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Full text of "Sermão sobre o espirito de seita dominante no seculo XIX"

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<T: 


SERMÃO 

SOBRE   O   ESPIRITO   DE   SEITA 
DOMINANTE  NO   SÉCULO   XÍX. 


D.   O.    C 

AO  CLERO  PORTUGUEZ 

JOSÉ'  AGOSTINHO   DE  MACEDO , 

i 


LISBOA, 

Na  Impressão  Regia.  Anno  i8ií; 
Com  licença. 


Vende-se  na  loja  de  Desidcrio  Marquei  Leãôj 
n§  Largo  do  Çalharit,  ^  N.  iz. 


.  -  ... 


Dum  hpc  intelligaiMi  qtiod  intdligenditm  est  s 
tio  ti  magnopere  curandum  est  quid  vocetur. 

S.  Àug.  de  Gen.  adLit.  Lib.  16.  Cap.  4* 


*  3  U 

■ 
AO  CLERO  PORTUGUEZ. 

- 


A 


ssim  como  ha  vícios  commuíl* 
a  todos  os  séculos ,  da  mesma  manei* 
ra  ha  remédios  também  communs ,  € 
applicaveís  aos  mesmos  vícios.  Foi 
commum  ,  por  exemplo  ,  o  luxo  a  to- 
dos os  tempos,  os  Mestres  do Chri- 
«ianismo  invectivarão  o  luxo;  e  des- 
de os  discursos  de  S.  João  Chrysos* 
íomo  ao  Povo  de  Antiochia  sobre  es- 
te  vicio  até.  agora  ,  poucos  são  os 
Oradores  Evangélicos,  que  tenhão  dei- 
xado de  clamar  contra  esta  peste  da 
sociedade  civil  ,  e  assim  dos  outros 
vicios  dos  homens.  Mas  quando  os 
séculos  offerecem  novos  crimes  ,  de- 
vemos buscar  novos  remédios*  Os  ma- 
les que  sentimos  ,  as  desgraças  que 
supponamos  ,  o  transtorno  un  versai 
de  que  somes  testemunhas ,  nascem  , 
e  procedem  unicamente  da  exaltada 
ipalicia  dos  homens  pelo  espirito  de 
A  % 


tê  4* 

lium  partido  dominante.   Era  preciso 
atacallo  da  cadeira   da  verdade  com 
vegJadeiro  zelo  Evangélico  5   e  com 
hum  ardentíssimo  amor  da  nossa  Pá- 
tria ,  eis-aqui  o  que  eu  fiz  em  hum 
dos  Templos    mais    frequentados  ^}a 
Capital.  Eu  consagro  pois"  este  vehe- 
mentissirno  discurso  ao  Venerável  Gle- 
fo  Portuguez ,  atrevendo-me- a  fazer- 
lheihuma  súpplica  ,  que  talvez  pare- 
ça estranha ,  epara  alguns  génios  so- 
berbos ^ioéúkaàos ,  ofensiva  ;  e  vem 
a  ser,  que  o  preguem  ao  Povo  ,  É 
se  lhe  oferecer   occasiáo.    No/i  esse 
hnmilis  in  saplentia  tua ,  nos  d  iz  ■  o 
Espirito  Santo  no  Cap*  13.  do  Ecciés, 
Mais  de  24  annos  de  exercícios  ora- 
tórios me  dão   algum   conhecimento 
do  valor  dopresente  discurso ,  e  quási 
me  dão   a  authoridade   de  pedir  ao 
Venerável  Clero ,  que  o  pregue ,  e  re^ 
petidas  vezes  o  pregue,   porque  pó-= 
de  produzir   vantagens   para  a  Reli- 
gião,  e  para  o  estado.   Mas  se  vós. 
Veneráveis  Irmãos   em  J.  C. ,  achar- 
des outros  caminhos  ,  seguí-os  ,    dei- 
xai este  discurso  j  mas  combatei  o  vi- 


£* 


e\o ,  ainda  que  digais  de  mira  o  que 
disse  Santo  Agostinho  de  Cypria- 
no  :  Mãgnus  Cyprlanus  Orator  ,  sed 
maior  Petrus  piscator ,  per  qtiem 
credidit  non  solum  Orator ,  sed  et 
Imperator. 


' 


*?  7  <S 


- 


SERMÃO 

SOBRE  O   ESPIK1TO  DA  SEITA  DOMINAN- 
TE   NO    SÉCULO    XIX. 

Pre'gado    t:a  Igreja  de  Santa  Justa, 
na  tKi meira  Dominga  de  Quares- 
ma de  1 3 1 1 . 


Kon  rcclplt    stultus  verb.i  prudentlae  ,   nisi 
ea  dixeris   qua%  vevsantur  in  cordc   ejus, 

Prov.  Cap.    lg. 


JlN  Ós  reconhecemos  j  e  nós  sentimos 
em  nós  mesmos  ,  dada  pela  Nature- 
za,  huma  irresistível  tendência  ,  para 
indagarmos,  e  sabermos  as  causas,  è 
as  razões  daqueiles  effeltos  que  se  a- 
presentão ,  eofferecem  de  continuo  à 
nossos  olhos ;  desra  natural  curiosida- 
de nasceo  essa  a  que  chamamos  Fi- 
losofia \  que  ainda  que  ertí?  rigor  nãè 


ft  8  « 

dignifique  mais  que  o  amor  da  sabe- 
dória  ,  por  este  amor  da  sabedoria 
entendemos  o  conhecimento  das  cau- 
sas 'de  tudo  quanto  descobrimos  ,  e 
admiramos  em  o  vasto  seio  da  Natu-* 
reza  ;  mas  eu  ,  não  contente  de  me 
constituir  no  centro  deste  circulo  im- 
menso  dos  seres  íysicos ,  e  sensíveis, 
me  occupo  muito  mais  do  conheci- 
mento das  causas  dos  effeitos  espan- 
tosos moraes,  e políticos,  que  de  to- 
da a  parte  se  me  ofFerecera  á  con- 
templação, neste  turbulento  ,  e  desgra- 
çado século  em  que  existimos.  Nun- 
ca este  grande  theatro ,  que  se  chama 
mundo  social ,  qffereceo  aos  olhos  do 
homem  sensível  ,  do  homem  pensa- 
dor, dosabio  doChrisíianismo ,  hum 
espectáculo  mais  extraordinário ,  rrtais 
liorrivel ,  mais  abominayeL  Qual  fa^ 
ria  na  terra  o  choque  de  outro  Plane-r 
ta  arrancado  de  sua  orbita ,  e  cahin- 
do  sobre  elia  \  tai  o  estrago  que  tem 
feito  na  ordem  social  o  delírio  poli- 
tico ,  o  delírio  filosófico,  que  se  tem 
apossado  dos  homens  desde  que  (e 
talvez  quç  desde  época  mais  remo? 


K*   9  * 

ta)  começou  a  levantar  do  cáhos  a 
.medonha  frente  ,  o  rnpnsíro  que  se 
chama  a  Revolução.  Abrangei  com  o 
entendimento  desde  as  geJadss  mar- 
gens do  Volga  ,  e  do  solitário  Ohis 
acé  as  extremas  praias  do  Mediterrâ- 
neo ,.  à&de  as  ribeiras  do  Tejo  até  as 
aprazíveis  barreiras  do  Bósfòro  ,  vós 
não  vereis  mais  que  impérios  ou  avil- 
tados ,  ou  aniquilados.  Reinos  levan- 
tados pelas  mács  barbaras  da  usurpar 
çso,  e  cimentados  em  sangue  ,  depois 
absorvidos  na  insondável  voragem  da 
impudente  ambição.  Constituições  mu- 
dadas, Republicas  extinctas,  os  ho- 
mens alheios  aos  homens  ,  sentimen- 
tos impróprios  da  humana  espécie,; 
guerras,  incêndios,  mortes,  ruínas, 
assolações ,  misérias  j  sustos  ,  invasões  , 
e  pertinaz  rapina.  Vós  não  vereis  mais 
que  montões  de  estragos  sobre  os  cam- 
pos ,  sobre  as  montanhas  da  Europa  , 
e  entre  milhões  de  cadáveres  sentado 
como  em  throno  o  luto  atroz,  aquém 
não  abastão  lagrimas  ,  a  quem  não 
farta  o  sangue ,  a  quem  não  conten- 
ta  ainda  a  miseranda  catástrofe  da 


&    IO    & 

Thronos  derribados ,  de  nações  quasi 
.extinctas  ,  de  miseráveis  Reinos,  cuja 
Lberbade  se  converteo  em  cadêas ,  e 
cuja  opulência  se  transformou  em  fo- 
me, e  entre  os  quaes  até  es  mesmos 
suspiros  são  delictos.  Esre  he  o  qua- 
dro que  temos  ante  os  olhos  ,  e  tão 
próximo  a  nós ,  que  dista  poucas  le- 
goas  desta  Capital.  Hum  exercito  bár- 
baro a  rodeia  ,  e  ainda  que  em  meus 
ouvidos  pareça  troarem  as  mesmas  vo- 
zes, que  disse  o  Profeta  ao  Rei  de  Sa- 
maria: Não  passará  por  cima  destes 
muros  hum  a  só  setta  inimiga  ,  nós 
temos  este  espectacuTo  ante  os  olhos. 
E  que  cousa  mais  própria  do 
liomem  pensador,  quando  se  con- 
duz em  seu  discurso  ao  clarão  da  ró» 
cha  da  Religião,  que  perguntar-se 
a  si  mesmo  o  motivo  ,  a  causa  que 
produz  no  Mundo,  e  produz  também 
em  Portugal  tão  espantosos  ,  tão  de- 
testareis effehos?  Eu  mo  perguntei 
a  mim  mes-no;  e  depois  da  mais  atu- 
rada, e  profunda  meditação,  he  pre- 
ciso romper  hoje  o  silencio  ,  expor  a 
causa  ,   e  assignalar  a  fonte  de  hum 


