou como. alagada e pestilente, e se 
substituio por outra mais adaptada áquelle fim, e se construio 
o cemiterio em logar mais conveniente e elevado. 

Margão tem uma alfandega maritima , cujo local deveria 
ser em Ansolná (g), sobre o rio du Sal. É assento do Tribu- 


(g) Consta que o Govornador Lopes de Lima já fez esta mudança 
e outras indicadas no parec:r de uma Commissão, que presidi; no- 
meada em 1836 pelo Governo Provisorio, para a reforma e melhó- 
ramento das alfandegas. 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 17% 


nal de primeira Instancia da comarca, da Camara Municipal e 
Agraria, residencia do Juiz de Direito, e do Commandante 
Militar da provincia. Tem uma aula de primeiras letras, e 
outra de grammatica portugueza e latina; e é o quartel per- 
manente de um batalhão de caçadores. A cadêa publica desta 
comarca era na praça de Rachol, meia legoa distante da vil- 
la, e tão hedionda e doentia, que o Vice-Rei D: Manoel de 
Portugal e Castro fez remover os presos della para a de Pan- 
gim, prohibindo que ahi entrassem outros; e fazendo marcar 
na villa a área necessaria para edificação de nova casa de Ca= 
mara e cadêa publica, mandou proceder ao respectivo orça= 
mento. O actual Governador, Lopes de Lima, levou a effeito 
a obra da cadêa, que já concluio. | 

Ha nesta villa grande numero d'ourives gentios, que ha- 
bitam a mesma rua, e 9,000 habitantes; e segundo a fo- 
lhinha de Gôa para o anno de 1841 — 12.307, em 4.559 
fogos, cujo numero me parece exaggerado. 

- Mapuçá, impropriamente denominada villa, é a capital 
da comarca de Bardez, situada junto ao rio do mesmo nome, 
a mais de tres legoas de Pangim. Tem pessimas ruas, e feia 
-apparencia. É assento da Camara Municipal e Agraria, e do 
Tribunal. de Primeira Instancia da comarca, e residencia do 
Juiz de Direito. Estava alli a alfandega maritima, que, con- 
forme ao parecer da Commissão referida na nota proxima, 
se transferio para Chaporá. Ha nesta villa uma feira semanal, 
e outra annual, em dia da festividade de Nossa Senhora dos 
Milagres, á qual concorre gente de todas as partes, em gran- 
“de numero. Os mesmos idólatras vêm nesse dia venerar a 
imagem da Senhora, e apresentar-lhe as suas offerendas. Tem 
7.000 habitantes.A folhinha já citada dá-lhe 11,247, em 
2.050 fogos. A nova cadêa publica é obra do actual Gover- 
nador, Lopes de Lima. 

Pondá, nas Novas Conquistas, é a capital da provincia 
deste nome, onde reside o Commandante militar da provincia, 
e é quartel permanente de um corpo d'infanteria. Tem aula 
de primeiras letras. Havia aqui uma fortaleza chamada Mar- 
dan Goddó, que, sendo tomada em 1763 pelo Vice-Rei Con- 
de da Ega, a demolio. Tem esta aldêa 4.000 habitantes. 

Num. 4. ; 3 


178 MEMORIA DESCRIPTIVA É ESTATISTICA N.º 4, 


- Às capitaes das outras provincias das Novas Conquistas 
nada contém de notavel; e são: Sanguem — da d' Embarha- 
cem, tem 1.500 habitantes ; Cussumane — de Chandrovaddy, 
1.000 ditos; Bally — da provincia deste nome, 750 ditos; 
Colon — do Astragar, 800 ditos; Cacorá — da provincia do 
mesmo nome, 1.582 ditos; Canacona — idem, 2.100 ditos; 
Bicholim — idem, tem uma-aula de primeiras letras, um ba~: 
talhão de caçadores, e 4.000 habitantes: é a residencia do 


Commandante militar da provincia ;: Sanquelim — do Sattary , 


tem 3.000 habitantes; Pernem — da provincia do mesmo nome, 


tem 3:000 ditos. 
Portos e fortificações. 


O porto de Gôa é formado pelas extremidades das penin- 
sulas de Salsete e Bardez, no logar onde os rios Zuarim e 
Mandovi têm a sua-foz. À ilha de Gôa, cercada por estes dois 
rios, entra alli no Oceano, eo môrro do ==Cabo == em que: 
termina ao Oeste: separa as barras d'Agoada e Murmugão. 

Muito tempo passou este porto pelo melhor das Indias ; e 
ainda hoje como tal é descripto por alguns geographos; o que, 


tomado indistinctamente, é exaggerado. Durante o tempo sec=. 


co, ou o verão que, na costa occidental da India, começa 
ordinariamente em Setembro, e dura até Maio, é sem duvida 
um dos portos mais commodos e seguros do mundo ; porque 
a toda a hora do dia ou da noite se entra na barra d’ Agoada, sem 
o menor risco, e lança ferroem 5 braças de fundo terra; mas, dos 
fins de Maio até Setembro, o vento vem do Sul e ONO., demo- 
rando-se com especialidade nos pontos do SO., OSO., e O., 
os mais perigosos para a costa; e, soprando com furor impe- 
tuoso, levanta mares tão grossos, que nenhum navio poderá 
então conservar-se neste surgidouro, e menos acolher-se den- 
tro do rio, em razão do banco d'arêa que obstrue a sua 
foz, que, em lua nova e lua cheia, não tem mais de 22 
palmos de profundidade; defeito que é geral nos portos da 
costa oecidental da India (h). Em.caso porém de urgente ne- 


(h) É notavel serem todos os portos e enseadas, desde Cam- 
baia «até ao cabo Camorim, obstruidos na entrada por bancos d'arêa-:- 


+ 


1812. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 179 


cessidade, póde-se entrar como ONO. ou NO. brando, na 
barra de Murmugão, e ancorar em 3 4 ou 4 braças junto 
á fortaleza; e por isso ainda que seja bom o porto de Gôa , 
céde muito a Bombaim, Trincomalé, e Bengalla, grandes e 
seguras bahias, onde em qualquer tempo do anno entra e sà=+ 
he toda a qualidade de navios, e demoram em inteira segu= 
rança: All se encontra optima agoa, que brota -do môrro de 
Agoada, defronte do ancoradouro, e o mesmo em Murmugão ; 
e 0 paiz fornece abundantes refrescos, por preços modicos. 


é certo que nesta costa reinam a maior parte do amno ventos do mar, 
que arrojam as arêas contra a terra; todavia, em alguns daquelles 
logares desagoam grandes volumes d'agoa, e mais de tres mezes as 
cheias são tão grossas, que até á foz dos rios se encontra a agoa do- 
ce; e por isso não é facil perceber como em nenhum delles tenham 
mingoado ou desapparecido as arêéas. O porto de Gda consta ter, no 
tempo que os Portuguezes alli vieram , 16 pés de fundo: hoje tem 
menos de 15, e o tio se acha cogulado ou obstruido; por quanto os 
navios que iam antigamente descarregar ao caes de Gôa, hoje só 
chegam a Ribandar, 2 milhas abaixo, e para isso largam a carga e 
ártilheria, os de grande porte. Parece que em toda a costa as agoas 
retrogradam; e que na de Coromandel ganham terreno. Deduz-se 
esta conjectura das relações de alguns livros sagrados dos Indios ,. 
onde se diz, que milhões de annos atrás o mar banhava a raiz dos 
Gattes : hoje está de 6 a 10 legoas distante. Affirmaram os antigos , 
que a terra do Malabar fôra antigamente mar. Gr gras das defin: 
Ind.) A 

Bombaim é a unica bahia desobstruida é com toda a commodi- 
dade para entrarem e sahirem quaesquer navios, em qualquer estação 
do anno ; mas o mão fado dos Portuguezes na Ásia, quiz que della; 
fossemos privados pelo ominoso tractado de 1661. Bombaim goza 
mãos ares, e tem más agoas; mas pela sua posição geografica, pela 
espacosa bahia que póde conter 1.000 navios, e pela commodidade 
e segurança em que podem entrar, estar é sahir em todo o tempo, 
é de extraordinario; valor. E tal era a negligencia e ignorancia da- 
quelles tempos, em que estultamente cedemos um tão interessante 
porto, sem o consentimento de nossas antigas Córles, que se fossem 
para isso constiltadas, de certo o não permittiriam ; que todas as 
duvidas é reclamações feitas em 1663, pelo Governador Antonio de 
Mello e Castro, para não ser entregue Bombaira a Lord Malborough, 
chegado em uma esquadra para tomar posse do seu territorio, con< 
sistiam em serem os Inglezes hereges, e não parecer justo ceder-lhes 
um paiz, onde haviam tantos catholicos !! As eonferencias havidas sos 
bre este assumpto, que duraram muitos mezes, excitam curiosidade: 


3 * 


180 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NI 4) 


Além destes dois surgidouros, ha mais os de Tiracol, Chaporá, 
Betul, Agonda, Talpona e Galishaga; apenas para patamarins e - 
embarcações meudas. 

Gôa era talvez o porto mais bem fotificado de todos os do 
minios 'Porttguezes. Á entrada da barra, nas duas pontas do 
Norte e Sul, estão as duas fortalezas d'Agoada e Murmugão, 
que dominam os surgidouros destes nomes; e-mais acima'o 
forte dos Reis Magos, e ode Gaspar Dias em frente deste. Es- 
tas fortificações eram guarnecidas de sufficiente numero de 
soldados e boa 'artilheria'; hoje tem a necessaria para dar uma 
salva: “o forte do Cabo não existe, e o de Gaspar Dias que, 
no Ministério do Marquez de Pombal; se mandara arrazar ; 
bem como o quartel proximo está. desmantelado. 

A praça e fortaleza: d'Agoada está situada na ponta do 
Norte, na comarca de ‘Bardez, em um alto monte, forte por 
natureza, cercada de muros, e em grande parte pela rocha 
inaccessivel. Seria facilmente uma ilha, se tivesse continuado 
até ao Oceano o fosso aquatico , que começa em Sinquerim , 
e está quasi entupido. Foi feita a fortaleza em 1612, gover- 
nando o Vice-Rei Rui Lourenço de Tavora. Tem sobre a porta 
esta legenda 

« Reinando o mui Catholico Rei D. Fi- 
« hppe 2.º de Portugal, mandou a cida- 
« de fazer esta fortaleza do dinheiro de 
«um por cento, para guarda e deten- 
« ção das nãos, que a este porto vêm, 
«a qual foi acabada pelos Vereadores 
« de 1612.» 

As obras desta e outras praças estayam a cargo do Sena- 
do da Camara, e da Fazenda Publica, e sempre em pessimo 
estado : os seus baluartes estão desmantelados. Na fortaleza ha 
uma alta torre onde, desde antigo tempo, se accendia o fa- 
rol na monção — das nãos do reino; o qual consistia em fa- 
chos, que alli ardiam molhados em azeite que contribuiam as 
communidades agrarias de Bardez. Hoje ha alli um farol de 
rotação, mandado collocar pelo Governador interino, J. J. Lo- 
pes de Lima, cuja maquina é construida sobre a de um grande 
relogio, ao qual se adaptou um sino de bronze de 150 arrobas 


14842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS .NA ASIA. 181 


de peso, pertencente ao extincto convento de Santo Agostinho. 
Junto deste farol fica uma magnifica cisterna praticada na ro- 
cha viva, cuja abobeda sustentam grandes columnas de pedra, 
e da qual se não faz uso por desnecessaria : servio- para: 0 ce- 
leiro e deposito de provisões das tropas Inglezas, que em 1808 
occuparam esta e outras praças e fortes maritimos, a pretexto 
de os defender dos Francezes. A casa d'armas e hospital, que 
alli construiram , ainda hoje se conservam no dominio. da 
Companhia das Indias. 

Em Sinquerim, junto á praça, ha quarteis que hoje são 
do: regimento: de artilheria , : passando a ser occupado o deste 
corpo, em: Pangim, pelo batalhão provisorio-de Portugal: Ha 
aqui paioes para arrecadação da polvora ,-que se fabrica em 
Panelim. Na praia ha um poço de excellente agoa, que abun- 
dantemente fornece quantos: navios a - precisem. Na praça 
ella brota em differentes: logares; e: por cima da sua-fonte 
se lê; 
« Reinando o mui Catholico Rei D. Fi- 

«lippe 3,º de Portugal, e sendo segun- 

«da vez Vice-Rei deste Estado 'o Conde - 
« d'Almira, D. Francisco da Gama, man- 

« dou a cidade fazer esta fonte, do di- 

« nheiro de um por cento, para nella fa- 

« zerem agoada as nãos deste porto, a 

«qual mandaram fazer os Vereadores 

« do anno de 1621.» 

Junto aos quarteis ha uma nascente d'agoa ferrea. Den- 

tro da praça está a parochial Igreja de S. Lourenço de Li- 
nhares , edificada pelo Conde deste titulo, segundo a seguinte 
inscripção que alli se lê: 
« Reinando em Portugal o Catholico Rei 
« D. Filippe 3.º Nosso Senhor, e go- 
« vernando este Estado o Vice-Rei D. 
« Miguel de Noronha , Conde de Linha- 
« res, mandou fazer esta Ermida do 
« Bemaventurado S. Lourenço, com parte 
« do dinheiro do dito Santo, e parte do 
« seu, no anno 1630. » 


o 


182 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA“ N.º 4 


E por baixo desta : 
« Reinando o muito alto, e into pode- 
« roso Rei D. João 4.º Nosso Senhor, 
« se deu perfeição ás obras desta Ermi- 
« da do Bemaventurado S. Lourenço, - 
« sendo Vice-Rei o Conde d'Aveiras, no 
« anno 1643.» i 

Tem esta freguezia 750 almas. 

A praça tem Major Commandante 1, Capitão 1, Alferes 2, 
Ajudante 1, Capellães 2; Almoxarife t, Fiel do mesmo 1, 
Escrivão 1, praças de pret 42, total 52. — A sua despeza 
é — quanto ao pessoal, 8.944 xerafins —— quanto ao mate- 
rial; 360 ditos — total 9.304 xerafins oui 4888640 réis (1). 

A praça de Murmugão está na ponta do Sul, na comarca 
de Salsete. Em tempos antigos reputava-se inexpugnavel , 
quando , em completo estado de defeza, e na invasão Maraltta 

é 1739, servio d'asylo para os estabelecimentos publicos, e 
principaes familias de Gôa', que então governava o Vice-Rei 
Conde de S. Domil, D. Pedro Mascarenhas, e ainda hoje po- 
deria reputar-se o mais seguro ponto, se o seu local não fosse 
terrivelmente doentio; porque tem um fosso aquatico, que em 
maré cheia a torna uma ilha; e muitos e espaçosos balúartes, 
que em outro tempo estavam guarnecidos de muita e boa ar- 
tilheria, taes como o da Mombáça, da Calheta, do Malavar, 
da Pedreira, da Pedrinha , e o da Cisterna, Deu-se principio 
a esta praça no anno de 1624 no segundo governo de D. 
Francisco da Gama. Sobre a porta da entrada se lê: 

« Reinando em Portugal o Catholico 
« Rei D, Filippe IH deste nome, 
« sendo Vice-Rei deste Estado 2 vez 
«D. Francisco da Gama, 4 Conde 
« de Vidigueira, Almirante da In- 
« dia, do Conselho d'Estado de Sua 
« Magestade , e seu Gentil Homem 


(i) Cada xerafim ou pardáo vale 160 réis fortes. O pessoal des- 
ta e mais praças e fortificações, e a sua despeza , é extrahido dos 
mappas estatísticos publicados no almanak e folhinha de Gôa para 
os annes de 1840 e 41. 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 183 


« da Camara, fez esta Fortaleza. E 
« lançou a 1 pedra aos. ... . de Abril 
«de 1624, a qual se fez Co...tas 
« Terras concederam-se per. . . dellas. 

No governo do Vice-Rei Francisco de Tavora, 1.º Conde 
d'Alvor, e anno de 468%, teve principio a fundação da nova 
cidade, que por ordem da Côrte se mandara edificar nesta 
praça, para o que se applicaram 20.000 xerafins por anno, 
pagos pela renda do tabaco. Por novas ordens foi suspensa esta 
obra; mas já se haviam ultimado , sob a direcção dos Padres 
da Companhia, e com magnificencia o palacio para os Gover-: 
nadores, um armazem de 58 braças de comprido, o terreiro 
com 55 ditas. A alfandega, hospital, tres casas para officinas 
da ribeira, hospicios. para religiosos, casa da polvora , ca- 
sa da Relação, outra para o Védor da Fazenda e officiaes: 
da ribeira, e o fosso aquatico na lingoa de terra, que a une. 
á peninsula de Salsete. Ainda algumas destas obras existem 
em ruinas; e tem sido de tal modo epidemica esta fortaleza e 
praça, que mesmo os que- alli vão por poucos dias soffrem graves 
incommodos: Parece porém que hoje algum tanto tem melho- 
rado; e mais seria, se fosse possivel estancar o pantano , que 
lhe fica proximo, pelo lado d'Oeste; pois não ha outra razão 
mais pronunciada para o seu estado insalubre, sendo situada, 
como o Cabo e a Agoada, sobre o Oceano, e mui perto destes 
logares, que são os mais sadios em Gôa, e onde centenares 
de: pessoas têm convalescido das febres que adquirem em ou- 
tras partes. Tem uma cisterna; e esta dois canos reaes d'al- 
tura desmarcada, e uma longa escada de 152 degráos para o 
forte do Canal da barra, no sitio da Mombaça. Tem varias 
fontes abundantes de boa agoa: a que fica nas immediações 
do baluarte chamado Novo ,-foi calçada de pedra em 1703; 
e dizem passa por uma mina d'enxofre. Outra chamada de 
Santo Ignacio, tambem calçada, e com um padrão d'armas 
da Corda de Portugal, dizem procede de uma mina d'ouro ; 
e junto á praça se fazia algum dia a pesca d'aljofres e perolas, 
que depois foi prohibida, que abundam na foz de todos os rios. 
Nada lhe faltaria para ser uma das mais importantes praças , 
se a sua posição não provasse tão mortifera, 


184 MEMORIA DESCÉIPTIVA E ESTATISTICA N.º 4, 


A sua importancia mereceu particular attenção ao governo 
do Vice-Rei, D. Manoel de Portugal e Castro, que, em Por- 
taria de 11 de Novembro de 1829, nomeou uma commissão 
composta de dois officiaes engenheiros, um d'artilheria , do 
Fysico Mór, e do Cirurgião Mór do Estado, para investigar 
as causas do estado de ruina da praça, e da sua insalubrida- 
de; e propôr os meios de a melhorar. O dessecamento do pan- 
tano. e outras obras, que se orçaram em mais de 200.000 
xerafins, 32:0008000 de réis, foram lembradas pela commis- 
são, que muito encareceu a belleza e-conveniencia desta pra- 
ça. Mas nada foi possivel emprehender, estando em andamento 
outras obras d'igual interesse, e falta de meios para occorrer tudo. 

Posto que a sua artilheria -defenda a barra a que dá o 
nome, facil é o desembarque na praia fronteira, de D. Paula, 
onde em lanchas e embarcações pequenas se póde abordar, 
sem grande risco. 

A barra de Murmugão é hoje apenas procurada por algum 
navio, que, com vento de travessia, demanda abrigo. O rio, 
que alli desemboca, está cheio de baixos e escólhos; e, es- 
tando a alfandega em Pangim, é a Agoada o ancoradouro de 
todos os navios. 

A guarnição da praça consta de um Major commandante, 
um Capitão, um Ajudante, um Alferes, um Capelão, um 
Cirurgião, um Almoxarife, e seu fiel, um Escrivão e trinta 
e uma praças de pret: — total quarenta. O pessoal importa 
em 7.004 xerafins; material 344 ditos: — total 7.348 ditos, 
ou 1:1858680 réis fortes. Tem no seu districto 733 mora- 
dores, em 228 fogos. 

Forte dos Reis Magos, junto á Agoada, na entrada do 
rio Mandovi, e na commarca de Bardez. Foi feito este Forte 
por ordem do Vice-Rei, D. Affonso de Noronha, que gover- 
nou a India pelos annos de 1551 a 54. Tem uma couraça ao 
longo d'agoa , feita pelo Governador, Manoel de Sousa Couti- 
nho , pelos annos de 1588 a 1590. A escada que desce para 
ella, tem 124 degráos ; e as casas do commandante se fizeram 
em 1598, por “ordem do Vice-Rei, Conde da Vidigueira. 
Tambem alli ha, como n'Agoada, paioes para deposito da 
polvora da fabrica de Panelim ; e no seu recinto se faz uma 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 185 


feira annual, em dia da Epifania. Sobre a porta estão as Ar- 
mas Reaes, com a seguinte legenda : 

« No anno de 1707 foi reedificáda esta forta- © 

«leza, governando o Vice-Rei, Caetano de 

« Mello e Castro, ese puzeramestas Armas, 

« sendo Capitão della: D. Aleixo d'Almeida. » 
Tem um Major commandante , um Capitão, um Tenente, um 
Alferes; um Almoxarife, um Fiel, um Escrivão e trinta é 
nove praças: de pret: — total. quarenta e sete. Despende a 
Fazenda no pessoal “desta “fortaleza 6.620 xerafins, e no seu 
material 180 ditos: -— total 6.840 xerafins, ou 1:088,4640 
réis: fortes. A parochia dos Reis Magos conta 1.875 almas. 
Por costume antigo, eramos Governadores, que de novo che- 
gavam a (0a, hospedados, até ao dia da sua posse, nas casas 
parochiaes desta praça ,- cuja hospedagem estava a cargo do 
respectivo Vigario, a quem para isso a Fazenda National idas 
va 500 xerafins. 

Em frente desta fortaleza, na ilha de Gôa, ou Tissuaddy, fi- 
cava o forte de Gaspar Dais, de que já fallei, assim dito por ser 
situado em um palmar daquelle nome. Foi mandado construir pelo 
Vice-Rei D. Francisco da Gama, Conde da Vidigueira, em 1598. 
A sua artilheria cruzava com ada fortaleza dos Reis; o que muito 
dificultava a passagem dabarra, cujo estreito canal fica entre 
estas duas baterias. 

São estas as fortalezas, que defendem a barra de Gôa e o 
seu estado actual, o que fica descripto. Os outros pontos da 
costa fortificados , são : 

Tiracol, á ana do rio Arodem, no continente do Boun- 
soló, ao qual este forte, e outros, foi tomado em 1746 pelo 
celebre Vice-Rei, Marquez de Castello Novo, depois Marquez 
d'Alorna. A sua posição é importante, para proteger a casa 
fiscal d'alfandega maritima”, e para conter em respeito a pro- 
vincia de Pernem, que por vezes se tem subtrahido á obe- 
diencia do Estado, e os proprios moradores da aldêa contigua 
ao forte, a maior parte sipays, sempre propensos a unir-so 
a quaesquer inimigos nossos, como mais de uma vez têm pra- 
ticado, e para os quaes o rio, cuja foz este forte domina , dá 
entrada. Esta aldêa tem uma milha de comprido, e outra de 


186 -MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 4. 


largo. População 405 almas. "Tem o forte um capitão com- 
mándante, um Alferes, que faz as vezes d' Almoxarife, um 
Capellão, um Cirurgião e quatro praças de pret: — total 9. 
A Fazenda gasta no pessoal deste forte 2.076 xerafins, no 
material 360: — total 2.436 ditos, ou 4894976 réis. 

O forte de Chaporá , na comarca de Bardez, e foz do rio 
a que dá o nome, foi começado a construir em 1717, pelo 
Vice-Rei D: Luiz de Menezes, Conde da Ericeira, e 1.º Mar= 
quez do Louriçal: é conveniente para defeza do porto, e pros 
tecção d'alfandega maritima, que hoje alli se acha, transfe- 
rida de Mapuçá. Tem um Major commandante, tres capitães, 
um Capellão, um Cirurgião e vinte praças de pret: — total 
vinte e cinco. Custa o seu pessoal 3:912 xerafins, e o mate- 
rial 150: — total 4,059 xerafins, ou 651,8050 réis fortes. 

O redacto: de Baga; ha mesma 'comarca, é apenas um porto 
d alfandega, com um Capitão commandante e 7 praças de pret : 
— total 8. Despende a Fazenda no pessoal 2.088 xerafins, no 
material 89 :— total 2.138 xerafins, ou 3428030 réis fortes. 

O reducto de Cola, em um reentrante da costa na co- 
marca de Salsete, tem um Tenente commandante e duas pra- 
ças de pret: — total 3. Despende a Fazenda no seu pessoal 
444 xerafins, no material 20: — total 464 xerafins ; ou 
745240 réis fores. 

Posto militar de Betul, na entrada do rio do Sal, tem 
um Capitão commandante, 2 Alferes, um facultativo e dez- 
oito praças de pret: — total vinte e duas. Custa o pessoal 
3.288 xerafins, e o material 50: — total 3.338 xerafins , 
ou 5345089 réis fortes. 

Cabo de Rama, ao Sul de Salsete, veio ao Estado em 
1764 com a sua jurisdiscção, que comprehende a provincia de 
Canacona; posto esteja à beira mar, não tem porto que ad- 
mitta embarcações, e serve o forte para conter os povos em 
quietação. Tem um Tenente Coronel commandante , um Ca- 
pitão, um Alferes Ajudante, um Capellão, um Cirurgião , 
um Interprete, um Escrivão e vinte e quatro praças de 


pret: — total trinta. Custa á Fazenda o seu pessoal 5.466. 


xerafins, e o material 94: total 5.560 xerafins, ou 8894600 
réis fortes, 


——— 
— Rai 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 187 


Além destes, conviria estabelecer ainda um posto d"alfan- 
dega em Talpona. 

Os fortes dá fronteira terrestre são hoje diversos daquel- 
les que existiam quando o territorio de Gôa se limitava ás ilhas 
e peninsulas de Salsete e Bardez. Então, em volta destas ilhas 
e sobre a borda dos rios que as banham, havia grande nu- 
mero de fortes, que ha muitos annos estão abandonados, a 
maior parte, e hoje todos, por desnecessarios; por issò que a 
acquisição das provincias das “Novas Conquistas tornou estes 
logares centraes : direi com tudo , quaes eram estas fortifica- 
ções, e as que de poucos annos se extinguiram. 

A “ilha de Gôa tinha, sobre o Oceano, o forte de Nossa 
Senhora do Cabo, com tudo o necessario para a defeza , no 
qual haviam tres cisternas. O de-Gaspar dias ficava, como di- 
to é, sobre o banco á entrada do rio Mandovi. Nos suburbios da 
cidade de Gôa estava o Paço de: Daugim e uma bateria de 4 
peças. D'alh partia a muralha começada pelo Vice-Rei, D, 
Antão de Noronha, com seus baluartes, e couracas, até ao 
passo secco, ou váo de $. Braz, onde havia um forte do tem- 
po dos Mouros, que foi renovado no anno de 1697, governando a 
Vice-Rei Conde de Villa Verde, D. Pedro Antonio de Noronha, 
e outras vez fortificado pelo Governador e Capitão General D. 
Frederico Guilherme de Sousa. D'aqui continúa a muralha até 
ao forte de Sant'Iago ou de Banastarim, nome bem. conhecido 
e celebre na historia da India. Nestes tres logares, eram as 
portas desta muralha, que, proseguindo ao Mangueiral, alli 
teve uma couraça com sua tercena, para quartel d'inverno de 
uma companhia ; e, passando ao forte de S, João Baptista em 
Carambolim , e atravessando o Outeiro, vinha até proximo da 
casa da polvora em Panelim. No governo de Antonio Paes de 
Sande, pelos annos de 1678 a 81, foram muradas varias ruas 
da cidade de Gôa, e se lhe fizeram portas, que pouco duraram, 

Na extremidade da ilha, e passagem para Salsete, era o 
forte de S. Lourenço , onde ainda hoje ha um mercado sema- 
nal; e em frente de Pondá ficava o de Mandur, hoje em rui- 
nas, no qual, sobre a porta do lado da entrada, se lê: 

« Governando este Estado o Hl.”º e Ex."º 
« Sr. Conde da Ega, Vice-Rei, se fez este 


188 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 4. 


« forte de Nossa Senhora do Amparo, sendo 
« Védor Geral da Fazenda Henrique Carlos 
« Henriques, ‚(Anno de 1764.) 

Assim era defendida a ilha e cidade de Gôa. Os rios que 
circumdam a ilha de Divar ou Piedade, em parte alguma dão 
vão; e pelo lado da terra firme tinha esta ilha o forte de Na- 
roá, que com a sua artilheria varejava o rio. Na ilha de Cho- 
rão estava o forte de S. Bartholomeu para defeza do vão na 
parte, que tambem olha a terra firme. 

As duas ilhas de Corjuem e Panelem:, conquistadas em 
1705 pelo Vice-Rei Caetano de Mello e Castro, eram forti- 
ficadas e defendidas pelo forte da primeira. Na ilha de Iua es- 
tava o forte de 8, Francisco Xavier. A de Combarjua e Tonca 
tambem eram defendidas. por seus pequenos reductos. 

Em occasião de necessidade , os vãos e passos seccos , se 
defendiam facilmente, com baterias razas sobre elles, e com 
manchuas postas de um e outro lado dos mesmos vãos, para 
os cruzarem com al sua-artilheria : a passagem só podia ser 
accomeltida em baixa-mar; porque a maré chega a todos es- 
tes pontos, e muito mais acima, 

A provincia, hoje comarca de Bardez, banhada pelo Ocea- 
no, desde Chaporá até á Agoada, e pelo rio caudaloso que a 
separa da ilha de Gôa, tem para a parte de Bicholim uma 
muralha, hoje em ruinas, em uma lingoeta de terra de um 
quarto de legoa, desde o forte novo até Culuale, obra do Yi- 
co-Rei, Conde de Linhares, comprehendendo na sua linha o 
mesmo forte Novo, no qual está a seguinte inscripção : 

« Reinando o Caiholico Rei D. Filippe 3.º, go- 
« vernando este Estado o vigilantissimoD, Ma- 
« noel de Noronha, Conde de Linhares, foi 
« feita esta obra, no anno de 1635.» 

O de Tivim, construido em 1681, (no governo de Fran- 
cisco de Tavora, 1,º Conde d'Alvor), como consta de uma 
inscripção sobre a sua porta, o forte do meio, e de Coluale. 
Ha alli um fosso principiado, que facilmente podia tornar es- 
ta peninsula em ilha. O Vice-Rei, Vasques Fernandes Cesar 
de Menezes , que governou de 1712:a 47, fez um forte nove 
uas fronteiras de Bardez. 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA, 189 


A provincia de Salsete era a mais exposta ás incursões 
dos inimigos, pela parte dos Gattes, que defendia uma pe- 
quena fortificação em Conculim , e a fortaleza de Rachol, ce- 
dida ao Estado por Crisna Ráu, descendente do Imperador . 
Rama Raza, que a tomara ao Idalcão, governando Diogo Lo- 
pes de Sequeira, pelos annos de 1518 a 21. 

Todas estas fortificações, pela maior parte obra do Conde 
de Linhares, D. Miguel de Noronha, eram dantes (ão ne- 
cessarias e proveitosas, como inuteis hoje, que os limites do 
territorio passaram além das Novas Conquistas. Tão reconhe- 
cida foi a sua inutilidade que, por aviso da Córte do Rio de 
Janeiro de 2 de Junho de 1810; se ordenou ao Vice-Rer, 
Conde de Sarzedas, mandasse proceder a uma “vistoria em todos 
os fortes da defeza das ilhas de Góa ; para serem abandona- 
dos os que o merecessem ; mas foi quasi nulla a execução 
desta ordem, que só em 1833 teve pleno efleito , mandando 
o Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro dar baixa a to- 
dos os fortes referidos, menos o de Sant lago, ou Banastarim, 
pelas recordações gloriosas das suas passadas eras; e a forta- 
leza de Rachol, por necessaria e importante ; fazendo recolher 
ao arsenal a artilheria e montes de balas quasi inuteis , que 
por esses fortes existiam. 

São portanto hoje fortificações interiores; o forte dito de 
Santiago, em Banastarim, que, occupando brilhantes pagi- 
nas na historia da defeza de Gôa, é hoje um pequeno presídio 
apenas guarnecido por nove praças de pret, com um Major 
commandante delle. Entre outras peças, existe alli um pe- 
dreiro mourisco, formado de canellos de ferro e abraçado por 
arganéos de bronze, que lança pedras e pelouros de desforme 
grandeza. Despende a Fazenda com o pessoal deste forte 2.432 
xerafins ; no seu material 48:-—total 2.480 ditos, ou 
3965800 réis fortes. P 

A praça da Rachol, posto que irregular, era para os ini- 
migos da Asia sobejamente forte: tem um fosso aquatico, em 
parte já entupido, mandado fazer pelo Vice-Rei Marquez 
d'Alorna; e tinha a vantagem de poder facilmente innun- 
dar-se todo o terreno em roda , pela parte de Curtorim e da 
ilha de Rachol, que era do$ Padres da Companhia , sem que 


190 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 4. 


lhe ficasse mais que um pequeno ataque em uma emminen- 
cia, na parte em que a fortaleza era mais segura e defendida. 

Dentro dos muros desta fortaleza houve uma povoação flo- 
rescente, onde residia o General das Armas da província, com 
algumas companhias d'infanteria e de cavallaria. Ainda alli se 
vêem as ruinas de boas casas e palmares. O Seminario Ar- 
chiepiscopal, que era o antigo collegio dos Jesuitas, imstituido 
por El-Rei D. Sebastião, é um grande e bello edificio, sis 
tuado na parte mais elevada da praça, o qual se conserva em 
muito bom estado, assim como as duas magnificas cisternas 
desta casa. O resto da praça tornou-se epidemico, e a isso é 
devido o abandono da sua povoação desde poucos annos : todavia, 
a sua parochial Igreja, sita no recinto da praça, conta 1.504 
almas. Na bateria sobre o rio, que a separa da provincia de 
Pondá, se encontra uma peça columbrina , feita no reinado 
d'El-Rei D. Sebastião, segundo na mesma está gravado. Tem 
um Major commandante, um Ajudante, um Cirurgião e qua- 
torze praças de pret: — total dezesete. Importa o pessoal 
desta praça 2.844 xerafiins, material 30 ditos: — total 
2.894 xerafins, ou 4568840 réis fortes. 

As praças da fronteira terrestre são hoje nas extremidades 
das provincias das Novas Canquistas, e no centro d'algumas 
dellas; a saber: 

Em Bicholim, a fortaleza deste nome for a primeira vez 
tomada e arrazada em 1705, pelo Vice-Rei Caetano de Mello 
e Castro. Em 1746 a tomou de novo o Marquez d'Alorna , e 
se conservou em nosso dominio até que, por ordem da Cóôrte, 
o Vice-Rei Conde da Ega a entregou com outras ao Bounsoló 
em 1761; mas tornou á Corda Portugueza, por conquista 
feita em 178t, pelo governador e Capitão General D. Fran- 
cisco Guilherme de Sousa. Tem um Capitão commandante, e 
é guarnecida pelo corpo de caçadores aquartelado em Bicho- 
lim, cujo Tenente Coronel commandante é o da provincia. 
Despende-se com o seu material 72 xerafins, ou 115520 
réis, i 
Em Sattary, o forte de Sanquelim conquistado em 1781, 
tem um Capitão commandante, um Capitão, um Ajudante, 
am Capellão e vinte e sete praças de pret: — total trinta e 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 191 


uma. Custa o pessoal 4.620 xerafins, e o material 150 ditos: — to~ 
tal 4.707 xerafins, ou 753,$280 réis fortes. 

Casa Forte em Duromarogo , é guarnecida por destacamentos de 
tropa de linha. Custa o seu material 48 xerafins ou 7,8680 réis fortes. 

Em Pernem, Casa forte, guarnição idem. Tem um official superior, 
que é commandante da provincia, e vence 2.016 xerafins. O mate- 
rial custa 168 ditos: — total 2.184 xerafins ou 3498440 réis fortes. 

A praca d'Alorna. A sua conquista em 1746, e outras, cobria 
de gloria o governo do'Marquez de Castello Novo, que cm remunera- 
cão teve o titulo de Marquez d'Alorna. A expugnação desta praça 
foi arriscada, e a posse della era indispensavel para facilitar a con- 
quista de Bicholim, e Sanquelim, e outras, afim de conter em res- 
peito o Bounsoló, que constantemente nos incommodava e ameaçava 
a Comarca de Bardez. Hoje nada tem de notavel; a sua posição é 
em roda dominada por montes sobranceiros, e só póde dizer-se um 
pequeno presídio. Em 1761 foi por ordem da Córte, mandada res- 
tituir ao Bounsoló, de quem outra vez a tomou o governador D. Fre- 
derico Guilherme de Sousa, em 1781, Está sobre o rio de Chaporá, 
que neste logar toma o nome de praça, e tem um Major comman- 
dante, um Ajudante, tres Alferes, um Cirurgião Mór, e cincoenta 
e seis praças de pret: — total sessenta e dois, e despende 7.040 xe- 
rafins, e no material 168: — total 7.208 xerafins, ou 1:153,4280 réis 
fortes. - 

O forte d'Arabó, conquistado em 1781. Major commandante um, 
Alferes um, praças de pret trinta e tres: — total trinta e cinco. Custa 
o pessoal 4.124 xerafins, e o material 84: — total 4.208 xcrafins, ou 
993,4 280 réis fortes. 

Casa forte de Canacona, é guarnecida por um destacamento de 
tropa de linha. Tem um commandante que vence 1.800 xerafins, ou 
288,3000 réis fortes. 

A Fortaleza de Tiracol póde considerar-se tambem da fronteira 
terrestre, pois que vigia a foz do rio e a terra. 

. De quanto fica expendido, se vê que Goa é um paiz que tem to- 
das quantas vantagens se podem imaginar para a defensiva. Estas e 
muitas outras fortificações já extinctas eram sufficientemente guarne- 
cidas de tropa, e com artilheria formidavel. As de hoje se guarne- 
cem por destacamentos e veteranos, e as praças da fronteira, quando 
mesmo bem providas, poderão apenas fazer resistencia a um pegue- 
no poder asiatico, que as atacasse; o que todavia não é de recear, 
em quanto formos rodeados pelas possessões inglezas : ellas servem 
hoje para conter em respeito os inimigos internos € coadjuvar as al- 
fandegas. 


(Continuar-se-ha. ) 


Qualidade 
das 


| Embarcações 


I Fragatas — 
(em meio 
armamen- 
e =, 7 


Corvetas. 


Urânia...... 


Duqueza de Bra- 
DANCAS o ea no 


Diana rse cs ek 


Oito de Julho.. | 
D. João I..... 
Infanta Regente 


No 4.º de Abril de 1842. 


D 
as a Graduações, e nomes 
Sog dos 
TPO 
zae Commandantes 
O a 


Capitào Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 


Capitão Tenente, J. S. Ramos......... 


Andaz isn 2. em 
Villa Flor... 
D. Pedro.... 


Magnanimo .. 


Brigues ... 


Charrua. 


Amelia ..... 
Esperança... 
Boa Vista... 
Cabo Verde. 
INTIMA; = co poras 


Escunas.. 


Correio (em 
meio arm.!º) 


Liberal ..... 


N.º dosOf- 
ficiaes de 
Marinha 


Nic dos 
Guardas- 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 


(ram, 


Marinhas e 
Aspirantes 


Destinos 


No Téjo, de Registo do Porto. 


No Téjo, servindo de Deposito 
de Marinhagem. 


» Segundo Tenente, P. O. Alves......... 


Primeiro Tenente, F. A, G. Cardozo.... 5 2 Em Angola. 
Capitão Tenente, F. S. Franco......... 5 4 No Brasil, 
Capitão Tenente, T. J. Marques. ....... 2 2 Na India. 
Capitão Tenente J. M. F. do Amaral.... 5 4 No Téjo. 
Primeiro Tenente, J. J. d' Andrade Pinto 4 3 Em Angola. 
Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 4 3 Nos Açores. 
Primeiro Tenente, I. F. Guimarães, Junior 5 2 No Téjo. 
Capitão Tenente, J. J. Fernandes d’ Andrade 4 3 Na India. 
«| 13 |Primeiro Tenente, J. M. Esteves........ 4 1 No Téjo. 
«| 10 | Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 3 2 No Téjo. 
a 3 | Segundo Tenente, A. d'Oliveira........ 2 1 |Em Cabo Verde, 
1 | Segundo Tenente, D. H. da Fonc.”? Ferr.º? 1 1 Em Cabo Verde. 
: 1 | Segundo Tenente, V. R. Ganhado...... 1 1 Em Cabo Verde. 
1 | Segundo Tenente, V. do N. Teive...... 1 1 Em Angola. 
's. Boaventura] » |Primeiro Tenente, F. de A. e Silva..... » 
1 No Téjo. 


amnass 

MARIFIKOS E COLGNIAES. 
` Neg 
SEGUNDA SERIE. . 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 
Março de 1842. 


26. chira, promovendo ao posto de Tenente Coronel 
graduado, o Major da extincta Brigada de Marinha, Fran- 
cisco José Alves, contando a antiguidade deste posto do dia 
3 do dito mez. 

Idem. Portaria, approvando a proposta do Major Gene- 
ral, e mandando nomear para commandante do Brigue S. 
Boaventura, ao Primeiro Tenente d'Armada, Francisco d'As- 
sis e Silva. 

30. Decreto, promovendo ao posto de Capitão de Fra- 
gata, sem prejuizo da antiguidade dos que a tiverem maior, 
o Capitão Tenente Rafael Florencio da Silvya Vidigal, ficando 
esta graça sem effeito, quando por qualquer motivo deixe de 
partir para Damão-, para onde foi nomeado Governador , ou 
mesmo quando sem ordem expressa superior alli se não con- 
serve o tempo de tres annos. 

31. Decreto, promovendo ao posto de Primeiro Tenente 
d'Armada, o Bacharel formado em Mathematica Joaquim Cor- 
deiro Feio, Segundo Tenente da mesma Armada, e Lente 
proprietario da Cadeira de Navegação annexa á Eschola Po- 
lytechnica; e em attenção aos numerosos documentos com 
que provou os relevantes serviços que prestára á causa da li- 


194 x ACTOS DO GOVERNO. N.º 5. 


berdade constitucional, e para passar no mesmo posto á se- 
gunda secção do Exercito, na conformidade do Decreto de 
18 de Julho de 1834, 

31. Decreto, passando á segunda secção do ereto 
por assim lhe pertencer, o Primeiro Tenente d' Armada, Lente 
da Cadeira de Navegação da Eschola Polytechnica, Joaquim 
Cordeiro Feio. 

Abril. 


1.º Portaria, ordenando que, em conformidade do que 
foi proposto pelo Major General d'Armada,, sejam nomeados 
para embarcar a bordo dos navios grandes, mais dois officiaes 
de patente, e a bordo dos pequenos mais um, do que aquelle 
numero que actualmente é nomeado. 

2. Portaria, mandando admittir na Companhia dos Guar- 
das Marinhas, na qualidade d'Aspirantes, a Manoel Bernardo 
Pereira Chaby, Francisco Cecilio Borges Soares, Antonio do 
Nascimento Pereira de Sampayo, e Pedro Antonio Rebocho. 

Idem. Portaria, concedendo baixa do serviço, por assim 
o sollicitar, ao Aspirante a Guarda Marinha, Age Liba- 
nio d'Oliveira. 

3. Decreto, concedendo a graduação de Segundo Te- 
nente d'Armada a João de Brito Parminter Milne , Professor 
da lingoa Ingleza n' Academia dos Guardas Marinhas, da qual 
ficará immediatamente privado, logo que deixe de exercer o 
referido cargo; e sem que de futuro se possa julgar com di- 
reito a uma tal consideração. 

14. Decreto, concedendo a graduação de Tenente Co- 
ronel, ao Major que foi do Batalhão Naval, actualmente em 
disponibilidade , Francisco de Sá Nogueira Godolphin. 

18. Decreto, determinando que o Presidente do Conse- 
lho de Saude Naval tenha a graduação de Capitão de Mar e 
Guerra, e que os outros Membros do mesmo Conselho tenham 
a graduação de Capitães de Fragata. | 

Idem. Decreto, despachando no posto d'Alferes para a 
provincia d'Angola, ao Aspirante a Guarda Marinha, Manoel 
Alves Branco Rodrigues. 

20. Portaria, mandando responder em Conselho de 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 195: 


Guerra, afim de que possa ser julgada a sua conducta civil e 
militar (por assim o haver requerido) ao Segundo Tenente re- 
formado d'Armada , João Rodrigues de Sá. 

22. Portaria, approvando , a proposta do Major General 
d Armada, e nomeando para commandante da Escuna Fayal, 
ao Segundo Tenente d'Armada Feliciano Antonio Marques 
Pereira. 

Idem. Officio ao Major General d'Armada , remettendo 
o Decreto de 18 do corrente, que designa os dias que, d'ora 
em diante, ficam sendo de grande e de pequena gala na Córte. 

25. Decreto, promovendo a Primeiro Tenente d'Arma- 
da, sem prejuizo da antiguidade dos que a tiverem maior, ao 
Segundo Tenente da mesma Armada, Camillo Antonio Josino 
Cordeiro, encarregado da Intendencia da Marinha e Arsenal 
de Gôa, em consideração dos bons e valiosos serviços que 
tem prestado no referido Arsenal. 


— Dad 


ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 
Sessão 5.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente 


Dios de approvada a acta , fizeram-se as seguintes leituras : 

Um officio do Socio, o Sr. João de Fontes Pereira de Mello, Go- 
vernador Geral de Cabo Verde: acompanha uma serie de respostas 
ás perguntas, que a Associação havia dirigido ás autoridades da- 
quella provincia, com o fim de saber se é possivel restabelecer alli 
o antigo Seminario, ou crear outro. Decidio a Assembléa, que o tra- 
balho fosse enviado á Commissão d'Estatistica, e se agradecesse ao 
Socio seu digno autor. 

Uma proposta assignada pelo Socio o Sr. Antonio Herculano 
Rodrigues, e tem por objecto — ser examinada pela Associação a 
historia da restauração, escripta pelo Almirante Napier. — Foi man- 
dada á Secção de Marinha Militar, para interpôr o seu parecer. 

Um parecer da Secção do- Ultramar sobre a proposta do Sr. Fe- 
líciano Antonio Marques Pereira, que tem por objecto — questões 


1 « 


196 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 5 


coloniaes. — Depois de um pequeno “debate, decidio-se que se im- 
primisse e distribuisse pelos Socios, e que entraria em discussão em 
occasião opportuna. 

E um parecer da Secção de Marinha Militar — ácerca das ha- 
bilitações dos Pilotos. — Foi dado para ordem do dia da Sessão se- 

- guinte. 

Terminadas todas estas leituras, entrou em discussão a proposta 
do Sr. Louzada d'Araujo, que havia sido dada para ordem do dia. 

Este Sr. encetou a discussão lendo a proposta que já verbal- 
mente havia feito na Sessão antecedente; e, terminada esta leitura, 
passou a observar, á vista da sua memoria sobre a educação publica 
nos Estados da India, quaes as idéas já adoptadas pelo Sr. Lopes 
de Lima, e as que, segundo o seu entender, convinha pedir ao Go- 
verno de Sua Magestade que tomasse em consideração, como muito 
proprias e mesmo indispensaveis ao desenvolvimento da educação e 
instrucção publica naquelles Estados ; e terminou pedindo que a As- 
sociação se dirigisse, com este fim , ao Governo de Sua Magestade. 

Seguiram-se a fallar os Senhores Kol, Tavares de Macedo, Mat- 
tos Corrêa, e novamente o Sr. Louzada d'Araujo; e decidio final- 
mente a Assembléa — que a proposta fosse á Secção do Ultramar, 
para dar o seu parecer. 

O Sr. Presidente deu para ordem do dia as habilitações dos Pi- 
lotos, e a ordem em que devem entrar em discussão as questões co- 
loniaes, e depois fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 21 de Março de 1842.==0 Secretario, Joa- 
quim José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


— A E e 


ASIA PORTUGUEZA. 
SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Ásia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d’ Associação , 
Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 191.) 


Resumindo o quadro concluido em o antecedente numero , 
temos, que o territorio de Gôa é defendido por 9 praças e 
fortes maritimos, 2 interiores, e 7 da fronteira terrestre: — 
total 18. Guarnecidas por Tenentes Coroneis Commandantes 
3, Majores ditos 8, Capitães ditos 5, Tenente dito 1: total 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. . 197 


em commando 17. Mais — Capitães 8, Tenente 1, Alferes 
12, Ajudantes 4, Capellães 7, Cirurgiões 7: total 39. 

Officiaes de Fazenda. — Almoxarifes 3, Fieis dos ditos 3, 
Escrivães 4: total 10. Um lingoa ou interprete: praças de 
pret 326. 

Despende a Fazenda Publica com o pessoal de todas estas 
praças e fortes 64.718 xerafins, ou 10:354,3880 réis fortes ; 
e no seu material 2.376 xerafins, ou 3804160 réis fortes: 
total 67.094 xerafins, ou 10:7353040 réis fortes. 

As fortificações modernamente abandonadas são 14; que 
absorviam 20.904 xerafins, ou 3:3458640 réis fortes. 

As obras e concertos das fortalezas e praças se faziam, 
parte pela Fazenda, e parte pela Camara Municipal; para o 
que esta arrecadava rendas, que em logar competente mencio- 
narei. As communidades do certas aldêas são obrigadas a fa- , 
zer, por seus moradores, a limpeza das muralhas de algumas 
destas praças. 

A despeza que fica apontada, é segundo os mappas que 
se acham publicados até ao anno de 1840, e orçamento deste 
anno para o de 41. Os documentos que eu possuia só alcan- 
çam ao fim do anno de 1836; depois dos quaes têm oc- 
corrido sensiveis mudanças. 


Telegraphos. 


Nas praças d'Agoada e Murmugão está o posto dos si- 
gnaes que passam ao forte do Reis Magos, e a Malim , logar 
elevado em frente de palacio do Governo, para annunciar o 
movimento da barra. Dois pangelins, ou marinheiros pagos 
pela feria do Arsenal, se acham empregados no serviço de 
cada um destes postos telegraphicos ou de signaes, unicos 
que ha no territorio de Gôa. 


Exercito e Estabelecimentos Militares. 
Até ao anno de 1774, não haviam corpos de tropa regu- 


lar em Gôa : eram companhias avulsas, aquartelladas nas me- 
lhores posições da fronteira das ilhas e das provincias, hoje 


a * 
198 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA Nº5. 


comarcas de Salsete e Bardez, auxiliadas pela serie de fortes 

ue referi, e outros, ha muito extinctos. Estas companhias , 
ão todo 23, se denominavam do Terço; sete das quaes eram 
de Européos, e as restantes de nativos: haviam mais os si- 
pais, especie de caçadores do monte, sem organisação regu- 
lar (k). 

Em 1774, crearam-se 3 regimentos de 7 companhias ca- 
da um, e um de artilheria; e, para dar fórma aos sipais, 
foi creada a legião do Pondá; e assim a fórça do exercito, 
em 1778, era de 5.743 praças nos & corpos referidos, e de 
1.865 na legião: — total 7.608 praças. 

No governo de D. Frederico Guilherme de Sousa, foram, 
por ordem da Córte, estes 3 regimentos reduzidos a 2 de 10 
companhias cada um, e se creou uma nova legião em Bardez ; 
prohibindo-se os sipais avulso, e as guarnições fixas dos presi- 
dios: a sua força porém não excedeu muito a precedente. Com 
o tempo se foi de novo tentando a instauração dos sipais ; eram 
muitas as pessoas que nisso interessavam ; e, em 1818, elles 
já outra vez formavam um corpo de 1.71% praças com 12 
Capitães, 1 Tenente, 13 Cabos primeiros, '5 Cabos segun- 
dos, 9 Menores, 7 Bragmanes, 26 Alferes e 37 Sargen- 
tos. 

Em 1816, a força do exercito montava a 6.500 homens, 
além da cavallaria das legiões, e de 3 regimentos de mi- 
licias, distribuida pela maneira seguinte : 


(k) Os sipais são de casta Marata , Mouros, e alguns ha tam- 
bem christianisados na aldêa de Tiracol. São bons atiradores, e 
aptos para a guerra, que fazem traicoeiramente e a coberto, sem 
ordem ou regularidade alguma. Usam de caitocas, terçados, e pu- 
nhaes. Assallariam-se por modico preço para os exercitos, e tam- 
bem no serviço de particulares, e até de corporações, para sua guar- 
da e de suas casas, para a cobrança de fóros e rendas etc. Os si- 
pais obedecem servilmente aos seus cabos, especialmente aos Des- 
saes, cujas ordens cumprem cégamente por barbaras ou immoraes 
que sejam. Um bollo, a que chamam = appa = feito de farinha de 
arroz, que comsigo levam em marcha, os sustenta por 3 e mais 
dias, sem necessidade de outro algum alimento. São crueis para 
com o inimigo. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 199 


Regiões se; stats in cos 3.000 praças 
2 regimentos d'infanteria ............ 1.000 
dudito d'artilhena Sos eiaha ni ink 500 
fu corpo: de ;Sipaes; es ip mb o dias esa 2.000 
Tetal-48 1:05: 6.500 
As 4 companhias de cavallos ......... 200 
Regimento de milicias de Gda ..,..... 394 
» » de Bardez ...... 346 
» prh de Salsete . «.. e s 543 
Total. .... ERR 983 


O Vice-Rei, Conde do Rio Pardo, D. Diogo de Sousa Cou- 
tinho, que neste anno tomou posse do Governo da India, dis- 
solveu o corpo de sipaes, do qual formou dous batalhões de 
caçadores , conservando unicamente os partidos dos Ranes. (l) 
Reduzio a força das legiões, e extinguio duas companhias de 
cavallos; mas ainda assim pouco diminuio a força total do 
exercito, que no anno de 1820 era no seu estado completo : 


2 regimentos d'infanteria ............ 2.326 praças 
Alcgiğes ispre ri BN Ut elsiad = ga 2.670 
2 batalhões de caçadores... ......... 870 
1 regimento d'artilheria.... .......0.. 974 
6.840 
2 companhias de cavalos. ........... 80 
3 partidos de sipaes dos Ranes, ....... 296 
Total... dpi os 7.216 


As milicias ficaram no mesmo pé em que estavam , mas 
sem entidade, porque eram corpos que jámais reuniram ou 
fizeram serviço algum. 

O Governo que em 1821 se installou pela acclamação das 
Bases da Constituição, então juradas, e deposição do Conde, 
quiz reduzir esta força, a pretexto de melhorar a administra- 


(1) Os Ranes são uma familia poderosa de Querim, que hoje 
está sujeita ao Estado, da qual opportunamente darei noticia. 


200 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTAÍNTICA N.º 5. 


ção, deixando só a indispensavel para manter o socego. Este 
expediente em um paiz de conquista, e mantido pelas armas, 
onde muitos ainda consideram os Portuguezes e seus descen- 
dentes usurpadores delle; ou que, segundo a expressão da Por- 
taria do Ministerio dos Negocios da Marinha e Ultramar de 
30 de Março de 1825, se dizem ==sob a nossa oppressão e 
violencia ==, devia necessariamente achar opposição, mesmo 
“entre os membros da Junta do Governo, até como ruinoso a 
todos os brancos, a quem o serviço militar dá o unico meio 
de subsistencia; e aos mesmos nativos que o buscam com em- 
penho, para de seus soldos sustentarem suas familias, attentos 
os nenhuns recursos que o paiz offerece; entretanto fez-se a 
reducção, e o exercito passou a compor-se de 7 batalhões de 
infanteria de 419 praças cada um, e de um batalhão d'arti- 
lheria com 383 ditas: total 3.316. Extinguiram-se as 2 res- 
tantes companhias de cavallos e as legiões; conservaram-se 7 
partidos de sipaes, e as milicias, posto que na mesma nullidade. 
O Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro deu em Por- 
taria de 10 de Março de 1828 nova organisação a este exer- 
cito, em conformidade de ordens da Córte de 3 d'Abril de 
1824, que achou não cumpridas, e instrucções que levara; e 
em consequencia restabeleceu os 2 regimentos d'infanteria de 
10 companhias cada um, a saber : 2 de granadeiros Européos, 
6 de fuzileiros, e 2 d'atiradores; 3 batalhões de 6 compa- 
nhias; e outro d'artilheria de 6 companhias. Os sipaes forma- 
ram por Portaria de 12 de Novembro de 1832 um corpo vo- 
lante de 6 partidos ou companhias, comprehendida a de Mou- 
ros, que em Portaria de 2 de Fevereiro de 1828 desligara 
dos corpos de linha a que estavam addidos, para organisar 
uma guarda, que guarnecia a primeira sala do palacio na oc- 
casião do cortejo em dias de grande gala, acompanhava o Vi- 
ce-Rei, e servia para coadjuvar a policia, levar ordens e a. 
correspondencia do Governo e da Junta da Fazenda a differen- 
tes pontos; e pela citada Portaria de 12 de Novembro deu 
regulamento aos sipaes, e os seguintes acantonamentos : 1.º 
partido, guarda de Mouros, Pangim, ou onde residir o Gover- 
no; 2.º partido, Pernem; 3.º Bicholim ; 4.º Sanquelim ; 5.º 
Pondá; 6.º Canacona: e dalli guarneciam diversos pontos da 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA “ASIA. - 204 


fronteira; o que sendo alterado em tempo do Governo Provi- 
sorio em 1835, foi restabelecido por Portaria do Governador 
Geral Barão de Sabrozo, de 24 de Março de 1838, ao pre- 
dito regulamento. 

Por esta nova organisação, que durou até ao fim do anno 
de 1840, o exercito de Gôa tinha a seguinte força em estado 
completo : 


2 regimentos d'infanteria ............ 1.600 praças . 
3 batalhões de caçadores ............ 1.245 
dito d artilheria a ss cones cesso: 483 
3.328 
Corpo volante de sipaes............. 372 
Totais as 3.700 


Esta força foi augmentada com o batalhão provisorio de 
Portugal, creado por Decreto de 17 d'Agosto de 1839, de 4 
companhias e 333 praças. 

Ha ainda alli a gente denominada do Sonodo de Pernem 
e Sattary, que são uma especie de ordenança (sipaes) que per- 
cebe uma limitada paga annual, a qual se lhe augmenta em 
tempo de guerra, se entram em serviço effectivo. São distri- 
buidos por aldêas, as quaes lhes pagam ; e este pagamento se 
desconta no dos fóros, com que ellas contribuem. O seu nu- 
mero anda por 139 praças. ; 

O quadro e despeza do exercito era como se segue no 
anno de 1840 : 

Estado Maior. — Governador Civil e Militar -1, Secreta- 
rio Civil e Militar 1, Ajudantes d'Ordens 2, Fysico Mór 1, 
Cirurgião Mór 1, Brigadeiro Commandante da Força Arma- 
da 1: total 7. 

Olficiaes Superiores empregados em Commandos militares 
das provincias de Salsete, Bardez, Pondá, Zambaulim, Canaco- 
na, Bicholim, Sattary, e Pernem, 6. 

Officiaes engenheiros, 4. 

Officiaes addidos. — Majores 3, Capitães 2, Primeiros 
Tenentes 2, Segundos ditos 4, Alferes 25 (m): total 36. 


(m) O numero excessivo d’Alferes addidos é procedido da al- 
luvião de soldados e paizanos, que annualmente se mandam para Gôa 


202 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA - N.º 5. 


Officiaes sem emprego. — Tenentes Coroneis 3, Majores 
2, Capitão 1, Tenentes 2: total 8. 
Olliciaes reformados. — Marechal de Campo 1, Tenentes 


Coroneis 2, Majores 11, Capitães 3, Auditor 1, Tenentes 2: 
total 20. 

Olficiaes gentios reformados, 19. 

Olficiaes de milicias e ordenanças, que recebem soldo. — 
Mestre de Campo 1, Major 1, Ajudante 1, Tenente 4 : total 4. - 


Postos vagos. — Coronel 1, Capitães 6, Tenentes 7 : to- 
tal 14. 
Força effectiva no anno de 1840 para 1841 : 
Eximeira dinhaçõess sous snes guto cheap 3.577 praças 
Corpo volante de sipaes............. 281 
Batalhão provisorio de Portugal. ...... 333 
Tota eh 4.1941 


Despendia a Fazenda, segundo o orçamento já citado : 
Com o Estado Maior... 23.775 xerafins, ou 3:804000 réis 


4 Olficiaes engenheiros 6.520 » 1:0438200 » 
Officiaes sem emprego. . 10.224 » 1:6358840 » 
Olfficiaes de milicias e or- 

denanças. ...c..... 2.796 =» 4475360 » 
Officiaes reformados ... 21.964 » 3:5143240 » 
Ditos gentios dos parti- 

dos de sipaes ...... 2.160 » 3458600 » 


Corpos de 1.º linha, en- 
trando soldos dos Offi- 
ciaes, gratificações, ca- 
valgaduras, e pret dos 
soldados: . sc sussa 623.964 » 99:8348240 » 


——— 


SEULE o e aea 691.403 » 110:6248480 » 


naquelle posto, contra o que repetidas vezes se tem representado ; 
não só por que similhantes promoções vão preterir aquelles que alli 
estão, em conformidade das ordens do Governo, habilitados com os 
estudos da Academia militar, como por que vão tirar meios de sub- 
sistencia aos filhos de muitos Officiaes carregados de serviços, e que 
lhes não podem dar outro meio de vida. Talvez por essa causa ain- 
da alli hajam cadetes antigos, com quinze e mais annos de praça!!! 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 203 


Transporte . . . . 691. 403 xeraf. ou 110: 6245480 réis 
Corpo volante de sipaes, 

Mia dias reina o. r 51.054 » 8:1683640 » 
Gente do Sonodo. ..... 10.870 » 1:739%200 » 
Pensões, tenças, e grati- 

ficações d'alguns Ofi- 


ciaes do Exercito... 4.680 » 71488800 »- 

Concertos e reparos dos 
edificios militares ... 6.000 » 9603000 » 
Total. sisca 864.087 » 122:2415120 » 


A esta despeza accresceram os soldos, gratificações e mais 
vantagens de campanha, que vence o batalhão provisorio de 
Portugal, que faceis são de calcular, e como são pesados aos 
cofres de Gôa; cujo exercito muito carecia na verdade de sol- 
dados Européos, que podia obter sem tão enorme sacrificio da 
Fazenda Publica, e que muito tem contribuido para o conside- 
ravel atrazo de pagamentos, que todas as classes alli têm, 
pela primeira vez, experimentado. 

Houveram tambem ordenanças; e em cada provincia um 
Mestre de Campo, que lhes passava revista cada tres mezes. 
As provincias tinham d'antes Generaes das Armas. 

Os presidios que haviam passado a ser guarnecidos por 
destacamentos, voltaram ás guarnições fixas; porque se vio 
que aquelles compromettiam a disciplina dos corpos, e se julgou 
que convinha fossem os presídios um asylo para soldados Euro- 
péos enfraquecidos ou invalidos ; e assim continuaram, não sem 
grandes abusos, até que foram definitivamente regulados no 
governo de D. Manoel de Portugal e Castro, que, em Portaria 
de 27 de Fevereiro de 1829, estabeleceu tambem os soldos 
para os inferiores Européos e nativos dos presidios. 

Finalmente o Governador Interino J. J. Lopes de Lima, 
em Portaria de 19 de Novembro de 1840, deu outra fórma 
a este exercito, classificando todas as armas, repartições, e 
estabelecimentos militares em duas secções distinctas, compre- 
hendendo a primeira o estado maior general, corpo de en- 
genheiros, corpo de artilheria, 2 batalhões de infanteria , 4 
ditos de caçadores, conselho supremo de justiça militar, es- 


204 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 5. 


tado maior das praças sem accesso, hospital militar, thesou- 
raria e pagadoria militar, academia e archivo militar, officiaes 
do exercito empregados em commissões, e geralmente todos e 
quaesquer empregos militares a quem por lei compete acces- 
so. Na segunda secção, os veteranos, estados maiores das pra- 
ças sem accesso, castellos e fortes, caserneiros, fabrica da 
polvora, e em geral todos os empregos militares que por lei 
não têm accesso; e assim o exercito de Gôa deve ter hoje a 
seguinte força, que por a citada portaria se estabelece provi- 
soriamente : 
Estado maior. — Brigadeiro ou Marechal de Campo 1. 
Corpo d'engenheiros. — 1 Tenente Coronel ou Coronel 
commandante geral de corpo, 1 Major, 2 capitães, e 6 Te- 
-nentes : total 13. 
Corpo de artilheria. — 8 baterias de po- 
sição de 4 bocas de fogo cada uma, 
inclusivamente um obuz, formando to- É 
das um regimento: no total ........ 717 praças 
2 batalhões de infanteria de 8 companhias 
cada um e 710 praças............ 1.420 
4 batalhões de caçadores de 6 companhias 
e BSBopração. ud ad. o fado R 2.140 


Total em estado completo . . . . 4.277 

A força dos presídios passou a compor 3 companhias de 
veteranos. 

O corpo volante de sipais foi extincto ; ficou a gente do 
Sonodo ; mas, em Portaria de 14 de Junho de 1841, foram 
abolidos todos os sipais do sonodo de Sattary, que não apre- 
sentassem titulo e possuição. 

Em 14% de Janeiro de 1834, os soldos dos officiaes, que 
até alli eram- mesquinhos, foram, pelo Vice-Rei D. Manoel 
de Portugal e Castro, igualados aos de Portugal em moeda 
fraca. A Portaria citada de 19 de Novembro de 1840 dispoz 
o mesmo para as praças de pret, além de 20 réis diarios , 
equivalente do pão; acabando a differença, que até alli ha- 
via, de vencimentos entre nativos e Européos; os quaes, tanto 
em serviço activo, como em veteranos, ficam vencendo o mes- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 205 


mo pret e vantagens: cuja diferença era todavia accommo- 
dada ás circumstancias de uns e outros, approvada pelo paiz, 
e em proveito da Fazenda Publica. 

A estes corpos se designam tambem nesta Portaria os se- 
guintes quarteis permanentes : 

Engenharia, só contendo os 13 officiaes, Pangim; arti- 
lheria, Agoada; 1.º de caçadores, Margão seu quartel anti- 
go; 2.º de caçadores, Mapuçá ; fabrica-se o quartel, aban- 
dona-se o de Coluale, onde estava o antigo 3.º batalhão ; in- 
fanteria n.º 3 Pangim, antigo quartel ; infanteria n.º 4 Pon- 
dá, dito; 5.º de caçadores Quepem; fez-se quartel novo : 
6.º de caçadores Bicholim, antigo quartel. 

A numeração destes corpos é imitação da que se adoptou 
em Portugal. Esta nova regulação do exercito deveria começar 
de Janeiro de 1841 em diante. Ainda não pude ob'er o orçamen- 
to da sua despeza. 

Junta do fardamento. 


Antes do governo de D. Manoel de Portugal e Castro, o 
fardamento e material dos corpos era fornecido pelo arsenal; 
e a consequencia era ser tudo pessimo , mal feito, e muitas 
vezes em atrazo. Este Vice-Rei creou, por Portaria de 26 de 
Agosto de 1828, uma junta composta de 1 presidente, o 
Marechal commandante das tropas, 4 vogaes, que eram os 
2 commandantes dos corpos da guarnição da capital, o Co- 
ronel instructor e o Tenente Coronel de engenheiros, e de 
um secretario sem voto, que tambem servia de thesoureiro ; 
à qual incumbio administrar e distribuir os fardamentos á tro- 
pa, segundo as instrucções que para isso lhe deu na mencio- 
nada Portaria. As cores destes fardamentos foram novamente 
designadas na Portaria de 24 de Maio de 1828, para os 
corpos de primeira linha, e em outras Portarias pa.a a guar- 
da de Mouros e partidos de sipais. Aos empregados civís do 
exercito e aos do hospital militar se determinou tambem um 
uniforme. O resultado provou bem o acerto da creação daquel- 
le estabelecimento; porque o exercito passou ao maior gráo 
de aceio. Os seus fardamentos eram de excellente qualidade , 
bem pagos, e tudo dirigido com economia tal, que no cofre 


206 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA | Nº 5. 


em que esta junta recebia da Fazenda os vencimentos para os 
fardamentos , haviam sempre avultadas sobras. Neste cofre 
se mandou depois entrar o producto das licenças de regis- 
to, que, desde Janeiro de 1831 até fins de 1834, somma- 
vam 65.600 xerafins, ou 20:496,8000 réis fortes; e, no anno 
de 1840, andaram por 20.000 xerafins, ou 3:2005000 réis 
fortes; e os soldos dos que estavam no hospital, e outras eco- 
nomias, para d'alli se prover a concertos, mobilisação, e ar- 
ranjos de quarteis, como se declarou nas Portarias de 15 e 
28 de Janeiro de 1831. 

Actualmente está determinado, pela citada Portaria de 19 
de Novembro de 1840, que o fardamento seja abonado em di- 
nheiro, a-razão de 12 1 réis por dia a cada praça; e applica- 
dos nos corpos por um conselho administrativo, como se prati- 
ca em Portugal. 

Em 1840 era presidente da junta do fardamento, o Te- 
nente Coronel de engenheiros; vogaes os 2 commandantes dos 
corpos da capital; e, além do thesoureiro, havia mais o fiel 
deste, e um administrador. 


Trem do exercito. 


' Estava incorporado no arsenal da marinha, d'onde foi re- 
tirado para Pangim em 1835, por ser local mais seguro. 
Tem. — Director 1, ajudantes 2, almoxarife 1, fiel do 
mesmo 1, escrivão i, escripturario 1, sota-condestavel 1, 
mestre de ferreiros, serralheiros, e fundidores 1: total 9. 
Despende 5.972 xerafins: ou 9552520 réis fortes. 


Monte pio. 


Foi estabelecido só para o exercito em Portaria do Vice- 
Rei DÐ. Manoel da Camara, de 25 de Novembro de 1824; 
e então era administrado por uma junta de officiaes do mes- 
mo exercito, com um cofre e escripturação particular. O Vi- 
ce-Rei D. Manoel de Portugal e Castro lhe deu novo regula- 
mento em 12 de Outubro de 1834; incorporando os seus 
rendimentos na Fazenda, afim de o tornar permanente e se- 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 207 


guro; e o fez extensivo á classe d'armada : tudo em solem- 
nisação do dia em que assim o estabelecia, anniversario na- 
talicio do maior General Portuguez, o Immortal Libertador, 
Duque de Bragança, segundo é declarado na Portaria daquel- 
la data. A sua despeza é a seguinte : 

48 pensionistas do exercito 17.707 xerafins 

3 ditos d'armada....... 975 « 


Tolek c yu 18.682 xerafins, ou 2:9998120 réis 
Thesouraria e pagadoria das tropas. 


Thesoureiro 1, commissario assistente 1, commissarios 
pagadores 2, escreventes 2, porteiro e contador do dinheiro 1 : 
total 7. Importam com a despeza de transportes dos pagado- 
res e do expediente em 5.972 xerafins, ou 9555520 réis. 


Academia militar. 


A academia de Gôa tem desde a sua origem sido altera- 
da diversas vezes. Em 177% começou por uma aula d'artilhe- 
ria regimental, que tinha um lente proprietario e um substitu- 
to, officiaes do mesmo regimento : os estudos eram por Belidor. 

Em 1780 se accrescentou nma aula de marinha, igual- 
mente com dous mestres proprietario e substituto. Estudava-se 
por apostillas extrahidas de Bezout, na primeira parte das 
quaes se ensinavam principios d'arithmetica, geometria, trigo- 
nometria rectilinia e esferica, e algebra ; na segunda geogra- 
fia, astronomia, e pilotagem. Toda a despeza com estas duas 
aulas eram 60 xerafins, ou 98600 réis mensaes; a saber: 
20 xerafins, ou 35200 réis a cada lente proprietario, além 
do seu soldo; e 10, ou 13600 réis a cada substituto. 

No Governo do Conde de Sarzedas, Bernardo José de Lo- 
rena, pelos annos de 1807 a 1816, conservou-se a aula de 
Marinha, e estabeleceu-se uma pequena academia, regida por 
dous officiaes engenheiros que foram de Portugal, isto é, lente 
e substituto, que dictavam o curso de cinco annos, ficando 
sempre suspensos quatro annos; aberta a aula do primeiro 


208 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 4. 


anno; estavam fechadas as dos annos seguintes ; aberta a do se- 
gundo , fechavam-se as restantes; e assim por diante. 

O Vice-Rei Conde do Rio Pardo, que governou de 1816 
a 1821, alterou tudo isto, erigindo uma academia com um 
curso regular d'estudos, e lhe deu estatutos. Os estudos dos 
tres primeiros annos eram como na Universidade de Coimbra ; 
os do quarto e quinto anno consistiam em artilheria, fortifica- 
ção, e minas, para uns; e marinha e navegação para outros. 
Já se vê que uma tal instituição carecia de instrumentos , li- 
vros, e mestres, e nada disto havia em Góa, e pouco ha ainda 
hoje. Os mestres eram aquelles. engenheiros e os que elles ha- 
bilitaram, ainda mui novos para o magisterio; no entanto com 
elles a academia tem vivido e florecido ; a sua despeza subio 
a perto de 15.000 xerafins, ou 2:4008000 réis, porque os 
lentes augmentaram, e passaram a ter 60 xerafins mensaes , 
ou-95600 réis cada um. 

O Vice-Rei D. Manoel de Portugal melhorou muito este 
importante estabelecimento : addicionou em 13 de Julho de 
1830 os seus estatutos, e creou uma aula de desenho ; tendo já 
determinado, em Portaria de 22 de Fevereiro do mesmo an- 
no, que nenhuma praça do exercito seria promovida a official 
sem applicação e approvação nos estudos da academia militar ; 
o que ainda melhor se regulou na Portaria do mesmo Vice- 
Rei, do 1.º d'Abril de 1834. 

A distribuição dos estudos nesta academia era como se 
segue : 

1.º anno. — Arithmetica , geometria, synthetica elemen- 
tar, plana, solida, e descriptiva; e trigonometria rectilinia 
e esferica (por Bezout), com applicação destas duas sciencias 
ás operações de geodezia e stereometria, etc. 

2.º anno. — Algebra finita e infinitesimal, comprehen- 
dendo nesta o calculo diferencial e integral, e as deducções 
relativas ás annuidades, etc. (por Bezout). 

3.º anno. — Mechanica em todos os ramos das sciencias 
fysico-mathematicas, taes como a statica, dynamica, hydrody- 
namica nas partes comprehendidas na hydrostatica, e hydrau- 
lica (por Bezout). 

4.º anno. — Sciencia d'artilheria (pelo tratado de João 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 209 


Muller), minas (pelo compendio do Tenente General J. A. da 
Roza, e pelo compendio militar Pequena Tactica do General 
M. J. D. Azedo), e a applicação da theoria à pratica da ar- 
tilheria. 

5.º cadeira. — Navegação (por Bezout), e applicação da 
theoria á pratica dos instrumentos nauticos; e a theoria das 
manobras, e pratica da construcção, aparelho, etc. 

6.º cadeira. — Architectura militar , tanto regular como 
irregular, e tambem o modo d'atacar e defender qualquer re- 
cinto presidiado ou fortificação de campanha, assim como a 
fortificação elfectiva (pelo Commendador d’ Antoni, e resumo 
dos ultimos descobrimentos). 

7.º cadeira. — Desenho geral e civil, e desenho militar 
(pelo compendio de A. T. Moreira.) 

Quadro dos cursos : 

1.º curso. — Para officiaes d'artilheria 4 annos ; a saber : 
1.º, 2.º, 3.º, e 4.º cadeira. 

2.º eso; — Para officiaes de Marinha 4 annos: 1.º, 2.º, 
3.º, e 5.º cadeira. 

3.º curso. — Para officiaes cgi , e tambem para 
os d'artilheria, 5 annos: 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º cadeira. 

O desenho é commum a todos os cursos, e se aprende em 
dous annos, conjunctamente com os dous ultimos de cada 
curso. 

Ha 7 lentes effectivos e 2 extranumerarios, e vencem 60 
xerafins ou 9600 réis mensaes, além dos soldos da sua pa- 
tente. Estes lentes eram indistinctamente tirados dos corpos 
do exercito. 

No anno lectivo de 1839 para 40 tinha a academia ma- 
triculado 81 discipulos, a saber: 52 militares e 29 pai- 
zanos. 

A direcção da academia pertence pelos estatutos a uma 
Junta de direcção formada de todos os lentes, de que é pre- 
sidente o de maior patente, e secretario o lente do primeiro 
anno. Tem 2 porteiros. 

O seu pessoal: 

“Lentes efectivos 7, extranumerarios 2, porteiros 2: to- 
tal 11. 

Num. 5. 2 


210 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATÍSTICA N.º 5 


Contam z: iris si danada: ++. 8.600 x:” ou 1:376,8000 rs. 
O material necessario vem do 
arsenal. 
Distribuem-se 4 premios de 100 x.* 400 » 648000 »: 
A 4 praticantes pensionarios. . ... 620 » 993200 » 
Total qem cagar 9.620 »  1:5395200:» 


Archivo militar. 


Foi estabelecido pelo Vice-Rei D. Manoel de Portugal é 
Castro, com 1 director, official superior d'engenharia, e 1 
ajudante. Na Portaria de 49 de Novembro de 1840 se de- 
clara, que o commandante do corpo d'engenheiros é ins 
pector dos quarteis e obras militares, e director da aca- 
demia e archivo. Um subalterno será ajudante tanto no 
corpo como no archivo. 


Hospital militar. 


A sua localidade foi algum dia na cidade de Gôa, junto 
á capella de Santa Catharina. Na invasão Marata em 1739 
foi transferido para Murmugão ; e no Governo do Vice-Rei 
Conde da Ega, Manoel de Saldanha d'Albuquerque , para o 
Palacio de Panelim, onde persiste. Do antigo hospital, cujo 
terreno está dentro dos muros do arsenal, já não ha vestigios : 
o mesmo Vice-Rei q fez demolir e vender os seus materiaes, 
por estar completamente arruinado. A sua actual situação é 
apreciavel por ser á borda do rio de Goa, e abundantissima 
d'excellente agua, que corre dentro do edificio; mas as ac- 
commodações são pessimas, o que, e o ficar contigua á fabrica 
da polvora, convencem que outra se deveria buscar. As enfer- 
marias são. mal construidas e mal arejadas, e os quartos para 
os officiaes incommodos e indecentes. Para conduzir os doen- 
tes dos respectivos quarteis, que são a grandes distancias, tem 
o hospital embarcações denominadas = Balões == para chegar 
ás quaes têm ainda os das provincias que andar mais de uma 
legoa , sob um sol ardente, ou ao rigor das chuvas, o que os 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 241 


expõe a aggravar-lhes o mal. Em paiz nenhum conviria mais, 
o estabelecimento de hospitaes regimentaes ; não só para oc 
correr a este gravissimo inconveniente, como para evitar a 
despeza desnecessaria que se faz com um estabelecimento em 
grande, quando é certo que os soldados nativos preferem tra- 
tar-se em suas casas, e os gentios não entram nelle; porque 
a sua lei lhes prohibe tomar comida ou bebida, não-só da mão 
de christãos, como de outros de differente casta, ou remedios, 
sem licença dos seus Bottos. 

O hospital de Goa, commum para soldados e paizanos, era 
regido pelos Padres da Companhia , que tinham a sua admi- 
nistração, e pela mesa da Misericordia interpoladamente; é 
então a regência e policia do hospital corria pelo Padre en- 
carregado, ou pelo enfermeiro e mordomo que a mesa nomea- 
va: mas a fazenda estava a cargo do thesoureiro, o qual dava 
contas annualmente nos contos da fazenda. Pela extincção dos 
Jesuitas ficou sendo só para soldados, sob a direcção do Gover= 
no e administração da junta da fazenda. 

O seu primeiro regimento foi confirmado em 28 de Maio 
de 1584 pelo Vice-Rei Conde da villa da Horta, D. Fran- 
cisco Mascarenhas, o primeiro que Filippe II mandou á India 
na qualidade de Vice-Rei : parece que antes deste regimento 
tinha outra regulação com o nome de compromisso. O Vice- 
Rei Conde da Vidigueira, D. Francisco da Gama, Almirante 
da India, addicionou o sobredito regimento por Provisão de 12 
de Julho de 1597, e se creou um thesoureiro e escrivão para 
o hospital, aos quaes tocava receber da fazenda a ordinaria 
de 1.000 xerafins ou 1604000 réis mensaes para os ordena- 
dos, remedios, e provimentos necessarios. 

Tinha um administrador para a regencia e policia do hos- 
pital, official superior nomeado pelo Governo, com residencia 
effectiva no mesmo hospital , vencendo 540 xerafins ou 
864400 réis. Uma Provisão do extincto Erario mandava que 
a junta da fazenda nomeasse um desembargador da relação 
para servir d'inspector do hospital; cujo officio se reduza a 
rever, em conferencia com o administrador e facultativos, as 
contas do trimestre antecedente, e propor á junta 6 que jul- 
gava necessario: regularmente era nomeado o chanceler ou 

2 x 


212 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 5. 


o procurador da fazenda, por serem membros da mesma 
junta. 

O Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro, cujos pri- 
meiros actos do seu Governo foram crear commissões d'investi- 
gação para o informarem do estado dos mais importantes es- 
tabelecimentos publicos, nomeou por Portaria de 27 de Outu- 
bro de 1827 a que devia conhecer do hospital militar ; e logo 
se deram muitas e convenientes disposições para o tirar do 
pessimo estado em que se achou ; mandou proceder a um no= 
vo regimento que lhe deu, approvado em Portaria de 31 de 
Dezembro de 1830. No Governo do Barão do Candal se man- 
dou organisar e executar um outro regulamento , bazeado na 
organisação do serviço de saude naval, e Decretos de 24 de 
Novembro de 1836 e 17 de Maio de 1837; e em 11 d'Abril 
de 1840 foi estabelecido o conselho de saude militar na 'con- 
formidade do mesmo regulamento. O logar d'administrador 
do hospital militar foi supprimido; e em seu logar se deu 
ao fysico mór o cargo de director. O Governador interino 
Lopes de Lima tem projectado a mudança para melhor edi- 
ficio. 

Proximo deste hospital está o quartel do destacamento , 
para guarda d'elle, e da fabrica da polvora; e junto á praia, 
o poço onde faziam agoada os navios que antigamente fundea- 
vam por aquelles sitios, e em Gôa. 

Empregados antes da ultima reforma. — Administrador t, 
fysico mór 1, medicos 2, cirurgiões 2: além destes havia 
mais um cirurgião, com “a qualificação de cirurgião mór 
do Estado; o qual, e os acima mencionados, compunham a 
junta medico-cirurgica, que o fysico mór presidia. Este era 
obrigado a dar aula de medicina; e-tinha a inspecção da bo- 
tica. Por todos estes encargos vencia 2.866 xerafins ou 
4588560 réis. Os dous medicos 1.080 xerafins, on 1724860 
réis. O cirurgião mór tinha obrigação d'ensinar cirurgia, € 
vencia 2.240 xerafins ou 3585400 réis. Raros são aquelles 
que têm satisfeito a estes deveres; e qualquer que pertendia 
dizer-se medico ou cirurgião, requeria ao Governo com cer- 
tificados daquelles com quem fizera algum estudo, o qual, man- 
dando-o examinar pelo fysico mór, ou pelo cirurgião mór, so- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 213 


bre informação destes, lhe dava carta, com a qual ficava ha- 
bilitado (n). 

Administração de fazenda. — Thesoureiro 1, escrivão 1, 
primeiros escripturarios 2, segundos ditos 2, amanuenses 3, 
fieis do thesoureiro 3, mocos dos ditos 4: total 16. 

Capella. — Foi outr'ora de um particular ; e tem no pe- 
destal de uma cruz, á entrada, o seguinte: 

« Puriss : sin : labe : aprim : ins- 
«tant: concept: sub titulo Pros- 
« cet: agonisant: hoc sacel exde- 
« bit: solvit ex devot; dicavit: 
« Joseph de Silva Govea. 

« À purissima desde o primeiro 
« instante concebida sem macula 
« com o titulo de protectora dos a- 
« gonizantes em obsequio, e grati- 
« ficação devida consagrou esta 

E « Capella anno 1715. » 
Capellães 2, sachristães 2: total 4. 

Enfermaria. — Na classe dos serventes entravam antiga- 
mente 12 religiosos da extincta ordem de S. João de Deos, 
como enfermeiros; aos quaes a fazenda pagava 300 réis dia- 
rios. Teve depois um enfermeiro mór, 6 enfermeiros ordina- 
rios, 6 ditos supranumerarios, 10-moços das enfermarias, e 8 
pretos: total 31. 

Importam os seus vencimentos 3.130 x.” 5008800 rs. 

O material da enfermaria ... 15.987 » 2:5575920 rs. 


Total. .... 19.117 » 3:0588720 rs. 
Botica. — Foi propriedade dos Jesuitas, que passou para 


a fazenda nacional, pelo confisco dos bens destes. O fysico 
mór era, como já disse, o inspector desta botica. O Vice-Rei 
D. Manoel de Portugal e Castro mandou por Portaria de 28 
de Julho de 1828 formalisar um regulamento , que não ha- 


~- (n) No recinto do hospital ha um terreno destinado para horto 
botanico , e instrucção dos estudantes de medicina , que só tem ser- 
vido para horta dos administradores. 


214% MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA Nº. ' 


via, para a sua economia, disciplina, e administração, que 
foi incorporado no regimento do hospital, que já fica mencio- 
nado. 

Esta botica é fornecida de Lisboa, pela fazenda publica ; 
ou de Bombaim, fazendo-se neste caso as compras necessarias 
por arrematação , em presença das amostras, perante a junta 
da fazenda; e d'alli se fornecem as das praças de Diu e Da- 
mão. Tambem vende medicamentos simples e preparados ao 
publico; e é a unica botica onde estes se encontravam em 
melhor estado e mais bem manipulados. 

Tinha 1 primeiro boticario, 2 segundos ditos, 2 pratican- 
tes ordinarios, 2 ditos voluntarios de primeira classe, 2 ditos 
de segunda dita, um fiel do dispensatorio, 3 moços, e É 
preto: total 14, 

O seu pessoal andava por 2.739 xerafins, ou 438240 réis. 

Logo que obtenha o novo regulamento deste hospital, in- 
dicarei as alterações que houveram uelle. 


Fabrica da polvora. 


Em Panelim, e continuação do hospital, e delle separado 
pela capella de S. Marçal, e casa do capitão mestre da fa- 
brica da polvora, está situado este estabelecimento por conta 
da fazenda nacional. O edificio foi emprehendido no governo 
do Vice-Rei Conde da Vidigueira, e acabado pelo providente 
Conde de Linhares: assim o diz a inscripção que está sobre a 
porta principal, por baixo de uma imagem de Santa Catha- 
rina. 

« Reinando em Portugal o Catholico 
« Rei D. Filippe 3 mandou a cidade 
« fazer toda a fabrica desta casa da 
« polvora do dinheiro de um por 
« cento, sendo Vice-Rei deste estado 
« D. Francisco da Gama Conde Al- 
« mirante, a qual principiou e aca- 
« bou e fez aprefeiçoar em que ora es- 
« tá o Vice-Rei D. Miguel de Noronha 
« Conde də Linhares anno 1630. » 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 215 


Na invasão de 1739 tambem esteve esta fabrica transfe= 
rida em Murmugão. O seu Jocal tem o inconveniente de estar 
junto ao hospital militar, e no centro das povoações de Pane- 
lim e S. Pedro, onde todavia tem permanecido, sem o me- 
nor sinistro. Dentro d'altos muros está a fabrica com todas as 
repartições necessarias e separadas, para as caldeiras do re- 
fino e cristalisação e para os engenhos, peneiros e estufa, com 
muita abundancia d'agoa. A polvora fabricada e enxuta se 
transfere logo para os depositos na fortaleza d'Agoada e Reis 
Magos. 

“Tem um capitão mestre da fabrica, e director; e por ins- 
pector o intendente da marinha, sujeitos ao Governo, e á junta 
da fazenda na parte economica. Além destes, 5 officiaes com- 
panheiros, e.2 praticantes: total 8. Vencem 3.400 xerafins 
ou 5443000 réis. - 

Almoxarife 1, escrivão 1, escripturario 1, fiel do al- 
moxarife 1, porteiro da porta principal 1, dito da porta da 
fabrica e patrão dos bufalos 1: total 6. Vencem 2.388 xera- 
fins ou 3828080 réis. 

Os bufalos se empregam para mover os engenhos; e ha 
alguns pretos escravos, além dos jornaleiros, que se tomam no 
verão, cujo sustento e mais despezas para o custeamento desta 
fabrica, apparecem no orçamento do anno de 1840 para 41, 
em 18.888 x." 1 t. e 30 rs. ou 3:0228125 réis; e constam 
do seguinte mappa. 


MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA 


Despeza dos materiaes, e outras na factura da polvora 


Importe do vencimento dos empregados, jornaes dos| 
trabalhadores, efeitos despendidos, e sustento 
Os ABUSE ERE Ei o e O ROCS DA O E EN DR 


(as a e e E im e rs mm 


Toda a supramencionada despeza é feita no espaço dum anno, contado des- 
despendidos — existem alguns do valor de 455:1:18, que foi necessario com-l 
a compra de 4 Bufalos. — os preços das primeiras tres especies de polvora, 
Julho de 1833, por ser as que se vendem ao publico, e os das ultimas duas 
tal despeza de 14605:0:18, por 558 arrobas, e 1 arratel de polvora, que aci= 
cada 1 arratel réis 245,36 moeda do paiz. 

Fabrica da polvora 17 de Dezembro de 1840. — Joaquim Manoel de Mel- 
| Estado da India, 17 de Fevereiro de 1841. — Claudio Lagrange Monteiro de 


ESET ELE ND GG TEN a Do du 2 


1842. DAS' POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 217 


da Fabrica da polvora no anno de 1840. 


Differentes especies de polvora 


t Valor d'um|Valor total de cada 
Quantidade peso Enc 


Denominações 


[rem me 


Grossa 


Entrefina 


Arrateis 
x | Xarafins 


x 
x 


Superfina 


Polvorinho 


Sommas 
Importancia da despeza 


Resultado que no presente 
zeuda Publica 


Existem no armazem 22 arrobas de pó de polvora, que 
proximamente produzirão 20 arrobas c 29 arrateis, 
tomando-se o termo de 6 tangas por cada arratel... 


Vantagem total, que no dito anno houve na factura... 


lnções. | 
le o 1.º de Junho de 1839, até o fim de Maio de 1840. No artigo —Effeitos 
irar no presente anno, e que ficam para os seguintes , incluindo-se tambem 
ram arbitrados por determinação da Junta da Fazenda Publica, de 6 de 
analogia com elles pelo Director respectivo. Finalmente, dividindo a to- | 
ja se mostra terem produzido os mencionados materiaes, importa á Fazenda | 


» e Mendonça, Director. — Está conforme. Secretaria do Governo Geral do 
arbuda , Secretario do Governo. 


218 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 5. 


Marinha de Guerra. 


E desde muitos annos pouco mais que nominal. Existem 
hoje 2 corvetas == Infanta Regente == e == Dainão ; == e uma 
galia == Portugal e Castro. == Ha escassez dos aprestos ne- 
cessarios, e sobre tudo de marinheiros , dos quaes apenas ha 
poucos Européos ; sendo preciso, quando sahe alguma das cor- 
vetas, mandar buscar Lascares (a) a Bombaim ou a Damão, 
ou tirar da guarnição d'algum navio de guerra de Lisboa, que 
allt se ache. 

A marinha de Gôa conta hoje 1 capitão de mar e guerra 
graduado, 1 capitão de fragata graduado, 1 capitão tenente, 
1 primeiro tenente graduado, 1 segundo tenente da armada 
de Portugal, com exercicio d'ajudante do intendente de mari- 
pha, 6 ditos, quatro dos quaes residem em Macão, e 1 dito 
da armada de Portugal all destacado : total 12. 

Reformados. — Chefe de divisão, 1. 

Officiaes de provimento. — Sargento de mar e guerra 1, 
primeiros pilotos 2, aspirantes de piloto 7, commissario de 
fragata 1, escrivão dito 1, piloto da barra 1, ajudante do mes- 
mo f: total 14. 

A despeza da marinha vem designada nos mappas do anno 
de 1840 para 41 pela seguinte fórma : 

Officiaes da antiga marinha 

der Gbeyin gi 2.808 x." ou 4498280 rs. 
Officiaes de provimento... 6.668 » 1:0665880 » 
Armamento naval, e offi- 


ciaes em commissão ... 5.997 » 9495920 » 
Em guarnição. ......... 61.263 » 9:8025080 » 
Tenças ou pensões. ...... 1.270 » 2033200 » 
Reformados... ......... 2.250 » 3608000 » 
Totali arti Seja 80.196 » 12:8318360 » 


(a) Lascares ou Laskars, palavra Persa usada em toda a India 
para exprimir a tripulação de uma armada, de um navio, ou mesmo 
um individuo; porque são elles uma das castas de Marinheiros; e 
os de Gogo na costa oriental do Guzarate, reputados, fisica e moral= 
mente , os melhores que se empregam nos navios da India. 


18142, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 219 


Arsenal, 


Está junto á cidade de Gôa, e era excellente pela sua lo- 
calidade, grandeza, e divisão de officinas, comprehendida a 
cordoaria e armazens, que ainda se conservam em bom esta- 
do: tem um grande terreiro, onde ha uma bateria para sal- 
vas, e um caes com seu guindaste, com o qual communica- 
vam algum dia os navios, por meio de pranchas. Nelle traba- 
lhavam mais de 300 officiaes de todas as officinas, operarios 
e servidores. O intendente da marinha ê ainda hoje official 
superior: tinha annexa a inspecção dos armazens e obras pu- 
blicas militares. Ainda hoje este arsenal conserva todo o ap- 
parato de uma casa d'intendencia com escrivão, thesoureiro , 
porteiro, continuos, e tudo o mais como no de Lisboa; ao 
mesmo tempo que se não encontra nelle, desde muitos an- 
nos, uma amarra, ou um virador capaz, nem uma peça de 
lona ou de brim , nem madeiras, que tudo se compra quando 
se precisa, por arrematação perante a junta da fazenda. Não 
tem bombas, obuzes, canhões em estado de servir, nem 
carretas em que os montar; e assim mesmo tem sido um 
sorvedouro das rendas do Estado. O trem do exercito, que 
representa igual pobreza, foi-lhe outra vez unido em 1840; e 
as cousas neste ramo voltaram ao pé em que se achavam, 
antes de desannexadas delle. ' 

Em 1774 Gôa tinha 7 fragatas, muitas palas, manchuas, 
e outros vasos de guerra, além dos que iam de Portugal ; os 
quaes sahiam a cruzar do Norte ao Sul da costa occidental 
da India, nos mares d'Africa oriental, e na China, que mui- 
tas vezes bateram e destroçaram as embarcações de corso, 
que infestayam aquellas paragens; havia commercio; então 
servia o arsenal e era necessario para armar os navios de 
“guerra, refazer os que iam do reino, e prestar aos mercantes 
aquilo que precisavam. Tambem fornecia o armamento, cor- 
reame, e fardamento para a tropa de terra: mas hoje que 
nada disto existe; que a marinha de guerra está acabada; 
que não ha commercio; que a construcção de navios se faz 
em Damão; e que o exercito é diversamente melhor suppri- 
do, é o arsenal de marinha um estabelecimento de mero: luxo 


220 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 5. 


e illusorio: e deve por conseguinte reduzir-se ao indispensa- 
vel, a uma estação naval d'armada de Portugal, e na razão 
do commercio que alli se faz actualmente : e neste sentido foi 
concebida a Portaria do Ministerio dos Negocios da Marinha 
e Ultramar de 13 de Março de 1839, que mandou ali no- 
mear uma commissão, que tomando por base o Regimento 
do Arsenal e Ribeira das nãos da cidade de Gôa de 13 de 
Julho de 1773, e alterações, que elle posteriormente tem 
sofírido ; formasse um novo regulamento mais adequado ao ès- 
tado presente das nossas forças de mar, e terra na Asia: fez- 
se em consequencia o regulamento, que foi approvado, e man- 
dado executar, por Portaria do Governo da India de 11 de 
Setembro de 1841. 

Este arsenal nada mais tem que deva memorar-se. O si- 
tio delle reputa-se o mais doentio da' ilha de Gôa; tanto que 
o destacamento que o guarnece, que dantes era de 8 dias, 
passou a ser de 24 horas, porque no fim delles a maior parte 
recolhia ao hospital. Demais, a sua posição, a 6 milhas do 
surgidouro, torna o serviço extraordinariamente moroso, e 
dobradamente dispendioso; porque as lanchas não sahem do 
arsenal senão com a vasante; e, tendo constantemente à vira- 
ção do N. e NE. (rija) pela prôa, gastam mais de 6 horas 
para chegar ao navio; e assim, o que se pede hoje, só áma- 
nhã se póde dalli obter. Esta delonga tem sido causa de gran- 
des prejuizos; e foi um dos motivos que concorreu para a total 
perda da fragata Princeza do Brasil, encalhada no banco em Maio 
de 1807, porque é impossivel levar-se d'alli soccorro atempo. 

Se antigamente, que as fragatas ancoravam junto ao ar- 
senal (p) » que a capital era alli mesmo, e o governo resi- 

ia nas suas immediações, este lugar era conveniente; ho- 
je isolado entre matto e ruinas, longe das vistas do go- 


(p) Francisco da Cunha e Menezes,-que governou a India pelos 
annos de 1786, tinha mandado construir em Damão á custa das com- 
munidades agrarias, um langabote e quatro chatas para a limpeza do 
rio; 'mas, sendo rendido do Governo, o seu successor se não deu a 
esse cuidado. O Barão do Candal mandou fazer e executar um regu- 
lamento para fiscalisação dos lastros, e outras providencias para ob- 
star á continuação do pejamento do rio. 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 221 


verno , que será tarde em caso de surpresa , quando de outra 
parte lhe venha o soccorro; a sua situação é por isso a peor. 
Os empregados e operarios, que por causa da insalubridade 
do. logar, residem em aldêas distantes, sempre chegam tar- 
de ao trabalho, e sahem cedo para recolher-se a suas casas, 
em prejuiso do serviço e da fazenda. O Vice-Rei, D. Manoel 
de Portugal e Castro, propoz para a côrte a conveniencia da 
mudança do arsenal para *Pangim, que muito contribuiria 
tambem para engrandecer esta villa nascente. 

Intendencia. — 1 intendente da marinha, inspector dos 
armazens e da casa da fabrica da polvora, 1 ajudante da iu- 
tendencia; escrivão dito 1, escripturario 1, porteiro 1: to- 
tal 5. Vencem 6.382 xerafins, ou 1:0213120 réis. 

A casa da intendencia é dentro do arsenal: nada tem que 
mereça attenção. Tambem alli ha uma capella da Invocação 
das Cinco Chagas, com um capellão, que exercia. funcções 
parochiaes no recinto do arsenal, e um sachristão. 

A contadoria da marinha está annexa á da junta da fa- 
zenda, por Portaria do Governo da India de 22 de Julho de 
1805, em cumprimento dos Alvarás de 3 de Junho de 1793 
e 26 de Outubro de 1796. 

Almoxarifado. — Almoxarife 1, escrivães 2, escriptura- 
rios 2, amanuenses 4, fieis 3, porteiro 1: total 13. Ven- 
cem 5.188 xerafins, ou 8308080 réís. 

- Apontadoria. — Apontador 1, ajudantes 2: total 3. Ven- 
cem 1,168 xerafins, ou 1863880 réis. 

Mestrança das differentes officinas. — Patrão-mór 1, sot- 
ta-patrão-mór Í, mestre 1, guardiães 2: total 5. 

Machado e serradores. — Mestre 1, contramestre 1, man- 
dadores 2: total 4. ; 

Lagarto, ou carpinteiro de obra branca. — Mestre 1, 
mandadores 2: total 3, 

Calafates. — Mestre. 1, contramestre 1, mandador 1: total 3. 

Serralheria e ferraria. — Mestre 1, mandador 1: total 2, 

Bainheiros. — Mestre 1. 

Funileiros. — Mestre 1, mandador 1 : total 2. 

Cordoaria. — Mestre 1, contramestre 1, mandador 1: total 3. 

Polieiros e coronheiros. — Mestre 1, 


222 NOTICIA DO CACHÃO N.º 5. 


Tanoeiros. — Mestre 1, mandador 1: total 2. 
Velame. — Mestre 1, mandador 1: total 2. 
- Fundição. — Mestre 1 , official encarregado 1: total 2. 
Pintores. — Mestre 1, official encarregado 1: total 2. 
Outros empregados. — Porteiro 1, segundo dito 1, guar- 
das 7, patrão dos galés 1: total 10. Vence a mestrança 
10.706 xerafins, ou 1:7138$960 réis. 

A despeza do arsenal é em geral calculada, no orçamento a 
que tenho alludido, em 1154349 xerafins, ou 18:455$840réis. 

Toda esta despeza é variavel, e augmenta consideravel- 
mente com os reparos e concertos das nãos de viagem de Por- 
tugal, e pagamento das suas equipagens, o qual tem sido ex- 
orbitante desde o anno de 1835; pois que só nos annos de 
1838 e 1839 se despenderam, com as fragatas D. Pedro, D. 
Maria, e charrua S. João Magnanimo, 822.852 xerafins, ou 
131:6563320 réis; além do que despende a corveta Infanta 
Regente, 61.000 xerafins, ou 9:760,4000 réis: o que tem 
posto aquella provincia na penuria em que hoje se acha, 
e durará por muito tempo. 

N. B. Em toda a despeza referida se tem considerado 
o estado effectivo dos corpos e repartições. Se ella não é exa- 
cta, é pelo menos muito aproximada, e bastante para dar 
completo conhecimento do seu objecto. Mudanças que diaria- 
mente occorrem, e o tratar aqui um assumpto alheio, poderá, 
algumas vezes, levar a erro, mas de pequena transcendencia. 

(Continuar-se-ha. ) 


ERRATA. — A pag. 196 do presente numero, ultimas duas linhas, onde se lë — Tenentes 
Coroneis Commandantes 3, Majores ditos 8, — léa-se — Tenentes Coroneis Commandantes 9, 
Majores ditos 2; — pag. 197, lin. 11, onde se lê — 3:343$540 — léa-se — 3:54 49340; 
— pag. 201, lin. 4, ás palavras — predito regulamento — deve accrescentar-se — que no se- 
guinte anno foi ainda reformado pelo Governador geral interino, o Coronel Vieira; — e mais 
abaixo, na mesma pagina , onde se lê — Corpo volante de sipacs 379... Total 5.700 — léa-se 
— Corpo volante de sipaes 366... Total 5.694: — pag. 208, lin. 21, onde se lé — Ofhiciaes 
de milicias e ordenanças... 4475560 réis — léa-se — 4469760 ,— e o total a pag. 205, 
léa-se — 122:2408590; — pag: 208, lin. 5, onde se lê — 20:496$000 réis — léa-se — 
10:4968000 — e finalmente na pag. 208, nos paragraphos que principiam — 4.º anno... 
2.º amo... ete.— léase — 4.º cadeira... 2.º cadeira... etc. 


——— 


i e hoje a nossos leitores o relatorio circum- 
stanciado dos trabalhos a que -deu logar o famoso cachão do 


1842. DE $. SALVADOR DA PESQUEIRA. 223 


Douro, que se conseguio desfazer no reinado da Senhora Dona 
Maria I. 

- Ao que diz o autor do artigo, cuja acquisição devemos , 
e muito agradecemos ao Sr. Manoel de Castro Pereira, nada 
temos que accrescentar, senão que, no tempo de André de 
Resende, foram os trabalhos daquella obra tentados pelo Des- 
embargador Martinho de Figueiredo ; porém taes enredos teceu 
a inveja contra Portuguez tão digno, que desgostoso se vio 
obrigado a abrir mão de seu nobre intento. 

Para mais completa noticia da grandeza e interesse desta 
obra, encontrarão os leitores: duas estampas, copiadas fiel- 
mente das originaes, que o nosso illustre correspondente , o 
Sr. Castro Pereira, se dignou enviar-nos y como se-verá da 
attenciosa e mui polida carta, que nos dirígio, e em seguida 
transcrevemos. 


e a a 


HJ.”º Sr. — Tenho a honra de offerecer à direeção da 
Sociedade Maritima e Colonial a nota e estampas relativas á 
memoravel e interessante obra, que se fez na famosa catara- 
cta, vulgarmente chamada cachão, do Douro; e muito esti- 
marei que a mesma direcção a julgue digna de ser estampada 
nos seus excellentes Annaes. 

Lisonjeo-me que esta minha offerta será benignamente 
acolhida ; e me felicito por esta occasião de poder estabelecer 
relações com V. S.º, porque me honro em ser de V. S.° 
muito: attento venerador e servo = Manoel de Castro Pereira. 
— Hl,”º Sr. Secretario da Sociedade Maritima e Colonial. 


CACHÃO DE S. SALVADOR DA PESQUEIRA. 


A Junta da Companhia Geral do Alto Douro alcançou da 
Rainha a Senhora Ð. Maria 1.º, por Avisos Regios de 25 de Fe- 
vereiro e 23 de Março de t779, pelas suas Consultas de í f de 
Dezembro de 1778 e t6 do mesmo mez de Março, que se 
cobrassem: 40) rêis em pipa de vinho , agoa-ardente , vinagre, 


924 NOTICIA DO CACHÃO | N.º $. 


ou qualquer liquido, que fosse transportada pelo rio Douro 
até á cidade do Porto, applicada esta contribuição para as 
obras do mesmo rio: deu começo a Junta a ellas pela demo- 
lição d'alguns pontos, galleiras, e cachoeiras que existiam 
em diversos sitios. Tentando porém empreza muito superior, 
fez principiar no estio de 1780 a importante obra da demo- 
lição do temivel cachão de S. Salvador da Pesqueira, proxi- 
mo á Ermida do Salvador do Mundo, que fica sobre o rio Dou- 
ro, vinte legoas acima do Porto; ponto que se tornava inaccessivel 
á navegação do dito rio, desde o principio dos seculos, pelo 
poço de mais de 60 palmos de profundidade, que alli existia 
cercado de immensas pedras, e entre ellas tres grandes louzas, 
uma das quaes tomava quasi toda a largura do rio, despedia 
a agoa para baixo com 5 pés de declive, sendo todas estas 
pedras cobertas com 3, 5 e 6 palmos d'agoa. Encarregou a 
direcção da obra ao infatigavel Padre Antonio Manoel Camel- 
lo, natural da Pesqueira , (depois remunerado com a Abbadia 
de Santa Maria da mesma villa), que por zêlo do bem pu- 
blico, e guiado sómente pela natural propensão e assidua me- 
ditação, que suppriram os conhecimentos que lhe faltavam , 
principiou e teve a fortuna de acabar tão importante obra, 
que em vão se tratara de levar a effeito nos reinados de al- 
guns dos Senhores Reis deste reino e principalmente no do 
Sr. D. João 5.º, que mandou examinar este ponto pelo bem 
conhecido engenheiro Bento de Moura Aragão, a cujas luzes 
não foi occulta a possibilidade da sua destruição ; mas horro- 
risado do escabroso do sitio, persuadio-se de que não haveria 
operarios que se sujeitassem a trabalhar nelle. Desde o anno 
de 1788 foi aquelle Padre coadjuvado pelo hydraulico José 
Maria Yola, natural do reino de Sardenha, dotado de vastos 
conhecimentos; o qual, no andamento dos trabalhos, fez dar 
mais de 4.300 tiros debaixo de differentes alturas d'agoa, 
para desobstruir o rio e acompanhar a margem delle de um 
caminho por onde os marinheiros podessem alar os barcos á 
sirga quando os ventos lhes faltassem : abrindo assim a fogo 
na face daquelles rochedos lisos e quasi perpendiculares, uma 
espaçosa estrada do comprimento de 643 varas e 8 palmos 
de largura na parte mais estreita, alargando igualmente o rio 


1842. DE S. SALVADOR DA PESQUEIRA. 225 


naquelle sitio 35 pés mais do que antes era. Foi no dia 22 
de Outubro de 1789 que primeiro subiram e desceram o rio 
neste ponto, antes intransitavel e então sem o menor estorvo, 
o Desembargador da Casa da Supplicação João Antonio Salter 
de Mendonça, que acabava o logar de Juiz Conservador da 
Companhia; Francisco de Azevedo Coutinho, Desembargador 
da Relação do Porto, Juiz da Corôa e Procurador fiscal da 
mesma Companhia; Guilherme Warre, negociante Britannico, 
e depois Consul da sua nação, na mesma cidade, acompanha- 
dos todos pelo Deputado da Companhia e Inspector das obras 
das estradas do Douro, Francisco Baptista de Araujo Cabral 
Montez. Depois do dito periodo ainda a obra continuou até o 
anno de 1792 com fervor no aperfeiçoamento do mencionado 
caminho, e nos pontos chamados d'Arnozello e Requeijo, duas 
legoas mais acima do cachão , despendendo-se no rompimento 
delle e caminhos das suas margens acima de 50:0004009 de 
réis, de que a companhia adiantou consideraveis sommas : o 
rendimento da contribuição applicada a estas obras chegaria a 
2:400,4000 réis, termo medio em cada anno. 

No complemento da obra fez a Companhia collocar no es- 
carpado do monte, que terá mil palmos de eminencia, e da 
parte do Sul, que corresponde ao sitio em que existio o ce- 
lebrado cachão, uma famosa inscripção , para attestar ás idà- 
des futuras a grandeza da obra que neste sitio se consumou. 
Acha-se ella collocada 247. palmos acima da superficie das 
agoas: de extremo a extremo das letras collateraes tem 45 
palmos de largura a regra superior. A mais baixa tem 38 
palmos de altura, sendo as letras de 2 palmos cada uma, 
gravadas na rocha em boa ordem e embutidas de iguaes le- 
tras de bronze dourado. É adornado este letreiro, que se pó- 
de considerar como mui singular, com uma corôa de 9 palmos 
d'altura, que, achando-se no meio da regra superior, vem a 
cahir perpendicularmente por cima do nome de MARIA: == 
Onde está posta esta inscripção, nem de cima nem debaixo, 
ou pelos lados se lhe póde chegar ; e o hydraulico, ao colloca-la 
em tal eminencia, deixou como em memoria o seu espa- 
dim de prata na ponta de uma grande bandeira que, com as 
Insignias Reaes, poz estacada 24 palmos mais acima do le- 

Num. 5. 


226 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 5. 
treiro, e assegurada a um grosso e comprido varão de ferro. 
À inscripção contém o seguinte : 


“AMPERANDO 


a E G 
D, MARTA I, 

SE DEMOLIO O FAMOSO ROCHEDO QUE, 
FAZENDO AQUI UM CACHÃO INACCESSIVEL, 
IMPOSSIBILITAVA A NAVEGAÇÃO 
DESDE O SEU PRINCIPIO E DOS SECULOS. 


DUROU A OBRA DE 1780 A 1792. 


Cabe uma grande parte da gloria de tão grande obra ao 
infatigavel zêlo e acrisolado patriotismo do insigne Deputado , 
que então era da Companhia e Inspector das obras do rio Dou- 
ro, Domingos Martins Gonçalves, natural da cidade do Porto. 


— E Op 


Notas sobre o commercio do archipelago Malaio, bem como 
“sobre os estabelecimentos da companhia Ingleza das Indias 
orientaes no estreito de Malaca, por Mr. Picard, segundo 
tenente da marinha Franceza. 


No seculo actual, em que o commercio está constituido 
como uma verdadeira potencia, e como um inexgotavel ma- 
nancial de riquezas, todas as attenções, logo que se percor- 
rem os mares, vão ser nelle fixadas, como sobre um prodi- 
gioso recurso offerecido a todas as nações. 

Durante uma viagem de alguns mezes a bordo do brigue 
de guerra Lanceiro, tanto sobre as costas de E. e de O. da 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 297 


ilha de Sumatra, como no estreito de Malaca, na Java, e em 
alguns estabelecimentos Hollandezes, foi-me possivel reunir 
alguns documentos extractados essencialmente das publicações 
de Penang e de Singapor ; e estes esclarecimentos, se por ven- 
tura não forem rigorosamente exactos, têm com tudo o raro 
merecimento de serem o mais aproximados que é possivel. 

Na porção da India e do archipelago Malaio , que tomei 
de empreitada examinar, Ria lado commercial , deve-se dis- 
tinguir o seguinte : 

1º As possessões Ingjlerás no estreito de Malaca. 

2.º As possessões dos Hollandezes no archipelago Mas 
laio; isto é, a India Neerlandeza. 

3° As ilhas occupadas pelos Malaios independentes. 

4.º As Philippinas, possessões Hespanholas. 


Possessões Inglezas no estreito de Malaca. 


A companhia Ingleza das Indias orientaes está hoje se- 
nhora do estreito de Malaca. A possessão de- Pulo-Penang 
(ilha do Principe de Galles), e a ilha de Singapor, collocadas 
nas duas extremidades deste estreito tão frequentado , dão se- 
gurança a esta soberania. Mas, durante a paz, todas as na- 
ções tiram proveito destes estabelecimentos Inglezes ; nos quaes 
o commercio, livre e isento de toda a qualidade de impostos, 
convida os navios d'Oeste, os Malaios, e os de toda a Asia 
oriental. 


Singapor. 


