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Full text of "As praias de Portugal: guia do banhista e do viajante"

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AS PRAIAS DE PORTUGAL 




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RAMALHO ORTIGÃO 



AS PRAIAS 



DE 



POKTMÁL 



GUIA DO BANHISTA E DO VIAJANTE 



COM DESENHOS DE EMÍLIO PIMENTEL 



PORTO 
LIVRARIA UNIVERSAL 

MAGALHÃES & MONIZ— Editores 
12, LARGO .DOS L0Y0S, 14 

1876 



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HARVní'0 CCLLEbfc UBRARY 

CCUAT OF SANTA EjLALIÀ 

COLLECTIflN 

GIFT OF 



TTP. DE BÀRTHOLOMEU H. DE MORAES 
50— Boa da Picaria— 54 

* 1875 



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O MAR 



Assim como quatro quintas partes do corpo humano são agua, 
assim quatro quintas partes da grande corpulência do globo são 
mar. Parecendo separar os homens, o bello destino eterno do mar 
é reunil-os. 

A bacia do Mediterrâneo confinava o mundo antigo habitado 
pelos gregos, pelos phenicios e pelos egypcios. Foi pelo Medi- 
terrâneo que partiram as primeiras colónias que povoaram a Afri- 
ca e a Ásia, estabelecendo o principio das nossas relações com o 
mundo novo. No Egypto, na Pentapotamia e na China as primitivas 
civilisações seguiram, segundo Humboldt, o curso dos rios e baixa- 
ram dos montes ao litoral. Na Phenicia, na Grécia, as primeiras < 
expedições marítimas iniciaram os nossos domínios sobre as foiças 
da natureza. 

De tal modo o mar foi o primeiro guia da humanidade. 

Amoravel e austero, foi elle que primeiro embalou o berço do 
homem e que em seguida o acordou para os nobres trabalhos, sug- 
gerindo-lhe as primeiras noções do universo. 



O desenvolvimento dos estudos naturaes tem progressivamente 
modificado a opinião inculta supersticiosa e aterrada de que o mar 
é o insondável abysmo tenebroso e deserto. 

Naturalistas americanos téem ultimamente explorado o mar a 
profundidades de dois mil e setecentos metros. Huxley, o sábio 
zoologista inglez, penetrou com a sonda e com a dragagem até qua- 
tro mil metros no fundo do alto mar. 

As explorações do leito do Oceano feitas por occasião de ser 
collocado o cabo transatlântico e o cabo destinado a ligar a costa 
de Argel com a Itália pelo valle submarino situado entre Gagliani 
e Bône, os trabalhos encetados com o mesmo fim no mar das Anti- 
lhas, no Oceano Pacifico, no Gulf Stream, provam que o fundo do 
mar é habitado na sua maior profundeza, que o interior das aguas 
mais afastadas das costas téem a sua fauna. 

A pressão dos mais extraordinários volumes de agua e o suc- 



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6 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

cessivo rebaixamento thermometrico, não esmaga a vida nos cor- 
pos que encerram líquidos em vez de ar. 

Og animaes extrabidos dos mais fundos recessos aquáticos a 
que desceu a draga ostentam as cores mais vivas, em que pre- 
dominam o roxo, o amarello e o verde. Essas differentes espécies, 
analysadas e reduzidas, téem perfeitamente conformados os órgãos 
da visão. 

Como os animaes que vivem na obscuridade são de côr som- 
bria, com os olhos atrophiados, é claro qu£, em vez das trevas, 
uma extranha luz desconhecida penetra os valles, os despenhos, as 
cavernas mais intimas do grande leito do mar e alumia a intensa 
vitalidade de um novo mundo animal, revelado apenas aos estu- 
diosos pelos mais recentes trabalhos de zoologistas como os srs. 
Agassiz, Pourtalés, Wyville, Thomson e Jeffryes. 



Guia dos homens, promotor das civilisaçoes, revelador do uni- 
verso, progenitor das idéas que determinaram o abraço fraterno da 
humanidade em todo o mundo, o mar é ainda o mais poderoso 
foco, o mais abundante manancial da vida. 

É innumeravel a quantidade dos animalculos microscópicos que 
habitam o mar. phenomeno da phosphorencia é principalmente 
produzido por uminfusorio luminoso chamado noctifaca miliaris, de 
cuja espécie existem vinte e cinco mil indivíduos em cada trinta 
centímetros cúbicos d'agual 

Os foraminiferos são tão infinitamente pequenos e tão infinita- 
mente abundantes que d'Orbigny contou perto de quatro milhões 
d'esses indivíduos n'uma só onça de areia. Enormes tractos da ter- 
ra firme são formados dos despojos de foraminiferos anti-diluvianos. 
D'esta natureza é o solo em que nasce o vinho de Ghampagne ; téem 
egual formação os rochedos que no Egypto servem de alicerce ás 
pyramides, e bem assim as montanhas do Chili e a cordilheira dos 
Apeninos. 

As maravilhosas ilhas de coral, que sobresahem como mira- 
gens à superfície do Oceano, são verdadeiras effloresçcncias da vida 
animal submarina. Essas ilhas são formadas, segundo Darwin, de 
enormes agglomeraçoes de polypos. Idêntica origem têem os vas- 
tíssimos recifes dos mares da Austrália, da Nova Caledónia e do 
Oceano Indico. De polypos anti-diluvianos são ainda compostas algu- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 



mas regiões contínentaes, como por exemplo a cordilheira do Jura, 
sepulchro enorme de miríades de habitantes de um mar extincto, 
cujas aguas desappareceram da Europa como de um esqueleto hu- 
mano desappareceu vaporisada a porção d'agua que constituía com 
elle os elementos vitaes de um antigo organismo. 



Fora da legião d'esses pequeninos entes, só perceptíveis ao 
microscópio, e de cuja agglomeração se fazem as ilhas, os recifes 
e as montanhas, não é menos assombrosa a fertilidade immensa 
do Oceano. 

Cada arenque tem sessenta mil ovos. Entre a Escossia, a Hol- 
landa e a Noruega, a superfície do mar cobre-se inteiramente com 
os arenques que vêem na primavera amar-se á luz do sol. Em cer- 
tas passagens estreitas conta Michelet que o mar se torna solido, 
que é impossível remar. Perto do Havre um pescador encontra na 
sua rede oitenta mil peixes. Em uma parte da Escossia, n'uma só 
noite enchem-se de arenques onze mil barricas. Em Portugal, na 
costa de Espinho, no tempo da sardinha uma só rede produz 900 
mil reis. Na Povoa de Varzim a importância das transacções feitas 
em uma só praça eleva-se a 20 contos. Na praia da Nazareth ainda 
este anno referia um periódico que se vendeu a camada de sardi- 
nhas por 240 reis — para estrumar a terra. 



Diante da areia húmida e fremente, abandonada pela onda que 
recolhe, um sábio professor allemão, prematuramente arrebatado 
pela morte aos grandes estudos da vida no mar, Edward Forbes, 
exclamava : 

« Que pagina de hieroglyphos ! Cada linha de solo e de ro- 
chedo tem por caracteres particulares figuras vivas ; e cada figura 
é um mysterio. As apparencias podem ser precisamente descriptas, 
o sentido intimo foge á penetração do espirito humano. » 

No mar, tanto ó vegetal como o animal, encerram uma lição 
profunda. Dizia bem Humboldt, que o estudo do Oceano era a 
principal iniciação para o conhecimento do Cosmos. 

Um pequenino e obscuro animal basta para explicar ao obser- 
vador instruído a configuração das terras e dos mares. mollusco 



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8 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



ou o zoophito, apparecendo em ilhas longínquas, determinam que 
em certa epocha estiveram essas ilhas ligadas aos continentes. 
caranguejo e a annelide, que habitam regiões distinctas, provam a 
antiga communicação de dois mares. 



O maravilhoso aspecto da praia, na epocha das marés vivas, 
quando o Atlântico descobre uma parte do seu leito, é descripto 
nos seguintes termos pelo naturalista Blanchard: 

«Nas primeiras rochas, tocadas apenas pela vaga durante uma 
parte do dia e da noite, vivem as espécies indiferentes à, acção 
do ar e da chuva; as glandes marinas, completamente fixadas à 
pedra; as lapas, cujas conchas afectam a forma cónica; os búzios 
ondados ; as anémonas vermelhas. Mais longe, nas partes areentas, 
saltitam os crustáceos do grupo dos camarões ; a morada dos mo- 
luscos de concha bivalve é indicada por certos buracos na areia; 
certos montículos trahem a presença de varias espécies de anne- 
lides, os arenicolas, de côr azeitonada e delicadas guelras; os 
cirratulos, cuja cabeça é provida de uma multidão de filamentos, 
que se ennovelam, contornam ou arrastam em todas as direcções; 
as sabelles, encarceradas nos seus tubos. Para além mostra-se mui- 
tas vezes uma densa vegetação; é a zona das plantas marinas, desi- 
gnadas pelo nome de laminares. Aqui é maravilhoso o campo das 
explorações. A vida golpha por toda a parte : os molluscos abun- 
dam, os zoophitos, os vermes de todos os géneros pullulam. Sobre 
as algas arrastam-se lentamente molluscos sem concha, que podem 
ser contados no numero dos entes mais bellos, como são os doris 
e os eolides. Em certos pontos desperta a attenção uma vegetação 
alvacenta. São os prados de zooteras, em que se acham profusa- 
mente dissiminados qs animaes. Mais longe desenha-se uma nova 
zona, caracterisada péla presença das algas crustáceas chamadas 
coralinas. No meio (festas plantas vivem os polypos e uma multi- 
dão de animaes, que não apparecem nunca mais perto do litoral. » 



N'esta portentosa abundância quantas variedades de indivíduos, 
quantas maravilhas na procreação, no organismo e nos costumes 
dos habitantes do marl 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 9 

Alguns viajam em balão, dentro do seu elemento. Dispõem de 
uma bexiga natatoria, que enchem mais ou menos de ar, subindo 
ou baixando até á camada de agua em que desejam ficar, e assim 
caminham socegados, adormecidos. 

Os mais vorazes téem dentes admiráveis, acerados, finíssimos. 
Gomo os podem quebrar facilmente, ha uma segunda ordem de . 
dentes para substituir a primeira, uma terceira para substituir a 
segunda. Em alguns os dentes enchem-lhes a boca, cobrem-lhes a 
língua, o paladar, a guela: verdadeiro arsenal da voracidade. 

Téem as formas mais diversas, segundo as necessidades do 
seu organismo e as condições do seu meio: uns parecem um ca- 
vallo, outros um ouriço, outros um martello. 

Ha-os espalmados e chatos, como a* solha, que vive, arrastan- 
do-se na areia. 

He-os finos, esguios e com as barbatanas peitoraes tão desen- 
volvidas, que se erguem da agua e volitam no ar, como os exoce- 
tos, os ruivos e. as andorinhas do mar. 

Uns são temerários, destemidos, como o histiophoro, que ataca 
o homem e faz rombos nos navios, batendo-os com a sua maxilla 
superior, saliente, ponteaguda, solida como um aríete. 

. Outros téem por % arma preferida a traição, como o polvo, de 
que o padre António Vieira dá a seguinte descripção, superior tal- 
vez á de Victor Hugo: 

polvo com aquelle seu capello na cabeça parece um monge; 
com aquelles seus raios estendidos parece uma estrella; com aquel- 
le não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma man- 
sidão. E debaixo d'esta apparencia tão modesta, ou (Testa hypocrisia 
tão santa, testemunham contestemente S. Basílio e Santo Ambrósio, 
que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do 
polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores, de 
todas aquellas cores a que está pegado. As cores que no camaleão 
são gala, no polvo são malícia; as figuras que em Protheu são fa- 
bula, no polvo são verdade e artificio. Se está nos limos, faz-se 
verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se par- 
do ; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costu- 
ma estar, faz-se da côr da mesma pedra. E d'aqui o que succede? 
Succede que o outro peixe, innocente da traição, vae passando 
desacautelado, e o salteador que está d'emboscada dentro do seu 
próprio engano, lança-lhe os braços de repente e fal-o prisioneiro. 
Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque nem fez tanto; o Judas 
abraçou a Ghristo, mas outros o prenderam: o polvo é o que abra- 
ça e mais o que prende. Judas com os braços fez o signal, e o pol- 



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10 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

vo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi trai- 
dor, mas com lanternas diante: traçou a traição às escuras, mas exe- 
cutou-a muito ás claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista 
aos outros, e a primeira traição e roubo que faz é â luz, para que 
não distinga cores. Vé, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, 
pois Judas em tua comparação já é menos traidor 1 » 



As alforrecas, que apresentam na agua a forma de um bar- 
rete de dormir, e parecem feitas de gelêa, umas transparentes 
como vidro, outras côr de rosa como as conchas do mar do sul, 
outras azues ou opalinas, são tão vorazes que engolem os crustá- 
ceos e digerem-os sem os haverem mastigado. 

Do ovo da alforreca sahe uma larva que se transforma n'um 
polypo. D'este animal, inteiramente diverso da alforreca, nascem os 
rebentos que formam a communidade do polypeiro. Mais tarde, do 
polypeiro brotam uns gomos, que se transformam em alforrecas. 
De sorte que a alforreca só se reproduz nos netos. Não concebe 
como mãe — a pobre alforreca I Concebe como avó. 



O polypo tem uma tal força vital, que, depois de esquarte- 
jado, revive em cada um dos bocadinhos em que foi partido. Tan- 
tos bocadinhos, tantos polypos. Inteiro, é um individuo ; despeda- 
çado é uma família, uma communidade, uma tribu. 

Se o viram com o de dentro para fora, acceita corajosamente 
esta situação difficil : a sua pelle interior, que se virou para fora, 
começa a respirar; a sua pelle exterior, que se virou para dentro, 
começa a digerir. 

Se engole um animal que se não sujeita a ser digerido, e 
procura fugir pela boca por onde entrou, que faz o polypo ? mette 
pela boca um braço e segura a presa no estômago. O estômago di- 
gere-lhe o animal, mas não lhe digere o braço. 

Quando dois polypos luctam para disputarem a mesma presa, 
o polypo mais forte engole o polypo mais fraco juntamente com a 
presa que elle tinha agarrada; em seguida digere os despojos opi- 
mos e vomita vivo o adversário vencido. 



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ÂS PRAIAS DE PORTUGAL 11 

Às estreitas do mar, de cor arroxada, que tantas vezes ap- 
parecem na nossa costa, quando não podem engulir um animal 
que lhes resiste, deitam o estômago de fora, e com um suco que 
elle segrega entorpecem o inimigo e devoram-o depois. 



Entre os crustáceos, uma espécie tomada como um symbolo 
de retrocesso por aquelles que ainda imaginam gue ella anda às 
arrecuas, — o caranguejo, o forte e prestante caranguejo encarre- 
gado do importante serviço sanitário da limpeza das praias, re- 
presenta pela sua configuração e pela sua structura, a mais solida, 
a mais poderosa, a mais terrível machina de guerra que se tem 
inventado. Ao pé d 'essa fortaleza ambulante, a força do homem 
armado, coberto d' aço até os dentes, não é mais que irrisão e mi- 
séria. 

Devemos agradecer à natureza, diz Michelet, o ter feito os de- 
càpodes tão pequenos. De outro modo quem poderia combatel-os ? 
Nenhuma arma de fogo os morderia. O elephante teria de se es- 
conder. tigre teria de trepar ás arvores. próprio rhinoce- 
ronte não teria segura a sua pelle tão rija e tão impenetrável. 
A esbelta elegância do homem, continua o grande escriptor, a sua 
forma longitudinal, dividida em três partes, com quatro grandes 
appendices, divergentes, arredados do centro, fazem d'elle, por 
mais que se diga em contrario, um ente fraquíssimo. Nas arma- 
duras dos guerreiros, os grandes braços telegraphicos, as pesadas 
pernas pendentes, dão a triste impressão de uma creatura des- 
centralisada, impotente, cambaleante, prestes a tombar ao pri- 
meiro encontro. No crustáceo, pelo contrario, os appendices li- 
gam-se tão juntos á massa redonda, curta, atarracada, que o me- 
nor golpe que elle dá é a grande massa compacta que o vibra. 
Quando o animal agarra, corta ou fura, fal-o com toda a força 
que tem, porque a sua grande energia chega até a extremidade 
de todas as suas armas. Tem dois cérebros (cabeça e tronco) ; mas 
para se resumir, para obter essa terrível centraiisação, como se 
arranja elle? Arraiya-se sem pescoço, tem a cabeça no ventre. Ma- 
ravilhosa simplificação. A cabeça reúne assim accumulados os olhos, 
as antennas, as tenazes e as maxillas. Logo que os olhos penetran- 
tes vêem, as antennas palpam, as tenazes comprimem, as maxillas 
despedaçam, e pelo lado de traz, sem mais intermediário, está o 
estômago, perfeita machina de esmoer, que tritura e dissolve. N'um 
relance, tudo está consummado: a presa desappareceu; ficou dige- 



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12 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

rida. Tudo é superior no crustáceo. Os olhos vêem para diante e 
para traz. Convexos, exteriores, facetados, abrangem uma grande 
parte do horisonte. As pinças ou as antennas, órgãos de indagação 
e de aviso, de tríplice experimentação, téem na extremidade o ta- 
cto e na base o ouvido e o olphato. Vantagem immensa que nós 
não logramos. que não seria a mão humana, se farejasse, se ou- 
visse! Em que conjuncto e com que rapidez faríamos então as 
nossas observações I A impressão, dispersa pelo contrário entre três 
sentidos differentes, que trabalham separadamente, é por esse facto 
inexacta ou fugitiva. No decápode, que tem dez pés, seis (Telles 
são ao mesmo tempo mãos, tenazes e ainda órgãos da respiração. 
Assim, por via de um expediente revolucionário, resolve este guer- 
reiro o problema que tanto -aifligia o pobre molusco : « respirar 
apesar da concha». A isto, o decápode responde: «Pois eu respi- 
rarei pelo pé, pela mão. Este ponto fraco — a respiração — por onde 
me poderiam dominar, colloco-o na ponta da minha espada, po- 
nho-o no gume das minhas armas de guerra. Ora que lhe toquem 
agora, se são capazes ! » 

Tal é, na eloquente phrase de Michelet, o sábio, o possante, 
o valoroso, o terrível caranguejo! Se o prendem á traição por al- 
gum dos seus membros, elle mesmo quebra esse membro e reti- 
ra-se mutilado. Vae com um, dois ou três pés de menos, — embora! 
elle tornará a crear pacientemente mais um pé, mais dois, mais 
três, mais tantos pés, quantos houver sacrificado ao resgate da 
' sua liberdade. 

caranguejo, porém, cresce. Crescer, tornarmo-nos grandes, 
é para todos nós uma responsabilidade grave. Para o caranguejo 
é uma lamentosa desgraça. Tem de despir a sua invencível arma- 
dura, que o suffoca como um espartilho demasiadamente apertado, 
e é obrigado a ir triste, fraco, desarmado, para debaixo de uma 
pedra, fabricar pacientemente uma vestimenta nova. Todos então 
o desdenham, todos o maltratam, e, como o velho leão enfermo, 
elle recebe submisso o coice ultrajoso do asno. N'estas condições, 
retirado dos combates, das aventuras, das viagens, entregue intei- 
ramente à vida domestica, o caranguejo tem pela sua esposa uma 
dedicação sublime : quando ella é aprisionada, elle, não podendo 
defendel-a nem bater-se por ella, vae expontaneamente render-se, 
e entrega á discrição do inimigo a sua vida saudosa e viuva. 



monstruoso tubarão, quando namorado, quando tocado de 
amor, é tão desinteressado como o caranguejo, — talvez mais. Ao pri- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 13 

meiro osculo conjugal, a fêmea do tubarão engole-o. Elle, rendido, 
obediente, passivo, deixa-se absorver, e permanece semanas in- 
teiras, inoffensivo e inerte, esquecido da sua voracidade, da sua 
fome inextinguível, dos seus instinctos devastadores e perversos, 
inútil, desditoso e lyrico, no estômago da sua amada. 

Em paga de tanto aíTecto, a esposa tem com elle esta dedi- 
cação heróica : não o digere. A única coisa que faz, ao vér que 
o amor converte o seu marido n'um poltrão, n'um inútil, n'um 
imbecil, é acordal-o. Gomo boa e honrada companheira, chama-o 
& vida prática, à actividade e ao dever, dá-lhe-os bons dias, e 
vomita-o no seio das suas occupações e dos seus negócios. 

Nobre procedimento bem diverso do de outras fêmeas de me- 
lhor fama 1 A aranha, por exemplo, essa esposa execravel e indi- 
gna, no dia seguinte ao do noivado põe-se a olhar para o marido 
com um olhar doce, lascivo, cheio de falsidade e de traição; em 
seguida cabe sobre elle de um salto, e, quando o pobre marido 
imagina que vae receber um beijo, elía parte-o em bocados e co- 
me-o. Não lhe come só figuradamente os olhos da cara em canoa- 
gens, em toUettes, em camarotes na Opera, como às vezes se vé em 
outra espécie ;come-o inteiramente, litteraímente, pelo estúpido pra- 
zer de o triturar, de o mastigar e de o digerir. Que indignidade e 
que abuso de confiança ! macho da aranha verde, observou o na- 
turalista Balbiani, que muda de côr durante o consorcio e se con- 
verte de verde em castanho : é de terror talvez, coitado, pensando 
na sorte que o espera. 



Do carapau, do barato e obscuro carapau, referem os natura- 
listas as mais curiosas astúcias. carapau construe uma espécie 
de ninho, que é a sua alcova, com duas portas. Feita a casa, o ca- 
rapau offerece á esposa o domicilio coiyugal. Se a esposa se re- 
cusa a acompanhal-o, o carapau, não podendo appellar para os tri- 
bunaes que mandam a mulher seguir seu marido, faz justiça 
por suas próprias mãos e leva a fêmea para casa â força, agarrada 
por uma barbatana. Logo que a fêmea deposita os ovos, o macho 
encarrega-se de os fecundar, entrando por uma das portas do ni- 
nho e expulsando a esposa pela porta contrária. Entãojfechaaporta 
por onde a esposa sahiu e fica na outra, de vigia, para que os de- 
mais peixes lhe não comam a ninhada. 

Os carapaus são uma das poucas excepções à>egra geral que 
preside ao modo como os peixes se amam. A maior parte (Telles 



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14 ÂS PRAIAS DE PORTUGAL 

não conhecem as mães dos seus filhos. As fêmeas, tendo deposi- 
tado os ovos em logar opportuno para o seu desenvolvimento, re- 
tiram-se. Os machos vêem em seguida, fecundam os ovos e reti- 
ram-se também. A natureza é a grande roda desses eternos expos- 
tos. A família de que elles procedem não se reúne nunca. 

Também, o que seria de uma pobre família de peixes, se elles 
se lembrassem de adoptar, crear, educar e defender todos os filhos 
com que a Providencia abençoa os seus consórcios I Imagine-se um 
desgraçado rodovalho, que põe nove milhões d'ovos ! Uma tainha, 
que põe treze milhões d'ovos I 



Ainda assim, ha peixinhos que amam seus filhos, que traba- 
lham, que se dedicam por elles. Citei já o carapau. Seria faccioso 
se occultasse o nome da truta, a qual faz uma cova onde enterra 
os seus ovos, e o da hyppocampa, a qual tem junto da cauda uma 
espécie de bolsa, em que recolhe os ovos durante o período da in- 
cubação. 

As raias e os esqualos apreciam também as convivências do 
amor, procuram as suas fêmeas, seguem-as, galanteiam-as, fazem- 
lhes a sua corte. 

Em confirmação da theoria darwineana da selecção sexual, 
cita-se um peixe chinez, ultimamente introduzido em França por 
um piscicultor de Pariz, chamado Garbonnier. Na epocha da des- 
ovação, o alludido peixe é junto da sua fêmea, de uma ternura 
inexcedivel. Abraça-a, curvando lateralmente para esse fim o seu 
corpo em semi-circulo, cinge-a estreitamente, parece querer bei- 
jal-a. Engulindo bolhas de ar, expulsa-as em seguida envoltas n'uma 
ténue membrana albuminosa, e construe por esse meio á. tona 
d'agua uma espécie de docel de espuma, debaixo do qual celebra 
as suas núpcias e fecunda os seus ovos & medida que elles são 
depostos pela fêmea. Gomo os ovos ficam dispersos na agua, o ma- 
cho recolhe-os na boca, transporta-os para debaixo do seu tecto 
de espuma, onde os reparte cuidadosamente, para que fiquem to- 
dos em eguaes condições. Nascidos os peixes, o pae consagra-lhes 
os mesmos cuidados e os mesmos carinhos que havia dedicado aos 
ovos. É notável que estes peixes, em que os dois sexos se amam 
com tão extraordinário carinho, são, segundo aífirma o snr. Perrier, 
do Museu de Historia Natural de Pariz, os mais bellos que se téem 
visto. — Um simples peixe chinez ! Vejam! Que vergonha para os pei- 
xes europeus ! 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 15 

O sábio Agassiz, n'uma carta datada de S. Thomaz, sobre a 
exploração do Mar de Sargassos, refere que o peixe chamado por 
Guvier chironectes pictus, construo para os seus ovos um ninho, 
em que a sua progénie fica misturada com os elementos que ser- 
viram para a construcção da arca salvadora. Gomo esses materiaes 
são ramos vivos de sargasso, este berço, diz o illustre naturalista, 
fluctuando sobre o Oceano profundo, offerece ao mesmo tempo, à 
ninhada que encerra, a protecção e o sustento de que ella necessita. 



A raia tem o privilegio de um olphato tão fino, tão sensível 
e tão delicado, que muitas vezes os seus nervos a obrigam, como 
nós diríamos, a pôr o lenço no nariz. Para realisar esta operação 
dispõe a raia de uma fina membrana, uma espécie de véo, em 
que envolve o órgão olphatico. 



Alguns peixes téem uma espécie de voz, isto é, dispõem de 
certos sons que emittem quando querem, refutando assim o pro- 
loquio com que se caracterisa a eloquência de certos parlamenta- 
res : mudos como peixes. 

Á academia das sciendas de Pariz mostrou ha pouco tempo o 
snr. Dufossé, que duas espécies de uns pequeninos peixes, extre- 
mamente obscuros e feiíssimos, produzem, quando se lhes pega, 
um estremecimento intenso, acompanhado de um ruido, e às vezes 
de um som commensuravel. Estas vibrações são verdadeiros actos 
de expressões instinctivas, e téem por causa a tremulação muscu- 
lar, — revelação curiosa da propriedade que podem ter os múscu- 
los, de crear manifestações acústicas. 



As cores dos peixes, algumas tão brilhantes, tão sumptuosas, 
e ao mesmo tempo tão ephemeras e tão mutáveis que constante- 
mente se estão succedendo e variando nos mesmos indivíduos, re- 
conheceu-se recentemente que eram dependentes da qualidade dos 
raios luminosos que impressionam a vista (Testes animaes. Para 
os peixes e para os crustáceos, o olho é o ponto de partida de 
um abalo nervoso que se transmitte â pelle e produz uma mudança 
mais ou menos completa na coloração. Gomo é — está claro — 



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16 ÂS PRAIAS DE PORTUGAL 

por intermédio dos nervos que a impressão primitiva do olho se 
transmitte á, pelle, cortados certos nervos em certos peixes, alte- 
ra-se-lhes a côr geral e transforma-se-lhes em riscas zebradas. A 
razão é que se interceptou em parte, e em parte se deixou propa- 
gar o abalo de que a retina é a sede, e cujo agente são as irradia- 
ções emittidas pelo ambiente. A côr dos peixes altera-se, segundo 
a côr do aquário em que elles vivam. Se porém um peixe cega, 
a sua côr fica immutavel e permanente, qualquer que seja a côr 
promovida no meio em que elle se acha. mesmo que se dá com 
os peixes succede com os crustáceos. Tirando-lhes os olhos deixam 
de mudar de côr. São como nós: cegos, ficamos indiferentes â os- 
tentação apparatosa da toUeUe. 



mar torna-nos imaginativos, faz-nos propender para a con- 
templação, para a ociosidade, para a vaga saudade, para a inde- 
finida melancolia. Este estado poético é dos mais perigosos. Pros- 
tra, enfraquece, desarma o caracter. É por isso que as mulheres, 
â beira-mar, nos dias doces e enervantes do outono, precisam 
mais que nunca de se retemperarem na applicação, no estudo, ha 
actividade intellectual. 

Possam as breves linhas que deixo escriptas inspirar-te, lei- 
tora, amiga leitora, a curiosidade dos estudos da natureza, a de- 
cifração dos mysterios da vida no interior do mar! 

Ahi o tens, boa amiga, o vasto, o poderoso Oceano ! Procura 
conhecel-o. Elle será o teu melhor, o teu mais fiel amigo, o teu 
medico, o teu mestre, o namorado do teu espirito. 

Tudo aquillo de que precisa o teu abatido organismo, a tua 
imaginação, o teu caracter, a tua alma, o mar possue para t'o dar. 

Elle tem o phosphato de cal para os teus ossos, o iodo para 
os teus tecidos, o bromureto para os teus nervos, o grande calor 
vital para o teu sangue descorado e arrefecido. 

Para as curiosidades do teu espirito elle tem as mais interes- 
santes historias, os mais engenhosos romances, os mais commo- 
ventes dramas, as mais prodigiosas legendas. 

Para as fraquezas da tua imaginação, da tua sensibilidade, da 
tua ternura, tem finalmente a grande força austera, simples, te- 
jiaz, implacável, que na terra se não encontra senão dispersa em 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 17 

pequenas parcellas, pelo que ha de mais sublime e de mais cul- 
minante na humanidade : a alma dos heroes e o coração das mães; 
— força immensa, sobrenatural, inconsciente, de que o mar é a 
viva imagem collectiva e portentosa. 



Dizem, leitora, que são curiosas as pessoas do teu sexo. 61o- 
ria-te d y esse bello defeito. A curiosidade é a primeira das grandes 
forças do espirito humano. 

Se sir Isambart Brunei não tivesse tido a curiosidade de exa- 
minar minudentemente o modo como um inllmo bixinho, o teredo 
navalis, roe a madeira dos navios, perfurando-a primeiro por um 
lado, depois pelo outro e envernisando a abobada e as paredes 
cTessa passagem com um inducto para esse fim segredado, não se 
teria então descoberto o processo por que foi construído o tunnel 
do Tamisa. 

Foi considerando curiosamente a construcção de uma téa de 
aranha que sir Samuel inventou as pontes pensis. 

A curiosidade de achar as causas da queda de uma maçã e do 
aspecto de uma bola de sabão levou Newton 4 lei da gravitação e 
Young à, theoria da diffracção da luz. 

Se uma espécie de luneta offerecida a Maurício de Nassau por 
um oculista hollandez não tivesse suscitado em Galileu uma curio- 
sidade similhante à, que desperta nas creanças o machinismo dos 
relógios, Galileu não teria descoberto o telescópio. 

Gomo se descobriu o galvanismo? Por um acto de simples cu- 
riosidade. Galvani, examinando o organismo de uma rã, notou que 
a pata d'este animal se contrahia ao contacto de laminas de metaes 
dissimilhantes introduzidas entre um musculo e um nervo. D'ahi, a 
telegraphia eléctrica. 

Deante de um copo de cerveja Priestley sente um dia a curio- 
sidade de explicar o phenomeno de fermentação. O estudo das pro- 
priedades do gaz fluctuante sobre a superfície do liquido fermen- 
tado lançaram as bazes à chimica pneumática. 

Guvier, mestre de meninos, passeando uma tarde à beira-mar, 
encontrou na areia uma siba dada á costa. Da curiosidade susci- 
tada no seu espirito pelo extranho aspecto d 'esse animal nasceu o 
primeiro livro do grande naturalista : o seu admirável estudo dos 
jnolluscos. 

Hugh Miller, simples canteiro, trabalhando n'uma pedreira à 
l>eira-mar, sentiu a sua curiosidade tão vivamente ferida pelos res- 



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18 ÂS PRAIAS DE PORTUGAL 

tos orgânicos das espécies extinctas descobertas na maré baixa, 
que observando e comparando minuciosamente o aspecto do solo e 
o aspecto dos animaes acabou por compor um dos mais notáveis 
livros da geologia. 

Espreitar pelo buraco de uma fechadura e dobrar o Gabo da 
Boa Esperança são dois factos da curiosidade: um descobre má 
creação ; o outro descobre a America. 

A um dâ-lhe a curiosidade para mexer nas gavetas dos ou- 
tros : este é o indiscreto. Egual curiosidade leva outro a revistar a 
Africa ; este chama-se Livingstone. 

Que é pois que se deve fazer á curiosidade para que ella não 
seja um ridículo defeito, e seja uma nobre e poderosa virtude? 
Educal-a na elevação; dar-lhe por objecto os segredos da natureza; 
dar-lhe por fim os interesses da humanidade. 

Sabeis, minhas curiosas senhoras, qual é o grande mal da nossa 
educação portugueza? É o atrofiamento da curiosidade. D'aqui, a 
indifferença. Da indifferença, a preguiça. Da preguiça, a miséria, 
a dupla miséria do desequilíbrio económico e do rebaixamento mo- 
ral. 

Guardae a vossa curiosidade, ó mulheres ; guardae-a como um 
thesouro precioso : é por ella que penetrará a grande reforma ur- 
gente na instrucção do povo. 

Vós tendes, latente ou mal empregada, uma grande activi- 
dade de espirito, paralysada em nós outros os homens pelos nos- 
sos estúpidos hábitos de boulevard, de café, de club, e pela lenta 
narcotisação cerebral proveniente do abuso do tabaco e da pesada 
cerveja, fatal à vivacidade que era o antigo apanágio da raça me- 
ridional. 

Estaes nas praias. Empregae as longas horas de ócio tão es- 
tiradas, tão tediosas, tão enervantes, estudando o mar nos seus 
grandes phenomenos, nas suas portentosas creações. 

Um só molho de mar que escachôa na rocha e se pulverisa 
atravez dos ralos do sol poente em um nevoeiro opalino e doirado, 
contém mais acção, mais vida, mais enredo, do que todos os ro- 
mances juntos do snr. Ponson du Terrail. 

Nenhum dos nossos amigos predilectos, nenhum dos nossos 
poetas lyricos, nenhum dos nossos escriptores phantasistas tem para 
nos offerecer tantas commoçoes, tanto drama, tantas historias curio- 
sas como as que sabe o mar, o inexgotavel narrador, o doce poeta, 
o velho chronista. 

Esse bom amigo não nos dá unicamente as mais bellas e as 
mais interessantes historias. Quando estamos sãos offerece-nos os 



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AS PRAIAS DE POHTOGAL 19 

seus pequenos presentes de amisade: as poéticas illuminaçoes phan- 
tastícas dos fogos de S. Telmo, as pérolas, as brisas. 

Quando adoecemos das complicadas enfermidades modernas 
elle só nos dà tudo aquillo de que precisam as nossas naturezas 
empobrecidas e devastadas. Todo o elemento da vida que falta na 
terra suprabunda no mar. Por isso Michelet exclama : Todos os prin- 
cípios que em ti, homem, estão reunidos, tem-os separados o mar, 
essa grande pessoa impessoal. mar tem os teus ossos, tem o teu 
sangue, tem o teu calor, a tua seiva vital. Tem o que te falta: a 
demasia da plenitude, o excesso da força. 



Para portuguezes, o mar tem attractívos especiaes. Para nós, 
elle é o caminho das conquistas, dos descobrimentos, da poesia, 
da inspiração artística, da gloria nacional. 

A nossa bella architectura manoelina, as capellas imperfeitas 
na Batalha e os Jeronymos, téem na escolha dos ornatos predile- 
ctos, na repetição de certos pormenores, o profundo cunho marí- 
timo; vê-se a miúdo a preoccupação do embarcadiço; acha-se a 
cada passo a revelação do marinheiro. 

O nosso mais bello livro de vprsos é um poema marítimo, os 
Luziadas. 

A mais extraordinária obra que em Portugal se tem escripto 
em prosa é a Historia tragico-marUima, uma relação de naufrá- 
gios. 

Em nenhuma outra litteratura conheço livro que se compare 
com este. A Historia trcigico-mafitima é a narração de celebres 
catastrophes, copiada litteralmente da noticia oral; repetida muitas 
vezes por uma testemunha presencial do caso referido. Nunca o 
talento dramático produziu rasgos mais commoventes, effeitos mais 
profundamente tocantes; nunca a tragedia achou notas mais senti- 
damente elegíacas ; nunca a arte descriptiva tornou mais palpitante 
e viva a acção narrada; nunca, finalmente, a sciencia da lingua- 
gem e o poder do estylo acharam para um assumpto formas mais 
adequadas, toques mais profundos, simplicidade mais real, mais 
pittoresca, mais suggestiva, mais completamente e mais cabalmente 
artística. Não fazem melhor os maiores mestres, Eschilo, Shak- 
speare, Carlyle. 

Na historia do naufrágio do galeão grande S. João, o desastre 
de Manoel de Sousa de Sepúlveda, a morte de sua mulher e de 
seus filhos, que elle enterra por suas próprias mãos, constitue uma 



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i# 20 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



pagina primorosa e inexcedivel. Roubados, insultados, despidos 
pelos cafres, Manoel de Sousa, com a sua família, despedem-se dos 
seus companheiros de infortúnio, dos náufragos do galeão grande, 
que Manoel de Sousa commandava. Os marinheiros proseguem, 
chorando de saudade e de lastima, a sua viagem dolorosa no Ser- 
tão. Manoel de Sousa fica, apparentemente indifferente, mi, com 
uma compressa molhada na cabeça, a procurar conter o juízo 
que lhe foge. 

«Depois que André Vaz se apartou de Manoel de Sousa e sua 
mulher, ficou com elle Duarte Fernandes, contra-mestre do galeão, 
e algumas escravas, das quaes se salvaram três, que vieram a 
Goa e contaram como viram morrer D. Leonor. Manoel de Sousa, 
ainda que estava maltratado do miolo, não lhe esquecia a neces- 
sidade que sua mulher e filhos passavam de comer, e sendo ainda 
manco de uma ferida que os cafres lhe deram em uma perna, as- 
sim maltratado, se foi ao matto buscar fructas para lhes dar de 
comer. Quando tornou achou D. Leonor muito fraca, assim de fome 
como de chorar, que depois que os cafres a despiram nunca mais 
d'ali se ergueu nem deixou de chorar, e achou um dos meninos 
morto, que por sua mão enterrou na areia. Ao outro dia tornou 
Manoel de Sousa ao matto a buscar alguma fructa, e quando voltou 
achou D. Leonor fallecida e o outro menino. E sobre ella estavam 
chorando cinco escravas com grandíssimos gritos. Dizem que elle 
não fez mais, quando a viu fallecida, que apartar as escravas d'ali 
e assentar-se perto d' ella, com o rosto posto sobre uma mão, por 
espaço de meia hora, sem chorar nem dizer cousa alguma, estando 
assim com os olhos postos n'ella. E no menino fez pouca conta. E 
acabado este espaço se ergueu, e começou a fazer uma cova na 
areia com ajuda das escravas, e sempre sem se fallar palavra, a 
enterrou, e o filho com ella. E acabado isto tornou a tomar o ca- 
minho que fazia quando ia a buscar as fructas, sem dizer nada às 
escravas, e se metteu pelo matto, e nunca mais o viram. » 

Nada mais simples, mais sublime, mais palpitantemente dra- 
mático, mais fundamente trágico. Em todas estas narrativas, nem 
uma só observação psychologica. Tudo é objectivo, exterior, como 
nos mais modernos processos de estylo tão meditados, tão perfei- 
tos, tão scientificos, da eschola de Flaubert. A impressão de quem 
lé é lancinante e profunda. Gomo não temos de desviar-nos com o 
auctor pelas divagações criticas da analyse dos sentimentos, o facto, 
em toda a sua humana inteireza, apodera-se de todo o nosso es- 
pirito, e a commoção penetra-nos até à consternação e até ás la- 
grimas. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 21 

Este admirável livro, único na litteratura portugueza, feito in- 
conscientemente por aquelles que o trasladaram da versão popular, 
foi o mar, o grande mestre, que o inspirou à poética alma aventu- 
rosa dos navegadores portuguezes. 

Gamões, tendo encontrado em Moçambique um dos marinhei- 
ros sobreviventes ao naufrágio do galeão de Sepúlveda e às aven- 
turas subsequentes, houve d'elle a historia do desastre, e põe-a 
na boca do Adamastor, quando este profere as delicadas e saudo- 
sas estrophes, que principiam: 

Outro também virá de honrada fama, 
Liberal, cavaUeiro e namorado. . . . 



Na famosa xâcara da Nem Catívrineta, querendo o demónio 
comprar pela salvação da nau a alma do capitão, este exclama: 

Benego de ti, demónio, 
Que me estavas a attentar ! 
A minha alma é só de Deus, 
£ o meu corpo é do mar 1 

Tal é o grito valoroso e sublime da alma de um povo que a 
Providencia destinou a ter no mar a sua historia, a sua inspiração 
artística, a melhor, a mais bella, a mais gloriosa parte da sua exis- 
tência, finalmente, a sua segunda pátria : 

A minha alma é só de Deus, 
£ o meu corpo é do mar! 



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Dfgiti. 



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A FOZ 



Foz I Saudosa Foz ! Residência querida da minha infanda tão 
afastada já — ai de mim! — (Testes annos duros! Com que terno 
prazer que eu te saúdo, sempre que te avisto, ou penso em til 

Estamos bem mudados ambos — velha amigai — tu do que 
foste, eu do que era! 

No tempo em que eu ia de chapéu de palha e de bibe, i 
tarde, apanhar conchinhas na costa, pela mão de minha avó, tu 
eras grave, simples, burgueza, recolhida e silenciosa como uma 
horta em pleno campo. 

Tinhas duas hospedarias: a do Julião, defronte do Castello, e 
a do Silvestre, ao fundo da rua Direita. Em qualquer d'ellas, o 
preço, com almoço de bifes e ovos, jantar e ceia, com lautas so- 
bremezas de pudim de pão com passas, muita fructa e vinho & dis- 
crição, era de um pinto por dia. Porque tudo quanto era bom e 
caro, custava n'esse tempo — um pinto. 

Além d'estas hospedarias havia o café da Senhora da Luz, a 
Assembleia do Mallen, à esquina da praia dos Inglezes; um bar- 
beiro na rua Direita, que era veterano, tinha a figura de uma es- 
phera, e exhibia à porta do seu estabelecimento um pintasilgo den- 
tro de uma gaiola cylindrica, que andava á roda, fazendo mexer 
engenhosamente um boneco e uma boneca que estavam dos lados, 
segurando uma manivella. 

Havia também a Rosa das burras, cujo nome provinha do seu 
estabelecimento, em que se alugavam as mulinhas cavalgadas para 
a viagem a Leça, chamando a attenção dos viandantes por meio da 
seguinte taboleta, pintada no muro do quintal : 

Aqui se alugo vwrras para passeio e para leites 
com albarda e com selim de homen e de senhora. 



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24 AS PftATAS DE PORTUGAL 

No principio da estação, em agosto, começavam a chegar os 
banhistas 1 

Vinham as famílias do Douro. Via-as a gente em magotes, con- 
frangidas, arripiadas, olhando para o mar com uma grande sensa- 
ção de espanto, de pavor e de frio. 

