Skip to main content

Full text of "Cancioneiro portuguez da Vaticana: edição critica restituida sobre o texto diplomatico de Halle ..."

See other formats


Google 



This is a digilal copy of a bix>k lhai was preservcd for general ions oii library shelves before il was carefully scanned by Google as pari of a projecl 

to make thc workl's books discovcrable online. 

Il has survived long enough for lhe copyright lo expire and thc book to enter thc public domain. A public domain book is onc lhai was never subjecl 

lo copyright or whosc legal copyright icrrn lias expired. Whcthcr a book is in thc public domain rnay vary country locountry. Public domain books 

are our galcways lo lhe pasl. rcprcscnling a wcalth of history. eulture and knowlcdgc lhat's oflen dillicult lo discover. 

Marks. noialions and olher marginalia present in lhe original volume will appcar in this lile - a reminder of this book's long journey from thc 

publisher to a library and linally to you. 

Usage guidelines 

Google is proud to parlner with libraries lo digili/e public domain materiais and make lhem widely aeeessible. Public domain books belong to thc 
public and wc are merely lheir cuslodians. Neverlheless. this work is expensive. so in order lo keep providing this resource. we have laken steps lo 
preveni abuse by eommereial parlies. incliiJing plaang kvlmical reslrietions on aulomated querying. 
We alsoasklhat you: 

+ Make non -eommereial use of lhe files We designed Google Book Search for use by individuais, and we reuuesl that you use these files for 
personal, non -eommereial purposes. 

+ Refrain from imtomuteá í/nerying Dono! send aulomated queries of any sorl to Google's system: If you are eondueting researeh on machine 
translation. optieal eharaeler reeognilion or olher áreas where aeeess to a large amount of texl is helpful. please eonlaet us. We encourage thc 
use of public domain materiais for these purposes and may bc able to help. 

+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on eaeh lile is essenlial for informing people about this projeel and hclping them lind 
additional materiais llirough Google Book Search. Please do not remove it. 

+ Keep it legal Whatever your use. remember thai you are responsible for ensuring lhai what you are doing is legal. Do not assume that just 
because we believe a b(K>k is in lhe public domain for users in lhe United Siatcs. lhai lhe work is also in lhe public domain for users in other 

counlries. Whelher a book is slill in copyrighl varies from counlry lo counlry. and wc can'l olíer guidance on wliclher any specilie use of 
any spccilic biK>k is allowed. Please do not assume lhai a bix>k's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner 
anywhere in lhe world. Copyrighl infringcmcnl liabilily can bc quite severe. 

About Google Book Search 

Google 's mission is lo organize thc world's information and to make it universally aeeessible and useful. Google Book Search helps readers 
discover lhe world's books whilc liclping aulliors and publishcrs rcach new aLidicnccs. You can search ihrough lhe J li 1 1 lexl of this book on lhe web 
al |_-. — .■■-:: //::;-;- -;.,.<.s.qooqle. com/| 



Google 



Esta é unia cópia digital de um livro que foi preservado por gerações em prateleiras de bibliotecas até ser cuidadosamente digitalizado 

pelo Google, como parte de um projeto que visa disponibilizar livros do mundo todo na Internet. 

livro sobreviveu tempo suficiente para que os direitos autorais expirassem e ele si; tornasse então parte do domínio público. Um livro 

de domínio público 6 aquele que nunca esteve sujeito a direitos autorais ou cujos direitos autorais expiraram. A condição de domínio 

público de um livro pode variar de país para país. Os livros de domínio público são as nossas portas de acesso ao [lassado e representam 

uma grande riqueza histórica, cultural e de conhecimentos, normalmente difíceis de serem descobertos. 

As marcas, observações e outras notas nas margens do volume original aparecerão neste arquivo um reflexo da longa jornada pela qual 

o livro passou: do editor à biblioteca, e finalmente até você. 



Dirct rizes de uso 

Google se orgulha de: realizar parcerias com bibliotecas para digitalizar materiais de domínio público e tornados amplamente acessíveis. 
Os livros de domínio público pertencem ao público, e nós meramente os preservamos. _\o entanto, esse trabalho é dispendioso; sendo 
assim, para continuar a oferecer este recurso, formulamos algumas etapas visando evitar o abuso por partes comerciais, incluindo o 
estabelecimento de restrições técnicas nas consultas automatizadas. 

Pedimos que você: 

• Faça somente uso não comercial dos arquivos. 

A Pesquisa de Livros do Google foi projetada para o uso individual, e nós solicitamos que você use estes arquivos para fins 
pessoais e não comerciais. 

• Evite consultas automatizadas. 

Não envie consultas automatizadas de qualquer espécie ao sistema do Google. Se você estiver realizando pesquisas sobre tradução 
automática, reconhecimento ótíco de caracteres ou outras áreas para as quais o acesso a uma grande quantidade de texto for útil. 
entre em contai. o conosco. Incentivamos o uso de materiais de domínio público para esses fins e talvez possamos ajudar. 

• Mantenha a atribuição. 

A "marca dágua" que você vê em cada um dos arquivos essencial para informai- as pessoas sobre este projeto e ajudá-las a 
encontrar outros materiais através da Pesquisa de Livros do Google. Não a remova. 

• Mantenha os padrões legais. 

independentemente do que você usar. tenha- em mente que é responsável por garantir que o que está fazendo esteja dentro da lei. 
Não presuma que, só porque acreditamos que um livro é de domínio público pata os usuários dos Estados Unidos, a obra será de 
domínio público para usuários de outros países. A condição dos direitos autorais de um livro varia de país para país, e nós não 
podemos oferecer orientação sobro a permissão ou nào do determinado uso de um livro em específico. Lembramos que o fato de 
o livro aparecer na Pesquisa de Livros do Google não significa que ele pode ser usado de qualquer maneira em qualquer lugar do 
mundo. As consequências pela violação de direitos autorais podem ser graves. 

Sobre a Pesquisa de Livros do Google 

A missão do Google é organizar as informações de todo o mundo e torná-las úteis e acessíveis. A Pesquisa de Livros do Google ajuda 
os leitores a descobrir livros do inundo todo ao m esmo :cii:;hí i-m que ajuda ■ím uiuíj^ e edi:ore- a ai ca: içar novos públicos. Vnce pode 
pesquisar o texto integral deste livro na web, em |http : //books . google . com/| 




/ 



'' -'1 "Y: 



v; 



/ 



\ * 



CANCIONEIRO &ft+ m 



PORTUGUEZ 



DA VATICANA 



EDIÇÃO CRITICA 

RESTITUÍDA sobre o texto diplomático de halle, 

ACOMPANHADA DE UM GLOSSÁRIO 
E DE UMA INTRODUCÇÃO SOBRE OS TROVADORES E CANCIONEIROS 

PORTUGUEZES 



POR 



THEOPHILO BRAGA 

Profeflbr de Litteraturas modernas e efpecialmente de Litteratura portugueza, 

no Curfo fuperior de Lettras 



LISBOA 

IMPRENSA NACIONAL 



MDCCCLXXVIII 



i 



CANCIONEIRO 



PORTUGUEZ 



DA VATICAM 



EDIÇÃO CRITICA 

RESTITUÍDA sobre o texto diplomático de halle, 

ACOMPANHADA DE TJM GLOSSÁRIO 
E DE UMA INTBODUCÇlO SOBRE OS TROVADORES E CANCIONEIROS 

PORTUGUEZES 



POR 



THEOPHILO BRAGA 

Professor de Litteraturas modernas e especialmente de Litteratura portugucza, 

no Guiso superior de Lettras 



LISBOA 

IMPRENSA NACIONAL 



MDCCCLXXVIII 



Prevenção— Seguimos na reproducção do texto (Teste Cancioneiro o respeito que se deve ter pela integridade do 
qualquer monumento histórico, não amputando aquellas phrases que repugnam aos costumes modernos, por isso que este livro 
é para estudo e não para recreio ; como o serviço que prestamos á litteratura e historia pôde ser mais uma vez deturpado por 
insidias de uma moral capciosa, declaramos que nesta reproducçSo seguimos o exemplo do historiador Herculano na sua edição 
critica dos Nobilicurios. 



g? LIBRARY Q 
2 4 J'JL W 



& 



'/m* 



No meado do século xv falia o marquez de San til lana da existência (Teste Cancioneiro 
em Hespanha, e desde o século xvi se sabe do seu apparecimenlo em Roma ; mas no sécu- 
lo xvn D. João iv preoccupava-se exclusivamente em mandar copiar musicas dos principaes 
compositores, e no século xviíi D. João v pagava perdulariamente as copias de miseráveis 
documentos ecclesiasticos do Vaticano. Cancioneiro portuguez flcou sempre ignorado, e por 
isso a tradição litteraria esquecida fez com que esses dois séculos fossem mesquinhos e sem 
intuito c vitalidade na litteratura. Os excerptos extrahidos por Lopes de Moura, por Griiz- 
macher, por Wolf, por Diez, por Varnhagen e por Monaci, nunca conseguiram despertar o 
mínimo interesse na Academia das Sciencias de Lisboa, cuja dotação annual de mais de doze 
contos de réis era dispendida em commissões litterarias fictícias, porque o trabalho cffectivo 
resumia-se na reproducção typograpbica de alguns documentos com poucas linhas de pro- 
logo histórico. Referimo-nos especialmente à collecção Portugalice Monumenla histórica, 
da qual desde 1856 até 1877 apenas apresenta quatorze fascículos, os quaes custaram até 
ao anno de 1876, pagando a um director 480/5000 réis annuaes, a um paleographo 2700000 
réis, e a um revisor 2400000 réis (sem incluir a impressão e o papel), a quantia de réis 
19:800^000! O trabalho litterario (Testes fascículos consiste em copias paleographicas 
e mais nada ; mas no nosso paiz entende-se o dever (Teste modo. N'esla collecção dos 
Portuga liw Monumenla histórica resolvera o seu fundador e director incluir na Secção 
dos Scriptores o Cancioneiro da Ajuda e o Cancioneiro da- Vaticana; como estas repro- 
duções não consistiam em simples copias, mas em restituições de texto e interpreta* 
coes históricas, encobriu-se a impossibilidade com a reproducção de um desgraçado texto 
do Código wisigothico, e assim se flcou servindo a algibeira sem servir a sciencia. Pela parte 
do governo nenhum ministro teve a educação litteraria suííiciente para cTesses subsídios 
que se dão para assistir a paradas militares no estrangeiro tirar uma pequena quantia para 
mandar a Roma quem copiasse o monumento portuguez da Bibliotheca do Vaticano. Porém às 
vezes pôde mais a boa vontade do que todos os poderes do mundo. 

Sobre os pequenos subsídios para a historia da litteratura provençal portugueza, minis* 
trados pelo embaixador inglês Lord Sluart, pelos brazileiros Lopes de Moura e Varnhagen, 
pelos allemães Wolf, GrUzmacher e Diez, tentámos uma pequena synthese da epocha dos 
nossos trovadores no livro Trovadores galecio-porluguezes, Porto, 1871. livro era defei- 
tuoso por incompleto, porque incompletos eram os documentos sobre que se fundava; ter- 
minava com uma imprecação acerba sobre o desleixo da Academia e do governo por deixa- 
rem no esquecimento o grande Cancioneiro porttiguez da Vaticana. De 1871 a 1877 a 
Academia continuou.consummindo em silencio a sua dotação, e o governo continuou a preoc- 
cupar-se de si ; mas o livro dos Trovadores galecio-port>oguezes chegou á Itália, e um i Ilustre 
romanista o joven professor dr. Ernesto Monaci, movido por aquellas palavras de interesse 
emprebendeu restituir à nação portugueza o livro da sua tradição litteraria ft . As dificulda- 
des que elle teve a vencer irão contadas adiante ao biographarmos este eminente philologo ; 
é certo porém que o Cancioneiro portuguez da Bibliotheca do Vaticano estava publicado em 

1 Em carta de 14 de abril de 1873, escrevia-nos o illustre philologo: «Nel preparare questo lavoro poi noa 
mi è di poça compiacenxa il pensare ai materiali richissimi che caso presenterà per nuove opere ali' illustre 
rtorico delia letteratura portoghese.» 



IV IND1FFERENÇÀ DO PUBLICO PELO PASSADO NACIONAL 

1875 por uma casa editora de Halle, que teve o patriotismo que faltou ao nosso governo, e 
a intelligencia scientiGca que faltou á nossa Academia. 

Monaci fez uma edição diplomática do Cancioneiro portuguez da Vaticana; as dificulda- 
des insuperáveis do texto obrigaram-no a uma reproducção quasi fac-simile, entregando à 
aptidão dos homens de sciencia de Portugal a restituição pura da linguagem archaica ali de* 
turpada pelo primeiro copista do século xvi. 

São commoventes as palavras com que Monaci termina a sua audaciosa empreza : «Questa 
non é che una prima pietra, e voglia il cielo che tornato il livro in Portogallo, diventi presto 
oggetto di studi novelli. É solo nelle fonte delle tradizione patrie che lo spirito di una nazio- 
ne si ringagliardisce.» livro chegou a Portugal em dezembro de 1875, encarregando-me 
o auctor e editor de offerecer em seu nome um exemplar á. Academia das Sciencias. Para 
evitar a nossa vergonha tive de solicitar o agradecimento, e a nomeação de sócio correspon- 
dente, titulo que tem descido entre nós até à ínfima plebe das letras, para o homem que no 
estrangeiro maior serviço prestou à litteratura e historia de Portugal. Para que o juizo 
sobre o Cancioneiro não ficasse no olvido, como a maior parte das obras dadas à censura 
académica, tive que redigil-o. Mas apesar de tudo o trabalho de Monaci não foi comprehen- 
dido, porque um académico chegou a propor em sessão, que sendo illegivel a edição de 
Monaci, seria conveniente que a Academia das Sciencias de Lisboa mandasse tirar uma nova 
copia para fazer uma edição sua ! Que paleographo na Europa seria capaz de tirar uma co- 
pia com mais fidelidade e intelligencia do que a de Monaci? com todos os elementos críticos 
para uma restituição integral? Ninguém. 

que a edição diplomática do Cancioneiro da Vaticana reclamava era estudo. Lançá- 
mo-nos a esse trabalho de restituição, como quem cumpria um dever de honra nacional; não 
tínhamos esperança de alcançar os meios de publicidade para o nosso texto, mas fomos pro- 
seguindo sempre. Nas livrarias, dos exemplares do Cancioneiro apenas se venderam uns 
quinze ! Silencio da parte dos escriptores, porque nenhum jornal deu noticia da publicação 
de Monaci, desprezo da parte do publico, tudo pesava sobre nós como uma grande vergo- 
nha. Da Allemanha pediam-nos um juizo critico sobre o Cancioneiro para a Zeitschrift ftir 
romanische Philologie 1 de Breslau, e em Portugal todos os livreiros se recusavam a tomar 
a empreza da edição critica d'este esplendido monumento nacional I 

Depois de restituído completamente o Cancioneiro, tentámos publical-o por fascículos, 
associando-nos com um proprietário de typographia. Fizemos correr o seguinte prospecto : 

«0 monumento principal da litteratura portugueza, pela sua importância philologica, his- 
tórica, tradicional e artística, e pela época e sociedade que representa, é indubitavelmente 
o grandioso Cancioneiro portugwz da Bibliotheca do Vaticano. Pertence aos séculos xm e 
xiv, e compõe-se de mil duzentas e cinco canções que se repetiram nas cortes de D. Affon- 
so in, D. Diniz e D. Adenso iv; ali se acham imitadas as varias escolas poéticas do fim da 
edade media, os cantos trobadorescos da corte de S. Luiz, os cantares de segrel das cortes 
peninsulares, os dizeres gallegos, e os lais bretãos a que apenas se allude ; emquanto às in- 
dividualidades históricas, ali se acham representadas nos mais saborosos trovadores as famí- 
lias que estiveram com Affonso in em França, e conspiraram para o elevarem ao throno. Por 
qualquer lado que se compulse este monumento, redobra-se o seu valor. Desde o século xvi 
que se sabe da sua existência ; os sábios estrangeiros o tém estudado suecessi vãmente, a 
estrangeiros devemos os fragmentos publicados até hoje, e hoje a admirável edição diplo- 
mática de Ernesto Monaci, que appareceu à luz em Halle, em fins de 1875. texto primiti- 
vo do Cancioneiro suppõe-se perdido desde 1516 ; existe um apographo de copista que não 
sabia portuguez, e que reproduziu o texto extrahindo-o cTentre a pauta musical ; d'aqui re- 
sultou que o amanuense, apesar de toda a sua fidelidade reproduziu palavras imaginarias, 

1 Fase. i, p. 41 a 57, e n, p. 179 a 190 



NEGLIGENCIA DOS GOVERNOS V 

as mais das vezes sem forma de verso. illustre Monaci, que salvou este texto, provoca a 
nação portugueza com o seu generoso brinde, a trabalhar para a reconstrucção critica da 
forma autbentica perdida. Ê o que tentamos hoje de um modo integral. 

«A nossa edição deve constar: 

«1 .°De uma longa introducção sobre a historia da poesia provençal portugueza deduzida 
do texto do Cancioneiro, e de um estudo de historia externa sobre a filiação dos difTerentes 
Cancioneiros dos séculos xm e xiv, com os quaes o Cancioneiro da Vaticana tem intima re- 
lação. 

<(2.° Do texto das mil duzentas e cinco canções restituído em quanto à lingua, à da épo- 
ca em que foi escripto o Cancioneiro, pelos processos críticos mais rigorosos ; em quanto & 
poética, Oxando-lhes a sua justa metrificação e a forma estrophica, segundo os dados com- 
parativos da poética provençal. 

«3.° De um glossário de todas as palavras archaicas empregadas no Cancioneiro; e no- 
ticias biographicas dos trovadores porluguezes.» 

Ao fim de seismezes apenas se haviam colhido oito assignaturas ! typograpbo propoz 
então dirigir em seu nome um requerimento ao governo, pedindo a assignatura de um certo 
numero de exemplares. Ficou sem resposta o requerimento, que é como se segue, e que aqui 
fica archivado, por isso que o outro se perdeu debaixo da mesa da secretaria compe- 
tente : 

«Senhor — Os typographos F. F., procurando alliar ao interesse da sua arte todos os es- 
forços para que a gloria (Teste paiz, de quem são filhos adoptivos, se affirme com todo o 
brilho nos grandes congressos industriaes do nosso século, projectam fazer uma edição do 
primeiro monumento da lingua e da litteratura portugueza, d'esse opulentíssimo Cancio- 
neiro da Bibliotheca do Vaticano, do qual apenas existe uma edição diplomática illegivel, 
publicada na Allemanha. 

a A necessidade que o publico portuguez tem d'este livro, a sua inquestionável impor- 
tância, ficam expostas no. prospecto junto; a falta de iniciativa das emprezas editoras, e o 
grande sacrifício necessário para restituir aos que estudam este precioso Cancioneiro, fica- 
ram-nos patentes com a cedência gratuita do texto litterario; é para o auxilio das despezas 
da impressão que recorremos ao expediente das assignaturas, e por isso dentro dos limites 
da verba destinada para animar e favorecer as emprezas scienlificas (Teste paiz 

aLisboa, i 876. «P. a Vossa Magestade haja por bem mandar subscrever por um 

certo numero de exemplares do Cancioneiro portuguez da Biblio- 
theca do Vaticano, tal como se projecta no presente prospecto. — 
E. R. M.<*=F. F.» 

Por ultimo offereci ao lypographo emprezario duzentas assignaturas, mas recusando-se 
então a imprimir por sua conta o Cancioneiro da Vaticana, vi que elle perdera completa- 
mente a esperança de ser secundado pelo publico. Na Academia, os estatutos tém um ar- 
tigo que dâ direito à impressão de obras de indivíduos não sócios, mas de reconhecida im- 
portância nacional ; para que esse artigo se tornasse eflectivo era necessário esperar por um 
novo orçamento para que essa despeza podesse ser incluída na dotação da Academia, d 
que eu me expuzesse a passar por detrás dos membros da classe de litteratura, de quem 
dependia a approvação do Cancioneiro* Um (Telles cria que o texto do Cancioneiro era 
latim! 

No cm tanto a Academia das Sciencias gastava perto de dois contos de réis em adornaras 
sua* >alas para celebrar uma sessão solemne, porque havia jà dez annos que se não reunia ; 
o p jlico foi assistir á sessão real, sem se lembrar de querer saber em que se gastaram cen- 



VI O Ql^ VALE A INICIATIVA INDIVIDUAL 

to e tantos contos do réis n'esse intervallo de dez annos, porque as relações litterarias com 
as outras Academias da Europa conservam-se á custa das Memorias do principio (Teste sé- 
culo. A par d' es ta negligencia nacional, no estrangeiro o interesse scientiflco muitas vezes 
se occupou do passado histórico de Portugal; e no momento em que a Academia se prepa- 
rava para sacudir o pó da velha rbetorica oficial, para dar parte da compra insensata de 
um casco de Diccionario portuguez por doze contos de réis, e com o qual tem gasto sem re- 
sultado até ao presente perto de sete contos e quinhentos mil réis, um erudito italiano, auxi- 
liado por um intelligente editor allemão, restituia á nação porlugueza o livro das suas ori- 
gens litterarias. . 

Era uma vergonha para esta corporação o ter pelo menos desde 1847 deixado esqueci- 
do no archivo do Vaticano esse documento extraordinário do nosso passado histórico. Nada 
se fez para o tornar accessivel aos que estudam desajudados ; porém nos assumptos propos- 
tos a premio pela Academia, para o anno de 1876, appareccu o seguinte inexplicável que- 
sito, ao qual se promette uma medalha de oiro de peso de cincoenta mil réis: «Compor um 
glossário de palavras hoje obsoletas ou antiquadas, que se leiam nos antigos Cancioneiros 
Pobtuguezes, fazendo sobre cilas as observações linguisticas e phihlogicas que parecerem 
convenientes 1 .» Isto revela-nos que alguém na Academia ouvira fallar em Cancioneiros 
portuguezes, mas que não sabia que um glossário se não pôde fazer sem um texto accessi- 
vel; ou que se pretendia supprir com este novo subsidio as insanáveis imperfeições do sup- 
posto Diccionario de Ramalho e Sousa. Era tempo já do governo mandar pôr em pratica o 
artigo dos estatutos da Academia, que commina a exclusão aos sócios que durante dois an- 
nos não apresentem trabalhos; assim se melhorava uma instituição admirável e única, ex- 
cluindo os inúteis que â desauetoram. 

Haviamos perdido toda a esperança de honrar o serviço do illustre Monaci, publicando 
o nosso estudo fundamental sobre o Cancioneiro portuguez da Ka/icana;faltava-nossóo 
recurso ultimo de publicarmos algumas restituições parciaes dos grupos de canções mais il- 
legiveis nas Revistas de philologia românica, na Romania., para cuja collaboração nos con- 
vidara Mr. Gaston Paris, ou na Zeilschrift fiir romanische Philologie, para onde nos convi- 
dara o dr. Guslav Gruber. 

Nestas circumstancias visilou-nos o dr. Francisco Ferraz de Macedo, medico pela escola 
do Rio de Janeiro, onde exerce a clinica, por occasião da sua viagem pela Europa ; soube 
das diíUculdades insuperáveis que embaraçavam a entrega d 'este monumento à nação por- 
lugueza, e insurgiu-se pondo immediatamente ás nossas ordens todos os meios maleriaes 
para que a edição critica do Cancioneiro portuguez da Bibliotheca do Vaticano viesse a pu- 
blico. Emquanto os príncipes assignalam a sua passagem com salvas, fogos de vista e para- 
das de manequins, os que sabem o valor do trabalho e que tém amor de pátria deixam 
após si monumentos que em todos os tempos são outros tantos estímulos de progresso. A 
publicação do Cancioneiro portuguez da Vaticana deve-se exclusivamente ao patriotismo 
do dr. Francisco Ferraz de Macedo; os que estudam conhecerão o valor d'este acto, e para 
elles o seu nome ficará sempre venerado. Desculpe-nos esta violação da modéstia desinteres- 
sada, declarando contra sua vontade o nome de quem por um sentimento de solidariedade 
nacional praticou o que uma Academia dita de sciencias, com uma rica dotação, não soube 
fazer. Noemtanto o corpo dos Portugalice Monumenta histórica continua consummindo quatro- 
centos e oitenta mil réis annuaes com um director a quem a Academia concedeu dois turnos 
de aprendizagem espectante, e duzentos e quarenta mil réis com revisor, que nada revê por- 
que nada se imprime, e mais de quinhentos mil réis a dois paleographos que nada copiam. 
Com o poderoso subsidio annual de que dispõe, a Academia das Sciencias devera ser um 
elemento civilisador n'este paiz, e não ura asylo de mendicidade, dispendendo esterilmente 

1 Sessão publica de 1875, p. xxxvt. 



SYSTEMA DE INTERPRETAÇÃO DO CANCIONEIRO VII 

os seus meios em mczadas que endireitem o orçamento domestico de amanuenses de secre- 
taria ou bacharéis sem clientela que se lembraram de ser académicos. 

Demos agora conta dos nossos processos de restituição do texto do Cancioneiro. Como 
este texto foi copiado em principio do século xvi por um amanuense italiano de um apogra- 
pho pouco intelligivel, acontece que os erros que se acham no Cancioneiro se podem re- 
duzir a um systema; e portanto a interpretação facilita-se porque desapparece o capricho. 
Os erros consistem : 1.°, em troca de leiras, e tfeste ponto o próprio Monaci organisou uma 
chave .bastante útil para o trabalho da restituição; 2.°, em união de abreviaturas; a leitura 
offerece muitos equívocos, mas pela intelligencia da canção e pela phraseologia usual se es- 
tabelece a forma definitiva; 3.°, erros resultantes da troca de letras e confusão das abrevia- 
turas, são os mais difficeis de interpretar, e só por logares parallelos se consegue uma lei- 
tura plausível ; 4.°, falta de versos } e versos escnptos como prosa, ou dois fragmentos de 
verso reunidos em um só; a leitura faz-se conhecendo primeiramente a estructura da stro- 
phe; 5.°, alteração da rima, aqui a emenda pôde ser conjectural, uma vez que siga a for- 
ma imposta pela canção ; 6.°, alteração da f&rma strophica; como de ordinário a canção 
tem três strophes, começa-se pela leitura da mais completa para assim entrar na reconstruc- 
ção das mais deturpadas; 7.°, suppressão de estribilhos, quando se não pôde formar o estri- 
bilho na interpretação da primeira estrophe, procura-se no typo análogo de outras canções 
o seu systema de rima, e do texto da canção se extraem os versos ou palavras que o com- 
pletam ; 8.°, canções divididas, ou com rubricas inter calladas, reunem-se pela similhança 
da forma strophica e do sentido. Onde apparecem dois números repelidos, é porque designa- 
vam dois fragmentos de uma mesma canção; 9.°, canções repetidas, estas tém um grande 
valor para o systema de interpretação, e para explicar o systema de compilação do Cancio- 
neiro; 10.°, ignorância dos géneros característicos; acontece que algumas canções galle- 
gas ou de amigo, estão escriptas & maneira limosina; pelo conhecimento da forma gallega 
é que se reconstrue o typo da canção; ll.°, alteração dos nomes próprios ; restiluem-se 
pela rima, e especialmente pela interpretação histórica. 

Se exemplificássemos todos estes casos, o trabalho que ahi fica tornar-se-ía prodigioso ; 
se se confrontar o nosso texto com os fragmentos de Lopes de Moura e Varnhagen, ver-se- 
ha que estes editores organisaram os seus textos por supposições gratuitas, supprimindo as 
canções quando não as podiam ler. Depois da enumeração dos erros systematicos segue-se 
a enumeração dos meios hermenêuticos para a restituição do texto'; foram : interpretação 
pelos recursos da poética provençal, medição do verso, distribuição da rima, estructura 
strophica, combinação de retorne lios, e características distinctivas do género; uma parte 
conjectural, como palavras omissas introduzidas por força da rima, sentido e estylo peculiar 
e contemporaneidade de formas archaicas. 

Por estes processos ousamos declarar que nenhuma canção resistiu por mais deturpada 
que estivesse; com. algumas gastámos mezes, approximando-nos gradualmente da verdade 
até a julgarmos plenamente restituída. Porém desde a primeira até á ultima canção tivemos 
sempre diante de nós o imprevisto, e nunca a segurança de que terminaríamos com bom 
êxito este trabalho! Algumas das nossas interpretações já publicadas na Anthologia por* 
tugueza mereceram ao traduetor allemão de Camões, o dr. Storck, a classificação de admi- 
ráveis 1 ; porém estamos certos de que uma critica severa tem de fazer, o processo do 
nosso trabalho canção a canção, não em* Portugal, onde só temos colhido insultos de uma 

• «Car sans vouloir diminuer la grande valeur de 1'ouvrage de Mr. Monaci, laquei le est au dessus de mes 
louáDges, il me faut dire qu'elle n'est qu'une copie de Foriginal, qnoique celte reproduetion soit fort exacte 
et fort précicuse; mais le texte en est presque aussi di£flcilc à comprendre que le manuscript le será lui-mô- 
me. Selon ce qu'on voit par les épreuves que vous en avez données dans votre prospectus et dans votre An- 
lhologie, surtout dans 1'admirable restitution du texte de la Romance n.° 3 (Desflar enviaron) votre édition ren- 
dra plus facile ou plutòt— pour cn djre Ia veritó— ellc rendra possible 1'étude de ces documents précieux. 
Storck, Munstcr, õ décembre, 1876.» 



VIU VALOR DO CANCIONEIRO DE ÂFFONSO O SÁBIO 

imprensa jornalística degradada, mas onde os estudos românicos estão convertidos em scien- 
cia. Abi atravessarei duras provas, mas dar-me-hei por compensado se o texto que apresen- 
to for julgado a base indispensável de uma edição definitiva. 

A introdução historico-litteraria é quasi inteiramente nova, porque na refundição do li- 
vro Trovadores gallecio-portuguezes pouco aproveitámos diante da riqueza de factos desco- 
nhecidos. glossário foi organisado com o simples intuito de facilitar a leitura do Cancio- 
neiro,-* philologia românica tem tudo a fazer jia parte linguistica. Se o]Cancioneiro de Affònso 
o Sábio já estivesse publicado pela Academia de Historia de Madrid, com certeza derrama- 
ríamos mais luz sobre o período litterario de D. Affonso ni ; infelizmente aquella corporação 
precisando consultar escriptores portuguezes sobre a linguagem dessas canções julgadas ora 
compostas em gallego ora em portuguez, estacionou perante uma das nossas reputações offi- 
ciaes, e o Cancioneiro soffre delongas que prejudicam a sciencia. É possível que o Cancio- 
neiro portuguez vá prestar ao códice poético aflbnsino uma nova luz ; fica ainda na sombra 
o Cancioneiro da Ajuda, á espera da coadjuvação casual de algum impulso patriótico. Se o 
governo em vez de mandar imprimir resmas innumeras de papel em órgãos officiaes, relató- 
rios e outras cousas que se gastam em embrulhos de mercearia, comprebendesse a necessi- 
dade de fortificar o sentimento nacional, tornando accessivel à nação os monumentos do ?eu 
passado histórico, com certeza não cairíamos n'este profundo marasmo que se revela pela 
esterilidade scientiflca, pelo pedantismo litterario, pela dissolução e indifferença politica, 
emflm por esta desaggregação de um corpo a que lhe foge a vida. 



TROVADORES E CANCIONEIROS PORTUGUEZES 



CAPITULO I 

ORIGEM E DIITUSIO DA POESIA PROVENÇAL NA EUROPA MODERNA 

A Provença é considerada como o centro d'onde irradiou pelo mundo o gosto e a tendên- 
cia da poesia lyrica e do amor; não porque a alma moderna ali primeiro do que em outra 
qualquer parte soffresse a necessidade de dar uma forma universal e sentida á sua paixão, 
mas porque ali essa linguagem recebeu pela primeira vez a forma escripta. Fixadas gra- 
phicamenle as eslrophes caprichosas que se cantavam, conservava-se o artificio poético, 
e a imitação tornava-se espontapea ; a novidade e o imprevisto das formas tornaram-se o 
característico da invenção, e se por um lado produziram o desenvolvimento do génio poé- 
tico, pelo abuso das convenções banaes c frívolas é que a poesia provençal veiu a extin- 
guir-se ao fim de dois séculos. A propagação rápida do lyrísmo provençal para o norte da 
França e Inglaterra, para a Itália, Allemanba, Siciiia, Baleares, para a Galliza, Portugal, 
Catalunha, Aragão e Castella, revelam-nos que esta poesia se deriva de um profundo ele- 
mento tradicional despertado pelos trovadores da Provença, e de um novo sentimento de 
nacionalidade, de que esse lyrismo foi a linguagem. 

Antes de procurarmos as tradições e o impulso nacional que produziram esta poesia nova, 
que serviu de desafogo ao sair da' mudez da edade media, vejamos a sua collocação geogra- 
phica, determinemos-lhe as raias, para que pelas suas relações ethnicas ou por contiguida- 
de material.se explique o modo como ella lavrou e se diffundiu por quasi todos os povos da 
Europa. Assim procedeu Diez. 

nome de Provença foi dado pelos conquistadores romanos à Gallia transalpina ; conquis- 
tado o resto das Gallias, ainda depois de Gesar ficou prevalecendo o nome de Província; com 
as divisões administrativas de Augusto, a Provinda romana veiu a comprehender a Pro- 
vença, o Delphinado, a Saboya, o Russilhão, Foix e quasi todo o Languedoc. Com a invasão 
wisigotica no século v, o titulo de Provinda perde o seu sentido administrativo e fica usa- 
do como uma denominação vaga; no sentido politico a Provença nem mesmo significava a 
França meridional, que era conhecida pelo nome de Aquitania. Gonj o tempo estes dois no- 
mes idenlificam-se. 

Alem da diíTerença dos costumes e das tradições municipaes-romanas, as povoações 
francezas dividiam-se segundo a lingua que faltavam. Em uma canção do trovador Albert 
de Sisteron, as povoações francezas estavam divididas em Catalães, Gascoes, Provençaes, 
liraosinos, Avernos e Vienezes. Somente depois das Cruzadas é que o nome de Provença, 
até então particular, foi dado a toda a parte meridional da França; os Borgundios, Avernos, 
Vasconios e Godos, ficaram designados como Provinciales, como declara Raymundo de Agi- 
les, e os historiadores usaram também chamar Francigenas aos que occupavam as regiões 
do norte da França. Os chronistas e escriptores foram introduzindo a denominação vulgar de 
Provença, ou Proença, a ponto de se esquecer a designação olficial de Aquitania; este no- 
me encerra a extensão ethnica em que floresce a poesia provençal, e pela moderna compre- 
hensão da raça gauleza hoje considerada como differente da céltica, 1 se explica a unidade 
do lyrismo meridional. A demarcação da zona em que se desenvolveu o novo género lilte- 
rario discorre desde ò norte do Loire, passando pela ponte do lago de Génova, de Sevres 
niorteza para o oeste, comprehendendo o Ducado da Aquitania, o Condado de Auvergne, o 
Condado de Rodez, o Condado de Tolosa, o Condado de Provença e o Condado de Vienna *. 

Os geographos romanos confundiram os Gaulezes com os Celtas ; só modernamente 6 que 
se conseguiu descobrir que o Gaulez era de raça scy thica, e portanto pertencente a esse fun- 
do luraniano que ainda se revela pela Europa na côr ruiva dos cabellos. (Topinard.) Uma 

■ Lemière, Elude sur les CeUes, £• Elude, pag. 40. Polybio é quem mais profundamente distingue o gau- 
lez do celta, dizendo: «Mas os Romanos confundiram estas nações sob uma mesma denominação, e a todas 
deram o nome de gaulezes.» (Op.. v, 32.) Lagneau, CeUes, ap. Diclionnaire des Sciences médicales t t. xm. 

1 Frederico Diez, Poisie des Troubadours, pag. 1. Trad. Roisin,— Baret, Les Troubadours, pag. 58. 

B 



X CARACTER ETHNICO DA POESIA PROVENÇAL (GAP. I 

emigração em sentido contrario ao da corrente indo-européa o fez espalhar-se pela penín- 
sula hispânica e itálica e pelas ilhas do Mediterrâneo. Como de raça scythica o Gaulez tinha 
intimas analogias com os Iberos, como observou Strabão nos povos da Aquilania, ou da re- 
gião meridional da França. O nome de Basco é uma das formas coramuns do nome de Vas- 
cones ou Galeões; e o nome de euslmara, a linguagem gesticulada, a sciencia do gesto, as- 
sim como é o característico do ibero, distingue o gaulez pelo seu genio rhetorico; Fauriel 
também determinou um grande numero de palavras bascas no provençal dos trovadores, 
recorrendo a uma unidade commum de etimologia. 

Segundo Guilherme Humbqldt, que ainda não distinguira o celta do gaulez, os Iberos 
encontra vam-se na Aquilania, e nas três grandes ilhas do Mediterrâneo, a Córsega, a Sarde- 
nha e a Sicília; é n' estes paizes que existe uma poesia lyrica especial, que facilmente assi- 
mila a si a poesia da Provença e lhe imprime uma tendência pastoril, tornando o gosto das 
pastorellas como a unidade do genio lyrico da Europa meridional. Os nomes ibéricos que se 
acham na Itália primitiva, apresentam este caracter pelo que tem de commum com o gau- 
lez. Estes dois povos são ramos do mesmo grande tronco turaniapio, que vieram a fundir-se 
com os celtas das migrações indo-européas ; distinguem-se um do outro, porque o gaulez 
invadiu a Europa occidental pela Ásia Menor ao longo da costa do Mediterrâneo, e o ibero 
isolou-se na península, vindo da Ásia através da Africa e do Egypto, como se deduz da sua 
dolichocephalia, que revela a fusão com grupos africanos de raça branca. Nas inscripções 
lapidares da Península encontram-se nomes de divindades que se acham também entre os po- 
vos do ramo allophylo do tronco branco, a que se tem dado o nome de turaniano, re- 
jeitado por alguns philologos. Nos documentos da grande civilisação turaniana temos hoje 
as provas directas do seu grande genio lyrico nos hymnos accadicos traduzidos por Oppert e 
por Lenormant ; esses hymnos são de um gosto pastoril, e o costume dos retornellos revela- 
nos a sua reapparição na tradição gauleza. Se a fácil propagação do lyrismo provençal por 
toda a Europa meridional se explica por um fundo ethnico commum, as formas particulares 
das pastorellas, ás vezes quasi copiadas entre cantores que se desconheceram, revelam-nos 
uma mesma tradição manifestando a recorrência d'essa identidade ethnica. 

A poesia provençal manifestou-se na zona gallo-romana, e, como abaixo veremos, os 
trovadores partiram de imitações de formas tradicionaes. Na zona gallo-romana, o elemento 
gaulez representa a parte popular, e a influencia erudita, latinista e ecclesiastica, e sobre- 
tudo a organisação municipal, são os vestígios da cultura romana. A união d'estas duas in- 
fluencias formou a civilisação da França meridional, apesar de trabalharem longo tempo sem 
accordo. A civilisação romana em nada alterou o caracter do gaulez, como aconteceu com 
as invasões frankas, que desnaturavam pelo numero e pelo cruzamentp ; as instituições mu- 
nicipaes desenvolviam a autonomia local, asseguravam a independência do individuo cuja 
feição ethnica se conservava espontaneamente. Só quando a egreja se apoderou da cultura 
latina, é que tornou desprezível a linguagem popular, e que prohibiu os cantos vulgares, 
como restos do paganismo. silencio foi longo e forçado ; adoptaram-se canções latinas e 
redigiram-se relações agiographicas ou legendas, mas uma circumstancia particular des- 
viando a pressão clerical para a empreza das Cruzadas, a França meridional voltou-se com 
amor para os seus cantos tradicionaes. 

Os trovadores começaram por dar forma aos cantos tradicionaes que se repetiam incon- 
scientemente ; umas vezes aproveitavam as velhas árias para acompanhar os versos novos, 
outras vezes explicavam com versos fragmentários que lhes serviam de refrem a situação de 
um sentimento exclusivo. O emprego do retornello na canção litteraria da Provença proveiu 
d'esta imitação tradicional. Muitas vezes o trovador, diante da variedade de formas novas 
que se introduzia, adheria com mais aíTinco á tradição do passado e fazia as suas pastorellas 
no gosto antigo. achado de novas combinações poéticas produzia um deslumbramento, e 
repetia-se e iraitava-se entre os cantores ; a tradição esqueceu-se de prompto. primeiro 
trovador conhecido pela sua inspiração individual foi Guilherme ix, conde de Poitiers e du- 
que da Aquilania (1087); as suas canções revelam a existência de cantos anteriores ao sé- 
culo xi, menos perfeitos, mas já em linguagem vulgar. Diez considera as sua? canções como 
uma. transição dos cantos populares; pelos concílios episcopaes determina-se a existência de 
canções amorosas e satyricas ao sul da França condemnadas pela egreja 4 , e entre os nomes 
de desprezo dados pelos latinistas da erudição da decadência aos que cantavam as cantigas 
vulgares acham-se as formas d'ontle provieram depois as designações de classes novas, co- 
mo osjograes, os menestreis } os histriões ou troveiros que recitavam as chronicas rimadas. 

1 Concilio de Auxerre, de 578. 



CAP. i) ORIGENS TRADICIONAES DO LYRISMO XI 

Este ponto de vista da origem tradicional do lyrismo da Provenpa é uma realidade his- 
tórica ; o trovador Guilherme de Berguedan o confessa : - 

Chanson ai comensada 
Que scra loing chantada, 
En est son veill anlic, 
Que fez Not de Moncada. 

(Cnorx, ii, 167). 

Pierre d'Auvergne confessa o esforço que fez para se libertar da imitação tradicional : 
«Não é sem fadiga e sem tormento que eu cheguei a cantar» de maneira que o meu canto se 
não pareça com o de alguém.» (Fauriel, ii, 13.) Gui d'Uissel cita o typo das canções amoro- 
sas de que procurava fugir: «Bem mais vezes faria canções; mas aborrece-me ter sempre 
de dizer que choro e suspiro de amor; porque toda a gente sabe dizer outro tanto. Eu qui- 
sera sobre árias agradáveis versos novos; mas não acho cousa que não esteja já dita.» 
(Faur., ii, 43.) O trovador Cercamons 7 o primeiro trovador conhecido depois de Guilherme ix, 
conde de Poitiers, é designado nas tradições provençaes como auctor de Pastorellas no gosto 
antigo. (Faur., n, 91.) Ao passo que vemos nos próprios trovadores accusada a existência de 
um veio tradicional, achamos n'esses barões manifestado o primeiro gosto que lhes chamou a 
attenção para esses cantos; Ebles in (n. 1086) é denominado o Cantador, e seu filho Ebles rv, 
morto em 1170, em edade avançadissima, usquam ad seneclam carmina atacrUalis dile- 
xií, como escreve o Prior de Vigeois na sua Chronica. 

Portanto é ao sul da França que se deve procurar os vestígios da primitiva poesia da ra- 
ça gauleza, tantas vezes absorvida e assimilada. Essa poesia era propriamente lyrica e saty- 
rica, com o caracler que mais tarde vieram a revelar as canções dos trovadores occitanios 
c os sirventesios jogralescos. Leroux de Lincy, sob o nome de Vallemachias cita uma forma 
de poesia popular prohibida pelo Concilio de Auxerre, no século vi: «Elias eram muilo li- 
vres, e talvez se possa contar entre o numero d'essas composições as que cantavam as' ra- 
parigas nas egrejas, e que foram expressamente prohibidas pelo Concilio de Auxerre, de 
578.» 1 Na tradição portugueza acha-se a designação de Cantos de ledino, que nos define 
esta forma da tradição popular ; embora o nome de Vallemachias nos appareça pela pri- 
meira vez em Izidoro de Sevilha, e seja da origem grega, não se deve confundir a designa- 
cão, dada por eruditos ecclesiasticos para condemnar um facto existente, com esse facto ne- 
gando a sua existência ou caracter gaulez, porque a palavra Ballismalica 6 grega. nome g 
condemnatorio dos eruditos ecclesiasticos tem em si impressa a feição erudita 2 ; as Bailadas, ' 
Ballets, Baylias, que apparecemem toda a poesia trobadoresca meridional, são uma designa- 
ção moderna de cantos tradicionaes antigos que reappareceram com voga na corrente dos 
costumes. instrumento musico de corda com que se acompanhava o trovador no seu can- 
to, chamava-se Rota, instrumento gaulez, cuja designação Croud se acha melhor definida 
em Venâncio Fortunato, que lhe chama Chrotta brilana. 3 As Cortes de Amor, que se usaram 
como divertimento cm toda a Europa, reviveram primeiramente nos solares da Provença, 
porque nas planuras centraes da França, onde era o foco da raça gauleza, lá havia existido 
o antigo costume dos Puy, ou asserabléas poéticas e jurídicas. O clima aprazivel do sul fa- 
cilitava as divagações nocturnas, e as colónias gregas de Marselha fizeram reviver as formas 
da tensão, os cantos de alvorada e afraMada(Vallemachia). 4 Na tradição popular portugue- 



• Hécueil dês Cfianls hisloriqties, tom. i, pag. v. 




chias; ce mot, comme on peut sen assurer dans Du Cango, est une faute de lecturc pour ballismalia ou quel- 



oue terme greeque semblablc; il ne se trouve guèrc qu'en Espagnc, et parait signiíier— danses.» Esta objecção 
c meramente exterior. Belloguct, no Glossário gaulez, pag. 173, entre as palavras colligidas de santo Isidoro 
de Sevilha, traz Vallemachias significando cantos desbonestos; pôde muito bem ser corrupção da palavra ^re- 
ga Ballismalia, e como tal sem importância philologica, mas nem por isso perde a sua importância histórica, 
que é onde se encerra o problema utterario. 

Esta designação dada aos cantos desbonestos gaulezes não proveiu do povo, mas dos que condemnavam 
esses cantos; e como quem condemnava a poesia tradicional eram os Bispos, os principaes eruditos da baixa 
edade media, não ha contradição cm que a palavra Vallemachia referindo-se a uma creação gauleza seja ti- 
rada da baixa grecidade. 

Portanto o facto da designação não tem importância, c acceita-se á falta de outro para exprimir uma rea- 
lidade. A existência dos cantos gaulezes é indubitável, como se prova por esta passagem de Tito Livio (l. xxxviii, 
cap. 17): «Ad hoc cantus inchoantium pruclium. .. in patrium morem, ctc.« Du Meril é de opinião que estes 
cantos fossem lyricos. (UisL dê la Poèsie Scandinave, pag. 470, not. 1 e 2.) 

* Baret, Las Trobadours, pag. 56. 

• Ibid., pag. 57. 



III ANTAGONISMO LITTEBÁRIO E POLITICO (CAP. I 

za existem as endexas a duo, como no tempo de Sá de Miranda, e os cantos de desgarrada 
ou desafio, as alvoradas, como no S. João, e os Puy nas serenadas; isto accentua a realida- 
de de um fundo tradicional sobre que os trovadores começaram as suas composições. 

Mas ao lado da corrente vital da inspiração da raça, dá-se o apparecimento de uma poe- 
sia semi-popular, semi-erudita, proveniente das tradições cultas latinas; começou esta pri- 
meiramente pela condemnação dos cantores populares, a quem davam o nome insultuoso de 
Jaculatores, Jocistm, Ministrales, Ministellcc, Scurrce, Mimi, fíistriones. Nas cortes feudaes 
preferiam-se as Cantilenas guerreiras, cantadas pelos histriones; os que sabiam dar forma 
ao sentimento preferiam escrever era latim no mesmo género erótico que condemnavam no 
povo. S. Bernardo, o revolucionário das cruzadas e creador do ideal da Virgem, escreveu 
versos de amor na sua mocidade ; e Abaillard celebrava em versos latinos Heloisa, como ella 
confessa em uma carta : «Quando para te desenfadares dos trabalhos da philosophia punhas 
em rima canções de amor, todos as queriam cantar por causa da sua doçura e melodia. Por 
ellas o meu nome andava em todas as bocas, e as praças eccoavam com o nome de He- 
loísa.» 1 

Já vimos como no sul da França existiam vivas as tradições gaulezas, modiQcadas pelo 
cultismo romano, e promptas para receberem uma nova vida e manifestarem uma vigorosa 
efflorescencia desde que a nacionalidade se sentir por um instante livre, ou reagir pela sua 
liberdade. Entre o génio gallo-romano e o gallo-franko existia um antagonismo de raça e 
de instituições; mas somente quando a lucta das Cruzadas distrahiu a França feudal do nor- 
te, é que a França municipal do meio-dia pôde ter alegria e cantar. Este antagonismo reve- 
lou-se primeiro pela poesia, porque estava no sentimento, tomou a sua forma na lingua 
escripta, porque estava na cultura romana ; assim vemos a França do norte crear as grandes 
epopéas feudaes ou as Canções de Gesta, e a França meridional propagar as Canções lyricas 
do amor e das lendas mysticas. Na Grammatica de Raymond Vidal accentua-se este antago- 
nismo : «O fallar francez vale mais e é melhor azado para fazer romances e pastorellas ; mas 
o Limosino é preferível para fazer versos, canções e sirventes: e por todas as terras da nos- 
sa linguagem são de maior auctoridade os cantares em lingua limosina mais do que em ne- 
nhum outro idioma . . . »* 

As canções amorosas ou provençaes só se extinguem, como veremos, quando a França 
do norte absorver a do sul e apagar ahi os restos da liberdade municipal. As tradições poé- 
ticas gaulezas não chegaram a desapparecer sob a cultura romana, nem sob os combates 
successivos dos latinistas ecclesiasticos ; até onde se estendeu a influencia provençal é por- 
que ahi persistira o génio lyrico da raça commum de que o gaulez era um ramo. 

Attribue-se ao domínio árabe, que se estendeu pelo sul da França a conservação da pas- 
sividade lyrica ; Fauriel exagera esta influencia, determinando-a na negação do génio pro- 
vençal para as formas dramáticas, na tendência para os poemas breves e para as lendas 
agiologicas, e no costume árabe de se reunirem em certa epocha do anno para recitarem os 
seus cantos. Os restos da civilisação grega das escolas de Marselha facilitariam a assimila- 
ção da cultura dos árabes, que introduziram de novo na Europa os thesouros da sciencia 
positiva que receberam da Grécia; mas o lyrismo popular era incommunicavel, se o Árabe 
não tivesse recebido a sua poesia, a sua religião e as suas superstições dos povos turania- 
nos que conquistou. Da personificação bíblica de Heber, tronco dos Judeus e dos Árabes, se 
deriva o nome de Ibéria 3 , e a raiz BR, que se acha em Abraham acha-se também em Ih- 
bernia, Cumberland, Cambria, BrUannia, Celtiberia, Ibericum maré, Berber, Bretanha, 
Cimbro, Breguez, Brenner, Umbna, Calábria, Ibéria, na Geórgia 4 , revelando a extensão do 
elemento kuschito-semita, e o modo como se communicou á Europa meridional a civilisação 
phenicia e a civilisação árabe. árabe influe no lyrismo provençal pelo phenomeno de re- 
corrência. apparecimento dos poetas mysticos de Itália coincide com o dos cantos exalta- 
dos da Kaba e dos suphis da Pérsia ; a cavalleria andante tem analogias com as façanhas de 
Ruslem; Zoak é o typo oriental do Fausto, e Eblis o de Mephistopheles ; o reino do Diabo da 
edade media apresenta os mesmos caracteres de malignidade de Arhimane. As modificações 
que a poesia e as tradições árabes sofíriam com o contacto da Pérsia communicaram-se á 
Europa fazendo reviver na grande zona da Aquitania um lyrismo que se extinguia, e cujo 
typo perfeito se determina hoje nos hymnos accadicos. 

O domínio árabe estendia-se no século vn por toda a zona meridional da França, não 

1 Trad. do Bibliophilo Jacob, pag. 131. 

■ fid. Guessard, tom. i, pag. 125. 

■ Mezokovesd, hKgralions, pag. 164. 

Segundo a lei de Hauslab, da persistência das consoantes. 



CAP. i) ACÇÃO DOS ÁRABES SOBRE O LYRISMO XIII 

avançando alé ao norle pela resistência de Carlos Martel (732-739) ; comtudo os árabes fi- 
xaram-se na Sep timão ia, creando fundações estáveis por uma politica tolerante, a ponto de 
uma filha do Duque de Aquilania ser desposada por um emir. E assim como os conquistado- 
res árabes deixaram as cidades do Languedoc continuarem a ser governadas pelos seus con- 
des, depois de vencidos por Pepino o Breve, que reconquistou a Seplimania em 759, conti- 
nuaram a residir no território do mesmo modo que os Mudjares em Hespanha. Na época 
de Carlos Magno a civilisação árabe estava no mais alto esplendor, e a pressão das guerras 
converte-se em relações politicas, a ponto de Harun-al-Raschid procurar a alliança com o rao- 
nareba franko. Depois da morte d'este monarcha que sustara as invasões germânicas e ára- 
bes, estes readquirem o seu predomínio sobre a França meridional, avançam dos Pyrenéos 
até aos Alpes, chegam até Borgonha e á Suissa, ao Tyrol e á Lombardia. (888-975.) Pelo seu 
numero, pela individualidade ethnica, pelos conhecimentos de toda a sabedoria da Grécia 
que elles renovaram, pelos altos progressos da industria agrícola e fabril, pela tolerância 
politica e pela cultura litteraria, os Árabes deixaram de ser invasores para se tornarem os 
civilisadores da Europa. Os monarchas europeus conservavam embaixadores junto dos kali- 
fas, e a curte de Tolosa imitava os hábitos sumptuosos de Córdova ; os concursos poéticos, 
mais tarde reorganisados por Clemência Isaura, foram uma imitação dos Moallacdt dos anti- 
gos árabes. 1 Na aristocracia da Península a tendência para organisarem Cancioneiros, trans- 
roittidos em família, era um resultado da educação árabe ; os Divans eram formados pelas 
canções ás vezes de uma tribu inteira. E, como diz Sedillot : «Dos seus Divans é que os Pro- 
vençaes adoptaram a rima, empregada desde tempo imraemorial pelos Árabes.» 2 Humboldt, 
caracterisando com justeza o génio árabe na civilisação da Europa, allude também à sua in- 
fluencia no lyrismo provençalesco : «Os Árabes eram admiravelmente azados para exerce- 
rem a acção de mediadores e para actuar sobre os povos comprehcndidos desde o Euphra- 
tes até ao Guadalquivir e na parte meridional da Africa media. Possuíam uma actividade sem 
exemplo, que assignala uma época distincta na historia do mundo; uma tendência opposta 
ao espirito intolerante dos Israelitas, que os levava a fundirem-se com os povos vencidos, 
sem abjurar comtudo, a despeito d'esta perpetua mudança de regiões, o seu caracter nacio- 
nal e as memorias tradicionaes da sua pátria primitiva. Emquanto as raças da Germânia só 
começaram a polir-se muito depois das suas migrações, os Árabes traziam comsigo não só a 
sua religião, mas também uma língua aperfeiçoada e as flores delicadas de uma poesia que 
não devia ser perdida para os trovadores provençaes nem para os minnesingers.» z 

O período das Cruzadas (1095-1291) tornou 'mais profundo o conhecimento da civilisa- 
ção árabe ; pela vulgarisação da língua árabe facilitou-se o conhecimento da astronomia, da 
matbemalica, da medicina e da philosophia das suas escolas ; circularam os seus produetos 
índustriaes, como as tapeçarias de couro de Córdova, as laminas de Toledo, os tecidos de 
Murcia, as sedas de Granada, de Almeria e Sevilha, e o papel de Salibah. Pôde-se dizer que 
a reacção calholica das Cruzadas veiu atrazar por alguns séculos esta corrente da civilisação, 
que só tornou a achar dificilmente o seu curso no século xvn. 

Com a hâllucinação religiosa das Cruzadas, as instituições municipaes do sul da França, 
que a civilisação romana ali deixara, adquiriram uma independência passageira. D'este re- 
lâmpago de liberdade nasceu a inspiração que encheu de ideal a alma moderna. A França 
do norte, feudal e prepotente, queria por todos os modos absorver a França meridional, ma- 
tar ahi os germens do municipalismo que diffundia o contagio da liberdade. O antagonismo 
politico torna-se eloquentíssimo no antagonismo das línguas. chronista Raduphus Cade- 
mensis faz o parallelo (Testas duas nações, dando a superioridade nas armas aos francige- 
nas e exaltando a parcimonia e inércia dos provençaes. A língua d 9 Oc caracterisava as po- 
voações meridionaes. Os trovadores occitanios eram os primeiros a fazerem sentir a rivali- 
dade do uso da sua língua ; na Grammatica do trovador Raymond Vidal se precisa melhor 
esta divisão: «Todo aquelle que se quizer entregar à poesia, deve primeiro saber, que ne- 
nhum idioma é nossa justa e natural linguagem a não ser a que se falia em Limoges, na Pro- 
vença, no Auvergne, em Quercy. Ora quando eu falio do Limosino, deveis entender estas 
mesmas terras, bem como todos os territórios vizinhos e intermediários ; e todo o homem 
nado n'estas paragens falia naturalmente e correctamente a nossa língua.» Dante, no tra- 
tado De VuUjari Eloquio, descreve esta rivalidade entre o norte e o sul da França : «A língua 
cTOU allega pela sua parte, que em rasão das suas formas mais fáceis e mais agradáveis 

1 L. A. Sedillot, Uisi. gênérale des Árabes, tom. n, pag. 205. 

* Ibid., tom. n, pag. 106. Mos modernos estados dos cantos lyricos accadicos, encontra Lenormant a ori- 
gem da poesia semita. TVesta forma a influencia árabe na Provença deve ser explicada como um pbenomeno 
3e revivescência. Les Premières CivttiscUions, t. n, p. 189. 

