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Full text of "A provincia; estudo sobre a descentralisação no Brazil"

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A 


ÍM 




província 


ESTUDO 


SOBRB 


A DESCENTRALISAÇiO NO BRAZIL 


POR 


TAVARES BASTOS 


mo DE JANEIRO 
^. Zj. OAfilSlBfi, llvx*elr-o-editox* 

69 BUA DO OUVIDOS 69 

1870 

PRINTEO IN BRKJOi 


r 


PRESERVATION 
COPY ADDED 
ORIGINAL TO BE 
RETAINED 


M 


A ^993 


/ 


SATHEH 


Tb ZnLQ 
S'7 Ti 


PARTE PRIMEIRA 


CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 





^3^&^ 


PREFACIO 


Os que desejam â eternidade para as constituições e 
o progresso lento para os povos, os que sâo indulgen- 
tes, moderados, conciliadores, escusam folhear este livro. 
Não foi escripto na intenção conservadora; inspirou-o 
mui opposto sentimento. 

Pedindo inspirações à historia do seu paiz, o autor não 
presume inventar: expõe, commenta, recorda. 

O verdadeiro liberalismo não é, para elle, um recem- 
nascido. Não é um accidente dos successos contempo- 
roneas, mas gloriosa tradição das nossas lutas politicas. 

Quizera a robusta geração de 1831 descentralísar o 
governo confederando as províncias ; e, fundindo nas 
altribuições do executivo as do poder moderador, suppri- 
mindo o conselho de . estado, fazendo temporário o se- 
nado, tornar a monarchia uma instituição inofiensiva. 
Attestam a grandeza da obra, não acabada embora, o 
código do processo e o acto addicional, que não somen- 
te completaram, mas alargaram a constituição de 1824. 

Homens sem fé nos destinos da democracia e na mis- 
são providencial da America, varões eminentíssimos, é 
certo, alguns d'elles ornamentos das nossas assembléas, 
fecharam infelizmente a escola revolucionaria de 1831 
para consagrarem templos ao idolo restaurado em 1840. 

Celebrou-se desde então a communhão dos partidos 


• ■ 1 


VI PREFACIO 

quanto a principies de governo; e, para que alguma 
cousa o distinguisse do conservador, limitava-se o libe* 
ral a agitar a urgência de melhoramentos materiaes, 
de reformas económicas, planos administrativos e finan- 
ceiros. De garantias e franquezas jà se não fazia ca- 
bedal. 

Trinta annos de desillusões, porém, assaz esclaresceram 
o paiz. A politica chamada da ordem e a da moderação, 
supprimindo ou esquecendo a liberdade, não lhe deram 
em compensação a gloria; e a flnal, descrido, inquieto, 
saciado, vê-se o paiz atravessando os primeiros episó- 
dios de uma longa crise económica, com os signaes do 
terror por toda a parte, e os horisontes a escurescerem 
mais e mais. Eil-o, pois, volvendo contricto aos altares 
da democracia, que não devera abandonar. 

Administrações estéreis e infelizes, negligentes e corrom- 
pidas aceleraram este súbito movimento da opinião, esta 
leva de broqueis em prol das reformas fundamentaes. Do- 
lorosas decepções suscitaram á liberdade innumeraveis 
defensores. Debalde o contestam^ com incorrigível obsti- 
nação, aquelles cuja cegueira jamais deteve a marcha fatal 
das revoluções. 

Queremos, sem dúvida, reformas constilucionaes. Só nas 
estagnadas sociedades d' Ásia são invioláveis as instituições 
dos povos. Quando a gothica Allemanha constitue e recon- 
stitue os seus governos e os seus parlamentos, donde os 
burguezes começam a expellir os magnatas; quando a Grã- 
Bretanha dilue o resto do venerável palimpsesto do Rei sem 
Terra, e a França dá periodicamente uma edição de luxo 
dos princípios de 89, como havemos nós acatar supersti- 
ciosamente a carta outorgada em 1824 ? 

Ora, a grande questão que no Brazil se agita, resu- 
me-se na eterna luta da liberdade contra a força, do 
indivíduo contra o Estado. 


/ 


1 


PREFACIO VII 

Redozir o poder ao seu legitimo papel, emancipar as 
nações da tutela dos governos, obra duradoura do sé- 
culo presente, é o que se chama descentralisar. 

A descentralisação, que não é, pois, um questão ad- 
ministrativa somente; parece o fundamento e a condi- 
ção de e:^ito de quaesquer reformas politicas. E' o -sys- 
tema federal a base solida de instituições democráticas. 

Limitar o poder, corrigil-o desarmando-o das facul- 
dades hostis à liberdade, eis a idéa donde este livro 
nasceu. 

Si a causa das reformas demandava o estudo dos pro- 
blemas que involve a descontrai isação, exigem as novas 
pretenções do governo que excitemos as provinciaes à 
defeza dos seus direitos. 

Sob o pretexto de suavísar o regimen que as opprime, 
um recente projecto de interpretação prepara algumas 
restricções mais ao acto addicional, mutilado tantas vezes. 

Sem sobresahir por concessões, todas insignificantes, 
algumas jà admiltidas na prática, a lei proposta por um 
governo temerário consterna as províncias e commove o 
sentimento liberal. 

As doutrinas de 1840» que elle renova, oppunhamos os 
princípios de 1831, que detesta. 

Reatemos o fio das idéas que trazem esta nobre data : 
possa o ruido da sua marcha ascendente interromper o 
período de somnolencia que começou com o segundo rei- 
nado i 


14 de agosto. 


«.. 


CAPITULO I 


A OBRA DA CENTRALISAÇAO 


Longe vão as eras em que os povos sonhavam a 
fundação de poderosas monarchias. Longe vão esses 
tempos bellicosos em que fora a unidade garantia da 
independência, condição da força e grandeza. 

Uma e indivisivel parecia então dever ser a própria 
republica. 

Catem os Girondinos victimas dessa paixão fu- 
nesta. Calam-se as assembléas da Revolução : não ha 
mais que um amo, symbolo vivo da unidade nacional ; 
um só pastor e um só rebanho. Deslumbrado pelos 
esplendores da própria grandeza, o déspota converte 
a França em açoite da Europa. É um campo de ba- 
talha o mundo inteiro. Ornam os triumphos do im- 
perador, principes e reis. Thronos gothicos, elle os 
despedaça; povos e estados unem-se ou separam-se 
por edictos do guerreiro. Jamais se viu tão absolu- 
ta omnipotência ! Mas tamanho poder, exercido por 
um génio, o que é que construiu duradouro? pôde ao 
menos preservar immarcesciveis os louros de uma 
gloria immensa? 

A França e a Europa volvem dessa illusão fascina- 
dora ; começam os povos a comprehender que é um 


> 


4 PARTE PRIMEIRA 

absurdo esperar a liberdade e a prosperidade de um 
regimen que os suflfoca. 

A questão de descentralisaçao , escreve o Sr. Odi- 
lon Barrot, está de novo na ordem do dia, não só 
em França, mas por toda a parte ; enche os escriptos 
sérios de politica, incontra-se no fundo de todos os 
problemas agitados no mundo S No seio da própria 
Egréja, que o jesuitismo contende por transformar em 
monarchia universal sob a autocracia do Papa, no 
próprio concilio do Vaticano revolvom-se os senti- 
mentos de independência, que fazem a alta distincção 
moral do nosso tempo. Menos ainda do que a Egreja 
pôde a sociedade civil formar esse exercito compacto, 
cujos movimentos domine o fio telegraphico esten- 
dido do gabinete de um César. Desfeita ao choque 
de estrondosas decepções, a miragem da centralisação 
não illude mais. Fora escusado deter-nos na critica 
de um systema decrépito , acommettido de todos os 
lados, condemnado desde o livro clássico de Tocque- 
ville *. Releve-se, entretanto, que recordemos al- 
guns dos fundamentos da irrevogável sentença, re- 
servando as questões especiaes para os lugares com- 
petentes. 

Do mérito das instituições humanas se julga pelos 
seus resultados : ora, um resultado moral, outro po- 
litico, ambos estreitamente ligados, teem assaz reve- 
lado a Índole da centralisação. 

* DelaCentralisation; p. 18. 

2 De la démocratie en Amérique; cap. V. 


r 


1 


CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 5 

O que caracterisa o homem é o livre arbítrio e o 
sentimento da responsabilidade que lhe corresponde. 
Supprimi na moral a responsabilidade, o a historia do 
mundo perde todo o interesse que aviventa a tragedia 
humana. Os heróes e os tyrannos, a vi^^tude e a per- 
versidade, as nações que nos transmittiram o sagrado 
deposito da civilisação e os povos que apodreceram 
no vicio e nas trevas, não se poderiam mais distin- 
guir, confundir-se-iam todos no sinistro dominio da 
fatalidade. A historia do progresso humano não é 
mais, com effeito, que a das phases do desinvolvi- 
mento ou compressão desse divino attributo da crea- 
tura, a que se dá geralmente o nome de liberdade. A 
grande massa do bem, isto é, do progresso realisado 
em um século, « é a somma accumulada de productos 
da actividade dos individues, das nações e dos núcleos 
que compõem as nações, nesse século. » É uma trivia- 
lidade repetil-o ; mas não se deve perder de vista essa 
noção evidente, quando se trata de julgar os syste- 
mas de governo. Em verdade, si o progresso social 
está na razão da expansão das forças individuaes, de 
que essencialmente depende, como se não ha de con- 
demnar o systema politico que antepõe ao individuo 
o governo, a um ente real um ente imaginário, á 
energia fecunda do dever, do interesse, da responsa- 
bilidade pessoal, a influencia estranha da autoridade 
acolhida sem enthusiasmo ou soportada por temor? 

Essa inversão das posições moraes é fatalmente re- 
sultado da centralisação, seu effeito necessário, facto 
experimentado, não aqui ou ali, mas no mundo mo- 


.> 


»<♦. 


6 PARTE PRIMEIRA 

derno e no mundo antigo, por toda a parte, em todos 
os tempos, onde quer que tenha subsistido. Surgem 
exemplos justificativos; nâo carecemos apontal-os, 
são assaz conhecidos. Insistamos, porém, em uma 
das consequências moraes do systema politico que 
supprime a primeira condição da vida. 

Estes moveis do nosso organismo,, tão mesquinho 
por suas debilidades, quão magnifico na sua estru- 
ctura, — o dever abstracto, o interesse bem intendi- 
do, — fortificados polo indisivel amor dos nossos lares, 
da nossa terra e da nossa gente, produzem a grande 
virtude civica do patriotismo. Mas o que é que pôde 
aquecêl-o sinão o exercicio constante da liberdade , 
o sentimento do poder individual, da responsabili- 
dade pessoal, do mérito e demérito, da honra ou do 
aviltamento, que nos cabem na gloria ou nas triste 
zas da pátria? Que é que pôde, pelo contrario, amor- 
tecer o patriotismo, desfigural-o mesmo, sinão a me- 
lancólica certeza de que o bem ou o mal da republica 
nos não importam nada? 

Almas estóicas haverá sem duvida que, nessas épo- 
cas de geral torpor, preservem na decadência da li- 
berdade o lume santo das virtudes civicas ; mas serão 
apenas a luz do quadro onde vereis a liberdade 

Morib'inda, soluçando, 

Expirar sobre a areia, — e inda de longe 
Volver o extremo olhar ao Capitólio. * 

4, 

1 Garrett.— Prologo do Catão. 


CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 7 

Nesses dias nefastos em que o poder, fortemente 
concentrado, move mecanicamente uma nacíío intei- 
ra, caracterisam o estado social a inércia, o desalento, 
o scepticismo, e, quem sabe, a baixa idolatria do des- 
potismo, o amor ás próprias cadôas. D'alii,a profunda 
corrupção das almas, abdicando diante da força ou do 
vil interesse. E não é nas classes inferiores somente 
que lavra a peste : os mais inficcionados pelo vicio 
infame da degradação, são o que se cliama as classes 
elevadas. Não ó na flehe das cidades que a democra- 
cia franceza, abandonada dos nobres e poderosos, ha 
procurado abrigo e alento para afrontar o Império ? 

Do seio do povo não contaminado ainda, surgem ás 
vezes os regeneradores das nações aviltadas: mas quão 
ditficil não é esta gestação dos Pliilopoemens, e quão 
inútil quasi sempre para suspender o curso dos máos 
dias! Si ura largo periodo permittiu ao veneno insi- 
nuar-se lentamente por toda a circulação, já não ha- 
verá mais (na phrase de um publicista) « nem dedi- 
cação desinteressada, nem coragem civica, nem ge- 
nerosas indignações contra a violação do direito, nem 
sympathia pelos opprimidos e desgraçados-: o menor 
encargo publico parecerá insoportavel, aterrará o 
mais leve ruido; ninguém interessar-se-ha pelo mal 
que lhe não toque directa e pessoalmente ; jnizo ap- 
pellidar-se-ha esse estreito einintelligente eg-oismo. » 

Considerai agora o lado propriamente politico dessa 
vasta questão, que mal podemos esboçar. Dispensando, 
contendo ou repellindo a iniciativa particular, annul- 
lando os vários focos da actividade nacional, as asso- 


■ 


8 PARTE PRIMEIRA 

ciações, os municipios, as províncias, economisando 
o progresso, regulando o ar e a luz, cm uma palavra, 
convertendo as sociedades modernas em phalansterios 
como certas cidades do mundo pagão, a ccntralisação 
não corrompe o caracter dos povos, transformando em 
rebanhos as sociedades humanas, sem sujeital-as 
desde logo a uma certa forma de despotismo mais 
ou menos dissimulado. Por isso é que, transplantada 
do império romano, a centralisação cresceu com 
o absolutimo nas monarchias modernas e com elle 
perpetuou-se em todas, tirante a Inglaterra. Por isso 
é que não pôde coexistir com a republica uma simi- 
Ihante organisação do poder. Assim, absolutismo, 
centralisação, império, são, neste sentido, expressões 
synonimas. 

Em monarchia centralisada pouco importa, por- 
tanto, que se haja feito solemne declaração dos direi- 
tos do povo, e se tenha construido um mecanismo 
qualquer destinado a exprimir os votos da soberania 
nacional. Ahi, sejam embora sonoras e estrondosas as 
palavras da lei, o delegado do povo é que é o sobe- 
rano. Em sociedades taes, amortecidas ou extinctas 
as instituições locaes, foco da liberdade, desaparece 
a liberdade. « Uma sociedade sem instituições não 
pôde ser outra cousa mais que a propriedade do seu 
governo ; debalde pôr-lhe-hão os seus direitos por es- 
cripto ; não saberá ella como exercel-os, nem poderá 
conserval-os \ » O senado de Tibério, otribunato de 

* Royer-CoUard. — Lavic politique de R. C, por de Rarantc, tora. S**, 
p. 230. 


^m 


CENTRAUSACAO B FEDERAÇÃO 9 

Napoleão, a sala de Rosas, que foram biiião sarcás- 
ticas decorações de uma tragedia real ? 

Constituido desfarte o poder, o governo represen- 
tativo não pode ser, com effeito, mais que uma som- 
bra, na phraso do grande orador da Restauração. 
Tendo a centralisação por alvo tudo dominar, esta ne- 
cessidade impõe-lhe, como elemento indispensável, 
um numero illimitado de agentes, organisados com 
a hierarchia militar, que é seu typo e seu ideal. 
Então se crôa um paiz official differente do paiz 
real em sentimentos, e:n opiniões, em interesses. 
Confiado no apoio daquelle, o governo perde de vista 
as tendências deste ; céga-se, obstina-se, e pôde ca- 
hir de súbito como Luiz Felippe. Emquanto, porém, 
não sôa a hora fatal da expiação, é por meio do paiz 
official, com os recursos officiaes, que o governo do- 
mina o suffragio e subjuga o parlamento. Tal é a exr 
tensão e a força da autoridade do poder centralisado, 
que Royer CoUard chama monstruosa. 

Dahi procede também um resultado mui opposto 
áquelle que geralmente se faz esperar da centralisa- 
ção, cujo maior titulo de gloria é suppôr-se o melhor 
methodo de administrar um paiz. Transformado o 
funccionalismo em policia dos comicios, « a adminis- 
tração deixa de ser o meio de distribuir com justiça e 
discernimento os recursos do Estado ; ella consagra-se 
exclusivamente á tarefa de conquistar e conservar 
maiorias no parlamento : todos os interesses ficam 
subordinados a este interesse \ » Os variadíssimos 

* Odilon-Barrot; p 188. 
A PROV. 2 


* 


\. 


10 PAUTE PRIMEIRA 

géneros de corrupção, os mais miseráveis e os mais 
hediondos, se ostentam á face do sol. Trata-sc de es- 
colher altos funccionarios? preferem-se os mais 
ágeis, os mais audaces na arte de manipular os suffra- 
gios. Quanto ás pequenas funcçoes publicas, são ne- 
gaças ou prémios. Nem respeito a merecimentos e 
virtudes, nem zelo pelo bem publico, nem amor á glo- 
ria nacional. Raras vezes o orçamento deixa de ser 
desequilibrado ou falsificado pela suprema necessidade 
de corromper para viver. 

Não menos arriscada do que monstruosa é essa 
« apoplexia no centro e paralysia nas extremidades, » 
de que fallava Lamennais. A centralisação — quem 
pôde já duvidal-o ? — não desvia, antes precipita as 
tempestades revolucionarias. Absorvendo toda a ac- 
tividade nacional, assume o poder uma responsabili- 
dade esmagadora. Corrompendo a nação, corrompe-so 
a si mesmo; mais e mais inferior á sua tarefa ingente, 
vê recrescerem os perigos na razão da sua debilidade. 
E o réo de todas as causas perdidas ; é o autor sup- 
posto de todas as desgraças; a miséria domestica, a 
ruina publica, lhe são attribuidas ; e a historia não 
raras vezes confirma a indignação dos contemporâ- 
neos. Deixemos, porém, fallar um autor, outr*orain- 
thusiasta do systema cujo elogio fizera e a quem ser- 
vira, mas desilludido afinal diante do triste espectá- 
culo da sua pátria corrompida pela centralisação o 
aviltada pelo despotismo. « Consequências extrema- 
mente prejudiciaes ao paiz, escreve Vivien, tem-lhe 
acarretado a centralisação administrativa. CoUocou 


n^-it 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 11 

ella o governo sob o peso de uma solidariedade que 
não tem sido estranha ás agitações politicas destes 
últimos tempos. Nada fazendo-se, por assim dizer, no 
municipio oii no departamento, sinão com autorisa- 
çào, em virtude de ordem ou em nome do governo , 
achou-se este in volvido em todos os negócios, e, por 
uma consequência necessária , se lhe imputaram to- 
das as faltas commettidas, todas as delongas expe- 
rimentadas, todos os accidentes supervenientes. Como 
sua mào em toda a parte se incontrava, por toda a 
parte com elle se houveram e em todas as occasiões : 
a elle accusaram dos desvios dos seus agentes, e das 
próprias medidas que o forçaram a autorisar, das im- 
posições excessivas, dos orçamentos em deficit ^ das 
desordens financeiras, do máo estado dos caminhos, 
da ruina dos edifícios, da policia mal feita, da escola 
mal dirigida; tornou-se o governo, em summa, o ob- 
jecto exclusivo de todos os descontentamentos ^ » 

É no seio dessas paixões e á sombra dessas innu- 
mcras contrariedades que leveda e rompe fatalmente 
a anarchia dos Estados. Dizia um ministro inglez, 
citado pelo mesmo Vivien : « Si eu quizesse provocar 
uma revolução social na Inglaterra, o que antes de 
tudo invocara, fora a centralisaçâo. Si ao governo 
pudesse lançar-se a responsabilidade por tudo quanto 
vai mal em um canto qualquer do reino, dahi resiil- 
taria um descontentamento gerali um peso de respon- 
sabilidade tào grande, que debaixo delle seria o go- 
verno bem depressa esmagado. » 

' VAxiáes ndministrativcs ; tom, '2", p. 15, 


12 PARTE PRIMEIRA 

Nào ; nós não exageramos nem a deplorável situa- 
tuacão moral creada pela centralisaçào, nem a per- 
versidade das suas tendências politicas. Em uma pa- 
lavra, ella começa corrompendo e acaba anarchisando : 
por isso é que o Novo Mundo, fugindo do idolo impe- 
rial a que o Velho sacrificara a liberdade, fez a fede- 
ração palladio da democracia. Vamos vôl-a, alastran- 
do-se por toda a parto, a moderna forma de governo. 


CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 13 


CAPITULO II 


o GOVERNO NOS ESTADOS MODERNOS 


A fornia federativa de governo ó um facto politico 
do Novo Continente quasi inteiro. 

As metrópoles européas, Hespanha, Portugal, In- 
glaterra, não ousaram manter o dominio de suas vas- 
tas possessões, centralisando o poder em um ponto 
qualquer dos respectivos territórios; polo contrario, 
as administraram dividindo-as em governos isolados, 
ou quasi isolados, independentes entre si. A Hespanha 
não mantinha, reunidos sob um só vice-rei, es go 
vemos do Buenos- Ayres, do Peru, á^ México. Por- 
tugal deixou, por largo tempo, o Brazil povoar-se re- 
partido em capitanias, que muito mais tarde se uni- 
ram debaixo do vice-reinado da Bahia. Como as re- 
publicas da Grécia, tinham as colónias iiiglezas go- 
vernos separados. 

Proclamada a sua independência, alguns dos povos 
emancipados procuram organisar-se, não pelo molde 
europeu, mas como estados federaes: guerras civis 
ensanguentam as republicas de origem hespanhola; 
mas 6 muita vez entre os partidos unitário e federal 
que a luta se trava. 

Considcre-írO o ponto a que os povos da America 


14 PARTE PRIMEIRA 

chegaram no empenlio de constituírem governos li- 
vres : o principio dominante do seu systema politico 
6 a federação. As próprias colónias que a Inglaterra 
ainda conserva ao norte dos grandes lagos, agora 
mesmo ensaiam uma união similhante áquella que 
quasi um século tem visto consolidar-se na pátria 
de Washington. Tinha o México', desde muito, uma 
organisação que elevava as proviacias á cathegoria 
de estados. As republicas do Golfo, ora formando uma 
só nacionalidade, ora suhdividindo-se em grupos, 
vivem igualmente sob governos federaes: Nova Gra- 
nada chama-se hoje Estados-Unidos de Colômbia, e 
Venezuella, Estados-Unidos de Venezuella. No Peru 
um partido reclama actualmente a autonomia das pro- 
vindas. A Republica Argentina, em summa, adoptou 
por typo a constituição dos norte-americanos, seu 
ideal. Só pequenos paizes, de territórios relativamente 
acanhados, o Chile, o Uruguay e o Paraguay> dis- 
pensaram por isso mesmo a forma federativa, ao passo 
que a adopta uma constituição promulgada pelos revo- 
lucionários cubanos, dividindo em quatro estados a 
pérola das Antilhas. 

Este facto geral corresponde a causas poderosas, 
que o determinaram e explicam. A extensão dos ter- 
ritórios, as cordilheiras, rios, florestas, ou os desertos 
intermédios que repartem cada um desses paizes em 
secções distinctas; os centros de população prepon- 
derantes era cada qual destas, sem relações de com- 
mercio, quasi independentes umas das outras ; a dif- 
ficuldade das communicações entre populações iso- 


CENTRALÍííACÃO E FEDERAÇÃO 15 

ladaíT por tamanhas distancias, desertos inacessiveis 
ou « mares de longa navegação»; a fraqueza dos la- 
ços com que se pretendesse unil-as em um só feixe ; 
o choque de interesses, ás vezes contrários, acen- 
dendo a paixão da autonomia ; a diíFeronça de cli- 
mas, gerando condições sociaes diversas, explican- 
do tendências oppostas, formando desde ji os ele- 
mentos das raças que em breve hão destacar-se 
no colorido painel destes estados : tudo concorre para 
impossibilitar nas regiões americanas o systema de 
governo fundado ha séculos em monarchias da Eu- 
ropa. Tal era a profunda convicção dos nossos revo- 
lucionários de 1831. « O governo do império do Bra- 
sil será uma monarchia federativa » , dizia a primeira 
das reformas constitucionaes propostas pela camará 
dos deputados ^ 

Na própria Europa, retalhada em monarchias mi- 
litares, não se pôde, entretanto, desconhecer a mar- 
cha constante da tendência desentralisadora em op- 
posiçâo á unidade fundada com o absolutismo da meia- 
idade. Não tem o governo inglez essencialmente o 
caracter de um governo federal, laço de união dos 
condados dos três reinos e das colónias espalhadas por 
todo o globo? Não conseguiu a Suissa, no recinto 
augusto das suas montanhas, não somente pre- 
servar a autonomia dos cantões, mas realcal-a com 
o regimen democrático puro das la7idsgemeinde de Zu- 
rich, Tiirgovia e Berne, que evocam a poesia antiga 

* Projecto de 14 de outubro de 1831, g r ; supprimido pelo senado. 


16 PARTE PRIMEIRA 

dos comícios de Athenas? Nào goza a Bélgica da rea- 
lidade do systema parlamentar com as vantagens de 
uma considerável desentralisação, por meio doassem- 
bléas que exercem, em cada secção do território, a quasi 
plenitude do poder legislativo nos negócios locaes? 

A exemplo deste bello paiz, e sobre as mesmas 
bases, reorg-anisou a Hollanda em 1848 a administra- 
ção das suas provincias. Pouco depois, em 1850, adop- 
tava a Prússia a idéa das assembléas electivas com 
muitas das faculdades que exercem nos dons estados 
do baixo-Rheno. Após a revolução de 1848 a Áustria, 
anniquilada por uma centralisaçáo impotente e odiosa, 
quiz restaurar as antigas liberdades dos municipios 
do Santo Império, e commetteu altas funcções a cor- 
porações provinciaes. Mais longe ainda deveram ar- 
rastal-a as desgraças do seu governo obcecado : de- 
pois das calamidades de 1859 e 1866, toda questão, 
para o império austriaco, consiste no modo de asscn- 
tal-o sobre a base federal ; hoje cada parte compo- 
nente da monarcliia tem uma assembléa quasi sobe- 
rana; e a dieta húngara é soberana \ Transitória 
de certo é a unidade administrativa que prcclamou-se 
em Itália com a unidade politica; o futuro pertence 
á idéa do projecto que dividia a peninsula em regiões 
quasi confederadas. Finalmente, não se pôde esque- 
cer que, derrubando o throno vios Bourbons, a Hcs- 

^'Em si mesma a Hungria é uma antiquíssima federação dos seus comi- 
tatosy cidades e partes aÂnexcej com assembléas próprias e, administra- 
ções independentes da dieta e ministério do reino de Santo-Es^evào. {Révue 
des Deux Mondes, 1 ' de junho de 18G8; p. 543— -519: artigo do Sr. Lavcleye/ 


i 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 17 

panha, onde as províncias recordam com orgulho os 
seus foros de reinos, pede um governo federal como 
expressão fiel da liberdade restaurada. 

Resta, sem duvida, a França no campo adverso ; e 
este só exemplo agorenta a alegria do espectáculo 
que tantos povos oíTerecem. Mas ó a França acaso 
fiel aos seus primeiros amores, á tradição desse poder 
illimitatdo de que são representantes históricos Ri- 
chelieu e Napoleão? Lá, iam buscar tristes conselhos 
os inspiradores e os adeptos da monarchia centralisa- 
da; mas, nós o esperamos, é ella agora que vai for- 
necer-nos, neste e outros assumptos, o meio seguro 
de determinar o curso das idéas novas. 

Decretos de Napoleão III já haviam descentrali- 
sado, em 1852 e 1861, o despacho de negócios locaes, 
coinmettendo aos delegados do governo imperial a 
faculdade de decidil-os. Não é nada isso, lhe diceram 
de todo os lados: o essencial é reconhecer no muni- 
cípio e no departamento autonomia legislativa e exe- 
cutiva quanto aos próprios negócios. Esclarecidos por 
successivos desastres desde 1789, alguns espirites 
illustres vão mais longe. Recordando as provincias 
anteriores á revolução, Vivien e Chevillart condem- 
naram a estreiteza das actuaes circunscripções admi- 
nistrativas ; Béchard eRaudot, na assembléade 1851, 
propuzeram a distribuição do território por grandes 
regiões com assembléas legislativas. O Sr. Béchard 
(legitimista) ofFerecèra um projecto reunindo os 89 
departamentos em 22 divisões correspondentes ás an- 

A PROV. 3 


18 PARTE PRIMEIRA 

tigas províncias e com os seus nomes históricos *. 
Sede de um governo civil, de um commando militar, 
de uma relação, de uma academia, de um arcebispado, 
de uma directoria de obras publicas, e outra de peni- 
tenciarias e bospitaes, cada divisão da França teria 
uma assembléa legislativa, composta de delegados dos 
conselhos departamentaes, cujos membros elegeria 
o povo directamente. A taes assembléas competeria 
alta missão politica : quando em Pariz algum extraor- 
dinário evento impossibilitasse os poderes públicos de 
funccionarem legalmente, a ellas cumpria manter a 
ordem, decretar e levantar o estado de sitio nas suas 
proviucias : tal era o preservativo imaginado contra 
as súbitas revoluções ou golpes de estado, que, par- 
tindo da capital, propagam-se por todo o paiz, com a 
força eléctrica da centralisação, sem incontrarem re- 
sistência em parte alguma. 

Não é aspiração de um escriptor isolado, nem se 
circunscreve a um só partido : a essa transformação 
do governo interno da França associou-se um homem 
eminente, o Sr. Odilon Barrot *, o as mesmas idóas 
partilha o elegante publicista, Sr. Prevost ParadoP: 
para caracterisar a sua doutrina, basta lembrar que, 
a exemplo dos Estados-Unidos, ambos propõem que 
pelas assembléas regionaes sejam escolhidos os mem- 
bros do senado. 

O movimento prosegue : das theorias passa á pra- 

^ De Vadministration intérieure de la France ; vol. 2o, p. 312. 

* DelaCentralisation: conclusão. 

* La Franee Nouvelle ; liv. II, cap. %^. 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 19 

tica governamental. Para defender parte de seu im- 
raenso poder, cede Napoleão alguma cousa ao espirito 
liberal ; taes são pelo menos as tendências da politica 
annunciada ao novo parlamento ^ Rende-se inde- 
fesa a centralisação naquelle paiz justamente onde ella 
fora, mais do que um facto legislativo, uma theoria 
politica, uma paixão nacional. D'ora avante, os ad- 
versários do mais deplorável systema administrativo 
incontrarão, nas reformas incetadasem França, valio- 
sos argumentos contra o resto de obstinados, que ain- 
da rodeiem o idolo do cesarismo no período de seu irre- 
parável declínio. 


1 Matre» electivos, conselho municipal de Pariz nomeado pelo corpo le- 
gislativo, a cidade de Lyão restituída ao regimen commum, novas prero- 
gativas aos conselhos geraes; as próprias colónias participando deste movi- 
mento de descentralisação : eis as medidas anunciadas pela falia do throno 
de 26 de novembro de 1869. Mais desinvol vidas, por ventura, hão de estas 
idéas em breve prevalecer, como é licito esperal-o da commissào de descen- 
tralisação que o gabinete OUivier confiara á presidência do Sr. Odilon- 
Barrot, e á qual pertence o Sr. Prevost-Paradol. 


CENTHALISAÇlO E FEDERAÇÃO 


21 


CAPITULO III 


A CENTRALISACAO E AS REFORMA»S 


Si na França, onde o génio nacional fundou atra- 
vez dos séculos uma verdadeira e indisputada capital, 
realçada pelas sciencias, pelas artes, pelas letras, 
pelos homens iliustres que de lá influiram na civili- 
sacao do mundo; si ahi mesmo descobre-so agora a 
causa de tantos desastres, como havia o Brasil de in- 
cetar uma obra que a experiência conderanára na 
terra de que essa empreza podia prometter-se o êxito 
mais lisongeiro? Debalde a reforma, que pelo seu 
caracter radical, como soe acontecer, só uma revolu- 
ção podéra realisar, debalde a reforma de 1834 tentou 
confederar as províncias brazileiras. De tamanha 
obra o que resta? Amputada na parte politica, tem 
sido a pouco e pouco transformada em lei admi- 
nistrativa. Assim, depois de rápido eclipse, conso- 
lidou-se a centralisação no Brazil, emquanto o resto 
da America experimentava ou fundava instituições de 
mui diversa natureza. 

Recusam, todavia, reconhecer esse vicio europeu 
em nossa administração, aquelles que a comparam 
com a mais exagerada das organisações do mesmo 
genero,o systema francez. Certo não se incontra aqui 


22 PARTE PRIMEIRA 

inteiramente o typo administrativo da França, com- 
quanto a cada passo se descubram similhanças entre 
os systemas dos dous paizes \ Pouco importam, po- 
rém, diíFerenças em pontos secundários, quando ha 
identidade no essencial : demais, a superioridade de 
um methodo de governo sobre outro não se estabelece 
por taes analogias entre nações diversas, mas perante 
o interesse de cada qual. É estudando o interesse do 
nosso paiz, que perguntamos: Não será tempo de re- 
ver as leis e os decretos parasitas que amputara mt 
a reforma de 1834, renovando a centralisacão contra 
a qual se insurgiram as provincias? Será justo que 
nenhum kilometro de caminho de ferro se possa 
construir na mais remota parte do império, sem que 
o autorise, sem que o embarace, o demore ou o con- 
.demne o governo da capital? Será razoável que o 
Pará, ha mais de 14 annos, solicite uma ponte para a 
alfandega; Pernambuco, desde 1835, a construcção 
do seu porto ; e o Rio-Grande do Sul, desde a inde- 
pendência, um abrigo na costa? 

Não SC pôde desconhecer a centralisacão em 
paiz onde, cumpre dizêl-o, ella está desta sorte amea- 
çando a paz publica: Sua influencia politica não é 
menos sensível, porém, que o retardamento do pro- 
gresso material: façamos a este respeito algumas 
considerações inspiradas pela crise em que labora a 
doutrina liberal. 

Considerai a disposição geographica das popula- 

* V. Parte U», Cap. V, sobre a policia, e III», Gap. V § lo, quanto a 
centralisacão em melhoramentos matei iaes. 


^ 


CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 23 

coes desta parto da America. Abstrahi do presente 
um instante, volvei alguns annos na fantasia; figu- 
rai-vos a perspectiva geral do Brazil no próximo sé- 
culo : será temerário suppôr que o valle do Amazo- 
nas, cujas feições se est^o pronunciando ao sol do 
equador, que o do S. Francisco, linha de união, 
ligando o sul ao extremo norte, que a região tropi- 
cal banhada pelo Parahyba e limitada pelas mon- 
tanhas do Rio, Minas e S. Paulo, que o Rio-Grande 
e Santa-Catharina que se germanisam a olhos vis- 
tos, que o vastíssimo oeste estendido das margens 
do Tocantins ás do Paraguay, bem depressa osten- 
tem cada um, não diremos tendências contrarias 
e repugnantes, mas traços distinctos, civilisações 
desiguaes, como serão distinctas e desiguaes 
suas raças predominantes? Já as estatísticas admi- 
nistrativas permittem enxergar no ainda confuso 
mappa politico os grupos que o futuro verá clara- 
mente. Quereis apreciar em algarismos o facto de 
que algumas, pelo menos, das províncias, por sua 
situação geographica, apenas se prendem officiahnente 
ao governo central situado tão longe delias? Cite- 
mos ao acaso: seja o Maranhão, por exemplo. O va- 
lor do seu commercio directo era em 1867 oito ve- 
zes maior que o das suas transacções com todos os 
portos do império ; estas mesmas limitavam-se ás pro- 
víncias limitrophes, ao grupo que constituía o antigo 
estado do Maranhão. Com o Rio de Janeiro, como si 
fora estado de além-mar e governo estranho, as 
transacções apenas attingiram a 223 contos em um 


24 PARTE PRIxMEIRA 

dos annos de maior actividade commercial (1863-— 
64). Outro esclarecimento luminoso fornece a esta- 
tística do correio. Em 1835 expediram-se pela es- 
tação central do correio brazileiro 7,385,998 volu- 
mes, cabendo mais de dous terços ao território situado 
ao sul da Bahia : apenas dous milhões representam as 
relações da capital com o resto do Brazii; e, si afas- 
tarmos a Bahia, Pernambuco e o Pará, somente ficam, 
para as oito restantes províncias do norte, 400,000 
volumes, nos quaes todavia se comprehendem os diá- 
rios e a excessiva correspondência official. Demais, 
quem viaje por este extensissimo paiz, cujo littoral 
maritímo não pôde ser percorrido em menos de quinze 
dias a todo vapor, experimenta a mais completa sen- 
sação das distancias e do isolamento em que estão 
do Rio de Janeiro as províncias septentrionaes. Quan- 
do se transpõe um ponto da costa relativamente vi- 
sinho, a foz do S. Francisco, por exemplo, imagina-se 
percorrer os domínios de outros e outros Estados, — 
tão vasto, tão desmesurado é este colosso brazileiro I 
Penetrando o valle do Amazonas, já não differe o typo 
somente, no Solimoes a própria lingua é outra : pre- 
valece a indígena. Eis-ahi porque, ainda quando não 
a condemnasse a triste ex-periencia dos povos, a cen- 
tralisação seria no Brazii um facto meramente offi- 
cial, sem base nas suppostas relações da vastíssima 
oircumferencia do Estado com o centro improvisado 
pela lei. 

Póde-se, por ventura, desprezar tão poderosa causa 
physica no momento do omprehender sérias reformas 


CENTRALISACÃO E FEDERAÇÃO 25 

no nosso actual systema administi ativo ? Qual é, com 
effeito, o característico saliente do seu mecanismo? 
A uniformidade, que, por toda a parte, é, para o po- 
der concentrado, a condição da máxima energia* 
Pois bom: eis-ahi o cscollio em que naufragaram 
bellissimas reformas, eis o elemento que agravou o 
vicio de outras, tornando impraticáveis as primeiras 
o as segundas nimiamente impopulares. Examina 
porque estragou-se a larga concopçào da lei munici- 
pal de 1828 : é que nào se ajusta a condições variá- 
veis de um paiz tão vasto e tão desigual uma organi- 
sação theorica do governo local, assente embora na 
base mais ampla. Examinai porque não vingou uma 
das mais nobres instituições do 1832, o juiz de paz, 
magistrado popular da primeira instancia e tribunal 
supremo das minimas lides : é que desde logo se re- 
conheceu que o juiz electivo suppunba uma certa ci- 
vilisacão no mesmo nivel. Não raros casos ou occur- 
roncias locaes mostraram ser prematuras, em algu- 
mas regiões do paiz, franquezas de que aliás 
grande parte delle era certamente digna. Do insuc- 
cesso das leis verificado em alguns lugares concluiu- 
se contra a sua conveniência ; não se contentaram de 
abolil-as aqui ou ali; aboliram-se em todo o império: 
a reacção procedeu também com a mesma uniformi- 
dade. Eil-a funccionando de um modo systematico, 
mecânico. Mas agora, dizei-nos, qual o motivo que 
torna ainda mais odiosas as leis reactoras que funda- 
ram o actual absolutismo? A sjmetria das leis de po- 
licia e de organisação policial, tão oppressoras para 

A ?ROV. 4 


26 PAHTB PRIMEIRA 

a liberdade individual, não agrava os seus incon- 
venientes, ao menos nas grandes povoações e nos 
municipios mais moralisados? Porque alguns milha- 
res de habitantes de Mato-Grosso, do Alto-Amazo- 
nas, de Goyaz , não se acham em circumstancias de 
praticarem leis de menos arbítrio para a autoridade , 
é isso razão para ficarem sujeitos a um mao regimen 
o resto dos habitantes do império, as provindas mais 
florescentes, as mais populosas cidades? A unifor- 
midade, vicio inherente á centralisação, lentamente 
transformou o Brazil em monarchia europea. 

Pondo uma restricção onde a revolução de 1831 
puzera uma liberdade, a missão do actual reinado tem 
sido sujeitar as provincias ao freio da centralisação, 
que as comprime e debilita. Saciadas de uma tutela 
humilhante, ellas aguardam a reforma do pacto social 
como a sua derradeira esperança. « O futuro nos re- 
velará, escrevia o inspirado precursor da democracia 
bíazileira, si nossas provincias, separadas por vastos 
desertos e mares de longa navegação, podem obede- 
cer á lei dessa centralisação forçada, contraria á na- 
tureza, e que tolhe sua prosperidade, des,truindo as 
condições de seu desinvolvimento ; ou si não se pre- 
ferirá antes o regimen federativo, que multiplique os 
focos de vitalidade ede movimento a esse immenso 
corpo intorpecido, onde a vida aparece aqui e ali, 
mas em cujo restante não penetra, nem pôde circular 
a seiva animadora da civilisação \ » 

1 Libello do Povo, por Timandro ; g llt. 


CENTBALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 27 

Conhecendo o valor de um tal systema admi- 
nistrativo, construido, peça por peça, com perse- 
verança digna de melhor causa, havemos os libe- 
raes pedir uma lei eleitoral somente? Sem condemnar 
a tendência para simplicar a diííiculdadc circun- 
screvendo-a, expediente ás vezes imposto aos homens 
politicos, estamos persuadido, comtudo, da insuffi- 
ciencia de reformas que não invistam uma das ori- 
gens, talvez a mais remota, mas não sem duvida a 
menos viciosa, da desordem de nossas instituições. 

A centralisação é essa fonte perenne de corrupção, 
que invenena as mais elevadas regiões do Estado. Sup- 
ponhamos o eleitorado melhor constituido e o voto 
'menos sophismado pelo processo eleitoral. Não é tudo: 
falta que o suíFragio se manifeste livremente e tenha 
toda a sua efficacia. Mas, si deixais concentrada a 
policia, o juiz dependente do governo, a guarda na- 
cional militarisada, toda a administração civil hie- 
rarchicamente montada, o governo das provincias 
preso por mil liames ao governo supremo, as depen- 
dências da centralisação, os interesses formados á sua 
sombra, todas essas phalanges que marcham unisonas 
á voz de commando, partidos cuja força local aviven- 
tam influencias que se distendem do centro, todos, 
povo e estadistas, com os olhos postos na capital, 
que, como Bysancio, projecta ao longe a sombra do 
seu negrume : — que é que tereis mudado na essência 
das cousas ? que é que tereis revolvido no coração da 
sociedade, si lhe conservastes a final o mesmo meca- 
nismo? Podeis ornar o pórtico do edifício, mas não 


28 PARTE PRIMEIRA 

deixará de ser a mesma habitação infecta, si n-lo ras- 
gastes aberturas para o ar e a luz, si nao restabele- 
cestes a circulação embaraçada \ 

Km verdade, que é o nosso governo represen- 
tativo ? nosso parlamento? nossas altas corpora- 
ções? Tudo isto assenta no ar. E o scsptro, que 
eleva os humildes e precipita os soberbos. Por 
Vaixo está o povo que escarnece. Pois que o ponto 
de apoio ó o throno, quantas dilig-encias para 
cercal-o, para acaricial-o, para prendel-o aos an- 
tigos preconceitos, ou ás idóas novas que vão 
rompendo ! Jogo de azar torna-so a politica. Não é a 
nobre justa das grandes emulações, de que decide o 
povo soberano: o arbitro 6 outrem. E, posto que o 
maior interesse deste seja que o venerem por sua rec- 
tidão, é elle por ventura alheio á sorte commura da 


(2) « Nous n'hósitons pas à dire que le sufTrage universel n'acqiierra son in- 
dépendanceque par une reforme radtcale de nolre organisation administrative. 
Gomment cspcror la liberte des élections, lorqu^une armée de fonctionnaires, 
d'agen3 de toute nature, qyi vivent par le gouvernement, qui attendent de lui 
leur avancement, la recompense de leurzcle, qui espèrent et craignent tout 
du pouvoir central, enserre le pays entier? Un raot lance par ce maitre tout- 
puissant est, du haut en bas de la hiórarchie, corame le commandement d*un 
chef pourlestroupes les mieuxdísciplin!':cs. On ne lo controle pas, gnnc lo 
discute pas; on Texécute. Et, à son tour, quelle iníluence puissante ce corps 
de fonctionnaires n'exerce-t-il pas surlespopulations! Cet élatdechoses est 
non seulemciit la négation de i'indépcndanco du suffrage universel, mais aussi 
un obstacle à la formation de nos moeurs publiques. Jamais un peuple libre 
ne pourra vivre avcc une pareille organisation, jamais Topinion publique no 
circulera avec asscz de force pour étre le vóritable moteur des destinócb du 
pays. Liberte et adrainistration laissée h la discrélion du pouvoir sont des 
termes contradictoires. L'histoire ne nous prósento Texcmplc d'aucun peuplo 
oú ia liberte aifc flcuri sous un tel regime. » //. Galos: Rev. des deux mondes. 
1 sept. 1868; p. 136. 


CENTRALISAOÃO E FEDERAÇÃO 29 

humanidade? A anabiçào vulgar de impertinente do- 
mínio, o ciumo da prerogativa da realeza, o interesse 
dynastico, o vchemente propósito de transmittir in- 
tacto o fidei-commisso raonarchico, nada cedendo ás 
idéas novas sinão quanto baste para melhor resistir- 
Ihcs, podem afinal trazer a um choque perigoso a 
nação e a coroa. Consummada prudência, favorecida 
por causas extraordinárias, poderá proscrastinar o 
momento decisivo ; mas jamais foi permittido a uma 
fainilia do reis transmittir com o throno a sabedoria, 
essa virtude que se volatilisa na successão. Um dia 
estala a tempestade ; a pyramide invertida voa em 
pedaços. 

Vemos os espirites aílictos em busca de um ponto 
de apoio no espaço: quanto a nós, não ha outro ; é a 
autonomia da Província. Votai uma lei eleitoral aper- 
feiçoada, supprimi o recrutamento, a guarda nacio- 
nal, a policia despótica, restabelecei a independência 
da magistratura , restaurai as bases do código do pro- 
cesso, tornai o senado temporário, dispensai o conse- 
lho de estado, corrigi ou aboli o poder moderador ; — 
muito tereis feito, muitíssimo, pela liberdade do povo 
o pela honra da nossa pátria : mas nào tereis ainda 
resolvido este problema capital, equuleo de quasi 
todos os povos modernos : limitar, o poder executivo 
central ás altas fiuicções politicas somente. Deixai- 
Ihe ocxercicio das attribuiçoes quê tem, deixai a ca- 
pital concentrar os negócios locaes, consenti que 
possa estender-se por toda a parte o braço gigantes- 
co do FiStado, tutor do manicipio o. da província; e 


30 PARTE I^RIMEIRA 

vereis, por melhores que as leis novas sejam, domi- 
nar a nação, e tudo perverter, o governo, o poder execu- 
tivo. Descentralisai o governo ; aproximai a forma 
provincial da forma federativa ; a si próprias entregai 
as provincias ; confiai á nação o que é seu ; reanimai 
o enfermo que a centralisação fizera cadáver ; distribui 

a vida por toda a parte : só então a liberdade será sal- 
va. 

A liberdade pela desceu tralisação, tal ó o objecto 

do estudo que emprebendemos sobre a Provincia no 

systema politico do Brazil, qual existe, e qual tentara 

organisal-o a revolução de 1831. 




CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 31 


CAPITULO IV 


OBJECÇÃO 


Detem-nos uma objecção preliminar. Não são fran- 
quezas locaes e liberdades civis, que nos faltam, di- 
zem' alguns : falta ao povo capacidade para o governo 
livre. E' máo o povo, não pôde ser bom o governo : 
máxima com que os conservadores atiram para o mun- 
do das utopias as idéas democráticas. 

Não desconhecemos o valor de uma péssima edu- 
cação histórica , que, sem preparar os povos para a 
liberdade, cerca de perigos formidáveis as institui- 
ções novas. Duplo é, sem duvida, o crime do des- 
potismo : ensanguentando ou esterilisando o pas- 
sado, embaraça o futuro. Por isto não basta proscre- 
vêl-o para seus males cessarem. Eis a Hespanha: 
ahi não é certamente a liberdade que é demais : o 
que a perturba e revolve é o resto da bilis absolutista 
e clerical. Foi a enfermidade longa e dolorosa ; não 
pode convalescer depressa. O que farieis, porém, da 
Hespanha? aconselharieis acaso o mesmo regimen 
que anniquilou-a, que inhabilitou-a? Acondemnação 
eterna para os povos ! que impiedade ! 

Em casos taes, a tarefa é muito mais séria, a con- 
valescença muito mais diíficil. A medicina, porém, é 
a mesma : reformas decisivas, reformas perseverantes. 


32 PRIMEIUri PAUTE 

Estamos bem longe, portanto, de « declarar um povo 
para sempre incapaz em razão de uma enfermidade 
orgânica e incurável. » Fora nogar o progresso ou af- 
firmar a iramutabilidade dos destinos ; fora esquecer 
a grande data da iniciação da liberdade e da igual- 
dade, 1789. Desde então, em politica, como em tan- 
tas cousas, já nào ha impossíveis. 

Demais, povo o- governo que o preside devem 
do ter, sob o ponto de vista moral, o mesmo "valor. 
Melliorarem as condições moraes do povo sob um sys- 
tema de governo que as não favoreça ou que as cor- 
rompa, é absurdo. Ora, para que um povo se aper- 
feiçoe e augmente em virtudes, é mister que seja li- 
vre. E a liberdade que excita o sentimento da res- 
ponsabilidade, o culto do dever, o patriotismo, a pai- 
xão do progresso. Mas um povo a quem se impuze- 
ram os encargos da civilisação sem as liberdades cor- 
respondentes, é um paralytico : tem escusa para tudo. 
Edgem que as nossas províncias progridam, e lhes 
tolherii as mãos ; que deixem de repoisar na inicia- 
tiva do governo central, e não lhes concedem a ini- 
ciativa precisa. Porque é que ainda as mais ricas 
limitam-se a algumas despezas e serviços ordinários, 
e nada emprendem que requeira ousadia, que econo- 
mise o tempo, que acelere o futuro? Matou-as, não 
ha duvidai o, matou-as lentamente a politica centra- 
Hsadora. A instrucção, a immigração, a emancipa- 
ção, não perderam menos com essa ausência de es 
pirito provincial, do que os melhoramentos que mais 
ferem a vista, as estradas, os canaes, os vapores. 


CENTRA.LISAÇÃO E -FEDERAÇÃO 33 

Negam ao paiz aptidixo para governar-se por si, 
o o condemnam por isso á tutela do governo. E' 
pretender que adquiramos as qualidades e virtudes 
cívicas, que certamente nos faltara, sob a acção 
estragadora de um regimen de educação politica 
que justamente gera e perpetua os vicios oppos- 
tos. Da mesma sorte, os defensores da escravi- 
dão, que avilta e desmoralisa suas victimas, apre- 
goam-n'a como o meio efficaz de educar raças in- 
feriores ; e o termo deste bárbaro tirocinio ft sempre 
proscrastinado pela supposta insufficiencia do periodo 
de provação, ainda que três vezes secular. « Depois 
de haver destruido no coração dos povos toda a al- 
tivez, toda a intelligencia, e até o gosto pelos pú- 
blicos negócios, a centralisação — escreve Odilon 
Barrot — invoca isso mesmo como titulo para per. 
petuar-se ! .... Quando sabiremos deste circulo vicioso? 
Toda a tutela prolongada produz infallivelmente uma 
certa incapacidade, e esta incapacidade serve de pre- 
texto para continuar a tutela indefinidamente. E de- 
mais, esses tutores que nos são impostos, donde sa- 
bem? não sabem do meio dessa população que decla- 
rais radicalmente incapaz? Porque maravilhosa me- 
tam orpbose succederá que esse bomem, confundido 
na véspera nessa raça de incapazes, súbito se torne 
um ente superior, dotado de todas as qualidades go- 
vernamentaes, só porque recebe um diploma ou veste 
uma farda ? * » 

' De la Centralisation, p. 77. 
A PROV. 5 


34 PARTE PRIMEIRA 

Um falso systoma politico que dá ao governo 
excessiva responsabilidade, não lhe permitte a com- 
pensação de auxiliares idoneoa. Na estufa da cen- 
tralisaçâo não se desinvolvem as aptidões. Oá ver- 
dadeiros estadistas, os hábeis administradores, como 
generaes em campos de batalha, formam-se na luta 
incessante de uma existência agitada. Duas cousas 
se percebem logo na triste situa^íào do Brazil : isolado 
na nação , esmagado por uma carga superior ás suas 
forças, o governo, longe de desembaraoar-so de ta- 
refa tão gigantesca, reparte-a com agentes incapa- 
zes. O que podia resultar dahi sinào a esterilidade 
do passado, seus erros e suas vergonhas, e, quanto ao 
futuro, o pânico? 

Tão evidente se aíEgura o perigo, que até os con- 
servadores o indicam em linguagem que nao é du- 
vidosa \ Desgraçadamente, parecem os nossos ad- 

* Dczescis de Julho, de 18 e 19 de dezcrabro de 1869.— -No parecer so- 
bre a reforma das municipalidades (16 de agosto de 1869) dizia a commissào 
da camará temporária : « A prudência e uma boa politica aconselha- 
vam (em 1834) que se fizessem concessões á opinião predominante, que, agi- 
tada, clamava pelas franquezas provinciaes. Visavam estas exigências a 
emancipação das instituições locaes, excessivamente escravisadas pela depen- 
dência do governo central; a efficaz garantia do direito que a mesma consti- 
tuição havia reconhecido no art. 71 ; cm uma palavra, a descenlralisação 
administrativa, que é a condição substancial da vida dos povos, o comple- 
mento e ao mesmo tempo o melhor correctivo da liberdade politira, o meio 
de elevar o espirito publico até ás virtudos civicas, o ponto de apoio da re- 
sistência legal, e finalmente a melhor garantia de ordem e estabilidade para 
as iristituiçõe.s. Sem a descentralisaçào administrativa o paiz esmorece 

sob a tyrannia da uniformidade.. A nossa província nào é, e não 

pôde ser nem a província do Baixo Império, circunscripção assignada ao 
procônsul para nclla representar a magestade imperial e manter a submissão 
dos povos — » 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 35 

versarios bem longe de abraçarem com decisão uma 
doutrina larga. Limitam-se a retoques e a concessões 
que, alias úteis e urgentes, penetram só a superfi- 
cio do systema, respeitando-llie as bases. Quanto a 
nós, nào bastaria despojar o poder executivo cen- 
tral de certas attribuições parasitas ; fora preciso 
fundar em cada província instituições que eficaz- 
mente promovam os interesses locaes. É o program- 
raa deste livro, inspirado por um estudo sincero do 
Acto Addicional. 

Instincti vãmente repellem os conservadores as 
instituições de 1834, imaginando-as eminentemente 
republicanas. Vamos ver que as províncias ultrama- 
rinas de um grande império, a Grà-Bretanlia, nâo se 
regem por outras ; e, como os receios dos nossos ad- 
versários procedem em parte de ser mal conhe- 
cido o systema federalista, a que se inclinaram os le- 
gisladores de 1834, e com o qual erroneamente o con- 
fundem, pareceu-nos necessário estudar a organisa- 
ção interior dos Estados-Unidos. Ver-se-lia que, res- 
tauradas a;^ franquezas da província, alargada a sua 
es])liera no sentido genuíno do acto addicional, ainda 
ficaremos a grande distancia dessa esplendida orga- 
nisacão. 

Diga-se embora, como em 1831 , que o Brazil 
ficará sendo « monarchia federativa » : não nos 
embaracem palavras. Centralisaçào e federação, cada 

um destes dous medos de governo soporta grada- 
ções. O typo mais perfeito do primeiro é o império 
franc':'z. Do segundo incontramos, na própria Europa, 


36 PARTE PRIMEIRA 

variantes mais ou menos consideráveis. Está a velha 
monarcliia da casa d' Áustria prolongando a sua do- 
lorosa existência, graças ao regimen federativo na 
mais litteral expressão. Nâo ó a Hungria mais do 
que um dos estados da união norte-americana? não 
tem ella, além das suas leis civis e criminaes, do seu 
poder judiciário próprio, da sua administração local, 
um parlamento seu, um ministério, um exercito? São, 
com eíFeito, diversos os typos de um governo dcs- 
centralisado : o que pedimos para o Brazil não é, do 
certo, a soberania do reino de Santo-Estevão, mas 
não é também a plena autonomia dos estados anglo- 
americanos, cujas instituições passamos a doscrcvcr. 
Este estudo fará comprehender melhor o pensamonto 
que preside á segunda parte do nosso trabalho. 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 37 


CAPITULO V 


A FEDERAÇÃO NOS ESTADOS-UNIDOS 


Quão oppostos aos tristes effeitos da centralisaçâo 
os magníficos resultados da federação ! Uma que- 
branta, outra excita o espirito dos povos. Uma extin- 
gue o sentimento da responsabilidade nos individues, 
e esmaga o poder sob a carga de uma responsabilida- 
de universal; a outra contém o goveruo no seu pa- 
pel, e dos habitantes de um paiz faz cidadãos verda- 
deiros. Uma é incompatível com instituições livres ; 
a outra só pôde florescer com a libei^dade. Uma tem 
por condição o funccionalismo hierarcbico e illimita- 

do, exercito permanente do despotismo.- Bastam á 
outra poucos agentes, e em caso algum os requer 

para negócios dos particulares edas localidades. Uma 
revolve os estados ; a outra equilibra as forças so- 
ciaes, e, não reprimindo nenhuma, prosegue sem 
receio das súbitas reacções. Uma é a expressão mo- 
derna do império pagão ; a outra é o ideal do governo 
na sociedade creada pela doutrina da consciência 
livre e da dignidade humana. 

Permittindo a expansão de todas as aptidões, de 
todas as actividades, de todas as forças, o sys- 
tcma federativo é sem duvida a maior das forças 
sociaes. Mata a centralisaçâo os povos da Europa ; 
funda a federação o poderoso estado da America 


38 


PARTE PRIMEIRA 


do Norte e fundará o da Austrália, as grandes po- 
tencias do futuro. Já illustres pensadores annun- 
ciam os grandes destinos reservados para os povos 
favorecidos por tão feliz organi sacão *. Tanto bastava 
para que lhe cedamos algumas das horas consumidas 
na estéril admiração da symetria franceza : um moti- 
vo particular recommenda, porém, esse estudo. Sup- 
ponhamos nossas provindas reintegradas nas franque- 
zas do acto addiccional e formando uma monarchia 
federativa com presidentes eleitos : acaso o systema 
politico do Brazil confundir-se-ia desde logo com o 
dos Estados-Unidos, prototypo das federações mo- 
dernas, abstrahindo mesmo da forma do nosso su- 
premo governo? Vejamos, antes de tudo, dentro de 
que limites lá funcciona o poder central. 

Na republica anglo-americana, o estado e entida- 
de anterior á União ; e esta só idéa basta para pre- 
cisar o sentido do seu systema federal. Cada um 
dos estados possuo as leis civis e criminaes que ado- 
ptou no tempo colonial ou que promulg^ou de- 
pois, uma magistratura que executa essas leis o 
uma administração civil própria, organisadas ambas 
sobre a base democrática, mas sem uniformidade ab- 
soluta, constituídas em summa pelas respectivas le- 
gislaturas. Assim, o governo interior se rege por 
instituições provinciaes, não por leis nacionaes sy- 
metricas ; ali não ha lei judiciaria commum, lei 
eleitoral uniformo, códigos civis ou criminaes pro- 
mulgados para todo o píiiz. ííis uni traço decisivo 

* La F7'ance Nouvelle, pelo Sr. Prevnst Paradol ; liv. TU, cap. 3". 


CÈNTRALISAÇÃO E FEDEttAÇÃO 39 

para caracterisar este systema : antes da recente 
g-uerra, um partido que largos annos exerceu o po- 
der, o democrata, exagerando os direitos dos estados, 
pretendia quo a escravidão era instituição domestica, 
dependente, pr^rtanto, das leis civis dos estados, 
fora do podei* do congresso. Era similhante pre- 
tcnçlo o mais enérgico testemunho do principio 
federativo, comquanto delia resultassem a perpetui- 
dade do regimen servil no sul, as violentas agitações 
a propósito dos negros fugidos, e afinal a guerra 
civil. 

Distinguem-se pelo alto caracter de interesses na- 
cionaes as faculdades conferidas ao congresso ou 
poder federal. 

Náo lhe pertencem somente as relações exteriores, 
declarar guerra e celebrar paz, manter exercito e 
arniada, mas lhe incumbem também todos esses as- 
sumptos que em uma sociedade qualquer exprimem a 
unidade nacional. E' o congresso que fixa o padrão 
dos pesos o medidas; ó elle que emitte moeda, e le- 
gisla sobre privJegios industriaes e litterarios. 

Additamentos á constituiçclo, promulgados em 1791, 
reconheceram, como garantias dè todos os cidadãos, 
inatacáveis, portanto, pela legislação dos estados, a 
liberdade de religião , sendo prohibido estabelecer 
religião de Estado, a liberdade de imprensa, o direito 
de reunião, de petição, de trazer armas de defensa, o 
respeito da pessoa, da casa, da propriedade e das car- 
tas, a prohibição de mandados de busca arbitrários ou 
sem as formalidades precisas. Estatuiram, quanto á 


40 PARTE PRIMEIRA 

parte penal, que nos crimes capitães ou infamantes 
preceda sempre ao julgamento ojury de accusaçào ou 
pronuncia ; que ning-uem sej-a condemnado sem pro- 
cesso formal; que em todo o procedimento judicial 
observem-se as formulas garantidoras da defeza do 
réo ; que não se lancem multas excessivas, nem se 
exijam fianças exageradas, nem se imponham penas 
cruéis e antiquadas. 

A consagração destas doutrinas de direito publico 
e privado restringia, por ventura, a autonomia le- 
gislativa dos estados? não; era a base da livre so- 
ciedade que se fundava na America. Nenhum dos 
estados possa repudiar as ideas democráticas, ne- 
nhum fundar o despotismo : tal ó o pensamento 
destes bellos principies propagados no fim do século 
XVIII pelos republicanos da America e França. 

Dar ao poder nacional as attribuições indispensá- 
veis, foi o primeiro pensamento dos autores da cons- 
tituição. Para. formar-se, porém, idéa exacta desse 
poder, cumpre não exagerar suas attribuições levan- 
do-as ás extremas consequências lógicas. Assim, sor- 
prehende á primeira vista ler na constituição que « a 
legislaturade cada um dos estados prescreverá a época, 
lugar e modo das eleições dos senadores e represen- 
tantes que formam o congresso * ». Comquanto ahi 
mesmo declare que o « congresso poderá sempre, por 
uma lei especial, fazer ou modificar esses regula- 
mentos eleitoraes», bem demonstra a primeira parte 
do texto a sabedoria com que se quiz evitar a funesta 

1 Arf. 1°, sec. 4§ l.« 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 41 

symetriã nas leis de um paiz vastíssimo, deixando aos 
legisladores dos estados graduarem o exercício do 
siiflfragio segundo as peculiares circunstancias do povo 
de cada um *• Depois de revolvidos tantos annos, agora 
é que os radicaes, consequentes com a politica aboli- 
cionista triumphante, fizeram estender ao paiz inteiro 
o suffragio universal e a igualdade de raças ou cor. 
Tal é o objecto da ultima emenda constitucional. * 

Outro exemplo patentear á melhor o espirito das 
instituições americanas. Dispensando os grandes exér- 
citos permanentes, reduzindo o seu a uma dezena de 
mil soldados, os Estados-Unidos careciam de uma re- 
serva nacional, e essa reserva se chamou milicia. Ao 
governo federal ficou pertencendo reunir a milicia em 
caso de rebellião ou invasão, assim como « organizal-a, 
armal-a, disciplinal-a e dirigir a parte delia empre- 
gada em serviço da União. ' » Suppôr-se-ia, á vista 
de phrases tão genéricas, uma organisação similhante 
á da nossa guarda nacional ; mas, entretanto, é o 
mesmo texto constitucional que expressamente de- 
clara « reservado a cada estado o direito de nomear os 
officiaes da sua milicia e de exercital-a na disciplina 

* A diversidade das leis eleitoraes é, na verdade, considerável ; julgue-se 
por este exemplo: alguns dos estados permiUem votar os estrangeiros ainda 
que Dão naturalisados. (Paschal, Annotated constituHon, ns. 16 e 17, pags. 
58 a 66.) No Massachusetts» subsiste a lei que exige do votante saber ler. 
Sem serem uniformes, as leis dos estados consagraram quasi o suffragio 
universal. Algumas fixaram um certo censo, comquanto baixo. A legislatura 
de Utah (território dos Mormons) acaba de conceder ás mulheres a capaci- 
dade eleitoral. 

* Emenda 15*, recentemente ratificada pelos estado^. 

» Art. 10, sec. 8» §§ 15 e 16. 
A PROV. 6 


42 PARTE PRIMEIRA 

presoripta pelo congresso. » Todas as questões a este 
respeito suscitadas eatre o go verão federal e os outros, 
deixaram bem claro o principio de que a nomeação 
dosofficiaese a formação dos corpos sào assumptos me- 
ramente locaes. * As próprias constituições dos es- 
tados desci^evem como compõe-se a respectiva milicia, 
A de New- York regulava este assumpto tornando 
electivos pelos guardas de cada companhia os oflS- 
ciaes inferiores e officiaes até capitão ; por estes os 
officiaes superiores dos batalhões ; e dos officiaes g-e- 
neraes, uns pelos officiaes superiores, outros por no- 
meação do governador sob audiência do senado ou 
sem ella. Não é só, porém, no modo de compor os 
corpos e de nomear os officiaes, nào é só por serem os 
postos electivos, que a milicia dos Estados-Unidos 
differe da nossa guarda nacional ; diôere, principal- 
mente, pela natureza do serviço, pois está aqui trans- 
formada em segunda linha do exercito e em corpos 
de policia, e não é certamente essa reserva nacioaal 
para os casos raros de invasão e rebellião. Cá é arma 
eleitoi^al nas mãos do poder executivo central ; lá ó 
uma serie de pequenos corpos de exercito formados 
na localidade, governado cada qual pelos chefes que 
elege. 

^ Kent, Commentarios d constit.y sec. 3a g 6. — A milicia é milicia dos es- 
tados respectivos, e não dos Estados-Unidos. Quando chamada a serviço do 
governo geral, sô assume o caracter de força nacional depois de reunidos os 
corpos no lugar designado pela autoridade, e nào antes. (Pascbal, n. 130.) 
De facto, são os estados que legislam sobre a formação das milícias; no 
caso de guerra o congresso as convoca por actos especiaes. ^áo ha, pois, 
lei geral de organisaçào da milicia* como alias faria crer o texto da cons- 
tituíçio. 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 43 

O poder federal nos Estados-Unidos não é certa- 
mente um poder fraco ; elle foi sabiamente constitui- 
do com as faculdades necessárias, mas não sobrecar- 
regado inutilmente com funcções da administra- 
ção interna. A somma das attribuiçoes legislativa, 
executiva e judiciaria exercidas pelas assembléas 
dos estados, suas autoridades e seus tribunaes, 
mostra que, em si mesmo, cada membro da União 
ficou sendo uma republica independente com pode- 
res políticos organisados segundo as constituições 
votadas pelo seu povo. O pensamento, egualmente 
fundamental, dos legisladores americanos, foi, por- 
tanto, consagrar, dentro do mais vasto circulo, a 
autonomia das republicas federadas. Um dos ad- 
dittamentos de 1791 (art. 10) expressamente o diz : 
«Os poderes que a constituição não delegou ao 
governo federal, nem por elia são interdictos aos 
estados, a estes ficam reservados. » Quaes foram, 
com effeito, além dos princípios geraes de direito 
publico ou privado, as restricçoes da constituição ? 
Ficou prohibido a cada um dos estados : « cele- 
brar tratado, fazer alliança ou confederação, dar 
cartas de corso e represálias, cunhar moeda, emi- 
tir papcl-moeda, dar curso legal para pagamen- 
tos a cousa diversa do ouro ou prata, promulgar 
leis de confisco, leis retroactivas ou contrarias ás 
estipulaçSes dos contractos, conferir titules de no- 
breza, levantar tropas ou manter navios de guerra 
em tempo de paz, e empenhar-se em guerra, exce- 
pto no caso de in/asão ou de imminente perigo. * » 

' Art. 4o. sec. 10. 


44 PARTE PRIMEIRA 

Eis ahi traçada, por essas mesmas excepções, a 
esphera em que gyra o governo central da União. 
Consideremos agora como o povo dos estados, no 
gozo da mais plena independência, organisou por 
si mesmo o seu governo interno. 

Respeitando as leis geraes do regimen democrá- 
tico, as constituições particulares não ofFerecem 
comtudo um typo uniforme, antes a mais curiosa 
variedade. Não fora absurda, em verdade, a symetria 
do mecanismo politico em tão vasta região da Ame- 
rica ? Si essas constituições actualmente aproximam- 
se de um typo commum, é quanto ao principio da 
electividade dos funccionarios. No mais, variam as 
combinações adoptadas: não é ali que se hade admi- 
rar a symetria de castores, como em certos povos 
modernos. E' o que vamos ver começando pelo poder 

LEGISLATIVO. 

Em alguns dos primitivos estados, os da Nova-In- 
glaterra, ambas as camarás legislativas são eleitas 
simultaneamente, e duram o mesmo curto periodo, 
um anno apenas * ; em outros, ambas servem por 
dous *. Ha diversos onde elege-se a camará dos 
representantes por dous annos, e o senado por 
quatro, renovando-se este biennalmente. Em todos 
ha duas camarás, e faz-se por districtos, a eleição 
dos senadores. 

São annuaes as sessões legislativas ; em alguns 
celebram-se duas cada anno ; mas ha também 

1 Maine, Massachusetts, etc. 
• Ohio e Michigan. 


CENTRALISAÇÃO B FEDERAÇÃO 45 

outros onde a assembléa reune-se somente de dous 
em dous annos, sendo votado o orçamento para 
exercícios duplos \ 

A camará dos representantes é, em regra, muito 
numerosa. No Maine compSe-se o senado de 31 
membros e a outra camará de 151. No Hampshire, 
um dos menores, que em 1860 contava apenas 
326,073 habitantes, os representantes são 333, ele- 
gendo um cada cidade, villa ou parocliia : entretan- 
to, os senadoi*es não passam de 12, eleitos por dis- 
trictos. Também o Verraont, outro pequeno estado, 
contava 30 senadores e 239 representantes. Ao con- 
trario, o Delaware nomea 9 senadores e 21 repre- 
sentantes; e o grande estado de New- York, com 
4 milhões de habiiantes, não tem mais que 32 se- 
nadores eleitos por cada um de 32 districtos, e 128 
representantes eleitos egualmente por districtos de 
um só. Merece menção especial o senado de Rhode- 
Island, composto de 31 membros, ao qual perten- 
cem o governador do estado como presidente, e o 
vice-governador, sendo secretario ex-offkio o secre- 
tario de estado. ' 

Na maior parte dos estados, tem o governador a 
prerogativa do veto sobre as medidas votadas pela 
assembléa; mas em uns pôde elle ser annuUado 
por votação de dous terços dos membros de ambas 

^ A sessão legislativa é biennal no Maryland, Michigan, ladiana, Illinois, 
lowa, Califórnia e Oregon. Na Califórnia dura 190 dias cada sessão. 

^ .Yottotuii AXmanac de 1864, publicação modelo do editor Childs de 
Phíladelphia. 


46 


PARTE PRIMEIRA 


as camarás legislativas, e em outros a simples maio- 
ria é sufficiente para isso. Em oito (Rhode-Is- 
land, Delaware, Maryland, Virginia, Carolina do 
Norte, Carolina do Sul, Tennessee e Obiol, não ca- 
rece a lei de sancção do governador, e é promulga- 
da pelos presidentes de ambas as camarás. * 

Cuidar-se-ia á primeira vista que os territórios, 
por acharem-se sob a dependência do governo federal, 
iião teem assembléas legislativas : pelo contrario, posto 
que sem faculdades tão amplas, funccionam em todos 
elles. Assim, o povo de Arizona elege um conselho 
(ou senado) composto de 9 membros e uma camará 
de representantes de 18, que constituem a sua le- 
gislatura, da qual emanam leis meramente locaes. O 
mesmo em Dakota, Idaho c nos mais. Abi, portanto, 
nos próprios territórios, o governador enviado pelo 
presidente não é um procônsul, arbitro e legislador 
supremo : ha assembléas que limitam o seu poder e 
o fiscalisam. 

É na organisação, muito mais notável, do poder 
EXECUTIVO, que se reconhece o sello particular da 
democracia americana. 

O povo é que nomêa o governador dos 37 estados 
da União, e o seu substituta nos 17 onde ha esto 
cargo especial : o povo, dizemos, por suffragio quasi 
universal, e não a assembléa legislativa, como o fora 
até o começo deste século*. 

* StatesmmCs Manual ; vol. IV . 

* As primitivas constituições consagravam o principio da nomeação do 
j2;overnador pela assembléa (O Federalista^ cap. 47) : oUa é que elegia também 


CENTRALISACÂO E FEDKRACÂO 47 

<> •» 

Em seis delles, no Maine, New-Hampsliire, Ver- 
mont, Massachusetts, Rhode-Island, Connecticut, 
nessas primitivas republicas dos peregrinoSy o perio- 
do de cada governador é um anno, renovando-se a 
eleição todos os annos. Muitos a repetem de dous em 
dous ; raros de três em três, e alguns de quatro em 
quatro. * 

Mas não e só o primeiro depositário do poder execu- 
tivo que o povo elege. Os chefes dos diflFerentes ser- 
viços administrativos, em regra, são também esco- 
lhidos pelo suíFragio directo, e si não, a legislatura é 
que os designa : raros são os casos de pertencerem 
taes nomeações ao governador só. Secretários de es- 
tado , directores de repartições , inspectores de 
obras publicas, ás vezes mesmo agentes secundá- 
rios, são assim investidos de funcções adminis- 
trativas *. Sirailhante formação do poder executivo, 

os altos funccionarios, o que ainda subsistia Da época da viagem de Tocque- 
villeá America (1831). Admittidos como estados os territórios do oeste, onde 
prevaleciam tendências democráticas puras, os outros, a exemplo desses novos, 
estenderam o principio electivo, oppõcm-lhe, entretanto, resistência os mais 
antigos estados, os da Nova-Inglaterra. 

* O per iodo das funcções de cada governador é de dous annos em Now- 
York, Maryland, Virginia Occidental, nas duas Corolinas, Geórgia, Alabama, 
Mississipi, Tennessec, Ohio, Michigpn» Indiana, Missouri, lowa, Wisconsin, 
Minnesota e Kansas. De tres,em New-Jersey e Pennsylvania. De quatro^no De- 
laware, Virginia antiga. Florida, Louisiana, Arkansas, Kentucky, Ulinois, Ca- 
lifórnia e Oregon. Não temos informações acerca de Texas e dos novos estados, 
Nebraska e Nevada. 

* Elege o povo: em Nevv-Hampshire conselheiros do governador; no Ver- 
mont, al< m destes, o thesoureiro do estado ; no Massachusetts, Rhode-Island 
e Connecticut, não só esses funccionarios, como também o secretario de estado, 
o, awdttor-general (contador geral ou inspector da fazenda) e o attorney-gene- 
foX (promotor publico do estado, quasi secretario dos negócios da justiça e 
policia). 


48 PARTE PRIMEIRA 

tãio opposta ás ídéas européas, revela bem o que seja a 
democracia americana. 

E não se repute exclusivo dos estados septentrio- 
naes, onde não havia escravos, esse mecanismo re- 
publicano, essa imagem da constituição de Athenas 
e Roma. Nos do sul incontramos o mesmo padrão de 
um governo do jpovo pelo povo, ub, sua mais litteral 
expressão. * Ao oeste da republica, a mesma orga- 
nisação prevalece, e em mais vasta escala *. 

Em New- York, a essa lista dos funccionarios electivos acrescem um ins- 
pector da fazenda, além do thesoureiro, um engenheiro do estado, e um 
agrimensor-geral, renovados cada dousannos; tríennalmente, Scommissarios 
dos canaes e 3 inspectores das prisões. 

Na Pennsylvania, são eleitos em cada tríennio o auditor e o agrimensor 
geral ; no Maryland, o inspector da fazenda por dous annos, e por seis o 
commissario das terras. 

No novo estado da Virgínia Occidental, a respectiva constituição, pro- 
mulgada em 1863 durante a guerra, confere também ao povo a eleição do 
secretario de estado, do thesoureiro, do auditor e do attorney, 

* No Kentucky, elege o povo por quatro annos, não só o governador e o 
vice-governador, mas o auditor-general, o attorney-generaly o commissario 
das terras do estado e o superintendente da instrucção publica, e por dous 
annos o thesoureiro do estado. No Mississipi e Louisiana seguiu-se idêntico 
principio. 

3 São eleitos : No Ohio por dous annos o thesoureiro, o secretario de esta- 
do e o attorney-general, sendo os dous últimos em annos alternados ; por três, 
inspector da fazenda e o commissario das escolas, e por quatro o auditor^ 
general; no Michigan e Indiana, biennalmente o auditor, o thesoureiro, o su- 
perintendente da instrucção publica e os membros da respectiva junta, o com- 
missario das terras, e o attorney : de oito em oito annos, dous regentes para 
a Universidade de Michigan. 

No Illinois, o secretario de estado e o auditor por 4 annos, por dous o the- 
soureiro e o superintendente da instrucção publica ; no Missouri, o secretario 
de estado por dous annos; em lowa, por igual periodó, o mesmo funccionarío 
e mais o auditor, o thesoureiro, o attorney, o commissario das terras publicas; 
no Wisconsin, também biennalmente, os mesmos funccionarios e mais o supe- 
rintendente da instrucção, um inspector dos bancos e um commissario das prí- 
sjes ; era Minnesota, por dous annos, o secretario de estado, o thesoureiro, o 


CENTRALIZAÇÃO E FEDERAÇÃO 49 

Onde ficam, á vista de iiin facto similhante, as es- 
treitas doutrinas dos publicistas francezos sobre a sy- 
m-etria e hierarcliia administrativas? ondo Soa o prin- ' 
cipio de que os agentes da administração dependem- 
.^ do poder executivo somente, como delegridos da au- 
toridade, como mandatários da sua coníiança ? 

A democracia americana não consagrou, aliás, um 
principio inteiramente novo ; a humanidade o viu em 
pratica nos primeiros povos livres dè que faila a his- 
toria, nas republicas gregas o em Roma; viu-o depois 
e ainda o vemos na própria Europa moderna, na In- 
glaterra, d' onde os emigrantes puritanos o transpor- 
taram para a America. O povo inglcz elege, nos con- 
dados e parochias, funccionarios meramente adminis- 
trativos, com faculdades e poderes que excedem muito 
do circulo local, o dâo-lhes a maior independência. 
As conbtituiçoes americanas alargaram e desinvolve- 
ram a idéa transplantada da metrópole. 

Merece advertir que ás legislaturas, não aos go- 
vernadores, é que pertence escolher os altos funccio- 
narios da administração naquelles estados onde não 
ficou isto reservado ao povo directamente ^ Por ex- 

ottornet/, e por três o auditor; em Kansas, biennalmente, lodos estes e mais o 
superintendente da instrucção publica ; na Califórnia, por 4 annos, os mesmos 
e mais o inspector da fazenda, o agrimensor p;eral, o director da imprensa do 
estado (State-printerJ, o secretario da supreme court (tribunal da relação do 
estado), e os commissarios do porto; no Oregon, por igual periodo, o secreta- 
rio de estado, o thesoureiro e o director da imprensa: — são todos elles, che- 
fes de diversos serviços administrativos, nomeados directamente nos comícios 
populares. 

* No Maine, o senado e a camará dos representantes elejá;em annualmente 
os conselheiros do governo, o secretario do estado, o thesoureiro, o attorney- 
Oeneraly o ajudante-general e o commissario das terras, para O que se reúnem 

A PEOV. 7 


50 PRIMEIRA. PARTE 

cepçao a esta regra, o governador da Pennsylvania é 
que nomôi o secretario de estado, o attorney -general, 
o adjudante-general da miPcia, o quartel-mestre-ge- 
neral, o superintendente das escolas e o bibliotliecario 
do estado. A legislatura apenas nomôa, annualmente, 
o thesoureiro do estado. Em New-York, cujo povo 
directamente elege tão grande numero de funcciona- 
rios, o superintendente das escolas ficou reservado á 
legislatura, que o renova em cada triennio ; o gover- 
nador, com assentimento do senado, designa o fiscal 
dos bancos e o auditor da repartição dos canaes. São 
os .diversos funccionarios que por sua vez escolhem, 
neste estado, os seus respectivos agentes e officiaes 
de escripta. 

Finalmente, o principio da eleição popular tem sido 
applicado mesmo a certos altos funccionarios dos ter- 
ritórios. No Colorado, por exemplo, onde havia, além 
do governador , o secretario , o agrimensor geral, o 
coUector das rendas internas, o commissario das terras 
e os dos Índios, nomeados todos pelo presidente dos 
Estados-Unidos, eram eleitos pelo povo o thesou- 
reiro, o auditor-general e o superintendente das es- 
colas. 

É, entretanto, digno de nota que o nordeste seja 

em assembléa geral pouco depois de eleito o governador. Em New-Hampshire, 
é também a legislatura que noméa esses funccionarios: o governador escolhe o 
attorney-general. No Vermont, onde o povo elege annualmente o thesoureiro, 
nomêa a legislatura o secretario de estado, o auditor ^ o superintendente e di- 
rectores das pnsóes do estado, o commisario do hospício dos alienados, o dos 
bancos, o dos caminhos de ferro, e o ajudante-general, o quartel-mestre-gene- 
ral e o attorney. Em Rhode-Island, a legislatura escolhe o auditor ^ e o gover- 
nador nomôa o superintendonte das escolas sob a approvaçSo do senado. 


CENTRALISAÇlO E FEDERAÇÃO 51 

a parte da republica onde o povo nomêe directamente 
menor numero de funccionarios administrativos. A' 
medida que se caminlia para o sul e para o oeste, 
augmenta a autoridade dos comícios, descobre-se 
vigorosa a democracia da Nova America. O mesmo 
acontece quanto ao poder judicial. 

O que dá relevo original ás instituições judiciarias 
dos Estados-Unidos, não é somente o cuidado com 
que formou-se ali um poder independente da acção 
do governo, mas a parte importantíssima que na po- 
litica e na administração cabe aos juizes. E'o poder 
judicial incarregado principalmente da defeza da 
Constituição ; é o grande poder moderador da socie- 
dade, preservando a arca da alliança de aggressoes, 
ou venbam do governo federal ou dos governos par- 
ticulares. E', demais, o fiscal da lei na mais vasta 
accepção, conbecendo das queixas contra os adminis- 
tradores negligentes, e punindo os agentes culpados. * 
Mas não é esta alta missão constitucional, alias ca- 
racterístico de uma verdadeira republica, que caro- 
cemos tornar saliente ; propomo-nos somente assig- 
nalar a composição da magistratura americana. 

Ha nos Estados-Unidos uma dupla organisaçáo 
JUDICIARIA : a dos tribunaes federaes e a dos tribunaes 
dos estados. 

A dos primeiros é assaz conbecida. Creára a con- 
stituição um supremo tribunal de justiça, cujos mem- 
bros fossem verdadeiros sacerdotes das leis nacionaes. 

^ Tocque^illc, Pe la democratie en Amérique; cap. VIII. 


52 PARTE PRIMEIRA 

Abaixo delle, funccionariam em primeira e segunda 
instancia outras jurisdicçoes igualmente federacs. 

Além das altas questões nascidas da intelligencia 
da constituição e leis do congresso, assim como dos 
tratados, cstendeu-se a competência destes tribunaes 
a todos os casos concernentes a ministros estrangeiros 
o cônsules, ás questões do almirantado e maritimas, 
aos pleitos em que for parte o governo federal, ás 
contestações entre dous ou mais estados, entre cida- 
dãos de estados diversos, entre um cidadão e súbditos 
estrangeiros. * 

Definida assim a jurisdicQão federal pela natureza 
dos pleitos e pela qualidade das partes, ficaram su- 
jeitos aos juizes dos estados todas as demais causas de 
direito commum, sejam lides civis ou processos cri- 
minaes. 