Os homens traziam os seus capotes bandados de velludo ou 
de baeta verde. As senhoras atavam na cabeça três lenços, e pu- 
nham por cima uma manta. Ao lado ia o padre, o capellão da casa 
ou o prior da freguezia, com o seu solideo de retroz atabafando- 
lhe as orelhas, o chapéu braguez seguro por baixo da barba com 
um cordão, com passador, terminando n'uma bolota. E o ecclesias- 
tico, levando na mão o seu lenço de Alcobaça, de quadrados azues 
e encarnados, apontava para os navios com o ferrão do seu guar- 
da-sol e explicava alguns segredos da navegação. Atraz seguia a 
criada, boquiaberta, com os seus bandós alisados com banha de 
porco, os pés sem meias calçados em grossos sapatos, a saia curta, 
as mãos debaixo do avental. 

Tinham os seus passeios favoritos : 

Ao farol da Senhora da Luz, onde o faroleiro deixava olhar 
pelo óculo para os velhos telegraphos, cujo apparelho de taboi- 
nhas, armado no viso dos montes, parecia espreguiçar-se e boce- 
jar as noticias no azul do espaço; 

Pela manhã, à feira onde estacionavam os carros das melan- 
cias, as canastras com os frangos, os gigos d'uvas, a louça branca 
e amarella, e as bilhas do leite; 

Á Cantareira, de tarde, quando chegavam as lanchas do peixe 
e se comprava a volumosa pescada de dorso preto, que as criadas 
traziam para casa em argola, com a ponta da cauda na bocca, como 
o symbolo da immobilidade egypcia. 



Não sei qual era a vida das demais famílias que iam para a 
Foz n'esse tempo, porque a convivência era tão pouca, que toda a 
gente comia salada de alho, francamente, sem receio de vir a fal- 
lar com outrem que não fosse a família. 

Na minha casa, o theor era este : 

De manhã, depois do banho, ás oito horas, almoçava-se café 
com leite, pão com manteiga fresca, que vinha das terras de mi- 
nha avó. Ao meio-dia jantava-se. Ás Ave-Marias, quando se escon- 
diam as moscas e a sol, persignavamos-nos, resavamos o Angelus 
ao toque do sino da Igreja e tomávamos chã com pão de YiLÍar e 
biscoutos de Avintes. 



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ÀS PRAIAS BE PQRTUftAL 25 

Vinha depois o serão : uns costuravam, outros liam o Perió- 
dico dos Pobres, outros jogavam o voltarete ; eu tirava os meus si- 
gnificados de Tito Livio e adormecia — sendo cônsules Marco Tullio 
e Publio Vitellio. 

Ás oito horas e meia, quando os tambores e as cornetas do 
Castello tocavam a recolher, comia-se peixe cosido, bifes, esperre- 
gado, enormes quantidades de melão; procedia-se á operação de 
ir cada um para o seu quarto queimar os mosquitos; e todos se 
deitavam em seguida. 

Alta noite acordava-se por via de regra uma vez. No grande 
silencio da terra ouvia-se o mar bramir e rebentar na costa com 
um echo solemne e triste. Uma voz ao longe chamava: Ô sé Ma- 
chado I Ô sê Machado! Eram os pescadores que vinham acordar o 
patrão de uma lancha. Na capoeira, umas azas espanejavam rui- 
dosamente. Cantava um gallo. A gente pensava: «Está digerido o 
melão.» E adormecia-se outra vez, emquanto um mosquito, que 
escapara á queima, zumbia nas trevas, guloso e feroz. 



Muita gente vinha do Porto, de madrugada, tomava banho e 
regressava à cidade. Este serviço era em grande parte feito pelos 
carroções, um dos mais extraordinários inventos do espirito por- 
tuense, applicado à locomoção. 

carroção era um pequeno prédio, com quatro rodas, pu- 
xado por uma junta de bois. Dentro havia duas bancadas paralle- 
las, em que se sentavam os viajantes. Por fora, sobre uma faixa 
pintada de uma cor alegre, lia-se o nome do proprietário e do in- 
ventor da machina: Manoel José de Oliveira. 

Quanta gente cabia n'um carroção? Nunca se pôde saber. Um 
carroção levava uma família. Que esta fosse pequena ou grande, 
o carroção não se importava com isso e levava-a. Levava-a de va- 
gar, mas ia-a levando sempre. 

Havia famílias enormes que não cabiam em duas salas e que se 
accommodavam n'um carroção. No inverno, uma d'essas ingentes 
molles chegava à porta do theatro de S. João. A portinhola abria- 
se; havia uma escada com corremão para descer; o carroção co- 
meçava a despejar senhoras. pateo do theatro enchia-se e o car- 
roção continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se de que elle 
podésse conter tantas pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá 
dentro, no escuro, a mexer-se e a preparar-se para sabir, tanta gente 
como a que estava fora! 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 



Nas viagens para a Foz, para Leça, para a Ponte da Pedra, 
para Mathosinhos, além da gente, ia também nos carroçoes louça, 
fatos, roupas, víveres para os viajantes e penso para os bois 1 Para 
este fim havia nas bancadas, por baixo das almofadas, esconderi- 
jos tenebrosos e profundos, onde, no caso de necessidade, poderia 
arrumar-se — outra familia. 

Manei Zé de Oliveira, ou simplesmente Manei Zé, como por 
elegante abreviatura se lhe chamava, alugava os seus carroçoes 
por um pinto, como os quartos da hospedaria do Damião. 

Por tão módica quantia teve Manei Zé por muitos annos o glo- 
rioso privilegio de fazer viajar a população portuense pelos diver- 
sos subúrbios tão pittorescos da sua cidade invicta. 

Como os carroçoes andavam tão devagar como as noras, de- 
pois de entrar a gente para dentro d'elles e de se pôr a olhar para 
fora pelos postigos, não tinha remédio senão observar por muito 
tempo os logares ; de sorte que. as viagens feitas por este modo 
eram para sempre memoráveis. 

O primeiro golpe na popularidade enorme de Manei Zé foi-lhe 
verberado pelo segeiro Tavares, da rua da Boa-Vista. Em certo dia 
de funcção suburbana Tavares pôz na rua três carroçoes novos, de 
cores extraordinárias, maiores que os de Manei Zé e aperfeiçoa- 
dos com o appenso festival de uma bandeira. Estes três carroçoes 
chamavam-se o Rápido, o Veloz e o Ligeiro. Do Porto á Foz, uma 
légua, ida e volta, grande celeridade, a toda a força dos bois, — 
um dia. 

Manei Zé, vendo passar o Ligeiro — e só Deus sabe o tempo 
que o' Ligeiro levava a passar I — desmaiou de desgosto. 

Além d'estes carroçoes de aluguer puxados por bois, havia os 
carroçoes particulares, puxados por vaccas. 

Sobre um jogo de quatro rodas enormemente altas, tendo 
duas vezes o diâmetro das rodas das antigas seges de cortinas, al- 
çavam-se quatro tremendos ganchos de ferro; da ponta d'estes 
ganchos desciam quatro valentíssimas correias; na extremidade 
d'estas correias suspendia-se a caixa do carroção particular, tendo 
na trazeira uma taboa e duas alças para um criado de pé, e ao 
lado, por baixo das portinholas, dois estribos de que se- desdobra- 
va uma escadaria para subir ao monumento. 

Consagrando estas modestas linhas á historia da antiga viação 
portuense, não posso omittir a descripção do notável carroção da 
minha familia. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 27 

Um tio meu, irmão de minha avó, que fôra frade Grillo, in- 
ventou o carroção — de via estreita. 

Heu tio, que era também meu padrinho, tinha uma enorme 
força legendaria, comparável à do príncipe Maurício de Saxe, que 
fazia um saca-rolhas torcendo um prego com as pontas dos dedos. 
Pouco mais ou menos com a mesma facilidade com que eu dobro 
pelo meio um bilhete de visita, meu tio dobrava na sua forte mão 
um pinto de boa e rija prata de lei, do tempo do snr. D. João v. 
Impossibilitado de andar, em consequência de ter sido gravemente 
mordido em uma perna por um cão de fila, empregava os seus 
ócios, de erudito e de pregador notável, em trabalhos manuaes. 
Eram feitos por elle todos os instrumentos ruraes da nossa peque- 
na lavoura. 

seu engenho mechanico levou-o um dia a mandar construir, 
com a sua collaboração e debaixo da sua direcção technica, um 
carroção. 

A modificação essencial introduzida por elle consistia em af- 
feiçoar as rodas ao trilho ordinário dos carros de bois de modo 
que o seu carroção podésse penetrar nos caminhos viccinaes das 
aldeias, seguir os atalhos, subir aos montes, entrar nos campos, 
etc. A outra modificação era a suppressão das molas, dos ganchos 
de ferro e dos suspensórios de couro. carroção de meu tio — 
sinto dizel-o — não era, em resumo, mais que uma caixa enverni- 
zada, com rodas e com postigos envidraçados. De resto, infinita- 
mente commodo, porque, como elle muito bem dizia, « ia-se n'aquil- 
lo para toda a parte». Somente não se ia bem. 

A não ser eu, que tinha então cinco annos, ninguém da mi- 
nha família consentiu jamais em acompanhar meu tio dentro da 
coisa a que elle chamava um carroção, mas a que minha avó cha- 
mava — um moinho. 

Os mesmos víveres eram difflceis de transportar, porque tudo 
quanto sahia de casa sob as formas de garrafas, perna de vitella, 
pão, queijo, laranjas, etc, chegava ao termo da nossa viagem sob 
a forma única e homogenia — de picado. 

A meu tio, porém, todos os carroções lhe pareciam inferiores 
ao seu. 

— Olha, — dizia-me elle quando passava o carroção do nosso 
visinho, o visconde de Beire — repara n'aquillo : n'aquella caran- 
guejola tudo são balanços : balanço para diante, balanço para traz, 
balanço para a direita, balanço para a esquerda. No nosso carroção 
ha um balanço só, único, exclusivo, que é o balanço de baixo para 
cima. 



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28 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Assim era, effectivamente. Esse balanço, porém, valia por to- 
dos os outros, porque era tão forte, que por muitas vezes me fez 
ir apalpar o tecto com a nuca. 

— É para te abrir esse juízo! dizia-me meu tio, usando assim, 
como orador sagrado, da figura de rhetorica, que toma o conteúdo 
pelo continente. 

No sentido litteral o que verdadeiramente ameaçava abrir- 
se-me não era o juizo, era a cabeça. 

Ainda assim divertiamo-nos. Meu tio estava no carroção como 
no seu quarto. As caixas dos bancos tinham chaves e levavam as 
suas coisas, provisões de differentes géneros, os seus livros, a sua 
espingarda. Eu soltava no ar o meu papagaio de papel, e levava-o 
seguro pelo fio dentro do carroção; meu tio deixava-me algumas 
vezes dar tiros aos pardaes. 

Um dia — dia fatal ! — meu tio entendeu que o seu carroção 
era de via ainda mais reduzida do que elle effectivamente era. 
Handou-o metter no campo por um caminho estreitíssimo. De re- 
pente achamo-nos atravancados entre dois prédios rústicos. Foram 
baldados todos os esforços que se empregaram para nos desen- 
cravar d'alli : o carroção não ia para diante nem vinha para traz 
de modo algum. Tivemos então todos que nos separar. Dissemos 
adeus aos bois pelo postigo da frente. gado foi por um lado, 
nós viemos por outro; e por cima, das janellas das casas, desce- 
ram homens que desfizeram o carroção e o trouxeram para nossa 
casa, em pedaços, às costas. 



Além das famílias que iam à Foz de carroção, havia as pes- 
soas que iam em burros. Ao pé de Sobreiras parava tudo para 
desaguar o gado e para os homens comerem. 

Ninguém fazia o trajecto de ida e volta à Foz em menos de 
seis a oito horas, comprehendido o tempo do banho. 



No meio d'esta geração vagarosa, pacata, ronceira, havia uma 
mocidade scintillante, vivaz, animadíssima. 

folhetim portuguez teve então a sua edade de ouro nas co- 
lumnas do Nacional, onde experimentavam as suas armas com o 
mais brilhante successo Evaristo Basto, Camillo Castello-Branco, Ar- 
naldo Gama e Ricardo Guimarães, mais tarde visconde de Benal- 
canfôr. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 29 

No dandysmo os Browns, os Monteiros, os Maias e outros, cons- 
tituíam um grupo que não teve egual, e que poderia ser compa- 
rado ao que era pelo mesmo tempo em Pariz a celebre sociedade 
de Roger de Beauvoir. 

Um, jogando n'uma soirée na Foz, perdeu um cavallo inglez 
que apostara n'uma carta contra 50 moedas. Veio em seguida & 
rua, montou o cavallo, esporeou-o pelas escadas e pelos corredo- 
res, e foi pôl-o na casa de jogo ao pé da cadeira de José Lombar- 
di, que o ganhara. 

Outros, sahindo a cavallo de madrugada, e encontrando-se no 
largo da Trindade com os piquetes da guarda municipal, que ti- 
nham patrulhado a cidade e que se reuniam n'esse ponto para 
marcharem juntos para o quartel, carregaram a guarda, desarma- 
ram-a e dispersaram-a a chicote. 

Os de outra cavalgada tomaram de uma vez o Castello do 
Queijo, aprisionaram os veteranos que faziam a guarnição, carre- 
garam as peças, levantaram a ponte levadiça e Qcaram là dois 
dias, homens, mulheres e cavallos, vivendo uns de amor, outros 
de champagne, outros de palha, conforme as necessidades do tem- 
peramento e do appetite de cada um. 

Os jornalistas tinham uma audácia e uma fúria, de que não 
ficou exemplo. Conta-se que três bons burguezes, membros da So- 
ciedade da herva, que assim se chamava a Assembleia Portuense, 
fulminados n'um folhetim, morreram successivamente de ataques 
apoplcticos dentro de quinze dias. 

respeito das formulas exteriores era tal que nenhum nego- 
ciante ousava deixar crescer o bigode e nenhum homem grave fu- 
mava na rua. Da força da resistência contra este espirito humilde, 
timorato e burguez, bastará dar um exemplo: 

Eu mesmo vi um dia sahir da Foz uma burricada, em que um 
dos cavalleiros ia em ceroulas, com as chinellas de ter no quarto, 
levava aos hombros um lençol, e na cabeça, enfiada pelo cano, uma 
enorme bota de montar. 

Os negociantes do Souto, do largo da Feira e da rua das Flo- 
res, tinham epylepsias de rancor perante estas exhibições do es- 
cândalo, mas nenhum protestava ostensivamente, porque os rapa- 
zes d'esse tempo ainda se não chamavam os crevés ã chamavam-se 
os leões; usavam calças à hussard e esporas, bigodes longos e re- 
curvos; traziam em vez de bengallas casse-tétes de castões de fer- 
ro ou de galho de veado, suspensos do pulso por uma asa de couro. 
Sob o seu aspecto bellicoso, tinham um grande fundo de inno- 



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V 



30 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



cencia e de candura, uma sentimentalidade terna e magoada; eram 
umas crianças — terríveis. 

Deram de uma vez um jantar de despedida a uma alegre ra- 
pariga franceza. O jantar celebrou-se n'uma casa de Entre-Paredes, 
e foi todo servido em louça da China e em cristaes inglezes. Á so 
bre-meza houve um hurrah temeroso : os convivas pegaram na toa- 
lha e arrojaram toda a baixella à rua. 



serviço dos carroções e dos burros, sobre os quaes as se- 
nhoras regressavam do banho com os seus narizes frios e os seus 
chapéus postos em cima de seis lenços atados na cabeça, foi am- 
pliado por fim com o serviço dos omnibus, cuja empresa falliu 
cuido eu. 

Os homens sérios não queriam sujeitar-se às convivências 
que ás vezes os esperavam, ou aos ditos de que eram objecto se 
não confraternisavam com a companhia que se lhes deparava no 
omnibus. 

Na carreira d'estas carruagens, quando o ventre de um ca- 
pitalista assomava à portinhola para se apear, havia na almofada 
uma voz que bradava: «Previne-se o publico de que vae arrotar 
o omnibus!» Logo que o poderoso burguez saltava à rua, outra 
voz não menos temerosa gritava de dentro: «Meus senhores e 
minhas senhoras I o omnibus arrotou ; vamos proseguir ! » 

Aos omnibus seguiram-se os chars-à-bancs ; e desde que estes 
entraram na carreira da Foz, partindo do Carmo e da Porta No- 
bre, o movimento dos banhistas augmentou extraordinariamente e 
a vida n'esta praia entrou na sua phase moderna. Como eram in- 
suficientes as casas da antiga povoação, circumscripta nos peque- 
nos bairros do Monte, da Praia e da Cantareira, as novas edifica- 
ções começaram a estender-se por Carreiros, aonde se abriu a for- 
mosa estrada de Lessa, batida pelo Oceano, varrida pela brisa ma- 
rítima, impregnada das penetrantes exhalaçoes salgadas. Alguns 
dos novos prédios construídos n'este sitio, um dos mais bellos do 
nosso litoral, seguiram os modelos das construcções francezas do 
mesmo género e offerecem o elegante aspecto modesto e confor- 
tável, tão raro nas casas portuguesas. 



movimento da sociedade na Foz tem o que quer que seja 
de desordenado e confuso que perturba os que chegam de novo. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 31 



Não se sabe facilmente de onde é que tanta gente vem e para 
onde é que tanta gente vae. Os estrangeiros acham-se isolados no 
meio da multidão e julgam-se Enfastiadamente fora dos interesses 
que determinam aquelle movimento geral. A rasão é que toda a 
gente na Foz anda na rua sem outro destino que não seja sahir de 
casa e voltar para casa. 

A arte de empregar o tempo agradavelmente, rara em portu- 
guezes, é inteiramente desconhecida na Foz. Não ha o estabeleci- 
mento dos banhos como nas praias francezas ; não ha um parque 
com flores, com agua, com musica, com jogos de jardim, para 
onde as mulheres e as crianças vão estar ao ar livre; não ha se- 
quer um club — o triste club — pelo menos em que as senhoras 
se reunam de dia. 

Almoçar, jantar, enxugar os cabellos, é a occupação ordinária 
das banhistas n'esta praia, desde as oito horas da manhã até o fim 
da tarde. 



Á noite, os homens jogam nos tripots. 

Algumas senhoras do Porto recebem nas suas casas ou orga- 
nisam soirées em uma casa commum destinada especialmente para 
este fim. Estas soirées são extremamente agradáveis. 

As senhoras portuenses, em cujas physionomias predomina 
o louro elemento minhoto e britânico, entre as quaes é raro o 
typo meridional da mulher de Lisboa, são inteiramente amáveis. 

Vestem-se melhor para o campo e para viagem, do que para 
baile. Nas suas toUeUes decotadas, nos seus vestidos cobertos de 
renda, nos seus penteados difficeis, vistas à noite, entre as flores, 
no meio das bandejas dos gelados, sob os lustres, falta ás vezes 
uma pequena coisa, uma prega, uma dobra, um vinco, um toque 
quasi indizível, mas essencial ao effeito da linha. 

Umas vezes é a roda do vestido que não tem a devida di- 
mensão, que não está bem distribuída, que não quebra onde de- 
via quebrar, e por esse motivo, na valsa ondula mal, descobre de 
mais ou não descobre bastante o pé, e ao sentar n'um fauteuil ou 
no canto de uma ottomana, não se aparta bem, rapidamente, com 
um impulso do pé, para um lado; e cae mal. 

Outras vezes são as luvas, demasiadamente apertadas, que 
não deixam fechar a mão, e são um indicio flagrante e terrível de 
refinamento provinciano. 

Ha n'alguns casos o cabello, a complicada questão do cabello, 
que nem sempre se resolve satisfatoriamente. 



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32 ÂS PRAIAS DE PORTUGAL 

No penteado ha dois géneros: o género desdém e o género 
esmero. género desdém fica bem ás louras. Os cabellos castanhos 
e os cabellos pretos não supportam senão o género esmero. 

Os escolhos do penteado desdém são a pellicula e o gancho. 
Uma pellicula, uma pelliculasinha miitto pequenina, o mais ténue 
indicio, a mais remota suspeita de caspa, compromette tudo. 
gancho que se deixa vér está no mesmo caso da pellicula. 

perigo do penteado esmero é'a complicação e os cosméti- 
cos : desde que elle não reúne a extrema simplicidade com a mí- 
nima porção de pomada, está perdido. 

Estes senões são coisas tão subalternas e tão secundarias, que 
eu só as menciono a titulo de pura curiosidade local. 

De resto, as soirées da Foz, mesmo género das soirées por- 
tuenses, são animadíssimas. Às senhoras teem alegria e vivacida- 
de. Conversam afectuosamente, com uma certa ingenuidade ca- 
ptivante. A entonação e o compasso da sua maneira especial de 
declamar dá-lhes na conversação um ar sympathico, de uma bon- 
dade risonha, que fica bem entre os bons dentes brancos, nas 
lindas boccas frescas e vermelhas. 

Os homens teem o tom, o ar e a moda ingleza; cultivam es- 
meradamente a suissa, a gravata apparatosa, o fraque curto, a bota 
grossa e o chapéu de chuva. Andam depressa e a largas passadas. 
Jantam sempre em familia. Os restaurantes e as mezas redondas 
são apenas frequentadas pelos viajantes e pelos extrangeiros. Ha 
dois annos contavam-se apenas na cidade toda quatro sujeitos va- 
dios. Ultimamente, consta-nos que foi um d'elles para o Brazil, — 
de enfastiado ; e que o outro montou uma casa de commissões, — 
para ter para onde ir. Assim, o numero dos habitantes do Porto 
inteiramente dèsoccupados, deve n'esta data achar-se reduzido — 
a dois. 

Ha quatro annos, os portuenses, considerando que Lisboa gos- 
tava muito de touros, e que elles detestavam os touros, pareceu- 
lhes que esta differença constituía. para a sua cidade uma inferio- 
ridade burgueza, e na semana seguinte, a cidade em peso, como 
um só homem, como um só fadista, pediu touros, muitos touros, 
que lhe não dessem senão touros 1 

— Pois quél pensavam elles, os lisboetas cuidam que são 
muito por gostarem de touros? Não são nada. Vamos-lhes provar 
immediatamente que gostamos trezentas mil vezes mais de touros 
do que elles. 

Gonstruiram-se duas praças e as touradas principiaram. Êxito 
enorme! Concorrência immensaf Geral frenesi de enthusiasmo! A 



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A8 PRAIAS DS PORTUGAL 33 

sociedade tomou um certo ar toureiro. As senhoras mostravam-se 
interessadas na qualidade dos curros, queriam vêr o gado, punham 
gravatas vermelhas e offereciam-se para dar monas. Muitos cavai- 
los appareciam arreados ao modo do Ribatejo, com o xairel de 
pelle e estribos de pau. Os mancebos à moda vestiam-se de jaleca 
e cinta, com calças de boca de sino, aos sabbados de tarde. Às 
duas praças eram insuficientes para a multidão dos aficionados. 
Os lidadores eram cobertos de charutos, de rebuçados, de palmas 
e de gritos de triumpho. Finalmente, um delírio 1 

Ao cabo de dois annos ninguém mais voltou aos touros. Os 
elegantes deram as jalecas e as calças de boca de sino aos seus 
criados de cavallariça; as senhoras nunca mais tornaram a fallar 
em gado; as guitarras que haviam sido importadas desapparece- 
ram da circulação; o fado, que alguns dedos femininos dedilhavam 
nos teclados de Herard, deixou de acordar os eccos surprehendi- 
dos e vexados dos salões portuenses; as duas praças, não tendo 
outra coisa que fazer, começaram a apodrecer e esperam anciosas 
o primeiro pretexto decente para se deixarem cahir. 

Mas Lisboa tinha recebido uma lição terrível 1 O Porto tinha- 
Ihe mostrado que, se quizesse gostar de touros, ninguém gostaria 
mais, ninguém seria mais maníaco, mais doido, mais frenético por 
touros, do que ellel É para que se saiba 1 

portuense é o homem mais dedicado, mais serviçal, mais 
bom homem. S6mente ha três coisas de que elle não gosta — e 
n'esse ponto é mau brincar com elle. Não gosta de Lisboa. Não 
gosta da polícia. Não gosta da auctoridade. Da auctoridado vinga-se, 
despresando-a. Da policia vinga-se, resistindolhe. De Lisboa vin- 
ga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade e 
com a mais obsequiosa bisarria. 



serviço dos caminhos de ferro americanos, explorados com 
talento, converterá dentro em pouco tempo a Foz n'um bairro do 
Porto. A empreza do carril da Boa-Vista annuncia bilhetes annuaes 
a preços reduzidíssimos. Como esses bilhetes são pessoaes e in- 
transmissíveis, em cada bilhete será impressa a photographia do 
seu dono. Para este fim, a empreza fará de graça o retrato photo- 
graphico de cada um dos seus clientes. 

As casas na Foz alugam-se ao mez ou pela temporada. As ren- 
das em qualquer das casas orçam pelas de Lisboa. Os mezes mais 
i 



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34 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

baratos são os de junho e agosto. A grande affluencia realisa-se em 
setembro e outubro. 

As principaes hospedarias são a de Mary Castro — cosinha in- 
gleza; a da Boa-Vista — cosinha portugueza; a do Louvre — cosi- 
nha raiita, portugueza e franceza. Os preços são de 1 tf 200 por 
dia. 



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LEÇA E MATHOSINHOS 



Leça e Mathosinbos são para a Foz o que a Poote de Algés e 
S. José de Ribamar são para Pedrouços : uma espécie de appenso. 
que não obsta a que Leça seja de per si só mais importante que 
S. José de Ribamar, Algés e Pedrouços, todos juntos. 

grande defeito de Leça é que a sua vida objectiva é qoasi 
exclusivamente mineral e vegetal. Entre tantas casas, tantos quin- 
taes, tão bellas arvores, o animal desapparece, o cão esconde-se, 
o bomem sepulta-se, a mulher some-se. 

habitante de Leça foi por muito tempo para nós como o ha- 
bitante da antiga lua — um problema. 

Um dia — ha talvez dezoito annos — achava-se o obscuro au- 
ctor d'estas regras n'uma barraca da praia da Foz embrulhado n , um 
lençol, com os pés dentro de uma gamella. Coelho Louzada, o des- 
ditoso escriptot, estava ao meu lado, em outra barraca, embru- 
lhado n'outro lençol, com os pés n'outra gamella. Unhamos chegado 
do nosso banho. 

No momento da reacção eu estremeci e senti que tinha na ca- 
beça a ideia. Louzada, a quem communiquei esta noticia, aconse- 
*lhou-me que puzesse os pés para cima e mettesse na gamella a 
cabeça. 

A ideia, porém, que me habitava irrompeu. Era ir d'ali a ca- 
vallo pela beira-mar, até Leça. 

Lousada acompanhou-me. Alugamos dois machinhos na Rosa das 
Burras. marido da Rosa, um ruivo, cheio de sardas, com a voz 
aflautada, veio fazer a operação difficil de segurar o estribo e acer- 
tar-nos os loros ao comprimento das pernas. Problema insolúvel I 
Os furos dos loros na Rosa das Burras estavam distribuídos de ma- 
neira que nunca os dois estribos ficavam em nivel. 



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36 ÀS PRAIAS DE PORTUGAL 

Quando os viajantes se queixavam (Teste estado de coisas, a 
Rosa e o Ruivo começavam por dar pontapés com os bicos dos so- 
cos no ventre dos machinhos. Se ainda assim se não acertavam os 
estribos, elles batiam nos filhos com os loros em disponibilidade. 
Se continuava a diferença na altura dos estribos, o Ruivo e a Rosa 
batiam um no outro. Se o passageiro, depois de todos estes exfor- 
ços para se lhe acertarem os estribos ainda se não dava por satis- 
feito, batiam no passageiro. 

Portanto, apenas elles acabaram de bater nos machinhos, nos 
filhos e em si próprios, nós apressamo-nos a declarar que achá- 
vamos os estribos óptimos, e despedimos por Carreiros fora a toda 
a velocidade dos machinhos, que fugiam como settas, imaginando 
talvez que nós já tínhamos levado a nossa conta e que era chega- 
da a vez de se tornar a começar por elles o processo da Rosa para a 
regularisação dos estribos. 

Ao chegar a Mathosinhos, no cães, perto da ponte estava uma 
mulher vendenda louça; compramos-lhe dois assobios de barro 
vermelho vidrado, galanteria muito curiosa, porque de um lado era 
um apito e do outro lado era um gallo. 

Atravessamos a ponte de arcos de pedra que une as duas pit- 
torescas margens do rio Leça e entramos na povoação que tem o 
nome do rio. Corremos todas as ruas ao trote mais estrepitoso que 
os machinhos podiam executar por cima das lages das calçadas, 
assobiávamos ambos com toda a força a que se prestavam os gallos 
pelo lado em que eram apito. 

Gom tanta bulha é impossível que não appareça alguém, que 
alguém não saia & rua ou não assome ás janellas! Ninguém appa- 
recia. 

Passamos por um taberneiro, que tinha á sua porta, preso ao 
humbral, sahindo para fora como a haste de uma bandeira, um fo- 
guete. Este homem vendia artifícios de fogo. Compramos-lhe bom- 
bas que começamos a fazer estalar pelas ruas desertas com um ri- 
bombo terrível. Pareceu-nos então ouvir uma voz do alto de uma 
janella; olhamos: era um papagaio. Esta antipathica ave estava no 
seu poleiro meneando-se, erguendo ora um pé, ora outro, e regou- 
gando esta phrase : Passa fora cachorro ! 

íamos partir, iamos regressar à Foz, desenganados de que não 
veríamos ninguém, quando, ao passar na praia, avistamos ao longe, 
crescendo para nós, uma figura de mulher. Esperamos. EUa veio. 
A sua longa e esgalgada perna comia léguas no espaço; o seu longo 
pé abria abysmos na areia. Parecia uma cegonha em pernas de pau. 
Um véu verde cobria-lhe o rosto e descia-lhe discretamente até & 



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ÀS PRAIAS BE PORTUGAL 37 

cinta. Duas mechas de cabello louro, torcidas em spiral, serpentea- 
vam-lhe de cada lado do rosto até & extremidade do véu como dois 
enormes saca-rolhas. Os cinco tentaculos da sua mão, calçada em 
luvas de fio de Escócia, seguravam debaixo do braço uma larga 
pasta de marroquim. Via-se-lhe um só dente mas tão grande que 
parecia vérem-se-lhe todos! 

Gomo nós estávamos com os macbinhos atravessados na embo- 
cadura da rua que era provavelmente o seu caminho, ella pareceu 
hesitar um momento. Em seguida o seu pé ergueu-se, ergueu-se, 
ergueu-se. . . Comprehendemos que ella ia passar por cima de nós 
e dos machinhos, tiramos & pressa da algibeira os nossos gallos e 
principiamos a imitar o melhor que podemos os silvos da terrível 
cobra cascavel no momento pavoroso em que essa venenosa ser- 
pe se acha no auge da fome e do rancor. 

A do véu verde, então, deu um salto para traz sobre o pé 
que tinha no chão, e o pé que estava no ar, em vez de passar por 
cima de nós, pousou a um lado. Ella ficou-nos de perfil, descreveu 
em largos e altos passos uma linha que fazia angulo recto com a 
que ella seguia ao marchar sobre nós, e o véu verde desappare- 
ceu d'ahi a pouco nas brumas opalinas do horisonte. 

Ninguém mais vimos! Era todavia em setembro, e Leça estava 
cheia de banhistas. Voltei lá no inverno, quando Leça estava intei- 
ramente vasia, esperando ver alguém : a solidão era a mesma, dir- 
se-hia que Leça continuava sempre — a estar cheia! Fui lá outra 
vez este anno no principio da estação com Emílio Pimentel. íamos 
percorrendo as differentes ruas desertas da povoação quando ao 
dobrarmos uma esquina ouvimos uma campainha tangida & porta 
de um coUage. dedo seco e longo que carregava no botão de co- 
bre reluzente era um dos cinco tentaculos que eu vira ha dezoito 
annos. Debaixo de um braço reconheci a mesma pasta de marro- 
quim; no rosto o mesmo dente e os mesmos dois saca r rolhas ap- 
pareciam como dois capítulos vivos da inflexível historia, essa gran- 
de mestra da vida! Ella olhou-me de lado, obliquamente, com um 
olho só, nú, mas tão vivo que parecia armado de uma forte lente 
esverdenhada. Creio que me reconheceu e que teve medo da peço- 
nha do assobio que eu n'outro tempo expedia, porque o seu grande 
véu cahiu-lhe rápido sobre o rosto até meio do peito, a porta do 
cottage abriu-se como tocada por uma mola secreta, e ella desap- 
pareceu como uma sombra. 



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38 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Na Praça Nova de Mathosinhos ha uma estatua com esta inscri- 
pçao: 



Á memoria de Passos Manoel 

Se monv/mento seus cc 
\4 de agosto de 1864 



Eiigiram este monumento seus conterrâneos 



Este singello e sympathico testemunho da estima de alguns 
cidadãos pela memoria de um seu conterrâneo illustre vale muito 
mais como intenção moral que como obra artística. A estatua do 
eminente estadista e do insigne tribuno popular parece-se pouco 
com o original. A attitude é encolhida e falsa. A correcção do de- 
senho é ligeiramente contestável. O grande homem, representado 
n'esta effigie de mármore branco, tem o aspecto de quem está pe- 
dindo a opinião dos passeantes acerca do corte austero da sobre- 
casaca monumentosa que elle tem vestida. Essa sobrecasaca, tão digna 
e honradamente mal feita, certifica à posteridade a puresa dos cos- 
tumes do cidadão que a enverga, impolluto dos contactos viciosos 
e depravados do dandysmo moderno. 

Na mesma praça arborisada em que está a estatua de Passos 
Manoel acha-se o Hotel de Mathosinhos, do snr. José Henrique Gon- 
çalves, onde os quartos se alugam por 1:000 reis por dia, serviço 
todo incluído. 

No hotel ha restaurante com serviço por lista. 

A pequena povoação de Mathosinhos, com a sua igreja e a 
sua enorme imagem do Senhor, tão sympathica à devoção dos ma- 
reantes, é extremamente aceada, alegre, bem lavada de ares. Tem 
novas casas modernas, elegantes, muito bem repartidas, construí- 
das recentemente pela Companhia Edificadora Portuense. 

Na estrada de Mathosinhos, perto da povoação, está o hypo- 
dromo do Jockey Club Portuense, vasto, com uma boa pista, do- 
minado por uma esbelta tribuna. Tem um só defeito: é circumdado 
por uma alta vedação de madeira. Para que é vedal-o por esta for- 
ma? tJma simples corda bastaria. Se querem fazer das corridas um 
divertimento nacional, é preciso que o povo as veja de graça. Em 
Inglaterra, em França, em todos os grandes campos de corridas, o 
povo tem o seu logar gratuito. Vedar com tristes e melancólicas 
pranchas de madeira a vista de quem não paga é dar ao sentido 
das corridas uma estreita accepção que pôde parecer mesquinha 
da parte de ricos e cavalheirosos genilmen. 



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A8 PBAIÀS DE PORTUGAL 39 

Em Leça encontram-se pequenas casas confortáveis um pouco 
mais baratas que na Foz, de apparencia mais modesta, e, para assim 
dizer, mais rústica. 

Dois hotéis — o Central e o Stephania — recebem hospedes a 
1:000 e a 1:500 reis, havendo abatimento para mais de uma pes- 
soa da mesma família. No Stephania, mais longe da praia que o 
outro, ha bilhar e piano. O preço dos jantares à mesa redonda nos 
dois hotéis é de 500 reis. No Central ha dois jantares, um ás 5 
horas outro às 6. Na primeira mesa recebem-se os hospedes por- 
tuguezes, na segunda os cidadãos britannicos. 

Leça é nos subúrbios do Porto a praia preferida pela colónia 
ingleza, cujos hábitos, cavallos, trens, toilettes imprimem ao sitio a 
principal animação do seu aspecto exterior. 

Na praia ha um miramar com este dístico: 



Real sociedade humanitária. 

João Pinto de Araújo, 

a bem da classe pescadora, mandou edificar 

em 1870 



O miramar é destinado a dar senha aos barcos de pesca que 
passam á vista da costa em dias de mar bravo. 

A fortaleza da povoação, cujos fossos estão cuidadosamente 
^jardinados, tem, vista de perto, o caracter pittofesco de uma horta 
acastellada. Gomo construcção militar é do género d'aquellas que 
existem na maior parte das praias portuguezas e que foram cons- 
truídas sob a direcção do conde de Lipe. 

rio Leça, de margens ameníssimas, presta-se às pequenas 
partidas de canotage. 

Um bello passeio, por estrada carroajavel, liga Leça à estação 
de Pedras Rubras e põe os seus habitantes em communicação com 
o caminho de ferro da Povoa de Varzim excellente para os passeios 
dos convalescentes e para as excursões dos paizagistas. 

Aos caçadores proporciona-se, tanto aqui como na Foz, o tiro 
às rolas de arribação que passam em agosto e setembro, depois 
dos primeiros ventos de leste. 



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PEDROTJÇOS 



É a mansão oficial da villagiatura burocrática de Lisboa. 

Chefes de secretaria, officiaes, amanuenses, tabelliães, guarda* 
livros, caixeiros de escriptorio, escrivães, retemperam annualmente 
em Pedrouços a sua pallida e sedentária fibra plumitiva. 

Por isso, Pedrouços, a uma légua de Lisboa, tem um pouco 
o aspecto de uma secretaria do Estado — ao ar livre. 

Os prédios & beira da estrada, que atravessa a população e 
constitue a sua rua principal, são graves, sérios, aprumados, e 
olham uns para os outros pacatamente, como quem se prepara 
para jogar o wisth ou para resolver a questão da fazenda. 

Senhoras em cabello saltitam na rua, de casa de umas para 
casa de outras, visinhando. 

Meninas de bibes brancos, escrupulosamente nitidos, trazem 
os seus arcos. 

Seis ou oito pianos em uso de ares, anemicos, debilitados, 
tossem a valsa da moda com uma alegria contrafeita e um élan 
doente e abatido. 

Empregados públicos, de botinas brancas, sentados em cadei- 
ras de vime & porta das suas habitações, lêem a prosa da folha 
oficial e parecem regalados na convivência d'aquelle bom compa- 
nheiro — tão espirituoso! — o Diário do Governo. 

Nas ruas do interior da população vé-se pelas janellas, no in- 
terior do primeiro pavimento das casas, a mobília, as camas, os 
fotos, os viveres e os habitantes, accommodados como n'um ar- 
mário repleto. Não ha no chão a menor superfície desoccupada, e 
nota-se com sobresalto que, para entrar ali uma visita, teria for- 
çosamente de sahir d'ali uma commoda. 

lixo das ruas tem um caracter especial, parecido com o lixo 
erudito e pedante que Henry Heine encontrou nos jardins dos pro- 



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42 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

fessores da Universidade de Goettingue. Olixo de Pedrouços nada tem 
de commum com o lixo ordinário das aldeias e das povoações ma- 
rítimas. É um lixo urbano, cazeiro, mais de corredor que de rua, 
feito de bocadinhos de trapo, de amostrinhas de bareges, de papeis 
velhos e de jornaes rasgados. 

Á noite, quando os candieiros se accendem, as famílias fazem 
grupo em volta da mesa redonda com tapete azul. É o recolhimento 
domestico, modificado no seu aspecto por uma consideração : — a 
consideração feita pelo recolhimento de que o estão observando os 
passageiros curiosos dos omnibus, que passam na rua, quasi por 
cima dos pés das pessoas que estão nas salas. 

As casas são tão juntas e a concorrência tão agglomerada, que 
todos vivem em contacto intimo uns com os outros, mesmo ficando 
cada um em casa. Pela manhã, a gente abre a janella do seu quarto, 
deita a cabeça de fora e pôde fazer a barba no espelho do seu vi- 
sinho do prédio fronteiro. 

Ha um bom hotel, o Hotel Ckú, fresco, aceado, dirigido por 
uma senhora franceza e apresentando a boa apparencia interior, 
modesta e confortável da pension bvurgeoíse. 

Ha também algumas velhas arvores frondosas dentro da quinta 
do duque de Cadaval, a cuja porta hospitaleira vão as senhoras 
nos dias calmosos pedir sombra. 

Pedrouços tem óptima sombra fresca e murmurosa para todos 
os seus habitantes. . Somente é preciso que estes tenham o traba- 
lho de a ir buscar à matta de Cadaval. Fora d'esta propriedade é 
arriscado contar com outra sombra que não seja a que cada um 
projecta nos muros, o que sempre dà alguma frescura, ainda que 
pouca — ás paredes. 

A praia, como todas as da grande Bahia do Tejo, é lisa, plana, 
de areia fina. O mar 6 tranquillo, sereno como um lago, o melhor 
dos banhos, na maré enchente, para as creanças fraquinhas, para 
as mulheres débeis, fatigadas. 

O forte mar que bate as rochas da praia da Foz, da Figueira, 
de Leça, da Povoa de Varzim, convém mais particularmente aos 
fortes, ás grossas constituições limphaticas, alentadas e molles, 
que precisam do exercicio da resistência e da lucta. As praias do 
Tejo, de Pedrouços a Cascaes, são como as dos golphos da Itália 
e as da bahia de Arcachon, as mais propicias á constituição dos 
valetudinários e dos anemicos. 

É pena que, de tantas senhoras que se banham em Pedrou- 
ços, no Dá-Fundo, em Paço d* Arcos, em toda a orla do Tejo, tão 
poucas nadem. N'estas aguas serenas seria da maior vantagem para 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 43 

as mulheres a natação. Este nobre exercício, executado de bruços, 
obriga a uma forte contracção os músculos do dorso e do pescoço, 
gymnastica extremamente benéfica para as pessoas que se fatigam 
com o menor exercício, e ás quaes a natação desenvolve muito a 
força da columna vertebral. 

Seria um óptimo serviço á therapeutica o estabelecimento n'esta 
praia de uma escola de natação para as senhoras. 

Nas praias da Allemanha é raríssima a mulher que não sabe 
nadar. Outra diflerença : as portuguezas vão para a agua com de- 
masiado fato ; as allemãs chegam a ir vestidas unicamente com o 
seu bracelete. Para que esta innocente liberdade paradisíaca, para 
que esta simples toilette pre-historica se torne possível, ha na Alle- 
manha algumas praias privativas das senhoras, onde o ingresso é 
prohibido aos homens por meio de um dístico collocado a distancia 
n'um poste de madeira. Áo que transgride a disposição do letreiro, 
appiica-se uma multa de cerca de duas libras . . . Meu Deus I é enorme. 
Aconselho a escola de natação, mas não aconselho na toilette senão 
modificações parciaes, porque, a nudez por um lado, as duas li- 
bras por outro, em Allemanha é a lei para todos, em Portugal 
seria para cada um a ruína: tantas vezes a multa seria pagai 

Junto de Pedrouços, para o lado de Lisboa, fica a praia de 
Belém, cujas condições são muito similhantes ás de Pedrouços. 

Como povoação, Belém tem inteiramente o caracter de um 
bairro urbano, desgregado da capital pela breve solução de con- 
tinuidade que ha nas edificações marginaes entre Alcântara e a Jun- 
queira. Supprimam essa solução com a edificação de alguns pré- 
dios, e desde Santa Apolónia até o Bom Successo ninguém perce- 
berá onde Lisboa termina e onde o subúrbio começa. 

Durante a melhor parte da estação dos banhos, em agosto e 
setembro, o principal elemento da vida social e da animação de 
Belém e praias adjacentes, é a feira, a famosa feira de Belém. 