É    li    ft 

mal  ,  a  que  cu  desde  )á  chamarei  6 
contagio  da  nossa  idade,  manancial 
pouco  observado  ,  mas  muno  certo 
das  desgraças  que  sente  oMu^do,  è 
nós  sentimos.  Eu  me  persuado  que  ne- 
nhum de  vós  terá  deixado'  de  escu- 
tar ou  nos  discursos  fsmiiares  .  ou  nos 
ajuntamentos  públicos,  onde  lei  nes- 
ses papeis  chamado^  periódicos  ,  e  que 
formão  o  teimoso  emprego  de  tantos , 
e  tantos  prejudkiaes  ociosos \  esta  pa- 
lavra Espirito  de  partido.  Esta  pa- 
lavra volve  tão  frequemeroente  em 
nossa  maternal  linguagem  ,  que  pelo 
seu  uso  pertinazissimo  tem  adquirido 
entre  nós  o  direito  de  propriedade» 
A  significação  obvia  desta  palavra  he 
tão  com  mu  m  nestes  desgraçados  tem- 
pos ,  que  he  preciso  que  eu  vos  di- 
ga, que  delia  nascem,  etem  nascido 
até  agora  todos  os  nossos  males.  Ori- 
gem empestada  de  tantas  calamida- 
des ,  agente  universal  das  desventuras 
todas ,  e  de  que  se  doem  a  Justiça , 
à  Razão ,  a  Religião ,  e  a  mesma 
Natureza,  oífendidas  em  todas  as  suas 
feis.  Deste  espirito  de  partido  aascê- 


#    12    H 

rão  os  .estragos  todos  nas  sçiencias , 
nas  artes  ,  mas  he  muito  principalmen- 
te fatal  á.  Politica  ,  á  Sociedade,  ao 
Christianismo.  Eu  o  contemplarei  nãp 
só  pelo  que  diz  respeito  á  Politica , 
porque  então  faria  hum  discurso  pu- 
ramente filosófico ,  mas  também  pelo 
que  pertence  á  Religião,  e  aos  cos- 
tumes>  única  esfera  em  que  se  devem 
conter  os  Discursos  Evangélicos  \  e  os 
prantos  da  Religião'  ,  e  da  piedade 
Clirista  não  permittem  que  este  as* 
sumpto  permaneça  por  mais  tempo 
separado  destas  cadeiras  da  verda- 
de ,  onde  não  sei  porque  funesto  a- 
buso  se  tem  introduzido  longas ,  e  te* 
diosas  relações  de  sítios  de  batalhas, 
de  sortidas,  e  planos  militares ,  com 
a  circumsíanciada  lista  de  nomes  de 
Genena.es  ,  como -se  a  Gazeta  fpra.a 
Biblia  ,  e  os  Santos  Padres  os  Perió- 
dicos. O  meu  coração;  se  tem  profun- 
damente magoado  com  este  abuso ,  e 
vejo  que  não  se  busca  a  instruccao 
ç}o  povo,  reperindo-lhè  o  detestável 
nome  de  nossos,  bárbaros  inimigos. 
Vós  quereis  ser  instruídos  nas  verda- 


&  H  § 

- 
è&t  da  moral  Christa  ,   e  he  preciso 
mostrar-vos  os  vícios  cio  século",  apon* 
rar^vos  as  causas  oríginaes  cias  nossas 
desgraças  ,   pâf^áíte  alumiados  com 
hJ2   do  Espirito  Samor,    lhes  possais 
&Ftv  aqueiles  remédios   que  tantas  ,   e 
rèò''errrÍHént^í  desgraças  èxtj&btii»   Eu 
degolarei  esta  Kydra  ,  -cuj^s  pestíferas 
cabeças  se  reproduzem  tanto  ;  ensopa- 
rei a  espada  Ja  Rflligiâo ,  c  da=  Elo- 
quência   nas   lívidas    gargantas.    Em   . 
primeiro' lugar   \ os  farei  conhecer   a 
indole,  a  natureza  do  espirito  de  par- 
tido ;    em  sVgin:do;  lug  '  péssi- 
mos erPe  ir  es  3  sem  me  reparar  ife  'li- 
mites de  huría '\r:: ruê^tô  Evangélica. 
Vos  conhecêreis •  o  cue  produz    o  es« 
piíito   de  partido   pelo  que' pertence 
20 'Entendimento  ;'  c  que  p?é$3z  o  es- 
pirito de-partido  pelo  que  ps-;euce  á 
Vontade.  Táor-rave,  etao  •:  .^orran- 
te  matéria    devi  prenaer  a"  a  t  tenções 
dos  verdadeiros  fieic  ,   femWandò-Vòá 
que   se  existe   muito   perto   ás.  cura  , 
quando  se  conhece  a  prexima  ,  e  ver- 
dadeira causa  do  mal. 

E  vós  ,  Senhor  y  que  mandastes 


í*  M  * 

$o  Pí-ofeta;  que  levantasse  a  vo2T  <p£ 
mo  o.  pavoroso  som  de  íi^nia  trom- 
beta,., que  askustasíve  o  povo,  e  re- 
preendesse seus  crimes  ,  sustentai  a 
minha  voz  com  a  forca  da  vossa  gra^ 
ça  ,  e  ensinaHme  .vós, irtfsmo.  a,  com- 
bater monstros,  que  tanto -vos  u] ira* 
jáQr  e  nos  arruinao. 

-      -r-~ —  ii —■■  

! 

D  I  S  C  UR  SO, 

P» 
ersuado-me  que  vos  devo -snnun- 

ciar  primeiro  que  tudo  ,  que  hiirna 
das  propriedades  ,  ou  a  principal  pro* 
priedade  do  espirito  de  partido  he 
■não  escolher  deliberadamente  r  e  com 
pleno  conhecimento  de  causa  aquelíé 
partido  que  se  abraça,  segue,  e  de- 
fende  :  esta  adopção  sempre  se  fax 
com  os  olhos  rapados,  ou  pnr  moti- 
vos que -nao  tem  relação  alguma  com 
o  mérito  .  ou  o  demérito  dos  dois 
partidos.  Quanto  he  contrario  a  ra« 
*ão  ,  e  ao  entendimento  humano  hum 
semelhante  procedimento  ,  vós  mesmos 


*  *j>  e 

o  podeis  conhecer  ,  e  comprehender. 
A  necessidade  de  escolher  he  não  só 
frequente,  mas  necessária ,  e indispen- 
sável no  homem  ,  he  huma  necessida- 
de de  tcdos  os  dias  ,  e  de  todas  s?s 
horas :  qualquer  motivo  ou  de  utili- 
dade, ou  de  prazer  nos  obriga  sem- 
pre, e  effecti  vãmente  a  fazer  escolha 
ainda  das  cousas  mais  indifFerentes  ,.e 
pequenas,  a  tomarmos  mais  este  do- 
que  aquelle  caminho  ,  mais  este  do- 
que  aquelle  sustento  ,  mais  este  doque 
aquelle  vestido  ;  e  se  nos  importa  es-r- 
colher  bem  para  conservar  a  solide 
do  corpo  ,  muito  mais  nos  importa 
escolher  bem  para  conservar  a  sauJe 
da  alma.  Mas  isto  nem  he  costume , 
nem  he  lei  do  espirito  de  partido  : 
a  sua  lei ,  e  a  sua  fundamenral  timáàv 
íuiqao  he  sempre  o  contrario  ,  e  o 
avesso  de  tudo  isto.  Sómeme  o  aca- 
so ,  sem  se  consultar  a  razão ,  obriga 
o  homem  a  inciinar-se  a  huma  d  s 
duas  partes,  e  a  abraçaila  com  Cons- 
tança, ererinrca,  (  e  pois  eu  folio 
a  hum  século,  que  t3nto  mosrra  pre- 
zar as  decisões  da  razão  naiural  3  ou- 


«  lé  m 

çao  as  admiráveis  expressões  de  hum 
Gentio  eloquente  ,  qual  era  Cicero  : 
De  rebus  incognids  judicant ,  et  ad 
quamcmnqtfe  snm  disciplinam  quasi 
t  empe  st  ate  de  lati  a  d  eam  tamquarii 
a  d  saxum  adhaerescunt.  Isto  os  con- 
duz a  extremos,  não  só  indignos  do 
homem  Chrisréo  .  mas  do  homem , 
que  em  tudo  se  dia*,  e  em  tudo  quer 
ser  conhecido  como  Filosofo.  Divi- 
dem-se  os  doutos  de  huma  Cidade  em 
duas  opiniões :  elle  se  decide  por  hu- 
ma ...  não  porque-  entenda  o  que  elia 
em  si  contêm  ,  nem  a  doutrina  que 
çncerra  ,  nem  as  razoes  em  que  se 
funda,' mas  só  porque  he  opinião  de 
algum  seu  adherente,  ou  porque  he 
a  primeira  de  que  ouvio  fallar ,  e  foi 
imbuído ,  ou  porque  levado  de  hum 
certo  material  iniíincto,  se  persuadio 
que  era  a  melhor  5  e  a  mais  acerta- 
da. O  mesmo  digo  de  hum  aconteci- 
mento remoto  ,  que  de  huns  he  affír- 
mado  ,  e  de  outros  he  negado  ,  e  con- 
trovertido ;  se  o  partido  arnrroativo^  o 
ganha,  já  para  elle  não  he  opinião, 
mas  Verdadeira  sciencia ,  ainda  que  as 


t  17  • 

mas  provas  não  sejáo  daquellas ,  que 
o  público  exige  ,  isto  he ,  capazes  de 
desterrar  do  entendimento  tcda  a  som- 
bra de  duvida.  A  maior  desventura 
he  *  que  huma  vez  queelle  se  haja 
declarado  por  hum  partido  ,  ou  toma- 
do a  afirmativa ,  ou  a  negativa  ,  ja- 
mais dá  lugar  a  exame  ,  ou  áquella 
indagação  da  verdade,  que  he  indis- 
pensável para  huma  ,  ou  outra  cousa. 
Fica  para  sempre  desprezada  esta  in- 
dagação ,  e  em  seu  lugar  apparece, 
como  sempre  vemos  5  huma  animosi- 
dade intolerável ,  hum  discorrer  fre- 
nético sobre  o  mçsmo  objecto  ,  por 
oue  salte  aos  olhos  a  evidencia 
do  centrara  Se  apparece  hum  escri- 
to ,  he  frauaoienío ,  como  observamos 
em  certos  periódicos  efémeros ,  e  sup- 
primides  ,  que  apparecêráo  entre  nós  j 
se  nelies  vinha  alguma  ai  legação,  era 
sempre  truncada,  e  infiel,  esó  cons- 
tante vemos  em  hum  deli  es  ainda  ã 
furto  introduzido  ,  como  o  mais  in- 
cendiário de  todos  es  papeis  ,  huma 
fadiga,  hum  afan  quasi  perpétuo  de 
língua  para  engrossar  o  tenebroso  oar- 
'  B 


