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A
ÍM
província
ESTUDO
SOBRB
A DESCENTRALISAÇiO NO BRAZIL
POR
TAVARES BASTOS
mo DE JANEIRO
^. Zj. OAfilSlBfi, llvx*elr-o-editox*
69 BUA DO OUVIDOS 69
1870
PRINTEO IN BRKJOi
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PRESERVATION
COPY ADDED
ORIGINAL TO BE
RETAINED
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A ^993
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S'7 Ti
PARTE PRIMEIRA
CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO
^3^&^
PREFACIO
Os que desejam â eternidade para as constituições e
o progresso lento para os povos, os que sâo indulgen-
tes, moderados, conciliadores, escusam folhear este livro.
Não foi escripto na intenção conservadora; inspirou-o
mui opposto sentimento.
Pedindo inspirações à historia do seu paiz, o autor não
presume inventar: expõe, commenta, recorda.
O verdadeiro liberalismo não é, para elle, um recem-
nascido. Não é um accidente dos successos contempo-
roneas, mas gloriosa tradição das nossas lutas politicas.
Quizera a robusta geração de 1831 descentralísar o
governo confederando as províncias ; e, fundindo nas
altribuições do executivo as do poder moderador, suppri-
mindo o conselho de . estado, fazendo temporário o se-
nado, tornar a monarchia uma instituição inofiensiva.
Attestam a grandeza da obra, não acabada embora, o
código do processo e o acto addicional, que não somen-
te completaram, mas alargaram a constituição de 1824.
Homens sem fé nos destinos da democracia e na mis-
são providencial da America, varões eminentíssimos, é
certo, alguns d'elles ornamentos das nossas assembléas,
fecharam infelizmente a escola revolucionaria de 1831
para consagrarem templos ao idolo restaurado em 1840.
Celebrou-se desde então a communhão dos partidos
• ■ 1
VI PREFACIO
quanto a principies de governo; e, para que alguma
cousa o distinguisse do conservador, limitava-se o libe*
ral a agitar a urgência de melhoramentos materiaes,
de reformas económicas, planos administrativos e finan-
ceiros. De garantias e franquezas jà se não fazia ca-
bedal.
Trinta annos de desillusões, porém, assaz esclaresceram
o paiz. A politica chamada da ordem e a da moderação,
supprimindo ou esquecendo a liberdade, não lhe deram
em compensação a gloria; e a flnal, descrido, inquieto,
saciado, vê-se o paiz atravessando os primeiros episó-
dios de uma longa crise económica, com os signaes do
terror por toda a parte, e os horisontes a escurescerem
mais e mais. Eil-o, pois, volvendo contricto aos altares
da democracia, que não devera abandonar.
Administrações estéreis e infelizes, negligentes e corrom-
pidas aceleraram este súbito movimento da opinião, esta
leva de broqueis em prol das reformas fundamentaes. Do-
lorosas decepções suscitaram á liberdade innumeraveis
defensores. Debalde o contestam^ com incorrigível obsti-
nação, aquelles cuja cegueira jamais deteve a marcha fatal
das revoluções.
Queremos, sem dúvida, reformas constilucionaes. Só nas
estagnadas sociedades d' Ásia são invioláveis as instituições
dos povos. Quando a gothica Allemanha constitue e recon-
stitue os seus governos e os seus parlamentos, donde os
burguezes começam a expellir os magnatas; quando a Grã-
Bretanha dilue o resto do venerável palimpsesto do Rei sem
Terra, e a França dá periodicamente uma edição de luxo
dos princípios de 89, como havemos nós acatar supersti-
ciosamente a carta outorgada em 1824 ?
Ora, a grande questão que no Brazil se agita, resu-
me-se na eterna luta da liberdade contra a força, do
indivíduo contra o Estado.
/
1
PREFACIO VII
Redozir o poder ao seu legitimo papel, emancipar as
nações da tutela dos governos, obra duradoura do sé-
culo presente, é o que se chama descentralisar.
A descentralisação, que não é, pois, um questão ad-
ministrativa somente; parece o fundamento e a condi-
ção de e:^ito de quaesquer reformas politicas. E' o -sys-
tema federal a base solida de instituições democráticas.
Limitar o poder, corrigil-o desarmando-o das facul-
dades hostis à liberdade, eis a idéa donde este livro
nasceu.
Si a causa das reformas demandava o estudo dos pro-
blemas que involve a descontrai isação, exigem as novas
pretenções do governo que excitemos as provinciaes à
defeza dos seus direitos.
Sob o pretexto de suavísar o regimen que as opprime,
um recente projecto de interpretação prepara algumas
restricções mais ao acto addicional, mutilado tantas vezes.
Sem sobresahir por concessões, todas insignificantes,
algumas jà admiltidas na prática, a lei proposta por um
governo temerário consterna as províncias e commove o
sentimento liberal.
As doutrinas de 1840» que elle renova, oppunhamos os
princípios de 1831, que detesta.
Reatemos o fio das idéas que trazem esta nobre data :
possa o ruido da sua marcha ascendente interromper o
período de somnolencia que começou com o segundo rei-
nado i
14 de agosto.
«..
CAPITULO I
A OBRA DA CENTRALISAÇAO
Longe vão as eras em que os povos sonhavam a
fundação de poderosas monarchias. Longe vão esses
tempos bellicosos em que fora a unidade garantia da
independência, condição da força e grandeza.
Uma e indivisivel parecia então dever ser a própria
republica.
Catem os Girondinos victimas dessa paixão fu-
nesta. Calam-se as assembléas da Revolução : não ha
mais que um amo, symbolo vivo da unidade nacional ;
um só pastor e um só rebanho. Deslumbrado pelos
esplendores da própria grandeza, o déspota converte
a França em açoite da Europa. É um campo de ba-
talha o mundo inteiro. Ornam os triumphos do im-
perador, principes e reis. Thronos gothicos, elle os
despedaça; povos e estados unem-se ou separam-se
por edictos do guerreiro. Jamais se viu tão absolu-
ta omnipotência ! Mas tamanho poder, exercido por
um génio, o que é que construiu duradouro? pôde ao
menos preservar immarcesciveis os louros de uma
gloria immensa?
A França e a Europa volvem dessa illusão fascina-
dora ; começam os povos a comprehender que é um
>
4 PARTE PRIMEIRA
absurdo esperar a liberdade e a prosperidade de um
regimen que os suflfoca.
A questão de descentralisaçao , escreve o Sr. Odi-
lon Barrot, está de novo na ordem do dia, não só
em França, mas por toda a parte ; enche os escriptos
sérios de politica, incontra-se no fundo de todos os
problemas agitados no mundo S No seio da própria
Egréja, que o jesuitismo contende por transformar em
monarchia universal sob a autocracia do Papa, no
próprio concilio do Vaticano revolvom-se os senti-
mentos de independência, que fazem a alta distincção
moral do nosso tempo. Menos ainda do que a Egreja
pôde a sociedade civil formar esse exercito compacto,
cujos movimentos domine o fio telegraphico esten-
dido do gabinete de um César. Desfeita ao choque
de estrondosas decepções, a miragem da centralisação
não illude mais. Fora escusado deter-nos na critica
de um systema decrépito , acommettido de todos os
lados, condemnado desde o livro clássico de Tocque-
ville *. Releve-se, entretanto, que recordemos al-
guns dos fundamentos da irrevogável sentença, re-
servando as questões especiaes para os lugares com-
petentes.
Do mérito das instituições humanas se julga pelos
seus resultados : ora, um resultado moral, outro po-
litico, ambos estreitamente ligados, teem assaz reve-
lado a Índole da centralisação.
* DelaCentralisation; p. 18.
2 De la démocratie en Amérique; cap. V.
r
1
CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 5
O que caracterisa o homem é o livre arbítrio e o
sentimento da responsabilidade que lhe corresponde.
Supprimi na moral a responsabilidade, o a historia do
mundo perde todo o interesse que aviventa a tragedia
humana. Os heróes e os tyrannos, a vi^^tude e a per-
versidade, as nações que nos transmittiram o sagrado
deposito da civilisação e os povos que apodreceram
no vicio e nas trevas, não se poderiam mais distin-
guir, confundir-se-iam todos no sinistro dominio da
fatalidade. A historia do progresso humano não é
mais, com effeito, que a das phases do desinvolvi-
mento ou compressão desse divino attributo da crea-
tura, a que se dá geralmente o nome de liberdade. A
grande massa do bem, isto é, do progresso realisado
em um século, « é a somma accumulada de productos
da actividade dos individues, das nações e dos núcleos
que compõem as nações, nesse século. » É uma trivia-
lidade repetil-o ; mas não se deve perder de vista essa
noção evidente, quando se trata de julgar os syste-
mas de governo. Em verdade, si o progresso social
está na razão da expansão das forças individuaes, de
que essencialmente depende, como se não ha de con-
demnar o systema politico que antepõe ao individuo
o governo, a um ente real um ente imaginário, á
energia fecunda do dever, do interesse, da responsa-
bilidade pessoal, a influencia estranha da autoridade
acolhida sem enthusiasmo ou soportada por temor?
Essa inversão das posições moraes é fatalmente re-
sultado da centralisação, seu effeito necessário, facto
experimentado, não aqui ou ali, mas no mundo mo-
.>
»<♦.
6 PARTE PRIMEIRA
derno e no mundo antigo, por toda a parte, em todos
os tempos, onde quer que tenha subsistido. Surgem
exemplos justificativos; nâo carecemos apontal-os,
são assaz conhecidos. Insistamos, porém, em uma
das consequências moraes do systema politico que
supprime a primeira condição da vida.
Estes moveis do nosso organismo,, tão mesquinho
por suas debilidades, quão magnifico na sua estru-
ctura, — o dever abstracto, o interesse bem intendi-
do, — fortificados polo indisivel amor dos nossos lares,
da nossa terra e da nossa gente, produzem a grande
virtude civica do patriotismo. Mas o que é que pôde
aquecêl-o sinão o exercicio constante da liberdade ,
o sentimento do poder individual, da responsabili-
dade pessoal, do mérito e demérito, da honra ou do
aviltamento, que nos cabem na gloria ou nas triste
zas da pátria? Que é que pôde, pelo contrario, amor-
tecer o patriotismo, desfigural-o mesmo, sinão a me-
lancólica certeza de que o bem ou o mal da republica
nos não importam nada?
Almas estóicas haverá sem duvida que, nessas épo-
cas de geral torpor, preservem na decadência da li-
berdade o lume santo das virtudes civicas ; mas serão
apenas a luz do quadro onde vereis a liberdade
Morib'inda, soluçando,
Expirar sobre a areia, — e inda de longe
Volver o extremo olhar ao Capitólio. *
4,
1 Garrett.— Prologo do Catão.
CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 7
Nesses dias nefastos em que o poder, fortemente
concentrado, move mecanicamente uma nacíío intei-
ra, caracterisam o estado social a inércia, o desalento,
o scepticismo, e, quem sabe, a baixa idolatria do des-
potismo, o amor ás próprias cadôas. D'alii,a profunda
corrupção das almas, abdicando diante da força ou do
vil interesse. E não é nas classes inferiores somente
que lavra a peste : os mais inficcionados pelo vicio
infame da degradação, são o que se cliama as classes
elevadas. Não ó na flehe das cidades que a democra-
cia franceza, abandonada dos nobres e poderosos, ha
procurado abrigo e alento para afrontar o Império ?
Do seio do povo não contaminado ainda, surgem ás
vezes os regeneradores das nações aviltadas: mas quão
ditficil não é esta gestação dos Pliilopoemens, e quão
inútil quasi sempre para suspender o curso dos máos
dias! Si ura largo periodo permittiu ao veneno insi-
nuar-se lentamente por toda a circulação, já não ha-
verá mais (na phrase de um publicista) « nem dedi-
cação desinteressada, nem coragem civica, nem ge-
nerosas indignações contra a violação do direito, nem
sympathia pelos opprimidos e desgraçados-: o menor
encargo publico parecerá insoportavel, aterrará o
mais leve ruido; ninguém interessar-se-ha pelo mal
que lhe não toque directa e pessoalmente ; jnizo ap-
pellidar-se-ha esse estreito einintelligente eg-oismo. »
Considerai agora o lado propriamente politico dessa
vasta questão, que mal podemos esboçar. Dispensando,
contendo ou repellindo a iniciativa particular, annul-
lando os vários focos da actividade nacional, as asso-
■
8 PARTE PRIMEIRA
ciações, os municipios, as províncias, economisando
o progresso, regulando o ar e a luz, cm uma palavra,
convertendo as sociedades modernas em phalansterios
como certas cidades do mundo pagão, a ccntralisação
não corrompe o caracter dos povos, transformando em
rebanhos as sociedades humanas, sem sujeital-as
desde logo a uma certa forma de despotismo mais
ou menos dissimulado. Por isso é que, transplantada
do império romano, a centralisação cresceu com
o absolutimo nas monarchias modernas e com elle
perpetuou-se em todas, tirante a Inglaterra. Por isso
é que não pôde coexistir com a republica uma simi-
Ihante organisação do poder. Assim, absolutismo,
centralisação, império, são, neste sentido, expressões
synonimas.
Em monarchia centralisada pouco importa, por-
tanto, que se haja feito solemne declaração dos direi-
tos do povo, e se tenha construido um mecanismo
qualquer destinado a exprimir os votos da soberania
nacional. Ahi, sejam embora sonoras e estrondosas as
palavras da lei, o delegado do povo é que é o sobe-
rano. Em sociedades taes, amortecidas ou extinctas
as instituições locaes, foco da liberdade, desaparece
a liberdade. « Uma sociedade sem instituições não
pôde ser outra cousa mais que a propriedade do seu
governo ; debalde pôr-lhe-hão os seus direitos por es-
cripto ; não saberá ella como exercel-os, nem poderá
conserval-os \ » O senado de Tibério, otribunato de
* Royer-CoUard. — Lavic politique de R. C, por de Rarantc, tora. S**,
p. 230.
^m
CENTRAUSACAO B FEDERAÇÃO 9
Napoleão, a sala de Rosas, que foram biiião sarcás-
ticas decorações de uma tragedia real ?
Constituido desfarte o poder, o governo represen-
tativo não pode ser, com effeito, mais que uma som-
bra, na phraso do grande orador da Restauração.
Tendo a centralisação por alvo tudo dominar, esta ne-
cessidade impõe-lhe, como elemento indispensável,
um numero illimitado de agentes, organisados com
a hierarchia militar, que é seu typo e seu ideal.
Então se crôa um paiz official differente do paiz
real em sentimentos, e:n opiniões, em interesses.
Confiado no apoio daquelle, o governo perde de vista
as tendências deste ; céga-se, obstina-se, e pôde ca-
hir de súbito como Luiz Felippe. Emquanto, porém,
não sôa a hora fatal da expiação, é por meio do paiz
official, com os recursos officiaes, que o governo do-
mina o suffragio e subjuga o parlamento. Tal é a exr
tensão e a força da autoridade do poder centralisado,
que Royer CoUard chama monstruosa.
Dahi procede também um resultado mui opposto
áquelle que geralmente se faz esperar da centralisa-
ção, cujo maior titulo de gloria é suppôr-se o melhor
methodo de administrar um paiz. Transformado o
funccionalismo em policia dos comicios, « a adminis-
tração deixa de ser o meio de distribuir com justiça e
discernimento os recursos do Estado ; ella consagra-se
exclusivamente á tarefa de conquistar e conservar
maiorias no parlamento : todos os interesses ficam
subordinados a este interesse \ » Os variadíssimos
* Odilon-Barrot; p 188.
A PROV. 2
*
\.
10 PAUTE PRIMEIRA
géneros de corrupção, os mais miseráveis e os mais
hediondos, se ostentam á face do sol. Trata-sc de es-
colher altos funccionarios? preferem-se os mais
ágeis, os mais audaces na arte de manipular os suffra-
gios. Quanto ás pequenas funcçoes publicas, são ne-
gaças ou prémios. Nem respeito a merecimentos e
virtudes, nem zelo pelo bem publico, nem amor á glo-
ria nacional. Raras vezes o orçamento deixa de ser
desequilibrado ou falsificado pela suprema necessidade
de corromper para viver.
Não menos arriscada do que monstruosa é essa
« apoplexia no centro e paralysia nas extremidades, »
de que fallava Lamennais. A centralisação — quem
pôde já duvidal-o ? — não desvia, antes precipita as
tempestades revolucionarias. Absorvendo toda a ac-
tividade nacional, assume o poder uma responsabili-
dade esmagadora. Corrompendo a nação, corrompe-so
a si mesmo; mais e mais inferior á sua tarefa ingente,
vê recrescerem os perigos na razão da sua debilidade.
E o réo de todas as causas perdidas ; é o autor sup-
posto de todas as desgraças; a miséria domestica, a
ruina publica, lhe são attribuidas ; e a historia não
raras vezes confirma a indignação dos contemporâ-
neos. Deixemos, porém, fallar um autor, outr*orain-
thusiasta do systema cujo elogio fizera e a quem ser-
vira, mas desilludido afinal diante do triste espectá-
culo da sua pátria corrompida pela centralisação o
aviltada pelo despotismo. « Consequências extrema-
mente prejudiciaes ao paiz, escreve Vivien, tem-lhe
acarretado a centralisação administrativa. CoUocou
n^-it
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 11
ella o governo sob o peso de uma solidariedade que
não tem sido estranha ás agitações politicas destes
últimos tempos. Nada fazendo-se, por assim dizer, no
municipio oii no departamento, sinão com autorisa-
çào, em virtude de ordem ou em nome do governo ,
achou-se este in volvido em todos os negócios, e, por
uma consequência necessária , se lhe imputaram to-
das as faltas commettidas, todas as delongas expe-
rimentadas, todos os accidentes supervenientes. Como
sua mào em toda a parte se incontrava, por toda a
parte com elle se houveram e em todas as occasiões :
a elle accusaram dos desvios dos seus agentes, e das
próprias medidas que o forçaram a autorisar, das im-
posições excessivas, dos orçamentos em deficit ^ das
desordens financeiras, do máo estado dos caminhos,
da ruina dos edifícios, da policia mal feita, da escola
mal dirigida; tornou-se o governo, em summa, o ob-
jecto exclusivo de todos os descontentamentos ^ »
É no seio dessas paixões e á sombra dessas innu-
mcras contrariedades que leveda e rompe fatalmente
a anarchia dos Estados. Dizia um ministro inglez,
citado pelo mesmo Vivien : « Si eu quizesse provocar
uma revolução social na Inglaterra, o que antes de
tudo invocara, fora a centralisaçâo. Si ao governo
pudesse lançar-se a responsabilidade por tudo quanto
vai mal em um canto qualquer do reino, dahi resiil-
taria um descontentamento gerali um peso de respon-
sabilidade tào grande, que debaixo delle seria o go-
verno bem depressa esmagado. »
' VAxiáes ndministrativcs ; tom, '2", p. 15,
12 PARTE PRIMEIRA
Nào ; nós não exageramos nem a deplorável situa-
tuacão moral creada pela centralisaçào, nem a per-
versidade das suas tendências politicas. Em uma pa-
lavra, ella começa corrompendo e acaba anarchisando :
por isso é que o Novo Mundo, fugindo do idolo impe-
rial a que o Velho sacrificara a liberdade, fez a fede-
ração palladio da democracia. Vamos vôl-a, alastran-
do-se por toda a parto, a moderna forma de governo.
CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 13
CAPITULO II
o GOVERNO NOS ESTADOS MODERNOS
A fornia federativa de governo ó um facto politico
do Novo Continente quasi inteiro.
As metrópoles européas, Hespanha, Portugal, In-
glaterra, não ousaram manter o dominio de suas vas-
tas possessões, centralisando o poder em um ponto
qualquer dos respectivos territórios; polo contrario,
as administraram dividindo-as em governos isolados,
ou quasi isolados, independentes entre si. A Hespanha
não mantinha, reunidos sob um só vice-rei, es go
vemos do Buenos- Ayres, do Peru, á^ México. Por-
tugal deixou, por largo tempo, o Brazil povoar-se re-
partido em capitanias, que muito mais tarde se uni-
ram debaixo do vice-reinado da Bahia. Como as re-
publicas da Grécia, tinham as colónias iiiglezas go-
vernos separados.
Proclamada a sua independência, alguns dos povos
emancipados procuram organisar-se, não pelo molde
europeu, mas como estados federaes: guerras civis
ensanguentam as republicas de origem hespanhola;
mas 6 muita vez entre os partidos unitário e federal
que a luta se trava.
Considcre-írO o ponto a que os povos da America
14 PARTE PRIMEIRA
chegaram no empenlio de constituírem governos li-
vres : o principio dominante do seu systema politico
6 a federação. As próprias colónias que a Inglaterra
ainda conserva ao norte dos grandes lagos, agora
mesmo ensaiam uma união similhante áquella que
quasi um século tem visto consolidar-se na pátria
de Washington. Tinha o México', desde muito, uma
organisação que elevava as proviacias á cathegoria
de estados. As republicas do Golfo, ora formando uma
só nacionalidade, ora suhdividindo-se em grupos,
vivem igualmente sob governos federaes: Nova Gra-
nada chama-se hoje Estados-Unidos de Colômbia, e
Venezuella, Estados-Unidos de Venezuella. No Peru
um partido reclama actualmente a autonomia das pro-
vindas. A Republica Argentina, em summa, adoptou
por typo a constituição dos norte-americanos, seu
ideal. Só pequenos paizes, de territórios relativamente
acanhados, o Chile, o Uruguay e o Paraguay> dis-
pensaram por isso mesmo a forma federativa, ao passo
que a adopta uma constituição promulgada pelos revo-
lucionários cubanos, dividindo em quatro estados a
pérola das Antilhas.
Este facto geral corresponde a causas poderosas,
que o determinaram e explicam. A extensão dos ter-
ritórios, as cordilheiras, rios, florestas, ou os desertos
intermédios que repartem cada um desses paizes em
secções distinctas; os centros de população prepon-
derantes era cada qual destas, sem relações de com-
mercio, quasi independentes umas das outras ; a dif-
ficuldade das communicações entre populações iso-
CENTRALÍííACÃO E FEDERAÇÃO 15
ladaíT por tamanhas distancias, desertos inacessiveis
ou « mares de longa navegação»; a fraqueza dos la-
ços com que se pretendesse unil-as em um só feixe ;
o choque de interesses, ás vezes contrários, acen-
dendo a paixão da autonomia ; a diíFeronça de cli-
mas, gerando condições sociaes diversas, explican-
do tendências oppostas, formando desde ji os ele-
mentos das raças que em breve hão destacar-se
no colorido painel destes estados : tudo concorre para
impossibilitar nas regiões americanas o systema de
governo fundado ha séculos em monarchias da Eu-
ropa. Tal era a profunda convicção dos nossos revo-
lucionários de 1831. « O governo do império do Bra-
sil será uma monarchia federativa » , dizia a primeira
das reformas constitucionaes propostas pela camará
dos deputados ^
Na própria Europa, retalhada em monarchias mi-
litares, não se pôde, entretanto, desconhecer a mar-
cha constante da tendência desentralisadora em op-
posiçâo á unidade fundada com o absolutismo da meia-
idade. Não tem o governo inglez essencialmente o
caracter de um governo federal, laço de união dos
condados dos três reinos e das colónias espalhadas por
todo o globo? Não conseguiu a Suissa, no recinto
augusto das suas montanhas, não somente pre-
servar a autonomia dos cantões, mas realcal-a com
o regimen democrático puro das la7idsgemeinde de Zu-
rich, Tiirgovia e Berne, que evocam a poesia antiga
* Projecto de 14 de outubro de 1831, g r ; supprimido pelo senado.
16 PARTE PRIMEIRA
dos comícios de Athenas? Nào goza a Bélgica da rea-
lidade do systema parlamentar com as vantagens de
uma considerável desentralisação, por meio doassem-
bléas que exercem, em cada secção do território, a quasi
plenitude do poder legislativo nos negócios locaes?
A exemplo deste bello paiz, e sobre as mesmas
bases, reorg-anisou a Hollanda em 1848 a administra-
ção das suas provincias. Pouco depois, em 1850, adop-
tava a Prússia a idéa das assembléas electivas com
muitas das faculdades que exercem nos dons estados
do baixo-Rheno. Após a revolução de 1848 a Áustria,
anniquilada por uma centralisaçáo impotente e odiosa,
quiz restaurar as antigas liberdades dos municipios
do Santo Império, e commetteu altas funcções a cor-
porações provinciaes. Mais longe ainda deveram ar-
rastal-a as desgraças do seu governo obcecado : de-
pois das calamidades de 1859 e 1866, toda questão,
para o império austriaco, consiste no modo de asscn-
tal-o sobre a base federal ; hoje cada parte compo-
nente da monarcliia tem uma assembléa quasi sobe-
rana; e a dieta húngara é soberana \ Transitória
de certo é a unidade administrativa que prcclamou-se
em Itália com a unidade politica; o futuro pertence
á idéa do projecto que dividia a peninsula em regiões
quasi confederadas. Finalmente, não se pôde esque-
cer que, derrubando o throno vios Bourbons, a Hcs-
^'Em si mesma a Hungria é uma antiquíssima federação dos seus comi-
tatosy cidades e partes aÂnexcej com assembléas próprias e, administra-
ções independentes da dieta e ministério do reino de Santo-Es^evào. {Révue
des Deux Mondes, 1 ' de junho de 18G8; p. 543— -519: artigo do Sr. Lavcleye/
i
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 17
panha, onde as províncias recordam com orgulho os
seus foros de reinos, pede um governo federal como
expressão fiel da liberdade restaurada.
Resta, sem duvida, a França no campo adverso ; e
este só exemplo agorenta a alegria do espectáculo
que tantos povos oíTerecem. Mas ó a França acaso
fiel aos seus primeiros amores, á tradição desse poder
illimitatdo de que são representantes históricos Ri-
chelieu e Napoleão? Lá, iam buscar tristes conselhos
os inspiradores e os adeptos da monarchia centralisa-
da; mas, nós o esperamos, é ella agora que vai for-
necer-nos, neste e outros assumptos, o meio seguro
de determinar o curso das idéas novas.
Decretos de Napoleão III já haviam descentrali-
sado, em 1852 e 1861, o despacho de negócios locaes,
coinmettendo aos delegados do governo imperial a
faculdade de decidil-os. Não é nada isso, lhe diceram
de todo os lados: o essencial é reconhecer no muni-
cípio e no departamento autonomia legislativa e exe-
cutiva quanto aos próprios negócios. Esclarecidos por
successivos desastres desde 1789, alguns espirites
illustres vão mais longe. Recordando as provincias
anteriores á revolução, Vivien e Chevillart condem-
naram a estreiteza das actuaes circunscripções admi-
nistrativas ; Béchard eRaudot, na assembléade 1851,
propuzeram a distribuição do território por grandes
regiões com assembléas legislativas. O Sr. Béchard
(legitimista) ofFerecèra um projecto reunindo os 89
departamentos em 22 divisões correspondentes ás an-
A PROV. 3
18 PARTE PRIMEIRA
tigas províncias e com os seus nomes históricos *.
Sede de um governo civil, de um commando militar,
de uma relação, de uma academia, de um arcebispado,
de uma directoria de obras publicas, e outra de peni-
tenciarias e bospitaes, cada divisão da França teria
uma assembléa legislativa, composta de delegados dos
conselhos departamentaes, cujos membros elegeria
o povo directamente. A taes assembléas competeria
alta missão politica : quando em Pariz algum extraor-
dinário evento impossibilitasse os poderes públicos de
funccionarem legalmente, a ellas cumpria manter a
ordem, decretar e levantar o estado de sitio nas suas
proviucias : tal era o preservativo imaginado contra
as súbitas revoluções ou golpes de estado, que, par-
tindo da capital, propagam-se por todo o paiz, com a
força eléctrica da centralisação, sem incontrarem re-
sistência em parte alguma.
Não é aspiração de um escriptor isolado, nem se
circunscreve a um só partido : a essa transformação
do governo interno da França associou-se um homem
eminente, o Sr. Odilon Barrot *, o as mesmas idóas
partilha o elegante publicista, Sr. Prevost ParadoP:
para caracterisar a sua doutrina, basta lembrar que,
a exemplo dos Estados-Unidos, ambos propõem que
pelas assembléas regionaes sejam escolhidos os mem-
bros do senado.
O movimento prosegue : das theorias passa á pra-
^ De Vadministration intérieure de la France ; vol. 2o, p. 312.
* DelaCentralisation: conclusão.
* La Franee Nouvelle ; liv. II, cap. %^.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 19
tica governamental. Para defender parte de seu im-
raenso poder, cede Napoleão alguma cousa ao espirito
liberal ; taes são pelo menos as tendências da politica
annunciada ao novo parlamento ^ Rende-se inde-
fesa a centralisação naquelle paiz justamente onde ella
fora, mais do que um facto legislativo, uma theoria
politica, uma paixão nacional. D'ora avante, os ad-
versários do mais deplorável systema administrativo
incontrarão, nas reformas incetadasem França, valio-
sos argumentos contra o resto de obstinados, que ain-
da rodeiem o idolo do cesarismo no período de seu irre-
parável declínio.
1 Matre» electivos, conselho municipal de Pariz nomeado pelo corpo le-
gislativo, a cidade de Lyão restituída ao regimen commum, novas prero-
gativas aos conselhos geraes; as próprias colónias participando deste movi-
mento de descentralisação : eis as medidas anunciadas pela falia do throno
de 26 de novembro de 1869. Mais desinvol vidas, por ventura, hão de estas
idéas em breve prevalecer, como é licito esperal-o da commissào de descen-
tralisação que o gabinete OUivier confiara á presidência do Sr. Odilon-
Barrot, e á qual pertence o Sr. Prevost-Paradol.
CENTHALISAÇlO E FEDERAÇÃO
21
CAPITULO III
A CENTRALISACAO E AS REFORMA»S
Si na França, onde o génio nacional fundou atra-
vez dos séculos uma verdadeira e indisputada capital,
realçada pelas sciencias, pelas artes, pelas letras,
pelos homens iliustres que de lá influiram na civili-
sacao do mundo; si ahi mesmo descobre-so agora a
causa de tantos desastres, como havia o Brasil de in-
cetar uma obra que a experiência conderanára na
terra de que essa empreza podia prometter-se o êxito
mais lisongeiro? Debalde a reforma, que pelo seu
caracter radical, como soe acontecer, só uma revolu-
ção podéra realisar, debalde a reforma de 1834 tentou
confederar as províncias brazileiras. De tamanha
obra o que resta? Amputada na parte politica, tem
sido a pouco e pouco transformada em lei admi-
nistrativa. Assim, depois de rápido eclipse, conso-
lidou-se a centralisação no Brazil, emquanto o resto
da America experimentava ou fundava instituições de
mui diversa natureza.
Recusam, todavia, reconhecer esse vicio europeu
em nossa administração, aquelles que a comparam
com a mais exagerada das organisações do mesmo
genero,o systema francez. Certo não se incontra aqui
22 PARTE PRIMEIRA
inteiramente o typo administrativo da França, com-
quanto a cada passo se descubram similhanças entre
os systemas dos dous paizes \ Pouco importam, po-
rém, diíFerenças em pontos secundários, quando ha
identidade no essencial : demais, a superioridade de
um methodo de governo sobre outro não se estabelece
por taes analogias entre nações diversas, mas perante
o interesse de cada qual. É estudando o interesse do
nosso paiz, que perguntamos: Não será tempo de re-
ver as leis e os decretos parasitas que amputara mt
a reforma de 1834, renovando a centralisacão contra
a qual se insurgiram as provincias? Será justo que
nenhum kilometro de caminho de ferro se possa
construir na mais remota parte do império, sem que
o autorise, sem que o embarace, o demore ou o con-
.demne o governo da capital? Será razoável que o
Pará, ha mais de 14 annos, solicite uma ponte para a
alfandega; Pernambuco, desde 1835, a construcção
do seu porto ; e o Rio-Grande do Sul, desde a inde-
pendência, um abrigo na costa?
Não SC pôde desconhecer a centralisacão em
paiz onde, cumpre dizêl-o, ella está desta sorte amea-
çando a paz publica: Sua influencia politica não é
menos sensível, porém, que o retardamento do pro-
gresso material: façamos a este respeito algumas
considerações inspiradas pela crise em que labora a
doutrina liberal.
Considerai a disposição geographica das popula-
* V. Parte U», Cap. V, sobre a policia, e III», Gap. V § lo, quanto a
centralisacão em melhoramentos matei iaes.
^
CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 23
coes desta parto da America. Abstrahi do presente
um instante, volvei alguns annos na fantasia; figu-
rai-vos a perspectiva geral do Brazil no próximo sé-
culo : será temerário suppôr que o valle do Amazo-
nas, cujas feições se est^o pronunciando ao sol do
equador, que o do S. Francisco, linha de união,
ligando o sul ao extremo norte, que a região tropi-
cal banhada pelo Parahyba e limitada pelas mon-
tanhas do Rio, Minas e S. Paulo, que o Rio-Grande
e Santa-Catharina que se germanisam a olhos vis-
tos, que o vastíssimo oeste estendido das margens
do Tocantins ás do Paraguay, bem depressa osten-
tem cada um, não diremos tendências contrarias
e repugnantes, mas traços distinctos, civilisações
desiguaes, como serão distinctas e desiguaes
suas raças predominantes? Já as estatísticas admi-
nistrativas permittem enxergar no ainda confuso
mappa politico os grupos que o futuro verá clara-
mente. Quereis apreciar em algarismos o facto de
que algumas, pelo menos, das províncias, por sua
situação geographica, apenas se prendem officiahnente
ao governo central situado tão longe delias? Cite-
mos ao acaso: seja o Maranhão, por exemplo. O va-
lor do seu commercio directo era em 1867 oito ve-
zes maior que o das suas transacções com todos os
portos do império ; estas mesmas limitavam-se ás pro-
víncias limitrophes, ao grupo que constituía o antigo
estado do Maranhão. Com o Rio de Janeiro, como si
fora estado de além-mar e governo estranho, as
transacções apenas attingiram a 223 contos em um
24 PARTE PRIxMEIRA
dos annos de maior actividade commercial (1863-—
64). Outro esclarecimento luminoso fornece a esta-
tística do correio. Em 1835 expediram-se pela es-
tação central do correio brazileiro 7,385,998 volu-
mes, cabendo mais de dous terços ao território situado
ao sul da Bahia : apenas dous milhões representam as
relações da capital com o resto do Brazii; e, si afas-
tarmos a Bahia, Pernambuco e o Pará, somente ficam,
para as oito restantes províncias do norte, 400,000
volumes, nos quaes todavia se comprehendem os diá-
rios e a excessiva correspondência official. Demais,
quem viaje por este extensissimo paiz, cujo littoral
maritímo não pôde ser percorrido em menos de quinze
dias a todo vapor, experimenta a mais completa sen-
sação das distancias e do isolamento em que estão
do Rio de Janeiro as províncias septentrionaes. Quan-
do se transpõe um ponto da costa relativamente vi-
sinho, a foz do S. Francisco, por exemplo, imagina-se
percorrer os domínios de outros e outros Estados, —
tão vasto, tão desmesurado é este colosso brazileiro I
Penetrando o valle do Amazonas, já não differe o typo
somente, no Solimoes a própria lingua é outra : pre-
valece a indígena. Eis-ahi porque, ainda quando não
a condemnasse a triste ex-periencia dos povos, a cen-
tralisação seria no Brazii um facto meramente offi-
cial, sem base nas suppostas relações da vastíssima
oircumferencia do Estado com o centro improvisado
pela lei.
Póde-se, por ventura, desprezar tão poderosa causa
physica no momento do omprehender sérias reformas
CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 25
no nosso actual systema administi ativo ? Qual é, com
effeito, o característico saliente do seu mecanismo?
A uniformidade, que, por toda a parte, é, para o po-
der concentrado, a condição da máxima energia*
Pois bom: eis-ahi o cscollio em que naufragaram
bellissimas reformas, eis o elemento que agravou o
vicio de outras, tornando impraticáveis as primeiras
o as segundas nimiamente impopulares. Examina
porque estragou-se a larga concopçào da lei munici-
pal de 1828 : é que nào se ajusta a condições variá-
veis de um paiz tão vasto e tão desigual uma organi-
sação theorica do governo local, assente embora na
base mais ampla. Examinai porque não vingou uma
das mais nobres instituições do 1832, o juiz de paz,
magistrado popular da primeira instancia e tribunal
supremo das minimas lides : é que desde logo se re-
conheceu que o juiz electivo suppunba uma certa ci-
vilisacão no mesmo nivel. Não raros casos ou occur-
roncias locaes mostraram ser prematuras, em algu-
mas regiões do paiz, franquezas de que aliás
grande parte delle era certamente digna. Do insuc-
cesso das leis verificado em alguns lugares concluiu-
se contra a sua conveniência ; não se contentaram de
abolil-as aqui ou ali; aboliram-se em todo o império:
a reacção procedeu também com a mesma uniformi-
dade. Eil-a funccionando de um modo systematico,
mecânico. Mas agora, dizei-nos, qual o motivo que
torna ainda mais odiosas as leis reactoras que funda-
ram o actual absolutismo? A sjmetria das leis de po-
licia e de organisação policial, tão oppressoras para
A ?ROV. 4
26 PAHTB PRIMEIRA
a liberdade individual, não agrava os seus incon-
venientes, ao menos nas grandes povoações e nos
municipios mais moralisados? Porque alguns milha-
res de habitantes de Mato-Grosso, do Alto-Amazo-
nas, de Goyaz , não se acham em circumstancias de
praticarem leis de menos arbítrio para a autoridade ,
é isso razão para ficarem sujeitos a um mao regimen
o resto dos habitantes do império, as provindas mais
florescentes, as mais populosas cidades? A unifor-
midade, vicio inherente á centralisação, lentamente
transformou o Brazil em monarchia europea.
Pondo uma restricção onde a revolução de 1831
puzera uma liberdade, a missão do actual reinado tem
sido sujeitar as provincias ao freio da centralisação,
que as comprime e debilita. Saciadas de uma tutela
humilhante, ellas aguardam a reforma do pacto social
como a sua derradeira esperança. « O futuro nos re-
velará, escrevia o inspirado precursor da democracia
bíazileira, si nossas provincias, separadas por vastos
desertos e mares de longa navegação, podem obede-
cer á lei dessa centralisação forçada, contraria á na-
tureza, e que tolhe sua prosperidade, des,truindo as
condições de seu desinvolvimento ; ou si não se pre-
ferirá antes o regimen federativo, que multiplique os
focos de vitalidade ede movimento a esse immenso
corpo intorpecido, onde a vida aparece aqui e ali,
mas em cujo restante não penetra, nem pôde circular
a seiva animadora da civilisação \ »
1 Libello do Povo, por Timandro ; g llt.
CENTBALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 27
Conhecendo o valor de um tal systema admi-
nistrativo, construido, peça por peça, com perse-
verança digna de melhor causa, havemos os libe-
raes pedir uma lei eleitoral somente? Sem condemnar
a tendência para simplicar a diííiculdadc circun-
screvendo-a, expediente ás vezes imposto aos homens
politicos, estamos persuadido, comtudo, da insuffi-
ciencia de reformas que não invistam uma das ori-
gens, talvez a mais remota, mas não sem duvida a
menos viciosa, da desordem de nossas instituições.
A centralisação é essa fonte perenne de corrupção,
que invenena as mais elevadas regiões do Estado. Sup-
ponhamos o eleitorado melhor constituido e o voto
'menos sophismado pelo processo eleitoral. Não é tudo:
falta que o suíFragio se manifeste livremente e tenha
toda a sua efficacia. Mas, si deixais concentrada a
policia, o juiz dependente do governo, a guarda na-
cional militarisada, toda a administração civil hie-
rarchicamente montada, o governo das provincias
preso por mil liames ao governo supremo, as depen-
dências da centralisação, os interesses formados á sua
sombra, todas essas phalanges que marcham unisonas
á voz de commando, partidos cuja força local aviven-
tam influencias que se distendem do centro, todos,
povo e estadistas, com os olhos postos na capital,
que, como Bysancio, projecta ao longe a sombra do
seu negrume : — que é que tereis mudado na essência
das cousas ? que é que tereis revolvido no coração da
sociedade, si lhe conservastes a final o mesmo meca-
nismo? Podeis ornar o pórtico do edifício, mas não
28 PARTE PRIMEIRA
deixará de ser a mesma habitação infecta, si n-lo ras-
gastes aberturas para o ar e a luz, si nao restabele-
cestes a circulação embaraçada \
Km verdade, que é o nosso governo represen-
tativo ? nosso parlamento? nossas altas corpora-
ções? Tudo isto assenta no ar. E o scsptro, que
eleva os humildes e precipita os soberbos. Por
Vaixo está o povo que escarnece. Pois que o ponto
de apoio ó o throno, quantas dilig-encias para
cercal-o, para acaricial-o, para prendel-o aos an-
tigos preconceitos, ou ás idóas novas que vão
rompendo ! Jogo de azar torna-so a politica. Não é a
nobre justa das grandes emulações, de que decide o
povo soberano: o arbitro 6 outrem. E, posto que o
maior interesse deste seja que o venerem por sua rec-
tidão, é elle por ventura alheio á sorte commura da
(2) « Nous n'hósitons pas à dire que le sufTrage universel n'acqiierra son in-
dépendanceque par une reforme radtcale de nolre organisation administrative.
Gomment cspcror la liberte des élections, lorqu^une armée de fonctionnaires,
d'agen3 de toute nature, qyi vivent par le gouvernement, qui attendent de lui
leur avancement, la recompense de leurzcle, qui espèrent et craignent tout
du pouvoir central, enserre le pays entier? Un raot lance par ce maitre tout-
puissant est, du haut en bas de la hiórarchie, corame le commandement d*un
chef pourlestroupes les mieuxdísciplin!':cs. On ne lo controle pas, gnnc lo
discute pas; on Texécute. Et, à son tour, quelle iníluence puissante ce corps
de fonctionnaires n'exerce-t-il pas surlespopulations! Cet élatdechoses est
non seulemciit la négation de i'indépcndanco du suffrage universel, mais aussi
un obstacle à la formation de nos moeurs publiques. Jamais un peuple libre
ne pourra vivre avcc une pareille organisation, jamais Topinion publique no
circulera avec asscz de force pour étre le vóritable moteur des destinócb du
pays. Liberte et adrainistration laissée h la discrélion du pouvoir sont des
termes contradictoires. L'histoire ne nous prósento Texcmplc d'aucun peuplo
oú ia liberte aifc flcuri sous un tel regime. » //. Galos: Rev. des deux mondes.
1 sept. 1868; p. 136.
CENTRALISAOÃO E FEDERAÇÃO 29
humanidade? A anabiçào vulgar de impertinente do-
mínio, o ciumo da prerogativa da realeza, o interesse
dynastico, o vchemente propósito de transmittir in-
tacto o fidei-commisso raonarchico, nada cedendo ás
idéas novas sinão quanto baste para melhor resistir-
Ihcs, podem afinal trazer a um choque perigoso a
nação e a coroa. Consummada prudência, favorecida
por causas extraordinárias, poderá proscrastinar o
momento decisivo ; mas jamais foi permittido a uma
fainilia do reis transmittir com o throno a sabedoria,
essa virtude que se volatilisa na successão. Um dia
estala a tempestade ; a pyramide invertida voa em
pedaços.
Vemos os espirites aílictos em busca de um ponto
de apoio no espaço: quanto a nós, não ha outro ; é a
autonomia da Província. Votai uma lei eleitoral aper-
feiçoada, supprimi o recrutamento, a guarda nacio-
nal, a policia despótica, restabelecei a independência
da magistratura , restaurai as bases do código do pro-
cesso, tornai o senado temporário, dispensai o conse-
lho de estado, corrigi ou aboli o poder moderador ; —
muito tereis feito, muitíssimo, pela liberdade do povo
o pela honra da nossa pátria : mas nào tereis ainda
resolvido este problema capital, equuleo de quasi
todos os povos modernos : limitar, o poder executivo
central ás altas fiuicções politicas somente. Deixai-
Ihe ocxercicio das attribuiçoes quê tem, deixai a ca-
pital concentrar os negócios locaes, consenti que
possa estender-se por toda a parte o braço gigantes-
co do FiStado, tutor do manicipio o. da província; e
30 PARTE I^RIMEIRA
vereis, por melhores que as leis novas sejam, domi-
nar a nação, e tudo perverter, o governo, o poder execu-
tivo. Descentralisai o governo ; aproximai a forma
provincial da forma federativa ; a si próprias entregai
as provincias ; confiai á nação o que é seu ; reanimai
o enfermo que a centralisação fizera cadáver ; distribui
a vida por toda a parte : só então a liberdade será sal-
va.
A liberdade pela desceu tralisação, tal ó o objecto
do estudo que emprebendemos sobre a Provincia no
systema politico do Brazil, qual existe, e qual tentara
organisal-o a revolução de 1831.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 31
CAPITULO IV
OBJECÇÃO
Detem-nos uma objecção preliminar. Não são fran-
quezas locaes e liberdades civis, que nos faltam, di-
zem' alguns : falta ao povo capacidade para o governo
livre. E' máo o povo, não pôde ser bom o governo :
máxima com que os conservadores atiram para o mun-
do das utopias as idéas democráticas.
Não desconhecemos o valor de uma péssima edu-
cação histórica , que, sem preparar os povos para a
liberdade, cerca de perigos formidáveis as institui-
ções novas. Duplo é, sem duvida, o crime do des-
potismo : ensanguentando ou esterilisando o pas-
sado, embaraça o futuro. Por isto não basta proscre-
vêl-o para seus males cessarem. Eis a Hespanha:
ahi não é certamente a liberdade que é demais : o
que a perturba e revolve é o resto da bilis absolutista
e clerical. Foi a enfermidade longa e dolorosa ; não
pode convalescer depressa. O que farieis, porém, da
Hespanha? aconselharieis acaso o mesmo regimen
que anniquilou-a, que inhabilitou-a? Acondemnação
eterna para os povos ! que impiedade !
Em casos taes, a tarefa é muito mais séria, a con-
valescença muito mais diíficil. A medicina, porém, é
a mesma : reformas decisivas, reformas perseverantes.
32 PRIMEIUri PAUTE
Estamos bem longe, portanto, de « declarar um povo
para sempre incapaz em razão de uma enfermidade
orgânica e incurável. » Fora nogar o progresso ou af-
firmar a iramutabilidade dos destinos ; fora esquecer
a grande data da iniciação da liberdade e da igual-
dade, 1789. Desde então, em politica, como em tan-
tas cousas, já nào ha impossíveis.
Demais, povo o- governo que o preside devem
do ter, sob o ponto de vista moral, o mesmo "valor.
Melliorarem as condições moraes do povo sob um sys-
tema de governo que as não favoreça ou que as cor-
rompa, é absurdo. Ora, para que um povo se aper-
feiçoe e augmente em virtudes, é mister que seja li-
vre. E a liberdade que excita o sentimento da res-
ponsabilidade, o culto do dever, o patriotismo, a pai-
xão do progresso. Mas um povo a quem se impuze-
ram os encargos da civilisação sem as liberdades cor-
respondentes, é um paralytico : tem escusa para tudo.
Edgem que as nossas províncias progridam, e lhes
tolherii as mãos ; que deixem de repoisar na inicia-
tiva do governo central, e não lhes concedem a ini-
ciativa precisa. Porque é que ainda as mais ricas
limitam-se a algumas despezas e serviços ordinários,
e nada emprendem que requeira ousadia, que econo-
mise o tempo, que acelere o futuro? Matou-as, não
ha duvidai o, matou-as lentamente a politica centra-
Hsadora. A instrucção, a immigração, a emancipa-
ção, não perderam menos com essa ausência de es
pirito provincial, do que os melhoramentos que mais
ferem a vista, as estradas, os canaes, os vapores.
CENTRA.LISAÇÃO E -FEDERAÇÃO 33
Negam ao paiz aptidixo para governar-se por si,
o o condemnam por isso á tutela do governo. E'
pretender que adquiramos as qualidades e virtudes
cívicas, que certamente nos faltara, sob a acção
estragadora de um regimen de educação politica
que justamente gera e perpetua os vicios oppos-
tos. Da mesma sorte, os defensores da escravi-
dão, que avilta e desmoralisa suas victimas, apre-
goam-n'a como o meio efficaz de educar raças in-
feriores ; e o termo deste bárbaro tirocinio ft sempre
proscrastinado pela supposta insufficiencia do periodo
de provação, ainda que três vezes secular. « Depois
de haver destruido no coração dos povos toda a al-
tivez, toda a intelligencia, e até o gosto pelos pú-
blicos negócios, a centralisação — escreve Odilon
Barrot — invoca isso mesmo como titulo para per.
petuar-se ! .... Quando sabiremos deste circulo vicioso?
Toda a tutela prolongada produz infallivelmente uma
certa incapacidade, e esta incapacidade serve de pre-
texto para continuar a tutela indefinidamente. E de-
mais, esses tutores que nos são impostos, donde sa-
bem? não sabem do meio dessa população que decla-
rais radicalmente incapaz? Porque maravilhosa me-
tam orpbose succederá que esse bomem, confundido
na véspera nessa raça de incapazes, súbito se torne
um ente superior, dotado de todas as qualidades go-
vernamentaes, só porque recebe um diploma ou veste
uma farda ? * »
' De la Centralisation, p. 77.
A PROV. 5
34 PARTE PRIMEIRA
Um falso systoma politico que dá ao governo
excessiva responsabilidade, não lhe permitte a com-
pensação de auxiliares idoneoa. Na estufa da cen-
tralisaçâo não se desinvolvem as aptidões. Oá ver-
dadeiros estadistas, os hábeis administradores, como
generaes em campos de batalha, formam-se na luta
incessante de uma existência agitada. Duas cousas
se percebem logo na triste situa^íào do Brazil : isolado
na nação , esmagado por uma carga superior ás suas
forças, o governo, longe de desembaraoar-so de ta-
refa tão gigantesca, reparte-a com agentes incapa-
zes. O que podia resultar dahi sinào a esterilidade
do passado, seus erros e suas vergonhas, e, quanto ao
futuro, o pânico?
Tão evidente se aíEgura o perigo, que até os con-
servadores o indicam em linguagem que nao é du-
vidosa \ Desgraçadamente, parecem os nossos ad-
* Dczescis de Julho, de 18 e 19 de dezcrabro de 1869.— -No parecer so-
bre a reforma das municipalidades (16 de agosto de 1869) dizia a commissào
da camará temporária : « A prudência e uma boa politica aconselha-
vam (em 1834) que se fizessem concessões á opinião predominante, que, agi-
tada, clamava pelas franquezas provinciaes. Visavam estas exigências a
emancipação das instituições locaes, excessivamente escravisadas pela depen-
dência do governo central; a efficaz garantia do direito que a mesma consti-
tuição havia reconhecido no art. 71 ; cm uma palavra, a descenlralisação
administrativa, que é a condição substancial da vida dos povos, o comple-
mento e ao mesmo tempo o melhor correctivo da liberdade politira, o meio
de elevar o espirito publico até ás virtudos civicas, o ponto de apoio da re-
sistência legal, e finalmente a melhor garantia de ordem e estabilidade para
as iristituiçõe.s. Sem a descentralisaçào administrativa o paiz esmorece
sob a tyrannia da uniformidade.. A nossa província nào é, e não
pôde ser nem a província do Baixo Império, circunscripção assignada ao
procônsul para nclla representar a magestade imperial e manter a submissão
dos povos — »
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 35
versarios bem longe de abraçarem com decisão uma
doutrina larga. Limitam-se a retoques e a concessões
que, alias úteis e urgentes, penetram só a superfi-
cio do systema, respeitando-llie as bases. Quanto a
nós, nào bastaria despojar o poder executivo cen-
tral de certas attribuições parasitas ; fora preciso
fundar em cada província instituições que eficaz-
mente promovam os interesses locaes. É o program-
raa deste livro, inspirado por um estudo sincero do
Acto Addicional.
Instincti vãmente repellem os conservadores as
instituições de 1834, imaginando-as eminentemente
republicanas. Vamos ver que as províncias ultrama-
rinas de um grande império, a Grà-Bretanlia, nâo se
regem por outras ; e, como os receios dos nossos ad-
versários procedem em parte de ser mal conhe-
cido o systema federalista, a que se inclinaram os le-
gisladores de 1834, e com o qual erroneamente o con-
fundem, pareceu-nos necessário estudar a organisa-
ção interior dos Estados-Unidos. Ver-se-lia que, res-
tauradas a;^ franquezas da província, alargada a sua
es])liera no sentido genuíno do acto addicional, ainda
ficaremos a grande distancia dessa esplendida orga-
nisacão.
Diga-se embora, como em 1831 , que o Brazil
ficará sendo « monarchia federativa » : não nos
embaracem palavras. Centralisaçào e federação, cada
um destes dous medos de governo soporta grada-
ções. O typo mais perfeito do primeiro é o império
franc':'z. Do segundo incontramos, na própria Europa,
36 PARTE PRIMEIRA
variantes mais ou menos consideráveis. Está a velha
monarcliia da casa d' Áustria prolongando a sua do-
lorosa existência, graças ao regimen federativo na
mais litteral expressão. Nâo ó a Hungria mais do
que um dos estados da união norte-americana? não
tem ella, além das suas leis civis e criminaes, do seu
poder judiciário próprio, da sua administração local,
um parlamento seu, um ministério, um exercito? São,
com eíFeito, diversos os typos de um governo dcs-
centralisado : o que pedimos para o Brazil não é, do
certo, a soberania do reino de Santo-Estevão, mas
não é também a plena autonomia dos estados anglo-
americanos, cujas instituições passamos a doscrcvcr.
Este estudo fará comprehender melhor o pensamonto
que preside á segunda parte do nosso trabalho.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 37
CAPITULO V
A FEDERAÇÃO NOS ESTADOS-UNIDOS
Quão oppostos aos tristes effeitos da centralisaçâo
os magníficos resultados da federação ! Uma que-
branta, outra excita o espirito dos povos. Uma extin-
gue o sentimento da responsabilidade nos individues,
e esmaga o poder sob a carga de uma responsabilida-
de universal; a outra contém o goveruo no seu pa-
pel, e dos habitantes de um paiz faz cidadãos verda-
deiros. Uma é incompatível com instituições livres ;
a outra só pôde florescer com a libei^dade. Uma tem
por condição o funccionalismo hierarcbico e illimita-
do, exercito permanente do despotismo.- Bastam á
outra poucos agentes, e em caso algum os requer
para negócios dos particulares edas localidades. Uma
revolve os estados ; a outra equilibra as forças so-
ciaes, e, não reprimindo nenhuma, prosegue sem
receio das súbitas reacções. Uma é a expressão mo-
derna do império pagão ; a outra é o ideal do governo
na sociedade creada pela doutrina da consciência
livre e da dignidade humana.
Permittindo a expansão de todas as aptidões, de
todas as actividades, de todas as forças, o sys-
tcma federativo é sem duvida a maior das forças
sociaes. Mata a centralisaçâo os povos da Europa ;
funda a federação o poderoso estado da America
38
PARTE PRIMEIRA
do Norte e fundará o da Austrália, as grandes po-
tencias do futuro. Já illustres pensadores annun-
ciam os grandes destinos reservados para os povos
favorecidos por tão feliz organi sacão *. Tanto bastava
para que lhe cedamos algumas das horas consumidas
na estéril admiração da symetria franceza : um moti-
vo particular recommenda, porém, esse estudo. Sup-
ponhamos nossas provindas reintegradas nas franque-
zas do acto addiccional e formando uma monarchia
federativa com presidentes eleitos : acaso o systema
politico do Brazil confundir-se-ia desde logo com o
dos Estados-Unidos, prototypo das federações mo-
dernas, abstrahindo mesmo da forma do nosso su-
premo governo? Vejamos, antes de tudo, dentro de
que limites lá funcciona o poder central.
Na republica anglo-americana, o estado e entida-
de anterior á União ; e esta só idéa basta para pre-
cisar o sentido do seu systema federal. Cada um
dos estados possuo as leis civis e criminaes que ado-
ptou no tempo colonial ou que promulg^ou de-
pois, uma magistratura que executa essas leis o
uma administração civil própria, organisadas ambas
sobre a base democrática, mas sem uniformidade ab-
soluta, constituídas em summa pelas respectivas le-
gislaturas. Assim, o governo interior se rege por
instituições provinciaes, não por leis nacionaes sy-
metricas ; ali não ha lei judiciaria commum, lei
eleitoral uniformo, códigos civis ou criminaes pro-
mulgados para todo o píiiz. ííis uni traço decisivo
* La F7'ance Nouvelle, pelo Sr. Prevnst Paradol ; liv. TU, cap. 3".
CÈNTRALISAÇÃO E FEDEttAÇÃO 39
para caracterisar este systema : antes da recente
g-uerra, um partido que largos annos exerceu o po-
der, o democrata, exagerando os direitos dos estados,
pretendia quo a escravidão era instituição domestica,
dependente, pr^rtanto, das leis civis dos estados,
fora do podei* do congresso. Era similhante pre-
tcnçlo o mais enérgico testemunho do principio
federativo, comquanto delia resultassem a perpetui-
dade do regimen servil no sul, as violentas agitações
a propósito dos negros fugidos, e afinal a guerra
civil.
Distinguem-se pelo alto caracter de interesses na-
cionaes as faculdades conferidas ao congresso ou
poder federal.
Náo lhe pertencem somente as relações exteriores,
declarar guerra e celebrar paz, manter exercito e
arniada, mas lhe incumbem também todos esses as-
sumptos que em uma sociedade qualquer exprimem a
unidade nacional. E' o congresso que fixa o padrão
dos pesos o medidas; ó elle que emitte moeda, e le-
gisla sobre privJegios industriaes e litterarios.
Additamentos á constituiçclo, promulgados em 1791,
reconheceram, como garantias dè todos os cidadãos,
inatacáveis, portanto, pela legislação dos estados, a
liberdade de religião , sendo prohibido estabelecer
religião de Estado, a liberdade de imprensa, o direito
de reunião, de petição, de trazer armas de defensa, o
respeito da pessoa, da casa, da propriedade e das car-
tas, a prohibição de mandados de busca arbitrários ou
sem as formalidades precisas. Estatuiram, quanto á
40 PARTE PRIMEIRA
parte penal, que nos crimes capitães ou infamantes
preceda sempre ao julgamento ojury de accusaçào ou
pronuncia ; que ning-uem sej-a condemnado sem pro-
cesso formal; que em todo o procedimento judicial
observem-se as formulas garantidoras da defeza do
réo ; que não se lancem multas excessivas, nem se
exijam fianças exageradas, nem se imponham penas
cruéis e antiquadas.
A consagração destas doutrinas de direito publico
e privado restringia, por ventura, a autonomia le-
gislativa dos estados? não; era a base da livre so-
ciedade que se fundava na America. Nenhum dos
estados possa repudiar as ideas democráticas, ne-
nhum fundar o despotismo : tal ó o pensamento
destes bellos principies propagados no fim do século
XVIII pelos republicanos da America e França.
Dar ao poder nacional as attribuições indispensá-
veis, foi o primeiro pensamento dos autores da cons-
tituição. Para. formar-se, porém, idéa exacta desse
poder, cumpre não exagerar suas attribuições levan-
do-as ás extremas consequências lógicas. Assim, sor-
prehende á primeira vista ler na constituição que « a
legislaturade cada um dos estados prescreverá a época,
lugar e modo das eleições dos senadores e represen-
tantes que formam o congresso * ». Comquanto ahi
mesmo declare que o « congresso poderá sempre, por
uma lei especial, fazer ou modificar esses regula-
mentos eleitoraes», bem demonstra a primeira parte
do texto a sabedoria com que se quiz evitar a funesta
1 Arf. 1°, sec. 4§ l.«
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 41
symetriã nas leis de um paiz vastíssimo, deixando aos
legisladores dos estados graduarem o exercício do
siiflfragio segundo as peculiares circunstancias do povo
de cada um *• Depois de revolvidos tantos annos, agora
é que os radicaes, consequentes com a politica aboli-
cionista triumphante, fizeram estender ao paiz inteiro
o suffragio universal e a igualdade de raças ou cor.
Tal é o objecto da ultima emenda constitucional. *
Outro exemplo patentear á melhor o espirito das
instituições americanas. Dispensando os grandes exér-
citos permanentes, reduzindo o seu a uma dezena de
mil soldados, os Estados-Unidos careciam de uma re-
serva nacional, e essa reserva se chamou milicia. Ao
governo federal ficou pertencendo reunir a milicia em
caso de rebellião ou invasão, assim como « organizal-a,
armal-a, disciplinal-a e dirigir a parte delia empre-
gada em serviço da União. ' » Suppôr-se-ia, á vista
de phrases tão genéricas, uma organisação similhante
á da nossa guarda nacional ; mas, entretanto, é o
mesmo texto constitucional que expressamente de-
clara « reservado a cada estado o direito de nomear os
officiaes da sua milicia e de exercital-a na disciplina
* A diversidade das leis eleitoraes é, na verdade, considerável ; julgue-se
por este exemplo: alguns dos estados permiUem votar os estrangeiros ainda
que Dão naturalisados. (Paschal, Annotated constituHon, ns. 16 e 17, pags.
58 a 66.) No Massachusetts» subsiste a lei que exige do votante saber ler.
Sem serem uniformes, as leis dos estados consagraram quasi o suffragio
universal. Algumas fixaram um certo censo, comquanto baixo. A legislatura
de Utah (território dos Mormons) acaba de conceder ás mulheres a capaci-
dade eleitoral.
* Emenda 15*, recentemente ratificada pelos estado^.
» Art. 10, sec. 8» §§ 15 e 16.
A PROV. 6
42 PARTE PRIMEIRA
presoripta pelo congresso. » Todas as questões a este
respeito suscitadas eatre o go verão federal e os outros,
deixaram bem claro o principio de que a nomeação
dosofficiaese a formação dos corpos sào assumptos me-
ramente locaes. * As próprias constituições dos es-
tados desci^evem como compõe-se a respectiva milicia,
A de New- York regulava este assumpto tornando
electivos pelos guardas de cada companhia os oflS-
ciaes inferiores e officiaes até capitão ; por estes os
officiaes superiores dos batalhões ; e dos officiaes g-e-
neraes, uns pelos officiaes superiores, outros por no-
meação do governador sob audiência do senado ou
sem ella. Não é só, porém, no modo de compor os
corpos e de nomear os officiaes, nào é só por serem os
postos electivos, que a milicia dos Estados-Unidos
differe da nossa guarda nacional ; diôere, principal-
mente, pela natureza do serviço, pois está aqui trans-
formada em segunda linha do exercito e em corpos
de policia, e não é certamente essa reserva nacioaal
para os casos raros de invasão e rebellião. Cá é arma
eleitoi^al nas mãos do poder executivo central ; lá ó
uma serie de pequenos corpos de exercito formados
na localidade, governado cada qual pelos chefes que
elege.
^ Kent, Commentarios d constit.y sec. 3a g 6. — A milicia é milicia dos es-
tados respectivos, e não dos Estados-Unidos. Quando chamada a serviço do
governo geral, sô assume o caracter de força nacional depois de reunidos os
corpos no lugar designado pela autoridade, e nào antes. (Pascbal, n. 130.)
De facto, são os estados que legislam sobre a formação das milícias; no
caso de guerra o congresso as convoca por actos especiaes. ^áo ha, pois,
lei geral de organisaçào da milicia* como alias faria crer o texto da cons-
tituíçio.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 43
O poder federal nos Estados-Unidos não é certa-
mente um poder fraco ; elle foi sabiamente constitui-
do com as faculdades necessárias, mas não sobrecar-
regado inutilmente com funcções da administra-
ção interna. A somma das attribuiçoes legislativa,
executiva e judiciaria exercidas pelas assembléas
dos estados, suas autoridades e seus tribunaes,
mostra que, em si mesmo, cada membro da União
ficou sendo uma republica independente com pode-
res políticos organisados segundo as constituições
votadas pelo seu povo. O pensamento, egualmente
fundamental, dos legisladores americanos, foi, por-
tanto, consagrar, dentro do mais vasto circulo, a
autonomia das republicas federadas. Um dos ad-
dittamentos de 1791 (art. 10) expressamente o diz :
«Os poderes que a constituição não delegou ao
governo federal, nem por elia são interdictos aos
estados, a estes ficam reservados. » Quaes foram,
com effeito, além dos princípios geraes de direito
publico ou privado, as restricçoes da constituição ?
Ficou prohibido a cada um dos estados : « cele-
brar tratado, fazer alliança ou confederação, dar
cartas de corso e represálias, cunhar moeda, emi-
tir papcl-moeda, dar curso legal para pagamen-
tos a cousa diversa do ouro ou prata, promulgar
leis de confisco, leis retroactivas ou contrarias ás
estipulaçSes dos contractos, conferir titules de no-
breza, levantar tropas ou manter navios de guerra
em tempo de paz, e empenhar-se em guerra, exce-
pto no caso de in/asão ou de imminente perigo. * »
' Art. 4o. sec. 10.
44 PARTE PRIMEIRA
Eis ahi traçada, por essas mesmas excepções, a
esphera em que gyra o governo central da União.
Consideremos agora como o povo dos estados, no
gozo da mais plena independência, organisou por
si mesmo o seu governo interno.
Respeitando as leis geraes do regimen democrá-
tico, as constituições particulares não ofFerecem
comtudo um typo uniforme, antes a mais curiosa
variedade. Não fora absurda, em verdade, a symetria
do mecanismo politico em tão vasta região da Ame-
rica ? Si essas constituições actualmente aproximam-
se de um typo commum, é quanto ao principio da
electividade dos funccionarios. No mais, variam as
combinações adoptadas: não é ali que se hade admi-
rar a symetria de castores, como em certos povos
modernos. E' o que vamos ver começando pelo poder
LEGISLATIVO.
Em alguns dos primitivos estados, os da Nova-In-
glaterra, ambas as camarás legislativas são eleitas
simultaneamente, e duram o mesmo curto periodo,
um anno apenas * ; em outros, ambas servem por
dous *. Ha diversos onde elege-se a camará dos
representantes por dous annos, e o senado por
quatro, renovando-se este biennalmente. Em todos
ha duas camarás, e faz-se por districtos, a eleição
dos senadores.
São annuaes as sessões legislativas ; em alguns
celebram-se duas cada anno ; mas ha também
1 Maine, Massachusetts, etc.
• Ohio e Michigan.
CENTRALISAÇÃO B FEDERAÇÃO 45
outros onde a assembléa reune-se somente de dous
em dous annos, sendo votado o orçamento para
exercícios duplos \
A camará dos representantes é, em regra, muito
numerosa. No Maine compSe-se o senado de 31
membros e a outra camará de 151. No Hampshire,
um dos menores, que em 1860 contava apenas
326,073 habitantes, os representantes são 333, ele-
gendo um cada cidade, villa ou parocliia : entretan-
to, os senadoi*es não passam de 12, eleitos por dis-
trictos. Também o Verraont, outro pequeno estado,
contava 30 senadores e 239 representantes. Ao con-
trario, o Delaware nomea 9 senadores e 21 repre-
sentantes; e o grande estado de New- York, com
4 milhões de habiiantes, não tem mais que 32 se-
nadores eleitos por cada um de 32 districtos, e 128
representantes eleitos egualmente por districtos de
um só. Merece menção especial o senado de Rhode-
Island, composto de 31 membros, ao qual perten-
cem o governador do estado como presidente, e o
vice-governador, sendo secretario ex-offkio o secre-
tario de estado. '
Na maior parte dos estados, tem o governador a
prerogativa do veto sobre as medidas votadas pela
assembléa; mas em uns pôde elle ser annuUado
por votação de dous terços dos membros de ambas
^ A sessão legislativa é biennal no Maryland, Michigan, ladiana, Illinois,
lowa, Califórnia e Oregon. Na Califórnia dura 190 dias cada sessão.
^ .Yottotuii AXmanac de 1864, publicação modelo do editor Childs de
Phíladelphia.
46
PARTE PRIMEIRA
as camarás legislativas, e em outros a simples maio-
ria é sufficiente para isso. Em oito (Rhode-Is-
land, Delaware, Maryland, Virginia, Carolina do
Norte, Carolina do Sul, Tennessee e Obiol, não ca-
rece a lei de sancção do governador, e é promulga-
da pelos presidentes de ambas as camarás. *
Cuidar-se-ia á primeira vista que os territórios,
por acharem-se sob a dependência do governo federal,
iião teem assembléas legislativas : pelo contrario, posto
que sem faculdades tão amplas, funccionam em todos
elles. Assim, o povo de Arizona elege um conselho
(ou senado) composto de 9 membros e uma camará
de representantes de 18, que constituem a sua le-
gislatura, da qual emanam leis meramente locaes. O
mesmo em Dakota, Idaho c nos mais. Abi, portanto,
nos próprios territórios, o governador enviado pelo
presidente não é um procônsul, arbitro e legislador
supremo : ha assembléas que limitam o seu poder e
o fiscalisam.
É na organisação, muito mais notável, do poder
EXECUTIVO, que se reconhece o sello particular da
democracia americana.
O povo é que nomêa o governador dos 37 estados
da União, e o seu substituta nos 17 onde ha esto
cargo especial : o povo, dizemos, por suffragio quasi
universal, e não a assembléa legislativa, como o fora
até o começo deste século*.
* StatesmmCs Manual ; vol. IV .
* As primitivas constituições consagravam o principio da nomeação do
j2;overnador pela assembléa (O Federalista^ cap. 47) : oUa é que elegia também
CENTRALISACÂO E FEDKRACÂO 47
<> •»
Em seis delles, no Maine, New-Hampsliire, Ver-
mont, Massachusetts, Rhode-Island, Connecticut,
nessas primitivas republicas dos peregrinoSy o perio-
do de cada governador é um anno, renovando-se a
eleição todos os annos. Muitos a repetem de dous em
dous ; raros de três em três, e alguns de quatro em
quatro. *
Mas não e só o primeiro depositário do poder execu-
tivo que o povo elege. Os chefes dos diflFerentes ser-
viços administrativos, em regra, são também esco-
lhidos pelo suíFragio directo, e si não, a legislatura é
que os designa : raros são os casos de pertencerem
taes nomeações ao governador só. Secretários de es-
tado , directores de repartições , inspectores de
obras publicas, ás vezes mesmo agentes secundá-
rios, são assim investidos de funcções adminis-
trativas *. Sirailhante formação do poder executivo,
os altos funccionarios, o que ainda subsistia Da época da viagem de Tocque-
villeá America (1831). Admittidos como estados os territórios do oeste, onde
prevaleciam tendências democráticas puras, os outros, a exemplo desses novos,
estenderam o principio electivo, oppõcm-lhe, entretanto, resistência os mais
antigos estados, os da Nova-Inglaterra.
* O per iodo das funcções de cada governador é de dous annos em Now-
York, Maryland, Virginia Occidental, nas duas Corolinas, Geórgia, Alabama,
Mississipi, Tennessec, Ohio, Michigpn» Indiana, Missouri, lowa, Wisconsin,
Minnesota e Kansas. De tres,em New-Jersey e Pennsylvania. De quatro^no De-
laware, Virginia antiga. Florida, Louisiana, Arkansas, Kentucky, Ulinois, Ca-
lifórnia e Oregon. Não temos informações acerca de Texas e dos novos estados,
Nebraska e Nevada.
* Elege o povo: em Nevv-Hampshire conselheiros do governador; no Ver-
mont, al< m destes, o thesoureiro do estado ; no Massachusetts, Rhode-Island
e Connecticut, não só esses funccionarios, como também o secretario de estado,
o, awdttor-general (contador geral ou inspector da fazenda) e o attorney-gene-
foX (promotor publico do estado, quasi secretario dos negócios da justiça e
policia).
48 PARTE PRIMEIRA
tãio opposta ás ídéas européas, revela bem o que seja a
democracia americana.
E não se repute exclusivo dos estados septentrio-
naes, onde não havia escravos, esse mecanismo re-
publicano, essa imagem da constituição de Athenas
e Roma. Nos do sul incontramos o mesmo padrão de
um governo do jpovo pelo povo, ub, sua mais litteral
expressão. * Ao oeste da republica, a mesma orga-
nisação prevalece, e em mais vasta escala *.
Em New- York, a essa lista dos funccionarios electivos acrescem um ins-
pector da fazenda, além do thesoureiro, um engenheiro do estado, e um
agrimensor-geral, renovados cada dousannos; tríennalmente, Scommissarios
dos canaes e 3 inspectores das prisões.
Na Pennsylvania, são eleitos em cada tríennio o auditor e o agrimensor
geral ; no Maryland, o inspector da fazenda por dous annos, e por seis o
commissario das terras.
No novo estado da Virgínia Occidental, a respectiva constituição, pro-
mulgada em 1863 durante a guerra, confere também ao povo a eleição do
secretario de estado, do thesoureiro, do auditor e do attorney,
* No Kentucky, elege o povo por quatro annos, não só o governador e o
vice-governador, mas o auditor-general, o attorney-generaly o commissario
das terras do estado e o superintendente da instrucção publica, e por dous
annos o thesoureiro do estado. No Mississipi e Louisiana seguiu-se idêntico
principio.
3 São eleitos : No Ohio por dous annos o thesoureiro, o secretario de esta-
do e o attorney-general, sendo os dous últimos em annos alternados ; por três,
inspector da fazenda e o commissario das escolas, e por quatro o auditor^
general; no Michigan e Indiana, biennalmente o auditor, o thesoureiro, o su-
perintendente da instrucção publica e os membros da respectiva junta, o com-
missario das terras, e o attorney : de oito em oito annos, dous regentes para
a Universidade de Michigan.
No Illinois, o secretario de estado e o auditor por 4 annos, por dous o the-
soureiro e o superintendente da instrucção publica ; no Missouri, o secretario
de estado por dous annos; em lowa, por igual periodó, o mesmo funccionarío
e mais o auditor, o thesoureiro, o attorney, o commissario das terras publicas;
no Wisconsin, também biennalmente, os mesmos funccionarios e mais o supe-
rintendente da instrucção, um inspector dos bancos e um commissario das prí-
sjes ; era Minnesota, por dous annos, o secretario de estado, o thesoureiro, o
CENTRALIZAÇÃO E FEDERAÇÃO 49
Onde ficam, á vista de iiin facto similhante, as es-
treitas doutrinas dos publicistas francezos sobre a sy-
m-etria e hierarcliia administrativas? ondo Soa o prin- '
cipio de que os agentes da administração dependem-
.^ do poder executivo somente, como delegridos da au-
toridade, como mandatários da sua coníiança ?
A democracia americana não consagrou, aliás, um
principio inteiramente novo ; a humanidade o viu em
pratica nos primeiros povos livres dè que faila a his-
toria, nas republicas gregas o em Roma; viu-o depois
e ainda o vemos na própria Europa moderna, na In-
glaterra, d' onde os emigrantes puritanos o transpor-
taram para a America. O povo inglcz elege, nos con-
dados e parochias, funccionarios meramente adminis-
trativos, com faculdades e poderes que excedem muito
do circulo local, o dâo-lhes a maior independência.
As conbtituiçoes americanas alargaram e desinvolve-
ram a idéa transplantada da metrópole.
Merece advertir que ás legislaturas, não aos go-
vernadores, é que pertence escolher os altos funccio-
narios da administração naquelles estados onde não
ficou isto reservado ao povo directamente ^ Por ex-
ottornet/, e por três o auditor; em Kansas, biennalmente, lodos estes e mais o
superintendente da instrucção publica ; na Califórnia, por 4 annos, os mesmos
e mais o inspector da fazenda, o agrimensor p;eral, o director da imprensa do
estado (State-printerJ, o secretario da supreme court (tribunal da relação do
estado), e os commissarios do porto; no Oregon, por igual periodo, o secreta-
rio de estado, o thesoureiro e o director da imprensa: — são todos elles, che-
fes de diversos serviços administrativos, nomeados directamente nos comícios
populares.
* No Maine, o senado e a camará dos representantes elejá;em annualmente
os conselheiros do governo, o secretario do estado, o thesoureiro, o attorney-
Oeneraly o ajudante-general e o commissario das terras, para O que se reúnem
A PEOV. 7
50 PRIMEIRA. PARTE
cepçao a esta regra, o governador da Pennsylvania é
que nomôi o secretario de estado, o attorney -general,
o adjudante-general da miPcia, o quartel-mestre-ge-
neral, o superintendente das escolas e o bibliotliecario
do estado. A legislatura apenas nomôa, annualmente,
o thesoureiro do estado. Em New-York, cujo povo
directamente elege tão grande numero de funcciona-
rios, o superintendente das escolas ficou reservado á
legislatura, que o renova em cada triennio ; o gover-
nador, com assentimento do senado, designa o fiscal
dos bancos e o auditor da repartição dos canaes. São
os .diversos funccionarios que por sua vez escolhem,
neste estado, os seus respectivos agentes e officiaes
de escripta.
Finalmente, o principio da eleição popular tem sido
applicado mesmo a certos altos funccionarios dos ter-
ritórios. No Colorado, por exemplo, onde havia, além
do governador , o secretario , o agrimensor geral, o
coUector das rendas internas, o commissario das terras
e os dos Índios, nomeados todos pelo presidente dos
Estados-Unidos, eram eleitos pelo povo o thesou-
reiro, o auditor-general e o superintendente das es-
colas.
É, entretanto, digno de nota que o nordeste seja
em assembléa geral pouco depois de eleito o governador. Em New-Hampshire,
é também a legislatura que noméa esses funccionarios: o governador escolhe o
attorney-general. No Vermont, onde o povo elege annualmente o thesoureiro,
nomêa a legislatura o secretario de estado, o auditor ^ o superintendente e di-
rectores das pnsóes do estado, o commisario do hospício dos alienados, o dos
bancos, o dos caminhos de ferro, e o ajudante-general, o quartel-mestre-gene-
ral e o attorney. Em Rhode-Island, a legislatura escolhe o auditor ^ e o gover-
nador nomôa o superintendonte das escolas sob a approvaçSo do senado.
CENTRALISAÇlO E FEDERAÇÃO 51
a parte da republica onde o povo nomêe directamente
menor numero de funccionarios administrativos. A'
medida que se caminlia para o sul e para o oeste,
augmenta a autoridade dos comícios, descobre-se
vigorosa a democracia da Nova America. O mesmo
acontece quanto ao poder judicial.
O que dá relevo original ás instituições judiciarias
dos Estados-Unidos, não é somente o cuidado com
que formou-se ali um poder independente da acção
do governo, mas a parte importantíssima que na po-
litica e na administração cabe aos juizes. E'o poder
judicial incarregado principalmente da defeza da
Constituição ; é o grande poder moderador da socie-
dade, preservando a arca da alliança de aggressoes,
ou venbam do governo federal ou dos governos par-
ticulares. E', demais, o fiscal da lei na mais vasta
accepção, conbecendo das queixas contra os adminis-
tradores negligentes, e punindo os agentes culpados. *
Mas não é esta alta missão constitucional, alias ca-
racterístico de uma verdadeira republica, que caro-
cemos tornar saliente ; propomo-nos somente assig-
nalar a composição da magistratura americana.
Ha nos Estados-Unidos uma dupla organisaçáo
JUDICIARIA : a dos tribunaes federaes e a dos tribunaes
dos estados.
A dos primeiros é assaz conbecida. Creára a con-
stituição um supremo tribunal de justiça, cujos mem-
bros fossem verdadeiros sacerdotes das leis nacionaes.
^ Tocque^illc, Pe la democratie en Amérique; cap. VIII.
52 PARTE PRIMEIRA
Abaixo delle, funccionariam em primeira e segunda
instancia outras jurisdicçoes igualmente federacs.
Além das altas questões nascidas da intelligencia
da constituição e leis do congresso, assim como dos
tratados, cstendeu-se a competência destes tribunaes
a todos os casos concernentes a ministros estrangeiros
o cônsules, ás questões do almirantado e maritimas,
aos pleitos em que for parte o governo federal, ás
contestações entre dous ou mais estados, entre cida-
dãos de estados diversos, entre um cidadão e súbditos
estrangeiros. *
Definida assim a jurisdicQão federal pela natureza
dos pleitos e pela qualidade das partes, ficaram su-
jeitos aos juizes dos estados todas as demais causas de
direito commum, sejam lides civis ou processos cri-
minaes.