• Cosmos, trad. Gatusky. 



XIV SENTIMENTO DE NACIONALIDADE NA POESIA (CAP. I 

que as outras, tudo quanto ha redigido em prosa vulgar (poemas narrativos) lhe pertence ; 
por exemplo : a serie das Gestas, dos Troyanos e dos Romanos e as longas e bellas aventuras 
do Rey Arthur e muitas outras historias e Exemplos. A língua d*Oc pôde pretender que foi 
a primeira que tevcpoetas, como a mais perfeita e mais doce, como Pedro d'Auvergne, e 
"outros antes d'elle.» Quando a Provença foi herdada por Carlos de Anjou, dizia o trovador 
Aimeric de Peguilain: a Ah, Provençaes, em que deshonra caístes. . . e viestes aparar nas 
mãos d'aquelle de França. Ah desastrados senhores, de que vos servem agora cidades e 
castellos roqueiros? sois francezes e nem pela boa ou má causa vos será permittido trazer 
escudo ou lança.» 1 Quando se deu a entrada dos francezes na Catalunha, o trovador Ber- 
nard d'Auriac symbolisou a rivalidade das duas rapas e das duas civilisações nos dois signaes 
de aflirmação : «Depressa os trovadores aprenderam a conhecer os lírios, gomos de uma no- 
bre semente; e ouvir- se-ha em Aragão oil e nenil, em logarde Oc e No.»* Bertrand de 
Born também incitava os reis de França e de Inglaterra com dois advérbios de aflirmação e 
negação. Esta rivalidade revelada pela poesia dos trovadores existia antes do apparecimento 
do lyrismo provençal; linha um caracter politico, que obrigava a realeza a conter-se força- 
da ao norte do Loire entre os ducados de Normandia e de Bretanha e os condados de Cham- 
pagne e de Anjou. 

Os barões prepotentes alistaram-se para a cruzada pregada por Pedro Eremita ; vende- 
ram os castellos e empenharam os solares; a necessidade da aventura fez com que o poder 
das armas reconhecesse o novo poder do capital que ia emancipando a burguezia. As datas 
também t<?m ás vezes a sua eloquência : a primeira Cruzada foi publicada por Urbano n èm 
1095, e com diíferença de oito annos apparecéra o primeiro trovador, Guilherme, conde de 
Poitiers. Durante as oito cruzadas deu-se a vasta efUorescencia das canções provençaes, que 
se propagou pelas cortes da Europa, c sendo a ultima Cruzada a de S. Luiz em 1268, assom- 
bra-nos ver notada a decadência d'esta poesia do amor e da liberdade entre 1250 e 1290 
pelo eminente Diez. O trovador Guilherme ix, conde de Poitiers, commandava trezentos mil 
homens na cruzada de 1101; o trovador Marcabrun faz em umasirvente appellopara a 
cruzada com o mesmo vigor de um S. Bernardo ; Joflre Rudel toma parte na cruzada de 1 1 47; 
emíim, todos os nobres trovadores misturam as suas queixas amorosas com as lutas e desas- 
tres das expedições da Terra Santa. 

A Provença achou se em condições excepcionaes para ser o fbco d'onde se acordasse a 
nova poesia, que era uma revivescência ethnica; tendo apenas sido perturbada de passagem 
pelos Lombardos já suavisados pela permanência na Itália, enriquecida com o commercio que 
fortalecia a classe burgueza e tornava mais robusta a tradição municipal romana, aconteceu 
ter dois séculos de paz, sem que nenhuma invasão viesse perturbar-lhe o desenvolvimento. 
Estes mesmos factos explicam a derivação das canções provençaes dos costumes populares, 
que se admittiram como moda em todas as cortes. O espirito democrático ^espertado pelas 
instituições municipaes tnanifestava-se na satyra atrevida, na sirvente que não poupa nem 
os guerreiros nem os ecclesiasticos. Pierre Cardinal cantava : «Indulgências, perdões, Deus 
e o Diabo, de tudo se servem os padres. . . não ha peccado de que se não obtenha absolvi- 
ção dos monges; por dinheiro elles dão aos usurários e renegados a sepultura que recusam 
aos pobres, porque não tém com que pagar.» 

Os trovadores pregaram a Cruzada, e com as suas canções revolucionaram os castellos. 
Mas à medida que as classes se nivelavam com a prosperidade do commercio e da navega- 
ção, que o espirito de independência se robustecia com as garantias locaes, a humanidade 
também se servia de uma força orgânica de unificação — o amor. A separação e preponde- 
rância de classes na hierarchia social da edade media, foi o primeiro elemento de ordem, 
mas obstou por longo tempo ao progresso; o abuso pela tyrannia dos senhores feudaes, pe- 
los monarchas e pelo obscurantismo ecclesiastico prolongou a noite do§ tempos modernos, 
e só por uma luta que ainda dura, é que se formaram as communas e se fez reconhecer o 
terceiro estado pela participação politica, e emancipação da arbitrariedade senhorial ou 
real pelos códigos escriplos. Á medida que se alcançavam as cartas de immunidades, mais 
funda ficava a scisão entre a nobreza e a burguezia, contidas nos seus ódios de raça pelo 
poder monarchico, que explorava a secular antipathia. Depois do impulso que tornou escri- 
ptas as línguas novo-latinas, e as fez comrcunicaveis, a Provença, nos destinos da civilisação 
moderna serviu de modelo para a accommodação dos dialectos confusos ao" lyrismo que 
apostolava a egualdade perante o amor. Levado pelo impulso da paixão, o trovador não co- 
nhece a distancia que o separa da castellã orgulhosa, que escuta com um mixto de desdém 

1 Ap. Frederico Dicz, Les Troubadours, pag. 59. 
* iDid., pag. 59. 



CAP. I) UNIFICAÇÃO SOCIAL PELO AMOR XV 

e compaixão a cantiga cora que o senhor, n'uma hora de capricho se dá por quite dos ser- 
viços feudaes. A verdade do sentimento fascina, e o riso de escarneo torna-sc nos lábios da 
castellã uni sorriso de complacência e talvez de esperança. Elle parte alentado por aquelle 
novo calor; vae meditar no silencio e procurar (trovar)- na saudade viva a inspiração para. 
cantar seus amores. O impossível moslra-sc-lhe sempre diante; servo da gleba, como erguer 
os olhos a tanta altura? O amor, assim, torna-se desinteressado, puro, vaporoso e myslico; 
o seu ideal é um nome que não pronuncia, é um segredo que só repete no imo da alma; a 
eslrophe é um enigma artificioso com que occulta a todos esse mystcrio que o attrae ao so- 
lar onde canta as melhores canções. Ai, se adivinham no rubor da castellã a confidencia que 
só ella percebe ! No meio doestes terrores vagam sinistramente as reminiscências sombrias da 
lenda do trovador Guilherme de Cabestaing, cujo coração foi d#do a comer a Margarida de 
Roussillon. 1 trovador não as esquece, distrae-se com o artificio da rirna, e adormece com 
o canto os que tentavam surprehender-lhe o segredo. Debaixo das abobadas do castello ro- 
queiro, na monotonia e enfado de uma vida solitária, a mulher, pobre Griselidis exposta á 
brutalidade baronial, alegra-se, ao conhecer que alguém vive por ella, que pôde dar o que 
nunca teve no mundo, cmfim sente que se eleva, que fazem d'ella uma Madona, com a ado- 
ração do amor. Tal é a impressão que deixam as canções dos trovadores provençaes, e é 
este o espirito que anima ainda as mais pallidas imitações das novas lilteraturas. A cada pa- 
gina dos nossos Cancioneiros transparecem os mesmos sentimentos, quasi inintelligiveis para 
quem não tiver comprehendido esle momento da historia. O período das invasões barbaras 
estava terminado pela acção de Carlos Magno ; fixadas nos seus territórios, as recentes na- 
cionalidades sentiam-se seguras, em uma federação moral ; passara também o terror do 
millenario conservado pela egreja, e o homem começava a conhecer em si uma outra for- 
ça — a rasão. A invasão árabe havia-a despertado, ensinando a medicina, descobrindo-nos 
o calculo, a astronomia, e até o canto, que afugenta o medo. As fabulas e contos da cadeia 
tradicional do oriente vinham servir de expressão ao bom senso popular. Os grandes suc- 
cessos que agitavam o mundo despertavam uma curiosidade immensa, tiravam o cérebro 
da apathia. Todos queriam saber. Os pobres, os aventureiros iam de terra em terra para 
cantarem e receberem dadivas. Era fácil entenderem-se ; as línguas, na indisciplina das suas 
formas, por uma mudança na inflexão, por uma maior predominância de accentos nas sylla- 
bas finaes,por qualquer contracção particular, eram entendidas, como o poitevin pelofran- 
cez do norte e do sul, ou como o galleziano em todos os reinos da peninsula hispânica. O 
jogral vagabundo, contando a um grande auditório para se fazer ouvir recorria ao canto ; a 
intonação da palavra, alem da obliteração das flexões latinas, produziu o arranjo natural da 
pausa métrica, de modo que espontaneamente se achou o verso octosyllabo das linguas ro- 
mânicas. génio intuitivo de Viço comprehendeu este phenomeno orgânico; os gagos quan- 
do querem fazer-se entender, modulam, cantam. A integridade severa com que os povos 
conservam as suas tradições tornou a linguagem poética, por assim dizer, immovel. As can- 
ções, as epopéas e as linguas modernas foram formadas simultaneamente, e esta simulta- 
neidade revela-se nos seus mais íntimos caracteres ; assim a par do desenvolvimento indi- 
vidual da poesia reapparecem os typos trctáicumaes, como já observámos, e a par da syste- 
raatisação syntactica dos dialectos, reapparece no vocabulário um fundo popular primitivo. 
A distineção entre o vocabulário e a syntaxe nas questões da origem de uma língua, 
explica um grande numero de factos históricos apparen temente contradictorios ; no proble- 
ma da formação das linguas românicas estas duas ordens dephenomenos coexistem em um 
certo equilíbrio, que se estabelece ã medida que as linguas se tornam escriptas. As linguas 
novo-latinas não provêm exclusivamente de uma degeneração do latim clássico ao contacto 
das populações barbaras dos paizes conquistados; o facto natural explica-se pela indepen- 
dência de um grande numero de dialectos pelasgicos bastante próximos do latim, que se en- 
riqueceram com o vocabulário latino propagado pela milícia e administração romana, e que 
os disciplinaram na forma escripta approximando-se do typo das construcções latinas. Tal é 
a opinião do grande philologo Gubernalis, 1 objectando, que tendo os Romanos dominado 
mais na Grécia do que na Hispânia, não conseguiram ali impor a sua lingua ; o mesmo se 
dá com o dialecto românico dos Alpes* suissos proveniente dos poucos séculos de dominação 
de Engadina, ao passo que as numerosas colónias militares na Illiria não conseguiram impor 
aos slavos a lingua latina. Pergunta lambem, como sendo o céltico fallado na Itália superior, 
na França, na Bretanha e na Hespanha, porque é que só sobreviveu na Bretanha, que era 
oceupada pelos Romanos? A rasão, segundo Gubernatis está na coexistência de dialectos po- 



1 Jacob Grimm, Tradições allcmâs. 
* Piccola Enciclopédia indiana, p. 108. 



XVI A POESIA PROVENÇAL NA ITÁLIA (CAP. I 

pulares conservados de uma primitiva migração dos povos latinos, que foram influenciados 
pelo latim, como agora os dialectos da Itália o estão sendo pelo toscano; e caminhando de 
Génova para os Pyrenéos, as variações dialectaes modiflcam-se em gradação successiva, 
sendo os dialectos de França um annel entre os itálicos e os ibéricos. O estudo do vocabulário 
apresenta formas desconhecidas no latim, e mesmo que não são communs aos outros diale- 
ctos românicos, sem comtudo se derivarem do céltico, do germânico ou do árabe; a acção 
da disciplina syntactica começou desde que os novos dialectos independentes se tornaram 
nacionaes e escriplos. D'estc modo se concilia o facto natural do vasto desenvolvimento es- 
pontâneo das línguas românicas, e o facto histórico positivo da grande influencia da civilisa- 
ção latina. Collocada a questão sob este aspecto, é admissível a existência de uma raça la- 
tina, com uma physionomia ethnica revelada pelos dialectos, e não sô com a physionomia 
moral da cultura, como geralmente se admitte. 

Na poesia moderna, desde que se descobriram as formas lyricas communs á França, Itá- 
lia e Portugal, é impossível comprehender os trovadores na sua elaboração individual sem 
conhecer a tradição, que se foi revelando á medida que a poesia decaiu em um mister dos 
jograes. É sobre este novo problema que baseámos o estudo da propagação do lyrismo pro- 
vençal â Península hispânica. 

A immobilidade da linguagem poética, tornou precisas outras formas para serem empre- 
gadas nos usos vulgares da vida; as formas duplas ou divergentes accusam a modificação 
social, e a imitação provençalesca, em um período de tanto vigor poético, mostra-nos co- 
mo esses evangelhos do sentimento flxaram as phrases em moldes eternos. Da Provença, 
que Fauriel considerava a capital das tradições da Europa moderna, saíram os primeiros 
jograes a espalharem a boa nova da éra que se inaugurava ; nenhum paiz esteve como este 
em condições para activar a imaginação e a concepção mental; a Provença era como a flor 
protegida pelo clima suave do Meio Dia; abrigada das invasões do norte ali vieram reflectir 
os sons da invasão e da civilisação árabe, c as terríveis legendas barbaras. Os dois séculos 
de paz que a Provença gosou foram a causa primeira do desenvolvimento do novo dialecto 
que se constituiu em língua escripla ; assim o provençal excedeu o italiano na flexibilidade 
dos verbos e dos substantivos e na tendência elliptica dos pronomes ', e foi a primeira lín- 
gua em que se ouviram os cantos de amor e da liberdade. 

Diffusão da Poesia provençal na Itália. — O primeiro paiz que acceitou esta grande ma- 
nifestação do sentimento moderno foi a Itália; fura da Itália que se propagara para o Meio 
Dia da França a liberdade municipal, e a Provença pagava essa conquista da alma humana 
com a nova linguagem do amor, que a fortalecia. A constituição municipal da Provença, do 
Condado de Venaissin, do Languedoc, do Auvergne, do Limousin, da Marche, da Guienna, 
do Périgord, da Gasconha, do Béarn, da Baixa Navarra, do Condado de Foix e do Delphina- 
do, foi transplantado da Itália com o nome de regimen consular. 9 Diz Augustin Thierry : «A 
Provença e o Condado de Venaissin, nos séculos xn e xiii, foram o foco da tradição italiana ; 
foi ali que depois do estabelecimento da municipalidade consular se implantou nas três gran- 
des cidades a instituição extravagante de Podestat 3 . » É esta uma das causas por que os tro- 
vadores da Provença visitavam e frequentavam as curtes e as republicas italianas ; com cer- 
teza da Itália se propagou reflexamente para Portugal a nossa primeira manifestação da poe- 
sia dos trovadores, porque da Itália vinham as nossas armadas, as primeiras rainhas e o 
pensamento dos nossos Foraes. A florescência das instituições municipaes produziu o vigor 
das novas escolas poéticas da Aquitania, do Auvergne, de Rodez, do Languedoc e da Pro- 
vença. Quando a infame luta contra os Albigenses tomou uma hallucinação religiosa, e o des- 
potismo feudal do norte da França ligado com a theocracia, devastaram em nome de Deus as 
cidades £ povoações meridionaes matando a independência municipal e vinculando o sul á 
monarchia franka, acabou também a civilisação e a poesia occitaniana. Os solares ficaram 
desertos, a língua muda, e os trovadores procuraram agasalho nas cortes estrangeiras onde 
o alaúde provençal se tornou um arremedo nas mãos dos grandes senhores e dos príncipes. 
O génio da Provença renasceu na Itália, nos grandes lyricos, os Fieis do Amor, em Dante e 
Petrarcha 4 . Na Itália a arte de trovar exercia a mesma fascinação que na Provença; alguns 
dos mais celebres trovadores eram italianos, como Bàrlholomé Zorgui, natural de Veneza, 
Bonifácio Calvo, de Génova; Sordello, de Mantua, Albert de Malaspina do seu marquezado 
d'este nome. Era 1080, Roger, Conde de Sicília, casou com Mathilde, filha do Conde de Pro- 

1 C. Canta, HísL univers., xi époque. 

« Augustin Thierry, Essai sur Uhsloire du Tiers-Etat, p. 237, (ed. 1868. 

» Ibidem, op. ciL, p. 23*. 

4 Gidel, La Troubadours et Pclrarche. Anger3, 1857. 



CAP. I) POESIA PROVENÇAL NA FRANÇA DO NORTE XVII 

vença, Raymundo Berenger. Segundo Fulgoro de S. Geminiano, usava-se na Itália «Cantar) 
danzar alia provenzalesca.» 1 Dante, no Convito, queixa-se dos que desprezavam a língua 
italiana preferindo o provençal: «Questi (mal vagi uoraini d'Italia) fanno vile lo parlare itá- 
lico, et precioso quello di Provenza.» 2 No viscondado de Saboya, que estava ligado aos con- 
des de Provença, formàra-se o centro da nova poesia ; as republicas eram também visitadas 
pelos trovadores que pregavam a democracia. Os trovadores aventureiros Bernard de Ven- 
tadour, Cadenet, Raimbau de Vaqueiras e Peire Vidal, propagavam os segredos da arte de 
trovar. Na Sicília revela-se uma phase de poesia local animada do espirito provençalesco. 
Guilherme n acolhia na sua corte aquelles que eram bons dizidores de rima ou que eram 
excellentes cantores. 3 Na escola italiana floresceu no fira do século xn Ciulo d'Alcamo; o im- 
perador Frederico n, tendo subido ao throno da Sicília em 1 197, produziu com o seu esme- 
rado gosto o esplendor das instituições provençaes. Nas Cento Novelle arUiche sele, que Fre- 
derico ii admittia na sua corte os trovadores, ensoadores e homens de arte, que ali chega- 
vam. 4 Como todos os grandes senhores e monarchas dos séculos xn e xm, o imperador da 
Sicília também cultivou a poesia, como se sabe pelos monumentos colligidos por Crescembi- 
ni ; Enzo, filho natural de Frederico, e rei da Sardenha, Arrijo, filho legitimo, e Manfredi, 
outro bastardo do imperador, também foram excellentes trovadores. mesmo facto se dá 
com D. Diniz, seu filho legitimo D. Aflbnso ív, e os seus bastardos Conde D. Pedro e D. Af- 
fonso Sanches. Chanceller do imperador Frederico, Pier delia Vigne, era um dos mais an- 
tigos poetas da escola dos trovadores. Quando o imperador saia á noite a tomar a fresca ia 
acompanhado por dois músicos italianos que romanzavam os estrambotes e canções que im- 
provisava. Assim começou o alvorecer da poesia italiana. Em Bolonha o nome de Bernard 
de Ventadour tornou-se a antonomásia de poeta. No canto xxvi do Purgatório, Dante enu- 
mera no mesmo coro italianos e provençaes, Guido Guinicelli, de Bolonha, Giraud de Bor- 
neilh e Arnaldo Daniello. Sam Francisco de Assis pregando a pobreza, imitava nos seus cantos 
o lyrismo provençal, e chamava aos seus discípulos — jograes da divindade. Dante conde- 
mnava o predomínio da poesia provençal, mas não se pejou de fazer recitar por Arnaldo 
Daniello alguns tercetos n'essa língua; o patriotismo severo é que o forçava a reagir contra 
essa influencia estranha, mas elle ara o primeiro a gemer sobre a ruina da liberdade muni- 
cipal do sul da França, assolado com a cruzada contra os Albigenses, guerra da theocracia 
feita «coo forza e con mensogna.» 5 Dante lamenta a morte politica da França meridional 
determinada pelo casamento de Beatriz com Carlos de Anjou. 6 

Diflusâo da Poesia provençal no norte da Franca. — Fauriel sustentou com argumentos 
engenhosos as origens poéticas do norte da França derivando-as absolutamente do Meio Dia; 
a verdade acha-se hoje restabelecida, e o próprio Fauriel reconheceu ao fim de vinte an- 
nos de estudo a superioridade, independência e prioridade do génio poético gallo-franko 7 
sobre o génio gallo-romano. Estas duas creações derivam-se de d i Gerentes condições ethni- 
cas, e apesar de se penetrarem, revelaram o antagonismo politico ; as Canções provençaes, 
menos vigorosas do que as Gestas, pelos seus artificios convencionaes acharam nas cortes 
dos reis e potentados uma predilecção, que se impoz também pelo despotismo da moda ao 
norte da França. A contar do anno 1 000, quando Constança, filha de Guilherme Taillefer, 
Conde de Provença, casou com Roberto, grande numero de trovadores visitavam e frequen- 
tavam a corte da sua condessa, que havia sido educada em Tolosa e Aries. E quando em 
1 150 Leonor de Âquitania casou com Luiz vn, continuou-se a exercer a mesma communica- 
ção. Os poetas francezes por seu turno também visitavam a Provença, como se vé por uma 
canção de Perrin d'Angecourt. Quando em 1245 a Provença caiu em poder de Carlos de An- 
jou, começou a decadência da poesia do amor ; Villani diz que este monarcha não prezava 
os trovadores. casamento do segundo irmão de S. Luiz com a herdeira de Raymundo vu, 
e a cedência que Amauri, filho do terrível Simão de Hontfort, fez à coroa de França, acaba- 
ram de consummar a ruina da França meridional. Innocencio ív também ajudou a ruina da 
civilisação gallo-romana com a condemnaçâo da língua provençal como herética ! A fixação 

1 Poeli dei primo secolo, t. n, pag. 175. D'après Du Méril. 
1 Concito, pag. 95. 

* Tiraboscln, Sloria delia letteralura italiana, Part. n, pag. 383. 
â Novella xx. 

• Purgatório, canto xx. 

* Purgatório, canto xx, est. 61, exclama: 

Mentre quela gran dote provenzale 
Al sangue mio no tolse la vergogna, 
Poço valea na pur no facea male. 

• fíist. lUiéraire de Ia France, t. xxn, p. ix. 

c 



XVIII POESIA PROVENÇAL EM INGLATERRA E ALLEMANHA (CAP. I 

da corte franceza de Carlos de Anjou na Provença produziu a immixlão que fez desappare- 
cer essa lingua primorosa, e os últimos restos da poesia occitanica desnaturaram-se na for- 
ma alexandrina do norte, como se vc em uma canção de Bernard Rascas. O trovador Aime- 
ric de Pequilain protesta contra esse desastre. 

Os trovadores provençaes para serem entendidos na corte franceza serviam-se do dia- 
lecto do Poitou, que segundo Leroux de Lincy e De Roisin, era um ponto de transição entre 
as duas línguas do norte e do sul; o dialecto poitevin explica-nos o modo de transmissão das 
canções provençaes para a corte ingleza. 

Diffusâo da Poesia provençal em Inglaterra. — grande revolucionário e trovador Ber- 
trand de Born ateava a guerraentre o rei de Inglaterra e o de França com as suas canções 
provençaes. Quando os monarchas têm uma pequena trégua o trovador prorompe : «Vou 
entoar uma canção, que aquelle que ainda tiver vergonha ha de sentir vontade de bata- 
lhar.» Julgando que o rei- trovador Ricardo Coração de-Leão o offendêra, põe as cruas sir- 
ventes ao serviço de seu irmão Henrique. Por aqui se vê quanto perstigio tinha a poesia 
provençal em Inglaterra. Quando Leonor de Aquitania casou em segundas núpcias com Hen- 
rique, Duque de Normandia, começaram os trovadores, e entre elles Bernard de Ventadour, 
a frequentar a corte ingleza. Ricardo, que chegou a ser rei de Inglaterra, era excellente 
trovador, e foi o seu menestrel que descobriu a recôndita prisão em que haviam encerrado 
o seu senhor. As romagens ao tumulo de S. Thomaz de Cantorbery attrahiam lambem os 
cantores provençaes 4 ; mas esta poesia tendo de lutar com as tradições scandinavas, e com 
o gosto do saxonio pelas Gestas dos cantatores francigenarum, só veiu a penetrar no espi- 
rito da litteratura ingleza quando Chaucer tendo percorrido a Itália trouxe d'ahi o gosto da 
imitação provençalesca. 

Diffusâo da Poesia provençal na Allemanha. — Os minnesingers allemães eram canto- 
res vagabundos e visitaram também a Provença. No poema Perzival, de Wolffran von Es- 
chenbach, diz o poeta que as verdadeiras tradições vieram da Provença *. A poesia de 
Suabia era modelada sobre a dos trovadores; não tinha Frederico i assistido ao desenvolvi- 
mento d'esta poesia na Sicilia? Em 1043 Henrique ih, imperador da Allemanha, desposou 
Agnès ile Poitou, filha do Conde de Provença e irmã do primeiro trovador conhecido Gui- 
lherme IX. 

A canção amorosa na Allemanha, o lied, tem uma origem nacional; mas pelo espirito do 
tempo, e pelo predomínio do gosto occitanico o estylo provençal deu a esse elemento natu- 
ral uma exclusiva forma artística. Frederico Diez confessa que as canções provençaes che- 
garam de vez cm quando ao conhecimento dos poetas allemães como se os territórios dos 
dois idiomas tivessem um ponto de contacto 3 . Diez não precisa qual era esse ponto de con- 
tacto, mas os factos positivos nos estão indicando o norte da Itália, onde os trovadores acha- 
ram uma segunda pátria. O único plagiato incontestável das canções allemães são as do 
Conde de Nemburg, mais do que paraphraseadas das canções do trovador Folquet de Marse- 
lha, que Dante cita, e que era natural de Génova. Frederico Diez aponta mais imitações de 
outros trovadores, que na maior parte visitaram a Itália. Peire Vidal, que frequentou as cor- 
tes do norte de Itália, mostrou-se sempre hostil aos allemães. Os desastres da Itália oceupam 
o seu canto, e para elle a lingua aliemã similhava o ladrar de cães : «E lors parlars sembla 
lairar de cans.» Em outros trovadores revela-se este mesmo espirito hostil contra a Allema- 
nha, porque tomavam o par lido dos perseguidos, como se vê nos seus sacrifleios a favor dos 
Albigenses contra o despotismo franko, ou defendendo a Itália contra as violações dos impe- 
radores da Allemanha. Por efleito d'estas lutas é que os minnesingers se familiarisaram com 
o italiano. O trovador Peire de la Caravana insulta-os ainda mais duramente do que Vidal. 4 
Os minnesingers imitavam os arliOcios exteriores; Walter de Wogelveide e outros imitavam as 
rimas pela ordem das cinco vogaes, achada por Bernard Ventadour ; Wizlan imita a forma de 
ecco, inventada por Jaufre Rudel; Rudolf von Nemburg e Rudolf von Rotenburg introduzem 

1 À linguagem commum da poesia provençal em Inglaterra era também o poilevin, mais próxima da lin- 
guagem dos Canlalores francigenarum, frequente na corte ingleza. D'este dialecto diz Leroux de Lincy: «Es- 
tava em uso no Poitou, no Maine e Anjou, e tinha muitas analogias com o provençal. Mas á medida que se 
afastava do Meio Dia e que se approximava da Borgonha e de Champagne, este dialecto perdia as suas formas 
meridionaes, e parecia-se mais com o francez usado n'estas ultimas províncias. Este idioma é tanto mais cu- 
rioso para ser estudado, porque parece o ponto de juneção entre os dois romances do sul e do norte.» Re- 
cueil de Chanls hisloriques, 1. 1, p. G4. 

• Grandiss, p. 108, d'après Du Mcril, Poésie scand., p. 315: 

Von Provéns in Tutsche lant 
Die rechte mere sint gesint. 

• Les Troúbadours, p. 259. Trad. De Roisin. 

4 Raynouard, Ctwix de Poésies des Troúbadours, t rv, p. 197. 



CAP. I) LEI HISTÓRICA DA PENÍNSULA XIX 

na AUemanha o lexapren e mansòbree provençal, e o encadenado era que a estropbe se pren- 
de à antecedente pela repetição da ultima palavra. A rima por composição de palavras ou 
por mudança de inflexão, as rimas femininas, o artiflcio de uma mesma letra, o acróstico de 
uma só letra, a repetição de uma mesma palavra no verso, ou do verso na estropbe, foram 
outros tantos caprichos resultantes da admiração pelos trovadores. 1 Com a poesia allemã 
deu se o mesmo que com a ingleza: o estado da tradição era vigoroso, e a originalidade da 
raça não podia estar por muito tempo abafada pelo perstigio dos trovadores; as maiores 
communicações com os jograes do norte da França e o enthusiasmo das Canções de Gesta, 
não tardaram a fecundar o cyclo dos Niebelimgens, e a fazerem com que a raça germânica 
elaborasse pela segunda vez as suas tradições. 

Da difpusão da Poesia provençal nas cortes peninsulares. — Não se pôde formar uma 
idéa clara do modo de communicação da poesia dos trovadores nas varias cortes da Penín- 
sula, sem descrever a situação especial (Testas para com os centros d'onde irradiaram os 
cultores da Saya seiencia; sem ver como essas cortes estabeleceram a sua independência 
politica ou a foram perdendo, dando assim logar pelo seu isolamento á formação de diale- 
ctos românicos especiaes; finalmente pelas relações cTessas cortes, se fixa não só o modo de 
propagação do gosto provençal, mas sobretudo sobresàem com uma certa originalidade de 
formas os vestígios tradicionaes resultantes de caracteres etbnicos até agora não considera- 
dos. intervallo histórico que comprehende estas questões complexas é pequeno, se tomar- 
mos como ponto de partida a primeira manifestação da poesia provençal em Guilherme ix, 
Duque da Aquitania, e se terminarmos na constituição da primeira unidade nacional da pe- 
nínsula, isto é, na independência da nacionalidade portugueza firmada pela batalha de Alju- 
barrota' (1 087-1 385). 

Tanto na marcha politica da península como nos successos das suas transformações his- 
toricas, os seus movimentos sociaes caraclerisam-se em dois actos repetidos quasi periodi- 
camente: formação de pequenos estados até à sua unificação em uma grande nacionalida- 
de, e desmembrarão d'essa nacionalidade outra vez em pequenos estados quer pela força 
de invasões de novas raças, ou por heranças monarchicas. Exemplifiquemos : a raça tura- 
niana ou ibérica fusionando-se com o elemento ligurico ou celta, produz três estados peque- 
nos, os Galaecos, os Lusitanos e os Bastulos. Pela acção civilisadora das feitorias pbenicias, 
estes elementos tendiam a converter a civilísação bastulo-phénicia como o centro de uma 
unificação nacional ; este facto foi perturbado pelo conílicto das colónias e feitorias gregas 
com as feitorias carthaginezas, fazendo intervir por necessidade da Tuta o poder dos Roma- 
nos. Foram estes que realisaram pela sua administração, pela língua, pela jurisprudência, 
a unificação nacional hispano-romana. Outra vez se deu a desmembração da península his- 
pânica pela invasão germânica, fundando-se as monarchias dos Alanos, dos Suevos e dos 
Vândalos; da mesma causa de desmembração proveiu o impulso de unificação pelo esforço 
dos Godos (642-649.) A £Sta unidade da monarchia golhica resistem por differcnciação 
ethnica os Ásturos, os Cantabros e os Bascos, e completa-se o seu desmoronamento pela in- 
vasão dos Árabes, que se apoderam de quasi toda a Pcninsula em menos de dois annos. 

Aqui começa a moderna vida histórica dos povos peninsulares; a sua actividade resu- 
me-se ainda n'esse movimento de oscilação, no qual pelo sentimento da reconquista chris- 
tã se estabelecem dois núcleos de unificação nacional, o reino das Astúrias e o de Navarra, 
comprehendendo o primeiro Galliza, Portugal c Gastella, e o segundo Aragão. Da parte dos 
Árabes, não obstante a unidade de língua, de crença e de raça, a tendência separatista 
fal-os desmembrar-se nos reinos de Toledo, de Badajoz, de Sevilha, de Granada, de Málaga, 
de Almeria, de Hurcia, de Valência, de Denia e das Baleares. Á medida que prepondera a 
federação nos pequenos estados christãos, ou que um monarcha mais audacioso ou menos 
dotado de sentimento de justiça se apodera dos outros reinos vizinhos, o poder dos Árabes 
diminue. Muitas vezes os kalifas árabes entram nas ligas christãs contra a ambição despóti- 
ca de um monarcha que se torna invencível pela grandeza dos seus estados. N'estas lutas 
sem plano politico e sem outro intuito mais do que o arbitrio pessoal, a unidade politica 
chegou quasi a firmar-se por Sancho o Magno, por Afibnso vn de Leão, e por Fernando de 
Gastella, mas elles mesmos a destruíram com a distribuição dos diversos estados por seus 
filhos. É por isso que o primeiro estado que fixa a sua unidade inalterável foi Portugal con- 
stituindo-se de condado leonez em monarchia autonómica (1114), e só no fim do século xv 
é que Gastella pode tornar- se o centro da unidade politica hespanhola. 

Todos estes successos vitaes se ligam á manifestação da cultura li Iteraria, como produc- 

* 

• Diez, Les Troubadours, p. 260. 



XX ESCHOLAS LYRIGAS PENINSULARES (cAP. I 

çao de dialectos românicos, reapparição de tradições por causa da resistência local, propa- 
gação das formas poéticas e rasão das suas características. Da luta dos pequenos estados 
christãos contra os Árabes veiu o fervor 4as cruzadas pregadas contra os mouros de Hespa- 
nha e de Africa pelos trovadores provençaes; as invasões dos árabes andaluzianos haviam 
chegado ao sul da França de 715 a 1019, e muitas palavras árabes se conservaram nas can- 
ções dos trovadores. Aquelles que pertenciam à escola poética da Aquitania, como Guilher- 
me ix, foram os primeiros a pregarem a cruzada fervorosa, e para exaltarem as multidões 
e os reis tinham um género chamado prezies e prczicanzas. Foi este um movei de commu- 
nicação do gosto provençal á península, que foi muito visitada por trovadores que affluiam 
á romagem de S. Thiago de Çompostella, ou que vinham tomar parte na cruzada da Extre- 
madura, ou que aportavam a* Lisboa, na sua viagem para Jerusalém. Os casamentos dos 
príncipes produzindo relações e ligas de estados foram também um motivo de propagação; 
assim pelo casamento do fundador da monarchia portugueza com uma princeza italiana, in- 
troduzem-se em Portugal algumas instituições communaes, e muitos trovadoresUcompanham 
o séquito real. Pela fusão da Provença no Condado de Barcelona, a escola poética de Aragão 
recebe uma mais directa communicação com os trovadores provençaes. O exercício da poe- 
sia nos dialectos românicos, que haviam persistido através do domínio árabe por efleito da 
incommunicabilidade do semita, fez com que estes dialectos fossem escriptos no tempo da 
desmembrarão politica, e por isso se diferenciaram entre si. Por esses dialectos podemos 
estabelecer as características que distinguem as differentes escolas trobadorescas da penín- 
sula. São três esses dialectos principaes, que se desenvolveram ou paralysaram em consequên- 
cia de causas históricas: a) o Catalão, que se subdivide no Valenciano e Malhorquino e que 
pertence à poesia trobadoresca da escola de Barcelona e de Aragão; b) o Galleziano, ao 
qual pertence o Bable, apenas fallado, o Gaiíego que estacionou e o Portuguez que progre- 
diu, e servindo essa língua para a linguagem poética da Galliza e de Portugal, de Leão e de 
Castella ; c) o Castelhano, por effeito da tardia unificação politica, só teve o seu verda- 
deiro desenvolvimento lilterario no século xv, e os seus monumentos poéticos têm um ca- 
racter épico, tradicional e popular, proveniente d'esta liogua não ser usada pela aristocra- 
cia nas imitações provençalescas. Ha portanto três escolas poéticas bastante distinctas : a de 
Aragão, em que ao passo que a tradição pura da Provença é communicada a Barcelona o 
génio árabe allia-se a esses artifícios lyricos, por via das escolas secundarias de Valência, 
de Murcia e das Baleares. 

Em seguida temos' a escola da Galliza, em que se dá a communicação com os trovado- 
dores da Aquitania, e onde o elemento ethnico das Astúrias, que, tendo resistido à conquis- 
ta árabe assim como resistiu á unificação politica dos Godos, se inspira de um profundo ele- 
mento tradicional, como veremos nas serranilhas. Mas este antigo elemento asturiano 
explica-nos os caracteres fundamentaes da escola da Galliza. A resistência dos Asturos aos 
Godos proya-nos que clles^assim como os Cantabros e Bascos pertenciam á antiga raça ibé- 
rica; e hoje que se sabe que os Gaulezes comprehendiam principalmente o elemento scy- 
thico, tornam-se notabilissimas estas palavras de Strabão : «Os AquUanos diíferem totalmen- 
te dos Gaulezes (Strab. confundia estes com os Celtas) não somente pela língua, mas pela 
figura que se parece muito com os Iberos.»* Já se vê que a Galliza foi um centro onde o 
mesmo génio ethnico da Aquitania e dos Asturos se encontrou revivescendo com um grande 
vigor lyrico. Tornam-se aqui de grande auctoridade as palavras de Fauriel, desenvolvendo 
as observações de Strabão : «Entre os paizes de língua provençal estão comprehendidos a 
Aquitania de César, e a plaga marítima que se estende desde as bacias do Rhodano até à ex- 
tremidade oriental dos Pyrenéos; e está historicamente constatado que uma língua ibérica 
esteve antigamente em uso n' estes paizes. Ora, depois de termos encontrado o céltico no 
provençal, nada ha de estranho em presumir, que também se perdessem alguns restos d'es- 
ta antiga língua ibérica cuja identidade com o vasconço é incontestável.» Fauriel exemplifica 
o asserto com certas palavras communs ao basco e ao provençal, como Aonar, auxiliar, 
secundar, asho, muito, bis, negro, bresca, mel, enoc, enojo, tristeza, nec, triste, gais, mal, 
damno, gaissar, destruir, serra, monte, gavarrar, matagal, rabi, ribeiro, grazal, gral, vaso. 
Por fim conclue: «Todas estas palavras e uma cincoentena de outras que se poderiam jun- 
tar, tém em vasconço exactamente a mesma significação e o mesmo sentido que em pro- 
vençal. Ha séculos que o vasconço está restricto ás montanhas; longe de poder dar palavras 
às línguas vizinhas é forçado a tomal-as para exprimir idéas e relações novas do povo que o 
falia. O provençal não podia tomar do vasconço senão somente aquillo que adoptou nos pai- 

1 Àp. Fauriel, HisL de la Poésie provençale, 1. 1, pag. 187. 



CAP. l) CATALUNHA E BALEARES XXI 

zes onde antigamente se faltou a Iingua ibérica.» 4 Elíectivamenle na escola gallega encon- 
tramos refrens communs tanto a Galliza, como à Biscaia, tal é o Alalala, e este problema 
importante será particularmente estudado quando investigarmos as origens tradicionaes 
d 'esta escola. O uso do gallego ou portuguez-galleziano na poesia de Leão e de Castella, tor- 
nando-se assim um dialecto intermediário, à maneira do poitevin para o sul e norte da Fran- 
ça, lambem se explica de uma maneira natural pelas origens ethnicas ; os Vândalos e Suevos 
haviam occupado a Galliza e o que hoje tem o nome de Castella-Velha, e alem das causas 
politicas, esta circumstancia manifestada apenas nos dialectos, fez com que os trovadores 
castelhanos, como Affonso o Sábio, preferissem versificar em gallego até ao principio do sé- 
culo xiv, o que fez dizer com profunda verdade ao Marquez de Santillana: «No ha mucho 
liempo cualesquier decidores é trobadores destas partes, agora fuesen Castellanos, Ân- 
daluses, é de la Extremadura, lodos jsus obras componian en l&ngua galega ó portu- 
guesa.» 

Aqui temos determinadas as duas escolas trobadorescas emquanto ás suas origens ethni- 
cas, politicas e litterarias, do Aragão e da Galliza; cremos que a persistência do elemento 
tradicional dá à Galliza um passado muito mais remoto, o que justifica a prioridade que lhe 
altribuia o Marquez de Santillana, antepondo a todas as escolas as dos Gallaicos cisalpinos, 
e a província da Equitania. As outras escolas são ramos secundários derivados d'este tron- 
co. Enunciaremos agora as modificações politicas que influenciaram sobre a cultura troba- 
doresca, para entrarmos por essa via na historia da lilteratura provençal portugueza. 

A separação em que estava a Catalunha de Castella e a unidade da língua d'Oc no meio 
dia da França, lornaram-a um centro litterario onde se cultivou a nova poesia; a sede do 
governo da Provença eslava em Barcelona, na Catalunha. Por estas relações politicas Bas- 
tero e Amat quizeram concluir que a poesia provençal tivera a sua origem na Catalunha ; 
porém a designação que em Hespanha se deu sempre a esta poesia, a que chamavam Limo- 
sina, como vemos pela Carta do Marquez de Santillana, basta para provar que ella veiu da 
escola da Aquitania.* A língua provençal predominava em Aragão, na Catalunha, em Valên- 
cia, Murcia e nas Baleares ; 3 alem (festas causas naturaes e orgânicas da diífusão da poesia 
trobadoresca, accresceram as circumstancias politicas. Em Í092 extinguiu-se a dynastia 
borgonheza, que em uma serie de doze reis governara a Provença; passou em 1113 essa 
coroa para o terceiro Conde de Barcelona, casado com Dulce, herdeira do throno. Raymundo 
Berenger era irmão de Affonso n, de Aragão, e esta circumstancia influiu bastante para os 
trovadores serem acolhidos na corte d'este monarcha. trovador Ramon Vidal exalta a corte 
aragoneza: «Pela minha parte eu também aprendi a conhecer a corte do rei Affonso, o pae 
do rei actual (D. Pedro n) que enchia a todos de honras e de bens. Não teres vivido então! 
conhecerias os bons tempos tão gabados por vosso pae ; terias sabido da boca dos poetas co- 
mo se percorria o mundo, visitando as cidades e os castellos; terias visto as suas mollessel- 
las, os magníficos arnezes, os freios dourados e os seus palafrens; grande numero (Telles 
vinha para a Catalunha, outros vinham de Hespanha; todos tinham a certeza de encontrar 
um protector affavel, generoso no rei Affonso n, bem como no bravo Diogo, no amável Con- 
de Fernando e em seu irmão, de um espirito tão esclarecido.» 

Em 1 137, a poesia provençal localisada em Barcelona, capital da Catalunha, mudou de 
sede quando os Condes de Barcelona obtiveram por via de casamento o reino de Aragão 4 ; 
Raymundo Berenger m casou com Petronilla, filha de Ramiro o Monge, e Aragão tornou-se 
o foco dos trovadores. Os nomes dos trovadores catalães Guilherme de Berga e Hugo de Ma- 
taplan figuram a par dos provençaes. Affonso n de Aragão (1162-1196) cultiva a gaya 
sciencia; frequentaram a sua corte os trovadores Pedro Rogiers, Pedro Remon de Tolosa e 
Aimeric de Péguilain. A guerra dos Albigenses fez com que os trovadores que defenderam 
a causa da liberdade municipal contra as violações da santa sé e do feudalismo, encontras- 
sem em Aragão um refugio. Ppdro n, de Aragão, morreu na batalha de Muret em 1213 de- 
fendendo-os; frequentaram-lhe a corte os trovadores Hugo de Saint-Cyr, Azemar le Noir, 
Raymundo de Miraval e outros muitos, que fugiram diante das atrocidades do infernal Si- 
mão de Monfort. successor de Pedro n, Jayme o Conquistador (1213-1276) também pro- 
tegeu os trovadores, como o confessam nos seus versos Guilherme Ameller, Nat de Mons, 
Arnaldo Plagues, Mateo de Quercy, Hugo de Mataplan, e Guilherme de Berguedan. A tomada 
das Baleares em 1229 e 1223 também estendeu a diffusão da poesia provençal. Em 1390 



1 Ap. F*arie\, fíist.de la Poésie provençais, t i, p. 200, e t. m, p. 

* Baret, Les Troubadours, p. 89. 
' Diei, op. cit. t p. 2. 

* Ticknor, fíist. de la Literatura espahola, 1. 1, p. 326. 



299. 



\ 



XXII CASTELLA E GALLIZA (CAP. II 

estabeleceu-se ení Barcelona um Consistório do Gay Saber, e ainda hoje conserva os seus 
Jogos florões. 

Entre os reis de Castella encontrou a poesia provençal o acolhimento que recebia em 
todas as curtes da Europa; distinguem-se como protectores Affonsò in (1158-1284), Af- 
fonso ix (1 188-1229), e entre todos Affonso x (1252-1284), que teve relações directas com 
os trovadores a quem deu asylo depois da queda das cortes de Provença e de Tolosa. 1 Nat 
de Mons dirigiu a este monarcha um poema sobre a influencia das eslrellas, e Giraud Ri- 
quier, de Narbonna, em 1275, dirigiu-lhe um requerimento em verso acerca do titulo de jo- 
gral e de trovador. Todas as obras de Affonso o Sábio foram escriptas em castelhano, â ex- 
cepção das suas Cantigas, redigidas em dialecto galleziano. Por este facto e pelo testemunho 
do Marquez de Santillana, a poesia provençal entrou em Castella, que esteve separada de 
Aragão, por via da Galliza e de Portugal ; a contar ^e 12 14 é que Castella teve relações di- 
rectas com os trovadores; Aimerie de Bellinoi esteve na corte de Affonso ix; Martaquagent 
e Folquet de Lunel celebraram a eleição de Affonso x, imperador; Raymundo de Tours diri- 
giu-lhe versos, e Bertrand de Carbonel dedicou-lhe as suas composições. 2 Mas a poesia pro- 
vençal encontrava em Castella uma terrível antagonista, que obstava ao seu desenvolvimen- 
to : o génio nacional começava a elaborar as epopéas rnosaràbes, que constituem o riquíssimo 
e inimitável Romancero hespanhol, e o gosto pelas Gestas francezas dava preferencia aos 
cantos de feitos de armas, dirigindo a imitação para a forma alexandrina usada por Segura 
e pelo Arcipreste de Hita, que conhecia os fabliaux. A imitação provençalesca foi uma mo- 
da palaciana em Castella, e por isso ar língua em que essas canções eram escriptas, o galle- 
ziano ou o portuguez, era preferida para esse artificio. Em breve o lyrismo provençalesco 
foi substituído pela renovação italiana de Dante e de Petrarcha. 

Em Portugal as condições vilães da nacionalidade não eram Ião profundas, e a poesia 
dos trovadores conservou-se corça uma persistência notável de formas nos Cancioneiros até 
ao flm do século xvi ; ainda assim não se pôde considerar uma imitação inorgânica, porque 
essa persistência explica-se pelo sentimento tradicional que revive nas differentes épocas 
da nossa historia litteraria. 



CAPITULO II 
PEBIODO ITALO-PROVENÇAL (1114-1245) 

Para a fidalguia peninsular, empenhada na empreza da reconquista christã e nas tendências 
separatistas dos pequenos estados ou nas violências de unificação politica de monarchas pre- 
potentes que nos seus testamentos destruíam a obra que haviam realisado á custa de cri- 
mes, n'este conflicto da sociedade catholico-feudal, a poesia dos trovadores foi como uma 
aura saudável que todos quizeram respirar, era um raio de luz moral que vinha alegrar os 
solares sombrios. A fidalguia da península quiz também imitar essa poesia que seduzia os 
monarchas de França, da Itália, da Inglaterra, da Sicília e da Allemanha; em três pontos se 
manifesta quasi ao mesmo tempo a arte dos trovadores da Provença — na Catalunha, em 
Aragão, que se confundem em uma só escola, e na Galliza. Já vimos as condições que favo- 
reciam esta imitação ou a tornavam uma revivescência ethnican'este ultimo ponto, e inves- 
tigando a acção que exerceram outras raças que posteriormente- occuparam a Galliza assim 
explicaremos o motivo porque o seu primitivo génio lyrico se manteve até á sua floração es- 
plendida no flm da edade media. Como primeira das províncias romanas invadidas, começou 
mais cedo na Galliza a formação do dialecto românico que havia de servir de linguagem á 
sua poesia; os Suevos, que a occuparam, imprimiram um cunho particular ao dialecto gal- 
leziano, que Helfferich e Declermont definem : «Comparando a vocalisação do dialecto sua- 
bio actual á do portuguez, julga- se ter achado a solução do problema. Foram os Suevos, que 
primeiro que todas as outras tribus germânicas se estabeleceram na Galliza, e admittindo 
que a língua allemã recebesse da boca dos Suevos desde a sua primeira apparição históri- 
ca, uma vocalisação distincta do golhico, não custará a attribuir a intonação nasal, particu- 
lar ao dialecto suabio, e que se encontra de uma maneira surprehendente no portuguez, á 
influencia da língua dos Suevos sobre o neo-latino que acabara de formar-se unicamente na 



1 Diez, op. cU. } p. 61. 
Ticknor, ibià., p. 47, not. 



CAP. Il) INFLUENCIA DOS SUEVOS NO LYRISMO XXIII 

Galliza.» 1 Vejamos as circumstancias que levaram o Suevo a perder os seus mythos e tradi- 
ções épicas, e a adoptar a vida agrícola e um lyrismo pastoril. 

À Galliza foi o primeiro ponto da Península que soflreu e ficou submettido às invasões 
dos bárbaros do norte. Os Suevos eram um dos ramos mais civilisados das rapas germâni- 
cas; na invasão da Península hispânica, apoderaram-se da região que mais favorecia o seu 
progresso e a independência: «De antes os Suevos tinham o seu assento na Galliza e na 
Lusitânia, que se estende sobre a direita da Hespanha, ao longo das costas do oceano, ten- 
do ao oriente a Auslrogonia, ao occidente sobre o promontório, o monumento sagrado de 
Scipião, general romano ; ao norte o oceano, ao meio dia a Lusitânia e o rio Tejo. . . . » 2 Por 
esta noticia de Jornandes se vé que os Suevos occupavam o melhor solo da Península, que 
os levava á ambição do domínio sobre todos os outros ramos germânicos: «Foi d'estas re- 
giões que saiu Ricciario, rei dos Suevos, com o projecto de se apoderar de toda a Hespa- 
nha.» Theodorico, que occupava o throno dos Visigodos, arruinou para sempre esta ambição 
na batalha junto do rio Urbius. Por tanto a siluaçào geographica que provocava o Suevo á 
independência e domínio, foi a causa da sua absorpção pelos visigodos. Por outro lado a si- 
tuação dos Suevos, na invasão da Península, prova-nos a sua superioridade, porque já en- 
tão tinham poder para preferir a melhor parte da conquista, e sabiam conhecer as melhores 
condições para a economia das suas cidades; mas esta progresso foi interrompido por uma 
causa que explica também o desenvolvimento dos Godos : os Suevos abraçaram o catholicis- 
mo e por causa da nova crença perderam os seus mythos, e por consequência não chegaram 
a elaborar os cantos épicos, que teriam sido um meio de resistirem sempre e de sustenta- 
rem a sua independência apesar de todas as derrotas. Uma vez privado das ambições de 
conquista, e da actividade das armas, o Suevo ficou sedentário, e pelas condições do terri- 
tório em que estava limitado, entregou-se ao trabalho da agricultura. A natureza d'este tra- 
balho feio renovar a antiga linguagem technica da agricultura romana juntamente com os 
processos mais adiantados; ainda no século passado, escrevia o P. Sarmienlo: «Galicia, mi 
pátria, es la Província que mas vocês latinas conserva, y en especial en quanto toca á agri- 
cultura. Digolo, porque lei por curiosidad de verbo ad verbum á Caton, Varron, Columellay 
Paládio.» 3 D'esta condição essencialmente agrícola, tirou o gallego a sua poesia lyrica, as 
chamadas Serranas, como as villanelas da Gascunha, de que falia o Marquez de Santillana, 
e que influíram no lyrismo de toda a Península, como adiante veremos ; mas o trabalho da 
terra fez adoptar sob o domínio moral absoluto do catholicismo, uma forma de propriedade 
que foi a causa mais forte da decadência da Galliza. Como se sabe, a egreja da edade media 
era mais uma forma particular da propriedade, do que uma instituição hierática; onde a 
egreja dominou fundou a auctoridade sobre a grande propriedade, e por este motivo fez 
prevalecer a emphyteuse romana. Portugal, que já desde a occupação dos Suevos fazia par- 
te da Galliza, no alto Minho é completamente emphyteutico. Portanto, submettida a proprie- 
dade territorial na Galliza à emphyteuse, deu-se a separação entre os que trabalhavam e os 
que possuíam, que eram as ricas abbadias e grandes senhores. D'aqui resultou uma ri- 
queza limitada, e uma miséria geral, que .levava as classes pobres a dispersarem-se por to- 
da a Península abraçando a proOssão de jograes. Assim communicaram não só as canções 
dos trovadores que visitavam o tumulo de S. Thiago de Gompostella, e que elles aprendiam, 
mas como jograes de tambor pediam de terra em terra cantando os seus cantos tradicionaes. 
Os Suevos também influíram no systema musical que veiu a prevalecer nas canções aristo- 
cráticas, como affirma o illustre musicographo Soriano Fuertes. Antes da invasão árabe já os 
Judeus se espalhavam pela península, e até certo ponto lhe ensinaram os segredos da oc- 
cupação territorial ; como os Suevos eram apaixonados pela musica, os judeus lisonjearam-os 
ensinando o systema musical das notas rabbinicas, cuja analogia com as linhas, os nw- 
meros e os pontos usados pelos Suevos, produziu o systema mixto, hoje conhecido pelas lar- 
gas explicações do venerável Beda. 4 Aflbnso o Sábio, assim como foi educado na Galliza, 
assim escreveu não só as suas canções em dialecto galleziano, mas como diz Fuertes, a me- 
dida das suas canções está escripta em notas rabbinicas* Eslava classifica a musica das 
canções de Aflbnso o Sábio como do systema de canto-chão melódico, o que está revelando 
a tradição rabbirúca, conservada na egreja. No Cancioneiro da Ajuda ainda se acham na 
primeira strophe de cada canção os intervallos para se escrever a solfa, e pelo que se ob- 

< Aperçue de Vhisloire des langues neo-lalines en Espagnc, p: 3G, Madrid, 1857. 

• Jornandes, De rebus Gelicis, p. 335, trad. Savagner. 

• Memorias para la Historia de la Poesia y Poetas espàholes, p. 144. 

• Historia de la Musica en Espana, 1. 1, p. 94. 

• lhid M 1 1, p. 94. 



XXIV INDEPENDE NCIA DO CONDADO DE PORTUGAL (GAP. II 

serva nos códices de Aflbnsp o Sábio, seguia-se em Portugal a notação rabbina. Ainda no 
Cancioneiro da Vatioana se achara dois fragmentos de canções (n. M 1 138-1 139) que com- 
pozera um judeu de Elvas, que porventura se conservaram por causa da musica a que eram 
cantadas; c do Cancioneiro do Conde de Marialva, exlrahira Fuertes a musica da celebre 
Canção do Figueiral, e da Reina groriosa. 1 

Ôs Suevos depois de haverem dilatado o seu domínio pela Bélica e Lusitana, entraram 
na unificação gothica; tendo com os Vândalos occupado também a Castella Velha, dava-se 
uma unificação de raça, que fez com que no século xn viesse Castella a receber a tradição 
provençal da Galliza em vez de a receber das escolas da Catalunha ou do Aragão, de quem 
estava separada. dialecto galleziano com leves modificações tornava-se inlelligivel em 
todas as capitães chrislãs da península, e principalmente em Castella e Leão. Os fidalgos 
asturo-leonezcs, que vinham desempenhar a homenagem dos castellos dos dois Condados da 
Galliza e de Portugal, compraziam -se em escutar as canções amorosas n'esse dialecto novo, 
que começou a ser escripto depois que se formou a nacionalidade portugueza. * 

A independência do Condado de Portugal com relação a suzerania de Castella, foi uma 
desmembração territorial da Galliza, que nunca conseguiu a autonomia nacional. N'esta se- 
paração, a corte portugueza teve de estabelecer relações com outros paizes, como Génova 
e Veneza por causa da sua marinha, Q com os cruzados francezes, inglezes e allemães para 
a sua defeza e colonisação. Foi por isto que o dialecto galleziano começando a ser escripto 
como a língua da nacionalidade portugueza, serviu de expressão á poesia provençal que nos 
foi communicada pela Itália. A tradição da Galliza só se tornou a achar mais tarde; o nosso 
primeiro período de manifestação poética é rigorosamente Ualo-provençal. Comecemos pelo 
phenomeno da desmembração dos dois Condados, até chegarmos ás causas que produzem 
esta corrente de communicação italiana. 

No tempo de Fernando Magno, a província da Galliza, regida por diversos Condes, esten- 
dia-se até ao Mondego; as suas fronteiras variavam com a conquista. Em 1065 as conquis- 
tas ao norte do Mondego e do Alva ainda estavam incluidas no território da Galliza; por 
morte do monarcha coube a Galliza a seu filho Garcia, mas por causa das dissensões entre 
seus irmãos vem esse domínio a cair em poder de Sancho rei de Castella, e pelo assassinato 
d'este ao outro seu irmão A Afonso, rei de Leão. Este suecesso deixou um ecco remotíssimo na 
poesia popular da Galliza, no romance de Ayras Nunes, conservado no Cancioneiro da Va- 
tícana (n.° 466), que adiante analysaremos. Em 1093, tendo Afibnso posto cerco a Santa- 
rém, e tomando em seguida Lisboa e Cintra, as fronteiras da Galliza estenderam-se até á foz 
do Tejo. Ainda hoje os habitantes do Alemtejo conservam a tradição d'estes limites chaman- 
do indistinctamente gallegos aos ribatejanos, e no Ribatejo cada povoação dà o nome de gal- 
legos aos povos que lhes ficam para o norte. É a contar d'este ponto que começam a dar-se 
as condições para a separação de Portugal. 