Assimelliam-se os dou:^ systemas quanto ao prin- 
cipio descentralisador applicado aos tribunaes federaeíi, 
e, á imagem dellcs, aos dos diiíerentes estados. Na 
America do Norte continuou-se o costume inglez, se- 
gundo o qual é quasi sempre o magistrado que salie 
a percorrer o paiz distribuindo justiça aos povos, não 
os povos que vem rcclamal-a de perto e de long-e em 
um ponto dado do território. Com eífeito, o supremo 
tribunal composto de 10 membros, inclusive o pre- 
sidente,, celebra uma sessão annual em Washington. 
Cada um desses membros ó por seu turno presidente 
de cada um dos 10 tribunaes de appellação cbamados 
circuit courts, cuja jurisdicção comprehende certo nu- 

1 Corist. art. 3". sec. 2a § 1. ; Add. art. XI. 


CENTRALISAÇAO B FEDERAÇÃO 53 

mero de estados. Um estado forma, segundo a sua ex- 
tensão, um, dons ou três disti^ictos fede.^aes de pri- 
meira instancia, em cada ura dos quaes vam a círcuit 
cow*t funccionar duas vezes por anno. O outro mem- 
bro desse tribunal de segunda instancia ó o juiz pre- 
sidente dos d^» primeira [district court] . Odístrictcourt, 
composto, além desse presidente, de um attorney 
(promotor) e de um oflicial de execuções [marsmlJ), 
é, portanto, o tribunal inferior federal. Sua jurisdicçào 
abrange um só estado, como no Maine, ou parte delle 
como no Tennessee, que divide-se em três districtos 
fcderaes com três district courts . Estes tribunaes, 
porém, não funccionam em um ponto só do território 
da sua jurisdicçào, mas em dous e três, e duas vezes 
por anno em alguns delles. * 

Differem, porém, os dous sjstemas judiciários 
quanto ao modo da escolha dos juizes e á duração do 
seu mandato. Os membros do supremo tribunal e mais 
juizes federaes são nomeados pelo presidente da repu- 
blica com o assentimento do senado ; e, conservando 
o lugar during good behaviotir, são de facto inamo vi- 
veis, podendo ser destituidos somente em virtude de 
processo. Nos estados prevalecem agora principies 
diametralmente oppostos : os juizes, aliás incorapati- 

* Outro ponto de similhança acha-so na retribuição dos juizes. Nos Es- 
tados-Unidos, onde geralmente os funccionarios são mal pagos, onde a mór- 
parte dos governadores dos estados vencem apenas 1,500 a 2,000 dollers, 
são os magistrados melhor aquinhoados. Os juizes da cidade de New -York, 
juizes de primeira instancia, vencem 5,000 dollars. Os da district court e 
^u-prtine court do estado da Califórnia, 5 a 6,000. Esta ultima é a somma do 
salário de cada membro do supremo tribunal da Uniào. 


54 PARTE PRIMEIRA 

veis para todos os cargos políticos, são nomeados 
pelo povo, e temporários, pois que exercem o mandato 
por um periodo fixo de annos, ás vezes muito curto, 
depois do qual renova-se a escolha popular. 

Não era assim no começo da União, nem o foi tám- 
bera durante o primeiro quarto deste século. É aos 
Estados-Unidos, por isso, que se pôde applicar com 
muita propriedade o conceito de Royer Collard : 
« Não são as constituições tendas levantadas para 
dormir. » Ali são ellas verdadeiros abrigos provisó- 
rios da democracia em marcha, que as remodela ou 
transforma á medida que surgem necessidades novas 
e o tempo caminha. A introducção do principio elec- 
tivo na formação da magistratura não fez-se, com ef- 
feito, em um dia. Foi um estado do sul, o Mississipi, 
que primeiro adoptou-o em 1822, sendo o seu exem- 
plo imitado por qua=?i todos os outros. Naqueliesonde 
o povo não nomêa directamente os juizes, nomêa-os a 
legislatura : e raros são os que ainda conservam o an- 
tigo principio da escolha pelo governador, sob assen- 
timento do senado \ 

* Eis os estados onde os juizes são exclusivamente filhos da eleição po- 
pular e amoviveis em períodos mais ou menos curtos: New- York, Pennsyl- 
vania, Maryland, Virgínia Occidental, Virgínia antiga, Geórgia, Florida, Mis- 
sissipi, Louisiana, Texas, Tennessee, Kentucky,, Ohio, Michigan, Indiana, Uli- 
nois, Missouri, Wisconsin, lowa, Minnesota, Kansas, Califórnia, Oregon. O 
prazo das funcções é, quanto acs juizes superiores, 12, 10, 9, 8, 7, 5 ou 4 
annos, e, quanto aos mais, 2 a 6. 

Os escrivães e oíliciaes de justiça, ou são nomeados pelos tribunaes, ou 
eleitos igualmente pelo povo. 

Para a nomeação de membros dos tribunaes superiores, ha em alguns dos 
estados eleitores cspeciaes, e, nos mais novos do extremo occidento, far-west^ 
os ha para a de todos os juizes. 


CEXTRAUSACÃO B FEDERAÇÃO 55 

Ha geralmente, em cada estado, justiças de paz, 
justiças meramente municipaes, juizes de primeira 
instancia e tribunaes de appellação, que pronunciam 
no civil e no crime, com jurisdicçào tào extensa como 
a teem os nossos magistrados e relações de districto. 
Só lhes não pertencem os casos de caracter federal 
acima indicados. Sobre esta base commum incon- 
tram-se variantes mais ou menos consideráveis. To- 
memos, por exemplo, o estado de New- York. Ha abi : 

1.". A court of impeachments, composta dos sena- 
dores e dos membros do tribunal de appellações, que 
conbece dos crimes do governador e altos funccionarios. 

2." A ccyurt of appeals (tribunal de appellações), que 
toma conhecimento dos pleitos em grau de recurso. 
Compõe-se de 8 membros, quatro eleitos pelo povo para 
servirem oito annos, e quatro que são os membros 
mais antigos da supreme court. - 

3.* A supreme court, que serve de tribunal de ap- 
pellação para os dos condados, e também exerce juris- 
dicção própria em quaesquer assumptos. O estado di- 
vide-se em 8 diíitrictos judiciários, cada um dos quaes 
elege quatro juizes para esse tribunal, cabendo cinco 
ao de New- York. Todos os seus 33 membros servem 
por oito annos. 

Não eram tão democráticas as instituições americanas na época em que 
Tocqueville escrevera o seu livro sem rival. As constituições dos estados (já 
o advertimos tratando dos agentes administrativos) eram então menos adian • 
íadas; as republicas unidas não conheciam ainda o principio electivo aplica- 
do em taes dimensões. A eleição dos funccionarios civis e dos juí^tr», ou pelo 
povo directamente ou pelas assembléas de seus representantes, acha-se agora 
admittida também nas constituições dos cantões da Suissa e mesmo na con- 
stituição federal. 


56- PARTE PRIMEIRA 

4.*^ County courts (tribunaes dos condados), que 
consUtuem a primeira instancia no cível e commer- 
ciai, com magistrados eleitos por quatro annos. 

5.° Criminal courts^ dos condados, tribunaes pri- 
vativos do crime, compostos de um juiz do respectivo 
districto da suprerae court, do juiz do condado e de 
dous juizes de paz. 

Na cidade de New- York, ha também tribunaes 
especiaes requeridos por sua grande população e 
largo movimento commercial e maritimo : a supe- 
rior court com juizes eleitos pelo povo por seis an- 
nos, a common jpleas (tribunal coramura civil), a court 
of peace (criminal) e o tribunal maritimo {(marine 
court], todos igualmente electivos. 

A vasta organisação desse estado, que conta mais 
de 4 milhões de habitantes, não era seguramente ne- 
cessária para outros. Diversificando quanto ao nu- 
mero, graus, funcçoes e modo da escolha, todos os 
estados teem, entretanto, o seu tribunal supremo e 
seus magistrados de primeira instancia. * 

* Da variedade e das combinações adoptadas julgue-se por este resumo : 
O Maíne (628,276 habitantes em 1860), tem a supr eme judicial court, com- 
posta de oito juizes e um relator, todos nomeados peio governador sobre pro- 
posta do conselho do governo (corporação electiva differente do senado). Não 
são, porém, perpétuos esses juizes ; suas funcçoes duram sQte annos. Abaixo 
deste tribunal ha no Maine 16 de primeira instancia {proba te courts], um para 
cada ccndado, composto cada qual de um juiz, um secretario, um promotor e 
umtabellião. Estes juizes, porém, e os secretários são eleitos pelo povo dos 
respectivos cond? dos para servirem quatro annos somente. ^Elege também o 
povo, i)ara servi, em igual periodo, os juizes municipaes e de policia, que ha 
nas diversas cidarles e povoações. 

Em New-Hampshire,' o governador com o conselho nomêa, além dos 
juizes da supreme court, os das county courts. Demais disso, todos são perpe- 


\ 


CENTBALISAÇAO E FEDERAÇÃO 57 

Tal é a organisação interna dos Estados-Unidos. 

Tribunaes e administração são ali organisados so- 
beranamente por cada um dos estados particulares. O 
juiz e o administrador sabem ali directamente do 
seio do povo. 

Estes dous principies definem a democracia nor- 
te-americana, e a separam profundamente de outro 
qualquer systema de governo, mesmo sob' a forma re- 
publicana. 

Os americanos do norte, dice-o unfi grande pensador, 
estão insaiando o ideal de governo do futuro. Uma 
descentralisação completa, combinada com a inter- 
venção constante da soberania popular, eis os traços 
principaes do seu systema politico. E agora digam 
aquelles que da descentralisação receiam a fraqueza 
do poder, digam si o governo dos Estados-Unidos é 
fraco, si jamais nação nenbuma ostentou tanta pujan- 
ça, si jamais os representantes de algum povo fize- 
ram-se [respeitar melbor no mundo. Emquanto no 


tuos ; mas, nesse como em outros estados, ninguém pôde exercer o cargo de 
juiz depois dos setenta annos de idade. 

No Vermont é tudo diverso : os seis juizes da supreme court nomôa-os an- 
nualmentc a legislatura. Cada um delles, com dous dos condados na qualidade 
de assistentes, forma uma county court. Estes últimos, porém, são eleitos an- 
Dualmente pelo povo dos condados. 

Em Massachusets, como no Hampshire, fazem o governador com o conselho 
as escolhas de todos os juizes. São electivos os membros dos tribunaes cor- 
reccionaes, verdadeiras autoridades policiaes das parochias. 

Em Rhode-ísiand, Connecticut e Alabama, nomea-os a legislatura; em New- 
Jersey, o governador com assentimento do senado. Sò no Delaware (pequeno 
estado de 112,216 hab.), são os seus poucos juizes nomeados pelo poder exe- 
cutivo, e inamovíveis. 

A PROV. 8 


- t 


5㠻AaTE PRIMBIlt 

Braiíl as mesmas raças, mais ou menos mixtas, es- 
tendecoLi-se quasi igualmente por todas as provincias, 
celebrando o mesmo culto, e fallando a mesma lingua^ 
nos Estados-Unidos raças, linguas e cultos distribu- 
em-se desigualmente por toda a superfície da União. 
O primitivo anglo-americano, o immigrante irlandez, 
o escossez, o allemào, ofrancez, e o bespanhol dos es- 
tados do sul, abi se congregaram, naquelle mundo 
em miniatura, produzindo, sem a uniformidade de 
leis, sem a unidade de crenças, sem a identidade de 
linguas, a mais robusta republica que viram os sécu- 
los, o mais florescente dos estados do globo. Pois se- 
rá acaso a autonomia administrativa das provincias 
quebade anarcbisar o Brazil, onde alias subsistem 
tão poderosos elementos de unidade moral e social? 
Reflictam os timidos : nestas graves questõe.s que in- 
teressam á felicidade dos povos, o exame sem precon- 
ceitos de escola é, como em todos os conhecimentos 
bumanos, a condição de acerto e de progresso. 

Carecemos advertir que nào estamos ofiferecendo ao 
Brazil por modelo o complexo dessa organisação fe- 
deral democrática ? O estado actual do systema nor- 
te-amerieano é o producto de reformas successivas, é 
a m^^nifestaçío de uma democracia vigorosa que se 
affirma, que tem consciência do seu valor moral e do 
seu poder ^ Demais, de todo esse systema é esta 


* « o que os frâocezes são em assumptos militares, são os americanos em 
toda a espécie de negócios civis : supponde que um certo numero de ameri- 
canos se ache sem governo; logo improvisam um, e mostram-se aptos para 
levarem ao eabo esse ou outro qualquer negocio publico, com $ufficient« 


CBNTRáUSAQÃO b federàçIo S9 

a parte íaais original^ è que não parece ainda julgada 
por umct experiência suficiente. A eleotividade da 
juiz, aggravada pela sua amovibilidade, é segtlraitten- 
te um elemento de fraqueza e dependência para o ma- 
gistrado \ e tanto basta para a corrupção da jus- 
tiça. Não tem certamente tantos inconvenientes 
a efeição dos funecionarios administrativos. Mas, si 
para esse typo americano convergem na Europa a 
Suissa, na America a Republica Argentina e os esta- 
dos do Golfo, no Brazil, não se pôde dissimulal-o, 
um poder judicial electivo seria certamente pernicioso, 
e uma administração inteira igualmente electiva não 
parece aqui necessária. 

Tanto não aspiram, sem duvida, os liberaes do 
Brazil. Quando reclamam « a descentralisação no ver- 
dadeiro «entido do self-government » ', pouco pe- 
dem, com effeito, si compararmos as suas aspirações 
com os factos dos Estados-Unidos. Muito pretendem, 
porém, si volvermos os olhos do largo systema ameri- 
cano para a nossa odiosa concentração polilica e ad- 
ministrativa. Sem prejuizo da força razoável do poder 
e a bem da expansão da força social, ha de o Brazil 
ter jnais liberdade civil e politica, e uma organisação 
onde o poder collectivo deixe de ser o avaro tutor de 
interesses locaes. O quadro das 'instituições anglo- 
americanas habilitará o leitor para julgar da inexac- 

somina de intelligencia, ordem e decisão. E' isto que todo povo livre dere 
de ser. » Stuart-MíII, On Itberty ; cap. V. 

* HUtoire des Etats-UniSy pelo Sr. Laboulaye ; vol. 8", lição 18* sobre a 
constituição. 

• Programma do Centro Liberal; maio de 1869. 


i 


60 PARTE PRIMEIRA 

tidao com que, nas suas habituaes hyperboles, ten- 
tam os conservadores, para repellir a descentralisação, 
confundil-a cora a federação democrática. 


CENTRALISAÇlO E FEDERAÇÃO 61 


CAPITULO VI 


AUTONOMIA DAS COLÓNIAS INGLEZAS 


Sem o mais completo systema de garantias indi- 
viduaes, sem a supremacia do parlamento, sem go- 
verno responsável, sem descentralisação, sem este 
vivaz organismo anglo-saxonio, nada está construído 
solidamente, nada preserva os povos da ruina e da 
miséria, x^bstrahindo de instituições que eficazmente 
assegurem a liberdade, monarchia e republica são 
puras questões de forma. « Não ha mais que duas es- 
pécies de governo, observa o Sr. Odilon Barrot, quaes- 
quer que sejam aliás suas formas extrinsocas: go- 
vernos que absorvem as forças individuaes, ou que 
lhes deixam pelo contrario a mais plena expansão : 
governos que tem a pretenção de tudo governarem, 
ou que muito confiam da espontaneidade indivi- 
dual . » * 

Os destinos da monarchia no mundo moderno de- 
pendem da habilidade com que saibam os seus men» 


* E' o mesmo pensamento de Benjamin Constant : « Entre la monarchie 
constitutionnelle et la republique, la différence est dans la forme. Entre la 
monarchie constitutionnelle et la monarchie absolue, la diíFérence est dans 
lefond. » 


62 PARTB PRIMBIRA 

tores convertêl-a em instrumento flexível a todas as 
exigências do progresso. Emquanto ella se não con- 
graçar cordialmente côm as tendências do século, 
não é acaso justa a imprecação dos povos exprobran- 
do-lhe a tremenda responsabilidade de haver impos- 
sibilitado a fundação de instituições livres? Não basta 
para sua defesa allegar que algumas destas sào in- 
compatíveis com a forma monarchica, ou suppoem a 
republica : da necessidade faça a monarchia virtude ; 
porquanto, si taes instituições não se lhe accommo- 
dam, sendo todavia necessárias á prosperidade geral, 
desappareça a monarchia por amor dos povos, e não 
se sacrifiquem os povos a interesses dynasticos. Mas 
essa incompatibilidade é meramente supposta : mos- 
trem as colónias inglezas si a forma de governo da 
sua metrópole obstou ás amplas^ instituições demo- 
cráticas e á autonomia dos membros de um grande 
nnperiô. 

Em franquezas locaes, em liberdade politica, em 
autonomia legislativa e executiva, as provindas, 
"parte integrante do Brazil, estão mui distantes de 
*ôertas colónias,, meras dependências do Império Bri- 
tânico. É este um facto tão geralmente ignorado, 
tão novo nos annaes do mundo, tão eminente entro 
os acontecimentos do nosso século, que não ha de 
parecer exagerada a attenção que lhe prestamos. 

Desde o começo, por cartas patentes de Carlos I, 
os fundadores e habitantes das colónias âa Nova-Ingla- 
terra exerceram o direito de promulgar leis, e goza- 
ram das franquezas e privilégios correspondentes á 


' / 


• l -M^W 


CENTRALISAÇAO R FEDERAÇÃO 63 

qualidade de cidadãos inglezes. Antes da sua eman- 
cipação, possuíam estas colónias, portanto, a liber- 
dade civil e politica, e, constituindo-se em Estados- 
Unidos, apenas ganharam com a independência a so- 
berania, tomando lugar entre as nações. Copa a in- 
dependência, porém, nossas províncias, bem como 
as das republicas hespanholas, conquistaram as li- 
berdades civis e politicas, que nunca Ibes permittíra 
a metrópole. Succedendo a esta, amonarcliia no Brazil 
reclamou como herança a suzerania que pertencera 
aos reis de Portugal, encarando com ciúme as ten- 
dências descentraiisadoras. Nossas províncias muda- 
ram de amo, mas o systema de governo não mudou. 
Com a independência perpetuou-se nesta parte da 
America a centralisacão. 

Si a corte de Lisboa tivera intelligencia bem alta 
oa coração generoso para ver desinvolverem-se as 
forças locaes que já se insaiavam nos senados das ca- 
marás, nossa pátria conhecera, antes de 1822, um 
regimen menos compressor e debilitante : Portugal, 
porém, declinava para o absolutismo asiático quando 
se estabelecia nas costas da America, ao passo que a 
Inglaterra, precursora da liberdade moderna, marcha- 
va para a civilisação quando os puritanos aportaram 
no Novo Mundo. 

Ao envez das colónias dos povos antigos., 
e das de, França, Hespanha, HoUanda e Portu- 
gal, minas do erano de suas metrópoles a que paga- 
vam enormes tributos, as colónias inglezas não con- 
tribuíram jc^mais para a defesa da metrópole ou para 


64 PARTE PRIMEIRA 

O custoamerito do seu governo civil. E si a Inglaterra 
reservou-se outr*ora o monopólio do commercio con- 
forme as theorias do pacto colonial, é certo que re- 
nunciou-o mais tarde, deixando ás suas possessões a 
mais plena liberdade mercantil. 

Já no fim do século passado, deliberando o parla- 
mento sobre a organisação do Canadá, possessão havia 
pouco adquirida, Fox firmava o principio destinado a 
ser, meio século depois, a regra ingleza da adminis- 
tração colonial. « Estou convencido, dizia o grande 
orador, que os únicos meios de conservar com vanta- 
gem colónias distantes, é habilital-as a se governarem 
por si mesmas *. » Esse principio foi-se desde então 
dosinvolvendo praticamente. Algumas possessões, 
meros presídios, iam-se povoando sem constituição 
civil de governo, sem liberdade politica; mas bem 
depressa adquiriram as livres instituições, que as an- 
tigas colónias da Nova-Inglaterra conheciam desde o 
século XVII, pois, como é sabido, os ^peregrinos que 
fundaram Boston, uniram-se debaixo de uma consti-. 
tuição verdadeiramente republicana. Hoje se pôde 
dizer que cada colónia é um estado completo quanto 
ao seu poder legislativo, sua judicatura e sua admi- 
nistração. Com effeito, ha cerca de trinta annos, fi- 
cou estabelecido que, « em regra, é inconstitucional 
que o parlamento britânico legisle sobre assumptos 
ou interesses exclusivamente internos de uma colónia 
que possua assembléa representativa *• » 

^ ComXiiuiionaX history of England, por Erskine May; cap. XVII. 
* Despacho do ministro das colónias em 1839, citado porE. May. 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 65 

Entretanto, esta autonomia das colónias, quanto 
aos próprios interesses, provocava conflictos que no 
Brazil poriam em risco o systema adoptado, e que lá 
nào tiveram tão triste êxito. Assim, emquanto na In- 
glaterra triumpliava o principio da plena liberdade 
commercial abolindo-so a politica proteccionista, o 
Canadá adheria ao systema protector votando leis em 
tal sentido. Tinha a coroa o direito de veto sobre as 
leis relativas a taes matérias, mas, refere o citado 
publicista, absteve-se o governo inglez de applical-o 
para não reviver as disputas o descontentamentos do 
passado : as leis do Canadá foram confirmadas. Appel- 
lou o g-overno inglez para o tempo, para a reflexão, 
para a experiência das próprias colónias, esperando 
que suas assembléas livremente eleitas fariam afinal 
triumpbar os verdadeiros principies económicos *. 

* Effectivamenle, a condescendência da metrópole é illimitada. Para 
mostrar quão frouxos são os laços que prendem as colónias á Grà-Bretanha, 
indicava o rimei a possibilidade do Canada celebrar, si o quizesse, um tra- 
tado de reciprocidade com os Estados-Unidos, cmboi-a prejudicasse á in- 
dustria metropolitana. « Dominio do Canadá, dizia o Tiwrcí, recebeu tão 
completa independência que, si o ministério e parlamento canadianos ne- 
gociassem um tratado de reciprocidade cora os Estados-Unidos, — cuja con- 
sequência necessária fora a adopção no Canadá de uma tarifa hostil á In- 
^ilatorra para o íim de desinvolver mais livres relações mercantis com a 
Vnião, — não deveríamos nós prohibir similhante tratado. Em uma pala- 
vra, é licito aos estadistas canadianos declararem, e porem por obra a de 
claração de que são para elles mais importantes os seus interesses commer- 
ciaes com os Estados-Unidos, do que com a Grã^Bretanha. » (Dezembro, 
1869.; 

Poderia a Inglaterra exigir dessa colónia que prohiba a entrada, ou 
imponha fortes direitos de entrada sobre os livros de autores inglezes re- 
impressos nos Estados-Unidos? Nào; responde o mesmo jornal: comquanto 
esse commercio muito prejudique á litteratura e imprensa da metrópole, 

A PROV. 9 


6(> PARTE PRIMEIRA 

Quanto diíFere similhante proceder da precipitação 
com que os nossos estadistas aproveitaram-se das pri- 
meiras dificuldades occorridas na execução do acto 
addicional, para o restringirem o annullarem seis an- 
nos apenas depois de votado I Que documento da sua 
tolerância e paciência davam esses apressados chefes 
da reacção de 1840 ! 

Não interveio o governo inglez nem mesmo para 
suspender ou desapprovar as leis de três das mais im- 
portantes colónias da Austrália (Victoria, Austrália 
Meridional eNovaGallesdoSul), que em 1857 e 1858 
substituiram a eleição censitária pelo suffragio uni- 
versal [manhood suffrage) e escrutinio secreto. Vin- 
garam, pois, medidas tão radicaes, aliás repudiadas 
na metrópole, dando desde então áo governo das co- 
lónias uma base, não simplesmente representativa, 
mas democrática ^ Era, diz E. May, uma deferên- 
cia para com os principies ào self-government a absten- 
ção da metrópole. O que serão no Br.azil, porém, essas 
despejadas violações constitucionaes que o governo 
central e os seus presidentes commettem, ou suspen- 
dendo leis provinciaes já promulgadas, ou inventando 
casos de inconstitucionalidade em outras, depois de 
segunda vez votadas por dous terços das assembléas ? 
Cá é o crime grosseiro, que nem se pune, nem se 


fora a exigência injusta, por contraria aos interesses do povo do Canadá que 
dos Estados-Unidos importa livros baratissimos. 

^ Tem as assembléas coloniaes a faculdade de reformarem as respec- 
tivas constituições politicas, embora com assentimento do governador ou da 
coroa. 


CENTRALISAÇÃO E FEDERAÇÃO 67 

defende ; lá, um governo de gente honesta que con- 
graçou-se seriamente com a liberdade, e que, depois 
de Cromwell, não conheceu mais esse humilhante 
systema politico, o absolutismo, em que um só pensa, 
falia e mente por todos. 

Reconhecida a autoridade das colónias em tao 
vasto circulo de acçào, outro mais radical principio, 
igualmente proclamado pelo próprio governo metro- 
politano, elevou-as á cathegoria de estados semi-so- 
beranos, apenas unidos á Grã-Bretanha por um frouxo 
laço federativo. E o principio do governo responsável 
admittido desde 1848 nos dous Canadas, em Nova- 
Escocia no anno seguinte, e depois de 1850 na Aus- 
trália. 

Isto exige uma breve explicação. O governador 
tinha outr^ora o direito de escolher livremente os seus 
conselheiros : ora, succedia muita vez incorrerem taes 
funcionários no desagrado da maioria da assembléa 
colonial. Dahi lutas estéreis, que embaraçavam a 
marcha do governo, tornando-se a prerogativa do 
representante da coroa fonte de dissabores e antipa- 
thia contra a própria metrópole. Remover similhante 
obstáculo não era diflScil para um. governo bem in- 
tencionado, comquanto em certos paizes ditos repre- 
sentativos tenha sido um embaraço invencivel aobsti- 
nação dos príncipes em governarem por si mesmos, 
nomeando e demittindo livremente os ministérios. Es- 
tabeleceu-se, pois, que o governador escolheria os 
seus conselheiros (verdadeiros ministros, chefes da 
administração colonial) do seio àaquélle parhdo que 


68 PARTE PRIMEIRA 

estivesse em maioria na assembléa legislativa y e adoptasse 
a politica por elles recommendada \ « Pela adopção 
deste principio, escreve E. May,, uma coristitui- 
çào colonial tornou-se verdadeira imagem do go- 
verno parlamentar de Inglaterra. O governador, co- 
mo o soberano a quem representa, mantem-se fora 
e acima dos partidos, e administra por meio de con- 
sellieiros constitucionaes, os quaes são as pessoas que 
adquiriram ascendência na legislatura colonial. Deixa 
elle os partidos contendores pelejarem livremente as 
suas batalhas; e, admittindo o mais forte aos seus 
conselhos, mantém a autoridade executiva em har- 
monia com os sentimentos da população. E, assim 
como o reconhecimento desta doutrina na Inglaterra 
tem praticamente transferido da coroa para o parla- 
mento eo povo a suprema autoridade do estado, — 
assim nas colónias tem elle arrancado do governador 
e da metrópole a direcção dos negócios coloniaes. 
Ainda mais : assim como a coroa tem ganho em isen- 
ção e popularidade o que perdera em poder, — assim 
a metrópole, aceitando em sua plenitude os princí- 
pios do governo representativo local [local self-govern- 
ment) , firmou as mais estreitas relações de amizade o 
confiança entre si e as colónias *. » 

1 Tal 6 o pensamento de despachos do governo inglez relativos ao Ca- 
nadá, citados por E. May, pag. f>73 do vol. II (cdiçào de 1865). De outro 
documento ollicial transcreve o mesmo aulor este texto positivo: 

« O conselho executivo (ou ministério) é uma corporação amovivel, em 
analogia com o uso que prevalece na Constituição Britânica.... devendo-so 
intender que os conselheiros que houverem perdido a confiança da legis- 
latura locaf devera offerecer as suas resignações ao governador. » [Bules anci 
regulations for the colonial service, cap. 5.") 

* Offerece-nos a mais plena confirmação desta thcoria um recente in- 


CENTRALISAÇAO E FEDERAÇÃO 69 

A que distancia o pretendido governo represen- 
tativo do Brazil não fica do dessas possessões ingle- 
zas ! O povo brasileiro, certamente, não conheço ainda 
o systema constitucional como é praticado até em co- 
lónias, cuja fundação foi posterior d nossa indepen- 
dência *. 


cidente parlamentar da Terra-Nova. Na falia com que ha pouco abriu a 
parlamento desta colónia, encarecia o governador a vantagem da sua entrado 
na confederação do Canadá, ídéa impopular na Terra-Nova: a falia foi re- 
cebida com desagrado, e votou-se logo uma moção de desconfiançc», a que 
seguio-se a demissão do ministério. Mas attenda se ás curiosas circun- 
stancias referidas pelo correspondente do Times em carta de 10 de fevereiro 
de 1870 : « Depois de. entregue o discurso do governador, adoptou-se um voto 
de desconfiança no governo, e neíle se nomeava um cavalheiro em que a as- 
sembléa declarava depor confiança. Em resposta, o governador exprimiu o 
pezar de que, sem causa suííiciente, a camará se houvesse afastado do 
procedimento usual, tendo rejeitado a moçào para se responder ao seu dis- 
curso; e de que também adoptasse o estylo inconstitucional de designar- 
Ihe o membro da mesma camará que elle havia de convidar para formar a 
nova administração. Em seguida a esta mensagem, a camará votou uma 
resolisção contestando que tivesse intenção alguma de obrar descortezmente, 
mas estaboiecendo que o seu procedimento fundára-se em precedentes. » Estas 
occurrencias, que assaz .patenteam o jogo das instituições britânicas, não 
foram acolhidas nem com sorpreza, nem com pueris hyperboles ou decla- 
mações contra a anarchia. 

1 O principio do governo responsável prevalece, além do Canadá, era 
tochas as colónias da Oceania, menos a Austrália Occidental, única que ainda 
é presidio de deportados. Em três delias (Austrália Meridional, Tasma- 
nia c Victoria) o parlamento compõe-se de duas casas, ambas electivas, e 
os governadores são obrigados a escolherem os ministérios do seio delias. 
A camará alta, que aliás renova-se periodicamente, não a podem dissolver 
<»5 governadores. Nas três outras (Xova-Galles do Sul, Nova-Zelandia e 
Queensland) só diífore a organisação da camará alta ; seus membros são vi- 
talícios ou nomeados pela coroa. O Cabo da Boa-Esperança se pôde reunir 
ao grupo das t^es primeiras colónias; as duas casas do seu pajlamento são 
ambas electivas e temporárias. (The Statesman's year-hook, 1869; porF. 
Martin.) 

Muitas outras possessões, sem gozarem do governo parlamentar, tém 
íomtudo assembléas legislativas; tacs são o Natal, a Guyana, a Jamaica, a 


70 PAETK PRIMEIRA 

Não encanta e não conforta ver desabrocharem 
subitamente, regendo-se logo por instituições libér- 
rimas, formando verdadeiras sociedades democráticas, 
as' colónias da Austrália, esses presidies penaes para 
onde, ainda ba pouco, se transportavam galés? Uma 
lei da Providencia parece cumprir-se permittindo que, 
d^entre tantos povos que illustraram a historia, fosse 
o anglo-saxonio aquelle a quem a grande honra cou- 
besse de semear no extremo oriente as mais avança- 
das doutrinas de liberdade. « Uma antiga monarchia 
tornou-se progenitora de republicas democráticas em 
todas as partes do globo. A própria constituição dos 
Estados-Unidos não é mais democrática que as do Ca- 
nadá e colónias da Austrália. O periodo fixo de go- 
verno de cada presidente e os seus largos poderes 
executivos, a independência e autoridade do senado, 
e a superintendência do supremo tribunal federal, 
são correctivos oppostos á democracia do congresso. 
Mas nas mencionadas colónias a maioria da assem- 
bléa democrática, durante o periodo de sua existên- 
cia, é senhora absoluta do governo colonial; pôde ella 
levar de vencida o conselho legislativo (a segunda ca- 


Barbada e outras Antilhas, a ilha do Principe Eduardo, a Terra-Nova, a 
Colômbia e Vancouver. 

E' governado por delegados da coroa e conselheiros que delles dependera, 
o grande império das índias orientaes, cuja população indií^ena, mal eman- 
cipada do despotismo asiático, não parece habilitada para instituições re- 
presentativas. 

Delias não gozam igualmente outras colónias pouco povoadas, ou sim- 
ples presídios e estações marítimas. 


CENTRALIáACÃO E FEDERAÇÃO 71 

mara ) , e dictar condições ao governador, e indirecta- 
mente á própria metrópole *. » 

Cada colónia é um estado, dicemos: or^^^amentos 
próprios, receitas peculiare:S alfandegas suas, tudo 
possuem, até mesmo uma politica commercial diíie- 
rente: o Canadá protege siias industrias contra pro- 
ductos similares da metrópole. Que se pode estranhar, 
pois, si teem exércitos seus, si teem até marinha de 
guerra? Desde 1861 havia o parlamento proclamado 
que o self-government impõe-lhes o dever de fazerem 
os gastos da própria defesa contra os inimigos exter- 
nos. « Longe de parecer ciosa dos projectos de arma- 
mento que possam as colónias conceber, a Inglaterra 
impoUe-as- neste sentido, excita-as a formarem regi- 
mentos de voluntários e a organisarem suas milicias, 
e até, si é preciso, lhes fornece armas, subsídios e 
instructores. Na sessão de 1865 votou-se o bill pelo 
qual a Inglaterra comprometteu-se a prestar subsidies 
e a facilitar por todos os meios ao seu alcance a crea- 
ção de 7narinhas militares coloniaes.... A Inglateri*a 
aspira a ser, nào a soberana, mas a mãi dessa multi- 
dão doestados que fundou em todas as partes do mun- 
do. Hoje muitas das colónias, o Canadá, o Cabo, a 
Austrália, a Nova-Zelandia, tornaram-se verdadeiros 
estados cuja existência acha-se d'ora em diante asse- 
gurada na familia das nações. Salvo o direito de paz 
e guerra, gozam de todos os que pertencem a estados 
independentes ^ » 

1 E. May. 

* Mvue áes deux mondes, 1* de março de 1866. 


72 PARTE PRIMEIRA 

Assim, a suzerania que a Grã-Bretanlia actual- 
monte exerce, nào durará sinão emquanto convenlia 
ás próprias colónias. Inspirada por taes sentimentos, 
ella contribuiu ha pouco para se unirem as possessões 
situadas ao norte da America, das quaes formam desde 
1867 uma verdadeira confederação o alto o o baixo 
■'Canadá, aNova-Escocia e o Novo Brunswick. Foi-lhes 
cedido depois o vasto território que pertencera á com- 
panliia 'do Hudson *. Um parlamento e um minis- 
tério responsável perante elle funccionam em Ottavva. 
capital da nova União. A' autoridade federal compe- 
tem as prerogativas da soberania quanto á legislação 
civil e criminal, a navegação, os correios, os cami- 
nhos de ferro, as alfandegas, e os orçamentos da re- 
ceita e despeza. Cada um dos estados, porém, con- 
serva a sua autonomia interna e suas assembléas par- 
ticulares ^ 

A Ing*laterra prepara-se para adherir paternalmen- 
te, sem ira e sem ciúme, á emancipação das suas co- 
lónias. Na Austrália discute-se a idéa da separação 
completa, formando outra confederação as províncias 
oceânicas. No próprio parlamento britânico estadistas 
eminentes declaram que chegou o dia annunciado em 
1850 por lord John Russell, e que é do interesse da Grã- 

* Refugaram entrar na união a Terra-Nova e a ilha do Príncipe Eduar- 
do (costa do Atlântico), a Colômbia Britânica e ilha de Vancouver ( littoral 
do Pacifico). Respeitou-se a deliberação destas colónias, que assim contra- 
I iavam a politica da metrópole . 

' Segundo o plano, offerecido em 1864 pelos delegados coloniaes, o 
chefe do poder executivo seria eleito pelo povo; não prevaleceu a idéa: 
a coroa continua a nomear o goveraador. , 


CENTRALISAÇAO E FEDERAÇl© 73 

Bretanha lívrar-se dessas possessões ; outros, inclusive 
uin dos secretários de estado (o Sr. Forster), advogam a 
idéa de uma vasta federado do reino unido e colo- 
nias. Ainda mais : commissarios da Colômbia e ilha 
Vancouver comparecem na Casa-Branca para mani- . 
festarem ao presidente Grant o seu desejo de anne» 
xarem-se aos Estados-Unidos, em cujo seio esperam, 
gozar de uma prosperidade que lhes não consentiria 
a longinqua confederação, á cuja testa se acha o Ca- 
nadá. Cuidar-se-ha que isto excite ciúmes? Pelo con- 
trario, a grande imprensa justifica o procedimento 
dos habitantes da Colômbia \ e não tardará ver sa- 
tisfeita a sua aspiração. 

Este espectáculo tão novo da constante generosi- 
dade de uma grande potencia inspirou um bello pa- 
negyrico a um dos seus mais eloquentes admiradores. 
« O governo de quasi todas as colónias, escreve o Sr. 
Guizot, entregou-se ás colónias mesmas ; a coroa e o 
parlamento não são a respeito delias mais que vigi- 
lantes cuja intervenção é limitada e cara. Demasiado 
intensa e pesada tornára-se a responsabilidade do po- 

^ o Times dica a propósito: « Siippondo que os Colonos (da Colôm- 
bia) se reuDam e, depois de deliberarem, cheguem á conclusão de que elles 
se acham a mui grande distancia do Reing-Unido, e praticamente quasi tão 
longe do Canadá ; e que todos os naturaes motivos de contiguidade, simi> 
Ihança de interesses e facilidade de administração os induzem a julgar maÍ8 
conveniente entrarem na União (Estados-Unidos) do que no Dominio (Cana- 
dá). Havíamos nós oppôr-nos á sua determinação? Todos sabemos que 
não tentaríamos resístir-lhe, si fosse clara e inteliigivelmente pronunciada. 
De fado, pois, longe de serem tesas, as relações deste paiz com a Colômbia 
Britânica são de tal sorte frouxas que os habitantes delia poderiam rom- 
pel-as quando quize*ssem. » (Dezembro de 18S9.) 

A PROV. 10 


74 PARTK PRIMEIRA 

der; para desembaraçar-se delia, aceitou o poder a 
liberdade dos súbditos. Um facto mais raro ainda con- 
sumou-se ha pouco : a Inglaterra restituiu ás Ilhas 
Jonias a sua completa independência, de que logo se 
prevaleceram para annexarem-se á Grécia. Em vão 
procuro na historia outro exemplo de um grande es- 
tado renunciando assim a uma de suas possessões, 
livre e gratuitamente, sem necessidade imperiosa, 
nem pressão estranha \ » 

A politica centralisadora da monarchia brasileira 
não contrasta, por ventura, com a politica da coroa 
britânica relativamente a possessSes espalhadas por 
todos os mares da terra, e que aliás não são, como as 
nossas provincias, partes integrantes de um só Es- 
tado? 

Apreciai as vantagens incomparáveis da admi- 
nistração independente, das liberdades civis e poli- 
ticas: com menos da metade da nossa população, o 
Canadá, essa terra hyperborea da neve, dos lagos e 
rios gelados, tinha, ha quatro annos, um movimento 
commercial igual ao nosso. As sete colónias da Austrá- 
lia, aquém aliasse dão somente 2000,000 de habitantes, 
mais favorecidas pela natureza, mas também muito 
mais distantes, já faziam em 1866 um commercio du- 
plo do do Brazil, e seus governos já dispunham de 
rendas superiores ás nossas, applicando milhares de 
contos a estas duas grandes forças modernas, a estrada 
de ferro e a instrucção popular. Pungente parallelo ! 

^ La FrãHce et la Prusse devant VEurope; 1868. 


CENTRALISAÇÃO B FEDERAÇÃO 75 

Aqui as províncias desfallecem descontentes ; lá as co- 
lónias prosperam e breve serão estados soberanos. Aqui 
vive o governo central a inquietar-se com os mais in- 
nocentes movimentos das provincias ; lá, essa attitude 
de um poder suspeitoso, porque é injusto e fraco, não 
conhece-a o governo britânico. E si uma monarchia 
antiquíssima procrêa republicas democráticas, pode 
na America uma monarchia exótica converter os seus 
íístados em satrapias silenciosas ? 


/ 


PARTE SEGUNDA 


INSTITUIÇÕES PROViríClAÉS 


CAPITULO I 


o ACTO ADDICIONAL 


Em 1831 uma revolução nacional tentara quebrar 
o molde antigo que comprimia o Brazil, e imitar 
francamente os modelos americanos. O grande pres- 
tigio desse movimento memorável é a idea que o illu- 
rainou e dirigiu. 

Havia então nos homens poíiticos espontaneidade, 
ardor, fé viva na liberdade aquecida ao sol da Ame- 
rica. Não os retinham as falsas noções de governo 
que formam a triste atmosphera dos nossos dias. Al- 
guns Louve até que procuravam dar ao systema em 
experiência do acto addicional o rigor lógico das 
instituições federaes, que em gérmen continha. A ca- 
mará dos deputados votara que o Brazil seria monar- 
chia federativa. Propuzeram-se também, posto não 
o votasse a camará, duas significativas medidas : uma 
para que cada provincia tivesse a sua constituição 
particular, feita por snas assembléas ; outra para que 
o governo fosse provisoriamente vitalicio na pessoa 
do imperador D. Pedro II, e depois temporário na 
pessoa de um presidente das provincias confederadas 
do Brazil. Com tanta energia circulavam as novas ideas, 
que outra proposta, alias igualmente rejeitada, seoffe- 


80 PARTE SEGUNDA 

receu para que fosse a religião negocio de consciên- 
cia, e não estatuto de lei do estado. Principies tão 
energicamente affirmados, hoje espantam pelo vigor 

-que revelam nas almas varonis da geração de 1831 ! 
Chegou a vez da historia : reivindiquemos com al- 
tivez esses titulos do espirito nacional. Agora que os 
contemporâneos medem por seus eíFeitos o vicio da 

*monarchia centralisada, póde-se recordar-lhes a ma- 
neira como illusties brazileiros, adeptos aliás da forma 

'inonarchica, intendiam o regimen federal. 

Nessa época os dous partidos influentes, moderado 
e exaltado (o restaurador estava á margem) , concor- 
davam ambos em adoptar as bases democráticas de 
um governo descentralisado ; discordavam somente 
na forma da instituição central, inclinando-se mui- 
tos para a republicana. Depois é que o partido do re- 
gresso, composto dos servidores de Pedro I e dos libe- 
raes convertidos, restabeleceu as theorias européas 
da monarchia unitária, fazendo da forma realidade 
formidável. Regressámos, com efl^eito ; volvemos des- 
de então ao systema imperial. 

Ainda depois de 1840, depois de dilacerado o acto 
addicional, a muitos espirites leaes parecia que a 
reacção era um facto transitório, que os brazileiros 
resgatariam bem cedo as ludibriadas conquistas da 
revolução. Era com estranheza e grande emoção que 
se via restaurado nas camarás e no governo o syste- 
ma vencido em 1831. Debalde lutou-se, porém: cada 
anno, o génio da monarchia, o ideal de um governo 
forte pela centralisação sy métrica, fazia maiores, con- 


-^^^.^^mma^mi^ 


INSTITUIÇÕES PROVJNCIAES 81 

quistas nas leis, na prática da administração, diga- 
mos mesmo, por vergonha nossa, no espirito das 
populações. Vinte annos depois, ainda promulgava- 
se a lei contra o direito de reunião, a ler afrancezadá 
de 22 de ag-osto de 1860, esse diadema da omnipo-. 
tencia monarchica; Foi o seu zenith, e o mais alto 
grau do scepticismo politico. 

Animosos preparavam-se os brazileiros em 1834 
para o jogo de instituições livres. Hoje, nosso espi-^ 
rito cede instinctivamonti^. a uma influencia perver- 
sa, que o corrompeu e deg-rada. Nao somos ura povo, 
somos o Império. Temos, temos infelizmente que fa- 
zer uma educação nova. Mas, si não foi impossivel 
insaiar a liberdade em terra que surgia da escravidão, 
sel-o-ha por ventura restabelecer doutrinas que. já 
foram lei do Estado ou aspiração nacional? 

§ I. — A tentativa de descentralisação . 

A geração que effectuou a independência e influiu 
nos conselhos e assembléasdo primeiro reinado, ini- 
ciou a obra coroada mais tarde pelo acto addicio- 
nal. Idólatra da symetria franceza, a geração se- 
guinte inspirou e inspira a politica reaccionária do 
segundo reinado. 

Organisando em 1823 os conselhos de governo âas 
províncias, a Constituinte lhes dava attribuições po- 
liticas : era, por exemplo, da competência delles de- 
liberar sobre a suspensão de magistrados e do com- 

A PROV, . 11 


82 PARTK íiKaUNDA 

mandante da força armada. Os conselhos geraes no 
anno seguinte creados pela constituição foram a 
semente das assembléas pròvinciaes. Transformando 
instituições decrépitas do antigo regimen, a lei que 
aboliu o Dezembargo do Paço foi uma lei de descen- 
tralisação *. As da mesma época sobre administra- 
ção da fazenda publica, juizes de paz, camarás mu- 
nicipaes, e organisação judiciaria ou código do pro- 
cesso, acommetteram e destruiram o systema politi- 
co e administrativo anterior á independência. 

Mas a constituição outorgada por Pedro I atara as 

. províncias á capital do império : os conselhos legis- 
lativos, que creára, não tinham competência própria 
e definitiva : seus actos dependiam a final do gover- 

. no supremo ou do parlamento. Não podia tal centra- 
lisação resistir á prova da experiência. Apoderou-se 
do assumpto a paixão politica que os erros de D. Pe- 
dro suscitaram : dar ás províncias poder legislativo 
próprio foi idéa que propagou-se rapidamente antes 

mesmo da abdicação. 

« 

No espirito de alguns homens illustres, a idéa as- 
sumia as largas proporções do systema federal. Na 
sessão de 24 de maio de 1832 o deputado Hollanda 
Cavalcanti (visconde de Albuquerque) ofi^erecia um 


1 Vasconcellos, esse homem de génio que devia redigir o acto addicional 
par% ao depois repudial-o elle próprio, descreve cm uma só pbraso a refor- 
ma descentralisadora de 1827: « Asattribuições que com tanto vexame pu- 
blico eram exercidas pelo Dezembargo do Paço, sáo distribuidas pelos 
juizes territoriaes, camarás, presidentes do província, relações, tribunal su- 
premo e ministro de estado. » Carta aos eleitores mineiros^ 18S8 ; p. 91. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 83 

projecto de lei para o governo das províncias, cnjo 
art. V dispunha: « A administração económica de 
cada provincia do império não é subordinada á admi- 
.nistração nacional, sinão nos objectos mencionados 
e pela maneira prescripta na constituição. » 

Os subterfúgios dos absolutistas do senado, cuja 
maioria hesitante protelava o projecto das i^eformas vo- 
tado em 1831 pela camará temporária, provocaram o 
movimento de 30 de julho de 1832. Para a eventuali- 
dade de um golpe de estado, vários chefes liberaesde 
Minas eS. Paulo haviam preparado e fizeram circular 
a constituição reformada impressa em Pouso-Álegre. « O 
poder legislativo, dizia o seu artigo 13, é delegado á as- 
sembléa geral com a sancção do imperador, e ás assem- 
blfias provinciaes com approvação dos presidentes dás 
provincias.» A's assembléasdava muitas das attribui- 
oòes que conferiu-lhes oactoaddicional, accrescentan- 
do a seguinte : « Marcar o valor das causas civis, em 
que tem lugar o pedir revista das sentenças ao tri- 
bunal supremo de justiça. » (Art. 72 § 12.) Os pre- 
sidentes, cujo ordenado aliás seria fixado pelas assem- 
bléas (art. 156), adquiriam pela constituição de Pouso- 
Alegre as seguintes faculdades : proviam os beneficios 
e eclesiásticos sob proposta dos prelados, nomeavam 
e suspendiam os magistrados da primeira instancia, e 
em lista triplico propunham ao imperador os que de- 
vessem servir nas relações. (Art. 154 §§ 6, 7 e 8.) 

Foi o acto addicional (1834) redigido sobre a cons- 
tituição preparada em 1832. Com quanta inexactidão, 
pois, affirmar-se-ia que elle é obra da precipitação e 


84 PARTE SEGUNDA 

do acaso, concessão ás paixões do dia, não fructo de 
idéas amuderecidas ! E mbora a obscureçam algumas 
ambiguidades e vicios, aliás de fácil reparação, 
abençoemos a gloriosa reforma que consumou a in- 
dependência do Brazil. 

Não foi o acto addicional, não, um pensamento 
desconnexo e isolado na historia do nosso desinvol- 
vimento politico. Foi elaborado, annuuciado, por as- 
sim dizer, pela legislação que o precedera. 

Inspirou-o a democracia. EUe aboliu o conselho de 
estado, ninho dos retrógrados auxiliares de D. Pedro; 
decretou uma regência nomeada pelo povo, e per- 
mittiu que nossa pátria insaiasse o governo electivo 
durante um grande numero, de annos: fez mais, 
creou o poder legislativo provincial. Não é licito me- 
nosprezar obra similhante. 

A vehemencia com que os conservadores ainda 
acommettem a reforma de 1834, o uma profanação. Não 
attendem que o jogo das instituições representativas 
dadas pelo acto addicional ás provindas, não podia 
desde logo funccionar regularmente. Nem no pri- 
meiro reinado, nem durante a regência, era bem co- 
nhecido o mecanismo do systema politico que suc- 
cedêra ao regimen colonial. Ministros de estado, 
elles próprios, mal comprehendiam as suas attribui- 
ções. Hom^ens superiores havia então, como António 
Carlos e Alves Branco, como o marquez de Olinda c 
Vasconcellos, mas quasi sós : os demais faziam o 
tirocínio parlamentar. Votado o acto addicional, 
en^fou-se em duvida acerca de innumeras questões ; 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 85 

quasi se não podia dar um passo na assembléa geral 
por medo de intervir nas attribuições das assembléas 
provinciaes. * 

Referindo vários casos desse género, presumia o 
visconde de Uruguay patentear a anarchia legislativa 
daquella época^ E' o preconceito com que se defen- 
de a reacção de 1837. A historia julgará por modo 
bera diverso esse honesto proceder das camarás ; ella 
dirá si era anarchico deduzir da reforma constitucio- 
nal as suas consequências lógicas, e proferirá solemue 
juizo sobre os que repudiaram as franquezas provin- 
ciaes e as liberdades civis conquistadas pela revolu- 
ção de 7 de abril. 

A prudente, abstenção dos poderes geraes, escarne- 
cida pela satyra conservadora, explica-se aliás satis- 
factoriamente. Era mais difficil, cona effeito, determi- 
nar no Brazil o systema descentralisador inaugurado 
pelo acto addicional, do que nos Estados-Unidos o 
systema federal. Este é mais positivo, presta-se a 
conclusões rigorosas. O systema do acto addicional, 


* Eis aqui alguns exemplos : 

A camará dos deputados em 1 836 adia certa proposta do governo sobre 
\\QbeaS'Cor^M.s até que se adoptasse uma medida sobre a lei de U de junho 
de 1835 da assembléa provincial de Pernambuco. 

Adia cm 1S37 um projecto sobre a formação da culpa até que se decidisse 
a questão sobre empregados geraes e provinciaes. Adia, no mesmo anno, 
outro que elevava a renda para ser jurado, por duvidar-se da competência 
(ia assembléa geral para legislar sobre esse cargo. 

O próprio senado, em 1836, adiara projectos de suas commissões relativos 
a juizes de paz, municipaes e de direito, considerando muitos dos oradores a 
matéria privativa das assembléas provinciaes. 

* Ensaios de direito administrativo ; vol. $., pag. 207 e seg. 


86 PARTE SEGUNDA 

porém, occasionava maiores difficuldades práticas, 
porque não estabelecia a federação, mas um regimen 
que participava de ambos os systemas, centralisador 
e descentralisador. Por exemplo : na União America- 
na a assembléa legislativa de cada estado promulga 
os códigos e organisa a magistratura. Aqui, pelo 
acto addicional, ficavam sendo leis nacionaes os có- 
digos, e provi nciaes somente os cargos da magistra- 
tura local. 

Mas si não cessasse o respeito, com que as duas 
camarás do parlamento encaravam outr'ora as attri- 
buições das assembléas provinciaes ; si tão patrió- 
tica tendência se consolidasse, e não fosse a reacção 
de 1837 favorecida pela apostasia, a interpretação 
do acto addicional far-se-hia certamente em sentido 
inverso da lei de 1840. O que cumpria, com effeito? 
Cumpria intender o acto addicional á luz do principio 
que pi*esidíra á sua confecção : assim remover-se-iam 
as duvidas, e preencber-se-ia o systema. Mas as 
confusões que occorreram na pratica de instituições 
novas, a inexperiência dos homens públicos, a exa- 
g-eração com que fazia-se avultar os erros de funccio- 
nariqs ignorantes, o calculo dos que viram com tris- 
teza arrebatar-se da capital grande somma de poder 
e de influencia, — tudo concorreu precipitadamente 
para o descrédito do largo pensamento esboçado na 
reforma de 1834. Uma interpretação reclamou-se, logo 
dous annos depois, no sentido centralisador. * 

* Em 1836 o deputado Souza Martins apresentou o primeiro projecto de 
interpretação ; na sessão seguinte, o Sr. Paulino de Souza (visconde dft 


INSTITUICÕEIíá PROVINCIAES 87 

Fora, entretanto, o primeiro impulso do próprio 
governo geral promover os lógicos desinvolvimentos 
das franquezas concedidas ás províncias. Citaremos 
um facto. Expediu o regente Feijó um notável de- 
creto contendo instrucções aos presidentes para a boa 
execução da recente reforma, no qnal francamente 
firma o direito das provincias organisarem uma certa 
administração interna, creando agentes administra- 
tivos nas localidades \ Sem discutir aqui a neces- 
sidade de taes agentes % consignemos este pleno 
reconhecimento da competência do poder provincial. 
Ao governo não inspirava então ciúme a liberdade 
com que cada província constituísse sua administra- 
ção interior; pelo contrario, o governo as estimulava 
a entrarem nesse caminho. Quão longe estamos dessa 
época de renascença ! 

Resultado de uma profunda agitação politica, as 

Lxuguay ) offereceu outro mais largo, que foi votado depois, e é a lei de 12 
de maio de 1840. 

* Decreto de 9 de dezembro de 1835, § 10 : « Entre os objectos que muito 
convém promover, merece ser mencionada a creação de delegados dos presi- 
dentes em todas as povoações, como o meio mais próprio de serem breve e 
exactamente informados do que se passa em todos os pontos do território su- 
jeito á sua administração; de inspeccionarem e advertirem as autoridades 
locaes; de íiscalisarem aconducta dos funccionarios subalternos ; e de asse- 
gurarem a prompta e ílel execução das suas ordens ; mas para se colher 
toda a vantagem que desta instituição se deve esperar, é indispensável que 
as pessoas nomeadas para servirem aquelles cargos, sejam escolhidas entre a 
classe mais estimável dos respectivos togares, e que contem com alguma es- 
tabilidade.. . governo não duvida lembrar aqui, como modelo, os prefeitos 
e sub-pr Cf eitos Cicadoá pela assembléa legislativa da provincia de S. Paulo, 
perauadido que elies preenchem as necessidades da administração da pro- 
vincia. » 

» V. o S IV infra. 


88 PAHTK SEGUNDA 

instituições do período regencial accusam em seus 
autores a mais plena consciência da liberdade. Não 
eram doutrinas ou recordações escolásticas, que 
elles punham por obra : cousa notável ! espirites for- 
mados nos estudos clássicos do velho Portugal foram 
aqui os precursores da democracia o pregoeiros das 
constituições americanas, da forma federal dos Es- 
tados-Unidos. 

§ II. — A reacção : influencia do conselho de estado, 

Contra-reacção. 

Um dos chefes da reacção iniciada em 1836 allega, 
para justifical-a, dous motivos principaes: a insuffi- 
ciencia de recursos contra os abusos das assembléas 
provinciaes, e a extensão dos excessos que comniet- 
teram até promulgar-se a lei de 1840 e ainda depois *. 
Exageração, exageração fatal, em ambos os casos. 

Quanto ao primeiro, é exactamente esse escriptor 
quem expõe o encarece, na parte final da sua obra, a 
somma de poderes 'de que os presidentes o o parla- 
• m^ento estavam e estão armados contra as leis provin- 
ciaes abusivas. O que ha a lamentar, e elle o lamenta 

^ coni razão, é a negligencia de presidentes que con- 
selitiram, ou não souberam obviar taes excessos; é o 

• * descuido com que o governo deixa de promover a re- 
vogação da lei inconstitucional. 

Mas acaso tem na realidade havido uma lonira 

* Àáminiitraç&o da» provindas, pelo visconde de Uruguay : Tntroducção* 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 89 

série de actos provinciaes tão funestos a união, que 
devam levantar clamores épicos ? Grande exageração 
nos parece aíErmal-o. Algumas leis, em negócios de 
pouca monta, incorrem na censura de falta de com- 
petência das assembléas ; raríssimas se poderá dizer 
que são altamente perniciosas. A reacção clamou prin- 
cipalmente contra as alterações realisadas na justiça 
e policia pelas leis dos prefeitos de Pernambuco e ou- 
tras provincias. Quanto anos (permittam-nos antecipar 
esta reflexão), eram taes leis corollario do systema 
do acto addicional, assim como a interpretação que elle 
carecia era a que firmasse a competência das assembléas 
para as promulgarem \ Sem excluir essa famosa crea- 
ção dos prefeitos, póde-se assegurar que as assembléas 
nada fizeram que justifique perante a historia a gra- 
vissima accusação de tentarem dissolver a união: hy- 
perbole a que recorrem sempre os conservadores para 
attenuarem o golpe de estado de 1840. 

Percorremos os actos legislativos de algumas das 
maiores provincias no periodo de 1835 a 1840. En- 
contrámos leis organisando as novas repartições; eri^ 
gindo cadêas, fundando templos, abrindo escolas,' 
construindo estradas e melhorando rios: ahi palpitam 
solicitude pelos interesses locaes e confiança' na pros- 
peridade futura *. A autonomia das asseinbléas des- 

« *, 

4 

* V. os caps. V, §g 1- e 2-, e Vn 8 1.- 

' Algumas são leis mui notáveis. Entre estas, seja-nos licito citar a de 
Alagoas, n. 20, de 9 de março de 1836, que mandava levantar o mappa esta- 
tistico e topographico da província. A assembléa fixaria as despezas com os 
necessários trabalhos geodésicos. Os engenheiros percorreriam a província 

A PROV. 12 


90 PARTE tíEaUNI>A 

pertava-lkes o sentimento da responsabilidade, esti- 
mulo dos homens públicos. Tinham as províncias 
iniciativa para abrir caminho ao progresso ; de si mes- 
mas dependia o seu porvir : nao ficariam a desfallecer 
aguardando o illusorio impulso do governo central. 

Quando resurgiram as preoccupações monarchicas 
do poder forte pela centralisaçào, a coragem que as 
assembléas ostentaram no periodo de 1831 a 1840 re- 
fluiu de repente, deixando-as inanimadas. Volveram 
as províncias á condição de pupíllos : ímmenso presti- 
gio tinha o tutor; os próprios liberaes declaravam 
maior o joven imperante. Surge et impera-, dizia^se 
entào : ergueu-se com effeito, e tudo avassalou o prin- 
cipio monarchico restaurado com applauso quasi uni- 
versal. 

A lei chamada da interpretação foi, todos o sabem, 
o acto mais enérgico da reacção conservadora: limi- 
tando a autoridade das assembléas províncíaes, per- 
mittiu a creação da policia uniforme em todo o impé- 
rio e a militarisação da guarda nacional, instituições 
posteriormente organisadas com symetria a que só 
faltam os retoques propostos recentemente. Não ín- 

inteira « sem dispensar a mais pequena parte delia, ainda que inculta seja, para 
se demarcar com 'precisào astronómica as longitudes e latitudes dos diversos 
muni€Ípios e mais lugares notáveis. » A utilidade immedtata do mappa seria 
.a que indica oart. 4*: «O mappa mostrará em delineaçáo quaes as estradas 
móis convenientes a fazer-se; a origem, curso e foz dos rios e lagos, afim de 
de se conhecer a utilidade que pôde tirar a navegação, os obstáculos que 
a esta se apresentam e a pi ojecção dos mais fáceis canaes de navegação, e fi- 
nalmente os limites mais naturaes dos municípios e comaix^as. » Eis a intel- 
ligencia e a previsão cora que estreava uma assembléa. Iguaes exemplos po- 
dèr^sft-ia apontar de outras. 


INSTITUIÇÕKS PROVINCIAES 91 

terpretava-se, anjputava-se o acto addicional ; e tudo. 
sem os tramites de uma reforma constitucional : obra 
por esses dous motivos igualmente odiosa. 

Si o art. 7* dessa lei de 12 de maio de 1840 adop* 
tava uma razoável intelligencia estendendo o veto sus- 
pensivo do presidente ao caso de offensaá constituição; 
si o 5° e o 6** regulavam o modo da assembléa suspen- 
der ou demittir o magistrado provincial, é iúcontesta- 
vel que os outros quatro centralisavam a policia, a* 
justiça, a guarda nacional, e mais assumptos descen- 
tralisados pela reforma de 1834. 

A execução da lei de 1840 excedeu da expectativa 
dos seus autores. Apurou-a, requintou-a o conselho 
de estado na mesma época restaurado. Instituição 
alguma, neste segundo reinado, ha sido mais funesta 
ás liberdades civis e ás franquezas provinciaes. D'ali 
Vasconcellos, Paraná e outros estadistas aliás emi- 
nentes, semearam com perseverança as mais atrevi- 
das doutrinas centralisadoras. Fizeram escola, e tudo 
que de nobre e grande continham as reformas, per- 
verteu-se ou desappareceu. Nos Estados-Unidos ha 
um tribunal, a corte suprema, que preserva a invio- 
labilidade da constituição, já impedindo que as as- 
sembléas dos estados transponham a sua esphera, já 
oppondo-se ás invasões do congresso. Mas a corte su- 
prema offerec3 as garantias de um poder independente ; 
o nosso conselho de estado, porém, creatura do prin- 
cipe, dedicou-se á missão de ageitar as instituições 
livres ao molde do imperialismo. 

Amesquinhar o poder creado em 1834 foi o pen- 


92 PARTE SEGUNDA 

samento constante da reacção. Fácil fora citar uma 
longa serie de consultas e decisões do governo que 
confirmam esta apreciação. Em alguns casos não se 
duvidou mesmo desprestigiar a instituição das as- 
sembléas. Apontamos factos. Algumas teem, no exer- 
cido de seu direito positivo, suspendido ou demittido 
juizes: como procede então o governo imperial? per- 
doa a pena, annulla o decreto da assembléa, j^ubtra- 
he-lhe, portanto, a faculdade conferida pelo acto 
addicional *. 

Tudo se ha posto em duvida. Pôde, por exemplo, 
haver lei sem pena para os transgressores? Pois 
bem: até contestou-se ás assembléas o direito de im- 
porem penas correccionaes. Na Bélgica era esta uma 
questão ha muito resolvida: por direito expresso, as 
assembléas provinciaes podem lá, para assegurarem 
a execução das suas leis eoi^denanças, decretar prisão 
ou multa. Aqui pretendeu-se que nem nos regula- 
mentos da instrucção publica, nem nos da força po- 
licial e outros, cabia-lhes prescrever meios coercitivos 
especiaes. 

Nem a insignificância dos objectos permittiu que 
o governo se abstivesse do habito contrahido de tudo 
disputar ás provincias. Clama o conselho de estado 
e o governo expede aviso para que se não guardem, 
nos archivos creados pelas provincias, originaes ou 
cópias authenticas de iictos do governo geral, nem 
mesmo actas de eleições para deputado ou senador ! 

1 V. os casos deste género referidos nos SS ^1^ a 515 da obra citada do vis- 
conde de Uruguayv 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 93 

Este espirito delirante de uma reacção que nSo re- 
cuava siquer diante do infinitamente pequeno, tocou 
ao zenith quando os decretos de 1830 concentraram 
no poder executivo o direito de autorisar a incorpo- 
ração das sociedades anonymas. 

E mais longe que seus antecessores devera de ir 
o gabinete de 16 de julho. Seus delegados suspendem 
leis sjuiccionadas e promulgadas. Uma circular de 
1868 determina aos presidentes que não sanccionem 
lei alguma creando novas comarcas, e lhe declara 
que o governo não proverá de juizes as que não 
obstante se crearem. A reacção afronta a legalidade, 
desafia as províncias. 

Grande serviço pudera prestar um ministério libe- 
ral, esclarecendo aintelligencia das reformas de 1834. 
Longe de ainda admittir duvidas em certos assumptos, 
como sejam alguns dos que devia estudar acommissâo 
parlamentar proposta em 1861, — cumpria-llie instruir 
os presidentes sobre a verdadeira doutrina em muitos 
dos pontos litigiosos. A exemplo da regência que 
expedira instrucções para a execução do acto addi- 
cional, porque não se havia remover da mesma forma 
duvidas suscitadas pelo espirito de partido ? Para isso 
não fora mister lei ; hoje a tarefa da lei é muito maior 
e differente : é alargar as bases do acto addicional, ou 
completal-o. 

Instrucções bastavam para*reivindicar a bôa dou- 
trina dentro dos limites do direito vigente. Ahi está 
a razoável jurisprudência admittida em muitos casos 
pelo próprio autor da lei reaccionária, o visconde de 


94 PAftTK ssauNPÀ 

Uruguay, Seu livro, estampado em 1865, é, em alguns 
pontos, reacçSo contra a reacção de 1840. Já no titulo 
preliminar, já em capitules espeoiaeíi que combatem 
exagerações do conselho de estado, patentêa-se a be^ 
nefica influencia que o estudo das instituições ame* 
ricanas exercera no espirito do autor. 

Feitas as devidas reservas, consideramos os Estu- 
dús pmtieos sobre a administração das províncias como 
um protesto da reacçàío contra si mesma. Elle se elabo- 
rava na época do universal predominio do imperialismo , 
quando a idéa liberal perdia-se nas amplificações de uma 
vulgar logomachia politica. E' que, dentre os lugares 
communs, um existe cuja verdade a historia contempo- 
rânea attesta todos os dias : nâo morre a idéa liberal, 
resiste e sobrevive á ruiua dos seus representantes, e 
acaba por dominar os próprios vencedores. Eis ahium 
destes, e dos mais notórios, emittindo opiniões con- 
trarias ás doctrinas do seu partido,— do governo 
imperial. O visconde de Uruguay sustenta, com 
effeito, que podem as assembléas: 

Legislar sobre aposentadorias, jubilações e refor- 
mas dos empregados provinciaes, já por medida geral, 
já por decretas especiaes (§ 407) ; 

Conceder pensões por serviços feitos á provincia, 
assim como o governo e assembléa geraes as conce- 
dem por serviços ao estado (§ 411) ; 

Estabelecer o processo que hão de observar na de- 
cretação de suspensões ou demissões de magistrados 
(§521); 

P^mittír ao» seus estabelecimentos litterarios e 


lNSTITVJÇÕfi« PaOVlNClAES 06 

«oientifioos conferirem o grau de backarel (§ 172) ; 

Lançar, nos regulamentos sobre instrucção, penas 
contra as contravenções, embora não prevenidas fos- 
sem pelo código criminal (§ 173). * 

Condemna também o autor da lei de 1840 cada um 
dos expedientes administrativos, lembrados pelo con- 
selho de estado, para se embaraçar ou mutilar a illi- 
mitada faculdade das assembléas quanto á divisão 
civil e judiciaria (§ 166). • 

Finalmente, é ao illu^stre publicista americano 
Story, que elle pede as salutares regras de interpre* 
tâçao, com que repelle as restricções postas por te* 

' Ainda recentemente, por aviso de 19 de junho de 1861, desconheceu o 
governo este direito, sem o qual nada valeriam os regulamentos provijiciaes 
de qualquer natureza. 

* Não obstante, pedia esse autor uma lei geral que prescrevesse as regras 
de divisão segundo o numero de habitantes, a superfície e a riqueza de cada 
parte do território, e o modo de se verificarem taes circumstancias. E nã o 
é idéa abandonada ; repete-se no projecto de reíbrma ouinlcipat apresentado 
eml860(art. 12). Unifornra para todo o Brazil, preoccupação do systema 
francez, fora inconstitucional similhante lei de divisão administrativa. Pre> 
tendem os conservadores que o poder geral, por isso que paga o funccionari», 
deve intervir na creaç io do emprego» Nós ao contrario intendemos que, uma 
uma vez que pertence, nem pôde deixar de pertencer á província a faculdade 
de creâr o emprego pela divisão das circunscripçôes, pertençft^lhe também 
pagar os respectivos funcciònarios. E, si os paga, é lógico que os aomée» é 
lógico que legisle a respeito das suas attribuições. Assim, o poder provincial 
créa a comarca, e por isso deve pagar e nomear o magistrado. mesmo di- 
zemos do parocho. Com effeito, até 1842 os juízes de direitos ou todos os 
juizes territoriaes foram nomeados pelo presidente das províncias» e por 
estas pagos. Os parochos o fbram até 1848. Propondo um senador em 1861 
emenda ao projecto dos vencimeatos da magistratura para $ó se tomsrrem 
effectivas as novas creações de comarcas depois de votados os fundos j^ela 
assembléa geral, bem se lhe ponderou que a inconguencia não era do acto 
addtcional, pois que leis geraes. posteriores 6 que tfliviaram as provindas 
dessas deipezM com juizes e parochos, produzindo a desharmoaia «otiiat. 


96 PARTE SEGUNDA 

merarias consultas ás mais claras attribuiçSes das 
assembléas ; e então escreve estas palavras : « O fim 
do acto addicional (fim santo e justíssimo) foi depo- 
sitar nas províncias sufiiciente força, sufficientes 
meios, bastante autoridade para poderem por si aviar, 
sem as longas morosidades de ura só centro, certos 

• negócios provinciaes, e a respeito delles, uma vez 
que se contivessem nas raias da constituição, tor- 
nal-as independentes até da assemblóa geral. » Pése- 
se bem esta phrase: nos negócios meramente provin- 

* ciaes, o poder legislativo provincial não tem superior ; 
toas quantos abusos contra esta sã doutrina ! e não 
da assembléa geral, porém do poder executivo. K 

« 

« 

§111. — Precedentes estabelecidos pela reacção. 

Inútil para o leitor penetrado da idéa que domina 
a Içi das reformas de 1834, fora fastidioso o exame 
de cada decisão do governo opposta á índole das 
nossas instituições provinciaes. Indiquemos, entre- 
tanto, algumas das doctrinas do conselho de estado 
» para assignalar melhor o ponto a que chegou a reac- 
ção," e a tenacidade com que disputa o terreno con- 
quistado. 

Creára-se, ninguém o contesta, uma administração 
provincial separada da geral. O seu primeiro agente é 
a secretaria : pois bem, depois de se converter o secre- 
tario em empregado nacional, contestou-se ás assem- 
bléa» o direito de organisarem a repartição de que 
elle é chefe. 


INSTlTtJlÇÕES PROVINCIAES 97 

Ainda mais : o que são officíos do justiça sinão 
cargos eminentemente municipaes? Pois bem : está 
decidido que só ao governo central pertence prover 
t)s officios de justiça, separar os que estão reunidos, 
reunir Os que foram separados, tornar privativo o 
que é cumulativo, e vice-versa. 

NSo é a cadêâ estabelecimento local ? não declara 
O acto addicional que ás assembléas compete cons- 
truir casas de prisão e correcção, e estabelecei o seu 
regimen? (Art. 10 § 9°.) Pois duas restricçoes fize- 
ram-se, depois de 1840, a esta positiva ãttribuição 
dos poderes provinciaes. Primeiro, devolveii-se aos' 
chefes de policia, delegados do poder executivo, 
a faculdade de nomear e demittir os carcerei- 
ros ; e, depois, ficou pertencendo ao governo- 
marcar os ordenados dos de todo o império. E, 
entretanto, ás assembléas é que compete regular 
a nomeação dos empregados das prisões e fixar os 
seus ordenados. Estão os carcereiros convertidos èm 
funccionarios geraes ; não deve isto maravilbar-uí\s, 
porquanto avisos ha, baseados em consultas do con- 
selho de estado, mandando submetter á approvação 
do governo imperial o plano das obras de prisões I 

Quando se não pretexta a natureza do cargo, reSor- 
re-se a uma subtileza em razão da matéria. Compete, 
é certo, ás assembléas crear estabelecimentos de ins- 
trucção ; mas, segundo o conselho de estado, não 
podem ellas abrir um curso de obstetrícia, nem con- 
ferir ás mulheres que o frequentarem diplomas de 
habilitação ness,a arte. Minas, Alagoas, Ceará, Bahia 
A PRov. r 13 


98 PARTB SEGUNDA 

e outras províncias legislaram sobre boticas e sobre 
o exercicio dapharmacia e da medecina. Que abuso 1 
clamou o conselho de estado : não está, dice elle, a 
matéria regulada pelo governo geral, epreventa a ju- 
risdicçào das assembléas provinciaes? — Melhor fora 
certamente deixar plena liberdade ao exercicio de 
todas as profissões ; mas, continue ou não o actual 
regimen preventivo, não é dos poderes centraes que 
deve depender o regulamento da salubridade publica. 
Estender ás provincias a autoridade de uma junta de 
hygiene da capital é manifesta usurpação. O fiscal 
da saúde publica é a municipalidade. Na própria 
França, o decreto de 25 de março de 1852 (art. 2**) 
delegou aos prefeitos, sem mais dependência do mi- 
nistro, a policia sanitária e a industrial. Como 
admittir, em nossa terra extensissima, que a paten- 
te de pharmaceutico dependa dos provedores das ca- 
pitães de provincia, ou do ministro do império sob 
parecer da junta central? Porque razão também é o 
governo do Rio de Janeiro que nomôa um medico 
commissario-vacinador para cada provincia? 

São do mesmo género os embaraços postos ás leis 
provinciaes que, sob proposta das municipalidades, 
mandam nos domingos fechar oflicinas e casas de 
commercio. Entretanto, estas moralisadoras medidas 
pertencem á policia local, e sua legitimidade parece 
incontestável quando a regra se não estende aos cha- 
mados dias-santos. Reduzidas ao domingo, tem ellas 
caracter meramente hygienico, sem intenção re- 
ligiosa, nem offensa da liberdade dos cultos. E' por 


instituiçSes provinciaes 99 

haver deslocado a questão, que o conselho de estado 
as considera privativas do poder geral com accordo 
doecclesiastico, conforme os decretos da igreja admit- 
tidos no império. Decretos da igreja invocados hoje 
para regularem interesses temporaes sujeitos ao go- 
verno civil de cada localidade I * 

Constituida nas provincias uma administração se- 
parada, a quem pertence sinão ás assembléas, sob 
proposta das camarás, regular as questSes concer- 
nentes ao trabalho, suspensão delle no dia de des- 
canço, numero de horas segundo as idades, hygiene 
das officinas, e policia da industria e commercio? 
Não o permitte, porém, a centralisação actual ; e de 
facto não ha administração separada, nem as provin- 
das se governam por si mesmas. Cargos e fun,cç5es, 
negócios municipaes ou intereses provinciaes, tudo 
lentamente foi absorvido na monstruosa jurisdicção 
central. 

Desse trabalho perseverante apenas dão mui ligeira 
idéa os exemplos que citámos. Muitos outros e mais 
graves referiremos ao tratar de obras publicas e im- 
postos * ; ver-se-ha então que, ainda depois de muti- 
lado o acto addicional, não cessara, todavia, a tarefa 
das consultas e avisos. 


^ A camará municipal do Rio de Janeiro, em um recente edital (15 de no- 
veml^rode 1869), parece duvidar da sua competência, limitando-se a convi* 
dar U seus municipes á guarda do domingo ; e, pela mesma confusão de 
idéás do conselho de estado, appellando para o sentimento religioso dos ca- 
thoiicos, estende o convite aos dias smtifícados. 

« Parte IH, caps. V e VI. 


100 PARTE SEGUNDA 

E' deplorável que o próprio autor dos Estuados p^^a- 
ticos, que com tanto acerto afasta-se algumas vezes 
das exagerações do conselho de estado, siga muitas 
outras a trilha da rotina *. Entretanto, sustentando 
doutrina que na actualidade merece recordar-se, oon- 
4emná energicamente a usurpação que o governo 
geral algumas vezes praticara suspendendo leis 
proviuciaès sanccionadas ou legalmente publicadas 
(§ 612) . Que espanto não causaria ao chefe da reacção 
de 1840 o arbitrio com que, não o poder executivo cen- 
tral, mas os presidentes, delegados do actual ministé- 
rio, suspenderam por si sós leis provinciaes ! attentato 
que não cauza maior estranheza, que o escândalo da 
sua impunidade. 

' Ao governo, porém, não aos presidentes, intende 
o escriptor citado que deve uma lei conferir a facul- 
dade de revogar provisoriamente, até decisão da as- 
sombléa geral, a sancção dada por aquelles funccio- 
narios ás resoluções offensivas dos direitos de outras 
províncias, dos tratados ou da constituição (§ 629). 
Quanto a nós, nem essa lei seria necessária : para 
reprimir quaesquer excessos, basta a faculdade que a 
assembléa geral tem de revogar as leis provinciaes 
em catos similhantes. Demais, só uma grande con- 
fusão de idéas pôde inspirar tal doutrina em nosso re- 

^ Olvidando as próprias regras de interpretação que adoptara, adheriu 
esse autor a claMotòsas restricções. Ou seja tratando de obras publicas, ou 
referindo contestações relativas a impostos, assumptos de que tanto dependem 
a vida e a prosperidade das provindas, admitte elle opiniões manifestamente 
illegaes. Basta dizer que transcreve sem exame nem censura o aviso de 4 de 
janeiro de 1860. (V. Parte Hl, cap. V § 1.) 


INSTITOICÕBS PROVINCIAES 101 

«> 

gimen : a assembléa provincial é ramo do poder le- 
gislativo ; como pôde então o executivo revogar 
uma lei provincial ? Argumenta-se com o exemplo 
da Bélgica ; mas a sua organisação é differente da 
nossa. A lei belga permitte certamente ao* governo 
suspender os actos do conselho ou asserabléà contra-^ 
rios ás leis e regulamentos de administrjação g^eral, 
ou que ferirem o interesse publico, que contiverem 
excesso de attribuições, e que offenderem os direitos 
dos cidadãos. Nestes casos, porém, o governador não 
está investido do direito (diz o escriptor a quem to-^ 
mamos estas informações) de pronunciar-se sobre os 
actos do conselho ; limita-se a recorrer para o go- 
verno. As medidas votadas pelo conselho não depen- 
dem da sancção do governador. Na Bélgica, portanto, 
o poder central goza da faculdade da revogação, 
porque não tem o governador o direito de veto : as 
duas faculdades não devem coexistir. Entre nós , 
acima da assembléa provincial e do presidente, para 
conter os excessos da primeira e corrigir a negli- 
gencia do segundo, só pôde haver uina autoridade su- 
perior, o parlamento nacional. 

Todavia, não desistem os estadistas da escala con- 
servadora de medidas, que, como essa, ref^cem o 
systema montado pela reacção. Querem coroal-o com 
algumas reformas francamente unitárias. Vejamos 
até onde se estendem as suas aspirações. 


102 PARTE SEGUNDA 

§ IV. — Novos projectos centralisadores : conselhos de 
promnciay agentes administrativos. 

Não liastou converter em departamento francez a 
província do acto addicional, amesquinhando a sua 
autonomia legislativa : pretende-se agora conferir a 
delegados do poder executivo o conselho e a acção 
em negócios puramente provinciaes e até municipaes. 
Sob os nomes de conselhos de província e de agentes 
administrativos, tem sido vulgarisada, quer por meio 
de projectos de lei, quer por certos livros, esta nova 
tentativa de centralisacão. 

Tal é para o mal enorme que opprime as províncias, 
a solução proposta pelos doutrinários da escola im- 
perialista. Examinemos esses complementos das leis 
pelos conservadores promulgadas durante ò actual 
reinado. 

Será necessário, por ventura, crear conselhos, da 
nomeação do governo imperial, que preparem os ne- 
gócios a decidir pelos presidentes, e julguem em 
primeira instancia questões contenciosas ? 

Em nosso conceito, sirhilhantes conselhos trariam 
os seguintes manifestos inconvenientes : augmentar 
P a excessiva influencia do governo central, mediante 
novos funccionarios delle dependentes ; dificultar o 
processo dos negócios^ cujo andamento é hoje de- 
masiado lento; entorpecer a acção do presidente e 
diminuir-lhe a responsabilidade; annullar pratica- 
mente as assemblóas provinciaes. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 103 

Demais, sejam ou não úteis os conselhos, é evi- 
dente a inconstitucionalidade da sua creação por lei 
geral. Teriam elles que preparar ou discutir, na mór- 
parte dos casos, negócios provinciaes ou municipaes; 
ora* só ás assembléas pertence crear funccionarios 
com attribuições sobre negócios que não cabem na 
competência do governo geral. O parlamento não po-. 
deria decretar isso sem ostentar o máximo desprezo 
pelo systema da constituição reformada em 1834. 

Invoque-se embora o pretexto de que os conselhos 
seriam auxiliares dos presidentes só no preparo 
e despacho daquelles assumptos da administração 
geral, cujo processo se faça nas províncias : para tão 
pouco não é mister uma nova corporação. Segundo a 
natureza desses negócios, até hoje aos presidentes 
não faltou a consulta do inspector de fazenda, do pro- 
curador fiscal, do procurador da coroa onde ha relação, 
de magistrados, dos directores de arsenaes, do com- 
mandante de armas, e de outros funccionarios. Quer 
ouvidos isoladamente, quer em sessões periódicas que 
a prática poderia estabelecer, as informações e auxilio 
que os presidentes carecessem, delles alcançariam fa- 
cilmente sem dar-lhes o caracter pomposo de um con- 
selho formal e obrigatório. 

Uma lei da Constituinte (20 de outubro de 1823) 
organisára os conselhos chamados de presidência, 
que, compostos de seis cidadãos maiores de 30 annos, 
reuniam-se por dous mezes annualmente. Estas cor- 
porações, que alias precederam aos conselhos geraes 
creados pela constituição, duraram até 1834, sendo 


104 PAUTK SEGUNDA 

então supprimidos (lei de 3 de outubro), porque já 
estavam decretadas as assembléas provinciaes. Na 
mente do legislador, as asserabléas, substituindo os 
conselbos geraes, dispensavam os de presidência. 
Como, pois, se havia agora de restabelecer por lei 
ordinária uma instituição excêntrica do systema da 
reforma constitucional de 1834? 

E a propósito : com que ousadia avança a reacção 
monarcbica I o conselho de presidência e o conselho 
geral eram ambos corporações electipas : seus membros 
eram nomeados da mesma forma por que se elegem 
os deputados : quasi meio século depois, pretende-se 
conferir ao poder executivo a nomeação dos conse- 
lheiros de provincia. 

Inútil para os negócios geraes, inconstitucional 
quanto aos provinciaes, qual o objecto da nova en- 
tidade sinão robustecer a monarchia centralisada? 

As próprias assembléas é que poderiam crear, para 
auxiliares dos presidentes, conselhos meramente pro- 
vinciaes. Em 1858, reformando-se a administração da 
provincia do Rio de Janeiro, estabeleceu-se que os 
chefes das repartições seriam reunidos e ouvidos pelo 
presidente, quando intendesse preciso. Assim, sem 
maior dispêndio, sem o atropello de mais um inter- 
mediário entre o povo e a administração, assentou-se 
a prática de conferenciarem os presidentes com os 
chefes dos diversos serviços admin istrativos sobre os 
negócios que por sua importância o mereçam. 