Assimelliam-se os dou:^ systemas quanto ao prin-
cipio descentralisador applicado aos tribunaes federaeíi,
e, á imagem dellcs, aos dos diiíerentes estados. Na
America do Norte continuou-se o costume inglez, se-
gundo o qual é quasi sempre o magistrado que salie
a percorrer o paiz distribuindo justiça aos povos, não
os povos que vem rcclamal-a de perto e de long-e em
um ponto dado do território. Com eífeito, o supremo
tribunal composto de 10 membros, inclusive o pre-
sidente,, celebra uma sessão annual em Washington.
Cada um desses membros ó por seu turno presidente
de cada um dos 10 tribunaes de appellação cbamados
circuit courts, cuja jurisdicção comprehende certo nu-
1 Corist. art. 3". sec. 2a § 1. ; Add. art. XI.
CENTRALISAÇAO B FEDERAÇÃO 53
mero de estados. Um estado forma, segundo a sua ex-
tensão, um, dons ou três disti^ictos fede.^aes de pri-
meira instancia, em cada ura dos quaes vam a círcuit
cow*t funccionar duas vezes por anno. O outro mem-
bro desse tribunal de segunda instancia ó o juiz pre-
sidente dos d^» primeira [district court] . Odístrictcourt,
composto, além desse presidente, de um attorney
(promotor) e de um oflicial de execuções [marsmlJ),
é, portanto, o tribunal inferior federal. Sua jurisdicçào
abrange um só estado, como no Maine, ou parte delle
como no Tennessee, que divide-se em três districtos
fcderaes com três district courts . Estes tribunaes,
porém, não funccionam em um ponto só do território
da sua jurisdicçào, mas em dous e três, e duas vezes
por anno em alguns delles. *
Differem, porém, os dous sjstemas judiciários
quanto ao modo da escolha dos juizes e á duração do
seu mandato. Os membros do supremo tribunal e mais
juizes federaes são nomeados pelo presidente da repu-
blica com o assentimento do senado ; e, conservando
o lugar during good behaviotir, são de facto inamo vi-
veis, podendo ser destituidos somente em virtude de
processo. Nos estados prevalecem agora principies
diametralmente oppostos : os juizes, aliás incorapati-
* Outro ponto de similhança acha-so na retribuição dos juizes. Nos Es-
tados-Unidos, onde geralmente os funccionarios são mal pagos, onde a mór-
parte dos governadores dos estados vencem apenas 1,500 a 2,000 dollers,
são os magistrados melhor aquinhoados. Os juizes da cidade de New -York,
juizes de primeira instancia, vencem 5,000 dollars. Os da district court e
^u-prtine court do estado da Califórnia, 5 a 6,000. Esta ultima é a somma do
salário de cada membro do supremo tribunal da Uniào.
54 PARTE PRIMEIRA
veis para todos os cargos políticos, são nomeados
pelo povo, e temporários, pois que exercem o mandato
por um periodo fixo de annos, ás vezes muito curto,
depois do qual renova-se a escolha popular.
Não era assim no começo da União, nem o foi tám-
bera durante o primeiro quarto deste século. É aos
Estados-Unidos, por isso, que se pôde applicar com
muita propriedade o conceito de Royer Collard :
« Não são as constituições tendas levantadas para
dormir. » Ali são ellas verdadeiros abrigos provisó-
rios da democracia em marcha, que as remodela ou
transforma á medida que surgem necessidades novas
e o tempo caminha. A introducção do principio elec-
tivo na formação da magistratura não fez-se, com ef-
feito, em um dia. Foi um estado do sul, o Mississipi,
que primeiro adoptou-o em 1822, sendo o seu exem-
plo imitado por qua=?i todos os outros. Naqueliesonde
o povo não nomêa directamente os juizes, nomêa-os a
legislatura : e raros são os que ainda conservam o an-
tigo principio da escolha pelo governador, sob assen-
timento do senado \
* Eis os estados onde os juizes são exclusivamente filhos da eleição po-
pular e amoviveis em períodos mais ou menos curtos: New- York, Pennsyl-
vania, Maryland, Virgínia Occidental, Virgínia antiga, Geórgia, Florida, Mis-
sissipi, Louisiana, Texas, Tennessee, Kentucky,, Ohio, Michigan, Indiana, Uli-
nois, Missouri, Wisconsin, lowa, Minnesota, Kansas, Califórnia, Oregon. O
prazo das funcções é, quanto acs juizes superiores, 12, 10, 9, 8, 7, 5 ou 4
annos, e, quanto aos mais, 2 a 6.
Os escrivães e oíliciaes de justiça, ou são nomeados pelos tribunaes, ou
eleitos igualmente pelo povo.
Para a nomeação de membros dos tribunaes superiores, ha em alguns dos
estados eleitores cspeciaes, e, nos mais novos do extremo occidento, far-west^
os ha para a de todos os juizes.
CEXTRAUSACÃO B FEDERAÇÃO 55
Ha geralmente, em cada estado, justiças de paz,
justiças meramente municipaes, juizes de primeira
instancia e tribunaes de appellação, que pronunciam
no civil e no crime, com jurisdicçào tào extensa como
a teem os nossos magistrados e relações de districto.
Só lhes não pertencem os casos de caracter federal
acima indicados. Sobre esta base commum incon-
tram-se variantes mais ou menos consideráveis. To-
memos, por exemplo, o estado de New- York. Ha abi :
1.". A court of impeachments, composta dos sena-
dores e dos membros do tribunal de appellações, que
conbece dos crimes do governador e altos funccionarios.
2." A ccyurt of appeals (tribunal de appellações), que
toma conhecimento dos pleitos em grau de recurso.
Compõe-se de 8 membros, quatro eleitos pelo povo para
servirem oito annos, e quatro que são os membros
mais antigos da supreme court. -
3.* A supreme court, que serve de tribunal de ap-
pellação para os dos condados, e também exerce juris-
dicção própria em quaesquer assumptos. O estado di-
vide-se em 8 diíitrictos judiciários, cada um dos quaes
elege quatro juizes para esse tribunal, cabendo cinco
ao de New- York. Todos os seus 33 membros servem
por oito annos.
Não eram tão democráticas as instituições americanas na época em que
Tocqueville escrevera o seu livro sem rival. As constituições dos estados (já
o advertimos tratando dos agentes administrativos) eram então menos adian •
íadas; as republicas unidas não conheciam ainda o principio electivo aplica-
do em taes dimensões. A eleição dos funccionarios civis e dos juí^tr», ou pelo
povo directamente ou pelas assembléas de seus representantes, acha-se agora
admittida também nas constituições dos cantões da Suissa e mesmo na con-
stituição federal.
56- PARTE PRIMEIRA
4.*^ County courts (tribunaes dos condados), que
consUtuem a primeira instancia no cível e commer-
ciai, com magistrados eleitos por quatro annos.
5.° Criminal courts^ dos condados, tribunaes pri-
vativos do crime, compostos de um juiz do respectivo
districto da suprerae court, do juiz do condado e de
dous juizes de paz.
Na cidade de New- York, ha também tribunaes
especiaes requeridos por sua grande população e
largo movimento commercial e maritimo : a supe-
rior court com juizes eleitos pelo povo por seis an-
nos, a common jpleas (tribunal coramura civil), a court
of peace (criminal) e o tribunal maritimo {(marine
court], todos igualmente electivos.
A vasta organisação desse estado, que conta mais
de 4 milhões de habitantes, não era seguramente ne-
cessária para outros. Diversificando quanto ao nu-
mero, graus, funcçoes e modo da escolha, todos os
estados teem, entretanto, o seu tribunal supremo e
seus magistrados de primeira instancia. *
* Da variedade e das combinações adoptadas julgue-se por este resumo :
O Maíne (628,276 habitantes em 1860), tem a supr eme judicial court, com-
posta de oito juizes e um relator, todos nomeados peio governador sobre pro-
posta do conselho do governo (corporação electiva differente do senado). Não
são, porém, perpétuos esses juizes ; suas funcçoes duram sQte annos. Abaixo
deste tribunal ha no Maine 16 de primeira instancia {proba te courts], um para
cada ccndado, composto cada qual de um juiz, um secretario, um promotor e
umtabellião. Estes juizes, porém, e os secretários são eleitos pelo povo dos
respectivos cond? dos para servirem quatro annos somente. ^Elege também o
povo, i)ara servi, em igual periodo, os juizes municipaes e de policia, que ha
nas diversas cidarles e povoações.
Em New-Hampshire,' o governador com o conselho nomêa, além dos
juizes da supreme court, os das county courts. Demais disso, todos são perpe-
\
CENTBALISAÇAO E FEDERAÇÃO 57
Tal é a organisação interna dos Estados-Unidos.
Tribunaes e administração são ali organisados so-
beranamente por cada um dos estados particulares. O
juiz e o administrador sabem ali directamente do
seio do povo.
Estes dous principies definem a democracia nor-
te-americana, e a separam profundamente de outro
qualquer systema de governo, mesmo sob' a forma re-
publicana.
Os americanos do norte, dice-o unfi grande pensador,
estão insaiando o ideal de governo do futuro. Uma
descentralisação completa, combinada com a inter-
venção constante da soberania popular, eis os traços
principaes do seu systema politico. E agora digam
aquelles que da descentralisação receiam a fraqueza
do poder, digam si o governo dos Estados-Unidos é
fraco, si jamais nação nenbuma ostentou tanta pujan-
ça, si jamais os representantes de algum povo fize-
ram-se [respeitar melbor no mundo. Emquanto no
tuos ; mas, nesse como em outros estados, ninguém pôde exercer o cargo de
juiz depois dos setenta annos de idade.
No Vermont é tudo diverso : os seis juizes da supreme court nomôa-os an-
nualmentc a legislatura. Cada um delles, com dous dos condados na qualidade
de assistentes, forma uma county court. Estes últimos, porém, são eleitos an-
Dualmente pelo povo dos condados.
Em Massachusets, como no Hampshire, fazem o governador com o conselho
as escolhas de todos os juizes. São electivos os membros dos tribunaes cor-
reccionaes, verdadeiras autoridades policiaes das parochias.
Em Rhode-ísiand, Connecticut e Alabama, nomea-os a legislatura; em New-
Jersey, o governador com assentimento do senado. Sò no Delaware (pequeno
estado de 112,216 hab.), são os seus poucos juizes nomeados pelo poder exe-
cutivo, e inamovíveis.
A PROV. 8
- t
5ã »AaTE PRIMBIltÂ
Braiíl as mesmas raças, mais ou menos mixtas, es-
tendecoLi-se quasi igualmente por todas as provincias,
celebrando o mesmo culto, e fallando a mesma lingua^
nos Estados-Unidos raças, linguas e cultos distribu-
em-se desigualmente por toda a superfície da União.
O primitivo anglo-americano, o immigrante irlandez,
o escossez, o allemào, ofrancez, e o bespanhol dos es-
tados do sul, abi se congregaram, naquelle mundo
em miniatura, produzindo, sem a uniformidade de
leis, sem a unidade de crenças, sem a identidade de
linguas, a mais robusta republica que viram os sécu-
los, o mais florescente dos estados do globo. Pois se-
rá acaso a autonomia administrativa das provincias
quebade anarcbisar o Brazil, onde alias subsistem
tão poderosos elementos de unidade moral e social?
Reflictam os timidos : nestas graves questõe.s que in-
teressam á felicidade dos povos, o exame sem precon-
ceitos de escola é, como em todos os conhecimentos
bumanos, a condição de acerto e de progresso.
Carecemos advertir que nào estamos ofiferecendo ao
Brazil por modelo o complexo dessa organisação fe-
deral democrática ? O estado actual do systema nor-
te-amerieano é o producto de reformas successivas, é
a m^^nifestaçío de uma democracia vigorosa que se
affirma, que tem consciência do seu valor moral e do
seu poder ^ Demais, de todo esse systema é esta
* « o que os frâocezes são em assumptos militares, são os americanos em
toda a espécie de negócios civis : supponde que um certo numero de ameri-
canos se ache sem governo; logo improvisam um, e mostram-se aptos para
levarem ao eabo esse ou outro qualquer negocio publico, com $ufficient«
CBNTRáUSAQÃO b federàçIo S9
a parte íaais original^ è que não parece ainda julgada
por umct experiência suficiente. A eleotividade da
juiz, aggravada pela sua amovibilidade, é segtlraitten-
te um elemento de fraqueza e dependência para o ma-
gistrado \ e tanto basta para a corrupção da jus-
tiça. Não tem certamente tantos inconvenientes
a efeição dos funecionarios administrativos. Mas, si
para esse typo americano convergem na Europa a
Suissa, na America a Republica Argentina e os esta-
dos do Golfo, no Brazil, não se pôde dissimulal-o,
um poder judicial electivo seria certamente pernicioso,
e uma administração inteira igualmente electiva não
parece aqui necessária.
Tanto não aspiram, sem duvida, os liberaes do
Brazil. Quando reclamam « a descentralisação no ver-
dadeiro «entido do self-government » ', pouco pe-
dem, com effeito, si compararmos as suas aspirações
com os factos dos Estados-Unidos. Muito pretendem,
porém, si volvermos os olhos do largo systema ameri-
cano para a nossa odiosa concentração polilica e ad-
ministrativa. Sem prejuizo da força razoável do poder
e a bem da expansão da força social, ha de o Brazil
ter jnais liberdade civil e politica, e uma organisação
onde o poder collectivo deixe de ser o avaro tutor de
interesses locaes. O quadro das 'instituições anglo-
americanas habilitará o leitor para julgar da inexac-
somina de intelligencia, ordem e decisão. E' isto que todo povo livre dere
de ser. » Stuart-MíII, On Itberty ; cap. V.
* HUtoire des Etats-UniSy pelo Sr. Laboulaye ; vol. 8", lição 18* sobre a
constituição.
• Programma do Centro Liberal; maio de 1869.
i
60 PARTE PRIMEIRA
tidao com que, nas suas habituaes hyperboles, ten-
tam os conservadores, para repellir a descentralisação,
confundil-a cora a federação democrática.
CENTRALISAÇlO E FEDERAÇÃO 61
CAPITULO VI
AUTONOMIA DAS COLÓNIAS INGLEZAS
Sem o mais completo systema de garantias indi-
viduaes, sem a supremacia do parlamento, sem go-
verno responsável, sem descentralisação, sem este
vivaz organismo anglo-saxonio, nada está construído
solidamente, nada preserva os povos da ruina e da
miséria, x^bstrahindo de instituições que eficazmente
assegurem a liberdade, monarchia e republica são
puras questões de forma. « Não ha mais que duas es-
pécies de governo, observa o Sr. Odilon Barrot, quaes-
quer que sejam aliás suas formas extrinsocas: go-
vernos que absorvem as forças individuaes, ou que
lhes deixam pelo contrario a mais plena expansão :
governos que tem a pretenção de tudo governarem,
ou que muito confiam da espontaneidade indivi-
dual . » *
Os destinos da monarchia no mundo moderno de-
pendem da habilidade com que saibam os seus men»
* E' o mesmo pensamento de Benjamin Constant : « Entre la monarchie
constitutionnelle et la republique, la différence est dans la forme. Entre la
monarchie constitutionnelle et la monarchie absolue, la diíFérence est dans
lefond. »
62 PARTB PRIMBIRA
tores convertêl-a em instrumento flexível a todas as
exigências do progresso. Emquanto ella se não con-
graçar cordialmente côm as tendências do século,
não é acaso justa a imprecação dos povos exprobran-
do-lhe a tremenda responsabilidade de haver impos-
sibilitado a fundação de instituições livres? Não basta
para sua defesa allegar que algumas destas sào in-
compatíveis com a forma monarchica, ou suppoem a
republica : da necessidade faça a monarchia virtude ;
porquanto, si taes instituições não se lhe accommo-
dam, sendo todavia necessárias á prosperidade geral,
desappareça a monarchia por amor dos povos, e não
se sacrifiquem os povos a interesses dynasticos. Mas
essa incompatibilidade é meramente supposta : mos-
trem as colónias inglezas si a forma de governo da
sua metrópole obstou ás amplas^ instituições demo-
cráticas e á autonomia dos membros de um grande
nnperiô.
Em franquezas locaes, em liberdade politica, em
autonomia legislativa e executiva, as provindas,
"parte integrante do Brazil, estão mui distantes de
*ôertas colónias,, meras dependências do Império Bri-
tânico. É este um facto tão geralmente ignorado,
tão novo nos annaes do mundo, tão eminente entro
os acontecimentos do nosso século, que não ha de
parecer exagerada a attenção que lhe prestamos.
Desde o começo, por cartas patentes de Carlos I,
os fundadores e habitantes das colónias âa Nova-Ingla-
terra exerceram o direito de promulgar leis, e goza-
ram das franquezas e privilégios correspondentes á
' /
• l -M^W
CENTRALISAÇAO R FEDERAÇÃO 63
qualidade de cidadãos inglezes. Antes da sua eman-
cipação, possuíam estas colónias, portanto, a liber-
dade civil e politica, e, constituindo-se em Estados-
Unidos, apenas ganharam com a independência a so-
berania, tomando lugar entre as nações. Copa a in-
dependência, porém, nossas províncias, bem como
as das republicas hespanholas, conquistaram as li-
berdades civis e politicas, que nunca Ibes permittíra
a metrópole. Succedendo a esta, amonarcliia no Brazil
reclamou como herança a suzerania que pertencera
aos reis de Portugal, encarando com ciúme as ten-
dências descentraiisadoras. Nossas províncias muda-
ram de amo, mas o systema de governo não mudou.
Com a independência perpetuou-se nesta parte da
America a centralisacão.
Si a corte de Lisboa tivera intelligencia bem alta
oa coração generoso para ver desinvolverem-se as
forças locaes que já se insaiavam nos senados das ca-
marás, nossa pátria conhecera, antes de 1822, um
regimen menos compressor e debilitante : Portugal,
porém, declinava para o absolutismo asiático quando
se estabelecia nas costas da America, ao passo que a
Inglaterra, precursora da liberdade moderna, marcha-
va para a civilisação quando os puritanos aportaram
no Novo Mundo.
Ao envez das colónias dos povos antigos.,
e das de, França, Hespanha, HoUanda e Portu-
gal, minas do erano de suas metrópoles a que paga-
vam enormes tributos, as colónias inglezas não con-
tribuíram jc^mais para a defesa da metrópole ou para
64 PARTE PRIMEIRA
O custoamerito do seu governo civil. E si a Inglaterra
reservou-se outr*ora o monopólio do commercio con-
forme as theorias do pacto colonial, é certo que re-
nunciou-o mais tarde, deixando ás suas possessões a
mais plena liberdade mercantil.
Já no fim do século passado, deliberando o parla-
mento sobre a organisação do Canadá, possessão havia
pouco adquirida, Fox firmava o principio destinado a
ser, meio século depois, a regra ingleza da adminis-
tração colonial. « Estou convencido, dizia o grande
orador, que os únicos meios de conservar com vanta-
gem colónias distantes, é habilital-as a se governarem
por si mesmas *. » Esse principio foi-se desde então
dosinvolvendo praticamente. Algumas possessões,
meros presídios, iam-se povoando sem constituição
civil de governo, sem liberdade politica; mas bem
depressa adquiriram as livres instituições, que as an-
tigas colónias da Nova-Inglaterra conheciam desde o
século XVII, pois, como é sabido, os ^peregrinos que
fundaram Boston, uniram-se debaixo de uma consti-.
tuição verdadeiramente republicana. Hoje se pôde
dizer que cada colónia é um estado completo quanto
ao seu poder legislativo, sua judicatura e sua admi-
nistração. Com effeito, ha cerca de trinta annos, fi-
cou estabelecido que, « em regra, é inconstitucional
que o parlamento britânico legisle sobre assumptos
ou interesses exclusivamente internos de uma colónia
que possua assembléa representativa *• »
^ ComXiiuiionaX history of England, por Erskine May; cap. XVII.
* Despacho do ministro das colónias em 1839, citado porE. May.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 65
Entretanto, esta autonomia das colónias, quanto
aos próprios interesses, provocava conflictos que no
Brazil poriam em risco o systema adoptado, e que lá
nào tiveram tão triste êxito. Assim, emquanto na In-
glaterra triumpliava o principio da plena liberdade
commercial abolindo-so a politica proteccionista, o
Canadá adheria ao systema protector votando leis em
tal sentido. Tinha a coroa o direito de veto sobre as
leis relativas a taes matérias, mas, refere o citado
publicista, absteve-se o governo inglez de applical-o
para não reviver as disputas o descontentamentos do
passado : as leis do Canadá foram confirmadas. Appel-
lou o g-overno inglez para o tempo, para a reflexão,
para a experiência das próprias colónias, esperando
que suas assembléas livremente eleitas fariam afinal
triumpbar os verdadeiros principies económicos *.
* Effectivamenle, a condescendência da metrópole é illimitada. Para
mostrar quão frouxos são os laços que prendem as colónias á Grà-Bretanha,
indicava o rimei a possibilidade do Canada celebrar, si o quizesse, um tra-
tado de reciprocidade com os Estados-Unidos, cmboi-a prejudicasse á in-
dustria metropolitana. « Dominio do Canadá, dizia o Tiwrcí, recebeu tão
completa independência que, si o ministério e parlamento canadianos ne-
gociassem um tratado de reciprocidade cora os Estados-Unidos, — cuja con-
sequência necessária fora a adopção no Canadá de uma tarifa hostil á In-
^ilatorra para o íim de desinvolver mais livres relações mercantis com a
Vnião, — não deveríamos nós prohibir similhante tratado. Em uma pala-
vra, é licito aos estadistas canadianos declararem, e porem por obra a de
claração de que são para elles mais importantes os seus interesses commer-
ciaes com os Estados-Unidos, do que com a Grã^Bretanha. » (Dezembro,
1869.;
Poderia a Inglaterra exigir dessa colónia que prohiba a entrada, ou
imponha fortes direitos de entrada sobre os livros de autores inglezes re-
impressos nos Estados-Unidos? Nào; responde o mesmo jornal: comquanto
esse commercio muito prejudique á litteratura e imprensa da metrópole,
A PROV. 9
6(> PARTE PRIMEIRA
Quanto diíFere similhante proceder da precipitação
com que os nossos estadistas aproveitaram-se das pri-
meiras dificuldades occorridas na execução do acto
addicional, para o restringirem o annullarem seis an-
nos apenas depois de votado I Que documento da sua
tolerância e paciência davam esses apressados chefes
da reacção de 1840 !
Não interveio o governo inglez nem mesmo para
suspender ou desapprovar as leis de três das mais im-
portantes colónias da Austrália (Victoria, Austrália
Meridional eNovaGallesdoSul), que em 1857 e 1858
substituiram a eleição censitária pelo suffragio uni-
versal [manhood suffrage) e escrutinio secreto. Vin-
garam, pois, medidas tão radicaes, aliás repudiadas
na metrópole, dando desde então áo governo das co-
lónias uma base, não simplesmente representativa,
mas democrática ^ Era, diz E. May, uma deferên-
cia para com os principies ào self-government a absten-
ção da metrópole. O que serão no Br.azil, porém, essas
despejadas violações constitucionaes que o governo
central e os seus presidentes commettem, ou suspen-
dendo leis provinciaes já promulgadas, ou inventando
casos de inconstitucionalidade em outras, depois de
segunda vez votadas por dous terços das assembléas ?
Cá é o crime grosseiro, que nem se pune, nem se
fora a exigência injusta, por contraria aos interesses do povo do Canadá que
dos Estados-Unidos importa livros baratissimos.
^ Tem as assembléas coloniaes a faculdade de reformarem as respec-
tivas constituições politicas, embora com assentimento do governador ou da
coroa.
CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 67
defende ; lá, um governo de gente honesta que con-
graçou-se seriamente com a liberdade, e que, depois
de Cromwell, não conheceu mais esse humilhante
systema politico, o absolutismo, em que um só pensa,
falia e mente por todos.
Reconhecida a autoridade das colónias em tao
vasto circulo de acçào, outro mais radical principio,
igualmente proclamado pelo próprio governo metro-
politano, elevou-as á cathegoria de estados semi-so-
beranos, apenas unidos á Grã-Bretanha por um frouxo
laço federativo. E o principio do governo responsável
admittido desde 1848 nos dous Canadas, em Nova-
Escocia no anno seguinte, e depois de 1850 na Aus-
trália.
Isto exige uma breve explicação. O governador
tinha outr^ora o direito de escolher livremente os seus
conselheiros : ora, succedia muita vez incorrerem taes
funcionários no desagrado da maioria da assembléa
colonial. Dahi lutas estéreis, que embaraçavam a
marcha do governo, tornando-se a prerogativa do
representante da coroa fonte de dissabores e antipa-
thia contra a própria metrópole. Remover similhante
obstáculo não era diflScil para um. governo bem in-
tencionado, comquanto em certos paizes ditos repre-
sentativos tenha sido um embaraço invencivel aobsti-
nação dos príncipes em governarem por si mesmos,
nomeando e demittindo livremente os ministérios. Es-
tabeleceu-se, pois, que o governador escolheria os
seus conselheiros (verdadeiros ministros, chefes da
administração colonial) do seio àaquélle parhdo que
68 PARTE PRIMEIRA
estivesse em maioria na assembléa legislativa y e adoptasse
a politica por elles recommendada \ « Pela adopção
deste principio, escreve E. May,, uma coristitui-
çào colonial tornou-se verdadeira imagem do go-
verno parlamentar de Inglaterra. O governador, co-
mo o soberano a quem representa, mantem-se fora
e acima dos partidos, e administra por meio de con-
sellieiros constitucionaes, os quaes são as pessoas que
adquiriram ascendência na legislatura colonial. Deixa
elle os partidos contendores pelejarem livremente as
suas batalhas; e, admittindo o mais forte aos seus
conselhos, mantém a autoridade executiva em har-
monia com os sentimentos da população. E, assim
como o reconhecimento desta doutrina na Inglaterra
tem praticamente transferido da coroa para o parla-
mento eo povo a suprema autoridade do estado, —
assim nas colónias tem elle arrancado do governador
e da metrópole a direcção dos negócios coloniaes.
Ainda mais : assim como a coroa tem ganho em isen-
ção e popularidade o que perdera em poder, — assim
a metrópole, aceitando em sua plenitude os princí-
pios do governo representativo local [local self-govern-
ment) , firmou as mais estreitas relações de amizade o
confiança entre si e as colónias *. »
1 Tal 6 o pensamento de despachos do governo inglez relativos ao Ca-
nadá, citados por E. May, pag. f>73 do vol. II (cdiçào de 1865). De outro
documento ollicial transcreve o mesmo aulor este texto positivo:
« O conselho executivo (ou ministério) é uma corporação amovivel, em
analogia com o uso que prevalece na Constituição Britânica.... devendo-so
intender que os conselheiros que houverem perdido a confiança da legis-
latura locaf devera offerecer as suas resignações ao governador. » [Bules anci
regulations for the colonial service, cap. 5.")
* Offerece-nos a mais plena confirmação desta thcoria um recente in-
CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 69
A que distancia o pretendido governo represen-
tativo do Brazil não fica do dessas possessões ingle-
zas ! O povo brasileiro, certamente, não conheço ainda
o systema constitucional como é praticado até em co-
lónias, cuja fundação foi posterior d nossa indepen-
dência *.
cidente parlamentar da Terra-Nova. Na falia com que ha pouco abriu a
parlamento desta colónia, encarecia o governador a vantagem da sua entrado
na confederação do Canadá, ídéa impopular na Terra-Nova: a falia foi re-
cebida com desagrado, e votou-se logo uma moção de desconfiançc», a que
seguio-se a demissão do ministério. Mas attenda se ás curiosas circun-
stancias referidas pelo correspondente do Times em carta de 10 de fevereiro
de 1870 : « Depois de. entregue o discurso do governador, adoptou-se um voto
de desconfiança no governo, e neíle se nomeava um cavalheiro em que a as-
sembléa declarava depor confiança. Em resposta, o governador exprimiu o
pezar de que, sem causa suííiciente, a camará se houvesse afastado do
procedimento usual, tendo rejeitado a moçào para se responder ao seu dis-
curso; e de que também adoptasse o estylo inconstitucional de designar-
Ihe o membro da mesma camará que elle havia de convidar para formar a
nova administração. Em seguida a esta mensagem, a camará votou uma
resolisção contestando que tivesse intenção alguma de obrar descortezmente,
mas estaboiecendo que o seu procedimento fundára-se em precedentes. » Estas
occurrencias, que assaz .patenteam o jogo das instituições britânicas, não
foram acolhidas nem com sorpreza, nem com pueris hyperboles ou decla-
mações contra a anarchia.
1 O principio do governo responsável prevalece, além do Canadá, era
tochas as colónias da Oceania, menos a Austrália Occidental, única que ainda
é presidio de deportados. Em três delias (Austrália Meridional, Tasma-
nia c Victoria) o parlamento compõe-se de duas casas, ambas electivas, e
os governadores são obrigados a escolherem os ministérios do seio delias.
A camará alta, que aliás renova-se periodicamente, não a podem dissolver
<»5 governadores. Nas três outras (Xova-Galles do Sul, Nova-Zelandia e
Queensland) só diífore a organisação da camará alta ; seus membros são vi-
talícios ou nomeados pela coroa. O Cabo da Boa-Esperança se pôde reunir
ao grupo das t^es primeiras colónias; as duas casas do seu pajlamento são
ambas electivas e temporárias. (The Statesman's year-hook, 1869; porF.
Martin.)
Muitas outras possessões, sem gozarem do governo parlamentar, tém
íomtudo assembléas legislativas; tacs são o Natal, a Guyana, a Jamaica, a
70 PAETK PRIMEIRA
Não encanta e não conforta ver desabrocharem
subitamente, regendo-se logo por instituições libér-
rimas, formando verdadeiras sociedades democráticas,
as' colónias da Austrália, esses presidies penaes para
onde, ainda ba pouco, se transportavam galés? Uma
lei da Providencia parece cumprir-se permittindo que,
d^entre tantos povos que illustraram a historia, fosse
o anglo-saxonio aquelle a quem a grande honra cou-
besse de semear no extremo oriente as mais avança-
das doutrinas de liberdade. « Uma antiga monarchia
tornou-se progenitora de republicas democráticas em
todas as partes do globo. A própria constituição dos
Estados-Unidos não é mais democrática que as do Ca-
nadá e colónias da Austrália. O periodo fixo de go-
verno de cada presidente e os seus largos poderes
executivos, a independência e autoridade do senado,
e a superintendência do supremo tribunal federal,
são correctivos oppostos á democracia do congresso.
Mas nas mencionadas colónias a maioria da assem-
bléa democrática, durante o periodo de sua existên-
cia, é senhora absoluta do governo colonial; pôde ella
levar de vencida o conselho legislativo (a segunda ca-
Barbada e outras Antilhas, a ilha do Principe Eduardo, a Terra-Nova, a
Colômbia e Vancouver.
E' governado por delegados da coroa e conselheiros que delles dependera,
o grande império das índias orientaes, cuja população indií^ena, mal eman-
cipada do despotismo asiático, não parece habilitada para instituições re-
presentativas.
Delias não gozam igualmente outras colónias pouco povoadas, ou sim-
ples presídios e estações marítimas.
CENTRALIáACÃO E FEDERAÇÃO 71
mara ) , e dictar condições ao governador, e indirecta-
mente á própria metrópole *. »
Cada colónia é um estado, dicemos: or^^^amentos
próprios, receitas peculiare:S alfandegas suas, tudo
possuem, até mesmo uma politica commercial diíie-
rente: o Canadá protege siias industrias contra pro-
ductos similares da metrópole. Que se pode estranhar,
pois, si teem exércitos seus, si teem até marinha de
guerra? Desde 1861 havia o parlamento proclamado
que o self-government impõe-lhes o dever de fazerem
os gastos da própria defesa contra os inimigos exter-
nos. « Longe de parecer ciosa dos projectos de arma-
mento que possam as colónias conceber, a Inglaterra
impoUe-as- neste sentido, excita-as a formarem regi-
mentos de voluntários e a organisarem suas milicias,
e até, si é preciso, lhes fornece armas, subsídios e
instructores. Na sessão de 1865 votou-se o bill pelo
qual a Inglaterra comprometteu-se a prestar subsidies
e a facilitar por todos os meios ao seu alcance a crea-
ção de 7narinhas militares coloniaes.... A Inglateri*a
aspira a ser, nào a soberana, mas a mãi dessa multi-
dão doestados que fundou em todas as partes do mun-
do. Hoje muitas das colónias, o Canadá, o Cabo, a
Austrália, a Nova-Zelandia, tornaram-se verdadeiros
estados cuja existência acha-se d'ora em diante asse-
gurada na familia das nações. Salvo o direito de paz
e guerra, gozam de todos os que pertencem a estados
independentes ^ »
1 E. May.
* Mvue áes deux mondes, 1* de março de 1866.
72 PARTE PRIMEIRA
Assim, a suzerania que a Grã-Bretanlia actual-
monte exerce, nào durará sinão emquanto convenlia
ás próprias colónias. Inspirada por taes sentimentos,
ella contribuiu ha pouco para se unirem as possessões
situadas ao norte da America, das quaes formam desde
1867 uma verdadeira confederação o alto o o baixo
■'Canadá, aNova-Escocia e o Novo Brunswick. Foi-lhes
cedido depois o vasto território que pertencera á com-
panliia 'do Hudson *. Um parlamento e um minis-
tério responsável perante elle funccionam em Ottavva.
capital da nova União. A' autoridade federal compe-
tem as prerogativas da soberania quanto á legislação
civil e criminal, a navegação, os correios, os cami-
nhos de ferro, as alfandegas, e os orçamentos da re-
ceita e despeza. Cada um dos estados, porém, con-
serva a sua autonomia interna e suas assembléas par-
ticulares ^
A Ing*laterra prepara-se para adherir paternalmen-
te, sem ira e sem ciúme, á emancipação das suas co-
lónias. Na Austrália discute-se a idéa da separação
completa, formando outra confederação as províncias
oceânicas. No próprio parlamento britânico estadistas
eminentes declaram que chegou o dia annunciado em
1850 por lord John Russell, e que é do interesse da Grã-
* Refugaram entrar na união a Terra-Nova e a ilha do Príncipe Eduar-
do (costa do Atlântico), a Colômbia Britânica e ilha de Vancouver ( littoral
do Pacifico). Respeitou-se a deliberação destas colónias, que assim contra-
I iavam a politica da metrópole .
' Segundo o plano, offerecido em 1864 pelos delegados coloniaes, o
chefe do poder executivo seria eleito pelo povo; não prevaleceu a idéa:
a coroa continua a nomear o goveraador. ,
CENTRALISAÇAO E FEDERAÇl© 73
Bretanha lívrar-se dessas possessões ; outros, inclusive
uin dos secretários de estado (o Sr. Forster), advogam a
idéa de uma vasta federado do reino unido e colo-
nias. Ainda mais : commissarios da Colômbia e ilha
Vancouver comparecem na Casa-Branca para mani- .
festarem ao presidente Grant o seu desejo de anne»
xarem-se aos Estados-Unidos, em cujo seio esperam,
gozar de uma prosperidade que lhes não consentiria
a longinqua confederação, á cuja testa se acha o Ca-
nadá. Cuidar-se-ha que isto excite ciúmes? Pelo con-
trario, a grande imprensa justifica o procedimento
dos habitantes da Colômbia \ e não tardará ver sa-
tisfeita a sua aspiração.
Este espectáculo tão novo da constante generosi-
dade de uma grande potencia inspirou um bello pa-
negyrico a um dos seus mais eloquentes admiradores.
« O governo de quasi todas as colónias, escreve o Sr.
Guizot, entregou-se ás colónias mesmas ; a coroa e o
parlamento não são a respeito delias mais que vigi-
lantes cuja intervenção é limitada e cara. Demasiado
intensa e pesada tornára-se a responsabilidade do po-
^ o Times dica a propósito: « Siippondo que os Colonos (da Colôm-
bia) se reuDam e, depois de deliberarem, cheguem á conclusão de que elles
se acham a mui grande distancia do Reing-Unido, e praticamente quasi tão
longe do Canadá ; e que todos os naturaes motivos de contiguidade, simi>
Ihança de interesses e facilidade de administração os induzem a julgar maÍ8
conveniente entrarem na União (Estados-Unidos) do que no Dominio (Cana-
dá). Havíamos nós oppôr-nos á sua determinação? Todos sabemos que
não tentaríamos resístir-lhe, si fosse clara e inteliigivelmente pronunciada.
De fado, pois, longe de serem tesas, as relações deste paiz com a Colômbia
Britânica são de tal sorte frouxas que os habitantes delia poderiam rom-
pel-as quando quize*ssem. » (Dezembro de 18S9.)
A PROV. 10
74 PARTK PRIMEIRA
der; para desembaraçar-se delia, aceitou o poder a
liberdade dos súbditos. Um facto mais raro ainda con-
sumou-se ha pouco : a Inglaterra restituiu ás Ilhas
Jonias a sua completa independência, de que logo se
prevaleceram para annexarem-se á Grécia. Em vão
procuro na historia outro exemplo de um grande es-
tado renunciando assim a uma de suas possessões,
livre e gratuitamente, sem necessidade imperiosa,
nem pressão estranha \ »
A politica centralisadora da monarchia brasileira
não contrasta, por ventura, com a politica da coroa
britânica relativamente a possessSes espalhadas por
todos os mares da terra, e que aliás não são, como as
nossas provincias, partes integrantes de um só Es-
tado?
Apreciai as vantagens incomparáveis da admi-
nistração independente, das liberdades civis e poli-
ticas: com menos da metade da nossa população, o
Canadá, essa terra hyperborea da neve, dos lagos e
rios gelados, tinha, ha quatro annos, um movimento
commercial igual ao nosso. As sete colónias da Austrá-
lia, aquém aliasse dão somente 2000,000 de habitantes,
mais favorecidas pela natureza, mas também muito
mais distantes, já faziam em 1866 um commercio du-
plo do do Brazil, e seus governos já dispunham de
rendas superiores ás nossas, applicando milhares de
contos a estas duas grandes forças modernas, a estrada
de ferro e a instrucção popular. Pungente parallelo !
^ La FrãHce et la Prusse devant VEurope; 1868.
CENTRALISAÇÃO B FEDERAÇÃO 75
Aqui as províncias desfallecem descontentes ; lá as co-
lónias prosperam e breve serão estados soberanos. Aqui
vive o governo central a inquietar-se com os mais in-
nocentes movimentos das provincias ; lá, essa attitude
de um poder suspeitoso, porque é injusto e fraco, não
conhece-a o governo britânico. E si uma monarchia
antiquíssima procrêa republicas democráticas, pode
na America uma monarchia exótica converter os seus
íístados em satrapias silenciosas ?
/
PARTE SEGUNDA
INSTITUIÇÕES PROViríClAÉS
CAPITULO I
o ACTO ADDICIONAL
Em 1831 uma revolução nacional tentara quebrar
o molde antigo que comprimia o Brazil, e imitar
francamente os modelos americanos. O grande pres-
tigio desse movimento memorável é a idea que o illu-
rainou e dirigiu.
Havia então nos homens poíiticos espontaneidade,
ardor, fé viva na liberdade aquecida ao sol da Ame-
rica. Não os retinham as falsas noções de governo
que formam a triste atmosphera dos nossos dias. Al-
guns Louve até que procuravam dar ao systema em
experiência do acto addicional o rigor lógico das
instituições federaes, que em gérmen continha. A ca-
mará dos deputados votara que o Brazil seria monar-
chia federativa. Propuzeram-se também, posto não
o votasse a camará, duas significativas medidas : uma
para que cada provincia tivesse a sua constituição
particular, feita por snas assembléas ; outra para que
o governo fosse provisoriamente vitalicio na pessoa
do imperador D. Pedro II, e depois temporário na
pessoa de um presidente das provincias confederadas
do Brazil. Com tanta energia circulavam as novas ideas,
que outra proposta, alias igualmente rejeitada, seoffe-
80 PARTE SEGUNDA
receu para que fosse a religião negocio de consciên-
cia, e não estatuto de lei do estado. Principies tão
energicamente affirmados, hoje espantam pelo vigor
-que revelam nas almas varonis da geração de 1831 !
Chegou a vez da historia : reivindiquemos com al-
tivez esses titulos do espirito nacional. Agora que os
contemporâneos medem por seus eíFeitos o vicio da
*monarchia centralisada, póde-se recordar-lhes a ma-
neira como illusties brazileiros, adeptos aliás da forma
'inonarchica, intendiam o regimen federal.
Nessa época os dous partidos influentes, moderado
e exaltado (o restaurador estava á margem) , concor-
davam ambos em adoptar as bases democráticas de
um governo descentralisado ; discordavam somente
na forma da instituição central, inclinando-se mui-
tos para a republicana. Depois é que o partido do re-
gresso, composto dos servidores de Pedro I e dos libe-
raes convertidos, restabeleceu as theorias européas
da monarchia unitária, fazendo da forma realidade
formidável. Regressámos, com efl^eito ; volvemos des-
de então ao systema imperial.
Ainda depois de 1840, depois de dilacerado o acto
addicional, a muitos espirites leaes parecia que a
reacção era um facto transitório, que os brazileiros
resgatariam bem cedo as ludibriadas conquistas da
revolução. Era com estranheza e grande emoção que
se via restaurado nas camarás e no governo o syste-
ma vencido em 1831. Debalde lutou-se, porém: cada
anno, o génio da monarchia, o ideal de um governo
forte pela centralisação sy métrica, fazia maiores, con-
-^^^.^^mma^mi^
INSTITUIÇÕES PROVJNCIAES 81
quistas nas leis, na prática da administração, diga-
mos mesmo, por vergonha nossa, no espirito das
populações. Vinte annos depois, ainda promulgava-
se a lei contra o direito de reunião, a ler afrancezadá
de 22 de ag-osto de 1860, esse diadema da omnipo-.
tencia monarchica; Foi o seu zenith, e o mais alto
grau do scepticismo politico.
Animosos preparavam-se os brazileiros em 1834
para o jogo de instituições livres. Hoje, nosso espi-^
rito cede instinctivamonti^. a uma influencia perver-
sa, que o corrompeu e deg-rada. Nao somos ura povo,
somos o Império. Temos, temos infelizmente que fa-
zer uma educação nova. Mas, si não foi impossivel
insaiar a liberdade em terra que surgia da escravidão,
sel-o-ha por ventura restabelecer doutrinas que. já
foram lei do Estado ou aspiração nacional?
§ I. — A tentativa de descentralisação .
A geração que effectuou a independência e influiu
nos conselhos e assembléasdo primeiro reinado, ini-
ciou a obra coroada mais tarde pelo acto addicio-
nal. Idólatra da symetria franceza, a geração se-
guinte inspirou e inspira a politica reaccionária do
segundo reinado.
Organisando em 1823 os conselhos de governo âas
províncias, a Constituinte lhes dava attribuições po-
liticas : era, por exemplo, da competência delles de-
liberar sobre a suspensão de magistrados e do com-
A PROV, . 11
82 PARTK íiKaUNDA
mandante da força armada. Os conselhos geraes no
anno seguinte creados pela constituição foram a
semente das assembléas pròvinciaes. Transformando
instituições decrépitas do antigo regimen, a lei que
aboliu o Dezembargo do Paço foi uma lei de descen-
tralisação *. As da mesma época sobre administra-
ção da fazenda publica, juizes de paz, camarás mu-
nicipaes, e organisação judiciaria ou código do pro-
cesso, acommetteram e destruiram o systema politi-
co e administrativo anterior á independência.
Mas a constituição outorgada por Pedro I atara as
. províncias á capital do império : os conselhos legis-
lativos, que creára, não tinham competência própria
e definitiva : seus actos dependiam a final do gover-
. no supremo ou do parlamento. Não podia tal centra-
lisação resistir á prova da experiência. Apoderou-se
do assumpto a paixão politica que os erros de D. Pe-
dro suscitaram : dar ás províncias poder legislativo
próprio foi idéa que propagou-se rapidamente antes
mesmo da abdicação.
«
No espirito de alguns homens illustres, a idéa as-
sumia as largas proporções do systema federal. Na
sessão de 24 de maio de 1832 o deputado Hollanda
Cavalcanti (visconde de Albuquerque) ofi^erecia um
1 Vasconcellos, esse homem de génio que devia redigir o acto addicional
par% ao depois repudial-o elle próprio, descreve cm uma só pbraso a refor-
ma descentralisadora de 1827: « Asattribuições que com tanto vexame pu-
blico eram exercidas pelo Dezembargo do Paço, sáo distribuidas pelos
juizes territoriaes, camarás, presidentes do província, relações, tribunal su-
premo e ministro de estado. » Carta aos eleitores mineiros^ 18S8 ; p. 91.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 83
projecto de lei para o governo das províncias, cnjo
art. V dispunha: « A administração económica de
cada provincia do império não é subordinada á admi-
.nistração nacional, sinão nos objectos mencionados
e pela maneira prescripta na constituição. »
Os subterfúgios dos absolutistas do senado, cuja
maioria hesitante protelava o projecto das i^eformas vo-
tado em 1831 pela camará temporária, provocaram o
movimento de 30 de julho de 1832. Para a eventuali-
dade de um golpe de estado, vários chefes liberaesde
Minas eS. Paulo haviam preparado e fizeram circular
a constituição reformada impressa em Pouso-Álegre. « O
poder legislativo, dizia o seu artigo 13, é delegado á as-
sembléa geral com a sancção do imperador, e ás assem-
blfias provinciaes com approvação dos presidentes dás
provincias.» A's assembléasdava muitas das attribui-
oòes que conferiu-lhes oactoaddicional, accrescentan-
do a seguinte : « Marcar o valor das causas civis, em
que tem lugar o pedir revista das sentenças ao tri-
bunal supremo de justiça. » (Art. 72 § 12.) Os pre-
sidentes, cujo ordenado aliás seria fixado pelas assem-
bléas (art. 156), adquiriam pela constituição de Pouso-
Alegre as seguintes faculdades : proviam os beneficios
e eclesiásticos sob proposta dos prelados, nomeavam
e suspendiam os magistrados da primeira instancia, e
em lista triplico propunham ao imperador os que de-
vessem servir nas relações. (Art. 154 §§ 6, 7 e 8.)
Foi o acto addicional (1834) redigido sobre a cons-
tituição preparada em 1832. Com quanta inexactidão,
pois, affirmar-se-ia que elle é obra da precipitação e
84 PARTE SEGUNDA
do acaso, concessão ás paixões do dia, não fructo de
idéas amuderecidas ! E mbora a obscureçam algumas
ambiguidades e vicios, aliás de fácil reparação,
abençoemos a gloriosa reforma que consumou a in-
dependência do Brazil.
Não foi o acto addicional, não, um pensamento
desconnexo e isolado na historia do nosso desinvol-
vimento politico. Foi elaborado, annuuciado, por as-
sim dizer, pela legislação que o precedera.
Inspirou-o a democracia. EUe aboliu o conselho de
estado, ninho dos retrógrados auxiliares de D. Pedro;
decretou uma regência nomeada pelo povo, e per-
mittiu que nossa pátria insaiasse o governo electivo
durante um grande numero, de annos: fez mais,
creou o poder legislativo provincial. Não é licito me-
nosprezar obra similhante.
A vehemencia com que os conservadores ainda
acommettem a reforma de 1834, o uma profanação. Não
attendem que o jogo das instituições representativas
dadas pelo acto addicional ás provindas, não podia
desde logo funccionar regularmente. Nem no pri-
meiro reinado, nem durante a regência, era bem co-
nhecido o mecanismo do systema politico que suc-
cedêra ao regimen colonial. Ministros de estado,
elles próprios, mal comprehendiam as suas attribui-
ções. Hom^ens superiores havia então, como António
Carlos e Alves Branco, como o marquez de Olinda c
Vasconcellos, mas quasi sós : os demais faziam o
tirocínio parlamentar. Votado o acto addicional,
en^fou-se em duvida acerca de innumeras questões ;
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 85
quasi se não podia dar um passo na assembléa geral
por medo de intervir nas attribuições das assembléas
provinciaes. *
Referindo vários casos desse género, presumia o
visconde de Uruguay patentear a anarchia legislativa
daquella época^ E' o preconceito com que se defen-
de a reacção de 1837. A historia julgará por modo
bera diverso esse honesto proceder das camarás ; ella
dirá si era anarchico deduzir da reforma constitucio-
nal as suas consequências lógicas, e proferirá solemue
juizo sobre os que repudiaram as franquezas provin-
ciaes e as liberdades civis conquistadas pela revolu-
ção de 7 de abril.
A prudente, abstenção dos poderes geraes, escarne-
cida pela satyra conservadora, explica-se aliás satis-
factoriamente. Era mais difficil, cona effeito, determi-
nar no Brazil o systema descentralisador inaugurado
pelo acto addicional, do que nos Estados-Unidos o
systema federal. Este é mais positivo, presta-se a
conclusões rigorosas. O systema do acto addicional,
* Eis aqui alguns exemplos :
A camará dos deputados em 1 836 adia certa proposta do governo sobre
\\QbeaS'Cor^M.s até que se adoptasse uma medida sobre a lei de U de junho
de 1835 da assembléa provincial de Pernambuco.
Adia cm 1S37 um projecto sobre a formação da culpa até que se decidisse
a questão sobre empregados geraes e provinciaes. Adia, no mesmo anno,
outro que elevava a renda para ser jurado, por duvidar-se da competência
(ia assembléa geral para legislar sobre esse cargo.
O próprio senado, em 1836, adiara projectos de suas commissões relativos
a juizes de paz, municipaes e de direito, considerando muitos dos oradores a
matéria privativa das assembléas provinciaes.
* Ensaios de direito administrativo ; vol. $., pag. 207 e seg.
86 PARTE SEGUNDA
porém, occasionava maiores difficuldades práticas,
porque não estabelecia a federação, mas um regimen
que participava de ambos os systemas, centralisador
e descentralisador. Por exemplo : na União America-
na a assembléa legislativa de cada estado promulga
os códigos e organisa a magistratura. Aqui, pelo
acto addicional, ficavam sendo leis nacionaes os có-
digos, e provi nciaes somente os cargos da magistra-
tura local.
Mas si não cessasse o respeito, com que as duas
camarás do parlamento encaravam outr'ora as attri-
buições das assembléas provinciaes ; si tão patrió-
tica tendência se consolidasse, e não fosse a reacção
de 1837 favorecida pela apostasia, a interpretação
do acto addicional far-se-hia certamente em sentido
inverso da lei de 1840. O que cumpria, com effeito?
Cumpria intender o acto addicional á luz do principio
que pi*esidíra á sua confecção : assim remover-se-iam
as duvidas, e preencber-se-ia o systema. Mas as
confusões que occorreram na pratica de instituições
novas, a inexperiência dos homens públicos, a exa-
g-eração com que fazia-se avultar os erros de funccio-
nariqs ignorantes, o calculo dos que viram com tris-
teza arrebatar-se da capital grande somma de poder
e de influencia, — tudo concorreu precipitadamente
para o descrédito do largo pensamento esboçado na
reforma de 1834. Uma interpretação reclamou-se, logo
dous annos depois, no sentido centralisador. *
* Em 1836 o deputado Souza Martins apresentou o primeiro projecto de
interpretação ; na sessão seguinte, o Sr. Paulino de Souza (visconde dft
INSTITUICÕEIíá PROVINCIAES 87
Fora, entretanto, o primeiro impulso do próprio
governo geral promover os lógicos desinvolvimentos
das franquezas concedidas ás províncias. Citaremos
um facto. Expediu o regente Feijó um notável de-
creto contendo instrucções aos presidentes para a boa
execução da recente reforma, no qnal francamente
firma o direito das provincias organisarem uma certa
administração interna, creando agentes administra-
tivos nas localidades \ Sem discutir aqui a neces-
sidade de taes agentes % consignemos este pleno
reconhecimento da competência do poder provincial.
Ao governo não inspirava então ciúme a liberdade
com que cada província constituísse sua administra-
ção interior; pelo contrario, o governo as estimulava
a entrarem nesse caminho. Quão longe estamos dessa
época de renascença !
Resultado de uma profunda agitação politica, as
Lxuguay ) offereceu outro mais largo, que foi votado depois, e é a lei de 12
de maio de 1840.
* Decreto de 9 de dezembro de 1835, § 10 : « Entre os objectos que muito
convém promover, merece ser mencionada a creação de delegados dos presi-
dentes em todas as povoações, como o meio mais próprio de serem breve e
exactamente informados do que se passa em todos os pontos do território su-
jeito á sua administração; de inspeccionarem e advertirem as autoridades
locaes; de íiscalisarem aconducta dos funccionarios subalternos ; e de asse-
gurarem a prompta e ílel execução das suas ordens ; mas para se colher
toda a vantagem que desta instituição se deve esperar, é indispensável que
as pessoas nomeadas para servirem aquelles cargos, sejam escolhidas entre a
classe mais estimável dos respectivos togares, e que contem com alguma es-
tabilidade.. . governo não duvida lembrar aqui, como modelo, os prefeitos
e sub-pr Cf eitos Cicadoá pela assembléa legislativa da provincia de S. Paulo,
perauadido que elies preenchem as necessidades da administração da pro-
vincia. »
» V. o S IV infra.
88 PAHTK SEGUNDA
instituições do período regencial accusam em seus
autores a mais plena consciência da liberdade. Não
eram doutrinas ou recordações escolásticas, que
elles punham por obra : cousa notável ! espirites for-
mados nos estudos clássicos do velho Portugal foram
aqui os precursores da democracia o pregoeiros das
constituições americanas, da forma federal dos Es-
tados-Unidos.
§ II. — A reacção : influencia do conselho de estado,
Contra-reacção.
Um dos chefes da reacção iniciada em 1836 allega,
para justifical-a, dous motivos principaes: a insuffi-
ciencia de recursos contra os abusos das assembléas
provinciaes, e a extensão dos excessos que comniet-
teram até promulgar-se a lei de 1840 e ainda depois *.
Exageração, exageração fatal, em ambos os casos.
Quanto ao primeiro, é exactamente esse escriptor
quem expõe o encarece, na parte final da sua obra, a
somma de poderes 'de que os presidentes o o parla-
• m^ento estavam e estão armados contra as leis provin-
ciaes abusivas. O que ha a lamentar, e elle o lamenta
^ coni razão, é a negligencia de presidentes que con-
selitiram, ou não souberam obviar taes excessos; é o
• * descuido com que o governo deixa de promover a re-
vogação da lei inconstitucional.
Mas acaso tem na realidade havido uma lonira
* Àáminiitraç&o da» provindas, pelo visconde de Uruguay : Tntroducção*
INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 89
série de actos provinciaes tão funestos a união, que
devam levantar clamores épicos ? Grande exageração
nos parece aíErmal-o. Algumas leis, em negócios de
pouca monta, incorrem na censura de falta de com-
petência das assembléas ; raríssimas se poderá dizer
que são altamente perniciosas. A reacção clamou prin-
cipalmente contra as alterações realisadas na justiça
e policia pelas leis dos prefeitos de Pernambuco e ou-
tras provincias. Quanto anos (permittam-nos antecipar
esta reflexão), eram taes leis corollario do systema
do acto addicional, assim como a interpretação que elle
carecia era a que firmasse a competência das assembléas
para as promulgarem \ Sem excluir essa famosa crea-
ção dos prefeitos, póde-se assegurar que as assembléas
nada fizeram que justifique perante a historia a gra-
vissima accusação de tentarem dissolver a união: hy-
perbole a que recorrem sempre os conservadores para
attenuarem o golpe de estado de 1840.
Percorremos os actos legislativos de algumas das
maiores provincias no periodo de 1835 a 1840. En-
contrámos leis organisando as novas repartições; eri^
gindo cadêas, fundando templos, abrindo escolas,'
construindo estradas e melhorando rios: ahi palpitam
solicitude pelos interesses locaes e confiança' na pros-
peridade futura *. A autonomia das asseinbléas des-
« *,
4
* V. os caps. V, §g 1- e 2-, e Vn 8 1.-
' Algumas são leis mui notáveis. Entre estas, seja-nos licito citar a de
Alagoas, n. 20, de 9 de março de 1836, que mandava levantar o mappa esta-
tistico e topographico da província. A assembléa fixaria as despezas com os
necessários trabalhos geodésicos. Os engenheiros percorreriam a província
A PROV. 12
90 PARTE tíEaUNI>A
pertava-lkes o sentimento da responsabilidade, esti-
mulo dos homens públicos. Tinham as províncias
iniciativa para abrir caminho ao progresso ; de si mes-
mas dependia o seu porvir : nao ficariam a desfallecer
aguardando o illusorio impulso do governo central.
Quando resurgiram as preoccupações monarchicas
do poder forte pela centralisaçào, a coragem que as
assembléas ostentaram no periodo de 1831 a 1840 re-
fluiu de repente, deixando-as inanimadas. Volveram
as províncias á condição de pupíllos : ímmenso presti-
gio tinha o tutor; os próprios liberaes declaravam
maior o joven imperante. Surge et impera-, dizia^se
entào : ergueu-se com effeito, e tudo avassalou o prin-
cipio monarchico restaurado com applauso quasi uni-
versal.
A lei chamada da interpretação foi, todos o sabem,
o acto mais enérgico da reacção conservadora: limi-
tando a autoridade das assembléas províncíaes, per-
mittiu a creação da policia uniforme em todo o impé-
rio e a militarisação da guarda nacional, instituições
posteriormente organisadas com symetria a que só
faltam os retoques propostos recentemente. Não ín-
inteira « sem dispensar a mais pequena parte delia, ainda que inculta seja, para
se demarcar com 'precisào astronómica as longitudes e latitudes dos diversos
muni€Ípios e mais lugares notáveis. » A utilidade immedtata do mappa seria
.a que indica oart. 4*: «O mappa mostrará em delineaçáo quaes as estradas
móis convenientes a fazer-se; a origem, curso e foz dos rios e lagos, afim de
de se conhecer a utilidade que pôde tirar a navegação, os obstáculos que
a esta se apresentam e a pi ojecção dos mais fáceis canaes de navegação, e fi-
nalmente os limites mais naturaes dos municípios e comaix^as. » Eis a intel-
ligencia e a previsão cora que estreava uma assembléa. Iguaes exemplos po-
dèr^sft-ia apontar de outras.
INSTITUIÇÕKS PROVINCIAES 91
terpretava-se, anjputava-se o acto addicional ; e tudo.
sem os tramites de uma reforma constitucional : obra
por esses dous motivos igualmente odiosa.
Si o art. 7* dessa lei de 12 de maio de 1840 adop*
tava uma razoável intelligencia estendendo o veto sus-
pensivo do presidente ao caso de offensaá constituição;
si o 5° e o 6** regulavam o modo da assembléa suspen-
der ou demittir o magistrado provincial, é iúcontesta-
vel que os outros quatro centralisavam a policia, a*
justiça, a guarda nacional, e mais assumptos descen-
tralisados pela reforma de 1834.
A execução da lei de 1840 excedeu da expectativa
dos seus autores. Apurou-a, requintou-a o conselho
de estado na mesma época restaurado. Instituição
alguma, neste segundo reinado, ha sido mais funesta
ás liberdades civis e ás franquezas provinciaes. D'ali
Vasconcellos, Paraná e outros estadistas aliás emi-
nentes, semearam com perseverança as mais atrevi-
das doutrinas centralisadoras. Fizeram escola, e tudo
que de nobre e grande continham as reformas, per-
verteu-se ou desappareceu. Nos Estados-Unidos ha
um tribunal, a corte suprema, que preserva a invio-
labilidade da constituição, já impedindo que as as-
sembléas dos estados transponham a sua esphera, já
oppondo-se ás invasões do congresso. Mas a corte su-
prema offerec3 as garantias de um poder independente ;
o nosso conselho de estado, porém, creatura do prin-
cipe, dedicou-se á missão de ageitar as instituições
livres ao molde do imperialismo.
Amesquinhar o poder creado em 1834 foi o pen-
92 PARTE SEGUNDA
samento constante da reacção. Fácil fora citar uma
longa serie de consultas e decisões do governo que
confirmam esta apreciação. Em alguns casos não se
duvidou mesmo desprestigiar a instituição das as-
sembléas. Apontamos factos. Algumas teem, no exer-
cido de seu direito positivo, suspendido ou demittido
juizes: como procede então o governo imperial? per-
doa a pena, annulla o decreto da assembléa, j^ubtra-
he-lhe, portanto, a faculdade conferida pelo acto
addicional *.
Tudo se ha posto em duvida. Pôde, por exemplo,
haver lei sem pena para os transgressores? Pois
bem: até contestou-se ás assembléas o direito de im-
porem penas correccionaes. Na Bélgica era esta uma
questão ha muito resolvida: por direito expresso, as
assembléas provinciaes podem lá, para assegurarem
a execução das suas leis eoi^denanças, decretar prisão
ou multa. Aqui pretendeu-se que nem nos regula-
mentos da instrucção publica, nem nos da força po-
licial e outros, cabia-lhes prescrever meios coercitivos
especiaes.
Nem a insignificância dos objectos permittiu que
o governo se abstivesse do habito contrahido de tudo
disputar ás provincias. Clama o conselho de estado
e o governo expede aviso para que se não guardem,
nos archivos creados pelas provincias, originaes ou
cópias authenticas de iictos do governo geral, nem
mesmo actas de eleições para deputado ou senador !
1 V. os casos deste género referidos nos SS ^1^ a 515 da obra citada do vis-
conde de Uruguayv
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 93
Este espirito delirante de uma reacção que nSo re-
cuava siquer diante do infinitamente pequeno, tocou
ao zenith quando os decretos de 1830 concentraram
no poder executivo o direito de autorisar a incorpo-
ração das sociedades anonymas.
E mais longe que seus antecessores devera de ir
o gabinete de 16 de julho. Seus delegados suspendem
leis sjuiccionadas e promulgadas. Uma circular de
1868 determina aos presidentes que não sanccionem
lei alguma creando novas comarcas, e lhe declara
que o governo não proverá de juizes as que não
obstante se crearem. A reacção afronta a legalidade,
desafia as províncias.
Grande serviço pudera prestar um ministério libe-
ral, esclarecendo aintelligencia das reformas de 1834.
Longe de ainda admittir duvidas em certos assumptos,
como sejam alguns dos que devia estudar acommissâo
parlamentar proposta em 1861, — cumpria-llie instruir
os presidentes sobre a verdadeira doutrina em muitos
dos pontos litigiosos. A exemplo da regência que
expedira instrucções para a execução do acto addi-
cional, porque não se havia remover da mesma forma
duvidas suscitadas pelo espirito de partido ? Para isso
não fora mister lei ; hoje a tarefa da lei é muito maior
e differente : é alargar as bases do acto addicional, ou
completal-o.
Instrucções bastavam para*reivindicar a bôa dou-
trina dentro dos limites do direito vigente. Ahi está
a razoável jurisprudência admittida em muitos casos
pelo próprio autor da lei reaccionária, o visconde de
94 PAftTK ssauNPÀ
Uruguay, Seu livro, estampado em 1865, é, em alguns
pontos, reacçSo contra a reacção de 1840. Já no titulo
preliminar, já em capitules espeoiaeíi que combatem
exagerações do conselho de estado, patentêa-se a be^
nefica influencia que o estudo das instituições ame*
ricanas exercera no espirito do autor.
Feitas as devidas reservas, consideramos os Estu-
dús pmtieos sobre a administração das províncias como
um protesto da reacçàío contra si mesma. Elle se elabo-
rava na época do universal predominio do imperialismo ,
quando a idéa liberal perdia-se nas amplificações de uma
vulgar logomachia politica. E' que, dentre os lugares
communs, um existe cuja verdade a historia contempo-
rânea attesta todos os dias : nâo morre a idéa liberal,
resiste e sobrevive á ruiua dos seus representantes, e
acaba por dominar os próprios vencedores. Eis ahium
destes, e dos mais notórios, emittindo opiniões con-
trarias ás doctrinas do seu partido,— do governo
imperial. O visconde de Uruguay sustenta, com
effeito, que podem as assembléas:
Legislar sobre aposentadorias, jubilações e refor-
mas dos empregados provinciaes, já por medida geral,
já por decretas especiaes (§ 407) ;
Conceder pensões por serviços feitos á provincia,
assim como o governo e assembléa geraes as conce-
dem por serviços ao estado (§ 411) ;
Estabelecer o processo que hão de observar na de-
cretação de suspensões ou demissões de magistrados
(§521);
P^mittír ao» seus estabelecimentos litterarios e
lNSTITVJÇÕfi« PaOVlNClAES 06
«oientifioos conferirem o grau de backarel (§ 172) ;
Lançar, nos regulamentos sobre instrucção, penas
contra as contravenções, embora não prevenidas fos-
sem pelo código criminal (§ 173). *
Condemna também o autor da lei de 1840 cada um
dos expedientes administrativos, lembrados pelo con-
selho de estado, para se embaraçar ou mutilar a illi-
mitada faculdade das assembléas quanto á divisão
civil e judiciaria (§ 166). •
Finalmente, é ao illu^stre publicista americano
Story, que elle pede as salutares regras de interpre*
tâçao, com que repelle as restricções postas por te*
' Ainda recentemente, por aviso de 19 de junho de 1861, desconheceu o
governo este direito, sem o qual nada valeriam os regulamentos provijiciaes
de qualquer natureza.
* Não obstante, pedia esse autor uma lei geral que prescrevesse as regras
de divisão segundo o numero de habitantes, a superfície e a riqueza de cada
parte do território, e o modo de se verificarem taes circumstancias. E nã o
é idéa abandonada ; repete-se no projecto de reíbrma ouinlcipat apresentado
eml860(art. 12). Unifornra para todo o Brazil, preoccupação do systema
francez, fora inconstitucional similhante lei de divisão administrativa. Pre>
tendem os conservadores que o poder geral, por isso que paga o funccionari»,
deve intervir na creaç io do emprego» Nós ao contrario intendemos que, uma
uma vez que pertence, nem pôde deixar de pertencer á província a faculdade
de creâr o emprego pela divisão das circunscripçôes, pertençft^lhe também
pagar os respectivos funcciònarios. E, si os paga, é lógico que os aomée» é
lógico que legisle a respeito das suas attribuições. Assim, o poder provincial
créa a comarca, e por isso deve pagar e nomear o magistrado. mesmo di-
zemos do parocho. Com effeito, até 1842 os juízes de direitos ou todos os
juizes territoriaes foram nomeados pelo presidente das províncias» e por
estas pagos. Os parochos o fbram até 1848. Propondo um senador em 1861
emenda ao projecto dos vencimeatos da magistratura para $ó se tomsrrem
effectivas as novas creações de comarcas depois de votados os fundos j^ela
assembléa geral, bem se lhe ponderou que a inconguencia não era do acto
addtcional, pois que leis geraes. posteriores 6 que tfliviaram as provindas
dessas deipezM com juizes e parochos, produzindo a desharmoaia «otiiat.
96 PARTE SEGUNDA
merarias consultas ás mais claras attribuiçSes das
assembléas ; e então escreve estas palavras : « O fim
do acto addicional (fim santo e justíssimo) foi depo-
sitar nas províncias sufiiciente força, sufficientes
meios, bastante autoridade para poderem por si aviar,
sem as longas morosidades de ura só centro, certos
• negócios provinciaes, e a respeito delles, uma vez
que se contivessem nas raias da constituição, tor-
nal-as independentes até da assemblóa geral. » Pése-
se bem esta phrase: nos negócios meramente provin-
* ciaes, o poder legislativo provincial não tem superior ;
toas quantos abusos contra esta sã doutrina ! e não
da assembléa geral, porém do poder executivo. K
«
«
§111. — Precedentes estabelecidos pela reacção.
Inútil para o leitor penetrado da idéa que domina
a Içi das reformas de 1834, fora fastidioso o exame
de cada decisão do governo opposta á índole das
nossas instituições provinciaes. Indiquemos, entre-
tanto, algumas das doctrinas do conselho de estado
» para assignalar melhor o ponto a que chegou a reac-
ção," e a tenacidade com que disputa o terreno con-
quistado.
Creára-se, ninguém o contesta, uma administração
provincial separada da geral. O seu primeiro agente é
a secretaria : pois bem, depois de se converter o secre-
tario em empregado nacional, contestou-se ás assem-
bléa» o direito de organisarem a repartição de que
elle é chefe.
INSTlTtJlÇÕES PROVINCIAES 97
Ainda mais : o que são officíos do justiça sinão
cargos eminentemente municipaes? Pois bem : está
decidido que só ao governo central pertence prover
t)s officios de justiça, separar os que estão reunidos,
reunir Os que foram separados, tornar privativo o
que é cumulativo, e vice-versa.
NSo é a cadêâ estabelecimento local ? não declara
O acto addicional que ás assembléas compete cons-
truir casas de prisão e correcção, e estabelecei o seu
regimen? (Art. 10 § 9°.) Pois duas restricçoes fize-
ram-se, depois de 1840, a esta positiva ãttribuição
dos poderes provinciaes. Primeiro, devolveii-se aos'
chefes de policia, delegados do poder executivo,
a faculdade de nomear e demittir os carcerei-
ros ; e, depois, ficou pertencendo ao governo-
marcar os ordenados dos de todo o império. E,
entretanto, ás assembléas é que compete regular
a nomeação dos empregados das prisões e fixar os
seus ordenados. Estão os carcereiros convertidos èm
funccionarios geraes ; não deve isto maravilbar-uí\s,
porquanto avisos ha, baseados em consultas do con-
selho de estado, mandando submetter á approvação
do governo imperial o plano das obras de prisões I
Quando se não pretexta a natureza do cargo, reSor-
re-se a uma subtileza em razão da matéria. Compete,
é certo, ás assembléas crear estabelecimentos de ins-
trucção ; mas, segundo o conselho de estado, não
podem ellas abrir um curso de obstetrícia, nem con-
ferir ás mulheres que o frequentarem diplomas de
habilitação ness,a arte. Minas, Alagoas, Ceará, Bahia
A PRov. r 13
98 PARTB SEGUNDA
e outras províncias legislaram sobre boticas e sobre
o exercicio dapharmacia e da medecina. Que abuso 1
clamou o conselho de estado : não está, dice elle, a
matéria regulada pelo governo geral, epreventa a ju-
risdicçào das assembléas provinciaes? — Melhor fora
certamente deixar plena liberdade ao exercicio de
todas as profissões ; mas, continue ou não o actual
regimen preventivo, não é dos poderes centraes que
deve depender o regulamento da salubridade publica.
Estender ás provincias a autoridade de uma junta de
hygiene da capital é manifesta usurpação. O fiscal
da saúde publica é a municipalidade. Na própria
França, o decreto de 25 de março de 1852 (art. 2**)
delegou aos prefeitos, sem mais dependência do mi-
nistro, a policia sanitária e a industrial. Como
admittir, em nossa terra extensissima, que a paten-
te de pharmaceutico dependa dos provedores das ca-
pitães de provincia, ou do ministro do império sob
parecer da junta central? Porque razão também é o
governo do Rio de Janeiro que nomôa um medico
commissario-vacinador para cada provincia?
São do mesmo género os embaraços postos ás leis
provinciaes que, sob proposta das municipalidades,
mandam nos domingos fechar oflicinas e casas de
commercio. Entretanto, estas moralisadoras medidas
pertencem á policia local, e sua legitimidade parece
incontestável quando a regra se não estende aos cha-
mados dias-santos. Reduzidas ao domingo, tem ellas
caracter meramente hygienico, sem intenção re-
ligiosa, nem offensa da liberdade dos cultos. E' por
instituiçSes provinciaes 99
haver deslocado a questão, que o conselho de estado
as considera privativas do poder geral com accordo
doecclesiastico, conforme os decretos da igreja admit-
tidos no império. Decretos da igreja invocados hoje
para regularem interesses temporaes sujeitos ao go-
verno civil de cada localidade I *
Constituida nas provincias uma administração se-
parada, a quem pertence sinão ás assembléas, sob
proposta das camarás, regular as questSes concer-
nentes ao trabalho, suspensão delle no dia de des-
canço, numero de horas segundo as idades, hygiene
das officinas, e policia da industria e commercio?
Não o permitte, porém, a centralisação actual ; e de
facto não ha administração separada, nem as provin-
das se governam por si mesmas. Cargos e fun,cç5es,
negócios municipaes ou intereses provinciaes, tudo
lentamente foi absorvido na monstruosa jurisdicção
central.
Desse trabalho perseverante apenas dão mui ligeira
idéa os exemplos que citámos. Muitos outros e mais
graves referiremos ao tratar de obras publicas e im-
postos * ; ver-se-ha então que, ainda depois de muti-
lado o acto addicional, não cessara, todavia, a tarefa
das consultas e avisos.
^ A camará municipal do Rio de Janeiro, em um recente edital (15 de no-
veml^rode 1869), parece duvidar da sua competência, limitando-se a convi*
dar U seus municipes á guarda do domingo ; e, pela mesma confusão de
idéás do conselho de estado, appellando para o sentimento religioso dos ca-
thoiicos, estende o convite aos dias smtifícados.
« Parte IH, caps. V e VI.
100 PARTE SEGUNDA
E' deplorável que o próprio autor dos Estuados p^^a-
ticos, que com tanto acerto afasta-se algumas vezes
das exagerações do conselho de estado, siga muitas
outras a trilha da rotina *. Entretanto, sustentando
doutrina que na actualidade merece recordar-se, oon-
4emná energicamente a usurpação que o governo
geral algumas vezes praticara suspendendo leis
proviuciaès sanccionadas ou legalmente publicadas
(§ 612) . Que espanto não causaria ao chefe da reacção
de 1840 o arbitrio com que, não o poder executivo cen-
tral, mas os presidentes, delegados do actual ministé-
rio, suspenderam por si sós leis provinciaes ! attentato
que não cauza maior estranheza, que o escândalo da
sua impunidade.
' Ao governo, porém, não aos presidentes, intende
o escriptor citado que deve uma lei conferir a facul-
dade de revogar provisoriamente, até decisão da as-
sombléa geral, a sancção dada por aquelles funccio-
narios ás resoluções offensivas dos direitos de outras
províncias, dos tratados ou da constituição (§ 629).
Quanto a nós, nem essa lei seria necessária : para
reprimir quaesquer excessos, basta a faculdade que a
assembléa geral tem de revogar as leis provinciaes
em catos similhantes. Demais, só uma grande con-
fusão de idéas pôde inspirar tal doutrina em nosso re-
^ Olvidando as próprias regras de interpretação que adoptara, adheriu
esse autor a claMotòsas restricções. Ou seja tratando de obras publicas, ou
referindo contestações relativas a impostos, assumptos de que tanto dependem
a vida e a prosperidade das provindas, admitte elle opiniões manifestamente
illegaes. Basta dizer que transcreve sem exame nem censura o aviso de 4 de
janeiro de 1860. (V. Parte Hl, cap. V § 1.)
INSTITOICÕBS PROVINCIAES 101
«>
gimen : a assembléa provincial é ramo do poder le-
gislativo ; como pôde então o executivo revogar
uma lei provincial ? Argumenta-se com o exemplo
da Bélgica ; mas a sua organisação é differente da
nossa. A lei belga permitte certamente ao* governo
suspender os actos do conselho ou asserabléà contra-^
rios ás leis e regulamentos de administrjação g^eral,
ou que ferirem o interesse publico, que contiverem
excesso de attribuições, e que offenderem os direitos
dos cidadãos. Nestes casos, porém, o governador não
está investido do direito (diz o escriptor a quem to-^
mamos estas informações) de pronunciar-se sobre os
actos do conselho ; limita-se a recorrer para o go-
verno. As medidas votadas pelo conselho não depen-
dem da sancção do governador. Na Bélgica, portanto,
o poder central goza da faculdade da revogação,
porque não tem o governador o direito de veto : as
duas faculdades não devem coexistir. Entre nós ,
acima da assembléa provincial e do presidente, para
conter os excessos da primeira e corrigir a negli-
gencia do segundo, só pôde haver uina autoridade su-
perior, o parlamento nacional.
Todavia, não desistem os estadistas da escala con-
servadora de medidas, que, como essa, ref^cem o
systema montado pela reacção. Querem coroal-o com
algumas reformas francamente unitárias. Vejamos
até onde se estendem as suas aspirações.
102 PARTE SEGUNDA
§ IV. — Novos projectos centralisadores : conselhos de
promnciay agentes administrativos.
Não liastou converter em departamento francez a
província do acto addicional, amesquinhando a sua
autonomia legislativa : pretende-se agora conferir a
delegados do poder executivo o conselho e a acção
em negócios puramente provinciaes e até municipaes.
Sob os nomes de conselhos de província e de agentes
administrativos, tem sido vulgarisada, quer por meio
de projectos de lei, quer por certos livros, esta nova
tentativa de centralisacão.
Tal é para o mal enorme que opprime as províncias,
a solução proposta pelos doutrinários da escola im-
perialista. Examinemos esses complementos das leis
pelos conservadores promulgadas durante ò actual
reinado.
Será necessário, por ventura, crear conselhos, da
nomeação do governo imperial, que preparem os ne-
gócios a decidir pelos presidentes, e julguem em
primeira instancia questões contenciosas ?
Em nosso conceito, sirhilhantes conselhos trariam
os seguintes manifestos inconvenientes : augmentar
P a excessiva influencia do governo central, mediante
novos funccionarios delle dependentes ; dificultar o
processo dos negócios^ cujo andamento é hoje de-
masiado lento; entorpecer a acção do presidente e
diminuir-lhe a responsabilidade; annullar pratica-
mente as assemblóas provinciaes.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 103
Demais, sejam ou não úteis os conselhos, é evi-
dente a inconstitucionalidade da sua creação por lei
geral. Teriam elles que preparar ou discutir, na mór-
parte dos casos, negócios provinciaes ou municipaes;
ora* só ás assembléas pertence crear funccionarios
com attribuições sobre negócios que não cabem na
competência do governo geral. O parlamento não po-.
deria decretar isso sem ostentar o máximo desprezo
pelo systema da constituição reformada em 1834.
Invoque-se embora o pretexto de que os conselhos
seriam auxiliares dos presidentes só no preparo
e despacho daquelles assumptos da administração
geral, cujo processo se faça nas províncias : para tão
pouco não é mister uma nova corporação. Segundo a
natureza desses negócios, até hoje aos presidentes
não faltou a consulta do inspector de fazenda, do pro-
curador fiscal, do procurador da coroa onde ha relação,
de magistrados, dos directores de arsenaes, do com-
mandante de armas, e de outros funccionarios. Quer
ouvidos isoladamente, quer em sessões periódicas que
a prática poderia estabelecer, as informações e auxilio
que os presidentes carecessem, delles alcançariam fa-
cilmente sem dar-lhes o caracter pomposo de um con-
selho formal e obrigatório.
Uma lei da Constituinte (20 de outubro de 1823)
organisára os conselhos chamados de presidência,
que, compostos de seis cidadãos maiores de 30 annos,
reuniam-se por dous mezes annualmente. Estas cor-
porações, que alias precederam aos conselhos geraes
creados pela constituição, duraram até 1834, sendo
104 PAUTK SEGUNDA
então supprimidos (lei de 3 de outubro), porque já
estavam decretadas as assembléas provinciaes. Na
mente do legislador, as asserabléas, substituindo os
conselbos geraes, dispensavam os de presidência.
Como, pois, se havia agora de restabelecer por lei
ordinária uma instituição excêntrica do systema da
reforma constitucional de 1834?
E a propósito : com que ousadia avança a reacção
monarcbica I o conselho de presidência e o conselho
geral eram ambos corporações electipas : seus membros
eram nomeados da mesma forma por que se elegem
os deputados : quasi meio século depois, pretende-se
conferir ao poder executivo a nomeação dos conse-
lheiros de provincia.
Inútil para os negócios geraes, inconstitucional
quanto aos provinciaes, qual o objecto da nova en-
tidade sinão robustecer a monarchia centralisada?
As próprias assembléas é que poderiam crear, para
auxiliares dos presidentes, conselhos meramente pro-
vinciaes. Em 1858, reformando-se a administração da
provincia do Rio de Janeiro, estabeleceu-se que os
chefes das repartições seriam reunidos e ouvidos pelo
presidente, quando intendesse preciso. Assim, sem
maior dispêndio, sem o atropello de mais um inter-
mediário entre o povo e a administração, assentou-se
a prática de conferenciarem os presidentes com os
chefes dos diversos serviços admin istrativos sobre os
negócios que por sua importância o mereçam.
