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SERMÃO
SOBRE O ESPIRITO DE SEITA
DOMINANTE NO SÉCULO XÍX.
D. O. C
AO CLERO PORTUGUEZ
JOSÉ' AGOSTINHO DE MACEDO ,
i
LISBOA,
Na Impressão Regia. Anno i8ií;
Com licença.
Vende-se na loja de Desidcrio Marquei Leãôj
n§ Largo do Çalharit, ^ N. iz.
. - ...
Dum hpc intelligaiMi qtiod intdligenditm est s
tio ti magnopere curandum est quid vocetur.
S. Àug. de Gen. adLit. Lib. 16. Cap. 4*
* 3 U
■
AO CLERO PORTUGUEZ.
-
A
ssim como ha vícios commuíl*
a todos os séculos , da mesma manei*
ra ha remédios também communs , €
applicaveís aos mesmos vícios. Foi
commum , por exemplo , o luxo a to-
dos os tempos, os Mestres do Chri-
«ianismo invectivarão o luxo; e des-
de os discursos de S. João Chrysos*
íomo ao Povo de Antiochia sobre es-
te vicio até. agora , poucos são os
Oradores Evangélicos, que tenhão dei-
xado de clamar contra esta peste da
sociedade civil , e assim dos outros
vicios dos homens. Mas quando os
séculos offerecem novos crimes , de-
vemos buscar novos remédios* Os ma-
les que sentimos , as desgraças que
supponamos , o transtorno un versai
de que somes testemunhas , nascem ,
e procedem unicamente da exaltada
ipalicia dos homens pelo espirito de
A %
tê 4*
lium partido dominante. Era preciso
atacallo da cadeira da verdade com
vegJadeiro zelo Evangélico 5 e com
hum ardentíssimo amor da nossa Pá-
tria , eis-aqui o que eu fiz em hum
dos Templos mais frequentados ^}a
Capital. Eu consagro pois" este vehe-
mentissirno discurso ao Venerável Gle-
fo Portuguez , atrevendo-me- a fazer-
lheihuma súpplica , que talvez pare-
ça estranha , epara alguns génios so-
berbos ^ioéúkaàos , ofensiva ; e vem
a ser, que o preguem ao Povo , É
se lhe oferecer occasiáo. No/i esse
hnmilis in saplentia tua , nos d iz ■ o
Espirito Santo no Cap* 13. do Ecciés,
Mais de 24 annos de exercícios ora-
tórios me dão algum conhecimento
do valor dopresente discurso , e quási
me dão a authoridade de pedir ao
Venerável Clero , que o pregue , e re^
petidas vezes o pregue, porque pó-=
de produzir vantagens para a Reli-
gião, e para o estado. Mas se vós.
Veneráveis Irmãos em J. C. , achar-
des outros caminhos , seguí-os , dei-
xai este discurso j mas combatei o vi-
£*
e\o , ainda que digais de mira o que
disse Santo Agostinho de Cypria-
no : Mãgnus Cyprlanus Orator , sed
maior Petrus piscator , per qtiem
credidit non solum Orator , sed et
Imperator.
'
*? 7 <S
-
SERMÃO
SOBRE O ESPIK1TO DA SEITA DOMINAN-
TE NO SÉCULO XIX.
Pre'gado t:a Igreja de Santa Justa,
na tKi meira Dominga de Quares-
ma de 1 3 1 1 .
Kon rcclplt stultus verb.i prudentlae , nisi
ea dixeris qua% vevsantur in cordc ejus,
Prov. Cap. lg.
JlN Ós reconhecemos j e nós sentimos
em nós mesmos , dada pela Nature-
za, huma irresistível tendência , para
indagarmos, e sabermos as causas, è
as razões daqueiles effeltos que se a-
presentão , eofferecem de continuo à
nossos olhos ; desra natural curiosida-
de nasceo essa a que chamamos Fi-
losofia \ que ainda que ertí? rigor nãè
ft 8 «
dignifique mais que o amor da sabe-
dória , por este amor da sabedoria
entendemos o conhecimento das cau-
sas 'de tudo quanto descobrimos , e
admiramos em o vasto seio da Natu-*
reza ; mas eu , não contente de me
constituir no centro deste circulo im-
menso dos seres íysicos , e sensíveis,
me occupo muito mais do conheci-
mento das causas dos effeitos espan-
tosos moraes, e políticos, que de to-
da a parte se me ofFerecera á con-
templação, neste turbulento , e desgra-
çado século em que existimos. Nun-
ca este grande theatro , que se chama
mundo social , qffereceo aos olhos do
homem sensível , do homem pensa-
dor, dosabio doChrisíianismo , hum
espectáculo mais extraordinário , rrtais
liorrivel , mais abominayeL Qual fa^
ria na terra o choque de outro Plane-r
ta arrancado de sua orbita , e cahin-
do sobre elia \ tai o estrago que tem
feito na ordem social o delírio poli-
tico , o delírio filosófico, que se tem
apossado dos homens desde que (e
talvez quç desde época mais remo?
K* 9 *
ta) começou a levantar do cáhos a
.medonha frente , o rnpnsíro que se
chama a Revolução. Abrangei com o
entendimento desde as geJadss mar-
gens do Volga , e do solitário Ohis
acé as extremas praias do Mediterrâ-
neo ,. à&de as ribeiras do Tejo até as
aprazíveis barreiras do Bósfòro , vós
não vereis mais que impérios ou avil-
tados , ou aniquilados. Reinos levan-
tados pelas mács barbaras da usurpar
çso, e cimentados em sangue , depois
absorvidos na insondável voragem da
impudente ambição. Constituições mu-
dadas, Republicas extinctas, os ho-
mens alheios aos homens , sentimen-
tos impróprios da humana espécie,;
guerras, incêndios, mortes, ruínas,
assolações , misérias j sustos , invasões ,
e pertinaz rapina. Vós não vereis mais
que montões de estragos sobre os cam-
pos , sobre as montanhas da Europa ,
e entre milhões de cadáveres sentado
como em throno o luto atroz, aquém
não abastão lagrimas , a quem não
farta o sangue , a quem não conten-
ta ainda a miseranda catástrofe da
& IO &
Thronos derribados , de nações quasi
.extinctas , de miseráveis Reinos, cuja
Lberbade se converteo em cadêas , e
cuja opulência se transformou em fo-
me, e entre os quaes até es mesmos
suspiros são delictos. Esre he o qua-
dro que temos ante os olhos , e tão
próximo a nós , que dista poucas le-
goas desta Capital. Hum exercito bár-
baro a rodeia , e ainda que em meus
ouvidos pareça troarem as mesmas vo-
zes, que disse o Profeta ao Rei de Sa-
maria: Não passará por cima destes
muros hum a só setta inimiga , nós
temos este espectacuTo ante os olhos.