Afibnso vi, de Leão, tendo de tornar mais forte a administração do immenso domínio da 
Galliza» entregou-a a Raymundo, filho do Conde de Borgonha, cavalleiro que acompanhara 
o séquito da rainha D. Constança, mulher do monarcha leonez. Cré-se que viera com os 
guerreiros frankos que passaram os Pyrenéos para ajudarem Afibnso vi na batalha de Za- 
laka. Em 1 094 Afibnso vi casou-o com sua filha Urraca, encarregando-o assim da administração 
de toda a Galliza. Não faltariam jograes frankos que visitassem a corte do Conde borgonbez, 
attrahidos pela fama das piedosas romagens ao tumulo de S. Thiago, pelo caminho francez. 

Com Raymundo viera também à Península seu primo Henrique, sobrinho da rainha 
D. Constança; o illuslre cavalleiro francez logo em 1095 casou com D. Tareja, filha bastarda 
de Affonso vi, ficando a governar os districtos de Braga sob a dependência de seu primo. 
Em breve o território das margens do Minho até ao Tejo foi desmembrado da Galliza, fican- 
do a sua administração privativa de Henrique e independente da suzerania de Raymundo. 
A fama da romagem de S. Thiago crescia tanto, que* já em 1097 a 1098 o Conde D. Henri- 
que fizera essa peregrinação. Mas o grito da primeira cruzada da Terra Santa soara pela 
Europa em 1095 ! Os cavalleiros da península não quizeram esquivar-se ao appello. Conde 
D. Henrique em 1 103 partiu para o oriente, talvez na passagem da armada genoveza, e de 
lã regressou em 1 105. Os trovadores provençaes lançaram a proclamação fervorosa por to- 
das as cortes por meio de canções. O trovador Guilherme ix, Conde de Poitiers e Duque da 
Aquitania, que tomou parle na primeira cruzada, diz em uma canção : 

«Fiel á honra e á bravura, eu tomo as armas; partamos; vou para Alem-mar, lá onde os 
peregrinos imploram o perdão. 

1 Historia de la Musica en Espana, t. r, p. 117. Colligidas nas Epopêas Mosarabes e Trovadores Galecio- 
portuguezes. 



CAP. Il) MARCABRUS EU PORTUGAL XXV 

«Adeus esplendidos torneios, adeus magnificência e tudo quanto agrada ao coração ! Já 
nada me detém, eu vou aos logares onde Deus promette a remissão dos peccados. 

«Perdoae-me companheiros a quem haja offendido ; imploro o meu perdão, offereço o 
meu arrependimento a Jesus, senhor do raio ; dirijo-lhe a minha supplica em língua roman- 
ce e em latim. 

«Por muito tempo me distrahi em mundanidades, mas a paz do Senhor se faz ouvir, e é 
preciso apparecer no seu tribunal. Eu succumbo sob as minhas iniquidades. 

«Oh meus amigos! quandq eu estiver em presença da morte, ajuntae-vos em torno de 
mim, e concedei-me as vossas saudades e consolações.» 

Como este, muitos outros cantos exaltados resoaram pelos caslellos sombrios. fervor 
que o grito da cruzada produziu nos cavalleiros da Península concebe-se pela bulia de Pas- 
choal n, que os inhibe de abandonarem a reconquista do território hispânico para irem para 
alem-mar. Os cavalleiros partiam por terra ou dirigiam-se à Itália para embarcarem nas ar- 
madas genovezas. 

Este facto indica-nos a primeira communicação da poesia provençal por meio dos tro- 
vadores que residiam nas cortes de Itália. que traria Peire Vidal, que residiu muito tem- 
po em Génova, até Portugal, se não fosse o seu encontro com os cavalleiros portuguezes 
que d'ali iam seguir o destino da Terra Santa? Também da Itália nos veiu esse enthusiasmo 
da liberdade que tanto vigor deu aos municípios no tempo das lutas de D. Urraca, viuva do 
Conde Raymundo da Galliza, com D. Tareja, viuva do Conde de Portugal. N'estas lutas, o 
primeiro trovador conhecido, Guilherme ix, duque de Aquitania, era do partido de D. Ur- 
raca, querendo que Affonso Raymundes, ainda seu parente, fosse o herdeiro de Affonso vi. 1 
Desde 1 122 o infante da Galliza começou a denominar-se Affonso vn; o triumpho sobre o rei 
de Aragão, que aspirava pelo casamento com D. Urraca ao throno de Castella e de Leão, fez 
com que D. Tareja em paga da sua adhesão às pretensões da Galliza ficasse com o Condado 
de Portugal, em segurança pelo menos até â morte de sua irmã em 1126. Um anno antes, 
em 1 125, o filho de D. Tareja, D. Affonso Henriques, armava-se cavalleiro aos quatorze an- 
nos, diante do altar de S. Salvador em Samora, e n'este mesmo dia seu primo Affonso Ray- 
mundes (Affonso vu) vestia as armas no altar de S. Thiago em Compostella. Era d'este acto 
análogo que havia de nascer a independência do Condado de Portugal, que tendia a eman- 
cipar-se do reino de Castella e Leão; em 1 140 toma Affonso Henriques o titulo de rei, ser- 
vindo-se das armas e do perstigio de Roma contra as pretensões de Affonso vn. 

Kmquanto duraram estas lutas um trovador provençal, que frequentava a corte de Af- 
fonso vn, viera também a Portugal, em dias mais propícios. Chamava-se Marcabrus, e per- 
tencia ao ramo da Gasconha, da escola poética da Aquitania. A sua visita à corte portugue- 
sa seria talvez em consequência da paz do novo estado com Affonso vn. D'este trovador, 
que em um antigo manuscripto traz a seguinte rubrica «o primeiro de todos os trovadores,» 
diz Fauriel: «Nasceu, segundo a maior probabilidade, por 1120; é certo que viveu até 
1147, porque d'elle ha composições allusivas a acontecimentos d'esse anno. Frequentou as 
cortes christãs d'áquem dos Pyrenéos, nomeadamente a de Portugal, e é o único dos tro- 
vadores positivamente conhecido por ter visitado esta ultima.» * Em uma canção de Guerau 
de Cabrera cita-se a influencia da escola da Gasconha na Península, e allude-se ao trovador 

Marcabrus: M . , 

Non saps balar, 

ni trasgitar, 

a guisa de juglar guascoHj. . . 

non cug que't pas sotz lo guingnon 
de Markabrun 
nin de negun. 3 

Um dos motivos que chamaria os trovadores a Portugal seria o publicar-se, que os ca- 
valleiros e homens de armas que fossem defender a Extremadura e especialmente Leiria, 
gosaríam as mesmas graças como se fossem à Palestina, e seus peccados seriam remidos 
como se morressem em Jerusalém. 4 Os trovadores eram um dos grandes instrumentos das 
Cruzadas; Marcabrus, que pregara com os seus versos a cruzada de Luiz vn, não podia dei- 
xar de acudir a este appello. A sua vinda a Portugal deve presumir-se portanto depois de 
1 1 42. A luta entre os Àlmoravides com os Almohades em Africa e com os Árabes em Hespa- 

Herculano, HisL de Portugal, t. i, p. 265. 

24. Barcelona, 1868. 




XXVI RELAÇÕES DE PORTUGAL COM A ITÁLIA (GAP. II 

nha, fez com que D. A Afonso 'Henriques fosse alargando para o sul as fronteiras do novo es- 
tado. As pequenas' potencias das cosias do Mediterrâneo, provençaes e italianos, levados 
pela necessidade de protegerem os almoravides, alliaram-se a Affonso vn para formarem 
uma liga contra o novo poder dos Almohades. O trovador Marcabrus incitou os monarchas 
para esta cruzada ; elle também cita o rei de Portugal em uma das suas canções : 

«Imperador, eu agora sei por mim mesmo quanto cresce o vosso denodo. Eu apressei- 
me em vir, e alegro-me em vér-vos alimentado de prazer, elevado em gloria, florente de 
mocidade e de cortezania. 

«Pois que o filho de Deus vos requer, para o vingar da raça de Pharaô, rejubilae-vos. 

«E se aquelles das partes de alem não morrem nem pela Hespanha, nem pelo Sepulchro, 
compete a vós tomar o partido, sacudir os sarracenos, abater o seu orgulho. Deus será com- 
vosco no momento decisivo. 

«Falta soccorro aos Almoravides, por culpa dos senhores das partes de alem, que se pu- 
zeram a urdir certa trama de inveja e de iniquidade. Mas cada um (Telles se lisonjéa de fa- 
zer-se absolver na sua morte da parte que lhe pertence na obra. 

«Deixemos então deshonrar-se aquelles das outras partes das montanhas, esses barões 
que amam o descanso, e as doçuras da vida, os leitos moles e os bons somnos ; e nós d'este 
lado, respondendo ao appello de Deus, reconquistemos a sua honra e a sua terra. 

«Folguem muito entre si, esses deshonrados que se dispensam da santa peregrinação, e 
eu lhes digo, que um dirá virá em que lhes será preciso sair dos seus castellos; mas sairão 
com os pés para diante e a cabeça para traz ! 

«Que o Conde de Barcelona persista na sua resolução com o Rei de Portugal e o da Na- 
varra, immediatamente iremos plantar os nossos pavilhões sob os muros da imperial Tole- 
do, e destruir os pagãos que a guardam.» 1 

N'esta cruzada figuraram sob a direcção de Affonso vn, Guilherme de Baux, senhor de 
Marselha, Guilherme iv, de Montpellier, e a viscondessa Ermengarda de Narbona. D. Affonso 
Henriques tomando parte n'ella, teve occasião de conhecer a organisação das republicas ita- 
lianas. Em 1 146, casou este monarchacom D. Mafalda ou Mathilde, Olha de Amadeu u, conde 
de Mauriana e Saboya; descendente também da casa de Borgonha por seu pae o Conde 
D. Henrique, seria o parentesco com a casa de Mauriana que o levaria a effectuar esse ca- 
samento. 9 A Saboya, nas antigas divisões de Augusto pertencia à Provença, e também na 
Provença foi comprehendida a Borgonha, depois das cruzadas. O facto d'este casamento, ex- 
plica-nos como por via da Itália se propagou a Portugal a poesia da Provença. Quando Ray- 
mundo Berenger foi a Turin prestar homenagem a Frederico Barba Roxa, acompanharam-no 
os trovadores Arnaldo Daniello, Geofiroy Rudel, Pierre de Vernegues, Elias Barjols, Guillau- 
me de Sain Didier, Guillaume Adhemar e outros muitos. 3 Temos uma contraprova d'esta 
influencia italiana, no trovador Peire Vidal, que residiu uma grande parte da sua vida na 
Alta Itália, e em Génova ; elle deixou nos seus versos a prova de ter residido em Portugal, na 
corte de D. Sancho i. A rainha D. Mafalda (Mahaul), ao vir para Portugal, trazia, como todas 
as princezas, trovadores no seu séquito ; era na Itália que D. Affonso Henriques e seus suo 
cessores compravam os navios com que atacavam os árabes do Algarve ; foi da Itália que se 
propagou também a Portugal o espirito das revoltas communaes, das nossas cartas foralei- 
ras. Com a vinda de D. Mafalda flxaram-se em Portugal bastantes nobres italianos; nos Nobi- 
liários encontramos o nome de Podestade em varias famílias. No Livro velho das Linhagens, 
acha -se o nome de Álvaro Fernandes Podestade, cuja neta veiu a casar com um Olho bastar- 
do de el-rei D. Sancho. 4 nome de Podestat, era derivado do cargo electivo de dictador ad- 
junto ao governo municipal ; 5 quando as instituições municipaes italianas penetravam no 
sul da França, é certo que a esta corrente das garantias communaes obedeceram D. San- 
cho ii e D. Affonso iu, com a creação dos numerosos Foraes poftuguezes. 

É provável que Marcabrus acompanhasse o séquito de D. Mafalda em 1146; nos seus 

1 Fauriel, ib., p. 147. Eis esta ultima strophe em provençal: 

Àb lavador de Porlegal 
E dei rei navar atrelai, 
Ah sol que Barsalona is vir 
Ver Toleta 1'emperial 
Segur poirem cridar reial 
E paiana gen desconflr. 

• Herculano, Hist. de Portugal, t. r, pag. 363. 

• Pitton, Hist. de la VUle d' Ais, liv. ii, cap. iv; Baret, TroubadourSj p. 192. 



* Portuq. Mon. hist., (Scriptores), t.,n, p. 145 e 260. 

• Àugustin Thierry, Hist. ãu Tiers-État, p. 288. (Ed. 1868. 



) 



GAP. Il} TOMADA DE LISBOA E BE SANTARÉM XXVII 

versos elle exalta D. Afonso Henriques. 1 regresso dos estudantes portuguezes das univer- 
sidades de Bolonha, Tolosa e Paris, era também um vehiculo para o conhecimento da nova 
poesia. Porém um elemento que mais devera ter contribuído para essa diffusão seria a che- 
gada dos cavalleiros cruzados, de ordinário trovadores, que vieram ajudar D. Affonso Hen- 
riques na tomada de Lisboa. Em 1 146, Luiz vn, a quem escrevera o trovador Marcabrus, 
tomou a insignia de Cruzado, e com elle os mais inclytos cavalleiros francezes; ajuntou-se-lhe 
Conrado 111 da Állemanha, e dirigiram-se para a Ásia por terra. Os cavalleiros do Rheno in- 
ferior e da Frisia e as tropas de Colónia dirigiram-se para Inglaterra, onde no porto de Dart- 
raouth estava surta uma armada de duzentas velas flamengas e inglezas que haviam de 
transportar os Cruzados de Flandres, de Lorena, de Inglaterra e da Aquitania, que se haviam 
desmembrado de Luiz vn para irem por mar. Esta armada de mais de treze mil homens di- 
rigiu-se para o norte da Península, vendo-se obrigada pela tempestade a aportar e juntar-se 
na foz doTambre, na Galliza. Ali os cruzados celebraram a festa do Pentecostes no sanctuario 
de S. Thiago de Compostella. Bastava este facto para deixar em evidencia a causa por que 
a Galliza recebeu a poesia provençal de uma maneira differente da Catalunha e do Aragão. 
Esta mesma armada, commandada pelo Conde Arnolfo de Areschot, aportou ao Douro a 16 
de junho de 1 1 47, e dias depois foi sitiar Lisboa, para ajudar o combate que lhe dava por 
terra D. Affonso Henriques. 

N'este mesmo anno dera-se a tomada de Santarém, e o ecco d'este feito estrondoso con- 
servou-se em uma composição do Cancioneiro da Ajuda, (n.° 1 19, das Trovas e Cantares) 
cujo estribilho tem um grande valor histórico : 

A mais fremosa de quantas vejo 
en Santarém, e que mais desejo, 
e en que sempre cuidando sejo, 
non cha direi, mas direi commigo : 

Au Seniirigo I au sentirigo 

ale Alfanx e ai sesserígo! 

Os nomes usados n'este estribilho concordam plenamente com uma Relação da tomada 
de Santarém, espécie de poema em prosa, que refere todas as circumstancias da ousada 
empreza de D. Affonso Henriques. 2 Depois que a hoste do rei portuguez saltou aos muros 
da fortaleza, succedeu-se um repentino estrépito de armas e de gritos, que se não conhe- 
ciam no tumulto ; o rei mandou atacar pelo lado direito ainda hoje chamado Alphan, e Gon- 
çalo Gonsalves sustentou o ataque pelo lado esquerdo, impedindo o soccorro ao bairro ou 
arrabalde externo de Senteiigo ou Sesserigo.* Assim o estribilho da cantiga do Cancioneiro 
da Ajuda parece ser uma lembrança não remota de um grito de guerra usado pelos caval- 
leiros portuguezes em 1 147, lembrança que se apagava, como se vé por este outro estribi- 
lho da canção 1 20 (ed. Trov. e Cant.) : 

Pêro eu vejo aqui trobadores, 
senor e lume d'estes olhos meus, 
que troban d'amor por sas senores, 
non vefeu aqui trobador, par deus, 
que mof entenda o porque digo : 
— AI e Alfanx e ai Sesserigo! 

O poema em prosa é attribuido ao próprio D. Affonso Henriques, e esta tradição basta 

1 En Castella et en Portugal 
No trametré aquestas salutz ; 
Mas Deos los sal 
Et en Barcelona atretal 
E neis las valors son perdutz. 

(Ap. Baret, op. cit, p. 192.) 

* Pôde ver-se na Monarchia lusitana, Part in, Escr. 20, e nos Porl. Moru hist. 

* No poemeto em prosa se lê : « Tanta deinde secuta est confusio vocnm ut utrarumque partium, ut nulia 
possit notari dlscretio. Aio ergo méis, feramus auxilium sociis. leneamus dexlram, si jwlerimus ascendere per 
Alphan, et Gundisalvus Gundisalvi cum suis sinistram, ut praeoccupet callem, qne venit de Setbmoo, ne por- 
tae aditas ab illis praeoccupetnr...» Como já observámos, ainda hoje se conserva o nome de Alfdo; em um do- 
cumento dos Templários, de 1159, o nome de Sesserigo, designava ainda o arrabalde que modernamente ae 
chama a Ribeira de Santarém: «illa ecclesia de S. Jàcobi, quae est in subúrbio de Sesserigo...* (Elucidário, 
vb.* Templários.) Esta palavra concorda com a descripção de Edrisi: «Ghantarin est une vi lie bàtie sur une 
montagne três haute, au midi de laquelle est une vaste enfoncement 11 n'y a point de murai lies mais au pied 
de Ia montagne un faubourg bali sur le bord du fleuve.» (Trad. Jaubert, vol. 11, p. 29.) Quanto ao poema em 
prosa, talvez primitivamente em verso e deturpado n'essa forma pelos copistas, loi combatido como apocry- 
pho por Fr. Joaquim de Santo Agostinho {Mem. de Lill. da Academia, t. v, o. 316), com rasões que Herculano 
não acceitou, suppondo a redacção em um latim superior ao dos documentos dos séculos xn e xin, mas ain- 
da assim verdadeiro na sua origem. (Bist. de Portugal, 1. 1, p. 504.) 



XXVIII JOHÀM SOARES DE PANHA (CAP. I 

para nos provar o gosto litterario do monarcha para dar protecção aos trovadores que 
visitavam a sua corte. A forma latina cTeste poema, e a descrippão da tomada de Lisboa 
no Cármen Gostànum, revelam-nos como a cultura latina começava muito cedo a obstar 
ao desenvolvimento do dialecto vulgar, e estabelecia o desprezo pelas tradições popu- 
lares. 

Depois da tomada de Lisboa, alguns cruzados não seguiram para o Oriente, e fixaram-se 
em Portugal; Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã, Alardo em Villa- Verde, e Guilherme de 
Cornes ajudou a povoar Athouguia com os seus homens de armas. No Cancioneiro da Vati- 
cana (n.° 1 181) ha um apodo contra um descendente d'este ultimo cruzado. 1 Em 1 157 veiu 
a Portugal outra armada de Cruzados, commandada por Thierry de Flandres. As prosperi- 
dades do fundador da monarchia faziam com que outros soberanos procurassem a sua ai- 
liança ; e Raymundo Berenger, um dos grandes protectores dos trovadores, procurou casar 
seu filho com D. Mafalda, (ilha de Aflbnso Henriques. Realisou-se o contrato em 1 160, não 
se efTectuando por fallecimento da infanta ; comtudo a boa avença em que estávamos com a 
coroa de Aragão fez com que essa fusão se renovasse pelo casamento do príncipe D. Sancho 
com D. Dulce, Olhando Conde de Provença. É portanto n'este tempo que os trovadores Ga- 
vaudan o Velho, Peire Vidal, e segundo Baret, Cercamons e Peire Valeira se referem a Por- 
tugal, ou visitam este paiz. Nos Nobiliários começam a apparecer os nomes de fidalgos por- 
tuguezes conhecidos pelo epitheto de trobador, e outros já se tornam conhecidos pelo seu 
talento poético nas cortes peninsulares, como João Soares de Panha '. 

Uma canção de João Soares de Panha (n.° 937), uai rey dom Sancho de Navarra, por 
que Ihi roubar tensa forom » pelos successos históricos a que allude, mostra-nos que este 
trovador pertencia ainda ao fim do século xn. O monarcha a quem dirige a cantiga de mal- 
dizer era Sancho vi o Forte, cunhado do trovador Ricardo Coração de Leão, rei de Inglater- 
ra, cuja tradição cavalheiresca se conservou também nos cantos dos trovadores peninsula- 
res 3 . Sancho vi começou o seu reinado ai li and o -se com o Emir de Marrocos contra a guerra 
que lhe moviam os reis de Aragão e de Castella. Emquanlo Sancho vi esteve na corte do 
Emir em Sevilha, a Navarra ficou exposta à invasão dos reis de Leão e de Castella (1200) e 
o rei de Aragão havia posto cerco a Pampelona e a Estela. A estes factos allude o trovador 
portuguez João Soares de Panha, que soffreu as consequências das invasões, « por que Ihi 
roubar tensa forom e nom Ihi deu el rey ende déreyto.» Á demora de Sancho vi na corte do 
Emir, allude o primeiro verso da canção : 

Ora faz est'o senhor de Navarra, 
poy9 em Proença est el rey d'Aragon, 
non lh'am medo de pico nem de marra... 

No Nobiliário do Conde D. Pedro acha se a lenda de D. Diogo Lopes de Haro e da Dama 
pé de cabra; este vassallo do rei de Castella revoltou-se e veiu ajudar á independência dos 

' Martin de Cornes vi queixar 
de sa molher, a gram poder, 
que Ihi faz hy a seu cuydar... 

* À lenda poética do trovador Egas Moniz Coelho não é menos bella e fictícia do que aquellas com que 
Nostradamus e o Monge das Ilhas de Ouro embellezaram a vida de muitos trovadores provençaes. Conta-se 
que Egas Moniz, primo do celebre ayo de Àffonso Henriques, amava uma dama da rainha 0. Mafalda, chama- 
da D. Violante. cavalieiro trovador tendo de ir a Coimbra escreveu á sua dama uma formosa canção de des- 
pedida; na ausência Violante casou com um cavalieiro castelhano a instancias da rainha. Egas Moniz regres- 
sou á corte e encontrou a sua dama já casada ; escreveu então a segunda canção inspirado pela tristeza e pelo 
despeito e morreu de amores. Violante vendo quanto perdera envenenou-se. (Vid. Cancioneiro popular, p. 5 a 
7). Miguel Leitão Ferreira foi o primeiro que publicou estas canções {Miscellanea, Dialogo xvi, p. 458), dizendo 
haverem sido encontradas em um manuscripto que apparecéra no tempo de D. Sancho i, na tomada do cas- 
tello de Arunce. Estas circumstancias imaginosas aceusam a invenção novellesca ; as duas canções existiam, 
como observa Ribeiro dos Santos no Cancioneiro do dr. Gualter Antunes, e tanto pela letra como pelo estylo 
litterario essas composições pertencem na realidade ao principio do século xv. 

1 Em uma canção travada entre Pêro da fonte e Aflbnso Eannes de Cotom, jograes da corte de Affonso ix 
de Castella e de Leão, e que viveram na corte de Affonso m de Portugal, allude-se ainda á valentia de Ricardo 
Coração de Leão: 

Pêro da Ponte, se dês vos perdon' 
non faledes mais em armas, ca non 
non está bem, esto sabe quem quer. 

Affonso Eanes, filharey en don, 
verdade vos ay Cór de Leão, 
e faça poys cada quem seu mister. 

(Canc, n.° 556.) 



CAP. Il) , TROVADORES CITADOS NOS NOBILIÁRIOS XXIX 

navarros. A canção de João Soares de Panha refere com escameo a iaefflcacia do cerco do 

rei de Aragão : 

Se llTo bon rey varrel-a escudela 
que de Pamplona oystes nomear, 
mal ficará aqueloutro em Todela, 
que ai non ha a que olhos alçar; 
que.verrá hi o bon rey sejornar, 
e distinge a ca burgo de Estella, 
e veredes Navarros acerar, 
e o Senhor que os todos caudela. 

No meio das lutas com os outros monarchas, Sancho vi, conhecido também pelo nome 
de Encerrado, viveu o resto de seus dias fortificado no seu castello de Tudela, e d'ahi lhe 
veiu o epitheto ; na canção de João Soares se allude a esta circumstancia : 

Quand'el rey sal de Todela, estrea 
el essa oste e todo o seu poder, 
ben soffren hy de travalho e de péa, 
ca van a furt'e tornam-s'en correr ; 
guarda s'el rey, como é de bon saber, 
que o non filhe luz en terra alhea, 
e onde sal hy ss*ar torna a jazer 
ao jantar ou senon aa cea. 

Esta canção 937, alem dos factos históricos do reino de Navarra a que allude, e cujas 
fontes históricas são diminutíssimas, 4 vem-nos precisar a época em que floresceu este anti- 
quíssimo trovador portuguez, separando-o assim de outros homonymos. Pela marcha dos 
suecessos políticos a Navarra, depois da morte de Sancho vi (1234), tendeu a ser absorvida 
pela França, e assim termina aqui a sua influencia nas transformações da península. 

O nome de João Soares de Payva acha-se citado nos antigos Nobiliários portuguezes do 
século xni e xrv. Antes de se descobrirem os nossos Cancioneiros provençaes, Manuel de 
Faria e Sousa ao fazer uma edição d'este cadastro da nobreza portugueza, achou ahi os nomes 
de seis trovadores, entre os quaes figura João Soares de Paiva. Diz elle : « de modo que las 
personas principales de que ai Conde Don Pedro vino a lanse hazer memoria, apparecen en 
este libro seys poetas de casi 400 annos de antiguidad unos, e mas de trescentos, otros.» 1 
De facto, nos Nobiliários acham-se com o titulo de « que foi Trobador, que tróbou bem, e 
Trobador e mui saboroso, os seguintes fidalgos: João de Gaia, 3 João Soares de Paiva, 4 Fer- 
não Garcia Esgaravinha, 6 Vasco Fernandes de Praga, 6 João Martins/ e Estevam Annes de 
Valladares. 8 Alguns d'estes trovadores pertencem ao fim do século xm, como João Martins, 
que n'uma doação de D. Marinha AfTonso, viuva do trovador D. João de Aboim, ao abbade de 
Alcobaça em 1228, assigna como testemunha: «Joanne Martini Trovatore,» 9 e em outro 
documento d# mesma época: «João Martins Trovador, alvasil de Santarém.» 10 Outros, como 
João de Gaya, pertencem ao meado do século xiv. 

O trovador verdadeiramente da primeira metade do século xn é João Soares de Pavha, 
cujo nascimento se pôde fixar depois de 1 139. No Livro velho das Linhagens se lé acerca 
d'este trovador : « O sobredito Soeiro Ayres des que se lhe foy Elvira Nunes com Mem de 
Sande, casou com uma infante da Galliza e fege nella João Soares, que foy boo trobador. » ik 
Esta tradição parece pertencer a um João Soares de Payva, cqja homonomya explicaremos 
pelo syncretismo d'esta mesma tradição conservada pelo Marquez de Santillana. Portanto ao 
antigo trovador que esteve na corte do rei de Navarra Sancho vi, pertencem rigorosamen- 
te estas noticias do Nobiliário : « E este Dom Soeiro Paes, de alcunha o Mouro por sobreno- 
me, era muy boo mancebo e muito aposto e bem fidalgo assaz e entendia com Dona Orraca 
Mendes, mulher de Don Diogo Gonsalves. . . que outrosi era muy manceba e mui fermosa. . . 

1 Rosse* Saint-Hilaire, Hist. dEspagne, t. iv, p. 56. 

* Notas de Manuel de Faria e Sousa ao Nobiliário do Conde D. Pedro, Plana 120, n.° 18.— Vid. Planas 137. 
n.« 8 ; 244 e 279. 

* Fragmento do Nobiliário do Conde D. Pedro, p. 272. Citamos sempre a edição de Herculano, Portugália 
Monumenta (Scriptores) 

* Livro velho das Linhagens, p. 166 ; Frag. do Nob. do Conde D. Pedro, p. 208; Nobiliário do Conde D. Pe- 
dro, p. 352 e 297. 

* Frag. do Nob. do Conde D. Pedro, p. 192 e 290. 
\ Nob. do Conde D. Pedro, p. 349. 

Nob. do Conde D. Pedro, p. 302. 

* Ibid.. p. 199. 

* Brandão, Monarchia lusil., Part. v, p. 185. 
•• Ibid., t. v, p. 372. 

'' Man. hist., (Scriptores), p.l 66. 



XXX GAVAUDAN O VELHO E A BATALHA DE NAVAS (CAP. II 

e quando soube que seu marido fora morto na batalha que el rei Dom Affonso o primeyro 
rey de Portugal ouve com os mouros no campo de Ourique, non leixou porem de casar com 
Dom Soeiro Mouro. . . e fez com ella Joham Soares o Trovador. . . Este João Soares foi ca- 
sado com Dona Maria Annes, filha de Dom João Fernandes de Riba d'Avisella. . . .» 4 Portanto 
o nascimento de João Soares o trovador seria poucos annos depois de 1139, em que foi a 
batalha de Ourique, e sendo de 1204 a canção de João Soares de Pavha (n.° 937), do Can- 
cioneiro da Vaticana, allusiva ao cerco de Pamplona e de Estella, vê-se que elle estava no 
vigor poético, e que pela sua antiguidade é que ficou a tradição do seu talento, mas se per- 
deram as suas obras. 

Marquez de Santillana descrevendo o celebre Cancioneiro portuguez que vira na sua 
mocidade em casa de sua avó D. Mecia de Cisneros, refere-se a um outro João Soares de Pa- 
via, ou de Pavha, colligindo a seguinte tradição: «Avia otras (obras) de João Soares de Pa- 
via, el qual se dice aver muerto en Galicia por oymwes de uma infanta de Portugal.» Evi- 
dentemente o João Soares, que nasce dos amores de uma infanta da Galliza, ou que morre 
pelos amores de uma infanta de Portugal na Galliza, é sempre o mesmo individuo, como o 
prova o syncretismo da tradição primitiva. A distincção d'estes trovadores estabelece-se não 
só pela differença do nome de Panka e Payva, mas pelos successos históricos que levaram 
este ultimo trovador a fugir de Portugal refugiando-se na Galliza. Vamos ver as lutas que 
preludiaram a grande batalha das Navas de Tolosa, onde estabeleceremos a personalidade 
histórica d'este trovador. 

Um dos trovadores da escola da Gasconha, que allude à dissidência dos reis da Península 
em 1210, dissidência que provocou a terrível batalha de Navas de Tolosa em 1212, é Ga- 
vaudan o Velho; a influencia provençalesca conlinuava-se em Portugal pelo casamento de 
D. Sancho n, em 1 178, com D. Dulce, filha de Raymundo Berenger iv, conde de Provença e 
rei de Aragão. A necessidade de se defender contra a invasão do rei de Castella fez com que 
o monarcha portuguez se alliasse com o reino de Aragão ; assim os trovadores que frequen- 
tavam aquella corte visitavam confiadamente Portugal. Um dos trovadores conhecidos que 
incita o monarcha portuguez para a cruzada contra os sarracenos é Gavaudan. Diz elle : 

Non laissem nostrus heretatz 
Pusqu'as la gran fé en assis, 
A cas negres outramaris, 
Q'usqoecx ne sia perpassatz, 
Enans qu'el dampnatge nos* toe; 
Portugals, Gallics, Castellas, 
Navars, Arraeones, Ferras, 
Lura ven en barra gequitz 
Qu'els an rahazatz et unitz. * 

Este canto de Gavaudan tinha por fim incitar os monarchas christãos contra o exercito de 
cento e sessenta mil homens com que Mahomed El Nassir partira de Africa, chegando a Se- 
vilha em 1 21 >« Não entreguemos, nós, firmes possuidores da grande lei, não entreguemos 
as nossas heranças a esses negros cães ultramarinos ; não esperemos que elle nos assalte ; 
os Portugalezes, Gallegos, Castelhanos, Navarros, Aragonezes, Ferrarezes, que eram para 
nós como uma barreira avançada, agora são derrotados e ultrajados.» 3 Mohamed proclamou 
do seu lado o aldjihed, o grito da guerra santa, que os bispos de Nantes e de Narbona tam- 
bém repetiram alvoroçando os habitantes da França meridional. Á voz de Innocencio ni, ac- 
cudiram também os cavalleiros da Allemanha e da Itália. Em maio de 121 1 Mohamed reuni- 
ra completamente todo o seu exercito em Sevilha ; Maio era a época era que se recomeça- 
vam as batalhas fronteiriças, e nas alcavalas antigas cavallo de Maio era o tributo para a 
guerra contra os mouros, assim como na poesia popular campo que se lavra em Maio era o 
logar bom para dar batalha. 4 Segundo Lucas de Tuy e Rodrigo Ximenez os exércitos chris- 
tãos reuniram-se para a batalha das Navas em Toledo em maio ; Portugal mandou o infante 
D. Pedro, 6 e os aragonezes chegaram pelo Pentecostes. Uma canção do trovador Pêro Bar- 
roso (n.° 1055), chasquéa um cavalleiro que não quiz concorrer a esta cruzada em que por 
um momento todas as monarchias da península se congrassaram : 

Chegou aqui Dom Joam 
e veo muy ben guisado, 

[ Ilrid., p. 336 e 352. 

8 Raynouard, Choix de Poésies des Troubadours, t. iv, p. 86 e 87. 

Ap. Fauriel, llist. de la Poésie provençale, t. ii, p. 155. 
' Cardos populares do Archipelago açoriano, n.° 147. 

1 Rosseew Saint-Hilaire, Hist. d'Êsp.,\. iv, p. 60.— Adiante fallaremos d'este trovador desconhecido. 



CAP. Il) D. AFFONSO III DE PORTUGAL, TROVADOR XXXI 

pero non veo ao Mayo 
por non checar endoado, 

demos-lhi nos uma Maia 

das que fazemos no Maio. . . 
Por que veo ben guisado 
com tenda e com reposte, 
pero non veo ao Mayo 
nem veo a Pindecoste. . . 

Como acima vimos, D. Affonso n tomou parte n'esta cruzada, rcsultando-lhe a protecção 
do rei de Caslella e terminando a hostilidade do rei de Leão ; os seus guerreiros voltaram 
immediatamente para Portugal, e sem se preoccupar com as consequências (Testa guerra 
que enfraquecia para muito tempo o dominio árabe, D. Afonso n veiu expoliar suas irmãs 
da herança de D. Sancho i seu pae. Uma canção em estylo popular, (n.° 79) composta por 
El rei D. Affonso de Castella e de Leão, allude a este crime do monarcha portuguez : 

Quem da guerra levou cavaleyros 
e a sa terra foy guardar dineyros, 

non ven aí Mayo! 
Quem da guerra se foy con maldade 
a sa terra, foy comprar erdade 9 

non ven ai Mayo ! 

facto de ser esta canção assignada por El rei D. Affonso de Caslella e de Leão mostra-nos 
que ella se dirigia evidentemente ao rei de Portugal. No Cancioneiro da Vaticana, encon- 
trara-se dezenove composições (n. os 61-79) sob a rubrica Elrei Dom Affonso de Caslella e de 
Leom. Quem reuniu estas duas coroas foi Aflbnso ix rei de Leão, pelo casamento com Do- 
na Berenguella, infanta de Castella, em segundas núpcias. As relações d'este monarcha com 
Portugal provieram do seu primeiro casamento com Dona Thereza; d'este primeiro casa- 
mento teve duas Olhas, D. Sancha e D. Dulce, nomeando-as successoras do seu throno con- 
tra os direitos do filho D. Fernando, o Santo. A canção 79, em que chasquéa o companheiro 
de armas que não vem ai Maio, refere-se indubitavelmente a D. Affonso n de Portugal, que 
se retirara depois da batalha das Navas de Tolosa, para vir desapossar suas irmãs da he- 
rança de D. Sancho i, que lhes pertencia. 

Eram então os principaes trovadores Pero da Ponte, Aflbnso Eanes de Co tom, Bernaldo 
de Bonaval e Citola; era já celebre o Cancioneiro de versos eróticos, o Livro dos Son$ } 
que possuía o Dayão de Cales; a poesia resentia-se de uma grande dissolução dos costumes, 
e era bastante obscena. próprio Aflbnso ix escreveu n'este estylo, que hoje mais nos re- 
vela o viver intimo da sociedade do fim do século xn, e conservou o nome das damas mais 
afamadas pela sua desenvoltura, taes como Maria Balteyra, Mayor Cotum, «e Alvela, a que 
andou era Portugal.» (n.° 64). A época de Aflbnso ix, em que se dá o desenvolvimento 
da poesia provençal em Castella, comprehende de 1188 a 1229; as canções que restam 
d'este monarcha são puro portuguez dionisiano, signal de que efectivamente era esta a lín- 
gua litteraria de toda a península. 1 As poesias de D. Aflbnso ix começam por um fragmento, 
e tém a rubrica Desvmt; as composições que existiam no manuscripto truncado, e que oc- 
cupavam o logar intermédio á canção 60 de Vaasco Peres e à 61, fragmento de Aflbnso ix, 
podem hoje ser indicadas pelo índice do autographo de Colocci ; seguiam-se n'este interval- 
lo, duas canções de Pero Vyviaens, duas canções de Bonifácio Calvo, trovador genovez, e 
mais uma canção de Vaasco Peres (existem trez no Cod. da Vaticana, e quatro no de Colocci) 
uma canção de D. Garcia Mendes de Eixo, outra do conde D. Gonçalo, (ou ao conde D. Gon- 
çalo, em casa de Rodrigo Sanchez, per Coderniz). Depois d'estas é que se seguem 19 can- 
ções de D. Aflbnso rei de Castella e de Leão, no códice da Vaticana; porém no códice de 
Colocci seguiam-se quarenta e uma canções, attribuidas a dois monarchas, 1 1 ao rei D. Af- 
fonso de Leão com a seguinte nota: «Bembo dice d y Aragone, figlio de Berenghieri, alia le- 
ctio ê Portugal Rey don Sancho deponit.» N*este caso estas onze poesias perdidas perten- 
ciam a D. Aflbnso ih, que em Portugal deposera seu irmão D. Sancho n. O segundo grupo 
constava de trinta canções attribuidas ai rey D. Affonso de Castella et de Leon; é d' es te que 
se conservam ainda 19 no códice da Vaticana a contar depois da rubrica Desunt. Por este 
confronto dos logares truncados do códice da Vaticana vemos primeiramente, que el rei 
D. Affonso ni, que tanto desenvolveu a poesia provençal na corte portugueza, era também 
trovador; nem de outra forma se pôde explicar a sua fama na corte poética de S. Luiz, e a 
decidida protecção que deu aos trovadores portuguezes durante o seu reinado, e a educa- 

1 No livro dos Trovadores galecio-porluguezes, sob a interpretação do sr. VarnhageD, coufuadimoj algu- 
mas veies as composições d'este monarcha com as de Affonso xi. 



XXXII Á LENDA DE JOÃO SOARES DE PAYVA (CAP. II 

ção litteraria que soube dar a seu filho D. Diniz. Por outro lado vè-se pelo confronto do livro 
de Bembo, e do lemosino de Colocci, que existiam ainda no século xvi alguns dos Cancionei- 
ros parciaes, que serviram para formar a grande collecção da Vaticana. Nem só a canção de Pê- 
ro Barroso lança o stigma contra os que não vieram â cruzada das Navas; outros trovadores 
increparamo monarcha portuguez, que abandonou a cruzada contra os mouros para saciar a 
voracidade com que disputava a herança de suas irmãs. No século xm ainda os trovadores eram 
a alma revolucionaria da Europa ; apostolavam a liberdade e faziam com que os reis se despe- 
daçassem. No longo poema provençal intitulado Historia da Cruzada contra os Albigenses, 
começada a escrever em 1210 por um supposto jogral chamado Guilherme deTudele, e 
acabado em 1219, ahi se condemna a luta estéril dos reis D. Affonso n de Portugal e Af- 
fonso ix de Leão. O poeta elogiando o infernal Simão de Monfort e Guilherme de Encontre, 
que exterminaram a França municipal do sul, diz no cantar xxxvn, a começar do verso 857: 
' « que se os reinos de Portugal e de Leão tivessem chefes eguaes àquelles, seriam incompa- 
ravelmente melhor governados do que são por estes insensatos marotos que ali são reis, 
e que para elle trovador não valem um botão.» A este propósito diz Fauriel com o seu 
grande tino critico : « Não se sabe bem explicar esta tirada que ali rebenta tão vivamente e 
fora de propósito. Mas o certo é, que pelo tempo em que escreveu o nosso poeta, Portugal 
e o reino de Leão andavam agitados por discórdias civis bastante escandalosas; e ha so- 
bejos motivos para ver que o nosso trovador tinha, como tantos outros, passado os Pyreneos, 
visitado os reis christãqs da Península, e que ahi contrahira relações e affeições em virtude 
das quaes elle continuava a tomar interesse em tudo o que acontecia n'estes reinos de pros- 
pero ou de adverso. Em apoio (Testa conjectura vem directamente a allusão que acabo de 
dizer, faz o poeta á batalha das Navas de Tolosa, allusão em que o elogio do rei de Navarra 
apparece de uma maneira, que auctorisa a suppor nisso motivos pessoaes.» 1 Se Gavaudan 
o Velho condemnára D. Sancho i mostrando a sua pouca força contra o ataque de Mahomed 
El Nassir em 1210, em 1212 Guilherme de Tudele stigmatisava a velhacaria de D. Aflonson 
que espoliava suas irmãs, resultando d'esse acto uma ligeira guerra civil. Alguns fidalgos 
portuguezes defenderam as infantas, que estavam cercadas no castello de Monte-Mór por 
D. Afibnso ii ; uma lenda acerca da morte de Martim Annes de Riba d 1 A vise lia conserva-se 
no Nobiliário do Conde D. Pedro, 1 e com certesa a lenda da morte do trovador João Soares 
de Pavha na Galliza por amor de uma infanta de Portugal, tal como a conservou o Mar- 
quez de Santillana, significa o facto histórico, de que este trovador seguira o partido das 
infantas, e sendo vencido se refugiara na Galliza onde morreu. João Soares de Pavha estava 
apparentado com a familia de Riba cTAvisella: «E D. Maria Annes, filha de D. João Fernan- 
des de Riba d'Avisella e de D. Maria Soares, e neta de D. Soeiro Mendes o Gordo, de gança, 
foi casada com João Soares de Pavha o trovador.»* Isto prova a realidade da lenda, como 
se vê pelo fio histórico. 

É muito natural que o desenvolvimento da poesia provençal se paralysasse em Portugal 
com o extermínio dos Albigenses. De 1210 a 1219 foram perseguidos pelo fanático Simão 
de Monfort e pelo Papa, que com a mão da monarchia esmagava a França communal. Pelas 
atrocidades commettidas contra os indefesos Albigenses os trovadores refugiaram^se na Itá- 
lia, por causa das suas instituições communaes. A Lombardia era a que melhor comprehen- 
dia a vida dos trovadores; Afibnso ix de Gastella e Leão allude a estas relações: 

E diss' : está é a medida de Espanha, 
cá non de Lombardia, nem d'Allemanha* . . (n.° 64). 

Nos cantos populares portuguezes a Lombardia é ainda um ponto d'onde se filiam tradi- 
ções, como o Duque de Lombar dia} dialecto de Génova, por effeito d'esta emigração dos 
trovadores, approximou-se bastante do francez, a ponto de ainda hoje se notar uma certa 
homogeneidade nos monumentos escriptos.^ 

Esta corrente foi o meio indirecto por onde, antes de D. Affonso m, communicamos com 
a Provença; essa infiuencia continuou-se ainda no reinado de D. Diniz, porque de Génova 
vinham os marinheiros para as nossas armadas. Na corte de Affonso ix propagamse os 
contos italianos ou Noellaire. Se trovadores que viveram na alta Itália e em Génova é que 
alludem nos seus cantos a Portugal como tendo-o visitado, no Cancioneiro da Vaticana exis- 

i fíist. de la Poèsie provençalc, t. m, p. 369. 
i Tit. xxvi. 

• Mon. hisl., (Scriptores), t. n, p. 371. 

• Romanceiro geral porluouez, n.° 40. 

• Rathery, Influence de 1'ílalie, p. 12. 



CAP. n) TROVADORES ITALIANOS EM PORTUGAL XXXIII 

te a prova immediata de que esses cantos se repetiam em Portugal, e de que na língua 
portugueza deixaram bastantes italianismos. 

À communicação provençal por via da Itália não é um facto deduzido por provas indire- 
ctas; no Cancioneiro portuguez, de Angelo Colocci, as canções 449 e 450 pertenciam a Bo- 
nifaz de Jenoa, e pelo índice que resta apenas d'este Cancioneiro perdido se vê que o eru- 
dito possuidor confrontara estas duas canções com o manuscripto dos versos de Bonifazio 
Calvo, de Génova, que pertencia ao cardeal Bembo. Eram de Génova os marinheiros contra- 
tados para as nossas frotas, e as relações com a Itália continuaram-se de modo que de Itália 
nos veiu o almirante Pezagno, para commandar as nossas galeras. A universidade de Bolo- 
nha era frequentada por alumnos portuguezes, e era tal o saber jurídico da Itália, que mes- 
mo ainda depois de fundada a universidade de Coimbra, os nossos princi pães jurisconsultos, 
como João das Regras, eram formados na escola de Bolonha. Por outro lado, a tradição aristo- 
télica na península hispânica era tão viva por effeito dos últimos restos da cultura árabe, 
que por nosso turno influímos nas escolas italianas com as Summulas lógicas de Pedro His- 
pano. Dante colloca este porluguez no Paraíso (cant. xn) entre Sam Boaventura, Illuminato 
e Agostinho, Hugo de Sam Victor e Pedro Comestor «e Pedro Hispano, que brilha na terra 
com os seus doze livros.» 

Dante cita também na Divina Comedia o trovador Sordello, e em uma canção de João 
Soares Coelho (n.° 1021) acha-se satyrisado o jogral Picandon pelo atrevimento com que 
cantava as canções de Sordello ; o jogral defende-se, que para ser apreciado na corte deve 
saber coplas e sirvenlesios perfeitos : 

— Vedes, Picandon, sou maravilhado 
eu d'en Sordel, que ouço entençoes 
muytas e boas, ey mui boos soes 
como fuy en teu preyto tan errado; 
poys non sabedes jograria fazer 
porque vos fez per corte guarecer 
ou vós ou el dacTende bom recado. 

c João Soares, logo vos é dado 
e mostrai- vol-o-ey ca poucas razões: 
gram dereyfey de ganhar does, 
e de ser cn corte tan pregado 
como segrel que diga, mui bem vés, 
en canções e cobras e sirventés 
e que seja de falimento guardado. . . 

O nome de segrel revela-nos que este jogral é anterior à corte de D. Diniz, que apodan- 
do aquelles que só cantam na sazão da flor, nunca lhes dá este nome, que especificada- 
mente se encontra no Regimento da Casa de D. AíTonso m. 

Na linguagem de algumas canções também se encontram Uaiianismos, que fortalecem a 
prova d'esla primeira influencia litleraria; taes são Afíam, aquesto, aquisto, aval, besonha, 
cajon, cambliar, color, côr, dolçor, demandar, guarrd, gradesco, guirlanda, ledo, leger, 
mensonha, mentre, noslro, pelegnn, podestade, remanyr, toste y vergonm, etc. Por esta in- 
fluencia se pôde determinar uma das causas que levou a linguagem li Iteraria a afastar-se da 
corrente popular, e com o exercício das versões latinas a admittir um grande numero de 
vocábulos directamente tomados do latim urbano. 

No Cancioneiro da Ajuda também se deparam algumas formas poéticas, que o Mar- 
quez de Santillana dá como características da poesia portugueza, mas que hoje podemos 
provar que nos foram communicadas pela corrente italo-provençal ; taes são as formas de 
lexapren e mansobre. Diz o citado Marquez na Carta ao Condestavel : «E aun d'estes (os Por- 
tuguezes) és cierto recebimos los nombres dei Arte, assi como Maestria mayor é menor, 
encadenados, lexapren é mansobre.» A poesia provençal allemã apresenta também nos seus 
complicados artifícios as formas de lexapren e de mansobre^ introduzidas pelos trovadores 
Rudolf von Nemburg e Rudolf von Rotenburg, e Frederico Diez explica o caracter do lyrismo 
aliemão pelas viagens dos trovadores à Itália. 4 

Como exemplo do mansolrre doble, apresentamos a canção do Cancioneiro da Ajuda: 

Pêro m'cu ei, amigos, non ei neum amigo 
con que falar ousassa coita que comigo 
ei, nem ar ei a quem ous'cu mais dizer, e digo 
de mui bon grado querria a nn logar ir 
'c nunca m f end'ar viir. .. 2 



' Les Troubadours, p. 259, trad. franc. 

• Ed. das Trovas e Cantares, n.» 4, Madrid, 1849. 



£ 



XXXIV OS JOGRAES DA LOMBARDIA (GAP. IT 

A forma do lexaprm (toma e larga) é mais frequente, por isso que consiste na repetição 
do ultimo verso da estrophe servindo de primeiro da estrophe seguinte : 

Agora me part'eu muy sem meu grado 
de quanto bem oje no mund'avia, 
c'assy quer deus e mao meu pecado. 
Ay, eu, de mays se me non vai santa Maria, 
d'aver coyta muyta tenh'eu guisado, 
e rog'a deus, que mais oj'este dia 
non viva eu se m'el y non consella. 

Non viva se m'el y non consella 
non viverei, nen é cousa guisada 
ca poys non vir meu lume e meu espelho. . . l 

A corrente ilalo-provençal é também evidente no gosto dos Contos, que começaram a 
ser repetidos nos ajuntamentos palacianos. Os jograes novellistas da Lombardia, fizeram 
sentir a sua influencia em Hespanha, como se vé na Dcclaratio de Giraud Riquier, onde são 
condemnados com o nome insultuoso de Bufos: 

Hom los apel bufos 
Co fa en Lombardia, 
E silh c'ab cortezia 
Et ab azaut saber 
Se sabon cap tener 
Entre las ricas gens 
Per tocar esturmens 
E per novas contar, 
Antrus verso e cansos 
O per dautres faitz bas, 
E plazens per auzir 
Podon ben possezir 
Aquel nom de joglar.* 

trovador Ramon Vidal conta uma anedocta da vida intima da corte de AíTonso ix, por 
onde se revela o gosto communicado pelos trovadores da Lombardia nos Noellaire: «Um 
dia, el-rei AfTonso de Castella, em cuja casa reinavam a boa e regalada vida, a magnificên- 
cia, a lealdade, o valor, a destreza e o manejo das armas e cavallos, tinha em seu palácio 
uma numerosa reunião de cavalleiros e jograes. Quando a corte já estava completa, chegou 
a rainha D. Leonor, coberto o rosto com um vèo, saudou o rei e foi sentar-se a alguma dis- 
tancia d'elle. N'este momento um jogral se acercou silenciosamente do monarcha e disse : 
— Rei, imperador de valor, venho supplicar-vos me concedaes audiência. rei prohibiu que 
se interrompesse o jogral na narração que ia fazer. jogral vinha da sua terra contar uma 
aventura que acontecera a um barão de Aragão, conhecido do rei, chamado Aflbnso Barbas- 
tro. — Eis aqui, disse o jogral, a desgraça em que o precipitaram os seus zelos. jogral 
contou então a desgraça do barão aragônez e o rei disse-lhe: — Jogral, tuas fabulai são 
agradáveis e formosas, e tu serás bem recompensado ; mas para te mostrar quanto me sa- 
tisfizeste, quero que d'aqui em diante lhe chamem em minha corte El celoso castigado. — 
Quando o rei acabou de fallar, não houve na corte barão, cavalleiro, infanção ou donzella 
ou pessoa alguma que se não manifestasse encantada e satisfeita de taes fabulas, e que, 
elogianda-a, em altas vozes não manifestasse desejos de aprender de cór El celoso castiga- 
do.»* Este monarcha tão apreciador da forma de Noellaire era também poeta, e como acima 
vimos teve relações com a corte litteraria de Portugal. Sabendo-se a communicação dos 
Árabes com a Lombardia, e como foram os Árabes os propagadores na peninsula dos Contos 
orientaes, a forma de Noellaire nos revela como os jograes acharam este veio tradicional 
que recebeu em Hespanha um grande desenvolvimento litterario. A influencia árabe tem 
duas manifestações, uma erudita sobre as classes illustradas, que abraçaram os requintes 
exteriores da sua civilisação ; outra popular, que se descobre ainda nos costumes Íntimos, 
como os cantos do Fado (Huda), entoados á guitarra (quitara), ou as velhas aravias herói- 
cas, as imprecações como Oxalá (Inschallah), emfim o culto de Mahomed em S. Mamede, e 
as designações de officios industriaes com Alvener, Alfaiate, Alfageme, Calafate, Alveitar, 
etc. Das relações com a sociedade árabe apresentam os Cancioneiros numerosos vestígios 
históricos, sobretudo referindo-se ás lutas desesperadas da reconquista. As relações com as 
camadas populares já ficaram estudadas no nosso livro das Epopéas mosarabes. 

;ibid. f n.° 114. 

, Àp. Diez, Troubadours, p. 409. 
MiUot, Hisl. des Troubadours, t. m, p. 296. 



4 



GAP. li) AS ORDENS DE CAVALLERI<V XXXV 

A prova mais positiva da influencia dos árabes sobre a fidalguia da peninsula é a crea- 
pão da Ordem de cavalleria religiosa. 1 Antes da existência das Ordens dos Templários e 
Hospitalarios na Europa, já os árabes andalusianos tinham a ordem dos Rabitas, que viviam 
com uma austeridade cavalheiresca sobre a fronteira christã, no duro mister das armas sup- 
portando com constância todas as fadigas. António José Conde foi o primeiro que determinou 
as origens da cavalleria christã. Grande parte dos cavalleiros christãos sabiam fallar a ara- 
via ou linguagem vulgar dos árabes, como Martim Moniz, que esteve na conquista de Santa- 
rém. Á maneira dos Árabes, com quem D. Aflbnso Henriques chegou a combater sob a ban- 
deira do Koran, fundou este monarcha a Ordem da Ala em 1 167, em memoria da conquista 
de Santarém, e a Ordem de Avis, ou Ordem nova. Os cavalleiros obedeciam a votos reli- 
giosos, juravam morrer pela defesa da fé, e protegerem as esposas e viuvas. Em uma can- 
ção de Gonçalo Eanes do Vinha), (n.° 1003), allude-se a este ultimo dever chasqueando dos 

Hospitalarios : 

Unha dona foy de pram 
demandar casas' e pam 
da ordin de Sam Joham, 
con minguas que avya; 
e digo-vos que lh'as dam 

quaes (Telas queria. . . 

i 
Estas protegidas tinham o nome de Dona ãOrdym como se pôde ver por uma rubrica 
do Conde de Barcellos, (n.° 1040) allusiva a uma senhora pouco recatada. Se confrontarmos 
com a exaltação cavalheiresca estes costumes íntimos e o estado da crença do século xn, 
vemos que as desmedidas ambições do papado haviam espalhado entre todos os povos um 
grande scepticismo religioso, que não podia produzir aquellas virtudes das Ordens novas. 
Nas canções dos trovadores achara-se ásperas sirventes a estes mantenedores da fé e da re- 
conquista: 

non pararam os do SpitcU 
- de melhor morte a lide com besonha. (n.° 1157.) 

Uma canção de escarneo do Conde Dom Pedro «foy feda a um Meesire & Ordin, de 
cavalaria, por que havia sa barregàa. . .» (n.° 1039.) Uma canção de João Soares Coelho 
verbera acremente os Hospitalarios : 

— Pêro MartiiSj ora por caridado 

vós, que vos teedes por sabedor, 

dizede-mi quen é Commendador 

en o Espital ora da escassidade; 

ou na franqueza, ou quen no forniz, 

ou em quanto mal sse faz e diz 

se o sabedes dizede verdade... (n.° 1020.) 

A dissolução provinha da egreja pela independência politica dos bispos, e pela inter- 
venção ardilosa do papado. Frederico ir, imperador da Allemanha, insurgiu-se contra 
Roma em 1 238, e este facto chegou a produzir ecco nos nossos trovadores, como se vé 
por esta canção de João Soares Coelho, escripta depois de 1240, como o prova a allusão aos 

Tártaros : 

Joham Fernandes, o mundo é tornado 
e de pram cuydamus que quer flir, 
vemol-o o Emperador levantado 
contra Romã, e Tártaros viir; etc. (n.° 1013.) 

Esta sirvente é de uma profunda ironia. A creação das Ordens foi uma necessidade de 
disciplina, submettendo o génio guerrilheiro ao ascetismo. A idéa politica da resistência fez 
com que se abraçasse dos Árabes uma instituição que os tornava invencíveis, e que ia sub- 
mettendo todo o sul da Europa ás raças que vinham do deserto. 