Mas diz-se: «As questões do contencioso adminis- 
trativo carecem nas províncias de um tribunal de 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 105 

primeira instancia, sendo a segunda o conselho de 
estado ; e os projectados conselhos preencheriam esta 
missão. » Mais um sophisma! Carecemos, não de tri- 
bunaes de primeira e segunda instancias para o cha- 
mado contencioso administrativo, mas de erradicar 
esta parasita franceza enxertada no regulamento do 
conselho de estado. Além disso, para o julgamento de 
questões contenciosas relativas a negócios puramente 
provinciaes, ainda felizmente não foi supprimida a 
competência dos juizes ordinários. Nos negócios ge- 
nes da fazenda já existe o processo contencioso, quer 
perante as thesourarias, quer perante o thesouro ; e de 
sobra se tem regulado e centralisado esta parte do 
assumpto. Querer applicar o mesmo systema a todas 
as pendências entre a administração e os particulares, 
originadas nas provincias, não é alliviar, é opprimir 
os cidadãos. 

Abandone-se a prática franceza, fique competindo 
aos tribunaes o julgamento do contencioso geral, seja 
nas províncias, seja na corte a sede da questão. A 
Inglaterra e os Estados-Unidos não conhecem o con- 
tencioso administrativo, e nem por isso os seus sys- 
temas de governo parecem ^eiores que o nosso. 

O que se pretende, pois, sinão augmentar funcciò- 
nalismo supérfluo, sem necessidade positiva que o 
demande, por mera imitação dos conselhos de pre- 
feitura de França ? 

Os publicistas da escola conservadora crearam uma 
prevenção exagerada contra a organisação adminis- 
trativa das nossas provincias. EUa contém lacunas 

A PROV. 14 


106 PAUTE SEGUNDA 

certamente-; mas, para preeuchel-as, a solução dos 
liberaes ó mui opposta e diversa, é completar e for- 
tificar o systema do acto addicional, rodeando-o de 
instituições efficazes, como seriam os senados pro- 
vinciaes e as com missões permanentes, de que abaixo 
trataremos. * 

Duas palavras bastem para julgarmos dos projec- 
tados a":entes administrativos. * 

Executores das posturas municipaes , auxiliares 
dos presidentes, seriam, como estes, nomeados por 
decreto do imperador. Sua inconstitucionalidade , 
.porém, é manifesta. 

A constituição e o acto addicioaal enitcogaram ás 
coimaras, corporações de eleição popular, os negócios 
municipaes. Ora ba, com efteito, urgência de refor- 
mar a instituição municipal, não no sentido centra- 
lisador, mas no sentido inverso, restituindo-lbo a 
autonomia e tornando mais prática a execução das 
suas deliberações. O agente administrativo, nomeado 
pelo imperador ou pelo presidente, para o fim de in- 

« Gap. H. 

* E' antiga a idéa de taei auxiliares. O projecto de constituição da as- 
cembléa constituinte creava era cada districto um sub-presidente. No da 
administração provincial (1826), Feijó instítuia em cada villa a mesma au- 
toridade, proposta, em lista tríplice, pelas camarás municipaes ao presidente. 
Vergueiro, no das municipalidades (do mesmo anno), dava-lhe o nome de 
intendente municipal, igualmente apresentado pelas camarás, mas em lista 
quadrupla. O projecto da camará temporária para as reformas constituciooaes 
(1831) dizia no § 13: « Nos municípios haverá um intendente que será nelles 
o mesmo que o presidente nas províncias. » Todos estes projectos, porém, 
eram antei ipres ao acto addicional. Depois delle, crearam algumas províncias 
prefeitos com attribuições mais amplas que as simplesmente administrativas: 
vMe pcap. V, S 5* ^- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 107 

tervir nos negócios municipaes, seria a derradeira 
conquista do imperialismo. 

Mas, dizem, os presidentes não teem agentes subor- 
dinados que os auxiliem nos negócios geraes ou pro- 
vinciaes. Em nosso intender, é exagerada e inexacta 
esta afiirmação. 

D'entre os assumptos propriamente geraes^ cita-se, 
como exemplo justificativo, o recrutamento. Mas não 
se tem feito até hoje este bárbaro serviço por meio 
da policia ou de commissarios especiaes? e não deve 
elle desaparecer em breve deante da condemnação 
universal ? 

Os serviços de caracter geral nas provincias teem 
todos elles chefes próprios, administração particular, 
sujeita aos presidentes; a fazenda, o exercito, as ca- 
pitanias de portos, a g-uarda nacional, as obras pu- 
blicas, etc, todos esses ramos da administração , os 
dirigem agentes subordinados ao presidente da pro- 
víncia. Não são, pois, os negócios geraes que care- 
cem de um novo intermediário. Só a preoccupação do 
systeraa francez, só um falso amor da symetria, como 
notou-o J. J. Rocha condemnando em 1858 o pro- 
jecto da commissão presidida pelo Sr. Uruguay, só a 
falta de plena consciência das nossas instituiçSeâ na- 
cionaes, explicam esse plagio dos sub-prefeitos de 
Franca. 

Quanto aos negócios provinciaes, cumpre adverti t 
que, si taes agentes fossem mister, só as assembléas 
poderiam creal-os. Não suppomos, porém, que aexpe 
rieucia recommcndo a crwção de um agente adminis- 


108 PARTE SEGUNDA. 

trativo que concentre em cada divisão da provinda, seja 
o municipio, seja a comarca, seja outra qualquer, a 
superintendência de todos os negócios que nessa di- 
visão se tratem. Teriam certamente as assembléas 
competência para fazel-o, mas a lei da divisão do tra- 
balho opp5e-se a tal novidade. Em cada districto de 
uma provincia são de natureza muito diversa os seus 
próprios interesses : haas obras publicas, haainstruc- 
ção, ha a arrecadação dos impostos, etc. Fora mais 
útil delegar isso tudo a um só agente em vez dos 
funccionarios especiaes, engenheiros, collectores, 
inspectores, que hoje desempenham taes fiincções ? 
Não nos parece. * 

Entretanto, seja ou não mais conveniente isso do 
que a prática até hoje seguida, fique bem assigna- 
lado o caracter odioso de um acto do parlamento que 
assim interviesse no governo interior das provincias. 
Supérfluos quanto aos negócios goraes , os agentes 
administrativos seriam, como os conselhos de presi- 
dência, perniciosos por augmentarem o pessoal de- 
pendente do governo, e illegaes por usurparem um 
direito até hoje respeitado. 

Em 1867, porém, intendeu-se que ainda se podia 
renovar a tentativa que dez annos antes falhara. 
Para a obra reaccionária não fallece, com eSeito, a 
perseverança, que tanto tem faltado ao verdadeiro 


* Sustenta a competência das assembléas^mas admitte a conveniência dos 
novos^funccionarios o Sr. Cons. Ribas, Direito Administrativo, p. 197. go- 
verno geral já havia reconhecido essa competência em 1835 (§ I supra). 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 109 

progresso e ás reformas liberaes. Em longas sessões 
do conselho de estado discutiu-se um systema de pro- 
jectos centralisadores, com agentes administrativos 
e conselhos de presidência. O espirito desses projec-: 
tos era o da centralisaçâo franceza : a fonte, a legis- 
lação contemporânea de Portugal, onde houve tam- 
bém, entre as notabilidades politicas , quem, pres- 
tando-se a esmagar as liberdades locaes, coadjuvasse 
a incorrigivel tendência absorvente dos principes. 
Havemos ver tomarem-se aqui por modelo as imita- 
ções portuguezas de regulamentos francezes? aqui 
onde, por largos annos, estudára-se a organisação 
dos Estados-Unidos como o ideal dos povos modernos? 

V. — Missão do partido liberal. 

A illegalidade das doctrinas e dos precedentes es- 
tabelecidos pelos governos conservadores não é mais 
duvidosa para nenhum espirito esclarecido, para al- 
guns dos nossos próprios adversários. Alargou- se a 
tarefa dos liberaes da nova geração. Cumpre-lhes 
agora, não já disputar ao conselho de estado e aos 
avisos do governo fragmentos de concessões liberaes; 
cumpre-lhes propor o regresso ao espirito genuíno do 
acto addicional; cumpre-lhes exigir as consequên- 
cias lógicas que delle souberam tirar algumas pro- 
vincias antes de 1840. 

Quanto a nós, não nos limitaremos a pedir a oxe- 
cuçào da lei e o abandono de práticas perniciosas ; 


♦ 


110 PARTB SEGUNDA 

vamos também propor o complemento do systema es- 
boçado no acto addicional. Este systema suppõe nas 
províncias um poder legislativo e uma administração 
próprios : que falta para que funccionem com regula- 
ridade? até onde devemos cliegar no empenborde re- 
habilital-os ? quaes as circunscripções da descentra- 
lisação que os liberaes promovem? 

Responderemos apresentando, uma a uma, cada 
instituição provincial, não conforme uma theoria pre- 
concebida, mas segundo os traços que nos legaram os 
estadistas de 1831. Tal é o nosso metbodo: Em vez 
de offerecer reformas sem filiação histórica, prefe- 
rimos inspirar-nos nas tradições de um passado me- 
morável. Em questões que interessam á liberdade, 
reconhecida e consagrada outr'ora, mas aniquilada 
hoje, immensa força tem o partido que clama pela 
restauração das leis mutiladas. Si faltassem cxem- 
pios, o da Hungria contemporânea patentearia a van- 
tajosa posição de um povo que exige, em nome do 
direito antigo, não em nomo somente da theoria poli- 
tica, o restal)elecimeuto de suas instituições esma- 
gadas. 

A doutrina liberal não é no Brazil fantasia mo- 
mentânea ou estratagema de partido; é a renovação 
de um facto histórico. Assim considerada, tem ella 
um valor que só a obcecação pôde desconhecer. Como 
a França voltando-se agora para os principies de 89, 
nós volvemos a um ponto de partida bem distante, o 
fim do reinado de Pedro I; queremos, como então que- 
riam os patriotas da independência , democratisar 
nossas instituições. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 111 

E' tempo ! De sobra teinos visto uma nação joven 
offerecer aos olhos do mundo o espectáculo da decre- 
pitude impotente. Na America, onde tudo devora de 
ser navo, pretendem que o despotismo se perpetue 
perpetuando a centralisaç ao. O que somos nós hoje? 
somos os vassallos do governo, — da centralisação. 
Ouçamos o que á sua pátria dizia em iguaes circun- 
stancias o autor da Democracia na America. 

« Algumas nações ha na Europa, escreve Tocque- 
ville,onde cada habitante considera-se uma espécie de 
colono indiíierente ao lugar que habita. Sobrevêm as 
maiores mudanças no seu paiz sem o seu concurso ; 
não sabe mesmo precisamente o que é passado; tem 
disso apenas uma vaga idéa; por acaso ouviu elle re- 
ferir-se o acontecimento. Ainda mais: a prosperidade 
da sua povoação, a policia da sua rua, a sorte da sua 
igreja e do seu presbyterio, não lhe importam ; cuida 
que essas cousas todas lhe não respeitam de nenhum 
modo, e que pertencem a um estrangeiro poderoso 
chamado governo. Quanto a elle, o habitante, goza 
de taes bens como usufructuario, sem espirito de pro- 
priedade, sem projecto algum de melhoral-os. . . Quando 
as najões chegam a tal ponto, é forçoso que mudem 
de leis e de costumes, ou que pereçam; pois a fonte 
das virtudes civicas está nelias esgotada; ahi se in- 
contram vassallos, já não se vêem cidadãos. Taes na- 
ções estão preparadas para a conquista. Si não desa- 
parecem da f5cena do mundo, é que similhantes ou 
inferiores a ellas são as nações que as cercam... Mas, 
acerescenta o mesmo i Ilustre publicista, si não de- 


112 PARTE SEGUNDA 

pende das leis reanimar crenças que se extinguem, 
das leis depende interessar os homens nos destinos do 
seu paiz. Das leis depende despertar e dirigir esse 
vago instincto da pátria que jamais abandona o co- 
ração do homem, e, prendendo-o aos pensamentos, ás 
paixões, aos hábitos diurnos, fazer desse instincto 
um sentimento reflectido e duradouro. E não se diga: 
«é tarde demais para tental-o»: pois as nações não en- 
velhecem da mesma sorte que os homens. Cada ge- 
ração que surge no seio delias ó como um povo novo 
que vem oíFerecer-se á mão do legislador.» 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES ll3 


CAPITULO IL 


A ASSEMBLEA. 


Amesquinliaram o poder legislativo provincial as 
doutrinas da reacção; mas o annuUaram repetidos atten- 
tados dos agentes do governo. Ou sofismando o acto 
addicional, para declararem contrários á constituição 
e os suspenderem projectos de lei votados por dous 
terços, como o orçamento provincial da Bahia, e o mu- 
nicipal do Paraná que nem de sancção carecia; ou, 
mais francamente ainda, suspendendo leis já promul- 
gadas, como no Piauhy e Mato-Grosso, alguns 
delegados do gabinete de 16 de julho excederam- os li- 
mites da decência. 

A urgência do momento é, pois, zelar as preroga- 
tivas das assembléas; mas não é menos importante 
completar a instituição do acto addicional. A in- 
fluencia, o prestigio e a efficacia do poder legislativo 
provincial dependem, em nosso intender, da divisão 
em duas camarás e das commissoes permanentes. 


A PROV, 15 


114 PARTE SEGUNDA 


§ I. — Senados provinciaes. 


O art. 3* do acto addicional permitte ao parlamento 
«decretar a organisação de uma segunda camará le- 
gislativa para qualquer provincia, a pedido de sua 
assembléa, podendo essa segunda camará ter maior 
duração que a primeira. » 

Tão possuidos do systema federativo norte-ame- 
ricano estavam alguns dos membros da camará cons- 
tituinte de 1834, que na sessão de 25 de junho o de- 
putado Souza Martins propuzera desde logo senados 
provinciaes para Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, 
Minas e S. Paulo, sendo facultativos para as demais 
provindas. Eleitos por quatro annos, renovados por 
metade biennalmente, os senados compor-se-iam de 
18 membros, sendo 36 os da outra camará, chamada 
dos representantes como nos Estados-Unidos. 

A alguns escriptores da escola conservadora não 
tem escapado a conveniência de uma segunda camará 
legislativa nas provincias S e ha poucos annos, sob o 
governo dos nossos adversários, a assembléa de Per- 
nambuco representara neste sentido. . 

Seriam os senadores provinciaes, por sua edade 
(trinta annos, por exemplo, no minimum) , pela maior 
duração do seu mandato, pelas tradições administra- 
tivas que guardariam, os verdadeiros conselheiros do 

^ Direitê puhHco brasileiro, pelo Sr. V. de S. Vicente; § 195. 


INSTITUIÇÕBS PROVINCIAES 115 

presidente, levantando ao mesmo tempo um dique ás 
rápidas transformações da opinião na camará dos re- 
presentantes. 

Nas colónias inglezas experimentou-se a necessi- 
dade de taes senados logo que nellas começou a fun- 
ccionar o systema representativo. Ali se está agora 
adoptando a divisão da legislatura em duas camarás, 
que é a base da organisação legislativa nos Estados- 
Unidos. 

E' a divisão do poder legislativo em dous ramos in- 
dispensável á sua dignidade, não raras vezes compro- 
mettida pelos inevitáveis excessos e actos irreflectidos 
de uma assembléa única. 

Muitos dos habituaes conflictos entre o presidente 
e a assembléa evitará a segunda camará. E' sem du- 
vida melhor e mais regular que os projectos de lei 
sejam corrigidos ou repellidos por outra camará, re- 
presentante igualmente do povo, do que pelo órgão 
do poder executivo. 

Quanto contrastam as assembléas únicas das revo- 
luções francezas com o admirável mecanismo legisla- 
tivo dos norte-americanos ! A experiência havia sido 
decisiva para estes últimos, que nos primeiros tempos 
da confederação insaiaram na Pennsylvania a uni- 
dade legislativa, ao depois abandonada. 

« Dividir a força legislativa, moderar assim o mo- 
vimento das assembléas politicas, crear um tribuflal 
de appellação para revisão das leis,. taes são, diz To- 
cqueville, as vantagens resultantes da actual consti- 
tuição de duas camarás nos Estados- Unidos. O tempo 


116 PARTE SEGUNDA 

e ã experiência fizeram conhecer aos americanos 
que a divisão dos poderes legislativos é ainda uma 
necessidade de primeira ordem.... Pode-se d'ora avante 
considerar como verdade demonstrada a neces- 
sidade de repartir a acção legislativa por muitas cor- 
porações. Esta theoria, quasi ignorada das antigas 
republicas, introduzida no mundo por umacaso,como 
a mór-parte das grandes verdades, desconhecida de 
vários povos modernos, passou afinal como axioma 
para a sciencia politica dos nossos dias. » * 

Os senados provinciaes não representariam, pois, 
o interesso da liberdade somente ; seriam, antes de 
tudo, um elemento conservador. Seu mérito princi- 
pal consiste, porém, na efficacia, prestigio e digni- 
dade que dariam ao poder legislativo provincial. 
Custa crer que nossos adversários desprezassem esta 
garantia sabiamente facilitada pelo acto addicional, 
preferindo as medidas arbitrarias e os correctivos 
illegaes que hão empregado contra as assembléas. 


§ II. — Commiss^és 'permanentes. 

m 

Sentem os homens experimentados que se não te- 
nha introduzido entre nós a prática das commissoes 
perpianentes. As distancias no Brazil, dificultando a 
reunião das camarás, aconselham que se nomôe cada 

1 De \a démocratie en Amerique ; cap. V.— Vede também a 12* lição do 
.Sr. Laboulaye sobre a constituição dos Estados-Unidos. 


INSTITUIÇÕES PBOVINCIAES 117 

ãQno uma commissão legislativa para» na ausência 
delias, tomar conhecimento de certas propostas ur- 
gentes do governo, e preparar os trabalhos da sessão 
annual. 

Iguaes razões recommendam isso nas provincias. 
A Bélgica fornece um exemplo digno de ímitar-se, e 
que já foi seguido pela Hollanda. Ali o conselho 
provincial elege uma deputação permanente composta 
de seis membros, para represental-o no in- 
tervallo das sessões, deliberar sobre as questões or- 
dinárias da administração, fiscalisar o emprego dos 
fundos votados pelo mesmo conselho, e também para, 
em caso de urgência, tratar de negócios privati- 
vos delle. 

Na organisação belga, as deputações permanentes 
correspondem aos conselhos de presidência, que aqui 
se pretende compor de membros nomeados pelo Im- 
perador. E' tanto assim que, como jurisdição conten- 
ciosa (na Bélgica adoptou- se o systema francez nesta 
parte), a deputação estatuo, em primeira ou em ul- 
tima instancia, sobre contestações que tenham por 
objecto direitos politicos ou administrativos, deri- 
vados de eleições geraes, provinciaes e municipaes, 
ou relativas á guarda civica, á milicia, ás institui- 
ções de beneficência, etc. Como agente do poder 
central, pois que seus membros são retribuídos pelo 
Estado, embora nomeados pela assembléa, de que fa- 
zem parte, a deputação intervém na execução das leis 
e medidas de interesse geral. Seu presidente é o go- 
vernador da provincia, que nella tem voto. 


118 PARTE SEGUNDA 

s 

Vários publicistas francezes contemplam a mesma 
idéa entre os projectos de reforma administrativa. ^ 

Em n^sso conceito, as commissões permanentes 
das assembléas, proviáoriamento votando medidas de 
urgência, preparando os trabalhos da sessão legisla- 
lativa, facilitando o despacho dos neg-ocios secundá- 
rios, prestariam maiores serviços que nenhum conse- 
lho administrativo. 

Elias permittiriam também remover uma diflSicul- 
dade geralmente reconhecida. E' o governo cental 
quem approva ou annulla as eleições de juizes de paz 
e vereadores : os presidentes mandam reformar as vi- 
ciadas, quando a demora não permitta aos novos elei- 
tos funccionai^em no dia legal. Similhante centra- 
lisação mancha uma das leis mais liberaes quepos- 
suimos. Para evitar o arbítrio com que presidentes 
facciosos procediam outr'ora nas decisões eleitoraes, 
commetteu a lei de 1846 o duplo erro de centralisar 
o conhecimento definitivo destas questões e de ainda 
permitir áquelles funccionarios intervenção provisó- 
ria. Abundam os casos de violentas decisões, quer 
dos presidentes, quer do próprio governo imperial. 
Ainda quando no Brazil fosse o poder tão escrupu- 


* Odilon Barrot, obra cilada; Prevost Paradol, La France nouvelle, liv. II, 
cap. 2. — Segundo o Sr. Béchard, a cujas opiniões já nos 'referimos (Parte 
I, cap. II), cada conselho geral de departamento teria, não uma, mas varias 
commissões permanentes, quer durante as sessões do conselho, quer na sua 
ausência, a saber: commissão de obras publicas, de imposições, de tomada 
de contas, d«a estabelecimentos de caridade, de prisões, de salubridade, das 
communas, de cultos e instrucção publica, e objectos diversos e extraor- 
dinários. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 119 

loso que jamais deixasse de respeitar o voto do povo, 
seria acaso praticável concentrar no Rio de Janeiro o 
estudo e julgamento das eleições de juizes de paz de 
todos os districtos e as de vereadores de todas as ca- 
marás municipaes ? Essa tarefa ó, com effeito, mui 
penosa para a administração central, e, tomando um 
logar que outros deveres preencheriam melhor, mos- 
tra a seriedade das occupações dos nossos governos. 
Demais, deve, por ventura, competir a autoridades 
executivas attribuição desta natureza, que importa 
o julgamento dos comícios populares? Por outro lado, 
nào é um dos direitos da assembléa provincial a su- 
prema inspecção da parocliia e do município ? Só a 
ella se poderia, portanto, confiar essa grave attri- 
buição, e, no intervallo das sessões legislativas, á 
cominissão permanente, que, a exemplo da Bélgica, 
deve de resolver todos os negócios municípios ur- 
gentes. 


III. — Eleição, 


Além dos seus notórios defeitos, o systema eleito- 
ral vigente, quanto á representação provincial, offe- 
rece o grave inconveniente de tirar aos membros das 
assembléas o caracter municipal, que deveram ter. 
Nove das províncias formam cada uma um só dis- 
tricto eleitoral, e nas outras são estes demasiíidamen- 
te extensos. 


120 PARTB SEGUNDA 

Quanto a nós, os membros da primeira oamara pro- 
vincial, a dos representantes, seriam eleitos pelos 
municípios, votando os eleitores em parochias. CJada 
municipio nomearia trez representantes, cabendo a 
cada eleitor dous votos somente. 

Os membros do senado provincial, porém, haviam 
ser nomeados pelos eleitores da província inteira, vo- 
tando igualmente em parochias e em dous terços dos 
nomes. Duraria seu mandato quatro annos, renovan- 
do- se pela metade em cada eleição da outra camará. 
Exigir-se-ia a condiçSo de uma edade minima, trinta 
annos por exemplo. O numero de senadores, certa- 
mente limitado, nunca devora ser menor de doze. 

Si ajuntássemos ás attribuiçoes da assembléa a de 
nomear os senadores do império, por maioria de vo- 
tos de ambas as camarás provinciaes reunidas, dous 
por cada provincia, com mandato por oito annos e 
renovação parcial de quatro em quatro, ter-se-ia 
com,municado ao nosso systema politico uma energia 
-desconhecida até hoje. Então veríamos, nas provin- 
cias e na capital, verdadeiras lagislaturas democrá- 
ticas* succederem ás camarilhas de presidentes e mi- 
nistros. 


IS 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 121 


CAPITULO III 


o PRESIDENTE 


O preclaro escriptor que ao começar deste século 
vulgarisára no Continente as doctrinas constitucio- 
naes, expoz á França uma larga theoria descentra- 
lisadora, que nos importa invocar. 

« A direcção das negócios de todos, diz elle, per- 
tence a todos, isto é, aos representantes e aos dele- 
gados de todos. O que não interessa mais que a uma 
fracção, por essa fracção deve ser decidido; o que 
somente importa ao individuo, não deve estar sujeito 
sinSo ao individuo. Não se pôde repetir demasiado — 
que a vontade geral não é mais respeitável que a 
vontade particular, desde que ultrapassa a sua es- 
pliera própria. Tem-se até hoje considerado o poder 
local como ramo dependente do poder executivo ; pelo 
contrario, si não deve nunca embaraçar a este, o 
poder local não deve também depender delle...... Não 

tesito em dizel-o, é preciso* introduzir em nossa ad- 
ministração interior muito federalismo. » * 

O clássico publicista determina assim o caracter 
das instituições administrativas dos povos modernos, 

* Benjamin Constant: Politique Constitutionelle ; V parte, cap.X. 
A PROV. 16 


122 PARTE SEGUNDA 

a Índole do self-government, que é a ardente aspiração 
dos pensadores da França e uma realidade em vastas 
regiões do mundo. * 

Não bastou ás colónias inglezas regerem-se por leis 
próprias decretadas por suas assemblóas. Incompatível 
com estas tornára-se a autoridade discricionária de 
um governador enviado pela metrópole. Poder exe- 
cutivo independente, elle praticamente annuUava o 
poder legislativo colonial. Ou a separação, ou minis- 
tério responsável á imagem do governo parlamentar 
da metrópole, tal foi o grito de guerra n^s agitações 
politicas do Canaâá e outras possessões. Era inevitá- 
vel o dilemma : a sabedoria do governa britânico 
attendeu ao clamor dos povos ; fundou-se o systema 
representativo nas mais importantes coloixias. * 

A mesma crise, por motivo idêntico, ae está pro- 
nunciando no Brazil. 


§ I. — Eleição do presidente; independência dos fun- 

cçionarios geraes, 

A assembléa e o governador, dous poderes que se 
completam, não podem descender de origens oppostas. 
Si a fonte d'ondg emana o segundo dá-lhe absoluta 
independência em relação ao primeiro, este fica nul- 
lificado". Por isso é que parlamento com rei absoluto 

* Parte í, cap. H. 
« Parte I, cap, VI. 


INSTITÚiÇÕBS PEOVIÍÍCIAES 123 

é, na phrase de Cromwell, casa 'gara alugar ; por isso 
é que nas monarchias constitucionaes o ministério é 
commissão do parlamento, que de facto o nomêa. 

A experiência das possessões inglezas assaz pa- 
tentêa a incompatibilidade de uma assembleia po- 
pular com um administrador iiliperial. «Antes de 
adoptado o principio do governo responsável, diz 
Erskine May, quaesquer que fossem as Ôuctuaçoes 
da opinião na legislatura ou na colónia, qualquer 
que fosse a impopularidade das medidas ou das 
pessoas incumbidas de propol-as, coíitinuavíam estas 

a dirigirem os conselliôs da colónia Acontecia 

então que os conselbeiros (ou secretários) do gover- 
nador seguiam uma politica, a assembléa outra. Me- 
didas elaboradas pelo poder executivo eram rejeitadas 
pela assembléa ; medidas votadas pela assembléa eriam 
repellidas pelo conselho ou recebiam o veto do go- 
vernador... Não havia em taes casos meios cons- 
titucionaes para restabelecer a confiança e boa in- 
telligencia entre os poderes contendores. Frequentes 
dissoluções das assembléas exasperavam o partido 
popular, e geralmente redundavam em seu final 
triumpho. Tornou-se chronica a hostilidade entre a 
assembléa e os funccionarios permanentes que ca- 
hissem em impopularidade.... Instituições represen- 
tativas em collisão com um poder irresponsável, 
ameaçavam* a narchi a: estava assim provada a incom- 
patibilidade de dous antagónicos principies de go- 
verno. » 

Estes são, em verdade, principies diametralmente 


124 PARTE SEGUNDA 

oppostos. Assembléa eleita pelo povo exige, como 
complemento, administração que se possa remover 
conforme o voto do povo ou dessa assembléa. Vários 
projectos se oíFereceram em 1832 e 1834 para que o 
presidente fosse electivo. Por lei, porém, ficou este 
ponto resolvido de modo incongruente com a idéa da 
reforma constitucional. Ao passo que se consagrava 
a autonomia legislativa da provincia, confiava-se o 
poder executivo a um delegado do governo central. 
Só os vice-presidentes entraram na esphera provin- 
cial, sendo biennalmente escolhidos pelas assembléas, 
concessão aliás que a reacção não se esqueceu de sup- 
primir, arrancando-lhes esta faculdade, que repre- 
sentava, inda que parcialmente, um grande principio. 
Assim, pediam as provincias e deu-se-lhes poder le- 
legislativo independente para prover aos seus interes- 
ses meramente locaes ; careciam, mas recusou-se-lhes 
poder executivo próprio para cumprir as suas leis par- 
ticulares, relativas a esses interesses locaes. 

Fácil fora prever a desordem gerada por tamanha 
inconsequência. A experiência das estéreis lutas en- 
tre as assembléas e os delegados do imperador tem 
de sobr^ patenteado o engano daquelles que reputa- 
ram feliz a combinação de dous principies antinomi- 
cos : uma legislação local executada por funcciona- 

rio estranho á localidade. * 

* 

1 Um facto recente íllumina esta questão. Havia a assembléa liberal de S. 
Paulo decretado a liberdade do ensino ; aulas particulares, escolas nocturnas 
paraiidultos fundavam-se na capital e no interior, quando sobrevêm um re- 
gulamento creando embaraços ao pensamento do legislador. « Â execução da 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 125 

Urge obviar tão notório inconveniente. Para os 
conservadores, o remédio consiste em aperfeiçoar-se 
a obra reaccionária de 1840, annuilando-se indirecta- 
mente as assembléas, ou extinguindo-as resoluta- 
mente *. Para os liberaes, a solução está, convém 
repetil-o, em aceitarem-se francamente as consequên- 
cias lógicas do systema adoptado, restaurando-se a 
assembléa do acto addicional, e dando-se-lhe por com- 
plemento o presidente electivo. 

Seguramente , erguer-se-ha aqui o fantasma da 
anarchia, com que se intimida o povo e afugenta 
qualquer idea nova. O estado presente é que é a 
anarcbia . Supponba-se , como ainda ha pouco , a 
coexistência de presidentes conservadores com as- 
sembléas liberaes. Quantas lutas inconvenientes ! 
que espectáculo oflferecem os poderes públicos á po- 
pulação maravilhada! O menor prejuizo é a total 
paralysia da administração. Não obteve orçamento? 
proroga o presidente o anterior, de autoridade pro- 

lei, clamava o presidente da assembléa, corre o perigo de ser baldada. Este 
estranho facto robustece a minha antis^ convicção de que'as esperanças gera- 
das pelo acto addicional não podem ser realisadas completamente, sinão quan- 
do o delegado do poder executivo na província estiver em perfeita harmonia 
com a respectiva assembléa. Em vão se quiz ahi consignar o dogma do go- 
verno da província pela província na orbita dos interesses puramente provin- 
cíaes : a actual organisação administrativa, que não poderá ser duradoura, 
inutilisa tão salutar dogma. » (Discurso proferido pelo Sr Cons. Carrão^ pre- 
sidente da assembléa de S. Paulo, ao encerral-a em julho de 1869. ) 

* Um projecto do Sr. ministro do império (1869) transfere a assembléas 
chamadas municipaes, compostas de membros não electivos, importantes 
attribuições das' assembléas provínciaes. Mais longe ia um deputado que 
em 1859 lembrava a divisão do império em pequenas circunseripções iguaes, 
meramente administrativas, como os departamentos de França. 


126 PARTE SEGUNDA 

pria. Medidas tomadas pelos antecessores, seus ad- 
versários, annuUa-as; obras om via de execução, 
abandona-as. Projectos votados pela assemblóa hos- 
til, recusa sanccional os ; e, si aquella insiste, sus- 
psnde-os por qualquer pretexto, recorrendo para o 
governo : e alguns fizeram mais, suspenderam a exe- 
cução de leis eíFectivas, anteriores, j a promulgadas. 
Ha mais patente desordem? ha maior anarchia? 

Harmonisemos dous poderes condemnados , pela 
incoherencia da sua organisação , a um perpetuo 
conflicto. Assentem na mesma base, decorram da 
mesma origem. A sabedoria do legislador consti- 
tuinte está em dar aos poderes que construe todas 
as faculdades necessárias para viverem a vida plena 
das instituições de um povo livre. Querem uma ad- 
ministração provincial differente da administração 
geral? pois dê-se-lhe toda a autonomia correspon- 
dente á sua tarefa. O contrario, o que estamos vendo, 
é um aleijão, sem elasticidade, sem vida real. 

Para tornar a instituição provincial susceptivel do 
todo o desinvolvimento, não satisfaria, pergUntar- 
^e-ha talvez, a combinação adoptada nas colónias 
ingleza#? Ahi, como já vimos, a exemplo do sys- 
tema parlamentar da metrópole, resolveu-se o pro- 
blema cercando o governador de secretários ou con- 
selheiros tirados da maioria da assembléa , ficando 
elle dS" facto um soberano constitucional e passando 
a realidade do poder executivo a esses delegados da 
legislatura. Si imitássemos o exemplo, o presidente, 
como os lords governadores, seria um embaixador do 


* 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 127 

goveroo central junto ás províncias. Sua ostentosa 
missão exigiria um salário correspondente. Certo, hax - 
viam ser então aproveitados, para esta elevada e bri- 
lhante posição, homens superiores , chefes poli ti cos, 
que muita vez ficam sem tarefa nem responsabilidade 
no governo depois de escolhidos os sete ministros. 
Estas, entretanto, nos parecem vantagens secunda- 
rias. Subsistiria sempre o inconveniente notado ; 
aconteceria muitas vezes haver um presidente de par- 
tido opposto á assembléa ; e, por outro lado, um mi- 
nistério da confiança da assembléa, mas antipathico 
ao presidente. A consumada prudência dos governa- 
dores inglezes e a moderação do carater britânico 
attenuam nas colónias esse grave inconveniente ; 
mas acaso conseguiriamos , em nossas provincias, 
cuja politica interna se liga estreitamente á politica 
geral, remover os inevitáveis conflictos nascidos de 
tal combinação? Poder-se-ha realisar nas províncias 
esse typo de systema parlamentar que tão difficil tem 
sido aclimar nas altas regiões do governo ? 

No modo de eleger o presidente procuraram os pro- 
jectos liberaes de 1832 e 1834 remover os escrúpulos, 
daquelles a quem esta novidade espantava. E^s pro- 
jectos, nenhum dos quaes obteve maioria, coincidiam 
em três pontos: lista triplico, escolha e demissão pelo 
governo central. A divergência estava em proporemj 
um, a nomeação pelos eleitores da província; ^utro, 
a apresentação pelas camarás municipaes; e um ter- 
ceiro, pelas assembléas legislativas.. Fixava-se em 
umdelles o periodo presidencial em dous annos * . Recen- 

^ Foram os seguintes: 


128 PARTE SEGUNDA 

temente lembrou-se a conveniência de serem os presi- 
dentes tirados d'entre os membros da assembléa pro- 
vincial. Esta combinação, que alias deixa ainda ao 
governo grande liberdade, tem o inconveniente de 
confiar ao acaso uma escolha acertada. Em nosso in- 
tender, não cabe aqui solução intermédia: o gover- 
nador não pôde ser sinão delegado do governo ou 
mandatário do povo. A eleição, uma vez preferido 
este systema, é qne pôde ser directa, como actual- 
mente nos Estados-Unidos, ou indirecta pelos mem- 
bros reunidos de ambas as camarás da legislatura. 
Era assim naquella republica ao começar deste sé- 
culo, e, quanto a nós, razões de prudência recona- 
mendam que façamos do mesmo modo a experiência 
do novo systema. O prazo de cada administração é 

Do deputado Paula Albuquerque,em 26 de maio de 183S:— «Os presideates 
das províncias.... serão propostos pelas camarás municípaes delias em listas 
tríplices, e nomeados então pelo poder executivo na forma da constituição 
do império.» (Art. 1.) — Poderiam ser demittidos a arbítrio do governo, fa- 
zendo^se a nova nomeação ou por outra lista tríplice ou pela mesma (Art. 5}. 

Do deputado Fernandes da Silveira, a 9 de julho de 1834« em emenda ao 
projecto do acto addícional: — «Estes presidentes das províncias serão nomea- 
dos pelo imperador sobre lista tríplice organisada pelas assembléas provín- 
.ciaes.» EmeAda regeitada na sessão de 12 do mesmo mez, tendo obtido 
11 votos. 

Do mesmo deputado, a 4 de agosto seguinte (1834), em outra emenda ao 
projecto de lei das attribuições dos presidentes:— «Ô presidente da província. . 
será nomeado da mesma forma que os senadores.» 

Do deputado Cornelio Ferreira França, a 27 de junho de 1835;— «Os piesi- 
dentes de província serão nomeados pelo Imperador sobre proposta de três 
cidadãos brasileiros feita' pelos eleitores no mesmo tempo que se elegerem os 
deputados ás assembléas províncíaes. (Art. 1).— Estes presidentes serviràõ 
todo o tempo da legislatura provincial, emquanto não forem removidos pelo 
imperador, mas neste caso o imperador mandará na mesma occasião fazer 
nova proposta para ter lugar a nova nomeação.» (Art. 9.) 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 129 

que podia estender-se a quatro annos, nâo podendo ser 
o mesmo individuo nomeado duas vezes seguidas. Em 
todo o caso, não deveria a lei impedir que cada pro- 
víncia adoptasse o methodo que mais conveniente 
lhe parecesse depois. 

E não se diga que a eleição do presidente repugna 
á Índole das nossas instituições. O presidente exerce 
hoje uma dupla autoridade: delegado do governo cen- 
tral, administra e inspecciona os negócios geraes na 
província; executor das resoluções da assembléa, di- 
rige e promove os interesses peculiares da província. 
Confundidas actualmente nas mãos de um só funccio- 
nario, essas duas fontes de poder conspiram paracon- 
vertel-o em um verdadeiro více-rei. Quanto a nós, o 

• 

que pretendemos não é perpetuar a confusão que pro- 
duz tamanho poder, mudando apenas o delegado do 
centro em mandatário do povo; pelo contrario, pen- 
samos que os negócios geraos que nas províncias se 
tratem, só devem de ter por administradores os res- 
pectivos commissarios da administração central,ida 
mesma sorte por que só um representante da locali- 
dade pôde bem gerir os negócios locaes. 

Assim, ao lado do presidente electivo, pçimeira 
autoridade executiva da província, coexistiriam, in- 
dependentes delle, o inspector da fazenda nacional, 
o das alfandegas, e todos os agentes do thesouro, o 
commandante das armas e chefes militares, os com- 
mandantes das divisões navaes, os directores de ar- 
senaes, etc. Então, pela natureza das cousas, e con- 
sequência necessária da mudança de systema, nenhum 

A PROV. 17 


^ 


130 PARTE SEaÚNbA 

deâtès funccionarios geraes (federáé^ nos Estados- 
Unidos) estaria hierarchicamen te súboi^dinado ao pre- 
sidente: dependeriam directamente dos respectivos 
miniátíos de estado. Sua correspondência n^o far-se^-ia 
mais, como hoje acontece, por intermédio do pre- 
sidente. Nào poderia este conhecer dos negócios ge- 
ràès affectos áquelles funccionarios, que por si os 
dé(iidíriàm, marchando então o sei*viço púbiicó óom 
a precisa celeridade, e sendo mais effectíva a res- 
ponsabilidade de cada chefe de serviço efepeiíial. 

Continuaria, entretanto, o presidente a ser reputado 
primeira autoridade da provincia, na phrase da lei 
dé 3 de outubro de 1834, não em ábsoliit(>, masqutiilto 
aos negócios provinciaes. Está separarão d^efuncooòs, 
essencial aos estados fedèraes, é o que f^è verifica 
rigorosamente nos Estados-Unidos. Ella Mó impede, 
todavia, o poder centrnl de commetter ao gover- 
nador electivo o exame de determinados assumptos, 
de pedir-llíe esclarecimentos e conselho, ou de exigir 
o seu auxilio e cooperação. A constituição argentina 
o diz expressamente no iart. 110 : « 0.^ govei*nadores 
de provincia sào agentes naturacs do governo federal 
para fazer cumprir a constituição e as leisda nação. » 

§ II. — Vantagens da eleição do presidente. 

Electivo, o presidente exerceria as suafe func^^ões 
por um prazo fixo, quatro annos por exemplo, como 
em grande numero dos Estados-Unidos. Cessaria então 
a deplorável instabilidade das administrações provin- 


£ 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 131 

ciaes, mal desconhecido no antigo regimen, pois 
serviam por triennios os governadores nomeados pela 
metrópole, e muitos houve que duraram mais tempo. 

Na republica norte-americana, os governadores, 
secretários e altos funccionarios que o presidente 
nomêa para os territórios, servem quatro annos, com 
quanto possam ser exonerados antes. Nos estados 
constituídos, todos os altos funccionarios toem um 
periodo fixo, excepto si destituídos em virtude de 
processo. Imagina-se a segurança que d^ahi resulta 
para a marcha administrativa, e sua benéfica in- 
fluencia na promoção dos melhoramentos públicos. 
No Brazil, porém, a immobilidade se perpetua com 
a rápida successão de scenas e figuras do quadro 
administrativo. 

Cada anno vê-se aqui, de viagem para as províncias, 
um enxame de presidentes, chefes de policia e outros 
empregados, que, sem demora, emprehendem novas 
viagens em demanda de novos climas. * 

Não procede isto somente da inconstante politica 
que não cessa de nomear e demittir ministérios, os 
quaes por sua vez revolvem todo o funccionalismp ; * • 
pois tem-se visto um mesmo ministério, no curto pe- 
riodo da sua existência, fazer e desfazer o quadro dos 

* Baste um exemplo, quanto aos presidentes. No espaço de ih annos (1834 
a 1B69) o Maranhão conta 73 administrações, exercidas por 53 cidadãos di- 
versos. meio termo é 7 mezes e 11 dias para cada uma. A maior foi de 3 
annos e 9 mezes, serviço effectivo. mesmo se pôde repetir de quasi todas as 
províncias, e depois de 1850 o mal aggravouse consideravelmente. Nas 
maiores provincias, em regra, o presidente renova-se em cada verão, depois 
de incerradas as camarás. 


132 PARTE SEGUNDA 

presidentes. Todavia, essa mesma instabilidade c ás 
vezes conveniência politica para o poder e allivio para 
o povo, quando ambos libertam-se de administradores 
cuja conservação fora insoportavel ou perigosa. No 
systema actual, cila e, pois, um mal necessário, der- 
radeira esperança das provincias e supremo recurso 
do governo. 

Que enormes sacrifícios impõe, entretanto, organi- 
sação tâo viciosa! E' uma vulgaridade, repetida cem 
vezes nas lamentações da imprensa e da tribuna, que 
carecem as provincias de impulso efficaz para es- 
trearem uma éra nova de melhoramentos reaes ; que 
nenhuma, excepto talvez o Rio de Janeiro, possue 
carta topographica digna de fé ; que todas clamam 
por um plano de estradas ; que não se navegam, nem 
se limpam os rios, nem os portos se escavam ; que as 
fínanças se compromettem em obras de luxo nas ca- 
pitães, em emprezas começadas por vaidade ou con- 
tinuadas sem energia: que em orçamentos, planos, 
projectos e pura,phraseologia official se perde o tempo 
e consomme a paciência do povo ; que faltam á ins- 
trucção primaria professores idóneos, casas, livros de 
escola, e nao existe a secundaria quasi em parte al- 
guma, não obstante assignalar-se cada presidência 
por um novo regulamento para as escolas publicas ; 
que, finalmente, em officios, intrigas eleitoraes e 
viagens de recreio passam esses breves governos de 
uma estação. O logar commum é aqui a viva ex- 
pressão da realidade. 

Não é menos unanime a queixa contra a qua- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 133 

lidade dos sujeitos a quem se abandonam as provín- 
cias. Quando a hypocrisia vai buscal-os, por preten- 
dida moderação, fora dos partidos, é eutào que justa- 
mente se escolhem peiores*. porquanto, em um re- 
gimen politico que assenta na vida activa dos partidos, 
não é longe delles que se ha de incontrar cidadãos 
mais dignos e capazes. 

Inhabeis c fúteis são tantos dos presidentes no- 
meados pelo g-overno imperial, que sem hyperbole 
poder-se-ia dizer — que o povo, inda que quizesse, 
não elegeria peiores. Alguns conhecemos literal- 
mente ignorantes de qualquer sciencia ou arte ; outros 
que nem aprenderam a grammatica ; muitos que não 
brilhavam por seus costumes privados... Não; peiores 
não pôde haver que os governadores d' aqui enviados 
a perverter, atrazar, individar e desgovernar as pro- 
víncias. * 

Ora, nem sempre tem o governo liberdade para de- 
raittir um máu presidente; outras vezes a sua con- 
servação lhe é imposta por interesses politicos, e até 
por uma errónea preoccupação do principio da auto- 
ridade. Este falso sentimento de digniàade forçou o 
gabinete de 16 de julho a manter presidentes e vice- 
presidentes que violaram o acto addicioual, entre- 
garam a policia a criminosos notórios, e intervieram 

* « Os presidentes que teem sido consignados"a partidários para segurarem 
ou levantarem influencias pessoaes, teem feito peior (que as asscmbléas), teem 
desmoralisado muito as províncias.... O governo geral deve mandar pre- 
sidentes que pelo seu caracter honesto e espirito de justiça móralisem em 
vez de desmoralisarem, que não sejam meros e desprezíveis instrumentos 
eleitoraes. » V. de Uruguay: Administração das províncias ^ vol. 5°, p. 233. 


13Í: PARTE SEGUNDA 

nas eleições de um modo raras vezes igualado neste 
paiz clássico da corrupção e oppressâo do voto. De 
sorte que é perfeitamente illusoria a vantagem, que 
alias permitte o actual regimen, da prompta desti- 
tuição do administrador culpado ou incapaz. 

No dominio de ambos os partidos, acharam-se vá- 
rios presidentes sob o peso das mais graves accusa- 
ções; e,si nem todos mereceram o vilipendio publico, 
não consta também que sobresaissem muitos eminen- 
tes administradores d'entre os centenares nomeados 

desde 1822. Si a inconstância politica e a rápida mu- 
dança consentiram a mui poucos revelar dotes supe- 
riores, a todos acanhava o espirito do governo central, 
que os inspirava, retinha e comprimia. Como quer 
que seja, parece justo perguntar: — que juizo se 
deve fazer de um regimen, que, em épocas diversas , 
oíFerece frequentemente o facto de confiar-se a ad 
ministração provincial a jovens inconsiderados ou a 
caracteres çorruptissimos ? no que consiste a sua van- 
tagem quando não é isto compensado por um numero 
considerável de administradores idóneos, que, por seu 
génio, probidade e serviços, resgatassem a esteri- 
lidade, os vicios e os crimes dos outros? 

Corrompido pelo excesso de poder, pela centrali- 
sação, não pode mais o governo exercer com vantagem 
publica a faculdade de nomear o -presidente. Allivian- 
do-o de uma responsabilidade que exagera e excita 
a impopularidade em que cahiu o governo, a eleição 
do presidente pelo povo estimularia o caracter na- 
cional 


INSTITUICÕE.-i PROVINCIAE.S 135 

Fôi'a ontao possível procurar os administradores 
fora do limitado circulo dos clientes de homens po- 
líticos, dos bacharéis em direito e dos fuuccionarios 
submissos. Como a administração deixaria de ser, no 
systema que imaginamos, sciencia vedada aos pro- 
fanos, tornando-se arte accossivel a todo o homem 
de senso e pr .jbidade, é mui natural que as provín- 
cias prefirissom, para governa-las, alguns dos seus 
mais notórios habitantes, pessoas cuja virtude e pa- 
triotismo fossem indisputáveis. Em todo o caso, havia 
ser mais difficil a um homem nullo ou ímprobo re- 
commendar-seá maioria dos eleitores que o conhecem, 
(Io que a um ministro quo o despache a rogo de pro- 
tectores pouco escrupulosos 

Ainda que a escolha da província recahisso em su- 
jeitos tào deshonestos como alguns nomeados pelo. 
governo, é mais provável quo se emende ou modore 
no primeiro caso, que no segundo. Exija alei, como 
nos Estados-Unidos, a condi JLo do eleito ser natural 
da província ou delia domiciliário: basta a circun- 
stancia de presidir aos seus conterrâneos, entre os quaes 
continuará a viver, e cujo ódio ou desprezo hão de 
amargarar-lhe a existência, par.ique seja mais caute- 
loso e digno, e em caso nenhum ostente essa protervia, 
esse escândalo, que tantas vezes os delegados do im- 
jiCrâdor dâo (mu espectáculo ás províncias. Sabem estes 
últimos que, passado um breve semestre, desempe- 
nhada a sua commíssâo ebntoral, volvem á corte, ao 
seu emprego, ás vantagens do antigo valimento, sínão 
promovidos a maiores honras, ou elevados ao minis- 


136 PARTE SEGUNDA 

terio. De longe ve a província ludibriada coroar-se o 
seu Verres. Ausente, á g*rande distancia, que receia 
, elle do ódio impotente da sua victima ? E, por outro 
lado, no decurso de sua administraçáo, será acaso sen- 
sível ao juízo dos que governa? pôde isto contel-o? 
Nada o contém, sínão o aceno da corte; mas quando 
esta manda vencer a eleição, como lia de moderar ou 
punir o instrumento da corrupção politica? 

E aqui chegamos ao ponto ardente da questão, ao 
argumento decisivo. O presidente é, no Brazíl, um 
instrumento eleitoral. E' por meiodelles que se elege 
periodicamente a chancellaria do nosso absolutismo 
dissimulado. Montar, dirigir, aperfeiçoar a machina 
eleitoral, eis a sua missão verdadeira, o seu cuidado 
diurno e nocturno. Interesses materiaes, melhora- 
mentos moraes, finanças, justiça, policia, as regras 
salutares da administração em terra civilisada, o res- 
peito ao direito, a homenagem á virtude, tudo se es- 
quece ou conculca diante da suprema necessidade de 
uma maioria parlamentar ou de uma camará unanime. 
Então, é o governo lógico nomeando quem pareça 
mais hábil ou mais despejado para fabricar-lhe nas 
vinte províncias uma assembléa que sustente a polí- 
tica preferida pelo imperador. Assim tem sido pela 
força das cousas; e desta sorte, si não conseguiu for- 
mar um pessoal administrativo idoneò, este regímen 
adestrou veteranos da corrupção das urnas. 

Emquanto, nomeado pelo imperador, o presidente, 
vice-rei irresponsável, for independente da amesquí- 
nhada asseml^léa provincial, é inevitável que inter- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 137 

venha, dirija, opprima e vença as eleições. Não ha 
impedil-o, sejam embora magnificas as garantias es- 
criptasno frio texto das leis. Eleito pelo povo, igual, 
não superior á assembléa, fique o presidente circun- 
scriptoás modestas funcçoes da administração local: 
— e quebrar-se-hapara sempre esse formidável instru- 
mento de corrupção. Os deputados cessarão de ser 
representantes da corte consagrados por um voto ex- 
torquido. Livre será o parlamento, e não sel-o-ha 
tanto o poder moderador. 

§ III. — Órgãos da administração provincial. 

Desinvolver a administração provincial, dar maior 
dignidade aos chefes dos seus diversos serviços, é^ 
corolário das reformas descentralisadoras. 

Electivo, o presidente dovêra de ter um conselho 
composto dos seguintes secretários: o secretario do 
governo, o inspector da fazenda, o chefe da policia e 
justiça, o director das obras publicas, o da instrucção, 
ocommissario dos immigrantes, etc. Pouco importam 
nomes: o essencial é que cada assembléa crêe, una 
ou separe esses cargos superiores, conforme o per- 
mittam os recursos da provincia e o recommende a 
lei da divisão do trabalho. 

A idea de differentes secretários para o governo pro- 
vincial não é nova. Um projecto oíFerecido em 1832 
pelo deputado HoUanda Cavalcanti (visconde de Al- 
buquerque) , dizia : « Compete ao presidente da pro- 

k PROV. 18 


138 PARTE SEGUNDA 

vincia . . . nomear secretario ou secretários para o ex- 
pediente da administração provincial. » Na consti- 
tuição reformada de Pouso- Alegre, oart. 157 dispunha: 
« Haverá em cada provincia as secretarias necessá- 
rias. Seu numero, empregados e ordenados, e obri- 
gações, serão provisoriamente regulados pelos res- 
pectivos presidentes, até que as assembléas provinciaes 
resolvam definitivamente. » 

Com estes complementos, qual não seria então a 
vida dos poderes locaes ! Assembléa legislativa divi- 
dida em duas camarás, e reintegrada nas faculdades 
confiscadas em 1840 ; poder executivo próprio, com 
os órgãos ou agentes necessários : — tanto bastara para 
renovar nas províncias aquelle espirito da épocha re- 
gencial, quando Minas, S. Paulo, Baliia, Pernam- 
buco eram focos de vitalidade, onde homens eminen- 
tes floresciam na primavera da nossa liberdade poli- 
tica. 

Mas dir-se-ba : « Vós aniquilais o poder da coroa, 
vós a reduzis a um symbolo vão, ao papel de impe- 
rador da Allemanha. » E' a objecção dos fanáticos 
da monarchia á emancipação das provindas. Não ! a 
coroa brazileira dispõe dos mais vastos poderes. Tem 
o veto suspensivo durante duas legislaturas, o que 
praticamente equivale ao veto absoluto ; tem o di- 
reito de fazer as grandes nomeações ; tem o de sus- 
pender as garantias politicas na ausência da assembléa 
geral ; tem o de declarar a guerra e celebrar a paz ; 
tem o de negociar tratados de qualquer natureza, dos 
quaes, e em tempo de paz, só não podem ser ratifi- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 139 

cados sem voto do parlamento os que in volvem cessão 
ou troca de território ; tem, em summa, tudo quanto 
é grande e formidável, a substancia do poder na- 
cional. Em nenhuma das nomeações de seus agen- 
tes, a não serem os ministros, está a coroa directa- 
mente sujeita ao veto do corpo legislativo. Assim, 
quão distante da organisação democrática dos Es- 
tados-Unidos, por exemplo, onde é tão limitado o 
poder central e tão circunscripta a sua autoridade exe- 
cutiva, não ficaria o Brazil, ainda que se tornassem 
electivos os presidentes das provindas ! * 

» V. Parte 1, cap. V. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIA.es 141 


CAPITULO IV. 


A MUNICIPALIDADE. 


O regimen das municipalidades, a policia e a força 
policial, a justiça local ou a de primeira instancia, 
^ devem ser da competência do poder legislativo pro- 
vincial, e assim o quizera a lei das reformas de 1834. 

Certo, esta opinião affronta as práticas e os pre- 
juizos actuaes: nada mais fácil, porém, do que pôr 
em evidencia o inconveniente de leis uniformes do 
parlamento para cada um desses serviços, eminente- 
mente municipaes. 

Bem o sentiram, quanto á justiça c á policia prin- 
cipalmente, algumas das provincias do Norte, que, 
depois do acto addicional, promulgaram leis adap- 
tando estas instituições ás suas próprias circun- 
stancias. E, na verdade, quáo esmagadora é a unifor- 
midade nas organisações da justiça, da policia e das 
municipalidades, proclamada pela reacção de 1840 ! 
Descentralisemos os interesses locaes assim centrali- 
sados : restituamos ás provincias a faculdade" de que 
algumas souberam valer-se, em nome do acto addi- 
cional, para formarem a policia, a justiça e adminis- 
tração municipal, que melhor lhes convinha. 

« Heresia ! » a estas palavras bradarão os dccla- 


142 PARTE SEGUNDA 

madores de lugares communs. Mas, antes de fulmi- 
narem o anathema, dêem os espíritos reflectidos al- 
guns momentos ao exame dos preceitos que certos 
doutrinários lograram insinuar como principies orgâ- 
nicos do nosso systema politico. 

E' idea falsa, producto de uma escola perniciosa, 
a doutrina que os conservadores fizeram circular 
desde 1836, estabelecendo que são essencialmente ge- 
raes cargos e funcçoes até então reputados provin- 
ciaes por sua natureza e em virtude do art. 10 § 7° do 
acto addicional. Com effeito, nessa épocha se consi- 
deravam municipaes ou provinciaes os cargos de 
juiz de direito, juiz municipal e de orphãos, juiz de 
paz, jurado, promotor e vereador. Pois bem: em 
virtude da lei de 1840 as attriòuições destes fun- 
ccionarios ficaram excluidas da competência das as- 
sembléas, a quem só foi conservada a faculdade de 
fixar o numero delles, ou a de dividir as^ circunscri- 
pções administrativas. Esses taes, diz o parecer da 
commissão de 1837, « são empregados provinciaes e 
municipaes creados por leis geraes, para execução de 
leis também geraes, relativas a objectos sobre que 
não podem legislar as assembléas de provincia. » Que 
logomachia ! Para dar á lei de 1840 aapparencia de 
interpretaç5o, era mister este esforço de subtileza e 
obscuridade. 

São, diz o parecer, funccionarios hcaes^ do muni- 
cípio ou da provincia ; mas é lei geral a que deve 

creal-os. 

» 

Desempenham serviços locaes, mas as leis que lhes 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 143 

definem aá attribuições, as leis que os regem, não 
podem ser provinciaes. 

São commissarios de interesses da localidade, mas 
é o parlamento que lia de regulal-os, sobre elles não 
podem legislar as assembléas de província ! 

Exige a importância do assumpto o desinvolvi- 
mento de cada um dos pontos indicados : encaremos 
o governo municipal na sua mais larga accepção. 

§1. — O meio ãa uniformidade. Diversidade dos 
municipios: competência das assembléas. 

A administrarão dos interesses coUectivos que 
constituem o município, o serviço das vias de com- 
municação, as ruas, os jardins, os lugares de logra- 
douro publico, a illuminação, as aguas, a irrigação, 
os esgotos, os incêndios, a escola, o liospital, o cemi- 
tério, e tantos outros, não offerecem em parte alguma 
typos uniformes em importância ou grandeza. 

A extensão e riqueza dos municípios urbanos ou 
mraes, o grau de adiantamento dos povos, as circun- 
stancias physicas e a densidade da população variam 
profundamente em cada uma das partes do império, 
no norte, no centro, no sul, no oeste; variam mesmo, 
oom feições pronunciadissimas, nas differentes co- 
marcas de uma mesma província. 

Essa diversidade de circunstancias locaes devora 
influir no modo de organisar-so o governo interno de 
cada província. Algumas careceriam de mui aperfei- 


144 PARTE SEaUNDA 

coada divisão dos serviços locaes, separando-se, por 
exemplo, a administração municipal civil (a dos inte- 
resses acima indicados) da policia preventiva e da jus- 
tiça correccional; outras haveria, porém, onde fosse 
mais adequado, á falta de pessoal idóneo ou pela es- 
treiteza da localidade, confundir esses vários serviços 
nas mãos das mesmas autoridades. Pelo contrario, em 
uma grande cidade não bastaria somente separar e 
confiar a agentes diversos asfuncçoes,mais ou menos 
distinctas, que alias tanto se confundem e devem pra- 
ticamente harmonisar-se, da administração civil, da 
policia e dajustiça: — nessas maiores povoações, com 
eflfeito, seria preciso, para conseguir resultados effica- 
'zes, subdividir e entregar a commissarios especiaes 
ramos particulares de cada um destes interesses. 
Assim, nas vastas agglomeraçoes de povo, nas me- 
trópoles commerciaes ou politicas, seria a instrucção 
objecto exclusivo de uma administração privada ; os 
incêndios, de outra ; e de outra igualmente a policia 
das ruas e praças. 

Em alguns lugares a própria municipalidade 
executaria as obras e dirigiria o serviço dos 
aquedtnctos, dos esgotos, da illuminação, que outras 
aliás incumbiriam a emprezarios com maior van- 
tagem. 

Onde o espirito publico, illustrado e moralisado, 
inspirasse confiança, a eleição periódica fora o meio 
regular para a escolha de todos os funccionarios mu- 
nicipaes. Onde, porém, a ignorância ea negligencia 
do povo assignalassem a sua inferioridade, o principio 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 145 

electivo, aliás eminentemente moralisador e fecundo 
de patrióticos incentivos, não merecera ser applicado 
na mesma escala a todos os funccionarios e a todos 
os ramos da administração. 

Respeitar a diversidade de circunstancias entre as 
pequenas sociedades locaes que constituem uma mes- 
ma nacionalidade, tal deve ser a regra suprema das 
leis internas de cada Estado. Neste sentido, a varie- 
dade sob o systema federativo leva decidida vantagem 
á uniformidade administrativa, quer da monarchia 
centralisada, quer da republica uma e indivisivel. 

Supponlia-se uma lei municipal vasada no molde 
mais perfeito de um liberalismo consumado; suppo- 
nha-se a mais larga em suas bases e nos seus meios 
de acção: talvez não seja essa a melbor para o Brazil 
inteiro, talvez redunde em grande decepção. Por ven- 
tura, o municipio no Brazil, ou em outra parte qual- 
quer do mundo, offerece um typo commum, que re- 
gular-se possa por lei uniforme do parlamento na- 
cional? Onde está, dizci-nos, esse typo commum, 
idêntico, em Inglaterra e nos Estados-Unidos, cujas 
parochias e municipios são aliás cousas reaes, não 
entes de razão? 

Sabemos que escriptores descrevem, compondo-o de 
traços particulares de municipios distinctos, o que 
elles chamam o systema municipal àosEstdidos-JJmàos, 
da Inglaterra, da Allemanba: mas isto é uma gene- 
ralisação do escriptor, é crcação do publicista. As 
leis não conhecem municipios tão uniformes e perfei- 
tos; as leis os organisaram diíFerentemente sob a lenta 

A PROV. 19 


146 PARTE SEGUNDA 

aòção do tempo, ao influxo de necessidades e inte- 
resses que variam, variando as leis. «Como a familia, 
existe a communa antes do estado, dizia Royer Col- 
lard; alei politica aincontra, mas não acrêa.» 

A uniformidade nos mata. Não ! não é de lei uni- 
forme, por mais liberal que seja e mais previdente, 
que depende ressuscitar o município ; depende isto de 
leis promulgadas por cada província, conforme as con- 
dições peculiares de cada município. 

Leito de Procusto, a legislação sy métrica é um 
sonho enganoso : effeito da paixão niveladora, ella só 
gera decepções. * 

' Reílexão idêntica faz o Sr. Odilon-Barrot quanto á própria França, onde 
sem duvida ha muita mais cohesão nacional^e a superfície da civilisação não 
otíerece lào extraordinárias diiTerenças de nivel. «A pretenião de sub- 
metter ao mesmo regimen administrativo todas as communas de França, 
foi sempre, diz elle, o grande obstáculo a qualquer reforma séria do governo 
municipal entre nós. Entretanto, cumpre reconhecer que nada se parece 
menos com um grupo de quarenta a cincoenta fogos escondidos n*alguns 
valles dos Cévennes, dos Alpes ou dos Pyrineos, do que cidades da ordem 
de Pariz, Lyão, Marselha e Bordéos. A pretençào de sujeitar umas e outras 
ao mesmo regimen administrativo, é simplesmente contraria á natureza das 
cousas ; e é todavia essa pretençào que obstinadamente se quer prevaleça em 
todo o nosso systema administrativo.... Seria mais liberal que houvesse um 
regimen municipal para as grandes cidades e outro regimen apropriado ás 
communas ruraes. » {La centralisation^ p. 212.) 

A vantagem de ceí-ta variedade nas instituições administrativas do paiz é 
attestada por um acto do proprro governo imperial. O decreto de 19 de ja- 
neiro de 1867, organisando o serviço das colónias do Estado, deu-lheà admi- 
nistração municipal mui differenle da lei de 182S, creando uma junta no- 
meada pw eleição e presidida pelo director, que é o agente administrativo 
desses núcleos de immigraiites. Comquanto se note a singularidade do poder 
executivo organisar por decreto seu o governo municipal de uma parle do 
nosso território, é forçoso confessar que as colónias careciam, com eíFeito, 
de uma administração económica especial. (V. a Parte Hl, cap. IV.) 


INSTITUIÇÕES PBOVINCIAES 147 

Na orbita municipal entram serviços de diversa 
natureza, que podem andar unidos ou separados. Não 
offerecendo todos um typo commum, as leis que os 
organisassem seriam despóticas, si fossem uniformes : 
e desde que, pela variedade das formas que tomam, 
os interesses municipaes não podem ser previstos por 
lei nacional symetrica, só ás legislaturas das provin- 
das deve caber a faculdade de regulal-os. 

Organisadas as municipalidades por lei de cada as- 
sembléa, não sobre a base de imaginário typo com- 
mum, attender-se-iam certamente as condições pecu- 
liares de cada localidade. As leis municipaes seriam 
as cartas de cada povoação doadas pela assembléa 
provincial, alargadas conforme o seu desin volvi mento, 
alteradas segundo os conselhos da experiência. Então, 
administrar-se-ia de perto, governar-se-ia de longe, 
alvo a que jamais se attingirá de outra sorte. 

Comprebende-se que haja em cada província lei 
prescrevendo certos princípios geraes do regimen 
municipal, como sejam aelectividade de alguns cargos 
ou pelo menos a dos conselhos deliberantes, a ma- 
téria das imposições, as despezas e serviços obriga- 
tórios ou cssenciães : mas leis especiaes permittam a 
uma vasta cidade, ou a um rico município, aquellas 
franquezas e aquella organísaçào que mais eficazes 
forem ahi. 

Depois do acto addícional, algumas das assembléas 
de província intenderam-se no direito indisputável de 
alterarem a organisação symetrica dada aos municí- 
pios pela lei do 1° de outubro de 1828. Por exemplo, 


148 PARTE SEGUNDA 

creando prefeitos e sub-pref eitos, uma lei de S. Paulo 
(de 11 de abril de 1835) incumbia-os de executar as 
posturas municipaes, de nomear os fiscaes, agentes a 
elles subordinados, e de propor ás camarás as me- 
didas necessárias a bem do municipio. E essa mesma 
lei, cumpre notal-o, sentiu a necessidade de reunir 
nas mãos dos prefeitos attribuiçõespoliciaes, inclusive 
a de prender os delinquentes. Seria acaso infundada 
esta accumulação de funcções distinctas? talvez, pelo 
contrario, então fosse isso mister naquella provincia; 
talvez lhe parecesse então que era o mais efficaz meio 
de realisar praticamente o governo econoínico das 
cidades e villas promettido pela constituição. 

Outias leis de outras provincias, na mesma época, 
insaiaram iguaes medidas. O que isto provava? pro- 
vava eloquentemente que o typo da lei de 1828 não 
parecia accommodado ao paiz inteiro ; provava que 
cada provincia recorria a essQs complementos práticos 
e alterações para obter melhores resultados ; provava 
que, nesse como em tantos outros assumptos, o paiz, 
entregue a si mesmo, libertado da centralisação 
monarchica derrubada a 7 de abril de 1831, entrava 
no periodo fecundo da experiência. Passado esse pe- 
riodo das vacilações, tentativas e erros, o paiz go- 
zaria afinal o resultado immenso da experiência con- 
sumada, attingindo, depois de vários tentames, ao 
nivel da paz e da segurança sob instituições livres, 
apropriadas ás suas circunstancias, producto da ela- 
boração popular, com o prestigio do cunho nacional. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 149 

§ II. — O acto aMicional e as municipalidades. 

Foi o acto addicional que anniquilou as camarás 
municipaes ? O visconde de Uruguay a cada passo ex- 
clama que os liberaes de 1831 exaltaram a província 
á custa do elemento local, accusação que até se in- 
contra repetida por escriptores da nossa escola. * E' 
uma grave censura á obra de 1834 ; examinemol-a 
sem prevenções de partido. 

Qual foi o pensamento dos arts. 10 e 11 do acto 
addicional? Conferir á assembléa, não ao presidente, 
a superintendência sobre as camarás : idéa capital, 
pensamento justo. 

Mas como exerceria a assembléa essa superinten- 
dência sobre as localidades da sua província ? De dois 
modos : por medidas geraes ou por actos parciaes. 


* o Sr. ministro do império, justificando o seu projecto de reforma mu- 
nicipal (1869), fez, pelo contrario, a seguinte justa reflexão : « Attribue-se ao 
acto addicional ter aniquilado o muuicipio, manietando-o ás ass.embléas pro- 
vínciaes, que o deixaram em abandono, substituindo a iniciativa local pela 
ausência de direcção. Ha razão, mas só apparente, nessa accusaçâo. O sys- 
tema do acto addicional, seu espirito, suas tendências descentralisadoras, as 
intenções de seus autores, não justiQcam a intelligencia que, com relação ás 
municipalidades, se lhe tem dado na prática. » 

Apreciando esse projecto do governo, dizia o relator da commissão da 
camará; « Accusam-no (o acto addicional) de haver suffocado as municipa- 
lidades. Tal não fora o intento de seus autores. Pelo contrario, em seu pen- 
samento descentralisador se continha virtualmente o alargamento da in- 
stituição municipal, como continuação e complemento da obra realizada a 
respeito das províncias. » 

Praz-nos reconhecer a sinceridade com que se pronunciam alguns dos 
nossos adversários. %^ 


150 PARTE SEGUNDA 

Assim, em virtude do acto addicional, fora per- 
mittido a cada assembléa publicar leis regimentaes, 
.obrigatórias para todas as camarás da respectiva pro- 
vincia, sobre: 

Desapropriação (art 10 § 3°) ; 

Policia e força policial do municipio (§ 4°) ; 

Interesses propriamente económicos (§ cit.) ; 

Fontes de receita, e despezas obrigatórias ou facul- 
tativas (§ 5°) ; 

Prestação de contas (§ 6^) ; 

Empréstimos (art. 11 § 3°) ; 

Funccionarios municipaes^, e vencimentos dos que 
forem estipendiados (art. 10 § 7°). 

Supponbamos o acto addicional em inteiro vigor, 
sem as restricçoes da lei de 12 de maio de 1840 : acaso 
essas largas disposições, intendidas á luz do principio 
desceu tralisador que dictou-as, não forneceriam ás 
províncias a precisa liberdade para constituírem o 
seu regimen municipal, conforme ás suas peculiares 
circunstancias? 

O espirito da reforma constitucional era certamente 
investir as assembléas da superintendência sobre as 
camarás ; mas, na esphera das amplas faculdades re- 
lativas aos municípios, legislando sobre a sua eco- 
nomia, policia, funccionalismo, receita e despeza, 
cabia ás assembléas applicarem ás localidades de cada 
província o systema de governo mais proveitoso. E 
algumas o tentaram, com effeito: já citámos a lei 
municipal de S. Paulo ; no lugar próprio menciona- 
remos as leis judiciarias e policiaes de varias provin- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 151 

cias do Norte \ Fosse ou nâo acertado o systejjia 
administrativo que as assembléas inauguravam, nào 
se deve negar que as verdadeiras instituições locaès^ 
do Brazil iam brotar á sombra do acto addicional. O 
tempo aperfeiçoaria lentamente a creaçâo espontânea 
da iniciativa provincial ; a experiência dar-lhe-ia o 
cunho das instituições duradouras. 

Mas... ahi veio a lei de 12 de maio de 1840. Am- 
putou-se o acto addicional; a provincia desceu da sua. 
dignidade em nosso systemade governo: substituiu-a 
o departamento francez. Diceram: «as assembléas, 
usando das faculdades constitucionaes, anarchisam o 
paiz. Restabeleça-se a centralisaçao! » E, em ver- 
dade, depois do golpe de estado de 1840, não pude- 
ram mais as assembléas legislar, por medida de 
caracter geral, sobre a economia e a policia munici- 
pal. Só o podem agora fazer diante de cada hypotliese, 
a propósito de cada postura, de cada obra, de cada or- 
çamento municipal Tal é o fim da exigência de pré- 
via proposta das camarás (art. 1° da lei de 1840). 
Muito menos podem alterar a symetria dos serviços 
locaes, crear novos empregos ou supprimir os anti- 
gos, dar e tirar-lhes attribuições (artigo 2*). Desde 
então, pois, a autoridade das assembléas sobro as ca- 
marás somente se faz sentir pelo lado máu, pela ex- 
cessiva dependência e concentração dos negócios 
nas capitães das provincias. 

Privadas as assembléas de poderem regular os in- 

í Caps. V e VIL 


152 PARTE SEGUNDA 

teresses municipaes por medidas de caracter geral, 
por leis orgânicas adaptadas ás circunstancias de cada 
região, ficou sua missão reduzida a uma imperti- 
nente tutela, requintada pelas perniciosas práticas 
introduzidas desde 1840 na administração publica. 

Si o acto addicional subsistisse no seu vigor primi- 
tivo, si uma excessiva timidez sobre a sorte da inte- 
gridade do Brazil não houvesse affrontado as con- 
sciências, si em vez da súbita vertigem reaccio- 
nária fosse permittido á experiência julgar da obra 
de 1834, — não duvidamos que, á sombra desta lei 
gloriosa, teriam as provincias fundado a liberdade 
municipal, primeira condição do governo do paiz 
pelo paiz. Sob a influencia de sentimentos oppostos 
ás doutrinas centralisadoras que depois prevaleceram, 
por si mesmas renunciariam as assembléas a uma tu- 
tela vexadora e perniciosa; e marchariam as provín- 
cias para o ideal dos Estados-Unidos, onde a munici- 
palidade é escola de liberdade e governo \ 

Lamentam hoje os conservadores o aniquilamento 
dos municipios, e accusam os autores do acto addi- 
cional. Pois bem : porque motivo em 1840 não emen- 
daram a lei das reformas? porque a revogaram so- 
mente naquiUo que prejudicava á centralisação? De- 
mais, nessa época não mostravam elles sentir essa 
necessidade de franquezas municipaes, que põem hoje 
por diante para esconderem um de seus maiores es- 

1 « Para a liberdade que ellas põem ao alcance do povo, são as insti- 
tuições municipaes o mesmo que para a sciencia as escolas primarias. » 
Toequeville. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 153 

li 

• 

tragos, a ruina do poder legislativo provincial. E 
quem promulgou as leis restrictivas que subsistem no 
Rio de Janeiro, onde tem elles governado quasi sem 
interrupção ? * Ahi, de facto, não existe poder muni- 
cipal, comquanto em nenhuma parte do império se 
incontre mais espírito municipal. É desta provincia 
a lei que proliibe ás camarás, sem prévia approvacão, 
executarem obra superiora 500ÍÍ000! É isto por ven- 
tura exigência do acto addicional? 


* «Quer a camará municipal construir um cemitério? Ao presidente da 
provincia compete approvar o plano, sem o que não pôde a camará con- 
struil-o. 

»Quer desapropriar um terreno para uma rua, estrada ou logradouio 
publico? Ao presidente da provincia compete declarar si a desapropriação é 
de utilidade, 

« Quer fazer uma obra de evidente utilidade publica? Não o pôde sem 
prévia licença do presidente da provincia, si fôr de custo excedente a 
500(000. 

«Dá-se um caso extraordinário que interessa á segurança ou saúde pu- 
blica, e que pede prompto remédio, exigindo uma ^despeza não prevista no 
orçamento municipal, ou determinando a necessidade de exceder uma verba 
decretada? Não o pôde fazer a camará sem prévia licença do presidente da 
provincia. 

(cFiDalmenfe, para não ir mais longe, não podem as camarás nomear um 
simples guarda de cemitério sem sujeitar essa nomeação á approvacão do 
presidente da provincia. 

« E, como si não bastassem todas essas dependências, ainda se pretende 
que o empregado da camará municipal, por ella demiltido, pôde ser rein- 
tegrado por uma simples portaria do presidente da provincia. 

«Tal é, em geral, o estado actual de nossas municipalidades. Não é pre- 
ciso commenta-lo, basta expôl -o.» Sr. Cortines Laxe, Commentarios á lei do 
V de outubro; prefacio. 


A PROV. 20 


154 PARTE SEGUNDA 


§ III. — Autonomia do município; bases de reforma. 


A censura que se faz á lei de 1834, cabe me- 
lhor, em verdade, á de 1840. Entretanto, devemos 
confessal-o, a experiência havia manifestar a neces- 
sidade de interpetrar os citados §§ do acto addicional; 
havia ella patentear que se devia'^tirar ás assembléas 
dominadas da paixão centralisadora pretextos para 
embaraçarem a autonomia do municipio. A inter- 
pretação, que então se fizesse, seria certamente para 
um fim mui diverso da de 1840. 

Para fazerem despezas municipaes de qualquer na- 
tureza; para remunerarem os respectivos empregados, 
para applicarem suas rendas a obras locaes de 
qualquer importância ; para fixarem as taxas dos 
impostos existentes ou crearem novas fontes de 
renda^ salvo o direito da assembléa revogar as que 
prejudicassem ao interesse provincial ou nacional ; 
para decretarem posturas a bem da economia e 
policia puramente municipaes ; até mesmo para con- 
trahirem empréstimos, nos casos e com a forma pre- 
fixados por lei provincial; ou para desapropriações, 
na forma igualmente de lei anterior : fosse reconhe 
cida a plena autonomia das municipalidades. 

O interesse particular ficaria em todo o caso garan- 
tido contra qs abusos pelo recurso perante os tribu- 
naes de justiça; e os interesses económicos do muni- 
cipio inteiro pelo recurso perante o voto nas eleições 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 155 

periódicas, que por isso deveriam ser, quando muito, 

biennaes. 

Alguns intendem, porém, que a reforma precisa 
reduz-se á creação de um agente administrativo, a 
quem se delegue a parte executiva das actuaes attri- 
buiçoes das camarás, e certas funcções que a ellas se 
recusam. « A deliberação pertence a vários, a acção 
a um só : » eis o axioma com que se justifica essa 
opinião. Mas, posto seja verdadeiro o principio, pó- 
de-se errar na sua applicação. E aqui nos fornecem 
os Estados-Unidos mais um exemplo notável. 

Nas toroTiships da União, em regra, cada membro da 
corporação municipal é, por seu turno, o adminis- 
trador activo y e executor dás deliberações tomadas 
por todos conjunctamente. Na França, pelo contra- 
rio, o conselheiro communal é apenas legislador da 
sua cummuna. Assim, nos Estados-Unidos, a assem- 
bléa dos select-men (administradores municipaes) sub- 
vide-se em commissões, incumbidas cada uma da 
execução de medidas tomadas sobre certa especiali- 
dade; alti se dispensa, geralmente, a entidade cha. 
mada maire, que em França ó o complemento do con- 
selho communal. Geralmente, dizemos, por quanto 
algumas das maiores cidades , por suas peculiares 
circunstancias, possuem, sob o nome de mayor, um 
funccionario que exerce algumas das attribuições de 
agente executivo e presidente municipal. 

Reportando-nos as considerações que já fizemos 
sobre a incompetência do parlamento para a creacSo 


156 PARTE SEGUNDA 

do cargo proposto *, ajuntaremos somente que o mais 
acertado fora nâo adoptar typo algum exclusivo. 

Marcassem as assembléas provinciaes a cada muni- 
cipio um numero de vereadores correspondente á sua 
população. Os vereadores pudessem, nào só dividir-se 
em commissoes executivas, como eleger um ou mais 
administradores, retribuidos ou não, tirados dentre 
si ou dos votantes do município *. Dessa regra ficas- 
sem exceptuadas unicamente certas localidades inte- 
riores, cujo atrazo não permittisse tantas franquezas. 
Fugissem, porém, as assembléas de conferir ao pre- 
sidente a nomeação do administrador municipal, seja 
embora a escolha circunscripta á lista dos verea- 
dores. Não adoptassem nem a idéa, que se ha tam- 
bém indicado, de converter em mai^^e o mais votado 
delles. No primeiro caso dar-se-ia ao poder mais 
uma intervenção nós negócios locaes ; no segundo, 
commetter-se-ia o erro de pedir ao acaso uma escolha 
acertada, como já o notámos cm hypothese idênti- 
ca. 

Insistamos na idéa de deixar a cada assembléa a 
maior liberdade na apreciação das circunstancias dos 
municipios ; insistamos na conveniência de ellas 
mesmas não promulgarem leis uniformes para todos, 
mas cartas constituitivas de cada um, que se refor- 

i Cap. í, s ^°- 

* « o senso prático des inglezes e norte-americanos, escreve Vivien, su- 
geri u-lhes methodos bem diversos. Nesses paizes os negócios das commu- 
nas não estão accumulados sobre uma só cabeça. Cada cidade tem agentes 
especiaes para o calçamento, para a illu mi nação, para os actos de beneíi- 
cencía, etc. » 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 157 

mem e melhorem parcialmente, segundo os conselhos 
da experiência. 

Nenhuma reforma municipal, expedida do Rio de 
Janeiro, poder-se-ia adaptar perfeitamente ás pecu- 
liares condições de cada região deste vastíssimo im- 
pério: cumpre, entretanto, confessar que, dentre os 
projectos até hoje submettidos ao parlamento, alguns 
conteem providencias de incontestável vantagem. 

Tentando reorganisar as camarás, um projecto do 
governo ^1862) propunha-se emancipal-as em parte 
da tutela que as opprime, permittindo-lhes tomar re- 
soluções definitivas sobre a applicação da sua receita 
aos differentes serviços municipaes, e entro estes 
enumerando alguns que ainda se consideram geraes 
ou provinciaes ^ Creava, porém, um administrador 
municipal escolhido pelo governo e os presidentes 
dentre os vereadores ; e tantas attribuições lhe dava 
que neste agente administrativo se convertia o poder 
municipal. 

Por outro lado, e não obstante a garantia derivada 
da presença do representante da autoridade, não se 
deixava o municipio inteiramente livre, cortio deve 
sel-o, na votação dos seus orçamentos, queu conti- 
nuariam dependentes da approvação annual. Entre- 
tanto, na própria França, ha muito se reconhece a 
necessidade de conceder ás communas maior liber- 


* V. o artigo 12 desse importante projecto, oCferecido ao senado na sessão 
de 30 de agosto de 1862. Elle reconhecia a necessidade de augmentar o 
numero dos vereadores, que elevava a 11, 13,.15e21, segundo os lugares. 


158 PARTE SEGUNDA 

dade a este respeito. Projectos da assembléa legisla- 
tiva, em 1851, davam-llies o voto definitivo dos or- 
çamentos que não incluissera receita extraordinária, 
e que occorrcssem somente ás despezas obrigatórias, 
não passando estas além de um exercicio. E com ra- 
zão pergunta Vivien : « quando a coramuna satisfaz 
a todas as prescripções da lei, quando não empenha 
o futuro, que risco pôde haver em reconhecer- lhe o 
direito de regular o emprego dos seus recursos dispo- 
niveis? » 

Demais, fácil fora premunir o interesse geral con- 
tra os abusos locaes. Assim como alguém propoz que, 
no caso do município não votar os fundos precisos 
para occorrer ás suas despezas obrigatórias, a autori- 
dade superior os levante mediante denuncia, como 
se pratica em Inglaterra ^ ; — assim defira-se á assem- 
bléa o direito de annuUar os actos e medidas das 
municipalidades contrários ao interesse publico. Di- 
zemos annullar, repellindo a idéa da approvação pré- 
via. 

Para corrigir os notórios inconvenientes da tutela 
exercida por meio da approvação prévia, propõem al- 
guns escriptores que se adopte o expediente de inten- 
der-se confirmada a medida que dentro de certo prazo 
não for suspensa ou revogada : decorrido o prazo, es- 
creve o Sr. Batbie, seja de pleno direito a execução 
da medidá^não annullada. Eis como, adoptado o sys- 

• > 

* V. do Uruguay, Ensaio sobre o dir. adm.y \ol. 2", p. 2ò5. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 159 

tema preventivo, poder-se-ia attenuar os inconve- 
nientes da prévia approvação. 

Em todo o caso, para facilitar o exame dos negó- 
cios, fora indeclinável crear a commissão perm'a- 
nente das assembléas \ única autoridade a quem 
competisse exercitar a grave attribaiçãoda superinten- 
dência sobre os municipios, salvo, conforme a ma- 
téria, o recurso que ás partes coubesse para os tribu- 
naes de justiça. Desta sorte, embora se deixasse a 
maior amplidão ao governo municipal, o interesse 
geral seria sempre resguardado, não por vexadoras 
medidas preventivas, mas por actos repressivos do 
abuso denunciado pela parte queixosa, ou verificado 
pela autoridade superior. 