Mas diz-se: «As questões do contencioso adminis-
trativo carecem nas províncias de um tribunal de
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 105
primeira instancia, sendo a segunda o conselho de
estado ; e os projectados conselhos preencheriam esta
missão. » Mais um sophisma! Carecemos, não de tri-
bunaes de primeira e segunda instancias para o cha-
mado contencioso administrativo, mas de erradicar
esta parasita franceza enxertada no regulamento do
conselho de estado. Além disso, para o julgamento de
questões contenciosas relativas a negócios puramente
provinciaes, ainda felizmente não foi supprimida a
competência dos juizes ordinários. Nos negócios ge-
nes da fazenda já existe o processo contencioso, quer
perante as thesourarias, quer perante o thesouro ; e de
sobra se tem regulado e centralisado esta parte do
assumpto. Querer applicar o mesmo systema a todas
as pendências entre a administração e os particulares,
originadas nas provincias, não é alliviar, é opprimir
os cidadãos.
Abandone-se a prática franceza, fique competindo
aos tribunaes o julgamento do contencioso geral, seja
nas províncias, seja na corte a sede da questão. A
Inglaterra e os Estados-Unidos não conhecem o con-
tencioso administrativo, e nem por isso os seus sys-
temas de governo parecem ^eiores que o nosso.
O que se pretende, pois, sinão augmentar funcciò-
nalismo supérfluo, sem necessidade positiva que o
demande, por mera imitação dos conselhos de pre-
feitura de França ?
Os publicistas da escola conservadora crearam uma
prevenção exagerada contra a organisação adminis-
trativa das nossas provincias. EUa contém lacunas
A PROV. 14
106 PAUTE SEGUNDA
certamente-; mas, para preeuchel-as, a solução dos
liberaes ó mui opposta e diversa, é completar e for-
tificar o systema do acto addicional, rodeando-o de
instituições efficazes, como seriam os senados pro-
vinciaes e as com missões permanentes, de que abaixo
trataremos. *
Duas palavras bastem para julgarmos dos projec-
tados a":entes administrativos. *
Executores das posturas municipaes , auxiliares
dos presidentes, seriam, como estes, nomeados por
decreto do imperador. Sua inconstitucionalidade ,
.porém, é manifesta.
A constituição e o acto addicioaal enitcogaram ás
coimaras, corporações de eleição popular, os negócios
municipaes. Ora ba, com efteito, urgência de refor-
mar a instituição municipal, não no sentido centra-
lisador, mas no sentido inverso, restituindo-lbo a
autonomia e tornando mais prática a execução das
suas deliberações. O agente administrativo, nomeado
pelo imperador ou pelo presidente, para o fim de in-
« Gap. H.
* E' antiga a idéa de taei auxiliares. O projecto de constituição da as-
cembléa constituinte creava era cada districto um sub-presidente. No da
administração provincial (1826), Feijó instítuia em cada villa a mesma au-
toridade, proposta, em lista tríplice, pelas camarás municipaes ao presidente.
Vergueiro, no das municipalidades (do mesmo anno), dava-lhe o nome de
intendente municipal, igualmente apresentado pelas camarás, mas em lista
quadrupla. O projecto da camará temporária para as reformas constituciooaes
(1831) dizia no § 13: « Nos municípios haverá um intendente que será nelles
o mesmo que o presidente nas províncias. » Todos estes projectos, porém,
eram antei ipres ao acto addicional. Depois delle, crearam algumas províncias
prefeitos com attribuições mais amplas que as simplesmente administrativas:
vMe pcap. V, S 5* ^-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 107
tervir nos negócios municipaes, seria a derradeira
conquista do imperialismo.
Mas, dizem, os presidentes não teem agentes subor-
dinados que os auxiliem nos negócios geraes ou pro-
vinciaes. Em nosso intender, é exagerada e inexacta
esta afiirmação.
D'entre os assumptos propriamente geraes^ cita-se,
como exemplo justificativo, o recrutamento. Mas não
se tem feito até hoje este bárbaro serviço por meio
da policia ou de commissarios especiaes? e não deve
elle desaparecer em breve deante da condemnação
universal ?
Os serviços de caracter geral nas provincias teem
todos elles chefes próprios, administração particular,
sujeita aos presidentes; a fazenda, o exercito, as ca-
pitanias de portos, a g-uarda nacional, as obras pu-
blicas, etc, todos esses ramos da administração , os
dirigem agentes subordinados ao presidente da pro-
víncia. Não são, pois, os negócios geraes que care-
cem de um novo intermediário. Só a preoccupação do
systeraa francez, só um falso amor da symetria, como
notou-o J. J. Rocha condemnando em 1858 o pro-
jecto da commissão presidida pelo Sr. Uruguay, só a
falta de plena consciência das nossas instituiçSeâ na-
cionaes, explicam esse plagio dos sub-prefeitos de
Franca.
Quanto aos negócios provinciaes, cumpre adverti t
que, si taes agentes fossem mister, só as assembléas
poderiam creal-os. Não suppomos, porém, que aexpe
rieucia recommcndo a crwção de um agente adminis-
108 PARTE SEGUNDA.
trativo que concentre em cada divisão da provinda, seja
o municipio, seja a comarca, seja outra qualquer, a
superintendência de todos os negócios que nessa di-
visão se tratem. Teriam certamente as assembléas
competência para fazel-o, mas a lei da divisão do tra-
balho opp5e-se a tal novidade. Em cada districto de
uma provincia são de natureza muito diversa os seus
próprios interesses : haas obras publicas, haainstruc-
ção, ha a arrecadação dos impostos, etc. Fora mais
útil delegar isso tudo a um só agente em vez dos
funccionarios especiaes, engenheiros, collectores,
inspectores, que hoje desempenham taes fiincções ?
Não nos parece. *
Entretanto, seja ou não mais conveniente isso do
que a prática até hoje seguida, fique bem assigna-
lado o caracter odioso de um acto do parlamento que
assim interviesse no governo interior das provincias.
Supérfluos quanto aos negócios goraes , os agentes
administrativos seriam, como os conselhos de presi-
dência, perniciosos por augmentarem o pessoal de-
pendente do governo, e illegaes por usurparem um
direito até hoje respeitado.
Em 1867, porém, intendeu-se que ainda se podia
renovar a tentativa que dez annos antes falhara.
Para a obra reaccionária não fallece, com eSeito, a
perseverança, que tanto tem faltado ao verdadeiro
* Sustenta a competência das assembléas^mas admitte a conveniência dos
novos^funccionarios o Sr. Cons. Ribas, Direito Administrativo, p. 197. go-
verno geral já havia reconhecido essa competência em 1835 (§ I supra).
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 109
progresso e ás reformas liberaes. Em longas sessões
do conselho de estado discutiu-se um systema de pro-
jectos centralisadores, com agentes administrativos
e conselhos de presidência. O espirito desses projec-:
tos era o da centralisaçâo franceza : a fonte, a legis-
lação contemporânea de Portugal, onde houve tam-
bém, entre as notabilidades politicas , quem, pres-
tando-se a esmagar as liberdades locaes, coadjuvasse
a incorrigivel tendência absorvente dos principes.
Havemos ver tomarem-se aqui por modelo as imita-
ções portuguezas de regulamentos francezes? aqui
onde, por largos annos, estudára-se a organisação
dos Estados-Unidos como o ideal dos povos modernos?
V. — Missão do partido liberal.
A illegalidade das doctrinas e dos precedentes es-
tabelecidos pelos governos conservadores não é mais
duvidosa para nenhum espirito esclarecido, para al-
guns dos nossos próprios adversários. Alargou- se a
tarefa dos liberaes da nova geração. Cumpre-lhes
agora, não já disputar ao conselho de estado e aos
avisos do governo fragmentos de concessões liberaes;
cumpre-lhes propor o regresso ao espirito genuíno do
acto addicional; cumpre-lhes exigir as consequên-
cias lógicas que delle souberam tirar algumas pro-
vincias antes de 1840.
Quanto a nós, não nos limitaremos a pedir a oxe-
cuçào da lei e o abandono de práticas perniciosas ;
♦
110 PARTB SEGUNDA
vamos também propor o complemento do systema es-
boçado no acto addicional. Este systema suppõe nas
províncias um poder legislativo e uma administração
próprios : que falta para que funccionem com regula-
ridade? até onde devemos cliegar no empenborde re-
habilital-os ? quaes as circunscripções da descentra-
lisação que os liberaes promovem?
Responderemos apresentando, uma a uma, cada
instituição provincial, não conforme uma theoria pre-
concebida, mas segundo os traços que nos legaram os
estadistas de 1831. Tal é o nosso metbodo: Em vez
de offerecer reformas sem filiação histórica, prefe-
rimos inspirar-nos nas tradições de um passado me-
morável. Em questões que interessam á liberdade,
reconhecida e consagrada outr'ora, mas aniquilada
hoje, immensa força tem o partido que clama pela
restauração das leis mutiladas. Si faltassem cxem-
pios, o da Hungria contemporânea patentearia a van-
tajosa posição de um povo que exige, em nome do
direito antigo, não em nomo somente da theoria poli-
tica, o restal)elecimeuto de suas instituições esma-
gadas.
A doutrina liberal não é no Brazil fantasia mo-
mentânea ou estratagema de partido; é a renovação
de um facto histórico. Assim considerada, tem ella
um valor que só a obcecação pôde desconhecer. Como
a França voltando-se agora para os principies de 89,
nós volvemos a um ponto de partida bem distante, o
fim do reinado de Pedro I; queremos, como então que-
riam os patriotas da independência , democratisar
nossas instituições.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 111
E' tempo ! De sobra teinos visto uma nação joven
offerecer aos olhos do mundo o espectáculo da decre-
pitude impotente. Na America, onde tudo devora de
ser navo, pretendem que o despotismo se perpetue
perpetuando a centralisaç ao. O que somos nós hoje?
somos os vassallos do governo, — da centralisação.
Ouçamos o que á sua pátria dizia em iguaes circun-
stancias o autor da Democracia na America.
« Algumas nações ha na Europa, escreve Tocque-
ville,onde cada habitante considera-se uma espécie de
colono indiíierente ao lugar que habita. Sobrevêm as
maiores mudanças no seu paiz sem o seu concurso ;
não sabe mesmo precisamente o que é passado; tem
disso apenas uma vaga idéa; por acaso ouviu elle re-
ferir-se o acontecimento. Ainda mais: a prosperidade
da sua povoação, a policia da sua rua, a sorte da sua
igreja e do seu presbyterio, não lhe importam ; cuida
que essas cousas todas lhe não respeitam de nenhum
modo, e que pertencem a um estrangeiro poderoso
chamado governo. Quanto a elle, o habitante, goza
de taes bens como usufructuario, sem espirito de pro-
priedade, sem projecto algum de melhoral-os. . . Quando
as najões chegam a tal ponto, é forçoso que mudem
de leis e de costumes, ou que pereçam; pois a fonte
das virtudes civicas está nelias esgotada; ahi se in-
contram vassallos, já não se vêem cidadãos. Taes na-
ções estão preparadas para a conquista. Si não desa-
parecem da f5cena do mundo, é que similhantes ou
inferiores a ellas são as nações que as cercam... Mas,
acerescenta o mesmo i Ilustre publicista, si não de-
112 PARTE SEGUNDA
pende das leis reanimar crenças que se extinguem,
das leis depende interessar os homens nos destinos do
seu paiz. Das leis depende despertar e dirigir esse
vago instincto da pátria que jamais abandona o co-
ração do homem, e, prendendo-o aos pensamentos, ás
paixões, aos hábitos diurnos, fazer desse instincto
um sentimento reflectido e duradouro. E não se diga:
«é tarde demais para tental-o»: pois as nações não en-
velhecem da mesma sorte que os homens. Cada ge-
ração que surge no seio delias ó como um povo novo
que vem oíFerecer-se á mão do legislador.»
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES ll3
CAPITULO IL
A ASSEMBLEA.
Amesquinliaram o poder legislativo provincial as
doutrinas da reacção; mas o annuUaram repetidos atten-
tados dos agentes do governo. Ou sofismando o acto
addicional, para declararem contrários á constituição
e os suspenderem projectos de lei votados por dous
terços, como o orçamento provincial da Bahia, e o mu-
nicipal do Paraná que nem de sancção carecia; ou,
mais francamente ainda, suspendendo leis já promul-
gadas, como no Piauhy e Mato-Grosso, alguns
delegados do gabinete de 16 de julho excederam- os li-
mites da decência.
A urgência do momento é, pois, zelar as preroga-
tivas das assembléas; mas não é menos importante
completar a instituição do acto addicional. A in-
fluencia, o prestigio e a efficacia do poder legislativo
provincial dependem, em nosso intender, da divisão
em duas camarás e das commissoes permanentes.
A PROV, 15
114 PARTE SEGUNDA
§ I. — Senados provinciaes.
O art. 3* do acto addicional permitte ao parlamento
«decretar a organisação de uma segunda camará le-
gislativa para qualquer provincia, a pedido de sua
assembléa, podendo essa segunda camará ter maior
duração que a primeira. »
Tão possuidos do systema federativo norte-ame-
ricano estavam alguns dos membros da camará cons-
tituinte de 1834, que na sessão de 25 de junho o de-
putado Souza Martins propuzera desde logo senados
provinciaes para Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro,
Minas e S. Paulo, sendo facultativos para as demais
provindas. Eleitos por quatro annos, renovados por
metade biennalmente, os senados compor-se-iam de
18 membros, sendo 36 os da outra camará, chamada
dos representantes como nos Estados-Unidos.
A alguns escriptores da escola conservadora não
tem escapado a conveniência de uma segunda camará
legislativa nas provincias S e ha poucos annos, sob o
governo dos nossos adversários, a assembléa de Per-
nambuco representara neste sentido. .
Seriam os senadores provinciaes, por sua edade
(trinta annos, por exemplo, no minimum) , pela maior
duração do seu mandato, pelas tradições administra-
tivas que guardariam, os verdadeiros conselheiros do
^ Direitê puhHco brasileiro, pelo Sr. V. de S. Vicente; § 195.
INSTITUIÇÕBS PROVINCIAES 115
presidente, levantando ao mesmo tempo um dique ás
rápidas transformações da opinião na camará dos re-
presentantes.
Nas colónias inglezas experimentou-se a necessi-
dade de taes senados logo que nellas começou a fun-
ccionar o systema representativo. Ali se está agora
adoptando a divisão da legislatura em duas camarás,
que é a base da organisação legislativa nos Estados-
Unidos.
E' a divisão do poder legislativo em dous ramos in-
dispensável á sua dignidade, não raras vezes compro-
mettida pelos inevitáveis excessos e actos irreflectidos
de uma assembléa única.
Muitos dos habituaes conflictos entre o presidente
e a assembléa evitará a segunda camará. E' sem du-
vida melhor e mais regular que os projectos de lei
sejam corrigidos ou repellidos por outra camará, re-
presentante igualmente do povo, do que pelo órgão
do poder executivo.
Quanto contrastam as assembléas únicas das revo-
luções francezas com o admirável mecanismo legisla-
tivo dos norte-americanos ! A experiência havia sido
decisiva para estes últimos, que nos primeiros tempos
da confederação insaiaram na Pennsylvania a uni-
dade legislativa, ao depois abandonada.
« Dividir a força legislativa, moderar assim o mo-
vimento das assembléas politicas, crear um tribuflal
de appellação para revisão das leis,. taes são, diz To-
cqueville, as vantagens resultantes da actual consti-
tuição de duas camarás nos Estados- Unidos. O tempo
116 PARTE SEGUNDA
e ã experiência fizeram conhecer aos americanos
que a divisão dos poderes legislativos é ainda uma
necessidade de primeira ordem.... Pode-se d'ora avante
considerar como verdade demonstrada a neces-
sidade de repartir a acção legislativa por muitas cor-
porações. Esta theoria, quasi ignorada das antigas
republicas, introduzida no mundo por umacaso,como
a mór-parte das grandes verdades, desconhecida de
vários povos modernos, passou afinal como axioma
para a sciencia politica dos nossos dias. » *
Os senados provinciaes não representariam, pois,
o interesso da liberdade somente ; seriam, antes de
tudo, um elemento conservador. Seu mérito princi-
pal consiste, porém, na efficacia, prestigio e digni-
dade que dariam ao poder legislativo provincial.
Custa crer que nossos adversários desprezassem esta
garantia sabiamente facilitada pelo acto addicional,
preferindo as medidas arbitrarias e os correctivos
illegaes que hão empregado contra as assembléas.
§ II. — Commiss^és 'permanentes.
m
Sentem os homens experimentados que se não te-
nha introduzido entre nós a prática das commissoes
perpianentes. As distancias no Brazil, dificultando a
reunião das camarás, aconselham que se nomôe cada
1 De \a démocratie en Amerique ; cap. V.— Vede também a 12* lição do
.Sr. Laboulaye sobre a constituição dos Estados-Unidos.
INSTITUIÇÕES PBOVINCIAES 117
ãQno uma commissão legislativa para» na ausência
delias, tomar conhecimento de certas propostas ur-
gentes do governo, e preparar os trabalhos da sessão
annual.
Iguaes razões recommendam isso nas provincias.
A Bélgica fornece um exemplo digno de ímitar-se, e
que já foi seguido pela Hollanda. Ali o conselho
provincial elege uma deputação permanente composta
de seis membros, para represental-o no in-
tervallo das sessões, deliberar sobre as questões or-
dinárias da administração, fiscalisar o emprego dos
fundos votados pelo mesmo conselho, e também para,
em caso de urgência, tratar de negócios privati-
vos delle.
Na organisação belga, as deputações permanentes
correspondem aos conselhos de presidência, que aqui
se pretende compor de membros nomeados pelo Im-
perador. E' tanto assim que, como jurisdição conten-
ciosa (na Bélgica adoptou- se o systema francez nesta
parte), a deputação estatuo, em primeira ou em ul-
tima instancia, sobre contestações que tenham por
objecto direitos politicos ou administrativos, deri-
vados de eleições geraes, provinciaes e municipaes,
ou relativas á guarda civica, á milicia, ás institui-
ções de beneficência, etc. Como agente do poder
central, pois que seus membros são retribuídos pelo
Estado, embora nomeados pela assembléa, de que fa-
zem parte, a deputação intervém na execução das leis
e medidas de interesse geral. Seu presidente é o go-
vernador da provincia, que nella tem voto.
118 PARTE SEGUNDA
s
Vários publicistas francezes contemplam a mesma
idéa entre os projectos de reforma administrativa. ^
Em n^sso conceito, as commissões permanentes
das assembléas, proviáoriamento votando medidas de
urgência, preparando os trabalhos da sessão legisla-
lativa, facilitando o despacho dos neg-ocios secundá-
rios, prestariam maiores serviços que nenhum conse-
lho administrativo.
Elias permittiriam também remover uma diflSicul-
dade geralmente reconhecida. E' o governo cental
quem approva ou annulla as eleições de juizes de paz
e vereadores : os presidentes mandam reformar as vi-
ciadas, quando a demora não permitta aos novos elei-
tos funccionai^em no dia legal. Similhante centra-
lisação mancha uma das leis mais liberaes quepos-
suimos. Para evitar o arbítrio com que presidentes
facciosos procediam outr'ora nas decisões eleitoraes,
commetteu a lei de 1846 o duplo erro de centralisar
o conhecimento definitivo destas questões e de ainda
permitir áquelles funccionarios intervenção provisó-
ria. Abundam os casos de violentas decisões, quer
dos presidentes, quer do próprio governo imperial.
Ainda quando no Brazil fosse o poder tão escrupu-
* Odilon Barrot, obra cilada; Prevost Paradol, La France nouvelle, liv. II,
cap. 2. — Segundo o Sr. Béchard, a cujas opiniões já nos 'referimos (Parte
I, cap. II), cada conselho geral de departamento teria, não uma, mas varias
commissões permanentes, quer durante as sessões do conselho, quer na sua
ausência, a saber: commissão de obras publicas, de imposições, de tomada
de contas, d«a estabelecimentos de caridade, de prisões, de salubridade, das
communas, de cultos e instrucção publica, e objectos diversos e extraor-
dinários.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 119
loso que jamais deixasse de respeitar o voto do povo,
seria acaso praticável concentrar no Rio de Janeiro o
estudo e julgamento das eleições de juizes de paz de
todos os districtos e as de vereadores de todas as ca-
marás municipaes ? Essa tarefa ó, com effeito, mui
penosa para a administração central, e, tomando um
logar que outros deveres preencheriam melhor, mos-
tra a seriedade das occupações dos nossos governos.
Demais, deve, por ventura, competir a autoridades
executivas attribuição desta natureza, que importa
o julgamento dos comícios populares? Por outro lado,
nào é um dos direitos da assembléa provincial a su-
prema inspecção da parocliia e do município ? Só a
ella se poderia, portanto, confiar essa grave attri-
buição, e, no intervallo das sessões legislativas, á
cominissão permanente, que, a exemplo da Bélgica,
deve de resolver todos os negócios municípios ur-
gentes.
III. — Eleição,
Além dos seus notórios defeitos, o systema eleito-
ral vigente, quanto á representação provincial, offe-
rece o grave inconveniente de tirar aos membros das
assembléas o caracter municipal, que deveram ter.
Nove das províncias formam cada uma um só dis-
tricto eleitoral, e nas outras são estes demasiíidamen-
te extensos.
120 PARTB SEGUNDA
Quanto a nós, os membros da primeira oamara pro-
vincial, a dos representantes, seriam eleitos pelos
municípios, votando os eleitores em parochias. CJada
municipio nomearia trez representantes, cabendo a
cada eleitor dous votos somente.
Os membros do senado provincial, porém, haviam
ser nomeados pelos eleitores da província inteira, vo-
tando igualmente em parochias e em dous terços dos
nomes. Duraria seu mandato quatro annos, renovan-
do- se pela metade em cada eleição da outra camará.
Exigir-se-ia a condiçSo de uma edade minima, trinta
annos por exemplo. O numero de senadores, certa-
mente limitado, nunca devora ser menor de doze.
Si ajuntássemos ás attribuiçoes da assembléa a de
nomear os senadores do império, por maioria de vo-
tos de ambas as camarás provinciaes reunidas, dous
por cada provincia, com mandato por oito annos e
renovação parcial de quatro em quatro, ter-se-ia
com,municado ao nosso systema politico uma energia
-desconhecida até hoje. Então veríamos, nas provin-
cias e na capital, verdadeiras lagislaturas democrá-
ticas* succederem ás camarilhas de presidentes e mi-
nistros.
IS
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 121
CAPITULO III
o PRESIDENTE
O preclaro escriptor que ao começar deste século
vulgarisára no Continente as doctrinas constitucio-
naes, expoz á França uma larga theoria descentra-
lisadora, que nos importa invocar.
« A direcção das negócios de todos, diz elle, per-
tence a todos, isto é, aos representantes e aos dele-
gados de todos. O que não interessa mais que a uma
fracção, por essa fracção deve ser decidido; o que
somente importa ao individuo, não deve estar sujeito
sinSo ao individuo. Não se pôde repetir demasiado —
que a vontade geral não é mais respeitável que a
vontade particular, desde que ultrapassa a sua es-
pliera própria. Tem-se até hoje considerado o poder
local como ramo dependente do poder executivo ; pelo
contrario, si não deve nunca embaraçar a este, o
poder local não deve também depender delle...... Não
tesito em dizel-o, é preciso* introduzir em nossa ad-
ministração interior muito federalismo. » *
O clássico publicista determina assim o caracter
das instituições administrativas dos povos modernos,
* Benjamin Constant: Politique Constitutionelle ; V parte, cap.X.
A PROV. 16
122 PARTE SEGUNDA
a Índole do self-government, que é a ardente aspiração
dos pensadores da França e uma realidade em vastas
regiões do mundo. *
Não bastou ás colónias inglezas regerem-se por leis
próprias decretadas por suas assemblóas. Incompatível
com estas tornára-se a autoridade discricionária de
um governador enviado pela metrópole. Poder exe-
cutivo independente, elle praticamente annuUava o
poder legislativo colonial. Ou a separação, ou minis-
tério responsável á imagem do governo parlamentar
da metrópole, tal foi o grito de guerra n^s agitações
politicas do Canaâá e outras possessões. Era inevitá-
vel o dilemma : a sabedoria do governa britânico
attendeu ao clamor dos povos ; fundou-se o systema
representativo nas mais importantes coloixias. *
A mesma crise, por motivo idêntico, ae está pro-
nunciando no Brazil.
§ I. — Eleição do presidente; independência dos fun-
cçionarios geraes,
A assembléa e o governador, dous poderes que se
completam, não podem descender de origens oppostas.
Si a fonte d'ondg emana o segundo dá-lhe absoluta
independência em relação ao primeiro, este fica nul-
lificado". Por isso é que parlamento com rei absoluto
* Parte í, cap. H.
« Parte I, cap, VI.
INSTITÚiÇÕBS PEOVIÍÍCIAES 123
é, na phrase de Cromwell, casa 'gara alugar ; por isso
é que nas monarchias constitucionaes o ministério é
commissão do parlamento, que de facto o nomêa.
A experiência das possessões inglezas assaz pa-
tentêa a incompatibilidade de uma assembleia po-
pular com um administrador iiliperial. «Antes de
adoptado o principio do governo responsável, diz
Erskine May, quaesquer que fossem as Ôuctuaçoes
da opinião na legislatura ou na colónia, qualquer
que fosse a impopularidade das medidas ou das
pessoas incumbidas de propol-as, coíitinuavíam estas
a dirigirem os conselliôs da colónia Acontecia
então que os conselbeiros (ou secretários) do gover-
nador seguiam uma politica, a assembléa outra. Me-
didas elaboradas pelo poder executivo eram rejeitadas
pela assembléa ; medidas votadas pela assembléa eriam
repellidas pelo conselho ou recebiam o veto do go-
vernador... Não havia em taes casos meios cons-
titucionaes para restabelecer a confiança e boa in-
telligencia entre os poderes contendores. Frequentes
dissoluções das assembléas exasperavam o partido
popular, e geralmente redundavam em seu final
triumpho. Tornou-se chronica a hostilidade entre a
assembléa e os funccionarios permanentes que ca-
hissem em impopularidade.... Instituições represen-
tativas em collisão com um poder irresponsável,
ameaçavam* a narchi a: estava assim provada a incom-
patibilidade de dous antagónicos principies de go-
verno. »
Estes são, em verdade, principies diametralmente
124 PARTE SEGUNDA
oppostos. Assembléa eleita pelo povo exige, como
complemento, administração que se possa remover
conforme o voto do povo ou dessa assembléa. Vários
projectos se oíFereceram em 1832 e 1834 para que o
presidente fosse electivo. Por lei, porém, ficou este
ponto resolvido de modo incongruente com a idéa da
reforma constitucional. Ao passo que se consagrava
a autonomia legislativa da provincia, confiava-se o
poder executivo a um delegado do governo central.
Só os vice-presidentes entraram na esphera provin-
cial, sendo biennalmente escolhidos pelas assembléas,
concessão aliás que a reacção não se esqueceu de sup-
primir, arrancando-lhes esta faculdade, que repre-
sentava, inda que parcialmente, um grande principio.
Assim, pediam as provincias e deu-se-lhes poder le-
legislativo independente para prover aos seus interes-
ses meramente locaes ; careciam, mas recusou-se-lhes
poder executivo próprio para cumprir as suas leis par-
ticulares, relativas a esses interesses locaes.
Fácil fora prever a desordem gerada por tamanha
inconsequência. A experiência das estéreis lutas en-
tre as assembléas e os delegados do imperador tem
de sobr^ patenteado o engano daquelles que reputa-
ram feliz a combinação de dous principies antinomi-
cos : uma legislação local executada por funcciona-
rio estranho á localidade. *
*
1 Um facto recente íllumina esta questão. Havia a assembléa liberal de S.
Paulo decretado a liberdade do ensino ; aulas particulares, escolas nocturnas
paraiidultos fundavam-se na capital e no interior, quando sobrevêm um re-
gulamento creando embaraços ao pensamento do legislador. « Â execução da
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 125
Urge obviar tão notório inconveniente. Para os
conservadores, o remédio consiste em aperfeiçoar-se
a obra reaccionária de 1840, annuilando-se indirecta-
mente as assembléas, ou extinguindo-as resoluta-
mente *. Para os liberaes, a solução está, convém
repetil-o, em aceitarem-se francamente as consequên-
cias lógicas do systema adoptado, restaurando-se a
assembléa do acto addicional, e dando-se-lhe por com-
plemento o presidente electivo.
Seguramente , erguer-se-ha aqui o fantasma da
anarchia, com que se intimida o povo e afugenta
qualquer idea nova. O estado presente é que é a
anarcbia . Supponba-se , como ainda ha pouco , a
coexistência de presidentes conservadores com as-
sembléas liberaes. Quantas lutas inconvenientes !
que espectáculo oflferecem os poderes públicos á po-
pulação maravilhada! O menor prejuizo é a total
paralysia da administração. Não obteve orçamento?
proroga o presidente o anterior, de autoridade pro-
lei, clamava o presidente da assembléa, corre o perigo de ser baldada. Este
estranho facto robustece a minha antis^ convicção de que'as esperanças gera-
das pelo acto addicional não podem ser realisadas completamente, sinão quan-
do o delegado do poder executivo na província estiver em perfeita harmonia
com a respectiva assembléa. Em vão se quiz ahi consignar o dogma do go-
verno da província pela província na orbita dos interesses puramente provin-
cíaes : a actual organisação administrativa, que não poderá ser duradoura,
inutilisa tão salutar dogma. » (Discurso proferido pelo Sr Cons. Carrão^ pre-
sidente da assembléa de S. Paulo, ao encerral-a em julho de 1869. )
* Um projecto do Sr. ministro do império (1869) transfere a assembléas
chamadas municipaes, compostas de membros não electivos, importantes
attribuições das' assembléas provínciaes. Mais longe ia um deputado que
em 1859 lembrava a divisão do império em pequenas circunseripções iguaes,
meramente administrativas, como os departamentos de França.
126 PARTE SEGUNDA
pria. Medidas tomadas pelos antecessores, seus ad-
versários, annuUa-as; obras om via de execução,
abandona-as. Projectos votados pela assemblóa hos-
til, recusa sanccional os ; e, si aquella insiste, sus-
psnde-os por qualquer pretexto, recorrendo para o
governo : e alguns fizeram mais, suspenderam a exe-
cução de leis eíFectivas, anteriores, j a promulgadas.
Ha mais patente desordem? ha maior anarchia?
Harmonisemos dous poderes condemnados , pela
incoherencia da sua organisação , a um perpetuo
conflicto. Assentem na mesma base, decorram da
mesma origem. A sabedoria do legislador consti-
tuinte está em dar aos poderes que construe todas
as faculdades necessárias para viverem a vida plena
das instituições de um povo livre. Querem uma ad-
ministração provincial differente da administração
geral? pois dê-se-lhe toda a autonomia correspon-
dente á sua tarefa. O contrario, o que estamos vendo,
é um aleijão, sem elasticidade, sem vida real.
Para tornar a instituição provincial susceptivel do
todo o desinvolvimento, não satisfaria, pergUntar-
^e-ha talvez, a combinação adoptada nas colónias
ingleza#? Ahi, como já vimos, a exemplo do sys-
tema parlamentar da metrópole, resolveu-se o pro-
blema cercando o governador de secretários ou con-
selheiros tirados da maioria da assembléa , ficando
elle dS" facto um soberano constitucional e passando
a realidade do poder executivo a esses delegados da
legislatura. Si imitássemos o exemplo, o presidente,
como os lords governadores, seria um embaixador do
*
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 127
goveroo central junto ás províncias. Sua ostentosa
missão exigiria um salário correspondente. Certo, hax -
viam ser então aproveitados, para esta elevada e bri-
lhante posição, homens superiores , chefes poli ti cos,
que muita vez ficam sem tarefa nem responsabilidade
no governo depois de escolhidos os sete ministros.
Estas, entretanto, nos parecem vantagens secunda-
rias. Subsistiria sempre o inconveniente notado ;
aconteceria muitas vezes haver um presidente de par-
tido opposto á assembléa ; e, por outro lado, um mi-
nistério da confiança da assembléa, mas antipathico
ao presidente. A consumada prudência dos governa-
dores inglezes e a moderação do carater britânico
attenuam nas colónias esse grave inconveniente ;
mas acaso conseguiriamos , em nossas provincias,
cuja politica interna se liga estreitamente á politica
geral, remover os inevitáveis conflictos nascidos de
tal combinação? Poder-se-ha realisar nas províncias
esse typo de systema parlamentar que tão difficil tem
sido aclimar nas altas regiões do governo ?
No modo de eleger o presidente procuraram os pro-
jectos liberaes de 1832 e 1834 remover os escrúpulos,
daquelles a quem esta novidade espantava. E^s pro-
jectos, nenhum dos quaes obteve maioria, coincidiam
em três pontos: lista triplico, escolha e demissão pelo
governo central. A divergência estava em proporemj
um, a nomeação pelos eleitores da província; ^utro,
a apresentação pelas camarás municipaes; e um ter-
ceiro, pelas assembléas legislativas.. Fixava-se em
umdelles o periodo presidencial em dous annos * . Recen-
^ Foram os seguintes:
128 PARTE SEGUNDA
temente lembrou-se a conveniência de serem os presi-
dentes tirados d'entre os membros da assembléa pro-
vincial. Esta combinação, que alias deixa ainda ao
governo grande liberdade, tem o inconveniente de
confiar ao acaso uma escolha acertada. Em nosso in-
tender, não cabe aqui solução intermédia: o gover-
nador não pôde ser sinão delegado do governo ou
mandatário do povo. A eleição, uma vez preferido
este systema, é qne pôde ser directa, como actual-
mente nos Estados-Unidos, ou indirecta pelos mem-
bros reunidos de ambas as camarás da legislatura.
Era assim naquella republica ao começar deste sé-
culo, e, quanto a nós, razões de prudência recona-
mendam que façamos do mesmo modo a experiência
do novo systema. O prazo de cada administração é
Do deputado Paula Albuquerque,em 26 de maio de 183S:— «Os presideates
das províncias.... serão propostos pelas camarás municípaes delias em listas
tríplices, e nomeados então pelo poder executivo na forma da constituição
do império.» (Art. 1.) — Poderiam ser demittidos a arbítrio do governo, fa-
zendo^se a nova nomeação ou por outra lista tríplice ou pela mesma (Art. 5}.
Do deputado Fernandes da Silveira, a 9 de julho de 1834« em emenda ao
projecto do acto addícional: — «Estes presidentes das províncias serão nomea-
dos pelo imperador sobre lista tríplice organisada pelas assembléas provín-
.ciaes.» EmeAda regeitada na sessão de 12 do mesmo mez, tendo obtido
11 votos.
Do mesmo deputado, a 4 de agosto seguinte (1834), em outra emenda ao
projecto de lei das attribuições dos presidentes:— «Ô presidente da província. .
será nomeado da mesma forma que os senadores.»
Do deputado Cornelio Ferreira França, a 27 de junho de 1835;— «Os piesi-
dentes de província serão nomeados pelo Imperador sobre proposta de três
cidadãos brasileiros feita' pelos eleitores no mesmo tempo que se elegerem os
deputados ás assembléas províncíaes. (Art. 1).— Estes presidentes serviràõ
todo o tempo da legislatura provincial, emquanto não forem removidos pelo
imperador, mas neste caso o imperador mandará na mesma occasião fazer
nova proposta para ter lugar a nova nomeação.» (Art. 9.)
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 129
que podia estender-se a quatro annos, nâo podendo ser
o mesmo individuo nomeado duas vezes seguidas. Em
todo o caso, não deveria a lei impedir que cada pro-
víncia adoptasse o methodo que mais conveniente
lhe parecesse depois.
E não se diga que a eleição do presidente repugna
á Índole das nossas instituições. O presidente exerce
hoje uma dupla autoridade: delegado do governo cen-
tral, administra e inspecciona os negócios geraes na
província; executor das resoluções da assembléa, di-
rige e promove os interesses peculiares da província.
Confundidas actualmente nas mãos de um só funccio-
nario, essas duas fontes de poder conspiram paracon-
vertel-o em um verdadeiro více-rei. Quanto a nós, o
•
que pretendemos não é perpetuar a confusão que pro-
duz tamanho poder, mudando apenas o delegado do
centro em mandatário do povo; pelo contrario, pen-
samos que os negócios geraos que nas províncias se
tratem, só devem de ter por administradores os res-
pectivos commissarios da administração central,ida
mesma sorte por que só um representante da locali-
dade pôde bem gerir os negócios locaes.
Assim, ao lado do presidente electivo, pçimeira
autoridade executiva da província, coexistiriam, in-
dependentes delle, o inspector da fazenda nacional,
o das alfandegas, e todos os agentes do thesouro, o
commandante das armas e chefes militares, os com-
mandantes das divisões navaes, os directores de ar-
senaes, etc. Então, pela natureza das cousas, e con-
sequência necessária da mudança de systema, nenhum
A PROV. 17
^
130 PARTE SEaÚNbA
deâtès funccionarios geraes (federáé^ nos Estados-
Unidos) estaria hierarchicamen te súboi^dinado ao pre-
sidente: dependeriam directamente dos respectivos
miniátíos de estado. Sua correspondência n^o far-se^-ia
mais, como hoje acontece, por intermédio do pre-
sidente. Nào poderia este conhecer dos negócios ge-
ràès affectos áquelles funccionarios, que por si os
dé(iidíriàm, marchando então o sei*viço púbiicó óom
a precisa celeridade, e sendo mais effectíva a res-
ponsabilidade de cada chefe de serviço efepeiíial.
Continuaria, entretanto, o presidente a ser reputado
primeira autoridade da provincia, na phrase da lei
dé 3 de outubro de 1834, não em ábsoliit(>, masqutiilto
aos negócios provinciaes. Está separarão d^efuncooòs,
essencial aos estados fedèraes, é o que f^è verifica
rigorosamente nos Estados-Unidos. Ella Mó impede,
todavia, o poder centrnl de commetter ao gover-
nador electivo o exame de determinados assumptos,
de pedir-llíe esclarecimentos e conselho, ou de exigir
o seu auxilio e cooperação. A constituição argentina
o diz expressamente no iart. 110 : « 0.^ govei*nadores
de provincia sào agentes naturacs do governo federal
para fazer cumprir a constituição e as leisda nação. »
§ II. — Vantagens da eleição do presidente.
Electivo, o presidente exerceria as suafe func^^ões
por um prazo fixo, quatro annos por exemplo, como
em grande numero dos Estados-Unidos. Cessaria então
a deplorável instabilidade das administrações provin-
£
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 131
ciaes, mal desconhecido no antigo regimen, pois
serviam por triennios os governadores nomeados pela
metrópole, e muitos houve que duraram mais tempo.
Na republica norte-americana, os governadores,
secretários e altos funccionarios que o presidente
nomêa para os territórios, servem quatro annos, com
quanto possam ser exonerados antes. Nos estados
constituídos, todos os altos funccionarios toem um
periodo fixo, excepto si destituídos em virtude de
processo. Imagina-se a segurança que d^ahi resulta
para a marcha administrativa, e sua benéfica in-
fluencia na promoção dos melhoramentos públicos.
No Brazil, porém, a immobilidade se perpetua com
a rápida successão de scenas e figuras do quadro
administrativo.
Cada anno vê-se aqui, de viagem para as províncias,
um enxame de presidentes, chefes de policia e outros
empregados, que, sem demora, emprehendem novas
viagens em demanda de novos climas. *
Não procede isto somente da inconstante politica
que não cessa de nomear e demittir ministérios, os
quaes por sua vez revolvem todo o funccionalismp ; * •
pois tem-se visto um mesmo ministério, no curto pe-
riodo da sua existência, fazer e desfazer o quadro dos
* Baste um exemplo, quanto aos presidentes. No espaço de ih annos (1834
a 1B69) o Maranhão conta 73 administrações, exercidas por 53 cidadãos di-
versos. meio termo é 7 mezes e 11 dias para cada uma. A maior foi de 3
annos e 9 mezes, serviço effectivo. mesmo se pôde repetir de quasi todas as
províncias, e depois de 1850 o mal aggravouse consideravelmente. Nas
maiores provincias, em regra, o presidente renova-se em cada verão, depois
de incerradas as camarás.
132 PARTE SEGUNDA
presidentes. Todavia, essa mesma instabilidade c ás
vezes conveniência politica para o poder e allivio para
o povo, quando ambos libertam-se de administradores
cuja conservação fora insoportavel ou perigosa. No
systema actual, cila e, pois, um mal necessário, der-
radeira esperança das provincias e supremo recurso
do governo.
Que enormes sacrifícios impõe, entretanto, organi-
sação tâo viciosa! E' uma vulgaridade, repetida cem
vezes nas lamentações da imprensa e da tribuna, que
carecem as provincias de impulso efficaz para es-
trearem uma éra nova de melhoramentos reaes ; que
nenhuma, excepto talvez o Rio de Janeiro, possue
carta topographica digna de fé ; que todas clamam
por um plano de estradas ; que não se navegam, nem
se limpam os rios, nem os portos se escavam ; que as
fínanças se compromettem em obras de luxo nas ca-
pitães, em emprezas começadas por vaidade ou con-
tinuadas sem energia: que em orçamentos, planos,
projectos e pura,phraseologia official se perde o tempo
e consomme a paciência do povo ; que faltam á ins-
trucção primaria professores idóneos, casas, livros de
escola, e nao existe a secundaria quasi em parte al-
guma, não obstante assignalar-se cada presidência
por um novo regulamento para as escolas publicas ;
que, finalmente, em officios, intrigas eleitoraes e
viagens de recreio passam esses breves governos de
uma estação. O logar commum é aqui a viva ex-
pressão da realidade.
Não é menos unanime a queixa contra a qua-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 133
lidade dos sujeitos a quem se abandonam as provín-
cias. Quando a hypocrisia vai buscal-os, por preten-
dida moderação, fora dos partidos, é eutào que justa-
mente se escolhem peiores*. porquanto, em um re-
gimen politico que assenta na vida activa dos partidos,
não é longe delles que se ha de incontrar cidadãos
mais dignos e capazes.
Inhabeis c fúteis são tantos dos presidentes no-
meados pelo g-overno imperial, que sem hyperbole
poder-se-ia dizer — que o povo, inda que quizesse,
não elegeria peiores. Alguns conhecemos literal-
mente ignorantes de qualquer sciencia ou arte ; outros
que nem aprenderam a grammatica ; muitos que não
brilhavam por seus costumes privados... Não; peiores
não pôde haver que os governadores d' aqui enviados
a perverter, atrazar, individar e desgovernar as pro-
víncias. *
Ora, nem sempre tem o governo liberdade para de-
raittir um máu presidente; outras vezes a sua con-
servação lhe é imposta por interesses politicos, e até
por uma errónea preoccupação do principio da auto-
ridade. Este falso sentimento de digniàade forçou o
gabinete de 16 de julho a manter presidentes e vice-
presidentes que violaram o acto addicioual, entre-
garam a policia a criminosos notórios, e intervieram
* « Os presidentes que teem sido consignados"a partidários para segurarem
ou levantarem influencias pessoaes, teem feito peior (que as asscmbléas), teem
desmoralisado muito as províncias.... O governo geral deve mandar pre-
sidentes que pelo seu caracter honesto e espirito de justiça móralisem em
vez de desmoralisarem, que não sejam meros e desprezíveis instrumentos
eleitoraes. » V. de Uruguay: Administração das províncias ^ vol. 5°, p. 233.
13Í: PARTE SEGUNDA
nas eleições de um modo raras vezes igualado neste
paiz clássico da corrupção e oppressâo do voto. De
sorte que é perfeitamente illusoria a vantagem, que
alias permitte o actual regimen, da prompta desti-
tuição do administrador culpado ou incapaz.
No dominio de ambos os partidos, acharam-se vá-
rios presidentes sob o peso das mais graves accusa-
ções; e,si nem todos mereceram o vilipendio publico,
não consta também que sobresaissem muitos eminen-
tes administradores d'entre os centenares nomeados
desde 1822. Si a inconstância politica e a rápida mu-
dança consentiram a mui poucos revelar dotes supe-
riores, a todos acanhava o espirito do governo central,
que os inspirava, retinha e comprimia. Como quer
que seja, parece justo perguntar: — que juizo se
deve fazer de um regimen, que, em épocas diversas ,
oíFerece frequentemente o facto de confiar-se a ad
ministração provincial a jovens inconsiderados ou a
caracteres çorruptissimos ? no que consiste a sua van-
tagem quando não é isto compensado por um numero
considerável de administradores idóneos, que, por seu
génio, probidade e serviços, resgatassem a esteri-
lidade, os vicios e os crimes dos outros?
Corrompido pelo excesso de poder, pela centrali-
sação, não pode mais o governo exercer com vantagem
publica a faculdade de nomear o -presidente. Allivian-
do-o de uma responsabilidade que exagera e excita
a impopularidade em que cahiu o governo, a eleição
do presidente pelo povo estimularia o caracter na-
cional
INSTITUICÕE.-i PROVINCIAE.S 135
Fôi'a ontao possível procurar os administradores
fora do limitado circulo dos clientes de homens po-
líticos, dos bacharéis em direito e dos fuuccionarios
submissos. Como a administração deixaria de ser, no
systema que imaginamos, sciencia vedada aos pro-
fanos, tornando-se arte accossivel a todo o homem
de senso e pr .jbidade, é mui natural que as provín-
cias prefirissom, para governa-las, alguns dos seus
mais notórios habitantes, pessoas cuja virtude e pa-
triotismo fossem indisputáveis. Em todo o caso, havia
ser mais difficil a um homem nullo ou ímprobo re-
commendar-seá maioria dos eleitores que o conhecem,
(Io que a um ministro quo o despache a rogo de pro-
tectores pouco escrupulosos
Ainda que a escolha da província recahisso em su-
jeitos tào deshonestos como alguns nomeados pelo.
governo, é mais provável quo se emende ou modore
no primeiro caso, que no segundo. Exija alei, como
nos Estados-Unidos, a condi JLo do eleito ser natural
da província ou delia domiciliário: basta a circun-
stancia de presidir aos seus conterrâneos, entre os quaes
continuará a viver, e cujo ódio ou desprezo hão de
amargarar-lhe a existência, par.ique seja mais caute-
loso e digno, e em caso nenhum ostente essa protervia,
esse escândalo, que tantas vezes os delegados do im-
jiCrâdor dâo (mu espectáculo ás províncias. Sabem estes
últimos que, passado um breve semestre, desempe-
nhada a sua commíssâo ebntoral, volvem á corte, ao
seu emprego, ás vantagens do antigo valimento, sínão
promovidos a maiores honras, ou elevados ao minis-
136 PARTE SEGUNDA
terio. De longe ve a província ludibriada coroar-se o
seu Verres. Ausente, á g*rande distancia, que receia
, elle do ódio impotente da sua victima ? E, por outro
lado, no decurso de sua administraçáo, será acaso sen-
sível ao juízo dos que governa? pôde isto contel-o?
Nada o contém, sínão o aceno da corte; mas quando
esta manda vencer a eleição, como lia de moderar ou
punir o instrumento da corrupção politica?
E aqui chegamos ao ponto ardente da questão, ao
argumento decisivo. O presidente é, no Brazíl, um
instrumento eleitoral. E' por meiodelles que se elege
periodicamente a chancellaria do nosso absolutismo
dissimulado. Montar, dirigir, aperfeiçoar a machina
eleitoral, eis a sua missão verdadeira, o seu cuidado
diurno e nocturno. Interesses materiaes, melhora-
mentos moraes, finanças, justiça, policia, as regras
salutares da administração em terra civilisada, o res-
peito ao direito, a homenagem á virtude, tudo se es-
quece ou conculca diante da suprema necessidade de
uma maioria parlamentar ou de uma camará unanime.
Então, é o governo lógico nomeando quem pareça
mais hábil ou mais despejado para fabricar-lhe nas
vinte províncias uma assembléa que sustente a polí-
tica preferida pelo imperador. Assim tem sido pela
força das cousas; e desta sorte, si não conseguiu for-
mar um pessoal administrativo idoneò, este regímen
adestrou veteranos da corrupção das urnas.
Emquanto, nomeado pelo imperador, o presidente,
vice-rei irresponsável, for independente da amesquí-
nhada asseml^léa provincial, é inevitável que inter-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 137
venha, dirija, opprima e vença as eleições. Não ha
impedil-o, sejam embora magnificas as garantias es-
criptasno frio texto das leis. Eleito pelo povo, igual,
não superior á assembléa, fique o presidente circun-
scriptoás modestas funcçoes da administração local:
— e quebrar-se-hapara sempre esse formidável instru-
mento de corrupção. Os deputados cessarão de ser
representantes da corte consagrados por um voto ex-
torquido. Livre será o parlamento, e não sel-o-ha
tanto o poder moderador.
§ III. — Órgãos da administração provincial.
Desinvolver a administração provincial, dar maior
dignidade aos chefes dos seus diversos serviços, é^
corolário das reformas descentralisadoras.
Electivo, o presidente dovêra de ter um conselho
composto dos seguintes secretários: o secretario do
governo, o inspector da fazenda, o chefe da policia e
justiça, o director das obras publicas, o da instrucção,
ocommissario dos immigrantes, etc. Pouco importam
nomes: o essencial é que cada assembléa crêe, una
ou separe esses cargos superiores, conforme o per-
mittam os recursos da provincia e o recommende a
lei da divisão do trabalho.
A idea de differentes secretários para o governo pro-
vincial não é nova. Um projecto oíFerecido em 1832
pelo deputado HoUanda Cavalcanti (visconde de Al-
buquerque) , dizia : « Compete ao presidente da pro-
k PROV. 18
138 PARTE SEGUNDA
vincia . . . nomear secretario ou secretários para o ex-
pediente da administração provincial. » Na consti-
tuição reformada de Pouso- Alegre, oart. 157 dispunha:
« Haverá em cada provincia as secretarias necessá-
rias. Seu numero, empregados e ordenados, e obri-
gações, serão provisoriamente regulados pelos res-
pectivos presidentes, até que as assembléas provinciaes
resolvam definitivamente. »
Com estes complementos, qual não seria então a
vida dos poderes locaes ! Assembléa legislativa divi-
dida em duas camarás, e reintegrada nas faculdades
confiscadas em 1840 ; poder executivo próprio, com
os órgãos ou agentes necessários : — tanto bastara para
renovar nas províncias aquelle espirito da épocha re-
gencial, quando Minas, S. Paulo, Baliia, Pernam-
buco eram focos de vitalidade, onde homens eminen-
tes floresciam na primavera da nossa liberdade poli-
tica.
Mas dir-se-ba : « Vós aniquilais o poder da coroa,
vós a reduzis a um symbolo vão, ao papel de impe-
rador da Allemanha. » E' a objecção dos fanáticos
da monarchia á emancipação das provindas. Não ! a
coroa brazileira dispõe dos mais vastos poderes. Tem
o veto suspensivo durante duas legislaturas, o que
praticamente equivale ao veto absoluto ; tem o di-
reito de fazer as grandes nomeações ; tem o de sus-
pender as garantias politicas na ausência da assembléa
geral ; tem o de declarar a guerra e celebrar a paz ;
tem o de negociar tratados de qualquer natureza, dos
quaes, e em tempo de paz, só não podem ser ratifi-
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 139
cados sem voto do parlamento os que in volvem cessão
ou troca de território ; tem, em summa, tudo quanto
é grande e formidável, a substancia do poder na-
cional. Em nenhuma das nomeações de seus agen-
tes, a não serem os ministros, está a coroa directa-
mente sujeita ao veto do corpo legislativo. Assim,
quão distante da organisação democrática dos Es-
tados-Unidos, por exemplo, onde é tão limitado o
poder central e tão circunscripta a sua autoridade exe-
cutiva, não ficaria o Brazil, ainda que se tornassem
electivos os presidentes das provindas ! *
» V. Parte 1, cap. V.
INSTITUIÇÕES PROVINCIA.es 141
CAPITULO IV.
A MUNICIPALIDADE.
O regimen das municipalidades, a policia e a força
policial, a justiça local ou a de primeira instancia,
^ devem ser da competência do poder legislativo pro-
vincial, e assim o quizera a lei das reformas de 1834.
Certo, esta opinião affronta as práticas e os pre-
juizos actuaes: nada mais fácil, porém, do que pôr
em evidencia o inconveniente de leis uniformes do
parlamento para cada um desses serviços, eminente-
mente municipaes.
Bem o sentiram, quanto á justiça c á policia prin-
cipalmente, algumas das provincias do Norte, que,
depois do acto addicional, promulgaram leis adap-
tando estas instituições ás suas próprias circun-
stancias. E, na verdade, quáo esmagadora é a unifor-
midade nas organisações da justiça, da policia e das
municipalidades, proclamada pela reacção de 1840 !
Descentralisemos os interesses locaes assim centrali-
sados : restituamos ás provincias a faculdade" de que
algumas souberam valer-se, em nome do acto addi-
cional, para formarem a policia, a justiça e adminis-
tração municipal, que melhor lhes convinha.
« Heresia ! » a estas palavras bradarão os dccla-
142 PARTE SEGUNDA
madores de lugares communs. Mas, antes de fulmi-
narem o anathema, dêem os espíritos reflectidos al-
guns momentos ao exame dos preceitos que certos
doutrinários lograram insinuar como principies orgâ-
nicos do nosso systema politico.
E' idea falsa, producto de uma escola perniciosa,
a doutrina que os conservadores fizeram circular
desde 1836, estabelecendo que são essencialmente ge-
raes cargos e funcçoes até então reputados provin-
ciaes por sua natureza e em virtude do art. 10 § 7° do
acto addicional. Com effeito, nessa épocha se consi-
deravam municipaes ou provinciaes os cargos de
juiz de direito, juiz municipal e de orphãos, juiz de
paz, jurado, promotor e vereador. Pois bem: em
virtude da lei de 1840 as attriòuições destes fun-
ccionarios ficaram excluidas da competência das as-
sembléas, a quem só foi conservada a faculdade de
fixar o numero delles, ou a de dividir as^ circunscri-
pções administrativas. Esses taes, diz o parecer da
commissão de 1837, « são empregados provinciaes e
municipaes creados por leis geraes, para execução de
leis também geraes, relativas a objectos sobre que
não podem legislar as assembléas de provincia. » Que
logomachia ! Para dar á lei de 1840 aapparencia de
interpretaç5o, era mister este esforço de subtileza e
obscuridade.
São, diz o parecer, funccionarios hcaes^ do muni-
cípio ou da provincia ; mas é lei geral a que deve
creal-os.
»
Desempenham serviços locaes, mas as leis que lhes
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 143
definem aá attribuições, as leis que os regem, não
podem ser provinciaes.
São commissarios de interesses da localidade, mas
é o parlamento que lia de regulal-os, sobre elles não
podem legislar as assembléas de província !
Exige a importância do assumpto o desinvolvi-
mento de cada um dos pontos indicados : encaremos
o governo municipal na sua mais larga accepção.
§1. — O meio ãa uniformidade. Diversidade dos
municipios: competência das assembléas.
A administrarão dos interesses coUectivos que
constituem o município, o serviço das vias de com-
municação, as ruas, os jardins, os lugares de logra-
douro publico, a illuminação, as aguas, a irrigação,
os esgotos, os incêndios, a escola, o liospital, o cemi-
tério, e tantos outros, não offerecem em parte alguma
typos uniformes em importância ou grandeza.
A extensão e riqueza dos municípios urbanos ou
mraes, o grau de adiantamento dos povos, as circun-
stancias physicas e a densidade da população variam
profundamente em cada uma das partes do império,
no norte, no centro, no sul, no oeste; variam mesmo,
oom feições pronunciadissimas, nas differentes co-
marcas de uma mesma província.
Essa diversidade de circunstancias locaes devora
influir no modo de organisar-so o governo interno de
cada província. Algumas careceriam de mui aperfei-
144 PARTE SEaUNDA
coada divisão dos serviços locaes, separando-se, por
exemplo, a administração municipal civil (a dos inte-
resses acima indicados) da policia preventiva e da jus-
tiça correccional; outras haveria, porém, onde fosse
mais adequado, á falta de pessoal idóneo ou pela es-
treiteza da localidade, confundir esses vários serviços
nas mãos das mesmas autoridades. Pelo contrario, em
uma grande cidade não bastaria somente separar e
confiar a agentes diversos asfuncçoes,mais ou menos
distinctas, que alias tanto se confundem e devem pra-
ticamente harmonisar-se, da administração civil, da
policia e dajustiça: — nessas maiores povoações, com
eflfeito, seria preciso, para conseguir resultados effica-
'zes, subdividir e entregar a commissarios especiaes
ramos particulares de cada um destes interesses.
Assim, nas vastas agglomeraçoes de povo, nas me-
trópoles commerciaes ou politicas, seria a instrucção
objecto exclusivo de uma administração privada ; os
incêndios, de outra ; e de outra igualmente a policia
das ruas e praças.
Em alguns lugares a própria municipalidade
executaria as obras e dirigiria o serviço dos
aquedtnctos, dos esgotos, da illuminação, que outras
aliás incumbiriam a emprezarios com maior van-
tagem.
Onde o espirito publico, illustrado e moralisado,
inspirasse confiança, a eleição periódica fora o meio
regular para a escolha de todos os funccionarios mu-
nicipaes. Onde, porém, a ignorância ea negligencia
do povo assignalassem a sua inferioridade, o principio
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 145
electivo, aliás eminentemente moralisador e fecundo
de patrióticos incentivos, não merecera ser applicado
na mesma escala a todos os funccionarios e a todos
os ramos da administração.
Respeitar a diversidade de circunstancias entre as
pequenas sociedades locaes que constituem uma mes-
ma nacionalidade, tal deve ser a regra suprema das
leis internas de cada Estado. Neste sentido, a varie-
dade sob o systema federativo leva decidida vantagem
á uniformidade administrativa, quer da monarchia
centralisada, quer da republica uma e indivisivel.
Supponlia-se uma lei municipal vasada no molde
mais perfeito de um liberalismo consumado; suppo-
nha-se a mais larga em suas bases e nos seus meios
de acção: talvez não seja essa a melbor para o Brazil
inteiro, talvez redunde em grande decepção. Por ven-
tura, o municipio no Brazil, ou em outra parte qual-
quer do mundo, offerece um typo commum, que re-
gular-se possa por lei uniforme do parlamento na-
cional? Onde está, dizci-nos, esse typo commum,
idêntico, em Inglaterra e nos Estados-Unidos, cujas
parochias e municipios são aliás cousas reaes, não
entes de razão?
Sabemos que escriptores descrevem, compondo-o de
traços particulares de municipios distinctos, o que
elles chamam o systema municipal àosEstdidos-JJmàos,
da Inglaterra, da Allemanba: mas isto é uma gene-
ralisação do escriptor, é crcação do publicista. As
leis não conhecem municipios tão uniformes e perfei-
tos; as leis os organisaram diíFerentemente sob a lenta
A PROV. 19
146 PARTE SEGUNDA
aòção do tempo, ao influxo de necessidades e inte-
resses que variam, variando as leis. «Como a familia,
existe a communa antes do estado, dizia Royer Col-
lard; alei politica aincontra, mas não acrêa.»
A uniformidade nos mata. Não ! não é de lei uni-
forme, por mais liberal que seja e mais previdente,
que depende ressuscitar o município ; depende isto de
leis promulgadas por cada província, conforme as con-
dições peculiares de cada município.
Leito de Procusto, a legislação sy métrica é um
sonho enganoso : effeito da paixão niveladora, ella só
gera decepções. *
' Reílexão idêntica faz o Sr. Odilon-Barrot quanto á própria França, onde
sem duvida ha muita mais cohesão nacional^e a superfície da civilisação não
otíerece lào extraordinárias diiTerenças de nivel. «A pretenião de sub-
metter ao mesmo regimen administrativo todas as communas de França,
foi sempre, diz elle, o grande obstáculo a qualquer reforma séria do governo
municipal entre nós. Entretanto, cumpre reconhecer que nada se parece
menos com um grupo de quarenta a cincoenta fogos escondidos n*alguns
valles dos Cévennes, dos Alpes ou dos Pyrineos, do que cidades da ordem
de Pariz, Lyão, Marselha e Bordéos. A pretençào de sujeitar umas e outras
ao mesmo regimen administrativo, é simplesmente contraria á natureza das
cousas ; e é todavia essa pretençào que obstinadamente se quer prevaleça em
todo o nosso systema administrativo.... Seria mais liberal que houvesse um
regimen municipal para as grandes cidades e outro regimen apropriado ás
communas ruraes. » {La centralisation^ p. 212.)
A vantagem de ceí-ta variedade nas instituições administrativas do paiz é
attestada por um acto do proprro governo imperial. O decreto de 19 de ja-
neiro de 1867, organisando o serviço das colónias do Estado, deu-lheà admi-
nistração municipal mui differenle da lei de 182S, creando uma junta no-
meada pw eleição e presidida pelo director, que é o agente administrativo
desses núcleos de immigraiites. Comquanto se note a singularidade do poder
executivo organisar por decreto seu o governo municipal de uma parle do
nosso território, é forçoso confessar que as colónias careciam, com eíFeito,
de uma administração económica especial. (V. a Parte Hl, cap. IV.)
INSTITUIÇÕES PBOVINCIAES 147
Na orbita municipal entram serviços de diversa
natureza, que podem andar unidos ou separados. Não
offerecendo todos um typo commum, as leis que os
organisassem seriam despóticas, si fossem uniformes :
e desde que, pela variedade das formas que tomam,
os interesses municipaes não podem ser previstos por
lei nacional symetrica, só ás legislaturas das provin-
das deve caber a faculdade de regulal-os.
Organisadas as municipalidades por lei de cada as-
sembléa, não sobre a base de imaginário typo com-
mum, attender-se-iam certamente as condições pecu-
liares de cada localidade. As leis municipaes seriam
as cartas de cada povoação doadas pela assembléa
provincial, alargadas conforme o seu desin volvi mento,
alteradas segundo os conselhos da experiência. Então,
administrar-se-ia de perto, governar-se-ia de longe,
alvo a que jamais se attingirá de outra sorte.
Comprebende-se que haja em cada província lei
prescrevendo certos princípios geraes do regimen
municipal, como sejam aelectividade de alguns cargos
ou pelo menos a dos conselhos deliberantes, a ma-
téria das imposições, as despezas e serviços obriga-
tórios ou cssenciães : mas leis especiaes permittam a
uma vasta cidade, ou a um rico município, aquellas
franquezas e aquella organísaçào que mais eficazes
forem ahi.
Depois do acto addícional, algumas das assembléas
de província intenderam-se no direito indisputável de
alterarem a organisação symetrica dada aos municí-
pios pela lei do 1° de outubro de 1828. Por exemplo,
148 PARTE SEGUNDA
creando prefeitos e sub-pref eitos, uma lei de S. Paulo
(de 11 de abril de 1835) incumbia-os de executar as
posturas municipaes, de nomear os fiscaes, agentes a
elles subordinados, e de propor ás camarás as me-
didas necessárias a bem do municipio. E essa mesma
lei, cumpre notal-o, sentiu a necessidade de reunir
nas mãos dos prefeitos attribuiçõespoliciaes, inclusive
a de prender os delinquentes. Seria acaso infundada
esta accumulação de funcções distinctas? talvez, pelo
contrario, então fosse isso mister naquella provincia;
talvez lhe parecesse então que era o mais efficaz meio
de realisar praticamente o governo econoínico das
cidades e villas promettido pela constituição.
Outias leis de outras provincias, na mesma época,
insaiaram iguaes medidas. O que isto provava? pro-
vava eloquentemente que o typo da lei de 1828 não
parecia accommodado ao paiz inteiro ; provava que
cada provincia recorria a essQs complementos práticos
e alterações para obter melhores resultados ; provava
que, nesse como em tantos outros assumptos, o paiz,
entregue a si mesmo, libertado da centralisação
monarchica derrubada a 7 de abril de 1831, entrava
no periodo fecundo da experiência. Passado esse pe-
riodo das vacilações, tentativas e erros, o paiz go-
zaria afinal o resultado immenso da experiência con-
sumada, attingindo, depois de vários tentames, ao
nivel da paz e da segurança sob instituições livres,
apropriadas ás suas circunstancias, producto da ela-
boração popular, com o prestigio do cunho nacional.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 149
§ II. — O acto aMicional e as municipalidades.
Foi o acto addicional que anniquilou as camarás
municipaes ? O visconde de Uruguay a cada passo ex-
clama que os liberaes de 1831 exaltaram a província
á custa do elemento local, accusação que até se in-
contra repetida por escriptores da nossa escola. * E'
uma grave censura á obra de 1834 ; examinemol-a
sem prevenções de partido.
Qual foi o pensamento dos arts. 10 e 11 do acto
addicional? Conferir á assembléa, não ao presidente,
a superintendência sobre as camarás : idéa capital,
pensamento justo.
Mas como exerceria a assembléa essa superinten-
dência sobre as localidades da sua província ? De dois
modos : por medidas geraes ou por actos parciaes.
* o Sr. ministro do império, justificando o seu projecto de reforma mu-
nicipal (1869), fez, pelo contrario, a seguinte justa reflexão : « Attribue-se ao
acto addicional ter aniquilado o muuicipio, manietando-o ás ass.embléas pro-
vínciaes, que o deixaram em abandono, substituindo a iniciativa local pela
ausência de direcção. Ha razão, mas só apparente, nessa accusaçâo. O sys-
tema do acto addicional, seu espirito, suas tendências descentralisadoras, as
intenções de seus autores, não justiQcam a intelligencia que, com relação ás
municipalidades, se lhe tem dado na prática. »
Apreciando esse projecto do governo, dizia o relator da commissão da
camará; « Accusam-no (o acto addicional) de haver suffocado as municipa-
lidades. Tal não fora o intento de seus autores. Pelo contrario, em seu pen-
samento descentralisador se continha virtualmente o alargamento da in-
stituição municipal, como continuação e complemento da obra realizada a
respeito das províncias. »
Praz-nos reconhecer a sinceridade com que se pronunciam alguns dos
nossos adversários. %^
150 PARTE SEGUNDA
Assim, em virtude do acto addicional, fora per-
mittido a cada assembléa publicar leis regimentaes,
.obrigatórias para todas as camarás da respectiva pro-
vincia, sobre:
Desapropriação (art 10 § 3°) ;
Policia e força policial do municipio (§ 4°) ;
Interesses propriamente económicos (§ cit.) ;
Fontes de receita, e despezas obrigatórias ou facul-
tativas (§ 5°) ;
Prestação de contas (§ 6^) ;
Empréstimos (art. 11 § 3°) ;
Funccionarios municipaes^, e vencimentos dos que
forem estipendiados (art. 10 § 7°).
Supponbamos o acto addicional em inteiro vigor,
sem as restricçoes da lei de 12 de maio de 1840 : acaso
essas largas disposições, intendidas á luz do principio
desceu tralisador que dictou-as, não forneceriam ás
províncias a precisa liberdade para constituírem o
seu regimen municipal, conforme ás suas peculiares
circunstancias?
O espirito da reforma constitucional era certamente
investir as assembléas da superintendência sobre as
camarás ; mas, na esphera das amplas faculdades re-
lativas aos municípios, legislando sobre a sua eco-
nomia, policia, funccionalismo, receita e despeza,
cabia ás assembléas applicarem ás localidades de cada
província o systema de governo mais proveitoso. E
algumas o tentaram, com effeito: já citámos a lei
municipal de S. Paulo ; no lugar próprio menciona-
remos as leis judiciarias e policiaes de varias provin-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 151
cias do Norte \ Fosse ou nâo acertado o systejjia
administrativo que as assembléas inauguravam, nào
se deve negar que as verdadeiras instituições locaès^
do Brazil iam brotar á sombra do acto addicional. O
tempo aperfeiçoaria lentamente a creaçâo espontânea
da iniciativa provincial ; a experiência dar-lhe-ia o
cunho das instituições duradouras.
Mas... ahi veio a lei de 12 de maio de 1840. Am-
putou-se o acto addicional; a provincia desceu da sua.
dignidade em nosso systemade governo: substituiu-a
o departamento francez. Diceram: «as assembléas,
usando das faculdades constitucionaes, anarchisam o
paiz. Restabeleça-se a centralisaçao! » E, em ver-
dade, depois do golpe de estado de 1840, não pude-
ram mais as assembléas legislar, por medida de
caracter geral, sobre a economia e a policia munici-
pal. Só o podem agora fazer diante de cada hypotliese,
a propósito de cada postura, de cada obra, de cada or-
çamento municipal Tal é o fim da exigência de pré-
via proposta das camarás (art. 1° da lei de 1840).
Muito menos podem alterar a symetria dos serviços
locaes, crear novos empregos ou supprimir os anti-
gos, dar e tirar-lhes attribuições (artigo 2*). Desde
então, pois, a autoridade das assembléas sobro as ca-
marás somente se faz sentir pelo lado máu, pela ex-
cessiva dependência e concentração dos negócios
nas capitães das provincias.
Privadas as assembléas de poderem regular os in-
í Caps. V e VIL
152 PARTE SEGUNDA
teresses municipaes por medidas de caracter geral,
por leis orgânicas adaptadas ás circunstancias de cada
região, ficou sua missão reduzida a uma imperti-
nente tutela, requintada pelas perniciosas práticas
introduzidas desde 1840 na administração publica.
Si o acto addicional subsistisse no seu vigor primi-
tivo, si uma excessiva timidez sobre a sorte da inte-
gridade do Brazil não houvesse affrontado as con-
sciências, si em vez da súbita vertigem reaccio-
nária fosse permittido á experiência julgar da obra
de 1834, — não duvidamos que, á sombra desta lei
gloriosa, teriam as provincias fundado a liberdade
municipal, primeira condição do governo do paiz
pelo paiz. Sob a influencia de sentimentos oppostos
ás doutrinas centralisadoras que depois prevaleceram,
por si mesmas renunciariam as assembléas a uma tu-
tela vexadora e perniciosa; e marchariam as provín-
cias para o ideal dos Estados-Unidos, onde a munici-
palidade é escola de liberdade e governo \
Lamentam hoje os conservadores o aniquilamento
dos municipios, e accusam os autores do acto addi-
cional. Pois bem : porque motivo em 1840 não emen-
daram a lei das reformas? porque a revogaram so-
mente naquiUo que prejudicava á centralisação? De-
mais, nessa época não mostravam elles sentir essa
necessidade de franquezas municipaes, que põem hoje
por diante para esconderem um de seus maiores es-
1 « Para a liberdade que ellas põem ao alcance do povo, são as insti-
tuições municipaes o mesmo que para a sciencia as escolas primarias. »
Toequeville.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 153
li
•
tragos, a ruina do poder legislativo provincial. E
quem promulgou as leis restrictivas que subsistem no
Rio de Janeiro, onde tem elles governado quasi sem
interrupção ? * Ahi, de facto, não existe poder muni-
cipal, comquanto em nenhuma parte do império se
incontre mais espírito municipal. É desta provincia
a lei que proliibe ás camarás, sem prévia approvacão,
executarem obra superiora 500ÍÍ000! É isto por ven-
tura exigência do acto addicional?
* «Quer a camará municipal construir um cemitério? Ao presidente da
provincia compete approvar o plano, sem o que não pôde a camará con-
struil-o.
»Quer desapropriar um terreno para uma rua, estrada ou logradouio
publico? Ao presidente da provincia compete declarar si a desapropriação é
de utilidade,
« Quer fazer uma obra de evidente utilidade publica? Não o pôde sem
prévia licença do presidente da provincia, si fôr de custo excedente a
500(000.
«Dá-se um caso extraordinário que interessa á segurança ou saúde pu-
blica, e que pede prompto remédio, exigindo uma ^despeza não prevista no
orçamento municipal, ou determinando a necessidade de exceder uma verba
decretada? Não o pôde fazer a camará sem prévia licença do presidente da
provincia.
(cFiDalmenfe, para não ir mais longe, não podem as camarás nomear um
simples guarda de cemitério sem sujeitar essa nomeação á approvacão do
presidente da provincia.
« E, como si não bastassem todas essas dependências, ainda se pretende
que o empregado da camará municipal, por ella demiltido, pôde ser rein-
tegrado por uma simples portaria do presidente da provincia.
«Tal é, em geral, o estado actual de nossas municipalidades. Não é pre-
ciso commenta-lo, basta expôl -o.» Sr. Cortines Laxe, Commentarios á lei do
V de outubro; prefacio.
A PROV. 20
154 PARTE SEGUNDA
§ III. — Autonomia do município; bases de reforma.
A censura que se faz á lei de 1834, cabe me-
lhor, em verdade, á de 1840. Entretanto, devemos
confessal-o, a experiência havia manifestar a neces-
sidade de interpetrar os citados §§ do acto addicional;
havia ella patentear que se devia'^tirar ás assembléas
dominadas da paixão centralisadora pretextos para
embaraçarem a autonomia do municipio. A inter-
pretação, que então se fizesse, seria certamente para
um fim mui diverso da de 1840.
Para fazerem despezas municipaes de qualquer na-
tureza; para remunerarem os respectivos empregados,
para applicarem suas rendas a obras locaes de
qualquer importância ; para fixarem as taxas dos
impostos existentes ou crearem novas fontes de
renda^ salvo o direito da assembléa revogar as que
prejudicassem ao interesse provincial ou nacional ;
para decretarem posturas a bem da economia e
policia puramente municipaes ; até mesmo para con-
trahirem empréstimos, nos casos e com a forma pre-
fixados por lei provincial; ou para desapropriações,
na forma igualmente de lei anterior : fosse reconhe
cida a plena autonomia das municipalidades.
O interesse particular ficaria em todo o caso garan-
tido contra qs abusos pelo recurso perante os tribu-
naes de justiça; e os interesses económicos do muni-
cipio inteiro pelo recurso perante o voto nas eleições
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 155
periódicas, que por isso deveriam ser, quando muito,
biennaes.
Alguns intendem, porém, que a reforma precisa
reduz-se á creação de um agente administrativo, a
quem se delegue a parte executiva das actuaes attri-
buiçoes das camarás, e certas funcções que a ellas se
recusam. « A deliberação pertence a vários, a acção
a um só : » eis o axioma com que se justifica essa
opinião. Mas, posto seja verdadeiro o principio, pó-
de-se errar na sua applicação. E aqui nos fornecem
os Estados-Unidos mais um exemplo notável.
Nas toroTiships da União, em regra, cada membro da
corporação municipal é, por seu turno, o adminis-
trador activo y e executor dás deliberações tomadas
por todos conjunctamente. Na França, pelo contra-
rio, o conselheiro communal é apenas legislador da
sua cummuna. Assim, nos Estados-Unidos, a assem-
bléa dos select-men (administradores municipaes) sub-
vide-se em commissões, incumbidas cada uma da
execução de medidas tomadas sobre certa especiali-
dade; alti se dispensa, geralmente, a entidade cha.
mada maire, que em França ó o complemento do con-
selho communal. Geralmente, dizemos, por quanto
algumas das maiores cidades , por suas peculiares
circunstancias, possuem, sob o nome de mayor, um
funccionario que exerce algumas das attribuições de
agente executivo e presidente municipal.
Reportando-nos as considerações que já fizemos
sobre a incompetência do parlamento para a creacSo
156 PARTE SEGUNDA
do cargo proposto *, ajuntaremos somente que o mais
acertado fora nâo adoptar typo algum exclusivo.
Marcassem as assembléas provinciaes a cada muni-
cipio um numero de vereadores correspondente á sua
população. Os vereadores pudessem, nào só dividir-se
em commissoes executivas, como eleger um ou mais
administradores, retribuidos ou não, tirados dentre
si ou dos votantes do município *. Dessa regra ficas-
sem exceptuadas unicamente certas localidades inte-
riores, cujo atrazo não permittisse tantas franquezas.
Fugissem, porém, as assembléas de conferir ao pre-
sidente a nomeação do administrador municipal, seja
embora a escolha circunscripta á lista dos verea-
dores. Não adoptassem nem a idéa, que se ha tam-
bém indicado, de converter em mai^^e o mais votado
delles. No primeiro caso dar-se-ia ao poder mais
uma intervenção nós negócios locaes ; no segundo,
commetter-se-ia o erro de pedir ao acaso uma escolha
acertada, como já o notámos cm hypothese idênti-
ca.
Insistamos na idéa de deixar a cada assembléa a
maior liberdade na apreciação das circunstancias dos
municipios ; insistamos na conveniência de ellas
mesmas não promulgarem leis uniformes para todos,
mas cartas constituitivas de cada um, que se refor-
i Cap. í, s ^°-
* « o senso prático des inglezes e norte-americanos, escreve Vivien, su-
geri u-lhes methodos bem diversos. Nesses paizes os negócios das commu-
nas não estão accumulados sobre uma só cabeça. Cada cidade tem agentes
especiaes para o calçamento, para a illu mi nação, para os actos de beneíi-
cencía, etc. »
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 157
mem e melhorem parcialmente, segundo os conselhos
da experiência.
Nenhuma reforma municipal, expedida do Rio de
Janeiro, poder-se-ia adaptar perfeitamente ás pecu-
liares condições de cada região deste vastíssimo im-
pério: cumpre, entretanto, confessar que, dentre os
projectos até hoje submettidos ao parlamento, alguns
conteem providencias de incontestável vantagem.
Tentando reorganisar as camarás, um projecto do
governo ^1862) propunha-se emancipal-as em parte
da tutela que as opprime, permittindo-lhes tomar re-
soluções definitivas sobre a applicação da sua receita
aos differentes serviços municipaes, e entro estes
enumerando alguns que ainda se consideram geraes
ou provinciaes ^ Creava, porém, um administrador
municipal escolhido pelo governo e os presidentes
dentre os vereadores ; e tantas attribuições lhe dava
que neste agente administrativo se convertia o poder
municipal.
Por outro lado, e não obstante a garantia derivada
da presença do representante da autoridade, não se
deixava o municipio inteiramente livre, cortio deve
sel-o, na votação dos seus orçamentos, queu conti-
nuariam dependentes da approvação annual. Entre-
tanto, na própria França, ha muito se reconhece a
necessidade de conceder ás communas maior liber-
* V. o artigo 12 desse importante projecto, oCferecido ao senado na sessão
de 30 de agosto de 1862. Elle reconhecia a necessidade de augmentar o
numero dos vereadores, que elevava a 11, 13,.15e21, segundo os lugares.
158 PARTE SEGUNDA
dade a este respeito. Projectos da assembléa legisla-
tiva, em 1851, davam-llies o voto definitivo dos or-
çamentos que não incluissera receita extraordinária,
e que occorrcssem somente ás despezas obrigatórias,
não passando estas além de um exercicio. E com ra-
zão pergunta Vivien : « quando a coramuna satisfaz
a todas as prescripções da lei, quando não empenha
o futuro, que risco pôde haver em reconhecer- lhe o
direito de regular o emprego dos seus recursos dispo-
niveis? »
Demais, fácil fora premunir o interesse geral con-
tra os abusos locaes. Assim como alguém propoz que,
no caso do município não votar os fundos precisos
para occorrer ás suas despezas obrigatórias, a autori-
dade superior os levante mediante denuncia, como
se pratica em Inglaterra ^ ; — assim defira-se á assem-
bléa o direito de annuUar os actos e medidas das
municipalidades contrários ao interesse publico. Di-
zemos annullar, repellindo a idéa da approvação pré-
via.
Para corrigir os notórios inconvenientes da tutela
exercida por meio da approvação prévia, propõem al-
guns escriptores que se adopte o expediente de inten-
der-se confirmada a medida que dentro de certo prazo
não for suspensa ou revogada : decorrido o prazo, es-
creve o Sr. Batbie, seja de pleno direito a execução
da medidá^não annullada. Eis como, adoptado o sys-
• >
* V. do Uruguay, Ensaio sobre o dir. adm.y \ol. 2", p. 2ò5.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 159
tema preventivo, poder-se-ia attenuar os inconve-
nientes da prévia approvação.
Em todo o caso, para facilitar o exame dos negó-
cios, fora indeclinável crear a commissão perm'a-
nente das assembléas \ única autoridade a quem
competisse exercitar a grave attribaiçãoda superinten-
dência sobre os municipios, salvo, conforme a ma-
téria, o recurso que ás partes coubesse para os tribu-
naes de justiça. Desta sorte, embora se deixasse a
maior amplidão ao governo municipal, o interesse
geral seria sempre resguardado, não por vexadoras
medidas preventivas, mas por actos repressivos do
abuso denunciado pela parte queixosa, ou verificado
pela autoridade superior.