A canção 578 de Pêro da Ponte, celebra o triumpho do cerco de Valença, por D. Jayme i, 
rei de Aragão, em 1238. monarcha procedeu n'esta conquista com um resto das virtudes 
cavalheirescas que se extinguiam ; o emir de Valença propoz a entrega e o rei acceitou-a se- 
cretamente, porque os seus nobres queriam tomal-a á força para terem direito de exercer 
uma depredação selvagem. rei conhecia-os e assignou o tratado de rendição, de modo 
que quando os arcebispos e nobres souberam as condições pacificas da evacuação torna- 

• Fauriel, llist. de la Poésie provençale, t. m, p. 318. 



XXXVI REFERENCIAS DOS TROVADORES Á RECONQUISTA . " (CAP. H 

ram-se fulos de raiva, como diz a velha chronica. Tal é o sentido da sirvente de Pêro da 

Ponte : 

O que Valença conquereu 
por sempre mays Valença aver, 
Valença se quer manteer, 
e sempre Valença entendeu, 
e de Valença é senhor 
poys el mantém prez'el cór 
e prés Valença por valer...** 

Rey (TAragon, rey de bon sen 
rey de. prez, rey de todo ben, 
est o rey d'Aragon de pram. (n.° 578.) 

A ambição clerical, que D. Jayme sofreou na conquista de Valença, veiu provocal-o a pas- 
sar á Itália para defender os estados do papa contra o imperador Frederico n. O papa Gre- 
gório ix exigia-lhe pelo direito de suzerania sobre o reino de Aragão, que Jayme i passasse 
á Itália a dcfendel-o; felizmente o cerco de Valença embaraçou-o (Testa nova aventura. Em 
uma sirvente do trovador portuguez João Soares Coelho (n.° 1013) existe o ecco vago da 
impressão que produziu na península a luta de Frederico n com o papa, e isto nos fixa a 
época em que florescia este trovador. 

A conquista de Valença produziu entre o povo um desenvolvimento de poesia heróica, e 
ainda no tempo de Gil Vicente cantava-se em Portugal o romance Guaij Valencia y guay Va- 
lência. 1 -v 

Na poesia dos trovadores e dos jograes acha-se o reflexo da vida histórica das naciona- 
lidades da Península; uma canção de Pêro da Ponte (n.° 573) refere-se ao principio do rei- 
nado de Fernando in o santo, pelo ardil de sua mãe D. Berenguella restituido á coroa de Cas- 
tella. Fernando m também por influencia de sua mãe casou com D. Beatriz de Suabia, filha 
do imperador Filippe; a canção de Pêro da Poute celebra o fallecimento doesta rainha em 

1236: 

En forte ponto et em forfora 
fez deus o mundo, poys non leixou hi 
nenhun conbort' e levou d'aqui 
a boa Rainha que ende fora 
dona Beatriz, direy-vos en qual 
non fez deus outra melhor, nem tal 
nem de bondade par non lh'acharia 
home no mundo, par sancta Maria. (n.° 573.) 

D'este casamento ficara, alem de outros filhos, o grande trovador Aflbnso o Sábio, que, 
por occasião da morte do imperador Guilherme de Hollanda, queria fazer prevalecer os seus 
.direitos sobre a Suabia por parte de sua mãe. Ao segundo casamento de Fernando o Santo, 
em 1238 com Joanna de Ponlhieu, segunda sobrinha de S. Luiz, referera-se as canções 999 
e 1008 de Gonçalo Eanes do Vinhal, que adiante analysaremos. Fernando m, considerado 
pelo seu ardor religioso nas cruzadas contra os mouros da península, como o S. Luiz hespa- 
nhol, nos seus ímpetos selvagens tinha um único pensamento, o libertar o solo do domínio 
árabe; por onde passava ficava a ruina e a devastação das colheitas e dos arvoredos ; o solo 
tornava -se secco e estéril, mas era assim que extinguindo a civiiisação, a industria e a agri- 
cultura dos árabes, prestava homenagem á sua fé. A táctica era apenas a razzia desespera- 
da. Pela entrega de Jaén a Fernando m, o caminho de Sevilha e de Granada ficava aber- 
to á conquista. Fernando seguiu-o no seu fervor. Em duas canções de Ruy Martins do Ca- 
sal, ali u de se às algaradas que precederam a occupação de Granada, que pelo reconheci- 
mento da suzerania de Fernando nr , se conservou árabe até ao reinado de Fernando e Izabel : 

Rogo-te, ay amor, queyras migo morar 
tod'este tempo em quanto vay andar 
a Granam meu amigo 1 (n.° 765.) 

Em outra canção repete-se o facto das expedições contra Granada no refrem : 

Muyt'ey, amor que te gradescer, 
porque quizeste comigo morar 
e non me quizeste desemparar 
ata que vem meu lum'e meu prazer, 
e meu amigo que se foy andar 
a Granada, por meu amor lidar. 

1 Romanceiro geral português, n.« 35. 



I 



GAP. n) CONQUISTA DE SEVILHA XXXVII 

Em uma canção de Pêro Barroso (a.° 1 056) falla-se jà da posse pacifica de Granada : 

Pêro non vos custou nada 
mha yda nem mha tornada, 
gradades com mha espada 
e com meu cavailo louro 
bem da villa de Granada 

tragu' eu o ouro £ o mouro. . . 

Conquistada Granada, seguia-se fatalmente Sevilha; começou o cerco na primavera de 
1247 ; os pregadores incitaram do púlpito esta nova cruzada, e a ella além de toda a fidal- 
guia da península acudiu o infante D. Pedro de Portugal, senhor de Mayorca e cunhado do 
rei de Aragão. 1 Pêro da Ponte canta em uma das suas canções esta emprçza gloriosa: 

O muy bon rey que conquis a fronteyra 
se acabou quanto quiz acabar, 
e que se fez com rasao verdadeyra 
todo o mundo temer e amar; 
este bom rey de prez valente fis, 
rey dom Fernando, bon rey que conquis 
terra de mouros bem de mar a mar. 
A quem deus mostrou tam gram maravilha 

ue ja no mundo sempr v am que dizer 

e quam bem soube conquerer Sevilha 
per prez, per esforço e per valer; 
e da conquista mays vos contarey, 
non foy no mundo emperador nem rey 
que tal conquista podesse fazer.. . (n.° 572.) 

Na Chronica general, de A Afonso x, descrevem-se as maravilhas de Sevilha como nunca 
vistas nem dentro nem fora de Hespania: «A sua belloza e opulência tem fama por todo o 
mundo, poys contém mais de cem mil quintas de recreio, e as portagens produzem uma 
renda incalculável.» Pêro da Ponte repete esta mesma admiração geral: 

Non sey ôj'me tam bem razoado 

3ue podesse contar todo o bem 
e Sevilha, e por end'a deus grado 
já o bom rey em seu podel-a tem-, 
o mays vos digo em todas trez las Leys 
quantas conquistas forom d'outros reys 
após Sevilha todo non foy rem. 

As trez Leys são aqui a synthese da historia antiga e moderna subordinada ao critério 
religioso, a lei pagã, a lei mosaica e a christã. A posse de Sevilha terminava a conquista de 
toda a Andalusia, e o trovador proclama-o com enthusiasmo: 

Mayl o bom rey que deus mantém o guya, 
e quer que sempre faça o melhor, 
este conquis bem a Andalusia 
e non catou hi custa nem pavor . . . 

A entrega de Sevilha fez-se a 23 de novembro de 1248, em dia de S. Clemente, como 

observa o trovador : 

E des aquel dia que deus naceu 
nunca tam bel presente recebeu 
como dei recebeu aquel dia 
dt Sam Clemente, em que se conquereu, 
e em outro tal dia se perdeu 
quatro centus e notfannos avia (n.° 572.) 

Em outras canções conserva-se a impressão d 'esta cruzada a que concorreram o joven 
Afonso com o exercito que conquistara Murcia, os infantes D. Affonso de Aragão e D. Pedro 
de Portugal, Lopes de Haro com as tropas da Biscaia, os gallegos capitaneados pelo Arcebis- 
po de San Thiago e as milicias concelhias de Gastella ; * a canção 52 0, de Ruy Fernandes, inspi- 

ra-se d'estrfervor popular : 

t Madre, quer ojeu yr veer 
meu amigo, que se quer hir 
a Sevilha el rey servir... 

Rosseew Saint-Hilaire, Hist. d'Espagne, t. rv, p. 141. 
Rosseew Saint-Hilaire, op. cit. y p. 149. 



XXXYIII O TROVADOR AFFONSO O SÁBIO (CAP. H 

A Sevilha se vay d'aqui 
meu amigo por fazer ben, 
ir-lo-ey veer por en, 
madre, se tos prouguer d v ir y... 

Depois de oito annos de guerras pela Andalusia, e de esgotamento pelas razzias constan- 
tes em que andara, Fernando iu consuraia-se com uma hydropesia lenta, e falleceu a 30 
de maio de 1254. trovador Pêro da Ponte exaltou q seu passamento, não se esquecendo 
de saudar o successor Affonso x : 

Que bem se soub'acompanhar 
nostro senhor esta sazon, 
que filhou tam bom companbon 
do qual vos eu quero contar, 
Rey don Fernando tam de prez 
que tanto bem no mundo fez 
v e que conquis de mar a mar. . . (n. 574.) 

Affonso x, que mereceu dos seus contemporâneos o nome de Sábio, pelo desenvolvimen- 
to que deu às sciencias e à poesia, tornou-se digno herdeiro de Fernando sob este ponto de 
vista. Como poeta sonhava também conquistas phantasticas, e aspirava ao império da Alie- 
manha. trovador Pêro da Ponte exalta -o : 

Mays hu deus per a si levar 
quis o bom rey, ni logu'enton 
se nembrou de nós, poyl-o bom 
rey Dom Affonso nos foy dar 
por senhor, e bem vos cobrou, 
ca se nos bom senhor levou, 
muy bom senhor nos foy leixar. 



Mavs façamos tal oracom 
que deus que prés mort e paixom 
o mande muyto bem reynar. (n.° 574.) 



É esta a única referencia que se encontra no Cancioneiro da Vaticana ao trovador Af- 
fonso x, cuja corte se tornou um centro litterario. É tambçra nos primeiros annos do reinado 
de D. Affonso ni que começa uma éra nova para a poesia portugueza; como adiante vere- 
mos, as relações de parentesco e politicas entre estes dois monarchas influíram no curso da 
historta portugueza. Affonso m, como ardiloso, conseguiu tudo o que pretendeu do monar- 
cha de Castella, e o desenvolvimento que deu à poesia provençal na sua corte seria também 
ou para lisonjeal-o ou para competir com elle. Com o apparecimento de D. Affonso ni come- 
ça a vida popular ou dos concelhos, apesar d'elle ter recebido o throno de que seu irmão 
foi espoliado, pelo arbitrio das facções clerical e aristocrática. Affonso ni comprehendeu este 
poder novo que despontava na sociedade moderna, e fortaleceu-o defendendo-se com elle. 
O habito das algaradas convertera os fidalgos em bandidos, e acabada a conquista, e não 
tendo em que se occupar seria impossível organisar sobre bases moraes e jurídicas a socie- 
dade moderna. 

Ao passo que a cavalleria religiosa substituía o costume da velha cavalleria feudal, da 
defeza do fraco contra o forte, a nobreza fazia justiça por suas mãos com legitimidade des- 
de que avisasse o seu inimigo com dez dias de antecedência; defendia-se em duello ou com- 
bate judiciário, tinha a prova das façanhas, e à medida que faltavam os árabes para comba- 
ter, atacava os burgos e as povoações ruraes. Foi então que se formou a liga dos fracos 
contra os fortes, liga que tornou os villãos em Terceiro estado. Esta liga foi pela primeira 
vez estabelecida pelos habitantes de Aiusa e Sobrarbe, com o titulo de Hermandad, para se 
defenderem contra os abusos da aristocracia que se associara aos bandidos aragonezes ; as 
Hermcmdades foram uma imitação da liga das cidades do Rheno para a paz publica estabe- 
lecida em 1247;* mas estavam nos costumes peninsulares, como vestígios da organisação 
social germânica. 

Na canção n.° 37, verso nono, enconlra-se uma palavra que não introduzimos na nossa in- 
terpretação, mas que aqui conservamos, para ser admittida no caso de uma justa demon- 
stração histórica ; eis o verso : 

como outras arllotas vivem na razom. . . 
» Rosseew Saint-Hilaire, fíisl. d'Espagne, t. iv, p. 163. 



GAP. Ill) AS IRMANDADES £ AS GARANTIAS POPULARES XXXIX 

Nas poesias dos trovadores encontra-se frequentemente a palavra arlot, significando ho- 
mem folgazão : 

Ni arlot, ai joglar 
Que lay vuelha contar. 1 

No poema sobre a Cruzada contra os Albigenses, do século xm, os arlots representam 
a canalha, os maltrapilhos que também tém o seu rei, como a ribaldaria : 

Le Reys e li arlot cuieren estre gais 
deis avers qu'an prés.'. . 

Esta palavra subsiste como vestígio da tradição germânica na primitiva organisação social 
da Península. nome de Arimama e Arimcm, que na lingua hespanhola se conserva em 
germania, hermandad, liga-se ao sentido politico da palavra arlot, porque na decadência da 
classe dos homens livres, apparece com frequência Arm-leute, (o ariman confundido com 
o leude) e de que arlot é um apagado vestigio. Não nos admira que no momento em que as 
hermandades renasciam com um certo vigor, a tradição do arm-leute reapparecesse já de- 
gradada e semf intuito nas reuniões dos arlotes. 

As Hermandades tornaram-se um poderoso elemento de ordem na península, mas algu- 
mas vezes foram cúmplices dos crimes da realeza, fim uma canção de Ayras Nunes, as Her- 
mandades são também envolvidas no quadro da corrupção geral; 

Porque no mundo meneou a verdade 
punhei um dia de a hyr buscar, 
et hu per ela fuy preguntar 
disseram todos : — Alhur a buscade ; 
ca de tal guysa se foy a perder 
que non podemos en novas aver 
nem já non anda na Yrmaydade. (n.° 455.) 

As Irmandades tinham como norma o recusar abrigo aos malfeitores, resolverem as 
suas questões pelo julgamento dos tribunaes; estas ligas tornaram-se um elemento de or- 
ganisação civil ; o sino da sua egreja é que as convocava, e debaixo das carvalheiras do 
adro se davam as sentenças. sino era para o burgo da edade media como o canhão moder- 
no, e em uma canção do tempo de D. Affonso ih encontra-se um anexim velho que pinta es- 
ta força moral : 

Qual ric'omen tal vassalo, 

qual Concelho tal campana. (n.° 1082.) 

Tudo isto nos indica estarmos chegados a uma éra nova da vida moderna, caracterísada 
pela elevação do proletariado a povo. rei D. Affonso m comprehendeu esta necessidade 
da vida social e deu Foraes a todas as povoações do reino, redigindo por escripto os seus 
direitos consuetudinários. A canção 1 080, de D. Affonso Lopes de Bayam, parodiando o estylo 
das Gestas francezas, é o retrato grotesco da cavalleria representada em D. Velpelho (Vulpe- 
cula, ou Golpelha, a raposa) o Renard da epopéa burgueza do flm da edade media. A poesia 
dos trovadores, que tinha apostolado a causa da liberdade humana, no sul da França e na 
Itália, ao ser propagada deste ultimo paiz a Portugal, trouxe-nos esse sentimento que pro- 
vocou o reconhecimento das garantias populares. 



CAPITULO III 
A POESIA PROVENÇAL NA CORTE DE D. AFJFONSO IH 

(PERÍODO LIM0S1N0. 1246-1279) 

Portugal recebeu muito cedo o novo canto do amor, escutou-o com prazer, mas não o pôde 
repetir emquanto as lutas para a constituição da nacionalidade não permittiram os ócios da 
carte, nem a passividade do sentimento. No emtanto já vimos os monumentos que attestam 
a nossa communicação com os trovadores desde o reinado de D. Affonso Henriques até 
D. Sancho n. De 11 12 a 1245 muitos trovadores provençaes vieram a Portugal; a romaria 

' Raynouard, Choix, t. v, p. 43.— Vid. adiante, p. xlvi, not. 3. 



XL O POEMA DE KUDRUN E UMA PRINCEZA PORTUGUEZA (CAP. Hl 

a S. Thiago de Gompostella tornara a Galliza o centro onde concorriam os jograes ; e 09 seus 
portos, bem como os de Lisboa e do Porto eram o ponto onde aflerravam as armadas dos ca* 
valleiros que iam para a cruzada da Palestina. Portugal ainda não estava organicamente 
desmembrado da Galliza ; a separação era uma phantastica divisão politica, e pela imitação 
da constituição municipal da Itália e pela vinda de uma princeza italiana para Rainha de Por- 
tugal, começou uma elaboração poética entre as famílias nobres, effeito da fascinação do 
gosto dominante da época. As provas da actividade rfesse período são na maior parte indi- 
rectas. A verdadeira expansão da poesia provençal, que acordou o génio dos trovadores por- 
tuguezes data do Dm do reinado de D. Sancho n; durante uma parte d'este reinado seu ir- 
mão D. Affbnso frequentou a corte franceza de S. Luiz, onde floresciam bastantes trovado- 
res ; com o infante portuguez refugiaram-se em França numerosos fidalgos das famílias dos 
Porto-Carreros, Nobregas, Valladares, e é d'estas famílias que saíram os nossos principaes 
trovadores. Do reinado de D. AíTonso m a D. Diniz, de 1245 a 1279 decorre o período da 
maior fecundidade dos trovadores portuguezes, e a escola provençal portugueza despren- 
dendo-se da imitação limosina e inspirando-se de formas tradicionaes gallezianas, torna-se 
moda em todas as cortes christãs da Península. Este capitulo é destinado a historiar esta 
época brilhante do desenvolvimento da nossa sociedade e da poesia, que mutuamente se 
influenciaram e que ainda hoje se explicam uma á outra. N'este período os factos e as pro- 
vas são positivas, directas e immediatas ; os Nobiliários são o commentario indispensável 
dos Cancioneiros. 

A poesia provençal não podia achar grande desenvolvimento na corte de um rei sempre 
occupado nas guerras da fronteira com os árabes, e nas dissensões internas contra o clero 
e a fidalguia, e principalmente em uma corte onde não havia damas, porque D. Sancho n 
esteve até aos trinta annos solteiro. Se o monarcha olhava para o que se passava nas cortes 
estrangeiras era para acompanhar as intrigas dos seus bispos com o papa, e dos seus fidal- 
gos junto do príncipe D. Aflbnso. Os seus exaltados amores por D. Mecia Lopes de Haro fo- 
ram atormentados pela malevolencia da fidalguia que olhava aquelle casamento com inve- 
ja, calumniando-o em vez de celebral-o com canções trobadorescas. A destituição de D. San- 
cho n pela nobreza e pelo clero, e a repentina creação de immunidades foraleiras são uma 
prova de que o monarcha portuguez foi victima de uma reacção de classes que não queriam 
que o povo tivesse direitos como as Hermandades aragonezas, nem que os judeus servissem 
cargos públicos, nem que os impostos fossem de encontro aos seus privilégios. N'esta lula 
o infante D. Aflbnso retirou -se para França acompanhado de alguns fidalgos das famílias 
mais influentes do reino que o monarcha destituirá com a nova ordem de cousas que inau- 
gurara. Por occasião do casamento da princeza D. Leonor, irmã de D. Sancho n com o príncipe 
Waldemar da Dinamarca em 1229, aproveitaria o ambicioso Affonso, que se tornou chefe 
dos descontentes para desthronar seu irmão, ensejo para sair sem desconfiança de Portugal. 
As festas do casamento foram celebradas em Ripen com uma pompa que ficou proverbial. 
No celebre poema Kudrtm, falla-se em uma princeza portugueza; este facto seria sem im- 
portância e por assim dizer casual, se a edade do poema e os factos da historia portugueza 
não fossem conformes. poema de Kudrun recebeu a forma com que hoje é conhecido no 
século xiii. pae de Kudrun é o rei Ueltel, que tem vassallos na Dinamarca; na historia por- 
tugueza vemos que o rei da Dinamarca Waldemar n casou em segundas núpcias com Beren- 
garia, irmã do monarcha portuguez Aflbnso n; tendo um filho de sua primeira mulher Mar- 
garida de Bohemia, escolheu para esposa do successor do seu reino a infanta D. Leonor, so- 
brinha de sua mulher e irmã de D. Sancho n. 4 casamento da infanta celebrou-se em 1229, 
justamente quando estava em elaboração o poema de Kudrun; mas em 1231 a mimosa 
planta do occidente morreu nos rigores dos frios do norte e com ella também o seu joven 
esposo. É crivei que a ambiciosa Berengaria trabalhasse para que o throno pertencesse a 
um dos seus três filhos; Herculano chega a dizer que Berengaria era «appellidada a orgu- 
lhosa nas Canções populares.)) Aqui temos um elemento que entrou por certo na corrente 
da impressão tradicional da epopéa germânica. Depois do facto histórico comprehender-se- 
ha o sentido do episodio do poema de Kudrun; Heltel, rei de Irlanda, mandou a Hagentres 
embaixadores para lhe pedirem uma filha em casamento. Ilagen era conhecido pela antono- 
másia de selvagem e espanto dos reis (der wilde, Valant der Kunige); em criança fora arre- 
batado de casa de seu pae por um hypogrypho e levado para uma ilha deserta; prestes a 
ser devorado por um d'estes monstros que o empolgaram, quebrou-se o ramo em que esta- 
va poisado, e Hagen escapando-se por entre os arbustos, chegou a esconder-se dentro de 

1 Herculano, fíisL de Portugal, t. n, p. 298. 



CAP. m) ARISTOCRACIA PORTUGUEZA EM FRANÇA XLI 

uma caverna. Lá dentro encontrou três princezas, que também haviam escapado da morte , 
a primeira era da índia, a segunda era princeza de Portugal, e a terceira da Irlanda. Hagen 
cresceu em forças junto com ellas, até que chegou a libertal-as, destruiu os gryphos e ficou 
senhor da ilha. Vencendo a equipagem de um navio que aportara à ilha, pôde a final re- 
gressar à Irlanda, sueceder no reino de seu pae e casar com a princeza da índia. D'este ca- 
samento teve Hagen uma filha chamada Hilde, que é a que os três embaixadores foram pe- 
dir ao violento rei para Hettel. A princeza de Portugal acompanhou Hagen para a corte de 
Irlanda, e depois foi no séquito de Hilde ; o seu nome era Hildburg, e foi também amiga de 
Kudrun, chegando a casar com um dos seus pretendentes. 1 Mas no século xin era a França 
a grande sybilla que fascinava o mundo com os seus cantos. 

Seria talvez por occasião do casamento de sua irmã, que D. AfTonso iria para a corte de 
seu primo Luiz ix, attrahido pelos cálculos de interesses de familia que sua tia Branca de 
Gastella tão bem sabia urdir. Muitos dos fidalgos que o acompanharam para França foram 
pães de trovadores portuguezes, como Pêro Ourigues da Nóbrega, pae do trovador D. João 
de Aboim, como os da familia dos Valladares, d'onde provém os trovadores Estevam Annes 
de Valladares e Rodrigo Annes de Valladares. D. Affonso correu as suas aventuras de armas 
fora de Portugal, porque só veiu a ser armado cavalleiro em Melun ; a estas festas assisti- 
ram vinte menestréis, a quem Luiz ix pagou com cincoenta livras. Na corte de S. Luiz ti- 
nham então os trovadores uma grande influencia; elles incitavam por meio de canções o 
ardor do monarcha para a cruzada. D. Affonso obedeceu a este poderoso meio, cultivando 
também a poesia, como se deprebende de uma nota de Bembo no índice do Cancioneiro per- 
dido de Colocci. 

Documentos positivos da estada do infante portuguez em França só se encontram a con- 
tar de 1238; é d'este tempo em diante que principia a maior cultura da poesia -trobadores- 
ca entre a aristocracia portugueza por meio da familia dos Nobregas, dos Sousas e dos Val- 
ladares. A poesia provençal da corte de D. Affonso in, (1245-1279) apresenta provas ma- 
teríaes e immediatas da influencia franceza do norte, resultado da convivência na corte de 
S. Luiz. Diez sustentava que no Cancioneiro da Ajuda não ha vestigio de imitação ou pla- 
giato das canções da língua d'oc ; outro tanto se não pôde dizer da lingua d'oil. No Cancio- 
neiro da Ajuda, em uma canção anonyma acha-se um estribilho ou refrem em francez, si- 
gnal da sua muita popularidade : 

Dizer vos quero hQa rera, 

senhor que sempre bem quige: 

Or sachaz veroyamen 

que ie soy votre home-lige *. 

Em Portugal não houve o feudalismo puro, e portanto a designação de home-lige cara- 
cterisa uma instituição franka ; o trovador portuguez que usava esta palavra como galante- 
ria estava por certo lembrado dos novos usos formulados nos Assentos de Jerusalém, prati- 
cados na corte de S. Luiz. A comparação da fidelidade do amante á do home-lige apparece 
uma vez em um trovador que viveu na Normandia e no norte da França, Bernard de Ven- 
tadour: «Oh cara dama, eu sou e serei sempre vosso escravo, posto ao vosso mando; eu 
sou vosso servo e vosso home-lige.» 3 Esta palavra aceusa uma impressão local. 

Em 1238 D. Affonso casou com a Condessa de Boulogne, Mathilde, viuva de Filippe Hu- 
repel, nora de Filippe Augusto ; o motivo deste casamento explica bem como o desenvolvi- 
mento da poesia provençal deve começar a contar-se desde Affonso m. casamento foi de- 
vido à suggestão de sua tia Branca de Castella, mãe de S. Luiz, que ao conhecer o caracter 
do infante portuguez não hesitou em conflar-lhe o destino da viuva de seu cunhado. Branca 
de Castella era increpada pelos barões francezes de ter envenenado seu marido e de accei- 
tar os amores do celebre trovador Thibaut, conde de Champagne. barão feudal não se atre- 
via a fazer sentir a sua paixão â astuta rainha ; aconselharam-lhe para allivio da tristeza que 
compozesse canções provençaes. Em companhia de Gace Brulé, o conde de Champagne nos 
seus castellos de Previns e de Troyes, escrevia as ainda hoje celebres poesias do rei de Na- 
varra, cujo reino herdara de seu irmão. A estes costumes da corte franceza assistia o in- 
fante D. Affonso e os fidalgos que o acompanharam ; por occasião do casamento de Luiz ix, 
filho de Brapca, com Margarida de Provença, filha de Raymundo Beranger, em 1234, a poe- 
sia da lingua d'oc tornar-se-ia inevitavelmente uma moda (Taquella regência exaltada de 
mysticismo. As canções de Thibaut referiam-se a uma amante sempre oceulta, sempre es- 

' Bossert, La Lilieralure allemande au Moyen-Âge, p. 119. 

■ Ed. Trovas e Cantares, n.° 140.— Diez, líber d\e ersle poríugiesische Kunst und Hofpoesie, p. 29. 
Raynouard, Choix, etc , t m, p. 87. 



XLII A LIDE DO PORTO (GAP. m 

quiva, e nunca adoçando as magoas profundas do trovador que a adorava. É este sentimen- 
to o que predomina no maioria das canções do Cancioneiro da Ajuda e em uma grande 
parte do Cancioneiro da Vaticana As Grandes Chronicas de S. Denis retratam os amores 
de Tbibaut com mais clareza â , mas o impossível diante do amor orientou o modo de sentir 
dos nossos trovadores, em quanto não abraçaram a tradição lyrica galleziana. 

As canções populares chamavam Branca de Castella Dame Hersent, nome da mulher do 
Renard, do romance satyrico da burguezia. Antes do infante D. Affonso sair de Portugal 
para França dera-se a revolta dos Barões, que pretendiam desthronar Luiz ix ainda criança, 
para darem o throno ao senhor de Coucy. conde de Boulogne era apparentemente do par- 
tido de Branca e da regência, mas tinha ligações secretas com os barões. Foi este o motivo 
da sua morte; diz Filippe de Mouskes, na Chronica rimada: 

Filippes, li cuens de Boulogne, 
Entrepri9t moult celle besogne, 
Et dist que li cuens de Campagne 
Qui et tous lea barons desdagne, 
Et s'avait son frère empuisnet 
Le roi Loeys, e laissait 
Mauvaisement à Avignon 
Et fait en avait traison 2 . 

Branca de Castella quiz vingar-se d'esta traição contra seu filho, e os cantos populares 
accusam-na da morte de Filippe, conde de Boulogne : 

S'ant furent dolants li François, 
Cevaliers, bourgeois et vilain 
Et trestous li pais à plain; 
Mais la reine en fu blamé 3 . 

A morte de Filippe foi em 1234 ; quatro annos depois o infante D. Affonso servia de in- 
strumento nas mãos (festa mulher, que o casava com a condessa viuva ; costumada a con- 
spirar contra os Barões, Branca de Castella seria a primeira a coadjuvar D. Affonso e os seus 
fidalgos para destituírem D. Sancho n, seu irmão. Este favor de asylo na corte franceza fez 
recrudescer a audácia do clero e da fidalguia contra D. Sancho n. Em 1242 o infante D. Af- 
fonso fizera bravuras inauditas na batalha de Saintes, travada entre Luiz ix e Henrique in 
de Inglaterra. Os chronistas Nangis, Joinville e Matheus de Paris mostram o infante portu- 
guez como o primeiro que rompeu os esquadrõesinglezes. 4 As suas bravuras eccoaram por certo 
em Portugal, e isto não deixou de influir na decisão dos conspiradores, que em 1244 e 1245 
se mostraram mais altivos contra D. Sancho n, vindo os bispos e os fidalgos ás mãos na ce- 
lebre batalha chamada a Lide do Porto em Gaya, que na linguagem syncretica dos Nobi- 
liários serve de ponto de partida para computar a época a que pertence um facto ou um 
nobre, como vemos ao fallar-se do trovador Abril Peres. 

A contar da Lide do Porto, (1245-1246) revolução clerical e aristocrática que precedeu 
a deposição de D. Sancho n, uma grande parte da fidalguia agrupou-se em volta de D. Af- 
fonso; o clero junto do papa tramava para a destituição do monarcha pelos meios do direi- 
to canónico, o instrumento de todas as infâmias nas famílias e nas dynastias, capa dos cri- 
mes, porque em vez da rasão e da justiça seguia o escrúpulo e a casuística. Declararam-se 
a favor de D. Affonso os membros da família dos Pereiras, Raymundo Viegas de Porto Car- 
rero, o que roubou ao monarcha D. Mecia do próprio leito para evitar que tivesse filhos que 
viessem prejudicar os direitos de seu irmão, Rodrigo Sanches, tio do rei, Abril Peres, que 
esteve na lide do Porto em Gaya, os fidalgos da linhagem dos Valladares, dos Mellos, de 
Bayão, e Rui Gomes de Briteiros. Bispo D. João Viegas de Porto Carrero foi a França pa- 
ctuar com o Conde de Bolonha, e depois foi ao papa buscar as absolvições para os per- 
juros. Era chegado o momento para o golpe ; redigiram-se as queixas que serviriam de funda- 
mento para a deposição fulminada pelo papa Innocencio iv; D. Affonso esperou um pretexto 
para entrar em Portugal sem suspeita; Luiz ix projectava uma cruzada em 1246; o conde 

1 *D'illec se partit tout peosif, et lui venoit souvent en remembrance le doux regard de la reine et sa 
belle cootenance. Lors si entroit dans son coeur la douceur amoureuse: mais quand il lui souvenoit qu'eile 
etait si haute dame et de si dame et de sa bonne renommée, et de sa bonne vie et nette, si muoit sa douce 
peosée en grande tristesse.» 

* Ap. Leroux de Lincy, Ohants historiques, 1. 1, p. 158. 

* Mouskes, Chr. rimíe. t. ir, p. 576. 
Herculano, HisL de Portugal, t. ih, p. 382. 



GAP. Ill) SIHVENTE CONTRA OS TRAIDORES A D. SANCHO II XLIII 

quiz acompanhal-o e veiu por mar n'esse mesmo anno desembarcar em Lisboa. 4 Entregaram- 
lhe os castellos, violando a fé jurada a D. Sancho u, Gonçalo Perez, commendador de Mer- 
lola, Martim Fernandes, Mem Calvo, Sueiro Gonçalves Bezerra, e outros muitos Alcaides. 
Esta torpeza aristocratico-clerical deixou na litteratura portugueza um ecco de indignação, 
que ainda resôa através dos séculos 1 É a canção 1 088 «de mal dizer dos que deram os cos- 
tellos como non deviam, ai rei don Affonso.» Esta canção é a pagina mais viva da nossa 
historia ; ella illuminará o que os documentos ofDciaes cal 1 aram. D. Sancho n debalde pro- 
curou auxilio em Affonso o Sábio, ainda infante, mas o trovador anonymo da canção 1088 
pendurou para sempre os traidores. A canção enumera os alcaides que se venderam, e os 
que foram illudidos pelo legado do papa : 

Non ten Sueyro Bezerra 
que tort'é en vender Monsanto... 

E poren diz que non fez torto 
o que vendeu Marialva, 
cá lhe diss'o Arçobispo 
nn verso per que se salva. . . 

O que vendeu Leyrea . 
muyto ten que fez dereyto, 
ca fez mandado do Papa, 
et confirmou-lh'o Eleyto... 

O que vendeu Faria 
por remiir seus pecados 
se mays tevesse inays daria. . . 

Outros foram-se offerecer espontaneamente ao conde de Bolonha : 

Ofereceu Martim Dias 
a a Cruz que os confunde 
Covylhã; e Pêro Dias 
Sortelha; e disse o Conde : 
centuplum accipiatis. . . . 

OfTereceu Trancoso 
ao Conde Roy Bezerro . . . 
O que ofTereceu Cintra 
fez como boo cavalleyro, 
e disse-lh'i o Legado 
logu'un verso de salteyro... 

Diante da justiça implacável da historia muitas lendas sentimentaes caem no desprezo da 
mentira ; a celebre lenda de Martim de Freitas parecerá à primeira vista justificada, porque 
se não acha na canção 1088 o nome do Alcayde de Coimbra, mas no Nobiliário se diz que 
se não entregou porque o Conde não foi ahi ! A outra lenda heróica de Pacheco, Alcaide de 
Celorico, desfaz-se diante d'esta clara strophe : 

E quando o Conde ao Castello 
chegou de Celorico 
Pachequ'enton o cuytelo 
tirou, e disse-lhe : Amigo 
mite gladium in vagina* 
con el non nos em pescas; 
Diz Pacheco : Alhur, Conde 
peede hu vos digam : cresças. 

No flm da acerba sirvente o trovador, cujo nome se perdeu, conchie com uma máxima 
tirada da moral nova que vira : 

Salvo é quem trae castelo 
a preyto que o ysopen* 

Presta serie de infâmias, e ainda no anno de 1246, Raymundo Viegas de Porto Carrero 

1 Dteta cruzada de Luiz ix, falia o trovador Affonso de Cotom na canção lil«; explicaremos algumas re* 
ferencias onomásticas, para mostrar a sua importância histórica. Na terceira estrophe Blandiz é Brandusium 
ou Brindes, porto de Nápoles, d'onde partiam sempre os cruzados ; o Alcor, é o Cairo, por onde S. Luiz come- 
çou a sua cruzada ; Mormoion é o sitio de Baramoun, onde o rei -caiu exhausto antes de flcar prisioneiro ' To- 
mará será o rio Tamyras (Nahr-Damur) próximo do qual estava uma fortaleza que serviu de refugio aos cru 
zados depois de perdida a Palestina. « 



XLIV SIRVENTE CONTRA OS PRIVADOS DE D. AFFONSO III (GAP. IH 

disfarça-se com os seus homens de armas em partidários de D. Sancho n, chega a Coim- 
bra de noite e rapta do próprio leito de D. Sancho n a formosa D. Mecia Lopes de Haro. Na 
sua luta D. Sancho n foi coadjuvado por seu cunhado em 1247, mas diante das traições suc- 
cessivas teve de refugiar-se em Toledo, onde morreu logo em 1248. Às relações de D. San- 
cho ii com a casa de Haro nos explicam como um grande numero de jograes bascos frequen- 
taram a sua corte deixando bastantes canções na collecção da Vaticana. 

Eraquanto o rei estava refugiado em Toledo, D. Affonso in achava-se em Santarém, on- 
de fez a sua residência habitual. Uma outra canção do mesmo trovador anonymo (n.° 1089) 
retrata a situação de alguns fidalgos que simulavam apparente hostilidade a D. Affonso iu ; 

Don Estevan diz que desamor 
a con el rey, e sey eu cá menti, 
ca nunca viu prazer poys foy aqui 
o Conde, nen veerá mentr f ir for; 
e per quant'eu de sa fazenda sey 
parque non ven ai regno el rey 
non vée cousa ond'aja sabor. 

Agora as consequências das traições que deram o throno a D. Affonso m : o clero queria 
immunidades, e a fidalguia doações e influencias sobre o monarcha. D. Affonso in era bas- 
tante intelligente para conhecer como devia fugir a comprommissos criminosos que atrazavam 
o desenvolvimento nacional, mas não se oppoz de frente às ambições do favoritismo. As fa- 
mílias que lhe deram o throno cercavam no como credores implacáveis, e nos versos de três 
jograes nos apparece a accusação contra os privados, que vendiam justiça. Quando D. Af- 
fonso iii começou a reinar introduziu na sua corte os costumes da corte de S. Luiz ; no /te- 
gimento da Casa real estabelece, que o rei tenha somente três jograes e não menos, e que 
ao jogral que vier de outra terra, ou de segrel, se lhe dé até cem maravedis. 1 Os três jo- 
graes que apodam os privados são Martim Moxa, Lourenço e Diogo Pezelho, o que nos leva 
a crer que estes pertenciam aos jograes do numero, e que as suas sirventes seriam encom- 
mendadas pelo próprio D. Affonso m, para se escusar perante os seus impostos validos. Af- 
fonso ui era caviloso como um Luiz xi. jogral Martim Moxa, na canção 472, que apparece 
também sob o nome de Lourenço (n.° 1036) com a rubrica : «Esta cantiga de cima foy feita 
em tempo dei rey don Affonso, a seus privados», ataca-os pela sua vileza: 

Vós que soedes en corte morar 
d'estes privados queria saber 
se lhes na a privança muvto durar, 
cá os non vejo dar nem despender; 
anfos vejo tomar e pedir, 
et o que lhes non quer dar ou servir 
non pode rem con el rey adubar, 

D estes privados non sey novelar 
se non que lhes vejo muy gram poder, 
e grandes rendas, casas gaanhar... 

Na versão, attribuida a Lourenço existem variantes que accusam uma lição mais moder- 
na, como falar em vez de novellar, do género provençal dos Noellaires, ainda usado na 
corte de Affonso ix. Outras sirventes compozera Martim Moxa, hoje perdidas, porque o seu 
nome tornou-se proverbial, quando se atacava qualquer privado ; João de Gaya satyrisando 
o Eleyto de Vizeu, privado de D. Affonso iv, ainda diz : 

Comede migo e diram-vos 
cantares de Martim Moxa... (n.° 1062.) 

jogral Diogo Pezelho allude ainda á traição dos Alcaides e às absolvições do arcebispo 

(n.° 1124.): 

Meu senhor Arçobispo, and'eu excomungado. . . 
Por mha mala ventara tivi hu castello em Sousa, 
e dey-o a seu dono, e tenho que fiz gran cousa; 
soltade-me, ay senhor, 
e jurarey mandado que seja traedor. 
Por meus negros peccados tivi hu castello forte, 
e dey-o a seu dono, e ey medo de morte. .. 

Em outra sirvente em maestria menor, de Martim Moxa, allude-se aos privados e aos que 

« 

1 Àp. Man. hisl. } t. i, p. 149. 



GAP. m) ESGÀRÀVUNHÀ E JOÃO GARCIA, TROVADORES XLV 

os presenteavam, e como n'este conflicto de interesses só eram apreciados os cantos de mal- 
dizer: 

Louvamyantes deytados 

e prezenteantes do mund'exerdados 

am prez e poder; e vam-se perder; 

e nos logares vej'achegados 

ha nobres falares loados, 

soyam dizer, de muitos amados 

vej'aiongados os de mal-dizer. 

Procurando quem eram os privados de D. Affonso ni determina-se o cyclo dos trovado- 
res portuguezes pre-dionisios, que abrilhantaram a curte poética de Santarém. Seguiremos 
as revelações dos Nobiliários. Sabe-se que a família dos Sousas abraçou a causa do Conde 
de Bolonha ; a esta familia pertence o celebre Fernão Garcia Esgaravunha, cujas canções 
existem por ventura sem nome no Cancioneiro da Ajuda. Fragmento do Nobiliário do 
Conde D. Pedro cita-o como filho de D. Garcia Mendes de Sousa e de D. Elvira Gonsalves To- 
rinho: «e fez. .. don Fernam Garcia Esgaravunha, o que trobou bem.» 1 Teve mais cinco 
irmãos todos protegidos pelo monarcha. Na Chromca geral de Espanha é também citado 
como trovador; entre seus irmãos, João Garcia o Pinto, é por ventura o trovador citado na 
canção: 

Perguntou Joham Garcia 
da morte de que morria. . .* 

N'uma canção de João Soares Coelho (n.° 1024) João Garcia é accusado de trovar por da* 
mas a quem não competia fazel-o : 

Joham Garcia tal se foi loar 
e enfenger que dava sas doas 
e que trobava por donas muy boas 
e oy end'o meyrinho queyxar, 
e dizer, que fará se deus quizer, 
que non trobe quem trobar non dever » 

por ricas donas, nem por infançoas. . . 

Ca mand'al rey, porque a en despeyto 
que trobem os melhores trobadores 
polas mais altas donas e melhores. . . 

Em outra canção é accusado Pêro Lourenço de se servir das tenções de João Garcia : 

Pêro Lourenço, pêro t'eu oya 
tençon desigual e que non rimava, 

Sero que essa entençam de ti falava, 
emo Wessa que t eu criia; 
cá non cuydey que entençom soubesses, 
tan desigual fazer, nem na fezesses, 
mais sey-m'eu que x'a fez Joham Garcia (n.° 1022.) 

As únicas canções que restam de João Garcia no Camcioneiro da Vaticana são duas ten- 
ções travadas com o jogral Lourenço ; isto nos prova que elle respondia ás sirventes aos 

privados : 

Lourenço jograr, as mui gram sabor 
de citolares, ar queres cantar 
desy ar filhas-te log'a trobar, 
e teens-t'ora já por trobador; 
e por tod*esto unha rem te direy 
deus me confonda, se oj'eu sey 
d'estes mesteres qual fazes melhor. (n.° Í104.) 

Na canção 1 105 João Garcia diz, que o jogral Lourenço não merece a cevada e o vinho 
que ganhava com o seu canto. Este jogral foi apodado em bastantes canções de differentes 
fidalgos, o que se explica pelo resentimento da sua sir vente. 

Estevam Raymundo, partidário de D. Affonso m, e um dos chefes dos facciosos do reina- 
do de D. Sancho n, tem duas canções na collecção da Vaticana (n.° 294 e 295) que perten- 
cem ao género de Cantares de amigo, da tradição galleziana. Era um fidalgo prepotente que 
reagia contra as medidas fiscaes de D. Sancho n ; 3 basta dizer que era filho do audacioso 

1 Mon. histy Scriptores, t. n, p. 152, 192 e 321. 

■ Cancioneiro da Ajuda, (ed. Trovas e Cantares, n.° 146.) 

• Herculano, Bist. ae Portugal, t. u, p. 495, n.» 6. 



XLVI DOM JOÃO DE ABOIM (GAP. EU 

Raymundo Viegas de Porto Carrero, que raptou D. Meciaaorei seu marido, e de D. Maria Ou- 
rigiz; foi casado com uma dona de Santarém, que fora barregã do rei de Portugal. 1 

Um dos trovadores mais celebres da corte de D. Affonso m, pelo alto valimento jun- 
to do monarcha, pela preponderância politica e pelo seu talento litterario, é o fidalgo 
D. João de Aboim. No Livro velho das Linhagens se lê acerca d'este trovador: «e Urraca Gil 
foi casada com Pêro Ouriguiz da Nóbrega, e fez em ella Joam de Aboim, que foi privado 
d'el rei Dom Affonso, padre d'el rey D. Diniz de Portugal, e feze-o el rey D. AfTonso Rico- 
Homem . . . E o sobredito D. João de Aboim. . . foi mui bõo por mercê d'el rey e houve mui 
bons vassalos e foi casado com D. Marinha AfTonso.» 2 No Nobiliário do Conde D. Pedro acres- 
centa- se : «Casou com D. Marinha Affonso, filha de Affonso Pires de Arganil, o que trouxe as 
cabeças dos Martyres de Marrocos a Coimbra por mandado do infante D. Pedro. 3 Elle e sua 
mulher jazem no Marmelar, tendo deixado bens ao hospital de Sam João.» 4 Entre as des- 
avenças de Affonso o Sábio de Castella com D. Affonso iii, que se disputavam o domínio do 
Algarve, D. João de Aboim occupou uma parte importante. Elle e seu filho Pedro Eanes fica- 
ram com os penhores dos casteúos de Tavira, Loulé, Faro, Paderne, Silves e Aljesur, como 
garantia das cincoenta lanças que o monarcha portuguez tinha de dar ao rei de Castella era 
tempo de guerra em virtude da cedência do domínio do Algarve. 5 Deu-se este facto em 1 264. 
Na Torre do Tombo guarda-se uma «Carta de el rey de Castella, pela qual manda a D. João 
de Aboym e a Pedro Eanes, que entreguem os castellos do Algarve ao senhor rei D. Affonso, 
absolvendo-os da homenagem que d'elles lhe aviam feito. 6 Foi necessário depois da cedên- 
cia dos domínios do Algarve a D. Affonso iii, proceder a novas demarcações da fronteira do 
reino de Portugal, nos pontos que confinava com Castella. trovador D. João de Aboim e 
D. Diogo Lopes de Bayam foram nomeados por parte do reino de Portugal para este serviço, 7 
por carta de 5 de junho de 1264. Ha também uma doação de umas casas de Santarém, de 
1249, feita por D. Affonso m a este trovador; e na doação do mesmo monarcha a seu filho 
o infante D. Affonso segundo-genito, de 1278, figura D. João de Aboim como testemunha, e 
com as dignidades de Maiordomo d El rey, e Tenente do Alemtejo. Por ultimo achamol-o de- 
pois de 1279 assistindo com D. Beatriz, viuva de D. Affonso iii, a uma espécie de regência 
de D. Diniz. Por estes factos se pôde avaliar o interesse que despertam as canções de D. João 
de Aboim ; pertencem na maior parte ao género de Cantares de amigo, o que nos revela a 
corrente da escola galleziana. Uma d'essas canções, no gosto limosino, (n.° 279) acha-se 
também no Códice da Ajuda, signal de que este Cancioneiro pertence na sua totalidade aos 
poetas da corte de D. Affonso iii. Uma sirvente de D. João de Aboim travada com João Soa- 
res Coelho, mostra o seu resentimento contra o jogral Lourenço que salyrisàra os privados : 

— Joham Soares, comecei 
de fazer ora hum cantar, 
vedes porque, porque achey 
boa razon pêra trobar : 
ca vej'aqui hun jograron 
que nunca pode dizer son, 
nen o ar pode cilolar. . . (n.° 1009.) 

Na tenção 1010 ataca directamente Lourenço : 

Lourenço, soyas tu guarecer 
como podias per teu citolon, 
ou bem ou mal non te digo eu de non ; 
e vejo-te de trobar trameter, 
e quero-te eu d'esto desenganar, 
bem tanto sabes tu que é trobar 
bem quanto sabe o asno de leer. 

» Mon. hisl., (Scriptores) t. n, p. 341. 

* Mon. hisl., (Scriptores) t n, p. 161. 

* Este infante D. Pedro, é citado como trovador ria canção n.° 1147: «Dom Pedro est cunhado deel rey— 
Que chegou ora aqui de Aragão.» Na Viage literária a las iglesías de Espana, por D. Jaime ViUanueva, t xn. 

B. 41, encontram-se dados importantes para a vida d 'este ignorado trovador português. Era filho de el rei 
. Sancho i de Portugal, e sobrinho de Aionso n de Aragão, em cuja corte se refugiou quando D. Affonso n de 
Portugal esteve em guerra com as irmãs para não cumprir o testamento do pae. O infante D. Pedro trocou o 
condado de Urgel pelo senhorio das ilhas Baleares, em 1231 ; a outro presente de relíquias refere-se sua irmã 
D. Mafalda, em uma carta, em que lhe pede noticias suas por qualquer pessoa sive per arlotas el peregrinos. 
O testamento do infante D. Pedro é datado de 9 de outubro de 1255 ; um dos anniversarios que instituiu foi 
nomeado em Mestre Joham celebrado na canção n, M 72 e 73, de Affonso ix, em cuja corte viveu o infante-tro- 
vador. 

* Ibid., t. n, p. 319. 

■ Herculano, Hisl. de Portugal, t. m, p. 66. 
Torre do Tombo, G. 14, Maç. 4, n.° 9.— V. de Santarém, Corpo diplomático, 1. 1, p. 16 e 23. 
Y. de Santarém, Corpo diplomático, 1. 1, p. 13. 



CAP. m) A GESTA DE MAL-DIZER XLV1I 

Na tenção 1011, ainda volta ao mesmo resentimento : 

Joham Soares, non poss'eu estar 
que vos non diga o que vej'aqui, 
vejo Lourenço com tnuytos travai 
pêro non o vejo travar en mi;- 
e bem sey eu porque aquesto faz 
que ni'ho sey todo e que x'é tod'en mi... 

Affonso Lopes de Bayam, é outro fidalgo grande valido de D. Affonso ra e trovador dis- 
tincto; era filho de Lopo Affonso de Bayam e de D. Aldara Veegas, e foi casado com D. Mór 
Gonsalves, segundo os Nobiliários. 4 Seu irmão D. Diogo Lopes de Baiam foi um dos árbitros 
para a demarcação da fronteira portugueza em 1264; e na doação da Lourinha ao infante 
D. Affonso, de 1278, Affonso Lopes de Bayam, Tenente de Sousa, assigna como uma das tes- 
temunhas, entre as quaes figura seu irmão Tenente de Lamego. A sirvente de Diogo Pezelho, 
em que se falia do castello de Sousa, parece referir-se a Affonso Lopes Bayam. No Cancio- 
neiro da Vaticana traz este trovador algumas canções no gosto limosino, e a maior parte 
d'ellas no género de Cantar de amigo , e de cantos de ledino : 

Hyr quer'oj'eu, fremosa, de coraçom 
por fazer romaria e oraçom 
a saneia Maria das Leiras 
poys meu amigo hy vem (n.° 341.) 
A saneia Maria das Leiras 

hirey velida,se hy vem meu amigo... (n.° 342.) 

Uma das composições mais curiosas do Cancioneiro da Vaticana é o n.° 1 080, que traz 
esta rubrica: «Aqui se começa a Gesta que fez don Affonso Lopes a don Mendo e a seus vas- 
salos, de mal dizer.» É a primeira vez que se encontra na litteratura portugueza a designa- 
ção de Gesta, significando um poema narrativo em alexandrinos monorrimos á maneira das 
epopéas carlingianas dos troveiros do norte da França. As Gestas francezas deviam ser co- 
nhecidas na corte portugueza, não só porque Gavaudan o Velho já citava a Chanson do Ro- 
land, e no Nobiliário se cita como termo de comparação a gesta dos Doze Pares, mas prin- 
cipalmente os privados de D. Affonso ni haviam residido com elle na corte franceza. Por 
ventura a Gesta de Maldizer era para satyrisar algum ferrenho e extemporâneo partidário 
de D. Sancho n, ou então para satyiisar a disposição legal das Partidas, que não permittia 
se não cantares de Gesta. Uma canção de Payo Gomes Charinho (n.° 1159) contra Affonso 
Lopes de Bayam, e outra d'este contra Martim Alvelo (n.° 1079) mostram-nos a época em 
que figuram estes trovadores. 

Martim Peres de Alvim, representado na collecção da Vaticana com seis canções limosi- 
nas e um fragmento, pertence ao numero dos partidários de D. Affonso in ; era seu pae Pêro 
Soares de Pousada, que appellidaram de Alvim em terra de Basto, e sua mãe D. Maria Es- 
teves. Tinha solar em Riba de Visella, e foi casado com D. Margarida Pires. 1 

Estevam Coelho, filho de Pêro Annes Coelho e de D. Maria Esteves Teixeira, 3 era natural 
de Riba de Homem; na collecção da Vaticana conservam-se d'elle duas formosas Serranil- 
las, da mais pura tradição galleziana, onde se caracterisa o género dos Cantares de amigo: 

Sedia la fremosa, seu fuzo torcendo 
sa voz manselinha, fremoso dizendo 
cantigas de amigo. (n.° 321.) 

Por esta serranilha do meado do século xm pôde determinar-se a existência de uma fe- 
cunda poesia popular portugueza. Sob o n.° 322 conserva-se a barcarola, typo das que se 
cantavam na curte de D. Affonso rv no tempo da batalha do Salado : 

Se oj'o meu amigo 
soubesse, hyria migo ; 
eu ai rio me vou banhar, 
ai maré. 

Estevam Coelho foi casado com D. Maria Mendes, de quem teve um filho também trova- 

\ Mon. hist., Scriptorea, t. n, p. 321. 
. lbid., p. 302. 
Ibid., p. 159. 



XLVIII PRIVADOS DE D. ÀFFONSO Hl, TROVADORES (CAP. m 

dor chamado João Coelho, cujas canções não chegaram a ser colligidas na collecção da Va- 
ticana. No Cancioneiro da Ajuda encontra-se esta referencia : 

O sen, e mais vos ende diria : 
João Coelho sabe que é assy. 1 

. É provável que este nome pertença a um trovador mais antigo ; D. Maria Mendes casou 
em segundas núpcias com o trovador Martim Peres de Alvim. 5 

Do partido de D. Affonso m era também o fidalgo trovador Fernão Fernandes Cogominho, 
filho de D. Fernão Guedes e de D. Maria Fogaça. D'elle diz o Fragmento do Nobiliário, que 
está junto ao Cancioneiro da Ajuda: «foy muito bõo e muyto honrado. E foi (privado) dei 
rei D. Affonso de Portugal, padre d'el rei D. Diniz de Portugal.» 3 Fernão Fernandes Cogomi- 
nho confirmou uma doação que em 1261 fez D. Affonso m do castello de Marvão a seu filho 
D. Affonso. As três canções de Cogominho, que existem no Códice da Vaticana (n.° 303-306) 
pertencem ao género característico dos validos de D. Affonso m, são cantares de amigo e 
serranilhas. 

A família dos Valladares foi das que conspiraram contra D. Sancho n: a esta família per- 
tence o antigo trovador Estevara Annes de Valladares, cujas canções não chegaram a ser col- 
ligidas no códice da Vaticajia, mas que julgamos conservarem-se anonymas no Cancioneiro 
da Ajuda. Sabe-se que era trovador de fama, porque no fragmento do Livro velho das Li- 
nhagens se lé : « Este Joham Rodrigues foi casado com D. Maria Fernandes, filha de Fernão 
Peres Pintalho. E fez em ella Stevam Annes de Valladares, o Trobador.»* No Cancioneiro da 
Vaticana (n.° 523) encontra-se a rubrica «Pêro Annes Marinho filho de João Annes de Vala- 
dares » por onde se vé que o talento de trovar se conservou na sua familia. 

Também faltam as canções do trovador João Martins na collecção da Vaticana ; no Nobi- 
liário do conde D. Pedro se lé: «Taregia Lourenço. . . foi casada com Joham Martins, Pro- 
vador.» Este fidalgo jà figura no tempo de D. Sancho n, achando-se o seu nome em uma 
doação â ordem de S. Thiago, de 16 de janeiro de 1 239 ; em uma doação de D. Marinha Af- 
fonso, viuva de D. João de Aboim, ao abbade de Alcobaça, figura entre as testemunhas « Jo- 
hane Martini Trovadore.»* em 1288, e em outro documento assigna «Joham Martins Tro- 
vador, Alvasil de Santarém.»* Tudo nos mostra que este trovador pertence ao numero dos 
primados de D. Affonso m, assim como outro trovador de que adiante faltaremos, chamado 
João Lobeyra. 

No Nobiliário do conde D. Pedro, lé-se que João Soares de Gaya casara com D. Maria Soa- 
res, de quem teve « Johanne Annes de Gaya «que foy cavalleyro, de boa palavra e muyto 
saboroso.» 7 No Cancioneiro da Vaticana ha uma vaga referencia aos cantares d'este trova- 
dor, n'uma canção de Estevam da Guarda : 

Ruy Gonçalves, pêro vos agravece 
porque vos travou em vosso cantar 
Johan Eanes. . . (n.° 917.) 

Tanto as canções de Ruy Gonçalves, como as de Joham Eanes estão perdidas ou não che- 
garam a ser colligidas. No Cancioneiro encontram-se canções de Joham de Gaya escudeyro, 
(n.° 1043, 1044, 1058 a 1062) mas este trovador pertence á corte de D. Affonso iv, como 
se prova pelas referencias históricas dos seus versos; é a este que se refere o Conde D. Pe- 
dro no Nobiliário: «Este Estevam Annes houve hum filho que houve nome Joham de Gaya, 
que foy muy boo trovador e mui saboroso.» 9 O trovador Joham Eanes, era filho de João Soa- 
res de Gaya, que figura no Cancioneiro da Vaticana, com o nome de O Irmão de Martim 
Soares (n.° 435.) D. Soeiro Pires tivera de uma barregã dois filhos Martim Soares de Baguim 
e João Soares de Gaia. Na canção 959 de D. Lopo Lias, falla-se na prostituição da 

A dona de Bagyn 
que mora no Soveral.. . 