Sem dar ao municipio a autonomia que pedimos, 
o projecto formado em 1869 pelo Sr. ministro do 
império contém, todavia, úteis providencias. Elle 
confere ás cama-j^s (arts. 33 e 37) resolução pró- 
pria em alguns negócios, comquanto não compre- 
henda no seu numero outros de maior importância; 
e, fazendo regedor da parochia o vereador eleito por 
ella, resolve, de um modo liberal, a questão dos agentes 
administrativos Entretanto, a assembléa municipal, 
entidade nova que abi surge, composta de membros 
não electivos , é imitação dos . conselhos geraes de 
França, sem necessidade que a isso obrigue : e, si 
maior autoridade consente este projecto á camará do 

* Cap. n, 8 2o. 


160 PARTE SEGUNDA 

município neutro (art. 87), impoe-lhe um prefeito 
nomeado pelo imperador. Seu defeito capital, porém, 
é o vicio, commum a todos os anteriores, da organi- 
sação symetrica para o império inteiro. Isto, que por 

si só estragaria qualquer reforma, nesta chega ao 

ponto inexcedivel de preceituar as condições para a 
divisão parochial e. municipal, faculdade exclusiva 
das assembléas provinciaes. * 

Duas palavras sobre o municipio neutro. 

« Em todos os paizes onde radicou-se profunda- 
mente a liberdade municipal, estão as cidades sujeitas 
a outras formas e são investidas de outros poderes, 
que os campos. » Esta observação de Vivien é espe- 
cialmente applicavel a grandes núcleos de população 
como o Rio de Janeiro. 

As leis vigentes não offerecem a esta metrópole 
uma administração satisfatória. O povo do Rio de Ja- 
neiro paga impostos, que se convertem na receita do 
império,' e goza de gielboramentos locaes, que por 
elle paga toda a nação. Por outro lado, é o povo flu- 
minense excluido de uma parte da autoridade que 
exerce sobre certos serviços o das outras cidades. 

Remediava a esta dupla injustiça um projecto ela- 
borado em 1861. Transferia á administração do mu- 
nicipio neutro os serviços da illuminação, aguas, es- 
gotos, passeios/jardins, vaccina, etc. ; e consequen- 
temente lhe deferia as receitas arrecadadas hoje para 

* Gap. I, S 2o, nota. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 161 

O thesouro nacional (decima urbana, terças partes de 
oíficios, emolumentos de policia, casas de leilões e 
modas, patente do consumo de aguardente, imposto 
do gado de consumo, meia sisa de escravos, imposto 
sobre carros e seges, sello das heranças e legados, e 
rendimento dos bens do evento) . 

Entre a receita e a despeza privativas da cidade do 
Rio de Janeiro, ha, em verdade, um deficit, maior de 
800 contos, supprido pelos impostos geraes lançados 
sobre os contribuintes das províncias *. Si é injusto 
que estes paguem serviços meramente locaes da ca- 
pital do império, também não é razoável recusar ao 
povo fluminense franquezas municipaes que possue o 
das demais cidades. 

Além disso, por causa dessa confusão das receitas 
geral e municipal, está a mais rica das cidades do 
Brazil privada de contrahir empréstimos, e de levantar 
impostos queos^amortisem, destinados a obras urgen- 
tes para o seu ornamento e salubridade. Não podem os 
habitantes do Rio de Janeiro Melhorar as suas con- 
dições de existência, que tanto deix am à desejar, nem 
podem fiscalisar por mandatários seus. os trabalhos 
que, á sua custa e á custa do paiz inteiro, empre- 

* No exercício de 1867-68 entraram no thesouro publico 2,689:986j||000 
proveDientes de impostos não geraes cobrados nesta cidade e seu termo. 
Orça por 700 contos a renda arrecadada pela camará municipal. A somma, 
portanto, da receita local do município neutro é cerca de 3,400 contos. 

Segundo o balanço de 1866-67, despenderam os miniaterios do império, 
justiça e obras publicas, com serviços especiaes da cidade e seu distrícto, 
5,555:23«<|. A camará municipal gasta cerca de 700 contos. E', pois, de 4,250 
contos a despeza eífectiva do município neatro. 

A PROV 21 


162 PARTE SEGUNDA 

hende o governo imperial com a timidez e a negli- 
gencia que caracterisam a nossa administração. O 
Rio de Janeiro sem duvida pagaria de bom grado im- 
posições, que em breves annos transformassem as suas 
condições moraes e materiaes. Quando se vê o or- 
çamento municipal de Pariz subir ao algarismo, aliás 
excessivo, de 240 milhOes de francos ; quando sabe-se 
que as dividas das grandes metrópoles crescem na 
proporção das suas vastas emprezas * ; quando se 
admira a coragem com que as cidades dos Estados- 
Unidos despendem sommas enormes, gastando New- 
York, por exemplo, 5,000 contos annuaes só com as 
suas magnificas escolas : deve-se em verdade lamentar 
a paciente lentidão com que marcha o Rio de Ja- 
neiro. 

O provisório, esse expediente dos governos que não 
teem fé nos seus destinos, vai perpetuando o adiamento 
de graves questões. Assim é que ainda não foi deci- 
dido qi^l seja o sitio da capital definitiva do im- 
pério*. Mas, entretanto, é acaso justo dilatar sem 
termo previsto o actual systema municipal desta ci- 
da^p? Urge dar-lhe organisação mais larga e mais 
efficaz do que possue. Uma administração munici- 
pal que tiesde já moveria orçamento maior de 

* A directoria das obras publicas de Londres (corporação electiva) devia 
ultimamente cerca de 7 milhões esterlinos, contrahidos para melhoramentos 
da cidade (aguas, esgotos, caes,Jardins, parques, etc). Taes empréstimos sâo 
gradualmente amortisados por meio de elevadas taxas locaes. 
' ^ Os arts. 72 da Const. e lo do Acto Add. excluem da jurisdicçâo da 
assembléa provincial o município em que estiver a carte, sem designar 
nenhum. 


INSTITUIÇÕES PROVINGIAES 163 

4,000 contos, superior ao de qualquer província, com 
autoridade sobre vasto, sinão demasiado território, 
careceria sem duvida de um mecanismo particular. * 

Não havia consistir a reforma nessa regulamen- 
tação excessiva, de que é um exemplo mais o decreto 
de 31 de dezembro de 1868, relativo aos orçamentos 
e balanços e á prestação de contas da camará muni- 
cipal da corte. Pelo contrario, renunciasse o governo 
á tutela que exerce sobre o municipio do Rio 
de Janeiro, e lhe desse o parlamento organisaçào, que 
o aproximasse, por assim dizer, de uma verdadeira 
provincia. 

Não se argumente com o exemplo de Washington, 
cuja municipalidade aliás tem certa autonomia : não 
ha similhança entre a cidade federal levantada no 
deserto para guardar o Capitólio digno de um povo 
que confiava nos seus destinos e na sua união, e a 
sede provisória de um governo que não revelou se 
até hoje bastante seguro do porvir, nem trjmquillo 
sobre a integridade nacional. 

' E' muito menor o dístricto federal de Columbia, pois comprehen^P so- 
mente 70 milhas quadradas ; mas as duas cidades oelle situadas (Washington 
c Georgetown) teem cada uma a sua municipalidade independente. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 165 


CAPITULO V 


A POLICIA 


Uma iei se incontra em nossos códigos, de cuja 
existência podéra duvidar a posteridade. E' esse acto 
violento de um partido victorioso, a lei de 3 de de- 
zembro de 1841. Em virtude d^ella, o código de 
1832, monumento da revolução de 7 de abril, ficou 
mais do que mutilado, aniquilado, ao menos na parte 
primeira, a da organisação judiciaria. 

O código do processo reconhecera que a policia 
local deve de pertencer a uma autoridade local e 
electiva, e incumbiu-a ao juiz popular, o juiz de paz. 
A lei de 3 de dezembro centralisou o Império nas mãos 
do ministro da justiça, generalissimo da policia, 
dando-lhe por agentes um exercito de funccionarios 
hierarch Jcos, desde o presidente de provincia e o cbèfe 
de policia até o inspector de quarteirão. 

O código do processo incumbira o juiz electivo da 
punição correccional de contravenções e delictos se- 
cundários, com recurso para as juntas de paz. A lei 
de 3 de dezembro privou-o d'essa attribuição mera- 
mente local para devolvel-a aos delegados e subde- 
legados, com recurso para os juizes de direito. 


166 PARTE SEGUNDA 

O código do processo deixara á policia local o en- 
cargo, que a ella pertence, de formar a culpa e 
prender o culpado. A lei de 3 de dezembro passou esta 
faculdade aos agentes do poder supremo. 

O código do processo confiara ao juiz de direito, ao 
magistrado peçpetuo e inamomivel, cercado das pre- 
cisas garantias, a attribuição de confirmar ou re- 
vogar a pronuncia do juiz de paz com assistência 
do jury. A lei de 3 de dezembro, que. por um lado 
deferia aos subdelegados e delegados a formação da 
culpa, entregou por outro a confirmação da pronun- 
cia a mais um agente do governo, o juiz municipal. 

O código do processo, quanto ao eivei, investira 
da funcção de julgar o magistrado constitucional, o 
juiz de direito, e déra-lhe por substituto em seus im- 
pedimentos, e por executor de seus mandados e sen- 
tenças nos termos, um magistrado local, apresentado 
em listas tríplices pelas camarás municipaes, reno- 
vado de três em três annos, e escolhido pelo governo 
na corte e pelos presidentes nas províncias. A lei de 
3 de dezembro privou o magistrado perpetuo da fun- 
cção de julgar no eivei, e confiou os destinos da honra, 
da propriedade , e familia do cidadão a um outro 
agente do podçr central, o juiz municipal, magistrado 
temporário, sem garantias de independência e ap- 
tidão. 

O código do processei creára um juiz municipal, 
mas escolhido pelo governo sob proposta das camarás, 
proposta que deveria recahir em bacharel formado, 
advogado hábil ou pessoa idónea, — e déra-lhe jurisdi- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 167 

ceâo policial cumulativa com o juiz de paz, de sorte que 
para a negligencia da autoridade popular houvesse 
um correctivo sufficiente. A lei de 3 de dezembro, sob 
o pretexto de que essa negligencia não incontrava 
correctivo efficaz, montou a machina centralisadora, 
que*desce do imperador ao inspector de quarteirão. 

O código do processo, em summa, instituíra uma 
policia local, delegada a uma autoridade electiva local, 
e lhe dera por substitutos os seus immediatos em 
votos. A lei de 3 de dezembro organisou uma policia 
liierarchica, com um exercito de supplentes igual- 
mente nomeados fora da acção local. 

O código do processo entregara a funcção de julgar 
ao magistrado perpetuo, com assistência do jury no 
crime, e ao juiz popular nas contravenções e delictos 
secundários. A lei de 3 de dezembro creou esse 
monstro de juizes commissarios do governo, que 
prendem, processam, punem, executam as próprias 
sentenças, decidem da honra, da propriedade, da 
familia, da sorte inteira do cidadão. 

A posteridade perguntará maravilhada como é 
que, durante um largo periodo que já excede de 
quarto de século, tendo possuido, mesmo sob a ty- 
rannia da metrópole, as vantagens da magistratura 
vitalicia rodeada de certas garantias, poude o Brazil 
descer, depois da sua independência, a tão odiosa, 
inquietadora e humilhante oi^anisação judiciaria! 

Rever a lei de 3 de dezembro de 1841 é sem du- 
vida das mais urgentes reformas , aquella que 
primeiro invocam liberaes, aquella porque derrama- 
ram sangue. 


168 PARTE SKGUNDA 

Similhante ao regimen francez, do inspector de 
quarteirn;o sobe gradualmente nossa policia até o 
ministro de estado. Si ha centralisação bem carac- 
terisada, é essa hierarchia policial ; si podem resis- 
tir-lhe a liberdade do voto e a independência do ci- 
dadão, digam os espectáculos que se patenteara aos 
nossos olbos. Acabemos com este despotismo ! 

Mas o que se ha de substituir-lhe ? Ahi nascem as 
divergências. Este ponto merece alguns minutos de 
reflexão. 


§ I, — A uniformidade da policia. Caracter local das 

instituições jfoliciaes. 

A actual organisação da policia é, quanto a nós, 
condemnavel por dois motivos igualmente : porque 
está um poder immenso, o poder de pender, processar 
e julgar, confiado ás mãos de instrumentos do go- 
verno, — sybtema primitivo, systema de povos bár- 
baros; e porque, regendo-se por lei uniforme em 
todo o império, acha-se a policia constituida sobre o 
principio da hierarchia administrativa : dupla e for- 
midável centralisação. Nossa policia é despótica, e é 
excessivamente centralisada. Taes são os seus de- 
feitos capitães. E o primeiro resulta principalmente 
do segundo. 

Não bastaria dizer : .« façamos electivos os commis- 
sarios de policia em todo o império. » A electividade 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 169 

melhoraria consideravelmente a sorte do cidadão em 
muitas localidades do Brazil ; está, porém , averi- 
guado si tal systema fora perfeitamente accommo- 
dado ao paiz inteiro? Como quer que seja, é este um 
ponto duvidosOt onde sè dividem as apreciações. Para 
cortar a dificuldade, só um juiz fora competente, em 
nosso intender : esse juiz é o legislador da provincia, 
que, pesando as suas condições sociaos e as represen- 
tações dos povos, desse a cada uma o mecanismo con- 
veniente. 

Certo, o melhor dos projectos de reforma judiciaria 
e policial é o que o Centro Liberal acaba de con- 
verter em programa do partido. Fructo de severos 
estudos, conciliando as aspirações mais geraes, 
tentou elle combinar os dois extremos, a policia 
centralisada e a policia electiva. Na ausência de 
pleno accordo sobre o vasto programa descentrali- 
sador de 1834; emquanto se reputam nacionaes, não 
locaes, as leis do governo municipal, cumpre aos li- 
beraes adoptar, sem hesitação, a reforma proclamada 
pelo Centro, como a mais sabia das medidas até 
ioje formuladas. 

Entretanto, é acaso utopia imaginar que, restabe- 
lecidas as garantias individuaes, funccionando regu- 
larmente o sjstema eleitoral, renove-se a larga dou- 
trina donde sahiu o acto addicional ? 

Grande confiança nos inspira o progresso do espirito 
publico, e nos parece que o primeiro dos objectos su- 
jeitos á sua critica será a uniformidade das nossas 
instituições interiores, vicio orgânico, não somente 

A PROV. 22 


170 PABTE SEOUNDA 

da lei de 3 d9 dezembro de 1841, mas também do 
código do processo. 

Ambos estes monumentos dos dois partidos por seu 
turno victoriosos, um caracterisando-se polas largas 
formas liberaes, outro pelas tendências do despotismo, 
ambos esses legados da mesma geração de estadistas, 
teem un^ sello commum, a uniformidade, que impri- 
miu^lhes uma das mais funestas paixões para a liber- 
dade, a paixão da symetria. O código do processo 
imaginava um paiz onde fosse igual o nivel da civíli- 
sação, da moralidade, do respeito á lei e da aversão 
ao crime : esta generosa convicção creou a policia 
livre, a policia do juiz de paz, A lei de 3 de dezem- 
bro fantasiou um paiz corrompido, um povo anar- 
cbis^do : este tristissimo desanimo creou a policia dos 
j anisares, com a qual o poder executivo sonhou e 
conquistou a dictadura. 

Não ! para liberaes não ha hesitar um instante, 
não ha tréguas para a lei de 3 de dezembro : aca- 
bemos com esse flagello. Entre a uniformidade sob o 
despotisino desta lei, e a uniformidade sob as livres 
instituições do código do processo, não ha duvida 
possivel. Mas é acaso inevitável o dilemma? Porque 
havemos systematicaraente sujeitar todas as provín- 
cias e localidades do Brazil a instituições administra- 
tivas idênticas? Não é a variedade a condição su- 
prema de um governo livre? Não são as leis de po- 
icia mmiamente variáveis, leis algumas vezes de cir- 
cunstancia? Ouçamos a lição da historia: si ella 
condemna a violência praticada pelos conservadores 


INSTITUIÇSbS PROVINCIAES 171 

de 1841 sob a delírio da reacçSo centralisadora, tam- 
bém não deixa esquecer que o attentado teve pretexto 
na uniformidade com que applicou-se ao paiz inteiro 
o systema do código do processo. 

Logo em 1835, as assemhléas provinciaes promul- 
gavam reformas da justiça e policia, alterando pro- 
fundamente a organisação dada pelo código de 1832 : 
eospyopugnadores destas medidas (entre outros» Luiz 
Cavalcanti, representante de Pernambuco) eram dos 
mais pronunciados e mais illustres liberaes da épocha. 
Havemos injuriar a memoria de beneméritos cidadãos 
clamando que foram conservadores inscientes ? Não ; 
restabeleçamos a verdade histórica: do acto addi- 
cional valiain-se os chefes liberaes para darem ás suas 
províncias instituições accommodadas ás circunstan- 
cias delias, leis administrativas particulares. O muni- 
cípio, a policia, a justiça de primeira instancia, a 
formação da guarda nacional , nada esqueceram nesses 
dias fecundos de tentativas patrióticas. 

« Policia provincial ! exclama, porém, um publi- 
cista conservador: a policia é um interesse nacional, 
funcção do poder supremo.» Basta esta maneira de en- 
carar a questão para se reconhecer o discípulo da 
escola franceza. 

Com effeito, ha interesse algum que toque maia de 
perto ao individuo, á parochia> ao município, do que 
a segurança de vida e propriedade, do que a prevenção 
do crime e a sua repressão? A sociedade tomada em 
seu todo, a nação inteira, não é de modo algum mais 
interessada na boa policia do que cada uma das pe- 
quenas espheras locaes que constituem esse todo. 


172 PARTE SEGUNDA 

O que produz a boa policia, não é a escala liierar- 
chicado funccionalismo que a compõe: essa hierarchia 
formidável, descendo do ministro ao inspector de quar- 
terão, não é que torna mais efficaz a repressão do 
crime, mais solida a segurança publica: é apenas 
elemento de força para o governo central. Carecemos 
nós perguntar á França napoleonica que grau de in- 
fluencia exerce o poder omnipotente transformado em 
policia da sociedade ? 

Apezar do actual mecanismo da contralisação, 
apezar de se haver dissolvido o exercito em destaca- 
mentos , apezar dos excessivos rigores a que 
tem-se forçado a guarda nacional, perguntamos: é 
acaso satisfactoria a policia do interior, a própria po- 
licia das cidades, das maiores cidades, da capital do 
Brazil? Não. Estando a policia dependente do poder 
central, o habitante da cidade ou do campo encara 
esse primeiro interesse social como encargo privativo 
do estrangeiro poderoso de que falia Tocqueville, — o 
governo. Ora,si este tem oarbitrio e a força, não tem 
a espontânea coadjuvação popular. D'ahi a ineíficacia 
dos seus esforços. 

Não se exagere, entretanto, o nosso pensamento: 
o que desejamos é que um interesse tão local , 
como a policia, não soja monopolisado pelo go- 
verno da União, nem dependa de funccionarios seus. 
Mas, descentralisada a policia, regulada por leis pro- 
vinciaes, confiada a autorida'des municipaes, cada pro- 
víncia incontrará o meio de combinar essas forças 
locaes sem tirar-lhes o caracter local. Cada um dos 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 173 

Estados-Unidos tem o seu attorney -general ^ secretario 
da justiça ou primeiro promotor-publico do estado. 
Uma repartição como a do attorney-generaly em vez 
das actuaes secretarias de policia, preencheria em 
nossas provincias a benéfica missão de advertência, 
conselho e auxilio aos tribunaes e juizes das paro- 
chias e municípios. 

§ II. — Organisação policial de algumas províncias de- 
pois do acto addicional: as leis dos prefeitos. Seu 
fundamento. 

O exame das leis chamadas dos prefeitos derrama 
luz copiosa sobro o ponto que nos occupa. 

Antes de serem ellas promulgadas, o deputado Luiz 
Cavalcanti promovera na camará temporária reformas 
do código do processo, que, sendo repellidas, conver- 
teu-as elle na lei votada em 1836 pela assembléa de 
Pernambuco. Esta insistência de um representante 
liberal e a circumstancia de que idênticas medidas, 
com variantes mais ou menos consideráveis, foram 
promulgadas por outras assembléas do Norte, provam 
que naquella época não se reputava o código do pro- 
cesso lei adequada ao império inteiro. 

São complexas as medidas de que falíamos. Os pre- 
feitos que se creavam, eram agentes administrativos 
dos presidentes, aliás com attribuições análogas ás 
dos funcionários que hoje se pretende instituir por 
lei geral. Entre essas, lhes cabiam as de administra- 


174 PARTB SEGUNDA 

dores municipaes, pois executavam as posturas e de- 
liberações das camarás, recordando assim os sub-pre- 
feitos e os maires de Franca. 

Ainda mais: algumas das leis provinciaes fizeram 
dos prefeitos o mesmo que hoje são os delegados de 
policia, isto é, autoridades policiaes e judiciarias. 

Agentes dos presidentes, administradores munici- 
paes, commissarios de policia, juizes criminaes nas 
localidades, essas quatro cathegorias de funcções 
theoricamente distinctas, nós vamos incontra-las pra- 
ticamente reunidas nas mãos dos prefeitos, creação 
espontânea do espirito provincial. 

Foi em S. Paulo que primeiro surgiu a nova enti- 
dade ; e não foi estranhada , antes offerecida por 
modelo á imitação das outras províncias (decreto 
e instrucções de 9 de dezembro de 1835 *). Estabelecia 
a lei paulista de 11 de abril desse anno, nas cidades 
e villas, prefeitos nomeados pelos presidentes, e in- 
cumbidos de executar as ordens do governo; de fisca- 
lisar os empregados do municipio; de organisar o 
commandar a guarda policial, e distribuir o respe- 
ctivo serviço; de prender os delinquentes, sendo esta 
attribuição cumulativa com as autoridades policiaes; 
de vigiar os suspeitos e as pessoas que de novo en- 
trassem no municipio; finalmente, de executar as 
posturas, nomear os fiscaes, assistir ás sessões das 
camarás, e propôr-lhes as medidas convenientes: «fi- 
cando a camará na intelligencia, dizia a lei, de que 

* Cap. I, g lo. 


INSTITUIÇOJIS PBOVINCIAES 175 

sómante lhe compete deliberar e nunca executar, » 
Ne^sa lei, que alterava a organisação municipal da 
do 1° de outubro de 1828, já aparecia uma entidade 
policial differente das do código do processo. 

No mesmo anno, por decreto de 4 de junho, creou 
também a província do Ceará prefeitos que tornou 
verdadeiras autoridades de policia. Extinguindo as 
juntas de paz, transferia as suas attribuições aos jui- 
zes de direito. Regulava também o modo de se elege- 
rem os juizes parochiaes, pela seguinte forma : os 
votantes os nomeariam em listas tríplices; delias 
escolheria o presidente os juizes que devessem servir 
em cada legislatura. 

Mais decisiva foi a lei de Pernambuco de 14 de 
abril de 1836, a que já nos referimos. Esta reduziu 
o juiz de paz áquillo que é hoje, tirando-lhe as attri- 
buições policiaes e criminaes, que transferia aos pre- 
feitos e sub-prefeitos*, e supprimindo toda a jurisdição 
que não fosse relativa a conciliações, eleições e jul- 
gamento das causas eiveis até SOSOOO. 

Ainda mais : conferia aos prefeitos as faculdades, 
que, por virtude de um decreto de 1833, aos juizes de 
direito pertenciam como chefes de policia das suas 
comarcas; medida, que outra lei de 19 de abril 
de 1838 restringiu, dispondo que as attribuições de 
prender os delinquentes e formar cor})0 de delicto 
pertenceriam aos juizes do crime cumulativamente 
com os prefeitos. Também encarregava-os da exe- 
cução das sentenças crimes, que aliás competia aos 


176 PARTE SEGUNDA 

juizes municipaes; supprimia estes juizes e os espe- 
ciaes de orphãos, transferindo aos do eivei suas attri- 
buições; alargava as faculdades dos juizes do crime; 
elevava, acima da taxa do código do processo, o censo 
para a qualificação dos jurados, e só permittia um con- 
selho em cada comarca ; finalmente, nos termos creava 
notários, incumbidos dos corpos de delicto. As ins- 
trucções dadas pelo presidente da provincia para exe- 
cução dessa lei alteravam a organisação dos oflScios 
de justiça. 

Funccionarios revestidos de tão extensas facul- 
dades, os prefeitos venceriam ordenados de 1:600S a 
2:400S. Ao lado delles, nas comarcas, ficava o poder 
judiciário representado comente pelos juizes do crime 
e do eivei, pois que os municipaes e os de órfãos 
eram supprimidos. 

Assim, justiça simplesmente correccional ou de 
primeira instancia, civil ou criminal, distribuída por 
juizes de direito ou tribunaes dojury; a justiça 
tanto como a policia administrativa, preventiva ou 
judiciaria, tudo cahiu sob o dominio dessa enérgica 
legislação. 

Foram estas audaces reformas de Pernambuco que 
consternaram os timidos conservadores da assembléa 
geral : já em 1836 a camará dos deputados era cha- 
mada a revogar essas leis, filhas legitimas do acto 
addicional , consequências lógicas do systema ado- 
ptado. Outras provincias, não obstante, Sergipe — Pa- 
rahyba do Norte, Maranhão, Alagoas, — sob a acção de 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 177 

causas idênticas, sentindo a urgência de accommo- 
darem ás suas peculiares circunstancias a organi- 
sação judiciaria e policial , lançavam-se resoluta- 
mente pela vereda aberta era Pernambuco e Ceará. 

O principio capital das suas leis era o mesmo, com- 
quanto variassem as applicaçoes. Seja-nospermittido, 
pára maior esclarecimento, resumir a lei de Alagoas 
de 12 de março do 1838. 

Ao contrario da de Pernambuco, não extinguia 
esta os juizes raunicipaes, antes augmentava-lhes as 
faculdades annexando-lhes as dos juizes de orphãos, 
que também supprimia. Aos mesmos juizes rauni- 
cipaes incumbia, cumulativaraente com os de paz e 
os prefeitos, proceder a corpo de delicto e formar a 
culpa, prender os culpados, conceder fiança e julgar 
as contravenções ás posturas. Erara extinctas as juntas 
de paz. Aos juizes de direito cabia formar culpa nos 
crimes de responsabilidade dos empregados públicos 
e em todos os dos juizes raunicipaes ; conceder fianças 
e conhecer dos recursos interpostos destes juizes o 
dos de paz. Elevava também a lei o censo para jurado, 
fixando-o na renda de 300$ a 600$, segundo provinha 
de bens de raiz e emprego, ou de commercio e in- 
dustria. Ella creava, finalmente, em cada termo, pre- 
feitos, nomeados pelo presidente, cujas funcções eram: 
prender e fazer corpos de delicto (cumulativamente 
com os juizes de paz e os raunicipaes), raanteraordera, 
mandar dar buscas, conceder passaportes, dissolver 
ajuntamentos para desordera, destruir quilombos e 
coito de malfeitores. Exerciam além disso vigilância 

A PROV. 23 


178 PARTE SEGUNDA 

policial sobre bêbados, ociosos * e orphSos desvalidos ; 
executavam as sentenças criminaes, fiscalisavam as 
prisões, e reprimiam o uso de armas prohibidas. Ven- 
ciam os prefeitos um conto de réis por anno, e os 
sub-prefeitos, seus agentes, percebiam uma gratifi- 
cação. Eram-lhes subordinados os inspectores de quar- 
teirão e a guarda nacional. 

Algumas das disposições da lei de Alagoas attestam 
o caracter local eas circunstancias do tempo. Assim, 
naquella época de perturbações, mandava que, sob 
pena de multa, os proprietários não admittissem nas 
suas terras pessoas que não houvessem participado 
ao prefeito ou sub-prefeito a sua residência no termo. 
Outras de igual natureza, medidas policiaes, judi- 
ciarias ou administrativas, se.incontram nas legis- 
lações provinciaes do periodode 1835 a 1840. Trazem 
todas bem accentuado esse caracter local, primeiro 
elemento de acerto das leis que regulam as relações 
habituaes dos homens na .sociedade, os interesses que 
formam a vida da parochia ou do municipio. 

Nenhuma das provincias, cumpre notal-o, copiou 
fielmente um typo qualquer : a imitação foi livre, cada 
qual alargou ou restringiu as dimensões do molde, 
segundo melhor attendesse ás suas próprias circuii- 

^ Sobre os ociosos havia uma disposição coercitiva, de que, segundo as 
pessoas contemporâneas, tirou-se muito proveito fornecendo-se á lavoura 
braços até então inúteis, c dissolvendo-se coitos perigosos para a segurança 
das localidades. Eis o texto do art. 12 g 7** da lei: « Obrigar aos ociosos a 
contratarem-se dentro de um prazo razoável a fim de conseguirem meios de 
subsistência sem prejuizo da sociedade, pena de serem presos e processados 
como desobedientes.» 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 179 

stancias. O que principalmente devemos respeitar 
nessa legislação suflFocada ao nascer, é a fonte livre 
donde emanou. O que encarecemos, quaesquer que 
fossem as combinações adoptadas , é a isenção com 
que o legislador de cada província insaiava as suas 
instituições locaes. O sentimento que animava as 
provincias era a mais viva expressão do governo do 
paiz pelo paiz. De tudo isso não resta mais que a 
sombra das recordações, emquanto não falsificarem a 
historia os chronistas do império. 

Mas , dirão os idolatras do governo-tutor : « que 
uzo fariam as provincias da faculdade de livremente 
organisarem, como então, as instituições locaes, — 
municipalidades, policia, guarda policial? » Tran- 
quilisa-nos o modo como ellas nisto procederam de 
1835 a 38, épocba de perturbações. Em verdade, si 
é a anarchia que se receia, as leis provinciaes de 
então.nada teem de anarchicas. Todas approxima- 
vam-se do typo, que ao depois alargou-se na lei de 
dezembro de 1 841 ; todas tendiam a fortalecer a au- 
toridade executiva provincial, dando-lhe agentes pró- 
prios seus nas localidades. Longe de enfraquecerem 
o poder , as provincias procuraram constituir uma 
policia vigorosa. Porque razão receiar-se-ia hoje que, 
no gozo da mesma liberdade, promulgassem leis de- 
magógicas ? 

Si votaram as provincias as leis dos prefeitos, é 
que delias precisavam. Pernambuco, Alagoas, Ceará, 
etc, careciam exterminar o crime : para isso não bas- 
tava a autoridade electiva do juiz de paz. Restabelecida 


180 PARTE SEGUNDA 

a segurança publica, presos os malfeitores, reprimidos 
os caudilhos do sertão , teriam essas leis severas 
preenchido a sua missão, e é licito suppôr que logo 
so abolissem. Tal era uma das vantagens da legis- 
lação provincial : conforme mudassem as circunstan- 
cias, mudariam as leis de policia e justiça. Hoje, en- 
tretanto, está o paiz inteiro gemendo sob o peso de 
uma lei despótica, que em 1841 já era injusto appli- 
car á mór parte das províncias, duas das quaes a re- 
pelliram com armas nas mãos. No mesmo periodo de 
1835 a 1838, as províncias do sul não recorreram, 
porque certamente não precisavam recorrer, ás me- 
didas adoptadas no norte. Mas veio a funesta pai- 
xão da symetria : partindo do que era particular para 
o geral , do que era conveniente a Pernambuco , 
Ceará, Alagoas, Maranhão, para o que seria útil ao 
império todo ; argumentando com o que se tornara 
necessário a estas províncias em épocha de crise e 
transição, — veio a lei de 3 de dezembro de 1841, e 
creou uniforme a policia do despotismo. Podem os 
conservadores triumphar de obra tão precipitada? 

Certo, já o dicemos, haverá casos e haverá épocas 
em que a mais liberal das organisações da policia não 
seja a mais vantajosa. Supponha-se que uma provín- 
cia volva ás tristes condições de outr^ora, infestada 
de sicários, coberta de quilombos, coito de forasteiros 
vagabundos : não seria mais expedito e mais prudente 
que a sua assemblóa dictasse logo as medidas excep- 
cionacs, e as revogasse tão cedo cessasse a situação 
excepcional? Nem se figura aqui hypothese fantas- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 181 

tica : verificada a emancipação dos escravos, é licito 
presumir a existência de remissos ao trabalho, acoi- 
tados nos bosques , exercendo violências , com- 
raettendo depredações. Em taes condições, cada pro- 
víncia careceria dictar regulamentos policiaesseus: 
a centralisação actual seria então detestável *. 

Façamos uma advertência final : o que estamos 
advogando, não 6 a variedade dos códigos. Suppo- 
mos que sejam nacionaes o uniformes os códigos civil, 
commercial e penal; suppomos também que o sejam 
certas regras geraes do processo no eivei e no crime, 
as garantias da liberdade constitucional, o julg-a- 
mento pelo jury, os recursos para a superior instan- 
cia. O resto, porém, possa alterar-se, conforme o in- 
tenda cada provinda. 

Respeitaríamos desta sorte o elemento que mais 
asssegura a estabilidade das instituições de um povo, 
a autonomia local. 

Não hesitamos em condemnar a organisação poli- 
cial e judiciaria da lei de 3 de dezembro; mas também 
não reputamos tão elevada a superficie de nossa ci- 
vilisação, que a todo o paiz se possa applicar o prin- 
cipio da policia electiva. Si, por um lado, fora incon- 
veniente estender este bello principio ás solidões do 
Amazonas c ás florestas de Goyaz e Mato-Grosso, é, 
por outro lado, injustíssimo privar do gozo dessa li- 
berdade as províncias superiores em civilisação. Por 


* Não alludimos a regulamentos do trabalho dos libertos, mas a medidas 
meramente policiaes :" vede Parte IH, cap. 11 § 2°. 


182 PARTE SEGUNDA 

isso condemnamos a uniformidade nas instituições se- 
cundarias do governo dos povos. 

O redactor do código do processo, Alves Branco, 
pouco depois pedia ao parlamento providencias restri- 
ctivas da grandiosa lei de 1832; ministros liberaes da 
regência lamentavam a ineficácia do código do pro- 
cesso contra os crimes e as desordens de determinadas 
localidades. E' um facto: mas o que deve sorprender, 
não c a sinceridade desses illustres estadistas; cum- 
priam o seu dever : não podemos, porém, dizer que 
acertavam propondo á assembléa geral medidas que 
excediam da competência desta, medidaá que elles 
próprios, votando o acto addicional, tornaram depen- 
dentes das assembléas provinciaes. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 183 


CAPITULO VI. 


A FORÇA POLICIAL E A GUARDA NACIONAL. 

• 


Abolir o recrutamento, preenchendo-se o exercito 
e armada por engajamentos voluntaiios; abolir a 
guarda nacional, creando-se nas parocliias a guarda 
cívica policial formada pelas camarás municipaes : 
taes são as idéas de eminentes liberaes sobre a nossa 
organisação militar. A este nobre programma, oppoz 
o gabinete de 16 de julho uma proposta que ha de 
ineontrar, amais decidida resistência. 

Convertendo a presente guarda nacional em exer- 
cito de reserva, formando da restante massa dos cida 
dãos força policial ás ordens do poder executivo, 
a proposta do governo militarisa o Brazil. Por outro 
lado, tirando a força policial o caracter local, esse 
projecto é maior attentado que a lei de 1850 contra 
as franquezas provinciaes. 

Illustrem este debate as recordações do nosso pas- 
sado. Nào repudia um povo a sua historia; e um par- 
tido, quando reclama liberdades que já convertera em 
leis, impõe se com dobrada força ao respeito dos con- 
temporâneos. Temos por nós a tradição liberal ; con- 
tra nós o facto do absolutismo : o paiz escolherá. 


184 PARTE SEGUNDA 


§ I. — Força policial: instituição commum d provinda 

e ao municipio. ^ 

j 

E' a experiência de cada provincia que pôde acon- 
selhar-llies o modo mais vantajoso de constituir em 
cada cidade, villa ou aldêa, uma força auxiliar da 
policia : e algumas o tentaram em varias épocas. 

Uma lei anterior ao acto addicional (resolução de 
7 de outubro de 1833 ) desenhara o plano da guarda 
policial. Segundo elle, fixavam as camarás munici- 
paes o numero de guardas necessários para cada um 
dos districtos de paz, sob audiência dos respectivos 
juizes : estes os nomeavam e tinham sob suas or- 
dens. Marcavam as camarás os soldos dos guardas, 
e arrecadavam, para fazerem face á despeza, uma 
contribuição de policia dentre os moradores dos dis- 
trictos. Tal era o singelo systema dessa lei, que 
aliás não o applicava ás capitães das provincias, 
por intender talvez que nas maiores povoações con- 
viria uma força não subdividida por districtos, mas 
obedecendo a uma organisação commum. 

Sobreveio, porém, o golpe de 1840, e tornou im- 
praticáveis instituições desta natureza, intimamente 
ligadas ao. regimen das municipalidades, regimen 
que ficou inviolável por leis provinciaes. Ora, sema 
contribuição local, sem a fiscalisação das camarás, 
sem a formação da força nos lugares respectivos, 
parece e tem sido sem êxito o pensamento de 1833. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 185 

Desde longa data pretende o governo firmar a sua 
exclusiva competência nesta matéria. Ha muito, o 
conselho de estado disputa ás provincias a attribuiçao 
de organisar a força policial, e o relatório da justiça 
de 1869 pede « uma lei na qual se estabeleça a orga- 
nisação geral da força de policia, cujo numero (o nu- 
mero somente) compete ás assembléas provinciaes 
fixar conforme as necessidades locaes. » Para conse- 
guil-o, a proposta a que nos referimos creava uma 
milicia, que é a mesma guarda municipal invocada 
naquelle relatório. Basta, porém, a mudança de nome 
para legitimar a competência dos poderes geraes sobre 
um assumpto expressamente reservado ás camarás 
dos municípios e assembléas das provincias? Levar, 
por amor da lógica, a doutrina ccntralisadoía ás suas 
extremas consequências, ó uma ompreza rodeada de 
perigos, que nao desconhecem os próprios conser- 
vadores. ^ 

Longe de insistir em tentativas que abortaram, e 
que incontram no senso da população repugnância 
insuperável, volvamos ás tradições de 1831. Haja em 
cada districto tantos guardas, quantos marquem as 


^ o primitivo projecto em que assentou a mencionada proposta, dizia no 
art. òo : «O producto da contribuição de que tratam o art. 3'' § 5** e o art. 4 
'<le 40^ ou 20^ para o cidadão isentar-se do serviço da milicia activa ou dà 
reserva) /"arei parte da renda provincial^ e será exclusivamente ^ appl içado 
aorganisação da força policial de cada municipio. » Foram supprímidas as 
palavras sublinhadas, e o resto substituiu-se assim: « Será applicado ao paga- 
mento do soldo dos milicianos destacados. » Pela proposta, pois, a receita e 
a de^peza tornam-se geraes, como é geral a organisação. Pôde ser mais 
patente a violação do acto addicional? 

A PROV 24 


186 


PARTE SEGUNDA 


camarás ; obedeçam aos juizes de paz ou a quem for 
investido da autoridade policial ; paguem as despezas 
os moradores do lugar, como pagam a illuminação, 
as afluas, o calçamento e os demais serviços. 

Assim, organisado o municipio pelo modelo anglo- 
americano, teríamos a policia local apoiada nos guar- 
das locaes *; haveria um arrolamento de todos os ci- 
dadãos aptos para o serviço ; doestes só ficariam 
isentos, além dos velhos, crianças e enfermos , os 
que se fizessem substituir por pessoa idónea. Por ou- 
tro lado, no caso do guerra, o governo, em virtude 
de lei especial, pediria a cada municipio um contin- 
gente tirado dos inscriptos para o serviço da locali- 
dade. 

A guarda civica do municipio tornar-se-ia, por- 
tanto, instituição local e reserva nacional. Habi- 
litar gradualmente essa reserva no manejo das 
armas, na táctica militar, seria desde logo empe- 
nho de um governo verdadeiramente nacional, fran- 
camente coadjuvado pelo povo. Entào, como naSuissa, 
como nos Estados-Unidos , ver-se-ia introduzir os 
elementos da táctica nas próprias escolas prima- 
rias , iniciando-se a infância na rude arte das 
armas, e inspirando-lhe com o sentimento da força 
o amor da pátria. Harmónicas funccionariam as 


» Não 6 nos Estados-Uuidos só que as localidades manteem a sua po- 
licia; no todo ou em parte, o mesmo fazem na Europa. Em ínglaterra 
e Escócia , por exemplo, despendem as cidades o condados cerca de 
15,000 coutos com este serviço , que alias custa ao thesouro nacional 
menos de 5,000. 


J 


f 


INSTITUIÇÕES PEOVINCIABS 187 

instituicções militares de um povo livre. Composto, 
em tempo de paz, exclusivamente de voluntários, 
outro havia ser o nivel moral do nosso pequeno, mas 
excellente exercito. Cada soldado, aperfeiçoado em 
escolas regimentaes , seria um digno defensor da 
pátria ; e poder-se-ia tudo receiar aqui, menos a com- 
pressão da liberdade ou a desordem promovida por 
cohortes pretorianas sujeitas á chibata. 


§ II. — Guarda nacion<il\ limite da competência do 

poder central. Abolição. 


Abrindo a constituição dos Estados-Unidos ou da 
Republica Argentina, vé-se que nos governos fede- 
raes é o congresso quem autorisa a reunião das milí- 
cias; quem decreta sua organisação, armamento e 
disciplina ; e é o poder executivo federal quem dirige 
as que forem empregadas em serviço nacional. Aos 
estados ou províncias, porém, compete nomear os 
respectivos chefes e officiaes, e applicar a disciplina 
prescripta pelo congresso. Não de outra sorte inten- 
dera o governo da regência a indole das nossas insti- 
tuições reformadas. As instrucções de 9 de dezembro 
de 1835 continham a este respeito doutrina que 
muito honra ao ministro que as firmava. « A guarda 
nacional constituo, diziam, nos termos do airt. 145 
da constituição, uma parte essencial da força publica. 
A sua organisação e disciplina devem portanto per- 


188 PARTE SEGUNDA. 

tencer ao governo geral, e ás assembléas provinciaes 
somente o que dicer respeito á nomeação, suspensão 
e demissão dos officiaes, excepto o cornmandante su- 
perior que o acto addicionai considera empregado 
geral. » 

Essa doutrina era o resumo da lei de 18 de agosto 
de 1831, que, imitando as dos estados anglo-ameri- 
canos S adoptou o principio da eleição dos postos, e 
fez dependentes do g'Overno imperial somente os de 
major e chefe de legião, e cornmandante superior, 
descentralisação que o acto addicionai acrescentou 
declarando geral apenas o ultimo. A lei de 1850, 
porém, aboliu o principio electivo e accumulou nas 
mãos do poder supremo a nomeação da maior parte 
dos postos, transformando radicalmente a instituição 
democrática. 

Com effeito, a lei de 1831 demarcava a linha de 
separação entre os poderes geral e provincial, dando 
ao primeiro liberdade somente para a formação c em- 
prego dos corpos chamados a serviço nacional : c, 
além disso, respeitava o elemento popular do nosso 
governo, a vida municipal, a descentralisação. 

Assim , o alistamento dos guardas era feito pelo 
juiz de paz, assistido do seis dos eleitores mais vo- 
tados. O jury de revista compunha-se do juiz do 
crime do municipio presidindo a 12 officiaes tirados 
á sorte. Era a camará municipal que distribuia os 
guardas do municipio em batalhões, companhias e 

' Parte I, cap. V ; p. 41. 


INSTITUICOEíá PROVINCIAES 189 

secções de corapanliias , e marcava as suas paradas. 

Os guardas de cada companhia , presididos pelo 
juiz de paz , elegiam em escrutinio secreto, para 
servirem quatro annos, os cabos, os inferiores e os 
officiaes Sob a mesma presidência , os officiaes, 
sargentos e farrieis das companhias formavam uma 
assembléa que elegia o tenente-coronel comman- 
dante do batalhão, o major, o ajudante e o alferes 
porta-bandeira. Ao governo central competia no- 
mear os chefes e os majores de legião, assim como 
os commandantes superiores, e só estes u timos de- 
pois de 1834. Sob proposta do chefe de legião, 
eram , pelo governo na corte e pelos presidentes 
nas províncias, nomeados o quartel-mestre e o ci- 
rurgião-mór respectivos. Serviriam, emquanto ao go- 
verno approuvessc, os majores e chefes de legião ; 
os outros officiaes por quatro annos. 

Para a designação dos guardas nacionaes que de- 
vessem formar corpos destacados, estabeleciam-se re- 
gras e isenções, cuja applicação pertencia a um con- 
selho composto de 7 membros, três dos quaes seriam 
os vereadores mais votados, c os outros, officiaes no- 
meados pelo governo ou os presidentes. Quando os 
corpos sabiam destacados, os capitães de companhias, 
officiaes superiores e do ostado-maior eram livre- 
mente tirados pelo governo , ou dentre os guardas 
nacionaes, ou do exercito, ou dos reformados. Os 
cabos, inferiores, alferes e tenentes, na primeira or- 
gauisação do corpo destacado , eram eleitos pelos 
guardas nacionaes. 


190 PAUTE SEGUNDA 

A guarda nacional já era entào de vantagem pro- 
blemática, mas a revolução de 1831, imitando as 
leis dos Estados-Unidos, procurou evitar abusos que 
boje experimentamos. Era, em verdade, garantia 
preciosa a electividade dos postos : permittia ao povo 
esperar que os cbefes da sua escolha se não prestas- 
sem, para condescenderem com exigências dos gover- 
nos, a obrigal-o a serviços excessivos ou desnecessá- 
rios. Onde, porém, a experiência condemnasss este 
modo de nomeação, podiam livremente as assembléas 
substituil-o por outro mais adaptado. 

Durante alguns annos respeitaram ambos os par- 
tidos politicos o caracter municipal e provincial dessa 
instituição. 

Não foi tarefa ligeira despojar as provindas de um 
direito que pareceu acatar a própria lei de 12 de maio 
de 1840. Usando da faculdade do acto addicional, al- 
gumas afastaram-se com plena isenção do typo da lei 
de 1831, transferindo ao presidente a nomeação de 
postos que eram electivos. Em 1836, 44 e 46, S. Paulo 
legislou sobre o modo do presidente nomear porá os 
diversos postos até chefe de legião, acabando com as 
eleições e substituindo-as por propostas das camarás. 
Luta memorável travou a assembléa mineira com o 
governo geral. Ainda em 1848 uma lei delia decla- 
rava perpétuos e vitalicios todos os postos, cousa aliás 
extranha, mas que exprime quanto pavor inspirava 
a escolha de adversários politicos para esses cargos. 

O incontestável direito das assembléas para a tal 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAEIS 191 

respeito legislarem * (qualquer que seja o juizo sobro 
os systenaas por ellas adoptados) foi plenamente reco- 
nhecido por autoridade insuspeita. Havia uma 
lei de Pernambuco (a de 14 de abril de 1836) regulado 
a eleição dos officiaes da guarda nacional e alterado o 
processo da qualificação e revista. O distinctissirao 
deputado Souza Martins, no parecer de 1833 que 
abriu o caminho trilhado na sessão seguinte pelo vis- 
conde de Uruguay, escreveu sobre esta parte da lei 
pernambucana palavras que merecem recordar-se. 
Diceelle: «Quanto aos empregos da guarda na- 
cional . . . reconhece o abaixo assignado que não re- 
sultam tão graves inconvenientes em serem declarados 
provinciaes, contanto que as assembléas legislativas 
das provindas não possam revogar nem alterar as leis 
geraes que estabelece lu a disciplina e organisação da 
guarda nacional. A attribuição das assembléas pro- 
vinciaes, em tal caso, se deve limitar somente a aug-- 
raentar ou diminuir o numero dos officiaes, e a le- 
gislar sobre a forma da sua nomeação . . . 'As contes- 
tações e duvidas sobre a legalidade dessas nomeações, 
sendo questões puramente administrativas, serão de- 
cididas sem recurso pelos presidentes das províncias, 
e em conformidade com as leis provinciaès, sem que 
o governo geral precise interpor sobre ellas a sua in- 
tervenção. Para apoiar a congruência e a praticabili- 
dade desta interpretação , não é de pouco pezo o 

* Em virtude do art. 10 § 7^ da lei das reformas, podiam as assembléas 
provinciaès legislar e legislaram sobre a guarda nacional. A lei de 1840, 
centralisando a policia e a justiça, nada alterou quanto á guarda nacional. 


192 ^ PARTE SEGUNDA 

e xemplo da constituição federal dos Estados-Unidos 
da America. » * 

E era um conservador que, invocando a consti- 
tuição norte-americana, detinha as tendências rea- 
ccionárias do seu partido I Quatorzc annos depois, disso 
não fazia-se cabedal. Dos nobres protestos das assem- 
blóas de S. Paulo e Minas tiroa-se pretexto, e a ira 
foi conselho para a usurpação de 1850. 

Completar com a guarda-nacional militarisada o 
machinismo fabricado em 1840 e 1841» tal foi o pen- 
samento da segunda reacção conservadora. Denun- 
ciada ao paiz pelos liberaes, a lei de 19 de setembro 
de 1850 ficou sendo apontada, não só entro os vexa- 
mes impostos ao povo pela politica centralisadora, mas 
como um dos mais audaces attentados contra o acto 

addicional. 

Com quanta justiça a nação doeu-se do golpe, diga- 
quem se recorde ainda da popularidade da lei de 
1831. Procurai a explicação da profunda desconfiança 
do povo em relação ao poder : talvez a incontreis prin- 
cipalmente no golpe de 1850. Desde então perdeu-so 
a esperan ;a de um governo sinceramente livre ; pa- 
reço que ima dor intensa opprime o peito dos brazi- 
leiros : etzrnum servans sub pectore vulnus. 

Generalissimo da policia, o ministro da justiça o 
ficou sendo também da guarda nacional. São dous 
exércitos que marcham ao signal do com mando. A con- 
quista é infallivel ; eis-ahi as camarás unanimes desde 
1850! 

* Actas da camará dos deputados; 1836, voL io. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 193 

* 

Tornou-se a guarda nacional nova ordem honorifi- 
ca com que allicia-se o parvo, com que se perverte o 
povo, e degrada-se o espirito publico ; e, acima disto, 
supplicio do operário e do lavrador, occasião e meio 
de vinganças politicas, arma, em summa, do despotis- 
mo. A tránquillidade do povo, a segurança individual, 
a regularidade do trabalho, os mais caroí interesses 
exigem melhor organisação dessa parte do nosso go- 
verno. 

Qual seria? Outra não fora sinão a verdade do acto 
addicional, a verdade fundamental de um systema fe- 
derativo mesmo incompleto como o nosso : isto é, a 
guarda policial do município sejaeffectiva, organise-a 
e pague-a o município ; a guarda policial da provín- 
cia, organise-á e pague-a a província, e tanta e tão 
poderosa quanto demandem as condições de cada uma. 

Preserve-se o exercito de corromper-se na policia local, 
preserve-se também o voto da intimidação das bayo- 
netas. 

Neste sentido, apezar de vantagens secundarias *, 
a proposta do gabinete de 16 de julho não é reforma, 
é regresso. Si o governo pretendia conservar este 
exercito de soldados, oíficiaes e commandantes acam- 
pado no meio da sociedade, a que se chama guarda 
nacional, então ao menos restituísse ao elemento de- 


* A proposta do governo só permittia em cada província um commando 
superior, o da capital ; conferia aos presidentes a nomeação de todos os pos- 
tos, menos esse ; e, organisando os corpos por comarcas, tendia a limitar o 
numero delles e dos oíficiaes : providencias úteis, si mais útil não fora a 
total abolição de uma instituição viciada e odiosa. 

A PROV. .25 


194 PARTK SEGUNDA 

mocratico o que lhe dava a lei de 1831, restituísse á 
província o que nem o golpe de estado de 1840 ousou 
roubar-lhe. 

Mas instituições ha que o tempo condemna irrevo- 
gavelmente. Nascidas muita vez na mais bella qua- 
dra da vida das nações, a experiência vem depois as- 
signalal-as -como concepções falsas, ou denuncial-as 
como elementos de corrupção e tyrania. Nação em 
armas, a guarda nacional foi um bello sonho da de- 
mocracia moderna : mas, quantas decepções ! O des- 
potismo europeu, na França e na Prússia, não apoia- 
se somente nos exércitos permanentes ; rodêa-se 
também da guarda nacional. 

Façamos o Brazil um povo livre. O primeiro escra- 
vo a emancipar é o suífragio, é o próprio cidadão ca- 
ptivo de instituições compressoras, como a lei da 
guarda nacional. Transformemos a face da nossa so- 
ciedade politica, mudando-lhe as bases. Libertando o 
voto, pacificaremos a nação. Não ha paz sinão na li- 
berdade. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 195 


CAPITULO VIL 


A JUSTIÇA. 

A constituição dos Estados-Unidos resolveu uma 
das maiores diflficuldades de um bom systema politico 
dividindo o poder judicial em tribunaes federaes, para 
questSes de caracter nacional ou internacional, e em 
tribunaes dos estados para as lides e processos com- 
muns *. Desse ideal se estão aproximando povos em 
condições análogas ás nossas. 

Na Republica Argentina, ó a constituição particu- 
lar de cada uma das provincias que regula a respe- 
ctiva administração de justiça. Tal é o preceito do 
art. 5° da constituição federal adoptada em 1860, cu- 
jos redactores acompanharam quasi fielmente a dos 
Estados-Unidos. Assim, naquella republica, os juizes 
dos tribunaes federaes são igualmente distinctos dos 
das provincias. Os casos da jurisdicção dos primeiros 
são inteiramente os mesmos que na União norte-ame- 
ricana. (Art. 100.) Ha, entretanto, uma differença 
notável : na republica do Prata é o congresso que pro- 
mulga os códigos civil, commercial e penal, e as re- 
gras do julgamento pelo jury. Taes códigos, comtudo, 

* Parte I, Cap. V; p. 51. 


196 PABTE SEGUNDA 

não podem alteraras jurisdicçSes locaes; e a applicaçâo 
delles incumbe, já aos tribunaes federaes, já aos pro- 
vinciaes, segundo as cousas ou pessoas cahirem de- 
baixo das suas respectivas competências. (Art. 67 
§ 11.) Desta sorte, as leis que consagram o direito e 
prescrevem as garantias da liberdade e da proprie- 
dade, são nacionaes, dicta-as o congresso: a execução 
dessas leis pertence, conforme a natureza dos casos, 
a tribunaes da união oú das provindas. 

Adoptou a constituição de 1863 dos Estados-Unidos 
de Colômbia (Nova-Granada) uma organisação simi- 
Ihante; e si delia apartou-se, não foi para diminuir o 
poder judicial dos estados particulares, mas antes 
para restringir os casos de jurisdicção dos tribunaes 
federaes. Ficaram estes expressamente limitados 
aos crimes dos altos funccionarios da união e ás ques- 
tões internacionaes, prezas, pirataria, occurrencias 
do alto mar, violações do direito das gentes, etc. 
(Art. 17, §§ 14, 15 e 16.) 

As duas republicas de origem hespanbola, reorga- 
nisando-se sobre a base federal, intenderam indispen- 
sável á boa administração interna essa nova formação 
do poder judiciário, característico original das ins- 
tituições norte-americanas. 

Dividir um poder que os publicistas europeus repu- 
tam indivisível, é a mais eloquente homenagem á 
descentrali sacão, suprema necessidade dos vastos es- 
tados do Novo Mundo, condição de vida e de liber- 
dade. 

Certo, as aspirações do Brazil não chegam tão longe; 


INSTITUIÇÕES PBOVINCIAKS 197 

aqui nâo se trata de copiar o systema dos Estados- 
Unidos. Si bem as interpretamos, quanto ao poder 
judicial, limitam-se nossas aspirações a dous pontos 
capitães: magistratura independente do poder execu- 
tivo, garantias á liberdade individual. 

Consagrando os princípios da independência pes- 
soal dos magistrados, da independência do poder 
judiciário e unidade da sua jurisdicção ; estabele- 
cendo a incompatibilidade absoluta dos juizes com os 
cargos de eleição; separando a policia c^ a justiça; 
extinguindo os juizes commissarios do poder execu- 
tivo ; repellindo a falsa doutrina das jurisdicções 
administrativas contenciosas ; prescrevendo regras 
criminal a bem da liberdade do cidadão: creando re- 
lações em todas as provincias: o excellente projecto 
do processo de reforma judiciaria pelo Centro Liberal 
proclamado, pretendeu resolver as diíBculdades do 
momento, satisfazendo ás pretenções mais geraes * . 

Mas contentar-se-ba o futuro com a conquista destes 
principies? Combatendo a reforma eleitoral de 1855, 
Euzebio de Queiroz exprimia uma grande verdade 
neste aviso ao poder: O espirito de reforma é insa- 
ciável; a democracia exigirá em breve muito mais do 
que lhe concedeis agora. — O que o estadista conser- 
vador receiava, é o que justamente constituo o pro- 
gresso, a transformação successiva de instituições 


^ Muitas das siias idéas abriram caminho entre os próprios conservadores : 
insinuaram-se no uUímo relatório do ministério da justiça (1869), e surgiram 
em alguns dos projectos então ofierecídos á camará temporária. O concurso 
dos dous partidos verificou a sua necessidade 


198 PARTE SEGUNDA 

transitórias. Nada ha de definitivo no desinvolvimento 
humano: na politica, como na sciencia, as idéas pro- 
pagam-se em circules concêntricos, mais e mais vas- 
tos. Quem pode descrever a periferia do circulo der- 
radeiro? Caminham as sociedades, como os homens, 
para o desconhecido; o que conforta a umas e outros é 
essa vaga confiança nas eternas leis da providencia. 
Anima-nos a crença de que a doutrina liberal tende a 
converter-se em outra muito mais larga, não simples- 
mente descentralisadora, a doutrina federal. Pudésse- 
mos allumiar a ponte que liga as duas margens 
oppostas, centralisação monarchica e autonomia fe- 
derativa I 

No assumpto que nos occupa, sem um pouco desse 
federalismo que Benjamin Constant recommendava a 
França, nada se terá feito eficazmente pela liberdade. 
Queremos premunir o cidadão contra o poder, e exi- 
gimos a independência do magistrado: mas que valor 
intrinseco tem esta sonora garantia, si é o magistrado 
creatura e cliente do poder? Eis onde estacam todos 
esses planos de reformas; eis onde revelam a sua la- 
cuna fundamental. Circulo vicioso, garantias appa- 
rentes, são essas liberdades que nos promettem: para 
zombar de tão brilhantes conquistas, ahi tem o poder 
um agente, um cúmplice, na entidade que figuraes 
paladino da liberdade, escudo do cidadão. Emquanto, 
hierarchicamenteorganisada, com asymetria do resto 
do funccionalismo, a ordem judiciaria descender das 
mãos do imperador, nem confiança ao povo, nem re- 
ceio ao poder, ha de ella inspirar jamais. 


1» 


INSTITUIÇÕES PROVINCÍAKS 199 

Os autores do acto addicional bem o sentiram ; 
descentralisando a magistratura, dividindo-a em jui* 
zes provinciaes e juizes uacionaes, ensinaram o cami- 
nho que desgraçadamente abandonámos, perdendo 
com elle a liberdade. 


§ L — Juizes de primeira instancia. Razão do acto 

addicionaL 


Devem pertencer á ordem provincial os magistra- 
dos da primeira instancia — o juiz de paz, o munici- 
pal, o de orfáos e o de direito ? 

As leis provinciaes de 1836 a 38, que regularam 
esta parte da organisaçâo judiciaria, fundavam -se em 
que não podiam ser funccionarios geraes, nem eram 
assim considerados pelo acto addicional, juizes com 
jurisdicção em parocbia, termo, comarca ou outra 
qualquer divisão da provincia. Taes leis e a doutrina 
que as inspirara, eram rigorosamente constitucionaes. 
« São empregos municipaes e provinciaes (palavras 
do acto addicional ) todos os que existirem nos muni" 
dpios e provindas; á excepção (quanto aos de jus- 
tiça) dos cargos de membros das relações e tribunaes 
superiores. » 

Rompe u-se em 1840 esse artigo da lei das refor- 
mas : da violência do acto ainda subsistem os ves- 
tígios. Desde então, inquieto e suspeitoso, o génio 
da monarchia tem visto de continuo perseguil-o a som- 
bra implacável da lei rasgada. Quando dormirá tran- 


200 PARTB SEGUNDA 

quillo? no dia em que decidir-se ao heroísmo de 
retroceder pelo mesmo caminho das usurpações. 

Manda a verdade histórica confessar que a reacção 
de 1840 foi, nesta parte, preparada por liberaes timi- 
dos ou impacientes. Mal estreava a reformado 1834, 
e ja em. 1835 o próprio governo do regente insinuava 
qae o pensamento do acto addicional era que as as- 
sembléas, no uso da faculdade de ^irearem empregos 
administrativos provinciaes, não lhes conferissem 
attribuiçoes judiciarias, alterando a uniformidade do 
poder judicial em todo o império. (Instr. de 9 de 
dezembro, § 6.") Invocava-se aqui a theoria da 
uniformidade judiciaria, cousa que justamente o acto 
addicional rejeitara considerando provinciaes todos 
os juizes, menos os das relações e tribunaes superio- 
res, e sujeitando-os á assembléa provincial autorisa- 
da a suspendel-os e até demittil-os (art. 11 § 7.'*). 
Contra essa timida doutrina, prenuncio da reacção, 
bradavam as necessidades locaes. 

Que fosse constituída por lei geral a organisação 
dos tribunaes superiores, como sentinellas da União, 
como guardas do pacto fundamental, comprehende- 
se : mas impedir as províncias de formarem as suas 
justiças de primeira instancia, dando umas a certos 
juizes attribuiçoes que não exercessem em outras, 
variando cada uma a composição dos tribunaes locaes 
á medida das circunstancias, era roubar-lhes a ini- 
ciativa era assumpto que não pode ser bem regulado 
sem attenção ás condições peculiares de cada regiSo 
de um vastíssimo Estado ' . 

^ Isto melhor se patentêa attendendo á natureza das funcções do juiz 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 201 

O governo municipal não consiste somente nos ser- 
viços, por assim dizer materiaes, de aqueductos, cal- 
çadas, illuminação, jardins, caminhos, etc. Ao go- 
verno municipal importa o modo de se exercitar a 
jurisdicçào no eivei e no crime, com elle se intrelaça 
a administração da justiça na sua esphera inferior *. 
Assim, fora incompleta a reforma administrativa que 
não sanccionasse4i também a competência do poder 
provincial sobre a composição dos tribunaes locaes, 
ou da primeira instancia, para servir-nos da expres- 
são admittida. 

Não seguiram as provincias os timidos conselhos 
do governo de 1835. Com a isenção que mostraram 


de paz, por exemplo. Si as assembléas continuassem investidas do direito 
de regular as justiças locaes , algumas haviam commetter ao magistrado 
da parochia certas funcções secundarias do officio de julgar, que , com 
muito gravame das paites, diOicilmente desempenham os juizes dos ter- 
mos e comarcas. 

Estender a jurisdicção do juiz de paz aos menores delictos e ás minimas 
lides, é um dos votos das populações campestres de França. « Ha ac- 
cordo quanto a ampliar-se a competência dos juizes de paz , escreve o 
Sr. Leonce Lavergne, resumindo o ultimo inquérito agricola. Por sua re- 
sidência na capital do cantão, que o põe frequentemente em contacto com 
os habitantes do campo, é o juiz de paz, para elles, o magistrado por ex* 
cellencia. Deseja-se que seja incumbido das pequenas lides, de ven- 
das de immoveis não excedentes de certo algarismo, e particularmente 
dos bens dos menores; que se lhes attribua a jurisdicção dos tribunaes 
de primeira instancia sobre a partilha e homologação nas successões mi- 
nimas; que se estenda a sua competência a todas as contestações entre 
proprietários e rendeiros , entre vendedores e compradoies ; que tenha 
alçada para julgar em ultima instancia até 500 francos ... Essas simpli- 
ficações interessam particularmente á pequena propriedade. » {Révue des 
deux mondes, 15 nov. 1868.) 

* Cap. IV, g 1. 
A PROV. 26 


202 PARTE SEGUNDA 

formando um systema policial próprio, algumas alte- 
raram simultaneamente a organisação judiciaria em 
pontos connexos *. Podiam deixar de fazel-o? A ten- 
dência da época era accommodar as justiças das leis 
philippinas e do código do processo ás circunstancias 
locaes, para que d'alii sahissem a melhor policia ad- 
ministrativa, a melhor policia judiciaria, o melhor 
regimen municipal. 

E nã[o se cuide que essa tendência fosse para acres- 
centar as faculdades das autoridades electivas, do 
juiz de paz, por exemplo. Conforme já advertimos 
quanto á policia, o que as leis provinciaes fortifica- 
vam, era o juiz de direito ou o juiz municipal. Pro- 
fundamente descentralisadoras, ellas, entretanto, não 
se inclinavam para a forma democrática das justiças 
electivas, quaes incontrámos nos Estados-Unidos : 
antes pelo contrario. Estamos persuadido de que ain- 
da hoje as províncias não se precipitariam no ca- 
minho de arriscadas experiências. ' 

Explicar-se-ia por inadvertência dos redactores do 
acto addicional, como alias pretendem os publicistas 
conservadores, a amplidão que elle deixara á compe- 
tência provinmal ? Não : invoquemos os annaes da 
época. Naquelle bello periodo da nossa historia, a 
opinião mais geral inclinava-se a uma organisação 
democrática, que se traduziu pela phrase monarchia 
federativa. HoUanda Cavalcanti (Visconde de Albu- 


1 Cap. V, S 2. 

• Parte I,cap. V ; p. 58 a 60. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 203 

querque) propunlia em 1832, antes da lei dás refor- 
mas, um projecto que confirma esta apreciação. « Com- 
pete, dizia no art. 5.% compete aos juizes de facto e 
de direito nas provincias julgar definitivamente as 
causas, quer eiveis, quer cri minaes, intentadas dentro 
da provincia, e em que não for compromettido o in- 
teresse geral da nação... Uma lei económica provincial 
marcará os districtos dos juizes de direito da primei- 
ra instancia, e a forma do processo, tanto eivei como 
criminal, para essas causas somente. » 

Era o ideal norte-americano, queoillustre brazilei- 
ro propunha-se. Tanto não fizeram, todavia, as leis 
provinciaes a que nos referimos: foram, não obstante, 
apedra de escândalo. Atroáramos ares declamações 
contra a anarchia e pomposos elogios das instituições 
uniformes. 

Honra, porem, ao representante de Pernambuco, 
Luiz Cavalcanti, que soube resistir a essa paixão 
centralisadora, fonte principal dos nossos males poli- 
ticos ! Membro da commissão das assembléas provin- 
ciaes, lavrou, a 20 de agosto de 1836, um parecer di- 
gno de nota * . Depois de affirmar o principio — « que 
competia ás assembléas provinciaes revogar as leis 
geraes nos objectos* que passaram a ser provinciaes», 
e considerando desta natureza os pontos de organi- 
sação da justiça e policia regulados pela lei pernam- 
bucana de 14 de abril de 1836, Luiz Cavalcanti con- 
cluía que as mesmas assembléas poderiam alterar os 

* Actas da camará dos deputados ,- 1836, agosto ; p. 98. 


204 PARTE SEGUNDA 

códigos do processo eivei ou crime. O limite do 
poder provincial, lembrava elle, era não offender a 
constituição, os impostos geraes, os direitos de outras 
provincias e os tratados, « casos únicos em que o po- 
der legislativo geral poderá revogar a lei provincial, 
na forma do artigo 20 do Acto Addicional. » Demais, 
a lei de Pernambuco não mudava propriamente as 
regras e a marclia do processo eivei ou crime, ape- 
nas instituia certas autoridades locaes em vez de 
outras. E, para responder á objecção dos que receia- 
vam do uso dessa faculdade a variação dos códigos, 
acrescentava com muita sensatez : « Lembram alguns 
o inconveniente de poderem apparecer 18 diffe rentes 
códigos das diversas provincias, que não possam fa- 
cilmente ser conhecidos pelos magistrados dos tribu- 
naes. Intendo, porém, que, sendo os magistrados espe- 
cialmente destinados ao conhecimento das leis, seu 
officio lhes impõe o dever de estudaras leis de todas as 
provincias aonde sua jurisdicçao se estender ; além 
de que as provincias hão de seguir muito o exemplo 
umas das outras, e conseguintemento não terão de 
veriíicar-se tantas diflferenças de códigos ; antes po- 
deremos ter a vantagem de ser mais imitado o código 
que tiver produzido bons effeitos •m alguma provin- 
cia. » E concluia queixando-se da calamidade de um 
código do processo decretado pela assembléa geral. 

Baldado esforço! veio a lei de 1840, e restaurou- 
se ou consolidou-se a uniformidade dos códigos, 
agravada desde então pelas doutrinas absolutistas que 
em 1841 prevaleceram na organisaoão policial c judi- 
ciaria. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 205 

Não é, entretanto, cousa tão anarchica a separa- 
ção dos juizes em provinciaes e geraes, segundo são 
da primeira instancia ou dos tribunaes superiores, que 
se não descubra fundamento disso na própria lei de 
1840. O seu artigo 4.° collooa os membros das rela- 
coes e supremo tribunal fora da alçada das assembléas, 
não podendo estas suspendel-os nem demittil-os. Si 
os juizes de primeira instancia, porém, continuam sob 
o poder das assembléas, é que são essencialmente 
magistrados provinciaes. Que muito c então que sejam 
escolhidos na província e investidos na formadas leis 
delia? 

Por outro lado, si ás assembléas pertence crear no- 
vos termos e comarcas, faculdade cm que não ousou 
tocar a mesma lei de 1840, — é lógico admittir que 
lhes incumbe pagar os respectivos funccionarios : o 
assim foi até 1842 ; assim deve de ser, extinguindo- 
so radicilmente o conílicto que o governo todo o dia 
provoca a este respeito. Mas também é lógico que, si 
padece o ónus da despeza, tenha a província o bene- 
ficio de legislar sobre as justiças que crear e manti- 
ver, sem outro limite mais que os preceitos constitu- 
cionaes da ordem judiciaria em paiz livre. * 

Intendem estes jJfeceitos especialmente com a inde- 
pendência do poder judicial. A divisão das justiças 
em nacionaes e provinciaes é o que, em nosso pare- 
cer, facilita a constituição de uma magistratura po- 
derosa, emanando dos representantes do povo, não 
dependente do governo. 

1 V. p. 95, nota 2. 


206 


PARTE SEGUNDA 


§ 11. — Inàej)enàencia do poder judicial : nomeação e 
promoção dos Juizes. Principios de organisação ju- 
diciaria communs d lei geral e ás provinciaes. 

Si a mais solida garantia do cidadão está em uma 
magistratura independente que o ampare das vio- 
lências, a actual organisação dos nossos tribunaes 
deixa muito a desejar. A juizes instituidos pelo go- 
verno, sensiveis á influencia ou corrupção do poder, 
se restituiriam em vão as faculdades de que em 1841 
ficou esbulhada a magistratura vitalicia : não é pro- 
vável que por si só essa restituição aproveite efficaz- 
mente á liberdade. 

Nas monarchias, mais que nas republicas, porque 
nas monarcliias o poder ó sempre mais forte, — cum- 
pre fazer realmente do juiz o sacerdote da lei, e do 
tribunal o asylo do direito. São radicalmente falsas 
as instituições que se afastam deste ideai. Nossa con- 
stituição, cumpre confessal-o, cabe debaixo desta cen- 
sura: propondo se formar da justiça poder inde- 
pendente, commetteu o erro de reproduzir a organi- 
sação da monarcbia absoluta, onde a judicatura, 
em todas as escalas dessa ordem do funccionalismo, 
é feitura do rei ou dos seus representantes. 

A esse vicio original ajunte-se o erróneo systema 
das leis orgânicas. Tudo se concatena nesta fabrica 
absolutista 1 Policia centralisada ; commissarios do 
governo por juizes ; garantias individuaes supprimi- 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAKS 207 

das ou annulladas ... o que faltava ? não era acaso 
sufficiente? Pois não pareceu bastante : ataram, de- 
gradaram a própria magistratura vitalicia. Não fal- 
íamos da mesquinhez de seus vencimentos, o que alias 
bastaria para enfraquecer a mais poderosa organisa- 
çào judiciaria. O magistrado, parecia querel-o a con- 
stituição, deve de ser perpetuo e inamovível. Pois 
bem ! não ha no Brazil uma entidade a que se chama 
juiz avulso? eis ahi como é perpetuo o nosso juiz de 
direito. Não ha o despacho obrigatório de chefe de 
policia, e as promoções de entrancia a entrancia ? 
eis ahi como é inamomivel. Por outro lado, é 
o governo que o nomeia, que o promove, que 
o remove, que o aposenta, que o escolhe desembar- 
gador, que o despacha para a commissão de policia 
ou qualquer commissão administrativa, que o distin- 
gue com o cargo de procurador da coroa ou com a 
presidência dos tribunaes : eis ahi como elle é inde- 
pendente. O juiz de direito, sobretudo, é uma das 
entidades mais dependentes do governo : depois de 
lhe terem usurpado a attribuição de julgar investida 
no juiz commissario, o juiz municipal, — o tornaram 
solicitador assiduo nas audiências do presidente de 
provinda e do ministro da justiça. Sabemos bem que 
alguns robustos caracteres ha superiores á timidez e 
aos conselhos do egoismo ; mas a lei não svippõe 
somente virtudes stoicas, nem caracteres excepcío- 
naes. 

Imperfeita e transitória será a reforma que não 
remover os inconvenientes notados. Demais, dadas 


208 PARTE SEGUNDA 

certas situações moraes, não se regeneram os povos 
coma medicinados tempos ordinários: então só lhes 
aproveitam os remédios enérgicos, as reformas deci- 
sivas. Medidas intermédias podem até, por sua 
inefficacia, desacreditar o systema inteiro. 

Sem buscar exemplos nas instituições de estados 
republicanos, citemos o da monarchia belga. 

Comquanto seja o rei quem na Bélgica nomeia di- 
rectamente os juizes de paz e os dos tribunaes de pri- 
meira instancia, é a sua prerogativa limitada quanto 
aos outros membros da magistratura. Os das relações 
[conseilleTS ães cours d/appeljy os presidentes e vice- 
presidentes dos tribunaes de primeira instancia da 
jurisdição delias, ?são apresentados ao rei em duas listas 
de dons nomes, uma proveniente das relações, outra 
das assembléas provinciaes ; e é desta proposta dupla 
que se faz a eleição. Os membros do tribunal su- 
perior (conseillers de la cour de cassation) são apre- 
sentados em duas listas igualmente duplas, uma do 
referido tribunal, outra "do senado. Esse tribunal e 
as relações é que elegem do seu seio os próprios presi- 
dentes evice-presidentes *. 

Quiz a constituição dos belgas tornar effectiva a 
independência da magistratura; e logo sentiu a ne- 
cessidade de restringir a prerogativa do poder exe- 
cutivo quanto á nomeação. A independência do ma- 

* Arts. 99 e 100 da const. da Bélgica.— Esta combinação recorda, em parte, 
a dos Estados-Unidos. Sào os juizes da suprema corte federal nomeados pelo 
presidente, mas com assentimento do senado; e que não é isto mera forma- 
lidade, attesta-o a recente rejeição de uma escolhajfeita pelo presidente Grani. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 209 

gistrado, com effeito, se frustra de dous modos: pela 
intervenção do governo no despacho para o primeiro 
grau da judicatura, e pela maior ou menor liber- 
dade de que goze na elevação de um a outro grau, e, 
dentro do mesmo, nas remoções e accessos. Para re- 
pellir a participação dos outros poderes (o executivo 
e o legislativo) na formação do judicial, as consti- 
tuições dos Estados-Unidos estão adoptando, como 
já vimos, um principio mais radical, confiando ao 
próprio povo a escolha dos juizes. 

Entretanto, fora acaso impraticável insaiar no Bra- 
zil a combinação belga com algumas alterações? Con- 
tinuasse, por exemplo, o preenchimento das vagas 
do tribunal supremo por accesso dos desembarga- 
dores mais antigos, methodo que, apezar de certos 
inconvenientes, ainda parece preferivel a outro 
qualquer. Na composição das relações, porém, a an- 
tiguidade rigorosa tem inconvenientes maiores: a 
primeira instancia se deve reputar uma provação, e 
não é prudente confiar ao acaso da antiguidade a 
formação da magistratura superior. Mas, para não 
comprometter a independência dos juizes aspirantes 
ás relações, poder-se-ia adoptar um expediente: hou- 
vesse para cada vaga de desembargador propostas da 
respectiva relação e do senado provincial; as propos- 
tas comprehendessem juizes da mesma ou de outra 
provincia e quaesquer cidadãos jurisperitos; a escolha 
definitiva coubesse ao supremo tribunal. Ao mesmo 
tribunal pertencesse a eleição do seu presidente; a dos 
procuradores da coroa e presidentes das relações, a 

A PROV. 27 


210 PARTE SEGUNDA 

ellas próprias; e igualmente, por motivo fácil de con- 
ceber, a cada tribunal se transferisse, como nos Es- 
tados-Unidos, o direito de prover os cargos de secre- 
tários, escrivães e officiaes que perante elle sirvam \ 

E dos juizes da primeira instancia o que fariamos? 
São cargos provinciaes, em nosso intender. Consen- 
tiríamos ao presidente o que ao poder executivo ne- 
gamos, nomear o juiz? Certamente não. Fossem, 
pois, os juizes de direito e os municipaes propostos 
pela relação ao senado da provincia, de cuja escolba 
dependessem. 

Tal é a combinação que nos parece exequivel, li- 
bertando a magistratura da influencia governa- 
mental '. 

Resta a questão da perpetuidade. 

Quanto a nós, ó este um principio essencial: não 
que o juiz, uma vez nomeado, deva ser soberano; du- 
ram suas funcções illimitadamente, até o dia em que 


1 Esta faculdade abrange também a demissão: art. U, sec. 2, cl. S da consi. ; 
Paschal, Annotated constitution, n. 183, p. 178. 

* Um illustre escriptor da escola monarchica, o Sr. Prevôst Paradol, depois 
de mostrar que a independência é requisito essencial da magistratura para o 
papel que desempenha no Estado, expõe uma combinação análoga á da Bél- 
gica» refutando concludentemente o actual systema fiancez, que no Brazil se 
imitou: La France Nouvelle^ livro 11, cap. VIL 

' Nos cantões da Suissa parece prevalecer a idéa da eleição dos juizes pelas 
assembléas legislativas. Repellindo o principio da nomeação directa pelo 
povo, um illustre suisso propõe — que todos os juizes permanentes sejam 
eleitos pelo Grande Conselho federal : Lademocratie suisse, por J. Dubs, ex- 
presídente da Confederação; 1868. 

Segundo o projecto de constituição de Pouso-Alegre (1832), eram as as- 
sembléas provinciaes que em lista triplíce propunham ao imperador os juizes 
que devessem servir nas relações. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 211 

O suspenda ou demitta o poder legislativo, a quem 
isto compete nas províncias. Nem se receie um uso 
immoderado desta grave attribuição do impeacknienty 
dadas eleição livre, representação das minorias, accu- 
saçao da primeira camará e sentença do senado pro- 
vincial. Cercado destas garantias, o impeachmentserá, 
como nos Estados-Unidos, salutar recurso, e o único 
contra a improbidade astuta. 

O mesmo procedimento se deveria estender, por 
igual motivo, aos magistrados da segunda instancia: 
accusados perante a camará temporária, decretasse o 
senado do império a sua suspensão ou demissão. Ces- 
sasse a faculdade, que ao imperador se deu,de suspen- 
der juizes, que é outro modo de se exercer a perniciosa 
influencia do governo ; cessasse igualmente, pelo 
mesmo fundamento, a funesta attribuição de remover 
o magistrado, seja a pedido, seja forçosamente. 

As remoções dos juizes de direito (salvo o que a 
este respeito deliberassem as assembléas, a quem 
pertence regular a matéria) deviam de ser decretadas 
pelas relações; as dos desembargadores pelo supremo 
tribunal. Como quer que seja, nada é menos compa- 
tível com um systema livre de governo, do que essa- 
lei das entrancias que tanto arbítrio deixou ao poder. 

Abandonámos, como viu-se, o principio da promo- 
ção por antiguidade. Dizemol-o francamente : não in- 
centramos sólida garantia na antiguidade exclusiva ; 
apenas poder-se-ha conserval-a quanto ao supremo 
tribunal, desde que não for exigida para o provimen- 
to das vagas das relações. 


212 PARTE SEGUNDA 

Notórios são os inconvenientes da promoção por 
antiguidade rigorosa, protectora da ignorância, con- 
selheira da desidia, e frequentemente padroeira do 
vicio e da corrupção. Não a conhecem a Inglaterra e 
os Estados-Unidos, dous grandes paizes que possuem 
magistratura illustrada e independente. Em todos os 
cargos públicos, a perpetuidade dofunccionario é per- 
niciosa ao servido nacional. Si na magistratura, para 
reforçar-lhe a independência, admittimos a vitalicie- 
dade, ahi mesmo a temperamos com a ameaça do 
processo criminal, e o correctivo da suspensão ou de- 
missão legislativa: como, pois, havemos aggraval -a 
com est^outro principio do direito de antiguidade? 

Concorram ás vagas dos diversos graus da magis- 
tratura todos os juizes inferiores e quaesquer juris- 
consultos notáveis, preferido» certamente os primei- 
ros em igualdade de circunstancias. A liberdade na 
escolha é só perigosa, e detestável, no systema da 
formação da magistratura pelo governo. O principio 
da antiguidade é então plausivel, como freio do poder 
executivo, que em paiz corrompido, para grangear 
clientes, transpõe sem hesitar a barreira do justo c 
honesto. 

A actual intervenção do governo é que obriga a 
aceitar, como remédio salvador, o principio das es- 
colhas fataes : o que devemos pensar, porém, dessa 
intervenção combinada com a faculdade da livre es- 
colha, illimitada quanto ao juiz municipal e o juiz de 
direito, c pouco menos quanto á de desembargador 
em lista de quinze nomes? Respondam a corrupção 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 213 

politica e o desprestigio ena que caliiram os tribu- 
naes do império. 

Tudo cumpre prevenir para firmar praticamente a 
liberdade. Extingam-se, pois, todos os meios de in- 
fluencia governamental no animo do magistrado. 
Desta sorte, assim como fora incompleta a reforma 
que nâo consagrasse a incompatibilidade politica dos 
juizes pela nulliãade dos votos que obtiverem nas 
eleições das assembléas legislativas, assim o fora tam- 
bém a que não prohibisse a nomeação delles para 
quaesquer funcções administrativas. 

Finalmente, para consolidar a independência que 
desejamos assegurar-lhes, sejam os juizes os fun- 
ccionarios melhor retribuídos do Estado. Aqui, no 
Brazil, isto já não é questão de dignidade, mas de 
subsistência para o juiz. Singular regimen 1 da ma- 
gistratura, base do nosso systema politico, fez-se uma 
ordem mendicante, que professa a miséria. 

Não dependentes do poder executivo quanto a no- 
meações, remoções e accessos ; perpétuos e inamo vi- 
veis, excepto a requerimento ou em virtude de pro- 
cesso ; incompativeis ; bem remunerados, — os juizes 
de ambas as instancias, os provinciaes eos naòionaes, 
constituiriam a verdadeira muralha da liberdade. 


§ III. — Relações em caãu provinda. 

No interesse das provincias, cujos direitos esta- 
mos reivindicando, encaroçamos também a necessi- 


214 PARTB SEGUNDA 

dade de tribunaes da segunda instancia em cada 
uma. 

E' um attentado a teima com que, sob o falso pre- 
texto de economia, se recusa isso ainda as mais im- 
portantes das províncias: pois, sem attenção á eco- 
nomia, augmenta-se, muito além do quadro legal, o 
numero da relação-monstro da capital do império. O 
patronato e o desprezo da commodidade dos povos 
teem deixado perpetuar-se uma centralisaçào talvez 
maior que sob o regimen colonial. Mais de metade da 
Brazil (nove provincias) vem todas buscar justiça 
ao tribunal do Rio de Janeiro! Da Minas, de Goyaz, 
de Mato-Grosso, a quatrocentas léguas de distancia, 
se appella dos juizes locaes para a relação da corte ! 
Emquanto as provincias finam-se, superabundam as 
forças na capital. As industrias ou antes as profis- 
sões forenses gozam assim no Rio de Janeiro de uin 
privilegio, creado e mantido á sombra da mais ex- 
traordinária centralisaçào de justiça. 