Sem dar ao municipio a autonomia que pedimos,
o projecto formado em 1869 pelo Sr. ministro do
império contém, todavia, úteis providencias. Elle
confere ás cama-j^s (arts. 33 e 37) resolução pró-
pria em alguns negócios, comquanto não compre-
henda no seu numero outros de maior importância;
e, fazendo regedor da parochia o vereador eleito por
ella, resolve, de um modo liberal, a questão dos agentes
administrativos Entretanto, a assembléa municipal,
entidade nova que abi surge, composta de membros
não electivos , é imitação dos . conselhos geraes de
França, sem necessidade que a isso obrigue : e, si
maior autoridade consente este projecto á camará do
* Cap. n, 8 2o.
160 PARTE SEGUNDA
município neutro (art. 87), impoe-lhe um prefeito
nomeado pelo imperador. Seu defeito capital, porém,
é o vicio, commum a todos os anteriores, da organi-
sação symetrica para o império inteiro. Isto, que por
si só estragaria qualquer reforma, nesta chega ao
ponto inexcedivel de preceituar as condições para a
divisão parochial e. municipal, faculdade exclusiva
das assembléas provinciaes. *
Duas palavras sobre o municipio neutro.
« Em todos os paizes onde radicou-se profunda-
mente a liberdade municipal, estão as cidades sujeitas
a outras formas e são investidas de outros poderes,
que os campos. » Esta observação de Vivien é espe-
cialmente applicavel a grandes núcleos de população
como o Rio de Janeiro.
As leis vigentes não offerecem a esta metrópole
uma administração satisfatória. O povo do Rio de Ja-
neiro paga impostos, que se convertem na receita do
império,' e goza de gielboramentos locaes, que por
elle paga toda a nação. Por outro lado, é o povo flu-
minense excluido de uma parte da autoridade que
exerce sobre certos serviços o das outras cidades.
Remediava a esta dupla injustiça um projecto ela-
borado em 1861. Transferia á administração do mu-
nicipio neutro os serviços da illuminação, aguas, es-
gotos, passeios/jardins, vaccina, etc. ; e consequen-
temente lhe deferia as receitas arrecadadas hoje para
* Gap. I, S 2o, nota.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 161
O thesouro nacional (decima urbana, terças partes de
oíficios, emolumentos de policia, casas de leilões e
modas, patente do consumo de aguardente, imposto
do gado de consumo, meia sisa de escravos, imposto
sobre carros e seges, sello das heranças e legados, e
rendimento dos bens do evento) .
Entre a receita e a despeza privativas da cidade do
Rio de Janeiro, ha, em verdade, um deficit, maior de
800 contos, supprido pelos impostos geraes lançados
sobre os contribuintes das províncias *. Si é injusto
que estes paguem serviços meramente locaes da ca-
pital do império, também não é razoável recusar ao
povo fluminense franquezas municipaes que possue o
das demais cidades.
Além disso, por causa dessa confusão das receitas
geral e municipal, está a mais rica das cidades do
Brazil privada de contrahir empréstimos, e de levantar
impostos queos^amortisem, destinados a obras urgen-
tes para o seu ornamento e salubridade. Não podem os
habitantes do Rio de Janeiro Melhorar as suas con-
dições de existência, que tanto deix am à desejar, nem
podem fiscalisar por mandatários seus. os trabalhos
que, á sua custa e á custa do paiz inteiro, empre-
* No exercício de 1867-68 entraram no thesouro publico 2,689:986j||000
proveDientes de impostos não geraes cobrados nesta cidade e seu termo.
Orça por 700 contos a renda arrecadada pela camará municipal. A somma,
portanto, da receita local do município neutro é cerca de 3,400 contos.
Segundo o balanço de 1866-67, despenderam os miniaterios do império,
justiça e obras publicas, com serviços especiaes da cidade e seu distrícto,
5,555:23«<|. A camará municipal gasta cerca de 700 contos. E', pois, de 4,250
contos a despeza eífectiva do município neatro.
A PROV 21
162 PARTE SEGUNDA
hende o governo imperial com a timidez e a negli-
gencia que caracterisam a nossa administração. O
Rio de Janeiro sem duvida pagaria de bom grado im-
posições, que em breves annos transformassem as suas
condições moraes e materiaes. Quando se vê o or-
çamento municipal de Pariz subir ao algarismo, aliás
excessivo, de 240 milhOes de francos ; quando sabe-se
que as dividas das grandes metrópoles crescem na
proporção das suas vastas emprezas * ; quando se
admira a coragem com que as cidades dos Estados-
Unidos despendem sommas enormes, gastando New-
York, por exemplo, 5,000 contos annuaes só com as
suas magnificas escolas : deve-se em verdade lamentar
a paciente lentidão com que marcha o Rio de Ja-
neiro.
O provisório, esse expediente dos governos que não
teem fé nos seus destinos, vai perpetuando o adiamento
de graves questões. Assim é que ainda não foi deci-
dido qi^l seja o sitio da capital definitiva do im-
pério*. Mas, entretanto, é acaso justo dilatar sem
termo previsto o actual systema municipal desta ci-
da^p? Urge dar-lhe organisação mais larga e mais
efficaz do que possue. Uma administração munici-
pal que tiesde já moveria orçamento maior de
* A directoria das obras publicas de Londres (corporação electiva) devia
ultimamente cerca de 7 milhões esterlinos, contrahidos para melhoramentos
da cidade (aguas, esgotos, caes,Jardins, parques, etc). Taes empréstimos sâo
gradualmente amortisados por meio de elevadas taxas locaes.
' ^ Os arts. 72 da Const. e lo do Acto Add. excluem da jurisdicçâo da
assembléa provincial o município em que estiver a carte, sem designar
nenhum.
INSTITUIÇÕES PROVINGIAES 163
4,000 contos, superior ao de qualquer província, com
autoridade sobre vasto, sinão demasiado território,
careceria sem duvida de um mecanismo particular. *
Não havia consistir a reforma nessa regulamen-
tação excessiva, de que é um exemplo mais o decreto
de 31 de dezembro de 1868, relativo aos orçamentos
e balanços e á prestação de contas da camará muni-
cipal da corte. Pelo contrario, renunciasse o governo
á tutela que exerce sobre o municipio do Rio
de Janeiro, e lhe desse o parlamento organisaçào, que
o aproximasse, por assim dizer, de uma verdadeira
provincia.
Não se argumente com o exemplo de Washington,
cuja municipalidade aliás tem certa autonomia : não
ha similhança entre a cidade federal levantada no
deserto para guardar o Capitólio digno de um povo
que confiava nos seus destinos e na sua união, e a
sede provisória de um governo que não revelou se
até hoje bastante seguro do porvir, nem trjmquillo
sobre a integridade nacional.
' E' muito menor o dístricto federal de Columbia, pois comprehen^P so-
mente 70 milhas quadradas ; mas as duas cidades oelle situadas (Washington
c Georgetown) teem cada uma a sua municipalidade independente.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 165
CAPITULO V
A POLICIA
Uma iei se incontra em nossos códigos, de cuja
existência podéra duvidar a posteridade. E' esse acto
violento de um partido victorioso, a lei de 3 de de-
zembro de 1841. Em virtude d^ella, o código de
1832, monumento da revolução de 7 de abril, ficou
mais do que mutilado, aniquilado, ao menos na parte
primeira, a da organisação judiciaria.
O código do processo reconhecera que a policia
local deve de pertencer a uma autoridade local e
electiva, e incumbiu-a ao juiz popular, o juiz de paz.
A lei de 3 de dezembro centralisou o Império nas mãos
do ministro da justiça, generalissimo da policia,
dando-lhe por agentes um exercito de funccionarios
hierarch Jcos, desde o presidente de provincia e o cbèfe
de policia até o inspector de quarteirão.
O código do processo incumbira o juiz electivo da
punição correccional de contravenções e delictos se-
cundários, com recurso para as juntas de paz. A lei
de 3 de dezembro privou-o d'essa attribuição mera-
mente local para devolvel-a aos delegados e subde-
legados, com recurso para os juizes de direito.
166 PARTE SEGUNDA
O código do processo deixara á policia local o en-
cargo, que a ella pertence, de formar a culpa e
prender o culpado. A lei de 3 de dezembro passou esta
faculdade aos agentes do poder supremo.
O código do processo confiara ao juiz de direito, ao
magistrado peçpetuo e inamomivel, cercado das pre-
cisas garantias, a attribuição de confirmar ou re-
vogar a pronuncia do juiz de paz com assistência
do jury. A lei de 3 de dezembro, que. por um lado
deferia aos subdelegados e delegados a formação da
culpa, entregou por outro a confirmação da pronun-
cia a mais um agente do governo, o juiz municipal.
O código do processo, quanto ao eivei, investira
da funcção de julgar o magistrado constitucional, o
juiz de direito, e déra-lhe por substituto em seus im-
pedimentos, e por executor de seus mandados e sen-
tenças nos termos, um magistrado local, apresentado
em listas tríplices pelas camarás municipaes, reno-
vado de três em três annos, e escolhido pelo governo
na corte e pelos presidentes nas províncias. A lei de
3 de dezembro privou o magistrado perpetuo da fun-
cção de julgar no eivei, e confiou os destinos da honra,
da propriedade , e familia do cidadão a um outro
agente do podçr central, o juiz municipal, magistrado
temporário, sem garantias de independência e ap-
tidão.
O código do processei creára um juiz municipal,
mas escolhido pelo governo sob proposta das camarás,
proposta que deveria recahir em bacharel formado,
advogado hábil ou pessoa idónea, — e déra-lhe jurisdi-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 167
ceâo policial cumulativa com o juiz de paz, de sorte que
para a negligencia da autoridade popular houvesse
um correctivo sufficiente. A lei de 3 de dezembro, sob
o pretexto de que essa negligencia não incontrava
correctivo efficaz, montou a machina centralisadora,
que*desce do imperador ao inspector de quarteirão.
O código do processo, em summa, instituíra uma
policia local, delegada a uma autoridade electiva local,
e lhe dera por substitutos os seus immediatos em
votos. A lei de 3 de dezembro organisou uma policia
liierarchica, com um exercito de supplentes igual-
mente nomeados fora da acção local.
O código do processo entregara a funcção de julgar
ao magistrado perpetuo, com assistência do jury no
crime, e ao juiz popular nas contravenções e delictos
secundários. A lei de 3 de dezembro creou esse
monstro de juizes commissarios do governo, que
prendem, processam, punem, executam as próprias
sentenças, decidem da honra, da propriedade, da
familia, da sorte inteira do cidadão.
A posteridade perguntará maravilhada como é
que, durante um largo periodo que já excede de
quarto de século, tendo possuido, mesmo sob a ty-
rannia da metrópole, as vantagens da magistratura
vitalicia rodeada de certas garantias, poude o Brazil
descer, depois da sua independência, a tão odiosa,
inquietadora e humilhante oi^anisação judiciaria!
Rever a lei de 3 de dezembro de 1841 é sem du-
vida das mais urgentes reformas , aquella que
primeiro invocam liberaes, aquella porque derrama-
ram sangue.
168 PARTE SKGUNDA
Similhante ao regimen francez, do inspector de
quarteirn;o sobe gradualmente nossa policia até o
ministro de estado. Si ha centralisação bem carac-
terisada, é essa hierarchia policial ; si podem resis-
tir-lhe a liberdade do voto e a independência do ci-
dadão, digam os espectáculos que se patenteara aos
nossos olbos. Acabemos com este despotismo !
Mas o que se ha de substituir-lhe ? Ahi nascem as
divergências. Este ponto merece alguns minutos de
reflexão.
§ I, — A uniformidade da policia. Caracter local das
instituições jfoliciaes.
A actual organisação da policia é, quanto a nós,
condemnavel por dois motivos igualmente : porque
está um poder immenso, o poder de pender, processar
e julgar, confiado ás mãos de instrumentos do go-
verno, — sybtema primitivo, systema de povos bár-
baros; e porque, regendo-se por lei uniforme em
todo o império, acha-se a policia constituida sobre o
principio da hierarchia administrativa : dupla e for-
midável centralisação. Nossa policia é despótica, e é
excessivamente centralisada. Taes são os seus de-
feitos capitães. E o primeiro resulta principalmente
do segundo.
Não bastaria dizer : .« façamos electivos os commis-
sarios de policia em todo o império. » A electividade
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 169
melhoraria consideravelmente a sorte do cidadão em
muitas localidades do Brazil ; está, porém , averi-
guado si tal systema fora perfeitamente accommo-
dado ao paiz inteiro? Como quer que seja, é este um
ponto duvidosOt onde sè dividem as apreciações. Para
cortar a dificuldade, só um juiz fora competente, em
nosso intender : esse juiz é o legislador da provincia,
que, pesando as suas condições sociaos e as represen-
tações dos povos, desse a cada uma o mecanismo con-
veniente.
Certo, o melhor dos projectos de reforma judiciaria
e policial é o que o Centro Liberal acaba de con-
verter em programa do partido. Fructo de severos
estudos, conciliando as aspirações mais geraes,
tentou elle combinar os dois extremos, a policia
centralisada e a policia electiva. Na ausência de
pleno accordo sobre o vasto programa descentrali-
sador de 1834; emquanto se reputam nacionaes, não
locaes, as leis do governo municipal, cumpre aos li-
beraes adoptar, sem hesitação, a reforma proclamada
pelo Centro, como a mais sabia das medidas até
ioje formuladas.
Entretanto, é acaso utopia imaginar que, restabe-
lecidas as garantias individuaes, funccionando regu-
larmente o sjstema eleitoral, renove-se a larga dou-
trina donde sahiu o acto addicional ?
Grande confiança nos inspira o progresso do espirito
publico, e nos parece que o primeiro dos objectos su-
jeitos á sua critica será a uniformidade das nossas
instituições interiores, vicio orgânico, não somente
A PROV. 22
170 PABTE SEOUNDA
da lei de 3 d9 dezembro de 1841, mas também do
código do processo.
Ambos estes monumentos dos dois partidos por seu
turno victoriosos, um caracterisando-se polas largas
formas liberaes, outro pelas tendências do despotismo,
ambos esses legados da mesma geração de estadistas,
teem un^ sello commum, a uniformidade, que impri-
miu^lhes uma das mais funestas paixões para a liber-
dade, a paixão da symetria. O código do processo
imaginava um paiz onde fosse igual o nivel da civíli-
sação, da moralidade, do respeito á lei e da aversão
ao crime : esta generosa convicção creou a policia
livre, a policia do juiz de paz, A lei de 3 de dezem-
bro fantasiou um paiz corrompido, um povo anar-
cbis^do : este tristissimo desanimo creou a policia dos
j anisares, com a qual o poder executivo sonhou e
conquistou a dictadura.
Não ! para liberaes não ha hesitar um instante,
não ha tréguas para a lei de 3 de dezembro : aca-
bemos com esse flagello. Entre a uniformidade sob o
despotisino desta lei, e a uniformidade sob as livres
instituições do código do processo, não ha duvida
possivel. Mas é acaso inevitável o dilemma? Porque
havemos systematicaraente sujeitar todas as provín-
cias e localidades do Brazil a instituições administra-
tivas idênticas? Não é a variedade a condição su-
prema de um governo livre? Não são as leis de po-
icia mmiamente variáveis, leis algumas vezes de cir-
cunstancia? Ouçamos a lição da historia: si ella
condemna a violência praticada pelos conservadores
INSTITUIÇSbS PROVINCIAES 171
de 1841 sob a delírio da reacçSo centralisadora, tam-
bém não deixa esquecer que o attentado teve pretexto
na uniformidade com que applicou-se ao paiz inteiro
o systema do código do processo.
Logo em 1835, as assemhléas provinciaes promul-
gavam reformas da justiça e policia, alterando pro-
fundamente a organisação dada pelo código de 1832 :
eospyopugnadores destas medidas (entre outros» Luiz
Cavalcanti, representante de Pernambuco) eram dos
mais pronunciados e mais illustres liberaes da épocha.
Havemos injuriar a memoria de beneméritos cidadãos
clamando que foram conservadores inscientes ? Não ;
restabeleçamos a verdade histórica: do acto addi-
cional valiain-se os chefes liberaes para darem ás suas
províncias instituições accommodadas ás circunstan-
cias delias, leis administrativas particulares. O muni-
cípio, a policia, a justiça de primeira instancia, a
formação da guarda nacional , nada esqueceram nesses
dias fecundos de tentativas patrióticas.
« Policia provincial ! exclama, porém, um publi-
cista conservador: a policia é um interesse nacional,
funcção do poder supremo.» Basta esta maneira de en-
carar a questão para se reconhecer o discípulo da
escola franceza.
Com effeito, ha interesse algum que toque maia de
perto ao individuo, á parochia> ao município, do que
a segurança de vida e propriedade, do que a prevenção
do crime e a sua repressão? A sociedade tomada em
seu todo, a nação inteira, não é de modo algum mais
interessada na boa policia do que cada uma das pe-
quenas espheras locaes que constituem esse todo.
172 PARTE SEGUNDA
O que produz a boa policia, não é a escala liierar-
chicado funccionalismo que a compõe: essa hierarchia
formidável, descendo do ministro ao inspector de quar-
terão, não é que torna mais efficaz a repressão do
crime, mais solida a segurança publica: é apenas
elemento de força para o governo central. Carecemos
nós perguntar á França napoleonica que grau de in-
fluencia exerce o poder omnipotente transformado em
policia da sociedade ?
Apezar do actual mecanismo da contralisação,
apezar de se haver dissolvido o exercito em destaca-
mentos , apezar dos excessivos rigores a que
tem-se forçado a guarda nacional, perguntamos: é
acaso satisfactoria a policia do interior, a própria po-
licia das cidades, das maiores cidades, da capital do
Brazil? Não. Estando a policia dependente do poder
central, o habitante da cidade ou do campo encara
esse primeiro interesse social como encargo privativo
do estrangeiro poderoso de que falia Tocqueville, — o
governo. Ora,si este tem oarbitrio e a força, não tem
a espontânea coadjuvação popular. D'ahi a ineíficacia
dos seus esforços.
Não se exagere, entretanto, o nosso pensamento:
o que desejamos é que um interesse tão local ,
como a policia, não soja monopolisado pelo go-
verno da União, nem dependa de funccionarios seus.
Mas, descentralisada a policia, regulada por leis pro-
vinciaes, confiada a autorida'des municipaes, cada pro-
víncia incontrará o meio de combinar essas forças
locaes sem tirar-lhes o caracter local. Cada um dos
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 173
Estados-Unidos tem o seu attorney -general ^ secretario
da justiça ou primeiro promotor-publico do estado.
Uma repartição como a do attorney-generaly em vez
das actuaes secretarias de policia, preencheria em
nossas provincias a benéfica missão de advertência,
conselho e auxilio aos tribunaes e juizes das paro-
chias e municípios.
§ II. — Organisação policial de algumas províncias de-
pois do acto addicional: as leis dos prefeitos. Seu
fundamento.
O exame das leis chamadas dos prefeitos derrama
luz copiosa sobro o ponto que nos occupa.
Antes de serem ellas promulgadas, o deputado Luiz
Cavalcanti promovera na camará temporária reformas
do código do processo, que, sendo repellidas, conver-
teu-as elle na lei votada em 1836 pela assembléa de
Pernambuco. Esta insistência de um representante
liberal e a circumstancia de que idênticas medidas,
com variantes mais ou menos consideráveis, foram
promulgadas por outras assembléas do Norte, provam
que naquella época não se reputava o código do pro-
cesso lei adequada ao império inteiro.
São complexas as medidas de que falíamos. Os pre-
feitos que se creavam, eram agentes administrativos
dos presidentes, aliás com attribuições análogas ás
dos funcionários que hoje se pretende instituir por
lei geral. Entre essas, lhes cabiam as de administra-
174 PARTB SEGUNDA
dores municipaes, pois executavam as posturas e de-
liberações das camarás, recordando assim os sub-pre-
feitos e os maires de Franca.
Ainda mais: algumas das leis provinciaes fizeram
dos prefeitos o mesmo que hoje são os delegados de
policia, isto é, autoridades policiaes e judiciarias.
Agentes dos presidentes, administradores munici-
paes, commissarios de policia, juizes criminaes nas
localidades, essas quatro cathegorias de funcções
theoricamente distinctas, nós vamos incontra-las pra-
ticamente reunidas nas mãos dos prefeitos, creação
espontânea do espirito provincial.
Foi em S. Paulo que primeiro surgiu a nova enti-
dade ; e não foi estranhada , antes offerecida por
modelo á imitação das outras províncias (decreto
e instrucções de 9 de dezembro de 1835 *). Estabelecia
a lei paulista de 11 de abril desse anno, nas cidades
e villas, prefeitos nomeados pelos presidentes, e in-
cumbidos de executar as ordens do governo; de fisca-
lisar os empregados do municipio; de organisar o
commandar a guarda policial, e distribuir o respe-
ctivo serviço; de prender os delinquentes, sendo esta
attribuição cumulativa com as autoridades policiaes;
de vigiar os suspeitos e as pessoas que de novo en-
trassem no municipio; finalmente, de executar as
posturas, nomear os fiscaes, assistir ás sessões das
camarás, e propôr-lhes as medidas convenientes: «fi-
cando a camará na intelligencia, dizia a lei, de que
* Cap. I, g lo.
INSTITUIÇOJIS PBOVINCIAES 175
sómante lhe compete deliberar e nunca executar, »
Ne^sa lei, que alterava a organisação municipal da
do 1° de outubro de 1828, já aparecia uma entidade
policial differente das do código do processo.
No mesmo anno, por decreto de 4 de junho, creou
também a província do Ceará prefeitos que tornou
verdadeiras autoridades de policia. Extinguindo as
juntas de paz, transferia as suas attribuições aos jui-
zes de direito. Regulava também o modo de se elege-
rem os juizes parochiaes, pela seguinte forma : os
votantes os nomeariam em listas tríplices; delias
escolheria o presidente os juizes que devessem servir
em cada legislatura.
Mais decisiva foi a lei de Pernambuco de 14 de
abril de 1836, a que já nos referimos. Esta reduziu
o juiz de paz áquillo que é hoje, tirando-lhe as attri-
buições policiaes e criminaes, que transferia aos pre-
feitos e sub-prefeitos*, e supprimindo toda a jurisdição
que não fosse relativa a conciliações, eleições e jul-
gamento das causas eiveis até SOSOOO.
Ainda mais : conferia aos prefeitos as faculdades,
que, por virtude de um decreto de 1833, aos juizes de
direito pertenciam como chefes de policia das suas
comarcas; medida, que outra lei de 19 de abril
de 1838 restringiu, dispondo que as attribuições de
prender os delinquentes e formar cor})0 de delicto
pertenceriam aos juizes do crime cumulativamente
com os prefeitos. Também encarregava-os da exe-
cução das sentenças crimes, que aliás competia aos
176 PARTE SEGUNDA
juizes municipaes; supprimia estes juizes e os espe-
ciaes de orphãos, transferindo aos do eivei suas attri-
buições; alargava as faculdades dos juizes do crime;
elevava, acima da taxa do código do processo, o censo
para a qualificação dos jurados, e só permittia um con-
selho em cada comarca ; finalmente, nos termos creava
notários, incumbidos dos corpos de delicto. As ins-
trucções dadas pelo presidente da provincia para exe-
cução dessa lei alteravam a organisação dos oflScios
de justiça.
Funccionarios revestidos de tão extensas facul-
dades, os prefeitos venceriam ordenados de 1:600S a
2:400S. Ao lado delles, nas comarcas, ficava o poder
judiciário representado comente pelos juizes do crime
e do eivei, pois que os municipaes e os de órfãos
eram supprimidos.
Assim, justiça simplesmente correccional ou de
primeira instancia, civil ou criminal, distribuída por
juizes de direito ou tribunaes dojury; a justiça
tanto como a policia administrativa, preventiva ou
judiciaria, tudo cahiu sob o dominio dessa enérgica
legislação.
Foram estas audaces reformas de Pernambuco que
consternaram os timidos conservadores da assembléa
geral : já em 1836 a camará dos deputados era cha-
mada a revogar essas leis, filhas legitimas do acto
addicional , consequências lógicas do systema ado-
ptado. Outras provincias, não obstante, Sergipe — Pa-
rahyba do Norte, Maranhão, Alagoas, — sob a acção de
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 177
causas idênticas, sentindo a urgência de accommo-
darem ás suas peculiares circunstancias a organi-
sação judiciaria e policial , lançavam-se resoluta-
mente pela vereda aberta era Pernambuco e Ceará.
O principio capital das suas leis era o mesmo, com-
quanto variassem as applicaçoes. Seja-nospermittido,
pára maior esclarecimento, resumir a lei de Alagoas
de 12 de março do 1838.
Ao contrario da de Pernambuco, não extinguia
esta os juizes raunicipaes, antes augmentava-lhes as
faculdades annexando-lhes as dos juizes de orphãos,
que também supprimia. Aos mesmos juizes rauni-
cipaes incumbia, cumulativaraente com os de paz e
os prefeitos, proceder a corpo de delicto e formar a
culpa, prender os culpados, conceder fiança e julgar
as contravenções ás posturas. Erara extinctas as juntas
de paz. Aos juizes de direito cabia formar culpa nos
crimes de responsabilidade dos empregados públicos
e em todos os dos juizes raunicipaes ; conceder fianças
e conhecer dos recursos interpostos destes juizes o
dos de paz. Elevava também a lei o censo para jurado,
fixando-o na renda de 300$ a 600$, segundo provinha
de bens de raiz e emprego, ou de commercio e in-
dustria. Ella creava, finalmente, em cada termo, pre-
feitos, nomeados pelo presidente, cujas funcções eram:
prender e fazer corpos de delicto (cumulativamente
com os juizes de paz e os raunicipaes), raanteraordera,
mandar dar buscas, conceder passaportes, dissolver
ajuntamentos para desordera, destruir quilombos e
coito de malfeitores. Exerciam além disso vigilância
A PROV. 23
178 PARTE SEGUNDA
policial sobre bêbados, ociosos * e orphSos desvalidos ;
executavam as sentenças criminaes, fiscalisavam as
prisões, e reprimiam o uso de armas prohibidas. Ven-
ciam os prefeitos um conto de réis por anno, e os
sub-prefeitos, seus agentes, percebiam uma gratifi-
cação. Eram-lhes subordinados os inspectores de quar-
teirão e a guarda nacional.
Algumas das disposições da lei de Alagoas attestam
o caracter local eas circunstancias do tempo. Assim,
naquella época de perturbações, mandava que, sob
pena de multa, os proprietários não admittissem nas
suas terras pessoas que não houvessem participado
ao prefeito ou sub-prefeito a sua residência no termo.
Outras de igual natureza, medidas policiaes, judi-
ciarias ou administrativas, se.incontram nas legis-
lações provinciaes do periodode 1835 a 1840. Trazem
todas bem accentuado esse caracter local, primeiro
elemento de acerto das leis que regulam as relações
habituaes dos homens na .sociedade, os interesses que
formam a vida da parochia ou do municipio.
Nenhuma das provincias, cumpre notal-o, copiou
fielmente um typo qualquer : a imitação foi livre, cada
qual alargou ou restringiu as dimensões do molde,
segundo melhor attendesse ás suas próprias circuii-
^ Sobre os ociosos havia uma disposição coercitiva, de que, segundo as
pessoas contemporâneas, tirou-se muito proveito fornecendo-se á lavoura
braços até então inúteis, c dissolvendo-se coitos perigosos para a segurança
das localidades. Eis o texto do art. 12 g 7** da lei: « Obrigar aos ociosos a
contratarem-se dentro de um prazo razoável a fim de conseguirem meios de
subsistência sem prejuizo da sociedade, pena de serem presos e processados
como desobedientes.»
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 179
stancias. O que principalmente devemos respeitar
nessa legislação suflFocada ao nascer, é a fonte livre
donde emanou. O que encarecemos, quaesquer que
fossem as combinações adoptadas , é a isenção com
que o legislador de cada província insaiava as suas
instituições locaes. O sentimento que animava as
provincias era a mais viva expressão do governo do
paiz pelo paiz. De tudo isso não resta mais que a
sombra das recordações, emquanto não falsificarem a
historia os chronistas do império.
Mas , dirão os idolatras do governo-tutor : « que
uzo fariam as provincias da faculdade de livremente
organisarem, como então, as instituições locaes, —
municipalidades, policia, guarda policial? » Tran-
quilisa-nos o modo como ellas nisto procederam de
1835 a 38, épocba de perturbações. Em verdade, si
é a anarchia que se receia, as leis provinciaes de
então.nada teem de anarchicas. Todas approxima-
vam-se do typo, que ao depois alargou-se na lei de
dezembro de 1 841 ; todas tendiam a fortalecer a au-
toridade executiva provincial, dando-lhe agentes pró-
prios seus nas localidades. Longe de enfraquecerem
o poder , as provincias procuraram constituir uma
policia vigorosa. Porque razão receiar-se-ia hoje que,
no gozo da mesma liberdade, promulgassem leis de-
magógicas ?
Si votaram as provincias as leis dos prefeitos, é
que delias precisavam. Pernambuco, Alagoas, Ceará,
etc, careciam exterminar o crime : para isso não bas-
tava a autoridade electiva do juiz de paz. Restabelecida
180 PARTE SEGUNDA
a segurança publica, presos os malfeitores, reprimidos
os caudilhos do sertão , teriam essas leis severas
preenchido a sua missão, e é licito suppôr que logo
so abolissem. Tal era uma das vantagens da legis-
lação provincial : conforme mudassem as circunstan-
cias, mudariam as leis de policia e justiça. Hoje, en-
tretanto, está o paiz inteiro gemendo sob o peso de
uma lei despótica, que em 1841 já era injusto appli-
car á mór parte das províncias, duas das quaes a re-
pelliram com armas nas mãos. No mesmo periodo de
1835 a 1838, as províncias do sul não recorreram,
porque certamente não precisavam recorrer, ás me-
didas adoptadas no norte. Mas veio a funesta pai-
xão da symetria : partindo do que era particular para
o geral , do que era conveniente a Pernambuco ,
Ceará, Alagoas, Maranhão, para o que seria útil ao
império todo ; argumentando com o que se tornara
necessário a estas províncias em épocha de crise e
transição, — veio a lei de 3 de dezembro de 1841, e
creou uniforme a policia do despotismo. Podem os
conservadores triumphar de obra tão precipitada?
Certo, já o dicemos, haverá casos e haverá épocas
em que a mais liberal das organisações da policia não
seja a mais vantajosa. Supponha-se que uma provín-
cia volva ás tristes condições de outr^ora, infestada
de sicários, coberta de quilombos, coito de forasteiros
vagabundos : não seria mais expedito e mais prudente
que a sua assemblóa dictasse logo as medidas excep-
cionacs, e as revogasse tão cedo cessasse a situação
excepcional? Nem se figura aqui hypothese fantas-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 181
tica : verificada a emancipação dos escravos, é licito
presumir a existência de remissos ao trabalho, acoi-
tados nos bosques , exercendo violências , com-
raettendo depredações. Em taes condições, cada pro-
víncia careceria dictar regulamentos policiaesseus:
a centralisação actual seria então detestável *.
Façamos uma advertência final : o que estamos
advogando, não 6 a variedade dos códigos. Suppo-
mos que sejam nacionaes o uniformes os códigos civil,
commercial e penal; suppomos também que o sejam
certas regras geraes do processo no eivei e no crime,
as garantias da liberdade constitucional, o julg-a-
mento pelo jury, os recursos para a superior instan-
cia. O resto, porém, possa alterar-se, conforme o in-
tenda cada provinda.
Respeitaríamos desta sorte o elemento que mais
asssegura a estabilidade das instituições de um povo,
a autonomia local.
Não hesitamos em condemnar a organisação poli-
cial e judiciaria da lei de 3 de dezembro; mas também
não reputamos tão elevada a superficie de nossa ci-
vilisação, que a todo o paiz se possa applicar o prin-
cipio da policia electiva. Si, por um lado, fora incon-
veniente estender este bello principio ás solidões do
Amazonas c ás florestas de Goyaz e Mato-Grosso, é,
por outro lado, injustíssimo privar do gozo dessa li-
berdade as províncias superiores em civilisação. Por
* Não alludimos a regulamentos do trabalho dos libertos, mas a medidas
meramente policiaes :" vede Parte IH, cap. 11 § 2°.
182 PARTE SEGUNDA
isso condemnamos a uniformidade nas instituições se-
cundarias do governo dos povos.
O redactor do código do processo, Alves Branco,
pouco depois pedia ao parlamento providencias restri-
ctivas da grandiosa lei de 1832; ministros liberaes da
regência lamentavam a ineficácia do código do pro-
cesso contra os crimes e as desordens de determinadas
localidades. E' um facto: mas o que deve sorprender,
não c a sinceridade desses illustres estadistas; cum-
priam o seu dever : não podemos, porém, dizer que
acertavam propondo á assembléa geral medidas que
excediam da competência desta, medidaá que elles
próprios, votando o acto addicional, tornaram depen-
dentes das assembléas provinciaes.
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 183
CAPITULO VI.
A FORÇA POLICIAL E A GUARDA NACIONAL.
•
Abolir o recrutamento, preenchendo-se o exercito
e armada por engajamentos voluntaiios; abolir a
guarda nacional, creando-se nas parocliias a guarda
cívica policial formada pelas camarás municipaes :
taes são as idéas de eminentes liberaes sobre a nossa
organisação militar. A este nobre programma, oppoz
o gabinete de 16 de julho uma proposta que ha de
ineontrar, amais decidida resistência.
Convertendo a presente guarda nacional em exer-
cito de reserva, formando da restante massa dos cida
dãos força policial ás ordens do poder executivo,
a proposta do governo militarisa o Brazil. Por outro
lado, tirando a força policial o caracter local, esse
projecto é maior attentado que a lei de 1850 contra
as franquezas provinciaes.
Illustrem este debate as recordações do nosso pas-
sado. Nào repudia um povo a sua historia; e um par-
tido, quando reclama liberdades que já convertera em
leis, impõe se com dobrada força ao respeito dos con-
temporâneos. Temos por nós a tradição liberal ; con-
tra nós o facto do absolutismo : o paiz escolherá.
184 PARTE SEGUNDA
§ I. — Força policial: instituição commum d provinda
e ao municipio. ^
j
E' a experiência de cada provincia que pôde acon-
selhar-llies o modo mais vantajoso de constituir em
cada cidade, villa ou aldêa, uma força auxiliar da
policia : e algumas o tentaram em varias épocas.
Uma lei anterior ao acto addicional (resolução de
7 de outubro de 1833 ) desenhara o plano da guarda
policial. Segundo elle, fixavam as camarás munici-
paes o numero de guardas necessários para cada um
dos districtos de paz, sob audiência dos respectivos
juizes : estes os nomeavam e tinham sob suas or-
dens. Marcavam as camarás os soldos dos guardas,
e arrecadavam, para fazerem face á despeza, uma
contribuição de policia dentre os moradores dos dis-
trictos. Tal era o singelo systema dessa lei, que
aliás não o applicava ás capitães das provincias,
por intender talvez que nas maiores povoações con-
viria uma força não subdividida por districtos, mas
obedecendo a uma organisação commum.
Sobreveio, porém, o golpe de 1840, e tornou im-
praticáveis instituições desta natureza, intimamente
ligadas ao. regimen das municipalidades, regimen
que ficou inviolável por leis provinciaes. Ora, sema
contribuição local, sem a fiscalisação das camarás,
sem a formação da força nos lugares respectivos,
parece e tem sido sem êxito o pensamento de 1833.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 185
Desde longa data pretende o governo firmar a sua
exclusiva competência nesta matéria. Ha muito, o
conselho de estado disputa ás provincias a attribuiçao
de organisar a força policial, e o relatório da justiça
de 1869 pede « uma lei na qual se estabeleça a orga-
nisação geral da força de policia, cujo numero (o nu-
mero somente) compete ás assembléas provinciaes
fixar conforme as necessidades locaes. » Para conse-
guil-o, a proposta a que nos referimos creava uma
milicia, que é a mesma guarda municipal invocada
naquelle relatório. Basta, porém, a mudança de nome
para legitimar a competência dos poderes geraes sobre
um assumpto expressamente reservado ás camarás
dos municípios e assembléas das provincias? Levar,
por amor da lógica, a doutrina ccntralisadoía ás suas
extremas consequências, ó uma ompreza rodeada de
perigos, que nao desconhecem os próprios conser-
vadores. ^
Longe de insistir em tentativas que abortaram, e
que incontram no senso da população repugnância
insuperável, volvamos ás tradições de 1831. Haja em
cada districto tantos guardas, quantos marquem as
^ o primitivo projecto em que assentou a mencionada proposta, dizia no
art. òo : «O producto da contribuição de que tratam o art. 3'' § 5** e o art. 4
'<le 40^ ou 20^ para o cidadão isentar-se do serviço da milicia activa ou dà
reserva) /"arei parte da renda provincial^ e será exclusivamente ^ appl içado
aorganisação da força policial de cada municipio. » Foram supprímidas as
palavras sublinhadas, e o resto substituiu-se assim: « Será applicado ao paga-
mento do soldo dos milicianos destacados. » Pela proposta, pois, a receita e
a de^peza tornam-se geraes, como é geral a organisação. Pôde ser mais
patente a violação do acto addicional?
A PROV 24
186
PARTE SEGUNDA
camarás ; obedeçam aos juizes de paz ou a quem for
investido da autoridade policial ; paguem as despezas
os moradores do lugar, como pagam a illuminação,
as afluas, o calçamento e os demais serviços.
Assim, organisado o municipio pelo modelo anglo-
americano, teríamos a policia local apoiada nos guar-
das locaes *; haveria um arrolamento de todos os ci-
dadãos aptos para o serviço ; doestes só ficariam
isentos, além dos velhos, crianças e enfermos , os
que se fizessem substituir por pessoa idónea. Por ou-
tro lado, no caso do guerra, o governo, em virtude
de lei especial, pediria a cada municipio um contin-
gente tirado dos inscriptos para o serviço da locali-
dade.
A guarda civica do municipio tornar-se-ia, por-
tanto, instituição local e reserva nacional. Habi-
litar gradualmente essa reserva no manejo das
armas, na táctica militar, seria desde logo empe-
nho de um governo verdadeiramente nacional, fran-
camente coadjuvado pelo povo. Entào, como naSuissa,
como nos Estados-Unidos , ver-se-ia introduzir os
elementos da táctica nas próprias escolas prima-
rias , iniciando-se a infância na rude arte das
armas, e inspirando-lhe com o sentimento da força
o amor da pátria. Harmónicas funccionariam as
» Não 6 nos Estados-Uuidos só que as localidades manteem a sua po-
licia; no todo ou em parte, o mesmo fazem na Europa. Em ínglaterra
e Escócia , por exemplo, despendem as cidades o condados cerca de
15,000 coutos com este serviço , que alias custa ao thesouro nacional
menos de 5,000.
J
f
INSTITUIÇÕES PEOVINCIABS 187
instituicções militares de um povo livre. Composto,
em tempo de paz, exclusivamente de voluntários,
outro havia ser o nivel moral do nosso pequeno, mas
excellente exercito. Cada soldado, aperfeiçoado em
escolas regimentaes , seria um digno defensor da
pátria ; e poder-se-ia tudo receiar aqui, menos a com-
pressão da liberdade ou a desordem promovida por
cohortes pretorianas sujeitas á chibata.
§ II. — Guarda nacion<il\ limite da competência do
poder central. Abolição.
Abrindo a constituição dos Estados-Unidos ou da
Republica Argentina, vé-se que nos governos fede-
raes é o congresso quem autorisa a reunião das milí-
cias; quem decreta sua organisação, armamento e
disciplina ; e é o poder executivo federal quem dirige
as que forem empregadas em serviço nacional. Aos
estados ou províncias, porém, compete nomear os
respectivos chefes e officiaes, e applicar a disciplina
prescripta pelo congresso. Não de outra sorte inten-
dera o governo da regência a indole das nossas insti-
tuições reformadas. As instrucções de 9 de dezembro
de 1835 continham a este respeito doutrina que
muito honra ao ministro que as firmava. « A guarda
nacional constituo, diziam, nos termos do airt. 145
da constituição, uma parte essencial da força publica.
A sua organisação e disciplina devem portanto per-
188 PARTE SEGUNDA.
tencer ao governo geral, e ás assembléas provinciaes
somente o que dicer respeito á nomeação, suspensão
e demissão dos officiaes, excepto o cornmandante su-
perior que o acto addicionai considera empregado
geral. »
Essa doutrina era o resumo da lei de 18 de agosto
de 1831, que, imitando as dos estados anglo-ameri-
canos S adoptou o principio da eleição dos postos, e
fez dependentes do g'Overno imperial somente os de
major e chefe de legião, e cornmandante superior,
descentralisação que o acto addicionai acrescentou
declarando geral apenas o ultimo. A lei de 1850,
porém, aboliu o principio electivo e accumulou nas
mãos do poder supremo a nomeação da maior parte
dos postos, transformando radicalmente a instituição
democrática.
Com effeito, a lei de 1831 demarcava a linha de
separação entre os poderes geral e provincial, dando
ao primeiro liberdade somente para a formação c em-
prego dos corpos chamados a serviço nacional : c,
além disso, respeitava o elemento popular do nosso
governo, a vida municipal, a descentralisação.
Assim , o alistamento dos guardas era feito pelo
juiz de paz, assistido do seis dos eleitores mais vo-
tados. O jury de revista compunha-se do juiz do
crime do municipio presidindo a 12 officiaes tirados
á sorte. Era a camará municipal que distribuia os
guardas do municipio em batalhões, companhias e
' Parte I, cap. V ; p. 41.
INSTITUICOEíá PROVINCIAES 189
secções de corapanliias , e marcava as suas paradas.
Os guardas de cada companhia , presididos pelo
juiz de paz , elegiam em escrutinio secreto, para
servirem quatro annos, os cabos, os inferiores e os
officiaes Sob a mesma presidência , os officiaes,
sargentos e farrieis das companhias formavam uma
assembléa que elegia o tenente-coronel comman-
dante do batalhão, o major, o ajudante e o alferes
porta-bandeira. Ao governo central competia no-
mear os chefes e os majores de legião, assim como
os commandantes superiores, e só estes u timos de-
pois de 1834. Sob proposta do chefe de legião,
eram , pelo governo na corte e pelos presidentes
nas províncias, nomeados o quartel-mestre e o ci-
rurgião-mór respectivos. Serviriam, emquanto ao go-
verno approuvessc, os majores e chefes de legião ;
os outros officiaes por quatro annos.
Para a designação dos guardas nacionaes que de-
vessem formar corpos destacados, estabeleciam-se re-
gras e isenções, cuja applicação pertencia a um con-
selho composto de 7 membros, três dos quaes seriam
os vereadores mais votados, c os outros, officiaes no-
meados pelo governo ou os presidentes. Quando os
corpos sabiam destacados, os capitães de companhias,
officiaes superiores e do ostado-maior eram livre-
mente tirados pelo governo , ou dentre os guardas
nacionaes, ou do exercito, ou dos reformados. Os
cabos, inferiores, alferes e tenentes, na primeira or-
gauisação do corpo destacado , eram eleitos pelos
guardas nacionaes.
190 PAUTE SEGUNDA
A guarda nacional já era entào de vantagem pro-
blemática, mas a revolução de 1831, imitando as
leis dos Estados-Unidos, procurou evitar abusos que
boje experimentamos. Era, em verdade, garantia
preciosa a electividade dos postos : permittia ao povo
esperar que os cbefes da sua escolha se não prestas-
sem, para condescenderem com exigências dos gover-
nos, a obrigal-o a serviços excessivos ou desnecessá-
rios. Onde, porém, a experiência condemnasss este
modo de nomeação, podiam livremente as assembléas
substituil-o por outro mais adaptado.
Durante alguns annos respeitaram ambos os par-
tidos politicos o caracter municipal e provincial dessa
instituição.
Não foi tarefa ligeira despojar as provindas de um
direito que pareceu acatar a própria lei de 12 de maio
de 1840. Usando da faculdade do acto addicional, al-
gumas afastaram-se com plena isenção do typo da lei
de 1831, transferindo ao presidente a nomeação de
postos que eram electivos. Em 1836, 44 e 46, S. Paulo
legislou sobre o modo do presidente nomear porá os
diversos postos até chefe de legião, acabando com as
eleições e substituindo-as por propostas das camarás.
Luta memorável travou a assembléa mineira com o
governo geral. Ainda em 1848 uma lei delia decla-
rava perpétuos e vitalicios todos os postos, cousa aliás
extranha, mas que exprime quanto pavor inspirava
a escolha de adversários politicos para esses cargos.
O incontestável direito das assembléas para a tal
INSTITUIÇÕES PROVINCIAEIS 191
respeito legislarem * (qualquer que seja o juizo sobro
os systenaas por ellas adoptados) foi plenamente reco-
nhecido por autoridade insuspeita. Havia uma
lei de Pernambuco (a de 14 de abril de 1836) regulado
a eleição dos officiaes da guarda nacional e alterado o
processo da qualificação e revista. O distinctissirao
deputado Souza Martins, no parecer de 1833 que
abriu o caminho trilhado na sessão seguinte pelo vis-
conde de Uruguay, escreveu sobre esta parte da lei
pernambucana palavras que merecem recordar-se.
Diceelle: «Quanto aos empregos da guarda na-
cional . . . reconhece o abaixo assignado que não re-
sultam tão graves inconvenientes em serem declarados
provinciaes, contanto que as assembléas legislativas
das provindas não possam revogar nem alterar as leis
geraes que estabelece lu a disciplina e organisação da
guarda nacional. A attribuição das assembléas pro-
vinciaes, em tal caso, se deve limitar somente a aug--
raentar ou diminuir o numero dos officiaes, e a le-
gislar sobre a forma da sua nomeação . . . 'As contes-
tações e duvidas sobre a legalidade dessas nomeações,
sendo questões puramente administrativas, serão de-
cididas sem recurso pelos presidentes das províncias,
e em conformidade com as leis provinciaès, sem que
o governo geral precise interpor sobre ellas a sua in-
tervenção. Para apoiar a congruência e a praticabili-
dade desta interpretação , não é de pouco pezo o
* Em virtude do art. 10 § 7^ da lei das reformas, podiam as assembléas
provinciaès legislar e legislaram sobre a guarda nacional. A lei de 1840,
centralisando a policia e a justiça, nada alterou quanto á guarda nacional.
192 ^ PARTE SEGUNDA
e xemplo da constituição federal dos Estados-Unidos
da America. » *
E era um conservador que, invocando a consti-
tuição norte-americana, detinha as tendências rea-
ccionárias do seu partido I Quatorzc annos depois, disso
não fazia-se cabedal. Dos nobres protestos das assem-
blóas de S. Paulo e Minas tiroa-se pretexto, e a ira
foi conselho para a usurpação de 1850.
Completar com a guarda-nacional militarisada o
machinismo fabricado em 1840 e 1841» tal foi o pen-
samento da segunda reacção conservadora. Denun-
ciada ao paiz pelos liberaes, a lei de 19 de setembro
de 1850 ficou sendo apontada, não só entro os vexa-
mes impostos ao povo pela politica centralisadora, mas
como um dos mais audaces attentados contra o acto
addicional.
Com quanta justiça a nação doeu-se do golpe, diga-
quem se recorde ainda da popularidade da lei de
1831. Procurai a explicação da profunda desconfiança
do povo em relação ao poder : talvez a incontreis prin-
cipalmente no golpe de 1850. Desde então perdeu-so
a esperan ;a de um governo sinceramente livre ; pa-
reço que ima dor intensa opprime o peito dos brazi-
leiros : etzrnum servans sub pectore vulnus.
Generalissimo da policia, o ministro da justiça o
ficou sendo também da guarda nacional. São dous
exércitos que marcham ao signal do com mando. A con-
quista é infallivel ; eis-ahi as camarás unanimes desde
1850!
* Actas da camará dos deputados; 1836, voL io.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 193
*
Tornou-se a guarda nacional nova ordem honorifi-
ca com que allicia-se o parvo, com que se perverte o
povo, e degrada-se o espirito publico ; e, acima disto,
supplicio do operário e do lavrador, occasião e meio
de vinganças politicas, arma, em summa, do despotis-
mo. A tránquillidade do povo, a segurança individual,
a regularidade do trabalho, os mais caroí interesses
exigem melhor organisação dessa parte do nosso go-
verno.
Qual seria? Outra não fora sinão a verdade do acto
addicional, a verdade fundamental de um systema fe-
derativo mesmo incompleto como o nosso : isto é, a
guarda policial do município sejaeffectiva, organise-a
e pague-a o município ; a guarda policial da provín-
cia, organise-á e pague-a a província, e tanta e tão
poderosa quanto demandem as condições de cada uma.
Preserve-se o exercito de corromper-se na policia local,
preserve-se também o voto da intimidação das bayo-
netas.
Neste sentido, apezar de vantagens secundarias *,
a proposta do gabinete de 16 de julho não é reforma,
é regresso. Si o governo pretendia conservar este
exercito de soldados, oíficiaes e commandantes acam-
pado no meio da sociedade, a que se chama guarda
nacional, então ao menos restituísse ao elemento de-
* A proposta do governo só permittia em cada província um commando
superior, o da capital ; conferia aos presidentes a nomeação de todos os pos-
tos, menos esse ; e, organisando os corpos por comarcas, tendia a limitar o
numero delles e dos oíficiaes : providencias úteis, si mais útil não fora a
total abolição de uma instituição viciada e odiosa.
A PROV. .25
194 PARTK SEGUNDA
mocratico o que lhe dava a lei de 1831, restituísse á
província o que nem o golpe de estado de 1840 ousou
roubar-lhe.
Mas instituições ha que o tempo condemna irrevo-
gavelmente. Nascidas muita vez na mais bella qua-
dra da vida das nações, a experiência vem depois as-
signalal-as -como concepções falsas, ou denuncial-as
como elementos de corrupção e tyrania. Nação em
armas, a guarda nacional foi um bello sonho da de-
mocracia moderna : mas, quantas decepções ! O des-
potismo europeu, na França e na Prússia, não apoia-
se somente nos exércitos permanentes ; rodêa-se
também da guarda nacional.
Façamos o Brazil um povo livre. O primeiro escra-
vo a emancipar é o suífragio, é o próprio cidadão ca-
ptivo de instituições compressoras, como a lei da
guarda nacional. Transformemos a face da nossa so-
ciedade politica, mudando-lhe as bases. Libertando o
voto, pacificaremos a nação. Não ha paz sinão na li-
berdade.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 195
CAPITULO VIL
A JUSTIÇA.
A constituição dos Estados-Unidos resolveu uma
das maiores diflficuldades de um bom systema politico
dividindo o poder judicial em tribunaes federaes, para
questSes de caracter nacional ou internacional, e em
tribunaes dos estados para as lides e processos com-
muns *. Desse ideal se estão aproximando povos em
condições análogas ás nossas.
Na Republica Argentina, ó a constituição particu-
lar de cada uma das provincias que regula a respe-
ctiva administração de justiça. Tal é o preceito do
art. 5° da constituição federal adoptada em 1860, cu-
jos redactores acompanharam quasi fielmente a dos
Estados-Unidos. Assim, naquella republica, os juizes
dos tribunaes federaes são igualmente distinctos dos
das provincias. Os casos da jurisdicção dos primeiros
são inteiramente os mesmos que na União norte-ame-
ricana. (Art. 100.) Ha, entretanto, uma differença
notável : na republica do Prata é o congresso que pro-
mulga os códigos civil, commercial e penal, e as re-
gras do julgamento pelo jury. Taes códigos, comtudo,
* Parte I, Cap. V; p. 51.
196 PABTE SEGUNDA
não podem alteraras jurisdicçSes locaes; e a applicaçâo
delles incumbe, já aos tribunaes federaes, já aos pro-
vinciaes, segundo as cousas ou pessoas cahirem de-
baixo das suas respectivas competências. (Art. 67
§ 11.) Desta sorte, as leis que consagram o direito e
prescrevem as garantias da liberdade e da proprie-
dade, são nacionaes, dicta-as o congresso: a execução
dessas leis pertence, conforme a natureza dos casos,
a tribunaes da união oú das provindas.
Adoptou a constituição de 1863 dos Estados-Unidos
de Colômbia (Nova-Granada) uma organisação simi-
Ihante; e si delia apartou-se, não foi para diminuir o
poder judicial dos estados particulares, mas antes
para restringir os casos de jurisdicção dos tribunaes
federaes. Ficaram estes expressamente limitados
aos crimes dos altos funccionarios da união e ás ques-
tões internacionaes, prezas, pirataria, occurrencias
do alto mar, violações do direito das gentes, etc.
(Art. 17, §§ 14, 15 e 16.)
As duas republicas de origem hespanbola, reorga-
nisando-se sobre a base federal, intenderam indispen-
sável á boa administração interna essa nova formação
do poder judiciário, característico original das ins-
tituições norte-americanas.
Dividir um poder que os publicistas europeus repu-
tam indivisível, é a mais eloquente homenagem á
descentrali sacão, suprema necessidade dos vastos es-
tados do Novo Mundo, condição de vida e de liber-
dade.
Certo, as aspirações do Brazil não chegam tão longe;
INSTITUIÇÕES PBOVINCIAKS 197
aqui nâo se trata de copiar o systema dos Estados-
Unidos. Si bem as interpretamos, quanto ao poder
judicial, limitam-se nossas aspirações a dous pontos
capitães: magistratura independente do poder execu-
tivo, garantias á liberdade individual.
Consagrando os princípios da independência pes-
soal dos magistrados, da independência do poder
judiciário e unidade da sua jurisdicção ; estabele-
cendo a incompatibilidade absoluta dos juizes com os
cargos de eleição; separando a policia c^ a justiça;
extinguindo os juizes commissarios do poder execu-
tivo ; repellindo a falsa doutrina das jurisdicções
administrativas contenciosas ; prescrevendo regras
criminal a bem da liberdade do cidadão: creando re-
lações em todas as provincias: o excellente projecto
do processo de reforma judiciaria pelo Centro Liberal
proclamado, pretendeu resolver as diíBculdades do
momento, satisfazendo ás pretenções mais geraes * .
Mas contentar-se-ba o futuro com a conquista destes
principies? Combatendo a reforma eleitoral de 1855,
Euzebio de Queiroz exprimia uma grande verdade
neste aviso ao poder: O espirito de reforma é insa-
ciável; a democracia exigirá em breve muito mais do
que lhe concedeis agora. — O que o estadista conser-
vador receiava, é o que justamente constituo o pro-
gresso, a transformação successiva de instituições
^ Muitas das siias idéas abriram caminho entre os próprios conservadores :
insinuaram-se no uUímo relatório do ministério da justiça (1869), e surgiram
em alguns dos projectos então ofierecídos á camará temporária. O concurso
dos dous partidos verificou a sua necessidade
198 PARTE SEGUNDA
transitórias. Nada ha de definitivo no desinvolvimento
humano: na politica, como na sciencia, as idéas pro-
pagam-se em circules concêntricos, mais e mais vas-
tos. Quem pode descrever a periferia do circulo der-
radeiro? Caminham as sociedades, como os homens,
para o desconhecido; o que conforta a umas e outros é
essa vaga confiança nas eternas leis da providencia.
Anima-nos a crença de que a doutrina liberal tende a
converter-se em outra muito mais larga, não simples-
mente descentralisadora, a doutrina federal. Pudésse-
mos allumiar a ponte que liga as duas margens
oppostas, centralisação monarchica e autonomia fe-
derativa I
No assumpto que nos occupa, sem um pouco desse
federalismo que Benjamin Constant recommendava a
França, nada se terá feito eficazmente pela liberdade.
Queremos premunir o cidadão contra o poder, e exi-
gimos a independência do magistrado: mas que valor
intrinseco tem esta sonora garantia, si é o magistrado
creatura e cliente do poder? Eis onde estacam todos
esses planos de reformas; eis onde revelam a sua la-
cuna fundamental. Circulo vicioso, garantias appa-
rentes, são essas liberdades que nos promettem: para
zombar de tão brilhantes conquistas, ahi tem o poder
um agente, um cúmplice, na entidade que figuraes
paladino da liberdade, escudo do cidadão. Emquanto,
hierarchicamenteorganisada, com asymetria do resto
do funccionalismo, a ordem judiciaria descender das
mãos do imperador, nem confiança ao povo, nem re-
ceio ao poder, ha de ella inspirar jamais.
1»
INSTITUIÇÕES PROVINCÍAKS 199
Os autores do acto addicional bem o sentiram ;
descentralisando a magistratura, dividindo-a em jui*
zes provinciaes e juizes uacionaes, ensinaram o cami-
nho que desgraçadamente abandonámos, perdendo
com elle a liberdade.
§ L — Juizes de primeira instancia. Razão do acto
addicionaL
Devem pertencer á ordem provincial os magistra-
dos da primeira instancia — o juiz de paz, o munici-
pal, o de orfáos e o de direito ?
As leis provinciaes de 1836 a 38, que regularam
esta parte da organisaçâo judiciaria, fundavam -se em
que não podiam ser funccionarios geraes, nem eram
assim considerados pelo acto addicional, juizes com
jurisdicção em parocbia, termo, comarca ou outra
qualquer divisão da provincia. Taes leis e a doutrina
que as inspirara, eram rigorosamente constitucionaes.
« São empregos municipaes e provinciaes (palavras
do acto addicional ) todos os que existirem nos muni"
dpios e provindas; á excepção (quanto aos de jus-
tiça) dos cargos de membros das relações e tribunaes
superiores. »
Rompe u-se em 1840 esse artigo da lei das refor-
mas : da violência do acto ainda subsistem os ves-
tígios. Desde então, inquieto e suspeitoso, o génio
da monarchia tem visto de continuo perseguil-o a som-
bra implacável da lei rasgada. Quando dormirá tran-
200 PARTB SEGUNDA
quillo? no dia em que decidir-se ao heroísmo de
retroceder pelo mesmo caminho das usurpações.
Manda a verdade histórica confessar que a reacção
de 1840 foi, nesta parte, preparada por liberaes timi-
dos ou impacientes. Mal estreava a reformado 1834,
e ja em. 1835 o próprio governo do regente insinuava
qae o pensamento do acto addicional era que as as-
sembléas, no uso da faculdade de ^irearem empregos
administrativos provinciaes, não lhes conferissem
attribuiçoes judiciarias, alterando a uniformidade do
poder judicial em todo o império. (Instr. de 9 de
dezembro, § 6.") Invocava-se aqui a theoria da
uniformidade judiciaria, cousa que justamente o acto
addicional rejeitara considerando provinciaes todos
os juizes, menos os das relações e tribunaes superio-
res, e sujeitando-os á assembléa provincial autorisa-
da a suspendel-os e até demittil-os (art. 11 § 7.'*).
Contra essa timida doutrina, prenuncio da reacção,
bradavam as necessidades locaes.
Que fosse constituída por lei geral a organisação
dos tribunaes superiores, como sentinellas da União,
como guardas do pacto fundamental, comprehende-
se : mas impedir as províncias de formarem as suas
justiças de primeira instancia, dando umas a certos
juizes attribuiçoes que não exercessem em outras,
variando cada uma a composição dos tribunaes locaes
á medida das circunstancias, era roubar-lhes a ini-
ciativa era assumpto que não pode ser bem regulado
sem attenção ás condições peculiares de cada regiSo
de um vastíssimo Estado ' .
^ Isto melhor se patentêa attendendo á natureza das funcções do juiz
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 201
O governo municipal não consiste somente nos ser-
viços, por assim dizer materiaes, de aqueductos, cal-
çadas, illuminação, jardins, caminhos, etc. Ao go-
verno municipal importa o modo de se exercitar a
jurisdicçào no eivei e no crime, com elle se intrelaça
a administração da justiça na sua esphera inferior *.
Assim, fora incompleta a reforma administrativa que
não sanccionasse4i também a competência do poder
provincial sobre a composição dos tribunaes locaes,
ou da primeira instancia, para servir-nos da expres-
são admittida.
Não seguiram as provincias os timidos conselhos
do governo de 1835. Com a isenção que mostraram
de paz, por exemplo. Si as assembléas continuassem investidas do direito
de regular as justiças locaes , algumas haviam commetter ao magistrado
da parochia certas funcções secundarias do officio de julgar, que , com
muito gravame das paites, diOicilmente desempenham os juizes dos ter-
mos e comarcas.
Estender a jurisdicção do juiz de paz aos menores delictos e ás minimas
lides, é um dos votos das populações campestres de França. « Ha ac-
cordo quanto a ampliar-se a competência dos juizes de paz , escreve o
Sr. Leonce Lavergne, resumindo o ultimo inquérito agricola. Por sua re-
sidência na capital do cantão, que o põe frequentemente em contacto com
os habitantes do campo, é o juiz de paz, para elles, o magistrado por ex*
cellencia. Deseja-se que seja incumbido das pequenas lides, de ven-
das de immoveis não excedentes de certo algarismo, e particularmente
dos bens dos menores; que se lhes attribua a jurisdicção dos tribunaes
de primeira instancia sobre a partilha e homologação nas successões mi-
nimas; que se estenda a sua competência a todas as contestações entre
proprietários e rendeiros , entre vendedores e compradoies ; que tenha
alçada para julgar em ultima instancia até 500 francos ... Essas simpli-
ficações interessam particularmente á pequena propriedade. » {Révue des
deux mondes, 15 nov. 1868.)
* Cap. IV, g 1.
A PROV. 26
202 PARTE SEGUNDA
formando um systema policial próprio, algumas alte-
raram simultaneamente a organisação judiciaria em
pontos connexos *. Podiam deixar de fazel-o? A ten-
dência da época era accommodar as justiças das leis
philippinas e do código do processo ás circunstancias
locaes, para que d'alii sahissem a melhor policia ad-
ministrativa, a melhor policia judiciaria, o melhor
regimen municipal.
E nã[o se cuide que essa tendência fosse para acres-
centar as faculdades das autoridades electivas, do
juiz de paz, por exemplo. Conforme já advertimos
quanto á policia, o que as leis provinciaes fortifica-
vam, era o juiz de direito ou o juiz municipal. Pro-
fundamente descentralisadoras, ellas, entretanto, não
se inclinavam para a forma democrática das justiças
electivas, quaes incontrámos nos Estados-Unidos :
antes pelo contrario. Estamos persuadido de que ain-
da hoje as províncias não se precipitariam no ca-
minho de arriscadas experiências. '
Explicar-se-ia por inadvertência dos redactores do
acto addicional, como alias pretendem os publicistas
conservadores, a amplidão que elle deixara á compe-
tência provinmal ? Não : invoquemos os annaes da
época. Naquelle bello periodo da nossa historia, a
opinião mais geral inclinava-se a uma organisação
democrática, que se traduziu pela phrase monarchia
federativa. HoUanda Cavalcanti (Visconde de Albu-
1 Cap. V, S 2.
• Parte I,cap. V ; p. 58 a 60.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 203
querque) propunlia em 1832, antes da lei dás refor-
mas, um projecto que confirma esta apreciação. « Com-
pete, dizia no art. 5.% compete aos juizes de facto e
de direito nas provincias julgar definitivamente as
causas, quer eiveis, quer cri minaes, intentadas dentro
da provincia, e em que não for compromettido o in-
teresse geral da nação... Uma lei económica provincial
marcará os districtos dos juizes de direito da primei-
ra instancia, e a forma do processo, tanto eivei como
criminal, para essas causas somente. »
Era o ideal norte-americano, queoillustre brazilei-
ro propunha-se. Tanto não fizeram, todavia, as leis
provinciaes a que nos referimos: foram, não obstante,
apedra de escândalo. Atroáramos ares declamações
contra a anarchia e pomposos elogios das instituições
uniformes.
Honra, porem, ao representante de Pernambuco,
Luiz Cavalcanti, que soube resistir a essa paixão
centralisadora, fonte principal dos nossos males poli-
ticos ! Membro da commissão das assembléas provin-
ciaes, lavrou, a 20 de agosto de 1836, um parecer di-
gno de nota * . Depois de affirmar o principio — « que
competia ás assembléas provinciaes revogar as leis
geraes nos objectos* que passaram a ser provinciaes»,
e considerando desta natureza os pontos de organi-
sação da justiça e policia regulados pela lei pernam-
bucana de 14 de abril de 1836, Luiz Cavalcanti con-
cluía que as mesmas assembléas poderiam alterar os
* Actas da camará dos deputados ,- 1836, agosto ; p. 98.
204 PARTE SEGUNDA
códigos do processo eivei ou crime. O limite do
poder provincial, lembrava elle, era não offender a
constituição, os impostos geraes, os direitos de outras
provincias e os tratados, « casos únicos em que o po-
der legislativo geral poderá revogar a lei provincial,
na forma do artigo 20 do Acto Addicional. » Demais,
a lei de Pernambuco não mudava propriamente as
regras e a marclia do processo eivei ou crime, ape-
nas instituia certas autoridades locaes em vez de
outras. E, para responder á objecção dos que receia-
vam do uso dessa faculdade a variação dos códigos,
acrescentava com muita sensatez : « Lembram alguns
o inconveniente de poderem apparecer 18 diffe rentes
códigos das diversas provincias, que não possam fa-
cilmente ser conhecidos pelos magistrados dos tribu-
naes. Intendo, porém, que, sendo os magistrados espe-
cialmente destinados ao conhecimento das leis, seu
officio lhes impõe o dever de estudaras leis de todas as
provincias aonde sua jurisdicçao se estender ; além
de que as provincias hão de seguir muito o exemplo
umas das outras, e conseguintemento não terão de
veriíicar-se tantas diflferenças de códigos ; antes po-
deremos ter a vantagem de ser mais imitado o código
que tiver produzido bons effeitos •m alguma provin-
cia. » E concluia queixando-se da calamidade de um
código do processo decretado pela assembléa geral.
Baldado esforço! veio a lei de 1840, e restaurou-
se ou consolidou-se a uniformidade dos códigos,
agravada desde então pelas doutrinas absolutistas que
em 1841 prevaleceram na organisaoão policial c judi-
ciaria.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 205
Não é, entretanto, cousa tão anarchica a separa-
ção dos juizes em provinciaes e geraes, segundo são
da primeira instancia ou dos tribunaes superiores, que
se não descubra fundamento disso na própria lei de
1840. O seu artigo 4.° collooa os membros das rela-
coes e supremo tribunal fora da alçada das assembléas,
não podendo estas suspendel-os nem demittil-os. Si
os juizes de primeira instancia, porém, continuam sob
o poder das assembléas, é que são essencialmente
magistrados provinciaes. Que muito c então que sejam
escolhidos na província e investidos na formadas leis
delia?
Por outro lado, si ás assembléas pertence crear no-
vos termos e comarcas, faculdade cm que não ousou
tocar a mesma lei de 1840, — é lógico admittir que
lhes incumbe pagar os respectivos funccionarios : o
assim foi até 1842 ; assim deve de ser, extinguindo-
so radicilmente o conílicto que o governo todo o dia
provoca a este respeito. Mas também é lógico que, si
padece o ónus da despeza, tenha a província o bene-
ficio de legislar sobre as justiças que crear e manti-
ver, sem outro limite mais que os preceitos constitu-
cionaes da ordem judiciaria em paiz livre. *
Intendem estes jJfeceitos especialmente com a inde-
pendência do poder judicial. A divisão das justiças
em nacionaes e provinciaes é o que, em nosso pare-
cer, facilita a constituição de uma magistratura po-
derosa, emanando dos representantes do povo, não
dependente do governo.
1 V. p. 95, nota 2.
206
PARTE SEGUNDA
§ 11. — Inàej)enàencia do poder judicial : nomeação e
promoção dos Juizes. Principios de organisação ju-
diciaria communs d lei geral e ás provinciaes.
Si a mais solida garantia do cidadão está em uma
magistratura independente que o ampare das vio-
lências, a actual organisação dos nossos tribunaes
deixa muito a desejar. A juizes instituidos pelo go-
verno, sensiveis á influencia ou corrupção do poder,
se restituiriam em vão as faculdades de que em 1841
ficou esbulhada a magistratura vitalicia : não é pro-
vável que por si só essa restituição aproveite efficaz-
mente á liberdade.
Nas monarchias, mais que nas republicas, porque
nas monarcliias o poder ó sempre mais forte, — cum-
pre fazer realmente do juiz o sacerdote da lei, e do
tribunal o asylo do direito. São radicalmente falsas
as instituições que se afastam deste ideai. Nossa con-
stituição, cumpre confessal-o, cabe debaixo desta cen-
sura: propondo se formar da justiça poder inde-
pendente, commetteu o erro de reproduzir a organi-
sação da monarcbia absoluta, onde a judicatura,
em todas as escalas dessa ordem do funccionalismo,
é feitura do rei ou dos seus representantes.
A esse vicio original ajunte-se o erróneo systema
das leis orgânicas. Tudo se concatena nesta fabrica
absolutista 1 Policia centralisada ; commissarios do
governo por juizes ; garantias individuaes supprimi-
INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 207
das ou annulladas ... o que faltava ? não era acaso
sufficiente? Pois não pareceu bastante : ataram, de-
gradaram a própria magistratura vitalicia. Não fal-
íamos da mesquinhez de seus vencimentos, o que alias
bastaria para enfraquecer a mais poderosa organisa-
çào judiciaria. O magistrado, parecia querel-o a con-
stituição, deve de ser perpetuo e inamovível. Pois
bem ! não ha no Brazil uma entidade a que se chama
juiz avulso? eis ahi como é perpetuo o nosso juiz de
direito. Não ha o despacho obrigatório de chefe de
policia, e as promoções de entrancia a entrancia ?
eis ahi como é inamomivel. Por outro lado, é
o governo que o nomeia, que o promove, que
o remove, que o aposenta, que o escolhe desembar-
gador, que o despacha para a commissão de policia
ou qualquer commissão administrativa, que o distin-
gue com o cargo de procurador da coroa ou com a
presidência dos tribunaes : eis ahi como elle é inde-
pendente. O juiz de direito, sobretudo, é uma das
entidades mais dependentes do governo : depois de
lhe terem usurpado a attribuição de julgar investida
no juiz commissario, o juiz municipal, — o tornaram
solicitador assiduo nas audiências do presidente de
provinda e do ministro da justiça. Sabemos bem que
alguns robustos caracteres ha superiores á timidez e
aos conselhos do egoismo ; mas a lei não svippõe
somente virtudes stoicas, nem caracteres excepcío-
naes.
Imperfeita e transitória será a reforma que não
remover os inconvenientes notados. Demais, dadas
208 PARTE SEGUNDA
certas situações moraes, não se regeneram os povos
coma medicinados tempos ordinários: então só lhes
aproveitam os remédios enérgicos, as reformas deci-
sivas. Medidas intermédias podem até, por sua
inefficacia, desacreditar o systema inteiro.
Sem buscar exemplos nas instituições de estados
republicanos, citemos o da monarchia belga.
Comquanto seja o rei quem na Bélgica nomeia di-
rectamente os juizes de paz e os dos tribunaes de pri-
meira instancia, é a sua prerogativa limitada quanto
aos outros membros da magistratura. Os das relações
[conseilleTS ães cours d/appeljy os presidentes e vice-
presidentes dos tribunaes de primeira instancia da
jurisdição delias, ?são apresentados ao rei em duas listas
de dons nomes, uma proveniente das relações, outra
das assembléas provinciaes ; e é desta proposta dupla
que se faz a eleição. Os membros do tribunal su-
perior (conseillers de la cour de cassation) são apre-
sentados em duas listas igualmente duplas, uma do
referido tribunal, outra "do senado. Esse tribunal e
as relações é que elegem do seu seio os próprios presi-
dentes evice-presidentes *.
Quiz a constituição dos belgas tornar effectiva a
independência da magistratura; e logo sentiu a ne-
cessidade de restringir a prerogativa do poder exe-
cutivo quanto á nomeação. A independência do ma-
* Arts. 99 e 100 da const. da Bélgica.— Esta combinação recorda, em parte,
a dos Estados-Unidos. Sào os juizes da suprema corte federal nomeados pelo
presidente, mas com assentimento do senado; e que não é isto mera forma-
lidade, attesta-o a recente rejeição de uma escolhajfeita pelo presidente Grani.
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 209
gistrado, com effeito, se frustra de dous modos: pela
intervenção do governo no despacho para o primeiro
grau da judicatura, e pela maior ou menor liber-
dade de que goze na elevação de um a outro grau, e,
dentro do mesmo, nas remoções e accessos. Para re-
pellir a participação dos outros poderes (o executivo
e o legislativo) na formação do judicial, as consti-
tuições dos Estados-Unidos estão adoptando, como
já vimos, um principio mais radical, confiando ao
próprio povo a escolha dos juizes.
Entretanto, fora acaso impraticável insaiar no Bra-
zil a combinação belga com algumas alterações? Con-
tinuasse, por exemplo, o preenchimento das vagas
do tribunal supremo por accesso dos desembarga-
dores mais antigos, methodo que, apezar de certos
inconvenientes, ainda parece preferivel a outro
qualquer. Na composição das relações, porém, a an-
tiguidade rigorosa tem inconvenientes maiores: a
primeira instancia se deve reputar uma provação, e
não é prudente confiar ao acaso da antiguidade a
formação da magistratura superior. Mas, para não
comprometter a independência dos juizes aspirantes
ás relações, poder-se-ia adoptar um expediente: hou-
vesse para cada vaga de desembargador propostas da
respectiva relação e do senado provincial; as propos-
tas comprehendessem juizes da mesma ou de outra
provincia e quaesquer cidadãos jurisperitos; a escolha
definitiva coubesse ao supremo tribunal. Ao mesmo
tribunal pertencesse a eleição do seu presidente; a dos
procuradores da coroa e presidentes das relações, a
A PROV. 27
210 PARTE SEGUNDA
ellas próprias; e igualmente, por motivo fácil de con-
ceber, a cada tribunal se transferisse, como nos Es-
tados-Unidos, o direito de prover os cargos de secre-
tários, escrivães e officiaes que perante elle sirvam \
E dos juizes da primeira instancia o que fariamos?
São cargos provinciaes, em nosso intender. Consen-
tiríamos ao presidente o que ao poder executivo ne-
gamos, nomear o juiz? Certamente não. Fossem,
pois, os juizes de direito e os municipaes propostos
pela relação ao senado da provincia, de cuja escolba
dependessem.
Tal é a combinação que nos parece exequivel, li-
bertando a magistratura da influencia governa-
mental '.
Resta a questão da perpetuidade.
Quanto a nós, ó este um principio essencial: não
que o juiz, uma vez nomeado, deva ser soberano; du-
ram suas funcções illimitadamente, até o dia em que
1 Esta faculdade abrange também a demissão: art. U, sec. 2, cl. S da consi. ;
Paschal, Annotated constitution, n. 183, p. 178.
* Um illustre escriptor da escola monarchica, o Sr. Prevôst Paradol, depois
de mostrar que a independência é requisito essencial da magistratura para o
papel que desempenha no Estado, expõe uma combinação análoga á da Bél-
gica» refutando concludentemente o actual systema fiancez, que no Brazil se
imitou: La France Nouvelle^ livro 11, cap. VIL
' Nos cantões da Suissa parece prevalecer a idéa da eleição dos juizes pelas
assembléas legislativas. Repellindo o principio da nomeação directa pelo
povo, um illustre suisso propõe — que todos os juizes permanentes sejam
eleitos pelo Grande Conselho federal : Lademocratie suisse, por J. Dubs, ex-
presídente da Confederação; 1868.
Segundo o projecto de constituição de Pouso-Alegre (1832), eram as as-
sembléas provinciaes que em lista triplíce propunham ao imperador os juizes
que devessem servir nas relações.
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 211
O suspenda ou demitta o poder legislativo, a quem
isto compete nas províncias. Nem se receie um uso
immoderado desta grave attribuição do impeacknienty
dadas eleição livre, representação das minorias, accu-
saçao da primeira camará e sentença do senado pro-
vincial. Cercado destas garantias, o impeachmentserá,
como nos Estados-Unidos, salutar recurso, e o único
contra a improbidade astuta.
O mesmo procedimento se deveria estender, por
igual motivo, aos magistrados da segunda instancia:
accusados perante a camará temporária, decretasse o
senado do império a sua suspensão ou demissão. Ces-
sasse a faculdade, que ao imperador se deu,de suspen-
der juizes, que é outro modo de se exercer a perniciosa
influencia do governo ; cessasse igualmente, pelo
mesmo fundamento, a funesta attribuição de remover
o magistrado, seja a pedido, seja forçosamente.
As remoções dos juizes de direito (salvo o que a
este respeito deliberassem as assembléas, a quem
pertence regular a matéria) deviam de ser decretadas
pelas relações; as dos desembargadores pelo supremo
tribunal. Como quer que seja, nada é menos compa-
tível com um systema livre de governo, do que essa-
lei das entrancias que tanto arbítrio deixou ao poder.
Abandonámos, como viu-se, o principio da promo-
ção por antiguidade. Dizemol-o francamente : não in-
centramos sólida garantia na antiguidade exclusiva ;
apenas poder-se-ha conserval-a quanto ao supremo
tribunal, desde que não for exigida para o provimen-
to das vagas das relações.
212 PARTE SEGUNDA
Notórios são os inconvenientes da promoção por
antiguidade rigorosa, protectora da ignorância, con-
selheira da desidia, e frequentemente padroeira do
vicio e da corrupção. Não a conhecem a Inglaterra e
os Estados-Unidos, dous grandes paizes que possuem
magistratura illustrada e independente. Em todos os
cargos públicos, a perpetuidade dofunccionario é per-
niciosa ao servido nacional. Si na magistratura, para
reforçar-lhe a independência, admittimos a vitalicie-
dade, ahi mesmo a temperamos com a ameaça do
processo criminal, e o correctivo da suspensão ou de-
missão legislativa: como, pois, havemos aggraval -a
com est^outro principio do direito de antiguidade?
Concorram ás vagas dos diversos graus da magis-
tratura todos os juizes inferiores e quaesquer juris-
consultos notáveis, preferido» certamente os primei-
ros em igualdade de circunstancias. A liberdade na
escolha é só perigosa, e detestável, no systema da
formação da magistratura pelo governo. O principio
da antiguidade é então plausivel, como freio do poder
executivo, que em paiz corrompido, para grangear
clientes, transpõe sem hesitar a barreira do justo c
honesto.
A actual intervenção do governo é que obriga a
aceitar, como remédio salvador, o principio das es-
colhas fataes : o que devemos pensar, porém, dessa
intervenção combinada com a faculdade da livre es-
colha, illimitada quanto ao juiz municipal e o juiz de
direito, c pouco menos quanto á de desembargador
em lista de quinze nomes? Respondam a corrupção
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 213
politica e o desprestigio ena que caliiram os tribu-
naes do império.
Tudo cumpre prevenir para firmar praticamente a
liberdade. Extingam-se, pois, todos os meios de in-
fluencia governamental no animo do magistrado.
Desta sorte, assim como fora incompleta a reforma
que nâo consagrasse a incompatibilidade politica dos
juizes pela nulliãade dos votos que obtiverem nas
eleições das assembléas legislativas, assim o fora tam-
bém a que não prohibisse a nomeação delles para
quaesquer funcções administrativas.
Finalmente, para consolidar a independência que
desejamos assegurar-lhes, sejam os juizes os fun-
ccionarios melhor retribuídos do Estado. Aqui, no
Brazil, isto já não é questão de dignidade, mas de
subsistência para o juiz. Singular regimen 1 da ma-
gistratura, base do nosso systema politico, fez-se uma
ordem mendicante, que professa a miséria.
Não dependentes do poder executivo quanto a no-
meações, remoções e accessos ; perpétuos e inamo vi-
veis, excepto a requerimento ou em virtude de pro-
cesso ; incompativeis ; bem remunerados, — os juizes
de ambas as instancias, os provinciaes eos naòionaes,
constituiriam a verdadeira muralha da liberdade.
§ III. — Relações em caãu provinda.
No interesse das provincias, cujos direitos esta-
mos reivindicando, encaroçamos também a necessi-
214 PARTB SEGUNDA
dade de tribunaes da segunda instancia em cada
uma.
E' um attentado a teima com que, sob o falso pre-
texto de economia, se recusa isso ainda as mais im-
portantes das províncias: pois, sem attenção á eco-
nomia, augmenta-se, muito além do quadro legal, o
numero da relação-monstro da capital do império. O
patronato e o desprezo da commodidade dos povos
teem deixado perpetuar-se uma centralisaçào talvez
maior que sob o regimen colonial. Mais de metade da
Brazil (nove provincias) vem todas buscar justiça
ao tribunal do Rio de Janeiro! Da Minas, de Goyaz,
de Mato-Grosso, a quatrocentas léguas de distancia,
se appella dos juizes locaes para a relação da corte !