No grande largo dos Jeronymos, em frente da igreja, arma-se 
a feira em três longos arruamentos parallelos. primeiro tem de 
um lado a igreja e do outro a linha das barracas dos bonitos, da 
louça das Caldas, da quinquilheria, da ourivesaria, dos pequenos 
botequins, onde antigamente o serviço se resumia em nozes, quei- 
jadas da Sapa, algum doce d'ovos e licor de rosa, mas onde mo- 
dernamente se vendem os gelados aristocráticos, ha um piano 
que procura com mais ou menos êxito alegrar os prazeres da gula, 
e sob os bicos de gaz scintillam os copos de groseiUe, lambedor 
que parece particularmente grato ás meninas de olhos sentimen- 



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44 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

taes que drcumdam as mesas, e aos offltíaes subalternos dos es- 
quadrões de lanceiros que completam a roda. 

No segundo arruamento estão dispostos os restaurantes am- 
bulantes, as tascas nacionaes, tão pittorescas e tão características, 
presididas pelos Vateis celebres na gastronomia popular; o Velho 
Pvnxa, a Guilhermina, o Vicente. 

Este arruamento é o orgulho da cosinha portugueza em toda 
a sua nativa e genuína pureza. 

Nos grandes restaurantes de Lisboa, a preoccupação franceza 
desnortéa os cosinheiros e leva-os a envenenar-nos com burun- 
dangas asquerosas, cujos effeitos gástricos levam muitas vezes a 
victima a lamentar que, em vez de terem vendido a sua alma ao 
extrangeiro, os cosinheiros a não tivessem vendido ao diabo, para 
não manipularem para mais ninguém as suas mixordias execran- 
das e traidoras. Na tasca da feira de Belém, a caldeirada de me- 
xelhão e de ruivo, os camarões, as saladas de alface ou de pimen- 
tos, o linguado frito, constituem a lista do que Portugal pôde offe- 
recer de mais perfeito na ordem dos simples e honestos acepipes 
nacionaes. 

No terceiro arruamento ficam os theatros ambulantes, os acro- 
batas, os alcides, os animaes sábios, as figuras de cera, o tiro ao 
alvo, os gigantes, os anões e as mulheres gordas, que, depois de 
haverem sido admiradas em todas as cortes e de terem fascinado 
as principaes testas coroadas, consentem afinal, cheias de magna- 
nimidade e de transpiração, que os povos, com a ponta do dedo 
e mediante a quantia de um pataco, verifiquem que ellas não tra- 
zem algodão na barriga da perna nem em nenhuma outra parte, a 
não ser talvez, um pouco, no velludo do vestido — dadiva de um 
poderoso príncipe. 

Na varanda dos pequenos theatros, os flgles bufam grossos 
monosylabos mavórcios; os clarinetes silvam alegres marchas 
triumphaes; uma corneta de chaves, dedilhada por uma grossa 
mão athletica com uma unha esmagada, divaga em requebros sen- 
timentaes e gemebundos. Os palhaços gritam : «Vae prrrincipiar a 
funcçãol Yae prrrincipiar! Gomprrrem seus bilhetes 1» A grande luz 
crua do gaz ailumia de chapa as physionomias dos circumstantes. 
Uma dançarina macroba, com a sua angulosa corpulência ossuda, 
vestida de tulle de cftr verde, mastigada pelo tempo, salpicada de 
lentejoulas enferrujadas pelo suor, com o rosto estucado de alvaiade 
e alegrado de vermelhão, espera ao lado da orchestra, com as 
suas castanholas no bolso, que sôe a hora de ella entrar em scena, 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 45 

juvenil, travessa, sal&rosa, com uma rosa de papel vermelho af- 
fixada na cuia, sorrindo n'um pas de deux ao gtiano de óculos, 
que interinamente está por baixo, n'um nicho, vendendo os bi- 
lhetes. 

E dentro das pequenas barracas mais obscuras — á porta das 
quaes um simples realejo modestamente remoe — o anão, vaidoso 
e maligno, passeia com as mãos nos bolsos ; a mulher gorda, posta 
no throno em que se ha de exhibir, pede ao seu empresário que vá 
de uma corrida buscar-lhe um bocado do ventre postiço que lhe es- 
queceu em casa; e o gigante, encolhido, contemplando as suas longas 
pernas esgalgadas e frágeis, escuta a musica, os pregões, os ale- 
gres ruídos da feira, sente a mais profunda tristeza nostálgica — a 
enorme tristeza dos gigantes; e com o seu pequenino craneo, des- 
proporcional, apertado nas mãos, considera-se o mais desgraçado 
dos seres. 



Para os extrangeiros, Belém é interessantíssimo, pelos monu- 
mentos que encerra: 

O Picadeiro de Belém, onde se conservam os velhos coches 
de gala dos reis portuguezes. 

O monumental paço d'Ajuda, de uma grandeza cezarea, cuja 
ornamentação caracterisa profundamente o mau gosto inexcedivel 
da arte decadente, da orgulhosa pompa monarchica, absolutista e 
fradesca, construído pelo italiano Fabri e encerrando alguns fres- 
cos bem pintados por Pedro Alexandrino. 

Finalmente, o convento dos Jeronymos, a jóia preciosa, a obra 
prima da architectura nacional. 



O Santo templo 
Que nas praias do mar está sentado. 



À historia do grande e famoso mosteiro prende-se aos fastos 
mais bellos da nossa historia, à gloria immarcessivel dos nossos 
navegantes. 

No logar em que hoje se acha o edificado convento — a antiga 
praia do Rastéllo — existia no tempo de D. Manoel uma simples er- 
mida, fundada pelo infante D. Henrique e doada por elle à ordem 
de Ghristo, de que era mestre, a fim de n'ella se prestarem os soc- 
corros espirituaes aos mareantes. 



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46 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Esta ermida presenceou no dia 8 de julho de 1497 — um sab- 
bado — a ceremonia que, solemnisando a partida de Vasco da Ga- 
ma, marcava a primeira data do maior feito d'essa edade: — o 
descobrimento do caminho marítimo da Índia. Barros, nas Década*, 
descreve nos seguintes termos essa commovente solemnidade: 

«E quando foi ao embarcar de Vasco da Gama, os freires da 
casa, com alguns sacerdotes que da cidade lá eram idos dizer mis- 
sa, ordenaram uma devota procissão, com que o levaram ante si 
n'esta ordem : Elle e os seus com círios nas mãos, e toda a gente 
da cidade ficava de traz, respondendo a uma ladainha que os sa- 
cerdotes adiante iam cantando, té os porem junto dos bateis em 
que se haviam de recolher. Onde, feito silencio, e todos de joe- 
lhos, o vigário da casa fez em voz alta uma confissão geral; e no 
fim (Telia os absolveu na forma das bulias que o infante D. Hen- 
rique tinha ávido para aquelles que n'este descobrimento e con- 
quista fallecessem. No qual acto foram tantas as lagrimas de todos, 
que n'este dia tomou aquella praia posse das muitas que n'ella 
se derramam na partida das armadas que cada anno vão a essas 
partes que Vasco da Gama ia descobrir. De onde com razão lhe po- 
demos chamar praia de lagrimas para os que vão e terra de pra- 
zer para os que vem. E quando veio ao desfaldrar das velas, e que 
os mareantes, segundo seu uso, deram aquelle alegre principio de 
caminho, dizendo: boa viagem, todos os que estavam presentes 
na vista d'elles com uma piedosa humanidade dobraram estas la- 
grimas e começaram de os encommendar a Deus e lançar juizos, 
segundo o que cada um sentia d'aquella partida. Os navegantes, 
dado que com o favor da obra e alvoroço d'aquella empreza, em- 
barcaram contentes, também, passado o termo do desferir das ve- 
las, vendo ficar em terra seus parentes e amigos, e lembrando-se 
que sua viagem estava posta em esperança, e não em tempo certo e 
lugar sabido, assim os acompanharam (aos que ficavam) em lagri- 
mas e no pensamento das cousas que em tão novos casos se apre- 
sentam na memoria dos homens. » 

D'esta partida e do glorioso regresso de Vasco da Gama, veio 
talvez a D. Manoel a ideia de fundar o convento que substituiu a 
ermida, sendo dada pela coroa aos freires de Christo a casa em 
que fora uma synagoga, (pie a rainha mandou purificar e que se 
converteu na igreja da Conceição Velha. 

Os religiosos a quem foi dado o mosteiro sob a invocação de 
S. Jeronymo eram obrigados à seguinte clausula: «Ao lavabo, o 
sacerdote que celebrasse a missa, se voltaria para os fieis e diria 
em voz alta: Rogas a Deus péla alma do infante D. Henrique, 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 47 

primeiro fundador d 9 esta casa, e pela de D. Manoel, que a doou 
d nossa ordem. » 

Segundo o snr. abbade Castro, o altar em que se disse a missa 
da partida do Gama é o do Senhor dos Navegantes, que ainda hoje 
se conserva na igreja de Belém. 

templo é todo de mármore branco, no estylo gothico, sendo 
todos os ornatos arrendados e cinzelados primorosamente ao gosto 
manpelino que inspirou o risco opulentíssimo do claustro. 

Ao entrar na igreja pela porta principal, transpondo-se a pri- 
meira parte do edifício, abafada debaixo do coro, recebe-se uma 
repentina sensação de grandeza e de magestade, de que Filippe u 
deu a medida, quando, visitando pela primeira vez a igreja de 
Belém, se voltou para Christovam de Moura que o acompanhava e 
lhe disse: Ê nada o que fizemos no Escurial. 

Filippe n tinha estudado profundamente architectura. seu 
voto, como critico, é tão auctorisado quanto é insuspeita a since- 
ridade da sua admiração como rei e como hispanhol. 

Os pilares que sustentam o tecto, de abobada chata, são tão 
superiormente trabalhados, que o barão Taylor, enviado a Lisboa 
em 1836 pelo governo francez, não só tirou d'elles os desenhos, 
mas os mandou modelar a todos em gesso pelo natural. 

A abobada do cruzeiro é mais admirável que a da casa do 
capitulo na Batalha. 

Na porta da igreja para a parte do Sul, trabalhada como uma 
jóia, de magnificência admirável, vé-se sobre a columna que di- 
vide a porta pelo meio, a estatua do infante D. Henrique, armado, 
de cabeça descoberta, encostado à espada. Seria demasiado longo 
consagrar aqui ao mosteiro dos Jeronymos o estudo que elle me- 
rece e que, de mais, está jà feito pelos snrs. abbade Castro e Var- 
nhagen. Ás investigações d'este ultimo erudito se deve o achar-se 
boje demonstrado que o primeiro architecto da obra de Belém foi 
um italiano chamado Bocetaca. segundo mestre foi o portuguez 
João de Castilho. Além d'este havia outros empreiteiros que se 
obrigavam a trazer effectivos no trabalho um certo numero de ope- 
rários, cerca de cem cada empreiteiro. 

Mestre Bocetaca ganhava 100 reis por dia. jornal dos ope- 
rários era de 40 reis e o dos mestres empreiteiros 50 a 60 reis. 

A estas despezas tinha D. Manoel mandado applicar a vintena 
da importância dos productos trazidos da índia. Em 1570, D. Se- 
bastião mandou cessar as obras que ainda se estavam fazendo na 
capella-mór da igreja, reedificada pela rainha D. Catharina, sendo 



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48 AS PRAIAS DB PORTUGAL 

o dinheiro anteriormente destinado à obra applicado por ordem do 
mesmo rei ás despezas das guerras d'Africa. 

No edifício do mosteiro acha-se estabelecida, desde a extincção 
das ordens religiosas, a Real Casa Pia de Lisboa, um dos raros es- 
tabelecimentos portuguezes exemplarmente administrados e diri- 
gidos. 



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POVOA DE VARZIM 



É o caravansarà dos habitantes do Minho em uso de ba- 
nho ou de ar do mar. Nenhuma outra praia offerece tão variada 
concorrência. Em agosto e setembro a Povoa converte-se em uma 
enorme estalagem com quartos a todo o preço, em que se alber- 
gam os romeiros de todas as gerarchias, desde o mendigo legen- 
dário, o mendigo dos melodramas e das feiras minhotas, de mu- 
letas, de alforge ao pescoço e de grandes barbas esquálidas, até o 
poderoso commendador brasileiro, de camisa de bretanha anilada 
como um retalho de ceu pregado no peito com um brilhante. 

A rua da Junqueira — principal artéria da povoação que liga a 
praça em que se acha a casa da camará, a administração e o mer- 
cado, com a praia — está desde pela manhã cedo até alta noite coa- 
lhada de moscas e de gente. 

As moscas cobrem os muros, as humbreiras das portas, as vi- 
trines e os mostradores das lojas, n'uma immobilidade, n'um goso, 
n'um extasi que impressiona particularmente os forasteiros. As su- 
perfícies que as moscas deixam devolutas são occupadas pela gen- 
te. Quando um viajante chega, com a sua mala, ergue-se no ar uma 
nuvem negra que scintilla e que zumbe : são as moscas que se des- 
locam e procuram apertar-se um pouco mais para dar logar ao 
adventício. Outras vezes é a gente que encurta o passo, que se con- 
densa, que se enovella: n'estes casos é uma nova mosca que che- 
ga e solJicita o seu logar na rua. Dá-se-lhe o espaço preciso para 
ella se estabelecer e a circulação dos viandantes regularisa-se e 
prosegue. 

Vê-se o pequeno lavrador que desceu dos montes para banhar 
as suas enfermidades. Traz um lenço na cabeça, por baixo do cha- 
péu, atado ao queixo, amplas chinellas de couro cni, longo capote 
de cabeções. Mulheres de pés mis, com as saias de baeta pelos 

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50 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

hombros, as mãos crusadas no estômago, o cabello curto cahido 
n'uma sanefa sobre as sobrancelhas. Os morgados ruraes, de botas 
de montar e esporas, jaqueta de astrakan, alta chibata de marme- 
leiro. As senhoras provincianas com as suas boas cores sadias, os 
seus bons dentes brancos, as suas fortes bocas vermelhas, luvas 
de fio de Escócia apertadas com cordões de seda azul e cuias de 
retroz em rolo inteiriço, enroscado como o chouriço de sangue, ou 
dividido em secções como um cacho de murcellas de Arouca preso 
à nuca com dois pregos de cabeça de tartaruga. Todos os juizes, 
todos os delegados, todos os presidentes de camarás das comarcas 
e das municipalidades circumvisinhas. sport de Braga, com os 
seus bigodes espessos e brilhantes, os seus chapéus à moda e as 
suas esporas de prata tilintando na lage das calçadas. high-life de 
Guimarães, de Fafe, dos Arcos, de Santo Thyrso, de Villa Nova de 
Famalicão, de Barcellos, ostentando novas toiletles esmeradas, imi- 
tadas dos últimos figurinos com as devidas modificações exigidas 
por um bem entendido espirito de conciliação entre a novidade de 
Pariz e as tradições e as conveniências locaes dos respectivos me- 
ridianos. Os jogadores de toda a província e de outros pontos do 
reino com as pálpebras inflammadas pela acção do gaz e do petróleo, 
com a sua pallidez oleosa como se fosse tratada pelas exhalaçoes 
da terebentina ou como se se lhes tivesse congelado na face o gor- 
duroso vapor das batotas. 

Entre esta multidão que permanece na Povoa durante um, 
dois ou três mezes, figuram ainda os toimstes que fazem a viagem 
circulatória do Minho e se demoram poucos dias, os visitantes do 
Porto que chegam nos domingos com os seus bilhetes de ida e volta. 

A rua da Junqueira com a sua gente e as suas moscas apre- 
senta o aspecto de um arruamento de feira. 

Em todas as casas ao rez da rua se organisam estabelecimen- 
tos de commercio, uns fixos, outros fluctuantes. 

As lojas de barbeiro, sempre em exercício, no meio das quaes 
um homem envolto n'uma toalha, dorme n'uma cadeira de braços 
ou considera as moscas que coalham o tecto, em quanto o Figaro, 
de mangas arregaçadas, lhe segura delicadamente a ponta do nariz 
e lhe raspa a face envolta n'um floco de espuma. 

Os ourives postados por traz das suas vitrines mostrando às 
mulheres do campo os grandes corações de filagrana de ouro, os 
relicários, as grossas arrecadas. 

Os camiseiros com a sua exposição de camisas de cor, de gra- 
vatas de todas as gradações do íris, de bengalas, de chapéus de 
chuva, de jóias de cobre dourado, de collarinhos postiços, de lu- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 51 

vas, de aguas de cheiro e de unguentos aromáticos, — todos os ar- 
tigos do luxo barato. 

Os espectáculos das grandes guerras e dos longínquos paizes, 
das mulheres gordas e das mulheres gigantes, tendo à porta o seu 
reposteiro de chita encarnada ao lado do respectivo cartaz e den- 
tro o realejo festival moendo um trecho da Favorita. 

Os botequins, os estancos, as tabernas com o seu grande ra- 
mo de loureiro à porta. 

Os mercadores ambulantes, vendendo ás esquinas os peque- 
nos espelhos, as estampas, as lithographias das testas coroadas e 
os reportorios montados n'um barbante. Os que trazem suspenso 
do pescoço por uma correia o taboleiro com os canivetes, os gar- 
fos, as colheres, os pentes, as caixas dos pós de dentes e os sa- 
bonetes Windsor. Os que tiram as nódoas e vendem as pastilhas 
maravilhosas que comem a gordura da gola das jalecas. Os que 
exhibem encostada ao muro a collecção de varapaus argolados, de 
desempenados marmeleiros, de cannas da índia com os seus ferrões 
polidos embrulhados em papel. 

N'esta multidão espessa e ruidosa sobresahem de espaço a es- 
paço as pesadas diligencias, os chars-à-bancs de cortinas de risca- 
do ou de couro, cobertos de poeira, puxados por três cavallos es- 
cancellados, com o tejadilho acuculado de malas, de saccos de chi- 
ta, de alforges, de bahus, de caixas de lata, carreando os passa- 
geiros de Barcellos, de Fão, de Celorico e do Pico. 

A' porta das estalagens homens com as suas bagagens sobra- 
çadas descendem gymnasticamente da imperial, emquanto mulhe- 
res gordas e pesadas, amparadas com as duas mãos aos batentes 
da portinhola, adeantam para o estribo um pé arrastado, desco- 
brindo o grosso artelho entorpecido pela sciatica. 

Dois grandes e bellos cafés, com óptimos bilhares, grandes 
espelhos, muita luz, abrem as suas portas sobre a rua da Jun- 
queira. 

A' noite esses cafés enchem-se inteiramente. Homens, senho- 
ras, banhistas de todas as classes, viajantes de todas as procedên- 
cias, occupam todos os bancos, agglomeram-se em volta de todas 
as mezas. No meio os jogadores de bilhar procuram com difficul- 
dade um pequeno espaço para poderem recuar os tacos. Os crea- 
dos circulam dificilmente com as bandejas. Harpas e rebecas or- 
ganisam um concerto. Uma mulher hespanhola ou italiana, com um 
prato de estanho, sollicita com um sorriso os donativos da assem- 
bleia. Um barítono de longos cabellos, penteados para traz das 
orelhas, infatigável berrador, com a mão na abertuia do collete, 



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52 ÀS PRAIAS DE PORTUGAL 

a fronte alta, o olhar intrépido, entoa uma romansa. Uma espessa 
athmosphera de fumo dos charutos, empregnada dos vapores do ál- 
cool, da cerveja e do café, envolve aquelle grande ruido. Ás por- 
tas mulheres do povo, homens de cajados e jalecas ao hombro, 
olham apinhados e em bicos de pés. 

Por cima de um d'estes cafés é a casa de jantar do hotel 
Luso-Brasileiro, um vasto salão que em algumas noites se converte 
em sala de baile. Não ha club. Os bailes organisam-se por subscri- 
pção entre os banhistas e a casa é alugada para esse fim aos pro- 
prietários do hotel. 

Em todos os cafés ha um compartimento supplementar em 
que se joga o monte ou a roleta; em um (Telles passa-se da sala 
do bufete ao jardim, onde se acha a roleta installada n'um bonito 
pavilhão. 

Na Povoa, assim como em Espinho, na Foz, na Figueira, em 
todas as grandes praias, a concorrência em volta do panno verde 
é das mais curiosamente variadas. Homens de todas as condições 
sociaes, proprietários, funccionarios públicos, capitalistas, professo- 
res, litteratos, militares com os seus uniformes, sacerdotes com as 
suas coroas. Gomo o jogo é prohibido, como a casa da tavolagem 
se considera secreta, como ha uma entrada mysteriosa, cada um se 
julga ao abrigo da notoriedade e todo o mundo joga. Os caixeiros 
imaginam que não serão ahi vistos pelos seus patrões, os filhos 
que não encontrarão lá os seus pães, os devedores remissos que 
estarão livres dos fornecedores implacáveis, os amanuenses que 
não darão com os chefes de secretaria, os jovens tenentes que es- 
tarão a coberto do olhar reprehensivo e severo dos commandan- 
tes dos corpos. Depois, là dentro, se os inesperados encontros se 
effectuam, como geralmente succede, a cumplicidade n'um delicto 
commum estabelece uma indulgência reciproca. Isto é uma cala- 
midade que só ha ura meio de evitar : decretar a liberdade do jogo 
sob certas condições essenciaes entre as quaes não devem esque- 
cer as seguintes : 

i. a Que o jogo seja inteiramente publico, cora porta aberta 
para toda a gente sem excepção alguma. Desde que um filho-fami- 
lia com os seus sapatos envernizados, as suas meias de seda e as 
suas luvas côr de pérola, resolve frequentar a batota, é preciso 
que entenda bem que se rebaixa até o ponto de ir achar-se senta- 
do entre um moço da cavallariça e um empregado na limpesa dos 
canos, os quaes irão com as suas camisas gordurosas e fétidas e 
com os seus pés mis dar á mocidade inexperiente e elegante a 
dura lição das vicissitudes sociaes. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 53 

2. a Que a casa de jogo seja assignalada à critica do publico, 
ao exame dos philosophos e à vigilância da policia por meio de 
uma taboleta e de uma lanterna especial que estará accesa toda a 
noite. 

3/ Que a policia tenha direito, quando o julgue conveniente, 
de exigir o nome de cada um dos jogadores, a fim de que possa 
capturar os vadios, que por ventura se tenham escapado á acção 
da lei. 

4. a Que os proprietários das casas de jogo sejam devidamen- 
te inscriptos nos registros dos escrivães de fazenda, que se torne 
extensiva á sua industria a lei tributaria que pesa sobre os lucros 
proporcionaés de todos os cidadãos. 

5.* Que os banqueiros, proprietários das casas de jogo sejam 
obrigados a uma escripturação regular e authentica dos seus lu- 
cros e perdas, da qual a policia extraia os dados precisos para a 
estatística geral do vicio, averiguada pelo exame d'estas novas ca- 
sas toleradas. 

A repressão do jogo, além de offensiva da liberdade, é diffl- 
cil de se tornar effectiva. Dá em resultado encarcerar de quando 
em quando alguns pobres diabos que jogam os seus patacos em 
um quarto de taberna, emquanto deixa impunes os jogadores mais 
poderosos que encontram sempre meio de evadir-se ás pesquisas 
policiaes. 

Emquanto o jogo fôr uma illegalidade secreta, elle manterá 
os attractivos das coisas defesas. E' preciso dar-lhe na sociedade o 
seu verdadeiro logar e mostral-o claramente, não como um fructo 
prohibido, mas como um fructo podre. 

Emquanto a imprensa considerar sob outro ponto de vista a 
questão do jogo este continuará como até agora fazendo estragos 
irremediáveis na honra e na fortuna das famílias e constituirá nas 
praias de Portugal durante a estação dos banhos o mais lamentá- 
vel flagelo. 

Gomo o numero das pessoas do Minho predomina na concor- 
rência a esta praia, a Povoa mantém inalteravelmente a feição pro- 
vinciana. Todos os banhistas jantam às três horas e fazem os seus 
passeios à tarde. Ao toque das Ave-Marias toda a gente que pas- 
seia na praia e no Paredão, que é o ponto da reunião geral, tira 
os seus chapéus, pára, persigna-se e faz oração. 

A mais interessante e a mais importante curiosidade da Po- 
voa é o pescador poveiro. 

O poveiro constitue uma raça perfeitamente especial na po- 
pulação do nosso littoral. Inteiramente differente dos typos gregos, 



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54 AS PRATAS DE PORTUGAL 



finos, magros, elegantes, de perfis aquilinos, dos varinos, dos ce- 
lebres pescadores de Ovar e de Olhão, o poveiro tem o typo sa- 
xonio. É ruivo, de olhos claros, largos hombros, peito athletico, 
pernas e braços hercúleos. As feições são arredondadas e duras. 
As bocas dos velhos quando perdem os dentes alargam-se extre- 
mamente na direcção das orelhas e dão-lhes ao perfil uma certa 
similhança com os jacarés. Teem uma força prodigiosa. Ha tempos 
um poveiro aioda moço foi capturado em consequência de um pe- 
queno distúrbio n'uma taberna. Mettido pela primeira vez da sua 
vida na cadeia, onde devia passar vinte e quatro horas, sentiu 
uma saudade irresistível da liberdade e fez o seguinte : agarrou a 
grade com os seus fortes pulsos, arredou um dos varões de ferro 
para um lado, arredou o outro para o lado opposto, e pelo espaço 
aberto foi-se embora para casa. 

Eu mesmo conheço um já velho, que o vicio da embriaguez 
fez expulsar successivamente de todas as companhas. Um amigo 
meu, José Falcão, deu-lhe um bote e umas redes. Elle só, consti- 
tue a tripulação d'este barco; elle só, lança e recolhe as redes; 
elle só, dirige a embarcação no mar alto ; elle só, à força de re- 
mos, a arranca da praia e lança ao mar nos dias em qile a maré 
rebenta com mais ímpeto na costa. Quando vae embriagado para o 
mar, o que muitas vezes lhe succede, chora de enthusiasmo no 
meio da borrasca e faz discursos patheticos ao oceano. Os seus 
confrades teem-o visto só no meio dos vagalhões, em pé na sua 
pequena barca, bater no peito nú e hirsuto com o punho cerrado 
e exclamar trovejantemente : — Eh! marl... aqui agora é nós 
dois, tu e eu 1 Tu com as tuas ondas, eu com os meus protectores : 
Deus e o sôr José Falcão 1 

Quando o mar se levanta repentinamente, todos os barcos an- 
corados na praia são varados na areia à força de braços por ho- 
mens e mulheres. As embarcações, grandes lanchas algumas d'ellas, 
são encalhadas a remos. Uma vez na areia homens e mulheres, 
mettidos na agua até à cinta, encostam o hombro ao barco e fa- 
zem-o subir na praia até dez ou quinze metros acima da língua 
da maré. É nestes duros exercícios que se pôde apreciar a ex- 
traordinária força muscular d'esta raça privilegiada. Velhos de ses- 
senta a oitenta annos, de cabellos brancos e duros cahidos na testa, 
a camisa desabotoada, o peito mordido pelo sol e pelo vento do 
mar, a pelle vermelha, doirada, com reflexos metálicos como uma 
folha de vinha no outono, acocoram-se debaixo da popa de uma 
lancha, fincam os pés na areia e impellem com as costas, desen- 
volvendo a maior força de que pôde dispor a columna vertebral, 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 55 

um peso de esmagar um homem vulgar. N'essas attitudes, com as 
clavículas descobertas, os braços e as pernas nuas, de uma riqueza, 
de uma amplidão, de uma perfeição muscular que eguala as mais 
vigorosas anatomias de Miguel Angelo, os poveiros são verdadeira- 
mente bellos, de uma belleza titânica. 

O traje de que usam contribue para fazer realçar o aspecto 
da sua forte corpulência. De uma espécie de grossa flanella branca, 
fabricada na Covilhã e chamada branqueia, trazem umas amplas 
pantalonas largas até o bico do pé, camisa egual, cinta de lã preta, 
barrete encarnado, de grande manga, cahido quasi até à cinta, e, 
lançado ao hombro, um jaquetão de grosso panno azul, que se não 
veste senão quando chove. Nada mais simples, mais confortável e 
mais commodo para um homem do mar. 

Para os trabalhos da pesca arregaçam as mangas até o hom- 
bro, arregaçam as calças até o alto da perna, e ficam quasi mis 
como os' atlethas. 

Muitos são condecorados pelos assombrosos actos de dedicação 
e de bravura, praticados no mar em serviço dos seus similhantes. 
Nenhum (Telles traz a medalha na camisola ou na jaqueta. A con- 
decoração, que elles estimam como uma lembrança querida e so- 
lemne, trazem-a pendente do pescoço, escondida, junto da pelle, 
sobre o coração. 

No mez de maio do anno findo, 1875, naufragou uma lancha 
à vista de terra. Morreram seis homens. N'essa occasião, um dos 
tripulantes de um dos botes que acudiram de terra ao logar do 
sinistro, mergulhou no alto mar e arrancou do fundo do oceano 
um dos seus companheiros exânimes. Prestaram-se-lhe promptos 
soccorros e esse naufrago sobreviveu aos effeitos da congestão que 
o atacara. valente companheiro que o salvou e por esse facto 
foi condecorado com a medalha de prata chama-se Domingos Go- 
mes, o Ainda. 

Os factos d'esta natureza repetem-se por varias vezes em cada 
inverno. 

Os trabalhos do mar são aqui perigosíssimos. Na costa, intei- 
ramente descoberta e nua, ha apenas um pequeno abrigo feito por 
um quebra-mar não concluído. Dobrar a ponta do quebra-mar e 
recolher no abrigo é de um perigo iminente apenas o mar se en- 
crespa. Logo que uma lancha está em perigo, as mulheres dos tri- 
pulantes vêem à praia e pedem em gritos dilacerantes aos santos 
seus conhecidos que salvem a embarcação. Se o perigo continua, 
se os santos se não apressam a salvar os maridos, os pães e os 
irmãos d'aquellas boas mulheres, ellas accordam os santos que es- 



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56 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

tão em uma capella próxima, partindo-ihes as vidraças e enchendo 
de pedradas o templo. Emquanto a lancha em crise se não vira, 
os pescadores que estão na praia desembarcando as suas redes ou 
varando os seus barcos são absolutamente indifferentes ao alarido 
lacrimoso das mulheres e ao espectáculo do naufrágio eminente. 
Aquillo mesmo foi o que lhes succedeu a elles na véspera e é o 
que os espera no outro dia. Virada a lancha, correm então ao 
salvarvidas e todos se prestam a partir immediatamente em auxi- 
lio dos seus companheiros. 

De uma actividade infatigável no mar, os poveiros em terra 
trabalham pouquissimo ; alguns não trabalham pela palavra nada. 
Ancorado o barco recolhem o remo e ficam nos bancos dormindo 
com os braços crusados no peito. São n'este caso as mulheres que 
descarregam o peixe, que contractam a venda, que recebem o di- 
nheiro dos negociantes e que distribuem as quotas pelos tripulan- 
tes. Estes acordam para receber o dinheiro, mettem-o na algibeira, 
sobraçam um pichei ou um pequeno pipo que todo o pescador leva 
com vinho para o mar, lançam ao hombro o jaquetão, saltam i 
praia, e, com a indiferença mais profunda por tudo quanto os 
cerca, caminham solemnemente para a taberna. 

De uma ignorância pyramidal, é raríssimo aquelle que sabe 
syllabar. Nenhum sabe escrever. Na administração do concelho per- 
guntaram a um que ali tinha ido saber se o filho estava recenseado 
como se chamava o filho; elle pediu que o esperassem um mo- 
mento e foi n'uma corrida a casa perguntar como o filho se cha- 
mava. Pela sua parte, nunca lhe tinha chamado senão unicamente 
filho. 

São naturalmente bons, dedicados, reconhecidos, dóceis como 
mulheres. Com uma palavra e com um sorriso, uma creança le- 
va-os por uma orelha para onde quizer, para a taberna ou para 
a morte. 

Não usam faca. Nas suas questões pessoaes batera-se ao pu- 
gilato. Nas questões de companha para companha batem-se no alto 
mar à pedrada. Nos motins em terra lançam mão da primeira arma 
que o acaso lhes ministra e tudo é arma nas mãos d'elles. Dm dia, 
em 1846, constou-lhes que a camará municipal, reunida em ve- 
reação, estava tractando de lhes lançar um novo tributo. Vieram 
alguns à praça em que estavam os paços do concelho, arrancaram 
os estadulhos dos carros que estão no mercado, subiram à casa 
da municipalidade, e tudo quanto là estava dentro, vereadores, 
auctoridades administrativas, policia, fisco, saltaram pelas janellas 
& rua. No dia immediato chegava à Povoa um regimento para suf- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 57 

focar a anarchia. Os pescadores que teem às armas de fogo um 
terror de selvagens, apenas lhes constou esta noticia, desamarra- 
ram de noite os seus barcos, fugiram para o mar e durante mui- 
tos dias nem um único appareceu. Se o regimento não retirasse 
seria de receiar que nunca mais voltassem a terra. 

É incomparável e única a aversão do poveiro ao serviço mi- 
litar. modo como elles conseguem evadir-se ao pagamento do 
tributo de sangue merece referir-se. Para isso porém são -necessá- 
rias algumas palavras acerca do bairro especial dos pescadores na 
Povoa. 

Nada teem com o resto da villa os pescadores. Vivem em uma 
parte da povoação inteiramente distincta e que fica na praia ao sul 
do paredão a que acima me referi. Três ruas parallelas, cujas pe- 
quenas casas ficam umas defronte das outras à beira do mar, con- 
stituem a porção da villa que os pescadores habitam. Um signal 
dado n'um apito ou n'uma busina previne todos os moradores 
d'este pequeno bairro. Às casas são interiormente de um grande 
pittoresco. Nos dias de sol, com todas as casas abertas, de qual- 
quer das ruas se avista a espaços o mar descoberto atravez das 
portadas. mesmo quarto serve de sala, de alcova, de cosinha. A 
um lado está o lar, ao outro a cama, um leito ou um beliche sus- 
penso como a bordo; a prateleira da louça pende de uma pa- 
rede; do tecto suspendem-se os molhos das cordas côr de sé- 
pia; as trouxas de roupa, as redes, os cestos, os apparelhos de 
pesca. Lembraria os interiores flamengos se a ausência completa 
da agua, os caçoes escalados que estão secando ao sol estirados 
nas portas com três pregos, as paredes negras e gordurosas não 
provassem evidentemente ao viajante que elle está bem longe das 
cabanas hollandezas escrupulosamente baldeadas, esfregadas e lus- 
tradas todos os dias, como o convez da mais nítida corveta da ma- 
linha ingleza. 

Effectuados na Povoa os trabalhos. do recenseamento militar e 
do recrutamento subsequente sem que um só poveiro se tenha 
. apresentado perante as convocações da auctoridade, um, dois, três 
ou quatro beleguins acompanhados do respectivo escrivão apre- 
sentam-se no bairro dos pescadores a requisitar os refractários. 
Apenas os representantes dos poderes públicos penetram no bairro 
da pesca, um signal dado pela primeira pessoa que os avista, um 
velho, uma creança, uma mulher, põe de sobreaviso toda a visi- 
nhança. Se os pescadores estão a essa hora no mar não appare- 
cem senão mulheres, as quaes declaram todas, contestes, que 
nunca ouviram fallar nos nomes dos refractários a que a auctori- 



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58 ÁS PRAIAS DE PORTUGAL 

dade se refere. Se os pescadores çptão em terra, apparecem to- 
dos às suas portas. Todos teem os mesmos typos physionoraicos, 
todos teem o mesmo vestuário, o grande gorro encarnado ou preto, 
a larga calça e a camisa de branqueta ou a camisola justa com um 
coração e uma cruz bordada no peito, e umas armas de Portugal 
com a respectiva coroa bordadas no braço direito. Principia então 
o inquérito do refractário. 

— Onde mora aqui João das Pragas, filho de José, o Russo? 

primeiro dos pescadores a quem se dirige esta pergunta 
retira o seu cachimbo de gesso do canto da bocca e diz : 

— João? 

— Sim, snr. 

— João das Pragas? 

— Sim, snr. 

— filho do Russo? 
• — Sim, snr. 

— Conheci muito bem. Esse rapaz morreu. 

— Morreu? Mas do livro dos óbitos da freguezia não consta 
que elle tenha fallecido. 

— Pois pôde mandar plantar no livro que morreu. A gente 
não estamos lá no livro, porque a gente quando morremos não mor- 
remos cà na freguezia. A gente morremos no mar. 

— Passa-se a interrogar o segundo poveiro, que di exacta- 
mente a resposta que deu o primeiro ; o terceiro responde como o 
primeiro e o segundo; e assim por deante, successivamente, a 
mesma resposta invariável, até não haver mais poveiros que in- 
quirir. 

Outro refractário : Manoel Porte, filho de Joaquim da Rita. 

— Está intimado para declarar terminantemente sob pena de 
cadeia onde pára este mancebo. 

— Manoel? Manoel Forte? o filho do Joaquim da Rita? 
Conheci-o muito bem I Até parece que ainda o estou a ver! Esse 
rapaz está ali defronte. . . 

— Onde? 

— No fundo do mar. 

É a evasiva consagrada, a resposta sabida e constante: todo 
o mancebo recenseado morreu. 

Deante das requisições da auctoridade não ha entre os pes- 
cadores inimigos nem indifferentes, protegem-se todos dedicada- 
mente perante o inimigo commum. É uma alliança indissolúvel e 
invencível. Todos os esforços são inúteis para a combater. Viola- 
dos no seu bairro, os pescadores fogem para a praia. Ahi a per- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 59 

seguição é perigosíssima para quem a intenta. Se um official de 
justiça ousasse apparecer na praia seria infalivelmente morto de- 
baixo da mais densa chuva de pedras, de fisgas, de harpões. Em 
ultimo recurso embarcam. Assim a Povoa não dá um único bomem 
para o recrutamento marítimo, o que prova que quando três mil 
e quinhentos homens reunidos não querem uma coisa é impossí- 
vel obrigal-os àquillo que elles não querem. 

Três mil e quinhentos é o numero dos pescadores na Povoa. 
O producto annual da pesca é, segundo as estatísticas da alfande- 
ga, de 145 contos. Segundo o computo mais provável dos nego- 
ciantes, que proposeram fiscalisar por sua conta e dar ao Estado o 
tributo proporcional, eleva-se aquella somma a 269:6660600 reis. 

O imposto do pescado pago pelos pescadores da Povoa é de 
5:6610828 reis. 

Em troca d'esta elevada quantia quaes são os serviços pres- 
tados pelo Estado a estes pescadores? Nenhuns. O quebra- mar 
está por concluir ha muitos annos, apesar da promessa feita aos 
pescadores pela própria pessoa de el-rei, em 1872, de que o go- 
verno iria occupar-se immediatamente da conclusão d'aquella ur- 
gentíssima obra. A camará da Povoa e os seus habitantes estão in- 
hibidos de occorrer âquelle trabalho tão importante pela razão 
que pertencem exclusivamente às attribuiçoes do ministério da 
marinha as obras comprehendidas desde o ponto a que chega â 
língua da maré em agosto até o mar. 

Não ha um guindaste a vapor, que poderia prestar relevan- 
tes servidos à fazenda dos pobres pescadores recolhendo rapida- 
mente nas occasiões de borrasca os seiscentos barcos ancorados 
na praia nos dias de inverno. 

Ha um farol cujo custeio é pago da bolsa particular dos pes- 
cadores. A somma de perto de seis contos de reis que elles pa- 
gam annualmente ao Estado não chega a este para lhes accender 
sequer uma luz que os livre de serem devorados pela vaga sus- 
pendendo assim o pagamento do tributo que pesa sobre as suas 
vidas. Uma vez que elles deixam de pagar depois de mortos, estaria 
talvez, não diremos n'um dever de humanidade, de justiça, mas 
no próprio interesse do Estado contribuir um pouco para salvar a 
vida dos que tão desinteressadamente o subvencionam. 

O único serviço que ha memoria de ter sido prestado aos 
poveiros pelo governo portuguez é o presente que ha annos lhes 
foi feito de um barco de salva -vidas cujo patrão percebe pelo 
orçamento geral do Estado a quantia de 360 reis diários. Estes 
360 reis diários são todo o troco, que o Estado julga consciencio- 



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60 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

sãmente dever dar aos poveiros, dos cinco contos seiscentos e ses- 
senta e um mil oitocentos e vinte e oito reis, que o fisco lhes sub- 
trae do modo mais escandalosamente iniquo perante os princípios 
mais rudimentares do direito. 

Sempre que um cidadão paga ao Estado em imposto mais do 
que o Bstado lhe ministra em serviços á classe, â industria, ao 
meio em que elle vive, o cidadão é roubado em quantia egual á 
diflerença que existe entre a importância do imposto e o valor 
equivalente do serviço. 

Ora os mesmos únicos 360 reis votados pelo Estado ao pa- 
trão do salva-vidas não são a paga de um serviço real prestado 
aos pescadores, por isso que o patrão é um cargo exclusivamente 
nominal e honorifico. O patrão não embarca. nunca. O salva-vidas 
nas occasiões de temporal e de perigo é tripulado pelos próprios 
pescadores. Para occorrer ás despesas dos soccorros aos náufra- 
gos, os poveiros impuseram-se um segundo tributo que pagam à 
Senhora d'Assumpção. Esta segunda collecta, de uma rede de peixe 
annual por cada lancha produz uma receita de 600 a 700 mil reis 
que a confraria dispende no farol, nos estipêndios aos que tripu- 
lam o salva-vidas e em ajudas de custo para irem ao Porto sub- 
metter-se aos cuidados de um algebrista aquelles que quebram 
alguns ossos no trabalho da pesca. O saldo que no fim do anno 
sobeja da applicação da receita a estes encargos, mais à fabrica 
da capella e a seis missas resadas por alma dos que morrem no 
mar, calcula naturalmente o leitor que reverte aos pescadores que 
se associaram na confraria para esse fim? Não. Quando na confra- 
ria ha um saldo no fim do anno económico, esse saldo embolsa-o 
o Estado para o applicar juntamente com o imposto do pescado aos 
encargos orçamentaes do exercito, da instrucção, das estradas, da 
religião do Estado, coisas de que o pescador poveiro tiraria ape- 
nas o delicado proveito, puramente platónico, da satisfação do seu 
orgulho nacional, se lhe fosse dado fazer alguma ideia da existên- 
cia de qualquer d' essas coisas : nacionalidade, instrucção, viação 
publica, religião do Estado, etc. 

Da nacionalidade elles sabem que um soberano portuguez, 
viajando a bordo de um paquete e encontrando-os no mar alto, im- 
pressionado pela extranheza dos seus trages e dos seus typos phy- 
sionomicos, lhes perguntou se eram portuguezes. Ao que elles res- 
ponderam que não; e accrescentaram : — «A gente semos poveiros, 
meu senhor.» 

De instrucção sabem o que aprenderam com os seus pães : 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 61 

tecer uma rede, colher uma vela, manejar um remo, prever o 
tempo e calcular a hora pelo aspecto do ceu. 

Da viação sabem que ha o caminho de ferro da Povoa — feito 
por uma empreza particular. 

Da religião sabem que ha o paròcho a quem elles pagam os 
baptisados, os casamentos e os enterros e que ha também a Se- 
nhora da Assumpção que lhes dá missas regulares que elles pa- 
gam e um ou outro milagre extraordinário, que elles também pa- 
gam. 

Tal é o poveiro. Tal é o caracter das suas relações com a so- 
ciedade portugueza. Entre o Estado e elle, a seguinte distribuição 
de serviços : o Estado recebe ; elle paga. Paga e pesca. 