Ha muito, poder-se-ia facilmente melhorar a sorte 
das provincias sem gravame do thesouro. Rsmover- 
se-ia o inconveniente da despeza adoptando a combi- 
nação proposta, em 1868, por alguns senadores. Coiu 
cffeito, creava o seu projecto três novas relações so- 
mente (no Rio Grande do Sul, em Minas e no Pará) 
com desembargadores tirados do numero excessiva 
das actuaes. Nas restantes provincias, para conhe- 
cerem dos processos era segunda instancia formar-se- 
iam coUegios judiciaes compostos dos juizes de direito 
reunidos em épocas fixas do anno. Perceberiam os 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 215 

mesmos juizes apenas uma adjuda de custo especial, 
calculada para as viagens dentro da provincia. 

Em Santa Catharina, Paraná, Goyaz, Mato-Grosso, 
líspirito-Santo, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauhy, 
Amazonas, os tribunaes de segunda instancia pode- 
riam, em verdade, funccionar provisoriamente com 
três ou cinco dos mais antigos juizes de direito, reu- 
nidos em duas ou mais sessões durante o anno. 
A estatistica judiciaria dos feitos enviados daquellas 
provincias mostra que os tribunaes periódicos 
desempenhariam o serviço. Emquanto o mo- 
vimento total da relação da corte, por exemplo, ex- 
cede por anno de mil feitos, pertencendo mais de 
metade á cidade e provincia do Rio de Janeiro, apenas 
algumas dezenas delles cabem a Mato-Grosso, Goyaz, 
Espirito-Santo, etc. Póde-se mesmo asseverar que 
a distancia em que se acba o tribunal superior, as 
dependências e despezas que por esse e outros mo- 
tivos exige o processo em segunda instancia, o desa- 
nimo produzidos pelas delongas, impedem os provin- 
cianos de proseguirem nos recursos e appellações, 
com preterição do seu direito, e muita vez da sua 
segurança ou da sua liberdade. 

o expediente proposto no senado incontra-se em 
alguns dos menores estados da União norte-ameri- 
cana. Em Rhode-Island (população, 180,000 habit.) 
os membros da sua supreme-court são os próprios 
juizes dos condados, que, reunidos, celebram as ses- 
sões periódicas daquelle tribunal. 

Além disso, na União, como já vimos, nem mesmo 


216 PARTE SEGUNDA 

OS negócios de caracter nacional ou internacional, 
sujeitos aos juizes federaes, padecem a centrali- 
saçáo que existe entre nós para todos sem excepção. 
Taes negócios são levados aos tribunaes federaes do 
respectivo districto, quer tenham occorrido em um 
dos estados constituidos, quer mesmo em um terri- 
tório. Um simples território, por menor que seja a 
sua população, tem os seus tribunaes de ambas as 
instancias para os negócios ordinários ( não fede- 
raes) , e uma district-court para preparar os pleitos da 
jurisdicção federal, que a respectiva circuit-court de- 
cidirá depois, em segunda instancia, nas sessões pe- 
riódicas. 

Os anglo-americanos não comprehenderiam jamais 
que de S. Francisco no Pacifico, ou de qualquer dos 
territórios ou estados, se carecesse vir a Was- 
hington buscar justiça, excepto nos casos rarissimos 
especialmente sujeitos á swp:^eme' court da União. 
Aqui, no Brazil, vem ao Rio de Janeiro as causas 
de todo o género, em grau de recurso ou appellação, 
do valle do Uruguay e do valle do Paraguay, desde o 
Rio Grande do Sul até Mato-Grosso! 

§ IV. — Assumptos da competência provincial. Requi- 
sitos para o cargo de juiz: o noviciado. 

No ponto de vista deste trabalho, cabe fazer ainda 
algumas indicações sobre a competência da lei pro- 
vincial nesta matéria. 


f 


INSTlTtnçSES PROVINCIAES 217 

Fixar o ordenado e o numero dos juizes, decretar 
a união ou separação das varas, regular a natureza 
dos officios de justiça e o modo de seu provimento, 
estabelecer as épocas das sessões judiciarias, etc, é 
evidentemente da competência provincial. . 

Quanto ao jury especialmente, conforme á intel- 
ligencia que se dera ao acto addicional antes de 
1840 *, é objecto de lei provincial, não da geral : — a 
fixação do numero de jurados preciso para funccio- 
narem os tribunaes; a renda, base do censo para a 
qualificação dos cidadãos-juizes; as épocas e lugares 
dos julgamentos; a distincção, segundo o grau dos 
crimes, proposta em 1866, entre jurys correccionaes 
ou de parocbia, e grande jury de comarca para co- 
nhecer dos mais graves attentados; em summa, toda 
a parte variável e regulamentar desta bella insti- 
tuição. 

A competência provincial , porém , involve um 
ponto muito mais importante : as condições exigi- 
veis dos candidatos a cada um dos cargos da ma- 
gistratura local. Estas hão de ser prestabelecidas 
por lei expressa, para não ficarem dependentes do 
arbítrio das corporações incumbidas da proposta e 
escolha. 

No modo de fixarem os requisitos para a judica- 
tura, deveriam as provincias haver-se com a máxima 
prudência, evitando os inconvenientes, que ninguém 
desconhece , da actual formação da magistratura. 


1 Gap. v, §2. 
A PROV. 28 


218 PARTE SEGUNDA 

Não perraittissem confiar-se o poder de julgar a quem 
não oflferecesse provas de capacidade scientifica, 
além da capacidade moral. Não bastassem os titulos 
das faculdades de direito ; pudessem ser nomeados os 
cidadãos que, embora os não possuam, mostrassem 
as necessárias habilitações. Para a escolha de juiz de 
direito, preferissem os juizes municipaes e os promo- 
tores, mas não se desse o titulo definitivo daqueile 
cargo sinão prestado exame de suíficiencia, algum 
tempo depois da nomeação provisória. Houvesse, em 
todos os casos, concurso publico, perante a relação 
proponente, para o preenchimento das vagas. 

As maiores provincias poderiam adoptar desde logo 
um systema de noviciado \ Sem elle, é certamente 

^ « Eu não quizera, dizia no senado o Sr. Nabuco, um noviciado tão 
acrisolado como é na Prússia , como é na Állemanha j onde se exigem 
três exames rigorosos para que o candidato bacharel em direito seja in- 
vestido das importantes funcções da magistratura: o primeiro exame, o 
que confere o titulo de auditor; o segundo que confere o titulo de re- 
ferendário; o terceiro, o mais rigoroso, pelo qual ao bacharel ou candi- 
dato é conferido o cargo de magistrado. Mas, para se conferirem os car- 
gos de juiz municipal ou de juiz de direito, é preciso exigir alguma pro- 
vança. Nós temos, para os juizes municipaes somente, o requisito de um 
anno de prática ; mas esse anno de prática , vós o sabeis, é completa' 
mente illusorio. Esse anno de prática devia consistir na frequência das 
audiências, em defezas perante o Jury, em outras provanças que são es- 
senciaes para serem conhecidos aquelles que teem de ascender ao cargo 
importante de magistrado. ... Não ha concurrencia para o cargo de juiz 
municipal : pois bem, seja para esse cargo menos rigorosa a habilitação? 
ao menos por agora. Para o cargo, porém, de juiz de direito ha muita 
concurrencia, e, visto que ha muitos concurrentes, é preciso que haja toda 
a provança que dê garantia á nomeação. Que inconveniente havia de que, 
terminando o juiz municipal o seu quatriennio. fosse sujeito a um exame 
ou concurso em que elle mostrasse com outros a sua ^capacidade ? Esse 
exame ou concurso eu quizera que fosse annual, e não para cada vaga 
ou para cada occasião » (Disc. de 15 de junho de 1861.)— V. tam- 
bém o relatório do ministério da justiça em 1857. 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 219 

arriscada a escolha de funccionarios que teem de exer- 
cer um mandato perpetuo, inda que corrigido pelo 
direito de Í7npeachment da assembléa, pois será sem- 
pre excepcional a suspensão ou demissão do magis- 
trado . 


§ V. — Competência exclusiva da lei geral: garantias 

do cidadão. 


Si fosse cada provincia soberana na sua adminis- 
tração interna, não haveria lei judiciaria commum ; 
no nosso incompleto systema federativo é similhante 
lei perfeitamente constitucional, emquanto não in- 
tervém na composição das justiças provinciaes. 

Mui difficil é nestes assumptos prefixar o limite 
do interesse geral, a competência da lei nacional. 
A Republica Argentina , fazendo nesta parte 
uma importante restricção ao largo systema norte- 
americano vertido para a sua constituição, deu ao 
congresso o poder de dictar os códigos civil, com- 
mercial e penal, mas evitou o erro de ir além, pois 
deixou ás provincias a faculdade de promulgarem os 
seus códigos à.o processo judiciário e de organisarem 
os seus tribunaes de ambas as instancias. De sorte 
que, na confederação vizinha, si o direito é uniforme, 
não o é o processo, nem a organisação judiciaria. Nos 
Estados-Unidos, porém, varia e pode variar o próprio 


220 PARTE SEGUNDA 

direito : cada estado tem ou reserva-se o direito de 
ter os seus códigos. 

Qual a imaginamos, de accordo com o acto addi- 
cional, a uniformidade no Brazil comprehenderia os 
principies de direito no eivei e no crime, a organi- 
sação dos tribunaes superiores, e bem assim as ga- 
rantias constitucionaes da liberdade. 

Quaes são, pois, as garantias individuaes que uma 
lei uniforme deve firmar em todo o império ? 

Elias resumem-se todas no nobre pensamento do 
século XVIII : proteger o cidadão contra o abuso do 
poder. O que é a liberdade no mundo moderno ? é a 
effectividade da garantia pessoal e real do individuo . 
O fiador é o tribunal judiciário. Processo que premu- 
na a liberdade contra a tyrania, juiz independente 
que o observe : eis tudo. Onde isso não existe, oa, 
existindo escripto, não se cumpre, não ha a liberdade 
prática dos inglezes, a verdadeira liberdade. 

Restringir a prisão preventiva, antes da culpa for- 
mada, ao caso de flagrante delicto, podendo-se exigir 
caução quando houver indicies vehementes ; 

Restabelecer o jury de accusação, único compe- 
tente para pronunciar e decretar a prisão em crime 
inafiancavei ; 

Facilitar e abreviar o processo da fiança ; 

Fixar prazo fatal para a formação da culpa, sob 
clausula de soltura do indiciado preso ; 

Regular, conforme o código do processo, as buscas, 
punindo abusos que ora são vulgares ; * 

< Pelo código do processo a busca eiigia juramento de i)arte, depoimento 


INSTITUIÇÕES PROVINCIABS 221 

Permittir a todos os juizes conceder habeas-corpus ^ 
sem distincção de causas ou ordem de prisão ; * 

Restituir ao jury os julgamentos que lhe tiraram em 
1850 * , o conhecimento dos crimes de empregados 
nâo privilegiados, que actualmente julgam os juizes 
de direito, e o de todas as injurias impressas ; 

Premunir a liberdade individual contra outras al- 
çadas excepcionaes, creadas ou sob pretexto do servi- 
ço do recrutamento ' , ou em nome do interesse da 


de testemunha, indícios vehementes que formassem a convicção da autorida- 
de. Pela lei de 3 de dezembro, para varejar o asylo do cidadão, a autoridade 
Dão carece mais que dos seus motivos pessoaes de convicção. 

^ Admittindo a theoria ingleza do hábeas-coryus, segundo a qual a magis- 
tratura foi instituída para premunir o cidadão contra o arbítrio do podei, di- 
céra o código do processo : sempre que o cidadão fòr preso ou constrangido 
illegalmente em sua liberdade, possa o juiz territorial mandal-o em paz. 
Vieram depois os avisos,^ avisos do governo interpretando leis, corrigin- 
do-as, restríngindo-as mesmo, outro característico deste nosso systema re- 
presentativo — : vieram os avisos, e um logo supprimiu o caso da prisão 
militar, sciUcet^ o recrutamento ; outro, o caso de prisão dos responsáveis 
da fazenda imposta pelos agentes do fisco; outro esta hypothese, outro aquel- 
la^e o /^abecu- corpus ficou sendo o que era de esperar: inania verba. Já a 
lei de 3 de dezembro dera um golpe seguro, prohibíndo que o juiz de di- 
reito o possa conceder ao paciente de prisão imposta pelo chefe de polícia : 
de sorte que, sendo assim preciso recorrer para as relações, o cidadão desa- 
DÍma diante das despezas e da lentidão do processo. Hoje, para impedir o 
recurso ao magistrado territorial o vingar a violência, basta a qualquer 
subdelegado pòr a sua victima á ordem do chefe de policia. 

* Escusado fora encarecer o erro da lei de 2 de julho de 1850, que dispen- 
sou o jury nos crimes de moeda falsa, resistência grave, tirada de preso e 
banca-rota, e até nos de roubo e homicídio praticados na fronteira, desde que, 
ao menos em parte, os próprios conservadores o reconhecem. Quanto ao 
primeiro, declara o relatório do ministério da justiça de 1869 (p. 19) que pou- 
co tem aproveitado a restricção da lei, e pede que so revogue. Quanto aos 
outros, não repugna á consciência liberal o jnlgamento por juiz único ? £ não 
se hade bradar contra a reacção política, que a tal ponto chegara ! 

' Decretos de 6 de abril de 1841 e 6 de agosto de 1842. 


222 


PARTE SEGUNDA 


lavoura*, ou por amor da segurança publica e disci- 
plina militar ' : 

Taes seriam as bases da lei judiciaria que o paiz 
reclama. 

Não se diga que desarmamos a sociedade diante do 
crime: o nosso ponto de partida é que, no Brazil, 
como em outros povos da raça latina, não é tanto a 
impunidade do crime que se deve receiar, mas antes 
a prepotência da autoridade. Paliemos com franque- 
za : depois da exageração a que se tem visto chegar 
a prisão arbitraria, graças á policia bierarchica da 
lei de 3 de dezembro e ás violentas paixSes politicas, 
— nós prefeririamos, no caso de escolba, uma lei li- 
beral, embora não evitasse inteiramente a impuni- 
dade de alguns criminosos, á lei despótica que, na 
intenção ou sob o pretexto de castigar a todos, fosse, 
como é aquella, regimento militar da nação escravi- 
sada. 

E acaso teom essa lei tyranica e suas auxiliares 
preenchido seu fim ostensivo — 'evitar a impunidade? 
Respondam os contemporâneos ; respondam as nossas 
estatísticas judiciarias; respondam as noticias que 
todos os dias recebemos do interior, onde ba pouco, 
durante o processo eleitoral, os régulos de aldôa, al- 
guns delles criminosos notórios, campeavam á frente 
de sicários que reúnem, asylam, armam e levam ao 
combate das urnas, derramando o pânico, intimidan- 
do o povo, afrontando a moral. 

* Lei do 1® de setembro de 1860. 
2 Lei de 18 de setembro de 1851 . 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 223 

Aqui eali, por toda a parte, nas cidades e no cam- 
po, se varejam casas, viola-se o asylo do cidadão, re- 
volve-se a sua mobilia, revolve-se mesmo a cama em 
que dorme a mulher ou a filha, em nome da lei, em 
nome dessa exacrada lei de 3 de dezembro, para se 
proceder a buscas, O varejo e o recrutamento-caçada 
são dous característicos da nossa civilisação, dos 
nossos actuaes costumes politicos. 

E* dura, mesmo arbitraria, dizem alguns, a legis- 
lação censurada, mas indispensável para evitar a im- 
panidade. De sobra está refutado o axioma, donde 
emanaram as leis criminaes da escola franceza, — 
antes prevenir do que punir , — máxima que substituo 
a responsabilidade do individuo pela tutela da au- 
toridade. Seja severa, inflexível, a punição do crime ; 
mas, na intenção de prevenil-o, é licito acaso coagir 
a liberdade do cidadão? Demais, não se previne o cri- 
me armando a autoridade de um poder immenso, 
diante do cidadão trémulo de susto e humilhado ; a 
prova está nesses abusos tão communs em nosso in- 
terior, donde se originam reacções e vinganças, cri- 
mes que produzem crimes. O crime previne-se, prin- 
cipalmente, elevando o nivel moral do cidadão, fa- 
zendo-o amar a paz e a liberdade, facilitando-lhe o 
trabalho e a riqueza, illustrando-o e educando-o por 
uma instrucção primaria completa, largamente diflfun- 
dida pelo paiz inteiro. A penitenciaria, um progres- 
so aliás que mal conhecemos de nome, seja dito de 
passagem, a penitenciaria não é o alvo social nestes 
assumptos : o ideal é a instrucção, a moralidade, a 
liberdade. 


PARTE TERCEIRA 


INTERESSES PROVINCIAES 


A l'BOV. 29 


INTERESSES PROVINCIAES 227 


CAPITULO I. 


INSTRUCCÃO PUBLICA. 


Não nos propomos tratar largamente os interesses 
de ordem provincial. Percorrendo rapidamente al- 
guns dos mais importantes , nosso objecto é des- 
crever , conforme principies acima expostos , a 
linha divisória da competência dos poderes local e 
geral em assumptos communs a ambos. 

Comecemos pelo interesse fundamental dos po- 
vos modernos, a instrucçào. 

Escusado fora discutir os obstáculos que nesta 
matéria tem a centralisação opposto ás provincias, 
e que já citámos a propósito de graus litterarios , 
cadeiras de ensino secundário , penas para a san- 
cção de regulamentos, etc. ' Nosso fim aqui é ou- 
tro ; é indicar as medidas principaes , que devera 
as assembl^as adoptar » com a máxima urgência» 
para elevarem o nivel moral dás populações mer- 
gulhadas nas trevas. 

Em verdade, o mais digno objecto das cogitações 
dos brazileiros é, depois da emancipação do trabalho, 
a emancipação do espirito captivo da ignorância. Sob 

* Pftrte n, cap. I; pp. 99, 95, nota 1, e 97. 


228 PARTE TERCEIRA 

ponto de vista da própria instrucçao elementar (enão 
fallemos do estudo das sciencias), nosso povo não en- 
trou ainda na orbita do mundo civilisado. E' o que 
attesta a frequência das escolas primarias. Conside- 
rável apenas na população de origem germânica de S. 
Leopoldo (Rio-Grande do Sul), D. Francisca (Santa Ca*- 
tharina) e Petrópolis (Rio de Janeiro), essa frequência 
mal attinge a média de 1 alumno por 90 habitantes 
em todo o império. Comparo-se este sinistro algarismo * 
com o de alguns dos Estados-Unidos, onde a média é 

1 por 7: nem se esqueça que, âi na própria capital do 
império, ha apenas um alumno por 42 habitantes, das 
vinte províncias ha sete onde a proporção é superior 
a 1 por 100, e ha mesmo uma (o Piauhy) onde ex- 
cede ainda a 1 por 200. Só na Sicilia dos Bourbons- 
ou nas steppes da Rússia se incontrariam alga- 
rismos equivalentes ! A mais rica e mais densamente 
povoada das nossas provincias, o Rio de Janeiro, onde 
mal se cohta 1 alumno por 100 habitantes, acha-se 
muito abaixo de uma ilha de negros, a Jamaica, que 
conta 1 por 13, e cujo porvir asseguram seus intelli- 
gentes esforços pela educação da descendência dos 
emancipados*. 

* Segundo o Sr. ministro do império (relatório do 1870, p. 59), a propor- 
ção seria 1 alumno por 63 habitantes; mas parece este algarismo inferior 
À realidade, Cfuer pot* se ter excluído do cálculo a população escrava, quer 
por se haver arbitrariamente accrescentado mais 24,000 alumnos ao total dos 
documentos oíDciaes, que, pela nossa parte, antes reputamos exagerados que 
deficientes. 

< População da Jamaica: 420,000 h., dos quaes 20,000 brancos somente. 
Numero de escolas, 594; alumnos, 31,313. ^itUi-5la«ert/-reporíer, abril d« 
1868; p. 93.) 


INTERESSES PROVINCIAES 229 

Quaes serão os destinos do nosso systema de gover- 
no, que deve assentar na capacidade eleitoral, si per- 
petuar-se o embrutecimento das populações, engrossa- 
do pela corrente de proletários de certa parte da Eu- 
ropa? Que sorte aguarda a nossa industria agrícola, 
quando, verificada a impotência da rotina secular, o 
proprietário inintelligente carecer de temperar a crise 
da deficencia de braços com os processos da arte aper- 
feiçoada ? 

Vede o triste espectáculo, resultado fatal da impre- 
vidência com que descuidaram da educação do povo : 
— nossos costumes que se degradam, nossa sociedade 
que apodrece, o fanatismo religioso que já se chama o 
partido catholico, um paiz inteiro que parece obum- 
brar-se, na segunda pbase deste século, quando as na- 
ções carcomidas pelo absolutismo e ultramontanismo, 
Itália, Áustria, Hespanha, França, reatam gloriosa- 
mente o fio das grandes esperanças do século XVIII ' 


§ I. — Liberdade do ensino particular. Desi?wolvimento 
do ensino publico. Ensinx) obrigatório. 


A mais alta manifestação da liberdade de pen- 
samento o a do ensino em conferencias publicas, 
onde a palavra inspirada attrahe e subjuga o au- 
ditório, prop igando-se com a rapidez da electrici- 
dade. Por isso é que> quando mesmo tolera a li- 


230 


PARTE TERCEIRA 


herdade da imprensa, a autoridade suspeitosa des- 
conhece ou põe em litigio o direito com que oa 
cidadãos se reúnem para ouvirem orações popula- 
res. 

O pavor que a todos os ahsolutismos inspiram 
assemhléas do povo, hem poderá manifestar-se aqui 
com o seu cortejo de restricjões e penalidades. 
Firmemos , entretanto , os principies das leis vi- 
gentes sohre a matéria. 

Quer pela regra do art. 282 do código criminal, 
quer pela hypothese do art. 278 , está expressa- 
mente reconhecida a legalidade das reuniões. E' 
licito propagar por discursos proferidos em assem- 
hléas puhlicas quaesquer doutrinas , uma vez que 
nào destruam directamente as verdades fundamen- 
taes da existência de Deus e da immortalidade 
d^alma (art. 278). Salvo esta clausula final , nada 
mais prohihe o legislador. Sua previdência e amor 
da liberdade se reconhecem quando exceptua o 
ataque indirecto dessas mesmas verdades fundamen- 
taes . por exemplo , na exposição doutrinaria de 
um systema filosophico; mas fora certamente melhor 
que nem aquella restricção houvesse para discur- 
sos públicos ou lições de professores: pode acaso 
o Estado impor uma doutrina qualquer , repute-a 
embora a mais santa de todas? ha, porventura, 
uma verdade official?* 

Entretanto , fora desse caso (destruição directa 

í Eis ura ponto esgotado por Stuart-Mill, On liherty; cap. U. 


INTERESSES PROVINCIAKS 231 

das duas ideas fundamentaes) , nosso legislador só 
prohibe discursos proferidos em publicas reuniões 
quando importarem provocação directa a certos cri- 
mes politicos. (Arts 90, 99 e 119 do cod.) 

Nossas leis não adoptaram as modernas limita- 
ções francezas do livre exercicio do direito de reu- 
nião. 

As reuniões podem ser , quer em recinto fe- 
chado, quer na praça publica, pois a lei não ex- 
ceptua as ultimas e implicitamente reconhece am- 
bas. A licença da autoridade só é necessária para 
ajuntamentos d noite nas ruas , praças e estradas, 
em virtude de uma lei de 1831 ; mas neste mes- 
mo caso, si o fim é justo ou reconhecido, a reu- 
nião não pôde ser impedida. Finalmente , aos dis- 
cursos públicos não são applicaveis as restricções 
do art. 9° do código criminal , que não permitte 
atacar as bases fundamentaes da constituição , poi- 
que este artigo regula somente a liberdade de im- 
prensa- 

Si de lei nova não carecemos para legitimar as reu- 
niões de natureza politica, menos ainda para consa- 
grar a liberdade do ensino em grandes conferencias 
publicas, ou em escolas particulares. São, portanto, 
manifestamente arbitrarias as restricções feitas ao 
exercicio da industria ou profissão de mestre, e á aber- 
tura de estabelecimentos de educação. 

•Revoguem-se, pois, as usurpações commettidas con- 
tra essa liberdade fundamental por leis ordinárias, 
ou regulamentos de instrucção publica emanados do 


232 PARTE TERCEIRA 

poder executivo na corte e dos seus delegadc^ nas 
províncias. 

Antes de 1850 não se conheciam tantos abusos, 
mas, por triste imitação do um regulamento geral, 
desde então cada presidente foi impondo ás províncias 
o regimen europeu da intervenção no ensino pri- 
vado. 

Não poderíamos exprobrar com energia demasiada 
tão inqualificável abuso: fechar escolas, negar ti- 
tulos de professor, limitar o ensino, ^m qualquer 
parte do mundo, é quasi uma immoralidad^ ; o que 
será, porém, em paiz pobre, sem pessoal idóneo, sem 
administração zelosa, sem sufficientes estabelecimeíi- 
tos públicos de instrucção ? 

Abolir os vexames de regulamentos compressoreg 
da mais liberal das profissões, é justo e é necessário*. 
Seja livre o ensino : não ha mais abominável forma 
de despotismo do que o de governos nuUos que, sem 
cooperarem seriamente para o progresso das luzes, 
embaraçam os cidadãos que emprcbendem esta obra 
evangélica, e ou^am sujeitar ao anachronico regimen 
das licenças e patentes a mais nobre das artes, aquella 
que lavóra com o espirito. 

Mas não basta permittir a todos, sem excepção al- 
guma, e sem exigência também alguma, o exercício 
de um dos direitos do homem, o de ensinar. Contin- 
gente poderoso para o grande resultado, a liberdade 
do ensino, que é muito, não é tudo nas condições im- 

^ Promulgaram a liberdade do ensino as provincial do Pará, Rio Grande 
do Norte, Babia, Rio de Janeiro, S. Paulo e Santa-Catharina. 


INTERESSES PROVINCIAES 233 

perfeitas de nossa sociedade e de todas as sociedades 
modernas. O século propõe-se realisar o ideal da ma* 
xima simplificação do mecanismo que se chama Es- 
tado; onde é, porém, que o sentimento da responsa- 
bilidade individual, o poder da iniciativa particular e 
o espirito de associação subiram ao ponto de dispen- 
sado? . 

Sob a influencia da filosophia inspirada na eterna 
moral do evangelho, quasi simultaneamente os povos 
modernos, sem condemnarem aliás o ensino particu- 
lar, organisam um poderoso systema de instrucçao 
elementar baseado no imposto. O mais atrevido exem- 
plo dessa organisação o deram, um após outro, ao 
impulso de Horácio Mann, os estados da União Ame- 
ricana, onde outr'ora vastas e ricas associações fun- 
davam e mantinham numerosas escolas. Em Ingla- 
terra duas associações igualmente vigorosas desem- 
penham a mesma missão humanitária; mas lá se 
propoz agora ao parlamento, e agita-se seriamente o 
problema da organisação official do ensino. E' que 
alii também o nobre esforço dos cidadãos e das socie- 
dades não satisfaz ás aspirações de cada localidade 
tào plenamente, como o ensino publico nos Estados- 
Unidos, na AUemanha do Norte, na Suissa, na Hol- 
landa, na Suécia, no Canadá, na Austrália , no 
Chile. ' 


^ o pensamento cardeal das reformas recentemente propostas em Ingla- 
terra é, por um lado, generalísar o ensino publico por meio de escolas man- 
tidas por taxas locaes e auxílios do governo, e dirigidas por uma repartido 
própria; e, por outro, íirmar o principio da Uberdade de conscieneU emanci- 

A PROV. 30 


234 PARTE TERCEIRA 

Abrindo o corpo legislativo, recommeuda Napo- 
leão III « o desinvolvimente mais rápido do ensino 
primário gratuito. » Por toda a Europa, os parla- 
mentos occupam-se, com pai*ticular desvelo, do su- 
premo interesse social, a educação do povo. Para 
isso não hesita a Inglaterra emaccelerar a incessan- 
te transformação do seu governo, na qual o mundo 
a vê absorvida desde 1832; e a França, si quer nesta 
matéria disputar a precedência que em outras lhe 
cabe, hade também resolver-se a imitar o magnifico 
exemplo das democracias do novo e do novissirao 
continentes. 

Não aconselhemos ás províncias, portanto, a abo- 


pando das corporações religiosas as escolas subvencionadas, prohibindo que 
os inspectores sejam membros de taes coiporaçues, e isentando os alumbos 
do exame em questões ecclesiasticas. A l:>to accre^ce a necessidade, geralmente 
proclamada, do en-iino obrigatório. Queremos, dizia a representação de um 
meeting escossez, uma educação nacional independente de seita religiosa, 
sem nome particular de associações ecclesiasticas e compulsória: unsectarian 
in principie findenominational in character^ and compulsory in opcration. 

Os commentarios com que o ministro Forster acaba de justificar perante a 
camará dos communs (fevereiro de 1870) o seu hill de reforma, revelam que, 
seguindo o principio da educação nacional dos Estados-Unidos, a velha In- 
glaterra sacrifica os preconceitos de sua antiga administração. E* sem du- 
vida uma revolução profunda. Educação leiga, ou pelo menos não subor. 
dinada a uma seita particular; escolas por toda a parte: taxa addicional para 
o mantimento daquellas onde não bastarem as contribuições particulares ; 
ensino obrigatório, sob pena de multa, onde fôr necessário para obter a fre- 
quência regular dos alumnos ; juntas locaes, inspeccionando as escolas, eleitas 
pelas municipalidades: taes são as idéas principaes do bill proposto para 
a Inglaterra e paiz de Galles. « O projecto, diz o Times, provê de modo que 
fique ao alcance do filbo de qualquer cidadão uma educação suílicieute, eili- 
caz e não sectária. » Benevolamente acolhido pela opposição conservadora, 
elle foi, entretanto, impugnado por muitos líberaes, que desejam medida 
mais radicai, no sentido norte-americano. 


INTERESSES PROVINCIAES 235 

liçào somente de regulamentos vexadores do ensino 
particular de qualquer grau, fácil cumprimento de 
um dever intuitivo ; recommendemos-llies,com a mais 
viva instancia, que tenham previdência, patriotismo 
e coragem para se imporem de bom grado sacrifícios 
consideráveis, únicos eflScazes, a bem do rápido des- 
involvimento da instrucção. 

Um escriptor que tanto encarece os direitos do in- 
dividuo e a extensão da liberdade, e que plenamente 
expoz as vantagens do ensino particular, reconhece, 
entretanto, que nas sociedades atrazadas, onde não 
possa ou não queira o povo prover por si mesmo á 
creação de boas instituições de educação, deve o 
governo tomar a si essa tarefa, preferindo-se dos 
males o menor. * 

Referindo-se a inquéritos offlciaes, confiados a pes- 
soas mui competentes, asseverou o Sr. Forster ao par- 
lamento inglez que as escolas meramente particulares, 
sem o auxilio dothesouro nem inspecção publica, eram 
as peiores do reino '. Meditem sobre este depoimento 
os que tudo esperam somente do ensino livre; vejam o 


1 « When socicty in general is in so backward a state that it could not 
or would not provido for itself any proper institutions of education, unless 
the government undertook the task ; then, indeed, the government may, as 
the iess of two great evils, take upon itself the business of schools and uni- 
versities, as it may that of joint stock companies, when private enterprise, 
in a shape íitted for undertaking great works of industry; does not exist in 
Ihecountry. » (Stuart Mill, Onliberty ; cap. IV.) 

* « The schools which do not receive government assistance are, generally 
speaking, the worst schools, and those least fitted to give a good education 
to the chiidren of the working classes. » (Disc. na camará dos communs, ses- 
são çle 17 de fevereiro de Í870.) 


% 


236 PARTB TERCEIRA 

que se diz de Inglaterra, cujas poderosas associações 
philan trópicas ecoramunhões religiosas não conhecem 
superiores no mundo ! Quando Horácio Mann come- 
çou a famosa agitação, donde sahiu o vasto systema 
de ensino publico da União Americana, muitos dos 
estados pretendiam que as escolas das associações e 
seitas eram sufficientes, nem seriam excedidas : a ex- 
periência patenteou asuaillusãa. O systema que Mann 
fizera adoptar noMassacliusetts,foilogo imitado pelos 
outros estados á porfia ; e as escolas para os filhos de 
todo o povo, para o rico e para o pobre, para o branco 
e para o negro, as escolas nacionaes são hojo o mais 
bello titulo das Republicas Unidas. 

Esqueçam-se as prevenções que o daspotismo allia- 
do aos jesuitas creára contra as tendências do ensino 
official. Depois que a democracia apoderou-se do go- 
verno dos estados, o ensino official revelou toda a sua 
efficacia. Afugentado o absolutismo que o envenenava, 
elle cessou de offerecer perigos á libordado. Os povos 
o comprehenderam desde logo; e assim vai passanlo 
ás legislações contemporâneas um principio saudável 
da escola socialista, cuja propaganda, apezar dos des- 
varios do sectários exclusivos, ha triumphado tantas 
vezes da rotina conservadora. 

Mas, si não pôde o Estado desempenhar a sua ta- 
refa sem o auxilio moral das populações, também nào 
deve responder pela ignorância • do povo onde se lhe 
não consente compellir as crianças á frequência es- 
colar. 

Em verdade, não pôde deixar de sor obrigatório o 


INTERESSES PROVINCIAES 237 

ensino onde existo escola : nada mais justo que coa- 
gir, por meio de penas adequadas, os pais e tutores ne- 
gligentes, e sobretudo os que se obstinem em afastar 
os filhos e pupiUos dos templos da infância. 

Táo legitimo, como ó legitimo o pátrio poder, o qual 
não involve certamente o direito desliumano do rou- 
bar ao filho o alimento do espirito, — o ensino obriga- 
tório é ás vozes o único meio de mover pais e tutores 
remissos ao cumprimento de um dever sagrado. Nas 
cidades, por exemplo, onde haja escolas suííicientes, 
como não sujeital-os a multas, ou a trabalhos e prisão 
no caso de reincidência? Entretanto, com razão ad- 
verte o Sr. Laboulaye, melhor fora evitar esta triste 
necessidade *; antes se abram, por toda aparte, como 
nos Estados-Unidos, escolas dignas deste nome : sua 
força de attracção é sempre irresistivel. 

O principio do ensino obrigatório deixou, porém, de 
ser novidade. Não se podo desconhecer, ponderava o 
Sr. Forster á camará dos coromuns, quanto ultima- 
mente se tem propagado a doutrina do ensino obriga- 
tório, á qual esse ministro se dizia um recente con- 
verso. Recalcitrante c adepto recente, tãobem se con- 
fessava, na mesma noite, SirJohn Packington, um 
dos chcx^es da opposição conservadora. Consagrando 
o principio da obrigação, sob pena de multa contra os 
pais negligentes, naquelles lugares onde as juntas de 
educação o intendessem útil e necessário, alei proposta 
ao parlamento inglcz incontrou, por esse lado, a cen- 

* Le parti liberal, XI. 


238 PARTE TERCEIRA 

siira dos que preferem uma regra geral e inflexível. 
Tal é, em Inglaterra, a opinião até de illustres con- 
servadores. Como todas as grandes idéas, essa faz o 
seu gyro á roda do mundo : portence-lhe o futuro \ 


§ II. — Um systema efficaz de inMrucção consome muito 
dinheiro. Justificação da taxa escolar y imposto ex- 
clusivamente provincial. 

Todos os esforços no sentido de combater a igno- 
rância e a rudeza do povo, estacam diante da questão 
financeira; porquanto é preciso convir nisto : — não 
ha systema de instrucção efficaz sem dispêndio de 
muito dinheiro '. 

Para corresponder ás exigências de um regimen 
politico baseado no suflFragioquasi universal, um ramo 
somente dos interesses locaes, a instrucção popular, 
careceria absorver toda a somma da actual receita de 
cada pròvincia do império. 

Que SG nao repute exagerado este conceito. Um só 
cantão da Suissa, Zurich, com 266,000 habitantes, 
gastava 600 contns com a educação primaria do seu 
povo. Conhecem-se os algarismos fabulosos dos Es- 
tados-Unidos: com 1,300,000 habitantes, o estado de 
Massachussets gastava 4,000 contos. O de New-York, 

« 

* Adopta o principio, e solicita meios para a sua- execução no municipio 
neutro, o Sr. ministro do império: Relatório de 1870, p. 38. 

* V., quanto á Europa, os algarismos do Sr. M. Block, VEurope politique 
et sociale, 1869; parte U, cap. 3. 


IISTERESSES PROVINCIAES 239 

que em 1866 despendera 13,200 contos (cerca de dois 
doUars por habitante), já liavia até entào immobili- 
sado na construccão de casas de escola e seus terrenos 
a somma de 24,300 contos * . O da Pennsylvania, 
onde se contam 17,142 professores e 16,381 escolas, 
não desembolsou em 1869 menos de 7,000 contos, ava- 
liando-se entào em 28,000 o capital empregado na 
sua propriedade escolar. 

Na razào de dollar por liabitante é a despeza 
qne fazem com a instrucção muitos dos Estados-Uni- 
dõs, posto que alguns excedam esse termo médio. 
Para que o Brazil seguisse tào previdente politica, não 
bastaria, com efíeito, a receita das suas vint ) provin- 
das, que aliás applicam ao seu atrazado e lento en- 
sino publico a modestíssima quantia de 2,680 contos, 
inferior á. metade do que despende com o mesmo ser- 
viço só a cidade do New-York. 

As consignações actuaes dos orçamentos geral e pro- 
vincial para o serviço da instrucção nao dão eviden- 
temente um resultado satisfatório. Baste notar que 
ellas não excedem a 336 reis por habitante % emquanto 


* A somma gasta com a instrucção só na cidade de New- York é quasi me- 
tade da despeza de todo o estado com este seiviço. EUa attingiu a 2,900.000 
dollarsem 1868,sendodesta enorme quantia 1,697,000 dollarsapplicados a salá- 
rios de professores e empregados, e 640,000 a novos palácios de escolas, re- 
paros, etc. New-York, que alias mantém 2,500 professoras e professores das 
escolas publicas, gasta, portanto, cerca de 3 dollars por habitante. Na mesma 
proporção, devera a instrucção da cidade do Rio de Janeiro, á qual se desti- 
nam cerca de 350 contos, consumir 2.400 , tanto quanto despede actual- 
mente o império inteiro. 

' Si na província do Rio de Janeiro, que despende 433 contos com todo o 
serviço da instrucção (orçamento de 1869) , e que se diz ter um milhão 


240 PARTE TERCEIRA 

que a módia dos Estados-Unidos aproxima se de dez ve- 
zes mais, e em algumas cidades é vinte vezes maior. 

A taxa escolar forneceria um valioso contingente 
ao orçamento da instriieoao. 

Não ha, bem sabemos, assumpto mais ingrato e 
mais impopular que a proposição do impostos. En- 
tretanto, nào ha também necessidade mais geral- 
mente reconhecida que o augmento dos rendimentos 
das provincias. 

A impopularidade de tributos novos resulta princi- 
palmente dos fins anti-econoniicos a que se destina o 
sau producto. Quando, porém, se pedem ao povo con- 
tribuições para melhoramento das condições sociaes, 
c nao para emprezas politicas', guerras ou dividas de 
guerra, as vantagens do resultado em perspectiva 
sua visam o sacrifício, fazem mesmo esquecel-o. 

Em rogra, não é prefcrivel o imposto com appli- 
cação especial; mas, em certos -casos, mormente para 
serviços locaes, é esse o meio de corri^j-ir a tendência 
para o abuso das imposições od^ conciliar-lhes o favor 
popular. As grandes medidas para a salubridade e or- 
namento das cidades executam-se mais facilmente me- 
diante taxas cujo emprego especial é avaliado e logo 
apreciado pelo municipe contribuinte, do que por con- 
signações de um orçamento englobado, que não se 

de habitantes, a módia é de 433 réis; na de Minas-Geraes, a quem se attri- 
buem um milhão e meio e que apenas gasta 335 contos, ella é somente de 223 
réis. Segundo o Sr. ministro do império (relatório de 1870, p. 30) a média 
dadespcza nol3razil é 378 réis por habitante livre: nào ha razão para exceptuar 
dedte calculo os escravos. O total da despeza do ensino primado e secundário, 
inclusive o municipio neutro, é 3,030 contos, conforme o mesmo documento. 


INTERESSES PROVINCIAES 241 

altêa sem a mais viva resistência. O mesmo dizemos 
da instrucção, o mais ponderoso dos assumptos com- 
ine ttidos ao governo local. 

Acaso p subsidio litterario, insaiado ainda sob o 
regimen colonial, seria agora repellido como um sa- 
crificio excessivo? Esse subsidio ou taxa escolar é, em 
nosso intender, a fonte de receita de que as provin- 
das não devem privar-sepor mais tempo. 

EUa incontraria, nós o acreditamos, o mais .bené- 
volo acolhimento. Que se patentêe ao povo a sua in- 
ferioridade quanto ao verdadeiro progresso social, e 
lhe custará comprebender como se pôde abandonar 
tanto o mais vital dos so,us interesses, e como a pre- 
tendida repugnância dos contribuintes só serviu de 
pretexto aos governos para fazerem a mais repro- 
ductiva das despezas publicas, para preencherem a 
maior das nossas necessidades, a indeclinável neces- 
sidade da instrução elementar e profissional. 

Antes de tudo, se advirta que a nova imposição não 
repelle o principio constitucional de que o ensino 
primário é gratuito ; porquanto, por esse principio se 
deve rigorosamente intender — a prohibição de qual- 
quer tributo pago pelo alumno, sob a forma de matri- 
cula ou outra similhante. A taxa escolar, que propo- 
mos, assenta, não sobre o alumo ou o numero de 
alumnos em idade escolar, mas na base commum das 
outras contribuições, a população inteira. Assim como 
cada habitante concorre para as despezas de illumi- 
nação, aguas, esgotos, calçadas, estradas e todos os 
melhoramentos locaes, assim contribua para ô mais 

A PROV. 31 


242 PARTE TERCEIRA 

importante delles, a educação dos seus concidadãos, 
o primeiro dos interesses socíáes em que todos so- 
mos solidários. 

Sem transpor os limites deste esboço, passamos a 
indicar abreviadamente como compreliendemos a taxa 
proposta. 

Ella compôr-se-ia de uma dupla imposição, a local 
e a provincial, servindo a segunda de subsidio para a 
deficiência da primeira, e ambas applicadas á despeza 
particular das escolas de cada localidade. 

No municipio (tomamos a unidade administrativa 
actual, sem prejuizo da base preferida pelas assem- 
bléas, parochia ou municipio) a taxa escolar consisti- 
ria em úma contribuição directa paga por cada habi- 
tante ou por cada família *. 

Na provincia a taxa escolar consistiria em uma por- 
centagem addicionada a qualquer dos impostos direc- 
tos, o pessoal ou a decima urbana, por exemplo. Seu 
producto acresceria á contribuição local, necessaria- 
mente modesta no primeiro insaio, até que o povo 
abraçasse cordialmente o novo systema, apoiando sem 
reluctancia, como nos Kstados-Unidos, todas as com- 
binações destinadas a augmontarom o orçamento dít 
instrucçSo. 

Nem pareça singular a idéa de taxas addicionadas 

^ A idéa de uma certa contribuição da parochia para o ensino já se depara 
no projecto de reforma das municipalidade» otrerecido polo Sr. ministro do 
império em 1869 (arts. 74, § 2?, 84 in fine e 75). Sem a reorganisação do en- 
sino, não parece manifesta a utilidade de similhante sacriticio, que, aliás, se- 
gundo o projecto, não constitua um recurso normal, mas receita extraordi- 
nária das localidades, quando fór autorisada. 


INTBRES6EÔ PROVINCIAES 243 

a impostos directos para tal fim. Assim o foi em Fran- 
ça, e ainda é. Desde a antiga lei de 10 de abril de 
1817, era licito ás communas applicarem ao custeio das 
suas escolas gratuitas oproducto da imposição extraor- 
dinária de quatro cêntimos addicionaes ao principal 
de quatro contribuições directas (a territorial, a pes- 
soal, a movei ea de patentes). Para occorrer ás gran- 
des despezas a que tem elevado o seu orçamento da 
instrucção, a edilidade de Pariz ha gradualmente aug- 
mentado essa taxa, que boje parece ser de 7 cêntimos, 
produzindo 2,800,000 francos especialmente destina- 
dos ás escolas da infância. Outras verbas da receita 
municipal fazem attingir a 7 milhões a despeza do 
ensino pago pela capital da França. * 


§ III. — Applicação da taxa escolar. — Organisação 

do ensino na^ provindas. 


O imposto que propomos, estreitamente se liga a 
um novo programa do ensinb publico, impraticável 
com os estreitos recursos actuaes. 

A taxa directa cobrada nos municipios e a impor- 
tância da porcentagem provincial addicionada a um 
dos impostos directos, teriam o seguinte emprego ex- 
clusivo : 

^ Journal dcs Economistes; fevereiro de 1869, p. 317. 


244 PARTE TERCEIRA « 

Salários dos professores e seus adjuntos * ; 

Aluguel de casas, onde ainda não houvesse pré- 
dios especialmente construídos para escola ; 

Custeio e conservação destes estabelecimentos ; 

Vestiaria e soccorros dos meninos indigentes ; 

Instrucção primaria dos adultos. 

Calculada a somma destas despezas, conhecer-se-ia 
a da taxa escolar, ou a importância a repartir com 
igualdade entre a contribuição local e a provincial. 

Na ausência de estatísticas dá população, — neg-li- 
gencia sem nome no numero dos nossos descuidos, — 
proceder-se-ia no começo ao acaso, mas não é de ou- 
tro modo que se dirige tudo o mais no Brazil : não 
sirva isso, pois, de objecção. 

Também se não diga que a taxa municipal bastaria 
geralmente para as despezas da localidade. Nós sup- 
pomos um systema intelligente de ensino publico, 
professores bem remunerados, em numero correspon- 
dente ao dos alumnos, escolas cm cada districto den- 
tro de certa área, em summa um systema inverso da 
mesquinha e estéril organisação actual. 

* Suppomos salários correspondentes aos novos encargos do mestre. Ele- 
Yem-se os ordenados : haverá então concurrencia de pessoas idóneas. O ma- 
gistério será a estréa de moços dignos, e o futuro de grande numero das se- 
nhoras brazileiras. A reforma da instrucção ^, ''ainda por este lado, obra emi- 
nentemente moralisadora. Contam-se nos Eslados-tJnidos 200,000 professoras 
6 somente 150,000 mestres : nesse prodigioso algarismo de 350,000 pedagogos, 
as mulheres representam 70 ^o- Ha cidades, comoBaltimore, onde o magistério 
é profissão quasi exclusiva das mulheres, que aliás, como se sabe, já exercem 
muitos dos empregos públicos, quer nas repartições federaes. quer nas 
dos estados. Isto, melhor que tudo o mais, revela a força e prediz o futuro 
da união anglo-americana : é a terra onde a mulher não se considera inferior 
ao homem, e muitas vezes lhe é superior. 


INTERESSES PROVINCIAES 245 

Mas a instrucçao, como a mór-parte dos serviços 
públicos, nào é interesse puramente local; pelo con- 
trario, a sua organisação completa suppõe que func- 
cionem consoantes certas molas de um mecanismo 
superior. Para estas outras despezas eminentemente 
provinciaes devem de contribuir solidariamente todos 
os habitantes de uma mesma provincia. 

E' assim que continuariam afiguramos cruzamentos 
de todas ellas as consignações hoje votadas para a ins- 
trucçao. Estas consignações, que aliás dever-se-ia aug- 
mentar cada anno, alliviadas das despezas com escolas 
primarias, forneceriam mais valiosos recursos, nào só 
para o ensino secundário profissional, como principal- 
mente para as necessidades gcraes da própria instru- 
cçao elementar. 

Nào falíamos aqui das sciencias especulativas, das 
bellas-letras e das bellas-artes, cujo estudo nfío é as- 
piração do maior numero. Estabelecimentos próprios 
pnra taes estudos, seja dito de passagem, devera o go- 
verno geral mantel-os, em varias zonas do império, 
entregando-os a eminentes professores estrangeiros, a 
exemplo do Chile, da Austrália e de Buenos-Ayres 
agora. 

A importância votada para a' verba — instrucçao 
nos orçamentos provinciaes consagrar-se-ia, como 
dicemos, ás necessidades communs a todas as escolas 
de uma mesma provincia. Taes são : 

A construcçào de casas de escola próprias, que são 
esscnciae.5 para o desempenho dos methodos aperfei- 
çoados de ensino ; 


246 PAttTB TERCEIRA 

O fornecimento de mobilia, utensílios, modelos e 
livros escolares, acommodados aos methodos ; 

A formação de bibliothecas populares, e divulgação 
de livros de leitura ; * 

Os cursos nocturnos para adultos : 

As pensões dos professores aposentados ; 

As escolas norraaes para professores primários ; 

O serviço de inspecção e direcção das escolas pu- 
blicas, que inspire a máxima confiança. 

Quantos assumptos da maior gravidade a exigirem 
cada um o seu exame particular ! Não cabe tratal-os 
aqui, mas releve o leitor ainda algumas considerações 
finaes. 

Não sao escolas elementares do ahcy como as ac- 
tuaes, que recommendamos ás provincias. O systema 
que imaginamos, é muito mais vasto. E* o ensino 
primário completo, como nos Estados-Unidos, único 
sufficiente para dar aos filhos do povo uma educação 
quo a todos permitta abraçar qualquer profissão, e 
prepare para os altos estudos scientificos aquelles que 
puderem frequentai os. O programa dos estabeleci- 
mentos públicos da União ( com^tnonschools , free- 
schools) comprehende, com effeito, muito mais do que 
geralmente se suppõe ; elle abraça o ensino primário 


* Nâo possuímos nem uroa versão popular da Bíblia I A de Fígueredo, cm 
liuguagem obsoleta, dicção obscura e no gosto da época, tira á poesia bíblica 
a magestosa simplicidade do seu estylo, que totalmente desfigura. Uma 
versão parcial, com a carta da Palestina e nundo antigo, estampas e diccio- 
narios explicativos, sem commentos ccclcsiasticos, seria o mais bello livro 
popular. 


INTERESSES PROVINCIAES 247 

de todos OS graus, o das «escolas reaes » da AUe- 
manha, e o secundário especial que fornecem os ly- 
ceus de França. Cora o curso propriamente elementar, 
com o de grammatica, o o de scieucias das kiffh-schools, 
os alumnos obteem, além do conhecimento das lin- 
goas, noções de litteratura e historia, de geometria o 
álgebra, de chimica, physica e historia natural, em 
uma palavra, as bases da educação chamada pro- 
fissional. 

Como nos Estados-Unidos, o ensino devera nos 
campos ser o mesmo que nas cidades ; geral, sem dis- 
tincção de territórios ; geral ainda, sem distincção de 
sexos. Ambos os sexos, nas mesmas casas, simulta- 
neamente, receberiam a mesma instrucçâo. E não re- 
commendamos as escolas mixtas pela economia so- 
mente, que alias é considerável no ensino commum 
dos dous sexos ; mas principalmente pelo magnifico 
estimulo e fecundos effeitos moraes da união dos dous 
sexos desde a infância. 

Dispam-se dos prejuizos europeus os reformadores 
brazileiros: imitemos a America. A escola moderna, 
a escola sem espirito de seita, a escola commum, a 
escola mixta, a escola livre, é a obra original da de- 
mocracia do Novo-Mundo. 

Mas, pois que nos achamos em paiz eminentemente 
agrícola, não esqueçamos que « o ensino primário tem 
sido até hoje dado em sentido anti-agricola, e que é 
preciso ajuntar-lhe noções siimmarias de lavom^a e 
horticultura, elementos de nivellamento e agrimen- 
sura, principies de chimica agricola e de historia na- 


248 PARTE TERCEIRA 

tarai, e, para as meninas, lições de economia do- 
mestica. » * 

Das escolas profissionaes são as agrícolas sem du- 
vida que mais precisamos. Ha muito, devora o governo 
central fundal-as em quatro, pelo menos, as provín- 
cias, Maranhão, Pernambuco, Rio-Grando e Minas , 
aproveitando nesta o ínsaio começado pela companhia 
União e Industria. EUe poderia também promover o 
estabelecimento de taes escolas em cada uma das ou- 
tras, contribuindo, da sua parte, com a despeza de 
engajamento (na Europa ou nos Estados-Unídos) de 
professores competentes e seus ordenados, com o for- 
necimento do material preciso, a compra de terrenos 
e a construcção das casas. Fizesse cada província o 
custeio annual, pouco oneroso aliás. Em compensa- 
ção, devora o governo obter de todas ellas a consa- 
gração da seguinte regra, que reputamos efficaz para 
assegurar a frequência dos novos estabelecimentos : 
O curso da escola agrícola será requisito indispensá- 
vel para os candidatos aos empregos provinciaes de 
ordenado superiora 800S, por exemplo. 

E' bem estranho, sem duvida, que a província do 
Rio de Janeiro, cuja renda se aproxima de 4,000 con- 
tos, não possua uma aula ao menos dedicada á la- 
voura, quando devera de ter um estabelecimento nor- 
mal desse género. Cada estado da União americana 
procura fundar o seu, engajando os mais hábeis pro- 
fessores, os homens mais práticos nesse ramo dos co- 

* Leonce Lavergoe ; íiévue des áeux monáesj 15 de novembro de 1868. 


INTERESSES PROVINCIAES 249 

nhecimentos. Alguns dos institutos norte-americanos 
são escolas-modelos, não somente pelo seu material, 
como pela excellencia do ensino que nelles se offerece 
aos jovens destinados á grande industria nacional, que 
ali se aperfeiçoa incessantemente, a agricultura \ 

Nâo menos úteis e urgentes parecem as escolas 
de minas, e, todavia, mais de uma provincia possue 
thesouros immensos que apenas aguardam uma in- 
dustria menos imperfeita e um trabalho mais intelli- 
gente. 

Tudo nos falta, de tudo carecemos neste ramo prin- 
cipal dos interesses sociaes, a instrucção do povo. 

Ao envez das tendências do século, o que possuimos 
nós? escolas de aí c, estas mesmas raríssimas, sem 
edifícios próprios, sem mobilia e utensis, e, peior que 
tudo, sem mestres idóneos : e, fora disso, algumas au- 
las de latim espalhadas aqui e ali. 

Estudos clássicos, estudo das linguas mortas, não éo 
que necessitamos mais : haja liberdade de ensino, e 
não faltarão coUegios particulares, onde as classes 
abastadas mandem educar e aperfeiçoar seus filhos 
no gosto da antiguidade. Demais, é um erro manifesto 
confundir o ensino clássico com essas imperfeitas e 
insufficientes aulas de latim, onde nem se aprende a 
lingua de Cicero, e muito menos se estuda a grande 
litteratura do século de Augusto. Para a maior parte 
dos moços, as versões ecommentarios dos interpretes 


* V. no Beport of the Commissioner of agriculture^ do anno de 1865, 
pp. 137 a 186, a descripçap dos collegios agrícolas de vários estados. 

A PROV. 32 


250 PARTE TERCEIRA 

modernos bastam a revelar o génio das letras antigas. 
Si isto nao constitue litteratos e eruditos de profis- 
são, também não foi preciso mais para preparar 
poetas como Béranger, escriptores como Rousseau, 
nem o será para inspirar o gosto e formar o coração 
dos nossos jovens na contemplação das grandes 
scenas da antiguidade * . 

Este modo de conceber a reforma da instruccão nas 
provincias involve graves questões, que só cada uma 
delias poderá resolver satisfactoriamente. Assim, 
quem deve de escolher os professores? Em alguns lu- 
gares melhor fora que, como nos Estados-Unidos, 
houvesse commissarios especiaes da instruccão publi- 
ca eleitos pela municipalidade, e lhes pertencesse 
nomear o professor e inspeccionar o ensino nos seus 
districtos. No começo, entretanto, todo o serviço po- 
deria ser concentrado nas capitães, dependendo di- 
rectamente do secretario da instruccão. 

Para manterem escolas normaes dignas deste nome, 
deveriam as provincias mais visinhas intender-se, 
associando-se por grupos, o que lhes fora muito mais 
proveitoso que a acção isolada do cada uma. 

* B. P. de Vasconcellos, na admirável Carta aos eleitores mineiros (S. João 
d'El-Rei, 1827), dirigia-se nestas palavras aos conselhos geraes das provín- 
cias: « Attcntem os conselhos qi:c o conhecimento da língua latina só cons- 
pira a fazer nos conhecer alguns homens de génio da antiguidade, cujas obras 
se podem ler hoje nas línguas vivas em que foram traduzidas ; que o estudo 
desta língua é verdadeiramente de luxo, e que a principal obrigação do go- 
verno 6 ministrar com preferencia aos povos os meios de instruccão neces- 
sária, e estes. nos faltam. » (P. 97.) — O professor de Oxford, M, Arnolds, com 
idêntico fundamento, exibe a mesma opinião em um recente relatório sobre 
a instruccão secundaria na Europa (School in Continent). 


INTERESSES PROVINCIAES 251 

Preferimos, em regra, a iniciativa do governo local 
á acção collectiva, a variedade á centralisação, porque 
esta conduz quasi sempre á inércia, e a variedade da 
iniciativa provincial fomenta incessantes aperfeiçoa- 
mentos, desperta o zelo e a emulação entre as pro- 
víncias. Todavia, estamos de tal sorte convencido de 
que não ha salvação para o Brazil fora da instrucção 
derramada na maior escala e com o maior vigor, que 
para certos fins aceitaríamos também o concurso do 
próprio governo geral, ao menos em favor das me- 
nores provincias e durante o período dos primeiros in- 
saios. Assim, para se crearem verdadeiras escolas 
normaes, instituições cuja utilidade depende de sub- 
^^nçoes generosas, fora bem cabido um auxilio do Es- 
tado, cuja missão aliás, — não o desconhecemos, — c 
propriamente reerguer ou antes fundar os estudos su- 
periores. 

Ora, tantos estes últimos como as escolas normaes 
não podem prosperar sem attrahir-se dos focos da 
sciencia professores que venham propagal-a, legando 
ao futuro uma geração de moços illustrados e de mes- 
tres idóneos. Assim acaba de proceder o congresso da 
Republica Argentina, autorisando o contracto de vinte 
professores para o ensino de sciencias especiaes na 
universidade de Córdova e nos collegios nacionaes. 
Nem nós carecemos de lei que permitta o engajamen- 
to. A de 23 de oitubro de 1832 (art- 2° § 5°) o con- 
sente implicitamente quando concede a naturalisação 
immediata aos estrangeiros « que por seus talentos e 
litteraria reputação tiverem sido admittidos ao magis- 


252 PARTE TERCEIRA 

terio das universidades, lyceus, academias ou cursos 
jurídicos. » 

Tal e o vasto programa de ensino, que devem as 
provincias esperar do restabelecimento da sua auto- 
nomia administrativa. Já começam ellas a reconside- 
rar os estreitos regulamentos, imitações infelizes dos 
decretos e portarias do municipio neutro ; já algumas 
proclamam a liberdade do ensino particular, e a 
assembléa do Rio de Janeiro, votando igual medi- 
da, acaba de iniciar alguns úteis, posto que modestos 
projectos de reforma, os quaes, é licito crel-o, te- 
rão em breve o seu complemento . * 

O próprio governo central, até hoje tão indifferente 
a este gravissimo objecto, pareoe inclinar-so ás idéas 
que temos sustentado. Revelando, com a mais louvá- 
vel franqueza, a msufficiencia e inferioridade, sinão 
a nuUidade do nosso ensino publico, o Sr. ministro 
do império, no relatório de 1870, acaba de confirmar 
quanto dicemQS sobre a nossa triste situação. O 
governo imperial, que nào consente medrar a liber- 
dade no Brazil, é que depõe contra si mesmo, at tes- 
tando a sua incapacidade administrativa, confessando 
a negligencia de que o accusamos, e o proverbial de- 
leixo dos seus agentes. ' 

* o primeiro desses projectos (ambos de dezembro de 1869) abre o cre- 
dito annual de 50 contos para a coostrucção de casas de escola ; concede 
maiores vantagens aos professores ; augmenta o numero destes e dos seus 
adjudantes; crêa mais escolas ; e admitte as escolas mixtas para meninos e 
meninas até á edade de 9 annos. Reformando a escola normal da provinda , 
coiisigna o segundo 50 contos para erecção de um edifício próprio : exclue, 
porém, as mulheres do estudo da álgebra e geometria, matérias para que» 
segundo a experiência americana, teem ellas muita aptidão. 

« « E' com verdadeira mágua que vejo- me obrigado a confc-sar que em 


INTERESSES PROVINCIAES 253 

Depois de tão solemne confissão, só ha para elle 
um meio de resgatar sua enorme culpa : acção deci- 
siva, impulso efficaz, reformas perseverantes, largas, 
completas, sem receios e sem hesitações. 

Comprehendam governo e povo que não ha mais 
urgente reforma: a emancipação do escravo o exige, 
porquanto ella ha de proseguir a sua marcha fatal 


poucos paizes a instracção publica se achará em circunstancias tão pouco li- 
songeiras, comono Brazil. Não dissimulo a verdade, porque devo manifes- 
tar-vol-a inteira, e de seu conhecimento ha de provir, espero cora inaba- 
lável confiança, o remédio a tamanho mal. » Relatório de 1870, p. 39. 

« Em algumas províncias a instrucção publica mostra-se em grande atra- 
zo ; em outras, em vez de progredir, tem retrogradado ; conservando-se 
aqui estacionaria, ali andando coma maior lentidão . Em poucas é sensível 
o progresso ; em nem uma satislpiz o seu estado pelo numero e excellencia 
dos estabelecimentos de ensino, pela frequência e aproveitamento dos alumnos, 
pela vocação para o magistério, pelo zelo o dedicação dos professores, etc. 

« Em muitas províncias tem-se reformado, rcforma-se e trata-se de refor- 
mar a organisação do ensino : mas não se tem cuidado, quanto conviria, no 
principal — que é espalhal-o Gscalisar, os que delle estão incumbidos, para 
que effectivamente se distribua, haja ardor em promovel-o e desvelo em 
attrahir alumnos ás escolas, ensinando-se o mais possível, e ao maior nu- 
mero possível. » Idem, p. 40. 

« Pela maior parte os professores hão se esmeram ou não teem a aptidão 
necessária para tornar proveitoso o ensino aos alumnos, dando-lh*o no mais 
curto espaço de tempo. Os pais cançam de esperar algum resultado, des- 
animam das vantagens da frequência dos filhos na escola, etc., etc. » 
P.U. 

« A falta de edifícios apropriados com as precisas condições hygienicas, 
com acomodações espsciaes ao fim a que se destinam, é uma das maiores 
ditUculdades com que lutamos. . . Acresce ainda em muitas províncias a falta 
de moveis e utensis adequados para as escolas. » 

« Em algumas provindas, da remoção dos professores se tem mais de 
uma vez feito arma eleitoral.» P. 45. 

A respeito do município neutro, cujas escolas se acham sob a immcdiata 
direcção do governo imperial, diz o relatório: «Apenas 9,311 alumnos fre- 
quentaram em 186'J as escolas publicas e particulares do município da corte. 
Este algarismo dispensa commentarios. » P. 38. 


264 


PARTE TERCBIRA 


por entre dous perigos, o instincto da ociosidade e 
o abysmo da ignorância. Diminui o segundo; tereis 
combatido eficazmente o primeiro. 

Fatal punição ! os paizes onde o trabalho é forçado, 
sáo aquelles justamente onde o próprio homem livre 
é mais ignorante. A indiíFerença pela instrucçào é 
um dos signaes da escravidão. A olygarchia dos pro- 
prietários, ou seus representantes nas assembléas e 
no poder, não tomam interesse algum, em paizes taes, 
pelo ensino popular. Com effeito, quanto á própria 
população livre, occupa o Brazil o lugar da lista que 
os Bourbons legaram a Nápoles: um alumno por 90 
habitantes, no século em que reputa-se infeliz o povo 
que não contempla nas suas escolas um menino por 
7 habitantes. E será hyperbole dizer que neste ponto 
de honra dos povos modernos, acha-se nossa pátria 
fora do século XIX ? Ajuntai a coexistência do tra- 
balho escravo : não é o século XVI ou XVII, quaes- 
quer que sejam as apparencias de algumas capitães 
marítimas? 

Uma lei da divina harmonia que preside o mundo, 
prende as grandes questões sociaes : emancipar e ins- 
truir é a forma dupla do mesmo pensamento politico. 
O que haveis de offerecer a esses entes degradados 
que vão surgir da senzala para a liberdade? o baptis- 
mo da instrucçào. O qne reservareis para suster as 
forças productoras esmorecidas pela emancipação? o 
ensino, esse agente invisível, que, centuplicando a 
energia do braço humano, é sem duvida a mais pode- 
rosa das machinas de trabalho. 


INTERESSES PROYINCIAES 255 


CAPITULO II. 


EMANCIPAÇÃO. 


Que poderíamos nós dizer de novo sobre «essa exa- 
geração sacrílega do direito de propriedade», a es- 
cravidão ? 

Não é para assignalar-lhe as tendências e descre- 
ver-lhe o caracter, que a comprehendemos no quadro 
deste estudo. Não se trata mais no Brazíl, felizmente, 
de ponderar a gravidade deste crime, « resumo de to- 
das as infâmias » ; trata-se agora de applícar ao vício 
hereditário remédio prompto e efficaz, a desapro- 
priação por utilidade publica, de que fallava Lamar- 
tine. 

Mas quem ha de emprega-lo? o Estado somente? 
não haverá, porventura, fia obra da emancipação, ta- 
refa bastante para as províncias? Eis o lado por onde 
o sombrio problema toma lugar na reforma descen- 
tralisadora. 


§ I. — O Estado e a emancipação. 


Que do governo nacional dependem as mais directas 
medidas sobre este assumpto, escusado é demons- 
tral-o. 


256 PARTE TERCEIRA 

O immediato reconhecimento da condição ingénua 
dos recemnascidos ; 

As providencias sobre serviços dos filhos de es- 
cravas, até certa idade ; 

As garantias do pecúlio, da alforria forçada, da in- 
tegridade da familia, do processo judiciário, da igual- 
dade perante a lei criminal ; 

A liberdade dos escravos que prestarem serviço re- 
levante, e dos da nação, das communhões religiosas, 
das companhias anonymas, do evento, das heranças 
vagas e daquellas onde não houver herdeiro de certo 
grau; 

A matricula de escravos e seus filhos ; 

Finalmente, a gradual alforria dos captivos actuaes: 

São, ninguém duvida, assumptos próprios da lei 
geral \ 

A ultima destas medidas, porém, acaba de ser an- 
tecipada por varias provincias, que consignaram em 
seus orçamentos verba especial para o resgate de 
captivos. Nada impede que, cumulativamente, empre- 
gue o Estado maiores recursos para o mesmo fim. 

Mas, neste ponto, quanto á escravatura existente, 
não poderia ser mais decisiva a acção do governo su- 
premo?. Assim o intendem aquelles que recommen- 
dam a fixação de um prazo (20 ou 30 annos) para a 
extincção definitiva do regimen servil em todo o im- 
pério. Quanto a nós, conforme já foi mui sabiamente 

1 EiiAê são, em geral, as idéas do projecto em 1868 elaborado pelo conselho 
de estado, e dos offerecidos» a 31 de maio de 1870, pelos Srs. deputados Per- 
digão Malheiro e Araújo Lima. 


INTERESSES PROVINCIAES 257 

ponderado, nem isso fora prudente, por abalar a pro- 
priedade, nem é necessário, pois que, libertado o ven- 
tre e com o acréscimo das alforrias espontâneas ou 
forçadas, em poucos annos a estatistica acusará um 
numero tão reduzido de escravos, que poderá o Es- 
tado decidir-se a emancipal-os todos em muito mais 
curto prazo. 

Caberia, entretanto, ao governo central mui im- 
portante tarefa : estimulando as provincias a augmen- 
tarem as consignações annuaes para alforrias, devera 
adjudar nisso aquellas que possuam insignificante 
numero de captivos, ou resgatar á sua custa a escra- 
vatura dessas mesmas provincias, uma apóz outra. 

a Abolição gradual da escravidão por provincias, 
começando pelas fronteiras com os estados limitro- 
phes e pelas que menos escravos possuirem, » tal é 
aidéa que desde 1865 indicámos em carta ao secre- 
tario da British and foreign anti-slavery society. Seja- 
nos licito repetir as considerações que a propósito fa- 
ziamos : 

« Nas primeiras provincias (as da fronteira), dizía- 
mos nós, a emancipação dever-se-ia effectuar imme- 
diatamente com indemnisação; nas outras, (as que 
possuirem poucos escravos), sem indemnisação, dentro 
de um prazo conveniente. 

« As provincias do Amazonas, Pará, Mato-Grosso, 
Rio-Grande do Sul, Santa Catharina e Paraná, limi- 
tadas pelos paizes circumvizinhos (Guyanas franceza, 
ingleza e hollandeza, Venezuela, Nova-Granada,Perú, 
Bolivia, Paraguay, Republica Argentina eUruguay), 

A PROV. 33 


258 PARTE TERCEIRA 

em nenhum dos quaes se permitte a escravidão, são, 
justamente por isso, perigos permanentes para a 
tranquillidade interna e para a defeza do Estado. Na 
ultima guerra com o governo de Montevideo, ena 
actual com o Paraguay, os chefes das forças inimigas 
traziam sempre a missão de sublevar os escravos do 
Rio-Grande; e ninguém ignora que este recurso, posto 
que bárbaro, si fosse efficaz, causar-nos-ia grandes 
desastres. A escravidão nas provincias fronteiras é, 
pois, na realidade gravissimo elemento de fraqueza 
militar. 

« Além disso, em tempo de paz, a fuga de escravos 
para os territórios vizinhos, e outros factos promo- 
vem conflictos e amarguram algumas de nossas ques- 
tões internacionaes. Ainda ha pouco, noticia-se do 
norte a fuga de escravos do alto Amazonas para o 
território do Peru, e uma considerável evasão de 
outros do Pará para a Guyana franceza. As discus- 
sões que provoca a extradição de escravos evadi- 
dos pela fronteira do Rio-Grande do Sul, as ques- 
tões que tem isto originado, a serie de reclamações do 
governo oriental contra o brazileiro, renovadas ainda 
recentemente em 1834, a difflculdade em se cumpri- 
rem os tratados de extradição, o constrangimento 
que a sua execução produz, e os abusos dos Rio-gran- 
denses que nas suas estancias do Estado Oriental que- 
rem conservar a escravidão, ainda que dissimulada 
sob a forma de contratos de engajamento com prazos 
enormes (10, 15 e 20 annos) ; tudo isso conspira para 
abolir-se a escravidão na grande província fronteira 
do Sul. 


INTERESSES PROVINCIAES 259 

« Entretanto , é justamente aquella que pri- 
meiro podia dispensar escravos. Como em Santa- 
Catharina, verdadeiro prolongamento do Rio-Grande, 
seu clima é muito mais ameno que o das outras pro- 
víncias, e menos áspero que o do Rio da Prata. O Rio 
Grande é o jardim da America meridional; ali o tra- 
balho agricola, nas colónias, é exclusivamente 
exercido por homens livres... A' excepção de certos 
municipios, nos outros é minima a proporção dos es- 
cravos para a população total. Além disso, a corrente 
de emigração está já estabelecida para essa parte do 
império. — Outra provincia fronteira, a do Amazonas, 
onde o indio é o trabalhor do campo, o barqueiro e o 
criado, apenas possue... um escravo por 46 livres, ou 
pouco mais de 2 ''{o. Santa Catharina, Paraná e Es- 
pirito-Santo contam igualmente poucos captivos. Ha 
além disso provindas não fronteiras, como a do Ceará, 
onde a agricultura é quasi exclusivamente praticada 
por braços livres. Nessa mesma, no Rio Grande do 
Norte, na Parahyba, em Alagoas e até em Pernam- 
buco, no trabalho do campo, na cultura do algodão 
principalmente, e na da canna de assucar, são empre- 
gados homens livres, a salário, em escala que pro- 
mette subir. Outro tanto acontece no interior do 
Maranhão. » 

Tão felizes circunstancias permittiriam , em nosso in- 
tender, relativamente a taes provincias, medidas mais 
promptas e seguras, x^inda nos parece este o modo 
mais efficaz de exercer-se a acção do Estado quanto 
aos escravos actuaes. Assim, as menores provincias. 


260 PARTE TERCBIBA 

especialmente as da fronteira , aquellas, como o 
Ceará, onde o trabalho escravo é insignificante, ou 
onde desde já pôde ser dispensado, como o Amazonas, 
veriam em breves dias o seu território consagrado 
para sempre á liberdade. Como documento da since- 
ridade de nossa politica abolicionista, não houvera 
mais eloquente testemunho: sem réplica seria facto 
similhante. Por outro lado, esse processo simplificaria 
a crise futura da producção, circunscrevendo-a a uma 
região menor, de sorte que, quando no centro do im- 
pério se experimentassem os seus eífeitos, outras 
secçSes do paiz já estivessem florescendo sob o re- 
gimen da liberdade. Finalmente, por mais generosas 
que sejam as consignações votadas pelo parlamento 
para alforrias annuaes, seu alcance fora quasi nullo 
si disseminadas pelo Brazil inteiro. Repartidas so- 
mente pelas provincias que indicámos, o resultado 
será efficaz e palpável. 

Deve o parlamento não hesitar na votação de fundos 
consideráveis para a alforria de captivos. Entretanto, 
uma operação financeira occorre que preencheria os 
nossos designios sem acarretar novos encargos para o 
contribuinte. Annualmente se amortisa no Rio de Ja- 
neiro e em Londres o capital de nossa divida 
fundada, e periodicamente desaparece, da verba res- 
pectiva da despeza publica, parte dos juros corres- 
pondentes aos empréstimos remidos. Propomos, pois, 
que cada anno se emitta, para o resgate de escravos 
de determinadas provincias, um numero de apólices 
cujos juros não excedam aos eliminados nas verbas 


INTERESSES PROVINCIAES 261 

do serviço da divida fundada. Assim, poder-se-ha, no 
primeiro anno, libertar os escravos do Amazonas, que 
pouco excedem de 500 ; depois, os de Santa-Catharina, 
ou Piauhy, ou Ceará, como mais exequivel e próprio 
parecer ao parlamento. Suppomos, seja dito de pas- 
sagem, indemnisaçáo razoável, mesmo superior ao 
maximum das colónias inglezas (50 L por adulto), 
mas excluídos velhos e crianças. E' de equidade pagar 
a indemnisaçáo, desde que não se concede prazo. 

Além das provincias de trabalho livre ou de in- 
significante trabalho escravo, o mesmo processo po- 
der-se-ia estender ás capitães e portos de commercio 
directo. Nestes até parece exequivel medida mais 
radical : a abolição simultânea decorridos cinco annos, 
sem indemnisaçáo, prohibida, entretanto, a expor- 
tação ou transfofcencia dos escravos. Sem esta clau- 
sula a lei autorisaria as maiores crueldades, conse- 
quências inevitáveis de vendas precipitadas. 

Qualquer que seja a solução preferida quanto aos 
escravos existentes, ha providencias indeclináveis que 
a moralidade e a honra dopaiz exigem do parlamento. 
Queremos fallar da immediata suppressão do trafico 
costeiro de escravos, ou de província a província, 
ainda que pelas vias terrestres. Fomentando a ím- 
moral industria da criação de escravos, o trafico cos- 
teiro despovoa o norte, humilha o nosso pavilhão, e 
converte o porto do Rio de Janeiro na antiga Cons- 
tantinopla, grande mercado de carne humana, cloaca 
"ínaxima de todos os ^vi cios e de todas as podridões da 
escravidão. Ao navio que transporta negros, ao de- 


262 PARTE TERCEIRA 

posito que os recebe e vende, se pôde ainda hoje in- 
flingir, com rigorosa exactidão, o estigma de Chan- 
ning : « a maior reunião de crimes sob o mais limitado 
espaço. » 

Resta-nos, para concluir a primeira parte destas 
observações, mencionar um ponto exclusivo da com- 
petência central : é o lado por onde esta vasta questão 
intende com as relações exteriores. 

Para attenuar os effeitos da crise económica, — 
inevitável, posto que transitório, resultado da eman- 
cipação, — um meio se oíferece logo : alargar no 
mundo o consumo dos nossos productos. Ora, este 
consumo ó consideravelmente leduzido pelos exces- 
sivos direitos que as diversas potencias cobram na 
importação dos géneros tropicaes. Não poderiam a 
Inglaterra, os Estados-Unidos, a All^imanlia do Norte, 
a França, que absorvem todo o nosso café, assucar 
e fumo, dar um bello exemplo da solidariedade dos 
interesses, correndo em auxilio do trabalho livre, 
quando o proclamássemos, abandonando a severidade 
com que hoje tratam os productos do lavor escravo? 
Estes fazem, com effeito, grande concurrencia aos 
géneros similares do trabalho emancipado nas índias, 
nas Antilhas e no sul da União- Americana : procla- 
mada a liberdade no Brazil, restabelecer-se-ia o equi- 
librio, os preços subiriam ao maximum d^onde ca- 
híram ha trinta annos, cessando então nas colónias 
europeaíf .e no meio-dia dos Estados-Unidos os effeitos 
da crise da emancipação. 

Recusaria a Grã-Bretanha dar o primeiro passo 


INTERESSES PROVINCIAES 263 

neste caminlio ? Agora qae suas receitas permittcm 
tão largas reducçòcs de impostos, porque não renun- 
ciará ás excessivas taxas sobre os géneros chamados 
coloniaes? A philantropia, com que ha sempre pro- 
cedido nesta questão humanitária, não lhe faltará 
certamente na ultima phase do problema secular. A 
perspectiva da diminuição dos direitos de entrada nos 
portos europeus e norte americanos apressaria me- 
didas abolicionistas mais radicaes. Fundamentando o 
orçamento de 1870, o ministro da fazenda, Mr. Lowe, 
alludiu á benéfica influencia que a diminuição de di- 
reitos exercerá sobre o movimento emancipador ; e, 
sob proposta sua, foi votada a reducção da taxa do 
assucar á metade, medida que importa a perda de 
2,250,000 L para o thesouro inglez. ííão é licito 
suppôr que, com^igual decisão e a respeito de todos 
os géneros tropicaes, proceda o governo britânico nos 
annos seguintes, mormente vendo o Brazil e Cuba 
abolirem a escravidão? Igual medida sobre o café, 
que por si só forma metade de toda a exportação do • 
império, fora muito mais efficaz auxilio na crise econó- 
mica em que vai entrar nossa agricultura. Já solici- 
tou-a o Sr. Crawford, presidente do banco de Ingla- 
terra, ponderando que, em vez de augmentar, tem 
diminuído muito o consumo de café" naquelle paiz, 
facto que elle explicava pelo excessivo imposto de 3 
pence por lifora (cerca de 50 por cento). 

Ora, todas essas reducções de tarifas hão dS^ trans- 
ferir para os portos inglezes grande parte da pro- 
ducção das terras tropicaes ; motivo sufficiente para 




264 PARTE TERCEIRA 

que as outras potencias mapitimas não se detenham 
em imitar o exemplo da Grã-Bretanlia. 

A perseverança com que esta potencia resolveu os 
vários problemas da liberdade commercial, desde a 
revogação dos privilégios de bandeira sem dis- 
tincçâo da procedência do producto , permitte 
esperar que ella daria o novo passo mesmo 
sem a exig-encia de reciprocidade. Si, todavia, 
a apresentasse, não hesitariamos nós em aceitar a 
condição. Todos os brazileiros conhecem que as taxas 
da tarifa de nossas alfandegas são hoje absurdas, são 
tributos de guerra. Cumpre incessantemente reduzil- 
as, pelo menos, ao nivel das do Rio da Prata, pois, 
entre as differentes vantagens que as republicas vi- 
zinhas offer§cem ao emigrante europeu, se conta sem 
duvida, entre as mais decisivas, a barateza da vida, 
graças aos preços razoáveis de todos os artigos ma- 
nufacturados. Por outro lado, decretada a emanci- 
pação, acaso se cuida que o nosso operário ou lavrador 
se resignem aos exagerados preços que hoje pagam 
pelas mais indispensáveis commodidades, pelos pró- 
prios instrumentos de trabalho? E' manifesto que, 
por interesse do próprio Brazil, não hão de prevalecer 
muito tempo os direitos actuaes, que alias reduzem a 
importação e a renda correspondente. Um compro- 
misso, pois, com as potencias productoras das mer- 
cadorias de mais geral consumo no paiz, nos parece 
razoável : não convertido em tratado commercial, mas 
consignado em lei que consagre o principio da re- 
ducção ánnua de tantos por cento nas taxas da tarifa, 
tal compromisso nada teria de imprudente. 


INTERESSES PROVINCIAES 265 

Apóz a emancipação, as colónias inglezas e fran- 
cezaslogo requereram, como justa compensação, a sua 
plena liberdade mercantil, e o abatimento dos direitos 
que dos seus productos cobravam as metrópoles. Já não 
carecemos da primeira medida, graças á politica que 
por toda a parte vai extinguindo os privilégios das 
marinhas nacionacs, restabelecendo a igualdade dos 
pavilhões; mas da segunda carecemos, e não podemos 
dispensal-a. Comprehendam os nossos consumidores, 
europeus e americanos, que suas marinhas estão vi- 
vamente interessadas no mantimento da producção 
brazileira, que as entretém e anima. O declinio da 
nossa agricultura, que lhes fornece cerca de 180,000 
contos de transportes annuaes, pôde prejudical-os di- 
rectamente. Coadjuvem-nos, pois, aliviando os direitos 
de entrada nos seus portos: possa o lavrador bra- 
zileiro incontrar em preços mais remuneradores com- 
pensação dos gastos de producção elevados pelo salário 
do liberto, e pelas incertezas e contingências que no 
começo hão de affligir os antigos proprietários. 

§ II. — Missão das províncias. 

Mais importante do que geralmente parece, é o 

papel das provincias no movimento abolicionista. 

São os poderes locaes que hão dè completar a obra 

iniciada pelo Estado, pondo em contribuição, para o 

fim commum, a estatistica, o imposto, a policia, a 

justiça e a escola, 
i PROV. 34 


266 PARTE TERCEIRA 

A providencia preliminar neste assumpto ó averi- 
guar o numero de escravos, a sua distribuição peio 
território e as profissões que exercem. Si é urgente 
que o Estado organise o censo decennal, não é menos 
forçoso que, auxiliando os commissarios nacionaes, 
montem as provincias as suas repartições de estatis- 
tica, pensamento que se acaba de iniciar na do Rio 
de Janeiro. Indispensável para as medidas abolicio- 
nistas, a estatistica permittirá também a reforma das 
imposições locaes e o estabelecimento de um largo 
systema provincial de taxas directas ^ Tanto basta 
para recommendal-a. 

O censo dos escravos fará conhecer o limite a que 
cumpre elevar o fundo annuahnente destinado pelas 
provincias para o resgate de captivos, e mostrará 
quaes as regiões do império onde, sem o risco de crise 
económica, poder-se-ia adoptar desde já a emancipa 
cão simultânea, como acima indicámos. 

Talvez produza a estatistica estranhas revelações : a 
que se tentou no Ceará, em 1865, dava a proporção 
de um escravo por 32 homens livres na própria comar- 
ca da capital, e de 1 por 26 ou mais em liorescentes 
districtos productores de café, emquanto outros ha- 
via onde quasi todos os habitantes eram livres. Si o 
mesmo facto se verificasse em diversas reg-iões do 
Brazil, como aliás se pôde presumir, o problema da 
emancipação perderia muito da sua gravidado. No 
sul dos Estados-Unidos um terço dos nabitantes era 

* Gap. VI, 8 6. 