E que cousa mais própria do
liomem pensador, quando se con-
duz em seu discurso ao clarão da ró»
cha da Religião, que perguntar-se
a si mesmo o motivo , a causa que
produz no Mundo, e produz também
em Portugal tão espantosos , tão de-
testareis effehos? Eu mo perguntei
a mim mes-no; e depois da mais atu-
rada, e profunda meditação, he pre-
ciso romper hoje o silencio , expor a
causa , e assignalar a fonte de hum
É li ft
mal , a que cu desde )á chamarei 6
contagio da nossa idade, manancial
pouco observado , mas muno certo
das desgraças que sente oMu^do, è
nós sentimos. Eu me persuado que ne-
nhum de vós terá deixado' de escu-
tar ou nos discursos fsmiiares . ou nos
ajuntamentos públicos, onde lei nes-
ses papeis chamado^ periódicos , e que
formão o teimoso emprego de tantos ,
e tantos prejudkiaes ociosos \ esta pa-
lavra Espirito de partido. Esta pa-
lavra volve tão frequemeroente em
nossa maternal linguagem , que pelo
seu uso pertinazissimo tem adquirido
entre nós o direito de propriedade»
A significação obvia desta palavra he
tão com mu m nestes desgraçados tem-
pos , que he preciso que eu vos di-
ga, que delia nascem, etem nascido
até agora todos os nossos males. Ori-
gem empestada de tantas calamida-
des , agente universal das desventuras
todas , e de que se doem a Justiça ,
à Razão , a Religião , e a mesma
Natureza, oífendidas em todas as suas
feis. Deste espirito de partido aascê-
# 12 H
rão os .estragos todos nas sçiencias ,
nas artes , mas he muito principalmen-
te fatal á. Politica , á Sociedade, ao
Christianismo. Eu o contemplarei nãp
só pelo que diz respeito á Politica ,
porque então faria hum discurso pu-
ramente filosófico , mas também pelo
que pertence á Religião, e aos cos-
tumes> única esfera em que se devem
conter os Discursos Evangélicos \ e os
prantos da Religião' , e da piedade
Clirista não permittem que este as*
sumpto permaneça por mais tempo
separado destas cadeiras da verda-
de , onde não sei porque funesto a-
buso se tem introduzido longas , e te*
diosas relações de sítios de batalhas,
de sortidas, e planos militares , com
a circumsíanciada lista de nomes de
Genena.es , como -se a Gazeta fpra.a
Biblia , e os Santos Padres os Perió-
dicos. O meu coração; se tem profun-
damente magoado com este abuso , e
vejo que não se busca a instruccao
ç}o povo, reperindo-lhè o detestável
nome de nossos, bárbaros inimigos.
Vós quereis ser instruídos nas verda-
& H §
-
è&t da moral Christa , e he preciso
mostrar-vos os vícios cio século", apon*
rar^vos as causas oríginaes cias nossas
desgraças , pâf^áíte alumiados com
hJ2 do Espirito Samor, lhes possais
&Ftv aqueiles remédios que tantas , e
rèò''errrÍHént^í desgraças èxtj&btii» Eu
degolarei esta Kydra , -cuj^s pestíferas
cabeças se reproduzem tanto ; ensopa-
rei a espada Ja Rflligiâo , c da= Elo-
quência nas lívidas gargantas. Em .
primeiro' lugar \ os farei conhecer a
indole, a natureza do espirito de par-
tido ; em sVgin:do; lug ' péssi-
mos erPe ir es 3 sem me reparar ife 'li-
mites de huría '\r:: ruê^tô Evangélica.
Vos conhecêreis • o cue produz o es«
piíito de partido pelo que' pertence
20 'Entendimento ;' c que p?é$3z o es-
pirito de-partido pelo que ps-;euce á
Vontade. Táor-rave, etao •: .^orran-
te matéria devi prenaer a" a t tenções
dos verdadeiros fieic , femWandò-Vòá
que se existe muito perto ás. cura ,
quando se conhece a prexima , e ver-
dadeira causa do mal.
E vós , Senhor y que mandastes
í* M *
$o Pí-ofeta; que levantasse a vo2T <p£
mo o. pavoroso som de íi^nia trom-
beta,., que askustasíve o povo, e re-
preendesse seus crimes , sustentai a
minha voz com a forca da vossa gra^
ça , e ensinaHme .vós, irtfsmo. a, com-
bater monstros, que tanto -vos u] ira*
jáQr e nos arruinao.
- -r-~ — ii —■■
!
D I S C UR SO,
P»
ersuado-me que vos devo -snnun-
ciar primeiro que tudo , que hiirna
das propriedades , ou a principal pro*
priedade do espirito de partido he
■não escolher deliberadamente r e com
pleno conhecimento de causa aquelíé
partido que se abraça, segue, e de-
fende : esta adopção sempre se fax
com os olhos rapados, ou pnr moti-
vos que -nao tem relação alguma com
o mérito . ou o demérito dos dois
partidos. Quanto he contrario a ra«
*ão , e ao entendimento humano hum
semelhante procedimento , vós mesmos
* *j> e
o podeis conhecer , e comprehender.
A necessidade de escolher he não só
frequente, mas necessária , e indispen-
sável no homem , he huma necessida-
de de tcdos os dias , e de todas s?s
horas : qualquer motivo ou de utili-
dade, ou de prazer nos obriga sem-
pre, e effecti vãmente a fazer escolha
ainda das cousas mais indifFerentes ,.e
pequenas, a tomarmos mais este do-
que aquelle caminho , mais este do-
que aquelle sustento , mais este doque
aquelle vestido ; e se nos importa es-r-
colher bem para conservar a solide
do corpo , muito mais nos importa
escolher bem para conservar a sauJe
da alma. Mas isto nem he costume ,
nem he lei do espirito de partido :
a sua lei , e a sua fundamenral timáàv
íuiqao he sempre o contrario , e o
avesso de tudo isto. Sómeme o aca-
so , sem se consultar a razão , obriga
o homem a inciinar-se a huma d s
duas partes, e a abraçaila com Cons-
tança, ererinrca, ( e pois eu folio
a hum século, que t3nto mosrra pre-
zar as decisões da razão naiural 3 ou-
« lé m
çao as admiráveis expressões de hum
Gentio eloquente , qual era Cicero :
De rebus incognids judicant , et ad
quamcmnqtfe snm disciplinam quasi
t empe st ate de lati a d eam tamquarii
a d saxum adhaerescunt. Isto os con-
duz a extremos, não só indignos do
homem Chrisréo . mas do homem ,
que em tudo se dia*, e em tudo quer
ser conhecido como Filosofo. Divi-
dem-se os doutos de huma Cidade em
duas opiniões : elle se decide por hu-
ma ... não porque- entenda o que elia
em si contêm , nem a doutrina que
çncerra , nem as razoes em que se
funda,' mas só porque he opinião de
algum seu adherente, ou porque he
a primeira de que ouvio fallar , e foi
imbuído , ou porque levado de hum
certo material iniíincto, se persuadio
que era a melhor 5 e a mais acerta-
da. O mesmo digo de hum aconteci-
mento remoto , que de huns he affír-
mado , e de outros he negado , e con-
trovertido ; se o partido arnrroativo^ o
ganha, já para elle não he opinião,
mas Verdadeira sciencia , ainda que as
t 17 •
mas provas não sejáo daquellas , que
o público exige , isto he , capazes de
desterrar do entendimento tcda a som-
bra de duvida. A maior desventura
he * que huma vez queelle se haja
declarado por hum partido , ou toma-
do a afirmativa , ou a negativa , ja-
mais dá lugar a exame , ou áquella
indagação da verdade, que he indis-
pensável para huma , ou outra cousa.