***    iS    *** 

tido  da  revolução,  edo  cáhos.  Qual- 
quer dos  adeptos  deste  monstro,  que 
dá  lstido  ao  longe  ,  foge  como  do 
Demónio  de  todos  aquelles3  que  com 
à  razão,  e  com  a  verdade  o  poderiio 
tirar  dos  braços  da  illu^ao  ,  e  do  en- 
gano. E  quando  se  não  pode  esqui- 
var de  quem  lhe  rasga  a  funesta  ven- 
da que  lhe  tapa  os  olhos  ,  ouve  as 
suas  mais  convincentes  provas  com 
torvo  semblante  ,  com  rizo  amargo  , 
e  com  todo  o  ar ,  e  gesto  do  enjoo , 
e  do  fastio  -y  e  toda  sua  resposta  ser^ 
huma  rija  trovoada  de  palavras  ,  e 
horrenda  tempestade  de  contumelias. 
Nenhum  de  vós  se  equivocará  com 
este  retrato  ;  e  eu  não  me  admiro  tan- 
to da  pertinácia  com  que  hum  mem- 
bro  da  confraria  tenebrosa  resiste  á 
evidencia  das  razões ,  quanto  da  du- 
reza com  que  persiste  aíferrado  aó 
partido  assollador  ,  vendo  ,  e  sentindo 
em  si  mesmo  as  desgraças ,  os  exter- 
mínios ,  as  infâmias ,  que  elle  volun- 
tariamente attrane  sobre  sua  cabeça. 

Estes  que  tendes  ouvido ,  sião  os 
effeitos ,  e  as  obras  do  espirito  de 


ê  i?  ê 

partido ,  que  inficionão  pòr  certo ,  e 
endurecem  a  vontade  ;  mas  eu  devo 
agora  só  fallar-vos  da  infecção  que' 
rrazem  ao  entendimento.  Esta  conta- 
giao ,  ou  contaminação  o  torna  ,  a  des- 
peito d*  evidencia ,  pertinazmente  cré- 
dulo nas  cousas  ,  que  são  favoráveis 
a  seu  modo  de  sentir  ,  e  de  enten- 
der ,  e  pertinazmente  incrédulos  nas 
razoes  contrarias  ,  ou  oppostas  aos 
seus  funestos  principies.  Dizei  a  hum 
destes  malvados  ,  que  a  revolução 
trouxe  todos  os  males  as  presentes 
gerações  ;  mostrai-lhe  para  provas 
Sesta  verdade  a  Europa  em  cadêas , 
õs  thronos  aviltados  ,  ou  aniquila- 
dos ,  a  liberdade  extincta  ,  as  leis 
eccarnecidas ;  mostrai-lhe  a  terra  hú- 
mida de  sangue  ,  e  lagrimas  de  tan- 
tos miseráveis ;  mostrai-lhe  o  pranto 
de  tantas  viuvas ,  o  desamparo  de  tan- 
ros  órfãos ,  a  consternação  de  tantos 
pevos  ,  o  abatimento  ,  e  miséria  de 
tantas  Nações  ,  o  desprezo ,  e  profa- 
nação de  todos  os  direitos,  a  disper- 
são de  tantas  famílias  ;  mostrai-lhe 
*  Re)igi4o  perseguida  ,  os  Templos 
B  2 


$  20   %$ 

desacatados,  a  moral  vilipendiada ,  a 
Evangelho  em  problema  na  boca  do» 
Ímpios :  olhar-vos-ha  com  desprezo  , 
e  com  hum  ultrajante  surrizo ,  a  que 
chama  a  expressão  da  sua  compaixão 
pela  vossa  imbecilidade  ;  e  se  se  di- 
gnar fallar-vos ,  e  responder-vos ,  dir- 
vos-ha  ou  que  sois  atrevidos,  e teme- 
rários (como  a  mim  já  se  me  dis- 
se )  em  querer  penetrar  os  profundos 
arcanos  de  hum  monstro  imperante, 
ou  que  tudo  isto  he  preciso  para  o 
plano  geral  da  causa  continental  ,  e 
para  os  grandes  preliminares  da  paz 
maritima.  Tanto  cega ,  e  tyranniza  o 
espirito  de  partido.  Fallai  a  este  mes- 
mo homem  em  futuros  brilhantes , 
cm  canaes  abertos ,  em  Poetas  resus- 
citados  ,  vereis  como  se  lhe  banha  o 
impudente ,  ou  estúpido  rosto  de  rizo 
consolador ,  clamando ,  que  estes  três 
grandes,  e  importantíssimos  objectos 
realizados  forma  ria  o  a  gloria ,  e  a  fe- 
licidade deste  Reino. 

Ora  sahindo  desta  esfera  dos  a- 
conteeímentos  ,  que  ranto  nos  atormen- 
tarão na  ordem  civil  >  para  a  esfera. 


•  » 1 

da  Religião ,  a  experiência  de  todos 
os  séculos  Christãos  me  obriga  a  di- 
zer ,  que  huma  alma  invadida  do  cs- 
prito  de  partido  ,  he  de  todas  amais 
disposta  a  rebellar-se  ,  e  a  separar-se 
da  crença  Catholica ,  porque  não  ce- 
de nem  á  authoridade  \  nem  aos  mila- 
gres. Ainda  que  vejãô  ,  dizJesuChri- 
sto  ,  resuscitar  hum  mono,  na o  acre- 
ditarão ;  e  como  se  hum  verdadeiro 
•Demónio  a  possuíra  ,  tanto  mais  se 
obstina  em  sua  cegueira  ,  e  propósi- 
tos, quanto  he  mais  clara,  e  brilhan- 
te a  luz  da  verdade  opposta  ,  que  el- 
la  considera  como  inimiga. 

E  não  se  vê  isto  manifestamen- 
te no  que  aconteceo  ao  Verbo  increa- 
do  feito  homem  entre  os  povos  da 
Judéa  ?  Nos  primeiros  annos  de  sua 
vida  santíssima  começarão  os  homens 
a  se  dividir  a  seu  respeito  em  diver- 
sas,  e  oppostas  opiniões;  mas  toda 
a  diversidade,  e contrariedade  consis- 
tia ao  principio  em  acreditallo  mais , 
ou  menos  Santo  ,  e  em  o  conhecer, 
ou  nao  o  conhecer  pelo  esperado  Mes- 
sias. Quem  dizem  os  homens  ,  que  se- 


<t    **    * 

J3  o  Filho  do  homem?  Perguntou  el- 
le  hum  dia  a  seus  discípulos ,  e  elles 
lhe  tornarão  :  Huns  dizem  que  sois 
João  Baptista ,  outros  Elias  ,  outros 
Jeremias,  ou  hum  dos  outros  an  isos 
Profetas.  Porém  quando  por  artificio, 
e  instigação  dos  Fariseos  este  grande 
objecto  passou  a  formar  partidos  ,  e 
opiniões ,  não  se  tratou  mais  de  sua 
maior ,  ou  menor  santidade ,  mas  so« 
bre  a  bondade,  ou  sobre  a  tr.alic  a , 
e  não  sobre  qualquer  malícia  ,  mas 
sobre  a  maior  que  se  pôde  considerar 
em  hum  homem ,  a  malícia  de  hum 
Jrypocrita  >  de  hum  seducror  do  po- 
yo  ,  de  hum  inimigo  declarado  das 
legitimas  authoridades.  Huns  dizião : 
He  bom  ;  outros  dizião :  Não ,  mas 
he  hum  seductor  das  turbas.  Dizer  de 
Jesu  Christo  ,  que  elle  não  era  nem 
tão  grande  homem ,  nem  tão  grande 
Santo,  como  outros  o  publicavão,  e 
acclamavão  ,  seria  hutna  contradicção 
çle  quem  julga  de  hum  modo  divers^ 
fias  outros  homens ;  mas  isto  não  se- 
ria huma  contradicção  própria  do  es^ 
pinto  de  partido.  A  este  espirito  to? 


\*     *3     ** 

eiva  ,  e  competia  ,  segundo -a  sua  na- 
tureza ,  levar  as  cousas  ás  ultimas  ex- 
tremidades ,  e  accumular  a  Jesu  Chrisro 
as  mais  escandalosas  maldades,  até  o 
fazer  author  de  nefandas  rebe  ilides  ,  e 
enormíssimos  attentados  centra  o  ?ú* 
blico  socego  :  Seâncit  iíírbas ,  aírir- 
mando  que  estas  asserções  não  erao 
effeitos  de  meras  conjecturas,  mas  ar- 
gumentos da  verdade,  e  da  experiên- 
cia. No?  schnus ,  quia  hic  homo  pec* 
cator  est. 

Mas  por  ventura  acreditarião  el- 
Jes  intimamente  isto  mesmo  que  pu- 
blicavão  de  Jesu  Christo  ?  Sim  ,  Se- 
nhores ,  eiles  acreditavão  isto  que  ài- 
ziao ,  e  tanto  mais  o  acreditavão, 
quanto  mais  crescia  ,  e  se  dilatava  a 
fama -de  seus  milagres,  e  quanto  mais 
robustas  erao  as  provas  de  sua  santi- 
dade, e  virtude,  porque  na  verdade 
não  he  crivei  a  animosidade  ,  a  dure- 
za ,  e  a  cegueira  ,  que  derrama  na  al-r 
ma  do  homem  a  mágica  força  disto , 
que  se  chama  espirito  de  partido..  Eh 
não  sou  hum  homem,  nem  de  cara* 
ctçr,  nem  de  autiiQrida4e,  de  letras. 