Parece que a isto responde Martim Soares na canção que traz a rubrica « a hum cavai- 
leyro que cuydava que trobava muy ben e que fazia muy bõs sons e non era assy.» (Canç. 

1 Bd. Trovas e Canlares,n° 179. 

* Mon. hiMt.,L n, p. 221. 
Mbid.,p.215e306. 

4 Ibid., p. 199, 

' Brandão, Mon. Lusil., Part. v, p. 1S5 

• Ibid., t. v, p. 372. 

[ Mon. hisL, t n 2 p. 271 e 272. 
Mon. hist., Scnptores, t n, p. 272. 



CAP. Ill) INFLUENCIA DE AFFONSO SÁBIO XL1X 

965.) As canções de Martim Soares provam que elle florescia na corte de D. Affonso m, como 
a n.° 966, em que apoda Affonso Eanes de Cotom, e a n.° 967 escripta jtempos antes de ser 
tomada Jaen por Fernando m, em 1246 : 

Hun cavaleyro se comprou 

Eera quitar-se de Jaen, 
u jazia pres'e custou 
pouco, pêro non mercou ben; 
ante tenho que mercou mal 
ca deu por sy mays ca non vai, 
e tenho que fez hy mal sen... (n.° 967.) 

A canção 435, que tem a rubrica Irmão de Mwrtim Soares, é evidentemente de João 
Soares de Gaya ; pertencendo ao género de cantares de amigo , vem provar-nos com o argu- 
mento histórico da canção 967,, que estes dois trovadores floresceram no cyclo trobadoresco 
de D. Affonso m. 

Á corte d'este monarcha também pertence o trovador Joham Vasques, do qual se acha 
uma tenção travada com Lourenço jogral : 

Joham Vasques, moiro por saber 
de vó9 porque me leixastes o trobar, 
ou se foy eí vos primeiro leixar, 
cá vedes o que ouço a todos dizer : 
ca o trobar acordou-s'en a tal 
que estava vosco en peccado mortal 
e leixa-vos por se non perder... (n.° 1035.) 

João Vasques pergunta ao jogral : 

mas di-me, ti que trobas desigual 
se te deitem por en de Portugal... 

Esta circumstancia prova-nos que frequentava a corte de D. Affonso m. Era o trovador 
filho de Vasco Pires (por ventura o trovador Vaasco Peres, da collecção da Vaticana, 
(n.° 58 a 60) e de . . . Annes, filha de João Pires da Nova. João Vasques foi casado com D. The- 
reza Affonso, e em segundas núpcias com D. Beatriz Affonso, filha do infante bastardo 
D. João. 1 Algumas das suas canções são communs ao Códice da Vaticana e ao da Ajuda (n. 08 42, 
43 e 44) escriptas no estylo limosino. 

Explorando com vagar os Nobiliários ainda se encontram muitos outros nomes de trova- 
dores, taes como D. Estevam Peres Froyam, Fernão Gonsalves, Fernão Velho, Fernand'Eanes, 
João Soares Coelho, Gonçalo Eanes do Vinhal, Nuno Fernandes, Pêro Annes Marinho, Payo 
Soares, Pêro Barroso, Rodrigo Annes de Vasconcellos, Rodrigo Annes Redondo, Ruy Martins, 
que se acham representados na collecção da Vaticana; porém as suas filiações nada adian- 
tam para a determinação da sua época. 

Os suecessos políticos do reinado de D. Affonso m também influíram no desenvolvimento 
da poesia trobadoresca portugueza, não só pelas relações da fidalguia com a corte de Affon- 
so o Sábio, mas pelo favor que dispensou aos Segreis, a quem dava até cem maravedis 
quando visitavam o seu reino. Investiguemos estas duas causas. 

Pelo casamento de D. Affonso in com uma filha bastarda de Affonso x, com o fim de ap- 
placar as preterições do monarcha sobre o dominio do Algarve, se deve determinar a pri- 
meira influencia exercida pela escola trobadoresca de CastelJa sobre Portugal. Alem da imi- 
tação dos costumes da corte poética de S. Luiz, os fidalgos portuguezes começaram a co- 
nhecer o esplendor litterario promovido por Affonso o Sábio, cujas canções eram bastante 
admiradas. Desde 1250 até à morte de Fernando m, em 1252, as relações de Portugal com 
Castella foram pacificas, 2 e isto não pouco motivaria a visita dos jograes de ambos os paizes 
e relações mais intimas entre a sua nobreza. Na corte de Affonso o Sábio figuraram pelo me- 
nos três trovadores portuguezes, Gonçalo Eanes do Vinhal, D. Pêro Gomes Barroso e Payo 
Gomes Charrinho. O Livro das Trovas de el rey D. Affonso copiado por F. de Monte-Mór, e 
que se guardava na livraria de el rei D. Duarte, como consta pelo catalogo dos seus livros 
de uso, seria um presente régio do monarcha a seu neto, que mostrava predilecção pela 
poesia. No Cancioneiro da Vaticana encontra-se o nome de um jogral Ugo Gonçalves de 
Monte-Mór (n.° 666), e na pergunta a que lhe responde Fernão Dambrea já se acha a forma 

* Mon. hist., Scriptores, t. n, p. 386. 

9 Herculano, Hist. de Portugal, t. iir, p. 18. 



L O DOMÍNIO DO ALGARVE (CAP. III 

da outava usada por Aflbnso o Sábio. Historiemos as relações mutuas das duas cortes, para 
melhor se explicar a dupla acção litteraria. 

Com a subida dè Aflbnso o Sábio ao throno começaram as dissensões sobre o domínio do 
Algarve. ambicioso D. Aflbnso m não hesitava nos meios para realisar os seus planos ; 
projectou dissolver o seu casamento com a condessa de Bolonha D. Mathilde, e achou no papa 
Innocencio iv um cúmplice (Testa torpeza, porque o papa queria-o ter pelo seu lado na cru- 
zada de Africa. seu casamento com Beatriz, bastarda de Aflbnso x, simplificava o direito 
de conquista sobre o Algarve, e as previsões foram seguras, como abaixo veremos. Este ca- 
samento celebrou-se em meados de maio de 1253, em Chaves, onde os monarchas se en- 
contraram; D. Mathilde submetteu-se a este ultraje infligido pela auetoridade papal. Só de- 
pois do nascimento do primeiro filho, e só quando este chegasse á edade de sete annos, é 
que os dominios do Algarve e dos territórios ao oriente do Guadiana e das praças de Moura, 
Serpa, Aroche e Aracena tornariam a ser encorporados na coroa portugueza. 1 As dispensas 
d'es(e casamento de D. Aflbnso in foram dadas por Innocencio rv com o intuito de um pa- 
cto de família, alliando-se Portugal e Castella para uma cruzada na Africa. Mas Aflbnso x era 
de uma versatilidade proverbial ; as lulas e tréguas com Navarra, Aragão e Portugal mos- 
tram a sua inconstância. Como vimos, o casamento de Aflbnso m fora em maio de 1253, e 
logo a 20 de agosto Aflonso x faltava ao contrato nupcial, fazendo doação de Lagos a Frei 
Roberto, a quem nomeara Bispo de Silves contra o direito de apresentação de D. Aflbnso in. 
No prologo das Cantigas de Nossa Senhora allude ainda aos seus direitos de conquista sobre o 
Algarve, e ao direito de apresentação; Herculano jà accenluou a intenção e prova histórica 

d'estes versos: 

D. Affonso de Castella 
de Toledo, de Leon, 
Rey é ben des Compostela 
ta o reyno d'Aragon, 
de Córdova, de Jaen, 
de Sevilha outrossi, 
e de Murça, ú gran ben 
lhe fez deus con a prendi 
do Algarve^ que ganou 
de mouros, e nossa fé 
meteu y. . .* 

A projectada cruzada de Africa, para a qual Aflbnso x assentara pazes com Aragão, Na- 
varra e Portugal, e alterara o valor da moeda, mudou-se em uma algarada às fronteiras de 
Murcia e Valência, e na disputa sobre os dominios do Algarve. Por motivo d'esta luta acha- 
se no Cancioneiro da Ajuda uma sirvente contra a pouca firmeza que Aflbnso o Sábio tinha 
nos seus pactos, a qual está em harmonia com este juizo de Çurita : «El rey de Castella era 
muy vario y de poça firmeza en sus emprezas.* A sirvente portugueza é anonyma, por isso 
que as canções do códice da Ajuda não chegaram a ser rubricadas pelo amanuense ; mas sa- 
bentlo-se pelo indice de Colocci, que D. Aflbnso m também cultivara a poesia, é muito na- 
tural a suspeita de ser sua a sirvente, porque nenhum trovador se atreveria a tanto : 

De quantas cousas en o mundo som 
non vejo eu ben qual pode semelhar 
ai Rei de Castella e de Leon 
se uma, qual vos direy : o mar. 
Ornar semelha muy to aqueste rey; 
e d'aqui em diante vos direi 
en quales cousas, segundo razon. 

Segue-se uma comparação das qualidades contradictorias do seu caracter com o mar, e 

termina * 

Estas manhas, secundo meu sen, 

que o mar ha, ha El Rey; e por en 

se semelhan, quem o ben entender. 4 

Vè-se claramente que esta canção sirventesca foi escripta depois de 1253. Como trova- 
dor, Aflbnso x devia ser sensível á satyra ; elle estava relacionado com os principaes trova- 
dores do século xin, como Nat de Mons, Giraud Riquier, e outros muitos, e a linguagem 
usada então na corte de Castella era o puro portuguez dionisiaco em que as formas gallegas 

' Herculano, Hist. de Portugal, t. ra, p. 24. 

* Castro, Bibl. Espan., t. u, p. 637.— Hercul., ib., t. m. 

• ArwaXes, liv. m, cap. 53.— Hera, ib. t. m, p. 26. 
Ed das Trovas e Cantares, n.° 286. 



CAP. Ill) TROVADORES PORTUGUEZES EM CASTELLA LI 

■ 

são ainda naturaes. É esta a época em que toda a poesia artística da Península se escrevia 
em dialecto portuguez ou gallego, como disse o Marquez de Santillana na sua Carta ao Con- 
destavel, e hoje se veriflca diante do Cancioneiro da Vaticana, onde nos apparecem mo- 
narchas de Castella como AfTonso x, jograes leonezes, catalães, aragonezes e gallegos escre- 
vendo em uma única linguagem, o portuguez dionisiaco. 

A historia politica espalha uma immensa luz sobre a vida moral e artística referida in- 
conscientemente nos nossos Cancioneiros aristocráticos. Com o nascimento do infante D. Di- 
niz AfTonso iii viu a possibilidade de recuperar o dominio do Algarve, porque se começaram 
a realisar as condições impostas por AfTonso x. Nasceu o infante em 1261, e em uma carta 
de 16 de fevereiro de 1267 o rei de Castella e de Leão cede-lhe o Algarve com a condição 
de o ajudar com cincoenta lanças em tempo de guerra. D. Diniz ainda criança foi levado â 
curte de seu avô para lhe pedir a remissão do feudo a que se obrigara AfTonso iii. Astuto 
como Luiz xi, AfTonso iii conhecia a índole poética do sogro, e por um effeito de sentimento 
conseguiu o que pretendia. Nos Romances sacados de historias antigas, Sepúlveda versifi- 
cou esta situação. 1 Ticknor colloca a composição das Cantigas de AfTonso o Sábio entre 1263 
e 1284, e a influencia d 1 este monarcha sobre a poesia portugueza deve determinar-se ape- 
nas durante a mocidade de D. Diniz. É para notar que nenhuma canção de AfTonso x appa- 
rece como excerpto nos Cancioneiros portuguczes, mas isto deve explicar-se pelo motivo de 
já estarem colleccionadas em volume. Eram dois os códices poéticos de AfTonso o Sábio; o 
primeiro continha quatrocentas canções, umas em galleziano, outras em castelhano, o se- 
gundo constava de duzentas e noventa nos mesmos dialectos. 2 Na bibliotheca de el rei 
D. Duarte se conservou uma copia de um cTestes códices; e na Torre do Tombo existia no 
século xvi o segundo códice dos Louvores da Virgem Nossa Senhora, que Duarte Nunes de 
Leão attribuia a el rei D. Diniz, talvez pelo motivo de ser escripto em galleziano. 3 

Não nos admira que a lingua portugueza fosse usada pelos trovadores castelhanos da 
curte de AfTonso o Sábio, porque a constituição da nossa nacionalidade não tinha sido per- 
turbada, e a lingua tendia para uma regularidade grammatical ; alem d'isso achamos trova- 
dores porluguezes oceupando os altos cargos (Taquelle reino, protegidos por AfTonso o Sá- 
bio. nome que primeiro occorre é o de Pêro Gomes Barroso, filho de Gomes Veegas de 
Basto e da filha de um escudeiro, de quem nascera antes de ser casado com D. Moor Rodri- 
gues de Candarey; 4 casou este trovador em Toledo com D. Chamôa Fernandes. Na canção 
334 allude á protecção real : 

O meu amigo, que é com el rey, 
faça-lhi quanto bem quiser, bem sey 
ca nunca no mundo pocTaver 
poys eu fremosa tam muyto bem ey 

se non viver migo em quant'eu viver... 

Figura o trovador a segurança de sua namorada em Toledo emquanto elle estava com 
o rei em Castella. Julgamos como differente este trovador de um outro chamado simples- 
mente Pêro Barroso, cujas canções alludem a factos mais antigos, como a batalha de Acre. 
Algumas das canções de D. Pêro Gomes são communs ao Cancioneiro da Ajuda e ao da Va- 
ticana, o que prova pertencem á época de D. AfTonso iii em que o primeiro códice foi com- 
pilado. Também se tornou celebre na corte de AfTonso o Sábio um outro trovador portuguez 
Payo Gomes Charrinho, o qual, segundo Lavanha, foi Almirante de Castella. Uma das suas 
composições no Cancioneiro da Vatàeoma (n.° 40 1) éuma barcarola no gosto popular : 

As froles do meu amigo 
briosas vão no navyo; 
e vam-ss'as frores 
d'aqui bem com meus amores! 

Esta barcarola pôde considerar-se como escripta em 1278, quando AfTonso o Sábio re- 
uniu em Sevilha a grande armada que foi bloquear Algesiras. Na canção 424 allude o tro- 
vador ao seu cargo : Disserom-m'oi', ay arnica, que non 

é meu amigo Almirante do mar, 
e meu coraçom jà pode folgar 
e dormir já, e por esta razom 
o que do mar meu amigo sacou 
saque-o deus de coytas que afogou. 

1 Bomancts, 11. 203. Anvers, l."i5l. , „ ' 

1 Seguimos a dcscrípçào do sr. Soria-.o Fuertes, dos Códices da Bibliotheca do Bscurial fíisL de la Mu* 
sica esparu, 1. 1, p. 94. 

• Nunes de Leão, Chron. dos Reis de Portugal, Part. r, t. n, p. 76. 

* HobUiario do Conde D. Pedro, ap. Mon. nisl., p. 305. 



L1I GONÇALO EANES DO VINHAL (CÀP. Dl 

desastre do assedio de Algeziras, em que o Almirante ficou prisioneiro, e em que Af- 
fonso x se viu obrigado a pedir paz, explicara-nos o sentimento (Testa canção. Na canção 429 
do mesmo trovador, acha-se um estribilho de canção marítima : 

Ay Samtiago, padron sabido, 
vós m'hadugades o meu amigo; 
sobre mar vem 
quem frores d'amor tem ; 
mirarey, madre, 
as torres de Jeen. 

A canção 1 1 58 é uma tenção travada entre Payo Gomes Gbarrinho e um senbor que tem 
o direito feudal de Jantar; pela estrophe segunda (Testa canção suspeitamos que é o pró- 
prio Affonso o Sábio : 

tPay Gomes, quero eu vos responder 
por vos fazer a verdade saber, 
ouv'aqui reys de tnayor poder 
conquirer, e en terras gaanhar, 
mays non quen ouvesse mayor prazer 
de comer quando lhi dan bon jantar. 

— Senhor, por esto non digu'eu de non, - 
de ben jantar des ca é gram razom, 
mayl'os erdeyros Foro aa de Leon, 

Suariam vosco porque am pavor, 
'aver sobre lo seu con vosco entençon 
e xe lhis parar outro non peyor. 

Payo Gomes Gharrinho regressou a Portugal, como se pôde concluir da sirvente de es- 
cárneo a D. Affonso Lopes de Bayam, tenente de Sousa por D. Affonso m (n.° 1 159.) 

terceiro trovador portuguez que se refere a Affonso x é Gonçalo Eanes do Vinhal, que 
o Nobiliário do Conde D. Pedro dá como filho de João Gomes do Vinhal e de D. Maria Pires. 
Foi casado com D. Bringuella de Gardonha, de terra de Aragão, e teve um filho do mesmo 
nome. 1 De facto a canção n.° 999 allude á invasão que os Aragonezes tentaram contra Cas- 
tella juntamente com o infante D. Henrique, irmão de Affonso x, que o desterrara do reino. 

conquistador de Sevilha, Fernando iii, o Santo, havia casado duas vezes ; ao primei- 
ro leito pertenciam o primogénito Affonso, chamado depois o Sábio, e alem de mais quatro 
filhos, um outro chamado D. Henrique; recordamos esta circumstancia para explicar o sen- 
tido da canção 1008 de Gonçalo Eanes do Vinhal, que traz a rubrica: «ao infante Dom 
Anrrique, porque diziam que era entendedor da raynha dona Joana, sa madrasta, e esto 
foy quando el rey dom Affonso o poz fora da terra.» Fernando m, o Santo, esposara em 
segundais núpcias em 1238 Joanna de Ponthieu, segunda sobrinha de S. Luiz, 1 de quem te- 
ve ainda mais três filhos. Como se vé pela rubrica, esta canção de Vinhal foi escripta muito 
depois de 1258, porque as lutas do infante Dom Anrrique foram com seu irmão Affonso x. 

Diz a canção : 

Sey eu, donas, que deitado é d'aqui 
do reyno jà meu amigo, e non sey 
como lhy vay, mais quer'ir a el rey, 
chorar-lney muyto e direy-lh'assy : 

por deus, senhor, gue vos tam bom rey fez, 

perdoad'a meu amigo esta vez. 

A canção 999, do mesmo trovador, imitando a maestria menor traz a rubrica «a Don 
Ânriqúe en nome da reina dona Johana, sa madrasta, porque dizian que era seu enten- 
dedor, quando lidou en Mouron con don Nuno, et con don Rodrigo Affonso, que tragia o 
poder d 9 d-rey.» Na canção refere-se o logar da lide fratricida: 

Amigas, eu oy dizer 
que lidaron os de Mouron, 
con aquestes d'el rey, e non 
poss'end'a verdade saber, 

se é viv'o meu amigo 

que troux'a mha touca sigo. 

No symbolismo foraleiro a touca era signal de viuvez ; a sirvente de Gonçalo Eanes do 
Vinhal, pela sua audácia revela-nos que elle se fortalecia com a auctoridade de Affonso x. A 
lide de Mouron, não chegou a ser ferida, e segundo Saint-Hilaire, as tropas aragonezas e 



' Àp. Mon. hist.. t. n 2 p. 370. 

1 Rosseew Saint-Hilaire, HisL d'Espagne, t. 



iv, p. 148. 



CAP. Ill) OS LAYS BRETÕES EM PORTUGAL LM 

os rebeldes castelhanos tentavam invadil-o em 1289.* Outras canções de Gonçalo Eanes do 
Vinhal alludem a estas lutas dos reis christãos: 

En gran coyfandaramos con el rey 
per esta terra ha con el andamus. . . (n. d 1001.) 

Pela canção 1000 revela-nos elle como certas formas bascas penetraram no lyrismo gal- 
leziano: 

Pcro Fernandes, home de Barnage, 

se lhi peagem forem demandar 
os porteiros do Gaston de Bear, 
bevam a peagen que Ihis el dará. 

« 

E na canção 1007 refere-se do modo mais terminante aos lays bretãos «aques cantares 
de Cornoallia,» communicados á península pela Gasconha então ingleza, e pelo casamento 
de Ricardo Coração de Leão com uma princeza de Navarra. D' es ta corrente como adiante 
veremos existem vestígios nos Cancioneiros da Ajuda e da Vaticana. 

Nas cantigas de Afio riso ix, rei de Castella e de Leon, lé-se esta passagem, em que ac- 
ercando Pêro da Ponte, de roubar os versos a A (To uso Eanes de Cotom, diz que com esses 
mesmos versos serve D. Pedro : 

pois se de quanto el foy" la erdar 

serve Dom Pedro, e non lhi dá en grado. 

E com dereyto seer enforcado 
deve Dom Pedro, porque foy filhar 
a Cotom, pois lo ouve soterrado 
seus cantares.. . (n.° 68.) 

• 

Quem é este D. Pedro de que aqui se trata? Com certeza não é o Conde D. Pedro, por- 
que estes dois trovadores eram já velhos antes cTelle nascer. É o próprio Pêro da Ponte suc- 
cessor de Cotom? Pela rubrica da canção 1 147 vemos referido D. Pedro de Aragão, cunhado 
do rei : 

Dom Pedro est cunhado dei rei 
que chegou ora aqui de Aragão. . . 



Muy ledo seendo Ira cantara seus lays 
a sa lidice pouco lhe durou. 



O trovador que apoda D. Pedro, é Fernão Rodrigues Redondo, também anterior à corte 
de D. Diniz. 1 Portanto cremos que este D. Pedro, que chegara de Aragão, era o infante por- 
tuguez desterrado, que casara com a condessa de Urgel, e que tendo em 1229 acompanha- 
do Jayme i de Aragão á tomada de Mayorca, lhe foi dado o senhorio d'esta conquista. Assim 
por essa passagem da canção de Aflbnso ix se descobre a existência de mais um trovador 
portuguez, cujas composições existirão talvez innominadas no Cancioneiro da Ajuda. A for- 
ma poética de que usava, o lay, corresponde ao género de cantares da Cornoalha, de que 
falia Gonçalo Eanes do Vinhal, que vivera também em Aragão, e casara em Cardonha. Po- 
de-se dizer que no fim do reinado de Aflbnso in actuava na corte portugueza o gosto da es- 
cola de Aragão. N'um fragmento de canção do códice da Ajuda, apparece a palavra Guar- 
vaya, que consideramos como um vestígio do regimen dos menestréis bretões, que n'esta 

época se procurou imitar : 

E mia senor, des aquel dia y 
me foy a mi muy mal, 
e vós filha de don Paay 
Moniz; e ben vos semelha 
d'aver eu por vós guarvaya; 
pois eu, mia senor, cTalfaya 
nunca de vós ouve nem ey 
valia de uma corroa. (Trov. e Cant., frag. g.J 

Alguns jograes bearnezes figuram no Cancioneiro da Vaticana com trovas portuguezas ; 
tal é Pêro de Veer, (Bear) que em uma das suas canções no gosto popular se refere à povoa- 
ção basca de Juilham : 

Quando s'el ouve de Juilham a hir 
fiquei, fremosa. por vos non mentir, 
pequena e d el namorada. (n.° 720.) 

' fíisl. d'Espagne f t iv, p. 314. 
Era fácil o equivoco com o Conde D. Pedro, se se considerasse a canção 68 de Aflbnso xi. 



L1V OS JOGRAES DE SEGREL (CAP. III 

Des que o vy em Juilham um dia 
ja me non leixam como sova 
a santa Maria hir. (n.° 723.) 

Na canção 1045 de Ruy Paes de Ribela, também na forma tradicional de serranilha, can- 
ta-se uma dama vasconça : 

A donzela de Bizcaia 
ainda a mha preito saia 
de noyte ao luar. 

Era o coouro de Biscaya, que andava na casa de Haro, similhante aos gouril da Breta- 
nha, o que o trovador aqui rogava. A canção 415 de PeuYEn Solaz, traz um refrem, Lelia 
E doy lelia, que é o eterno leloa y tão característico dos bascos como o alaldla gallego* Estas 
relações dos trovadores da Navarra, do Béarn, da Biscaya e da Galliza, renovando- o elemen- 
to ethnico commum á região da antiga Aquitania, vieram despertar a tradição de um lyris- 
mo esquecido entre o povo, e até então despresado pelos trovadores, lyrismo que deu todo 
o esplendor á escola galleziana, e que no reinado de D. Diniz veiu a ser imitado pela aristo- 
cracia a ponto de ser colligido nos Cancioneiros. A causa por que a corte de A (To aso ni foi 
muito visitada por trovadores de todos os pontos de Hespanha explica-se pela situação es- 
pecial em que se achava a península, devastada pelos monarchas que se invadiam, derrota- 
da de arvoredos e de verdura ás vezes no circuito de vinte léguas em uma só algarada con- 
tra os mouros ; a peninsula agrícola dos árabes estava estéril, e a miséria era a companheira 
do trabalho. Os que sabiam cantar e tocar, montavam a cavai lo e visitavam as numerosas 
cortes independentes, os burgos, lisonjeando os ódios dynasticos com as sirventes pessoaes 
e politicas. Foi assim que se creou uma grande classe de trovadores, a que se deu o nome 
de Segrel. A affluencia d'estes cavalleiros cantores era tanta que D. Affonso in teve de regu- 
lar o numero dos que eram sustentados no paço, no Regimento da sua Casa. 

Em uma tenção travada entre Abril Peres, fidalgo do partido de D. Affonso m, e D. Ber- 
naldo de Bonaval, designado em uma rubrica do Canciqneiro «prymeiro trobador» (n.° 653) 
discute-se as differenças que existem entre o trovador e segrel: 

. . . non digades que hides amar 
boa dona, ca vos noa é mester, 
de dizerdes de bona dona mal, 
ca bem sabemos don Bernalfo, qual 
senhor sol sempr'a servir Segrel. 

Em uma tenção de João Soares Coelho ao jogral Picandon, (n.° 1021) este defende-se : 

gramdereyfey de gaanhar does 
e de seer em corte tan preçado 
como segrel que diga mui bem vez, 
en canções, e cobras e Sirventes. . . 

João Soares, por me deostardes 
non perc'eu por esso mha jograria 
e a vós, senhor, melhor estaria 
d'a tod'ome de segrel bem buscardes; 
ca eu sey canções muytas, e canto bem, 
e guardo-me de todo jalimen, 
e cantarey cada que me mandardes. 

No Regimento da Casa de D. Affonso rn, em que se estabelece o numero de jograes que 
pôde sustentar, distingue o segrel dos outros jograes, por ser trovador de cavallo que vem 
de outras terras e a quem o rei pôde dar até cem maravedis. A variedade de canções do 
Cancioneiro da Vaticana compostas por trovadores gallegos, asturianos, leonezes, arago- 
nezes, navarros e castelhanos, prova-nos que a corte portugueza era a mais procurada pe- 
los Segreis, ou trovadores da aventura. Os trovadores provençaes detestavam este atrevi- 
mento dos Segreis se chamarem trovadores, e Giraud de Requier em uma queixa em verso 
feita a Affonso o Sábio em 1275 accusa a invasão das classes intimas que repetiam por toda 
a parte as canções provençalescas ; este trovador queria que o monarcha estabelecesse uma 
mais justa classificação dos que versificavam, recitavam ou arremedavam. A distincção ado- 
ptada por Affonso o Sábio em Jograes, Arremedadlpres e Segreis, é a mesma que se encon- 
tra no Regimento da Casa de D. Affonso m, anterior á canção de Riquier. Diz este : 

Hom apela joglars ' 

totz seis deis esturments 
E ais contrafazens 



CAP. Ill) TROVADORES DESCONHECIDOS LV 

Ditz hom remendadores ; 
E ditz ais trobadors 
Segriers por totas corlz. . .* 

«Chama-se jogral a todos os que tocam instrumentos; e diz-se Arremedador os que con- 
trafazem alguém ; e os trovadores que vão por todas as curtes Segreis.» Tal é o costume de 
Hespanha; acrescenta Riquier : «aqui o nome dá a medida do talento, mas na Provença to- 
dos se chamam jograes.» Como análoga á forma dos Arremedador es, já n'um documento de 
D. Sancho i se cita uma peagem de um Árremedilho que pagavam Bon Amis e Acompania- 
do; entre as canções de mal dizer citam-se vários jograes que mal sabem cantar e rascar no 
citolon ; como segreis podem ser considerados na maior parte os trovadores estrangeiros, 
cujas canções se guardam no códice da Vaticana. No Cancioneiro de D. Diniz não se cita uma 
só vez a designação de Segrel, signal que decahira de uso, embora innumeros trovadores de 
cavai lo visitassem a sua corte. 1 

Entre os numerosos trovadores da collecção da Vaticana, que se deve considerar como 
um Cancioneiro geral da península com que se demonstra a extensão da língua portugueza, 
pode-se tentar um esboço de classificação chronologica. Basta tomar o nome dos trovadores 
de uma antiguidade reconhecida e agrupar em volta d'elles os nomes dos outros trovado- 
res citados nas suas canções. Uma canção de AObnso ix de Castella e de Leão, diz que 
Pêro da Ponte furtara os cantares de Affonso Eanes de Cotom, já fallecido ; nas canções de 
Pêro da Ponte acham-se duas datas bem claras, 1236, em que celebra a morte da rainha 
D. Beatriz, primeira mulher de Fernando o Santo, e a morte cTeste monarcha em 1252. As- 
sim fica demonstrada a antiguidade de todos os trovadores citados por Cotom nos seus ver- 
sos; taes são Sueyro Eanes e Mestre Incholas. Do primeiro diz em uma sirvente, defenden- 
do-o contra os que o accusavam de não saber versificar : 

Sueyiw Eanes, um vosso cantar 
nos veo agora um jograr dizer, 
e todos foram polo desfazer; 
e punhey eu de vol-o em par ar. . . 

E outro trovador ar quis travar 
en huã cobra, mais por voss'amor 
emparey-vol-eu; non justeis melhor 
que a cobra rimava en hun logar 
e dixel: Poys por que rimos aqui? 
e dix'eu : de pram nos diss'el assy 
mais tenho que x'a errou o jogral. (n.° 1117.) 

Nas canções de Pêro da Ponte o trovador Soeyro Eanes é também apodado não só por ver- 
sificar mal, mas por saber-se vingar em canções de mal dizer, e em perceber as ironias que 

lhe dirigem: 

Entendestes hun dia anfel rey 
como vos meteran en hun cantar, 
polo peyor trobador que eu sey, 
esto s'a vós nunca pode negar. . . (n.° 1184.) 

Qual era o monarcha cuja corte frequentava o trovador Sueyro Eanes ? Pela canção 1 1 70 
Pêro da Ponte dá-o a entender, referindo-se a um género poético usado na corte de Aragão : 

cà Suer'Eanes nunca lhi fal 
razon des que el despagado vay, 
en que lhi troba tan mal e tan lay, 
porque o outro sempre lhi quer mal 

* Ap. Dica, Les Troubadours, p. 409. 

v Nos nossos primeiros estudos derivámos a palavra Segrel da forma poética litúrgica Secrelela, empre- 
gada no Balionaíe de Durand c nos Capitulares ae Carlos magno. {Trovadores galecio-porlugueits, p. 152.) O 
caracter da recitação em voz baixa, fazia-nos estabelecer a relação entre o Segrel como cantor da Secrelela 
e esta forma que uma vez apparece usada por Montalvo nas Sergas de Esplandian. Mas Leis de Galles acba-se 
estabelecido que o bardo da corte deve cantar em vos baixa ou em segredo : «Wtien the gueen shall tffll to 
bear a song in her chamber, let the Bard of bousehold sing to her three elaborate songs m a moderale voi- 
ce, so as not disturb the hal.« (Ancienl Laws and Jnstilules of Wales, p. 188. Ed. 1841.) Considerando as nos- 
sas relações com a Àllemanha pelo casamento de Bcrengaría, irmã de D. Affonso u com Waldemar n^ rei de 
Dinamarca, e pelo casamento de Leonor, irmã de D. Sancho n com um filho de Margarida de Bohemia, pri- 
meira esposa aaquelle monarcha, concluímos que a designação de Segrel é uma corrupção da palavra alle- 
mã Singer, com que eram denominados os que faziam profissão de cantarem canções provençaes, os Minne- 
singers. Affonso o Sábio, que deu o maior desenvolvimento á poesia trobadoresca na corte de Castella, era 
fllho de uma aJlemà Beatriz de Suabia, e é na sua corte que se adopta a distineção entre jogral e Segrel, por 
isso mesmo que as classes dos cantores provençaes estavam confundidas. Tanto para a poesia portuguesa co- 
mo castelhana existe uma intima connexao histórica, base indispensável de toda a etymoiogia que nao é evi- 
dente. 



LVl ENUMERAÇÃO DOS TROVADORES AFFONSINOS (CAP. III 

Na canção 1 1 79 diz Pêro da Ponte, que a musica feita às canções de Sueyro Eanes é tão 
boa, que por isso appetece cantar as suas coplas apesar de más: 

Ca lhi troban en tan bon son, 
que non poderian melhor, 
e por esto avemos sabor 
de lbi as cantigas cantar. • . 

As canções de Sueyro Eanes não foram colligidas, por ventura pela antiguidade d'este 
trovador, que o próprio Cotom apodava. O outro trovador citado por Gotom é Meestre Incho- 
lâs, ou Nicoláo, que frequentou a escola de medicina de Montpelier: 

Meestre Incholás a meu cuydar 
é muy boo físico por non saber 
el a suas gentes ben cuarecer, 
mais vejo-lhi capelo d ultramar; 
e traj'al uso ben de Monpiller, 
e latim como qual clérigo quer, 
entende, mais non o sabe tornar. 

E sabe seus livros sigo trager 
como meestre sabe-os catar 
e sab'o8 cadernos ben cantar. . • 

Explorando este systema das relações dos trovadores, agrupamos em volta de Pêro da 
Ponte, Bernaldo de Bonaval, deduzindo por encadeamento os seguintes contemporâneos, 
Fernão Rodrigues Redondo, o Infante D. Pedro de Portugal, cunhado do rei de Aragão, Ay- 
ras Peres Vuyturon, João Baveca, Pedr'Amigo de Sevilha, Pêro d^Vmbroa, João Soares Coe- 
lho, Pedr'En Solaz, Lourenço jograr, Pêro d'Arméa, Pêro Garcia Burgalez, Ruy Paes de Ri- 
bela, João Vasques, João Garcia, João de Guylhade, João Servando, Rodrigo Eanes, Roy 
Queymado, Martim jograr, Martim Moxa, Affonso Gomes, jograr de Sarria, Ayras Veaz, João 
Lobeira, Ruy Martins do Casal, Pêro Martins, (Julião Bolseyro, Mem Rodrigues Tenoyro), Die- 
go Pezelho, João Soares de Payva, Fernão Garcia Esgaravunha, João Martins, Vasco Fernan- 
des de Praga, Estevam Annes de Valadares, Fernão Fernandes Cogominho/Abril Perez, Pi- 
candon, Stevam Reymondo, Affonso Lopes de Bayão, Payo Gomes Charrinho, Pêro Gomes 
Barroso, João Soares de Panha, e D. João de Aboim. 

Todos estes trovadores pertencem indubitavelmente à época de D. Affonso ra, porque 
nas suas canções se encontram referencias a mútuos interesses pessoaes. João Martins era 
Alvasil de Santarém em 1238. As canções de João Garcia estão perdidas, postoque muitas 
canções alludem ao seu talento; em um documento de 1239 assigna como testemunha uma 
doação à ordem de San Thiago; João Lobeira, assigna como testemunha do testamento do 
Bispo de Lisboa Airas Veaz, de 1 258 ; Abril Perez figura na Lide do Porto era 1 245, e Stevam 
Raymundo era um dos mais ardentes partidários de D. Affonso ni, e portanto florescendo por 
1246. Com menos dalas se podia lixar com certesa a época d'csles trovadores, que pelo 
nosso processo consideramos como pre-dionisios, isto é, uns pertencendo á escola gallega na 
sua maior extensão (Galliza, Navarra, Leão) e estes são os segreis, outros imitando o gosto 
provençal do norte da França, e são os partidários de D. Affonso in que estiveram com elle 
na corte de S. Luiz. 1 

Santarém tornou-se o centro poético do cyclo pre-dionisio. A existência de numerosas 
canções portuguezas revelam uma vida palaciana de serões e festas, de intrigas e anedoctas 
de corte e de ambições em um período já sedentário, diíQcil de conciliar com os trabalhos 
de conquista no Algarve, de povoação pelo regimen foraleiro, e de condidos com a corte de 
Castella e com as ambições de Roma. O Cancioneiro da Ajuda e parte da collecção da Vati- 
cana são uma prova de que existiu esse viver sedentário de uma corte faustuosa, capaz de 
compelir com a aragoneza e castelhana. D. Affonso m depois de haver extinguido em Portu- 
gal o domínio dos Árabes com a conquista do Algarve, tendo de procrastinar as ambições da 
cúria romana e a indisposição da fidalguia que não queria nem as inquirições nem os foraes, 
fingiu-se doente, à maneira de Luiz xi de França, e passava a maior parte do tempo na ca- 
ma como se estivesse entrevado. Assim adiava as audiências regias e as concessões. Segun- 
do um manifesto de D. Diniz se lé : que «avia bem catorze (annos) que el rey Dom Affonso 
jazia em huma cama, e que se nom podia levantar.» 9 Embora se não acceite este tempo 
no rigor da phrase, é certo que D. Affonso in, como valetudinário e vivendo recolhido, dava 
azo a que os seus mais Íntimos privados se ajuntassem em volta d'elle para o distrahir. Os 

1 Alguns (Testes trovadores continuam a figurar na corte de D. Diniz, como D. João de Aboim, João Soa- 
res Coelho e Ayras Peres Vuyturon. 

' Torre do Tombo, 0. 13, M. 11, n.° 12.— Apud Herculano, Hisl. dePorl.. t. m, not. xn, p. 418. 



CAP. IV) SANTARÉM, CENTRO POÉTICO LVH 

quatorze annos de entrevamenlo, de que falia D. Diniz, começam a contar-se de 1264 até 
1278. O Tacto de D. Affonso m dar a seu fllho um mestre de poesia provençal, mestre Ay- 
raeric d Ebrard, de Cabors, revela a necessidade (Testes divertimentos palacianos, em que 
o príncipe fora educado, e a rivalidade com a corte de Affonso o Sábio, seu sogro. Affonso in 
residia em Lisboa, mas as idas a Santarém eram como as suas ferias politicas. No Cancioneiro 
da Ajuda encontram-se estribilhos allusivos á vida de galanteios em Santarém : 

Todo este mal soffro e soffri 
des que me vim de Santarém. 1 

Em uma Sirvente contra João Soares Coelho pelo trovador que apodou os Alcaides trai- 
dores, se lé : 

E se vós de trobar sabor avedes 
aqui trobades e faredes hi sen, 
en o beote, cabo Santarém 
ca nossos juizes que nos queremos 
ca bem trobamos d'escarnn'e d'amor, 
mais 3e avedes de trobar sabor 
Martin AlveTó aqui con que trobedes. (n.° 1092.) 

Uma canção de Stevam Fernandes Barreto ainda allude ás intrigas palacianas entre Ruy 
Pacies e Fernam Dade «cada que el vem a Santarém.» (n.° 1 144.) 

Pela nota de Bembo no índice dos trovadores do Códice de Colocci, vê-se que D. Affon- 
so ih, pae de D. Diniz, era- também poeta. Não é inverosímil esta observação, postoque seja 
hoje impossível veriílcal-a. D. Affonso m, como todos os reis das cortes peninsulares, obe- 
decia à moda do tempo, à valentia cavalheiresca alliava a maestria amorosa ; na corte poé- 
tica de S. Luiz este dote tornava-o tão respeitável e sympathico como a sua bravura. Pelo 
Índice do Códice de Colocci, acceilando a sigla de Bembo, existiam de Affonso ih onze can- 
tões n'aquelle perdido monumento ; nós porém consideramos que se realmente Affonso ni 
foi trovador, como seu filho e netos, muitas das suas canções devem existir innominadas 
no códice hoje designado Cancioneiro da Ajuda. De facto, n'este Cancioneiro existem as 
provas de que é anterior ao cyclo dionisio; não apparecem ali os géneros poéticos de ori- 
gem popular, como as serranilhas, os cantos de ledino, e os cantares de amigo; não appa- 
rece a designação de segrel, nem vestígio de influencia jogralesca ; por outro lado abundam 
os vestígios do gosto francez, como a celebre canção de estribilho : Or sachaz veroyement, etc. 
e o outro fragmento, que traz a palavra guarvayp,; as formas poéticas são caprichosamente 
artificiosas, como as combinações de lexaprem e de mansobre; existem vestigios de factos 
históricos bastante antigos, como a canção de estribilho : Ay, Sentirigo, etc. 

É frequente a referencia das canções à permanência da curte em Santarém, como suc- 
cedeu no tempo de Affonso ni; e a sirvente contra Affonso x, de Castella, comparado na sua 
força e versatilidade ao mar, sabendo-se das lutas diplomáticas entre elle e o monarcha por- 
tuguez acerca do senhorio do Algarve, vem acabar de provar que o Ccmcioneiro da Ajuda 
pertence á corte de Affonso m. Esta collecção formou-se para comprazer com o gosto de 
D. Diniz, que estudava os segredos da arte provençal, porque no corte das folhas do perga- 
minho se lé : Rei Dom Diniz ; mas a falia da musica no pentagramma e das assignaturas nas 
canções, provam-nos que a organisação d'este Cancioneiro foi interrompida por causa de 
uma nova phase de gosto poético, que se deu sob a influencia de D. Diniz, pela vinda de 
muitos jograes aragonezes e leonezes que se fixaram na sua corte. 



CAPITULO IV 
A POESIA PROVENÇAL NA CORTE DE DOM DINIZ 

(PERÍODO UM0S1N0. 1279-1325) 

A decadência da poesia provençal, assignada por Diez entre 1250 e 1290, coincide com 
o maior fervor de imitação artística nas cortes peninsulares; é este o período de esplendor 
e fecundidade da nossa poesia cortezâ. D. Diniz amava o passado, que se debatia com o es- 

1 Canc. da Ajuda. (Ed. Trov. t n.« 121.) 

H 



LVIII EDUCAÇÃO ERUDITA DE D. DINIZ (CAP. IV 

pirilo novo da burguezia, e assim como quiz conservar os Templários com o nome de Ca- 
valleiros de Christo, também quiz continuar o costume das galanterias provençalescas, quan- 
do a Europa entrava jà em outra ordem de interesses. As causas conhecidas da decadência 
da poesia occitanica foram : o triumpbo da nefanda cruzada contra os Albigenses, a fundação 
da Universidade de Tolosa na qual era prohibido fallar-se a lingua d'Oc, e o apparecimento 
da nova poesia italiana, cuja superioridade se revelou em Dante. El-rei D. Diniz estabele- 
cendo em Portugal o rito romano de preferencia ao rito mosarabe, extinguiu a egreja na- 
cional banindo assim a poesia popular; fundando a Universidade de Coimbra, subordinada 
à disciplina clerical; por isso que era dotada por um bispo, viciava o sentimento social da secu - 
larisação do ensino que inspirara a creação das recentes Universidades; para que o lyrismo 
desabrochasse com o mesmo vigor que em Itália, era preciso que uma philosophia idealista 
como o neo-platonismo, desenvolvesse as especulações, illuminando os problemas subjecti- 
vos da passividade do amor ; porém entre nós prevalecia o aristotelismo averroista, dialé- 
ctico, casuístico, e exercitado na apologética dos claustros, e por isso em religião não tive- 
mos mysticos como os poetas da Ombria, nem lyricos coroo os Fieis de Amor. Como a leste 
da Hespanha e em Valença continuava a imitação provençalesca animada pelos trovadores 
ali refugiados, em Portugal continuou-se também esse uso palaciano, já por uma certa riva- 
lidade monarchica, jà por efíeito da educação antiquada de D. Diniz. Creando a marinha 
porlugueza, D. Diniz teve relações mais intimas com as republicas italianas, mas o conheci- 
mento dos seus lyricos, que transformou a poesia castelhana, só se manifesta em Portugal 
no meado do século xv. Ha em tudo isto certas contradições de quem não comprehendeu 
bem o seu tempo, e, sem o sabei-, serviu a reacção religiosa e cesarista contra a primeira 
Renascença. _ 

Nasceu D. Diniz a 9 de outubro de 1261 ; seu pae D. Aflbnso m, era trovador, e seu avô 
Aflbnso o Sábio era o principal trovador da escola de Castella. Quando Affonso in andava em 
luta com Affonso o Sábio sobre o senhorio do Algarve, foi o infante portuguez à corte de seu 
avô em edade, é certo, em que ainda não podia apreciar a poesia, mas em que podia rece- 
ber a impressão deslumbrante dos costumes que poz em pratica no seu reinado. Foi talvez 
por este tempo que veiu para Portugal o Livro das Trovas de El rei Dom Affonso, compila- 
do por F. de Montemor, que no século xv ainda se guardava na livraria de el rei D. Duarte. 
D. Aflbnso m, vivera bastantes annos na corte franceza onde florescia o trovador Conde de 
Champagne, e onde a poesia era um passatempo com que se lisongeava Branca de Castella ; 
isto levou o monarcha a escolher um mestre francez para seu filho. historiador Schaeffer 
comprehendeu a importância d'este facto: «Aflbnso escolheu mestres em França, paiz onde 
as sciencias e a illustração haviam feito bastantes progressos. A sua permanência n'aquelle 
reino tornou-lhe fácil a escolha de mestres convenientes. Foram certamente elles que accen- 
deram no joven príncipe tão impressionavel amor pela poesia.» 1 Nos versos de D. Diniz co- 
nhece-se a -imitação directa da poesia occitanica, porque elle é o único trovador portuguez 
que faz referencia d maneira de proençal, e que elogia as trovas amorosas dos provençaes. 
Segundo alguns vestígios históricos, foi seu mestre Aymeric d'Ebrard, de Cabors, nomeado 
pelo seu discípulo Bispo de Coimbra. 1 Em Portugal temos as três designações mais frequen- 
tes com que se denominava a poesia dos trovadores : limosina, averneza e provençal. Nás 
canções de el-rei D. Diniz apparece duas vezes empregado este ultimo nome, como indican- 
do a corrente artificial e litteraria que o dirigira nos seus primeiros annos : 

Quer'eu em maneira de Provençal, 

fazer agora um cantar de amor. . . (n.° 123.J 

Provençaes soem mui bem de trovar, 

e dizem elles que é con amor. . . (n.° 127.) 

No século rvi, ainda Sà de Miranda, tendo ido à Itália e conhecido ali a tradição de Sor- 
dello, de Nicolao de Turin, Bartholomeu Zorgui e Lefranc Cicala, trovadores da escola de 
Montferrat, ramificação da grande escola de Provença, repele a mesma denominação usada 

« Hisl. de PorL, Liv. ir, cap. i. g !.• 

• Nas Noticias chronologicas da Universidade^ p. 5, g 10, escreve Leitào Ferreira: « Sendo ainda Infante 
este príncipe teve por mestre na soa educação a D. Américo, de nação francez, a quem, tanto que subiu ao 
tnrono e empunhou o sceptro, premiou o magistério com o Bispado de Coimbra. Era D. Américo varão insi- 
gne em letras divinas e humanas, e da sua singular doutrina e virtuosas instrucções aprendeu D. Diniz a amar 
as sciencias e a cultivar as Musas.» chronista Brandão também repete, acerca de Américo: « Que se presu- 
me haver sido mestre de el-rei D. Diniz.» Mon. Luzit., t. v, p. 382.— Ferdinand Denis, no seu livro Portugal, 
P-. 22, not. 2, diz que Aymeric era fllho de Guilherme dTbrard, senhor de S. Sulpicio; segundo se lé no Or- 
ou (mpsltanus, edificara um mosteiro no valle de Paradis d'Espaghac, em Cabors, onde foi sepultado, tendo 
morrido a 4 de dezembro de 1294. 



CAP. IV) O CASAMENTO DE D. DINIZ LIX 

por D. Diniz: «Eu digo os Proençaes, que inda se sente — som dos brandos versos que 
entoaram. . .» Nunes de Leão, referindo-se ao achado do Cancioneiro de D. Diniz, em Roma, 
antes de 1558, diz d'este monarcha, ser: «quasi o primeiro que na língua portugfueza sabe- 
mos escreveu versos, e que elle e os d'aquelle tempo começaram a fazer à imitação dos 
Avernos e Provençaes. . . »' Á escola de Auvergne pertenceram Gavaudan o Velho, que allu- 
de a Portugal, e Peire Cardinal que metriQcou a fabula da Chuva de Maio, que Duarte da 
Gama, Sà de Miranda e D. Francisco Manuel conservaram na litteratura portugueza. Mar- 
quez de Santillana, na Carta ao Condestavel de Portugal, fatiando da metrificação dos valen- 
cianos, diz que trocaram o verso popular pelo endecasyllabo « de diez syllabas d la manera 
de los Limosis». Esta metrificação caracterisa a primeira época poética de D. Diniz, como as 
imitações populares em redondilhas de serranas, alvoradas e cantares de amigo, represen- 
tam o seu pleno desenvolvimento litterario. citado Marquez tinha para si que a poesia oc- 
citanica entrara na Península pela communicação da escola de Limoges : « Estenderam-se, 
creio, d*aquellas terras e comarcas dos Limosinos, estas artes aos Gallaicos, e a esta ultima 
e occidental parte, que é a nossa Ilespanha, onde assas prudente e formosamente se têm 
usado.» D'esta supposta origem veiu a ser vulgarissima na Península a designação de poe- 
sia limosina; a opinião só é acceitavel no ponto em que Limoges é uma ramificação da es- 
cola ethnica da Aquitania, que o próprio Marquez considera como a que se antepuzera a to- 
das as outras nações em solemnisar e dar honra a estas artes. Á Aquitania pertencia Aimeric 
d'Ebrard, mestre de D. Diniz. 

Outra circumstancia que actuou sobre a educação poética do joven príncipe, foram os 
annos de valetudinário que seu pae D. Affonso in passou no palácio de Lisboa, que tornaram 
estes passatempos necessários aos hábitos sedentários da corte. Quando deu casa a D. Diniz, 
entre os fidalgos que assignou para o seu serviço contam-se alguns trovadores, como João 
Velho e Martira Peres, por ventura o d 1 Alvim. D. Diniz subiu ao throno em 1279; o celebre 
trovador D. João de Aboim assistia com a mãe do joven monarcha a uma espécie de regên- 
cia; D. Diniz quiz a sua independência e cTaqui resultou o malquistar-se algum tanto com 
Aflbnso o Sábio. D. Diniz tinha uma organisação sensual; os seus conselheiros induziam-no 
a que garantisse a coroa dos perigos das bastardias, casando-se. Por esta nova alliança tor- 
nou-se mais activa a influencia provençal: D. Diniz casou com Izabel, filha de Constança de 
Nápoles e de Pedro in de Aragão; o lio (Testa infanta, D. Sancho, era o Conde de Provença. 9 
frestas duas cortes encontrou sempre a poesia provençal férvidos cultores. Em uma planh 
de João Jograr (n.° 708), allude-se à protecção que el-rei D. Diniz dava aos trovadores de 
Leão, de Castella e de Aragão ; o seu casamento influiu em uma communicação directa com 
a Provença. Mas os primeiros annos do seu reinado foram perturbados com as pretensões de 
seu irmão D. Affonso, nascido a 8 de fevereiro de 1263, o qual sustentava que lhe pertencia 
o throno, por ter nascido quando o casamento de seu pae D. Affonso ni com a Condessa de 
Bolonha já se achava dissolvido pelo papa. D. Diniz nascera quando o divorcio ainda pendia 
do ajuste com a cúria romana; o mais notável é que a rainha patrocinava estas pretensões 
que se apoiavam em uma mancebia prévia. A conquista do território portuguez estava con- 
summada, e a éra de paz, que caracterisa o seu reinado, reflecte-se no desenvolvimento da 
poesia popular, por isso que floresceu a agricultura, e no gosto da poesia palaciana, porque 
se disciplinou a instrucção com o estabelecimento da Universidade. 

Pelo numero, variedade e belleza das canções, el-rei D. Diniz é o principal trovador. Ne- 
nhum monarcha da Europa foi tão fecundo, se tirarmos a de fora seu avô Affonso o Sábio, de 
Castella. Basta o facto eloquente do seu Cancioneiro, para se deduzir como em volta d'elle 
se organisou uma corte litteraria, onde, pelo conhecimento de todos os segredos da Maes- 
tria provençal, todos competiram na aristocracia para se mostrarem mais sabedores, mais 
artificiosos e conseguirem assim o agrado do monarcha. As canções de D. Diniz não estão de 
accordo com a sua situação moral; emquanto os trovadores se annullam com a mais profun- 
da passividade diante da sua dama, e occultam o nome d'ella como de um segredo magico 
que assim como é a felicidade pôde ser também a sua desgraça, el-rei D. Diniz tinha re- 
lações particulares com muitas damas, que na phrase nobiliarchica do tempo gançavam, e 
de quem tinha bastardos que fazia Condes. É por isso que a historia contrasta com o senti- 
mento poético de canções, como .esta: 

Oy mays quer*eu já leixal-o trobar 
e quero-me desamparar d'amor, 
o quer'ir algunha terra buscar 

• Chr. dos Reis dê Portugal. P. i, t n, p. 76. 

* Monarch. Lusil., t. n, p. 152. 



LX artifícios provençalescos, e cortes de amor (cap. IV 

ha nunca possa seer sabedor 

ela de mi, nem eu de mha senhor, 

poys que lh'é, d'eu viver aqui, pesar. (n.° 81.) 

monarcha procedia n'isto como verdadeiro artista, e de facto as suas canções têm pen- 
samento ; elle não desconhece que pôde ser mal explicada a sua inspiração e é o primeiro a 
defender-se contra a perfídia de algumas damas que não querem acceder à linguagem se- 

ductora : 

Senhor, dizem- vos por meu mal 
que non trobo con voss'amor, 
mays c'amey de trobar sabor; 
e non mi valha deus, nem ai 

se eu trobo por m'en pagar, 

mays faz-me voss'amor trobar. (n.° 92.) 

O artificio provençalesco, umas vezes dá-se na forma strophica, outras no encadeamento 
das estancias, na disposição da rima, e às vezes até na repetição das palavras: 

Quix ben, amigus, e quefe querrey, 
hunha mulher que me quix e quer mal, 
e querrá, mays vos direi eu qual 
a mulher; mays tanto vos direy : 
^ quix ben e quer, e querrey tal mulher 

que mequis mal sempre, querrá e quer. (n.°i39.) 

Eis o retornello no centro da canção, que começa sempre pela mesma palavra : 

Nunca vos ousey a dizer 
o gram bem que vos sey querer, 
senhor d? este meu coração; 
mays a que m'en vossa vrison 
de que vos praz de mi fazer. 

Nunca vos dixi nulha rem 
de quanto mal mi por vós ven, 
senhor d* este meu coraçon 
mays a que m'en vossa mrison 
de mi fazerdes mal ou ben. 

Nunca vos ousey a contar 
mal que mi fazedes levar, 
senhor d? este meu coraçon ; 
mays a que m'é vossa prison 
de me guarir ou de me matar. (n.° 139.) 

Na canção 188, o artificio está na repetição do estribilho no meio e fim da strophe, e na 

repetição de palavra : 

Quisera vosco falar de grado, 
ay meu amigo e meu namorado, 
mays non ous'oj'eu com vosc'a falar, 
ca ey muy aram medo do hirado, 
hirad aja deus quem Ihi foy dar. 

Às canções 176, 179 e 180 são dialogadas entre o trovador e a sua dama ; se estas can- 
ções de que apparecem algumas amostras no Cancioneiro se recitassem a duo, como se no- 
ta em uma endeixa de Sá de Miranda, ainda da escola velha, em que se conservava o gosto 
tradicional, enlão póde-se concluir que na corte de D. Diniz se conheceram os divertimentos 
dramáticos. Este género, segundo o Jocs-partitz, da escola limosina, tornava-se também ca- 
jsuistico, e portanto era uma parle obrigada das Cortes de Amor. Uma canção de Joham Ay- 
ras, burguez de San Thiago, (n.° 597) allude directamente ao divertimento das Cartes de 
Amor em Portugal : 

O meu amigo novas sabe já 
d'aquestas Cortes que s'ora faram, 
ricas e nobres dizem que seram; 
e meu amigo bem sey que fará 
hum cantar em que dirá de mi bem, 
ou fará ou já o feyto tem. . . 
En aquestas Cartes que faz El rey 
loarà mi e meu parecer, 
e dirá quanto bem poder dizer 
de mim, amigas, e fará bem sey 
hum cantar. . . 



CAP. IV) OS VOTOS DAS CRUZADAS LXI 

João Ayras, de San Thiago, florescia na corte de D. Diniz e elle mesmo na canção 631 al- 
ludc á sua permanência em Portugal : 

Disserom-m'ora, se deus mi perdon', 
que vos trage doas de Portugal . . . 

Indubitavelmente o costume provençal das Cortes de Amor foi também imitado na corte 
de D. Diniz, e a esse divertimento pertencem as canções dialogadas, como a canção 606 do 
citado jogral gallego. 

Épossivel que nem todas as canções que estão em nome de el-rei D. Diniz sejam d'elle; 
algumas referem situações que só por muito artificio de imitação podia o monarcha descre- 
veras, como esta : 

Amiga, muyfa grara sazom 
que se foy cfaqui com el rey 
meu amigo; mays já cuydey 
mil vezes no meu coraçon 
que algur morreu com pesar, 
poys non tornou migo a falar. (n.° 157.) 