Fica para sempre desprezada esta in-
dagação , e em seu lugar apparece,
como sempre vemos 5 huma animosi-
dade intolerável , hum discorrer fre-
nético sobre o mçsmo objecto , por
oue salte aos olhos a evidencia
do centrara Se apparece hum escri-
to , he frauaoienío , como observamos
em certos periódicos efémeros , e sup-
primides , que apparecêráo entre nós j
se nelies vinha alguma ai legação, era
sempre truncada, e infiel, esó cons-
tante vemos em hum deli es ainda ã
furto introduzido , como o mais in-
cendiário de todos es papeis , huma
fadiga, hum afan quasi perpétuo de
língua para engrossar o tenebroso oar-
' B
*** iS ***
tido da revolução, edo cáhos. Qual-
quer dos adeptos deste monstro, que
dá lstido ao longe , foge como do
Demónio de todos aquelles3 que com
à razão, e com a verdade o poderiio
tirar dos braços da illu^ao , e do en-
gano. E quando se não pode esqui-
var de quem lhe rasga a funesta ven-
da que lhe tapa os olhos , ouve as
suas mais convincentes provas com
torvo semblante , com rizo amargo ,
e com todo o ar , e gesto do enjoo ,
e do fastio -y e toda sua resposta ser^
huma rija trovoada de palavras , e
horrenda tempestade de contumelias.
Nenhum de vós se equivocará com
este retrato ; e eu não me admiro tan-
to da pertinácia com que hum mem-
bro da confraria tenebrosa resiste á
evidencia das razões , quanto da du-
reza com que persiste aíferrado aó
partido assollador , vendo , e sentindo
em si mesmo as desgraças , os exter-
mínios , as infâmias , que elle volun-
tariamente attrane sobre sua cabeça.
Estes que tendes ouvido , sião os
effeitos , e as obras do espirito de
ê i? ê
partido , que inficionão pòr certo , e
endurecem a vontade ; mas eu devo
agora só fallar-vos da infecção que'
rrazem ao entendimento. Esta conta-
giao , ou contaminação o torna , a des-
peito d* evidencia , pertinazmente cré-
dulo nas cousas , que são favoráveis
a seu modo de sentir , e de enten-
der , e pertinazmente incrédulos nas
razoes contrarias , ou oppostas aos
seus funestos principies. Dizei a hum
destes malvados , que a revolução
trouxe todos os males as presentes
gerações ; mostrai-lhe para provas
Sesta verdade a Europa em cadêas ,
õs thronos aviltados , ou aniquila-
dos , a liberdade extincta , as leis
eccarnecidas ; mostrai-lhe a terra hú-
mida de sangue , e lagrimas de tan-
tos miseráveis ; mostrai-lhe o pranto
de tantas viuvas , o desamparo de tan-
ros órfãos , a consternação de tantos
pevos , o abatimento , e miséria de
tantas Nações , o desprezo , e profa-
nação de todos os direitos, a disper-
são de tantas famílias ; mostrai-lhe
* Re)igi4o perseguida , os Templos
B 2
$ 20 %$
desacatados, a moral vilipendiada , a
Evangelho em problema na boca do»
Ímpios : olhar-vos-ha com desprezo ,
e com hum ultrajante surrizo , a que
chama a expressão da sua compaixão
pela vossa imbecilidade ; e se se di-
gnar fallar-vos , e responder-vos , dir-
vos-ha ou que sois atrevidos, e teme-
rários (como a mim já se me dis-
se ) em querer penetrar os profundos
arcanos de hum monstro imperante,
ou que tudo isto he preciso para o
plano geral da causa continental , e
para os grandes preliminares da paz
maritima. Tanto cega , e tyranniza o
espirito de partido. Fallai a este mes-
mo homem em futuros brilhantes ,
cm canaes abertos , em Poetas resus-
citados , vereis como se lhe banha o
impudente , ou estúpido rosto de rizo
consolador , clamando , que estes três
grandes, e importantíssimos objectos
realizados forma ria o a gloria , e a fe-
licidade deste Reino.
Ora sahindo desta esfera dos a-
conteeímentos , que ranto nos atormen-
tarão na ordem civil > para a esfera.
• » 1
da Religião , a experiência de todos
os séculos Christãos me obriga a di-
zer , que huma alma invadida do cs-
prito de partido , he de todas amais
disposta a rebellar-se , e a separar-se
da crença Catholica , porque não ce-
de nem á authoridade \ nem aos mila-
gres. Ainda que vejãô , dizJesuChri-
sto , resuscitar hum mono, na o acre-
ditarão ; e como se hum verdadeiro
•Demónio a possuíra , tanto mais se
obstina em sua cegueira , e propósi-
tos, quanto he mais clara, e brilhan-
te a luz da verdade opposta , que el-
la considera como inimiga.
E não se vê isto manifestamen-
te no que aconteceo ao Verbo increa-
do feito homem entre os povos da
Judéa ? Nos primeiros annos de sua
vida santíssima começarão os homens
a se dividir a seu respeito em diver-
sas, e oppostas opiniões; mas toda
a diversidade, e contrariedade consis-
tia ao principio em acreditallo mais ,
ou menos Santo , e em o conhecer,
ou nao o conhecer pelo esperado Mes-
sias. Quem dizem os homens , que se-
<t ** *
J3 o Filho do homem? Perguntou el-
le hum dia a seus discípulos , e elles
lhe tornarão : Huns dizem que sois
João Baptista , outros Elias , outros
Jeremias, ou hum dos outros an isos
Profetas. Porém quando por artificio,
e instigação dos Fariseos este grande
objecto passou a formar partidos , e
opiniões , não se tratou mais de sua
maior , ou menor santidade , mas so«
bre a bondade, ou sobre a tr.alic a ,
e não sobre qualquer malícia , mas
sobre a maior que se pôde considerar
em hum homem , a malícia de hum
Jrypocrita > de hum seducror do po-
yo , de hum inimigo declarado das
legitimas authoridades. Huns dizião :
He bom ; outros dizião : Não , mas
he hum seductor das turbas. Dizer de
Jesu Christo , que elle não era nem
tão grande homem , nem tão grande
Santo, como outros o publicavão, e
acclamavão , seria hutna contradicção
çle quem julga de hum modo divers^
fias outros homens ; mas isto não se-
ria huma contradicção própria do es^
pinto de partido. A este espirito to?
\* *3 **
eiva , e competia , segundo -a sua na-
tureza , levar as cousas ás ultimas ex-
tremidades , e accumular a Jesu Chrisro
as mais escandalosas maldades, até o
fazer author de nefandas rebe ilides , e
enormíssimos attentados centra o ?ú*
blico socego : Seâncit iíírbas , aírir-
mando que estas asserções não erao
effeitos de meras conjecturas, mas ar-
gumentos da verdade, e da experiên-
cia. No? schnus , quia hic homo pec*
cator est.