Emquanto as provincias finam-se, superabundam as
forças na capital. As industrias ou antes as profis-
sões forenses gozam assim no Rio de Janeiro de uin
privilegio, creado e mantido á sombra da mais ex-
traordinária centralisaçào de justiça.
Ha muito, poder-se-ia facilmente melhorar a sorte
das provincias sem gravame do thesouro. Rsmover-
se-ia o inconveniente da despeza adoptando a combi-
nação proposta, em 1868, por alguns senadores. Coiu
cffeito, creava o seu projecto três novas relações so-
mente (no Rio Grande do Sul, em Minas e no Pará)
com desembargadores tirados do numero excessiva
das actuaes. Nas restantes provincias, para conhe-
cerem dos processos era segunda instancia formar-se-
iam coUegios judiciaes compostos dos juizes de direito
reunidos em épocas fixas do anno. Perceberiam os
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 215
mesmos juizes apenas uma adjuda de custo especial,
calculada para as viagens dentro da provincia.
Em Santa Catharina, Paraná, Goyaz, Mato-Grosso,
líspirito-Santo, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauhy,
Amazonas, os tribunaes de segunda instancia pode-
riam, em verdade, funccionar provisoriamente com
três ou cinco dos mais antigos juizes de direito, reu-
nidos em duas ou mais sessões durante o anno.
A estatistica judiciaria dos feitos enviados daquellas
provincias mostra que os tribunaes periódicos
desempenhariam o serviço. Emquanto o mo-
vimento total da relação da corte, por exemplo, ex-
cede por anno de mil feitos, pertencendo mais de
metade á cidade e provincia do Rio de Janeiro, apenas
algumas dezenas delles cabem a Mato-Grosso, Goyaz,
Espirito-Santo, etc. Póde-se mesmo asseverar que
a distancia em que se acba o tribunal superior, as
dependências e despezas que por esse e outros mo-
tivos exige o processo em segunda instancia, o desa-
nimo produzidos pelas delongas, impedem os provin-
cianos de proseguirem nos recursos e appellações,
com preterição do seu direito, e muita vez da sua
segurança ou da sua liberdade.
o expediente proposto no senado incontra-se em
alguns dos menores estados da União norte-ameri-
cana. Em Rhode-Island (população, 180,000 habit.)
os membros da sua supreme-court são os próprios
juizes dos condados, que, reunidos, celebram as ses-
sões periódicas daquelle tribunal.
Além disso, na União, como já vimos, nem mesmo
216 PARTE SEGUNDA
OS negócios de caracter nacional ou internacional,
sujeitos aos juizes federaes, padecem a centrali-
saçáo que existe entre nós para todos sem excepção.
Taes negócios são levados aos tribunaes federaes do
respectivo districto, quer tenham occorrido em um
dos estados constituidos, quer mesmo em um terri-
tório. Um simples território, por menor que seja a
sua população, tem os seus tribunaes de ambas as
instancias para os negócios ordinários ( não fede-
raes) , e uma district-court para preparar os pleitos da
jurisdicção federal, que a respectiva circuit-court de-
cidirá depois, em segunda instancia, nas sessões pe-
riódicas.
Os anglo-americanos não comprehenderiam jamais
que de S. Francisco no Pacifico, ou de qualquer dos
territórios ou estados, se carecesse vir a Was-
hington buscar justiça, excepto nos casos rarissimos
especialmente sujeitos á swp:^eme' court da União.
Aqui, no Brazil, vem ao Rio de Janeiro as causas
de todo o género, em grau de recurso ou appellação,
do valle do Uruguay e do valle do Paraguay, desde o
Rio Grande do Sul até Mato-Grosso!
§ IV. — Assumptos da competência provincial. Requi-
sitos para o cargo de juiz: o noviciado.
No ponto de vista deste trabalho, cabe fazer ainda
algumas indicações sobre a competência da lei pro-
vincial nesta matéria.
f
INSTlTtnçSES PROVINCIAES 217
Fixar o ordenado e o numero dos juizes, decretar
a união ou separação das varas, regular a natureza
dos officios de justiça e o modo de seu provimento,
estabelecer as épocas das sessões judiciarias, etc, é
evidentemente da competência provincial. .
Quanto ao jury especialmente, conforme á intel-
ligencia que se dera ao acto addicional antes de
1840 *, é objecto de lei provincial, não da geral : — a
fixação do numero de jurados preciso para funccio-
narem os tribunaes; a renda, base do censo para a
qualificação dos cidadãos-juizes; as épocas e lugares
dos julgamentos; a distincção, segundo o grau dos
crimes, proposta em 1866, entre jurys correccionaes
ou de parocbia, e grande jury de comarca para co-
nhecer dos mais graves attentados; em summa, toda
a parte variável e regulamentar desta bella insti-
tuição.
A competência provincial , porém , involve um
ponto muito mais importante : as condições exigi-
veis dos candidatos a cada um dos cargos da ma-
gistratura local. Estas hão de ser prestabelecidas
por lei expressa, para não ficarem dependentes do
arbítrio das corporações incumbidas da proposta e
escolha.
No modo de fixarem os requisitos para a judica-
tura, deveriam as provincias haver-se com a máxima
prudência, evitando os inconvenientes, que ninguém
desconhece , da actual formação da magistratura.
1 Gap. v, §2.
A PROV. 28
218 PARTE SEGUNDA
Não perraittissem confiar-se o poder de julgar a quem
não oflferecesse provas de capacidade scientifica,
além da capacidade moral. Não bastassem os titulos
das faculdades de direito ; pudessem ser nomeados os
cidadãos que, embora os não possuam, mostrassem
as necessárias habilitações. Para a escolha de juiz de
direito, preferissem os juizes municipaes e os promo-
tores, mas não se desse o titulo definitivo daqueile
cargo sinão prestado exame de suíficiencia, algum
tempo depois da nomeação provisória. Houvesse, em
todos os casos, concurso publico, perante a relação
proponente, para o preenchimento das vagas.
As maiores provincias poderiam adoptar desde logo
um systema de noviciado \ Sem elle, é certamente
^ « Eu não quizera, dizia no senado o Sr. Nabuco, um noviciado tão
acrisolado como é na Prússia , como é na Állemanha j onde se exigem
três exames rigorosos para que o candidato bacharel em direito seja in-
vestido das importantes funcções da magistratura: o primeiro exame, o
que confere o titulo de auditor; o segundo que confere o titulo de re-
ferendário; o terceiro, o mais rigoroso, pelo qual ao bacharel ou candi-
dato é conferido o cargo de magistrado. Mas, para se conferirem os car-
gos de juiz municipal ou de juiz de direito, é preciso exigir alguma pro-
vança. Nós temos, para os juizes municipaes somente, o requisito de um
anno de prática ; mas esse anno de prática , vós o sabeis, é completa'
mente illusorio. Esse anno de prática devia consistir na frequência das
audiências, em defezas perante o Jury, em outras provanças que são es-
senciaes para serem conhecidos aquelles que teem de ascender ao cargo
importante de magistrado. ... Não ha concurrencia para o cargo de juiz
municipal : pois bem, seja para esse cargo menos rigorosa a habilitação?
ao menos por agora. Para o cargo, porém, de juiz de direito ha muita
concurrencia, e, visto que ha muitos concurrentes, é preciso que haja toda
a provança que dê garantia á nomeação. Que inconveniente havia de que,
terminando o juiz municipal o seu quatriennio. fosse sujeito a um exame
ou concurso em que elle mostrasse com outros a sua ^capacidade ? Esse
exame ou concurso eu quizera que fosse annual, e não para cada vaga
ou para cada occasião » (Disc. de 15 de junho de 1861.)— V. tam-
bém o relatório do ministério da justiça em 1857.
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 219
arriscada a escolha de funccionarios que teem de exer-
cer um mandato perpetuo, inda que corrigido pelo
direito de Í7npeachment da assembléa, pois será sem-
pre excepcional a suspensão ou demissão do magis-
trado .
§ V. — Competência exclusiva da lei geral: garantias
do cidadão.
Si fosse cada provincia soberana na sua adminis-
tração interna, não haveria lei judiciaria commum ;
no nosso incompleto systema federativo é similhante
lei perfeitamente constitucional, emquanto não in-
tervém na composição das justiças provinciaes.
Mui difficil é nestes assumptos prefixar o limite
do interesse geral, a competência da lei nacional.
A Republica Argentina , fazendo nesta parte
uma importante restricção ao largo systema norte-
americano vertido para a sua constituição, deu ao
congresso o poder de dictar os códigos civil, com-
mercial e penal, mas evitou o erro de ir além, pois
deixou ás provincias a faculdade de promulgarem os
seus códigos à.o processo judiciário e de organisarem
os seus tribunaes de ambas as instancias. De sorte
que, na confederação vizinha, si o direito é uniforme,
não o é o processo, nem a organisação judiciaria. Nos
Estados-Unidos, porém, varia e pode variar o próprio
220 PARTE SEGUNDA
direito : cada estado tem ou reserva-se o direito de
ter os seus códigos.
Qual a imaginamos, de accordo com o acto addi-
cional, a uniformidade no Brazil comprehenderia os
principies de direito no eivei e no crime, a organi-
sação dos tribunaes superiores, e bem assim as ga-
rantias constitucionaes da liberdade.
Quaes são, pois, as garantias individuaes que uma
lei uniforme deve firmar em todo o império ?
Elias resumem-se todas no nobre pensamento do
século XVIII : proteger o cidadão contra o abuso do
poder. O que é a liberdade no mundo moderno ? é a
effectividade da garantia pessoal e real do individuo .
O fiador é o tribunal judiciário. Processo que premu-
na a liberdade contra a tyrania, juiz independente
que o observe : eis tudo. Onde isso não existe, oa,
existindo escripto, não se cumpre, não ha a liberdade
prática dos inglezes, a verdadeira liberdade.
Restringir a prisão preventiva, antes da culpa for-
mada, ao caso de flagrante delicto, podendo-se exigir
caução quando houver indicies vehementes ;
Restabelecer o jury de accusação, único compe-
tente para pronunciar e decretar a prisão em crime
inafiancavei ;
Facilitar e abreviar o processo da fiança ;
Fixar prazo fatal para a formação da culpa, sob
clausula de soltura do indiciado preso ;
Regular, conforme o código do processo, as buscas,
punindo abusos que ora são vulgares ; *
< Pelo código do processo a busca eiigia juramento de i)arte, depoimento
INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 221
Permittir a todos os juizes conceder habeas-corpus ^
sem distincção de causas ou ordem de prisão ; *
Restituir ao jury os julgamentos que lhe tiraram em
1850 * , o conhecimento dos crimes de empregados
nâo privilegiados, que actualmente julgam os juizes
de direito, e o de todas as injurias impressas ;
Premunir a liberdade individual contra outras al-
çadas excepcionaes, creadas ou sob pretexto do servi-
ço do recrutamento ' , ou em nome do interesse da
de testemunha, indícios vehementes que formassem a convicção da autorida-
de. Pela lei de 3 de dezembro, para varejar o asylo do cidadão, a autoridade
Dão carece mais que dos seus motivos pessoaes de convicção.
^ Admittindo a theoria ingleza do hábeas-coryus, segundo a qual a magis-
tratura foi instituída para premunir o cidadão contra o arbítrio do podei, di-
céra o código do processo : sempre que o cidadão fòr preso ou constrangido
illegalmente em sua liberdade, possa o juiz territorial mandal-o em paz.
Vieram depois os avisos,^ avisos do governo interpretando leis, corrigin-
do-as, restríngindo-as mesmo, outro característico deste nosso systema re-
presentativo — : vieram os avisos, e um logo supprimiu o caso da prisão
militar, sciUcet^ o recrutamento ; outro, o caso de prisão dos responsáveis
da fazenda imposta pelos agentes do fisco; outro esta hypothese, outro aquel-
la^e o /^abecu- corpus ficou sendo o que era de esperar: inania verba. Já a
lei de 3 de dezembro dera um golpe seguro, prohibíndo que o juiz de di-
reito o possa conceder ao paciente de prisão imposta pelo chefe de polícia :
de sorte que, sendo assim preciso recorrer para as relações, o cidadão desa-
DÍma diante das despezas e da lentidão do processo. Hoje, para impedir o
recurso ao magistrado territorial o vingar a violência, basta a qualquer
subdelegado pòr a sua victima á ordem do chefe de policia.
* Escusado fora encarecer o erro da lei de 2 de julho de 1850, que dispen-
sou o jury nos crimes de moeda falsa, resistência grave, tirada de preso e
banca-rota, e até nos de roubo e homicídio praticados na fronteira, desde que,
ao menos em parte, os próprios conservadores o reconhecem. Quanto ao
primeiro, declara o relatório do ministério da justiça de 1869 (p. 19) que pou-
co tem aproveitado a restricção da lei, e pede que so revogue. Quanto aos
outros, não repugna á consciência liberal o jnlgamento por juiz único ? £ não
se hade bradar contra a reacção política, que a tal ponto chegara !
' Decretos de 6 de abril de 1841 e 6 de agosto de 1842.
222
PARTE SEGUNDA
lavoura*, ou por amor da segurança publica e disci-
plina militar ' :
Taes seriam as bases da lei judiciaria que o paiz
reclama.
Não se diga que desarmamos a sociedade diante do
crime: o nosso ponto de partida é que, no Brazil,
como em outros povos da raça latina, não é tanto a
impunidade do crime que se deve receiar, mas antes
a prepotência da autoridade. Paliemos com franque-
za : depois da exageração a que se tem visto chegar
a prisão arbitraria, graças á policia bierarchica da
lei de 3 de dezembro e ás violentas paixSes politicas,
— nós prefeririamos, no caso de escolba, uma lei li-
beral, embora não evitasse inteiramente a impuni-
dade de alguns criminosos, á lei despótica que, na
intenção ou sob o pretexto de castigar a todos, fosse,
como é aquella, regimento militar da nação escravi-
sada.
E acaso teom essa lei tyranica e suas auxiliares
preenchido seu fim ostensivo — 'evitar a impunidade?
Respondam os contemporâneos ; respondam as nossas
estatísticas judiciarias; respondam as noticias que
todos os dias recebemos do interior, onde ba pouco,
durante o processo eleitoral, os régulos de aldôa, al-
guns delles criminosos notórios, campeavam á frente
de sicários que reúnem, asylam, armam e levam ao
combate das urnas, derramando o pânico, intimidan-
do o povo, afrontando a moral.
* Lei do 1® de setembro de 1860.
2 Lei de 18 de setembro de 1851 .
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 223
Aqui eali, por toda a parte, nas cidades e no cam-
po, se varejam casas, viola-se o asylo do cidadão, re-
volve-se a sua mobilia, revolve-se mesmo a cama em
que dorme a mulher ou a filha, em nome da lei, em
nome dessa exacrada lei de 3 de dezembro, para se
proceder a buscas, O varejo e o recrutamento-caçada
são dous característicos da nossa civilisação, dos
nossos actuaes costumes politicos.
E* dura, mesmo arbitraria, dizem alguns, a legis-
lação censurada, mas indispensável para evitar a im-
panidade. De sobra está refutado o axioma, donde
emanaram as leis criminaes da escola franceza, —
antes prevenir do que punir , — máxima que substituo
a responsabilidade do individuo pela tutela da au-
toridade. Seja severa, inflexível, a punição do crime ;
mas, na intenção de prevenil-o, é licito acaso coagir
a liberdade do cidadão? Demais, não se previne o cri-
me armando a autoridade de um poder immenso,
diante do cidadão trémulo de susto e humilhado ; a
prova está nesses abusos tão communs em nosso in-
terior, donde se originam reacções e vinganças, cri-
mes que produzem crimes. O crime previne-se, prin-
cipalmente, elevando o nivel moral do cidadão, fa-
zendo-o amar a paz e a liberdade, facilitando-lhe o
trabalho e a riqueza, illustrando-o e educando-o por
uma instrucção primaria completa, largamente diflfun-
dida pelo paiz inteiro. A penitenciaria, um progres-
so aliás que mal conhecemos de nome, seja dito de
passagem, a penitenciaria não é o alvo social nestes
assumptos : o ideal é a instrucção, a moralidade, a
liberdade.
PARTE TERCEIRA
INTERESSES PROVINCIAES
A l'BOV. 29
INTERESSES PROVINCIAES 227
CAPITULO I.
INSTRUCCÃO PUBLICA.
Não nos propomos tratar largamente os interesses
de ordem provincial. Percorrendo rapidamente al-
guns dos mais importantes , nosso objecto é des-
crever , conforme principies acima expostos , a
linha divisória da competência dos poderes local e
geral em assumptos communs a ambos.
Comecemos pelo interesse fundamental dos po-
vos modernos, a instrucçào.
Escusado fora discutir os obstáculos que nesta
matéria tem a centralisação opposto ás provincias,
e que já citámos a propósito de graus litterarios ,
cadeiras de ensino secundário , penas para a san-
cção de regulamentos, etc. ' Nosso fim aqui é ou-
tro ; é indicar as medidas principaes , que devera
as assembl^as adoptar » com a máxima urgência»
para elevarem o nivel moral dás populações mer-
gulhadas nas trevas.
Em verdade, o mais digno objecto das cogitações
dos brazileiros é, depois da emancipação do trabalho,
a emancipação do espirito captivo da ignorância. Sob
* Pftrte n, cap. I; pp. 99, 95, nota 1, e 97.
228 PARTE TERCEIRA
ponto de vista da própria instrucçao elementar (enão
fallemos do estudo das sciencias), nosso povo não en-
trou ainda na orbita do mundo civilisado. E' o que
attesta a frequência das escolas primarias. Conside-
rável apenas na população de origem germânica de S.
Leopoldo (Rio-Grande do Sul), D. Francisca (Santa Ca*-
tharina) e Petrópolis (Rio de Janeiro), essa frequência
mal attinge a média de 1 alumno por 90 habitantes
em todo o império. Comparo-se este sinistro algarismo *
com o de alguns dos Estados-Unidos, onde a média é
1 por 7: nem se esqueça que, âi na própria capital do
império, ha apenas um alumno por 42 habitantes, das
vinte províncias ha sete onde a proporção é superior
a 1 por 100, e ha mesmo uma (o Piauhy) onde ex-
cede ainda a 1 por 200. Só na Sicilia dos Bourbons-
ou nas steppes da Rússia se incontrariam alga-
rismos equivalentes ! A mais rica e mais densamente
povoada das nossas provincias, o Rio de Janeiro, onde
mal se cohta 1 alumno por 100 habitantes, acha-se
muito abaixo de uma ilha de negros, a Jamaica, que
conta 1 por 13, e cujo porvir asseguram seus intelli-
gentes esforços pela educação da descendência dos
emancipados*.
* Segundo o Sr. ministro do império (relatório do 1870, p. 59), a propor-
ção seria 1 alumno por 63 habitantes; mas parece este algarismo inferior
À realidade, Cfuer pot* se ter excluído do cálculo a população escrava, quer
por se haver arbitrariamente accrescentado mais 24,000 alumnos ao total dos
documentos oíDciaes, que, pela nossa parte, antes reputamos exagerados que
deficientes.
< População da Jamaica: 420,000 h., dos quaes 20,000 brancos somente.
Numero de escolas, 594; alumnos, 31,313. ^itUi-5la«ert/-reporíer, abril d«
1868; p. 93.)
INTERESSES PROVINCIAES 229
Quaes serão os destinos do nosso systema de gover-
no, que deve assentar na capacidade eleitoral, si per-
petuar-se o embrutecimento das populações, engrossa-
do pela corrente de proletários de certa parte da Eu-
ropa? Que sorte aguarda a nossa industria agrícola,
quando, verificada a impotência da rotina secular, o
proprietário inintelligente carecer de temperar a crise
da deficencia de braços com os processos da arte aper-
feiçoada ?
Vede o triste espectáculo, resultado fatal da impre-
vidência com que descuidaram da educação do povo :
— nossos costumes que se degradam, nossa sociedade
que apodrece, o fanatismo religioso que já se chama o
partido catholico, um paiz inteiro que parece obum-
brar-se, na segunda pbase deste século, quando as na-
ções carcomidas pelo absolutismo e ultramontanismo,
Itália, Áustria, Hespanha, França, reatam gloriosa-
mente o fio das grandes esperanças do século XVIII '
§ I. — Liberdade do ensino particular. Desi?wolvimento
do ensino publico. Ensinx) obrigatório.
A mais alta manifestação da liberdade de pen-
samento o a do ensino em conferencias publicas,
onde a palavra inspirada attrahe e subjuga o au-
ditório, prop igando-se com a rapidez da electrici-
dade. Por isso é que> quando mesmo tolera a li-
230
PARTE TERCEIRA
herdade da imprensa, a autoridade suspeitosa des-
conhece ou põe em litigio o direito com que oa
cidadãos se reúnem para ouvirem orações popula-
res.
O pavor que a todos os ahsolutismos inspiram
assemhléas do povo, hem poderá manifestar-se aqui
com o seu cortejo de restricjões e penalidades.
Firmemos , entretanto , os principies das leis vi-
gentes sohre a matéria.
Quer pela regra do art. 282 do código criminal,
quer pela hypothese do art. 278 , está expressa-
mente reconhecida a legalidade das reuniões. E'
licito propagar por discursos proferidos em assem-
hléas puhlicas quaesquer doutrinas , uma vez que
nào destruam directamente as verdades fundamen-
taes da existência de Deus e da immortalidade
d^alma (art. 278). Salvo esta clausula final , nada
mais prohihe o legislador. Sua previdência e amor
da liberdade se reconhecem quando exceptua o
ataque indirecto dessas mesmas verdades fundamen-
taes . por exemplo , na exposição doutrinaria de
um systema filosophico; mas fora certamente melhor
que nem aquella restricção houvesse para discur-
sos públicos ou lições de professores: pode acaso
o Estado impor uma doutrina qualquer , repute-a
embora a mais santa de todas? ha, porventura,
uma verdade official?*
Entretanto , fora desse caso (destruição directa
í Eis ura ponto esgotado por Stuart-Mill, On liherty; cap. U.
INTERESSES PROVINCIAKS 231
das duas ideas fundamentaes) , nosso legislador só
prohibe discursos proferidos em publicas reuniões
quando importarem provocação directa a certos cri-
mes politicos. (Arts 90, 99 e 119 do cod.)
Nossas leis não adoptaram as modernas limita-
ções francezas do livre exercicio do direito de reu-
nião.
As reuniões podem ser , quer em recinto fe-
chado, quer na praça publica, pois a lei não ex-
ceptua as ultimas e implicitamente reconhece am-
bas. A licença da autoridade só é necessária para
ajuntamentos d noite nas ruas , praças e estradas,
em virtude de uma lei de 1831 ; mas neste mes-
mo caso, si o fim é justo ou reconhecido, a reu-
nião não pôde ser impedida. Finalmente , aos dis-
cursos públicos não são applicaveis as restricções
do art. 9° do código criminal , que não permitte
atacar as bases fundamentaes da constituição , poi-
que este artigo regula somente a liberdade de im-
prensa-
Si de lei nova não carecemos para legitimar as reu-
niões de natureza politica, menos ainda para consa-
grar a liberdade do ensino em grandes conferencias
publicas, ou em escolas particulares. São, portanto,
manifestamente arbitrarias as restricções feitas ao
exercicio da industria ou profissão de mestre, e á aber-
tura de estabelecimentos de educação.
•Revoguem-se, pois, as usurpações commettidas con-
tra essa liberdade fundamental por leis ordinárias,
ou regulamentos de instrucção publica emanados do
232 PARTE TERCEIRA
poder executivo na corte e dos seus delegadc^ nas
províncias.
Antes de 1850 não se conheciam tantos abusos,
mas, por triste imitação do um regulamento geral,
desde então cada presidente foi impondo ás províncias
o regimen europeu da intervenção no ensino pri-
vado.
Não poderíamos exprobrar com energia demasiada
tão inqualificável abuso: fechar escolas, negar ti-
tulos de professor, limitar o ensino, ^m qualquer
parte do mundo, é quasi uma immoralidad^ ; o que
será, porém, em paiz pobre, sem pessoal idóneo, sem
administração zelosa, sem sufficientes estabelecimeíi-
tos públicos de instrucção ?
Abolir os vexames de regulamentos compressoreg
da mais liberal das profissões, é justo e é necessário*.
Seja livre o ensino : não ha mais abominável forma
de despotismo do que o de governos nuUos que, sem
cooperarem seriamente para o progresso das luzes,
embaraçam os cidadãos que emprcbendem esta obra
evangélica, e ou^am sujeitar ao anachronico regimen
das licenças e patentes a mais nobre das artes, aquella
que lavóra com o espirito.
Mas não basta permittir a todos, sem excepção al-
guma, e sem exigência também alguma, o exercício
de um dos direitos do homem, o de ensinar. Contin-
gente poderoso para o grande resultado, a liberdade
do ensino, que é muito, não é tudo nas condições im-
^ Promulgaram a liberdade do ensino as provincial do Pará, Rio Grande
do Norte, Babia, Rio de Janeiro, S. Paulo e Santa-Catharina.
INTERESSES PROVINCIAES 233
perfeitas de nossa sociedade e de todas as sociedades
modernas. O século propõe-se realisar o ideal da ma*
xima simplificação do mecanismo que se chama Es-
tado; onde é, porém, que o sentimento da responsa-
bilidade individual, o poder da iniciativa particular e
o espirito de associação subiram ao ponto de dispen-
sado? .
Sob a influencia da filosophia inspirada na eterna
moral do evangelho, quasi simultaneamente os povos
modernos, sem condemnarem aliás o ensino particu-
lar, organisam um poderoso systema de instrucçao
elementar baseado no imposto. O mais atrevido exem-
plo dessa organisação o deram, um após outro, ao
impulso de Horácio Mann, os estados da União Ame-
ricana, onde outr'ora vastas e ricas associações fun-
davam e mantinham numerosas escolas. Em Ingla-
terra duas associações igualmente vigorosas desem-
penham a mesma missão humanitária; mas lá se
propoz agora ao parlamento, e agita-se seriamente o
problema da organisação official do ensino. E' que
alii também o nobre esforço dos cidadãos e das socie-
dades não satisfaz ás aspirações de cada localidade
tào plenamente, como o ensino publico nos Estados-
Unidos, na AUemanha do Norte, na Suissa, na Hol-
landa, na Suécia, no Canadá, na Austrália , no
Chile. '
^ o pensamento cardeal das reformas recentemente propostas em Ingla-
terra é, por um lado, generalísar o ensino publico por meio de escolas man-
tidas por taxas locaes e auxílios do governo, e dirigidas por uma repartido
própria; e, por outro, íirmar o principio da Uberdade de conscieneU emanci-
A PROV. 30
234 PARTE TERCEIRA
Abrindo o corpo legislativo, recommeuda Napo-
leão III « o desinvolvimente mais rápido do ensino
primário gratuito. » Por toda a Europa, os parla-
mentos occupam-se, com pai*ticular desvelo, do su-
premo interesse social, a educação do povo. Para
isso não hesita a Inglaterra emaccelerar a incessan-
te transformação do seu governo, na qual o mundo
a vê absorvida desde 1832; e a França, si quer nesta
matéria disputar a precedência que em outras lhe
cabe, hade também resolver-se a imitar o magnifico
exemplo das democracias do novo e do novissirao
continentes.
Não aconselhemos ás províncias, portanto, a abo-
pando das corporações religiosas as escolas subvencionadas, prohibindo que
os inspectores sejam membros de taes coiporaçues, e isentando os alumbos
do exame em questões ecclesiasticas. A l:>to accre^ce a necessidade, geralmente
proclamada, do en-iino obrigatório. Queremos, dizia a representação de um
meeting escossez, uma educação nacional independente de seita religiosa,
sem nome particular de associações ecclesiasticas e compulsória: unsectarian
in principie findenominational in character^ and compulsory in opcration.
Os commentarios com que o ministro Forster acaba de justificar perante a
camará dos communs (fevereiro de 1870) o seu hill de reforma, revelam que,
seguindo o principio da educação nacional dos Estados-Unidos, a velha In-
glaterra sacrifica os preconceitos de sua antiga administração. E* sem du-
vida uma revolução profunda. Educação leiga, ou pelo menos não subor.
dinada a uma seita particular; escolas por toda a parte: taxa addicional para
o mantimento daquellas onde não bastarem as contribuições particulares ;
ensino obrigatório, sob pena de multa, onde fôr necessário para obter a fre-
quência regular dos alumnos ; juntas locaes, inspeccionando as escolas, eleitas
pelas municipalidades: taes são as idéas principaes do bill proposto para
a Inglaterra e paiz de Galles. « O projecto, diz o Times, provê de modo que
fique ao alcance do filbo de qualquer cidadão uma educação suílicieute, eili-
caz e não sectária. » Benevolamente acolhido pela opposição conservadora,
elle foi, entretanto, impugnado por muitos líberaes, que desejam medida
mais radicai, no sentido norte-americano.
INTERESSES PROVINCIAES 235
liçào somente de regulamentos vexadores do ensino
particular de qualquer grau, fácil cumprimento de
um dever intuitivo ; recommendemos-llies,com a mais
viva instancia, que tenham previdência, patriotismo
e coragem para se imporem de bom grado sacrifícios
consideráveis, únicos eflScazes, a bem do rápido des-
involvimento da instrucção.
Um escriptor que tanto encarece os direitos do in-
dividuo e a extensão da liberdade, e que plenamente
expoz as vantagens do ensino particular, reconhece,
entretanto, que nas sociedades atrazadas, onde não
possa ou não queira o povo prover por si mesmo á
creação de boas instituições de educação, deve o
governo tomar a si essa tarefa, preferindo-se dos
males o menor. *
Referindo-se a inquéritos offlciaes, confiados a pes-
soas mui competentes, asseverou o Sr. Forster ao par-
lamento inglez que as escolas meramente particulares,
sem o auxilio dothesouro nem inspecção publica, eram
as peiores do reino '. Meditem sobre este depoimento
os que tudo esperam somente do ensino livre; vejam o
1 « When socicty in general is in so backward a state that it could not
or would not provido for itself any proper institutions of education, unless
the government undertook the task ; then, indeed, the government may, as
the iess of two great evils, take upon itself the business of schools and uni-
versities, as it may that of joint stock companies, when private enterprise,
in a shape íitted for undertaking great works of industry; does not exist in
Ihecountry. » (Stuart Mill, Onliberty ; cap. IV.)
* « The schools which do not receive government assistance are, generally
speaking, the worst schools, and those least fitted to give a good education
to the chiidren of the working classes. » (Disc. na camará dos communs, ses-
são çle 17 de fevereiro de Í870.)
%
236 PARTB TERCEIRA
que se diz de Inglaterra, cujas poderosas associações
philan trópicas ecoramunhões religiosas não conhecem
superiores no mundo ! Quando Horácio Mann come-
çou a famosa agitação, donde sahiu o vasto systema
de ensino publico da União Americana, muitos dos
estados pretendiam que as escolas das associações e
seitas eram sufficientes, nem seriam excedidas : a ex-
periência patenteou asuaillusãa. O systema que Mann
fizera adoptar noMassacliusetts,foilogo imitado pelos
outros estados á porfia ; e as escolas para os filhos de
todo o povo, para o rico e para o pobre, para o branco
e para o negro, as escolas nacionaes são hojo o mais
bello titulo das Republicas Unidas.
Esqueçam-se as prevenções que o daspotismo allia-
do aos jesuitas creára contra as tendências do ensino
official. Depois que a democracia apoderou-se do go-
verno dos estados, o ensino official revelou toda a sua
efficacia. Afugentado o absolutismo que o envenenava,
elle cessou de offerecer perigos á libordado. Os povos
o comprehenderam desde logo; e assim vai passanlo
ás legislações contemporâneas um principio saudável
da escola socialista, cuja propaganda, apezar dos des-
varios do sectários exclusivos, ha triumphado tantas
vezes da rotina conservadora.
Mas, si não pôde o Estado desempenhar a sua ta-
refa sem o auxilio moral das populações, também nào
deve responder pela ignorância • do povo onde se lhe
não consente compellir as crianças á frequência es-
colar.
Em verdade, não pôde deixar de sor obrigatório o
INTERESSES PROVINCIAES 237
ensino onde existo escola : nada mais justo que coa-
gir, por meio de penas adequadas, os pais e tutores ne-
gligentes, e sobretudo os que se obstinem em afastar
os filhos e pupiUos dos templos da infância.
Táo legitimo, como ó legitimo o pátrio poder, o qual
não involve certamente o direito desliumano do rou-
bar ao filho o alimento do espirito, — o ensino obriga-
tório é ás vozes o único meio de mover pais e tutores
remissos ao cumprimento de um dever sagrado. Nas
cidades, por exemplo, onde haja escolas suííicientes,
como não sujeital-os a multas, ou a trabalhos e prisão
no caso de reincidência? Entretanto, com razão ad-
verte o Sr. Laboulaye, melhor fora evitar esta triste
necessidade *; antes se abram, por toda aparte, como
nos Estados-Unidos, escolas dignas deste nome : sua
força de attracção é sempre irresistivel.
O principio do ensino obrigatório deixou, porém, de
ser novidade. Não se podo desconhecer, ponderava o
Sr. Forster á camará dos coromuns, quanto ultima-
mente se tem propagado a doutrina do ensino obriga-
tório, á qual esse ministro se dizia um recente con-
verso. Recalcitrante c adepto recente, tãobem se con-
fessava, na mesma noite, SirJohn Packington, um
dos chcx^es da opposição conservadora. Consagrando
o principio da obrigação, sob pena de multa contra os
pais negligentes, naquelles lugares onde as juntas de
educação o intendessem útil e necessário, alei proposta
ao parlamento inglcz incontrou, por esse lado, a cen-
* Le parti liberal, XI.
238 PARTE TERCEIRA
siira dos que preferem uma regra geral e inflexível.
Tal é, em Inglaterra, a opinião até de illustres con-
servadores. Como todas as grandes idéas, essa faz o
seu gyro á roda do mundo : portence-lhe o futuro \
§ II. — Um systema efficaz de inMrucção consome muito
dinheiro. Justificação da taxa escolar y imposto ex-
clusivamente provincial.
Todos os esforços no sentido de combater a igno-
rância e a rudeza do povo, estacam diante da questão
financeira; porquanto é preciso convir nisto : — não
ha systema de instrucção efficaz sem dispêndio de
muito dinheiro '.
Para corresponder ás exigências de um regimen
politico baseado no suflFragioquasi universal, um ramo
somente dos interesses locaes, a instrucção popular,
careceria absorver toda a somma da actual receita de
cada pròvincia do império.
Que SG nao repute exagerado este conceito. Um só
cantão da Suissa, Zurich, com 266,000 habitantes,
gastava 600 contns com a educação primaria do seu
povo. Conhecem-se os algarismos fabulosos dos Es-
tados-Unidos: com 1,300,000 habitantes, o estado de
Massachussets gastava 4,000 contos. O de New-York,
«
* Adopta o principio, e solicita meios para a sua- execução no municipio
neutro, o Sr. ministro do império: Relatório de 1870, p. 38.
* V., quanto á Europa, os algarismos do Sr. M. Block, VEurope politique
et sociale, 1869; parte U, cap. 3.
IISTERESSES PROVINCIAES 239
que em 1866 despendera 13,200 contos (cerca de dois
doUars por habitante), já liavia até entào immobili-
sado na construccão de casas de escola e seus terrenos
a somma de 24,300 contos * . O da Pennsylvania,
onde se contam 17,142 professores e 16,381 escolas,
não desembolsou em 1869 menos de 7,000 contos, ava-
liando-se entào em 28,000 o capital empregado na
sua propriedade escolar.
Na razào de dollar por liabitante é a despeza
qne fazem com a instrucção muitos dos Estados-Uni-
dõs, posto que alguns excedam esse termo médio.
Para que o Brazil seguisse tào previdente politica, não
bastaria, com efíeito, a receita das suas vint ) provin-
das, que aliás applicam ao seu atrazado e lento en-
sino publico a modestíssima quantia de 2,680 contos,
inferior á. metade do que despende com o mesmo ser-
viço só a cidade do New-York.
As consignações actuaes dos orçamentos geral e pro-
vincial para o serviço da instrucção nao dão eviden-
temente um resultado satisfatório. Baste notar que
ellas não excedem a 336 reis por habitante % emquanto
* A somma gasta com a instrucção só na cidade de New- York é quasi me-
tade da despeza de todo o estado com este seiviço. EUa attingiu a 2,900.000
dollarsem 1868,sendodesta enorme quantia 1,697,000 dollarsapplicados a salá-
rios de professores e empregados, e 640,000 a novos palácios de escolas, re-
paros, etc. New-York, que alias mantém 2,500 professoras e professores das
escolas publicas, gasta, portanto, cerca de 3 dollars por habitante. Na mesma
proporção, devera a instrucção da cidade do Rio de Janeiro, á qual se desti-
nam cerca de 350 contos, consumir 2.400 , tanto quanto despede actual-
mente o império inteiro.
' Si na província do Rio de Janeiro, que despende 433 contos com todo o
serviço da instrucção (orçamento de 1869) , e que se diz ter um milhão
240 PARTE TERCEIRA
que a módia dos Estados-Unidos aproxima se de dez ve-
zes mais, e em algumas cidades é vinte vezes maior.
A taxa escolar forneceria um valioso contingente
ao orçamento da instriieoao.
Não ha, bem sabemos, assumpto mais ingrato e
mais impopular que a proposição do impostos. En-
tretanto, nào ha também necessidade mais geral-
mente reconhecida que o augmento dos rendimentos
das provincias.
A impopularidade de tributos novos resulta princi-
palmente dos fins anti-econoniicos a que se destina o
sau producto. Quando, porém, se pedem ao povo con-
tribuições para melhoramento das condições sociaes,
c nao para emprezas politicas', guerras ou dividas de
guerra, as vantagens do resultado em perspectiva
sua visam o sacrifício, fazem mesmo esquecel-o.
Em rogra, não é prefcrivel o imposto com appli-
cação especial; mas, em certos -casos, mormente para
serviços locaes, é esse o meio de corri^j-ir a tendência
para o abuso das imposições od^ conciliar-lhes o favor
popular. As grandes medidas para a salubridade e or-
namento das cidades executam-se mais facilmente me-
diante taxas cujo emprego especial é avaliado e logo
apreciado pelo municipe contribuinte, do que por con-
signações de um orçamento englobado, que não se
de habitantes, a módia é de 433 réis; na de Minas-Geraes, a quem se attri-
buem um milhão e meio e que apenas gasta 335 contos, ella é somente de 223
réis. Segundo o Sr. ministro do império (relatório de 1870, p. 30) a média
dadespcza nol3razil é 378 réis por habitante livre: nào ha razão para exceptuar
dedte calculo os escravos. O total da despeza do ensino primado e secundário,
inclusive o municipio neutro, é 3,030 contos, conforme o mesmo documento.
INTERESSES PROVINCIAES 241
altêa sem a mais viva resistência. O mesmo dizemos
da instrucção, o mais ponderoso dos assumptos com-
ine ttidos ao governo local.
Acaso p subsidio litterario, insaiado ainda sob o
regimen colonial, seria agora repellido como um sa-
crificio excessivo? Esse subsidio ou taxa escolar é, em
nosso intender, a fonte de receita de que as provin-
das não devem privar-sepor mais tempo.
EUa incontraria, nós o acreditamos, o mais .bené-
volo acolhimento. Que se patentêe ao povo a sua in-
ferioridade quanto ao verdadeiro progresso social, e
lhe custará comprebender como se pôde abandonar
tanto o mais vital dos so,us interesses, e como a pre-
tendida repugnância dos contribuintes só serviu de
pretexto aos governos para fazerem a mais repro-
ductiva das despezas publicas, para preencherem a
maior das nossas necessidades, a indeclinável neces-
sidade da instrução elementar e profissional.
Antes de tudo, se advirta que a nova imposição não
repelle o principio constitucional de que o ensino
primário é gratuito ; porquanto, por esse principio se
deve rigorosamente intender — a prohibição de qual-
quer tributo pago pelo alumno, sob a forma de matri-
cula ou outra similhante. A taxa escolar, que propo-
mos, assenta, não sobre o alumo ou o numero de
alumnos em idade escolar, mas na base commum das
outras contribuições, a população inteira. Assim como
cada habitante concorre para as despezas de illumi-
nação, aguas, esgotos, calçadas, estradas e todos os
melhoramentos locaes, assim contribua para ô mais
A PROV. 31
242 PARTE TERCEIRA
importante delles, a educação dos seus concidadãos,
o primeiro dos interesses socíáes em que todos so-
mos solidários.
Sem transpor os limites deste esboço, passamos a
indicar abreviadamente como compreliendemos a taxa
proposta.
Ella compôr-se-ia de uma dupla imposição, a local
e a provincial, servindo a segunda de subsidio para a
deficiência da primeira, e ambas applicadas á despeza
particular das escolas de cada localidade.
No municipio (tomamos a unidade administrativa
actual, sem prejuizo da base preferida pelas assem-
bléas, parochia ou municipio) a taxa escolar consisti-
ria em úma contribuição directa paga por cada habi-
tante ou por cada família *.
Na provincia a taxa escolar consistiria em uma por-
centagem addicionada a qualquer dos impostos direc-
tos, o pessoal ou a decima urbana, por exemplo. Seu
producto acresceria á contribuição local, necessaria-
mente modesta no primeiro insaio, até que o povo
abraçasse cordialmente o novo systema, apoiando sem
reluctancia, como nos Kstados-Unidos, todas as com-
binações destinadas a augmontarom o orçamento dít
instrucçSo.
Nem pareça singular a idéa de taxas addicionadas
^ A idéa de uma certa contribuição da parochia para o ensino já se depara
no projecto de reforma das municipalidade» otrerecido polo Sr. ministro do
império em 1869 (arts. 74, § 2?, 84 in fine e 75). Sem a reorganisação do en-
sino, não parece manifesta a utilidade de similhante sacriticio, que, aliás, se-
gundo o projecto, não constitua um recurso normal, mas receita extraordi-
nária das localidades, quando fór autorisada.
INTBRES6EÔ PROVINCIAES 243
a impostos directos para tal fim. Assim o foi em Fran-
ça, e ainda é. Desde a antiga lei de 10 de abril de
1817, era licito ás communas applicarem ao custeio das
suas escolas gratuitas oproducto da imposição extraor-
dinária de quatro cêntimos addicionaes ao principal
de quatro contribuições directas (a territorial, a pes-
soal, a movei ea de patentes). Para occorrer ás gran-
des despezas a que tem elevado o seu orçamento da
instrucção, a edilidade de Pariz ha gradualmente aug-
mentado essa taxa, que boje parece ser de 7 cêntimos,
produzindo 2,800,000 francos especialmente destina-
dos ás escolas da infância. Outras verbas da receita
municipal fazem attingir a 7 milhões a despeza do
ensino pago pela capital da França. *
§ III. — Applicação da taxa escolar. — Organisação
do ensino na^ provindas.
O imposto que propomos, estreitamente se liga a
um novo programa do ensinb publico, impraticável
com os estreitos recursos actuaes.
A taxa directa cobrada nos municipios e a impor-
tância da porcentagem provincial addicionada a um
dos impostos directos, teriam o seguinte emprego ex-
clusivo :
^ Journal dcs Economistes; fevereiro de 1869, p. 317.
244 PARTE TERCEIRA «
Salários dos professores e seus adjuntos * ;
Aluguel de casas, onde ainda não houvesse pré-
dios especialmente construídos para escola ;
Custeio e conservação destes estabelecimentos ;
Vestiaria e soccorros dos meninos indigentes ;
Instrucção primaria dos adultos.
Calculada a somma destas despezas, conhecer-se-ia
a da taxa escolar, ou a importância a repartir com
igualdade entre a contribuição local e a provincial.
Na ausência de estatísticas dá população, — neg-li-
gencia sem nome no numero dos nossos descuidos, —
proceder-se-ia no começo ao acaso, mas não é de ou-
tro modo que se dirige tudo o mais no Brazil : não
sirva isso, pois, de objecção.
Também se não diga que a taxa municipal bastaria
geralmente para as despezas da localidade. Nós sup-
pomos um systema intelligente de ensino publico,
professores bem remunerados, em numero correspon-
dente ao dos alumnos, escolas cm cada districto den-
tro de certa área, em summa um systema inverso da
mesquinha e estéril organisação actual.
* Suppomos salários correspondentes aos novos encargos do mestre. Ele-
Yem-se os ordenados : haverá então concurrencia de pessoas idóneas. O ma-
gistério será a estréa de moços dignos, e o futuro de grande numero das se-
nhoras brazileiras. A reforma da instrucção ^, ''ainda por este lado, obra emi-
nentemente moralisadora. Contam-se nos Eslados-tJnidos 200,000 professoras
6 somente 150,000 mestres : nesse prodigioso algarismo de 350,000 pedagogos,
as mulheres representam 70 ^o- Ha cidades, comoBaltimore, onde o magistério
é profissão quasi exclusiva das mulheres, que aliás, como se sabe, já exercem
muitos dos empregos públicos, quer nas repartições federaes. quer nas
dos estados. Isto, melhor que tudo o mais, revela a força e prediz o futuro
da união anglo-americana : é a terra onde a mulher não se considera inferior
ao homem, e muitas vezes lhe é superior.
INTERESSES PROVINCIAES 245
Mas a instrucçao, como a mór-parte dos serviços
públicos, nào é interesse puramente local; pelo con-
trario, a sua organisação completa suppõe que func-
cionem consoantes certas molas de um mecanismo
superior. Para estas outras despezas eminentemente
provinciaes devem de contribuir solidariamente todos
os habitantes de uma mesma provincia.
E' assim que continuariam afiguramos cruzamentos
de todas ellas as consignações hoje votadas para a ins-
trucçao. Estas consignações, que aliás dever-se-ia aug-
mentar cada anno, alliviadas das despezas com escolas
primarias, forneceriam mais valiosos recursos, nào só
para o ensino secundário profissional, como principal-
mente para as necessidades gcraes da própria instru-
cçao elementar.
Nào falíamos aqui das sciencias especulativas, das
bellas-letras e das bellas-artes, cujo estudo nfío é as-
piração do maior numero. Estabelecimentos próprios
pnra taes estudos, seja dito de passagem, devera o go-
verno geral mantel-os, em varias zonas do império,
entregando-os a eminentes professores estrangeiros, a
exemplo do Chile, da Austrália e de Buenos-Ayres
agora.
A importância votada para a' verba — instrucçao
nos orçamentos provinciaes consagrar-se-ia, como
dicemos, ás necessidades communs a todas as escolas
de uma mesma provincia. Taes são :
A construcçào de casas de escola próprias, que são
esscnciae.5 para o desempenho dos methodos aperfei-
çoados de ensino ;
246 PAttTB TERCEIRA
O fornecimento de mobilia, utensílios, modelos e
livros escolares, acommodados aos methodos ;
A formação de bibliothecas populares, e divulgação
de livros de leitura ; *
Os cursos nocturnos para adultos :
As pensões dos professores aposentados ;
As escolas norraaes para professores primários ;
O serviço de inspecção e direcção das escolas pu-
blicas, que inspire a máxima confiança.
Quantos assumptos da maior gravidade a exigirem
cada um o seu exame particular ! Não cabe tratal-os
aqui, mas releve o leitor ainda algumas considerações
finaes.
Não sao escolas elementares do ahcy como as ac-
tuaes, que recommendamos ás provincias. O systema
que imaginamos, é muito mais vasto. E* o ensino
primário completo, como nos Estados-Unidos, único
sufficiente para dar aos filhos do povo uma educação
quo a todos permitta abraçar qualquer profissão, e
prepare para os altos estudos scientificos aquelles que
puderem frequentai os. O programa dos estabeleci-
mentos públicos da União ( com^tnonschools , free-
schools) comprehende, com effeito, muito mais do que
geralmente se suppõe ; elle abraça o ensino primário
* Nâo possuímos nem uroa versão popular da Bíblia I A de Fígueredo, cm
liuguagem obsoleta, dicção obscura e no gosto da época, tira á poesia bíblica
a magestosa simplicidade do seu estylo, que totalmente desfigura. Uma
versão parcial, com a carta da Palestina e nundo antigo, estampas e diccio-
narios explicativos, sem commentos ccclcsiasticos, seria o mais bello livro
popular.
INTERESSES PROVINCIAES 247
de todos OS graus, o das «escolas reaes » da AUe-
manha, e o secundário especial que fornecem os ly-
ceus de França. Cora o curso propriamente elementar,
com o de grammatica, o o de scieucias das kiffh-schools,
os alumnos obteem, além do conhecimento das lin-
goas, noções de litteratura e historia, de geometria o
álgebra, de chimica, physica e historia natural, em
uma palavra, as bases da educação chamada pro-
fissional.
Como nos Estados-Unidos, o ensino devera nos
campos ser o mesmo que nas cidades ; geral, sem dis-
tincção de territórios ; geral ainda, sem distincção de
sexos. Ambos os sexos, nas mesmas casas, simulta-
neamente, receberiam a mesma instrucçâo. E não re-
commendamos as escolas mixtas pela economia so-
mente, que alias é considerável no ensino commum
dos dous sexos ; mas principalmente pelo magnifico
estimulo e fecundos effeitos moraes da união dos dous
sexos desde a infância.
Dispam-se dos prejuizos europeus os reformadores
brazileiros: imitemos a America. A escola moderna,
a escola sem espirito de seita, a escola commum, a
escola mixta, a escola livre, é a obra original da de-
mocracia do Novo-Mundo.
Mas, pois que nos achamos em paiz eminentemente
agrícola, não esqueçamos que « o ensino primário tem
sido até hoje dado em sentido anti-agricola, e que é
preciso ajuntar-lhe noções siimmarias de lavom^a e
horticultura, elementos de nivellamento e agrimen-
sura, principies de chimica agricola e de historia na-
248 PARTE TERCEIRA
tarai, e, para as meninas, lições de economia do-
mestica. » *
Das escolas profissionaes são as agrícolas sem du-
vida que mais precisamos. Ha muito, devora o governo
central fundal-as em quatro, pelo menos, as provín-
cias, Maranhão, Pernambuco, Rio-Grando e Minas ,
aproveitando nesta o ínsaio começado pela companhia
União e Industria. EUe poderia também promover o
estabelecimento de taes escolas em cada uma das ou-
tras, contribuindo, da sua parte, com a despeza de
engajamento (na Europa ou nos Estados-Unídos) de
professores competentes e seus ordenados, com o for-
necimento do material preciso, a compra de terrenos
e a construcção das casas. Fizesse cada província o
custeio annual, pouco oneroso aliás. Em compensa-
ção, devora o governo obter de todas ellas a consa-
gração da seguinte regra, que reputamos efficaz para
assegurar a frequência dos novos estabelecimentos :
O curso da escola agrícola será requisito indispensá-
vel para os candidatos aos empregos provinciaes de
ordenado superiora 800S, por exemplo.
E' bem estranho, sem duvida, que a província do
Rio de Janeiro, cuja renda se aproxima de 4,000 con-
tos, não possua uma aula ao menos dedicada á la-
voura, quando devera de ter um estabelecimento nor-
mal desse género. Cada estado da União americana
procura fundar o seu, engajando os mais hábeis pro-
fessores, os homens mais práticos nesse ramo dos co-
* Leonce Lavergoe ; íiévue des áeux monáesj 15 de novembro de 1868.
INTERESSES PROVINCIAES 249
nhecimentos. Alguns dos institutos norte-americanos
são escolas-modelos, não somente pelo seu material,
como pela excellencia do ensino que nelles se offerece
aos jovens destinados á grande industria nacional, que
ali se aperfeiçoa incessantemente, a agricultura \
Nâo menos úteis e urgentes parecem as escolas
de minas, e, todavia, mais de uma provincia possue
thesouros immensos que apenas aguardam uma in-
dustria menos imperfeita e um trabalho mais intelli-
gente.
Tudo nos falta, de tudo carecemos neste ramo prin-
cipal dos interesses sociaes, a instrucção do povo.
Ao envez das tendências do século, o que possuimos
nós? escolas de aí c, estas mesmas raríssimas, sem
edifícios próprios, sem mobilia e utensis, e, peior que
tudo, sem mestres idóneos : e, fora disso, algumas au-
las de latim espalhadas aqui e ali.
Estudos clássicos, estudo das linguas mortas, não éo
que necessitamos mais : haja liberdade de ensino, e
não faltarão coUegios particulares, onde as classes
abastadas mandem educar e aperfeiçoar seus filhos
no gosto da antiguidade. Demais, é um erro manifesto
confundir o ensino clássico com essas imperfeitas e
insufficientes aulas de latim, onde nem se aprende a
lingua de Cicero, e muito menos se estuda a grande
litteratura do século de Augusto. Para a maior parte
dos moços, as versões ecommentarios dos interpretes
* V. no Beport of the Commissioner of agriculture^ do anno de 1865,
pp. 137 a 186, a descripçap dos collegios agrícolas de vários estados.
A PROV. 32
250 PARTE TERCEIRA
modernos bastam a revelar o génio das letras antigas.
Si isto nao constitue litteratos e eruditos de profis-
são, também não foi preciso mais para preparar
poetas como Béranger, escriptores como Rousseau,
nem o será para inspirar o gosto e formar o coração
dos nossos jovens na contemplação das grandes
scenas da antiguidade * .
Este modo de conceber a reforma da instruccão nas
provincias involve graves questões, que só cada uma
delias poderá resolver satisfactoriamente. Assim,
quem deve de escolher os professores? Em alguns lu-
gares melhor fora que, como nos Estados-Unidos,
houvesse commissarios especiaes da instruccão publi-
ca eleitos pela municipalidade, e lhes pertencesse
nomear o professor e inspeccionar o ensino nos seus
districtos. No começo, entretanto, todo o serviço po-
deria ser concentrado nas capitães, dependendo di-
rectamente do secretario da instruccão.
Para manterem escolas normaes dignas deste nome,
deveriam as provincias mais visinhas intender-se,
associando-se por grupos, o que lhes fora muito mais
proveitoso que a acção isolada do cada uma.
* B. P. de Vasconcellos, na admirável Carta aos eleitores mineiros (S. João
d'El-Rei, 1827), dirigia-se nestas palavras aos conselhos geraes das provín-
cias: « Attcntem os conselhos qi:c o conhecimento da língua latina só cons-
pira a fazer nos conhecer alguns homens de génio da antiguidade, cujas obras
se podem ler hoje nas línguas vivas em que foram traduzidas ; que o estudo
desta língua é verdadeiramente de luxo, e que a principal obrigação do go-
verno 6 ministrar com preferencia aos povos os meios de instruccão neces-
sária, e estes. nos faltam. » (P. 97.) — O professor de Oxford, M, Arnolds, com
idêntico fundamento, exibe a mesma opinião em um recente relatório sobre
a instruccão secundaria na Europa (School in Continent).
INTERESSES PROVINCIAES 251
Preferimos, em regra, a iniciativa do governo local
á acção collectiva, a variedade á centralisação, porque
esta conduz quasi sempre á inércia, e a variedade da
iniciativa provincial fomenta incessantes aperfeiçoa-
mentos, desperta o zelo e a emulação entre as pro-
víncias. Todavia, estamos de tal sorte convencido de
que não ha salvação para o Brazil fora da instrucção
derramada na maior escala e com o maior vigor, que
para certos fins aceitaríamos também o concurso do
próprio governo geral, ao menos em favor das me-
nores provincias e durante o período dos primeiros in-
saios. Assim, para se crearem verdadeiras escolas
normaes, instituições cuja utilidade depende de sub-
^^nçoes generosas, fora bem cabido um auxilio do Es-
tado, cuja missão aliás, — não o desconhecemos, — c
propriamente reerguer ou antes fundar os estudos su-
periores.
Ora, tantos estes últimos como as escolas normaes
não podem prosperar sem attrahir-se dos focos da
sciencia professores que venham propagal-a, legando
ao futuro uma geração de moços illustrados e de mes-
tres idóneos. Assim acaba de proceder o congresso da
Republica Argentina, autorisando o contracto de vinte
professores para o ensino de sciencias especiaes na
universidade de Córdova e nos collegios nacionaes.
Nem nós carecemos de lei que permitta o engajamen-
to. A de 23 de oitubro de 1832 (art- 2° § 5°) o con-
sente implicitamente quando concede a naturalisação
immediata aos estrangeiros « que por seus talentos e
litteraria reputação tiverem sido admittidos ao magis-
252 PARTE TERCEIRA
terio das universidades, lyceus, academias ou cursos
jurídicos. »
Tal e o vasto programa de ensino, que devem as
provincias esperar do restabelecimento da sua auto-
nomia administrativa. Já começam ellas a reconside-
rar os estreitos regulamentos, imitações infelizes dos
decretos e portarias do municipio neutro ; já algumas
proclamam a liberdade do ensino particular, e a
assembléa do Rio de Janeiro, votando igual medi-
da, acaba de iniciar alguns úteis, posto que modestos
projectos de reforma, os quaes, é licito crel-o, te-
rão em breve o seu complemento . *
O próprio governo central, até hoje tão indifferente
a este gravissimo objecto, pareoe inclinar-so ás idéas
que temos sustentado. Revelando, com a mais louvá-
vel franqueza, a msufficiencia e inferioridade, sinão
a nuUidade do nosso ensino publico, o Sr. ministro
do império, no relatório de 1870, acaba de confirmar
quanto dicemQS sobre a nossa triste situação. O
governo imperial, que nào consente medrar a liber-
dade no Brazil, é que depõe contra si mesmo, at tes-
tando a sua incapacidade administrativa, confessando
a negligencia de que o accusamos, e o proverbial de-
leixo dos seus agentes. '
* o primeiro desses projectos (ambos de dezembro de 1869) abre o cre-
dito annual de 50 contos para a coostrucção de casas de escola ; concede
maiores vantagens aos professores ; augmenta o numero destes e dos seus
adjudantes; crêa mais escolas ; e admitte as escolas mixtas para meninos e
meninas até á edade de 9 annos. Reformando a escola normal da provinda ,
coiisigna o segundo 50 contos para erecção de um edifício próprio : exclue,
porém, as mulheres do estudo da álgebra e geometria, matérias para que»
segundo a experiência americana, teem ellas muita aptidão.
« « E' com verdadeira mágua que vejo- me obrigado a confc-sar que em
INTERESSES PROVINCIAES 253
Depois de tão solemne confissão, só ha para elle
um meio de resgatar sua enorme culpa : acção deci-
siva, impulso efficaz, reformas perseverantes, largas,
completas, sem receios e sem hesitações.
Comprehendam governo e povo que não ha mais
urgente reforma: a emancipação do escravo o exige,
porquanto ella ha de proseguir a sua marcha fatal
poucos paizes a instracção publica se achará em circunstancias tão pouco li-
songeiras, comono Brazil. Não dissimulo a verdade, porque devo manifes-
tar-vol-a inteira, e de seu conhecimento ha de provir, espero cora inaba-
lável confiança, o remédio a tamanho mal. » Relatório de 1870, p. 39.
« Em algumas províncias a instrucção publica mostra-se em grande atra-
zo ; em outras, em vez de progredir, tem retrogradado ; conservando-se
aqui estacionaria, ali andando coma maior lentidão . Em poucas é sensível
o progresso ; em nem uma satislpiz o seu estado pelo numero e excellencia
dos estabelecimentos de ensino, pela frequência e aproveitamento dos alumnos,
pela vocação para o magistério, pelo zelo o dedicação dos professores, etc.
« Em muitas províncias tem-se reformado, rcforma-se e trata-se de refor-
mar a organisação do ensino : mas não se tem cuidado, quanto conviria, no
principal — que é espalhal-o Gscalisar, os que delle estão incumbidos, para
que effectivamente se distribua, haja ardor em promovel-o e desvelo em
attrahir alumnos ás escolas, ensinando-se o mais possível, e ao maior nu-
mero possível. » Idem, p. 40.
« Pela maior parte os professores hão se esmeram ou não teem a aptidão
necessária para tornar proveitoso o ensino aos alumnos, dando-lh*o no mais
curto espaço de tempo. Os pais cançam de esperar algum resultado, des-
animam das vantagens da frequência dos filhos na escola, etc., etc. »
P.U.
« A falta de edifícios apropriados com as precisas condições hygienicas,
com acomodações espsciaes ao fim a que se destinam, é uma das maiores
ditUculdades com que lutamos. . . Acresce ainda em muitas províncias a falta
de moveis e utensis adequados para as escolas. »
« Em algumas provindas, da remoção dos professores se tem mais de
uma vez feito arma eleitoral.» P. 45.
A respeito do município neutro, cujas escolas se acham sob a immcdiata
direcção do governo imperial, diz o relatório: «Apenas 9,311 alumnos fre-
quentaram em 186'J as escolas publicas e particulares do município da corte.
Este algarismo dispensa commentarios. » P. 38.
264
PARTE TERCBIRA
por entre dous perigos, o instincto da ociosidade e
o abysmo da ignorância. Diminui o segundo; tereis
combatido eficazmente o primeiro.
Fatal punição ! os paizes onde o trabalho é forçado,
sáo aquelles justamente onde o próprio homem livre
é mais ignorante. A indiíFerença pela instrucçào é
um dos signaes da escravidão. A olygarchia dos pro-
prietários, ou seus representantes nas assembléas e
no poder, não tomam interesse algum, em paizes taes,
pelo ensino popular. Com effeito, quanto á própria
população livre, occupa o Brazil o lugar da lista que
os Bourbons legaram a Nápoles: um alumno por 90
habitantes, no século em que reputa-se infeliz o povo
que não contempla nas suas escolas um menino por
7 habitantes. E será hyperbole dizer que neste ponto
de honra dos povos modernos, acha-se nossa pátria
fora do século XIX ? Ajuntai a coexistência do tra-
balho escravo : não é o século XVI ou XVII, quaes-
quer que sejam as apparencias de algumas capitães
marítimas?
Uma lei da divina harmonia que preside o mundo,
prende as grandes questões sociaes : emancipar e ins-
truir é a forma dupla do mesmo pensamento politico.
O que haveis de offerecer a esses entes degradados
que vão surgir da senzala para a liberdade? o baptis-
mo da instrucçào. O qne reservareis para suster as
forças productoras esmorecidas pela emancipação? o
ensino, esse agente invisível, que, centuplicando a
energia do braço humano, é sem duvida a mais pode-
rosa das machinas de trabalho.
INTERESSES PROYINCIAES 255
CAPITULO II.
EMANCIPAÇÃO.
Que poderíamos nós dizer de novo sobre «essa exa-
geração sacrílega do direito de propriedade», a es-
cravidão ?
Não é para assignalar-lhe as tendências e descre-
ver-lhe o caracter, que a comprehendemos no quadro
deste estudo. Não se trata mais no Brazíl, felizmente,
de ponderar a gravidade deste crime, « resumo de to-
das as infâmias » ; trata-se agora de applícar ao vício
hereditário remédio prompto e efficaz, a desapro-
priação por utilidade publica, de que fallava Lamar-
tine.
Mas quem ha de emprega-lo? o Estado somente?
não haverá, porventura, fia obra da emancipação, ta-
refa bastante para as províncias? Eis o lado por onde
o sombrio problema toma lugar na reforma descen-
tralisadora.
§ I. — O Estado e a emancipação.
Que do governo nacional dependem as mais directas
medidas sobre este assumpto, escusado é demons-
tral-o.
256 PARTE TERCEIRA
O immediato reconhecimento da condição ingénua
dos recemnascidos ;
As providencias sobre serviços dos filhos de es-
cravas, até certa idade ;
As garantias do pecúlio, da alforria forçada, da in-
tegridade da familia, do processo judiciário, da igual-
dade perante a lei criminal ;
A liberdade dos escravos que prestarem serviço re-
levante, e dos da nação, das communhões religiosas,
das companhias anonymas, do evento, das heranças
vagas e daquellas onde não houver herdeiro de certo
grau;
A matricula de escravos e seus filhos ;
Finalmente, a gradual alforria dos captivos actuaes:
São, ninguém duvida, assumptos próprios da lei
geral \
A ultima destas medidas, porém, acaba de ser an-
tecipada por varias provincias, que consignaram em
seus orçamentos verba especial para o resgate de
captivos. Nada impede que, cumulativamente, empre-
gue o Estado maiores recursos para o mesmo fim.
Mas, neste ponto, quanto á escravatura existente,
não poderia ser mais decisiva a acção do governo su-
premo?. Assim o intendem aquelles que recommen-
dam a fixação de um prazo (20 ou 30 annos) para a
extincção definitiva do regimen servil em todo o im-
pério. Quanto a nós, conforme já foi mui sabiamente
1 EiiAê são, em geral, as idéas do projecto em 1868 elaborado pelo conselho
de estado, e dos offerecidos» a 31 de maio de 1870, pelos Srs. deputados Per-
digão Malheiro e Araújo Lima.
INTERESSES PROVINCIAES 257
ponderado, nem isso fora prudente, por abalar a pro-
priedade, nem é necessário, pois que, libertado o ven-
tre e com o acréscimo das alforrias espontâneas ou
forçadas, em poucos annos a estatistica acusará um
numero tão reduzido de escravos, que poderá o Es-
tado decidir-se a emancipal-os todos em muito mais
curto prazo.
Caberia, entretanto, ao governo central mui im-
portante tarefa : estimulando as provincias a augmen-
tarem as consignações annuaes para alforrias, devera
adjudar nisso aquellas que possuam insignificante
numero de captivos, ou resgatar á sua custa a escra-
vatura dessas mesmas provincias, uma apóz outra.
a Abolição gradual da escravidão por provincias,
começando pelas fronteiras com os estados limitro-
phes e pelas que menos escravos possuirem, » tal é
aidéa que desde 1865 indicámos em carta ao secre-
tario da British and foreign anti-slavery society. Seja-
nos licito repetir as considerações que a propósito fa-
ziamos :
« Nas primeiras provincias (as da fronteira), dizía-
mos nós, a emancipação dever-se-ia effectuar imme-
diatamente com indemnisação; nas outras, (as que
possuirem poucos escravos), sem indemnisação, dentro
de um prazo conveniente.
« As provincias do Amazonas, Pará, Mato-Grosso,
Rio-Grande do Sul, Santa Catharina e Paraná, limi-
tadas pelos paizes circumvizinhos (Guyanas franceza,
ingleza e hollandeza, Venezuela, Nova-Granada,Perú,
Bolivia, Paraguay, Republica Argentina eUruguay),
A PROV. 33
258 PARTE TERCEIRA
em nenhum dos quaes se permitte a escravidão, são,
justamente por isso, perigos permanentes para a
tranquillidade interna e para a defeza do Estado. Na
ultima guerra com o governo de Montevideo, ena
actual com o Paraguay, os chefes das forças inimigas
traziam sempre a missão de sublevar os escravos do
Rio-Grande; e ninguém ignora que este recurso, posto
que bárbaro, si fosse efficaz, causar-nos-ia grandes
desastres. A escravidão nas provincias fronteiras é,
pois, na realidade gravissimo elemento de fraqueza
militar.
« Além disso, em tempo de paz, a fuga de escravos
para os territórios vizinhos, e outros factos promo-
vem conflictos e amarguram algumas de nossas ques-
tões internacionaes. Ainda ha pouco, noticia-se do
norte a fuga de escravos do alto Amazonas para o
território do Peru, e uma considerável evasão de
outros do Pará para a Guyana franceza. As discus-
sões que provoca a extradição de escravos evadi-
dos pela fronteira do Rio-Grande do Sul, as ques-
tões que tem isto originado, a serie de reclamações do
governo oriental contra o brazileiro, renovadas ainda
recentemente em 1834, a difflculdade em se cumpri-
rem os tratados de extradição, o constrangimento
que a sua execução produz, e os abusos dos Rio-gran-
denses que nas suas estancias do Estado Oriental que-
rem conservar a escravidão, ainda que dissimulada
sob a forma de contratos de engajamento com prazos
enormes (10, 15 e 20 annos) ; tudo isso conspira para
abolir-se a escravidão na grande província fronteira
do Sul.
INTERESSES PROVINCIAES 259
« Entretanto , é justamente aquella que pri-
meiro podia dispensar escravos. Como em Santa-
Catharina, verdadeiro prolongamento do Rio-Grande,
seu clima é muito mais ameno que o das outras pro-
víncias, e menos áspero que o do Rio da Prata. O Rio
Grande é o jardim da America meridional; ali o tra-
balho agricola, nas colónias, é exclusivamente
exercido por homens livres... A' excepção de certos
municipios, nos outros é minima a proporção dos es-
cravos para a população total. Além disso, a corrente
de emigração está já estabelecida para essa parte do
império. — Outra provincia fronteira, a do Amazonas,
onde o indio é o trabalhor do campo, o barqueiro e o
criado, apenas possue... um escravo por 46 livres, ou
pouco mais de 2 ''{o. Santa Catharina, Paraná e Es-
pirito-Santo contam igualmente poucos captivos. Ha
além disso provindas não fronteiras, como a do Ceará,
onde a agricultura é quasi exclusivamente praticada
por braços livres. Nessa mesma, no Rio Grande do
Norte, na Parahyba, em Alagoas e até em Pernam-
buco, no trabalho do campo, na cultura do algodão
principalmente, e na da canna de assucar, são empre-
gados homens livres, a salário, em escala que pro-
mette subir. Outro tanto acontece no interior do
Maranhão. »
Tão felizes circunstancias permittiriam , em nosso in-
tender, relativamente a taes provincias, medidas mais
promptas e seguras, x^inda nos parece este o modo
mais efficaz de exercer-se a acção do Estado quanto
aos escravos actuaes. Assim, as menores provincias.
260 PARTE TERCBIBA
especialmente as da fronteira , aquellas, como o
Ceará, onde o trabalho escravo é insignificante, ou
onde desde já pôde ser dispensado, como o Amazonas,
veriam em breves dias o seu território consagrado
para sempre á liberdade. Como documento da since-
ridade de nossa politica abolicionista, não houvera
mais eloquente testemunho: sem réplica seria facto
similhante. Por outro lado, esse processo simplificaria
a crise futura da producção, circunscrevendo-a a uma
região menor, de sorte que, quando no centro do im-
pério se experimentassem os seus eífeitos, outras
secçSes do paiz já estivessem florescendo sob o re-
gimen da liberdade. Finalmente, por mais generosas
que sejam as consignações votadas pelo parlamento
para alforrias annuaes, seu alcance fora quasi nullo
si disseminadas pelo Brazil inteiro. Repartidas so-
mente pelas provincias que indicámos, o resultado
será efficaz e palpável.
Deve o parlamento não hesitar na votação de fundos
consideráveis para a alforria de captivos. Entretanto,
uma operação financeira occorre que preencheria os
nossos designios sem acarretar novos encargos para o
contribuinte. Annualmente se amortisa no Rio de Ja-
neiro e em Londres o capital de nossa divida
fundada, e periodicamente desaparece, da verba res-
pectiva da despeza publica, parte dos juros corres-
pondentes aos empréstimos remidos. Propomos, pois,
que cada anno se emitta, para o resgate de escravos
de determinadas provincias, um numero de apólices
cujos juros não excedam aos eliminados nas verbas
INTERESSES PROVINCIAES 261
do serviço da divida fundada. Assim, poder-se-ha, no
primeiro anno, libertar os escravos do Amazonas, que
pouco excedem de 500 ; depois, os de Santa-Catharina,
ou Piauhy, ou Ceará, como mais exequivel e próprio
parecer ao parlamento. Suppomos, seja dito de pas-
sagem, indemnisaçáo razoável, mesmo superior ao
maximum das colónias inglezas (50 L por adulto),
mas excluídos velhos e crianças. E' de equidade pagar
a indemnisaçáo, desde que não se concede prazo.
Além das provincias de trabalho livre ou de in-
significante trabalho escravo, o mesmo processo po-
der-se-ia estender ás capitães e portos de commercio
directo. Nestes até parece exequivel medida mais
radical : a abolição simultânea decorridos cinco annos,
sem indemnisaçáo, prohibida, entretanto, a expor-
tação ou transfofcencia dos escravos. Sem esta clau-
sula a lei autorisaria as maiores crueldades, conse-
quências inevitáveis de vendas precipitadas.
Qualquer que seja a solução preferida quanto aos
escravos existentes, ha providencias indeclináveis que
a moralidade e a honra dopaiz exigem do parlamento.
Queremos fallar da immediata suppressão do trafico
costeiro de escravos, ou de província a província,
ainda que pelas vias terrestres. Fomentando a ím-
moral industria da criação de escravos, o trafico cos-
teiro despovoa o norte, humilha o nosso pavilhão, e
converte o porto do Rio de Janeiro na antiga Cons-
tantinopla, grande mercado de carne humana, cloaca
"ínaxima de todos os ^vi cios e de todas as podridões da
escravidão. Ao navio que transporta negros, ao de-
262 PARTE TERCEIRA
posito que os recebe e vende, se pôde ainda hoje in-
flingir, com rigorosa exactidão, o estigma de Chan-
ning : « a maior reunião de crimes sob o mais limitado
espaço. »
Resta-nos, para concluir a primeira parte destas
observações, mencionar um ponto exclusivo da com-
petência central : é o lado por onde esta vasta questão
intende com as relações exteriores.
Para attenuar os effeitos da crise económica, —
inevitável, posto que transitório, resultado da eman-
cipação, — um meio se oíferece logo : alargar no
mundo o consumo dos nossos productos. Ora, este
consumo ó consideravelmente leduzido pelos exces-
sivos direitos que as diversas potencias cobram na
importação dos géneros tropicaes. Não poderiam a
Inglaterra, os Estados-Unidos, a All^imanlia do Norte,
a França, que absorvem todo o nosso café, assucar
e fumo, dar um bello exemplo da solidariedade dos
interesses, correndo em auxilio do trabalho livre,
quando o proclamássemos, abandonando a severidade
com que hoje tratam os productos do lavor escravo?
Estes fazem, com effeito, grande concurrencia aos
géneros similares do trabalho emancipado nas índias,
nas Antilhas e no sul da União- Americana : procla-
mada a liberdade no Brazil, restabelecer-se-ia o equi-
librio, os preços subiriam ao maximum d^onde ca-
híram ha trinta annos, cessando então nas colónias
europeaíf .e no meio-dia dos Estados-Unidos os effeitos
da crise da emancipação.
Recusaria a Grã-Bretanha dar o primeiro passo
INTERESSES PROVINCIAES 263
neste caminlio ? Agora qae suas receitas permittcm
tão largas reducçòcs de impostos, porque não renun-
ciará ás excessivas taxas sobre os géneros chamados
coloniaes? A philantropia, com que ha sempre pro-
cedido nesta questão humanitária, não lhe faltará
certamente na ultima phase do problema secular. A
perspectiva da diminuição dos direitos de entrada nos
portos europeus e norte americanos apressaria me-
didas abolicionistas mais radicaes. Fundamentando o
orçamento de 1870, o ministro da fazenda, Mr. Lowe,
alludiu á benéfica influencia que a diminuição de di-
reitos exercerá sobre o movimento emancipador ; e,
sob proposta sua, foi votada a reducção da taxa do
assucar á metade, medida que importa a perda de
2,250,000 L para o thesouro inglez. ííão é licito
suppôr que, com^igual decisão e a respeito de todos
os géneros tropicaes, proceda o governo britânico nos
annos seguintes, mormente vendo o Brazil e Cuba
abolirem a escravidão? Igual medida sobre o café,
que por si só forma metade de toda a exportação do •
império, fora muito mais efficaz auxilio na crise econó-
mica em que vai entrar nossa agricultura. Já solici-
tou-a o Sr. Crawford, presidente do banco de Ingla-
terra, ponderando que, em vez de augmentar, tem
diminuído muito o consumo de café" naquelle paiz,
facto que elle explicava pelo excessivo imposto de 3
pence por lifora (cerca de 50 por cento).
Ora, todas essas reducções de tarifas hão dS^ trans-
ferir para os portos inglezes grande parte da pro-
ducção das terras tropicaes ; motivo sufficiente para
264 PARTE TERCEIRA
que as outras potencias mapitimas não se detenham
em imitar o exemplo da Grã-Bretanlia.
A perseverança com que esta potencia resolveu os
vários problemas da liberdade commercial, desde a
revogação dos privilégios de bandeira sem dis-
tincçâo da procedência do producto , permitte
esperar que ella daria o novo passo mesmo
sem a exig-encia de reciprocidade. Si, todavia,
a apresentasse, não hesitariamos nós em aceitar a
condição. Todos os brazileiros conhecem que as taxas
da tarifa de nossas alfandegas são hoje absurdas, são
tributos de guerra. Cumpre incessantemente reduzil-
as, pelo menos, ao nivel das do Rio da Prata, pois,
entre as differentes vantagens que as republicas vi-
zinhas offer§cem ao emigrante europeu, se conta sem
duvida, entre as mais decisivas, a barateza da vida,
graças aos preços razoáveis de todos os artigos ma-
nufacturados. Por outro lado, decretada a emanci-
pação, acaso se cuida que o nosso operário ou lavrador
se resignem aos exagerados preços que hoje pagam
pelas mais indispensáveis commodidades, pelos pró-
prios instrumentos de trabalho? E' manifesto que,
por interesse do próprio Brazil, não hão de prevalecer
muito tempo os direitos actuaes, que alias reduzem a
importação e a renda correspondente. Um compro-
misso, pois, com as potencias productoras das mer-
cadorias de mais geral consumo no paiz, nos parece
razoável : não convertido em tratado commercial, mas
consignado em lei que consagre o principio da re-
ducção ánnua de tantos por cento nas taxas da tarifa,
tal compromisso nada teria de imprudente.
INTERESSES PROVINCIAES 265
Apóz a emancipação, as colónias inglezas e fran-
cezaslogo requereram, como justa compensação, a sua
plena liberdade mercantil, e o abatimento dos direitos
que dos seus productos cobravam as metrópoles. Já não
carecemos da primeira medida, graças á politica que
por toda a parte vai extinguindo os privilégios das
marinhas nacionacs, restabelecendo a igualdade dos
pavilhões; mas da segunda carecemos, e não podemos
dispensal-a. Comprehendam os nossos consumidores,
europeus e americanos, que suas marinhas estão vi-
vamente interessadas no mantimento da producção
brazileira, que as entretém e anima. O declinio da
nossa agricultura, que lhes fornece cerca de 180,000
contos de transportes annuaes, pôde prejudical-os di-
rectamente. Coadjuvem-nos, pois, aliviando os direitos
de entrada nos seus portos: possa o lavrador bra-
zileiro incontrar em preços mais remuneradores com-
pensação dos gastos de producção elevados pelo salário
do liberto, e pelas incertezas e contingências que no
começo hão de affligir os antigos proprietários.
§ II. — Missão das províncias.
Mais importante do que geralmente parece, é o
papel das provincias no movimento abolicionista.
São os poderes locaes que hão dè completar a obra
iniciada pelo Estado, pondo em contribuição, para o
fim commum, a estatistica, o imposto, a policia, a
justiça e a escola,
i PROV. 34
266 PARTE TERCEIRA
A providencia preliminar neste assumpto ó averi-
guar o numero de escravos, a sua distribuição peio
território e as profissões que exercem. Si é urgente
que o Estado organise o censo decennal, não é menos
forçoso que, auxiliando os commissarios nacionaes,
montem as provincias as suas repartições de estatis-
tica, pensamento que se acaba de iniciar na do Rio
de Janeiro. Indispensável para as medidas abolicio-
nistas, a estatistica permittirá também a reforma das
imposições locaes e o estabelecimento de um largo
systema provincial de taxas directas ^ Tanto basta
para recommendal-a.
O censo dos escravos fará conhecer o limite a que
cumpre elevar o fundo annuahnente destinado pelas
provincias para o resgate de captivos, e mostrará
quaes as regiões do império onde, sem o risco de crise
económica, poder-se-ia adoptar desde já a emancipa
cão simultânea, como acima indicámos.
Talvez produza a estatistica estranhas revelações : a
que se tentou no Ceará, em 1865, dava a proporção
de um escravo por 32 homens livres na própria comar-
ca da capital, e de 1 por 26 ou mais em liorescentes
districtos productores de café, emquanto outros ha-
via onde quasi todos os habitantes eram livres. Si o
mesmo facto se verificasse em diversas reg-iões do
Brazil, como aliás se pôde presumir, o problema da
emancipação perderia muito da sua gravidado. No
sul dos Estados-Unidos um terço dos nabitantes era
* Gap. VI, 8 6.