Singapor é o mais importante estabelecimento do estreito. 
Esta ilha, situada na extremidade da peninsula Malaia, fica 
bem na passagem da India para a China; e todos os navios 
que vão para o imperio Celeste passam em vista do porto. O 
maior comprimento da ilha é entre 25 e 27 milhas de E. a 
O., e a sua maior largura, N. S., é de 15 milhas. Sir Stam- 
ford Raffles, governador de Java no tempo que estava occu- 
pada pelos Inglezes, ahi edificou, em 1819, o estabelecimento 

3 + 


298 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 5. 


actual. Em 182%, os Hollandezes abandonaram todas as suas 
ertenções sobre a ilha de Singapor , pelo tractado concluido 
entre S. M. Britannica, e o Rei dos Paizes-Baixos. Na mesma 
época teve logar um outro tractado entre a Inglaterra e o 
Sultão Johore e Tumungung , cedendo este, em plena sobera- 
nia, Singapor e perto “de cibeoênia ilhotes, que ficam umas 
19 milhas em distancia das costas de Singapor ; recebendo , 
em troca, uma somma de 60.000 pesos, e uma pensão an- 
nual de 24.000, com promessa, além disto, de receber pro- 
tecção e asylo. A Corda d' Inglaterra cedeu á companhia esta 
nova acquisição. 

Singapor bem depressa olive a cathegoria de um inter- 
posto commercial, dos mais importantes da Asia; os navios 
da Europa e da India entraram immediatamente a encontrar 
nesta ilha todas as producções da China e das ilhas Malaias , 
em troca das suas carregações; aqui acudiram logo todos os 
navegantes do archipelago Malaio , os Bugis , os habitantes de 
Bornéo e de Sumatra, bem como os juncos (1) de Siam, da 
Cochinchina e da China. - - 

Em Singapor, a agricultura está ainda na infancia ; só al- 
gumas plantações de cannas de assucar e de caféeiros acabam 
de ser estabelecidas; e é de suppor que prosperem no fu- 
turo. 

Nas ilhas visinħas , e sobre os bancos de coral, que mui- 
tos ha nas proximidades, apanha-se uma especie de sargaço 
(fucus saccharinus), que, preparado pelos Chinas, é conver- 
tido em uma maça , que se emprega no imprensar das fazen- 
das de algodão. 

A população . de Singapor, em 1820, constava de 150 
habitantes; em 1824 de 10.683; mas em 1836 já era de 
29.984 , incluindo 10.000 Chinas e 8.000 Malaios. 

As mercadorias que circulam no mercado de Singapor, of- 
ferecem a notavel variedade, que se póde ver nos seguintes: 
mappas de importação e exportação. 


(1) Embarcações proprias daquelles paizes- 


1842. DO ARCHIPELAGO MALATO. 229 


Anno 1838 a 1839 — Importações 


3 Valor 
Procedencias Pesos Hespanhoes| Principaes artigos importados 


( Fazendas d'algodão e de lã, armas 


de fogo, polvora, ferro, cobre, 


Gra-Bretanha..... 1.971.766 Elisio, 
sal, cerveja, vinhos e aguas ar- 


Europa continental 95.047 d AEN ILAT ATA Ê 
mitados<Unidos 46.925 entes, cutelaria, louça ordina- 
Ps Ê ria, cousas de marinha, fio de 
ouro e de prata, etc. 


Ilha Mauricia, Ca- 
bo, e Nova Galles 12 342 —lEbano, e diversos objectos. 


arroz, grãos, trigo, e louça de 
barro. 


Madrasta, e costa | 
de Coromandel .. T APARTAT Ding 


Pecas de algodão da India, opio, 
1:420.487 f 


; f Peças de algodão da India, opio, 

Bombaim........ 89.997 arroz, grãos, trigo, e louça de 
: barro. 

Arabia: stipes 19.786 —/Amarras, incenso, gomma, e café. 

Madeira de abéto, charutos, cha- 

Manilha ......... 136.082 péos de palha, assucar, anil, san- 


dalo, café, e linho canhamo. 


Cenaa THD tos. 11.930 —lCanella, especiaria, e arrack. 


Chá, prata pura, seda bruta, ob- 
Gumara nishi 687.614 jectos da China para consumo 
dos Chinas do estabelecimento. 
Pimenta, pecas de algodão, arroz, 
E E 637.820 especiarias, estanho, tartaruga, 


tabaco, rotim, café, cânfora, 

anil, numerario, etc. 

CRE EIN EEIE |i) 124.325 Gambeiro, pimenta, tamarinos, e 
“objectos de Java. 


Siam 351.585 Assucar, arroz, sal, azeite, sticlac, 
= pari es RD É A er 
Cochinchina...... 76.261 —lTabaco e abéto. 
Pimenta, sagú, marfim, benjoim, 
SADEL ina . 2... 283 804 ouro em pó, trubo ou fishroé, e 
rotim. E 


—— 


Segue. ..... 6:124.708 


230 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º5. 


Valor 
Procedencias Pesos Hespanhoes | Principaes artigos importados 


Transporte . .|6:124.708 
Costa de E. da pe- Estanho, ouro em pó, pannos ma- 


laios , marfim , pimenta, e cêra 
amarella. 
Costa de O. da pe- E Arroz em casca, gallinhas, côcos, 
ninsula Malaia... ; e fructas. 
Ninhos de passaros, sândalo, fa- 
Celébes, e outras zendas, rotim, cera, bixo do mar, 
ilhas de E scaweed, café, passaros do parai- 
zo, pimenta, etc. 
265.539 Os mesmos productos , cânfora, 
sagú, ebano, antimonio, etc. 
100.360 — Idem. 


Idem. 


ninsula Malaia... 


visinhas , 
outros logares... 


Mercadorias da India, estanho, 
pimenta, eto. 
236.245 — Pimenta, marfim, rotim, etc. 
Por baldeação ....| 483.439 


Total geral. .|8/750.044 


Comparando este mappa de importação com o seguinte 
das exportações, facilmente se vê que Singapor consome uma 
pequena quantidade destes generos, que só transitam pelo 
mercado. 

Entre Singapor, Penang , e Malaca ha uma navegação de 
cabotagem activissima. Seria mui difficil estabelecer ao certo 
quaes são os artigos, que entram neste commercio; os quaes 
variam segundo as precisões, e conforme o numero dos navios 
da Europa, que carregam nestes portos. Eis-aqui o mappa 
das exportações, no anno commercial de 1838 a 1339, ex- 
trahido dos registos das importações e exportações. 


DO ARCHIPELAGO 


MALATO; - 231 


Anno 1838 a 1839 — Exportações 


Valor 


Destinos Pesos Hespanhoes 


1:155.210 
114.739 
178.828 


77.467 


Grã-Bretanha 
Europa continental 
Estados-Unidos... 
Mauricia, Cabo, e 
Nova Galles do Sul 


960.062 
127.223 
299.389 

33.449 


261.533— 


Principaes artigos exportados 

Estanho, pimenta, chá, café, mar- 
fim, gambeiro, assucar , cêra, 
madre-perola, madeira de abéto, 
sagú , cassia, cutch, sangue de 
drago, especiarias, couros, can- 
nas, passaros do paraizo, anti- 
monio, benjoim, anil, rotim, 
charutos, e varios objectos da 
China e de Java. 


Ouro em pó (600.000 pesos), cha- 


rutos de Manilha, abéto, noz do 
betel, cânfora, pedra hume, gam- 
beiro, marfim, azeites, pimenta, 
rotim, sagú , especiarias, esta- 
nho, e varios objectos, — prata 
pura para Bombaim. 
Fazendas diversàs,ferro,cobre,etc. 


2 341--|Sagú e fazendas. 


1:137.492 


447.763 
135.775 


338.528, 


73.444 | 
Costa de E. da pe- r 375 457 
ninsula Malaia .. 
Costa de O. da pe- 
ninsula Malaia .. 
Celébes, e outras 
ilhas de E 


! 25.777 


L 370.566 
+ 370. 


222 754 
144.650 


l 107.767 | 


Ilhas visinhas, 


outros logares... 


622 867 
192 357 
439.379 


Por baldeação .... 
8.043.307 


Total geral. . 


Todas as mercadorias do archipe- 


lago oriental e dos estreitos, opio 
(500.000 pesos, só para a China), | 
arroz, fazendas, e salitre. 


Fazendas d'Inglaterra e da India, 


varios objectos da China, trigo, 
tabaco, sticlac, e opio. 


Fazendas de algodão d'Inglaterra 


e da India, opio, armas de fogo, 
polvora, fio de ouro, algodão fia- 
do, porcelana, cutelaria , quin- 
quilheria, obras de ferro e de 
cobre, louça de barro, etc. 


232 NOTAS SOBRE O COMMERCIO NES à. 


Este movimento commercial occupa um grande numero 
de navios; a quantidade dos que entram chega a 550 carre- 
gados, contendo mais de 180.000 tonelladas na totalidade. Os 
que sahem, andam pelo mesmo numero e capacidade. Todos 
os navios que vão para E., ou que de lá vêm, costumam 
fundear no ancoradouro; mas estes navios, que passam, fa- 
zem pouco ou nenhum commercio; e é o que muitas vezes 
acontece com os navios Francezes. No anno de 1839, 31 na- 
vios Inglezes, de mais de 400 tonelladas, receberam em Sin- 
gapor cargas completas para a Grão-Bertanha ; 5 Americanos 
receberam tambem carga para os Estados-Unidos. Por todo 
este mesmo anno, 14 navios Francezes fundearam em Singa- 
por: 4 vinham de Batavia, 3 de Penang e Malaca, 2 de 
“Cantão, 2 de Borbon, 1 de Banca, 1 de Manilha, e t de 
Calcutá; uns iam para Batavia e Cantão; os outros para Bur- 
bon, Pondichery , e Bordéos. Estes navios partem ordinaria- 
mente de França com cargas sortidas, consistindo em vinhos, 
agoas-ardentes, fazendas de algodão pintadas, chitas de Mu- 
lhouse, pannos vermelhos tapados; papel, perfumes, obras de 
ourives com pedras, instrumentos de musica, objectos da mo- 
da e varias obras da industria Franceza. Quasi todos trazem 
uma somma consideravel em pesos Hespanhoes, e algumas ve- 
zes opio ou amphião da Turquia. Entram no estreito: de Sonda, 
frequentam Batavia, e alguns ahi terminam os seus negocios 
e voltam para a Europa : outros vão vendendo a pouco e pou- 
co a carga que trazem, e arranjando outra; e, para este ef- 
feito, vêm a Singapor e a Penang. Alguns ha que fazem parte 
da sua carregação em pimenta, na costa de O. de Sumatra , 
e que entram depois no estreito de Malaca, para a completar 
com outros productos. No anno de 1839, as importações por 
navios Francezes foram pouco consideraveis na praça de Singa- 
por; consistiram escencialmente em vinhos, agoas-ardentes , 
cravo girofe de Burbon, modas, joias e algumas fazendas ; 
cada navio só vendia uma peguena quantidade destes ultimos 
objectos. As exportações têm consistido em pimenta, estanho, 
gambeiro , pedra hume e mais alguns productos do estreito. 

Os grandes direitos que sobcarregam estas mercadorias 
em França, e as despezas de uma tão “longa navegação , sem 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 233 


que receba animação alguma, hão de ser um grande obsta- 
culo ao incremento do nosso commercio nestes canaes. Em 
1836 estipulou-se por uma lei, que os productos naturaes, ex- 
ceptuando o assucar , que fossem importados directamente em 
navios Francezes, vindos das ilhas de Sonda, ou dos logares 
da Asia ou da Australia, situados além das passagens que 
formam as ditas ilhas, obteriam um beneficio da quinta parte 
dos direitos de entrada, que estão estabelecidos para todas as 
procedencias que não são colonias Francezas: os negociantes 
Francezes estabeleceram , em consequencia desta lei, corres- 
pondencias com Batavia e Singapor , portos principaes ; mas, 
apenas taes relações estavam entaboladas, e quando as nossas fa- 
zendas de algodão nos promettiam permutações vantajosas, eis 
que, a 2 de “Setembro de 1838, apparece uma nova disposição, 
determinando que este quinto de diminuição nos direitos, só- 
mente terá logar com os productos que vierem dos logares 
situados além das passagens das ilhas de Sonda ; mas sómente 
para os que ficarem ao N. dos 3 grãos de latitude N., e a 
E. dos 106 gráos de longitude E. de París; isto é, para os 
productos da China, da Cochinchina, das Celébes , das Mo- 
lucas, e das Filippinas; exceptuando deste favor Batavia, Pa- 
dang, Penang, e Singapor, que é o grande intreposto da 
Asia oriental. Ora as relações commerciaes da França com a 
Cochinchina, Celébes e Molucas são nullas: Manilha, que é 
o unico porto mais frequentado das Filippinas, emprega só- 
mente 4 ou 5 navios Francezes; a China pouco mais ou me- 
nos o mesmo numero; pois não precisamos do seu chá, nem 
da sua seda: é pois para favorecer unicamente o commercio 
de Manilha que se fez tal diferença; e com tudo de Singapor 
a Manilha a viagem não é maior que do Havre a Marselha. Te- 
me-se talvez a concorrencia com os productos da ilha de Haiti e 
das nossas colonias que, como Java e Sumatra, produzem ca- 
fé; mas tambem parece que uma navegação tão longa e pe- 
nosa merecia alguma animação, sob' pena de a ver totalmente 
abandonada. 

Sendo o porto de Singapor livre e franco como é, porque 
não faremos como fazem os Inglezes e Americanos, que têm 
as mesmas precisões que nós temos ? Em 1839, levaram de 


” 


234 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 5. 


Singapor 36 carregações completas, de 300 a 400 tonella- 
das cada uma, e o commercio Francez apenas contou uma; e 
de quem será a culpa, senão das leis de fiscalisação das al- 
fandegas Francezas? Os negociantes e capitães Francezes en- 
tendem tanto de commercio como os seus rivaes; mas têm as 
mãos atadas, e não podem nestes mares receber cargas de 
retorno, que lhes não dariam benefício algum. 

Se os nossos navios continuarem a levar productos da nos- 
sa industria ao archipelago Malaio , as cargas de retorno, em 
logar de virem para o Havre, Marselha, e Bordéos , irão com 
prelerencia para Hamburgo, porque este porto tem relações 
com Singapor; e grande parte dos productos exportados para 
a Europa estrangeira (foreing Europe) são dirigidas a esta 
cidade, que 6 o grande mercado continental. 

Para os naturaes deste grande arapo Malaio, Sin- 

gapor é a praça commercial por excellencia: é alli que elles 
se vêem desembaraçados de todos os dieta e de todas as 
formalidades que lhes impunha a fiscalisação Hollandeza ; e é 
por isso que vão todos com preferencia ao porto franco da 
companhia Ingleza. Todos que são, por assim dizer, independen- 
tes, têm quasi abandonado Batavia, onde antigamente concorriam. 

Os mais consideraveis navegadores do archipelago são os 
Bugis (das Celébes) e os Balynezes (de Baly) : costumam che- 
gar ordinariamente a Singapor em Julho, Agosto, Setembro 
e Outubro, vindo nos seus prows e sampans (+). As suas car- 
regações variam entre 10.000 e 40.000 pesos; são sortidas , 
e compõem-se de pannos, que elles mesmos fabricam (Bugis 
sarongs), café, bixo do mar ou tripang, ouro em pó, arroz, 
passaros do paraizo , ninhos de passaros, algodão, ebano, ma- 
dre perola, azeite coco, pimenta, sandalo, estilos sal, tabaco, 
alga, e perto de 70.000 pesos em moedas : sahem de Sim- 
gapor em Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro, e levam 
para as suas ilhas fazendas de algodão, opio, espingardas e 
outras armas, louça de barro da China, polvora , cutellarias, 
quinquilherias etc. 

No decurso do anno de 1838, estas ilhas enviaram a 
Singapor 151 prows, nas seguintes proporções : 

(+) Qualidade de pequenas embarcações. 


1842, DO ARCHIPELAGO MALAIO. 235 


Celébes. .... Dto Sis mandou 75 (Macassar entrou por 25.) 
e pn pe E aE » 34 
MTE i ei a E » 3 
EA VE, MATA SA » 14 
AE L AAS d. san pes » 5 
Rootnones sá se silvio ELES » 7 
Boney-RUCT acres gobar » 1 
QCRrAn= o. golo arara SR » 11 
TO Ses TE SUR L po é » 1 


— 


Total. , . . 454 montando a 3.600 tonelladas, 

Bornéo e Sumatra enviam tambem um grande numero de 
prows a Singapor. Os navegantes de Bornéo partem essencial- 
mente de Sambas, Bornéo, Pontianac e Benjarmassin, em 
numero de 150 embarcações proximamente, montando a 4.500 
tonelladas. Os de Sumatra vêm de Siak, de Jambéa e de Pa- 
lembang; estes sampans são pequenos: em 1838 enviaram 
360, montando a 3.600 tonelladas proximamente. 

A cabotagem dos naturaes (the native craft) occupou este 
mesmo anno, nas importações, 1.684 barcos, montando a 
39.432 tonelladas; e na exportação empregaram-se 2.063, 
montando a 38.155 tonelladas, comprehendendo entre estes,.os 
juncos da China, da Cochinchina e de Siam, Estes ultimos che- 
gam a Singapor em Janeiro e Fevereiro, com a monção do NE. 

O numero d'entradas em Singapor nos annos de 1 839 e 40 foi: 
Juncos grandes vindos de Cantão, Amoy, Chowan, Seanghai, 


e ORGMOR s sbin praia aoan sidade mê em 1839... 29 
Adema en tado mig em 1840... 61 

Juncos pequenos e topes, trazendo prata pura, e 
levando opio de Seanghar e Amoy........ em 1839.. 0 
Idem siaina gi em 1840.. 9 
Da Conchinchina e da ilha de Hainam...... em 1839.. 67 
Idemo- np» DRR GKS ah em 1840.. 88 
Do reino de Siam .............. REN em 1839 .. 22 
Idem aslignam seni em 1840... 19 


Estes dois ultimos paizes têm, além do que fica exposto, mui- 
tos navios grandes, que fazem tambem o commercio de Singapor. 
E a E. do ancoradouro que se costuma reunir a frota 
Chineza; e no mez d'Abril todos estes juncos vermelhos e 
verdes com seus feitios estravagantes e pôpas grotescas, fla- 


236 FAROES. Nº6, 
mulas e bandeiras de muitas cores, formam uma verdadeira 
frota de mais de 160 embarcações. Estes navios, incapazes de 
navegar contra monção , esperam até ao mez de Maio, que o 
vento do SO. se estabeleça nos mares da China; chegado es- 
se tempo, tudo são festas, gritarias e tiros de peca para fa- 
zeť os seus Deoses propicios no momento da partida; e todos 
os dias se começa a ver aballarem-se algumas dessas grandes 
massas, suspenderem as suas ancoras de madeira, seguras por 
amarras de rotim, içarem as vélas de esteira, dirigirem-se 
para E. e desapparecerem ne horisonte. 

Passemos de Singapor á ilha de Penang, collocada na ex- 
tremidade do N. do estreito de Malaca, e pouco distante da 
peninsula. (Continuar-se-ha. ) 


(SE — 
Faroes. 


A isniiósios como estamos a inserir nestes Aannaes qual- 
quer noticia que tenha alguma relação com o fim a que nos 
propozemos , não podemos deixar de considerar neste caso a 
que ultimamente se publicou em um dos numeros do Nautical 
Magasine ácerca de um novo modo de pintar as torres dos 
faroes, que se começou a adoptar na Inglaterra, para melhor 
se distinguirem nos dias de nevoa , e servirem de baliza aos 
navegantes para se livrarem dos perigos, que de ordinario 
existem na sua proximidade , o que certamente será de gran- 
de vantagem para a navegação costeira, principalmente nos 
mares do Norte, onde os nevoeiros são tão frequentes e aturados. 

Assim como faroes, pelos lumes que nelles se accendem , 
se tornam visiveis em as noites mais tenebrosas , chegando 
até, para evitar as funestas consequencias que se podiam se- 
guir, de confundir um com os outros, a diflerençarem-se en- 
tre si, já pela cor e combinação de luzes, já pelo numero e 
duração dos eclipses naquelles que não são fixós; faltava ainda 
que os edificios dos mesmos faroes podessem em certas cir- 
cumstancias servir de guia aos navegantes, fazendo-os distinguir 
em distancia conveniente atravez de uma densa nevoa: é o 
que acaba de’ conseguir o capitão Beechey, da marinha real 
Ingleza, por um meio tão simples como facil; o qual consiste 


1812. FAROES. 237 


em pintar de vermelho uma porção no centro da torre do fa- 
rol, pouco mais ou menos igual á terça parte da sua altura , 
conservando ambas as extremidades brancas. 

Antes delle, já alguns outros officiaes, especialmente os 
que têm sido empregados em trabalhos hydrograficos naquel- 
las paragens, haviam nótado a grande difficuldade que em 
tempo de nevoa se encontrava em divisar os edifícios dos fa- 
roes por causa da sua extrema alvura: o mesmo capitão Bee- 
chey tinha observado frequentes vezes, que em occasião de ne- 
voeiro primeiramente se avistavam quaesquer objectos mais 
escuros, ainda que mais distantes, do que os edificios dos fa- 
roes, por estarem branqueados ; acontecendo mais que naquel- 
les situados à beira-mar, que são lavados pela maré, se divi- 
sava a base do edifício, por estar mais denegrida pelos limos 
que as agoas costumam crear, sem com tudo se descobrir o 
corpo do mesmo edifício. E por esta razão fundada na expe- 
riencia que elle recommenda que o seu novo plano de pintura 
deve com especialidade ser applicado áquelles edifícios dos fa- 
roes que estiverem isolados sobre rochedos destacados da costa, 
ou sobre quaesquer restingas baixas; em uma palavra a todos 
aquelles que estiverem meia milha ou mais affastados de cer- 
tos terrenos, que, pela sua cor esbranquiçada, não os possam 
fazer sobresahir ; porque nos outros em geral será conveniente 
couserva-los caiados como estão, por serem assim mais visiveis. 

Passâmos por tanto a transcrever o artigo do Nautical Ma-. 
gasine que refere a mencionada noticia: em seguida copiare- 
mos o annuncio da repartição do lastro em Dublin, publican- 
do que vai a pôr em pratica o novo plano de pintura nas tor- 
res dos faroes de Maidens. Omittiremos porém as duas cor- 
respondencias a que o mesmo artigo allude, por nos parecer 
sufficiente dizer, que ambas ellas, além do que temos expen- 
dido, attestam igualmente o bom efeito que a nova pintura 
produzio naquellas torres para as fazer distinguir em tempo 
de nevoa : não cessando o capitão Beechey de instar para que 
o seu plano se faça extensivo a todos os outros faroes nas 
mesmas circumstancias; accrescentando por ultimo que o seu 
effeito ainda será mais efficaz se em vez de uma só faxa ver- 
melha se pintarem duas da mesma cor, tendo cada uma de 


238 FAROES. N.º $. 


largo um terço da altura da torre, sendo nesse caso a lanter- 
na pintada de branco. 

Concluiremos pois dizendo que é para admirar a perseve- 
rança e desvello com que as autoridades maritimas d' Inglaterra 
attendem a tudo que póde concorrer para tornar menos peri- 
gosa a situação dos navegan'es que demandam os seus portos, - 
adoptando com promptidão qualquer lembraça de melhoramento, 
por mais insignificante que pareça, uma vez que seja condu- 
cente ao dito fim. Oxalá que tão bons exemplos sejam imi- 
tados naquelles paizes que, sendo pela sua posição geografica 
essencialmente commerciaes, devem por isso ter igual inte- 
resse em promover por todos os modos possiveis a segurança 
da navegação sobre os seus respectivos litoraes. 


A torre do farol de Maidens em tempo de nevoa. 


É um objecto de summa importancia fazer com que os 
edificios dos nossos faroes se distingam bem em todas as oc- 
casiões, e debaixo de quaesquer circumstancias do tempo. Em 
tempo claro, tanto de dia como de noite, elles são sufficien- 
temente visiveis; porém infelizmente não acontece o mesmo 
em occastão de nevoeiros: com tudo, alguns meios se podem 
empregar para os tornar igualmente visíveis, se olharmos pa- 
ra isso com alguma attenção. Em geral, tem sido costume, 
com poucas excepções, branquear as torres dos faroes, tor- 
nando-as assim completamente invisiveis em tempo de nevoa , 
a uma pequena distancia. Não padece duvida que um edificio 
branco de qualquer farol avistar-se-ha mais facilmente quando 
se projectar sobre um chão escuro, quer seja d'arêa, ou ro- 
chas, ainda que as rochas em tempo de nevoa se descobrem 
primeiro que o edifício. Mas quando se não der o caso que o 
terreno adjacente possa contrastar a brancura do edificio, ou 
se fòr tão alvo como a propria nevoa , então o edificio facil- 
mente se confundirá com a mesma nevoa, deixando-se de vêr 
na occasião em que é mui preciso. 

Este objecto chamou pois a attenção do capitão Beechey , 
da marinha real, o qual, durante os seus trabalhos hydrogra- 
ficos no canal de S. Jorge, teve frequentes occasiões de notar 


1842. FAROES. 239 


este grande defeito; para remediar o qual elle suggerio a 
idéa de se pintar no meio do edificio uma larga cinta ou zo- 
na vermelha, cuja lembrança já foi adoptada com o melhor 
exito possivel. 

A repartição do lastro em Dublin immediatamente man- 
dou pôr em pratica este plano nas torres dos faroes de Mai- 
dens, como se deprehende do competente aviso, sendo evi- 
dente o seu bom efeito. Ajuntamos aqui a informação, que a 
similhante respeito nos foi dirigida pelo capitão Beechey, na 
qual mostra que a parte do edificio que está pintada de ver- 
melho, vê-se perfeitamente no meio da nevoa , quando pelo 
contrario a outra parte se confunde com ella. Tambem rece- 
bemos uma carta de um piloto (master) da marinha real, con- 
firmando o mesmo facto. Os nossos inspectores dos faroes não 
deixarão de conhecer a importancia deste objecto para a nos- 
sa navegação costeira, e estamos certos que lhe prestarão a 
devida attenção. 


Aviso aos navegantes. 


Torres dos faroes de Maidens Rocks, na costa do NE. 
da Irlanda. 


Repartição do lastro em Dublin 9 de Setembro de 1842. 
A corporação encarregada da conservação e melhoramento 
do porto de Dublin faz por este modo publico que vai a ter 
logar uma alteração na apparencia dos edifícios dos faroes de 
Maidens Rocks, os quaes desde o 1.º de Novembro seguinte 
serão assignalados com largas cintas ou zonas vermelhas. 
Seguem-se as explicações dadas por Mr. Halpin, inspe- 
ctor dos faroes, sobre a mesma apparencia. 
Estes edificios, que até ágora estavam pintados de branco, 
a parte inferior delles continuará da mesma eor: no centro 
terão uma cinta pintada de vermelho , e por cima destas se- 
rão brancos até ás galerias da lanterna. 
As cintas ou zonas vermelhas terão quasi um terço da al- 
tura desde a base até ás galerias: portanto 
A do farol do Norte terá 18 pés d'altura. 
Ada >: do SS 149 pós... 
Por ordem. == H. Vereker , Secretario. 


Qualidade 
das 


Embarcações 


Fragatas —- 
(em meio 
armamen- 
LO) teia a 


Corvetas. 


Duqueza de Bra- 
gança, 2. ces. 


Dinak oo do cu 
Oito de Julho.. 
Dir Jods Ps. 


Infanta Regente 
Urânia........ 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 
No 1.º de Maio de 1842. 


Brigues . 


Charrua. 


Escunas. 


Correio. 


Cuter... 


Audaz .... 
Villa Flor. 
D. Pedro.. 


Magnanimo 


26 


Graduações, e nomes 
dos 


Commandantes 


Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 


Capitão Tenente, J. S. Ramos...... 


Primeiro Tenente, F. A. G. Cardozo. 


“| Capitão Tenente, F. S. Franco...... 


Capitão Tenente, T. J. Marques...... 
Capitão Tenente J. M. F. do Amaral. . 
Primeiro Tenente, J. J. d' Andrade Pinto 
Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 


Primeiro 


Tenente, I. F. Guimarães, Junior 


Capitão Tenente, J. J. Fernandes d’ Andrade 


dos 


N.º dosOf- 
ficiaes de 
Marinha 
Guardas- 
Marinhas e 
Aspirantes 


N.º 


~a 


Destinos 


No Téjo, de Registo do Porto. É 


No Téjo, servindo de Deposito À 
de Marinhagem. 

Em Angola. 

No Brasil, 

Na India. 

No Téjo. 

Em Angola. 


No Téjo. 
Na India. 


Liberal... 
Amelia ... 
Esperança... 
Boa Vista..... 
Cabo Verde.... 
Ninas: eas 
Eayalk sto ooto 


S. Boaventura. . 


Andorinha. .... 


13 
10 
8 
1 
1 
1 


Primeiro Tenente, J. M. Esteves........ 
Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 
A. d'Oliveira,....... 
H. da Fonc.? Ferr. 


Segundo Tenente, 
Segundo Tenente, 
Segundo Tenente, 
Segundo Tenente, 
Segundo Tenente, 


Primeiro Tenente, 


D. 
Vv. 
vV. 


F. 
F. 


R. Ganhado..... 
do N. Teive..... 
A. M. Pereira... 


de A. e Silva.... 


Segundo Tenente, P. O. Alves......... 


No 'Téjo. 

Nos Açores. 

No Téjo. 

Em Cabo Verde. 

Em Cabo Verde. 

Em Angola. 

No Téjo. 

Em Cabo Verde e Costa de 
Guiné. 


m| O |O fi feed foi OS GO BD BND RI MO MA 


No Téjo. 


A. J. de 


Yisne 


Lith.de A.Ç. de Lemes. Larse de Quintella N'I. It 


ção, tomada da parte Occidental. Daron 


NE de Seia rastro, === em = : Tuck de Aco delas Large da Duinyilla 2 nt 


mata dl WUA - À T G 7 a A À o a - E Pen [ - 
Vista do estado matwrall do Cachão de S. Salvador da Pesqueira antes da sua extimeção, tomada da parte Ocidental. Daron 


a obra desde 1760 ate 1792. 


„J. de Souxa Vas. : 
4 sida z Lihde A.C. de bemos. Darye de Quintela NL. Lx“ 


Vista do fmada da parte Occidental. Tm 1841. 


A.J. de Seura Veg 27 es EEE a z LihAe A.G- de lemos Durji intella NL, Lx“ 


Vista da Ipe T : > el roi RAI 
jista do Rio Douro mo sitio do extincto Carhão de S. Salvador da Pesquera tomada da parte Occidental. Wm 164 


MARITEMOS E COLONFAES. 
N.º 6. 
SEGUNDA SERIE, 


—— OO 
ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 


Abril de 1842. 


26. ns nomeando Cavalleiro da Ordem de S. Bento 
de Aviz, o Capitão do Batalhão Naval actualmente em dispo- 
nibilidade, Carlos Francisco Rangel. 


Maio. 


4, Decreto, promovendo ao posto de Major graduado o 
Capitão da extincta Brigada da Marinha, Fernando Teixeira. 

Idem. Decreto, promovendo ao posto d'Alferes de Infan- 
teria do Estado da India o Aspirante a Guarda Marinha, An- 
tonio Maria Zagallo. 

Idem. Decreto, mandando que o Cirurgião Mór que foi 
do Reino d'Angola, Filippe José de Carvalho e Castro, passe 
a servir como aggregado no Hospital da Marinha, debaixo das 
ordens e instrucções que receberá do Conselho de Saude Naval. 

Idem. Decreto, concedendo ao Primeiro Tenente gra- 
duado d'Armada, Faustino José Marques, Mestre d'Aparelho 
da Academia dos Guardas Marinhas, a effectividade do posto 
de Primeiro Tenente, com as clausulas de não poder pertencer 
ao Quadro effectivo d'Armada , de não ter direito a accesso, 
e de ceder dos oitocentos réis diarios que percebe pela feria 

| 


3142 ACTOS DO GOVERNO. N.º 6. 


do Arsenal, vencendo unicamente o soldo de Primeiro Tenente 
e a gratificação que no Orçamento lhe está marcada como 
Mestre do Aparelho da referida Academia. 

9. Decreto, restitundo ao Quadro effectivo d' Armada, 
para o fim de serem reformados na fórma da Lei, como por 
este mesmo Decreto o são; isto em attenção ao longo espaço 
de tempo porque haviam antes da épocha da usurpação bem 
servido a sua Patria, os Capitães Tenentes Domingos Freire 
Reboxo, e Joaquim José de Castro Guedes; e o Primeiro Te- 
nente Jacinto Antonio Cordeiro Borges, todos separados do 
Quadro effectivo d' Armada. 

19. Decreto, concedendo a Joaquim Luiz de Sousa, Pi- 
loto Mór da Barra do Douro, a graduação de Primeiro Te- 
nente d' Armada, em attenção aos relevantes serviços que pres- 
tou 4 Causa da Liberdade Constitucional e do Throno Legiti- 
mo durante a memoravel épocha do cerco do Porto, e sem 
que por esta Mercê fique pertencendo ao Quadro da mesma 
Armada, nem tenha direito a soldo ou accesso algum. 

Idem. Decreto, concedendo a Joaquim Turibio de Mei- 
relles, Sota Piloto Mór da Barra do Douro, a graduação de 
Segundo Tenente d' Armada, em attenção aos relevantes servi- 
cos que prestou á Causa da Liberdade Constitucional e do 
Throno Legitimo durante a memoravel época do cerco do 
Porto, e sem que por esta Mercê fique pertencendo ao Quadro 
da mesma Armada, nem tenha direito a soldo ou accesso al- 
gum. 

Idem. Portaria, concedendo baixa do Serviço, por assim 
o haver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha Pedro José 
Corrêa. 

23. Decreto, determinando que os Empregados da Es- 
cripturação do Hospital da Marinha, já considerados em iguaes . 
eircumstancias aos Empregados do Almoxarifado de Marinha, 
tenham graduações militares iguaes ás que a estes foram con- 
cedidas por Decreto de 5 de Julho de 1836. 

27. Decreto, concedendo a graduação de Chefes de Di- 
visão aos Capitães de Mar e Guerra João Anacleto Gutierres, 
e José Maria Vieira. 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 243 
aouo 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 

SEGUNDO ANNO. 

Sessão 6.º 


Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 

Não estando na sala numero sufficiente de Socios, oceupou-se a 
Assembléa de negocios de simples expediente ; e passando o Secreta- 
rio Mattos Corrêa a dar conhecimento da” correspondencia, leu uma 
carta do Sr. José Barbosa Canaes de Figueiredo Castello Branco, a 
qual tem por objecto interessar a Associação no estabelecimento de 
uma Sociedade, que pretende crear com o fim de propagar a Fé, 
tanto em os nossos estabelecimentos do ultramar, como em todos os 
mais paizes onde não seja conhecida ou se ache pouco gencralisada ; 
leu outra carta do Socio o Sr. D. Antonio de Mello, na qual este Sr. 
se desculpa de não poder assistir á Sessão, recommenda o pensa- 
mento do Sr. Castello Branco sobre a propagação da Fé, c pede que 
em seu nome seja proposto para Socio ; e finalmente outra carta do 
Sr. Manoel de Castro Pereira, o qual offerece á Associação a des- 
cripção do modo como foram removidas algumas pedras que embara- 
cavam a navegação do rio Douro no sitio chamado o Cachão; e ma- 
nifesta o desejo de que esta descripção seia publicada em os Annaes. 

Findas todas estas leituras, decidio a Associação que a carta do 
Sr. Castello Branco fosse examinada por uma Commissão especial, 
para sobre o parecer desta Commissão, a Associação deliberar depois 
com a madureza que se requer em assumpto de tanta transcen- 
dencia. 

A descripção dos trabalhos feitos no rio Douro com o fim de 
facilitar a sua navegação, foi mandada á Commissão de Redacção ; e 
decidio tambem a Assembléa que se agradecesse ao Sr. Manoel de 
Castro Pereira a sua offerta. 

O Sr. Secretario Louzada de Araujo leu um parecer da Commis- 
são de Estatistica sobre as respostas que o Governador e Bispo Eleito 
de Cabo Verde deram ás perguntas que a Associação lhes havia di- 
rigido ácerca do Seminario que alli existio: diz a Commissão que 
lhe parece que todos estes papeis deverão ser enviados ao Socio o 
Sr. Antonio Maria Couceiro, como autor da proposta sobre o resta- 
belecimento do Seminario. 

-- Depois de approvado este parecer, propoz o mesmo Sr. Secreta- 
rio Louzada de Araujo, que se envie o diploma de Socio honorario 
ao Bispo eleito de Cabo Verde, como prova do apreço e considera-. 


t+ 


244% ACTAS DA ASSOCIAÇÃO, - N.º O. 
ção dada pela Associação á sua informação sobre a possibilidade do 
restabelecimento do antigo Seminario. 

Foi proposto para Socio ordinario o Sr. José Maria de Sousa 
Monteiro, Secretario do Governo Geral de Cabo Verde. 

O Sr. Presidente nomeou aos Srs. Louzada de Araujo, Moraes, 
e Tavares de Macedo, para membros da Commissão que -ha de exa- 
minar a proposta do Sr. Castello Branco; deu para Ordem do dia a 
que estava dada para hoje; c assim terminou a Sessão. 

Sala das Sessões, 2 de Maio de 1842. = O Secretario, Joaquim 
José Gonsalves de Mattos Corréa. 


Sessão 7.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Fez-se a leitura das actas das duas Sessões antecedentes, mag 
não se achando na sala numero legal de Socios, ficou a sua approva- 
ção adiada; e passando o Secretario Mattos Corrêa a dar conheci- 
mento da correspondencia, leu um Officio do Secretario da Sociedade 
das Sciencias Medicas, o Sr. Diogo Baptista dos Santos Cadet, o 
qual tem por objecto a offerta dos impressos daquella Sociedade, 
como retribuição de um offerecimento igual que por esta Associação 
lhe havia sido dirigido. 

O Sr. Secretario Louzada de Araujo leu um Officio do Socio, o 
Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira, em que participa ausentar-se 
por motivo de Serviço. 

Seguio-se a leitura de pareceres das Secções e Commissões; e 
tendo a palavra o Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, leu um parecer 
da Secção de Marinha Militar ácerca de um trabalho do Sr. Antonio 
Gregorio de Freitas, sobre a construcção e uso dos barometros, © 
qual a Secção julga que deve ser depositado no Archivo. 

O Sr. José Tavares de Macedo, como relator da Commissão a 
que foi commetido o exame da proposta do Sr. José Barbosa Canaes 
de Figueiredo Castello Branco, sobre a propagação da Fé, leu o se- 
guinte parecer : 

«A Commissão incumbida de dar o seu parecer sobre a carta 
em que o Sr. José Barbosa Canaes de Figuciredo Castello Branco 
offercce a esta Associação tomar parte no requerimento que o mes- 
mo Sr. Canaes tem preparado para se pedir ao Governo de Sua Ma- 
gestade a autorisação para o estabelecimento de Seminarios para a 
educação de Missionarios Apostolicos, assim para Portugal como para 
os estabelecimentos ultramarinos, e para a empreza da impressão de 
escriptos orthodoxos para combater a impiedade ; offerecendo junta- 
mente á Associação concorrer na formação do respectivo Conselho 


1812. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 245 


Director pelo voto de um Socio delegado para este fim : considerou 
este objecto com a cicumspecção que elle merece, assim pela sua 
natureza, como pelas suas diversas relações. 

«Reconhece a Commissão que é de dever e de conveniencia pu- 
blica preparar Ministros da Religião, que nas diversas partes da Mo- 
narchia, e em outros lugares que já foram nossos ou evangelisados 
por Portuguczes, possam occorrer ás necessidades religiosas dos seus 
habitantes, e levem a Religião Catholica a novas regiões; e lhe pa- 
recem muito dignos de louvor os exforços para este nobre fim. Re- 
conhece igualmente a Commissão as utilidades politicas e até eco- 
nomicas que resultam da conservação das Missões da Asia e da Ocea- 
nia; e se compraz em ver que a seriedade de nóssos trabalhos me- 
receu a esta Associação uma prova de estima, qual acaba de receber 
no convite que lhe é dirigido pelo Sr. Canaes: todavia persuade-se 
a Commissão que esta Associação se deve abster de tomar parte no 
requerimento c empreza Ge que trata a carta do mesmo Sr. Canaes, 
pelas seguintes ponderações : 

«1.º Porque abrangendo o requerimento Missões para a Europa 

“e a impressão de livros religiosos, seria sahir a Associação dos li- 
mites que traçou aos seus trabalhos, e foram approvados pelo Go- 
verno, que só comprehendem = Marinha militar e mercante, e esta- 
belecimentos coloniaes. == 

«2.º Porque como é claro em todo o Titulo 1.º dos nossos Es- 
tatutos, os trabalhos desta Associação são propriamente litterarios : a 
sua influencia deve scr só a que pertence á razão e á sciencia; e 
por isso a Associação só tem julgado poder dirigir-se a Sua Magestade 
não requerendo, mas expondo a conveniencia das medidas apontadas. 

«3.º Porque delegar um Socio para assignar em seu nome, e 
autorisa-lo para pertencer ao Conselho Director do estabelecimento 
das Missões, seria alterar o systema da nossa organisação legal, pois 
que a execução das resoluções da Sociedade pertence á Mcsa; nem 
é possivel que esta Sociedade autorise quaesquer actos de que não 
tenha precedentemente tomado conhecimento ; e muito menos quando 
todos ou quasi todos esses actos são alheios aos objectos comprehen- 
didos no circulo das suas attribuições. E posto que com razão note 
o Sr. Canaes que em todas as Memorias a respeito do ultramar, pu- 
blicadas nos nossos Annaes, se mostra muito respeito á Religião de 
nossos pais, ¢ se aprecia a sua importancia ainda humanamente con- 
siderada, e até se tenha mostrado a conveniencia das Missões nos 
Dominios ultramarinos, é sabido que as Memorias que publicamos 
são a expressão das opiniões individuaes de seus autores; e posto 
que sem duvida o respeito e acatamento religioso seja qualidade de 
todos os Membros da Associação, esta, como Corporação , não póde 
tratar senão dos objectos que nos termos da autorisação do Governo 
entram no circulo dos seus trabalhos. 

« Entende por tanto a Commissão, que esta Associação deve agra- 


246 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 1 NS Ubi 


decer o convite feito pelo Sr. José Barbosa Canaes de Figueiredo 
Castello Branco, e recusar a participação nos trabalhos de que falla 
na sua carta. Sala da Associação Maritima e Colonial, 18 de Maio 
de 1842. == Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d’ Azevedo. == Joa- 
quim Maria Bruno de Moraes. == José Tavares de Macedo. » 

O mesmo Sr. Tavares de Macedo leu uma proposta, que tem 
por objecto pedir-se ao Governo de Sua Magestade a permissão de 
escolher a Associação, para juntar á sua livraria, as obras que tra- 
tem de assumptos connexos com os fins da Associação, e que existam 
no deposito das livrarias extinctas. 

E finalmente o Sr. Joaquim Cecilia Kol, commissionado pelo So- 
cio o Sr. Bernardino Antonio Gomes, participou á Associação que 
este Sr. passava a visitar alguns pontos principaes da Europa, e se 
offerecia para prestar á Associação naquelles lugares os serviços de 
que ella julgasse deve-lo encarregar. + 

A proposta do Sr. José Tavares de Macedo entrou em discussão, 
e foi unanimemente approvada. 

Todos os mais assumptos ficaram para serem tratados em Sessão 
a que concorra o numero legal. 

O Sr. Presidente ponderou a necessidade de se alterar o artigo 
do Regulamento, que fixa o numero de Socios que se devem achar 
presentes para que a Assembléa se possa occupar de assumptos que 
pão scjam de expediente; o sobre proposta do Sr. Secretario Lou- 
zada d' Araujo decidio a Assembléa que para este fim haja uma Ses- 
são exlraordinaria na Terça feira da semana proxima. 

Não havendo mais objectos de expediente, o Sr. Presidente fe- 
chou a Sessão. 

Sala das Sessões, 18 de Maio de 1842. — O Secretario, Joaqùim 
José Gonsalves de Mattos Corrêa. 


Sessão 8.º 


Presidida pelo Sr. João Pedro Nolasco da Cunha, como Presidente 
da Secção de Marinha Militar. 


Depois de lidas e approvadas as actas das tres Sessões antece- 
dentes, deu o Secretario Mattos Corrêa conta da correspondencia, 
lendo um Officio do Sr. José Dionisio Corrêa, como Secretario da 
Sociedade Pharmaceutica Lusitana, e outro do Sr. Alexandre Luiz 
da Cunha, Redactor do Defensor : ambos têm por objecto agradecer 
á Associação a offerta dos Annaes, e retribuir com igual offereci- 
mento, enviando a colleeção dos impressos da Sociedade Pharmaceu- 
tica, e varios numeros do Defensor. 

Terminadas estas leituras, disse o Sr. Presidente, que havendo-se 
accumulado bastantes trabalhos, em consequencia de se não terem 
reunido Socios em numero sufficiente nas Sessões anteriores, esta 


ISDE ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 247 


Sessão tinha sido convocada extraordinariamente, assim para dar an- 
damento a estes negocios, como para alterar, se assim se julgar con- 
veniente, o Regulamento interno da Associação, com o fim de obviar 
no futuro iguaes inconvenientes: e pedio que sobre este assumpto 
houvessem os Socios de manifestar a sua opinião. 

O Secretario Mattos Corrêa abrio a discussão , propondo que no 
Regulamento interno se elimine a segunda parte de Artigo 12, que 
diz =e serão consideradas legaes todas as vezes que, além dos indivi- 
duos que compõem a mesa, houver na Sala mais doze Socios. == 

Os Srs. Esteves, Herculano, Barahona, Freitas, Louzada de 
Araujo, Lopes, Tavares de Macedo, Nolasco da Cunha, e Kol, mos- 
traram successivamente todas as vantagens e inconvenientes da ad- 
opção desta proposta; e finalmente posta á votação , foi approvada 
unanimemente. 

O Sr. Manocl Luiz Esteves pedio , que a Associação offerecesse 
os seus Annaes á Sociedade Promotora da Industria Nacional, bem 
como se havia praticado com outras Associações. 

O Secretario Mattos Corrêa respondeu, que a intenção da Asso- 
ciação havia sido fazer esse offerecimento; que a falta provinha de 
esquecimento seu; e que por isso agradecia ao digno Socio o haver 
lembrado este descuido. 

Teve segunda leitura, e foi unanimemente approvado, o parecer 
da Commissão encarregada de examinar a proposta do Sr. Castello 
“Branco, sobre a propagação da Fé. 

O Sr. Presidente disse, que havendo os Empregados Militares e 
Civis da Marinha concordado em se reunirem com o fim de clege- 
rem d'entre si dois individuos para serem recommendados como 
Candidatos nas proximas cleições de Deputados; pedia á Associação 
houvesse de consentir que na Sala das Sessões tivesse logar uma das 
suas reuniões. 

Depois de varios Socios terem manifestado a propriedade, 
mesmo necessidade do affastar da Associação, como puramente lit- 
teraria, toda a idéa de connexão com as questões politicas do paiz, 
no que todos concordaram, decidio a Assembléa por maioria que se 
emprestasse a Sala. 

Correu o escrutinio, e foram approvados Socios effectivos os Srs. 
José Maria de Sousa Monteiro, e José Barbosa Canaes de Figueiredo 
Castello Branco, que haviam sido propostos o primeiro pelo Sr. João 
da Costa Carvalho, e o segundo pelo Sr. D. Antonio de Mello. 

Foi igualmente approvado Socio honorario o Excellentissimo 
Bispo eleito de Cabo Verde, proposto pelo Secretario o Sr. Louzada 
de Araujo. 

O Sr. Presidente deu para Ordem do dia a mesma que estava 
dada antecedentemente, e fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 24 de Maio de 1842. = O Secretario, Joaquim 
José Goncalves de Mattos Correa. 


248 EXPERIENCIAS PARA EVITAR A OXIDAÇÃO N°6. 


tAE 


Experiencias feitas pelo Socio o Sr. Bernardino Antonio Gomes, 
com o fim de achar o meio de evitar a oxidação dos forros 
metalicos dos navios, e apresentadas à Associação na Sessão 


de 7 de Dezembro de 1841. 


Tix decorrido já alguns annos depois que uma das illus- 
trações chimicas do seculo, o celebre Davy, pensou fazer uma 
applicação importante do galvanismo á conservação dos forros 
metalicos dos navios; a qual, se não tivesse encontrado as con- 
trariedades praticas que appareceram, e não tinham podido 
prever-se, asseguraria áquelle distincto nome um titulo mais 
à sua celebridade, e importantissimo serviço á marinha de 
todos os paizes. 

A idéa que a isto presidio era tão simples como luminosa. 
O cobre que forra os navios gasta-se pelo atrito, mas ainda 
mais pela acção chimica que sobre elle exercem a agua do 
mar e seus contentos salinos ou outros, o ar atmosferico, e 
influencias que delle derivam. Isto suppre certo estado electrico 
da superficie metalica; se o mudarmos, e constantemente con- 
servarmos diverso do ordinario, será possivel parálisar essa ac- 
ção chimica, e a destruição successiva que lhe é inherente. E 
o que pareceu conseguir-se, cubrindo uma extensão , mesmo 
pequena, da superficie do cobre com outro metal; formou 
com effeito assim uma pequena pilha galvanica que , segundo 
a natureza do metal protector, abrigará o cobre mais ou me- 
nos perfeitamente da acção da agua, do ar, e mais agentes 
que com elles operam. 

Uma cousa porém não tinha Davy previsto, e foi, que o 
oxido de cobre que constantemente se lórma, e reveste o me- 
tal, não atacado ainda, se por um lado o gasta, por outro o 
preserva de lhe adherirem os pequenos animaes marinhos de 
mui differentes especies, que são outra causa de destruição 
não pequena, e demais podem tornar-se um obstaculo , pelo 
seu numero ou quantidade, ao escorregar do navio por meio 
das aguas. 

O caso julgou-se de bastante importancia para merecer 


48142. DOS FORROS METALICOS DOS NAVIOS. 249 


experiencias em ponto grande : fizeram-se com effeito em na- 
vios á véla, e outros ancorados nos portos Inglezes ; e os rela- 
torios todos, de commandantes ou de outros, foram unanimes 
em confirmar os resultados bons e mãos que deixamos referi- 
dos. Os ultimos porém eram tão pouco compensados pelos pri- 
meiros, que esta idéa foi abandonada de todo, talvez sem bas- 
tante razão. 

Tentou-nos o reconsiderar um pouco este objecto, e por 
nós mesmo executar e julgar algumas experiencias a seu res- 
peito. É o que começámos a executar, e tivemos a honra de 
fazer presente á Associação Maritima em nma de suas Sessões, 
onde, por nos serem ordenados estes apontamentos escriptos, os 
fizemos. 

Em Maio de 1841 mergulhâmos em grandes frascos de 
vidro, aos dois terços cheios de agua do mar, seis regoas de 
cobre lizas e polidas, uma em cada frasco: cada regoa teria 
de comprimento dois palmos, ao quinto de distancia da extre- 
midade emergida eram atravessadas cinco por pequenas bar- 
ras, de duas a tres linhas de grossura, a sexta regoa era des- 
armada ou só de cobre. As cinco harrinhas, e que haviam 
servir de metaes protectores , fizeram-se — para a 1.º regoa 
de zinco, para a 2.º de ferro fundido, para a 3.º de ferro ba- 
tido, para a 4.º de chumbo, para a 5.º de estanho. Os resul- 
tados observados em Novembro do mesmo anno , isto é, seis 
mezes depois, foram os seguintes : ; 


1.º FRASCO E 1.º REGOA — cobre-zinco. 


A lamina, conservando o polido e brilho proprio do cobre 
em toda a extensão, ou apenas depositados sobre ella e pare- 
des do frasco poucos e como pequenos cristaes brancos, quasi 
insipidos, fazendo effervescencia com os acidos, e mostrando 
pelas mais reacções proprias ser carbonato de zinco. 

O liquido sem côr, sabor o proprio da agua do mar; a 
ammonia, a potassa , os sulfhydratos, o cyanureto ferroso-po- 
tassico não desenvolveram nelle reacção apreciavel. 

A barrinha não estava sensivelmente atacada, ou conser- 
vava-se' quasi como no principio das experiencias. 


250 EXPERIENCIAS PARA EVITAR A OXIDAÇÃO N.º 6. 


2.º FRASCO E 2.º REGOA — cobre-ferro fundido. 


Sobre a lamina e no. fundo do frasco. grande deposito fer- 
ruginoso (sesqui carbonato de ferro), e só acima do lume d'agua 
pequena camada azul (carbonato de cobre). 

A barrinha bastante atacada e corroida. 

O liquido transparente, claro, e salgado; pela potassa , 
sullhydratos, e cyanureto ferroso-potassico , nenhuma reacção ; 
2 ammonia deu pequeno deposito branco-azulado. 


9.º FRASCO E 3.º REGOA — cobre-ferro batido. 


Muito maior deposito ferruginoso. 

Barrinha completamente destruida. 

O liquido claro e transparente; pela ammonia, potassa, e 
seu carbonato, pequenos depositos escuros, com o cyanureto 
ferroso-potassico levemente azulados. y 


4.º FRASCO E 4.º REGOA — cobre-chumbo. 


Consideravel deposito azul na lamina e frasco, que pelo 
acido nitrico, sulphydratos, e ammonia, é facil mostrar conter 
carbonato de cobre. 

A barrinha bastante corroida. 

O liquido em tudo como o do 1.º frasco. 


“o a 


5.º FRASCO E 5.º REGOA — cobre-estanho. 


Como no caso precedente, e a barrinha completamente 
destruida. 


6.º FRASCO E 6.º REGOA — cobre só. 


Bastante carbonato de cobre formado e cobrindo a lamina 
toda. 

No liquido dissolvido, nenhuma apparencia de cobre. 

Estas experiencias autorisam-nos as consequencias seguin- 
tes: : 

O cobre só, ou armado, quando atacado, o é pela influen- 
cia do ar e da agua; os contentos salinos para isso concorrem 
pouco ou nada; com effeito pelos acidos sulfurico e chlorohydri- 
co, que fazem parte da sua composição, se formariam saes de 


1 


1842. DOS FORROS METALICOS DOS NAVIOS. : 254 


cobre soluveis, que nos liquidos não apparecem. Isto só pare- 
ceu ter uma pequena excepção na experiencia do frasco 2.º; 
em todas as outras, ou a formação de saes de cobre é nulla, 
ou se se formam, é só o carbonato, cujo acido carbonico jul- 
gamos mais provavel provir do ar. 

De todos os metaes experimentados o zinco é evidente- 
mente o mais protector, e com a vantagem ao mesmo tempo 
de ser elle pouco destruido ; o ferro protege bastante o cobre, 
mas com muito prejuizo seu proprio, principalmente o ferro 
batido; o chumbo e estanho “estão no grão mais inferior da 
escala, são muito atacados, e preservam muito incompleta- 
mente o cobre. 

Ficarão porém estereis de applicação todos estes bellos fa- 
ctos, como acreditam os que votaram ao abandono a idéa de 
Davy? Ainda não o queremos acreditar. Este illustre chimico 
morreu pouco depois do desgosto de ver mallograda uma des- 
sas esperanças, que agitam e exaltam sempre os espiritos aci- 
ma do vulgar, qual a de fazer um serviço importante ao seu 
paiz e à sciencia; e talvez (que ha quem o julgue) esse des- 
gosto aproximasse o termo a uma vida, das que tão uteis 
são ao resto da humanidade. Perdeu pois a idéa de Davy seu 
primeiro e mais natural protector , e isto mais que tudo con- 
correu para o seu abandono. 

O que nós pensamos é que o problema não ficou resolvido 
de todo; e que assim como é já possivel abrigar os forros de 
cobre dos navios de uma parte dos seus naturaes agentes des- 
truidores , o poderão tambem conseguir na outra outros meios 
protectores, cuja concorrencia de accção tornará então com- 
pleta a resolução da questão. Pensamos mais, que se os factos 
referidos não podem só ter a applicação util, que primeiro se 
teve em vista, poderão talvez ter outras, e que os tornem ain- 
da de bastante interesse para nós. Quantas descubertas de im- 
portancia poderiam citar-se, que por muitos annos existiram 
em germen abandonadas e esquecidas, e que depois resurgi- 
ram cheias de luz e vida, que nada pôde mais extinguir , fe- 
cundados como foram esses germens por novos genios, ou ás 
vezes por puro acaso e eventualidades felizes. Não seremos nós 
de certo para o nosso caso um desses genios, nem mesmo ti- 


‘N 


252 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.’ 6. 


vemos a fortuna de deparar com uma de taes eventualidades ; 
mas nem por isso nos julgamos inhabilitados para discutir a 
possibilidade de similhante descuberta , e talvez indicar algu- 
ma dessas outras applicações que poderá ter a idéa de Davy. 
O que tudo contamos fazer presente em segundo relatorio á 
Associação Maritima, depois de novos ensaios a que vamos 
proceder, animados sobre tudo pela benignidade com que aco- 
'heu esta nossa primeira: communicação. 


——— e 0% —— 
ASIA PORTUGUEZA. 
SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Asia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d' Associação , 
Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d' Azevedo. (Continua- 
dade pag. 222.) 


F (Advertencia. — À pag. 198, lin. 3, onde se lê, = se de» 
uominavam do terço == deve accrescentar-se == d'auxiliares, creadas 
em 1733.== O terço das ordenanças vem do anno de 1671. — Nas 
erratas do numero antecedente == Tenentes Coroneis Commandantes 
2; Majores ditos 9.) 


Tal é a historia, e situação das cousas militares em Gôa 
desde o anno de 1774, denominado da reforma, que neste es- 
cripto tomei por méta, até aos fins de 1840, e a sua despeza ; 
na qual, posto se não veja a exactidão possivel, apparece to- 
davia quanto basta, para perfeito conhecimento desta materia, 
que a muitos respeitos determinada fica na exposição das re- 
formas, que depois daquelle anno, ainda tiveram as repartições 
militares, que vou apresentar em referencia aos documentos 
officiaes, publicados pela imprensa de Gôa, seguindo a mesma 
ordem em que já ficam descriptos, e são como se seguem. 

Fortes. — Foi restituido o forte de Gaspar Dias por Por- 
taria do Governador Geral Interino Lopes de Lima de 11 de 
Fevereiro de 1842, e mandado guarnecer com toda a arti- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 253 


lheria que lhe compete, e 4 Capitão commandante, 1 Tenente 
Ajudante, 1 Inferior, 2 Cabos ou Anspeçadas, e 6 vetera- 
nos — total 11; e mais um destacamento semanal de 1 Cabo 
e 4 soldados d'infanteria. 

Mandou-se construir um forte em Betul, na embocadura 
do rio do Sal. 

Por Portaria do mesmo Governador interino, de t7 de 
Março do anno corrente, se mandaram considerar extinctos 
todos os logares d' Almoxarifes, Escrivães, Fieis, e outros quaes- 
quer empregados nos armazens, payoes, e arrecadações das 
Praças e Fortalezas do Estado. Os Ajudantes, ou outro Official 
de cada Praça, responderão directamente ao Commandante ge- 
ral d'artilheria pelas bocas de fogo, munições de guerra, e 
mais objectos do material da arma; e para fieis, guardas, e 
serventes, serão empregados os inferiores e soldados de vete- 
ranos ou presídios, que tiverem servido n'artilheria, vencendo 
como em serviço activo na mesma arma. 

Farol da praça d' Agoada. — Deu-se-lhe Regulamento 
em 20 de Novembro de 1840, e nelle um Administrador, 3 
empregados chamados Faroleiros, e 2 serventes ou galés — 
total 6; vencendo além dos seus soldos e ordenados, uma gra- 
tificação mensal, paga pelo producto da agoada dos navios, fi- 
cando os Faroleiros simultaneamente no serviço do telegrafo. 
O actual Administrador é o Tenente de veteranos da compa- 
nhia do norte, cujo quartel é na mesma praça d'Agoada. 

Quarteis novos. — Fez-se em Mapuçá o do bataihão de 
caçadores n.º 2, que passa a residir nesta Villa, cujas ruas se 
mandaram desobstruir e alinhar; e se abandonou o quartel de 
Coluale do antigo 3.º batalhão da mesma arma. 

Em Quépem, no Chandravaddy, se tem edificado outro 
quartel novo para o 5.º batalhão de caçadores, cujo Comman- 
dante fica sendo o das cinco provincias do Zambaulim. 

Presídios. — Acabaram as suas guarnições fixas, cujas 
praças passaram para as tres companhias de veteranos, que se 
crearam em 19 de Dezembro de 1840. A sua formação é de 
100 praças por companhia; a saber: Capitão 1, Tenente 1, 
Alferes 1, Sargentos 2, Furriel 4, Cabos 6, Anspeçadas 6, 
soldados 77, tambores 2 — total 100. 


. 


254 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


Denominam-se — Companhia de Norte, Centro, e Sul; 
quarteis Agoada, Casa da Polvora, e Murmugão. Cada uma 
destas companhias guarnece os fortes e postos, que lhe forem 
designados, do seu districto. Tem os mesmos soldos que os ve- 
teranos em Portugal, em moeda do paiz, e mais dez réis dia- 
rios para fardamento. Angediva, Rachol, Santyago, Alorna, e 
Tiracol, ficam presidios para os individuos incapazes de todo o 
serviço. 

Thesouraria e Pagadoria das tropas. — Foi extincta em 
12 de Fevereiro de 1842, e em seu logar creada uma Paga- 
doria militar, e Inspecção de revistas. 

A Pagadoria compõe-se de 1 Pagador, 1 addido, 1 ama- 
nuense, 1 praticante, 1 continuo e contador do dinheiro — 
total 5. 

Os Inspectores de revistas são dois. A todos se designa a 
graduação e fardamento no plano da sua organisação, e ven- 
cem: 


1 Pagador...... REDE qi SA 2.000 xeraf. ou 3205000 rs. 

4 Addido at m d nc e D o 1603009 » 

2 Inspectores de revistas ...... 1.600 » 23684000 » 

À. Amannense, as cx cestos 240 =» 385400 » 

di Praticante ss: g Bass snk cosa 120 om 195200 » 

1 Continuo e contador do din º. 240. » 384400 » 
Totali ben vs cx 00000» 2.500 xeraf. ou 8324000 rs. 

Academia. 


Em 18 d'Agosto de 1844 se deu nova fórma á Academia 
militar, e o nome de == Escóra MATHEMATICA, E MILITAR 
DE Gôa == com as seguintes cadeiras : 

1.º Cadeira. — Arithmetica , Algebra até á composição 
das Equações, Geometria elementar plana, Trigonometria re- 
ctilinea e esferica. 

Practica dos instrumentos mais usados no levanto das 
plantas. 

Texto. Elementos d'Arithmetica, por José Cordeiro Feio 
Algebra de Bezout. Geometria de Villela. Trigonometria re- 
ctilinea e esferica do mesmo autor José Condeino Feio. N. B. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 255 


Provisoriamente Arithmetica e Trigonometria por Bezout, até 
que cheguem os compendios indicados. 

2.º Cadeira. — Algebra transcendente, Calenlo differencial, 
integral das variações, e directo das differenças fimtas. 

Texto. Algebra de Bezout, elucidada com as theorias dos 
elementos d'Algebra superior, por José de Freitas Teixeira 
Spinola Castel- Branco. Calculo diferencial e integral de Be- 
zout, com postillas. 

3.º Cadeira. — Mechanica. Suas principaes applicações ás 
machinas, e ás obras bydraulicas. Noções elementares d'Ar- 
chitectura civil. 

Texto. Curso de Mechanica racional, por Albino Francisco 
de Figueiredo e Almeida, e postillas. Provisoriamente Mecha- 
nica de Bezout. 

4.º Cadeira. — Artilheria e Ballistica applicada , compre- 
hendendo : 1.º Estudo do material desta arma. 2.º Idéas ge- 
raes ácerca da polvora. 3.º Descripção , propriedades, e no- 
menclatura das armas de fogo portateis. 4.º Exame circums- 
tanciado das fórmas, e divisões das bocas. de fogo e projectis, 
com a descripção do cartuxame, palamenta, e mais objectos 
necessarios para o seu serviço. 5.º Idem ácerca dos preparos 
e leitos das bocas de fogo. 6.º Considerações respectivas á ro- 
dagem, e ás voltas das viaturas d'artilheria, isto é, das ma- 
chinas, que não servem para sobre ellas se dispararem as bo- 
cas de fogo, e que são: armões em geral — carros de muni- 
ções; — forjas de campanha e de montanha ; — carros de par- 
que; — zorras das rodas altas; —e carros de trincheira, a 
que se dá a denominação de viaturas de parques; — trinque- 
bales, e carros de rodas baixas; — cabrilha. 7.º Idéas geraes 
sobre a organisação, emprego e serviços especiaes de artilhe- 
ria na guerra. 8.º Theoria do movimento dos projectis no va- 
cuo e no ar, e solução de problemas de Ballistica applicada 
aos tiros das bocas de fogo. 9.º Considerações sobre a força 
absoluta e relativa da polvora, velocidade inicial dos projectís, 
sua penetração nos meios resistentes, e irregularidade nos tiros. 

Texto. O compendio de Antonio Lopes da Costa e Almei- 
da, com postillas, que suppram a falta do texto. 

5." Cadeira — 1.º Aula — Arte militar e Fortificação pas- 


256 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


sageira, comprehendendo : 1.º Idéa geral da Arte militar, Ta- 
ctica elementar, e grande Tactica. 2.º Topographia militar, 
Castrametação , Strategia , Fortificação passageira, e seu ata- 
que e defeza. 3.º Noções geraes de fortificação permanente, 
e da construcção de todas as partes das praças de guerra. E 
principios fundamentaes do direito das Nações em tempo de 
“guerra. 4.º Instrucções resumidas sobre as estradas, rios e 
canaes consideradas como meios de communicação militar, e 
sobre as pontes militares. 

Texto. Os primeiros tres volumes do compendio militar 
de Celestino, e postillas nàs materias de que este compendio 
não trata. 

2.º Aula, — Fortificação permanente, comprehendendo : 
1.º Considerações geraes sobre o ataque e defeza das praças 
de guerra. 2.º Traçado, relevo, e desenhamento de fortificação 
permanente. 3.º Historia dos systemas de fortificação mais no- 
taveis, e considerações sobre o seu aperfeiçoamento. 4.º Ap- 
plicação das fortificações e regras geraes para o armamento, 
e guarnição das praças de guerra. 5.º Conhecimento dos ma- 
teriaes que se empregam nas construcções com deducções das 
fórmulas de pressão das terras, abobadas, e resistencia das 
muralhas, e pés direitos, e outros relativos ás construcções. 
6.º Theoria das minas; mão d'obra das minas militares e 
sua applicação á fortificação permanente, e seu uso efectivo. 

Texto. O 4.º, 5.º, e 6.º volumes do compendio militar de 
Celestino, e postillas em minas. 

6.º Cadeira. — Desenho civil. — 1.º Para os alumnos da 
1.º Cadeira. — Conhecimento e uso dos instrumentos de bofe- 
te. Desenho linear convenientemente desenvolvido. Letra re- 
donda. — 2.º da 2.º Cadeira. — Principios geraes de desenho 
de figura, plantas, animaes, e de quaesquer outros productos 
da natureza. — 3.º da 3.º Cadeira. — Desenho de representação 
d'instrumentos, machinas, e apparelhos , e d'architectura civil. 

Desenho militar. — 4.º da 4.º Cadeira. — Desenho de 
machinas militares, especialmente de bocas de fogo, projectis, 
leitos, reparos, etc. — 5.º da 5.º Cadeira, — 1.º Aula — Des- 
cripção dos instrumentos do campo. Desenho de paizagem , e 
topografico, de fortificação passageira, 6.º da 5.º Cadeira. — 


1812. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 257 


2.º Aula. — Desenho de paizagem, e topografico, de fortifica- 
ção permanente. 

Texto. Incumbe ao Conselho d'escóla, ouvindo o lente res- 
pectivo, propor o methodo e compendio para as lições theoricas. 

O curso geral da escóla fórma o curso da arma d'Enge- 
nheria, sem obrigação de fazer exame na quarta Cadeira, se- 
não em principios e noções geraes de Artilheria e Balistica 
applicada. 

O curso de Artilheria será o mesmo, sem exame naquel- 
las materias, cujo conhecimento importa especialmente aos 
Engenheiros na 2.º Aula da 5.º Cadeira. X 

A 1.º Cadeira, e a 1.º Aula da 5.º Cadeira formarão o 
curso particular das outras armas. 

Os lentes são 5 e 2 substitutos. O de Desenho tem 1 aju- 
dante. — Total, 8. 

Os lentes são officiaes do corpo d' Engenheiros exclusiva- 
mente, considerados em Commissão de residencia. 

Os substitutos e ajudante de Desenho serão pessoas ido- 
neas nomeadas pelo Governo; e sendo militares terão de gra- 
tificação metade de seus respectivos soldos; sendo paisanos 
1.000 xerafins ou 1608000 réis de ordenado, sem outro algum 
vencimento. 

A administração scientifica da escóla pertence a um Con- 
selho constituido pela reunião de todos os lentes presidida por 
um director, que é o Commandante do corpo d Engenheiros, e 
do qual é secretario o lente menos graduado. 

Tem mais um bibliothecario da bibliotheca da escóla, 1 se- 
cretario da escóla, 1 thesoureiro, 1.porteiro, e 3 guardas. == 
Total, 7. 

Os logares de bibliothecario e thesoureiro são occupados 
pelos substitutos; o 1.º sem vencimento algum, e o 2.º tem 
1 por 5 das quantias que receber das matriculas, certidões, 
cartas de habilitação, etc.; e o de secretario da escóla, per- 
tence a um official militar incapaz de serviço activo, até Ca- 
pitão, o qual é pago como em serviço activo. 

Ha dous premios pecuniarios em cada Aula; um de 70 
xerafins ou 118200 rs.; outro de 30 xerafins ou 43800 rs. 
Total, 100 xerafins ou 168000 rs., em cada Aula. 

Num. 6. 2 


258 MEMORIA DESCRIPTIVA É ESTATISTICA N.º 6. 


A administração economica da escóla pertence a uma Junta 
de dois lentes, eleitos annualmente pelo Conselho, e do director. 

As despezas para os exercicios praticos annuaes , são abo- 
nadas pelo Governo, assim como o material da escóla. 

Foi abolida a Cadeira de Marinha, a qual se supprio, em 
Portaria de 5 d'Outubro de 1841, por escólas de pilotagem a 
bordo dos navios de guerra; nos quaes se manda haver até 4 
logares , destinados aos Alumnos de Pilotagem a que são ad- 
mittidos, tendo de idade até 24 annos completos, com approva- 
cão nas lições da f.º Cadeira da escóla Mathematica e Mili- 
tar de Gôa. Nesta Portaria se designou o methodo para as li- 
ções e serviço destes alumnos ; o Texto será: O Piloto Instrui- 
do de Antonio Lopes da Costa e Almeida, do qual o lente, 
que é o official encarregado da pilotagem, dará postillas. 

Os alumnos têm praça de pagem, até que façam a pri- 
meira viagem, depois da qual passam a vencer como grume- 
tes. Nos navios guarnecidos por Lascares terão, além da ra- 
ção diaria, um terço antes da primeira viagem, e depois della 
dois terços do vencimento de um Lascar. O lente vence uma 
véla cada noute, além do que competir ao seu posto. 

Mandou-se. mais que no regimento d"Artilheria haja uma 
Aula de Mathematica, regida por um official, e gratuita para 
os mancebos “que se quizerem aproveitar della; e uma escóla 
de pratica do serviço d'Artilheria. 

Além das aulas necessarias para o ensino do curso geral 
da escóla, crearam-se: j 

1.º Uma bibliotheca Militar e Mathematica para todos os 
alumnos, e para os que o tiverem sido; na qual ha de haver 
bons livros de Mathematica, e de suas applicações, e da arte 
Militar ; assim como de sciencias naturaes. 

2.º Um gabinete d'instrumentos de Bofete, e de Campo, 
e dos modélos de: material de guerra, e das obras de arte, 
cuja construcção se ensinar nas aulas. 

3.º E no futuro, quando possa preencher-se -a Aula de 
Fhysica e Chimica, os competentes gabinetes e laboratorios , 
que as cincumstancias permittirem. 

O producto das matriculas, das cartas, das certidões de 
exame, e metade dos emolumentos constituem os fundos da 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 259 


escóla, cuja parte desponivel se manda empregar na compra 
de livros, e instrumentos. À outra metade dos emolumentos 
para despezas da secretaria; e o que resta para o secretario. 

Isto é o que se tem innovado; o tempo dirá o que se ha 
feito, e se o paiz o.abraça, e o precisa. 


Uniforme que passaram a ter, pelo novo regulamento, os corpos 
do exercito de Góa. 


Engenheria | Como em Portugal. 


[E Lv RR TS RE E E E rp 
Encarnada,|Azul, guar- 

guarnecidalnecido com 

E 7 i Encarnad, Encarnado | 
com galãogalão ama- 

amarello [rello 


— — u DN IM IMM ilMÃiIiIs 


Amarella | Amarello |Encarnada Preto 


Artilheria..| Azul 


Dita 


Cacadores 1 


| Caçadores2| Dita |. Dita Azul f Azul Dito” 
Infanteria 3| Dita Dita Amarello | Amarella | Branco 


mms cometas | mem — — 1 || alaa IIIi IMI 


Infanteria 4| Dita | Encarnada| Encarnado Azul Dito 
Caçadores5| Dita Dita Dito Dita Preto 


— 


Dita Dita Azul 


Dita Dito 


-| Caçadores 6 


co nos ex- 
tremos , € 
Dita 4 | nelle as le-| © Dito 
| [tras N. ou 


Veteranos. . 


(|Um rectan- | 
| gulo bran- | 


C.ousS.,q 
designam 
a comp.” 


N. B. O azul das carcellas e canhões é da mesma côr das fardas. No 
mais fica substituindo o uniforme que se usava, como em Portugal. Os ca- 
bos, anspeçadas, e soldados usam em serviço diario de alparcas, e em gran- 
de uniforme de çapatos abotinados, ficando suprimidas as polainas. 


2 « 


260 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


Arsenal. — Teve tambem um novo regulamento, como já 
ennunciei, que se inscreve == REGULAMENTO PARA O ARSENAL 
REUNIDO DA MARINHA, EXERCITO E RIBEIRA DAS NÃOS DA 
CIDADE DE GôA. == Por este regulamento o arsenal é dividido 
em cinco grandes secções, presididas todas pelo Intendente da 
Marinha, como chefe do dito arsenal, a saber : Intendencia 
Geral da Marinha para a administração superior, expediente e 
correspondencias ; o almoxarifado para a administração dos ar- 
mazens, e sua contabilidade respectiva; o arsenal propriamente 
dito, para os trabalhos mechanicos das officinas, e policia in- 
terna do estabelecimento; a ribeira para o serviço do mar; e 
a secção addicional da artilheria e petrechos para o serviço 
do exercito e fortalezas do Estado. 


Intendencia. (q) 


Intendente Geral de Marinha 1, Ajudante do mesmo t, 
qe 1, escripturario servindo de archivista 1, amanuense 
1, porteiro 1, continuo 1. — Total da 
Vencimentos : 
Ao Intendente, gratificação 2.666 x. 3 t. 20 rs. ou 4265660 rs. 
Mais o soldo da patente 
como em Commissão 


e 1 escaler. 

Ao ajudante do dito. .... 720 » 1158200 » 
O soldo da patente e 1 

escaler. 
MESCEINÃO q. pieto AROR So va 900 » 1448000 » 
Escripturario archivista... 480 » 768800 » 
Amanuense ........... 288 » 465080 » 
Pottenoss. CS Srta nar 240 » 383400 » 
EORIBUO 2,5. A ane sto gos 144 » $ 238040 » 
Motala a E e e A 5.438 x. 3 t. 20 rs. 8708180rs. 


(q) A Intendencia de Marinha e armazens Reaes foi creada em 
1773, e nessa data se deu regulamento ao Arsenal, restabelecido 
depois do incendio de 1753 que o abrasou, e muitas embarcações que 
ahi estavam encalhadas e concertando. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 261 


O Ajudante é official subalterno da armada, nomeado pelo 
Governador Geral, sobre proposta do Intendente. 


Almoxarifado. 


Almoxarife 1, fieis do mesmo 4, serventes dos armazens 
8, escrivães 2, escripturarios 4, amanuenses 2, porteiro 1. — 
Total 22. 

Vencimentos : 


Mo -Almoxarme S «25.40 spell 1.440 x. 2308000 rs. 
A Piéis a Mir SUL ND imail 960 » 1534600 » 
2 Escrivães a 680 x."......... 1.360 » 2173600 » 
4 Escripturarios a 480 x.'... .. 1.920 » 3078200 » 
2 Amanuenses a 240 x.º....... 480 » 768800 » 
8 Servidores a 144 x.'......... 1.152 » 1843320 » 
E ans Solado o 200 » 323000 » 
Total ..... nes SED Re POPA di ras 5.784 x.º 9255440 rs. 


Arsenal propriamente dito. 


Officina de carpinteiros; mestre f. 

1.º Secção. — Machado : contramestre 1, mandadores ef- 
fectivos 2, ditos graduados 4, officiaes da 1.º classe 8, ditos 
da 2.º classe 16, ditos da 3.º classe 24, aprendizes da 1.º 
classe 20, ditos da segunda classe 20. — Total 96. 

2.º Secção. — Obra branca: contramestre 1, mandadores 
effectivos 2, ditos graduados 3, officiaes da 1.º classe 6, ditos 
“da 2.º classe 6, ditos da 3.º classe 8, aprendizes da 1.º classe 
8, ditos da 2.º classe 8. — Total 42. 

3.º Secção. — Poleeiros e Coronheiros: contramestre 1, 
mandador 1, officiaes da 1.º classe 2, ditos da 2.º classe 4, 
ditos da 3.º classe 4, aprendizes da 1.º classe 4, ditos da 2.º 
classe 4. — Total 20. 

Officina de calafates: mestre 1, contramestre 1, manda- 
dor effectivo 1, ditos graduados 2, officiaes da 1.º classe 5, 
ditos da 2.º classe 10, ditos da 3.º classe 16, aprendizes da 
1.º classe 15, ditos da 2.º classe 15. — Total 66. 

Officina de tanoaria: mestre 1, mandador effectivo 1, di- 
tos graduados 2, officiaes da 1.º classe 3, ditos-da 2.º classe 


262 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


5, ditos da 3.º classe 6, aprendizes da 1.º classe 8, ditos da 
2.º classe 8. — Total 34. | 

Officina de serralheria: mestre 1, contramestre 1, man- 
dador 1, ferreiros da 1.º classe 3, ditos da 2.º classe 6. ditos 
da 3.º classe 2, serralheiros da 1.º classe 6, ditos da 2.º classe 
10, ditos da 3.º classe 8, malhadores 20, aprendizes da 1.º 
classe 8, ditos da 2.º classe 15. — Total 81. 

Officina de correeiros: mestre 1, mandador 1, officiaes da 
1.º classe 2, officiaes da 2.º classe 2, ditos da 3.º classe 2, 
aprendizes da 1.º classe 2, ditos da 2.º classe 2. — Total 12. 

Officina de funileiros: mestre 1, mandador 1, official da 
1.º classe 1, ditos da 2.º classe 2, ditos da 3.º classe 2, apren- 
dizes da 1.º classe 2, ditos da 2.º classe 2. — Total 11. 

Oíficina das vélas: mestre 1, mandador effectivo 1, dito 
graduado 1, officiaes da 1.º classe 2, ditos da 2.º classe 4, 
ditos da 3.º classe 6, aprendizes da 1.º classe 6, ditos da 2.º 
classe 6. — Total 27. 

Officina da cordoaria : mestre 1, contramestre 1, manda- 
dor effectivo 1, dito graduado 1, officiaes da 1.º classe 2, di- 
tos da 2.º classe 6, ditos da 3.º classe 12, aprendizes da 1.º 
classe 6, ditos da 2.º classe 6. — Total 36. 

Officina de pintores: mestre 1, official da 1.º classe 1, 
dito da 2.º classe 1, dito da 3.º classe 1, aprendiz da 1.º 
classe 1, dito da 2.º classe 1. — Total 6. 

Fundição : mestre 1, mandador 1, official da 1.º classe 1, 
ditos da 2.º classe 4, ditos da 3.º classe 2, aprendizes da 1.º 
classe 2, ditos da 2.º classe 2. — Total 13. 

Officina de pedreiros e oleiros : mestre 1, official pedreiro da 
1.º classe 1, dito da 2.º classe 1, official oleiro da 1.º classe 
1, dito da 2.º classe 1, aprendizes da 1.º classe 2. — Total 7. 

Ribeira : Pangelins da 1.º classe 4, ditos da 2.º classe 4, 
ditos da 3.º classe 8, aprendizes de 1.º classe 4, ditos da 2.º 
classe 6. — Total 26. 

Total dos empregados de todas estas officinas 477. Absor- 
vem 51.536 x. 3 t. 20 rs., ou 8:2455760 rs. 

Para o ponto manda este regulamento, que hajam dois 
amannenses com assento na Intendencia, vencendo 216 x.” ou 
345560 rs. cada um, 


18142, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 263 


Tem mais o arsenal 1.º e 2.º porteiros, 8 guardas effe- 
ctivos, 4 guardas de espera, e 1 patrão dos galés. Total 15. 
Importam em 2.220 x.º, ou 3554200 rs. 


Ribeira. 


Patrão mór, e sota-patrão mór, vencem 1.416 x.”, ou 
2265560 réis. 

O primeiro tem debaixo das suas ordens o 2.º, e todos os 
mestres, contramestres e guardiães do numero, que se acham 
desembarcados, durante o qual tempo são obrigados a traba- 
lhar no arsenal; e os marinheiros do troço, a que chamam 
pangelins. 

Secção addicional d’ Artilheria. 

Administração : ajudante, official subalterno desta arma 1, 

condestavel, official inferior da mesma arma Í, e os soldados 
` invalidos, que o Governo julgar necessarios para a limpeza e 
bom arranjo dos armamentos e munições. 

Para a escripturação e fiscalisação desta classe, 1 escri- 
pturario, e 1 fiel. Estes quatro empregados vencem 1.216 
x., ou 1945560 rs. 

Por este regulamento, já approvado pelo Governo da Me- | 
tropole, se vê hoje montado este estabelecimento, que em to- 
das as suas repartições apresenta 569 pessoas; cujos venci- 
mentos importam na somma total de 67.826 x. 1 t. 40 rs, 
ou 10:8525510 rs. O arsenal de Damão, onde desde o po 
de 1800 a 1820 se construiram 30 embarcações grandes, 9 
das quaes pertenciam a estrangeiros; e em cujo numero eram 
a fragata Real Carolina, de 46 peças, a curveta Infanta Re- 
gente, e alguns navios de 800. tonelladas; e depois entre 
outros se construiram a curveta D. João I, e hoje uma ou- 
tra fragata de 50 peças; conta apenas 13 empregados, cu- 
jos vencimentos importam em 3.814 x. 2 t. 30 rs., ou 
6105240 rs. 

A compra dos generos para o arsenal de Gôa continúa 
por este regimento a fazer-se por arrematação perante a Junta 
da Fazenda, fornecendo o Intendente as amostras, com os preços 
por que correm no mercado ; salvo sendo objectos de pouca im- 
portancia ou urgentes, porque nesse caso se compram pelo co- 


264 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


fre das despezas miudas do mesmo arsenal, com as formali- 
dades estabelecidas. 

O Intendente geral da Marinha fica exercendo as func- 
ções de capitão do porto, em cujo tribunal se decidirão sum- 
mariamente as questões sobre lastros, e sobre todos os cazos 
concernentes á policia do porto. 

O mesmo Intendente é sujeito ao Governo geral, e á Junta 
da Fazenda na parte administrativa. As propostas e nomea- 
ções de todos os empregados do arsenal ficam reguladas por 
este regimento, que a Portaria do Ministerio da Marinha e 
Ultramar, já citada, mandou formar adequado ao estado pre- 
sente de nossas forças de mar e terra na Ásia, que já ficam 
descriptas. O regulamento da policia dos portos de 30 de 
Agosto de 1839, foi mandado pôr em execução por Portaria 
do actual Governador Interino, Lopes de Lima. 


Agricultura. 


A agricultura não se póde reputar decadente em Gôa, an- 
tes se deve dizer, que, em geral, ella tem augmentado ; pre- 
cisa porém melhorar, porque não ha ali a menor sombra de 
theoria desta sciencia; e os povos continuam cégamente nas 
praticas abusivas de seus antepassados, sem motivo em que 
se fundem, nem deliberação para tentar novas experiencias (r). 

Os principaes ramos de agricultura são o arroz, os co- 
queiros, e as arequeiras. 

O arroz constitue a principal subsistencia de todas as clas- 
ses, e castas; entra em todas as mezas, em todas as iguarias, 


(r) Todos os povos do mundo participam mais ou menos deste 
defeito; o vulgo não se determina por principios, e raciocinios ; e 
as experiencias em agricultura não são como as de chimica, e me- 
chanica, que se fazem em poucas horas ou dias. Comtudo nesta parte 
nada iguala áos habitantes da India. Os costumes que Heredoto re- 
fere delles no tempo da expedição de Seylax de Carejandra, são ain- 
da hoje os mesmos: o trafico dos estofos brancos e pintados, que 
Plinio e Ptolomeu annunciam feito pelos Romanos nas partes do norte 
da costa occidental da India, e o de pimenta no sul, ainda hoje se fa- 
zem nos mesmos logares, sem grande alteração : e nestas circums- 
tancias o melhoramento da agricultura de Gôa depende essencial- 
mente do Governo da India, que o mande e promova pelos meios com= 
pativeis e conducentes a esse fim. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 265 


massas, e doces, e até nas ceremonias religiosas gentilicas; e 
por isso é elle o principal ramo de agricultura, e de primeira 
necessidade. Gôa carecia de arroz para metade do anno ; 
mas, pela animação que a agricultura, principalmente das 
Novas Conquistas, recebeu no Governo de D. Manoel de Por- 
tugal e Castro (s), Gôa tem hoje quasi o necessario, e teria 
talvez para exportar se as epidemias e a pobreza dos seus ha- 
bitantes não obstasse; por quanto aquellas têm feito despovoar 
aldêas inteiras nas ilhas de Gôa, e em alguns logares de Sal- 
sete e de Bardez; nos quaes já não ha um individuo, nem 
apparece uma casa em pé, e só de espaço a espaço isola- 
das as igrejas, que pela maior solidez de construcção têm po- 
dido resistir ao tempo; e assim pouco valem os campos á min- 
goa de braços: e ainda que a muitos vão trabalhadores de 
fóra, grande parte fica ainda por semear. Por outras partes a 
vista descobre plainos extensos, cortados de largos esteiros 
de agua salgada, que não só inutilisam o campo que innundam, 
mas damnificam até onde chega o tresbordamento das marés ; 
o que se observa principalmente nas ilhas de Gôa, Chorão e 
Divar, e em “algumas aldêas de Salsete, ao nivel das aguas. 
Estas terras, quasi todas têm vallados em roda, mal construi- 
dos, e ordinariamente de lodo que os ratos minam facilmente, 
e poucas horas bastam para soffrerem roturas, mormente no 
inverno, de muitas braças; que além do prejuizo da alagação 
dos campos , demandam avultadas despezas para as reparar, e 
em algumas partes duas vezes no anno; porque nos solsticios 
as marés sobem mais naquella costa; com o que cançam as 
communidades agricolas, e os particulares donos dos campos 


(s) Por Officio de 2 de Março de 1830, mandou o Vice-Rei 
D. Manoel de Portugal e Castro abolir provisoriamente , por des- 
necessarios, os celeiros publicos estabelecidos em 28 de Setembro 
de 1776, pelo Governador e Capitão General D. José Pedro da Ca- 
mara para abastecimento de cereaes em annos de carestia, cuja 
abolição durou até ao anno de 1839, em que o Governador Geral 
Interino J. A. Vieira da Fonseca os mandou restituir, pelo receio de 
que viessem a faltar os cereaes até á seguinte colheita, talvez por- 
que a anterior houvesse sido escassa. As Camaras geraes eram obri- 


gadas desde 1779 a comprar arroz, para vender ao povo nos mezes 
de inverno. 


266 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


e varzeas; e se perdem muitos terrenos apesar da propensão 
que os póvos têm para esta cultura, até nos sapais que facil- 
mente afforam. 

Comtudo , no boletim do Governo da India de 10 de Ja- 
neiro do anno corrente apparece uma Portaria em que se diz, 
que os afazendados e conmunidades das velhas, e das novas 
conquistas têm pedido se augmentem os impostos sobre a im- 
portação dos mantimentos estrangeiros, por existirem por toda 
a parte grandes depositos d'arroz, sem achar comprador ; em 
consequencia da extraordinaria abundancia da ultima colheita 
do serodio, (t) e esperançoso aspecto da vangana, que torna des- 
cessaria ao menos temporariamente a introdução do estran- 
geiro. Muito duvido da lealdade de taes representações, que a 
ambição de grande preço do genero muitas vezes suggere : en- 
tretanto isto. me convence de que Gôa em breve terá, pelo 
menos, o necessario arroz para todo o anno: ainda ha pouco 
lhe faltava para mais de dois mezes. 

A plantação das palmeiras (assim denominam em Gôa os 
coqueiros, e por isso uso do mesmo vocabulo) em alguns logares 
vai ao excesso, vendo-se varzeas de excellente terreno obstruidas 
“daquellas arvores, que muito prejudicam a cultura de cereaes, 
pelo terreno qne occupam, e pelo muito que o assombram : 
prejuizo, que muito excede ao lucro que ellas dão , pelo aba- 
timento do preço, que de muitos annos tem o seu fructo, e 
o que se emprega no arroz que até aqui se mandava vir de 
fóra, para supprir a escassez que havia delle. A falta de escolha 
do terreno é ainda outra inconveniencia, que se observa na cul- 
tura da palmeira. A mania dos habitantes de Gôa em ter palmei- 
ras, excede muito á dos moradores do alto Douro com as vinhas, 

Um goano, ainda que possua bens no valor de 200.000 x.”, 
não se reputa rico, nem bem estabelecido, se não conta en- 
tre elles algumas palmeiras. 


(t) Muitos terrenos produzem duas novidades: a do sorodio , 
que se semeia nos principios da estação das chuvas e se recolhe no 
fim della; e a vangana, que se semeia em Dezembro e se colhe em 
Março. Esta é a mais custosa, por ser necessario formar lagos arti- 
ficiaes no meio das varzeas, e delles se tira agoa á força de braços 
para humedecer a terra. 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 267 


Daqui procede ver-se a sua plantação em logares pedragosos, 
de saibro grosso, e bravios, onde nem matto cresce, e per- 
dida por conseguinte a despeza feita com a sua reducção a cul- 
tura. Em outras partes extensos palmares estão desertos, sem 
moradores, nem especie alguma de grangeio, o que torna as 
palmeiras definhadas, e estéreis (w); mas nem por isso o chão, 
occupado por ellas, se reduz a outra especie de cultura pro- 
veitosa : as palmeiras continuam a occupar todo o terreno em 
quanto não secam, ou c tempo as não derruba. 

Todavia não é sem razão, que tanta predilecção se mos- 
tra pela cultura das palmeiras ou coqueiros ; porque em verdade 
nenhuma arvore mais util se ostenta, nem conheço outra que 
tantos productos reuna. A industria a faz ver proveitosa em todas 
as mãos, em todos os misteres, e até em quasi todas as neces- 
sidades domesticas. O seu fructo serve para comer, para do- 
ces, e entra, bem como a agoa que existe dentro do côco, em 
todas as comidas e iguarias. Na casca do côco cresce o cairo 
de que se fazem cordas, amarras e cabos para os navios. Do 
côco sêcco que chamam cópra, se extrahe excellente azeite para 
luzes, e geralmente usado na comida. A mesma casca do côco 
partida fórma uma especie de cuia, de que a gente pobre se 
serve para por ella beber; e a chareta, lenha que se faz do 
entre casco do côco, se reduz a carvão, de que usam os ou- 
rives e fundidores. Os residuos do côco pisados têm o nome de 
pinaca, e é excellente para sustento dos porcos e do gado. As 
folhas da palmeira tecidas formam o que chamam — olas — e 
servem para cobertura de barracas e para tapumes ; e soltas se 
empregam, como entre nós o colmo , para servir de telhados 
nas choupanas: no tallo da folha, junto ao tronco da arvore, 
apparece uma especie de musgo, de que se faz uso para isca : 
da raiz, que é á feição de uma cebolla, fazem baldes com 


(u). A palmeira é um dos vegetaes, que recebe pelas folhas o 
= pabulum vite:== parece que nella se verifica o systema daquel- 
les naturalistas, que tributam ás plantas a propriedade de depurar 
o ar vielado, servindo-lhe este de nutrição; pois que nos lugares 
epidemicos e impregnados de efluvios putridos ella produz maravi- 
lhosamente; e em terrenos ligeiros, arenósos, e ventilados é tanto 
mais vicosa e fructifera, quanto é maior o numero de moradores 
dentro dos palmares. 


268 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


que tiram agua dos lagos artificiaes, para rega da vangana. 
Os filamentos das mesmas folhas são como guita, com que 
cozem as almadias; fazem dellas vassouras, pinceis, e outras 
bagatellas. O tronco se emprega em construcção de casas, 
para ripas etc.: a madeira da palmeira brava é de regidez 
igual ao ferro, e por isso della fazem até grandes pregos para 
a construcção das casas. 

Ainda outros productos da palmeira são a sura ,jagra, O 
vinho , e o vinagre. A sura, é um liquido que se tira da bai- 
nha do cacho da palmeira, e della se faz a jagra, especie 
de assucar de que muito usam os gentios e mesmo outras pes- 
soas na confecção dos doces. Da sura destillada sahe a urraca 
especie de agoardente, que em mais subido grão se chama 
Fenim; e é o vinho commum de gente ordinaria; e dos que 
não podem comprar o de uva, que lhe vai de Lisboa ou de 
Bombaim. O vinagre faz-se da mesma sura fermentada ; e as- 
sim com razão é, que um goano aprecia a palmeira, pois que 
ella acóde a boa parte das suas precisões, e, por variados mo- 
dos, lhe é tão prestadia (v): e é ainda a palmeira a unica 
planta, que paga diversas e vantajosas contribuições ao Estado. 

A areca é o terceiro ramo da agricultura em Gôa. A 
principal plantação destas arvores se faz nas provincias da 
Nova Conquista, e em alguns logares de Salsete e Bardez. 

Quasi toda a aréca de Gôa se exporta, porque alli não ha 
fabricas de fazendas pintadas, em cujas tintas entra; alguma 
se consome no uso de a mascar, asssm como o Betele, folha 
de uma especie de vide de que fazem muita estimação , par- 
ticularmente os gentios, mas isso pouco avulta. A areca ex- 
porta-se para Bombaim, e Balagate; mas a grande concor- 
rencia de aréca do sul tem feito descer o seu valor; e por 
isso a sua cultura tem diminuido. 

Além destas producções que, como disse, são as princi- 
paes, recolhe-se grande abundancia de sal; que até poucos 


(v) Dos effeitos e fructo da palmeira faz menção Manoel de Fa- 
ria e Sousa. Asia tomo 2.º p. 4. §§ 20, 32, 33, 34 e 35, Horacio 
Turselino na vida de S. Xavier L. 1. Cap. 17. O Bispo D. Herony- 
mo Ozorio, das acções de ElRei D. Manoel L. 1. pag. 25 e Fr. Ma- 
noel dos Anjos, Historia Universal da Asia, L. 2. Cap. 19. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 269 


A 


annos tinha um consumo consideravel no sul, em Bombaim e 
em Balagate para onde vai ainda algum, mas por preço muito 
diminuto, em rasão dos pesados direitos, que os Inglezes lhe 
têm imposto, depois que no seu territorio têm feito muitas 
salinas. 

Outros objectos, que em Gôa fructificam maravilhosa- 
mente, e de grande proveito, cuja cultura tem estado em aban- 
dono, são o algodão, a pimenta redonda, e o café. O algo- 
dão que produz o Concão e Gattes é de boa qualidade, o ar- 
busto chega a 12 pés ou mais de altura, e dura 10 annos. 

A “pimenta redonda da costa de Malabar, a melhor das 
Indias é affamada desde muito antigo tempo, acha em Gôa 
terreno mui proprio e adequado ; alli médra excellentemente , 
com especialidade nas provincias da Nova Conquista. A sua 
cultura é muito simples, basta dispo-la ao pé de arvores 
pouco copadas, a que se encoste, dentro em 4 annos dá 6 
ou mais arrateis em cada pimenteira. 

O café de Gôa é superior ao da America, e não inferior 
ao da Arabia, dá-se grandemente nos quintaes junto ás casas, 
e com especialidade em terreno delgado , sêco e fronteiro ao 
Occidente. 

A canella do matto, o linho canhamo se cultivam agora 
nas Novas Conquistas com vantagem; o linho é de superior 
qualidade e altura desmarcada. O tabaco, o anil, a panha, 
ou sumauma alli dão espontaneos. 

A cana d'assucar e o anfião ; são tambem plantas indige- 
nas; e todas estas, e outras muitas, seriam de muito interesse, 
se fosse promovida e protegida a sua cultura; a cana d'assu- 
car chega a ter mais de duas pollegadas de diametro. 

Ha ainda o berindão, que serve para comer, e do caroço se 
fórma uma massa oleosa, boa para luzes, e outros usos. O ger- 
gelim de que se extrahe azeite; e o vinho que se faz do cajú. 

A colheita dos legumes é mediana, e os que mais appa- 
recem no mercado são: grão, feijão, culita, urida, mugo , e 
nachinim, que se semeiam pelas encostas e pelos outeiros. Nas 
hortas encontra-se o açafrão, mostarda , gengibre, pimenta 
longa, pimentão, salsa, inhames, batata doce, bretalhe, 
gonçalim, feijão chicote, que se assemelha ao feijão carra- 


270 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 6. 


pato, ervilha quadrangular, quiabos, e todas as mais hortalices 
proprias dos trópicos; e bem assim a alface, chicoria, abo oras 
diversas, pepinos do tamanho de melões, couves ordinarias e 
lombarda , almeirão, bredos, batata ingleza, beringelas e to- 
mates; mas por ora todas estas cousas são cultivadas para uso 
de seus donos, e pouco apparecem á venda. Nas Novas Con- 
quistas acham-se repolhos soffriveis. 

Nos jardins ha algumas flores indigenas, e a par de algu- 
mas do nosso clima degeneradas, outras se observam em per- 
feição: pelos outeiros as ha, que cultivadas se tornam mui 
lindas. 

Ha pouca diversidade de fructas, mas são deliciosas as 
mangas, e de muitas diversas qualidades. As mangas de Gôa 
são reputadas as melhores do mundo, devido ao cuidado com 
que os Jesuitas as enxertavam, pois que a melhor mangueira 
sem isso dará manga ruim e ordinaria. O fructo da jaqueira 
é excellente para doce. Os tamárindos servem tambem para 
preparar o peixe e carne, misturando-lhe sal, pimenta e vi- 
nho de palmeira, que se exporta para Moçambique , e outras 
partes. 

As fructas que mais vêm ao mercado, ou se exportam para 
Bombaim são os ananazes, átas ou fructa do conde , jambe- 
Jão, fructa de Adão, matombas, cajus, papaias, bananas de 
varias qualidades e optimas, as cidras, que são mui grandes 
e espontaneas, assim como as toranjas de que se faz excel- 
lente doce, até da sua casca, melancias e melõdes. Tambem 
apparecem laranjas, tangerinas, figos, romãs, morangos, € 
amoras , mas em muito pequena quantidade. 

As parreiras produzem em algumas partes tres vezes no 
anno; e geralmente duas vezes: havendo diligencia, arte, 
escolha de terreno e de temperatura, nada alli faltará para 
o sustento e recreio da vida. 

Animacs.— O gado vacum é pequeno e fraco, emprega- 
se, e os bufalos na lavoura, e no porte de cargas sobre al- 
bardas. Os porcos são de má qualidade. O carneiro o mesmo, 
e escasso, e assim as cabras. Os cavallos são pequenos e ruins ; 
não ha burros. Os mattos são habitados por tigres, bufaios 
bravos, macacos, adibes, rapozas, veados , porcos montezes € 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 271 


e espinho, gazellas e cabras; os lobos são raros e fracos: 
os catanduros são uma especie de rato bravo, que habitam os 
forros das casas e são damninhos. 

Aves domesticas. — Perús, gallinhas, patos, gansos, patos 
manilha ou coral, pombos, etc.; e nos bosques ha pavões em 
abundancia , gallinhas, rôlas, pombos verdes, codornizes per- 
dizes, e outras, 

Nas lagôas e rios se encoutram as garças, marrecas, patos, 
gallinholas , galeirões e outras aves aquaticas. 

Passaros de canto. — Apenas vi os dominicos ; mas os mar- 
tinhos e bulebules são mui domesticos, e em grande numero : 
ha papagaios: e os papafigos são bonitos pela côr amarella e 
preta de que se vestem, mas não vivem em gaiola. Os cana- 
rios vêm para all de Macão , e outras aves de canto de Mo- 
cambique, que é preciso ter em grande recato, por causa das 
formigas, que as matam facilmente : os bosques são povoados 
de muitas outras, e entre ellas o rei da-gralhas assemelha o 
canto do rouxinol. 

Reptís. — Por toda a parte se encontram reptís veneno- 
sos; e destes os mais temiveis são: a cobra de capello, e a 
cobra alcatifa , Cuja peçonha opéra prompta e violentamente, 
e a vibora. Os rios abundam de cobras de agoa, e alguns 
jacarés. 

O solo de Gôa, posto que montanhoso, é fertil, principal- 
mente nas provincias de Pondá e Zambaulim , onde ha cam- 
pos vastissimos cortados de rios: parte do Sattary porém não 
é susceptivel de cultura pela sua extrema aridez e falta de 
agoa. Gôa não tem trigo, mas recebe pelos Gattes todo o que 
precisa e para reexportar. 

São por tanto as principaes producções nas ilhas de Goa, 
e em Bardez: cereaes, côco, sal, areca e fructa. Em Salsete 
o mesmo, menos fructa. 

Novas Conquistas. — Em Canacona : cereaes, côco, aré- 
ca, linho canhamo , pimenta redonda e longa. 

Cinco provincias do Zambaulim: o mesmo e canella do 
matto, menos pimenta longa. 

Pondá, Bicholim e Sattary; o mesmo. Tiracol, côcos só- 
mente. 


272% MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA. N.º 6. 


A importancia dos principaes productos reputa-se como 
se segue : 7 
Cumbos Candins Curós Xs. Ts. Rs. 
Batte (arroz } 


O Es / 
ue Po esii TAS valor 2:483.666 1 45 


Salig ago: 209.281..0,48400005 c==00; 0 ABB A Bal) 


Milheiros 
Cocos... .. 244:000.548 = » 487169 2 4 
F Total.....4:200.617 2 26- 

A aréca é hoje de menor importancia. 

O paiz abunda em plantas medicinaes, que por differentes 
Portarias do Ministerio do Ultramar, está incumbido aos 
seus facultativos descrever e analysar, o que é de confiar ha- 
jam satisfactoriamente cumprido. 


Mattas e Florestas. 


Os terrenos incultos e os outeiros nas provincias das No- 
vas Conquistas, estão cobertos de matto virgem, e bosques de 
optimas madeiras de construcção, e de marceneiro. Encon- 
tram-se por alli arvores de extraordinaria grandeza, e outras 
“a que chamam Puna, proprias para mastros e vergas de na- 

vios. A falta absoluta de caminhos esteriliza por ora tanta ri- 
queza. Destas maltas se tira lenha para o consumo de todo o 
paiz; e o seu córte e o da madeira que produzem, constituem 
uma das rendas publicas. As arvores de construcção , especial- 
mente as de téca, são exceptuadas desta renda, que consiste 
nos direitos que se pagam á fazenda, pela faculdade de fazer 
aquelle córte; e por isso são estas arvores marcadas pela ins- 
pecção do arsenal. O Governador Geral Interino Lopes de Li- 
ma publicou, em 23 de Abril de 1841 e 3 de Janeiro de 
1842, providencias para obstar á devastação das mattas nos 
` “outeiros da fronteira terrestre, e na provincia de Embarbacem ; 
reconhecendo serem estas florestas mananciaes de riqueza inex- 
gotavel, se bem reguladas. Em todo o paiz se encontram Ja- 
queiras , sissó, pão rosa e outras madeiras proprias para mo- 
veis de casa; e bambus, cujo uso é conhecido. 

(Continuar-se-ha. ) 


1842. NOT. SOBRE O COMMERCIO DO ARCHIPELAGO MALAIO. 273 
— a (>) Cem 


Notas sobre o commercio do archipelago Malaio, bem como 
sobre os estabelecimentos da companhia Ingleza das Indias 
orientaes no estreito de Malaca, por Mr. Picard, segundo 
tenente da marinha Franceza. (Continuadas de pag. 236.) 


Pulo-Penang. 


Não está Penang tão bem situada como Singapor para 
commerciar com o archipelago Malaio; e por isso Sumatra é 
a unica ilha que entretem commercio activo com aquelle es- 
tabelecimento. A maior parte dos productos de Achem e da 
costa E. de Sumatra chega a Penang. A costa O., apesar de ser 
frequentada pelos francezes e americanos , faz tambem grande 
commercio com Pulo-Penang. 

A repartição da alfandega fornece os seguintes dados ácer- 
ca do movimento commercial de Penang, a saber : 


Importações. Exportações. 
1838—1839. > 1838—1839. 
3:063.717 pesos. 2:996.078 pesos. 


Quasi a quarta parte deste movimento commercial se faz 
em numerario. Os principaes objectos de commercio são estes : 
tecidos de algodão fabricados na Europa (importando em 
391.000 pesos); idem da India (417.000) : opio (273.000); 
pimenta de Sumatra (239.000); arroz de Bengalla e da pro- 
vincia Wellesley , nozes de Arech, camphora de Barroos ; ni- 
nhos de passaros ; tecidos de Bugis ; terra japonica ; estanho ete. 

“Entrarei em algumas particularidades a respeito do com- 
mercio da França, e de Bourbon com esta ilha. 

As embarcações francezas, que traficam em pimenta na 
costa O. de Sumatra, vêm muitas vezes a Penang , onde re- 
cebem estanho e terra japonica. Durante o anno de 1839, 
onze navios francezes fundearam em Penang, dos quaes, nove 
importaram para alli objectos no valor de 45.563 pesos (pre- 
ço ad foram vendidos em Penang) a saber; 17.700 pesos 

Um, 6. 


274 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 6. 


de pimenta de Sumatra, e 27.893 de mercadorias francezas ; 
3.000 galões de agoa-ardente, 310 coganes de sal; 695 du- 
zias de caixas de vinho engarrafado de Bordeos; 20 barri- 
cas; 1.305 resmas de papel; perfumes, vidros, e varios ob- 
jectos de luxo, e instrumentos musicos. E o valor da carga 
exportada por estes mesmos navios montou a 121.425 pesos, 
incluindo perto de 14.000 para a China no Robert-le-Diable. 
'O restante consistia em 4.580 piculs (o picul vale 60 kilo- 
grammas) de estanho, pago (em pesos espanha a 17 pe- 
sos pouco maios ou menos cada picul; 4.741 piculs de pimenta, 
rotins, terra japonica, foi transportado para França. Destes 
navios seis pertenciam a Nantes, quatro a Marselha, e um a 
Bordeos. O movimento commercial destes navios estima-se em 
167.019 pesos, ou 901.805 francos e 74 centimos. 

Em 1838, seis navios francezes, que entraram em Pe- 
nang, importaram no valor de 36.628 pesos, e exportaram 
no de 45.970. 

A cultura de especiarias faz em Penang grandes progressos , 
assim como a sua população: em 1833 era de 40.332 almas. 

A ilha de Penang é affamada pela salubridade do seu 
clima. Georges-Town está edificada em uma planicie que se 
estende ao longo das montanhas elevadas do centro da ilha. 
Esta planice é cortada em todas as direcções por estradas lar- 
gas, perfeitamente conservadas, e cobertas de arvoredo , plan- 
tado nas tapadas contiguas, formando um passeio mui agra- 
davel. As estradas proximas do mar semelham ruas; embe- 
lesadas de casas construidas á ingleza, cercadas de jardins on- 
de vegetam o arehier, cuja haste elevada é coroada de um 
ramalhete de folhagem; o coqueiro, o moscadeiro, e muitas 
outras differentes arvores, cujo nome ignoro; alli, e ao apro- 
ximar-se do bairro chinez, bazar universal em que se encon- 
tram reunidos todos os generos de industria, essas ruas são 
ainda mais bellas, pelo numero extraordinario de estrangei- 
ros, que a ellas concorre. Mais adiante vêem-se as Cahite 
malaias construidas sobre os páos perto dos arrozaes ; grossas 
estacas sustentam estas cabanas formadas de canas da India e 
folhas seccas. A estas ruas seguem-se algumas mais sem typo 
distincto, onde vivem misturados Chinas, Malaios e Portu- 


1842. DO ARCHIPELAGO MALATO. 275 


guezes, se é que este ultimo nome se póde dar a uma raça 
degenerada , outrora senhora de Malaca. 


Provincia Wellesley. 


Uma porção da costa de Quedah, fronteira á ilha de Pe- 
nang, foi concedida pelo rei de Quedah á companhia ingleza ; 
a esta parte cedida pozeram-lhe o nome de Provincia Welles- 
ley; e abrange cousa de 10 a 15 milhas de comprimento, e 
3 a 4 de largura para o interior. Produz arroz, assucar , e 
estanho: as suas producções são levadas a Penang por embar- 
cações que atravessam o estreito. 

Perto de Penang ha muitas ilhotas, das quaes uma está 
completamente cultivada e coberta de moscadeiras: esta ilha 
é Batu-Kawen. Os malaios que a habitam, são pela maior 
` parte catholicos , graças à paciencia de Mr. Bouchot , missio- 
nario francez, que alli residio por muito tempo. 


Malaca. 


Descendo o estreito, chega-se a Malaca, a mais antiga 
“cidade da India, occupada pelos Portuguezes em 1511; to- 
mada a estes pelos Hollandezes; e a final cedida aos In- 
glezes em 1824. Esta cidade é triste e sem importancia 
commercial. Apenas alguns navios que por alli passam, dei- 
xam alguns pacotinhos de fazendas de pouco valor. Alguns 
brigues fazem o commercio de cabotagem entre os portos de 
Malaca, Singapor, e Penang: estes dois ultimos têm meios 
sufficientes para se sustentar, e recebem desta parte da pro- 
vincia malaia estanho, arroz, dentes de elefante, rotins, etc. 
Malaca entretem igualmente relações com a China, Siack, sobre 
a costa E. de Sumatra, e alguns portos visinhos. Os Inglezes 
occupam Malaca sómente para a não verem sob o dominio 
Hollandez. A despeza que se faz com a guarnição de 400 ci- 
paes excede a receita, que é mui diminuta. 
Rendimento de Malaca (1835—1836 official) 150.180 francos. 
Despezas de Malaca. . (idem) 604.608 » 
As fortificações desta praça estão actualmente quasi ao 


* 


276 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 6. 


rés da terra. Um terreno de algumas milhas quadradas em 
torno da cidade, está tambem sobre a jurisdição da compa- 
nhia. 

= Taes são os esclarecimentos que pude colher ácerca dos 
estabelecimentos Inglezes do districto de Malaca durante a vi- 
sita que, no brigue le Lancier, fiz a Penang, Malaca e Sin- 
gapor. Ao governo Inglez não é permittido ir mais longe, 
por quanto, na adjudicação de Malaca e Singapor, elle se 
obrigou, em virtude do tractado celebrado em 1824 com o 
Rei dos Paizes-Baixos, a não formar estabelecimento algum 
nas ilhas de Carimou, Battan, Bintang, Ling ou outras quaes- 
quer ao S. do estreito de Singapor, e a quê nenhum tractado 
seria concluido entre as autoridades Inglezas e as daquellas 
ilhas: as mesmas restricções subsistem para com o governo 
Britannico a respeito da grande ilha de Samatra. 


India Neerlandeza. 


A ilha de Java é a Séde do governo Hollandez na Mala- 
sia. Esta ilha, com a Banca, Molucas e parte de Samatra, 
Madura, Billinton, Riow, sobre a ilha de Bintang , Macassar 
e parte da ilha de Celébes; grande ilha de Bornéo , parte da 
ilha de Timor formam as possessões immediatas do Rei da 
Hollanda, cuja autoridade é todavia reconhecida com suzerania 
em grande parte do archipelago Malaio, governada por So- 
beranos independentes. 

Por muito tempo foi vedada a entrada aos navios estran- 
geiros nos portos Hollandezes da Malesia ; sómente em 1826, 
é que alguns dos portos foram franqueados ao commercio : Ba- 
tavia, Samarany, Surabaya, na ilha de Java; Riow, porto 
franco na ilha Bintang , Mintow, ou Muntock, sobre a ilha 
de Banca, os estabelecimentos de Sumatra e de Bornéo , Ma- 
cassar na Celébes, Rupang sobre a ilha de Timor. 

Até 1830, os Hollandezes foram inquietados pelos Prin- 
cipes Javanezes, os quaes lhes estão actualmente sujeitos; e 
aquelles que ainda se denominam Principes independentes, são 
apenas meros fantasmas de sultões, similhantes aos Principes 
pensionarios da Companhia Ingleza no Indostão. 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 277 


O systema colonial da Hollanda tem por base o monopo- 
lo: o governo abarca a maior parte dos productos; e a in- 
dustria particular que encontraria, em Java com especialidade, 
tantos meios para se estender e prosperar, acha-se sujeita a 
um sem numero de estorvos. 