Mas por ventura acreditarião el-
Jes intimamente isto mesmo que pu-
blicavão de Jesu Christo ? Sim , Se-
nhores , eiles acreditavão isto que ài-
ziao , e tanto mais o acreditavão,
quanto mais crescia , e se dilatava a
fama -de seus milagres, e quanto mais
robustas erao as provas de sua santi-
dade, e virtude, porque na verdade
não he crivei a animosidade , a dure-
za , e a cegueira , que derrama na al-r
ma do homem a mágica força disto ,
que se chama espirito de partido.. Eh
não sou hum homem, nem de cara*
ctçr, nem de autiiQrida4e, de letras.
& 24 t
e talentos taes , que possa suscitar par-
tidos ; mas se o fosse , e em vós hou-
vesse as disposições necessárias pa-
ra -me- seguir \ em primeiro lugar
eu vos pediria que o não fizésseis , se
o não podesseis , ou o não soubésseis
fazer de outra maneira que não fos-
se a do espirito de partido ; e vos di-
rei também que o meu nome, a mi-
nha fama, e á minha opinião nao me-
recia ser defendida com tanto dispên-
dio da vossa paz , e com :anto escân-
dalo quanto causaria hum sci?ma , e
huma separação hosti! nvrevòs. Ain-
da vos direi mais , que todo o vosso
afan , e trabalho de nada me apro-^
veitaria ; peio contrario accenderia , e
inflammaria contra mim ainda mais
aquelles espíritos , que fossem escravos
desta paixão , da qual he próprio
crer, e dizer todo ornai possível dos
outros , quanto mais opprimida se vê
da authoridade contraria , e das con-
trarias razoes. Em mim tendes a pro-
vada experiência desta verdade quan-
do me resolvi , e determinei atacar a
uiais ridícula de todas as manias , *
& ^ &
Cjtiem eu honraria muito, se lhe dei
se o nome cie opinião, Vós sois tes~
xemunbas das soltas tempestades : que
contra mim levantou o espirito de
partido : fama , nome , reputação , tu-
do foi sacrificado.
E que será do homem quando
se resolva a tomar hum partido por
-hum parecer, por huma prática , por
hum systema , que seja perigoso , ou
contrario á Fé ? Acontecerá o que a-
conteceo sempre na Igreja de Deos,
que elle , e seus sequazes depois de
não longo tempo de tumultuosas , e
fraudolentas disputas , longe de se con-
fessarem vencidos , merem debaixo
dos pés as mais veneráveis -authorida-
des, e até as formaes dererminacce^ ,
e decretos do throno Apostólico* A-
contecerá , que cessando algum medo ,
cu pavor que osimpellio a darem al-
guns signaes , ou a mostrarem alguns
vestígios de submissão , tornem de
-novo a espargir dissimuladamente , e
como entre sombras as sementes de
sua nunca deposta , nem renunciada
opinião. Perguntai hum pouco a qual*
& %6 &
quer dos Povos rebeilados contra a ver-
dadeira Religião , se se interessarão
muito em o principio pela doutrina ,
que este , ou aquelle innovador lhes
annunciava ? Responder-vos-ha que
não, frias que visto ter o mesmo in-
novador a astúcia , ou o talento de
se formar hum partido, dilatando-o,
eengrossando-o até no meio da Ple-
be , então pouco a pouco passará da
submissão devida á Igreja, á indiíFe-
rença ; da indiferença á animosida-
de; da animosidade a hum manifes-
to furor ; e levado deste Ímpeto ce-
go , e fanático , fechando os ouvidos
aos brados da razão , e da justiça ,
chegara até a tomar nas mãos as ar-
mas, e a estabelecer, e arreigar com
ellas a própria crença. E tende por
cousa assentada , que esta , que vos
tenho fielmente exposto, he a histo-
ria de todos os scismas , e de quan-
tas heresias tem até agora despedaça-
do , e ainda despedação o seio pu-
ríssimo , e santíssimo da nossa Fé.
Estes scismas , e estas heresias sem o
espirito de partido que as ajudasse 9
«?* a;
a»
£ sustentasse , ou nao houverio tida
es.stencia, ou nao a terião fjra da-
quelas cabeças ou ignorantes , ou vol-
ca nicas , e sacrílegas , que a? inventa-
rão , e produzirão.
Esta experiência tão notória , e
tão lastimosa , como sabe .qualquer
que sabe alguma cou--a , augmenía so-
bre maneira a admiração que me cau-
sa o silencio funesto , que os Orado-
res sagrados tem guardado sobre hu-
rra semelhante paixão , deixando de
admoestar os Povos sobre a força in-
crível que dia possue de obscurecer.*
e anuviar os entendimentos mai: cia-
res ? de seduzir as almas mais pene-
trantes , de subverter , e arruinar as
consciências mais delicadas a tá as tor-
nar surdas , e desprezadoras de to-
dos os clamores do Evang-iho , e
de todos os respeitos devidos á Reli-
gião.
Eis~aqui porque eu vos peço , que
se vos he amável a verdade , que a to-
das as vistas vos deve ser amabiJissi*
ma, se he para vós apreciável o do-
te singularissimo da razão que Dees
vos fts 02^0, cu vos peço, que vos
não alisteis jamais , nem militeis de-
baixo das revoltosas bandeiras de qual-
quer partido; vede que se endurecerá
de moJo tal o vosso coração , que che-
gareis a ser dominados , e pizados co-
mo vis escravos. Vigiai sempre , è
não vos deixeis levar senão da equi*
dade; abri os olhos á verdadeira luz,
segui sempre seu fulgor , e seus im-
pulsos ? por mais que contra vós se
arme § e queira guerrear o empenho ,
-a antiparhia , ou a amizade , que em
nenhum coração deve ter tanta for-
ça , e predomínio que o faça inimi-
go da verdade ; ou menos parcial da
justiça. Conheço perfeitamente , e até
por experiência , que existem entre
nós muitos , que querem escusar em
si o espirito de partido com as leis
-da amizade ; mas inútil , e indigna-
mente o querem , porque as leis de
huma verdadeira amizade são inimi-
-gas juradas de suas acções irracionaes,
-e de seus cegos transportes. Onde,
■senão entre gente barbara , e inculta ,
ise vio, ou se escutou jamais este es*
it 29 t(
tranho medo de discorrer : aquelle lie
do numero de meus amigos, logo he
preciso que eu entre sem outra razão
em seus sentimentos, e paixões, he
preciso que eu me vista de seu cara-
cter, que me ponha da sua parte, e
que por clle peleje ; he-me preciso
perseguir quem o persegue, infamar
quem o infama , discorrer como elle
discorre : cffenda-se embora a Fé f a
iustiça , ea verdade. Onde, senão en-
tre gente barbara , e povos devasta-
dores, se escutou este modo de pen-
sar, e de sentir? Ecual he o Povo f
até á época do presente Vandalismo,
ende se não escuiou aquella contraria
sentença nascida no mesmo seio da
Icloiatria : Amigo até aos Altares y
que quer dizer que he pe-sima , e de-
testável aquella amizade , a qual se
sacrifica ou a verdade , cu a carida-
de , ou como acontece não raras ve-
zes , a mesma Religião.