Por outro lado em todo o grupo das canções do monarcha sente-se a sua reserva em 
nunca referir um nome de trovador contemporâneo, ou mesmo de dama da sua corte. 
N'esta canção, allude-se a uma expedição do monarcha, que nunca teve guerra e foi nota- 
velmente pacificador. Em 1297 concluiu-se um tratado entre Portugal e Castella, e em 1304 
el-rei D. Diniz fez uma viagem a Castella para servir de árbitro entre D. Fernando e D. Jay- 
me de Aragão. É esta a expedição alludida; na canção 159 também se repete: 

Dos que ora son na oste, 
amiga, queria saber 
se se verram tard'ou toste, 
por quanto vos quero dizer, 

porque é lá meu amigo. 

É frequentíssima a allusão entre os diversos cantares de amigo ao facto de el-rei chamar 
os namorados ou de os demorar em campanha. Serve isto para estabelecer que o predomí- 
nio da escola gallega começou no principio do século xiv. 

Como discípulo dos trovadores, D. Diniz imitava em tudo os modos exteriores da 
poesia occitanica ; jà estavam acabadas as cruzadas da terra santa, mas à imitação de Luiz vu, 
de Luiz ix, de Ricardo Coração de Leão, o monarcha portuguez queria cumprir esses trans- 
portes a que levava a nova maestria, emprehendendo a heróica romagem. costume das 
peregrinações estava arraigado na edade media, e o seguil-o dava um tom cavalheiresco e 
poético aos grandes monarchas ; no Testamenlo de el-rei D. Diniz encontramos uma clausula 
que explica o sentido de muitas canções do códice da Vaticana: «Item, mando que hum ca- 
valleiro, que seja homem de boa vida e de verguença, que và por mi aa Cruzada Santa 
d'Ultramar, e que estee hi per dous annos compridos se a cruzada for servindo a Deus, por 
minha alma. . .»* N'uma canção de Pêro da Ponte, (n.° 1 176) allude-se a esta compra de pe- 
nitencia : 

Maria Perez, a vossa cruzada 
quando veo da terra d'Ultrainar 
assy veo de perdon carregada... 

Uma canção de Pêro Amigo, de Sevilha, (n.° 1 195) satyrisa os que acceitavam estas com- 
missões de penitencia, e simulavam que partiam para Jerusalém; era por uma burla does- 
tas que apodavam o jogral Pêro d 1 Ambroa : 

Quem nVora quizesse cruzar, 
bcn assy poderia hyr 
ben como foy a Ultramar 
Pêro d* Ambroa deus servir; 
morar tanto quant'el morou 
na melhor rua que achou 
e dizer : —Venho d'Ultramar, etc. 

Nos trovadores gallezianos é frequente a allusão à romaria de San Thiago; era a devoção 
nacional da península, e as tradições populares tornavam-no um heroe épico das batalhas da 

1 Provas da fíisl. genealógica, 1. 1, p. 101. 



LXII ÀS ROMAGENS Á SAN THIAGO (CAP. IV 

reconquista christa. Em uma canção de Payo Gomes Charrinho, que frequentou a corte de 
Àffonso o Sábio, se acha esta expressão de sentimento commum : 

Ay, Santiago, padron sabido, 
, vós m'adugades o meu amigo; 

sobre mar vem quem frores d'amor tem, 
mirarei, madre, as torres de Jeen. (n.° 429.) 

Nas trovas do clérigo Ayras Nunes vé-se que esta romaria era ainda da paixão aristocrá- 
tica, e ali concorriam os jograes de toda a península: 

En Santiago seendo albergado 
em mha pousada, chegaram romeus. . . (n.° 455.) 

E mais explicitamente referindo-se a uma romaria de D. Diniz : 

A Santiago em romaria vem 
el rey, madre, prax-me de coraçon. - (n.° 458.) 

Em outra canção, satyrisando Ayras Nunes o fidalgo D. Pedro Nunes pelas suas supersti- 
ções do agouro das aves, diz : 

Don Pedro Nunes era en tornado 
e ia-se a Santiago albergar, 
e o aguyro sol el bem catar. • . (u.° 1078.) 

Em um refrera usado pelo trovador Fernando Esquyo, se lé : 

De amor que eu levei de Santiago a Lugo 
esse me adugu'e esse me adugo. (n.° 903.) 

habito das romagens piedosas ainda tão popular na provincia do Minho influiu em um 
género de cantos chamados de ledino, de que adiante fatiaremos ao investigar as origens 
tradicionaes do lyrismo peninsular. A romagem de San Thiago a Compostella tornava a Galliza 
um centro de unificação poética, e é por esta circumstancia secundaria, mas que fortalece 
as condições ethnicas, que a Galliza ficou o foco de irradiação do gosto trobadoresco. Em 
uma canção de Pêro Amigo, de Sevilha, acha-se revelada esta communicação, e indicada 
pouco mais ou menos a época em que as pastorelías se propagaram na península : 

Quando eu um dia fuy em Compostella 
em romaria, vi hunha pastora 
que poys foy nado nunca vi tam bella, 
nem vy a outra que falasse milhor; 
e demandi-lhe logo o seu amor, 
e fiz por ela esta pastorella. . . (n.° 689.) 

Na Grammatica de Ray mundo Vidal, diz-se que o faltar francez é mais adoptado para fazer 

romances e pastorelías } em quanto o limosino é melhor para canções e sirventes. Na canção 

de João de Aboim, (n.° 278) conselheiro de el-rei D. Diniz, acha-se intercallada uma pasto- 

rella no meio de um conto narrativo ou romanesco, e ahi se encontra indicada a direcção da 

corrente franceza: 

Cavalgava n'outro dia 
per bum caminho francez, 
e hunba pastor siia 
cantando com outras trez 
pastores, e non vos pez* 
e direy-vos todavya 
o que a pastor dizia 
aas outras en castigo : 

c Nunca molher créa per amigo, 
poys s'o meu foy e non falou migo. 

A phrase caminho francez, embora induza a determinar a corrente das pastorelías, si- 
gnifica também que a romagem de San Thiago influiu na communicação d'este género poético ; 
jâ Du Puymaigre observou e com elle Monaci, que a romaria de San Thiago de Compostella at- 
trahia um grande numero de peregrinos, e a estrada por onde vinham era conhecida pelo 
nome de caminho francez. 1 Em muitas canções de João Ayres e de João Servando revela-se 

1 Da Puymaigre, La cour lillèraire de D. Juan tt, 1. t, p. 35.*- Monaci, Canzoniere, nota ao n.° 728. 



CAP. IV) A FORMA PRIMITIVA DAS PASTORELLAS LXHI 

este eslylo de intercalar no meio de uma canção narrativa estropbes soltas de pastorellas 
populares. A educação litteraria de el-rei D. Diniz levou-o a admiltir este novo gosto cha- 
mado francez em contraposição ao limosino, que elle cultivara na sua mocidade. No meio 
das canções de um exagerado subjectivismo, tem pastorellas de um tom narrativo ingénuo, 
e de um colorido encantador, como de uma illuminura medieval. Por algumas das pastorel- 
las de D. Diniz se descobre o fio da imitação franceza, e por ventura o modo como os trova- 
dores foram levados a cultivarem este bucolismo ante-classico ; na canção 137 se lé : 

Ela tragia na mão 
bQ papagay mui fremoso, 
cantando mui saboroso 
cá entrava o verão... 

N'este personagem da pastorei la senle-se a ficção oriental dos pássaros fallantes, sobre 
que os árabes formavam poemas allegoricos, de que é exemplo o Mimtic Uttair; A invasão 
árabe também chegou ao sul da Franca, e no trovador Arnaut de Gracasse acha-se uma 
noelle intitulada Anliphanor, a Dama e o Papagaio, que leva a induzir que este género 
despertado pela cultura árabe foi por nós indirectamente recebido por via de Franca. 1 

Sob os números 102 e 150 acham-se mais duas pastorellas de D. Diniz, em maestria me- 
nor, em que se usava o verso octosyllabo ou de redondilha popular. Isto denota uma in- 
fluencia jogralesca ; e portanto uma vez que esta forma adquirisse um certo desenvolvimen- 
to, o que ella tinha de tradicional e que estava latente nos hábitos do povo havia de tornar- 
se mais apreciado, e até reproduzir-se noâ divertimentos poéticos da aristocracia. Este phe- 
nomeno pôde compre hender-se com o que se está passando entre a principal sociedade que 
se compraz com o Fado das salas ; os trovadores fidalgos e o próprio monarcha foram por 
uma evolução insensível levados á imitação artificial da forma primitiva d'estas pastorellas, 
cujas designações particulares e puramente nossas eram Serrana ou Serranilha e Dizeres. 
O fundo primitivo e ethnico em que persistiu este veio tradicional era commum á Franca 
meridional, Itália, Sicília e Galliza; o próprio Marquez de Sanlillana, explicando o motivo 
da prioridade da cultura poética nà Galliza, diz que a todos « se adiantaram e anteposeram 
os Gallaicos Cisalpinos e da Provincia da Equitania em solemnisar e dar honra a estas artes.» 1 
Gomo já acima notamos, o elemento ethnico da Aquitania é turaniano, e com esta raça pro- 
fundamente poética, como hoje se pôde ver pelos hymnos accadicos, tiveram communica- 
çâo de tradições alguns ramos árabes. Isto nos revela como pela invasão árabe se deu a re- 
vivescência de certas formas poéticas extinctas por uma grande serie de fusionamentos de 
rapa. Com a morte de el-rei D. Diniz a poesia trobadoresca soíTreu em toda a peninsula o gol- 
pe decisivo da decadência; á sua corte convergiam os trovadores e jograes de Leão, de 
Castella, de Aragão, da Catalunha, da Galliza, como quem buscava um juiz competente para 
julgar da umaestria. Não é com lisonja, que o jograr Joham, na planh & sua morte, diz : 

Os trobadores que poys ficarom 
en o seu reano et no de Leon, 
no de Castela, no de Aragon, 
nunca poys de sa morte trobaron. . . (n.° 708.) 



«,' 



A missão especial da Galliza na unificação da poesia peninsular, pela educação que os 
príncipes ali recebiam, e pelo encontro dos trovadores de todas as cortes meridionaes na 
romaria de San Thiago, foi continuada por el-rei D. Diniz, pelo seu caracter conciliador, in- 
tervindo na paz das differentes mooarchias como árbitro, pelo casamento com uma prioce- 
za aragoneza e pelo estudo das canções de seu avô Affonso o Sábio de Castella, e pelo di- 
vertimento aulico das Cortes de Amor. 

Em quanto a unificação poética se fez por via da Galliza, onde os trovadores conheciam 
por um contacto immediato as formas usadas pelas escolas da Aquitania e do sul da Itália, 
prevaleceu um estylo artificial conhecido pelo nome de limosino ou da escola de Limoges. Os 
cantos populares ficaram ignorados, e os próprios jograes que os conheciam abandonavam-os 
com desprezo. Um cantar de mal dizer « a hum cavaleyro que cuydava que trotava muy 
ben e que fazia mui bons sons e non era assy» feito por Martins Soares, revela este des- 
prezo pelos cantos populares : 

Os aldeyãos e os concelhos 
todolus avedes por pagados, 
também se chamam per vossos quites, 
como se fossem vossos comprados, 

• Vld. Raynouard, Choix de Poésies, t n, p. 275 a 282. 

• Carta ao Condestavel de Portugal. 



LXIV O ESTYLO GALLEZIÀNO OU POPULAR (CAP. IV 

por estes cantares que fazedcs d'amor 
em que Ihis acham as (ilhas sabor, 
e os mancebos que teen soldados. 
Benquisto sodes dos alfayates, 
dos peliteyros e dos moedores, 
d'a vosso bando son os tropeyros l 
e os jograes dos atambores, 
porque Ihis cabe nas trombas o som, 
para atambores ar dizem que non 
acham no mundo outros soes melhores. (n.° 965.) 

Aqui se enumeram as classes populares que se compraziam com esses cantares, que eram 
de serranilha^ de amigo, guaiados, de ledino, de alaldla, as aravias, os areytos e as cha- 
cones. Estas formas ter-se-iam perdido totalmente se não adquirissem importância na curte 
de D. Diniz ; os jograes gallegos aíHuiam a ella sem o intuito de ganho, como confessa João 
jograr, e por isso não abandonavam as suas formas tradicionaes para lisonjearem o gosto e 
explorai -o. Cantavam o que sabiam, e foi assim que muitas das formas que acima enume- 
ramos penetraram no Cancioneiro por imitação aristocrática. Diz Joham jograr, a propósito 

da morte de D. Diniz: 

et dos jorrares vos quero dizer, 

nunca coorarom panos nem aver, 

et o seu bem muyto desejarom. (n.° 708.) 

É por isso que à primeira influencia por via da Galliza sobre o gosto poético chamamos 
escola limosina y e à influencia communicada pela corte de D. Diniz chamamos escola gal- 
lega. As Cantigas de amigo pertencem a um género em que as formas populares animaram o 
esgotamento da imitação provençalesca ; D. Diniz cultivou-o com predilecção e no seu Can- 
cioneiro chegou a formar uma secção especial : «£Vi a folha adiante se começam as Cantigas 
de Amigo, que o muy respeitable Dom Diniz fex.» (p. 32.) Este género pertence à poesia 
popular árabe, na qual havia certas canções em que a palavra amigo se repetia, ou se in- 
vocava esse sentimento; apenas na linguagem popular 6 que a palavra amigo, ainda con- 
serva o sentido dos Cancioneiros, significando namorado, amante. 

desenvolvimento doeste género na corte de D. Diniz revela-nos uma nova influencia 
poética; a maneira de proencaí que D. Diniz aprendera com Ebrard modificava-se pelas 
.formas populares, ou estylo galleziano. Pode-se caracterisar como uma escola nova, e é a 
ella que pertence a parte mais bella dos nossos Cancioneiros, contendo alem d' isso a reve- 
lação indirecta da existência de uma profunda poesia popular portugueza que os hábitos 
eruditos não deixaram conservar. Adiante investigaremos as origens tradicionaes d'esta es- 
cola gallega. As causas do seu apparecimento histórico foram o grande numero de jograes 
gallegos, leonezes e aragonezes que se fixaram em Portugal. 

casamento de D. Diniz com uma princeza aragoneza, estabeleceu uma cómmunhão 
poética entre as duas cortes; neto de ASbnso o Sábio, que fora educado na Galliza e escre- 
via as suas canções em gallego, tudo conspirava para tornar a corte portugueza um centro 
em que o gosto se uniformisava. Esse lyrismo meio tradicional, meio individual da escola 
galleziana tem raizes elhnicas no solo peninsular; pela persistência de alguns retornellos se 
pôde determinar a sua verdadeira origem ibérica. 

As canções 168, 169, 170, 171, 172, 173, 192, 195, de el-rei D. Diniz, parecem dire- 
ctamente colligidas da tradição popular; se tivéssemos a prova de que o monarcha compu- 
nha Sons, e executava a musica das canções, então podia dizer-se que elle aproveitara essa 
letra popular, como fizeram alguns compositores do século xvi aos romances heróicos. Es- 
tas canções indicadas são o typo legitimo da Serranilha, como comprovaremos adiante com 
alguns paradigmas tirados de Gil Vicente. A forma d'estes cantos revela que serviam para 
estabelecer o rythmo das danças ou baiUios de terreiro: 

Amigu/e meu amigo 

Valha deus! 
vede la frol do pinho 

e guisade d'andar. 
Amigo e meu amado 

valha deus ! 
vede la frol do ramo 

e guisade d'andar. 

\ Os cantos dos tropeyros, ainda hoje asados no Brazil, são na realidade os Fados, usados pelos tropey- 
ros árabes com o nome oe Huda, como os descreve "Caussin de Pcrceval. 



CAP. IV) PERSISTÊNCIA DE FORMAS POÉTICAS LXV 

Vede Ia frol do pinho, 

valha deus, 
selad'o bayoninho, 

e guisade ã andar. 
Vede la frol do ramo, 

valha deus, 
salad'o bel cavallo, 

e guisade £ andar. 
Selad'o bayoninho, 

valha deus, 
treyde vos, ay amigo 

e guisade d* andar. (n.° Í73.) 

Por esta serranilha vamos estabelecer o typo da sua structura estrophica ; as estancias 
são em geral de dois versos, unidos ou separados por um ou dous refrens ; os versos são 
rimados ou assonantados, predominando na primeira estrophe a assonancia em i e na se- 
gunda estrophe em a. Em rigor a serranilha consta (Testas duas estrophes, que se alternam, 
tornando o segundo verso da primeira o primeiro da terceira estrophe, sendo o verso que 
completa esta o primeiro da quinta. segundo verso da segunda estrophe torna a repetir-se 
como primeiro da quarta, que é completada com um verso novo, que se repetirá na sexta 
estrophe. D'esta sorte com duas estrophes se produz uma serranilha com oito e mais es- 
trophes de uma improvisação fácil; a alternância dos versos resulta do movimento dos 
pares nas danças de terreiro, como ainda se observa entre o povo. 

Algumas formas lyricas de el rei D. Diniz conservam-se no moderno lyrismo portuguez, 
como a da canção 131: 

Senhor, pois me non queredes 
fazer ben, nen o teedes 

per guysado, 
deus seja por en loado. 
Mays poys vós mui bem sabedes 
o torto que mi fazedes, 

grara peccado 
avedes de mi coytado. 

Eram os versos que na tradição popular têm ainda o nome de pé quebrado. Esta estro- 
phe simplificada veiu no século xv a fixar-se na estrophe das Coplas de Manrique, reappare- 
ce nas redondilhas de Camões, em D. Francisco Manuel de Mello, e actualmente nas estrophes 
de João de Lemos e Palmeirim. 

A decima, tão usada no século xv, no século xvi e principalmente na escola arcàdica e 
pelos improvisadores de Outeiro, tem jà o seu typo definido no Cancioneiro de D. Diniz. 
(n.° 147.)0 Cancioneiro de D. Diniz não encerra nas suas cento e vinte nove canções uma única 
referencia a nome ou suecesso particular da corte ; pôde attribuir-se isso ao orgulho rao- 
narchico ; em compensação, as canções do seu valido Estevam da Guarda, completam esta 
deficiência do tom sirventesco, porque estão carregadas de um grande numero de persona- 
lidades d'essa época de transformações. As canções amorosas de Estevam da Guarda (n.° 220- 
225) trazem a rubrica: ^Privado d'el-rey Dom Denis» ; de facto nos documentos officiaes, 
como o testamento do monarcha, de 1322, elle assigna como testamenteiro : «Estevam da 
Guarda, meu criado e meu vassallo . . . » á 

Como privado de el-rei D. Diniz o trovador Estevam da Guarda também soffreu varias 
si r vences dos mais afamados trovadores; travou n'elle João Soares Coelho, alludindo à sua 
curteza de vista e à muita finura, porque nas partilhas entre seus irmãos ficou com as me- 
lhores propriedades em Lisboa e com as peiores de Santarém. (n.° 1014.) Na canção 1015 
apodam-no pela sua privança com o rei : 

e ante el rey muyto caedes ben, 
sequer manjar nunca tam pouco tem 
de que vós vossa parte non ajades. 
E poys el rey de vós é tan pagado 

3ue vos seu ben essa mercê faz 
'averdes nome muyto vos jaz 
e non seer home desensinado; 
ca poys per corte avedes a guarir 
nnnea de vós devedes a partir 
hum home que vos traga acompanhado. 

1 Provas da Historia genealógica, 1. 1, p. 101. 
I 



t 



LXVI ESTEVAM DA GUARDA, PRIVADO DE D. DINIZ (CAP. IV 

Em tres canções de Ayras Peres Veyturon, D. Estevam da Guarda é apodado pelo seu 
génio impetuoso, porque dà pancada de cego: 

Don Estevan achey n' outro dia 
rauy sanhudo de pós hum seu hom*ir, 
e sol non lhi pod'un passo fugir, 
aquel seu home de pos que elhya; 
e nlhou-o hy pelo cabeçon, 
e feriu-o muy mal d'un gran baston 
que na outra mão destra tragia. . . (n.° 1083.) 

Na canção 1 084 Veyturon chasquea-o, dizendo que comera em casa de el-rei comidas co- 
mo elle nunca viu : 

Don Estevan, eu eyri comi 
em cas d'el rey, nunca vistes melhor, 
e contarei-vol-o jantar aqui, 
c'axa home de falar hy sabor; 
non vyron nunca já outro tal pan, 
os vossos olhos, nen ar veeram 
outro tal vynho a qual eu bevi. . . 

Da necessidade que elle tinha de um guia tira Veyturon este pretexto para uma sirvente : 

Don Estevan, tan de mal talan 
sodes, que non podedes de peyor, 
que já por home que vos faça amor 
sol non catades, tal preço vos dam ; 
e serv'a vós home quanto poder, 
se vos desvya quam pouco xiquer 

hydes log orne trager como cari. . . (n.* 1085.) 



Uma sirvente de Pedro Amigo, de Sevilha, (n.° 1 194) apoda também o privado de D. Di- 
niz pelos amores de uma mulher que elle não vé : 

Don Estevan, oy por vós dizer 
d'unha molher que queredes gran bem, 
que é guardada, qne per nulha rem 
non a podedes, amigo, veer. . • 

Se a personalidade de Estevam da Guarda nos apparece viva n'estas sirventes, ellas 
também nos explicam o motivo das suas poucas canções amorosas, e do grande numero de 
canções de mal-dizer; referem-se às reformas na jurisprudência portugueza feitas pelo 
monarcha. A canção 908 satyrisa um letrado por causa das suas differentes opiniões sobre 
o mesmo feito : «Esta cantiga de cima foy feita a hu meestre de leys y que era manco d J ua 
perna, e sopegava d' dia muito.» Pela renascença do direito romano e fundação da Univer- 
sidade, definiam-se os direitos reaes, e o processo civil tornava-se mais regular'. A celebre 
Lei de Pontarias acha também o seu ecco na canção 932 : 

Pêro el rey ha defeso 
que juiz non filhe preyto, 
vedes o que ey apreso : 

quem 8'ajudar quer doalho 

faz barata d algo e dá-lh'o. 

Na canção 9 10 Estevam da Guarda satyrisa «hu juiz que nom ouvia bem.» N'este tem- 
po já el-rei D. Diniz era fallecido, e Estevam da Guarda era mal visto na corte de Aflbnso iv, 
desde o tempo das lutas em que o infante andara com seu pae : 

Meu dano fiz por tal juiz pedir 
quando mh'a rainha madre d'el rei deu. . . 

Mais a rainha pois que certa for 
de jjual juiz en sa casa ten, 
terá per razoo, esto sei eu ben, 
de poer hi outro juiz melhor. . . 

Na corte de Aflbnso iv tinha Estevam da Guarda contra si a influencia de outros privados ; 
por sirventes do Conde D. Pedro e João de Gaia, sabe-se da preponderância de Miguel Vivas, 
Eleito de Viseu, no animo do monarcha; Estevam da Guarda, na canção 927, apoda o vilão 
rico que casara com a sobrinha do bispo valido, e a quem o rei dera dom; na canção 904 



CAP. IV) CQRTE POÉTICA DE D. AFFONSO IV LXVH 

allude à sordidez do mesmo vilão, mas principalmente na canção 915 ataca de um modo 
directo o bispo : 

Bi9po, senhor, eu doa a deus bom grado 

Sorque vos vejo em privança entrar 
'el rey, a quem praz d'averdes logar 
no seu conselho mais d'outro prelado. . . 

Dobrando ende quanto ai avedes 
fazede sempre quanfal rey prouguer, 
pois que vos el por privaa assi quer, 
e pois que vós altos feitos sabedes, 
e quanto em fisco e em conselho jaz. . . 

N'esta canção Estevam da Guarda allude ás relações cie subserviência do Bispo com o 
papa, e como o monarcba ha de ser illudido; a canção é de uma delicada ironia, e encerra 
muita mais verdade histórica do que os documentos dos archivos. 

Em outra canção (n.° 918) apoda outro privado, e sabendo-se que elle apoiava assim a 
situação em que se achava o Conde D. Pedro na corte de seu irmão, pelo cuidado das rubri- 
cas explicativas que acompanham os versos pode-se inferir que o Códice da Vaticana é real- 
mente um transumpto do Livro das Cantigas; a rubrica da alludida canção diz: «foi feita a 
hun que fora privado &el-rey, e quando estava muy tendo amor d'eLrey apoinham-lhe 
que era muy levantado corno homem de mal recado ; e aas vezes en quanto elrrey rum for 
zia sanhudo, todo tornava mui manso et cordo et mui misurado.» 

Muitas outras referencias se encontram nas canções d'este antigo valido de D. Diniz ; a 
fidalguia, pela reforma da jurisprudência, perdera o direito de fazer justiça por suas mãos, 
representado pelo symbolo de baraço e cuteUo. Na canção 921 satyrisa um Martim Gil, que 
figura como testemunha na doação da Lourinhã em 1 3 1 6/ pelo facto de mandar açoutar um 
plebeu contra direito : 

Martim Gil, hum homem vil 
sse quer de vós querellar, 
que o mandastes atar 
cruamente a um esteo, 
dando-lhe açoites bem mil. . . 
Nom me poss'eod'eu partir 
per'o que o já roguey, 
que se non queiafend ai rey, 
cá se sente tan mal treyto . . . 

Os impostos ou talhas eram cobrados pelos judeus, que em geral faziam nos primeiros 
séculos da monarchia de ministros das finanças e de junta dos repartidores ; Estevam da 
Guarda compor uma tenção com o recebedor dos impostos D. Josep, accusando este da co- 
brança irregular : 

—Vós, dom Josep, venho preguntar 
poys poios vossos judeus t olhadores, 
vos tem talhad'a grandes e meores 
quanto cada hu judeu hade dar. . . 

recebedor responde com o espirito secco do homem da finança : 

mais na talha graça nem amores 
nulh'y faram os que hande talhar. 

Apesar 4'esta severidade do judeu, que chegava a pagar-se na carne do devedor, não 
se tinha chegado a collectar a litteratura, como fez um ministro constitucional cujos mere- 
cimentos derivam unicamente dos favores da imprensa. 

Pelas canções de Estevam da Guarda sabe-se da existência de outros trovadores cujas 
canções se perderam; taes são Ruy Gonçalves e Jobam Eanes, que se atacavam em canções 
de maklixer : 

Ruy Gonçalves, pêro vos agravece 
porque vos travou em vosso cantar 
Joham Eanes, vej*eu el queyxar 
de quam mal doesto lh'y de vòsrecrece. (n.°ftl7.) 

• 

Na canção 911, ataca um jogral que abusava do peditório, acompanhado da mulher e 
de uma criança emprestada, como fazia outro jogral Pêro d' Arruda : 

1 Provas da Historia genealógica, 1 1, p. 61. 



LXVIII DOM AFFONSO SANCHES (CAP. IV 

Pois a todos avorrece 
este jogral avorrido, 
de tal molber e marido, 
que a min razão parece 

de trager per seu pcdiolo 

o filho d'outro no colo. 
Como Pêro da Arruda 
foy da mulher ajudado. . . 

Na corte de Affonso rv appareciam de vez em quando estes jograes vagabundos, uns co- 
mo pedintes, como ainda hoje vemos os cantadores mendigos que aflluem na entrada do ve- 
rão às cidades, como o cego d' Abrunheira em Coimbra, ou o Marcolino, no Porto. género 
de mal-dizer cultivava-se com o.despeito dos deslocados em uma corte com usos differenles 
dos da passada. A poesia decahia, e a escola gallega já não apresentava representantes di- 
gnos; na canção 914, Estevam da Guarda apoda «a him gallego que se preçava de tróbar e 
wm o sabya ben e meteu-se d maneira de tençon com Estevam da Guarda, e Estevam da 
Guarda Ihi fez esta cantiga; e el andava sempre espartido, e nunca lhe entendeu a canti- 
ga, nem lhe soube a ella trobar.» Na canção 9 19 fala Estevam da Guarda do escudeyro do 
Mestre de Alcântara chamado Macia, «et veera d'el rei de Portugal com suas preytesias ;» 
por nenhuma forma se pôde confundir com o ultimo trovador gallego, o celebre Macias ena- 
morado, da casa do Mestre de Calatrava, D. Henrique de Vilhena, que floresceu no primeiro 
quartel do século xv. 

Antes do conhecimento do Cancioneiro da Vaticana sabia-se que o bastardo de el-rei 
D. Diniz, o celebre Conde de Albuquerque D. Affonso Sanches fora também trovador; 1 se- 
ria pelo seu talento poético que el-rei D. Diniz o amava loucamente, a ponto de o tra- 
zer sempre em sua companhia, e lhe querer deixar o throno, com detrimento de seu filho le- 
gitimo D. Affonso iv.* São quinze as canções compiladas no Códice da Vaticana, (n.° 17-27, e 
366-368) ; pelo índice de Colocci (n.° 405-416, e 781) parece que faltam duas canções, mas 
deve entender-se que a numeração anterior se ampliou em fragmentos de uma só composi- 
ção. A divisão d'estes dois grupos de canções prova que não foram colligidas de um cancio- 
neiro particular de D. Affonso Sanches, mas sim da memoria d'aquelles que as cantavam no 
paço para lisonjear o rei. Se o Códice de Colocci ou o Cancioneiro da Vaticana fossem com- 
pilados pelo Conde D. Pedro sob o titulo de Livro das Cantigas, é natural que D. Affonso 
Sanches fosse mais amplamente representado, do que com treze ou quinze canções somen- 
te. Variando a hypothese, que os Cancioneiros de Roma são os cadernos tumultuarios e apo- 
graphos do Livro das Cantigas, do Conde de Barcellos, então infere -se pelo estado de detur- 
pação e diminuto numero das canções de seu irmão D. Affonso Sanches, que ellas foram col- 
ligidas depois de 1329, anno da sua morte, e que por isso o Conde, começando então a com- 
pilação, se serviu de subsídios oraes. 

As canções (Teste bastardo são as mais deturpadas que existem no apographo da Vatica- 
na, isto é, as que o copista italiano menos percebeu do códice primitivo, por isso que não 
provieram de traslados feitos com perfeição por amanuense, mas de simples notas de me- 
moria. É isto o que se infere do estado fragmentário de uma parte d'ellas. As canções co- 
meçam com a rubrica Dom Âffonso Sanches, filho de el rcy Dom Diniz de Portugal; porém 
no Códice de Colocci a rubrica : Dom Âffonso Sanches, filho de Rcy Don Denis, traz uma co- 
ta KF* alfons. 4. possuidor (Teste códice suspeitou que essas doze canções pertencessem 
ao successor de D. Diniz; pela leitura das canções, principalmente pela tenção trovada com 
o jogral Vaasco Martins (n.° 27) não se pôde desconhecer que o seu auctor é D. Affonso San- 
ches. príncipe herdeiro era também trovador, segundo o estylo dos raonarchas da época. 
Colocci ou o annolador do seu Cancioneiro tinha as provas do seu talento poético; sob os 
números 1323-1326 estavam quatro canções com a rubrica El rey dom A°, filho dei 
Bey dom Denis, e em sigla marginal : alfonso iiij, successit Donysio. Aqui está portanto o 
fundamento da suspeita de Colocci, que ignorava a circumstancia de um outro trovador 
D. Affonso, também filho de el-rei D. Diniz, mas bastardo. Infelizmente estas quatro canções 
de el-rei D. Affonso iv perderam-se com o Códice de Colocci, e não apparecem no apographo 
da Vaticana; mas essa rubrica é bastante para autbenticar o facto que traz Barbosa Macha- 
do, de ter no fim do século xvi o chronista Frei Bernardo de Brito colligido as poesias d'es- 
te monarcba, como constava de um manuscripto de Manuel Sevcrim de Faria. Antes de 1 568, 
já Ferreira conhecia o talento poético d'este monarcha, por isso que em seu nome escreveu 
os dois celebres sonetos gallegos, que vêm nos Poemas lusitanos; e a redacção do Amadis 

i Frei Fernando da Soledade, Historia Seraphka, Part. m, Liv. 13, cap. 7. 
• Poriug. Monumenta, (Scriptores) p. 285. 



CAP. IV) O CONDE D. PEDRO LXIX 

de Gaula sob a direcção do seu gosto é outro testemunho da educação litteraria de D. Af- 
fonso iv. A cultura litteraria seria provocada pela rivalidade que lhe despertavam seus ir- 
mãos bastardos D. A Afonso Sanches e D. Pedro. 

As canções de D. Afibnso Sanches são no eslylo limosino, em grande parte, eslylo usado 
na corto desde o reinado de D. Affonso iii; outras são já nas formas gallegas tradicionaes, 
adoptadas por el-rei D. Diniz nos Cantares de amigo. No estylo limosino prevalecem os 
versos decasyllabos, as canções tem três eslrophes com refrem, ás vezes ura cabo, e são de 
um sentimento casuístico e de um subjectivismo allegorico. Affonso Sanches, como o Conde 
D. Pedro, cultivava o gcnero de mal-dizer; postoque este género apresente pouco senli- 
mento poético, é boje para nós o que mais nos revela a vida intima da sociedade portugue- 
za dos séculos xm e xiv; pela canção 26 vemos que as damas mudavam de nome nos can- 
tares trobadorescos, assim D. Biringela depois de casada passa a chamar-se D. Maria, D. Ou- 
senda, D. Gondiode, D. Gontinha, segundo se vão succedendo os seus namorados. 

N'esta canção 2G existe um proloquio, que allude ao 

demo d'uma meninlia 
(Tacolà bem de Cantora. . . 

que ainda tem um equivalente na tradição popular ; as Meninas de Çamora vem citadas 
nesta cantiga da Extremadura: 

Salvaterra, Benavente, 

Jericó fica no meio, 

As meninhas de Çamora 

Bailam com muito aceio. 

Da época em que a corte portugueza esteve em Santarém é que ficou este dito popular, 
cujo caracter satyrico se conservou na canção de D. Affonso Sanches. 

Pela tenção com o trovador Vaasco Martins (n.° 27) vemos que D. Affonso Sanches era 
ainda novel na maestria, porque admirando-se cTaquelle trovador continuar a fazer canções 
depois de lhe ter morrido a sua dama, este lhe responde «apoz que trobe sabelo-edes.» De 
Vaasco Martins nenhum outro vestígio resta no Cancioneiro da Vaticana alem d'estas duas 
estrophes da tenção, mas infere-se que era um trovador antigo, ainda da corte de D. Af- 
fonso iii, e se as suas canções não eslão inclusas anonymamente no Cancioneiro da Ajuda, 
então uma grande parte do Cancioneiro de Roma se perdeu antes mesmo de chegar ao po- 
der do erudito Coiocci. Na canção 366 cila-se Affonso Affonses, cuja personalidade histórica 
é ali conhecida por ter um criado mouro ; a canção 367 é um graciosíssimo idylio, talvez de 
todas as composições do Cancioneiro a que se inspira de um vago ideal. Sob o n.° 368 acha- 
se o typo popular dos primitivos cantares guayados, a que no século xvi alludia Gil Vi- 
cente, e que ainda apparecem na tradição como se vé no Romanceiro, no Jesus peregrino; 1 
o nome d'este género provém da neuma Guay, ou Ay, com que começam sempre os relor- 
nellos que acompanham o canto. conhecimento (Testa forma por D. Affonso Sanches mos* 
tra-nos que elle, seguindo o exemplo de el-rei D. Diniz, foi um dos que influíram para que o 
gosto e espirito tradicional popular penetrassem nos monótonos Cancioneiros que haviam 
esgotado até á saciedade o estylo limosino. 

Conde D. Pedro era filho dos amores de el-rei D. Diniz com D. Gracia, senhora da Ri- 
beira de Santarém ; o monarcha cstimava-o bastante e comsigo o levou a Caslella em 1304, 
quando foi servir de arbitro entre D. Fernando e D. Jayme de Aragão. Em 1 de março d'es- 
te mesmo anno o nomeou D. Diniz Conde de Barcellos, senhor de Gestaçó, Lalim e Várzea, e 
Fronteiro mór da Beira e Entre-Douro e Minho. A paixão que o monarcha mostrava pelos 
seus bastardos tornava-os odiosos aos fidalgos que apoiavam o descontentamento do prínci- 
pe D. Affonso. conde de Barcellos soube-se impor pelos talentos litterarios; elle tornou ef- 
fectiva a lei de D. Diniz que attribuia à realeza o privilegio de conferir foro de nobreza, or- 
ganisando um cadastro da fidalguia existente, conhecido hoje pelo titulo de Nobiliário do 
Conde Dom Pedro. Este nobiliário é uma compilação de antigos registros das famílias aris- 
tocráticas, e muitas vezes uma copia servil, como se pôde ver pelo confronto com o livro 
velho das Linhagens, e por um segundo fragmento do Livro velho* Em um fragmento de ge- 
nealogias, que se acha appenso ao Cancioneiro da Ajuda, a influencia do Conde D. Pedro 
na corte de D. Diniz acha-se assim referida : « Este Conde Dom Pedro foi o que fez muito bem 
a fidalgos em Portugal, e o que os poz em mui grandes conlias, cá mais foram por elle pos- 
tos e feitos em mui grandes conlias, cà pelos melhores quatro homens bons que foram em 



1 Cancioneiro e Romanceiro geral pprluguez, t. ni, n.° 43 e 35. 
• Hoje publicados nos Porl. Aion. hisL (Scriptores.) 



LXX DOM APFONSO XI, DE CASTELLA (CAP. IV 

Portugal, salvando se foram ende reis. E este foi o que herdou alguns fidalgos nas suas her- 
dades, e que houve os melhores vassallos que houve outro Conde nem homens bons dos que 
dante foram.» Pela sua frequência na corte de D. Diniz, e pela viagem a Gastella o Conde 
D. Pedro pôde conhecer as varias escolas trobadorescas e imilal-as; pela empreza da orga- 
nisação de um vasto Nobiliário tornou-se sympathico à aristocracia e assim podia obter mui- 
tos cadernos de sons, ou pequenos cancioneiros individuaes, para formar a grande compila- 
ção de canções provençalescas que possuía sob o titulo Livro das Cantigas, referido no seu 
testamento. Cancioneiro da Ajuda jà foi confundido com o Uvro das Cantigas, mas esse 
códice organisou-se ainda sob a influencia da mocidade de D. Diniz, com composições li- 
mosinas rimadas na corte de D. AfTonso m. A considerasse o Livro das CafUigas como um 
vasto cancioneiro geral, só pôde attribuir-se este caracter ao Cancioneiro da Valicana, on- 
de figuram trovadores porluguezes, gallegos, catalães, leonezes e castelhanos. No Cancio- 
neiro da Vaticana y o Conde de Barcellos apenas é representado com dez canções desmem- 
bradas em dois grupos: 210-213 e 1037-1042; esta desmembração explica-se pela neces- 
sidade do systema de apartar os géneros poéticos. As primeiras quatro canções pertencem 
ao género amoroso, das quaes duas estão incompletas; é provável que na copia mais antiga 
de Colocci (608-612) estivessem menos deturpadas. O eslylo d'essas canções é de um sub- 
jectivismo falso, de um sacrifício e impossibilidade no amor, o que contrasta com o facto de 
ter sido casado três vezes com D. Branca Pires de Sousa, D. Maria Ximenez Coronel e D. The- 
reza Anes de Toledo. Isto prova-nos que a poesia trobadoresca era um costume palaciano, 
como o jogar as armas ; a violência (Teste habito que os próprios reis respeitavam poucas 
vezes encontrou a espontaneidade do talento. As composições amorosas do Conde de Barcel- 
los acham-se em seguida à única composição de AfTonso xi de Gastella, no Cancioneiro da 
Vaticana. Esta approximação não foi accidente casual do copista. AfTonso xi tinha relações 
litterarias com o Conde de Barcellos, e só por via do Conde é que as suas canções poderiam 
ser conhecidas em Portugal; no seu testamento D. Pedro deixou a AfTonso xi o Livro das 
Cantigas. D'estas pequenas circumstancias se poderá inferir, que este Livro era realmente 
um grande cancioneiro geral para o qual também contribuirá AfTonso xi (n.° 209.) Este mo- 
narcha era casado com D. Maria, filha de D. AfTonso iv; como trovador bastante distincto, na 
sua corte se refugiaram os jograes que não encontravam em Portugal junto de D. Af- 
fonso iv o favor que lhes dispensaram D. AfTonso m e D. Diniz. Em uma Planh de João jo- 
grar, alludindo à perda litteraria pela morte de D. Diniz, refere-se á predilecção que a poe- 
sia encontrava ainda em seu neto AfTonso xi : 

Mays tanto me quero confortar 

em seu neto, que o vae semelhar 

em fazer feytos de muy sabeo rey. (n.° 708.) 

Conde D. Pedro, perseguido e desherdado por seu irmão D. AfTonso rv, encontrou em 
AfTonso xi e era D. Maria sua sobrinha um generoso acolhimento. A lembrança de deixar 
àquelle monarcha trovador o seu Livro das Cantigas significava um reconhecimento de pro- 
tecção e de superioridade litteraria. É provável que por intermédio de AfTonso xi el-rei 
D. AfTonso rv fizesse as pazes com o conde de Barcellos. No Salulz de João jograr, (n.° 707) 
cumprimentando D. AfTonso ivpcla tença que annualmente lhe dava, remata: 

E ai do Conde falemos 
que he irmão tio d'el rey, 
et muyto bem dei diremos 
segundo como apensey : 
se fosse seu o thezouro 
que el rei de França tem, 
também prata como ouro 
daria todo o seu sen. 

Era esta generosidade do Conde que o fazia «haver os melhores vassallos, » como diz o 
Fragmento do Nobiliário, e que lhe tornava fácil obter essa numerosíssima collecção de can- 
ções do vasto códice de Roma. casamento de AfTonso xi com a infanta D. Maria celebrou- 
se em 1328, e por esta occasião se estreitaram mais as relações das duas cortes, a ponto de 
se alliarem para a celebre batalha do Salado em 1340. A canção de AfTonso xi, traz a ru- 
brica: El rei D. Affonso, ds Castella e de Leon, que venceu el rei de Belamarim com o po* 
der d' alem mar a par de Tarifa; isto prova-nos que a compilação do grande cancioneiro 
se efTecluava não longe de 1340, se é que não foi provocada pela rivalidade poética das duas 



GAP. IV) OS MARINHOS, TROVADORES LXXI 

cortes em 1328. Adiante faltaremos da influencia tio successo histórico da batalha do Salado 
sobre a poesia portugueza. 

segundo grupo de canções do Conde D. Pedro consta de seis canções de mal-dizer 
(n. M 1037-1042); a lição de Golocci tinha uma canção de menos. Algumas d' es tas canções 
participam da obscenidade do género. A canção a Alvar Roiz, Monteiro-Mór, allude a um cos- 
tume symbolico da edade media, com que se castigava os traidores, rapando-lhe a cabeça : 

ca diz se quer hyr, et per hu for 
levará cabeça descoberta. (n.° 103 7.) 

Este Alvar Roiz era «hum escudeyro que andou a alem-mar, e dizia que fora a lo mou- 
ro.* Era ainda então em Portugal frequente a monomania das cruzadas, e quem não podia 
ir directamente, como sabemos pelo testamento de el-rei D. Diniz, á Palestina, pagava a 
quem o fizesse. Na corte de D. Diniz soflreu também este Álvaro Rodrigues varias sirventes 
do grande privado do monarcha, Estevam da Guarda (n.° 905, 906, 907; ; portanto a canção 
do Conde de Barcellos deve considerar-se como escripta na sua mocidade e pertencente a 
algum divertimento da corte, onde Álvaro Rodrigues foi o alvo dos apodos. Estevam da 
Guarda em outras canções (n.°* 922, 923) ridiculisa-o por causa de um escravo mouro, ainda 
criança, que lhe tocava a mulher. 

Estas canções do Conde D. Pedro são as que vem na collecção com as maiores rubricas 
explicativas, signal de que saíram directamente da sua mão para serem encorporadas na 
vasta compilação, onde a falta de notas torna as outras canções sempre escuras. Muitas 
dessas rubricas fazem-nos lembrar alguns traços pittorescos dos costumes da aristocracia 
portugueza que o Conde de Barcellos introduzia na aridez do seu Nobiliário ; taes são as que 
acompanham as canções n. 08 1 039 e 1040. Na canção 1041 allude a Pêro Marinho do qual res- 
ta no Cancioneiro apenas uma canção (n.° 523) em resposta a outra de João Ayras de San- 
ctiago. (n.° 594.) Na canção de Affonso Soares (n.° 1 155) Pêro Marinho é apodado por Ta- 
reja Lopes não querer casar com elle apesar da sua riqueza e mocidade. 

É d'este trovador que o Conde D. Pedro traz a formosa lenda heráldica da origem do seu 
solar, em que seu avô D. Froyam tomou amores com uma Seréa : «Dom Froyam era caçador 
e monteiro. E andando um dia em seu cavallo per riba do mar a seu monte, achou uma mu- 
lher marinha jazer dormindo na ribeira. E hiam com elle trez escudeiros seus, e ella quan- 
do os sentiu quise-se acolher ao mar, e elles foram tanto em pós ella ataa que a pilharam 
ante que se acolhesse ao mar: e depois que a pilhou àaquelles que a tomaram, fea poer 
em huma bestia e levara para sa casa. E ella era mui fremosa, e el fea bautizar, que lhe 
nora caia tanto nome nenhum como Marinha, porque sairá do mar, e assy lhe poz nome e 
chamaram dona Marinha: e ouve d'ella seus filhos dos quaes ouve um que houve nome Jo- 
hara Froyam Marinho. E esta dona Marinha nom falava nemygalha. D. Froyam amava-a muy- 
to e nunca lhe tantas cousas pode fazer que a podesse fazer falar. E hum dia mandou fazer 
muy gram fugueyra em seu paaço, e ella vinha de fora e trazia aquelle seu filho comsigo, 
que amava tanto como seu coraçom, e dom Froyam foi filhar aquel filho seu e d'ela e fez 
que o queria enviar ao fogo e ela com raiva do filho esforçou de braadar e com o brado dei- 
tou pela bocca huma peça de carne e d'alli adiante fali ou. E dom Froyam recebeu-a por mo 
lher e casou com ella.» 1 Embora no Cancioneiro se diga filho de João Annes de Valladares, 
o Nobiliário traz Pêro Annes Marinho como filho de João Froyaz Marinho, e irmão de outro 
trovador Martim Afines Marinho (n.° 1 154) também representado no Cancioneiro da Vatica- 
nu. Continua o Conde D. Pedro no Nobiliário : « E estes Marinhos parliram-se per muitas par- 
tes per casamentos de Olhos que casaram em Galliza com outros de que deçenderam muitos 
que chamaram Marinhos.» N'este tempo a escola gallega dos trovadores estava confundida 
por meio de casamentos com o génio portuguez, e portanto esta designação tornase mera- 
mente tradicional. 

Na canção 1042, o Conde D. Pedro chasquea um jogral chamado Martim Vasques, por- 
que se presava de saber astrologia e prognosticava que alcançaria uma egreja com mil li- 
bras de rendimento. A influencia d'este jogral na corte parece ter sido grande, attendendo 
ás duas sirventes que provocou a Estevam da Guarda grande privado de el-rei D. Diniz. Com- 
tudo no Cancioneiro da Vaticana não se encontra vestígio das composições (Teste jogral, 
que por certo não foram colleccipnadas, attendendo ao despreso que por elle tinha o Conde 
D. Pedro. As cantigas de raal-dizer eram compostas por strophes desligadas como epigram- 
mas, que depois se combinavam em uma única sirvente. É o que se deprehende d'esta ru. 

• Mon. hisl., (Scriptorcs), p. 383. 



LXXII LENDAS, POEMAS E LAYS BRETÕES (CAP. IV 

brica que acompanha a canção 1042: «Esta cantiga suso escripta, que se commenta, se 
ajuntou aás que no outro dia fez o Conde a hujograr que havia nome Martim Vasques, ca 
se presava que sabia d'estrologia. . . » N'esta canção acha-se ainda uma palavra árabe ser- 
vindo de interjeição, messella, (mashallah, deus o quer) que se perdeu, conservando-se a 
outra lideraria Oxalá. A astrologia era a sciencia predominante do século; Afonso o Sábio 
escrevia sobre os phenomenos celestes, e o pretencioso jogral queria arrogar-se importância 
pelo conhecimento dos pontos e conjuncções dos planetas. Na linguagem dos trovadores por- 
tuguezes é frequente esta phrase «em mdo ponto fui nado» resultante da influencia da as- 
trologia nos costumes. As canções de Estevam da Guarda contra o jogral Martim Vasques 
(n. ot 928-931) são mais importantes do que as do Conde de Barcellos emquanto a referen- 
cias históricas ; Martins Vasques recebera ordens sacras, na esperança de obter uma egreja 
rendosa. A egreja não lhe foi concedida, e pela sua dignidade era-lhe defesa a profissão da 
jograria; este costume chegou a ser prohibido nas Ordenações Affbnsinas. A canção 930 
é preciosíssima pela referencia à tradição de Merlin, que o Conde D. Pedro também cita nos 
prólogos históricos do Nobiliário; 6 a historia dos amores do propheta da Bretanha com a 
fada Viviana que o illudia e o clausurou na sepultura, que elle construirá: 

Como aveo a Merlin de morrer 
per seu gram saber, que el foy mostrar 
a tal moíher que elle soube enganar. 

E é que Ih'é muyto grave de teer 
por aquelo que lh'el foy mostrar 
em estar com quem sabe que o pod'ensarrar, 
em tal logar hu conven d'atender 
a tal morte de qual morreu Merlin 
hu dará vozes dizendo sa fim. . . 

Por esta canção de Estevam da Guarda, do fim do reinado de D. Diniz, se pôde fixar a 
época em que as tradições bretãs penetraram em Portugal. Roman de Brut foi a fonte 
das tradições do cyclo arthuriano n'este paiz; o Conde D. Pedro cita a Islavalon, a Ilha en- 
cantada de Avalon, a morte de Arthur, as prophecias de Merlim, e a lenda do Rey Lear, 
perpetuada na tragedia de Shakespeare. Alguns poemas d'este cyclo foram lidos na cor- 
te, como o romance de Tristão e Yseult, cujo nome se usou na sociedade civil na forma de 
Yseu, Isea e Ousenda, e o romance de Flores e Branca Flor. 

Na canção 1 15 de el-rei D. Diniz, se acha uma referencia a estes poemas de aventuras 

do cyclo bretão : q^j roa yor posso, e o mais encoberto 

que poss e sey de Brancafrol, 
que lhe non houve en Flores tal amor 

3 uai vos eu ey..... 
uai mayor poss'e o mui namorado 
Triste, sey ben que non amou Oseu 
quanto vos eu amo, esto certo sey . . . 

B na canção 358, de João de Guilhade ha uma egual referencia: 

Os grandes vossos amores 
que mi e vós sempr'ouvemos 
nunca lhi cima fizemos 
como a Brancafrol e Flores. 

Foi por esta influencia bretã, que em Portugal começou a elaboração novellesca do poe- 
ma de aventuras de Amadis de Gaula, e também na classe aristocrática se vulgarisou o no- 
me de Owroana (Ydoyne) celebrado n'esses amores. Em uma canção de João de Guylhade 
(n.° 1 109) já se apoda uma dama D. Owroana. Mas a influencia bretã sobre o lyrismo pare- 
ce ter sido mais musical do que litteraria ; uma vez pelo menos encontramos citada a forma 
poética do Lay, na canção de Fernão Rodrigues Redondo (n.° 1147) apodando D. Pedro de 
Portugal, cunhado do rei de Aragão, e que tem sido jà confundido com o Conde D. Pedro. 

Nas lutas de D. Aflbnso ir com seus irmãos para não cumprir o testamento de seu pae 
D. Sancho i, é citado o nome do Infante D. Pedro, que se refugiara na corte de Leão logo 
que seu irmão subiu ao throno. Entre as canções de Affonso ix, que satyrisou Aflbnso n em 
uma áspera sirvente (n.° '/9) encontra-se uma em que se allude aos talentos poéticos do in- 
fante D. Pedro, seu cunhado, que imitava os versos de Cotom: 

E com derevto seer enforcado 
deve Dom Pedro, porque foy filhar 
a Cotom, poyl-o ouve soterrado 
seus cantares. . . (n.° 68.) 



CAP. IV) OS LAYS BRETAOS LXXIU 

Uma clara mtelligencia doesta estrophe pôde fazer considerar D. Pedro de que aqui 
se falia o trovador Pêro da Ponte, da corte de Aflbnso ix ; mas o que se não pôde é confun- 
dir com o Conde D. Pedro, auclor do Nobiliário, como o entendeu Varnhagen. Que o infante 
D. Pedro, irmão de D. Aflbnso u, era poeta, e um dos sectários da escola bretã na península, 
prova-o a canção 1 1 47, de Fernam Rodrigues Redondo, que começa : 

Dom Pedro est cunhado de el rei 
que chegou ora aqui de Aragon. • . 

Muy ledo sendo hu cantara seus Lays, 
a sa lidice pouco lhe durou. . • 

Este infante distinguiuse na batalha das Navas, e na tomada de Mayorca, onde existe o 
seu sepulchro, como se descreve na Viagem LUteraria ds Egrejas de Hespanha. As suas poe- 
sias estão totalmente perdidas, e nem se conheceria o seu gosto se não fosse a passageira 
allusão do trovador contemporâneo. A sua influencia litteraria na corte de Aragão foi 
notável como se deduz da linguagem usada por Aflbnso nc, que é um portuguez dionisiano. 
Por ventura os Lays com que começava o antigo Cancioneiro portuguez de Angelo Colocci, 
de que resta apenas o índice, pertenciam a este até hoje ignorado trovador ; ao tempo que 
o Conde D. Pedro começou a sua compilação ainda existiam o Lai de Elis o baço, Lai das 
Quatro donzellas, Lai de Dom Trislam enamorado, Lai de Dom Tristam e Lai de D. Tris- 
tam para Genebra. No tempo do Conde D. Pedro o lai era mais uma ária, e a musica nova 
é que fazia conservar a velha letra ; ainda no principio do século xvi Gil Vicente intercalava 
n'um Auto representado no paço uma canção francesa. Na novella de Amadis vem uma 
canção «Leonoreta sin roseta» que nos parece representar este estylo bretão. Adiante mos- 
traremos como no reinado de D. Pedro i circumstancias casuaes vieram fazer renascer mo- 
mentaneamente os cantos de lay, que foram supplantados pelo desenvolvimento da for- 
ma novellesca das tradições da Tavola Redonda. 

Em uma canção de D. Gonçalo Eanes do Vinhal contra um trovador de segrel cujo nome 
Geou desconhecido, vem uma referencia directa à poesia bretã usada na corte portugueza : 

Maestre, todolos vossos cantares 
. já que Olham sempre d'un a razon 
e outrosy ar filham a mi son, 
e non seguades outros milhares 
senon aquestes de Cornoalha, 
roays este seguides ben sen falha, 
* e non vi trobador per tantos logares. (n.° 1007.) 

Esta slrophe allude indubitavelmente aos lays de Isonda de Cornoalha, de que restavam 
cinco composições no Cancioneiro de Collocci. Os cantares de Cornoalha eram as breves can- 
tilenas do cyclo arthuriano antes do desenvolvimento épico e novellesco. Em uma canção de 
Fernando Esquio (n.° 11 40) allude-se à tradição bretã do cavallo-fada : 

Disse um infante ante sa companha 
que me daria besta na fronteyrâ, 
e non será já raurzela, nem veyra 
nem branca, nem vermelha, nem castanha; 
pois amarella, nem parda non for 
a pram será a bestaladrador 
que Itíadusam do reino de Bretanha. 

Nas lutas de D. Affonso iv contra seu pae el-rei D. Diniz, por causa da preferencia que 
este dava ao seu bastardo Aflbnso Sanches, o Conde D. Pedro encontrou-se do lado do prín- 
cipe herdeiro : « infante quando soube que seu pae jazia sobre Coimbra, alçou-se de Gui- 
marães e chegou a Sam Paulo com o Conde Dom Pedro, seu irmão, que então era exerdado 
do reino, e com outros ricos homens e com gram poder de cavalleria, e jouve hi trez dias 
rer trégua que houve entre seu padre e elle.» f Apesar de ter soflHdo por causa dos direi- 
tos de D. Aflbnso iv, o Conde D. Pedro não achou n'este monarcha o favor de que era digno ; 
na canção 1038 queixa-se o Conde dos privados que influíam no animo do monareba, 
que eram o bispo eleito de Vizeu, Miguel Vivas, e Moniz Lourenço de Beja : 

Os privados que d*el rey ham 
por mal de muitos gram poder, 
seu saber é juntar aver 
e non o comem, nem o dam. . . 

' Mon. hist., (Scriptores) p. 256. 



LXXIV LOBEIRA E O AMADIS DE GAULA (CAP. IV 

Em uma canção de Estevam da Guarda (n.° 927) por isso que fora privado de D. Diniz, 
então mal visto na corte de D. Affonso iv, também se acha uma satyra contra «huu, vilãao 
rico que avia nome Ruy Fafes, e feze-o el rey flom, a rogo de Miguel Vivas, eleyto de 
Viseu, seu privado, porque casou com uma sa sobrinha . . . » 4 Na época em que o Conde es- 
tava em conflicto com D. Affonso iv alguns dos seus cavalleiros vassallos passaram para o 
monarcha; umasirvente de João de Gaya, escudeiro, apoda «o Cavalleiro Fernão Vasques 
Pimentel, que foy primeiro vassallo do Conde D. Pedro », (n.° 1 058) e depois foi ser- 
vir o filho de Affonso Sanches e por ultimo « o Infante D. Affonso filho d'el rey Dom Deniz, 
que depoys foy rey de Portugal. . .» Conde D. Pedro viveu reconciliado com seu irmão o 
resto de seus dias; a poesia estava decahida na corte de D. Affonso iv, e no seu testamento 
de 1350 o Conde deixa o Livro das Cantigas a Affonso xi de Castella, com data de 30 de 
março; a 26 d'esse mez falleceu o rei de Castella, e o Conde de Barcellos só veiu a morrer 
d'ahi a quatro annos. É provável que o Livro das Cantigas não saísse de Portugal, se é que 
elle já não estava em poder de Affonso xi. 