&    24    t 

e  talentos  taes ,  que  possa  suscitar  par- 
tidos ;  mas  se  o  fosse ,  e  em  vós  hou- 
vesse as  disposições  necessárias  pa- 
ra -me- seguir  \  em  primeiro  lugar 
eu  vos  pediria  que  o  não  fizésseis  ,  se 
o  não  podesseis ,  ou  o  não  soubésseis 
fazer  de  outra  maneira  que  não  fos- 
se a  do  espirito  de  partido ;  e  vos  di- 
rei também  que  o  meu  nome,  a  mi- 
nha fama,  e  á  minha  opinião  nao  me- 
recia ser  defendida  com  tanto  dispên- 
dio da  vossa  paz ,  e  com  :anto  escân- 
dalo quanto  causaria  hum  sci?ma  ,  e 
huma  separação  hosti!  nvrevòs.  Ain- 
da vos  direi  mais ,  que  todo  o  vosso 
afan  ,  e  trabalho  de  nada  me  apro-^ 
veitaria ;  peio  contrario  accenderia  ,  e 
inflammaria  contra  mim  ainda  mais 
aquelles  espíritos ,  que  fossem  escravos 
desta  paixão  ,  da  qual  he  próprio 
crer,  e dizer  todo  ornai  possível  dos 
outros ,  quanto  mais  opprimida  se  vê 
da  authoridade  contraria ,  e  das  con- 
trarias razoes.  Em  mim  tendes  a  pro- 
vada experiência  desta  verdade  quan- 
do me  resolvi ,  e  determinei  atacar  a 
uiais  ridícula  de  todas  as  manias  ,  * 


&  ^  & 

Cjtiem  eu  honraria  muito,  se  lhe  dei 
se  o  nome  cie  opinião,  Vós  sois  tes~ 
xemunbas  das  soltas  tempestades  :  que 
contra  mim  levantou  o  espirito  de 
partido  :  fama  ,  nome  ,  reputação  ,  tu- 
do foi  sacrificado. 

E  que  será  do  homem  quando 
se  resolva  a  tomar  hum  partido  por 
-hum  parecer,  por  huma  prática  ,  por 
hum  systema  ,  que  seja  perigoso ,  ou 
contrario  á  Fé  ?  Acontecerá  o  que  a- 
conteceo  sempre  na  Igreja  de  Deos, 
que  elle  ,  e  seus  sequazes  depois  de 
não  longo  tempo  de  tumultuosas  ,  e 
fraudolentas  disputas  ,  longe  de  se  con- 
fessarem vencidos  ,  merem  debaixo 
dos  pés  as  mais  veneráveis  -authorida- 
des,  e  até  as  formaes  dererminacce^ , 
e  decretos  do  throno  Apostólico*  A- 
contecerá  ,  que  cessando  algum  medo  , 
cu  pavor  que  osimpellio  a  darem  al- 
guns signaes ,  ou  a  mostrarem  alguns 
vestígios  de  submissão  ,  tornem  de 
-novo  a  espargir  dissimuladamente  ,  e 
como  entre  sombras  as  sementes  de 
sua  nunca  deposta  ,  nem  renunciada 
opinião.  Perguntai  hum  pouco  a  qual* 


&  %6  & 

quer  dos  Povos  rebeilados  contra  a  ver- 
dadeira Religião  ,  se  se  interessarão 
muito  em  o  principio  pela  doutrina , 
que  este  ,  ou  aquelle  innovador  lhes 
annunciava  ?  Responder-vos-ha  que 
não,  frias  que  visto  ter  o  mesmo  in- 
novador a  astúcia  ,  ou  o  talento  de 
se  formar  hum  partido,  dilatando-o, 
eengrossando-o  até  no  meio  da  Ple- 
be ,  então  pouco  a  pouco  passará  da 
submissão  devida  á  Igreja,  á  indiíFe- 
rença  ;  da  indiferença  á  animosida- 
de; da  animosidade  a  hum  manifes- 
to furor  ;  e  levado  deste  Ímpeto  ce- 
go ,  e  fanático ,  fechando  os  ouvidos 
aos  brados  da  razão  ,  e  da  justiça  , 
chegara  até  a  tomar  nas  mãos  as  ar- 
mas, e  a  estabelecer,  e arreigar  com 
ellas  a  própria  crença.  E  tende  por 
cousa  assentada  ,  que  esta  ,  que  vos 
tenho  fielmente  exposto,  he  a  histo- 
ria de  todos  os  scismas  ,  e  de  quan- 
tas heresias  tem  até  agora  despedaça- 
do ,  e  ainda  despedação  o  seio  pu- 
ríssimo ,  e  santíssimo  da  nossa  Fé. 
Estes  scismas ,  e  estas  heresias  sem  o 
espirito  de  partido   que  as  ajudasse  9 


«?*  a; 


a» 


£  sustentasse ,  ou  nao  houverio  tida 
es.stencia,  ou  nao  a  terião  fjra  da- 
quelas cabeças  ou  ignorantes  ,  ou  vol- 
ca  nicas  ,  e  sacrílegas  ,  que  a?  inventa- 
rão ,  e  produzirão. 

Esta  experiência  tão  notória  ,  e 
tão  lastimosa  ,  como  sabe  .qualquer 
que  sabe  alguma  cou--a  ,  augmenía  so- 
bre maneira  a  admiração  que  me  cau- 
sa o  silencio  funesto ,  que  os  Orado- 
res sagrados  tem  guardado  sobre  hu- 
rra semelhante  paixão  ,  deixando  de 
admoestar  os  Povos  sobre  a  força  in- 
crível que  dia  possue  de  obscurecer.* 
e  anuviar  os  entendimentos  mai:  cia- 
res ?  de  seduzir  as  almas  mais  pene- 
trantes ,  de  subverter  ,  e  arruinar  as 
consciências  mais  delicadas  a  tá  as  tor- 
nar surdas  ,  e  desprezadoras  de  to- 
dos os  clamores  do  Evang-iho  ,  e 
de  todos  os  respeitos  devidos  á  Reli- 
gião. 

Eis~aqui  porque  eu  vos  peço ,  que 
se  vos  he  amável  a  verdade  ,  que  a  to- 
das as  vistas  vos  deve  ser  amabiJissi* 
ma,  se  he  para  vós  apreciável  o  do- 
te singularissimo  da  razão  que  Dees 


vos  fts  02^0,  cu  vos  peço,  que  vos 
não  alisteis  jamais  ,  nem  militeis  de- 
baixo das  revoltosas  bandeiras  de  qual- 
quer partido;  vede  que  se  endurecerá 
de  moJo  tal  o  vosso  coração ,  que  che- 
gareis a  ser  dominados ,  e  pizados  co- 
mo vis  escravos.  Vigiai  sempre  ,  è 
não  vos  deixeis  levar  senão  da  equi* 
dade;  abri  os  olhos  á  verdadeira  luz, 
segui  sempre  seu  fulgor  ,  e  seus  im- 
pulsos ?  por  mais  que  contra  vós  se 
arme  §  e  queira  guerrear  o  empenho  , 
-a  antiparhia ,  ou  a  amizade ,  que  em 
nenhum  coração  deve  ter  tanta  for- 
ça ,  e  predomínio  que  o  faça  inimi- 
go da  verdade ;  ou  menos  parcial  da 
justiça.  Conheço  perfeitamente  ,  e  até 
por  experiência  ,  que  existem  entre 
nós  muitos  ,  que  querem  escusar  em 
si  o  espirito  de  partido  com  as  leis 
-da  amizade  ;  mas  inútil ,  e  indigna- 
mente o  querem  ,  porque  as  leis  de 
huma  verdadeira  amizade  são  inimi- 
-gas  juradas  de  suas  acções  irracionaes, 
-e  de  seus  cegos  transportes.  Onde, 
■senão  entre  gente  barbara  ,  e  inculta  , 
ise  vio,  ou  se  escutou  jamais  este  es* 


it  29  t( 

tranho  medo  de  discorrer :  aquelle  lie 
do  numero  de  meus  amigos,  logo  he 
preciso  que  eu  entre  sem  outra  razão 
em  seus  sentimentos,  e  paixões,  he 
preciso  que  eu  me  vista  de  seu  cara- 
cter, que  me  ponha  da  sua  parte,  e 
que  por  clle  peleje  ;  he-me  preciso 
perseguir  quem  o  persegue,  infamar 
quem  o  infama  ,  discorrer  como  elle 
discorre :  cffenda-se  embora  a  Fé  f  a 
iustiça  ,  ea  verdade.  Onde,  senão  en- 
tre gente  barbara  ,  e  povos  devasta- 
dores, se  escutou  este  modo  de  pen- 
sar, e  de  sentir?  Ecual  he  o  Povo f 
até  á  época  do  presente  Vandalismo, 
ende  se  não  escuiou  aquella  contraria 
sentença  nascida  no  mesmo  seio  da 
Icloiatria  :  Amigo  até  aos  Altares  y 
que  quer  dizer  que  he  pe-sima  ,  e de- 
testável aquella  amizade  ,  a  qual  se 
sacrifica  ou  a  verdade  ,  cu  a  carida- 
de ,  ou  como  acontece  não  raras  ve- 
zes ,  a  mesma  Religião. 