He neste passo que o 2<clo me
referve n' alma , e todo me abraza o
coração , e mo devora pelo bem da
Paíria, e da Religião, me obriga á
*> fj •
tíàmar contra as contradicçôes emqtití
ãndão comsigo mesmos os modernos
Filosofantes , cujo peitifcro , e subtil
veneno tantos indivíduos tem corrom-
pido até no meio do fidelíssimo Po-
vo Portuguez. Estes Filosofantes com
hum diluvio de palavras até corru-
ptoras de nossa maternal linguagem >
dizem em todos os lugares , e escre-
vem em 'todas as paginas, que o ho-
mem deve fazer uso da própria razão
até nas mesmas matérias de Fé, erros
mais profundes Dogmas que ella nos
ensina; e estes mesmos que assim cia-
mão , que assim dogmatizáo, easçim
se assoalhão por gravissimos pensado-
res são os mais levados do espirito de
partido , que he o maior , e o mais de-
clarado inimigo de toda a razão. E
he possível que não conhecão , que
discorrendo desta arte fazem da pró-
pria razão hum uso inútil, e arrogan-
te , devendo fazer da mesma razão hum
Uso' proveitoso, e necessário! He ne-
cessário , e proveitoso o uso que se
ftz da razão humana nas cousas hir-
manas , mas he arrogante, eiautil o
£
que se faz da razão humana nas coe-
sas divinas ,' e he tal a cegueira des-
tes soberbissimos átomos da sapien-,
cia gazetal , que quando rallão das
cous2s humanas , fallão y e sentem con-
forme a índole da paixão do partido
que tomarão ; e quando fallão das cou-
sas divinas , não querem acreditar se-
não aquillo que chega a comprehen-
der hum entendimento orfáo de lu-
zes , e huma razão sempre envolra nas
sombras da ignorância > duas vezes ce-
gos, nas cousas humanas cnde pode-
riâo ver , e nao querem ; nas cousas
divinas onde quererião ver, e nao po-
dem : Videntes non vident , et ãtidisn-
tes non intellipvnt.
Mas tornando a vcs com o dis-
curso , eu vos considero bem alheios
de quererdes introduzir o espirito de
partido em matérias de Religião; mas
se em outras matérias lhe dais lugar y
he porque ignorais o que ç\1g seja, e
quão impróprio, e ind;gno pareqa da
razão humana; ?e o conhecêsseis , eu
fico que nao quereríeis fazer a vós
mesmos huma tão grande injúria co
* t* é
mo he aquella de dever dizer sem*
pre : Eu amo , eu aborreço , eu lou-
vo, eu reprovo , eu sigo este pare-
cer , eu refuto aqueloutro , mas nãa
sei o porque , nem outra razão me
posso dar mais que hum certo instin»
cto semeihante áquelle , que move as
operações dos brutos , e que lhe mo*
veria a língua , se livessem o dom da
palavra. Mas se quereis desviar-vos-
desta mancha da natureza , e até do
perigo de a contrahir , e se quereis
para isto acceitar-me hum maduro
conselho , e escutar, e entender quaí
seja a prática mais segura , sabei que
nas diversas, e encontradas opiniões
que todos os dias surgem, e nas con*
tinuas vicicitudes das cousas humanas,
que todos os dias vão fazendo tão
grande estrépito pelo Mundo , se vos
não tocarem por algum respeito do
vosso estado , e condição , não to-
meis nellas parte nem com a obra ,
nem com a palavra, nem com o pen-
samento , se tanto vos for possível , se-
não quereis perder o tempo , a paz ,
a consciência , c faltar a vossos essen*
* 33 *
ciaes deveres por muito vos intromet*
terdes nos alheios.
Esta causa que seguis , que em
tudo vos impece > que tanto vos atri-
bula, e vos consome j que tanto ba-
ralha vossos pensamentos , que vos.
faz commeíter tantos pecc^dos de o-
dio , de maledicência , de contume*
lias , de temerários juizos , e de cul-
páveis complacências ; esta causa , di-
go, não he vossa, nem vos toca por
maneira alguma , mas he causa de hum
estrangeiro , de huma Nação , de hum
Príncipe , que não he o vosso , eque
o não será jamais. Eseeu vos disser
ainda mais : Esta causa , porque tantos
se decidem , e por quem tem tomado"
partido ,- he a causa da iniquidade >
da perfídia, daoppréssão, do roubo,
da violência, da irreligião, da ruina.
total de todos os Povos , de todas as
leis , de todas as constituições , que os
homens se havião ha tantos séculos,
formado , e á sombra das quaes vi-
vião tranquilios , e descanqados ? Para
que vos martyrizais , e consumis tan-
to ? Para que vos privais voluntária-
C
# 34 *
mente de tantos cómmodosfPara qtie
vos expondes com ella, e por ella a
tantas desgraças^, não sem damno, c
damno muitas vezes gravíssimo, e ir-
reparável da vossa mesma Patcia qutí
aborreceis -como ingratos , e a quem
perseguis como ferozes monstros ?•
Mas inúteis são , e serão sempre meus
brados , se elies forem dar nos ouvidos
de alguns , que existirem tomados , e
possuídos de rão cega , e abominavei
paixão. Vão sempre de abysmo eni
abysmo , nenhuma razão os convence ,
nenhuma experiência os desengana 9
nenhuma desgraça os contêm 3 nenhu-
ma infâmia os envergonha. Mostra i-
Ihes a Capital em sustos, mostrai-1 hes
as ruas, e as praças atulhadas de mi-
seráveis desterrados , e fugitivos com
os pés descalços , os vestidos immun-
dos , os rostos macilentos , os olhos
afFogados, e quasi extinctos de pran-
to ; fazei-lhes escutar os ais , que rom-
pem de seus corações partidos de má*
goa , os dolorosos clamores com que
pedem hum pão , que lhe prolongue
a imperfeita morte que comsigo ar-
t n *
râátrãò , que já não he vida , é exk-
tcncia ; mostrai-lhe tantas mais , ambu-
lantes estatuas da desventura , apertan-
do nos x acamados braços os filhos f
ou cadáveres , que buscão languidos
o? defecados peitos , donde tirão não
o leite , mas as ultimas gotas de já
nem tépido sangue ; abri-lhes aquella
porta da pobre casa , onde a meus o-
lhos se offereceo , e patenteou o mais
terrível , doloroso , e sensibilissimo es*
pecta.culo , qíie os séculos tem visto
sobre esta grande scena de horror , e
desventuras , que se chama Mundo ;
huma , e á mais desgraçada mãi , mas
já cadáver frio , com a gelada cabe-
ça ainda encostada na descarnada mão ,
com os olhos mal fechados , os pés
descalços , e estendidos , e hum íris*
te menino envolto em miseráveis pan-
nos , pegado ao frio peito livido , e
horroroso como a sepultura , mal sus-
tendo nos trémulos beiços o ukimo ar-
ranco , e procurando por hum instin*
cro maturai conservar a vida sobre hum
despojo da morte. Levai-os aos mais
*ev amados moníes desta mesma Capi*
C 2
& 36 &
ta! , c mostrai-lhes os arraiaes dos bar*
baros , e como indignada a terra de*
baixo de seus pés infecunda, e abra*
zada ; mostrai-lhes os grosas turbi-
lhões de fumo rasgs dos pelas lavare-
das ca sacrílega conflagração de tan-
tos Pcvcs, de tantos Templos , de
tantos Mosteiros , de tantos monumen-
tos que o valor, e a Religião tinhão
levantado, ecs séculos tinhão respei-
tado ; mosírai-lhes tantos campos ta-
lados, e ermos, onde nem tumulo en*
contra o os que delles tiravão , e ar-
rancavão com suor o sustento da vi-
da: mostrai-lhes tantas dcnzelias vio-
ladas aos olhos de seus mesmos pais,
tantas matronas profanadas na presen-
ça de seus mesmos esposos: mostrai»
lhes os ardentes vestígios da lava , que
de seu seio vem vomitando o vulcão
vandálico por onde quer que passa ;
mostrai-lhes.. . ^u direi tudo, mos-
trai-lhes hum só Francez , mostrai-lhes
o inferno , e ouvir-lhe-heis dizer tran-
quillos , e barbaramente estúpidos , que
tudo he preciso para se ultimar a paz
marítima ; que o bem da causa comi-
&é 2 7 »**
nental traz comsigo esres ligeiros ma-
les , bem corno a ordem , e formosu-
ra da Natureza rraz comsigo a osci-
lação da terra , e o pavoroso appara-
to da tempestade, e do raiei que se
os homens conhecessem os seus verda-
deiros inreresses , que he aeceder á cau-
sa continental para vir o futuro bri-
lhante, e se começarem os canaes a
abrir , e os Poetas a resuscitar , até
havião de apetecer, que esta confla-
gração , que reduzio a cinzas duas es-
téreis , e insignificantes Provindas , se
estendesse a todas as manufacturas Bri-
tânicas... Oh Ceos ! E porque nSo
direi que estas blasfémias contra a ra-
zão , e contra a Natureza talvez sahis-
sem de algum daquelles asiles da pie-
dade , que a máo de nesso primeiro
Monarcha levantara , ertáp liberalmen-
te enriquecera ! Monstros vomitados
pelo Inferno , deshonra da espécie hu-
mana , e eterno opprobrio do nosso
perseguido Império ! Corramcs hum
véo espessíssimo , e sombrio sobre es-
tes horrores.