INTERESSES PROVINCIAES 267 

escravo : dons estados havia (Mississippi e Carolina 
Meridional), onde a população escrava era superior 
á livre ; e não inferior em alguns. Ora, na opinião 
do Sr. Souza Franco, em todo o Brazil haverá 4 ho- 
mens livres parai escravo, sendo, porém, a propor- 
ção de 3 : 1 no littoral do sul, de 6 : 1 no centro do 
império, e de 7 : 1 no norte. Em província alguma, 
nem no Rio de Janeiro, ha igualdade ; em outras é a 
população escrava mui inferior á livre ; em algumas 
quasi nulla. Este facto, que aliás é urgentissimo 
averiguar por um censo completo, não só dissiparia 
exagerados receios, como plenamente justificaria a 
medida, em que insistimos, da abolição immediata e 

simultânea nas províncias de insignificante trabalho 
escravo. 

Estas poderiam, por si mesmas, entrar resoluta- 
mente nas operações da emancipação. Em vez de mó- 
dicas consignações no orçamento ordinário, contra- 
hissem um empréstimo, ou empréstimos periódicos, 
que em poucos annos resgatassem todos os seus es- 
cravos. Não soportaria a do Amazonas, por exemplo, 
uma divida de 300 contos, sufficiente para a imme- 
diata alforria de todos os seus 584 captivos, incluídos 
velhos e crianças sem valor ? Os juros de tal emprés- 
timo não são onerosos para o Amazonas, cuja receita 
dobra em oito annos, e demais pouco excederiam á 
consignação que já vota para resgates annuaes. O 
mesmo dizemos quanto a outras em idênticas condi- 
ções. 

A consequência de tal medida é o parlamento pro- 


268 PARTE TERCEIRA 

Ilibir para sempre a escravidão na província que a 
supprimir : na falta de lei neste sentido, nada obsta 
que a respectiva assombléa lance sobre escravos ahi. 
incontrados ou introduzidos imposto tilo elevado, que 
produza o eíFeito da proliibição. 

Não pareça uma excentricidade a idéa da interven- 
ção provincial neste grave interesse publico. Foi 
pelos estados particulares (os do norte o leste) que a 
abolição começou na Republica norte-americana. Si 
ella não pôde ser simultânea em todo 0'Brazil, pôde 
sel-o immediata, ou com brevissimo prazo, em muitas 
das províncias *. 

Passemos aos impostos. 

Taxas fortíssimas na introducção e na exportação, 
seja por via terrestre ou marítima, do escravos deuma>s 
para outras províncias, medida necessária emquanto 
o parlamento não prohibir absolutamente esse trafico ; 


* A mesma opinião manifestou o Sr. presidente da Bahia na falia á respecti- 
va assembléa (1870J : 

«Para attenuar a gravidade do objecto, dizia elle, seria talvez acertado 
diminuir-lhe o volume, repartindo-o ; deixando ás provindas resolver 
sobre os meios práticos de execução, que não podem ser idênticos em todas, 
fixando alei geral o prazo fatal da completa" extincção do trabalho servil. 
Provindas ha que podem em poucos annos completar a mudança social, e 
outras que pedem um processo estudado, prudente e mais longo, difFeren- 
çâs incompatíveis de guardar em uma só lei, e em uma resolução central ; 
não se devendo prejudicar aquellas pela lentidão destas, nem estas pela me- 
lhor situação daquellas. Este abandono ás provindas para resolver o modo 
prático nos limites da lei geral, não inhibiria que esta adoptasse certas pro- 
videncias contra os hábitos que ferem mais as susceptibilidades humanitá- 
rias do século, como o commercio entre as provindas, a venda cm hasta pu- 
blica, a separação dos membros da familia, os castigos exagerados, a liber- 
dade obrigada com o deposito do respectivo valor, » 


INTERESSES PROVINCIAES . 269 

impostos severos sobre casas de venda, deposito ou 
aluguel de escravos ; taxa de capitação, addicionada 
átaxa geral existente, mas estendida a todos os que 
esta não comprehende ainda, sejam de menor edade, 
sejam ruraes : são recursos de que poderiam valer-se 
as provincias, para a obra dos resgates periódicos. 

Não aconselhamos o imposto progressivo sobre os 
escravos urbanos, que aliás outr^ora nos parecera 
utiL Expellir os escravos das cidades para o campo, 
ou, como se*exprimiam decretos relativos a Cuba, 
transformar a suavissima escravidão domestica em es- 
cravidão rural, é por si só uma iniquidade : não rou- 
bemos ao escravo urbano o único favor que a ingrata 
fortuna lhe depara, o de nascer nas cidades. Por outro 
lado, fornecendo novos braços servis á lavoura, facili- 
tando-lhe a acquisição dos fôlegos vivos, que repellem 
o arado e as machinas, não iriamos perpetuar a sua de- 
gradação, agravar a sua decadência, augmentar os 
seus embaraços presentes com o jogo aleatório da com- 
pra de captivos, orig-em de tanta ruina? Acommetta- 
mos a escravidão nas cidades, não expellindo-a para o 
campo, mas abolindo-a directamente nos grandes por- 
tos commerciaes e nas cidades populosas, onde o tra- 
balho livre se ache g-eneralisado e ao alcance de toda 
agente*. 

Aconselhamos, porém, ás provincias o lançamento 
do imposto territorial. Eis o seu grande recurso finan- 
ceiro, até hoje desprezado, eis a base de um systema 

* V. o paragrapho anterior. 


270 PARTE TERCEIRA 

de imposições directas sobre a propriedade. Eminen- 
temente local, variando conforme as circunstancias 
dos municipios e provincias, tudo o recommenda ás 
assembléas. Tendendo a reduzir as vastas áreas in- 
cultas, é elle o meio de fornecer terra barata, em boas 
condições de transporte, ao immigrante e ao liberto. 
Importar trabalhadores que não incontram onde co- 
modamente se estabeleçam ; emancipar o trabalhador 
nacional, mas impedil-o de ser pequeno proprietário 
no município ou na província que habitara, ou nos ter- 
ritórios circunvizinhos ; condemnar uns e outros ás 
solidões das florestas inaccessiveis, quando aqui, ároda 
das grandes povoações, ostentam-se desertos cente- 
nares de léguas quadradas, é erro grosseiro em paiz 
que já demasiado soffre o inconveniente da dispersão 
dos habitantes. Mas não antecipemos o que cabe dizer 
no lugar próprio ^ 

Entre as medidas de policia local, já alludimos ás 
que tomará cada província por amor da emancipação ^ 
Para crearem curadores e juizes privativos dos liber- 
tos, ou para confiarem taes funcçõcs a outras autori- 
dades, como melhor convenha c a experiência recom- 
mende, ha de se reconhecer-lhes a mais plena com- 
petência. Da mesma sorte, quão imprudentes, im- 
praticáveis aqui, insufficientes ali, não haviam ser 
regulamentos geraes contra os vagabundos, ou me- 
didas a bem do trabalho ! 


1 V. o Cap. VI, g 5. 

2 P. 180. 


INTERESSES PROVINCIAES 271 

Verificou-se nas colónias inglezas que, mais neces- 
sária que o exercito e a policia, a magistratura espe- 
cial encarregada de resolver as questões entre pro- 
prietários e libertos prestou, durante o periodo da 
aprendizagem, relevantissimos serviços, mantendo a 
ordem e restabelecendo o trabalho nas plantações. 
Só na Jamaica 200 desses juizes funccionaram, e com 
um labor insano *. 

Acaso poderia uma lei expedida do Rio de Janeiro 
prever as circunstancias particulares do movimento 
abolicionista em cada província, e adaptar-lhes a mais 
conveniente organisação judiciaria e policial? Algu- 
mas ha, como o Amazonas, Pará, Santa Catharina, 
para as quaes sejam sufficientos os tribunaes ordiná- 
rios, o direito commum : o Eio de Janeiro, porém, ca- 
recerá, na maior parte das suas parochiaSy de um juiz 
do eivei e crime, com certa alçada e jurisdicção defi- 
nitiva em questões de salários e engajamentos, em 
offeasas physicas e ferimentos leves, damnos insigni- 
ficantes, etc; e outras parochias da mesma provincia, 
repletas de escravos, exigirão, talvez, mais de um juiz 
no primeiro periodo da abolição. Isto patentôa que só 
as assembléas podem organisar direitamente as. jus- 
tiças da primeira instancia*. Deixamos a imaginar as 
lacunas, as imperfeições, os embaraços inseparáveis 
de decretos desta natureza promulgados pelo governo 
central para o império inteiro. 


^ The fali of the sugar planters of Jamaica; Londres, 1869. — Um magis- 
trado por cada 5,000 libertos, segundo Tocqueville, Relatório á camará dos de 
putados de França, 1839; p. 30. 

* Parten, cap.VIl. SI. 


272 PARTB TERCEIRA 

A previdência do legislador inglez evitou esses gra- 
ves inconvenientes. Comquanto o memorável acto de 
emancipação de 28 de agosto de 1833 fosse lei obri- 
gatória em todo o império britânico, não comprehen- 
deu todavia certas matérias, deixando a adopção de 
algumas providencias ás legislaturas, municipalidades 
e governadores coloniaes. Regulamentos a bem da 
tranquilidade publica, repressão de vagabundos, fis- 
calisação das habitações dos emancipados, do seu ves- 
tuário, alimento e cuidados médicos, g»i*aduação das 
horas de trabalho e repouso, forma e condições dos 
resgatas, etc , ficaram dependentes do estudo e deli- 
beração dos poderes locaes. 

Falíamos em regulamentos : cumpre não exagerar a 
sua importância. O alcance delles deve ãfi ser rigo- 
rosamente policial, não económico ; manter a ordem, 
não dirigir a actividade e industria dos libertos. Sub- 
stituir a escravidão pelo trabalho forçado, tem sido 
causa de amargas decepções e de sanguinolentas des- 
ordens. No erro desses vexames incorreu o governo 
francez S que opprime severamente os emancipados, 
emquanto os Estados -Unidos dá-lhe o exemplo de ci- 
vilisal-os pela instrucção. Si alguns dos estados do 
Sulquizeram entrar nesse caminho tortuoso, deteve-os 
a energia do Congresso revogando os actos contrários 
á igualdade civil assegurada aos libertos, a quem 
uma emenda constitucional acaba de garantií o pleno 
gozo dos direitos politicos. 

* Memoria do Sr. Schoelcher annexa ao Report of the anti-slavery confe- 
rence, celebrada em Pariz no anno de 1867. 


INTERESSSS PROYINCIABS 273 

NSo esqueçam nossas províncias este facto eloquen- 
te: para fazerem do escravo um homem, os anglo- 
americanos não o submettem ao tirocínio de escusa- 
do» vexames ; fazem-no passar pela escola. O mundo 
jamais assistiu a uma tal revolução, na mesma so- 
ciedade, em meia dúzia de annos. 

A escola para todos, para o filho do negro, para o 
próprio negro adulto, eis tudo ! Emancipar e instruir, 
são duas operaçOes intimamente ligadas. Onde quer 
que, proclam^a a liberdade, o poder viu com indiffe- 
rença vegetarem os emancipados na ignorância an- 
terior, a abolição, como nas colónias francezas, não 
foi mais que o contentamento de vaidades philan tró- 
picas, não foi a rehabilitação de uma raça. « A abolição 
da escravidão e o estabelecimento da liberdade não 
sSo uma e a mesma cousa. » ^ 

Nos Estados-Unidos souberam os radicaes resolver 
o problema da maneira mais completa. Que perseve- 
rança ! que estrondosos resultados I Desde o segundo 
aimodaguerra (1862) os generaes do Norte começaram 
a crear nos acampamentos escolas regimentaes para os 
negros apprehendidos ao Sul ou refugiados. Concluída 
a guerra, contavam-se 40,000 libertos que frequenta- 
ram taes escolas,onde aprenderam a ler e escrever. Logo 
sahiram a campo as communhSes religiosas e uma po- 
derosa associação leiga ( Freedman's Union ), auxi- 
liadas depois pela repartição dos libertos (Freeâman^s 

' Relatório da American Freedman*s Union, annexo ao citado « Report of 
the aQti-slavery conference», p. 79. 

A PROV. 35 


274 PARTK TERCEIRA 

bureau). Choveram então, com a liberalidade que ali sôe 
ostentar-se , os donativos particulares de milhares e 
milhões de dollars : Peabody envia dons milhões para 
as escolas do Sul, e não foi o primeiro, nem o único 
a fornecer sommas enormes. O congresso seguiu logo 
o exemplo dado pelo povo. Na Europa subscrevem-se 
igualmente grossas quantias. As damas americanas 
j)artem para o Sul, e vão preencher a falta de profes- 
èoifés. Ko começo, diz um relatório oficial, a incre- 
dulidade era geral, até no Norte: passava por axioma 
a iíicápàcídade do negro. Explosões mortiferas, vio- 
lentas represálias do ódio dos antigos senhores, 
pòfèm em risco a grande empreza: algumas escolas 
àãò incendiadas e Os professores perseguidos. A som- 
bra de uma arvore, ou algum pardieiro, era, muita 
vez, o abrigo do mestre e dos discipulos-. faltavam 
livros, faltavam titensis, faltava tudo. Pois bem I em 
1867, escrevendo o relatório com que terminou a sua 
missão fi Freeãman^s bureau, seu presidente assegu- 
rava que nada mais receiasse o congresso ; o impulso 
estava dado ; os poderes locaes e as associações cum- 
priam brilhantemente o seu dever ; funccionavam no 
Sul 2,207 escolas, com 2,442 professores e 130,735 
alumnos de cor. O congresso applicára no ultimo anuo 
mais de 7,000 contos a essas escolas para os negros *. 
Extincta a repartição que tão admiravelmente diri- 
gira o general Howard, o movimento continuou, toda- 
via, em escala ascendente. 4,000 escolas e 300,000 

* Anti Mavery -repórter do 1- de janeiro de 1868 ; p. 19. 


INTERJBSSB3 PBQy][NC][ABS 2^3^ 

alumnos já se contavam enx 1869: pouco f^lt?- jwgiw 
que a freíjuencia escojlar dos meninos de cor çeja ig,ual 
á dos brancos. Grande iiuinero dos profe^opes eraqi 
homens de côr. Os ^ntigos libertos sustentavam á sua 
custa 1,200 escolas. No t(jtal de 4,000 inçluiam-se 
escolas mixtas da infância, escolas de adultos, escolas 
nopmaes, industriaes e agrícolas, e çité profi^sipnaes 
das artes domesticas par.a as raparigas, ^ãp, como a? 
das brancos , instituiçSes de todos os graus : ci- 
ta-se em WasJiington uma high-sckool frequentada por 
400 alumnos de ambos os sexos, estabelecimento igual 
aos melhores da America, ojide as negrinhas estudam 
álgebra e outras disciplinas, historia e litteratura. 
Refere um viajante que, nocoU^gio Oberlin, assistira, 
entre outros exercicioç, átraducção de , um capitulo ^dç 
Thucydides por uma moça de côr *. 

Queria-se fazer do negro uma casta á parte, subme- 
tel-o a trabalho forçado ouexpatrial-o. Leis jie alguns 
estados os excluíram dos direitos commuijs: nepiâu- 
rado, nem testemunha qontr^. .br^aPOQ» JíiQS ^ra p^r- 
mittido : armas de fogo foram-lhes ínteídicífts. JpljiitQS 
severos contra a ociosidade, ,çom exceçsivp,^ m,ult?is, 
pçrmittíndo até a v^nda dos ^erviçò3 do .l^ib^rtp ,por 
tempo limitado até satisfazer a ipiportançia d^ pena, 
vexadpres regulamentos, prohibição do exerciçio de 
certas industrias, imposição de açoites, tudo isso se 
decretou em nome da ordem publica ou antes para con- 
verter o escravo em servo da gleba : mas tudo desa- 

^ Jiévue des deux mondas 1 15 de setembro de 1869^ 


276 PARTE TERCEIRA 

pareceu diante da energia do Congresso, que, con- 
fiando DO interesse, na intelligencia, no amor-proprio 
do liberto, transformou-o em cidadão. E eis os resul- 
tados sociaes : já os libertos reservam parte de seus 
salários, que recolhem em.numerosas caixas econó- 
micas, fundam sociedades de temperança, cream e re- 
digem jornaes, e, finalmente, associam-se, para o 
cultivo das terras, com os antigos senhores, ou for- 
mam sociedades cooperativas para a exploração de 
propriedades que compraram com o prodlicto das suas 
economias. E são passados apenas cinco annos ! 

Si a interessantíssima republica federal da Libéria 
e a colónia ingleza de Serra-Leôa não houvessem já 
attestado o grau a que pôde attingir, em seu des- 
involvimento moral, a raça negra, bastara o inaudito 
exemplo do sul dos Estados-Unidos para persuadir-aos 
mais incrédulos e aviventar a fé dos que jamais du- 
vidaram da igualdade humana. * 

Eil-o, portanto, assaz indicado o alvo dos nossos 
esforços : emancipemos e eduquemos. A despeza que 
com isso fizermos, civilisaudo infelizes compatriotas, 
é muito mais efficaz para o nosso progresso do que a 
difficil importação de alguns milhares deimmigrantes. 

Desde já, sem perda de tempo, multipliquem as pro- 
víncias boas escolas e bons professores ; paguem os 
senhores a taxa escolar por cada um de seus escravos, 
exceptuado somente aquelle fazendeiro que mantiver 

1 Quanto á Libéria, vede o relatório do respectivo secretario de estado^ 
Johnson (negro), enviado á conferencia abolicionista de Pariz: Report clt., 
p. 107. 


INTERESSES PROVINCIÀES 277 

uma escola primaria para seus filhos e os filhos de seus 
fâmulos e captivos ; exija-se que cada graude pro- 
prietário, de cem escravos para cima, sustente uma 
á sua custa. Fique sem demora abolido de nos- 
sos regulamentos o barbartai principio que expelle o es- 
cravo das escolas, triste plagio de uma das vergonhas 
dos Estados-Unidos antes da emancipação. Em summa, 
já felizmente coadjtivadas nisto pela tolerância e Ín- 
dole brazileiras, não permittam as provincias aulas 
separadas para os individues de cada raça, mas reu- 
nam-os todos em estabelecimentos communs, na- 
cionaes, sem distincçâo de origem ou cor. Si formi- 
dáveis prejuízos ainda obrigam os norte-americanos a 
respeitar essa odiosa distincçâo, o Brazil, pelo contra- 
rio, respeita e pratica o principio da igualdade abso- 
luta das raças : e é por isso também que a solução do 
problema servil será aqui muito menos grave que em 
parte alguma do mundo *. 


^ Em varias colónias européas a população livre era mui inferior á escra- 
va ; em algumas pouco superior. Ahi pareciam mais fundados os receios de 
ruína geral e prolongada depois da abolição, o que aliás não verificou-se 
sioão em escala menor e durante curto período. Também no sul dos Estados- 
Unidos se agitaram os mesmos temores ; um quinquénio bastou para o seu 
restabelecimento ; a producção de próprio algodão é boje apenas um terço ; 
inferior na quantidade á maior do periodo precedente, e igual no valor. A 
riqueza, porém, 6, no todo, igual, sinão maior ; a nação ganhou mais 4 mi- 
lhões de productores e consumidores. No Brazil, o resultado definitivo será 
idêntico. Demais, achamo-nos em mais felizes condições que os Estados-Uni- 
dos. Lá a transformação económica operou -se subitamente atravéz do incên- 
dio da guerra civil , aqui, não se deve temer tamanha desgraça : lá, a es- 
cravidão estava concentrada . em uma área relativamente pequena; aqui, 
acha-se disseminada por vasta superficie: lá, contavam-se 4 milhões de 
escravos em 12 milhões de habitantes ; aqui, talvez menos de 9 (alguns sup- 


278 PARTE TERCEIRA 

Deem-nos estradas que diminuam os gastas de pro- 
ducção, policia que garanta a vida e a propriedade sem 
vexar o trabalhador, escolas que elevem o nivel moral 
do branco e do negTo e preparem o melhoramento dos 
processos agrícolas ; e o Bra,^il entrará suavemente no 
período dos seus grandes destinos. 

Estradas, policia, escolas : antes, durante e depois 
da abolição, eis tudo, eis a missão das provincias. A 
ellas imploramos que se apressem a cumprir o seu 
dever. Si o não fizerem, é fora de duvida que o não fará 
tão cedo o regimen imperial, pois não se decidirá fa- 
cilmente a alienar o apoio dos grandes proprietários do 
centro do império. Esperar que elle se resolva a acom- 
metter de frente a escravidão, é esperar que suicide-se. 

Meditem os brazileiros sobre a sua posição neste 
continente : ao norte, florescem os Estados-Unidos que 
antes de um século contarão 250 milhões de habitantes 
verdadeiramente livres ; ao sul o Rio da Prata, no pro- 
gresso que leva, poderá, graças á immigração, contar 
brevemente população, livre e branca,igual á nossa ; e, 
para fechar o bloqueio moral de que fallava o Sr. La- 
boulaye, de todos os lados o mundo inteiro nos ex- 
probra a escravidão. Cumpre a todo o custo romper 
este circulo de fogo, que nos afronta e suffoca. 

Que a experiência alheia conforte os nossos conci- 
dadãos. Não é tão grave, como se cuida, o problema 


põem 1 6 meio) em 10 milhões. Nossa desvantagem, e confessamos que é 
enorme, consiste na falta de rias de transporte, que no próprio sul dos Es- 
tados-Unidos abundavam. Nada pôde escusar, portanto, a negligencia que 
nisto continuamos a ostentar, 


INTERESSES PROVINCIAES 279 

servil, «o mal que a emancipação produziu, nota um 
escriptor, reduziu-se á ruina incontestável de um certo 
numero de proprietários, ao passageiro e inevitável 
soffrimento de todos. » * ^quaes foi*am os arruinados? 
todos os que não quizeram acommodar-se ás exigên- 
cias do novo systema de trabalho, que não tiveram 
previdência nem ordem, ou a quem o ódio cegou, ou o 
desanimo lançou na impotência. Os que foram leaes 
em seus ajustes, moderados em suas esperanças, per- 
severantes na economia, e calmos encararam uma tran- 
sitória diminuição dos seus lucros, viram, mais tarde, 
ao influxo do trabalho livre reforçado pela escola, ele- 
var-se e fixar-se o valor da propriedade, tornar-se-lhes 
o credito accessivel, e menos melancholica a vida do 
campo abençoado pela liberdade. 

^Aholition de Vesclavage pelo Sr. Cochia ; vol. I, pag. 451. 


INTERESSES PROYINCIAM 281 


CAPITULO III 


ASSOCIAÇÕES 

ViVemos em paiz onde, isolados pelas distancias e 
tolliidos pela ignorância, os habitantes sentem toda a 
extensão da sua fraqueza : aqui, poderoso é só o go- 
verno. Mais do que em parte alguma, no Brazil cum- 
pria remover todos os empecilhos á reunião de capi- 
tães e esforços para um fimcommum. 

Em principios oppostos funda-se a legislação que 
modernamente imitámos : adversa ao espirito de as- 
sociação, que reputa perigoso, ella estima o individuo 
isolado diante do poder formidável. A intenção do 
legislador de 1834 era abandonar a formação e exis- 
tência das sociedades ao livre arbitrio dos cidadãos : 
tal seria, sem duvida, o resultado definitivo do acto 
addicional na parte em que, a exemplo das constitui- 
ções norte-americanas, confiou ás assembléas a facul- 
dade de legislarem sobre associações formadas nas 
provincias. Isto, de certo, não offereceria jamais os in- 
convenientes da actual concentração no Rio de Janeiro, 
do direito de approvar ou recusar a incorporação de 
companhias. 

Adiante veremos (cap. V, § 1) as consequências de 
tão pernicioso systema applicado a melhoramentos ma- 
teriaes : aqui basta recordar o que todos os pretendentes 

A PROV. 36 


282 PARTE TERCEIRA 

sabem e lamentam, as dependências da capital, as de- 
longas das suas repartições, as despezas forçadas e 
desnecessárias, o lento processo perante o conselho de 
estado, o habito burocrático de emendar e reprovar, a 
papelada, os mezes e annos consumidos em diligencias 
ás vezes infructiferas, os coiiflictos de competência e os 
recei s que frequentemente inspiram os projectos das 
províncias á timidez do governo central. Acaso não 
existe já entre os brazileiros a crença de que a incor- 
poração de sociedades é graça especial do governo ? 
não é também essa tutela do Estado um dos instru- 
mentos de corrupção? Assim fortaleceu-se o poder, 
que assombra a nação. Como restaurar a liberdade 
conservando esse tecido de dependências e influencias 
administrativas, elaborado atravéz de tantos annos ? 
Como fundar seriamente, sobre as ruinas do absolu- 
tismo, um regimen duradouro, sem restringir o poder 
ao seu papel essencial, cortando sem piedade todas 
as excrescências? 

Tradição do despotismo, ó anaclironico o ciumo e 
temor das companhias. Licença, autorisação ou di^ 
ploma para que individues e capitães se congreguem, 
são exigências que restringem e podem aniquilar a 
liberdade do cidadão. Tale, entretanto, o systema pre- 
ventivo de muitas das legislações contemporâneas. 

Combatel-o, caminhar para o seu completo repudio, 
é missão dos reformadores em toda a parte do mundo. 
Proclamando a descentralisação entre os seus priu- 
cipios fundamentaes, o Centro Liberal indicou, como 
corolários, a necessidade de — garantir o direito e pro- 


INTERESSES PROVINCIAES 283 

mover O exercício da iniciativa individual, de animar e 
fortalecer o espirito de associação, de restringir a in- 
terferência da autoridade, e conceder a maior liberdade 
em matéria de commercio e industria. Um rápido es- 
boço do regimen das associações no Brazil mostrará 
com quanta sabedoria se inscreveram naquelle pro- 
grama esses bellos principies. 

O regimen das sociedades anonymas instituido pela 
legislação de 1860 contém uma dupla violência : ao di- 
reito de reunião e ás franquezas provinciaes. 

Nenhuma sociedade anonymapóde constituir-se sem 
licença, e esta licença é sujeita a formalidades vexa- 
doras : tal é a primeira violência. 

O respeito com que o código criminal (art. 282) tra- 
tara as próprias sociedades secretas, das quaes exige 
somente simples communicação á policia e não licença, 
o expresso reconhecimento da legitimidade de todas as 
sociedades e reuniões publicas \ a indole do nosso sys- 
tema constitucional, debalde se invocaram para emba- 
raçar essa leviana e tristíssima imitação dos regula- 
mentos de Napoleão III. 

Trez autoridades foram investidas do direito de li- 
cença : a assembléa geral, quanto a bancos de cir- 
culação e companhias de estradas de ferro e canaes, que 
servirem a mais de uma província ; o poder executivo, 
quanto a todas as companhias anonymas,sem distincção 
de provinciaes ou não ; e os presidentes, como delegados 
delle, quanto a monte-pios, sociedades de soccorro^ 

^ V. pags. 230eS3t. 


284 PARtE TERCEIRA 

mútuos, de beneficência, scientificas e litterarias, e 
ordens religiosas, que se fundarem nas provincias. 

Fora preciso escrever longas paginas para indicar 
cada um dos excessos, para expor os vexames dessa re- 
" gulamentação minuciosíssima. A sua parte bancaria e 
económica assenta em exagerado ou falso conceito da 
omnipotência do Estado, das vantagens de sua fisca- 
lisação sobre os capitães associados, da necessidade de 
sua tutela. A sua regulamentação das diversas com- 
panhias, porém, revela melhor o espirito absolutista da 
reacção conservadora. Basta referir que o decreto de 19 
de dezembro de 1860 expressamente declara (artigo 9) 
que o prévio exame dos requerimentos para a incor- 
poração de bancos « versará sobre os seguintes pontos : 
si o objecto ou flm da sociedade ó licito e de utilidade 
publica ; si a creação pedida é opportuna e de êxito 
provável ; si o capital marcado nos estatutos ó bas- 
tante para o objecto da empreza. » E nas demais so- 
ciedades, diz o artigo 27, também se examinará « si o 
fim social é contrario aos bons costumes. » Tudo isto 
involve o mais largo arbitrio para o poder executivo. 

Em 1866 tentara um illustre ex-ministro da justiça 
desaggravar o direito de associação : para promover o 
espirito de empreza e a iniciativa individual, elle pro- 
punha a creação das sociedades limitadaSy não depen- 
dentes das exigências da lei de 1860. Privou-nos de tão 
útil reforma o adiamento, esse expediente com que no 
Brazil se evita o incommodo do estudo. Prolongando- 
se o sofirimento, mais imperiosa tornou-sc a opinião : 
hoje, para corresponder-lhe, cumpre pelo menos repor 


INTERESSES PROVINCIAES 285 

as cousas no estado anterior á legislação de 1860 ; 
cumpre emancipar os brazileiros da dependência das 
repartições publicas, da tutela do governo central. 

Para ser fiel á índole das nossas instituições po- 
liticas , a reforma havia ser dominada por dous 
principies cardeaes : repellir o systema preventivo 
sobre associações de qualquer natureza, e transferir aos 
poderes provinciaes, em alguns casos, funcções que a 
lei de 1860 centralisou quasi todas no poder executivo 
enaassembléa geral. Consideremos esta parte especial 
do assumpto. 

Notemos, primeiramente, que, quanto aos bancos, 
fora preciso rejeitar o preceito da lei de 1860, segundo o 
qual dependem de acto do parlamento todos os de cir- 
culação. Quaesquer que sejam as suas operações, uma 
vez que se circunscrevam a uma só província, os ban- 
cos seriam, em nosso intender, incorporados por lei 
dessa província e na forma que ella prescrevesse. 
Quando muito, a respeito dos de circulação, uma lei 
geral marcasse as rogras essenciaes de sua organisação, 
sem esquecer a prohibição de bancos privilegiados, 
monopólio dos mais funestos em paizes novos, sem in- 
dustria e sem credito que as fomente. 

Compreliende-se quanto promoveria a prosperidade 
nacional a liberdade bancaria assim intendida e aug- 
mentada pela descentralisação *. Em paiz sem escolas, 

^ Fm 1839, 41 e 47, as assembléas proYÍncides do Ceará, Maranhão e Bahia 
votaram leis creando bancos de emissão. 

Em 1840 o senador Vergueiro oíFereceu na assembléa provincial de S. Paulo, 
(jLie adoplou-o, um projecto para o mesmo lim. 


286 PARTE TERCEIRA 

sem bancos, sem nada que facilite a vida e adiante o 
progresso, a reforma bancaria, sobre a base da liber- 
dade completa, apenas regulada por leis provinciaes, 
é, sem dúvida, das mais urgentes medidas económicas. 
Custa crer que se julgasse sábia a politica da res- 
triccão artificial do credito em paiztal, semsufficiente 
industria e capitães fluctuantes, onde por isso mesmo 
elle é já limitadissimo ; e que os adversários da pre- 
tendida desordem financeira proveniente da multi- 
plicidade dos bancos, não empregassem o mesmo zelo 
em combater o monopólio do credito exercido por um 
banco único para o império inteiro, 'que o distribuia 
da maneira mais imperfeita e com a maior desigual- 
dade, e nem logrou evitar a própria ruina apezar de 
grandes privilégios e constantes favores. 

Todas as demais sociedades, cujas operaçSes ou 
cujos fins se limitem a uma provincia, fiquem igual- 
mente sob as leis provinciaes, leis que devem de ins- 
pirar-se no espirito liberal, abolindo as pêas da le- 
gislação de 1860. 

Grande violência, em verdade, foi preciso fazer ao 
acto addicional para transferir ao governo supremo as 
attribuiçSes que está exercendo relativamente a asso- 
ciações formadas nas provincias. A tendência centra" 
lisadora, neste sentido, manifestou-se ainda no re- 
cente decreto de 20 de agosto de 1864. Passando do 

Ainda em 1860, a do Rio Grande do Norte mandava incorporar um banco 
rural e hypothecario. 

A todos esses projectos, escusado é dízel-o, oppoz o governo central a mais 
decidida resistência. Nenhum prevaleceu. 


INTERESSES PROVINCIAKS f 287 

poder legislativo para o executivo a concessão de 
certas dispensas nas leis de desamortisaçáo, a bem da 
brevidade no expediente destes negócios, aquelle de- 
creto deixou continuar um vexame que exige remédio. 
Pois que I de qualquer ponto do império hão de as 
corporações carecidas de taes dispensas enviar ao go- 
verno imperial os seus requerimentos? E' uma cen- 
tralisacão manifestamente contraria ao art. 10, 8 10, 
do acto addicional. Ás assembléas provinciaes deve 
pertencer integralmente a faculdade de velar na guarda 
das leis de mão-morta e de expedir as dispensas 
razoáveis. 

As licenças a sociedades que não forem ordens re- 
gulares, para possuirem e administrarem bens de raiz, 
não offerecem os inconvenientes de outr'ora. A lei deve 
modificar-se com o espirito e as necessidades do século. 
Corporações que fundam hospitaes, que abrem escolas 
e idênticos estabelecimentos, não devem carecer do li- 
cença alguma para adquirirem, conservarem e dis- 
porem de bens immoveis. Nestas bases liberaes deve- 
riam assentar as leis de cada provincia, quando lhes 
fosse devolvida a jurisdicção sobre estas matérias. E' 
mister, com effeito, que ellas não restrinjam então o 
direito de reunião e a liberdade religiosa. Limitem-se a 
regular a forma da incorporação, fugindo de julgar do 
fim das associações, dos seus meios, da sua organisação 
e estatutos. Façam que o acto de incorporação não seja 
mais que um registro, para dar reconhecimento pu- 
blico á sociedade e habilitai a a funccionar como pessoa 
jurídica. 


288 PARTE TERCEIRA 

Ainda mais : si a associação, seja civil, commercial, 
politica ou religiosa, funccionar apenas dentro de um 
só municipio, faça-se a sua incorporação perante a ca- 
mará municipal. Desta sorte, os compromissos de ir- 
mandades, muitas das quaes são sociedades meramente 
parochiaes, não dependeriam do processo actual pe- 
rante as assembléas. Melhor fora nada exigir dessas 
reuniões de fieis, qualquer que o seu culto seja. 

Professando estes principies, cumpre-nos, entre- 
tanto, declarar que ainda sentimos a necessidade de 
deixar a sociedade civil armada contra as ordens re- 
gulares em geral. E' assim que, em nosso intender, 
deveriam ser absolutamente excluídos do favor da dis- 
pensa nas leis de desamortisação os claustros e quaes- 
quer conventos de reclusos ; pois são estas instituições 
suspeitas á liberdade e perniciosas ao progresso 
das nações. 

Certamente, um dos mais bellos principies da civi- 
lisação é aquelle que Jules Simon, rectificando a for- 
mula de Cavour, exprimiu nesta sentença que percorre 
o mundo : « Igrejas livres no Estado livre.» Insurje-se 
contra elle o ultramontanismo fanático ; mas não ba 
mais solemne confissão da liberdade, que em vão reclama 
o catholicismo romano sob a forma odiosa de um privi- 
legio exclusivo. Entretanto, perguntamos: emquanto 
a liberdade para todos não for garantida pela legislação 
daquelles mesmos paizes cujas constituições a pro- 
mettem em these ; emquanto subsistir o privilegio do 
catholico para o exercicio de certos cargos políticos e 
até do magistério ; emquanto se exigir o juramento 


INTERESSES PROVINCIAES 289 

religioso, mesmo na collaçâo de graus seientificos ; 
emquahto o culto catholico for o único publico, man- 
tido e largamente auxiliado pelo Estado, e os outros 
apenas tolerados em suas práticas domesticas ; em 
quanto se não reconhecer a validade do casamento 
civil, nem se admittir a plena liberdade de ensino ; em- 
quanto, naphrase deE. Picard, o Estado não for livre, 
ha de sel-o somente a Igreja? Beneplácito, investidura 
nos benefícios, recurso á coroa ou antes aos tribunaes 
seculares, leis de mão-morta, inspecção do ensino 
eclesiástico, devem de vigorar emquanto prevalecerem 
os privilégios do catholicísmo, tão odiosos á liberdade 
e tão oppostos ao progresso da nação. Extinguir os 
direitos do padroado sem abolir os privilégios exclu- 
sivos da igreja dominante, é perigoso e impolitico. Não 
é a sociedade civil que condemnao direito commum, 
é a Igreja que repelle-o. Quer o catholicismo alcançar 
aqui a independência dos séculos primitivos, a inde- 
pendência de que goza nos Estados-Unidos? deixe 
consumar-se em paz a obrada liberdade religiosa. A 
imaginação antecipa o dia em que a liberdade será 
igualmente effectiva para todos : mas, quando troveja o 
Vaticano, volcão da intolerância, aconselha a prudência 
que o Estado se não desarme diante da anachronica 
restauração do regimen theocr atiço. 


A PROV. 37 


INTERESSftS PEOVINCIAES 291 


CAPITULO IV 


IMMIGRAÇÃO 

A's asseinbléas conferiu o acto addicional a facul- 
dade de promoverem, cumulativamente côm os pode- 
res geraes, o estabelecimento de colónias. (Art. 11 § 
5'.) Não involve isto, para o poder provincial, as at- 
tribuições de possuir e administrar terras apropriadas 
áquelle fim, e de introduzir immigrantes ? Certamen- 
te. Ambas as attribuiçoes, poréna, tem o governo im- 
perial exercido quasi exclusivamente. Fiel ao seu 
programa politico, o conselho de estado ba sempre 
suggerido, neste assumpto, expedientes que de facto 
aniquilam a faculdade deixada ás províncias. Em 
alguns casos diz elle : está prevenida a matéria por 
acto do governo geral, e não podem as provindas al- 
teral-o; — em outros declara que, si não existe ainda 
providencia do mesmo governo, cumpre esperal-a. Já 
o vimos até propor a revogação de leis provinciaes 
que favoreciam a introducção de emigrantes, serviço 
aliás cumulativo dos dous poderes, conforme o acto 
addicional. Felizmente, a escola centralisadora parece 
ter renunciado a tão atrevidas pretenções. 

Nos Bstados-Unidos a acção do governo federal li- 
mita-se exclusivameiíte ao cadastro, administração e 
venda das terras nacionaes ; é cada estado que por 


292 PABTB TERCEIRA 

seus agentes promove e adquire im migrantes, como 
permitte a letra da constituição (art. 1** sec. 9'§1'*). 
Nisto não intervém o governo federal ; mas, por outro 
lado, a sua enorme tarefa é desempenhada com um 
zelo e esforço dignos da grande republica. 

Imite-se este sábio exemplo : descreva-se a esphera 
de cada tim dos poderes geral e provincial, para que 
se desembarace a acção de ambos. Da divisão do tra- 
balho resultaria proveito maior, que da confusa con- 
currencia actual. Estamos persuadido de que uma 
das mais poderosas causas do naufrágio de tantas ten- 
tativas de immigração tem sido a louca pretenção de 
se dirigir do Rio de Janeiro as complexas operações 
de um serviço disseminado por tão vasto paiz. 

Ouve-se geralmente no Brazil condemnar nesta 
matéria a acção do governo, que aliás se empregou 
efficazmente e ainda subsiste com vantagem na Aus- 
trália, no Canadá e no Rio da Prata. Não é duvidosa 
para ninguém a superioridade da iniciativa indivi- 
dual; a ella se prefira tudo : mas que fazer onde não 
existe ? onde leis, instituições, hábitos do povo, sys- 
tema de governo, a proscreveram ou amesquinharam ? 
Neste caso, valha ao menos a intervenção official, 
promova ella a povoação do paiz, que os particulares 
não promovem. Mas, diz-se, a colonisação official tem- 
se celebrisado aqui por estrondosas decepções somente. 
Sem dúvida : quanto a nós, porém, seus desastres, sua 
impotência, sua desconsideração se explicam pela 
oentralisação. Este péssimo methodo administrativo 
não podia deixar de exercer nesta matéria a pcrnicio- 


INTERESSES PROVINCIÁBS 293 

sa influencia, que o acompanha em tudo o mais. Com 
effeito, basta considerar a sorte de um núcleo de colo- 
nos estabelecido em província longinqua e dependente, 
não das autoridades dessa província, mas do ministro 
das obras publicas na corte. A menor questão assu- 
me logo o caracter de gravidade. As distancias, a falta 
de communicações regulares, augmentapa os inconve- 
nientes de pequenos negooios tratados por via de cor- 
respondência. E* mister construir uma capella ou 
abrir um caminho ? GOâieça a papelada, repetem-se 
informações, vão e vem os documentos, enchem-se as 
pastas, passam os annos, e os colonos desesperam, e 
o núcleo, creado sob os melhores auspicies, pára, ou 
definha, ou dissolve-se. Quantas vezos foi retardado 
pormezes, por annos, o pagamento de contas insigni- 
ficanteSj até de salários de trabalhadores, ou a au- 
to risaçãò de despeza urgente ! 

Si não existisse, não se coraprehenderia a possibi- 
lidade de tal systema administrativo, que faz depen- 
dentes do longinquo governo supremo a ordem para 
romper-se uma picada, medir-se um território colonial, 
construir-se uma ponte, uma igreja, uma escola. Eis 
ahi o que exagerou os inconvenientes, que alias sem- 
pre resultam da intervenção official em interesses ma- 
teriaes. 

Não encarecemos, intenda-se bem, a idéa que pre- 
sidiu á formação dos núcleos coloniaes. E* antiga 
nossa opinião a tal respeito. Desejáramos, pelo con- 
trario, que todos pudessem volver ao direito commum, 
sobretudo quando esse direito commum for a liber- 


294 PÁRTB TERCEIRA 

dade, — a liberdade municipal inteira, como já a des- 
crevemos *. Restabelecida a competência das assem- 
bléas sobre a organisa^.ão das instituições locaes, fácil 
lhes fora dar a cada núcleo de immigrantes os regula- 
mentos policiaes e administrativos, que elles mesmos 
requeressem. Não ha outra solução para taes estabe- 
lecimentos, e hade sempre ser perniciosa, insuficiente 
, ou oppressora qualquer organisação-modelo que se lhes 
envie do Rio de Janeiro. A.bandonemos, ao menos 
quanto a estas sociedades originaes do Velho Mundo 
no Mundo Novo, a preoccupacão de um systema uni- 
forme de governo, principalmente quando vasado no 
typo militar das colónias da Argélia, sem represen- 
tação do povo, sem autoridades electivas, sem auto- 
nomia alguma. Abandonemos a pretenção de adivi- 
nhar, no retiro de um gabinete, os interesses pecu- 
liares de localidades tão distinctas e tão differentes, e 
de impôr-lhes um mecanismo administrativo qualquer 
sem audiência delias. 

Isto assaz demonstra o alcance e a benéfica influen- 
cia da reforma descentralisadora sobre o desinvolvi- 
mento da immigração. Uma depende directamente 
da outra. 

Definir a competência dos dous poderes era, por- 
tanto, o que se devera fazer na occasião em que regu- 
lou-se o serviço das terras publicas. Qual seria propria- 
mente a missão de cada um delles ? 

Agencias, meios de propagandaj-^ngaj amento, aes- 
pezas de transporte, distribuição e estabelecimento 

* Ptrte II, cap. IV ; pp. 146, nota ; 154 e segs. 


INTERESSES PROVINCIAES 295 

dos iramigrantes, auxílios nos portos, hospícios espe- 
ciaes, regimen e serviço das colónias existentes, de- 
veriam ser inteiramente incumbidos án províncias. 
A' administração local passariam ,as colónias que 
o governo ainda subvenciona ou dirige, emquanto 
subsistisse tal systema, alias de vantagem mui pro- 
blemática. Certamente, a algumas províncias falle- 
ceriam recursos para tanto; e neste caso se compre- 
hende que o poder geral, sem encarregar-se do ser- 
viço delias, auxiliasse, entretanto, os seus cofres: por 
ora, três careceriaín de subsídios para tal fim *. 

Mas, sempre que se offerecesse opportunídade de 
attrahir ao Brazil uma corrente de úteis ímmigrantes, 
expellídos de sua pátria pela miséria, pela guerra ou 
pela tyrania, nào devera o governo imperial hesitar em 
provocal-a, applicando a agencias, propaganda, enga- 
jamento e transporte, recursos, mais consideráveis e 
efficazes que os das províncias. Exceptuada esta hy- 
pothese, porém, assentemos, como regra, que cada 
província é mais idónea que a administração central 
para promover, introduzir e auxiliar o estabelecimento 
de immigranteá. A parte activa, neste tão vasto e 
complicado serviço, nós devolveríamos inteira aos 
poderes locaes, aos seus órgãos, ás associações for- 
madas nas cidades ou nos campos, ás emprezas de es- 
tradas de ferro, a esses variados agentes que a des- 
centralisação e a liberdade fazem surgir por incauto 
do seio de uma nação nova. 


1 Esplríto-Santo, Paraná, Santa Catharina : Oap. VI, g 7. 


'296 PARTK TERCEIRA 

No porto do Rio de Janeiro desembarca a maior 
parte dos estrangeiros destinados ao Brazil : ahi é 
incontestável a competência do governo supremo, 
emquanto esta cidade for a capital do Estado. Forne- 
cer á agencia creada no municipio neutro mais abun- 
dantes meios de esclarecimentos e auxilies aos estran- 
geiros, montar devidamente o seu hospicio, habili- 
tal-a para vencer a concurrencia de iguaes agencias 
de Buenos- Ayres e Rozario, é cousa em que só he- 
sitar podem administrações rotineiras. 

Não pequena tarefa p-inda ficaíla ao governo central, 
si quizesse desempenbal-a com esforço digno de tão 
urgente necessidade pública. Só o serviço da descri- 
minação das terras nacionaes e sua demarcação, hoje 
desprezado e quasi dissolvido, quanta perseverança e 
despeza não demandaria! Está elle em embryão, posto 
que tenham já decorrido ISannos depois do seu regu- 
lamento. Concentre-se a attenção do governo nisto, e 
promova eficazmente o movimento no exterior, quando 
seoffereça alguma feliz opportunidade: o mais devolva 
ás provindas. Cumpra elle o seu dever ; o resto irá 
por si mesmo, e irá melhor. 

Cumpra o seu dever, dizemos, e, por começar,muito 
lhe incumbe fazer desde já na esphera legislativa. Ca- 
samento civil para todos que não queiram ou não pos- 
sam alcançar a solemnidade do acto religioso, garan- 
tias da liberdade de consciência, eliminada a desigual- 
dade politica dos cultos, naturalisação facilitada, re- 
forma da lei de locação de serviços, reducção dog pre- 
ços das terras e sua concessão gratuita em certos casos. 


INTERESSES PROVINCIAES 297 

portos coloniaes franqueados ao commercio directo, li- 
vre navegação costeira, abertura de grandes vias ter- 
restres e fluviaes, emancipação da escravatura, e, em 
summa, leves impostos de consummo, pois os actuaes 
exageram o custo de todas as commodidades da vida : 
eis, entre outras, as medidas de que muito depende o 
futuro da immigração parao Brazil. Ajuntai aos gra- 
ves inconvenientes, que ellas removeriam, a influencia 
geral das nossas instituições e o peso da centralisação 
que nos esmaga: deve acaso maravilhar-nos a prefe- 
rencia que os emigrantes dão aos Estados-Unidos, ao 
Canadá, á Republica Argentina e á Austrália ? 

Em vez de promover as reformas indicadas, recen- 
temente lembrára-se um ministro de renovar a im- 
portação de coolies. Fornecer braços á lavoura é o 
pretexto com que se invoca a intervenção do governo 
para tal fim. Condemnemos, vivamente condemne- 
mos, este desvio da opinião mal esclarescida : não é 
essa a immigração que carecemos. Estéril para o 
augmento da população, dispendiosa, barbara como 
o próprio traflco de negros, ella é acompanhada de 
um triste cortejo de immoralidades. As colónias fran- 
cezas, hespanholas e inglezas teem de sobra expiado 
o erro de importarem indios e chins * : não nos apro- 
veitará a sua longa experiência? A indignação do 
inundo persegue este novo traflco : havemos afron- 

^ VáhoVifion de VescUwage, pelo Sr. Cochin ; vol. U, livro I, cap. ít ; 
livro U, cap. 3.o — Quanto a Cuba e Jamaica, leem-se tristes narrações 
dos resultados da importação de coolies no citado Report da conferencia 
al>olicionista de 1867, pp. 71 e 1S7. 

A PROV. 38 


298 PARTE TERCBIKA 

tal-a? Demais, si vamos emancipar o escravo, cum- 
prindo um dever de humanidade, como é que oppo- 
romos ao trabalhador liberto o trabalhador asiático, 
concurrente insuperável pela modicidade do seu sa- 
lário? E quem paga as despezas dessa importação 
hostilao liberto? o povo inteiro, e, portanto, o pró- 
prio liberto prejudicado. Isto é injusto e impolitico : 
é injusto augmentar com indios e cfhins a offerta do 
trabalho, abaixar o salário ao extremo limite ; é im- 
jiolitico crear e dirigir contra o negro indígena, con- 
tra o nacional, a concurrencia formidável do asiático. 
Não substituamos a escravidão pelo dis^ifnulaàò 'tra- 
balho servil de chins embrutecidos ou de negros re- 
duzidos á miséria. Formação da pequena propriedade, 
independência industrial do povo, independência do 
suffragio, tudo isso virá somente do verdadeiro 'tra- 
balho livre remunerado por seu justo valór. 

Queixa-se a grande lavoura de falta de bra- 
ços? Singular queixa sob o império da escraividão, 
que permitte a cada canto os mercados de câptivos ! 
Queixe-se de si, da sua rotina, da sua resisten- 
ciist á qualquer melhoramento. Póde-se ouvir 
sem impaciência lastimar a falta de braços o pro- 
prietário que ainda lavra a terra á enchada? Quan- 
to aois capazes de progresso, tenham elles aniino, è 
avante! Renovem o seu material, mudem os seus 
processos, abandonem a rotina: e, quando soar a 
hora da emancipação, ahi teem á mão o melhor tra- 
balhador dos paizes tropicaes, o negro indigena e 
aclimado. 


INTEBEâSES PBOVINCIABS ^99 

Aljgumas palavras sobre terras publicas. 

Confirmando o direito vigente, a lei de 1850 pro- 
clamou a propriedade da nação sobre terras devolutas 
de qualquer natureza. Outra lei anterior (de 28 de oi- 
tubro de 1848) concedera, porém, a cada uma das pro- 
vincias, no mesmo ou em differentes lugares do seu 
território, seis léguas em quadro, destinadas exclusi- 
vamente á colonisaçâo, não podendo nellas haver es- 
cravos. Essa área pôde conter, sendo toda a superfície 
aproveitada, o modesto, sinão mesquinho algarismo 
de 16,000 almas, na razão de 100,000 braças quadradas 
por cada familia de cinco pessoas. Desta doação já 
tiraram proveito o Rio-Grande do Sul e Santa Catha- 
rina, estabelecendo colónias suas ao par de colónias do 
Estado. 

Sem condemnar o pensamento da lei de 1848, cum- 
pre-nos reconhecer a sua ineíficacia a bem da immi- 
gração. Na verdade, a essa doação isolada de peque- 
nos territórios devolutos, exclusivamente provinciaes 
para estabelecimento de colónias provinciaes, nos pa- 
rece preferi vel a combinação das leis norte-americanas. 
Releve o leitor um ligeiro esclarescimento deste ponto, 
aliás pouco couhecido. Ver-se-ha ainda nesta matéria 
o arranj amento do governo interior dos Estados- 
Unidos. 

Como se sabe, ao dominio federal pertencem as ter- 
ras pisadas pelos indios do deserto dentro dos limites 
dos actuaes territórios, ou as devolutas comprehendi- 
das nos estados constituídos depois da independência. 
Para formar esse immenso património federal, que em 


300 PARTE TERCEIRA 

1850 era maior de um terço da superflcie da União, 
vários estados do littoral, logo apóz a independência, 
cederam vastissimos terrenos. Foi nestes terrenos ou- 
tr'ora reclamados pela Virgínia, Massachussetts, Con- 
necticut, New-York, Carolinas e Geórgia, que depois 
se erigiram os florescentes estados do oeste e do sul, 
Ohio, Indiana, Illinois, Michigan, Wisconsin, Ten- 
nessee, Alabama e Mississippi. 

Dentro dos limites de cada um destes novos estados 
possuia a União largos districtos, que se teem vendido 
aos immigrantes ou cedido a emprezas de caminhos 
de ferro e canaes. A propriedade federal ainda é, toda- 
via, enorme, abrangendo um bilião de acres, contidos 
agora nos estados e territórios seguintes : Califórnia, 
Nevada, Colorado, Oregon, Washington, Idaho, Ari- 
zona, New-Mexico. * 

Mas não é só a União que possue terras devolutas, 
que as administra e vende. Com eíFeito, a lei fez a ca- 
da estado ou território onde ha terras federaes, as se- 
guintes concessões : 1% da área correspondente a uma 
tOTonship (23,040 acres ou 6 milhas quadradas) para es- 
tabelecimento de coUegios de ensino superior; 2°, de 
uma trigésima sexta parte de cada township demar- 
cada (ou uma secção, que corresponde a 640 acres), 
destinada perpetuamente ao mantimento das escolas 
primarias da township ; 3% de 5 7'o do producto da ven- 
da das terras federaes, sendo 3 ^o para auxilio a estra- 
das no território ou estado, e 2 7o para diflfusão dos 

* Report of the secretary of the interior ; 1866. 


INTERESSES PROVINCIAES 301 

conhecimentos úteis *. Avalie-se a importância destas 
concessões notando que da área ainda existente 25 mi- 
lhões de acres hàode ser reservados á idstrucção do 
povo produzindo a sua venda o subsidio provável de 
60,000 contos. Estes consideráveis territórios, patrimó- 
nio das escolas (schoolfund)y são as terras que os estados 
do oeste e do extremo oeste administram e vendem. Por 
exemplo, já em 1863 o Minnesota, um dos mais novos, 
possuia demarcados 1,256,320 acres, ou cerca de 115 
léguas quadradas, cedidos pela lei federal. 

Ainda mais : d'entre os de leste, o Maine em 1864 
também possuia 2,000,000 de acres devolutos, que 
nunca foram cedidos á União. Uma grande parte delles 
abunda em madeiras de construcção. O producto da 
venda constituo uma das verbas de receita desse estado. 

Nos Estados-Unidos, pois, a nacionalisação da terra 
não foi absoluta : respeitou-se a propriedade de alguns 
dos primitivos estados, e aos outros se fizeram largas 
concessões. 

Não é só isto, porém ; não se esqueça principalmente 
a utilidade prática da combinação adoptada pelo Con- 
gresso : não deu aos estados lotes destacados do seu 
dominio, deu-os involvidos ou incluidos nelle, demar- 
cados e vendidos conjunctamente. x\ssim, a povoação 
do vasto território federal, onde a pouco e pouco af- 
fluisse a immigração, não adiantaria um passo, que 
não aproveitasse e desse immediato valor aos terrenos 
dos estados, ao património das escolas. 

1 Recentemente, o congresso concedeu mais aos estados que instituírem 
collegios de agricultura e artes mecânicas, o producto de tantos loies de 30,000 
acres quantos os seus deputados e senadores. 


302 PABTB TERCEIRA 

s 

Fste exemplo não pôde acaso ser imitado no Brazil ? 
Pelo menos augmente-se, e desde já torne-se effectiva 
a concessão de terras promettidas ás provincias pela 
lei de 1848. Descentralisado o serviço da immigração, 
será isso indeclinável. 


INTBRBSSBS PROYINCIABS 303 


CAPITULO V. 


OBRAS PUBLICAS. 


Deve o parlamento nacional decretar despezas para 
trabalhos de melhoramentos internos 1 Largo debate 
esta questão suscitou nos Èstados-Unidos durante o 
primeiro quarto deste século, e ainda depois. De tão 
porfiada contenda entre os antigos partidos federalista 
e democrata resultou uma útil distincção prática : 
quanto a melhoramentos locaes, de qualquer natu- 
reza, que a um §ó estado aproveitem ou que nelle se 
circunscrevam, não pôde promovel-os o governo fe- 
deral. Sua competência, porém, é indisputável na- 
quelles que interessem ao commercio nacion&t, ex- 
terno ou interno. 

E foram os próprios presidentes da republica que 
duvidaram da attríbuição do governo federal ; foram 
elles que i-ejeitaram leis do congresso mandando abrir 
canaes que atravessassem dous ou mais estados, me- 
lhorar portos, e êsta1)elecer novas vias de communi- 
cação * : um justo escrúpulo , um prudente acata- 
mento dos direitos dos estados, fazia-os vacillar na 
execução até de obras propriamente nacionaes. Nunca, 

1 Kent, CovMnentaritis á Vomt, ; sec. 111, S 7 e BOta final. 


304 PARTB TERCEIRA 

porém, lá ventilou-se a questSo no terreno em que se 
tem levantado entre nós, isto é, até onde pôde o go- 
verno central prevenir ou repellir ajurisdicção dos go- 
vernos provinciaes sobre obras meramente locaes. 

Monroe firmou o principio da incompetência do 
congresso quanto a melhoramentos internos. Até 
á sua presidência (1823) era corrente a opinião 
sobre a necessidade de se votarem fundos considerá- 
veis para rápido impulso das vias de transporte, e to- 
dos os annos autorisavam-se diversas, algumas de or- 
dem mui secundaria. Contra o parecer de Adams, 
Clay e Calhoun, estrénuos advogados da immediata 
abertura de caminhos e canaes mediante auxílios do 
thesouro federal, aquelle illustre presidente recusou 
sanccionar um projecto idêntico sobre a estrada de 
Cumberland, expondo em uma extensa mensagem os 
fundamentos da opinião opposta a esse augmento 
das attribuiçoes do governo central, de que era mem- 
bro. Resumindo tão importante documento, reputado 
o mais sábio commentario da constituição neste ponto, 
ajunta um parlamentar americano : 

« Depois de 1827, não se decretou mais nenhum 
auxilio desse género. Posteriormente, usando do veto, 
o presidente Jackson poz termo á legislação sobre es- 
tradas locaes, e com o tempo este assumpto de um 
systema nacional áe melhoramentos internos, ha pouco 
tão formidável e avultado na opinião, acabou por ser 
retirado das salas do congresso e das discussões pu- 
blicas. Vapores e locomotivas substituíram ás antigas 
estradas e canaes; emprezas particulares dispensaram 


INTERESSES PROYINCIAES 305 

O auxilio da legislação federal. Não existe talvez ca- 
minlio importante em um estado qualquer, que não 
esteja sob a autoridade desse estado. Até mesmo grandes 
e dispendiosas obras executadas por ordem do congresso 
apóz longos e ardentes debates, obras então reputadas 
eminentemente nacionaes, perderam este caracter 
e entraram na classe das estradas ordinárias. A 
de Cumberland, que custara 6,670,000 dollars, e fora 
durante trinta e quatro annos assumpto prominente 
nas discussões do congresso,.... entregue afinal aos 
estados (que atravessa) , passou a ser uma estrada or- 
dinária, e está inteiramente offuscada pelo caminho de 
ferro paralelo. O mesmo se pode dizer, até certo pon- 
to, do canal Chesapeake e Obio, outr'ora objecto dos 
cuidados da legislação federal, pois se destinava a li- 
gar as aguas do Atlântico ás dos grandes rios do oeste ; 
reduzido boje a um canal local, utilisado principal- 
mente por algumas companhias, muito vantajoso para 
a região que corta, decahiu, porém, do caracter na- 
cional que lhe valera votos do congresso e largos sub- 
sidips do thesouro.... Tornou-se lei a opinião de Mon- 
roe neste ponto da intervenção do governo federal em 
melhoramentos dentro dos estados. » * 

No Brazil, porém, a reacção que poz em litigio tan- 
tos assumptos claríssimos, não duvidou inverter as 
questões de competência que se podia suscitar nesta 
parte dos interesses provinciaes. E' o que vamos as- 
signalar : ver-se-ha então quanto tempo precioso con- 


^ Thirty years in the senate, by ex-senalor Benton; vol. I, cap. X. 
A PBOV. 39 


306 PARTK TERCEIRA 

some em disputas estéreis o governo geral, que alias 
não tem correspondido á gravidade da sua tarefa é an- 
tes ha protelado ou sacrificado o progresso material 
do império. 


§ I. ^ centralisaqão nos melhoramentos materiaes. 

Com que desprezo dos direitos das províncias o go- 
verno imperial intervém francamente em negócios 
próprios delias 1 Ora, pareceres do conselIi(y de estado 
e avisos llies prohibem regular o modo dé efféctuar 
tal ou tal obra, declarando que não podem láúçar 
imposto pessoal de prestação de serviços, ainda quando 
é esse imposto decretado para um fim municipal. Ora, 
contestam o direito com que se crearam inspecções do 
algodão e assucar ; sendo aliás evidente que se trata 
de interesses locaes, embora taes inspecções pare- 
çam escusadas e onerosas. Outras vezes, finalmente, 
negam que possam as assembléas, como incentivo ás 
industrias, conceder meros prémios aos que nellas 
introduzirem melhoramentos. 

" Mais atrevidas pretençoes, e sobre mais considerá- 
veis interesses, revela uma recente consulta. Apontar 
a data é descrever-lhe o caracter : é a de 27 de setem- 
bro de 1859, sanccionada pelo aviso de 4de janeiro de 
1860. Refulgia então a politica reaccionária ; fácil lhe 
fora, até por meio de portarias, destruir sem rumor 
esse impertinente appendice da constituição, o acto 


INTERESSES PROVINCIAES 307 

addicional. Denunciemos ao paiz, que desperta, essas 
usurpações do poder executivo. Considerem asprovin- 
cias na sua sorte de departamentos francezes ; conhe- 
çam quanto rebaixou-as a segunda reacção conser- 
vadora. 

Era cobjecto da consulta de 1859 determinar a com- 
petência provincial sobre privilégios exclusivos. Mui 
acertadamente recusa ás assembléas o direito de con- 
cedel-os por invenções ou melhoramentos de industria, 
pois interessam ao commercio e á prosperidade geral da 
nação : e ao governo federal reservou-^s por isso a 
constituição dos Estados-Unidos. No intuito, porém, 
de diíficultar os privilégios, muito perniciosos decerto 
em alguns casos, chega a consulta ao excesso de negar 
ás assembléas a faculdade de os garantirem, sem de- 
pendência do governo geral, para a execução de cer- 
tas obras, estradas e linhas de navegação. D' aqui de- 
rivou a doutrina que, adoptada pelo governo, provoca 
a indignação do sentimento liberal. 

Como ainda não foi regulado por lei que obras, es- 
tradas e linhas de navegação se deva considerar pro- 
vinciaes, fiquem, dice o conselho de estado, fiquem 
dependentes do parlamento as concessões que as pro- 
vincias fizerem sobre taes objectos: proposição, que 
por si só importa a negação do poder legislativo con- 
ferido ás assembléas. 

Ainda mais, accrescentou elle : si essas concessões 
não subirem á approvação do parlamento, nem por isso 
ficará livre a acção provincial, porquanto as compa- 
nhias, que devem de effectuar as obras, para funccio- 


308 PARTE TBRCEIBA 

nar carecem de consentimento do governo central. 
E, com effeito, ahi veio a lei de 1860 contra as socie- 
dades anonymas consagrar a exigência do ^placet su- 
premo. 

Assim, decrete embora uma assemblóa certa obra 
e autorise a fazel-a por empreza ; si os em prezarios for- 
marem sociedade anonyma, ainda que o acto escape 
ao veto do presidente, nem por isso evitará a compa- 
nhia o intolerável exame, as protelações desespera- 
doras, as dependências da secretaria de estado, todos 
os flagellos com que para aqui se trasladou a regula- 
mentação franceza. Na verdade, á lei de 22 de agosto 
e ao decreto de 19 de dezembro de 1860 nada escapa : 
as mais innocentes associações dependem hoje àopla- 
cet imperial. Eis a liberdade no Brazil 1 

Não teem as assembléas competência para incor- 
porarem companhias formadas por amor de objectos 
provinciaes ; e, entretanto, lhes pertence legislar sobre 
quaesquer associações politicas e religiosas! (A.rt. 10 
§ 10 do acto addicional.) 

A incorporação de companhias, ou antes a prévia 
autorisaçào para que possam funccionar sociedades de 
qualquer natureza, é, já odicemos *, reminiscência do 
antigo regimen, contra a qual levanta-se agora o es- 
pirito da liberdade moderna. Os capitães, como os in- 
dividues, sejam livres para se reunirem sob todas as 
formas possiveis : o Estado, governo central ou gover- 
no provincial, poder executivo ou poder legislativo, 

1 Gap. m. 


INTERESSES PROVINCIAES 30 9 

não tem o direito de regular a forma e a vida das 
companhias. Assim, diante dos princípios absolutos, 
não seria legitimo conceder ás assembléas a faculdade 
que recusamos a quaesquer autoridades do Estado : 
mas, entretanto, si a prévia autorisação é precisa, con- 
cebe-se acaso que sociedades que funccionam em uma 
provincia, organisadas para effectuarem serviço pro- 
vincial, dependam ào plaôeí imperial? A lei que isto 
exige é producto da febre reaccionária que tantas ve- 
zes temos assignalado. 

Copiando a mencionada consulta, o aviso de 4 de ja- 
neiro de 1860 assentou, como princípios inconcussos, 
doutrinas manifestamente illegaes. 

Não podem as assembléas, segundo elle, conceder 
privilegio sobre navegação de rio que, percorrendo ter- 
ritório de duas províncias, seja todavia aproveitável 
no de uma delias somente ; nem quando a navegação 
da costa marítima se possa estender á do rio ; nem, em 
geral, soòre a navegação a vapor fluvial. Está escrípto, 
e o commentario desta ultima hypothese patentôa o 
preconceito do conselho de estado : uma lei de 1833, 
diz elle, attríbuíra o serviço da navegação a vapor ao 
governo geral. Pode essa lei prevalecer apezar de 
anterior ao acto addicíonal ? Basta simílhante propo- 
sição para o leitor avaliar si é exagerado nosso juízo 
sobre o empenho do conselho de estado em restaurar 
no Brazil a monarchia centralísada. Dispensa argu- 
mentos a invocação de uma lei ordinária para o fim de 
restringir uma lei constitucional posterior. Era, entre- 
tanto, expressa outra lei mais antiga, a de 29 do agos- 


•> 


310 PAEXE TERCBIBA 

to de 1828, que nâo foi revogada, antes se deve inten- 
der confirmada pela das reformas. Dizem os seus 
artigos 1*» e 2**: «todas as obras que tiverem por objecto 
promover a navegação dos rios, abrir canaes ou cons- 
truir estradas, pontes, calçadas ou aqueductos, perten- 
centes a mais de uma província, serão promovidas pelo 
ministro do império ; as que forem privativas de uma 
só província pelos seus presidentes em conselho ; e as 
que forem do termo de uma cidade ou villa pelas res- 
pectivas camarás municipaes. » E no artigo 6° enu- 
mera-se a concessão do privilegio exclusivo entre as 
clausulas com que a administração provincial pôde ce- 
lebrar contracto para obras provinciaes. 

Introduziram também a consulta e o aviso um prin- 
cipio novo de interpretação do acto addicional, mais 
restrictivo ainda, classificando a natureza das estradas 
segundo os seus motoret^, vapor ou animal ; e, nem 
aqui siquer, protestou contra estes excessos o autor dos 
Estvdos práticos y que, em outros assumptos, menos in- 
teressantes aliás á real prosperidade das províncias , 
sustentara doutrina conforme aos seus direitos. Com 
effeito, a consulta e o aviso consideram geraes as es- 
tradas servidas por vapor, qualquer que seja sua ex- 
tensão. E ajuntam o seguinte commentario : « Estas 
obras, pelos grandes capitães que empregam e pelo ser- 
viço que devem prestar, não devem ser emprehendidas 
sem serem consultados os interesses geraes. » Aqui 
invocam, como os escriptores francezes, a uniformi- 
dade de policia e disciplina das estradas de ferro, a ne- 
cessidade de planos communs, etc. ; e, em nome da lo- 


INTERESSES PROVINCIAES 311 

gica, declaram geral a pequena estrada de ferro de 
Mauá, construída dentro de um município do Rio de 
Janeiro. Mas a lógica tem, na verdade, exigências su- 
premas ; e pois, sem hesitar, estabeleceu-se mais esta 
outra regra : « quando, sendo o motor animal, e sobre- 
tudo si ha trilhos de ferro, a estrada arriscar grossos 
capitães y deve ella ficar dependente do governo geral ! » 
Tutor da naçào, não pode o governo imperial soffrer 
que os capitães de seus pupíllos arrisquem-se em gran- 
des emprezas sem o seu exame, sem o seu consenti- 
mento . 

Supponha-se o mais ligeiro caminho de ferro, um 
tram-^*oad municipal ; âupponha-se até uma estrada de 
rodagem que demande capitães consideráveis : tudo 
virá receber o placet do supremo governo. Si ha cen- 
tral i sacão, é isto. 

Assim : privilégios para ex:ecução de serviços pro- 
vínciaes, incorporação de companhias, navegação a 
vapor dos rios, construcção de estradas servidas a va- 
por, ou simplesmente com trilhos de ferro, ou de qual- 
quer natureza demandando grossos capitães, tudo, to- 
do o melhoramento material do paiz, ficou concen- 
trado nas mãos do governo imperial. Póde-se agora 
duvidar da existência da centralisação no Brazil ? * 

1 Parecem haver reconhecido a illegalidade do aviso de i de janeiro o 
Sr. ministro das obras publicas e o seu antecessor, pois devolveram aos po- 
deres provinciaes o conhecimento dos recentes projectos de estradas de ferro 
em S. Paulo, Rio-Grande do Sul e Ceará. O aviso, porém, não foi cassado; 
subsiste sua doutrina, que outros ministros poderão mandar cumprir. Por 
outro lado, continua em pleno vigor a obrigação de serem approvados pelo 
governo imperial os estatutos das companhias. A situação é, pois, quasi a 
mesma, e o será emquanto se não revogarem expressamente os actos de 1860. 


312 PARTB TERCEIRA 

A lei de policia e justiça (1841) e a da guarda nacio- 
nal (1850) aniquilaram o espirito publico nas locali- 
dades, centralisaram a politica: a lei e o aviso de 1860 
atacaram a prosperidade material das provincias e o 
principio de associação, coroando a obra do golpe de 
estado de 12 de maio de 1840. Por isso, 1860 é o non 
plus ultra àaTeB.cqS,o. Desde que valeu-se de simples 
avisos para interpretar e corrigir o acto addicional, re- 
vogando leis expressas, nenhum poder mais restava 
ao governo usurpar. 


§ II. — Até onde se estende a competência provincial. 


Exemplos dos Estados-Unidos mostrem quão mes- 
quinha é a politica centralisadora de certos estadistas 
do Brazil. 

Representando um capital de quatro e meio biliões 
de contos, cortam o território da União oO,000 milhas 
de caminhos de ferro, extensão quasi igual á da Eu- 
ropa inteira, e cento e quinze vezes maior que a nossa \ 
Desse algarismo prodigioso a mór-parte foi construida 
em virtude de leis dos estados, por companhias nelles 
fundadas, com auxilies ousem auxilies delles. No fim 
de 1861, New-York contava 3,475 milhas de caminhos 
de ferro representando 277,000 contos. Na mesma épo- 
ca, a Pennsylvania possuia 3,226 milhas, avaliadas em 

> 435 milhas, comprehendidas as linhas por inaugurar este anno. 


^ 


INTBRBSSES PBOVINCIAES 313 

320,000 contos ; Ohio, 3,230 milhas orçadas^ em 
300,000 contos : e assim o» demais estados, segundo 
sua riqueza e população \ Os grossos cabedaes arris- 
cais nessas emprezas gigantescas nSo careceram da. 
tutela do governo supremo da republica ; e> pelo con- 
trario, si essa tutela existisse ali, é mui provável que 
os capitães tivessem antes a timida prudência que os 
caracterisa aqui, sob a acção moderadpra do governo 
imperial, esse agente esterilisador da prosperidade 
publica. ' 

São da mesma sorte eloquentes as estatísticas doi^ 
canaes da União. Cerca de 3,200 milhas de canaes fa- 
cilitam hoje a navegação interior, graças a uma 
despeza effectiva maior de 200,000 contos. Estes capi- 
tães foram também arriscados, sem a tutela do gover- 
no central^ por cada um dos estados. Citenros um del- 
les, New^-York. O orgulho de New-York é o seu sys- 
temà de canaes, como o de Massachussetts as suas es- 
colas ; j)ossue, com effeito, 1,051 milhas de canalisação, 
de um extremo a outro do território, ligando os lagos 
Erie e Champlain aos rios e ao oceano. O custo corres- 
ponde á obra : 122,.000 contos ahi se consumiram. Não 
deteve tão vasta empreza a consideração de que essas 
linhas de navegação interna prendiam-se á navegação 
externa do oceano ou dos lagos que confinam com as 


1 Crescem estes algarismos incessantemente. Em' 1868 davam-se á Pennsyl- 
vania 4,400 milhas, e ao Ohio 3,400. New-York devfa em breve attingir a 
4,568 milhas. No anno de 1869 abriram-se ao trafego, em toda a União, mais 
de 6,000 milhas. Nos pro(/rios estados do sul construem-se agora 60 linhas 
novas. ; ' 

A PROV. 40 


9l4t ' PARTE TÈtlCElkA 

pbssessôès 'niglezàs : as objecções liinitai*am-se á exe- 
quibilidade dá obra e aos sacrifidos que impunha. Mas 
coín que firmeza, còin quanta perseveran^ça e confiaíiça 
tíò fututo, nioveram^se os habitantes de New-York a 
trabalhôâtão colossaes I « Não obstante as sinistras 
pi*èdicçô>ês dé homens notaVeis pòrsua sabedoria e ser- 
vidos, nâo òbstahte os tíonsélhos do venerado palriar- 
chá dia deiíiocraiéilst; do próprio Jefferson, em cuja opi- 
nião fôía^precisoiim sçculo pára ousar tentar trabalho 
similhante; não obstante as exprobrações do illustre 
Mádison, T^éfere Míchel Chevalier, o estado de ííew- 
York; que então (1817) contava apenas 1,SOÍO,000 til- 
más, começou a construir o canal de Erió com 350 íói- 
Ihad de òoi^pfido. » * í^oliòo depois, com tóínifiòàç8es 
em todos os sentidos, o canalnão bastou ás exigências 
do conimeícío ; foi preciso alargal-o e apròfundal-ò, e 
hójé só oè dous de Êrié e Chámplàin, ha extensão con- 
tínua dè' 4â8 milhas, representam o dispêndio de 82,000 
coitos. ' 

Nos Efstadôis-Unidos, como dicemos, o goveíno fe- 
deral não disputa aos dos estados inteívénção éni suas 
obras inlerioifès, ainda quando sejam da maior gravi- 
dade ; pelo contrário, é o congresso ou o presidente que 
ás Véze^ tem duvidado da constitúcionaliaade de auxi- 
lies cbncedidoá Jiara melhoíámentcs loeaes. Por outra 
parte, aprecie-se o caracter quasi nacional dos trabalhos 
emprehendiçlQ^ em qualquer dos estados, no de New- 
York por ex:emplo, cujos òaminhos de fertro e canaes se 

1 Lettretsur VÁmérique dunord; XXII 


INTÇQ^SSBS PROYINQIABS . ;$j]^ 

prei;i(lem ao3 dos outros pn á nav^aça;?. .^xj^çrior : .e 
ixem por isso invocoii-se a intervenção io govePAO cejjr 
trai. Muito menos no Brazil exigiria o ^^c^í auprep^p^ 
si não fo.sse logo repellida s^ competência da proyiDicia, 
Não sãp, á vista de taes exemplos, manifestamente 
arbitrarias as regras do aviso de 4 de jaj^eirp de 1860 ? 
nap são violências á autonomia das provincias, base do 
systema politico do Brazil ? (Art. 71 da constituiç?o'e 
1* do acto addicional.) 

O espirito prático dos aorte-americanos tem dado 
o caracter federal áquellas obras somente que intc; 
ressam á União inteira ou a uma gí^ande parte delia* 
Assim, é federal, efoi construído com largos subsidiou 
e concessões de terras federaes, o caminho de ferro do 
Pacificp, que, estendendo 1,770 milbas atr ia véz, do de- 
serto, liga os portos de dons oceanos. Da mesma 3orte 
se proceda no Brazil. Sabemos bem que 9, algumas 
províncias falleccm recursos pecuniários y mas o que 
a todas falta principalmente é â isenção precisa para 
contractarem com emprezarios, para organisarem cpm- 
panhias, para cobrareni impostos sufficientes, para 
abrirem novas fontes de receita. Depe^dentl3s do go- 
verno central, nada tentam, nem ousam, liíap é isto 
mérá declamação. Ainda recentemente (oitubro de 
1869) o presidente do Ceará deixava de sanccionar i;n^ 
projecto de lei sobre a estrada de ferro da capital a 
Pacatuba, entre outros motivos, porque « tratava-sé 
de uma estrada servida por vapor e devia a concessão 
ficar dependente da approvação dos poderes geraes. » 
Nas razões com que o mesmo presidente devolvera o 


' 81b PARTB TERCBIRA ' 

J)rojeèto, transpiram ás' prevençSes creadas pelo aviso 
de 1860 ; cumpre dissipal-as, cumpre desvanecer as 
confusOes com que o conselho de estado anarchisou 
esta parte do nosso direito publico, protrahindo a exe- 
cução de obras urgentes nas províncias. 

E* iassim que estSo quasi todas a esperar, desde a in- 
dependência, que se melhorem seus portos de cofc- 
mercio. O estado primitivo em ' que áe acham, a au- 
sência absoluta das mais simples commodidades para 
a navegação, afastam das provincias o commercio di- 
recto, e o concentram no Rio de Janeiro, cuja superio- 
ridade aliás creou a natureza mais do que a arte. O 
fatal expediente dos adiamentos indefinidos não per- 
mitte adivinhar o termo das protelações. Porque não 
ádmittir-se-ia neste serviço uma distincção prática? 
iSi os portos e barras não estão abertos ao commercio 
exterior, façam nelles as provincias as obras que qui- 
zerem. Si ha alfandegas, então decretem-as de accordo 
com o governo geral : não se reserve a iniciativa para 
este exclusivamente, pois elle não pôde até hoje, e não 
poderá agora effectuar com os recursos do orçamento 
as urgentíssimas obras dos portos do Brazil. Continha 
a constituição dos Estados Confederados do Sul uma 
clausula que expressamente permittia a cada um delles 
lançar, com o consentimento do congresso, sobre 
navios procedentes do ai to-mar, direitos de ancoragem 
destinados ao melhora mento dos portos ou rios fre- 
quentados por essas .embarcações. Sob aquella re- 
serva da ápprovação do parlamento, não descobrimos 
inconveniente na iniciativa das provincias ; e, si o 


# 


^lííTÊRESSES PROVIIÍCIABS 317 


governo cemràl receia abusos, antecipe-sê, ou pro- 
mova a incorporação de emprezas que, mediante ta- 
xas de navegação, transformem ii*algtins annos em 
verdadeiros portos de comniercio essas "barras arris- 
cadas e esses surgidouros sem abrigo, que man- 
teem estacionário o oommercio directo das provincias. 
Porque razão não admittiremos também ■ os ajustes 
de duas' ou mais para effectuarem em commum 
serviços que, posto interessem a miais de uma, não 
teèm rigorosamente o caracter de nacionaes? Pro- 
hibem-n'o repetidas consultas do conselho de esta- 
do. A propósito de navegação subsidiada por diver- 
sas provincias, tem-se declarado excesso de compe- 
tência o accordo delias para este fim.. Taes convénios, 
entretanto, quer para serviços de* transporte communs, 
quer para arrecadação de impostos e outros assumptos, 
todos os dias se sentem necessários, e os gdvernog 
locaes os vão celebrando de modo mais ou menos in- 
directo. Tanto basta para condemnar a doutrina do 
conselho de estado. Deõaais, o que induz em erro é a 
expressão ajuste do artigo 83 da nossa constituição, 
que reproduz incorrectamente uma clausula da dos 
Estados-Unidos, onde diz : « No State shall, . without 
the consent of congress,.... enter into any agreement 
or çompact with another State, or with a foreign 
power » (artigo I, sec. 10, § 3) ; o que Tocqueville 
^traduziu por forma que remove todas as dúvidas : « Au- 
cun état ne pourra, sans le consentementducòng-ròs, 
contracter quelque trailé ou union avec un autre état 
ouavec une puissance étrangère. » Infringiram este 


318 RA.RTE TERCEIRA 

preceito os estados do Sul, subljevando-se para forma- 
rem a confederação aniquilada j unto a Richmond. Li- 
gando estados soberanos, a constituição norte-ameri- 
cana procurava previnir que a União se dissolvesse em 
idênticas confederações ; n^as não pensava prohibir os 
accordos ordinários de caracter meramente adminis- 
trativo, sem fim algum politico \ <i Quando um rio 
separa dous ou mais estados, podem os ditos estado^; 
celebrar um pacto para, melhorarem sua navegação », 
dizia-o expressamente a ephemera constituição, do Sul 
(art, I, sec, 10). 

Na da Republica Argentina se incontra um artigo 
que não contém a dos Estados-Unidos ; é o que diz : 
« As provindas ppdem celebrar convenções parciaes 
a benj, da administração da justiça, de interesses eco- 
nómicos e trabalhos de utilidade commum, dependen- 
tes do conhecimento do congresso federal. » Outro tex- 
to (art. 108) esclaresce quaes sejamos assumptos sobre 
que não é licito celebrar taes convenções. << Não exer- 
cem as províncias o poder delegado á nação ; não- po- 
dem fazer tratados parciaes de caracter politico.... » ; 
e em seguida enumeram-se os .grandes interesses na- 
cionaes que excedem -á competência local. 

Assim, o que se deve prohibir ás nossas províncias 
é que firmem accordos políticos, mafe não ajustes par- 
ciaes sobre interesses económicos e serviços de utili- 
dade çomraum. Exija-se embora que nestes casos o 
façam mediante assentimento do governo central, mas 

y P{iscbal, AnvnotaJted constiíution; u. 164. 


INTERESSES PROVINCIAES 3I9 

nao se lhes tolha a iniciativa^ não se llies tire o uso 
de uma faculdade n\uito proveitosa para o seu pro- 
gresso, esem jierígo para a União désdé que se resalva 
aquelle assentimento *. Na própria Europa, os estados 
(ou assembléas) das provincias da HoUanda podem cor- 
responder-se com. os estados das outras, e regular de 
accordo os negócios que interessam a mais de uma, 
com a prévia autorisação do rei. * 

Conceder ás vastas regiSes dó Brazil, quanto aos 
seus peculiares interesses, autonomia igual á dos es- 
tados anglo-americanos, é consolidar as instituições 
actuaes. Perpetuar a centralisacão aggravada pelos 
actos de 1860 é irritar as provincias contra a integri- 
dade do império. As tradições do nosso governo per- 
mittem, entretanto, suppôr que, para elle, a maior 
garantia da integridade repousa na força e nâ prepon- 
derância do poder supremo. E', certamente, um erro 
deplorável; ei o attestá um facto que, esclarescendo a 
questão, é para nós o mais decisivq argumento : os 
cOdflictjcys de competência e as illegaòs pretenções do 
governo imperial teem retardado á prosperidade das 
provincias. Ora, isto equivale a dizer que a força e a 
grandeza da pátria estão oomprimídas: Si os* tímidos 
enxergara nas liberdades locaes algutis riscos adrède 
exag^eríwlOs, não esqueçam que ellas pròmoveraiin a 


* No projecto de reforma municipal (1869), o Sr. ministro do império in- 
troduziu' um princípio idêntico, permittindo a dotis municipios ou parochias 
vizinhos associarem*se para a con^trucção de esti-adas ou creação de «stabelé* 
cimentos a expensas communs. (Ârt. 17.) 

* Béchard, Admintsiration intérieure de Id France; vol. 2*, p. 348. 