He  neste  passo  que  o  2<clo  me 
referve  n'  alma  ,  e  todo  me  abraza  o 
coração  ,  e  mo  devora  pelo  bem  da 
Paíria,  e  da  Religião,   me  obriga  á 


*>  fj  • 

tíàmar  contra  as  contradicçôes  emqtití 
ãndão  comsigo  mesmos  os  modernos 

Filosofantes ,  cujo  peitifcro ,  e  subtil 
veneno  tantos  indivíduos  tem  corrom- 
pido até  no  meio  do  fidelíssimo  Po- 
vo Portuguez.  Estes  Filosofantes  com 
hum  diluvio  de  palavras  até  corru- 
ptoras de  nossa  maternal  linguagem  > 
dizem  em  todos  os  lugares ,  e  escre- 
vem em 'todas  as  paginas,  que  o  ho- 
mem deve  fazer  uso  da  própria  razão 
até  nas  mesmas  matérias  de  Fé,  erros 
mais  profundes  Dogmas  que  ella  nos 
ensina;  e  estes  mesmos  que  assim  cia- 
mão  ,  que  assim  dogmatizáo,  easçim 
se  assoalhão  por  gravissimos  pensado- 
res são  os  mais  levados  do  espirito  de 
partido ,  que  he  o  maior  ,  e  o  mais  de- 
clarado inimigo  de  toda  a  razão.  E 
he  possível  que  não  conhecão  ,  que 
discorrendo  desta  arte  fazem  da  pró- 
pria razão  hum  uso  inútil,  e arrogan- 
te ,  devendo  fazer  da  mesma  razão  hum 
Uso' proveitoso,  e necessário!  He  ne- 
cessário ,  e  proveitoso  o  uso  que  se 
ftz  da  razão  humana  nas  cousas  hir- 
manas ,  mas  he  arrogante,  eiautil  o 


£ 


que  se  faz  da  razão  humana  nas  coe- 
sas divinas ,'  e  he  tal  a  cegueira  des- 
tes soberbissimos  átomos  da  sapien-, 
cia  gazetal  ,  que  quando  rallão  das 
cous2s  humanas  ,  fallão  y  e  sentem  con- 
forme a  índole  da  paixão  do  partido 
que  tomarão  ;  e  quando  fallão  das  cou- 
sas divinas ,  não  querem  acreditar  se- 
não aquillo  que  chega  a  comprehen- 
der  hum  entendimento  orfáo  de  lu- 
zes ,  e  huma  razão  sempre  envolra  nas 
sombras  da  ignorância  >  duas  vezes  ce- 
gos, nas  cousas  humanas  cnde  pode- 
riâo  ver ,  e  nao  querem  ;  nas  cousas 
divinas  onde  quererião  ver,  e  nao  po- 
dem :  Videntes  non  vident ,  et  ãtidisn- 
tes  non  intellipvnt. 

Mas  tornando  a  vcs  com  o  dis- 
curso ,  eu  vos  considero  bem  alheios 
de  quererdes  introduzir  o  espirito  de 
partido  em  matérias  de  Religião;  mas 
se  em  outras  matérias  lhe  dais  lugar  y 
he  porque  ignorais  o  que  ç\1g  seja,  e 
quão  impróprio,  e  ind;gno  pareqa da 
razão  humana;  ?e  o  conhecêsseis ,  eu 
fico  que  nao  quereríeis  fazer  a  vós 
mesmos  huma  tão  grande  injúria  co 


*  t*  é 

mo  he  aquella  de  dever  dizer  sem* 
pre :  Eu  amo  ,  eu  aborreço ,  eu  lou- 
vo, eu  reprovo  ,  eu  sigo  este  pare- 
cer ,  eu  refuto  aqueloutro  ,  mas  nãa 
sei  o  porque  ,  nem  outra  razão  me 
posso  dar  mais  que  hum  certo  instin» 
cto  semeihante  áquelle ,  que  move  as 
operações  dos  brutos ,  e  que  lhe  mo* 
veria  a  língua  ,  se  livessem  o  dom  da 
palavra.  Mas  se  quereis  desviar-vos- 
desta  mancha  da  natureza  ,  e  até  do 
perigo  de  a  contrahir  ,  e  se  quereis 
para  isto  acceitar-me  hum  maduro 
conselho  ,  e  escutar,  e  entender  quaí 
seja  a  prática  mais  segura ,  sabei  que 
nas  diversas,  e  encontradas  opiniões 
que  todos  os  dias  surgem,  e  nas con* 
tinuas  vicicitudes  das  cousas  humanas, 
que  todos  os  dias  vão  fazendo  tão 
grande  estrépito  pelo  Mundo ,  se  vos 
não  tocarem  por  algum  respeito  do 
vosso  estado ,  e  condição  ,  não  to- 
meis nellas  parte  nem  com  a  obra  , 
nem  com  a  palavra,  nem  com  o  pen- 
samento ,  se  tanto  vos  for  possível ,  se- 
não quereis  perder  o  tempo  ,  a  paz , 
a  consciência ,  c  faltar  a  vossos  essen* 


*  33  * 

ciaes  deveres  por  muito  vos  intromet* 
terdes  nos  alheios. 

Esta  causa  que  seguis  ,  que  em 
tudo  vos  impece  >  que  tanto  vos  atri- 
bula, e  vos  consome  j  que  tanto  ba- 
ralha vossos  pensamentos  ,  que  vos. 
faz  commeíter  tantos  pecc^dos  de  o- 
dio  ,  de  maledicência ,  de  contume* 
lias ,  de  temerários  juizos ,  e  de  cul- 
páveis complacências ;  esta  causa  ,  di- 
go, não  he  vossa,  nem  vos  toca  por 
maneira  alguma  ,  mas  he  causa  de  hum 
estrangeiro ,  de  huma  Nação ,  de  hum 
Príncipe ,  que  não  he  o  vosso  ,  eque 
o  não  será  jamais.  Eseeu  vos  disser 
ainda  mais :  Esta  causa  ,  porque  tantos 
se  decidem  ,  e  por  quem  tem  tomado" 
partido  ,-  he  a  causa  da  iniquidade  > 
da  perfídia,  daoppréssão,  do  roubo, 
da  violência,  da  irreligião,  da  ruina. 
total  de  todos  os  Povos ,  de  todas  as 
leis ,  de  todas  as  constituições ,  que  os 
homens  se  havião  ha  tantos  séculos, 
formado  ,  e  á  sombra  das  quaes  vi- 
vião  tranquilios ,  e  descanqados  ?  Para 
que  vos  martyrizais  ,  e  consumis  tan- 
to ?  Para  que  vos  privais  voluntária- 
C 


#  34  * 

mente  de  tantos  cómmodosfPara  qtie 
vos  expondes  com  ella,  e  por  ella  a 
tantas  desgraças^,  não  sem  damno,  c 
damno  muitas  vezes  gravíssimo,  e ir- 
reparável da  vossa  mesma  Patcia  qutí 
aborreceis  -como  ingratos ,  e  a  quem 
perseguis  como  ferozes  monstros  ?• 
Mas  inúteis  são ,  e  serão  sempre  meus 
brados ,  se  elies  forem  dar  nos  ouvidos 
de  alguns ,  que  existirem  tomados ,  e 
possuídos  de  rão  cega ,  e  abominavei 
paixão.  Vão  sempre  de  abysmo  eni 
abysmo ,  nenhuma  razão  os  convence  , 
nenhuma  experiência  os  desengana  9 
nenhuma  desgraça  os  contêm  3  nenhu- 
ma infâmia  os  envergonha.  Mostra  i- 
Ihes  a  Capital  em  sustos,  mostrai-1  hes 
as  ruas,  e  as  praças  atulhadas  de  mi- 
seráveis desterrados ,  e  fugitivos  com 
os  pés  descalços ,  os  vestidos  immun- 
dos  ,  os  rostos  macilentos ,  os  olhos 
afFogados,  e  quasi  extinctos  de  pran- 
to ;  fazei-lhes  escutar  os  ais ,  que  rom- 
pem de  seus  corações  partidos  de  má* 
goa  ,  os  dolorosos  clamores  com  que 
pedem  hum  pão ,  que  lhe  prolongue 
a  imperfeita  morte   que  comsigo  ar- 


t  n  * 

râátrãò ,  que  já  não  he  vida ,  é  exk- 
tcncia  ;  mostrai-lhe  tantas  mais ,  ambu- 
lantes estatuas  da  desventura  ,  apertan- 
do nos  x  acamados  braços  os  filhos  f 
ou  cadáveres  ,  que  buscão  languidos 
o?  defecados  peitos ,  donde  tirão  não 
o  leite  ,  mas  as  ultimas  gotas  de  já 
nem  tépido  sangue  ;  abri-lhes  aquella 
porta  da  pobre  casa  ,  onde  a  meus  o- 
lhos  se  offereceo  ,  e  patenteou  o  mais 
terrível ,  doloroso ,  e  sensibilissimo  es* 
pecta.culo  ,  qíie  os  séculos  tem  visto 
sobre  esta  grande  scena  de  horror ,  e 
desventuras  ,  que  se  chama  Mundo ; 
huma ,  e  á  mais  desgraçada  mãi ,  mas 
já  cadáver  frio ,  com  a  gelada  cabe- 
ça ainda  encostada  na  descarnada  mão , 
com  os  olhos  mal  fechados  ,  os  pés 
descalços ,  e  estendidos ,  e  hum  íris* 
te  menino  envolto  em  miseráveis  pan- 
nos ,  pegado  ao  frio  peito  livido  ,  e 
horroroso  como  a  sepultura  ,  mal  sus- 
tendo  nos  trémulos  beiços  o  ukimo  ar- 
ranco ,  e  procurando  por  hum  instin* 
cro  maturai  conservar  a  vida  sobre  hum 
despojo  da  morte.  Levai-os  aos  mais 
*ev  amados  moníes  desta  mesma  Capi* 