He pouco ver , como temos yis-
. £ 38 tt
to , tantos indivíduos tocados deste
mal , levando-o cprasigo por onde quer
que dirigem os passos para inficiona-
rem , e corromperem os outros. Eu,
sei de algumas casas , e o tenho escu-
tado de outras , que seriáo por cari-
dade fraternnl , e por união de vonta-
des huma viva imagem do Paraizo ,
se nella não houvera penetrado a es*
pirito de partido. Todos os ânimos ahi
existjão algum dia concordes : não se
escutava a expressão do ódio , e da
amargura ; o discreto império 5 e a de-
vida dependência conservavão no seu
seio huma tranquiliissima paz. Mas a,
desgraqa , ou mais depressa o Demó-
nio , quiz que hum , ou dois çlaquel-
la familia se deixassem embair , ou ar-
rastar do funesto partido dominante
no Mundo , repentinamente fugio a
paz daquelles ditosos lares j o ódio,
a altercação , a contumelia transfor-
marão aquella casa em hum campo
de batalha , ou em huma fornalha sem-
pre ardente de desordens , e dissabo-
res, e talvez que não só para a ge-
ração presente, mas também para a
& 39 •
geração futura. He. possível que em
hum Mundo , onde já são tantas as
causas , e tão poderosos os motivos
dos dissabores , e onde as paixões hu-
manas , e os verdadeiros vicios dos
homens semêão tantas discórdias , e
póe tantos obstáculos á caridade fra-
ternal , queirão os homens acinte com
este espirito de partido , chamar so-
bre si novos desgostos , novas inquie-
tações , novos peccados , fazendo nos-
sos os negócios alheios , nessas as cau-
sas da iniquidade , e da perturbação'
publica , e particular dos outros Po*
vos, e Nações estranhas? ..
Ainda chega a mais sua demên-
cia, e frenezira : querem fazer pró-
prias as offensas alheias. Dilatão o ex-
cesso , e a loucura de ter • e de tratar
como offen sores , e como inimigos a-
quelles, que ou são d'ourro partido,
ou não são daquelles , que elles se-
guem. A este cúmulo de mal se che»
ga em Lisboa, como se chegou em Je-
rusalém depois que se formou a liga ,
e o partido contra o Redemptor do
Mundo; Que razão havia para tratai?
0 4o it
como excomungado o mancebo cego
de nascimento ^ e lançallo fora da Sy-*
nagoga ? Nenhuma outra razão mais
do que haver sido restiruido porjesu
Christo como hum milagre á luz do
dia , de que nunca gozara : Et ejece*
runt eum foras. E que razão havia
para fulminar a mesma pena contra
seus progenitores r Não havia outra
mais que haverem estes cedido í evi-
dencia, e terem testificado por grátis
dão aqueile milagre. Qonspiraverani
Judei , ut siquh eum confitereiur es*
se Christum extra Synagogam fierit.
E que razão tem tantos, e tantos de
separar-sev não sem escândalo, do a-
nimo, e da pessoa de hum íntimo pa*
rente, de hum honrado Concidadão , a
quem são unidos com os laços de san-
gue , e a quem devem ser mais estreia
lamente unidos com as prizoes da Ca*
ridade Christâ ? Não ha outra razão
senão ser aqueile hum parente , hum
amigo , huma família , que não sen-
tem como elles sentem , nem seguem
aferrada mente o partido que elles se?
guem. Ora eu ráo creio que algum
4i **
M»
de vós me queira perguntar se as ex-
posta? hostilidades serão escandalosas
fraudes , se rantas obras , e ramas pa-
lavras de quem he p2Í o espirito de
partido, sejáo peccados? Se esta per-
gunta fosse feita a algum engenho
mais agudo , a'gum entendimento mais
-illustrado do que o meu , mas domi-
nado desta paixão , e contaminado
desta pesre , eu fico que lhe diria que
■na o èrâo peccados. Eis-aqui ourra não
menos deplorável cegueira , que esta
psixáo derrama nos entendimentos ,
*]ue chega a suffocar , e aniquillar nel-
Jes os ulúnos vestígios da ra?ão , e
.da justiça.
Mas se estas cousas sao verda-
deiras, dirá algum de vós, C)mo ver-
dadeiras semostráo pelos factos,- não
poderá, nem deverá jamais haver no
-Mundo diversidade de génios, oudi^
versidade de opiniões , e pareceres.