Tendo fallado na cultura liiteraria dos bastardos de D. Diniz, seria deixar uma solução 
de continuidade na historia não procurando os elementos que nos descrevam a actividade 
litteraria da corte de D. Affonso iv seu successor. Como ha pouco observamos, este rei lam- 
bem era trovador, e algumas canções suas foram colligidas no Cancioneiro de Colocci. Não 
é hoje possível alcançar qualquer d'estes monumentos, mas nem por isso faltam as provas 
do seu gosto e influencia litteraria. Pôde se dizer que foi o príncipe que melhor com- 
prehendeu a transformação do lyrismo provençal; porque, faltando nos uma renascença phi- 
losophica neo-platonica para converter a imitação exterior do lyrismo trobadoresco na ex- 
pressão do sentimento moderno, como o fez a Itália em Dante e nos Fieis d'Amor, este prín- 
cipe influiu na conversão dos lais subjectivos em novelks narrativas, tal como vieram a 
prevalecer na Europa. Na sua menoridade D. Affonso fez com que Vasco de Lobeira redigis- 
se em prosa a novella do Amadis de Gaula, até então propagada por toda a Europa na for- 
ma poética. 1 O nome de Lobeira já Qgura em um trovador da corte de D. Affonso m e de 
D. Diniz; é o trovador João Lobeira «natural portuguez, Olho de Pedro Soares de Alvim,» 3 
bastardo mas legitimado por D. Affonso iii em 6 de maio de 1272; elle assigna como teste- 
munha no testamento do bispo de Lisboa D. Aires Vaz, em 1258; na doação da villa da Lou- 
rinhã por D. Affonso m a seu fillw D. Affonso, João Lobeira assigna a confirmação em 1278, 
e em 1321 torna a assignar um instrumento de composição de el-rei D. Diniz com a camará 
de Lisboa. 4 A phrase de Brandão: «D'este João Lobeira descendem, ao que entendo, os 
que ha em Portugal d'este appellido. . .» leva-nos a suppor que Vasco de Lobeira, que es- 
crevia ás ordens do Infante D. Affonso, seria seu Olho. Miguel Leite Ferreira, publicando os 
Poemas lusitanos de seu pae, o dr. António Ferreira, explica porque é que este quinhentis- 
ta compoz em linguagem archaica dois sonetos dirigidos em nome do Infante a Vasco de Lo* 
beira; essa linguagem: «se costumava n'este reino no tempo dei rei Dom Diniz, que he a 
mesma em que foi composta a historia do Amadis de Gaula, por Vasco de Lobeira, natural 
da cidade do Porto, cujo original anda na casa de Aveiro. Divulgaram-se em nome do Infan- 
te Dom Affonso, filho primogénito dei rei Dom Diniz, por quam mal este príncipe recebera, 
(como se vê da mesma historia) ser a formosa Briolanja em seus amores maltratada.» 5 Por 
esta preciosa nota se vc que Vasco de Lobeira, vivendo o pae na corte de D. Diniz, era fi- 
dalgo da casa do Infante, e que este lhe fez modificar a redacção do episodio dos amores de 

1 À canção 1062, de João de Gaya a hau bispo de Viseu, natural de Aragão, parece referi r-se ainda a Mi- 
guei Vivas, privado de D. Affonso iv : n*este caso João de Gaya era partidário do Conde 0. Pedro, c um dos 
que o ajudou na compilação do grande Cancioneiro. 

■ Vid. as provas no livro Formação do Amadis de Gaula, 1872. Ultimamente o dr.Ludwíg Braunfels pu- 
blicou um opúsculo intitulado Krilisclier Versuch iWer dm, tioman Ainadis von GaJUien, Leipzic, 1870, (Kn- 
saio critico sobre o Romance de Amadiz de Gaula) no qual sustenta a prioridade da redacção castelhana, re- 
pelindo os argumentos já refutados que traz Gayangos, sem o conhecimento dos novos trabalhos publicados 
em Portugal. Braunreis refuta o nosso artigo SoSre a origem porlugueza de Amadiz de Gaula ifiivisla de Fi- 
lologia Romanza, fase. m, 1873), que é o segundo capitulo da parte segunda do livro supracitado, mas que 
elle também desconhece. ITessa refutação os factos são improvisados pelo critico, tacs como: attrilmir-mc o 
dizer que António Ferreira foi Bibliotnecario do Duque de Aveiro, ou a confusão de Henrique m com Henri- 

3ue ii, que no próprio texto se acha sanada. Outros argumentos contra a prioridade portugueza são inventa- 
os pelo próprio tfr. Brauufels, como o dizer que o texto de Azurara, que cita o Amadiz, é inter pol lado por 
um commentador! É esta a grande novidade do seu Ensaio critico, que tomou a questão no ponto até onde a 
levou Gayangos, e a deixou ficar mais confusa por falta da verdadeira imparcialidade de um methodo scien- 
tifico. Depois de estudarmos todas as argucias lógicas de Braunfels, concluímos que os seus argumentos con- 
duzem á prova definitiva da redacção portugueza do Amadiz de Gaula, contra a qual até de ironias se serviu. 

• Munarchia Luz.,L vi, p. 112. 
4 Ibid., t v, p. 521. 

• Esta nota deve procurar-se na folha de Erratas da edição de 1598, dos Poemas luzilanos; este aviso é 
para que não neguem a sua existência, como ez Gayangos. 



CAP. IV) A BATALHA DO SALADO LXXV 

« 

Briolanja, como ainda se lé na rubrica da mesma novel la do Âmadis de Gaula, apesar da 
paraphrase castelhana, que exclusivamente subsiste. O exercício da lingua portugueza na 
novel la em prosa era uma consequência das reformas de D. Diniz; a lingua portugueza aca- 
bava de ser estabelecida nos tribunaes, nas escripturas publicas e leis. Demais o regimen 
trobadoresco decaía, e os jograes, saídos das camadas populares, faziam prevalecer o gos- 
to narrativo. Antes de 1325, época do fallecimento de D. Diniz, já na Provença os trovadores 
se haviam confundido com os jograes, como se vé por estes versos de Giraud de Riquier : 

Pêro tug son joglar 
Apelât en Proensa... 

Era este o período em que a poesia provençal perdia o seu exagerado subjectivismo, en- 
trando de novo em voga as narrativas jogralescas, ou poemas de aventuras, chamados Ro- 
nmnz e depois novellas. A creação do Âmadis de Gaula foi uma consequência d'esta trans- 
formação histórica, e a D. Aflbnso iv cabe a gloria da comprehensão d'este phenomeno evo- 
lutivo, facilitando o descobrimento do género narrativo, que mais tarde se manifestaria na 
concepção histórica no inexcedivel Fernão Lopes. 

A começar do reinado de D. Aflbnso rv em 1325, dà-se uma certa reacção da poesia cas- 
telhana sobre a portugueza, reacção que se tornou crescente e exclusiva, a ponto de per- 
manecer preponderante cm todo o século xv, como se vé pelo Cancioneiro de Rezende. 
casamento de D. Maria, filha d'este monarcha, com D. Aflbnso xi rei de Castella e de Leão, 
estabeleceu relações intimas entre as duas cortes. Aflbnso xi sustentava extemporaneamente 
o modo provençal e as Cortes de Amor; D. Aflbnso ív patrocinava o género narrativo. As re- 
lações das duas cortes em quanto à actividade jogralesca véem-se n'esta canção de João Ay- 
ras (n.° 553) : 

Meu senhor rey de Castella 

venho-me vós querellar; 

eu amey unha donzella 

por quem m 'ouvistes trobar. . , 

Se mi justiça non vai 
ante rey iam justiceiro, 
hir-m'fy ao de Portugal. 

Os jograes corriam as varias cortes peninsulares conforme os favores que lhes dispensavam 
os monarchas; este João Ayres falia de Portugal, quando descreve cor^o levaria a sua dama : 

oa coma do rocim deante, 

por caminho de Sampay 

passar Minh'e Doir'e Gaia. (n.° 547.) 

E em outra canção allude ás suas peregrinações poéticas pelas outras cortes: 

Andey, senhor, Leon e Castella 
depoys que m*eu d'esta terra quiley, 
c non foy hi dona nem donzella 
que eu non visse.. . (n.* 536.) 

Um suecesso histórico veiu estreitar mais as relações da corte portugueza com a caste- 
lhana e inspirar os jograes : foi a batalha do Salado. sultão de Marrocos Abul-Hassan amea- 
çava a Hespanha christã com uma invasão ; uma esquadra mourisca derrotara o almirante 
Tenório, e Aflbnso xi achava-se sem meios de defeza. Aflbnso rv estava despeitado com Àf- 
fonso xi, mas pelos rogos de sua filha que veiu directamente a Portugal para decidil-o a en- 
trar na liga, o monarcha portuguez mandou o seu almirante. Micer Peçanha cruzar diante de 
Cadiz, apresentando-se elle mesmo em Sevilha para ajudar o rei castelhano na tomada e de- 
feza de Tarifa. Decidi u-se em conselho que Aflbnso xi atacaria Abul-Hassan, e Aflbnso rv 
acommetleria o rei de Granada. No dia 3 de outubro de 1340 foi o encontro dos exércitos 
chrislãos junto do rio Salado, cuja passagem os exércitos mouriscos impediam. Sobrepujada 
esta primeira diíficuldade, e coadjuvados pela guarnição de Tarifa, os exércitos chrislãos al- 
cançaram uma victoria, que annullou para sempre os terrores de uma invasão mahometa- 
na. D. Aflbnso ív voltou para Portugal não querendo tomar parte nos despojos que ficaram 
da batalha. Até aqui o facto histórico. No Cancioneiro da Vaticana estão patentes os resul- 
tados da sua acção sobre os cantos dos jograes. Nas barcarollas de Joham Zorro achara-se os 
eccos do enlhusiasmo popular por esta expedição marítima : 

Os meus olhos, o meu eoraçom, 
et o meu lume foy-se con el rey. . . (n.° 75Í.) 



LXXVI EXPEDIÇÃO A SEVILHA E GRANADA (CAP. IV 

As barcarollas de João Zorro têm ar eslruclura das canções populares do século xiy : 

151 rey de Portugale 
barcas mandou lavrar. (n.° 755.) 

En Lixboa, sobre lo mar 

barcas novas mandey lavrar; 

ay mha senhor velida. 

Em Lixboa sobre lo lez 

barcas novas mandey fazer ; 

ay mha senhor velida. (n.° 754.) 

A este tempo também frequentava a corte portugueza o fidalgo trovador Nuno Fernan- 
des Torneol, castelhano, que Tez uma linda barcarolla ao facto da expedição marítima : 

Vy eu, mha madre, andar, 
as barcas en o mar, 
e moyro-me d'amor. 
Puy eu, mha madre, veer 
as barcas em o lez, 

e moyro-me d 'amor... (n. 246.) 

Em ambas estas barcarollas encontra-se a palavra lez, que segundo a auctorídade de 
Sédillot* provém do árabe lezz, ter mão; na linguagem popular portugueza ainda se con- 
serva a phrase locutiva «de lez a lez» contraposta a essoutra cede riba a baixo.» 

Da marcha de D. Aflbnso iv para Sevilha, acha-se na canção do jogral Ruy Fernandes 
clérigo esta allusão no estylo provenç alesco : 

•Madre, quer'oj'eu yr veer 
meu amigo, que se quer hir 
a Sevilha el rey servtr; 
ay madre, yr-lo-ey veer. . . 

A Sevilha se vae daqui 
meu amigo por fazer ben. . . (n.° 520.) 

Nas canções de Ruy Martins do Casal também se allude à expedição sobre Granada: 

Rogo-te, ay amor, queiras migo morar 
tod'este tempo em quanto vay andar 
a Granada, meu amigo! (n.° 765.) 

A ida a Granada entrava como facto obrigado dos refrens jogralescos; em outra canção 
Ruy Martins do Casal remata sempre com o estribilho : 

• • . meu amigo, que se foy andar 

a Granada por meu amor I dar. (n.° 766.) 

Nas canções de Pêro Gonçalves de Porto Carrero, uma d'ellas explica a anciedade das 

namoradas que não recebiam novas dos trovadores que estavam na campanha, ou que não 

regressavam de Castella : 

Par deus, coytada vivo 
poys non vem meu amigo, 
poys non vem, que farey ? 
meus cabellos com sirgo 
eu non os liarei. (n.° 505.) 

N 9 esta eslrophe allude-se ao symbolo jurídico dos nossos Foraes, o cabello atado, como 
signal de casada. Este costume ainda se expressa nos modernos cantos populares : 

Menina ate o cabello 
Que atado fica- lhe bem, 
Se lhe faltarem as fitas 
O salgueiro verga tem. 

Na segunda estrophe da canção 505, à referencia histórica é ainda mais clara: 

Poys non vem de Castella, 
non e viv'ay mescla, 
ou m'o detém el rey; 
mbas toucas da Estela 

eu non vos tragerey. 

- * Hisl. gènirale da Árabes, t. ti, p. 219. 



CAP. IV) O POEMA DE AFFONSO GIRALDES LXXVII 

A viuvez, no symbolismo foraleiro, determinava-se pela touca. 

Pela época da batalha do Salado, em 1340, e pela rubrica que acompanha a canção de 
Aflbnso xi, vencedor a par de Tarifa, logo no principio do Cancioneiro, vê-se que esta vas- 
ta collecção foi organisada por occasião das relações amigáveis das duas cortes, e sob o en- 
tbusiasmo dos trovadores de ambos os paizes. 

successo da batalha do Salado também inspirou os trovadores castelhanas ; na littera- 
tura hespanhola d'este período existem dois poemas históricos celebrando esta mesma bata- 
lha. Começou então a ser usada a quadra em redondilhas, que se imitou também em Portu- 
gal. Os dois poemas castelhanos são a Chronica en coplas redondUlas de Alfonso Onceno, 
escripta por Rodrigo Yanes, e achada em 1 575 por Diego Hurtado de Mendoza, em Granada ; e a 
Chronica en rimas antiguaà, por Pernam Gonzalves, ambas em octosyllabos. Da poesia his- 
tórica de Yanes temos a prova da sua imitação por Aflbnso Giraldes nos seus versos de re- 
dondilha em que escreveu a Chronica de D. Aflbnso iv até á batalha do Salado. A noticia mais 
antiga d'este poemeto acha-se em Faria e Sousa na Europa portugueza, e a ultima referen- 
cia que se fez a elle apresentando alguns-extractos, foi em 1 751 , por Frei Francisco Brandão, 
na Monarchia buaitana ; * portanto a sua perda data do grande terremoto de Lisboa, de 1 755. 

. Restam d'este poemeto de Aflbnso Giraldes dez quadras, mas por esses vestígios se des- 
cobrem algumas reminiscências directas da chronica poética de Yanes. O poema começava, 
como o descreve o chronista Frei António Brandão, contando varias guerras antigas das mais 
celebres :«emo principio do qual entre outras guerras antigas, se faz menção (Testa, que 
o Abbade João teve com os mouros e com seu capitão Almançor.»* Por esta descrípção vé-se 
que era a quadra seguinte uma das primeiras do poema : 

Outros falam de gram razão 
De Bistoris, grano sabedor, 
£ do Abbade Dom João, 
Que venceu Rei Almanzor. 

A guerra de Bistoris, aqui citada, viria como allusão à extraordinária façanha de Eleazar, 
que nos desfiladeiros de Betzacharah para salvar os israelitas, vendo o rei Antiocho Eupa- 
tor montado sobre um elephante, atravessou denodado o exercito inimigo, e com a lança 
varou o ventre do animal couraçado por todos os outros pontos. 3 Betzacharah é o mes- 
mo que Bistoris, na linguagem vulgar, como Averroes se converteu da forma Ibn-Roschd. 

A lenda do Abbade João de Monte-Môr, era um d'esses episódios épicos das lutas de ex- 
termínio entre christãos e árabes ; (Testa luta subsiste ainda na forma poética a lenda do 
Figueiral, colligida desde o século xv no Cancioneiro do Conde de Marialva, porém a lenda 
do Abbade João, pelo seu caracter religioso foi absorvida pelos eruditos ecclesiasticos, e es- 
terilisou-se na forma de relação em prosa. Na primeira metade do século xvi faltava Fernão 
de Oliveira d'esta lenda, e explicava as façanhas do Abbade João referindo-se com uma ad- 
mirável lucidez à sociedade mosarabe: « E só esta nossa terra Portugal, na Hespanha, quan- 
do os Godos com seus costumes bárbaros e viciosos perderam a Hespanha, teve sempre ban- 
deira nunca sujeita a mouros; mas muitas vezes contr'elles victoriosa : como foi a do Santo 
Abbade João de Monte-Môr o qual confessam todos, que corria a terra dos mouros como d'imi- 
gos e não como de senhores. E esta é a verdade, que em Portugal sempre houve lagares de 
christãos, porque se assim não fora que na Estremadura não houvera logares de christãos, 
não se atreveria o Abbade João, que era homem prudente, a sayr traz seus imigos por suas 
terras d'esses imigos por espaço de jornadas com pouca gente.» i Era n'estes logares de 
christãos encravados na conquista árabe que se elaboravam as tradições épicas dos Roman- 
ceiros, ou Aravias, que se conservaram no elemento mosarabe da nacionalidade portugue- 
za. O poema de Aflbnso Giraldes referia-se a estas tradições nacionaes, mas a tendência his- 
tórica escravisava-o á narrativa prosaica ; elle descreve o nascimento de D. Aflbnso iv, a 
sua educação e casamento, e como mandou usar aos Mudjares o distinctivo das almexias ; 
depois descreve a batalha do Salado, referindo-se ao alferes de Portugal Gonçalo Gomes de 
Azevedo. 6 O estylo d'estas quadras em redondilhas mostra que a tradição provençal tendia 
a ser abandonada na corte portugueza; foi então que se vulgarisaram as prophecias de Mer- 
lim em Portugal, e o Leão dormente e o Porco espinlio vieram ainda a figurar mas já sem 
sentido na tradição provincial nas Prophecias de Bandarra, do principio do século xvi. A tra- 
dição da batalha do Salado chegou até a Camões, formando um dos mais lindos episódios 

1 Tomo vi, p. 106. 

1 Mon. luzií., Part. ra, iiv. x, cap. 45. 

* Naccab., i, 6, e 14.— Josepho, Anlig. judaicas, xn, 9. 

• Grammalica da linguagem portugueza, p. 11. Ed. 1871. 
' Antologia portugueza, n.* 41. 



LXXV1II INFLUENCIA DE D. PEDRO I, NA POESIA (CAP. IV 

dos Luziadas: «Entrava a formosíssima Maria. . .» Depois da morle de Àffonso xi de Cas- 
tella, alguns castelhanos refugiaram-se na corte de D. Affonso iv; entre esses podemos citar 
o nome do trovador Mem Rodrigues Tenoyro. As suas canções são das mais bellas do Can- 
cioneiro da Vatíca)ia, e escriptas na língua portugueza exprimem a sua saudade : 

Se eu pudess'yr hu mha senhor é 
ben vos juro que querria hir. (n.° 9.) 

Quando m'eu mui triste de mha senhor 
mui fremosa sem meu grado parti. (n.° 12.) 

Depois que o infante filho de D. AíTonso rv subiu ao throno em 1357, tratou de se vin- 
gar dos assassinos de lgnez de Castro. trovador Mem Rodriguez Tenoyro foi entregue a 
Pedro o Cruel em troca de um dos assassinos, sendo immediatamente executado. 1 Com a 
morte quasi consecutiva de AíTonso xi, do Conde D. Pedro e de D. AíTonso iv, a poesia pro- 
vençal palaciana perdeu os seus cultores; e a aristocracia entrando na luta contra o poder 
real calava-se por um momento. Na Bibliollieca lusitana de Barbosa, D. Pedro i ainda é ci- 
tado como trovador, attribuindo-se-lhe uma poesia em castelhano tirada do Cancioneiro ma- 
nuscripto do padre Pedro Ribeiro ; mas essa poesia pertence em parte a el-rei D. Pedro, fi- 
lho do Duque de Coimbra, e a outra parte é evidentemente da escola italiana do século xvi. 
Pôde -se dizer que por isso mesmo que não foi trovador é que a poesia não se cultivou na 
sua curte. No Cancioneiro encontra-se um fragmento da canção de Álvaro Affonso «cantor do 
senhor Infante, a um eschollar» (n.° 4 10) chamado Luiz Vasques; o facto de ser escolar, ma- 
nifesta-nos que já estava creada a universidade, e portanto, que Álvaro Aflbnso pertencia ao 
séquito jogralesco de D. Aflbnso iv, ainda infante. Se o Cancioneiro fosse organisado sob a 
influencia poética da corte de D. Aflbnso iv, por certo que existiriam d'este jogral mais al- 
gumas composições colligidas; mas organisado sob a direcção e gosto do Conde D. Pedro, 
elle compilou tudo o que pertencia â sua época, que acabava. A Pergunta de Álvaro Affonso 
encerra um fragmento de pastorella popular, de que ha reminiscências nos fragmentos tra- 
dicionaes conservados por Gil Vicente : 

A terra de Cintra, a par d'esta serra, 
vy huã serrana que bradava guerra. 

Nos versos de João Ayras, também se refere o nome de um outro «cantor» chamado 
Fruitoso, que trocou o nome pelo de Ruy Marques. (n.° 642.) A designação de cantor não se 
confunde com a de jogral, porque significava os que sabiam o cantochão melódico, usado 
nas canções eruditas e nas capellas regias. D. Pedro i substituiu os cantores por trombetei- 
rtfs, mais em harmonia com os divertimentos venatorios do monarcha. 

costume legalisado nas Leis de Partidas, teve a sua maior influencia na corte de D. Pe- 
dro i, o amante de lgnez de Castro; as Summas moracs do século xm haviam condemnado 
as musicas das canções amorosas como licenciosas, e D. Pedro em vez dos três jograes do 
paço, como se estatuía no Regimento da Casa de D. Affonso ih, apenas conservou dois cor- 
neteiros, que o acompanhavam. jogral leonez Joham, celebrando a generosidade da tença 
que lhe dava D. Affonso rv, (canç. 707) louva também o príncipe herdeiro, notável então pela 
sua valentia e aventuras perigosas da caça : 

et o infante Dom Pedro 
seu filho, que s'avenlura 
a hu çranaurso matar, 
et desi et sempre cura 
d'el rey seu padre guardar. 

Este caracter impetuoso de D. Pedro i não proveiu do desgosto pelo assassinato de lgnez 
de Castro, e foi esse caracter que influiu na decadência das canções amorosas na sua corte. 
Na canção 935, de Joham Fernandes Dardeleyro, parece-nos achar uma allusão à fuga de 
Pedro Coelho, um dos assassinos de lgnez : 

Pêro Coelho é deytado 
da terra pellos meirinhos, 
porque britou os caminhos ; 

E foy-se elle morar a França 
et desemparou sa terra, 
cá non quis com el rey guerra. . . 

E foy-se el morar a Coyra, 
que é terra muyfesquiva. 

1 Fernão Lopes, Clxron. de D. Pedro, cap. 31. 



CAP. V) HISTORIA EXTERNA DO CANCIONEIRO LXX1X 

A morte do Conde D. Pedro em 1354 e a elevação ao throno de el-rei D. Pedro em 1357, 
decidem da completa decadência da poesia lyrica em Portugal. gosto da capa prevaleceu 
sobre o gosto da poesia; no Libro de Monteria escript© por el-rei D. João i, se determina 
claramente esta transformação : « Porém nós vendo em como o joguo de andar a monte era 
tam boom, e tam proveitoso, que em sua bondade passa todolos os joguos, a que hora di- 
zem manbas, e em seu ser para se os homens por elle poderem aproveitar mais que ne- 
nhum dos outros de que os homens agora usam, e assi mesmo em como elle era em si mais 
alta cousa e roais proveitosa que algumas outras, de que se trabalham de fazer libros assi 
como de Falcoaria e de Cantigas e de outras cousas e artes, que muito menos que esta apro- 
veitam. . .» l D. João i obedecia ao instincto hereditário de seu pae, apreciando mais a caça 
do que a poesia. No poema de Berlrand du Guesclin, descreve-se os usos da corte de D. Pe- 
dro i, e a paixão que havia pelos torneios violentos, em que figuravam os aventureiros bre- 
lãos, como um certo La Barre* No ultimo quartel do século xiv ficámos sob a dependência 
litteraria de Castella. Faltava- nos a inspiração e originalidade lyrica, e por isso antes de imi- 
tarmos João de Mena, Padron ou Stuniga, traduzimos as poesias do Arcipreste de Ilita e al- 
guns cantos sacros de Ilernam Perez de Gusraan. 3 



CAPITULO Y 
CANCIONEIRO DA VATICANA E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS 

CANCIONEIROS DOS SÉCULOS XI li E XIV 

N'este códice encontram-se as nossas origens litterarias, e as relações intimas que filiam 
a litteratura portugueza no grupo das litteraturas românicas da edade media da Europa ; 
aqui se acham representadas as duas correntes da inspiração popular e palaciana ou eru- 
dita, bem como os costumes de uma sociedade que nos é desconhecida, mas d'onde pro- 
viemos ; os suecessos históricos ahi tém a sua nota accentuada ; os nomes que figuram nas 
lendas genealógicas e nos feitos de armas no período da constituição da nossa nacionalidade 
ahi se encontram assignando os mais saborosos cantares consagrados ás damas da corte, que 
serviam. Finalmente, é este o documento mais vasto em que alingua portugueza se ma- 
nifesta no seu esforço para de inconsistente dialecto românico se tornar uma língua escripta 
com uma grammatica fixa. Um livro assim, onde se acha representado o melhor da nossa 
antiga poesia durante os séculos xm e xiv, é a jóia de uma bibliotheca. Como nos mostra- 
remos gratos ao estrangeiro que vem augmentar os nossos thesouros históricos e restituir- 
nos o fio perdido da nossa tradição nacional ? Estudando o livro. 

A primeira questão que o Cancioneiro portuguez do Vaticano suggere é determinar as suas 
relações com os antigos cancioneiros provençaes portuguezes em grande parte perdidos ; 
esta circumstancia complica o problema critico, e por isso importa bem determinar apro- 
ximadamente o numero d 'esses cancioneiros para se fazer o processo de filiação. Tal é o in- 
tuito d^ste nosso estudo, bastante restricto, porque determinar o valor histórico do Cancio- 
neiro pelas correntes litterarias n'elle representadas, pela allusão aos grandes suecessos, 
pelo uso de dadas formas poéticas, pelas personalidades dos principaes trovadores e pelo 
estado da lingua portugueza, é uma exploração de tal forma vasta, que qualquer d'estas 
questões excede a competência de um individuo isolado. Começamos a critica externa do 
Cancioneiro, enumerando todos os cancioneiros portuguezes dos séculos .xm e xiv que con- 
tribuíram para a sua formação, procurando ao mesmo tempo o nexo que existiria entre el- 
les, e pelas divergências de texto quaes as collecções que se perderam sem chegarem a ser 
conhecidas. 

i. Livro das Cantigas do Conde de Barcellos. 

No testamento do Conde D. Pedro, feito em Lalira em 30 de março de 1350, se lé a 
clausula: «Item, mando o meu Livro das Cantigas a el rei de Castella.» Interpretando esta 

* Libro de Montaria, fl. 3. (Bibliotheca nacional.) 

' Vid. Formação do Amadis de Gaula. 

1 Um fragmento de traducçâo das poesias do Arcipreste de Hita existe na Bibliotheca do Porto, n.' 785, 
junto ao Liber Geslorum Bartaam et Josaphat, e por nós publicado no nosso estudo sobre a Formação do 
Amadiz de Gaula, p. 271; as estrophes d'essc fragmento correspondem aos números 90 a 93, 95 a 100, e 113 
a 120 de Hita. Um outro fragmento cortado, corresponde aos números 59 a 60 e 61 a 62, e só pela compara- 
ção ó que liça legível. 



LXXX O LIVRO DAS CANTIGAS (CAP. V 

clausula, Varnhagen quiz por ella atribuir o Cancioneiro da Ajuda ao Conde de Barcellos, 
imprimindo-o em 1849 n'esse presupposto, com o titulo de Trovas e Cantares. . . oucmtes 
mui provavelmente o Livro das Gfintigas do Conde de Barcellos. Esta hypothese cedo caiu 
diante da evidencia dos factos; mas além (Teste primeiro erro, existe n'esta aflirmação um 
outro, que é o julgar o Livro dás Cantigas formado de canções unicamente compostas pelo 
Conde de Barcellos. Era antigamente vulgar terem os príncipes cancioneiro seu, como obje- 
cto sumptuário, isto é, uma collecção contendo as melhores poesias do seu tempo ; sabendo- 
se a tendência compiladora e erudita do Conde D. Pedro, e a amisade com a aristocra- 
cia porlugueza e gallega por causa do seu Nobiliário, é mais no espirito da historia littera- 
ria a hypothese, que o Livro das Cantigas era seu pelo facto material da propriedade ou da 
colleccionação, e que este titulo designa um cancioneiro contendo composições de diversos 
trovadores. Vamos fundamentar esta hypothese. 

Algumas rubricas do Cancioneiro da Vaticana historiam incidentemente a formação 
d'este grupo de composições; na canção 1 138, referindo-se a duas cantigas de um judeu de 
Elvas, se lé : «e porque è bem, que o ben que home faz se non perca, mandamal-o screver 
et non sabemos mais d' da mais de duas cobras, a primeira de cada huma.y* Conclue-se 
d'aqui que se fazia uma compilação por ordem superior, e por um amanuense ; o único fa- 
cto positivo que coincide com este é a formação do Livro das Cantigas, do Conde D. Pe- 
dro. Portanto podemos ter como certo que o Cancioneiro da Vaticana, isto é, apographos, 
e autographo, á parte a questão das suas interpollações, serão os borradores do Livro das 
Cantigas que se ia copiando era pergaminho. Pela rubrica da canção 1 138, vê-se também 
que o Conde, ou quem mandara coiligir as cantigas, explorava a tradição oral, longe mesmo 
da corte e das classes aristocráticas. Havia o intuito de formar uma vasta compilação ; nin- 
guém estava em relações mais especiaes para isto do que o Conde D. Pedro. 

A rubrica da canção 1058 encerra factos passados entre o Conde D. Pedro, D. João Af- 
fonso de Albuquerque e o Infante D. Affonso que succedeu a D. Diniz ; por aqui se vé que 
estas referencias eram sabidas e escriptas por quem estava na intimidade d'estes perso- 
nagens. 

A época d'esla colleccionação pôde flxar-se depois de 1329, anno em que morreu D. Af- 
fonso Sanches, que se acha ahi representado com canções transcriptas de versões oraes, si- 
gnal de que já não pôde contribuir com composições de correcção proveniente da forma es- 
cripta; e terminou, como se sabe pela letra do testamento de Lalim, em 1350. Gastou pelo 
menos vinte annos em coiligir de todo o reino esse grande monumento da litteratura da eda- 
de media porlugueza. 

É muito natural que o Conde se servisse de cadernos existentes desde o tempo de D. Af- 
fonso iii, como nos leva a induzir a canção n.° 1032; eram os reis e os príncipes que for- 
mavam os Cancioneiros, porque só elles podiam pagar a amanuenses e a recitadores (dize- 
dores) ou alcançar dos fidalgos as suas canções. Na canção 1032 o jogral leonez Lourenço 
vangloria-se de serem os seus cantares colligidos em todas as cortes : 

Rodrigu'Eannes, hu meu cantar for 
non acha rey nem emperador 
que o non colha, muy ben eu .o sey. 

Pelo conteúdo do começo do Cancioneiro que pertenceu a Colocci, e porque no códice 
da Vaticana mais de uma vez se citam as formas poéticas bretãs dos lais, podemos concluir 
que esses cincos lais pertenceriam ao Livro das Cantigas, o qual foi encorporado em uma 
grande collecção formando talvez a parte que vae até às canções de el-rei D. Diniz que eram 
também um cancioneiro avulso. Por este mesmo códice de Angelo Colocci, de que resta o 
indice, achamos que antes da parte que constituo a collecção de el-rei D. Diniz, estavam 
colligidas varias canções de D. Affonso Sanches, bastardo do rei, as canções de D. Affonso ix 
rei de Leão, as de D. Affonso xi de Castella, e depois d'estas as do próprio Conde de Barcel- 
los, que são ao todo nove, e também as de seu irmão el-rei D. Affonso iv. Não era qualquer 
compilador ocioso que poderia satisfazer a sua curiosidade obtendo d'estes príncipes e mo- 
narchas as canções mais ou menos pessoaes; o Conde de Barcellos estava em uma posição 
especial, sabia metriflcar, era estimado na corte de D. Diniz e na de Affonso xi, e tendo pas- 
sado algum tempo em Hespanha de lá podia trazer canções de vários trovadores que nunca 
estiveram em Portugal. Portanto o seu Livro das Ccmtigas fora formado n'estas condições 
particulares, e o apreço que se lhe ligava é que fez com que o deixasse em testamento ao 
elegante trovador Affonso xi de Castella. A posse de um livro de cantigas era quasi um titu- 
lo nobiliarchico ; na cainção 76 da Vaticana, feita á maneira de sirvente por Affonso rx con- 



CAP. V) CANCIONEIRO DE D. DINIZ LXXXI 

Ira e Dayao de Calez, diz que elle tinha um Livro de Sons, por meio do qual seduzia todas 
as mulheres. Foi também pelo seu gosto pela poesia provençalesca que o Conde de Barcel 
los manteve a sympathia de D. Affonso iv, e de Âffonso xi, e por isso em uma canção de lou- 
vor é chamado o irmão tio d'el rei. Por tudo isto é mais crivei que o Livro das Cantigas do 
Conde fosse o primeiro núcleo com que se formou por juxtaposição o grande Cancioneiro 
portuguez, do qual um dos apographos é o códice da Vaticana; dizemos por juxtaposição, 
porque se lhe segue o de el-rei D. Diniz, e porque muitas canções do códice de Roma se 
acham ahi mesmo repetidas, indicação inevitável de terem sido colligidas de fontes diversas 
independentes. Quando o Conde D. Pedro falleceu já era morto Affonso xi, e isto explica co- 
mo poderia exlraviar-se em Castella esse Livro das Cantigas, e como Pêro Gonçalves de 
Mendoza viria a obter a copia que se guardava em um grande volume em casa de D. Mecia 
de Cisneros, e pela primeira vez citada por seu neto o Marquez de Santillana. 

ir. Livro das Trovas de El-rei D. Diniz. 

corpo fias canções de el-rei D. Diniz occupava uma grande parte do códice de D. Me- 
cia de Cisneros ; occupava também uma parte importante no apographo de Coloccí, bem como 
no códice da Vaticana. modo como esta grande quantidade de canções de el-rei D. Diniz 
entrou em uma vasta compilação explica-se naturalmente, por isso que pelo Catalogo dos li- 
vros de uso de el-rei D. Duarte acha-se citado o Livro das Trovas de el-rei D. Diniz, do qual 
se pôde inferir terem existido varias copias, porque o numero das canções varia entre as 
enumeradas no indice de Colocci e as contidas no códice da Vaticana, contando este ultimo 
cincoenta e uma canções a mais. Alem disso, na parte do códice que encerra as canções de 
D. Diniz, a canção 116 acha-se repetida outra vez sob o n.° 174 com variantes e differente 
disposição de estrophes, o que denota que essa parte foi compilada de copias secundarias, 
mas classificadas, como vemos pelo titulo das Cantigas de Amigo dado a um certo género 
de canções, especialmente de imitação popular. É provável que os autographos que serviam 
para os traslados nitidos dos amanuenses fossem por vezes aproveitados por outros compi- 
ladores ; de el-rei D. Diniz andava também um códice poético em poder dos Freires de Christo 
de Thomar. Os muitos jograes da Galliza, de Castella e de Leão, que frequentavam a corte 
de D. Diniz, também Colligiriam esses corpos de canções de SerranUha e de Mal-dizer que 
os privados dos monarchas trovaram, e que elles decoravam para cantarem de ofBcio. Os 
jograes formavam collecções dos melhores cantares para recitarem ou acompanharem à ci- 
tola, pelo que recebiam dinheiro ; o costume de ter jograes de Segrel ao serviço da casa real 
desde Affonso m, levava também a formar estes pequenos cancioneiros escolhidos. 

hl O Catfcioneiro da Ajuda (ou do Collegio dõs*Nobres.) 

O facto de se encontrarem cincoenta e seis canções communs ao códice da Ajuda e da 
Vaticana, torna indispensável o resumir aqui o que se sabe da historia externa do Cancio- 
neiro da Ajuda. As suas folhas são de pergaminho, a duas columnas, com pauta para a mu- 
sica das canções que se deveria escrever em seguida, com varias vinhetas separando os 
diversos grupos de canções de cada trovador e com letras historiadas. O cancioneiro está 
truncado, pois que começa na folha 41, e não existe o final, não só por incúria dos possui- 
dores, que o baralharam encadernando-o tumultuariamente com o Nobiliário, grudando al- 
gumas folhas às capas, mas também porque o estado da copia, sem assignatura ou designa- 
ção dos trovadores, letras historiadas incompletas, e falta de notação musical, nos revelara 
que o códice não foi dado por acabado. Esta collecção começou-se ainda no reinado de D. Di- 
niz, porque ju alando -se as folhas lé-se escripto no corte cTellas : Rei Dom Diniz, e d'isto tam- 
bém se pôde deduzir, que se não perderam muitas folhas do principio e do fim. Doeste có- 
dice foram encontradas mais 24 folhas avulsas na Bibliotheca de Évora, e é tradição corrente 
que na de Coimbra existiram algumas outras também. 

A inspecção do códice da Ajuda, confrontado com outros códices europeus, mostra-nos 
que elle pertencia indubitavelmente a diversos trovadores; Varnhagen notou que existiam 
dezeseis vinhetas imperfeitamente coloridas, que estão desenhadas junto às canções, 2, 36, 
37, 149, 157, 170, 173, 184, 190, 231, 233, 249, 253, 255, 259 e fragmento h. (Notas às 
Trovas e Cantares, p. 348.) 

Alem d'este vestígio paleographico, o confronto com o códice da Vaticana levou a achar 
os seguintes trovadores, communs aos dois Cancioneiros: Pêro Barroso, Affonso Lopes Baião, 
Mem Rodrigues Tenoyro, João de Guilhade, Estevam Froyam, João Vasques, Fernão Velho, 

K 



LXXX1I CANCIONEIRO DA AJUDA (CAP. V 

Ayres Vaz, D. João de Aboim, Pêro Gomes Charrinho, Ruy Fernandes, Fernam Padrom, Pêro 
da Ponte, Vasco Rodrigo de Calvelo, Pêro Solaz, Pêro d'Armea e João de Gaia. Todos estes 
nomes são de fidalgos grandes privados de el-rei D. Diniz, e alguns já figuram em doações 
de D." Affonso m, como D. João de Aboim e Aflbnso Lopes Baião ; Mem Rodrigues Tenoyro vi- 
via na corte de D. Affonso iv, e foi entregue a Pedro Cruel em troca dos assassinos de Ignez 
de Castro. 1 A parte não assignada e que não se encontra no Cancioneiro da Vaticcma será 
porventura o corpo das canções escriptas durante o tempo em que a corte de D. Affonso ni 
esteve em Santarém. Alem disso a parte commum tem a particularidade de conservar a 
mesma ordem nas canções, e ao mesmo tempo as variantes mais fundamenlaes n'essas li- 
ções. D'aqui se conclue que já existia um Cancioneiro organisado, d'onde este da Ajuda estava 
sendo trasladado, mas que cTesse cancioneiro existiam diíTerentes copias formadas, não di- 
rectamente sobre elle, mas por meio dos cancioneiros particulares que o constituíram. A 
parte não commum ao códice de Roma, prova-nos lambem que alguns desses cancioneiros 
parciaes se perderam, ou eram já tão raros que não chegaram a ser encorporados na collec- 
ção. Admiltida a hypolhese de que o Cancioneiro da Ajuda; pelo facto de ter pertencido a 
el-rei D. Diniz e de andar encadernado junto- do Nobiliário do Conde D. Pedro, fosse o pró- 
prio Livro das Cantigas, como primeiro quizVarnbagen, o facto de apparecerem ahi outros 
trovadores prova nos a nossa hypolhese, que o Conde D. Pedro compilara sob esse titulo as 
canções dos trovadores seus contemporâneos. numero de vinhetas imperfeitamente colo- 
ridas do Cancioneiro da Ajuda são dezeseis ; isto leva a inferir que esse códice era formado 
de dezeseis corpos de canções que pertenciam a dezesete trovadores. De facto a coincidên- 
cia aqui é pasmosa; o numero dos trovadores communs ao Cancioneiro da Ajuda e da Va~ 
ticana é de dezesete ! Note-se que este numero é o que se perfaz com os nomes de Fernam 
Padrom, João de Gaya e Pêro d'Armea, que achamos alem d'aquelles que primeiro desco- 
briu Varnhagen. D'este numero se tira a conclusão que o Cancioneiro da Ajuda pertence 
exclusivamente a esses dezesete trovadores, e que as cincoenta e seis canções communs ao 
Códice da Ajuda eram as que andavam por cancioneiros parciaes, como as mais conhecidas, 
e pelas variantes que apresentam, as mais repetidas. Alem d'isso, pôde suppor-se que o 
Cancioneiro da Ajuda não foi acabado, porque o estylo limosino em que está escripto pas- 
sou de moda, preferindo-se os Cantares de amigo, as serranilhas, as pastorellas, os lais e 
as sirventes, mudança de gosto proveniente da grande affluencia de jograes gallegos, leone- 
zes e castelhanos á corte de D. Diniz; e sob o gosto da corte de D. Affonso rv prevaleceram 
também as canções e musicas bretãs, cuja corrente parece ainda reflectida no Cancioneiro 
da Ajuda,' em um remotíssimo vestígio, no fragmento de canção em que se lé a palavra 
guarvaya, com que o trovador allude aos seus infelizes amores. Nas Leges Wallice, xxni, i, 
encontra-se o dom das núpcias, kyvarus, que se pagava ao canlor da corte: «Penkered 
(musicus primarius) debet habere mercedes de filiabus poetarum sitri subditorum ; habebit 
quoque munera nuptiarum, id est kyvarus neythans, a fenflnibus nuper datis, scilicet xxiv or 
denarios». 1 A connexão histórica e a interpretação litleral mostram que a guarvaya do tro- 
vador portuguez é o mesmo facto ou costume bretão kyvarus; a verificação pelos proces- 
sos da alteração phonetica pertence para outro logar. Em todo o caso este vestígio é um dos 
nexos mais Íntimos que se pôde achar com o códice perdido de Colocci, em que estavam já 
colligidos alguns lais bretãos. 

A musica do Cancioneiro da Ajuda também foi abandonada, porque foram substituídos 
nos costumes outros instrumentos e outras tonadilhas; no poema francez de Bertrand Du 
Guesclin, falla-se de cantores bretãos na corte de D. Pedro i de Portugal. Foi já n'esta nova 
corrente poética e com o fervor que ella despertara que se começou a formar o vasto can- 
cioneiro, de cuja existência se sabe por quatro apographos. Cremos que o compilador que 
trasladou ou organisou o texto authentico d'onde saiu o apographo do Vaticano, não soube 
da existência do Cancioneiro da Ajuda, apesar das cincoenta e seis canções communs a am- 
bos. Este facto será mais amplamente explicado. 

iv. Cancioneiro de D. Mecia de Cisneros. 

Na Carta ao Condestavel de Portugal, escripta antes de 1449, o Marquez de Santil- 
lana, no § xv, diz que se recordava de ter visto, quando era bastante menino, em poder de 
sua avó D. Mecia de Cisneros, entre outros livros, tum grande volume de cantigas. . .» O Mar- 
quez de San til lana nasceu em 1398, e sua avó D. Mecia, na companhia da qual passou a sua 

1 Fernão Lopes, Chron. de D. Pedro i, cap. 31. 
1 Leges Watlice, p. 779, 861. 



CAP. V) CANCIONEIRO DE D. MECIA DE CISNEROS LXXX1II 

infância, morreu em dezembro de 1418, em Palencia. Em primeiro logar, o grande volume 
de Cantigas e outros livros, citados na carta, existiam em casa de D. Mecia de Cisneros por- 
que provinham de Garcilasso de la Vega e de Pêro Gonzales de Mendoza, como claramente 
o aflirma Amador de los Rios : «passo su infância encasa Dona Meneia de Cisneros, su abuela, 
dondo hubo de aGcionar-se à la lectura de los poetas en los códices que poseyeron Garci- 
lasso de la Vega y Pêro Gonzales de Mendoza» 4 . . . Garcilasso de la Vega, bisavó do Mar- 
quez, morrera em 1351, e esta data, e as suas relações de parentesco com a aristocracia 
porlugueza* explicam como a elle ou a Pedro Gonzales de Mendoza chegou o volume das 
cantigas. Portanto esse grande cancioneiro não existia em Hespanha poucos annos antes de 
1351 e foi pouco antes de 1418 que o joven Marquez de Santillana o consultou. Pedro Gon- 
zales de Mendoza era também poeta da corte de D. Pedro e de D. Henrique, (Amador de los 
Rios, op. cit., p. 623) e isto mostra o interesse que o levaria pelo seu lado a conservar o 
grande Cancioneiro portuguez. 

A descripção que faz o Marquez de Santillana d'esse códice, coincide com o que existe 
na Bibliotheca do Vaticano em copia do século xvi : «ungi*ande volume de Cantiga* serra- 
nas e dizeres portuguezes e gallegos.» São ao todo mil duzentas e- cinco cantigas compostas 
no género descripto por Santillana, e os poetas são em grande numero gallegos. Em segui- 
da acrescenta: «dos qucwsamaior parte era do rei D. Diniz de Portugal.» Efectivamente 
o trovador que mais canções apresenta no códice da Vaticana é el-rei D. Diniz, cujas compo- 
sições estão compiladas entre o numero 80 e 208, sendo ao todo cento vinte e nove. Ac- 
crescenta mais o Marquez de Santillana: «cujas obras aquelles que as liam, louvavam de 
invenções subtis, e de graciosas e doces palavras.» Esta aífir mação, sabendo-se que. o Mar- 
quez escreve sobre uma recordação da sua infância, não podia resultar se não dos gabos 
ouvidos a Pêro Gonzales de Mendoza, poeta do Cancioneiro de Baena, gabos que fizeram com 
que o livro se conservasse em casa de D. Mecia de Cisneros, e d'onde se tirara por ventura 
essa outra copia que hoje existe em poder de um grande de Hespanha, segundo uma afir- 
mação de Varnhagen. N'esta mesma Carta ao Condestavel de Portugal, allude o Marquez 
aos talentos poéticos de seu avó e cita varias das suas composições: *E Pêro Gonzales de 
Mendoza, meu avô, fez boas canções.» Cremos que por esta via é que o cancioneiro foi co- 
piado para Castella, copiado dizemos nós, porque se conforma com um grande cancioneiro 
já organisado, de que o de Roma é um apographo terciário. Marquez de Santillana cita de 
memoria os principaes trovadores que vira transcriptos n'essa vasta collecção: «Havia ou- 
tras (se. canções) de Joham Soares de Paiva, o qual se diz que morrera em Galliza por amo- 
res de uma infanta de Portugal; e de outro Ferrant Gonçalves de Senabria.» Pela referencia 
a estes dois trovadores se vc qual o estado do cancioneiro manuscripto ou volume de Can- 
tigas de D. Mecia de Cisneros. No apographo da Vaticana se acha uma canção de João Soa- 
res de Paiva, quasino fim da collecção, (n.° 937) ao passo que no cancioneiro que perten- 
ceu a Colocci e de que apenas resta o índice dos trovadores (cod. vat. n.° 3217) se acha 
logo sob o numero 23 o nome de João Soares de Paiva com sete canções suecessivas. Em 
seguida a este trovador cita Ferrant Gonçalves de Senabria, porém no Códice de Colocci 
acha-se sob o numero 384 citado Gonçalves de Seaura com dez canções a seguir. Isto con- 
corda com a phrase do Marquez, referindo-se a essas canções: «Havia outras. . .» O moti- 
vo d'esta referencia especial seria por ter este trovador o appellido de Gonçalves, de seu 
avô, e por isso ainda pertencente à sua linhagem. No Códice da Vaticana agora publicado, 
acha-se um fragmento de canções de Fernão Gonçalvis, e só sob o numero 338 outra can- 
ção de Fernão Gonçalves de Seabra, a qual corresponde segundo Monaci ao numero 737 do 
Códice perdido de Colocci. 

Portanto, o Cancioneiro de D. Mecia de Cisneros era completo pelo que se deduz da ci- 
tação destes dois trovadores, cujas obras se achavam antes da folha 42 do actual Códice 
Vaticano, na qual começa. No cancioneiro de Colocci, em vez de cento e vinte nove canções 
el-rei D. Diniz é representado com setenta e oito; mas ainda assim era uma grande collecção 
para o Marquez poder dizer d'ella em relação ao volume das cantigas «uma maior parte.» 
Em seguida a estas preciosas referencias cita também na sua Carta Vasco Peres de Camões, 
poeta do Cancioneiro de Baena e contemporâneo de Pedro Gonçalves de Mendoza, por cuja 
via seria conhecido em casa de D. Mecia de Cisneros, e pelos eruditos que tinham o cuida- 
do da educação do Marquez. Por ultimo infere-se que o Códice de D. Mecia era uma copia 
castelhana, porque transcreve o nome de Fernão em Ferrant, e o de Seavra em Senabria, 
o que se não pôde attribuir a vicio de orthographia do Marquez de Santillana. Estes tópicos 

1 Obras dei Marquez de Santillana, p. xx. 

* Mon. Iiisl., (Scriptores), p. 387; Sá de Miranda, Elegia á morte de Garcilasso. 



LXXXIV CANCIONEIRO PERDIDO, DE COLOCCI (CAP. V 

bastam para considerar a copia de D. Mecia mais próxima do texto autographo do que a da 
Va ti cana. 

v. Cancioneiro de Angelo Colocci. 

(Catalogo di Âutori portogliesi compilato da Angelo Colocci sopra tm anlico 

Canzoniere oggi ignoto. Ms. 3217 da Bibl. Vat.) 

illustre editor Ernesto Monaci ao estudar o manuscripto do Cancioneiro da Bibliotheca 
do Vaticano, n.° 4803, pelas referencias do texto e paginação de um outro códice ali inter- 
calladas, reconheceu que deveriam ter existido duas fontes para este apographo. Nas suas 
investigações na opulenta Bibliotheca do Vaticano teve a felicidade de descobrir o Catalogo 
dos Trovadores portuguezes no manuscripto 3217, o qual combina na maior parte com o 
dos Trovadores do Cancioneiro n.° 4803, sendo as emendas d'este ultimo códice da mesma 
letra do indice escripto pelo philologo Angelo Colocci, erudito italiano do século xvi. É cer-' 
to que o Cancioneiro da Vaticana pertenceu primeiramente a Colocci antes de vir a ser 
propriedade da Bibliotheca vaticana; Colocci era um d'esses distinctos eruditos italianos do 
fim do século xv, que colligiram manuscriptos de todos os paizes e cuja opulência se distin- 
guia pela formação de ricas livrarias, taes como Leão x, Bembo, Orsini, e outros tantos. 
Colocci morreu em 1549, tendo a sua livraria soflrido bastante no saque de Roma pelo Con- 
destavel de Bourbon em 1527. Portanto, entre estas duas datas é que se teria perdido esse 
graftde cancioneiro, do qual apenas resta o Catalgo dos Auctmes portuguezes, e que a Bi- 
bliotheca do Vaticano adquirira o Cancioneiro n.° 4803, apographo de um outro perdido, 
mas emendado pela mão de Colocci sobre o exemplar hoje representando unicamente pelo 
indice. 

Antes de examinar qual a riqueza da livraria de Colocci em manuscriptos portuguezes, 
surge a questão mais diflicil de resolver: Como vieram estes vários cancioneiros portugue- 
zes para as livrarias italianas ? 

Sabe-se que os pontífices mais instruídos mandavam procurar em todos os paizes os 
mais preciosos manuscriptos; de Leão x escreve Guinguené: «Não poupava despezas nem 
rodeios junto das potencias estrangeiras para fazer procurar nos paizes mais remotos e até 
nos estados do norte livros antigos ainda inéditos.» 1 modo como estes rodeios eram eífi- 
cazes, explica-se pela prohibição de certos livros e pela instituição da censura, que já no sé- 
culo xv se exercia em Hespanha e em Portugal, como vemos pelo Leal Conselheiro de el-rei 
D. Duarte. Os livros eram entregues à auetoridade ecclesiastica para serem examinados, e 
sob qualquer pretexto de escrúpulo não eram mais restituídos. Basta ver a quantidade de 
canções obscenas e irreligiosas que o Cancioneiro portuguez da Vaticana encerra, para se 
conhecer como veiu a cair na mão da auetoridade ecclesiastica e como sob ordem superior 
esse livro antigo ainda inédito foi remetlido para Roma. Alem d'isto, a paixão pela renas- 
cença da antiguidade, que começou no século xv, fez com que nos diversos paizes decaísse 
repentinamente o amor pelos seus monumentos nacionaes. D'esta falta de amor pelo próprio 
passado proveiu para Portugal a perda de muitos manuscriptos, como o da novella Amadis 
de Gaula, de muitos cancioneiros manuaes, como relata Faria e Sousa, pelo que dizia o dr. 
João de Barros no principio do século xvi, que estas cousas se seccavam nas nossas mãos. 
D'esta falta de estima pelos monumentos nacionaes, veiu o dispersarem-se pelas bibliothe- 
cas da Europa muitos thesouros da nossa litteratura, como se prova pela existência da De- 
manda do santo Greal, na bibliotheca de Vienna, dos livros de Valentim Fernandes na bi- 
bliotheca de Munich, do Leal Conselheiro de D. Duarte, Chronica de Guiné de Azurara, e 
Historia geral de Hespanha, na bibliotheca de Paris, do Roteiro de D. João de Castro no Mu- 
seu britannico, e do Cancioneiro do Conde de Marialva, da Satyra de infelice vida do Con- 
destavel de Portugal, em Madrid. A saída do grande Cancioneiro de Portugal pertence a esta 
forte corrente de dispersão. No. fim do século xv alguns portuguezes eruditos se distinguiam 
na Europa pelas suas riquezas litterarias; em uma Memoria sobre as relações que existiam 
antigamente entre os Flamengos de Flandres, especialmente os de Bruges, e os Portuguezes, 
cita-se : «João Vasques, natural de Portugal, mordomo de D. Izabel de Portugal, Duqueza 
de Borgonha: — Vasques possuía uma bibliotheca, ou pelo menos diversos manuscriptos de 
valor.»' Entre esses livros figuravam Histoire de Troie la grant, e alguns tinham as armas 
de Portugal na encadernação, como o velino Horce beatce Marice Virginis. Também no sé- 
culo xv figuravam no estrangeiro os eruditos Diogo Aflbnso de Mangaancha, Vasco Fernan- 

1 Hisl. liller. de Vllalie, t. nr, p. 17. 

' Op. cil., p. 8. 



CAP. V) MANUSCRIPTOS PORTUGUEZES'EM ROMA LXXXV 

des de Lucena, Achilles Estaco, e outros muitos amadores bibliophilos. Cuidava-se em com- 
prar livros impressos, por meio das Feitorias portuguezas, mas os manuscriptos, sobreludo 
os da litteralura medieval, perdiam-se coma mais censurável incuria..Sabe-se por uma car- 
ta de João Rodrigues de Sá dirigida a Damião de Góes, que el-rei D. Aflbnso v mandou vir 
de Itália Frei Justo, a quem fez bispo de Ceuta, com o Qm de escrever em latim a historia 
dos antigos reis de Portugal, e que todos os documenlos,que lhe foram entregues se perde- 
ram na sua mão, por ter repentinamente fallecido da peste. É natural que estes subsídios 
históricos constassem também de vários cancioneiros, porque a poesia fora um facto impor- 
tante nas cortes de D. Aflbnso ni, D. Diniz e D. Aflbnso iv; alem d'isso o espolio d'este bis- 
po italiano seria arrecadado pela aucloridade ecclesiastica e remettido para Roma. Por to- 
dos estes factos parece justiflcar-se a hypotbese de existir na bibliolheca do Vaticano, antes 
do saque de Roma em 1527, um d'esses cancioneiros portuguezes, e que d'ahi se dispersa- 
ram por essa causa: «A bibliolheca do Vaticano, tão liberalmente enriquecida por Leão x, 
foi saqueada; os livros mais preciosos foram presa de um furor ignorante e bárbaro, como 
os da bibliolheca dos Medicis em Florença.» 1 Pelo códice 4803, publicado por Monacci, se vê 
que este Cancioneiro foi copiado de um outro cancioneiro já bastante truncado, como ob- 
servou o critico editor pelas siglas antigas: «Manca da foi. 1 1 infino a foi. 43»; e na pagi- 
na 10: «Foi. 97 desumt multa» ;e pela ultima pagina, na qual se vé que ficou interrompida 
a copia. 