Java está dividida em vinte districtos, segundo indica 
Malte-Brun na sua geografia. Batavia é a metropole da India 
Neerlandeza e residencia do Governador Geral; trato da nova 
cidade, por quanto a Batavia antiga acha-se actualmente 
abandonada pelos européos, que apenas a frequentam levados 
por seus interesses commerciaes. Cada um negociante tem alli 
um armazem e competentes escriptorios. As grandes casas de 
dois andares, construidas á Hollandeza, sem verandah e sem 
janellas de sacada (construcção em que se não teve em vista 
o excessivo calor da India) estão pela maior parte fechadas. 
Algumas ha que se acham occupadas por commerciantes ; mas 
estes mesmos as abandonam durante a noite. Os Chins e os 
Malaios, pouco escrupulosos na escolha de suas habitações, 
continuam a viver neste terreno baixo e pantanoso. Quanto 
aos Hollandezes, ha trinta ou quarenta annos que fazem todo 
o possivel para viver commodamente, e que empregam ao 
mesmo tempo todos os meios ao seu alcance para desyanecer 
o terror com que a Batavia era justamente olhada pelos pó- 
vos da Europa: para esse fim têm os Hollandezes abandonado 
os: terrenos proximos do mar. Uma estrada longa e plana, 
guarnecida de arvores ainda novas, e que segue a mesma di- 
recção do canal, que se prolonga a grande distancia, conduz ás 
villas Hollandezas. É a quatro milhas do porto que se acha 
o grupo principal, que se estende e ramifica para todos os 
lados. A praça principal e um vasto quadrado, htppodromo (x) 
de Batavia, é guarnecida de lindas casas, cercadas de jardins, 
abertos por todos os lados, e muito aceados. Mais longe, e 
depois de se haver' atravessado muitas ruas, tambem guarne- 


cidas de casas, chega-se á praça de Waterloo , nome celebre 


Ed 
Ce em eme ee mm ms 


(+) Grande praça de Constantinopla, destinada ás corridas de 
cavallos; assim chamada de At, que significa cavallo, e de Meidan- 
praça descoberta , ou campo raso. (Nota do Traductor.) 


278 NOTAS SOBRE O COMMERCIO | N.º 6. 


entre os Hollandezes, que tão orgulhosos se mostram com a 
diminuta parte de victoria, em honra da qual levantaram um 
monumento tão insignificante, como a gloria que alcançaram : 
é uma columna de tijólos branqueada com cał, no cimo da 
qual: se vê um leão, se é que na pessima escultura que alli 
se apresenta se póde reconhecer o rei dos animaes. Entristê- 
cia-se-me o coração quando acontecia olhar para similhante 
monumento ; por quanto, a meu ver, a gloria Franceza, longe 
de ter diminuido naquella batalha memoravel, augmentou : 
direi como lord Byron: 


Oh, bloody and most bootless Waterloo, 
Which proves how fools may have their fortune too, 
Won, half by blunder , half by treochery. 


Em Java, a agricultura faz immensos progressos. O go- 
verno Hollandez não faz concessões de terreno, de que é se- 
nhor. Os Javanezes estão sujeitos ao regimen feudal; e os que 
se dão à lavoura, não podem vender suas colheitas senão aos 
agentes do governo, que lhas compra por baixo preço, para 
mais tarde as vender com enorme lucro; e impõe sobre cer- 
tos generos de primeira necessidade preços exorbitantes. O 
café, o arroz, o anil e as especiarias são cultivadas pelos Ja- 
Vanezes. A industria do assucar pertence aos européos, que 
contractam com o governo. Eis como são feitos os contractos : 
um especulador qualquer, desejoso de se entregar ao fabrico 
do assucar, uma vez que mereça a confiança do governo, póde 
escolher uma certa porção de terreno. Isto feito, dá-se ordem 
aos Jayanezes, que residem na proximidade do terreno esco- 
lhido, para plantarem as canas; e, ao mesmo passo, o go- 
verno adianta ao contractante a somma de 60 ou 80.000 flo- 

«rins, afim de que elle possa estabelecer a sua fabrica : esta 
somma paga-a depois o fabricante em assucar. Quando a cana 
d'assucar está em estado de ser cortada, vão peritos fixar-lhe 
o valor, e o contractante é debitado pela somma fixada por 
elles. O contractante deverá dar em cada anno o seu assucar 
a 7, 8 ou 9 florins o picul, (o florim vale 2 francos e 12 
tentimos, e o picul 60 kilogrammos) até que tenha pago o va- 
lor da cana fornecida, e o capital adiantado. Se este paga- 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO, 379 


mento não absorveu toda a sua colheita, o assucar que lhe 
resta, é recebido pelo governó segundo o preço do mercado 
(de 12 a 14 florins o picul) ou o governo, se lhe não convém, 
o deixa á disposição do fabricante: o governo sómente se en- 
carrega do fornecimento das canas; porém os trabalhadores 
necessarios para o fabrico são pagos pelo contractante. Parece 
que nos ultimos contractos, o governo se tem limitado a fazer 
os adiantamentos das sommas estabelecidas; mas que se não 
tem encarregado do cultivo das canas. Contractos analogos 
têm tido logar a respeito do anil. Tem por vezes acontecido 
estarem as terras escolhidas cultivadas pelos Javanezes ; porém 
isso não obsta para lhes serem tiradas. Os primeiros contra- 
ctos assim feitos foram de grande vantagem; e riquezas enor- 
mes se formaram no espaço de poucos annos. Hoje o governo. 
mostra-se menos disposto a fazer taes concessões. E mui facil 
ver que, segundo este systema, o estado absorve em grande 
parte o commercio da India Hollandeza. Em Java, o com- 
mercio particular ainda de quando em quando apparece ani- 
mado ; porém o monopolio existe completamente quanto ao es- 
tanho de Banca, e especiarias das Molucas. O governo cedeu 
uma parte do commercio a uma companhia denominada Han- 
del-Maatschappy. Ao commercio livre apenas resta um terço 
pouco mais ou menos de importações, e um setimo de expor- 
tações dos productos da India Neerlandeza. Este systema de 
monopolio tem aproveitado sómente á corôa, que até estes ul- 
timos annos ainda não deu conta dos rendimentos coloniaes , 
que, pelo que diz respeito a Malasia, excedeu as despezas a 
mais de 15:000.000 de florins. A Hollanda acaba de apro- 
veitar este excedente de receitas carregando sobre Java uma 
parte do capital da divida nacional. O banco fundado em Java 
não vingou: em 1840 suspendeu seus pagamentos. O mono- 
polio contribue para afastar de Java não só o commercio es- 
trangeiro, mas tambem o commercio livre da Hollanda; o 
direito de 12 e 1 por 3, que sobcarrega a maior parte 
das mercadorias da Hollanda, é um direito ficticio para a 
companhia, quasi composta de agentes do governo; e além 
disso o direito de 25 por 2, que pesa sobre as mercadorias 
estrangeiras, carrega com toda a sua força sobre as importa- 


280 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 6. 


ções dos outros paizes da Europa, e a concorrencia torna-se 
por conseguinte difficil. Demais, a maior parte das producções 
da India Hollandeza são enviadas para a Europa, onde são 
vendidas por conta da companhia, e os carregadores estran- 
geiros encontram difficilmente retornos. 

Alcancei o quadro commercial de Java e Madura no anno 
de 1836, com a indicação dos paizes que enviaram fazendas 
a Java, ou que alli as receberam ; é o seguinte : 


E Valor 
Procedencia (Florins) 


— 


| Paizes Baixos ....| 5:848.543 à 3 aa f 
| Grã-Bretanha. 2:318.495) pae vinhos e EapiTitos, ACAO, 
Eronia Re AN 383.783 pannos, e todos os objectos de 


Suecia 28 osl industria Europêa. 


Principaes artigos importados 


Tecidos d'algodão, opio da Tur- 


(Os tecidos d'algodão no va- 


à lor de 6:176.000 florins.) 
Estados-Unidos... 693.191 Tecid Fih tc 
Cabo e Mauricia.. 29.867 Pe a 


É India Ingleza..... "290.200 |J Algodão; opio, cevada; grão, sa 
$ litre, sedas, etc. 

4 Cochinchina. ..... 7.195 j 

e a 84.256 Pazeite, ti 


f China e Macau... 979.426 |—Chã, seda, procellana, papel, etc. $ 
Manilha......... 60.906 |-—Cigarros e chapéos de palha. 

= Cobre (224.000 florins), cam- 
| Japão Berto ae pata 979.439 phora, procellana, etc. 

Nova Hollanda. ... 20.533 |—Trepang, etc. 

Archipelago orien- } 6:177.390 E ra café, ninhos de pas- 


saros, eic. 


Motalan 18:524.898 | = 39:272.783 francos, 


Parte destas importações, inutil ao consumo de Java e 
Madura , encontrar-se-ha no mappa das exportações, espe- 
cialmente para Sumatra e outras ilhas do archipelago Malaio. 
O total das exportações montou em 1836 a 41216487 tlo- 
rins, dos quaes 38:122.000, producções de Java e do ar- 
chipelago; o resto proveniente das importações da Europa e 
da China. 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 281 


Exportação de Java. — 1836. 


Destino dem Artigos exportados 

Paizes Baixos ....|27:232.588| Café, assucar, anil, arroz, espe- 

ciarias, estanho, e chá. 

Grã-Bretanha. .... 139.592 | Idem. 

Francan i és errado 1:944.145 | Idem. 

E vo amo Sr 108.142 | Idem. 

Hamburgo....... 253.959 | Idem. 

Estados-Unidos. ..| 1:002.529| Idem. 

Maurici: oe us 36.253 | Idem. 

Ilhas dos Côcos... 8.165 | Idem. 

India Ingleza..... 113.096 | Idem. 

China e Macau ...| 3:312.648 | Idem. 

Cochinchina. ..... 6.058 | Idem. 

BETR ar A 18.113 | Idem. 

apão sé Ses, apto tias 256.219 | Idem. 

Nova Hollanda ... 84.992 | Assucar. 

Archipelago oriental 699.988 | Tecidos diversos da Europa. 
Botas ds 41:216 487| — 87:378.952 francos. 


De um anno para outro, o commercio de Java augmenta. 
Em 1838, as importações montaram a 34:463.208 flo- 
rins; porém nesta somma deverá incluir-se mais de 10:000.000 
de florins em especiarias das Molucas, em estanho de Banca, 
numerario e munições importadas pelo governo; e perto de 
7:000.000 de fazendas consignadas á companhia. Os tecidos 
de algodão formam o artigo mais importante. 

Eis a relação das principaes mercadorias entradas em Java 
no anno de 1838: 


Tecidos de algodão Hollandezes ......... 6:314.781 florins 
Belem po re Y : Englêzes o opinem. 3:243.554 
RS! us secos Americanos. ......... 75.007 
RO 2a usos. Francezes,: Mumui 24.443 
Rat ad de Hamburgo e Breme. . 7.425 
Rss... de Singapor, pela maior 

3 parte Inglezes. .. .. 79.159 


ToraL. Tecidos fabricados ao O. do Cabo 
da Boa-Esperança............ 9:714.368 


282 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 6. 


Tecidos de Bengalla e de Madrasta........ 269.039 florins 
Torat em florins........ 9:983.407 
Tecidos de lā Hollandezes, . ............ 129.000 
Idem, HEA estrangeiros >. «24 rE 181.000 
WIBhOSSE JESBPROS!. ii. e E tda “+++ 1:009.000 
Ferro, € sma chinas.. os oro studio; `. 1:095.000 
Opio deciidasalatadas AARIA o ui) 315.000 
Idem da mPurquiass 2. Do NS da 233.000 
Batracfenteal i Sigo ssa Sater da 1:376.000 
Cobre do Japão sis. cu o cri ala 435.000 
As importações durante o mesmo anno su- 
Bira as diri. DAS rn das 43:340.277 florins 
Valores e quantidades dos productos principaes exportados 
em 1838. À 
Cale ta aos 589.599 piculs, valendo... 15:095.793 florins 
Assucar .... 734.979 Idem ........ 9:823.028 
AMUARI 743.186 libras ........ 3:168.000 
ArtoBa. saves 947.456 piculs, ........ 3:021.000 
Especiarias 4 ssh. ny nie is Sd A 2:366.000 
Estanho .... 41.573 piculs, ........ 1:950.000 


Além destes productos, a cultura do chá, a cochonilha, 
e a canella começam a oferecer bons resultados. 

Os tecidos de algodão são os artigos que apresentam maio- 
res vantagens á importação, pelo uso que delles fazem todos 
os Malaios para se vestirem. Java, depois de ter recebido do 
Commercio de todas as nações estes tecidos, e tirado delles 
um direito d'alfandega de 25 por 2, exporta-os em parte, le- 
vando-os aos habitantes das ilhas em que domina a influencia 
Neerlandeza , que prefeririam antes fornecer-se de Singapor ; 
porém, para evitar o mais possivel esta rivalidade, os tecidos 
Inglezes, vindos directamente de Singapor pelas embarcações 
Malaias, são carregados com excessivos direitos. Java forneceu, 
em 1838, em tecidos de algodão : 


A costa O. de Sumatra ............ 587.000 florins 
A Bome o Vent vo: Eu ras: 303.000 
As Molmegsa. ie san a n A A E 100.000 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 283 


nr eleet bs pum. Ad DES ta 77.000 florins 
A Palembang e Banca ............. 78.000 
Do Bimhd O. ases ss. SMS, bl 1.000 
Ai Maduna cgi. Su tho. GTS toi Bi 44.000 
AB DECS TE AO Da A 112 
Ai bit a E SE oro aà 107 
APimárs- Dill sseqssaisa teaser gaga 2.000 
AMimbr Conpang as aas eae eae aeie ert 31.000 


Pelo que toca ao commercio Francez com a India Hollan- 
deza, eis-aqui os dados fornecidos no quadro geral do com- 
mercio da França em 1838. O commercio com a costa O. de 
Samatra vem incluido no das Indias Hollandezas. 

Importações para França, 6:229.867 franos, consis- 
tindo em café (perto de 3:000.000), pimenta, assucar, chá, 
especiarias, azeite, etc. Estas importações fizeram-se em vinte 
navios de porte de 5.062 tonelladas, e guarnecidos por 307 
homens. 

Exportações de França para as Indias Hollandezas em 
mercadorias e productos Francezes, 1:433.896 francos. Os 
principaes artigos foram — tecidos de algodão, vinhos e diversos 
objectos d'industria. 

Em 1837, a importação tinha sido de 8:000.000, e a 
exportação de mais de 2:000.000 de francos. 

A ilha de Bourbon entretem algumas relações directas com 
a de Java, da qual, a primeira se fórma de cavallos e arroz, 
que paga com dinheiro, e com alguns productos Francezes. 

Em 1837, tres navios, montando todos a 1.026 tonella- 
das, sairam de Bourbon com um valor de 60.397 francos em 
fazendas, e voltaram de Batavia com cargas no valor de 90.777 
francos. 

Como observei, fallando de Singapor , o commercio Fran- 
cez poderia augmentar em Java, se o quinto de direitos na 
chegada a França fosse estabelecido para as chegadas das ilhas 
de Sonda. 

Antes de deixar Java, direi alguma cousa a respeito do 
commercio Hollandez no “Japão. O governo da Hollanda é o 
unico que gosa do privilegio de commerciar com o Japão, 
onde, em Nagasaki, tem estabelecida uma feitoria, Sementó 


284 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 6. 


a dois navios, designados pelo governo, é permittido viajar 
annualmente para o Japão. Presume-se que as despezas da- - 
quelle estabelecimento absorvem os lucros, que provêm ao 
thesouro , da parte que lhe toca na carga dos dois navios. 
(Continuar-se-ha. ) 


— > —— L 
AVISOS AOS NAVEGANTES. 
N.º 7. 


Do Boletim do Governo do Estado da India, n.º 51 do anno de 
1841, se extrahio, para conhecimento dos navegantes, o seguinte : 


Aviso relativo ao farol de rotação na ponta da Agoada, á entrada 
da barra de Gôa. 


| novo: farol de ilagan. construido sobre a antiga e Pp 
Torre do Facho da fortaleza da Agoada', na latt. N. 15º 29! 34", 
long. E. de Greenwich 73º 48' 53"; avista-se a 12 milhas de dis- 
tancia sem se poder confundir, pela regularidade do seu movimento, 
com alguma luz ou estrella : a sua rotação completa se executa no 
espaço de 15 minutos, sendo metade deste espaco de luz brilhante, 
e a outra metade de eclipse. 

Quem demandar o porto da Agoada pela parte do N., póde pôr 
a prôa ao farol, se se achar ao largo, kogo que este lhe demore a 
ESE., não devendo porém passar de 8 braças de fundo; e, logo 
que tomar esta sonda, deve deitar ao S. até lhe ficar o farol a ENE., 
e então póde demandar o porto com prôa de E. 4 NE. 

Quem vier do Oeste, póde navegar direitamente ao farol até che- 
gar ás ditas 8 braças de fundo; e, chegando a ellas, e marcando 
como acima o farol a ENE. , fazer o mesmo rumo de E. 4 NE. para 
tomar o fundeadouro. 

Quem demandar o porto vindo do Sul, deve navegar com prôa 
de NNE. direito ao farol até ás 8 braças, em cuja sonda deve preen- 
cher a marca do farol a ENE. , para demandar o ancoradouro como 
acima. 

Marcações dentro do ancoradouro. 


Rardl sntrdcr ATE brio Db N. tania E : le nie 
E ja fm PETRIN E ian ração. 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 285 


ATOM é oa SEM IRÃO STS R NNE. ) .: . : 

i distancia 4 milha 
Potada Aggada i due: atm pino é N. z q 
DONT OE dA scg A tis E) fundo 4 braças. 
WATOE TA A E RS S NNO. distancia 4 milha, 
R E AE II ET N SSE. $ fundo 4 braças. 
Baro: strong é NO. 4 N.).: ; i 

ppa RE VEAR £ distancia 4 de milha, 

Capella de S. Lourenço. .... NENE Pe A pa aa a 
RADOVE gh. EKA DA SSE. $ 


N. B. A maquina de rotação é construida sobre a de um gran- 
de relogio, que faz soar as horas mui longe , vibradas por um sino 
de bronze de 150 arrobas. 

( Diario do Governo.) 


INES: 


Pela Secretaria d' Estado dos Negocios da Fazenda se faz publico 
para conhecimento dos Navegantes, que do dia 15 de Junho do cor- 
rente anno em diante se accenderá o novo Farol de rotação, e de 
primeira ordem, denominado = Duque de Bragança ==, que acaba 
de ser construido em uma das Ilhas Berlengas, proxima á costa do 
Reino de Portugal, na latitude de 39º 25! Norte, e longitude Oeste 
de Greenwich 9º 31! (longitude a Oeste do Observatorio do Castello 
de S. Jorge da Cidade de Lisboa 22! 5); a sua altura desde a su- 
períicie do mar até ao luminar do Farol 365 pés inglezes. Este Farol 
fará o seu giro completo no espaço de 3 minutos exactos , apresen- 
tando neste tempo uma brilhante luz, seguindo-se logo o eclipse. 
Secretaria d'Estado dos Negocios da Fazenda, em 6 de Junho de 
1842. (Tdem.) 


Naag 


Para conhecimento dos Navegantes se faz publico o seguinte 
“aviso da Administração Geral das pontes e calçadas em França, re- 
lativo ao ; 

Farol da Ponta de Chauvau (Tha de Ré). 

Ficam prevenidos os Navegantes, que desde o 1.º de Março do 
presente anno em diante se accende uma luz fixa no alto da torre 
ultimamente construida sobre os rochedos da Ponta de Chauvau, na 
extremidade meridional da ilha de Ré, em 48º, 8!, 2" de latitude, 
e 3º, 36! 39” de longitude O. 

O fóco deste apparelho luminoso, fica 22 metros acima do ni- 
vel do preia-mar dos equinoxios. 

A sua luz poderá ver-se, em tempo claro, da distancia de 12 


286 AVISOS AOS NAVEGANTES. ; N.º 6, 


a 15 milhas maritimas, e por consequencia avistar-se da entrada do 
Pertins de Antioche. s 
Este novo farol não póde confundir-se com a luz de porto da Ro- 
chella (Feu de port), por quanto este nunca se verá do mar, sem 
que ao mesmo tempo se aviste o farol de Chauvau, sendo por tanto 
mui facil de distinguir pelas differenças de collocação e de brilho. 
A respeito da luz de porto da Rocella, cumpre observar, que ella 
se acha collocada em uma posição tal, que se evitam os rochedos 
de Chauvau, e a eminencia do Lavradin, quando se governe de modo 
que aquella luz de porto não fique cclipsada pela torre da Lanterne. 
Torna-se necessario recordar qne, ha já um anno, o cachôpo do 
Lavradin é denotado de dia, por uma torre pintada de branco, a 
qual excede dez metros o nivel do preia-mar dos equinoxios. 
(Idem. ) 


N:2,140; 
Farol em Alexandria. 


Em data de 20 de Janeiro de 1842, recebemos d' Alexandria 
a seguinte noticia que nos communica Mr. Best, maquinista naquel- 
la praça. « Eu estou agora collocando a lanterna e o apparelho lu- 
« mincso sobre a torre que se tem estado construindo nesta praca 
« d'Alexandria, que será illuminado pela primeira vez a 20 de Fe- 
« vereiro proximo. A torre está situada sobre a ponta Unostos, na 
« latt. de 31º 141! 31" N., e na long. de 27º 51' 28" E. ; está 200 pés 
« elevada sobre a superficie do mar : o farol consta de treze lumes 
« de reverberos parabolicos, feito por Messrs. Wilkins and Sori, 
« Long Acre, o qual se acha habilitado para vos dar qualquer ulte- 
« rior informação que desejardes, relativamente á sua construccão. 

« Eu não posso ainda dizer-vos com certeza os rumos do farol ; 
« porém logo que os saiba com exactidão, eu vo-lo participarei : no 
« entanto rogo-vos que publiqueis esta noticia aos navegantes, e a 
« todos aquelles a quem possa interessar. » 


(Assignado) = F. W. Beste, 
Maquinista e guarda do farol. 


(Nautical Magasine — Março de 1842.) 


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“ 


Nida 
SEGUNDA SERIE, 
ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 


Junho de 1842. 


4. irrito , concedendo a graduação de Segundo Te- 
nente d'Armada a Bernardino Portugal da Graça, com a clau- 
sula de não ter direito a vencimento, ou accesso algum , e 
sem poder jámais pertencer ao quadro effectivo ; isto em at- 
tenção aos serviços por elle prestados na provincia de Moçam- 
bique. 

Idem. Portaria, concedendo a praça de Aspirante a 
Guarda Marinha, com a clausula de não poder passar a Guarda 
Marinha sem se mostrar habilitado com a necessaria instrucção 
militar, o Guarda Marinha de commissão João Pedro da Costa. 

Idem. Portaria, mandando admittir como Aspirantes na 
corporação dos Guardas Marinhas a Francisco Benedicto Ro- 
sado, Antonio Cesar Corrêa, Joaquim José Lobato de Faria, , 
e Manoel Joaquim Ferreira Marques. 

7. Decreto, nomeando curador dos réos de Marinha, 
perante o Supremo Conselho de Justiça Militar, ao Tenente 
Coronel reformado da extincta Brigada de Marinha, José Vi- 
cente Lobo Sardinha. 

8. Decreto, despachando no posto d'Alferes para a pro- 
vincia d'Angola ao Aspirante a Guarda Marinha José Carlos 


Frederico d'Almeida, 
i 


290 ACTOS DO GOVERNO. NRS 


9. Decreto, concedendo a graduação de Coronel ao Te- 
nente Coronel commandante do Batalhão Naval Jeronymo José 
Machado Rego. 

Idem. Portaria, concedendo um anno de licença, para 
ir á cidade do Maranhão, onde se acha seu pai, ao Aspirante 
a Guarda Marinha José Maria Ludgero de Passos. 

11. Portaria, concedendo demissão do serviço, por as- 
sum o haver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha José 
Craveiro da Silva Mattozo. 

47. Portaria, mandando levar em conta de serviço, ao 
Primeiro Tenente separado do quadro effectivo d'Armada Ja- 
cinto Antonio Cordeiro Borges, os cinco annos da época da 
usurpação. 

18. Decreto, restituindo á effectividade do seu posto de 
Primeiro Tenente d'Armada, sem comtudo lhe ficar direito a 
vencimento algum do tempo que esteve fóra do serviço, nem 
mesmo a contar antiguidade do dito posto senão da data do 
presente Decreto, o Primeiro Tenente separado do quadro ef- 
fectivo d'Armada, Domingos Roberto d'Aguiar. 


Tractado de commercio entre o Governo de Sua Magestade 
Tidelissima , e o dos Estados-Unidos. 


Em Nome da Santissima e Indivisivel Trindade. 


q 
Soa Magestade Fidelisssma a Ranga de Portugal e dos 


Algarves, e os Estados-Unidos d' America, igualmente anima- | 


dos do desejo de manter as relações de boa intelligencia que 
até aqui têm felizmente subsistido entre seus respectivos Esta- 
dos, e de extender, outrosim, e consolidar as relações com- 


merciaes entre elles, e convencidos de que este objecto se não . 


póde melhor conseguir do que pela adopção de um systema de 
inteira liberdade de navegação, e perfeita reciprocidade , fun- 
dada nos principios de equidade igualmente beneficos para am- 
bos os paizes, assentaram em consequencia, de entrar em ne- 


gociações para a conclusão de um tractado de commercio e . 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 291- 


navegação; para cujo fim nomearam por seus Plenipotencia- 
rios, a saber : 

Sua Magestade a Ramna de Portugal, ao Hllustrissimo e 
Excellentissimo Senhor João Baptista de Almeida Garrett, seu 
Chronista Mór, e do seu Censelho, Deputado da Nação Portu- 
gueza , Cavelleiro da antiga e muito nobre Ordem da Torre e 
Espada do Valor, Lealdade e Merito, Commendador da Ordem 
de Christo, Official da de Leopoldo na Belgica, Juiz do Tribu- 
nal Superior do Commercio, Enviado Extraordinario e Mi- 
nistro Plenipotenciario, junto a Sua Magestade Catholica. 

E o Presidente dos Estados-Unidos d'America ao Senhor 
Eduardo Kavanagh, Encarregado dos negocios dos mesmos 
Estados nesta córte. 

Os quaes, depois de terem communicado um ao outro os 
seus respectivos plenos poderes, que se acharam em boa e de- 
vida fórma, ajustaram e concluiram os artigos seguintes : 

Artigo 1.º Haverá entre os territorios das altas partes 
contractantes reciproca liberdade de commercio e navegação. 

Os subditos e cidadãos dos seus respectivos Estados pode- 


“vão mutua e livremente entrar nos portos, logares e rios dos 


territorios de cada uma das ditas partes contractantes, onde 
quer que o commercio estrangeiro é ou vier a ser permit- 
tido. Terão igualmente liberdade de pousar e residir em qual- 
quer parte dos ditos territorios, a fim de tratar de seus nego- 
cios; e gozarão, para esse fim, à mesma segurança e protecção 
que os naturaes do paiz onde residem, sob condição de se su- 
jeitarem ás leis e ordens do Governo que ahi regerem , espe- 
cialmente aos regulamentos commerciaes em vigor. 

Art. 2.º Os navios portuguezes que aportarem-, Carrega- 
dos ou em lastro, nos portos dos Estados-Unidos d'America, 
e reciprocamente os navios dos Estados-Unidos d' America que 
aportarem, carregados ou em lastro, aos portos do reino e 
possessões de Portugal, serão tratados, á entrada, durante a 
sua estada no porto, e á sahida delle, do mesmo modo que 
os navios nacionaes vindos de iguaes procedencias, em relação 
aos direitos de tonellagem, de faroes, pilotagem e ancora- 
douro, e bem assim quanto aos emolumentos e propinas das au- 
toridades publicas, ou a quaesquer outros encargos e direitos, de 


x 


292 ACTOS DO GOVERNO. Ny: 


qualquer natureza ou denominação que sejam, e que costumam 
levar-se aos navios de commercio, ou seja por conta do Go- 
verno, das autoridades locaes, ou de qualquer outro estabele- 
cimento publico ou particular. 

Art. 3.º Não se imporão outros nem maiores direitos na 
importação em os Estados-Unidos d'America, de genero al- 
gum que seja producto natural ou de manufactura do reino de 
Portugal e suas possessões, nem outros ou maiores direitos se- 
rão impostos na importação, em o reino de Portugal e suas 
possessões, de nenhum genero de producção natural ou de ma- 
nufactura dos Estados-Unidos d'America além daquelles que 
pagam, ou vierem a pagar, iguaes generos de producção na- 
tural ou de manufactura de qualquer outro paiz estrangeiro. 

Nem se estabelecerá prohibição alguma na importação ou 
exportação de qualquer genero de producção natural, ou ma- 
nufactura do remo de Portugal e suas possessões, ou dos Es- 
tados-Unidos d'America, respectivamente em algum delles, 
que do mesmo modo se não estabeleça igualmente para todas 
as outras nações estrangeiras. 

Nem se estabelecerão outros ou maiores direitos ou encar- 
gos, em qualquer dos dois paizes, sobre a exportação de quaes- 
quer generos para os Estados-Unidos d'America, ou para o 
reino de Portugal respectivamente, além dos que se pagam 
pela exportação de iguaes generos para outro paiz estrangeiro. 

Entendendo-se todavia que nada do que neste artigo se 
contém , poderá prejudicar a estipulação admittida pelos Esta- 
dos-Unidos d"America, por um equivalente especial, a res- 
peito dos vinhos francezes na convenção celebrada entre os di- 
tos Estados e a França, em quatro de Julho do anno do Nas- 
cimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e 
trinta e um: a qual estipulação ha de terminar, e deixar de 
ter effeito no mez de Fevereiro do anno do Nascimento de 
Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e quarenta e 
dois. 

Art. 4.º  Pagar-se-hão os mesmos direitos, e serão con- 
cedidos os mesmos favores, deducções ou privilegios pela im- 
portação em os Estados-Unidos d'America, de qualquer genero 
de producção natural, ou manufactura de Portugal e suas pos- 


i An 


y 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 293 


sessões, quer a dita importação seja feita em navios portugue- 
zes, ou em navios dos ditos Estados; e reciprocamente se pa- 
garão os mesmos direitos, e serão concedidos os mesmos favores, 
deducções e privilegios pela importação em o reino e possessões 
de Portugal, de qualquer genero de producção natural ou manu- 
factura dos Estados-Unidos d"America, quer a dita importação 
se faça em navios dos ditos Estados, ou em navios portuguezes. 

Art. 5.º Convieram as altas partes contractantes, que se 
em algum tempo fôr permittido o importar em todos ou em 

alguns “dos portos do reino e possessões de Portugal, em na-. 

vios de qualquer nação estrangeira, algum genero de produeção 
natural, ou manufactura de outro paiz que não seja aquelle a 
que os ditos navios pertencerem , o mesmo favor será imme- 
diatamente extensivo aos navios dos Estados-Unidos d' America 
com os mesmos direitos e favores que forem, para esse fim, 
concedidos á nação mais favorecida. Em consideração do que, 
e reciprocamente, os navios portuguezes gozarão d'ahi em 
diante, e para o mesmo fim, privilegios , direitos e favores na 
mesma extensão correspondente nos portos dos Estados-Unidos 
d'America. 

Art. 6.° Toda a sorte de mercadorias e artigos de com- 
mercio, que legalmente podem ser exportados ou reexporta- 
dos dos portos de uma das altas partes contractantes para qual- 
quer paiz estrangeiro em navios nacionaes, poderão igualmente 
ser exportados ou reexportados dos ditos portos, em os nayios 
da outra parte respectivamente, sem pagar outros ou maiores 
direitos, ou encargos de qualquer modo ou denominação que 
sejam, do que se as ditas mercadorias, ou artigos de com- 
mercio fossem exportados ou reexportados em navios nacionaes. 

E conceder-se-hão os mesmos favores, e deducções de di- 
reitos, quer a exportação ou reexportação seja feita em navios 
de uma ou de outra das ditas partes. 

Art. 7.º Fica expressamente entendido que nenhuma das 
estipulações conteúdas no presente tractado será applicavel á 
navegação costeira ou de cabotagem de qualquer dos dois pai- 
zes, que cada uma das altas partes contractantes exclusivamente 
se reserva. 

Art. 8.° Fica mutuamente entendido, que as precedentes 


294 . ACTOS DO GOVERNO. N.º 7 


estipulações não são applicaveis aos portos e territorios no rei- 
no e possessões de Portugal em que não são admittidos o com- 
mercio e navegação estrangeiros ; ; e que o commerċio e nave- 
gação de Portugal, directamente dos ditos portos para os Es- 
tados-Unidos Aita, e dos ditos Estados para os ditos 


portos, e territórios, são igualmente prohibidos. — Mas Sua 


Magestade Fidelissima consente em que, quando em algum 
tempo os ditos portos e territorios, ou algum delles, vierem a 
ser abertos ao commercio, e navegação de qualquer nação es- 
trangeira, desde esse momento fiquem abertos ao commercio e 
navegação dos Estados-Unidos d'America com os mesmos pri- 
vilegios, direitos e favores, que forem concedidos á nação mais 
favorecida , gratuitamente , se a concessão tiver sido gratuita , 
ou pela mesma compensação, ou o equivalente della se a con- 
cessão liver sido condicional. 

“Art. 9.º Os subditos ou cidadãos de qualquer das partes 
contractantes, que forem obrigados a procurar refugio ou asylo 
em algum dos rios, bahias , portos ou territorios da outra, 
com seus navios, ou sejam mercântes ou de guerra, por causa 
de temporal, perseguição de piratas ou inimigos, serão rece- 
bidos e tratados com humanidade, dando-se-lhes todo o fa- 
vor, facilidade e protecção para reparar os seus navios, pro- 
curar mantimentos e pôr-se em estado de continuar a sua via- 
gem, sem nenhum obstaculo ou molestação. 

Art. 10.º As duas partes contractantes terão a liberdade 
de nomear, para os portos uma da outra, Consules , Vice- 
Consules, Agentes e Commissarios, os quaes gozarão dos mes- 
mos privilegios e poderes que os da nação mais favorecida. 

Mas antes que qualquer Consul, Vice-Consul, Agente ou 
Commissario possa funccionar como tal, será na devida e usual 
fórma approvado e admittido pelo Governo do paiz a que é 
mandado. 

Mas se algum destes Consules exercitar o commercio , fi- 
cará sujeito às mesmas leis e usos a que são sujeitos os indi 
duos particulares da sua nação nos mesmos logares relativa- 
mente ás suas transacções commerciaes. 

E aqui fica declarado que, no caso de offensa contra as 
leis, o dito Consul, Vice-Consul, Agentes ou Commissarios , 


18142. ACTOS DO GOVERNO. 295 


poderão ser, ou punidos conforme a direito, ou mandados sa- 
hir, declarando o Governo offendido ao outro as razões do seu 
procedimento. 

-Os archivos e papeis dos consulados serão respeitados in- 
violavelmente : e por nenhum pretexto poderá qualquer Magis- 
trado embarga-los, ou de outro modo intervir a respeito delles. 

Os Consules, Vice-Consules e Agentes commerciaes terão 
o direito como taes de exercer as funcções de Juizes e arbi- 
tros nas questões que venham a levantar-se entre os mestres e 
companhas dos navios da nação, cujos interesses lhes são com- 
mettidos, sem intervenção das autoridades lacaes ; excepto se 
o procedimento das ditas companhas e mestres perturbar a or- 
dem, ou a tranquillidade, ou offender as leis do paiz; ou tam- 
bem se os ditos Consules, Vice-Consules ou Agentes commer- 
ciaes requererem o seu auxilio para haver de levar a effeito 
as suas decisões. 

É comtudo entendido que esta especie de julgamento ou 
arbitragem de nenhum modo privará os litigantes do direito, 
que têm a recorrer depois ás autoridades judiciarias do seu 
palz. 

Art. 11.º Os ditos Consules, Vice-Consules e Agentes 
commerciaes serão autorisados a requerer o auxilio das auto- 
ridades locaes para a busca, prisão, detensão e custodia dos 
desertores dos navios de guerra e mercantes da sua nação. 

Para este fim, poderão dirigir-se aos competentes Tribu- 
naes, -Juizes e officiaes publicos, e pedirão, por escripto, os 
ditos desertores, provando, pela exhibição dos registos dos na- 
vios, matricula dos marinheiros, ou por qualquer outro docu- 
mento official, que taes individuos pertenciam á tripulação 
delles ; assim a reclamação será feita a entrega sem demora. 

Os desertores, apenas presos, serão postos á disposição dos 
ditos Consules, Vice-Consules ou Agentes commerciaes, e po- 
derão ser detidos nas cadêas publicas, a rogo e á custa dos 
que os reclamarem, para haverem de ser detidos até se res- 
tituirem aos navios a que pertenciam, ou mandados para o 
seu paiz, por um navio da mesma nação, ou por qualquer 
outro. 


Se porém não forem mandados para o seu paiz, dentro 


296 ACTOS DO GOVERNO. NH 


de quatro mezes contados do dia da prisão, serão postos em 
liberdade, e não tornarão a ser presos pela mesma causa, 

Mas, se vier a conhecer-se que o desertor commetteu al- 
gum crime ou offensa contra as leis do paiz, será demorada 
a entrega delle, até que o Tribunal, a que o caso estiver af- 
fecto, pronuncie sentença, e a sentença se execute. 

Art. 12.º Os subditos e cidadãos de cada uma das altas 
partes contractantes poderão dispôr dos seus bens moveis que 
se acharem dentro da jurisdicção da outra, por testamento , 
doação ou por qualquer outro modo; e os seus representantes 
poderão succeder nos ditos bens particulares por testamento , 
ou ab intestato, e poderão tomar posse delles por si ou por 
seus procuradores, e dispôr livremente dos mesmos, pagando 
sómente aos respectivos Governos o que os habitantes do paiz 
em que os ditos bens estiverem, forem obrigados a pagar em 
iguaes casos, 

E se, por morte de alguma pessoa que possua bens de 
raiz dentro do territorio de uma das altas partes contractantes, 
esses bens de raiz tiverem de passar, conforme as leis do paiz, 
a um subdito ou cidadão da outra parte, e a dita pessoa os 
não podér possuir por sua qualidade de estrangeiro , ser-lhe- 
ha dado o tempo marcado pelas leis do paiz; ou se estas o 
não tiverem marcado, ser-lhe-ha dado o tempo razoavel para 
vender ou de qualquer outro modo dispôr dos ditos bens de 
raizes, e a retirar ou exportar o seu producto sem gravame , 
e sem ter de pagar para os respectivos Governos outro algum 
direito, além dos que, em iguaes casos, são impostos aos ha- 
bitantes do paiz onde os ditos bens de raiz forem situados. 

Art. 13.º Se uma das partes contractantes vier a conce- 
der a qualquer outra nação qualquer favor particular em na- 
vegação ou em commercio, o dito favor será immediatamente 
extensivo á outra parte, livremente se livremente fôr conce- 
dido, ou pela mesma compensação, ou por outra equivalente 
quam proximê, se a concessão fôr condicional. 

Art. 14.º Sua Magestade Fidelissima e os Estados-Uni- 
dos d'America, desejando fazer tão duraveis quanto as cir- 
cumstancias o permittam, as relações que vão estabelecer-se 
entre as duas partes em virtude deste tractado , ou geral con- 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 297 


venção de reciproca liberdade de commercio e navegação, de- 
claram solemnemente e consentem nos seguintes pontos : 

1.º O presente tractado durará, e estará em plena força 
e vigor, por espaço de seis annos, contados da data deste; e 
por um anno mais depois que uma das partes contractantes ti- 
ver intimado á outra a sua intenção de terminar o mesmo: 
reservando-se cada uma das partes contractantes o direito de 
fazer essa intimação em qualquer tempo depois de ter espirado 
o referido termo de seis annos; e do mesmo modo fica ajus- 
tado entre ellas, que um anno depois de ser recebida por uma 
dellas, da outra parte, a dita intimação, este tractado cessará 
e terminará inteiramente. 

2.º Se um ou mais subditos ou cidadãos de umas das 
partes contractantes infringir qualquer dos artigos deste tra- 
ctado, será o mesmo subdito ou cidadão pessoalmente respon- 
savel por aquella infracção; e a boa harmonia e corresponden- 
cia entre as duas nações não será por isso interrompida, obri- 
gando-se cada uma das ditas partes a não proteger de nenhum 
modo o offensor, e a não sanccionar tal violação. 

d” Se (o que não é de esperar) infelizmente algum ou 
alguns dos artigos no presente tractado conteúdos vier a ser, 
por qualquer modo, violado ou infringido , expressamente se 
estipula que nenhuma das partes contractantes poderá ordenar 
ou autorisar nenhum acto de represalia, nem declarar guerra 
à outra, por aggravos de: injurias ou damnos, até que a dita 
parte, que offendida se considera, tenha primeiro apresentado á 
outra uma exposição das ditas injurias ou damnos provados por 
competentes documentos, e pedido justica e satisfação que, ou 
lhe tenha sido recusada, ou desarrazoadamente demorada. 

4.º O presente tractado será approvado e ratificado por 
Sua Magestade Fidelissima com previo consentimento das Côr- 
tes Geraes da nação e pelo Presidente dos Estados-Unidos 
d'America, por e com annuencia e consentimento do Senado 
dos ditos Estados; e as ratificações serão trocadas na cidade 
de Washington, no praso de oito mezes contados da data da 
assignatura, ou antes se possivel fôr. 

“Em testimunho do que, os respectivos Plenipotenciarios o 
assignaram , e lhe pozeram o Sello de suas Armas. 


298 ACTOS DO GOVERNO. NT. 


Feito em triplicado na cidade de Lisboa, aos vinte e seis 
do mez d'Agosto do anno do Nascimento de Nosso Senhor 
Jesus Christo de mil oitocentos e quarenta. 

(L.-S.) João Baptista d' Ameida Garrett. 

Está conforme. — Secretaria d'Estado dos Negocios Es- 
trangeiros, 20 de Janeiro de 1841. 

i Antonio Joaquim Gomes d'Oliveira. 


Extracto da Nota de 24 d’ Agosto de 1840, do Plenipolencianio 
Portuguez ao Plenipotenciario Americano. 

Quanto à declaração do equivalente mencionado no artigo 
8.º do tractado, não ha duvida nenhuma em declarar que, 
desde já, fique considerado como o dito equivalente pela aber- 
tura dos portos das possessões ultramarinas de Sua Magestade 
ao commercio e navegação directos dos Estados-Unidos d' Ame- 
rica, a admissão e igual commercio e navegação directos dos 
ditos portos para os Estados-Unidos em navios portuguezes. 

Que, quanto aos portos ultramarinos que por agora se con- 
sideram vedados ao commercio estrangeiro, o Governo de Sua 
Magestade julga necessario proceder a importantes investiga- 
ções antes que possa cathegoricamente designa-los; mas que 
“em um proximo tempo será necessarimente tomada uma reso- 
lução definitiva, que sem demora ha de ser communicada ao 
Governo dos Estados-Unidos d' America. 

Está conforme. — Secretaria d'Estado dos Negocios Es- 
trangeiros, 29 de Janeiro de 1841. 

Antonio Joaquim Gomes d Oliveira. 

The undersigned Plenipotentiary of the United States of 
America, declares, in the act of signing the treaty concluded, 
this day, between the said States and Portugal : 

First: that he considers the words « Kingdom and posses- 
siom of Portugal » as comprehending all territories and places 
wherein Her Most Faithful Majesty's Government exercises or 
claims Severeignity and Jurisdiction. 

Second: He accepts the following Paragraph , contained 
in the note addresed to him, on the 24.º instant, by the 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 299 


Chevalier d'Almeid Garret, as of the same force and effect as 
if it were inserted, word for word, in the said treaty: 

« Quanto á declaração do equivalente mencionado no arti- 
« go 8.º do tractado, não ha duvida nenhuma em declarar que 
« desde já fique considerado como o dito equivalente pela aber- 
« tura dos portos das possessões ultramarinas de Sua Mages- 
« tade ao commercio e navegação directos dos Estados-Unidos 
« d'America, a admissão a igual commercio e navegação di- 
« rectos dos ditos portos para os dos Estados-Unidos , em na- 
« vios portuguezes. » 

The undersigned duly appreciates the engagement of Her 
Majesty's Government to communicate to that of the United 
States a difinitive specification of the ports and territories in 
the possessions of Portugal, where commerce is not permitted. 

On this occasion the undersigned has the honor of rende- 
ring to the Chevalier d'Almeida Garret assurances of his des- 
tiuguished consideration. == Edward Kavanagh. 

Está conforme. — Secretaria d'Estado dos Negocios Es- 
trangeiros, 29 de Janeiro de 1841. 

Antonio Joaquim Gomes d'Oliveira. 
abaixo assignado, Ministro e Secretario d'Estado dos 
Negocios do Reino, e interinamente encarregado da pasta dos 
Negocios Estrangeiros, respondendo á Nota, que lhe dirigio, 
em 10 do corrente, o Sr. Eduardo Kavanagh, Encarregado 
de Negocios dos Estados-Unidos d'America, na qual S. M.“ pe- 
dia se lhe declarasse quaes eram os portos e territorios deste 
reino de que é excluido o commercio estrangeiro, tem a honra 
de participar a S. M.º que, tendo-se dirigido ao Sr. Ministro 
da Fazenda para obter as necessarias informações, S. Ex." lhe 
communicou em officio da data de hoje, que nos portos de 
Lisboa e Porto são admittidos a despacho e consumo todos os 
generos de commercio estrangeiro, uma vez que satisfaçam ás 
condições com que a pauta geral das alfandegas os admitte , 
exceptuando-se tão sómente os generos prohibidos, como, ce- 
reaes , farinhas e outros; e que nos outros portos do reino em 
que ha alfandegas, é igualmente admittido o commercio es- 
trangeiro, não Mudo, comtudo despacho nelles os artigos espe- 

cificados no artigo 1.º dos preliminares da mesma pauta, 


300 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. NEY. 


O abaixo assignado tem igualmente a honra de confirmar 
o Sr. Eduardo Kavanagh na sua opinião de que nenhuma du- 
vida ha que pelas palavras = reino e possessões de Portugal == 
se designam todos os territorios e logares sobre que a Corôa 
de Portugal reclama ou exercita soberania e jurisdicção. 

O abaixo assignado aproveita esta occasião para renovar 
ao Sr. Eduardo Kavanagh os protestos da sua mais distincta 
consideração. . 

Secretaria d'Estado dos Negocios Estrangeiros, em 27 de 
Agosto de 1840. 

Está conforme. — Secretaria d'Estado dos Negocios Es- 
trangeiros, em 29 de Janeiro de 1841. 

“Antonio Joaquim Gomes d' Oliveira. 


— SP — 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO, 
SEGUNDO ANNO. 

Sessão 9.º 


Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Desp de lida e approvada a acta da Sessão antecedente, leu o 
Secretario a seguinte correspondencia : 

Uma carta do Capitão Tenente e commandante da fragata Dona 
Maria Segunda, o Sr. Antonio Ricardo Graça, o qual, proximo a 
seguir viagem para os Estados da India, se offerece para o desem- 
penho de qualquer missão que a Associação julgue conveniente en- 
carrega-lo. 

Outra do Socio, o Sr. Theodorico José d' Abranches, que tambem 
se acha a partir no mesmo navio para Moçambique : este Sr., além 
de igual offerecimento, manifesta a sua opinião ácerca da pergunta 
7.º das Questões Coloniaes, dizendo: — « Limito-me sómente a fazer 
« uma pequena observação relativamente á pergunta 7.º; e é que, 
« sendo da mesma opinião que conviria muito ás colonias haver Con- 
« selhos Legislativos, conheço comtudo que nem todas estão em cir- 
« cumstancias de os ter, por lhes faltarem elementos necessarios para 
« a sua formação: lembro tambem que quando se houver de tratar 
« ou discutir a dita proposta, se tenha em vista o que em outros 
« tempos se legislou a favor dos habitantes da India, e que se fez 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 301 


« extensivo para as mais possessões d'Africa. Carta Regia de 2 de 
« Abril de 1761, que por copia envio a V. Ex.º para a fazer pre- 
« sente á mesma Associação. » 

Duas cartas, uma dos redactores do Angrense, e outra do Sr. 
Francisco Joaquim Pereira de Macedo, director da imprensa do 
Açoriano, e ambas têm por objecto agradecer á Associação a offerta 
dos Annaes, e retribuir offerecendo os seus periodicos. 

Não havendo tempo para agradecer por ercripto aos Srs. Graça 
e Abranches os seus offerecimentos, dicidio a Assembléa que se fi- 
zesse menção na acta de que a Associação havia recebido com satis- 
fação as suas communicações. 

Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão o parecer 59- 
bre as habilitações dos pilotos. 

Os Srs. Bressane Leite, Lopes, Freitas, Costa Carvalho, Bara- 
hona, Sette e Louzada d'Araujo successivamente mostraram quanto 
a perfeição dos pilotos concorre para a segurança do commercio e 
credito da navegação ; concordaram em que a habilitação legal é in- 
dispensavel para se conseguir este fim ; e, tendo muito em vista o cs- 
tado actual da navegação portugueza, e a inevitavcl concorrencia com 
a de todas as ontras nações maritimas , indicaram e desenvolveram 
varios systemas por meio dos quaes se póde conseguir que os pilotos 
obtenham esta habilitação, sem as despezas e perda de tempo, que 
ultimamente se têm opposto á inteira execução da legislação vigente 
sobre este assumpto. 

O Secretario Mattos Corrêa, como expressão do pensamento que 
lhe parecia haver predominado em toda a discussão, propoz a se- 
guinte substituição ao parecer : 

Proponho que a Associação chame a attenção do Governo de Sua 
Magestade sobre a quebra do credito e mais inconvenientes que a 
navegação portugueza tem “soffrido pela falta de execução das leis, 
que regulam a habilitação legal dos pilotos, e a necessidade de al~- 
terar esta mesma legislação, em attenção ás novas necessidades e 
idéas da época. 

O Sr. Bressane Leite concordou com esta substituição, e propoz, 
como additamento, que uma commissão seja encarregada de coorde- 
nar, segundo as idéas que têm vogado, e redigir para ser publicado 
em os Annaes, o systema mais adequado para se conseguir a per- 
feição dos pilotos, sem o grave inconveniente de se encarecer a na- 
vegação. 

A substituição proposta pelo Secretario Mattos Corrêa foi appro- 
vada unanimemente; e o additamento do Sr. Bressane Leite ficou 
adiado, por estar a hora muito adiantada. 

O Sr. Presidente deu para ordem do dia a continuação desta 
materia, depois do que fechou a Sessão. 


Sala das Sessões, 6 de Junho de 1842. —= Secretario » Joaquim 
José Gonçalves de Mattos Corréa. 


302 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. R MET 


Sessão 10.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Lida e approvada a acta da Sessão antecedente, passou o Secre- 


lario a dar conhecimento da correspondencia , e leu 


Uma carta do Secretario da Sociedade Promotora da Industria 


Nacional, o Sr. José Jorge Loureiro , a qual tem por objecto agra- 
decer á Associação a offerta dos Annaes, e retribuir com o offereci- 
mento de todos os impressos daquella Sociedade. 


Outra do nosso distincto litterato o Sr. Visconde de Santarem , 


cuja integra neste logar trasladâmos. 


« Paris 20 de Maio de 1842. = Ill.™ Sr. = O vivo interesse 
que tomo pelas recordações da época immortal dos nossos desco- 
brimentos e navegações, me anima a offerecer á Associação Ma- 
ritima e Colonial de Lisboa um exemplar de um trabalho meu, in- 
titulado == Recherches historiques, critiques e bibliographiques sur 
Americ Vespuce et ses voyages = esperando que se dignará descul- 
par os muitos defeitos que se encontram nesta producção. 

«Rogo pois a V. 8.º queira ter a bondade de apresentar á As- 
sociação „Maritima o exemplar incluso, que tenho a honra de lhe 
offerecer como um Lestimunho da consideração que lhe consagro. 

« Aproveito esta occasião para offerecer a V. S.º as seguranças 
de estima com que sou = H1.”º Sr. Joaquim José Goncalves de 
Mattos Corrêa = De V. S. M. A. S. = Visconde de Santarem. » 

Terminadas as leituras, disse o Sr. Presidente, que o Sr. Viscon- 


de de Santarem, pelos trabalhos em que se tem empenhado, e que 
com tanta gloria sua c interesse publico tem levado a fim, tendentes 


a 
e 


esclarecer pontos escuros ou duvidosos da nossa historia maritima, 
a reivindicar a prioridade de descobrimentos que a má fé ou igno- 


rancia de alguns escriptores estrangeiros têm atribuido aos seus co- 
terraneos, não só é digno de ser louvado naquelle nobre empenho 
por todos os Portuguezes a quem são caras as ricas recordações da 
nossa gloria passada, mas credor de especiaes agradecimentos desta 
Associação como havendo desempenhado boa parte dos fins cujo com- 
plexo constitue o seu programma : que neste sentido e com este fim 
propunha pois que se offerecesse ao Sr. Visconde de Santarem o di- 
ploma de Socio honorario, se agradecesse a valiosa offerta do seu 
ultimo impresso e se significasse o interesse e satisfação que com a 
Associação “vio a sua Memoria sobre a prioridade das nossas desco- 
bertas e navegações ao longo das costas occidentaes d'Africa. 


Esta porposta foi approvada por acclamacção. i 
O Sr. Secretario Louzada d’Araujo leu duas propostas, a pri- 


meira do Sr. A. G. de'Freitas, que tem por objecto o estabelecimento 


1842. POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 303 


de canhoneiras no Téjo, como parte do seu systema de defeza — ficou 
para segunda leitura : a segunda do Sr. Vice-Presidente, em que propõe 
para Socio effectivo o Sr. Claudio Lagrange Monteiro de Barbuda. 

Entrou em discussão a proposta do Sr. Bressane Leite, adiada 
da Sessão antecedente, e foi approvada depois de breve discussão, 
bem como que a Commissão fosse nomeada pela Mesa. 

O Sr. Presidente deu para ordem do dia a ordem em que de- 
vem entrar em discussão as Questões Coloniaes, depois do que fe- 
chou a Sessão. 

Sala das Sessões, 6 de Julho de 1842. = O Secretario, Joaquim 
José Gonçalves de Mattos Corréa. 


O 
ASIA PORTUGUEZA. 


SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Ásia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d’ Associação , 
Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 272.) 


Communidades das aldéas. 


A administração dos bens particulares em Gòôa tem algu- 
ma cousa de especial, que é preciso notar desde já. As terras 
de cada uma aldêa são administradas por uns poucos de indi- 
viduos denominados gauncares, ou senhores da aldêa, que for- 
mam um conselho ou gawncaria em que, por unanimidade de 
votos, se accorda sobre os negocios da administração. Dos ren- 
dimentos das terras que, annual ou triennalmente, se arren- 
dam em hasta publica aos gauncares que mais offerecem pe- 
rante o juiz, que antes era privativo das communidades, se ti- 
ram os fóros para a fazenda publica, e os sallarios dos escri- 
vães, “barbeiros, mainatos (lavadeiros) ferreiros e outros of- 
ficiaes mecanicos, que servem aos gauncares, e o resto se 
distribue por estes e pelos colacharins ou interessados de fóra, 
que prestaram dinheiro a beneficio da aldêa, ou compraram 


304 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NS 


alguma parte do rendimento della (x). A distribuição devida ao 
gauncar é o que se chama jono; e compete a todo o filho de 
gauncar varão de 12 annos de idade, matriculado no livro 
respectivo. 

Nas ilhas de Gôa, Salsete e Bardez, as communidades têm 
uma camara geral ou agraria, como um grande conselho com- 
posto de dois deputados de cada communidade, que têm o no- 
me de eleitos da aldêa, no qual se tratam os negocios de 
maior importancia das aldêas; e se faz a rateação das despe- 
zas que o Governo extraordinariamente manda fazer. 

Este modo de administrar bens não é geral na India; é 
só usado em alguns districtos do Guzarate e Gôa, onde existia 
quando foi conquistada pelos Portuguezes. Conjectura-se dever 
a sua origem á emigração de tribus que se acolheram ao Sul 
do Concão, no tempo de Mamud, o mais intoleravel invasor 
da India, Porém o padre Antonio de Sousa ,.no seu Oriente 
P. 1.º, €. 1.º, D. 2º, pag. 170, o refere como se segne : 

« Os primeiros povoadores de Salsete, e de todas as mais 
« terras do Concão, que das raizes dos Gattes se estendem 
« até ao mar, foram homens pobres, que desceram com as 
« suas familias do Canará, em seculos muito antigos, não se 
« sabe quando. Os cabeças destas familias, repartindo a terra 
« entre si, começaram a cultivar e a semear as varzeas de 
« arroz, e a plantar palmares e arécaes. Indo já em augmento 
« a gente, e a cultura, desceu dos Gattes um Principe gentio, 
« que os avassalou sem guerra; e lhes comprou as terras como 
« fez Joseph no Egypto, e depois lhas afforou perpetuamente 
« por um tanto por anno, quer as terras rendessem mais ou 
« menos; e para se cobrar este foro com mais facilidade re- 
« partio as terras em aldêas, e as aldêas pelas parentellas, 
« cada uma das quaes se obrigou ao foro imposto á sua aldêa. 
« Os descendentes destes, obrigados antigamente ao foro, são 


(x) O dominio ou usofructo dos bens de qualquer aldêa com- 
puta-se por == Tangas = Leaes = e = Barganis. == A primeira 
quota é a maior; a segunda metade della; e a terceira o quarto : 
de sorte que diz-se que Fuão tem tantas Tangas, ou tantas quotas : 
tantos Leaes, ou tantas metades : tantos Barganis, ou tantas quartas 
da quota. 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 305 


« aquelles que chamam gauncares. Senhorearam depois os 
« mouros estas terras, e as deixaram lograr aos paizanos 
« gentios, com o mesmo fôro que pagavam aos Reis antigos ; 
« e o mesmo fizeram os Portuguezes. Governaram-se pois es- 
« tas aldêas por communidades ou gauncarias, que são o ajun- 
« tamento de todos os gauncares de uma aldêa, ou ao menos 
« d'uma pessoa de cada vangor. Vangores são as familias vo- 


“« gaes, que têm voto na gauncaria, e são tantos estes vango- 


i 


$ 


« res, quantos foram antigamente os primeiros fundadores de 
« cada uma das aldêas. » 

A jurisdicção destas gauncarias é em ordem á cultura das 
terras, satisfação e segurança dos fóros, e daqui se poderá 
estabelecer, até que ponto são uteis estas communhões agri- 
colas, para sustentar uma cultura tão laboriosa e despendiosa, 
como é a que fica descripta. 

Ha um antigo foral das communidades, feito em 1526, 
com referencia aos usos e costumes dos gentios das ilhas de 
Gôa , Salsete e Bardez, que corre impresso nas == Memorias 


“dos Estabelecimentos Portuguezes a Leste do cabo da Boa Es- 
perança, do Conselheiro M. J. Gomes Loureiro, == bem como 


o regimento feito em 1735 pelo Vice-Rei Conde de San- 
domil, Pedro de Mascarenhas; os quaes, e diversas provisões 
regias, resoluções do Governo da India, accordãos da Rela- 
ção, assentos das mesmas communidades e ordens circulares 
dos respectivos Juizes, formam o corpo de legislação da sua 
regencia e administração. O Governador Geral, Barão do Can- 
dal, conhecendo a desharmonia em que ella está com o regi- 
men constitucional, e a difficuldade de extinguir ou reformar as 
communidades agrarias, sem aggredir dirêitos sagrados e an- 
tiquissimos, nomeou, por portaria de 14 de Fevereiro de 1840, 
uma commissão para propôr as alterações necessarias naquella 
legislação , organisando um novo regimento. 

Nas provincias das Novas Conquistas ha a mesma admi- 
nistração, e instituições agrarias, posto que não sujeitas ao 
foral e regimento anteriores á sua conquista; na qual solem- 
nemente lhes foi permittido conservar seus usos, franquezas e 
liberdades, da mesma fórma que no tempo de seus antigos 
dominantes. Esta solemne promessa foi authenticada pelo bando, 

Num. 7. 2 


so MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NeT 


publicado em 12 de Junho de 1763, pela Carta Regia de 
15 de Janeiro de 1774, e depois em 25 d'Agosto de 1781, 
para os habitantes de Bicholim e Sanquelim. Estes usos e 
estilos formam o codigo da legislação respectiva. 


Sociedade Patriotica Agricola dos baldios das provincias 
das Novas Conquistas. 


Com esta denominação, se estabeleceu nestas ae 
uma sociedade, da qual foi instituidor o Vice-Rei D. Manoel 
de Portugal e Castro, então Governador e Capitão General ; 
cujos estatutos , feitos em assembléa geral da regia socieda- 
de, foram approvados pelo dito Vice-Rei, em 5 de Maio de 
1828. O fundo desta sociedade é de 250. 000. xerafins, 40 
contos de réis fortes, divididos em acções de 1.000 xerafins, 
1603000 réis cada uma: deve durar pelo espaço de 25 an- 
nos, e promover toda a sorte de cultura, afforando, para 
isso, à fazenda publica todos os terrenos, especialmente nas 
provincias de Zambaulim, e comprar os de particulares, que 
por sua pobreza os não possam aproveitar; e fornecer in- 
strumentos, gados, habitações e meios de subsistencia, em 
quanto as terras não produzirem, a 400 familias de culti- 
vadores que venham estabelecer-se nas terras que recebe- 
rem da companhia para rotear. Os direitos e obrigações 
da sociedade e seus colonos, seus privilegios e isenções, o fa- 
vor indispensavel ás novas producções, edificação de povoações, 
construcção de pontes e estradas, tudo é naquelles estatutos 
consignado ; e nelles expresso, que a principal povoação que se 
edificar se denomine = PORTUGAL E CASTRO == « para re- 
« cordar a memoria dos beneficios (artigo 27.º dos estatutos) 
« com que o Il.” e Exe.” Sr. D. Manoel de Portugal e Castro, 
« actual Governador e Capitão General deste Estado, e prote- 
« ctor deste novo estabelecimento, o tem procurado promover 
« para utilidade publica do mesmo Estado, » 

A sociedade se installou ; começeu os seus trabalhos ; e fez: 
o seu assento na provincia de Embarbacem. Alli começaram 
as suas obras, e avultadas despezas para estabelecer colonias , 
e edificar povoações; e a cultura de alguns terrenos deu logo as” 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 307 


primeiras mostras da sua immensa utilidade , pela abundante 
producção de excellente arroz, canella, pimenta redonda, cana 
d'assucar, café, algodao, e linho canhamo de superior qualida- 
de; de cujos generos poderá abastecer o paiz, e exportar para o 
reino e outras partes. A principal povoação foi construida em 
Uguem, a qual, e todo o seu districto, tomou logo o nome 
de == Portugal e Castro. == Em Sanguem, limite desta nova 
colonia, fez a sociedade a casa da sua administração; onde 
havia um destacamento de tropa de linha, commandado por 
um sargento. Quando não eramos cercados pelos Inglezes , era 
este um ponto militar importante, porque por alli costuma- 
vam os inimigos fazer as suas incursões na provincia de Salsete ; 
(y) e hoje o é para a alfandega, por ser proximo dos Gattes, 
d'onde descem"as mercadorias, que alli passam para a mesma 
provincia de Salsete, e para as outras, rio abaixo a Rachol, 

Gôa, Pangim e Murmugão. O Governador Geral Barão de 
Sabrozo pareceu querer dar animação e alento a esta associa- 
ção tão importante, que o Governo de Lisboa, no tempo da 
usurpação , olhara com indiferença , não lhe tânsibitindo a de- 
nominação de == Sociedade Patriotica!! ==; e que nos ulti- 
mos annos apenas durava pelos incansaveis esforços do seu di- 
rector Pedro Joaquim de Miranda; mas contentou-se em no- 
mear, por Portaria de 4 de Janeiro de 1838, uma commis- 
são composta de pessoas estranhas a todas as cousas desta asso- 
ciação, para examinar ==se os estatutos correspondiam (for- 
maes palavras desta Portaria) ás intenções de Sua Magestade , 
e á utilidade patriotica, que a sociedade tinha em vista, e 
harmonisa-los com o systema constitucional. == O simples con- 
texto desta Portaria convence, que só era para encher as co- 
lumnas do boletim do Governo da India, conservando as cou- 
sas no mesmo abatimento. 


(y) Quando D. Luiz de Menezes, Conde da Ericeira, e já pri- 
meiro Marquez do Louriçal, voltou em 1741 a governar segunda vez 
a India, continuando a brilhante carreira, que em 1717, e na idade 
de 28 encetara, expulsou o Marátta das provincias de Salsete e 
Bardez, que outra vez ameaçava Góa; e entre outras fortalezas lhe 
tomou a de Sanguem, junto aos Gatles de Tenem e Diguim, sobre a 
rio que desce a Rachol, a qual fez completamente arrazar. 


2 + 


308 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 7. 


A sociedade porém tem hoje nova existencia, e recebido 
consideraveis melhoramentos, pela protecção e energia do Go- 
vernador - Geral Interino Lopes de Lima; o qual, mandando, 
em Portaria de 31 de Outubro de 1840, aprehender todos os 
vagabundos e vádios, os compellio a trabalhar, mediante o 
salario devido, nas obras da sociedade, que por este meio, e 
outras providencias daquelle Governador, conseguio quebrar 
um grande rochedo, que obstava ao encanamento das agoas 
do rio Negro, cujo leito convinha mudar, para facilitar a rega 
dos campos da: sociedade. A valla que se abrio em Bendi- 
fatori para sem represa se regarem os vastos campos de 
Collem, já estava vencida em Julho de 1838, na extensão 
de 400 braças, sobre 1 até 6 de profundidade, com enor- 
me despeza da sociedade; mas sem a remoção daquelle 
rochedo era inutil: hoje o rio corre na direcção que se lhe 
deu, rega e fertilisa todos os pontos dos referidos campos , e 
a sociedade, em gratidão ao Governador que assim a auxiliou; 
determinou, em assembléa geral do 1.º de Abril de 1841, 
que o campo grande de Culná e Cumbarmolá do Torofo de 
Collem, se denomine ad futuram rei memoriam ==0 campo 
de Lopes de Lima== e no 25.º artigo dos seus estatutos, 
reformados por uma commissão dassembléa geral, e proviso- 
riamente approvados em Portaria do mesmo Governador de 
11 do mesmo mez e anno, consignou que « a principal povoa- 
« ção de Uguem (artigo citado) se denominará como até aqui 
« = Portugal e Castro== por ter sido erecta a sociedade 
« no Governo do Exc.”º ex-Vice-Rei D. Manoel de Portugal e 
« Castro; assim como a segunda de Collem campo de == Lo- 
« pes de Lima== por ter o Exc.™ Governador Geral Interi- 
« no José Joaquim Lopes de Lima concorrido com sabias e 
« emergicas providencias para o seu melhoramento. » 

A prosperidade e incremento desta patriotica associação 
fará a da industria e do commercio de Gôa: a cultura dos 
baldios onde fez assento, será uma fonte perenne de riqueza 
para o paiz e de consideravel augmento das rendas publicas. 
Fallando do seu estabelecimento e regimen, não é possivel es- 
quecer os nomes do seu actual presidente Cypriano -Silverio 
Rodrigues Nunes, e do seu director Pedro Joaquim de Miranda, 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 309 


a cujo patriotismo, perseverança e infatigavel zelo deve esta 
sociedade a sua duração e augmento. 

Concluindo, repito que o estado da agricultura em Gôa , 
se não é absolutamente prospero, não é decadente, tem melho- 
rado; e se ainda com exactidão se não diga que o paiz tem 
os cereaes de que precisa, em breve os terá, para exportar , 
se esta sociedade agricola vingar, e as communidades se con- 
stituam devidamente ou acabem; pois que antes da reforma 
do seu regimento, cumpre discutir e determinar se ellas são 
uteis á cultura das terras; o que muito duvido, pela especie 
de amortização em que estas se acham, pela prepotencia dos 
gauncares, que escravisam o pôvo rude, e continuas fraudes, 
que nas arrematações e na sua administração se praticam ; 
males que a reforma do regimento não poderá acabar, por- 
que são intrinsecos e inherentes a um instituto que tolhe a 
liberdade dos bens. Reconheço que no estado de pobreza dos 
habitantes, não será facil, sem estes corpos, acudir ás roturas 
dos vallados, ao dessecamento dos pantanos e outras obras des- 
pendiosas e indispensaveis, c que a abolição das communidades 
das aldêas ia de encontro a antigos usos, a interesses conside- 
raveis de familias e a prevenções de castas, etc.; mas tam- 
bem acredito que o paiz melhoraria muito, e o povo se liber- 
tava sem ellas, ou pela instituição de companhias, qual a que 
fica descripta para o Sul das Novas Conquistas, ou modeladas 
pela das lesirias entre nós. Companhias que , promovendo a 
cultura das terras e o seu commercio , sustentem os póvos e 
alimentem a sua industria, são sempre preferiveis a institui- 
ções gothicas (se é licita a expressão) vindas de tempos e de 
homens que nenhumas idéas tinham do util, e até hoje con- 
tinuam a rotina cega de antigos barbaros costumes. 

O Governador Geral Interino, Lopes de Lima, creou nas 
tres comarcas commissões de melhoramentos de agricultura, 
com o fim, entre outros, de apontarem meios de facil execu- 
ção, que possam ser immediatamente levados a effeito em fa- 
vor do prompto incremento da agricultura em geral. A crea- 
ção destas commissões é de Outubro de 1840. A das ilhas de 
Gôa apresentou um relatorio e plano de melhoramento de 
agricultura nas ditas ilhas: o mesmo fez o administrador de 


310 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA | NEST. 


Salsete; o que tudo ficou para se conferir e discutir conjun- 
ctamente com o novo regimento das communidades ; o que 
devia ter logar do 1.º de Setembro de 1841 em diante. 

Outra commissão foi na mesma época creada para redigir 
um regimento para as mattas e florestas. 

Não devo levar mão deste assumpto sem descrever dois 
outros estabelecimentos, que muita honra dão aos seus empre- 
hendedores. É o primeiro do benemerito Deão da Sé de Gôa 
José Paulo da Costa Pereira e Almeida, fallecido no anno de 
1835, cujo nome será sempre de grata recordação , por suas 
virtudes, e pela fundação de uma linda povoação no sitio de 
Quepem , no Chandravaddy, raiz dos Gattes, sobre a margem 
direita do rio que dalli passa a Cussumane, Parodá e Rachol. 
Junto ao rio, elle fez edificar uma magestosa casa de campo, 
com vastos e bellos jardins, os melhores de Gôa, na frente e 
lados della; a qual, em seu testamento, aquelle dignissimo ec- 
clesiastico legou á Corda, para servir de recreio aos Governa- 
dores da lahe e, roteando uma grande extensão de terreno, 
semeou um magnifico palmar e outras arvores fructiferas em lar- 
gas ruas ; e, no alinhamento destas, construio casas e choupanas 
para habitação de colonos, que alli attrahio. Construio mais o 
bazar, ou mercado publico, que é bem provido de generos 
do paiz, e de fazendas de Balagate; e uma excellente igreja, 
que hoje é da missão daquelle districto, com casa para o Mis- 
sionario e hospedagem ; e bem assim a casa de uma alfandega 
da fronteira. Deve-se por tanto a este distincto sacerdote por- 
tuguez a fundação e belleza da aldêa Quepem, onde hoje ex- 
iste o 5.º batalhão de caçadores, e é residencia do commandante 
militar das cinco provincias de Zambaulim ; o que muito con- 
tribue ao seu augmento. O quartel para este corpo acaba de 
ser construido pelo Governador Geral Interino Lopes de Lima. 

O segundo é no sitio denominado Dabal, entre a aldêa 
Pondá e os campos de Collem, onde, na extensão de uma le- 
goa, sobre tres quartos de largo, o coronel Joaquim José Xa- 
vier Henriques reduzio a cultura um vasto ermo, e construio 
uma casa, onde recolhe a sua producção. A fertilidade do solo 
e a bondade dos generos bem compensam os sacrificios e des- 
pezas que se iêm empregado na roteação daquelle matto, hoje 


1812. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. əlí 


coberto de campos d'arroz, pomares e outras producções. As 
hortaliças e fructas da Europa dão alli admiravelmente. À laranja 
é alli abundante e excellente. Em pouco tempo será esta uma 
das melhores propriedades de Gôa, e uma nova povoação , se 
seu emprehendedor tiver forças para alentar tão nobre como 
util empenho. 

Fabricas e manufacturas. 


Nenhumas ha em Gôa, excepto a fabrica da polvora de 
que já fallei, e algumas pequenas de cêra na comarca de Sal- 
sete. Manufacturam-se cabos e amarras de cairo; mas em 
pouca quantidade. 

Por mais de-uma vez se tentou, desde 1780 em diante, 
crear um estabelecimento de tecidos. Levantaram-se teares 
em Combarjua, por conta da fazenda publica, que foram ins- 
peccionados por tres differentes individuos, sempre com exces- 
sivo prejuizo; até que a fabrica acabou por si mesmo. Luiz 
José de Moraes Sarmento, um destes Inspectores , levantou á 
sua custa uma fabrica em Taleigão, que em' pouco tempo des- 
appareceu. Successo igual teve a que em Ribandar principiou 
José Rodrigues. Houve outra em Guirim, para a qual vieram 
alguns tecelões de Diu; e outra em Nerul, que trabalhava 
em galões e fitas: ambas cahiram, não obstante gozarem re- 
putação. Em 1833 ainda existia um destes teares de galões, 
que bem desempenhava qualquer encommenda que se lhe fa- 
zia. No bairro das Fontainhas em Pangim tambem se faziam 
toalhas de mesa ordinarias. Hoje está estabelecida em Chim 
bel uma nova tecelania, pertencente a José Ignacio Marianno 
da Conceição, de cobertas sarjadas e lisas de diversas quali- 
dades. Em Curca e Mercês ha bordadores, que trabalham sof- 
frivelmente. 

A linha de algodão de que se fazem meias, e rendas de 
alguma estimação, as redes de pescar, e fio de linho canha- 
mo , são ainda objectos de módico interesse. 

Em 1827, tentou a Camara (hoje municipal) das ilhas 
de Gôa uma empreza de plantação e fabrico de assucar, que 
logo abandonou por sua impericia e má direcção, depois de 
haver gastado 1.626 xerafins, 2608160 réis na compra de 


Jia MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA hr 


um engenho, sem proveito algum, sendo aliàs este um dos 
ramos que facilmente póde prosperar ; porque a producção da 
cana é optima e prodigiosa, e em pouco faria acabar a im- 
portação deste genero, que se vai comprar aos Chinas. Em 
algumas casas particulares se fabrica assucar, que vendem por 
preço inferior ao da China, posto não seja manufacturado em 
engenho e apparelhos que mais facilitam a mão dobra. 


Artes e officios mechanicos. 


Estão em espantoso atrazamento. Os operarios não têm 
ferramentas convenientes, nem as conhecem. O carpinteiro, 
por exemplo, que tambem faz obra de marceneiro, apenas se 
serve de um pequeno martello, enchó, plaina, formão, serra e 
verruma, com que trabalha de cocoras, ajudando-se com os 
pés; falta-lhes até força muscular para usarem destas ferra- 
mentas, que por isso são tambem muito pequenas. Um unico 
mestre do arsenal conheci, que se pôde acostumar a trabalhar 
ao nosso uso; que o Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Cas- 
tro quiz fazer ensinar; e era bom marceneiro. 

Os ourives, que constituem -uma casta, e são por isso nu- 
merosos e quasi todos gentios, fazem as joias e adornos de 
ouro de que usam as mulheres da sua seita e as nativas; em 
cujos adornos não se conhece mudança, e são hoje do mesmo 
gosto e feitio que nas eras mais remotas; mas entre esses ou- 
rives alguns ha, que trabalham bem, e imitam qualquer obra 
que se lhes apresente, porque não têm invenção e gosto pro- 
prio, usando para isso apenas de dois ferrinhos, um fole e 
fogareiro. 

Eram dois os melhores alfaiates que alli encontrei, e um 
capateiro: todos os mais não passam do muito ordinario. Os 
pintores não são mais que borradores ; os ferreiros e serralhei- 
ros são mãos: só tenho noticia de tres esculptores medianos e 
um pessimo abridor na casa da moeda. Sinto ter perdido a 
estatistica, que possuia, de todas as classes e numero de ope- 
rarios , que pouco favoravel é á industria do paiz: entretanto, 
recordo-me que em Salsete ha a maior abundancia de ourives, 
carpinteiros e pedreiros; e são estes os que em numero ap- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. a 


parecem por toda a parte : dos outros officios um ou outro se 
encontra. 

A indolencia de todos estes, que só trabalham quando a 
necessidade ou a força os obriga, e assim mesmo deixam tudo 
por uma festa d'Igreja, ou de pagode, ou de um casamento ; 
e a falta de consumidores, porque os gentios quasi nada ca- 
recem, ainda os mais ricos, e dos nativos poucos são os que 
vivem ao nosso uso, conservando a mobilia e guarda roupa, 
que lhes veio de seus avoengos, são as causas manifestas- do 
seu mão estado. Todavia, desde 1827 as cousas all tomaram 
uma nova face: o luxo tem augmentado ; e se em proporção 
forem apparecendo meios de dar consumo aos artefactos do 
paiz, é de esperar que elles melhorem ; porque aos filhos de 
Gôa não falta agudeza e talento, mas sómente mestres e amor 
ao trabalho, que crescerá em proporção dos interesses que 
delle resultarem. Os jornaes de qualquer officio são misera- 
veis, mas em proporção do estado decadente da industria do 
paiz e falta de consumidores. 


Pesca das pérolas. 


É prohibida em Gôa ; sendo alias um dos ramos que póde 
dar proveito ao Estado. A pescaria das pérolas tem sido de mui 
remotos tempos considerada uma das fontes de riqueza das 
nações. O valor desta preciosidade, posto que hoje bastante- 
mente decahido, já era grande na época de Salomão e de 
Job, segundo se vê nas sagradas paginas, e tem continuado 
até nossos dias. Na idade mais florescente de Roma, as péro- 
las chegaram a tal valor, que uma de que Julio Cesar fez 
presente a Servilia, mãi de Marco Bruto, custou (moeda por- 
tugueza) 436,8106 cruzados; e mais do triplo desta quantia 
as duas que Cleopatra trazia nas orelhas, e das quaes desfez 
uma no môlho do banquete dado a Marco Antonio. Estes fa- 
ctos são attestados por muitos escriptores antigos e modernos. 
Varias têm sido as pescarias das pérolas nos mares das qua- 
tro partes do Globo; mas as de que os Portuguezes mais se 
approveitaram, e de que foram exportadores exclusivos , se 
fazia na costa d'Arabia, especialmente na ilha Baharem e no 


314 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS NET. 


golfo de Manar. Com a perda de Ormuz e de Mascate se foi 
aquelle commercio ; e desde 1698 em diante passou o do ca- 
bo de Comorim para os Hollandezes. 

Em quanto na mão dos Portuguezes estava o trafico das 
pérolas d'Arabia e Comorim, não admira que a pesca dellas 
fosse prohibida em Gôa; mas é notavel que, perdido elle (=), 
se não tratasse do de casa, e muito mais que ainda hoje sub- 
sista a prohibição, havendo na foz dos rios de Gôa prodigiosa 
abundancia de ostras de pérolas: onde clandestinamente as re- 
colhem os pescadores, e algumas grandes e bem formadas, 
posto que de côr escura e sem transparencia ; procedido, não 
da qualidade, mas de cozerem a concha em agoa quente, para 
despejar a pérola, e não saberem o processo usado por outros 
póvos, que é de mais de uma maneira. 

Este ramo deveria ser de bastante proveito, e de facil 
execução; porque os mergulhadores da costa do Sul são os 
mais habeis talvez de todo o Mundo: diz-se que chegam a 
estar successivamente um quarto d'hora e mais debaixo di agoa ; 
e os de (da tres minutos e mais, segundo me asseveraram. 
Se a pesca das pérolas fosse posta em arrendamento, fornece- 
ria mais uma importante renda para o Estado; e seria este o 
unico modo de tirar della proveito, sem as fraudes que de 
outro modo se fariam. (Continuar-se-ha. ) 


— mmc 


ris neste logar o seguinte documento, pela relação 
que tem com os objectos que formam os fins d' Associação 
Maritima , tencionavamos acompanha-lo de algumas noticias 
sobre o que em Portugal se tem feito para acabar o commer- 
cio de escravos , e a beneficio da mal-aventurada raça negra; 
mas, tendo o Governo, no discurso da abertura da Sessão Le- 
eislativa em 10 do corrente Julho, annunciado haver conclui- 
do um novo tratado para a repressão do trafico, o qual tam- 
bem ha de ser inserido nestes Annaes, logo que se tenha pu- 


(z) Ainda em 1776 foi prohibida a pesca de ostras na visi- 
nhanca de Murmugão, para evitar a extracção d'aljofres e pérolas. 


1842. CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 315 


blicado, reservamos para então, como occasião mais propria, a 
noticia que tencionavamos aqui juntar. 


—— 


Tractado para a repressão do trafico da escravatura celebrado 
` pelos Governos Inglez, Francez, Russo, Austriaco e Prus- 
sianno, assignado em Londres em 20 de Dezembro de 1841. 


Artigo 1.º SS. MM. o Imperador de Austria, Rei de 
Hungria e da Bohemia, o Rei da Prussia e o Imperador de 
todas as Russias se empenham em prohibir todo o commercio 
de escravos, seja pelos seus vassallos ou debaixo das suas res- 
pectivas bandeiras, ou por via de capitães pertencentes aos 
seus respectivos vassallos; e a declarar pirataria um igual tra- 
fico. SS. MM. declaram álem disto que todo o vassallo que 
tentar fazer o trafico, perderá, só por este facto, todo o di- 
reito à protecção da bandeira. 

Art. 2.º Para preencher de uma maneira mais completa 
o fim do presente tractado, as altas partes contractantes con- 
vêm, de commum accordo, que aquelles dos seus navios de 
guerra, que tiverem ordens ou mandados especiaes conformes 
ás disposições do annexo 4. do presente tractado, poderão vi- 
sitar todo o navio mercante pertencente a uma ou outra das 
partes contractantes que for, sobre motivos razoaveis, suspeita- 
do de fazer o trafico, ou de ter armado para este fim, ou de 
se ter entregado a elle durante a viagem em que tiver sido 
encontrado pelos ditos cruzadores; e que elles cruzadores po- 
derão apresar e conduzir estes navios, para que sejam julga- 
dos da maneira que se tiver convencionado. Comtudo o direito 
de visita a respeito dos navios mercantes ou outros pertencentes 
ás altas partes contractantes será exercido unicamente pelos na- 
vios de guerra, cujos commandantes tiverem o grão de capi- 
tães ou de tenentes da marinha imperial ou real, excepto nos 
casos em que, por causa de morte, ou qualquer outra causa, 
o commando tiver sido devolvido a um official de gráo in- 
ferior. O commandante receberá ordens revestidas das forma- 
lidades prescriptas no annexo do tractado , letra A. 

O direito de visita reciproca não poderá ser exercido no 


p 


316 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS WE. 


Mediterraneo. Álem disto o espaço a que o exercicio deste di- 
reito se achar restringido , será limitado ao Norte pelos 32° 
de latitude Norte; e ao Oeste pela costa occidental da Ame- 
rica, partindo do ponto em que os 32° de latitude Norte toca 
esta costa até a 45° de latitude Sul; ao Sul pelos 45° de la- 
titude Sul a partir do ponto em que este gráo toca a costa 
oriental da America até aos 80º de longitude Leste do meri- 
dianno de Greenwich, e a Leste pelo mesmo gráo de longi- 
tude, partindo do ponto em que este gráo é cortado pelos 45° 
de latitude Sul até á costa da India. 

Art. 3.º Cada uma das altas partes contractantes que 
quizer empregar cruzadores para a supressão do trafico, e para 
exercer q direito reciproco de visita, reserva para si o deter- 
minar á sua vontade o numero dos navios que serão emprega- 
dos no serviço estipulado no art. 2.º deste tractado, assim co- 
mo as estações em que estes navios hão de cruzar. Os nomes 
dos navios, e dos seus commandantes serão communicados por 
cada uma das altas partes contractantes ás outras; e quando 
um cruzeiro fôr posto em uma estação, ou fôr retirado, dar- 
se-ha disso conhecimento, a fim de que as ordens necessarias 
sejam transmittidas pelo Governo, auctorisando a visita, e re- 
tiradas quando não forem necessarias para a execução do tra- 
ctado. 

Art. 4.º Logo que o Governo que emprega os cruzado- 
res tiver notificado o Governo que deve auctorisar a visita, e 
numero e os nomes dos cruzadores que tem tenção de empre- 
gar; as ordens que auctorisam a visita, serão redigidas pela 
fórma estabelecida pelo annexo A. do presente tractado, e 
entregues pelo Governo que auctorisa a visita ao Governo que 
emprega os cruzadores. Em caso algum o direito reciproco de 
visita se applicará aos navios de guerra das altas partes con- 
tractantes. As altas partes contractantes se entenderão para 
estabelecer um signal particular que será empregado exclu- 
sivamente pelos cruzadores investidos do direito de visita. 

Art. 5.º Os cruzadores das altas partes contractantes 
auctorisados para exercer o direito de visita e detenção, em 
execução do presente tractado, se conformarão rigorosamente 
com as instrucções annexas ao dito tractado debaixo do titulo 


1842. CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 317 


B. em tudo o que tem relação com as formalidades de visita, 
e detenção, assim como as medidas que se deverem tomar 
para que os navios que forem suspeitados de se terem da- 
do ao trafico, sejam enviados perante os tribunaes compe- 
tentes. As altas partes contractantes reservam para si a facul- 
dade de mudar, de commum acordo, estas instrucções se as 
circumstancias fizerem as mudanças necessarias. Os cruzadores 
das altas partes contractantes deverão prestar-se mutuos soc- 
corros em todas as circumstancias em que fôr vantajoso obrar 
em commum. 

Art. 6.º Todas as vezes que um navio mercante, naye- 
gando debaixo da bandeira de uma das altas partes contra- 
ctantes, tiver sido tomado por um cruzador de uma outra parte, 
devidamente auctorisado para este effeito pelas disposiçães do 
presente tractado, o navio mercante assim como o mestre, a ` 
equipagem, a carregação e os escravos a bordo , serão condu- 
zidos áquelle logar, que as altas partes contractantes tiverem 
respectivamente escolhido para este fim, e entregues ás au- 
ctoridades designadas pelo Governo do territorio em que este 
logar se achar, a fim de que as indagaçães sejam dirigidas 
contra elles perante os tribunaes competentes, pela maneira 
que, para esse fim, se achar determinada. Quando o comman- 
dante do cruzador não jnlgar conveniente levar elle mesmo, e 
entregar o navio apresado , confiará este cuidado a um official 
do grão de tenente na marinha real ou imperial, ou ao me- 
nos a um official que fôr o terceiro em graduação no navio 
apresador, 

Art. 7.º Se o commandante de um cruzador de uma das 
altas partes contractantes tiver motivos de suspeitar que um 
navio mercante, navegando em comboy, ou em companhia de 
um navio de guerra das outras partes contractantes, se tem de- 
dicado ao trafico, ou de ter sido armado para esse fim, elle 
fará conhecer as suas suspeitas ao commandante do navio de 
guerra, o qual visitará, só, o navio suspeito; e no caso em 
que este commandante ache as suas suspeitas fundadas , elle 
ordenará que o navio, mestre, a equipagem e a carregação, 
assim como os negros abordo, sejam conduzidos a um porto 
da nação a que pertencer o navio tomado para que se comece 


- 


318 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS N.º 7. 


uma instrucção perante os tribunaes competentes da maneira 
depois determinnda. 

Art. 8.º -Logo que um navio mercante apresado e con- 
duzido para ser vendido, chegar ao porto em que deve ser con- 
demnado segundo o annexo B. do presente tractado , ocom- 
mandante do cruzador que o tiver apresado, ou o official encar- 
regado de o conduzir, transmittirá ás auctoridades competen- 
tes uma copia assignada por elle de todas as listas, declara- 
ções e outros documentos especificados nas instrucções annexas 
ao presente tractado debaixo da letra B.; e as auctoridades 
visitarão em consequencia o navio apresado, e a sua carrega- 
ção, e inspeccionarão tanto a equipagem como os escravos que 
se acharem a bordo, depois de terem antecipadamente feito 
conhecer o momento da visita e da inspecção ao commandante 
do cruzador, ou ao Official que tiver conduzido o navio, a fim 
de que elle possa all assistir, ou outra qualquer pessoa que 
elle tiver encarregado deste cuidado. Será feito processo ver- 
bal em duplicado, e este processo verbal será assignado por 
todas as pessoas que nelle tiverem tomado parte, e tiverem 
assistido a elle. Um destes duplicados será entregue ao com- 
mandante do cruzador ou official por elle designado para con- 
duzir o navio apresado. 

Art. 9.º Todo o navio mercante de uma ou outra das 
cinco nações que fôr visitado, e apresado em virtude dos artigos 
do presente tractado, será, não havendo prova em contrario, 
julgado que fez o trafico ou que foi armado para elle, se no 
armamento ou abordo do dito navio durante a viagem em que 
foi apresado se achar algum dos artigos seguintes: 1.º escoti- 
lhas de xadrez em logar de escotilhas fechadas de que se 
servem os navios mercantes: 2.º anteparas no porão ou so- 
bre a ponte em maior numero do que é necessario aos na- 
vios que fazem um commercio legitimo: 3.º taboados desti- 
nados a fazer uma segunda ponte, ou ponte para escravos : 
4.º. algemas, ferros, ou cadêas: 5.º uma maior quantidade 
de agua nas vasilhas, ou em tanques, da que é necessaria 
para o consumo da equipagem de um navio mercante; 6.º 
um numero extraordinario de vasilhas de agua, ou de ou- 
tros vasos para conter liquidos, ao menos que o capitão não 


1842. CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 319 


produza um certificado da alfandega, contestando que o pro- 
prietario do navio tem provado sufficientemente, que este nu- 
mero extraordinario de vasilhas não é destinado senão a rece= 
ber azeite de palma, ou a ser empregado em outros objectos 
de commercio legitimo: '7.º uma maior quantidade de ban- 
dejas do que é necessario para a equipagem do navio: 8.º 
uma caldeira ou ontro qualquer apparelho de cozinha de 
uma capacidade extraordinaria e mais do que é necessa- 
ria para o uso da equipagem; ou mais de uma caldeira, 
ou outro apparelho de cozinha da grandeza ordinaria : 9.º uma 
quantidade extraordinaria de arroz, farinha, mandioca do Bra- 
sil, ou de Cassaelu chamada farinha, ou de milho grosso, ou 
de trigo indiano, ou de toda a outra especie de viveres que ex- 
ceda as necessidades provaveis da equipagem , ao menos que 
todos estes artigos não figurem sobre o manifesto como fazen- 
do parte da carregação : 10.º uma maior quantidade de estei- 
ras “do que é preciso para o uso do navio, ao menos que se 
não tenha dito que fazem parte da carregação. Se está verifi- 
cado que um ou muitos dos artigos acima mencionados estão 
a bordo, ou têm estado durante a viagem em que o navio foi 
apresado, este facto será considerado como uma prova evi- 
dente de que o navio tem feito o trafico. Em consequencia o 
navio será condemnado e declarado boa presa, ao menos que 
o capitão ou os proprietarios não provem até á ultima eviden- 
cia, que na época da captura o navio fazia um commercio 
licito; e que os artigos achados a bordo, ou embarcados du- 
rante a viagem, eram indispensaveis para que o navio estivesse 
em estado de conseguir o legitimo fim da sua viagem. 

Art. 10.º - Proceder-se-ha immediatamente contra o na- 
vio detido assim como acima se disse, o seu capitão, a equi- 
pagem, e a carregação, perante os tribunacs competentes a 
que elle pertence. Elles serão julgados, e adjudicados segundo 
as leis estabelecidas em vigor neste paiz; e se resultar do pro~ 
cesso que o dito navio fazia o trafico, ou que tinha sido ar~ 
mado para elle, o navio, o apparelho, e a sua carregação de 
mercadorias serão confiscados; e o capitão, a equipagem e os 
seus. cumplices, serão tractados conforme as leis pela quaes els 
les tiverem sido julgados. Em caso de confiscação, o producto 


320 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS NST 


da venda do dito navio será, no praso de seis mezes a contar 
da data da venda, posto á disposição do Governo do paiz a 
que pertence o navio apresador para ser empregado anfona 
as leis do paiz. 

Art. 11.º Se um dos objectos especificados no ártigi EN 
do presente tractado se achar a bordo de um navio mercante 
ou se se achar provado que elle tem tido algum durante a via- 
gem em que foi capturado, nenhuma indemnisação por perdas, 
damnos, e despezas relativas á detenção do dito navio, será 
concedida em caso algum, seja ao capitão, ao proprietario; 
ou a toda outra qualquer pessoa interessada no armamento e 
carregação, mesmo quando uma sentença de condemnação não 
tiver: sido pronunciada contra o dito navio depois da sua de- 
tenção. 

Art, 12.º Em todos os casos em que um navio tiver si- 
do detido em conformidade do presente tractado, como tendo 
sido empregado no commercio de escravos, ou armado para 
este trafico, e que elle tiver sido, em consequencia, julgado 
e confiscado , o Governo do cruzador que tiver operado a ca- 
ptura, ou o Governo, cujo tribunal tiver condemnado o navio, 
poderá comprar o navio condemnado para o serviço da sua ma- 
rinha real, pelo preço fixado por uma pessoa competente es- 
colhida para este effeito pelo dito tribunal. O Governo, cujo 
cruzador tiver operado a captura, terá um direito de prefe- 
rencia na compra do navio. Porém se o navio condemnado não 
é comprado da maneira acima especificada, será destruido e 
despedaçado immediatamente: depois da sentenca de condem- 
nação e vendido a retalho depois de ter sido despedaçado. 

Art. 13.º Quando por sentença do tribunal competente 
fôr reconhecido, de uma maneira certa, que um navio mer- 
cante, detido emvirtude do presente tractado, não estava em- 
penhado no commercio de escravos e não era armado para 
este trafico, este navio será restituido a seus legitimos pro- 
prietarios. E se no caso do processo se provar que o navio foi 
visitado e detido illegalmente, e sem uma causa sufficiente de 
suspeita ; e se provar que a visita ou detenção foi acompanha- 
da de injurias ou vexações , o commandante do cruzador , ou 
o official que tiver ido a bordo do dito navio, ou o official 


1842. CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 321 


que tiver recebido ordem para lá ir, ou debaixo da auctori- 
dade do qual, segundo a natureza do caso, a injuria ou a ve- 
xação tiver tido logar, serão obrigados ás perdas e damnos para 
com o capitão, armadores, é proprietarios do navio, e da car- 
regação. Estas perdas serão determinadas pelo tribunal perante 
quem forem levadas as accusações contra o navio detido, o seu 
capitão, a equipagem, e a carregação ; e o Governo do paiz a que 
elle pertence. O official, pelo facto de ter sido convencido das 
perdas, pagará o total das ditas perdas no praso de seis me- 
zes a contar da data da sentença, quando ella tiver sido pro- 
nunciada por um tribunal estabelecido na Europa, e no praso 
de um anno quando ella tiver tido logar fóra da Europa. 

Art. 14.º Quando na visita, ou detenção de um navio 
mercante effeituada, em virtude do presente tractado, algu- 
mas injurias ou vexações tiverem tido logar, e quando o na- 
vio não tiver sido entregue á jurisdicção da sua propria nação, 
o capitão fará uma declaração, debaixo de juramento, das in- 
jurias e vexações de que elle tiver a queixar-se, assim como 
do montante das perdas e damnos que entenda reclamar ; e 
esta declaração deverá ser feita por elle perante as auctorida- 
des competentes do primeiro porto do seu paiz, ou perante o 
agente consular da sua propria nação em um porto estrangeiro, 
no caso em que o navio abordasse primeiro a um paiz estran- 
geiro em que se ache um agente do seu paiz. 

Esta declaração será verificada por meio de um interro- 
gatorio, debaixo de juramento, das principaes pessoas que com- 
poem a equipagem ou os passageiros que tiverem sido testi- 
munhas da visita ou da detenção. Far-se-ha um processo ver- 
bal em fórma do qual duas copias serão entregues ao capitão, 
das quaes enviará uma ao seu Governo em apoio do seu pe- 
dido em perdas e damnos; bem entendido que se algumas 
circumstancias, independentes da sua vontade embaraçarem o 
capitão de fazer a sua declaração, ella será feita pelo proprie- 
tario do navio, ou qualquer outra pessoa interessada no ar- 
mamento e carregação do dito navio. Sobre uma copia do pro- 
cesso verbal acima mencionada que lhe terá sido officialmente 
transmittida, o Governo do paiz a que pertencer o official con- 


tra quem se tiverem feito as queixas das injurias ou vexações, 
Num. 7. 


322 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS ` NS E; 


fará proceder immediatamente a uma inquirição; e se a vali- 
dade da queixa é reconhecida , este Governo será obrigado a 
pagar ao capitão, ao proprietario ou a qualquer outra pessoa 
interessada no armamento ou na carregação do navio molesta- 
do, o montante das perdas e damnos que lhe forem devidas. 

Art. 15.º As altas partes contractantes se obrigam re- 
ciprocamente a communicar umas ás outras, quando forem 
requeridas e sem despezas, as copias e instancias exigidas, 
as sentenças proferidas relativas aos navios visitados ou detidos 
em execução do presente tractado. 


Art, 16.° As altas partes contractantes se obrigam a fa- 


zer pôr immediatamente em liberdade todos os escravos que 
forem achados a bordo dos navios apresados e condemnados 
em virtude das estipulações do tractado. 

Art. 17.º As altas partes contractantes se accordam em 
convidar as potencias maritimas da Europa que ainda não têm 
concluido tractados para a abolição do commercio de escravos; 
a accederem ao presente tractado. 

Art. 18.º Os actos e as peças annexas ao presente tra- 
ctado e que deverão ser mutuamente considerados como fazen- 
do parte integrante, são os seguintes: 4. fórmas de mandados 
de auctorisações, e de ordens para servirem de guia. aos cru- 
zadores de cada nação nas visitas e apresamentos que forem 
feitos em virtude do presente tractado : B. instrucções para os 
cruzadores de forças navaes empregadas em virtude do pre- 
sente tractado para a suppressão do commercio de escravos. 

Art. 19.º O presente tractado, comprehendendo 19 arti- 
gos, será ratificado ; e as ratificações serão trocadas em Londres 
no termo de dois mezes desta data, ou antes se fôr possivel. 
Em fé do que, os plenipotenciarios respectivos assignaram o 
presente tractado em Inglez e Francez, firmando-o com o sello 
das suas armas. 

Feito em Londres em 20 de Dezembro de 1841. 

(Assignados) Aberdeen. — Kolleb. — Sainte Aulaire. — 
Schleinitz. — Brunow. 


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1842, CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 323 


ÂNNEXO, 


Instrucções para os cruzadores. 


1.º Todas as vezes que um navio mercante, pertencente 
a uma das altas partes contractantes, ou levando a sua ban- 
deira, fôr encontrado por um cruzador, o official que o com- 
manda, antes de proceder a visita, exhibirá ao capitão do 
dito navio as ordens especiaes que lhe conferem por exce- 
pção, o direito de o visitar; e lhe entregará um certificado , 
por elle assignado, especificando o gráo que elle occupa na 
marinha da sua nação, e o nome do navio que commanda , 
declarando que o unico fim da sua visita é de se assegurar 
se o navio está empenhado no commercio de escravos, ou 
é armado e equipado para se dar a este trafico, ou se elle se 
tem empenhado nelle durante a viagem, no caminho em que 
foi encontrado pelo dito cruzador. Quando a visita fôr feita 
por um official do navio cruzador que não seja o seu com- 
mandante, este official não poderá ser de um gráo menor que 
o de tenente da marinha real, a menos que elle não seja o 
official commandante em segundo do navio por quem a visita 
é feita; e neste caso, este official apresentará ao capitão do 
navio mercante uma copia das ordens especiaes acima mencio- 
nadas, assignada pelo commandante do cruzeiro : elle entre- 
gará igualmente um certificado, por elle assignado , especifi- 
cando a classe e o gráo que occupa na marinha militar do 
seu paiz, o nome do commandante, debaixo de cujas ordens 
elle obra, o nome do cruzador a que pertence e o objecto da 
sua visita, assim como acima se disse. Se pela visita se co- 
nhece que os papeis do navio estão em regra, e seu commer- 
cio legal, o official especificará sobre o livro de bordo do na- 
vio visitado, que a visita teve logar em virtude das instruc- 
ções especiaes acima mencionadas. Depois do cumprimento 
destas formalidades, a embarcação poderá seguir a sua via- 
gem. 

3a 


324 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS . NIF, 


2.º Se em consequencia da visita o official commandante 
do cruzador é de aviso que ha razões suficientes para acredi- 
tar que o navio faz o trafico, que elle foi equipado para o 
trafico, ou que a elle se tem entregado durante a travessa em 
que foi encontrado pelo cruzador ; e se elle cruzador se deter- 
minar, em consequencia, a dete-lo e remette-lo á jurisdicção 
das autoridades competentes, elle terá o cuidado de fazer re- 
digir em duplicado a lista de todos os papeis achados a bordo, 
e assignará esta lista em duplicado, fazendo seguir o seu no- 
me pela indicação do seu grão na marinha, e pelo nome do 
navio que commanda. Igualmente elle fará e assignará em du- 
plicado uma declaração, enunciando o logar e a época do 
apresamento, o nome da embarcação e do capitão, os nomes 
das pessoas da equipagem e o numero e condição dos escravos 
achados a bordo. Esta declaração conterá, além disto, uma 
descripção exacta da embarcação, e da sua carregação. 

3.º O commandante do cruzador conduzirá ou enviará, 
sem demora, o navio apresado com o seu capitão, a equipa- 
gem, os passageiros, a carregação e os escravos achados a 
bordo, a um dos portos depois especificados, a fim de que se 
possa proceder a seu respeito, conforme as leis do paiz de 
quem o navio tem a bandeira, e os remetterá ás autoridades 
competentes, ou ás pessoas especialmente designadas para este 
effeito, pelo Governo a quem pertencer o dito porto. 

4.º Ninguem será tirado de bordo do navio apresado , 
nenhuma parte da sua carregação, nenhum dos escravos acha- 
dos a bordo, será retirado senão depois que a embarcação ti- 
ver sido entregue às autoridades da sua nação, a menos que 
o apartamento de toda ou parte da equipagem ou dos escra- 
vos achados a bordo seja julgado necessario, seja por interesse 
da conservação da sua existencia, ou por outra qualquer con- 
sideração de humanidade , ou seja para segurança das pessoas 
encarregadas de dirigir o navio depois da sua captura. Nestes 
casos, o commandante do cruzador, ou'o official encarregado 
de conduzir o navio detido, declarará as supraditas ausencias, 
especificando os motivos; e os capitães, marinheiros , passa- 
geiros, ou escravos assim apartados, serão conduzidos ao mes- 
mo porto que o navio; e a sua carregação e elles serão rece- 


18142, CONTRA O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 325 


bidos da mesma maneira que o navio, segundo os regulamen- 
tos posteriores. Bem entendido que cousa alguma deste para- 
grafo será susceptivel de applicação aos escravos achados a 
bordo das embarcações austriacas, prussianas, ou russianas. 
Proceder-se-ha a respeito dos ditos escravos da maneira espe- 
cificada no seguinte paragrafo. 

5.º Todos os navios austriacos que forem detidos nas es- 
tações da America ou da Africa, pelos cruzadores das outras 
partes contractantes, serão conduzidos e remettidos á jurisdic- 
ção austriaca em Trieste; e se se acham escravos a bordo 
de um uavio austriaco na época da sua captura, o navio será 
primeiro enviado, para fazer o deposito dos escravos, ao porto 
em que elle teria sido julgado, se tivesse navegado debaixo 
da bandeira ingleza ou franceza. Depois, o navio será enviado 
e entregue á jurisdicção austriaca em Trieste, assim como se 
disse mais acima. Todos os navios francezes que forem toma- 
dos sobre a costa occidental da Africa, pelos cruzadores das 
outras partes contractantes, serão conduzidos e entregues á ju- 
risdicção franceza em Gorée. Todos os navios francezes que 
forem tomados sobre a costa oriental da Africa, pelos cruza- 
dores das outras partes contractantes , serão conduzidos e en- 
tregues ás autoridades [rancezas na ilha de Bourbon. Todas 
as embarcações francezas que forem tomadas sobre a costa da 
America, ao Sul dos 10º de latitude Norte, pelos cruzadores 
das outras partes contractantes , serão conduzidos e entregues 
á Jurisdicção franceza em Cayena. Todas as embarcações fran- 
cezas que forem tomadas nas Índias occidentaes, ou sobre o li- 
toral da America, ao Norte dos 10º de latitude Norte, pelos 
cruzadores das outras partes contractantes , serão conduzidos e 
entregues á jurisdicção franceza na Martinica. Todas as em- 
barcações inglezas que forem tomadas sobre a costa occidental 
da Africa, pelos cruzadores das outras partes contractantes , 
serão conduzidas e entregues á jurisdicção ingleza em Bathurst, 
sobre o rio Gambia. Todos os navios inglezes que forem tomados 
sobre a costa oriental d'Africa, pelos cruzadores das outras par- 
tes contractantes, serão conduzidos e entregues á jurisdicção 
ingleza no cabo da Boa Esperança. Todos os navios inglezes que 
forem tomados sobre a costa da America, pelos cruzadores 


3926 TRACTADO DAS CINCO POTENCIAS Nº. 


< 


das outras partes contractantes, serão conduzidos e entregues 
á jurisdicção ingleza na colonia da Demerara , ou em Porto 
Real, na Jamaica, segundo o julgar conveniente o comman- 
dante do cruzador. Todas as embarcações inglezas que forem 
tomadas nas Indias occidentaes, pelos cruzadores das outras 
partes contractantes, serão conduzidas e entregues á jurisdic- 
cão ingleza em Porto Real na Jamaica. Todos os navios prus- 
sianos que forem tomados nas estações da America e da Afri- 
ca, pelos cruzadores das outras partes contractantes, serão 
conduzidos e entregues á jurisdicção prussiana em Stettin. Po- 
rém se acham escravos a bordo de um navio prussiano no 
tempo da sua captura, o navio será primeiro enviado, para 
fazer o deposito dos seus escravos, ao porto onde elle teria 
sido julgado, se tivesse navegado debaixo da bandeira ingleza 
ou franceza. Depois, o navio será enviado e entregue á juris- 
dicção prussiana em Stettin; assim como se o Todos os 
navios russos que forem tomados nas estações da America ou 
da Africa, pelos cruzadores das outras partes contractantes, 
serão conduzidos e entregues á jurisdicção russa em Cronstadt 
ou em Revel, se a estação permittir ganhar um ou outro des- 
tes portos. Porém se se acharem escravos a bordo de um na- 
vio russo, no momento da sua captura, o navio será primeiro 
enviado, para fazer o deposito dos escravos, ao porto em que 
elle teria sido julgado, se tivesse navegado debaixo da ban- 
deira ingleza ou franceza. O navio será depois enviado e en- 
tregue á jurisdicção russa em Cronstadt ou em Revel, assim 
como mais acima se estipulou. 

6.º Logo que um navio mercante, depois de ter sido 
detido, como acima se disse, chegar a um dos portos ou a 
um dos logares acima mencionados, o commandante do cruza- 
dor, ou o afins encarregado de conduzir a embarcação deti- 
da, entregará ás autoridades devidamente comettidas para 
este efeito , pelo Governo em cujo territorio se achar o dito 
porto ou logar, o navio e a sua carregação, assim como 0 Ca- 
pitão, a equipagem, os passageiros e os escravos achados a 
bordo com os papeis tomados a bordo do navio, e o duplicado 
das listas dos ditos papeis; devendo o official guardar a outra 
lista em seu poder. Este official entregará, ao mesmo tempo, 


1812. CONTRA `O TRAFICO DA ESCRAVATURA. 327 


ás ditas autoridades uma das declarações originaes, assim co- 
mo se disse precedentemente, ajuntando-lhe a commemoração 
de todas as mudanças que poderem ter tido logar depois da 
época da captura do navio até á entrega; assim como uma 
copia da declaração de todo o caso da ausencia que tivesse 
podido ter logar, como se disse acima. Depois de ter feito a 
entrega de todos estes papeis, o official certificará a sua ex- 
acção por escripto, e debaixo da fé do juramento. 

7.º Se o commandante de um cruzador de uma das al- 
tas partes contractantes, devidamente munido de instrucções 
especiaes precitadas, tem alguma razão de julgar que um-na- 
vio mercante, debaixo da escolta ou na companhia de um na- 
vio de guerra d'uma das altas partes contractantes, está empe- 
nhado no commercio d'escravos, ou que foi armado para fazer 
este trafico, ou se fez acto deste trafico na travessa em que foi 
encontrado pelo dito cruzador, este se limitará a dar parte 
- das suas suspeitas ao commandante do navio de guerra, e dei- 
xará a este ultimo o cuidado de proceder, só, à visita do na- 
vio suspeito, e de o remetter à jurisdicção do seu paiz, se ahi 
tiver logar. 

8.º Pelo artigo 4.º deste tractado é estipulado, que o 
direito reciproco de visita jámais será exercido em navios de 
guerra das altas partes contractantes. Ajustou-se que esta exce- 
peão se applicará igualmente aos navios da companhia russo- 
americana, que, commandados por officiaes da marinha imperial, 
são autorisados pelo Governo Imperial a arvorar uma bandeira, 
que os distinga da marinha mercante; e são armados e equi- 
pados do mesmo modo que os saone de guerra. É, e fica 
além disto entendido, que os ditos navios serão munidos de 
uma patente russa, certificando a sua origem e destino, À 
fórma desta patente será adoptada de cummum accordo. Tam- 
bem se convencionou que esta patente, emanada da autorida- 
de competente na Russia, será subscripta em S. Petersburgo 
pelos consulados da Gram-Bretanha e da França. 

9.º Na terceira clausula do artigo 9.º do tractado está 
estipulado que, sem prova em contrario, um navio será jul- 
gado empenhado no commercio de escravos, se se acharem a 
seu bordo taboados de sobrecellente destinados a formar uma 


328 T. DAS CINCO POT. CONTRA O TRAFICO DA ESC. N.º 77. 


“segunda ponte ou ponte de escravos. Para prevenir todo o 
abuso que poderia resultar de uma interpetração arbitraria 
desta clausula, tem-se especialmente recommendado aos cruza- 
dores de não applicar ás nações austriaca, prussiana, ou russa 
que fazem o commercio de madeiras de construcção , cujas 
declarações provarem que os taboados e vigas que existem ou 


têm existido a bordo, fazem ou têm feito parte da sua car-. 


regação. 

Em consequencia, para não opprimir o commercio legiti- 
mo, os cruzadores têm ordem expressa de não obrarem em 
virtude: das estipulações consignadas na 3.º clausula do artigo 
9;º senão quando houverem, a bordo do navio visitado, taboa- 
dos de sobrecellente, evidentemente destinados a formar uma 
ponte de escravos. 

Os plenipotenciarios abaixo assignados têm resolvido, con- 
forme ao artigo 28.º do tractado , por-elles assignado no dia 
de hoje, que estas instrucções serão annexas ao tractado àssi- 
gnado no dia de hoje, entre a Gram-Bretanha, a Austria, a 
França, a Prussia e a Russia, para a suppressão do commercio 
de escravos de Africa; e que ellas serão consideradas como 
parte integrante do tractado, 

Em fé do que os plenipotenciarios das altas partes con- 
tractantes assignaram o annexo, e o têm firmado com as suas 
armas. 

Feito em Londres, a 20 de Dezembro do anno de Nosso 
Senhor 1841. 

(Assignados) Aberdeen. — Kolleb. — Sainte Aulaire. — 
Schleinitz, — Brunow. 


1842. NOT. SOBRE-O COMMERCIO DO ARCHIPELAGO MALAIO. 829 
——— me HAL) mm 


Notas sobre o commercio do archipelago Malaio, bem como 
sobre os estabelecimentos da companhia Ingleza das Indias 
orientaes no estreito de Malaca, por Mr. Picard, segundo 
tenente da marinha Franceza. (Continuadas de pag. 284.) 


Banca. 


Occupar-me-hei agora da ilha de Banca, abundante em 
minas de estanho, das ilhas neerlandezas a segunda em im- 
portancia. 

Os Hollandezes, monopolistas de coração, dizem á ilha 
de Banca : « Tu não produzirás senão estanho ; e todos os bra- 
« ços que possues, devem ser empregados nas minas;» de 
maneira que esta ilha tão extensa não é mais do que uma 
floresta cortada de atalhos, que communicam de-umas minas 
para as outras. IE ; 

As minas de Banca são deposito d'alluvião; o mineral de 
estanho é misturado com arêa e argilla; a exploração é mui 
simples; basta lavar este mineral, e depois fundi-lo, para o 
transformar em barras de estanho. Todas as minas de Banca 
são exploradas por empreiteiros Chins angariados por contra- 
ctos com o Governo. Recebem adiantamentos, e obrigam-se 
a entregar ao Governo todo o estanho que extrahem a razão 
de 13 a 15 florins o picul. Todo o estanho de Banca é trans- 
portado para a Batavia; onde, pagas todas as despezas , fica 
cada picul ao thesouro por vinte florins, pouco mais ou me- 
nos; que depois rende, na Batavia, de quarenta e sete a cin- 
coenta florins; porém actualmente o Governo prefere realisar 
esta venda nos mercados da Hollanda. 

- À quantidade de estanho tirado annualmente da ilha de 
Banca varía na razão das chuvas. Em 1839, o Governo re- 
cebeu 70.000 piculs que lhe produziram um lucro de 2:500.000 
florins; porém em 1838, o benefício não excedeu a 700.000 
florins, em consequencia das chuvas terem obstado á continua- 
ção dos trabalhos durante uma grande parte do anno. 


e 


330 NOTAS SOBRE O COMMERCIO NIST. 


O Governo Neerlandez, não permittindo a cultura da ilha 
de Banca, deve alimentar seus habitantes, que são 18.000 
Chins, e 40.000 Malaios; e assim uma das condições impos- 
tas pelos emprezarios, é que todo o arroz necessario para con- 
sumo de toda a ilha, deverá alli ser mandado de Java em épo- 
cas determinadas, e vendido aos mineiros pelos preços con- 
vencionados. 