C    2 


&  36  & 

ta! ,  c  mostrai-lhes  os  arraiaes  dos  bar* 
baros ,  e  como  indignada  a  terra  de* 
baixo  de  seus  pés  infecunda,  e  abra* 
zada  ;  mostrai-lhes  os  grosas  turbi- 
lhões de  fumo  rasgs dos  pelas  lavare- 
das  ca  sacrílega  conflagração  de  tan- 
tos Pcvcs,  de  tantos  Templos  ,  de 
tantos  Mosteiros ,  de  tantos  monumen- 
tos que  o  valor,  e  a  Religião  tinhão 
levantado,  ecs séculos  tinhão  respei- 
tado ;  mosírai-lhes  tantos  campos  ta- 
lados, e  ermos,  onde  nem  tumulo  en* 
contra  o  os  que  delles  tiravão  ,  e  ar- 
rancavão  com  suor  o  sustento  da  vi- 
da: mostrai-lhes  tantas  dcnzelias  vio- 
ladas aos  olhos  de  seus  mesmos  pais, 
tantas  matronas  profanadas  na  presen- 
ça de  seus  mesmos  esposos:  mostrai» 
lhes  os  ardentes  vestígios  da  lava ,  que 
de  seu  seio  vem  vomitando  o  vulcão 
vandálico  por  onde  quer  que  passa ; 
mostrai-lhes.. .  ^u  direi  tudo,  mos- 
trai-lhes hum  só  Francez ,  mostrai-lhes 
o  inferno  ,  e  ouvir-lhe-heis  dizer  tran- 
quillos ,  e  barbaramente  estúpidos ,  que 
tudo  he  preciso  para  se  ultimar  a  paz 
marítima ;  que  o  bem  da  causa  comi- 


&é     2  7     »** 

nental  traz  comsigo  esres  ligeiros  ma- 
les ,  bem  corno  a  ordem ,  e  formosu- 
ra da  Natureza   rraz  comsigo  a  osci- 
lação da  terra ,  e  o  pavoroso  appara- 
to  da  tempestade,  e  do  raiei  que  se 
os  homens  conhecessem  os  seus  verda- 
deiros inreresses ,  que  he  aeceder  á  cau- 
sa continental  para  vir   o  futuro  bri- 
lhante,  e  se  começarem  os  canaes  a 
abrir ,  e  os  Poetas  a  resuscitar  ,    até 
havião  de  apetecer,  que  esta  confla- 
gração ,  que  reduzio  a  cinzas  duas  es- 
téreis ,  e  insignificantes  Provindas ,  se 
estendesse  a  todas  as  manufacturas  Bri- 
tânicas...  Oh  Ceos  !  E  porque  nSo 
direi  que  estas  blasfémias  contra  a  ra- 
zão ,  e  contra  a  Natureza  talvez  sahis- 
sem  de  algum  daquelles  asiles  da  pie- 
dade ,   que  a  máo  de  nesso  primeiro 
Monarcha  levantara  ,  ertáp  liberalmen- 
te enriquecera  !    Monstros  vomitados 
pelo  Inferno  ,  deshonra  da  espécie  hu- 
mana ,   e  eterno  opprobrio  do  nosso 
perseguido  Império  !   Corramcs  hum 
véo  espessíssimo  ,  e  sombrio  sobre  es- 
tes horrores. 

He  pouco  ver ,  como  temos  yis- 


.  £  38  tt 

to  ,  tantos  indivíduos  tocados  deste 
mal ,  levando-o  cprasigo  por  onde  quer 
que  dirigem  os  passos  para  inficiona- 
rem ,  e  corromperem  os  outros.  Eu, 
sei  de  algumas  casas ,  e  o  tenho  escu- 
tado de  outras  ,  que  seriáo  por  cari- 
dade fraternnl ,  e  por  união  de  vonta- 
des huma  viva  imagem  do  Paraizo  , 
se  nella  não  houvera  penetrado  a  es* 
pirito  de  partido.  Todos  os  ânimos  ahi 
existjão  algum  dia  concordes  :  não  se 
escutava  a  expressão  do  ódio  ,  e  da 
amargura  ;  o  discreto  império  5  e  a  de- 
vida dependência  conservavão  no  seu 
seio  huma  tranquiliissima  paz.  Mas  a, 
desgraqa ,  ou  mais  depressa  o  Demó- 
nio ,  quiz  que  hum ,  ou  dois  çlaquel- 
la  familia  se  deixassem  embair  ,  ou  ar- 
rastar do  funesto  partido  dominante 
no  Mundo  ,  repentinamente  fugio  a 
paz  daquelles  ditosos  lares j  o  ódio, 
a  altercação  ,  a  contumelia  transfor- 
marão aquella  casa  em  hum  campo 
de  batalha  ,  ou  em  huma  fornalha  sem- 
pre ardente  de  desordens ,  e  dissabo- 
res, e  talvez  que  não  só  para  a  ge- 
ração presente,   mas  também  para  a 


&  39  • 

geração  futura.  He. possível  que  em 
hum  Mundo  ,  onde  já  são  tantas  as 
causas  ,  e  tão  poderosos  os  motivos 
dos  dissabores  ,  e  onde  as  paixões  hu- 
manas ,  e  os  verdadeiros  vicios  dos 
homens  semêão  tantas  discórdias  ,  e 
póe  tantos  obstáculos  á  caridade  fra- 
ternal ,  queirão  os  homens  acinte  com 
este  espirito  de  partido ,  chamar  so- 
bre si  novos  desgostos  ,  novas  inquie- 
tações ,  novos  peccados ,  fazendo  nos- 
sos os  negócios  alheios  ,  nessas  as  cau- 
sas  da  iniquidade  ,  e  da  perturbação' 
publica ,  e  particular  dos  outros  Po* 
vos,  e  Nações  estranhas?  .. 

Ainda  chega  a  mais  sua  demên- 
cia,  e  frenezira  :  querem  fazer  pró- 
prias as  offensas  alheias.  Dilatão  o  ex- 
cesso ,  e  a  loucura  de  ter  •  e  de  tratar 
como  offen sores ,  e  como  inimigos  a- 
quelles,  que  ou  são  d'ourro  partido, 
ou  não  são  daquelles ,  que  elles  se- 
guem. A  este  cúmulo  de  mal  se  che» 
ga  em  Lisboa,  como  se  chegou  em  Je- 
rusalém depois  que  se  formou  a  liga , 
e  o  partido  contra  o  Redemptor  do 
Mundo;  Que  razão  havia  para  tratai? 


0  4o  it 

como  excomungado  o  mancebo  cego 
de  nascimento  ^  e  lançallo  fora  da  Sy-* 
nagoga  ?  Nenhuma  outra  razão  mais 
do  que  haver  sido  restiruido  porjesu 
Christo  como  hum  milagre  á  luz  do 
dia ,  de  que  nunca  gozara  :  Et  ejece* 
runt  eum  foras.  E  que  razão  havia 
para  fulminar  a  mesma  pena  contra 
seus  progenitores  r  Não  havia  outra 
mais  que  haverem  estes  cedido  í  evi- 
dencia,  e  terem  testificado  por  grátis 
dão  aqueile  milagre.  Qonspiraverani 
Judei ,  ut  siquh  eum  confitereiur  es* 
se  Christum  extra  Synagogam  fierit. 
E  que  razão  tem  tantos,  e  tantos  de 
separar-sev  não  sem  escândalo,  do  a- 
nimo,  e  da  pessoa  de  hum  íntimo  pa* 
rente,  de  hum  honrado  Concidadão  ,  a 
quem  são  unidos  com  os  laços  de  san- 
gue ,  e  a  quem  devem  ser  mais  estreia 
lamente  unidos  com  as  prizoes  da  Ca* 
ridade  Christâ  ?  Não  ha  outra  razão 
senão  ser  aqueile  hum  parente ,  hum 
amigo ,  huma  família ,  que  não  sen- 
tem como  elles  sentem  ,  nem  seguem 
aferrada  mente  o  partido  que  elles  se? 
guem.   Ora  eu  ráo  creio  que  algum 


4i  ** 


M» 


de  vós  me  queira  perguntar  se  as  ex- 
posta? hostilidades  serão  escandalosas 
fraudes ,  se  rantas  obras ,  e  ramas  pa- 
lavras de  quem  he  p2Í  o  espirito  de 
partido,  sejáo  peccados?  Se  esta  per- 
gunta fosse  feita  a  algum  engenho 
mais  agudo  ,  a'gum  entendimento  mais 
-illustrado  do  que  o  meu  ,  mas  domi- 
nado desta  paixão  ,  e  contaminado 
desta  pesre ,  eu  fico  que  lhe  diria  que 
■na  o  èrâo  peccados.  Eis-aqui  ourra  não 
menos  deplorável  cegueira  ,  que  esta 
psixáo  derrama  nos  entendimentos , 
*]ue  chega  a  suffocar  ,  e  aniquillar  nel- 
Jes  os  ulúnos  vestígios  da  ra?ão ,  e 
.da  justiça. 