INTERESSES PROVINCIAES 267
escravo : dons estados havia (Mississippi e Carolina
Meridional), onde a população escrava era superior
á livre ; e não inferior em alguns. Ora, na opinião
do Sr. Souza Franco, em todo o Brazil haverá 4 ho-
mens livres parai escravo, sendo, porém, a propor-
ção de 3 : 1 no littoral do sul, de 6 : 1 no centro do
império, e de 7 : 1 no norte. Em província alguma,
nem no Rio de Janeiro, ha igualdade ; em outras é a
população escrava mui inferior á livre ; em algumas
quasi nulla. Este facto, que aliás é urgentissimo
averiguar por um censo completo, não só dissiparia
exagerados receios, como plenamente justificaria a
medida, em que insistimos, da abolição immediata e
simultânea nas províncias de insignificante trabalho
escravo.
Estas poderiam, por si mesmas, entrar resoluta-
mente nas operações da emancipação. Em vez de mó-
dicas consignações no orçamento ordinário, contra-
hissem um empréstimo, ou empréstimos periódicos,
que em poucos annos resgatassem todos os seus es-
cravos. Não soportaria a do Amazonas, por exemplo,
uma divida de 300 contos, sufficiente para a imme-
diata alforria de todos os seus 584 captivos, incluídos
velhos e crianças sem valor ? Os juros de tal emprés-
timo não são onerosos para o Amazonas, cuja receita
dobra em oito annos, e demais pouco excederiam á
consignação que já vota para resgates annuaes. O
mesmo dizemos quanto a outras em idênticas condi-
ções.
A consequência de tal medida é o parlamento pro-
268 PARTE TERCEIRA
Ilibir para sempre a escravidão na província que a
supprimir : na falta de lei neste sentido, nada obsta
que a respectiva assombléa lance sobre escravos ahi.
incontrados ou introduzidos imposto tilo elevado, que
produza o eíFeito da proliibição.
Não pareça uma excentricidade a idéa da interven-
ção provincial neste grave interesse publico. Foi
pelos estados particulares (os do norte o leste) que a
abolição começou na Republica norte-americana. Si
ella não pôde ser simultânea em todo 0'Brazil, pôde
sel-o immediata, ou com brevissimo prazo, em muitas
das províncias *.
Passemos aos impostos.
Taxas fortíssimas na introducção e na exportação,
seja por via terrestre ou marítima, do escravos deuma>s
para outras províncias, medida necessária emquanto
o parlamento não prohibir absolutamente esse trafico ;
* A mesma opinião manifestou o Sr. presidente da Bahia na falia á respecti-
va assembléa (1870J :
«Para attenuar a gravidade do objecto, dizia elle, seria talvez acertado
diminuir-lhe o volume, repartindo-o ; deixando ás provindas resolver
sobre os meios práticos de execução, que não podem ser idênticos em todas,
fixando alei geral o prazo fatal da completa" extincção do trabalho servil.
Provindas ha que podem em poucos annos completar a mudança social, e
outras que pedem um processo estudado, prudente e mais longo, difFeren-
çâs incompatíveis de guardar em uma só lei, e em uma resolução central ;
não se devendo prejudicar aquellas pela lentidão destas, nem estas pela me-
lhor situação daquellas. Este abandono ás provindas para resolver o modo
prático nos limites da lei geral, não inhibiria que esta adoptasse certas pro-
videncias contra os hábitos que ferem mais as susceptibilidades humanitá-
rias do século, como o commercio entre as provindas, a venda cm hasta pu-
blica, a separação dos membros da familia, os castigos exagerados, a liber-
dade obrigada com o deposito do respectivo valor, »
INTERESSES PROVINCIAES . 269
impostos severos sobre casas de venda, deposito ou
aluguel de escravos ; taxa de capitação, addicionada
átaxa geral existente, mas estendida a todos os que
esta não comprehende ainda, sejam de menor edade,
sejam ruraes : são recursos de que poderiam valer-se
as provincias, para a obra dos resgates periódicos.
Não aconselhamos o imposto progressivo sobre os
escravos urbanos, que aliás outr^ora nos parecera
utiL Expellir os escravos das cidades para o campo,
ou, como se*exprimiam decretos relativos a Cuba,
transformar a suavissima escravidão domestica em es-
cravidão rural, é por si só uma iniquidade : não rou-
bemos ao escravo urbano o único favor que a ingrata
fortuna lhe depara, o de nascer nas cidades. Por outro
lado, fornecendo novos braços servis á lavoura, facili-
tando-lhe a acquisição dos fôlegos vivos, que repellem
o arado e as machinas, não iriamos perpetuar a sua de-
gradação, agravar a sua decadência, augmentar os
seus embaraços presentes com o jogo aleatório da com-
pra de captivos, orig-em de tanta ruina? Acommetta-
mos a escravidão nas cidades, não expellindo-a para o
campo, mas abolindo-a directamente nos grandes por-
tos commerciaes e nas cidades populosas, onde o tra-
balho livre se ache g-eneralisado e ao alcance de toda
agente*.
Aconselhamos, porém, ás provincias o lançamento
do imposto territorial. Eis o seu grande recurso finan-
ceiro, até hoje desprezado, eis a base de um systema
* V. o paragrapho anterior.
270 PARTE TERCEIRA
de imposições directas sobre a propriedade. Eminen-
temente local, variando conforme as circunstancias
dos municipios e provincias, tudo o recommenda ás
assembléas. Tendendo a reduzir as vastas áreas in-
cultas, é elle o meio de fornecer terra barata, em boas
condições de transporte, ao immigrante e ao liberto.
Importar trabalhadores que não incontram onde co-
modamente se estabeleçam ; emancipar o trabalhador
nacional, mas impedil-o de ser pequeno proprietário
no município ou na província que habitara, ou nos ter-
ritórios circunvizinhos ; condemnar uns e outros ás
solidões das florestas inaccessiveis, quando aqui, ároda
das grandes povoações, ostentam-se desertos cente-
nares de léguas quadradas, é erro grosseiro em paiz
que já demasiado soffre o inconveniente da dispersão
dos habitantes. Mas não antecipemos o que cabe dizer
no lugar próprio ^
Entre as medidas de policia local, já alludimos ás
que tomará cada província por amor da emancipação ^
Para crearem curadores e juizes privativos dos liber-
tos, ou para confiarem taes funcçõcs a outras autori-
dades, como melhor convenha c a experiência recom-
mende, ha de se reconhecer-lhes a mais plena com-
petência. Da mesma sorte, quão imprudentes, im-
praticáveis aqui, insufficientes ali, não haviam ser
regulamentos geraes contra os vagabundos, ou me-
didas a bem do trabalho !
1 V. o Cap. VI, g 5.
2 P. 180.
INTERESSES PROVINCIAES 271
Verificou-se nas colónias inglezas que, mais neces-
sária que o exercito e a policia, a magistratura espe-
cial encarregada de resolver as questões entre pro-
prietários e libertos prestou, durante o periodo da
aprendizagem, relevantissimos serviços, mantendo a
ordem e restabelecendo o trabalho nas plantações.
Só na Jamaica 200 desses juizes funccionaram, e com
um labor insano *.
Acaso poderia uma lei expedida do Rio de Janeiro
prever as circunstancias particulares do movimento
abolicionista em cada província, e adaptar-lhes a mais
conveniente organisação judiciaria e policial? Algu-
mas ha, como o Amazonas, Pará, Santa Catharina,
para as quaes sejam sufficientos os tribunaes ordiná-
rios, o direito commum : o Eio de Janeiro, porém, ca-
recerá, na maior parte das suas parochiaSy de um juiz
do eivei e crime, com certa alçada e jurisdicção defi-
nitiva em questões de salários e engajamentos, em
offeasas physicas e ferimentos leves, damnos insigni-
ficantes, etc; e outras parochias da mesma provincia,
repletas de escravos, exigirão, talvez, mais de um juiz
no primeiro periodo da abolição. Isto patentôa que só
as assembléas podem organisar direitamente as. jus-
tiças da primeira instancia*. Deixamos a imaginar as
lacunas, as imperfeições, os embaraços inseparáveis
de decretos desta natureza promulgados pelo governo
central para o império inteiro.
^ The fali of the sugar planters of Jamaica; Londres, 1869. — Um magis-
trado por cada 5,000 libertos, segundo Tocqueville, Relatório á camará dos de
putados de França, 1839; p. 30.
* Parten, cap.VIl. SI.
272 PARTB TERCEIRA
A previdência do legislador inglez evitou esses gra-
ves inconvenientes. Comquanto o memorável acto de
emancipação de 28 de agosto de 1833 fosse lei obri-
gatória em todo o império britânico, não comprehen-
deu todavia certas matérias, deixando a adopção de
algumas providencias ás legislaturas, municipalidades
e governadores coloniaes. Regulamentos a bem da
tranquilidade publica, repressão de vagabundos, fis-
calisação das habitações dos emancipados, do seu ves-
tuário, alimento e cuidados médicos, g»i*aduação das
horas de trabalho e repouso, forma e condições dos
resgatas, etc , ficaram dependentes do estudo e deli-
beração dos poderes locaes.
Falíamos em regulamentos : cumpre não exagerar a
sua importância. O alcance delles deve ãfi ser rigo-
rosamente policial, não económico ; manter a ordem,
não dirigir a actividade e industria dos libertos. Sub-
stituir a escravidão pelo trabalho forçado, tem sido
causa de amargas decepções e de sanguinolentas des-
ordens. No erro desses vexames incorreu o governo
francez S que opprime severamente os emancipados,
emquanto os Estados -Unidos dá-lhe o exemplo de ci-
vilisal-os pela instrucção. Si alguns dos estados do
Sulquizeram entrar nesse caminho tortuoso, deteve-os
a energia do Congresso revogando os actos contrários
á igualdade civil assegurada aos libertos, a quem
uma emenda constitucional acaba de garantií o pleno
gozo dos direitos politicos.
* Memoria do Sr. Schoelcher annexa ao Report of the anti-slavery confe-
rence, celebrada em Pariz no anno de 1867.
INTERESSSS PROYINCIABS 273
NSo esqueçam nossas províncias este facto eloquen-
te: para fazerem do escravo um homem, os anglo-
americanos não o submettem ao tirocínio de escusa-
do» vexames ; fazem-no passar pela escola. O mundo
jamais assistiu a uma tal revolução, na mesma so-
ciedade, em meia dúzia de annos.
A escola para todos, para o filho do negro, para o
próprio negro adulto, eis tudo ! Emancipar e instruir,
são duas operaçOes intimamente ligadas. Onde quer
que, proclam^a a liberdade, o poder viu com indiffe-
rença vegetarem os emancipados na ignorância an-
terior, a abolição, como nas colónias francezas, não
foi mais que o contentamento de vaidades philan tró-
picas, não foi a rehabilitação de uma raça. « A abolição
da escravidão e o estabelecimento da liberdade não
sSo uma e a mesma cousa. » ^
Nos Estados-Unidos souberam os radicaes resolver
o problema da maneira mais completa. Que perseve-
rança ! que estrondosos resultados I Desde o segundo
aimodaguerra (1862) os generaes do Norte começaram
a crear nos acampamentos escolas regimentaes para os
negros apprehendidos ao Sul ou refugiados. Concluída
a guerra, contavam-se 40,000 libertos que frequenta-
ram taes escolas,onde aprenderam a ler e escrever. Logo
sahiram a campo as communhSes religiosas e uma po-
derosa associação leiga ( Freedman's Union ), auxi-
liadas depois pela repartição dos libertos (Freeâman^s
' Relatório da American Freedman*s Union, annexo ao citado « Report of
the aQti-slavery conference», p. 79.
A PROV. 35
274 PARTK TERCEIRA
bureau). Choveram então, com a liberalidade que ali sôe
ostentar-se , os donativos particulares de milhares e
milhões de dollars : Peabody envia dons milhões para
as escolas do Sul, e não foi o primeiro, nem o único
a fornecer sommas enormes. O congresso seguiu logo
o exemplo dado pelo povo. Na Europa subscrevem-se
igualmente grossas quantias. As damas americanas
j)artem para o Sul, e vão preencher a falta de profes-
èoifés. Ko começo, diz um relatório oficial, a incre-
dulidade era geral, até no Norte: passava por axioma
a iíicápàcídade do negro. Explosões mortiferas, vio-
lentas represálias do ódio dos antigos senhores,
pòfèm em risco a grande empreza: algumas escolas
àãò incendiadas e Os professores perseguidos. A som-
bra de uma arvore, ou algum pardieiro, era, muita
vez, o abrigo do mestre e dos discipulos-. faltavam
livros, faltavam titensis, faltava tudo. Pois bem I em
1867, escrevendo o relatório com que terminou a sua
missão fi Freeãman^s bureau, seu presidente assegu-
rava que nada mais receiasse o congresso ; o impulso
estava dado ; os poderes locaes e as associações cum-
priam brilhantemente o seu dever ; funccionavam no
Sul 2,207 escolas, com 2,442 professores e 130,735
alumnos de cor. O congresso applicára no ultimo anuo
mais de 7,000 contos a essas escolas para os negros *.
Extincta a repartição que tão admiravelmente diri-
gira o general Howard, o movimento continuou, toda-
via, em escala ascendente. 4,000 escolas e 300,000
* Anti Mavery -repórter do 1- de janeiro de 1868 ; p. 19.
INTERJBSSB3 PBQy][NC][ABS 2^3^
alumnos já se contavam enx 1869: pouco f^lt?- jwgiw
que a freíjuencia escojlar dos meninos de cor çeja ig,ual
á dos brancos. Grande iiuinero dos profe^opes eraqi
homens de côr. Os ^ntigos libertos sustentavam á sua
custa 1,200 escolas. No t(jtal de 4,000 inçluiam-se
escolas mixtas da infância, escolas de adultos, escolas
nopmaes, industriaes e agrícolas, e çité profi^sipnaes
das artes domesticas par.a as raparigas, ^ãp, como a?
das brancos , instituiçSes de todos os graus : ci-
ta-se em WasJiington uma high-sckool frequentada por
400 alumnos de ambos os sexos, estabelecimento igual
aos melhores da America, ojide as negrinhas estudam
álgebra e outras disciplinas, historia e litteratura.
Refere um viajante que, nocoU^gio Oberlin, assistira,
entre outros exercicioç, átraducção de , um capitulo ^dç
Thucydides por uma moça de côr *.
Queria-se fazer do negro uma casta á parte, subme-
tel-o a trabalho forçado ouexpatrial-o. Leis jie alguns
estados os excluíram dos direitos commuijs: nepiâu-
rado, nem testemunha qontr^. .br^aPOQ» JíiQS ^ra p^r-
mittido : armas de fogo foram-lhes ínteídicífts. JpljiitQS
severos contra a ociosidade, ,çom exceçsivp,^ m,ult?is,
pçrmittíndo até a v^nda dos ^erviçò3 do .l^ib^rtp ,por
tempo limitado até satisfazer a ipiportançia d^ pena,
vexadpres regulamentos, prohibição do exerciçio de
certas industrias, imposição de açoites, tudo isso se
decretou em nome da ordem publica ou antes para con-
verter o escravo em servo da gleba : mas tudo desa-
^ Jiévue des deux mondas 1 15 de setembro de 1869^
276 PARTE TERCEIRA
pareceu diante da energia do Congresso, que, con-
fiando DO interesse, na intelligencia, no amor-proprio
do liberto, transformou-o em cidadão. E eis os resul-
tados sociaes : já os libertos reservam parte de seus
salários, que recolhem em.numerosas caixas econó-
micas, fundam sociedades de temperança, cream e re-
digem jornaes, e, finalmente, associam-se, para o
cultivo das terras, com os antigos senhores, ou for-
mam sociedades cooperativas para a exploração de
propriedades que compraram com o prodlicto das suas
economias. E são passados apenas cinco annos !
Si a interessantíssima republica federal da Libéria
e a colónia ingleza de Serra-Leôa não houvessem já
attestado o grau a que pôde attingir, em seu des-
involvimento moral, a raça negra, bastara o inaudito
exemplo do sul dos Estados-Unidos para persuadir-aos
mais incrédulos e aviventar a fé dos que jamais du-
vidaram da igualdade humana. *
Eil-o, portanto, assaz indicado o alvo dos nossos
esforços : emancipemos e eduquemos. A despeza que
com isso fizermos, civilisaudo infelizes compatriotas,
é muito mais efficaz para o nosso progresso do que a
difficil importação de alguns milhares deimmigrantes.
Desde já, sem perda de tempo, multipliquem as pro-
víncias boas escolas e bons professores ; paguem os
senhores a taxa escolar por cada um de seus escravos,
exceptuado somente aquelle fazendeiro que mantiver
1 Quanto á Libéria, vede o relatório do respectivo secretario de estado^
Johnson (negro), enviado á conferencia abolicionista de Pariz: Report clt.,
p. 107.
INTERESSES PROVINCIÀES 277
uma escola primaria para seus filhos e os filhos de seus
fâmulos e captivos ; exija-se que cada graude pro-
prietário, de cem escravos para cima, sustente uma
á sua custa. Fique sem demora abolido de nos-
sos regulamentos o barbartai principio que expelle o es-
cravo das escolas, triste plagio de uma das vergonhas
dos Estados-Unidos antes da emancipação. Em summa,
já felizmente coadjtivadas nisto pela tolerância e Ín-
dole brazileiras, não permittam as provincias aulas
separadas para os individues de cada raça, mas reu-
nam-os todos em estabelecimentos communs, na-
cionaes, sem distincçâo de origem ou cor. Si formi-
dáveis prejuízos ainda obrigam os norte-americanos a
respeitar essa odiosa distincçâo, o Brazil, pelo contra-
rio, respeita e pratica o principio da igualdade abso-
luta das raças : e é por isso também que a solução do
problema servil será aqui muito menos grave que em
parte alguma do mundo *.
^ Em varias colónias européas a população livre era mui inferior á escra-
va ; em algumas pouco superior. Ahi pareciam mais fundados os receios de
ruína geral e prolongada depois da abolição, o que aliás não verificou-se
sioão em escala menor e durante curto período. Também no sul dos Estados-
Unidos se agitaram os mesmos temores ; um quinquénio bastou para o seu
restabelecimento ; a producção de próprio algodão é boje apenas um terço ;
inferior na quantidade á maior do periodo precedente, e igual no valor. A
riqueza, porém, 6, no todo, igual, sinão maior ; a nação ganhou mais 4 mi-
lhões de productores e consumidores. No Brazil, o resultado definitivo será
idêntico. Demais, achamo-nos em mais felizes condições que os Estados-Uni-
dos. Lá a transformação económica operou -se subitamente atravéz do incên-
dio da guerra civil , aqui, não se deve temer tamanha desgraça : lá, a es-
cravidão estava concentrada . em uma área relativamente pequena; aqui,
acha-se disseminada por vasta superficie: lá, contavam-se 4 milhões de
escravos em 12 milhões de habitantes ; aqui, talvez menos de 9 (alguns sup-
278 PARTE TERCEIRA
Deem-nos estradas que diminuam os gastas de pro-
ducção, policia que garanta a vida e a propriedade sem
vexar o trabalhador, escolas que elevem o nivel moral
do branco e do negTo e preparem o melhoramento dos
processos agrícolas ; e o Bra,^il entrará suavemente no
período dos seus grandes destinos.
Estradas, policia, escolas : antes, durante e depois
da abolição, eis tudo, eis a missão das provincias. A
ellas imploramos que se apressem a cumprir o seu
dever. Si o não fizerem, é fora de duvida que o não fará
tão cedo o regimen imperial, pois não se decidirá fa-
cilmente a alienar o apoio dos grandes proprietários do
centro do império. Esperar que elle se resolva a acom-
metter de frente a escravidão, é esperar que suicide-se.
Meditem os brazileiros sobre a sua posição neste
continente : ao norte, florescem os Estados-Unidos que
antes de um século contarão 250 milhões de habitantes
verdadeiramente livres ; ao sul o Rio da Prata, no pro-
gresso que leva, poderá, graças á immigração, contar
brevemente população, livre e branca,igual á nossa ; e,
para fechar o bloqueio moral de que fallava o Sr. La-
boulaye, de todos os lados o mundo inteiro nos ex-
probra a escravidão. Cumpre a todo o custo romper
este circulo de fogo, que nos afronta e suffoca.
Que a experiência alheia conforte os nossos conci-
dadãos. Não é tão grave, como se cuida, o problema
põem 1 6 meio) em 10 milhões. Nossa desvantagem, e confessamos que é
enorme, consiste na falta de rias de transporte, que no próprio sul dos Es-
tados-Unidos abundavam. Nada pôde escusar, portanto, a negligencia que
nisto continuamos a ostentar,
INTERESSES PROVINCIAES 279
servil, «o mal que a emancipação produziu, nota um
escriptor, reduziu-se á ruina incontestável de um certo
numero de proprietários, ao passageiro e inevitável
soffrimento de todos. » * ^quaes foi*am os arruinados?
todos os que não quizeram acommodar-se ás exigên-
cias do novo systema de trabalho, que não tiveram
previdência nem ordem, ou a quem o ódio cegou, ou o
desanimo lançou na impotência. Os que foram leaes
em seus ajustes, moderados em suas esperanças, per-
severantes na economia, e calmos encararam uma tran-
sitória diminuição dos seus lucros, viram, mais tarde,
ao influxo do trabalho livre reforçado pela escola, ele-
var-se e fixar-se o valor da propriedade, tornar-se-lhes
o credito accessivel, e menos melancholica a vida do
campo abençoado pela liberdade.
^Aholition de Vesclavage pelo Sr. Cochia ; vol. I, pag. 451.
INTERESSES PROYINCIAM 281
CAPITULO III
ASSOCIAÇÕES
ViVemos em paiz onde, isolados pelas distancias e
tolliidos pela ignorância, os habitantes sentem toda a
extensão da sua fraqueza : aqui, poderoso é só o go-
verno. Mais do que em parte alguma, no Brazil cum-
pria remover todos os empecilhos á reunião de capi-
tães e esforços para um fimcommum.
Em principios oppostos funda-se a legislação que
modernamente imitámos : adversa ao espirito de as-
sociação, que reputa perigoso, ella estima o individuo
isolado diante do poder formidável. A intenção do
legislador de 1834 era abandonar a formação e exis-
tência das sociedades ao livre arbitrio dos cidadãos :
tal seria, sem duvida, o resultado definitivo do acto
addicional na parte em que, a exemplo das constitui-
ções norte-americanas, confiou ás assembléas a facul-
dade de legislarem sobre associações formadas nas
provincias. Isto, de certo, não offereceria jamais os in-
convenientes da actual concentração no Rio de Janeiro,
do direito de approvar ou recusar a incorporação de
companhias.
Adiante veremos (cap. V, § 1) as consequências de
tão pernicioso systema applicado a melhoramentos ma-
teriaes : aqui basta recordar o que todos os pretendentes
A PROV. 36
282 PARTE TERCEIRA
sabem e lamentam, as dependências da capital, as de-
longas das suas repartições, as despezas forçadas e
desnecessárias, o lento processo perante o conselho de
estado, o habito burocrático de emendar e reprovar, a
papelada, os mezes e annos consumidos em diligencias
ás vezes infructiferas, os coiiflictos de competência e os
recei s que frequentemente inspiram os projectos das
províncias á timidez do governo central. Acaso não
existe já entre os brazileiros a crença de que a incor-
poração de sociedades é graça especial do governo ?
não é também essa tutela do Estado um dos instru-
mentos de corrupção? Assim fortaleceu-se o poder,
que assombra a nação. Como restaurar a liberdade
conservando esse tecido de dependências e influencias
administrativas, elaborado atravéz de tantos annos ?
Como fundar seriamente, sobre as ruinas do absolu-
tismo, um regimen duradouro, sem restringir o poder
ao seu papel essencial, cortando sem piedade todas
as excrescências?
Tradição do despotismo, ó anaclironico o ciumo e
temor das companhias. Licença, autorisação ou di^
ploma para que individues e capitães se congreguem,
são exigências que restringem e podem aniquilar a
liberdade do cidadão. Tale, entretanto, o systema pre-
ventivo de muitas das legislações contemporâneas.
Combatel-o, caminhar para o seu completo repudio,
é missão dos reformadores em toda a parte do mundo.
Proclamando a descentralisação entre os seus priu-
cipios fundamentaes, o Centro Liberal indicou, como
corolários, a necessidade de — garantir o direito e pro-
INTERESSES PROVINCIAES 283
mover O exercício da iniciativa individual, de animar e
fortalecer o espirito de associação, de restringir a in-
terferência da autoridade, e conceder a maior liberdade
em matéria de commercio e industria. Um rápido es-
boço do regimen das associações no Brazil mostrará
com quanta sabedoria se inscreveram naquelle pro-
grama esses bellos principies.
O regimen das sociedades anonymas instituido pela
legislação de 1860 contém uma dupla violência : ao di-
reito de reunião e ás franquezas provinciaes.
Nenhuma sociedade anonymapóde constituir-se sem
licença, e esta licença é sujeita a formalidades vexa-
doras : tal é a primeira violência.
O respeito com que o código criminal (art. 282) tra-
tara as próprias sociedades secretas, das quaes exige
somente simples communicação á policia e não licença,
o expresso reconhecimento da legitimidade de todas as
sociedades e reuniões publicas \ a indole do nosso sys-
tema constitucional, debalde se invocaram para emba-
raçar essa leviana e tristíssima imitação dos regula-
mentos de Napoleão III.
Trez autoridades foram investidas do direito de li-
cença : a assembléa geral, quanto a bancos de cir-
culação e companhias de estradas de ferro e canaes, que
servirem a mais de uma província ; o poder executivo,
quanto a todas as companhias anonymas,sem distincção
de provinciaes ou não ; e os presidentes, como delegados
delle, quanto a monte-pios, sociedades de soccorro^
^ V. pags. 230eS3t.
284 PARtE TERCEIRA
mútuos, de beneficência, scientificas e litterarias, e
ordens religiosas, que se fundarem nas provincias.
Fora preciso escrever longas paginas para indicar
cada um dos excessos, para expor os vexames dessa re-
" gulamentação minuciosíssima. A sua parte bancaria e
económica assenta em exagerado ou falso conceito da
omnipotência do Estado, das vantagens de sua fisca-
lisação sobre os capitães associados, da necessidade de
sua tutela. A sua regulamentação das diversas com-
panhias, porém, revela melhor o espirito absolutista da
reacção conservadora. Basta referir que o decreto de 19
de dezembro de 1860 expressamente declara (artigo 9)
que o prévio exame dos requerimentos para a incor-
poração de bancos « versará sobre os seguintes pontos :
si o objecto ou flm da sociedade ó licito e de utilidade
publica ; si a creação pedida é opportuna e de êxito
provável ; si o capital marcado nos estatutos ó bas-
tante para o objecto da empreza. » E nas demais so-
ciedades, diz o artigo 27, também se examinará « si o
fim social é contrario aos bons costumes. » Tudo isto
involve o mais largo arbitrio para o poder executivo.
Em 1866 tentara um illustre ex-ministro da justiça
desaggravar o direito de associação : para promover o
espirito de empreza e a iniciativa individual, elle pro-
punha a creação das sociedades limitadaSy não depen-
dentes das exigências da lei de 1860. Privou-nos de tão
útil reforma o adiamento, esse expediente com que no
Brazil se evita o incommodo do estudo. Prolongando-
se o sofirimento, mais imperiosa tornou-sc a opinião :
hoje, para corresponder-lhe, cumpre pelo menos repor
INTERESSES PROVINCIAES 285
as cousas no estado anterior á legislação de 1860 ;
cumpre emancipar os brazileiros da dependência das
repartições publicas, da tutela do governo central.
Para ser fiel á índole das nossas instituições po-
liticas , a reforma havia ser dominada por dous
principies cardeaes : repellir o systema preventivo
sobre associações de qualquer natureza, e transferir aos
poderes provinciaes, em alguns casos, funcções que a
lei de 1860 centralisou quasi todas no poder executivo
enaassembléa geral. Consideremos esta parte especial
do assumpto.
Notemos, primeiramente, que, quanto aos bancos,
fora preciso rejeitar o preceito da lei de 1860, segundo o
qual dependem de acto do parlamento todos os de cir-
culação. Quaesquer que sejam as suas operações, uma
vez que se circunscrevam a uma só província, os ban-
cos seriam, em nosso intender, incorporados por lei
dessa província e na forma que ella prescrevesse.
Quando muito, a respeito dos de circulação, uma lei
geral marcasse as rogras essenciaes de sua organisação,
sem esquecer a prohibição de bancos privilegiados,
monopólio dos mais funestos em paizes novos, sem in-
dustria e sem credito que as fomente.
Compreliende-se quanto promoveria a prosperidade
nacional a liberdade bancaria assim intendida e aug-
mentada pela descentralisação *. Em paiz sem escolas,
^ Fm 1839, 41 e 47, as assembléas proYÍncides do Ceará, Maranhão e Bahia
votaram leis creando bancos de emissão.
Em 1840 o senador Vergueiro oíFereceu na assembléa provincial de S. Paulo,
(jLie adoplou-o, um projecto para o mesmo lim.
286 PARTE TERCEIRA
sem bancos, sem nada que facilite a vida e adiante o
progresso, a reforma bancaria, sobre a base da liber-
dade completa, apenas regulada por leis provinciaes,
é, sem dúvida, das mais urgentes medidas económicas.
Custa crer que se julgasse sábia a politica da res-
triccão artificial do credito em paiztal, semsufficiente
industria e capitães fluctuantes, onde por isso mesmo
elle é já limitadissimo ; e que os adversários da pre-
tendida desordem financeira proveniente da multi-
plicidade dos bancos, não empregassem o mesmo zelo
em combater o monopólio do credito exercido por um
banco único para o império inteiro, 'que o distribuia
da maneira mais imperfeita e com a maior desigual-
dade, e nem logrou evitar a própria ruina apezar de
grandes privilégios e constantes favores.
Todas as demais sociedades, cujas operaçSes ou
cujos fins se limitem a uma provincia, fiquem igual-
mente sob as leis provinciaes, leis que devem de ins-
pirar-se no espirito liberal, abolindo as pêas da le-
gislação de 1860.
Grande violência, em verdade, foi preciso fazer ao
acto addicional para transferir ao governo supremo as
attribuiçSes que está exercendo relativamente a asso-
ciações formadas nas provincias. A tendência centra"
lisadora, neste sentido, manifestou-se ainda no re-
cente decreto de 20 de agosto de 1864. Passando do
Ainda em 1860, a do Rio Grande do Norte mandava incorporar um banco
rural e hypothecario.
A todos esses projectos, escusado é dízel-o, oppoz o governo central a mais
decidida resistência. Nenhum prevaleceu.
INTERESSES PROVINCIAKS f 287
poder legislativo para o executivo a concessão de
certas dispensas nas leis de desamortisaçáo, a bem da
brevidade no expediente destes negócios, aquelle de-
creto deixou continuar um vexame que exige remédio.
Pois que I de qualquer ponto do império hão de as
corporações carecidas de taes dispensas enviar ao go-
verno imperial os seus requerimentos? E' uma cen-
tralisacão manifestamente contraria ao art. 10, 8 10,
do acto addicional. Ás assembléas provinciaes deve
pertencer integralmente a faculdade de velar na guarda
das leis de mão-morta e de expedir as dispensas
razoáveis.
As licenças a sociedades que não forem ordens re-
gulares, para possuirem e administrarem bens de raiz,
não offerecem os inconvenientes de outr'ora. A lei deve
modificar-se com o espirito e as necessidades do século.
Corporações que fundam hospitaes, que abrem escolas
e idênticos estabelecimentos, não devem carecer do li-
cença alguma para adquirirem, conservarem e dis-
porem de bens immoveis. Nestas bases liberaes deve-
riam assentar as leis de cada provincia, quando lhes
fosse devolvida a jurisdicção sobre estas matérias. E'
mister, com effeito, que ellas não restrinjam então o
direito de reunião e a liberdade religiosa. Limitem-se a
regular a forma da incorporação, fugindo de julgar do
fim das associações, dos seus meios, da sua organisação
e estatutos. Façam que o acto de incorporação não seja
mais que um registro, para dar reconhecimento pu-
blico á sociedade e habilitai a a funccionar como pessoa
jurídica.
288 PARTE TERCEIRA
Ainda mais : si a associação, seja civil, commercial,
politica ou religiosa, funccionar apenas dentro de um
só municipio, faça-se a sua incorporação perante a ca-
mará municipal. Desta sorte, os compromissos de ir-
mandades, muitas das quaes são sociedades meramente
parochiaes, não dependeriam do processo actual pe-
rante as assembléas. Melhor fora nada exigir dessas
reuniões de fieis, qualquer que o seu culto seja.
Professando estes principies, cumpre-nos, entre-
tanto, declarar que ainda sentimos a necessidade de
deixar a sociedade civil armada contra as ordens re-
gulares em geral. E' assim que, em nosso intender,
deveriam ser absolutamente excluídos do favor da dis-
pensa nas leis de desamortisação os claustros e quaes-
quer conventos de reclusos ; pois são estas instituições
suspeitas á liberdade e perniciosas ao progresso
das nações.
Certamente, um dos mais bellos principies da civi-
lisação é aquelle que Jules Simon, rectificando a for-
mula de Cavour, exprimiu nesta sentença que percorre
o mundo : « Igrejas livres no Estado livre.» Insurje-se
contra elle o ultramontanismo fanático ; mas não ba
mais solemne confissão da liberdade, que em vão reclama
o catholicismo romano sob a forma odiosa de um privi-
legio exclusivo. Entretanto, perguntamos: emquanto
a liberdade para todos não for garantida pela legislação
daquelles mesmos paizes cujas constituições a pro-
mettem em these ; emquanto subsistir o privilegio do
catholico para o exercicio de certos cargos políticos e
até do magistério ; emquanto se exigir o juramento
INTERESSES PROVINCIAES 289
religioso, mesmo na collaçâo de graus seientificos ;
emquahto o culto catholico for o único publico, man-
tido e largamente auxiliado pelo Estado, e os outros
apenas tolerados em suas práticas domesticas ; em
quanto se não reconhecer a validade do casamento
civil, nem se admittir a plena liberdade de ensino ; em-
quanto, naphrase deE. Picard, o Estado não for livre,
ha de sel-o somente a Igreja? Beneplácito, investidura
nos benefícios, recurso á coroa ou antes aos tribunaes
seculares, leis de mão-morta, inspecção do ensino
eclesiástico, devem de vigorar emquanto prevalecerem
os privilégios do catholicísmo, tão odiosos á liberdade
e tão oppostos ao progresso da nação. Extinguir os
direitos do padroado sem abolir os privilégios exclu-
sivos da igreja dominante, é perigoso e impolitico. Não
é a sociedade civil que condemnao direito commum,
é a Igreja que repelle-o. Quer o catholicismo alcançar
aqui a independência dos séculos primitivos, a inde-
pendência de que goza nos Estados-Unidos? deixe
consumar-se em paz a obrada liberdade religiosa. A
imaginação antecipa o dia em que a liberdade será
igualmente effectiva para todos : mas, quando troveja o
Vaticano, volcão da intolerância, aconselha a prudência
que o Estado se não desarme diante da anachronica
restauração do regimen theocr atiço.
A PROV. 37
INTERESSftS PEOVINCIAES 291
CAPITULO IV
IMMIGRAÇÃO
A's asseinbléas conferiu o acto addicional a facul-
dade de promoverem, cumulativamente côm os pode-
res geraes, o estabelecimento de colónias. (Art. 11 §
5'.) Não involve isto, para o poder provincial, as at-
tribuições de possuir e administrar terras apropriadas
áquelle fim, e de introduzir immigrantes ? Certamen-
te. Ambas as attribuiçoes, poréna, tem o governo im-
perial exercido quasi exclusivamente. Fiel ao seu
programa politico, o conselho de estado ba sempre
suggerido, neste assumpto, expedientes que de facto
aniquilam a faculdade deixada ás províncias. Em
alguns casos diz elle : está prevenida a matéria por
acto do governo geral, e não podem as provindas al-
teral-o; — em outros declara que, si não existe ainda
providencia do mesmo governo, cumpre esperal-a. Já
o vimos até propor a revogação de leis provinciaes
que favoreciam a introducção de emigrantes, serviço
aliás cumulativo dos dous poderes, conforme o acto
addicional. Felizmente, a escola centralisadora parece
ter renunciado a tão atrevidas pretenções.
Nos Bstados-Unidos a acção do governo federal li-
mita-se exclusivameiíte ao cadastro, administração e
venda das terras nacionaes ; é cada estado que por
292 PABTB TERCEIRA
seus agentes promove e adquire im migrantes, como
permitte a letra da constituição (art. 1** sec. 9'§1'*).
Nisto não intervém o governo federal ; mas, por outro
lado, a sua enorme tarefa é desempenhada com um
zelo e esforço dignos da grande republica.
Imite-se este sábio exemplo : descreva-se a esphera
de cada tim dos poderes geral e provincial, para que
se desembarace a acção de ambos. Da divisão do tra-
balho resultaria proveito maior, que da confusa con-
currencia actual. Estamos persuadido de que uma
das mais poderosas causas do naufrágio de tantas ten-
tativas de immigração tem sido a louca pretenção de
se dirigir do Rio de Janeiro as complexas operações
de um serviço disseminado por tão vasto paiz.
Ouve-se geralmente no Brazil condemnar nesta
matéria a acção do governo, que aliás se empregou
efficazmente e ainda subsiste com vantagem na Aus-
trália, no Canadá e no Rio da Prata. Não é duvidosa
para ninguém a superioridade da iniciativa indivi-
dual; a ella se prefira tudo : mas que fazer onde não
existe ? onde leis, instituições, hábitos do povo, sys-
tema de governo, a proscreveram ou amesquinharam ?
Neste caso, valha ao menos a intervenção official,
promova ella a povoação do paiz, que os particulares
não promovem. Mas, diz-se, a colonisação official tem-
se celebrisado aqui por estrondosas decepções somente.
Sem dúvida : quanto a nós, porém, seus desastres, sua
impotência, sua desconsideração se explicam pela
oentralisação. Este péssimo methodo administrativo
não podia deixar de exercer nesta matéria a pcrnicio-
INTERESSES PROVINCIÁBS 293
sa influencia, que o acompanha em tudo o mais. Com
effeito, basta considerar a sorte de um núcleo de colo-
nos estabelecido em província longinqua e dependente,
não das autoridades dessa província, mas do ministro
das obras publicas na corte. A menor questão assu-
me logo o caracter de gravidade. As distancias, a falta
de communicações regulares, augmentapa os inconve-
nientes de pequenos negooios tratados por via de cor-
respondência. E* mister construir uma capella ou
abrir um caminho ? GOâieça a papelada, repetem-se
informações, vão e vem os documentos, enchem-se as
pastas, passam os annos, e os colonos desesperam, e
o núcleo, creado sob os melhores auspicies, pára, ou
definha, ou dissolve-se. Quantas vezos foi retardado
pormezes, por annos, o pagamento de contas insigni-
ficanteSj até de salários de trabalhadores, ou a au-
to risaçãò de despeza urgente !
Si não existisse, não se coraprehenderia a possibi-
lidade de tal systema administrativo, que faz depen-
dentes do longinquo governo supremo a ordem para
romper-se uma picada, medir-se um território colonial,
construir-se uma ponte, uma igreja, uma escola. Eis
ahi o que exagerou os inconvenientes, que alias sem-
pre resultam da intervenção official em interesses ma-
teriaes.
Não encarecemos, intenda-se bem, a idéa que pre-
sidiu á formação dos núcleos coloniaes. E* antiga
nossa opinião a tal respeito. Desejáramos, pelo con-
trario, que todos pudessem volver ao direito commum,
sobretudo quando esse direito commum for a liber-
294 PÁRTB TERCEIRA
dade, — a liberdade municipal inteira, como já a des-
crevemos *. Restabelecida a competência das assem-
bléas sobre a organisa^.ão das instituições locaes, fácil
lhes fora dar a cada núcleo de immigrantes os regula-
mentos policiaes e administrativos, que elles mesmos
requeressem. Não ha outra solução para taes estabe-
lecimentos, e hade sempre ser perniciosa, insuficiente
, ou oppressora qualquer organisação-modelo que se lhes
envie do Rio de Janeiro. A.bandonemos, ao menos
quanto a estas sociedades originaes do Velho Mundo
no Mundo Novo, a preoccupacão de um systema uni-
forme de governo, principalmente quando vasado no
typo militar das colónias da Argélia, sem represen-
tação do povo, sem autoridades electivas, sem auto-
nomia alguma. Abandonemos a pretenção de adivi-
nhar, no retiro de um gabinete, os interesses pecu-
liares de localidades tão distinctas e tão differentes, e
de impôr-lhes um mecanismo administrativo qualquer
sem audiência delias.
Isto assaz demonstra o alcance e a benéfica influen-
cia da reforma descentralisadora sobre o desinvolvi-
mento da immigração. Uma depende directamente
da outra.
Definir a competência dos dous poderes era, por-
tanto, o que se devera fazer na occasião em que regu-
lou-se o serviço das terras publicas. Qual seria propria-
mente a missão de cada um delles ?
Agencias, meios de propagandaj-^ngaj amento, aes-
pezas de transporte, distribuição e estabelecimento
* Ptrte II, cap. IV ; pp. 146, nota ; 154 e segs.
INTERESSES PROVINCIAES 295
dos iramigrantes, auxílios nos portos, hospícios espe-
ciaes, regimen e serviço das colónias existentes, de-
veriam ser inteiramente incumbidos án províncias.
A' administração local passariam ,as colónias que
o governo ainda subvenciona ou dirige, emquanto
subsistisse tal systema, alias de vantagem mui pro-
blemática. Certamente, a algumas províncias falle-
ceriam recursos para tanto; e neste caso se compre-
hende que o poder geral, sem encarregar-se do ser-
viço delias, auxiliasse, entretanto, os seus cofres: por
ora, três careceriaín de subsídios para tal fim *.
Mas, sempre que se offerecesse opportunídade de
attrahir ao Brazil uma corrente de úteis ímmigrantes,
expellídos de sua pátria pela miséria, pela guerra ou
pela tyrania, nào devera o governo imperial hesitar em
provocal-a, applicando a agencias, propaganda, enga-
jamento e transporte, recursos, mais consideráveis e
efficazes que os das províncias. Exceptuada esta hy-
pothese, porém, assentemos, como regra, que cada
província é mais idónea que a administração central
para promover, introduzir e auxiliar o estabelecimento
de immigranteá. A parte activa, neste tão vasto e
complicado serviço, nós devolveríamos inteira aos
poderes locaes, aos seus órgãos, ás associações for-
madas nas cidades ou nos campos, ás emprezas de es-
tradas de ferro, a esses variados agentes que a des-
centralisação e a liberdade fazem surgir por incauto
do seio de uma nação nova.
1 Esplríto-Santo, Paraná, Santa Catharina : Oap. VI, g 7.
'296 PARTK TERCEIRA
No porto do Rio de Janeiro desembarca a maior
parte dos estrangeiros destinados ao Brazil : ahi é
incontestável a competência do governo supremo,
emquanto esta cidade for a capital do Estado. Forne-
cer á agencia creada no municipio neutro mais abun-
dantes meios de esclarecimentos e auxilies aos estran-
geiros, montar devidamente o seu hospicio, habili-
tal-a para vencer a concurrencia de iguaes agencias
de Buenos- Ayres e Rozario, é cousa em que só he-
sitar podem administrações rotineiras.
Não pequena tarefa p-inda ficaíla ao governo central,
si quizesse desempenbal-a com esforço digno de tão
urgente necessidade pública. Só o serviço da descri-
minação das terras nacionaes e sua demarcação, hoje
desprezado e quasi dissolvido, quanta perseverança e
despeza não demandaria! Está elle em embryão, posto
que tenham já decorrido ISannos depois do seu regu-
lamento. Concentre-se a attenção do governo nisto, e
promova eficazmente o movimento no exterior, quando
seoffereça alguma feliz opportunidade: o mais devolva
ás provindas. Cumpra elle o seu dever ; o resto irá
por si mesmo, e irá melhor.
Cumpra o seu dever, dizemos, e, por começar,muito
lhe incumbe fazer desde já na esphera legislativa. Ca-
samento civil para todos que não queiram ou não pos-
sam alcançar a solemnidade do acto religioso, garan-
tias da liberdade de consciência, eliminada a desigual-
dade politica dos cultos, naturalisação facilitada, re-
forma da lei de locação de serviços, reducção dog pre-
ços das terras e sua concessão gratuita em certos casos.
INTERESSES PROVINCIAES 297
portos coloniaes franqueados ao commercio directo, li-
vre navegação costeira, abertura de grandes vias ter-
restres e fluviaes, emancipação da escravatura, e, em
summa, leves impostos de consummo, pois os actuaes
exageram o custo de todas as commodidades da vida :
eis, entre outras, as medidas de que muito depende o
futuro da immigração parao Brazil. Ajuntai aos gra-
ves inconvenientes, que ellas removeriam, a influencia
geral das nossas instituições e o peso da centralisação
que nos esmaga: deve acaso maravilhar-nos a prefe-
rencia que os emigrantes dão aos Estados-Unidos, ao
Canadá, á Republica Argentina e á Austrália ?
Em vez de promover as reformas indicadas, recen-
temente lembrára-se um ministro de renovar a im-
portação de coolies. Fornecer braços á lavoura é o
pretexto com que se invoca a intervenção do governo
para tal fim. Condemnemos, vivamente condemne-
mos, este desvio da opinião mal esclarescida : não é
essa a immigração que carecemos. Estéril para o
augmento da população, dispendiosa, barbara como
o próprio traflco de negros, ella é acompanhada de
um triste cortejo de immoralidades. As colónias fran-
cezas, hespanholas e inglezas teem de sobra expiado
o erro de importarem indios e chins * : não nos apro-
veitará a sua longa experiência? A indignação do
inundo persegue este novo traflco : havemos afron-
^ VáhoVifion de VescUwage, pelo Sr. Cochin ; vol. U, livro I, cap. ít ;
livro U, cap. 3.o — Quanto a Cuba e Jamaica, leem-se tristes narrações
dos resultados da importação de coolies no citado Report da conferencia
al>olicionista de 1867, pp. 71 e 1S7.
A PROV. 38
298 PARTE TERCBIKA
tal-a? Demais, si vamos emancipar o escravo, cum-
prindo um dever de humanidade, como é que oppo-
romos ao trabalhador liberto o trabalhador asiático,
concurrente insuperável pela modicidade do seu sa-
lário? E quem paga as despezas dessa importação
hostilao liberto? o povo inteiro, e, portanto, o pró-
prio liberto prejudicado. Isto é injusto e impolitico :
é injusto augmentar com indios e cfhins a offerta do
trabalho, abaixar o salário ao extremo limite ; é im-
jiolitico crear e dirigir contra o negro indígena, con-
tra o nacional, a concurrencia formidável do asiático.
Não substituamos a escravidão pelo dis^ifnulaàò 'tra-
balho servil de chins embrutecidos ou de negros re-
duzidos á miséria. Formação da pequena propriedade,
independência industrial do povo, independência do
suffragio, tudo isso virá somente do verdadeiro 'tra-
balho livre remunerado por seu justo valór.
Queixa-se a grande lavoura de falta de bra-
ços? Singular queixa sob o império da escraividão,
que permitte a cada canto os mercados de câptivos !
Queixe-se de si, da sua rotina, da sua resisten-
ciist á qualquer melhoramento. Póde-se ouvir
sem impaciência lastimar a falta de braços o pro-
prietário que ainda lavra a terra á enchada? Quan-
to aois capazes de progresso, tenham elles aniino, è
avante! Renovem o seu material, mudem os seus
processos, abandonem a rotina: e, quando soar a
hora da emancipação, ahi teem á mão o melhor tra-
balhador dos paizes tropicaes, o negro indigena e
aclimado.
INTEBEâSES PBOVINCIABS ^99
Aljgumas palavras sobre terras publicas.
Confirmando o direito vigente, a lei de 1850 pro-
clamou a propriedade da nação sobre terras devolutas
de qualquer natureza. Outra lei anterior (de 28 de oi-
tubro de 1848) concedera, porém, a cada uma das pro-
vincias, no mesmo ou em differentes lugares do seu
território, seis léguas em quadro, destinadas exclusi-
vamente á colonisaçâo, não podendo nellas haver es-
cravos. Essa área pôde conter, sendo toda a superfície
aproveitada, o modesto, sinão mesquinho algarismo
de 16,000 almas, na razão de 100,000 braças quadradas
por cada familia de cinco pessoas. Desta doação já
tiraram proveito o Rio-Grande do Sul e Santa Catha-
rina, estabelecendo colónias suas ao par de colónias do
Estado.
Sem condemnar o pensamento da lei de 1848, cum-
pre-nos reconhecer a sua ineíficacia a bem da immi-
gração. Na verdade, a essa doação isolada de peque-
nos territórios devolutos, exclusivamente provinciaes
para estabelecimento de colónias provinciaes, nos pa-
rece preferi vel a combinação das leis norte-americanas.
Releve o leitor um ligeiro esclarescimento deste ponto,
aliás pouco couhecido. Ver-se-ha ainda nesta matéria
o arranj amento do governo interior dos Estados-
Unidos.
Como se sabe, ao dominio federal pertencem as ter-
ras pisadas pelos indios do deserto dentro dos limites
dos actuaes territórios, ou as devolutas comprehendi-
das nos estados constituídos depois da independência.
Para formar esse immenso património federal, que em
300 PARTE TERCEIRA
1850 era maior de um terço da superflcie da União,
vários estados do littoral, logo apóz a independência,
cederam vastissimos terrenos. Foi nestes terrenos ou-
tr'ora reclamados pela Virgínia, Massachussetts, Con-
necticut, New-York, Carolinas e Geórgia, que depois
se erigiram os florescentes estados do oeste e do sul,
Ohio, Indiana, Illinois, Michigan, Wisconsin, Ten-
nessee, Alabama e Mississippi.
Dentro dos limites de cada um destes novos estados
possuia a União largos districtos, que se teem vendido
aos immigrantes ou cedido a emprezas de caminhos
de ferro e canaes. A propriedade federal ainda é, toda-
via, enorme, abrangendo um bilião de acres, contidos
agora nos estados e territórios seguintes : Califórnia,
Nevada, Colorado, Oregon, Washington, Idaho, Ari-
zona, New-Mexico. *
Mas não é só a União que possue terras devolutas,
que as administra e vende. Com eíFeito, a lei fez a ca-
da estado ou território onde ha terras federaes, as se-
guintes concessões : 1% da área correspondente a uma
tOTonship (23,040 acres ou 6 milhas quadradas) para es-
tabelecimento de coUegios de ensino superior; 2°, de
uma trigésima sexta parte de cada township demar-
cada (ou uma secção, que corresponde a 640 acres),
destinada perpetuamente ao mantimento das escolas
primarias da township ; 3% de 5 7'o do producto da ven-
da das terras federaes, sendo 3 ^o para auxilio a estra-
das no território ou estado, e 2 7o para diflfusão dos
* Report of the secretary of the interior ; 1866.
INTERESSES PROVINCIAES 301
conhecimentos úteis *. Avalie-se a importância destas
concessões notando que da área ainda existente 25 mi-
lhões de acres hàode ser reservados á idstrucção do
povo produzindo a sua venda o subsidio provável de
60,000 contos. Estes consideráveis territórios, patrimó-
nio das escolas (schoolfund)y são as terras que os estados
do oeste e do extremo oeste administram e vendem. Por
exemplo, já em 1863 o Minnesota, um dos mais novos,
possuia demarcados 1,256,320 acres, ou cerca de 115
léguas quadradas, cedidos pela lei federal.
Ainda mais : d'entre os de leste, o Maine em 1864
também possuia 2,000,000 de acres devolutos, que
nunca foram cedidos á União. Uma grande parte delles
abunda em madeiras de construcção. O producto da
venda constituo uma das verbas de receita desse estado.
Nos Estados-Unidos, pois, a nacionalisação da terra
não foi absoluta : respeitou-se a propriedade de alguns
dos primitivos estados, e aos outros se fizeram largas
concessões.
Não é só isto, porém ; não se esqueça principalmente
a utilidade prática da combinação adoptada pelo Con-
gresso : não deu aos estados lotes destacados do seu
dominio, deu-os involvidos ou incluidos nelle, demar-
cados e vendidos conjunctamente. x\ssim, a povoação
do vasto território federal, onde a pouco e pouco af-
fluisse a immigração, não adiantaria um passo, que
não aproveitasse e desse immediato valor aos terrenos
dos estados, ao património das escolas.
1 Recentemente, o congresso concedeu mais aos estados que instituírem
collegios de agricultura e artes mecânicas, o producto de tantos loies de 30,000
acres quantos os seus deputados e senadores.
302 PABTB TERCEIRA
s
Fste exemplo não pôde acaso ser imitado no Brazil ?
Pelo menos augmente-se, e desde já torne-se effectiva
a concessão de terras promettidas ás provincias pela
lei de 1848. Descentralisado o serviço da immigração,
será isso indeclinável.
INTBRBSSBS PROYINCIABS 303
CAPITULO V.
OBRAS PUBLICAS.
Deve o parlamento nacional decretar despezas para
trabalhos de melhoramentos internos 1 Largo debate
esta questão suscitou nos Èstados-Unidos durante o
primeiro quarto deste século, e ainda depois. De tão
porfiada contenda entre os antigos partidos federalista
e democrata resultou uma útil distincção prática :
quanto a melhoramentos locaes, de qualquer natu-
reza, que a um §ó estado aproveitem ou que nelle se
circunscrevam, não pôde promovel-os o governo fe-
deral. Sua competência, porém, é indisputável na-
quelles que interessem ao commercio nacion&t, ex-
terno ou interno.
E foram os próprios presidentes da republica que
duvidaram da attríbuição do governo federal ; foram
elles que i-ejeitaram leis do congresso mandando abrir
canaes que atravessassem dous ou mais estados, me-
lhorar portos, e êsta1)elecer novas vias de communi-
cação * : um justo escrúpulo , um prudente acata-
mento dos direitos dos estados, fazia-os vacillar na
execução até de obras propriamente nacionaes. Nunca,
1 Kent, CovMnentaritis á Vomt, ; sec. 111, S 7 e BOta final.
304 PARTB TERCEIRA
porém, lá ventilou-se a questSo no terreno em que se
tem levantado entre nós, isto é, até onde pôde o go-
verno central prevenir ou repellir ajurisdicção dos go-
vernos provinciaes sobre obras meramente locaes.
Monroe firmou o principio da incompetência do
congresso quanto a melhoramentos internos. Até
á sua presidência (1823) era corrente a opinião
sobre a necessidade de se votarem fundos considerá-
veis para rápido impulso das vias de transporte, e to-
dos os annos autorisavam-se diversas, algumas de or-
dem mui secundaria. Contra o parecer de Adams,
Clay e Calhoun, estrénuos advogados da immediata
abertura de caminhos e canaes mediante auxílios do
thesouro federal, aquelle illustre presidente recusou
sanccionar um projecto idêntico sobre a estrada de
Cumberland, expondo em uma extensa mensagem os
fundamentos da opinião opposta a esse augmento
das attribuiçoes do governo central, de que era mem-
bro. Resumindo tão importante documento, reputado
o mais sábio commentario da constituição neste ponto,
ajunta um parlamentar americano :
« Depois de 1827, não se decretou mais nenhum
auxilio desse género. Posteriormente, usando do veto,
o presidente Jackson poz termo á legislação sobre es-
tradas locaes, e com o tempo este assumpto de um
systema nacional áe melhoramentos internos, ha pouco
tão formidável e avultado na opinião, acabou por ser
retirado das salas do congresso e das discussões pu-
blicas. Vapores e locomotivas substituíram ás antigas
estradas e canaes; emprezas particulares dispensaram
INTERESSES PROYINCIAES 305
O auxilio da legislação federal. Não existe talvez ca-
minlio importante em um estado qualquer, que não
esteja sob a autoridade desse estado. Até mesmo grandes
e dispendiosas obras executadas por ordem do congresso
apóz longos e ardentes debates, obras então reputadas
eminentemente nacionaes, perderam este caracter
e entraram na classe das estradas ordinárias. A
de Cumberland, que custara 6,670,000 dollars, e fora
durante trinta e quatro annos assumpto prominente
nas discussões do congresso,.... entregue afinal aos
estados (que atravessa) , passou a ser uma estrada or-
dinária, e está inteiramente offuscada pelo caminho de
ferro paralelo. O mesmo se pode dizer, até certo pon-
to, do canal Chesapeake e Obio, outr'ora objecto dos
cuidados da legislação federal, pois se destinava a li-
gar as aguas do Atlântico ás dos grandes rios do oeste ;
reduzido boje a um canal local, utilisado principal-
mente por algumas companhias, muito vantajoso para
a região que corta, decahiu, porém, do caracter na-
cional que lhe valera votos do congresso e largos sub-
sidips do thesouro.... Tornou-se lei a opinião de Mon-
roe neste ponto da intervenção do governo federal em
melhoramentos dentro dos estados. » *
No Brazil, porém, a reacção que poz em litigio tan-
tos assumptos claríssimos, não duvidou inverter as
questões de competência que se podia suscitar nesta
parte dos interesses provinciaes. E' o que vamos as-
signalar : ver-se-ha então quanto tempo precioso con-
^ Thirty years in the senate, by ex-senalor Benton; vol. I, cap. X.
A PBOV. 39
306 PARTK TERCEIRA
some em disputas estéreis o governo geral, que alias
não tem correspondido á gravidade da sua tarefa é an-
tes ha protelado ou sacrificado o progresso material
do império.
§ I. ^ centralisaqão nos melhoramentos materiaes.
Com que desprezo dos direitos das províncias o go-
verno imperial intervém francamente em negócios
próprios delias 1 Ora, pareceres do conselIi(y de estado
e avisos llies prohibem regular o modo dé efféctuar
tal ou tal obra, declarando que não podem láúçar
imposto pessoal de prestação de serviços, ainda quando
é esse imposto decretado para um fim municipal. Ora,
contestam o direito com que se crearam inspecções do
algodão e assucar ; sendo aliás evidente que se trata
de interesses locaes, embora taes inspecções pare-
çam escusadas e onerosas. Outras vezes, finalmente,
negam que possam as assembléas, como incentivo ás
industrias, conceder meros prémios aos que nellas
introduzirem melhoramentos.
" Mais atrevidas pretençoes, e sobre mais considerá-
veis interesses, revela uma recente consulta. Apontar
a data é descrever-lhe o caracter : é a de 27 de setem-
bro de 1859, sanccionada pelo aviso de 4de janeiro de
1860. Refulgia então a politica reaccionária ; fácil lhe
fora, até por meio de portarias, destruir sem rumor
esse impertinente appendice da constituição, o acto
INTERESSES PROVINCIAES 307
addicional. Denunciemos ao paiz, que desperta, essas
usurpações do poder executivo. Considerem asprovin-
cias na sua sorte de departamentos francezes ; conhe-
çam quanto rebaixou-as a segunda reacção conser-
vadora.
Era cobjecto da consulta de 1859 determinar a com-
petência provincial sobre privilégios exclusivos. Mui
acertadamente recusa ás assembléas o direito de con-
cedel-os por invenções ou melhoramentos de industria,
pois interessam ao commercio e á prosperidade geral da
nação : e ao governo federal reservou-^s por isso a
constituição dos Estados-Unidos. No intuito, porém,
de diíficultar os privilégios, muito perniciosos decerto
em alguns casos, chega a consulta ao excesso de negar
ás assembléas a faculdade de os garantirem, sem de-
pendência do governo geral, para a execução de cer-
tas obras, estradas e linhas de navegação. D' aqui de-
rivou a doutrina que, adoptada pelo governo, provoca
a indignação do sentimento liberal.
Como ainda não foi regulado por lei que obras, es-
tradas e linhas de navegação se deva considerar pro-
vinciaes, fiquem, dice o conselho de estado, fiquem
dependentes do parlamento as concessões que as pro-
vincias fizerem sobre taes objectos: proposição, que
por si só importa a negação do poder legislativo con-
ferido ás assembléas.
Ainda mais, accrescentou elle : si essas concessões
não subirem á approvação do parlamento, nem por isso
ficará livre a acção provincial, porquanto as compa-
nhias, que devem de effectuar as obras, para funccio-
308 PARTE TBRCEIBA
nar carecem de consentimento do governo central.
E, com effeito, ahi veio a lei de 1860 contra as socie-
dades anonymas consagrar a exigência do ^placet su-
premo.
Assim, decrete embora uma assemblóa certa obra
e autorise a fazel-a por empreza ; si os em prezarios for-
marem sociedade anonyma, ainda que o acto escape
ao veto do presidente, nem por isso evitará a compa-
nhia o intolerável exame, as protelações desespera-
doras, as dependências da secretaria de estado, todos
os flagellos com que para aqui se trasladou a regula-
mentação franceza. Na verdade, á lei de 22 de agosto
e ao decreto de 19 de dezembro de 1860 nada escapa :
as mais innocentes associações dependem hoje àopla-
cet imperial. Eis a liberdade no Brazil 1
Não teem as assembléas competência para incor-
porarem companhias formadas por amor de objectos
provinciaes ; e, entretanto, lhes pertence legislar sobre
quaesquer associações politicas e religiosas! (A.rt. 10
§ 10 do acto addicional.)
A incorporação de companhias, ou antes a prévia
autorisaçào para que possam funccionar sociedades de
qualquer natureza, é, já odicemos *, reminiscência do
antigo regimen, contra a qual levanta-se agora o es-
pirito da liberdade moderna. Os capitães, como os in-
dividues, sejam livres para se reunirem sob todas as
formas possiveis : o Estado, governo central ou gover-
no provincial, poder executivo ou poder legislativo,
1 Gap. m.
INTERESSES PROVINCIAES 30 9
não tem o direito de regular a forma e a vida das
companhias. Assim, diante dos princípios absolutos,
não seria legitimo conceder ás assembléas a faculdade
que recusamos a quaesquer autoridades do Estado :
mas, entretanto, si a prévia autorisação é precisa, con-
cebe-se acaso que sociedades que funccionam em uma
provincia, organisadas para effectuarem serviço pro-
vincial, dependam ào plaôeí imperial? A lei que isto
exige é producto da febre reaccionária que tantas ve-
zes temos assignalado.
Copiando a mencionada consulta, o aviso de 4 de ja-
neiro de 1860 assentou, como princípios inconcussos,
doutrinas manifestamente illegaes.
Não podem as assembléas, segundo elle, conceder
privilegio sobre navegação de rio que, percorrendo ter-
ritório de duas províncias, seja todavia aproveitável
no de uma delias somente ; nem quando a navegação
da costa marítima se possa estender á do rio ; nem, em
geral, soòre a navegação a vapor fluvial. Está escrípto,
e o commentario desta ultima hypothese patentôa o
preconceito do conselho de estado : uma lei de 1833,
diz elle, attríbuíra o serviço da navegação a vapor ao
governo geral. Pode essa lei prevalecer apezar de
anterior ao acto addicíonal ? Basta simílhante propo-
sição para o leitor avaliar si é exagerado nosso juízo
sobre o empenho do conselho de estado em restaurar
no Brazil a monarchia centralísada. Dispensa argu-
mentos a invocação de uma lei ordinária para o fim de
restringir uma lei constitucional posterior. Era, entre-
tanto, expressa outra lei mais antiga, a de 29 do agos-
•>
310 PAEXE TERCBIBA
to de 1828, que nâo foi revogada, antes se deve inten-
der confirmada pela das reformas. Dizem os seus
artigos 1*» e 2**: «todas as obras que tiverem por objecto
promover a navegação dos rios, abrir canaes ou cons-
truir estradas, pontes, calçadas ou aqueductos, perten-
centes a mais de uma província, serão promovidas pelo
ministro do império ; as que forem privativas de uma
só província pelos seus presidentes em conselho ; e as
que forem do termo de uma cidade ou villa pelas res-
pectivas camarás municipaes. » E no artigo 6° enu-
mera-se a concessão do privilegio exclusivo entre as
clausulas com que a administração provincial pôde ce-
lebrar contracto para obras provinciaes.
Introduziram também a consulta e o aviso um prin-
cipio novo de interpretação do acto addicional, mais
restrictivo ainda, classificando a natureza das estradas
segundo os seus motoret^, vapor ou animal ; e, nem
aqui siquer, protestou contra estes excessos o autor dos
Estvdos práticos y que, em outros assumptos, menos in-
teressantes aliás á real prosperidade das províncias ,
sustentara doutrina conforme aos seus direitos. Com
effeito, a consulta e o aviso consideram geraes as es-
tradas servidas por vapor, qualquer que seja sua ex-
tensão. E ajuntam o seguinte commentario : « Estas
obras, pelos grandes capitães que empregam e pelo ser-
viço que devem prestar, não devem ser emprehendidas
sem serem consultados os interesses geraes. » Aqui
invocam, como os escriptores francezes, a uniformi-
dade de policia e disciplina das estradas de ferro, a ne-
cessidade de planos communs, etc. ; e, em nome da lo-
INTERESSES PROVINCIAES 311
gica, declaram geral a pequena estrada de ferro de
Mauá, construída dentro de um município do Rio de
Janeiro. Mas a lógica tem, na verdade, exigências su-
premas ; e pois, sem hesitar, estabeleceu-se mais esta
outra regra : « quando, sendo o motor animal, e sobre-
tudo si ha trilhos de ferro, a estrada arriscar grossos
capitães y deve ella ficar dependente do governo geral ! »
Tutor da naçào, não pode o governo imperial soffrer
que os capitães de seus pupíllos arrisquem-se em gran-
des emprezas sem o seu exame, sem o seu consenti-
mento .
Supponha-se o mais ligeiro caminho de ferro, um
tram-^*oad municipal ; âupponha-se até uma estrada de
rodagem que demande capitães consideráveis : tudo
virá receber o placet do supremo governo. Si ha cen-
tral i sacão, é isto.
Assim : privilégios para ex:ecução de serviços pro-
vínciaes, incorporação de companhias, navegação a
vapor dos rios, construcção de estradas servidas a va-
por, ou simplesmente com trilhos de ferro, ou de qual-
quer natureza demandando grossos capitães, tudo, to-
do o melhoramento material do paiz, ficou concen-
trado nas mãos do governo imperial. Póde-se agora
duvidar da existência da centralisação no Brazil ? *
1 Parecem haver reconhecido a illegalidade do aviso de i de janeiro o
Sr. ministro das obras publicas e o seu antecessor, pois devolveram aos po-
deres provinciaes o conhecimento dos recentes projectos de estradas de ferro
em S. Paulo, Rio-Grande do Sul e Ceará. O aviso, porém, não foi cassado;
subsiste sua doutrina, que outros ministros poderão mandar cumprir. Por
outro lado, continua em pleno vigor a obrigação de serem approvados pelo
governo imperial os estatutos das companhias. A situação é, pois, quasi a
mesma, e o será emquanto se não revogarem expressamente os actos de 1860.
312 PARTB TERCEIRA
A lei de policia e justiça (1841) e a da guarda nacio-
nal (1850) aniquilaram o espirito publico nas locali-
dades, centralisaram a politica: a lei e o aviso de 1860
atacaram a prosperidade material das provincias e o
principio de associação, coroando a obra do golpe de
estado de 12 de maio de 1840. Por isso, 1860 é o non
plus ultra àaTeB.cqS,o. Desde que valeu-se de simples
avisos para interpretar e corrigir o acto addicional, re-
vogando leis expressas, nenhum poder mais restava
ao governo usurpar.
§ II. — Até onde se estende a competência provincial.
Exemplos dos Estados-Unidos mostrem quão mes-
quinha é a politica centralisadora de certos estadistas
do Brazil.
Representando um capital de quatro e meio biliões
de contos, cortam o território da União oO,000 milhas
de caminhos de ferro, extensão quasi igual á da Eu-
ropa inteira, e cento e quinze vezes maior que a nossa \
Desse algarismo prodigioso a mór-parte foi construida
em virtude de leis dos estados, por companhias nelles
fundadas, com auxilies ousem auxilies delles. No fim
de 1861, New-York contava 3,475 milhas de caminhos
de ferro representando 277,000 contos. Na mesma épo-
ca, a Pennsylvania possuia 3,226 milhas, avaliadas em
> 435 milhas, comprehendidas as linhas por inaugurar este anno.
^
INTBRBSSES PBOVINCIAES 313
320,000 contos ; Ohio, 3,230 milhas orçadas^ em
300,000 contos : e assim o» demais estados, segundo
sua riqueza e população \ Os grossos cabedaes arris-
cais nessas emprezas gigantescas nSo careceram da.
tutela do governo supremo da republica ; e> pelo con-
trario, si essa tutela existisse ali, é mui provável que
os capitães tivessem antes a timida prudência que os
caracterisa aqui, sob a acção moderadpra do governo
imperial, esse agente esterilisador da prosperidade
publica. '
São da mesma sorte eloquentes as estatísticas doi^
canaes da União. Cerca de 3,200 milhas de canaes fa-
cilitam hoje a navegação interior, graças a uma
despeza effectiva maior de 200,000 contos. Estes capi-
tães foram também arriscados, sem a tutela do gover-
no central^ por cada um dos estados. Citenros um del-
les, New^-York. O orgulho de New-York é o seu sys-
temà de canaes, como o de Massachussetts as suas es-
colas ; j)ossue, com effeito, 1,051 milhas de canalisação,
de um extremo a outro do território, ligando os lagos
Erie e Champlain aos rios e ao oceano. O custo corres-
ponde á obra : 122,.000 contos ahi se consumiram. Não
deteve tão vasta empreza a consideração de que essas
linhas de navegação interna prendiam-se á navegação
externa do oceano ou dos lagos que confinam com as
1 Crescem estes algarismos incessantemente. Em' 1868 davam-se á Pennsyl-
vania 4,400 milhas, e ao Ohio 3,400. New-York devfa em breve attingir a
4,568 milhas. No anno de 1869 abriram-se ao trafego, em toda a União, mais
de 6,000 milhas. Nos pro(/rios estados do sul construem-se agora 60 linhas
novas. ; '
A PROV. 40
9l4t ' PARTE TÈtlCElkA
pbssessôès 'niglezàs : as objecções liinitai*am-se á exe-
quibilidade dá obra e aos sacrifidos que impunha. Mas
coín que firmeza, còin quanta perseveran^ça e confiaíiça
tíò fututo, nioveram^se os habitantes de New-York a
trabalhôâtão colossaes I « Não obstante as sinistras
pi*èdicçô>ês dé homens notaVeis pòrsua sabedoria e ser-
vidos, nâo òbstahte os tíonsélhos do venerado palriar-
chá dia deiíiocraiéilst; do próprio Jefferson, em cuja opi-
nião fôía^precisoiim sçculo pára ousar tentar trabalho
similhante; não obstante as exprobrações do illustre
Mádison, T^éfere Míchel Chevalier, o estado de ííew-
York; que então (1817) contava apenas 1,SOÍO,000 til-
más, começou a construir o canal de Erió com 350 íói-
Ihad de òoi^pfido. » * í^oliòo depois, com tóínifiòàç8es
em todos os sentidos, o canalnão bastou ás exigências
do conimeícío ; foi preciso alargal-o e apròfundal-ò, e
hójé só oè dous de Êrié e Chámplàin, ha extensão con-
tínua dè' 4â8 milhas, representam o dispêndio de 82,000
coitos. '
Nos Efstadôis-Unidos, como dicemos, o goveíno fe-
deral não disputa aos dos estados inteívénção éni suas
obras inlerioifès, ainda quando sejam da maior gravi-
dade ; pelo contrário, é o congresso ou o presidente que
ás Véze^ tem duvidado da constitúcionaliaade de auxi-
lies cbncedidoá Jiara melhoíámentcs loeaes. Por outra
parte, aprecie-se o caracter quasi nacional dos trabalhos
emprehendiçlQ^ em qualquer dos estados, no de New-
York por ex:emplo, cujos òaminhos de fertro e canaes se
1 Lettretsur VÁmérique dunord; XXII
INTÇQ^SSBS PROYINQIABS . ;$j]^
prei;i(lem ao3 dos outros pn á nav^aça;?. .^xj^çrior : .e
ixem por isso invocoii-se a intervenção io govePAO cejjr
trai. Muito menos no Brazil exigiria o ^^c^í auprep^p^
si não fo.sse logo repellida s^ competência da proyiDicia,
Não sãp, á vista de taes exemplos, manifestamente
arbitrarias as regras do aviso de 4 de jaj^eirp de 1860 ?
nap são violências á autonomia das provincias, base do
systema politico do Brazil ? (Art. 71 da constituiç?o'e
1* do acto addicional.)
O espirito prático dos aorte-americanos tem dado
o caracter federal áquellas obras somente que intc;
ressam á União inteira ou a uma gí^ande parte delia*
Assim, é federal, efoi construído com largos subsidiou
e concessões de terras federaes, o caminho de ferro do
Pacificp, que, estendendo 1,770 milbas atr ia véz, do de-
serto, liga os portos de dons oceanos. Da mesma 3orte
se proceda no Brazil. Sabemos bem que 9, algumas
províncias falleccm recursos pecuniários y mas o que
a todas falta principalmente é â isenção precisa para
contractarem com emprezarios, para organisarem cpm-
panhias, para cobrareni impostos sufficientes, para
abrirem novas fontes de receita. Depe^dentl3s do go-
verno central, nada tentam, nem ousam, liíap é isto
mérá declamação. Ainda recentemente (oitubro de
1869) o presidente do Ceará deixava de sanccionar i;n^
projecto de lei sobre a estrada de ferro da capital a
Pacatuba, entre outros motivos, porque « tratava-sé
de uma estrada servida por vapor e devia a concessão
ficar dependente da approvação dos poderes geraes. »
Nas razões com que o mesmo presidente devolvera o
' 81b PARTB TERCBIRA '
J)rojeèto, transpiram ás' prevençSes creadas pelo aviso
de 1860 ; cumpre dissipal-as, cumpre desvanecer as
confusOes com que o conselho de estado anarchisou
esta parte do nosso direito publico, protrahindo a exe-
cução de obras urgentes nas províncias.
E* iassim que estSo quasi todas a esperar, desde a in-
dependência, que se melhorem seus portos de cofc-
mercio. O estado primitivo em ' que áe acham, a au-
sência absoluta das mais simples commodidades para
a navegação, afastam das provincias o commercio di-
recto, e o concentram no Rio de Janeiro, cuja superio-
ridade aliás creou a natureza mais do que a arte. O
fatal expediente dos adiamentos indefinidos não per-
mitte adivinhar o termo das protelações. Porque não
ádmittir-se-ia neste serviço uma distincção prática?
iSi os portos e barras não estão abertos ao commercio
exterior, façam nelles as provincias as obras que qui-
zerem. Si ha alfandegas, então decretem-as de accordo
com o governo geral : não se reserve a iniciativa para
este exclusivamente, pois elle não pôde até hoje, e não
poderá agora effectuar com os recursos do orçamento
as urgentíssimas obras dos portos do Brazil. Continha
a constituição dos Estados Confederados do Sul uma
clausula que expressamente permittia a cada um delles
lançar, com o consentimento do congresso, sobre
navios procedentes do ai to-mar, direitos de ancoragem
destinados ao melhora mento dos portos ou rios fre-
quentados por essas .embarcações. Sob aquella re-
serva da ápprovação do parlamento, não descobrimos
inconveniente na iniciativa das provincias ; e, si o
#
^lííTÊRESSES PROVIIÍCIABS 317
governo cemràl receia abusos, antecipe-sê, ou pro-
mova a incorporação de emprezas que, mediante ta-
xas de navegação, transformem ii*algtins annos em
verdadeiros portos de comniercio essas "barras arris-
cadas e esses surgidouros sem abrigo, que man-
teem estacionário o oommercio directo das provincias.
Porque razão não admittiremos também ■ os ajustes
de duas' ou mais para effectuarem em commum
serviços que, posto interessem a miais de uma, não
teèm rigorosamente o caracter de nacionaes? Pro-
hibem-n'o repetidas consultas do conselho de esta-
do. A propósito de navegação subsidiada por diver-
sas provincias, tem-se declarado excesso de compe-
tência o accordo delias para este fim.. Taes convénios,
entretanto, quer para serviços de* transporte communs,
quer para arrecadação de impostos e outros assumptos,
todos os dias se sentem necessários, e os gdvernog
locaes os vão celebrando de modo mais ou menos in-
directo. Tanto basta para condemnar a doutrina do
conselho de estado. Deõaais, o que induz em erro é a
expressão ajuste do artigo 83 da nossa constituição,
que reproduz incorrectamente uma clausula da dos
Estados-Unidos, onde diz : « No State shall, . without
the consent of congress,.... enter into any agreement
or çompact with another State, or with a foreign
power » (artigo I, sec. 10, § 3) ; o que Tocqueville
^traduziu por forma que remove todas as dúvidas : « Au-
cun état ne pourra, sans le consentementducòng-ròs,
contracter quelque trailé ou union avec un autre état
ouavec une puissance étrangère. » Infringiram este
318 RA.RTE TERCEIRA
preceito os estados do Sul, subljevando-se para forma-
rem a confederação aniquilada j unto a Richmond. Li-
gando estados soberanos, a constituição norte-ameri-
cana procurava previnir que a União se dissolvesse em
idênticas confederações ; n^as não pensava prohibir os
accordos ordinários de caracter meramente adminis-
trativo, sem fim algum politico \ <i Quando um rio
separa dous ou mais estados, podem os ditos estado^;
celebrar um pacto para, melhorarem sua navegação »,
dizia-o expressamente a ephemera constituição, do Sul
(art, I, sec, 10).
Na da Republica Argentina se incontra um artigo
que não contém a dos Estados-Unidos ; é o que diz :
« As provindas ppdem celebrar convenções parciaes
a benj, da administração da justiça, de interesses eco-
nómicos e trabalhos de utilidade commum, dependen-
tes do conhecimento do congresso federal. » Outro tex-
to (art. 108) esclaresce quaes sejamos assumptos sobre
que não é licito celebrar taes convenções. << Não exer-
cem as províncias o poder delegado á nação ; não- po-
dem fazer tratados parciaes de caracter politico.... » ;
e em seguida enumeram-se os .grandes interesses na-
cionaes que excedem -á competência local.
Assim, o que se deve prohibir ás nossas províncias
é que firmem accordos políticos, mafe não ajustes par-
ciaes sobre interesses económicos e serviços de utili-
dade çomraum. Exija-se embora que nestes casos o
façam mediante assentimento do governo central, mas
y P{iscbal, AnvnotaJted constiíution; u. 164.
INTERESSES PROVINCIAES 3I9
nao se lhes tolha a iniciativa^ não se llies tire o uso
de uma faculdade n\uito proveitosa para o seu pro-
gresso, esem jierígo para a União désdé que se resalva
aquelle assentimento *. Na própria Europa, os estados
(ou assembléas) das provincias da HoUanda podem cor-
responder-se com. os estados das outras, e regular de
accordo os negócios que interessam a mais de uma,
com a prévia autorisação do rei. *
Conceder ás vastas regiSes dó Brazil, quanto aos
seus peculiares interesses, autonomia igual á dos es-
tados anglo-americanos, é consolidar as instituições
actuaes. Perpetuar a centralisacão aggravada pelos
actos de 1860 é irritar as provincias contra a integri-
dade do império. As tradições do nosso governo per-
mittem, entretanto, suppôr que, para elle, a maior
garantia da integridade repousa na força e nâ prepon-
derância do poder supremo. E', certamente, um erro
deplorável; ei o attestá um facto que, esclarescendo a
questão, é para nós o mais decisivq argumento : os
cOdflictjcys de competência e as illegaòs pretenções do
governo imperial teem retardado á prosperidade das
provincias. Ora, isto equivale a dizer que a força e a
grandeza da pátria estão oomprimídas: Si os* tímidos
enxergara nas liberdades locaes algutis riscos adrède
exag^eríwlOs, não esqueçam que ellas pròmoveraiin a
* No projecto de reforma municipal (1869), o Sr. ministro do império in-
troduziu' um princípio idêntico, permittindo a dotis municipios ou parochias
vizinhos associarem*se para a con^trucção de esti-adas ou creação de «stabelé*
cimentos a expensas communs. (Ârt. 17.)
* Béchard, Admintsiration intérieure de Id France; vol. 2*, p. 348.