Poderoso e desdenhado, o poveiro captiva a nossa mais viva 
sympathia, e alcançará decerto a do leitor, que nos perdoará as 
longas linhas que dispendemos em apresentar-lh'o de perto. 



A Povoa de Varzim, vestígio evidente da existência de uma 
colónia saxonia n'esta parte do território portuguez, tem um nome 
commum a varias posições da Allemanha. Chama-se egualmente 
Varzim á propriedade celebre, residência habitual do snr. de Bis- 
mark. 

Da Povoa podem-se emprehender com commodidade e com 
economia os melhores passeios e as mais interessantes digressões 
no alto Minho. A cerca de duas léguas ao Norte, á beira da estrada 
de Barcellos, fica perto de S. Pedro de Rates, o Monte de S. Fé- 
lix de Lanudos, cuja ascenção está nas forças do homem menos 
robusto e até de qualquer senhora habituada a andar a pé. 

A vista, do alto da montanha, estreitada de moinhos de vento, 
coroada por um marco geodésico, é admirável. No fim da tarde, 
nos bellos dias do outomno, o aspecto da paizagem compensa bem 
o leve incommodo da ascenção, que somente se pôde fazer a pé. 
Para todos os lados bastas florestas de pinheiros, por entre os quaes 
ondeia o rio Cavado; largo horisonte de dez léguas, descobrindo 
para um lado a Povoa, Villa do Conde, Moreira; para outro lado a 
Apúlia, Fão, Esposende, Vianna do Castello. 

Na falda do monte, á beira da estrada, ha uma pequena ta- 
berna, que recommendamos aos viajantes. O fino ar da montanha, 
o exercicio da ascenção e mais ainda o da descenção, abrem natu- 
ralmente o appetite e tornam convidativo e ridente o aspecto rús- 
tico e negro da pequena taberna. Que o viajante a evitei Essa 
crypta é a mansão do jejum. Tudo lhe falta. É inteiramente ency- 



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62 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

clopedica a sua nudez. Não tem um ôvo, não tem uma talhada de 
chouriço, não tem uma simples fatia de pão, não tem um biscoito I 
Estive n'esta catacumba, ao descer de Lausados, restaurando as mi- 
nhas forças com a única coisa que o antro me podia fornecer — o 
contacto de um banco. Tive a curiosidade de perguntar à dona da 
taberna o que fazia ella mesma tenção de jantar. Ella sorriu tris- 
temente. Insisti. Um homem que estava â porta, encostado, e ao 
qual eu tinha dado lume para accender um cigarro, explicou-me 
então que por aquelles sitios não era uso entre os povos o jantar; 
cada um comia um bocado de pão, quando o tinha, ou um cacho 
de uvas, quando o encontrava. 

Na Povoa ha vários hotéis, dos quaes damos os nomes dos 
maiores pela ordem da sua importância: Central, de llalia, Por- 
tuense, do Signal. Os preços são de 10000 a 10500 reis. Às ren- 
das da casa variam, segundo as commodidades que proporcionam, 
desde a quantia de 200 a 20000 reis. 



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A GRANJA 



A Granja é uma povoação diamante, uma estação bijou, uma 
praia de algibeira. Ao chegar tem a gente vontade de a examinar 
ao microscópio; ao partir appetece leval-a na mala, entre as ca- 
misas, como um sachet. 

Ha poucos annos ainda, quando se abriu o caminho de ferro 
do norte, não havia uma só casa na actual povoação. Às primei- 
ras construcçoes foram edificadas depois da inauguração da via 
férrea por um proprietário da visinhança, o snr. José Fructuoso 
Ayres de Gouveia. 

As condições do logar, a meia hora do Porto, à beira do mar, 
na orla de um denso pinhal, attrahiram successivamente os ba- 
nhistas e fizeram rapidamente da Granja o que ella é hoje : a mais 
graciosa, a mais fresca, a mais aceiada das estações de recreio em 
Portugal. 

Como não ha no logar população indígena, a Granja pertence 
exclusivamente aos banhistas. Quando estes, no mez de novembro 
levantam os arraiaes, a povoação deshabitada é guardada apenas 
pelo banheiro, pelo padeiro e pelo tendeiro do sitio. 

De sorte que a Granja é verdadeiramente a coisa que o seu 
nome indica, — uma espécie de quinta. 

Os banhistas poderiam mandar mural-a e pôr-lhe uma grade 
de ferro com o seu guarda-portão que annunciasse os viajantes 
ou acceitasse os seus bilhetes de visita nos casos em que a popu- 
lação não quizesse receber. 

O serviço do portão é feito por emquanto pelos empregados 
na estação do caminho de ferro, a um dos quaes nós perguntamos 
um dia em outubro passado : 

— Queira dizer-me: está em casa a Granja? 

E elle respondeu-nos : 



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64 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

— Não, snr. Está em Hathosinhos. Foram para lá todos, ás 
corridas de cavallos, pelo comboyo da manhã. Mas as senhoras vol- 
tam para jantar no expresso das sete horas. 

Na Graiya os banhistas não são somente os habitantes, em 
grande parte proprietários das casas, são ao mesmo tempo os do- 
nos da povoação e representam n'ella a camará municipal, o exer- 
cito, a policia, o escrivão da fazenda e a repartição das obras pu- 
blicas. As despesas geraes, o club, a fonte, a igreja, o mercado, 
a rua, são mantidas pela communidade, que se cotisa para esse 
fim. Notável exemplo do principio da descentralisação na sua mais 
larga escala. 

Graças a este systema de administração local, as ruas estão 
escrupulosamente aceiadas e não lhes falta senão uma coisa : um 
cinzeiro a cada esquina para se lançarem as pontas dos charutos. 

aspecto do pequeno mercado, com o seu pavimento areado 
como um jardim e os seus pavilhõesinhos rústicos, inspira um re- 
ceio : o de lhe poder cahir uma nódoa. 

Os vallados estão plantados de cactos. 

As ruas são salpicadas de corbeUles com flores como squares 
ajardinados. 

Os taludes acham-se cobertos de choupos, de eucaliptus, de 
tramagueiras, de roseiras bravas. 

Grandes moutas de magnificas hortênsias ornam a entrada das, 
casas. 

A grande floresta de pinheiros que cobre a povoação do lado 
do nascente está tratada com esmero ; tem clareiras terraplenadas 
para o jogo da bola e do croqust } varias plantações de camélias, 
viveiros de arbustos. 

Entre as mais recentes edificações sobresaem algumas casas 
lindíssimas, verdadeiros modelos do género, delineadas e execu- 
tadas com o mais perfeito gosto. 

O chalet do snr. Nuno de Carvalho situado na orla da flores- 
ta, circumdado de pinheiros, com o telhado de ardozia de largos 
beiraes salientes e a sua ampla janella aberta sobre o mar e res- 
guardada do sol por um longo toldo escocez, é um primor da gra- 
ciosa architectura moderna das edificações de recreio. 

cottage do snr. Eduardo Chamiço, com os. seus tyolos re- 
vestidos de hera, o seu talude plantado de roseiras e coberto de 
relva, abarracado, com pequenas janellas, é o typo da habitação 
modesta e elegante, o modello do pied-à-terre gracioso e econó- 
mico. 

As casas dos sns. Manoel de Espergueica, Francisco António 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 65 

Miranda e algumas outras dão ainda á paisagem do sitio uma va- 
liosa contribuição de pittoresco. 

A concorrência dos banhistas na praia da Graiya, cujo movi- 
mento pôde ser actualmente orçado em cerca de trezentas pes- 
soas, augmeuta consideravelmente de anno para anno. 

Uma companhia estabeleceu ahi um hotel regularmente ser- 
vido com quartos pelo preço de 10200 reis, comprehendido o ser- 
viço. 

O clu^ para o qual está sendo concluído um edifício especial 
com um salão para trezentas pessoas, restaurante, cocheiras, etc, 
acha-se estabelecido em uma casa provisória e é muito concorrido. 
N'elle se dançou em muitas noites durante a temporada passada, 
fizeram-se concertos, e no dia em que ali passamos planeava-se a 
representação de um provérbio de Musset, uma sessão de qua- 
dros vivos extrahidos de illustrações de Gustave Doré, e um pas- 
seio â luz dos archotes na floresta. 

Os banhistas da .Granja conhecem-se todos, apertam-se todos 
a mão, frequentam as casas uns dos outros, vivem finalmente em 
família. É tão agradável isto que custa às vezes a supportar. 

A gente acaba de chegar e de entrar em casa : calçou as suas 
chinelas, poz-se em mangas de camisa, aninhou-se diante da sua 
mala, está tirando para fora as piugas, tem as escovas no chão a 
um lado, os lenços de assoar a outro lado, as camisas debaixo do 
braço. . . Nisto grandes risadas frescas e cristallinas entram como 
um enxame alegre e canoro: são as amáveis senhoras A. . . e as 
encantadoras meninas B. . ., que souberam da nossa chegada, que 
vêem fazer-nos uma surpresa, que nos trazem um ramalhete de 
rosas chà, que teem uma truta na mesa, que nos esperam para 
almoçar no prédio ao lado, que acceitam uma garrafa do nosso 
Chably, que, em summa, começam a fazer-nos a honra de nos re- 
ceber «em família». 

A gente foge para o canto da cama, acalcanha como pôde um 
par de sapatos, enfia à pressa uma jaqueta, ata um lenço no pes- 
coço, corre ao chapéu de palha que está n'um taboleiro da mala 
em cima de uma cadeira, e lança-se na vida cede família» a braços 
com uma garrafa de Chably e com o receio de ter talvez, indiscre- 
tamente, manifestado a cur dos seus suspensórios às amáveis se- 
nhoras A. . . e ás encantadoras meninas B. . . 

Depois* ás senhoras A. . . e ás meninas B. . . reune-se a inte- 
ressante família G. . . que nos leva a jantar para casa dos hospita- 
leiros cônjuges D. . . Pela nossa parte procuramos pagar todas es- 
tas obrigações com a amabilidade, com a phrase, com a anedocta, 

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66 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

com o dito, com todas as despezas da conversação, com todas as 
prodigalidades do espirito. 

Todas aquellas pessoas nos retribuem na mesma moeda e são 
egualmente espirituosas comnosco. 

Á noite estamos todos cançados da graça que tivemos, e mais 
ainda da graça que fomos obrigados a achar que tinham os ou- 
tros I 

Recolhemo-nos pensando nas meninas A. • ., que vimos n'esse 
dia sem pó de arroz e que teem sardas quando estão nas praias ; 
nas senhoras B. . ., que Unhamos por espirituosas nos salões de 
Lisboa e que são insignificantíssimas no téte-à-tête do campo quando 
lhes falta para discursar o escândalo do dia, a anedocta do baile 
da véspera, a phrase consagrada á critica do ultimo drama ou & 
musica da ultima opera; na interessante familia G. • ., que mette 
os bicos dos pés para dentro; nos cônjuges D. . ., dos quaes um 
troca o b pelo v e o outro tem só meia unha em um dos dedos pol- 
legares. 

Elles, os A. . ., os B. • ., os C. . ., os D. • ., pela sua parte, 
observaram-nos também de perto, cara a cara, durante um dia in- 
teiro, o que nunca até então lhes succedera. £ claro que nos acha- 
ram mil vezes peor do que nos presumiam, porque é raríssimo o 
individuo que examinado minudentemente não perca cincoenta por 
cento do valor que se lhe presumia quando cultivado apenas no 
intervallo de uma quadrilha, durante um entre-acto n'um cama- 
rote, nos quinze ou vinte minutos de uma conversação de visita 
quando elle traz preparadas para o caso as suas phrases assim 
como as suas finas luvas côr de ganga, e a gente o olha barbeado 
de fresco, com os cabellos correctamente separados por uma risca 
bem nítida, vestido por Poole, sentado n'um fcmteuil de setim e 
tendo no plasPron uma grossa pérola côr de rosa. 

No campo ou nas praias, com sapatos ferrados, sem luvas, 
sentados no chão, sem ter o santo e a senha da conversação do 
dia, como succede nos grandes centros, entregues a si mesmos, 
aos seus recursos pessoaes, às suas observações, ao seu critério, 
ás suas ideias, quantos resistem á tremenda eternidade de uma 
convivência de dez horas ? * 

Nas grandes sociedades a attenção de que somos objecto es- 
palha-se por aquelles que nos cercam; em uma quinta ou n'uma 
pequena praia essa attenção recae toda sobre os nossos ridículos, 
sobre os nossos defeitos. Fomos já discutidos desde que annun- 
ciamos a nossa vinda, fallou-se de nós uma noite inteira, os nos- 
sos amigos disseram de nós o menos bem que poderam, as meni- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 67 

nas esperam-nos. Ainda não olharam para nós e já nos viram, na 
sombra, projectando no muro um immenso nariz disforme e ridí- 
culo. Ainda lhes não falíamos e ellas conservam os olhos baixos, 
mas sob esse estreito raio visual descobriram já as joelheiras que 
temos nas calças e o lado para qurf cambam os nossos tacões. As 
senhoras idosas assestam sobre nôs as suas terríveis lunetas cu- 
riosas, sedentas de matéria examináveis e pensam que a nossa pho- 
tographia nos favorece de mais e que somos inferiores á fama que 
nos precedeu como figura, como maneiras e como intelligencia. 

Deitamo-nos n'este primeiro dia aborrecidos de obséquios, es- 
tafados de amabilidades, esvaidos de conversação. Promettemo-nos 
descançar ao outro dia no silencio e na solidão, fumando o nosso 
velho cachimbo á beira do mar, conversando simplesmente com 
um rude pescador ou com um bronco trabalhador dos campos 
tranquillo e sereno, sem ideias, sem pretenções e sem palavras. 

No dia seguinte, levantando-nos de madrugada, não achamos 
pescadores na costa nem cavadores nas terras. Greados de sapa- 
tos descobertos, meias brancas, e jalecas de linho, envernisam ás 
janelias as botinas dos seus patrões, lavam as vidraças, lustram as 
guarnições de cobre das portas da rua, regam com uma bomba a 
relva dos taludes. £ o alvorecer do chie. # 

Refugiamo-nos no pinhal, na boa solidão simples da natureza. 
Deitamo-nos de costas no solo fofo, na cama feita com a rama secca 
dos pinheiros. Respiramos com delicia a brisa maritima coada pe- 
los arvoredos. Olhamos para o ceu azul e diaphano cortado pelo 
vôo sereno das rolas trazidas pelo primeiro vento suão, sentimos 
a grande tranquillidade ineffavel que dá a convivência da floresta, 
a plenitude do nosso ser, o profundo bem-estar. A mansidão- ex- 
terior das coisas communica-se-nos e dá-nos a satisfação moral. 
Pensamos nos nossos amigos com ternura, nos nossos inimigos com 
indulgência e com bondade. Planeamos estudos, trabalhos, propó- 
sitos bons. Principiamos a applaudir-nos da escolha que fizemos do 
tranquillo e doce retiro cuja influencia tão saudavelmente nos fe- 
cunda. 

Nisto, por entre a côr sombria da espessura, vemos uns pon- 
tos garridos, alegres e ruidosos que se aproximam. Na clareira 
ao pé da qual nos deitamos desembocam de repente os chapéus, 
ornados de margaridas, de papoulas, de flores silvestres, os vesti- 
dos de linho aromáticos e frescos guarnecidos de renda côr de pa- 
lha. Os sapatos de pelle de gamo apertados com fitas de seda branca 
e as meias côr de cinza de xadrezes de seda apparecem ao sal- 
tar do pequeno valado. As bolas de buxo torneado rolam de en- 



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68 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

contro aos arcos de ferro cravados no chão. As meninas E. . ., as 
meninas F. . . e as meninas G. . ., às quaes na véspera à noite, 
no club, fomos apresentados pelas jà mencionadas senhoras A . . . , 
B. • ., C. . . e D. . . chegam com os seu» malhos polidos em Lon- 
dres e vêem fazer a sua partida matinal de vroquet. 

— Que bom acaso I 

— Que feliz coincidência I 

— É o nosso visinho H. . . que chegou hontem de Lisboa. • . 
—-Minhas senhoras I • 
— Que vae fazer a nossa partida. . . 
— E informar-nos dos últimos casos. . . 
— Se é verdade que se está dançando o fado no club de Gas- 
caesl 

— Se efectivamente a viscondessa deX. . . foi vista fumando 
cigarros côr de rosa na praia de Papo d'Arcos I 

— Em paga virá esta noite ver o nosso fogo de artificio. . . 
— E entrará amanhã nas charadas vivas que vamos fazer aqui 

no pinhal com illuminapão veneziana. . . 

E assim começa a repetir-se n'esse dia a scena da véspera, 
que ha de repetir-se ainda no dia immediato, e no outro, e mais 
no outro, e em todoa^os outros dias até o fim da temporada. Sem- 
pre as anedoctas, os ditos, os encontros, os gracejosl 

Se uma vez não sahimos, vem a colónia toda visitar-nos. 

Um manda-nos uma garrafa da sua agua de Saint-Galmier. 
Outro remette-nos a sua botica homoepathica, os seus synapismos 
Rigolot, as suas pastilhas de -Viohy. Oito pessoas dedicadas mettem 
a um tempo os dedos nas algibeiras do collete para extrahirem a 
caixa das suas pílulas predilectas: as Radway, as arui-biliosas, as 
Déhaut, as de Familia... Surgem de toda a parte, cercam-nos, 
prehenchem-nos, cumulam-nos as receitas, os alvitres, os diagnós- 
ticos, os conselhos therapeuticos. 

— Tome quinino 1 

— Siga a medicina caseira de Raspail. 

— Vejamos o pulso I 

— Deite a língua de foral 

— Porque não toma agua de Wals? 
— Beba alcatrão e chá de eucaliptus. 

— O que elle tem é tristeza, desanimo, aborrecimento, final- 
mente — figado ! 

—Dieta! 

— Carnes brancas I 

— Ostras e muitas uvas! 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 69 

— E gelados, muitos gelados de limão e de laranja! 

Se sahimos sósinhos uma vez, uma única vez, para descansar- 
mos, para nos acharmos sem companhia, os homens todos a um 
por um, procuram-nos n'essa noite ou ao outro dia, chamam-nos 
á parte, levam-nos para debaixo de uma arvore, para a beira do 
mar, para o vão de uma janella; enfiam um dedo pela casa do nosso 
fraque, sacodem-nos as pontas da gravata com pequenos piparotes 
amigáveis, e principia uma successiva e interminável ladainha de 
explicações e de desculpas. 

— Não cuidei nunca, meu caro, que você nos privasse do 
prazer da sua companhia unicamente porque bontem uma simples 
palavra que eu proferi innocentemente. . . 

— Que a allusão aliás benévola de minha mulher. . . 

— Que o dito irreflectido de minha filha. . . 

— Esperamos porém que este desagradável incidente se con- 
sidere terminado... 

— Que se esqueça este desgosto. .. 

— Que se restabeleça a bella harmonia inalterável n'esta co- 
lónia... 

— Que você nos restitua a sua amisade. . . 
Etc., etc, etc. 

De modo que é absolutamente impossível passear só, ficar em 
casa, fechar a porta, prescindir das relações, abstermo-nos da con- 
vivência, dispensar a companhia, por um dia, por um só dia que 
seja! 

Na Granja desde que o banhista salta do wagon à gare, es- 
treitado nos braços da colónia, até que salta da gare ao wagon, 
solto dos braços da mesma colónia, o seu destino impreterível, fa- 
tal, é viver ali simplesmente, agradavelmente, sem exigências de 
apparato e de luxo, saudavelmente, divertidamente, mas sempre 
— em família. 

— . . .Que é o melhor que tem esta praia! exclamara uns. 

— ...Que é o peor que esta praia tem! murmuram outros. 



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DE PEDROUÇOS A GASGAES 



Se queres dar, leitor, o mais bello dos passeios permittidos 
ao habitante de Lisboa, faze o que eu hontem fiz. 

Levanta-te às 5 horas da manhã, n'um domingo, veste-te à 
luz do candieiro, porque em setembro ainda não é bem dia a essa 
hora, pega na tua bengala e no teu binóculo e vae à ponte dos 
vapores ao Cães do Sodré. 

Tomamos um bilhete de ida e volta no vapor de Cascaes por 
dez tostões. Ainda é cedo, o vapor não parte senão às 7 horas. 
Entramos no café Grego e fazemo-nos servir uma chávena de leite 
ou chà preto. 

Os passageiros vêem chegando em multidão ao cães. À ponte 
dos vapores enche-se de alegres e frescas toilettes de manhã. Lis- 
boa madruga para fugir à calma e à semsaboria de um domingo 
de verão dentro da cidade. Enchem-se os vapores de Cacilhas e 
de Belém. 

Embarcamos, accendemos um charuto, subimos à ponte do 
vapor. Magnifico espectáculo ! 

Diante de nós estende-se em toda a sua magestade, como um 
pequeno Mediterrâneo, o bello Tejo, que scintilla sob a bruma 
aquática como um peito de aço coberto por um véu de gaze, ba- 
tido pelo largo sol. 

Perdeu muito da sua fama antiga o celebrado Tejo. Podería- 
mos mesmo dizer que alguma coisa perdeu também das suas an- 
tigas aguas. 

Frei Bernardo de Brito conta que viu em Toledo um dos bar- 
cos que no seu tempo faziam a navegação do Tejo e que de Lis- 
boa tinha ido à vela até àquella cidade, o que corrobora de um 
modo bem notável o phenomeno, tão estudado actualmente pelos 
geólogos, da progressiva diminuição da agua no volume dos rios 
e no debito das fontes em toda a Europa. 



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72 AS PB ATAS DE PORTUGAL 

As éguas das vastas lezírias do Tejo não são já, como nos tem- 
pos imaginosos de Virgílio, fecundadas pelo vento. 

Das suas margens já se não exportam as cannas, que, segundo 
Strabão, davam as pennas preferidas dos escriptores romanos. 

Também já não produz o ouro, de que Duarte Nunes de Leão 
conta que se fez um sceptro para D. João in. 

Finalmente, já não sahem da sua incomparável bahia os al- 
terosos galeões que no tempo da Renascença varreram do Oceano, 
para abrir campo à historia de novos feitos, a velha tradição das 
conquistas dos phenicios e dos descobrimentos dos normandos. 

Em compensação ahi temos o Aterro, com as suas altas e es- 
guias chaminés erapennachadas de fumo, a fabrica de gelo arti- 
ficial, o gazometro, a officina de serração a vapor. Lá está o 
Grande Hotel Central, com a sua casa de banhos e o seu res- 
taurante francez. Mais acima, a bandeira ingleza tremula na larga 
varanda do Bragance Hotel. Carroagens de New- York, puxadas 
por mulas brasileiras, rolam apparatosamente sobre o carril ame- 
ricano e salpicam o cães com as suas alegres cores ambulantes. 
— O que tudo prova que alguma coisa se tem feito no mundo 
n'estes três séculos que nós temos passado a recordar que foi 
por nosso intermédio que as naus da índia trouxeram à Europa as 
pimentas de Ceilão. 



Do outro lado do rio fica-nos Almada, de cuja elevação se des- 
cobre para um lado Lisboa inteira, desde Santos o Velho até Belém, e 
para o outro a industrial Arrentella, o realengo Azeitão, Palmella, 
acastellada, o Barreiro, com a sua estação do caminho de ferro do 
Sul, o Lavradio com as suas apreciadas vinhas, e Cezimbra, a piscosa. 

Diz-se que Almada fora fundada pelos inglezes que vieram 
ao Tejo na expedição de Guilherme, o da longa espada, e que 
Affonso Henriques doara aquelle território aos que desistissem da 
cruzada da Palestina. Bons tempos em que uma expedição ingleza 
se peitava com uma nesga de terra ali da outra banda! Que diria 
a Inglaterra se nós hoje offerecessemos a faculdade de residir na 
Trafaria aos seus expedicionários que preferissem ficar em nossas 
terras a fazerem a viagem ao Polo? 

Mas o vaporzinho de Cascaes levantou a sua ancora e partiu. 



Aquelle renque de palácios que estamos vendo, gravemente 
enfileirados, com os seus jardins plantados de palmeiras e de arau- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 73 

carias, é a Junqueira. O pequeno edifício redondo que mais além 
sobresahe no arvoredo é o observatório da Tapada da Ajuda. Ao 
poente íica-nos o grande e pesado palácio de D. João vi, que o 
mandou edificar no mesmo logar em que fora devorado pelas cham- 
mas o antigo paço, habitado ainda por D. Maria i. Ao nascente 
avistamos ainda, como sentinellas da cidade morta, os cyprestes 
immoveis dos Prazeres. 



Passamos em frente da praia da Torre. É animadíssimo o seu 
aspecto. As barracas dos banhistas, brancas, ponteagudas, dão-lhe 
o ar de um acampamento de opera cómica. 

Junto da agua, barracões de madeira, embandeirados, osten- 
tam as suas varandas cobertas <^>m toldos recortados, debaixo dos 
quaes ondeiam os véus e se agitam os leques das senhoras. 

Dos barracões sahem para o mar pranchas, em que uns espe- 
ram, pittorescamente drappés nos seus lençoes turcos, e de que 
outros se precipitam de mergulho na vaga. 

Alguns pequenos botes, com espectadores, bordejam na agua. 

As cores dos vestidos de verão, dos chapéus de sol abertos, 
das bandeiras desfraldadas, produzem sob o sol uma grande man- 
cha alegre, ridente, cheia de luz, no meio da areia fulva. 

Ao fedo da praia destaca magnificamente, com uma leve côr 
de sépia sobre o transparente azul, a bella Torre de Belém, com 
os seus relevos e bastiões, as suas guaritas, os seus eirados, o seu 
elegante azarve, em cujas ameias se entalham as cruzes floreteadas 
de Christo, e a sua .bateria airosa como o terraço italiano de um 
palácio de recreio. 

Considerada como construcção militar, a importância da Torre 
de Belém é absolutamente nulla. As suas muralhas de cantaria des- 
appareceriam dentro de poucos minutos varejadas pela artilheria 
moderna. A única arma defensiva que a Torre de Belém pôde em- 
pregar contra o inimigo é a sua belleza. A sua guerra terá de ser 
toda por sorrisos como a das creaturas coquettes. 

Quando ha poucos annos a torre mandou uma bala a um na- 
vio de guerra americano que demandava a barra, o commandante 
da embarcação reuniu conselho de officiaes e propôz a replica ao 
fogo da torre. Votou-se por unanimidade que se não abrisse uma 
canhoneira contra aquella jóia, tão delicada, que se desmoronaria 
á primeira descarga. 

Para uma corveta americana, receber um tiro da Torre de 
Belém era o mesmo que para um homem valente levar uma bo- 



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74 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

fetada da mão delicada, franzina, perfumada, de uma linda mulher, 
fraca e pequenina. Á bala que a torre enviou ao navio, o navio 
respondeu mandando um beijo â torre. Somente, como o amante 
caprichoso que segura os pulsos da sua bella e lhe mette á força 
nos cabellos o cravo encarnado que trazia na casaca, o americano 
vingou-se da torre, obrigando-a a arvorar o estreitado pavilhão 
dos Estados. 



Á praia de Belém, chamada da Torre, segue-se a de Pedrou- 
ços, na qual falta o pittoresco dos barracões, cujas varandas dão 
a Belém, visto do mar, um aspecto tão festivo e tão jovial. 

De Pedrouços até Cascaes seguem-se quasi ininterrompida- 
mente as differentes estações dos banhos. Vem primeiro Algés, 
com a sua ponte e os seus dois palácios. 

Depois apparece S. José de Ribamar, com o seu convento en- 
carnado, actualmente propriedade do conde de Cabral, a qual so- 
bresahe no fundo de verdura da quinta da Piedade, que a família 
do Qnado príncipe D. Miguel de Bragança herdou o anno passado. 

Vamos vendo successivamente o Dá-Fundo com as grandes ar- 
vores da bella quinta do snr. Fernando Palha, a Cruz Quebrada, a 
Boa Viagem, a Gibalta. 



Eis Caxias e o seu palácio real, residência predilecta do snr. 
D. Miguel nos últimos tempos do seu reinado. desditoso soberano 
habitava ordinariamente Queluz. Um dia, achando-se ahi occupado 
a caçar pombos nas terras do Infantado, foram participar-lhe que 
uma esquadra franceza, entrada no Tejo, acabava de apresar todos 
os nossos navios de guerra a titulo de indemnisação por um insulto 
de que dois francezes haviam sido objecto. Diante da noticia (Teste 
facto, verdadeiramente enorme — uma flotilha que entra n'um porto 
e se apodera de uma marinha de guerra — o soberano, vestido 
com um casacão de briche, botas de montar, meias de lã acima do 
joelho e um bonet de prato, montou a cavallo e veio a Lisboa n'uma 
d'essas galopadas legendarias, terror dos cortezãos, muitos dos 
quaes derrogavam a etiqueta, deixando de seguir o soberano e fi- 
cando extenuados pelas estradas. 

Em Lisboa quiz o rei assestar nos cães a sua artilheria e met- 
ter a pique, a tiros de peça, as embarcações francezas. Surgiram 
porém obstáculos que não permittiram pôr em practica este alvitre 
mais extraordinário talvez do que o próprio caso que lhe dera ori- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 75 

gem. Sua magestade mandou então construir uma bateria em Ca- 
xias e passou a entreter os seus ócios, fazendo fogo de artilheria 
sobfe um velho navio que se collocàra no mar como alvo aos reaes 
tiros. E, depois d'isso, sua magestade permanecia muito em Caxias, 
vigiando o mar, esperando talvez que a esquadra franceza lhe ap- 
parecesse de novo, estando elle preparado para a receber. Mas a 
esquadra franceza não voltou. Voltaram os navios que ella apre- 
sara, trazendo a seu bordo os homens que puzeram no throno a 
snr.* D. Maria II e desterraram para sempre o artilheiro de Caxias. 

Os jardins do palácio n'esta praia conservam ainda o seu ca- 
racter antigo, e são como Queluz um soffrivel specimen das ar- 
chitecturas vegetaes do século passado, postas em moda por Luiz 
xiv. As avenidas são riscadas por esquadria, em ângulos rectos. A 
arvore é decotada em forma de columna, de pyramide, de obelisco. 
Os tanques téem molduras altas, lavradas em relevo, como gran- 
des espelhos de salão. As alamedas parecem galerias. As murtas 
aparadas, lisas, rectas, em volta do pequeno tanque, de um vaso 
de Le Nutre, da meza de mármore, do banco esculpido, semelham 
os biombos que cercavam a meza do rei-sol, quando nas noites de 
inverno elle ceiava com as suas damas, à grand couv&rt, nos salões 
de Marly-le-Roi. As perspectivas — Vrompe-Voeuil — de templos da 
Gloria, de palácios de Alcestes, de jardins de Armida, pintadas nos 
muros; os azulejos com que"se forram os aviários; os embrexados, 
feitos de conchas, de seixos, de bocadinhos de porcellana, com que 
se constroem as cascatas; — todas estas superfetapões da natureza 
são um pouco ridículas aos olhos dos paisagistas. Todavia, esses anti- 
gos jardins italianos tinham um fim lógico: harmonisar as construc- 
ções com as paisagens, manter nas salas e nos jardins a mesma 
arte decorativa, o mesmo espirito de ornato. Cerquem dos nossos 
mordemos jardins inglezes os grandes edifícios macissos, rectangu- 
lares, do século passado, e verão a discordância mais flagrante e 
mais insoffrivel. 

O jardim inglez, com os seus intuitos exclusivamente paisa- 
gistas, a sua imitação da rusticidade às vezes falsa e pretenciosa, 
não se supporta senão em frente da modesta elegância da casa mo- 
derna, do coUage e do chalet. 

A Caxias, que Deus guarde e conserve com o seu jardim e 
com a sua triste e melancholica praia, segue-se Paço d'Arcos, de 
todas as praias da margem do Tejo a que mais desafogadamente 
v<5 o mar e respira a atmosphera marítima. Tem apenas uma 
rua — a estrada — , mas essa está à beira da agua, exposta a su- 
doeste, de modo que descobre largamente o Oceano. Depois de 



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76 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Pedrouços é esta a praia em que se grupam mais barracas. As 
arvores da quinta do conde das Alcáçovas facultara-Ihe um pe- 
queno fundo fresco de verdura. Uma ou duas casas, cujos stores 
exteriores vestem as janellas de pequenos toldos á flamenga, dão- 
lhe uma certa feição confortável. 

Porque é que não téem todas as casas da beira-mar estes 
stores alpendrados? Porque não contribuem os proprietários com 
esse pequeno accessorio do pittoresco, de custo tão módico e tão 
agradável para quem habita as casas expostas ao sol? 

Quasi todas as casas do campo e das praias, dos subúrbios 
de Lisboa, são particularmente nuas, descarnadas, rectilíneas, feiís- 
simas. Querem transformal-as rapidamente, tornal-as agradáveis, 
sympathicas, appetitosas? Pintem-as de cinzento, de cor de lousa 
ou de cor de chumbo, adornem-as de uma singela trepadeira, a 
hera, a galircina, o heliotropo ou a madresilva ; vistara-lhes as 
janellas de grandes jelosias brancas, ou suspendam sobre as va- 
randas largos stores salientes de listas verticaes ou de grandes 
quadrados escocezes. Se ha um muro de jardim, substituam-o por 
uma sebe, por uma simples grade de madeira pintada de verde 
ou por um vallado plantado de cactos. 

Não ha casa que resista a este processo, porque as casas são 
um pouco como as mulheres, que só são feias quando são tão es- 
túpidas que se não sabem dotar com essa segunda belleza supple- 
mentar que se chama a sympathia. 



Paço d' Arcos dizem que é a praia aristocrática dos subúrbios 
de Lisboa. Não sei bem d'onde é que esta fama lhe procede. Cus- 
ta tanto já hoje a assignalar na sociedade portugueza o ponto em 
que a aristocracia principia e o ponto em que ella acaba! 

Ha por exemplo viscondes que ninguém considera aristocra- 
tas. Ha famosos e antigos appellidos cujos possuidores passam egual- 
mente pelas pessoas menos aristocratas do mundo. 

Aristocrata chama-se em Portugal ao individuo que tem cer- 
tos hábitos de vida, certos disvelos de roupa branca, certas con- 
vivências de salão, um pouco de ar, de maneiras, de toileUe e de 
mão de rédea. 

Que estas condições se dêem mais especialmente nos banhis- 
tas de Paço de Arcos do que nos outros, eis o que não me atrevo 
a affirmar. 

Gomo quer que seja o corpo diplomático patenteia por Paço 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 77 

cTArcos uma predilecção manifesta. Isto imprime à vida dos seus 
salões o caracter grave e reservado que a diplomacia impõe. Este 
caracter procede do duplo sentido que os representantes de cada 
potencia folgam de perscrutar nas palavras que os outros dizem e 
de dar àquellas que elles mesmos proferem. Assim, quando um 
snr. enviado extraordinário tem calor não o diz sem reserva, sem 
restricção condiciona], porque quem sabe se será essa ou não 
a opinião thermometrica da politica do seu governo? Do outro la- 
do o senhor encarregado de negócios que ouve o senhor enviado 
extraordinário hesita em confirmar em absoluto ou em regeitar in 
Umine a opinião do seu illustre interlocutor, porque o senhor en- 
carregado pensa que as paredes tem ouvidos e que uma impru- 
dência diplomática pôde — quem sabe? — agitar os fundos. De sor- 
te que nada mais solemne, mais grave, mais casuístico, mais sub- 
til, mais difficultoso, do que formar-se entre suas excellencias um 
accordo sobre a opinião, tão audaz para uns, tão insidiosa para ou- 
tros, de estar ou de hão estar calor! 

Em todo o caso as caleches, os creados, as librés dos senho- 
res ministros, as scmte-en-barque de flanela e os chapéus canotier 
dos jovens senhores addidos de embaixada espargem nos passeios 
um aspecto de corte, que os olhos admittidos aos grandes explen- 
dores agradecem, bem como um perfume de moda que acceitam 
reconhecidos os narizes tiaut-placés. 

Papo d' Arcos tem um hotel habitável — o do Bugio — , e um 
club em cujo salão ha soirées aos sabbados. Os banhistas portugue- 
zes são apresentados e pagam uma quota. Para os extrangeiros ha 
convites. 

Senhoras hispanholas a banhos n'estes subúrbios são convoca- 
das em cada semana a levarem aos sabbados de Paço d' Arcos o 
doce tributo da sua presença, da sua toilette e da sua expansiva 
vivacidade. 

Assim como pela manhã se pergunta para o banho — «ha ma- 
ré?» — assim à noite se pergunta para o baile — «ha hispanho- 
las?». 

Havendo hispanholas, todos os portuguezes que estão erii Pa- 
ço d'Arcos, concorrem ao club; muitos vêem para esse fim das 
praias circumvisinhas : da Boa Viagem, da Cruz Quebrada, do Da- 
fundo. A valsa toma n'essas noites mais velocidade, mais impeto, 
mais arranque. A pronuncia hispanhola lança no ruido geral do 
baile um elemento de rebate, de alarme, como se se presentisse 
ao longe o frémito dos pandeiros, o frenesi das castanholas, a ver* 
tigem do bolero. 



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78 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Com estes pensamentos contrasta singularmente o aspecto de 
Oeiras, que se segue a Papo cTArcos. 

Nada mais profundamente triste, mais abatido, mais destroçado t 

O bello palácio de Oeiras ergue-se no meio da desolação e 
da miséria geral, como um fidalgo empobrecido no meio de velhos 
moveis partidos e devastados. 

Muitas casas esqueléticas, escancaradas, sem portas nem pos- 
tigos nem vidraças, parecem caveiras dispersas na pequena pla- 
nície. 

Oeiras é apenas notável pelo seu palácio e pelos, seus bis- 
coutos. 

A povoação teve uma única razão de ser: a residência n'a- 
quelle sitio do poderoso ministro de D. José. Os homens como o 
marquez de Pombal, em qualquer parte onde se achem, espalham 
a actividade em volta d'elles; são um phoco de organisação. 

Além dos homens que o marquez naturalmente acariou, Oei- 
ras devia conter no tempo de D. José os parasitas que no século 
passado iam por toda a parte á babugem da auctoridade e do di- 
nheiro. A classe proletária corrompia-se nos conventos â espera 
do caldo da portaria ; a classe media corrompia-se nas ante-cama- 
ras dos fidalgos ao farisco dos despachos, das tenças ou dos sim- 
ples restos dos perus que sobejassem do jantar. 

Fallecido o marquez de Pombal, Oeiras, à falta de núcleo, dis- 
solveu-se. 



Por cima da povoação esphacelada, no viso d'um monte, de- 
senhasse com uma certa grandeza no azul do espaço o duro con- 
torno da egreja de S. Domingos de Rana, com o seu pequeno car- 
rilhão, e os seus dois quadros de Pedro Alexandrino: A ceia e 
Nossa Senhora dando o rosário a S. Domingos. 



Entre Oeiras e Carcavellos, illustre pelos seus vinhedos, do 
meio dos quaes se destaca a estação do telegrapho submarino, — 
fica à beira do mar, beijada pelas ondas, a Torre de S. Julião da 
Barra, cujas masmorras parecem ainda quentes do martyrio das vi- 
ctimas que n'elías expiaram o seu amor pelos direitos modernos. 

Hoje a torre é uma caserna, que procura justificar-se perante 
a civilisapão, mantendo um gazometro e accendendo & noite no al- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 79 



to eirado um pharol, a cuja luz benéfica e amiga, o spectro apasi- 
guado de Gomes Freire, deve, alta noite, passear tranquillo pelas 
ameias da sombria fortaleza salpicadas com o seu sangue generoso 
immolado à liberdade e à civilisação. 

Ao sul da Torre de S. Julião fica-nos a Torre do Bugio cerca- 
da d'agua como uma bateria fluctuante sobre o Tejo. 

| Por cima de Carcavellos a linha do horisonte é fechada pelos 
recortes agudos, escarpados, graníticos, da serra de Cintra, onde 
campéa, coroado de névoa translúcida, o castello da Pena. 



A marcha do vapor descreve outra curva e entramos na ba- 
hia de Cascaes, vinte e sete kilometros de Lisboa percorridos em 
cinco quartos de hora. 

Saltamos nos escaleres e desembarcamos na praia dos banhos 
drcumdada pela muralha da villa. 

Ao poente fica a cidadella solidamente reconstruída sobre as 
suas rochas logo depois da restauração de 1640. Do lado do nas- 
cente a casa do club dos banhistas abre sobre a bahia as suas ja- 
nellas de sacada. A praia é extremamente abrigada. A agua está 
serena como n'uma tina e a brisa é tão suave que não faz ondear 
uma fita nos chapéus das senhoras sentadas & sombra das suas bar- 
racas. 

Exceptuada esta pequena parte da enseada, toda a costa é de 
rocha e a pique, o que dá, logar aos mais pittorescos accidentes, 
como o da Boca do Inferno, bella caverna escavada pelo mar, on- 
de o acaso pérfido da vaga quiz que uma parte da família real 
tivesse corrido o perigo de afogar-se pelo verão, no mesmo sitio 
em que eu e o meu amigo Eça de Queiroz almoçamos tranquila- 
mente n'um ventoso dia de inverno. Onde suas altezas estiveram 
a ponto de perder a vida, por tantos títulos preciosa, tivemos nós 
mergulhada a nossa garrafa de champagne que, entre duas garfa- 
das de uma mayonaise de atum, içamos sã e salva do traiçoeiro 
abysmo. 

Como povoação, Cascaes é a mais importante das praias da 
Extremadura. É cabeça de concelho. O numero dos seus fogos é de 
cerca de 1:700 — exactamente o mesmo numero que existia ha cem 
annos, o que prova que Cascaes, se não tem prosperado, também 
não tem decahido durante o curso do ultimo século. Esse estacio- 
namento não obsta a que a villa possua, segundo uma memoria 
histórica e estatística do snr, Borges Barruncho, « vinte e oito ruas, 



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zedby G00gle 



80 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



treze travessas, quatro beccos, doze largos, três calçadas, dois ca- 
minhos, dois altos e três sitios». 

Além d'isso Càscaes possue uma praça, em que se acha o tri- 
bunal e a casa da camará, um passeio publico, três hotéis, um 
theatro e uma praça de touros. Outra coisa que ainda lhe faz mais 
honra : possue também dez escholas, das quaes uma — caso talvez 
único — é sustentada á custa do próprio professor, que fornece .as 
casas e ensina gratuitamente os alumnos. Este benemérito cidadão 
obscuro é o snr. padre José Maria Loureiro. 

Da salubridade da villa dà o mais eloquente testemunho uma 
estatística publicada pelo snr. Barruncho, da qual se deduz que nos 
últimos cinco annos a mortalidade foi de 2,71 ao passo que em 
Lisboa, com todos os cuidados hygienicos de que se suppoe que é 
objecto uma capital, a mortalidade tem' chegado a 4,44. 

Dos 957 indivíduos fallecidos em Cascaes durante o referido 
praso 52 contavam de 70 a 80 annos»; 19 de 80 a 90; 8 de 90 a 
100; 1 de 100 a 110. É muito bom. 