As minas de Banca acham-se divididas em oito districtos. 
Mintow, ou Muntock , é o estabelecimento principal, e séde 
do Tenente Coronel residente. Além dos empregados e tropas 
da guarnição, que andam por 200 homens, nenhuns outros 
européos habitam Mintow. Antes de chegar á colina onde es- 
tão edificadas as casas hollandezas, atravessa-se o bairro ma- 
laio e chim , situado sobre a praia do mar, perto de uma la- 
gôa e de um pequeno ribeiro. 

As habitações hollandezas, cobertas de colmo, são muito 
commodas ; e algumas até elegantes. O logar elevado em que 
ellas estão collocadas semelha um jardim inglez, cortado por 
immenso numero de ruas, e sombreado por grandes arvores, 
nas quaes muitas vezes se vê saltarem os macacos , hospedes 
que em grande quantidade habitam os snburbios de Muntock. 


Bornéo. 


Sambas, Pontianac e Benjarmassin são os estabelecimen- 
tos da Hollanda na grande ilha de Bornéo. 

Sambas está situada na embocadura de um grande rio, 
navegavel até á distancia de 200 milhas por embarcações de 
grande porte. Os Hollandezes estabeleceram-se alli em 1834, 
e alli conservam uma guarnição de 40 homens de tropa. O 
seu commercio mais importante é o do ouro em pó, colhido 
nas ribeiras, diamantes. antimonio, etc. Os rendimentos do 
estabelecimento consistem reciprocamente: no monopolio do 
sal, que o Governo faz para alli transportar de Madura. Os 
Hollandezes empregam todos os seus esforços para attrahir o 
commercio dos Chins aos seus estabelecimentos ; e até muitas 
vezes obrigam as embarcações destes a entrar nos portos hol- 
landezes. Uma grande colonia china se formou sobre a costa 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 331 


NO. de Bornéo, em Sinkarwan e Montrado : esta fica 35 mi- 
lhas para o interior. As vantagens que resultam á Hollanda 
do terreno que occupa nesta ilha, são mui diminutas. 


- 


Riow. 


Riow ou Rhio, sobre a ilha Bintang, é porto franco, 
creado em 1824 pelo Governo Hollandez , na mira de rivali- 
sar com Singapor, distante 40 milhas de Riow. Esta idéa era 
dificil de realisar; porque Riow não está situada como Sin- 
gapor, sobre o grande caminho da Asia oriental. O commer- 
cio de Riow reduz-se á cabotagem com as ilhas proximas , e 
particularmente com Singapor. O gambier é o principal pro- 
ducto de Riow, que igualmente fornece pimenta e algum ar- 
roz. De quando em quando, grandes embarcações entram em 
Riow para receber alli algumas tonelladas de gambier. 

Riow offerece um bom ancoradouro, e algumas habitações 
hollandezas, dominadas por um fortim construido sobre uma 
eminencia. A cidade malaia e china compõe-se de uma infi- 
nidade de choupanas, feitas de cana da India, e construidas 
sobre estacas, como se usa em toda a Malasia. 


Molucas e Celébes. 


O archipelago das Molucas forma-se do grupo de ilhas, o 
qual tem Celébes ao O., a Nova Guiné ao E. e Timor ao S. 
As Molucas, que chamaram ás ilhas das especies, têm per- 
dido muito de sua importancia, desde que outras colonias, co- 
mo Ceylão, Penang, Bourbon, Mauricia e Cayenna, culti- 
vam muscadeiros, e cravo da India: a experiencia veio por 
fim desenganar os Hollandezes que o seu systema de devasta- 
ção não podia continuar a subsistir. Hoje o Governo Neerlan- 
dez mantem, com grande dispendio , as suas guarnições nas 
Hhas privilegiadas de Amboino e de Banda, unicas em que as 
arvores que produzem especiarias, tinham licença para crescer. 

Amboino, Banda, Ternate e suas dependencias têm quasi 
cessado de dar os lucros consideraveis que já deram á Hol- 
landa; e annos têm havido em que as despezas absorvem os 


-332 NOTAS SOBRE O COMMERCIO NES 


rendimentos provenientes da venda das especiarias, e dos im- 
postos que pesam sobre os indigenas. 

Amboino é o ponto mais importante do archipelago , e 
residencia do Governador das Molucas. 

Ternate foi destruida pelo terremoto que alli teve logar 
no principio de 1840. 

Macassar: é o principal estabelecimento da Hollanda sobre 
as ilhas Celébes; mas que offerece pouca vantagem ao com- 
mercio estrangeiro, Todos os productos das ilhas Celébes são 
exportados por navegadores Bungos, que levam de Singapor 
e da Batavia as mercadorias da Europa e da India para seu 
commercio. 

Os colonos das Celébes, reconhecendo de dia para dia os 
defeitos de seus senhorios ,. vão-se unindo ás tribus indepen- 
dentes; e já-a guerra.que a Hollanda teve de sustentar nesta 
ilha, lhe custou bastante sangue.. 


Timor. 


Uma. parte da ilha de Timor pertence á Hollanda: Kou- 
pang é a-capital, habitada por Malaios e Chins. 

Timor produz arroz, páo-sandalo e cêra. E notavel uma 
raça de-cavallos que alli se encontra, muito estimados na ln- 
dia, e dos quaes se faz consideravel exportação. 

Muitos navios estrangeiros vêm todos os annos a Kou- 
pang. 

Os Portuguezes têm tambem nesta ilha uma cidade, Dil- 
ly, é um “terreno mui extenso; é uma colonia pobre e sem 
importancia. Dilly entretem relações com Macão: a sua po- 
pulação china augmenta todos os annos. 

Visto havermos entrado no mar de Timor, é justo que 
examinemos essas ilhas numerosas, lançadas entre as Molucas 
e a Australia. 

O archipelago das Arrous , ilhas pouco conhecidas, reco- 
nhecia antes da guerra a supremacia hollandeza. Porém, logo 
que, feita a paz, o Rei dos Paizes-Baixos recuperou as suas 
possessões, as Arrous foram abandonadas, e os indigenas não 
tiveram mais senhores. Hoje o commercio daqnellas ilhas é li- 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 333 


vre, e consiste em tartaruga, ninhos de passaros, perolas, etc. 
Os Chins, os Bungos e os Javanezes correspondem-se com os 
habitantes daquelas ilhas: Wama, Wohan Maykor e Waclia 
são as principaes do grupo. 

Mui perto da Australia jazem as ilhas de Kissa , Letti, 
Moa, Lakar e Timorlaut; as quaes necessariamente deverão 
prosperar muito em razão da próximidade em o se acham 
da feitoria ingleza de Port-Essington. 

Em 1838, a corveta Tep Alligator , commandada 
por Sir Gordon Bremer, fundou a cidade de Victoria, na ex- 
tremidade do golfo denominado Port-Essington, sobre a costa 
N. da Australia. Dentro em poucos mezes . levantou-se alli 
uma bateria de seis peças e quatro morteiros ; construio-se 
um molhe, e vio-se estabelecido um governo , um deposito , 
um hospital e um aquartelamento para os quarenta mariti- 
mos, que formam a guarnição do novo estabelecimento. 

O fim principal que o Governo Britannico teve em vista, | 
foi oferecer um asylo aos navios que navegassem da India 
para a Nova Galles do Sul, e aos que emprchendessem a 
ariscada viagem do estreito de Torres, e tornar a cidade de 
Victoria um ponto de reunião dos Malaios c Australios , que 
se empregam na pesca. Os indigenas encontraram alli, em to- 
rno dos productos da sua pesca, tecidos de algodão e outros 
objectos manufacturados, que até então eram obrigados a co- 
mprar nos estabelecimentos hollandezes. É este um novo gol- 
pe dado sobre as feitorias; que, segundo todas as probabili- 
dades, perderão toda a sua influencia commercial nas ilhas que 
acima mencionei. Estas, a menos de 300 milhas de distan- 
cia de Port-Essington, têm em si uma população numerosa , 
que sem duvida se apressará em comprar as mercadorias in- 
glezas, que entrarão livres de direitos no porto de Victoria. 


(Continuar-se-ha. ) 


334 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 6. 


AVISOS AOS NAVEGANTES. 
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Pai conhecimento dos navegantes, se faz publico o aviso da 
administração da real Marinha da Suecia relativamente á alteração 
mandada fazer no systema de torres daquellas costas, a saber: 

O farol de Falsterbó (Falsterbó Fyr) deverá ser mudado de fa- 
rol acceso com carvão, como até agora era, para farol de lentilha 
da segunda classe a fogo fixo, e a sua torre por consequencia sof- 
frerá uma consideravel alteração; a qual começará a ser feita, logo 
que seja possivel, durante o corrente anno : devendo no entanto, e 
até que o novo farol possa ser acceso, o que é provavel ter logar 
em o 1.º de Julho de 1843, continuar a luz por meio da grande 
lanterna collocada na torre, tão alta quanto fôr possivel; porém não 
correspenderá inteiramente à intensidade da luz do farol acceso com 
carvão. 

O farol de Kullen (Kullen Fyr) deverá ser substituido por um 
farol de fogo fixo, e a sua torre por consequencia será demolida e 
reconstruida : devendo, durante o tempo do concerto, que princi- 
piará no anno corrente, e até que o novo farol se accenda no anno 
proximo futuro, ser a luz transportada da torre para o monte visi- 
nho, sendo ella quasi da mesma altura, e continuando a luz por 
meio do carvão em farol aberto. 

Por ordem de S. M., deve comecar-se no presente anno a cons- 
trucção de um farol, de altura de setenta pés, em Morups Tange, 
uma milha distante da cidade de Falkenber, na costa de Halland 
em Cattegat; no qual se collocará um lampeão com reverberos que, 
pelo tempo da sua circulação, e intensidade da sua luz, differirá 
do farol denominado Blink-Fyr, que, conforme a noticia que se deu 
em 24 de Março do corrente anno, se construio no Anhoult, á custa 
da Dinamarca. 

Publicar-se-ha na Gazeta do Estado o tempo em que devem co- 


meçar as alterações acima mencionadas, quer seja com lentilhas, ou, 


com reverberos. 
( Diario do Governo. ) 


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WARITIKOS E (9LONEAIS. 
N° 8. 
SEGUNDA SERIE, . 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 
Maio de 1842. 


i; dg dirigida ao Presidente do Conselho de 
Saude Naval, relativamente á collocação dos Cirurgiões d'Ar- 
mada, na ordem que lhes pertence pelas suas antiguidades. 


Junho 


18. Portaria, sobre as medidas que os Commandantes 
dos Navios de Guerra Nacionaes, nas Estações d'Africa orien- 
tal e occidental, deyem tomar para o desenvolvimento da sua 
principal commissão , qual a de fazerem manter, na mais ri- 
gorosa observancia, as disposições do Decreto de 10 de De- 
zembro de 1836, relativo á extincção do infame trafico da 
escravatura. 

Julho 


2, Portaria, mandando addir á Administração Geral das 
Mattas do Reino, para coadjuvar o respectivo Administrador 
Geral, o Capitão de Fragata Augusto José de Carvalho. 

Idem. Portaria, mandando declarar ao Major General 
d'Armada , que os Segundos Tenentes graduados, promovidos 
por Decreto de 4 de Março ultimo, Daniel Baptista de Bar- 

1 


338 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


ros, Francisco Antonio Corrêa, Manoel Leocadio d'Almeida, 
Joaquim José d'Azevedo, Fernando Pinto Ferreira, Antonio 
Francisco Ribeiro Guimarães, Francisco Silverio Torres, e 
João Manoel Mendes, que se achavam preteridos pelo Segun- 
do Tenente graduado João Antomo da Silva Costa, contem a 
sua antiguidade deste posto desde o dia 15 d'Outubro de 
1841, em que teve logar a promoção deste ultimo Official. 

4. Portaria, dando esclarecimentos sobre o ordenado 
aos Commandantes dos Navios de Guerra Nacionaes , que se 
acham nas Estações d'Africa oriental e occidental, na Porta- 
ria de 20 de Junho ultimo. 

5. Portaria, mandando addir á Bibliotheca de Marinha 
o Capitão de Fragata reformado Raimundo Eustaquio Mon- 
teiro, para alli coadjuvar o respectivo Bibliothecario. 

13. Portaria, ordenando que, do porto desta capital, 
partam regularmente correios para as provincias de Cabo- 
Verde, Angola , e S. Thomé e Principe. 

ir iPastaria , mandando contar no tempo de serviço 
do Capitão Tenente reformado, Domingos Freire Reboxo, os 
cinco annos da época da usurpação. 

15. Portaria, mandando addir á Inspecção do Arsenal 
da Marinha, o Coronel reformado da extincta Brigada de 
Marinha, Manoel Claudio de Figueiredo. 

18. Portaria, mandando admittir na Secretaria do Su- 
premo Conselho de Justiça Militar, para alli coadjuvar nos 
trabalhos daquella Secretaria, o Capitão de Fragata refor- 
mado José Pedro Marcellino Schultz. 

21. Portaria, mandando que ao Primeiro Tenente d'Ar- 
mada, Lente da Cadeira de Navegação na Eschola Polythe- 
chnica, Joaquim Cordeiro Feio, se conte a antiguidade deste 
posto de 22 de Novembro de 1834. 

23. Decreto, promovendo ao posto de Primeiro Tenente 
d'Armada , o Segundo Tenente, Manoel de Jesus Tavares. 


+ a a 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 339 


Tractado de Commercio e Navegação entre Sua Magestade a 

~ Rainha de Portugal e dos Algarves, e Sua Magestade a 
Rainha do Reino-Unido da Gram- Brétanha e Irlanda, as- 
signado em Lisboa pelos respectivos if ici em 3 
de Julho de 1842. 


Dona MARIA, por Graça de Deos, RainHa de Portu- 
gal e dos Algarves, d'áquem e d'álém mar em Africa, Se- 
nhora de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio 
da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc. Faço Saber aos 
que a presente Carta de Confirmação e Ratificação virem, que 
aos tres dias do mez de Julho do corrente anno se concluio e 
assigaou, na Cidade de Lisboa, entre Mim e Sua Magestade 
a Rainha do Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, pe- 
los respectivos Plenipotenciarios, munidos dos competentes Po- 
deres, um Tractado de Commercio e Navegação, com o fim 
de dar toda a extensão possivel ao Commercio reciproco en- 
tre os dois Estados, cujo theor é o seguinte : 

Sua Magestade a RarxHa de Portugal e Algarves, e Sua 
Magestade a Rarnma do Reino-Unido da Gram-Bretanha e 
Irlanda, Desejando manter e estreitar os laços de amizade que- 
tão felizmente tem subsistido entre as Corôas de Portugal e 
da Gram-Bretanha, e animar e ampliar as relações commer- 
“ciaes entre os Seus respectivos subditos, por meio de um Tra- 
ctado de Commercio, e Navegação, Nomearam para esse fim 
Seus Plenipotenciarios, a saber: Sua Magestade a RarxHa de 
Portugal e Algarves a Dom Pedro de Sousa Holstein, Duque 
de Palmella, Presidente vitalicio da Camara dos Pares, Con- 
selheiro d' Estado, Gram-Cruz da Ordem de Christo, e da 
Torre e Espada, Capitão da Guarda Real dos Archeiros, Ca- 
valleiro da Insigne Ordem do Tosão de Ouro, e Gram-Cruz 
das Ordens de Carlos HI em Hespanha, da Legião de Honra 
em França, de Santo Alexandre Newsky na Russia, Caval- 
leiro da Ordem de S. João de Jerusalem, Conde de Sanfrê 
em Piemonte, Ministro e Secretario d'Estado Honorario etc. 
etc. etc.; e Sua Magestade a RarxHa do Reino-Unido da 
Gram-Bretanha e Irlanda a Carlos Augusto, Lord Howard de 


x 


340 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


Walden, Par do Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, 
Cavalleiro Gram-Cruz da muito illustre Ordem do Banho, En- 
viado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Sua Ma- 
gestade Britannica junto de Sua Magestade Fidelissima , etc. 
etc. etc. ; os quaes, depois de haverem reciprocamente commu- 
nicado os seus respectivos Plenos Poderes, que acharam em 
boa e devida fórma, convencionaram e concluiram os artigos 
seguintes : 

Artigo 1.º Os subditos de cada uma das Altas Partes 
ireke gozarão, nos dominios da outra, de todos os 
privilegios , immunidades „ € protecção de que gozarem os su- 
bditos da nação mais favorecida. Poderão viajar, residir, oc- 
cupar casas e armazens, dispôr de seus bens allodiaes e em- 
phiteuticos, e de qualquer outra propriedade legalmente ad- 
quirida, por venda, doação, escambo, ou testamento, ou por 
outro qualquer modo, sem o mais leve impedimento , ou ob- 
staculo qualquer. Serão isentos de emprestimos forçados, ou de 
outras quaesquer contribuições extraordinarias, que não sejam ge- 
raes, ou estabelecidas por lei; e bem agsim de todo o serviço mi- 
litar, quer por mar, quer por terra. As suas casas de habitação, 
armazens, e todas as partes e dependencias delles, serão respei- 
tadas, e não serão sujeitas a visitas arbitrarias , ou a buscas; 
e nenhum exame, ou inspecção se fará nos livros , papeis, ou 
contas, sem sentença legal de um Tribunal ou Juiz compe- 
tente. 

O lançamento da quantia que deve ser paga pelos subdi- 
tos britannicos em Portugal e seus dominios , de mancio ou 
decima industrial, e de que têm até agora gozado uma isen- 
ção especial, será em todos os casos, para o futuro, feito, 
se elles asssm o reclamarem, conforme o arbitramento dado 
por informadores commerciaes, dois dos quaes serão portu- 
guezes, e dois britannicos, nomeados pelo Conselho de Dis- 
tricto; e no caso de que as partes fintadas ponham alguma 
objecção á importancia do dito lançamento (que em todos os 
casos estará em uma justa proporção com o arbitramento por 
que forem fintados os subditos nacionaes de Portugal) terão 
direito de appellar para o Tribunal do Thesouro, e de com- 
parecerem em pessoa, ou de serem ouvidos por advogado pe- 


— 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 344 


rante o dito Tribunal; e no entanto não se fará execução na 
sua propriedade, até que o mesmo Tribunal haja dado uma 
decisão definitiva. 

Fica todavia entendido que os subditos britannicos , resi- 
dentes em Portugal e seus dominios, que ahi não commer- 
ciem, ou exerçam qualquer ramo de industria, mas tirem os 
seus rendimentos de outra origem, serão, da mesma sorte 
que os subditos portuguezes, inteiramente isentos do lança- 
mento do dito imposto de maneio, ou decima industrial. 

Aos subditos de cada uma das Altas Partes Contractantes 
será tambem permittido, nos dominios da outra, o livre uso 
e exercicio da sua Religião, sem por fórma alguma serem 
inquietados pelas suas opiniões religiosas: poderão reunir-se 
para objectos de culto publico, e para celebrarem os ritos da 
sua Religião nas suas proprias moradas, ou em Capellas, ou 
logares para esse fim destinados, sem que agora, nem para o 
futuro, soffram o menor embaraço, ou interrupção qualquer ; 
e Sua Magestade Fidelissima Ha por bem, agora, e para 
sempre, conceder licença aos subditos de Sua Magestade Bri- 
tannica para edificarem e conservarem taes Capellas , e loga- 
res de culto dentro dos seus dominios * ficando sempre enten- 
dido, que as ditas Capellas e logares de culto não devem ter 
torres de sinos, nem sinos. 

Os subditos de Sua Magestade Britannica terão igualmente 
liberdade para enterrar os seus mortos, pelo modo e com as 
ceremonias usadas no seu respectivo paiz, nos terrenos e ce- 
miterios que comprarem e prepararem para esse fim; e as 
sepulturas, na conformidade da antiga prática existente, de 
nenhum modo ou fórma deixarão de ser respeitadas. 

| Art. 2.º Os subditos de qualquer das Altas Partes Con- 
tractantes, poderão livremente dispôr, por testamento , dos 
seus bens individuaes, que possuirem nos territorios da outra ; 
e os seus herdeiros, ainda: que subditos da outra Parte Con- 
tractante, poderão succeder nos seus bens individuaes, ou por 
testamento ou ab intestato, e tomar posse dos mesmos, se- 
gundo a lei, ou seja em pessoa, ou por seus bastantes procu- 
radores; e no caso de estarem ausentes os herdeiros, ou os 
seus bastantes procuradores, será o Consul autorisado a tomar 


342 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


conta dos ditos bens, segundo a lei, até que o dono tenha 
feito os necessarios arranjos para tomar posse da sua proprie- 
dade : suscitando-se duvida entre differentes reclamantes quanto 
ao direito que cada um possa ter á dita propriedade , serão 
taes duvidas decididas pelos Tribunaes do paiz em que essa 
propriedade existir. E se para o futuro se conceder , nos do- 
minios de qualquer das partes contractantes, aos subditos de 
uma outra nação, algum favor relativamente á posse ou he- 
rança de bens de raiz (biens fonds), será o mesmo favor ex- 
tensivo reciprocamente aos seus respectivos subditos, quer seja 
em Portugal, quer na Gram-Bretanha. 

Art. 3.º Os subditos de cada uma das Altas Partes Con- 
tractantes, residentes nos dominios da outra, poderão agen- 
ciar os seus proprios negocios, ou commette-los á administra- 
ção de quaesquer pessoas que nomeiem para seus correctores, 
commissarios, agentes, ou interpretes, sem que subdito algum 
britannico soffra restricção na escolha das pessoas que hajam 
de desempenhar taes incumbencias, e sem que sejam obriga- 
dos a pagar salario, ou remuneração alguma a qualquer pes- 
soa que não tenha escolhido para aquelle fim. Conceder-se-ha 
absoluta liberdade em todos os casos, tanto ao comprador, 
como ao vendedor, para contractarem um com o outro, e 
para fixarem o preço de quaesquer fazendas, generos, ou mer- 
cadorias importadas nos dominios de qualquer das Partes Con- 
tractantes ,- ou delles exportadas, observando-se exactamente 
as leis e costumes estabelecidos no paiz. 

Os subditos de qualquer das Altas Partes Contractantes, 
residentes nos dominios da outra, terão liberdade de abrir ar- 
mazens, e lojas a retalho como qualquer subdito nacional, se- 
gundo os mesmos regulamentos municipaes e policies, não 
sendo por isso obrigados a pagar tributos, ou impostos maio- 
res do que pagam, ou vierem a pagar os subditos nacionaes. 

Art. 4.º Haverá reciproca liberdade de Commercio e Na- 
vegação entre os subditos das duas Altas Partes Contractantes, 
e os respectivos subditos dos dois Soberanos não pagarão, nos 
portos, bahias, enseadas, cidades, villas, ou logares quaes= 
quer que. forem .nos dois reinos, nenhuns outros, ou maiores 
direitos, tributos, contribuições, ou impostos, seja qual fôr 


1812. ACTOS DO GOVERNO. 343 


o nome com que possam ser designados, ou entendidos, do 
que aquelles que forem pagos pelos subditos ou cidadãos da 
nação mais favorecida. 

Nenhum direito de alfandega ou outro imposto será car- 
regado sobre quasquer generos “da producção de um dos dois 
paizes, na importação por mar ou por terra desse paiz para 
o outro, que seja maior do que o direito ou imposto carre- 
gado sobre os generos da mesma qualidade da produeção , e 
importados de qualquer outro paiz; e nenhum direito , res- 
tricção, ou prohibição se imporá na importação ou exportação 
de um para o outro paiz, nos generos e productos de cada 
um delles, que não seja imposto nos generos da mesma qua- 
lidade, quando importados de qualquer outro paiz, ou masah 
tados para elle: e Sua Magestade a Ranna de Portugal, 
Sua Magestade a Ranna do Reino-Unido da' nani nd 
e Irlanda se obrigam e promettem, em Seu Nome, e no de 
Seus Herdeiros e Successores, a não conceder favor, privilegio, 
ou immunidade alguma, em objectos de Commercio e Nave- 
gação aos subditos ou cidadãos de outro qualquer Estado, que 
não seja tambem , e ao mesmo tempo, extensivo aos subditos 
da outra Alta Parte Contractante; gratuitamente, se a con- 
cessão a favor desse outro Estado tiver sido gratuita, e dando 
o mais aproximadamente possivel a mesma compensação, ou 
o equivalente, no caso de ter sido condicional a concessão. 

Art. 5.º Nenhuns direitos de tonellada, de porto, de 
faroes, de pilotagem, de quarentena, ou outros similhantes, 
ou correspondentes direitos de qualquer natureza , e denom!- 
nação que sejam, se imporão em algum dos dois paizes sobre 
as embarcações do outro, nas viagens que ellas fizerem com 
carga, entre ambos os paizes, ou em outras quaesquer via- 
gens que façam em lastro, os quaes direitos não sejam igual- 
mente impostos sobre as embarcações nacionaes em casos si- 
milhantes. 

Art. 6.º Todos os generos da creação, producção, ou 
manufactura das suas respectivas possessões, que em um dos 
dois paizes podem legalmente ser importados do outro, em 
navios desse outro paiz, serão, quando assim importados, su- 
jeitos aos mesmos direitos , quer sejam importados em navios 


344 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


de um ou de outro paiz; e, da mesma sorte, todos os gene- 
ros que podem legalmente ser exportados de um dos dois pai- 
zes para outro, em navios desse outro paiz, serão, quando 
assim exportados, sujeitos aos mesmos direitos, e gozarão da 
mesma restituição de direitos, premios, e concessões, quer 
sejam exportados em navios de um ou de outro paiz. 

Art. 7° “A fim de promover e animar as relações com- 
merciaes entre os dominios das Altas Partes Contractantes , 
para o mutuo benefício dos seus respectivos subditos , convêm 
Sua Magestade Fidelisssma e Sua Magestade Britannica em 
tomar em consideração os direitos ora impostos sobre os arti- 
gos de producção, ou de manufactura de qualquer dos dois 
paizes, com o intuito de fazer nesses direitos as reducções que 
possam ser compativeis com os respectivos interesses das Al- 
tas Partes Contractantes. 

Esta materia fará sem demora objecto de uma negociação 
especial entre os dois Governos. 

Art. 8.º Será permittido aos navios portuguezes irem di- 
rectamente de qualquer porto dos dominios de Sua Magestade 
Fidelissima a qualquer colonia de Sua Magestade Britannica, 
e importarem para a dita colonia queesquer generos da creação, 
producção ou manufactura de Portugal, ou de qualquer dos 
dominios portuguezes, não sendo os ditos generos daquelles cuja 
importação seja prohibida na dita colonia, ou dos que só se- 
jam nella admittidos dos dominios de Sua Magestade Britan- 
nica; e os ditos navios portuguezes e os ditos generos nelles 
importados desta maneira, não serão sujeitos naquela colo- 
nia de Sua Magestade Britannica, a pagar direitos ou impo- 
sicões maiores, ou diversas do que pagariam os navios Britannicos 
que importassem iguaes qualidades de generos, ou do que paga- 
riam similhantes generos de creação, producção, ou manu- 
factura de qualquer paiz estrangeiro, cuja importação naquella 
dita colonia fosse permittida em navios britannicos. Do mes- 
mo modo será permittido aos navios britannicos irem directa- 
mente de qualquer porto dos dominios de Sua Magestade Bri- 
tannica a qualquer colonia de sua Magestade Fidellissima , e 
importarem para a dita colonia quaesquer generos da creação, 
producção , ou manufactura do Reino-Unido , ou de qualquer 


1842. ACTOS DO GOVERNO. ` 345 


dos dominios britannicos, não sendo os ditos generos daquelles 
cuja importação seja prohibida na dita colonia , ou dos que 
só sejam nella admittidos dos dominios de Sua Magestade 
Fidelissima ; e os ditos navios britannicos, e os ditos generos 
nelles importados desta maneira, não serão sujeitos, naquella 
colonia de Sua Magestade Fidelissima, a pagar direitos ou 
imposições maiores ou diversas do que pagariam os navios por- 
tuguezes, que importassem iguaes qualidades de generos, ou 
do que pagariam similhantes generos de creação , producção , 
ou manufactura de qualquer paíz estrangeiro, cuja importa- 
ção naquella dita colonia fosse permittida em navios portu- 
guezes. 
Art. 9.º Será permittido aos navios portuguezes expor- 
tarem de qualquer colonia de Sua Magestade Britannica para 
qualquer logar que não pertença aos dominios de Sua dita 
Magestade, todos os generos, cuja importação daquella colo- 
nia não fôr geralmente prohibida, e os ditos navios portu- 
guezes, e os ditos generos exportados nelles desta maneira, 
não serão sujeitos a pagar naquella colonia nenhumas , diver- 
sas, ou” maiores imposições do que seriam pagas pelos navios 
britannicos, que exportassem taes generos, ou por taes ge- 
neros exportados em navios britannicos, e terão juz ás mes- 
mas restituições de direitos, ou gratificações que a estes se- 
riam concedidas. l 

Do. mesmo modo será permittido aos navios britannicos 
exportarem, de qualquer colonia de Sua Magestade Fidelis- 
sima para qualquer logar que não pertença aos dominios de 
Sua dita Magestade, todos os generos cuja exportação daquella 
colonia não fôr geralmente prohibida; e os ditos navios bri- 
tannicos e os generos exportados desta madeira, não serão 
sujeitos a pagar naquella colonia nenhumas , diversas, ou 
maiores imposições do que seriam pagas pelos navios portu- 
tuguezes que exportassem taes generos, ou por taes generos, 
exportados em navios portuguezes; e terão juz ás mesmas 
restituições do direitos, ou gratificações que a estes seriam 
concedidas. 

Art. 10. Por este artigo se declara que as estipulações 
do presente Tractado não se devem entender applicaveis á 


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r e eps RA 


346 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


Navegação -e Commercio de transporte entre um e outro porto: 
situado nos dominios -de qualquer das Partes* Contractantes , 
se essa Navegação e Commercio de transporte fôr nesses do- 
minios reservada , por lei, exclusivamente para os navios na- | 
cionaes. 

Os navios porém de qualquer dos dois paizes poderão des- 
carregar parte de suas cargas em um porto dos dominios de 
qualquer das Altas Partes Contractantes, e d'ahi proseguir 
com o resto da sua carga para qualquer outro porto, ou por- 
tos dos mesmos dominios; sem, em taes casos; pagarem maio- 
res, ou diversos direitos do que pagariam os navios nacionaes 
em similhantes circumstancias; e poderão tambem carregar 
do mesmo modo em differentes portos na mesma viagem para 
outros paizes. 

Art. 11.º- A liberdade reciproca de Commercio e Na- 
vegação, declarada e estipulada pelo presente Tractado , não 
se estenderá ao contrabando de guerra, ou objectos que fo- 
rem propriedade dos inimigos de cada uma das Partes. ; 

Renuncia-se agora mutuamente á faculdade, concedida 
pelos anteriores Tractados, de poderem os navios de cada um 
dos dois paizes transportar generos e mercadorias quaesquer , 
que sejam propriedade dos inimigos do outro paiz. 

Art. 12.º Em todos os casos em que, em qualquer dos 
dois reinos, o direito que se houver de impôr sobre quaes- 
quer generos importados do outro reino, não fôr uma quan- 
tia fixa, mas em proporção do valor dos generos, esse direito 
ad valorem será estabelecido e assegurado pela maneira se- 
guinte, a saber: o importador, quando der entrada na al- 
fandega para pagar os direitos, deverá assignar uma declara- 
ção, com a descripção e Nao dos seus generos na impor- 
tancia que lhe parecer conveniente; e no caso de que o offi- 
cial, ou officiaes das alfandegas sejam de opinião de que a 
dita avaliação é insufficiente, ser-lhes-ha permittido tomar 
os generos, pagando o seu valor ao importador , segundo a 
sua declaração, com o accrescimo de dez por da resti- 
tuindo tambem o direito que estiver pago. A importancia 
destas sommas ha de ser paga ao importador, quando se en- - 
tregarem os generos ao dito official, ou officiaes; o que não - 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 347 


excederá a quinze dias, contados desde a primeira detenção 
dos generos. 

Art. 13.º Assim como todas as mercadorias de qualquer 
origem, quer sejam ou não admissiveis para consumo do paiz, 
podem ser recebidas, e depositadas em todos aquelles portos 
do Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, que por lei es- 
tão designados como portos de deposito para taes generos, em 
quanto se lhes não der entrada para consumo do paiz, ou 
para reexportação , como seja o caso, segundo os regulamen- 
tos feitos para esse fim, e sem que taes generos estejam no 
entanto sujeitos ao pagamento de qualquer dos direitos, com 
que seriam carregados se á sua chegada se lhes désse entrada 
para consumo ts Reino-Unido ; dar .mesma sorte a RAINHA 
de Portugal consente é convém em que os portos dos do- 
minios de Sua Magestade Fidelissima, que agora são portos 
de deposito, ou possam vir a se-lo para o futuro , por lei, 
deverão ser portos francos, para nelle se receberem e depo- 
sitarem, ou para consumo do paiz, ou para reexportação , 
como seja o caso, todas as mercadorias importadas em na- 
vios britannicos, e todos e quaesquer generos da producção , 
ou manufactura dos dominios britannicos, importados em na- 
vios portuguezes; e os generos, assim recebidos e deposita- 
dos, sujeitos aos devidos regulamentos, não ficarão no entanto 
obrigados a nenhum dos direitos com que seriam carregados, 
se à sua chegada se lhes désse entrada para consumo nos do- 
minios de Sua Magestade Fidelissima. 

Art. 14.º Todos os generos ou mercadorias que se acha- 
rem a bordo, ou formarem a carga, ou parte da carga do 
návio de um dos dois paizes, que tiver naufragado , ou sido 
abandonado na costa do outro paiz, ou perto della (salvo se 
a importação desses generos, ou mercadorias fór absoluta- 
mente prohibida por lei) serão admittidos a consumo no paiz, 
na costa do qual, ou perto da qual, o dito navio tiver nau- 
fragado, ou sido abandonado, ou taes generos e mercadorias 
tiverem sido achadas ; pagando os mesmos direitos que se os 
ditos generos e mercadorias fossem importadas em um navio 
nacional, ainda mesmo que taes generos e mercadorias não 
podessem por lei ser importadas no dito paiz, senão em na- 


348 ACTOS DO GOVERNO. N.º 8. 


vios nacionaes; e quando se fixar a importancia dos direitos, 
que elles tiverem de pagar, se terá attenção ao detrimento 
que os ditos generos e mercadorias houverem sofírido. 

Para evitar fraudes, deverão os Directores das alfandegas 
de cada uma das ditas nações averiguar as causas dos naufra- 
gios; e quando se convençam que os ditos naufragios tiveram 
logar por accidente, ou desgraça, livres de suspeita de con- 
luio, autorisarão, segundo a vontade do proprietario, ou do 
agente, ou aliás do “Consul, a baldeação ou a venda para 
consumo do paiz, dos generos ou mercadorias; com tanto 
que taes generos ou mercadorias podessem legalmente ser im- 
portadas pelos navios de um dos paizes para os portos do 
outro. 

No caso em que alguns navios de guerra, ou embarca- 
ções mercantes venham a naufragar nas costas dos dominios 
de qualquer das Altas Partes Contractantes, esses navios ou 
embarcações, ou todos os seus fragmentos, e toda a sua amar- 
ração e apparelhos, assim como todos os generos e mercado- 
rias que delles se salvarem, ou o producto dellas, se se ven- 
derem, serão fielmente restituidas a seus donos, logo que fo- 
rem devidamente reclamadas por elles, ou por seus bastantes 
procuradores: e no caso de não apparecerem no sitio do nau- 
fragio os donos, ou procuradores referidos, pelos respectivos 
Consules da nação a que pertençam os proprietarios dos ditos 
navios, embarcações, ou generos, e em cujo districto tenha 
logar o naufragio ; com tanto que a dita reclamação seja feita 
detitro de um anno e dia, desde o tempo do naufragio ; e o 
dito Consul, dono, ou procurador pagará sómente as despezas 
feitas na daidedditão dos generos, e o salario de salvados , 
que, em igual caso pagaria a embarcação nacional; e os ge- 
neros e mercadorias salvadas do naufragio não ficarão sujeitas 
a pagar direitos, excepto se forem despachadas para consumo 
do paiz. 

Se alguma embarcação mercante de qualquer dos dois 
paizes entrar por arribada forçada nos portos do outro, a fim 
de fazer algum concerto, prestar-se-lhe-ha toda a facilidade , 
para TON o SOCCOTTO de que careça. Observar-se-ha a mais 
restricta reciprocidade no sentido mais favoravel quanto a al- 


18492, ACTOS DO GOVERNO. 349 


liviar, nos portos de cada uma das ditas nações, a dita em- 
barcação, dos direitos, imposições, e despezas a que estão su- 
jeitas as embarcações que entram para o fim sómente de 
commerciar. Conceder-se-ha tempo sufficiente para completar 
os concertos; e, em quanto a embarcação se estiver reparan- 
do, não se exigirá que, sem necessidade , desembarque parte 
ou o todo da sua carga; e, se alguma divergencia de opinião 
tiver logar entre as autoridades das alfandegas, e os capitães 
das ditas embarcações, ácerca da necessidade de desembarcar 
parte ou o todo da carga, será sua decisão commettida a dois 
louvados publicos, ou ajuramentados, sendo um nomeado pela 
primeira autoridade na alfandega do porto, e q outro pelo 
Consul da nação a que a embarcação pertencer. 

Art. 15.º Sua Magestade a Ranma de Portugal pro- 
mette que o commercio dos subditos britannicos nos dominios 
portuguezes nà: será restringido, interrompido, ou de alguma 
maneira impecido por effeito de qualquer monopolio , contra- 
cto, ou privilegio exclusivo de quaesquer vendas ou compras ; 
mas que os subditos do Reino-Unido terão faculdade livre e 
illimitada de comprar ou vender a quem quizerem, e por 
qualquer fôrma ou maneira que aprouver ao comprador e ven- 
dedor, sem serem obrigados a dar preferencia alguma, ou 
favor, em consequencia de qualquer dito monopolio, contra- 
cto, ou privilegio exclusivo de venda ou compra; e Sua Ma- 
gestade Britannica promette que uma similhante isenção de 
restricções , relativamente a compras e vendas, será desfru- 
ctada pelos subditos de Sua Magestade Fidelissima, que com- 
merciem, ou residam no Reino-Unido. Entendendo-se porém 
claramente que o presente artigo não deve ser interpretado 
de modo algum que prejudique os regulamentos especiaes que 
estão agora em vigor, ou vierem para o futuro a ser promul- 
gados com o fim sómente de animar e melhorar o commer- 
cio do vinho do Douro (devendo porém sempre entender-se 
que os subditos britannicos serão, a respeito do dito com- 
mercio, postos no mesmo pé que os subditos portuguezes) , 
ou relativamente à exportação do sal de Setubal. 

Este artigo não invalida o exclusivo direito possuido pela 
Corôa de Portugal de dar por contracto, nos seus proprios 


350 . ACTOS DO GOVERNO N.º 8. 


dominios, a venda do marfim , urzella, ouro em pó, sabão, 
polvora, e tabaco para consumo do paiz; com tanto porém 
que, no caso de que os mencionados generos venham a ser, 
no todo ou em separado, generos de livre commercio nos do- 
minios de Sua Magestade Fidelissima, terão os subditos de 
Sua Magestade Britannica a faculdade de traficar nelles tão 
livremente, e no mesmo pé, como os subditos ou cidadãos da 
nação mais favorecida. 

Art. 16.º Conveio-se e concordou-se, que nenhuma das 
Altas Partes Contractantes receberá ou conservará no seu ser- 
viço, sabendo-o, quaesquer subditos da outra Parte, quer de 
mar, quer de terra; e que antes pelo contrario, os dimittirá 
respectivamente do seu serviço, logo que lhes fôr requerido. 

 Conveio-se além disso, e declarou-se que se alguma das 
Altas Partes Contractantes conceder a qualquer outro Estado 
algum novo favor, ou facilidade relativamente á entrega de 
taes desertores, será esse favor ou facilidade considerado ex- 
tensivo tambem á outra Alta Parte Contractante , do mesmo 
modo como se o referido favor ou facilidade tivesse sido ex- 
pressamente estipalada pelo presente Tractado. 

E convencionou-se mais que, no caso de que os aprendi- 
zes ou marinheiros das embarcações pertencentes aos subditos 
de qualquer das Altas Partes Contractantes , desertem no 
tempo em que estiverem em qualquer porto do territorio da 
outra Alta Parte, serão os Magistrados desse porto ou terri- 
torio obrigados a dar todo o auxilio que estiver ao seu alcance 
para a apprehensão dos ditos desertores, quando para esse 
fim lhes fôr requerido pelo Consul da Parte interessada, ou 
pelo deputado ou representante do Consul; e corporação algu- 
ma publica, civil, ou religiosa dará protecção ou asylo a taes 
desertores. 

Art. 17.º Sua Magestade Britannica, na conformidade 

“dos desejos de Sua Magestade Fidelissima, e em contempla- 
ção ao adiantamento em que se acha o systema de Legislação 
e de Administração da Justiça em Portugal, consente por este 
artigo em desistir do privilegio do Juizo da Conservatoria , 
logo que, e em quanto, os subditos britannicos forem admit- 
tidos, em Portugal, ao beneficio de garantias similhantes, ou 


å 


- 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 351 


equivalentes ás que gozam os subditos de Sua Magestade Fi- 
delissima na Gram-Bretanha, pelo que respeita ao processo 
por Jurados, a não poderem ser presos sem um mandado de um 
Magistrado, e a serem interrogados dentro .de vinte e quatro 
horas depois de presos em flagrante delicto, e a ser admittidos 
a fiança: ficando bem entendido que a outros respeitos serão 
os subditos de Sua Magestade Britannica postos, em Portugal, 
no mesmo pé que os subditos portuguezes, em todas as causas 
civeis ou crimes; e que não poderão ser presos, salvo em fla- 
grante delicto, sem culpa formada, e sem um mandado assi- 
gnado pela autoridade legal. 

Art. 18.° Declara-se por este artigo, que Sua Magestade 
Britannica, confiando nas garantias, que são ou poderem vir 
a ser dadas aos subditos britannicos pela Legislação portugue- 
za, sob o actual systema constitucional, não reclamará, d'ora 
ávante, para os subditos britannicos , residentes em Portugal, 
privilegios alguns de que não gozem os subditos portuguezes 7 
nos dominios portuguezes ou britannicos: ficando porém en- 
tendido no caso (que Deos não permitta) em que alguma com- 
moção politica prejudique o effeito das mencionadas garantias, 
que Sua Magestade Britannica terá direito a reclamar o resta- 
belecimento e observancia dos privilegios cedidos pelo presente 
artigo, e pelo precedente. 

Art. 19. O presente Tractado ficará em vigor por tem- 
po de dez annos, contados da sua data, e por mais doze me- 
zes depois de qualquer das duas Altas Partes Contractantes 
haver participado à outra a sua intenção de o dar por finali- 
sado ; reseryando-se cada uma das Altas Partes Contractantes o 
direito de fazer à outra uma tal participação, no fim do dito 
termo de dez annos, ou em outro qualquer tempo subsequen- 
te; e ambas accordaram, por este artigo, que, passados doze 
mezes depois de uma das Partes haver recebido da outra a 
referida participação, cessará e terminará este Tractado, e 
todas as suas estipulações. 

Ajustou-se comtudo que cada uma das Altas Partes Con- 
tractantes terá o direito, no fim de cinco annos, de pedir uma 
revisão de quaesquer artigos deste Tractado , que não preju- 
diquem o principio em que elle se funda, participando seis 


352 ` ACTNS DO GOVERNO. N.º 8. 


mezes antes o desejo de que se faça essa revisão : com tanto 
porém que fique claramente entendido, que a faculdade de fa- 
zer tal participação, se não entederá além do quinto anno, 
nem será reconhecida depois delle haver decorrido. 

Art. 20. O presente Tractado será ratificado, e as suas 
ratificações trocadas em- Lisboa, dentro de dois mezes , conta- 
dos da sua data, ou antes se fôr possivel. 

Em testimunho do que, os Plenipotenciarios respectivos 
o assignaram, e firmaram com o Sello das suas Armas. Feito 
em Lisboa aos tres dias do mez de Julho do anno do Nasci- 
mento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil oitocentos 
quarenta e dois. 


(L. S.) Duque de Palmela. 

E Sendo-Me presente o mesmo Tractado , cujo theor fica 
acima inserido, e bem visto, considerado , e examinado por 
Mim tudo o que nelle se contém, depois de ouvido o Conse- 
lho d'Estado, o ratifico e confirmo em todas as suas partes; e, 
pela presente, o dou por firme e válido, para haver de pro- 
duzir o seu devido effeito: promettendo , em Fé, e Palavra 
Real, de observa-lo e cumpri-lo, e faze-lo cumprir e obser- 
var, por qualquer modo que possa ser. Em testimunho e fir- 
meza do sobredito, fiz passar a presente Carta, por Mim as- 
signada, passada com o Sello Grande das Minhas Armas, e 
referendada pelo Meu Conselheiro, Ministro e Secretario de 
Estado, abaixo assignado. Dada no Palacio de Cintra aos 
vinte e nove dias do mez de Julho do anno do Nascimento 
de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil oitocentos quarenta 
e dois. 


RAINHA (com Guarda.) 


Duque da Terceira. 


> 


v 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 353 


——— mec GE = 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 

Sessão 11.º 
Presidida pelo Sr. Lourenço Germak Possollo. 


Derois de lida e approvada a acta da Sessão antecedente, leu o 
Secretario dois officios, nos quaes os Srs. João da Costa Carvalho, e 
João Pedro Nolasco da Cunha, participam que não podem assistir á 
Sessão por motivo de serviço. 

O Sr. Presidente disse que as Questões Coloniaes , cuja ordem 
de discussão deve ser estabelecida nesta Sessão, e a Sessão publica 
que, segundo os Estatutos, deve ter logar proximamente , são as- 
sumptos de grave importancia ; e que elle consequentemente rogava 
a todos os Socios, houvessem de meditar aquellas Questões, a 
fim de que a discussão iguale a grandeza dos assumptos , e pre- 
“parar para a Sessão publica os trabalhos que entenderem dever ser 
nella apresentados. 

A. esta manifestação seguio-se uma breve discussão, ácerca da 
Sessão publica e publicação dos Annaes, em que tomaram parte os 
Srs. Pedro Alexandrino da Cunha, Louzada d'Araujo, Tavares de 
Macedo, e Mattos Corrêa, e em que estes assumptos se esclarece- 
ram grandemente. 

Correu-se o escrutinio sobre a admissão a Socio, do Sr. Clau- 
dio Lagrange Monteiro de Barbuda, o qual deu em resultado ficar 
este Sr, approvado. 

O Sr. Louzada d'Araujo propoz, para o mesmo fim, o Sr. Mar- 
ciano Antonio Pereira Nunes, alumno da eschola Medico-Cirurgica. 

Passando-se á ordem do dia = Ordem em que devem entrar em 
discussão as Questões Coloniaes == encetou a discussão o Sr. Tava- 
res de Macedo, e depois de um brilhante improviso sobre as colo- 
nias em geral, suas origens e fins, e necessidade absoluta de sys- 
temas diversos de administração, concluio votando que sejam consi- 
deradas as Questões na mesma ordem em que foram apresentadas 
pela Seccão do Ultramar. 

O Sr. Presidente inclinou-se a gue a discussão começasse pela 
segunda parte. 

O Sr. Antonio Gregorio de Freitas produzio varias razões para 
sustentar esta opinião. 


Num, 8. 9 


354 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.º 8. 


E o Sr. João Nepomuceno de Seixas, combatendo-a , produzio 
muitos argumentos no sentido contrario. 

Não havendo quem mais pedisse a palavra, poz o Sr. Presidente 
à votação o parecer da Secção do Ultramar , o qual foi approvado , 
ficando designada para ordem do dia da Sessão seguinte a primeira 
Questão. 

« Será conveniente conceder por lei ás colonias portuguezas a 
« liberdade de commerciarem com os estrangeiros, procedimento 
« que algumas dellas, illudindo a lei, praticam muitas vezes de 
« facto? E no caso affirmativo, a todas ou a algumas dellas? » 

Depois o Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 18 de Junho de 1842. —= O Secretario, Joaquim 
José Gonçalves de Mattos Corréa. 


Sessão 12.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


À acta da Sessão antecedente foi lida e approvada. 

Passando a dar conhecimento da correspondencia, o Secretario 
leu um officio do Sr. Joaquim José da Costa Macedo, Secretario 
perpetuo da. Academia das Sciencias de Lisboa, o qual tem por ob- 
jecto offerecer á Associação o ultimo volume , recentemente impres- 
so, das Memorias da Academia, previnindo-a de que igual offere- 
cimento continuará, ao passo que se forem publicando novos volu- 
mes: a Assembléa decidio que se agradecesse á Academia. 

Correu-se o escrutinio sobre a admissão a Socio, do Sr. Mar- 
ciano Antonio Pereira Nunes, e deu em resultado ficar approvado. 

Por estarem presentes poucos Socios, não se encetou a discus- 
são da materia dada para ordem do dia; e, ficando esta para ser 
tratada na Sessão seguinte, o Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões em o 1.º d'Agosto de 1842, = O Secretario, 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Corrêa. 


TIENES DPE 


1842. POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 355 
a E E A a 
ASIA PORTUGUEZA. 


SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Ásia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d’ Associação, 
Manoel Felicissimo Louzada. d’ Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 333.) 


Navegação e Commercio. 


É talvez Gôa o unico porto dos dominios portuguezes ón- 
de não havia uma unica embarcação mercante ; apenas alguns 
patamarins e outros barcos costeiros, e esses mesmos pela 
maior parte de estrangeiros, faziam o commercio de cabo- 
tagem. 

Em Fevereiro de 1831, sendo eu juiz da alfandega de 
Gôa, fiz reformar e organisar as pautas, como dispunha o 
regimento , que de muito tempo se não cumpria nesta parte ; 
as quaes eram para reger naquella, e em todas as mais alfan- 
degas maritimas do Estado, depois dos Alvarás de 25 de No- 
vembro de 1800 e 3 de Janeiro de 1810; e nellas se accres- 
ceu 60 por cento sobre as avaliações, nas fazendas que não fos- 
sem de industria ou producção nacional; porque outro tanto 
se havia imposto, na alfandega de Bombaim, ás nossas ma- 
nufacturas de Diu e Damão , salvo sendo importadas em va- 
sos nacionaes. Esta medida produzio o desejado effeito , e foi 
logo conhecido o augmento do numero destes vasos, a fazer o 
trafico com Bombaim e mais portos da costa: Hoje consta 
pertencerem a subditos portuguezes moradores de Gôa o bri- 
gue Tres Irmãos, e a palla D. Margarida de Lima, que 
em Fevereiro do anno corrente largaram daquelle porto, com 
carga para Moçambique; tendo no anno antecedente partido 
para Timor, por ordem do Governo da India, a curveta Da- 
mão, com escala por Macão; e a charrua Magnanimo , que 

Da 


356 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


d'alli virá a Lisboa como retorno dos generos que levara para 
Gôa: o que denota que o seu commercio deu um signal de vi- 
da, com a vantagem, pelo menos, de fazer surgir o pavilhão 
portuguez nas ilhas de Solor e Timor, d'oude nem proveito, 
nem ainda noticias buscavamos, deixando vergonhosamente per- 
der, por indolencia, um dos nossos melhores dominios. 

Nos fins do seculo passado, ainda os navios de guerra de 
Gôa sahiam para o Sul do Malabar, esperar as nãos que 
tam de Portugal, e dar-lhes comboy , e algumas vezes para 
Diu e Damão; mas desde então, annos passaram, sem 
que no porto de Gôa entrasse, a commerciar, navio algum, 
excepto a não de viagem de Lisboa, que alguns annos faltou, 
o navio de vias de Macão, que alli vai forçado, e o de Mo- 
cambique, que, se tambem faltava, se mandava de Gôa um 
dos de guerra, ou de Damão; o que nem sempre pôde effe- 
ctuar-se. Entretanto, de 1812 a 1820, houve grande con- 
correncia ás fazendas grossas pintadas, para o Brasil; e ulti- 
mamente alguns navios de Macão tocavam Gôa, ao passar 
para Damão e Bombaim, á carga d'anfião. 

No anno de 1828, mandou o Vice-Rei, D. Manoel de 
Portugal e Castro, sahir a charrua Affonso d' Albuquerque 
para o Rio de: Janeiro, levando carga da praça. A náo de 
viagem de Lisboa annualmente, e um ou outro navio occasio- 
nalmente, foram por esses annos mercadejar a Gôa. Comtudo, 
o principal commercio de Gôa é com Bombaim, d'onde se 
fornece de todos os comestiveis e objectos de luxo da Europa, 
e de outros de que precisa; e com os portos da costa, d'onde 
lhe vem o arroz que lhe falta, e para o carregamento da 
mesma não de viagem, ou de algum navio que o reexporta 
para Lisboa. Os navios que ainda vêm de Macão a Damão e 
Bombaim , continuam a tocar o porto de Gôa, mas pouco ou 
nada vendem. O commercio com Damão, e Diu, e com Mo- 
çambique póde ser de grande valia. 

Importação. Os principaes artigos de importação em Gôa, 
são estôfos, de toda a qualidade, de algodão e seda, chá, 
assucar , vinho, com preferencia branco, cerveja, e mais be- 
bidas espirituosas, trigo, arroz, tabaco (hoje), papel, e outros 
objectos que recebe; a saber : ; 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 357 


De Lisboa. Vinho, bebidas espirituosas , prezuntos , carnes 
ensacadas . comestiveis, papel, e miudezas. 

De Moçambique. Ouro em pó e em barra, tartaruga, 
dente de cavallo marinho, unicornio , e marfim. 

De Macão. Chá, assucar, sagú, papel, sedas, chapéos, 
rotim , louça, fazendas, e quinquilherias da China. 

De Diu e Damão. Fazendas de Diu, canequins de Da- 
mão brancos, e azueis, pannos de côr tecidos, chitas , cheil- 
las, colchas brancas e pintadas, atoalhados pintados e bran- 
cos de varias sortes e qualidades. 

De Bombaim. Vinho de Portugal, de França, e de Hes- 
panha , licores, agoardente, genebra, manteiga e comestiveis 
da Europa, chá, assucar, fazendas, modas, quinquilherias da 
Europa e da China, louça dito, vidros, cutelarias, ferra- 
gens, e tudo de que carece. 

Dos portos do Sul do Malabar e do Canará. Arroz, cópra, 
tabaco , e fazendas brancas. 

Exportação. Desde 1812 a 1820, a sahida de fazendas 
grossas pintadas, para o Brasil, foi prodigiosa , chegando a 
8.000 fardos alguns annos: a maior parte destas fazendas era 
levada de Gôa, onde tinham entrado de Balagate, por terra, 
e o resto vinha de Surrate, pagando na alfandega os direitos 
de entrada, e de sahida, segundo as disposições dos Alvarás 
de 25 de Novembro de 1800, e 4 de Fevereiro de 1811: 
além disto, exportava-se azeite de côco em quantidade, e 
cêra em vélas. Desde 1820, este commercio desappareceu : 
nos annos de 1836 e 1837, tambem despachou, para Bom- 
baim , grande porção de algodão em rama, entrado de Bala- 
gate. Os principaes artigos que se exportam, são côcos, aré- 
ca, sal, pimenta redonda e longa, cêra em vélas , linho ca- 
nhamo , fructas, aves, e outras bagatellas. 

A exportação para Lisboa interrompeu-se depois que a 
córte esteve no Rio de Janeiro; e os navios que então foram 
do Brasil, carregaram, pela maior parte, fazendas grossas pin- 
tadas, alguma pimenta redonda, canella, e salitre. Estes 
mesmos artigos (menos as fazendas grossas), arroz, e cairo, 
são os que hoje vêm para Lisboa, em troco, pela maior parte, 
dos importados desta praça. 


358 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


Para Moçambique. A exportação de fazendas grossas tem 
diminuído extraordinariamente : trigo, cêra em vélas, vinho 
de cajú, peixe e carne de tamarindos, de que já em outro 
logar se fez menção, redes de pescar, louça grossa , e pol- 
vora. 

Para Macão. Cêra em vélas, peixe de tamarindos , azas 
(barbatanas), e buxo de tubarão. 

Para Diu e Damão. Trigo, arroz, legumes, cêra em vé- 
las, manteiga da terra, fazendas, e côcos. 

Para Bombaim. Aréca , côcos, pimenta longa, caroços de 
cajú (aa), fructas, e aves. 

Para os outros portos da costa. Côcos, sal, aréca, man- 
teiga da terra, caroços de cajú, aves e fructas: o que tudo 
se esclarece pelos seguintes mappas, extrahidos dos originaes 
das respectivas alfandegas. 


Anno de 1840. — Importação pelos portos de mar. 


H Valor 
em xerafins 


Generos importados Quantidades 


tes eme | eee et em 


( | Azeite 
Azeitonas 
Chocolate 
Marmellada 2 ditas e Sditos.... 
9 ditas e 6 ditos. ... 
793 resmas 
52 (a 
Vinho branco e tinto. . |2.258 almudes 
Vinagre 5 ditos 
Medicamentos 
Miudezas 1.678:1:10 
37.670:0:55 


(aa) São uma especie de amendoa, que cresce no cajú, de 
que os Indios fazem uso; e torrada é boa para comer simples- 
mente, ou misturada nos doces e massas. 


EE a a 


1842. 


Proce- 
dencia 


Macão 


Damão 


Diu 


que 


Mocambi 


Bombaim 


— 


DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 


Generos importados Quantidades 


— 


RODERES ofe E 360 @ e 16 K..... 
SAB. gi PPB tALA * DAM DIAS: oni ES 
Panchões...susc. is. 15.000 massos..... 
Chapéos de pellucia. .|302......... 
Meludos sf Esse dk DV pecas;jiroNS NA EE 
Fazendas) da China als osan rrer isis 
Sombreiros ........ DBO, uA TRR 
Mindezas. An Mm PAO SIs ers 
Fazendas; d'algodão. -jn NI aderem vero LAE 
o ITA cp OEE EA Maca non doe é No aan oo den NOR T 
Fazendas: d'algodão... |, 5... n REAS 
NE deZaS a onerar st SPAR ERARO TEET 
toye: prata... co o) EM ota corero OS 
Maninin. ARE; 655 @ e 11 H... 
Ponta d'Abada......|1 dita e 4 ditos. 
Niiadezas.; c..ic.» aaa SEIS ES Macio sho o 


- k T2 andisi z.s. 
Assucar em pó.... 


SOR Mer sola S3dos 
dito em pedra...... 269-ditas...;.. 8 ts 
Differentes adubos, ou 

temperos, (especia- 

BRAS) SE jo so Sai vao set e RR tao ea Der O ND 
Burrélia +... 2,0. 315 @ e 10 K... 
COTA A Er ea a 38 ditási SA ale Pi 
AMENTOAS qse or preas 45 ditas + ssh o doa: 
Differentes oleos....|138 ditas e 9 É... 
Deta Bruta. eee - 178S difas .. Do. DE 
DR ER sonora o o GS 109 3 caixas,...... 


359 


Valor 
em xerafins 


Ec FA 
638:0:00 
856:0:00 - 

1.190:0:00 
1.168:2:30 É 
100:0:00 | 
7.600:0:00 
750:0:00 § 
5.020:2:30 
17.323:0:00 
15.257:0:00 
5325:2:30 | 
15.782:2:30 | 
h5.288:3:05 
416:1:30 | 


45.704:4:35 | 
104.796:0:00 
h5.823:2:30 
54:0:00 
585:4:12 

151.259:1:42 | 
12.056:0:00 

24:0:00 | 
2.380:0:00 


17.903:2:30 
427:0:09 | 
- 228:0:00 
270:0:00 
1.868:0:00 | 
2.149:2:30 
10.707:0:30 


168.013:0:30 | 


360 


| 
| 


| 
| 
| 
| 
| 


Bombaim 


E ES 1 E E 


| 
| 


Proce 
dencia 


MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA 


Generos importados 


Elefante branco..... 
Dito crs.. genek 
Guingões.......... 
Fazendas da India de 

algodão .......... 
oca ordinaria .... 
Gangas AZUES: ess oleo 


Aza (barbatanas) de 

qr E Rs 14 maos sons 
Bucho de peixe..... Siditas. SE es ie ass 
Cobre em folha. .... Siditas isa ee 
aae ce notada Lo ponto a folga o Roth RS one 
[EVEN A DNA BOSS vo foro dede 
Congos: sc. e) DCNS 2 cu. sad 
Tamarindos........ DO Ro are 


Ouro de Surrate para 


ALOLECADO Es ES ro A e io MERMO O psp RSA 


Passas de uvas. ..... 
Prezuntos da Europa 
Polvora ingleza..... 
Sabão do Norte. .... 
Agoas de cheiro .... 
Queijos da Europa .. 
Manteiga dita ...... 
Geryeja esco no A 
Chumbo , cobre etc. . 


Tonga da Europa. ss pastos ss 
Dia dar Ghina is aise SR geo E UR 


Sombreiros 
Lustres para sala. ... 
Papel da China ..... 
Pannos de lã de dif- 

ferentes cores e qua- 


Fazendas da China . 


Vetrticações, «mau Saied Ce; ronco 


———— — — 


A E ET O PCR A Mo PO a a AA OE 


Quantidades 


Transporte... 
23 pecas e 6 járdas.. 
44 ditas e 10 ditas. . 


esses soco carte. 


Cs a envio o o aniei kenapa o Casio 


“vc... 


38 (0) 


avec. nu vo... 


24 ditas e 28 É... 
8 ditas e 24 ditos .. 
ME ONDAS us soe ig rsrs da 
36 garrafas. ....... 
28 o e24 bre. aos 
7% ditas.. Res 
301 ž almudes . Mh 


oe ETE 


N.’ 8, 


Valor 
em xarafins 


No SRNR, 
168.013:0:30 
ê 890:3:45 
856:0:00 
325:0:00 


1.536:0:00 
32:0:00 
984:0:00 - 


280:0:00 

75:0:00 
320:0:00 
65:2:00 
84:0:00 
80:0:00 
28:4:00 


1.817:2:30 
3.740:3:07> 
386:2:30. 
1.800:0:00 
524:2:30 
771:0:00 
450:0:00 
867:1:15 
72:0:00 
278:0:00 
316:0:00 
2.959:0:00 
2.972:3:294 
1.268:0:00 
5.129:0:00 
168:0:00 
600:0:00 
3.962:2:30 


4.945:2:30 
14.412:1:15 
6.532:3:05 


225.812:4:57 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 361 


Valor 
em gerafins 

Re SRS 
Transporte. .| 225.812:4:57 
Sedas da Europa.... 2.296:2:30 
Fazendas de algodão 


Generos importados Quantidades 


201.343:2:24 
Sagú fino 284:0:00 
Medicamentos 6.724:3:00 
Chapéos da Europa... 170:0:00 
Papel dito . 9.071:0:00 
Quinquilherias dito. . 17.154:2:25 
Bebidas espirituosas 32.472:0:00 

933:2:50 
195.831:0:00 


Bombaim 


Tabaco em folha.... 2.560:0:00 
Miudezas 24.030:3:20 


713.648:1:26 


Cairo manufacturado | 345 candis e 14 mãos| 14.646:1:10 
Tabaco em folha. ...|11 candis e 4 (à... 1.012:2:30 
Cópra 520:0:00 
Oleo de peixe 9 ditos e 16 mãos .. 1.558:0:00 
Azas (barbatanas) de 
tubarão 616 (a? e 4 H 9.891:4:15 
41 ditas e 20 ditos. . 649:3:00 
Adubos pretos (bb). .|130 ditas 1.189:1:15 
Jagra de canna 77 ditas e 16 ditos. . 159:3:45 
Ninhos de passaros. .|1 dita e 47 ditos... 122:0:00 
Madeira 2.694:3:15 
Dita em obra 823:1:15 
Miudezas 5:2:30 
455:0:00 

1.041:0:00 


35.683:0:55 


r 


Portos do Sul 


(bb) Cravo, canella , e pimenta, 


Rajapur 


Macão 


MEMORIA 


Generos importados 


Cabos de cairo..... 
Canella do matto. ... 


Arroz pacharil. .... 
Sagú 
Céra em vélas....... 


Dentes de cavallo marinho 
Canella de Ceylão... 
Noz muscada 

Pimenta redonda. ...| 


Volumes com diffe- 
rentes artigos 


DESCRIPTIVA E ESTATISTICA. 


Quantidades 


Onantidades 


205 candís ce 16 mãos 
23 ditos e 3 ditas .. 
196 ditos 

58 ditos e 2 mãos .. 


113.608 saccas. 1... 


3 ditas e 4 ditos. ... 
603 saccas 


|200 ditos 


“32 volumes........ 


Azas (barbatanas) de | 


tubarão i.e aan EROA E in ma 
Cêra em vélas....../146 1 ditas........ 
Cabos“de cairo =. VIL AMAS cestos alias 
SETA COISA ne Ra RP II candis agentes 


Fazendas de Balagate 
Miudezas. . o o cela 


di Tn iTo Muita io o Mb a Pro Dm Ta, a o af 


N.º 8. 


Valor 
em xerafins 


Valor 
em xerafins 
X, T. Rc 
8.232:0:00 
555:0:00 
9.800:0:00 
2.004:0:00 
29.244:0:00 $ | 
112:0:00 | 
720:0:00 | 
140:0:00 & 
338:0:00 
80:2:30 | 


h.576:0:00 
4,516:0:00 


12.609:0:00 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. ` 363 


Desti- . A Valor 
eneros exportados uantidades 
aa Generos exportado Qua d em serafina 


a o re meme ee e e 


| Marfim (a? 6.974:0:00 
| Dotins cj 3.600:0:00 
i 450:0:00 


| Vinho branco 6 barrís 
|Cêra em vélas 4 @ e 28 4 
Miudezas 


14.900:0:00 | 


(| Marfim 38.019:2:30 

| Manteiga da terra... 840:0:00 
Pimenta redonda. ... j 50:0:00 É 

ä | 142:0:00 
E 3 1... |3 frasqueiras 72:0:00 
Do 
2 


Vinho branco 2 barris 120:0:00 É 
Cèra em vélas à 18:0:00 f 
Vinho fenim 20:0:00 E 
Mibdêezas... = e: 576:0:30 


39.857:3:00 | 


Redes de pescar... . 1.684:0:00 | 
Vinho fenim 80:0:00 | 
Madeira em obra... 710:0:00 ? 
Ouro em obra 829:2:30 | 
Prata dito 1.560:0:00 § 
Fazendas de Balagate 34.497:0:00 
Ditas da Europa.... 972:0:60 à 
Ditas da China 907:0:00 
À 500:0:00 
Miudezas. .. is. 4.609:1:40 


45.948:4:10 


Moçambique 


RARE RS Pa 


450 candis e 6 mãos 14.475:0:00 
418 ditos e 10 ditas 1.584:4:30 | 
2.985 candís.......| 134.066:0:00 


147.125:4:30 


364 


è 


Bombaim 


Desti- 
nos 


ca eme Es e e e es e mm 


a fat O VT a E pa aà 


MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA 


Generos exportados 


INEO ASAS: fosso lets voa o SE 
Gera em vêlas... =. 
Tamarindos...... i 


Vinagre do paiz.... 
Caroços de cajú.... 
Cópra aparada...... 


Solam de berindão { 


Cairo em obra...... 
Salitre sis s spo 
Temperos ( especia- 
ES) A S doa pe 
Linho canhamo..... 
Linha d'algodão .... 
Manteiga da terra... 
Miolos de caroços 
de calukan sito 
Raizes aromaticas... 


Manilhas de vidro $ 


Cobre velho. ....... 
Marfim 4: 5. suis. ais 
Catto , ou terra japo- 

DICE G ar PETT S, 
Mel 
Pontas de veado.... 
Bucho de peixe..... 
Ohocolate. Lesoni 


Peixe de tamarindos 


Achar (conserva) de 
MADEIS E i e peui 
Azas (barbatanas) de 
tubarão 


-|65 ditas 


Quantidades 


Transporte. . 
116 candis. inan 
67 ditos e 54 mãos. . 


18S (a), 16 H, 1 can- 


dil e 10 mãos..... 
2 candís e17 mãos.. 
44 ditos e 10 ditas. . 
147 atos Sn Ps 
161 ditos e 5 mãos. . 
VANE E EEN 
18 candis e 2 mãos 
LO dH OS erros entro 
48 ditos e 7 4 mãos. . 
13.011 (a? 


2.868 (o Ea Me tro es E 
1 Dn candis eso pers 


ND E ami AO 


2 candis e 7 mãos.. 


Pie OM de 
13 ditas 


90 ditas 


4 ditas < UPEP A ol 
SLIR TALA OSa e 
149 almudes. ...... 
1 candil e 12 mãos. . 


47.530 


e octo nen... 


aro cave) O |dnrio DO OA AA Too fo lero o O 


Valor 
em xerafins 


Ke TR 
147.125:4:3 
928:0:0 
27.465:1:1 


47:2:30 $ 
85:2:30 À 
222:2:30 | 
6.605:1:15 | 


3.720:0:00 & 
13.011:0:00 8 
4.081:0:00 | 
7.478:0:00 | 
17.604:0:00 É 


1.080:0:00 
220:0:00 


30:0:00 
1.040:0:00 


700:0:00 
12:0:00 
450:0:00 
111:0:00 
676:0:00 
113.479:2:30 


372:2:30 
128:0:00 


362:2:30 


280:0:00 | 


1.061:1:00 


100:0:00 | 


366.961:2:00 


N.º 8. 


0 | 
E. 
5 


43:2:30 | 


370:0:00 | 


15.012:0:00 | 


PERV O a NO 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 365 


Valor 

em xerafins 
Ma Foe RS 
Transporte. .| 366.961:2:00 
Casaes de perús.... | 4.050:0:00 
1.804:0:00 
1.004:0:00 
5:0:00 
1.000:0:00 


Generos exportados Quantidades 


—— — 


Pratos de folhas de 
bananeira, a um xe- : 
rafim o milheiro... E 818:3:49 
Donis a meio xerafim 
£ 20:0:00 
Vassouras s 50:0:30 
Esteiras 14:2:45 
Casca de Suiguy....!611 cargas 152:3:45 
Lenha 126.405 ditas 2,528:0:30 
30:0:30 
6:0;00 
Chuname (cal) 12:0:00 
Louca de barro grossa 282:0:00 
Miudezas 6.836:3:45 


385.575:2:34 
Cebollas l 132:0:00 
Gengibre i 144:0:00 
Legumes 230:0:00 
Miolos de carocos de 
cajú 1 4 ditos 4:2:30 
Solam de berindão . .|8 ditos 4:0:00 
á 60:0:00 
Papel de Portugal... 700:0:00 
Vinho branco 1.440:0:00 
Bambús | 20:0:00 
Rosarios | 340:0:00 
90:0:00 
Carteiras de charão. . |£ 60:0:00 
Pedras d'amollar....|1. 72:0:00 
Fazendas da China.. %77:0:00 
Panchões 200:0:00 
60:0:00 


| | 4.333:2:30 


Bombaim 
Es 


TE o DR SS a Ia 


366 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NES S 


Valor 
em aerafins 


Desti- 
nos 


Generos exportados Quantidades 


Transporte. . 
Cadeiras de sissó.. 
Melancias 


512:4:00 
5.625:1:30 
6.964:2:00 

49:14:15 
3:3:45 
890:0:00 


7.900:2:00 


4.095:0:00 
2:2:00 
4.097:2:00 | 


Rajapur 


Diversos lugares 


Anno de 1840. 


Generos que deram entrada , por franquia, no porto de Góa , 
e foram reexportados. 


Valor 
em xerafins 


—— e em mem — 


Generos | Quantidades 


KEEFER: 
Vinho de Lisboa. ...|168 barrís.. “| 10.080:0:00 
1.132 duzias de gar- 
TRAS. E o em ARN 
Marfim 668 @ e TH 
Cauris ou buzios.. 
Rolhas de cortiça . 


© 
1 
O 
© 
(57 
© 
= 
Ss 
f=] 
Sai 
= 
[a 


68.334:1:30 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 367 


À Valor 
uantidades 
Generos Quantida em xerafins 


: XTi Ro 

Transporte. .| 68.334:1:30 

Brandy 4 5 almudes....... 108:0:00 
Marfim 44 1 (a) 3.540:0:00 


ilo 


Por trans 


10.129:0:00 
Papel de Portugal... 880:0:00 
Vinho dito 12.420:0:00 


: 
l 
: 
| 
| 

4 


Chapéos 

Tabaco em folha. ... 6.187:2:30 f 

Gangas azues... s... 651:3:30 
U| Miudezas h07:2:30 


Rc 


Reexportação 


105.888:0:00 


Relação dos navios e embarcações, que no anno de 1840 
entraram e sahiram pela barra de Góa , segundo 
os mappas da alfandega respectiva. 


k ? ; Princeza Real. ..... de Lisboa. 
Ras nãos de viagem | Mg gnaninio NE Satone Dito. 
E: Esperança ..4..0.: de Macão. 
2 Brigues ...... Edo A Patacho-. Imr, 8 de Damão. 
CA Bei ROD SR RD e Gualter zori nio. s de Lisboa. 
anca EA o S Prazeres e Alegria . . Dito. 
6 Total. 
18 Galvetas nacionaes de Damão, e 10 ditas de Diu: Total 28. 
f Nacionaes ..... 163 


Embarcações costeiras vindas do Norte de Estreniráido 117 
g IE 


Total. , 221 


acionaes ..... 272 


K ; N 
Embarcações costeiras vindas de Sul $ : xá 
Estrangeiras ... 152. 


Total. . 424 


368 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


Além destas embarcações, fundearam na barra d'Agoada 
2 brigues francezes e 1 dito inglez. 

Vieram por tanto, neste anno, ao porto de Gôa : 

Embarcações de gavia nacionaes 6. — Ditas estrangei- 
ras 3. — Costeiras, que são patamarins, galvetas , pallas , 
batelões, almadias, manguerins, barcas, saudós e sibares, 
nacionaes 463, estrangeiras 270: — Total 742. 


Relação dos navios e embarcações que, no anno de 1841, 
entraram e sahiram pela barra de Góa, segundo a esta- 
tistica dada nos boletins do Governo da India do mesmo 
anno. 

Entraram de gavia portuguezas, a saber: de Lisboa 4, 
de Macáô 4, de Moçambique 5, e de Diu 2: — Total 15. 

Inglezas: de Singapor 2, de Columbo 2, de Cochim 1, 
das Maldivas 1, de Ceylão 1, de Talachera 3: — Total 10. 

Embarcações costeiras nacionaes 313, sendo 14 proce- 
dentes de Damão e 8 de Diu; costeiras inglezas 478 : — To- 
tal 766. 

E sahiram embarcações de gavia portuguezas: para Lis- 
boa 4, para Moçambique 4, para Timor 1, para Macão 2, 
para Bombaim 2, vindas de Macáo; para Damão 1: — To- 
tal 14 

Inglezas 3 para Bombaim; e é de suppôr que as 7 res- 
tantes lá não ficaram. 

Sahiram embarcações costeiras nacionaes 216, sendo 13 
destas para Damão e 7 para Diu; inglezas 432: — To- 
tal 648. 

Parece que desde 1838 o movimento do commercio de 
Gôa tem crescido, por efleito, a meu ver, de algumas leis 
novissimas protectoras, e do melhoramento em geral do sys- 
tema de legislação respectivo. E sensivel o augmento da sua 
importação e exportação nos annos de 1838 e 1840; mas 
sempre em desfavor do mercado de Gôa, cnja importação 
excede muito a exportação; e isto prova, quanto é dificil 
tornat florecente um paiz cujo: commercio se acha tão arrui- 
nado e decahido, como é o dé que estou tratando ; porque 
os mercadores que deserfaram d'elle pela falta d'extracção 


| 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 309 


das suas fazendas, e pela perda de seus cabedaes, como ain- 
da em nossos dias tem acontecido , não se resolvem a tentar 
fortuna, que a experiencia lhe provou fatal, e preferem ir 
estabelecer-se em paiz desconhecido e novo. Embora o com- 
mercio da Asia tenha ramos em que os negociantes se em- 
preguem, e de que é certo o consumo em outras partes do 
mundo ; embora se permitta a todas as nações a franqueza 
do porto, e se extingam os direitos nas alfandegas, nada dis- 
to melhorará Gôa; porque faltam navios, e não tem ho- 
mens com cabedaes-ou crédito, nem manufacturas ou gene- 
ros, que exportar; e por outro lado o consumo dos d'impor- 
tação é limitadissimo pela pequenez do territorio, e pela po- 
breza e usos de seus habitantes. 

Todavia artigos ha, cuja cultura, sendo protegida, poderá 
ainda supprir parte d'estes inconvenientes, e manter algum 
equilibrio commercial; taes são o algodão, o café, a pimen- 
ta, o anil, o linho canhamo, a cana d'assucar , e outros que 
alh produzem abundantemente, e são de superior qualidade ; 
e se por aqui se começar, depressa melhorará a sorte deste 
paiz; cujo abatimento cobre d'opprobrio á nação, que nelle 
possue tão ricos e multiplicados monumentos de gloria. Para 
melhor convicção do que acabo de referir, porei aqui o qua- 
dro comparativo dos annos de 1838 e 1840. 


Anno de 1838 Importação Exportação 
valor valor 
; Xs TR: x. TR 
Alfandega de Pangim .... 610.183:4:55 +... 269.872:1:18 
Dita de Salsete......... 118.876:4:03 +... 152.332:0:21 
Dita de Bardez. ........ 218.327:1:45 ... 70.319:4:45 
947.388:0:44 ... 492.524:1:24 
Anno de 1840 Importação Exportação 
valor valor 
Xoose R$ Es RE 
Alfandega de Pangim. . . 1:064.669:4:18. .. 629.694:2:55 ` 
Dita de Salsete .,..... 145.943:2:30. .. 172.905:4:29 + 


Dita de Bardez ....... 302.035:1:15... 86.310:2:30 


E 1.512.648:3:03. . . 888.910:4:54- 
Num. $. 3 


370 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


Quanto ao anno de 18441 não posso dar juizo seguro, pe- 
la defficiencia dos mappas respectivos; e ainda que do maior 
movimento do porto, e pela importancia dos rendimentos nas 
alfandegas, se queira acreditar progressivo augmento, nem 
isto O “induz , nem d'ahi se segue melhoramento no balanço 
commercial, que tanto é para desejar: e discorrendo peló 
que apparece da estatistica do movimento do porto, que fica 
já extrahida dos Boletins do governo da India, vê-se que neste 
anno foram 4 os navios de PRA , como no antecedente : e 
que o commercio com Macão é como sempre tem sido, salvo 
nos annos em que, por causas sabidas e transitorias, d'alli 
foram menos, ou faltaram os navios. Observa-se todavia maior 
trafico com Moçambique, e as recentes especulações sobre 
Timor, que mui proveitosas podem vir a ser aos dous paizes : 
mas nos logares alludidos , não é declarado , entre as embar- 
cações de gavea, quaes as de guerra, quaes as que simples- 
mente foram tomar agoa e refrescos, como supponho, se não 
todas, quasi todas as inglezas; e pelo que respeita ás costei- 
ras, o seu maior numero provêm, de que a extincção do mo- 
nopolio do tabaco, que era remettido de Lisboa por conta 
da fazenda publica, fez crescer este artigo d'importação, tan- 
to quanto era o consumo da renda: faltando o tabaco de Vir- 
ginia, é O do sul o mais procurado; e por conseguinte o nu- 
mero de transportes deve ter crescido, bem como os com- 
petentes direitos n'alfandega; onde tambem accresceram os 
das exlinctas rendas do Bagibab, e de pouco tempo se arre- 
cadam as rendas dos Parangues, d'especiaria e outras, cuja 
receita não sei se vem envolvida na totalidade dos seus rendi- 
mentos; que para se mostrarem crescidos, bastaria a nova 
importação do tabaco. 

. O que é porém sem questão, porque os algarismos o 
demonstram , é que a nossa navegação costeira veio a peor no 
anno de 1841; porque sendo 435 as embarcações nacionaes 
entradas no anno de 1840, não passaram de 318 no de 
1841; e pelo contrario as estrangeiras, que em 1840 fo- 
ram 270, chegaram a 478 no anno de 1841; vindo por 
conseguinte, a “exceder ás nacionaes 160; quando no anno 
anterior essa superioridade fôra destas em 165; e o mesmo 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 371 


se nota nas -sahidas; porque em 1840 sahiram 435 nacio- 
naes; e apenas 216 em 1844 ;- numero muito abaixo da- 
quelle, quando o das estrangeiras foi 432, dobro destas, e 
no anno de 1840, não havia passado de 270. | 
Comtudo no estado decadente do commercio de Gôa é 

força conhecer, que alguma cousa alli se ha feito para o me- 
lhorar. Os governos de D. Manoel de Portugal e Castro, e 
de José Joaquim Lopes de Lima, abundam em disposições 
restauradoras d'agricultura e do commercio, que desde 1820 
defenhava completamente. Quanto ao primeiro assaz é com- 
parar a importação e exportação nos annos de 1823 e 1833, 
eujo valor foi o seguinte : 

Annos Importação Exportação 

1823 .... 894.342:0:00 . . . . 472.130:1:42 

1833 .... 522.794:4:55..... 855.733:0:48 

D. Manoel de Portugal e Castro governou, como já disse 

em outro lugar, de 1827 a 1835. Pelo que respeita ao 2.º, 
aliviou por varias portarias e disposições suas a navegação de 
cabotagem d'alcavallas, e impostós abusivos. Deu providencias 
para a plantação do algodão, e para ò estabelecimento de 
teares. Mandou adoptar nas alfandegas as pautas de 10 de 
Janeiro de 1837, com algumas modificações; e posto a fran- 
quia do porto de Gôa estivesse authorisada e concedida pelo 
Alvará de 4 de Fevereiro de 1811, elle a ampliou em Por- 
faria de 26 de Janeiro de 1841 aos portos do Diu e Da- 
mão, onde, como em Gôa, são por esta portaria admitti- 
dos a deposito todos os generos e mercadorias (inclusivê o 
anfião) seja qual for a sua natureza, e a bandeira sob a qual 
forem importados , pagando apenas o direito de f por cento, 
e as despezas braçaes e armazenagem, até á sahida do porto, 


- seja esta por exportação, reexportação , baldeação ou transi- 


to, regulado tudo o mais pelo Decreto de 22 de Maio de 
1834: o que tudo se acha approvado pelo Governo de Lisboa. 
O Tractado ha pouco celebrado com a Potencia cujo commercio 
abrange toda a Asia, e cujos navios dominam os seus mares, irá 
essencialmente mudar a face de nossas Colonias ; oxalá que leis 
sabias e providentes do Corpo Legislativo levem á India Portu- 
gueza meios de tirar proveito da sua pozição tão vantajosa, ainda 


* 


` 


372 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


hoje, para o Commercio da China, do Guzarate e Golfo de 
Cambaia, do mar vermelho, de Mascate e Moçambique en- 
tre si, e para a America e Europa. 

Importação e Exportação pelos portos sécos. Balagate e 
Belgão são os districtos d'onde, atravessando os Gattes, vêm 
as boiadas, isto é, bois e bufalos, carregados de generos e 
fazendas, que dão entrada nas alfandegas da fronteira terres- 
tre. ý 

De Balagate importam-se fazendas brancas e pintadas, 
arroz, trigo, tabaco em folha, pimenta redonda , linho ca- 
nhamo, cêra bruta , salitre, e outros objectos menos impor- 
tantes. O principal artigo d'esta importação era até 1820 de 
fazendas grossas pintadas para os carregadores do Brazil, que 
importava em milhões de xerafins: desde essa época entra só 
o necessario para Gôa e Moçambique. 

De Madrasta e Porto novo vêm por terra cobertas pin- 
tadas, alcatifas e fazendas d'algodão em pequena quantidade. 

A exportação para Balagate consiste em algum sal, co- 
cos, cópra, aréca, e peixe salgado. 

Para Belgão e outros logares do Concão. Cocos, aves e 
fructas; como mostram os seguintes mappas. 


Anno de 1840. — Importação pelos portos seccos. 


Valor 
em xerafins 


Generos importados Quantidades 


Ke To RB: 

WPOACANdIS Sa cs 618:0:00 

Adubos ou temperos |472 (a? 3.170:2:30 
146 ditas q 16 É... 397:0:00 

136 ditas 390:0:00 


110 candís e 9 mãos 5.122:0:00 

Pontas de veado..../68 (GP e 24 H 293:3:45 
Linho canhamo 740 ditas e 16 ditos 1.552:0:00 
37 candís e 10 mãos 2.250:0:00 

33.291:3:30 

296.345:0:00 


347.847:0:45 


= 
b 


y 
`i 


1842. 


Proce- 
dencia 


DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 


Generos importados Quantidades 
Transporte. . 
Tabaco em folha. ...|50 £ candís........ 
EOT A ta sos O a A OE 
Einhãs branca... Siin 71 ditas e 24 ditos 
Ditos Soo DITOS DM AS errors 
Mta azali it. o DP MAP cep e ais 
Gera bruia. Ssi 60 candís e 4 @.. 
ENIO A O A A 16-mãos Vorn EE, 
T EAEE S S A D E N O A AS Dex a 
Moentros Lsisaissesirortrero 314 candis e 11 mãos 
Dito E 26 (a? e 16 DESA, 
Solam de berindão Todas ce E 4 
Dito de mangas..... th candís +... 
Gommhos dicas. Ooo DER RE RE 
ELBRIHOS/07óremeteveromsrors ta CANdÃS Lesan 


GOMMA 8 oorr? 
Assucar em pó... 


Tamarindos...... 

t 
s ian DRA I 
Cebollas. Eee s asa f 
i RS E EEE 
Batte (arroz em 
casca 


vc... o 


Grão 


ta ejoro dra dtv rel o" a 


Mustardal...G%. 0. 
Manteiga da terra.. 
Alforvas 


Me alq us os ev dn dá 


Jagra de canna... 


.. |47 candís e 17 mãos 


E E ON 


33 ditas e 16 K- o. 
AA dita tre co ser 
a AAE N E 4 ss eo, 


18 @.. 


440 candis .. 


2 candís e 6 mãos.. 


42 @ e 29 H...... 


6 dtas eT infos: : ; ; 
1@ e 44 


.|4 candís e 6 mãos.. 


Valor 
em xerafins 


X. T. R. 


347.847:0:45 
4.020:0:00 
87:1:00 


4.592:0:00 | 
72:0:00 É 


373 


108:4:00 | 


26.488:0:00 
440:0:00 
40:0:00 


6.291:0:00 | 


50:0:00 | 


3:2:30 À 


84:0:00 


120:0:00 É 
26:0:00 4 


7.303:2:30 | 
8:0:00 ; 


100:2:30 
1.022:0:00 
1480:0:00 
45:0:00 
3.747:0:00 


428: 0: :00 
216:0:00 
256:0:00 
635:0:00 

54:0:00 


— 


32:0:00 
215:0:00 


.802:0:00 | 


441.852:0:30 


374 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


Valor 
em xerafins 
e E EDER 
Transporte. .| 441.852:0:30 


Proce- 


. | Generos importados Quantidades 
dencia 


Pratos de folha de 
bananeira 24. : 324:0:00 
94 corjas e 19 2.729:0:00 
5 ditas e 5 E 52:2:30 
20:0:00 À 
55:0:00 
Couros de bufalo. ... 60:0:00 
Ditos de boi... ... 1.468:0:00 
Ditos de cabrito ..../11 corjas 55:0:00 § 
Pares d"alparcas....|9 ditas e 18 99:0:00 $ 
Carvão em fardos.. 565:2:30 À 
Garrafas vasias 75:0:00 § 
Miudezas 6.542:0:00 
Porcos 250:0:00 
5.496:0-00 
1.028:0:00 
4:0:00 


Balagate 


AEU DE ES O eo 


460.675:0:00 


—— e ee tm 


Fazendas de algodão 

brancas e pintadas, . 3.424:0:00 
Guingões 70:0:00 
Cobertas 15 ditas 105:0:00 
Lenços d'algodão ...|15 corjas e 19 pecas 912:0:00 
Ditos de seda ......|7 ditas e 1 dita .... 205:0:00 
Elefantes 

Alcatifas 
Marroquins fingidos|1 corja e 13 pecas... 


. Madrasta 


6.384:2:00 

Roupa ou fazendas de i 
Patavora ««|3 corjas e 3 peças .. 3.872:0:00 
16 peças 91:0:00 
12 corjas e 6 peças 984:0:00 


Patavora 


4.952:0:00 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 375 


Este mappa, bem como o que se segue, da expor- 
tação, é sómente dos generos e fazendas que despacharam nas 
“alfandegas de Salsete e Bardez, em quanto eram reputadas 
da fronteira terrestre; e dos que com guia dão entrada na 
alfandega de Pangim; por quanto os mappas das outras al- 
fandegas situadas nas fronteiras das Novas Conquistas, que te- 
nho á vista, só comprehendem o valor ou capital das fazen- 
das e generos, sem designar qualidade ou quantidade, e os 
direitos que produziram. 


Anno de 1840. — Exportação pelos portos seccos. 


Valor 
em xerafins 


——— m = M tr — 


Me To Ri 


Generos exportados Quantidades 


E 1.356 candis e 16 
Cópra aparada.... $ f 73.268:0:00 | 
Bebidas espirituosas 6.160:0:00 $ 
Azeite de côcos ....|86 candis e 6 mãos| 11.738:0:00 
1 candil e 4 mãos .. 48:0:00 


31 ditos e 17 ditas.. 2.866:2:30 
14 ditos e 16 ditas. . 440:0:00 

250:0:00 

420:0:00 
Assucar em pó à 70:0:00 
Jagra de canna 200:0:00 
Cêra em vélas a 210:0:00 
Vinho fenim 4 candis e 10 mãos 180:0:00 
Dito de cajús 1 dito e 9 ditas .... 58:0:00 
Vinagre de canna ... 6853:0:00 
Pimenta longa 270:0:00 

.628:2:30 
20 resmas 240:0:00 
413.500 .570:0:00 
7 casaes 35:0:00 
720 ditos 480:0:00 

240:0:00 

899:2:30 


108.956:2:30 


o 
= 
S 
&o 
ne 
S 
= 


| 
| 
| 
E: 
dj 


376 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 8. 


Commercio interno. Era opprimido e definhado por impos- 
tos e alcavallas, que, posto fossem abolidas pelo Alvará de 3 
de Junho de 1810, subsistiam pela maior parte em conse- 
quencia do modo pelo qual foi regulada a sua execução , em 
um Assento tomado na Junta da Fazenda em 31 de Outubro 
do mesmo anno. O Governador Geral Interino, Lopes de Li- 
ma, extinguio todas estas alcavallas, entre as quaes era o 
mais pesado e absurdo imposto denominado Bagibab, que 
explicarei quando tratar dos impostos e rendas publicas. O 
movimento deste commercio foi o seguinte, no anno alludido 
de 1840. 


Anno de 1840. — Commercio interno. 


Proce- | Generos despachados por F Valor 
dencia | importação na alfandega Quantidades “ em gerafins 
de Pangim 
oo Re 
111.849:1:00 
368:3:15 


370:0:00 

! 162:2:30 

Manteiga da terra. ..|1.166 (a? 9.426:0:00 
Linho canhamo 1.285 ditas 1.292:0:00 
Solam de berindão . .| 131 ditas 394:2:30 


— 


123.863:4:15 


Generos despachados por 
importação na alfandega 
de Salsete, hoje em As- 


solná ; 

| & (| Battc (arroz em casca) |25 cumbos ......|  9.000:0:00 

SE | |Nachenim ......... 1 dito e 6 candís.. 390:0:00 

E E ||Tory......ec. ss. 3 ditos e 8 ditos. . 1.360:0:00 

S S t lrrigo 1 dito, 8 ditos e 5 

E ED ERRA É WAOS e cesso 840:0:00 

sê ndo f |2 ditos 8 ditos e 10 

z ra SE ditas Gare A 727:2:30 
12.317:2:30 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. fi 


Generos despachados por 
Proce- | importação na alfandega 


dencia | de Salsete, hoje em ds- Quantidades em xerafins 


Transporte. . 
3 candís e 10 mãos 
1 dito e 10 ditas. . 


Cópra aparada 
Aréca vermelha . 
Dita branca 
Pimenta longa 
Jagra de canna 
Pontas de veado.. 
Berindão 


Pimenta redonda. . 
Louça de. barro 


E TED TS mt 


Madeira 

Telhas 

Foguetes 

Pratos de folha de 
bananeira 


vn 
e 
— 
a 
= 
= 
S 
© 
o 
un 
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> 
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z 
5 
5 
Z 
© 
Z 
[35] 
Eu 
+ 
= 
= 


29.539:3:45 
Generos despachados por 

importação na alfandega 
de Bardez, hoje em Cha- 
porá. 

À 25 corjas e 15 pecas 3.007:0:00 
E RS PE ba Se s 2 pecas 10:0:00 
Lenços 44 corjas e 10 pecas 3.488:0:00 
Peduvens R 78:0:00 


Marcella. — 
Novas Conquistas 


N. B. Estas fazendas são desta aldêa, e de muito inferior 
qualidade : escapou menciona-las sob o artigo == manufacturas. 


378 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA, N.º 8. 
Anno de 1840. — Commercio interno. 


Generos despachados 
por exportação n'al- 
fandega de Salsete 


Valor 
Quantidades em xerafins 


9 Desti- 
H no 


À K E T:R: 
2S0 ODO nee e o o 7.798:3:00 


Nas A 


+19 O 
Seu 


Soco nwsoo css 
SSS 


=> 


Assentos de páo la- 
creado 

Tabolas de jôgo ... 

Chuname (cal) 

Azeite de côcos. .. 

Jagra de canna 


a =p) to 
DSSSSrpoSo 


gə 


4 candis e 8 @.... 
16 candís 


22) 
cs 
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S 
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Z 
= 
+ + 
ES 
© 


cA 
SOCO USC J/ O 


9.02 ! : 


e 


28.183:2:51 


Feiras. — Parece-me este o logar conveniente para ennu- 
merar as feiras ou mercados geraes; porque como praças de 
commercio interno a ellas concorrem todos os artigos e gene- 
ros de producção e industria do paiz, e ainda os de fóra, des- 
pachados nas alfandegas, que mais convém ao uso dos povos. 
As grandes feiras annuaes em Gôa, são em Góa velha, Seri- 
dão, Forte dos Reis Magos, Mapuçá, Navelim, e S. Thomé 
de Salsete. Além d'estas ha feiras menores, ou mercados se- 
manaes em Mapuçá, Marcella, S. Lourenço, S. Thiago, Bi- 
cholim, Sanquelim, Sanguem, e Quépem. Por occasião da 
festividade dos oragos das freguezias, ha em quasi todas, pe- 
quenas feiras, às quaes ha mais ou menos concorrencia. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 379 


Preços correntes dos generos abaixo declarados , em fins 
do anno de 18441. 


py UM 

Um candil de mão de trigo............ 36:0:00 prata. 
Um dito de batte do porto de Chandercoto » » » » 
Ea Ato de.Darcur -cdr bs crer aeri  S ia voa DY » 
Em dito de :Pandió ss css o AD DÐ Y » 
Um dito ordinario de asgó do paiz....... 5:0:00 dita. 
Um dito dito de Concherim............ 5:0:00 dita. 
Um dito dito de Nachinim .....c...... 5:0:00 dita. 
Um dito dito de Culita. ....... GP DAR 6:0:00 dita. 
Um dito dito de Urida . .............. 10:0:00 cobre. 
Um dito dito de grão de bico .......... 16:0:00 prata. 
Arroz limpo de Bar por 12 medidas. .... 1:0:00 cobre. 
Dito de Concherim por 44 ditas. ...... 1:0:00 dito. 
Dito de Barcur por 14 ditas. .......... 1:0:00 dito. . 
Dito de Boinur por 14 ditas. .......... 1:0:00 dito. 
Dito de asgó por 10 Z ditas. ........... 1:0:00 dito. 


Dito de Concherim ordinario por 12 ditas.. 1:0:00 dito. 
Dito pacharil da 1.º sorte por 7 ditas .... 1:0:00 cto. 


Dito de dito da 2.º sorte por 8 ditas. .... 1:0:00 dito. 
Nim fardo de arroz de Bar; .. co... 3:0:00 prata. 
Elio de dito: de Boinir sima asa mangas 2:3:00 dita. 
Enio de dito de Barçur . s4 sui- eim sao 2:2:30 dita. 
Dito de dito de pacharil 1.º sorte. ...... 5:0:00 dita. 
Dito de dito de. 2.º sorte. . Lt. cc LARS 4:2:30 dita. 
Uma mão de açucar pó da 1.º sorte. .... 12:0:00 dita. 
Uma dita de dito da 2.º sorte. ......... 10:0:00 dita. 
Pão de rolão commum de 7 4 onças,..... 0:0:15 cobre. 
Rolão por uma medida . .............. 0:1:00 - dito. 
Farinha, por uma dita................ 0:0:511 dito. 
RS por quit... o. A dela ape ni 40:0:00 dito. 
Um candil de mão de copra............ 80:0:00 dito. 
Uma mão de azeite de coco. ........... 10:2:00 dito. 
Uma dita de dito de gergelim.......... 11:0:00 dito. 
Uma dita de cêra manufacturada ........ 37:0:00 prata. 


Uma dita de dita bruta... ... os cc. 35:0:00 dita. 


380 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NS; 


Pesos e medidas de Góa. 


Cumbo. , . | 20 candís. Generos que se mercam } 
= J Camil... |20 curós. A vii E aa pis pe 
Curó ....| Bmedidas. | ? di P ai Res ou Ana 
Medida” |- Sguartos, indicada pelo numero à mar- 
E | gem. 
IE Candil 3 
E = de mão } 20 mãos: 5| Açafrão. 1| Gergelim. 
Mão. .... 3 curós, etc. | 1| Alforvas. 5| Jagia 
— 5| Alhos. 6| Manteiga. 
2 = f Moio .. .. | 16 curós. 6| Amendoas. 6| Metaes grossosg 
E (= l Curó....| Zcaixas. [5 Aréca. I| Mostarda. 
E go — 1| Arroz. 1| Mungo. 
Candil. ..| 4quintaes. | 4| Azeite. 1| Nachinim. 
 > Qnintal..| 4arrobas. }6| Assucar. 4| Oleo de reci- & 
Arroba ..|32arrateis. |1|?) p, nos, 
= = 2 pate 6| Passas. : 
E: AR 20 mãos t 6| Café. 1| Pimenta longas 
a J| po quintal. á 3| Cal. 6| Dita redonda. § 
A j> Mão f 25arratets e/5 Carne. t| Sal. 
**7 Q| 10 onças. 5| Cebolas. 4| Sifa. 
za Saen 7| Cera manuf. +» 5| Tabaco. 
IB Candil. .. |20 mãos, 1| Coentro. 6) Tamaras. 
U> f Mão... .. | 24arrateis 16) Copra. 5| Tamarindos. 
ps Ps 6| Cominhos. 2| Trigo. 
a Dabá....|24mãos. 6| Congos. 1| Urida. 
Sel. fl> Mào. ....| 2calões. J| Culita. 4| Vinagre. 
= á U“ Calão ...| 6 canadas. | }|Feijão. 4| Vinho de pal- § 
8 Canada ..| 4quartilhos|5| Gengibre. meira. 


» Para os liquidos, que se não acham neste Cathalogo, se usa das me- 
didas de Portugal, e suas subdivisões. 
es Uma mão de cêra bruta tem 26 arrateis. 


As medidas de distancia, de cumprimento, e superficie são 

como em Portugal presentemente usadas. Porém a medição de $ 

terras nos titulos e documentos do dominio d'ellas vem expres- 
sada por bambús. Tambem para designar os lotes de fazendas, 
se usa da palavra corja — Uma corja comprehende 20 peças ou 
20 volumes segundo a sua designação. 


1842. POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA, 381 


Moedas de Gòa. 


Denominação Valor 
De Goa| Fortes 


De ouro 


De prata... f Pardáo ou Xerafim . 


Meio Pardão 


— temente | mem 


RAE oe apoio anel asis sio d bpe à n/a 6/0 mio oia 
De cobre... Meia Tanga 
Larim (imagiuario) 


As mais têm o nome do seu valor em réis, e são de 20, 15, 12, 10, 9, 
754,6, 44, 3 réis, e de rcal e meio. 


Moedas correntes em Góa com o cambio correspondente 
em Setembro de 1841. 


MOLE R 

Rupias de Gôa ...... O por:Ss iso ras 2:2:00 
» é de Bombaim iu 120 dito feud dO. bol, 2:3:24 

ai thde“Bengalas inis tAniditos wir hna rd 1:3:24 
Doade Surrata k adta a T 2:3:24 

pi rde. Baroche 2. “20 xdito.s da an EATR 2:2:00 
pride Picarnimsc20 dito suis. vo ai 2:32:00 
Pega debr ADO TEIS Pe bros sons CE: 42:2:30 
Resosrhespinhoes: q: 317. mis sismo. dios co h:4:00 
ErnZados Novos si: mismo dr ea an o na “bear DD 


Ha ainda fóra de Gôa as rupias cherinas, e Sicáres que 
todas regulam por 400 réis fórtes, e de diversos cunhos, que 
não são faceis de differençar; para o que se precisam conhe- 
cimentos praticos que têm certos individuos , que para isso se 
empregam , a que dão o nome de sárrafos. 

Tambem são diversos os Pagodes e Glomores de ouro, e 
venezianas , que pouco apparecem no-mercado de Gôa. 

(Continuar-se-ha. ) 


382 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 8. 


Notas sobre o commercio do archipelago Malaio, bem como 
sobre os estabelecimentos da companhia Ingleza das Indias 
ortentaes no estreito de Malaca, por Mr. Picard, segundo 
tenente da marinha Franceza. (Continuadas de pag. 333.) 


Sumatra. 


O tractado de 182%, concluido entre o Rei dos Paizes- 
Baixos e Sua Magestade Britannica, mettia de posse o gover- 
no Neerlandez das feitorias e territorio de que os Inglezes se 
tinham assenhoreado na costa O. de Sumatra; isto é, de 
Benculem ou forte de Malbo, e do: territorio de Pandang. As 
notas trocadas entre os plenipotenciarios , por occasião deste 
tractado , eram contrarias ao augmento de ferritorio: a Hol- 
landa obrigava-se a respeitar a independencia do Sultão de 
Achem, e de conservar unicamente sobre elle uma influen- 
cia moderada. Porém pouco a pouco foram esquecendo - as 
promessas; e não se importando os Hollandezes senão com o 
que estava expressamente declarado no tractado foram abran- 
gendo a costa O. de Sumatra. Os rajás entregues a si pro- 
prios, e desamparados pelo seu soberano em nome , viram-se 
obrigados a ceder ás forças europêas. Tappanuli, Barus e 
portos visinhos foram successivamente occupados. A guerra 
prosegue ainda, e, no meado de Maio de 1840, o porto de 
Sinkel, a 2º 13! de latitude N. , cahiu no poder das tropas 
Hollandezas. Esta conquista não se faz sem grande despeza : 
uma divisão de duas fragatas e de alguns navios de véla, e 
barcos de vapor estavam empregados no bloqueio desta parte 
da costa. A despeza motivada por esta guerra sóbe a dois 
milhões de florins por anno; e em quanto o systema seguido 
em Jaya não estiver alli de todo estabelecido, nenhum ren- 
dimento se recolherá desta nova conquista. Muita gente olha 
esta guerra como uma mania de augmento inutil, e deploram 
que as sommas nella despendidas não sejam empregadas no 
excellente terreno de Java. 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 383 


Se a Hollanda continuar a adiantar-se sobre o Achem, 
todos os portos onde se recebe a pimenta lhe cahirão nas 
mãos ; e então, recebendo a pimenta dos naturaes, a imporá á 
Europa por um preço exorbitante ; mas não se póde duvidar 
de que a Inglaterra levantará a sua voz contra este projecto 
antes de se realisar, e que as ameaças, ou representações do 
Governo Britannico, refrearão a ambição do governo Hollandez. 

Sobre a costa O., o territorio de Pandang. produz grande 
quantidade de café; e um Benculem cultiva-se com bom re- 
sultado especiarias. 

A parte S. de Sumatra está sujeita aos Hollandezes. So- 
bre a costa E., têm elles alguns estabelecimentos, e portos 
em Palembang , Indragiri e Jambia. Os residentes probibem 
ou impoem um direito enorme sobre os tecidos de algodão, e 
sal fornecido por Singapor e Penang , facilitando deste modo 
a sahida aos seus productos: Os rajás destes diversos portos 
são pensionarios da Hollanda, e de mãos dadas com ella ar- 
ruinam seus proprios subditos: os rajás são os unicos que ti- 
ram proveito do dominio Hollandez. Indragiri está situada 
na embocadura do rio do mesmo nome, que é o primeiro rio 
grande que sc encontra ao vir do S. Até ao presente os Hol- 
landezes ainda se não estabeleceram ao N.: este ponto está 
situado entre. ... de latitude N. ge Indragiri: outros muitos 
rios vêm lançar-se no estreito de Malaca: os de Siak e Dille 
ou Diely, são navegaveis por juncos malaios de muitas toneladas. 

Seria mais prudente que a Hollanda se limitasse a occu- 
par Jaya e Banca, colonias verdadeiramente ricas e que offe- 
recem grandes vantagens futuras. 


Malasia independente. 


Grande parte da ilha de Sumatra, ilha Lingin, e Bin- 
tang (salvo Riow) a maior parte de Bornéo ; as ilhas de Bali, 
Lombock, Sombua e muitas outras que lhe ficam perto; uma 
grande parte da Celébes e de Gilolo, algumas ilhas do grupo 
das Philippinas, são pouco mais ou menos as que se conser-' 
vam independentes na Malasia. 

Sumatra, mais que todas, é a que particularmente deve 
attrahir a attenção do commercio. (Continuar-se-ha. ) 


384 O BOM MARINHEIRO. N.º 8. 


O bom Marinheiro. 


1. 

() vulgo que os mares sulcar não ousou ; 
Que a furia dos ventos não tem arrostado ; 
Que a morte e os combates não tem affrontado , 
Nem praias distantes ovante pizou ; 

Conceito não fórma do homem do mar : 
O bom Marinheiro quem. póde igualar !? 
2. 

Impavido voga possante baixel, 
Quietos os mares, serenos os ventos; 
As armas maneja, e nestes momentos 
O Nauta se apresta p'ra guerra cruel, 
E os perigos de Marte já póde arrostar. 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 


Se os ventos recrescem e o mar se encapella , 
No láes d'alta verga co” as nuvens por baixo , 
Suspenso no abysmo , lá risa o veláxo ; 
Nem teme, indifferente , no horror da procella 
Se gavea tremenda vai deftro ferrar. 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 

As nuvens engrossam em noite horrorosa ; 
Os raios medonhos o Ceo esclarecem ; 
Montanhas figuram as ondas que crescem , 
Por cima cobrindo a não alterosa : 
E elle sem medo no rosto mostrar. 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 


Socegam-se os ventos , espelham-se os mares, 
Em torno o horizonte brilhante fulgura ; 
O Nauta consulta dos astros a altura, 
Seu curso, distancias, contacto e logares. 
Seu culto a Urânia quanto é singular ! 
O bom- Marinheiro quem póde igualar !? 


1842. O BOM MARINHEIRO. 


6. 

Da sciencia investiga arcanos e enredos, 
Nas aguas, nos ares, na terra, nos ceos; 
Oh! quantos mysterios indaga de Deos ! 
Da Physica quantos não busca segredos, 
Que o vulgo jámais sonhou combinar ! 

O bom Marinheiro quem póde igualar !? 

Mas eis que desponta baixel inimigo ; 
Já proximo estando rebomba o: canhão ; 
Os ferreos pedaços mortiferos são , 

Á morte e ruina não ha um abrigo. 
Mas oh que valentes! lá vão abordar : 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 


Ao choque tremendo dos fortes baixeis 
Neptuno o tridente de susto largou, 
E Marte enfiado tremeu, descorou. 
Ah! nunca os humanos em guerras crueis , 
Se viram tão feros a morte afrontar. 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 


Tambem, d'Aganipe as aguas bebendo, 
O Nauta cultiva das Musas encantos ; 
E seus ou alheios, entôa mil cantos, 
Do mar co” as fadigas contraste fazendo. 
Oh! quanto é extenso seu vasto pensar ! 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 
Sua alma indomavel, seu genio de ferro, 
Nos braços do amor elle sabe esquecer ; 
E culto á ternura submisso render : 
Nem cura que digam ser este o seu erro. 
O bom Marinheiro eu quiz retratar, 
O bom Marinheiro quem póde igualar !? 


F. A. M. Pereira. 
Num. 8. 4 


385 


386 AVISOS AOS NAVEGANTES. ` N.º 8. 
>> E > —= 
AVISOS AOS NAVEGANTES. 

Nº 43. 


Novo farol erigido no Porto de Alexandria no Egypto. 


) abaixo assignado tem a honra de prevenir o publico, de que 
por ordem de Sua Alteza o Vice-Rei do Egypto se accenderá o novo 
farol em o 1.º de Abril de 1842. 

A Torre está collocada sobre a extremidade da ponta Eunostos ou 
Porto Velho; e a sua posição é: 

Latitude 31º 11'31'/ N. 
Longitude 29º 51' 28! a E. do Meridiano de Greenwich. 

O lume estará fixo, e na altura de perto de 180 pés acima do 
nivel do mar: o seu centro dirigir-se-ha para o NO., tendo a ponta 
do Marabout ao SO. , na distancia de quatro milhas, e o velho farol 
ao NE. à E., a uma milha e tres quartos. Entre estas duas pontas, 
e em tempo claro, será visivel a luz a perto de 20 milhas de dis- 
tancia. 

Alexandria à de Marco de 1842. 

Boghos Joussouff. 


N.º 13. - 
Direcções para entrar no porto Nassau-Neu Providence. 


Quando a barra estiver navegavel para qualquer navio, uma 
bandeira branca será icada, como d'antes, no mastro que está na 
ponta do Oeste da ilha Hog: ainda que a embarcação dos pilotos 
não possa sahir, comtudo estará prompta dentro, tendo largo o res- 
pectivo distinctivo, que é uma bandeira meia branca e meia encar- 
nada, horisontal. O navio que estiver proximo a entrar, deve neste 
caso navegar para dentro, dando um resguardo cousa de oitenta bra- 
cas á ponta do Oeste da ilha Hog , sobre a qual existe o farol, con- 
servando no mesmo alinhamento a baliza branca que está em Toney 
Rock, com a baliza que se acha collocada sobre o monte a Leste 
do forte do Oeste, até que a handeira branca que está junto ao fa- 
rol, demore a Leste; então deve atravessar para esperar a embarca- 
cão, que lhe ha de dar piloto para o conduzir ao ancoradouro. 
Quando os pilotos julguem muito arriscado, e não tenham outro meio 
de annunciar que não se deve acommetter a barra , içar-se-ha uma 


cr 


Er né sá 


E E 


1842. ' AVISOS AOS NAVEGANTES. 387 


bandeira encarnada no mastro junto ao farol. Não obstante, havendo 
uma extrema necessidade que obrigue o navio a investir a barra, a 
embarcação dos pilotos achar-se-ha sempre prompta da parte de den- 
tro com o respectivo distinctivo largo. Porém não se dando uma si- 
milhante necessidade, será mais prudente que a embarcação se 
faca ao mar para o Oeste, se o vento fôr do quadrante do NE.; e, 
affastando-se tres ou quatro milhas da terra, navegar para a extre- 
midade do Oeste; dobrando o Rey junto á ponta, encontrará um ex- 
cellente ancoradouro na bahia do SO., demorando-lhe Gualding Rey 
(o Rey junto á ponta do Oeste) ao NO. 4 O., e Wylly Cliff (uma 
notavel rocha que fórma a bahia) ao NO. 4 N., desde 4 até 8 bra- 
cas d'agoa, cousa de amarra e meia dentro das sondas, em fundo 
limpo d'aréa, e de boa tença : o unico perigo que se deve evitar, é 
um baixo de pedra que tem sómente 8 pés d'agoa; o qual demora 
ao S. 4 à SE., perto de 3 milhas distante de Wylly Cliff, e é sem- 
pre visivel durante o dia. 

Se o vento soprar do quadrante do NO., nesse caso será melhor 
que o navio siga para o NE.: governando a ENE., umas 13 ou 14 
milhas, estará emparelhado em ambos os rochedos de Booby (na entrada 
do ancoradouro de Cochrane), em cada um dos quaes existe uma baliza : 
quando estas estiverem enfiadas uma pela outra, o rumo deverá ser 
SE., até que ellas abram ; e então o navio poderá fundear com se- 
gurança. Um barco á véla, ou embarcação , sendo possivel, estará 
prompto dentro, para lhe dar piloto, que o conduzirá para o anco- 
radouro. 