320 PARTB TERCEIRA
inaudita prosperidade e o poder a que attingiu a Ame-
rica do Norte. « Pretende-se que os legisladores an-.
glo-americanos não fizeram o governo central bastante
forte, e que, si o tivessem feito maisforte,nâ;oseliou-
vera effectuado a separação de 1861 : pôde ser, res-
ponde o Sr. Laboulaye ; si lá existisse um governo
central como o dos estados europeus, talvez não se ve-
rificasse a rebelliâo do Sul ; mas não se houvera tam-
bém visto o magnifico desinvolvimento que ali osten-
tou-se em setenta annos. »
§ III. : — Missão do governo geral.
Quando se vê o governo geral disputar ás provin-
cias melhoramentos que reivindica e sujeita á sua com-
petência exclxisiva, deve-se crer que elle reputa ligeira
a tarefa própria sua, ou que nada o accusa de indiffe-
rença e deleixo no fomento do progresso nacional.
Ora, o nosso atrazo é manifesto em todo ò género de
obras publicas. Basta indicar as estradas de ferro. Em
dezoito annos mal construimos 435 milhas, e póde-se
dizer que, ,concluidos em 1867 os troncos das quatro
maiores linhas, ficámos desde então estacionários. Tão
hercúleo esforço, longo repouso requeria I Mais do que
isso, em metade do mesmo tempo, tendo começado
muito depois de nós, fizeram os argentinos, que não
são anglo-saxonios, mas latinos, como nós outros : e
acaso pararam? pelo contrário, emprehenderam a con-
strucção de mais 670 milha». Inaugurado o caminho
INTERESSES PROVINCIAES 321
central de Rosário a Córdova, querem nossos vizinhos
estendel-o até á fronteira do Chile, galgar os Andes,
e unir os dous oceanos ao sul, como os anglo-ameri-
canos o fizeram ao norte. Sem poder moderador, sem
senado vitalício, sem centralisação, atrevem-se os ar-
gentinos a tamanha empreza ! Pela nossa parte, si na-
da executamos que imite a sua audácia de ligar ao li-
toral províncias remotas, accumulâmos relatórios e
plantas sobre a communicação para Mato-Grosso, a
navegabilidade do Rio das Velhas e do S. Francisco, .
o porto de Pernambuco, e outras intermináveis ques-
tões debatidas desde ò seçulo passado. Pouco, bem
pouco se estuda aqui seriamente, apezar de se inculcar
o contrario ; e pouco se faz, quasi tudo se adia. O adia-
mento ! eis o epitaphio do governo imperial. Progresso
constante^ concepção rápida, execução activa; eis o
mote dos governos responsáveis perante o povo. Inér-
cia, protelação, esterilidade, não são no Brazil resul-
tados do seu systema politico, onde o poder é irrespon-
sável, absoluto?
Entretanto, todos os povos e governos, até os des-
póticos, sentem que estradas de ferro são os nervos das
sociedades modernas. Pondo ao serviço do génio da
guerra trilhos e fios de arame, a Prússia pôde em três
semanas reformar a carta da Europa, e instaurar a uni-
dade da raça germânica. Para augmentar a força co-
lossal dos seus estados,- despende o cezarismo mosco-
vita centenas de milhões em caminhos gigantescos, e
dobra nos últimos seis annos a extensão das suas es-
tradas de ferro. A França, que por tanto tempo hesi-
A PROV. ~ 41
322 PARTE TERCEIRA
tara, já vê 10,000 milhas quasi completarem a sua rede
de communicações internas. Mais diligentes ainda, os
povos livíes parecem nisto exceder a medida do vero-
simil. Conta uma pequena ilha, que o mundo contem-
pla como a magmparens da liberdade, 14,223 milhas
de vias férreas, construídas por cinco biliões de contos
de capitães particulares : e, entretanto ,*não está satis-
feita a Grã-Bretanha ; insta por caminhos vicinaes e
baratos Ím?^-í2?â5y5 que prendam as menores localidades
ás grandes estações. Mais insaciável do que o inglez é
o povo norte-americano. Possuia a Uniâ:o em 1860,
antes da guerra, 28,771 milhas abertas ao trafego ; de
então para cá inaugurou mais 20,039 milhas, isto é,
2,000 por anno, ou quasi duaá léguas por dia. Fez
mais, e isto é inaudito : nesse intervallo estudou, ex-
plorou, decretou e construiu uma das maravilhas do
mundo, o caminho do Pacifico, com 600 léguas contí-
nuas, atravessando, não terrenos cultivados, mas im-
mensas campinas pisada^ pelo nvsoepélle-vermelha^ li-
gando, não innumeras grandes povoações, mas só duas
illustres cidades, Chicago e Sacramento.
Não insistamos em paralelos pungentes. Si não
fora razoável exigir do Brazil igual progresso, é
acaso justificável a nossa proverbial negligencia? A
própria estrada «Pedro II» , cuja renda em 1869 já
subiu a 4,625 contos, que, portanto, paga o seu cus-
teamento, os juros do capital e até poderia amorti-
zal-o em um decennio, porque hade essa magnifica
empreza esperar indefinidamente a construcção do
resto do seu tronco já decretada e o prolongamento
INTERESSES, PROVINCIAES 323
até o valle do S. Francisco? Em projectos consumi-
ram-se treze longos annos, de 1842 a 1855 ; quinze
já decorreram na lenta execução de uma quarta parte
da linha projectada, e mais tempo se perderá si a te-
nacidade de um illustre brazileiro não houvesse lo-
grado transpor a Serra do Mar ; e, adiada desde 1864,
ainda agora pede o governo a espera de uns dez an-
nos para a conclusão do mais considerável de nossos
melhoramentos materiaes. Obra eminentemente civi-
lisadora e politica, esse caminho de ferro, que não
contará afinal mais de 550 milhas, terá demandado,
ainda assim, um quarto de século, si não sobrevierem
novas protelações.
Dos outros o que diremos? Nem delles se fallaA;
todos ahi estão parados^: apenas os paulistas tratam
de construir alguns ramaes da sua estrada principal.
Florescentes províncias. Rio Grande do Sul, Paraná,
Alagoas, Coará e Maranhão, debalde esperam que
uma locomotiva devasse o seu interior; recusa-se-
Ihes o que não se negou a outras muito mais ricas, a
garantia de juros.
Em 1864 a camará liberal quizera decretar a nossa
rode de estradas de ferro. Oppòz-se-lhe o govQrno.
Porque? porque não havia dinheiro: pediam-se trez
a cinco mil contos para novas garantias ; a guerra
do Paraguay, depois disso, legou-nos 23 mil de des-
peza ordinária annual, e para ella nunca faltou di-
nheiro.
Quanto ás províncias do Norte principalmente, a
indifferença é mais grave ainda por um motivo parti-
V
324 PARTE TERCEIRA
cular. Em cada um dos .últimos oito annos, a taxa
do seu algodão exportado contribuiu para a renda
geral com mil contos mais do que d'antes : pois bem!
nem por ser tão directamente interessado no desin-
volvimento da cultura deste género, o governo cen-
tral decidiu-se a promover a pros.peridade dessa por-
ção do império. Algumas das mesmas provi ncias,
nem estradas de ferro pedem : reclamam o melhora-
mento dos seus portos. Podia o governo engajar en-
genheiros de indisputada competência, e em poucos
annos construir á sua custa, emittindo apólices, as
obras de portos e os pharóes, si não as pretendessem
emprezas idóneas sob condições razoáveis. Ora, em
ambos os casos, impostos addicionaes sobre a nave-
gação ou o commercio de taes portos pagariam os ju-
ros dos capitães empregados.
A nenhuma provincia se deve de refusar o im-
mediato melhoramento de porto aberto ao commer-
cio exterior , molemente áquellas onde existem es-
tradas de ferro. O primeiro é o complemento das
segundas. Por outro lado , nada mais injusto tam-
bém do que privar qualquer delias , ainda as me-
nores, de .uma e outra cousa.
Fora preciso, com effeito, considerar cada provincia
um núcleo commercial, com direito a estes dous agen-
tes do progresso : porto de abrigo e estrada de ferro.
Bxcluidos o Amazonas e o Pará, que os dispensam,
Goyaz e Mato-Grosso, que também preferem o vapor
nos seus rios silenciosos, se devera reconhecer previa-
mente o direito de todas a esses melhoramentos essen-
INTERESSES PROVINCIAES 325
ciaes. Que fora preciso para realisar projecto tão sim-
ples, simultaneamente, em meia dúzia de annos? Não
muito dinheiro : as obras dos portos sustentam-se por
si, paga-as o seu commercio ; os caminhos de ferro
não demandariam talvez mais de 10,000 contos de ju-
ros, na hypothese de renda apenas sufficiente para o
custeamento. O que ó isto para um paiz que mal começa
a desinvolver as suas fontes de receita, graças aos mo-
destos melhoramentos timidamente inaugurados no
ultimo decennio ? Quando o trabalho e o capital forem
aqui auxiliados pelas modernas invenções, essas re-
ceitas excederão de sobra o nivel a' que as elevaram tri-
butos de guerra. Conservar estes odiosos tributos e não
fomentar a riqueza publica, ou, o que vale o mesmo, si-
mular animal-a com projectos de estradas iniciados sem
energia oa votados sem confiança, é o requinte da ro-
tina e da indifferença.
Mas onde realmente raarayilha a negligencia do go-
verno é no inconcebível adiamento da navegação do
alto S. Francisco. Um só vapor, mesmo microscópico
(como alguns que para lá enviaram, ura dos quaes
está a caminho ha quatro annos) , ainda não sulcou as
400 léguas que esse poderoso rio e seus confluentes
oíFerecem a navegação ! Custa crêl-o : a dons milhões
de habitantes, sequestrados do mundo, e a sete provín-
cias aproveita essa facillima navegação. Que admirar,
pois, si o Rio-Grande de Minas, si o Jequitinhonha, si
o Araguaya, si o Tapajoz \ e tantos outros, continuam
* o Tapajoz e o Araguaya indicam ao commercio de Mato-Grôsso, o pri"
meiro, e ao de Goyaz o segundo, o caminho do valle do Amazonas. Que li-
326
PARTE TEECBIRA
a ver a magestade do silencio assentada ás suas mar-
gens primitivas ?
Atrazados em caminhos de ferro e navegação flu-
vial, não é para estranhar que mal conheçamos o uso
nha, porém, preferirá no futuro a primeira destas provindas? a antiga via
terrestre, quando estiver concluida a estrada de ferro do S. Francisco, a
linha fluvial indirecta do Rio da Prata, a directa do Pará, ou todas conjun-
ctamente? Não é fácil prevel-o. No estado actual do desin volvi mento de
Mato-Gro»so, dependendo seu commercio do Rio de Janeiro exclusivamente»
a foz do Prata, que apezar de rio-abaixo é o mais longo caminho, parece,
comtudo, a mais barata das presentes vias de communicação. Não é provável
que a abandone, sinão quando o porto de Buenos-Ayres. que vai ser o em-
pório de todo o valle do Paraná e baixo Paragu^y, attrahir também, por suas
vantagens particulares de situação e vizinhança, as relações de Mato-Grosso.
Ao estadista brazileiro só cabe attenuar os inconvenientes deste inevitável
acontecimento, abrindo ao norte de Mato-Grosso, que é a sua parte povoa-
da, a linha do Arinos e Tapajoz, a qual, seja dito de passagem, ainda se não
mandou reconhecer. Imaginar, em vez disso, uma extensissima estrada mi-
litar atravéz dos desertos da província do Paraná, é não attender á lei dos
fretes. Esta idéa de estrada de rodagem de centenas de léguas no deserto
julga a nossa administração. Os norte-americanos levaram ás solidões do ocst.e>
não estradas macadamisadas, mas caminhos de ferco : lá os trilhos são assen-
tados no deserto por legiões de immigrantes. Ha de chegar, e pela nossa
parte bem o desejáramos acelerar, o dia da povoação dos ubérrimos campos
do Paraná; mas nesse dia ter-se-ha desvanecido a prcoccupação bellicosade
estradas militares, e as grandes vias de rodagem, que encarecem o frete, es-
tarão definitivamente condemnadas.
Attingindo a locomotiva ao S. Francisco, navegado a vapor este rio e o
Paracatú, o sul de Goyaz, como o oeste de Minas, continuará a demandar o
porto do Rio de Janeiro. Entretanto, por agora ao menos, o único porto de
Goyaz é o Pará, por via do Araguaya e Tocantins: e, em todo, o caso, ainda
quando inaugurada a estrada de ferro do Rio de Janeiro ao S. Francisco, o
norte de Goyaz e o sul do Maranhão só teem um caminho directo para o
oceano, o do Araguaya ao Amazonas. Por outro lado, construído um tram-
tpay para Guyabá, muito pôde este caminho fluvial aproveitar a Mato-Grosso»
si fôr maisdiílicil ou dispendioso abrir a communicação de Cuyabá ao Pará
pelo Tapajoz. Como, pois, hesitar? como não favorecer effieazmente o pro-
jecto do Araguaya? Nada justificará a falta de enérgica cooperação do go-
verno para a prompta rcalisação dos votos das duas províncias occidentaes.
»
INTERESSES PltOtriNCIAES ^ 327
do telegrapho eléctrico : e aliás, para a máxima ener-
gia do poder concentrado, não ha mais útil auxiliar,
como o nao ha para a defeza do Estado e para a unidade
moral da pátria. Apenas uma curta linha percorre o li-
toral do Rio de Janeiro até Campos, outra corta o valle
do Parahyba, e uma terceira, ainda não definitivamente
conclnida, deve ligar o Sul á capital do império. Todo
o Norte do Brazil debalde esperou o telegrapho nacio-
nal, e agora forma votos pelo êxito da ompreza a quem
afinal, aepois decrueis hesitações, c(>ncedeu-se alinha
costeira. Já muito fizemos, em verdade : depois de la-
boriosissimos estudos, entrámos no periodo dos pro-
jectos ; um para a linha transatlântica, duas vezes con-
cedida ao mesmo emprezario, outro para a linha cos-
teira. Lancemos, entretanto, os olhos para a car-
ta telegraphica de um pequeno Estado europeu,
Portugal, que nisto nos dá lições. Três mil kilo metros
de linhas eléctricas possuia o reino em 1868. Não ha
cidade alguma, não ha villa importante, que não te-
nha a sua estação telegraphica.* Demais, a rede por-
tugueza está ligada á grande rede européa, e por ella
aos cabos transatlânticos e indicos. E tem Portugal o
seu território repartido em províncias distantes, em
regiões quasi independentes? Sente Portugal, como
nós, este embaraço das incommensuraveis distancias,
tantos portos sem defeza, tanta difficuldade nas com-
municacões interiores?
Por dezenaá de milhar se contam as linhas dos Es-
tados-Unidos : 73,000 milhas e 5,000 estações. A Grã-
Bretanha vai genoralisar o telegrapho de sorte, que
•
328 PARTE TERCEIRA
liaja um posto eléctrico em cada estação do correio do
Reino-Unido.O continente europeu e parte do americano
constituem hoje uma vastissima federação quanto a
correios e telegraphos. Foi preciso mergulhar nos ma-
res, e cercar o globo com uma invisivel ciota de ara-
me. As índias, a Austrália, acham-se em communica-
ção instantânea com a Europa. Por via dos Andes, li-
toral do Pacifico, Panamá e Havana, o Rio da Prata
ligar-se-ha em breve ao systema eléctrico do mundo,
entrando mais cedo que nós na orbita da civilisação.
Será indifferente aos brazileiros verem que são em tu-
do os derradeiros ?
Agitemos estas questões; são também parte nas
queixas da democracia. Opprimem o voto e ludibriam
da nação, porque > isoladas, as populações não sentem
vibrar em um instante, simultaneamente, como no
systema nervoso, a fibra ofíendida, o sentimento con-
culcado ení uma parte qualquer do império. Póde-se
impunemente surrar um brazileiro no Piauhy , ou cru-
cificai -o em Alagoas,- porque as enormes distancias
fazem que não sejamos um povo, mas uma agglome-
ração de colónias do Rio de Janeiro. Acaso por isso
mesmo se trava aqui, no campo dos melhoramentos
materiaes, entre o império e a democracia, o conflicto
que se observa na esphera dos interesses moraes ?
A urgência de imprimir em nossas instituições o
cunho democrático. Hão deve de preterir a necessi-
dade, igualmente indeclinável, de crear os agentes
auxiliares do progresso.
. Quando por toda a parte os antigos costumes, as ve-
INTBRBSSBS PROTINCIABS 339
Ihaô usanças, as estreitas idéas fogem diante da inva-
são das duas grandes forças contemporâneas, a loco-
motiva e o telegraplio , como ha de o Brazil esquecer
que um dos maiores erros da administração imperial
tem sido protelar, sinâo obstar, á transformação dos
seus meios materiaes de existência? Como ha de
relevar essa politica original, que estuda, discute,
protela, e volve a estudar, a discutir, a protelar infin-
dos projectos interrados em incommensuravel papela-
da ? Pese o actual regimen a sua respousabilidada pí^
rante a historia, e abandone de uma vez os tristes habi •
tos e os expedientes da inércia. *
Fosse embora de reacção politica, muito perdoar-se-
ia ao presente reinado, si^ abolido o trafico, houvesse
logo emprehendido à obra da emancipação, creadõuma
corrente de immigrantes, construido grandes vias de
transporte, fundado por toda a parte escolas, prepara-
do, em summa, o caminho da liberdade, a exaltação da
democracia.
Houve em França um governo, em cujo período as
letras, as sciencias, a filosophia, a eloquência, a
poesia, brilharam com um novo lustre na terra de
Voltaire e Mirabeau. Os enthusiastas do rei davam-lhe
o invejável cognome de Napoleão da paz. Pois bem !
não este ou àquelle facto politico, mas um grande erro
social, precipitou-o de repente. Esse erro fora o esque-
cimento dos interesses do povo, a mesquinhez da ins-
trucoão, as incríveis hesitações na construcção da
rode dos caminhos de ferro, o atrazo do commercio, a
debilidade das industrias, falsas noções económicas
A JPBOV. 42
330
PA.BTB TBRCBIBÀ
ex!ãg'6rada8 por ainds^, mais falsas noções de governo.
Quando o sopro indomável da tempestade curvou por
terra o Agamemnon doareis do Continente, ouviurse,
sem muita estranheza, um usurpador repetir com em-
phase: «Tudo está por fá?er I >> JS quando a França,
como sahindo de um sonho, viu as suas cidades trans-
formadas por encanto ; Pariz, como a Roma de Au-
gusto,, passando em alguns dias de casas de tijolo a
palácios de mármore^ portos que competem com os
portos de Albion ; os rios contidos dentro dos leitos
como a^ .revoluções entre as bayonetas ; caminhos de
ferro, não já nos arredores das grandes povoações,
mas por toda parte, de mar a mar, linhas contín^ias
de Pariz a Moscow, a Brindes, a Lisboa ; a impossível
vencido no canal de Suez; um comraercio universal ;
por todos os oceanos do globo fluctuando. gloriosa a
bandeira tricolor : a Fraijça deslumbrada teve um mo-
mento a fraqueza' de esquecer o crime do usurpador.
Reaes serviços ao progresso valeram a Napoleão III
iin^a trégua, uxn reconhecimento talvez, de que jamais
g^ozára o governo parlamentíir que o precedera.
Que» pois, espera da historia um systema de go-
verno que, sem haver-nos assegurado a liberdade, nos
teni privado do progresso ?
INTERESSBS PROVIÍíÓlAES 351
. f
CAPITULO r VI
'« f
RECEITA K DESPEZA ,
:l
Preminòio de imminôiite ruina, o desarranjo das
' finanças e sempre syniptôma^de grave enfermidade
nos Estados. Quão diíBcil siiJ)Brar as grandes crises
financeiras I Quantos governos naufragaram nessa
tentativa arriscada! Não refere a historia maíé^ rárò
espectáculo do que offerecem á admiração do mundo
os Estados-Unidos lutando e vencendo uma divida
prodigiosa. Não acumulada pela súccessão' de maus
governos, como a de tantos povos do continente eu-
ropeu, não para dilatar por alguns dias mais o inevi-
tável interraraento do despotismo, cotíio na Áustria e
na Hespanha, hão pára libertar a outros da tyrani'a
dos Rozas e dos Lopez, mas para estnagár a própria
tyrania domestica emancipando uma raça inteira,*
equilibrando a liberdade e a igualdade, — essa divida
enorme Corrompeu a atmosphera sobiJalda Republica,
inspirando as mais sinistras propbecias. Mas eis o
que valem a industria e a energia de um povo: em 30
annos serão resgatados os cinco biliões de contos con-
trabidos no quatriennio da guerra, e entretanto se
hão de reduzir os tributos recentes. Exercito, mari-
nha, serviços ordinários, todos volvem aos algarismos
de despeza anteriores á rebellião.
3^2 . PARTE TBRCBIEA
Inspire-se o Brazil na grandeza deste exemplo ; não
lhe é dado marcliar com passo igual» mas também
não deve contemplar tránquillo a sua situação finan-
ceira. Problema ingente propõe-lhe a sphynge do
futuro : — o orçamento do Estado buscando debalde o
perdido equilíbrio" ; a importação retrocedendo diante
dos rigores de tarifa verdadeiramente probibitiva; a
agricultura reclamando, novas estradas que compen-
sem os seus novos cargos ; a escola e o caminho de
ferro, attestados da civilisá^Qo em marcha, desespe-
' rando de adiamentos, repetidos depois de aguardarem
em vão mais venturosos dias ! ... E não é tudo, pois
ctimpre íião esquecer a crise, transitória sim/ mas
«evera sem dúvida^da transformação do trabalho.
Considere o Bíazil que d'ora avante agravaram-se
para elle todos os problemas politicos e sociaes. Seja
o objectivo dos çspiritos reflectidos não somente a
reforma das instituições, mas também a questão fi-
nanceira*
Si o ^mais seguro meio de attingir á reducção do
imposto é o de reduzir simultaneamente a despeza,
haja um governo patriótico que .solevante sobre as
ruínas dos tíiinisterios aulicos, e combata as grandes
causas permanentes dos nossos embaraços financeiros,
— o funccionalismo exagerado pela centralisação,
o luxo ^administrativOf os subsidies estrangeiros, a
onerosa politica de intervenção e protecção.
Não se pôde insistir bastante na rapidez com que
eleva-se a despeza geral do Estado, e na correspon-
dente agravação da sorte dos contribuintes, a quem
f
INTERESSES PROYINCIABS 333
se pediram em 2 annos 40 ""[o mais dos ónus antigos.
Esta dífficil situação tem ainda outro lado desa-
gradável: ella embaraça consideravelníente a satisfa-
ção de uma necessidade ha muito reconhecida, a de
recursos mais abundantes com que possam as provin-
cias prover ás exigências do seu progresso. E' inevi-
tável que as provincias reproduzam, as suas antigas,
nunca attendidas reclamações. Si o adiamento pare-
ceu outr ora hábil expediente para a rotina gover-
namental, hoje seria rematada imprudência applical-o
a interesses que tem a coragem de aífirmar-sè.
Nestas circunstancias, é forçoso encarar o problema e
resolvel-K).
NSo . exigissem embora os principies económicos
severa reducçao na despeza geral, bastava para acon-'*
selhal-a a urgência de ceder ás administrações locaes
alguns fragmentos da matéria contribuinte. E' assim
que a província e o município, cuja pobreza augmenta
na proporção das novas exigências do Estado, são
vivamente interessados na economia e no alivio dos
impostos.
A-ppendice ás considerações já feitas sobre a admi-
nistração local, não parecerá desnecessário um estudo
das questões concernentes á sua receita, com o exa-
me das doutrinas 4ue ee deve corrigir e das provi-
dencias que cumpre adoptar.
336 PARTE TERCEIRA
um povo, como o do Brazil, onde a centralisação che-
gou ao requinte de annullar o modesto poder legis-
lativo deixado ás provincias, onde os delegados do
governo até suspendem impunemente leis promulga-
das ou refusam-se á promulgação de orçamentos devi-
damente votados ?
Não se ha de acelerar o progresso das provincias e
municipios, não hão de as localidades emprehender
grandes melhoramentos, sem que, antes de tudo, a
centralisação dominante ceda o lugar que usurpou ao
fecundo principio da reforma constitucional de 1834.
Então, exercendo amplamente o governo dos seus in-
teresses, as provincias aceitariam sem repugnância os
ónus inherentes» Mas, prival-as de administração inde-
pendente e pretender sujeital-as a maiores e crescentes
impostos, alias sem applicação» ás suas necessidades
immediatas, é politica que mais e mais tornar-se-ha
impopular no Brazil.
Não é nova a questão do augmento da receita pro-
vincial.
Desprezan&o sabiamente a utopia de um orça-
mento geral formado de quotas prestadas por cada
província, sem haver imposições geraes,—- medida
lembrada em 1834 a exemplo" da confederação ameri-
cana antes da sua definitiva organisação, — o nosso
parlamento não pôde todavia assentar logo em bases
seguras a divisão da receita. Na ausência dos indis-
pensáveis esclarescimentos, sem os mesmos raros ele-
mentos estatisticos que possuímos, não era ligeira a
tarefa dos redactores da lei de 31 de oitubro de 1835 :
INTBMBSBS PROVmClÁBS 337
pelo que se deve relevar que essa medida, aliás pro-
visória, não fornecesse aos poderes locaes os recursos
precisos para as despezas que passavam a seu cargo.
Com effeito, votaram-se logo apóz, em 1837, sup-
primentos da receita geral a varias provincias na
somma de 550 contos., como auxilio aos dois serviços,
então descentralisados, justiças de primeira instan-
cia e culto parochial. E, posto cessassem os suppri-
mentos em 1850, ainda figura nos orçamentos a verba
« auxilio a obras provinciaes. y^
Não são, porém, soccorros da receita geral, que as
provincias requerem agora. A questão assenta em
outro terreno :
Não é acaso tempo de reconsiderar a divisão das
rendas feita em 1835?
Por outro lado, não haverá novas fontes de receita
unicamente provinciaes ?
Finalmente, a politica centralisadora resitaurada
em 1840 respeitaria mais o direito das assembléas
neste assumpto do que em tantos outros ?
Examinemos cada uma das questSes propostas,
dando precedência á ultima, onde vamos de novo in-
contrar os vestigios da reacção conservadora. *
1 No novo projecto de interpretação, que deroga algumas disposições
mais do acto addicional, apresentado a 15 de julho de 1870 pelo Sr. mi-
nistro do império, revivem, ao lado de concessões insignificantes ou no-
minaes, as tendências restrictivas do partido conservador. Quando as pn)
vincias reclamam recursos, o governo geral, que todos absorvera, vem
francamente disputar-lhes algumas migalhas! Involve o projecto (art. 11) a
condemnação das taxas itinerárias e outras equivalentes, de qtie abaixo
tratamos [§ UI), e prohibe (art. 3o) as contribuições addicioúaes sobre ma-
A PROV. 43
338 PARTE TBRCBIftA
§ II. — RestricçOes ao poder provincial em matetiade
impostos : taxas locaes addicionadas a imposições
geraes. ,
«
, vNoS' paizes de goveirno descentralisado lia porven-
tura uma regra absoluta, um critério seguro, para
definir em todos os casos o caracter nacional ou local
de certos impostos? » '
Alguns, o de importação, por exemplo, teem evi-
dentemente o cunho dos interesses communs do paiz
inteiro ; outros, como as taxas de pedágio, não
deixam dúvida sobre os interesses circunscriptos
que representam. Entre esses extremos fluctuam
indistinctos vários tributos, creações multiformes
teria já tributada por lei geral, de que também nos occuparemos (S'!!)*
Não lhe escapa nem o debatido ponto do juizo fiscal para impostos
provinciaes (art. 4.°), assumpto em que só reconhece ás assèmbléas
e (Iifeito.de prefeitrem um dos dous juizQs, o commum ou o da fazenda
nacional* limitada competência que aliás lhes fora contestada outr'ora.
Assim, e conforme se exprime o autor dos Estudos práticos no § 290,
não pod«m tellas creãír juizes novos, próprios seas, para a arrecadação
judicial dos iip postos, tíem decretar uma ordem nova de processo
para essa arrecadação. Entretanto, é esse mesmo autor que diz : «Não obsta
o acto addiciónál; áfites lhe é isso conforme, a que, todas as vezes que ha
alguma cousa de local, de peculiar no imposto provincial e necessidade de
providencia especjal, ainda mesmo para a arrecadação judicial* possam as
assèmbléas provinciais, dar em suas leis essas providencias, para as quaes,
por serem especiaej e locaes, seria a assembléa geral imprópria e incompe-
tente.» Qra,. estaé justameute a razão qge pela nossa parte invocamos para
reconhecer nas assèmbléas a m|iis lata competência a tal respeito, podendo
até crear juiz privativo e processo especiaiissimo* como cada uma melhor
intendei;. Demais, segundo já advertimos (P;arte II, cap. VII, § 1."), ao poder
legislativo provincial pertence organisar todas as justiças locaes ou de pri.
meira instancia.
INTfiRBÇSES PROVINCIAES 339
do espirito do antigo regiiúén fécfundo em compli-
cações financeiras, que a deinòcraciá tende á es-
magar na mó do imposto-modelo, lançado nos va-
lores representativos da riqueza, o imposto único.
Classificar em nacionaes e locaes os differentes
tributos foi tarefa difficil até mesmo nos Esta-
dos-Unidos. As bases da boa divisão da renda
entraram no quadro de estudos dos collabora-
dores da constituição federal. Hamilton deixou
no Eederalista traços luminosos sobre os prirícipios
que devem de limitar nesta matéria a autoridade
dos governos federal e local.
Conforme já notámos tratando de conflictos entre
os dois poderes sobre melhoramentos internos S a
questão, no assumpto que nos occupa, foi igualmen-
te proposta em sentido inverso do principio defendido
pelo nosso conselho de estado. Ali, não era. o gover^
no federal que propunha-se repellír invasões dos es-
tados ; eram estes que contestavam a competência do
congresso para votar imposições chamadas iíitériores,
e principalmente para lançar taxa addicional sobre
artigos já gravados pOr elles.
Os commentadores da constituição no Federalista
não curavam de resguardar os interesses dos estados,
porque a estes ninguém ameaçava ; pelo contrario,
era sua missão combater as exagerações da escola
democrática que embaraçavam, a formação do gover-
no central. Mas com que medida e cautela se exprime
1 Cap. V.
346 PABTE TEEOBIRA
Hamilton I Ejji primeípo lugar, peconhece que o im-
porto verdadeiramente nacional, excluído por si
mesmo da autoridade dos estados, é o de importação ;
porquanto recalxe sobre o commercio extepno, as-
sumpto superior á competência dos governos particu-
lares. Na sua opinião, porém, não se depara uma dis-
tincçSo profunda que permitta da mesma sorte classi-
ficar os demais impostos, os quaes podem òonstituir in-
differentemente verbas da receita provincial ou da
nacional. Assim, si um dos dois poderes tribata al-
gum dos artigos da renda interior, nem por isso o
outro fica impedido de ajuntar-lhe uma taxa addi-
cional.* Eis as próprias palavras do publicista : « E'
verdade que um estado pode lançar sobre certo
objecto tributo tal e tão grande, que o congresso
acbe inconveniente gravar o mesmo objecto com outro
novo imposto; mas certamente ninguém lhe pôde
oppôr obstáculo constitucional a que o faça. »
• Que des^a siínultaneidade possam resultar inconve-
nientes, i^ão o dissimula ; mas pensa que o juizo
prudencial dos governos removerá o embaraço. « A
grandeza do tributo, diz elle, as vantagens e incon-
venientes de augmental-o por parte de um ou outro
dos dous poderes, pôde ser para cada. um delles uma
questão de prudência ; mas com toda a certeza não
ía incompatibilidade real Abstenhá-se um dos
poderes de lançar novo tributo sobre aquelle objecto
que já tiver sido tributado pela outra autoridade.
Como ambos são perfeitamente independentes um do
outro, cada um terá evidente interesse «nesta condes-
^
INTEBBSSES PROViNClAES 341
cendenoia reciproca ; e por toda a parte onde ha in-
teresse communa, pôde contar-se com a sua ef&ca-
cia..»*
Proclamando, não a subordinação dos governos
particulares ao governo federal em matéria de tri-
butos, mas, por assim dizer, a jurisdicção cumulativa,
Hamilton procurou assignalar um imposto interior
peculiardos estados. Esse imposto ó justamente o ter-
ritorial , qiie Ibe parecia reunir as condições do
recurso mais apropriado ás necessidades da adminis-
tração local '. Hoje não a terra somente, mas toda a
propriedade movei ou immovel paga a taxa directa
de tantos por mil (dois, trez ou mais milésimos do
valor estimado ) > donde os estados e os municipios au-
erem a sua maior renda, e alguns a sua renda inteira.
Entre os annòs de 1838 e 1861, a receita do go-
verno federal quasi assentava em dois capitules úni-
cos: importação e venda de terras publicas. Os im-
postos dil^ectos e outras rendas internas votados pelo
congresso logo depois da independência, gradual-
mente dimiuuidos, tinham afinal cessado. Sobreveio
a guerra civil, e o congresso não so achou impedido
de renovar e elevar a algarismos fabulosos os impos-
tos que desappareceram , e que aliás pertenciam
então e continuam a pertencer á rendados estados.
No Brazil não é isso o que o governo geral
pretende; não o satisfaz a jurisdicção cumulativa;
quer alguma coisa mais.
* o Fédercáista ; cap. XXXU.
» Idem ; cap. XXXVI .
342 PAETÉ TERCEIRA
Clamando constantemente contra imposições pro-
vinciaes, intenderá o . governo, visto não serem gra-
tuitos os serviços locaes, que elles se devam manter
com .os supprimentos doados pela sua liberalidade?
Mas, como os ííeyfafe das perturbadas finanç'as do Esta-
do obrigam a adiar tâo paternaes desejos, não haveria
meio mais efficaz de annuUar as provincias consoli-
dando a centralisação, do ^que deixal-as assim morrer
a mingua.
Em verdade, sob a pressão de incessantes apuros,
tem o tbesouro geral monopolisado toda a sorte de
imposições, taxas directas ou indirectas, rendas in-
ternas e até municipaes. Nestas circunstancias, não
seria para as provincias solução, ao menos provisória,
a de escolherem dentre os objectos tributados alguns
que ainda posssam soffrer uma taxa supplementar ?
Oppoe-se-lhes, porém, mais este principio restrictivo :
« A matéria já contribuinte para a renda geral não
pode sel-o também para a provincial. » Comquanto
confirmada varias vezes, e o thesouro * supponha in-
^contestavel essa doutrina iniciada em 1842, é ella,
todavia, tão arbitraria, que o próprio Sr. Uruguay
não ousa adoptal-a francamente, appellando para
uma declaração authentica. '
Entretanto, as expressões do acto addicional não
deixam dúvida sobre o pensamento do legislador, o
qual condemnou somente os tributos que possam
prejudicar z,^ imposições geraes do Estado. O mesmo
* Relatório do ministério da fazenda; 1861.
> Estudos práticos', §245.
INTERESSES PROVÍNCIAES 343
publicista conservador indica o sentido desta dispo-
sição oojititucional , quando distingue « a offensa
clara e directa — da offensa simples e indirecta por
deducçSes e considerações económicas sujeitas a apre-
ciações diversas » (§ 566).
Na incerteza gerada por similhantes decisões do •
poder executivo, os presidentes, até por taes funda-
mentos, suppoem-se no direito de não sanccionar os
projectos de orçamento, e, si votados por dois terços
da assembléa, os suspendem, como recentemente na
Bahia. Por isso insistimos em attribuir as difficulda-.
des que incontra a execução do acto addicional ás
doutrinas introduzidas pelo espirito reaccionário do .
governo e dos seus delegados. Fácil nos fora citar
exemplos si quizessemos percorrer as decisões com que
os ministros soem referendar as deliberações do con-
selho de estado. *
Os principies que tendem a prevalecer entre nós,
depois dos conflictos provocados pelo thesouro, ex-
cluem a equidade e prudente medida que devem in-
spirar as relações entre os dois g-o vemos. Póde-se acaso
soffrer a preteação com que o poder geral no
Brazil arrog-a-se direito de preferencia ou bypotheca
tacita sobre toda a matéria contribuinte ?
* Votou a assembléa da Bahia a taxa de 500^000 sobre casas de aego-
cioa retalho^ uacionaes ou estrajageiras, em que houvesse mais de um cai-
xeiro não brasileiro Segundo, o thesouro ('relatório da fazenda de 1859 ),
prejudica essa taxa aos impostos geraes, porque atíecta ao de industrias e
profissões : inconveniente evidentemente imaginário. Só seria irregular a me-
dida deste género que estabelecesse distincção entre casas de negocio nacio
naes e estrangeiras, isentando aquellas c tributando a estas: porquanto
344 PÃRTÉ tBRCKIBA
§ III — Impostos de importação. Não sè confundem com
taxas de consumo local e taxas itinerárias.
Si o espirito conciliador alongou-se da contenda
travada sobre as rendas internas, não deve parecer
estranho que no imposto de importação, ponto onde
todos reconhecem a exclusiva competência do poder
geral, este fizesse do seu direito uma applicação desa-
certada.
As taxas de entrada nas alfandegas constituem cer-
tamente renda peculiar do governo nacional, único
autorisado para legislar sobre o commercio ; mas o
caracter exclusivo deste direito é razão sufficiente
para intendel-o em sentido literal, sem ampliações
exageradas e confusões intencionaps. Entretanto, em
muitas das decisões referidas, aliás sem a devida cri-
trica, pelo visconde de Uruguay (§§ 208 e seguintes),
se notam claramente estes dois vicios geraes : — apre-
neste caso oííenderia a igualdade de tratamento garantida pelas convenções.
Outras decisões houve, igualmente illegaes, sobre taxas provinciaes lançadas
em matéria considerada exclusivamente contribuinte da renda geral. Exigiu a
assembléado Rio Grande do Sul em 1850 certa contribuição dos que fabricassem
herva-mate nos hervaes públicos : oppoz-se-lhe o co>nselho de estado por estes
serem propriedade nacional, embora bem ponderasse Alves Branco que isso
não devia impedir a assembléa de tributar os exploradores dos hervaes.
Outras vezes, finalmente, o pretexto para a restricção é uma pretendida
inconstitucionalidade, fulminada da maneira mais vaga. Lançou • a assem-
bléa de S. Paulo em 1854 uma espécie de capitação annual dé 200 réis por
habitante livre, e de 100 por escravo. Offende á constituição, dice o 'gover-
no, porque ella manda que os tributos sejam proporcionaes aos haveres do
cidadão l Imperceptível e subtil fundamento, com o qual aliás se poderia
pôr em litigio qualquer imposto, nacional, provincial ou municipal.
INTERESSES PROVINCIAES 345
ciação incorrecta da natureza do imposto creado pélas
assembléas -, exageração systematica dos inconveni-
entes das leis que o votaram. Para não parecer es-
tranho este juizo, sentin^os a necessidade de apoial-o
em exemplos.
Varias decisões condemnaram como impostos de im-
portação:
A taxa municipal de 80 réis sobre carga de géneros
que entrassem em um municipio para nelle serem
consumados (caso do Rio Grande do Norte: aviso de 13
de julho de 1860);
A de ISOOO sobre barril de pólvora despachado para
vender-se (Bahia: aviso de 30 de novembro de 1849) ;
As contribuições das tavernas de espirites fortes ou
vinhos (Bahia: consulta de 18 de março de 1859),
Não ha ahi manifesta confusão em considerar-se
imposto de importação o que é taxa sobre o consumo
local de certos géneros ? Em toda a parte do mundo as
corporações municipaès cobraram e cobram tributos
similhantes. Comprenhende-se que, creando contri-
buições dessa natureza, hajam ellas de consultar os
interesses do consumidor, e evitem as taxas prohibi-
tivas, que são contrarias aos tratados. Ser-nos-ha
preciso demonstrar que as contribuições lançadas por
aquellas provindas não teem os inconvenientes indi-
cados, e que aliás só o ultimo delles justificaria a in-
tervenção do poder geral ?
Outras decisões, apparentemente legaes, não resistem
a uma detida consideração do objecto. De accordo com
uma consulta de 1858, não duvidou o governo con-
A l»R0V. 44
346 PARTE TERCEIRA
4
demnar, como imposto de inpiportação, a taxa de 2008
que saDiamente lançara a assembléado Rio Grande do
Sul em cada escravo introduzido na provincia. Foi
assim, cm vez de favorecido, fulminado o acto intelli-
gente da única provincia que dera tào bello exemplo :
eis a quanto obriga a lógica nâ^o temperada por mais
larga doutrina ! Demais, fácil fora reconhecer o absur-
do de se estender ao facto em questão a regra especial
da importação de mercadorias. A dúvida que poderia
suscitar^se, era — si não é licito ás provincias, abem da
immigração, quê também lhes cabe promover, adoptar
uma das mais efficazes medidas, a repulsa do trabalho
escravo. A legalidade do fim, que justifica neste caso o
meio admittido iio Rio Grande, é o que autorisa ig'ual-
mente as leis provinciaes recentes sobre a emancipação.
Não é com a lógica somente que se governam os Es-
tados. Hão de outras considerações prevalecer, que sua-
visem os rigores das doutrinas exclusivas. Mais f une sta
porém, do que a lógica doutrinaria, é a hyperbole aju-
dada pela confusão.
. Um exemplo disto é a memorável controvérsia sobre
taxas itinerárias, erroneamente equiparadas a direitos
de importação. Mandava uma lei do orçamento de Mi-
nas Geraes cobrar 4$ por cada animal, que entrasse
com géneros de commercio, emais em proporção sendo
o transporte em carro ou barco. Posto que revogada
pela assembléa geral em 1845, a mesma disposição con-
tinuou nos orçamentos posteriores da referida provin-
cia, sDb incessantes reclamações do conselho de estado.
Em 1853, porém^ Alves Branco tentou dissipar a confu-
S:
INTERESSES PROVINCIAES 347
são em que assentara o precipitado j uizo do parlamento.
Direitos de importação,segundo ellé, eram propriamen-
te rendas que se deduziam do valor das meráadorias.^ro-
cedentes de paizes estrangeiros, na sua primeira in-
troducçao no império., « A provisão de 7 de abril de
1818, acrescentava, de.u particularmente o nome de di-
reitos de importação áquelles que pagavam as merca-
dorias que vinham do estrangeiro, e só a estes direitos
Sé refere o acto addicionaL As taxas que impozeram
Minas, S. Paulo, etc, em bestas que abi entram, são
verdadeiras taxas itinerárias que antigamente já exis-
tiam, e seria muito fora de razão que os commerciantes
que negociam em animaes pélas provincial, usassem e
estragassem as estradas sem nada pagar para o séu
concerto ; o que se pretende impedir de provincia a
provinda está-se pagando de uma rua para outra, ç-qui
mesmo dentro da capital. » Não obstante as (^ecisi-
vas állegaçoes desse estadista, não ficou esgotada a
questão.
Apezarda constante opposição do thesouro, do con-
selbo de estado e dos avisos, o mesmo imposto bade pre-
valecer nos orçamentos das provincias interiores, sob
essa ou outra forma qualquer. O próprio visconde de
Uruguay inclina-se a reconhecer a justiça de con-
sentil-o a taes provincias, para com o producto delle
construirem e beneficiarem estradas, ou melhorarem a
navegação de rios. Recorrendo, entretanto, a uma
subtileza, admitte taxas itinerárias sobre prôductos de
outras provincias ou de outros municipios da mesma,
mas repelle-as lançadas sobre mercadorias estran-
/
348 PARTE TEBGEIBA
geíras remettid^s da província onde entraram primei-
ramente para ontra central ou interior (§ 224) . Acaso,
porém, padece dúvida que o que está proliibido ás as-
sembléas é o imposto de importação, que literalmente
significa direito de entrada no império f
Nossa intenção não é repellir limites razoáveis á
faculdade das assembléas, mas combater as invasões
do governo central. Todos os poderes são limitados;
no assumpto que nos occupa, é mister, como nos de-
mais, fazer um emprego prudente dos limites naturaes
traçados ao poder provincial.
Não votem as assembléas taxas prohibitivas, ou que
directamente restrinjam o consumo, e, portanto, a im-
portação de mercadorias nas alfandegas.
Não prejudiquem a outras provincias cobrando taxas
exces^vas de mercadorias em transito por seu ter-
ritório.
NãÒ offendam a igualdade de tratamento estipulada
em* convenções internacionaes. •
Não estorvem a livre circulação dos productos, não
esqueçam a solidariedade dos interesses municipaes e
provinciaes ; guardem, em summa, o principio eco-
nómico da liberdade de permutas : e então suas taboas
de imposições não oflferecerão sólido fundamento a
queixas do governo central.
Si alguns actos menos regulares se incontram* nas
legislações provinciaes, não nos parecem elles de
summa gravidade, nem merecem o ardor com que são
condemnados. O estudo do assumpto não convencèu-
nos de quejhaja sufficiente motivo para exagerações
INTERESSES PROVINCIAES 349
que apavoram. Frequentemente se depara na aliás mui
valiosa obra do Sr. Uruguay ums^ exclamação contra a
incerteza e a anarchia em que laboramos na ausência
de decisões da assembléa geral, a quem debalde tem
sido aJBfectos os pontos duvidosos. Quanto a nós, as
medidas que se pediram ao parlamento, não fazem
falta. Pediram-se na intenção de restricçoes infun-
dadas ; pediram-se muita vez para interpretar disposi-
ções (Clarissimas ; pediram-se para que o legislador re-
novasse golpes de estado parciaes depois do valente
golpe de estado de 1840. Si laboramos em confusão,
gerou-a o conselho de estado : não fosse o propósito
reaccionário, e o acto addicional ir-se-ia interpretando
curialmente, sem tornar-se amarga decepção um sys-
tema inaugurade sob os mais lisongeiros auspicies.
§ IV. — Imposto provincial de exportação; seu fwijda'
mento. Inconvenientes da taxa geral soòre productos
exportados.
As republicas federaes da America atteetam ^ seu
progresso económico preferindo, como os povos euro-
peus, rendas interiores e impostos directos a taxas so-
bre a exportação dos productos.
Nos Estados-Unidos nem o congresso, nem os es-
tados podem tributar a exportação. « Nenhuma taxa,
nenhum direito, diz a constituição (art. I, sec. 9',
§ 5° ) , se poderá lançar nos artigos exportados de qual-
350 PARTE TERCEIRA
quer dos estados. »* Segundo a constituição argentina
( arts. 4% e 67 § 1^), oimposto de exportação, emquanto
subsistisse, não poderia ser provincial ; cobral-o-ia o
congresso como renda supplementar, mas só até 1866,
devendo cessar dahi em diante. Da mesma sorte, nos
Estados-Unidos de Colômbia, nem ao governo de cada
um delles, nem ao federal é licito gravar as mercado-
rias destinadas á exportação ( art. 6% § 4** da sua con-
stituição). * s
A adopção deste principio era, singularmente favo-
recida nos Estados-Unidos pelo systema de impostos,
a que já alludimos. Desistindo dessa renda, o governo
federal e os locaes, para formarem as suas receitas,
recorriam ousadamente ás imposfçSes directas. Era
razoável qué não tributasse a sua producção o povo
que desde o começo se habituara a pagar uma taxa
geral sobre a propriedade. Eis ahi o que cumpre não
perder de vista na porfiada disputa de que ha sido ob-
jecto entre nós o imposto de exportação. Nossas pro-
vincias acbavam-se porventura nas condições dos
Estados-Unidos, para de súbito converterem em um
largo systema financeiro esses variados fragmentos
de receita, os dizimes, alcavalas, sizas e fintas, trasla-
dados para seus orçamentos ?
1 Comquanto a constituição permitta aos estados, mediante consen-
timento do congresso, cobrar ta^as . de exportação e de ancoragem (art. I,
sec. 10 Sg 2o e 30), e ultimamente o congresso mandasse perceber direitos
do algodão do Sul, a regra geral é nào auferir renda dos productos na-
cionaes despachados, seja para o exterior, seja de um para outro estado da
União. De facto, não ha ali similhante imposto, e parece que nem se chegou
a executar a medida excepcional sobre o algodão.
Il^TBRESSBS PROVINCIAES 351
No acto addicional) redigido aliás, sob a influencia
das instituições norte-araericanas, deixou-se mui sa-
biamente de transcrever a prohibição que é expressa
na lei dos Estados-Unidos. E, bem adverte o Sr.
Uruguay (§ 227), ommittiu-se a palavra — expor-
tação, « talvez porque na divisão da renda tinha de ser
dada ás provincias uma quota sobre a exportação dos
géneros de sua producção, e antolhava-se extrema-
mente diíBcil dotal-as por outro modo, sem uma com-
pleta revolução no nosso systema de impostos. »
Custa, entretanto, conceber que ainda se repute
duvidosa a competência das assembléas para cobrarem
essa taxa, e que o próprio autor citado julgue preciso
o parlamento res^olver si podem ellas impor, não s(3-
mente sobre a exportação para fora do império, mas
de umas para outras provincias, ou de um muni-
cipio para outro da mesma (§241). Quanto anos,
onde o acto addicional não distingue, não podemos
nós introduzir distincções arbitrarias ; o que ellé não
prohibe, .não se poderia com justiça prohibir ás pro-
vincias.
Não contestamos quó vexadores impostos de ex-
portação retardem a prosperidade das industrias,
inconveniente de notória gravidade ; mas o direito
das provincias a essa renda é t^o claro, como é certo
que para a mór-parte delias não ha actualmente outra
mais abundante . Demais, e não se deve esquecel-o ,
no imposto de que se trata nada ha de novo sinão a
forma indirecta da percepção. Elie substituiu, em todo
ou parte, o antigo dizimo dos productos da lavoura e
da criação.
352 PARTE TERCEIRA
A incidência desse imposto oppoe-llie como limites
a capacidade da industria nacional, o respeito da so-
lidariedade dos interesses do prodnctor e do consumi-
dor, a máxima liberdade das permutas. Mas, em vez
, de combater algumas das taxas provinciaes de expor-
tação pela sua incdnveniencia económica, atacou-as o •
conselbo de estado pelo lado da legalidade. Invaria-
velmente, sobretudo em 1853 e 1854, renovou elle
neste ponto a porfiada contenda que traz com as pro-
Vincias sobre quasi todos os impostos. Em 1863,
porém, dizia uma consulta: «Tál éjáa convicção í?05
"presidentes relativamente á legalidade dos impostos de
exportação, que nem duvidam já da competência das
assembléas provinciaes para os crearem. » E concluia
com esta byperbole : « Este modo de raciocinar e pro-
ceder em breve acabará com o vinculo politico que
con^itue ã integridade do império. »
Q direito das, províncias é, com effeito, tão patente
que o não contrariam os próprios delegados do governo
central. Cessem, pois, as dúvidas sobre a competência
das assembljéas. Todas sem excepção tributain a ex-
portação, por meio de taxas proporcionaes ou fixas,
sobre todos ou os mais importantes dos productos. E*
um facto consumado.
Verba importante do orçamento de todas ellas, em
algumas a taxa de exportação fornece dois terços da
receita. Deve, porém, continuar a simultânea impo-
sição de um tributo geral e outro provincial sobre os
productos tiacionaes? Eis abi uma questão que, em
nosso intender, ba de solver-se de modo opposto á dou-
trina do conselbo de estado.
INTERBSSBS PROVINCIAES 353
E' forçoso reconhecer que alguns productos acham-
se sobrecarregados : a gomma elástica do Pará paga
direitos municipaes, provinciaes e geraes, que prefa-
zem 25 ^'/o do seu valor ; pagam igualmente os couros
e xarque do Rio Grande do Sul 12 7o> .que difl&cil-
mente lhes permitte affrontar a concurrencia de pro-
ductos similares dos Estados do Prata. ^
E' o governo central, porém, que, em vez disputal-o
ás provincias, devera dar o exemplo de renunciar ao
imposto de exportação. Fora este o mais curto cami-
nho para totalmente. abolil-o.
Como é que, depois de quasi 50 annos de chamado
governo representativo, ainda não insaiámos, sinão
agora em limitada escala, um systema de imposições di-
rectas ? Não pode ainda o thesouro dispensar esses
tributos seculares, rendimentos do erário de D. João VI?
Abertos novos titules de receita publica, a ne<|^ssi-
dade a que logo cumpria attender era a abolição *da
taxa geral sobre os productos exportados. E' o^ue
se patentêa considerando attentamente a natureza
deste imposto.
Em verdade, não ha talvez nenhum mais desigual
que a taxa uniforme de tantos por cento sobre a ex-
portação. Não attende ella á diflFerença dos gastos de
producção de cada industria nacional, que aliás não
são todas igualmente remuneradoras : a gomma elás-
tica, o algodão e o café pagam sem vexame taxa que
geralmente não soporta o assucar. Não attende tam-
bém, sob o ponto de vista de um mesmo artigo, o
café por exemplo, á força productora, aos meios de
A PROV. 45
354 PARTE TERCEIRA
tra'nsj)íarte, ás variáveis condições económicas das di-
tômas provincias. Evidentemente a taxa uniforme é
mais ánerosa para o algodão colhido nas longínquas
margens do S. Francisco, que pam a producção dos
valles do Parahyba ou Tit3té, onde circulam trens de
duas estradas de ferro .
Sendo preciso prorogal-o até que o substituam con-
tribuioSéfe directas, o imposto de exportação se reserve
para as províncias, supprimida essa verba da receita
geral. O exame do assumpto nos leva, portanato, a
uma conclusão bem differente da doutriaa sustentada
scb a influencia de preoccupações centralisadoras.
Em quanto, porém, subsistissem ambas as taxas,
fora mai-s económico que o governo central e o das pro-
vittcias se combinassem para a arrecadação commum
por meio das alfandegas. Da mesma sorte, quanto á
dd^sflmpastos directos e todas as rendas interiores,
dtevêi*a o governo servrr-se das agencias provinciàes.
Os^dous poderes pagariam, proporcionalmente, * as
desprezas de percepção em ambos os casos. Este ex-
pediente fora desde o começo aconselhado por Hamil-
ton : '« E' provarei, dizia elle, que a administração
fedeíaíL... &4rva-se dos empregados e da autoridade
dos 'estados para arfi3cadar o imposto addicional (lan-
çadosôbre objectos já taxados pelos governos locaes):
pelo menos seria isto mais favorável aos seus inte-
resses financeiros, porque pouparia despezas na arre-
cadação, *e -não. daria aos estados e ao povo occasiõos
de descontentamento. » *
r OFedeíraUsta; cap. XXXVI.
IKTERESSSS PROYINGIAES 355-
§ V. — Novas fontes de receita provincial: o imposto
territorial.
»
Carecem as provincias alargar os estreitos limites
da sua parca receita; carecem fundar a verdadeira
instrucção popular, abrindo escolas por toda a parte
e confiando-as a mestres idóneos. Ora isto exige o
dispêndio de sommas consideráveis, que nào compor-
tam os seus modestos orçamentos. Dahi a necessidade
da tax;a escolar, contribuição eminentemente local,
de que tratámos no lugar competente [Cap. I, § 2*).
Nào é este, porém, o único imposto novp, que se offe-
rece aos legisladores provinciaes. OutíO occorre igual-
mente, e assaz o recommendam elevadas considera-
ções económicas. /*;
Acelerar a divisão das terras, combater a tendien,-
cia para desmedidas propriedades incultas, é remoíter
o mais formidável obstáculo ao estabelecimento de
immigrantes espontâneos nos districtos próximos dos
actuaes mercados. Por outro lado, é acaso justo que
proprietários beneficiados pelas vias de communicação,
construídas e mantidas a custa de todos os contri-
buintes, deixem de concorrer para novos melhora-
mentos materiaes? Eis o duplo fim do imposto territo-
rial que lia muitos annos se tenta crear.
Em 1843 incluiu-se no projecto da lei das terras
um artigo que o decretava ; e foi a questão agitada
até 1850, rejeitando-se afinal a medida. Adoptando,
356 PARTB TERCEIRA
com certas modificaçSes, a propostada oommissão no-
meada pelo ministro do império em 1849, renovámos
em 1867 a mesma idéa. *
Divergem os differentes projectos quanto ás taxas
propostas, o que se explica principalmente pela au-
sência de estimativas da renda da terra. Entretanto
o imposto de que se trata não merece crear-se com
taxas tenuíssimas, que mal preencham o alto fim eco-
nómico da sua instituição.
Talvez por se esquecer uma circunstancia essencial,
não se pôde graduar bem a tarifa da nova imposição.
Na verdade, diflferindo profundamente as condições
económicas da industria agrícola e da propriedade
immovel em cada província, ou pelo menos em cada
região do império, não fora nem prudente nem justo
converter o novo tributo em renda nacional. Facil
é reítonbecer que só as assembléas poderiam
grad'íiar a contribuição das terras pelo valor delias
1 Propuzemos um imposto sobre terrenos cultos ou incultos, na razão
seguinte :
— Por cada quadrado de cem braças de lado, ou superfície equivalente :
1.0 Na zona de 5 léguas de cada margem das estradas de ferro, estradas de
rodagem, canaes, e vias navegadas a vapor, 2^000; 2°. Nas demais terras de
cultura, 200 réis.; 3.® Nos campos de criação. 100 réis.
— Por cada braça quadrada: 1." Nos subúrbios da cidade do Rio de Janei-
ro, dois réis ; 2,° Nos das capitães de província, um real; 3.o Nos das cidades
marítimas, meio real.
Em uma memoria do Sr. T. Galvão lembra-se a taxa fixa de 50 réis
por hectaro, que corresponde "a 250 réis por alqueire, e a 50$ por ses-
maria de meia légua em quadro. Esta taxa seria oito vezes menor do que a
primeira do nosso projecto para a zona das vias de communicaçào.
A revista do JHario do Rio de23dejaneirodel869 lembrava a taxa uni-
forme, muito mais forte, de 500 réis por acre, igual a quasi 6^000 por al-
queire.
INTERESSES PROVINCIAES 357
e pelo lucro do proprietário, afrouxando ou aper-
tando a taxa conforme a capacidade da matéria
contribuinte.
Que se não repute esta idéa fructo de opiniões sys-
tematicas. Vóte-se um imposto geral sobre as terras,
e logo se patenteará a grave oflFensa da primeira das
regras no lançamento de impostos, a proporcionali-
dade. Tudo quanto ponderámos a respeito dos incon-
venientes da taxa nacional sobre a exportação (§ IV),
se pôde repetir aqui da mesma forma. Com eflFeito,
quão desiguaes os valores das terras nas diversas re-
giões do Brazil, dentro ás vezes de uma mesma pro-
vincia ! quão differentes as condições que aos proprie-
tários faz a ausência ou a facilidade de meios de
transporte ! Um território cortado por estradas de
ferro assemelha-se acaso aos municipios apenas ser-
vidos por alg-umas picadas e pontilhões ? Um niÉ^ici-
pio productor de algodão ou café compara-se, em ri-
queza e capacidade tributaria, com os de géneros áli-
menticios ou criadores de gado? A pequena proprie-
dade agricola do norte, do Ceará por exemplo, deve-
ria ser vexada por uma taxa igual á necessária para
promover a diminuição das grandes propriedades do
Sul mantidas com o trabalho escravo ?
Outro inconveniente da conversão do novo im-.
posto em renda geral, seria impedir as provindas de
abandonarem a taxa indirecta sobre a exportação
logo que adoptassem a taxa directa sobre a proprie-
dade. A primeira se excusa somente como substi-
tutiva da segunda ; podem ambas coexistir, mas, sem
358
PARTB TERCEIRA
OS recursos fornecidos pelo imposto territorial, não é
licito esperar que as provincias renunciem a uma de
suas mais abundantes rendas.
Ainda quando nao attingisse ao resultado de ace-
lerar a divisão das propriedades e de impedir a posse
de vastas áreas incultas, o novo imposto seria dos
mais fecundos para ^s provincias, habilitando-as a
emprehender trabalhos de interesse geral.
A' mór parte delias fallecem terras que possam ser
occupadas por immigrantes, porque os possuidores
actuaes recusam vender as que reúnem as condições
de fertilidade e proximidade das povoações e estradas.
Ora, não ha immigraçãq sólida sinão fundada sobre a
propriedade territorial O que cumpre então fazer?
Cumpre que cada província affronte a diíficuldade, re-
solvendo a questão radicalmente : isto é, compre ou
desapft>prie desde já, na direcção das estradas de ferro
em estudo \ lotes alternados, que se vendam unicamen-
te a immigrantes. Para occorrer ás necessárias despe-
zas, bastaria parte do producto do imposto, cuja creação
propomos.
Apressem-se as provincias ; porquanto, si forem
negligentes, acontecerá coisa bem singular : a estrada
de ferro, que deve de attrahir immigrantes, ha de
afugental-os pela exageração que communica ao preço
* A lei de 27 de setembro de 1860 autorisou o governo a comprar ter-
renos nas proximidades das estradas de ferro para estabelecimento de
colónias, ficando para isso em vigor o credito especial de 1856. Si a ácqui-
sição de terras se reservar para depois de construidas as (estradas, não se
veriíicará nunca, attento o excessivo preço a que os novos meios de com-
municaçào elevam as propriedades vidinhas.-
INTERESSES PROVINCIAKS 359
das terras. Tííào é paradoxo : prolongada, por exemplo,
a estrada de ferro « Pedro II » até o valle do Rio das
Velhas, umalqueire de terra que hoje- custa 40$, preço
tolerável para certa classe de iminigrantes (quatro réis
por braça quadrada), valerá dez vezes mais, ficando
totalmente acima do alcance mesmo daquelles que
aportem ^om pequenos capitães. Então, para deter-
minar a divisão das áreas incultas, fora mister um im-
posto territorial exagerado, e os inconvenientes disto
são manifestos. O remédio seria a terra devoluta, mas
o Estado não a possue nessa região. Entretanto, Minas,
como todo o oeste do Brazil entre o alto S. Francisco e
o Paraná, é um território fadado para a immigração
europóa. Não é triste que o regimen da centralisação
haja impedido as províncias de attenderem a este e
outros assumptos de igual importância? .^
Nem a falta de terras será sensivel sóm^jat^^ara
os colonos ; sel-o-ha também, como em alguns dis-
trictosdo sul dos Estados-Unidos, para os emanóipados
que, reunindo algum capital, queiram estabelecer-se
em propriedade sua. Ora, édo maior interesse nacional
a generalisação da pequena propriedade, tanto como a
rápida conversão do simples trabalhador em proprietá-
rio, seja cada um isoladamente, seja por contracto de
parceria ou outra forma cooperativa.
Mas onde incontrar, perto de rios e estradas, terras
a preço módico, si todas estão apropriadas? Só o im-
posto territorial e a prévia desapropriação de áreas in-
cultas, á margem dos futuros caminhos de ferro, podem
resolver a enorme dificuldade que legou-nos a impre-
360 PÀRTB TBRCBIBA
vidente politica das prodigalisadas doaçSes de ses-
malrias.
§ VI, — Fusão das imposições provinciaes : taxa directa
sohre a propriedade.
Será forçoso ás provindas manter, ainda por muito
tempo, a mesma variedade de taxas que compõem a
sua receita. Entretanto, não menos que o governo
*' geral, se devem ellas aproximar do ideal da máxima
simplicação das imposições, pois com isto obtem-
se também um resultado financeiro, o de reduzir as
despezas de percepção, além de um grande effeito po-
litico, o menor incommodo do povo.
OjDjoprio imposto territorial de que acima tratámos,
é apegas elemento auxiliar dè um systema transitório
de contribuições. Elle facilitaria, porém, a combinação
definitiva assentada na taxa directa sobre toda a pro-
priedade.
Fora, em verdade, mais económico fundir as varias
contribuições provinciaes, directas e indirectas, em
um imposto sobre a riqueza movei ou immovel de
qualquer espécie. Em vez da longa lista de pequenas
taxas estéreis, de difl&cilima arrecadação, teriam as
províncias, como fonte de renda principal, sinão única,
uma quota parte da fortuna dos seus habitantes.
A verdadeira receita de cada cantão suisso deriva-se
de uma só taxa directa, que se eleva, na mór-parte
delles, a 1 ^2 sobre cada mil francos de propriedade.
INTIUKSSBS PROYINCIAES 361
Ajuntatn-lhe, é certo, alguns cantões impostos in-.
directos. E' esta também a base do systema finan-
ceiro dos estados anglo-americanos. Assim como o go-
verno federal, antes da recente guerra, auferia a sua
receita de dois capitules quasi somente, — direitos de
importação e venda de terras, — assim os Estados li-
mitam-se a dois ou três artigos, sendo o mais valioso,
imposto modelo, a taxa proporcional ao valor das ri-
quezas. Tomemos um exempio. No florescente Illinois,
um dos principaes do oeste (cerca de 2,500,000 de ha-
bitantes), a receita provém, em primeiro lugar, da taxa "*'
de dois e meio milésimos sobre o valor da propriedade
de qualquer classe, e mais um e 1/5 de millesimo sobre
o mesmo valor com aplicação especial ao pagamento
de juros da sua divida. * A essas duas verbas, que
.«
1 Para a arrecadação da taxa fixa de tantos míllesimos sobre a propr^tBKde,
é esta devidamente avaliada pelos commissarios do estado : recentemente se
tratava de crear uma repartição de estatística privativa do Illinois para fa**
cilitar as avaliações dos bens e o lançamento do tributo. Em 1868 a 'estima-
tiva da propriedade existente nesse estado, para a cobrança da referida
taxa, deu o seguinte resultado :
A. Fro>pTÍeAade pessoal ou movei i 124,183,395 dollars. Comprehendendo :
— animaes, 54,025,000 dollars (valor de 854,842 cavallos e mais de 6 mi-
lhões de outros animaes) ;— carros, carroças, wagons (no valor de 6«279,000
dollars);— relógios ; — pianos (no numero notável de 10,398 pianos); —mer-
cadorias em geral ; — propriedades de banqueiros e corretores ; — artigos
manufacturados; —papeis de credito e moada;— titulos de divida, acções de
companhias, etc. ;— acções da bancos;-^ diversas.
B. Propriedade real ou immovel : 340,093,518 dollars. Comprehen-
dendo :
I. Caminhos de ferro, 14,189,931 dollars, a saber: propriedade immo-
vel dos caminhos de ferro, 1,770,659 dollars ; — 2,540 milhas de estradas,
6,976,466 dollars ;— material rodante, 4,978,343 dollars; — propriedade mo-
vei das emprezas, 464,463 dollars.
A PROV. 46
362 PÀirrE terceira
então produziram cerca de 3,200,000 doUars,
acrescem a taxa escolar, o rendimento de um caminho
de ferro do estado, e o producto de terras vendidas,
além de outros proventos secundários, como execu-
ções contra contribuintes relapsos, indemnisações, etc.
Com estas fontes de renda, arrecadava o Illinois em
1863 a somma de 3,600,000 doUars, que aliás elevou-
se muito acima nos annos posteriores.
Este orçamento ordinário de 7,000 contos (não con-
templando os recursos obtidos pelo mesmo estado para
» as suas grandes despezas militares durante a rebel-
lião do Sul ) não parecerá modesto si considerarmos
quão descentralisada é a administração naqu^Ue paiz,
onde os municipios e as cidades despendetm sommas
avultadas, e emprezarios e associações realisam mui-
tos jnelboramentos mediante as taxas especiaes que
se ibes .permitte cobrar.
Tamanha simplicidade financeira, que não é pecu-
n. Terras aproveitadas {51,31í,790 acres; . . . 131,137,858
Bemfeitorias nas terras 46,929,073
178,102,031 doUars.
ni. Terras incultas (11,02'2.309 acres) 44,240,247 »
IV. Terrenos traballiados das cidades (222,146 lotes) 38,556,591
Bemfeitorias nesses terrenos urbanos 47,206,066
85,762,657 »
V. Terrenos nas cidades sem bemfeitorias
(267,477 lotes) 17,799.842 »
\
INTBRBSSBS PROVINCIABS 368
liar do Illinois, mas se incontra em grande parte da
União, não é só um magnifico attestado da alta civi-
lisação do povo americano ; é também poderoso ele-'
mento de força, pois fornece ao congresso, em caso de
guerra, como ha pouco se viu, o meio de levantar som-
mas consideráveis addicionando á contribuição local
uma taxa federal extraordinária, cobrada simultanea-
mente com a taxa dos estados pelos coUectores
destes.
Mas, já o dicemos, longe estamos deste ideal; e,
para as nossas provincias, com eflfeito, a medida ur-^i
gente é fornecer-lbes recursos correspondentes ás des-
pezas da descentralisação. Isto nos leva a mostrar,
antes de concluir, que é forçoso transferir ás provin-
cias certas rendas absorvidas pelo thesouro nacional.
«
§ VIL — Impostos geraes que se pôde transferir as
provincias. Correspondem d despeza dos servifús qtce
devem ser descentralisados .
Não é certamente novas fontes de receita o que
mais reclamam as provincias ; desgraçadamente, como
acabamos dever (§§ II, III e IV), estão ellas a dispu-
tar a posse do pouco que lhes coubera na partilha.
Mas, para melhor julgar dos embaraços oppostos desde
1840 ao desinvolvimento da sua renda, recordemos a
parcimonia com que lhes cederam em 1835 alguns
dos impostos geraes.
364 PASTE TEROfilRA
Eis a apuração das rendas que lhes deixara uma lei
desse anno : — contribuições de policia, decima ur-
bana, decima de heranças e legados, direitos de por-
tagem, imposto sobre aguardente, imposto sobre libra
de carne, passagens de rios, novos e velhos direitos,
venda de próprios provinciaes, dizimes, quota espe-
cial do dizimo do assucar, quota especial do café,
terças partes de ofl&cios, direitos de chancellarià (que de-
pois volveram á renda geral) , imposto nas casas de leilSes
\I3 modas, emolumentos de passaportes, emolumentos de
visitas de saúde, imposto sobre seges, e bens do evento.
Dessas, eram as seis ultimas quasi improductivas,
verbas de receita nominaes ; e, adverte um escriptop
insuspeito, dentre ellas só os dizimes do café e assucar
offereciam recursos abundantes \ Desta sorte, bem se
comprehende que tornou-se inevitável o lançamento
das taxas de exportação e das outras, que tantas vezes
teem sido exprobradas ás provincias.
Legados pela desordem financeira do primeiro vei-
ixdLào/de/icit$ permanentes affligiam o Estado ; a uma
deplorável guerra externa succediam commoções in-
testinas : acaso podia então o legislador privar o the-
souro de recursos que era difficil substituir por novas
combinações financeiras? Fazendo uma partilha pro-
visória, elle esperava talvez que o futuro removesse
bem depressa o obstáculo momentâneo; pelo contrario,
porém, adiando a dificuldade, a reacção perpetuou o
provisório.
^ Uruguay, Esiudot práticos ; § 202.
INTERBBSBS PROYINOIABS 365
A classificação de 1835 prevaleceu qu^si inteira até
hoje, continuando como geraes certas verbas de re-
ceita que em rigor seriam provinciaes. Ora, da actual
lista das rendas interiores que o Estado arrecada noé
municípios, poder-se-ia deduzir, para transferil-as ás
provincias, as seguintes contribuições :
— Imposto da transmissão de propriedade, abran-
gendo as antigas sizas e sellos de heranças e lega-
dos ;
— O das industrias e profissões ;
— O pessoal e dos vencimentos ;
— A taxa dos escravos:
— A decima addicional das corporações de mão-
morta ;
— O sello do papel fixo e o proporcional ;
— Os impostos da mineração diamantina ajjirtas
mineraes ;
— Os foros e laudemios de terrenos em è^erál e
dos de marinhas, rendimento aliás mais próprio das
municipalidades.
Receia-se que estas alterações desequilibrem o
orçamento? Vejamos si a questão financeira embara-
ça as indeclináveis reformas administrativas, cuja
restauração propomos.
O producto, recolhido nas provincias, dos impostos
mencionados (6,174 contos, segundo o orçamento de
1870) corresponde justamente á importância dos ser-
viços centralisados depois de 1840.
Quaes são, na verdade, as despezas que, posto com-
prehendidas hoje no orçamento do império, já foram
provinciaes ou o devam ser ?
/
366 PARTB TERCEIRA
Quando em 1832 tratou-se de descriminar isto,
propoz o deputado Ledo um projecto, cujo artigo 4"
dÍ2Ía : « As despezas provinciaes sao todas as de
tracto successivo com sua administração civil, ecle-
siastica, judiciaria, policial. » A esta lacónica ex-
pressão do sentimento geral obedecia a lei de 24 de
oitubro do mesmo anno classificando nos serviços
locaes as seguintes rubricas da despeza publica :
— Presidência, secretaria e conselho do governo,
'i^dos quaes, supprimido o ultimo, só o segundo conti-
nua como tal, tendo-se devolvido o primeiro á despe-
za do Estado em virtude do acto addicional ;
— Justiças territorriaes, que no exercicio de 1843 —
44 começaram a ser de novo comprehendidas no or-
çamento do império, conforme a organisação da lei
de 3 de dezembro de 1841 ;
— Empregados da colonisação e cathechese, e os
da v^cpina e saúde ( excluido o da visita marítima,
seguMô declaração posterior) , os quaes todos foram
ulteriormente voltando á dèspeza geral ;
~ Parodies, que só em 1848 a lei do orçamento
incluiu entre os serviços nacionaes ;
— Seminários, que ainda mais tarde começaram a
ser auxiliados pelos cofres do Estado ;
— Finalmente, as cathedraes, que, consideradas
da mesma forma serviço provincial por lei de 1834,
voltaram ao geral por outra de 1846.
Aceitemos a base da legislação contemporânea do
acto addicional, e a completemos acompanhando o es-
pirito desta reforma. Eis os serviços qne consideramos
\
\
INTERB3SES PROVINCIABS 367
provinciaes, com o algarismo da despeza estimada em
uma recente proposta do poder executivo (1869) :
1.* Governo das provincias, sendo: — Presidentes,
inclusive adjudas de custo, 163:000$ ; — Secretários e
serviço dos palácios, 72:210S.
2.** Culto publico, a saber: — Bispos, 64:400$; — Ca-
thedraes, 168:130$ * ; — Obras nas cathedraes, segun-
do a despeza feita no exercicio de 1866-67, 10:000$ ;
—Seminários; 115:000$;— Parocbos, 792:500$ \
3.° Justiças de primeira instancia e adjudas de custo, ^
1,380:000$ ( compreliendido o recente augmento
dos vencimentos) .
4/ Policia (seus chefes, repartições e auxiliares nas
provincias), 300:111$.
5.° Guarda nacional, sua instrucção, armamento e
equipamento, 129:384$.
6.* Inspectores de saúde publica, 5:600$.
7.° Instituto de educandas do Pará, 2:000$. .»,/
8.° Engajamento de immigrantes, seu transporte
ao Brazil, agencias e hospedarias; serviço das colónias,
suas estradas e obras, 511:000$. (Consideramos ge-
* Na Bélgica, onde, como se sabe, apezar da separação da Igreja e do Es-
tado, não se suppHmiram as dotações dos cultos, ás provincias é que incumbe
o serviço das cathedraes e o dos palácios episcopaes : não entra isto no orça-
mento nacional.
* Si fosse a Igreja livre no Estado livre, quem devera de propor o parocho
sinão os íieis, e, emquanto não é, quem devora apresental-o sinão a municipa-
lidade directamente ao i)ispo ? Entretanto, o provimento dos benefícios eclesi-
ásticos nas províncias deve de ser restituido aos presidentes, a quem isto já
competiu : antes mesmo do acto addicional, o decreto de 25 de novembro de
1&33 declarara pertencer-Ihes essa attribuiçâo por virtude da lei da regência.
368 PARTB TERCEIRA
raes somente as despezas com as repartições das terras
publicas e medição destas, orçadas em 390:000$.)
9.* Catecbese de indios, 80:000$.
10. Garantia provincial de 2 por cento ás compa-
nhias das estradas de ferro da Bahia e Pernambuco,
adiantada actualmente pelo governo geral, 533:333$
(nSo se contemplando a de S. Paulo por já ser no-
minal) .
11. Auxilio a obras provinciaes, 150:000$.
12. Subvenções á navegação a vapor dentro de uma
só província, ou limitada a grupos de provincias mais
vizinhas, sendo .
— Da costa do Maranhão e extremo Norte,
192:000$ ;
— Da de Pernambuco e litoral próximo, 134:000$;
— Da Bahia, idem, 84:000$ ;
— interna de Sergipe, 12:000$ ;
— Do Espirito-Santo e Campos, 90:000$ ;
— Do Paraná e Santa-Catharina (linha interme-
diaria), 120:000$;
— Do rio Parnahyba, 48:000$ ;
— Do baixo S. Francisco, 40:000$ ;
— Do Amazonas, 720:000$ ;
— Dos seus affluentes (Madeira, Purús e Negro),
96:000$.
Incluindo aqui a somma de 1,380:000$, com^ue os
cofres geraes subvencionam essas emprezas de nave-
gação, suppomos que as provincias interessadas se
auxiliem e intendam, celebrando os necessários ajus-
tes, para os quaes, em nossa opinião, não se lhes pôde
INTERBSSB6 PROY|NCIAES 369
negar compiet^ncia (Cap.. V, §2°). Na lista não podia,
porém, figurar a linha costeira do Sul ao Norte^ que.,
sendo aliás duplicata em quasi toda a sua extensão,
prejudica á prosperidade, das companhias provinciaes,
6 parece não carecer do sacrifício das subvenções depois
de inauguradas, tantas linhas transatlânticas.
A importância total dos serviços acima enumerados
é 6,012 contos, segundo a estimativa dos orçamentos;
a effectiva^ porém, é 400 contos menor, ou 5,612.
Ora, como produzem 6,174 contos os impostos trans-
feriveis ás provincias, o orçamento geral não seria
desequilibrado pela simultânea descentralisação de ser-
viços e rendas interiores, que propomos. Resta averi-
guar si cada uma das provincias pôde satisfazer desde
já, com a sua quota dessas rendas, á correspondente
despeza paga pelos cofres geraes.
Para dissipar dúvidas, verificámos os algarismos of-
ficiaes, consultando o balanço de 1866 — 67 quanto a
despeza, e relativamente á receita o orçamento de 1869,
onde já figuram as estimativas do novo imposto pes-
soal e dos augmen tos decretados em 1867. O resultado
deste exame pareceu-nos satisfactorio*
Metade das vinte provincias,—- Rio de Janeiro, Mi-
nas Geraes, Rio Grande do Sul, S. Paulo, Pernam-
buco, Bahia, Ceará, Alagoas, Sergipe e Mato Grosso,
— fariam a despeza que lhes tocasse, auferindo até as
seis primeiras saldos mui consideráveis, e as três se-
guintes um pequeno lucro.
Offereceria a Parahyba o insignificante Aefioit de
8 contos, o Rio Grande do Norte de 24 e Goyaz de 61,
A PBOV. 47
370 PARTE TBRCEIRil
que aliás desappareceria, nas duas primeiras» com
menor consignação para certas verbas variaveiB.
Si n&ú levássemos á conta do Pará o subsidio da na-
vegação do Amazonas» inaugurada aliás sob a influen-
cia de nossa politica exterior e em nome de interesses
nacionaes, apresentaria aquella provincia um saldo
considerável. O Maranhão, onde também se verifica
outro, poderia pagar, com idêntico auxilio do Ceará, a
subvenção dos vapores que percorrem esta parte' da
costa.
Da mesma sorte, deduzida a verba da navegação,
o de/ieit do Piauhy e do Alto- Amazonas não excsederia
a 32 contos.
Saldo, não de^cit, haveria em Santa-Catharina, Pa-
raná e Espirito-Santo, si não fora a despeaa, relativa-
mente considerável, que em virtude de antigos com-
promissos faz o governo com a colonisação na primeira
dessas províncias, e com o mesmo serviço e o da na-
vegação nas duas outras.
As sete províncias mencionadas em ultimo lugar
poderiam evitar o de/ícit proveniente dos contractos de
navegação ou do serviço de colónias ainda mantidas
pelo Bstado, quer diminuindo as despezas correspon-
dentes, quer elevando proporcionalmente as taxas dos
impostos que lhes fossem cedidos. Assim, esta agra-
vação das contribuições internas, limitada a poucas
províncias somente, não prejudicaria áquellas que já
arrecadam renda suí&cientc. Por outro lado, o go-
verno procederia com muita equidade não refusando o
pagamento das subvenções, durante o resto do prazo
mTBKB63B8 PROVINCIAES 371
estipulado nos conti^ctos» á navegação do Amazonas,
á dos sens afluentes e á de algumas secções da costa.
Ao cabo de poucos annos, expirados os contractos,
qualquer, das provincias interessadas se achará habi-
litada para satisfazer á despeza, sendo que nessa época
hão de as companhias contentar-se com subsidios me-
nos elevados, e provavelmente algumas poderão dís-
pensal-os, as do Amazonas, por exemplo.