Um dos factos mais memoráveis da historia politica de Cascaes 
é a derrota do prior do Grato, que concentrou ahi as pequenas 
forças com que se bateu heroicamente contra os terços do duque 
d'Alba que se dirigiam de Setúbal para a tomada de Lisboa. Schaef- 
fer refere que D. António de Castro, senhor de Cascaes, suggerira 
ao duque d'Alba a ideia de tomar por Cascaes a direcção de Lis- 
boa, sob a clausula de que a villa não seria saqueada pelas tropas 
hfspanholas. Esta condição, se foi estipulada, não foi cumprida. 
Rendida a cidadella, a villa foi posta a saque pelo duque d' Alba. 
O mais curioso porém é que pouco depois d'este desastre, retiran- 
do de Lisboa para embarcar em Cascaes o exercito inglez que vie- 
ra em soccorro do prior do Crato, estando jà então a praça em po- 
der dos hispanhoes, foi a villa segunda vez saqueada pelos solda- 
dos inglezesl Pobre villa I 

Nos vinte e dois cubículos que existem no revelim da cida- 
della foram em 1833 encurralados duzentos e quarenta e um pre- 
sos políticos transferidos da Torre de S. Julião da Barra cujos cár- 
ceres haviam sido invadidos pelo cólera morbus. Isto não impediu 
que dos duzentos e quarenta presos, acabrunhados de privações e 
de vexames, sepultados no revelim de Cascaes, cahissem doentes 
cincoenta e três .e fallecessem dezeseis. 

Cascaes tem o seu homem illustre e o seu monumento celebre. 

homem é o piloto Affonso Sanches, que tendo arribado no 
anno de 1486 com a sua caravella a uma remota região desconhe- 
cida, veio depois a morrer na ilha da Madeira em casa de Chris- 



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AB PRAIAS DE PORTUGAL 81 

tovão Colombo, que herdou as cartas e o diário do obscuro nau- 
frago, o qual talvez, sem o presumir, fôra o primeiro a tocar no 
continente americano. 

O monumento de Cascaes é a sua bella e secular palmeira, 
plantada no centro da povoação à beira do pequeno rio que atra- 
vessa a villa descendo do alto da serra de Cintra. 

Cascaes, que além da via fluvial se acha ligada a Lisboa por 
uma boa estrada, tem tido nos últimos annos um grande desenvol- 
vimento. A renda das casas, que se alugam com mobília e louça 
durante os mezes da temporada de banhos, comquanto não seja 
absolutamente elevada, é ainda pouco menos do que o preço por- 
que as mesmas casas se venderiam, se alguém as comprasse, ha 
15 annos. 

Entre as novas edificações figuram os chalets do snr. Torresão, 
as grandes casas dos snrs. conde de Valle de Reis, viscondes da 
Gandarinha e da snr. 1 duqueza de Palmella. 

Esta ultima, perfeitamente construída, tem o typo das moder- 
nas habitações inglezas, elegantes, mas tristes, sempre que as não 
rodeia a verdura espessa dos grandes arvoredos. Á casa está ap- 
penso um parque e um jardim inglez, os quaes só d'aqui a alguns 
annos poderão entrar no exercício das funcções a que se acham des- 
tinados. 

A casa da snr. a viscondessa da Gandarinha tem a particulari- 
dade de estar edificada nos terrenos em que antes do terremoto 
existia o antigo paço do senhor de Cascaes, primitivamente occu- 
pado no tempo de D. Fernando por D. Álvaro de Castro, irmão da 
linda Ignez, e depois por João das Regras, a quem o senhorio de 
Cascaes foi doado por D. Joio i. 

Desde o meado de setembro até o fim da estação, Cascaes tor- 
na-se o centro mais completo, o mais fino extracto da vida elegan- 
te em Portugal. 

As senhoras aristocratas começam então a reunir-se no salão 
do club, onde se talham e se cosem os fatinhos para as creanças 
pobres, que sua magestade a rainha distribue por sua própria mão 
aos agraciados. 

Ha as soirées na cidadella presididas por el-rei, as partidas de 
pesca, os prasos dados para as reuniões da tarde no parque da se- 
nhora duqueza. 

E' a plena vida de corte na sua expressão mais genufaa. De 
dez senhoras que passam, com as suas toilettes de campo, vestidos 
de mousseline semeados de flores silvestres, chapéus de palha, o 
grande leque — coup de verU — suspenso do cinto por um gancho 

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82 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

— oito são titulares. Representam os mais bellos nomes da tradi- 
ção monarcbica. Teem os finos pés pequenos, o vestuário simples 
e modesto, a voz clara e bem timbrada, as attitudes de cabeça al- 
tas e senhoris, os gestos resolutos das famílias privilegiadas. As 
senboras da burguesia destoam n'esse meio e não fazem bem em 
sujeitar-se ao contraste d'esse confronto, a não ser que não tenham 
levado as suas jóias, que não ponham senão os seus vestidos ve- 
lhos, que usem o mais simples dos penteados e que sejam funda- 
mentalmente despretenciosas e boas, — no qual caso todas as mu- 
lheres, qualquer que seja o seu nascimento e a sua cathegoria, são 
egualmente elegantes e distinctas. 

Os homens novos que quizerem fazer o que se chama a en- 
trada no mundo, a investidura social, devem procurar esta praia 
para abrir a brecha, para penetrar na praça. 

Aconselhar-lhes-hemos n'esse caso que não imitem os homens 
que acompanham essas senhoras e são os seus pares. 

Não, leitor inexperiente e amigo! Se quizeres ser recebido 
n'esta sociedade especial, a alta sociedade portugueza — em que se 
pegam os touros, em que se toca a guitarra, em que se dança o 
fado — não toques o fado, não pegues os touros, não bebas, não fu- 
mes, não deites para traz o chapéu dando-lhe um piparote na aba. 
Tudo isso fazem os fidalgos, mas tu, burguez, nunca parecerás um 
fidalgo se o fizeres. Parecerás apenas um moço de cavallarice e 
nenhuma d' essas senhoras consentirá jamais em que lhe apertes a 
mão. Não tenhas também muito espirito, nem maneiras muito ac- 
centuadas, nem opiniões muito expressivas. 

Sê o mais que possas fácil, complacente, obscuro, nullo. Vae 
á missa, lé o teu ripanso, está de joelhos na igreja, confessa-te uma 
ou duas vezes, veste-te como um padre ou como um saloio, dá-te 
um ligeiro ar idiota, inoffensivo, pascacio. Terás um successo in- 
fallivel. As senhoras receber-te-hão com agrado, como um auxiliar 
que não compromette, como um passivo, como um neutro. Apre- 
sentar-te-hão, rindo, ás suas amigas. Pedir-te-hão os pequenos ser- 
viços suaves que se encarregam aos procuradores e aos capellães : 
que chegues uma cadeira, que vás buscar as luvas, o lenço ou o 
chapéu de sol que esqueceu, que acompanhes esta, que vás cha- 
mar aquella, que deites ao correio uma carta para aqueloutra, 
etc. ; terás uma incumbência de responsabilidade nos pic-nics, nos 
passeies em burro, nas soirées de subscripção; serás o ponto ou o 
contra-regra, o comparsa ou o creado que traz a carta nas repre- 
sentações de salão. Converter-te-has finalmente n'um personagem 
que será lembrado, requerido, utilisado. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 83 

No anno seguinte áquelle em que por estes meios te houveres 
introduzido na sociedade, poderás então tocar guitarra, enrolar nos 
dedos, em pleno cbub } deante das senhoras, um pestilente cigarro 
de papel, arrojar o chapéu da testa para a nuca com o piparote fa- 
dista, e fallar o calão — porque terás tomado posse, e principiarás 
a exercer o teu logar de janota nacional, encartado e inamovível. 



Além da via fluvial que seguimos de Lisboa a Cascaes e da 
respectiva estrada marginal do Tejo, Cascaes tem ainda a estrada 
de Cintra, de cuja povoação a separa um passeio de três quartos 
d'hora em carroagem. 

A proximidade de Cintra é o mais superior dos merecimentos 
que tem Cascaes, porque — apesar da moda que ultimamente a es- 
queceu e que ha poucos annos fazia de Cintra a belleza official, a 
paizagem dos compêndios de rhetorica, o logar selecto pela anti- 
pathica unanimidade dos suffragios — Cintra é, ainda assim, pela na- 
tureza dos seus terrenos, pela abundância das suas aguas, pelas 
suas vegetações, pelas suas collinas, pela sua serra, pelos seus ne- 
voeiros, pelas suas quintas, uma das mais bellas, das mais suaves, 
das mais tranquillas regiões que offerece o paiz. A vida de verão 
tal como ali a passam a maior parte das famílias que habitam Cin- 
tra na estação calmosa não contribue de certo pela maneira mais 
poderosa para pôr em relevo os attractivos do sitio. Nos bellos dias, 
porém, da primavera e do outomno, claros, nitidos, quando uma 
leve neblina cor de pérola coroa os pincaros graníticos da monta- 
nha, quando no caminho deserto dos Pisões se calcam as folhas sec- 
cas despegadas das arvores, ou se vêem sobre os grandes tabolei- 
ros de relva da quinta de Monserrate as primeiras flores desabro- 
chadas dos lilazes ; quando a grande serenidade silenciosa e ineffa- 
vel da natureza é apenas cortada pelo marulho da agua na fonte 
da Sabuga ou pelo ranger da aréa sob as rodas de uma caleche na 
descida de Gol lar es; então, percorrer Cintra, passar ahi um ou dois 
dias, como naturalista herborisando, como paizagista com a caixa 
das aquarellas, ou como simples philosopho em ferias ; ter um quar- 
to em Lawrence's Hotel, celebre pela especialidade do bom leite e 
da manteiga fresca, tomar banho no grande douche, remar na vár- 
zea, ir em burrinho á Pena ou á Pedra d'Alvidrar, é ainda uma das 
poucas coisas boas, úteis, hygienicas, moralisadoras, que um lisboe- 
ta pôde permittir-se o luxo de gosar pelo preço de uma das suas 
libras. 



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VILLA DO CONDE 



É talvez a menos frequentada pelos banhistas, o que não obs- 
ta a que seja uma das mais pittorescas e mais bellas povoações 
marítimas de Portugal. 

A uma hora do Porto pelo caminho de ferro da Povoa, ciya li- 
nha é cortada por entre espessos pinheiraes, Villa do Conde des- 
cobre-se repentinamente, n'uma volta de estrada, no meio de uma 
vasta paizagem, ampla, descoberta, de larga respiração. 

Ao penetrar na ponte que une duas collinas, ao nascente da 
villa, o viajante vé diante de si, ao longe, as montanhas de Rattes, 
aos seus pés ondula o rio Ave por entre viçosas margens cobertas 
pela verdura suave dos pinhaes. Ao meio do rio, entre a ponte de 
ferro e a villa, um açude. Em cada uma das margens, um velho 
moinho, musgoso, move lentamente a sua grande roda denegrida 
e gotejante. Assente sobre rocha, na margem esquerda do rio, so- 
branceiro à villa, o convento, grande edifício da Renascença fran- 
ceza, tem um artístico aspecto, dominativo, senhorial, ostentando 
ao largo sol, sobre a cimalba, junto de uma monja com o habito 
de Santa Clara, o grande elephante branco, symbolo da castidade, 
que constitue o brazão do convento. 

D. Affonso Sanches, filho bastardo do rei D. Diniz, e sua mulher 
D. Thereza Martins de Menezes, filha do primeiro conde de Barcel- 
los, foram os fundadores do convento, onde estão sepultados, e que 
doaram às freiras, franciscanas. 

mosteiro de Villa do Conde era rico e fidalgo. Habitavam-o 
120 freiras, a maior parte d'ellas de famílias nobres. Possuiam 
a povoação de Azurara que fica na margem sul do rio, dízimos e 
outros direitos senhoriaes. Eram donatárias de Villa do Conde, de 
outras villas de Entre Douro e Minho, e de Alcoentre no Riba Tejo. 



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86 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

À abbadessâ sentenceava as apellaçoes das sentenças do juiz. Ti- 
nham finalmente direitos soberanos. 

D. João iii tirou-lhes o senhorio e jurisdição, e instituiu por 
donatário o infante D. Duarte. Azurara, com a sua bella igreja ma- 
noelina, passou a pertencer a si mesma. Os dizimos foram extin- 
ctos. De sorte que as freiras empobreceram. As poucas senhoras 
que actualmente assistem no mosteiro fabricam doce e vendem a 
especial gulodice da ordem — os pasteis de Santa Clara. 

A igreja matriz é do tempo de D. Manoel e no stylo manuel- 
lino como a de Azurara. 

A ermida de Nossa Senhora do Soccorro, que se avista da pon- 
te e fica entre ella e a barra, á beira do rio, é redonda, tem a 
forma de uma mesquita ottomana, a que só falia o complemento de 
uma palmeira e o appenso de um camello ou de um cavallo árabe. 

Além de algumas famílias muito distinctas e especialmente 
hospitaleiras e amáveis, a população de Villa do Conde é compos- 
ta principalmente de pescadores e de rendilheiras. 

Todo o trabalho gera uma virtude que lhe corresponde. Do 
fabrico da renda, delicadamente construida por meio de uma infi- 
nidade complicadíssima de bilros, com linha branca finíssima, re- 
sultam os hábitos de ordem, de aceio, de reflexão, de espirito de 
systema. 

Não é possível fazer renda. e ter uma casa em desordem; 
não é possível fazer renda e ter as mãos sujas ou deitar nódoas 
no fato; não é possível fazer renda e murmurar ao mesmo tempo 
da vida alheia ou altercar com as visinhas, como succede a quem 
doba, a quem fia, a quem faz meia, a quem se occupa de traba- 
lhos de machina puramente automáticos. 

fabrico da renda é profundamente moralisador. D'elle pro- 
cede o caracter e o ar senhoril das mulheres de Villa do Conde e 
de algumas que particularmente me impressionaram em Peniche 
pela distincção das suaa maneiras, pela gravidade das suas physio- 
nomias, pela delicadeza das suas estaturas, pela elegância aristo- 
crática das suas mãos. 

As rendas de Villa do Conde, como as de Peniche, são do gé- 
nero chamado Honiton, similhante á guipure de Chantilly. Magoa, 
ao considerar os trabalhos d'estas sympathicas mulheres, ver tan- 
ta perfeição de acabamento, tão completa posse do processo, allía- 
da a tão profunda ignorância artística I 

Nem em Villa do Conde nem em Peniche encontramos uma só 
operaria que soubesse desenhar. A creação de uma escola de de- 
senho publica e gratuita é tão necessária em qualquer d'estas lo- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 87 

calidades como a escola das primeiras lettras. À essas mulheres, 
que tão fiel e escrupulosamente executam os riscos, seria facilimo 
ensinar a manejar o lápis. 

Se em cada uma das escolas de desenho a que nos referimos 
existisse uma collecção de bons modelos d'ornato feitos pelos ar- 
tistas de mais talento e os jornaes especiaes da moda franceza com 
todos os novos modelos, talvez d'essas modestas operarias sahis- 
sem algumas artistas cuja aptidão contribuiria muito para dar á in- 
dustria das rendas portuguezas a grande importância económica de 
que ella é susceptível. 

O campo que cerca Villa do Conde, atravessado pela arcaria 
do extenso aqueducto do convento, o qual lhe imprime um grandio- 
so ar italiano, é ameno, posto que um pouco triste. Às margens do 
rio perto da graciosa aldeia da Retorta são extremamente pitto- 
rescas. 

único defeito de Villa do Conde, como estação de banhos, é 
a distancia que medeia entre a praia e as casas da villa, unidas 
todavia por uma boa estrada, em que uma companhia edificadora 
estava o anno passado construindo novas casas. 

Ha feira semanal e feira grande a que concorre muito povo 
dos subúrbios. 

À vill$ tem dois hotéis. Estivemos no maior, situado na praça, 
em frente da antiga ponte. O aceio não é a virtude especial que 
recommenda esta casa ao respeito dos viajantes. proprietário dis- 
trae a attenção dos forasteiros da infecção de capoeira que cara- 
cterisa os salões, servindo-lhes magnifico vinho verde, admiráveis 
presuntos de Melgaço, de primeira ordem, e os melhores pasteis do 
convento. 



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ESPINHO 



É de todas as praias a mais estimada por aquelles que a fre- 
quentam. Os banhistas de Espinho tomam-se todos por este sitio de 
uma espécie de exaltação patriótica, exclusiva e intransigente. Não 
admittem o parallelo da sua praia com qualquer outra, e conside- 
ram os que tomam banho n'outras regiões do globo como adversá- 
rios, quasi como inimigos. Por mais de uma vez encontrei no ca- 
minho de ferro do Porto, dentro do mesmo compartimento, uma fa- 
mília de Espinho e uma familia da Granja, e fiz então uma ideia do 
aspecto que deviam ter, postas cara a cara, a familia Cappuletti e 
a familia Montecchi. Os homens não se encaram. As senhoras não se 
examinam senão com um olhar obliquo e debaixo para cima, des- 
de o bico do pé até o contorno do hombro. Às próprias creançàs 
de Espinho voltam as costas às creançàs da Granja e, se estas lhes 
faliam, mettem o dedo no nariz, que é o gesto mais expressivo 
com que as creançàs sorumbáticas, costumam expressar a sua per- 
tinácia na incommunicabilidade e no silencio. 



A povoação de Espinho divide-se em dois bairros differentes, 
separados pelo largo do mercado. Para o nascente, até à estação 
do caminho de ferro, fica o bairro novo e caro; para o poente, até 
a praia, acha-se o antigo bairro pobre. 

Pequena povoação de pescadores do concelho da Feira, no dis- 
tricto de Aveiro, Espinho deve ao caminho de ferro o seu aspecto 
actual. 

As antigas barracas de madeira dos primitivos habitantes acham- 
se mascaradas para o lado da estrada pelas edificações modernas 



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90 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



que se alinham com uma certa grandeosidade burgueza, nas duas 
•principaes ruas novas, a da Assembleia e a do Bandeira de Mello. 

No velho bairro, as ruas estreitas e tortuosas, os antigos ca- 
sebres esbeiçados que pendem em ruínas esfarpadas, as saliências 
das varandas de pau, empenadas e barrigudas, a fogueira de pinho 
que está dentro ardendo no lar, as creanças semi-núas que sahem 
à rua, as mantas ou as redes de pesca, penduradas das janellas ou 
estendidas a enxugar em duas varas, teem um cunho muito cara- 
cterístico, de um pittoresco oriental. 

Em poucas praias é tão animada como em Espinho a vida de 
club, expressão que n'este caso não tem o sentido inglez segundo 
o qual o club, creação democrática do fim do século passado, era 
uma reunião exclusivamente de homens. Em Espinho o club é o 
ponto de reunião de todos os banhistas de ambos os sexos. 

Pela manhã, desde o meio dia até às três horas realisa-se a 
primeira reunião. Leem-se os jornaes, conversa-se, faz-se musica. 

Muitas vezes succede que uma joven tocadora, viuva saudosa 
do seu piano de estudo, se apodera do instrumento do club para 
repassar os seus exercícios. Se este abuso continuar é de crer que 
o numero dos banhistas diminua, porque todos os inconvenientes 
da vida de Espinho, — a pobreza indígena, o amanho da sardinha, 
a aridez do solo — são menos pungentes que as estudiosas pianis- 
tas que vão às manhãs exercer sobre o piano do club a sua apren- 
dizagem feroz ! 

Debaixo das mãos presistentes e accintosas de uma celebrida- 
de que desponta, o piano converte-se n'um monstro. 

O tigre ruge, o lobo uiva, o mocho pia, a serpente assobia, a 
rã coacha, o jumento zurra, — o piano serra I 

Ha uma calamidade social representada por um sujeito ignóbil 
chamado o troca-tintas. Ha outra calamidade peor representada nas 
salas pelo Proca-teclas. 

A antiga inquisição era o boi de que o troca-teclas é o extra- 
cto de carne. 

Ao contacto dos dedos protervos da fera, a mais innocente pol- 
ka, a mais inoffensiva phantasia, toma o caracter sinistro do bem 
conhecido supplicio da gota d'agua, e começa a pingar em semi- 
colcheas compassadas no cérebro da victima, como um filtro peço- 
nhento. 

O troca-teclas insinua-se pela mansidão e pela modéstia, como 
um fio de azeite destinado a converter-se n'um fio d'alfange. O tro- 
ca-teclas começa por declarar com os olhos baixos que pouco ou 
nada sabe. Com a mesma astúcia porém com que a aranha tem a 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 91 

sua teia, o troca-teclas tem a sua família, e é do seio d'ella que 
perante a modesta afirmação do troca-teclas sae uma voz que re- 
plica: 

— Não é tanto assim. . . A menina o mais que tem é acanha- 
mento pela falta d'uso de tocar diante de gente, mas estes senho- 
res desculpam. . . Toque lá aquelle bocadinho dos Dois Foscaris. . . 

A menina então adianta-se para o instrumento do crime, me- 
neando a cabeça com movimentos de cysne que voga na direcção 
do comedoiro. Offerece-lhe o braço um cavalheiro que a anima com 
palavras tónicas e lhe desenrosca a coragem e o pé do banco até 
á altura conveniente. 

Ella descalça as luvas, que colloca ao lado da estante. A as- 
sembleia silenciosa escuta. Ella principia. Mas, como se enganou, 
torna a principiar, e engana-se outra vez, com a única differença 
de que se engana melhor, — com mais fogo ! Principia pela tercei- 
ra vez e consegue finalmente enganar-se com uma perfeita maes- 
tria e bravura. Depois do que, prosegue satisfeita e victoriosa, 
atropelando as notas com uma justiça de moiro, fazendo pagar as 
teclas justas pelas teclas peccadoras, e acabando finalmente por 
provar que confundiu os Dois Foscaris, de Verdi, com os Dois re- 
negados, do snr. Mendes Leal. 

E assim nasce a opinião geral de que são quatro as prendas 
de uma menina : bordar cães e araras de veludo com olhos de con- 
tas, fazer flores de papel e compota de pecegos, marcar lenços com 
anagrammas phantasistas, e — não tocar piano. 

Além do alfobre das pianistas, Espinho costuma ter um viveiro 
de poetas, bons rapazes, amantes da lua e da arte poética, os quaes 
não podendo escrever os Limadas por os acharem já escriptos, en- 
treteem a musa desoccupada com o banho de mar, com a recita- 
ção ao piano e com algumas chávenas de chá preto com leite, acom- 
panhadas das competentes torradas. 



A sociedade que concorre a Espinho é extremamente numero- 
sa e variegada. Cem senhoras chegam a frequentar o club. Gom- 
prehende-se que estas senhoras não são todas princezas. Ha mes- 
mo algumas que são apenas as honestas esposas de algum merca- 
dor de Penafiel ou de algum cambista do Porto, ao passo que ou- 
tras são mais ou menos garantidamente pessoas nobres e titulares. 
E todas elJas se reúnem ao mesmo tempo, debaixo do mesmo te- 
cto, sobre o mesmo pavimento, ao som dos mesmos Lanceiros. 



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92 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

As cathegorias porém reunem-se mas não se baralham, a não 
ser, provisoriamente, nas figuras das quadrilhas. Acabada a contra- 
dança os grupos delimitam as suas fronteiras, descentralisam-se, e 
cada circulo fica tendo a sua existência própria, independente e au- 
tónoma. 

Nos passeios á ponte da Canha e á estrada da Granja, nas di- 
gressões a Ovar, â Graciosa, à Borralha, & ria de Aveiro, os diffe- 
rentes círculos concêntricos do club, desgregam-se, passeiam, con- 
versam e divertem-se em separado. 

Cada uma d'essas tribus tem a sua organisação especial, com 
os seus competentes personagens em rivalidade com os das tribus 
adjacentes e limitrophes. Em cada tribu ha uma pequena socieda- 
de completa, uma roda, com o respectivo poeta, o pianista, o tro- 
ca-teclas, os parceiros do voltarete, os pares dançantes, a menina 
bonita, a senhora espirituosa e o competente homem celebre. Quan- 
do cada um dos grupos assim divididos toma banho, vai ao club, 
passeia, viaja, faz pic-nics ou se recolhe a sua casa, leva comsigo 
todo o seu pessoal. De sorte que as impressões de cada individuo 
variam segundo a roda a que elle pertence e a tribu de que faz 
parte. 



As casas de Espinho alugam-se mobiladas e com louça ou sem 
louça e téem, segundo as commodidades que offerecem uma larga 
tarifa de preços, desde 200 reis até 40500 por dia. Entre os prin- 
cipaes prédios novos figuram o do snr. Fulgencio Pereira, — meta- 
de do qual se alugou o anno passado por 50000 reis por dia e a 
outra metade por 8000000 reis por anno — os dos snrs. Cardoso 
Valente, conde da Graciosa e Pintos Bastos. 

Ha três hotéis: o Hotel Particular, o Bragança e a Nova Es- 
treita, a 10000 reis por dia, e jantar de meza redonda a 500 reis 
por cabeça. D'estes hotéis o mais tranquillo é o Hotel Particular, 
da snr.» Maria da Gloria Villas-Boas. 



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A ERICEIRA 



Fica a sete léguas de Lisboa e tem cerca de 700 fogos. 

Se exceptuarmos Olhão, no Algarve, é esta a terra mais acea- 
da de Portugal. 

As ruas estão escrupulosamente varridas como as de um jar- 
dim. As mais pequenas casas teem as vidraças nitidamente lava- 
das e as paredes exteriores caiadas de branco. 

Quasi ao meio da villa, sobranceira ao mar, fica n'um alto a 
capella de Santo António, circumdada de bancos, ponto de reunião 
dos banhistas á hora do pôr do sol e á do despontar da lua. 

Para o norte da capella ha uma praia de banho, para o sul 
ha outra. A cada uma d'estaâ praias corresponde um bairro. A 
praia do sul, perfeitamente abrigada por uma cortina de rocha que 
a rodeia como um biombo, é a mais agradável, e o seu respectivo 
bairro o mais importante. Para o lado do norte ficam as peque- 
nas casas quasi todas de um só pavimento, abarracadas. 

A vida é extremamente commoda na Ericeira. As casas alugam- 
se com mobilia, e póde-se ter egualmente de aluguer a louça e a 
roupa de camas. Uma familia de quatro pessoas aloja-se commoda- 
mente por seis libras por mez. O preço do hotel é de 800 reis por 
pessoa com cosinha soffrivel e serviço regular. Ha um club e um 
pequeno theatro. 

A população indígena, composta principalmente de marítimos, 
é pacifica e abastada, d'onde resulta que o banhista não padece a 
exploração de que é objecto nas terras em que o habitante é in- 
dolente e pobre. 

Estivemos na Ericeira fora da temporada dos banhos. O aspe- 
cto da população só differia do que é em agosto ou setembro pelo 
numero das pessoas. De resto, o mesmo aceio, as mesmas lo- 



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94 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

jas abertas ; ao fim da tarde algumas famílias passeavam na pra- 
ça do Jogo da Bola. A' noite accenderam-se luzes em quasi to- 
das as casas. Nos pavimentos do rez do chão via-se, atravez dos 
vidros, os cortinados das janellas, a gaiola envernisada ao centro 
das duas cortinas; um candieiro de sala, de globo fosco ou de 
abat-jvwr, sobre a mesa do centro confortavelmente coberta com 
um tapete ; o cabide, o espelho, o vaso com flores, todos os peque- 
nos característicos da vida serena, bem administrada, com um or- 
çamento regular, com hábitos adquiridos, com costumes de famí- 
lia. Devemos especificar que em duas casas chegamos a avistar al- 
guns livros : caso extraordinário e raríssimo em Portugal, onde nas 
pequenas casas da província o livro é um objecto de luxo que nin- 
guém se permitte, e o habito tão moralisador da leitura aos serões, 
curiosidade que ninguém tem, dignidade que ninguém professa. 

A existência d'esta inclinação artística que nos surprehendeu 
na Ericeira procede talvez da educação que os marítimos adquirem 
nas viagens, reunida á natureza especial do solo que pela sua ari- 
dez em torno da villa obriga o habitante a recolher-se e a procu- 
rar no interior da sua casa as distracções que o campo e a paiza- 
gem lhe não facultam. 



único passeio da Ericeira é Mafra que fica a distancia d'uma 
hora ao trote de uma carroagem ou das diligencias que durante a 
estação dos banhos fazem esta carreira pelo preço de 300 reis, 

Mafra é digníssima de ver-se, de visitar-se por mais de uma 
vez, pela importante lição de historia que ella ministra. 

A villa é pequena e pobre. celebre edifício de D. João v os- 
tenta a sua enorme corpolencia quadrada e macissa no meio de uma 
vasta nudez fria e abatida. Não é propriamente um monumento archi- 
tectonico ; é apenas um prédio, mas um prédio immenso, incrível, 
phantastico, pharaonico. Occupa uma área de 40:000 metros qua- 
drados. Tem quatro mil e quinhentas portas e janellas, oitocentas e 
oitenta salas, duas torres de 68 metros de altura, um zimbório, 
dois torreões tão vastos que n'um só andar de qualquer d'elles se 
aloja toda a família real quando vae caçar a Mafra. Levou treze an- 
nos a fazer. A media dos operários empregados em cada dia na 
construcção da obra monta a vinte mil. Para cortar a montanha 
que fica ao sul do edifício davam-se quotidianamente mil tiros, e 
consumiam-se 400 kilogrammas de pólvora. Além de vinte mil ope- 
rários havia em Mafra para manter a policia uma força militar de 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 95 

sete mil homens de cavallaria e infanteria. Nas conducções empre- 
gavam-se 1:270 bois fora os que os lavradores circumvisinhos 
eram obrigados a ceder em dois dias da semana. Uma só pedra, 
de que se fez a varanda da sala principal, levou seis dias a chegar 
de Pêro Pinheiro e foi puxada por 200 bois. Morreram durante a 
obra 1:338 operários. O numero total dos sinos é de 114. Os dois 
carrilhões custaram na Itália 800 contos de reis. O castiçal em que se 
mette o cirio pascal, e que está na sachristia pesa 235 kilogrammas. 
O apagador respectivo pôde apagar um homem, e apagou um século. 
Os paramentos ainda hoje existentes e bordados a matiz sobre as mais 
bellas sedas da índia ou das melhores fabricas da Europa, são de tal 
modo sumptuosos que D. João v dizia haverem-lhe custado mais 
caro do que todo o edifício ! A tapada contigua ao palácio occupa 
um circuito de 3 léguas. Às cosinhas compoem-se de sete grandes 
casas, a das hortaliças e do peixe, a da pastelaria, etc. Na cosi- 
nha grande, forrada de azulejos, cercada de torneiras de bronze, 
ha duas enormes chaminés com os dois apparelhos destinados a 
mover os caldeirões, em cada um dos quaes se podia coser um 
boi. As festas da sagração duraram oito dias. No primeiro dia as 
solemnidades religiosas começaram às 8 horas da manhã e acaba- 
ram ás 5 da manhã do dia seguinte. Assistiram o rei, a rainha, 
o príncipe, os infantes, a comitiva real, o patriarcha, dois car- 
deaes, quatro bispos com os seus séquitos, os cónegos, trezentos 
frades, os fidalgos, os regimentos de infanteria e cavallaria. Além 
do que toda esta gente comeu, o rei mandou dar de jantar a to- 
dos os romeiros que se apresentassem, e apresentaram-se nove 
mil. As cosinhas do convento prepararam os jantares para toda es- 
ta multidão. 

Mafra, em que D. João v, Nero de sachristia, Pharaó freirati- 
co, consumiu tantos milhares de contos, tantos milhares de braços 
e tantos milhares de vidas, representa a dupla catastrophe de um 
monumental triumpho e de uma monumental derrota. 

Tudo quanto um triumpho pôde ter de calamitoso para um po- 
vo deu-a a edificação de Mafra: — a perturbação económica, a con- 
centração de todas as forças vivas de um paiz sobre um único suc- 
cesso, a embriaguez do êxito, o falso orgulho, a petulância, o pe- 
dantismo, todos os vicios das heroicidades pervertidas e desmora- 
Iisadas. 

Tudo quanto uma derrota nacional pôde ter de deplorável 
deu-o egualmente Mafra: — o enfraquecimento, aruina, a prostração 
dos temperamentos e dos caracteres, a pobreza geral. 



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96 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Por outro lado a edificação de Mafra não produziu nenhuma 
das vantagens que os grandes triumphos ou as grandes derrotas 
podem influir na educação moral de um povo: — nem a affirmação 
da sua força, nem a imposição da sua vontade triumphante, nem 
o modesto recolhimento do seu espirito ensinado pelo revez e pro- 
curando retemperar-se lio dever, na renovação moral, na reconsti- 
tuição do seu ser pela condensação interior de todas as forças da 
intelligencia e da vontade. 

Enorme infortúnio ! 

Ha apenas século e meio que o edifício de Mafra foi erigido 
em consagração de uma ideia religiosa e de uma ideia monarchi- 
ca. Que papel tem hoje esse colossal montão de mármore, de cal- 
careo e de bronze no serviço de qualquer d'esses dois cultos a que 
o destinaram: — o culto catholico e- o culto monarchico?! 

Ha quarenta e oito horas que eu estive em Mafra. Era meio 
dia de sexta-feira, antes de domingo de Ramos d'este anno de 1876. 
No meio da igreja, por baixo do grande zimbório, cinco padres de 
sobrepelliz cantavam automaticamente um responso em volta de 
um esquife. Por baixo das batinas appareciam as grossas botas sa- 
loias dos caminheiros dos campos. As mãos que seguravam os li- 
vros do cantochão eram espessas e calosas como as dos cavadores; 
as physionomias, crestadas, duramente contorcidas com as violên- 
cias vejetativas dos sobreiros. 

Quando estes cinco padres aldeões, bons homens do campo, 
vigorosos e boçaes, suspendiam o cantochão para aspergirem agua 
benta ou para menearem o thuribulo, ouvia-se no alto da torre 
os sinos do carrilhão telintarem o coro do primeiro acto da Tra- 
viata. Em quanto eu me dirigia á igreja, dois inglezes, que vira 
no hotel a reforçarem-se com dois alentados bifes e duas 'garrafas 
do adstringente vinho de Torres, tinham subido ao carrilhão e pu- 
nham em movimento o cylindro. 

E era tudo o que sobrevivia dos antigos esplendores da igre- 
ja e da corte do tempo de D. João v: — cinco padres que tinham 
acudido das redondezas à espórtula do responso trazendo a trouxa 
com a loba e a sobrepelliz em uma mão e um varapau na outra, 
e o afamado carrilhão divertindo com a mais profana e mundanal 
das partituras dois dilettanti berejes, dois touristes lutheranos em 
peccado mortal de um kilo de carne por estômago na penúltima 
sexta-feira da paixão! 

No Egypto as pyramides são, pelo menos, um tumulo. Mafra 
é uma eça vasia levantada à, ausência de um defuncto rico e so- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 97 

berbo, para cuja memoria uca não ha uma lagrima de saudade ou 
de respeito na lembrança d'aquelles a quem o morto não testou 
senão a pobreza, a desorganisação e a ignorância. 

mosteiro dos Jeronymos e a Batalha, inspiram um sentimen- 
to delicado, commovente, respeitoso, porque são para o povo a 
manifestação de uma das mais bellas das suas faculdades, o seu 
sentimento artístico. Gomo verdadeiras obras d'arte, como pri- 
morosas efflorescencias do génio nacional, esses monumentos não 
teem a feição individualista de uma ordem regia, são a obra col- 
lectiva de um povo, prendem-se profundamente na sua tradição, 
na historia do seu passado, nos elementos da sua vida intellectual. 
Não são, como Mafra, o cumprimento de um voto feito aos santos 
por um rei enfermo com interferência d' alguns frades arrabidos ; 
são a commemoração das grandes epochas, dos gloriosos feitos, que 
afirmaram a nacionalidade e a raça, — a independência do territó- 
rio e a descoberta da índia. 

Não é o lápis nem o cinzel assalariado por um déspota papar- 
rotão o que risca e lavra os feixes d'essas airosas columnas que 
crescem para o ceu e bracejam como palmeiras nos lavores ren- 
dilhados das ogivas manuelinas ; é o espirito popular — com todas as 
tradições, com as impressões do caracter e do temperamento, com 
as influencias do solo, do clima, das viagens, dos contactos com o 
mar, das recordações de paizagens e de vegetações longínquas, — 
que se reflecte e condensa na alma dos artistas e lhes guia a mão 
privilegiada que torna visíveis e palpáveis os sentimentos e os es- 
tados de espirito. 

Mandando, como D. João v, recrutar e prender por todo o paiz 
os trabalhadores e os artífices, que chegaram a constituir uma le- 
gião de 50 mil operários, pedindo a inspiração a um collegio de va- 
ratojanos ou de capuchos, promettendo aos santos da sua devoção 
não as suas penitencias mas os sacrifícios dos seus súbditos, em 
taes condições, dizemos, fazem-se igrejas, fazera-se torres, fazem-se 
cadeias, fazem-se fortalezas, fazem-se forcas, mas não se fazem mo- 
numentos nacionaes. 

Por isso Mafra, apesar de todas as receitas consumidas, de 
todos os esforços empregados, de todos os sacrifícios feitos, é ape- 
nas um prédio, enorme, soberbo, magestatico ; mas simples prédio. 

Como prédio é magnifico ; admiravelmente situado, descobrin- 
do uma larga paizagem; perfeitamente penetrado de ar, de luz e 
de sol; satisfazendo cabalmente todas as condições da hygiene com 
relação aos grandes agentes physicos. 

A insensatez de prodigalidade com que tal obra foi feita só 

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98 AS PRAIAS DS PORTUGAL 

■ ' ' ' ' T ■ ■ ' ' 

poderia *er compensada com a insensatez de desperdício com que 
ella se está desfazendo. edifício de Mafra acha-se inteiramente 
abandonado. O asphalto dos torreões despedaça-se e a chuva pe- 
netra nos vigamentos. Nos magníficos pateos interiores a herva 
cresce por entre a murta dos antigos arabescos versalhezes. A b*- 
bliotheca, bella sala com excellente obra de talha feita no tempo 
em que o convento foi occupado pelos cónegos regrantes de S. Vi- 
cente, está inutilisada com os seus vinte e cinco mil volumes de 
obras clássicas e de erudição. O collegio militar, que estava mui 
propriamente instalado n'este edifício foi transferido para a Luz, 
o asylo dos filhos dos soldados, que ahi esteve algum tempo, foi 
egualmente mudado. A casa está completamente deserta. As três 
léguas de magnifico solo occupadas pela tapada estão incultas. A 
pobre villa de Mafra, assoberbada pelo grande edifício, constrangi- 
da entre o mar e três léguas de terreno inútil para o qual ella não 
pôde estender nem a sua propriedade nem as suas explorações 
agrícolas, fechada n'esta espécie de sitio, decae e deperece de dia 
para dia. 

No emtanto o carrilhão toca o repertório dos seus menuetes 
em todos os dias de gala; de dois em dois annos el-rei e a real 
família vão por um dia caçar as gallinholas que abundam na tapa- 
da; de quando em quando, pelo verão, um viajante chega, manda 
tocar os sinos, manda abrir as gavetas da sachristia, fuma um cha- 
ruto nos terraços, e apressa-se a voltar para Cintra ou para a Eri- 
ceira, ou a retomar a diligencia do Gato ou a do Simplício que fa- 
zem a carreira de Lisboa ao preço de 800 reis por passageiro. 

E todavia o edifício assim abandonado prestava-se admiravel- 
mente ao estabelecimento de uma universidade, de uma grande es- 
cola modelo de instrucção secundaria, com internato a mínimos 
preços, reunindo o ensino industrial, o ensino agrícola, a lavoura 
e as artes e offlcios, fazendo cidadãos úteis e prestáveis na mesma 
machina destinada & engorda de príncipes parranas e de frades pou- 
seiros. 



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A NAZARETH 



Situada a breve distancia das Caldas da Rainha a praia da Na- 
zareth, assim como a de S. Martinho do Porto, convida naturalmen- 
te as pessoas que fazem uso das aguas sulphureas. Assim a Naza- 
reth é principalmente occupada pelos banhistas das Caldas e pes- 
soas d'aquellas redondezas da Extre madura : Pombal, Leiria, Torres 
Novas, Santarém. 

A praia propriamente dita, o logar dos banhos, fica entre a 
antiga villa da Pederneira, situada n'um alto e o sitio da Nazareth 
que se eleva em outro alto. 

A vida na Nazareth é tão commoda como na Ericeira. As ca- 
sas alugam-se mobiladas, com louça, com roupas de cama. O ho- 
tel, muito bem situado, perto da praia, tem o preço de 800 reis 
por cada hospede. O peixe é abundante e excellente. 

A celebre festa da Nazareth realisa-se no mez de setembro e 
dura três dias, havendo arraial, tourada, representação no theatrí- 
nho da localidade, etc. 



A imagem da Senhora da Nazareth, cuja capella foi edificada 
em 1370 pelo rei D. Fernando, foi tida durante muito tempo como 
uma das mais milagrosas de toda a christandade. E' de madeira 
pintada, tem palmo e meio de altura e dizem que foi trazida de 
Nazareth para Merida, onde esteve algum tempo, e de Merida para 
o logar em que actualmente se acha. A primeira ermida foi cons- 
truída por Fuás Roupinho, de Porto de Moz, no tempo de Àflbnso 
Henriques. A imagem estava a esse tempo collocada entre duas ro- 
chas no sitio chamado a Memoria. Sabem certamente a historia do 
milagre que originou a gratidão piedosa de D. Fuás. 



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100 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Elle andava caçando no dia 14 de setembro de 1182. A ma- 
nhã estava enevoada e sombria. Os cães levantam um veado, que 
parte à desfilada perseguido pela matilha e seguido de perto por 
D. Fuás. De repente o solo desaparece debaixo das mãos do cavai- 
lo de D. Fuás, que havia chegado à orla do grande rochedo cor- 
tado a pique na altura de 200 braças sobre o mar. D. Fuás grita 
pela imagem da Senhora que elle tinha visto na Memoria. O cavallo 
empina-se e estaca, tendo o cuidado de marcar a rocha com o ves- 
tígio das ferraduras. D. Fuás apeia-se e vem dar graças â Virgem 
por havel-o livrado de se despenhar no esbarradouro. O veado pe- 
la sua parte desappareceu, facto de que se deduziu que elle não 
era mais nem menos do que o vivo demónio disfarçado em caça. 

Desde que se erigiu a capella edificada por D. Fuás, os mila- 
gres tornaram-se consecutivos e extraordinários. Doentes sem falia, 
sem vista, paralyticos de pernas e braços, tendo consultado os mé- 
dicos, tendo tomado os banhos próximos nas Caldas da Rainha, che- 
gavam em piedosas romagens e recuperavam a saúde junto do al- 
tar da Senhora. 

De cada milagre se fazia registro em um livro devidamente 
escripturado, onde a narrativa era authenticada com o depoimento 
e assignatura de muitas testemunhas. D'esse livro existente no car- 
tório da Senhora se tirou cópia e muitos dos termos n'elle exara- 
dos se acham ipcluidos na obra publicada em 1628, sob o titulo 
Antiguidade da sagrada imagem de Nossa Senhora da Nazareth, 
por Manoel de Brito Alão. 