5 (Nautical Magasine. — Março de 1842.) 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 
No 1.º d' Agosto de 1842, 


ta dq E O 
Qualidade = Graduações, e nomes Os lIsaa E) 
das Nonies z] aS dos F SUE E E E Destinos 
Embarcações gs Commandantes was |as E F 
Saen É a E G S 
i SE : 
Duq.z2deBrag.ca| 50 |Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. .| 5 2 | No Téjo Ea pe Peai 
Fragatas, .. Diana ........| 50 |Capitão Tenente, J. S. Ramos.........] 5 » | No Téjo E E ETA 
D. Maria II...) 42 | Capitão Tenente, A. R. Graça. ........| 11 6 Para a India — Não de viagem. 
Oito de Julho..| 24 | Primeiro Tenente, F. A. G. Cardozo..,. 5 2 Em Angola. ; 
Coreia D. João I.....| 24 | Capitão Tenente, F. S. Franco......... 5 3 No Téjo. 
e PRE: Rene BA o Dad so shi RM et ice sintra 2 2 Na India. 
Urânia........) 24 | Capitão Tenente J. M. F. do Amaral... | 6 6 [No Téjo. 
Audaz ......,.| 18 | Primeiro Tenente, J. J. d Andrade Pinto 4 3 Em Angola. 
Brigues... 4 | Villa Flor.....| 16 | Capitão Tenente, J. B. da Silva,....... 4 3 Nos Açores. 
D. Pedro......) 16 | Primeiro Tenente, T. F. Guimarães, Junior 4 3 No Algarve. 
Chatridia Magnanimo ....| 26 | Capitão Tenente, J. J. Fernandes d’ Andrade 4 3 Na India. 
`" AJPrincipe Real..| » | Capitão Tenente, P. A. Caminha....... 7 3 Para Angola. 
Brigue-Escuna] Vouga ........] 12 | Primeiro Tenente, P- Centurini.........) 4. 3 No Téjo. 
Liberal .......) 13 | Primeiro Tenente, J. M. Esteves........ 3 2 | No Algarve. 
Amelia .......| 10 | Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 3 2 Nos Açores. 
Escuna Esperança ..... 8 | Segundo Tenente, A. d'Oliveira........ 2 2 Na Madeira. 
““"5 | Boa Vista..... 1 | Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferr.2 1 1 S. Thomé e Principe. 
Cabo Verde. ... 1 | Segundo Tenente, V. R. Ganhado,..... 1 1 No Téjo. 
NIDA annn 1 [Segundo Tenente, V. do N. Teive...... 1 1 Em Angola. 
Correio... ..|S. Boaventura. .|......| Primeiro Tenente, F. de A. e Silva.....| 3 | 3 [No Teo. 
Cuter. ......| Andorinha. ....|......| Segundo Tenente, P. O. Alves......... 1 1 No Tejo. 


MARITEMOS E GOLONEAES. 
| Nº 9. 
SEGUNDA SERIE, 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 


Agosto de 1842. 


1. p ORTARIA, Mandando Sua Magestade a Rainha, que 
o Major General d'Armada louve em seu Real Nome ao Ca- 
pitão Tenente Francisco Soares Franco, Commandante da Cor- 
veta =D. João 1.º== pelo bom serviço, zelo, e dignidade 
com que se houve no desempenho da sua ultima Commissão 
ao Brasil e Monte Videu; no que dando evidentes provas 
do seu patriotismo, soube tambem sustentar a honra Nacional. 

Idem. Portaria, Mandando que o Major General d'Ar- 
mada passe as mais terminantes ordens ao Commandante do 
Registo do Porto, para que de hoje em diante nenhum pas- 
sageiro possa desembarcar de qualquer navio de guerra, ou 
mercante, sem primeiro se ligitimar convenientemente na Re- 
partição da Policia. 

2. Decreto, Restitundo ao Quadro effectivo d' Armada, 
para o fim de ser reformado na forma da Lei, como por es- 
te mesmo Decreto o reforma, ao Capitão de Fragata gradua- 
do, separado do Quadro efectivo, José Gonçalves, isto em 
attenção a este Official ter sempre servido bem a sua Patria, 
e a que durante a época da usurpação nunca fôra empregado 


390 ACTOS DO GOVERNO. NSS; 


em serviço algum por aquelle governo , sendo merecedor de 
se haver com elle toda a contemplação para o effeito de lhe 
ser melhorada a sua sorte. 

3. Decreto, Promovendo o segundo Tenente d'Armada, 
Francisco Amaro do Rego, ao posto de primeiro Tenente da 
mesma Armada. 

4. Portaria, Concedendo baixa do serviço, por assim o 
haver requerido, ao Aspiraute a Guarda Marinha Antonio de 
Mello Carneiro Zagallo.. 

Idem. Officio, Remettendo ao Major General da Armada 
copia da Portaria de 12 de Julho ultimo, dirigida ao Admi- 
nistrador Geral das Mattas do Reino, dando por acabada aos 
segundos Tenentes d'Armada, Francisco Maria Pereira da Sil- 
va, e Caetano Maria Batalha, a Commissão de que se acha- 
vam encarregados de levantar a planta do Pinhal Nacional de 
Leiria; aos quaes a mesma Portaria louva pelo seu bom tra- 
balho, de que deram a mais satisfactoria prova na confecção 
daquella Planta. 

6. Portaria, Mandando encarregar aos segundos Tenen- 
tes d' Armada, Francisco Maria Pereira da Silva, e Caetano 
Maria Batalha, a reteficação do Plano Hydrografico do Porto 
desta Capital, redigido pelo Coronel Marino Miguel Franzini, 
sobre os trabalhos Geodesicos emprehendidos pelo Doutor Gie- 
ra, Coronel Caula, e outros Officiaes em 1802, visto que 
desde aquella época deve ter havido grande alteração nas son= 
das da Barra, e direcção dos bancos que a formam ; devendo os 
mesmos Olficiaes, depois de concluido este trabalho, passar 
a levantar a Planta do Téjo, marcando as sondas até Villa 
Nova da Rainha. 

18. Portaria, Concedendo baixa do serviço, por assim 
o haver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha, Antonio 
Maria do Carmo d'Oliveira Penalvo. 

19. Portaria, Mandando que em quanto não ha Lei, 
sobre restringir o trafico da escravatura branca, que sob o 
nome d'emigrados ou passageiros, vai despovoando não só- 
mente as Ilhas Adjacentes, mas tambem o Reino de Portugal 
no Continente, fiquem provisoriamente em inteira obseryancia 
os artigos seguintes : 


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1842. ACTOS DO GOVERNO. 391 


Artigo 1.º Todo o capitão, ou mestre de navio mercante, que 
sahir dos portos destes reinos, das ilhas adjacentes, ou das provin- 
cias ultramarinas para qualquer dos portos estrangeiros, situados ao 
Sul de 30º de latitude Norte, e admittir a bordo do seu navio mais 
de 24 passageiros portuguezes, fica sujeito ás disposições dos artigos 
seguintes. j 

Art. 2.º Nenhum subdito portuguez poderá ser admittido como 
passageiro a bordo dos navios mercantes, sem que apresente o res- 
pectivo passaporte, passado pela autoridade competente. 

Art. 3.º Todos os subditos portuguezes que se ausentarem sem 
o respectivo passaporte, bem assim todos os capitães, ou mestres de 

navios mercantes, que taes passageiros receberem, ficam sujeitos ás 
penas que as leis impõem contra similhantes infracções. 

Art. 4.º Nenhum navio mercante, que sahir dos portos destes 
reinos, das ilhas adjacentes, ou das provincias ultramarinas para 
qualquer dos portos estrangeiros, situados ao Sul da latitude de 30º 
Norte, poderá fazer viagem com mais de dois individuos portugue- 
zes a bordo, por cada cinco tonelladas da sua arqueação registada, 
entrando nesse numero o capitão, e a tripulação do navio. 

Art. 5.º Além dos mantimentos, e agoada, necessarios para a 
tripulação, deverá o navio, para poder obter despacho de sahida 
para os sobreditos portos, ter a bordo provisões boas, e sãs para 
consumo dos passageiros. A agoada será regulada a razão de doze 
canadas por semana para cada passageiro, segundo o calculo esti- 
mativo da viagem; e as rações serão calculadas, segundo o mesmo 
calculo, como se os passageiros fossem soldados embarcados ; á ex- 
cepcão do vinho. 

Art. 6.º Não se dará despacho para os referidos portos a navio 
algum mercante, que para elles se destine, e que conduza mais de 
trinta passageiros portuguezes, sem que elle tenha a bordo, e leve 
effectivamente para o seu destino, um medico, ou cirurgião habili- 
tado a praticar pela sua competente carta de exame, e bem assim 
uma caixa de botica com drogas, medicamentos , e instrumentos de 
cirurgia necessarios para similhantes viagens. 

Art. 7.º O capitão do navio fica obrigado, antes de o despa- 
ehar, a entregar ao Intendente da Marinha, Capitão do porto, ou 
quem suas vezes fizer, uma lista, por eile assignada , em que de- 
clare os nomes, idade, profissão ou occupação, sexo, e naturali- 

“dade de todos os passageiros que leva, e o nome do porto ou logar 
onde ajustou desembarcar cada um delles; e esta autoridade envia- 
rá, pelo mesmo navio, ao Consul, ou autoridade que o substitua , 
a relação original, a qual deverá ficar aqui registada. 

Art. 8.º O capitão do navio não poderá, sem consentimento 
dos passageiros, desembarca-los em outros portos ou logares, que não 
sejam os que com elles convencionou , salvo os casos marcados no 
Codigo Commercial. 


392 ACTOS DO GOVERNO. N.° 9. 


Art. 9.° No caso que o navio não saia para a sua viagem no 
dia aprasado no contracto pelo dono, capitão, ou fretador do navio, 


ou seu agente, o capitão sustentará , durante a demora que houver, 


a cada um dos passageiros. 

Art. 10.º No fim da viagem, todos os passageiros que chega- 
rem ao porto, ou logar do seu destino, terão direito, durante as 
primeiras quarenta e oito horas depois da sua chegada, a serem 
conservados a bordo, e alli mantidos, e providos, como durante a 
viagem, selvo se tiver havido, entre elles e o capitão do navio, es- 
tipulação em contrario, ou .se o navio, proseguindo a sua ulterior 
viagem , sahir do porto dentro das ditas quarenta e oito horas. 

Art. 11.º O capitão de qualquer navio mercante, que se em- 
pregue principalmente no transporte de passageiros portuguezes, será 
obrigado a prestar uma fiança de quatro contos de réis, perante a 
autoridade competente. Esta fiança responde por qualquer falta de 
execução das disposições destes artigos, e relaxa-se sómente depois 
de passados dezoito mezes da chegada do navio ao porto d'onde 
partio com os passageiros. 


Tractado para a completa abolição do Trafico da Escravatura, 
entre Sua Megestade a Rainha de Portugal e dos Algarves, 
e Sua Magestade a Rainha do Reino-Unido da Gram-Breta- 
nha e Irlanda, assignado em Lisboa pelos respectivos Pleni- 
potenciarios em 3 de Julho de 1842. 


Doxa MARIA , por Graça de Deos, Raixga de Portu- 
gal e dos Algarves, d'áquem e d'álém Mar em Africa, Se- 
nhora de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio 
da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc. Faço saber a 
todos os que a presente Carta de Approvação , Confirmação e 
Ratificação virem, que no dia tres de Julho do presente anno 
de mil oitocentos quarenta e dous se concluiu e assignou na 
Cidade de Lisboa, entre Mim e Sua Magestade a Rainha do 
Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, pelos respectivos 
Plenipotenciarios, munidos dos competentes Poderes, um Tra- 
ctado para a completa abolição do Trafico da Escravatura, o 
qual é do theor seguinte : 

Suas Magestades a Rainha de Portugal e dos Algarves, e 
a Rainha do Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, Ten- 


+ 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 393 


do grandes desejos de pôr immediato termo á prática barbara 
e piratica de transportar os naturaes da Africa a travez dos 
mares, com o fim de os reduzir á escravidão: e consideran- 
do Suas ditas Magestades, que esta infame prática foi declara- 
da crime altamente punivel pela Lei da Gram-Bretanha no 
anno de mil oitocentos e sete, e foi igualmente prohibida de- 
baixo de severas penas pela Lei de Portugal em Dezembro 
de mil oitocentos trinta e seis; e sendo Suas ditas Mages- 
tades de opinião que, afim de mais completamente prevenir 
para o futuro a perpetração deste crime, e de tornar mais 
eficaz a execução das Leis feitas em cada um dos Paizes para 
a sua punição, será conveniente estabelecer Regulamentos de 
Policia Maritima, e constituir Commissões Coloniaes, aos quaes 
Regulamentos e Commissões ficarão sujeitos os navios que na- 
vegam debaixo da Bandeira de qualquer das Partes, e não 
pertencentes a uma ou outra das Marinhas Reaes, resolveram 
Suas ditas Magestades concluir um Tractado para esse fim, e 
nessa conformidade nomearam para seus Plenipotenciarios, a 
saber: Sua Magestade a Rainha de Portugal e dos Algarves, 
a D. Pedro de Sousa Holstein, Duque de Palmella, Presi - 
dente vitalicio da Camara dos Pares, Conselheiro d' Estado , 
Gram-Cruz da Ordem de Christo, e da Torre e Espada, Ca- 
pitão da Guarda Real dos Archeiros, Cavalleiro da Insigne 
Ordem do Tosão de Ouro, e Gram-Cruz das Ordens de Car- 
los III em Hespanha, da Legião de Honra em França, de 
Santo Alexandre Newsky na Russia, Cavalleiro da Ordem de 
S. João de Jerusalem, Conde de Sanfré em Piemonte, Mi- 
nistro e Secretario d' Estado Honorario , etc. etc. etc. ; e Sua 
Magestade a Rainha do Reino-Unido da Gram-Bretanha e 
Irlanda, a Carlos Augusto, Lord Howard de Walden, Par do 
Reino-Unido da Gram-Bretanha e Irlanda, Cavalleiro Gram- 
Cruz da muito illustre Ordem do banho, Enviado Extraordi- 
nario e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade Britanni- 
ca, junto de Sua Magestade Fidelissima, etc. etc. etc. os 
quaes, tendo communicado um ao outro os seus respectivos 
plenos poderes, que acharam estar em boa e devida fórma , 
concordaram nos seguintes artigos : 

Artigo 1.º As duas Altas Partes contractantes mutua- 


394 ACTOS DO GOVERNO N.º 9. 


mente declaram, que a prática infame e piratica de transpor- 
tar por mar os naturaes d'Africa, para o fim de os reduzir á 
escravidão, é, e sempre continuará a ser, um crime rigorosa- 
mente prohibido, e altamente punivel em toda a parte dos 
seus respectivos dominios, e para todos os subditos das suas 
re peRRtAs Corôas. 

Art. 2.º As duas Altas Partes contractantes consentem 
mutuamente, que aquelles navios das suas respectivas Marinhas 
Reaes, que estiverem munidos com instrucções especiaes, como 
abaixo se menciona, possam visitar e dar busca ás embar- 


cações das duas Nações, que sejam suspeitas com fundamentos , 


rasoaveis de se empregarem em transportar negros para 0 
fim de os reduzir á escravidão; ou de terem sido esquipados 
com esse intento, ou de terem sido assim empregados durante 
a viagem em que forem encontrados pelos ditos cruzadores ; 
e as ditas Altas Partes contractantes tambem cosnentem que 
os mesmos cruzadores possam deter e mandar, ou levar as 
ditas embarcações, a fim de entrarem em processo, da ma- 
neira abaixo convencionada; e para fixar o direito reciproco 
de busca, de modo tal que seja apropriado a conseguir o 
objecto deste Tractado, e prevenir ao mesmo tempo duvidas, 
disputas e queixas, convenciona-se que o dito direito de bus- 
ea será exercido da maneira, e conforme as regras seguintes : 

Primo. — Nunca será exercido senão por navios de guer- 
ra autorisados expressamente para esse fim, conforme as es- 
tipulações deste Tractado. 

Secundo. — Em caso nenhum será exercido o direito de 
busca a respeito de um navio da Marinha Real de qualquer 
das duas Potencias. 

Tertio. — Todas as vezes que a busca em uma embarca- 
ção for dada por um navio de guerra, o Commandante deste 
navio de guerra, immediatamente á chegada a bordo da em- 
barcação que está para ser visitada, e antes que principie a 
busca, apresentará ao Commandante da dita embarcação o 
documento, pelo qual é devidamente autorisado a dar busca, 
e entregará ao mesmo Commandante da embarcação que está 
para ser visitada uma certidão assignada por elle mesmo, de- 
clarando o seu posto no serviço naval do seu paiz ,e o nome 


í 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 395 


do navio de guerra que commanda; e esta certidão deverá 
tambem declarar, que o unico objecto da visita, é averiguar 
se a embarcação que deve ser visitada, se acha empregada 
em transportar negros, ou outros, a fim de serem reduzidos 
à escravidão; ou se está esquipada para esse fim. Quando a 
busca for dada por um Official do cruzador , que não seja o 
Commandante delle, procederá o mesmo Official strictamente 
como se o fôra, depois de ter previamente apresentado ao 
Capitão da embarcação que for visitada uma cópia do docu- 
mento acima referido, assignado pelo Commandante do cru- 
zador; devendo do mesmo modo entregar uma certidão assi- 
gnada por elle, em que declare o seu posto na Marinha Real, 
o nome do Commandante por cuja ordem procede a dar bus- 
ca, o do cruzador em que anda embarcado, e o objecto da 
visita, como já se disse. Se pela visita se conhecer que os 
papeis da embarcação estão em devida fórma, e que a em- 
barcação anda empregada em negociações licitas, deverá o 
Official declarar no diario da derrota da embarcação , que a 
visita foi feita em execução das ordens especiaes acima men- 
cionadas; deixando a embarcação em liberdade de proseguir 
a sua viagem. 

Quarto. — O posto do Official que der a busca, não deve 
ser inferior ao de Tenente da Marinha Real; salvo se na oc- 
casião da visita elle for o Official segundo Commandante do 
navio, ou se o commando, por fallecimento ou outro qual- 
quer motivo, tiver recahido em um Official de patente in- 
ferior. 

Quinto. — O direito reciproco de busca e de detenção não 
será exercido no mar Mediterraneo , nem nos mares da Eu- 
- ropa, que estão fóra do Estreito de Gibraltar, e ao Norte, 
de trinta e sete gráos parallelo de latitude Septentrional , e 
que estão dentro, e a Leste de vinte gráos de longitude Oc- 
cidental do Meridiano de Greenwich. 

Art. 3.º A fim de regular o modo de pôr em execução 
as disposições do artigo precedente, convencionou-se. 

Primo. — Que todos os naviós das Marinhas Reaes das 
duas nações, que daqui em diante forem empregados em im- 
pedir o transporte dos negros ou outros, para os reduzir à es- 


396 ACTOS DO GOVERNO. | N.º 9. 


cravidão, serão munidos- pelos: seus respectivos Governos, de 
uma cópia nas linguas Portugueza e Ingleza do presente Tra- 
ctado, das Instrucções para os cruzadores a elle annexas, 
sob a letra 4; e dos regulamentos para as Commissões Mix- 
tas a elle annexas sob a letra B; os quaes annexos serão 
respectivamente considerados como parte integrante do Tra- 
ctado. 

Secundo. — Que cada uma das Altas Partes contractantes, 
de tempos a tempos, e todas as vezes que se fizerem algu- 
mas mudanças nos navios de guerra empregados neste servi- 
ço, deverá communicar á outra os nomes dos diversos navios 
munidos de taes Instrucções, a força de cada um, e os no- 
mes dos seus diversos Commandantes, e dos Officiaes imme- 
diatos em commando. 

Tertio. — Que se em algum tempo houver justo motivo 
para se suspeitar que alguma embarcação, navegando com a 
bandeira de qualquer das duas nações, e indo debaixo do 
comboy de algum navio ou navios de guerra de qualquer das 
duas Partes contractantes, é empregada, ou tenciona empre- 
gar-se no transporte de negros, ou outros, para os reduzir á 
escravidão ; ou está esquipada para esse fim ; ou tem sido as- 
sim empregada durante a viagem em que foi encontrada ; se- 
rá do dever de todo o Commandante de qualquer navio da 
Marinha Real de alguma das duas Altas Partes contractantes , 
que estiver munido de taes Instrucções, como acima se disse, 
communicar por escripto as suas suspeitas ao Commandante 
do comboy, e o dito Commandante do comboi deverá accusar 
por escripto a mesma communicação , cumprindo-lhe proce- 
der elle mesmo, na companhia do Commandante do cruzador, 
á busca na embarcação suspeita. 

Se as suspeitas se acharem ser bem fundadas, segundo o 
theor deste Tractado, será então a dita embarcação conduzi- 
da ou mandada pelo Commandante do comboi, para um dos 
pontos onde as Commissões Mixtas estão estabelecidas, a 
fim de que soffra a sentença applicavel ao seu caso. 

Quarto. — Não será licito visitar ou deter, debaixo de 
qualquer pretexto ou motivo que seja, embarcação alguma 
mercante, fundeada em qualquer porto ou ancoradouro , per- 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 397 


tencente a qualquer das duas Altas Partes contractantes, ou 
ao alcance de tiro de peça das batarias de terra; salvo se 
por parte das Authoridades do Paiz, se pedir auxilio por es- 
cripto; porém se alguma embarcação suspeita for encontrada 
nesse porto ou oncoradouro, far-se-ha a conveniente repre- 
sentação ás Authoridades do Paiz, pedindo-lhes que tomem 
as medidas necessarias para prevenir a violação das estipula- 
ções deste Tractado; e as ditas Authoridades procederão a 
tomar medidas efficazes nessa conformidade. 

Art. 4.º Como os dois precedentes artigos são inteira- 
mente reciprocos; obrigam-se mutuamente as duas Altas Par- 
tes contractantes a indemnisar quaesquer perdas que os seus 
respectivos subditos possam sofrer, pela detenção arbitraria e 
ilegal das suas embarcações; bem entendido que esta com- 
pensação será feita pelo Governo, cujo cruzador tiver sido 
culpado dessa arbitraria e illegal detenção. A compensação 
dos damnos de que trata este artigo, se fará dentro do es- 
paço de um anno, contado do dia em que a Commissão Mix- 
ta proferir sentença sobre a embarcação, por cuja detenção 
se reclamar tal compensação. 

Art. 5.º Fica com tudo claramente entendida entre as 
duas Altas Partes contractantes, que nenhuma estipulação do 
presente Tractado será interpretada como opposta ao direito 
que têm os subditos Portuguezes de serem acompanhados em 
viagens, indo ou vindo das Possessões Portuguezas na Costa 
d'Africa, por escravos que sejam bona fide do serviço de sua 
casa, e que serão devidamente nomeados e descriptos como 
taes em passaportes com que a embarcação deve ser munida 
pela principal Authoridade Civil do logar onde esses escravos 
tiverem embarcado ; com tanto porém : 

Primo. — Que em taes viagens nenhum Subdito Portu- 
guez (excepto se for colono Portuguez , mudando-se definiti- 
vamente da sua residencia, em uma Possessão Portugueza 
na Costa d'Africa) haja de ser acompanhado por mais de dois 
escravos, qne sejam bona fide do serviço de sua casa. 

Secundo. — Que o mesmo colono, mudando-se definitiva- 
mente com a sua familia, da sua residencia em uma Posses- 
são Portugueza na Costa d'Africa, não seja acompanhado por 


398 ACTOS DO GOVERNO. “NA 


mais de dez escravos, e que todos estes escravos sejam bona 
fide do serviço de sua casa. 

Tertio. — Que esses escravos do serviço de sua casa es- 
tejam soltos e em liberdade na embarcação , e vestidos como 
os Européos em similhantes circumstancias. - 

Quarto. — Que nenhuns outros escravos sejam embarca- 
dos no navio em que se acharem os ditos escravos de serviço 
de sua casa; e que a viagem em que o mesmo colono e a 
sua familia for assim acompanhado por taes escravos do ser- 
viço de sua casa, seja uma viagem em direitura ás Ilhas 
Portuguezas de Cabo Verde, Principe, ou S. Thomé, de al- 
gum logar das Possessões Portuguezas na Costa d'Africa, on- 
de o dito colono tivesse estado permanentemente residindo. 

Quinto. — Que os Passaportes acima mencionados especi- 
ficarão cada uma das pessoas a bordo da embarcação , e de- 
clararão os seus nomes, sexos, idades, e occupações ; o ulti- 
mo logar da sua residencia, e logar para onde vão. 

Sexto. — Que não haja cousa alguma na esquipação , ou 
na qualidade da embarcação, em que esses escravos de ser- 
viço de casa se possam achar, que justifique a sua detenção 
em virtude das condições deste Tractado. 

Porém se a esquipação, ou a qualidade da embarcação 
justificar a sua detenção , debaixo das estipulações do presen- 
te Tractado, ou se algum dos regulamentos especificados nes- 
te artigo não for observado, ou for violado a respeito da dita 
embarcação , então o Mestre della, a sua tripulação, e o do- 
no, ou donos da dita embarcação, da carga, ou dos escra- 
vos, ficarão sujeitos a que se proceda contra elles como cum- 
plices em uma infracção do presente Tractado; e a serem 

castigados nessa conformidade ; e a embarcação e a carga se- 
rão julgadas e condemuadas , e os escravos postos em “plena 
liberdade. 

Art. 6.º Para fazer julgar com a menor demora e in- 
conveniencia possivel as embarcações que possam ser detidas 
segundo o theor do artigo 2.º deste Tractado , estabelecer- 
sc-hão, logo que seja praticavel, duas ou mais Commissões 
Mixtas, compostas de igual numero de individuos das duas 

nações, nomeados para esse fim pelos seus respectivos Soberanos. 


1842. ACTOS DO GOVERNO, 399 


Metade destas Commissões residirá nos territorios perten- 
centes a Sua Magestade Fidelissima, e a outra metade nas 
Possessões de Sua Magestade Britannica ; e os dois Governos, 
ao tempo da troca das ratificações do presente Tractado , de- 
clararão cada um, quanto aos seus proprios dominios, em 
que logares hão-de as Commissões respectivamente residir ; 
reservando-se cada uma das duas Altas Partes contractantes o 
direito de mudar a seu arbitrio, o logar da residencia da 
Commissão estabelecida nos seus proprios dominios; com tan- 
to porém que ao menos duas das ditas Commissões devam 
sempre residir ou na Costa d'Africa, ou em uma das Ilhas 
Adjacentes daquella Costa. 

Estas Commissões julgarão as causas que lhes forem sub- 


“mettidas, segundo as estipulações do presente Tractado , sem 


appellação; e em conformidade dos regulamentos e Instrucções 
que lhe estão annexas, e que são consideradas como forman- 
do uma parte integrante. delle. 

Art. 7.º A Commissão Mixta, que ao presente se acha 
estabelecida, e fazendo as suas Sessões, em virtude da Con- 
venção concluida entre Portugal e a Gram-Bretanha, em vinte 
e oito de Julho de mil oitocentos e dezesete, continuará a 
exercer as suas funcções; e antes, e apoz do fim de seis me- 
zes depois da troca das ratificações deste Tractado, e até á 
nomeação e definitivo estabelecimento das Commissões Mixtas, 
em virtude do presente Tractado, julgará sem appellação, se- 
gundo os principios e estipulações deste Tractado, e dos seus 
annexos , os casos daquellas embarcações que forem mandadas 
ou trazidas perante ella: e quaesquer vacancias que possam 
occorrer nas sobreditas Commissões Mixtas , serão preenchidas 
da mesma maneira que se hão de preencher as vacancias nas 
Commissões Mixtas, que têm de ser estabelecidas segundo as 
estipulações deste Tractado. 

Art. 8.º Se o Official Commandante de qualquer dos 
Navios das respectivas Marinhas Reaes de Portugal e da Gram- 
Bretanha, devidamente nomeado na conformidade do artigo 
2.º deste Tractado, se desviar a qualquer respeito das esti- 
pulações do dito Tractado, e das Instrucções a elle annexas , 
poderá o Governo que se jnlgar lesado pedir uma reparação ; 


400 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


e em tal caso, o Governo a que esse Official Commandante 
pertencer, se obriga a mandar proceder a investigações sobre 
o objecto da queixa; e a impor ao dito Official um castigo 
proporcionado a qualquer transgressão que possa ter commet- 
tido acintosamente. 

Art. 9.º Qualquer embarcação Portugueza ou Britannica 
que fôr visitada em virtude do presente Tractado, póde ser 
legitimamente detida e mandada ou conduzida perante uma 
das Commissões Mixtas, estabelecidas em consequencia das 
estipulações delle, se acaso alguma das causas abaixo mencio- 
nadas fôr encontrada no seu apparelho ou esquipação , ou se 
se provar que estiveram a bordo durante a viagem que a em- 
barcação seguia quando apresada; a saber: 

Primo. — Escotilhas com xadrezes, em vez de escotilhas 
fechadas, como usam as embarcações mercantes. 

Secundo. — Separações ou repartimentos no porão ou na 
coberta, em maior numero do que são necessarios para em- 
barcações empregadas em commercio licito. ' 

Tertio. — Pranchas de sobrecellente, preparadas para se 
armarem em uma segunda coberta para escravos. 

Quarto. — Cadêas, grilhões, ou algêmas. 

Quinto. — Maior quantidade de agoa em toneis ou em 
tanques, do que é mister para consummo da tripulação da 
embarcação , como navio mercante. 

Sexto. — Um numero extraordinario de toneis para agua, 
ou de outras vasilhas para guardar liquidos; salvo se o mes- 
tre apresentar uma certidão da Alfandega do logar d'onde 
despachou na sua partida, declarando que os donos da em- 
barcação deram fiança idonea de que aquelle extraordinario 
numero de toneis ou de outras vasilhas, seria sómente empre- 
gado em receber azeite de palma, ou para outros fins de 
commercio licito. 

Septimo. — Maior quantidade de bandejas, gamelas , ou 
celhas de rancho, do que é necessaria para uso da tripulação 
da embarcação, como navio mercante. 

Oitavo. — Um caldeirão, ou outros apparelhos de cozinha, 
de extraordinario tamanho, e maiores, ou adaptados para se 
tornarem maiores do que é necessario para uso da tripulação 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 404 


da embarcação como navio mercantes ou mais de um cal- 
deirão, ou outros apparelhos de cozinha de tamanho ordinario. 

Nono. — Uma quantidade extraordinaria de arroz ou de 
farinha do Brasil extrahida da mandioca, vulgarmente cha- 
mada farinha de pão, ou de milho miudo ou grosso, ou de 
qualquer outro genero de mantimento, além da que provavel- 
mente se póde tornar precisa para uso da tripulação, uma 
vez que o dito arroz, farinha, farinha de pão, de milho grosso, 
ou outro qualquer genero de mantimento, não tenha sido lan- 
cado no manifesto como parte da carga para negocio. 

Decimo. — Uma quantidade de esteiras ou esteirões, maior 
do que é necessaria para uso da tripulação da embarcação , 
como navio mercante. 

Uma qualquer, ou mais de uma dessas diversas cousas , 
que se prove ter sido achada a bordo, ou ter estado a bordo 
durante a viagem que a embarcação seguia quando capturada, 
será considerada como prova prima facie de andar a embarcação 
empregada no transporte de negros ou outros, para os reduzir 
á escravidão; e em consequencia disso será a embarcação con- 
demnada e declarada boa presa, a menos de se darem provas 
claras e incontestavelmente satisfactorias da parte do mestre, 
ou donos, a contento dos Juizes, que tal embarcação andava, 
ao tempo da sua detenção ou apresamento, empregada em al- 
guma empreza licita, e que algumas das diversas cousas aci- 
ma mencionadas, que foram achadas a seu bordo, ao tempo 
da sua detenção, ou tinham estado a seu bordo na viagem 
que seguia, quando capturada, eram necessarias para fins li- 
citos naquella propria viagem. 

Art. 10. Se alguma das cousas especificadas no artigo 
precedente for achada em qualquer embarcação, ou se prove 
ter estado a seu bordo durante a viagem que seguia quando 
capturada em virtude das estipulações deste Tractado ; nenhu- 
ma compensação por perdas, damnos ou despezas provenientes 
da dentenção de tal embarcação , se concederá, em caso al- 
gum, ao Mestre, ou dono della, ou a qualquer outra pessoa 
interessada na sua esquipação ou carga; ainda mesmo que a 
Commissão Mixta não proferisse sentença alguma de condem- 
nação , em consequencia da sua detenção. 


402 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


Art. 11.º Em todos os casos em que uma embarcação 
for detida, em virtude deste Tractado , pelos respectivos cru- 
zadores das Partes contractantes, como tendo estado empre- 
gada em transportar negros ou outros, para os reduzir á es- 
cravidão; ou como tendo sido esquipada com este intento; e 
for consequentemente sentenciada, e condemnada pelas Com- | 
missões Mixtas que se hão-de estabelecer, como fica dito ; 
poderá qualquer dos dois Governos comprar a embarcação 
condemnada , para o serviço da sua Marinha Real, pelo pre- 
ço que for fixado por pessoa competente, para esse fim esco- 
lhida pelo Tribunal das Commissões Mixtas: porém o Gover- 
no, cujo cruzador tiver detido a embarcação condemnada , 
terá a preferencia na compra, e a não ser assim comprada, 
será logo depois da condemnação, inteiramente desmanchada, 
e assim vendida em pedaços separados. 

Art. 12.º Quando qualquer embarcação tiver sido jul- 
gada boa presa por uma das Commissões Mixtas; o Capitão , 
Piloto, tripulação e passageiros achados a bordo da dita em- 
barcação serão immediatamenne postos á disposição do Go- 
verno do Paiz (debaixo de cuja Bandeira navegava a dita em- 
barcação ao tempo da sua captura) para serem processados e 
punidos segundo as leis desse Paiz: da mesma maneira o do- 
no da embarcação , as pessoas interessadas na sua esquipação 
e carga, e os seus respectivos agentes serão processados e 
punidos ; salvo se provarem não ter tido parte naquella infrac- 
ção do presente Tractado, em consequencia da qual houver 
sido condemnada a embarcação. 

Art. 13.º Cada uma das duas Altas Partes contractan- 
tes mui solemnemente se obriga a garantir a liberdade aos 
negros, que forem emancipados em virtude do presente Tra- 
ctado, pelas Commissões Mixtas estabelecidas nas Colonias , 
ou Possessões desse Governo; e a dar de tempos a tempos, e 
todas as vezes que for pedido pela outra Parte, ou pelos 
Membros das Commissões Mixtas, por cuja sentença tiverem 
os- escravos sido libertados, a mais ampla informação a res- 
peito do estado e condição dos ditos negros, com o proposito 
de assegurar a devida execução do Tractado a este respeito. 

Com este fim foi feito o Regulamento, annexo a este 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 403 


Tractado, sob a letra C, para o tratamento dos negros li- 
bertados por sentenças das Commissões Mixtas, e fica decla- 
rado formar parte integrante do presente Tractado : reservan- 
do-se ás duas Altas Partes contractantes o direito de alterar, 
por commum consentimeuto, e mutuo acôrdo, mas não de 
outra maneira, os termos e theor do dito Regulamento. 

Art. 14.º As Actas ou Instrumentos annexos a este Fra- 
ctado, que mutuamente se convencionou deyerem formar uma 
parte integrante delle, são os seguintes : 

A. — Instrucções para os navios das Marinhas Reaes de 
ambas as Nações, empregados em prevenir o transporte de 
negros e outros, feito com o fim de os reduzir á escravidão. 

B. — Regulamento para as Commissões Mixtas. 

C. — Regulamento para o tratamento dos negros libertados. 

Art. 15.º Sua Magestade A Ranna de Portugal e Al- 
garves, declara por este artigo pirataria o trafico da escrava- 
tura, e que aquelles dos seus Subditos, que, debaixo de qual- 
quer pretexto que seja, tomarem parte no trafico de escravos, 
serão sujeitos à pena mais severa immediata á de morte. 

Art. 16.º O presente Tractado será ratificado, e as suas 
ratificações serão trocadas em Lisboa; no termo de dois mezes 
contados da data da sua assignatura, ou mais cedo se for possivel. 

Em testemunho do que, os respectivos Plenipotenciarios 
assignaram em originaes duplicados, Portuguez e Inglez, o 
presente Tractado, e o firmaram com o sello das suas armas. 

Feito em Lisboa, aos tres dias do mez de Julho do anno 
do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito- 
centos quarenta e dois. 

(L. S.) Duque de Palmella. 

ANNEXO Á. 


Ao Tractado entre Portugal e a Gram-Bretanha, sobre 
o trafico da escravatura , aos tres dias de Julho 
de mil oitocentos quarenta e dois. 


Instrucções para os navios das Marinhas Reaes Portugueza e 
Britannica, empregados em impedir o trafico da escravatura. 
Artigo 1.° O Commandante de qualquer navio perten- 
cente á Marinha Real Portugueza, ou Britannica, que estiver 


404 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


munido d'estas Instrucções, terá direito de visitar, dar busca, 
e deter, salvo nos limites exceptuados no artigo 2.º do Tra- 
ctado, qualquer embarcação Portugueza ou Britannica, que 
estiver effectivamente empregada, ou se suspeitar que está 
empregada em transportar negros, ou outros, com o fim de 
os reduzir á escravidão; ou de ter sido esquipada com essas 
vistas, ou de ter sido assim empregada durante a viagem em 
que for encontrada pelo dito navio da Marinha Portugueza ou 
Britannica; devendo em consequencia o dito Commandante 
conduzir, ou mandar a mesma embarcação, o mais breve pos- 
sivel, para ser julgada perante uma das Commissões Mixtas, 
estabelecidas em virtude do artigo 6.º do dito Tractado, que 
será a mais proxima do logar da detenção , ou aquella a que 
o dito Commandante , sob sua responsabilidade , julgar que se 
poderá chegar com mais brevidade. 

Art. 2.º Todas as vezes que um navio de qualquer das 
Marinhas Reaes, devidamente autorisado, como acima fica 
dito, encontrar uma embarcação que esteja no caso de ser 
visitada, na fórma das estipulações do dito Tractado , será a 
visita feita com a maior moderação, e com toda a attenção 
que se deve observar entre Nações amigas e alliadas; e em 
todos os casos será esta visita feita por um Official, cujo pos- 
to não seja inferior ao de Tenente nas respectivas Marinhas 
de Portugal e da Gram-Bretanha ; salvo se o commando , por 
motivo de morte, ou por qualquer outra circumstancia, re- 
cahir em Official de patente inferior, ou se o Official que fi- 
zer a visita, for a esse tempo o Commandante do navio que 
fizer essa visita. 

Art. 3.º O Commandante de qualquer navio das duas 
Reaes Marinhas, devidamente autorisado, como acima fica 
dito, que detiver qualquer embarcação, em observancia do 
theor das presentes Instrucções, fará por escripto, ao tempo 
da detenção, uma declaração authentica, que mostre o estado 
em que achou a embarcação detida, a qual declaração deve- 
rá ser por elle assignada; e será dada, ou mandada junta- 
mente com a embarcação capturada, á Commissão Mixta, 
perante a qual a dita embarcação será levada, ou mandada 
para ser julgada ; e deverá entregar-ao mestre da embarcação 


«o as mm e 


1342; ACTOS DO GOVERNO. 05 


detida uma certidão assignada, dos papeis apprehendidos a bor- 
do, assim como do numero dos escravos ächados no acto da 
detenção. 

Na declaração authentica; que por este artigo se exigé 
do apresador, bem como na certidão dos papeis apprehendi= 
dos, deverá elle inserir o seu proprio nome, o nome do na- 
vio apresado, à latitude e longitude do logar onde a detenção 
tiver sido feita, e o numero dos escravos achados a bordo da 
embarcação , quando detida. 

Quando o Commandante do cruzador não julgar dever to=' 
mar sobre si o tonduzir e entregar a embarcação detida, não 
confiará esse serviço a nenhum Official de patente inferior á 
de Tenente de Marinha, salvo se for a algum Official que a 
esse tempo não seja inferior ao terceiro em commando do na- 
vio apresado. | 

O Official ericarregado da embarcação detida deverá, qüan- 
do levar os papeis da embarcação perante a Commissão Mix- 
ta, entregar no Tribunal um relatorio por elle assignado , e 
duthenticado por juramento, de quaesquer mudanças que pos- 
sam ter occorrido a respeito da embarcação, da sua tripula= 
ção, escravos, se os houver, e da sua carga, entre o periodo 
da sua detenção, e o tempo da entrada do dito relatorio. 

Art. 4.º Parte alguma da tripulação, ou dos passagei= 
ros, ou dá carga, ou dos escravos achados a bordo da em- 
barcação apresada, será tirada della, até que a ditá embar- 
cação tenha sido entregue a uma das Commissões Mixtas , 
salvo se a transferencia de toda, ou parte da tripulação, ou 
dos passageiros, ou do todo; ou parte dos escravos achados a 
bordo, se julgar necessaria, quer seja para lhes conservar a 
vida, ou por qualquer outra consideração de humanidade, 
quer seja para segurança das pessoas encarregadas de condu- 
“air a embarcação depois da sua detenção; em o qual caso o 
Commandante do cruzador, ou o Official encarregado da dita 
embarcação detida , lavrará um Termo em que declare as ra- 
zões da dita transferencia; e os Commandantes, marinheiros, 
ou passageiros assim transferidos, serão conduzidos ao mesmo 
porto aonde for a embarcação e carga. 

Os Plenipotenciarios, abaixo assignados , convieram , na 

Num. 9. 2 


406 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


conformidade do artigo 14.º do Tractado assignado por elles 
neste dia, aos tres de Julho de mil oitocentos quarenta e 
dois, que as Instrucções precedentes, que constam de quatro 
artigos, serão annexadas ao dito Tractado, e consideradas 
como parte integrante delle. 

Aos tres de Julho de mil oitocentos quarenta e dois. 

(L. S.) Duque de Palmella. 

ANNEXO B. 


Regulamento para as Commissões Mixtas que devem julgar os 
casos das embarcações, na conformidade do Tractado entrè 
Portugal e a Gram-Bretanha sobre o Trafico da Escrava- 
tura, de tres de Julho de mil oitocentos quarenta e dois. 


Artigo 1.º As Commissões Mixtas que se estabelecerem, 
na fórma das estipulações do Tractado , do qual este regula- 
mento é declarado formar parte integrante, serão compostas 
da maneira seguinte : 

Cada uma das duas Altas Partes contractantes nomeará 
um commissario e um arbitro, que serão autorisados a to- 
mar conhecimento, e a julgar sem appellação, todos os casos 
de presa ou detenção de embarcações, que em observancia 
das estipulações do dito Tractado forem levados perante elles. 
Os commissarios e os arbitros, antes de entrarem no exer- 
cicio das funcções de seus cargos, deverão respectivamente 
prestar juramento perante o principal Magistrado dos logares, 
onde as mencionadas Commissões residirem, de que hão de 
julgar justa e fielmente ; e de que não darão preferencia, nem 
aos reclamantes nem aos apresadores; assim como de que hão 
de obrar em todas as suas decisões na conformidade das esti- 
pulações do sobredito Tractado 


A -cada uma destas Commissões estará aggregado um Se- 


cretario, ou Official de Registro nomeado pelo Soberano em 
cujos territorios residir a tal Commissão ; o qual Secretario ou 
Official de Registro, registrará todas as actas dessa Commis- 
são, devendo, antes de entrar no exercicio do seu cargo, pres- 
tar juramento perante ella, de que se ha de conduzir com o 
respeito devido à authoridade da dita Commissão, e portar-se 


1842. ACTOS DO GOVERNO, 407 


com fidelidade e imparcialidade em todas as materias relati- 
vas ao seu respectivo cargo. 

O ordenado do Secretario ou Official de Registro das 
Commissões que se estabelecerem nas possessões Coloniaes de 
Portugal, será pago por Sua Magestade Fidelissima; e o do 
Secretario ou Official de Registro das Commissões que se es- 
tabelecerem nos dominios de Sua Magestade Britannica, será 
pago por Sua dita Magestade. . 

Cada um dos Governos satisfará metade da importancia 
total das despesas eventuaes das ditas Commissões. 

Art. 2.º As despezas que fizer o Official encarregado da 
recepção, manutenção e cuidado da embarcação , escravos, e 
carga, detidos, e as que se fizerem com a execução da sen- 
tença, bem como todos os gastos occasionados por levar uma 
embarcação a ser julgada, serão pagos, no caso della ser con- 
demnada, pelos fundos que provierem da venda dos materiaes 
da embarcação, depois que for desmanchada, das provisões 
della, e d'aquella parte da carga que consistir em mercado- 
rias: e no caso que o producto da venda de tudo isto não se- 
ja sufficiente para pagar taes despezas, será preenchido o que 
faltar, pelo Governo do Paiz, em cujo territorio tiver sido 
condemnada a embarcação. Se porém ella ficar desempedida, 
serão as despesas occasionadas por a levar a ser julgada , pa- 

-gas pelo apresador ; excepto nos casos especificados, e de ou- 
tra fórma regulados no artigo 10.º do Tractado a que este 
regulamento está annexo, e no artigo 7.º deste regulamento. 

Art. 3.º As Commissões Mixtas decidirão da legalidade 
- da detenção d'aquellas embarcações que os cruzadores de uma 
ou outra Nação detiverem na conformidade do dito Tractado. 

Estas Commissões julgarão definitivamente, e sem appel- 
lação, todas as questões que se suscitarem pelo apresamento , 
e detenção de taes embarcações. 

O procedimento destas Commissões terá logar com a mes 
nor demora possivel; e para esse fim se exige, que as Com- 
missões decidam cada caso, quanto possa ser praticavel, den= 
tro do espaço de vinte dias contados do dia em que a embar« 
cação detida tiver sido levada ao porto onde residir a Come 
missão, que a ha de julgar. 

2 k 


408 AUTOS DO GOVERNO: N.º 9, 


Em caso nenhum será demorada a sentença final além do 
“periodo de dois mezes, quer seja por motivo d'ausencia das 
testemunhas , quer seja por outra qualquer razão ; excepto se 
for a requerimento, de qualquer das partes interessadas ; no 
qual caso, dando a mesma parte, ou partes, fiança idonea 
de que tomam sobre si a despeza e risco da demora, poderão 


as Commissões, a seu arbitrio, conceder uma dilação addi- | 


cional, que não exceda a quatro mezes. Será permittido a 
qualquer parte empregar aquelle Advogado que julgue capaz 
de a coadjuvar na defeza da sua causa. 

As Sessões das ditas Commissões Mixtas serão publicas ; 
e todas as partes essenciaes dos processos que instaurarem 
serão escriptas na lingua do Paiz em que respectivamente: re- 
sidirm as mesmas Commissões. 

Art. 4°” A fórma do processo será a seguinte : 

Os comuissarios respectivamente nomeados. pelos dois Go- 
vernos, examinarão em primeiro logar os papeis da embar- 

cação detida, e tomarão os depoimentos do Mestre ou Com- 

mandante, e de dois ou tres, pelo menos, dos princiapes in- 
dividuos de bordo da dita embarcação, assim como a decla- 
ração jurada do apresador, se acaso parecer necessaria; à 
fim de se habilitarem a julgar e sentenciar, se a mesma em- 
barcação foi ou não justamente detida, segundo as estipula- 
ções do sobredito Tractado, a fim de que nessa conformidade 
ella fique condemnada ou desempedida. 

Acontecendo , que os dois commissarios não concordem na 
sentença que devem proferir sobre qualquer caso perante elles 
proposto, ou seja a respeito da legalidade da detenção, ou 
de a embarcação estar ou não nos termos de dever ser con= 
demnada, ou ácerca da indemnisação que se deve conceder, 
ou sobre qualquer outra questão que possa resultar do men= 
cionado apresamento ; ou no caso que se suscite alguma diffe- 
rença de opinião quanto ao modo de proceder da dita Com- 
missão, tirarão elles á sorte o nome de um dos dois arbitros 
nomeados como acima se disse, o qual, depois de ter exami> 
nado “todo o processo, conferenciará sobre o caso com os dois 
supramencionados commissarios : proferindo-se então a decisão 
ou sentença final, na conformidade da opinião da maioria dos tres. 


4842. ACTOS DO GOVERNO. 2 DO 


“Art. 5.º Se a embarcação detida for mandada restituir 
por sentença da Commissão, serão a embarcação e sua carga 
logo entregues, no estado em que então se acharem, ao Mes- 
tre ou á pessoa que o representar, podendo o dito Mestre , 
ou a tal pessoa, requerer perante a mesma Commissão , que 
se lhe faça uma avaliação da importancia das indemnisações 
que possa ter direito a reclamar. O mesmo apresador, e na 
falta delle, o seu Governo, ficará responsavel pelos prejuizos 
a que possam vir a ter direito o Mestre da dita embarcação , 
ou os donos della, ou da sua carga. 

As duas Altas Partes contractantes se obrigam a pagar 
no prazo de um anno contado da data da sentença, as custas 
e prejuizos que forem julgados pela sobredita Commissão ; fi- 
cando mutuamente entendido e convencionado, que taes cus- 
tas, e prejuizos serão pagos pelo Governo do Paiz de que for 
subdito o apresador. 

Art. 6.º Se a embarcação detida for condemnada , será 
declarada boa presa juntamente com a sua carga, de qual- 
quer qualidade que ella seja, á excepção dos negros, ou ou- 
tros, que tiverem sido trazidos a seu bordo para o fim de 
serem reduzidos á escravidão; e à dita embarcação, segundo 
o que se acha estipulado no artigo 11.º-do Tractado desta 
data, será, assim como a sua carga, vendida em Leilão, a 
beneficio dos dois Governos, obrigados ao pagamento das des-- 
pezas supramencionadas, 

Os escravos receberão da Commissão uma Carta de Al- . 
forria, e serão entregues ao Governo a que pertencer o cru- 
zador que fez a captura, para serem tratados na fórma dos 

. regulamentos e condições contidas no Annexo a este Tra- 
ctado , debaixo da letra C. 

As despezas feitas para a manutenção, e tornaviagem dos 
Commandantes e tripulação das embarcações condemnadas , 
serão pagas pelo Governo, de que forem subditos os taes 
Commandantes, e tripulações. 

Art. 7.º As Commissões Mixtas tomarão tambem co- 
nhecimento, e sentenciarão definitivamente, e sem appellação, 
todas as reclamações de indemnisação por perdas causadas ás 
embarcações e cargas, que houverem sido detidas segundo as 


410 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


estipulações deste Tractado, mas que não tiverem sido julgadas 
boa presa pelas ditas Commissões; e em todos os casos em que 
fôr ordenada a restituição de taes embarcações e carga, (salvo os 
mencionados no artigo 10.º do Tractado, e em uma subsequente 
parte deste regulamento, que lhe está annexo) deverão as Com- 
missões julgar ao reclamante ou reclamantes, ou ao seu bas- 
tante procurador , ou procuradores, a benefício delle, ou del- 
les, uma justa e completa indemnisação de todas as custas do 
Processo, e de todas as perdas e damnos, que o dono, ou 
donos, tiverem ecffectivamente soffrido por um similhante apre- 
samento ou detenção, a saber : 

Primo. — Em caso de perda total, 

O reclamante ou reclamantes serão indemnisados : 

A. — Do casco da embarcação , do seu massame , apare- 
lho, e mantimentos. 

B. — De todos os fretes vencidos e a vencer. 

€. — Do valor da carga de generos, se a houver, dedu- 
ados todos os gastos e despezas que se fizer com a venda de 
tal carga, aran a commissão de venda. l 

D.—De. todas as outras despezas usuaes em similhante 
caso de perda total. 

Secundo. — Em todos os outros casos em que a perda 

não for total, salvo os abaixo mencionados, serão o recla- 
mante , dx bein tes indemnisados : 

A. — De todos os prejuizos e despezas especiaes causa- 
das á embarcação por ter sido detida; e da perda do frete 
vencido ou a vencer. 

B. — Da estalia quando se deva, na conformidade da 
Tabella annexa ao presente artigo. 

C. — De qualquer deleat da carga. 

D. — De todo o premio de seguro sobre augmento de risco. 

O reclamante’ ou. reclamantes terão direito ao juro, na 
razão de cinco por cento ao anno, da somma que lhes for 
julgada, até que seja paga pelo Governo a que pertencer o 
navio apresador. A importancia total desta indemnisação será 
calculada na moeda do Paiz a que pertencer a embarcação 
detida, e será liquidada ao cambio corrente do dia da sen- 
tença. 


| 
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18142. ACTOS DO GOVERNO. 4 


441 

As duas Altas Partes contractantes convieram todavia, se 
se provar de modo que satisfaça os commissarios de ambas as 
Nações, e sem lhes ser preciso recorrer a decisão de um ar- 
bitro, que o apresador fôra induzido em erro por culpa do 
Mestre ou do Commandante da embarcação detida, que neste 
caso não terá direito a dita embarcação a receber pelo tem- 


po da sua detenção, a estalia estipulada no presente artigo, 


nem qualquer outra indemnisação pelas perdas e damnos, ou 
despezas procedentes da mesma detenção. 


Tabella da estalia ou indemnisação diaria das despezas 
da demora de wma embarcação de 


100 toneladas até 120 inclusive. .... GUARA e A SA 
SEO AA PRETO DAR SERE E ar 6 
BA = PIO petição. ENTRETER 05 MPS E Te EAV O es 
171 — 200...... EE EEREN OE FE TEEST TE IER E 10,8 
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EA =<9804., 506 gm sino MEYN Rigo SERA T 
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ẹ assim á proporção. 

Art. 8.° Nem os commissarios, nem os arbitros , nem 
os Secretarios das Commissões pedirão, ou receberão de qual- 
quer das partes interessadas, nos casos propostos perante as 
Commissões, emolumento ou dadiva alguma, debaixo de qual- 
quer pretexto que seja, pelo desempenho dos deveres que 
têm de cumprir. 

Art. 9.º Quando as partes interessadas julgarem ter mo- 
tivo para se queixarem de alguma injustiça manifesta da par- 
te das Commissões Mixtas, poderão representa-la aos seus 
respectivos Governos, que se reservam o direito de se enten- 
derem mutuamente para prevenir tal injustiça para o fu- 
turo. 

Art. 10.° As duas Altas Partes contractantes convieram 
em que no caso de fallecimento , enfermidade , ausencia com 
licença, ou outro qualquer impedimento legal, de um ou 
mais dos commissarios ou arbitros, que compõe respectiva- 


1? ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


mente as supramencionadas Commissões, será o logar dos ditos 
commissarios ou arbitros inteiramente supprido da maneira 
seguinte : : 
Primo. — Da parte de Sua Magestade Brirannica, e na- 
quellas Commissões que se estabelecerem nas possessões de 
Sua dita Magestade, se a vacancia for do commissario Bri- 
tannico, será o seu logar preenchido pelo arbitro Britannico , 
ẹ tanto naquelle caso, como se a vacancia for originariamente 
do arbitro Britannico, será o logar delle successivamente pre- 
enchido pelo Governador, ou Tenente Governador residente 
nas mesmas possessões, pelo principal Magistrado, e pelo Se- 
cretario do Governo dellas; e as ditas Commissões, assim cons- 
tituidas como acima, farão as suas sessões, o em todos os 
casos propostos perante ellas, para serem julgados, procede- 
rão a julga-los, e a proferir sentença nessa conformidade. 
Secundo. — Da parte da Gram-Bretanha, e naquellas Com- 
missões que se estabelecerem nas possessões de Sua Magesta- 
de Fidelisssma, se a vacancia for do commissario Britannico 
será o seu logar preençhido pelo arbitro Britannico ; e tanto 
naquelle caso, como se ella for originariamente do arbitro 
Britannico , será o seu logar successivamente preenchido pelo 
Consul e Vice-Consul Britannico, se houver um Consul ou 
Vice-Consul Britannico nomeados, e residentes nas ditas pos- 
sessões; mas se a vacancia for tanto do commissario como do 
arbitro Britannico, será então preenchida a do commissario 
pelo Consul Britannico, e a do arbitro pelo Vice-Consul Bri- 
tannico, se houver um Consul e um Vice-Consul Britannico 
nomeados, e residentes nas ditas possessões; e não havendo 
Consul ou Vice-Consul Britannico para preencher o logar do 
arbitro Britannico, será então chamado o arbitro Portuguez 
naquelles casos em que o deveria ser o Britannico, se o hou- 
vesse; mas se. a vacancia for tanto do commissario como do 
arbitro Britannico, e não houver Consul nem Vice-Consul 
Britannico para as preencher interinamente, farão então 0 
commissario e o arbitro Portuguez as suas sessões, e em to- 
dos os casos, propostos perante elles, para serem julgados, 
procederão a julga-los, e a proferir sentença nessa conformi- 


dade, 


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E a e e e eg e e cm im e po 


eme 


1842. | ACTOS DO GOVERNO. 413 


Tertio. — Da parte de Portugal, e naquellas Commissões 
que se estabelecerem nas possessões de Sua Magestade Fide- 
lissima, se a' vacancia for do commissario Portuguez, será o 
seu logar preenchido pelo arbitro Portuguez; e tanto naquelle 
caso, como se a vacancia for originariamente do arbitro Por- 
tuguez, será o logar delle successivamente preenchido pela 
principal authoridade civil residente nas mesmas possessões , 
pelo principal Magistrado, e pelo Secretario do Governo del- 
las; e as ditas Commissões, assim constituidas como acima, 
farão, as suas sessões, e em todos os casos propostos perante 
ellas para serem julgados , procederão a julga-los, e a profe- 
rir sentença nessa conformidade. 

Quarto. — Da parte de Portugal, e naquellas Commissões 
que se estabelecerem nas possessões de Sua Magestade Bri- 
tannica, se a vacancia for do commissario Portuguez , Será O 
seu logar preenchido pelo arbitro Portuguez ; e tanto naquel- 
le caso, como se ella for originariamente do arbitro Portu- 
guez, será o seu logar successivamente preenchido pelo Con- 
sul e Vice-Consul Portuguez, se houver um Consul ou Vice- 
Consul Portuguez nomeados, e residentes nas ditas possessões ; 
mas se a vacancia for tanto do commissario , como do arbitro 
Portuguez, será então preenchida a do commissario pelo Con- 
sul Portuguez, e a do arbitro pelo Vice-Consul Portuguez , 
se houver um Consul e um Vice-Consul Portuguez nomeados 
e residentes nas ditas possessões; e não havendo Consul ou 
Vice-Consul Portuguez para preencher o logar do arbitro Por- 
tuguez, será então chamado o arbitro Britannico, naquelles 
casos em que o deveria ser o Portuguez, se o houvesse; mas 
se a vacancia for tanto do commissario, como do arbitro Por- 
tuguez, e não houver Consul nem Vice-Consul .Portuguez para 
as preencher interinamente, farão então o commissario e o 
arbitro Britannico as suas sessões, e em todos os casos pro- 
postos perante elles, para serem julgados, procederão a jul- 
ga-los, e a proferir sentença nessa conformidade, 

A principal authoridade civil do estabelecimento onde hou- 
ver de residir qualquer das Commissões Mixtas , deverá, no 
caso de occorrer alguma vacancia, ou seja do commissario , 
ou do arbitro da outra Alta Parte contractante, dar logo 


414 ACTOS DO GOVERNO N.º 9. 


parte della à principal authoridade civil do estabelecimento 
mais proximo da dita outra Alta Parte contractante , a fim 
de que essa vacancia se possa preencher no mais breve perio- 
do possivel; e cada uma das Altas Partes contractantes con- 
corda em preencher definitivamente o mais depressa possivel, 
as vacancias que por fallecimento , ou outra qualquer causa, 
possam occorrer nas supramencionadas Commissões. 

Art. 14.º As Commissões Mixtas deverão transmittir to- 
dos os annos, ào respectivo Governo, um relatorio concer- 
nente : 

Primo. — Aos casos que foram propostos perante ellas 
para serem julgados. 

Secundo. — Ao estado dos negros libertos. 

Tertio. — A qualquer informação que possam obter a res- 
peito do tratamento e progresso feito na educação religiosa e 
mecanica dos negros libertos; devendo o dito Relatorio ser 
annualmente publicado em cada Paiz, com authorisação do 
Governo. 

Os Plenipotenciarios, abaixo assigoados, na conformidade 
do artigo 14.º do Tractado por elles assignado neste dia tres 
de Julho de mil oitocentos e quarenta e dèi , Convieram em 
que o precedente Regulamento que consta de onze artigos, 
seja annexado ao dito. Tractado e considerado como parte in- 
tegrante delle. 

Lisboa tres de Julho de mil e oitocentos e quarenta e 
dois. 


(L. S.) Duque de Palmella. 


ÅNNEXO C. 


Regulamento relativo ao tratamento dos negros libertos. 


Artigo 1.º O objecto e fim da letra e espirito deste regula- 
mento é assegurar aos negros, e outros libertados, em virtude do 
Tractado, a que este regulamento está annexo (com a marca C), bom 
tratamento permanente, e uma plena e completa Alforria, na con- 
formidade das humanas intenções das Altas Partes contractantes. 

Art. 2.º Logo depois que a sentença de condemnação de uma 
embarcação, accusada de estar implicada no illicito trafico da escra- 
Yatura, tiver sido proferida pelas Commissões Mixtas, estabelecidas 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 4145 


em virtude do Tractado a que este regulamento está annexo , todos 
os negros ou outros, que estiverem a seu bordo e que foram trazi- 
dos para elle com o fim de serem reduzidos á escravidão, serão en- 
tregues ao Governo a que pertencer o cruzador que tiver feito o 
apresamento. 

Art, 3.º Os negros assim libertos, e entregues a esse Governo, 
serão postos debaixo do cuidado e superintendencia de uma Junta, 
composta de dois membros ou commissarios autorisados a convocar 
“um terceiro, quando se dêm as circumstancias abaixo especificadas. 

Naquellas colonias ou possessões de Sua Magestade Fidelissima, 
onde, em virtude do Tractado a que este regulamento está annexo,. 
houverem de residir as Commissões Mixtas , serão as Juntas de su- 
perintendencia dos negros libertos compostas dos Governadores das 
ditas colonias ou possessões, e dos commissarios britannicos das 
ditas Commissões Mixtas ; e quando os commissarios britannicos es- 
tiverem ausentes, então os arbitros britannicos das mesmas Com- 
missões Mixtas tomarão assento em logar: dos commissarios, nas jun- 
tas de superintendencia dos negros libertos. 

Naquellas colonias ou possessões de Sua Magestade Britannica , 
onde, em virtude do presente Tractado, houverem de residir as Com- 
missões Mixtas, serão as juntas de superintendencia dos negros li- 
bertos, compostas dos Governadores daquellas colonias ou possessões, 
e dos commissarios portuguezes das ditas Commissões Mixtas; e 
quando os commissarios portuguezes estiverem ausentes, então os 
arbitros portuguezes das mesmas Commissões Mixtas tomarão assento 
em logar dos commissarios, nas Juntas de superintendencia dos ne- 
gros libertos. 

Os differentes membros das Juntas de superintendencia, antes 
de entrarem no exercicio das suas raspectivas funcções, deverão 
prestar juramento perante o principal Magistrado do logar, de fiel- 
mente desempenharem seus cargos, sem favor ou parcialidade, na 
conformidade da verdadeira intenção e intelligencia deste regula- 
mento. 

Art. 4.º Para melhor levar a effeito o fim que se tem em vista 
no presente regulamento, será escolhida e nomeada pela Junta de 
superintendencia, para obrar debaixo da sua direcção, com o titulo 
de curador dos negros libertos, uma pessoa de conhecida probidade 
e humanidade, que poderá, com autorisação da Junta, empregar 
as pessoas que scjam necessarias para o coadjuvarem no cumpri- 
mento dos seus deveres. 

- O curador, assim nomeado, deverá, antes de comecar a exer- 
cer as funcções do seu cargo, prestar perante a Junta de superin- 
tendencia, um juramento nos seguintes termos : 

« Eu A. B. juro solemnemente que hei de proceder, como me- 
«lhor souber e entender, fiel e imparcialmente no desempenho do 
«meu cargo, e que me heide portar com devido respeito para com 


416 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


«a authoridade da Junta de superintendencia dos negros libertos, 
«a que estou ligado. 

« Assim Deos me ajude. » 

O curador dos negros libertos deverá assistir pessoalmente á 
entrega que se fizer dos negros á pessoa encarregada pelo Governo 
de os receber, ata de proferida a sentença de alforria, como se 
especificou no artigo 2.º deste regulamento, 

Quando os negros sta entregues ao Governo, como acima se 
disse, deverá o Official que os receber passar recibo delles em ori- 
ginaes duplicados, que assignará, e em que declare o numero dos 
de cada sexo. 

Um destes recibos originaes será is á pessoa anteriormente 
encarregada dos negros, e o outro será dado ao curador, que a 
depositará na Secretaria do Registo da Commissão Mixta, que sen- 
tenciou o caso da embarcação em que os negros foram captu- 
rados. 

Ao tempo em que se fizer a entrega dos ditos negros ao Gover- 
no, pela maneira acima mencionada, serão elles inspeccionados 
com miudeza pelo curador, que porá a cada um seu nome, 0` 
qual lançará em um livro, que intitulará = Registo de negros li- 
bertados == e que para esse fim deve haver na Secretaria da Junta | 
de superintendencia : na frente do nome se fará a descripção da pes- 
soar, da sua idade provavel, e signaes corporaes, e de quaesquer 
particularidades que se possam verificar ácerca da familia e nação 
de tal negro; bem como se lançará o. nome da embarcação em que 
fôr capturado, 

Cada negro será então marcado na parte superior do braço di- 
reito com um instrumento de prata, que. terá por divisa um symbolo 
de liberdade. 

Art. 6.º A Junta de superintendencia deverá então fazer con- 
star, pelos papeis publicos a sua intenção de pôr a aprendizes os 
negros libertos ; e passados sete dias, depois de feita este annuncio, 
terá logar o assoldadar, ou dar para aprendizes os negros, em leilão 
publico ou propostas particulares, como se julgar melhor ; sendo 
então distribuidos os negros pelas pessoas que os tomarem de soldada, 
com as condições e estipulações abaixo mencionadas, que serão pu- 
blicadas ao tempo do leilão ou das propostas ; assim como serão in- 
corporadas em uma escriptura ou instrumento que se ha de celebrar 
com todas as formalidades, entre quem os tomar de soldada , e. a 
dita Junta. 

Esta escriptura ou instrumento será feito em duplicado, im- 
presso, e não escripto, ficando uma copia delle em poder de quem 
os tomar de soldada, e a outra em poder da Junta, debaixo das 
vistas do curador. 

Quando as quantias, por duas ou mais differentes pessoas offe- 
vecidas, de soldada por um negro, forem iguaes, dar-se-ha prefe- 


18149. ACTOS DO GOVERNO. 7 


rencia á pessoa que se encarregar de empregar esse negro como of- 
ficial mecanico ou criado de servir. 

Art. 7.º O tempo de serviço a que os aprendizes hão de estar 
obrigados, deverá ser de sete annos para todos os negros, que, ao 
témpo de se assoldadarem, tiverem mais de treze annos de idade ; 
porém tres desses sete annos poderão depois ser perdoados ao arbi- 
trio da Junta, havendo recommendação do mestre, e provas de que 
o aprendiz é capaz de ganhar uma subsistencia honesta , e é mere- 
cedor de tal indulgencia. 

O serviço, como aprendizes , daquelles negros, que, ao tempo 
em que se assoldadarem , tiverem menos de treze annos de idade, 
deverá continuar até aos vinte annos, sujeita a diminuição deste 
praso ao arbitrio da Junta, havendo-se dado as devidas provas de 
que o aprendiz é merecedor de tal indulgencia, e capaz de se man- 
ter a si proprio. 

Art. 8.º Quando se confiar ao mesmo mestre mais de um apren- 
diz, haverá cuidado em escolher, para esse fim, os que forem da 
mesma nação africana, e se fôr possivel da mesma familia ; não sen- 
do em caso algum separado de sua mãi o filho ou filha que tiver 
menos de quatorze annos de idade, e antes devendo ir sempre de 
aprendiz, com sua mãi, para o mesmo mestre. 

Art. 9.º O nome e morada do mestre, juntamente com o no- 
me e situação da fazenda ou casa, onde o negro liberto tiver de re- 
sidir, deverão ser inseridos em frente do nome do negro, na sua 
escriptura ou instrumento. 

Art. 10. Nenhum negro será dado de aprendiz a mestre algum 
que resida a mais de vinte milhas inglezas do logar em que estiver 
estabelecida a Commissão Mixta que o libertara; e se algum mestre, 
a quem um negro seja dado de aprendiz, mudar depois de resi- 
dencia, exigir-se-ha que assim o participe immediatamente ao cu- 
rador. 

Os aprendizes devem sempre residir naquella designada fazen- 
da, ou casa do mestre, que estiver registada como situada dentro 
da supramencionada distancia do logar onde se achar estabelecida a 
Commissão Mixta. 

Art. 11.º A pessoa alguma se confiará um ou mais negros li- 
bertos, sem- que prove á Junta que possue abundantes meios para 
empregar, manter e sustentar o dito negro ou negros; e sem que 
se obrigue, debaixo da multa de oitenta duros por cada negro, a 
que as condições por que o recebe hão de ser exactamente cum- 
pridas. 

Art. 12.º O mestre se obrigará a pagar a somma estipulada 
pela soldada de cada aprendiz; e, se a importancia della houver de 
ser paga por uma só vez, poderá o curador exigi-la antes de o as- 
soldadar; e se houver de ser paga periodicamente, poderá exigi-la 
em quarteis adiantados, i 


`~ 


418 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


Art. 13.º O mestre se obrigará : 

Primo. — A que o aprendiz será mantido com alimentos sadios, 
e abundantes, e será provido com o vestuario que fôr usual, segundo 
o costume do paiz. 

Secundo. — Que será instruido nas verdades da religião Christã, 
a fim de poder ser baptisado antes de expirar o segundo anno do seu 
tempo de aprendiz. 

Terceiro. — Que será vaccinado o mais depressa possivel, depois 
de haver sido entregue ao cuidado do mestre; e que nas suas mo- 
lestias terá a conveniente assistencia do facultativo, e será tratado 
com o devido cuidado e attenção ; e, no caso de fallecimento , que 
será decentemente enterrado á custa do dito mestre. 

Quarto. — Que se ensinará ao aprendiz alguma occupação util, 
ou que será instruido em algum commercio , ou officio mechanico , 
por onde fique habilitado a poder manter-se, quando tiver expirado 
o tempo do seu serviço. 

Quinto. — Que quando nascer um filho de alguma aprendiz, fará 
o mestre immediata participação desse acontecimento á Junta de su- 
perintendencia, a fim de que similhante facto seja devidamente re- 
gistado. 

Sexto. — Que o baptismo de uma criança , nascida em taes cir- 
cumstancias, terá logar dentro de tres mezes depois do seu nasci- 
mento, e que o seu estado de liberdade será declarado no assento 
do baptismo; mas que a dita criança ficará com sua mãi , até que 
esta acabe o seu tempo de aprendizado, e será sustentada e tratada 
pelo mestre della do mesmo modo que um aprendiz. 

Art. 14.º Nenhum mestre será autorisado, em caso algum, & 
trespassar a outro mestre o seu aprendiz negro, sem permissão es- 
pecial e por escripto da Junta; e se o mestre houver de sahir do 
paiz ou tiver de mudar a sua residencia para uma dutra parte situa- 
da álém dos limites acima prescriptos para as pessoas que têm apren- 
dizes, ou se vier a achar-se tão transtornado de fortuna, que se veja 
obrigado a deixar o seu estabelecimento, então, e em cada um des- 
tes casos, deverá elle participa-lo á Junta, á qual levará e entre- 
gará os seus aprendizes, que serão por ella recebidos, e dados de- 
pois a outro mestre , pelo resto do tempo que tiverem ainda de ser- 
vir debaixo das mesmas condições anteriormente impostas ao pri- 
meiro mestre. Em caso nenhum porém será permittido ao mestre 
entregar o seu aprendiz a alguma outra autoridade, que não seja á 
dita Junta, ou ao curador sujeito ás ordens della. 

Se algum aprendiz fôr culpado em crimes que o tornem sujeito 
ás penas das leis do paiz, ou fôr culpado de habitual embriaguez , 
insubordinação , deliberado desleixo, ou destruição da propriedade 
de seu mestre, póde este, em tal caso, traze-lo perante a Junta de 
superintendencia; e, provando-se os factos, terá a dita Junta a fa- 
culdade de invalidar as escripturas. 


1842. AUTOS DO GOVERNO. 419 


Art. 15.º Sa algum aprendiz fugir, dará o seu mestre imme- 
diatamente informação disso ao curador; o qual procederá logo a 
uma investigação summaria do facto, para conhecimento da Junta 
de superintendencia. Qualquer mestre a quem se provar que dispoz 
indevidamente de algum aprendiz, do qual tenha dado parte de ter 
fallecido, ou de se ter escondida, pagará de multa a somma de 
tresentos duros. Metade desta multa será paga ao denunciante, e o 
resto ao curador, para ser posto à disposição da Junta, para os fins 
abaixo indicados. 

Art. 16.º Se algum aprendiz cahir doente, dará disso o mestre 
immediatamente parte ao curador, a fim deste, ou um dos seus aju- 
dantes, poder ir ver o dito aprendiz, e participar á Junta a natu- 
reza da sua molestia, e a maneira por que elle é tratado. Se um 
aprendiz fallecer, dar-se-ha disso immediatamente parte ao curador, 
a fim de que este, ou um dos seus ajudantes, possa ir verificar que 
o negre fallecido era o proprio e verdadeiro aprendiz , descripto co- 
mo tal no registo. Para este fim, deverá o curador, ou o seu aju- 
dante, fazer as pesquizas que julgar necessarias, interrogando os 
habitantes da casa em que o negro falleceu, os visinhos, ou outras 
quaesquer pessoas, e tomando quaesquer outras medidas que entender 
precisas para o habilitar a verificar a verdade; de maneira que o 
enterro do negro, que deve ser á custa do mestre, possa ter logar 
sem maior demora. 

Um relatorio summario do resultado destas pesquizas será de- 
pois lavrado officialmente pelo curador, e entregue sem demora á 
Junta. i 

O curador, depois de ter identificado o corpo de qualquer apren- 
diz que tiver fallecido, indagará a causa da sua morte; e, se co- 
nhecer que ella foi natural, notará este facto no registo. 

Se a causa da morte fôr duvidosa, ou se se conhecer que não 
foi natural, deverá então interrogar os outros negros, e os outros 
habitantes da casa, e tomar outras quaesquer medidas que parecerem 
precisas para verificar as circumstancias do caso; e, se houver mo- 
tivo para suspeitar que a morte do dito negro foi occasionada por 
violencia, indevido tratamento, ou culpavel negligencia, usará dos 
meios convenientes para fazer comparecer o culpado perante os tri- 
bunaes do paiz. 

Art. 17.º Se o mestre de qualquer aprendiz violar alguma des- 
tas condições, impór-se-lhe-ha uma multa que não será menor de 
cincoenta duros, nem excederá a cem, metade da qual será para o 
denunciante, e a outra metade será posta á disposição da Junta de 
superintendencia, para os fins abaixo indicados. 

No caso de algum excessivo mão tratamento da parte do dito 
mestre para com o seu aprendiz, além do mesmo mestre pagar a so- 
bredita multa, perderá, se a Junta de superintendencia assim o jul- 
gar conveniente, todo o ulterior direito ao servico do aprendiz, a 


120 ACTOS DO GOVERNO. . N.º 9, 


qual será tirado desse mestre, e dado a outro pelo resto do terhpo, 
que lhe faltar de aprendiz. 

Art: 18.º. Se o mestre de um aprendiz fallecer, o seu herdeiro 
ou a pessoa a quem se devolver a posse de tal aprendiz, devera; 
dentro de quatro dias, depois do fallecimento do dito mestre, parti- 
cipar esse caso á Junta de superintendencia : cumprindo á Junta ex- 
pedir immediatamente ordem ao curador para trazer perante ella o 
aprendiz; e quando este lhe fôr apresentado, o dará a outro pa 
debaixo das condições estabelecidas. 

Se o herdeiro, ou a pessoa em cujo poder estiver o dito apren- 
diz, se descuidar de participar o fallecimento do mestre dentro de 
quatro dias; deverá pagar um duro por dia por cada aprendiz ne- 
gro pertencente ao tal mestre fallecido , até que tenha feito entrega 
delles todos á sobredita Junta ; e ficará além disso sujeito ás outras 
penas applicadas á falta de cumprimento das condições estabelecidas 
neste regulamento. 

Art. 19.º Se algum negro liberto fôr tomado para aprendiz, ou 
assoldadado por conta do Governo, deverá a escriptura conter, a res= 
peito do dito negro, as mesmas condições e estipulações que acima 
se prescreveram para os casos em que elle fôr dado de aprendiz a 
um individuo partidular. 

Art. 20.º Será permittido aos negros libertos, a arbitrio da 
Junta de superintendencia (quando se tiver verificado que previa- 
mênte se obtivera o livre consentimento delles), assentar praça nas 
forcas regulares de mar ou de terra do Estado, em cujos territorios 
tiverem sido emancipados. 

A Junta, em tal caso, tomará cuidado em certificar-se de que 
os negros entendem e conhecem perfeitamente a natureza das obri> 
gações que contrahem por assim se alistarem. 

O Governo, em- cujo serviço os negros se alistarem , assignará 
um recibo delles, que será entregue ao curador ao tempo do alistas 
mento; c a Junta tomará medidas para assegurar que a plena e per~ 
manente alforria de taes negros lhes fique salva , segundo o verda- 
deiro espirito deste regulamento: 

Art. 21.°. Aquelles negros- libertos, que não forem postos a 
aprendizes, ou que se não alistarem nas forças de mar ou de terra 
do Estado a que pertencer a colonia ou possessão em que estiverem; 
ou cujas escripturas vierem a ficar sem exito, ou a ser invalidadas, 
ficarão a cargo do Governo da dita colonia ou possessão ; e serão 
conservados dentro do espaço de vinte milhas do logar onde residi- 
rem as Commissões Mixtas. 

A despeza feita em manter e sustentar os ditos negros estará a 
cargo do Governo da colonia , ficando elles porém debaixo do cui- 
dado e superintendencia da Junta e do curador, e sendo-lhes appli- 
cavel o presente regulamento a todos os respeitos, excepto no que 
toca a estarem por aprendizes. 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 421 


Art. 22.º O curador procurará explicar a cada negro, por meio 
de um interprete, a natureza de qualquer contracto em que elle 
tntre, e o prevenirá de que se em algum tempo fôr maltratado por 
seu mestre, se deverá queixar ao curador, ou á Junta de deli 
tendencia dos negros libertos. 

Art. 23.º Será da obrigação do curador, ou do seu ajudante, 
visitar, ao menos uma vez em cada trimestre, todos os logares onde 
estiverem alguns negros Jibertos, debaixo da superintendencia da 
Junta, devendo examinar e inspeccionar todos os ditos negros, re- 
ccber suas queixas, e fazer indagações ácerca dellas, para desco- 
brir a verdade, e investigar quaesquer abusos que possam prejudi- 
ca-los; cumprindo-lhe tambem inquirir da conducta geral delles. 

O curador levará depois ao conhecimento da Junta todas as 
queixas dos ditos negros, e qualquer quebrantamento das condições 
e estipulações do contracto, em virtude do qual estiverem servindo ; 
e em todos os casos de bem fundada queixa, usará a Junta dos 
meios convenientes para que se lhes faça justiça. 

As inspecções acima prescriptas não se deverão fazer em perio- 
dos determinados, mas em tempo incerto e inesperado. 

O curador dará tambem parte á Junta, em cada trimestre, do 
estado em que achar os negros libertos; e a sua participação será 
lançada em um livro que haverá, para esse fim, com o titulo de 
== Participações do curador = e que deve estar depositado na se- 
cretaria da Junta, de sorte que, recorrendo-se a elle, se possa fa- 
cilmente saber a occupação e comportamento de todos os negros 
libertos. 

Art. 24.º Todos os actos praticados pelo curador , juntamente 
com uma exposição de todos os factos que successivamente chega- 
rem ao seu conhecimento a respeito dos negros libertos, serão logo 
communicados por elle á Junta de superintendencia ; não devendo 
elle instaurar procedimento algum, nem dar qualquer passo a res- 
peito dos ditos negros, sem conhecimento e autorisação da Junta. 

Art. 25.º O curador receberá todas as quantias que houverem 
de se pagar pelas soldadas dos aprendizes, e todo o dinheiro proce- 
dente das multas em que incorrerem os mestres; e dará de tudo 
uma conta á Junta de superintendencia. 

A importancia total deverá ser applicada para os fins abaixo in- 
dicados. t 

Art. 26.° Quando tiver expirado o tempo prescripto para o ser- 
viço de um aprendiz, devcrá o curador, debaixo das instrucções da 
Junta de superintendencia, notificar o dito aprendiz juntamente com 
seu mestre para comparecerem perante a mesma Junta, á qual o 
mestre entregará então a escriptura do negro, recebendo este da 
Junta uma certidão em que se declare que completou o seu tempo 
de aprendiz, e tem juz a todos os direitos e privilegios de uma pes- 
soa livre, 


Nom. 9. z8 


HD- i ACTOS DO GOVERNO. N°9. 


O curador terá cuidado em que essa certidão seja legalisada e 
registada conforme a pratica do paiz. 

Art. 27.°. A Junta de superintendencia terá autoridade para 
admoestar o curador, e qualquer outro empregado subordinado á 
mesma, se algum delles deixar de cumprir ficlmente o seu dever, 
podendo a dita Junta demitti-los, se assim o julgar necessario, e 
nomear-lhes successores. 

Art. 28.º. Os processos necessarios para as cobranças das quan- 
tias que os mestres devem por conta das soldadas dos aprendizes, e 
para a exigencia do pagamento das differentes multas e penas pecu- 
miarias acima impostas , serão instaurados nos tribunaes competentes 
do paiz onde as respectivas Juntas de superintendencia residirem, e 
serão proseguidos a requisição da Junta. 

As custas de taes processos serão pagas como abaixo se mencio- 
na; e as Altas Partes contractantes se- obrigam, por este artigo, a 
conceder (dentro de seis mezes , contados da troca da ratificação do 
Fractado, a que este regulamento está anexo) a autoridade e po- 
deres necessarios aos tribunaes do paiz onde as respectivas Juntas 
de superintendencia estão estabelecidas. para tomarem conhecimento 
das acções que, para a devida execução deste regulamento, forem 
intentadas perante es ditos tribunaes, a requisição das Juntas; de 
sorte que se cobrem as multas acima mencionadas, e se exija a en- 
trega do dinheiro referido, sendo feito o pagamento da sua impor- 
tancia á pessoa designada por este regulamento para a receber. 

Art. 29.º O dinheiro procedente das soldadas dos negros li- 
bertos, e das multas em que incorrerem os mestres, será depositado 
pelo curador em um cofre de tres chaves, das quaes cada commis- 
sario da Junta de superintendencia guardará uma, e o curador ou- 
tra, O curador depositará por este modo as diversas quantias lego 
que as receber, dando antes uma regular entrada dellas cm um livro 
destinado para esse fim. 

Este dinheiro será applicado da seguinte maneira, a saber : uma 
porção delle, ao arbitrio da Junta de superintendencia , servirá para 
pagar os ordenados do curador e dos outros officiaes empregados de- 
baixo das ordens da Junta; da porção restante se applicará o que 
fòr preciso para pagar as despezas feitas em demandar os mestres 
pelo quebramento das condições e estipulações dos seus contractos ; 
c tambem para pagar as outras despezas occasionadas para levar a 
cffcito este regulamento; e 6 saldo que sobrar, se o houver, será 
empregado , ao arbitrio da dita Junta, em promover as commodida- 
des e prosperidade dos negros libertos, durante o tempo do seu ser- 
viço, ou depois delle acabado, e especialmente em premiar aquelles 
que bem se conduzirem. 

As contas destes dinheiros, e.da maneira por que houverem si- 
do despendidos, serão, no fim de cada anno , feitas em duplicado 
pelo curador; e depois de examinadas e approvadas pela Junta, se- 


18142. ACTOS DO GUVERNO. 423 


rá um dos ditos duplicados transmittido pot cada commissario ao 
Governo por parte do qual estiver servindo. 

- Se os fundos não forem sufficientes para satisfazer as justas e 
necessarias requisições feitas para os fins exigidos, será o que faltar 
supprido em partes iguaes peles dois Governos. 

Art. 30.º No caso de se excitar alguma controversia entre os 
dois sobreditos commissarios da Junta, a respeito da nomeação d'al- 


gum official seu subordinado, ou ácerca de algum outro objecto re- 


lativo á execução deste regulamento, se a tal controversia occorrer 
em uma colonia ou possessão portugucza , convocará a Junta a pes- 
soa que nessa colonia ou possessão servir de arbitro britannico na 
Commissão Mixta segundo o Tractado; e se o caso tiver logar em 
uma colonia ou possessão britannica, convocará então a Junta de su- 
perintendencia a pessoa que nessa colonia ou possessão servir de ar- 
bitro portuguez na Commissão Mixta, segundo o Tractado, a fim de 
que a Junta de superintendencia dos negres libertos assim formada, 
sendo composta de dois commissarios e de um arbitro, decida á 
pluralidade de votos todos esses pontos de desavença. 

Não será permittido aos membros da Junta de superintendencia, 
nem a qualquer efficial seu subordinado, pedir ou receber de pes- 
soa alguma, salvo como neste regulamento se especifica, emolumento 
algum, debaixo de qualquer pretexto que seja, pelo desempenho 
dos seus deveres que lhe são impostos pelo presente regulamento. 

Art. 31.º Nenhuma cousa que se contenha neste regulamento 
se entenderá isentar qualquer negro liberto da sujeição em que está, 
como homem livre, de que se proceda contra elle por qualquer cri- 
me que commetta (excepto como neste regulamento se providenciou) 
contra as do paiz onde sé achar. Em todos os casos porém em que 
se imputar uma offensa contra essas leis a um negro, que esteja de- 
baixo do cuidado da sobredita Junta de superintendencia, cllas lhes 
serão applicadas como a um homem livre; devendo o curador pes- 
soalmente, ou por meio de alguem responsavel, que para esse fim 
tenha deputado, ser presente nos tribunaes de justiça do paiz, 
para que se faca justiça ao negro. 

Art, 32.º  Estipulou-se mais, com o fim de evitar desnecessa- 
ria multiplicação de palavras, que tudo quanto se contém nas dis- 
posições acima prescriptas, que seja applicado aos mestres, se en- 
tenderá como applicavcl igualmente ás mestras, e que tudo que nas 
ditas disposições, a respeito dos negros aprendizes, é applicado ao 
sexo masculino, e numero singular, será entendido como applicavel 
igualmente ao sexo feminino, e numero plural, salvo se uma tal in- 
telligencia fòr expressamente opposta a qualquer outra disposição 
deste regulamento. 

Art. 33.º Este regulamento será inserido na gazeta ou jornal 
official dos paizes, cujos Soberanos são Partes contractantes deste 
Tractado, e tambem na gazeta official do logar onde se estabelece- 


3 « 


424 ACTOS DO GOVERNO. N.º 9. 


rem as respectivas Commissões Mixtas ; e os Governos dos ditos pais 
zes conferirão á referida Junta de superintendencia dos negros liber- 
tos, aos curadores, e a seus ajudantes, sobordinados áquellas Juntas, 
a autoridade necessaria para que as mesmas Juntas, curadores e of- 
ficiacs que respectivamente servirem debaixo das suas ordens, possam 
cumprir os deveres, e exercer os poderes que por este regulamento 
lhes são confiados. 

Art. 34.º Se para o futuro parecer necessario adoptar novas 
medidas, em consequencia de se haverem tornado inefficazes as es- 
tabelecidas neste annexo, convêm as Altas Partes contractantes em 
consultar entre si, e ajustar outros meios mais appropriados a ob- 
ter completamente os fins que têm em vista. 

Os Plenipotenciarios abaixo assignados, na conformidade do ar- 
tigo 14.º do Tractado por elles assignado neste dia tres de Julho de 
mil oitocentos quarenta e dois, convieram em que o precedente re- 
gulamento , contendo trinta e quatro artigos, será annexado ao dito 
Tractado , e considerado como parte integrante delle. 

Aos tres dias de Julho de mil oitocentos quarenta e dois. 

(E. S.) Duque de Palmelta. 

ÁRTIGO ADDICIONAL 


Ao Tractado concluido entre Portugal e a Gram-Bretanha para a 
abolição do trafico da escravatura, aos tres dias do mez de Julho 
do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito- 
centos quarenta c dois. 


Como o objecto deste Tractado, e dos tres annexos que formam 
parte delle, não é outro senão prevenir o trafico da escravatura, 
sem prejudicar a respectiva navegação mercantil das duas nações : 
e como este fraudulento trafico é feito da Costa d' Africa, onde a 
Corôa de Portugal tem tambem extensas possessões coloniaes, nas 
quaes se faz commercio licito, que importa, segundo o espirito des- 
te Tractado, promover e proteger, as Altas Partes contractantes , 
animadas dos mesmos sentimentos, concordam em que se para o 
futuro parecer necessario a qualquer d'cHas adoptar novas medidas, 
ou alterar algum dos regulamentos executivos para conseguir o dito 
benefico fim, ou para obviar alguma imprevista inconveniencia á 
sobredita navegação, ou commercio lícito, que a experiencia tenha 
dado a conhecer em consequencia de se terem achado inefficazes , 
ou prejudiciaes os estabelecidos neste Traclado, e nos seus anne- 
xos; as ditas Altas Partes contractantes se compromettem a consul- 
tar entre si sobre o fim de mais completamente conseguir o objecto 
proposto. 

O presente artigo addicional terá a mesma força e vigor, como 
se estivesse inserto palavra por palavra no Tractado, assignado nes- 
ta data, e será ratificado, e as ratificações trocadas no termo de 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 495 
dois mezes, contados da data da sua assignatura , ou mais cedo se 
for possivel. 

Em testemunho do que, os Plenipotenciarios respectivos o assi- 
gnaram, e firmaram com o Sello das suas Armas. 


Feito em Lisboa aos tres dias de Julho de mil oitocentos qua- 
renta e dois. 


(L. S.) Duque de Palmela. 


E Sendo-Me presente o mesmo Tractado , cujo theor fica 
acima inserido, e bem visto, considerado, e examinado por 
Mim tudo o que nelle se contém, e nos tres annexos , e ar- 
tigo addicional que fazem parte do mesmo Tractado , tendo 
ouvido o Conselho dEstado, o ratifico e confirmo em todas as 
suas partes; e, pela presente, o dou por firme e válido, para 
haver de produzir o seu devido effeito : promettendo , em Fé, 
e Palavra Real, de observa-lo e cumpri-lo inviolavelmente, 
e faze-lo cumprir e observar, por qualquer modo que possa 
ser. Em testemunho. e firmeza do sobredito, Fiz passar a pre- 
sente Carta, por Mim assignada , passada com o Sello Gran- 
de das Minhas Armas, e referendada pelo Meu Conselheiro , 
Ministro e Secretario de Estado, abaixo assignado. Dada no 
Palacio de Cintra aos vinte e nove dias do mez de Julho do 
anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil 
oitocentos quarenta e dois. 


RAINHA (com Guarda.) 
Duque da Terceira. 
——— Sae 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 
Sessão 13.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Degórs de lida e approvada a acta da Sessão antecedente, leu 
tambem o Secretario uma communicação do Secretario perpetuo da 
Academia das Sciencias de Lisboa, o Sr. Joaquim José da Costa 


426 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N.” 9. 


Macedo, a qual tem por objecto oflerecer á Associação, da parte 
do ocio honorario, o Sr. Visconde de Santarém, um exemplar da 
obra que ultimamente publicou, e que tem por titulo == Recherches 
sur la découverte des pays situés sur la cóte occidental de V Afrique , 
etc. == A Associação recebeu esta offerta com muito interesse, e en- 
carregou a mesa de agradecer ao Sr. Visconde de Santarem. 

O Sr. Secretario Louzada d'Araujo leu uma proposta do Sr. 
Feliciano Antonio Marques Pereira, a qual tem por objecto a con- 
veniencia e possibilidade de introduzir na India Portugueza a cul- 
tura da amoreira, e a creação dos bichos da seda. Foi mandada á 
Secção do Ultramar. 

O Secretario Mattos Corrêa, ácerca da materia dada para ordem 
do dia, disse que, sendo o louvor ou a censura dos actos do Go- 
verno assumpto inteiramente alheio ao programma e indole da As- 
sociação , era sua opinião que a discussão da primeira serie das 
Questões Coloniaes já não podia ter logar, pois que essa discussão 
necessariamente tomaria o caracter de exame (na parte que respeita 
ás colonias) do tractado de commercio ultimamente concluido com a 
nação E 

O Sr. Tavares đe Macedo reforçou os argumentos do Socio que 
o precedeu, e especialmente indicou como a questão das compa- 
nhias se achava tambem resolvida pelo tractado. 

Os Srs. Costa Carvalho, Marques Percira, e Sette, oraram no 
mesmo sentido, dando o primeiro destes Srs. varias explicações 
ácerca da convenção addicional ao tractado, que ha de estabelecer e 
designar os generos, cuja introducção nas colonias ficará sendo cx- 
clusivamente para as respectivas nações. 

O Sr. Louzada d'Araujo, discordando em parte dos oradores 
precedentes, disse que posto houvesse, em outra Sessão , sido de 
parecer que a primeira questão se eliminasse , pela suppôr decidida 
pelo tractado, cujo contexto se divulgára ; hoje ficára de outro ac- 
cordo, depois da rapida leitura que a pouco fez delle, e lhe pa- 
recia conveniente fallar ainda sobre a materia ; e ainda mais pelo 
que respeita ás outras questões da primeira parte , de que tratou o 
Secretario Mattos Corrêa; mas como estas não estavam dadas para 
ordem do dia, nem era possivel ter-se ainda lido e meditado o tra- 
clado, cuja publicação datava de poucas horas, pelo menos não o 
tinka elle feito, para, conforme ás suas disposições, se votar neste 
assumpto, pedia o adiamento da proposta do Sr. Mattos Corrêa, a 
fim de que na seguinte Sessão se entrasse na sua discussão com per- 
feito conhecimento da materia. 

O mesmo Sr. Secretario Louzada d'Araujo propoz, e foi unani- 
memente approvado, que se agradecesse á Sociedade Promotora da 
Industria Nacional o emprestimo que nos fez de parte do seu edifi- 
cio, e de que não nos continuamos a utilisar em consequencia da 
mudança para o local actual, 


18142. POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 497 


Não havendo outro assumpto dado para ordem do dia, o Sr. 
Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões em 16 de Agosto de 1842. == O Secretario, 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Corea. 


>>> q pe 


-ASIA PORTUGUEZA. 


SEGUNDA MEMORIA 
kd 
Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Asia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d' Associação, 
Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 383.) 


o" 


Riqueza dos habitantes. 

Não póde ser rico o paiz, que não tem commercio, ou 
manufacturas; e chega a ser pobre, se a agricultura não flo- 
resce a ponto, que o excedente dos generos, que produz, possa 
fazer face aos que é necessario trazer de fóra. Neste caso está 
Gôa, porque do arroz e fructo dos coqueiros, que são os ge- 
neros que mais se cultivam, o primeiro não chega ainda para 
o seu sustento, sendo preciso importar algum do estrangeiro; 
e o que se extrahe do segundo, não valle o preço daqueila 
importação : é de pouca monta o restante dos fructos, que se 
exportam: e a desvantagem entre a importação e a exporta- 
ção do mercado de Gôa, que tenho mostrado, vem em confir- 
mação deste supposto. 

Ainda que os nativos de Gôa são dados á cultura das ter- 
ras, a amortização destas nas communidades das aldêas, a 
mingoa de braços, os prejuizos das castas, que a muitos faz 
conter no modo de vida que seus pais tiveram , a influencia 
do clima, cujo calor constante e excessivo traz a molleza e a 
inacção, são causa de que poucos estejam na abundancia , ou 
a procurem por meio da cultura, ou do trabalho, a que tam- 
bem não convidam os tenues lucros que, delle retiram ; e as- 
sim lá vão na má fortuna que de seus pais herdaram, seguindo 


428 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 9. 


a sorte das castas, que o nascimento lhes marcou ; e se al- 
guem os increpa disso, ou lhes aponta meio de vida mais la- 
borioso, mas lucrativo, tudo recusam, dizendo == Nós não tem 
costume == resposta que muitas vezes ouvi aos de melhor con- 
dição. Em (a são mui poucos os que tenham, em bens só- 
lidos e livres de dividas, 80.000 rupias; e por acaso se en- 
contrará predio urbano, ou rustico, que não esteja hypothe- 
cado a alguma divida, e muitos ha que têm sobre si duas e 
tres hypothecas; o que provém, entre outras cansas, do modo 
immoderado com que despendem, tanto nativos como gentios, 
quantias superiores ás suas possibilidades em casamentos (cc), 
festividades de igreja, e de pagodes, que são muito frequen- 
tes; nas quaes em poucos dias dissipam sommas que teriam 
ajuntado pelo decurso de annos, ou contrahindo emprestimos , 
que difficultosamente pagam sem detrimento de seus bens, e 
as mais das vezes com usuras mordentes e reprovadas, e por 
isso sem as cautelas e seguranças devidas; o que a um dos 
pactuantes sempre é ruinoso: por tanto, é só nas communi- 
dades agrarias que se póde dizer está a riqueza agricola, cu- 
jos lucros se repartem pelos gauncares e interessados, como 
já fica notado. | 

Não ha hoje casa a que o commercio désse vida: ao con- 
trario a sua total decadencia, ou a má correspondencia da 
praça de Lisboa, a cujos sobrecargas os gentios, mouros, € 
parsios foram faceis em supprir fundos a 9 por cento, ou fa- 
zendas, que não pagaram, nem se poderão jámais cobrar, 
pela fallencia dos devedores, reduziram algumas casas de Gôa 
á indigencia, e fizeram tambem fallir os que mais avultado 
trafico tinham : os que hoje alli ha, não passam de corretores 
ou commissarios. São mui poucos os que embarcam para se- 
guir a vida do commercio; e apenas em Pangim ha crescido 
o numero dos negociantes a retalho, que o augmento do luxo 
tem feito apparecer. Entre os gentios, a unica casa que hoje 


(cc) O Vice-Rei Conde d'Alvor prohibio os festejos por occa- 
sião de casamento e nascimento dos filhos, por Alvará de 23 de 
Março de 1681, que foi confirmado por Carta Regia de 6 de Mar- 
co de 1683. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 429 


avulta, é a de Quencrós, em Combarjua; e outras haviam que 
se perderam tambem, pela maneira indiscreta com que toma- 
ram rendas do Estado; por preços que não poderam satisfazer. 

Entre os descendentes de européos, contam-se apenas 
quatro casas que se possam dizer abastadas; duas das quaes a 
sua melhor fortuna é em bens que herdaram em Portugal: 
além destes, são poucos os que tenham outra cousa além dos 
seus soldos na honrosa profissão das armas, que todos seguem. 
Os conventos eram algum dia o arrimo de muitos individuos 
destas familias, a quem os empregos publicos não convidam, 
pela insufficiencia dos ordenados : daqui se vê que geralmente 
são mui tenues os rendimentos dos particulares; e parece-me 
que os que entre elles contam 1.000 xerafins de renda annual, 
provenientes de bens de raiz, se reputam em posição favora- 
vel, que de poucos será excedida..Quem casa com dote de 2 
ou 3.000 xerafins, se reputa: faze-lo vantajosamente: é raris- 
sima a pessoa que alli conta o rendimento de dois contos de 
réis fórtes: ha comtudo algumas casas, que têm 5 e 6.000 
xerafins de renda annual, e outras de 3 e 2.000 xerafins de 
renda. 

O paiz por tanto é pobrissimo; o que falta para igualar 
a exportação e importação o vai minando; e o que por ora o 
sustem de uma banca-rota são, a meu ver, as remessas gratui- 
tas, que annualmente os oriundos de Gôa , estabelecidos em 
Bengala, Madrasta, Bombaim, e Macão, enviam aos seus paren- 
tes; o que adquirem os que passam a servir os inglezes; e os 
officiaes de differentes officios, que, não achando que fazer, 
emigram, e se espalham por todo o Indostão, d'onde depois 
recolhem com o seu provento, ou o trazem, quando de vez 
em quando uns e outros vão a Gòa ver a familia, que lá dei- 
xaram; e as quantias que os missionarios e os padres que 
vão de Gôa parochiar as igrejas do Padroado Real por todo o 
Indostão, do mesmo modo enviam, ou comsigo levam, finda a 
sua missão, as quaes não deixam de ser consideraveis. A ni- 
mia barateza e abundancia dos generos de primeira necessi- 
dade e do vestuario, que o uso dos nativos e o excessivo calor 
reduzem a muito pouco, e a frugalidade do seu sustento fazem 
commoda a subsistencia a todas as classes. Entretanto, o luxo 


430 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 9. 


tem tido consideravel desenvolvimento em Gôa: depois das 
obras- publicas e estradas feitas por D. Manoel de Portugal e 
Castro, têm apparecido carruagens, caleches, e cabriolets, 
que d'antes ninguem alli vio, e chegaram a mais de trinta, 
(hoje já não passam de quatro). 

Quando fui a Gôa no anno de 1827, apenas havia em Pan- 
gim a loja de um efe que vendia alguns objectos da Ea- 
ropa e da China, e a casa do negociante. Collopo. Em 1837, 
existiam varias E bem surtidas de comestiveis, vinhos da 
„Europa, licores, fazendas, e modas que avidamente- se pro- 
curavam; e em luzidas companhias se via já o bello sexo, 
com a elegancia e adornos de damas européas. Bombaim for- 
nece, pela maior parte, estes artigos, e se póde reputar o 
despensatorio da gente de Goa. 


Usos e costumes. 


A população da India Portugueza comprehende em si eu- 
ropéos, e seus descendentes, nativos, gentios de diversas sei- 
tas e castas, mouros, parstos, e homens de outras crenças, e 
pretos escravos, ou ao serviço de muitos destes ;-e uns e ou- 
tros seguem usos e normas que lhes são peculiares. 

Os descendentes dos europtos estabelecidos em Gôa for- 
mam com os altos funccionarios, que são européos, como a 
aristocracia do paiz; até porque muitos daquelles procedem 
de antigas familias nobres de Portugal, ou daquelles que, por 
entre milhares de perigos, e nas fadigas da guerra, foram á 
India buscar, por acções famosas, um nome illustre , unica 
presada origem da nossa antiga nobreza ; os quaes ainda hoje, 
como depositarios della, se occupam unicamente na carreira 
das armas: apenas seis ou sete destes conheci, que entraram 
nas repartições civís, e estão actualmente servindo na conta- 
doria da fazenda publica. 

Os descendentes dos européos seguem em tudo os usos e 
costumes de seus antepassados, posto que no seu uso particu- 
lar e nas comidas participam muito do paiz em que nasce- 
ram. As casas que habitam as primeiras familias brancas, são 
boas, e medianamente mobiladas. 

Os nativos são geralmente dados á cultura, no que tam- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 431 


bem entra a prerogativa das castas; porque os sudros são ex- 
clusivamente os que exercitam, na comarca de Salsete, o officio 
de derrubadores dos côcos, que chamam chaudirins; e são 
elles os que cultivam as palmeiras, para tirar a sura, em 
toda a parte; mas a emprego-mania domina todos. Frequen- 
temente se vêem duzias de individuos sollicitando os mais pe- 
quenos ofícios, só com o fim de haverem delles dependencia, 
em cujo exercicio vão viver longe dos bens, se acaso os pos- 
suem, e até das proprias familias , que os indios nunca levam 
fóra da casa paterna. Quando não podem assim obter empre- 
go, buscam o serviço de algum empregado publico, para ga- 
nharem respeito entre os seus, e poderem, pelo valimento 
dos amos, alcançar o emprego. 

A casta bramine e chardó disputam entre nativos e gen- 
tios a supremacia. Manoel de Faria e Sousa, na sua Ásia 
Portugueza, Diogo de Couto e outros, têm os chardós como 
a gente mais illustre da India , definindo chardos homens de 
armas, ou Chardó Qhetri nação professora das armas; di- 
zem-se descendentes dos reis, e que os bramines são extra- 
nhos ou adventicios ao paiz. Estes porém ostentam que da 
sua classe eram os bottos, ou ministros da sua religião. Seja 
o que fôr, é certo que entre uns e outros ha familias mui di- 
gnas e bem estabelecidas, ás quaes só falta a educação litte- 
raria, que o paiz não offerece; e que a casta bramine é sem 
duvida a mais astuta e sagaz, que domina as outras todas, das 
quaes por isso ainda nenhuma conseguio dar de si um depu- 
tado ás côrtes, perdendo mesmo quasi sempre as eleições dos 
cargos publicos, que pela maior parte estão nas mãos de bra- 
mines. 

E de entre os nativos que todos os annos surgem novos 
advogados e medicos, com as habilitações que já tenho indi- 
cado em outros logares; não obstante as quaes, lá vão exercer 
as funcções de juizes em primeira instancia, e delegados do 
procurador regio, e cargos administrativos; e, O que mais é, 
até o de procurador regio e da fazenda, e outros no hospital 
militar, causando os males provenientes da sua pouca aptidão 
pela falta de estudos adequados. 

O estado clerical é tambem muito seguido pelos nativos ; 


432 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.59, 


e por isso em todas as casas de alguma consideração das co- 
marcas de Bardez e de Salsete, e com especialidade nesta , 
ha um clerigo na familia, que tem todo o ascendente sobre os 
da casa, que em tudo se dirigem pelo seu conselho e mando. 
O fôro e clericato entretêm uma boa parte dos nativos de Gôa. 

Os gentios são dados ao commercio das rendas do Esta- 
do, de commissão, de vendilhões, e de corretores. Apenas 
chega qualquer europto á India, se lhe apresentam e offere- 
cem para expedir qualquer negocio ou serviço, em que tiram 
o seu interesse, e porque á sombra dos européos ficam mais 
em estado de retirar ganhos com a gente do paiz: no mais, 
as castas infinitas em que são retalhados, estabelecem entre 
elles a profissão de cada um. e a mais não aspiram; o que 
procede ainda em grande parte a respeito dos nativos. Os gen- 
tios raras vezes deixam o seu domicilio, excepto em roma- 
ria a algum pagode longinquo ; mas os nativos de Gôa vão pro- 
curar o serviço dos inglezes: de modo que em Bombaim e 
em todo o Concão, em Punem, Sattará, Belgão, e outras 
partes, os funccionarios publicos, civís. e militares da com- 
panhia ingleza têm ao seu serviço filhos de Goa. 

Os nativos mais abastados, ou empregados no serviço pu- 
blico, vestem ao uso europto , e affectam o nosso modo de 
viver; mas entre si seguem seus antigos usos e crenças, se- 
parando-se pela ordem das castas a que pertencem, dos quaes 
os mais inferiores andam nús, trajando apenas o langotim (tra- 
po com que cobrem as partes genitaes), e quando mais acea- 
dos, põem sobre elle um Jenço de cor, suspenso de uma ponta 
até aos pés, vestem jaleco branco, sobre a pelle, descalços 
ou de alparcas nos pés; e é este o vestuario dos criados de 
servir, com o qual se consideram decentes na rua, no interior 
das casas, e nas salas, onde servem sem o menor acanho seu 
ou de seus amos. Outros ha que vestem camisa, calção sem 
fivéla, e uma vestia de chita, ou de ganga , talhada como as 
dos saloios entre nós, e alparcas ; destes são geralmente os al- 
farates, pedreiros e mais officiaes d'officios mecanicos, e com- 
mumente andam sem chapéo: outros o usam, e casaca, em 
vez da vestia á saloia, calção e alparcas sem meias; e deste 
numero são muitos dos mais graves e bem estabelecidos: mas 


1842.. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 433 


seja qual for o seu uso ou a casta a que pertençam, no dia 
em que casam, nenhum, por mais pobre e miseravel, deixa de 
apparecer de meia de seda, capato e fivela, calção branco, 
casaca, chapéo armado e espadim. 

São raras as nativas que trajam á européa, cujo vestuario 
só adoptaram para a infancia. Na puberdade até que casam 
usam de pannos proprios tecidos e pintados que cingem á cin- 
tura, ficando em pregas pela parte anterior, e vestem um bajú 
e quimão: furam as orelhas em tres differentes partes, nas 
quaes poêm uns botões de ouro que chamam cravos, e ao pes- 
coço um affogador (colar) com um menino pendente do mes- 
mo metal; andam descalcas, ou calçando apenas chinellas razas, 
sem metas, se são de familia mais abastada. Quando casadas, 
envolvem-se em um longo panno, que, cingindo como o das 
precedentes, lhes passa da cintura pelo hombro esquerdo ás 
costas, e vem terminar sobre o direito: os mesmos enfeites 
nas orelhas e no pescoço; e manilhas nos braços; calçando 
como as precedentes ou descalças, sendo pobres. O panno de 
que as casadas usam, é encarnado em quanto não têm o pri- 
meiro filho; e da mesma côr o devem trazer as solteiras des- 
de o dia da exploração (dd). Nenhuma deixa de casar; mas 
nenhuma casa sem dote, ainda que este seja insignificante, e 
não passe de 29, ou 30 xerafins. 

Nos casamentos dos nativos as mulheres vestem pannos 
ricos e curiosos, alguns ha magníficos de tissú de ouro; ou- 
tros de veludo escarlate com grandes galões d'ouro; e do mes- 
mo modo levam noiva e convidadas, a cabeça recamada de 
quinquilharias de ouro de diversos feitios, como peixes, meias 
luas, sol, flóres ete. e do pescoço rosarios pendentes e outros 
adornos do mesmo metal, e enfeites até de vidro, e de coral; 
o que tudo vem de remotos tempos sem mudança ou altera- 
ção alguma. 

Nestes dias o noivo vai á Igreja vestido como já disse, a 


tt eg, 


(dd) Esponsaes, que por Alvará de 12 de Janeiro de 1798 foi 
concedido celebrarem-se perante o respectivo parocho e duas teste- 
munhas em logar de escriptura publica. Ninguem alli falta a esta 
solemnidade , á qual vão no mesmo apparato que para o casamento. 


+ 


434 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA. N.º 9. 


pé, ou de machila (ee) segundo as suas possibilidades, e em 
qualquer dos casos leva ao lado um criado de jaleca, e lango- 
tim, com uma grande umbella, que chamam sombreiro, para 
o resguardar dos raios do sol, posto que toda a sua vida ande 
exposto a elle, cavando ou em trato similhante, O cortejo dos 
amigos e convidados o segue, bem entendido, todos de casaca 
é pantalona branca, que ha sempre quem alugue. O mesmo 
cortejo de suas amigas segue a noiva em rancho separado, e 
a distancia do noivo, envolvidas em um grande panno de al- 
godão branco, que as cóbre desde a cabeça até aos pés, nos 
quaes calçam chinellas bordadas sem meias; e é este panno 
que chamam lançol, que todos põem , como em Portugal, as 
mantilhas, quando vão á Igreja ou a uma visita, Na voita da 
Igreja são os noivos recebidos á porta pela familia e convida- 
dos, e alli: esperam em quanto se cantam algumas coplas 
no idioma da terra, analogas ao assumpto; findas as quaes 
vem a sogra da noiva busca-la, e a conduz ao seu aposento 
para lhe trocar o panno de solteira que deixa e veste o de 
casada. Segue-se a isto o jantar servido ao gosto européo , no 
qual a noiva se assiste, não come, e se conserva com um 
lenço” tapando a boca em signal de respeito; porque ella janta 
depois com as parentas e convidadas. A noute cantam diver- 
sas cóplas e improvisos, em estylo e lingoa do paiz, a que 
chamam deitar versos, em Jouvor do par abençoado : durante 
aquella cantoria, toma a noiva logar em pé na sala, com uma 
salva na mão, na qual cada um dos circumstantes vai depo- 
sitar uma prenda, ou dinheiro; o padrinho está junto della 
com uma véla accesa; a isto dizem pedir a benção : com- 
mumente isto se passa na casa dos pais do noivo, e no oitavo 
dia, ha nova festa em casa dos pais da noiva, quando esta 


(ce) Machillas, dolys, e cadeirinhas servem em vez de car- 
ruagem, para uma só pessoa, suspensas á cabeça de seus condu- 
ctores, denominados boiazes e de casta corumbins. Cada vehiculo 
destes é levado por quatro bojazes, que andam com a velocidade de 
um cavallo a trote; c ganham cada um doze xerafins, ou 14920 
réis fortes, por mez. As pessoas mais opulentas têm tambem es- 
caleres excellentes de dez remos, que guarnecem por pretos seus, 
ou por marinheiros, aos quaes se pagam seis xerafins por dia, 960 
réis. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 435 


alli volta pela primeira vez depois de casada, a que cha- 
mam mezada: toda esta etiqueta se observa em todos os 
casamentos de nativos christãos : se são pobres o jantar se re- 
duz a arroz e caril em pratos feitos de folha de bananeira, e 
fructas, e para isso escolhem então os mezes mais abundantes 
dellas : nos casamentos dos sudros não ha jantar; ou para me- 
lhor dizer, elles chamam merenda a um jantar que eflectiva- 
mente dão junto à noite, quando vêm da igreja; porque não 
casam, senão de tarde. A meia noite ha uma especie < de cêa 
a algumas pessoas, como pai, mãi, e parentes, que vêm de casa 
do noivo ou noiva para a da noiva ou noivo, e estes individuos 
são chamados Esmanins; e.o resto da noite é passado em can- 
tos e algazarra ao som do gumate (ff), ferrinhos, bacias etc. : os 
baptisados não são tão singularmente solemnisados ; mas na sexta 
noite do nascimento de qualquer filho ou filha, se reune toda a 
parentella e alli passam a noute nos mesmos cantos e estrondos. 
Esta pratica é usada ainda entre as familias brancas, que do 
mesmo modo se reunem naquelta noute, na qual os domesticos 
seguem o uso da sua classe. Ella provém de uma superstição 
gentilica, que lem por certo que muitas crianças são naquel- 
la noute suflocadas pelo guirá (espirito mão); e por isso se 
põem por aquelle modo em guarda, para o aflugentar, e ata- 
lhar o malificio, As casas em que habitam os nativos, são me- 
dianas, e narvila de Margão as ha de boa apparencia, e 
quasi todas construidas á feição das da Beira, e Minho, e 
os seus móveis pelo mesmo gosto. O sustento usual dos nati- 
vos é, logo pela manhã, canja (agoa de arroz cozido sem sal) 
com peixe miudo, e manga salgada, a que chamam tóca bó- 
ca, e lhes serve para tirar o fastio de semelhante bebida, aliàs 
reputada medicinal, e é o" seu caldo de galinha nas enfer- 
midades. Ao jantar, e cêa, arroz e caril (gg), peixe, conservas 


(f) E um traste de barro grosso, á feição de uma bilha gran- 
de sem aza, com os extremos largos, e um mais que o outro, no 
qual põem uma pelle de lagarto e tangem com ambas as mãos; e 
ao som deste toque cantam com grande algazarra , e se dança o 
mandó, que participa muito da indecencia e momices do batuquo 
dos negros da costa d' Africa. 