Mas  se  estas  cousas  sao  verda- 
deiras,  dirá  algum  de  vós,  C)mo  ver- 
dadeiras semostráo  pelos  factos,- não 
poderá,  nem  deverá  jamais  haver  no 
-Mundo  diversidade  de  génios,  oudi^ 
versidade  de  opiniões  ,  e  pareceres. 
Respondo,  que  pôde  haver  opiniões, 
c  pareceres  diversos,  mas  sem  espiri- 
to de  partido  ,  dizer  o  contrario  seria 
privar  a  razão  humana,  e  o  entendi- 
mento humano  de  sua  honesta,  ede» 


#  4*  tf 

vida  liberdade.  O  Apostolo  não  só 
permittio  a  cada  hum  poder  sentir  nas 
cousas ,  e  negócios  humanos  que  acon- 
tecem, como  razoavelmente  lhe  pare- 
cer ,  mas  abundar  alguma  cousa  em 
seu  mesmo  sentido ,  e  opinião:  Unus- 
quisque  suo  sensu  abundet :  só  prohi- 
bio  abundar  com  aquelle  calor,  per- 
tinácia, e emulação,  que  apagão ,  ou 
que  minorao  o  espirito  da  caridade : 
Charitas  non  aemidatur ,  non  infla- 
tur  5  non  agit  perperam*  Deos  creou 
o  Mundo ,  como  elle  protesta  no  Ec« 
clesjastico ,  o  póz  nas  mãos  dos  ho- 
mens ,  deixando-o  a  seus  estudos ,  e 
a  suas  disputas.  E  por  isto  poder-se-ha 
dizer  que  elle  introduzira  no  Mundo 
o  espirito  de  partido  ?  A  Igreja  per- 
mute a  diversidade  de  opinar  nas  cou- 
sas não  essenciaes ,  e  todavia  indeci- 
sas ,  de  Religião  ,  e  por  ventura  se- 
meou elia  entre  seus  filhos  a  zizania 
da  discórdia  ?  O  Senhor  concedeo ,  e 
approvou  a  divisão  das  possessões ,  * 
divisão  dos  domínios  ,  e  por  isto  he 
Deos  acaso  o  author  das  contendas, 
ç  dos  litigiosa   As  guerras,   as.  liei» 


*  43  £ 

gios  ,  as  animosidades ,  as  fraudes  quê 
jos  acompanhão,  não  rem  de  Deos , 
tmas  das  nossas  paixões.  Undc  hella^ 
et  lites  in  vcbis  ?  Kon  n?  hinc  ex 
concupisccritiis  vestris*  E  verdadei- 
ra guerra  he  aquella  que  se  faz  corn 
.o  espirito  de  partido  ,  e  guerra  não 
qual  a  faziao  os  Monarchas  Catholi- 
cos  ,  mas  qual  a  faz  o  monstro  que 
quer  tyrannizar  o  Mundo  ,  na  qual 
toda  a  perfídia  lhe  parece  honesía  , 
com  tanto  que  contribua  ao  rim  de 
suas  escandalosas  usurpações,  usando 
indisrinctamente  da  mentira  ,  e  da  ver- 
dade ,  da  sciencia  militar ,  e  da  trai- 
ção ,  e  servindo-se  de  todas  as  mal- 
dades como  de  cousas  indiíFerentes. 

Oh  caridade  !  oh  Evangelho !  oh 
entranhas  de  Jesu  Cnristo  ,  patentes  até 
áquelles  mesmos,  quesedeclarão  seus 
infensissimos  inimigos  !  E  poderieis 
vós  esperar  (  perdoai-me  este  desafo- 
go ,  es?e  transporte  da  minha  dor )  e 
poderieis  vós  esperar ,  que  se  devesse 
pregar  o  perdão  ,  e  a  paz  a  quem  não 
foi  ultrajado ,  §  offendido  ,  mas  que  só 
a  si  mesmo  se  offendeo  ,  c  se  ultra- 


tt  44  tf 

jou,  offendendo,  e  ultrajando  sua  ra- 
.zao  i  constrangendo-a  a  dobrar  o  pes- 
coço ao  jugo  férreo  das  leis ,  e  da  ty- 
rannia  de  hum  partido,  que  o  preci- 
pita em  mil  en os,  que  o  contamina 
com  mil  culpas?  Mas  de  outra  par- 
te são  tão  fortes  as  razões  contrarias  , 
que  vos  tenho  declarado  ,   e  tão  me- 
donho ,  e  abominável  se  mostra  por 
todos   os  lados  o  brutal  aspecto   do 
espirito  de  partido,  que  se  á  sua  vis- 
ta vós  me  dissésseis   que  o  não  que- 
ríeis abandonar  para  sempre ,  eu  o  não 
acreditaria  •  e  tenho  por  cousa  firmís- 
sima ,  que  ajudando- vos  Deos  ,  que  he 
hum  Deos  da  verdade ,  e  da  paz ,   o 
expulsareis  de  vosso  coração,  se  nelle 
lhe  tendes  dado  entrada  ,  ou  que  lhe 
fechareis  para  sempre  as  portas ,  e  vos 
não  deixareis  contaminar  de  seus  háli- 
tos pestíferos. 

Antes  que  adiante  o  meu  discur* 
so  ,  e  chegue  com  elie  a  pintar-vos 
os  terríveis  efeitos  deste  espirito  de 
partido,  não  só  pelo  que  pertence  á 
Religião  ;  mas  pife  que  pertence  á 
sociedade,  deixaiqueeu  vos  diga  que 


«?  4?  É 

a  maledicência  assim"  como  he  a-arma 
mais  fácil ,  assim  também  lié  a  mais 
commum  do  espirito  de  partido.  Nem 
todos  tem  astúcia,  nem  todos tenr ca-* 
bedaes ,  nem  to-os  tem  amizades  po- 
derosas com  que  facão  guerra  ao  bem 
público,  e  sustentem  huma  opinião,- 
ou  persigão  a  mesma  Pátria-  que  lhes 
déo  o  berço  ;  mas  todos  tem  huma 
língua  com  que  rebatão  hum  mérito, 
com  que  obscureçao  hum  nome;  eos 
mais  imperitos  a  costumão  ter  sem- 
pre mais  atrevida  que  os  outros-,  e 
sem  se  eccuparem  em  discursos  sobre 
cousas  particulares,  que  pedem  en:en- 
dimento  ,  e  perícia  ,  dirão  huma  lou- 
ca malignidade,  S  tão  poucas  tenho 
eu  ouvido  ?  DHo  ,  para  irem  por 
diante  com  o  partido  5  a  rebatida  fra- 
se do  concelho  dos  ra:ucs  cc-s  doira- 
dos domicílios  da  criípu-a  ,  que.nós 
devemos  suecumbir ,  percue  o  monstro 
recruta  em  teda  a  Europa,  isto  que 
he  hum  perfeitíssimo  deliria  he  o  si- 
gnal  menes  equivoco  doespirito.de 
partido.  Do  Rçderr.ptc.r  do  Mundo 
disserão  estólida  mente  seus  inir 


B  4*  & 

em  Jerusalém  :  Nunquiã  potest  ali* 
quid  a  N azar  et  h  boni  esse  ?  Eis-aqui 
huma  «laneira  bem  compendiosa  de 
eonfotar  a  santidade ,  a  doutrina  >  e 
es  milagres  do  Messias  ,  dizer ,  que 
de  Nazareth  ,  donde  eile  era  ,  não  po- 
dia vir  cousa  boa.  Pois  os  habitantes 
de  Nazareth  não  são  homens  ?  Não  tem 
entendimento  ?  Não  prcfessão  também 
a  mesma  lei  santa,  que  os  de  Jerusa- 
lém professa  vão  ?  Isso  he  verdade  ,< 
mas  de  Nazareth  não  pôde  vir  nem 
bom  zelo ,  nem  boa  doutrina  ,  nem 
cousa  que  boa  seja.  Dissessem  ao  me- 
nos que  hum  Nazareno,  ou  dois  Na- 
zarenos tinhao  podido  errar  comoer- 
rariâo  outros  tantos  ,  c  mais  em  Je- 
rusalém. Mas  dizer  que  todos  !  Cons- 
tituir a  todos  na  absoluta  impossibi- 
dade  de  obrar  bem ,  de  pensar  bem , 
de  fallar  bem  !  Isto  que  parece  hum 
portento  de  cegueira  ,  e  de  inveja  , 
tem  sido  sempre  conhecido  por  hum 
effeito  naturalíssimo  do  espirito  de 
partido.  Mas  qual  he  a  intenção ,  ou 
o  fim  desta  maneira  de  fallar  ?  O  seu 
fim  nem  he,  nem  pôde  ser  outro  mais 


it  47  it 

que  denegrir,  e  abater  a  fama  alheia; 
e  fazer  triunfèr  a  obra  da  iniquidade. 
Huns  murmurao  no  Mundo  por  di*- 
cacidade,  outros  por  passatempo  pa- 
ra que  a  conversação  não  seja  muda , 
nem  insipida  a  companhia  ;  mas  ne- 
nhum destes  motivos  obriga  a  fallar, 
e  discorrer  esses  inimigos  do  públi- 
co socego  ,  esses  fataes  anarchistas , 
esses  voluntários  gratuitos ,  ou  escra- 
vos emissários  do  Tyranno,  não  que- 
rem mais  que  a  propagação ,  e  a  di- 
latação do  sy stema  destruidor  ,  que 
para  ser  aborrecido  basta  unicamen- 
te ser  conhecido,  e  contemplado.  Ss 
vos  quizerdes  ,  sem  paixão ,  lançar  hum 
instante  os  olhos  sobre  seus  eífeitos , 
então  vós  podereis  formar  huma  ad- 
quada  idéa  de  sua  infernal  enormida- 
de. 

Considerai  a  Europa  no  estado, 
na  situação,  na  época  em  que  a  aui- 
zerdes  considerar,  vós  não  descobri- 
reis nella  hum  quadro  tão  horroroso 
como  agora  se  vos  apresenta.  Consi- 
derai-a  naquella  já  de  nós  remota ,  e 
apartada  época ,  em  que  se  comeqou 


*  48  » 

$  estender  ,  e  engrossar  ò  espahtoço* 
Impei  10  Romano ,   vós  vereis  a  Gèr> 
íiUnia.rcjuasi  vencida,  as  Gaiias  avas- 
saladas ,  a  Hespanha  depois  de  per- 
tinacíssimos combates  de  duzentos  an- 
bos  submettida  ao  jugo;   passai.com: 
a  imaginação  o  Adriático  ,   vede   a 
Epiro  subjugado ,  a  Grécia  dividida  „ 
a  Macedónia  ,  a  Trácia  agrilhoadas ,, 
a  Syria  j  e  seus  vastos  Reinos  asober- 
bados  pelas  Águias,  tyrannizados  por 
orgulhosos  Procônsules.  Vede  Crasso- 
accommettendo  a  Arménia ,  vede-o  in- 
feliz ,  mas  destruidor  entre  os  Panhoív 
Vede  Pompeo  levando  no  coração  a 
Republica  ,  e  a  conquista ,  encadean- 
do ilhota  a  numa  as  Ilhas  do  Medi- 
terrâneo ,  arvorando  as  Águias  até  as 
vertentes  do  Nilo ,  assustando  o  Eu- 
írates,  desfechando  raios  na  aterrada 
Mesopotâmia,   penetrando  triunfante 
pela  Palestina  ,   e  deixando  por- toda 
a-  parte  cadeas  ,  e  pavor.    Retrocedei . 
hum  pouco  com  a  imaginação  ,  e  ve- 
de  na  Mauritânia  Tingi. ana   os  dois 
Scipióes  ,  e  apôs  elles  o  ferocíssimo 
Mário  conservando  na  condição  pie- 