320 PARTB TERCEIRA 

inaudita prosperidade e o poder a que attingiu a Ame- 
rica do Norte. « Pretende-se que os legisladores an-. 
glo-americanos não fizeram o governo central bastante 
forte, e que, si o tivessem feito maisforte,nâ;oseliou- 
vera effectuado a separação de 1861 : pôde ser, res- 
ponde o Sr. Laboulaye ; si lá existisse um governo 
central como o dos estados europeus, talvez não se ve- 
rificasse a rebelliâo do Sul ; mas não se houvera tam- 
bém visto o magnifico desinvolvimento que ali osten- 
tou-se em setenta annos. » 


§ III. : — Missão do governo geral. 

Quando se vê o governo geral disputar ás provin- 
cias melhoramentos que reivindica e sujeita á sua com- 
petência exclxisiva, deve-se crer que elle reputa ligeira 
a tarefa própria sua, ou que nada o accusa de indiffe- 
rença e deleixo no fomento do progresso nacional. 

Ora, o nosso atrazo é manifesto em todo ò género de 
obras publicas. Basta indicar as estradas de ferro. Em 
dezoito annos mal construimos 435 milhas, e póde-se 
dizer que, ,concluidos em 1867 os troncos das quatro 
maiores linhas, ficámos desde então estacionários. Tão 
hercúleo esforço, longo repouso requeria I Mais do que 
isso, em metade do mesmo tempo, tendo começado 
muito depois de nós, fizeram os argentinos, que não 
são anglo-saxonios, mas latinos, como nós outros : e 
acaso pararam? pelo contrário, emprehenderam a con- 
strucção de mais 670 milha». Inaugurado o caminho 


INTERESSES PROVINCIAES 321 

central de Rosário a Córdova, querem nossos vizinhos 
estendel-o até á fronteira do Chile, galgar os Andes, 
e unir os dous oceanos ao sul, como os anglo-ameri- 
canos o fizeram ao norte. Sem poder moderador, sem 
senado vitalício, sem centralisação, atrevem-se os ar- 
gentinos a tamanha empreza ! Pela nossa parte, si na- 
da executamos que imite a sua audácia de ligar ao li- 
toral províncias remotas, accumulâmos relatórios e 
plantas sobre a communicação para Mato-Grosso, a 
navegabilidade do Rio das Velhas e do S. Francisco, . 
o porto de Pernambuco, e outras intermináveis ques- 
tões debatidas desde ò seçulo passado. Pouco, bem 
pouco se estuda aqui seriamente, apezar de se inculcar 
o contrario ; e pouco se faz, quasi tudo se adia. O adia- 
mento ! eis o epitaphio do governo imperial. Progresso 
constante^ concepção rápida, execução activa; eis o 
mote dos governos responsáveis perante o povo. Inér- 
cia, protelação, esterilidade, não são no Brazil resul- 
tados do seu systema politico, onde o poder é irrespon- 
sável, absoluto? 

Entretanto, todos os povos e governos, até os des- 
póticos, sentem que estradas de ferro são os nervos das 
sociedades modernas. Pondo ao serviço do génio da 
guerra trilhos e fios de arame, a Prússia pôde em três 
semanas reformar a carta da Europa, e instaurar a uni- 
dade da raça germânica. Para augmentar a força co- 
lossal dos seus estados,- despende o cezarismo mosco- 
vita centenas de milhões em caminhos gigantescos, e 
dobra nos últimos seis annos a extensão das suas es- 
tradas de ferro. A França, que por tanto tempo hesi- 

A PROV. ~ 41 


322 PARTE TERCEIRA 

tara, já vê 10,000 milhas quasi completarem a sua rede 
de communicações internas. Mais diligentes ainda, os 
povos livíes parecem nisto exceder a medida do vero- 
simil. Conta uma pequena ilha, que o mundo contem- 
pla como a magmparens da liberdade, 14,223 milhas 
de vias férreas, construídas por cinco biliões de contos 
de capitães particulares : e, entretanto ,*não está satis- 
feita a Grã-Bretanha ; insta por caminhos vicinaes e 
baratos Ím?^-í2?â5y5 que prendam as menores localidades 
ás grandes estações. Mais insaciável do que o inglez é 
o povo norte-americano. Possuia a Uniâ:o em 1860, 
antes da guerra, 28,771 milhas abertas ao trafego ; de 
então para cá inaugurou mais 20,039 milhas, isto é, 
2,000 por anno, ou quasi duaá léguas por dia. Fez 
mais, e isto é inaudito : nesse intervallo estudou, ex- 
plorou, decretou e construiu uma das maravilhas do 
mundo, o caminho do Pacifico, com 600 léguas contí- 
nuas, atravessando, não terrenos cultivados, mas im- 
mensas campinas pisada^ pelo nvsoepélle-vermelha^ li- 
gando, não innumeras grandes povoações, mas só duas 
illustres cidades, Chicago e Sacramento. 

Não insistamos em paralelos pungentes. Si não 
fora razoável exigir do Brazil igual progresso, é 
acaso justificável a nossa proverbial negligencia? A 
própria estrada «Pedro II» , cuja renda em 1869 já 
subiu a 4,625 contos, que, portanto, paga o seu cus- 
teamento, os juros do capital e até poderia amorti- 
zal-o em um decennio, porque hade essa magnifica 
empreza esperar indefinidamente a construcção do 
resto do seu tronco já decretada e o prolongamento 


INTERESSES, PROVINCIAES 323 

até o valle do S. Francisco? Em projectos consumi- 
ram-se treze longos annos, de 1842 a 1855 ; quinze 
já decorreram na lenta execução de uma quarta parte 
da linha projectada, e mais tempo se perderá si a te- 
nacidade de um illustre brazileiro não houvesse lo- 
grado transpor a Serra do Mar ; e, adiada desde 1864, 
ainda agora pede o governo a espera de uns dez an- 
nos para a conclusão do mais considerável de nossos 
melhoramentos materiaes. Obra eminentemente civi- 
lisadora e politica, esse caminho de ferro, que não 
contará afinal mais de 550 milhas, terá demandado, 
ainda assim, um quarto de século, si não sobrevierem 
novas protelações. 

Dos outros o que diremos? Nem delles se fallaA; 
todos ahi estão parados^: apenas os paulistas tratam 
de construir alguns ramaes da sua estrada principal. 
Florescentes províncias. Rio Grande do Sul, Paraná, 
Alagoas, Coará e Maranhão, debalde esperam que 
uma locomotiva devasse o seu interior; recusa-se- 
Ihes o que não se negou a outras muito mais ricas, a 
garantia de juros. 

Em 1864 a camará liberal quizera decretar a nossa 
rode de estradas de ferro. Oppòz-se-lhe o govQrno. 
Porque? porque não havia dinheiro: pediam-se trez 
a cinco mil contos para novas garantias ; a guerra 
do Paraguay, depois disso, legou-nos 23 mil de des- 
peza ordinária annual, e para ella nunca faltou di- 
nheiro. 

Quanto ás províncias do Norte principalmente, a 
indifferença é mais grave ainda por um motivo parti- 


V 


324 PARTE TERCEIRA 

cular. Em cada um dos .últimos oito annos, a taxa 
do seu algodão exportado contribuiu para a renda 
geral com mil contos mais do que d'antes : pois bem! 
nem por ser tão directamente interessado no desin- 
volvimento da cultura deste género, o governo cen- 
tral decidiu-se a promover a pros.peridade dessa por- 
ção do império. Algumas das mesmas provi ncias, 
nem estradas de ferro pedem : reclamam o melhora- 
mento dos seus portos. Podia o governo engajar en- 
genheiros de indisputada competência, e em poucos 
annos construir á sua custa, emittindo apólices, as 
obras de portos e os pharóes, si não as pretendessem 
emprezas idóneas sob condições razoáveis. Ora, em 
ambos os casos, impostos addicionaes sobre a nave- 
gação ou o commercio de taes portos pagariam os ju- 
ros dos capitães empregados. 

A nenhuma provincia se deve de refusar o im- 
mediato melhoramento de porto aberto ao commer- 
cio exterior , molemente áquellas onde existem es- 
tradas de ferro. O primeiro é o complemento das 
segundas. Por outro lado , nada mais injusto tam- 
bém do que privar qualquer delias , ainda as me- 
nores, de .uma e outra cousa. 

Fora preciso, com effeito, considerar cada provincia 
um núcleo commercial, com direito a estes dous agen- 
tes do progresso : porto de abrigo e estrada de ferro. 
Bxcluidos o Amazonas e o Pará, que os dispensam, 
Goyaz e Mato-Grosso, que também preferem o vapor 
nos seus rios silenciosos, se devera reconhecer previa- 
mente o direito de todas a esses melhoramentos essen- 





INTERESSES PROVINCIAES 325 

ciaes. Que fora preciso para realisar projecto tão sim- 
ples, simultaneamente, em meia dúzia de annos? Não 
muito dinheiro : as obras dos portos sustentam-se por 
si, paga-as o seu commercio ; os caminhos de ferro 
não demandariam talvez mais de 10,000 contos de ju- 
ros, na hypothese de renda apenas sufficiente para o 
custeamento. O que ó isto para um paiz que mal começa 
a desinvolver as suas fontes de receita, graças aos mo- 
destos melhoramentos timidamente inaugurados no 
ultimo decennio ? Quando o trabalho e o capital forem 
aqui auxiliados pelas modernas invenções, essas re- 
ceitas excederão de sobra o nivel a' que as elevaram tri- 
butos de guerra. Conservar estes odiosos tributos e não 
fomentar a riqueza publica, ou, o que vale o mesmo, si- 
mular animal-a com projectos de estradas iniciados sem 
energia oa votados sem confiança, é o requinte da ro- 
tina e da indifferença. 

Mas onde realmente raarayilha a negligencia do go- 
verno é no inconcebível adiamento da navegação do 
alto S. Francisco. Um só vapor, mesmo microscópico 
(como alguns que para lá enviaram, ura dos quaes 
está a caminho ha quatro annos) , ainda não sulcou as 
400 léguas que esse poderoso rio e seus confluentes 
oíFerecem a navegação ! Custa crêl-o : a dons milhões 
de habitantes, sequestrados do mundo, e a sete provín- 
cias aproveita essa facillima navegação. Que admirar, 
pois, si o Rio-Grande de Minas, si o Jequitinhonha, si 
o Araguaya, si o Tapajoz \ e tantos outros, continuam 

* o Tapajoz e o Araguaya indicam ao commercio de Mato-Grôsso, o pri" 
meiro, e ao de Goyaz o segundo, o caminho do valle do Amazonas. Que li- 


326 


PARTE TEECBIRA 


a ver a magestade do silencio assentada ás suas mar- 
gens primitivas ? 

Atrazados em caminhos de ferro e navegação flu- 
vial, não é para estranhar que mal conheçamos o uso 


nha, porém, preferirá no futuro a primeira destas provindas? a antiga via 
terrestre, quando estiver concluida a estrada de ferro do S. Francisco, a 
linha fluvial indirecta do Rio da Prata, a directa do Pará, ou todas conjun- 
ctamente? Não é fácil prevel-o. No estado actual do desin volvi mento de 
Mato-Gro»so, dependendo seu commercio do Rio de Janeiro exclusivamente» 
a foz do Prata, que apezar de rio-abaixo é o mais longo caminho, parece, 
comtudo, a mais barata das presentes vias de communicação. Não é provável 
que a abandone, sinão quando o porto de Buenos-Ayres. que vai ser o em- 
pório de todo o valle do Paraná e baixo Paragu^y, attrahir também, por suas 
vantagens particulares de situação e vizinhança, as relações de Mato-Grosso. 
Ao estadista brazileiro só cabe attenuar os inconvenientes deste inevitável 
acontecimento, abrindo ao norte de Mato-Grosso, que é a sua parte povoa- 
da, a linha do Arinos e Tapajoz, a qual, seja dito de passagem, ainda se não 
mandou reconhecer. Imaginar, em vez disso, uma extensissima estrada mi- 
litar atravéz dos desertos da província do Paraná, é não attender á lei dos 
fretes. Esta idéa de estrada de rodagem de centenas de léguas no deserto 
julga a nossa administração. Os norte-americanos levaram ás solidões do ocst.e> 
não estradas macadamisadas, mas caminhos de ferco : lá os trilhos são assen- 
tados no deserto por legiões de immigrantes. Ha de chegar, e pela nossa 
parte bem o desejáramos acelerar, o dia da povoação dos ubérrimos campos 
do Paraná; mas nesse dia ter-se-ha desvanecido a prcoccupação bellicosade 
estradas militares, e as grandes vias de rodagem, que encarecem o frete, es- 
tarão definitivamente condemnadas. 

Attingindo a locomotiva ao S. Francisco, navegado a vapor este rio e o 
Paracatú, o sul de Goyaz, como o oeste de Minas, continuará a demandar o 
porto do Rio de Janeiro. Entretanto, por agora ao menos, o único porto de 
Goyaz é o Pará, por via do Araguaya e Tocantins: e, em todo, o caso, ainda 
quando inaugurada a estrada de ferro do Rio de Janeiro ao S. Francisco, o 
norte de Goyaz e o sul do Maranhão só teem um caminho directo para o 
oceano, o do Araguaya ao Amazonas. Por outro lado, construído um tram- 
tpay para Guyabá, muito pôde este caminho fluvial aproveitar a Mato-Grosso» 
si fôr maisdiílicil ou dispendioso abrir a communicação de Cuyabá ao Pará 
pelo Tapajoz. Como, pois, hesitar? como não favorecer effieazmente o pro- 
jecto do Araguaya? Nada justificará a falta de enérgica cooperação do go- 
verno para a prompta rcalisação dos votos das duas províncias occidentaes. 


» 


INTERESSES PltOtriNCIAES ^ 327 

do telegrapho eléctrico : e aliás, para a máxima ener- 
gia do poder concentrado, não ha mais útil auxiliar, 
como o nao ha para a defeza do Estado e para a unidade 
moral da pátria. Apenas uma curta linha percorre o li- 
toral do Rio de Janeiro até Campos, outra corta o valle 
do Parahyba, e uma terceira, ainda não definitivamente 
conclnida, deve ligar o Sul á capital do império. Todo 
o Norte do Brazil debalde esperou o telegrapho nacio- 
nal, e agora forma votos pelo êxito da ompreza a quem 
afinal, aepois decrueis hesitações, c(>ncedeu-se alinha 
costeira. Já muito fizemos, em verdade : depois de la- 
boriosissimos estudos, entrámos no periodo dos pro- 
jectos ; um para a linha transatlântica, duas vezes con- 
cedida ao mesmo emprezario, outro para a linha cos- 
teira. Lancemos, entretanto, os olhos para a car- 
ta telegraphica de um pequeno Estado europeu, 
Portugal, que nisto nos dá lições. Três mil kilo metros 
de linhas eléctricas possuia o reino em 1868. Não ha 
cidade alguma, não ha villa importante, que não te- 
nha a sua estação telegraphica.* Demais, a rede por- 
tugueza está ligada á grande rede européa, e por ella 
aos cabos transatlânticos e indicos. E tem Portugal o 
seu território repartido em províncias distantes, em 
regiões quasi independentes? Sente Portugal, como 
nós, este embaraço das incommensuraveis distancias, 
tantos portos sem defeza, tanta difficuldade nas com- 
municacões interiores? 

Por dezenaá de milhar se contam as linhas dos Es- 
tados-Unidos : 73,000 milhas e 5,000 estações. A Grã- 
Bretanha vai genoralisar o telegrapho de sorte, que 


• 


328 PARTE TERCEIRA 

liaja um posto eléctrico em cada estação do correio do 
Reino-Unido.O continente europeu e parte do americano 
constituem hoje uma vastissima federação quanto a 
correios e telegraphos. Foi preciso mergulhar nos ma- 
res, e cercar o globo com uma invisivel ciota de ara- 
me. As índias, a Austrália, acham-se em communica- 
ção instantânea com a Europa. Por via dos Andes, li- 
toral do Pacifico, Panamá e Havana, o Rio da Prata 
ligar-se-ha em breve ao systema eléctrico do mundo, 
entrando mais cedo que nós na orbita da civilisação. 
Será indifferente aos brazileiros verem que são em tu- 
do os derradeiros ? 

Agitemos estas questões; são também parte nas 
queixas da democracia. Opprimem o voto e ludibriam 
da nação, porque > isoladas, as populações não sentem 
vibrar em um instante, simultaneamente, como no 
systema nervoso, a fibra ofíendida, o sentimento con- 
culcado ení uma parte qualquer do império. Póde-se 
impunemente surrar um brazileiro no Piauhy , ou cru- 
cificai -o em Alagoas,- porque as enormes distancias 
fazem que não sejamos um povo, mas uma agglome- 
ração de colónias do Rio de Janeiro. Acaso por isso 
mesmo se trava aqui, no campo dos melhoramentos 
materiaes, entre o império e a democracia, o conflicto 
que se observa na esphera dos interesses moraes ? 

A urgência de imprimir em nossas instituições o 
cunho democrático. Hão deve de preterir a necessi- 
dade, igualmente indeclinável, de crear os agentes 
auxiliares do progresso. 
. Quando por toda a parte os antigos costumes, as ve- 


INTBRBSSBS PROTINCIABS 339 

Ihaô usanças, as estreitas idéas fogem diante da inva- 
são das duas grandes forças contemporâneas, a loco- 
motiva e o telegraplio , como ha de o Brazil esquecer 
que um dos maiores erros da administração imperial 
tem sido protelar, sinâo obstar, á transformação dos 
seus meios materiaes de existência? Como ha de 
relevar essa politica original, que estuda, discute, 
protela, e volve a estudar, a discutir, a protelar infin- 
dos projectos interrados em incommensuravel papela- 
da ? Pese o actual regimen a sua respousabilidada pí^ 
rante a historia, e abandone de uma vez os tristes habi • 
tos e os expedientes da inércia. * 

Fosse embora de reacção politica, muito perdoar-se- 
ia ao presente reinado, si^ abolido o trafico, houvesse 
logo emprehendido à obra da emancipação, creadõuma 
corrente de immigrantes, construido grandes vias de 
transporte, fundado por toda a parte escolas, prepara- 
do, em summa, o caminho da liberdade, a exaltação da 
democracia. 

Houve em França um governo, em cujo período as 
letras, as sciencias, a filosophia, a eloquência, a 
poesia, brilharam com um novo lustre na terra de 
Voltaire e Mirabeau. Os enthusiastas do rei davam-lhe 
o invejável cognome de Napoleão da paz. Pois bem ! 
não este ou àquelle facto politico, mas um grande erro 
social, precipitou-o de repente. Esse erro fora o esque- 
cimento dos interesses do povo, a mesquinhez da ins- 
trucoão, as incríveis hesitações na construcção da 
rode dos caminhos de ferro, o atrazo do commercio, a 
debilidade das industrias, falsas noções económicas 

A JPBOV. 42 


330 


PA.BTB TBRCBIBÀ 


ex!ãg'6rada8 por ainds^, mais falsas noções de governo. 
Quando o sopro indomável da tempestade curvou por 
terra o Agamemnon doareis do Continente, ouviurse, 
sem muita estranheza, um usurpador repetir com em- 
phase: «Tudo está por fá?er I >> JS quando a França, 
como sahindo de um sonho, viu as suas cidades trans- 
formadas por encanto ; Pariz, como a Roma de Au- 
gusto,, passando em alguns dias de casas de tijolo a 
palácios de mármore^ portos que competem com os 
portos de Albion ; os rios contidos dentro dos leitos 
como a^ .revoluções entre as bayonetas ; caminhos de 
ferro, não já nos arredores das grandes povoações, 
mas por toda parte, de mar a mar, linhas contín^ias 
de Pariz a Moscow, a Brindes, a Lisboa ; a impossível 
vencido no canal de Suez; um comraercio universal ; 
por todos os oceanos do globo fluctuando. gloriosa a 
bandeira tricolor : a Fraijça deslumbrada teve um mo- 
mento a fraqueza' de esquecer o crime do usurpador. 
Reaes serviços ao progresso valeram a Napoleão III 
iin^a trégua, uxn reconhecimento talvez, de que jamais 
g^ozára o governo parlamentíir que o precedera. 

Que» pois, espera da historia um systema de go- 
verno que, sem haver-nos assegurado a liberdade, nos 
teni privado do progresso ? 


INTERESSBS PROVIÍíÓlAES 351 

. f 


CAPITULO r VI 


'« f 


RECEITA K DESPEZA , 


:l 


Preminòio de imminôiite ruina, o desarranjo das 
' finanças e sempre syniptôma^de grave enfermidade 
nos Estados. Quão diíBcil siiJ)Brar as grandes crises 
financeiras I Quantos governos naufragaram nessa 
tentativa arriscada! Não refere a historia maíé^ rárò 
espectáculo do que offerecem á admiração do mundo 
os Estados-Unidos lutando e vencendo uma divida 
prodigiosa. Não acumulada pela súccessão' de maus 
governos, como a de tantos povos do continente eu- 
ropeu, não para dilatar por alguns dias mais o inevi- 
tável interraraento do despotismo, cotíio na Áustria e 
na Hespanha, hão pára libertar a outros da tyrani'a 
dos Rozas e dos Lopez, mas para estnagár a própria 
tyrania domestica emancipando uma raça inteira,* 
equilibrando a liberdade e a igualdade, — essa divida 
enorme Corrompeu a atmosphera sobiJalda Republica, 
inspirando as mais sinistras propbecias. Mas eis o 
que valem a industria e a energia de um povo: em 30 
annos serão resgatados os cinco biliões de contos con- 
trabidos no quatriennio da guerra, e entretanto se 
hão de reduzir os tributos recentes. Exercito, mari- 
nha, serviços ordinários, todos volvem aos algarismos 
de despeza anteriores á rebellião. 


3^2 . PARTE TBRCBIEA 

Inspire-se o Brazil na grandeza deste exemplo ; não 
lhe é dado marcliar com passo igual» mas também 
não deve contemplar tránquillo a sua situação finan- 
ceira. Problema ingente propõe-lhe a sphynge do 
futuro : — o orçamento do Estado buscando debalde o 
perdido equilíbrio" ; a importação retrocedendo diante 
dos rigores de tarifa verdadeiramente probibitiva; a 
agricultura reclamando, novas estradas que compen- 
sem os seus novos cargos ; a escola e o caminho de 
ferro, attestados da civilisá^Qo em marcha, desespe- 
' rando de adiamentos, repetidos depois de aguardarem 
em vão mais venturosos dias ! ... E não é tudo, pois 
ctimpre íião esquecer a crise, transitória sim/ mas 
«evera sem dúvida^da transformação do trabalho. 

Considere o Bíazil que d'ora avante agravaram-se 
para elle todos os problemas politicos e sociaes. Seja 
o objectivo dos çspiritos reflectidos não somente a 
reforma das instituições, mas também a questão fi- 
nanceira* 

Si o ^mais seguro meio de attingir á reducção do 
imposto é o de reduzir simultaneamente a despeza, 
haja um governo patriótico que .solevante sobre as 
ruínas dos tíiinisterios aulicos, e combata as grandes 
causas permanentes dos nossos embaraços financeiros, 
— o funccionalismo exagerado pela centralisação, 
o luxo ^administrativOf os subsidies estrangeiros, a 
onerosa politica de intervenção e protecção. 

Não se pôde insistir bastante na rapidez com que 
eleva-se a despeza geral do Estado, e na correspon- 
dente agravação da sorte dos contribuintes, a quem 


f 

INTERESSES PROYINCIABS 333 

se pediram em 2 annos 40 ""[o mais dos ónus antigos. 

Esta dífficil situação tem ainda outro lado desa- 
gradável: ella embaraça consideravelníente a satisfa- 
ção de uma necessidade ha muito reconhecida, a de 
recursos mais abundantes com que possam as provin- 
cias prover ás exigências do seu progresso. E' inevi- 
tável que as provincias reproduzam, as suas antigas, 
nunca attendidas reclamações. Si o adiamento pare- 
ceu outr ora hábil expediente para a rotina gover- 
namental, hoje seria rematada imprudência applical-o 
a interesses que tem a coragem de aífirmar-sè. 
Nestas circunstancias, é forçoso encarar o problema e 
resolvel-K). 

NSo . exigissem embora os principies económicos 
severa reducçao na despeza geral, bastava para acon-'* 
selhal-a a urgência de ceder ás administrações locaes 
alguns fragmentos da matéria contribuinte. E' assim 
que a província e o município, cuja pobreza augmenta 
na proporção das novas exigências do Estado, são 
vivamente interessados na economia e no alivio dos 
impostos. 

A-ppendice ás considerações já feitas sobre a admi- 
nistração local, não parecerá desnecessário um estudo 
das questões concernentes á sua receita, com o exa- 
me das doutrinas 4ue ee deve corrigir e das provi- 
dencias que cumpre adoptar. 


336 PARTE TERCEIRA 

um povo, como o do Brazil, onde a centralisação che- 
gou ao requinte de annullar o modesto poder legis- 
lativo deixado ás provincias, onde os delegados do 
governo até suspendem impunemente leis promulga- 
das ou refusam-se á promulgação de orçamentos devi- 
damente votados ? 

Não se ha de acelerar o progresso das provincias e 
municipios, não hão de as localidades emprehender 
grandes melhoramentos, sem que, antes de tudo, a 
centralisação dominante ceda o lugar que usurpou ao 
fecundo principio da reforma constitucional de 1834. 
Então, exercendo amplamente o governo dos seus in- 
teresses, as provincias aceitariam sem repugnância os 
ónus inherentes» Mas, prival-as de administração inde- 
pendente e pretender sujeital-as a maiores e crescentes 
impostos, alias sem applicação» ás suas necessidades 
immediatas, é politica que mais e mais tornar-se-ha 
impopular no Brazil. 

Não é nova a questão do augmento da receita pro- 
vincial. 

Desprezan&o sabiamente a utopia de um orça- 
mento geral formado de quotas prestadas por cada 
província, sem haver imposições geraes,—- medida 
lembrada em 1834 a exemplo" da confederação ameri- 
cana antes da sua definitiva organisação, — o nosso 
parlamento não pôde todavia assentar logo em bases 
seguras a divisão da receita. Na ausência dos indis- 
pensáveis esclarescimentos, sem os mesmos raros ele- 
mentos estatisticos que possuímos, não era ligeira a 
tarefa dos redactores da lei de 31 de oitubro de 1835 : 


INTBMBSBS PROVmClÁBS 337 

pelo que se deve relevar que essa medida, aliás pro- 
visória, não fornecesse aos poderes locaes os recursos 
precisos para as despezas que passavam a seu cargo. 

Com effeito, votaram-se logo apóz, em 1837, sup- 
primentos da receita geral a varias provincias na 
somma de 550 contos., como auxilio aos dois serviços, 
então descentralisados, justiças de primeira instan- 
cia e culto parochial. E, posto cessassem os suppri- 
mentos em 1850, ainda figura nos orçamentos a verba 
« auxilio a obras provinciaes. y^ 

Não são, porém, soccorros da receita geral, que as 
provincias requerem agora. A questão assenta em 
outro terreno : 

Não é acaso tempo de reconsiderar a divisão das 
rendas feita em 1835? 

Por outro lado, não haverá novas fontes de receita 
unicamente provinciaes ? 

Finalmente, a politica centralisadora resitaurada 
em 1840 respeitaria mais o direito das assembléas 
neste assumpto do que em tantos outros ? 

Examinemos cada uma das questSes propostas, 
dando precedência á ultima, onde vamos de novo in- 
contrar os vestigios da reacção conservadora. * 


1 No novo projecto de interpretação, que deroga algumas disposições 
mais do acto addicional, apresentado a 15 de julho de 1870 pelo Sr. mi- 
nistro do império, revivem, ao lado de concessões insignificantes ou no- 
minaes, as tendências restrictivas do partido conservador. Quando as pn) 
vincias reclamam recursos, o governo geral, que todos absorvera, vem 
francamente disputar-lhes algumas migalhas! Involve o projecto (art. 11) a 
condemnação das taxas itinerárias e outras equivalentes, de qtie abaixo 
tratamos [§ UI), e prohibe (art. 3o) as contribuições addicioúaes sobre ma- 
A PROV. 43 


338 PARTE TBRCBIftA 

§ II. — RestricçOes ao poder provincial em matetiade 
impostos : taxas locaes addicionadas a imposições 
geraes. , 

« 

, vNoS' paizes de goveirno descentralisado lia porven- 
tura uma regra absoluta, um critério seguro, para 
definir em todos os casos o caracter nacional ou local 
de certos impostos? » ' 

Alguns, o de importação, por exemplo, teem evi- 
dentemente o cunho dos interesses communs do paiz 
inteiro ; outros, como as taxas de pedágio, não 
deixam dúvida sobre os interesses circunscriptos 
que representam. Entre esses extremos fluctuam 
indistinctos vários tributos, creações multiformes 

teria já tributada por lei geral, de que também nos occuparemos (S'!!)* 
Não lhe escapa nem o debatido ponto do juizo fiscal para impostos 
provinciaes (art. 4.°), assumpto em que só reconhece ás assèmbléas 
e (Iifeito.de prefeitrem um dos dous juizQs, o commum ou o da fazenda 
nacional* limitada competência que aliás lhes fora contestada outr'ora. 
Assim, e conforme se exprime o autor dos Estudos práticos no § 290, 
não pod«m tellas creãír juizes novos, próprios seas, para a arrecadação 
judicial dos iip postos, tíem decretar uma ordem nova de processo 
para essa arrecadação. Entretanto, é esse mesmo autor que diz : «Não obsta 
o acto addiciónál; áfites lhe é isso conforme, a que, todas as vezes que ha 
alguma cousa de local, de peculiar no imposto provincial e necessidade de 
providencia especjal, ainda mesmo para a arrecadação judicial* possam as 
assèmbléas provinciais, dar em suas leis essas providencias, para as quaes, 
por serem especiaej e locaes, seria a assembléa geral imprópria e incompe- 
tente.» Qra,. estaé justameute a razão qge pela nossa parte invocamos para 
reconhecer nas assèmbléas a m|iis lata competência a tal respeito, podendo 
até crear juiz privativo e processo especiaiissimo* como cada uma melhor 
intendei;. Demais, segundo já advertimos (P;arte II, cap. VII, § 1."), ao poder 
legislativo provincial pertence organisar todas as justiças locaes ou de pri. 
meira instancia. 


INTfiRBÇSES PROVINCIAES 339 

do espirito do antigo regiiúén fécfundo em compli- 
cações financeiras, que a deinòcraciá tende á es- 
magar na mó do imposto-modelo, lançado nos va- 
lores representativos da riqueza, o imposto único. 

Classificar em nacionaes e locaes os differentes 
tributos foi tarefa difficil até mesmo nos Esta- 
dos-Unidos. As bases da boa divisão da renda 
entraram no quadro de estudos dos collabora- 
dores da constituição federal. Hamilton deixou 
no Eederalista traços luminosos sobre os prirícipios 
que devem de limitar nesta matéria a autoridade 
dos governos federal e local. 

Conforme já notámos tratando de conflictos entre 
os dois poderes sobre melhoramentos internos S a 
questão, no assumpto que nos occupa, foi igualmen- 
te proposta em sentido inverso do principio defendido 
pelo nosso conselho de estado. Ali, não era. o gover^ 
no federal que propunha-se repellír invasões dos es- 
tados ; eram estes que contestavam a competência do 
congresso para votar imposições chamadas iíitériores, 
e principalmente para lançar taxa addicional sobre 
artigos já gravados pOr elles. 

Os commentadores da constituição no Federalista 
não curavam de resguardar os interesses dos estados, 
porque a estes ninguém ameaçava ; pelo contrario, 
era sua missão combater as exagerações da escola 
democrática que embaraçavam, a formação do gover- 
no central. Mas com que medida e cautela se exprime 

1 Cap. V. 


346 PABTE TEEOBIRA 

Hamilton I Ejji primeípo lugar, peconhece que o im- 
porto verdadeiramente nacional, excluído por si 
mesmo da autoridade dos estados, é o de importação ; 
porquanto recalxe sobre o commercio extepno, as- 
sumpto superior á competência dos governos particu- 
lares. Na sua opinião, porém, não se depara uma dis- 
tincçSo profunda que permitta da mesma sorte classi- 
ficar os demais impostos, os quaes podem òonstituir in- 
differentemente verbas da receita provincial ou da 
nacional. Assim, si um dos dois poderes tribata al- 
gum dos artigos da renda interior, nem por isso o 
outro fica impedido de ajuntar-lhe uma taxa addi- 
cional.* Eis as próprias palavras do publicista : « E' 
verdade que um estado pode lançar sobre certo 
objecto tributo tal e tão grande, que o congresso 
acbe inconveniente gravar o mesmo objecto com outro 
novo imposto; mas certamente ninguém lhe pôde 
oppôr obstáculo constitucional a que o faça. » 

• Que des^a siínultaneidade possam resultar inconve- 
nientes, i^ão o dissimula ; mas pensa que o juizo 
prudencial dos governos removerá o embaraço. « A 
grandeza do tributo, diz elle, as vantagens e incon- 
venientes de augmental-o por parte de um ou outro 
dos dous poderes, pôde ser para cada. um delles uma 
questão de prudência ; mas com toda a certeza não 

ía incompatibilidade real Abstenhá-se um dos 

poderes de lançar novo tributo sobre aquelle objecto 
que já tiver sido tributado pela outra autoridade. 
Como ambos são perfeitamente independentes um do 
outro, cada um terá evidente interesse «nesta condes- 


^ 


INTEBBSSES PROViNClAES 341 

cendenoia reciproca ; e por toda a parte onde ha in- 
teresse communa, pôde contar-se com a sua ef&ca- 
cia..»* 

Proclamando, não a subordinação dos governos 
particulares ao governo federal em matéria de tri- 
butos, mas, por assim dizer, a jurisdicção cumulativa, 
Hamilton procurou assignalar um imposto interior 
peculiardos estados. Esse imposto ó justamente o ter- 
ritorial , qiie Ibe parecia reunir as condições do 
recurso mais apropriado ás necessidades da adminis- 
tração local '. Hoje não a terra somente, mas toda a 
propriedade movei ou immovel paga a taxa directa 
de tantos por mil (dois, trez ou mais milésimos do 
valor estimado ) > donde os estados e os municipios au- 
erem a sua maior renda, e alguns a sua renda inteira. 

Entre os annòs de 1838 e 1861, a receita do go- 
verno federal quasi assentava em dois capitules úni- 
cos: importação e venda de terras publicas. Os im- 
postos dil^ectos e outras rendas internas votados pelo 
congresso logo depois da independência, gradual- 
mente dimiuuidos, tinham afinal cessado. Sobreveio 
a guerra civil, e o congresso não so achou impedido 
de renovar e elevar a algarismos fabulosos os impos- 
tos que desappareceram , e que aliás pertenciam 
então e continuam a pertencer á rendados estados. 

No Brazil não é isso o que o governo geral 
pretende; não o satisfaz a jurisdicção cumulativa; 
quer alguma coisa mais. 


* o Fédercáista ; cap. XXXU. 
» Idem ; cap. XXXVI . 


342 PAETÉ TERCEIRA 

Clamando constantemente contra imposições pro- 
vinciaes, intenderá o . governo, visto não serem gra- 
tuitos os serviços locaes, que elles se devam manter 
com .os supprimentos doados pela sua liberalidade? 
Mas, como os ííeyfafe das perturbadas finanç'as do Esta- 
do obrigam a adiar tâo paternaes desejos, não haveria 
meio mais efficaz de annuUar as provincias consoli- 
dando a centralisação, do ^que deixal-as assim morrer 
a mingua. 

Em verdade, sob a pressão de incessantes apuros, 
tem o tbesouro geral monopolisado toda a sorte de 
imposições, taxas directas ou indirectas, rendas in- 
ternas e até municipaes. Nestas circunstancias, não 
seria para as provincias solução, ao menos provisória, 
a de escolherem dentre os objectos tributados alguns 
que ainda posssam soffrer uma taxa supplementar ? 
Oppoe-se-lhes, porém, mais este principio restrictivo : 
« A matéria já contribuinte para a renda geral não 
pode sel-o também para a provincial. » Comquanto 
confirmada varias vezes, e o thesouro * supponha in- 
^contestavel essa doutrina iniciada em 1842, é ella, 
todavia, tão arbitraria, que o próprio Sr. Uruguay 
não ousa adoptal-a francamente, appellando para 
uma declaração authentica. ' 

Entretanto, as expressões do acto addicional não 
deixam dúvida sobre o pensamento do legislador, o 
qual condemnou somente os tributos que possam 
prejudicar z,^ imposições geraes do Estado. O mesmo 

* Relatório do ministério da fazenda; 1861. 
> Estudos práticos', §245. 


INTERESSES PROVÍNCIAES 343 

publicista conservador indica o sentido desta dispo- 
sição oojititucional , quando distingue « a offensa 
clara e directa — da offensa simples e indirecta por 
deducçSes e considerações económicas sujeitas a apre- 
ciações diversas » (§ 566). 

Na incerteza gerada por similhantes decisões do • 
poder executivo, os presidentes, até por taes funda- 
mentos, suppoem-se no direito de não sanccionar os 
projectos de orçamento, e, si votados por dois terços 
da assembléa, os suspendem, como recentemente na 
Bahia. Por isso insistimos em attribuir as difficulda-. 
des que incontra a execução do acto addicional ás 
doutrinas introduzidas pelo espirito reaccionário do . 
governo e dos seus delegados. Fácil nos fora citar 
exemplos si quizessemos percorrer as decisões com que 
os ministros soem referendar as deliberações do con- 
selho de estado. * 

Os principies que tendem a prevalecer entre nós, 
depois dos conflictos provocados pelo thesouro, ex- 
cluem a equidade e prudente medida que devem in- 
spirar as relações entre os dois g-o vemos. Póde-se acaso 
soffrer a preteação com que o poder geral no 
Brazil arrog-a-se direito de preferencia ou bypotheca 
tacita sobre toda a matéria contribuinte ? 


* Votou a assembléa da Bahia a taxa de 500^000 sobre casas de aego- 
cioa retalho^ uacionaes ou estrajageiras, em que houvesse mais de um cai- 
xeiro não brasileiro Segundo, o thesouro ('relatório da fazenda de 1859 ), 
prejudica essa taxa aos impostos geraes, porque atíecta ao de industrias e 
profissões : inconveniente evidentemente imaginário. Só seria irregular a me- 
dida deste género que estabelecesse distincção entre casas de negocio nacio 
naes e estrangeiras, isentando aquellas c tributando a estas: porquanto 


344 PÃRTÉ tBRCKIBA 


§ III — Impostos de importação. Não sè confundem com 
taxas de consumo local e taxas itinerárias. 


Si o espirito conciliador alongou-se da contenda 
travada sobre as rendas internas, não deve parecer 
estranho que no imposto de importação, ponto onde 
todos reconhecem a exclusiva competência do poder 
geral, este fizesse do seu direito uma applicação desa- 
certada. 

As taxas de entrada nas alfandegas constituem cer- 
tamente renda peculiar do governo nacional, único 
autorisado para legislar sobre o commercio ; mas o 
caracter exclusivo deste direito é razão sufficiente 
para intendel-o em sentido literal, sem ampliações 
exageradas e confusões intencionaps. Entretanto, em 
muitas das decisões referidas, aliás sem a devida cri- 
trica, pelo visconde de Uruguay (§§ 208 e seguintes), 
se notam claramente estes dois vicios geraes : — apre- 

neste caso oííenderia a igualdade de tratamento garantida pelas convenções. 

Outras decisões houve, igualmente illegaes, sobre taxas provinciaes lançadas 
em matéria considerada exclusivamente contribuinte da renda geral. Exigiu a 
assembléado Rio Grande do Sul em 1850 certa contribuição dos que fabricassem 
herva-mate nos hervaes públicos : oppoz-se-lhe o co>nselho de estado por estes 
serem propriedade nacional, embora bem ponderasse Alves Branco que isso 
não devia impedir a assembléa de tributar os exploradores dos hervaes. 

Outras vezes, finalmente, o pretexto para a restricção é uma pretendida 
inconstitucionalidade, fulminada da maneira mais vaga. Lançou • a assem- 
bléa de S. Paulo em 1854 uma espécie de capitação annual dé 200 réis por 
habitante livre, e de 100 por escravo. Offende á constituição, dice o 'gover- 
no, porque ella manda que os tributos sejam proporcionaes aos haveres do 
cidadão l Imperceptível e subtil fundamento, com o qual aliás se poderia 
pôr em litigio qualquer imposto, nacional, provincial ou municipal. 


INTERESSES PROVINCIAES 345 

ciação incorrecta da natureza do imposto creado pélas 
assembléas -, exageração systematica dos inconveni- 
entes das leis que o votaram. Para não parecer es- 
tranho este juizo, sentin^os a necessidade de apoial-o 
em exemplos. 

Varias decisões condemnaram como impostos de im- 
portação: 

A taxa municipal de 80 réis sobre carga de géneros 
que entrassem em um municipio para nelle serem 
consumados (caso do Rio Grande do Norte: aviso de 13 
de julho de 1860); 

A de ISOOO sobre barril de pólvora despachado para 
vender-se (Bahia: aviso de 30 de novembro de 1849) ; 

As contribuições das tavernas de espirites fortes ou 
vinhos (Bahia: consulta de 18 de março de 1859), 

Não ha ahi manifesta confusão em considerar-se 
imposto de importação o que é taxa sobre o consumo 
local de certos géneros ? Em toda a parte do mundo as 
corporações municipaès cobraram e cobram tributos 
similhantes. Comprenhende-se que, creando contri- 
buições dessa natureza, hajam ellas de consultar os 
interesses do consumidor, e evitem as taxas prohibi- 
tivas, que são contrarias aos tratados. Ser-nos-ha 
preciso demonstrar que as contribuições lançadas por 
aquellas provindas não teem os inconvenientes indi- 
cados, e que aliás só o ultimo delles justificaria a in- 
tervenção do poder geral ? 

Outras decisões, apparentemente legaes, não resistem 
a uma detida consideração do objecto. De accordo com 
uma consulta de 1858, não duvidou o governo con- 

A l»R0V. 44 


346 PARTE TERCEIRA 

4 

demnar, como imposto de inpiportação, a taxa de 2008 
que saDiamente lançara a assembléado Rio Grande do 
Sul em cada escravo introduzido na provincia. Foi 
assim, cm vez de favorecido, fulminado o acto intelli- 
gente da única provincia que dera tào bello exemplo : 
eis a quanto obriga a lógica nâ^o temperada por mais 
larga doutrina ! Demais, fácil fora reconhecer o absur- 
do de se estender ao facto em questão a regra especial 
da importação de mercadorias. A dúvida que poderia 
suscitar^se, era — si não é licito ás provincias, abem da 
immigração, quê também lhes cabe promover, adoptar 
uma das mais efficazes medidas, a repulsa do trabalho 
escravo. A legalidade do fim, que justifica neste caso o 
meio admittido iio Rio Grande, é o que autorisa ig'ual- 
mente as leis provinciaes recentes sobre a emancipação. 

Não é com a lógica somente que se governam os Es- 
tados. Hão de outras considerações prevalecer, que sua- 
visem os rigores das doutrinas exclusivas. Mais f une sta 
porém, do que a lógica doutrinaria, é a hyperbole aju- 
dada pela confusão. 

. Um exemplo disto é a memorável controvérsia sobre 
taxas itinerárias, erroneamente equiparadas a direitos 
de importação. Mandava uma lei do orçamento de Mi- 
nas Geraes cobrar 4$ por cada animal, que entrasse 
com géneros de commercio, emais em proporção sendo 
o transporte em carro ou barco. Posto que revogada 
pela assembléa geral em 1845, a mesma disposição con- 
tinuou nos orçamentos posteriores da referida provin- 
cia, sDb incessantes reclamações do conselho de estado. 
Em 1853, porém^ Alves Branco tentou dissipar a confu- 


S: 


INTERESSES PROVINCIAES 347 

são em que assentara o precipitado j uizo do parlamento. 
Direitos de importação,segundo ellé, eram propriamen- 
te rendas que se deduziam do valor das meráadorias.^ro- 
cedentes de paizes estrangeiros, na sua primeira in- 
troducçao no império., « A provisão de 7 de abril de 
1818, acrescentava, de.u particularmente o nome de di- 
reitos de importação áquelles que pagavam as merca- 
dorias que vinham do estrangeiro, e só a estes direitos 
Sé refere o acto addicionaL As taxas que impozeram 
Minas, S. Paulo, etc, em bestas que abi entram, são 
verdadeiras taxas itinerárias que antigamente já exis- 
tiam, e seria muito fora de razão que os commerciantes 
que negociam em animaes pélas provincial, usassem e 
estragassem as estradas sem nada pagar para o séu 
concerto ; o que se pretende impedir de provincia a 
provinda está-se pagando de uma rua para outra, ç-qui 
mesmo dentro da capital. » Não obstante as (^ecisi- 
vas állegaçoes desse estadista, não ficou esgotada a 
questão. 

Apezarda constante opposição do thesouro, do con- 
selbo de estado e dos avisos, o mesmo imposto bade pre- 
valecer nos orçamentos das provincias interiores, sob 
essa ou outra forma qualquer. O próprio visconde de 
Uruguay inclina-se a reconhecer a justiça de con- 
sentil-o a taes provincias, para com o producto delle 
construirem e beneficiarem estradas, ou melhorarem a 
navegação de rios. Recorrendo, entretanto, a uma 
subtileza, admitte taxas itinerárias sobre prôductos de 
outras provincias ou de outros municipios da mesma, 
mas repelle-as lançadas sobre mercadorias estran- 


/ 


348 PARTE TEBGEIBA 

geíras remettid^s da província onde entraram primei- 
ramente para ontra central ou interior (§ 224) . Acaso, 
porém, padece dúvida que o que está proliibido ás as- 
sembléas é o imposto de importação, que literalmente 
significa direito de entrada no império f 

Nossa intenção não é repellir limites razoáveis á 
faculdade das assembléas, mas combater as invasões 
do governo central. Todos os poderes são limitados; 
no assumpto que nos occupa, é mister, como nos de- 
mais, fazer um emprego prudente dos limites naturaes 
traçados ao poder provincial. 

Não votem as assembléas taxas prohibitivas, ou que 
directamente restrinjam o consumo, e, portanto, a im- 
portação de mercadorias nas alfandegas. 

Não prejudiquem a outras provincias cobrando taxas 
exces^vas de mercadorias em transito por seu ter- 
ritório. 

NãÒ offendam a igualdade de tratamento estipulada 
em* convenções internacionaes. • 

Não estorvem a livre circulação dos productos, não 
esqueçam a solidariedade dos interesses municipaes e 
provinciaes ; guardem, em summa, o principio eco- 
nómico da liberdade de permutas : e então suas taboas 
de imposições não oflferecerão sólido fundamento a 
queixas do governo central. 

Si alguns actos menos regulares se incontram* nas 
legislações provinciaes, não nos parecem elles de 
summa gravidade, nem merecem o ardor com que são 
condemnados. O estudo do assumpto não convencèu- 
nos de quejhaja sufficiente motivo para exagerações 


INTERESSES PROVINCIAES 349 

que apavoram. Frequentemente se depara na aliás mui 
valiosa obra do Sr. Uruguay ums^ exclamação contra a 
incerteza e a anarchia em que laboramos na ausência 
de decisões da assembléa geral, a quem debalde tem 
sido aJBfectos os pontos duvidosos. Quanto a nós, as 
medidas que se pediram ao parlamento, não fazem 
falta. Pediram-se na intenção de restricçoes infun- 
dadas ; pediram-se muita vez para interpretar disposi- 
ções (Clarissimas ; pediram-se para que o legislador re- 
novasse golpes de estado parciaes depois do valente 
golpe de estado de 1840. Si laboramos em confusão, 
gerou-a o conselho de estado : não fosse o propósito 
reaccionário, e o acto addicional ir-se-ia interpretando 
curialmente, sem tornar-se amarga decepção um sys- 
tema inaugurade sob os mais lisongeiros auspicies. 


§ IV. — Imposto provincial de exportação; seu fwijda' 
mento. Inconvenientes da taxa geral soòre productos 
exportados. 

As republicas federaes da America atteetam ^ seu 
progresso económico preferindo, como os povos euro- 
peus, rendas interiores e impostos directos a taxas so- 
bre a exportação dos productos. 

Nos Estados-Unidos nem o congresso, nem os es- 
tados podem tributar a exportação. « Nenhuma taxa, 
nenhum direito, diz a constituição (art. I, sec. 9', 
§ 5° ) , se poderá lançar nos artigos exportados de qual- 


350 PARTE TERCEIRA 

quer dos estados. »* Segundo a constituição argentina 
( arts. 4% e 67 § 1^), oimposto de exportação, emquanto 
subsistisse, não poderia ser provincial ; cobral-o-ia o 
congresso como renda supplementar, mas só até 1866, 
devendo cessar dahi em diante. Da mesma sorte, nos 
Estados-Unidos de Colômbia, nem ao governo de cada 
um delles, nem ao federal é licito gravar as mercado- 
rias destinadas á exportação ( art. 6% § 4** da sua con- 
stituição). * s 

A adopção deste principio era, singularmente favo- 
recida nos Estados-Unidos pelo systema de impostos, 
a que já alludimos. Desistindo dessa renda, o governo 
federal e os locaes, para formarem as suas receitas, 
recorriam ousadamente ás imposfçSes directas. Era 
razoável qué não tributasse a sua producção o povo 
que desde o começo se habituara a pagar uma taxa 
geral sobre a propriedade. Eis ahi o que cumpre não 
perder de vista na porfiada disputa de que ha sido ob- 
jecto entre nós o imposto de exportação. Nossas pro- 
vincias acbavam-se porventura nas condições dos 
Estados-Unidos, para de súbito converterem em um 
largo systema financeiro esses variados fragmentos 
de receita, os dizimes, alcavalas, sizas e fintas, trasla- 
dados para seus orçamentos ? 


1 Comquanto a constituição permitta aos estados, mediante consen- 
timento do congresso, cobrar ta^as . de exportação e de ancoragem (art. I, 
sec. 10 Sg 2o e 30), e ultimamente o congresso mandasse perceber direitos 
do algodão do Sul, a regra geral é nào auferir renda dos productos na- 
cionaes despachados, seja para o exterior, seja de um para outro estado da 
União. De facto, não ha ali similhante imposto, e parece que nem se chegou 
a executar a medida excepcional sobre o algodão. 


Il^TBRESSBS PROVINCIAES 351 

No acto addicional) redigido aliás, sob a influencia 
das instituições norte-araericanas, deixou-se mui sa- 
biamente de transcrever a prohibição que é expressa 
na lei dos Estados-Unidos. E, bem adverte o Sr. 
Uruguay (§ 227), ommittiu-se a palavra — expor- 
tação, « talvez porque na divisão da renda tinha de ser 
dada ás provincias uma quota sobre a exportação dos 
géneros de sua producção, e antolhava-se extrema- 
mente diíBcil dotal-as por outro modo, sem uma com- 
pleta revolução no nosso systema de impostos. » 

Custa, entretanto, conceber que ainda se repute 
duvidosa a competência das assembléas para cobrarem 
essa taxa, e que o próprio autor citado julgue preciso 
o parlamento res^olver si podem ellas impor, não s(3- 
mente sobre a exportação para fora do império, mas 
de umas para outras provincias, ou de um muni- 
cipio para outro da mesma (§241). Quanto anos, 
onde o acto addicional não distingue, não podemos 
nós introduzir distincções arbitrarias ; o que ellé não 
prohibe, .não se poderia com justiça prohibir ás pro- 
vincias. 

Não contestamos quó vexadores impostos de ex- 
portação retardem a prosperidade das industrias, 
inconveniente de notória gravidade ; mas o direito 
das provincias a essa renda é t^o claro, como é certo 
que para a mór-parte delias não ha actualmente outra 
mais abundante . Demais, e não se deve esquecel-o , 
no imposto de que se trata nada ha de novo sinão a 
forma indirecta da percepção. Elie substituiu, em todo 
ou parte, o antigo dizimo dos productos da lavoura e 
da criação. 


352 PARTE TERCEIRA 

A incidência desse imposto oppoe-llie como limites 
a capacidade da industria nacional, o respeito da so- 
lidariedade dos interesses do prodnctor e do consumi- 
dor, a máxima liberdade das permutas. Mas, em vez 
, de combater algumas das taxas provinciaes de expor- 
tação pela sua incdnveniencia económica, atacou-as o • 
conselbo de estado pelo lado da legalidade. Invaria- 
velmente, sobretudo em 1853 e 1854, renovou elle 
neste ponto a porfiada contenda que traz com as pro- 
Vincias sobre quasi todos os impostos. Em 1863, 
porém, dizia uma consulta: «Tál éjáa convicção í?05 
"presidentes relativamente á legalidade dos impostos de 
exportação, que nem duvidam já da competência das 
assembléas provinciaes para os crearem. » E concluia 
com esta byperbole : « Este modo de raciocinar e pro- 
ceder em breve acabará com o vinculo politico que 
con^itue ã integridade do império. » 

Q direito das, províncias é, com effeito, tão patente 
que o não contrariam os próprios delegados do governo 
central. Cessem, pois, as dúvidas sobre a competência 
das assembljéas. Todas sem excepção tributain a ex- 
portação, por meio de taxas proporcionaes ou fixas, 
sobre todos ou os mais importantes dos productos. E* 
um facto consumado. 

Verba importante do orçamento de todas ellas, em 
algumas a taxa de exportação fornece dois terços da 
receita. Deve, porém, continuar a simultânea impo- 
sição de um tributo geral e outro provincial sobre os 
productos tiacionaes? Eis abi uma questão que, em 
nosso intender, ba de solver-se de modo opposto á dou- 
trina do conselbo de estado. 


INTERBSSBS PROVINCIAES 353 

E' forçoso reconhecer que alguns productos acham- 
se sobrecarregados : a gomma elástica do Pará paga 
direitos municipaes, provinciaes e geraes, que prefa- 
zem 25 ^'/o do seu valor ; pagam igualmente os couros 
e xarque do Rio Grande do Sul 12 7o> .que difl&cil- 
mente lhes permitte affrontar a concurrencia de pro- 
ductos similares dos Estados do Prata. ^ 

E' o governo central, porém, que, em vez disputal-o 
ás provincias, devera dar o exemplo de renunciar ao 
imposto de exportação. Fora este o mais curto cami- 
nho para totalmente. abolil-o. 

Como é que, depois de quasi 50 annos de chamado 
governo representativo, ainda não insaiámos, sinão 
agora em limitada escala, um systema de imposições di- 
rectas ? Não pode ainda o thesouro dispensar esses 
tributos seculares, rendimentos do erário de D. João VI? 
Abertos novos titules de receita publica, a ne<|^ssi- 
dade a que logo cumpria attender era a abolição *da 
taxa geral sobre os productos exportados. E' o^ue 
se patentêa considerando attentamente a natureza 
deste imposto. 

Em verdade, não ha talvez nenhum mais desigual 
que a taxa uniforme de tantos por cento sobre a ex- 
portação. Não attende ella á diflFerença dos gastos de 
producção de cada industria nacional, que aliás não 
são todas igualmente remuneradoras : a gomma elás- 
tica, o algodão e o café pagam sem vexame taxa que 
geralmente não soporta o assucar. Não attende tam- 
bém, sob o ponto de vista de um mesmo artigo, o 
café por exemplo, á força productora, aos meios de 

A PROV. 45 


354 PARTE TERCEIRA 

tra'nsj)íarte, ás variáveis condições económicas das di- 
tômas provincias. Evidentemente a taxa uniforme é 
mais ánerosa para o algodão colhido nas longínquas 
margens do S. Francisco, que pam a producção dos 
valles do Parahyba ou Tit3té, onde circulam trens de 
duas estradas de ferro . 

Sendo preciso prorogal-o até que o substituam con- 
tribuioSéfe directas, o imposto de exportação se reserve 
para as províncias, supprimida essa verba da receita 
geral. O exame do assumpto nos leva, portanato, a 
uma conclusão bem differente da doutriaa sustentada 
scb a influencia de preoccupações centralisadoras. 

Em quanto, porém, subsistissem ambas as taxas, 
fora mai-s económico que o governo central e o das pro- 
vittcias se combinassem para a arrecadação commum 
por meio das alfandegas. Da mesma sorte, quanto á 
dd^sflmpastos directos e todas as rendas interiores, 
dtevêi*a o governo servrr-se das agencias provinciàes. 
Os^dous poderes pagariam, proporcionalmente, * as 
desprezas de percepção em ambos os casos. Este ex- 
pediente fora desde o começo aconselhado por Hamil- 
ton : '« E' provarei, dizia elle, que a administração 
fedeíaíL... &4rva-se dos empregados e da autoridade 
dos 'estados para arfi3cadar o imposto addicional (lan- 
çadosôbre objectos já taxados pelos governos locaes): 
pelo menos seria isto mais favorável aos seus inte- 
resses financeiros, porque pouparia despezas na arre- 
cadação, *e -não. daria aos estados e ao povo occasiõos 
de descontentamento. » * 

r OFedeíraUsta; cap. XXXVI. 


IKTERESSSS PROYINGIAES 355- 


§ V. — Novas fontes de receita provincial: o imposto 

territorial. 

» 

Carecem as provincias alargar os estreitos limites 
da sua parca receita; carecem fundar a verdadeira 
instrucção popular, abrindo escolas por toda a parte 
e confiando-as a mestres idóneos. Ora isto exige o 
dispêndio de sommas consideráveis, que nào compor- 
tam os seus modestos orçamentos. Dahi a necessidade 
da tax;a escolar, contribuição eminentemente local, 
de que tratámos no lugar competente [Cap. I, § 2*). 
Nào é este, porém, o único imposto novp, que se offe- 
rece aos legisladores provinciaes. OutíO occorre igual- 
mente, e assaz o recommendam elevadas considera- 
ções económicas. /*; 

Acelerar a divisão das terras, combater a tendien,- 
cia para desmedidas propriedades incultas, é remoíter 
o mais formidável obstáculo ao estabelecimento de 
immigrantes espontâneos nos districtos próximos dos 
actuaes mercados. Por outro lado, é acaso justo que 
proprietários beneficiados pelas vias de communicação, 
construídas e mantidas a custa de todos os contri- 
buintes, deixem de concorrer para novos melhora- 
mentos materiaes? Eis o duplo fim do imposto territo- 
rial que lia muitos annos se tenta crear. 

Em 1843 incluiu-se no projecto da lei das terras 
um artigo que o decretava ; e foi a questão agitada 
até 1850, rejeitando-se afinal a medida. Adoptando, 


356 PARTB TERCEIRA 

com certas modificaçSes, a propostada oommissão no- 
meada pelo ministro do império em 1849, renovámos 
em 1867 a mesma idéa. * 

Divergem os differentes projectos quanto ás taxas 
propostas, o que se explica principalmente pela au- 
sência de estimativas da renda da terra. Entretanto 
o imposto de que se trata não merece crear-se com 
taxas tenuíssimas, que mal preencham o alto fim eco- 
nómico da sua instituição. 

Talvez por se esquecer uma circunstancia essencial, 
não se pôde graduar bem a tarifa da nova imposição. 
Na verdade, diflferindo profundamente as condições 
económicas da industria agrícola e da propriedade 
immovel em cada província, ou pelo menos em cada 
região do império, não fora nem prudente nem justo 
converter o novo tributo em renda nacional. Facil 
é reítonbecer que só as assembléas poderiam 
grad'íiar a contribuição das terras pelo valor delias 

1 Propuzemos um imposto sobre terrenos cultos ou incultos, na razão 
seguinte : 

— Por cada quadrado de cem braças de lado, ou superfície equivalente : 
1.0 Na zona de 5 léguas de cada margem das estradas de ferro, estradas de 
rodagem, canaes, e vias navegadas a vapor, 2^000; 2°. Nas demais terras de 
cultura, 200 réis.; 3.® Nos campos de criação. 100 réis. 

— Por cada braça quadrada: 1." Nos subúrbios da cidade do Rio de Janei- 
ro, dois réis ; 2,° Nos das capitães de província, um real; 3.o Nos das cidades 
marítimas, meio real. 

Em uma memoria do Sr. T. Galvão lembra-se a taxa fixa de 50 réis 
por hectaro, que corresponde "a 250 réis por alqueire, e a 50$ por ses- 
maria de meia légua em quadro. Esta taxa seria oito vezes menor do que a 
primeira do nosso projecto para a zona das vias de communicaçào. 

A revista do JHario do Rio de23dejaneirodel869 lembrava a taxa uni- 
forme, muito mais forte, de 500 réis por acre, igual a quasi 6^000 por al- 
queire. 


INTERESSES PROVINCIAES 357 

e pelo lucro do proprietário, afrouxando ou aper- 
tando a taxa conforme a capacidade da matéria 
contribuinte. 

Que se não repute esta idéa fructo de opiniões sys- 
tematicas. Vóte-se um imposto geral sobre as terras, 
e logo se patenteará a grave oflFensa da primeira das 
regras no lançamento de impostos, a proporcionali- 
dade. Tudo quanto ponderámos a respeito dos incon- 
venientes da taxa nacional sobre a exportação (§ IV), 
se pôde repetir aqui da mesma forma. Com eflFeito, 
quão desiguaes os valores das terras nas diversas re- 
giões do Brazil, dentro ás vezes de uma mesma pro- 
vincia ! quão differentes as condições que aos proprie- 
tários faz a ausência ou a facilidade de meios de 
transporte ! Um território cortado por estradas de 
ferro assemelha-se acaso aos municipios apenas ser- 
vidos por alg-umas picadas e pontilhões ? Um niÉ^ici- 
pio productor de algodão ou café compara-se, em ri- 
queza e capacidade tributaria, com os de géneros áli- 
menticios ou criadores de gado? A pequena proprie- 
dade agricola do norte, do Ceará por exemplo, deve- 
ria ser vexada por uma taxa igual á necessária para 
promover a diminuição das grandes propriedades do 
Sul mantidas com o trabalho escravo ? 

Outro inconveniente da conversão do novo im-. 
posto em renda geral, seria impedir as provindas de 
abandonarem a taxa indirecta sobre a exportação 
logo que adoptassem a taxa directa sobre a proprie- 
dade. A primeira se excusa somente como substi- 
tutiva da segunda ; podem ambas coexistir, mas, sem 


358 


PARTB TERCEIRA 


OS recursos fornecidos pelo imposto territorial, não é 
licito esperar que as provincias renunciem a uma de 
suas mais abundantes rendas. 

Ainda quando nao attingisse ao resultado de ace- 
lerar a divisão das propriedades e de impedir a posse 
de vastas áreas incultas, o novo imposto seria dos 
mais fecundos para ^s provincias, habilitando-as a 
emprehender trabalhos de interesse geral. 

A' mór parte delias fallecem terras que possam ser 
occupadas por immigrantes, porque os possuidores 
actuaes recusam vender as que reúnem as condições 
de fertilidade e proximidade das povoações e estradas. 
Ora, não ha immigraçãq sólida sinão fundada sobre a 
propriedade territorial O que cumpre então fazer? 
Cumpre que cada província affronte a diíficuldade, re- 
solvendo a questão radicalmente : isto é, compre ou 
desapft>prie desde já, na direcção das estradas de ferro 
em estudo \ lotes alternados, que se vendam unicamen- 
te a immigrantes. Para occorrer ás necessárias despe- 
zas, bastaria parte do producto do imposto, cuja creação 
propomos. 

Apressem-se as provincias ; porquanto, si forem 
negligentes, acontecerá coisa bem singular : a estrada 
de ferro, que deve de attrahir immigrantes, ha de 
afugental-os pela exageração que communica ao preço 

* A lei de 27 de setembro de 1860 autorisou o governo a comprar ter- 
renos nas proximidades das estradas de ferro para estabelecimento de 
colónias, ficando para isso em vigor o credito especial de 1856. Si a ácqui- 
sição de terras se reservar para depois de construidas as (estradas, não se 
veriíicará nunca, attento o excessivo preço a que os novos meios de com- 
municaçào elevam as propriedades vidinhas.- 


INTERESSES PROVINCIAKS 359 

das terras. Tííào é paradoxo : prolongada, por exemplo, 
a estrada de ferro « Pedro II » até o valle do Rio das 
Velhas, umalqueire de terra que hoje- custa 40$, preço 
tolerável para certa classe de iminigrantes (quatro réis 
por braça quadrada), valerá dez vezes mais, ficando 
totalmente acima do alcance mesmo daquelles que 
aportem ^om pequenos capitães. Então, para deter- 
minar a divisão das áreas incultas, fora mister um im- 
posto territorial exagerado, e os inconvenientes disto 
são manifestos. O remédio seria a terra devoluta, mas 
o Estado não a possue nessa região. Entretanto, Minas, 
como todo o oeste do Brazil entre o alto S. Francisco e 
o Paraná, é um território fadado para a immigração 
europóa. Não é triste que o regimen da centralisação 
haja impedido as províncias de attenderem a este e 
outros assumptos de igual importância? .^ 

Nem a falta de terras será sensivel sóm^jat^^ara 
os colonos ; sel-o-ha também, como em alguns dis- 
trictosdo sul dos Estados-Unidos, para os emanóipados 
que, reunindo algum capital, queiram estabelecer-se 
em propriedade sua. Ora, édo maior interesse nacional 
a generalisação da pequena propriedade, tanto como a 
rápida conversão do simples trabalhador em proprietá- 
rio, seja cada um isoladamente, seja por contracto de 
parceria ou outra forma cooperativa. 

Mas onde incontrar, perto de rios e estradas, terras 
a preço módico, si todas estão apropriadas? Só o im- 
posto territorial e a prévia desapropriação de áreas in- 
cultas, á margem dos futuros caminhos de ferro, podem 
resolver a enorme dificuldade que legou-nos a impre- 


360 PÀRTB TBRCBIBA 

vidente politica das prodigalisadas doaçSes de ses- 
malrias. 


§ VI, — Fusão das imposições provinciaes : taxa directa 

sohre a propriedade. 

Será forçoso ás provindas manter, ainda por muito 
tempo, a mesma variedade de taxas que compõem a 
sua receita. Entretanto, não menos que o governo 
*' geral, se devem ellas aproximar do ideal da máxima 
simplicação das imposições, pois com isto obtem- 
se também um resultado financeiro, o de reduzir as 
despezas de percepção, além de um grande effeito po- 
litico, o menor incommodo do povo. 

OjDjoprio imposto territorial de que acima tratámos, 
é apegas elemento auxiliar dè um systema transitório 
de contribuições. Elle facilitaria, porém, a combinação 
definitiva assentada na taxa directa sobre toda a pro- 
priedade. 

Fora, em verdade, mais económico fundir as varias 
contribuições provinciaes, directas e indirectas, em 
um imposto sobre a riqueza movei ou immovel de 
qualquer espécie. Em vez da longa lista de pequenas 
taxas estéreis, de difl&cilima arrecadação, teriam as 
províncias, como fonte de renda principal, sinão única, 
uma quota parte da fortuna dos seus habitantes. 

A verdadeira receita de cada cantão suisso deriva-se 
de uma só taxa directa, que se eleva, na mór-parte 
delles, a 1 ^2 sobre cada mil francos de propriedade. 


INTIUKSSBS PROYINCIAES 361 

Ajuntatn-lhe, é certo, alguns cantões impostos in-. 
directos. E' esta também a base do systema finan- 
ceiro dos estados anglo-americanos. Assim como o go- 
verno federal, antes da recente guerra, auferia a sua 
receita de dois capitules quasi somente, — direitos de 
importação e venda de terras, — assim os Estados li- 
mitam-se a dois ou três artigos, sendo o mais valioso, 
imposto modelo, a taxa proporcional ao valor das ri- 
quezas. Tomemos um exempio. No florescente Illinois, 
um dos principaes do oeste (cerca de 2,500,000 de ha- 
bitantes), a receita provém, em primeiro lugar, da taxa "*' 
de dois e meio milésimos sobre o valor da propriedade 
de qualquer classe, e mais um e 1/5 de millesimo sobre 
o mesmo valor com aplicação especial ao pagamento 
de juros da sua divida. * A essas duas verbas, que 

.« 

1 Para a arrecadação da taxa fixa de tantos míllesimos sobre a propr^tBKde, 
é esta devidamente avaliada pelos commissarios do estado : recentemente se 
tratava de crear uma repartição de estatística privativa do Illinois para fa** 
cilitar as avaliações dos bens e o lançamento do tributo. Em 1868 a 'estima- 
tiva da propriedade existente nesse estado, para a cobrança da referida 
taxa, deu o seguinte resultado : 

A. Fro>pTÍeAade pessoal ou movei i 124,183,395 dollars. Comprehendendo : 
— animaes, 54,025,000 dollars (valor de 854,842 cavallos e mais de 6 mi- 
lhões de outros animaes) ;— carros, carroças, wagons (no valor de 6«279,000 
dollars);— relógios ; — pianos (no numero notável de 10,398 pianos); —mer- 
cadorias em geral ; — propriedades de banqueiros e corretores ; — artigos 
manufacturados; —papeis de credito e moada;— titulos de divida, acções de 
companhias, etc. ;— acções da bancos;-^ diversas. 

B. Propriedade real ou immovel : 340,093,518 dollars. Comprehen- 
dendo : 

I. Caminhos de ferro, 14,189,931 dollars, a saber: propriedade immo- 
vel dos caminhos de ferro, 1,770,659 dollars ; — 2,540 milhas de estradas, 
6,976,466 dollars ;— material rodante, 4,978,343 dollars; — propriedade mo- 
vei das emprezas, 464,463 dollars. 

A PROV. 46 


362 PÀirrE terceira 

então produziram cerca de 3,200,000 doUars, 
acrescem a taxa escolar, o rendimento de um caminho 
de ferro do estado, e o producto de terras vendidas, 
além de outros proventos secundários, como execu- 
ções contra contribuintes relapsos, indemnisações, etc. 
Com estas fontes de renda, arrecadava o Illinois em 
1863 a somma de 3,600,000 doUars, que aliás elevou- 
se muito acima nos annos posteriores. 

Este orçamento ordinário de 7,000 contos (não con- 
templando os recursos obtidos pelo mesmo estado para 
» as suas grandes despezas militares durante a rebel- 
lião do Sul ) não parecerá modesto si considerarmos 
quão descentralisada é a administração naqu^Ue paiz, 
onde os municipios e as cidades despendetm sommas 
avultadas, e emprezarios e associações realisam mui- 
tos jnelboramentos mediante as taxas especiaes que 
se ibes .permitte cobrar. 

Tamanha simplicidade financeira, que não é pecu- 

n. Terras aproveitadas {51,31í,790 acres; . . . 131,137,858 
Bemfeitorias nas terras 46,929,073 

178,102,031 doUars. 
ni. Terras incultas (11,02'2.309 acres) 44,240,247 » 


IV. Terrenos traballiados das cidades (222,146 lotes) 38,556,591 
Bemfeitorias nesses terrenos urbanos 47,206,066 

85,762,657 » 


V. Terrenos nas cidades sem bemfeitorias 
(267,477 lotes) 17,799.842 » 


\ 


INTBRBSSBS PROVINCIABS 368 

liar do Illinois, mas se incontra em grande parte da 
União, não é só um magnifico attestado da alta civi- 
lisação do povo americano ; é também poderoso ele-' 
mento de força, pois fornece ao congresso, em caso de 
guerra, como ha pouco se viu, o meio de levantar som- 
mas consideráveis addicionando á contribuição local 
uma taxa federal extraordinária, cobrada simultanea- 
mente com a taxa dos estados pelos coUectores 
destes. 

Mas, já o dicemos, longe estamos deste ideal; e, 
para as nossas provincias, com eflfeito, a medida ur-^i 
gente é fornecer-lbes recursos correspondentes ás des- 
pezas da descentralisação. Isto nos leva a mostrar, 
antes de concluir, que é forçoso transferir ás provin- 
cias certas rendas absorvidas pelo thesouro nacional. 


« 
§ VIL — Impostos geraes que se pôde transferir as 

provincias. Correspondem d despeza dos servifús qtce 

devem ser descentralisados . 


Não é certamente novas fontes de receita o que 
mais reclamam as provincias ; desgraçadamente, como 
acabamos dever (§§ II, III e IV), estão ellas a dispu- 
tar a posse do pouco que lhes coubera na partilha. 
Mas, para melhor julgar dos embaraços oppostos desde 
1840 ao desinvolvimento da sua renda, recordemos a 
parcimonia com que lhes cederam em 1835 alguns 
dos impostos geraes. 


364 PASTE TEROfilRA 

Eis a apuração das rendas que lhes deixara uma lei 
desse anno : — contribuições de policia, decima ur- 
bana, decima de heranças e legados, direitos de por- 
tagem, imposto sobre aguardente, imposto sobre libra 
de carne, passagens de rios, novos e velhos direitos, 
venda de próprios provinciaes, dizimes, quota espe- 
cial do dizimo do assucar, quota especial do café, 
terças partes de ofl&cios, direitos de chancellarià (que de- 
pois volveram á renda geral) , imposto nas casas de leilSes 
\I3 modas, emolumentos de passaportes, emolumentos de 
visitas de saúde, imposto sobre seges, e bens do evento. 

Dessas, eram as seis ultimas quasi improductivas, 
verbas de receita nominaes ; e, adverte um escriptop 
insuspeito, dentre ellas só os dizimes do café e assucar 
offereciam recursos abundantes \ Desta sorte, bem se 
comprehende que tornou-se inevitável o lançamento 
das taxas de exportação e das outras, que tantas vezes 
teem sido exprobradas ás provincias. 

Legados pela desordem financeira do primeiro vei- 
ixdLào/de/icit$ permanentes affligiam o Estado ; a uma 
deplorável guerra externa succediam commoções in- 
testinas : acaso podia então o legislador privar o the- 
souro de recursos que era difficil substituir por novas 
combinações financeiras? Fazendo uma partilha pro- 
visória, elle esperava talvez que o futuro removesse 
bem depressa o obstáculo momentâneo; pelo contrario, 
porém, adiando a dificuldade, a reacção perpetuou o 
provisório. 

^ Uruguay, Esiudot práticos ; § 202. 


INTERBBSBS PROYINOIABS 365 

A classificação de 1835 prevaleceu qu^si inteira até 
hoje, continuando como geraes certas verbas de re- 
ceita que em rigor seriam provinciaes. Ora, da actual 
lista das rendas interiores que o Estado arrecada noé 
municípios, poder-se-ia deduzir, para transferil-as ás 
provincias, as seguintes contribuições : 

— Imposto da transmissão de propriedade, abran- 
gendo as antigas sizas e sellos de heranças e lega- 
dos ; 

— O das industrias e profissões ; 

— O pessoal e dos vencimentos ; 

— A taxa dos escravos: 

— A decima addicional das corporações de mão- 
morta ; 

— O sello do papel fixo e o proporcional ; 

— Os impostos da mineração diamantina ajjirtas 
mineraes ; 

— Os foros e laudemios de terrenos em è^erál e 
dos de marinhas, rendimento aliás mais próprio das 
municipalidades. 

Receia-se que estas alterações desequilibrem o 
orçamento? Vejamos si a questão financeira embara- 
ça as indeclináveis reformas administrativas, cuja 
restauração propomos. 

O producto, recolhido nas provincias, dos impostos 
mencionados (6,174 contos, segundo o orçamento de 
1870) corresponde justamente á importância dos ser- 
viços centralisados depois de 1840. 

Quaes são, na verdade, as despezas que, posto com- 
prehendidas hoje no orçamento do império, já foram 
provinciaes ou o devam ser ? 


/ 


366 PARTB TERCEIRA 

Quando em 1832 tratou-se de descriminar isto, 
propoz o deputado Ledo um projecto, cujo artigo 4" 
dÍ2Ía : « As despezas provinciaes sao todas as de 
tracto successivo com sua administração civil, ecle- 
siastica, judiciaria, policial. » A esta lacónica ex- 
pressão do sentimento geral obedecia a lei de 24 de 
oitubro do mesmo anno classificando nos serviços 
locaes as seguintes rubricas da despeza publica : 

— Presidência, secretaria e conselho do governo, 
'i^dos quaes, supprimido o ultimo, só o segundo conti- 
nua como tal, tendo-se devolvido o primeiro á despe- 
za do Estado em virtude do acto addicional ; 

— Justiças territorriaes, que no exercicio de 1843 — 
44 começaram a ser de novo comprehendidas no or- 
çamento do império, conforme a organisação da lei 
de 3 de dezembro de 1841 ; 

— Empregados da colonisação e cathechese, e os 
da v^cpina e saúde ( excluido o da visita marítima, 
seguMô declaração posterior) , os quaes todos foram 
ulteriormente voltando á dèspeza geral ; 

~ Parodies, que só em 1848 a lei do orçamento 
incluiu entre os serviços nacionaes ; 

— Seminários, que ainda mais tarde começaram a 
ser auxiliados pelos cofres do Estado ; 

— Finalmente, as cathedraes, que, consideradas 
da mesma forma serviço provincial por lei de 1834, 
voltaram ao geral por outra de 1846. 

Aceitemos a base da legislação contemporânea do 
acto addicional, e a completemos acompanhando o es- 
pirito desta reforma. Eis os serviços qne consideramos 


\ 

\ 


INTERB3SES PROVINCIABS 367 

provinciaes, com o algarismo da despeza estimada em 
uma recente proposta do poder executivo (1869) : 

1.* Governo das provincias, sendo: — Presidentes, 
inclusive adjudas de custo, 163:000$ ; — Secretários e 
serviço dos palácios, 72:210S. 

2.** Culto publico, a saber: — Bispos, 64:400$; — Ca- 
thedraes, 168:130$ * ; — Obras nas cathedraes, segun- 
do a despeza feita no exercicio de 1866-67, 10:000$ ; 
—Seminários; 115:000$;— Parocbos, 792:500$ \ 

3.° Justiças de primeira instancia e adjudas de custo, ^ 
1,380:000$ ( compreliendido o recente augmento 
dos vencimentos) . 

4/ Policia (seus chefes, repartições e auxiliares nas 
provincias), 300:111$. 

5.° Guarda nacional, sua instrucção, armamento e 
equipamento, 129:384$. 

6.* Inspectores de saúde publica, 5:600$. 

7.° Instituto de educandas do Pará, 2:000$. .»,/ 

8.° Engajamento de immigrantes, seu transporte 
ao Brazil, agencias e hospedarias; serviço das colónias, 
suas estradas e obras, 511:000$. (Consideramos ge- 


* Na Bélgica, onde, como se sabe, apezar da separação da Igreja e do Es- 
tado, não se suppHmiram as dotações dos cultos, ás provincias é que incumbe 
o serviço das cathedraes e o dos palácios episcopaes : não entra isto no orça- 
mento nacional. 

* Si fosse a Igreja livre no Estado livre, quem devera de propor o parocho 
sinão os íieis, e, emquanto não é, quem devora apresental-o sinão a municipa- 
lidade directamente ao i)ispo ? Entretanto, o provimento dos benefícios eclesi- 
ásticos nas províncias deve de ser restituido aos presidentes, a quem isto já 
competiu : antes mesmo do acto addicional, o decreto de 25 de novembro de 
1&33 declarara pertencer-Ihes essa attribuiçâo por virtude da lei da regência. 


368 PARTB TERCEIRA 

raes somente as despezas com as repartições das terras 
publicas e medição destas, orçadas em 390:000$.) 
9.* Catecbese de indios, 80:000$. 

10. Garantia provincial de 2 por cento ás compa- 
nhias das estradas de ferro da Bahia e Pernambuco, 
adiantada actualmente pelo governo geral, 533:333$ 
(nSo se contemplando a de S. Paulo por já ser no- 
minal) . 

11. Auxilio a obras provinciaes, 150:000$. 

12. Subvenções á navegação a vapor dentro de uma 
só província, ou limitada a grupos de provincias mais 
vizinhas, sendo . 

— Da costa do Maranhão e extremo Norte, 
192:000$ ; 

— Da de Pernambuco e litoral próximo, 134:000$; 

— Da Bahia, idem, 84:000$ ; 

— interna de Sergipe, 12:000$ ; 

— Do Espirito-Santo e Campos, 90:000$ ; 

— Do Paraná e Santa-Catharina (linha interme- 
diaria), 120:000$; 

— Do rio Parnahyba, 48:000$ ; 

— Do baixo S. Francisco, 40:000$ ; 

— Do Amazonas, 720:000$ ; 

— Dos seus affluentes (Madeira, Purús e Negro), 
96:000$. 

Incluindo aqui a somma de 1,380:000$, com^ue os 
cofres geraes subvencionam essas emprezas de nave- 
gação, suppomos que as provincias interessadas se 
auxiliem e intendam, celebrando os necessários ajus- 
tes, para os quaes, em nossa opinião, não se lhes pôde 


INTERBSSB6 PROY|NCIAES 369 

negar compiet^ncia (Cap.. V, §2°). Na lista não podia, 
porém, figurar a linha costeira do Sul ao Norte^ que., 
sendo aliás duplicata em quasi toda a sua extensão, 
prejudica á prosperidade, das companhias provinciaes, 
6 parece não carecer do sacrifício das subvenções depois 
de inauguradas, tantas linhas transatlânticas. 

A importância total dos serviços acima enumerados 
é 6,012 contos, segundo a estimativa dos orçamentos; 
a effectiva^ porém, é 400 contos menor, ou 5,612. 
Ora, como produzem 6,174 contos os impostos trans- 
feriveis ás provincias, o orçamento geral não seria 
desequilibrado pela simultânea descentralisação de ser- 
viços e rendas interiores, que propomos. Resta averi- 
guar si cada uma das provincias pôde satisfazer desde 
já, com a sua quota dessas rendas, á correspondente 
despeza paga pelos cofres geraes. 

Para dissipar dúvidas, verificámos os algarismos of- 
ficiaes, consultando o balanço de 1866 — 67 quanto a 
despeza, e relativamente á receita o orçamento de 1869, 
onde já figuram as estimativas do novo imposto pes- 
soal e dos augmen tos decretados em 1867. O resultado 
deste exame pareceu-nos satisfactorio* 

Metade das vinte provincias,—- Rio de Janeiro, Mi- 
nas Geraes, Rio Grande do Sul, S. Paulo, Pernam- 
buco, Bahia, Ceará, Alagoas, Sergipe e Mato Grosso, 
— fariam a despeza que lhes tocasse, auferindo até as 
seis primeiras saldos mui consideráveis, e as três se- 
guintes um pequeno lucro. 

Offereceria a Parahyba o insignificante Aefioit de 
8 contos, o Rio Grande do Norte de 24 e Goyaz de 61, 

A PBOV. 47 


370 PARTE TBRCEIRil 

que aliás desappareceria, nas duas primeiras» com 
menor consignação para certas verbas variaveiB. 

Si n&ú levássemos á conta do Pará o subsidio da na- 
vegação do Amazonas» inaugurada aliás sob a influen- 
cia de nossa politica exterior e em nome de interesses 
nacionaes, apresentaria aquella provincia um saldo 
considerável. O Maranhão, onde também se verifica 
outro, poderia pagar, com idêntico auxilio do Ceará, a 
subvenção dos vapores que percorrem esta parte' da 
costa. 

Da mesma sorte, deduzida a verba da navegação, 
o de/ieit do Piauhy e do Alto- Amazonas não excsederia 
a 32 contos. 

Saldo, não de^cit, haveria em Santa-Catharina, Pa- 
raná e Espirito-Santo, si não fora a despeaa, relativa- 
mente considerável, que em virtude de antigos com- 
promissos faz o governo com a colonisação na primeira 
dessas províncias, e com o mesmo serviço e o da na- 
vegação nas duas outras. 

As sete províncias mencionadas em ultimo lugar 
poderiam evitar o de/ícit proveniente dos contractos de 
navegação ou do serviço de colónias ainda mantidas 
pelo Bstado, quer diminuindo as despezas correspon- 
dentes, quer elevando proporcionalmente as taxas dos 
impostos que lhes fossem cedidos. Assim, esta agra- 
vação das contribuições internas, limitada a poucas 
províncias somente, não prejudicaria áquellas que já 
arrecadam renda suí&cientc. Por outro lado, o go- 
verno procederia com muita equidade não refusando o 
pagamento das subvenções, durante o resto do prazo 


mTBKB63B8 PROVINCIAES 371 

estipulado nos conti^ctos» á navegação do Amazonas, 
á dos sens afluentes e á de algumas secções da costa. 
Ao cabo de poucos annos, expirados os contractos, 
qualquer, das provincias interessadas se achará habi- 
litada para satisfazer á despeza, sendo que nessa época 
hão de as companhias contentar-se com subsidios me- 
nos elevados, e provavelmente algumas poderão dís- 
pensal-os, as do Amazonas, por exemplo. 