(gg) O caril é um mólho feito de especiarias, côco ralado, e 
camarão, ou peixe, o qual se lança sobre o arroz cozido em agoa 


436 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA Ii Cgi: R 


e fructas; fazem tambem uns bolos d'arroz == áppas == que 
comem em logar de pão. 

Quando alguem fallece , é singular a algazarra e alaridis 
que se alevantam por todos de casa, qualquer que seja a ida- 
de ou sexo; pratica usada até entre as familias brancas, cu- 
ja vozeria se repete sempre que entra pessoa a cumprimentar 
os anojados, e a horas, certas, por alguns dias. Os parentes 
se reunem em casa do morto, e (entre os nativos) desde que 
partem de sua casa até á deste, vão gritando, ou como elles 
dizem , chorando, em uma certa cantilena : os que mais sen- 
tem, arremessam-se por terra, arrancam cabellos, e fazem 
outras que taes demonstrações de dôr. Nestes choros se re- ' 
cordam e repetem todas as acções e praticas do morto. Estas 
scenas são communs a todas as castas, seitas, e côres. 

Os nativos de Gôa não são propensos nem á musica nem 
á dança, nem a exercicio algum. O seu divertimento domes- 
tico consiste em cantar ao som do gumate; posto que em to- 
das as escólas das communidades, e das parochias se ensina 
rebeca e o canto d'Igreja. 

Ás festas d'Iereja são por elles entretidas com cuidado , 
e por ellas deixam tudo, por que são os unicos dias de fol- 
gança n'aldêa, e as noutes se passam no zagor, que é um 
divertimento inapreciavel do povo rude de todas as seitas, O 
zagor é uma especie de representação cómica, para a qual 
todo o preparo consiste em um tablado feito em qualquer par- 
te de um palmar, em róda do qual se apinham os expecta- 
dores. Os actores sobem como, e quando lhes parece ao ta- 
blado, onde, cantando e saltando descompassadamente ao som 
do gumate, instrumento unico em qualquer festim destes, 
representam em lingua do paiz uma cousa improvisada sem 
nexo, ou conceito algum em que proferem o que lhe vem á 
cabeça, por mais estólido ou obsceno que pareça, que o 
vulgo muito applaude ; e nisto passam até ao despontar d'au- 
rora. 


r 


sem sal: é um prato de familia, ou nacional, que apparece em to- 
dos os jantares: e nos mais abundantes e ainda festivos, fórma 
sempre a ultima coberta. 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 43% 


A festa da Novidade merecé ainda mencionar-se. A al- 
dèa Taleigão tem pelo foral das communidades a preeminen- 
cia de ser a primeira que começa a cegar o batte (arroz no- 
vo); e os gauncares della hão de em cada anno ir apresen- 
tar um feixe delle no altar mór da Sé, com outras ceremo- 
nias alli designadas, depois do que podem as mais aldêas fa- 
zer a céga nas ilhas de Gôa. E tradição antiga, que esta pre- 
rogativa provém do soccorro de mantimento prestado para a 
esquadra d'Affonso d'Albuquerque, quando a primeira vez to- 
mou Gôa, estando por- conseguinte ainda a ilha na dominação 
do Sabaio. Esta festa do primeiro córte do arroz novo é a que 
chamam da Novidade : celebra-se em todas as provincias e aldêas 
em differentes dias. Os parochos, de cruz alçada e procissão da 
confraria, vão assistir ao córte, e ornam-se a cruz e assisten- 
tes com espigas d'arroz; e d'alli vão á Igreja, onde se cele- 
bra missa em acção de graças pela producção daquelle anno. 

Os gentios têm differentes tratos e usos. As suas habi- 

tações são construidas diversamente, com uma especie de claus- 
tro ou pateo interior para as suas libações, ou praticas religio- 
sas. As paredes da casa e o chão são geralmente bosteadas 
(hh); não tem móveis; e se os tem, são mui poucos e os in- 
dispensaveis ao seu modo de viver. Sustentam-se de arroz e 
caril como os nativos; como acreditam na menpticosis ou 
transmigração, e veneram alguns animaes, abstêm-se de co- 
mer a carne delles, aves, e peixes; vivem de cereaes, legu- 
mes e ervagens, só por elles cozinhados, ou por um da res- 
pectiva casta. Os seus doces e appas são diversamente prepa- 
rados, n'aquelles misturam acafetida, aromas, e outras drogas 
que os tornam naúseantes. Comem em pratos de folha de ba- 
naneira e de cajueiro. 

O predominio das castas influe n'elles religiosamente , por 
que são nimiamente rudes e supersticiosos; nada sabem , nem 
querem saber senão aquillo que cada uma dellas tem em pra- 
tica: recusam toda a sorte d'innovação, com o ==não tem 


(hh) O uso de bater o chão a malho, e cobri-lo de bosta de 
boi é commum em todas as casas terreas, ou onde se quer ter 
qualquer terreno liso e aceado. O pavimento de muitas igrejas é 
por este modo indecentemente limpo e conservado. 


Num. 9. k 


438 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 9. 


costumado = evitam tocar cousa de Christãos, excepto o di- 
nheiro; e não obstante tudo isto ,-a lei hoje os chama, e lá 
vão alguns exercendo cargos electivos!! Não tomam alimento 
fóra de sua casa, ou dos da respectiva casta, e banham-se an- 
tes de comer, depois do que põem na testa e no peito cer- 
tos riscos e signaes, que pintam com almagré ou vermelhão e 
cinza de bosta de vacca, segundo o rito a que pertencem, ser- 
vindo o signal que assim põem para denotar, onde chegam , 
que já jantaram. O decurso da vida destes é em tudo o 
mais um complexo de superstições ridiculas, a que são perti- 
nazmente afferrados. Na doença não tomam remedio senão de 
seus herbolarios, com permissão dos bottos bramines, sacer- 
dotes dos idolos, depois destes consultados; porque enfermi- 
dades ha, que têm como castigo dos deoses: as bexigas porém 
são tidas por elles como ea os nativos ao deito as têm 
em horror; e por isso sendo algum accomettido dellas, é aban- 
donado ou posto fóra, e até pelos outeiros se as autoridades 
não interférem: quando agonisantes, borrilam-se com bosta 
de vacca, e este animal se leva proximo ao moribundo para 
este lhe pegar na cauda: ordinariamente não sepultam, quei- 
mam os cadaveres em o logar para isso destinado: sendo 
ricos, empregam o sandalo e outras madeiras de preço, oleos 
e aromas para a queima. 

Os gentios trajam differentemente; os pobres e de castas 
inferiores andam nús com o langotim ; e sempre a cabeça tapa- 
da; os mais cingem da cintura um panno branco em fórma de 
tanga, que chamam Peruem, e vestem uma Toupeta curta de- 
nominada chogó, outros cido até aos pés, nos quaes cal- 
cam alparcas: estas roupetas são ordinariamente de panno de 
algodão branco ; e sobre ellas põem uma manta do mesmo es- 
tofo ou de li de camello (os mais ricos), a que dão o nome 
de Passori. No alto da cabeça, que em roda é rapada á na- 
valha, conservam uma porção de cabello atado, chamado 
= vendim = pelo qual pagavam um tributo, que de pouco 
tempo está abolido, e o cobrem com um barrete de veludo 
preto, verde, ou encarnado, que denominam topi. Outros usam 
de trunfas, ou toucas como lá se dizem; que são uma faxa 
de lenço longo, como um ramo de lençol, ou uma cinta com- 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 439 


prida, que enrolam na cabeça. As trunfas dos baneanes e 
gugires são feitas em fórma de capacete, e algumas ricas e 
custosas. Não se descobrem diante de pessoa alguma, excepto 
quando prestam juramento em juizo: e se entram em casa de 
pessoa conspicua, ou d'autoridade . deixam as alparcas á en- 
trada da sala; e-comprimentam, dobrando-se, levando a mão 
direita á testa, com ella fazem cortezia , repetindo a palavra 
== Súiba ==, que quer dizer = Senhor. == Este comprimento 
era feito a seus antigos dominantes, lançando-se por terra a 
seus pés, imprimindo a boca no chão, onde quer que os en- 
contravam ; uso que ainda alguns conservam, mas que as nos- 
sas autoridades lhes não consentem: trazem grandes argolas 
d'ouro nas orelhas com uma esmeralda, ou pedra verde, em 
logar desta, aneis nos dedos e manilhas de prata. As mulhe- 
res gentias põem nas orelhas, que furam em tres logares, 
eravos e pingentes d'ouro; e no nariz uma grande argola com 
uma perola, a que chamam note; andam descalças de pé e 
perna; algumas põem aneis nos dedos dos pés: véstem uma 
especie de roupinhas de manga curta, e cingem melhores 
pannos, e differentemente das nativas. As bailadeiras costu- 
mam trazer manilhas com guizos nos pés. No interior de 
suas casas são em perfeita escravidão dos maridos, que dellas 
reservam todo o seu trato domestico e civil, não comem nem 
praticam com elles acto algum social, e raras vezes são vistas 
pelas ruas, salvo as das castas mais baixas. Por principios 
de seita casam antes da puberdade , não podem passar a se~ 
- gundas nupcias, nem usar joias ou enfeites de casadas no es- 
pan de viuvez; no qual são logo obrigadas a rapar a cabeça, 
e o seu unico vestuario é então um longo panno d'algodão 
branco, em que se envolvem ; servem estas restricções, se- 
gundo o pensar dos gentios, para que ellas se desvellem em 
bem tratar seus maridos, e esmerar-se pela sua conservação. 
As mulheres e filhas dos gentios não têm parte no casal, 

nem herdam a seus pais; são dotadas quando casam, e passam 
para a familia dos maridos : assim como as filhas dos nativos 
não entram na divisão dos jonos, quinhões em que se divide 

o rendimento a repartir aos gauncares e interessados. 
Em regra os gentios casam com uma só mulher. Se não 

4x 


440 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 9. 


têm filhos, com aprazimento desta, casam com segunda mu- 
lher. Raras vezes acontece divisão de bens entre os filhos, 
pelo costume de todos viverem em sociedade domestica e ge- 
ral, de que é chefe e administrador o mais velho, o qual dá 
alimentos aos segundos e dota as irmãs para casar; e por 
isso são izentos por ordens régias de fazer inventario, o qual 
só tem logar, se algum dos interessados maiores o requer, - 
que quasi sempre termina por composição amigavel. Na falta 
da descendencia masculina , succedem os adoptivos. 

As funcções gentilicas são em casa e no pagode , e sem- 
pre têm por objecto casamento , rito, ou festividade annual, 
que dura por dias successivos, nos quaes percorrem as ruas 
com toques d'instrumentos gentilicos e bailadeiras, que du- 
rante a noute continuam no pagode ou em casa. 

Os seus casamentos são contractados pelos pais, pois que 
a noiva não deve ter ainda tocado a puberdade; e se por fa- 
talidade alguma chega a esse periodo antes de casar, é desaire 
grande para ella e para a familia. No noivo é indifferente a 
idade, e assim os vi de 6, t0, 20, e 30 annos. Para o casa- 
mento precedem convites, que fazem os de maior representa- 
ção da familia, acompanhados do toque de umas gaitas e de 
uma especie de timbale, levando em uma salva, ao seu uso, 
bétele e aréca, que distribuem ás pessoas a cuja casa vão fa- 
zer o convite. O casamento se celebra em casa; e os noi- 
vos percorrem nesse dia todos os logares, onde ha arvore 
ou objecto de sua veneração religiosa, n'aldêa , precedidos de 
toques d'instrumentos gentilicos e bailadeiras; a noiva veste 
roupinhas de seda e lindos pannos ; e cheia de joias ao seu uso, 
é levada a cavallo, ao collo, em andor, ou escarranchada no 
hombro do seu conductor; e o noivo, que sobre os olhos leva 
como uma franja com duas borlas, vai ao lado della ; seguidos 
ambos pelo acompanhamento de parentes e convidados de um 
e outro sexo a pé ou a cavallo. Em todas as funcções gentili- 
cas em casa ou no pagode ha o concurso de bailadeiras que 
cantam e dançam constantemente; e tanto mais luzida se re- 
puta a festa, quanto maior é o numero dellas. Aos convidados 
se ministra o vidó, que é uma mistura de folhas de bétele 
com cal de ostras e aromas para mascar, e sobre elles se lan- 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 441 


çam agoas de cheiro, e ao pescoço enfiadas de mogarins , flor 
branca e muito odorifera; o que tambem fazem os nativos. Os 
noivos estão sentados na, sala, onde ha estes bailes, na qual 
constantemente ardem perfumes e um candieiro de 7 luzes, e 
mais, em numero impar. A diversidade destes cheiros, a bu- 
lha do canto das bailadeiras, a má localidade das casas, com 
poucas janellas, e essas muito pequenas, tornam incommodas 
estas funcções que para elles são deleitaveis. Ha a do sigmá 
(carnaval), a do ganessá, e sobre todas a da linha, muito cele- 
bradas , com especialidade esta ultima, que é a maior solem- 
nidade do rito gentilico do bramá. Nestas funcções usam os bra- 
mines o soriapano, especie de parasol, privativo do uso dos brami- 
nés; a casta dos ourives pertende o ter o uso delle nos seus casa- 
mentos, cuja questão foi porfiosa e finalmente decidida pelo 
Vice-Rei D. Manoel de Portugal e Castro a favor dos bramines. 

Repartir-se o vidó a uns primeiro que outros, é prero- 
gativa pela qual muitas vezes se tem contendido, e bnscado 
até a decisão da metropole. 

Os gentios têm instrumentos e canto particulares : alguns 
gostam , do exercicio a cavallo, de que os nativos fogem. Os 
sipais são bons caçadores; e tanto estes como os mouros jo- 
gam bem a manópla, de que fazem uso na guerra com van- 
tagem. Têm paixão pelo jôgo, para o qual têm cartas redon- 
das, pintadas, e envernizadas. Tambem fazem uso das nossas. 

Terminaret fallando dos juramentos gentilicos, para os 
quaes têm differentes fórmulas. A ordinaria e commum é a 
do bétele e arroz, róda e olhos. Este juramento é o usado em 
juizo, para as testimunhas, etc. O gentio que tem de o pres- 
tar, fórma com carvão um circulo no chão; descalço e des- 
coberto, colloca-se no centro delle ; e tomando o bétele e ar- 
roz, toca com elle os olhos e a testa, dizendo em voz alta == 
que Deos o cegue, e aquelles artigos do seu sustento lhe fal- 
tem, se não disser a verdade. == 

Outra é, pondo a mão sobre a cabeça da mulher e dos fi- 
lhos, ou sobre a cabeça de uma vacca preta, com iguaes im- 
precações. 

Outra fórmula de juramento é no pagode differido pelo 
botto, ao qual, bem como ao primeiro, os gentios se prestam 


442 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 9. 


facilmente; porém têm grande dificuldade em prestar o da 
cabeça da mulher e dos filhos, e o da vacca; e por isso, se- 
gundo as Ordens Regias, é o primeiro o adoptado no fôro, e 
este só em casos muito urgentes. 

Têm mais o juramento no pagode da Deosa Malsá para 
certas castas, que o prestam, depois de lavados e purgados, em 
presença da communidade da aldêa, e masanes (administrado- 
res) do pagode; e o de ferro em braza, a que chamam ==ró- 
vo == no pagode de Porcim, tambem prohibidos pelas mesmas 
Ordens Regias. 

Dos mouros que habitam em Góa, e especialmente nas 
provincias das Novas Conquistas, já poucos em numero, es- 
cuso de fallar, porque a sua seita e trato são bem conheci- 
dos: “os baneanes e gugires, e gentios de diversas seitas, vêm 
do Guzarate mercadejar a Gôa; e bem como os parsios, 
alli residem temporariamente. (Continuar-se-ha. ) 


> > = 


AVISOS AOS NAVEGANTES. 
N.º 14. 
Haya 6 de Setembro de 1842. 


| Director geral da Marinha publicou um aviso, informando os 
navegantes de que a passagem NE. do Ameland está de tal modo 
obstruida, por se ter estendido para E. o banco chamado Bornif, 
que a navegação deve actualmente ser considerada como muito pe- 
rigosa na proximidade de tal passagem, e que por consequencia se 
levantará a boia vermelha que servia para indicar a entrada deste 
canal. 


N.º 15. 


Avisos sobre as seguintes mudanças praticadas com os faxos e faroes 
da costa de Suecia sobre o Cattegat. 


1.º O farol de Arholt, que era de luz fixa, passa a ter eclipses. 

2.º Para prevenir a confusão deste farol com o de Morups- 
Range situado a 5 milhas ao N. de Falkemberg ; terá este ultimo 
um fogo lenticular fixo de segunda ordem, em logar de ser munido 
de um fogo de rotação com reverbéros como se tinha annunciado. 

3.° O farol de Hullen que se annunciou, deve ter um fogo len- 
ticular fixo, e terá um apparelho de rotação com reverbéros. 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 443 


NLG: 
Mais faroes sobre as costas de Suecia. 
Stockholm 15 ď’Abril de 1842. 


1.º O farol de Falsterbo, que era feito com uma fornalha des- 
coberta, ou fogueira de carvão de pedra, será mudado em um fogo 
fixo com lentilhas, de segunda ordem; os trabalhos que dizem res- 
peito a esta nova disposição e reconstrucção da torre, não poderão 
ficar provavelmente ultimados senão nos primeiros dias de Julho de 
1843; até então o farol será supprido por uma grande lanterna ele- 
vada quanto for possivel em cima da torre, mas é provavel que a 
sua luz não tenha mais força do que Linha a fogueira de carvão de 
pedra. 

2.º No curso deste anno o farol ou fogacho de carvão de pe- 
dra que estava sobre Swart-Klabben, no mar d'Aland, será mudado 
em um fogo fixo composto de luzes com reverbéros. Em quanto se 
construir o farol e reparar a torre, será supprido por uma luz de 
lanterna. 


No 17, 
Novos faroes na costa da Norwega. 


Previnem-se os navegantes, que por todo o verão deste anno sc- 
vão aceesos dois faroes e estabelecidos dois signaes maritimos sobre 
as costas de Norwega , a saber: 

1.º Um farol de reflexo brilhante de minuto em minuto, em. 
Ovitholmen perto de Christiansund,. 

Lattitude N.==63º 1! 25" 
Longitude E.=4º 51' 51! 
Alcance == 18 a 20 milhas maritimas. 

2.º Um farol fixo em Stavenenet na entrada do porto de Chris- 

tiansund. Lattitude N. = 63° 7/ 0! 
Longitude E. = 5° 18' 36! 
Alcance = 12 milhas maritimas. 

3.º Um signal maritimo será collocado na ilha de Hamborgo 
proximo a Lillesand: este signal terá toda a apparencia de um moi- 
nho de vento, cujas vélas formarão um angulo de 45º com o horizon- 
te, e será pintado de amarello claro e visivel de 10 a 12 milhas. 

Lattitude N. = 58° 14! 30” 
Longitude E. = 6° 15! 54” 

4.º Sobre o rochedo que tem por nome Reierskiaret, que fica 
no canal de E. da ilha Brekkesto, será posta uma peca de artilheria 
visivel a 2 milhas maritimas. A lattitude deste logar é proximamente 
de 58º 10' 45'! N. ; e a sua longitude de 6º 6' 36” E. 

( Extrahidos do Precursor , jornal Belga. ) 


A 
y 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS D 


No 1.º de Setembro de 1842. 


PEETI 


ESTINOS, 


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No Téjo. 


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Qualidade is + Graduações, e nomes 53 3 2 sf 
das Nomes sês dos En ee do Destinos 
Embarcações E $ ER E Commandantes e 2s ző S F 
oo ` 
Duq.z*deBrag.sal 50 |Capitão Tenente, M, T. da S. Cordeiro. . 5 2 No Téjo SS e rj 
= 3 
Fragatasoss l Diana soe ==] 50 Capitão Tenente, J. S. Ramos.........) 5 » {No Tejo (ia E nt À 
; D. Maria IL...| 42 |Capitão Tenente, A. R. Graça. ........) 11 6 Para a India—- Não de viagem. | 
Gito de Julho ..| 24 | Primeiro Tenente, F. A, G. Cardozo.... 5 2 Em Angola. 
D. João [.....) 24 |Capitão Tenente, F. S. Franco ........ 5 5 No Téjo. 
Corvetas. . . Infanta Regente) 24 | Segundo Ten, de Commissão, J. S. Tavares 2 2 Na India. 
; Urânia........] 24 [Capitão Tenente, J. M. F. do Amaral.... 6 5 No Téjo. 
JAudaz........| 18 [Primeiro Tenente, J. J. d Andrade Pinto 4 3 Em Angola. 
Brigues ... < | Villa Flore ....f} 16 fCapitào Tenente, J. B. da Silva........ 5 : Nos Açores. 
- À D. Pedro......| 16 [Primeiro Tenente, I. F. Guimarães, Junior 5 4 No Algarve, 
ç Magnanimo ....| 26 | Capitão Tenente, J. J. Fernandes d Andrade, 4 3 Na India. ; 
Charruas . . l | Principe Real.. » Capitão Tenente, P. A. Caminha. ...... 7 3 Para Angola. 
Brigue-Escuna] Vonga ........| 13 [Primeiro Tenente, P. Centurini.........) 4 2 No Téjo. 
Liberal .......| 13 [Primeiro Tenente, J. M. Esteves.. ...... 4 2 No Téjo. 
Amelia .......| 10 [Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa. 3 L No Téjo. 
Escunas... < | Esperança. .... 8 [Segundo Tenente, A. d'Oliveira ,....... 3 2 Na Madeira. 
Boa Vista..... 1 | Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferr.? 1 1 Em Cabo Verde, 
Nini. as as ge oe 1 |Segundo Tenente, V. do N. Teive...... 1 1 Em Angola. 
E Correio . .. .. |S. Boaventura, .|......| Primeiro Tenente, F. de A. e Silva..... 3) 1 No fTéjo. 
à. osis tlre ea a | Segundo Tenente, P. O. Alves. .,...... TRT 1 


VE TAES. 


Nº 10. 


SEGUNDA SERIE, 


ACTOS DO GOVERNO. 
SYNOPSE. 


Setembro de 1842. 


ò. arses + concedendo baixa do serviço, por assim 
ò haver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha Vicente 
José Pires. 

3. Portaria, remettendo ao Major Géneral d'Armada 
um exemplar do Tractado de Commercio e Navegação, e outro 
do Tractado para a abolição do Trafico da Escravatura, con- 
cluidos entre Portugal e a (Gram-Bretanha, assignados em 
Lisboa a 3 de Julho ultimo, afim de que o mesmo Major 
General, dando o devido cumprimento aos ditos Tractados, na 
parte que lhe competir, transmitta a cada um dos Comman- 
dantes dos Navios de Guerra um exemplar do qne se refere 
á abolição do Trafico da Escravatura, afim de que por elles 
sejam religiosamente cumpridas, na parte que lhes disser res- 
peito, todas as suas estipulações; e bem assim uma cópia au= 
thentica do Decreto de 5 de Julho ultimo, que estabelece 
as penas que devem ser applicadas ao crime do Trafico da 
Escravatura, declarado pirataria pelo artigo 15.º do respe= 
- etivo Tractado, e outra do acto do Parlamento britannico de 
12 do mez passado, que revogou o acto de 2% de Agosto de 

í 


146 ACTOS DO GOVERNO. N.º 10. 


1839, para a suppressão do mesmo Trafico, na parte rela- 
tiva ás embarcações portuguezas, para que destes documentos 
se désse tambem conhecimento aos Commandantes dos Navios 
de Guerra. 

3. Portaria, concedendo baixa do serviço, por assim o 
haver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha João Maria 
de Mello Bastos. 

Idem. Portaria, mandando admittir em um dos logares 
que se acham vagos, de Partidista do Observatorio de Marinha, 
ficando comtudo annexo à companhia dos Guardas Marinhas, 
ao Guarda Marinha Theodoro Casimiro dos Reis. 

6. Portaria, concedendo um mez de licença, para tra- 
tar de negocios de sua casa, ao Tenente Coronel graduado do 
Batalhão Naval, em disponibilidade, Francisco de Sá No- 
gueira. 

Idem. Portaria, concedendo um mez de licença, para 
fazer uso das agoas thermaes das Taipas, ao Segundo Tenente 
d'Armada, Capitão do Porto da Figueira, Manoel Nunes. 

13. Portaria, concedendo licença aos Segundos Tenentes 
d'Armada Luiz Maria Bordallo e Francisco Maria Bordallo , 
para se matricularem em uma das aulas da Escóla Polyte- 
chnica. 

Idem. Portaria, concedendo licença ao Segundo Tenente 
d' Armada, Damião Antonio Contreiras, para se poder matri- 
cular na aula de Physica na Escóla Polytechnica. 

15. Portaria, concedendo prorogação, por mais seis me- 
zes, da licenca registada em que se acha, ao Segundo Te- 
nente d'Armada Luiz Bento Ribeiro Vianna. 

17. Portaria, mandando que sejam expulsos da compa- 
nhia dos Guardas Marinhas, por se acharem comprehendidos 
no Tit. 6.º, $$. 38.º e 39.º do Regulamento Provisorio de 
29 de Março de 1825, os Aspirantes Augusto de Oliveira 
Soares, Miguel Carlos Corrêa Paes, Antonio de Castro Gui- 
marães, João Carlos d' Amorim Vianna, Carlos José da Silva 
Vaz Torrezão, Antonio Claudio Girou, José Antonio Grenier, 
Joaquim Antonio Seguro, e Conrado Joaquim Mendes Costa. 

idem. Portaria, prohibindo que os Commandantes dos 
Navios do Estado, logo que pela Inspecção do Arsenal se lhes 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 447 


` 


bad 

entreguem os seus Navios completamente promptos para na- 
vegar, tanto neste porto, como em qualquer outro nacional ou 
estrangeiro, façam, ou exijam que se faça, nos mesmos na- 
vios, obra-ou concerto algum, senão os que por qualquer cir- 
cumstancia occorrente se tornarem reconhecidamente indis- 
pensaveis para a sua conservação e segurança, e nunca aquel- 
les que, a titulo de melhoramentos, só tiverem por fim o 
embelesamento dos Navios e seus apparelhos; cujas despezas os 
actuaes escassos recursos da Fazenda não podem comportar; e 
que tambem a referida Inspecção do Arsenal será responsavel 
pelos damnos e avarías, que as Embarcações experimen- 
tem, provenientes do mão estado em que por ella forem en- 
tregues. 

21. Portaria, concedendo licença ao Segundo Tenente 
Vicente Rodrigues Ganhado, para se matricular na Escóla 
Polytechnica. : 

23. Portaria, nao admittir como Aspirantes a 
Guardas Marinhas, a Antonio Firmino Ferreira de Passos, 
Antonio Porto, Luiz Ollegario Albano d'Azevedo, Joaquim 
José de Proença Vieira, Francisco Ernesto da Silva, Sygis- 
mundo Caetano da Silva Costa, João Lino Xavier do Ama- 
ral, José Joaquim da Costa e Almeida, Augusto Zeferino 
Teixeira, José Antonio Campina, Joaquim Fortunato de Frei- 
tas, Francisco de Campos Sampayo Smith, José Maria de 
Jesus Cruz, e Ignacio Albino da Fonceca Benavides. 

26. Portaria, mandando admittir, como Aspirante a 
Guarda Marinha, a Theotonio Lopes de Oliveira Velho. 


———— ——asser— 
ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 

Sessão 14.º 

Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Derois de lida e approvada a acta da Sessão antecedente, deu 
o Secretario conhecimento da correspondencia externa , lendo 


1x 


44$ ACTAS DA ASSOCIAÇÃO: N.º 10. 


Um officio do Socio honorario, o Sr. A. B. de Mascarenhas = 
Tem por objecto offerecer á Associação um folheto, no qual se des~ 
creve e recommenda uma nòva construcção de ancoras. 

Outro do Governador de Macão, o Sr. Adrião Accacio da sil- 
veira Pinto — Responde á circular que a Associação dirigio a to- 
das as autoridades do Ultramar, com o fim de colher dados esta- 
tisticos; e diz que o pouco que tem a informar sobre este assumpto, 
attenta a especialidade daquelle estabelecimento , o havia dirigido á 
Secretaria d"Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar. ` 

E um terceiro do Commandante do presidio de Caconda, o Sr. 
Joaquim Ferreira de Andrade — Accusa a recepção da circular, 
sobre estatistica, já citada, e envia, além de respostas bem circum- 
stanciadas a todas as perguntas, de um mappa estatistico, e de va- 
rios outros esclarecimentos, uma noticia muito interessante, que 
tem por titulo = Derrota que fez o Tenente d' Artilheria, João Fran- 
cisco Garcia, commandante do novo estabelecimento da bahia de Mos- 
samedes, quando, em cumprimento do officio do Ilustrissimo e Excel- 
lentissimo Senhor Governador Geral do reino de Angola e suas depen= 
dencias , marchou da mesma bahia até ao presidio de Caconda , afim 
de abrir a correspondencia daquella bahia com este presidio, e.ao mes- 
mo tempo observar e notar quanto achasse interessante pelos caminhos 
por onde transitasse. 

Terminadas estas leituras, decidio-se que se agradecesse ao So> 
cio honorario, o Sr. A. B. de Mascarenhas, a Aan com que con» 
tinúa a penhorar a Associação ; e, conforme a proposta do Sr. Pe- 
dro Alexandrino da Cunha, que að commandante do presidio dé 
Caconda, o Sr. Joaquim Ferreira de Andrade, se envie o diplo- 
ma de Socio honorario , significando-se-lhe ao' mesmo tempo. a satis- 
fação com que, pela Associação, foram recebidas as minuciosas e 
interessantes noticias estatisticas e topograficas do presidio do seu 
commando. 

Propondo o mesmo Socio, o Sr. P. A. da Cunha, que todos 
estes papeis, relativos ao presidio de Caconda, fossem examinados 
por uma Commissão especial, entrou esta especie em discussão; e, 
depois de haverem fallado , sobre a materia, os Srs. Falcão, Costa 
Carvalho, P. A. da Cunha, Louzada d'Araujo, Marques Pereira, 
e Mattos Corrêa, decidio a Assembléa, que fossem remettidos å 
Commissão de Estatistica; que a esta Commissão se juntassem os 
Srs. Cunha e Amaral, e se lhe rogasse que, com a possivel brevi- 
dade, examinasse os papeis, e apresentasse á Assembléa o seu pa- 
recer. 

O Sr. Secretario Louzada d'Araujo leu uma carta do Socio, o 
Sr. Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes. — Este Sr., proximo 
a seguir viagem para Angola, por motivo do serviço do Estado, des- 
pede-se da Associação, offerecendo-lhe os seus serviços naquell pro- 
vincia. 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 448 


O mesmo Sr. Secretario, Louzada d’Araujo , leu uma proposta 
sua — Tem por objecto chamar a attenção do Governo de Sua Ma- 
gestade sobre a conveniencia e possibilidade de construir uma doca 
no porto de Damão. Propoz para Socio effectivo, o Sr. Joaquim 
Antonio de Moraes Carneiro, ex-Juiz da Relacão de Gôa; apresen- 
tor para ser copiado (no caso de se julgar conveniente) um mappa 
muito recente de Damão-e suas dependencias, e offereceu finalmente 
á Associação um exemplar de uma obra, que têm por titulo == An 
Historical, Sketch of the Portuguese Settlements in China ; and of the. 
Roman Catholics church and Mission in China. By Sir Andrew L’ liuns- 
tedt with a Supplementary Chapter Discription of the City of Can- 
ton == que elogiou. 

A Associação recebeu com muita satisfação as offertas do Sr. 
Secretario Louzada d'Araujo, e decidio que a sua proposta, ácerca 
da construcção de uma doca no porto de Damão, fosse á Secção do 
Ultramar e de Marinha Militar. 

O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, depois de ponderar que a 
falta quasi absoluta de-meios de transporte é um dos obstaculos que 
mais se oppõe ao progresso dos nossos estabelecimentes na Africa 
occidental, disse que lhe parecia fácil e muito conveniente domes- 
ticar os elefantes, para os empregar no servico das conducções ao 
interior; e que, no caso da Associação concordar com este seu pen- 
samento, propunha que se pedisse ao Governo de Sua Magestade hou- 
vesse de recommendar ao Governador Geral d Angola a-sua exe- 
cução. 

Sobre este assumpto, e em geral sobre as communicações pelo 
interior da nossa Africa occidental; fallaram, além do autor da 
proposta, os Srs. Costa Carvalho, Mattos Corrêa, e Marques Pe- 
reira; e pondo-se a proposta á: votação, decidio a Assembléa, 
por maioria, que o Sr. P. A. da Cunha redigisse uma memoria no 
sentido da sua proposta, para ser presente a Sua Magestade. 

O Sr. Secretario, Eouzada d'Araujo, fallando ácerca da Sessão 
publica, lembrou que existe uma deliberação ainda não executada ,. 
sobre agradecer-se ao Governo o haver erigido em Sagres um mo- 
numento á memoria do Infante D. Henrique. | e 

Sobre a Sessão publica, fallaram tambem os Srs. Barahona , 
Carvalho ; e assentou-se finalmente em que este assumpto se tratasse 
definitivamente na Sessão seguinte. 

E, estando a hora adiantada, o Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 3 d'Outubro de 1842. == O Secretario, Joaquim 
José Gonçalves de Mattos Corrêa. 


450 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 10. 


ASIA PORTUGUEZA. 


SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Asia, 
e seu estado actual, pelo Socio e Secretario d’ Associação, 
Manoel Felicissimo Tovada d’ Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 442.) 

Lingoagem. 


Além da portugueza, fala-se a propria do paiz, que é 
uma mistura do Canará e Maratta. Os gentios usam com- 
mummente, nas suas escriptas, do dialecto Indo, Canará, 

Maratta, e caracteres variados. Os das provincias das 
Novas Conquistas escrevem com a rapidez com que fallam ; 
mas raro é o gentio, que escreve qualquer daquelles dialectos 
sem mistura de outros. 

Fallam a lingoa portugueza os nativos e gentios, que vi- 
vem em communicação com os européos e seus descendentes : 
como são os empregados publicos, os clerigos, os advogados , 
os mercadores, e outros; mas são raros os que fallam corre- 
ctamente, o commum é um jargão peculiar; e por isso entre 
si, nas mesmas repartições publicas, em casa, e nos quarteis 
elles falam a lingoagem do paiz: no centro mesmo das fami- 
lias descendentes de européos é o dialecto em voga, entre os 
domesticos e seus amos: fóra destes logares, um ou outro 
entendem o portuguez; alguns o escrevem como quem copía 
notas de musica, sem entenderem uma só palavra ; e aldêas ha, 
e muitas, nas quaes se não encontra uma pessoa branca, e 
onde por conseguinte ninguem conhece a lingoa portugueza , 
pois até nas escólas de primeiras letras se falla a do paiz. 

D. Manoel de Portugal é Castro quiz obstar a este mão 
uso , e ordenou que nas repartições publicas e nos quarteis se 
fallasse unicamente a lingoa portugueza;-o que não pôde ter 
resultado, porque é nos corpos militares, que os soldados , 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 451 


que perfeitamente manobram á voz portugueza , não percebem 
pela maior parte, nem sabem proferir uma só palavra deste 
idioma. No pulpito e no confessionario falla-se a lingoa do 
paiz. O Arcebispo de Gôa Fr. Manoel de S. Gualdino , que a 
conhecia perfeitamente, fazia as suas homilias naquelle idio- 
ma para ser entendido. Este Arcebispo falleceu no anno de 
1831. Em summa, a lingoa portugueza falla-se nas salas e 
„nas praças de Pangim, e principaes povoações, e nas repar- 
tições publicas : fora dalli, pouco se ouve, e ninguem a enten- 
de. Ainda por toda a parte se mete mêdo ás crianças com a 
palavra Fringui (vidê nota f) como entre nós com o papão; 
e a palavra Pacló, soldado branco, ainda a muitos atemorisa. 
O digno magistrado, que foi da Relação de Gôa, Fran- 
cisco José Vieira, reduzio a regras e preceitos grammaticaes 
idioma proprio de Gôa, que todos alli falam, mas nin- 
guem escreve, excepto os gentios, pela lórma que já referi. 
Estes são faceis em aprender as outras lingoas do Indostão. 9 
Vedan, ou livro da sua seita, é escripto na lingoa Sanscrit , 
que denominam sagrada, a qual lêm cantando : na mesma lin- 
gua escreveram os Jesuitas a doutrina Christã. 


Religião. 


A Catholica Apostolica Romana é a Religião do Estado, 
«que seguem todos os européos e seus descendentes , e os nati- 
vos christianisados , posto que destes o povo rude ignora com- 
pletamente seus santos mysterios, e a segue nominalmente, 
conservando os idolos e superstições gentilicas, da casta a que 
pertencem, 

A idolatria, ou antes Theo Morphismo, é seguida pelos 
gentios, vulgarmente == Concanós == da seita de Bramá, cujo 
culto publico não era permittido pelas Ordens Regias anterio- 
res á extincção da inquisição, excepto o dos casamentos ; por- 
que a ceremonia religiosa se fazia dentro de casa, dando-se 
parte á inquisição, para mandar um naique (quadrilheiro) im- 
pedir a entrada e assistencia dos christãos. 

Pela acquisição das provincias das Novas Conquistas pro- 
melteu-se aos seus moradores guardar-se-lhes seus usos, es- 
tylos, e costumes; e em 1754 se lhes deu a faculdade de 


-= 


452 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA. N.º 10. 


construir pagodes, e liberdade de Religião. É nestas provincias 
que são estes edificios, onde antes se não consentia a entrada 
aos christãos, na occasião de celebrar suas praticas religiosas. 
Delles faltarei em outro logar, bastando por agora dizer, que 
são edifícios sumptuosos, e grandes em algumas partes da in- 
dia, e outros humildes palhotas, segundo a riqueza e opulen- 
eia dos que os edificaram, e o logar onde são situados; 
porque os ha nas povoações e aldêas, assim como nas serras 
e praias. Todos elles são lugubres e escuros, e de singular cons- 
trucção. Não os ha nas Velhas Conquistas, excepto o de Pan- 
gim; mas nas Novas Conquistas são por toda a parte, e é en- 
tre elles o mais celebre, pela sua riqueza e sumptuosidade , 
o de Queulú Grande, ma provincia de-Pondá , o de Astragar, 
e o de Manguês. 

: Nestes pagodes adoram os gentios quantos Deoses se com- 
prazem com seus vicios e depravações, e quasi todos em fór- 
mas de animaes, cujos habitos distinguem mais; e assim ado= 
ram o Bormu, que pintam em figura de elefante, do peito 
para cima, em razão da prudencia que caracterisa este ani= 
mal; o Betal, que expõem nú, como: symbolo de laseivia ; 
Ravana, pintada com dez cabeças e vinte braços; a Na- 
guia com rosto de cão; Catragão com focinho de porco, 
para indiear que foi enorme em suas torpezas; a Rala, que 
dizem passára entre brutos, desejoso de trocar o seu talento 
pela rudeza delles, como depois de largo tempo trocára ; a 
Honovontú, que pintam como bugio; a Vitobá e Ganeçú com 
quatro mãos, e finalmente a Bramá, Visnú e sivá, que 
formam a sua trindade. 

Na aldêa chamada Mardot, na provincia de Pondá, está um 
pagode dedicado á deosa, Momaym que dizem fôra natural de 
Verna, na comarca de Salsete; a qual pintam com quatro 
peitos e muitos hombros, e lhe attribuem deidade e veneração, 
por dizerem ser mulher que se não negava a homem algum. 
Entretanto, os Deoses principaes dos gentios são Rama, Pa- ` 
risrama, Cusna, e Ganessu; e as Deosas: Bovany, Sarasaty, 
tagadamba , Caleca, e Vagueanary. Os escriptores elevam a 
mais de 30.000 as divindades gentilicas da India. Tambem 
adoram “as cobras, e principalmente as que os portuguezes 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 453 


chamam de == capello == e na lingoa do paiz ==nagó ==, por 
dizerem que esta cobra é a figura do Bramá ; e, posto seja uma 
das mais peçonhentas e mortiferas, as alimentam até em suas ca- 
sas, e evitam quanto podem que pessoa alguma mate esta, ou 
qualquer outra cobra. Adoram a vacca , por cuidarem que o 
rio Ganges, em cujas agoas se beatificam , nasce de uma ro- 
cha, a qual pensa o vulgo que tem a figura de uma vacca, e 
os homens, que vivem bem, passam ao corpo della ;-e porque, 
Ramach, seu legislador , assim lho ordenou. Tambem adoram 
o cão, por julgarem que os que mal vivem, se transformam em 
cães. 

Junto aos- pagodes têm certas arvores, que veneram co- 
mo habitação dos Deoses; e assim adoram o Pimpol, que re- 
putam o rei das arvores, e ser tambem figura do Bramá. Ve~ 
nerama planta chamada: Tulosse, por dizerem é do pateo dos 
Deoses, e por isso é commum no pateo de suas casas, e todas 
as manhãs lhe vão tributar veneração. Adoram o Oddo, que 
nós chamâmos arvore de gralha , sobre a qual dizem se refu- 
giaram os Deoses e escaparam do dilúvio. 

Ha junto aos pagodes grandiosos tanques, feitos com muito 
despendio pelos gentios, cuja agoa reputam mysteriosa, e os 
purifica. O mesmo suppõem da agoa de alguns rios, na qual- 
lavando-se, alcançam remissão da culpa e pena; e por esta 
causa muitos, de terras mui distantes, vão a elles, como em. 
romaria; e por causa destes rios são as terras, que elles -ba~ 
nham, tidas em grande estima, e lhe dão, o nome de Tirta, 
isto é, terra que tem agoa santa e propria para estas abluções. 
Dizem são cento e oito por toda a India, dos quaes.o prin= 
cipal é o do Vixanata em Bengala. Em-Gôa ha um destes 
Tirtas, defronte do extincto forte de Naroá, denominado Art= 
quessuor, ao qual, na lua cheia do mez de Novembro, concorre 
toda a gentilidade a banhar-se ;.e é tal o concurso de toda a 
parte, que, durante aquella ceremonia, se destaca uma: pequena 
força de tropa, e cruza os rios uma chata do Arsenal artilhada. 

Na ilha de Gôa, proximo à Igreja da Trindade, hoje-em 
ruinas, existe um subterraneo venerado pelos gentios: debaixo 
de uma montanha ha um grande tanque quadrado, com esca 
daria de: pedra preta, e nas paredes muitos nichos: com seus 


454 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 10. 


Deoses: entra-se para elle por uma estrada subterranea. 
Quando, em 1775, se franqueou aquelle sanctuario gen- 
tilico, immenso povo do Concão correu a visita-lo e a pu- 
rificar-se naquella agoa, o que fazia entrar em Gôa muito di- 
nheiro dos romeiros: porém receando-se que os asiaticos, a 
pretexto de visitar aquelle logar, praticassem alguma traição, 
apoderando-se do Estado (justo motivo de receio naquella épo- 
ca), se mandou tapar de pedra e cal a entrada para o tanque 
subterraneo. Mas presentemente, que todo o Indostão é dos 
nossos antigos e fieis alitados, os inglezes, não ha que temer; e 
o franquear de novo aquelle logar seria util a Gôa, e até 
de rendimento para o Estado, impondo-se um módico tributo 
aos que quizerem ir alli banhar-se, ou, segundo elles, purificar- 
se de suas culpas; em quanto hoje, o dinheiro sahe, porque 
os gentios, acerrimos sectarios dé seus erros, vão celebrar an- 
nualmente as suas ceremonias aos pagodes de Pondirique e de 
Caxy, com grandes despezas em transportes e ofertas. 

O Islanismo é seguido por alguns mouros residentes nas ` 
Novas Conquistas, aonde têm as suas mesquitas. 

Ha tambem em Gôa sectarios de Zoroastre, da seita Par- 
sis, ou guebros, e de outras muitas; mas não têm culto pu- 
blico, e são estrangeiros que vêm mercadejar e residir tem- 
porariamente a esse fim. A população gentilica, parsios, mou- 
ros, e outras seitas, foi calculada no anno de 1840 em 106.575 
almas, cujo numero me parece escasso, porque só nas Novas 
Conquistas, onde os christãos são poucos, haverá talvez esse 
numero de gentios e mouros: nas ilhas de Gôa andam por 
9.617 de todas as idades e sexos. Em Salsete o seu numero 
é maior, e muito mais em Bardez. 


Ares e clima de Góa. 


- Já em outra parte tenho indicado quanto são insalubres 
os ares na antiga cidade, e em outros lugares onde os pan- 
tanos, ou O tresbordamento das agoas que s'estagnam em si- 
tios baixos e sem escoantes , tudo infeccionam ; e por isso são 
mui frequentes as molestias que por estas causas se tornam 
epidemicas em alguns sitios, que hoje estão por isso deshabita- 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 455 


dos; no entanto ha lugares muito saudaveis, como são quazi 
todos os da comarca de Salsete, cujos ares são muito alegres, 
o terreno aberto, aprazivel, e abundante , com excellentes 
fontes de muito boa agoa. 

O clima é excessivamente quente especialmente nos me- 
zes d' Abril, Maio, Outubro, e Novembro; cujo rigor abran- 
dam os ventos que nestes mezes reinam do N. e NE. com 
bastante força; e então o tempo é secco e sádio. Nos mezes 
de Dezembro e Janeiro se declaram os ventos terreaes, que 
refrescam muito a atmosféra. 

Desde os fins de Maio, em que ordinariamente começa o 
inverno até ao mez de Setembro, o mais aprazivel de todos os 
do anno, em que ha uma especie de primavera, os ventos 
são do S. ao SO. os mais perigosos para a cósta , sempre hu- 
midos e tempestuosos. 

São alh conhecidas unicamente as duas estações, verão 
ou tempo sêcco, e inverno ou tempo da chuva; e na mudança 
especialmente do verão para o inverno é que mais se desen- 
volvem as febres indemicas, que ordinariamente são sezões 
benignas. 

Cór dos habitantes de Góa. 


Ha entre os gentios e mouros muitos de côr branca, mas 
todos pálidos; outros de côr bronzeada; os nativos são todos 
pardos, ou acobreados, e muitos de um preto bem fechado, 
taes são os sudros e corumbins. Os descendentes dos européos 
não differem d'estes, posto , que raros são os de boa com- 
pleição. 

Rendimentos Publicos. 


Gôa tem rendas sufficientes para o custeamento das suas 
despezas ordinarias, e com ellas as supprio nos tempos que 
alli residi; nos quaes os soldos do exercito e marinha eram 
pagos em dia, os ordenados dos empregados publicos por 
quarteis adiantados, como era usança antiga, e todos os mais 
encargos, e fornecimentos da fazenda satisfeitos. É certo, que, 
pelos annos de 1830 a 1835, a receita augmentou conside- 
ravelmente pelas remessas dos cofres de Damão , provenientes 


> 


456 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 10. 


dos direitos do anfião, que entrava n'aquella praça procedente 
de terras inglezas, por evitar os que em demarzia pezavam sobre 
aquella dróga na alfandega de Bombaim; por cuja razão os 
navios de Macão preferiam ir carrega-lo a Damão; mas foi 
tambem por aquelles annos, que se fizeram todas as obras 
publicas de Pangim, e Gôa, e se pagaram antigas dividas 
da Fazenda Nacional; e foi ainda desde o anno de 1835, em 
que esta importante receita acabou, e que o Governo Provi- 
sorio teve de sustentar despezas extraordinarias nò pagamento 
e concertos de duas náos de viagem, que por muitos mezes 
alli se demoraram ; na reconstrucção de uma curveta de guer- 
ra, além da diminuição de alguns impóstos, pelos decretos 
da primeira dictadura, que todos os pagamentos eram satis- 
feitos mensalmente, sem que o thesouro fosse onerado com 
emprestimo ou antecipação de suas rendas; deixando no fim 
do anno de 1837 intactas nos cofres as alfaias e pratas dos 
conventos extinctos, que o Barão de Sabrozo mandou reduzir 
a moeda, menos os vasos sagrados, por portaria de 18 de 
Agosto de 1838; e o Conselho do Governo em 27 de Agosto 
de 1840, sem excepção dos vasos sagrados, para occorrer á 
enorme despeza, que havia a fazer com o pagamento do ba- 
talhão provisorio, que se esperava de Portugal, e dos navios 
que o conduziram, golpe fatal na administração e fundos 
publicos de Gôa; e o espolio do ultimo Rajá de Sundem em 
perto de dois milhões de xerafins, que por falta de successão 
pertence á- Fazenda, e ao Estado. 

Do seguinte quadro synoptico da receita e despeza do Es- 
tado de Gôa, até ao anno de 1839, fica demonstrada a mi- 
nha prepozição inicial; mas o caso é hoje, que a má co- 
brança dos rendimentos publicos, que o mappa das dividas 
activas da Fazenda que se lhe segue, attesta, se não é a mise- 
ria levada a todas as partes da monarquia, e outras causas, 
entre ellas, o augmento de despezas extraordinarias, e ordena- 
dos introduzidos pelas reformas, tem feito que os rendimentos 
publicos, outra vez diminuidos por alterações, senão compe- 
tentemente authorisadas, em muita parte justas, não bastam : 
e por isso os empregados publicos, e o exercito estão já no 
atrazo de 10,12 e mais mezes de seus vencimentos, e os agio- 


1842, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 457 


tas, vermes até aqui desconhecidos em Gôa, a corroér a sua 
existencia; o que juuto ao estado definhado do seu commer- 
cio e industria, convencerá quão errado tem ido o regimen 
desta possessão nos ultimos tempos; e d'onde procede o hor- 
roroso Deficit que tem apparecido nos orçamentos dos cha- 
mados annos economicos , é é como segue : 


DESISTA RIA 
Anno economico de 1838—1839.... Deficit 339.999:4:433 
Edenia as ditan fes 1839-—1840....... . : 352.5148:4:26 
Edema . ans togn 1840—1841......... 226.710:3:21 
idem sb. pigs san 1841-—1842......... 306.231:4:59 
Eden vip seo joe. iaa 1842-—1843......... 437.616:1:39 


Lé-se no boletim do governo da India n.º 28 do corrente 
anno, donde esta resenha é extrabida, que o augmento do 
Deficit; neste ultimo anno, é devido mais á diminuição da 
receita, do que ao accrescimo da despeza ; o que procede em 
parte de se ter calculado com alguma exaggeração , no orça= 
mento passado, o producto dos impóstos indirectos, entre os 
quaes avultam alguns, que sendo estabelecidos, ou regularisa- 
- dos de novo no fim do anno de 1840 , só se pôde calcular o 
seu rendimento pela receita dos tres mezes de Janeiro a Março 
de 1841, os quaes, sendo de melhor receita que os subse- 
quentes, apresentaram por isso uma baze , que falhou depois 
no resultado: as despezas que augmentaram , foram : — En- 
cargos Geraes — Governos de Praças — Officiaes em Commis- 
são — Instrucção Publica — Fazenda e — Arsenal de Marinha. 
Em presença do Deficit actual, continúa o boletim, não é 
possivel que a administração da Fazenda possa satisfazer a 
todos os seus encargos, e se o Deficit accumulado [az hoje 
subir a divida passiva do Estado á quantia de 787.005:3:52, 
é bem de ver, que no fim do anno economico de 1842—1843 
essa divida subirá a f:224.622:0:31 pela accumulação do 
novo Deficit de 437.616:1:39 r.” Appella-se no logar citado 
para a venda dos bens nacionaes, como unica taboa de sal- 
vação; que por certo o não será, salvo se circumstancias ex- 
traordinarias trouxerem competidores á praça: reunindo-se- 
lhe o augmento, que as rendas publicas pódem amda ter, 


458 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º,10: 


regularisando-se umas, e introduzindo outras de novo, em 
fórma que a natureza e arrecadação dos rendimentos publicos 
seja geral e uniforme em todas as provincias e comarcas. 


Quadro Synoptico da Receita e Despeza do Estado de Góa, desde 
o anno de 1835 até 1839, extrahido dos Livros respectivos, 
existentes na Contadoria Geral. 


Anno DE 1835 


Cofres — = 
Wane Depas 
PAIN AR oaia . .[1,3353.574:3:37_|1,324.532:0.10 $ 
E Confisco ..... Tato Rays Custo 80.967:0:12 78.024:1:38 
à Extinctos Conventos. ........ 70.511:1:56 62.935:4:14 
EESUDSIQIO.. 4 cars eso Sa 50.576:1:14 50.189:0:00 E 
Tabaco "de folha”. = eae 59.757:3:16 56.228:4:00 
Tabaco sdespo, SIS AT 92.082:4:07 84.837:4:04 
Sommar d a suada d 1,707.469:4:22 |1,656.747:4:06 
Anyo DE 1836 
Ea A A 1,385.982:4:45 |1,295.564:4:45 
RO e pr ae 65.686:3:23 65.686:3:23 | 
N Extinctos Conventos......... 139.681:1:35 59.415:2:07 À 
NO DSTULO SME E, SEE Rai SO 24.299:1:14 24.229:1:14 | 
Tabaco de folha. ...... RE REC 53.488:0:56 53.488:0:56 
Tabaco despósas st css os | 93.016:3:20 91.164:0:20 
SOMA iss Sia SER b 762.085:0:13 |1,589.547:3:56 
Anyo DE 1837 
Fazenda ...... ASR EPE 1,664.753:0:044 1,624.098:1:10:h 
MONICO = css seraieAc rogo RARE T 61.693:1:39 61.320:2:52 E - 
Extinctos Conventos. ........ 144.180:3:57 | 144.140:1:04 E 
SUBS dO Sr. HE, DE AS 55.183:4:10 55.145:3:45 | 
Tabaco-de folha... . 2.2... h4.056:1:22 44.056:1:22 
Tabaco de pó...... FORD an 82:547:3:31 82.030:0:35 À 


SOLA E Sni sia a eios 2,052:414:4:43 | 2,010.791:0:48 3% 


18142, DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 459 


AnNo DE 1838 


Cofres 
Receita Despeza 

Fazendas: Sra Gia boto cr 1,540.148:1:384] 1,469.944:2:533 

l Confisco-. : qua sic maos DIM TER 66.929:2:43 66.038:0:324 
Extinctos Conventos. ........ 67.983:0:00 67.542:3:53 
DALDEÍCIO : =x do A. aad 9.691:3:48 9.912:1:20 
Mahaco-de-folhã.. ,j.ceioco emo 63.952:2:41 63.176:4:30 
Tabaco de pó... cesso veis — h5.502:1:48 44.573:0:54 
Somma........... 11. 1,794.508:1:423] 1,720.787:4:03 


Anno DE 1839 


Fazenda o ima amando 1,514.409:0:27 |1,442.565:0:395 
RONBSDO MS. = se aero osso Seia o 70.890:1:11 70.713:3:403 
Extinctos Conventos. ........ 171.682:2:401) 160.955:1:037 
RUIDELDNO eus paterno lá p metia Roo 37.482:1:88 34.655:1:09 
Tabaco de folha. ........... 93.253:3:13 53.137:0:20 
Tabaco de pó... .... ces. 59.314:2:12 58.805:0:30 
Sonme 2. ao dana e 1,907.032:1:217 1,820.831:2:235 


N. B. Na Receita de cada um dos annos acima, entra o 
saldo que ficou do anno antecedente, assim como tambem no Co- & 
fre da Fazenda entram os saldos dos Cofres da Casa e Estado das 
Senhoras Rainhas, do cambio da moeda, e do Correio Maritimo, 
que não têm despeza propria; e por esse motivo não vão aqui 
mencionados. 

Sala das Sessões, 4 de Fevereiro de 1842. — O Secretario 
da Commissão, Joaquim Pereira Xavier de Sousa. 


160 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 410. 


Mappa demonstrativo das dividas activas da Fazenda Publica, 
desde o anno de 1835, até 1838. 


Cofres DrviDas No ANNO| DIVIDAS NO ANNO | DIVIDAS NO ANNO À 
pj DE 1836 DE 1838 


Fazenda 2,334.156:3:44/2,264.246:2:46 |1,931.720:1:22 
Confisco 234.696:4:26] 221.538:2:00 | 225.862:2:10 
| Subsidio.. 140.893:1:11]) 155.362:1:05 175.5915:0:58 
Tabaco de folha 77.917:1:20]  77.901:3:05% 77.733:3:19% 
Tabaco de pó| 339.614:3:41] 342.286:3:26 | 389.917:1:46 | 
Dito da Casa è 
Estado .... 45.112:4:10 43.912:1:103 61.998:1:407 


Somma..|3,171.991:0:32/3,105.247:3:33 |2,862.347:1:16 À 


N. B. Não vai em separado a divida de 1837, porque o | 
seu exiracto foi feito juntamente com o do anno de 1838, por 
serem as contas destes annos formalisadas na mesma occasião : o 
extracto da divida do anno de 1839 ainda se não formalisou na 
Contadoria Geral. A divida do Cofre dos Conventos não tem sido 
extractada com as respectivas contas annuaes ; mas consta das 
relações, que a Commissão remetteu ao Governo em differentes À 
datas. 

Sala das Sessões, 4 de Fevereiro de 1842. — O Secretario 
da Commissão, Joaquim Pereira Xavier de Sousa. 


Estes documentos são resultado do laborioso trabalho , e 
das investigações de uma Commissão creada pelo Governador 
Geral, Barão de Candal, em data de 20 de Novembro de 
1839; de cujo relatorio, apresentado em k de Fevereiro de 
1842, se alcança mais, que westa data era a divida activa 
da Fazenda, na importancia de 1:652.265 xerafins, a saber : 
662.899 x. 3 t. 51 r.' dividas activas dos conventos extin- 
ctos; 778.608:1:55 dividas pendentes em juizo até ao anno 
de 1839; e 210.756:4:42 dividas relaxadas ao poder judi- 
ciario desde aquella data : quanto ás dividas correntes a Com- 
missão se absteve investigar, por estarem em cobrança, e cons- 
tar a sua importancia das relações trimestres. 


fic cá 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 461 


A divida antiga de que a Fazenda Pnblica era credora até 
ao anno de 1773, foi perdoada e extincta por Provisão do 
Erario, de 27 de Janeiro de 1776; mas d'este anno em dian- 
te, é como se vê no mappa transcripto; grande parte dos 
devedores são insoluveis. 

A divida passiva a varias corporações, camaras, commu- 
nidades e particulares, desde o anno de 1737 até 1741, pro- 
venientes d'emprestimos sem juros, além de 178.466:4:30 
réis e juros de 7, 7 1 e 8 por cento, montou a 865.229 x. 
2 t. Estes emprestimos foram tomados para a celebração do 
tractado de paz com o Maratta, que havia invadido o Estado. 
Em 21 de Janeiro de 1820 o Vice-Rei Conde do Rio Pardo, 
D. Diogo de Sousa Coutinho , representou para a Corte, que 
esta divida era insolvivel pelas apuradas circumstancias das 
rendas do Estado, e nos termos do Regimento de 17 de Outubro 
de 1516 $ 209 artigo 2.º, e em officio de 21 de Julho do 
mesmo anno, recommendou á Junta de Fazenda a não satisfi- 
zesse, até à Resolução de Sua Magestade : a extincção das 
corporações religiosas tem em parte saldado estas contas; à 
respeito das quaes se não tomou arbitrio algum. 

As camaras geraes das aldêas de Gôa, Salsete, e Bardez, 
se reputam crédoras de 300.000 x.*, que a titulo d'empres- 
timo para as despezas da guerra foram mandadas contribuir, 
pela terça parte de seus rendimentos, em portaria do Governo 
da India de 4 de Julho de 1776; cuja contribuição continuou 
até ao anno de 1835, sem outro titulo, sendo apenas redu- 
zida á sexta parte dos mesmos rendimentos em 14 de Julho de 
1810; e por isso esta divida, a reputar-se tal, sóbe a uma 
quantia extraordinaria, e enorme. Util seria uma resolução 
superior que firmasse ou extinguisse direito neste assumpto. 
O Cofre dos defunctos e ausentes tem igualmente um crédito 
de 52.457 x. 1 t. e10 r.” por emprestimo tomado pela 
Fazenda , desde o anno de 1770 até 1799, para as despezas 
publicas. Outros crédores do Estado, por compras, forneci- 
mentos. e convenções antigas, não têm podido liquidar os seus 
créditos, pela confusão da escripturação, e falta de recursos. 

Os rendimentos -da Fazenda Publica de Gôa podem re+ 
putar-se em 1.599.000 x.", 240:000,5000 de réis fortes uns 

Num. 10. 2 


462 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 10. 


annos por outros ; e se reduzem á seguinte denominação : — Bens 

proprios — Impostos directos — Impostos indirectos — Diversos 

rendimentos: a sua designação e despeza é hoje como se segue. 
RECEITA. 


Desranação DA RECEITA. 


Receita do Thesouro. 


Artigo 1.º 
Proprios. 
Rendas, fóros, e laudemios ......... 932.052:2:05 
Imprensa Nacional....... AE VE 6.372:0:00 
Artigo 2? ————— 538.424:2:05 


Impostos directos. 

Contribuição da palha verde, e secca 

da Camara das ilhas de Góa....... 1.916:0:16 
Dita da Comarca de Bardez para o pa- 

gamento de tres Companhias de Si- 

PAR A N e Dsi a E gia Rides acata, IDO, é 21.960:0:00 
Dita de Salsele para o pagamento do 

Presidio de Rachol, e sustento de 


CAVALOS aa credo die De Med RE O fa ENA 24.348:0:00 
Terças dos Concelhos de Salsete, e 
Bardez) SAA so did ER CTA 236:0:00 


Contribuição da Camara Agraria de 
Gôa, para a compra de palha secca 
para o sustento dos bufalos da Casa 


MEON ONA cre so ENa a o AR OE E 700:0:00 
Sizas das ilhas de Gôa, e das Comarcas 

de Salsete, e Bardez............ 13.208:4:14 
Dixeitos de MeiCês da a to uai qts o Srs 26.897:0:00 


Impostos de duas tangas em cada Pal- 

meira de sura das tres Comarcas... 19.002:1:21 
Subsidio Lifterario me e asa o R co. 26.470:0:00 
Dizimos das tres Comarcas, c das al- 

dêas Cucolim, Verodá, Assolná, Ve- 


lim, e Ambelim.............:..204.843:0:00 
Dizimos de Bicoólim ........ cousa» 10.605:0:00 
Imposto da liberdade do consumo de 
in Fabaco de folha": . ls e E 67.885:1:33 


——— 417.671:2:24 


956.095:4:29 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 468 


Transporte... ... 
Artigo 3.º 


Impostos indirectos. 


Alfandega de Góa........... vcs 76.448:0:25 
» de ASh taari 4.349:3:47 

» de Cpr SE. iranat 6.052:4:30 

» dé Sanquelim............ 93.735:2:00 

» deSanguem s o aide: 34.176:4:14 

de Doddomarogo......... 20.180:0:24 


oia, e chitos do Capitão da Cida- 

de, que se arrecadam nas Alfandegas É 

de Góa, Assclná, e Chaporá...... 837:2:45 
Copra e areca das tres Comarcas, e 

das Provincias da Nova Conquista. . 10:814:2:05 
Direitos do tabaco de folha ......... 45.318:2:40 
Collecta , c direito dos Parangues.... 12.983:2:52 
Licenças para a venda do tabaco..... 2.844:0:00 
Ditas dos liquidos espirituosos. . ..... 17.768:3:00 


Artigo 4.º 


Diversos rendimentos. 


Renda do tabaco de pó. ....... 00... 20.550:0:00 
Producto deste tabaco... ......,.... 21.000:0:00 
Renda: dosl? 4 = xe so NATO AESA 19.550:0:00 
Renda de mantimentos............. 2.490:0:00 
» de especifi +... cceseres 680:0:00 
» de pannos , e sedas....... 860:0:00 
» de serguéria..........c.. 250:0:00 
Correio Geral. Frius haro aa ea 600:0:00 


Contribuição das 3 Camaras Agrarias 
para sustento dos 4 Mancebos, que 
foram estudar á Universidade de 
Coimbra as faculdades de Medicina, 


CRCIRUTEIAR: o. otro tora pois aE a SIES [Sa os 3.500:0:00 
Sello das fazendas despachadas nas AÉ- 

Eindegas Si E La E Seis ad 2.536:2:16 
Papel Selado iei. «ea apo a PA ad 22.143:0:28 
Um por cento para as Obras Pias .... 4.215:0:00 
Menda. de, effeitos +, Ji pisar ap soros nato 3.074:0:00 

» de medicamentos do Hospi- 
tal Militar. . 22 err ds rãs 2.500:0:00 


1,073.948;3:14 
2 x 


956.095:4:29 


288.509:3:09 


— m -n 


1,244:605:2:38 


464 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 10. 
Transporte. .....1,073948:3 14 1,244.605:2:38 


Rendimento do Monte-Pio .......... 7.309:0:00 
» do cambio da moeda de pra- 

ta reduzida á de cobre. .......... h48.172:0:00 

Multas Judiciaes; :......c duda - 3.564:1:00 
Juros do dinheiro dos extinctos Con- 

ventos .. RMB a des cao 0 0. 809:3:15 

Receita extraordinaria . ..... nte 25.000:0:00 


193.803:2:29 


ms es pr 


1,438.409:0:07 


N. B. Depois -deste Orçamento concluido, foi revalidada de no- 
vo a renda do vinho, jagra, e sura, que por Portaria de 13 de Abril 
ultimo tinha sido abolida, e a qual importava no Oiçàmento do anno 
proximo passado em 6.403 xerafins. 


Orçamento Geral da Despeza de Góa no anno economico do 1.º 
de Julho de 1842, a 30 de Junho de 1843, extrahido 
dos Boletins do Governo da Índia. 


DESENVOLVIMENTO POR (CAPITULOS. 


Encargos Geraes. 


t Governo Geral do Estado ......... 31.565:2:00 
2 Ponte-Pio, Pensões, Aposentadorias, 

e vencimentos dos Reformados..... 61.398:2:57 
3 Diversos subsidios............... 121.174:3:14 


214.138:3:11 


Despeza Ecclesiastica , e de Justiça. 


Ecclesiastica. 


1 Arcebispado de Gôa.. .57.100:4:16 
2 Arcebispado, e Bispados 
sufraganeos . dsini 18.108:4:00 
3 Seminarios , e Collegios 23.080:4:00 
4 Concertos, e reparos dos 
Edificios Ecclesiasticos 5.000:0:00 
—103.290:2:16 é 


— a a mais nego memo 


103.290:2:16 214.138:3:11 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 465. 
Transporte. ..... 103.290:2:16 214.138:3:11 
“Justiça. 
5 Relacão...... noso « 29.410:0:00 
6 Juizes de Direito...... 25.350:0:00 
7 Cadéa da Cidade...... 1.684:0:00 
56.444:0:00 
4J. 
Despeza Militar. N EE 
de Estado-Maior. AEE so oa ea os 5.880:0:00 
SuGovernode. Praças =). rna o 60.768:4:00 
3 Corpos de differentes Armas ...... 795.246:0:13 
A Companhias de Veteranos. ..... .. 50.552:0:00 
5 Olficiaes dos Corpos sedentarios , e 
sem Empregos. SRA set siglo BI o 38.294:0:00 
6 Pagadoria Militar ..........,.... 6.332:0:00 
7 Escóla Mathematica. ............. 8.780:0:00 
8 Hospital Militar ................ 33.943:4:00 
9 Concertos, e reparos ordinarios dos 
EdificioseMILLATES, oe -ermio vii Do cabe A 15.000:0:00 
—— —— 1,014.796;3:13 
Despeza das Repartições Administrativas. 
4 Secretaria do Governo Geral do Es- 
Lado co ENE GA E ROS MTO Si RR 18.726:4:00 
2 Imprensa Nacional ............00 6.320:0:00 
3 Instrucção Publica ...........405 15.580:0:00 
4 Estabelecimentos de Caridade. ..... 2.656:4:00 
3. Obras Publicas: &s0le asc teeseala oo 10.000:0:00 
— ——  33.283:3:00 
Despeza das Repartições Fiscaes. 
Razenda LR: (e Fun at ea DD 52.334:0:00 
DAM andegas! réis rias qo USE cfc «fo 32.075:0:00 
diCasaidasMocda (ss rta aiii 1.466:0:00 
Despeza da Marinha. TT 85.875:0:00 
4 “Armada Nacional. ASR TUR 12.698:3:30 
2 Arsenal da Marinha. ..... A a 136.966:2:40 
FiCasa da Polvora-s. à saia a SA Si 14.950:0:00 
NH Extraordinária. ssie aaa o on a E e 251.698:0:00 
———— —— “6.313:1:10 
1,944.141.2:50 
= 


“(Continuar-se-ha ) 


466 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 10. 


aa O 


Notas sobre o commercio do archipelago Malaio, bem como 
sobre os estabelecimentos da Companhia Ingleza das Indias 
orientaes no estreito de Malaca, por Mr. Picard, segundo 
tenente da marinha Franceza. (Continuadas de pag. 383.) 


Costa O. de Samatra. 


A parte da costa occidental da ilha de Samatra, desde 
Achem até Sinkel, está occupada actualmente por malaios 
independentes. Estes povos não foram os primeiros babitadores 
da ilha de Samatra, e não se sabe ao certo quaes fossem. 
Julga-se todavia que os Aborigenes desta grande ilha são re- 
presentados pelos Battas, povos que habitam as montanhas do 
interior, e a parte da costa dos redores de Barus e Tappanuli, 
os quaes têm mui poucas relações com os européos. Documen- 
tos de pouca data dão a conhecer que elles são anthropofa- 
gos: o capitão Low, que publicou uma brochura a respeito 
dos Battas, offereceu provas desta sua asserção. 

As povoações da costa O. são habitadas ora por malaios, 
ora por acherizes , raça confundida com a dos indios, malaios 
e outras da India. O Sultão de Achem, que nos fins do XVII 
seculo era o mais poderoso soberano daquelles mares, e pos- 
suia uma frota que impunha respeito aos portuguezes de Ma- 
cão, hoje é apenas uma sombra de sultão. E verdade que os 
differentes rajás da costa reconhecem o poder do sultão, e lhe 
pagam tributo; mas o sultão não tem a força necessaria para 
obrigar a que lhe obedeçam aquelles que se querem eximir 
de toda e qualquer obediencia, o que é assaz commum entre 
os malaios principaes; assim cada rajá póde , quanto a isto , 
ser considerado tomo independente, O poder que os rajás têm 
sobre os vassallos; é bastante limitado ; as rendas que possuem, 
sem fallar do patrimonio, consistem no imposto que tiram 
dos vassallos, quando estes compram as mercadorias , ou ven- 
dem as suas colheitas. O proprietario que quer vender a pi- 
menta nos bazares, deve pagar ao rajá um peso por cada pi- 
cul; muitas vezes fica o rajá por fiador do contracto que se 


1842. — DO ARCHIPELAGO MALATO. 467. 


passa entre o capitão estrangeiro e o mercador de pi~- 
menta. 

Não ensaiaret descrever os usos e costumes dos malatos da 
costa de Samatra. Mr. Marshen , residente inglez em Bencoo- 
leen, escreveu no fim do seculo passado uma estimavel obra 
intitulada Historia de Samatra, (que ha traduzida em fran- 
cez) a este respeito; é verdade que as cousas mudaram algum 
tanto pelo tempo adiante, e não é só em um mez de residen- 
cia em uma costa que se pódem reunir bastantes documentos 
quanto aos usos de um paiz. Assim , limitar-me-hei a descre-. 
ver aqui as noticias que alcancei a respeito do commercio 
actual na costa O. 

A pimenta é a principal producção da ilha; a parte de 
Samatra de que aqui se trata, produz cada anno 130.000 
piculs. Esta quantidade não póde ser estabelecida de uma 
maneira estavel, porque cada anno, vista a idade das planta- 
ções do pimenteiro, a producção diversifica em muitos milha- 
res de piculs em cada porto onde se negocêa em pimenta. 
O primeiro mercado de pimenta no sul de Achem é Diah: 
Em toda esta extensão de costa até Beuto-Samah encontram= 
se muitos portos onde os navios vão receber carga. Farei 
menção dos principaes : partindo de Diah, que produz 2.000 
picules, acha-se Barbahwee (que dá 3.000), Patty (3.000), 
Telloo-Goohimpung (6.000), Rigas (8.000), Senaghun (5.000), 
Quallah-Battoo (5.000), Mungin (4.000), Munckie (14.000), 
Sub-Tallapow (2.000), Qualah-Rascalm (6.000), Qualah- 
Assealm (14.000), Troumon (8.000), Bouto-Samah (8.000). 
Entre todos estes mercados acham-se outros muitos que forne- 
cem annualmente 500 até 2.000 piculs de pimenta; con- 
tam-se alguns 45 em toda a costa., A maior colheita da pi- 

menta é em Março e Abril; tambem se colhe em Agosto e 
Setembro, porém em pequena porção. A pimenta de que aca- 
bo de fallar, é a pimenta preta ; tirando-se a pellicula que co- 
bre o grão da pimenta, quando se faz a colheita, o grão, 
assim descascado, não se enruga á proporção que se stea; 
fica oval e esbranquiçada ; é esta que se chama a pimenta 
branca, e cuja venda é mais cára. Tambem se cultiva na cos- 
ta a especie de pimenteiros que dá : a pimenta amarga, Toda 


468 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 10. 


a extensão do sul desde Troumon até Sinkel produz, além da 
pimenta, beijoim, camphora pura, cera amarella e concha 
de tartaruga. Na costa ha arvores de arroz, mas o arroz que 
nella se cultiva, não. basta para o gasto dos habitantes. Os rios 
que embocam na costa O. trazem algumas palhetas de ouro, 
mórmente depois que passam as chuvas mais fortes; é indis- 
pensavel experimentar este ouro antes de compra-lo, porque 
não se acha em toda a sua pureza. 

Apparecem annualmente na costa ©., 15 ou 20 navios 
americanos, 8 ou 10 galeras francezas, 6 a 7 pequenos bri- 
gues inglezes de Penang e outros tantos juncos chinas chega- 
dos do estreito de Malaca ou de Penang. Os naturaes do paiz 
navegam de porto em porto ao longo da' costa nos seus prows 
ou sampans. Os navios estrangeiros percorrem a costa, duran- 
te o tempo da colheita, e algumas vezes todo o anno, até re- 
ceberem a competente-carregação. 

A pimenta paga-se ordinariamente em piastras hespanho- 
las, que é o unico dinheiro que os malaios recebem ; algumas 
vezes o opio e algumas mercadorias de entrada servem para 
pagar esta especie. Uma carregação inteira acha difficultosa- 
mente desembocadouro na costa. Os navios aportam muitas 
vezes alli com tecidos de algodão, espingardas, pannos escar- 
lates, violas, guitarras, orgãos, tambores, galões, dragonas , 
polvora, peças, opio etċ. Os brigues de Penang , e os juncos, 
provêm tambem as costas com os mesmos generos que extra- 
hem das grandes alfandegas de Singapor e de Penang; tra- 
zem mais as producções da India necessarias aos malaio! taes 
como o peixe salgado, o assucar, armas malaias, o gambier , 
obras de barro, etc. 

Marselha e Nantes são os portos de França que se em- 
pregam mais no negocio da pimenta. Cada navio que parte 
para estas viagens, leva a bordo milhões de piastras hespanho- 
las; é tambem mister evitar-se a perda de tempo ; deve-se 
vir directamente a Samatra e tratar do negocio com a maior 
brevidade possivel. É quasi sempre com o rajá e com o seu 
escrivão, que o capitão tem de tratar; o desgraçado dono da 
pimenta é o unico que fica enganado. Muitas vezes acontece 
que o capitão, mediante alguns presentes e convenções oceul- 


1842. DO ARCHIPELAGO MALATO. 469 


tas feitas separadamente com o rajá, e o escrivão, dispõe estes 
a seu favor, e consegue finalmente tirar alguns cattis de lucro 
em cada peso de pimenta. ; 

Os navios francezes apenas recebem a carregação de pi- 
menta. À maior parte do alcamphor e do beijoim se expor- 
ta para a china. 

A villa mais consideravel da costa é Analaboo : neste por- 
to de facil abordagem, é que a maior parte dos navios vêm 
receber o piloto quando chegam á costa. Acham-se alli mais 
mercadorias que em outros bazares; e os sampans malaios 
nella vão receber a carregação. Analaboo produz unicamente 
500 piculs de pimenta: tambem se colhem alli bastantes 
cocos, que fazem o objecto de um grande commercio costeiro. 

O embarque da, pimenta é algumas vezes difficultoso : 
muitos portos acham-se situados na embacadura de rios, geral- 
mente impedidos pelas barras que são quasi sempre imprati- 
caveis, e cuja passagem é perigosa na maior parte do anno. 
Durante a monção do NO. acontece estar-se um mez inteiro 
sem communicação. O contracto entre o capitão e o vendedor 
declara, que o capitão não é responsavel pela pimenta que es- 
tá fóra da barra; pela que existe dentro é responsavel o ven- 
dedor; este a despacha a bordo dos sampans , que são uns 
barcos ligeiros e bastante altos, inteiramente proprios para a 
passagem das barras. Os portos de Senaghun e Bouto-Samah 
são nomeados como perigosos por causa das barras. 

Os Malaios de Samatra têm reputação de crueldade ; to- 
davia, ainda que exaggerada, comettem-se algumas vezes varios 
assassinatos nos portos da pimenta. Os inglezes, os francezes, 
e os americanos, têm mais de uma vez deplorado a morte 
de muitos capitães ou officiaes dos navios que frequentam 
aquella costa. Em 1804, os inglezes queimaram Muckia ; os 
americanos incendiaram Qualah-Battoo em- 1832 e Muckia 
em 1837; finalmente os francezes tiveram que vingar a mor- 
te de dois patricios seus; em 1838 a corveta de carga cha- 
mada Dordogne destruío Muckia, onde fôra commettido novo 
assassinato, e o brigue o Lancier acaba não só de queimar Se- 
naghun, mas tambem de matar muitos malaios desta villa. Á 
vista disto nenhuma segurança ha em commerciar nesta costa. 


470 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 10. 


A conta publicada pelo registo das importações em Pe- 
nang, mostra que os portos da costa NO. de Samatra, com- 
prehendendo os portos hollandezes, mandaram para Penang, 
nos annos de 1837 e 1838, para cima de 416.763 rupías 
ou 995.431 francos (159:268.960) : a pimenta e a campho- 
ra importam-se por 225.000 rupías. O beijoim, o bicho de 
mar ow trepang, os ninhos de aves, a cêra, o café, o ouro 
em pó, a pimenta branca, as canas da India, os arômas, e as 
conchas de tartaruga, tambem figuram neste quadro. 


Costa de Pedir e costa E. de Samatra. 


A costa de Pedir se estende desde os cabeços de Achem 
até á ponta de Diamond. E habitada pelos Achems sujeitos 
directamente ao Sultão de Achem. Esta parte de Samatra fre- 
quentam principalmente os costeiros de Nicobar e dos Alda- 
mans, eos de Penang, e da costa de Tenasserin. As precisões ' 
dos Achems se satisfazem pelas importações, que consistem 
em opio, sal, peixe salgado, tabaco, ferro, pannos de algo- 
dão, polvora, armas, etc. e em uma multidão de pequenos 
objectos de industria indiana. Em troca de tudo isto trazem os 
costeiros a Penang pannos e estofos fabricados em Achem 
(Achen-trowsers), nozes de areck, pimenta, enxofre, ninhos 
de aves, pequenos cavallos e salpetre. Os navios de Bombaim 
e de Calcuttá, passam muitas vezes por Achem na volta de 
Penang e Singapor, e alli deixam immensos objectos da India. 
Achem -occupa o segundo logar nos quadros de commercio de 
Penang; tanto as importações como as exportações calculam- 
se quasi da mesma maneira: em 1838-1839 o valor das im- 
portações de Achem a Penang andava por algumas 500.000 
piastras. 

As cidades malaias da costa E. de Samatra, como Dellie, 
Batu-Bara, recebem de Penang os mesmos objectos que 
Achem, e fornecem para o mercado desta cidade, pimenta, 
cavallos, canas da India e enxofre que colhem nas montanhas.: 
Dellie dá annualmente 25.000 picules de pimenta, cujo pre- 
ço regular é de 5? 30 o picule. A maior parte desta pimenta: 
é exportada pelos costeiros malaios (the navire craft), que en- 


4 


d 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 471 


tram facilmente no rio de Dele. Um grande navio só póde 
ancorar no banco de Dellie, 6 milhas distante da embocadu- 
ra, e algumas 10 da cidade; assim, as dificuldades do em- 


barque são immensas e estorvam que os navios de alto bor- 


do venham carregar em Dellie. Estes ultimos acharão sem- 
pre em Penang a pimenta da costa E. de Samatra ; as de~ 
longas que experimentarão , exportando-a dos mesmos logares 
onde nasce, hão de motivar sempre perdas muito maiores 
que o augmento de alguns centos de piastras por cada picul 
que receberão chegando a Penang. | 
O soberano de Dellie tem o nome de Sultão, e o seu ter- 
ritorio se estende desde Lankat-Tuah até Penang para o S. 
Toda esta costa é uma pingle quasi inaccessivel: é coberta 
de arvores de igual altura, cujos pés, que a agoa banha, se 
elevam acima desta, sem deixarem ver a terra onde têm a 
raiz. O rio Dellie tem 200 metros de largura pouco mais ou 
menos na sua embocadura; porém para logo se estreita, e 
escapando por mil lados, fórma varias ilhotas de verdura de 
admiravel. formosura, cuja vista alegra o nauta costumado ao 
espectaculo monotono do immenso nadie Delronte de Dellie, 
o rio não é mais que um ribeiro onde as canôas estão enca- 
lhadas durante a baixa mar. De todos os lados elevam-se 
muitas casas, construidas de estacas acima da agoa; habita- 
ções amphibias onde vegetam milhares de familias mataias 
expostas ás exhalações "do rio. O bazar de Dellie é bastante 
vasto, e o maior de todos quantos vi na costa O. O palacio 
do Sultão torna-se mui notavel: é um edificio feito de ma- 
deira com gelozias pintadas, por entre as quaes as esposas do 
soberano malaio procuram ver os estrangeiros aos quaes é ve- 
dada a entrada daquella mansão. O Sultão recebe as visitas 
em um grande pavilhão, e, mais civilisado que a maior par- 
te de seus collegas, Reco cadeiras em quanto dá audiencia. 
Batu-Barah é outra cidade da costa E. de Samatra d'onde 
manda para Penang, em pimenta, cavallos, etc., para cima 
do odor de 913.880 rupías (1837- 1838). Reunindo esta ci- 
fra á que indicámos para a. costaʻO., vê-se que os portos de . 
Samatra importaram de 1837 para 1838, sómente na ilha de 
Penang, a quantia de 1:328.643 rupías, ou 3:188.743 francos. 


472 NOTAS SOBRE O COMMERCIO N.º 10. 


Nhas da Sonda. , 


As ilhas da Sonda, que persistiram independentes , taes 
como Bali, Lombock, Sombawa, Flóres, têm, como já disse- 
mos, algumas relações commerciaes com Singapore e os esta- 
belecimentos neerlandezes. Algumas vezes os navios inglezes 
de alto bordo alli carregam arroz, principal produeção da- 
quellas ilhas. Os commerciantes de todas ellas correm em 
pequenos barcos por todas as partes do archipelago. 


Manilha. 


Darei fim a estas notas, indicando algumas cifras relativas 
ao commercio de Manilha, e que extrahimos dos quadros of- 
ficiaes publicados pela alfandega de Manilha. 

Manilha é o unico porto das ilhas Philippinas, cuja entra- 
da se permitte aos navios estrangeiros. Os recursos da ilha de 
Luçon e de todo o archipelago, seriam immensos, a ser o paiz 
habitado por homens activos e industriosos; todavia seus 
progressos são bastantes, não pela actividade hespanhola , mas 
pelas emprezas de muitos francezes, americanos, € inglezes , 
alli estabelecidos como agricultores. 

Os productos das Philippinas, exportados durante o anno 
de 1838 são os seguintes (a unidade é a arroba de 12 *, 500): 


Indios lato visa nea Sib 40.470 arrobas. 
ARmicaradi sera é ARS i 1:164.366 
RAP A AIA E EE RS SETE 591.990 
Canamo. pio delas ei SEE 512.776 
Algodão gado Aee Esp ad 11.324 
Azeite de coco. ............. 9.100 
alto isa Sis cardio frisar: 36.817 
ouros; <a. sli sd ddr. E 54.539 
haggang ea A 73.319 
reias Str) ária 19.085 
Aspas sz o Ps Ata 210.744 
Labacm gs vista dah 110.744 


1842. DO ARCHIPELAGO MALAIO. 473 


Chapéos de palha . .......... 21.647 numero. 
Charutos! 00 DNS Ran T 10.987 idem. 
RHODE A coco 147.040 gallões 


Exportações (em 1838 ). 


Pesos hespanhoes Destino 
Por 27 navios inglezes, valor. . 647.422, destes 11 em Inglaterra. 


Di 28 AMEBICANOS S eeina 05 758.086, id. 16 nos Estados-Unidos. 
DP PITMCeZES. Se code: 44.918, França e China. 
» 3hamburg.“eprussianos 39.118, Hamburgo. 
» > 1 hollandez 4a ae 3.492, Batavia. 
» Aíjuncos chinas........ 165.943, China. 
» 9 hespanhoes e 1 inglez .. 354.761, Cadiz. 
» 41 hespanhoes.......... 340.298, diversos, China. 
Fota eS Se 2:353.936 


Os 4 francezes exportaram, 3.763 piculs de assucar, 238 de 
café, 175 de indigo, sandalo, cigarros e arroz. 


Importações (em 1838). 


Por 46 hespanhoes , valor em pesos... ........ 1:225.108 

E ED DO Ani eres! DO MI ORA Ma DAI, 153.423 
BESOPE te ATRN o RAR RFO T 136.826 

» 4 francezes....... E Bei SH 14.718 
peso bainbaraderes 5. SEMAD pesa ni 12.284 

PP EOE S 5 str. T A TO OPG 70.000 
ROTA M SFT Dj EAST NES A 1:612.359 


Os artigos seguintes são os que figuram na importação : 
algodão pardo (para 580.000 ?), algodão branco (171.000), 
lenços (135.000), la, musselinas, estofos de seda ou de cor- 
tiça, ferro, cobre, telas, umbellas, etc. 

Singapore importou para mais de 425.000 ?, a China, 
para mais de 800.000 ?. 

Os 4 francezes importaram pannos de algodão, vinhos, 
lenços, musselinas, ete. 

O commercio de importação deu á alfandega o valor de 

TERRENO A E =P 286.523 piastras. 

O detexportaçãos .. seai ni costs 39.692 


Rédito da alfandega... ...... 326.215 (1838). 


KT A A INDUSTRIA DA SEDA N.º 10. 


Á vista destes totaes vê-se tambem quanto o commercio 
da França é inferior, comparado com o dos inglezes e dos 
americanos. 

Aquelles que se interessam no poder maritimo da França, 
devem desejar que o commercio daquellas distantes regiões vá 
cada vez mais em augmento. Todos sabem que tão longa na- 
vegação dá á armada excellentes marinheiros; e isto é hoje 
uma consideração de bastante peso. = Picard, segundo tenente. 


aC 


A INDUSTRIA DA SEDA NAS COLONIAS FRANCEZAS. (+) 
Artigo extrahido dos Annaes Maritimos e Coloniaes Francezes. 


Il muito tempo que se presentia nas colonias francezas 
a precisão de deparar com uma industria, que estivesse ao 
alcance e fosse adequada aos pretos fórros; população nova 
em certo modo, e que vai apparecendo no meio da sociedade 
sem meio algum de subsistencia, O Ministro da Marinha jul- 
gou que a industria da seda, simples e facil, e que se accom- 
moda ás mais fracas intelligencias , seria a mais propria para 
ministrar recursos a esta nova classe da população : e por con- 
sequencia empenhou as- administrações locaes a favorece-la e 
anima-la. Bem depressa as amoreiras foram introduzidas nas 
colonias, e pouco depois o foram tambem os ovos dos bichos 
da seda. 

Alguns colonos, sendo ajudados pelas anthoridades locaes, 
fizeram varios ensaios; mas, faltando-lhes os conhecimentos 
praticos, não obtiveram neste começo mais do que alguns re- 
sultados imperfeitos. Todavia estes ensaios, posto que incom- 

(+) Ha mezes que foi apresentada em Assembléa geral desta: As- 
sociação Maritima e Colonial, pelo Socio F. A. M. Pereira, Secretario 
da Seecção militar e traductor deste artigo, uma proposta para que 
em nome da Associação se peça ao Ex.™ Sr. Governador Geral dos 
Estados da India que haja de crear está industria nos dominios 
Portuguezes; cuja proposta consta nas Actas e acha-se correndo os 
tramites que prescrevem os Estatutos da Associação, 


1842: NAS COLONIAS FRANCEZAS. 475 


pletos, provaram que a amoreira dava-se nas colonias excel- 
lentemente , carregando-se de boa qualidade de folhas, as 
quaes se renovam incessantemente; que os bichos da seda 


prosperavam e [abricavam bons casulos nos climas intertropi- 


caes. 
Todos os colonos que comprehenderam bem a importancia 


deste novo" producto, e continuaram a fazer experiencias e 


ensaios, adquiriram logo a convicção de que, não só era pos- 
sivel nas colonias o fazer-se prosperar a industria da seda, 
como tambem se fazia evidente, que esta industria offerecia 
avultados lucros a quem se désse a explorá-la. 

Estavam as cousas neste pé, quando o Ministro da Marinha 
encarregou a Mr. Perrottet, botanista-agricultor e Director 
das plantações do Governo em Pondichery , de ir visitar as 


Provincias da India, em que a industria da seda tem mais des- 


envolvimento e melhor cultura, a fim de estudar os methodos 
praticos mais e melhor usados tanto na educação e tratamento 
dos bichos da seda, como no modo de desmanchar ou desem- 
brulhar os casulos; devendo o mesmo Mr. Perrottet vir de- 
pois á ilha de Bourbon e ultimamente ás Antilhas, para ahi 
propagar os conhecimentos que adquirisse. 

Na sua volta por Pondichery , passados muitos mezes, e 
antes de sabır desta colonia, Mr. Perrottet julgou a proposito 
fazer utilisar primeiro este paiz dos preciosos esclarecimentos 
que tinha recolhido nas suas indagações; e com este intento 
fez muitas creações successivas de bichos da seda, em resul- 
tado das quaes pôde demonstrar que meio kilograma (quasi 
uma libra) de seda em rama bem fiada ficaria ao productor 
pelo preço de 24000 rs., no maximo, pagas todas as despe- 
zas. Facilmente se póde acreditar neste resultado quando se 
souber que na India são baratissimos os jornaes ou mão de 
obra; por exemplo, uma boa fiadeira não ganha mais por 
dia do que um tostão, e com isto se mantem. Um obreiro 
cultivador não tem maior jornal do que 50 a 60 rs. É 

Nos quatro mezes que Mr. Perrottet esteve na ilha de 
Bourbon na sua volta da India em 1839, teve a satisfação de 
ver acceitar gostosamente a muitos individuos os preceitos e 


indicações que elie lhes patenteaya. Grandes plantações de amo- 


476 À INDUSTRIA DA SEDA - N.º 10, 


reiras e varios estabelecimentos de fabricação da seda se crea- 
ram em muitas partes da colonia. Varias rodas, servin- 
do a desmanchar ou desembrulhar os casulos, foram feitas 
imitando o modelo que Mr. Perrottet tinha trazido da India. 
Elle teve o cuidado de ensinar a fiar a seda a muitos habi- 
tantes, e ensinou-lhes tambem as vantagens e maneira de 
cruzar o fio. A contar deste momento houve em Bourbon uma 
reconhecida emulação, a qual tem continuado progressivamente 
a ponto que já em fins de Junho de 1840 esta colonia expor- 
tou para França 72 kilogramas (158 4 prox.) de seda em 
rama bem fiada. 

No momento actual existe no districto de Salacia uma 
fiação de doze rodas, montadas segundo o systema de Mr. 
Gensoul, a qual é devida aos cuidados de Mr. Perichon. Uma 
similhante fiação, montada pelo mesmo systema, vai ser esta- 
belecida em S. Diniz pela Administração local. Uma fiadeira 
experimentada foi enviada de França para esta colonia para 
formar discipulas; de modo que se póde considerar hoje esta 
industria como pertencendo effectivamente á ilha de Bourbon. 
Devemos accrescentar que as amoreiras crescém nestes climas 
e nascem expontaneamente sem precisão de cultura, e que por 
toda a parte se encontram á disposição dos habitantes. Estas 
amoreiras são da especie conhecida pelos botanicos com o 
nome de Morus indica; a qual é cultivada na China, na Co- 
chinchina, em Amboino, no Japão e em todo o Indostão ; é, 
segundo suppomos , a amoreira Lou dos chinas. Mr. Perrottet 
introduzio depois esta especie nas colonias de Caiena, Antilhas 
e Senegal, e tambem em França; bem como uma outra qua- 
lidade que é nova, e á qual deu o nome de Morus multicaulis. 

Suppõe-se que a amoreira indiana foi levada para a ilha 
de Bourbon entre os annos de 1730 e 1740 pela antiga com- 
panhia, franceza das indias. 

O bicho da seda está totalmente naturalisado na ilha de 
Bourbon, e ha tanto tempo que não é possivel determinar a 
épocha; sete vezes se reproduz aqui no decurso do anno , e 
o bicho sahe do ovo constantemente dentro em oito ou dez 
dias, conforme a estação é mais ou menos quente ; isto é ex- 
cessiyamente vantajoso em um paiz onde a amoreira está sem- 


1842. NAS COLONIAS FRANCEZAS. 477 


pre carregada de folhas, as quaes se renovam sem cessar , em 
consequencia de uma temperatura pouco variavel. 

Nas Antilhas a industria da seda está muito menos adian- 
tada; isto procede de que ao principio o insecto parecia não 
se poder naturalisar. As difficuldades que se encontravam 
para . conseguir esta naturalisação , foram muito grandes; e é 
só ultimamente, que os resultados obtidos, sobre tudo na Gua- 
dalupe, podem fazer considerar o problema como resolvido. 
Quando Mr. Perrottet alli foi ultimamente, na sua visita ás 
colonias para fazer propagar os methodos novos para a creação 
do bicho da seda e para achar o fio do casulo, visitou miu- 
damente e com grande interesse, um estabelecimento, que foi 
fundado em grande escala na Guadalupe, com o apoio da 
Aisake iia por Mr. Barrot habitante zeloso e intelligente. 

As creações numerosas, a que se tem dado successiva- 
mente este colono, têm produzido muito bons casulos bem es- 
tofados de seda elastica e muito lustrosa. Mr. Barrot e os 
individuos. da sua- familia entendem perfeitamente todos |as 
miudezas desta exploração, e igualmente as da fiação da seda 
que dirigem com muita intelligencia. Uma fiação , segundo o 
systema de Mr. Gensoul, composta de doze giros, foi entregue 
a Mr. Barrot pelo Governo da colonia que, á custa do cofre 
da mesma, fez este adiantamento com o fim de animar os 
ensaios deste honrado colono. Alguns discipulos serão recebidos 
neste estabelecimento , e educados ou iniciados na creação 
dos bichos da seda, e na desfiação do casulo, Este estabeleci- 
mento servirá pois de modélo, e de escóla prática para todos 
aquelles que se quizerem instruir e dedicar a esta importante 
industria ; e nisto se fará um serviço consideravel aos pequenos 
proprietarios, que não têm; os mcios necessarios para se pres- 
tarem a grandes culturas, nem a explorações, que exigem 
muitos braços e um material consideravel. 

Na Martiníca estão menos dispostos a abraçar esta indus- 
tria, e mesmo a comprehende-la. Todavia, alguns eusaios têm 
sido começados por varias pessoas; e os resultados, posto que 
não tenham sido completamente satisfactorios , fornecem com 
tudo a prova, de que esta industria poderá prosperar se for 
bem dirigida. 


Num. 10. 3 


%78 A IND. DA SEDA NAS COLONIAS FRANCFZAS. N.º 10. 


Com effeito, Mr. Perrottet fez ver que as amoreiras vege- 
tavam com grande força na Martiníca, e que todo o anno es- 
tavam carregadas de folhas bem nutridas, que os bichos da 
seda eram ahi robustos e, sendo cuidadosamente nutridos, 
fabricayvam muito bons casulos no espaço de 21 a 25 dias, a 
contar do dia em que nascessem. Deve-se declarar que, em 
1840, o jury central da exposição dos productos da industria 
nacional, fez honrosa menção de dois individuos desta colonia, 
que na mesma exposição fizeram apparecer duas amostras de 
seda provenientes da sua cultura. 

Mr. Perrottet acaba de dirigir ao Ministro da Marinha e 
das colonias um relatorio circumstanciado da commissão de 
que foi encarregado , relativa ao desenvolvimento da industria 
da seda nas nossas colonias : este relatorio vai provavelmente 
publicar-se, e poderá então ser utilmente consultado por as 
pessoas que desejarem formar uma opinião exacta sobre o es- 
tado da questão. 

Tudo annuncia que, por meio de novos esforços e de al- 
guma perseverança, a industria da seda vai ser definitivamente 
adquirida para as nossas colonias, as quaes no futuro poderão 
contribuir eficazmente para libertar as fabricas de França do 
grande tributo de 20 a 24 milhões de cruzados, que vai para 
os paizes estrangeiros na compra de seda em rama, que se 
consome , além daquella que produz a mesma França. -~ 

É com este pensamento, que a camara do commercio de 
Leão, ha já alguns annos, presta o mais louvavel cuidado ao 
exame das amostras de casulos e de seda fiada, que tem vin- 
do das colonias para este effeito. Accrescentaremos a isto, que 
tem tido bastante pontualidade em apresentar os seus relato- 
rios, os quaes contém uma relação circumstanciada das suas 
analyses e preciosas instrucções para os colonos productores 
destas amostras. E 

Se os resultados que acabamos de indicar, poderem vir a 
ser conseguidos, será para os nossos estabelecimentos ultrama- 
rinos, e tambem para a França, um grande beneficio, o qual 
se deve agradecer não só ao zelo industrioso dos colonos, como 
tambem à solicitude do Governo da Metropole. 


1842. DESENVOLVIMENTO DA NAVEGAÇÃO POR VAPOR. %79 


—— O o 
Immenso desenvolvimento da navegação por vapor na Inglaterra, 


Artigo extrahido dos Anuaes Maritimos e Coloniaes francezes. 


Desde que a navegação transatlantica estendeu os. seus 
braços para as Antilhas e golfo do Mexico, uma viagem ás 
Indias occidentaes não apresenta mais difficuldades do que 
offerecia no seculo passado o atravessar de Londres para Ham- 
burgo. A nova companhia com os seus quatorze barcos a va- 
por (steamers) e tres escunas com vélas , faz duas vezes por 
mez o serviço da posta entre a Gram-Bretanha e todos os lo- 
: gares das Indias occidentaes, costa adjacente da America me- 
ridional e Hunduras até ao fundo do golfo do Mexico; a mes- 
ma companhia envia tambem duas vezes por mez á Havana, 
a Nassau, té aos portos dos Estados-Unidos, que ficam sobre 
o Atlantico, e até Halifax na Nova Escocia. A linha que parte 
d'Inglaterra para a Barbada passa pela Corunha, Ferrol, e 
Madeira, e o serviço faz-se para estes pontos directamente ; 
da Barbada ao golfo do Mexico é por meio de vapores inter- 
mediarios, que se rendem em todos os pontos extremos. À gran- 
de linha da volta das Indias occidentaes parte de Nassau, toca 
nas Bermudas e no Fayal e d'ahi vem a Inglaterra. É tam- 
bem em Nassau, que toca o extremo da linha que vai da Bar- 
bada ao golfo do Mexico: nesse ponto de juncção as duas li- 
nhas trocam as suas correspondencias e ajudam-se reciproca- 
mente nas differentes communicações que têm que desempe- 
nhar. Estabelecendo este serviço, e os mais que acabei de 
dizer, entretem a companhia uma communicação prompta e 
facil entre todos os pontos, ilhas e continentes que existem 
desde Surinam a E. até ao Mexico a O., e desde o golfo de 
Paria e de Chagrés até Halifax, que fica ao N., tocando sem- 
pre nos pontos principaes dos Estados-Unidos. A duração da 
viagem de Londres para a America, em ida e volta, não 
excede sessenta dias; e os viajantes têm a faculdade de des- 
cançar na maior parte das ilhas occidentaes, d'ahi residir 
muitos dias e de visitar os portos principaes da America. As 
accommodações dos steamers são de uma grande magnificencia, 

3 + 


80 DESENVÓLVIMENTO DA NAVEGAÇÃO N.º 10. 


e o serviço de mesa é capaz de satisfazer o gosto mais refina- 
do; e o que é mais singular, é que cada um passageiro tem 
seu camarote particular bem arejado e muito espaçoso. 

A diminuição do preço das maquinas tem produzido grans 
de influencia no desenvolvimento progressivo da navegação por 
vapor. A Gram-Bretanha possue hoje tantos barcos a vapor, 
quantos têm seguramente todas as outras nações maritimas 
reunidas. Quando se pára por um momento sobre a ponte de 
Londres, fica-se admirado do grande numero de steamers que 
percorrem o Tamisa em todas as direcções. 

Dezeseis barcos a vapor fazem quatro vezes por dia o 
transito entre Londres e Gravesend , e outros dezeseis de 
Londres a Woolwieh. A linha de Londres a Greenwich occu- 
pa quarenta; oito sobem e descem todos os dias o Tamiza 
para o serviço entre Londres, Ramsgate, Douvres, Margate , 
Huerne-Bay , Southends e Sheerness.: A companhia geral dos 
barcos a vapor emprega quarenta e nove, que são dirigidos a 
differentes logares do continente e que transportam a Londres 
todas as semanas dois a tres mil viajantes, e dez a onze mi- 
lhões de cruzados em mercadorias. Cincoenta são empregados 
nas differentes communicações estabelecidas entre Londres e 
diversos portos da Gram-Bretanha e da Irlanda. No curso su- 
perior do Tamisa tambem existem vinte barcos a vapor, que 
fazem as communicações de Chelsea, de Putney, de Richmond 
etc. etc.; ha tambem trinta empregados exclusivamente a re- 
bocar os navios que não têm maré ou vento favoravel para 
subir ou descer pelo Tamisa. Estes diversos serviços não occu- 
pam menos de duzentos barcos a vapor todos em actividade. 
Em Liverpool ,em Hull e em Boston, a marinha a vapor tem 
um proporcional desenvolvimento; e os portos militares de 
Plymouth, Chatam e Portsmouth parecem rivalisar com os 
portos commerciaes para, se é possivel; accelerarem o pro- 
gresso da navegação por vapor. 

Nos estaleiros de Chatam está-se construindo actualmente 
uma fragata a vapor, que deve exceder em força e em di- 
mensões, a todos os navios deste genero que têm apparecido 
até hoje; as suas maquinas deverão ser da força de 650 ca- 
vallos, e deverá ter payoes para 600 toneladas de carvão. 


1842. - POR VAPOR NA INGLATERRA. 481 


Nas cobertas deve ter alojamentos para levar com commodi- 
dade mil homens de tropa com suas bagagens, e fornecimento 
para quatro mezes, sem comprehender o necessario para 450 
praças de guarnição. Além de uma bateria de caronadas, deve 
tambem montar 20 peças do mais grósso calibre. O Cyclope , 

Gorgona, o Geyser, e outros navios de guerra a vapor que 
hoje se citam como prodigios de grandeza , não valem nada 
em comparação: o maior destes terá apenas metade das suas 
dimensões. Mas não se pense que estas construcções colossaes 
occupem exclusivamente as attenções dos engenheiros inglezes ; 
pelo contrario elles acham gloria em emprenderem os me- 
nores ensaios ; vio-se ultimamente entrar em Lincoln, em 
Nottingham e em Boston, um pequenino barco a vapor instau- 
rado por um novo systema; tem na: pópa duas pequenas pa- 
lhetas e o mechanismo é posto em movimento por meio de 
corrêas e roldanas de frição, dispostas de maneira que evitam 
o russar dos apparelhos. Este lindo modélo de barco a vapor 
chama-se Jano, e não tem mais que 26 pés de comprido e 
cinco de boca ou largura; tem a capacidade de 3 toneladas 
para menos; a força da maquina é inferior a um cavallo ; es- 
tando o tempo bonançoso, anda 7 milhas por hora, e quando 
anda não faz resaca, levantando o mar; circumstancia muito 
vantajosa para a navegação dos rios e canaes estreitos. O seu 
inventor é M. G. Baxland, residente em Greenwich. 

Os inglezes actualmente brincam com o vapor, nenhum 
perigo é capaz de os assustar ; em Birmingham fabricam-se 
pequenas maquinas de vapor, que não têm mais do que algu- 
mas polegadas d'altura, e que trabalham maravilhosamente ; 
uma colher d'agoa é hastäùté para encher a caldeira, e algu- 
mas gotas d' espirito de vinho inflammado produzem a ebolição. 


— 0 = —— 
ARTILHERIA. 


Considerações sobre as caronadas. 
Pelo Socio Secretario da Secção militar Feliciano Antonio 
|] Marques Pereira. 
a quinze annos que se faz uso na marinha franceza das ca- 
ronadas. a vergueiro fixo. Um grande numero de commissões 


Ed 


hs 


482 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 10. 


especiaes , tendo por membros os mais distinctos officiaes de 
marinha e d'artilheria, têm tratado progressivamente de me- 
lhorar, por meio de repetidas experiencias , este systema de 
montar as caronadas ; actualmente parece que cessou de todo 
em França a necessidade de nomear mais commissões, nem 
de fazer mais experiencias; o problema, creio, que o julgam 
definitivamente resolvido: todas as caronadas, sem excepção 
alguma, são montadas a vergueiro fixo com bragas, que per- 
mittam um recuo que não seja menor de 3, nem maior do que 
6 polegadas; e a Austria, a Russia, e a Sardenha, montam 
actualmente as caronadas dos seus navios de guerra pelo mesmo 
systema : vamos pois dizer alguma cousa sobre este assumpto , 
que muito deve occupar todos aquelles que seriamente têm 
que tratar de obter o melhor effeito destas armas, tão uteis 
na marinha de guerra pelo seu diminuto peso, excessivo ca- 
libre, e grande economia na polvora das cargas; e já que em 
nosso paiz se não tem feito experiencia alguma sobre os me- 
lhoramentos, que podem ter logar no uso das caronadas a bor- 
do, iremos investigando o que a este respeito se observa nas 
duas marinhas ingleza e franceza, as quaes, parece, que por- 
fiam, pelo uso dos canhões Pechans, das peças de grosso ca- 
libre e das caronadas a vergueiro fixo, em obter a mais van- | 
tajosa posição nos combates navaes. 

Parece, se os antores que tenho presentes, fallam verda- 
de, que foram os inglezes que no principio do presente seculo 
começaram a usar das caronadas a bordo dos seus navios ; 
a saber: das mais colubrinas e com munhões, montadas em 
carretas de falcas e rodas, nas baterias cobertas de algumas 
nãos, e fragatas; e das caronadas curtas de cavirão ou eixo, 
montadas em coliças, e tendo por baixo um estrado comprido 
para o recuo, servindo no guarnecimento de quasi todas as 
baterias descobertas de bordo. A este primeiro pensamento 
seguio-se uma quasi immediata modificação applicada aos na- 
vios menores, de corvetas para menos, a qual consistia em 
cortar ou diminuir o comprimento dos estrados , chegando 
mesmo a ficarem perfeitamente iguaes ao comprimento das 
coliças. As vantagens essenciaes que taes innovações apresen- 
tavam, eram as seguintes: 1.º Diminuir em geral o peso da 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 483 


artilheria de bordo, especialmente nos altos ou toldas das 
nãos e fragatas, e tambem nas baterias das embarcações me- 
nores, que muito se afftontavam com as peças colubrinas, 
2.º Augmentar consideravelmente os calibres, montando nas 
baterias cobertas das nãos e fragatas caronadas colubrinas 
de calibre 48 em carretas; quando até então, e ainda hoje, 
só eram admissiveis peças de calibre 24 ou 32; e nas toldas 
das nãos e fragatas, e nas baterias dos navios menores foram 
as caronadas de calibre 24 ou de 18 substituir as peças de 
12 ou de 9. 

E notavel o grande esforço que constantemente têm feito 
todas as nações guerreiras em augmentar progressivamente o 
peso e dimensões dos seus projecteis ; este esforço continúa 
ainda com grande enthusiasmo, a ponto que não é possivel de- 
signar o limite que taes dimensões poderão ter no futuro. 

Com este systema, mais ou menos generalisado , se con- 
servou a artilheria de marinha até ao anno de 1825, pouco 
mais ou menos. Neste periodo gosaram os navios de muito 
melhores qualidades na maneira de se comportarem com os 
mares tempestuosos, e tambem se ufanavam do grosso calibre 
da sua artilheria, por meio da qual muitas vezes alcançaram 
a victoria combatendo de perto com outros navios que ainda 
conservavam o uso classico da artilheria colubrina, e por 
consequencia de muito menor calibre, e que não sabendo ain- 
da os inconvenientes das caronadas, não procuravam , ou não 
lhes era possivel, affastarem-se e baterem-se a maior distancia ; 
é bem de suppor que esta causa tivesse uma tal ou qual influen- 
cia nos snccessos de Abukir e de Trafalgar, e em outros 
muitos que occorreram anteriormente a esta épocha, Todavia, 
como todos os melhoramentos trazem sempre comsigo um 
certo numero de inconvenientes, que é preciso atenuar inces- 
santemente, conheceu-se logo que as grandes vantagens da 
diminuição dos pesos e augmento dos calibres, era quasi com- 
pletamente neutralisada pela diminuição dos alcances; e que 
as coronadas montadas em coliças e estrados, tinham tambem 
o inconveniente de se desmontarem com muita facilidade. 
Para comprovar estes inconvenientes, que são assaz notorios , 
ser-me-ha permittido apresentar aqui o meu fraco testimunho, 


484 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 10. 


dizendo que em resultado de experiencias feitas por mim a 
bordo da corveta Isabel Maria nos fins E anno de 1833, achei 
que as caronadas curtas de calibre 24 montadas em coliças;, 
com estrado do tamanho da mesma ça e com o mesmo 
angulo d'elevação, sómente alcançavam tanto, quanto uma boa 
espingarda d'infanteria; e que não passavam do oitavo tiro de 
um fogo vivo, sem que saltassem fóra do estrado com muito 
risco da guarnição, e muito trabalho e tempo para a tornar 
a pôr em bateria. j 

Com o conhecimento pratico destes inconvenientes, entrou 
a manifestar-se na marinha ingleza, pela épocha pouco mais 
ou menos que atraz fica mencionada, uma grande modificação 
no uso das caronadas; e as peças, posto que muito diminuidas 
de metaes, tomaram novamente posse das baterias cobertas 
das nãos e fragatas. Comtudo , a idéa acertada de não sobre- 
carregar as toldas dos navios, era, e será permanente; e as 
caronadas foram ahi conservadas; mas dava-se toda aprefe- 
rencia ás de munhões, compridas e montadas em carretas de 
marinha; as quaes ainda hoje occupam em consideração um 
dos logares mais distinctos. 

Posto que a França até hoje não tenha podido alcançar 
o primeiro logar como nação propriamente maritima , o que 
talvez provenha de varias considerações sobre a pequenez re- 
lativa e mais circumstancias do seu litoral, não se lhe póde 
comtudo nem deve negar a gloria de ser a primeira na maior 
parte dos inventos que tem levado a arte da guerra ao mais 
requintado apuro. Se os inglezes, adoptando as caronadas de 
munhões, compridas e montadas em carretas com rodas, ate- 
nuaram os inconvenientes das caronadas primitivas, os Fran- 
cezes, fazendo fixo o vergueiro das mesmas, afim de obstar 
ao recuo, procuraram igualmente remediar os mesmos incon- 
venientes: qual das duas nações conseguio melhores resultados, 
é o que nós vamos passar a investigar. 

Parece á primeira vista, que a invenção franceza não seria 
acompanhada dos melhores resultados; querer sopear o recuo 
de uma caronada, quando ella estivesse esquentada por um fogo 
vivo, era, e ainda hoje é, uma operação bastantemente diffi- 
cil e arriscada ; efectivamente , nos primeiros usos deste me- 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 485 


thodo, e antes dos aprefeiçoamentos modernos, ou o vergueiro 
arr-bentava, ou os arganéos eram arrancados da amurada 
antes do sexto tiro; se os vergueiros e arganéos não arreben- 
tassem , os inconvenientes das caronadas curtas ficavam muito 
atenuados: em primeiro logar porque não se desmontavam ; 
em segundo porque sendo nullo, ou quasi nullo, o recuo, os 
alcances deviam forçosamente augmentar, se não tanto que 

. igualassem os das peças colubrinas, ao menos tanto quanto 
igualasse os das caronadas compridas com munhões. 