%  49  #     . 

bea  o  cófa$ò  de  César ,  e  a  magna> 
himidade  de  Alexandre,  não  deixan- 
do huma  pedra  sobre  outra  pedra  nos 
levantados  muros  de  Carthago.  Vede 
antes  delle  a  mesma  Itália  assolada 
pelas  barbaras  Legides  Garthaginezas  * 
tomprando  os  Rorríanos  huma  só  vi- 
ctoria  pela  ruína  de  tantas  Cidades  * 
pelos  lutos  de  tantas  famílias  ,  pela 
morte  de  seus  illustres  Cônsules .  • .% 
basta,  Considerai  a  mesma  Europa  de- 
baixo da  dominação  Romana  no  quar- 
to ,  e  quinto  século  da  era  Christã, 
já  dividi:'^  o  vacilante  Império  ,  eop^ 
frímldò  da  sua  mesma  grandeza  ,  g 
cõinsnas  intestinas  discórdias,  abrin- 
do as  portas  á  aluvião  des  Bárbaros  ^ 
<jue  do  norte ,  e  do  levante  da  mes- 
ma Europa  rebentarão  como  vulcões  ,• 
e  correrão  a  vingar  as  não  esqueci-* 
das,  posto  que  antigas  injúrias,  que 
á  sua  natural  liberdade  tinha  fekd  & 
soberba  Romana.  Vede  àquêlles  den-2 
sissitíKrô  enxames  deGépidas,  de  Sei- 
tas ,  de  Hunos ,  de  Hérulós  ,  de  Vân- 
dalos ,  de  Godos ,  áéframándo-se  co- 
fcio  impetuosas-  torfétiteá  àts  iaonuf- 
D 


ie  $o 


nhãs  da  Scandinavia,  por  onde  quef 
que  vem  pondo  os  pés ,  não  deixarem 
outros    vestígios   mais  do  que  estra- 
gos, e  cinzas.  Já  despedação  o  Im- 
pério usurpador  ,   e  de  cada  pedaço 
formão  hum  Reino  3  querendo  a  regu- 
ladora Providencia ,  que  aonde  tinhão 
chegado  com  o  voo  as  Romanas  A- 
guias  ,  ahi  chegassem  também  os  vin- 
gadores   dos  ultrages  ,    e   affiontas, 
que  os  conquistadores  do  Tibre  tinhão 
feito  á  Nacureza  ,  e  á  sociedade  hu- 
mana.  Penetra  ,  e  transpõe  os  mares 
Genserico ,  e  naquelía  mesma  Africa , 
onde  tantos  troféos  tinha  levantado  a 
vaidade  Romana ,  levanta  sobre  suas 
ruinas  hum  novo ,  e  mais  bárbaro  Im- 
pério. Considerai  a  mesma  Europa  no 
começo  do  oitavo  século  ,   e  vede   a 
mais  espantosa  vicissitude  nos  aconte- 
cimentos humanos.  Já  sehaviao  ama- 
ciado os  costumes  dos  bárbaros ;  Th eo- 
dorico  ,  e  Amalasunta  íizerão  leis  ,  que 
ainda  admiramos  >   e  o  celeste  poder 
do  Christianismo   desarmou    a   fúria 
Gótica  ,  e  viviao  as  Nações  tranquil- 
las:   eis  das  montanhas,  e  dosareacs 


fc  Sr*  * 


** 


da  Arábia  com  a  nova  seita  então  le- 
vantada correm  legiões  de  novos  con- 
quistadores, a!aga-se  de  sangue  a  ter- 
ra ,  e  os  mais  florescentes  Impérios 
da  Europa  gemerão  picados ,  e  des- 
truídos pela  ferocidade  dos  Sarrace- 
nos. Eis  os  homens  sujeitos  a  novas 
leis ,  e  a  novos  dominadores ,  e  pas- 
são  os  séculos  sem  mudarem  de  gri- 
lhões ,  e  a  terra  não  oíferece  outro 
espectáculo  mais  que  o  da  miséria  ,  e 
da  escravidão.  Pois  nós  podemos  cha- 
mar a  tantas  catástrofes  os  séculos  da 
felicidade  ,  quando  as  compararmos 
com  o  quadro  das  calamidades ,  que 
nos  orrerece  a  Europa  infelicíssima 
ha  vinte  annes.  Os  estragos ,  que  ella 
sorfre  •  não  pareceu:  ser  obra  das  mãos 
dos  homens  ,  mas  dos  Demónios.  Ve- 
de a  que  se  reduzio  a  magestade  5 
grandeza,  e  constituição  do  Império 
Germânico.  Vede  como  está  o  poder 
guerreiro  da  guerreira  Prússia ;  a  in- 
dependência da  Polónia ;  a  mágestòsa 
soberanb  da  Hollandâ  ■;  a  divisão  tran- 
quilla  ,  e  equilibrada  da  Itália  ;  o  po« 
der  pacifico  de  Roma  \  a  representa- 


<r  5*  $ 

jão  de  Nápoles,  a  politica,  e  diu? 
turna  existência  de  Veneza ,  a  confe- 
deração fraternal  da  Suissa ,  a  liber-» 
dade  do  Piemonte  ,  o  magestoso ,  $ 
venerável  colosso  da.  Monarchia  Hes- 
panhoia ,  a  conservação  triunfante  dg 
Portugal ;  vede  tudo ,  e  dizei-rae  ,  sg 
pode  outra  5  ou  mais  medonha ,  ees-r 
pantoaa  a.  \ín^g:m  ,  e  representa çao 
4q  cabos.  Korrofisãorvos  tan;as  çzbz-> 
ças  decepadas ,  tanto  sangue  vertido , 
tantas  lagrimas  derramadas  ,  tarçtos  lu.-» 
tos  constantes  ,  tantas  proscripqoe^ 
sanguinárias,  tan  os  cativeiros  injus-f 
tissimos ,  pasmais  de  ver  a  Natureza 
©frendida  x  a  liberdade  encadeada,  a, 
Religião  perseguida  ,  os  homens  trans-» 
formados  em  fáras  indómitas,  e  car- 
niceiros Abutres  ?  Pasmais  de  ver  ca- 
dêas  mais  grossas ,  grilhões  niais  pe- 
zados ,  escravidão  mais  insupportavel 
do  que  a  que  vira ,  e  sentira,  a  mes=. 
ma  Europa  nos  séculos  mais  barba-. 
ros  ?  Assombra- vos  ver  que  homens,. 
q.ue  se  dizião  fieis  >  e  ÇhristianissU 
mos ,  excedão  90  orgulho  os  Roma- 
nos >  na  ferocidade  o§  Seitas  >  $as  des.- 


<r  f$  ft 

fruições  os  Vândalos  ,  na  desHumaú 
nidade  os  Hunos ,  m  brutalidade  .sen- 
íual  os  Herulos,  no  fanatismo  revo* 
lucionario  os  Sarracenos  %  na  condu* 
çra ,  nas  blasfémias ,  nas  profanações , 
nos  desaca.t.03 ,  pç*5  insultos  feitas  aos 
jnqrros  ,  e  ás  rr.escu*  sombras  dos 
sepylçhros  o$  Demónios  >  Pasnjaj&ile 
ver  Canib.iís  na  Europa  mais  $edeh« 
tos  d  ^sangue,  mais  vagabundos,  mais 
carnivoros ,  mais  incultos  ?  Adnairá^ 
vos  ver  huma  nova  Nação  de  Caraí- 
bas t  sem  pátria ,  sem  lares ,  sem  re- 
lações narura.es,  e  humanas?  Trans» 
porrais-vos  de  horror  veado  não  nas 
bordas  do  Aniasonas ,  roas  nas  m3r- 
ganf  do  Tejo  huma  horda  de  Topi- 
j?s  estúpidos,  brutos  ,  insensíveis  ^ 
sem  idéas  d 5 moralidade,  commetten- 
do  assa s>; aos  sem  remorsos  ,.  roubos 
sem  turvaçao  ,  incêndios  sem  emoção. 
Tudo  isco  existe  ,  tudo  isto  nós  vi- 
mos, e  sentimos  já  três  vezes.  E  se 
vos  não  horrorisais  multo  ,  e  quereis 
ver  tudo  isto  junto  em  hum  só  qua- 
dro ,  eu  vo-lo  mostro.  —  Vede  ,  e  ob- 
servai bem  de  perto  hum  apaixonado, 


É  ?4  ft 

dos  Franceses;  seria  Jionrallo  muito 
dizer  que  he  hum  Antrçpophag^;  se 
Satanaz  se  torna  visível,  eu  não  sei 
quem  seja  mais  o  seu  retrato...  Per- 
doai-me  que  não  cabe  em  mim  a  dôr 
de  ver  oabysmo  em  que  hião  lançan- 
do a  nossa  Pátria ,  ò  nosso  Rei  ,  a 
nossa  Religião . . .  Perdoai-me  ,  e  pois 
já  me  cancárao ,  ou  se  me  secarão  os 
olhos  de  chorar ,  tenh'a  o  meu  abafa- 
do coração  hum  desafogo  pela  lín- 
gua. Eu  detestarei  ,  eu  ensinarei  to- 
dos o?  séculos  a  detestar  estes  malva- 
dos. Ha  -quatro  annos  não  derramei 
ainda  huma  só  lagrima  ,  que  suas  Ím- 
pias mãos  as  não  expremessem  de 
meus  olhos.  E  se  estes  espantosos  ef-, 
feitos  vos  assustão  ,  fugi ,  Povos ,  fu- 
gi ,  fugi! da  sua  causa  ,  que  he ,  esó- 
inente  he  o  Espirito  de  F  ar  tido. 

Disse» 

-.  li 

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