Muitos dos casos ahi referidos não são puras mistificações phan- 
tasiadas por escriptores interessados nem meras illusões dos senti- 
dos referidas de boa fé por indivíduos allucinados. N'essas simples 
narrativas acompanhadas dos pormenores mais característicos trans- 
parece a expressão da verdade. Lemos com profundo interesse o livro 
a que nos referimos e lamentamos que o caracter ligeiro d'este Guia 
não consagrado à attenção dos philosophos mas ao recreio dos ba- 
nhistas nos prive de demorar-nos um pouco como mero diletante 
na analyse pathologica dos casos referidos no tomo dos milagres 
operados por interferência da imagem de Nossa Senhora da Naza- 
reth. Não podemos porém furtar-nos à transcripção de um d'esses 
casos, — um só pelo menos — como amostra da natureza da maté- 
ria que o registro a que nos referimos offerece & observação e ao 
estudo. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 101 

« A vinte e sete de setembro à terça-feira da era de seiscen- 
tos e onze annos veio a esta santa casa o commendador-mór com 
Dona Maria de Távora sua molher, trazendo em sua companhia a 
Dona Isabel de Moura filha de Dom Francisco de Moura freira pro- 
fessa do Mosteiro de Santos, a qual vinha aleijada de uma perna, 
e braço direito, e da mão direita tendo-a mais de meia fechada, ç 
o braço encolhido com os nervos tomados, e pegados, que lhe fa- 
ziam no sangradouro tamanho de uma noz grande ao comprido, e 
o braço pegado de maneira que para nenhuma parte o podia go- 
vernar nem menear, e a perna aleijada tinha mais curta quatro de- 
dos, e andava muito poucos passos sobre um bordão que avia dias 
tinha, e o dia que partio para aqui das Caldas, quebrou, sobre que 
andava arrimada quando dava algum passo, e apeando-se à porta 
da igreja da senhora, ao ir para casa e tornar outra vez para a 
egreja, era em uma cadeira, e ordinariamente andava em braços de 
molheres, e quando veio do seu mosteiro a curar-se ás Caldas, e 
d'ahi a esta santa casa (onde havia muito tempo que esta religiosa 
desejava vir em romaria) uma porteira ao sahir do Mosteiro, por 
nome Dona Briolanja, lhe disse que sonhara que a ditta D. Isabel 
de Moura lhe disia que no dia de S. Miguel avia de ter saúde, e a 
dita religiosa o sonhou nas Caldas aonde se estava curando, que 
a Virgem Senhora Nossa lhe dava saúde dia de São Miguel, e assi 
ò contou a Dona Maria de Távora molher do commendador mór, a 
quem esta religiosa tinha pedido que a qukesse trazer em romaria 
a Casa de Nossa Senhora porque não tinha outro raeyo para puder 
coraprir este desejo, e vindo elles para estarem a véspera de São 
Miguel, e se partirem ao outro dia, estiveram bua novena por acon- 
tecer o milagre na forma seguinte. Aos vinte e outo de setembro 
da dita era, que foi véspera de S. Miguel, veyo esta Religiosa em 
hua cadeira em braços d'homens ouvir missa e assentando-se assi- 
ma dos degraos no taboleiro junto ao Altar da Senhora da parte 
esquerda em geolhos, depois de fazer oração á Senhora, lhe deu 
um accidente dos que lhe costumavam a dar, e passado elle lhe 
deram no braço direito, que era o aleijado, tão intrínsecas dores 
dos nervos da mão e braço, que estando banhada em lagrimas, di- 
zia que nunca em sua vida taes dores padecera, trás ella lhe deu 
um somno tão profundo, que lhe durou mais de uma grande hora, 
de maneira que por duas vezes lhe tomou o pulso Dona Maria dé 
Távora, que assistia junto d'ella, porque lhe pareceu que estava 
como passada, e morta com o pesado somno que tinha, c vendo-a 
n'este estado tirou um lenço da manga e o deu ao Irmitão dizendo 
que lh'o molhasse no azeite da alampada da Senhora, o que logo 



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102 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

fez, e com elle lhe começou a fazer a ditta senhora o signal da 
cruz, no meio da costa da mão junto aos dedos, e entre o polegar 
e o grande pela banda de fora por não poder ser na palma por 
respeito da aleijão. Estando nisto deu a ditta religiosa um arran- 
co com o braço e o estendeu com toda a mão, e isto tudo estando 
fora do seu sentido, no aomno que assima apontei. Levantou então 
a voz Dona Maria de Távora dando a Senhora as graças de tão 
grande maravilha e milagre : nisto despertou a dita religiosa dizen- 
do: que é isto, prima? E no mesmo instante correu com as mãos 
levantadas sãa, sem aleijão algua, avendo perto de dois annos que 
estava na forma que acima se diz, do ar que lhe deu duas vezes, 
do qual tinha já vindo às Caldas por outras duas, e estando encos- 
tada no altar da Senhora cahiu uma rosa á Senhora que tinha no 
peito dependurada n'uma cadeia, e deu na cabeça d'esta religiosa 
que lhe estava dando as graças pela mercê recebida, a qual rosa 
(com aver hoje nove dias que foi colhida) está fresca e as outras 
que vieram ontem que a Senhora tem estão murchas, e seccas: e 
acabando a dita religiosa de dar graças á Senhora começou a pas- 
sear pelo taboleiro do altar da Senhora á vista de todo o povo, do 
qual a Igreja estava cheia, vendo-a toda a romagem, que seriam 
perto de quatrocentas pessoas vir dantes em uma cadeira em que 
a traziam, e confessa a dita religiosa que andando algum tanto al- 
catruzada sendo sãa, anda hoje mais direita depois que recebeu a 
saúde per meyo da Virgem Senhora da Nazareth. As pessoas que 
estavam presentes ao ditto milagre foi o commendador-mór e Do- 
na Maria de.Tavora sua molher : Francisca Gardosa e Maria da Assem- 
ção creadas do ditto commendador mór e Maria de Andrade crea- 
da da ditta religiosa: Pedro Fernandes Irmitão da ditta casa e ou- 
tras muitas pessoas que entraram na Igreja quando a Senhora fez 
o ditto milagre, que a conheceram e viram vir aleijada na forma 
que arriba se faz menção. E eu o Licenceado Manoel de Brito Alão 
Abbade simples de S. João de Campos e administrador dos bens, 
obras, e culto divino da Casa de Nossa Senhora de Nazareth por 
Sua magestade, de cuja immediata protecção é a dita casa, pre- 
guntei ás dittas testemunhas que aqui comigo assignaram e à ditta 
religiosa, e escrevi este milagre n'este livro das maravilhas, e mi- 
lagres da Senhora, até o Arcebispo de Lisboa mandar tomar conhe- 
cimento para se verificar o ditto milagre tão notório, e por tudo 
passar na verdade fiz, e assignei este termo oje dia de S. Francis- 
co, a quatro de outubro de 611.» (Seguem as assignaturas). 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 103 



Graças aos pormenores com que o milagre se acha ingenua- 
mente descripto não ha medico, mediocremente instruído, que da 
narrativa exposta não extraia hoje o diagnostico preciso da enfermi- 
dade de D. Isabel de Moura, religiosa, o que quer dizer solteira, 
sujeita a incidentes que lhe costumavam dar, imaginativa, sonhan- 
do que sararia no Dia de S. Miguel e procurando para a romaria 
o dia annunciado no sonho, atacada finalmente de um mal que por 
chias vezes lhe dera e a deixara paralytica. Um medico actual pôde 
não somente precisar a natureza da moléstia — o hysterismo — mas 
ainda assignalar com a mais perfeita segurança os tramites psycho- 
logicos pelos quaes se realisou a cura por via de um poderoso 
agente therapeutico, que faz cobrir o rosto de lagrimas e declarar 
o doente que wwica em sua vida taes dores 'padecera. Esse mara- 
vilhoso modificador das enfermidades é o synergismo ou a acção 
da energia e do poder da vontade do enfermo sobre a perturba- 
ção da saúde. E' depois d'esses violentos e decisivos exforços de 
todo o systema nervoso sobre o systema muscular que sobreveem 
os somnos profundos do género do que levou D. Maria de Távora 
a molhar o lenço no azeite da lâmpada para fazer o signal da cruz 
em D. Izabel por a julga/r passada. 

Os antigos milagres de Nossa Senhora da Nazareth podem jà 
hoje ser aflbitamente analysados e ratificados pela critica sem re- 
ceio de que as interpretações da sciencia fechem á cura ou ao ali- 
vio das pessoas religiosas as portas d'essa grande pharmacia sym- 
pathica e veneranda que se chama a Fé. 

Infelizmente a Senhora da Nazareth ha muitos annos que não 
faz curas. No dia do milagre de D. Isabel de Moura quatrocentos en- 
fermos compunham a romagem que implorava a intervenção thera- 
peutica da Virgem. Hoje em dia a não ser á hora matutina da mis- ' 
sa conventual, o templo está deserto. O ermitão desappareceu. O 
administrador do culto deixou de existir e o tomo dos milagres e 
maravilhas em que o abbade Manoel de Brito Alão registava em ca- 
da dia um successo novo passou da banqueta da igreja para a col- 
lecção das curiosidades bibliographicas. 

Novas imagens modernas e extrangeiras vieram tirar a virtu- 
de ás velhas imagens portuguezas. Passou o tempo da Senhora de 
Nazareth na antiga villa da Pederneira; passou o tempo de Santa 
Iria em Santarém ; passou o tempo de S. Torquato em Guima- 
rães. 

A' data (Teste livro é Nossa Senhora de Lourdes que está fa- 
zendo os milagres, principalmente entre a sociedade culta, que sa- 



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104 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



be ser devota em francez ou que segue eruditamente as traducções 
mais recentes das bibliothecas românticas. Que os interessados apro- 
veitem, em quanto é tempo, a efficacia d'este novo elemento ma- 
ravilhoso ! Os milagres são como os medicamentos da moda acerca 
de um dos quaes dizia um medico citado por Littré a uma senhora 
que o consultava: 

— Sim, pôde tomal-o, mas tome-o já — emquanto elle curai 



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A FIGUEIRA 



O viajante sente ao entrar na Figueira, no tempo dos banhos, 
uma impressão similbante á que se experimenta penetrando nos 
geraes da Universidade em dia lectivo. É a impressão do lente, 
do pedagogo, da aula. Tera-se uma espécie de terror mesclado de 
tédio. Ha uma atmospbera especial de pedanteria, de rigor* e de 
tropa. Àspira-se vagamente o cheiro dos sapatos e das velhas ba- 
tinas gordurosas na aula quente e fechada. As physionomias dos 
doutores, de uma grave expressão emphatica, guindada e ôcca, as 
cabelleiras dos estudantes apparatosamente penteadas, os ares do- 
gmáticos de uns, misturados com os ares patuscos cToutros, um 
tom geral de prelecção ou de desfructe, uma tonalidade especial- 
mente affectada na pronunciarão, um desgarre peculiar de gestos 
e de maneiras: taes são as principaes notas que caracterisam a 
populapão de Coimbra. 

Além d'isto a cidade tem um argot que se não usa em ne- 
nhuma outra parte. 

Um dia passávamos na Sophia dentro de uma das carroagens 
americanas que fazem o serviço da estação do caminho de ferro. 
No banco que ficava adiante do nosso sentava-se uma senhora de 
dezoito a vinte annos, com o aspecto de uma pessoa bem educada, 
a qual tinha ido esperar á gare um sujeito idoso, de óculos, que 
se sentava junto d'ella. A referida senhora soltou estas textuaes 
palavras : 

«Ah! papá, que cólicas que rapou o Barreirai guarda-mór 
disse-lhe que tinha ficado bem, mas o Augusto foi saber à, secre- 
taria, e quando voltou vinha tão torto de cara que eu logo disse 
ao Barreira : ou você levou um r ou Augusto embaçou com algu- 
ma chalaça nossa.» 



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iOÔ AS PRAIAS DE PORTUGAL 



Era preciso estar efectivamente na Sophia para ouvir esta es- 
pécie de enunciado na boca de uma senhora. 

Coimbra inteira exprime-se d'esse modo. Faliam assim os es- 
tudantes, as serventes, os creados das hospedarias e dos cafés, os 
negociantes, as estanqueiras e os professores. 

Sente a gente o seu espirito asphyxiado em tão estreita com- 
prehensão de interesses e de curiosidades, em tão perfeita confor- 
midade de stylo chinfrim e de maneiras esbandalhadas. 

Antigos estudantes reprovados, velhos cabulas incorrigíveis, 
de cabellos cheios de caspa, a barba por fazer, o rosto macilento e 
sombrio, as unhas e os dentes sujos, os sapatos acalcanhados, pas- 
sam chupando o cigarro e arrastando no macadam coberto de pa- 
peis rasgados a ponta da capa enodoada e rota. Os professores, 
habituados pela antiga organisação da Universidade a exercerem 
sobre o alumno um poder quasi illimitado, afeitos à, bajulação, à 
pusillanimidade, à subserviência dos escolares, caminham magesta- 
ticamente com a determinação imperiosa de quem mandará cortar 
a cabeça dos extrangeiros que se não ajoelhem na passagem d'el- 
les e das suas famílias. 

Tal é sobre o aspecto de uma população inteira o effeito de 
um dogmatismo exagerado e pedantesco, da confusão do ensino e 
da educação litteraria baseada na hypocrisia antiga e na indisci- 
plina moderna! 

Os admiráveis subúrbios de Goisbra, de uma paizagem tão 
doce e tão saudosa, os bellos monumentos da cidade, a archite- 
ctura árabe da Sé Velha, as ruínas tão pittorescas e de tradições 
tão dramáticas dos paços de Subripas, a linda varanda do Paço 
Episcopal, a Igreja de Santa Cruz, a bibliotheca da Universidade, 
todas essas jóias encantadoras são suficientes para fazer esquecer 
aos viajantes a impressão triste da convivência conimbricense. 



A Figueira participa do caracter que tem Coimbra, um pouco 
para peor, porque os estudantes que frequentam a Figueira são 
ordinariamente os peores, os mais broncos, os que não saem de 
Coimbra, aquelles em quem os effeitos do vicio universitário se 
desenham mais profundamente. Estes senhores com o seu affectado 
desdém, com o seu mau ar de críticos, com o seu espirito de tro- 
ça, e os snrs. professores com a sua sobranceria cathedratica, con- 
stituem o grande senão da sociedade da Figueira, sobre a qual 
destingem a sua côr especial. 



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A8 PRAIAS DE PORTUGAL 107 

E, não obstante, nenhuma outra praia em Portugal possue as 
condições (festa para tornar agradável a estação dos banhos. 

Batida do grande mar, tendo à, direita a bonançosa bahia de 
Buarcos e â esquerda os rochedos em que assenta o castello de 
Santa Catharioa, que defende a foz do Mondego, a villa da Figuei- 
ra offerece aos banhistas incomparáveis condições. 

À povoação é rica pelo commercio do sal e pela exportação 
dos vinhos da Bairrada. 

Uma companhia edificadora tem construido casas agradáveis, 
em um bairro ' novo junto à, foz do Mondego, em sitio elevado e 
sadio. N'este bairro ha um hotel, Foz do Mondego, onde se rece- 
bem hospedes a 10000 reis por dia. 

A villa tem ainda mais dois hotéis, o Figueirense e o da Prar 
ca Nova, um pequeno theatro, uma praça de touros e dois clubs : 
ã Assembleia Recreativa, no bairro novo, onde se dança às terças 
e sextas-feiras, e a Assembleia Figueirense, no antigo palácio dos 
condes da Figueira, onde se dança à, quinta-feira e ao domingo. 

Além das soirées nos dois clubs, as senhoras costumam orga- 
nisar concertos e bailes. A soirée é uma das grandes preocupações 
d'esta praia, e não será por falta de contradanças que os banhis- 
tas deixarão de se regosijar n'este sitio. 

As burricadas e os pic-nics a Buarcos, ao farol da Guia, ao 
palácio de Tavarede, vão~se tornando cada vez mais raros. 

Por uma disposição superior, cujo alcance debalde nos exfor- 
çamos por attingir, é prohibidó o ingresso dos burros no interior 
da villa, o que não obsta a que là entrem muitos — disfarçados. 

O passeio predilecto dos banhistas é a Palheiros, pequena po- 
voação de pescadores, a meio caminho de Buarcos, onde se colhem 
as redes da sardinha. 

A população dos banhistas na Figueira consta de duas cama- 
das diferentes. No fim de setembro retiram-se as famílias de Coim- 
bra e algumas de Lisboa, e succedem-se as dos lavradores da Bei- 
ra, que vêem para esta praia depois das colheitas repousar dos. 
trabalhos do campo. 

As primeiras d'estas duas camadas não parece serem mui par- 
ticularmente sympathicas á população indígena. 

A Figueira tem pelos seus hospedes sentimentos similhantes 
aos que por muito tempo animaram a população futrica de Coim- 
bra com relação aos estudantes: suporta-os, mas não os estima. 
O caminho de ferro, a convivência cada vez mais estreita com os 
viajantes tem sanado em Coimbra os antigos conflictos tão frequen- 
tes entre os burguezes e os académicos. 



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108 AS PRAIAS DS PORTUGAL 

Na Figueira, entre a população fixa, que habita a antiga villa 
e frequenta a Assembleia Figueirense, e a povoação fluetuante, que 
habita principalmente o bairro novo e frequenta a Assembleia Re- 
creativa, não ha hostilidades, mas existe uma forte emulação pro- 
vinciana, que se descarrega muitas vezes em pequenos episódios 
dignos de Dickens ou de Balzac. 



A viagem da Figueira é bastante pUtoresca, mas não isempta 
de incommodidades. Quer o viajante chegue a Coimbra às 3 i j% 
horas da tarde, quer chegue ás 4 horas da manhã, tem de espe- 
rar até ás Q horas da manhã ou até às 2 '/* da tarde para poder 
seguir para a Figueira na diligencia, que gasta seis horas n'este 
caminho e pede 10000 reis por cada logar. 

Na imperial da diligencia, como artista, em companhia ale- 
gre ; ou em carroagem descoberta, que se pôde alugar em Coim- 
bra, o caminho não parece longo, porque a estrada é boa e a pai- 
zagem lindíssima. 

Entra-se na villa por uma estreita garganta que se alonga pa- 
ra o viajante como o bico de um funil. Se não é fácil a entrada 
pela foz do Mondego a bordo de uma das escunas ou dos hia- 
tes que frequentam o porto e aos quaes o rumo da barra é indi- 
cado de terra por meio de um signal no alto de um mastro, a 
entrada em diligencia pelo funil acima referido não é menos pe- 
rigosa. Somente, pela via de terra é permittido ao viajante um 
expediente, que se não usa na superfície liquida, e vem a ser : 
desembarcar a distancia respeitosa e entrar cada um na villa pelo 
seu pé. 



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SETÚBAL 



Comquanto não seja propriamente uma terra de banhos, mas 
uma cidade muito industriosa e muito commercial, a praia de Se- 
túbal é actualmente bastante frequentada pelos banhistas da pro- 
vinda do Alemtejo e da Extremadura hispanhola. 

À exposição de Setúbal, na foz do Sado, cercada de magnífi- 
cos pomares e dos celebres vinhedos de Moscatel, que se esten- 
dem ao longo de graciosas colinas, é extremamente risonha e pit- 
toresca. A população, quasi toda empregada no commercio do sal, 
na exportação da laranja, no fabrico dos vinhos, é activa e traba- 
lhadora. 

À cidade tem um bonito passeio publico, um soffrivel hotel 
— o do Escoveiro— , um theatro, um club e uma estatua — a do 
sympathico poeta Bocage, o representante da escola revolucionaria 
na litteratura portugueza do fim do século xvm, um dos poucos 
litteratos do seu tempo em cuja obra se presente a passagem do 
grande fôlego de 1789. 

A praia é uma das mais vastas e das melhores do paiz. 

Os subúrbios são dos maiq interessantes que pôde appetecer 
o touriste, o archeologo, o naturalista. 

As ruínas de Tróia, ultimamente exploradas por uma compa- 
nhia franceza, estão dando logar às escavações mais úteis para a 
historia da civilisação romana em Portugal. Tróia fica a um pe- 
queno passeio da praia. 

A serra da Arrábida, occupando uma superfície de cinco lé- 
guas, offerece aos botânicos e aos paizagistas as digressões mais 
agradáveis e mais profícuas. 

No Espelho de Penitentes e Chronica da província de Santa 
Maria da Arrábida, da regular e mais estreita observância da 



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110 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

ordem do seráfico padre S. Francisco no Instituto Capucho, en- 
contrarão os curiosos a mais minuciosa descrippão do convento, 
cujas ruínas ali se conservam; da lenda da sua edificação; das 
hervas medicinaes que cobrem a serra ; da ermida de Nossa Se- 
nhora do Gabo de Espichel e dos círios do Àlemtejo e do termo de 
Lisboa que festejam aquella milagrosa imagem; da lapa de Santa 
Margarida; e finalmente do penedo chamado do Duque, em que 
D. Álvaro de Lencastre se sentava para pescar à cana, á beira do 
mar, e a ninguém mais era permittido sentar-se no dito penedo. 
Tudo isto repintado no estylo pretencioso, rhetorico, de frei Antó- 
nio da Piedade, leitor de theologia e qualificador do Santo Officio, 
o qual offereceu d sempre augusta magestade d'el-rei D. João V 
nosso senhor o peso da sua chronica e a incontinência sacharina 
do seu stylo archaico. 

Setúbal fica a sete léguas de Lisboa. A viagem faz-se com 
grande coram odidade entre as duas cidades atravessando o Tejo e 
tomando o caminho de ferro de sueste. Póde-se fazer a ida e vol- 
ta no mesmo dia. 



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AS PRAIAS OBSCURAS 



Além das praias a que nos temos referido, Portugal, que é 
todo elle uma praia, — a occidental praia lusitana — tem natural- 
mente muitos outros pontos adequados à installação de uma famí- 
lia em uso de banhos. 

Entre as pequenas praias são particularmente dignas de men- 
ção as seguintes: 



Ancora, pequena povoação situada entre Vianna e Caminha. 
É um dos mais lindos sítios do Minho. Fica à beira da mais bella 
estrada de Portugal, a hora e meia da cidade de Vianna e do Rio 
Lima, e a egual distancia do rio Minho e da fronteira da Galliza, 
uma das mais interessantes províncias hispanholas. Nas proximi- 
dades de Âncora acha-se a pittoresca povoação de Afife, de onde 
são oriundos os melhores estucadores portuguezes. Afife, sobre- 
sae de todo o Minho pelo gosto artístico dos seus habitantes pela 
graça e pelo asseio das suas edificações. Parece provado que Afife 
foi fundado por duas ou três famílias italianas que ali se estabele- 
ceram em época que não podemos precisar. 



A Apúlia, junto de Fão e de Espozende, habitada principal- 
mente por algumas ricas famílias de Braga e de Barcellos. 



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112 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Lavadores, perto do Porto, defronte de S. João da Foz. A po- 
voação consta de um pequeno grupo de casas. 



Furadouro e a Costa Nova frequentadas por algumas fa- 
milias de Aveiro e seus subúrbios. 



S. Martinho do Porto, na Estremadura, entre as Caldas da 
Rainha e Alcobaça. É uma povoação de pescadores. Aluga por mó- 
dicos preços vinte ou trinta casas mobiladas. Está ligada à Mari- 
nha Grande por um caminho de ferro americano, e communica com 
as Caldas da Rainha, com Alcobaça e com a Batalha por uma boa 
estrada. A temporada em S. Martinho do Porto presta-se ás mais 
interessantes excursões artísticas que se podem fazer commoda- 
mente em Portugal. S. Martinho do Porto é principalmente habita- 
do nos mezes de verão por famílias hispanholas. As pessoas de 
Leiria, de Alcobaça, da Marinha Grande preferem a Nazareth. A 
viagem de Lisboa a S. Martinho faz-se por Chão de Maçãs e Leiria 
ou pelo Carregado e Caldas, e custa pouco mais ou menos de uma 
libra por passageiro tomando logar de primeira classe no cami- 
nho de ferro e proseguindo na diligencia do Carregado ou de Lei- 
ria. Em setembro do anno passado encontramos em Merida uma 
estimável familia hispanhola que chegava de S. Martinho do Porto. 
Traziam enormes cabazes cheios de excellente fructa de Alcobaça. 
Tinham-se provido para o seu inverno de uma barrica de magní- 
ficos badejos, pescados em S. Martinho e conservados em salmou- 
ra. Disseram-nos maravilhas da commoda e tranquilla vida passa- 
da durante dois mezes no agradável retiro que tinham tido a lem- 
brança de escolher. 



A Assenta, a duas léguas de Torres Vedras, perto da foz do 
Sizandro. Meia dúzia de casas, e cerca de quatro famílias. Preços 
das casas: de 100 a 300 reis por dia. 



Santa Cruz, meia legoa ao norte do Sizandro, a duas léguas 
de Torres. Bello ponto de vista das ruínas do convento de Pena- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 113 



firme. Pouco mais casas que a Assenta. Quatro ou cinco pessoas 
mais na população dos banhistas. 



S. Pedro de Moei, na orla do Pinhal de Leiria. Pequena po- 
voação exclusivamente de banhistas, abandonada no inverno, ha- 
bitada durante a estação de banhos por pessoas da Marinha Gran- 
de ou de Leiria. Visinhança magnifica : o pinhal, que é a primeira 
floresta portugueza. 



Junto de Lisboa, na margem esquerda do Tejo, encontram-se 
ainda alguns logares de banhos onde a vida é mais barata que na 
margem de cá. Taes são: 

Porto Brandão, em frente de Belém. Magnifica vista para a 
margem oppostado Tejo. Arvores — coisa rara — nas visinhanças. 
Soffriveis casas a preços módicos. Um bel Io passeio de cerca de 
três léguas pela charneca até á Lagoa de El-Rei, o retiro predile- 
cto de D. Pedro v. O pequeno e modesto prédio da casa real, de 
um só pavimento ao rez do chão, fica à beira do lago, na solidão 
da charneca. A paizagem é de uma grande melancholia sympathica, 
de um encanto profundamente penetrante. A agua tranquilla da 
grande lagoa, o áspero aspecto da charneca, a grande solidão, a 
planice, o profundo silencio, infundem uma pacificação e um sen- 
timento de serenidade ineffavel. A lagoa é muito povoada, mas a 
pesca é prohibida sem licença expressa do individuo que a arre- 
mata em cada anno. Não obstante, o auetor d' estas linhas na ulti- 
ma vez que ali foi apoderou-se de um polvo, fisgando-o contra 
uma rocha com uma navalha americana que o seu amigo Eça de 
Queiroz lhe mandou de presente das margens do Niagara. Funda- 
mos o nosso direito a este polvo na circumstancia de que a rocha 
não é agua mas sim terra firme. Em todo o caso aproveitamos esta 
occasião para desencarregarmos a consciência pedindo humilde- 
mente perdão a sua excellencia o arrematante da lagoa e a sua 
magestade o proprietário d'ella. Estamos prontos a dar outro pol- 
vo, se a coroa assim o exigir. Os contornos do lago são habitados 
por óptimos coelhos, magros, mas de um especial sabor salgado 
e bravio. snr. D. Pedro v matava-os na carreira, á bala, com 
notável perícia. A caça não tem arrematante e é permittida ao pu- 
blico. Além dos coelhos, que são abundantes, ha massaricos, pa- 
tos e outras aves marinhas. 



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114 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

O Alfeite, perto da quinta real do mesmo nome, junto de Ca- 
cilhas e da Cova da Piedade. É o mais pittoresco sitio da margem 
do sul do Tejo. 



A Fonte da Pipa. Logar árido, abafado, triste. Poucas casas 
sem mobília. Pequenos preços. 



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BANHOS DA BABOA 



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O TRATAMENTO MARÍTIMO 



Segundo os auctores do excellente diccionario francez de Hy- 
drologia medica, o tratamento marítimo que os doentes vão pro- 
curar nas praias, consta de três elementos distinctos: a atmosphe- 
ra maritàma, a agua do mar para uso interno, e o banho de 
mar. 



A atmosphera marítima, ou ar do mar, actua sobre o orga- 
nismo pela sua densidade, pela sua constituição chimica e pelas 
condições physicas a que pôde achar-se sujeito. 

Os professores Durand-Fardel e Le Bret, auctores do livro a 
que acima nos referimos, dizem : 

Pelo simples facto da residência à beira-mar, como n'uma lo- 
calidade muito elevada, o appetite augmenta, a digestão opera-se 
mais regularmente e mais rapidamente, a respiração exerce-se com 
mais actividade, o systema nervoso sobrexcita-se : taes são, pelo 
menos, os pbenomenos mais manifestos e mais geraes que se ob- 
servam, e fazem com que o ar do mar seja tão salutar às pessoas 
fracas, molles, apathicas, de constituição lymphatica, como dificil- 
mente suportado quando a circulação sanguínea se exerce com uma 
grande actividade, finalmente quando a constituição do individuo 
apresenta uma disposição nervopathica ou inflammatoria domi- 
nante. 

É na infância que o ar do mar se torna mais particularmente 
salutar, quando a evolução do organismo se acha demorada, quer 
pela insuficiência das forças, quer por uma convalescença difficil, 
quer pela existência de algumas das diatbeses familiares a esta 
edade. As creanças possuem uma tolerância particular para o ar do 



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116 AS PRAIAS BE PORTUGAL 

mar. Todavia, segundo o dr. Gaudet, algumas ha que nos primei- 
ros dias sobretudo, apresentam muitas vezes phenomenos de ex- 
citação que indicam a influencia por que passou o organismo. Às 
manifestações lymphaticas e escrofulosas apparecem em alguns in- 
divíduos, e não é raro vér alguns accidentes febris, quer passa- 
geiros, quer tomando o typo intermittente, ou ainda erupções anó- 
malas. Doenças agudas — eminentes já sem duvida — manifestam- 
se algumas vezes de repente sob esta influencia. 

Para os tisicos do pulmão ou da larynge o ar do mar, segun- 
do a opinião dos médicos mais distinctos, é sempre nocivo. 



A agua do mar, como bebida, tem sido, infelizmente, pouco 
explorada até hoje pelos clinicos portuguezes. mar é no en- 
tanto considerado como constituindo o primeiro typo das aguas mi- 
neraes. Nenhuma outra possue a mineralisação mais forte nem é 
mais rica era chlorureto de soda. 

Eis a composição chimica da agua do Atlântico, segundo a ana- 
lyse feita na bacia de Arcachon pelos chimicos francezes : 

AGUA 1 LITEO 

Chlorureto de soda 27,965 gram. 

» de magnesia 3,785 » 

» de calcium 0,325 » 

Odureto e bromureto indeterminados. 

Sulfato de magnesia 5,575 gram. 

» decai '. 0,225 » 

» de soda 0,485 » 

Carbonato de cal 1 n qok 

» de magnesia/ u '^ 5 * 

Matéria orgânica animalisada 0,052 » 



38,727 » 

As aguas do mar porém não teem sempre composição idên- 
tica e as variantes são tanto mais sensíveis quanto mais perto da 
costa, em resultado das aguas doces dos rios, da evaporação in- 
cessante, das correntes que se estabelecem no fundo do mar e 
dos animaes e dos vegetaes que o habitam. 

A agua do mar para uso interno pôde applicar-se como me- 
dicamento alterante e como medicamento purgativo. A doze laxan- 



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ÀS PRAIAS DE PORTUGAL U7 



te é de dois a quatro copos. A doze alterante é muito mais fraca 
e proporcionada á tolerância do estômago. 

Todos os grandes médicos alleraães insistem nas propriedades 
medicinaes da agua do mar em bebida para os individuos lympha- 
ticos e escrofulosos. Os médicos inglezes applicam-a principalmen- 
te como laxante. Vários médicos francezes, entre os quaes os snrs. 
Gardet e Rocca reconhecem e recoramendam as propriedades al- 
terantes e laxativas da agua do mar. É utilíssima às creanças ata- 
cadas de vermes. Os auctores, da Hydrobgia medica, d'onde ex- 
trahimos alguns d'estes dados, expõem a vantagem de introduzir o 
acido carbónico na agua do mar com o fim de facilitar o seu uso 
interno. 

A agua do mar pôde ser ainda empregada com grande utili- 
dade therapeutica nos usos da toilette feminina nas enfermidades 
uterinas e em outras applicações. 



O banho pôde ser considerado sob dois pontos de vista diffe- 
rentes como agente hydroterapico e coçio banho medicamentoso. 
A acção hydroterapica domina quando a duração do banho é mais 
curta e a temperatura mais fria. Produz-se a acção medicamentosa 
quando a temperatura é mais elevada e a duração do banho mais 
longa (três quartos d 'hora). Assim o banho de mar apresenta o duplo 
caracter hygienico e therapeutico. 

Pelo lado hygienico, como agente hydroterapico, o banho de 
mar opera como qualquer banho frio, e é indifferente para o que 
se tem em vista conseguir banharmo-nos no mar, no rio, ou n'uma 
simples banheira com agua doce no nosso quarto. 

Nas doenças em que é contra-indicado o banho frio, nas pes- 
soas atacadas de aflecções orgânicas do coração, dispostas a con- 
gestões, a rheumatismos e a gotta, o banho do mar com as con- 
dições physicas e chimicas que lhe são próprias é ainda mais noci- 
vo do que o puro banho frio. 

A constituição lymphatica, a infância, o sexo feminino, todos 
os estados pathologicos que se ligam ao enfraquecimento geral do 
organismo, à insufficiencia do sangue, à depressão do systema ner- 
voso, constituem o domínio especial do banho do mar. 

Os escrofulosos e os nevrálgicos, ordinariamente mandados 
para os banhos de mar como para um curativo supremo, encontram 
n'elle um coadjuvante precioso, mas não um remédio decisivo. 



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118 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

N'estes casos um tratamento thermal bem dirigido é muito mais 
profícuo, principalmente se os effeitos dos banhos sulphureos fo- 
rem fixados em seguida com os banhos de mar. 



Além (Testas principaes applicaçoes do tratamento marítimo, 
— o ar, a bebida, o banho — figuram ainda na therapeutica o ba- 
nho de areia, utilissimo às creanças, o banho d'ar, a alimentação 
com mariscos, etc. 

Qualquer que seja a natureza do tratamento adoptado, é pre- 
ciso não esquecer que elle será sempre poderosamente auxiliado 
com o regimen hygienico seguido na escolha dos alimentos, no 
exercício, no theor de vida, na regularidade dos hábitos, etc. 

A excitação do appetite produzida pelos primeiros banhos e 
pelo ar puro, fresco e penetrante do mar, junta a uma certa som- 
nolencia e fadiga, que acompanha o principio do tratamento, pro- 
duzem quasi invariavelmente algum incommodo intestinal, que pôde 
comprometter ou retardar a cura se não intervier a dieta. Da ali- 
mentação do banhista devem excluir-se os pratos irritantes, as sub- 
stancias difflceis de dirigir, o abuso da mostarda, da pimenta, do 
café, das bebidas alcoólicas. 

Os almoços, tão usados em Portugal, de café com leite e pão 
com manteiga, são uma das massas mais indigestas e mais affron- 
tantes que se podem ingerir nos estômagos. Nada torna o estô- 
mago mais abarrotado, o cérebro mais espesso, a intelligencia mais 
bronca, a actividade mais dormente. bife de vitella ou a cos- 
telleta de carneiro grelhada, os ovos quentes e uma pequena chá- 
vena de chã preto, ou simplesmente o bom leite fresco constituem 
uma alimentação incomparavelmente superior à do café com leite 
e do pão com manteiga, quatro coisas que reunidas constituem uma 
broa, que pesa muito mais do que alimenta. 

Ao jantar convém um regimen pouco animalisado. De carne 
de boi nunca deve haver mais de um prato. São preferíveis as car- 
nes brancas, a vitella, a gallinha, o peru, a sopa d'hervas, o peixe 
fresco com manteiga fresca ou com o simples molho de manteiga 
derretida em vinho da Madeira, bons legumes, um vinho leve, agua 
nevada, um sorvete, e uma laranja, uma bòa pêra, ou um cacho 
d'uvas. 

É muito salutar o levantar cedo, passear à frescura da ma- 
nhã, beber em jejum meio copo d'agua Ma. 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 119 

Se apparece alguma perturbação nas funcções do organismo, 
deve suspender-se o uso do banho até que o estado normal se res- 
tabeleça. 

Se for preciso estimular o intestino, a melhor medicina será 
a agua do mar destemperada com egual quantidade de agua doce. 

Cumpre advertir que para todos os usos internos a agua do 
mar não deve ser colhida senão à maior distancia da costa, quan- 
to seja possivel ao mar largo. 



O programma domestico da vida à beira mar é também um 
ponto essencial. bom Michelet consagrou a este assumpto as se- 
guintes linhas : 

«Temos uma senhora nova, doente, ou quasi doente. Atraves- 
sou dificultosamente o inverno, a primavera. No entanto nenhu- 
ma lezão grave. Fraqueza, anemia : a dificuldade de viver. Man- 
dam-a para o mar passar o verão. Enorme despeza para um or- 
çamento medíocre. Penoso desarranjo para uma dona de casa. Du- 
ra separação para cônjuges amigos. Parlamenta-se. Procura-se sua- 
visar a sentença. Não bastaria um mez ? Mas um medico sábio in- 
siste, porque entende que uma temporada extremamente breve é 
muitas vezes mais nociva que proveitosa. À súbita impressão vio- 
lenta dos banhos sem preparação abala as saúdes mais robustas. 
Toda a pessoa sensata deve aclimatar-se primeiro, respirar ; o mez 
de junho é para isso excellente; julho e agosto para os banhos; 
setembro e algumas vezes outubro descançam dos grandes calo- 
res, suavisam a excitação que produziu a aspereza salina, conso- 
lidam os resultados e preparam pelos seus ventos frescos para os 
frios do inverno. Poucos homens estão livres todo o verão. ma- 
rido poderá quando muito ir reunir-se com sua mulher durante 
um mez ou dois, em agosto, em setembro. Por mais disposto que 
esteja a sacriílcar-lhe todos os interesses secundários, — em beneficio 
d'ella mesma, o marido deve ficar. Na vida do homem de trabalho 
ha cadeias que se não partem sem detrimento da familia. Portanto 
que ella parta só. Não sabe o que isso é, nunca se viu sósinha. 
Iria mais confiada se acompanhasse alguma d'essas famílias ricas 
que vão completas e reunidas, marido, mulher, filhos, creados. 
Se ousasse dar a minha opinião, eu diria: «Não! que parta só.» 
A. companhia, no principio alegre e agradável, tem muitas vezes 
consequências muito differentes. Incommodam-se uns aos outros, 
malquistam-se, voltam inimigos, ou — o que ainda é peor — voltam 



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120 ÀS PRAIAS DE PORTUGAL 

amigos de mais. À desoccupação do tempo dos banhos tem immen- 
sas vezes resultados imprevistos que se deploram por toda a vida. 
O menor dos inconvenientes, não pequeno para mim, é pessoas 
que, separadas, teriam tido mais perfeitamente o sentimento do 
mar e conservariam d'elle uma boa e grande impressão, irem, por 
ter de viver juntas, continuar a vida de cidade (frivolidade, vul- 
garidade, fingida alegria, etc.) Quem está só occupa-se e pensa. 
O ajuntamento murmura e maldiz. As amigas ricas e mundanas 
arrastal-a-hão aos seus divertimentos. Terá toda a agitação de uma 
existência mais turva e mais anti-medical que a que passava em 
Pariz. Errará completamente o alvo. Reflicta nisto, minha senhora. 
Seja corajosa e prudente. É n'uma solidão séria, na pequena vida 
innocente com o seu filho, vida infantil, se assim fôr preciso, mas 
pura, nobre e poética, é em tal vida, digo eu, que se dará a re- 
novação que deseja. Creia, minha senhora, que lhe será tomada 
em conta a justiça delicada e terna que a faz recear o prazer 
quando outro, ausente, que ficou em casa, trabalha ao seu canto 
para a família. O mar amal-a-ha mais, se fôr o seu único amigo, e 
n'esse repouso lhe prodigalisarà o seu thesouro de vida e de mo- 
cidade. O filho crescerá como uma bella arvore. A mãe reflorirá na 
graça e voltará mais nova e mais adorada.» 

Para prehencher com dignidade e com sensatez a nobre soli- 
dão aconselhada por Michelet, quantas occupaçoes úteis, elevadas, 
profundamente moralisador*6 ! Em primeiro logar a leitura, não a 
leitura de pobres romances enervantes, que dão ao espirito a triste 
nostalgia da commoção sentimental e do drama burguez, mas a lei- 
tura dos bons e fortes livros que educam, que retemperam o co- 
ração e o caracter, que fortificam o espirito. Os do próprio Miche- 
let, primeiro que todos : as suas vulgarisações dos estudos da na- 
tureza e os seus incomparáveis trabalhos de historia, de uma tão 
perfeita execução artística que basta um só volume da Historia de 
França para suscitar no leitor todas as commoçoes mais nobres 
de que é capaz a alma humana. Depois, as narrações das traba- 
lhosas viagens aos paizes longínquos: os livros do barão Hubner e 
do conde Beauvoir. Os estudos d'arte de Taine e de Lady Morgan. 
Além das leituras, o doce trabalho da educação dos filhos minis- 
trada nos seus jogos, nos seus passatempos, segundo o systema 
de Froebel. Finalmente a applicação ao desenho, a aquarella, o es- 
tudo das conchas, das algas, dos peixes, a confecção de um diário 
em que se escreva uma pagina por noite, não com. a narração es- 
téril dos actos de cada hora, mas com a nota predominante e sin- 
cera do pensamento em cada dia. 



Digiti. 



zedby G00gle 



AS PRAIAS DE PORTUGAL 121 

A primeira obrigação de uma pessoa bem educada, antes ainda 
de saber distrahir os outros, é saber distrabir-se a si mesma. 
espirito de uma mulher digna e sensata deve achar-se na sua casa 
como o bom amigo Robinson na sua ilha deserta : pronto para lu- 
ctar com o immenso inimigo — o tédio; e preparado para prover 
com a sua invenção e com a sua industria a satisfação de todas 
as suas necessidades. Que grande prazer triumphal o de nos poder- 
mos comparar ao valoroso Robinson! 

Nas grandes cidades, as relações sociaes, as visitas, os cum- 
primentos, os convites, os espectáculos, os bailes collocam frequen- 
temente o nosso espirito como fora de nós. Á força de nos repar- 
tirmos pelos outros, dispersamo-nos na multidão, perdemos a pos- 
se de nós mesmos. Sentimo-nos na dissipação dos sentimentos e 
das ideias. Palta-nos o centro moral. Queremos reconstituir na di- 
gnidade a nossa boa e feliz vida domestica, e aborrecemo-nos na 
casa de que nos divorciamos. Invade-nos então o cançasso, o abor- 
recimento, o spleen. Não se sabe o que se ha de fazer ! Quem não 
sabe o que ha de fazer adoece, e, se com a doença não aprende 
mais alguma coisa, morre, porque na sabia natureza o destino de 
toda a coisa inútil é desapparecer. fi n'esta crise moral, de que 
procede um determinado estado pathologico, que os médicos re- 
ceitam o mar, como um tónico, como um revulsivo, como um se- 
danté, como um reconstituinte. Falta-lhes dizer: como um raetho- 
do, como uma disciplina, como uma renovação moral. 

Desgraçados de nós se na praia, na pequena casa isolada e 
tranquiila, frente a frente com o austero oceano, não comprehen- 
demos de um modo novo, por algum tempo ao menos, o dever, 
a felicidade, a família, a responsabilidade dos nossos actos, o nos- 
so grave destino de creaturas humanas! 

Desgraçados, se à beira do mar, onde vamos reconstituir tanto 
o .organismo como o systema moral, nós prolongamos os hábitos 
frívolos da vida sem rumo, de ostentação, de leviandade e desor- 
dem, que passamos n'um inverno patusco, ôco e despresivel, sem 
a moralisapão do trabalho, de que depende a posse e a conside- 
ração de nós mesmos, o nosso contentamento intimo, a forte e fe- 
cunda alegria moral, a saúde no corpo e a fortaleza na alma, os 
dois phenomenos correlativos e solidários no equilibrio da vida! 