Mas o progresso destas tentativas e experiencias fez com- 
provar nas caronadas a vergueiro fixo circumstancias, que se 
fazem dignas da mais séria consideração pelas duas grandes 
vantagens que apresentam. A: acção de recolher a artilheria 
para dentro do navio, afim de a carregar , e leva-la depois 
outra vez até á bateria para lhe dar fogo, era morosa, e pedia 
um grande numero de braços; estes dois inconvenientes, que 
existem para toda a outra artilheria, são antigos, e como taes 
a sua suppressão parece-nos de pouco momento, mas não é 
realmente ‘assim; a perda de tempo e o emprego de muitos 
braços são inconvenientes de grande consideração ; as carona- 
das montadas a vergueiro fixo, seja qual fôr o seu grande 

“calibre, seis homens sómente completam a sua guarnição; e 
o que é mais digno de consideração, é que estas caronadas 
darão, na mesma unidade de tempo, o dobro do numero de 
tiros que podem dar quaesquer peças, ou as mesmas carona 
das, se não fossem montadas a vergueiro fixo. j 

Não ha expressões que sejam bastantes para significar toda 
a consideração que merecem estas duas formidaveis vantagens ; 
mas, para gosar perfeitamente dellas, é preciso que a caronada 
esteja fixa ou quasi fixa, e que nada tenha a recear-se nem 
do vergueiro, nem do que o segura no trincaniz; e estará o 
problema resolvido definitivamente por este lado ?... As ex- 
periencias ultimamente feitas em Brest e Lorient , usando das 
manilhas de ferro na extremidade dos vergueiros, fazem ver os 
. seguintes resultados, advertindo porém que por não ser diffuso 
apresentarei sómente um extracto resumido destas experiencias 
e de suas conclusões, e irão transcriptas em caracteres mais pe- 
quenos com o fim de desiguar trabalhos e considerações alheias : 


486 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 10. 


/ 


Experiencias feitas em Brest. 


Foi no anno de 1840, por uma portaria do ministerio datada 
de 28 de Março, que se reunio em Brest uma commissão composta 
dos Srs. Remquet, capitão de;mar e guerra, presidente; Fawveau , 
segundo engenheiro constructor , e Favconnier, capitão d'artilheria. 
Tanto os trabalhos desta commissão, como os de outra que se reunio 
em Lorient, só foram publicados em 1844 depois que o ministro, em 
resultado dos mesmos trabalhos expedio as providencias que hoje 
estão postas em pratica, sobre a collocação das caronadas a bordo. 

As experiencias foram feitas com duas caronadas de calibre 36, 
proximamente iguaes em dimensões, montadas nas portinholas de 
um pontão ; as ferragens que seguravam o vergueiro na direcção do 
trincaniz tinham as dimensões que se julgaram necessarias por ex- 
periencias feitas na prensa hydraulica; a primeira caronada, que re- 
presentaremos pela letra Af, tinha manilhas nas extremidades do 
vergueiro, que enfiavam em galos; o vergueiro da segunda caro- 
nada B fixava em olhaes de forquilha (+) em logar de gatos: ambos 
os vergueiros tinham alças com capatilhos. 

A commissão verificou: 1.º que as hastes ou cavilhas dos olhaes 
do vergueiro da caronada B, estavam bem no prolongamento do 
mesmo vergueiro, tanto na direcção do plano vertical como na obli- 
quidade lateral; 2,º que as cavilhas dos gatos estavam tambem no 
prolongamento do vergueiro da caronada A, fazendo com o horizonte 
um angulo de 10º, prescindindo da obliquidade lateral por não ser 
precisa , usando das manilhas; 3.º que os cartuxos pesavam todos 
2k. (4 H.S prox.); 4.º que as um estavam bem calibradas, e€ 
pouco differiam no peso; e 5.º finalmente, que os vergueiros, que 
eram da bitola de 07,24 (8 a 9 pol. prox.), tinham sido cortados 
de uma peça de cabo novo da 1.º sorte; que o vergueiro da carona- 
da A, que levava manilhas, cera justo quanto podia ser; e que 0 
da caronada B, que pegava immediatamente nos olhaes, tinha tanta 
folga, quanta fosse necessaria para permittir um recuo de duas po- 
legadas e mcia. 

“A commissão fez então, em diferentes sessões, seis series seguidas 
de observações ou experiencias, das quaes apresentarei sómente a 
5.º serie, por me parecer a mais clara e média em resultados ; 
tendo primeiro a lembrar, que o fim principal destas commissões 
era, não só examinar a resistencia dos vergueiros , como, mais 
essencialmente, a dos differentes systemas de ferragem que os se- 
guravam. 


(+) Estes olhaes de forqnilha têm uma construcção particular, bem come 
og galos de que atraz se faz menção, 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 


9.º Serie. — 24 tiros a duas balas. 


CARONADA À. CaronadA B. 


Vergueiro de cabo da 1.*|Vergueiro de cado da 1.º 
sorte, com alças e çcapati-| sorte, com alças e gapati- 
lhos, fixado no trincaniz por| lhos, fixado no trincaniz 
meio de gatos com mani-| por meio de olhaes de for- 
lhas. quilha. 

3 tiros a 2 balas. 7 

Linha de mira ho- 


risontal. 
20° conteirado para A solidez dos gatos não Os olhaes foram pouco 
ré. soffreu o menor aballo. Ao | aballados; mas uma porção 


8.º tiro arrebentou um ds 
cordões do vergueiro. O 2.º 


3 tiros a 2 balas. 
Linha de mira ho- 


do trincaniz parecia querer 
sahir fóra do seu logar, § 


risontal, cordão arrebentou ao 10.º | talvez pelos muitos tiros, à 
É 20º conteirado para | tiro, e os outros dois (ca- | que já se tinham feito nas À 
vante. bo fraucez) ao 11.° Com ; series d'experiencias ante- 4 


À riores. | 
O'vergueiro parecia bem 4 


conservado ; mas a vaqueta & 


+ este vergueiro já se tinham 
feito 32 tiros a 2 balas. 
Subslttuio-se por outro ao 


3 tiros a 2 balas. 
1 4º d'angulo de pro- 


vante. 


jecçào. | qual se deu maior compri- | que forrava uma parte delle É 
| 20º cunteirado para | mento, a ponto que, no re- | cortou-se, e appareceram à 
| ré. cuo, ficava a coliça polle- | por baixo alguns fios değ 
3 tiros a 2 balas. | gada e meia fóra do estra- | carreta arrebentados. 
E 4º d'angulo de pro- | do. 
jecção. 
20º conteirado para 


3 tiros a 2 balas. 


| ré, ro. Ao 6.º arrebentou de | arrebentou ao 7.º tiro: aoğ 
3 tiros a 2 balas. | todo; snbstituio-se por ou- | 9.º tiro arrebentou outro. 
4º d'angulo de pro- | tro que estava preparado | Ao 10.º tiro arrebentou to-À 

jecção. para a caronada B; com | talmente.Como o vergueiro 
20º conteirado para | este deram-se sómente 7 ti- | de sobrecellente estava ser- 

vante, ros. O novo vergueiro era | vindo na caronada A, es- 
mais comprido, e a coliça £ perou-se que ella acabasse) 
soffria muito menores abal- 
los; e, posto que este ver- 
gueiro tivesse comprimento 
bastante para deixar recuar 
a coliça-meio palmo, com- 
tudo, notou-se que voltava 
4º d'angulo de pro- | por si mesma a ficar em 
jecção. bateria depois do tiro. 
20° conleirado para 

vante. 


3 tiros a 2 balas. 

4º d'angulo de pro- 
jecção. 

20º conteirado para 
ré. 

3 tiros a 2 balas. 


de fazer fogo para se da- 
rem com elle estes 2 ulti- 
mos tiros. 

O trincaniz apresentava 4 
uma lasca causada pelo es- 
forço do olhal de forqueta & 
do lado esquerdo. 


4º d'angulo de pro- 
jecção. Ao 5.º tiro arrebentou i 
20° conteirado para | um dos cordões do verguei- | Um cordão do vergueiros 


488 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS N.º 10. 


Conclusões. 


As conclusões desta commissão, referindo-se mais particularmen- 
te aos dois systemas diversos da ferragem da amurada , onde fixam 
os vergueiros, isto é, dos gatos ou olhaes de forquilha , ferragens 
ambas de um systema particular, que aqui não podemos descrever, 
dá toda a preferencia aos primeiros, fazendo uso das manilhas. 
Quanto aos verguciros attribue a facilidade com que algumas vezes 
arrebentaram, á desigualdade do comprimento do fio de que são fei- 
tos, e a não se lhes dar o comprimento necessario para permittirem 
á caronada um pequeno, porém mais sensivel recuo. 


Experiencias feitas em Lorient. 


Uma outra commissão em Lorient , reunida tambem por ordem 
do ministro, e que procedeu a experiencias ao mesmo tempo que a 
de Brest, era composta dos Srs. Zenni, tenente coronel d'artilheria, 
presidente; Hélie, professor na escóla d'artilheria; Thomef, segundo 
engenheiro constructor; De Saint-Simon , primeiro tenente de mari- 
nha; Brun, primeiro tenente de marinha; Bourgnignon , capitão de 
artilheria de marinha; Vallerey, Martin e Lourent , tenentes d'arti- 
lheria de marinha. l 

O relatorio desta commissão começa por distinguir tres espe- 
cis de ferragem, para segurar os vergueiros na amurada, a saber : 
olhaes modificados; olhaes não modificados, e gatos. Tres caronadas 
de calibre 30 são montadas em uma bateria de madeira construida 
em terra, mas igualando em tudo a resistencia da bateria da tolda 
de uma não de 100. Cada uma das caronadas tem o seu vergueiro 
fixo segundo os diversos systemas de ferragem acima especificados. 
Tomadas todas as providencias sobre o bom estado e collocação da 
ferragem calibre e igualdade approximada do peso das balas , 
bom estado dos reparos, etc. etc. Dando aos vergueiros um compri- 
mento tal, que permittissem o recuo de 0”, 14 (6 poleg. prox.); e 
usando de cartuxos com o peso de 1, 60 (3 É e 6 onç. prox.); 
appresenta a mesma commissão em resumo final os seguintes resul- 
tados : 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 489 


Relativos à ferragem. 


Numero dos tiros que, com uma só bala, sopportou cada especies 
de ferragem. 


Linha de mira horizontal.. 
A meter à pique ......... 
A desarvorar....... cc... 


PELO CONTEIRANDO CONTEIRANDO 
TRAVÉS PARA RÉ PARA VANTE 


Linha de mira horizontal. 
A meter a pique 
A desarvorar 


Totaes.. 


PELO 
TRAVÉS 


Linha de mira horizontal... 
A meter a pique : 
A desarvorar 


Totaes 


490 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 10. 


Numero de tiros que, com duas balas, sopaortaram os othaes não modificados. 


PELO CONTEIRANDO |CONTEIRANEO 
TRAVÉS , PARA RÉ PARA VANTE 


À Linha de mira horizontal... 
A meter a pique 


A desarvorar.... 


Totaes 


Relativo aos verguei os. 


Numero de tiros que sopportaram os verguciros seguros com gatos. 


NUMERO 


O vergueiro ficou intacto. 
Idem. 

1 cordão arrebentado. 
Idem. 

Idem. 


NUMERO 
DOS 


1 cordão arrebentado. 
Idem. 
Idem. 
Idem. 
Idem. 


Idem, 
2 cordões arrebentados. 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 491 


Numero de tiros que sopportaram os vergueiros seguros com olhaes 
não modificados. 


NUMERO 
DOS (aos 
vergueIros |Com 1 bala| Com 2 balas 


O verg. estava ainda intacto. § 
1 cordão arrebentado. 

Idem. 

O verg. estava ainda intacto. 
2 cordões arrebentados. 

1 cordão arrebentado. 


1 
2 
3 
4 
5 
6 


Conclusões. 


Nestes quadros não vão comprehendidos os tiros que se fizeram 
com os vergueiros que já tinham um cordão arrebentado. 

A resistencia dos vergueiros é muito variavel; e só por meio 
de- numerosas experiencias, é que se póde chegar a obter um resul- 
tado medio approximado. Todavia, não se póde deixar de reconhe- 
cer, que o uso dos gatos parece ser mais favoravel à resistencia dos 
vergueiros. 

Effectivamente, se considerarmos como retirados do serviço os 
vergueiros que ficaram intactos depois do fogo, acharemos que a sua 
duração ou resistencia media será representada por 9 tiros feitos com 
uma só bala e mais 11 com duas, nos que fixam nos gatos: em 
quanto que os vergueiros seguros com olhaes só resistiram a 7 tiros 
com uma bala, e 7,2 a duas balas. 


(Continuar-se-ha. ) 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 
No 4.º de Outubro de 1842. 


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ualidade Es Graduações, e nomes Osj? 
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Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 


Fragatas. .. 


Diana ........] 50 


D. Maria TI...| 42 [Capitão Tenente, A. R. Graça. ........ 
Oito de Julho...) 24 | Primeiro Tenente, J. J. d' Andrade Pinto 
D. João I.....| 24 [Capitão Tenente, F. S. Franco......... 
Infanta Regente) 24 | Segundo Ten, de Commissão, J. S. Tavares 
Urânia........] 24 | Capitão Tenente, J. M. F. do Amaral.... 
Audaz ........| 18 |Primeiro Tenente, F. A. G. Cardozo.... 
Villa Flor .....| 16 [Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 
D. Pedro......) 16 | Primeiro Tenente, I. F. Guimarães, Junior 
Magnanimo ,...] 26 [Capitão Tenente, J. J. Fernandes d’ Andrade 
Principe Real..| » [Capitão Tenente, P. A. Caminha. ...... 
Vouga........| 13 [Primeiro Tenente, P. Cenlurini......... 
IF aro ss. «co Primeiro Tenente, V. J. dos S. Mor.? Lima 
Liberal .......] 13 [Primeiro Tenente, J. M. Esteves........ 
Amelia ....... 6 |Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 

q Escunas.,. < | Esperança..... 8 | Segundo Tenente, A. d'Oliveira........ 
S Boa Vista..... 1 {Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferr,è 
Ji E V A = 1 Segundo Tenente; V. do N. Teive...... 

Correio .....|S. Boaventura..|....../ Primeiro Tencnte, F. de À. e Silva. 
Cuter. ......| Andorinha. .... 6 | Segundo 


Capitão Tenente, J. S. Ramos......... 


~ 
x 


J marinhag. 
Para a Tndia— Não de viagem. 
Na Estação d' Angola. 
No Téjo. 
Na Estação da India. 
No Téjo. 
Na Estação dº Angola. 
Nas Ilhas dos Açores. 
No Téjo. 
No Téjo. 
Para Angola. 
No Téjo. 
De Correio para Cabo Verde. 
No Algarve, 
De Correio para Angola. 
Na Ilha da Madeira, 
Nas I. de S.Thomé e Principe. 
| Na Estação d' Angola. 
No Tejo. 
No Téjo, nas sondas da Barra. 


Corvetas... 


“A Brigues... 


1 Charruas .. 


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WARETIMOS E GOLGNFAIS. 
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SEGUNDA SERIE, 


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ACTOS DO GOVERNO. 


SYNOPSE. 


Outubro de 1842. 
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3. Deiko: concedendo a graduação de Primeiro Te- 
nente da Armada, com o fim sómente de poder usar das hon- 
ras e uniformes respectivos, a José Ignacio Ferreira de Car- 
valho, Official da Marinha mercante, residente no Porto. 

Idem. Decreto, nomeando Cavalleiro da Ordem de S. 
Bento d'Aviz, o Primeiro Tenente da Armada, Manoel Luiz 
Esteves. 

Idem. Portaria, dando baixa do serviço, por assim o ha- 
ver requerido, ao Aspirante a Guarda Marinha, João Pedro 
de Almeida Fernandes. 

4. Decreto, nomeando Cavalleiro da Ordem de S. Bento 
d'Aviz, o Primeiro Tenente da Armada, Francisco Amaro do 
Rego. 

Idem. Portaria, louvando-o Inspector do Arsenal de Ma- 
rinha, pelo zello com que tem cumprido as Ordens de Sua 
Magestade, tendentes á reforma e reducção nas despezas do 


mesmo Arsenal. 


5. Portaria, nomeando os Srs. Conselheiro Costa e Sá, 


Capitão de Fragata, Costa Caryalho, Capitão Tenente, Alexan- 
1 


494 ACTOS DO GOVERNO. N£dH; 


drino da Cunha, João de Mattos Pinto, e José Angelo de Bar- 
ros, para formarem uma commissão, a qual, em resultado de 
seus trabalhos, apresente um plano d'organisação das Alfande- 
gas das possessões ultramarinas, o qual reforme e previna os 
abusos nas mesmas introduzidos. 

Idem. Portaria, nomeando , para coadjuvar o Inspector 
do Arsenal de Marinha, naquelle serviço para que for julga- 
do com aptidão, o Teúente Coronel reformado da extincta 
Brigada da Marinha, João Guilherme da Costa Machado. 

6. Portaria, approvando as reducções que pelo Major Ge- 
neral da Armada foram mdicadas, como possiveis, no pessoal 
dos armamentos navaes, e mandando pôr em pratica as lota- 
ções designadas no seguinte Mappa; exceptuando porém os 
navios que forem estacionar para a costa d'Africa, ou os que 
tiverem de fazer viagem extraordinariamente demorada, pois 
nesse caso se proporá ao Governo o conveniente augmento dos 
Officiaes, e Guarnição; e que relativo aos correios, ou outras 
pequenas embarcações: empregadas nesse serviço, ficará regu- 
lando o minimo indicado na ultima casa, quando não possa 
ainda ser redusido. 


ACTOS DO GOVERNO. 


1842. 


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496 - ACTOS DO GOVERNO. NAI 


11. Portaria, determinando que se não abonem maiorias 
nos soldos de tortos os Olficiaes, Guardas Marinhas, e Aspi- 
rantes, que estiverem com licença a estudar nas differentes 
Academias, e Escólas do Reino, quaesquer estudos dos que 
lhes não são exigidos por Lei, senão depois que se tiverem 
recebido informações officiaes, todos os trimestres, pelas quaes 
as referidas Escólas façam constar a frequencia, approveita- 
mento e regular comportamento de cada um daquelles indivi- 
duos, cujas informações, no caso de serem desfavoraveis, ser- 
virão para se suspender a licença, que lhes tiver sido conce-- 
dida. 

12. Decreto, nomeando Governador das Ilhas de S. Tho- 
mé e Principe, ao Primeiro Tenente da Armada, José Maria 
Marques, 

Idem. Decreto, promovendo o Primeiro Tenente José Ma- 
ria Marques ao posto de Capitão Tenente, sem prejuizo de 
antiguidade, não tendo validade este despacho, no caso de que 
por qualquer accidente, deixe de seguir o destino que lhe 
foi designado. 

14%. Decreto, nomeando Cavalleiro da Ordem de S. Ben- 
to d'Aviz, o Primeiro Tenente da Armada, Agostinho José 
Duarte. 

Idem. Portaria, dando baixa do serviço, por assim o 
haver requerido, para o fim de sentar praça no Batalhão de 
Caçadores n.º 2, ao Aspirante a Guarda Marinha, Januario 
Corrêa d'Almeida. 

Idem. Sentença do Supremo Conselho de Justiça Mili- 
tar, confirmando a do Conselho de Guerra, e reintegrando no 
posto de Segundo Tenente da Armada, a João Rodrigues de Sá. 

17. Mostra de desarmamento a bordo da Charrua Ma- 
gnanimo. 

18. Portaria, communicada por ordem geral, datada 
de 20, cujo theor é o seguinte : 

« Havendo-se mandado proceder a um Conselho de inves- 
tigação contra o Commissario da Charrua Magnanimo, Antonio 
Leite da Cunha, por se presumir, que as faltas dos generos — 
legumes —e arroz — , encontradas a bordo da mesma Char- 
rua, durante a sua viagem para este porto, são devidas a ter- 


PA 


1842. ACTOS DO GOVERNO. 497 


se o dito Commissario apossado dos cinco por cento, que a 
Lei concede para faltas, e a outras irregularidades, que lhe 
são attribuidas; e por quanto, podendo alguem imaginar, que 
a Lei concede os cinco por cento como um vencimento, que 
se póde tirar em genero das arrecadações de bordo, ou dos 
armazens, quando similhante concessão só é para indemnisar 
qualquer accidente, diminuição nos generos que, distribuidos 
a retalho, quebram ordinariamente, sahindo então daquella 
quota quanto possa salvar das ditas quebras o respectivo En- 
carregado: e Considerando Sua Magestade, a RaixHA, que 
dando-se similhante abuso, só póde provir, ou porque os ge- 
neros deixam de entrar na sua integra, ou porque, depois de 
„ arrecadados, deixam de se observar para a sua sahida as for- 
mulas prescriptas no Alvará de 7 de Janeiro de 1797, cuja 
execução incumbe directa e repartidamente ao Commandante, 
Official do detalhe, e Official de quarto a bordo: Manda a 
Mesma Augusta Senhora, pela Secretaria d'Estado dos Nego- 
cios da Marinha e do Ultramar, que o Major General, na 
Ordem da Armada, faça as mais positivas recommendações 
para que todos os ditos Officiaes escrupulosamente preencham 
todas as funcções, que lhes incumbe o referido Alvará, cujos 
preceitos para a sahida e entrada dos generos nos payóes, e 
para a legalisação dos bilhetes de despeza em geral, observa- 
rão com o maior cuidado ; na certeza de que o zelo, c atten- 
ção prestada neste importante objecto, de que tanto depende 
a economia da Fazenda Nacional a bordo dos navios de guer- 
ra, bem como a falta de obseryancia dos ditos preceitos, lhes 
será tudo levado em conta nas suas Promoções. Paço das Ne- 
cessidades, em 18 de Outubro de 1842, = Joaquim José 
Falcão. 

24. Portarias, mandando addir á Bibliotheca de Mari- 
nha, o Capitão de Fragata reformado , Ignacio José Pereira ; 
ao Arsenal da Marinha, o Capitão Tenente reformado , Fran- 
cisco Gonçalves; á Escóla de construcção naval, o Capitão 
Tenente reformado, Antonio Daniel Baptista de Barros ; á Cor- 
doaria Nacional, o Primeiro Tenente reformado da Armada, 
Manoel da Silva Queiroz; ao Estabelecimento da Azinheira, 
o Primeiro Tenente reformado da Armada, Manoel de Se- 


498 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO: NEIRE. 


queira Campêlo, ao Estabelecimento de Valle de Zebro, o Ma- 
jor da extincta Brigada, reformado, Manoel Ignacio Teixeira ; 
ao Forte de S. Paulo, o Primeiro Fenente da mesma extincta 
Brigada, reformado, José Maria Maximo Torres. 

25. Nomeado Commandante da Escuna de Guerra Arie- 
te, estacionada em Cabo Verde, 'o Segundo Tenente da Ar- 
mada, Roberto Theodorico da Costa e Silva. 

27. Nomeado, em conformidade de uma Portaria de 19 
do corrente, para vigiar o serviço dos Pilotos da barra, no 
ponto de Cascaes, ficando debaixo das ordens do Inspector do 
Arsenal, e sendo considerado como de guarnição a bordo da 
Fragata Dianna, o Capitão Tenente, Thomaz Henriques Va- 
ladim. | 

28. Decreto, promovendo, e collocando varios Officiaes 
da extincta Brigada da Marinha, á vista das informações do 
Major General da Armada, e da consulta do Supremo Con- 
selho de Justiça Militar. - 

3. Portarias, mandando admittir na Companhia dos 
Guardas Marinhas, na qualidade de Aspirantes, os candidatos 
Joaquim Augusto de Azevedo Sousa da Camara, e Diogo Bo- 
telho de Vasconcellos, por se acharem para isso perfeitamente 
habilitados. 

Idem. Portaria, mandando readmittir como Aspirante a 
Guarda Marinha, Augusto de Oliveira Soares, por ter conse- 
guido ficar approvado no segundo exame que fez do primeiro 
anno da Escóla Polytechnica. 


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ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 
Sessão 15.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 
Derors de haver sido lida e approvada a acta da Sessão ante- 


cedente, deu o Secretario conhecimento da correspondencia , lendo 
dois oficios do Socio honorario o Sr. Miguel Antonio da Silva: o 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 499 


primeiro tem por objecto agradecer á Associação a honra, que diz 
lhe fizera, enviando-lhe o Diploma de Socio honorario : o segundo, 
responde ás perguntas que a Associação lhe enderessou ácerca do 
antigo seminario de Cabo-Verde. x 

Disse tambem o mesmo Secretario, que havia recebido uma carta, 
do Socio, o Sr. José Barbosa Canaes de Figueiredo Castello Branco, 
na qual este Sr., julgando offendida a santidade da nossa religião , 
por algumas das doutrinas espressas em uma memoria sobre as cau- 
sas da decadencia dos portuguezes na Ásia, impressa em o numero 
dois da segunda Serie dos Annaes, o interroga sobre qual seja o 
pensar da Associação, ácerca deste assumpto. Que elle Secretario 
tencionaria responder ao digno socio, chamando a sua attenção sobre 
o ultimo periodo da introdução ou programa dos Annaes, e que vem 
transcripto no primeiro numero, da primeira Serie, mas que inten- 
dera dever consultar antes a Associação : falaram sobre este inciden- 
te os Srs. P. A. da Cunha, e Tavares de Macedo, c a Assembléa 
decidio, que se respondesse ao Socio, o Sr. Canaes de Figueiredo, no 
sentido que pelo Secretario acabava de ser indicado. 

O Sr. Secretario Louzada de Araujo, como relator da commissão 
de estatistica, leu o parecer que a mesma interpõe sobre o uzo que 
mais convem fazer-se das noticias sobre o Presidio de Caconda, cujo 
exame lhe fôra comettido por deliberação tomada na Sessão anteceden- 
te; a commissão julga que destas noticias se deve extractar quanto 
pareça mais ponderozo, e reclame promptas providencias do Governo 
de Sua Magestade, afim de lhe ser respeitosamente apresentado pela 
Associação, e se redija, para ser publicada em os Annaes, uma me-. 
moria topographica- estatistica e politica do estabelecimento de Ca- 
conda, e suas dependencias. Communica tambem a commissão, que 
no caso de ser approvado este parecer, o Sr. Louzada de Araujo se 
encarrega do primeiro trabalho, e para o desempenho do segundo se 
offerece o Secretario Mattos Corrêa. 

* O Sr. Tavares de Macedo, não tendo podido comparecer na Sessão 
antecedente, em que este assumpto já havia sido tratado, fez algu- 
mas perguntas que foram satisfeitas pelo Sr. Costa Carvalho, e Lou- 
zada de Araujo, e seguidamente foi o parecer posto á votação, e ap- 
provado. 

O Sr. Secretario Louzada de Araujo leu depois o extracto, de 
que se havia encarregado, segundo se deprchende do parecer da 
commissão. Na discussão que se lhe seguio e em que tomaram parte 
os Srs. Amaral, Tavares de Macedo, Louzada de Araujo, Costa 
Carvalho, Nolasco da Cunha, Falcão, Pereira, c Mattos Corrêa, 
manifestaram-se muitos conhecimentos positivos, que a tornaram 
summamente interessante, e luminosa; e decidio a fnal a Assem- 
bléa , que se enviasse ao Governo o extracto laborado pelo Sr. Lou- 
zada de Araujo, comettendo-se todavia, novamente à commissão 
que, colligindo e coordenando quanto solre o assumpto fôra dito 


500 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. . Neff. 


pelos scus membros e mais Socios, e o que mais proveitoso se jul- 
gasse ao incremento daquelle ponto d’Africa Portugueza, apresentas- 
se depois a Assembléa um trabalho tão completo quanto possivel, 
para ser apresentado á consideração do Governo de Sua Magestade, 
como expressão do pensar da Associação sobre materia tão grave e 
transcendente. 

O Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, encarregado pela Associação 
de formular a representação que sobre proposta sua se havia decidi- 
do na Sessão antecedente apresentar ao Governo de Sua Magestade , 
e em que se pertende indicar e desenvolver varios meios tendentes 
a facilitar as communicações ao interior da Africa, apresentou e 
leu a minuta desta representação. Decidio-se que ficasse sobre a 
mesa para se votar na Sessão seguinte. 

Correu o escrutinio, e foi approvado para Socio effectivo o Sr. 
Joaquim Antonio Moraes Carneiro, o qual havia sido proposto pelo 
Socio e Secretario o Sr. Louzada de Araujo. 

Sobre a Sessão publica decidio-se que teria logar á uma hora 
da tarde do dia 25 do mez seguinte, anniversario da occupação 
difinitiva de Góa por Affonso de Albuquerque , isto no caso de que 
a concorrencia de Sua Magestade como immediato protector da As- 
sociação, não faca necessaria a transferencia para outro dia ou hora ; 
decidio-se tambem que o Sr. João Pedro Nolasco da Cunha, de ac- 
cordo com a commissão administrativa, se encarregue de todas as 
disposições previas inherentes a esta solemnidade ; depois o Sr. 
Vice-Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 17 d'Outubro de 1842. == O Secretario, Joaquim 
José Gonçalves de Maítos Corrêa. 


Sessão 16.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Depois de lida e aprovada a acta da Sessão antecedente, deu o 
Sr. Presidente conhecimento á Assembléa, de que se havia recebido 
da Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha- e Ultramar, uma 
Serie de respostas dadas pelo Governador Geral de Cabo Verde, e 
nosso Socio, o Sr. João de Fontes Pereira de Mello, ás perguntas 
que lhe foram dirigidas pela Associação, afim de se conhecer da 
possibilidade de restabelecer naquella provincia o antigo seminario ; 
e consultada a Assembléa sobre o destino que se devia dar a esta 
communicação , decidio-se que se juntasse ás mais informações, já 
obtidas ácerca deste assumpto. 

O Sr. João Maria Ferreira do Amaral propoz para Socio effecti- 
vo ao Excelientissimo Visconde de Torre Bella. 


d OS o 


1842... ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 501 


O Sr. Manocl Luiz Esteves leu uma proposta, que tem por ob- 
jecto a necessidade, tanto em relação á humanidade, como ao in- 
teresse publico, de se adoptarem providencias que facillitem aos de- 
gradados o transito para os seus destinos, no interior da Africa, 
obstando assim á mortalidade que peza sobre estes infelizes. Deci- 
dio-se que sobre este assumpto fosse consultada a Secção do Ultramar, 
e sobre proposta do Sr. Louzada de Araujo, que se convidassem os 
Srs. Pedro Alexandrino da Cunha, e Amaral, a emitir a sua opi- 
nião na Sessão sobre este objecto. 

O Sr. Presidente, ao tratar o assumpto precedente, e fallando 
em geral sobre as communicações interiores de Angola, e suas de- 
pendencias, disse, que o emprego dos elefantes neste mister já havia 
occupado muito a atlenção do Excellentissimo Governador daquella 
provincia, o nosso Socio, o Sr. Almirante Noronha, que havia con- 
sultado o Governador Geral da India, sobre a possibilidade de lhe 
enviar alguns dos individuos, que na Asia servem de conductores 
daquelles animaes ; mas que em resposta obtivera, que todos os Cor- 
nacas pertencem a uma casta particular, cujos principios religiosos 
lhes não permittem viver fóra dos seus domicilios, que por esta, e 
outras difficuldades, que então não pôde vencer, não teve mais se- 
guimento aquella idéa. 
` O Secretario Mattos Corrêa leu o esboço do relatorio dos traba- 
lhos da Sociedade, que devia ser apresentado na Sessão publica, 
afim de que os Socios presentes lhe lembrassem quanto lhe houvesse 
esquecido e mereca ser mencionado. 

O Sr. Kol, como Secretario da Secção do Ultramar, deu varias 
esplicações ao Sr. Lopes e Almeida, ácerca da memoria sobre a 
Historia da Geographia que este Sr. havia apresentado para ser lida 
na Sessão publica. 

Fallou-se sobre varias especialidades da Sessão publica, e depois 
de se decidir que houvesse Sessão extraordinaria , na seguinte Se- 
gunda feira, fechou o Sr. Presidente a Sessão. 

Sala das Sessões 7 de Novembro de 1842. = O Secretario, 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Coréa. 


Sessão 17.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Depois de approvada a acta, passou o Secretario a dar conta da 
correspondencia, e leu um officio em que o Sr. Visconde de Santa- 
rem agradece á Sociedade have-lo nomeado Socio honorario , expri- 
me os seus sentimentos a prol da gloria, e litteratura portugueza ; 


502 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO, N.º 11. 


elogia os fins da sociedade; e manifesta desejos de concorrer para 
o desenvolvimento do seu programma. 

Uma communicação dos redactores do Fanal, periodico maritimo 
e litterario que se publica em Madrid, os quaes , havendo vertido 
para o Castelhano, c lançado no seu jornal, uma poesia maritima do 
Sr. Marques Pereira, enviam o numero que a contém, significando 
o desejo de que agrade tanto a verção em geral, como algumas pe~ 
quenas variantes. 

O Sr. Presidente disse que o Sr. Luiz Valdez o havia encarre- 
gado de offerecer á sociedade, um Mappa dos Portos de Góa, acom- 
panhado das inslrucções necessarias para entrar nelles ; e mandou 
pôr sobre a mesa esta offerta. 

Depois de se haver fallado sobre o merecimento e raridade deste 
trabalho, decidio a Associação, que se agradecesse ao Sr. Luiz Valdez 
o interesse que manifesta pelos trabalhos da Sociedade. 

Correu o escrutinio, e foi approvado Socio effectivo o Sr. Vis- 
conde de Torre Bella, que na Sessão antecedente havia sido pro- 
posto pelo Sr. João Maria Ferreira do Amaral. 

Foi proposto para Socio o Sr. Antonio Pereira Lima, pelo Sr., 
João José da Assumpcão. 

Sobre a ordem do dia decidio-se, que a mesa dirigisse os convi- 
tes para a Sessão publica, pelo modo que julgasse mais convir á 
solemnidade deste acto, e autorizou-se a commissão, encarregada da 
disposição e arranjos da Sala, a fazer as despezas indispensaveis. 

O Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 14 de Novembro de 1842. = O Secretario , 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Corria. 


Sessão 18.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Foi lida e approvada a acta antecedente. 

O Sr. Vice-Secretario Barahona leu um officio, em que o Socio, 
o Sr. José Maria Marques, participa á Associação, que se acha pro- 
ximo a partir em serviço para as Ilhas de S. Thomé e Principe, 
aonde se offerece ao da mesma Associação no que poder desem- 
penhal-o. 

Procedeu-se á votação, para Socio, do Sr. Antonio Pereira Lima, 
proposto na Sessão antecedente, e em resultado foi este Sr. appro- 
vado. 

O Sr. Presidente tomou a palavra, para significar á Assembléa 
os motivos, por que não podia ter logar a Sessão publica no dia já 
marcado. 


1842. POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 503 


O Sr. Carneiro offereceu uma estampa do frontespicio da Igreja 
de S. Paulo em Macáo , acompanhada de algumas noções historicas, 
ácerca da fundação, ruinas, e estado actual deste, outr'ora magnifi- 
co edificio dos Jesuitas, que nacionaes e estrangeiros, tinham pelo 
mais nobre e elegante de cabos a dentro; e do qual hoje apenas fi- 
cam aquelles restos d'obra prima d'architeetura, afim de ser co- 
piada nos Annaes d'Associação, parecendo util. Esta offerta, que 
tanto interessa os monumentos da nossa passada grandeza, e de glo- 
ria, álem mar, foi recebida com particular apreço, e remettida á 
Commissão da Redacção, para o fim proposto. 

O Sr. Lopes d'Almeida, significando a importancia d'aquelle 
bello memorandum, disse o mandaria lithografar gratuitamente: a 
Assembléa resolveu unanime, a requerimente do Sr. Alves, que desta 
generosa offerta se fizesse especial menção na acta, bem como dos 
agradecimentos, que por estes motivos foram votados aos dois illus- 
tres Socios os Srs. Carneiro, e Lopes d' Almeida. 

O Sr. Presidente deu para ordem da noute da seguinte Sessão, 
a proposta do Sr. P. A. da Cunha, sobre a utilidade de domesticar, 
elefantes, e empregar camellos, como meio de facilitar e promover, 
como muito se ha mister, as communicacções e transportes no interior 
d'Africa. 

O Sr. Presidente fechou a Sessão. 

Sala das Sessões 21 de Novembro de 1842. — O Secretario, 
Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d' Azevedo. 


—— eq e 
ASIA PORTUGUEZA. 
SEGUNDA MEMORIA 


Descriptiva e estatistica das Possessões Portuguezas na Ásia , 
e seu estado actual, pclo Socio e Secretario d' Associação, 
Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo d' Azevedo. (Continua- 
da de pag. 465.) 


Estes rendimentos da Fazenda Nacional são receitados com 
escripturação separada. 1.º Das rendas geraes do Estado , que 
não têm despeza particularmente designada: 2.º Dos rendi- 
mentos dos bens confiscados aos Jesuitas, e por isso se denomi- 
na dos bens do confisco: 3.º O Subsídio litterario: 4.º O ren- 
dimento do tabaco: 5.º O do Correio Maritimo: 6.º Estado, 
e Casa das Senhoras Rainhas: 7.º Conventos extinctos. 


504 MEMORIA -DESCRIPTIVA E ESTATISTICA. Nº dd: 


Uti! será conhecer a origem e natureza de todos os bens 
e rendimentos, que constituem a receita publica de Gôa, e o 
mesmo quanto á sua despeza, no que muito ha a reformar, 
e até hoje não foi visto um projecto de Lei, ou uma indica- 
ção a tão importantissimo fim; sendo certo que é extrema a 
desigualdade nas contribuições das differentes comarcas ; que 
muitas d'estas contribuições são até repugnantes a um justo sys- 
tema d'impostos; e que se forem adequadamente reguladas, as 
rendas publicas devem crescer, e augmentar a receita conside- 
ravelmente. Por estas considerações, parece-me não correrei o 
risco de prolixo, historiando nos seguintes paragraphos todos 
estes rendimentos pela mesma ordem em que ficam descriptos ; 
a época da sua acquisição ou creação, com a legislação que os 
authoriza, de que obtive conhecimento; e em ultimo logar as 
rendas que têm sido supprimidas, ou substituídas por outras, 
O mesmo methodo terei quanto á despeza, referindo as Re- 
partições e encargos a que pertencem. 


Proprios. 


Rendas, Fóros, e Laudemios. Constituem o râmo mais 
pingue da receita publica, pelo que, como fica visto, sommam 
na sua totalidade em 532.052 xerafins, ou 85:1285320 réis 
fortes; um terço do rendimento annual da Fazenda. As rendas 
aqui designadas procedem dos bens incorporados nos proprios 
da Corôa, hoje ditos bens Nacionaes; os fóros e laudemios são 
pagos pelas aldêas e particulares; da classe dos primeiros são 
os seguintes : 


010 aM ali lMMlli$ÅÃĖ—— 


f Alugucis de uma loja na casa da pol- 
ý vora. 
Começaram a receitar-se na Fazenda por 
ordem da respectiva Junta de 31 de 
Outubro de 1812; sendo até então re- 
cebidos pelo capitão mestre da fabrica, 
E semttitulo Tegal. '.. essas sides 36:0:00 
Palmar Candarlem. Adjudicado por exe- 
MCO SCIE AE Soro MAD FIRR 50:0:00 
| Aldêa Talavardá .......... SG and O 4.678:0:00] 4. 


cocos escrava nu no sa. 
e. caso sn su. 


“ec. a . 


À dá, foram cedidas pelo Rajá de Sundem, 
quando no anno de 1760, se acolheu aos 
nossos Estados. Os fóros destas aldêas, 
e os lugares do bazar (mercado) consti- 
tuem o seu arrendamento. Por portaria 
do Barão de Sabroso de 6 de Dezembro 
de 1838, foi encarregado o Administra- 
| dor do Concelho de Salsete, em harmo- 
j nia com o artigo 106 SG. 1.º do Codigo 
Administrativo, de proceder a uma exa- 
cta descripção, e tombo destas aldeêas : e 
em outra de 28 de Janeiro de 1842, lhes 
j nomeou o Governador Interino Lopes de 
E Lima um Administrador, com o venci- 
E mento de 50 x. mensaes, arbitrados pela | 
Junta da Fazenda, e obrigação de fazer 
o tombo dellas, a cujo escrivão, do mes- 
į mo modo foram dados 20 x.º por mez !!! 
Varzea Macazana. .......... cor. 00.) 1.327:0:00] 3:110:0:00 
Do Atar M. So eus e E RR 404:0:0 » 


do Bom. sui sa IARA «| 1.350:0:00 » 
Do OZON ee o amp toi EN taRT 292:0:00 » 
Di- Sinquerim.... ce! abh Sever S 800:0:00 » 


! Estas varzeas (campos d'arroz) foram 
4 cedidas pelo Régulo Bounsoló, no tra- 
à tado celebrado com o Vice-Rei Marquez 
| do Louriçal, D. Luiz de Menezes. A 


506 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º 11. 


RENDIMENTO j 


a 


Bens incorporados nos proprios. 


4 primeira destas varzeas anda em arren- 
damento triennal, e as mais em affora- 
H mento perpetuo. 

| Aldêa Mahem. Incorporada, pela Conquis- 
ğ ta das Provincias de Bicholim, e Per- 


E” nem: Aflogada que sr sana a 8.112:0:00, Idem 
pilhada Panelet: Gs. css consns eo 400:0:00 » 
E » de Cormem...... cubos QUE 11:100:0:00 


N Conquistadas ao Régulo Bounsoló no 
E anno de 1706, pelo Vice-Rei Caetano 
à de Mello e Castro; e esta depois recon- 
4 quistada ao mesmo inimigo em 1741, 
d pelo Marquez do Louriçal, que o des- 
E baratou nos campos de Bardez, e o fez 
À tributario do Estado. A primeira destas 
J ilhas anda em arrendamento; € a se- 
gunda, com as onze varzeas de que se 
d compõe, sendo afforada em 3 vidas, a 
$ D. José Maria de Castro e Almeida, com 
H a pensão ou canon de 11.100 x.º por 
] anno, cessou aquelle afforamento por 
À Carta Régia de 30 de Júlho de 1819, 
à pela qual se subrogou o senhorio dire- 
cto, pelo dominio util do prazo de Lua- 
bo em Quilimane, que possuia D. Ma- 
ria Rita de Almeida, com o fóro de 4 
pastas de ouro, que em Gôa valem 4.800 
x.º: os quaes até hoje ainda se não re- 
3 ccberam na Fazenda de Góa, já lesada 
4 por esta subrogação , na differenca de 
E 6.300 x.º O Vice-Rei, Conde do Rio 
É Pardo, representou contra esta lesão, e 
contra a ob e subrepção com que foi ob- 
# tida aquella subrogação ; cuja represen- 
tação , repetida pelo Governo Provisorio 
E em 1836, nenhum resultado tevc, e o 
& Thesouro de Góa continúa a perder a 
E renda annual, das varzeas deste affora- 
à mento na quantia de 11.100 x.º, des- 
E membrados da Fazenda, pela maneira 
dita. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 507 


RENDIMENTO 


Bens incorporados nos proprios. 
Anno 1819 | Anno 1826 


Palmarinho do antigo recinto da Fortale- 
za de Pondá. Foi tomado com a mes- 
ma Fortaleza: anda em arrendamento 
Perpeluos sao da respeitoso: 36:0:00 
# Dito do antigo recinto da Fortaleza de 
E Sanguem. Missa SE à a pat odio TEA, 4:0:00) 
E Palmar Dudugalem ........c cce coro. 20:0:00) 
d Estes dois palmarinhos vieram com a 
Conquista do Zambaulim, onde são situa- 
dos; o ultimo anda em arrendamento de 
27 annos. 
E Palmar, varzea, e annexos no districto 
à de Cabo de Rama. Afforamento perpe- 
o LUO.S. dio sereis 6,5 oc A TDI: AR 700:00:0 
$ Palmar Muzundar. Successão do fisco em j 
É 1793. Arrendamento de 27 annos.... 13:0:00 
q Palmar Cacorá. Arrendamento perpetuo 91:0:00 
 Aldêas, Cotigão, Maulinguem, Carelage 
e Bordirá em arrendamento por 9 an- 
48 Varzcas na provincia de Pernem, ga- 
nhadas pela conquista desta provincia ; À 
E em arrendamento perpetuo. ......... 2.575:0:00 
#Ametade do Dessaiado (ii) d’ Arabó: suc- 
cessão do fisco em 1817, por falta de 
herdeiro masculino do ultimo possui- 
Pa PEA A E EY PRENDE E RE S 9.080:4:20] Idem 
# Pensão do Fofó. Pensão que paga o Des- 
ñ sai Rogunata Naique, por certos tiros 
de peca, que fazia ao Bounsoló em de- 
feza das suas terras, e esta mesma a 
significação da palavra Fofó. ........ 200:0:0 Idem 


(ii) Casa e bens pertencentes ao Dessai, dos quaes adiante darei noticia, 

(kk) -Nas mesmas circumstancias está hoje a casa do Rajá de Sundem, 
que por falta de successão masculina devolve e pertence á Fazenda Nacional. 
segundo os estilos em vigor das provincias das novas conquistas, que são lei 
vigente, 


508 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATITICA N.º 11. 


Bens confiscados aos Jesuitas no anno de 1759, dos quaes 
se mandou fazer escripturação separada, por Carta Regia 
de 10 de Abril de 1769. 


RENDIMENTO 


Anno 1819 | Anno 1826 


Fazendas em arrendamento. 


——— c LMM — 


RAldéas, Assolná Velim e Ambelim. Co- 
| mecçaram a dar-se em arrendamento no 
anno de 1761, cujo preco chegou a 
SMS TO x. E Por ano. Essa sia ; 
Na Contadoria da Fazenda não existe 
É uma exacta descripção e tombo destas 
aldêas; pelo que, e por que as suas 
: rendas têm descido consideravelmente,, 
É se encarregou ao Administrador do Con- 
à celho de Salsete, proceder áquelle tombo 
em portaria do Conselho do Governo de 
à 5 de Dezembro de 1838. O Governador 
À Interino, Lopes de Lima, lhes deu um 
į administrador com o ordenado de 1.200 
| x.º por anno, em portaria de 30 de De- 
| zembro de 1840!!! 
à (Os Palmares sitos em Cortalim.. ....... 1:135:0:00 
O Palmar Debatim, sito em Betalbatim. . 290:0:00 
1 Os Palmares sitos em Utordá.......... 99:0:00 


Fazendas e chãos em afforamento perpetuo, RENDIMENTO 
ANNUAL É 


e qm me meme 


Os palmares Passarem batta e sitos em Taleigão .... 
14 palimares, chamados Chaul................... 
Os palmares de Carmoná , Cavelossim e Varcá..... 
Duas-hortas em Góis dogs ee peça o a EEE 
A ilha de Combarjua. Foi dada em tres vidas a Jor- 
| ge Dias Cabral, por Carta Regia de 23 de Mar- 
co de 1545; depois aos Jesuitas, e ultimamente 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 509 


. Fazendas e chãos em afforamento perpetuo. RENDIMENTO 
ANNUAL 

Kar aa 

Transporte. ..... 6.455:0:00 


a Candido José Mourão Garcez Palha, em cuja fa- 
milia está hoje. As rendas desta ilha têm-se dete- 
riorado pelas usurpações de terrenos, praticadas pe- 
los habitantes dellas em prejuizo dos interesses da 


E fazenda: publicas JS o a a 5 ioga 6.000:0:00 
E os palmare en: Quelossim =...) quis nto ro lino a oa pç 1.070:0:00 
É Ditos em Mandur , Moulá , e Talautim ..... a...an 360:0:00 
à Horta do Collegio de 8. Paulo...... Lag RA A 100:0:00 
Ea de 'Quelossim,..5.=..4 osso o o later e a rota cho iate doa! 0 E 140:0:00 
"4 hortas d'ananazes sitas em S. Thomé, e Monte.... 40:0:00 
! Chão da Igreja demolida de S. Paulo velho e cerca 45:0:00 
Ro palmares"em. Benaulim is sii bere s spierien pir A ee 550:0:00 
$4 ditos cm Donculim, e seus annexos... saes s saso» 140:0:00; 
RE ditos em Seraulimi Coto coco ne Pr EN Ss a 60:0:00 
EOs palmares Ņóto, e Santa Cruz em Telaulim...... 23:0:00; 
E Os ditos Bandó Vaspem e Deulaguna.......,scc ce. 102:0:00; 
E Tres marinhas de sal na mesma aldta............. 132:0:00 
ESeis pedaços de palmares em Majordã............. 300:0:00 
Um palmar em Betalbatim ...............o. cuco 40:0:00 
RO palmar Baidá em Margio irisi ieas De saie oeeie 125:0:004 
Dito; Foral: Idem ss ACD O oa nd AA Gorda 
E Dito Combarbdatta-na aldêa Raia. .. -arep mee yrei? 52:0:00; 
E Outros ahi, c em Camorlim, com uma casa........ 153:0:00 
E Dito Deubabata, e Gingurngigue em Camorlim e Raia 30:0:00; 
FO palmar Chinchantoi; e outros em Calata ......... 36:0:00 
EDitos Arly e Orta em Margão e Raia.............. “30:0:00 
E Dito Cariachembatta em Loutolim .. s.s.. sosese e. 40:0:00) 
E Ditos Tambitim, e Odili cm Calata................ 369:0:00: 
O palmar: Portaxer em Uturdá - 2.2.0. e eR sos 53:0:00, 
Dito Dongrim em Majordá .........cccicicsciss 100:0:00 
‘Varzea Zoissuchy Galy em Benaulim... n. sseses.ss 33:0:00, 
PO palmar Galombó em Marná... .. <s sepe se eis fas 635:0:00 
Dito Coclim na aldêa do mesmo nome, e em Siolim e 
RR EA a uia seria psi diria ao 465:0:00) 
E Dito da Senhora da Victoria em Pangim........... 185:0:00 
E Uma loja no mesmo palman «a ss sae srar ame cce 69:0:00 
É Palmar Dumnem e suas annexas em Tivim, e Nachi- 
nEle Co pe E e E Pe 360:0:00 


Num. 11. 2 


510 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N.º ff. 


- 


RENDIMENTO 
ANNUAL 


É Palmar Xincaró em Verem... oorti aaret ES 
Palmar Taleigão na aldêa deste nome. 

É Este palmar andou em 5.305 x.º; e vindo por vezes 
ao dominio pleno da fazenda, se foi deteriorando 
em successivos arrendamentos, até que por ultimo 
foi afforado pelo oro annual de A. i aiak sk aa 

1O palmar Dramapor na aldêa deste nome. ......... 

8 Terrenos baldios em diversos logares afforados para 
cultura, e cónstruccao de casas... cs... cc csusess 


21.589:2:5 
Diversos Rendimentos. . ETET 


E Fóros da ilha de Chorão, doados aos Jesuitas por Car- 


ta do Vice-Rei D. Antonio de Noronha, de 22 de 
Outubro de 1972; e por Alvará Regio de 6 de Fe- 
vereiro de 4751, mandados applicar para o Colle- 
gio que cra dos mesmos Padres, e ainda existe nes- 
CARINA or ENA E spo race OO a SD a RR RD 
Reditos dos Namoxins, situados na E de Gôa..... 
Namoxins, dizem-se os bens que pertenciam a pa- 
godes extinctos. Estes Namoxins foram dados aos Je-j 
suitas por Carta Regia de 10 de Março de 1554, 
para seu sustento e propagação da fé. 
Reditos dos Namoxins em Salsete, ................ 110.2 
Ditos das Tengas (ll) constituidas em diversas aldas 
É das ilhas de Góa e da Comarca de Salsete........ 
š Meação de nove boticas (lojas) na feira da aldêa Raia 
HO Administrador da Capella instituida por Paulo Fer- 
reira, pensão que annualmente paga s, .es eere.. 


21.532:0:00; 


} 

(= Tangas é um numero imaginario fixado em cada aldêa, pelo 
qual se dividem os sous ganhos e perdas, e por isso sujeito ás al- 
terações que sofrem nas arrematações dos seus campos, e disposi- 
ções annudes ; cujo liquido rendimento se divide pelos particulares , 
que as possuem. (vide nota z). 


É 
l 

; 
E 
é] 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. '5ii 


São estes os bens dos extinctos Jesuitas, cujos rendimen= 
tos aqui designados a Fazenda percebe, especialmente appli- 
cados para a sustentação dos Collegios de Rachol, e de Cho- 
rão, que foram dos mesmos Padres ; para compra de medica- 
mentos e outros cileitos para a botica do hospital, cuja admi- 
nistração estava a cargo delles, e pagamento dos empregados 
da mesma botica. O lucro proveniente da venda dos remedios 


Estas tangas são de tres especies; a saber: tangas brancas, que 
em Salsete e Bardez equivalem a 150 réis, c em Gôa a 95 réis. 

Tangas de Cunto, introduzidas depois da conquista e a ar- 
bitrio dos Gauncares; o que se fez desta maneira. Vendo-se 
que os rendimentos das aldêas não chegavam para pagamento 
dos fóros, tomaram um numero certo e a seu arbitrio, pelo qual 
deviam ratcar a perda ou ganho que houvesse na cultura das 
varzeas. Se o numero tomado era de cem, por exemplo repartiam 
a perda ou fosse pouca ou muita cm cem partes, c assim o lu- 
ero; c ás unidades ou partes deste numero deram o nome de 
tangas de cunte. Como naquella época só haviam perdas, con- 
Signaram mais ou menos partes deste numero total a cada um 
dos Gauncares, segundo as posses delles, com a condição ex- 
pressa de que, se os rendimentos communs não abrangessem o 
fóro, cada um suppriria o deficit segundo o numero das tangas 
ou partes que tomava, e do mesmo modo se ratcariam as sobras, 
se as houvesse: de sorte, que tangas de cunto são propriamente 
um numero entroduzido ao arbitro dos Gauncares, pelo qual se 
trateam as perdas ou os ganhos das aldêas; e os possuidores destas 
tangas se appellidam Contucares. 

O numero destas tangas é maior em umas que em outras al- 
dêas, segundo o maior ou menor numero dos Gauncares, Em umas 
valem mais que noutras segundo o lucro que obtem ; e podem ven- 
der-se, mas sugeitas sempre aos onus com que foram introduzidas. 
São estas tangas consideradas como bens de raiz, e nellas succedem 
as filhas e parentes de seus possuidores ainda que não sejam Gauni 


- Cares. 


A terceira especie são tangas de vanti de fóro corrente constitui- 
das como as antecedentes, em palmares e propriedades , repartidas 
do mesmo modo que as tangas de cunto, 

Fôro corrente se dizem, na India Portugueza, aquellas preprieda- 
des, que entram a ganhos e perdas, e nellas se reparte o producto 
das varzeas; e não abrangendo, se paga a perda pelos fructos; em 
contrapozição a fóro limitado, que se diz das propriedades, que pa- 
gam certo fôro annual á Gauncaria, ainda que a terra não renda, 
e não entram a ganho e perdas. 


2 « 


513 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATÍSTICA N.º 11 


era rendimento dos mesmos Jesuitas, que andava em 639 
xerafins por anno; hoje se receita na Fazenda Publica. Todos 
estes bens têm sofírido grande detrimento, por que os ren- 
deiros: delles têm só tratado de tirar lucro, sem os bemfei- 
torizar. Em outras partes os terrenos têm dido usurpados ; e a- 
falta de reparos nos extensos vallados daldêa Ansolna, a mais 
rica e interessante peça entre os bens nacionacs , que em to- 
dos os arrendamentos , era condição expressa ter concertados , 
têm feito perder terreno consideravel que o rio leva, chegan- 
do o desleixo e abandono a tal ponto, que hoje são orçados 
aquelies concertos em 100.090 x., quando pouco importa- 
riam, se em tempo se lhes tivesse acudido. Não creio que ren- 
das desta aldêa melhorem pelo systema d'Administração, que 
lhes deu o Governador Lopes de Lima, porque as adminis- 
trações têm provado sempre fataes á Fazenda ; entre tanto di- 
rei, que estas são as melhores propriedades que a Fazenda 
possue, e de melhor rendimento, que não convem desprezar. 
Todos os bens acima descriptos erão' sugeitos a encargos 
pios: hoje são livres-por Provisão de 25 de Abril de 1669, 
dedldrada por outra de 2% de Março de 1772 que os anil 
vender e applicar 0 seu producto para as despezas do Estado ; 
cuja dispozição se não levou totalmente a effeito, posto que 
suscitada em differentes outras ordens regias posteriores, por 
que poucos tiveram compradores, e por isso uns foram postos 
em arrendamento. e outros, na maior parte, dados d'aflora- 
mento fateusim perpetuo. (mm) 


w 


(mm) Às relações transcriptas dos Bens Nacionaes de Gôa , se 
não podem dar as honras da exactidão, posto sejam" dimanadas da 
Contadoria da Fazenda; por que é alli mesmo, que são desconhe- 
cidas muitas propriedades nacionaes, e as usurpações que ba dellas, 

10 todo ou em parte. Em differentes tempos sec tem mandado proce- 
der á descripção e arrolamento de todos os prazos e bens da Fazen- 
da, mas as commissões a esse fim creadas páram, e se renovam para 
outra yez pararem. Não é desconhecido o fantasma que as assom- 
bra. Entradas no Jabyrintho de terras perdidas e usurpadas, pois 
affoutamente se póde dizer que poucas ba que o não sejam, não 
acham o fo, para sahir delle: mas se um dia o conseguirem, e 
levarem a cabo a sua tarefa, farão um dos mais necessarios e im- 
portantes servicos ao Estado. 


A a 


T 4 


sa 


PED, 


EN 


€ aiea adan a a E 


> 


q 


18142. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 513 


Bens dos Conventos. 


Hoje são mais computados entre os bens nacionaes, os dos 
conventos extinctos ; que me parece aqui logar tratar. 

Por portaria do Governo Provisorio de 24 de Março de 
1835 se levou a effeito a do Thesouro Publico de 28 de Ju- 
nho de 183%, com as instrucções adnexas para execução do De- 
creto de 30 de Março do mesmo anno, que mandou incorpo- 
rar nos proprios da Nação os bens de todos os Conventos, 
Mosteiros, Collegios, Ilospiícios, e quaesquer casas de religio- 
sos; e a India Portugueza vio desapparecer para sempre a 
unica escóla de moral e bons costumes, que possuia, € as 
Igrejas do Padroado Real em todo o Indostão os seus melho- 
res pastores; e o clero em geral a illustração, a decencia, e 
o bom exemplo, que recebia n'aquellas casas, ali só dadas ao 
culto, e ao exercicio do seu ministerio. A Fazenda lucrou, é 
verdade, o espólio destes conventos em jolas, e alfaias de ouro 
e prata, no valor 161. 259:2:15;—25: 8015600 réis fortes, 
que reduzio a moeda , como já disse, além dos riquissimos pa- 
ramentos de alguns conventos, que guardados nas casas da Fa- 


zenda, devem ter apodrecido, e são perdidos. 


Não é possivel nos curtos limites d'uma memoria dar a 
relação nominal de todos os predios, dos Conventos extinctos, 
que bem minuciosa se encontra nos respectivos inventarios, 
feitos em fiel execução das citadas instrucções do Thesou- 
ro; basta aqui notar, que nas Memorias dos Estabelecimen- 
tos Portuguezes pelo Conselheiro Loureiro, se acha um mappa 
de todas as corporações religiosas dos Estádos da India e de 
Moçambique, feito por ordem do Governador e Capitão Gene- 
ral Francisco Antonio da Veiga Cabral, que governou até ao 
anno de 1806, para cumprimento d'ama Provisão do Conse- 
lho Ultramarino, que exigia saber o estado dos Conventos e 
Corporações Religiosas ; do qual consta que ellas possuiam em 
bens de raiz, o valor de x. 1:643.183:4:47; e em dinheiro x. 
669.908:2:29 ; além de x.'18.575:3:20 que a Fazenda contri- 
buía para alguns conventos, e x.'13.640 d'esmólas de particu- 
lares: e pelo que pertence ás corporações religiosas de Gôa era 
como se segue : 


514 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NEIE 
FUNDOS EM | RENDIMENTO & 
BENS DE RAIZ ANNUAL f 
Ordem dos Pregadores. — i 
, e Te | G T T 
Convento de S. Domingos.......... 410.563:0:00| 25.187:9:00 | 
Collegio de S. Thomás ............ 83.600:0:00) 4.493:0:00 
| Convento de Santa Barbara. ........ 63.845:0:00] 3.889.0:23 E 


h 
S. aaa 


Ordem dos Eremitas. 


| A Administração da Congregação.. 


à Convento de Nossa Senhora da Graça 278. 


E Collegio de Nossa Senhora do Populo 


Observantes. 


P Hospicio de Nossa Senhora da Saude 
BmB AEZ E ae io e eei Ga 


= a mom mem 


Hospitaleiros. 


; Convento de S. João de Deos 


Gl 


Ordem de C: R. T. 


ži 


Carmelitas descalços. 


Convento de Nossa Senhora do Carmo 


à Convento de Santa Cruz dos Milagres 207.920:0:00/ 10.419:2:53 | 
46:807:0:00| 2.489:2:05 $ 


É 4 Dito da Senhora do Carmo... ....... 


352.343:0:00 


568.008:0:00/ 33.569:0:23 À 


mma | 


3.920:0:00] 291:0:00] 
278.173:0:00/ 14.567:3:51 J 
70.850:0:00) 4.843:2:30 


` 


6.666:0:00 


————— -| — m 


60.000:0:00| 3.031:1:154 


ções acima designadas 1. 29%: 3:59 xerafins 207:0955440 r. 


fórtes, € o seu rendimento x.º 72.367:1:1 segundo o mappa indi- 


200:0:00 § 


19.702:14:218 


$ 


3.615:0:00)  270:0:00% 
49.000:0:00| 2.685:4:48 $ 


É 254.727:0:00] 12.908:4:58 & 
Ve PES SAT SRT ÁS RT 2 


Era por tanto o fundo total em bens de raiz “das corpora- 


Fraga 


1812. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 515 


cado ou 1 1:5784720 r.* fórtes, cujos valores foram calculados 
pelas avaliações judiciaes , a que se procedeu para execução 
da citada provisão. 

Além das casas que ficam nomeadas, ha mais o magnifico 
convento de S. Francisco, o de S. Boaventura, o da Madre 
de Deos, Nossa Senhora do Cabo, Nossa Senhora do Pilar, 
e o hospicio de Rachol, que não possuiam bens de raiz. O 
abandono de todas estas casas, que por sua localidade na cida- 
de deserta nenhuma applicação util podem ter, excepto a de 
Nossa Senhora da Graça, para onde de ordem do Governo 
Provisorio passaram as freiras de Santa Mónica, e as recolhi- 
das da Misericordia, fará que em poucos annos deixem de 
existir, como já não existem, dous dos mais bellos conventos 
dos Jesuitas; e vai acontecer ao convento de S. Domingos, 
que o Governador Lopes de Lima mandou demolir, attento o 
estado de ruina irremediavel a que chegou, por desabitado, 
sendo aliàs um dos mais fortes e bem construidos de Gôa; e 
o estrangeiro que até aqui vinha de proposito admirar os ves- 
tigios da grandeza da Cidade, e a magnificencia das Terejas, e 
Conventos de Nossa Senhora da Graca, de S. Francisco, de $. 
Domingos, e de S. Caetano, só verá matto entre montões de 
ruinas ; réptis venenosos, e aves nocturnas habitando os luga- 
res, onde foram monumentos celebrados da piedade de nossos 
maiores, e da nossa antiga gloria. As missões porluguezas não 
serão as ultimas a deplorar esses destroços; porque a educa- 
cão dos Missionarios acabou na Asia Portugueza, e as Igrejas 
do Padroado Real, unicas perolas, que alli restavam da Corôa 
Portugueza, lá vão desabando por toda a parte ao terrivel fu- 
racão da invasão propagandista, que já não encontra um 
Pombal, que se lhe opponha. 

Consta mais do referido mappa, que as ordens religiosas 
de Gôa possuiam fundos, ou dinheiros em contracto de censos, 
sobre penhores, hypothecas de bens que administravam alguns 
conventos, a ganhos, mutuados sem ganhos, dividas mal pa- 
radas e litigiosas, e existente em cofre, na imi pórtageja de 
573.554 x." cujos rendimentos eram x.” 26.986:2:32 3 por 
anno, e hoje não passam de x.” 5.809:3:15, como já fica in- 
dicado em logar competente. 


516 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA NSPI. 


O rendimento total dos conventos extinctos tem cofre e 
e escripluração separada, porque está especialmente consi- 
gnado para a sustentação dos Egressos, e mais despezas d'ad- 
ministração delles, cobrança de seus fóros e rendas, e concer- 
tos d'alguns edificios; deixando ainda o saldo annual, que se 
observa do quadro synoptico da receita publica, já trans- 
eripto. 

Fóros e laudemios. 


A segunda classe dos proprios são os fóros e laudemios , 
que se cobram dos campos possuidos pelas Communidades 
das aldêas, e dos predios particulares. Os primeiros são an- 
teriores à conquista, na qual Affonso d'Albuquerque, lan- 
cando os Motnres da Cidade, ha de Gôr, e seus termos, 
applicou as propriedades, e bens destes para os Portuguezes 
casados, que aiii fizessem assento, e restituio aos gentios natu- 
raes da terra os que elles possuiam, com obrigação de pagarem 
a ElRe: todos os tributos, direitos e fóros que pagavam ao 
Idalcão ; do que se fizeram autos, e papeis authenticos que o 
tempo consumio: mas o seu transampto se contêm em um fo- 
ral, que fez Afonso Aleixo, védor da Fazenda no anno de 
1550; e em outro de Fernão Rodrigues Castelo-Branco, védor 
da Fazenda no anno de 1541. Em Alvará do Vice-Rei Mathias 
d'Albuguerque, de 25 de Julho de 1595, expedido em vir- 
tude d'uma Provisão Régia de 19 de Março de 1591, foi en- 
carregado Francisco Paes, Provedor mór dos contos de Gôa, 
de fazer o tombo de todas as aldêas, terras, e propriedades 
da fazenda e suas rendas; e das indagações e mais diligencias 
para isso empregadas, consta que os fóros que cada uma das al- 
dêas das fitas de Goa, Salsete, e Bardez, pagavam nesses annos 
e outros direitos e mais rendas, montavam em x. ` 378.911:2:20, 
a saber: x. 29.700:1:14, que rendia a Cidade, e Ilhas; 
x. 52,030:4 as.terras de Salsete; e x." 22.871:2:6 as de 
Bardez. 

Os fóros e mais direitos eram pagos na Ilha de Gôa, se- 
gundo o foral e costume antigo, em tres pagamentos cada an- 
no, que começavam em Outubro; e era por conseguinte o pri- 
meiro pagamento feito no fim de Janeiro; o segundo no fim 


PES TE 


aiki 


aço "4 


SM É AS E a TE a RT 


+ Larey: 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 517 


de Maio, e o terceiro no fim de Setembro. Os das Ilhas de 
Chorão, Divar, e Jua em um só pagamento, no mez d'Outubro 
de cada anno : estes fóros ficaram inalteraveis, quer os rendimen- 
tos crescessem ou diminuissem, salvo havendo perdas por cau- 
sa da guerra, que se descontavam soldo e libra, e eram pagos 
em moedas de tangas brancas, barganins, e leaes ; moeda cu- 
ja denominação hoje subsiste apenas na repartição dos ren- 
dimentos, e uso-fructo das aldêas, como já fica em outro logar 
notádo , (nn) a sia rd nestas ilhas montava naquelle 
tempo, em x.” 11.551:1:14 

Na factura do tombo já referido apenas se achou uma 
lembrança do que rendiam no tempo dos Mouros, as aldêas de 
Salsete, feita pelos Gauncares móres dellas, lançada no foral 
velho, sem declaração. do dia mez e anno, nomê de pessôa , 


(nn) O valor destas moedas vem explicado em um regimento 
feito por Affonso Mexia, vedor da Fazenda no anno de 1526 para 
a Feitoria da Cidade, do qual restam poucos fragmentos por se ha- 
ver perdido, como muitos outros documentos importantes ; delles 
consta que havia pardáo de ouro, no valor de 360 réis Portuguezes, 
e pardáo de 5 tangas, de tres vintens a tanga (pardáo é a denomi- 
nação usada em todos os documentos antigos, da moeda, que agora 
tambem se chama xerafim) e no pardáo de ouro de 5 tangas 360 
réis, ou pagóde, era a moéda corrente a que se reduziam os direi- 
tos e fóros, que se arrecadavam no tempo dos Mouros assim nas ilhas, 
como em Salsete e Bardez, e mais terras do Edalcão, e o mesmo 
no tempo de Affonso de Albuquerque, e depois delle; mas esta 
moeda de pardáos de ouro ou pagódes, ficou em desuso desde que 
nos foraes, a que tenho alludido, se fez menção de tangas e leaes, 
e da sua reducção a réis; e assim pelas contas dos Thesoureiros 
antigos, e arrecadação que estes fizeram, consta que as tangas bran- 


“cas, eram de 4 barganins a tanga, 24 leaes o barganim, e 16 leaes 
20 réis: de sorte que o barganim de 24 leaes cra igual a 30 réis; 


e a tanga de 48 leaes a 60 réis: c assim uma tanga branca de 96 
leaes era igual a 120 réis; por tanto o pardão de 5 tangas, 300 réis ou 
240 leaes; e o pardáo de ouro, 360 ==288 leaes , e por esta fórma 
se reduziam os fóros e direitos que se cobravam. O valor das tangas 
de 60 réis, 48 leaes veio a subir na praça, e chegou a 50 e a 60 
leaes a tanga, que a final foi fixada para a percepção dos fóros, pelo 
védor da Fazenda Simão Botelho, no tombo que fez das Feitorias 
da India no anno de 1552, pela maneira que fica referida, por ser 
aquelle o valor verdadeiro que se pagava no tempo dos Mouros, e 
no de Affonso de Albuquerque. 


518 MEMORIA DESCRIPTIVA E ESTATISTICA N°11. 


nem outra qualficação alguma, e se presume feita no gover- 
no de Mertim Affonso de Sousa, quando as terras desta pro- 
vincia e de Bardez vieram definitivamente ao dominio Portu- 
guez; e por esta lembrança e contas antigas se regularam alli 
os fóros de cada uma das suas aldêas no total de x.º 47.425:4:0. 

As aldêas de Salsete eram obrigadas a pagar os seus fó- 
ros por seus usos e costumes, em tangas brancas de 4 bar- 
gantns; e pardáos, ou pagodes d'ouro de 13 barganins, em 
cada mez do anno, e em uns mais, em outros menos, confor- 
me a novidade da producção, e por esta fórma corria a sua 
arrecadação a feitura do tombo dito. 

Quanto aos antigos fóros de Bardez não existe declaração, 
nem livros em que se achem registados. O tombo alludido ape- 
nas se refere a uma lembrança, que se achou escripta em letra 
gentilica por um Vassú Naique, no anno de 1550, sendo rece- 
bedor das terras de Bardez, e pela qual deu as suas contas, e 
corria a arrecadação. Desta relação consta montarem os tri- 
butos e fóros destas terras em x° 15.515:4:21, que eram 
pagos em tangas brancas de 4 barganins a tanga, ou 13 
barganins o pagode d'curo de 81 tangas (00). 

A estes fóros se accrescentaram mais meios fóros no Gover- 
no do Vicc-Rei Caetano de Mello e Castro, em substituição 
dos dizimós, que então se aboliram, como direi quando tratar 


desta renda, e isto por alvará do mesmo Vice-Rei de 10 de -~ 


Julho de 1705, em resultado de um assento do Conselho da 
Fazenda de 26 de Setembro, e outro da Junta dos tres Esta- 
dos de 4 de Dezembro de 1704, que por alvará Régio de 
13 de Julho de 1709 , foram confirmados. 

As aldĉas , além dos fóros certos obrigaram-se a imposi- 
ções extraordinarias para as urgencias do Estado; a fórma de 
regular esta contribuição esta no $ 3.º do Regimento das 
Communidades de 15 de Junho de 1735. 


(00) Em razão da alteração do preço, «que os pagódes de ouro 
sofriam no mercado, concordou o Vice-Rei D. Francisco Mascara- 
nhas, Conde da Horta, com os Gauncares de Salscte e Bardez, pa- 
garem por cada pardáo de ouro ou pagódes, o preço certo de 8% 
tangas ,-e assim se ficou continuando no pagamento dos fóros destas 
terras. í 


o 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 519 


Os fóros e meios fóros eram, no anno de 1819: 


Nas Mbasi de ÁsÃa . ssh ocê atira Sib avariado 14.101:2:29 
Ea SBsobOs si ess mes puras errada Porrada 70.158:0:00 
Ra Bardem o suit cniadors a da 31.660:0:00 

sFotalo a os 115.919:2:29 

No anno de 1826: 

Nas dhas de. Glam. gs cida nr T 15.416:2:11 
Eita, Salsetes asia ea A O PDR L EDS 86.375:3:27 
RR DEZ SEEC E oo CATIA e Ear 45.566:0:50 

Total: 32.75: 147.358:0:28 


No anno de 1841, como mostram as seguintes relações , 
que posto sejam imperfeitas, não deixam de conter bastante 
interesse, para quem quizer a fundo conhecer este ramo im- 
portante da receita publica de Gôa, e as emendas de que 
carece: e por isso as transcrevo taes quaes foram impressas 
em Gòa, no anno acima. Nas aldêas que levam este signal 7 
se aponta só a população christã. - 


Relação alphabetica das Aldéas da antiga Conquista , sua 
população, e fóros que cada uma poga á Fazenda Fublica. 


Hhas de Góa. 


FÓROS ANNUAES 


ALDEAS FOGOS [POPULAÇÃO f 
ki s E MEIOS FOROS 


Calapor 
Carambolim 
Chimbel 


520 - MEMORIA DESCRITIVA E ESTATISTICA N.º di. 


FÓROS ANNUAES É 


ALDEAS POPULAÇÃO| E MEIOS FÓROS 
XerveiTE, Bis dB 
jo 7.593 4.066:3:44 À 
E Chorão 1.816 1.302:0:48 
À Corlim y ) 388 223:4:57 $ 
E Gugerá. c.... 164:4:42 | 
4 Combarjua + 453:0:00 À 
E Gandaulim ea i TEET 20:1:36 É 
116:3:00 | 
7 32:14:51 $ 
à Durgavady 35 2921:1:48 | 
À Ellá (pp)... 2: 5 381:3:47H 
? ) 346:4:22 é 
$ 907:4:51 
à Goalim Moulá : 256:4:00 E 
à Goltim 015 32:14:51 | 
p 745:4:50 
é Santa Ignez + ; » 
| Malar - 416:4:573 
E » à 
É Mandur ............ A 444 | 2.026 68:1:24 | 
| Mercurim e Agaçaim ....... 471 769 292:4:33 
É Morombim o grande ........ 118 750 363:0:51 
É Morombim o pequeno. ...... 402 288 325:2:03 | 
Murda pikua y deson saties » 617 116:0:10 $ 
NAREDE a e e e ees e » 1.020 371:4:18 
E Neurá o grande. ........... A wmo f | “1.464:0:57 
i Neurá o pequeno. s.o oa. $ ed ora 132:4:36 É 
AOS E SE AA E N » Dr 10:3:42 
Pinan OITA TT RRES 304 740 73:0:00 $ 
à Pangim (qq) ......... ou atoo 1145] 5,527 » 
i Renorady:0b 5a. cus asbalios » 178 » 
10.267 37.718] 12.699:4:093 


[EE E EN Sos TS CR PSD a E 

(pp) Nesta aldêa onde antes era situada a Cidade de Gôs, 
hoje em ruinas e já descripta; se comprehendem ainda, ʻa Freguezia 
da Sé Primacial, e o priorado do Rosario, e Santa Luzia. 

(99) Em Pangim tem a fazenda, entre outros predios urbanos 
de que tira algum rendimento, as casas denominadas da feitoria, 
adjudicadas por execução fiscal. As que foram da viuva Goethal , 
adquiridas por compra, ambas de valor; e outras de menor consi- 
deração, além daquellas em que hoje são todos os estabelecimentos 
publicos, e já referidas, quando de Pangim fallei. 


1842. DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 521 


'FÓROS ANNUAES 


ALDEAS | FOGOS POPULAÇÃO E MEIOS FÓROS 

O E RA 
Transporte. ..... 10.267 | 37.718 | 12.699:4:09% 

REO Ds sds crsçõo SEO 131 348 199:4:12 
Clio HG yo o A Pa » » 34:2:30 
EI A E E re a it, 929 2.053 515:4:30 
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10.392 | 40.246. 13.888:4:484 


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Pap re NS l » 102:0:42 
E or dba a RA (rr) » 50:4:20 
Aldêa de pescadores. ....... » (ss)190:2:40 % 
Ansolná, Velim e Ambelim (tt)| 1,801 7.376 | 2.025:0:21 
ARE E EEA EER ra » » 471:0:06 
ROMEO E + < . ro err OE T 536 2.030 | 1.782:1:51 & 
a 2:o o Soo o criara PESOS 1.077 4.932 | 6.997:2:54 
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mansum =P. Sagres Sds. » 2.084 990:2:11 4 
e ATE ato Forme o) OR 3.534 | 1.923:0:45 


5.289 | 22.150 |19.400:0:154 


(rr) São corporações ou-communidades sem fundos em terras , 
e por isso entre as outras denominadas do vento, e estes fóros pé- 
zam por conseguinte sobre o exercicio da sua profissão. A primeira 
é assim chamada por ser dos Corumbins carregadores de manchi- 
las, que chamam boiazes. A segunda são commumente os que se 
empregam em subir às palmeiras a derrobar os côcos, que brotam no 
cimo dellas. A terceira são pescadores, que pagavam aquelle tributo 
pelo exclusivo da pesca nos rios e praias, que banham esta Comarca. 

(ss) Foram extinctos como adiante se dirá. 

(tt) Posto sejam administradas pela Fazenda Publica, como já 


= referí, fazem com tudo parte da Camara Geral, e contribuem pro 


rata para as despezas do Estado, conforme as Cartas Regias de 19 
de Fevereiro de 1718 e 18 de Setembro de 1719. 


522 


MEMORIA DESCRITIVA E ESTATISTICA N.º 1i. 


FÓROS ANNUAES É 
ALDEAS 


Cavelossim 

Cavorim 

Chandor 

Chicalim + 
à Chicolna 


É Concolim e Verodá (wu) 
E Curtorim 


E Deussua 

à Diparpale 
é Doncolim 
$ Dramapor 
é Gandaulim 


E GA TA Es 


19.400:0:14 
837:1:36 & 
367:1:15 
614:1:06 | 
k56:4:2% À 


227:2:204; 
267:2:00 | 
579:1:564 
281:0:33 | 
572:2:33 É 


077:0:03 à 
221:2:454; 
à Edcarddórca.d kgd o U » » 37:4:04 
P EOGH e dai SUA 1.198 3.536 | 2.773:2:4831 
Marzan isa na a 204 955 1.148:1:06 | 
MaJaa e ERE. a i hs. 1.010 3.299 1.617:2:37 | 
Margao i atas 4,559 | 12.307 | 4.988:0:00 
Mormiúsão Li iate ss: 228 733 1.038:3:09 
Naga da. atada ço Es » » 1.009:4:00 
NIVEA st IET AT 1.096 6.378 » 
ata de Da T Op 290 1.086 1.511:1:13% 
Dae RA STA RE » » 821:2:19% 
Priormordomo ............. » » 30:3:54 
Otelo sims La E fa » » 475:0:19% 
Rachada usa so Sa 447 1.504 » 
Ra RS pi RR, Ar DS 1.200 4.549 | 2.371:2:30 
24.091 | 87.864 | 54.787:1:414 
(uu) Nestas terras é o Condado do mesmo nome pertencente á 


Ex.”* Casa dos Marquezes de Fronteira; cujo rendimento sóbe a 


17.000 x.º por anno. 


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o Feto Pina 


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ALDEAS 


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TIENITI PEITRINO E 


DAS POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ASIA. 


-— -m Mm 


CIO EEE IE a a f 


523 


FÓROS ANNUAES | 


FOGOS |POPULAÇÃO| E MEIOS FÓROS | 
Ta TAR 
24.021 | 87.864 | 54.787:1:414 
» » 395:2:122] 
» 530 1.989:4:555 
» » 660:4:39 
» » » :4:00} 
200 660 1.142:3:4231 
» » 1.069:2:174) 
» » 215:4:3151 
» » 902:2:51 
» » 283:0:57 
» » 425:2:54 
526 2.020 2.300:4:5811 
249 950 853:4:42 
1.050 2.842 3.299:1:0024 
» » 2.073:9:99 


26.039 | 94.866 | 70.401:9:324] 


eras ESSE 


Comarea de Bardez. 


de AA fam NO 


RUBRO: st sro cb T D 
DIERRE + es o avo dé eiar eD 
BBB dl 5 css sis Atos 
+ ESSE Poa WERNER ESA O 1 
INSSONATA) é 1 sega é ROSS DS 


E Basta steus oS 
RANGE o. ico em sis Lo ao a 
EEAO. saque jr oo! ed 
EICAR sc sao E SA: 


Conehelim : .. sz: 
Mandala sida sus Nn 
RBaBorá css ros sa SS 
ROMA: SS Srs PEA, 
a o RES PARTA RE RD DRE : 
EEE. ao 6 Sc E SRS 
Mnbavess sitio Fo ak ds 
MARGA, estro E MISES 
BND, TE PR A vraio 


1.291 5.317 2.874:0:12 

1.266 o 848 1.22%: 1:334 
» » 675:2:05 r 
705 2671 802:0:58 
478 2.250 301:0:07+ 
» » 550:4:384 

1.800 5 844 AA 
» » 705:1:584 
» » 178:0:584 
» » 427:2:101 

1.233 3.500 1.629:3:455 
» » 43:3:011 
907 4.822 462:3:21 | 
» » 70:2:51% 

1.150 3 189 612:1:90 3 
» » » 

2.050 | 11.249 582:2:46L 
» » 417:4:382 


10.880 | 44:690 | 14.92%:1:38 


524 MEMORIA DESCRITIVA E ESTATISTICA Nºdi. 


FÓROS ANNUAES 
ALDEAS FOGOS |POPULAÇÃO| E MEIOS FÓROS 


E 14.924:1,:385 
Mana, Ss 115:4:00 | 
à Moira - vi 1.965 622:1:507 
à Nachinolá É 887 
6.117 
3.307 
» 
1.610 
» 
3 155 
4 Pilerne 2 2.195 
à Pomburpá .... Ge : 1.717 1.385:3: 24 
| Punolá 295:0: 
É Reis Magos 7 «4.875 » 
à Revorá, Nadora e Pirna (vo). . < 95:0:16 É 
À Saliga innau cia es fetos y% 1.225:3:594 
E ISango lda à UA RO UA, 989:1:301 
ESTAD Da ri PR À ; 254 1.768:2:491 
Sirsaim... -' 60:0:47 
à Sirulã... 3.568:0:501 
E Tivim.. 699:1:26% 
E Ucassaim ...., 
à Verulá. 


19 2 
DE OES 3 
w~ g OO 


90.735 | 31.444:0:32 1 


Os fóros de particulares procedem de terrenos baldios, e 
outros afforados a diversas pessoas, ou dos Namoxins incorpo- 
rados na Fazenda, os quaes em Provisão de 21 d' Abril de 


(vv) Estas tres aldêas foram dadas em afforamento pelo Vice-Rei 
Rui Lourenço de Tavora e Mucunda Rane , filho de Zeite Rane seu 
primeiro possuidor ; e depois a seu Irmão Ramogy Rane por Carta 
do: Vice-Rei Conde da Vidigueira do 1.º de Setembro de 1623, com 
obrigação de as guardar e deféndar á sua custa, tanto em tempo de 
paz como na guerra: mas fazendo este para osi Mouros, e sendo em 
consequencia mandadas vender por sentença da Relação de Gôa, fo- 
ram então novamente afforadas a descendentes daquelles, com as 
mesmas clausulas ; do que se lhes passou carta em 17 d'Outubro de 
1638 , e nesta familia tem continuado a sua posse. 


18492, PESCARIAS NACIONÃES. 525 


1771 se nandárão afforar pelo quinquennio do seu rendimen- 
to: € a sua importancia é: 
Munhas de -Góac.s Strass rr o 2702085 
Bam Salsete:. o. consistir io vi ca 15:586:0:00 
Em Bardez, entrando 1.028:3:45 de terras de 

Tiracol afloradas a varios... ............ 1.516:3:21 


Total. .... 18.372:0:26 


Os fóros, meios fóros y e laudemios são arrecadados e pa- 
gos pelas Communidades das aldêas pela fórma estabelecida 
no seu regimento. 

(Continuar-se-ha. ) 


5 PESTA TAEA 
O) -— 


À. pescarias do alto mar, ou se considerem como elemen- 
to da riqueza publica, ou como escóla e viveiro de marinhei- 
ros experimentados, são assumpto de grave importancia, e que 
não só em todos ces tempos mereceu a attenção das Nações 
maritimas, senão tambem o emprego de esforços e sacrifi- 
cios, que por ventura parecerão exagerados, a quem examinar 
esta materia superficialmente, ou sem que possua os elementos 
necessarios para a poder estudar e entender. A nação ingleza, 
que nos dois ultimos seculos, melhor do que todas as outras, 
tem curado de seus interesses materiaes, e com especialidade 
dos maritimos, aproveitou sempre todas as eccasiões opportu- 
nas de affastar a concorrencia estrangeira da pesca do baca!hão, 
e, havendo pelo tractado de Utrecht em 1713, pelo de Ver= 
sailles em 1783, e a final pela cessão do Canadá, esbulhado 
a França de todos os seus bellos Estabelecimentos na America 
do Norte, seria hoje unica possuidora da rica pescaria de suas 
costas e bancos, a não lhe haver, a separação e independen- 
cia das Provincias Unidas, roubado a melhor parte daquelle 
vasto continente. A França reduzida á posse das pequenas ilhas, 
ou antes rochedos, de S. Pedro e Miquelon, e á permissão de 
pescar nas costas da Terra-Nova, sem todavia poder alli for= 
mar estabelecimentos permanentes e ha muito teria visto dese 

Num. 11. 3 


526 PESCARIAS NACIONAES. N.º if. 


apparecer da inscripção maritima os seus doze mil marinhei- 
ros pescadores ,.se um premio annual de quatro milhões de 
francos não alimentasse esta escóla de marinhagem, que o 
-seu Governo considera elemento indispensavel da marinha mi- || 
litar. Ao sustentar esta verba do orçamento nas camaras de 
1841, disse o Ministro do Commercio, que cada marinheiro 
embarcado na esquadra custava 742 francos, ao passo que, ter- 
mo médio dos premios concedidos desde 1816, um marinhei- 
ro pescador custava apenas 232!!... Tal é a grandeza e 
importancia dos esforços que emprega esta nação para manter. 
uma marinha respeitavel. 

-Neste emprego de actividade maritima, disputado e pro- 
tegido como acabamos de observar, coube tambem á Nação 
Portugueza a honra da prioridade : apenas os companheiros dos 
infelizes or aa no descubrimento da Terra-Nova, obser- 
varam a quantidade extraordinaria de cardumes do peixe, que 
abundavam por todas as suas costas e bancos, correram apres- 
surados os pescadores portuguezes áquellas paragens, e sabemos 
pela historia contemporanea, não obstante a escacez das noticias 
ácerca destes assumptos, que logo depois do descobrimento 
se tentou formar um estabelecimento permanente na Hha da 
Terra-Nova, e que a Cidade de Aveiro chegou a enviar an- 
nualmente 69 navios à pesca do bacalhão. Se. juntarmos a este 
numero de embarcações as que sahiam de todos os outros por= * 
tos, e caleularmos a quantidade média do peixe que poderiam 
pescar , veremos que muito devia exceder o consumo do paiz, - 
e consequentemente alimêntar uma rica exportação. Todavia 
este estado florescente não durou por largo tempo: o emprego 
mais lucrativo que o commercio- da Asia abrio aos nossos 
maritimos , a concorrencia estrangeira, e mais que tudo a ri- 
queza progressiya das nossas possessões na America meridional 
e sua navegação facil e exclusiva, começou por definhar, e a 
final inteiramente anniquillou as nossas pescarias do alto mar : 
em prova desta asserção permitta-se-nos transcrever neste lo- 
gar o seguinte periodo de Frei Luiz de Sousa, quando na vida 
do Arcebispo falla das antiguidades e bellezas de Vianna, 

« Mas ncuhum commercio lhes tem montado tanto como 
« o das terras novas do Brasil, que vai em tamanho cresci- 


or 


1842. PESCARIAS NACIONAES. 


27 


« mento, que no tempo em que isto escreviamos, traziam no mar 
« setenta navios de toda a sorte, com que a terra está mas- 
« siça de riqueza, porque se estendem os proveitos a todos, 
« succedendo nos mais dos navios serem armadores, e mari- 
« nhagem tudo da mesma terra. E não parecerá isto muito 
«a quem souber que, havendo oitenta barcos de pescadores 
«-naturaes cincoenta annos atraz, que se contentavam com o 
« pão de cada dia, ganhado com pouco suor nas pescarias de 
« perto, e ao longo da costa; hoje não ha nenhuma, deixan- 
« do todos animosamente a pobreza das redes e a segurança 
« das prayas, pelas esperanças e perigos do alto mar: e fica 


“« sendo a grangeria para os logares visinhos pobres que aco- 


« dem a prover o povo; como tambem o fazem todas as na- 
« ções do Norte, trazendo-lhe grande copia de mercadorias de 
« toda a sorte, e muito pão á conta do retorno que levam da 
« grossura dos assucares do Brasil, que não ha E Se- 
« gundo os muitos que cada dia entram pela barra.» 

Vê-se pois que os Portuguezes não deixaram de ser pesca- 
dores porque neltes esmorecesse a actividade e amor do traba- 
lho, e dos perigos, que tanto os havia distinguido un seculo 
antes, mas tão sómente para trocar animosamente a pobreza 
das redes, pela riqueza e grosso trato da America. 

Hoje todos as circumstancias mudaram: o Brasil já não 
fórma parte dos dominios portuguezes; os lucros do commercio 
da Asia passaram a outras mãos; e os resgates d'Africa já 
não produzem o ouro, que no reinado de D. Toão 2.º concor- 
ria para alimentar as nossas emprezas maritimas. A taboa 
está raza. E mister começar novamente. Não consideramos os 
Portuguezes de hoje menos activos nem menos emprendedores, 
do que o eram os companheiros de D. João 1.º na tomada de 
Ceuta, os caminhos porém são outros: os descobrimentos e as 
conquistas cederam o passo ás artes e à industria : este campo 
é largo, e nelle combatem todas as Nações com -armas iguaes ; 
o numero não dá a victoria. Entrámos ha pouco nesta nova 
senda, e temos na verdade a lutar com todos os embaraços, 
que difficultam as nossas emprezas; mas ainda assim o exame 
do que havemos avançado no curto periodo de dez annos, dá- 
nos esperanças bem fundadas, de que cedo emparelharemos 


k 


528 PESCARIAS NACIONAES. N.º 11. 


com as Nações mais adiantadas: as pescarias do alto mar não 
esqueceram ; formou-se uma Companhia para este fim, e bem 
que os lucros não tenham correspondido às esperanças dos 
accionistas e da nação toda, que muito interessa na sua pros- 
peridade, não foi todavia semente lançada em terra safara , 
têm-se pouco a pouco ereado novos pescadores, e os antigos, 
animados pelo exemplo, têm ousado, e com feliz resultado, afas- 
tar-se das costas e seguir os barcos da Companhia aos Bancos 
da Terra-Nova. Como a publicidade destas emprezas, e seus 
resultados felizes, muito convenha para despertar em outros o 
desejo de partilhar seus lucros e vantagens, pareceu-nos op- 
portuno registar nas folhas dos Annaes todas as novidades que 
podessemos obter ácerca desta industria, cujo desenvolvimento 
interessa tão directamente aos fins da Associação. 

Começaremos pois por extractar e transcrever a seguinte 
carta, que ao Sr. José Paulo Pereira dirije o Sr. Francisco 
José da Silva Ericeira, na qual se dá noticia circumstanciada 
das pescarias feitos por algumas rascas da Ericeira, e dos 
seus resultados satisfatorios. == O Secretario, Joaquim José 
Gonçalves de Mattos Correa. 


HI”? Amigo e Sr. 


Coco. vu... usa... 20 0 o na 0. co... .ec...... “uq q 


ap orn po fais o wla Veio. En OAA o 010 979 ou a in, 5º 0 Co SF o) (0) ofp al Oner Cu Soa O q Ab OCO po 


Observo que V. 8.º, por um acto do bem conhecido zel- 
lo patriotico, que lhe é proprio, apresentára á consideração 


de seus illustres amigos, que compõem a Associação Mariti- - 


ma e Colonial, o espirito laborioso, activo e emprendedor 
dos PiricBiveriads | nas suas lides trabalhosas, e arriscadas; e 

particularmente na arrojada empreza de demandarem, em seus 
pequenos barcos os Bancos da Terra-Nova, e ahi pescarem ba- 
calhão, e que os Membros da mesma scientifica Sociedade, 
apreciando tão heroicos feitos, desejam perpetual-los celebran- 
do-os nos seus Annaecs. Oxalá, que tão judiciosas publicações 


produzam o desejado fim de chamar a attenção do Governo, - 


e do Corpo Commercial sobre este nascente ramo d'Industria, 
de que Portugal póde tirar vantagens considerayeis. 


1842. PESCARIAS NACIONAES. - B29 


Ao facto pois das occorrencias, que tem havido sobre a 
nossa pesca do bacalhão, por me caber a gloria de ser o pri- 
meiro autor della nesta villa, farei uma succinta narração 
do que sobre este importante assumpto se tem passado, satis- 
fazendo por este modo ao que exige, por parte da mencio- 
nada illustre Associação. 

Tendo chegado a Lisboa os primeiros navios, que a Com- 
panhia das Pescarias Lisbonenses expedira em 1836 aos Ban- 
cos da Terra-Nova á pesca do bacalhão, propuz-me eu a 
mandar uma embarcação minha, que com taes idéias, já ti- 
nha construido aqui no mesmo anno; prepara-la, e tripula-la, 
com gente desta villa, para cujo fim consultei o Capitão José 
da Penna, depois da sua chegada, por ser este o que melhor 
pesca então fizera naquelles mares. E com efeito este intre- 
pido nauta, annuindo aos meus rogos, teve a bondade de sa- 
tisfazer completamente às minhas exigencias, habilitando-me 
assim, a levar à prática, o que em theoria eu havia projectado. 

Apesar das dificuldades, que encontrei, pude promptifi- 
car a minha rasca Oito de Julho preparada dos necessa- 
rios para a pesca, e com provisões precisas para 5 mezes 
de viagem. Infelizmente porém aconteceu que, estando a tri- 
pulação disposta para ir a partes, me declararam os mari- 
nheiros nas vesperas da partida, que só emprenderiam a 
viagem a mezes, ganhando 64000 réis mensaes, ao que eu 
annuí, visto que já não tinha outro remedio, por ter feito 
todas as despezas de minha conta tão sómente; por isso que 
era eu o unico dono da mencionada embarcação. 
>~ Tripulada assim com 16 pessoas, incluindo o Mestre Fi- 
lippe Gomes, sahio no dia 8 de Junho de 1837 do ancora- 
douro deste porto, e não tendo encontrado novidade notavel 
no decurso da sua viagem, (mais do que ventos sempre con- 
trarios dos quadrantes do Noroeste, e Sudoeste) deu fundo, 
no Banco Grande, com 30 dias de viagem, e onde se demo- 
rou até 15 de Setembro, dia em que largou, tendo pescado 
4:200 bacalhãos, e uma porção de sólho, com que chegou 
ao ancoradouro deste porto em 7 de Outubro, tendo-se de- 
morado 24 horas na Ilha do Fayal, onde previamente apor- 
tara, para buscar ordens minhas. 


539 PESCARIAS NACIONAES. Neer. 


A viagem não foi feliz, podendo sê-lo, porque o ingrato 
Piloto, a quem eu tinha ensinado, e mandado ensinar o qne 
elle sabia, propoz-se desde o começo della a infelicita-la, 
empregando sempre, que tinha occasião, os meios para o con- 
seguir, sendo elle o que aqui mesmo induzira os marinheiros 
para não irem a: partes; e finalmente, como orgão do mal, 
apresentou em todos os seus actos um espirito desorganisador, 
perverso, e atrazador. | 

Descoroçoados os proprietarios das embarcações deste por- 
to, pelo destavoravel exito desta primeira empreza, desistiram 
de expedir no anno seguinte os seus barcos , para o que aliàs 
se destinavam; todavia, eu continuaria sempre, achando gen- 
te a partes (para p que já havia melhores disposições) se a 
má sorte não permittisse, que désse á costa a referida minha 
rasca Gito de Julho em 21 de Janeiro de 1838, quando 
“impelida de um temporal, arribava a Vigo carregada de mi- 
lho de minha conta unicamente, tendo sahido de Vianna, com 
destino para Lisboa. , 

Posto que nos annos seguintes não continuassem as expe- 
dições daqui, todavia era sempre o assumpto das conversações, 
quando havia opportunidade , o poder-se emprender novas 
viagens, bem entendido, com gente a partes, para se tirar 
vantagem; até que por ultimo, Primo da Costa, desta villa , 

e sociedade com João de Freitas Reis, de Cascaes, se propo- 
zeram a expedir a sua rasca Conceição Porto Seguro para a 
referida pesca, tendo-me previamente consultado sobre o ne- 
cessario, para os arranjos della. 

Com efícito largou esta rasca deste porto, em 19 de 
Abril do corrente anno, com 15 pessoas de tripulação incluin- 
do o Mestre Sebastião de Barros, e o Piloto Antonio Joa- 
quim Ferreira, indo todos a partes, ganhando cada um des- 
tes duas, os marinheiros uma parte, e o barco 10; e ha- 
vendo feito 8903000 réis de despezas, em mantimentos, 
agoada, e utensilios de pesca, é o mais preciso para a via- 
gem, vencia esta quantia 8 partes na razão de 1005009 réis 
por parte. Chegaram ao Banco com 38 dias de viagem, em 
cujo decurso encontraram ventos muito fortes do quadrante 
do Noroeste, que lhes renderam o mastro do traquete, achan- 


uia cul pactos 


18142. PESCARIAS NACIONAES. 591 


do-se então um pouco ao Oeste das Ilhas dos Açores ; de mo- 
do, que jámais poderam fazer uso da véla de prôa, senão 
com bonança. No dia 5 de Setembro chegaram ao ancora- 
douro deste porto com 42 dias de viagem, tendo tocado na 
Ilha do Fayal onde se demoraram 48 horas, com o fim de 
ver se alli podiam venger algum peixe, o que não se verifi- 
cou. Trouxeram 16:599 bacalhãos ; que foram pezados, em 
verde, sacudindo-lhe sómente o sal, e assim produziram 1:873 
arrobas. 

Em 19 de Maio deste mesmo anno, sahio deste porto 
a rasca Hygina, Mestre, Filippe de Barros Quaresma, e 
o Piloto Anselmo Christovão Valverde, com 16 pessoas dó 
todo , de propriedade de Joaquim Ferreira Patacas , residente 
em Lisboa, e do mesmo Mestre, tendo-se promptificado de, 
tudo do mesmo modo, que a precedente, com a diferença 
que o Piloto da Conceição era prático daquella pesca, por já 
ter ido em navios da Companhia ao mesmo fim; e o desta 
nunca lá ter ido, e nenhum outro da tripulação, Chegou a 
Hygina ao Banco com 26 dias de viagem; e trouxe na 
volta 27 não tendo tocado em terra alguma, em toda a via- 
gem. Deu fundo no ancoradouro deste porto em 19 de Se- 


“tembro, com 10:500 bacalhãos, que pescou no Banco; e que 


sendo pezados aqui, produziram 1:374 arrobas. 

Todas as tres referidas embarcações, de lote de sessenta 
e tantas toneladas, pescaram entre 44 e 46 gráos de Latti- 
tude Boreal, e no centro do Banco Grande aproximadamente ; 
não podendo marcar-se uma Longitude exacta, porque os 
Officiaes careciam de meios, com que a podessem determinar 
precisamente; pois apenas faziam uso do oitante, por cuja 
observação meridianna, calculavam a Lattitude, que combi- 
nada com o rumo andado, e distancia, que mediam pela bar- 
quinha, e com o auxilio das taboadinhas de que usavam, ob- 
tinham uma Longitude estimada de 40 a 4i gréos pouco 
mais ou menos ao Occidente de Lisboa; e cuja Longitude 
combina com o fundo, em que pescaram de 32, 35,40, 
45, até 48 bracas; por ser esta a-sonda, que as damas: mos- 
tram naquelles logares. 


Frios, ventos fortes, serrações continuadas , todos encon- 


532 PESCARIAS NACIONAES. Ne it. 


traram; e os dois barcos que foram este anno , viram varias 
ilhas de gêlo, tambem. 

Tem desembarcado o bacalhão nesta villa, e aqui têm 
vendido algum em fresco, e seecando a maior parte, para 
enjo fim o local offerece grandes. proporções para se estabele- 
cerem bons estabelecimentos de sécca, 

Este porto porém da Ericeira, é que em nada favorece 
os seus laboriosos habitantes, por- ser uma pequena praia, 
entre pedras, descoberta de todos os ventos desde o Norte 
pelo Poente até ao Sul, que nunca offerece abrigo senão aos 
pes barcos de pesca ;- pois que os de coberta , que são 

hatores, e em maior numero, não podem entrar dentro sal- 
vo de verão; e mesmo nesta estação, em poucos dias podem 
nelle descarregar. Commummente fundeam fóra, e conduzem-se 
as cargas, que s'importam, em botes, e do mesmo modo se 
embarca, o que se pertende exportar. 

A navegação de cabotagem entre os portos do Reino é, 
pela maior parte , feita por estas embarcações, que tambem 
ás vezes navegam para as Ilhas dos Açores; Madeira, Cabo 
Verde, e alguns portos da Flespanha , França, Inglaterra, 
e alguns tambem do Mediterraneo. 

A estes barcos chamam rascas, têm ordinariamente dois | 
mastros, que contêm “duas vélas grandes latinas sobre o casco, 
e duas mais. pequenas nas extremidades, isto é, uma pela 
prôa, c outra pela pôpa, e por isso que são mais ligeiras e 
preferiveis aos hiates, posto que demandam mais gente, para 
cambar as vélas quando pertendem virar de bordo. 

Sendo este o porto da costa que mais navegação tem 
depois de Lisboa, Porto, e Setubal, e que emprega tão 
grande numero de gente laboriosa , activa, e emprendedora , 
torna-se, recommendavel:á consideração do Governo, para que 
lhe facilite meios de desenvolver-se na pesca do bacalhão , e 
promovendo-lhe meios de melhorar o porto, cuja obra certa- 
mente não excederia a 30:000,8000 réis. 

Se tão verdadeiros factos, cuja narração levo expendida, 
sendo  recommendados , pela sabia Associação Maritima e 
Colonial, não produzirem o desejado effeito na época presente, 
em que as emprezas- nascentes encontram sempre torpeços 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 833 


e dificuldades , servirão certamente elles de futuro, se não de 
estimulo, ao menos de exemplo á posteridade. 
Crendo ter por este modo preenchido os desejos de V. 
“, me confesso ser com a maior consideração, e por sympa- 
ta — De V. 8.º — Affectuoso amigo muito venerador e 
servidor. == Francisco José da Silva Eri iceira. 
Ericeira 12 de Novembro de 1842. 


—— Dto — — 
ARTILHERIA. 


Considerações sobre as Caronadas. 


Pelo Socio Secretario da Secção Militar, Feliciano Antonio Marques 
Pereira (Continuado de pag. 491.) 


Tal é, em resumo, o resultado das experiencias mais re- 
centes, e á vista dellas póde-se talvez concluir, na minha opi- 
nião, que o problema ainda não está completamente resolvido ; 
que os inconvenientes das caronadas a vergueiro fixo estão 
muito atennados mas não estão completamente eliminados ; 
com tudo, resta-nos investigar se no estado de muito melhora- 
mento em que se acha este systema a somma das vantagens 
é ou não superior á somma dos inconvenientes, posto que não 
seja cousa facil o comparar bem na balança moral o peso de 
vantagens com o peso de inconvenientes. 

Para partir pois de principios será necessario concluir das 
experiencias francezas algumas hypotheses, que em tudo tra- 
tarei de modificar adequadamente ao nosso material de mari- 
nha e d'artilheria. 

- Ainda ha pouco tempo se provou por experiencias que o 
nosso cabo de primeira sorte, fabricado de bom linho e com 
aquelle cuidado com que todos deviam ser feitos, era igual ou 
superior em resistencia ao bom cabo francez; e deve tambem 
ser mais elastico, por ter só tres cordões (o de massa) e 
não ter madre ; vê-se tambem pelas mesmas experiencias que 
a resistencia dos vergueiros é muito incerta, advertindo-se que 
os ha promptos de sobrecellente, que facilmente se passam 


534 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 11. 


logo que qualquer arrebenta. Por huma hypothese, que me pa- 
rece bem fundada, digo que os vergueiros de cabo portuguez de 
tres cordões, de primeira sorte ga , no termo medio, uns 
por outres, soportar quinze tiros com um só projectil. 

Desgraçadamente em quasi todas as nossas obras de ferro, 
não lhe. podemos suppor mais no termo medio, do que dois 
terços da resistencia das obras de ferro nas outras marinhas, 
mas como nas experiencias Írancezas não era quasi nunca a 
ferragem que faltava, mas sim a amurada ou trincaniz o que 
mais soffria, e não sendo as nossas construcções, nesta parte, 
menos resistentes do que quaesquer outras, poderemos sem 
grande erro asseverar que, sendo entre nós cuidadosamente 
imitado o systema francez dos gatos, ficariam estas ferragens 
em estado de resistir a sessenta tiros com um só projectil. 

Já pelas idéas que ficam expendidas fizemos conhecer que 
completamente rejeitavamos todo o systema de montar caro- 
nadas, que não fosse em carretas de falcas com rodas, e que 
tratamos d'investigar o systema dos vergueiros fixos, embora 
appareçam ainda montadas de outra maneira na tolda'de al- 
guns navios de guerra inglezes; por quanto, o dilema é muito 
simples : são ellas ou não montadas de modo que seja preciso 
recolhê-las para as carregar e mettê-las depois em bateria, 
para lhes dar fogo? Se assim é, então sejam-no em carretas 
de falcas com rodas onde podem-ser mais facilmente maneja- 
das, onde estão fóra da possibilidade de serem desmontadas , 
e onde finalmente podem ser mais colubrinas e por consequen- 
cia de maior alcance. Contra a razão e a experiencia não ha 
authoridade que valha. 

Continsando pois com os nossos racrocinios , teremos os 
seguintes quadros comparativos : 


Caronadas montadas a vergueiro fixo, comparadas a todos 
os outros methodos de montar a artilheria. 
VANTAGENS. INCONVENIENTES. 


1.º Duplicar approximadamen- 1.º Falhibilidade na resistencia 
te o vumero dos tiros na e segurança dos verguei- 
mesma unidade de tempo. ros. 


18142. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 535 


2.º Diminuir de 2 ou 4 ho- 2.º Total exposição do primei- 


“mens a guarnição de ca- ro carregador aos tiros de 
- da uma Caronada. fuzil do inimigo em quan- 
3.º Augmento dos alcances em to carrega. 


igualdade de armas. 

4.º Menor espaço occupado na 
manobra das mesmas e na 
sua colocação a bordo. 


Se meditarmos bem sobre tudo que fica exposto, não po- 
demos deixar de concluir que as vantagens são todas da maior 
consideração, e que os inconvenientes, posto-que graves, não 
deixam todavia de ficar muito atenuadas se considerarmos, 
em quanto ao 1.º, que poucas occasiões têm apparecido na 
historia dos combates navaes em que cada uma peça dê 60 
tiros que, como vimos, deve ser o minimo da resistencia dos 
gatos da amurada;, pois quanto aos vergueiros facilmente se 
vão passando os de sobrecellente logo que forem arrebentan- 
do, nem isto augmeuta a despesa, porque se poupam as ta- 
lhas de que se não faz uso; e quanto ao 2.º inconveniente, 
por muito proximo que seja qualquer conflito naval, poucas 
vezes essa distancia costuma ser tal, que possa produzir cer- 
teza nas pontarias, ficando por consequencia o risco do pri- 
meiro carregador sugeito ao acaso, circumstancia em que se 
acham todos a bordo de um navio em occasião de combate ; 
o Com mandante mesmo, cuja perda é quasi sempre a da vi- 
ctoria, está constantemente exposto aos tiros de fuzil, e nem 
por isso é morto em todos os combates, posto que deva desa- 
fiar bem as pontarias do inimigo. 

Posto que estas reflexões já assás dão a conhecer qual é 
nosso pensar sobre as Caronadas a verqueiro fixo, com tudo 
deixaremos para as conclusões finaes essa opinião definitiva . 
e passaremos a tratar das Caronadas colubrinas, ou mais 
compridas, ordinariamente com munhões e montadas em car- 
retas de falcas com rodas que, como já disse, merecem um 
logar distincto nos armamentos navaes, pelas razões de com- 
paração que vamos expor, quer em relação ás peças, quer 
em relação ás Caronadas a vergueiro fixo. 


536 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. N.º 11. 


Caronadas montadas em carretas de falcas com rodas, compa- 
radas ás peças que , montadas da mesma maneira, se- ` 
riam proprias a guarnecer a mesma bateria. 


VANTAGENS. INCONVENIENTES. 


1.º Duplicar, pelo menos, o 1.º Diminuição consideravel 
calibre dos projecteis. nos alcances. 
2.º Economia de 3 do pezo 2.º Maior incerteza nas pon- 
da polvora em cada tiro. . tarias. 
3.º Diminuir 2 homens, pelo 
menos, na guarnição de 
cada Caronada. 
4." Mais facilidade pa mano- 
bra, pois sendo menos cur- 
tas do que as peças, reti-- 
ram o metem mais facil- 
mente em bateria ; de que 
resulta poderem dar maior 
numero de tiros na mes- 
ma unidade de tempo. 
5.º Diminuição consideravel de 
pezo, circumstancia utilis- 
sima em occasiões de tem- 
pestade. 


Basta este quadro, que julgo não admittir contradicção , 
para servir da maior apologia a este systema de montar as 
caronadas , e para recommendar a sua applicação em todos os 
navios que, pelas suas boas qualidades veleiras e de barla- 
ventear, possam ter á sua disposição o eliminar o primeiro 
dos inconvenientes, modificando consequentemente o segundo. 
O seguinte quadro comparativo talvez apresente maior diffi- 
culdade na“ decisão : 


1842. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARONADAS. 537 


Caronadas montadas em carretas de falcas com rodas, compa- 
radas ás Caronadas montadas a vergueiro fixo. 


VANTAGENS. INCONVENIENTES. 


1.7 Quasi nenhuma possibili- 1.º Metade (proximamente) do 
dade em arrebentarem os numero de tiros names- 
vergueiros. ma unidade de tempo. 

2.º Ainda menos possibilida- 2.º Augmento de 2 serven- 
de em perigar a seguran- tes, pelo menos, na guar- 
ça da ferragem da amu- nição de cada Caronada. 
rada. 3.º Muito maior embaraço na 

3.º Quasi completa certeza de manobra e na occupação 
que a Caronada não será d'espaço na bateria. 
desmontada pelo fogo. 4.º Quebramento de rodas que 

4.º Os serventes estão todos as outras não têm, e que 
mais a coberto da fuzila- é perciso nestas sabstituir 
ria e metralha inimiga. por outras novas. 


Parece-nos cousa difficil, o podermos tirar uma conclusão se- 
gura e decisiva deste ultimo quadro de comparações, e esta 
excitação talvez provenha, de uma quasi perfeita igualdade de 
compensações. Mas qual é o individuo de marinha militar que 
deixará de ser sedusido pela idéa de um vivo fogo, que mui- 
tas vezes em bem pouco tempo póde, e deve decidir da sor-, 
te de um combate? Tem tanto atractivo esta conjectura que, 
nas seguintes conclusões, não podêmos deixar de lhe prestar uma 
decidida predilecção. 

Conclusão. 

De tudo que fica exposto, parece não haver duvida em 
concluir que as Caronadas são armas utilissimas na marinha, 
sendo porém indispensavel aos navios de guerra que unica- 
mente forem guarnecidos com ellas, o possuirem as qualidades 
necessarias para se aproximarem do inimigo. 

Que, posto que os inconvenientes das Caronadas a ver- 
gueiro fixo vão estejam completamente eliminados, este sys- 
tema deve, mesmo assim, ser adoptado com preferencia ; es- 


538 AVISOS AOS NAVEGANTES. N° 1i. 


pecialmente nos navios menores, pela viveza do seu fogo, pe- 
queno numero de praças nas guarnições, e o menor embaraço 
possivel na manobra. 

Que, logo immediatamente a este systema, deve ser ado- 
ptado o das Curonadas compridas, montadas em carretas de 
falcas com rodas, o qual é mais seguro e conhecido, posto 
que não seja suceptivel de um fogo. tão vivo. 

E que, por ultimo, deve ser abolido completamente o uso 
das Caronadas montadas em coliças, e estrados, retirando e 
metendo em bateria, por isso que não apresentam garantias 
de segurança; nem, melhor do que as antecedentes, augmen- 
tam os alcances ou accelleram o fogo. 


Feliciano Antonio Marques Pereira. 


> me = 


AVISOS AOS NAVEGANTES. 
N$ 18. 
Porto Drogheda ma Costa Oriental da Irlanda. 


Repariição do Lastro em Dublin 9 de Dezembro de 1841. 


À corporação encarregada do melhoramento , e conservação do 
porto de Dublin, faz publico que se acabam de erigir tres faroes na 
entrada do porto Drogheda , os quaes se deverão accender ao anou- 
tecer do 1.º de Março de 1842, e assim continuar d'ahi por diante 
em todas as noutes desde o occaso até o nascer do sol. i 

Soppõe-se as explicações dadas por Mr. Halpin , Inspector dos 
faroes sobre a apparencia e posição dos edifícios. 