Respondo, que pôde haver opiniões,
c pareceres diversos, mas sem espiri-
to de partido , dizer o contrario seria
privar a razão humana, e o entendi-
mento humano de sua honesta, ede»
# 4* tf
vida liberdade. O Apostolo não só
permittio a cada hum poder sentir nas
cousas , e negócios humanos que acon-
tecem, como razoavelmente lhe pare-
cer , mas abundar alguma cousa em
seu mesmo sentido , e opinião: Unus-
quisque suo sensu abundet : só prohi-
bio abundar com aquelle calor, per-
tinácia, e emulação, que apagão , ou
que minorao o espirito da caridade :
Charitas non aemidatur , non infla-
tur 5 non agit perperam* Deos creou
o Mundo , como elle protesta no Ec«
clesjastico , o póz nas mãos dos ho-
mens , deixando-o a seus estudos , e
a suas disputas. E por isto poder-se-ha
dizer que elle introduzira no Mundo
o espirito de partido ? A Igreja per-
mute a diversidade de opinar nas cou-
sas não essenciaes , e todavia indeci-
sas , de Religião , e por ventura se-
meou elia entre seus filhos a zizania
da discórdia ? O Senhor concedeo , e
approvou a divisão das possessões , *
divisão dos domínios , e por isto he
Deos acaso o author das contendas,
ç dos litigiosa As guerras, as. liei»
* 43 £
gios , as animosidades , as fraudes quê
jos acompanhão, não rem de Deos ,
tmas das nossas paixões. Undc hella^
et lites in vcbis ? Kon n? hinc ex
concupisccritiis vestris* E verdadei-
ra guerra he aquella que se faz corn
.o espirito de partido , e guerra não
qual a faziao os Monarchas Catholi-
cos , mas qual a faz o monstro que
quer tyrannizar o Mundo , na qual
toda a perfídia lhe parece honesía ,
com tanto que contribua ao rim de
suas escandalosas usurpações, usando
indisrinctamente da mentira , e da ver-
dade , da sciencia militar , e da trai-
ção , e servindo-se de todas as mal-
dades como de cousas indiíFerentes.
Oh caridade ! oh Evangelho ! oh
entranhas de Jesu Cnristo , patentes até
áquelles mesmos, quesedeclarão seus
infensissimos inimigos ! E poderieis
vós esperar ( perdoai-me este desafo-
go , es?e transporte da minha dor ) e
poderieis vós esperar , que se devesse
pregar o perdão , e a paz a quem não
foi ultrajado , § offendido , mas que só
a si mesmo se offendeo , c se ultra-
tt 44 tf
jou, offendendo, e ultrajando sua ra-
.zao i constrangendo-a a dobrar o pes-
coço ao jugo férreo das leis , e da ty-
rannia de hum partido, que o preci-
pita em mil en os, que o contamina
com mil culpas? Mas de outra par-
te são tão fortes as razões contrarias ,
que vos tenho declarado , e tão me-
donho , e abominável se mostra por
todos os lados o brutal aspecto do
espirito de partido, que se á sua vis-
ta vós me dissésseis que o não que-
ríeis abandonar para sempre , eu o não
acreditaria • e tenho por cousa firmís-
sima , que ajudando- vos Deos , que he
hum Deos da verdade , e da paz , o
expulsareis de vosso coração, se nelle
lhe tendes dado entrada , ou que lhe
fechareis para sempre as portas , e vos
não deixareis contaminar de seus háli-
tos pestíferos.
Antes que adiante o meu discur*
so , e chegue com elie a pintar-vos
os terríveis efeitos deste espirito de
partido, não só pelo que pertence á
Religião ; mas pife que pertence á
sociedade, deixaiqueeu vos diga que
«? 4? É
a maledicência assim" como he a-arma
mais fácil , assim também lié a mais
commum do espirito de partido. Nem
todos tem astúcia, nem todos tenr ca-*
bedaes , nem to-os tem amizades po-
derosas com que facão guerra ao bem
público, e sustentem huma opinião,-
ou persigão a mesma Pátria- que lhes
déo o berço ; mas todos tem huma
língua com que rebatão hum mérito,
com que obscureçao hum nome; eos
mais imperitos a costumão ter sem-
pre mais atrevida que os outros-, e
sem se eccuparem em discursos sobre
cousas particulares, que pedem en:en-
dimento , e perícia , dirão huma lou-
ca malignidade, S tão poucas tenho
eu ouvido ? DHo , para irem por
diante com o partido 5 a rebatida fra-
se do concelho dos ra:ucs cc-s doira-
dos domicílios da criípu-a , que.nós
devemos suecumbir , percue o monstro
recruta em teda a Europa, isto que
he hum perfeitíssimo deliria he o si-
gnal menes equivoco doespirito.de
partido. Do Rçderr.ptc.r do Mundo
disserão estólida mente seus inir
B 4* &
em Jerusalém : Nunquiã potest ali*
quid a N azar et h boni esse ? Eis-aqui
huma «laneira bem compendiosa de
eonfotar a santidade , a doutrina > e
es milagres do Messias , dizer , que
de Nazareth , donde eile era , não po-
dia vir cousa boa. Pois os habitantes
de Nazareth não são homens ? Não tem
entendimento ? Não prcfessão também
a mesma lei santa, que os de Jerusa-
lém professa vão ? Isso he verdade ,<
mas de Nazareth não pôde vir nem
bom zelo , nem boa doutrina , nem
cousa que boa seja. Dissessem ao me-
nos que hum Nazareno, ou dois Na-
zarenos tinhao podido errar comoer-
rariâo outros tantos , c mais em Je-
rusalém. Mas dizer que todos ! Cons-
tituir a todos na absoluta impossibi-
dade de obrar bem , de pensar bem ,
de fallar bem ! Isto que parece hum
portento de cegueira , e de inveja ,
tem sido sempre conhecido por hum
effeito naturalíssimo do espirito de
partido. Mas qual he a intenção , ou
o fim desta maneira de fallar ? O seu
fim nem he, nem pôde ser outro mais
it 47 it
que denegrir, e abater a fama alheia;
e fazer triunfèr a obra da iniquidade.
Huns murmurao no Mundo por di*-
cacidade, outros por passatempo pa-
ra que a conversação não seja muda ,
nem insipida a companhia ; mas ne-
nhum destes motivos obriga a fallar,
e discorrer esses inimigos do públi-
co socego , esses fataes anarchistas ,
esses voluntários gratuitos , ou escra-
vos emissários do Tyranno, não que-
rem mais que a propagação , e a di-
latação do sy stema destruidor , que
para ser aborrecido basta unicamen-
te ser conhecido, e contemplado. Ss
vos quizerdes , sem paixão , lançar hum
instante os olhos sobre seus eífeitos ,
então vós podereis formar huma ad-
quada idéa de sua infernal enormida-
de.
Considerai a Europa no estado,
na situação, na época em que a aui-
zerdes considerar, vós não descobri-
reis nella hum quadro tão horroroso
como agora se vos apresenta. Consi-
derai-a naquella já de nós remota , e
apartada época , em que se comeqou
* 48 »
$ estender , e engrossar ò espahtoço*
Impei 10 Romano , vós vereis a Gèr>
íiUnia.rcjuasi vencida, as Gaiias avas-
saladas , a Hespanha depois de per-
tinacíssimos combates de duzentos an-
bos submettida ao jugo; passai.com:
a imaginação o Adriático , vede a
Epiro subjugado , a Grécia dividida „
a Macedónia , a Trácia agrilhoadas ,,
a Syria j e seus vastos Reinos asober-
bados pelas Águias, tyrannizados por
orgulhosos Procônsules. Vede Crasso-
accommettendo a Arménia , vede-o in-
feliz , mas destruidor entre os Panhoív
Vede Pompeo levando no coração a
Republica , e a conquista , encadean-
do ilhota a numa as Ilhas do Medi-
terrâneo , arvorando as Águias até as
vertentes do Nilo , assustando o Eu-
írates, desfechando raios na aterrada
Mesopotâmia, penetrando triunfante
pela Palestina , e deixando por- toda
a- parte cadeas , e pavor. Retrocedei .