Tu, pobre mulher do povo, perdôa-me se nas prescripções 
que tenho exposto acerca do tratamento pelo mar — precauções de 



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122 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

conforto, alimentação, viagens, mudança de meio, reorganisação 
da vida domestica, etc. — eu me esqueci de ti ! 

A verdade é que as tuas enfermidades dispensam melhor os 
conselhos que as das senhoras da sociedade, mais debeis > mais 
fracas, mais doentes, e no fim de contas, sob o ponto de vista phy- 
siologico, mais desgraçadas do que tu. 

Na convenção franceza, quando se discutiu a creação dos mé- 
dicos especiaes do campo, menos habilitados que os das cidades, 
— o serviço dos officiaes de saúde — ; objectou-se que similhante 
instituição, distinguindo as habilitações dos que tinham de curar 
os pobres e de curar os ricos, era anti-democratica e deshumana. 
Então porém uma voz illustre expoz este profundo principio : Que 
onde a vida é mais simples as doenças são menos complicadas. 

É certo que cada um se trata segundo os seus meios, e não 
segundo os seus males. 

Á joven tísica, filha do abastado capitalista que habita um pa- 
lácio, o medico aconselha a Madeira, o Cairo, o valle de Lima no 
Peru, a dieta de gallinholas e de vinho velho da Bourgogne, os 
passeios sem fadiga, no agasalho das pelles de marta ou de raposa 
azul, no fundo de um coupé de Binder, suavemente balançado em 
flecha e oito molas. 

Aqui assim à visinha do meu terceiro andar, filha de um em- 
pregado com oito centos mil reis de ordenado, o mesmo medico 
prescreve unicamente um pouco de óleo de fígados de bacalhau, 
o bife na grelha, o vinho de Gollares, a mudança d'ares para 
Bemflca e um ou outro passeio ao sol com um chaile nos joelhos 
em cima de um jumento manso. 

Subindo mais alguns degraus, chamado para vér a engomma- 
deira de camisas ou a brochadora de livros que habita nos sótãos, 
sempre o mesmo medico aconselha simplesmente uma camisola de 
flanella, um copo de leite e mais duas horas de descanço por dia. 

resultado de todas estas differenças na cura é que todas as 
três doentes, a do primeiro andar, a do terceiro, a do sótão, mor- 
rem aproximadamente no mesmo praso de tempo. 

Assim nos banhos de mar, emquanto as pessoas ricas plani- 
sam uma temporada de três mezes, tu, se habitas o campo, che- 
gas â Foz ou & Povoa de Varzim na véspera de S. Bartholomeu, 
e tomas os teus trinta banhos em três dias. 

Bem sei que não podes demorar-te mais tempo. Tens muito 
que fazer e tens muito pouco que gastar. A única coisa que eu te 
aconselharia, se estas linhas te podessem alcançar, a ti ou ao ci- 
rurgião da tua freguezia, seria que nem esse pouco tempo nem 



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AS PBÀUS DE PORTUGAL 123 



esse pouco dinheiro sacrificasses, e que, em vez de ir banhar-te 
no mar, que fica longe, te banhasses simplesmente no rio que te 
passa à porta de casa. 

Tão salutares, tão hygienicos, tão pouco usados infelizmente 
em Portugal, os banhos de rio podem em grande numero de ca- 
sos substituir vantajosamente os* dispendiosos banhos do mar. 

Se a nossa humilde voz podesse chegar aos ouvidos das ca- 
marás municipaes dos nossos conselhos ruraes, pedir-lhes-hiamos 
que consultassem sobre esta questão hydrotherapica o seu cirur- 
gião de partido ou o seu delegado de saúde, e que em beneficio 
dos seus munícipes mandassem construir no seu rio uma pequena 
barraca de madeira onde podessem gratuitamente banbar-se aquel- 
les a quem o facultativo o ordenasse. 

Aos que nem rio teem resta-lhes ainda um expediente exces- 
sivamente benéfico : collocarem-se n'uma pequena banheira, n'uma 
dorna, n'um simples alguidar, e fazerem-se despejar pela cabeça 
ou sobre o dorso alguns litros de agua fria. Em ultimo recurso 
podem ainda percorrer toda a superfície da pelle, a principiar pela 
cabeça com uma esponja embebida em agua fria, ou envolverem- 
se por um momento em um lençol molhado em agua doce ou em 
agua salgada com uma mão cheia do sal da cosinha. 



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PRECAUÇÕES HYGIENIGAS 



Com relação ao banho propriamente dito, as principaes pre- 
cauções aconselhadas pela hygiene referem-se ao que importa fa- 
zer — antes do banho, no banho e depois do banho. 



Ao ir para o banho deve-se ter em vista que tenham cessado 
completamente os trabalhos da digestão. 

A escolha da hora do banho depende da constituição do ba- 
nhista e do fim physiologico ou therapeutico que se deseja conse- 
guir. 

Se o banhista é robusto e procura apenas no banho a toni- 
ílcação da agua fria e a espécie de massagem produzida pelo em- 
bate da vaga, a sua hora mais opportuna é de manhã. Para as pes- 
soas débeis que procuram no banho os effeitos da composição chi- 
raica da agua* salgada sobre os tecidos, a hora mais conveniente é 
das duas horas às cinco da tarde, quando por effeito do calor a 
temperatura do mar sobe cinco ou seis graus. 

O uso geralmente seguido de ir directamente da cama para 
o mar esperando na praia que o corpo arrefeça, é essencialmente 
anti-hygienico. 

Como já dissemos, baseados na auctoridade dos mais abalisa- 
ào% especialistas, a pelle deve estar quente ao entrar na agua, e 
a mesma transpiração não só não é nociva mas é salutar. 

Um certo exercício moderado, um pequeno passeio a pé, ao 
sol, é muito útil. que mais convém evitar não é o contacto da 
agua com o corpo quente, é o contacto do ar. As constipações con- 
traem-se na barraca ao despir, ou & beira da agua ao esperar. 



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126 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

Convirá esperar, quando o corpo está suado, que o suor se 
dissipe para entrar na agua? 

Os auctores da Encyclopedia das Sciencias medicas respon- 
dem a esta pergunta citando o exemplo dos gregos e dos romanos 
que costumavam banhar-se ainda cobertos de suor e de poeira, 
ao sahirem dos gymnasios em que se formava a robusta mocidade 
dos dominadores do mundo, acrescentam : 

« O uso tão frequente dos banhos russos e dos banhos orien- 
taes, as praticas da hydroterapia empírica e da hydrotherapia ra- 
cional demonstram até á evidencia que a immersão em agua fria 
do corpo suado não tem os perigos nem os inconvenientes que a 
rotina tenaz lhe attribue. Reduzindo a alguns minutos a duração 
da immersão não ha inconvenientes que recear. Não succede o 
mesmo quando, em vez de proceder em conformidade com a ver- 
dadeira hygiene, se segue o uso deplorável de esperar á beira do 
mar que o suor se evapore.» 

É importante que o banhista ao chegar & barraca, se dispa 
com a máxima rapidez, enfie um calção de malha de lã, se envol- 
va n'uma capa ou n'um plaid e corra immediatamente para a agua, 
desembuçando-se no momento da immersão. 

As senhoras deyem usar a touca de gutta-percha para não 
molharem o cabello, e quando não tenham a touca não lhes con- 
vém mergulhar a cabeça. Basta-lhes refrescar repetidamente a fron- 
te e o alto do craneo com a mão molhada durante o tempo que 
estiverem na agua. Os longos cabellos molhados com agua salgada 
produzem mais males do que aquelles que o banho é destinado a 
combater. Molhados os cabellos no mar por qualquer incidente, 
convirá ás senhoras laval-os em seguida em agua doce com um 
bom sabonete até restabelecer o aceio indispensável á hygiene da 
pelle. 



No banho a immersão deve ser súbita e não entrando na 
agua progressivamente, o que faz refluir o sangue das extremida- 
des inferiores para o peito e para a cabeça. 

. Ê prejudicialissima durante o banho a immobilidade do corpo. 
Todos os membros devem estar em movimento durante a immer- 
são. A natação é n'este caso um exercício da maior vantagem. 
Esta espécie de gymnastica é particularmente útil ás creanças af- 
fectadas de rachitismo, de enfraquecimento de espinha. Nenhum 
outro exercício contribuo mais eficazmente do que a natação feita 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 127 

de bruços para robustecer os músculos do pescoço e a columna 
vertebral. 

A duração do banho depende da temperatura da agua, da 
força da onda, e da constituição do banhista. 

Com o mar chão e a agua aquecida pelo sol da tarde o ba- 
nho pôde prolongar-se muito mais do que na maré enchente e du- 
rante o frio da manhã. Dez minutos bastam às pessoas fracas cuja 
reacção se estabelece lentamente. As pessoas fortemente constituí- 
das e as creanças que sabem nadar podem demorar-se na agua 
vinte ou trinta minutos. 

Ao penetrar na agua sente-se um estremecimento, um calafrio 
geral. Depois disso a circulação restabelece-se rapidamente e pro- 
duz-se uma sensação agradável. Se o banho se prolonga demasia- 
damente o primeiro calafrio repete-se. É o signal intimativo para 
sahir immediatamente. A approximação (Teste calafrio presente-se 
perfeitamente n'um principio de perturbação no estado geral. Con- 
vém não esperar que o estremecimento se dé. 

Aos que se demoram demasiadamente na agua, a despeito do 
aviso acima indicado, o rosto cobre-se d'uma pallidez lívida, o 
corpo arrefece, as veias desvanecem-se, os pés e as mãos tornam- 
se dormentes ; sente-se peso de cabeça e mal estar. Algumas ve- 
zes apparecem na pelle manchas roxas symptomaticas da insuífi- 
ciencia da circulação capillar. Do refluxo do sapgue ao peito e ao 
cérebro pôde n'este caso resultar a congestão. Os soccorros para 
esse estado são as fricções immediatas e o banho aos pés em agua 
quente. 



Depois do banho deve ser o corpo rapidamente friccionado 
com um lençol áspero até dar à pelle uma côr rosada. 

Comer immediatamente depois do banho, no período da reac- 
ção, é inconveniente. mais salutar depois do banho é um exer- 
cio moderado, um passeio a pé, de meia hora, na praia debaixo de 
um chapéu de sol, com o cabello solto como usam as senhoras nas 
praias da Allemanha. 



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SOCCORROS AOS AFOGADOS 



Em todas as praias de banhos os soccorros a ministrar aos 
afogados deveriam ser conhecidos de toda a gente: banhistas, ba- 
nheiros, curiosos, touristes, etc. A efficacia dos meios empregados 
para chamar á vida os asphyxiados por submersão depende muitas 
vezes da rapidez da applicação. É um dever de humanidade achar- 
se cada um habilitado para poder n'esses casos acudir de pronto 
ao seu similhante. 

A morte por submersão ataca um ou outro dos seguintes ór- 
gãos: o cérebro, o coração, ou o pulmão. 



Quando a asphyxia actua no cérebro, os symptomas que o afo- 
gado apresenta são os seguintes: a face injectada; lívidos os con- 
tornos dos olhos e da boca ; os beiços inchados ; as pupillas dila- 
tadas ; a pelle da testa e os lábios roxos. Não apparece espuma na 
boca. 

N'este caso dà-se a apoplexia cerebral. É a consequência mais 
grave da asphyxia. Dois ou três minutos bastam para converter a 
morte apparente em morte real. único remédio immediato é ope- 
rar a sangria em ambos os braços ou nas veias jugulares. 



Quando o coração é o órgão lesado, como ordinariamente sue- 
cede, principalmente ás pessoas nervosas no momento da submer- 
são, os signaes característicos d'esta espécie de lesão são os se- 
guintes: a face pallida; o nariz afiliado; os olhos desmaiados; as 

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130 ÀS PRAIAS BE PORTUGAL 

pálpebras cerradas ; os lábios descorados. As feições estão perfei- 
tamente tranquillas, o individuo parece dormir. Os primeiros soe- 
corros n'este caso, o meãos grave que pôde apresentar a asphyxia, 
consistem no seguinte: 

Deitar o afogado sobre a areia, ao sol, ou n'um quarto bem 
quente, collocando-o estendido e com a cabeça mais alta que a li- 
nha do corpo; abrir-lhe a boca e ingerir-lhe algumas colheres de 
vinho do Porto ou d'outro qualquer licor espirituoso; friccionar-lhe 
o peito e o epigastro e fazer-lhe respirar ammoniaco ; escaldar ou 
queimar a pelle sobre a região do coração por meio de um ferro 
de engommar, de compressas de ammoniaco concentrado, ou em 
uma boneca de estopa ou de algodão em chamma. Quando a colo- 
rificação se não estabelece por estçs meios submette-se o afogado 
a um banho quente, cuja temperatura se pôde elevar até 38 graus 
centígrados. 



Quando é nos órgãos respiratórios que a lezao apparece, eis 
os indícios d'ella : 

Faces injectadas; entumescencia dos lábios; ecchymoses no 
peita, no pescoço e nos braços; olhos fechados; a pupilla envidra- 
çada; mucosidades espumosas na boca e na larynge. 

Applicações : Além da sangria abundante, que é o mais es- 
sencial dos soccorros, fricções em todo o corpo ; insuflação d'ar 
pela boca; provocação do espirro ou do vomito por meio da rama 
de uma penna; um clister irritante; um frasco de ammoniaco ao 
nariz. 



Seria extremamente* útil que estas, ou outras indicações da 
sciencia tendentes ao mesmo fim, suecinta e claramente formula- 
das de modo que podessem ser facilmente comprehendidas e de- 
coradas por toda a gente, fossem expostas ao publico em cartaz, 
ensinadas nas escolas e lidas pelos padres & hora da missa, em 
todas as povoações de pesca e de banhos. Innumeros casos de 
asphyxia por submersão produzem a morte unicamente pela igno- 
rância dos meios com que se combatem as primeiras perturbações 
manifestadas no organismo dos que permaneceram por algum tem- 
po debaixo d'agua. 



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RECONSTITUIÇÃO 

DOS TEMPERAMENTOS E DOS CARACTERES 

PELO BANHO FRIO 

(CONSELHOS AS MÃES) 



Não terminarei este livro, simples applicação aos elegantes de- 
senhos do snr. Emilio Pimentel, de algumas das minhas mais ale- 
gres recordações de viagem no litoral portuguez, sem cumprir um 
dever de consciência para todo o escriptor honrado — pôr na sua 
obra uma pagina útil. 

A successiva degradação da nossa espécie é um facto notado 
em Portugal por todos os physiologistas, por todos. os pedagogos, 
por todos os mestres de creanças. 

As gerações que frequentam as escolas deperecem ãê anno 
para anno. Os alumnos são cada vez mais débeis, mais fracos, com 
menos força de musculo e de cérebro. 

As condições profundamente insalubres da vida moderna tor- 
nam cada vez mais necessária a forte resistência pela hygiene. 

A anemia e o lymphatismo converteram-se n'um mal quasi 
geral nas creanças portuguezas, e especialmente nas creanças de 
Lisboa, onde a agglomeração dos habitantes, a construcção infecta 
da maior parte dos prédios, a alimentação insuíBciente ou mal es- 
colhida, a ignorância quasi absoluta das mais rudimentares noções 
de hygiene, determinam uma prodigiosa quantidade de doenças, 
que mudam de nomes mas não mudam de intensidade em cada 
estação do anno. 

Carecemos quasi completamente de hygiene publica: os canos 
não téem agua, os theatros não téem ventilação, as casas não téem 
water-closet; não ha lavadouros, não ha banhos públicos de rio, 
gratuitos ou quasi gratuitos. 

Mas falta-nos ainda mais a hygiene particular do que a hy- 
giene publica. E é da hygiene particular que é preciso partir a 
iniciativa da grande renovação. 



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132 ÀS PRAIAS DE PORTUGAL 



As mães de família podem n'este caso prestar i humanidade, 
à civilisação, ao futuro, o mais relevante serviço. Este serviço con- 
siste em robustecerem os seus filhos. 

O banho de mar é de certo para esse fim um poderoso agente. 
Michelet esperava do mar a revivescência, a regeneração humana. 
Em Portugal todos os médicos aconselham sabiamente o mar a to- 
das as pobres creanças portuguezas, tão descoradas, tão abatidas, 
tão debilitadas. 

mar porém frequentado por dois ou três mezes no anno 
não constitue senão uma medicação passageira, quando o que se 
deve ter em vista é o emprego de um modificador permanente do 
organismo. 

Esse modificador é o banho frio quotidiano, em todas as esta- 
ções do anno, desde o primeiro dia da primavera até o ultimo dia 
do inverno. 

Se para principiar o regime do banho frio fosse precisa algu- 
ma preparação, aliás inútil, o banho de mar teria prehenchido esse 
fim. Ao ultimo banho de mar deve pois seguir-se o banho doce de 
agua fria em cada dia e para todo sempre. 

Os que se reportam à experiência dos antigos para combate- 
rem o uso dos banhos frios, ignoram a historia da hygiene, e fun- 
dam-se apenas no exemplo de algum dos seus avós, mais illustre 
pelas virtudes domesticas do que pelo aceio pessoal. Na antigui- 
dade instruida o banho frio foi sempre considerado como um dos 
principaes elementos da saúde. Plinio diz : «Tão bem se deram em 
Roma com o uso dos banhos, que não houve outra medicina du- 
rante seiscentos annos.» 

O banho chamado tépido, tão geralmente usado, é extrema- 
mente perigoso e anti-hygienico. professor Lacassagne, um dos 
mais distinctos hygienistas, diz a este respeito : «Se o banho té- 
pido alcança um .alivio passageiro e um instante de pausa, aug- 
menta por outro lado a excitação do systema nervoso produzindo 
uma diminuição progressiva das funcçoes da pelle e o enfraque- 
cimento do systema muscular. As pessoas com saúde devem abso- 
lutamente evitar a acção iminentemente excitante e debilitante do 
banho quente, o qual pôde além d'isso provocar as congestões e 
as hemorrhagias.» 

grande medico Fleury, cuja competência n'esta especialida- 
de é considerada como indiscutível por todos os homens da scien- 
cia, diz o seguinte : 

« As affusões, as immersões, os douches, os banhos frios (de 
mar, de rio, de tina) podem ser empregados sem o menor perigo 



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AS PRAIAS DE P0HTU6AL 133 

com tanto que a duração (Telles não exceda a reacção expontâ- 
nea e que o corpo esteja suado, quer o suor se ache no principio, 
quer t&nha alguma dv/ração e uma grande abundância, quer haja 
sido provocado pelo exercício muscular, quer por outro meio arti- 
ficial como o abafo, o vapor, etc. N'estas condições, não somente 
as applicações frias não são em caso algum seguidas do mais leve 
incidente, mas apresentam vantagens preciosas. Terminam brus- 
1 camente a transpiração e livram os indivíduos do calor incomrao- 
do, fazendo-lhes experimentar uma sensação extremamente agra- 
dável; põem ao abrigo dos accidentes resultantes do contacto de 
um ar frio com o corpo suado ; exercem finalmente na pelle e em 
toda a economia uma acção tónica utilíssima.» 

No magnifico Diccionario Encyclopedico das sciencias medi- 
cas, publicado em Paris em 1871, sob a direcção do snr. Decham- 
bre, com a collaboração dos primeiros médicos, lê-se a respeito 
do banho frio : 

« uso habitual e quotidiano do banho frio exerce na saúde 
a mais feliz influencia. A pelle tooittca-se, aviva-se, conserva a 
sua frescura e a sua agilidade ou recupera-as quando perdidas. 
Citam-se mulheres que devem em parte ao habito dos banhos frios 
a conservação até uma idade avançada dos attributos da mocida- 
de e da belleza. tegumento externo torna-se egualmente menos 
impressionavel ao calor e ao frio. No verão o banho frio modera 
a transpiração, previne a debilitação que se segue à secreção abun- 
dante do suor. No inverno corrige a disposição que teem algumas 
pessoas para contrair anginas e bronchites. systema muscu- 
lar ganha força e energia, sustenta sem fadiga ao cabo de um 
certo tempo exercícios de que anteriormente não era capaz. ap- 
petite torna-se mais vivo e as digestões mais fáceis ; as funcções 
intestinaes regularisam-se, a assimilação, a nutricção, a absorção 
intertiscial activam-se de modo que as pessoas obesas perdem o 
excesso da gordura e os magros engordam. À innervação geral 
modifica-se do modo mais feliz, o somno torna-se mais profundo e 
mais reparador. A actividade do corpo e do espirito redobra : sen- 
tímo-nos com mais aptidão para o trabalho ; experimentamos final- 
mente um sentimento geral de força e de bem-estar physico, in- 
tellectual e moral, que resulta do equilíbrio dos órgãos e da har- 
monia das funcções. Gollocando-nos unicamente no ponto de vista 
da pura hygiene, podemos dizer que o banho frio, cuja tempera- 
tura e duração forem proporcionadas à sensibilidade nervosa e à 
força da reacção dos indivíduos, convém geralmente às pessoas de 
qualquer sexo, de qualquer temperamento, de qualquer constitui- 



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134 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



ção. Os auctores que, a exemplo de Galiano, guizeram proscrever 
o banho frio nas duas edades extremas da vida, na infância e na 
velhice, emmitiram opiniões demasiadamente absolutas. Quando se 
sabe proporcionar a temperatura do liquido e a duração da appli- 
cáção á faculdade de caloriflcapão do individuo, as applicaçoes da 
agua fria, longe de serem nocivas às creanças e aos velhos, são 
pelo contrario extremamente vantajosas É então sobretudo que é 
preciso ter em vista o preceito que consagra a necessidade das 
applicaçoes frias de curta duração e o ar quente. A experiência 
prova que n'estas condições as creanpas e os velhos, preparados 
por applicaçoes graduadas e calculadas de agua fria, podem, tanto 
como os novos e como os adultos, aproveitar os excellentes effei- 
tos do banho frio. Tem-se dito que o uso dos banhos frios endure- 
cia a pelle das creanças, o que tornava difflcil a erupção dos exan- 
themas tão frequentes n'essa edade da vida. Egualmente se tem 
dito que as depurações cutâneas a que são sujeitos os meninos e 
os velhos podiam ser impedidas pelo banho frio, (Tonde a possi- 
bilidade de retrocessões ou de repercussões perigosas nos órgãos 
internos. Tem-se dito finalmente que a agua fria tem por effeito 
supprimir certas secreções da pelle, taes como o suor fétido, e tem- 
se visto n'essa suppressão um perigo para o organismo. Esses re- 
ceios, reflexos de doutrinas humoraes antigas, nunca se nos figu- 
raram baseados em factos bem observados, ou, pelos menos, os 
factos citados soffrem interpretações difTerentes. Ê mais o raciocí- 
nio do que a experiência, que dà curso a essas opiniões. Em pri- 
meiro logar a agua fria não endurece a pelle, pelo contrario man- 
tem-lhe a elasticidade e a permeabilidade. Nada prova que o seu 
uso habitual crie um obstáculo serio à erupção dos exanthemas 
próprios da infância. Se o banho frio, graças & alternativa das ac- 
ções e reações de que a pelle é a sede, tem por effeito regulari- 
sar e facilitar as funcções d 'este órgão, não vemos como empeça 
as depurações cutâneas das creanças e dos velhos. Finalmente, em 
quanto ao suor fétido, muitas vezes devido à falta de aceio, o úni- 
co mal que o banho frio poderia n'este caso produzir seria sup- 
primir o mau cheiro. . • com grande vantagem dos que padecem 
essa secreção viciosa e dos que vivem com elles. Os mesmos pre- 
conceitos que teem feito prohibir os banhos frios às creanças e aos 
velhos levaram egualmente a prohibil-os às mulheres durante os 
seus prasos crtíícos e durante a gravidez. Temeu-se no primeiro 
caso a suspensão do fluxo, e no segundo o aborto. À hydrothera- 
pia moderna mostrou a falta de fundamento d'esses receios. Tem- 
se visto mulheres em ambos esses casos supportarem o banho frio 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 135 

sem o mínimo inconveniente. Em quanto à gravidez o banho frio 
é, pelo contrario, o melhor meio de curar a maior parte das doen- 
ças produzidas pelo estado de gestação, taes como a dyspepsia, 
os vómitos, a chloro-anemia, o nervosismo, etc., e de levar a bom 
termo a obra tão laboriosa e tão accidentada da natureza.» 

O mesmo Fleury no seu magnifico Tratado TherapeuPico e 
Clinico depois de descrever vários casos de creanças cujos tem- 
peramentos lymphaticos foram convertidos em temperamentos san- 
guíneos pelo uso systematico do banho frio, acrescenta: 

«Poderíamos produzir cincoenta observações d'este género; 
basta-nos dizer que a hydrotherapia (tratamento pela agua fria) 
opera nas creanças uma verdadeira transformação. Se agora con- 
siderarmos, por um lado, quanto importa na medicina da infância 
modificar o temperamento lymphatico quer em vista do presente, 
quer sobretudo em vista do futuro, e por outro lado attentarmos 
em quanto são insuficientes, incertos, ineficazes, de uma appli- 
cação tão longa e difficil, os meios de que o medico dispõe para 
obter esse resultado, reconheceremos que as observações prece- 
dentes offerecem um grande interesse e attestam em favor dos ba- 
nhos frios um poder que em vão se procuraria em qualquer ou- 
tro modificador. Qual é o agente hygienico e pharmaceutico com 
cujo auxilio seja possível modificar profundamente o temperamento 
lymphatico dentro d'alguns mezes, fazendo desapparecer todos os 
seus caracteres dentro de um ou dois annos ? Desenvolver, crear 
n'uma creança o temperamento sanguíneo, é prevenir as affecções 
escrofulosas, favorecer o desenvolvimento physico e intellectual, 
facilitar o estabelecimento da puberdade, affastar as causas mais 
numerosas e mais frequentes das moléstias nervosas, hysterísmo, 
epilepsia, choréa, nevralgia, etc., a chlorose finalmente e o aborto. 
É regenerar a espécie humana. » 

Referindo-se em outro ponto & instituição das applicações frias 
na hygiene das mulheres, o mesmo professor diz: 

« À enorme frequência da chlorose, da anemia, do hysterísmo, 
das nevroses, das nevralgias, das gastralgias, das enfermidades ner- 
vosas de toda a espécie, das palpitações, dos abortos da febre puer- 
peral, as deslocações e os engorgitamentos do útero, é unicamente 
devida ao esquecimento de todas as regras de uma boa hygiene. 
Encerradas em quartos hermeticamente fechados, sobrecarregados 
de moveis, de tapetes, de cortinas, de quadros, de reposteiros, 
n'uma atmosphera secca e viciada, fazendo do dia noite e da noite 
dia; debilitando-se nas vigílias, nos bailes, nos espectáculos, onde 
permanecem por muitas horas expostas â acção deletéria de um 



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136 AS PRAIAS DE PORTUGAL 

ar confinado, alterado pelos candielros, pela respiração, pelas ema- 
nações de um numero d'homens vinte vezes mais considerável do 
que comporta o espaço que os encerra; expostas & influencias de 
jnail causas debilitantes, que fazem as mulheres da sociedade para 
contrabalançar a acção de um tão grande numero de agentes mor- 
bigenas? Gondemnam o seu systema muscular a uma inércia quasi 
absoluta; não se permittem mais que uma alimentação insuffi- 
ciente e mal escolhida; abusam até o extremo excesso dos ba- 
nhos mornos, de todas as applicações da agua morna i toUette, 
dos emolientes, dos debilitantes. Parece terem-se finalmente encar- 
regado de favorecer as causas de todas as doenças que as amea- 
çam. Estou intimamente convencido que a agua fria substituída à 
agua morna daria vantagens consideráveis e traria uma mudança 
feliz a um estado de coisas que compromette não só a saúde das 
mulheres e a sua felicidade domestica mas ainda a sorte das ge- 
rações futuras. Em resumo: muito é para desejar que, conforme 
ao uso estabelecido na Inglaterra, na Allemanha e na America, as 
abluçoes de agua fria se introduzam em França nos hábitos quoti- 
dianos da hygiene privada. » 

De uma informação offlcial acerca do estado da educação na 
Grã-Bretanba, publicada em 1861, deduz-se que os alumnos que 
passam apenas algumas horas nas classes e empregam uma egual 
parte de tempo em exercícios gymnasticos fundados nas escolas fazem 
mais rápidos progressos do que aquelles que passam todo o dia 
amadorrados sobre o livro. snr. Esquiros, em um artigo pu- 
blicado na Revista dos Dois Mundos calcula que as forças produ- 
zidas por esse systema de diversão equivalem pela producção de 
trabalho áo augmento de um quinto na população britânica. Em 
1864 um professor belga, Van Esschen, em um relatório dirigido 
ao ministro da guerra em Bruxellas, aijalysando os factos relativos 
á introducção da gymnastica nas escolas inglezas diz: 

« Os exercícios gymnasticos são voluntários, exigem uma certa 
força physica, absorvem um tempo extremamente considerável e 
apresentam mais de um perigo. Quaes são as creanças que mais im- 
porta fortificar? São essas creaturinhas enfesadas, friorentas, de faces 
pallidas e descoradas, de membros frágeis, de intelligencia precoce 
e ardente, em que as faculdades do entendimento parece absorve- 
rem todas as forças do organismo. Ora esses meninos odeiam os 
exercícios corpóreos, são demasiado fracos para se entregarem a 
elles. Teriam de ser violentados, e o único fructo d 'essa violência 
seria uma fadiga excessiva; os gostos das creanças débeis cha- 
mam-as para as recreações menos violentas; preferem a conversa- 



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AS PRAIAS DE PORTUGAL 137 

pão, a leitura, chegam algumas vezes a divertirem-se instruindo-se; 
finalmente, como téem o sentimento da sua fragilidade, receiam o 
exforço e o grande movimento. A gymnastica é pois insuficiente 
para alcançar o fim proposto. Precisa-se de um agente de applica- 
•ção geral e fácil que fortifique todas as constituições mas. princi- 
palmente as que são débeis e anemicas, cujo uso possa ser prés- 
cripto regulamentarmente, que não offereça nem perigo nem in- 
conveniente e cuja efjicacia ninguém possa contestar. Esse agente 
é a agua fria administrada de modo que não preste senão os seus 
effeitos estimulantes; esse agente é o douche geral de agua fria. 
Sob a influencia d'essa ablução quotidiana vê-se a pelle animar-se 
rapidamente, colorir-se pelo impulso notável da circulação capil- 
lar. Um sangue vivo e vermelho vem vivificar essa vasta superfí- 
cie em que se produzem phenomenos tão importantes da vida ve- 
getativa. A actividade funccional do invólucro cutâneo e a regula- 
risação da circulação arrastam, como consequências infalliveis, uma 
assimilação mais complecta, uma melhor nutrição, e por conse- 
guinte, uma digestão mais perfeita e um appetite mais pronun- 
ciado. » 

fim do professor Van Esschen era estabelecer douches e tor- 
nar o banho frio obrigatório para todos os alumnos da escola mi- 
litar de Alost. Os argumentos poderosos do extenso relatório do il- 
lustre professor levaram o governo belga a decretar o banho frio. 
serviço das abluções em Alost foi montado sob a direcção do es- 
pecialista francez Fleury chamado pelo governo de Bruxellas para 
esse fim. 

Jules Simon, o grande erudito, o profundo reformador, um 
sábio, um velho, sendo ministro da instrucção publica em França 
depois da guerra da Prússia, fazendo um livro sobre a reforma do 
ensino e da educação, achando-se rodeado das instrucçoes e dos 
conselhos dos primeiros médicos e dos primeiros hygienistas mo- 
dernos, escrevia a respeito do banho frio a seguinte pagina : 

« As abluções quotidianas por todo o corpo, com agua fria e 
uma esponja sãò um habito inglez que do collegio deveria passar 
ao uso de cada dia, porque, se é um pouco desagradável no pri- 
meiro mez torna-se no segundo um prazer e uma necessidade. Po- 
der-se-hia também depois de meia hora de gymnastica tomar um 
bom douche de agua fria e uma massagem. Finalmente recommen- 
do a natação desde que chegar o verão. Uma lei do 30 prairial 
do anno xii determina que a arte da natação faça parte da edu- 
cação da mocidade nos lyceus e nas escolas secundarias. Agua, 
agua e mais agua. Agua fria, agua fria e mais agua fria. Não ha 



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138 AS PRAIAS DE PORTUGAL 



comparação na saúde do corpo, na saúde do espirito, no bom hu- 
mor, entre uma creança suja e friorenta e uma creança que o con- 
ctacto quotidiano da agua fria habitua ao aceio, endurece contra 
as apprehensões do movimento, do calor ou do frio, apprehensões 
apenas desculpáveis nos velhos e nas mulheres. Dm philosopho en- 
tendia que o aceio é uma virtude. Eu sou da opinião d'este phi- 
losopho : é uma virtude e é a origem cToutras virtudes, como a 
franqueza, a firmeza e o sentimento da dignidade pessoal. A alma 
estiola-se e rebaixa-se dentro de um invólucro insalubre e frioren- 
to. Os gregos começaram a degenerar quando começaram a ves- 
tir-se. Li com espanto ha alguns annos em um jornal religioso que 
os povos menos aceados são os mais intelligentes e os mais valo- 
rosos. Não seri esta jamais nem a opinião de um medico nem a 
de um pedagogo. escriptor de que fallo referia-se talvez aos cos- 
méticos e aos insensatos requintes imitados das cortezãs por alguns 
jovens devassos. Eu fallo apenas da agua, da agua viva e pura, ver* 
dadeira fonte de Juvencius, que dá á mocidade toda a força, toda 
a graça, e alarga os limites da vida. meu alumno, graças às 
suas immersões salutares, não receará o vento nem a chuva nem 
o frio. Não caminhará envolto n'um duplo ou tríplice vestuário. 
Não conhecerá o vergonhoso e ridículo uso do cache-nez. Não terá 
a janella fechada e o quarto calafetado, conservando o mau ar co- 
mo se conserva uma coisa preciosa. Não passará horas acocorado 
ao lume. Toda a minha vida admirei a historia do charlatão que 
enriqueceu vendendo agua da fonte por agua maravilhosa. Esse 
ladrão tinha talvez descoberto, procurando outra cousa, o grande 
segredo da medicina. Beber boa agua e inundar-se com ella todos 
os dias é a melhor receita contra as enfermidades. As mães vivem 
em cuidados constantes. menino terá frio ; não estará bastante 
agasalhado ; irá molhar os pés ; apanhar um defluxo, um resfria- 
mento, um catharro! Tome o menino em cada manhã um bom dou- 
che, com uma massagem, ou façam-o friccionar com agua fria, e 
todas essas desgraças desapparecerão juntamente com o acanha- 
mento, com a timidez, com a pusilanimidade que as precauções 
arrastam sempre comsigo. As doenças são como os cães que ros- 
nam: se a gente corre para elles, deitam a fugir; se a gente lhes 
foge, perseguem e mordem. Façam-me um rapaz forte, com uma 
boa hygiene e com hábitos viris, e riam-se-me dos accidentes e 
das variações atmosphericas.» 



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AS PRAIAS BE PORTUGAL 139 

Eu disse que vinha aconselhar. A mim porém falta-me a com- 
petência para dar conselhos. Eu venho simplesmente pedir ás mães, 
que dêem banhos aos seus filhos. Peço-o para a felicidade (Telles, 
para a sua regeneração physica e moral, para o aceio do seu cor- 
po, para a preservação das suas enfermidades, para a alegria do 
seu espirito, para a firmeza da sua vontade. Peço-o como escriptor, 
responsável deante da minha consciência e deante dos meus si- 
milhantes pelas ideias que divulgo; peço-o como critico e como 
homem de estudo ; peço-o finalmente como pae, se me permittem 
invocar este sagrado titulo. 

Uma das minhas filhas era na sua primeira infância uma creança 
extremamente débil, lymphatica, atacada de rachitismo. Fiz-lhe um 
longo tratamento fortificante. Principiou a andar aos três annos e 
meio com penosa diificuldade, com muita fadiga, com dôr. Alguns 
médicos, que me aconselharam no primeiro curativo, preparam-me 
para o desgosto de a perder aos dez annos. Deliberei então sujei- 
tal-a a um tratamento hydrotherapico. Tenho três filhos. Obriguei 
os outros dois a acompanharem a doente no regime prescripto. 
Obriguei-os, digo? Não, convenci-os todos três, um em nome da 
therapeutica, os outros dois em nome da dignidade e do aceio. Fiz 
collocar pela manhã junto da cama de cada um uma banheira chata, 
redonda, de um metro de diâmetro, com um palmo de altura no 
bordo, meia de agua fria. Forneci a cada um a sua provisão de 
sabão e uma grande esponja. A mãe encarregou-se de dirigir a 
operação balnearia, prevenindo que nenhum (Telles se constipasse 
ao contacto do ar, e passasse immediatamente do calor da cama pa- 
ra a agua fria, applicando com a esponja três ou quatro douches 
successivos na cabeça e na columna vertebral junto do pescoço. 
Uma boa creada compungiu-se de tal modo perante o bárbaro es- 
pectáculo matinal de que eram theatro os quartos dos meus filhos, 
que pretendeu retirar-se do meu domteilio. Havia lagrimas. Eu, 
que preconisava o banho frio em theoria, mas que o não acceitava 
para mim na prática, tinha no meio d'esta crise domestica um pa- 
pel bastante parecido com o de um Herodes de agua doce. Envergo- 
nhei-me das allusões picantemente maliciosas feitas pelas victimas 
ao apparente desaccordo das minhas opiniões e dos meus actos pes- 
soaes, e, apesar de ter a esse tempo a apprehensão de uma lesão 
cardíaca e uma dôr rheumatica n'um joelho, lancei-me intrepida- 
mente no banho frio de cada dia. Os resultados de cinco annos 
d'agua fria foram os seguintes: 

1.° A minha antiga doente, que nenhum outro remédio tomou 
desde então até ao presente dia, tem hoje treze annos. E' uma pe- 



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140 AS PRAIAS BE PORTUGAL 

quena pessoa desempenada como o cabo da sua vassoura. Activa, 
madrugadora. Deixou de ser lymphatica. 

2.° Durante cinco annos nenhum dos meus filhos adoeceu, ne- 
nhum se constipou, nenhum teve tosse, nenhum teve defluxo. 

3.° Passaram os meus symptomas de perturbação na região pe- 
ricordial. Desappareceu-me a dor do joelho. Trabalho ordinaria- 
mente da meia noite ás quatro horas da manhã, defronte da mi- 
nha janella, invariavelmente aberta de verão e dinverno. Não uso 
camisola. Não me constipo nunca, e apesar da minha vida seden- 
tária, supporto, com tolerância rara n'um plumitivo, o trabalho mus- 
cular, a fadiga, as chuvas, as insolações. 

Desculpem, minhas senhoras, ter-me citado a mim próprio, 
— o que não é de bom gosto, mas é de boa moral. Seria mes- 
mo esta uma prova a que seria útil sujeitar todos os escriptores : 
obrigal-os a saborearem elles mesmos, de quando em quando, as 
tisanas que ministram aos outros. Talvez que por este modo se 
conseguisse escrevermos menos e acreditarem-nos mais. 



FIM 



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j 




A PRIMEIRA PESCA 



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ÍNDICE 



O mar. aspecto da praia. fundo do oceano. Os habitantes 
das aguas. polvo, a alforreca, o polypo, a estrella do 
mar, o caranguejo, o tubarão, o carapau, a truta, a hypo- 
camba, a raia, etc. Os fosfatos, o iodo, o bromureto. A cu- 
riosidade feminil. nosso instincto marítimo. Os Lusíadas. 
A Historia tragico-mariHma. A xacara da Nau Cathrineta. 5 

II 

A Foz. tempo antigo. Damião e a Rosa das Burras. A fa- 
mília do Douro. A vida em minha casa. carropão e sua 
historia. Meu tio e o carropão de via estreita. tempo mo- 
derno. A sociedade na Foz. Os bailes. As senhoras portuen- 
ses 23 



ni 

Leça e Mathozinhos. Viagem a Leça pelo CasteUo do Queijo. 
Quem vimos, além de um papagaio. A do veu verde. A vi- 
da vegetativa de Leça. A estatua de Passos Manoel. As ca- 
sas 35 



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142 índice 



IV 



Pedroupos. A villagiatura official e o seu respectivo lixo. A som- 
bra em Pedroupos. Os pianos. A praia. banho. Os Jero- 
nymos. A feira de Belém. xarope de groseillcs. As mu- 
lheres gordas. Os gigantes. A praia do Rastéllo .... 41 



A Povoa de Varzim. A rua da Junqueira. Physionomias de ba- 
nhistas. jogo. pescador poveiro. bairro dos pescado- 
res. As pescas. recenseamento da armada. imposto. Os 
naufrágios. Os subúrbios. A concorrência. S. Félix de Lanu- 
dos 50 



VI 

A Grama. Praia de algibeira. Os chalets e os cottages. A convi- 
vência. Theoria da amabilidade. A toileUe. croquet. club. 
pinhal. que esta praia tem de bom, ou o que é que 
não tem 63 



VII 

De Pedroupos a Cascaes. Tejo. Aterro. vaporzinho da 
Outra Banda. Almada. A praia da Torre. A torre de Belém. 
Algés. Dá-fundo. S. José de Ribamar. Caxias. Papo d'Arcos. 
Oeiras. A torre de S. Julião. Carcavellos. Cascaes. A histo- 
ria da villa. As casas novas. club. A sociedade. Cintra. 
Distrapões 71 

VIII 

Villa do Conde. A paizagem. convento. Historia. Azurara. 
Aspecto da villa. As rendilheiras. Guipures de Chantilly. 
A estalagem 85 



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índice 143 



IX 



PAG. 

Espinho. A povoação. A sociedade. A assembleia. Typos e ca- 
racteres. piano e sua peçonha. troca-teclas. poeta. 
A menina bonita. Os pic-nics. As tribus. As casas. Os hotéis. 89 



A Ericeira. A população indígena. convento de Mafra. car- 
rilhão. edifício. A tapada. D. João v. Decadência monar- 
chica e decadência religiosa. Os menuetes e os touristes . 93 

XI 

A Nazareth. A praia. sitio. A Senhora. Um dos milagres. Cri- 
tica pathologica. Gomo se curou D. Isabel de Moura. Acaba- 
ram os milagres da Nazareth. Theoria dos milagres e dos 
remédios da moda 99 



XII 
f 
A Figueira. Influencias de Coimbra. A rua da Sophia. Os ge- 
ntes. O lente. As assembleias da Figueira. O bairro novo e o 
bairro velho. Os subúrbios. As duas camadas dos banhistas. 105 



XIII 

Setúbal. A cidade. O aspecto das quintas. Tróia. A Arrábida . 109 

XIV 

As praias obscuras. Ancora. A Apúlia. Lavadores. O Furadou- 
ro. A Costa Nova. S. Martinho do Porto. A Assenta. Santa 
Cruz. S. Pedro de Moei. Porto Brandão. O Alfeite. A Fonte 
da Pipa 111 



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144 INDIG» 



XV 



O tratamento marítimo. A atmosphera. A agua do mar em be- 
bida. banho. A dieta. programma domestico. Opinião 
de Micbelet. A solidão. Os divertimentos. As oceupaçoes. 
As leituras. A reconstituição moral. banho do rio. Os ma- 
les e os meios 115 



XVI 

Precauções hygienicas. Antes do banho. No banho. Depois do 
banho 125 



XVII 

Soccorros aos afogados. As três espécies de asphyxia: pelo 
pulmão, pelo coração, pelo cérebro. Symptomas. Applica- 
ções 129 



xvra 

Reconstituição dos temperamentos e dos caracteres pelo banho 
frio. Conselhos às mães. A rotina. banho quente. Os gran- 
des hygienistas. deperecimento da infância. lymphatis- 
mo. A anemia. Agua frial agua fria! agua fria! . . . .131 



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HORÁRIOS 



CAMINHOS DE PERRO 



' 



CAMINHO DE FERRO DE LESTE E NORTE 



De Lisboa a Badajoz e Porto 




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3 #690 



4 
7 
10 
18 
82 
26 
31 
37 
47 
65 
61 
75 
84 
94 
103 

107 

111 
119 
130 
135 
147 
164 
184 
800 
817 
887 
846 
865 
882 

181 
130 
140 
150 
162 
170 
186 
802 
812 
218 
885 
837 
845 
853 
873 
888 
801 
812 
318 
821 
888 
888 



De Lisboa 
as seguintes estações 



B 

Poço do Bispo . . . 