Na hypothese, porém, do governo geral continuar o 
pagamento de taes despezas superiores ás forças das 
referidas provincias, conservasse elle a renda do im- 
posto do sello, que (sem incluir a arrecadação do mu- 
nicípio neutro) produz no império 1,800 contos, somma 
suficiente para esses encargos da navegação a vapor 
e da colonisação. 

Privadas as provincias desta verba de receita, não 
augmentar-se-ia, comtudo, o numero das que offere- 
cessem deficit ; apenas o de algumas elevar-soria um 
pouco mais. 

Finalmente, deixemos certificado que todas, ti- 
rante somente Goyaz, Amazonas, Piauhy e Rio- 
Grande do Norte, estariam habilitadas desde já, me- 
diante as rendas indicadas, para fazerem os gastos da 
sua administração local, — policia, justiça, guarda 
nacional e culto publico. Dez a quarenta contos de 
receita supplementar bastariam á&- quatro exceptuadas 
para equilibrarem os seus orçamentos. 

Sem agravar as circunstancias do thesouro, nem 
acarretar ónus excessivo ás provincias menos flores- 
centes, a reforma da descentralisação se recommenda 


372 PARTE TBRCHIRA 

por muitas vantagens. CessaFÍam desde logo as repeti- 
das disputas e obstáculos oppostos pelo governo impe- 
rial ao augmento do numero das comarcas e parocMas. 
E muito mais ganharia o Estado com a restauração 
das franquezas locaes. EUa permittir-lhe-ia di- 
minuir as despezas de arrecadação, quer por ces- 
sar nas provincias a cobrança de impostos interio- 
res, que exigem numeroso pessoal, quer porque o 
nosso thesouro, imitando o exemplo do dos Bstados- 
Unidos, poderia servir-se dos mesmos agentes delias 
para recolher nos municipios as rendas dessa espécie 
que lhe restarem. Não é também para desprezar a 
possibilidade de simplificar-se a administração cen- 
tral, attento o numero de negocias que, expedidos 
actualmente pelas secretarias de estado, passariam a 
sel-o pelas de cada uma das presidências. Finalmente, 
reforçadas com alguns abundantes recursos, restituí- 
das á sua autonomia administrativa, não duvidariam 
as provincias organisar efficazmente as guardas mu- 
nicipaes e os corpos de policia. Então, dispensado o 
exercito do serviço de pequenos destacamentos, fácil 
fora reduzir a força pública aos limites compativeis 
com as circunstancias do thesduro e a liberdade do 
cidadão. 

O exame das restricçSes feitas ao poder provincial 
em matéria de impostos ; 

A indicação das rendas geraes que, transferidas ás 
provincias, podem habilitar os seus governos para as 
despezas da descentralisação ; 


INTERfiSSBS PRÕVINCIABS 373 

A proposta de novas fontes de receita local, 
umas das quaes tenha privativa applicaçâo ao deôin- 
volvimentodo ensino publico : 

Taes eram os três pontoa, que desejávamos subme- 
ter áquelies que não reputam uma questão resolvida' 
quando apenas se lhe descobriu um nome, ou entre* 
viu-se o seu contorno geral. Não terminaremos, 
porém, sem volver a idéas em que nos parece 
necessário insistir. 

Si é certo que sem avultados orçamentos pode jum 
povo prosperar, quando a iniciativa individual e o 
espirito de empreza supprem ou restringem a interven - 
ção do Estado; é ainda mais indubitável também que, 
sem liberdade politica e vigorosas instituições locaes, 
jamais um povo attiugirá áquelle grau de riqueza e 
bem-estar em que os mais pesados tributos são fardos 
ligeiros. Contemple-se a União Americana: não ha 
parte alguma do mundo onde enormes impostos sejam 
mais benevolamente soportados, do que nesse paiz 
venturoso que, pela máxima diffusão das luzes, por 
um systema democrático de governo descentralisado 
que traz o patriotismo em excitação constante, resol- 
veu este difficilimo problema politico: — tornar os 
tributos suaves ao povo, tornando o povo o primeiro 
responsável pelo bom ou máu governo do Estado . 

Muita vez o desequilíbrio das finanças favoreceu a 
conquista das liberdades e o êxito das reformas. Pela 
nossa parte, estamos persuadido de que, na sinistra 
perspectiva de uma successão de deficits legados pela 
crise da emancipação, ha de o Estado ceder ao peso 


374 PÀRTK TERCBIBA 

da carga exagerada pela centralisaçSo : diante das 
reclamações de novos melhoramentos a que não pôde 
attender, forçoso lhe será render-se ás exigências das 
provincias impacientes. Ao governo imperial não 
resta mais, com effeito, que uma sahida segura : a 
larga estradada liberdade. Dai-nos instituições livres, 
tereis boas finanças : conceito que o século XIX 
elevou a máxima de moral politica. 


# 

I 

•* 


INTBUBSSBS PROVINCIAES 375 


CAPITULO VII 


INTBRESSKS GERAES NAS PROVÍNCIAS 


Não parecerão escusadas aqui algumas reflexões 
sobre assumptos que, comquanto geraes, interessam 
de perto os habitantes das localidades. 

Não bastará restituir ao poder provincial as attri- 
buições lentamante usurpadas pelo governo central : 
por amor da commodidade dos povos, da liberdade do 
cidadão e da celeridade administrativa, é também ne- 
cessário fazer processar e dicidir nas provincias os ne- 
gócios nacionaes secundários, e limitar os casos de 
despacho ou nomeação imperial. 

Demasiadamente numerosos são os negócios geraes, 
que, ventilados nas provincias, nellas apenas se pro- 
cessam, para subirem, instruidos pelas autoridades 
competentes, ao despacho das secretarias de estado. 
Póde-se acaso desconhecer a lentidão a que isso obriga, 
e as dependências que gera, por questões, algumas 
sem gravidade, outras insignificantes, e muita vez 
meras invenções do engenho proteladpr de funcciona- 
rios rotineiros? 

Não é só isto, porém. Concentrada nas secretarias 
da capital toda a sorte de interesses, apurou-se o sys- 


376 PARTE TERCEIRA 

tema com a addição de novo vexame ; as informações 
e consultas, multiplicadas na razão directa da peque- 
nhez do objecto ou da inexperiência do ministro. 
Vive a administração literalmente suffocada pela pro- 
digiosa correspondência official, prova sem réplica, 
não da fecunda energia do governo, mas da sua inér- 
cia esterilisadora. 

Ninguém desconhece os inconvenientes de uma 
administração, cujos commissarios nas provincias e 
cujos próprios chefes na capital, meros intermediários, '^ 
são destituidos da faculdade de resolverem sobre os as- 
sumptos ordinários, e despacharem o expediente de cada 
dia. A divisão da responsabilidade e o seu enfraqueci- 
mento, resultado das decisões ad referendum depen- 
dentes de acto definitivo do poder central ; a protela- 
ção de todos, ainda os mais singelos negócios ; a con- 
sequente exageração do funccionalismo, sempre re- 
putado inferior ás exigências ^de um expediente mons- 
truoso ; as têas de multiplicados regulamentos ; as il- 
lusorias combinações do systema preventivo ; a falta 
de iniciativa e autoridade própria nos mais elevados 
funccionarios, nivelados com os escreventes, de quem 
se distinguem somente por titulos pomposos; o regi- 
men da desconfiança, do chefe para com o seu delegado, 
e das repartições centraes para com as provinciaes : 
tornaram impotente e odiosa a administração brazi- 
leira, victima dos mais pungentes sarcasmos. 

De muito depende, sem dúvida, melhorar tão imper- 
feita organisação do serviço publico ; é evidente, po- 
rém, que um dos meios mais efficazes fora simplicar o 


INTERESSES PROVINCIABS 377 

píOcesso dos negócios nas repartições superiores e nas 
filiádè, deferindo-se a decisão de certos assumptos aos 
ageútes auxiliares do governo, e reservando-se para 
este os altos negócios somente. Já lembrámos nesse 
intuito a idéa de uma alçada, e onde fosso ella 
impossivel, as instrucções dos ministros indicassem 
os laros casos dependentes do despacho central. * 

Nem propomos uma novidade. No projecto do acto 
addicional incluíra-se uma disposição, que infelizmente 
foi supprimida na votação da reforma. « Todos os ne- 
gócios municipaese provinciaes, dizia o art. 23, serão 
decididos e definitivamente terminados nas respectivas 
píovincias, ainda que seu conhecimento tenha sido 
commettido a empregados g-eraes. » 

Longe disto, prevaleceu a prática opposta, e os an- 
nos teem visto requintar este supplicio da concentração 
e protelação. Em vão conta o poder executivo em cada 
provincia, além do presidente, chefes particulares dos 
differentes serviços públicos, o financeiro, o militar, o 
naval, o postal : são meros intermediários da adminis- 
tração superior, não são administradores activos. 

Porque não se introduziria no nosso direito pú- 
blico a regra de que os agentes do poder central 
nas províncias são instituídos para plenamente repre- 
sental-o? Assim, por exemplo, porque hão de vir re- 
solver-se no Rio de Janeiro todas as questões concer- 
nentes ao dominio nacional e ás minas? porque ó que 

^ o decreto de 20 de abril de 1870, reorgariisando as alfandegas, acaba 
de dar (art. 33) aos seus inspectores, e aos das thesourarias, uma alçada 
maior em questões de impostos, a qual aliás ainda se poderia alargar. 
A J'ROV. 48 


378 PARTE TERCEIRA 

as thesourarias de fazenda não teriam competência de- 
finitiva,mesmo nos assumptos do contencioso fiscal? não 
são delegacias do thesouro ? Na própria França, os 
prefeitos deliberam por si, independente de autorisa- 
ção dos ministros, em matéria de contribuições directas 
e questões do dominio público. Poder-se-ia consagrar 
a regra da competência definitiva das repartições pro- 
vinciaes, com uma resalva somente, que tudo previne : 
nos casos mais graves,seja a sua deliberação communi- 
cada á repartição central respectiva,para que a ratifique, 
ou annulle,dentro de certo prazo; e sionãofizer,decor- 
rido este, intende-se haver tacitamente approvado. A 
dificuldade consiste em indicar os casos a exceptuar, 
mas Dão será tarefa insuperável para homens experi- 
mentados na administração. 

Ha, entretanto, assumptos que desigla adam ente se 
poderia devolver ás autoridades residente&'vnas provin- 
cias: os conflictos de jurisdicção, porexeAiplo. E' o 
conselho de estado quem hoje conhece definitivamente 
dos que se suscitam entre autoridades admmistrati- 
vas, e entre estas e as judiciarias. Emquantov) presi- 
dente fôr delegado do imperador, não ha vàzu^ para 
que deixe elle de julgar todos os do primeiro género, 
como alias dispunha a lei de 3 de oitubro de 1834 ^^a^t• 
5"* § 11); e, por outro lado, nada patentêa melhor a 
subordinação do nosso poder judicial do que o facto "^0 
conselho de estado decidir seus conflictos com a admi- 
nistração. As relações e o supremo tribunal, que re. 
solvem os conflictos entre juizes, ó que sem dúvida 
deveriam conhecer desses outros. 


INTERESSES PROVINCIAES 379 

Da mesma sorte, como não condemnar a excessiva 
concentração da justiça operada,sobonome de conten- 
cioso administrativo, pelo capitulo 3** do regimento do 
conselho de estado, regimento mais inconstitucional 
ainda que a lei de 23 de novembro de 1841 ? Todos os 
pleitos em que a administração geral é parte, onde 
quer que se ventilem, hão de ser processados e julgados 
pelo conselho de estado ! Este refinamento de auto- 
cracia aos próprios conservadores espanta; querem 
attenual-o creando em cada província uma junta con- 
sultiva incumbida, entre outras, da faculdade de julgar 
em primeira instancia taes questões. Já fizemos a de- 
vida justiça a essa imitação franceza (Parte II, cap. I 
§ 4** ) , e não cessaremos de repetir que a única medida 
justa é devolver aos tribunaes communs a attribuição 
que usurpou-lhes um regulamento do governo. 

Onde o povo não 6 pupillo do governo, simples e 
expedita é a marcha administrativa : conhecem os 
Estados-Unidos e a Inglaterra a peste designada pelo 
nome expressivo de papelada ? Onde não é o povo que 
a si mesmo se governa, mas é o poder real que gere 
paternalmente os negócios da nação, a burocracia 
tudo domina, tudo enreda e prejudica com as suas 
fórmulas rotineiras. Uma reforma séria não deixaria, 
portanto, subsistir certas práticas das nossas repar- 
tições : urgente é simplificar algumas e abolir outras. 
Infelizmente a lei parece quasi impotente contra essas 
parasitas ; só conseguirá erradical-as a perseverança 
de administradores illustrados. Não desdenhem elles 


380 PABTB TBRCBIRA 

essa obra de fastidiosas minúcias ; que disso depende 
também o melhoramento dos serviços publicas*. 

Desembaraçar a marcha administrativa é necessi- 
dade geralmente reconhecida. Ora> um dos maiores 
obstáculos ú rápida expedição dos negócios é a origi- 
nalissima maneira porque no Brazil funcciona o con- 
selho de gabinete. Ha governos francamente absolu- 
tos, os da Europa quasi todos, talvez todos sem ex- 
cepção, onde o rei intervém somente nos casos de alta 
politica e alta administração ; e nenhum Estado con- 
stitucional sabemos onde se use e abuse tanto da as- 
signatura do monarcha, nem onde este assuma as prero- 
gativas da trindade exprimida nesta máxima imperti- 
nente : o rei reina, governa e administra. Isso não 

1 V. as notáveis observações práticas que o Sr. Alencar, ex-ministro da 
justiça, consignou a p. 138 do relatório de 1869, a propósito da respectiva 
secretaria. 

Vivien não duvidou indicar as alterações precisas nas fórmulas das repar- 
tições. Lê-se no ultimo capitulo do vol. 1 dos seus EHudes administratives : 
« Des formules imprimées d'avance pour tout ce qui est de puré forme, 
des signatures données par bordereaux pour tout ce qui n*est pas sus- 
ceptible de vériíication, de simples annotations au lieu de copies, des 
transmissions faites par un ordre écrit en marge au lieu de lettres, d'au- 
tres simplitications encore qu'il serait faciie d*adopter, corrigeraient des 
habitudes créées sans doute par des commis inutiles, qui voulaient se 
donner quelque chose à faire. II est juste de dire que quelques ministres 
sont entres dans cette voie. U importe que leur exemple soit suivi, et 
qu'en dépit de la routine et des résistances des bureaux, Ia reforme s*élen- 
de à tous les services publics. 

« II faudrait donner plus aux rapports personnels et directs. Rien n'est 
plus trompeur que, Tadministration assise et toujours armée d'une plume. 
Trop souvent, celui que a envoyé une lettre croit que son devoir est accom- 

pli, et qu*un acte ordonné est un acte fait II n'y a de bonne adminis- 

tration que celle qui voit par ses yeux, qui se montre et qui parle.... 
A écrire beaucoup on gagne d'étre jugé sur les moyens plus que sur les 
effets. )) 


INTERBS6BS PROVINCIABS 381 

humilha só os ministros de estado, commissarios do 
parlamento : mata a administração, enfrçtquecendo a 
iniciativa e quebrantando os brios dos homens pú- 
blicos. Emquanto não fizermos uma realidade da pre- 
sidência do conselho, instituição parlamentar, con- 
vertida, porém, em escudo da realeza, emquanto não 
desempecernios a acção dos ministros, economisando 
o tempo consumido em infinitos e estéreis conselhos 
de gabinete, continuará irreparável o esmorecimento 
de toda a administração .* 

Para simplificar e acelerar a marcha administrativa, 
é indeclinável também que o provimento de certos em- 
pregos geraes nas provincias seja commettido aos de- 
legados do governo nellas, ou aos chefes de cada um 
dos serviços. 

E' um erro julgar isto indifferente para os interesses 
locaes e para a liberdade. Pernicioso á autonomia das 
provincias é tudo que exagerar possa a influencia da 
capital Mas basta que a commodidade dos povos o 
exigisse, para que não devesse subsistira forma actual 
do provimento de cargos secundários. Notários pú- 
blicos *, officiaes papejistas, escreventes das repar- 


* V. o projecto que neste sentido offer«cemos á camará dos deputados, 
em sessão de 9 de junho de 1868. 

' Quanto aos oíTicios de justiça, cargos eminentemente locaes, não bas- 
taria arrancal-os do podar executivo ; dever-se-ia, a exemplo dos Estados- 
Unidos, devolver aos juizes e tribunaes o provimento dos ofiicios respecti- 
vos. Fora isto homenagem á independência da magistratura. V. Parte lí, 
cap. Vil, g 2 \— Entretanto, nada menos sustentável que o actual provi- 
mento de todos os ofiicios pelo imperador, usurpação feita ás provincias 
depois de 1840 : tem-lhe dignamente resistido Minas-Geraes, onde nenhum 
dos partidos ainda consentiu em revogar a legislação provincial que iregula 
a nomeação para esses cargos e a provisão de advogado. 


382 PARTE TERCEIRA. 

tições e seus porteiros, agentes do correio, ainda hoje 
dependem de nomeação central, alguns até deassigna- 
tura do imperador ! Neste sentido, mais extensas attri- 
buições que as dos nossos presidentes, foram pelos reis 
portuguezes investidas nos donatários e governa- 
dores das capitanias *. 

Ainda quando fosse electivo o presidente, não devia 
de prevalecer a presente concentração do poder exe- 
cutivo : este tem em cada provincia commissarios dos 
serviços especiaes, a quem poderia incumbir o provi- 
mento dos cargos subordinados. Emquanto, porém, 
é o presidente delegado do imperador, que inconveni- 
ente haveria nessa deslocação de attribuiçoes, de uns 
para outros agentes do mesmo poder ? 

Debalde três vezes propoz-se uma lei a este respei- 
to, em 1859, 1860 e 1864 : ainda pende do senado, 
onde todas as reformas naufragam, a ultima votada 
pelos lib9raes. Oppoz-se-lhe a letra da constituição, 
argumento com que se repellem o progresso das in- 
stituições e as reformas liberaes, mas que não tem 
obstado a nenhuma lei reaccionária. 

E', todavia, urgente a medida tantas vezes lem- 
brada. Notável serviço prestaria aos interesses pro- 
vinciaes e á própria dignidade do governo, o ministério 
qne reduzisse a estatistica dos que exercem no Rio de 
Janeiro a profissão de pretendentes ou correctores de 
empregos geraes nas provincias. 

Dever-se-ia preferir, nesse intuito, a idéa do pro- 

* Obras de J. F. Lisboa ; vol. UI, 


INTBiiBSSES PROVINCIABS 383 

jecto de 1859, mais amplo que os outros, comquanto 
menos preciso ^ Si a medida, porém, assentasse no 
largo pensamento do acto addicional, não se limitaria 
a essa deslocação somente, mas deveria converter em 
empregos provinciaes parte dos que reputavam geraes 
os mencionados projectos. 

Entretanto, admitta-se ou não a larga reforma res- 
tauradora das franquezas provinciaes, fique para 
sempre extincto este supplicio da concentração de 
pequenos empregos e pequenos negócios no Rio de 
Janeiro. Já os conservadores começam a comprehen- 
der que isso vexa os povos, embaraça os ministros e 
corrompe a administração, tirando-lhe a força e o pres- 
tigio *. E' acaso mister insistir nos effeitos politicos 
dessa odiosa centralisacão ? 

Bem aquilataram os perigos da omnipotência do 
executivo os estadistas de 1831. Antes do acto addi- 
cional, a lei das attribuições da regência conferiu ao 
governo imperial o provimento dos altos cargos só- 


* Abrangia o projecto de 1859 os seguintes cargos, que aJiás os outros 
não mencionaram : secretários do governo, da policia, das faculdades, das 
relações, dos arsenaes, das capitanias, bibliothecarios, ofiicial maior dos 
tribunaes do commeicio, contadores dos correios, etc. Não incluía, porém, 
os empregados das repartições de terras publicas. — Escusado é advertir 
que, perante o acto addicional, não são geraes« mas provinciaes, o primeiro, 
segundo, quarto e oitavo dos referidos cargos. 

* Segundo a proposta de 1869 para a reforma da guarda nacional, só os 
commandantes superiores seriam nomeados pelo governo geral ; e um dos 
projectos ministeriaes de reforma judiciaria, do mesmo anno, commettia aos 
presidentes de província a escx)lha dos juizes municipaes. Um deputado pro* 
poz então que os chefes de policia fossem igualmente nomeados pelos pre- 
sidentes. 


384 PARTE TfiRdEIttA 

mente; os mais ertipregos civis ou eclesiásticos cessa- 
ram de pertencer ao padroado central. * 

Esse padroado, não corrigido por um rigoroso systema 
de concurso,era accusado, na própria Inglaterra,de cor- 
romper as eleições e prejudicará independência do par- 
lamento*. Exerce-o o presidente dos Estados-Unidos em 
escala enorme ; dezenas de milhar de empregos fe- 
deraes dependem das secretarias de Washington : mas 
tão larga distribuição de favores pelo executivo já se 
reconhece ser perigosa para a moralidade publica, 
comquanto não para a liberdade em paiz tão profunda- 
mente democrático. O mal, com eflfeito, é ali atte- 
nuado pela própria origem popular e pela renovação 
periódica do supremo magistrado da republica : eUa 
não corre o perigo de ver o funccionalismo convertido 
cm exercito dynastico, como em França. Entretanto, 
uma lei recente restringiu consideravelmente o arbi- 
trio do executivo ' , e não falta quem lá deseje con- 


) Lei de 14 de junho de 1831, art. 18 : «A attribuição de nomear bispos, 
magistrados, commandantes da força de terra e mar, presidentes das provín- 
cias, embaixadores e mais agentes diplomáticos e commerciaes, e membros 
da administração da fazenda da corte, e nas províncias os membros das 
juntas de fazenda, ou as autoridades que por leis as houverem de substituir, 
serÁ exercida pela regência. A attribuição, porém, de prover os mais empre- 
gos civis ou eclesiásticos ( excepto os acima especificados, e aquelles cujo 
provimento definitivo competir por lei a outra autoridade ) será exercida na 
corte pela regência, e nas províncias pelos presidentes em conselho, prece- 
dendo as propostas, exames e concursos determinados por lei. » 

' Era incontestável a influencia perniciosa das nomeações e promoções 
arbitrarias ; e, por acto próprio do gabinete, o governo inglez acaba de con. 
sagrar mui amplamente o concurso para o provimento dos cargos civis. Mais 
uma conquista da democracia na terra dos privilégios I 

s Ttnure of civil offices act, 1867. — S€Hg;uDdo a constituição (art. II, sec. 


INTERESSES PROVINCIAES 385 

ferir ao povo a escolha de certos empregados federaes, 
como já o foi a de muitos dos funccionarios dos estados\ 


2* S 2), pôde o congresso conferir a nomeação para empregos secundários 
ou sô ao presidente, ou aos tribunaes de justiça, ou aos chefes das repar- 
tições. 

* « Nenhum partido jamais remorerá inteiramente as restricções (da lei de 
1867), e deixará o provimento dos empregos inteira e exclusivamente ao ar- 
bitrio do presidente. O verdadeiro mal procede do demasiado padroado 
exercido pelo executivo, e das influencias corruptoras por tanto tempo 
abertamente empregadas em dirigir as eleições por meio desse padroado fede- 
ral. O mal só se poderia extinguir, e as eleições presidenciaes só se tornariam 
pacificas e puras com uma reforma orgânica, que conferisse a escolha dos 
funccionarios federaes a quem as constituições dos estados a teem geral- 
mente conferido, — ao povo. Si o tempo tem demonstrado que o principio 
democrático da electívidade pôde ser deixado á sabedoria da escolha popu- 
lar, porque não se applicaria a mesma regra a muitas classes de empregados 
federaes? » Paschal, Annotated Constitution ; n, 184. 


A PROV. 49 


INTERESSES PROVINCIAES 387 


CAPITULO VIII 


NOVAS PROVÍNCIAS E TERRITÓRIOS 


Deferindo ás províncias tão amplas faculdades, con- 
vertendo em autoridades locaes alguns dos funccio- 
narios geraes, transformando o presidente em dele- 
gado do povo, acaso suppomos que possa coexistir 
com essa reorganisação a actual divisão do império? 

Problema rodeado de innumeros tropeços, deman- 
dando serio estudo de nossa geografia politica, não 
cabe aqui tratar-se sinão mui imperfeitamente. Não 
nos parece, entretanto, temerário affirmar que um 
dos erros da constituição foi dividir o Brazil em pro- 
víncias politicamente iguaes, com as mesmas insti- 
tuições e a mesma representação. Os autores do acto 
addicional viram-se forçados a contemporisar com o 
facto consummado. Não lhes foi dado seguir o sábio 
exemplo da União Americana, onde os territórios do 
deserto, si possuem instituições municipaes e legis- 
latura local, não teem representação no congresso : 
por commissarios do presidente da republica são 
administrados, até que, povoando-se e prosperando, 
sejam admittidos no grémio da União como estados 
perfeitos. 

Quem considerar attentamente a nossa carta poli- 
tica, cujas linhas caprichosas só incontram similhan- 


388 PARTE TERCEIRA 

ça nos labyrinthos das ruas de nossas cidades edifica- 
das á toa, perceberá desde logo estes doas vícios prin- 
cipaes : — ha grandes províncias mal traçadas, com 
dimensões irregulares e prolongamentos arbitrários, 
que em demasia prejudicam aos interesses dos povos ; 
— ha, por outro lado, verdadeiros desertos, com muitas 
dezenas de milhar de léguas quadradas, convertidos 
em provindas ou incluidosnellas, quando melhor fora 
repartil-os em certo numero de districtos administra- 
tivos. 

Estas duas proposições nada teem de exageradas. 
Para verificar a primeira, basta ver a Bahia, esten- 
dendo- se pelo baixo S. Francisco (além da Boa- Vista), 
abranger um terreno que mais commodo fora anne- 
xar a Sergipe; passando ao sul do Jequitinhonha, 
privar o norte de Minas de attingir ao litoral e ligar- 
se aos portos de mar que justamente reclama ; e, 
emfim, espraiando-se pela margem esquerda do mesmo 
S. Francisco, dominar um território que, tendo Barra 
por capital e comprehendendo as comarcas de Parna- 
guá (Piauhy) , da Palma e parte da de Porto-Imperial 
(Goyaz), deveria possuir administração própria, como 
aliás se tem proposto. 

Mais ao norte, Pernambuco prolonga-se pela valle 
do grande rio commum, e abrange o vasto sertão de 
Ouricury e Boa- Vista, cujas communicações melhor 
far-se-iam pela Bahia, a quem mais naturalmente 
pertence. 

Alarga-se Minas em todos os sentidos, jazendo a um 
canto a sua capital. Dessa vasta superfície haveria 


INTERESSES PROVINGIAES 


389 


bastante para duas novas províncias : Minas do Norte, 
comprehendida entre o curso do Jequitinhonha e o do 
Bio Doce, com portos de mar tomados á Bahia e Es- 
pirito Santo ; Minas do Oeste, formada das comar- 
cas de Passos, Uberaba, Paracatú e Januaria, com o 
sul de Goyaz desde o Paranahyba até o alto Ara- 
guaya. 

S. Paulo toma as comarcas de Lorena e Bananal ao 
Rio de Janeiro, assim como este occupa, além do 
Párahyba, um território que devera de unir-se ao 
Espirito Santo. 

Nào menos evidente, resalta do mappa do Brazil o 
outro facto assignalado. 

O que são o Alto- Amazonas e Mato-Grosso inteiros? 
as extremidades septentrionaes e meridionaes do 
Pará ? o angulo meridional do Maranhão (comarcas 
de Pastcs-Bons e Carolina) e o septentrional de Goyaz 
(Boa- Vista e norte do Porto-Imperial)? o que são, 
finalmente, os abençoados Campos Geraes que do Rio 
Grande, ao norte de S. Paulo, se estendem até ao 
Uruguay em Santa Catharina, e á serra de Maracajú 
em Mato-Grosso, limitando com o Paraguay e Cor- 
rientes ? Desertos, immensos desertos, cobrindo três 
quintos da superfície do Brazil, 150,000 léguas qua- 
dradas. Como conceber aaministração expedita e se- 
gura em taes extensões, ou formem uma só província, 
como Amazonas e Mato-Grosso, ou se prendam a 
outras, como as demais? Como acreditar que nessas 
solidões funccionem seriamente as instituições de um 
povo livre» instituições que aliás podem manejar as 


390 PARTB TERCEIRA 

populações, muito mais felizes, do litoral? Como des- 
conhecer que actualmente essas regiões são apenas 
campo de exploração politica de algumas summidades 
do Rio de Janeiro, e que o systema representativo 
traduz-se para ellas em uma permanente corrupção ? 
Como incobrir que ahi não se promovem melhora- 
mentos alguns, e que sua triste immobilidade feó po- 
derá ser interrompida por administradores sem 
preoccupações politicas ? 

Assaz vimos os perniciosos effeitos da uniformidade 
em nossa organisação : aqui elles se pátentêam 
a toda a luz. 

Estamos persuadido de que, si outra fora a primi- 
tiva divisão do império, si melhor se houvessem 
agrupado as comarcas componentes de cada provin- 
cias, e destas separado os extensos desertos intermé- 
dios e os occidentaes, menos pretexto haveria para 
negar ás províncias a restituição das faculdades usur- 
padas em 1840. A!b reclamações das mais illustradas 
e prosperas oppõe-se constantemente o atrazo em que 
jazem esses desertos elevados a províncias ou incluí- 
dos nellas ; e o argumento é, sem dúvida, plausível. 

Não se inverta, porém, o nosso pensamento. Não 
propomos a subdivisão das provincias por um proces- 
so mecânico e brutal, como o aplicaram em França, 
e como o desejaram aqui em ódio ás instituições lo- 
caes. Não queremos dilacerar laços formados por tra- 
dições seculares e interesses positivos. A divisão de 
um Estado não se faz a compasso, descrevendo infle- 
xíveis linhas astronómicas, ou acompanhando só- 


[ # 


INTERESSES PROVINCIAES 391 

mente os limites da natureza physica. Fazem-na, 
atravez dos séculos, a historia e o commercio dos 
povos. De pouco nos contentamos quanto a novas pro- 
vincias : a do S. Francisco no occidente da Bahia, 
a de Minas do Norte entre os Rios Doce e Jequi- 
tinhonha, e ade Minas do Oeste comprehendendo o sul 
de Goyaz, satisfariam, segundo parece, ás necessidades 
do presente. O futuro, as novas vias terrestres e fluvi- 
aes, indicarão depois o que mais convenha. Essas mes- 
mas quizeramos que fossem erigidas, nào por acto dis- 
cricionário do parlamento, sinão ouvidas as popula- 
ções interessadas, processo que, a imitação dos Es- 
tados-Unidos, devemos adoptar. 

Desta sorte fácil fora effectuar as creações propostas. 
Acaso parece mais difficil converter em districtos ad- 
ministrativos, com assembléas onde houvesse popu- 
lação bastante, ou sem ellas, como simples presídios, 
os territórios a que alludimos? Taes são, para indical- 
os de um modo preciso, os nove seguintes: do Solimões, 
do Rio Negro (actual província do Amazonas), do Ma- 
deira e Guaporé (Amazonas e Mato- Grosso) , do Oja- 
pock (nordeste do Pará), do alto Tapajoz (sudoeste da 
mesma), do Araguay a e Tocantins (abrangendo secções 
do Pará, Mato-Grosso, Goyaz e Maranhão) , do alto 
Paraná (occidente de S. Paulo, do Paraná e Santa-Ca- 
tharina, e valle do Ivinheima em Mato-Grosso), do 
alto Paraguay (comarca de Cuyabá e Villa Maria) , e 
do baixo Paraguay (districto de Corumbá, comarca de 
Miranda). Legislaturas, a quem coubesse prover so- 
bre o governo municipal dos territórios menos des- 


392 PARTB TBRCBIltA 

habitados, poderiam desde já funccionar nos do alto 
Paraguay, Rio Negro e Araguaya, onde existem po- 
voações consideráveis (Cuyabá, Manáos, Carolina), 

Para essa formação de territórios não faltará a es- 
pontânea coadjuvação das provincias interessadas ; 
não hão de ser menos generosas e devotadas á cailôa 
nacional, do que os estados de Massachussetts, New- 
York, Virginia, Carolinas, Geórgia, Louisiana e 
Califórnia o foram cedendo á União os vastissimoâ 
terrenos, a principio desertos, onde hoje se contem- 
plam os florescentes estados do sul e do oeste. Invo- 
quemos o patriotismo das provincias para essa obra 
commum, que tanto importa á grandeza da pátria. 
Comprehende-se que recusem a sua cooperação e dis- 
putem obstinadamente as posses actuaes, quando se 
trata de desannexar de uma para unir a outra paro- 
chias ou comarcas, sem fim elevado que justifique 
ou attenúe a dissolução de antigos laços e veneráveis 
tradições. Mas, ao se effectuarem as vastas reformas 
desceu tralisadoras, todas farão alegremente o sacri- 
ficio imposto pela causa commum. 

A empreza demandará, em todo o caso, muitissimo 
tacto. As maiores provincias teem que fazer, da sua 
parte, grandes concessões : o Rio de Janeiro carecerá 
resignar-se a ver a capital do Estado transferida para 
sitio mais resguardado, mais conveniente á vida 
politica e ao trabalho de gabinete, mais salubre, mais 
central ; todas ellas hão de respeitar o principio da 
igualdade, nomeando cada uma dotos senadores so- 
mente, e consentindo na periódica distribuição das 


INTERESSES PROVINCIAES 393 

cadeiras da camará temporária proporcionalmente á 
população verificada pelo ultimo censo. Realisar-se-ha 
desta sorte o equilibrio politico, que debalde se tenta 
firmar por outros meios. 

Sobre a urgência dessa nova distribuição parlamen- 
tar, muito baveria que dizer. Si, na falta de um 
censo exacto, se tomasse, como expressão do mo- 
vimento das transacçSes, do commercio e da riqueza 
em cada província, o producto das rendas internas, re- 
saltariam desproporções consideráveis. Por exemplo, 
Minas Geraes, que nomêa um sexto de toda a repre- 
sentação nacional, para a renda interna (única que 
abi se cobra além da extraordinária ) somente con- 
tribue com a decima oitava parte. Occorrc exacta- 
mente o inverso no municipio neutro e provincia do 
Rio de Janeiro, que, contribuindo com 61 V, de toda 
aquella renda, apenas teem 10 7o do numero de depu- 
tados e senadores. Só a estatística da população e da 
riqueza, explicando esses disparates, removeria de 
nosso regimen a censura, que justamente lhe fazem, 
de repousar sobre bases completamente arbitrarias. 

Este grave incouveniente da desigualdade na re- 
presentação, que tantos ciúmes fomenta e tantob de- 
sastres semôa, os Estados-Unidos o evitam prefixando, 
periodicamente, o numero de habitantes correspondente 
a cada cadeira da camará dos deputados. Muito menor 
outr^ora, este algarismo é hoje de quasi 150,000. Ali a 
deputação de cada estado não é fixa, mas altera-se 
conforme fluctúa a população. Os de leste e centro 
dominavam, ha pouco, a maioria do congresso : hoje a 

A PROV. 50 


394 ?ARTB TERCEIRA 

influencia passou aos populosos e florescentes estados 
occidentaes. Só no senado existe, e mui sabiamente, 
absoluta igualdade de representação. 

Concluamos com uma derradeira advertência. A 
repartição de duas provincias (Amazonas e Mato-Grosso) 
em certo numero de territórios, e a conversão em outros 
das secções que confinam com o deserto ou são deser- 
tos, não importa somente á boa administração, mas 
também á liberdade politica. Os districtos eleitoraes 
chamados do sertão, os das duas mencionadas provin- 
cias, de Goyaz e outras, não são, porventura, bourgs- 
pourris, uso-fructo de cada ministério por seu turno? 
Ahi as candidaturas officiaes são infalliveis ; ahi não 
ha illustração, riqueza, pessoal, que possa sobrepujar 
ou empecer a torrente do poder. O candidato official 
não tem ahi competidor. O que ganham os partidos 
com esta falsificação do systema? Cada qual abusa 
por sua vez desse fácil triumpho, e por sua vez des- 
moralisa-»e recorrendo a um triste expediente. 

A actual divisão do império incorre, portanto, nesta 
dupla censura : embaraça a reforma descentralisadora, 
e falsifica o systema representativo. 


395 


CONCLUSÃO 


Depois de estudar cada um dos poaeres proYÍnciaes,o 
legislativo, o executivo, o judicial, examinámos tam- 
bém, quanto em nossas forças cabia, o vasto circulo 
de interesses meramente locaes, ou communs ao Estado 
e á Província. Quão longe nos acliamos, ha de o leitor 
reconhecer agora, de uma organisação onde os primei- 
ros funccionem independentes do poder central, e os 
segundos attinjam á plenitude do seu desinvol- 
vimento ! 

Assembléas provinciaes, peadas pelas usurpações 
de 1840 e posteriores, arrastam a vida inglória de 
uma instituição desprestig'iada. 

Presidentes, — agentes de outro poder, não repre- 
sentantes da provincia, commissarios eleitoraes, não 
administradores e executores dos decretos das assem- 
bléas, — tudo podem, até suspender leis promulgadas. 
Municipalidades^fextinctas, literalmente extinctas, 
sem mais prestigio que as assembléas, e muito menos 
sensíveis á qualquer movimento de independência, 
nem protestam contra a sua profunda humilhação. 

Justiça e policia, não separadas, mas estreitamente 
unidas ^e confundidas, — puro funccionalismo, pelogo- 


396 CONCLUSÃO 

verno central arbitrariamente montado, com a mais ri- 
gorosa symetria, sem attenção ás diflferenças das lo- 
calidades, — exercem, ás ordens directas do presidente, 
a grande missão de domarem o suffragio e de conver- 
terem o parlamento em chancellaria do império. 

Melhoramentos moracs ou materiaes, a instrucçâo 
do povo, a emancipação do escravo, o povoamento dos 
nossos desertos pelo emigrante do norte do globo, vias 
terrestres ou fluviaes, tudo protrahe-se lentamente 
ou tudo está por fazer. 

Em summa, governo absoluto, dispondo a.capriclio 
da segurança, da honra, da propriedade e da vida do 
cidadão, que vegeta sem tranquilidade e não scisma 
no futuro sem receios ; espirito publico corrompido, 
sem ideal, dominado pelas mais terrenas preoccupa- 
ções, inerte diante das exigências do patriotismo, 
indijfferente á causa da liberdade — á honra de dovo 
soberano : eis o resultado da centralisacào fundada 
sobre asruinas do acto addicional. 

De sobra alcançaram seu alvo os contra-revolu- 
cionarios de 1840 : intorpecidas, annuUadas, carre- 
gando responsabilidade mui superior ás faculdades 
que lhes deixaram, nossas províncias offerecem o mais 
triste espectáculo . Lástima é vel-as debatendo -se nesse 
supplicio. Do que se occupam ? o que nellas commove os 
espíritos? o que agita a imprensa? Excessos de autori- 
dades irresponsáveis como o poder que as mantém, elei- 
ções viciadas, e sempre eleições, favores illegaes, pre- 
tenções de empregados, e, quando muito, projectos de 
intermináveis edifícios nas capitães. 


CONCLUSÃO 397 

Fossem, porém, as províncias reintegradas na sua 
autonomia constitucional, formassem livremente o 
seu governo interior, gyrassem com plena isenção no 
circulo dos interesses locaes, e sem dúvida se desva- 
neceriam estas scenas mesquinhas, tristes effeitos da 
centralisacão. 

Esboço de obra não acabada, o que valem nossas 
instituições provinciaes a bem da liberdade politica, 
o que podem para o fomento do progresso ? Deficien- 
tes e incoherentes, não perservam uma, nem acele- 
ram o outro. Cumpre encher as lacunas, cumpre eli- 
minar as incongruências da organisação actual. 

Para curar enfermidade tão grave, não bastam me- 
didas moderadas. Ou promovam a larga reforma des- 
centralisadora, ou terminem uma situação equivoca 
e detestável proclamando francamente a unidade 
monarchica á européa. Dividam então o Brazil em. 
200 circunscripções iguaes, da ordem das comar- 
cas, dêem a cada uma conselho de prefeitura e admi- 
nistrador civil : herdem o parlamento ou o governo as 
attribuições legislativas ' das assembléas. E' lógico, 
é pelo menos uma solução clara: acaba o equivoco, 
cessa o ingano, completa-se resolutamente a obra 
destruidora que um novíssimo projecto de interpre- 
tação recomeça com a habitual temeridade das rea- 
cções. 

Terão, porém , esta audácia das suas convicções 
aquelles que systeraaticamente hão amesquinhado a 
Província ? Poderá a reacção monarchica preencher 
todos os seus desígnios, e, depois de diluir o acto 
addicional, abolil-o francamente ? 


I 

ff 

% 

t 

k 


398 CONCLUSÃO 

Quanto a nós, preserva-nos deste receio a própria 
situação gerada pela politica centralisadora, os des- 
contentamentos que promove, as impaciências e irri- 
tações que excita. Quem desconhece, por ventura, 
que só a descentralisação pôde abaixar os clamores 
que já resoam contra a integridade do império? 

A união não hade resistir muito tempo aos sa- 
cudimentos de sérios interesses conculcados ou desa- 
tendidos. Pedem-se de toda a parte escolas, es- 
tradas, trabalho livre, melhoramentos moraes e ma- 
teriaes. Por si só, mal pôde o governo central acudir 
9. este ou aquelle mais ardente reclamo ; e por 
cada um que satisfaz ou illude, vê recrescer a im- 
paciente exigência de todos os outros. Não lhe resta, 
portanto, mais que uma solução : dividir a sua formi- 
dável responsabilidade, invocar o auxilio do munici- 
^ pio e da província para a obra commum da prosperi- 
dade, nacional ; em uma palavra, descentralisar. 

Não, não é isto abdicar; é, pelo contrario, fortifi- 
car-se, e habilitar-se, alliviado de um ónus excessivo, 
para o pleno desempenho da grande missão que 
ao Estado compete em nossa imperfeita sociedade. 

Essa grande missão de liberdade e progresso não 
se circunscreve á perseverança no aperfeiçoamento 
da legislação, á implacável energia era moralisar o 
governo ; comprehende também a tarefa de acelerar a 
obra da civilisação. Caminhos de ferro, navegação, 
telegraphos, agentes physicos do progresso moral, 
são meios infalliveis de fortalecer ou de consolidar a 
união das províncias, afrouxando os odiosos laços 
da centrali sacão. 


coNcyjsÃo 399 

Como escurescer a immensidade do erro de um go- 
verno que, desdenhando da sua missão própria, tão 
grandiosa, tão nobre, ha consumido trinta annos em 
luta aberta contra as liberdades do cidadão e as fran- 
quezas da provincia? Como não exprobrar-lhe a ce- 
gueira de uma politica que, rejeitando o caminho que 
o levava a elle á gloria, e o Brazil á prosperidade, pre- 
feriu trilhar obstinadamente a rota batida dos prínci- 
pes europeus? Como não embargal-o na marcha ver- 
tiginosa em que prosegue, bradando-lhe : 

Vós perdeis o paiz, perdendo-vos I vós o arremes- 
sais de novo nas crises revolucionarias I 

Julgais unir estreitamente a commiinhão 
brazileira , apertando-a com os vossos regula^ 
mentos, e sufíbcando-a na papelada das vossas secre- 
tarias ? Engano manifesto I estais, sem dúvida, estais 
preparando a obra, talvez fatal, da dissolução do im- 
pério. 

Vôde o Norte. E' nome vão apenas depois que 
vossas leis e vossos procônsules arregimentaram, as 
cohortes pretorianas do absolutismo dissimulado ; pois^ 
bem I elle passará a ser depressa uma realidade 
tremenda. Basta-lhe computar suas forças, e pesar 
friamente os benefícios e os encargos da união. 

Augmentam cada anno as prosperas receitas das 
onze províncias septentrionaes; da Bahia ao Amazonas 
entram nos cofres nacionaes 36,000 contos; mas so- 
mente 15,000 nellas se despendem, ou no Rio de Ja- 
neiro e em Londres, com serviços realisados em cada 
uma ou que a todas as onze interessam . Os 21 ,000 contos 


400 CONCLUSÃO 

restantes desde já promoveriam o desinvolvimento ma- 
terial amoral do Norte, sinâo fossem absorvidos pelos 
juros da divida pública e pelo custeamento da adminis- 
tração central. Até o ultimo ceitil paga o Norte, que 
aliás geralmente se reputa na dependência do Sul, a 
quota que lhe cabe na despeza dos serviços nacionaes, 
sem nada restar ao thesouro do império, antes o au- 
xiliando com uma somma liquida considerável, pouco 
inferior a 7,000 contos este ãnno. * 

Para avaliar, porém, de resultado tào lisongeiro a 
essa parte do Brazil, attenda-se que na despeza propria- 
mente nacional figuram verbas exageradas, figura o 
luxo da administração montada com funccionalismo ex- 
cessivo, clientela dos homens politicos da capital, figura 
o serviço da divida accumulada pelas guerras do Prata 
e Paraguay. 

Certo, cumpre reconhecel-o, não é duvidosa a van- 
tagem da união pelo lado da grandeza e da força ; mas, 
sob o ponto de vista financeiro, se deve confessar que 
a separação é indifferente. Outras questões hão de 
surgir, outros interesses hão de inclinar a balança, e 
decidir dos destinos da nossa nacionalidade. 

Mui graves são essas questões e tão patentes, que 
mal avisado fora tentar vélal-as. Resolutamente 
as encaremos, pois, si buscamos a verdadeira solução 
da difficuldade, o meio seguro de restabelecer o equi- 
librio, consolidando a integridade do Brazil. 

Desde o primeiro reinado, guerras com as republi- 

1 V. o Appendice. 


CONCLUSÃO 401 

cas vizinhas dizimam a população do Norte, con- 
vertendo-o em viveiro de recrutas do exercito e ar- 
mada, e impõem-lhe o sacrifício permanente de divida 
avultada, na qual só é moralmente solidário de quantia 
minima, a divida da independência. Entretanto, sem 
colherem vantagem da preponderância ou intervenção 
em negócios do Prata, que lhes não importam directa- 
mente, sinão como parte integrante do império, as pro- 
vincias do Norte sabem que nunca involveram o 
Brazil em guerras externas, e nas civis não foram 
mais abundantes que o Sul. 

No valle do Parahyba (Rio de Janeiro, S. Paulo, 
Minas) concentra-se um milhão de escravos. Outr'ora, 
os interesses da sua grande propriedade proscrastina- 
ram a repressão do trafico, humilhando a nação inteira 
e corrompendo um governo em que influiam os 
Crésos, negreiros da capital : hoje, esses mesmos in- 
teresses adiam indefinidamente as medidas abolicio- 
nistas da escravidão, e repellem até as indirectas. No 
Norte, porém, varias províncias quasi não possuem 
escravos, e todas, inclusive Bahia e Pernambuco, pra- 
ticam o trabalho livre em escala considerável : o al- 
godão, o café, o fumo, a borracha, o cacáo, que ellas 
exportam, não os produz o escravo; o próprio assucar, 
em parte que aug-menta progressivamente, é também 
fructo da liberdade. Algumas dessas provindas podem 
por si mesmas remir os seus captivos, e desejam apro- 
ximar a época da emancipação : nenhuma encara com 
pavor a politica abolicionista. Fora, entretanto, mais 
plausível a exigência do lavor servil no clima ardente 

A PROV. 51 


/ 


402 CONCLUSÃO 

das noâSas regiSes do equador, que nos amenos campos 
e temperados vallesdas províncias tropicaes. Todavia, 
naquellas, si elle diminuo, cresce sem cessar a sua 
prosperidade ; nestas, onde tudo favorece o trabalho 
livre e convida o immigrante, accumulou-se a escra- 
vatura ; e, cavando a ruina de duas gerações, retar- 
dando o progresso, derramando o pânico, tornando 
incertos todos os cálculos, falliveis todas as emprezas, 
a funesta instituição dominadora no Sul obriga a um 
adiamento temerário o resto do paiz, que pode aflProntar 
o futuro com menos susto oH mais coragem. Repetin- 
do a memorável phrase de Sumner, se pôde, portan- 
to, dizer aqui, com a mesma exactidão que nos Esta- 
dos- Unidos : Freeãom national, slavery sectionaL 

E, quanto a melhoramentos materiaes, tem acaso 
o Norte um só porto, sem exceptuar o de Pernambuco, 
onde se hajam feito trabalhos sérios? Em sete das . 
provincias septentrionaes, nenhum serviço notável 
custêa o Estado. Duas contam estradas de ferro con- 
demnadas á estabilidade, emquanto a de « Pedro II », 
inda que timidamente, não tem cessado de proseguir 
á custa da receita geral. Nãopossue o Norte marinha 
mercante; aos armadores do Rio de Janeiro paga fretes 
excessivos : suporta as duras condições da marinha 
privilegiada, soporta as fascinadoras doutrinas de 
uma escola que pretende promover industrias e fa- 
bricas em paiz agrícola, onde á própria lavoura fal- 
lecem aptidões profissionaes e capitães baratos, mais 
ainda que braços. 

Emfim, e para não ir mais longe, é o Norte interes- 




CONCLÚSXO 408 

sado nessa concentraçSo administrativa» que sujeita 
o paiz á ineluctavel supremazia dos politicos da 
capital ? 

Pesai bem esses vivos contrastes, e dizei si a in- 
tegridade de um Estado igual a três quartas partes da 
Europa pôde subsistir sinão a sombra de uma politica, 
que indemnise as provincias dos sacrifícios que fazem 
á união. Poderá, porém, resistir muito tempo á acção 
de duas causas isoladoras, a desigualdade de trata- 
mento e a centrali sacão? 

Notai que os 36,000 contos da actual receita 
do Norte eram, ha vinte annos, a do Brazil todo ; e 
que, mesmo sem incluir as rendas municipaes e pro- 
vinciaes, é aquella receita superior ao orçamento da 
Republica Argentina e ao de qualquer dos povos da 
America, excepto somente os Estados-Unidos. 

O Norte, folgamos reconhecel-o, não attingiu a esse 
extremo de descontentamento, em que a discussão li- 
mita com o combate. Fluctúa, é certo, nas regiSes 
mais próximas do equador, um instincto vago de in- 
dependência ; em outras propaga-se a dúvida sobre as 
vantagens da união. Querem sinceramente dissipar 
a nuvem ameaçadora ? Um meio existe, pacifico, in- 
fallivel, glorioso ; grande resolução exige, porém, e 
a mais nobre de todas: a de eeder sem constrangimento, 
a de resignar o poder arbitrário diante da liberdade 
opprimida. Ceda o governo imperial espontaneamente 
o que desde 1840 usurpara ao povo, ao município, á 
província; restaure, não uma liberdade nominal e pre- 
cária, mas a liberdade, tangível e prática, da des- 


404 CONCLUSÃO 

centralisação . Politica tão magnânima será repudiada 
pela cegueira fatal que arrasta á perdição todos os 
governos infelizes, todos os systemas decadentes ? 


APPENDICE 


V 


í 




o NORTE E O SUL 


(P. 400) 


CJobrem as rendas do Norte todas as respectivas despezas da 
administração publica e a quota correspondente dos encargos 
propriamente nacionaes ? 

Vejamol-o, começando pela 

RECEITA 

Cresce do modo mais lisongeiro a receitado Norte: elle 
deve ter contribuído com 36,000 contos para a renda de 1869 
— 70, que attingirá a 96,000, segundo o ultimo relatório do 
ministério da fazenda (1870). Eis a distribuição pelas provin- 
cias, extrahida de uma tabeliã do mesmo relatório : 

Amazonas 91:103;!^ 

Pará 4.077:218* 

Maranhão 2.791:334» 

Piauhy 207:066» 

Ceará 2.815:446» 

Rio Grande do Norte 591:718» 

Parahyba 706:741» 

Pernambuco 13.935:056» 

Alagoas 756:989» 

Sergipe 364:647» 

Bahia 9.584:943» 

35.922:262» 


408 AFFENDICB 


DESPEZA 

Posto que fastidiosos, não podemos aqui supprimir alguns 
desinvolvinientos. 

Vamos seguir, excepto nos lugares expressamente indicados, 
os algarismos de um balanço definitivo, o do exercicio de 1866 
— 67. Como se sabe, as verbas ordinárias da administração 
não offerecem subitamente grandes alterações. Póde-se, pois, 
tomar como expressão da realidade as sommas desse balanço, 
que aliás é o ultimo publicado na occasiáo em que escrevemos. 

Despeza da administração geral no Norte. 

Comprehendemos aqui todos os serviços dos dififerentes mi- 
nistérios, sem exceptuar nenhum, — iustrucçáo superior, justi- 
ça, culto, fazenda, obras publicas, corpos de guarnição e 
divisões navaes, — cujas despezas se pagam nas thesourarias 
de cada provincia. Eis a sua importância : 

Amazonas 352:565^1^ 

Pará 1.467:255» 

Maranhão. 1.111:927» 

Piauhy 363:119» 

Ceará 566:061» 

Rio Grande do Norte 235:618» 

Parahyba 329:691» 

Pernambuco 2.881:849» 

Alagoas 406:814» 

Sergipe 292:192» 

Bahia 3.497:545» 

11.504:636» 

Subirá a 11,527 contos esse total, ajuntando-lhe 12:443» 
que no mesmo exercício se pagaram, em Londres e 




APPENDICK 409 

no Rio de Jaaeiro, a alguns funccionarios ausentes das provín- 
cias, ou por serviços delias. O recente augmento dos venci- 
mentos da magistratura o elevará a 11,800 contos. 

No exercicio do balanço que compulsánaos, as despezas mi- 
litares (ministérios da guerra e marinha) effectuadas no Norte 
quasi equivalem ás que nelle se fizeram em anno anterior á 
luta do Paraguay, 1863 — 64, quando lá havia mais tropa de 
linha e mais navios da esquadra. O total acima se pôde, pois, 
reputar despeza normal dos serviços geraes nessa parte do 
império. 

Si agora se confrontarem os dous totaes, ver-se-ha: 

1.0 que tem renda superior á despeza nellas effectuada 
cada uma das onze provinc^as, excepto Amazonas e Piauhy, 
cuja receita aliás se cobra em grande parte nas estações fiscaes 
das outras vizinhas ; 

2.» que a renda excede á despeza em 24,122 contos. 

Esta quantia não representa, porém, saldo effectivo com 
que o Norte contribua para o erário do Brazil. Pelo thesouro 
nacional e peia caixa de Londres se fazem duas ordens de des- 
peza^ que elevam muito o passivo daquellas províncias. A 
primeira é a dos serviços contractados por bem delias ; con- 
stituem a segunda as quotas que lhes cabem nos gastos com o 
governo central, as relações exteriores e a divida publica. 
Vamos deduzil-ás separadamante. 

Despeza de serviços do Norte. 

Aqui incluimos juros a estradas de ferro e subvenções á 
navegação, que não se paguem nas províncias que gozam 
desses melhoramentos, mas no Rio de Janeiro ou em Londres. 
A saber : 

1®. Estradas de ferro, l,646:791?f. Sendo: — 5 «/o íntegraes 
garantidos á da Bahia, 800:000í> ; 2 7o da responsabilidade 
provincial adiantados pelo governo, lambem integralmente, 
320:000#:^— 5 7o á de Pernambuco, não integraes, porque dá 

A PROV. 52 


41o 


APPENDICE 


renda liquida, âãi5:595;|^; 2 ""jo idem, da responsabilidade 
provincial, 141:196#; algarismos que soffreráo um leveaug- 
mentocorao recente acréscimo do capital garantido. 
2**. Navegação a vapor, 1,652:000$. Sendo: 

— Do Amazonas, 720:000^. 

— Dos afluentes do Amazonas (96 contos), e do baixo S. 
Francisco (40) : despezas que incluimos, posto que, sendo pos- 
teriores, não figurem no balanço que acompanhamos. 

— Parte da subvenção á companhia Brazileira de paquetes, 
correspondente á distancia percorrida da Bahia ao Pará, ou 
cerca de 4/5 da subvenção total, 616:000$, despeza aliás menor 
hoje em virtude do novo contracto. 

— Parte igualmente da linha do Rio de íaneiro a New- 
York, 180:000». 

Não se contemplam aqui, por se effectuarem nas thesou- 
rarias de fazenda do Norte os respectivos pagamentos, as 
subvenções das companhias Bahiana, Pernambucana, Ma- 
ranhense, Sergípense e do Parnahyba, cuja somma, portanto, 
já figura no total, acima indicado, da despeza geral realisada 
nessas provincias. 

As duas verbas, juros de estradas e subvenções de paquetes, 

sommando 3,298:791$, reduzem o saldo do Norte a 20,823 

contos. Vejamos si elle desaparece diante da despeza propria- 
mente nacional, que o Norte soporta como parte integrante do 
império. 

Quota da despeza 'propriamente nacional. 

Quanto attribui remos ás provincias iseptentrionaes dos en- 
cargos da união? Onde acharemos a expressão arilhmetica da 
justa responsabilidade delias ? Resposta exacta dal-a*ia so- 
mente a estatistica da população e riquezas do Brazil. Não a 
possutínos, nem parcial ! Ora, não bastaria conhecer o numero 
d© habitantes do Norte para determinara sua força produotora, 
única base equitativa dos impostos e encargos públicos; e, por 
outro lado, nenhuma confiança inspiram as esUmativas offi- 


^ 


APPENDICE 4H 

ciaes. Em um documento deste género [o Império do Brazil na 
Exposição Uriiversaí, 1867) até se desprezaram os arrolamentos 
policiaes já conhecidos, como os do Amazonas e Santa Calha- 
riria, dando-se á primeira 100,000 habitantes e á segunda 
200,000, em vez de 40,443 e 119,181, que são o resultado de 
censos anteriores. Attribuindo ás onze províncias do Norte 
metade da população do império, esso documento não é con- 
firmado pelo elemento mais seguro que se de[^ára neste cál- 
culo de probabilidades, — 8 correspondente somma das rendas 
geraes. 

Para avaliar com justeza a parto ' dos encargos nacionaes 
que direitamente competem ao Norte, nós prefiri mos esse ele- 
mento, a proporção da sua receita para a receita do im- 
pério, por dous motivos: P, porque são os impostos geraes 
os mesmos em todo o Brazil, excepto somente, quanto ás al- 
fandegas de Mato-Grosso e Amazonas, uma ligeira differença 
de tarifas, que alias não altera o resultado; 2*, porque, tocando 
esses impostos a todo o commercio interno e externo, a todas 
as transacções e factos da vida civil e industrial, o seu pro- 
ducto exprime aproximadamente o valor económico de cada 
secção de um Estado, e, portanto, a sua capacidade tribu- 
taria. 

Ora, no exercicio de 1869 — 70, bem como em outros 
anteriores, a renda das mencionadas províncias foi 37,5 <*/<> ^^ 
renda do império. Esta proporção é confirmada pela parte 
correspondente ao Norte nos valores officiaes do commercio 
de importação, de exportação e de cabotagem. Com certa se- 
gurança, portanto, podemos tomar o algarismo 37 '^/o como a 
quota dá despeza de caracter nacional imputável ao Norte. 

Passemos a discriminal-a cuidadosamente. 

1". Representação nacional : Familia imperial, 1,396:196!|>; 
— Pariamento, 509:672»:— total, 1,905:868». 

Quota do Norte, 715:159». 

2'. Secretarias de estado, agregada á de fazenda a parte 
da direcção geral do thesouro, 1,366:270». 


412 APPKNDICB 

Quota do Norte, 505:494», 

3<». Representação diplomática, tomando a verificada em 
um exercicio de paz, o de 1863 — 64, e excluindo a verba da 
secretaria de estrangeiros já englobada acima, 621:231». 

Quota do Norte, 229:844». 

4.« Repartições e despezas diversas da administração cen- 
trai, a saber : conselho de estado, supremo tribunal de justiça, 
relação eclesiástica metropolitana, casa da moeda, archivo 
publico, typographia nacional e Diário offícial, exposições (a 
nacional e a internacional de 1867), adjudas de custo a presi- 
dentes e niagistrados, eventuaes de diversos ministérios e des- 
peza secreta em Londres: — total, 791:687». (Não considera- 
mos nacionaes õs estabelecimentos de instrucçáo da corte, os 
mstitutos de caridade, etc.) 

Quota do Norte, 292:892». 

5". Exercito, sendo: 

— Conselho supremo militar, addicionada a consignação 
do ministério da marinha, 35:548». 

— Instrucção militar, 170:666». 

— OíSuiaes generaes e dos corpos especiaes , despeza 
feita na corte e em Londres, além da efFectuada nas provincias 
(acompanhamos nesta parte o balanço de 1863 — 64), 417:592». 

— Archivo militar, 22:075». 

— Laboratórios (citado exercicio de paz), 128:000». 

— Fabricada pólvora (idem), 150:228». 

Não incluimos nem a despeza com arsenaes, nem com os 
corpos do exercito, nem com fardamento e equipamento, por- 
que, achando-se o exercito distribuído por todas el las, em cada 
provincia se fazem em tempo de paz os respectivos gastos, que 
já foram acima englobados no monte da despeza com a admi- 
nistração geral. Em 1863 — 64, por exemplo, mais de 3/4 da 
despeza com o exercito pagaram as ihesourarias das diversas 
provincias aos corpos fixos ou moveis. 

Total a distribuir, das indicadas despezas com o exercito, 
além das que se eíFectuam nas provincias mesmas : 924:109». 


J 


APPBNDICE 413 

Quota do Norte, 341:920». 
6." Marinha, sendo: 

— Conselho naval, quartel general, escola de marinha, bi- 
bliotheca, contadorias (náo se ajuntando a intendência, etc, 
por ser propriamente accessorio do arsenal do Rio de Ja- 
neiro), 220:529». 

— Despeza feita na corte e em Londres, além da que o foi 
nas províncias, com officiaes do estado maior, corpos anne- 
los, divisões da esquadra, gratificações, etc, no citado exer- 
cicio de paz, 1.244:425». 

— Material da armada, quantia despendida em Londres, 
no dito exercício, 941:395». 

— Armamento, equipamento, munições, artigos de reparos 
e construcções, medicamentos, combustivel, pagos na corte, 
pouco mais ou menoí, 709:610». (Náo se inclue toda a im- 
portância da despeza effectuada, porque parte pertence espe- 
cialmente ao arsenal e divisão naval do Rio de Janeiro.) 

Total da despeza com a marinha de guerra, a distribuir : 
3,115:954». 

Quota do Norte , 1,152:902». 

Não carecemos advertir que, achando-se a armada mais 
concentrada no Rio de Janeiro, onde existam os principaes 
estabelecimentos navaes do império, a despeza central da ma- 
rinha é por isso mesmo maior que a do exercito, o qual nos 
tempos ordinários se espalha por todo o Brazil e é supprido 
pelas thesourarias de cada província. 

7." Finalmente, a mais onerosa das verbas, a do serviço 
da divida pública : 

— Juros da externa (segundo a lei do orçamento 

de junho de 1870) 8,056:560» 

— Da interna fundada (idem) 15,269:266» 

— Dos bilhetes do thesouro (idem) . . . 3,526:000» 

— Differenças de cambio 2,668:880» 

— Caixa de amortisação 58:900» 

Total. • . . 29,579:606» 


(f 


414 APPBNDICK 

Quota do Norte, 10,944:452». 

Sommando as parcellas acima, achamos que a qnóta da 
despeza propriamente nacional, correspondente ás onze provín- 
cias, é 14,182 contos. 

Este considerável algarismo, elevado principalmente pelo 
ónus excessivo da divida pública, não absorve, entretanto, o 
saldo da receita do Norte (20,823 contos), não õ deixa em 
deficit perante o thesouro nacional. Paio contrario, o Norte 
fornece ao Sul um saldo liquido de 6,641 contos, deduzida 
toda a espécie de gastos locaes ou nacionaes. 

Em resumo: 

Satisfaz o Norte, na parte que lhe compete, a todos os eu* 
cargos da união. 

Paga as deapezas da administração geral nas suas pro- 
vincias. 

Paga os serviços que lhes interessam, vapores e estradas 
de ferro. 

Paga, além da que nellas se eflfectua, a quota relativa da 
despeza com o exercito e a armada. 

Paga a quota igualmente da representação nacional e da 
administração central. 

Paga os tributos legados pelas guerras do Sul. soffre o pa- 
pel-moeda, atura a divida pública.... Ainda mais: remette 
ao Rio de Janeiro saldos líquidos, algnns milhares de 
contos. 

Deve acaso, por cúmulo de males, so portar a centralisaçào? 
Não é sobejamente pesada a união pelos seus ónus financei- 
ros ? Ha de sel-o ainda, perpetuamente, por sua organisaçáo 
interna ? 


INDIOE 


Prefacio. 


PARTE PRIMEIRA 


CBNtBÁLiSAÇAO B FBDBRAÇÃO 

tlAPlTULO L— A OBRA DA CSNTnALISAÇiO 3 

CAPITULO II.— O GOVERNO NOS Estados iiODViitífos 13 

CAPITULO III.— A GBNTRAUSAÇAO B AS 1I£F4>R1IAS 21 

CAPITULO IV.— Objecção 31 

CaPITEHjO V."-^ a i»IMRAç£ò NOS fiíViKDeS^UNmOS 37 

Governo federal - 38 

GoVerno dos estados : poder legktfativo 44 

Poder executivo 46 

Organisação judiciaria 51 

CAPITULO VI.— AuTONOMU das Colonías Inolbzas 61 


o 


416 INDICB 


PARTE SEGUNDA 


INSTITUIÇÕES PROVINCIAES 


CAPITULO I.— O ACTO ▲DDIGIONÁL 79 

S I.— A tentativa de descentralisação 81 

S II.— A reacção: influencia do conselho de estado. 

Contra-reacção 8S 

S III. ~ Precedentes estabelecidos pela reacção. . . 96 
§ IV. — Novos projectos centralisadores : conselhos 

de província, agentes administrativos. ... 102 

S V.— Misáão do partido liberal 109 

CAPITCLO II.— A ASSEMBLÉA 113 

S I.— Senados provinciaes 114 

§ II.— Commissões permanentes 116 

8 III.— Eleição 119 

CAPITULO III.— O PRESIDENTE 121 

§1.— Eleição do presidente ; independência dos func- 

cionarios geraes 122 

8 H.— Vantagens da eleição do presidente . : . . 130 

8 III*— Órgãos da administração provincial . . . . 137 

CAPITULO IV.- A MUNICIPALIDADE Ul 

8 I*— O vicio da uniformidade. Diversidade dos mu- 
nicípios : competência das assemblóas . . . 143 
8 n.— O acto addícíonal e as municipalidades. . . 149 
8 III.— Autonomia do município; bases de reforma. 154 

CAPITULO V.- A POLICIA 165 

8 I*— A uniformidade da policia. Caracter local das 

instituições políciaes 168 

8 II.— Organisação policial de algumas províncias de- 
pois do acto addícíonal : as leis dos prefeitos. 

Seu fundamento 173 


INDICK 417 

CAPITUF.0 VI.— A FORÇA POLICIAL E A GUARDA NACIONAL. . . 183 

g I. — Força policial : instituição commum á provín- 
cia e ao município 184 

S II.— Guarda nacional: limite da competência do 

poder central. Abolição 187 

CAPITULO VII.— A JUSTIÇA 195 

§ I.— Juizes de primeira instancia. Razão do acto 

addicional 199 

S II. — Independência do poder judicial : nomeação e 
promoção dos juizes. Princípios de organisa- 
ção judiciaria communs á lei geral e ás pro- 
vinciaes. . , , 206 

§ III.— Relações em cada província 213 

S IV.— Assumptos da competência provincial. Requi- 
sitos para o cargo de juiz : o noviciado ... 216 

S V. — Competência exclusiva da lei geral . garantias 

do cidadão 219 


PARTE TERCEIRA 


INTERESSES PROVINCIAES 


CAPITULO I.— IxsTRUCÇÀo publica 257 

§ I. — Liberdade do ensino particular. Desiuvolvimen- 

to do ensino publico. Ensino obrigatório . . 229 
§ II. — Um systema efficaz de instrucção consome 

muito dinheiro. Justifícação da ta>xa escolar^ 

imposto exclusivamente provincial .... 238 
8 III.— Applicação da taxa escolar. Organisação do 

ensino nas províncias 243 

CAPITULO II.— Emancipação 255 

S I.— O Estado e a emancipação » 

§ II.— Missão das províncias 265 

A PROV. 53 




418 índice 

CAPITULO III — Associações 281 

CAPITULO IV.— iMMiGRAçio 291 

CAPITULO V.«— Obras PUBLIC AS 303 

S I. — A centralisaçào nos melhoramentos materiaes . 306 

S II.— Até onde se estende a competência provincial . 312 

S III.— Missão do governo geral 320 

CAPITULO VI.— Receita e despeza 331 

§ I. — Insufficiencia das rendas provinciaes. O self-go- 

vernmenty correctivo dos pesados tributos . . 334 

g II. — Restricções ao poder provincial em matéria de 
impostos : taxas locaes addicíonadas a impo- 
sições geraes . . . • 338 

§ in. — Impostos de importação. Não se confundem 

com taxas de consumo local e taxas itinerárias. 344 

g IV. — Imposto provincial de exportação ; seu funda- 
mento. Inconvenientes da taxa geral sobre 
productos exportados 349 

g V. — Novas fontes de receita provincial : o imposto 

territorial 355 

g VI.— Fusão das imposições provinciaes: taxa di- 
recta sobre a propriedade 360 

g VII. — Impostos geraes que se pôde transferir ás pro- 
víncias. Correspondem á despeza dos serviços 
que devem ser descentralisados 363 

CAPITULO VII.— Negócios geraes nas províncias 375 

CAPITULO VIII.— Novas províncias e territórios . . . ; . 387 

CONCLUSÃO 395 

APPENDICE.— O Norte E o Sul ; . . 405 


ERRATAS 

Pag. 197, linhas 14—15 : regras criminal em vez de regras do pi'oces$o cHmi- 

naU j . , 

y T^ > 16—17 : projecto do processo de reforma em vez de projecto de 

reforma. 
» 248, » 6—7 : as provindas em vez de das provinciaS' 
» 255, > 13 : por utilidade publica em vez de por bem da moralida- 

de pública» 


OIFtElTO, EOOIVOM:IA F>OLiITIOA, 
FINANÇAS, OOJWCJVXIBROIO, etC. 


AiiMlyse sobre a escríptaraçâo commercial. 1. vol in-4 br. 1$000 

Este livro dà uma idéa geral da escrípturação commercial e dos difie- 
rentes livros em geral usados no commercio. E' de fácil compre- 
hensão, e o mais explicativo que pôde ser. 

Buds^et du Brésil (Le) ou recherches sur les ressources de 
cet empire dans leurs rapports avec les intérêts européens du com- 
mercê et de Timigration, par le Comte áuguste vàn der Straten- 

PoNTHOZ. 3 vol. br 15^000 

Ene. . , 18íf000 

Codigro Penal do Império do Braasil, com observações 
sobre alguns de seus artigos,pelo Dr. Manuel Mendes da Cunha Aze- 
vedo. 1 vol. br SjjlOOO 

— Pliilltppino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, reco- 
piladas por mandado de El-Rei D. Felippe I, decima-quarta edição, 
addicionada com diversas notas philologicas, históricas e exegeticas, 
em que se indicão as diiferenças entre aquellas edições e a vicentina 
de 1747, a origem, desenvolvimento e extincdio de cada institoiçSo, 
sobretudo as disposições hoje em desuso e revogadas ; acompanhando 
cada paragrapho sua fonte, conforme os trabalhos de Monsenhor 
Joaquim José Ferreira Gordo e dos desembargadores Gabriel Pereira 
de Castro e João Pedro Ribeiro ; e em additamento a cada livro a 
respectiva legislação brazileira concernente as matérias codificadas em 
cada um, sendo de quotidiana consulta, além da bibliographia dos 
jurisconsultos que têm escripto sobre as mesmas ordenações desde 
1603 até o presente, por Cândido Mendes de Almeida, advogado 

- nesta corte, 1 vol. com o appendice br 27j|000 

Ene SOjiOOO 


-- II - 

Collecrao iBe iiccorilaos qae contem matéria legislativa, 
proferidos polo supremo tribunal de justiça, desde a época da sua 
installaçào, por A. X. de Barros Corte Real e J. M. Castello 
Branco, bacíiareis em direito. 2. vul. in-4 br. . . . 8^000 
Ene 105000 

— cIm l<i^ffl0llM^*ão iioriuicuczu desde o anno de 1603 até o 
de 1826, isto é, desde as ordenações philippinas até a carta constitu- 
cional, compilada por José JlstixNo de Andrade e Silva. A collec- 
çào completa é dividida em seis series, e forma 24 a 25 volumes in- 
folio. A primeira e segunda serie, que comprehendem, aquelia a 
legislação de 1603 a 1640 em 5 volumes e esta a de 1641 a 1683 em 
3 volumes, estào publicadas ; as outras series publicar-se-hão suc- 
cessi vãmente. Preço da assignatura, cadavol.br. . . . 6^000 
Ene 8ÍI000 

Conipeiifflio cSe «conomia iioflltira, precedido de uma 
intruducçào histórica, e seguido de uma Diographia dos economistas, 
Catalogo e Vocabulário analytico, por Blaxqui. 1 vol. in-8 br. 1^000 
Ene. . . 1«500 

— J^urldico, ou mannal dos apontamentos, em forma de diccio- 
narie, sobre variados pontos de direito pratico ; a que se ajunta um 
formulário das actas das mezas parochiaes, juntas de qualitlcação e 
conselhos de recurso, contractos, e o regimento de custas, com todos 

«08 avisos e ordens que o tem explicado até o presente, por J. M. P. 
deVasconcellos. 1 vol. in-4 ene 7j)000 

/ Cortesãos ( Os ) e a Viagem do Imperador, ensaio politico sobre a 
situaç9k) por L. M. 1 vol. br 1$000 

v/ Credito (O) e ou baueos, estudos commerciaes, por A. de 
Figueiredo, 1 vol. in-8 ene. 24000 

llleetonarlo jurídico- coiiiiiierelnS, obra muito útil aos 
que se dedicão ao foro e ao commercio, por J. Ferreira Borges, 
2* edição aug. 1 vol. in-4. ene 7^000 

Dlseurso!» liarleineiitare» do conselheiro J. M. Pereira da 
Silva. 1 vol. ene '. 4«000 

Eatudofi eoiiinierciaetfa* O Credito eos Bancos, por A. de 
SouxA Figueiredo. 1 vol. br. . . 20000 


— líl — 

i:«<tudos á^obre coloiiftíiiftção, oa considerações sobre a coló- 
nia do senador Vergueiro, C. Perket Gentil, l vol, br. . . 1^000 

— Sobre o credUo rural e Iiypotlie^arlo, pelo Dr. L. 
P. DE Lacerda ^^'ERNECK. 1 vol. in-i bem ene 6^000 

A importância do credito territorial é conhecida em todos os paízes 
onde elle tem sido posto em pratica. Ora, o autor deste livro, reunindo 
em cominodo volume toda a theoria dos bancos territoriaes exposta 
de uma maneira accessivel a todas as intelligencías, addicionou-Ihe uma 
collecção de estatutos de bancos europeus, o outros documentos que 
tornão o livro de grande utilidade, nào só aos professionaes, como tam- 
bém aos lavradores, proprietários urbanos, banqueiros, e em geral aos 
homens práticos. 

— dos juizes de direito, ou coHecçào dos actos, attribniçòes e 
devere.4 destas autoridades, por J. M. Pereira de Yasconcellos. 
Ivol. in-4enc AjJOOO 

— tlieorieo-pratleo do ^narda-llvros, seguido do ro- 
teiro dos correios terrestres entre esta corte e as prcvincias do Rio 
de Janeiro, Espirito-Santo, Minas-Geraes, S. Paulo, Matto-Grosso e 
Goyaz, por JoÃo Francisco de Araújo Lessa. l^vol. cnc. 5§(K)0 

O curso theorico-pratico de escripturaçào mercantil composto peio 
Sr. Lessa c assaz conhecido para que necessitemos de preconisa-lo. 
Todos os que hão lido este importante trabalho são concordes em re- 
conhecer nelle ama clareza e brevidade que muito abonão os conheci- 
mentos de seu autor. Reunindo ao conhecimento pmfessional da maté- 
ria, longa pratica de suas diversas applicaçòes, conseguio o Sr. Lessa 
escrever uma obra que será d'ora avante consultada por todos os que se 
cntre^ ã contabilidade e escripturação dos livros de commercio. 

— do» vereadores, contendo alei dei de Outubro de 1828, 
sobre as camarás municipacs do Império do Brazil, explicada por 
actos do poder legislativo e executivo, expedidos desde 1829 a 1867, 
6 pela legislação peculiar às províncias do Rio de Janeiro e S. Paulo, 
desde 1835 a 1867. Acompanha um appendice contendo uma serie 
de modelos de acções para cobranças de impostos municipaes, termos 
de juramento de fiança de contritos, de aforamento, de deposito, de 
declarações de naturalisandos, licenças, mappas, contas, orçamentos, 
etc, por Joaquim de Oliveira Machado, 1 vol. in-8 ene. 4$000 


V 


\,' 


— IV — 

Mello e jflattoni (L. .1. C. D.). Ph$:Iumi« de historia 

constitucional do Brazll. 18d04848. i vol in-8 br. 6$000 

Acaba de se publicar esta interessantíssima obra, qae trata de todas 
as questões politicas, discussões parlamentares, organisações e dissolu- 
ções ministeriaes, negócios internacionaes, etc;, occorridos durante esses 
oito annos e seus antecedentes. E' um livro de um género do qual ainda 
nào se escreveu outro entre nós. Nào ha nenhum homem politico, ne- 
nhum cidadão desejoso de conhecer a historia e os negócios do seu paiz 
que possa deixar de lê-lo e consulta-lo frequentemente. O seu estylo 
corresponde à importância do assumpto. E' esta uma das obras contem- 
porâneas destinadas a produzir maior impressão e suscitar mais impor- 
tantes debates. 

IVoções e novas tal»oas de balística pratica, por P. dk A. Bel- 

LE6ARDE.lV0l.br 1^000 

— Elementares do direito das lereutes, para uso dos 
alumnos da escola militar, porBELLEGARDElvol.br. . 2^000 

Paranhos* Convenção de tSO de Fevereiro, demons- 
trada à luz dos debates do senado e dos successos de Uruguayna, 1 

vol. br 5^000 

Ene 6^000 

Peixoto de Brito* Considerações geraes s.)bre emancipação dos 
escravos no Império do Brazil e indicação dos meios próprios para 
realisa-la, br. ín-4 500 

Plntenta Biieno (Dr. José António), Apontamentos so« 
bre o proeesso eivll l»rMsilelro. 1 vol. iii-4 ene. 6{(000 

^, — Apontamentos sobre o proeesso eriínlual bra- 
sileiro. 1 vol. in-4 ene 9JiF000 

# 

— S>lrelto publieo braaslleiro e analyse da constituição 
do império, 2 tomos ene. em 1 vol. in-i lOgOOO 

Pinbeiro Ferreira (Silvestre). Projeeto de iintbaneo 

de soccorro e seguro mutuo. 1 vol. in-4 500 

— Breves observações sobre a constituição politica da mo- 
narchia portugueza ; decretada pelas cortes geraes extraordinárias e 
constituintes, reunidas em Lisboa no anno de 1821. 1 vol. in-4 1$000 


*■ 


500 


— V — 

do cidadão em um governo representativo, ou 
princípios de direito publico constitucional, administrativo e das 
gentes. 3 vol. in-4 10^000 

— IVoçoeii elementares d'oiitolo|B;ia. 1 vol. in-4 

— Projeeto de uut eyf^tenia de provifleiíelas para a 
convocação das cortes geraes e estabelecimento da carta constitucional. 
Ivol. in-4 5^000 

— Projeeto cSe «ini eodig:o g:eral de leis fundamentaes e 
constitutivas de uma monarchia representativa. 1 vol. in-4. 2^000 

— Observações sobre a carta constitucional do Reino de Portu- 
gal e constituição do império do<~ BraziL 1 vol. in-4. . . 2|f000 

— Projeeto de código ftolitleo para a nação Portugueza, 
1 vol. in-4 2ÍI000 

— Projeeto de ordenações para o reino de Portugal, 3 vol. 
in4 br. ..... • *. . lOjOOO 

Esta obra muito importante divide-se em três partes : a primeira 
contêm a carta constitucional e projecto de leis orgânicas ; a segunda 
a exposição da carta constitucional e do projecto das leis orgânicas ; a 
terceira o projecto de reforma das leis fundamentaes e constitutivas da 
monarchia. 

— Constituição polltlea do Império do Brazil e a carta consti- 
tucional do Reino de Portugal. 1 vol in-4 d$000 

— Observatftons sur le sruide dlplomattque de M le 

baron Gh. de Martens. 1 vol. in-4 IJlfOOO 

— Essai sur la psyebologrle, comprenant la théorie da rai- 
sonnemente du langage, Tontologie, Testhétiqae e ladicéosyne. 1 
vol. ln-4, ., 5$000 

— Projet de eode ipcénéral des lois fundamentales et consti- 
tutives d'un6 monarchie repr»^senlalive. 1 vol. in-4. . . IJOOO 

— Prèeis cl'un eours de droltpublie. 2 vol. in-8 re- 
iíés 8«000 


V 


- VI - 

• 

— Prlnclplefi of politleal eeonomjf by M. Culloch, 

abridged for the nse of schools, accompanied with notes, and prece- 
ded by a preliminary discourseby P. Ferreira. 1 vol. in-8. 1^000 

Poder iiioderaclor (Da natureza e dos limites do), pelo 
conselheiro Z. de Góes Vasconcellos. 1 vol. br. . . . 3^000 

Proee«9o admínifitratlwo no Thesouro Nacional, por Luiz 
Ferreira de Araújo e Silva, chefe de secção do Thesouro Nacio- 
nal. 1 vol. br 6$000 

Ene TjjOOO 

Esta importante obra divide^se em 4 partes : 

Titulo \.° Da alta administração da Fazenda. 
Titulo 2.° Da administração central da Fazenda. 
Titulo 3.® Da administração da Fazenda na^ provindas. 
Titalo 4.° Da forma do processo i|r administração da Fazenda . 
Seguida de três series de appensos, sendo : 

!.• Serie. Arestos do Thesouro, ip Tribunal do Thesouro, e do de 
contas. 
2,* Serie. Tradições. 

3.* Serie. Legislação peculiar a administração da Fazenda. 
Escripto de accordo e conforme o systema seguido no Thesouro. 

Pratiea cItíI e commerclal pelo conselheiro Joaquim Igna- 

cio Ramalho 8í|000 

Ene 9<f000 

Esta obra jà é bastante reconimendavel pelo nome bem conhecido de 
seu autor sem precisar de outro commentario. Diremes somente que 
vem preencher uma grande lacuna na litteratura forense brazileira, poi.« 
que não havia para o? estudantes um livro que de uma maneira ciara e 
concisa determinasse os princípios da competência segundos natureza 
de cada causa ; prescrevesse o modo de instaurar o processo e a ma-- 
neira de defenaer-se ; expozesse as leis da discussão, as regras da 
prova ; determinasse como se dão as sentenças, se reformão e se exe- 
cutão. 

Diz o autor no seu prefacio : 

<( As alterações porque tem passado a legislação civil e commercial 
depois de nossa emancipação politica, mormente quanto ã organi.sação 
judiciaria, jà requerem um 'trabalho methodico e systematico, onde os 

Í principiantes encontrem facilmente qnaes as innovaç es do direilo e das 
ormas de que elie se reveste, dispensando-òs do árduo trabalho de es* 
tudar, sem um guia, os escriptores de nosso foro, que escreverão de- 
baixo da influencia de uma legislação em parle abrogada por leis mo- 
dernas. 

Typ. Fra\co-ami:uica.va, nia dWjuda 18. .' 


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