hum pouco com a imaginação , e ve-
de na Mauritânia Tingi. ana os dois
Scipióes , e apôs elles o ferocíssimo
Mário conservando na condição pie-
% 49 # .
bea o cófa$ò de César , e a magna>
himidade de Alexandre, não deixan-
do huma pedra sobre outra pedra nos
levantados muros de Carthago. Vede
antes delle a mesma Itália assolada
pelas barbaras Legides Garthaginezas *
tomprando os Rorríanos huma só vi-
ctoria pela ruína de tantas Cidades *
pelos lutos de tantas famílias , pela
morte de seus illustres Cônsules . • .%
basta, Considerai a mesma Europa de-
baixo da dominação Romana no quar-
to , e quinto século da era Christã,
já dividi:'^ o vacilante Império , eop^
frímldò da sua mesma grandeza , g
cõinsnas intestinas discórdias, abrin-
do as portas á aluvião des Bárbaros ^
<jue do norte , e do levante da mes-
ma Europa rebentarão como vulcões ,•
e correrão a vingar as não esqueci-*
das, posto que antigas injúrias, que
á sua natural liberdade tinha fekd &
soberba Romana. Vede àquêlles den-2
sissitíKrô enxames deGépidas, de Sei-
tas , de Hunos , de Hérulós , de Vân-
dalos , de Godos , áéframándo-se co-
fcio impetuosas- torfétiteá àts iaonuf-
D
ie $o
nhãs da Scandinavia, por onde quef
que vem pondo os pés , não deixarem
outros vestígios mais do que estra-
gos, e cinzas. Já despedação o Im-
pério usurpador , e de cada pedaço
formão hum Reino 3 querendo a regu-
ladora Providencia , que aonde tinhão
chegado com o voo as Romanas A-
guias , ahi chegassem também os vin-
gadores dos ultrages , e affiontas,
que os conquistadores do Tibre tinhão
feito á Nacureza , e á sociedade hu-
mana. Penetra , e transpõe os mares
Genserico , e naquelía mesma Africa ,
onde tantos troféos tinha levantado a
vaidade Romana , levanta sobre suas
ruinas hum novo , e mais bárbaro Im-
pério. Considerai a mesma Europa no
começo do oitavo século , e vede a
mais espantosa vicissitude nos aconte-
cimentos humanos. Já sehaviao ama-
ciado os costumes dos bárbaros ; Th eo-
dorico , e Amalasunta íizerão leis , que
ainda admiramos > e o celeste poder
do Christianismo desarmou a fúria
Gótica , e viviao as Nações tranquil-
las: eis das montanhas, e dosareacs
fc Sr* *
**
da Arábia com a nova seita então le-
vantada correm legiões de novos con-
quistadores, a!aga-se de sangue a ter-
ra , e os mais florescentes Impérios
da Europa gemerão picados , e des-
truídos pela ferocidade dos Sarrace-
nos. Eis os homens sujeitos a novas
leis , e a novos dominadores , e pas-
são os séculos sem mudarem de gri-
lhões , e a terra não oíferece outro
espectáculo mais que o da miséria , e
da escravidão. Pois nós podemos cha-
mar a tantas catástrofes os séculos da
felicidade , quando as compararmos
com o quadro das calamidades , que
nos orrerece a Europa infelicíssima
ha vinte annes. Os estragos , que ella
sorfre • não pareceu: ser obra das mãos
dos homens , mas dos Demónios. Ve-
de a que se reduzio a magestade 5
grandeza, e constituição do Império
Germânico. Vede como está o poder
guerreiro da guerreira Prússia ; a in-
dependência da Polónia ; a mágestòsa
soberanb da Hollandâ ■; a divisão tran-
quilla , e equilibrada da Itália ; o po«
der pacifico de Roma \ a representa-
<r 5* $
jão de Nápoles, a politica, e diu?
turna existência de Veneza , a confe-
deração fraternal da Suissa , a liber-»
dade do Piemonte , o magestoso , $
venerável colosso da. Monarchia Hes-
panhoia , a conservação triunfante dg
Portugal ; vede tudo , e dizei-rae , sg
pode outra 5 ou mais medonha , ees-r
pantoaa a. \ín^g:m , e representa çao
4q cabos. Korrofisãorvos tan;as çzbz->
ças decepadas , tanto sangue vertido ,
tantas lagrimas derramadas , tarçtos lu.-»
tos constantes , tantas proscripqoe^
sanguinárias, tan os cativeiros injus-f
tissimos , pasmais de ver a Natureza
©frendida x a liberdade encadeada, a,
Religião perseguida , os homens trans-»
formados em fáras indómitas, e car-
niceiros Abutres ? Pasmais de ver ca-
dêas mais grossas , grilhões niais pe-
zados , escravidão mais insupportavel
do que a que vira , e sentira, a mes=.
ma Europa nos séculos mais barba-.
ros ? Assombra- vos ver que homens,.
q.ue se dizião fieis > e ÇhristianissU
mos , excedão 90 orgulho os Roma-
nos > na ferocidade o§ Seitas > $as des.-
<r f$ ft
fruições os Vândalos , na desHumaú
nidade os Hunos , m brutalidade .sen-
íual os Herulos, no fanatismo revo*
lucionario os Sarracenos % na condu*
çra , nas blasfémias , nas profanações ,
nos desaca.t.03 , pç*5 insultos feitas aos
jnqrros , e ás rr.escu* sombras dos
sepylçhros o$ Demónios > Pasnjaj&ile
ver Canib.iís na Europa mais $edeh«
tos d ^sangue, mais vagabundos, mais
carnivoros , mais incultos ? Adnairá^
vos ver huma nova Nação de Caraí-
bas t sem pátria , sem lares , sem re-
lações narura.es, e humanas? Trans»
porrais-vos de horror veado não nas
bordas do Aniasonas , roas nas m3r-
ganf do Tejo huma horda de Topi-
j?s estúpidos, brutos , insensíveis ^
sem idéas d 5 moralidade, commetten-
do assa s>; aos sem remorsos ,. roubos
sem turvaçao , incêndios sem emoção.
Tudo isco existe , tudo isto nós vi-
mos, e sentimos já três vezes. E se
vos não horrorisais multo , e quereis
ver tudo isto junto em hum só qua-
dro , eu vo-lo mostro. — Vede , e ob-
servai bem de perto hum apaixonado,
É ?4 ft
dos Franceses; seria Jionrallo muito
dizer que he hum Antrçpophag^; se
Satanaz se torna visível, eu não sei
quem seja mais o seu retrato... Per-
doai-me que não cabe em mim a dôr
de ver oabysmo em que hião lançan-
do a nossa Pátria , ò nosso Rei , a
nossa Religião . . . Perdoai-me , e pois
já me cancárao , ou se me secarão os
olhos de chorar , tenh'a o meu abafa-
do coração hum desafogo pela lín-
gua. Eu detestarei , eu ensinarei to-
dos o? séculos a detestar estes malva-
dos. Ha -quatro annos não derramei
ainda huma só lagrima , que suas Ím-
pias mãos as não expremessem de
meus olhos. E se estes espantosos ef-,
feitos vos assustão , fugi , Povos , fu-
gi , fugi! da sua causa , que he , esó-
inente he o Espirito de F ar tido.
Disse»
-. li
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