Na hypothese, porém, do governo geral continuar o
pagamento de taes despezas superiores ás forças das
referidas provincias, conservasse elle a renda do im-
posto do sello, que (sem incluir a arrecadação do mu-
nicípio neutro) produz no império 1,800 contos, somma
suficiente para esses encargos da navegação a vapor
e da colonisação.
Privadas as provincias desta verba de receita, não
augmentar-se-ia, comtudo, o numero das que offere-
cessem deficit ; apenas o de algumas elevar-soria um
pouco mais.
Finalmente, deixemos certificado que todas, ti-
rante somente Goyaz, Amazonas, Piauhy e Rio-
Grande do Norte, estariam habilitadas desde já, me-
diante as rendas indicadas, para fazerem os gastos da
sua administração local, — policia, justiça, guarda
nacional e culto publico. Dez a quarenta contos de
receita supplementar bastariam á&- quatro exceptuadas
para equilibrarem os seus orçamentos.
Sem agravar as circunstancias do thesouro, nem
acarretar ónus excessivo ás provincias menos flores-
centes, a reforma da descentralisação se recommenda
372 PARTE TBRCHIRA
por muitas vantagens. CessaFÍam desde logo as repeti-
das disputas e obstáculos oppostos pelo governo impe-
rial ao augmento do numero das comarcas e parocMas.
E muito mais ganharia o Estado com a restauração
das franquezas locaes. EUa permittir-lhe-ia di-
minuir as despezas de arrecadação, quer por ces-
sar nas provincias a cobrança de impostos interio-
res, que exigem numeroso pessoal, quer porque o
nosso thesouro, imitando o exemplo do dos Bstados-
Unidos, poderia servir-se dos mesmos agentes delias
para recolher nos municipios as rendas dessa espécie
que lhe restarem. Não é também para desprezar a
possibilidade de simplificar-se a administração cen-
tral, attento o numero de negocias que, expedidos
actualmente pelas secretarias de estado, passariam a
sel-o pelas de cada uma das presidências. Finalmente,
reforçadas com alguns abundantes recursos, restituí-
das á sua autonomia administrativa, não duvidariam
as provincias organisar efficazmente as guardas mu-
nicipaes e os corpos de policia. Então, dispensado o
exercito do serviço de pequenos destacamentos, fácil
fora reduzir a força pública aos limites compativeis
com as circunstancias do thesduro e a liberdade do
cidadão.
O exame das restricçSes feitas ao poder provincial
em matéria de impostos ;
A indicação das rendas geraes que, transferidas ás
provincias, podem habilitar os seus governos para as
despezas da descentralisação ;
INTERfiSSBS PRÕVINCIABS 373
A proposta de novas fontes de receita local,
umas das quaes tenha privativa applicaçâo ao deôin-
volvimentodo ensino publico :
Taes eram os três pontoa, que desejávamos subme-
ter áquelies que não reputam uma questão resolvida'
quando apenas se lhe descobriu um nome, ou entre*
viu-se o seu contorno geral. Não terminaremos,
porém, sem volver a idéas em que nos parece
necessário insistir.
Si é certo que sem avultados orçamentos pode jum
povo prosperar, quando a iniciativa individual e o
espirito de empreza supprem ou restringem a interven -
ção do Estado; é ainda mais indubitável também que,
sem liberdade politica e vigorosas instituições locaes,
jamais um povo attiugirá áquelle grau de riqueza e
bem-estar em que os mais pesados tributos são fardos
ligeiros. Contemple-se a União Americana: não ha
parte alguma do mundo onde enormes impostos sejam
mais benevolamente soportados, do que nesse paiz
venturoso que, pela máxima diffusão das luzes, por
um systema democrático de governo descentralisado
que traz o patriotismo em excitação constante, resol-
veu este difficilimo problema politico: — tornar os
tributos suaves ao povo, tornando o povo o primeiro
responsável pelo bom ou máu governo do Estado .
Muita vez o desequilíbrio das finanças favoreceu a
conquista das liberdades e o êxito das reformas. Pela
nossa parte, estamos persuadido de que, na sinistra
perspectiva de uma successão de deficits legados pela
crise da emancipação, ha de o Estado ceder ao peso
374 PÀRTK TERCBIBA
da carga exagerada pela centralisaçSo : diante das
reclamações de novos melhoramentos a que não pôde
attender, forçoso lhe será render-se ás exigências das
provincias impacientes. Ao governo imperial não
resta mais, com effeito, que uma sahida segura : a
larga estradada liberdade. Dai-nos instituições livres,
tereis boas finanças : conceito que o século XIX
elevou a máxima de moral politica.
#
I
•*
INTBUBSSBS PROVINCIAES 375
CAPITULO VII
INTBRESSKS GERAES NAS PROVÍNCIAS
Não parecerão escusadas aqui algumas reflexões
sobre assumptos que, comquanto geraes, interessam
de perto os habitantes das localidades.
Não bastará restituir ao poder provincial as attri-
buições lentamante usurpadas pelo governo central :
por amor da commodidade dos povos, da liberdade do
cidadão e da celeridade administrativa, é também ne-
cessário fazer processar e dicidir nas provincias os ne-
gócios nacionaes secundários, e limitar os casos de
despacho ou nomeação imperial.
Demasiadamente numerosos são os negócios geraes,
que, ventilados nas provincias, nellas apenas se pro-
cessam, para subirem, instruidos pelas autoridades
competentes, ao despacho das secretarias de estado.
Póde-se acaso desconhecer a lentidão a que isso obriga,
e as dependências que gera, por questões, algumas
sem gravidade, outras insignificantes, e muita vez
meras invenções do engenho proteladpr de funcciona-
rios rotineiros?
Não é só isto, porém. Concentrada nas secretarias
da capital toda a sorte de interesses, apurou-se o sys-
376 PARTE TERCEIRA
tema com a addição de novo vexame ; as informações
e consultas, multiplicadas na razão directa da peque-
nhez do objecto ou da inexperiência do ministro.
Vive a administração literalmente suffocada pela pro-
digiosa correspondência official, prova sem réplica,
não da fecunda energia do governo, mas da sua inér-
cia esterilisadora.
Ninguém desconhece os inconvenientes de uma
administração, cujos commissarios nas provincias e
cujos próprios chefes na capital, meros intermediários, '^
são destituidos da faculdade de resolverem sobre os as-
sumptos ordinários, e despacharem o expediente de cada
dia. A divisão da responsabilidade e o seu enfraqueci-
mento, resultado das decisões ad referendum depen-
dentes de acto definitivo do poder central ; a protela-
ção de todos, ainda os mais singelos negócios ; a con-
sequente exageração do funccionalismo, sempre re-
putado inferior ás exigências ^de um expediente mons-
truoso ; as têas de multiplicados regulamentos ; as il-
lusorias combinações do systema preventivo ; a falta
de iniciativa e autoridade própria nos mais elevados
funccionarios, nivelados com os escreventes, de quem
se distinguem somente por titulos pomposos; o regi-
men da desconfiança, do chefe para com o seu delegado,
e das repartições centraes para com as provinciaes :
tornaram impotente e odiosa a administração brazi-
leira, victima dos mais pungentes sarcasmos.
De muito depende, sem dúvida, melhorar tão imper-
feita organisação do serviço publico ; é evidente, po-
rém, que um dos meios mais efficazes fora simplicar o
INTERESSES PROVINCIABS 377
píOcesso dos negócios nas repartições superiores e nas
filiádè, deferindo-se a decisão de certos assumptos aos
ageútes auxiliares do governo, e reservando-se para
este os altos negócios somente. Já lembrámos nesse
intuito a idéa de uma alçada, e onde fosso ella
impossivel, as instrucções dos ministros indicassem
os laros casos dependentes do despacho central. *
Nem propomos uma novidade. No projecto do acto
addicional incluíra-se uma disposição, que infelizmente
foi supprimida na votação da reforma. « Todos os ne-
gócios municipaese provinciaes, dizia o art. 23, serão
decididos e definitivamente terminados nas respectivas
píovincias, ainda que seu conhecimento tenha sido
commettido a empregados g-eraes. »
Longe disto, prevaleceu a prática opposta, e os an-
nos teem visto requintar este supplicio da concentração
e protelação. Em vão conta o poder executivo em cada
provincia, além do presidente, chefes particulares dos
differentes serviços públicos, o financeiro, o militar, o
naval, o postal : são meros intermediários da adminis-
tração superior, não são administradores activos.
Porque não se introduziria no nosso direito pú-
blico a regra de que os agentes do poder central
nas províncias são instituídos para plenamente repre-
sental-o? Assim, por exemplo, porque hão de vir re-
solver-se no Rio de Janeiro todas as questões concer-
nentes ao dominio nacional e ás minas? porque ó que
^ o decreto de 20 de abril de 1870, reorgariisando as alfandegas, acaba
de dar (art. 33) aos seus inspectores, e aos das thesourarias, uma alçada
maior em questões de impostos, a qual aliás ainda se poderia alargar.
A J'ROV. 48
378 PARTE TERCEIRA
as thesourarias de fazenda não teriam competência de-
finitiva,mesmo nos assumptos do contencioso fiscal? não
são delegacias do thesouro ? Na própria França, os
prefeitos deliberam por si, independente de autorisa-
ção dos ministros, em matéria de contribuições directas
e questões do dominio público. Poder-se-ia consagrar
a regra da competência definitiva das repartições pro-
vinciaes, com uma resalva somente, que tudo previne :
nos casos mais graves,seja a sua deliberação communi-
cada á repartição central respectiva,para que a ratifique,
ou annulle,dentro de certo prazo; e sionãofizer,decor-
rido este, intende-se haver tacitamente approvado. A
dificuldade consiste em indicar os casos a exceptuar,
mas Dão será tarefa insuperável para homens experi-
mentados na administração.
Ha, entretanto, assumptos que desigla adam ente se
poderia devolver ás autoridades residente&'vnas provin-
cias: os conflictos de jurisdicção, porexeAiplo. E' o
conselho de estado quem hoje conhece definitivamente
dos que se suscitam entre autoridades admmistrati-
vas, e entre estas e as judiciarias. Emquantov) presi-
dente fôr delegado do imperador, não ha vàzu^ para
que deixe elle de julgar todos os do primeiro género,
como alias dispunha a lei de 3 de oitubro de 1834 ^^a^t•
5"* § 11); e, por outro lado, nada patentêa melhor a
subordinação do nosso poder judicial do que o facto "^0
conselho de estado decidir seus conflictos com a admi-
nistração. As relações e o supremo tribunal, que re.
solvem os conflictos entre juizes, ó que sem dúvida
deveriam conhecer desses outros.
INTERESSES PROVINCIAES 379
Da mesma sorte, como não condemnar a excessiva
concentração da justiça operada,sobonome de conten-
cioso administrativo, pelo capitulo 3** do regimento do
conselho de estado, regimento mais inconstitucional
ainda que a lei de 23 de novembro de 1841 ? Todos os
pleitos em que a administração geral é parte, onde
quer que se ventilem, hão de ser processados e julgados
pelo conselho de estado ! Este refinamento de auto-
cracia aos próprios conservadores espanta; querem
attenual-o creando em cada província uma junta con-
sultiva incumbida, entre outras, da faculdade de julgar
em primeira instancia taes questões. Já fizemos a de-
vida justiça a essa imitação franceza (Parte II, cap. I
§ 4** ) , e não cessaremos de repetir que a única medida
justa é devolver aos tribunaes communs a attribuição
que usurpou-lhes um regulamento do governo.
Onde o povo não 6 pupillo do governo, simples e
expedita é a marcha administrativa : conhecem os
Estados-Unidos e a Inglaterra a peste designada pelo
nome expressivo de papelada ? Onde não é o povo que
a si mesmo se governa, mas é o poder real que gere
paternalmente os negócios da nação, a burocracia
tudo domina, tudo enreda e prejudica com as suas
fórmulas rotineiras. Uma reforma séria não deixaria,
portanto, subsistir certas práticas das nossas repar-
tições : urgente é simplificar algumas e abolir outras.
Infelizmente a lei parece quasi impotente contra essas
parasitas ; só conseguirá erradical-as a perseverança
de administradores illustrados. Não desdenhem elles
380 PABTB TBRCBIRA
essa obra de fastidiosas minúcias ; que disso depende
também o melhoramento dos serviços publicas*.
Desembaraçar a marcha administrativa é necessi-
dade geralmente reconhecida. Ora> um dos maiores
obstáculos ú rápida expedição dos negócios é a origi-
nalissima maneira porque no Brazil funcciona o con-
selho de gabinete. Ha governos francamente absolu-
tos, os da Europa quasi todos, talvez todos sem ex-
cepção, onde o rei intervém somente nos casos de alta
politica e alta administração ; e nenhum Estado con-
stitucional sabemos onde se use e abuse tanto da as-
signatura do monarcha, nem onde este assuma as prero-
gativas da trindade exprimida nesta máxima imperti-
nente : o rei reina, governa e administra. Isso não
1 V. as notáveis observações práticas que o Sr. Alencar, ex-ministro da
justiça, consignou a p. 138 do relatório de 1869, a propósito da respectiva
secretaria.
Vivien não duvidou indicar as alterações precisas nas fórmulas das repar-
tições. Lê-se no ultimo capitulo do vol. 1 dos seus EHudes administratives :
« Des formules imprimées d'avance pour tout ce qui est de puré forme,
des signatures données par bordereaux pour tout ce qui n*est pas sus-
ceptible de vériíication, de simples annotations au lieu de copies, des
transmissions faites par un ordre écrit en marge au lieu de lettres, d'au-
tres simplitications encore qu'il serait faciie d*adopter, corrigeraient des
habitudes créées sans doute par des commis inutiles, qui voulaient se
donner quelque chose à faire. II est juste de dire que quelques ministres
sont entres dans cette voie. U importe que leur exemple soit suivi, et
qu'en dépit de la routine et des résistances des bureaux, Ia reforme s*élen-
de à tous les services publics.
« II faudrait donner plus aux rapports personnels et directs. Rien n'est
plus trompeur que, Tadministration assise et toujours armée d'une plume.
Trop souvent, celui que a envoyé une lettre croit que son devoir est accom-
pli, et qu*un acte ordonné est un acte fait II n'y a de bonne adminis-
tration que celle qui voit par ses yeux, qui se montre et qui parle....
A écrire beaucoup on gagne d'étre jugé sur les moyens plus que sur les
effets. ))
INTERBS6BS PROVINCIABS 381
humilha só os ministros de estado, commissarios do
parlamento : mata a administração, enfrçtquecendo a
iniciativa e quebrantando os brios dos homens pú-
blicos. Emquanto não fizermos uma realidade da pre-
sidência do conselho, instituição parlamentar, con-
vertida, porém, em escudo da realeza, emquanto não
desempecernios a acção dos ministros, economisando
o tempo consumido em infinitos e estéreis conselhos
de gabinete, continuará irreparável o esmorecimento
de toda a administração .*
Para simplificar e acelerar a marcha administrativa,
é indeclinável também que o provimento de certos em-
pregos geraes nas provincias seja commettido aos de-
legados do governo nellas, ou aos chefes de cada um
dos serviços.
E' um erro julgar isto indifferente para os interesses
locaes e para a liberdade. Pernicioso á autonomia das
provincias é tudo que exagerar possa a influencia da
capital Mas basta que a commodidade dos povos o
exigisse, para que não devesse subsistira forma actual
do provimento de cargos secundários. Notários pú-
blicos *, officiaes papejistas, escreventes das repar-
* V. o projecto que neste sentido offer«cemos á camará dos deputados,
em sessão de 9 de junho de 1868.
' Quanto aos oíTicios de justiça, cargos eminentemente locaes, não bas-
taria arrancal-os do podar executivo ; dever-se-ia, a exemplo dos Estados-
Unidos, devolver aos juizes e tribunaes o provimento dos ofiicios respecti-
vos. Fora isto homenagem á independência da magistratura. V. Parte lí,
cap. Vil, g 2 \— Entretanto, nada menos sustentável que o actual provi-
mento de todos os ofiicios pelo imperador, usurpação feita ás provincias
depois de 1840 : tem-lhe dignamente resistido Minas-Geraes, onde nenhum
dos partidos ainda consentiu em revogar a legislação provincial que iregula
a nomeação para esses cargos e a provisão de advogado.
382 PARTE TERCEIRA.
tições e seus porteiros, agentes do correio, ainda hoje
dependem de nomeação central, alguns até deassigna-
tura do imperador ! Neste sentido, mais extensas attri-
buições que as dos nossos presidentes, foram pelos reis
portuguezes investidas nos donatários e governa-
dores das capitanias *.
Ainda quando fosse electivo o presidente, não devia
de prevalecer a presente concentração do poder exe-
cutivo : este tem em cada provincia commissarios dos
serviços especiaes, a quem poderia incumbir o provi-
mento dos cargos subordinados. Emquanto, porém,
é o presidente delegado do imperador, que inconveni-
ente haveria nessa deslocação de attribuiçoes, de uns
para outros agentes do mesmo poder ?
Debalde três vezes propoz-se uma lei a este respei-
to, em 1859, 1860 e 1864 : ainda pende do senado,
onde todas as reformas naufragam, a ultima votada
pelos lib9raes. Oppoz-se-lhe a letra da constituição,
argumento com que se repellem o progresso das in-
stituições e as reformas liberaes, mas que não tem
obstado a nenhuma lei reaccionária.
E', todavia, urgente a medida tantas vezes lem-
brada. Notável serviço prestaria aos interesses pro-
vinciaes e á própria dignidade do governo, o ministério
qne reduzisse a estatistica dos que exercem no Rio de
Janeiro a profissão de pretendentes ou correctores de
empregos geraes nas provincias.
Dever-se-ia preferir, nesse intuito, a idéa do pro-
* Obras de J. F. Lisboa ; vol. UI,
INTBiiBSSES PROVINCIABS 383
jecto de 1859, mais amplo que os outros, comquanto
menos preciso ^ Si a medida, porém, assentasse no
largo pensamento do acto addicional, não se limitaria
a essa deslocação somente, mas deveria converter em
empregos provinciaes parte dos que reputavam geraes
os mencionados projectos.
Entretanto, admitta-se ou não a larga reforma res-
tauradora das franquezas provinciaes, fique para
sempre extincto este supplicio da concentração de
pequenos empregos e pequenos negócios no Rio de
Janeiro. Já os conservadores começam a comprehen-
der que isso vexa os povos, embaraça os ministros e
corrompe a administração, tirando-lhe a força e o pres-
tigio *. E' acaso mister insistir nos effeitos politicos
dessa odiosa centralisacão ?
Bem aquilataram os perigos da omnipotência do
executivo os estadistas de 1831. Antes do acto addi-
cional, a lei das attribuições da regência conferiu ao
governo imperial o provimento dos altos cargos só-
* Abrangia o projecto de 1859 os seguintes cargos, que aJiás os outros
não mencionaram : secretários do governo, da policia, das faculdades, das
relações, dos arsenaes, das capitanias, bibliothecarios, ofiicial maior dos
tribunaes do commeicio, contadores dos correios, etc. Não incluía, porém,
os empregados das repartições de terras publicas. — Escusado é advertir
que, perante o acto addicional, não são geraes« mas provinciaes, o primeiro,
segundo, quarto e oitavo dos referidos cargos.
* Segundo a proposta de 1869 para a reforma da guarda nacional, só os
commandantes superiores seriam nomeados pelo governo geral ; e um dos
projectos ministeriaes de reforma judiciaria, do mesmo anno, commettia aos
presidentes de província a escx)lha dos juizes municipaes. Um deputado pro*
poz então que os chefes de policia fossem igualmente nomeados pelos pre-
sidentes.
384 PARTE TfiRdEIttA
mente; os mais ertipregos civis ou eclesiásticos cessa-
ram de pertencer ao padroado central. *
Esse padroado, não corrigido por um rigoroso systema
de concurso,era accusado, na própria Inglaterra,de cor-
romper as eleições e prejudicará independência do par-
lamento*. Exerce-o o presidente dos Estados-Unidos em
escala enorme ; dezenas de milhar de empregos fe-
deraes dependem das secretarias de Washington : mas
tão larga distribuição de favores pelo executivo já se
reconhece ser perigosa para a moralidade publica,
comquanto não para a liberdade em paiz tão profunda-
mente democrático. O mal, com eflfeito, é ali atte-
nuado pela própria origem popular e pela renovação
periódica do supremo magistrado da republica : eUa
não corre o perigo de ver o funccionalismo convertido
cm exercito dynastico, como em França. Entretanto,
uma lei recente restringiu consideravelmente o arbi-
trio do executivo ' , e não falta quem lá deseje con-
) Lei de 14 de junho de 1831, art. 18 : «A attribuição de nomear bispos,
magistrados, commandantes da força de terra e mar, presidentes das provín-
cias, embaixadores e mais agentes diplomáticos e commerciaes, e membros
da administração da fazenda da corte, e nas províncias os membros das
juntas de fazenda, ou as autoridades que por leis as houverem de substituir,
serÁ exercida pela regência. A attribuição, porém, de prover os mais empre-
gos civis ou eclesiásticos ( excepto os acima especificados, e aquelles cujo
provimento definitivo competir por lei a outra autoridade ) será exercida na
corte pela regência, e nas províncias pelos presidentes em conselho, prece-
dendo as propostas, exames e concursos determinados por lei. »
' Era incontestável a influencia perniciosa das nomeações e promoções
arbitrarias ; e, por acto próprio do gabinete, o governo inglez acaba de con.
sagrar mui amplamente o concurso para o provimento dos cargos civis. Mais
uma conquista da democracia na terra dos privilégios I
s Ttnure of civil offices act, 1867. — S€Hg;uDdo a constituição (art. II, sec.
INTERESSES PROVINCIAES 385
ferir ao povo a escolha de certos empregados federaes,
como já o foi a de muitos dos funccionarios dos estados\
2* S 2), pôde o congresso conferir a nomeação para empregos secundários
ou sô ao presidente, ou aos tribunaes de justiça, ou aos chefes das repar-
tições.
* « Nenhum partido jamais remorerá inteiramente as restricções (da lei de
1867), e deixará o provimento dos empregos inteira e exclusivamente ao ar-
bitrio do presidente. O verdadeiro mal procede do demasiado padroado
exercido pelo executivo, e das influencias corruptoras por tanto tempo
abertamente empregadas em dirigir as eleições por meio desse padroado fede-
ral. O mal só se poderia extinguir, e as eleições presidenciaes só se tornariam
pacificas e puras com uma reforma orgânica, que conferisse a escolha dos
funccionarios federaes a quem as constituições dos estados a teem geral-
mente conferido, — ao povo. Si o tempo tem demonstrado que o principio
democrático da electívidade pôde ser deixado á sabedoria da escolha popu-
lar, porque não se applicaria a mesma regra a muitas classes de empregados
federaes? » Paschal, Annotated Constitution ; n, 184.
A PROV. 49
INTERESSES PROVINCIAES 387
CAPITULO VIII
NOVAS PROVÍNCIAS E TERRITÓRIOS
Deferindo ás províncias tão amplas faculdades, con-
vertendo em autoridades locaes alguns dos funccio-
narios geraes, transformando o presidente em dele-
gado do povo, acaso suppomos que possa coexistir
com essa reorganisação a actual divisão do império?
Problema rodeado de innumeros tropeços, deman-
dando serio estudo de nossa geografia politica, não
cabe aqui tratar-se sinão mui imperfeitamente. Não
nos parece, entretanto, temerário affirmar que um
dos erros da constituição foi dividir o Brazil em pro-
víncias politicamente iguaes, com as mesmas insti-
tuições e a mesma representação. Os autores do acto
addicional viram-se forçados a contemporisar com o
facto consummado. Não lhes foi dado seguir o sábio
exemplo da União Americana, onde os territórios do
deserto, si possuem instituições municipaes e legis-
latura local, não teem representação no congresso :
por commissarios do presidente da republica são
administrados, até que, povoando-se e prosperando,
sejam admittidos no grémio da União como estados
perfeitos.
Quem considerar attentamente a nossa carta poli-
tica, cujas linhas caprichosas só incontram similhan-
388 PARTE TERCEIRA
ça nos labyrinthos das ruas de nossas cidades edifica-
das á toa, perceberá desde logo estes doas vícios prin-
cipaes : — ha grandes províncias mal traçadas, com
dimensões irregulares e prolongamentos arbitrários,
que em demasia prejudicam aos interesses dos povos ;
— ha, por outro lado, verdadeiros desertos, com muitas
dezenas de milhar de léguas quadradas, convertidos
em provindas ou incluidosnellas, quando melhor fora
repartil-os em certo numero de districtos administra-
tivos.
Estas duas proposições nada teem de exageradas.
Para verificar a primeira, basta ver a Bahia, esten-
dendo- se pelo baixo S. Francisco (além da Boa- Vista),
abranger um terreno que mais commodo fora anne-
xar a Sergipe; passando ao sul do Jequitinhonha,
privar o norte de Minas de attingir ao litoral e ligar-
se aos portos de mar que justamente reclama ; e,
emfim, espraiando-se pela margem esquerda do mesmo
S. Francisco, dominar um território que, tendo Barra
por capital e comprehendendo as comarcas de Parna-
guá (Piauhy) , da Palma e parte da de Porto-Imperial
(Goyaz), deveria possuir administração própria, como
aliás se tem proposto.
Mais ao norte, Pernambuco prolonga-se pela valle
do grande rio commum, e abrange o vasto sertão de
Ouricury e Boa- Vista, cujas communicações melhor
far-se-iam pela Bahia, a quem mais naturalmente
pertence.
Alarga-se Minas em todos os sentidos, jazendo a um
canto a sua capital. Dessa vasta superfície haveria
INTERESSES PROVINGIAES
389
bastante para duas novas províncias : Minas do Norte,
comprehendida entre o curso do Jequitinhonha e o do
Bio Doce, com portos de mar tomados á Bahia e Es-
pirito Santo ; Minas do Oeste, formada das comar-
cas de Passos, Uberaba, Paracatú e Januaria, com o
sul de Goyaz desde o Paranahyba até o alto Ara-
guaya.
S. Paulo toma as comarcas de Lorena e Bananal ao
Rio de Janeiro, assim como este occupa, além do
Párahyba, um território que devera de unir-se ao
Espirito Santo.
Nào menos evidente, resalta do mappa do Brazil o
outro facto assignalado.
O que são o Alto- Amazonas e Mato-Grosso inteiros?
as extremidades septentrionaes e meridionaes do
Pará ? o angulo meridional do Maranhão (comarcas
de Pastcs-Bons e Carolina) e o septentrional de Goyaz
(Boa- Vista e norte do Porto-Imperial)? o que são,
finalmente, os abençoados Campos Geraes que do Rio
Grande, ao norte de S. Paulo, se estendem até ao
Uruguay em Santa Catharina, e á serra de Maracajú
em Mato-Grosso, limitando com o Paraguay e Cor-
rientes ? Desertos, immensos desertos, cobrindo três
quintos da superfície do Brazil, 150,000 léguas qua-
dradas. Como conceber aaministração expedita e se-
gura em taes extensões, ou formem uma só província,
como Amazonas e Mato-Grosso, ou se prendam a
outras, como as demais? Como acreditar que nessas
solidões funccionem seriamente as instituições de um
povo livre» instituições que aliás podem manejar as
390 PARTB TERCEIRA
populações, muito mais felizes, do litoral? Como des-
conhecer que actualmente essas regiões são apenas
campo de exploração politica de algumas summidades
do Rio de Janeiro, e que o systema representativo
traduz-se para ellas em uma permanente corrupção ?
Como incobrir que ahi não se promovem melhora-
mentos alguns, e que sua triste immobilidade feó po-
derá ser interrompida por administradores sem
preoccupações politicas ?
Assaz vimos os perniciosos effeitos da uniformidade
em nossa organisação : aqui elles se pátentêam
a toda a luz.
Estamos persuadido de que, si outra fora a primi-
tiva divisão do império, si melhor se houvessem
agrupado as comarcas componentes de cada provin-
cias, e destas separado os extensos desertos intermé-
dios e os occidentaes, menos pretexto haveria para
negar ás províncias a restituição das faculdades usur-
padas em 1840. A!b reclamações das mais illustradas
e prosperas oppõe-se constantemente o atrazo em que
jazem esses desertos elevados a províncias ou incluí-
dos nellas ; e o argumento é, sem dúvida, plausível.
Não se inverta, porém, o nosso pensamento. Não
propomos a subdivisão das provincias por um proces-
so mecânico e brutal, como o aplicaram em França,
e como o desejaram aqui em ódio ás instituições lo-
caes. Não queremos dilacerar laços formados por tra-
dições seculares e interesses positivos. A divisão de
um Estado não se faz a compasso, descrevendo infle-
xíveis linhas astronómicas, ou acompanhando só-
[ #
INTERESSES PROVINCIAES 391
mente os limites da natureza physica. Fazem-na,
atravez dos séculos, a historia e o commercio dos
povos. De pouco nos contentamos quanto a novas pro-
vincias : a do S. Francisco no occidente da Bahia,
a de Minas do Norte entre os Rios Doce e Jequi-
tinhonha, e ade Minas do Oeste comprehendendo o sul
de Goyaz, satisfariam, segundo parece, ás necessidades
do presente. O futuro, as novas vias terrestres e fluvi-
aes, indicarão depois o que mais convenha. Essas mes-
mas quizeramos que fossem erigidas, nào por acto dis-
cricionário do parlamento, sinão ouvidas as popula-
ções interessadas, processo que, a imitação dos Es-
tados-Unidos, devemos adoptar.
Desta sorte fácil fora effectuar as creações propostas.
Acaso parece mais difficil converter em districtos ad-
ministrativos, com assembléas onde houvesse popu-
lação bastante, ou sem ellas, como simples presídios,
os territórios a que alludimos? Taes são, para indical-
os de um modo preciso, os nove seguintes: do Solimões,
do Rio Negro (actual província do Amazonas), do Ma-
deira e Guaporé (Amazonas e Mato- Grosso) , do Oja-
pock (nordeste do Pará), do alto Tapajoz (sudoeste da
mesma), do Araguay a e Tocantins (abrangendo secções
do Pará, Mato-Grosso, Goyaz e Maranhão) , do alto
Paraná (occidente de S. Paulo, do Paraná e Santa-Ca-
tharina, e valle do Ivinheima em Mato-Grosso), do
alto Paraguay (comarca de Cuyabá e Villa Maria) , e
do baixo Paraguay (districto de Corumbá, comarca de
Miranda). Legislaturas, a quem coubesse prover so-
bre o governo municipal dos territórios menos des-
392 PARTB TBRCBIltA
habitados, poderiam desde já funccionar nos do alto
Paraguay, Rio Negro e Araguaya, onde existem po-
voações consideráveis (Cuyabá, Manáos, Carolina),
Para essa formação de territórios não faltará a es-
pontânea coadjuvação das provincias interessadas ;
não hão de ser menos generosas e devotadas á cailôa
nacional, do que os estados de Massachussetts, New-
York, Virginia, Carolinas, Geórgia, Louisiana e
Califórnia o foram cedendo á União os vastissimoâ
terrenos, a principio desertos, onde hoje se contem-
plam os florescentes estados do sul e do oeste. Invo-
quemos o patriotismo das provincias para essa obra
commum, que tanto importa á grandeza da pátria.
Comprehende-se que recusem a sua cooperação e dis-
putem obstinadamente as posses actuaes, quando se
trata de desannexar de uma para unir a outra paro-
chias ou comarcas, sem fim elevado que justifique
ou attenúe a dissolução de antigos laços e veneráveis
tradições. Mas, ao se effectuarem as vastas reformas
desceu tralisadoras, todas farão alegremente o sacri-
ficio imposto pela causa commum.
A empreza demandará, em todo o caso, muitissimo
tacto. As maiores provincias teem que fazer, da sua
parte, grandes concessões : o Rio de Janeiro carecerá
resignar-se a ver a capital do Estado transferida para
sitio mais resguardado, mais conveniente á vida
politica e ao trabalho de gabinete, mais salubre, mais
central ; todas ellas hão de respeitar o principio da
igualdade, nomeando cada uma dotos senadores so-
mente, e consentindo na periódica distribuição das
INTERESSES PROVINCIAES 393
cadeiras da camará temporária proporcionalmente á
população verificada pelo ultimo censo. Realisar-se-ha
desta sorte o equilibrio politico, que debalde se tenta
firmar por outros meios.
Sobre a urgência dessa nova distribuição parlamen-
tar, muito baveria que dizer. Si, na falta de um
censo exacto, se tomasse, como expressão do mo-
vimento das transacçSes, do commercio e da riqueza
em cada província, o producto das rendas internas, re-
saltariam desproporções consideráveis. Por exemplo,
Minas Geraes, que nomêa um sexto de toda a repre-
sentação nacional, para a renda interna (única que
abi se cobra além da extraordinária ) somente con-
tribue com a decima oitava parte. Occorrc exacta-
mente o inverso no municipio neutro e provincia do
Rio de Janeiro, que, contribuindo com 61 V, de toda
aquella renda, apenas teem 10 7o do numero de depu-
tados e senadores. Só a estatística da população e da
riqueza, explicando esses disparates, removeria de
nosso regimen a censura, que justamente lhe fazem,
de repousar sobre bases completamente arbitrarias.
Este grave incouveniente da desigualdade na re-
presentação, que tantos ciúmes fomenta e tantob de-
sastres semôa, os Estados-Unidos o evitam prefixando,
periodicamente, o numero de habitantes correspondente
a cada cadeira da camará dos deputados. Muito menor
outr^ora, este algarismo é hoje de quasi 150,000. Ali a
deputação de cada estado não é fixa, mas altera-se
conforme fluctúa a população. Os de leste e centro
dominavam, ha pouco, a maioria do congresso : hoje a
A PROV. 50
394 ?ARTB TERCEIRA
influencia passou aos populosos e florescentes estados
occidentaes. Só no senado existe, e mui sabiamente,
absoluta igualdade de representação.
Concluamos com uma derradeira advertência. A
repartição de duas provincias (Amazonas e Mato-Grosso)
em certo numero de territórios, e a conversão em outros
das secções que confinam com o deserto ou são deser-
tos, não importa somente á boa administração, mas
também á liberdade politica. Os districtos eleitoraes
chamados do sertão, os das duas mencionadas provin-
cias, de Goyaz e outras, não são, porventura, bourgs-
pourris, uso-fructo de cada ministério por seu turno?
Ahi as candidaturas officiaes são infalliveis ; ahi não
ha illustração, riqueza, pessoal, que possa sobrepujar
ou empecer a torrente do poder. O candidato official
não tem ahi competidor. O que ganham os partidos
com esta falsificação do systema? Cada qual abusa
por sua vez desse fácil triumpho, e por sua vez des-
moralisa-»e recorrendo a um triste expediente.
A actual divisão do império incorre, portanto, nesta
dupla censura : embaraça a reforma descentralisadora,
e falsifica o systema representativo.
395
CONCLUSÃO
Depois de estudar cada um dos poaeres proYÍnciaes,o
legislativo, o executivo, o judicial, examinámos tam-
bém, quanto em nossas forças cabia, o vasto circulo
de interesses meramente locaes, ou communs ao Estado
e á Província. Quão longe nos acliamos, ha de o leitor
reconhecer agora, de uma organisação onde os primei-
ros funccionem independentes do poder central, e os
segundos attinjam á plenitude do seu desinvol-
vimento !
Assembléas provinciaes, peadas pelas usurpações
de 1840 e posteriores, arrastam a vida inglória de
uma instituição desprestig'iada.
Presidentes, — agentes de outro poder, não repre-
sentantes da provincia, commissarios eleitoraes, não
administradores e executores dos decretos das assem-
bléas, — tudo podem, até suspender leis promulgadas.
Municipalidades^fextinctas, literalmente extinctas,
sem mais prestigio que as assembléas, e muito menos
sensíveis á qualquer movimento de independência,
nem protestam contra a sua profunda humilhação.
Justiça e policia, não separadas, mas estreitamente
unidas ^e confundidas, — puro funccionalismo, pelogo-
396 CONCLUSÃO
verno central arbitrariamente montado, com a mais ri-
gorosa symetria, sem attenção ás diflferenças das lo-
calidades, — exercem, ás ordens directas do presidente,
a grande missão de domarem o suffragio e de conver-
terem o parlamento em chancellaria do império.
Melhoramentos moracs ou materiaes, a instrucçâo
do povo, a emancipação do escravo, o povoamento dos
nossos desertos pelo emigrante do norte do globo, vias
terrestres ou fluviaes, tudo protrahe-se lentamente
ou tudo está por fazer.
Em summa, governo absoluto, dispondo a.capriclio
da segurança, da honra, da propriedade e da vida do
cidadão, que vegeta sem tranquilidade e não scisma
no futuro sem receios ; espirito publico corrompido,
sem ideal, dominado pelas mais terrenas preoccupa-
ções, inerte diante das exigências do patriotismo,
indijfferente á causa da liberdade — á honra de dovo
soberano : eis o resultado da centralisacào fundada
sobre asruinas do acto addicional.
De sobra alcançaram seu alvo os contra-revolu-
cionarios de 1840 : intorpecidas, annuUadas, carre-
gando responsabilidade mui superior ás faculdades
que lhes deixaram, nossas províncias offerecem o mais
triste espectáculo . Lástima é vel-as debatendo -se nesse
supplicio. Do que se occupam ? o que nellas commove os
espíritos? o que agita a imprensa? Excessos de autori-
dades irresponsáveis como o poder que as mantém, elei-
ções viciadas, e sempre eleições, favores illegaes, pre-
tenções de empregados, e, quando muito, projectos de
intermináveis edifícios nas capitães.
CONCLUSÃO 397
Fossem, porém, as províncias reintegradas na sua
autonomia constitucional, formassem livremente o
seu governo interior, gyrassem com plena isenção no
circulo dos interesses locaes, e sem dúvida se desva-
neceriam estas scenas mesquinhas, tristes effeitos da
centralisacão.
Esboço de obra não acabada, o que valem nossas
instituições provinciaes a bem da liberdade politica,
o que podem para o fomento do progresso ? Deficien-
tes e incoherentes, não perservam uma, nem acele-
ram o outro. Cumpre encher as lacunas, cumpre eli-
minar as incongruências da organisação actual.
Para curar enfermidade tão grave, não bastam me-
didas moderadas. Ou promovam a larga reforma des-
centralisadora, ou terminem uma situação equivoca
e detestável proclamando francamente a unidade
monarchica á européa. Dividam então o Brazil em.
200 circunscripções iguaes, da ordem das comar-
cas, dêem a cada uma conselho de prefeitura e admi-
nistrador civil : herdem o parlamento ou o governo as
attribuições legislativas ' das assembléas. E' lógico,
é pelo menos uma solução clara: acaba o equivoco,
cessa o ingano, completa-se resolutamente a obra
destruidora que um novíssimo projecto de interpre-
tação recomeça com a habitual temeridade das rea-
cções.
Terão, porém , esta audácia das suas convicções
aquelles que systeraaticamente hão amesquinhado a
Província ? Poderá a reacção monarchica preencher
todos os seus desígnios, e, depois de diluir o acto
addicional, abolil-o francamente ?
I
ff
%
t
k
398 CONCLUSÃO
Quanto a nós, preserva-nos deste receio a própria
situação gerada pela politica centralisadora, os des-
contentamentos que promove, as impaciências e irri-
tações que excita. Quem desconhece, por ventura,
que só a descentralisação pôde abaixar os clamores
que já resoam contra a integridade do império?
A união não hade resistir muito tempo aos sa-
cudimentos de sérios interesses conculcados ou desa-
tendidos. Pedem-se de toda a parte escolas, es-
tradas, trabalho livre, melhoramentos moraes e ma-
teriaes. Por si só, mal pôde o governo central acudir
9. este ou aquelle mais ardente reclamo ; e por
cada um que satisfaz ou illude, vê recrescer a im-
paciente exigência de todos os outros. Não lhe resta,
portanto, mais que uma solução : dividir a sua formi-
dável responsabilidade, invocar o auxilio do munici-
^ pio e da província para a obra commum da prosperi-
dade, nacional ; em uma palavra, descentralisar.
Não, não é isto abdicar; é, pelo contrario, fortifi-
car-se, e habilitar-se, alliviado de um ónus excessivo,
para o pleno desempenho da grande missão que
ao Estado compete em nossa imperfeita sociedade.
Essa grande missão de liberdade e progresso não
se circunscreve á perseverança no aperfeiçoamento
da legislação, á implacável energia era moralisar o
governo ; comprehende também a tarefa de acelerar a
obra da civilisação. Caminhos de ferro, navegação,
telegraphos, agentes physicos do progresso moral,
são meios infalliveis de fortalecer ou de consolidar a
união das províncias, afrouxando os odiosos laços
da centrali sacão.
coNcyjsÃo 399
Como escurescer a immensidade do erro de um go-
verno que, desdenhando da sua missão própria, tão
grandiosa, tão nobre, ha consumido trinta annos em
luta aberta contra as liberdades do cidadão e as fran-
quezas da provincia? Como não exprobrar-lhe a ce-
gueira de uma politica que, rejeitando o caminho que
o levava a elle á gloria, e o Brazil á prosperidade, pre-
feriu trilhar obstinadamente a rota batida dos prínci-
pes europeus? Como não embargal-o na marcha ver-
tiginosa em que prosegue, bradando-lhe :
Vós perdeis o paiz, perdendo-vos I vós o arremes-
sais de novo nas crises revolucionarias I
Julgais unir estreitamente a commiinhão
brazileira , apertando-a com os vossos regula^
mentos, e sufíbcando-a na papelada das vossas secre-
tarias ? Engano manifesto I estais, sem dúvida, estais
preparando a obra, talvez fatal, da dissolução do im-
pério.
Vôde o Norte. E' nome vão apenas depois que
vossas leis e vossos procônsules arregimentaram, as
cohortes pretorianas do absolutismo dissimulado ; pois^
bem I elle passará a ser depressa uma realidade
tremenda. Basta-lhe computar suas forças, e pesar
friamente os benefícios e os encargos da união.
Augmentam cada anno as prosperas receitas das
onze províncias septentrionaes; da Bahia ao Amazonas
entram nos cofres nacionaes 36,000 contos; mas so-
mente 15,000 nellas se despendem, ou no Rio de Ja-
neiro e em Londres, com serviços realisados em cada
uma ou que a todas as onze interessam . Os 21 ,000 contos
400 CONCLUSÃO
restantes desde já promoveriam o desinvolvimento ma-
terial amoral do Norte, sinâo fossem absorvidos pelos
juros da divida pública e pelo custeamento da adminis-
tração central. Até o ultimo ceitil paga o Norte, que
aliás geralmente se reputa na dependência do Sul, a
quota que lhe cabe na despeza dos serviços nacionaes,
sem nada restar ao thesouro do império, antes o au-
xiliando com uma somma liquida considerável, pouco
inferior a 7,000 contos este ãnno. *
Para avaliar, porém, de resultado tào lisongeiro a
essa parte do Brazil, attenda-se que na despeza propria-
mente nacional figuram verbas exageradas, figura o
luxo da administração montada com funccionalismo ex-
cessivo, clientela dos homens politicos da capital, figura
o serviço da divida accumulada pelas guerras do Prata
e Paraguay.
Certo, cumpre reconhecel-o, não é duvidosa a van-
tagem da união pelo lado da grandeza e da força ; mas,
sob o ponto de vista financeiro, se deve confessar que
a separação é indifferente. Outras questões hão de
surgir, outros interesses hão de inclinar a balança, e
decidir dos destinos da nossa nacionalidade.
Mui graves são essas questões e tão patentes, que
mal avisado fora tentar vélal-as. Resolutamente
as encaremos, pois, si buscamos a verdadeira solução
da difficuldade, o meio seguro de restabelecer o equi-
librio, consolidando a integridade do Brazil.
Desde o primeiro reinado, guerras com as republi-
1 V. o Appendice.
CONCLUSÃO 401
cas vizinhas dizimam a população do Norte, con-
vertendo-o em viveiro de recrutas do exercito e ar-
mada, e impõem-lhe o sacrifício permanente de divida
avultada, na qual só é moralmente solidário de quantia
minima, a divida da independência. Entretanto, sem
colherem vantagem da preponderância ou intervenção
em negócios do Prata, que lhes não importam directa-
mente, sinão como parte integrante do império, as pro-
vincias do Norte sabem que nunca involveram o
Brazil em guerras externas, e nas civis não foram
mais abundantes que o Sul.
No valle do Parahyba (Rio de Janeiro, S. Paulo,
Minas) concentra-se um milhão de escravos. Outr'ora,
os interesses da sua grande propriedade proscrastina-
ram a repressão do trafico, humilhando a nação inteira
e corrompendo um governo em que influiam os
Crésos, negreiros da capital : hoje, esses mesmos in-
teresses adiam indefinidamente as medidas abolicio-
nistas da escravidão, e repellem até as indirectas. No
Norte, porém, varias províncias quasi não possuem
escravos, e todas, inclusive Bahia e Pernambuco, pra-
ticam o trabalho livre em escala considerável : o al-
godão, o café, o fumo, a borracha, o cacáo, que ellas
exportam, não os produz o escravo; o próprio assucar,
em parte que aug-menta progressivamente, é também
fructo da liberdade. Algumas dessas provindas podem
por si mesmas remir os seus captivos, e desejam apro-
ximar a época da emancipação : nenhuma encara com
pavor a politica abolicionista. Fora, entretanto, mais
plausível a exigência do lavor servil no clima ardente
A PROV. 51
/
402 CONCLUSÃO
das noâSas regiSes do equador, que nos amenos campos
e temperados vallesdas províncias tropicaes. Todavia,
naquellas, si elle diminuo, cresce sem cessar a sua
prosperidade ; nestas, onde tudo favorece o trabalho
livre e convida o immigrante, accumulou-se a escra-
vatura ; e, cavando a ruina de duas gerações, retar-
dando o progresso, derramando o pânico, tornando
incertos todos os cálculos, falliveis todas as emprezas,
a funesta instituição dominadora no Sul obriga a um
adiamento temerário o resto do paiz, que pode aflProntar
o futuro com menos susto oH mais coragem. Repetin-
do a memorável phrase de Sumner, se pôde, portan-
to, dizer aqui, com a mesma exactidão que nos Esta-
dos- Unidos : Freeãom national, slavery sectionaL
E, quanto a melhoramentos materiaes, tem acaso
o Norte um só porto, sem exceptuar o de Pernambuco,
onde se hajam feito trabalhos sérios? Em sete das .
provincias septentrionaes, nenhum serviço notável
custêa o Estado. Duas contam estradas de ferro con-
demnadas á estabilidade, emquanto a de « Pedro II »,
inda que timidamente, não tem cessado de proseguir
á custa da receita geral. Nãopossue o Norte marinha
mercante; aos armadores do Rio de Janeiro paga fretes
excessivos : suporta as duras condições da marinha
privilegiada, soporta as fascinadoras doutrinas de
uma escola que pretende promover industrias e fa-
bricas em paiz agrícola, onde á própria lavoura fal-
lecem aptidões profissionaes e capitães baratos, mais
ainda que braços.
Emfim, e para não ir mais longe, é o Norte interes-
CONCLÚSXO 408
sado nessa concentraçSo administrativa» que sujeita
o paiz á ineluctavel supremazia dos politicos da
capital ?
Pesai bem esses vivos contrastes, e dizei si a in-
tegridade de um Estado igual a três quartas partes da
Europa pôde subsistir sinão a sombra de uma politica,
que indemnise as provincias dos sacrifícios que fazem
á união. Poderá, porém, resistir muito tempo á acção
de duas causas isoladoras, a desigualdade de trata-
mento e a centrali sacão?
Notai que os 36,000 contos da actual receita
do Norte eram, ha vinte annos, a do Brazil todo ; e
que, mesmo sem incluir as rendas municipaes e pro-
vinciaes, é aquella receita superior ao orçamento da
Republica Argentina e ao de qualquer dos povos da
America, excepto somente os Estados-Unidos.
O Norte, folgamos reconhecel-o, não attingiu a esse
extremo de descontentamento, em que a discussão li-
mita com o combate. Fluctúa, é certo, nas regiSes
mais próximas do equador, um instincto vago de in-
dependência ; em outras propaga-se a dúvida sobre as
vantagens da união. Querem sinceramente dissipar
a nuvem ameaçadora ? Um meio existe, pacifico, in-
fallivel, glorioso ; grande resolução exige, porém, e
a mais nobre de todas: a de eeder sem constrangimento,
a de resignar o poder arbitrário diante da liberdade
opprimida. Ceda o governo imperial espontaneamente
o que desde 1840 usurpara ao povo, ao município, á
província; restaure, não uma liberdade nominal e pre-
cária, mas a liberdade, tangível e prática, da des-
404 CONCLUSÃO
centralisação . Politica tão magnânima será repudiada
pela cegueira fatal que arrasta á perdição todos os
governos infelizes, todos os systemas decadentes ?
APPENDICE
V
í
o NORTE E O SUL
(P. 400)
CJobrem as rendas do Norte todas as respectivas despezas da
administração publica e a quota correspondente dos encargos
propriamente nacionaes ?
Vejamol-o, começando pela
RECEITA
Cresce do modo mais lisongeiro a receitado Norte: elle
deve ter contribuído com 36,000 contos para a renda de 1869
— 70, que attingirá a 96,000, segundo o ultimo relatório do
ministério da fazenda (1870). Eis a distribuição pelas provin-
cias, extrahida de uma tabeliã do mesmo relatório :
Amazonas 91:103;!^
Pará 4.077:218*
Maranhão 2.791:334»
Piauhy 207:066»
Ceará 2.815:446»
Rio Grande do Norte 591:718»
Parahyba 706:741»
Pernambuco 13.935:056»
Alagoas 756:989»
Sergipe 364:647»
Bahia 9.584:943»
35.922:262»
408 AFFENDICB
DESPEZA
Posto que fastidiosos, não podemos aqui supprimir alguns
desinvolvinientos.
Vamos seguir, excepto nos lugares expressamente indicados,
os algarismos de um balanço definitivo, o do exercicio de 1866
— 67. Como se sabe, as verbas ordinárias da administração
não offerecem subitamente grandes alterações. Póde-se, pois,
tomar como expressão da realidade as sommas desse balanço,
que aliás é o ultimo publicado na occasiáo em que escrevemos.
Despeza da administração geral no Norte.
Comprehendemos aqui todos os serviços dos dififerentes mi-
nistérios, sem exceptuar nenhum, — iustrucçáo superior, justi-
ça, culto, fazenda, obras publicas, corpos de guarnição e
divisões navaes, — cujas despezas se pagam nas thesourarias
de cada provincia. Eis a sua importância :
Amazonas 352:565^1^
Pará 1.467:255»
Maranhão. 1.111:927»
Piauhy 363:119»
Ceará 566:061»
Rio Grande do Norte 235:618»
Parahyba 329:691»
Pernambuco 2.881:849»
Alagoas 406:814»
Sergipe 292:192»
Bahia 3.497:545»
11.504:636»
Subirá a 11,527 contos esse total, ajuntando-lhe 12:443»
que no mesmo exercício se pagaram, em Londres e
APPENDICK 409
no Rio de Jaaeiro, a alguns funccionarios ausentes das provín-
cias, ou por serviços delias. O recente augmento dos venci-
mentos da magistratura o elevará a 11,800 contos.
No exercicio do balanço que compulsánaos, as despezas mi-
litares (ministérios da guerra e marinha) effectuadas no Norte
quasi equivalem ás que nelle se fizeram em anno anterior á
luta do Paraguay, 1863 — 64, quando lá havia mais tropa de
linha e mais navios da esquadra. O total acima se pôde, pois,
reputar despeza normal dos serviços geraes nessa parte do
império.
Si agora se confrontarem os dous totaes, ver-se-ha:
1.0 que tem renda superior á despeza nellas effectuada
cada uma das onze provinc^as, excepto Amazonas e Piauhy,
cuja receita aliás se cobra em grande parte nas estações fiscaes
das outras vizinhas ;
2.» que a renda excede á despeza em 24,122 contos.
Esta quantia não representa, porém, saldo effectivo com
que o Norte contribua para o erário do Brazil. Pelo thesouro
nacional e peia caixa de Londres se fazem duas ordens de des-
peza^ que elevam muito o passivo daquellas províncias. A
primeira é a dos serviços contractados por bem delias ; con-
stituem a segunda as quotas que lhes cabem nos gastos com o
governo central, as relações exteriores e a divida publica.
Vamos deduzil-ás separadamante.
Despeza de serviços do Norte.
Aqui incluimos juros a estradas de ferro e subvenções á
navegação, que não se paguem nas províncias que gozam
desses melhoramentos, mas no Rio de Janeiro ou em Londres.
A saber :
1®. Estradas de ferro, l,646:791?f. Sendo: — 5 «/o íntegraes
garantidos á da Bahia, 800:000í> ; 2 7o da responsabilidade
provincial adiantados pelo governo, lambem integralmente,
320:000#:^— 5 7o á de Pernambuco, não integraes, porque dá
A PROV. 52
41o
APPENDICE
renda liquida, âãi5:595;|^; 2 ""jo idem, da responsabilidade
provincial, 141:196#; algarismos que soffreráo um leveaug-
mentocorao recente acréscimo do capital garantido.
2**. Navegação a vapor, 1,652:000$. Sendo:
— Do Amazonas, 720:000^.
— Dos afluentes do Amazonas (96 contos), e do baixo S.
Francisco (40) : despezas que incluimos, posto que, sendo pos-
teriores, não figurem no balanço que acompanhamos.
— Parte da subvenção á companhia Brazileira de paquetes,
correspondente á distancia percorrida da Bahia ao Pará, ou
cerca de 4/5 da subvenção total, 616:000$, despeza aliás menor
hoje em virtude do novo contracto.
— Parte igualmente da linha do Rio de íaneiro a New-
York, 180:000».
Não se contemplam aqui, por se effectuarem nas thesou-
rarias de fazenda do Norte os respectivos pagamentos, as
subvenções das companhias Bahiana, Pernambucana, Ma-
ranhense, Sergípense e do Parnahyba, cuja somma, portanto,
já figura no total, acima indicado, da despeza geral realisada
nessas provincias.
As duas verbas, juros de estradas e subvenções de paquetes,
sommando 3,298:791$, reduzem o saldo do Norte a 20,823
contos. Vejamos si elle desaparece diante da despeza propria-
mente nacional, que o Norte soporta como parte integrante do
império.
Quota da despeza 'propriamente nacional.
Quanto attribui remos ás provincias iseptentrionaes dos en-
cargos da união? Onde acharemos a expressão arilhmetica da
justa responsabilidade delias ? Resposta exacta dal-a*ia so-
mente a estatistica da população e riquezas do Brazil. Não a
possutínos, nem parcial ! Ora, não bastaria conhecer o numero
d© habitantes do Norte para determinara sua força produotora,
única base equitativa dos impostos e encargos públicos; e, por
outro lado, nenhuma confiança inspiram as esUmativas offi-
^
APPENDICE 4H
ciaes. Em um documento deste género [o Império do Brazil na
Exposição Uriiversaí, 1867) até se desprezaram os arrolamentos
policiaes já conhecidos, como os do Amazonas e Santa Calha-
riria, dando-se á primeira 100,000 habitantes e á segunda
200,000, em vez de 40,443 e 119,181, que são o resultado de
censos anteriores. Attribuindo ás onze províncias do Norte
metade da população do império, esso documento não é con-
firmado pelo elemento mais seguro que se de[^ára neste cál-
culo de probabilidades, — 8 correspondente somma das rendas
geraes.
Para avaliar com justeza a parto ' dos encargos nacionaes
que direitamente competem ao Norte, nós prefiri mos esse ele-
mento, a proporção da sua receita para a receita do im-
pério, por dous motivos: P, porque são os impostos geraes
os mesmos em todo o Brazil, excepto somente, quanto ás al-
fandegas de Mato-Grosso e Amazonas, uma ligeira differença
de tarifas, que alias não altera o resultado; 2*, porque, tocando
esses impostos a todo o commercio interno e externo, a todas
as transacções e factos da vida civil e industrial, o seu pro-
ducto exprime aproximadamente o valor económico de cada
secção de um Estado, e, portanto, a sua capacidade tribu-
taria.
Ora, no exercicio de 1869 — 70, bem como em outros
anteriores, a renda das mencionadas províncias foi 37,5 <*/<> ^^
renda do império. Esta proporção é confirmada pela parte
correspondente ao Norte nos valores officiaes do commercio
de importação, de exportação e de cabotagem. Com certa se-
gurança, portanto, podemos tomar o algarismo 37 '^/o como a
quota dá despeza de caracter nacional imputável ao Norte.
Passemos a discriminal-a cuidadosamente.
1". Representação nacional : Familia imperial, 1,396:196!|>;
— Pariamento, 509:672»:— total, 1,905:868».
Quota do Norte, 715:159».
2'. Secretarias de estado, agregada á de fazenda a parte
da direcção geral do thesouro, 1,366:270».
412 APPKNDICB
Quota do Norte, 505:494»,
3<». Representação diplomática, tomando a verificada em
um exercicio de paz, o de 1863 — 64, e excluindo a verba da
secretaria de estrangeiros já englobada acima, 621:231».
Quota do Norte, 229:844».
4.« Repartições e despezas diversas da administração cen-
trai, a saber : conselho de estado, supremo tribunal de justiça,
relação eclesiástica metropolitana, casa da moeda, archivo
publico, typographia nacional e Diário offícial, exposições (a
nacional e a internacional de 1867), adjudas de custo a presi-
dentes e niagistrados, eventuaes de diversos ministérios e des-
peza secreta em Londres: — total, 791:687». (Não considera-
mos nacionaes õs estabelecimentos de instrucçáo da corte, os
mstitutos de caridade, etc.)
Quota do Norte, 292:892».
5". Exercito, sendo:
— Conselho supremo militar, addicionada a consignação
do ministério da marinha, 35:548».
— Instrucção militar, 170:666».
— OíSuiaes generaes e dos corpos especiaes , despeza
feita na corte e em Londres, além da efFectuada nas provincias
(acompanhamos nesta parte o balanço de 1863 — 64), 417:592».
— Archivo militar, 22:075».
— Laboratórios (citado exercicio de paz), 128:000».
— Fabricada pólvora (idem), 150:228».
Não incluimos nem a despeza com arsenaes, nem com os
corpos do exercito, nem com fardamento e equipamento, por-
que, achando-se o exercito distribuído por todas el las, em cada
provincia se fazem em tempo de paz os respectivos gastos, que
já foram acima englobados no monte da despeza com a admi-
nistração geral. Em 1863 — 64, por exemplo, mais de 3/4 da
despeza com o exercito pagaram as ihesourarias das diversas
provincias aos corpos fixos ou moveis.
Total a distribuir, das indicadas despezas com o exercito,
além das que se eíFectuam nas provincias mesmas : 924:109».
J
APPBNDICE 413
Quota do Norte, 341:920».
6." Marinha, sendo:
— Conselho naval, quartel general, escola de marinha, bi-
bliotheca, contadorias (náo se ajuntando a intendência, etc,
por ser propriamente accessorio do arsenal do Rio de Ja-
neiro), 220:529».
— Despeza feita na corte e em Londres, além da que o foi
nas províncias, com officiaes do estado maior, corpos anne-
los, divisões da esquadra, gratificações, etc, no citado exer-
cicio de paz, 1.244:425».
— Material da armada, quantia despendida em Londres,
no dito exercício, 941:395».
— Armamento, equipamento, munições, artigos de reparos
e construcções, medicamentos, combustivel, pagos na corte,
pouco mais ou menoí, 709:610». (Náo se inclue toda a im-
portância da despeza effectuada, porque parte pertence espe-
cialmente ao arsenal e divisão naval do Rio de Janeiro.)
Total da despeza com a marinha de guerra, a distribuir :
3,115:954».
Quota do Norte , 1,152:902».
Não carecemos advertir que, achando-se a armada mais
concentrada no Rio de Janeiro, onde existam os principaes
estabelecimentos navaes do império, a despeza central da ma-
rinha é por isso mesmo maior que a do exercito, o qual nos
tempos ordinários se espalha por todo o Brazil e é supprido
pelas thesourarias de cada província.
7." Finalmente, a mais onerosa das verbas, a do serviço
da divida pública :
— Juros da externa (segundo a lei do orçamento
de junho de 1870) 8,056:560»
— Da interna fundada (idem) 15,269:266»
— Dos bilhetes do thesouro (idem) . . . 3,526:000»
— Differenças de cambio 2,668:880»
— Caixa de amortisação 58:900»
Total. • . . 29,579:606»
(f
414 APPBNDICK
Quota do Norte, 10,944:452».
Sommando as parcellas acima, achamos que a qnóta da
despeza propriamente nacional, correspondente ás onze provín-
cias, é 14,182 contos.
Este considerável algarismo, elevado principalmente pelo
ónus excessivo da divida pública, não absorve, entretanto, o
saldo da receita do Norte (20,823 contos), não õ deixa em
deficit perante o thesouro nacional. Paio contrario, o Norte
fornece ao Sul um saldo liquido de 6,641 contos, deduzida
toda a espécie de gastos locaes ou nacionaes.
Em resumo:
Satisfaz o Norte, na parte que lhe compete, a todos os eu*
cargos da união.
Paga as deapezas da administração geral nas suas pro-
vincias.
Paga os serviços que lhes interessam, vapores e estradas
de ferro.
Paga, além da que nellas se eflfectua, a quota relativa da
despeza com o exercito e a armada.
Paga a quota igualmente da representação nacional e da
administração central.
Paga os tributos legados pelas guerras do Sul. soffre o pa-
pel-moeda, atura a divida pública.... Ainda mais: remette
ao Rio de Janeiro saldos líquidos, algnns milhares de
contos.
Deve acaso, por cúmulo de males, so portar a centralisaçào?
Não é sobejamente pesada a união pelos seus ónus financei-
ros ? Ha de sel-o ainda, perpetuamente, por sua organisaçáo
interna ?
INDIOE
Prefacio.
PARTE PRIMEIRA
CBNtBÁLiSAÇAO B FBDBRAÇÃO
tlAPlTULO L— A OBRA DA CSNTnALISAÇiO 3
CAPITULO II.— O GOVERNO NOS Estados iiODViitífos 13
CAPITULO III.— A GBNTRAUSAÇAO B AS 1I£F4>R1IAS 21
CAPITULO IV.— Objecção 31
CaPITEHjO V."-^ a i»IMRAç£ò NOS fiíViKDeS^UNmOS 37
Governo federal - 38
GoVerno dos estados : poder legktfativo 44
Poder executivo 46
Organisação judiciaria 51
CAPITULO VI.— AuTONOMU das Colonías Inolbzas 61
o
416 INDICB
PARTE SEGUNDA
INSTITUIÇÕES PROVINCIAES
CAPITULO I.— O ACTO ▲DDIGIONÁL 79
S I.— A tentativa de descentralisação 81
S II.— A reacção: influencia do conselho de estado.
Contra-reacção 8S
S III. ~ Precedentes estabelecidos pela reacção. . . 96
§ IV. — Novos projectos centralisadores : conselhos
de província, agentes administrativos. ... 102
S V.— Misáão do partido liberal 109
CAPITCLO II.— A ASSEMBLÉA 113
S I.— Senados provinciaes 114
§ II.— Commissões permanentes 116
8 III.— Eleição 119
CAPITULO III.— O PRESIDENTE 121
§1.— Eleição do presidente ; independência dos func-
cionarios geraes 122
8 H.— Vantagens da eleição do presidente . : . . 130
8 III*— Órgãos da administração provincial . . . . 137
CAPITULO IV.- A MUNICIPALIDADE Ul
8 I*— O vicio da uniformidade. Diversidade dos mu-
nicípios : competência das assemblóas . . . 143
8 n.— O acto addícíonal e as municipalidades. . . 149
8 III.— Autonomia do município; bases de reforma. 154
CAPITULO V.- A POLICIA 165
8 I*— A uniformidade da policia. Caracter local das
instituições políciaes 168
8 II.— Organisação policial de algumas províncias de-
pois do acto addícíonal : as leis dos prefeitos.
Seu fundamento 173
INDICK 417
CAPITUF.0 VI.— A FORÇA POLICIAL E A GUARDA NACIONAL. . . 183
g I. — Força policial : instituição commum á provín-
cia e ao município 184
S II.— Guarda nacional: limite da competência do
poder central. Abolição 187
CAPITULO VII.— A JUSTIÇA 195
§ I.— Juizes de primeira instancia. Razão do acto
addicional 199
S II. — Independência do poder judicial : nomeação e
promoção dos juizes. Princípios de organisa-
ção judiciaria communs á lei geral e ás pro-
vinciaes. . , , 206
§ III.— Relações em cada província 213
S IV.— Assumptos da competência provincial. Requi-
sitos para o cargo de juiz : o noviciado ... 216
S V. — Competência exclusiva da lei geral . garantias
do cidadão 219
PARTE TERCEIRA
INTERESSES PROVINCIAES
CAPITULO I.— IxsTRUCÇÀo publica 257
§ I. — Liberdade do ensino particular. Desiuvolvimen-
to do ensino publico. Ensino obrigatório . . 229
§ II. — Um systema efficaz de instrucção consome
muito dinheiro. Justifícação da ta>xa escolar^
imposto exclusivamente provincial .... 238
8 III.— Applicação da taxa escolar. Organisação do
ensino nas províncias 243
CAPITULO II.— Emancipação 255
S I.— O Estado e a emancipação »
§ II.— Missão das províncias 265
A PROV. 53
418 índice
CAPITULO III — Associações 281
CAPITULO IV.— iMMiGRAçio 291
CAPITULO V.«— Obras PUBLIC AS 303
S I. — A centralisaçào nos melhoramentos materiaes . 306
S II.— Até onde se estende a competência provincial . 312
S III.— Missão do governo geral 320
CAPITULO VI.— Receita e despeza 331
§ I. — Insufficiencia das rendas provinciaes. O self-go-
vernmenty correctivo dos pesados tributos . . 334
g II. — Restricções ao poder provincial em matéria de
impostos : taxas locaes addicíonadas a impo-
sições geraes . . . • 338
§ in. — Impostos de importação. Não se confundem
com taxas de consumo local e taxas itinerárias. 344
g IV. — Imposto provincial de exportação ; seu funda-
mento. Inconvenientes da taxa geral sobre
productos exportados 349
g V. — Novas fontes de receita provincial : o imposto
territorial 355
g VI.— Fusão das imposições provinciaes: taxa di-
recta sobre a propriedade 360
g VII. — Impostos geraes que se pôde transferir ás pro-
víncias. Correspondem á despeza dos serviços
que devem ser descentralisados 363
CAPITULO VII.— Negócios geraes nas províncias 375
CAPITULO VIII.— Novas províncias e territórios . . . ; . 387
CONCLUSÃO 395
APPENDICE.— O Norte E o Sul ; . . 405
ERRATAS
Pag. 197, linhas 14—15 : regras criminal em vez de regras do pi'oces$o cHmi-
naU j . ,
y T^ > 16—17 : projecto do processo de reforma em vez de projecto de
reforma.
» 248, » 6—7 : as provindas em vez de das provinciaS'
» 255, > 13 : por utilidade publica em vez de por bem da moralida-
de pública»
OIFtElTO, EOOIVOM:IA F>OLiITIOA,
FINANÇAS, OOJWCJVXIBROIO, etC.
AiiMlyse sobre a escríptaraçâo commercial. 1. vol in-4 br. 1$000
Este livro dà uma idéa geral da escrípturação commercial e dos difie-
rentes livros em geral usados no commercio. E' de fácil compre-
hensão, e o mais explicativo que pôde ser.
Buds^et du Brésil (Le) ou recherches sur les ressources de
cet empire dans leurs rapports avec les intérêts européens du com-
mercê et de Timigration, par le Comte áuguste vàn der Straten-
PoNTHOZ. 3 vol. br 15^000
Ene. . , 18íf000
Codigro Penal do Império do Braasil, com observações
sobre alguns de seus artigos,pelo Dr. Manuel Mendes da Cunha Aze-
vedo. 1 vol. br SjjlOOO
— Pliilltppino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, reco-
piladas por mandado de El-Rei D. Felippe I, decima-quarta edição,
addicionada com diversas notas philologicas, históricas e exegeticas,
em que se indicão as diiferenças entre aquellas edições e a vicentina
de 1747, a origem, desenvolvimento e extincdio de cada institoiçSo,
sobretudo as disposições hoje em desuso e revogadas ; acompanhando
cada paragrapho sua fonte, conforme os trabalhos de Monsenhor
Joaquim José Ferreira Gordo e dos desembargadores Gabriel Pereira
de Castro e João Pedro Ribeiro ; e em additamento a cada livro a
respectiva legislação brazileira concernente as matérias codificadas em
cada um, sendo de quotidiana consulta, além da bibliographia dos
jurisconsultos que têm escripto sobre as mesmas ordenações desde
1603 até o presente, por Cândido Mendes de Almeida, advogado
- nesta corte, 1 vol. com o appendice br 27j|000
Ene SOjiOOO
-- II -
Collecrao iBe iiccorilaos qae contem matéria legislativa,
proferidos polo supremo tribunal de justiça, desde a época da sua
installaçào, por A. X. de Barros Corte Real e J. M. Castello
Branco, bacíiareis em direito. 2. vul. in-4 br. . . . 8^000
Ene 105000
— cIm l<i^ffl0llM^*ão iioriuicuczu desde o anno de 1603 até o
de 1826, isto é, desde as ordenações philippinas até a carta constitu-
cional, compilada por José JlstixNo de Andrade e Silva. A collec-
çào completa é dividida em seis series, e forma 24 a 25 volumes in-
folio. A primeira e segunda serie, que comprehendem, aquelia a
legislação de 1603 a 1640 em 5 volumes e esta a de 1641 a 1683 em
3 volumes, estào publicadas ; as outras series publicar-se-hão suc-
cessi vãmente. Preço da assignatura, cadavol.br. . . . 6^000
Ene 8ÍI000
Conipeiifflio cSe «conomia iioflltira, precedido de uma
intruducçào histórica, e seguido de uma Diographia dos economistas,
Catalogo e Vocabulário analytico, por Blaxqui. 1 vol. in-8 br. 1^000
Ene. . . 1«500
— J^urldico, ou mannal dos apontamentos, em forma de diccio-
narie, sobre variados pontos de direito pratico ; a que se ajunta um
formulário das actas das mezas parochiaes, juntas de qualitlcação e
conselhos de recurso, contractos, e o regimento de custas, com todos
«08 avisos e ordens que o tem explicado até o presente, por J. M. P.
deVasconcellos. 1 vol. in-4 ene 7j)000
/ Cortesãos ( Os ) e a Viagem do Imperador, ensaio politico sobre a
situaç9k) por L. M. 1 vol. br 1$000
v/ Credito (O) e ou baueos, estudos commerciaes, por A. de
Figueiredo, 1 vol. in-8 ene. 24000
llleetonarlo jurídico- coiiiiiierelnS, obra muito útil aos
que se dedicão ao foro e ao commercio, por J. Ferreira Borges,
2* edição aug. 1 vol. in-4. ene 7^000
Dlseurso!» liarleineiitare» do conselheiro J. M. Pereira da
Silva. 1 vol. ene '. 4«000
Eatudofi eoiiinierciaetfa* O Credito eos Bancos, por A. de
SouxA Figueiredo. 1 vol. br. . . 20000
— líl —
i:«<tudos á^obre coloiiftíiiftção, oa considerações sobre a coló-
nia do senador Vergueiro, C. Perket Gentil, l vol, br. . . 1^000
— Sobre o credUo rural e Iiypotlie^arlo, pelo Dr. L.
P. DE Lacerda ^^'ERNECK. 1 vol. in-i bem ene 6^000
A importância do credito territorial é conhecida em todos os paízes
onde elle tem sido posto em pratica. Ora, o autor deste livro, reunindo
em cominodo volume toda a theoria dos bancos territoriaes exposta
de uma maneira accessivel a todas as intelligencías, addicionou-Ihe uma
collecção de estatutos de bancos europeus, o outros documentos que
tornão o livro de grande utilidade, nào só aos professionaes, como tam-
bém aos lavradores, proprietários urbanos, banqueiros, e em geral aos
homens práticos.
— dos juizes de direito, ou coHecçào dos actos, attribniçòes e
devere.4 destas autoridades, por J. M. Pereira de Yasconcellos.
Ivol. in-4enc AjJOOO
— tlieorieo-pratleo do ^narda-llvros, seguido do ro-
teiro dos correios terrestres entre esta corte e as prcvincias do Rio
de Janeiro, Espirito-Santo, Minas-Geraes, S. Paulo, Matto-Grosso e
Goyaz, por JoÃo Francisco de Araújo Lessa. l^vol. cnc. 5§(K)0
O curso theorico-pratico de escripturaçào mercantil composto peio
Sr. Lessa c assaz conhecido para que necessitemos de preconisa-lo.
Todos os que hão lido este importante trabalho são concordes em re-
conhecer nelle ama clareza e brevidade que muito abonão os conheci-
mentos de seu autor. Reunindo ao conhecimento pmfessional da maté-
ria, longa pratica de suas diversas applicaçòes, conseguio o Sr. Lessa
escrever uma obra que será d'ora avante consultada por todos os que se
cntre^ ã contabilidade e escripturação dos livros de commercio.
— do» vereadores, contendo alei dei de Outubro de 1828,
sobre as camarás municipacs do Império do Brazil, explicada por
actos do poder legislativo e executivo, expedidos desde 1829 a 1867,
6 pela legislação peculiar às províncias do Rio de Janeiro e S. Paulo,
desde 1835 a 1867. Acompanha um appendice contendo uma serie
de modelos de acções para cobranças de impostos municipaes, termos
de juramento de fiança de contritos, de aforamento, de deposito, de
declarações de naturalisandos, licenças, mappas, contas, orçamentos,
etc, por Joaquim de Oliveira Machado, 1 vol. in-8 ene. 4$000
V
\,'
— IV —
Mello e jflattoni (L. .1. C. D.). Ph$:Iumi« de historia
constitucional do Brazll. 18d04848. i vol in-8 br. 6$000
Acaba de se publicar esta interessantíssima obra, qae trata de todas
as questões politicas, discussões parlamentares, organisações e dissolu-
ções ministeriaes, negócios internacionaes, etc;, occorridos durante esses
oito annos e seus antecedentes. E' um livro de um género do qual ainda
nào se escreveu outro entre nós. Nào ha nenhum homem politico, ne-
nhum cidadão desejoso de conhecer a historia e os negócios do seu paiz
que possa deixar de lê-lo e consulta-lo frequentemente. O seu estylo
corresponde à importância do assumpto. E' esta uma das obras contem-
porâneas destinadas a produzir maior impressão e suscitar mais impor-
tantes debates.
IVoções e novas tal»oas de balística pratica, por P. dk A. Bel-
LE6ARDE.lV0l.br 1^000
— Elementares do direito das lereutes, para uso dos
alumnos da escola militar, porBELLEGARDElvol.br. . 2^000
Paranhos* Convenção de tSO de Fevereiro, demons-
trada à luz dos debates do senado e dos successos de Uruguayna, 1
vol. br 5^000
Ene 6^000
Peixoto de Brito* Considerações geraes s.)bre emancipação dos
escravos no Império do Brazil e indicação dos meios próprios para
realisa-la, br. ín-4 500
Plntenta Biieno (Dr. José António), Apontamentos so«
bre o proeesso eivll l»rMsilelro. 1 vol. iii-4 ene. 6{(000
^, — Apontamentos sobre o proeesso eriínlual bra-
sileiro. 1 vol. in-4 ene 9JiF000
#
— S>lrelto publieo braaslleiro e analyse da constituição
do império, 2 tomos ene. em 1 vol. in-i lOgOOO
Pinbeiro Ferreira (Silvestre). Projeeto de iintbaneo
de soccorro e seguro mutuo. 1 vol. in-4 500
— Breves observações sobre a constituição politica da mo-
narchia portugueza ; decretada pelas cortes geraes extraordinárias e
constituintes, reunidas em Lisboa no anno de 1821. 1 vol. in-4 1$000
*■
500
— V —
do cidadão em um governo representativo, ou
princípios de direito publico constitucional, administrativo e das
gentes. 3 vol. in-4 10^000
— IVoçoeii elementares d'oiitolo|B;ia. 1 vol. in-4
— Projeeto de uut eyf^tenia de provifleiíelas para a
convocação das cortes geraes e estabelecimento da carta constitucional.
Ivol. in-4 5^000
— Projeeto cSe «ini eodig:o g:eral de leis fundamentaes e
constitutivas de uma monarchia representativa. 1 vol. in-4. 2^000
— Observações sobre a carta constitucional do Reino de Portu-
gal e constituição do império do<~ BraziL 1 vol. in-4. . . 2|f000
— Projeeto de código ftolitleo para a nação Portugueza,
1 vol. in-4 2ÍI000
— Projeeto de ordenações para o reino de Portugal, 3 vol.
in4 br. ..... • *. . lOjOOO
Esta obra muito importante divide-se em três partes : a primeira
contêm a carta constitucional e projecto de leis orgânicas ; a segunda
a exposição da carta constitucional e do projecto das leis orgânicas ; a
terceira o projecto de reforma das leis fundamentaes e constitutivas da
monarchia.
— Constituição polltlea do Império do Brazil e a carta consti-
tucional do Reino de Portugal. 1 vol in-4 d$000
— Observatftons sur le sruide dlplomattque de M le
baron Gh. de Martens. 1 vol. in-4 IJlfOOO
— Essai sur la psyebologrle, comprenant la théorie da rai-
sonnemente du langage, Tontologie, Testhétiqae e ladicéosyne. 1
vol. ln-4, ., 5$000
— Projet de eode ipcénéral des lois fundamentales et consti-
tutives d'un6 monarchie repr»^senlalive. 1 vol. in-4. . . IJOOO
— Prèeis cl'un eours de droltpublie. 2 vol. in-8 re-
iíés 8«000
V
- VI -
•
— Prlnclplefi of politleal eeonomjf by M. Culloch,
abridged for the nse of schools, accompanied with notes, and prece-
ded by a preliminary discourseby P. Ferreira. 1 vol. in-8. 1^000
Poder iiioderaclor (Da natureza e dos limites do), pelo
conselheiro Z. de Góes Vasconcellos. 1 vol. br. . . . 3^000
Proee«9o admínifitratlwo no Thesouro Nacional, por Luiz
Ferreira de Araújo e Silva, chefe de secção do Thesouro Nacio-
nal. 1 vol. br 6$000
Ene TjjOOO
Esta importante obra divide^se em 4 partes :
Titulo \.° Da alta administração da Fazenda.
Titulo 2.° Da administração central da Fazenda.
Titulo 3.® Da administração da Fazenda na^ provindas.
Titalo 4.° Da forma do processo i|r administração da Fazenda .
Seguida de três series de appensos, sendo :
!.• Serie. Arestos do Thesouro, ip Tribunal do Thesouro, e do de
contas.
2,* Serie. Tradições.
3.* Serie. Legislação peculiar a administração da Fazenda.
Escripto de accordo e conforme o systema seguido no Thesouro.
Pratiea cItíI e commerclal pelo conselheiro Joaquim Igna-
cio Ramalho 8í|000
Ene 9<f000
Esta obra jà é bastante reconimendavel pelo nome bem conhecido de
seu autor sem precisar de outro commentario. Diremes somente que
vem preencher uma grande lacuna na litteratura forense brazileira, poi.«
que não havia para o? estudantes um livro que de uma maneira ciara e
concisa determinasse os princípios da competência segundos natureza
de cada causa ; prescrevesse o modo de instaurar o processo e a ma--
neira de defenaer-se ; expozesse as leis da discussão, as regras da
prova ; determinasse como se dão as sentenças, se reformão e se exe-
cutão.
Diz o autor no seu prefacio :
<( As alterações porque tem passado a legislação civil e commercial
depois de nossa emancipação politica, mormente quanto ã organi.sação
judiciaria, jà requerem um 'trabalho methodico e systematico, onde os
Í principiantes encontrem facilmente qnaes as innovaç es do direilo e das
ormas de que elie se reveste, dispensando-òs do árduo trabalho de es*
tudar, sem um guia, os escriptores de nosso foro, que escreverão de-
baixo da influencia de uma legislação em parle abrogada por leis mo-
dernas.
Typ. Fra\co-ami:uica.va, nia dWjuda 18. .'
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