Ollvaes 

daeavem 

Povoa 

Alveroa 

Alhandra 

Villa Franca. . . . 

Carregado B 

Azambuja 

Reguengo 

danfAnna 

Cantarem B 

Valle da Figueira. . . 
Matto de Miranda. . . 
Torres Nova* 

Entroncamento .B J p ] 

Barquinha 

Praia 

Tramagal 

Abrantes 

Bemposta 

Ponte de Sor 

Chança 

Crato 

Portalegre B 

Assumir 

danta Eulália ..... 

Elvas B 

Badajoz B 

Entroncamento. . . .B 
rhomar(Payalvo). . . 

Chio de Maças 

Caxarlas 

Albergaria 

Vermoll 

Pombal 

doure 

Formoselha 

Taveiro 

Coimbra B 

•Sousellss 

Mealhada 

Mogofores 

Oliveira do Bairro. 

Aveiro 

Estarreja 

Ovar 

Esmoris 

Espinho 

Granja 

Valladares 

Oaya (Porto). . . (eh.) 



Corr.° 



T 8 



8 23 
8.88 

8.56 
9.07 
9.89 
9.48 

10.11 
10.44 



1136 

T 11.45 

M 1.28 

1.38 

153 

2.10 

2.80 

8.48 

3.18 

8.52 

4.29 

5.09 

5.81 

6.01 

6.54 

7.20 

12.15 

18.45 

1.10 

1.34 



8.83 
2.56 
8.83 

4.08 

4.40 
4.56 

5~47 
6.09 
6.84 

7.03 
7.13 

7?45 



Todas as classes 



Mirto 



M.8 

8.18 

8.21 

8 30 

844 

6.54 

9.05 

9.15 

9.31 

9.49 

10.08 

10.14 

10.46 

1106 

1123 

1141 

1150 

1230 

1252 

T 119 

150 

2.24 

8.02 

4.06 

810 

6.18 

7.22 

8.04 

8-49 

10.01 

1040 

M12.20 

12.54 

T 123 

1.61 

825 

245 

8.06 

3.31 

859 

4.16 

4.46 

4.59 

527 

6.41 

5.59 

689 

7.07 

7.41 

8.02 

8.21 

8.84 

8.57 

T 9.18 



MIO 
10.88 
10.48 
11 

11.84 
11.40 
T18.* 
18.83 
18.49 
1.88 
148 
88 
8.9 
3.45 
4.J7 
4.66 
5.10 



1 6 
688 
6.35 
650 
7.19 
727 
760 
8.7 
8.80 
8.55 
9.16 
9.31 
10.5 



M6.45 

6J 
7 

7.41 

8.10 

946 

10.31 

11.89 

18.5 

18.8S 

18.48 

1.81 

1.46 



Digitized by VjOOQLC 



CAMINHO DE FERRO DO NORTE E LESTE 



Bo Porto e Badajoz a Lisboa 



Dm seguintes estagSes 
a Lisboa 



Corr. 



Todas as classes 



MU» 



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40 
£190 



50140 
60070 



14600 

1*590 
10460 
10300 
10160 

(1950 
( I850 
,1780 
,1580 



,410 
,1340 
,1880 
,1160 
,1110 
#100 



10180 

10140 
1,1040 
,1980 
,1880 
,«80 
,1610 
,1580 
,1410 
,1850 
,1990 
«1950 
,1900 
,190 
<1080 
,1070 



Qaya (Porto) 

Valladares 

Granja 

Espinho 

Esmoriz 

Ovar 

Estarreja 

Aveiro 

Oliveira do Bairro 

Mogo fores 

Mealhada 

Souxellas 

Coimbra B 

Taveiro.... 
Fonnoselaa. 

Soure 

Pombal ... 
Vermoil. 



Albergaria. 
Oaxarlas ... 



Chio de Maçls 

Tbomar (Payalvo) . . . 

B " 



Badajos 

Blvae 

SanU Eulália . , 

Assumar 

Portalegre 

Grato 

Chança 

Ponte de Sor..., 

Bemposta 

Abrantes. 

Tramagal 

Praia 

Barquinha 

Entroncamento. 



I?: 



IS 



Torres Novas 

Matto de Miranda. 
Valle de Figueira. . 

Santarém 

SanfAnna 

Ponte de Reguengo, 

Asambuja 

Carregado B 

VUla Franca. 
Alhandra .... 

Alverea 

Povoa 

Sacavém 

Olivaes 

Poço do Bispo 
Lisboa 



T 5.80 

5.54 
6.07 

' 6.88 
7 

7.96 

8.16 
8.85 

9.98 

Í~51 
10.99 
10.56 



M 19.04 

19.97 

19.48 

1.08 

T 6.45 
6.89 
7.18 
7.58 
8.19 
8.69 

9.57 

10.49 

11.16 

11.86 

11.45 

M 188 

1.56 



9.49 
8.14 

8.88 
4.06 
4.91 
4.84 

4.58 

6.10 



6.86 



M 7.15 

7.98 

7.49 

7.56 

8.07 

8.39 

8.55 

9.94 

10.09 

10.99 

10.49 

11.04 

11.87 

11.50 

19.11 

T 19.48 

1.09 

1.45 

9.97 

9.51 

8.17 

8.86 

4.09 

M 6 

7.15 
8.16 
9.19 
9.58 
10.61 
11.84 
T 19.89 
1.90 
9.04 
9.96 
9.59 
8.39 
8.45 
4.89 
4.48 
6 

6.94 
6.50 
6.15 
6.97 
6.49 
7.07 
7.99 
7.40 
7.61 
8.04 
891 
8.33 
8.45 
9 



M 5.30 
6.58 
6.98 
7.07 
8 

8.47 
9.07 
9.57 

10.83 

11 

11.54 
T 19.19 

19.37 
1.66 
19$ 

_Jâ 



M6.40 
6.09 
6.99 
6.40 
7.06 
7.91 
7.47 
8 

8.13 
8.89 
8.48 
9 
9.16 



M 9.00 
9.17 
9.40 
10 

10.91 
11.04 
1148 
T 19.89 
1.39 
9.10 
9.50 
8.97 
3.50 



Digitized by VjOOQLC 



CAMINHO DE FERRO DO SUESTE 

SERVIÇO A COMEÇAR NO DIA 15 DE ABRIL DE 1876 
DE LISBOA A BEJA I DE BEJA A LISBOA 



5 


PREÇOS 


m 1 Partida 


■ 

• 


PREÇOS 


BSTAÇ0E8 


Partida 


ís 


1.» 


2.» 


3.* 




■aiii 




1.* 


2.* 


3.» 


■»«M 







— 


LiibM (rap). 


6,30 


— 


Bfjl . . . . • 


7,15 




150 


150 


100 


Barreiro. . . 


7,35 


17 


430 


330 


220 


Ciba . . . . 


7,51 


2 


320 


290 


210 


Landi*. . . 


7,43 


29 


730 


550 


370 


AlTÍtl 


8,25 


5 


320 


290 


210 


Albes Yedres 


7,51 


38 


960 


720 


480 


%'ilU Hm. . 


8,54 


8 


400 


350 


240 


Itita 


7,59 


44 


1110 


840 


560 


Viaua. . . 


9,10 


16 


600 


500 


350 


Pinhal Nero, 


8,29 


52 


1310 


990 


660 


Alcapras . • 


9,28 


31 


980 


780 


530 


Peceirio. . . 


8,57 


64 


1620 


1210 


810 


Casa Braica* 


10,16 


42 


1250 


990 


670 


PefMi 


9,21 


79 


1990 


1500 


1000 


■•■te lir. • 


10,56 


57 


1630 


1270 


860 


V. Noras. B. 


10,7 


97 


2450 


1840 


1230 


V. Noras. B- 


11,38 


75 


2080 


1610 


1090 


leite lir.. 


111 


112 


2830 


2120 


1420 


Pejêes. . . 


12,6 


90 


2460 


1900 


1280 


Casa Braica. 


11,47 


124 


3130 


2350 


1570 


Peceirio . . • 


12,29 


102 


2760 


2120 


1430 


Alcapras . . 


12,11 


139 


3510 


2630 


1760 


PiíbalRw. 


1,6 


110 


2970 


2270 


1530 


Viaua. . . . 


12, 28 


146 


3680 


2760 


1840 


leiti 


1,21 


117 


3140 


2480 


1620 


Villa Nua . 


12,49 


149 


S760 


2820 


1880 


AlbesVedns. 


1,29 


125 


3340 


2560 


1720 


Atrito 


1,8 


152 


3830 


2880 


1920 


Larradie . . . 


1,37 


137 


3650 


2780 


1870 


Caba 


1,43 


154 


3920 


2950 


1980 


Baireire. . . 


2,12 


154 


4070 


3100 


2080 


Beja., (d.) 


2,17 




4070 


3100 


2080 lista (eh.) 


2,47 





LISBOA A EXTREMOZ 


manhi 




EXTKEMOZ A LISBOA 


manhi 


2 

5 

8 

16 

31 

42 

57 

75 

90 

116 

136 

141 

149 

157 

168 


150 
320 
320 

400 
600 
980 
125J 
1630 
2080 
2460 
3120 
362o 
3750 
3950 
4110 
4430 


150 

2.^0 

29J 

350 

500 

780 

990 

1270 

1610 

1900 

239U 

2760 

2860 

3010 

3160 

3^70 


100 

210 

210 

240 

350 

530 

670 

860 

1090 

1280 

1610 

1860 

1920 

2020 

2120 

2260 


Lisboa (rai.j 
Barreira . . . 
Larradie . . . 
Alias Vetos 

lêita 

Piíbal Nero. 
Pêceiriê. . . 

Peito 

V. leras B. 
I»le lir. . 
Casa Braica. 
Erera .... 
Auraja. . . . 
V. de Pereiro 
V. d* Dofoe 
ET*ra leite. 
Extrenoz cb. 


6.30 
7,35 
7,43 
7,51 
7,59 
8,29 
8,57 
9,21 
10,7 
11,1 
11,41 
12, 51 
1,39 
1,52 
2,16 
2,38 
3,8 1 


11 

20 

28 

33 

53 

78 

93 

112 

127 

138 

153 

161 

163 

166 

168 


310 
510 
710 
840 
1340 
1970 
2350 
2830 
3200 
3480 
3860 
4030 
4110 
4190 
4280 
4430 


230 
380 
530 
630 
1010 
1480 
1760 
2120 
2400 
2610 
2900 
3050 
3080 
3140 
3220 
3370 


160 

260 

360 

420 

670 

990 

1180 

1420 

1600 

1740 

1930 

2030 

20»i0 

2100 

2160 

2260 


Eitreatz. . . 
Évora leite 
V. do ftiijie. 

V. do Pereiro 
Azareja. . . . 

Krera 

Casa Braica. 
leite lér. . 
i. Noras. B. 
Pefées. . . . 
Peceirio. .. 
Piíbal Roto . 

loiU 

Alies Vedros 
(.irradie . . . 
Barreiro . . . 
Lisboa (rap.) 


6,30 
6,58 
7,23 
7,46 
8,6 
9,4 
10,16 
10,56 
11,38 
12,6 
12,29 
1,6 
1,21 
1,29 
1,37 
2,12 
2,47 


BEJA A CASEVEI- tarde 


CASEVEL A BEJA manhã 


17 
24 
38 
47 


430 

610 

960 

1190 


330 
4G0 

720 
890 


220 
310 

480 
600 


BfjJi 

Ooleiro . . . 
Fifueiriíba . 
Carrefoeiro . 
Caserel (á.) 


2,42 
3,18 
3,40 
4,13 
4,35 


9 
23 
30 
47 


230 

580 

760 

1190 


170 

440 
570 
890 


120 
290 
380 
600 


Caserel. . . . 
Carregneirt . 
Fifieirilba . 
Outeiro. . . . 
Btj.. . (cà.) 


4,50 
5,16 
5,50 
6,13 
6,53 


BEJA A QUINTOS tarde 

BA BB A DO 1, DOMItTQOg, TKRÇA8 B QCXHTA8 


QUINTOS A BEJA manhi 

DOMIN-OOS, 8EOUXDAS, QUARTAS K IBXTAI 


13 

20 


330 
510 


250 

380 


— iBfja 

170 Baleis!*. . . 
260 QuiitM . . . 


2,47 
3,9 

3,25 

7 


8 

20 


210 
510 


160 100 
380J 260 


OlillM . . . 

Iileisit. . . 
fc)» 


5,50 
6,12 
6,42 



Digitized by VjOOQLC 



CAMINHO DE FERRO DO SUESTE 



EXTBEMOZ A BEJA 



20 

28 

33 

53 

78 

90 

98 

105 

113 

125 

142 



PBEÇ08 



1.* 



2.« 



3.» 



ESTAÇÕES 



— Eilrenoz 

160 Erora Boate . . 

260JV. doDnqne.. 

360jV.de Pereiro.. 

440 Azarnja 

670 Erora 

990 Casa Branca... 
1140 AIcaçoTas 

1240 Viana 

1330 Villa NoTa. .. 

2430 Atrito 

1580,Cnba 



310 230 

510 380 

710 530 

840 630 
1340 1010 
1970 4480 
2270 1710 
2470 1860 
2650 1990 
2850 2140 
3150 2370 
3580 2690|1790;Beja....(ch.; 



Partida 
■aibi 



6,30 

6,58 

7,23 

7,46 

8,6 

9,4 

11,47 

12,11 

12,28 

12,49 

1,8 

1,43 

2,17 



BEJA A EXTBEMOZ 



17 

29 

38 

44 

52 

64 

90 

109 

114 

122 

131 

142 



PKEÇ08 



1.» 2.* 3.» 



430 
730 
960 
1110 
1310 
1620 
2270 
2750 
2880 
3080 
3310 
3580 



330 

550 

720 

840 

990 

1210 

1710 

2060 

2160 

2310 

2480 

2690 



220 
370 
480 
560 
660 



ESTAÇÕES 



B* 

Caba 

Alrito 

t Ma Nora.... 

Viaaoa 

Aleaçoras .... 
810'Casa Braica .. 

1140. Erora 

1380 Azaroja 

1440, V. de Pereiro. 
1540 V. do Doqoe.. 
1650 Erora loile . 
1790jEilreno2 (eh.) 



Partida 
naihi 



7,15 
7,51 
8,25 
8,54 
9,10 
9,28 
11,41 
12, 51 
1,39 
1,52 
2,16 
2,38 
3,8 



SETÚBAL A BEJA E EXTBEMOZ 



6 

13 

28 

40 

55 

73 

88 

166 

100 

108 

114 

123 

135 

152 



160 
330 
710 
1110 
1390 
1840 
2220 
4190 
2520 
2730 
2880 



120 

250 

530 

760 

1040 

1380 

1670 

3140 

1890 

2050 

2160 



31002330 
3410 2560 
3S30|2880 



80 

170 

360 

510 

700 

920 

1110 

2100 

1260 

1360 

1440 

1550 

1710 

1920 



Setúbal . . . 
Palnella... 
Pinhal Noto. 
Poceirio. . . 
Pe§ oes. . . . 
V. Noras.. . .B 

leite lér 

Casa Braica. . . 
Extreaoz .... 

JUeaeoras 

Viana 

Villa Nora.... 

Alrito 

Caba 

Beja...(ci.) 



■aihi 



6,35 

6,51 

8,29 

8,57 

9,21 

10,7 

11,1 

11,41 

3,8 

12,11 

12,28 

12,49 

1,8 

1,43 

2,17 



BEJA E EXTBEMOZ A SETÚBAL 



17 

29 
38 
44 
52 

64 
79 
97 
112 
124 
139 
146 
152 



430 
730 
960 
1110 
1310 
3580 
1620 
1990 
2450 
2830 
3130 
3510 
3680 
3830 



330 

550 

720 

840 

990 

2690 

1210 

1500 



220 
37í 
48<> 
560 
660 
1790 
810 
1000 
1840:1230 
21201420 
2350 1570 



2630 
2760 



1760 
1840 
1920 



Beja.. . . , . 

Coba 

Alrito 

Villa NoTa. . 
Viana. . . . 
tlcapras . . 
Extrenei . . 
Casa Braica. 
leite lér. . 
V. Noras . . . B 
Pefôes. . . . 
Poceirio. . . 
Piíbal Noto 
Palmlla. . . 
Setúbal 



■aibi 



7,51 

8,25 

8,54 

9,10 

9,28 

6,30. 

10,16 

10,56 

11,38 

12,6 

12,29 

6,4 

6,20 

6,34 



RAMAL. DE SETÚBAL 



LISBOA A SETÚBAL 



2 
5 

8 
16 
23 

28 



PREÇOS 



1.M2.» 3.» 



150 
320 
320 
400 
600 
770 
900 



150 
290 
290 
350 
500 
630 
720 



100 
210 
210 
240 
350 
430 
500 



ESTAÇÕES 

Lisboa 

Barreiro. . . . 
Larradio. . . . 
Alkes Vedros . 

leita 

Piokal Noto. . 
Palnella. . . . 
Setibal 



Partida 
■uai Urde 

6^014720 
7, 36 5, 15 



7,43 
7,51 
7, 60 

8, '25 
8,40 
8, 53 



5,23 
5,31 
5,40 
6,4 
£ 20 
& 34 



SETÚBAL A LISBOA 



r a ecos 



1,- 2/ 3 



IÍjO 
13 330 

.'1 -~mU 

:;i 5*o 
26J660 
28|750 
300 



120 
250 



HO 
170 



ttSTi.0018 



Nrarlla . 
Pintai Beto . 



líM.í|L'7itilBÍla. , . 

Albv Mras. 

iT.i t n i rr» . 

LhIuij. . , 



440290 
500330 
570 400 
720 MO 



Partida 
tarde 



6,35 
6,51 
7,13 
7,28 
7,36 
7,45 
8,15 
8,50 



5,45 

5,1 

5,21 

5,38 

5,45 

5,52 

6,15 

6,05 



Digitized by VjOOQLC 



CAMINHO DE FERRO DO MINHO 
Serviço a começar de 10 de abril de 1876 



ASCENDENTES 



PEBÇOB 



1.» 

OUlM 



I.» 









5 


120 


90 


9 


180 


140 


16 


810 


240 


28 


440 


840 


82 


610 


480 


89 


740 


580 


46 


910 


710 


48 


910 


710 


54 


1/080 


800 



7 

10 
15 
22 
81 
89 
46 
49 
54 



70 
100 
170 
250 
840 
410 
510 
510 
570 



ESTAÇÕES 



Horas d* partida 
dos comboios 



Mixto 



Porto (Partida)... 

Bio Tinto 

Ermesinde. 

S. Romão 

Trofa 

Famalicão 

Nine 

Arentim (paragem) 

Tadim 

Brug* (Chqjada).. 



Manha 



h. nu 

6,42 

6,54 

7,7 

7,19 

7,40 

8,1 

8,17 

8,26 

8,88 

8,45 



Garraio 



H.°6 



Manha 
h. m. 

9,80 
.9,41 

9,50 
10,3 
10,21 
10,42 
10,59 

1M6 
11,27 



Tarda 
b. m. 

5,44 

5,55 

6,8 

6,20 

6,39 

7,1 

7,21 

7,30 

7,87 

7,49 



DESCENDENTES 



FBEÇOS 



1.» 



140 
290 
290 
420 
590 
740 
870 
980 

i/oâo 



i.» 



8.» 
OUsta 



ESTAÇÕES 



110 
280 
280 
830 
460 
580 
680 
730 
800 



160 
160 
240 
380 
410 
490 
520 
570 



Horas da partida 
dos comboio* 



&r*g& (Partida).. 

Tadim 

Arentim (paragem) 

Nine 

Famalicão 

Trofa. 

S. Romão 

Ermesinde 

Rio Tinto 

Porto (Chegada)... 



N.«t 


N.*a 


Mixto 


Correio 


Manha 


Tarde 


h. m. 


h. m. 


6,24 


1,37 


6,86 


1,51 


6,45 


— 


6,56 


2,8 


7,15 


2,26 


7.85 


2,45 


7,51 


3,1 


8,8 


3,13 


8,19 


3,23 


8,27 


8,30 



N.»6 
Mixto 



Tarde 
h. m. 

6,7 

6,19 

6,28 

6,39 

6,58 

7,20 

7,36 

7,52 

8,2 

840 



Digitized by VjOOQLC 



CAMINHO DE FERRO DO DOURO 
Berviço desde 20 de dezembro de 1875 



ASCENDENTES 



PREÇOS 



1> 

CUSSO 



i.» 



8.» 



ESTAÇÕES 



Horas da partida 
dos oombolo* 



N.° SI 
Xlxto 



N.° 88 

Mbrto 



5 
9 
16 
96 
81 
35 
39 
46 



120 


90 


180 


140 


810 


240 


600 


390 


590 


460 


670 


520 


740 


580 


870 


680 



70 
300 
170 
280 
330 
370 
410 
490 



Porto (Partida). . , 

Bio Tinto 

Ermesinde 

Vallonço , 

Becarei 

Cette 

Paredes 

Penafiel 

Cabide (Chegada), 



Manha 
h. m. 

7,45 

7,57 

8,10 

8,30 

8,52 

9,5 

9,20 

9,33 

9,48 



Tardo 
h,m. 

4,50 

5,2 

5,15 

5,38 

6,0 

6,13 

6,28 

6,41 

6,56 



DESCENDENTES 



PREÇOS 



1.» 



Classe 



8.» 
Olasso 



ESTAÇÕES 



Horas da partida 
dos oomboloa 



N.° 88 

KUto 



N.° U 
MUto 



8 

12 
16 
21 
81 
88 
42 
46 



160 
230 
810 
400 
590 
720 
800 
870 



120 
180 
240 
310 
460 
560 
620 
680 



90 
130 
170 
230 
330 
400 
450 
490 



Cabide (Partida). 

Penafiel 

Paredes 

Cette 

Becarei 

Vallongo 

Ermezinde 

Bio Tinto 

Porto (Chegada).. 



Manha 
h. m. 

6,20 

6,40 

6,53 

7,6 

7,19 

7,41 

8,8 

8,19 

8^7 



h. m. 

4,19 

4,39 

4,52 

5,5 

5,18 

5,43 

6,4 

6,15 

6,25 



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CAMINHO DE FERRO DO PORTO Á POVOA DE VARZIM 
Horário a começar em 20 de abril de 1876 

ASCENDENTES 



l 


PREÇOS 


ESTAÇÕES 


Horas da partida Uos comboiei 


a 


1.» 
ciaste 


classe 


N.°í 


N.°4 


N.*é 


N.° 8 


• 

4 

6 
9 
11 
14 
16 
20 
23 
25 
28 


80 
80 
160 
160 
240 
240 
320 
400 
400 
480 


50 
50 
100 
100 
150 
150 
200 
250 
250 
300 


Porto (Partida) 

Senhora da Hora 

Custeias 

Crestins 

Pedras Rubras 

Yillar do Pinheiro 

Modives* 

Mindello . . . 

Azarara 

Villa do Conde. 

Povoa (Chegada) 


Manhã 

5,50 
6,2 

6,8 

6,17 

6,28 

6,36 

6,41 

6,52 

7,1 

7,7 

7,15 


Manha 

9,40 
9,52 
9,58 
10,7 
10,18 
10,26 
10,31 
10,42 
10,51 
10,57 
11,5 


Tarde 

2 

2,14 

2,21 

2,31 

2,46 

2,56 

3,2 

3,16 

3,26 

3,34 

3,45 


Tarde 
5 

5,12 

5,18 

5,27 

5,38 

5,46 

5,51 

6,2 

6,11 

6,17 

6,25 



DESCENDENTES 



d 


14 1 


2. 4 


M 


classe | 


elaate 








3 


80 


50 


5 


80 


50 


8 


160 


100 


12 


240 


150 


14 


240 


150 


17 


320 


200 


19 


320 


200 


22 


400 


250 


24 


400 


250 


28 


480 


300 



N.° 1 N.° 8 N.° 5 



N.° 7 



Povoa 

Villa do Conde. . . 

Azurara. 

Mindello 

Modives 

Villar do Pinheiro. 
Pedras Rubras . . . 

Crestins 

Custoias 

Senhora da Hora . 
Porto (Chegada) . . 



Manha 

5,30 

5,40 

5,47 

5,57 

6,8 

6.16 

6,31 

6,37 

6,46 

6,53 

7,3 



Manha Tarde 

1,40 

1,52 
2 

2M 

MS 

2,54 
3,6 
8,14 
3,26 



9,20 

9,30 

9,37 

9,47 

9,58 

10,6 

10,21 

10,27 

10,36 

10,43 

10,53 



Tarde 

5,40 

5,50 

5,57 

6,7 

6,18 

6,26 

6,41 

6,47 

6,56 

7,3 

7,13 



Aos sabbados ha um comboio especial para toda a linha, somente para 
2.* classe, com bilhetes de ida e volta. Sahe do Porto ás 3,50 da tarde, che- 
ga á Povoa ás 5,35. Volta da Povoa na segunda-feira ás 4,3 da manhã, che- 
gando ao Porto ás 5,49. 



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RECREIQJNFANTIL 

PERIÓDICO ILLUSTRADO 

DEDICADO 

ÁS CKXANÇAS PORTUGMZAS 1 BRASILEIRAS 

COM A COLLAfiORAÇlO SOS MELHORES ESQUPTORES 



CADA SERIE COMPOE-8E DE 2 VOL. DE 12 NÚMEROS CADA UM 
P0BLICA-8B DUAS TEZES FOR MKZ EU FASCÍCULOS DE 16 PAGINAS BK S.* 

IMPRESSOS A DUAS CORES 

B ABOBNADOS SB BXOBmeMTTBS OBAVUBA8 
PREÇO DA ASSIGNATURA 

PORTUGAL BRASIL 

Serie de 24 números pagos adiantados 1*800 réis 44800 réis fracos 

Cada numero avulso 100 » 300 » » 

Volume brochado contendo 12 números. ... 14200 » 8J600 » » 

» encadern. » 12 » 1*500 » 4J&00 » » 



Os sxirs. assigxianteà de 24 maixieros, que 
desejarem comprar capas para os volumes, 
custar-lhe-hào oOO réis cada \aixia. Pelo cor- 
reio accresce o porte. 



ASSIGNA-SE 



No Porto — Livraria Universal de Magalhães & Moniz, 12, Largo dos 
Loyos, 14. 

Em Lisboa— Em casa do editor Júlio H. Verde, rua do Duque de Bra- 
gança, 6. 



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DICCIONARIO 



GEOGRAPHIA UNIVERSAL 



UMl S0CIED1DE DE HOMENS DE SCIENCIt 

COMPOSTO SSOUVDO OS TBABALBOS OIOGRAPHICOS DOS 

MILHÕES* AUCTOBJES POBTOOCMBS, BBAULEIROS, *BA*OBSS, ZVOLSSXS ■ ALI.BMIeS, 

SS D» ACCORDO COM AS ULTIMAS 

PVBUOAO&BS OVOBOOBAPmOAS ■ SSSTATISTIOA8 DOS DtPrZ&KVTBl FAfEBS 

COKPBEHENDEHDO TODOS OS ESCLARECIMEUTOS E IIFORMAÇOSS HDISPEISAVHS COM RELAÇÃO 
AO COMMERaO. AS ARTES E IHDUSTRIAS FABRIS ; 

IKSMTOLTIW COHflHUVELDRTE HA PA1TI QUE MZ «SPHT« A 

PORTUGAL. PROVÍNCIAS ULTRAMARINAS E BRAZIL 



Portugal, outrora na vanguarda dos progressos geographicos, 
a quem o mundo deve na pessoa do infante D. Henrique a inicia- 
ção dos mais esplendidos descobrimentos e arrojadas navegações, 
a pátria de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Cabral, de Fernão de 
Magalhães, de Bartholomeu Dias, de Heredia, de Pedro Nunes, e de 
tantos outros que assignalaram o nome nos fastos geographicos, 
não só não possuia um Diccionario de geographia completo como 
em muitas obras estrangeiras era tractado de uma maneira inexa- 
cta ou incompleta sob o ponto de vista histórico, commercial, po- 
litico ou económico. 

Hoje, que entre nós se revela um bem entendido interesse 
pelos assumptos geographicos, tanto nas diversas classes illustra- 
das da sociedade como nas regiões -do poder, e que o nosso paiz 
vai entrando n'uma epocha de progressivo e extraordinário desen- 
volvimento scientiflco e material, mais sensível se torna a falta de 
um bom Diccionario de geographia universal que não só occorra às 
vastíssimas necessidades cTesse desenvolvimento, como também re- 
vindique a gloria que nos pertence em certos factos que tanto hon- 
ram e abrilhantam o nosso passado. 



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Persuadidos da conveniência de preencher uma tal lacuna, va- 
mos encetar a publicação d 'ura diccionario de geographia uni- 
versal, onde o homem de sciencia, o professor, o litterato, o es- 
tudante, o simples curioso, o industrial ou commerciante, possam 
ir buscar as indispensáveis indicações e subsidios que até agora 
só lhe podiam ser ministrados pelas obras geographicas estrangei- 
ras, as quaes, muitas vezes, eram insuficientes ou pouco exactas, 
especialmente no que dizia respeito a 

PORTUGAL E BRAZIL 

Fructo de longas e laboriosas investigações, redigido por pes- 
soas de superior intelligencia e incontestável probidade litteraria, 
baseado não só nas publicações mais modernas sobre a especiali- 
dade como também sobre valiosos trabalhos de estatística, de geo- 
desia, e sobre documentos, relatórios e informações officiaes, a 
nova publicação representa um progresso comparada com os mais 
diccionarios até hoje publicados, e temos a convicção de que virá 
a ser considerada pelos competentes como 

PRIMEIRO DICCIONARIO GEOGRAPHICO UWITERSAL DA 
ACTUALIDADE 



CONDIÇÕES DAASSIONATURA 



O DICCIONARIO DE GEOGRAPHIA UNIVERSAL é distribuído semanal- 
mente em fascículos de 16 paginas, formato in-folio com doas columnas, typo 
miúdo, completamente hoyo, e papel da melhor qualidade. 

Cada fascículo com a competente capa custa 100 réis. 

LISBOA ~ Os assignantes deverão pagar ao distribuidor no acto da en- 
trega. 

PROVÍNCIAS — As pessoas que quiserem subscrever deverão enviar 
adiantadamente á administração da empresa a importância de dois ou mais 
fascículos em estampilhas, ou vales do correio. 

ESTRANGEIRO— A importância do fascículo accresce o porte do cor- 
reio devendo os pagamentos serem feitos adiantadamente ás series de 85 fas- 
cículos pelo menos. Para os Estados da União Geral dos Correios, 115 réis 
cada fascículo, franco de porte. 

As remessas para as provindas e estrangeiro serão feitas regularmente 
de dois em dois fascículos. 

A obra constará de 100 fascículos aproximadamente. 



Assigna-se em Lisboa, no escriptorio da empresara* da A talava, 17, 1.° — 
e no Porto, na Livraria Universal de Magalhães * Moniz, largo dos Lcyos, 19, 



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EMPREZA HORAS ROMÂNTICAS 

OBRAS PUBLICADAS: 

08 OAVATJ/RTROB DA NOITE, por Ponson da Terrall— 3 rol. (edlçlo esgotada) 10500 

08 HERDEIROS FALSOS, Idem — 1 rol. (edlçlo esgotada). #400 

AMORES DB LUIZ XV, idem — 2 vol. com gravuras #800 

OS MASCARAS VERMELHAS, Idem — 3 vol. com gravuras (edição esgotada) . 10500 
O REI MALDITO, pôr Fernandes y Gonzalez— 5 vol. ornados com 44 graniras . . 30400 

08 SBTE MORCEGOS, idem — 1 vol. cartonado com 4 gravuras £600 

▲ BRLNOEZA DOS URSINOS, idem — 4 vol. com 24 gravuras 10700 

ÓDIO DE BOURBONS, por D. Torqnato Tarrago y Mateos — S vol. eom 84 grav. . 24*00 

CIÚMES DB UMA BAINHA, idem — 4 vol. eom 26 gravuras 20400 

O DBDO DB DEUS, idem — S vol. eom 14 gravuras 10800 

A8 CrtTBBKTTirTAS DE JUABEZ, por Gustavo Aimard — 1 vol. (formato grande) 0400 

O DIABO NA OÔRTE, por Ortega y Frias — 8 vol. eom 27 gravuras 2*100 

VIDA INFERNAL, por Emile Gaboriau — 8 vol. eom 12 gravuras 10500 

DA PARTE D'BL-RBI, por Cunha e Sá — 1 vol. t #400 

DA P AUTE DA BAINHA, idem — 1 vol : #400 

A GRAVURA DE MADEIRA EX PORTUGAL, por Joio Pedroso - álbum de 

28 gravuras 20500 

LISBOA NA BTTA, por J. a Machado — 1 vol. ornado eom 28 grav. (ed. esgotada) . #600 
A GALERA CHANCRLLOB, por Júlio Verne — 1 vol. eom o retrato do auetor . #600 

NO PRELO 
AS TRAGEDIAS DB PABIZ, por Xavier de Montépln. 

BIBLIOTHECA ILLUSTRADA DE INSTRUCÇÂO E RECREIO 

VIAGENS MARAVILHOSAS AOS MONDOS CONHECIDOS E DESCONHECIDOS 

POR JÚLIO VERNE 

DA TERRA Á LUA — (2.* edição), 1 voL eom 43 gravuras, brochado #200 

Á RODA DA LUA (continuação da TERRA Á LUA) — (2.* edição) 1 volume com 44 

gravuras, brochado #200 

à VOLTA DO MUNDO EM 80 DIAS — 1 vol. com 58 gravuras brochado. . . 10000 
AVENTURAS DO CAPITÃO HATTBRAS: 

1.* parte: OS INGLEZES NO POLO NORTE — 1 vol. eom 185 grav. brochado 10100 
2.* parte: O DESBRTO DB GELO, 1 volnme com 185 grav. brochado .... 10100 
OINOO SEMANAS BM BALÃO — 1 volume eom 76 gravuras, brochado. . . . 10100 
AVENTURASDE8RUSSOSE8INGLEZBS-lvol.eom54grav.br. . . #800 
VIAGEM AO CENTRO DA TERRA — 1 vol. eom 55 grav. brochado .... 10000 
OS FILHOS DO CAPITÃO GRANT : 

l. a parte: AMERICA DO SUL —1 vol. com 72 gravuras, brochado 10100 

2.* parte : AUSTRÁLIA MERIDIONAL — 1 vol. eom 54 grav. brochado. . 10100 
8.» parte : OCEANO PACIFICO — 1 volnme com 48 gravaras, brochado . . . 10100 
VINTE MIL LEGOAS SUBMARINAS: 

1.» parte: O HOMEM DAS AGUAS — 1 volume com 51 gravuras, brochado . 10000 
2.» parte: O FUNDO DO MAR — 1 volume com 60 gravuras, brochado . . . 10100 
Encadernado em percalina e dourado na capa e por folhas 10400 

NO PRELO 
A ILHA MISTERIOSA, 1.» parte. 

Á venda, em Lisboa, no esoriptorio da empresa, rua da Atalaya, 17—1.° andar 
No Porto, na livraria Universal de Magalhães * Moais— Largo dos Loyos, 12. 



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EDIÇÃO DE LUXO 



D00R0 ILLDSTRADO 

ÁLBUM DO RIO DOURO E PAIZ VINHATEIRO 

coytxvdo: 

ZHTSOXH7GÇAO HISTÓRICA R DRSCRIPTIVA DO PA» Y1VBATORO 

BBSCRIPÇÂO DAS PRMCIPARS QUDTTAS R DOS TBABALHOS VINÍCOLAS USADOS HO DOURO 

■OTA SORRR O COMMKKCIO DOS VOTOOS DO FOKTO, SERVIÇO R TBABALHO DOS 

ARMAURS BRSTATI8TIOAS COMMRRCIAR8 



REDIGIDO 

PELO 

VISCONDE DE VILIA MAIOR 

8EIT0R DA UNIVERSIDADE DE C0I1BM 

ACOMPANHADO DC UMA SCRIE DE 24 VISTAS DOS 
SEGUINTES PONTOSC 

I. Bato* d' Alva IS. Bateiras 6 quinta do 
8. Quinta do 8Uho 14. Val-Mór 

5. Foi de Sabor e Valia de Villariça 15. Folgoaa 

4. Quinta do Vesúvio 16. Quinta da Romanelra 

t. Oaoblo da VaUeira 17* Regia 

6. Fos-Tua 18. Calda* do Moledo 

7. Bitio de Roris («asa de Diu Paes) 19. Seromenha 

8. Quinta da Boeda 80. Raiva e Barqueiros 

9. Rublo e Oasal de Loiyos SI. Cadio 

10. Noval (vista da eaaa) SS. Oaldaa de Aregos 

II. Adega do Noval SS. Alfandega do Porto 
IS. Vista geral da quinta do Noval 84. Fox do Douro 

TIRADAS PELO PHOTOQBAPHO J. LOUREIRO 



DESENHADAS EM MADEIRA POR EMÍLIO PIMENTEL 



MATADAS POI I. BADOUMAU E J. NDIOSO 



DOUS MAPPAS 

i pnototithographia, Undo o maior 1",10 d« com% 
to do rio Douro * tua» margens, desde afronUhrc 
iffluiê á navegação, * o outro a antiga circumtcri 

DESENHADOS POR JOSÉ CARDOSO DE ARAÚJO FEYO 



Apresso* pêlo systema da pnototithographia, Undo o maior 1",10 d» comprido * 0",80 dê largo, re- 
prctontando utt o curto do rio Douro s tuat margens, dudt a fronteira aii á Fou, com (adlosçoes 
doê pontoe rápido» s dtfUiit á navegação, * o outro a antiga circumtcripção do AUo-Douro. 



Cts a tntaqii fruem de Leu Locelle e a traaarçia iijleza ie Jarfe C. Berkelej Cotter 

O DOURO ILLUSTRADO, dividido em 85 cadernetas, compôr-se-á de 800 paginas de tex- 
to, aproximadamente — 84 gravuras — e 8 mappas. 

Cada eaderneta constará de 8 paginas de texto e uma gravura, nitidamente Imprimis, le- 
vando a eaderneta ultima os dous mappas. 

A obra eompleta custará, por assignatura, 60000 réis. 

A BNOADBBNA ÇÃO SBBÁ PAGA SBPAK AT) A RfBlTTB 

MAGALHÃES 4 MONIZ — EDITORES 



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JOÃO DE DEUS 
FLORES DO CAMPO 

2.* KIHÇlO 

1 volume 600 

FOLHAS SOLTAS 

1 volume • 600 

PEDRO IVO 

CONTOS 

1 volume 500 

O SELLO DA RODA 
1 volume 500 

THEOPHILO GAUTIER 

MAGDALENA DE MAUPIN 
1 volume / 600 



EDIÇÕES ILUSTRADAS 



RAMALHO ORTIGÃO 

BANHOS DE CALDAS E AGUAS MERAES DE PORTUGAL 

C08 tO VISTAS K 3 KSERHOS Dl FJRftSIà 

1 volume 10000 

AS PRAIAS DE PORTUGAL 

C01 40 VIST1S I M8IHH0S 

i volume 10000 



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LIVRARIA UNIVERSAL 



DB 



MAGALHÃES & MONIZ-EDITORES 

tt—LÀR&O DOS L0YG3— 14 
LI VROS PARA ENSI NO 

Guia dos exames de admissão, ou noções sobre aritbmeti- 
ca, systeraa metrico-decimal, chorograpbia portugueza, 
historia de Portugal, doutrina christã e grammatica por- 
tugueza ; seguidas de uma collecção de figuras para o 
estudo do desenho, por Elias Fernandes Pereira, 4.* 
edição. I vol 400 

Elementos de desenho geométrico, elaborados conforme o 
programma oíDcial para os candidatos ao magistério 
primário e para servirem nas escolas d'instrucção pri- 
maria, por J. G. Moreira. 1 vol 250 

Exposiçflo elementar do systema legal de medidas portu- 
guesas, com gravuras elucidativas do texto, por Fran- 
cisco António do Amaral Cirne Júnior e Patrício Theodo- 
ro Alvares Ferreira. 1 vol 250 

Methodo para aprender a lér, faltar e escrever a língua 
franceza em seis mezes, pelo Dr. H. G. Ollendorff; ar- 
ranjado para uso dos portugueses, por F, Adolpho Coe- 
lho. 2.* edição, muito melhorada. 2 vol 10000 

Tractado de pronuncia franceza, complemento do Methodo 

Ollendorff, compilado por F. Adolpho Coelho. 1 vol. . . 400 

Manual da historia da litteratura portuguesa, desde as 

suas origens até o presente, por Theophilo Braga. 1 vol. 600 

Doutrina do real. Catecismo pára uso dos que não se con- 
tentam com palavras, por Prospero Pichard, precedido 
de um prefacio por Mr. E. Littré. Traducção auctorisa- 
da pelo auctor, 1 vol 400 

Antologia Portuguesa. Trechos selectos coordenados sob 
classificação dos géneros litterarios precedidos de uma 
Poética histórica portugueza^ por Theophilo Braga, 1 
vol • 600 



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LIVRARIA UNIVERSAL 

MAGALHÃES & MONIZ 

12— LARGO DOS LOYOS— 14 
PORTO 



N'este estabelecimento enoontra-se um 
grande sortimento de livros portu.gu.ezes e 
estrangeiros, taes pomo: 

LIVROS DS LITTERATURA. HISTORIA. ROMANCES, SOIHCIAS MATHBMATICA3 
RELIGIÃO, PHILOSOPHIA. MED1CIIA, EÍC, BC. 

LITtOS ULDSTIAM8 COI IHUDHlUÇfcS Dl LCIO, HMIM FAIA PIUIKR 
cujo catalogo è distribuído gratit 

LIVROS DE MISSA E SEMANA SANTA 

Com enoadfrnaofos de todas M flualldadM 

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Todos 08 compêndios adoptados nos differentes Lyceus e Seminários, 

Academia Polytechnica e Eschola Medtco-Citurgica do Porto, 

e, além d estes, todo» os compêndios que costumam 

usar-se para o ensino primário e secundário 

GABTAfl OSCXHLAPBXLàfi DE TODOS OS PAIZS8 

Sortímento variado de objectos de wriptorio 



Os proprietários (Testo livraria recebem assinaturas para todos os jor- 
naes políticos, lilterarios, scienliieos, Alastrados, de modas, ele. 

Incarregam-se de mandar vir, <foer dojpaiz, quer do estrangeiro, <raal- 
qoer encommenda com a máxima brevidade, donde receitem todas as publica- 
ções mais recentes, á medida qne vão sahind». 



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PREÇO 1:000 HEIS 



Digi^edby G00gle 



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