Os ditos tres faroes construidos de madeira e pintados de pardo, 
estão collocados sobre os montes d'arêa á entrada do rio Boyne , ou 
Drogheda Harbour. Os faroes de E. e do O. do porto quando disse- 
rem no mesmo alinhamento deverão guiar os navios pelo maior fun- 
do na barra. O farol do N. servirá para os guiar quando estiverem 
dentro da barra ao longo do fundo que se extende desde o travéz 
da torre de aiden até South Crook Point. 

O farol de Drogheda da parte de E. é uma luz fixa esbranquiça- 
da, que se descobre do lado do mar desde E. 4 NE. até ao SE. 44 E; 
está elevado 30 pés acima do nivel da maré cheia em agoas vivas, 
e demora ao SO, 1 O. de Helly Hunter Rock (fóra da entrada de 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 539 


Corlingford Longh) na distancia de 19 milhas maritimas, e ao NNO. 
de Rock-a-bill, na distancia de 1t milhas e meia. 

O farol do O. de Drogheda é igualmente uma luz fixa branca , 
- que tambem se descobre do lado do mar desde E. 1 NE. até ao 
SE. 4 1 E; está clevado 40 pés acima do nivel da maré cheia em 
agoas vivas, c demora ao O. 4 NO. do farol de E. na distancia de 
300 pés. 

O rumo a que estes dous faroes correm deverá variar, se neces- 
sario fôr, logo que houver qualquer alteração no fundo, quer seja 
por causa da mudança dos bancos d'aréa, ou por causa dos traba- 
lhos que estão em andamento para melhorar o porto. 

- O farol do N. de Drogheda é uma luz fixa de côr vermelha , 
que se descobre do lado do canal dentro da barra ; está elevado 20 
pés acima do nivel da maré cheia em agoas vivas, e demora ao NO. 
da barra na distancia de 791 braças e meia, ao N. 4 7 NO. do fa- 
rol de E. na distancia de 390 bracas, e ao NNO. da torre de Mai- 
den na distancia de 140 braças. À 

Os navios que tiverem passado a barra trazendo no mesmo ali- 
nhamento os faroes de E. e do O., deverão mudar de rumo logo 
que descobrirem o farol do N. 

Todos os rumos referidos são magneticos. 

Por Ordem 
H. Vercker, Secretario. 
(Nautical Magasine. — Março de 1842.) 


N.º 19. 
Farol em Demerara. 


Repartição dos Pilotos em Demerara , 24 de Dezembro de 1841. 

O farol deste porto, que até aqui estava pintado de branco, será 
d'ora em diante pintado de listas brancas e encarnadas , alternada- 
“mente; e no sentido vertical, na conformidade de uma recommen- 
dação dos Lords do Almirantado; o que se faz publico para geral 
conhecimento. 

Por Ordem 
W. E. Pierce, Secretario da commissão 
de Pilotagem. 
(Idem, — Idem.) 


l 


ği 


y 


No 4.º de Novembro de 1842. 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 


gd 1 A D a 
Qualidade F Graduações, e nomes 63s ses 
das Nomes sos dos Ses] Eus Destinos 
| Embarcações e Commandantes ZeE |xo E F 
oo : $ 
; Duq:2 deBrag.sa| 50 [Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 5 2 No Téjo e > E Pie 
) E i à 
f Fragatas... < | Diana . s... | 50 Capitão Tenente, J. S. Ramos. ........| 6 »  |NoTéjo( & E a E 
D. Maria II...) 42 [Capitão Tenente, A. R. Graça. ........) NM 6 Para a India— Não de viagem 
Gito de Julho ..| 24 [Primeiro Tenente, J. J. d' Andrade Pinto) 5 2 | Na Estação d' Angola. 
Cotea D. João I.....| 24 [Capitão Tenente, F. S. Franco.........) 5 4 |No Téjo. 
: as Infanta Regente! 24 | Segundo Ten. de Commissão, J. S. Tavares 2 2 Na Estação da India. 
Urânia ........ | 24 (Capitão Tenente, J. M.F. do Amaral.... 5 4 No Téjo. 
Audaz ........| 18 |Primeiro Tenente, F. A. G. Cardozo....) 4 3 | Na Estação d' Angola. 
à Brigues ... 4 | Villa Flori....| 16 [Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 5 + Nas Ilhas dos Açores. 
D. Pedro......| 16 | Primeiro Tenente, T. F. Guimarães, Junior 4 3 No Tejo. 
à Charrua. ....| Principe Real..| » “1Capiião Tenente, P. A. Caminha. ...... i 3 Para Angola. 
Brigue-Esc. Vouga........| 13 |Primeiro Tenente, P. Centurini.,.......) 4. 3 No Algarve. 
a E E cio » Primeiro Tenente, V. J. dos S. Mor.? Lima 3 l De Correio para Cabo Verde. À 
Liberal .,.....| 13 |Primeiro Tenente, J. M. Esteves... a.z.. 4 po No Algarve. 
( Amelia ....... 6 | Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 3 l De Correio para Angela. 
É Escunas,,. < Esperança. .... 8 [Segundo Tenente, A. d'Oliveira........ 3 2  §Na Īlha da Madeira. à 
k i Boa Vista ..... 1 | Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferr.? 1 1 Nas lt. de S.Thomée Principe. 
Nie st ao so als 1 | Segundo Tenente, V. do N. Teive...... 1 1 | Na Estação dºAngola. 
E Correio ,.... |S. Boaveñtura..ļ......| Primeiro Tenente, F. de A. e Silva... | 3 » |De Correio para Cabe Verde. À 
A Cuter. .... .- | Andorinha. ... 6 | Segundo Tenente, P. O. Alves. ........ 1 1 No Tejo, nas sondas da Barra. À 


ANHABS 


MARETEMOS E COLONEAES. 
N? EZ, 
SEGUNDA SERIE, 


y 


ACTOS DO GOVERNO. 


SYNOPSE. 
Novembro de 1842. 


7. I ORTARIA, mandando proceder com a maior brevidade 
à construcção de dois Brigues de Guerra pelo lote do Brigue 
Téjo, um no Arsenal da Marinha de Lisboa e outro na Cidade 
do Porto. 

8. Idem, mandando admittir nå Secretaria do Supremo 
Conselho de Justiça Militar, para alli coadjuvar ós trabalhos 
daquella Secretaria, sem outra yantagem mais do que a de 
ser pago com as Classes effectivas, o Capitão de Fragata re- 
formado , José Joaquim da Costa e Almeida, 

9. Embarcados por armamento no Brigue Escuna Ta- 
mega: Commandante, o 1.º Tenente d'Armada, Joaquim José 
Goncalves de Mattos Corrêa; o 2.º Tenente, João Euzebio de 
Oliveira; o Guarda Marinha, Joaquim Pedro da Costa; e o 
Commissario , Luiz José de Lemos. 

14. Portaria, mandando passar para o Batalhão Naval, 
na qualidade de Aspirante a Official, o Aspirante a Guarda 
Marinha, Antonio Maria Barruncho da Silva e Vasconcellos, 

15. Idem, nomeando interinamente para Administrador 


- Geral das Mattas do Reino, ao Conselheiro João de Fontes Pe- 


reira de Mello, Capitão de Fragata da Armada. 
1 


542 ACTOS DO GOVERNO. N.42: 


18. Decreto. — Attesdendo ao provado merecimento , 
zèlo, e mais circumstancias que concorrem no Conselheiro João 
de Fontes Pereira de Mello, Capitão de Fragata d' Armada, 
e querendo dar-lhe um testemunho do apreço em que tenho 
os relevantes serviços por elle prestados na direcção e com- 
mando da Companhia dos Guardas Marinhas, no Governo Ge- 
ral da Provincia de Cabo Verde, -e em outras Commissões que 
lhe têm sido incumbidas : Hei por bem nomea-lo para o logar 
de Administrador Geral das Mattas, do qual, pelo falecimento 
do Coronel Frederico Luiz Guilherme de Varnhagem , já ha- 
via interinamente encarregado por. Portaria de quinze do cor- 
rente mez. E espero que na importante Administração que ora 
lhe confio, o referido Conselheiro se haverá com o mesmo zêlo, 
e intelligencia com que até agora tem servido o Estado. O Mi- 
nistro e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha e Ul- 
tramar o tenha assim entendido e faça. executar. Paço das 
Necessidades em 18 de Novembro de 1842. = RAINHA. == 
Joaguim José Falcão. 

Idem. Portaria, approvando um augmento: de praças 
nos Navios: Corveta D. João 1.º, Brigue S. Boaventura , 
e Cuter Andorinha, em resultado de proposta feita pelo Ma- 
jor General d'Armada; e declarando outro sim que póde elle 
alterar como for conveniente a classificação da Marinhagem 
uma vez que não altere o numero total das praças que estão 
designadas para cada Navio, nem augmente a respectiva des- 
peza ;. devendo-se tambem entender que, quando houverem 
100 praças ou mais de guarnição, serão embarcados sempre 
dois. Officiaes de Fazenda. 

Idem. | Idem, mandando ficar às ordens immediatas do 
Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha e do 
Ultramar, o Capitão de Mar e Guerra, José Gregorio Pe- 
gado. 
Idem. Idem, mandando addir á Administração do Pinhal 
d'Azambuja e Virtudes, o Capitão de Fragata reformado, 
Francisco Xavier Marques dos Santos; e á do Pinhal dos Me- 
dos o Capitão Tenente reformado, Manoel Antonio de Sousa 
Wal, para alli serem empregados , como convier ao serviço; 
ficando ambos sem direito a outros vencimentos mais do que 


1842. ACTOS DO GUVERNO. 543 


os que actualmente têm, os quaes lhes deverão ser pagos, 
quando receberem as Classes activas do Estado. 

22. Embarcados por armamento na Escuna Cabo- Verde : 
Commandante, o 2.º Tenente d'Armada, Francisco d'Assís 
Tavares; o 2.º Tenente, Filippe Antonio Escrivanis; Escrivão 
Encarregado , Alexandre Miguel Candido Corrêa. 

Idem. Desembarcados por desarmamento da Escuna Es- 
perança: Commandante, o 2.º Tenente d' Armada, Antonio 
d'Oliveira; o 2.º Tenente graduado , Francisco Antonio Cor- 
rêa; o Guarda Marinha, João Capristano de Sousa Neves; o 
Aspirante Francisco d'Assís da Gama Lobo; e o Escrivão En- 
carregado , João Francisco Vieira. 

26. Portaria, mandando addir á Administração do Pi- 
nhal de Leiria, o Capitão de Mar e Guerra reformado, Ray- 
mundo d'Assa Castello-Branco, para alli ser empregado como 
convier ao serviço; devendo elle em consequencia disto rece- 
ber os seus respectivos vencimentos, quando se pagar ás Clas- 
ses activas do Estado, 

29. Ordem Geral. — V. S.º fará constar a todos os Srs. 
Commandantes dos Navios do Estado, que muito lhes é re- 
commendada a exacta observancia do ordenado nas Ordens 
Geraes á Esquadra , datadas em 2 de Janeiro de 1837, e 13 
d'Outúbro de 1838, insertas nas Ordens d' Armada N, 27 
e 50, relativamente a prestarem a maior vigilancia e attenção 
a todos os accidentes de perigo, que occorra a qualquer em- 
barcação tanto no Téjo, como na Barra; a fim de sem de- 
mora, e mesmo sem prévia ordem do Commandante do Porto, 
lhes darem todos os auxilios, que estiverem ao seu alcance ; 
devendo logo que sintam os signaes de — navio em perigo — 
mandar em soccorro as suas Lanchas e Escaleres: capazes. 
Quartel General da Marinha, 29 de Novembro de 1842. = 
Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello, Major General. == 
Sr. José Bernardo da Silva, Capitão Tenente, Commandante. 


544 ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. N NZ. 


eai O (GS o 


ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 
SEGUNDO ANNO. 
Sessão 19.º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Dra de lida e approvada a acta, leu o Secretario dois officios : 
um, do Socio honorario, o Sr. A. B. de Mascarenhas, que tem por 
objecto dar conhecimento á Associação de uma nova doca construida 
em Newport de Monmouthshire, em Galles, e dos direitos, que têm 
a pagar os navios que se utilizarem do seu abrigo; outro, do Sr. 
Visconde de Torre Bella, agradecendo a sua admissão ao gremio da 
Sociedade. 

Tendo-se dirigido á Sociedade o inventor de uma boia que, 
applicada em torno do corpo, disse evitar o afogamento, mesmo das 
pessoas que não saibam nadar; e pedido que o seu aparelho fosse 
por ella examinado, bem como o effeito pratico, que no dia seguinte 
se propunha a experimentar em frente do Arsenal; a Sociedade no- 
meou para este fim uma Commissão, composta dos Srs. João Pedro 
Nolasco da Cunha, João Maria Ferreira do Amaral, e Joaquim José 
Goncalves de Mattos Corrêa. 

O Sr. Presidente communicou á Assembléa, que Sua Magestade 
havia annuido ao convite de honrar com a sua Presença a Sessão So- 
lemne; e apontou varias circumstancias, que obstavam a praca 
designar já o dia em que terá logar. 

© Sr. Secretario Louzada d’ "Araujo apresentou as contas, e leu 
o relatorio da Commissão Administrativa; e seguidamente uma carta 
do Thesoureiro, o Sr. Manoel Luiz Esteves, na qual este Sr., agra- 
decendo a honra que diz lhe tem feito a Sociedade , elegendo-o tres 
vezes consecutivamente para o cargo de Thesoureiro, pede que a 
eleição haja de recahir sobre outro Socio; não porque elle se não 
ache possuido dos mesmos sentimentos de interesse para com a So- 
ciedade, mas em attenção a ter sido empregado em Commissão de 
serviço publico, em que precisa empregar todo o tempo. 

Seguio-se a leitura do artigo dos Estatutos, que designa o modo 
como devem ser examinadas as contas; e passando-se á eleição da 
Commissão , obtiveram maioria absoluta os Srs. José Tavares de Ma- 
cedo, Feliciano Antonio Marques Pereira, e Joaquim Antonio de 
Moraes Carneiro. 

A representação do Sr. Pedro Alexandrino da Cunha, sobre a 
necessidade de domesticar e empregar os elefantes nas conducções 


1842. ACTAS DA ASSOCIAÇÃO. 545 


ao interior d'Africa, que a Associação decidio levar ao conheci- 
mento do Governo de Sua Magestade, teve segunda leitura, e foi 
para esse fim approvada. 

O Sr. Secretario Louzada d'Araujo leu uma Synopse dos traba- 
lhos da Associação , ácerca dos quaes ainda não havia resolução de- 
finitiva; e ponderou a conveniencia de se terminarem alguns, que 
lhe parecem mais urgentes. 

Neste mesmo sentido fallou o Sr. Tavares de Macedo. 

O Sr. Lima agradeceu haver sido recebido Socio, e manifestou 
o seu vivo interesse pela Sociedade, dirigindo ardentes votos de que 
os esforços dos Associados produzam todo o resultado que é de espe- 
rar do seu zêlo e saber. Findo o que, o Sr. Presidente fechou a 
Sessão. š 

Sala das Sessões 5 de Dezembro de 1842. = O Secretario, 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Correa. 


Sessão 20,º 
Presidida pelo Sr. Vice-Presidente. 


Foi lida e approvada a acta da Sessão antecedente. 

Depois o Sr. Secretario Louzada d'Araujo deu conhecimento à 
Assemblea, de que se achava sobre a mesa o setimo volume do Ro- 
teiro Universal, oferecido por seu digno autor, o Sr. Antonio Lopes 
da Costa e Almeida, e duas obras escriptas em inglez, ácerca da 
China, offerecidas pelo Socio, o Sr. Joaquim Antonio de Moraes 
Carneiro, e varios mappas e noticias muito curiosas sobre as espe- 
cialidades daquelle Imperio, que o mesmo Sr. offerece para serem 
copiadas, ou dellas extrahir a Sociedade o que julgar lhe possa con- 
vir. Decidio a Assembléa que se agradecesse a estes Srs. o interesse 
que em suas valiosas ofertas manifestam pelos trabalhos da Asso- 
ciação. 

O Sr. Joaquim José Cecilia Kol leu um parecer da Secção do 
Ultramar, ácerca dos abusos praticados pelos cruzadores inglezes 
na Costa d'Africa Occidental , o qual ficou sobre a mesa para entrar 
em discussão na Sessão seguinte. 

O Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira leu o parecer da Com- 
missão Administrativa e contas apresentadas pelo Thesoureiro, o qual 
ficou igualmente para ser discutido e votado na Sessão immediata. 

O Sr. Secretario Louzada d' Araujo continuou a leitura da sy- 
nopse dos trabalhos da Sociedade, sobre os quaes se não havia ainda 
tomado resolução definitiva; e decidio-se, que da membria do Sr. 
Izidoro Francisco Guimarães, ácerca das Mattas, se trataria em oc- 
casião opportuna ; que a proposta sobre Faróes, já não podia ter se- 


|] 


546 SESSÃO SOLEMNE DA ASSOCIAÇÃO. N.º 12. 


guimento, attendendo a que o Governo se havia ocċcupado deste as- 
sumpto ; e que ácerca das habilitações dos Pilotos, o mesmo Sr. Se- 
cretario houvesse de examinar o estado destes trabalhos, para depois 
informar a Associação : e estando a hora adiantada, o Sr. Presidente 
fechou a Sessão. 

Sala das Sessões, 19 de Dezembro de 1842, == O Secretario., 
Joaquim José Gonçalves de Mattos Corréa. 


i SESSÃO SOLEMNE 


DA 


s 


ASSOCIAÇÃO MARITIMA E COLONIAL DE LISBOA, 
Em 31 de Dezembro de 1842. 


Pai ao meio dia se annunciou a chegada de Sua 
Magestade o Senhor Dom Fernanpo;, Protector da Associa- 
ção; e logo o Excellentissimo Ministro e Secretario d'Estado 
dos Negocios da Marinha e do Ultramar, os Srs. Vice-Presi- 
dente, Secretarios, e mais Socios presentes, entre os quaes 
eram os Srs. Major General d'Armada, e Inspector do Arse- 
nal de Marinha, se dirigiram a recebe-lo, e o acompanharam: 
á Sala do Risco, onde tomou assento no Throno, que para 
esse effeito se havia ricamente preparado. A Companhia dos 
Guardas-Marinhas, formada em linha naquella magestosa Sala, 
fazia alli a Guarda d'Honra a Sua Magestade ; e outra do Ba- 
talhão Naval estava postada dentro do Arsenal, em frente da 
porta da entrada para a Sala da Sessão. Aos lados do Throno 
occupavam as cadeiras, que lhes estavam destinadas , alguns 
Membros do Ministerio, Ministros' d Estado Honorarios , Mi- 
nistros Estrangeiros, o Almirante Visconde do Cabo de S. Vi- 
cente, os Commandantes e alguns Officiaes das forças navaes 
Inglezas e Francezas surtas no Téjo; e um grande numero de 
convidados, entre os quaes se contavam alguns Membros das 
Camaras Legislativas, de Associações Scientificas, e distinctos 
Litteratos, estavam promiscuamente com os Socios no re- 
cinto da Sala. O concurso era numeroso e brilhante. 


1842. SESSÃO SOLEMNE DA ASSOCIAÇÃO, 547 


O Sr. Capitão de Fragata, João da Costa Carvalho, Vice- 
Presidente da Associação, occupando a mesa com os primeiro 
e segundo Secretarios, os Srs. Joaquim José Gonçalves de 
Mattos Corrêa, e Manoel Felicissimo Louzada d'Araujo d'Aze- 
vedo, passou a pedir a Sua Magestade a devida venia para 
abrir a Sessão; e obtida, disse: — « Sua Magestade permitte 
«que se abra a Sessão Solemne da Associação Maritima e 
« Colonial de Lisboa. Está aberta a Sessão. » 

Em seguida passou o Sr. Vice-Presidente a lêr o eloquente 
discurso, que ao diante se segue; e finda a sua leitura, deu a 
palavra ao primeiro Secretario, para lêr o Relatorio dos tra- 
balhos da Associação. O Sr. Vice-Secretario, José Tavares de 
Macedo, leu depois um discurso ou memoria biografica do So- 
cio finado, o Ex.™ Sr. Manoel Gonçalves de Miranda. 

Sendo já a hora adiantada, e tendo Sua Magestade de re- 
tirar-se para ir assistir ao Te Deum, que neste dia se costuma 
cantar na Sé Metropólitana, foi forçoso encerrar a Sessão, antes 
de ser' lida pelo segundo Secretario outra igual memoria do 
Socio, tambem finado, o Ex.”* Sr. Antonio Manoel Lopes 
Vieira de Castro, que ao diante se publica, como uma das 
peças determinadas para esta solemnidade. 

Sua Magestade, depois de significar nos termos os mais 
proprios de sua natural affabihdade, e sobre modo honrosos 
para a Associação, o apreço em que conceituára os seus pri- 
meiros trabalhos, e a satisfação com que via os esforços desta 
Sociedade nascênte a bem do Estado, se retirou, penhorando 
a todos os Socios da maneira a mais distincta e lisongeira, 
pelas seguintes palavras, duas vezes ditas, demonstralivas do 
interesse que toma pela prosperidade da Associação Maritima : 
== PARA O ANNO CÁ VOLTAREL == 

O mesmo cortejo acompanhou Sua Magestade até ao co- 
che: era uma hora e meia da tarde.== O segundo Secretario, 
Manoel Felicissimo Louzada d' Araujo d Azevedo. 


518. DISCURSOS LIDOS Nº? 13, 
——— DE —— — : - 


Discurso pronunciado na Sessão Solemne da Associação Mari- 
tima e Colonial de Lisboa , pelo seu Vice-Presidente, 
o Sr. João da Costa Carvalho. 


Naite: — Pela primeira vez póde a Sociedade Maritima 
e Colonial de Lisboa, cumprir o artigo de seus Estatutos que 
a manda reunir annualmente em Sessão Publica. Dificuldades 
inherentes a todas as emprezas novas; necessidade de estabe- 
Jecer methodo em seus trabalhos; de combinar seus recursos , 
e encargos; de entabolar correspondencias, e colher informa- 
ções, têm sido as causes mais ponderosas que emos dois an- 
nos anteriores impediram a execução de tão salutar preceito. 

Felizmente estes obstaculos acham-se em grande parte 
removidos, graças ao Genio Tutelar de nosso Augusto Prote- 
ctor, ao patriotismo do Governo de Sua Magestade, e ao zêlo 
esclarecido de muitos dos nossos consocios. De ora em diante 
é de esperar que os trabalhos desta Associação se desenvol- 
“vam com regularidade, e sejam proficuos ao Paiz, e que a 
honra que hoje recebe em reunir-se na Presença , e debaixo 
dos auspicios de Sua Magestade, redobre seus esforços, e seja 
mais um estimulo para com circumspecção, e constancia avan- 
car na carreira encetada. Se a tarefa não é fácil, é summa- 
mente honrosa, pois tem em vista a prosperidade nacional; 
unico fim a que se dirige a Associação Maritima e Colonial. 

Senhores. — A Nação Portugueza , pela sua posição geo- 
grafica, não póde deixar de ser maritima e commercial. Os 
nossos maiores assim o entenderam; e d'ahi os portentosos 
feitos de Sciencia e de valor com que assembraram o mundo, 
augmentado e enriquecido de suas descobertas e commercio ; 
e de que são fragmentos as vastas e férteis Provincias Ultra- 
marinas, que ainda conservamos. Sc a experiencia de seculos 
não confirmasse esta verdade, o que se tem passado em nos- 
sos dias, bastaria para leva-la á evidencia. Desde que por in- 
curia, ou fatalidade se deixou arruinar a nossa Esquadra, um 
bando de piratas espalhados pelo Oceano ousou atacar e apos- 
sar-se de nossos Navios mercantes; e as perdas assim causa- 


a» 


1842. NA SESSÃO SOLEMNE. . 549 


das á Nação faram immensas , e irreparaveis. A tal extremo 
chegou então a Marinha de Guerra, que occasião houve em 
que no porto da Capital se não encontrou uma Embarcação 
ligeira para perseguir os Corsarios, que infestavam as costas e 
barras dos portos do Reino; e uma vez, á custa de grandes 
sommas, foi forçoso promptificar a unica Não de linha, que 
se achava no Téjo, para ser empregada em tão affrontoso 
mister: As consequencias deste lastimoso estado foram as mais 
desastrosas. Não havia Marinha de Guerra para proteger a 
mercante; e esta, achando-se desamparada , foi anniquillada 
em grande parte pelos piratas, perdendo-se avultados capitaes 
empregados no commercio maritimo. 

Estas perdas, ás quaes- desgraçadamente se devem juntar 
outras causas, não podiam deixar de muito concorrer para a 
decadencia- da prosperidade nacional. A agricultura e mais ra- 
mos de industria resentiram-se de seus effeitos. Sem commer- 
ció, que procure mercados ao excesso de produeção , que es- 
timulo , ou vantagens podem resultar de produzir e accumu- 
lar? E quando, como em sentido absoluto nos acontece, o 
commercio só póde ser externo e maritimo, será possivel pros- 
perar sem navegação propria; isto é, sem Marinha de Guer- 
ra, e sem Marinha mercante ? 

A Associação, possuida destas idéas, empenha-se com es- 
mero, c dentro da orbita do seu programma, em estimular 
o brio militar e patriotico dos jovens Officiaes de Marinha, 
muitos dos quaes são já, e outros promettem de vir a ser, O 
ornamento da Corporação, em procurar tornar util e soppor- 
tavel aos nossos concidadãos o arduo serviço do mar , para -o 
qual têm decidida vocação ; em descobrir por si, e fazer ado- 
ptar das outras nações, quaesquer methodos que tendam a 
aperfeiçoar a construcção , arranjos internos, aparelho , e ar- 
mamento dos nossos Navios de Guerra; e em indagar o que 
convem praticar para que os Vasos mercantes possam compe- 
tir com os das mais nações, na barateza dos fretes, e expe- 
dição das viagens. 

A este ultimo respeito é de justiça confessar, que muito 
se deve já á pericia dos nossos maritimos do alto mar, e que 
a Navegação nacional se faz hoje com muito mais economia 


550 DISCURSOS LIDOS NE. 


do que anteriormente ; mas tambem é forçoso reconhecer, que 
para a levar ao estado de competir com as Marinhas estran- 
geiras, falta ainda a vencer a parte mais dificil; por quanto 
uão se póde esperar, que sem alguma protecção e grandes 
esforços, uma nação, que compra fóra do paiz quasi tudo 
quanto é indispensavel para navegar um navio, possa concor- 
rer em navegação com as que têm de sua lavra, ou industria, 
todos, ou pelo menos, a maior parte dos objectos necessarios 
para esse fim. 

Tambem a Associação tem empregado o seu desvélo, era 
mais séria attenção em investigar o estado de nossas Posses- 
sões do Ultramar ; e com os esclarecimentos que já possue, e 
com os que espera obter, lisongêa-se de que os seus trabalhos 
poderão concorrer para utilidade geral, e para elevar tão va- 
liosas porções da Monarquia , ao grão de civilisação e prospe- 
ridade que podem e devem gozar. 

Estas Possessões, Senhores, tanto por sua extensão, fer- 
tilidade, riqueza, e variedade de productos, como pelo incre- 
mento que devem dar ao commercio, e á Marinha de Guerra 
e mercante, podem ser em breve, directa, e indirectamente, 
de um auxilio poderoso á Metropole , se os seus recursos fo- 
rem devidamente aproveitados; e clles o serão sem duvida, 
logo que nos persuadamos que os interesses reaes do paiz, e 
mesmo -dos individuos, assim o demandam ; logo que todos re- 
conheçam, que deixar sahir das nossas Provincias Africanas 
os braços que se precisam para produzir, com facilidade os 
mesmos generos que compramos aos Estrangeiros, se não é 
crime de Leza Nação, deve ao menos ser reputado estulticia 
imperdoavel. 

“ Deixemos mesquinhas considerações; não nos importem 
motivos, que por ventura possam ter outras nações para dese- 
jar a extincção do iniquo trafico d'entes racionaes : os verdadei- 
ros interesses da Familia Portugueza exigem que similhante 
trafico cesse, e quanto antes, nos ricos, € ainda famosos Do- 
minios que nos transmittiram nossos antepassados, e realçam 
a Corda dos nossos Reis. 

Desenvolver, e espalhar estas verdades, e demonstrar o 
methodo pratico de conseguir os resultados, é bem merecer 


TE 


18142. NA SESSÃO SOLEMNE. 551 


da Patria; e a Associação Maritirma e Colonial de Lisboa 
não poupará fadigas, nem desvélos para que lhe caiba boa 
parte desta gloria. 


—— «DSG 


Relatorio dos trabalhos da Associação Maritima e Colonial 
de Lisboa, lido na Sessão Solemne pelo seu Secretario , 
o Sr. Joaquim José Gonçalves de Mattos Corréa. 


ago — Uma longa cadêa de infortunios, ou antes a 
acção irrisistivel de circumstancias especiaes e extraordina- 
rias, derribou a Nação Portugueza do fastigio do poder e da 
prosperidade, a que havia sido elevada pelos talentos, e pe- 
las virtudes guerreiras e perseverança tenaz dos nossos ante- - 
passados: a sénhora dos mares , à que, pelo espaço de quasi 
um seculo, possuio o commercio exclusivo da Asia, que enri- 
queceu a geographia com o descobrimento da maior parte do 
Continente africano, de vastissimas regiões nas duas Americas, 
e de Ilhas innumeraveis na Australia e Polinesia; que vira 
tremular as quinas na serie não interrompida de seus Estabe- 
lecimentos militares e commerciaes, desde Cepta a altiva até 
aos recatados Imperios da China e do Japão; a que finalmen- 
te fundou na Terra de Santa Cruz um Imperio vastissimo e 
florescente ; apenas conserva hoje, de tão grande poder e vasta 
dominação, a gloria immortal de haver contribuido poderosa- 
mente para a civilisação e bem estar da especie humana, e 
alguns Estabelecimentos dispersos, pelo immenso litoral onde 
outrora dominava soberana. Não nos coube, Senhores, a 


- ventura de nascer na época brilhante e verdadeiramente poé- 


tica do engrandecimento maritimo ; mas tambem já terminou 
a longa e penosa agonia da decadencia, e não temos de lutar, 
e quebrar nossos brios e energia, contra a acção irresistível 
de causas e circumstancias immutaveis, para sustentar um 
colosso já sem fundamentos, que se abria e se desmoronava 
por todos os lados: a origem, o engrandecimento e a quéda 
do nosso poder maritimo e colonial, é um facto consumado, 
uma historia completa, uma vida de nação inteira e termina- 
da; a geração de hoje acha-se na pozição do náufrago, que 


552 DISCURSOS LIDOS N? 12. 


vira desfeito o baixel nos parceis de inhospitas arĉas , e en- 
golidas as riquezas no. escarcéo dos mares encontrados ; ao 
despertar do primeiro lethargo, molhado e contuso , alonga a 
vista pela amplidão; da praia solitaria, não cura da fortuna 
perdida, junta os lenhos dispersos e, ou tenta construir com 
elles pequeno batel, que o restitua á sociedade dos homens, 
ou, quando para mais não sirvam, accender um lume, onde se 
aquente e enxugue os fatos molhados. As glorias e desven- 
turas passadas pertencem hoje á historia, já nada podem in- 
fluir materialmente na existencia actual; é pois mister esque- 
ce-las, juntar os restos da fortuna dos nossos maiores , pôl-os 
em bom recato e aproveita-los; e se existem espiritos egois- 
tas e mesquinhos, que por ventura julguem mais proveitoso 
alimentar com elles efemera fogueira, aque por algum tempo 
se aqueçam , oppor-lhes a acção unida e constante de animos 
mais generosos, de inteligencias mais amplas e menos impre- 
videntes, taes foram, Senhores, os motivos, tal o pensamento 
que deu origem á Associacão Maritima e Colonial de Lisboa , 
que hoje, e pela primeira vez, se reune em Sessão publica, 
para dar conta dos seus trabalhos. 

Quando os dignos Socios instaladores lançaram no pro- 
gramma da Associação, que seriam seus fins — Investigar o 
estado actual dos Estabelecimentos de além mar, as causas 
presentes ou remotas da sua decadencia, o modo de os fazer 
prosperar, a sua influencia sobre a consideração politica da 
Nação, e augmento da sua riqueza —-concorrer para o in- 
cremento da Marinha do commercio, e para a perfeição da 
militar, analisando a educação maritima, a legislação , e 
quantas outras causas podessem concorrer para animar ou in- 
torpecer a navegação, ramo fecundo da fortuna publica — co- 
nheceram, e bem; toda a gravidade dos interesses, e trans- 
cendencia dos assumptos, cujo cuidado e desenvolvimento lhe 
comettiam:;, e certamente houveram desanimado em seu no- 
bre empenho, a não contarem com a protecção immediata 
de Suas Magestades, com a cooporação de seus sabios Minis- 
tros e concorrencia efficaz de todos os individuos illustres , 
pelo amor das cousas portuguezas, e conhecimento especial 
destes assumptos. Desejos e esperanças tão desinteressadas não 


1842. NA SESSÃO SOLEMNE. 553 


podiam deixar de ser completamente satisfeitos: a Associação 
nascente vio-se crescida e robusta apenas fez conhecer a sua 
existencia e programma; o Governo coadjuvou os seus es- 
forços logo qne foi solicitada a sua concorrencia; e Suas Ma- 
gestades , satisfazendo aos desejos da Associação, levados“ á 
Sua Augusta Presença em respeitosa mensagem , dignaram-se 
de muito a honrar, respondendo que haviam em muita conta 
e apreço os esforços dos associados, que tinham bem fundadas 
esperanças de que produziriam resultados mui proficuos á 
causa publica, e que por taes razões, não só approvavam com- 
pletamente o programma da Associação, senão que gostosos, 
e annuindo aos desejos manifestados, se declaravam seus Pro- 
tectores. 

O primeiro empenho da Associação, assim’ organisada e 
constituida, foi conhecer o estado dos Estabelecimentos Ultra- 
marinos, principio e baze de todos os trabalhos coloniaes ; 
neste sentido o Secretario Joaquim José Gouçalves de Mattos 
Corrêa, e o Sr. Conselheiro Antonio Maria Couceiro, conven- 
cidos de que a falta de conhecimento inteiro dos Estabelcei- 
mentos de além mar, e das circumstantias especiaes e pecu-. 
lares de cada um; as informações inexactas, outras torcidas 
para servirem a fins alheios ao serviço publico, deram sempre 
origem a leis, ordenanças, disposições, e regulamentos colo- 
niaes , ineflicazes , encontrados, e até mesmo inexequiveis, € 
que sem um systema completo de administração colonial, ho- 
mogenio e permanente, em que se attenda a todas as especia- 
lidades locaes, á indole , costumes , religião, estado de civi- 
lisação, e mesmo preconceitos dos povos, que bem e explici- 
tamente lhes marque seus direitos e deveres, nem é possivel 
que taes Estabelecimentos prosperem, nem mesmo retardar a 
sua rapida decadencia ; propozeram, o primeiro destes Senho- 
res, que se creasse uma commissão permanente, a cujo cuida- 
do se comettesse a organisição de uma estatistica completa 
das: Possessões ultramarinas; e o segundo, que na ordem dos 
seus trabalhos, -preferisse a Secção do Ultramar rectificar a 
extensão e limites dessas mesmas Possessões, e o direito que 
a Corda Portugueza tenha sobre outros pontos, o por ventura 
se considere duvidoso, ou seja contestado, 


554 DISCURSOS LIDOS N.º 12. 
Approvadas estas propostas, enderessou logo a Associação 
a todas as Authoridades do Ultramar, e individuos alli resi- 
dentes, notaveis por saber e zêlo do bem publico, uma serie 
de perguntas, em cujo complexo comprehendeu o pedido de 
todas as informações que julgou haver mister; e o Governo 
de Sua Magestade , como primeira manifestação do empenho 
com que protege os esforços da Sociedade , dignou-se de re- 
commendar a todos os Funccionarios do Ultramar , que satis- 
fizessem ás perguntas da Sociedade 7 significando-lhes ao mes- 
mo tempo, que Sua Magestade veria neste acto, uma prova 
do zêlo e boa vontade, que bem era de esperar do seu pa- 
triotismo e illustração. Diversas cousas, Senhores, concorreram 
não obstante para que as noticias até hoje colhidas por este 
meio, não sejam tão amplas quanto fôra de desejar, e gran- 
demente carece a Sociedade, afim de poder levar acabo 
muitos e bem ponderosos trabalhos, já encetados, sobre as- 
sumptos coloniaes: todavia as primeiras informações , manda- 
das pelo Secretario dò Governo Geral de Gôa;, hoje Membro 
effectivo desta Associação, o Sr. Claudio Lagrange Monteiro 
de Barbuda, fòram poderoso auxilio ao nosso digno Secretario, 
o Sr. Manoel Felicissimo Louzada de Araujo de Azevedo’, na 
feitura da sua interessantissima noticia dos Estados da India, 
publicada na segunda serie dos Annaes da Associação ; traba- 
lho que, além da acertada ordem das materias, e da elegan- | 
cia do estilo, tem o merecimento especial de ser escripto por 
um funccionario, que naquelles Estados oceupou, e por largo 
tempo , os. primeiros logares da republica, e que vio, e miu- 
damente examinou , todas as especialidades que relata, 
Tambem do Archipelago e Governo Geral de Cabo Verde 
obteve a Associação, nas communicações do Governador Geral 
e muito digno Socio, o Sr. João de Fontes Pereira de Mello, 
do dignissimo Bispo eleito daquela Diocese, do Vigario da 
Igreja de S. Nicolão, o Sr. Miguel Antonio da Silva, e do 
Socio o Sr. Manoel Antonio Martins, noticias de muito inte- 
resse, com especialidade ácerca do estado actual do antigo 
Seminario, e possibilidade do seu restabelecimento ; assumpto 
que muito occupa a attenção da Associação, bem certa de 
que a instrucção e virtudes do clero são, dos elementos que 


1842. NA SESSÃO SOLEMNE. 555 


contribuem para o progresso moral dos povos, o mais efficaz , 
como elegante e philosoficamente mostrou o digno Socio ex- 
Secretario, o Sr. Conselheiro Antonio Maria Couceiro, na sua 
memoria sobre a civilisação d'Africa, trasladada no primeiro 
numero dos Annaes, 

Com grande cópia de noticias sobre as muitas especiali- 
dades do interior da nossa Africa occidental , se enriqueceram 
os Archivos da Associação pela correspondencia do meritissi- 
mo Capitão Commandante do presidio de Caconda, o Sr. Joa- 
quim Ferreira de Andrade; e tão habilitada se considerou 
logo a Sociedade no que respeita ao conhecimento destes vas- 
tos e remotos Estabelecimentos que, sobre proposta da Com- 
missão permanente de estatistica, encarregou ao Secretario 
Joaquim José Gançalves de Mattos Corrêa de redigir, para 
ser publicada em os Annaes, uma noticia estatistica, geogra- 
phica, e politica daquella parte dos nossos dominios, e ao Sr. 
Secretario Manoel Felicissimo Louzada de Araujo de Azevedo, 
de uma expozição, para ser levada ao conhecimento do Go- 
verno de Sua Magestade , das medidas mais urgentes e indis- 
pensaveis á sua conservação e prosperidade. 

Noticias, bem que menos amplas e desenvolvidas, nos vie- 
ram igualmente das nossas Possessões na Africa oriental, e 
mais Estabelecimentos de além mar. , 

Vendo a Associação que a publicação successiva dos seus 
trabalhos, recommendada pelo artigo 26 dos Estatutos, era 
um dos instrumentos indispensaveis ao desenvolvimento e exe- 
cução do seu programma, julgou dever dar toda a extensão 
possivel a esta publicação, e lembrou á Commissão encarre- 
gada da redacção dos Annaes a conveniencia e propriedade de 
addicionar aos assumptos especificados nos Estatutos , todos os 
inventos, e aperfeiçoamentos em objectos maritimos , devidos 
a Nações estranhas, ou individuos não Socios, a noticia das 
especulações maritimas singulares e seus resultados, o esta- 
belecimento de novas colonias, incremento das antigas, e seus 


. movimentos commerciaes, descobertas recentes de terras e 


baixos, faróes novamente construidos, e finalmente tudo quan- 
to julgasse que poderia interessar ao commercio maritimo , 
aperfeiçoar a navegação, ou concorrer para a prosperidade das 


556 DISCURSOS LIDOS - N.º 12, 


: 


colonias: a sabia commissão, desvelada no desempenho da 
dificil tarefa que assim lhe fôra comettida, deu desde logo 
. começo á publicação dos Annaes Maritimos e Coloniaes , que 
vos são conhecidos, e hoje se acham enriquecidos de crescido 
numero de artigos interessantissimos , sobre todos os objectos 
a que se dirigem os esforços constantes da Sociedade. 

Entre os trabalhos dos Socios, lançados nas paginas dos 
Annaes , merecem particular attenção, a Memoria descriptiva 
e estatistica dos Estados da India, do nosso digno Secretario o 
Sr. Manoel Felicissimo Louzada de Araujo de Azevedo, e as 
Considerações sobre a prégação do Evangelho na Africa, de- 
vidas ao nosso digno Socio, o Sr. Conselheiro Antonio Maria 
Couceiro ; trabalhos, de cujo merecimento já tive occasião de 
occupar a vossa atLenção. $ 

As memorias sobre as Causas principaes da decadencia 
dos Portuguezes na Ásia, e a Educação publica nos Estados 
da India, do mesmo Sr. Secretario, Louzada de Araujo, sobre- 
sahem pelas idéas philosoficas que nellas manifesta seu digno 
autor, e muito conhecimento da historia e especialidades da- 
quellas Regiões. 

Tambem muito alli avulta a expozição do grupo de Ee- 
periencias tendentes a achar o meio de evitar a oxidação do 
forro. metalico dos navios, que ao zêlo do nosso digno Socio o 
Sr. Bernardino Antonio Gomes, e a seu muito conhecimento 
das sciencias naturaes, é devedora a Associação. 

As Observações sobre o actual systema da governo dos Es- 
tados da India, offerecidas. á consideração do Governo de Sua 
Magestade, pelo Socio o Sr. José Maximo de Castro Neto 
Leite e Vasconcellos, e o parecer deste mesmo Sr. ácerca da 
Organisação do Governo de Macão, são trabalhos de summa 
transcendencia, e que nos revelam as vistas extensas sobre 
administração, do seu mui digno autor, e a grande cópia de 
conhecimentos pozitivos que possue sobre o estado. moral e 
religioso, das artes e da industria dos povos da Ásia. 

Na Opinião sobre a defeza do porto de Lisboa, do nosso 
digno Socio, o Sr. Feliciano Antonio Marques Pereira , além 
dos conhecimentos maritimo-militares , transluz o zêlo do bem 
publico, e o amor da gloria. nacional. 


1842. NA SESSÃO SOLEMNE. 557 


Com o titulo de Reflexões tendentes á formação de um sys- 
tema colonial, enriquece igualmente as folhas dos Annaes uma 
memoria, na qual o digno Socio, o Sr. José Tavares de Ma- 
cedo, com apurada critica, e profundo conhecimento das scien- 
cias sociaes , desenvolve grandemente esta questão complicada 
e controversa. , 

O artigo ácerca da Prioridade das descobertas feitas pelos 
Portuguezes nas costas orientaes da America do Norte, escri- 
pto pelo Secretario Joaquim José Gonçalves de Mattos Corrêa, 
para refutar a pretendida prioridade das navegações francezas 
úquella parte do globo, pareceu á Associação que satisfazia o 
objecto. 

Muitos outros trabalhos igualmente recommendaveis, mas 
que por sua natureza e assumptos não foram estampados nas 
folhas dos Annaes, enriquecem os archivos da Sociedade. Muito 
distincto logar occupa entre elles uma memoria do Sr. Izidoro 
Francisco Guimarães, sobre o estado das Mattas nacionaes, 
plantio e educação de novas arvores, e methodo facil e eco- 
nomico de conduzir as madeires de construcção naval ao logar 
do seu emprego. 

Ao digno Socio, o Sr. Lourenço Germack Possollo, deve 
tambem a Sociedade uma noticia de elevado interesse, pela 
serie de feitos gloriosos que nos recorda, e sobre que desperta 
a nossa justa saudade: alguns cantos e alvenarias, dispersos 
sobre o terreno árido e pedragoso , que fórma a pequena pe- 
ninsula de Sagres, não longe do antigo Promontorio Sacro, 
indicavam aos Portuguezes de hoje o logar, aonde fixára ou- 
trora a sua residencia o Infante D. Henrique, e estabelecêra 
a Escóla famigerada, da qual sahiram os habeis e affoutos 
navegadores, que com seus descobrimentos assombraram a- 
Europa, e lançaram os primeiros fundamentos do poder ma- 
ritimo e colonial Portuguez, que tres seculos de desventuras 
não poderam inteiramente anniquillar: o ilustrado Governo 
de Sua Magestade não podia deixar deslembrado para sempre 
logar de tão ricas recordações nacionaes , e ordenou que lá se 
levantasse um monumento, que dissesse ás gerações futuras 
== Foi este o logar aonde o genio mais elevado e generoso do 
seculo 15 viveu dias de meditação e de estudo; aqui se reu- 

Num, 12. 2 


558 - DISCURSOS LIDOS N.º 12. 


niram es geógrafos e astrónomos mais celebres, que então co- 
nhecia a Europa, e daquella pequena enseada sahiram as Ca- 
ravellas, que abriram o caminho da America descobrindo o 
grupo dos Açores, o da Asia franqueando o Bojador. == Ao 
digno Secio coube a honra de ser escolhido para dirigir a 
collocação do monumento, e assistir á sua inauguração solem- 
ne ; repassado das fortes i impressões, que todos os objectos alh 
despertam corações portuguezes, escreveu a noticia que offere- 
ceu á Sociedade, e enriquece os nossos archivos. 

Fòra longo particularizar todas as mais producções que 
possue a es ria e os diversos titulos, que tornam seus au- 
tores dignos de particular consideração, e credores de espe- 
cial agradecimento; mas ainda assim não deixaria de os in- 
dicar, se vós todos, que bem tendes acolhido os nossos Annaes, 
não encontrasseis nelles, na parte em que se publicam as actas 
das sessões, a noticia destes trabalhos , seus fins, e mereci- 
mento. 

As tarefas da Sociedade não ficarão, Senhores, inscriptas 
no campo da sciencia e da hitteratura , levada do desejo bem 
louvavel, de dar impulso e desenvolvimento a todos os ger- 
mens de prosperidade pública, que entra no complexo de seus 
fins, estudou alguns assumptos, que julgou mais descuidados , 
e ousou levar o resultado das suas meditações perante o Go- 
verno de Sua Magestade. 

Pelo fim eminentemente philantropico, e cuidado, e es- 
mero com que foi tratado na secção de marinha militar, avul- 
ta grandemente entre estes assumptos, uma representação so- 
bre soccorros, que é possivel prestar aos navios em perigo na 
barra de Lisboa, e meios de salvamento em caso de naufragio. 

Tambem muito occupou a attenção da Associação a ins- 
trucção theorica e pratica dos Pilotos dos Navios de commer- 
cio, como meio de aperfeiçoar a Marinha mercantil; obser- 
vou-se que a legislação reguladora das habilitações dos Pilotos, 
talvez boa quando possuiamos commercio colonial, extenso, e 
exclusivo , não póde ter applicação util nas circumstancias 
actuaes ; considerou-se quanto concorre para segurança e Cre- 


dito da nayegação, a certeza de que.os maritimos possuem . 


sufficiente saber e experiencia; vio-se por outro lado a ne- 


1842. NA SESSÃO SOLEMNE, 559 


cessidade de a embaratecer, a fim de poder competir com a 
das marinhas estrangeiras ; apresentaram-se varios meios e 
systemas tendentes a conciliar estas necessidades oppostas ; e 
occupa-se hoje uma Commissão especial de coordenar as idéas 
da Sociedade ácerca desta questão dificil e melindrosa. 

A Commissão permanente de estatistica, infatigavel no 
desempenho da sua tarefa laboriosa, não cessa de colligir 
quantas notícias lhe é possivel obter, para completar trabalhos, 
já muito adiantados, e que farão ver com clareza, e inteira 
verdade, o que são os nossos Estabelecimentos de além mar, 
suas necessidades, e melhoramentos possiveis. 

Ao accerto com que têm sido administrados os fundos da 
Sociedade, pela Commissão encarregada da sua applicação, e 
ao zêlo do nosso muito digno Thesoureiro, o Sr. Manoel Luiz 
Esteves, deve a Associação haver podido satisfazer constante- 
mente a seus pezados encargos. Todas as mais Commissões 
permanentes ou especiaes são  etedoras de agradecimento pelo 
interesse que têm manifestado no exame dos assumptos, que 
lhe têm sido comettidos, e acordo de suas deliberações. 

Cumpre-me fallar-vos neste logar de muitos Socios, que 
concorreram efficazmente para a organisação da Associação, e 
que, desvelados no desempenho do seu programma , muito à 
têm coadjuvado em seus trabalhos ; taes são os nossos Presi- 
dentes, os Srs. D. Manoel de Portugal e Castro, Conde de 
Villa Real, e Visconde de Sá da Bandeira, nomes tão conhe- 
cidos, que fòra ousadia fallar-vos de seus merecimentos ; os 
dignos Vice-Presidentes, os Srs. José Xavier Bressane Leite, 
e João da Costa Carvalho, além da ordem e regularidade 
com que têm dirigido as sessões, muito têm toderibúido com 
suas luzes para a confecção dos trabalhos da Sociedade : a 
presidencia das Secções tem sido occupada pelos Srs. João 
Pedro Nolasco da Cunha, Antonio Aluisio Jervis d' Atouguia , 
Esidoro Francisco Guimarães, Manoel Gonçalves de Miranda, 
e Joaquim José Falcão, e a todos estes Srs. deve a Sociedade 
boa parte do acerto e utilidade das suas deliberações; e tanto 
E 670 Daite do ultimo pela efficacia dos exforços da Sociedade 
que, não obstante os graves assumptos, que como Ministro 
da Corda na Repartição dos Negocios da Marinha e Ultramar, 

2x 


-560 DISCURSOS LIDOS No 


occupam actualmente a sua attenção, não tem cessado todavia 
de concorrer ás sessões, exemplo que muito influirá na im- 
portancia dos trabalhos futuros da Associação : como relatores 
e Secretarios das sessões, membros de Commissões, e outros 
encargos e serviços especiaes, têm juz a particular agradeci- 
mento da Sociedade os Srs. Antonio do Nascimento Rozendo , 
Francisco de Paula de Aguiar Ottolist, Joaquim José Cecilia 
Kol, José Joaquim Alves, Antonio Maximiliano Leal, Fran- 
cisco: de Borja Pereira de Sá , Francisco de Paula Barahona, 
Joaquim Maria Bruno de Moraes, Jacinto da Silva Mengo, 
Pedro Alexandrino da Cunha, e Antonio Gregorio de Frei- 
tas. 

São tantos os impressos offerecidos à Sociedade, que para 
fazer menção designada de todos os dignos offerentes, fôra 
mister estender demasiadamente esta exposição ; todavia pede 
a justiça que não deixe esquecidos os nomes de alguns Socios, 
que por este meio têm prestado á Sociedade mui valiosos 
serviços: o Socio honorario, o Sr. Antonio Barão de Masca- 
renhas , Consul Geral em Bristol, além da sua noticia sobre 
o commercio Portuguez naquella parte dos dominios Britani- 
cos, rica de factos, cujo conhecimento muito interessa ao 
acerto das especulações mercantis, tem sucessivamente offere- 
cido á Sociedade todos os impressos alli publicados, em que 
se tratam assumptos conexos com os fins da Associação. O 
nosso Socio honorario e distincto litterato, o Sr. Visconde de 
Santarem, saudando a Associação pelos seus fins eminente- 
mente portuguezes, offereceu como manifestação do vivo in- 
teresse que toma pelas recordações da época immortal dos 
nossos descobrimentos, todas as suas memorias sobre a prio- 
ridade das nossas navegações ao longo das costas occidentaes 
d'Africa, e investigações ácerca de Americo Vespucio e suas 
viagens, trabalhos tão conhecidos e estimados, que fôra ocio- 
sidade fallar-vos de seu merecimento litterario. A nossa bi- 
bliotheca acha-se tambem enriquecida de muitas obras, offe- 
recidas pelo digno Socio o Sr. Antonio Lopes da Costa e Al- 
meida, e entre ellas muito se fez notar o seu Tratado de 
Geografia e Hydrografia, escripto para servir de compendio 
na Companhia dos Guardas Marinhas, e o seu Roteiro uni- 


18492. NA SESSÃO SOLEMNE. 561 


versal, obra que, pela extensão, e pela boa critica com que 
tem sido collegida, muito honra seu digno autor. Satisfaz-me 
muito mencionar neste logar um nome, que nunca fallece , 
aonde se trata assumpto de interesse publico ou gloria nacio- 
nal, o Decano da Litteratura Portugueza, e Membro desta 
Sociedade + O Emincitissimo Patriarcha de Lisboa, dignou-se 
de se occupar dos trabalhos da Associação, e não só lhe offe- 
receu obras de muito merecimento e valor, e dos seus im- 
pressos todos os que tratam de assumptos maritimos, mas 
tambem enriqueceu os Annaes, escrevendo o epithome histo- 
rico da Marinha Portugueza, que se lê nas suas primeiras pa- 
ginas, e permittindo se trasladasse nelles a sua Noticia ácerca 
do Infante D. Henrique e dos descobrimentos de que foi autor 
no seculo 15. Tambem o Sr. José Chelmik offereceu um ex- 
emplar da sua Corografia Cabo-Verdiana, obra que tem o 
merecimento particular de haver sido escripta á vista dos lo- 
gares que nella se descrevem; e o Secretario Joaquim José 
Gonçalves de Mattos Corrêa, apresentou uma descripção das 
maquinas a vapor e sua applicação à loco-moção dos navios , 
a uso dos alumnos da Marinha; trabalho que a Associação 
julgou satisfazer o objecto, e fez publicar. 

A lista dos nomes dos Socios tem sido successivamente 
enriquecida de muitas personagens illustres, não só por letras 
e sciencia, senão tambem por elevada posição social, e deci- 
dido interesse pela prosperidade publica ; sirva-nos, Senhores, 
esta honra para mitigar o justo sentimento de havermos per- 
dido sete Socios, que deixaram esta vida transitoria, e entre 
os quaes, bem que todos zelosos colaboradores nos trabalhos 
da Sociedade, sobre maneira avultayam pelo seu caracter emi- 
nente, e serviços prestados á patria, que bem os chora, os 
Srs. Manoel Gonçalves de Miranda, e Antonio Manoel Lopes 
Vieira de Castro. 

São poucas, Senhores, as Sociedades, cujo objecto tenha 
relação immediata com os assumptos que nos occupam ; não 
obstante, considerando a Sociedade quanto convem a seus fins 
o conhecimento da historia e geografia das nações maritimas , 
e com especialidade dos paizes aonde temos relações commer- 
ciaes mais intimas e extensas, endereçou convite de mutua 


562 DISCURSOS LIDOS NA SESSÃO SOLEMNE. N. %42. 


correspondencia litteraria ao Instituto Historico e Geografico 
Brasileiro; esta Sociedade, fundada no Rio de Janeiro com o 
fim de reunir e dar centro a todas as luzes e- conhecimentos 
historicos e geograficos derramados pela extensão do Imperio, 
e que no curto periodo da sua duração já se acha enriquecida 
de crescido numero de valiosos trabalhos sobre estes graves 
assumptos, apressou-se em corresponder a nossos desejos, offe- 
recendo-nos as suas revistas trimensaes e outros impressos, € 
como prova de consideração enviando ao nosso ex-Presidente 
o Sr. D. Manoel de Portugal e Castro, o Diploma de Mem- 
bro honorario, e ao Secretario Joaquim José Gonçalves de 
Mattos Corrêa o de Membro correspondente : com justa retri- 
buição desta honra rogou a Associação ao sabio Presidente do 
Instituto, o Sr. Visconde de S. Leopoldo, e ao seu meritis- 
simo Secretario, o Sr. Conego Januario da Cunha Barboza, 
quizessem acceitar os Diplomas de Socios honorarios. 

Com não menos interesse foi acolhida pela Real Academia 
das Sciencias de Lisboa a nossa correspondencia e Annaes, 
offerta que aquella illustre Sociedade contribuio, enviando-nos 
o volume das Memorias da Academia ultimamente publicado. 

Sua Magestade, annuindo aos desejos da Sociedade, dignou- 
se de lhe conceder por armas um escudo bipartido, de um 
lado as Quinas, do outro a divisa do Infante D. Henrique, 
por cima a Corôa Real; as Quinas e Corôa , indicando a sua 
alta protecção : a divisa do Infante, a generosidade e nobreza 
dos fins da Associação. 

Fallar-vos dos numerosos trabalhos encetados, e dos pen- 
samentos que a Sociedade tenta realisar, fôra tarefa bem agra- 
davel, e que de certo prenderia grandemente a vossa atten- 
ção, pela gravidade e importancia dos assumptos, mas seria 
entrar em campo alheio, e roubo feito ao Socio, que na fu- 
tura Sessão Solemne haja de occupar este logar mais digna- 
mente. 

Permitti-me, Senhores, que eu termine esta breve expo- 
zição dos trabalhos da Sociedade, trazendo-vos à memoria 
parte do pensamento que lhe deu vida. A Nação Portugueza 
foi grande porque, afastando-se dos caminhos trilhados, e das 
intrigas mesquinhas que occupayam a Europa ao sahir da Idade 


L 


1842. DISCURSO BIOGRAFICO. 563 


media, se lançou generosa no campo largo dos descobrimentos, 
to commercio, e das Colonias: imitemos tão nobre exemplo ; 
ja não temos na verdade mundos que patentear á Europa ad- 
mrada; mas possuidores de grande parte das costas oriental 
e «ccidental da Africa, e de muitos Estabelecimentos no in- 
terim daquelle vasto continente, cabe-nos uma missão não 
menos gloriosa, e por ventura proficua, cumpre-nos levar as 
artes da Europa, e a moral do Evangelho ao seio dos povos, 
que nelle habitam: nossos maiores juntaram vastissimas re- 
giões ac mundo conhecido, juntemos nós tambem ao mundo 
civilisado a grande parte da especie humana alli barbara e 
embrutecida. ==O Secretario, sai José Gonçalves de Mattos 
Corrêa. 
—— O0 


Discurso para ser pronunciado na Sessão Solemne de 31 de 
Dezembro do corrente anno , pelo seu autor, o Sr. Secre- 
tario Manoel Felicissimo Louzada d’ Araujo d Azevedo. 


Sua virtude só, no peito, malma, 
Dentro nos corações imprime e grava 
Respeito... 


OBRAS DE GARRETT. Tomo 2.º 


Ra Magnanimo, Respeitavel Assembléa, ante quem fraco, 
sem alento e vida, ouso levantar minha humilde e desconhe- 
cida voz, consentí que neste logar , consagrado ao fulgor das 
armas , neste logar, cuja scena queahi se passa, cujos ador- 
nos e emblemas, nos despertam dias de gloria, passadas gen- 
tilezas, e acções famosas, que só á historia lusa é dado re- 
gistar; consentí, que eu venha repetir um nome illustre, o 
qual tambem é deste logar, tambem pertence á historia da 
nossa memoravel época , como aquelle , que no serviço da pa- 
tria, nos Conselhos da Corôa, e na Tribuna, se assignalou , ë 
muito enriquece os fastos desta distincta Associação. ` 

Consocios meus, sinceros e Jeaes amadores das cousas pa- 
trias, que tomando a divisa do Excelso Infante, que primeiro 
abrio as portas do Oceano ==Talent de bien faire ==, amarra- 
dos os baixeis em que descobristeis reinos e regiões remotas , 


564 DISCURSO NSta. 


dominasteis mares, que ninguem ousava sulcar sem passaporte 
luso, vos occupais de manter o esplendor e nome dessa Ma- 
rinha, que depondo receios, arrostando perigos, transpoz à 
terrivel promontorio , para crayar marcos portuguezes lá onde 
nasce o dia; e procurais com tanto brio e esmero tornar ueis 
á patria e a si mesmos povos que conquistasteis, e só por 
vosso intermedio, a nós são hoje unidos em uma só fmi- 
Jia: suspendei vossos trabalhos, e neste mesmo theatro de 
vosso distincto patriotismo, ante o Rei Protector da vossa 
empreza, e cuja Avgusta Presença tanto nos ufana, vinde 
prestar uma homenagem á virtude, que é timbre vosso, e 
lançar a ultima flor sobre a liza campa do benemerito Socio , 
cuja perda deplorâmos ; o qual, junto aos degráos do Throno , 
e á porta do humilde; simples cidadão, ou Pastor Evangelico ; 
nos Conselhos da Soberana, ou na Tribuna, foi sempre o ho- 
mem justo, probo e virtuoso. 

Já sabeis, Senhores, que vou fallar-vos do nosso Ilustre 
Socio, o Ex.Ӽ Sr. Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, 
do Conselho de Sua Magestade, Ministro de Estado Honorario, 
Deputado em Côrtes, que no melhor de seus annos, mui per- 
maturamente nos foi arrebatado: mas se a mirrada mão da 
parca inexoravel cortou o fio dourado da sua existencia , ella 
não terá mais poder para apagar o luminoso quadro dessa 
mesma existencia, que me cabe a honra de apresentar-vos, 
sem os ornatos e atavios da eloquencia, que não precisa, nem 
eu possuo; e só pela singela voz da verdade, porque 


Virtude só s'exalta 
Com a verdade honrosa , 
Quanto mais nua tanto mais formosa. 
Marros. Canç. 2.º 


A Comarca de Guimarães, nome já ouvido nos primei- 
ros heroicos tempos da Monarquia, e tão rica de recorda- 
ções na historia patria, se ufana em dar o berço ao Sr. Antonio 
Manoel Lopes Vieira de Castro, que vio nascer em os 15 dias 
do mez de Julho de 1796, na Quinta do Ermo, propriedade 
paterna, no logar de S. Vicente de Passos, proximo á Villa 
de Fafe, daquella Comarca, Governo Civil de Braga. Seus nọ- 


1842. BIOGRÁFICO. 565 


bres Progenitores, José Luiz Lopes de Castro, Capitão “de 
Malta, e D. Anna Maria Vieira de Castro, cram os mais hon- 
rados e abastados proprietarios daquela freguezia, e como taes 
não pouparam disvellos e empenhos para dar ao nosso illustre 
Socio a mais fina e terna educação, que desde seus primeiros 
annos abraçou com a docilidade e candura, que logo se vio 
ser dote primeiro da sua alma; pois ainda na infancia já nel- 
le brilhavam qualidades, que o faziam as delicias dos seus, 
e a admiração dos estranhos. 

A sua instrucção primaria foi confiada a um habil profes- 
sor da Villa de Fafe, ancião respeitavel por suas luzes e bons 
costumes , que bem communicava a seus discipulos; pelo que 


“eram entre outros distinguidos : e por isso alli seguio o nosso 


Socio todos os estudos elementares e preparatorios de outras 
disciplinas, mostrando, neste primeiro periodo da sua vida 
litteraria , perfeita aptidão para a cultura das letras, talento 
superior, e conducta irreprehensivel. 

Penetrados seus carinhosos pais de vivo prazer pelos fru- 
ctos que viam colher da estremosa educação que, segundo 
nossos bons e antigos costumes provinciaes, prodigalisavam a 
seu filho; e anciosos de aproveitar a boa indole e coração can- 
dido de que a natureza o dotára; com razão julgaram, que o 
Sacerdocio era o estado mais adequado a um caracter limpo, 
a uma alma formada para o bem; e neste intuito, não pou- 
pando exforços e despezas, propozeram envia-lo á Athenas 
lusa, para que pelo estudo das leis da Igreja, e do que convem 
a tão alto ministerio, melhor se habilitasse para dignamente o 
exercer, Sempre docil e obediente aos dictames paternos, e por- 
que a estrada que só conduz ao bem, é a que mais o com- 
prazia, o nosso Socio não hezitou; e partindo para Coimbra 


-no anno de 1814, alli fez com applauso os necessarios exames, 


a fim de matricular-se nas escólas da Universidade. Entrado 
nellas, cinco annos eram passados, quando o Sr. Vieira de Cas- 
tro teve, em 10 de Julho de 1819, o premio da sua assidua 
applicação, recebendo gráo de formatura na faculdade de Ca- 
nones, que cursou, com muita distincção, como conforme ao es- 
tado que se propunha abraçar ; e certo de que a pureza de cos- 
tumes é um dos principaes attributos, que devem adornar os que a 


566 DISCURSO NEAR 


elle se dedicam , o seu comportamento civil e moral na Uni- 
versidade, onde, entregue a si mesmo, podia desvairar de 
seus primeiros passos, foi tão austéro e incorruptivel, como 
sob os tectos paternos: bom amigo, e melhor companheiro 
de seus condiscipulos, acatando, sem baixeza, os seus mestres 
e superiores, o nome do Sr. Vieira de Castro era já alli sym- 
bolo da -honradez, e como tal proverbial. Não é, Senhores, hi- 
sonja và, quanto venho de expor; contemporaneo do ilustre Fi- 
nado dou testemunho imparcial: dentro e fóra desta sala não 
falta quem com sua voz ajude meu pequeno brado, e o realce. 

Concluídos os estudos academicos , o Sr. Vieira de Castro 
se dirigio ao Arcebispado de Braga, a sollicitar as habilitações 
canonicas para entrar no Ministerio Sagrado, a que se desti- 
nára. Seus pais- e amigos com prazer o viram iniciado nos 
Mysterios augustos de uma Religião Santa e consoladora:, que 
em si encerra o nucleo de todas as virtudes: sociaes : e o nos- 
so Socio, sincero cultivador dellas , se achou logo em estado 
de as exercer, elevado á Dignidade de Abbade da parochial 
Igreja de S. Clemente de Basto, no mesmo Arcebispado de 
Braga. O seu exercicio parochial foi curto, porque depressa 
acontecimentos extraordinarios o vieram interromper ; porém, 
apresentando uma nova época da vida do illustre Finado, esta 
foi por certo das mais brilhantes, que tenho a referir. Po- 
dendo amontoar riqueza em uma Abbadia de pingue rendi- 
mento, elle o não fez. Esclarecido pela luz do Evangelho sa- 
bia, que as suas rendas eram o patrimonio dos pobres, e que 
por isso não podia locupletar-se sobre a miseria alheia; e as- 
sim, acudindo mais ás necessidades de seus parochianos , que 
aos seus interesses, o Sr. Vieira de Castro mostrava, que 
para se sustentar com decencia, para ter a sua porta 
aberta aos indigentes, que a ella'se aproximam, é que o 
parocho tinha aquelles rendimentos; e na justa distribui- 
ção que fazia delles, levava o conforto ao faminto, ampa- 
rava o triste orfão, a viuva desolada, e familias inteiras 
eram soccorridas. Que appareça o pobre e desvalido, que a 
elle clamou, que não fosse auxiliado, ou o enfermo indigente, 
a quem não fosse levado , até, pelas proprias mãos do seu di- 
gno pastor, o necessario para seu curativo. Emfim, Senhores, 


1842. BIOGRAFICO. 567 


A 


e nisto digo tudo, o seu nome é ainda repetido com saudade ; 
e as lagrimas ainda cahem sobre as faces de um povo 
grato, que o tinha como pai, e o melhor pastor: mas, vir- 
tuoso sem affectação , e franco com todos os que o tratavam, 
o nosso benemerito Socio, reconhecido como liberal, e ver- 
dadeiramente alfecto ao systema constitucional, do que já em 
1820 tinha dado exuberantes provas, não podia escapar á 
catastrophe de 1828; e por isso perseguido , nessa época in- 
fausta, deixou os homens, que até alli beneficiára, para buscar 
guarida entre as féras, pelos montes e serranias, na compa- 
nhia de alguns valentes campeões da liberdade, que nas im- 
mediações de Fafe se mantiveram por muito tempo, sem co- 
nhecer temor com a espada em punho: mas com quanto a 
imperiosa lei da necessidade , a salvação propria, o obrigára 
áquelle forçado exilio; o seu caracter e moralidade o fezi sa- 
hir delle ao primeiro ensejo que se lhe apresentou; e passan- 
do à Cidade Invicta, dalli se embarcou para Inglaterra, dei- 
xando patria e amigos, que muito amava. 

Exposto aos horrores da emigração naquelle paiz e em 
França, para onde depois se passou, o Sr. Vieira de Castro 
não soube deslizar dos principios que invocára; e resignado 
aos Decretos de quem o mundo dirige e governa em sua sa- 
bedoria, alli pensnabagem até que o Immortal Dador: da’Çar- 
ta, o Heroe do seculo 19, de gloriosa e sentida memoria, des- 
embarcou nas praias do Mindello. 

Ao éco estrondoso de tão preclaro feito, que largo tempo 
soou em todo o Universo; e ainda hoje, e nas gerações futu- 
ras se ouvirá com assombro, o nosso Socio acudio prestante ; 
e no cerco memoravel, que não tem igual na historia”, 
constante se manteve, levando o conselho a uns, soccorro a 
outros, e por sua perseverança, e soffrimento , animando a 
todos. Por sua sciencia e caracteristica probidade, foi alli em- 
pregado pelo Principe Libertador nas commissões dos Conven- 
tos abandonados, e em premio de sua virtude e serviços, se 
vio collocado , finda a lucta , no governo da Sé de Viseu, na 
qualidade de seu Vigario Capitular, regia o anno de 1834; 
onde continuou a dar distinctas provas dos requisitos que pos- 
suia, para dignamente exercer aquelle eminente e sagrado 


568 DISCURSO Nº 42. 


ministerio. Um genio isento de paixões, demasiado sensivel 
para com o miseravel e opprimido, conciliador , incapaz de 
trahir os seus principios, pela convicção em que os tinha, 
mais de um, mil exemplos apontará Lisboa, o reino todo, 
que assim o testifiquem, que eu só buscarei aquelle que não 
póde ser contradictado, porque todos nós o presenceáâmos : — o 
apreço e conceito em que a Nação e a nossa Augusta Sobe- 
rana, tiveram sempre o nosso nobre e distincto Socio. — Pelo 
voto nacional nós o vimos eleito deputado ás Côrtes em o anno 
de 1834, primeiro da restauração, cuja honra foi successi- 
vamente feita a suas virtudes e talentos em todas as seguintes 
eleições: assim elle foi duas vezes eleito no anno de 1836, 

em 1838, e 1842, e com verdade podemos dizer, que o Sr. 
Vieira de Castro mereceu sempre a  afleição dos povos que, 
conhecedores do seu coração puro, nelle depozitavam inteira 
confiança. 

Em Setembro de 1836, em uma crise melindrosa, a So- 
berana , chamando-o aos seus Conselhos, confirmou o concei- 
to publico tributado ao nosso digno Socio, o qual com esta 
prova da Real Munificencia, muito se honrou. O Sr. Vieira de 
Castro foi então encarregado das pastas dos Negocios Ecele- 
siasticos e da Justiça, e dos Negocios da Marinha e Ultra- 
mar; e quando os partidos, que desgraçadamente nos dilace- 
ram, eram em ira accesos, o Sr. Vieira de Castro, anjo da 
paz, wle entre elles com summa prudencia conciliar o bem, 
e occupar-se unicamente de medidas utilissimas, urgentes, e 
necessarias aos interesses da Nação. Melhor do que eu, Se- 
nhores , sabeis, por experiencia propria, a dignidade e acerto 
com que o nosso illustre Socio sustentou o peso daquelles emi- 
nentes cargos. Ahi estão multiplices disposições Regias, por 
elle] referendadas, caracteristicas do seu Ministerio. Deverei eu 
deixa-las em silencio? Ellas fallam per si: todavia indicarei 
as que mais avultam, sem recear ainda fatigar-vos, pela su- 
blimidade do assumpto. 

Sabeis, Senhores, que ha ahi homens, que não têm fa- 
miliay mas que são de todas as familias; que são chamados 
como testimunhas, conselheiros e agentes em todos os actos 
mais solemnes da vida civil; que pelo seu estado são os con- 


1842. BIOGRAFICO. 569 


soladores de todas- as miserias da alma e do corpo; a cuja 
porta vão bater o rico e o pobre; que pertencem a todas as 
classes da sociedade; Ministros da Religião , encarregados de 
sustentar a sua pureza, de propagar a sua moral e adminis- 
trar os seus beneficios. Estes são os parochos, que em tão su- 
blime exercicio por ahi jaziam na miseria e na indigencia. 
Ah! e com quanta ufania vos digo, Senhores. que esta gente 
do Sanctuario, que esta classe importantissima na Sociedade 
Christã, que fórma a moral do povo e é seu guia e espelho, 
foi a primeira para a qual o digno Ministro, que a sabia ap- 
preciar, chamou a attenção da Corda, aconselhando-lhe o 
providente Decreto de 19 de Setembro de 1836, no qual, 
occorrendo-se á sua indigencia e ao ultimo abandono a que 
tinha chegado, lhe estabeleceu congruas decentes e is 
em quanto as Côrtes não deliberassem outras. 

As necessidades publicas têm imperiosamente exigido des- 
de muito tempo consideraveis sacrificios de todas as classes da 
Nação, e foi ainda em harmonia com esta exigencia , a que 
uma longa e sangrenta lucta nos levou, que o Sr. Vieira de 
Castro, sem faltar á decente sustentação dessa classe tão res- 
peitavel como independente , nobre e honrada, a Magistratura 
Portugueza , lhe consignou no Decreto de 26 de Setembro do 
mesmo anno, ordenados com que podessem manter com decóro 
uma vida, que só corre na estrada da virtude. 

Houve um colosso judicial, só proprio para galardoar o 
distinctó antor do Codigo Commercial Portuguez, Jurisconsulto 
insigne , de litteratura e merito consumado ; mas que não po- 
dia em nossas apuradas circumstancias durar além delle; e 
por isso o Sr. Vieira de Castro com summo tino e criterio 
aconselhou a extineção do Supremo Magistrado Commercial, 
que o Decreto de 30 daquelle mez abolio; extendendo aliàs 
as funcções do Ministerio publico ao mesmo tribunal, como 
muito convinha aos interesses publicos, em Decreto de 31 do 
mesmo mez. 

Na Marinha marcou o Sr. Vieira de Castro uma época 
memoravel. A organisação do Batalhão Naval para guarnição 
dos navios de guerra e serviço da sua manobra e artilheria’, 


“aconselhada nos Decretos de 7 de Dezembro de 1836 e 7 de 


570 DISCURSO NETA., 


Janeiro de 1837; e aquelle que regulou a fórma das matri- 
culas dos navios mercantes, como exigia o Codigo commercial 
nos artigos 1316 a 1320, são d'extraordinaria vantagem á 
Marinha de guerra e mercante. À primeira adquirio melhora- 
mentos, que todos vós, Senhores, apreciaes; a segunda occor- 
reu a graves inconvenientes, muitas vezes representados pelos 
Consules Portuguezes nos portos Estrangeiros, por diversas 
authoridades do Reino, e pelo interesse geral do Commercio, 
donos e capitães dos navios; e sobre tudo, pela dignidade da 
Nação Portugueza, cujos navios appareciam no estrangeiro em 
um estado vergonhoso, quanto a seus papeis de bordo, 

A creação do Conselho de Saude Naval, em Decreto de 
24 de Novembro de 1836, cuja utilidade tanto se faz co- 
nhecer, é devida á sua sollicitude. Na mesma data soube elle 
acudir com a reforma, tambem exigida, na respectiva Secre- 
taria de Estado e suas dependencias, reduzindo os ordenados 
dos seus empregados, sem fraudar uma honesta subsistencia. 

Foi o Sr. Vieira de Castro o primeiro que attendeu e 
buscou occorrer aos males que sofriam as nossas provincias 
d'além mar. Essas perolas tão bellas da Corda Portugueza se 
ressentiam fortemente das crises extraordinarias por que pas- 
sára a metropole : umas definhavam sem protecção, nem go- 
verno seguro ; outras, envolvidas em dissensões intestinas ; 
aguardavam o remedio, que da mai patria lhes fosse levado, 
mas umas e outras lá iam aos vaivens da sorte. O Sr. Vieira de 
Castro, pressuroso em acudir ao bem geral, estabeleceu defini- 
tivamente os Governos e Authoridades ultramarinas, deu or- 
ganisação à Relação de Gôa em harmonia com as outras do 
Reino, por Decretos de 7 de Dezembro de 1836, regulando 
sabiamente os vencimentos de todos os Empregados; e, acon- 
selhando á Soberana o Decreto de 16 de Janeiro de 1837, 
que restituio as Juntas da Fazenda no Ultramar, fez um ser- 
viço relevantissimo e deu uma prova não equivoca de quanto 
sabia apreciar aquellas de nossas muitas instituições antigas , 
de reconhecida utilidade, e o proveito de que estas Juntas 
são, na Administração da Fazenda, por aquellas partes. À re- 
gulação da Justiça na Provincia d’Angola e outros pontos das 
nossas possesões Africanas, são ainda actos da sabia e provi- 


5 


18142. BIOGRAFICO. 57i 


dente Administração do illustre Finado, na Secretaria dos 
Negocios do Ultramar. 

Ainda o Decreto de 17 de Janeiro de 1837, por elle re- 
ferendado, que fez livre a exportação da urzella nas provin- 
cias d' Angola, S. Thomé e Principe, e Moçambique , em na- 
vios portuguezes, para qualquer porto portuguez, e outros ten- 
dentes a proteger e melhorar o commercio daquellas ricas e 
importantes terras, são outros tantos monumentos á sua gloria, 
e ao acerto e previdencia com que dirigio negocios tão trans- 
cendentes a seu cargo. 

Depois de assim essencialmente contribuir para a felici- 
dade publica e bem do Estado, o Sr. Vieira Castro deixou o 
Ministerio em principios de Junho de 1837, assignalado com 
os actos providentes e sabios que tenho relatado, praticados no 
curto espaço de nove mezes. Provido depois no logar de Guar- 
da-Mór do Archivo da Torre do Tombo desta côrte, confia- 
do ás suas luzes e conhecimentos , elle o occupou com igual 
dignidade em quanto a Sua Magestade approuve conseryailo no 
seu exercicio: sahio delle, bem como dos precedentes, coberto 
de gloria, sem a mais leve nota em sua mui firme e bem es- 
tabelecida reputação, conservadas as respectivas honras, das 
quaes as mais preciosas foram, viver pobre, e sempre amado, 
e respeitado em todos os campos. 

Bem quizera, Senhores, ir ávante em meu mal tecido dis- 
curso; mas © assumpto é vasto, rico em demazia; e por isso 
digno de mais subido canto, que o meu rouco e desafinado. 

Uma doença aguda, inesperadamente accometteu o Sr. Viei- 
ra de Castro, o mal cresceu, e com elle o cuidado dos seus 
amigos e conhecidos. A medecina deu o annuncio preságo, 
mandando-o para os ares do campo, mas a enfermidade não 
cedeu, e os esforços da arte, postos em pratica por habeis 
facultativos, não tiveram poder para evitar o golpe fatal; a 
kora tremenda soou no dia 20 do mez de Setembro ultimo , 
em que, no sitio de Campolide, junto a Lisboa, entregou o 
espirito ao Creador, depois de recebidos os auxilios de uma 
Religião pura, e consoladora, que anciosamente supplicou. As- 
sim passou a existencia do Cidadão probo, Ministro integer- 
rimo, e Legislador profundo. Assim fugio a vida do nosso 


572 LISTA DOS DONATIVOS N22. 


distincto e sempre honrado Socio o Ex.”” Sr. Antonio Manoel 
Lopes Vieira de Castro, a quem , respeitadores de suas vir- 
tudes, tributamos este ultimo testimunho de saudade e de 
consideração. Seus amigos nos braços conduziram o corpo exa- 
nime ao pavoroso sepulchro, onde repousa. Um Deos de Jus- 
tiça, um Deos que o ha julgado, lá do alto lhe acena, sua 
voz sacrosanta ainda se escuta ; 


« Sóbe alma venturosa á eternidade. » 
e GARRETT. Log. cit. 


M O (Ge 


Lista dos donativos offerecidos á Associação Maritima e Colonial 
de Lisboa, até ao dia 19 de Dezembro de 1842. 


A Academia Real das Sciencias de Lisboa — 1 volume, 
recentemente impresso, das suas Memorias. 

-O stituto Historico e Geographico Brasileiro — A sua 
Revista Trimensal, e outros impressos. $ ; 

A Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa — O seu 
Jornal. 

A Sociedade Pharmaceutica de Lisboa — Dito. 

A Sociedade Promotora d' Industria Nacional — Dito. 

A Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis — O 
Panorama. 

O Socio, o Eminentissimo Sr. Patriarca Eleito — Re- 
flexões ácerca do Infante D. Henrique, e dos Descobrimentos 
de que elle foi autor no seculo 14.º 1 vol. escripto pelo mes- 
mo Eminentissimo Senhor. — Regulations, and Instructions 
relating his Majesty's service at sea. 1 vol. — Geographie des 
grecs analysée , par Mr. Gosselin. Naval Instructions. 1 vol. 

O Socio Honorario, Ex.mo Sr. Visconde de Santarem — 
Recherches historiques , critiques , et bibliographiques sur 
Americ Vespuce, et ses voyages. 1 vol. — Recherches sur 
les pays situés sur la côte Occidentale de l'Afrique. 1 vol. — 
escriptos por S. Ex.” 

O Ex.” Ministro e Secretario d’ Estado dos Negocios Es- 


`t 


1842. OFFERECIDOS Á ASSOCIAÇÃO. 578 


trangeiros — Memoria sobre a prioridade dos descobrimentos 
portuguezes na Africa occidental, pelo Ex:™ Visconde de San- 
tarem. 1 vol. — Relação dos faroes que se accendem em to- 
das as costas de França, publicada por ordem do Ministerio 
das Obras Publicas daquella Nação. 

O Socio, Ex.” Sr. D. Manoel de Portugal e Castro — 2 
mappas estatisticos dos Estados e exercito da India: e outro 
dito muito completo da ilha da Madeira, e das obras publicas 
feitas, durante o, seu governo na mesma ilha, para serem co- 


piados. — 
A Ex”: Sr. D. Thereza Maria Alvares Fernandes Xa- 
vier Botelho — Opusculo sobre a extincção da escravatura, e 


suas consequencias em relação aos nossos estabelecimentos d'A- 
frica; obra posthuma do Ex.™ Sr Sebastião Xavier Botelho. 

O Socio. Honorario, Hit.”º Sr. Antonio Barão de Mascare- 
nhas, Consul Geral da Nação Portugueza em Bristol — Com- 
mercio Portuguez em Bristol e portos adjacentes. — Tractado 
d'Architectura Naval de Mr. Creuse , publicado pelos proprie- 
tarios da Encyclopedia Britannica. 4 vol. Varios folhetos con- 
nexos com os fins d' Associação Maritima. — Varios N.° idem 
do Atheneum, jornal de litteratura, sciencias, e artes liberaes ; 
outras publicações e jornaes ácerca de soccorros em caso de 
naufragio , e nova construcção de ancoras. 

O dl. Sr. Luiz Valdez — Um mappa hydrographico 
das barras d'Agoada e Murmugão , no porto de Goa. 

O Tl.” Sr. Matheus Valente do Couto — Astronomia 
spherica e nautica. 1 vol. — Principios d'optica applicados á 
construcção dos instrumentos astronomicos. 1 vol. pelo mesmo Sr. 

O ill.” Sr. João de Mello Sousa da Cunha. — Memoria 
Genealogica e Biographica dos tres Tenentes-Gencraes Leites. 
2 vol. 

O Socio Honorario, M”? Sr. Joaquim Ferreira d'An- 
drade , Commandante do Presidio de Caconda — Derrota que 
fez o Tenente d'Artilheria, João Francisco Garcia, Comman- 
dante do novo estabelecimento da bahia de Mossamedes , indo 
por ordem do Governador geral d'Angola abrir communicação 
desta bahia ao presidio de Caconda, e notar o que encontrasse 
diguo de observação no seu transito. » 


Num. 12. 3 


t 
BTA, À LISTA DOS DONATIVOS N.º 12. 


O Socio, Hl.”º Sr. João da Costa Carvalho, Vice-Presi- 
dente d’ Associação — Mappa Geographico dos Estados de Gôa, 
comprehendendo todo o territorio das velhas e novas Conquistas. 
- O Socio, Fl” Sr. Joaquim José Gonçalves de Mattos Cor- 
réa, 1.º Secretario — Descripção das Maquinas a vapor, e sua. 
applicação à navegação, para uso dos alumnos da Marinha. 1 vol. 
e a propriedade da mesma obra, escripta pelo mesmo Sr. 

O Socio, 1.º Sr. Manoel Feidisiámo Louzada d' Araujo 
d’ Azevedo, 2.º Secretario — Uin mappa topographico da praça 
de Pamão e suas dependencias. — Resumo Historico dos es- 
tabelecimentos portuguezes e missões na China, por Sir An- 
drew L'liungstede, com uma descripção supplementar da ci- 
dade de Cantão. 1 vol. 

O Socio, Tl”? Sr. Antonio Lopes da Costa e Almeida — 
7 vol. do seu Roteiro geral. — Tratado de Geografia e Hy- 
drografia, para servir de compendio na Companhia dos Guar- 
das Marinhas. — Memoria Estatistica da Iha de Santa Ca- 
tharina. — Viagens mandadas executar pelo governo francez 
em 1768 e 1769, com o fim d'observar as alterações das 
marchas dos chronometros em diversas latitudes. 2 vol, — Um 
mappa do numero- d'individuos pertencentes aos officios em- 
bandeirados, até á extincção da casa dos vinte e quatro. 

O Socio, Til.” Sr. Antonio Maria Couceiro — 6 exem- 
plares do Indice Chronologico das navegações, viagens, desco- 
brimentos, e conquistas dos Portuguezes nos paizes ultrama- 
rinos, desde o principio do seculo 15 

O Socio, Hl.”º Sr. Feliciano Antio Marques Pereira — 
Histoire de la Marine. 3 vol. 

O Socio, IU.” Sr. Antonio Gregorio de Freitas — Ma- 
nuscriptos, contendo uma descripção do caminho que, ao longo 
do littoral, conduz da Bahia de todos os Santos ao Rio de Ja- 
neiro, indicando os rios e portos que podem ser frequentados 
por embarcações d'alto mar e.costeiras. — Memoria hydro- 
graphica das Ilhas de Cabo Verde, pelo capitão de mar e 
guerra, Antonio Pussich. — Ensaio Phisico e Politico da Hha 
de 5. Nicoláo, pelo mesmo autor. — The British Trident, 
contendo uma colleção de batalhas navaes celebres. § vol. 

O Socio, Hl.” Sr. Joaquim Antonio de Moraes Carneiro 


as v 


1842. OFFERECIDOS Á ASSOCIAÇÃO. 575 


— Planta ou Prospecto do frontespicio da Igreja de S. Paulo 
em Macão. — Descripção da Cidade de Cantão, sua impor- 
tação e exportação, pesos e medidas Chinezas. — Narração dos 
ultimos acontecimentos na China, por John Slade. 1 vol. 1839. 
— Duas plantas em ponto grande e pequeno da Cidade de 
Pekim, com uma minuciosa “descripção desta capital do Im- 
perio Chinez. — Planta do Edifício que comprehende a Ca- 
thedral, Paço episcopal e Seminario portuguez na mesma Ci- 
dade. — Prospecto ou frontespício da Cathedral, dita da 
Conceição. — Planta do Cemiterio Portuguez em Pekim sito 
fóra das portas a Oeste da mesma Cidade. — Estas plantas 
são acompanhadas d'uma noção historica destes edificios, e 
seu estado actual. — Duas plantas da Cidade de Cantão, uma 
dellas illuminada, e em caracteres chinezes. 

O Socio, Hl.” Sr. Lourenço Germack Possollo — Deseri- 
pção e planta do padrão mandado erigir na Villa de Sagres á 
memoria do Infante D. Henrique. 

O Socio, IU”? Sr, José Conrado Carlos de Chelmiki — 
Corographia Cabo Verde, ou Descripção Geographiço-Elistorica 
da Provincia das Ilhas de Cabo Verde e Guiné. 1 vol. publi- 
cado pelo mesmo Sr. 


Jornaes retribuidos pelas Respectivas Redacções. 


O Acoriano, o Angrense, o Antiquario, o Archivo Popu- 
lar, a Bibliotheca Familiar e Recreativa, o Commercio, o 
Correio das Damas, o Defensor, Gazeta dos Tribunaes, o Ra- 
malhete, o Recreio, a Restauração, a Revista Litteraria, a 
Revista Universal. 

Jornaes Estrangeiros, 


L'Abeille , El Archivo Militar, L'Fgide, El Fanal. 


3x 


AVISO Á MARINHA MERCANTE. Nº da. 


[bio 
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——— ED E 


AVISO Á MARINHA MERCANTE. 


Nisika aos desejos do nosso Socio honorario, o Sr. Antonio 
Barão de Mascarenhas, Consul Geral Portuguez em Bristol, manifes- 
tados no seguinte S. de uma carta de S. S.”, se transcreve a noti- 
cia a que alli se allude. 


« Tomo a liberdade de transmittir a V. um exemplar dos di- 
reitos de uma nova dóca ultimamente aberta no porto de Newport em 
Galles; e se parecer seria bom fosse publicado nos Annaes , para 
informação dos Navegantes. Deos Guarde a V. por muitos annos. 
Consulido Portuguez em Bristol 18 de Novembro de 1842. — H1.”º 
Sr. Secretario da Associação Maritima e Colonial. — (Assignado) == 
Antonio Barão de Mascarenhas » 


Newport Monmouthshire Outubro de 1842. 


Em 10 do corrente se abrio a nova dóca neste porto, removidos 
todos os inconvenientes e impedimentos que até aqui a obstruiam ; 
o que se faz publico, com a lista dos direitos estabelecidos pela 
Commissão, para conhecimento de todos os capitães de navios, e. 
bem assim qual é hoje a extensão, largura, e profundidade da en- 
trada nas portas; e por conseguinte a sua capacidade para receber 
navios de qualquer lote. 


Extensão da entrada ......... ECA SANTA De aa veto DA ÉS. 

Largura da entrada ....... cet RG a aaa RE adora E 5000» 615 ditos. 
Profundidade em baixa mar (agoas VIVas Jo ge (o o Pal aa tiva a 16” ditos. 
Profundidade em preamar regular. .................. 30 ditos. 


Direitos. 


Navios em lastro de qualquer parte do globo.......... 3 


Navios com carga procedentes de portos e logares fóra r$ 
do Estreito de Gibraltar, e em volta do Cabo do Norte f Es 
Vindos de qualquer porto ou logar da Europa em volta es 
do Cabo do Norte; de qualquer porto ou logar na Eu- > 6 | S 
ropa, Asia, ou Africa dentro do Estreito de E ma Bar Y AE 


De algum outro porto ou logar de qualquer parte do 9 
PA a EE AS. PE a a ENN : 
Navios com carga, ficando fóra, o mesmo que estando dentro 
da dóca. 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 577 


AVISOS AOS NAVEGANTES. 
N.º 20. 


Farol em Gibraltar. 
Trinity House, Londres , 6 d'Abril de ASH. 


Fersoy quasi concluido o edificio do farol, que se está cons- 
ruindo em Gibraltar, faz-se publico que o dito farol será illuminado 
pela primeira vez ao anoitecer do 1.º d'Agosto proximo, e assim 
continuar em todas as noites desde o pôr até o nascer do sol. 

Os navegantes deverão observar que o edificio do farol está si- 
tuado na Ponta da Europa, e nelle se ha de accender uma grande 
luz fixa, na elevação pouco mais ou menos de 1450 pés acima da 
superficie do mar. a 

Por Ordem. 
J. Herbert , Secretario. 
(Nautical Magasine. — Março de 1842.) 


N.º 24% 
Farol no porto de Dover. 


Addicionamento de uma luz vermelha sobre a extremidade do molhe 
do Norte, á entrada do porto de Dover. 


Faz-se publico que depois de 4.º de Maio proximo em diante, 
se hade collocar uma luz vermelha na extremidade do molhe do N., 
12 pés acima do nivel das agoas vivas, em addicionamento á luz 
que existe no molhe do S., e ambas ellas se deverão accender 
quando houver 10 pés d'agoa, e apagar-se logo que desça a agoa a 
menos de 10 pés. 

Por Ordem, etc. 
John Iron, Piloto do Porto. 
(Idem. — Idem.) 


578 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º dit. 


Nº 29, 
Table Bay. 
Cape Town, 1.º de Março de 1842. 


Direcções para entrar de noite em Table Bay (Bahia da Mesa no Cabo 
da Boa Esperança) segundo o plano traçado conforme as obser- 
vações feitas pelo navio de S. M. B., o Leven, em Novembro 
de 1825. — Todos os rumos mencionados nestas direcções são 
magneticos. 


4.º - Para entrar em Table Bay, vindo do Norte, e querendo 

passar por fóra da ilha Robben, o navio deve marcar o farol ao 
S. 9º SE., ou proximamente ao S. 4 SE. até chegar ás sondas de 
vinte bracas, e pouco mais de uma milha distante do mesmo farol, 
póde então governar a ESE., ou a E. 4 SE., nunca passando de dez 
ou doze bracas de fundo, em quanto o farol não demorar ao OSO., 
podendo então dirigir-se para o ancoradouro , onde fundeará em 6 
ou 7 braças, logo que as luzes do farol se encubram com o monte 
denominado Lion's Tail. 
à Este caminho conduz o navio quasi uma milha livre do perigo de 
Green Point; porém não ha necessidade de se approximar tanto se, 
tendo visto a ilha, se liver certificado pelas suas marcações que vai 
safo de Whale Rock, porque então querendo póde affastar-se mais de 
Green Point; mas nesse caso as sondas não o podem guiar com se- 
gurança. $ 

2.º Vindo da parte do Sudoeste o navio não deve passar das 
40 braças de fundo antes que o farol demore ao SE. ou a ESE., e 
nunca menos das 20 braças sem que o mesmo farol demore ao S. 4 SE., 
podendo então fazer uso das precedentes direcções. 

Vindo do Norte por dentro da ilha Robben deve marcar o farol 
ao SO. 4 S. até que o navio tenha passado a dita ilha, durante o 
que ha de ter algumas prumadas de 6 a 8 braças, e quando, se- 
guindo aquelle rumo, o fundo erescer a 10 ou 12 bracas, poderá 
governar para o ancoradouro seguindo o plano indicado. 

Quando o natio for costeando Green Point, nunca deve diminuir 
de fundo até marcar o farol ao OSO. , como fica dito. 

No caso de se entrar em Table Bay, passando entre a ilha Rob- 
ben e a terra firme, deve-se comecar a sondar desde a dita ilha, 
aonde o fundo é muito regular. Quando o navio se encostar mais á 
terra firme, será prudente virar de bordo á primeira prumada em 
que o fundo diminuir. 


18492. AVISOS AOS NAVEGANTES, 579 


Estas direcções são dadas na hypothese que o navio vái constan- 
temente sordando. 
De dia, ou quando se descobrirem as praias ou a resaca, ou 
em qualquer outra circumstancia favoravel, bastará o plano para di- 
rigir a entrada, à 
O farol tem duas lazes, que se confundem em uma só quando 
demora proximamente ao SO. 4 O.; isto serve sómente para segurar 
aos navegantes, que aquellas luzes são as do farol, no caso de se 
avistarem outras. . 
Em tempo claro temos avistado de cima da tolda as luzes na 
distancia de 16 milhas; porém não se differença distinctamente uma 
da outra senão estando 6 ou 7 milhas ao Oeste do farol: da banda 
do Norte sómente se distingue uma luz. 
(Assignado) W. F. Owen, Commandante do navio 
; de S. M., o Leven. 


Acabando de se erigir um farol em Mouille Point, com uma luz 
lenticular da 4,º classe para melhor guiar os navios quando entrarem 
dé noite em Table Bay, devem-se por tanto annexar ás direcções do 
Capitão Owen as seguintes instruccções : 

Querendo entrar, vindo do Sudoeste, o navio não se deve appro- 
ximar mais de uma milha do farol de Green Point, nem mudar o 
rumo de Leste para o Sul com o fim de procurar o ancoradouro. 
Nenhum navio deverá passar de menos de 14 ou 15 braças de fundo 
antes que as luzes de Green Point demorem ao SO. 440., as quaes 
apparecerão então confundidas em uma unica luz, e precisamente 
nessa occasião tambem se descobrirá o farol de Mouille Point, de- 
morando proximamente ao S, 4 SO. O navio poderá então mudar de 
rumo, governando ao SSE. para o meio do ancoradouro , e fundear 
quando as luzes de Green Point se encobrirem com os montes d'arêa 
que estão junto a Mouille Point, demorando o respectivo farol ao NO. 
na distancia de quasi uma milha, em 6 até 8 bracas de fundo: os 
navios que demandarem menos agoa, poderão governar ao S. 43 SE. 
para o ancoradouro, e fundear em 4 ou 5 braças, marcando o farol 
de Mouille Point ao NO. 4 N. 

A distancia do navio á terra quando se avistar o farol de Mouille 
Point, póde ser promptamente verificada pela marcação dos dois 
faroes, e a distancia entre ambos, que é de 1.215 jardas (3.645 
pés). A luz de Mouille Point está elevada 15 pés acima do nivel da 
preamar. 

Quando se eutrar, vindo do Norte por dentro da ilha Robben, as 
luzes de Green Point bão de parecer só uma, ou proximo a isso, € 
a luz de. Mouille Point tambem se ha de avistar; sendo a distancia 
entre os dois faròes a mesma que fica mencionada , as direeções do 


580 ~ AVISOS AOS NAVEGANTES. NH Ta, 


Capitão Owen com as presentes instrucções serão sufficientes para 
conduzir ao ancoradouro. 

Os que não tiverem conhecimento do Porto, deverão ter muita 
cautela em não accometter a entrada de Table Bay de noite, ou em 
tempo de agoaceiros ou de cerração. Em geral todos devem ter a 
maior attenção com “as sondas, indo sempre com o prumo na mão. 
Deverão igualmente ter presente o Ee do Capitão Owen, a que se 
referem estas instrucções. 

(Assignado) J. Bance, Capitão do porto, 

Por ordem de S. Ex." Sir G. T. Napier, Cavalleiro Commendador 
do Banho, Governador, Vice-Almirante, e Commandante em Chefe 
da Colonia do Cabo da Boa Esperança e suas dependencias. 

(Assignado) J. Moore Craig, servindo de 
Secretario do Governo. 

N. B. O farol de Mouille Point deveria começar a ser allumiado 
do 1.º de Julho em diante. 

(Idem. — Julho de 1842.) 


Nao: 
Faroes de Cherburgo. 


Desde o 1.º de Julho deste anno deixarão de se accender as 
duas pequenas luzes fixas de Forte Real na ilha Polée, na latitude 
49º 40! 16!" N., longitude 1º 34! 53” a O. de Greenwich, porém 
serão - substituidas por uma unica luz fixa, de sufficiente grandeza 
para -se avistar na distancia de nove milhas. 

A nova luz fixa estará sómente 2.843 jardas (2.569,64 metros) 
distante -da luz de eclipses que está no forte do centro da muralha 
do dique, por isso não se póde confundir com a luz do forte de 
Querqueville, que está 5.195 jardas (4.750 metros) distante do 
mesmo forte no rumo de ONO. 

» (Idem. — Idem.) 


N.º 24. 
Faroes na costa da Noruega. 


A Repartição da Marinha Real Dinamarqueza antecipou-se a 
publicar, que no decurso deste verão se haviam estabelecer dois 
novos faroes na costa da Noruega, e collocar duas novas marcas a 
Leste do porto de Christian-Sound ; a saber: 

1.º Um farol fluctuante no mar de Quitholm, na proximidade 


1842. AVISOS AOS NAVEGANTES. 581 


de Christian-Sound , mostrando uma luz de minuto em minuto , lati- 
tude 63º 1º 25! N. e longitude 7º 12' 15", sendo visivel na distan- 
cia de de 4 1 a 5 milhas. 

2.° Outro farol no mar de Stavnas, sendo uma luz fixa, visivel 
na distancia de 3 milhas, e na latitude 63º 7' N. e longitude 7º 39º. 

3.º Uma marca em Hunborgoe, perto de Lillesand, a qual terá 
a apparencia de um moinho de vento, cujas vélas descreverão um 
angulo de 45º.com o horizonte. Esta marca será pintada de ama- 
rello, e, situada na latitude 58º 14º 30" N. e longitude 8º 36' 15”, 
sendo visivel na distancia de 2 1 a 3 milhas. 

4.º Sobre o rochedo denominado Reierksjar, na entrada de 
Brakkestoe, se collocará uma peça de artilheria, que será visivel na 
distancia de perto de meia milha, sendo a latitude do ponto em que 
se acha 58º 10' 4” N. e longitude 8º 27. 

N. B. Ainda que jnão vem especificado o meridiano das longi- 
tudes , deve-se entender que são a Leste de Greenwich. 

(Idem. — Agosto de 1842.) 


Nº25, 
Faróes no porto de Aberdeen. 


Repartição do porto em Aberdeen, 22 d'Abril de 1842. 


Acabam de se estabelecer dois faroes para melhor guiar os na- 
vios quando entrarem naquelle porto, os quaes comecarão a ser al- 
lumiados em 10 de Maio de 1842. Os ditos faroes não têm relação 

“alguma com e estado das marés, porque se deixarão ver constante- 
mente desde o pôr até o nascer do sol. 

Com tudo não se encontrarão em certas occasiões, quando o Pi- 
loto mór, por causa das cheias do rio Dee, ou por haver muito mar 
na barra, entender que não é conveniente tentar a entrada do porto. 

As luzes são de uma côr vermelha brilhante, e visiveis em tempo 
claro na distancia de 5 ou 6 milhas: estão collocadas uma mais ele- 
vada que a outra, nas alturas respectivas de 30 e 47 pés acima do 
nivel da preamar de aguas vivas. 

As ditas luzes começarão a ser distinctamente visiveis para quem 
vem do Norte, quando demoram aq OSO. d'agulha, e vindo do Sul, 
exactamente ao Oeste, quando se alinharem na direcção do O. 3 80. : 
se a profundidade d'agoa o permittir, póde-se investir o porto com 
segurança. 

(Idem. — Idem.) 


582 AVISOS AOS NAVEGANTES. N.º 12 


N.º 26. 
Farol de Goederede, no mar do Norte. 


O Director geral da Marinha Neerkandeza faz publico em 19 de 
Julho deste anno, que o pequeno farol situado na bateria do Norte 
da ilha de Goederede, em consequencia de estar arruinado , não se 
continuará a accender até segunda ordem. 

(Idem. — Setembro de 1842.) 


Entrada de Swinemunde. 


Para melhor “se distinguir a entrada do porto de Swinemunde e 
ao mesmo tempo marcar o meio do canal, acaba-se de collocar no 
seu ancoradouro exterior uma boia maior do que as outras, e pin- 
tada em roda de listas pretas e brancas, e a base de vermelho, a 
qual assim se conservará sem alteração. 

Esta boia está em 44 pés d'agoa e no mesmo alinhamento das 
duas balizas levantadas, sobre o molhe de Leste do porto, e Strand- 
Down, que correm ao rumo de NO. 4 N., c a meia distancia da luz 
que está na parte mais elevada do molhe de Leste, e na distancia 
de tres amarras da baliza exterior : quando se entrar no porto esta 
boia deve ficar por estibordo da boia branca, por qualquer dos la- 
dos que se passe, tendo sómente attenção que governando ao SSE. 
para dentro do porto, as duas referidas balizas sempre se conserva- 


rão encobertas. 
(Idem. — Idem.) 


N.º 28. 
Farol de Basse-Terre , na Iha de Guadalupe. 


Faz-se publico aos Navegantes que desde o 1.º de Julho de 1840 
se acha estabelecido um farol fixo na ilhota denominada Basse- Terre 
Guadalupe, na latitude 16º 40' 29" N. , e longitude 65º 451 3610., 
O., na distancia de 604 pés da sua extremidade oriental. 

O farol, que está elevado 75 pés sobre o terreno, e 108 pés aci- 
ma do nivel do mar, é visivel de todos os pontos do horizonte, e 


19142. AVISOS AOS NAVEGANTES. 583 


póde avistar-se na distancia de 5 legoas. O dito farol demora 35º 45! 
ao SE. da extremidade da ponta de Chateaux, e 5º ao SO. de 
Morne de la Desirade. 

O rochedo chamado Baleine du Sud, ao mar de Petite Terre de- 
mora 19º SO., e 2.920 pés distante do farol. Os navios que vierem 
de Leste, deverão achar 13 a 20 braças de fundo a duas milhas de 
distancia, tanto ao N. como ao S. do farol, e não convem approxi- 
mar mais deste limite. 

(Idem. — Idem. ) 


NES 229, 
Farol em S Thiago de Cuba. 


Senhores. — Temos a honra de vos informar, que se erigio um 
farol cousa de 300 pés a barlavento, ou a Leste do Castello do 
Morro, o qual servirá para indicar a entrada do porto, e evitar que 
os navios se sotaventeem delle durante a noute. 

O farol foi allumiado pela primeira vez no 1.º deste mez (refe- 
re-se á data da carta) e assim continuará desde o pôr até o nascer 
do sol. Consta de uma luz de rotação, que faz um giro completo 
em dous minutos e meio: está 240 pés acima do nivel do mar, e 
póde avistar-se na distancia de 20 a 24 milhas. 


Somos etc. 
Os Agentes do Lloyd. 


(Idem. — Idem.) 


Qualidade 


Embarcações 


à Fragalas,. 


E Corvetas. . 


i Duq.za deBrag.ça 


Diatas s se pes 


D. Maria II... 

Gito de Julho. 2 
João T. <$.. 

Infanta Regente 


º de pe- 
, OU ca- 
ronadas 


ças 


N 


NAVIOS DO ESTADO EM ARMAMENTO, E SEUS DESTINOS, 


No 4.º de Dezembro de 1842 
Graduações, e nomes 


dos 
Commandantes 


Capitão Tenente, M. T. da S. Cordeiro. . 


Capitão Tenente, J. S. Ramos......... 


Capitão Tenente, A. R. Graca. ........ 


dos 


N.º dosOf- 
Guardas- 
Marinhas e 


ficiaes de 
Marinha 
Aspirantes 


N.º 


x 


Destinos 


No Tejo do Porto. 
Deposito değ 

J marinhag. 

Para a India— Não de viagem. 


Ne Téjo 


Primeiro Tenente, J. J. d' Andrade Pinto 
Capitão Tenente, F. S. Franco. ........ 
Segundo "Pen, de Commissão, J. S. Tavares 
Capitão Tenente, J. M. F. do Amaral... 


AOB O 


Audaz,..... 
Villa Flor. 
D. Pedro. 


E Charrua.. 


Principe Real 


Primero Tenente, F. G. Cardozo. ... 
Capitão Tenente, J. B. da Silva........ 
Primeiro Tenente, T. F. Guimarães, Junior 


ob œ 


Na Estação d' Angola. 
No Brasil. 

Na Estação da India. 
No Téjo. 

Na Estação d' Angola. 
No Téjo. 

Na Ilha da Madeira. 


Capitão "Penente, P. A. Caminha. .....,. 


Para Angola. 


EEK EE 


Vouga nsss. 


Primeiro Tenente, P. Centurini.,....... 
Primeiro Tenente, J. J. G. de Mattos Corrêa 
Primeiro Tenente, V. J. dos S. Mor.? Lima 


Amelia .... 
Cabo Verde. 
Boa Vista.. 
NiNa o «crer ata 


Escunas... 


Es o Boaventura, . E 


= © 0 a 


Primeiro T enente, J. M. Esteves.. ...... 
Primeiro Tenente, A. Sergio de Sousa... 
Segundo Tenente, F. d' Assis Tavares.... 
Segundo Tenente, D. H. da Fonc.? Ferr.2 
Segundo Tenente, V. do N. Teive,,.... 


= © 


Primeiro Tenente, F. de A. e Silva +... 


3 T uter. .... e. | Andorinha. ,... 


Segundo Tenente, P. O. Alves......... 


No Algarve. 

No Téjo. 

No Téjo. 

No Téjo. 

De Correio para Angola. 

No Téjo. 

Nas I. de S.Thomé e Principe. 
Na Estação dº Angola. 


INDICE 


DAS MATERIAS CONTIDAS NA SEGUNDA SERIE 


` 


DOS 


ANNAES MARITIMOS E COLONIAES, 


o 


Paginas. 


Ácerca da Chronica da conquista de Guiné, e da Me- 
moria do Sr. Visconde de Sautarem............. 2 


ELAS UM ASSOCIAÇÃO”. Le Nes vue Ao! aa mes Rm o (fee 1 300 


Netos do Goverãa .%, as mor Es Sm Fis ra o dada Tras 3 289 


Aviso à Marinha Mercante so aenta he sajen at o. 576 


Paginas. 
91 
É > 334 
Avisos aos Navegantes.. .... aeaa aa DE 4 386 
446 
540 
577 
` k 
Considerações sobre as Caronadas. . ....ccccscsero. er 
| 533 
Discursos lidos na Sessão Solemne................ 5148 
Experiencias para evitar a oxidação dos forros metalicos | 
ME dos. naviás T. crase pino do cobol A 248 
Barões... o 00. o sue iba cadente siortiathia enero i: 236 
Immenso desenvolvimento da navegação por vapor na 
Inglaterra: o 25/58 Ee arado ode qe e A aids T BORSA 2470 
Industria da. seda nas Colonias Francezas +... .cc.cs. 4TA 
Lista dos donativos oferecidos à Associação ...... DIB 
Memoria ácerca da educação publica nos Estados d 
DO. precos S ie E GE Acne eN dd é EA TOBOKAN. Ii 6 
Memoria (Primeira) sobre as principaes causas remotas 
da decadencia dos Portuguezes na Ásia. .......... 53 
) 101 
168 
196 
Ega 2a 252 
Memoria (Segunda) descriptiva e estatistica das Posses- ) 303 
sões Portuguezas na Asia e seu estado actual. ..... 355 
i do 
| 427 
450 
L503 
CAT 
| 95% 
144% 
Navios do Estado em armamento e seus destinos ..... 3 192 


y Paginas. 

388 

448 

Navios do Estado em armamento e seus destinos .....4 492 

| 540 

(584 

(226 

| 273 

Notas sobre o commercio do Archipelago Malaio. ...4 329 

yo | 382 

Eve, t466 

Noticia do Cachão de S. Salvador da Pesqueira ...... 222 
Noticia do estado do commercio de Portugal com as 

suas Possessões ultramarinas (Conclusão)... ....... 116 


Noticia estatistica e commercial da Republica do Cen- ( 35 
tro=Ametica:. .. soc. naay caan a R ro PS DR 

Novo combustivel de Mr. Grant para uso dos barcos a 
MADOLA te nhe o UR eae fe SABNE UR AE AG RERNA 


O bom CMLarinBEIro “00, T DSO E Bat dai i OA 
RES GARÍAS: MAGIONÃOS 0. aa ae Ea any a “= REED 
Prumo Ev Contre use paso ara nA OVA 
Relação momiral dos Socios da Associação Maritima e 

Cpm (o AS Oo a tc AR ia a o. 
Sessão Solemne da Associação Maritima e Colonial de 

E E <. cc T Sapos peida agia a 56 O e qe AO 
Tratado de Commercio e Navegação entre Portugal ea 

Grã-Bretanha, assignado em “Julho E IRA o S 
Tratado entre os Governos Ingles, Francez, Russo, 

Austriaco, e Prussiano para a repressão do trafico da 

ERCEAVILUÃa:: Cane s r areae dede ENA DEE q [12 
Tratado para a complet a ibolicao: do na di escrava- 

tura, entre Portugal e a Gra-Bretanha, assignado 

em: 3- de Julho'de 1842. ..,.1..5-: aii SUR eo Eres o 


ERRATAS DA SEGUNDA SERIE. 


Erros. Emendas. 

A Pag. 109, lin. 17, onde se lé — Combarjual RE Cro léa-se Combarjua 
Pag. 110, naun Charadós. ...... Ap ares. Chardós 

Pag. 112, — Dolys; e vehiculos .......... A eDolys, vehiculos 
Pag. 178, lin. 23 — umas ...... PSOE e pra .. - uma 

Page 182, lin: 16. —Maraltta 2.0 ecos aee e oaae Marátta 

Edem. e. + din: 9 SED omil- e 80 A sabio ay Sandomil 

Pag. 188, no fim — Vasques. ........ RR O co E Vasco 

À Pag. 222 e 223, se consideram vutras.erratas que aqui pertencem. 
Pag. 269 e outras — Canhamo ........... SE PRO Canamo 

Pag. 270, lin. 1 = hortalices.. Aan e a i hortaliças 
WPag. 374, lin. 10 — defenhava dess oeei ceense . . definhava 

Pag. 372, — lemperosS ... s.s.. a Aa E temperas 
orate to PAT RR E E E E 2:3:24 

Pag. 384, Estancia 3.º, verso 4.°—Vai dentro ferrar. . Vai déstro ferrar 
Pag. 451, lin. 4 — S. Gualdino .............00 + « 3. Galdino 

Pag. 455, lin. 9 — terreaes ..... TO ERRO ARE ET terraes 

Pag. 456, lin. 29 — preposição ......ceccsercees proposição 

Pag. 511, nota, lin. 18 — entrodusido ............ introduzido 
Idem. ...lin.19-—trateam......... RA Bl a serÉ Nero ratciam 

Pag. 914, no fim — 1.294:3:59 . ese. c cesso. 1:294,5359 

Pag. 517, lin. 5 — soldo e libra ..... NS Sia DE +. soldo a libra 
Pag 028; ADEMA piraan i iA oo ode Anjuna 

Pag. 524, nota — mas fazendo este. ........ceio. mas fugindo este 


Pag. 324, lin. 33, no fim, — e ha muito teria, ..... de ha muito teria 


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