Alem d'esta deducç ão,- lira-se uma outra, isto é, que o códice 4803 foi comparado por 
Colocci com um outro mais rico e completo do qual só resta agora o Catalogo dos trovado- 
res. Os biographos de Colocci também consignam o fado de parte da sua opulenta biblio- 
lheca ter sido destruída no saque de Roma, em 1527. Esse philologo italiano possuía um 
decidido gosto pela poesia vulgar italiana, e conhecia a importância do estudo d& litteratu- 
ras novo-latinas, como se vê pelo interesse cora que procurava as canções de Foulques de 
Marseille, e pela posse de vários códices com os títulos Libro spagnolo di Romanze, e De 
varie Romanze volgare, por ventura alguns d'elles provenientes da acquisição de manu- 
scriptos das collecções de Bembo e de Orsini; seria algum doestes livros o Cancioneiro da 
Vaticana, ou esse outro cancioneiro de que apenas resta o catalogo dos auctores. N'este ca- 
talogo precioso descoberto por Monaci, sob o numero 44 : Bonifaz de Genoa, segue-se esta 
referencia a manuscriptos de Bembo : «vide bembo Ms. bonifazio Calvo de Genoa.» E sob o 
numero 456: il Réy don Affonso de Leon, segue-se esta nota: «bembo, dice di Ragona, figlio 
di BerenghieiH.» A variante do códice de Bembo di Ragona seria d'Âragoneem vez de Leon, 
isto é, um dos códices parciaes d'onde se formou o grande cancioneiro parece flxar-se por 
esta circumstancia. Sob este mesmo numero segue-se : «Alia lectioi Portugal, rey Don San- 
cho deponil.» Quer esta observação de Colocci significar, que este rei D. Aflbnso em outro 
códice é citado como rei de Portugal, o que depoz D. Sancho, facto que caracteriza el-rei 
1). Aflbnso m, que depoz seu irmão D. Sancho n. N'este caso este monarcha também fora 
trovador, e Colocci possuía algum cancioneiro parcial. No mesmo índice dos Trovadores, sob 
o numero 467 onde se continha as canções de el-rei D. Aflbnso de Castella e de Leão, ac- 
crescenta se : «vide nel mio lemosino», no qual se attribuem as mesmas cantigas de prefe- 
rencia ao rei de Leão, isto é, em harmonia com o titulo di Ragona, do numero 456. Em uma 
outra nota que o illustre Monaci achou no Códice n.° 4817, de letra cTeste erudito, se acha 
a seguinte referencia a um códice porluguez: «Messer Octaviano di messer barbarino, ha 
il libro di portoghesi, quel da Ribera Vha lassato.» Sabendo-se pela bibliographia, que o ma- 
nuscripto da Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, foi na primeira metade do século xvi 
levado para a Itália, imprimindo-se cm Ferrara em 1544, cinco annos antes da morte de 
Colocci, parece que a phrase quel (libro) da Ribera serefere a esta novella portugueza. Se- 
ria por este tempo que o cancioneiro portuguez se tornou conhecido em Roma, como dá no- 
ticia Duarte Nunes de Leão, nas palavras «que em Roma se achou» mas sem dizer que jà 
pertencia à bibliolheca do Vaticano. A época em que v este códice entrou n'esta rica biblio- 
lheca pôde fixar-se depois do anno de 1600, porque os livros e manuscriptos de Colocci fo- 
ram adquiridos pelo erudito Fulvio Orsini, que os deixou em testamento à Vaticana. 3 Esta é 
a opinião de Monaci; não concordamos porém com a sua interpretação do trecho de Duarte 
Nunes de Leão quando este escriptor porluguez diz: «segundo vimos por um cancioneiro 
seu, que em Roma se achou, em tempo de el rei D. João m. . . » deduzindo que Nunes de 
Leão chegara a ver esse cancioneiro ; em primeiro logar, Nunes de Leão refere-se a um Can- 
cioneiro seu, isto é, unicamente de el-rei D. Diniz, e não geral, como o de quje resta noticia 



• Gingnené, Hist. lilt.. t rv. p. 41. 

* Tirabosclri, Slorid delia Lelleratura i 



italiana, t. vn, 246. 



LXXXVI O CANCIONEIRO DA BIBLIOTHECA DO VATICANO (CAP. V 

pelo índice de Colocci e pelo apographo da Vaticana; isto já é uma prova da informação va- 
ga do chronista, e alem d'isso a phrase segundo vimos, significa : como se prova, como se 
deduz. Nunes de Leão conhecia o códice das canções de D. Diniz que no principio do século 
xvii se guardava na Torre do Tombo, como elle diz: «e per outro que está na Torre do 
Tombo. . .» ou talvez pelo que pertencia aos Freires de Christo, de Thomar. Vivendo no 
meado do século xvii, já o cancioneiro grande havia sido recebido na Bibliotheca do Vatica- 
no e poderia ter noticia da existência do códice ; porém o chronista refere-se-principalmen- 
te a um Cancioneiro de D. Diniz, e as referencias de Sá de Miranda, de Ferreira e de Camões 
são unicamente aos talentos poéticos de D. Diniz. Como chegou a Portugal noticia do appa- 
recimento em Roma? Sá de Miranda demorouse na sua viagem à Itália, entre 1521 e 1526, 
e conviveu com os principaes eruditos italianos, Lactancio Tolomei e João Ruscula, e dava- 
se também por parente da casa dos Colonas ; é possível que, regressando a Portugal cm 
1526, quando havia já cinco annos que D. João iii reinava, desse a noticia da descoberta de 
um cancioneiro em Roma, quando visitara as principaes livrarias ; o facto dos poetas da es- 
cola italiana alludirem ao talento poético de D. Diniz, leva a induzir esta noticia como com- 
municada pelo que trouxe a Portugal esse novo gosto litterario. 

Em 1527 foi o saque de Roma, e a livraria de Colocci também soffreu com essa devas- 
tação; por ventura algum dos cancioneiros acima citados se perdeu, ou foi talvez adquirido 
algum cTentre os livros roubados por esta occasião da Vaticana. É de presumir que o livro 
di Portoghesi fosse. o Cancioneiro de que só resta o índice, e sendo assim, perder-se-ia em 
poder de Messer Octaviano de messer Barbarino; se o livro da Ribera é o manuscripto de 
Bernardim Ribeiro, impresso mais tarde em Ferrara, então pôde fixar-se a perda do Cancio- 
neiro n'esse mesmo anno em que morreu Colocci. inventario dos seus livros, feito a 27 de 
outubro AS 1558, nove annos depois da sua morte, explica-noscomo os livros que estavam 
emprestados Acaram perdidos. Pelo índice d'este Cancioneiro, achado por Monaci, vc-se que 
elle constava de mil seiscentas e setenta e cinco canções, mais quatrocentas e setenta omis- 
sas no apographo da Vaticana, hoje publicado. 

vi. II Canzoniere portoghese delia Bibliotheca Vaticana, n.° 4803. 
Messo a stampa da Ernesto Monaci. Halle, 1875. 

Desde 1847, que o brazileiro Lopes de Moura publicou em Paris um excerpto do grande 
Cancioneiro portuguez da Vaticana, contendo as canções de el-rei D. Diniz. Como se veiu a 
conhecer a existência d'este precioso códice em Roma? Desde o principio do século xvii que 
elle entrara na Bibliotheca do Vaticano pela doação dos livros de Fulvio Orsini; no século 
xvin, segundo Varnhagen, era citado por um bibliophilo hespanhol junto com outros códi- 
ces de poesias catalãs e valencianas; o facto de existir com encadernação moderna e com 
a insígnia papal de Pio vn (1800-1823) explica-se pela reparação e ao mesmo tempo inte- 
resse que houve em conservar o cancioneiro formado de cadernos dilTerentes e incompletos 
e escriptos com tinta corrosiva que o pulverisa. Wolf, por intervenção do slavUta Kopitar, 
mandou fazer as primeiras investigações no Vaticano para descobrir este códice de que ti- 
nha vago conhecimento pela vaga allusão de Nunes de Leão ; foram infructuosas as tentati- 
vas ; o visconde da Carreira, embaixador em Roma, avisado por um franciscano (por ven- 
tura o P. Roquele, como se sabe pelo prologo da edição de Moura) conseguiu a copia da 
parte publicada em Paris pelo livreiro Aillaud. Desde 1847 até hoje, nunca o governo por- 
tuguez, nem a Academia real das Sciencias comprehenderam o valor d'este monumento. A 
reproducção das nossas riquezas litterarias tem sido sempre feita por estrangeiros, e a pu- 
blicação cTeste importantíssimo cancioneiro foi agora realisada por um rapaz desajudado de 
subsídios académicos, mas animado pelo amor da sciencia. A edição feita em Halle, apre- 
senta todo o rigor diplomático, de modo que os erros do copista italiano do século xvi po- 
dem restituir-se â leitura do portuguez do códice primitivo; apesar (Teste subsidio, Monaci 
tentou com um seguro tino critico uma tabeliã dos principaes erros systematicos, e um Ín- 
dice das necessárias restituições que se podem fazer cm cada canção; emfim tudo quanto é 
preciso para a intelligencia do texto, existe ali. Monaci conservou a disposição do manuscri- 
pto na reprodutção typographica, já a uma ou a duas columnas, com todos os vestígios das 
diflerentes numerações e siglas referentes a outros códices análogos e mais antigos. Pelo seu 
prologo, de uma precisão rigorosa, se vé toda a historia externa do Cancioneiro. O Códice 
da Vaticana está em papel de linho, com três marcas de agua dilTerentes. tal como se em- 
pregava nas edições do Varisco; a letra é italiana, tal como a dos documentos do Om do sé- 
culo xv e principio do século xvi, proveniente de dois copistas, um que escreveu as poe- 



CAP. V) PEQUENOS CANCIONEIROS AVULSOS LXXXVH 

sias, algumas rubricas e notas, outro a maior parte dos nomes, as numerações e algumas 
postillas, contando ao todo 210 folhas. Da descripção d'este cancioneiro conclue-se, pelo 
estado em que se acha, que outro ou outros cancioneiros foram n'elle copiados ou confron- 
tados. À primeira nota que se depara ao abril-o é : «Manca da foi. U a foi. 43 ;» isto quer 
dizer, que o cancioneiro foi copiado de um outro códice que já se achava assim fragmenta- 
do, mas que mais tarde foi confrontado com outro que estava completo, como veremos na 
relação com o índice de Colocci. 

Ao começar o texto aeba-se oulra referencia: «A fogli 90» e segue-se a canção de Fer- 
não Gonçalves, o que parece significar, que n'este cancioneiro existia outra disposição das 
poesias à qual se refere este numero, que continua a cotar suecessivamente outras canções, 
enlremeiandose com números romanos, que parecem estabelecer referencia a outro can- 
cioneiro. Separemos estas duas ordens de números, por onde deduzimos o confronto com 
dois cancioneiros ; para se localisar melhor a referencia que era de folhas e verso, indica- 
remos a numeração actual das canções: Foi. 91 (canç. 8), 92 (canç. 11); Foi. 97 desunt 
multa (canç. 43 fine) ; junto da canção 6 1 , vem a sigla Deswit; junto da 63 vem car. 106 ; 
junto da canção 299: Foi. 141 Alvo (dei volumen?); junto da canção 507 vem: «473 ater- 
go» e algumas canções com dois nomes de auetores, como Martim Campina ou Pêro Meo~ 
go», conforme a attribuição de um ou outro texto (canç. 796.). Por fim termina com esta 
outra rubrica: «A foi. 290 é cominciata una Rubiica e nonv finita di copiare.» Tudo isto 
prova, que se fez o confronto d 1 es te apographo existente com um códice mais completo, se- 
guindo-se o confronto até à folha 300 d 'esse códice perdido. 

O confronto do Códice por meio da numeração romana não prosegue até ao Dm ; apenas 
se acha lxxxvi junto da canção 4 : lxxxviij junto da canção 1 4 ; lxxxviiij junto da can- 
tão 26 fine; xcvj junto da canção 39 a 45; xcviu coincide com a referencia anterior junto 
da canção 49; xcviiij á canção 55 ; cxn à 62 ; cxnu á canção 70; cxvu à canção 77. Esta 
numeração romana adianla-se aqui mais do que a árabe, signal de que havia divergência 
entre os dois códices que serviam para confrontação com o apographo publicado. É certo 
porém, que a numeração romana termina anles do corpo das canções de D. Diniz, d'on- 
de se poderá inferir, que até esta parte contribuiu um cancioneiro parcial, e que o de 
D. Diniz só entrava no que era numerado em algarismos. Que existiam diversos cancionei- 
ros, pelas mesmas canções d'este códice se pôde conhecer, como pela canção ile D. Affonsoix 
de Castella (canç. 76) em que allude ao Livro dos Sons, que era um cancioneiro com que o 
Dayão de Cales seduzia as mulheres. Na sua edição Monaci deixou apontadas em um índice 
fundamental todas as canções repetidas no cancioneiro, ou aquellas que mutuamente se pla- 
giavam. Da sua comparação se podem tirar poderosas inducções, para se estabelecer quan- 
tos pequenos cancioneiros haviam servido para formarem o cancioneiro grande, do qual o 
apographo publicado é uma copia. É o que vamos tentar. 

Pequenos Cancioneiros que entraram na formação do Cancioneiro da Vaticana. — A 
canção 4, de Sancho Sanches, apparece repetida com mais duas estrophes e assignada por 
Pêro da Ponte, sob o numero 569 ; a segunda e terceira estrophes da versão de Pêro da 
Ponte, faltam na canção de Sancho Sanches. As estrophes communs lém as seguintes va- 
riantes : 

Sazom foi já, que me teve em desdeni (n.° 4-> 
Tal sazom foi, que me teve em desdém (n.° 569.) 

Que corrié mais j agora seu amor (n.° 4.) 
Quando me tnays forçava seu amor (n.° 569.) 

£ ora já que pes'a mha senhor (n.° 4.) 
£ ora mal que pes'a mha senhor (n.° 569). 

Evidentemente estas duas canções foram colligidas de dois cancioneiros parciaes, eelles 
mesmos escriptos em grande parte de memoria. 

A canção 13, de Mem Rodrigues Tenoyro, tem apenas uma eslrophe, mas repete-se sob 
o numero 319 com o nome do mesmo trovador e com mais duas estrophes que a comple- 
tam. Deve atlribuir-se essa divergência ao ter sido colligida de dois cancioneiros, formados 
por diversos colleclores. 

A canção 29, assignada por João de Guilhade, repele se sob o numero 38 com o nome 
do trovador Stevam Froyam; existem entre ellas leves variantes, mas como estão immensa- 
mente deturpadas, só pelos dois textos se reconstruem. Por este facto se vé, que houve com- 
pilação de dois cancioneiros, e que o copista mal percebia a letra c fazia selecção das can- 
ções. 



LXXXVIH RELAÇÕES ENTRE O CANCIONEIRO DA VATIGANA E O DE COLOCCI (CAP. V 

As canções 1 16 e 174, do cancioneiro de D. Diniz, são uma e mesma, havendo entre es- 
tes dois números variantes, e sobretudo a 2.* e 3. a estrophe alternadas. Não proviria isto 
dos originaes, escriptos por esmerados copistas, que se guardaram na Bibliotheca de el-rei 
D. Duarte; este facto prova-nos que o corpo das canções de D. Diniz, que na collecçâo Vati- 
cana occupa dos n. 0i 80 até 208 proveiu de copias avulsas de diflerentes palacianos, e tal- 
vez do próprio Conde D. Pedro. 

A canção 241, do trovador Payo Soares, apparece com o numero 413 repetida sob o no- 
me de Affonso Eannes de Coton (Cordu) ; tem apenas uma rápida variante orthographica, 
mas tanto o facto da repetição, como o da attribuição a dois trovadores diflerentes accusam 
duas collecções parciaes. 

As canções 457 e 469 pertencem a Ayres Nunes Clérigo e são uma única, com a diffe- 
rença que as três estrophes de que constam, tem os versos baralhados sem systema; o que 
se explica.pelo caracter jogralesco, isto é, que foram duas vezes colligidas no tempo em que 
eram cantadas a capricho de Ayres Nunes ou de qualquer outro jogral, que as sabia de cór ; 
ou então, que provieram de dois cancioneiros onde as duas canções se diferenciavam pela 
rasão acima indicada. 

A sirvente 472 de Martim Moxà apparece sob o numero 1036, em nome de Lourenço, 
jograr de Sarria, com variantes fundamentaes, que provam compilação de dois cancioneiros 
diversos. O caracter sirventesco fez talvez que vários jograes rejeitassem a paternidade 
d'essa canção que verbera os privados da corte de D. Affonso nr. 

Os números 6 1 3 e 639 são uma mesma canção de João Ayres, burguez de Santiago ; abun- 
dam as variantes entre estas duas composições, signal de que provieram de duas copias re- 
sultantes da monomania dos cancioneiros particulares. E sob o nome d 1 es te mesmo trovador 
andam as duas canções repetidas 634 e 1 38, tendo esta ultima alem das variantes mais uma 
estrophe e um Cabo. 

Em nome do jogral João Servando apparecem repetidas as canções 738 e 749 com va- 
riantes fundamentaes entre si : 

Ora vou a Sam Servando, 
donas, fazer romaria, 
e nom me leixam com elas 
hir, cá logo alá hiria 
por que vem hy meu amigo. (n.° 738.) 

Donas vam a Sam Servando 
muytas hoje cm romaria, 
mais nom quiz oje mha madre 
que foss'eu hi este dia 
porque vem hy meu amigo. (n.° 749.) 

As outras variantes nas demais estrophes são menos reparáveis, mas no numero 738 ha 
uma estrophe a mais. A pequena distancia a que ficam uma da outra estas canções, pro- 
vam-nos que o copista italiano transcreveu materialmente uma compilação já formada ; e 
portanto tudo quanto se pôde concluir sobre estas canções idênticas liga-se à formação does- 
se cancioneiro perdido d'onde se trasladou o códice da Vaticana. 

Dois casos especiaes se' davam n'essa formação do antigo cancioneiro: i.°, ou as canções 
se attribuiam na repetição a dois4rovadores diflerentes, taes como Sancho Sanches e Pêro 
da Ponte, João de Guilhade e Stevam Froyam, Pay Soares e Affonso Eanes do Cotom, Mar- 
tim Moxa e Lourenço Jograr; 2.°, ou se repetiam em nome do mesmo trovador, como Mem 
Rodrigues Tenoyro, el-rei D. Diniz, Ayres Nunes Clérigo, João Ayres e João Servando. Para 
o primeiro caso conclue-se que contribuíram para a formação do grande cancioneiro peque- 
nos cancioneiros trasladados de cantares dispersos, por curiosidade, ou também apanhados 
na corrente oral, porque um só collector notaria os plagiatos. Para o segundo caso poderiam 
os jograes terem contribuído com os seus cadernos de cantos e assim com lições diflerentes 
de um mesmo texto que se alterava pelas continuadas repetições. 

De todo este confronto se conhece a necessidade de estabelecer por todos os meios pos- 
síveis as relações entre este apographo da Vaticana e os dois cancioneiros de Colocci, per- 
dido, e da Ajuda. 

Relações do Cancioneiro da Vaticana com o Cancioneiro de Angelo Colocci. — Antes de 
Monaci haver descoberto no Ms. n.° 3217 o índice do Cancioneiro perdido do erudito qui- 
nhentista italiano Angelo Colocci, já elle determinara pela forma por que está escripto o Can- 
cioneiro da Vaticana, que deveria ter existido um original mais antigo e mais completo. A 
descoberta do índice veiu aulhenticar a existência cTesse Cancioneiro perdido e explicar 



CAP. V) TROVADORES IGNORADOS LXXX1X 

pela letra do próprio Colocci, quem é que tinha feito o confronto. illustre Monaci compre- 
hendeu logo quanto útil seria para a critica o comparar a lista dos trovadores do Cancionei- 
ro perdido com a dos trovadores do Cancioneiro existente (Appendice i, p. xix a xxiv, da 
edição de Halle) ; por uma simples inspecção fica o leitor habilitado a conhecer as profundas 
relações entre os dois cancioneiros ; o de Colocci continha mil seiscentas e setenta e cinco 
canções, e o da Vaticana contém mil duzentas e cinco, isto é, quatrocentas e setenta canções 
a menos, por ventura as que oceupavam até a foi. 90. O numero das canções de cada tro- 
vador pôde também ser confrontado, porque no códice de Colocci as canções eram numera- 
das por algarismos e cada nome de trovador é precedido pelo numero que limita às canções 
do antecedente* Assim, como jà acima vimos, as canções de D. Diniz são no Códice da Vati- 
cana cincoenta e uma a mais do que no de Colocci. Apesar disso as notas desunt multa pro- 
vam-nos que o cancioneiro de Colocci era muito mais rico, como se vê pelos nomes dos 
seguintes trovadores que faltam no da Vaticana: 

Diego Moniz, que linha ali uma canção; Pêro Paes Bazoco, com sete canções; João Velaz, 
D. Juano; Pêro Rodrigues de Palmeyra; D. Rodrigo Dias dos Conveyros; Ayres Soares; Osó- 
rio Annes; Nuno Fernandes de Mira-Peixe; Fernam Figueiredo de Lemos; D. Gil Sanches; 
Ruy Gomes o Freyre; João Soares Foraesso; Nuno Eanes Cerzeo; Pêro Velho de Taveirós; 
Pay Soares de Taveirós; Fernam Garcia Esgaravunha, do qual existiam dezesele canções; 
João Coelho ; Pêro Mastaldo ; duas canções do trovador genovez Bonifácio Calvo ; o Conde 
D. Gonçalo Garcia; D. Garcia Mendes de Eixo; el-rei D. Affonso rv, filho de el-rei D. Diniz, 
com quatro canções. No códice de Colocci, as canções de D. Diniz não estavam em um corpo 
isolado, apresentando mais quatro composições destacadas no fim do cancioneiro. Esta parte 
também é omissa no Cancioneiro da Vaticana, porque ali se encontram outra vez trovadores 
dos supracitados, como João Garcia, D. Fernam Garcia Esgaravunha, Pêro Mastaldo, Gil Pe- 
res Conde, D. Ruy Gomes de Briteiros, Fernam Soares de Quinones, etc. Pelo confronto do 
índice de Colocci se conhece, que embora se sigam ao texto do Cancioneiro da Vaticana 
quatorze folhas em branco, nem por isso ficou muito distante do fim, porque só deixaram 
de ser copiadas algumas sirventes de Julião Bolseyro. D'este confronto se conclue: i.°, que 
o códice d'onde se extrahiu a copia da Vaticana difteria no numero das canções e na sua 
disposição do de Colocci; 2.°, que as relações mutuas aceusam fontes communs, mas collec- 
cionação arbitraria no agrupamento dos diflerentes cancioneiros parciaes. 

Relações do Cancioneiro da Vaticana com o Cancioneiro da Ajuda. — Lopes de Moura 
foi o primeiro que encontrou na collecção da Vaticana a canção de João Vasques, ilwjíando 
triste no meu coraçom, que existe anonyma no Cancioneh o da Ajuda. Logo depois, Var- 
nhagen achou mais quarenta e nove canções communs aos dois códices, e nós mesmo ainda 
viemos a encontrar mais seis canções repetidas. São ao todo cincoenta e seis canções com- 
muns, facto importante para estabelecer as relações que existiram entre os dois cancionei- 
ros. Em primeiro logar, o Cancioneiro da Vaticana foi já copiado de um códice truncado, 
como por exemplo : a canção 43 tem a rubrica final : «fW. 9-7 desunt multa» e a canção se- 
guinte está truncada no principio; porém estas canções de João Vasques completam-se pelo 
Cancioneiro da Ajuda, (canção n.° 272 e 273, ed. Trovas e Cantares). Isto prova que em- 
bora o Cancioneiro da Ajuda esteja truncado e por seu turno se complete com algumas can- 
ções do códice de Roma (y } das Trovas = n.° 38, Cano. da Vat.J ambos provieram de fon- 
tes difTerenles, porque também nas cincoenta e seis canções communs existem notáveis va- 
riantes : 

Nostro Senhor, que lhe boro prez foi dar. (Vatic.) 

Deus que lhe mui bom parecer foi dar. (Ajuda.) . 

Presta variante o original do códice vaticano mostra-se mais archaico na linguagem. Na 
canção 46, de Fernão Velho (no códice da Ajuda, n.° 92) no primeiro verso da segunda es- 
trophe vem uma variante que denota erro do copista portuguez conservado inconsciente- 
mente pelo antigo copista italiano: 

E mha senhor fremosa de bom parecer (Vatic.) 
£ mia senhor fremosa de bom prez (Ajuda.) 

Prez é uma contracção de preço, e d^aqui resultou que o copista portuguez traduziu incon- 
scientemente; como organisado no paço, o Cancioneiro da Ajuda seria formado directa- 
mente da contribuição dos muitos trovadores que o frequentavam ; o cancioneiro de Roma 
era jà derivado de um apographo secundário, truncado no principio, meio e fim, e em cer- 
tos pontos mais archaico. 



XC RELAÇÕES DOS CANCIONEIROS DA AJUDA E VATICANO (CAP. V 

Na canpão 47 da Vaticana, (93, da Ajuda) pertencente a Fernão Velho, vem: 

Quanfeu, mha senhor, de vós receei . . . (Vatic.) 
Quanfeu de vós, mia senhor, receei. (Ajud.) 

E vos dix'o mui grand'amor que ei (Vatic.) 
E vos dix'o grande amor quo vós ei. (Ajud.) 

A canpão 48 da Vaticana, apesar das imperfeições da copia italiana, pôde ser reconstruí- 
da pelo typo strophico, porém a n.° 94 da Ajuda ficou incompleta : 

Lição da Ajuda : Lição da Vaticana: 
E mal dia naci, senhor, E mal dia naci, senhor, 
Pois que m'eu d'u vós sodes, vou ; pois que nVeu d f u vos sodes, vou ; 
Ca mui bem sou sabedor ca mui bem som sabedor 
Que morrerei u non jaz ai ; que morrerey nu nom ey ai ; 
Pois que nVeu d*u vós sodes, vou. poys que m'eu d'u vos sodes, vou, 
pois que de.vosei a partirpor mal. 

E logo nu m'eu de vós partir 

morrerey se me deus non vai. 

A canpão 53 da Vaticana, (Ajuda, n.° 99) tem uma estrophe mais imperfeita do que no 
códice da Ajuda ; mas em compensação tem o Cabo, que falta no códice portugucz : 

Ajuda: Vaticana: 

Meus amigos, muito me praz . . . Meus amigos mu yto mi praz d'amor. 

Cá bem pode partir da mayor Ca bem me pode partir da mayor 

Coita de quantas eu oy falar, coyta de quantas eu oy falar, 

De que eufuy muyfy a soffredor; do que eu fuy muyt'ha sofTredor 

Esto sabe deus, que me foy mostrar e sabe deus hu a vi bem falar 

Uma dona que eu vi bem falar e parecer, por meu mal, eu o sey. 
E parecer por meu mal, eo sei. 

Ca poys nVelles nom querem era parar 

e me noseu poder querem leixar, 

•>.... nunca por outroemparado serey. 

A canpão 395, de Payo Gomes Charrinho, repetida no Cancioneiro da Ajuda, n.°276 > tam- 
bém revela duas fontes diversas : 

e nom hYousey mays d'a tanto dizer (Vatic.) 
e nom hYousey mais d'aquesto dizer (Ajud.) 

nem er cuidey que tam bem parecia (Vatic.) 
nem cuidava que também parecia. (Ajud.) 

mays quand*eu vi o seu bom parecer (Vatic.) 
mais u eu vi o seu bom parecer. (Ajud.) 

No códice da Vaticana tem esta canpão apenas três estrophes; porém no da Ajuda termi- 
na com uma quarta: 

E por esto bem consellaria 
quantos oyrem-no seu bem falar 
nom a vejam, e podem-se guardar 
melhor ca m'end'eu guardei, que morria, 
e dixe mal, mais fez-me deus aver 
tal ventura, quando a fui veer 
que nunca dix'o que dizer queria. (Ajuda.) 

Evidentemente as alterapões de linguagem não foram do copista italiano, porque, com- 
parativamente, a expletiva er é mais archaica ; e por isso a omissão da quarta estrophe não 
foi casual, mas resultante do estado de outra fonte. 

A canpão 400, da Vaticana, também de Payo Gomes Charrinho, tem leves variantes na 
canpão 278 da Ajuda, mas importantíssimas omissões ; assim no códice de Roma, falta na pri- 
meira strophe o verso : 

me quer matar e guaria melhor (Vat.) 

e também faltam duas estrophes completas com o seu Cabo. 

A canpão 428, ainda de Charrinho, também no códice da Ajuda, n.° 285, offerece leves 
variantes ; porém no códice da Vaticana alternam-se a segunda com a terceira estrophe, e fal- 
ta este Cabo na lição da Ajuda : 

E entend'eu cá me quer a tal bem 
em que nom perde, nem gaano em rem. 



CAP. V) 



DEDUCÇAO DAS VARIANTES 



XCI 



As canções 485, 486 e 487 da Valicana, do trovador Ruy Fernandes, acham-se nos pe- 
quenos fragmentos legíveis das folhas do Cancioneiro da Ajuda, que serviram de guardas à 
encadernapão do Nobiliário ; esses fragmentos, seguindo a edição de Varnhagen são m } n 9 
o; ainda assim se conhece por elles que existiam divergências entre os dois códices: 



Ajuda (m): 

A guisa de vos elevar 
Por mia morte nom ater. 

Idid. (n) : 
Amigos, começa o meu mal. 



Valicana n.° 486 : 

a forza de vos elevar 

por mha morte nom aduzer. 

Ibid. n.° 486 : 
Ora começa o meu mal. 



As canções de Fernão Padrom, n.°* 563, 564, 565, a que achamos as análogas nos nú- 
meros 126, 127 e 128, do códice da Ajuda, também apresentam variantes. 

As canções n.°* 566, 567, 568, 569 e 570, que andam em nome de Pêro da Ponte no 
códice daVaticana e apparecem anonymas no Cancioneiro da Ajuda, d. 09 1 12, 1 13, 114, 
1 1 5 e 116, não apresentam mais variantes que a simples modificação orthographica em mha 
e mia, que poderia provir das diOerentes épocas das copias. Esta conformidade entre o tex- 
to da Valicana e o da Ajuda, leva-nos a concluir que pequenos cancioneiros entraram na 
coordenação de um grande cancioneiro, e que as canções mais conformes são aquellas que 
andaram em menor numero de copias antes de se agruparem na collecção geral. 

Já com relação às canções de Vasco Rodrigues de Calvelo, apparecem variantes e detur- 
pações que não provém do copista do século xvi, mas de códices diversos já corruptos; a 
canção 580 comparada com a 265 da Ajuda tem uma lição menos pura, incompleta, mas 
differente : 

Iàçõo da Ajuda : Lição da Valicana : 
Per una dona que quero gram bem que quero gram bem. 



Com'a mim fez ; ca des que eu naci 
nunca vi Orne en tal coita viver 
como eu vivo por melhor bem querer 

Com 'a mim fez muy coitado d'amor 



Como a mim faz, que des quando naci 
nunca vi orne tal coita sofrer 
como euso/ro por melhor bem querer 

ConVel faz mim muy coitado d' amor 



A lição da Ajuda termina com este Gabo, que falta no códice da Vaticana: 

Com'a mim fez, e nunca me quiz dar 
Bem d'essa dona, que me fez amar. 

A canção 581, também de Vasco Rodrigues de Calvelo, sob a designação c da lição da 
Ajuda, (ed. Trov. e Carti.) alem das mutuas variantes, tem a segunda e terceira estrophes al- 
ternadas : 

E se soubessem qual coyta d'amor (Vatic.) 

Se IWeu dissessem qual coita d'amor (Ajud.) 

per nulha guisa, pêro ro'ey sabor (Vatic.) 
Per nulha guisa, ca ey gram pavor (Ajud.) 

De mais, no códice de Roma falta este Cabo : 

. Mais de tod'esto nom lhi dig'eu rem, 
Nem lh'o direy, cà lhe pesará bem. 

Na canção 582, do mesmo trovador, ha esta divergência: 

£ rogo sempre por mha morte a deus (Vatic.) 
Et rogo muito por mia morte a deus (Ajud.) 

Na canção 584, também de Calvelo, falta esta terceira estrophe, que vem no códice da 

Ajuda : 

Como vós quiserdes será 
De me fazerdes mal e bem 
E pois é tod*em vosso sen 
Fazed'o que quizerdes já. 



» * 



A canção 677, de Pêro de Arméa, acha-se imitada no códice da Ajuda, n.° 56, por forma 
que a da Vaticana apresenta um caracter de maior vulgarisação, e por isso de proveniência 
jogralesca : 



XCH 



O APOGRAPIIO DE MADRID 



[CXP. V 



Lição da Ajuda : 
Muitos me vêem preguntar, 
mia senhor, aquém quero bem; 
e non lhes quero end'eu falar 
com medo de vos pesar en, 
nem quer'a verdade dizer, 
mas jur'e faço lhes creer 
mentira, por vos lhe negar. 



Lição daVaticana: 
Muytos me veení preguntar, 
senhor, que lhis diga eu quem 
est a dona que eu quero bem; 
e com pavor de vos pesar 
nom lhis ouso dizer per rem, 
senhor, que vos quero bem. 



Duas canções de Pedro Solas, confrontadas com as do códice da Ajuda, acabam de sepa- 
rar definitivamente estes dois cancioneiros : 



Lição da Ajuda (n. 123) : 
Nom est a de Nogueira 
A freira, que mi poder tem, 
Mays est outra a fremosa 
A que me quer' eu mayor bem, 
E moyro-m'eu pola freira 
Mais nom pola de Nogueira. 

Se eu a freira visse o dia 
O dia que eu quizesse 
Nom ha coita no mundo 
Nem mingua que houvesse 
£ moirome. • . 

Se riela mi amasse 
Muy gram dereito faria, 
Cá lhe ouefeu mui gram bem 
E punhy mais cada dta, 
É moiro-me... 



Lição da Vaticana (n. 9 824) : 
E nom est a de Nogueira 
a freira que eu quero bem, 
mays outra mais fremosa 
e a que mim em poder tem, 
e moiro- m'cu pola freira 
mais nom pola de Nogueira. 

E se eu aquella frem % a 
hum dia veer podesse 
nom ha coita no mundo 
nem pesar que eu ouvesse ; 
e moyro-me... 

E se eu aquella freura 
veer podes ^um dia 
nenhuã coita do mundo 
nem pesar nom averia; 
e moyro-me... 



Estas duas variantes são elaborações differentes do mesmo trovador em épocas diversas, 
e portanto os dois cancioneiros provém eíTecti vãmente de duas fontes. A canção 825 da Va- 
ticana, que se acha sob o numero 124 do códice da Ajuda, apenas tem a terceira e quarta 
estrophes alternadas. ultimo paradigma entre estes dois cancioneiros, apresenta uma com- 
posição (1061 daVaticana, 253 da Ajuda) que pertence a João de Gaya, escudeiro da curte 
de D. AlTonso iv, por onde se flxa não só a época da colleccionação do códice de Lisboa, mas 
em que a fonte do códice de Roma nos apparece mais completa: 



Lição da Ajuda : 
Conselho, e quer-** matar 



Lição da Vaticana: 
Conselho e quer- me matar. 
B assi me tormenta amor 
de tal coyta, que nunca par 
ouv'outr'ome, a meu cuydar, 
assy morrerey pecador, 
e, senhor, muyto me praz en 
que prazer tomades por en 
non no dev*eu arrecear. 
£ bem o podedes fazer £ bem o devedes saber, etc. 

Por todos estes factos se vê, que umas vezes o códice de Roma é omisso com relação ao 
de Lisboa, o que se poderia impensadamente attribuir a incúria do copista; esta hypothese 
não pôde ter logar, porque o Cancioneiro da Ajuda por muitíssimas vezes apresenta eguaes 
omissões. Portanto essas cincoenta e seis canções communs aos dois códices, entraram nas- 
sas respectivas collecções provindo de códices parciaes e de differente época. 

Relações do Cancioneiro da Vaticana com o apographo actualmente possuído por um 
Grande de fíespanha. — No Cancioneirinho de trovas antigas, Varnhagen dá noticia no pro- 
logo, de ter encontrado em 1 857 na livraria de um íldalgo hespanhol um anligo cancionei- 
ro portuguez, que, pelas canções de el-rei D. Diniz que elle* continha, lhe suscitou o procu- 
rar as analogias que teria com o Cancioneiro da Vaticana n.° 4803 ; tirou copia do citado 
cancioneiro, e em 1858 procedeu em Roma ao confronto do códice madrileno com o da Va- 
ticana. Começavam ambas as copias corri a trova de Fernão Gonçalves, seguindo-se-lhes as 
duas canções de Pêro Barroso; ambos os códices combinam nos mesmos nomes de trovado- 
res, na ordem das canções, e em geral nos erros dos copistas. Poder-se-ha concluir que es- 
tes dois apographos se derivam ambos do mesmo original ? Não ; apesar de Varnhagen não 
ser mais explicito na descripção do códice madrileno e guardar no mysterio o nome do pos- 
suidor, comtudo pelas cincoenta composições do Cancioneirinho se descobrem profundas 
variantes, que se não podem attribuir a erro de leitura, ainda assim tão freouente em Var- 
nhagen. 



CAP. V) 



VARIANTES DO CÓDICE DE MADRID 



XCIH 



Copiamos aqui essas variantes, para que se conclua pela existência de um outro códice mais 
antigo, também perdido. Na canção n, a estrophe terceira (Cancioneirinho), acha-se assim : 

• Os cavalleiros e cidadãos 
(Taquesle rey aviam dizer 
e se deviam com sas mãos poer 
outrosi donas e escudeiros 
que perderam a tam bom senhor 
de quem poss'eu dizer, sem pavor, 
que não ficou dal nos christaos. 

Pelo códice de Roma vê-se a estrophe construida de outro modo : 

Os cavalleiros e cidadãos 
que d'este rey aviam dinheiros 
e outrosi donas e escudeiros, 
matar se deviam por sas mãos. (n.° 708.) 

Na canção vi, a estrophe segunda e terceira (Cancioneirinho) estão incompletas e inter 
polladas d'esta forma: 



Cancioneirinho : 
E as aves que voavam 
Quando sayam canções 
Todas d'amor cantavam 
Pelos ramos d'arredor; 
Mais eu sei tal que escrevesse 
Que em ai cuidar podesse 
Se nom todo em amor. 

Em pêro dix'a gram medo : 



— Mha senhor, r falar-vos-ey 
Hum pouco, se m'aseuitardes 
Mais aqui nom estarey. 



Códice da Vaticana : 
E as aves que voavam 
quando saya lalvor 
todas de amor cantavam 
pelos ramos derredor; 
mais nom sei tal que t esíevesse 
que em ai cuidar podesse 
se nom todo em amor. 

Aly stive eu muy quedo 
quis falar e non ousey, 
em pêro dix'a gram medo: 
— Mha senhor, falar- vos-ey 
um pouco, se m'ascuitardes; 
e ir-m'ey quando mandardes 
mais aqui nom estarei. (n.° 554.) 



Pela lição da Vaticana, onde se vêm as duas estrophes completas se infere que o defeito 
no Cancioneirinho provêm de ura texto imperfeito e diflerente, por ventura tirado do apo- 
grapho hespanhol. 

Na canção xv, (Cancioneirinho) vem uma estrophe imperfeita, porque é formada com 
duas, que lhe alteram o typo : 



Cancioneirinho : 
E foi-las aguardar 
E nom a pude ver; 
e moiro- me d'amor. 



Códice da Vaticana 
E fui-las aguardar, 
e nomopudoacnar; 
e moiro-me d'amor! 
E fui-las atender, 
e nom no pude veer ; 
e moiro-me d'amor. 



A canção xvii, do Cancioneirinho, tem só três estrophes; na lição do Códice da Vaticana 

ha mais esta : 

Estas doas mui bellas 
el m'as deu, ay donzellas, 
nom vol-as negarey; 
mas cintas de fivelas 
eu nom as cingirei. 

Com certeza esta deficiência proveiu do apographo madrileno. Na canção xxi, a estrophe 
quarta está interpollada, e segundo a lição da Vaticana é que se conhece a proveniência de 
outro códice : 



Cancioneirinho : 
Cá novas me disserom 
Que vem o meu amigo 
C'and'eu mui leda. 

E cuido sempre no meu coraçom 
Pois nom cuia* ai, des que vos vi, 
Se nom en meu amigo, 
E (famor sei que nulKome tem, 
Pois migo é, tal mandades, 
Que vem o meu amado. 



Códice da Vaticana : 
Ca novas me disserom 
ca vem o meu amado 
e and* eu mui leda, 
poys migu'é tal mandado; 
poys migu'é tal mandado 
que vem o meu amado. 



XCIV AS ESTBOPHES OMISSAS (CAP. V 

Os versos sublinhados do Cancioneirinho, são visivelmente de outra canção, porque tem 
outro typo estrophico, e essa interpollafão não se pôde attribuir a erro de leitura de Var- 
nhagen. 

Na canção xxv, ha uma quarta estrophe, que é repetição da primeira ; na lição da Vati- 
cana não existe esta forma; evidentemente o editor do Cancioneirinho seguiu aqui o códi- 
ce madrileno. 

Na canção xlv falta esta estrophe, que pela lição do texto da Vaticana se vé que é a se- 
gunda: 

Nom ja em ai d 1 esto som sabedor 
de nValgum tempo quizera leixar 
e leix f e juro nom a ir matar 
mays poys Ia matam, serey sofredor 
sempre de coyfem quant'eu viver, 
cá sol y cuido no seu parecer, 
ey muyto mais d'outra rem desejar. 

Na canção xlvi, falta esta quarta estrophe da lição da Vaticana : 

Por en na sazom em que nVeu queixey 
a deus, hu perdi quanto desejei, 
oy mais poss'en coraçom deus loar; 
e por que me poz em tal cobro que ey 
por senhor a melhor de quantas sey 
eu, que poz tanto bem que nom ha par. 

A canção xlviii encerra a prova definitiva de que o códice madrileno serviu de base da 
edição do Cancioneirinho, e que esse códice proveiu de uma fonte diversa do da Vaticana. 
No códice madrileno faltam cinco estrophes, porque são omissas no Cancioneirinlio : 

O que da guerra se foi com emigo 
pêro nom veo quand'a preyto sigo, 
nom vem ai Maio. 

O que tragia o pendon a aquilom 
e vendid'é sempr'a traiçom, 
nom vem ai Maio. 

O que tragia o pendon sen oyto, 
e a sa gente nom dava pam coyto, 
nom vem ai Maio. 

E no final da canção : 

O que tragia pendom de cadarço 
maçar nom veo no niez de Março, 
nom vem ai Maio. 

O que da guerra foy por recaúdo 
maçar em Burgos fez pintar escudo, 
nom vem ai Maio. 

Indubitavelmente o códice madrileno provém de uma outra fonte, porque tem omissões 
que o differenciam do códice da Vaticana ; mas a ordem das canções e os nomes dos trova- 
dores, coramuns aos dois, provam-nos que ambos foram copiados de cancioneiros já orga- 
nisados dos quaes um era já apographo. A circumstancia de começarem ambos pela trova 
de Fernão Gonçalves^ e de se ler no códice de Roma a nota : «Manca da foi. ij in fino a 
foi. 43» provam-nos que o original primitivo jà andava truncado, e é isto o que dá a mais 
alta importância ao índice de Golocci do Cancioneiro perdido que era a copia mais antiga, 
porque o monumento diplomático estava ainda completo. Monaci não desconheceu o valor 
das variantes do Cancioneirinho. 

Depois de toda esta discussão sobre os diminutos vestígios que restam de alguns can- 
cioneiros portuguezes dos séculos xiii e xiv, a approximação de numerosos factos secundá- 
rios, e as inducções que se formam sobre elles, exigem uma recapitularão clara para que se 
possam tirar a limpo algumas conclusões geraes. Representamos os cancioneiros que são co- 
nhecidos por letras maiúsculas, e aquetles cuja existência se pôde inferir pelas variantes 
são notados por letras minúsculas; com estes signaes formaremos uma tentativa de filiação 
de todos esses cancioneiros em um schema, que poderá ser modificado à medida que se 
descobrirem novos subsídios : 



CAP. V) CANCIONEIROS PORTUGUEZES DO SÉCULO XIII XCV 

A.) O Livro das Cantigas do Conde de Barcellos. — Citado no seu testamento, e deixado 
a Àflbnso xi, também trovador. Tendo em vista o génio compilador do Conde, e o andar li- 
gado ao seu Nobiliário o Códice da Ajuda, cancioneiro de vários auctores, póde-se inferir 
que o Livro das Cantigas não era exclusivamente do Conde, mas sim uma compilação sua. 
No Cancioneiro da Vaticana encontram,-se canções do Conde, de Aflbnso xi e grupos de can- 
ções do Códice da Ajuda em numero de cincoenta e seis assignadas por fidalgos da corte de 
D. Diniz. 

B.) O Cancioneiro de D. Diniz (Livro das Trovas de Elrei Dom Diniz.) — Existiu separado 
em volume, pelo que se sabe pelo Catalogo dos Livros de uso de el rei Dom Duarte. Foi en- 
corporado no códice da Vaticana depois ria canção 79. 

B'.) Outro, dos Freires de Christo de Thomar. 

C.) O Cancioneiro da Ajuda. — Começa em folhas 41; a parte anterior está perdida e o 
final não chegou a ser terminado. Isto explica as pequenas relações com o Códice de Roma. 
As 24 canções achadas na Bibliotheca de Évora e as guardas da encadernação do Nobiliário 
provam o muito que se perdeu (Teste cancioneiro. Não se chegou a escrever a musica das 
canções, nem a inscrever-lhes os nomes dos auctores que as assigna^ara, e por issoconclue- 
se que não chegou a servir para a collecção de Roma, que é assignada. Não chegaram a en- 
trar n'elle as canções de el-rei D. Diniz, e portanto entre este e o Cancioneiro de Roma pôde 
fixar-se a existência de outro cancioneiro hoje desconhecido. 

D.) O Cancioneiro de D. Meda de Cisnei m os. — Grande volume de cantigas, visto pelo Mar- 
quez de Santillana, que o descreve ; já continha o cancioneiro de D. Diniz, e os trovadores 
do Códice de Roma citados pelo Marquez. Seria a primeira compilação geral, feita mesmo 
em Hespanha ? 

E.) O apographo de Coloca. — Perdido talvez pela occasião do saque de Roma em 1527, 
e do qual só se conserva o índice dos auctores. Tinha intimas relações com o códice de 
D. Mecia. No principio apresentava vários lais no gosto bretão, e pelos Nobiliários, vemos 
que o Conde Dom Pedro se refere às tradições bretãs, e também el-rei D. Diniz. Seria esta 
parte assimilada do Livro das Cantigas do Conde de Barcellos? 

F.) Cancioneiro da Vaticanan. 4803. — Este é menos completo do que o antecedente, o 
que prova que foi copiado de outra fonte. Colocci por sua letra o emendou pelo códice hoje 
perdido. Tem este cancioneiro 56 canções similhantes no Cancioneiro da Ajuda, com va- 
riantes notáveis, signal que ambos os Códices se derivam de duas fontes diversas. Tem uma 
parte relativa a successos da corte de D. Aflbnso iv, que provém de cancioneiros extra- 
nhos e posteriores ao Cancioneiro da Ajuda. A ordem dos trovadores não é a mesma do ín- 
dice de Colocci. 

6.) Copia ms. de um Grande de Hespanha. — Em cincoenta canções reproduzidas por 
Varnhagen, acham-se variantes fundamentaescom relação à lição do códice de Roma, signal 
de que a copia aUudida provém de uma fonte extranha e de época differente. 

De outros cancioneiros temos vestígios positivos : 

1 .° O Livro dos Sons, do Dayam de Cales. (Comprova-se pela canção n.° 76, de Aflbn- 
so ix de Caslella e Leão.) 

2. Q Os Cadernos de Aflbnso Eanes de Cotom. (Comprova-se pela canção 68, de Aflbnso nc, 
increpando o trovador Pêro da Ponte de servir-se d'elles.) 

3.° Cantares de Lourenço jograr. (Comprova-se pela canção n.° 1032, na qual diz que 
os seus versos eram colligidos nas cortes por onde andava.) 

4.° Códice de Bembo. (Comprova-se pelo n.° 456 do índice de Angelo Colocci.) 

5.° Códice lemosino. (Comprova-se pelo n.° 467 do índice de Colocci, e por este erudi- 
to confrontado com o que possuia o cardeal Bembo.) 

6.° // Libro de Portoghesi. (Comprovado por uma nota de Colocci, que vem no ms. 
n.° 4817, da Bibliotheca do Vaticano, segundo Monaci.) 

7.° Libro spagnolo di Romanze. (Pertencia à livraria de Colocci, como se sabe pelo seu 
inventario de 27 de outubro de 1558.) 

8.° De varie Romanze volgare. (Comprovado pelos meios supracitados.) 

9.° Cancioneiro de D. Aflbnso iv. (Barbosa Machado diz que Frei Bernardo de Brito col- 
ligira poesias d'este monarcha no fim do século xvi; è certo que pelo índice de Colocci, 
n.° 1323-1326, se vé o fundamento creste facto sob a rubrica el-rei D. Aflbnso filho dei rei 
Bom Deniz 1 e em sigla marginal: Aflbnso iiii, successit Dyonisio. 

10.° Cancioneiro do Conde de Marialva. (Citado por Frei Bernardo de Brito a propósito 
da canção do Figueiral e authenticada a sua existência em Barcelona por Soriano Fuertes, 
na fíist. da Mus. esp.) 



XCVI REFUTAÇÃO DE WOLF (CAP. VI 

Os cancioneiros desconhecidos, mas intermediários aos supracitados, sao hypothetica- 

mente : 

a, b.) Cancioneiros anteriores ás collecções da corte de D. Diniz, com que se formou c, 
d'onde se trasladou o Cancioneiro da Ajuda, como se justifica pelas variantes das 56 can- 
ções reproduzidas no de Roma. 

c.) Cancioneiro perdido, d 1 onde se não chegou a copiar nem a musica das canções nem 
o nome dos trovadores para o Cancioneiro da Ajuda. 

d.) Cancioneiro onde se encorporaram o Livro das Cantigas e Cancioneiro de D. Diniz, 
o que justifica as differenças entre o códice de D. Mecia e o de Colocci. 

e.) Cancioneiro perdido, cuja existência se induz das variantes entre o Cancioneiro da 
Vaticano, o de Colocci e o do grande de Hespanha. 

Eis portanto a nossa tentativa de schema de filiação dos cancioneiros portuguezes dos 

séculos xiii e xiv : 

a b 




É provável que esta connexão ache contradiclores, porém ahi ficam todos os elementos 
que pudemos agrupar, para que outros estabeleçam uma filiação mais verosímil. Só depois 
de estudada a historia externa do Cancioneiro da Vaticana é que se poderá entrar com des- 
assombro no desenho da grande época litleraria que elle representa. 



.CAPITULO VI 

DO ELEMENTO TRADICIONAL NO CANCIONEIRO DA VATICANA 

Cancioneiro da Vaticana vem revelar-nos as origens tradicionaes da poesia lyrica por- 
tugueza, desconhecidas pelos principaes críticos europeus, que consideravam a falta de na- 
cionalidade ou de originalidade a característica distinctiva dos nossos trovadores, julgando 
Gil Vicente e Camões desligados de toda a corrente popular e por isso phenomeuos isolados 
quasi inexplicáveis. Resumimos o estado da questão, antes da nossa descuberta da persi- 
stência das Serranilhas e Cantos de ledino, n'estas palavras de Wolf : «Destas vistas, que se 
provam com documentos e testemunhos e portanto são as únicas exactas, acerca da origem 
e formação da poesia lyrica portugueza, conclue-se que em verdade de um lado a lyrica 
erudita apparecera mais cedo na Galliza e Portugal do que em Castella; mas que de outro 
lado a poesia erudita portugueza se apresenta desde o começo como palaciana, formada por 
moldes estrangeiros (provençaes) e que a não precedera, como à castelhana, uma poesia in- 
dígena, ainda meio popular, meio erudita, nascida de elementos populares, e, em conse- 
quência dMsso, puramente nacional. D'esse modo fica ao mesmo tempo resolvida a questão da 
prioridade da poesia portugueza ou hespanhola; d'esse modo torna-se clara e evidentemente 
reconhecível a differença do seu principio e dos caracteres fundamcnlaes e períodos de desen- 
volvimento d'elle dependentes ; pois emquanto a poesia hespanhola tem um principio popular 
e uma base popular, e, em consequência disso não só nos seus períodos de esplendor appare- 
ce original e nacional, mas também não chega a reduzir-se a pura imitação sob a influencia es- 
trangeira, c até mesmo nos seus tempos de decadência mostra tanta força vital própria, que se 
pôde regenerar por si mesma ; tem-se a poesia portugueza desenvolvido de um principio intei- 
ramente artificial cujas raízes são estrangeiras, antes que a poesia popular indígena podesse 
ofierecer uma assas larga base para que sobre ella se produzissem obras artificiaes com typo 
nacional; por isso são as suas feições fundamentaes (pois não pôde aqui ser questão de ca- 
racter fundamental, se não se quer deixar valer como tal a própria falta de caracter) : de- 
pendência da influencia exterior estrangeira, mania imitativa, flexibilidade e uma delicade- 
za próxima da frouxidão; em summa ella é mais receptiva do que produetiva; — por isso 
escacéa-lhe mesmo nos tempos de maior elevação a individualidade bem determinada, e os 
poetas ainda assim mais populares, Gil Vicente e Camões, eram phenomenos sem influencia 



CAP. Vi) OPINIÃO de diez e paul meyer XCVH 

duradoura ; por isso quando a poesia portugueza decaiu íicou em agonia de que só a podia 
erguer um novo impulso e auxilio estrangeiro.» 4 

Esta opinião está derrogada ; quando Wolf a emittiu ainda o Cancioneiro da Vaticana era 
mal conhecido, mas já por alguns Cantares de amigo do Cancioneiro de D. Diniz se podia infe- 
rir da existência de um veio popular. Wolf desconhecendo a connexão tradicional de Gil Vi- 
cente, não sabe como explicar a sua superioridade lyrica ; Friederich Diez, pelo estudo com- 
parativo de algumas cançonetas de Gil Vicente intercalladas nos seus Autos, foi levado para 
a determinação de um elemento popular na poesia provençal portugueza. 1 Á medida que 
foram sendo conhecidas formas mais variadas de canções da collecção da Valicana, a impor- 
tância do elemento popular não pôde escapar aos críticos romanistas. Com a publicação do 
Cancioneirinho de trovas antigas, (Vienna, mdccclxx) conheceram-se novos typos poéticos, e 
Paul Mayer fallando doeste pequeno excerpto da collecção da Vaticana, reconhece n'essas 
canções as características populares, mas explica-as como resultantes das profundas modifi- 
cações de uma vulgarisação de obras litterarias entre o povo: «Não se pôde ver n^Hes, pro- 
priamente fallando, cantos populares. Supposto mesmo que existissem na Galliza e em Por- 
tugal, é pouco provável que se dessem ao trabalho de os pôr em escripta. Demais, as peças 
no ms. da Vaticana, e por consequência no seu original perdido, são acompanhadas do no- 
me de seus auetores, o que não teria logar, se ellas fossem colligidas da boca do povo. Que 
elles com o andar do tempo se tornassem populares, é o que se pôde olhar como mais pro- 
vável : a mesma cousjt aconteceu a certas obras dos trovadores e dos troveiros ; não sabe- 
mos nós que Giraut de Borneil gostava de ouvir as suas canções cantadas á compita pelas 
raparigas quando iam à fonte? Não parece porém duvidoso (e isío é certo com relação ao rei 
D. Diniz) que ellas devam a sua existência a auetores tão letrados como o poderiam ser os 
leigos d'esle tempo, a homens, dos quaes muitos possuíram um amplo conhecimento da 
poesia dos trovadores e dos troveiros.» 3 A explicação de Paul Meyer é hábil mas não verda- 
deira; esle illustre philologo não estabelece a mínima distineção entre popular e tradicio- 
nal, duas características que importa ter sempre em vista na questão das origens poéticas. 
O que se tornou popular pôde provir de uma vulgarisação de obra individual, ou também 
da persistência immemorial da tradição ; no primeiro caso, a opinião de Paulo Mayer é in- 
admissível, porque obrigava a suppôr uma communhão litteraria muito intima entre os eru- 
ditos dos séculos xm e xiv e o povo portuguez, facto que nunca se deu, como se vé por to- 
do o decurso da histórica politica e principalmente da historia litteraria de Portugal. No se- 
gundo caso, é preciso determinar o problema: As canções do Cancioneiro da Vaticawa que 
apresentam características populares, embora sejam composições individuaes, revelam nas 
suas formas a persistência de um typo primitivo tradicional ? A questão da determinação 
d'esse typo é já um outro trabalho. Paul Meyer, ao dar conta dos Canti antichi portoghesi, 
publicados por Monaci, antes da sua monumental edição (Imola, 1873) abandonou o seu pri- 
meiro modo de ver, deixando a vulgarisação popular pela persistência de formas tradicio- 
naes: «Noto que muitas das peças dadas á luz por Monaci (n.° ív, ix) são muito análogas na 
essência como na forma, ás nossas antigas Ballettes, ou ás bailadas provençaes. Não concluo 
por isto, que as poesias porluguezas que tem esta forma sejam imitadas do francez ou do 
provençal, mas que são concebidas conforme um typo tradicional, que deve ter sido com- 
mum a diversas populações românicas, sem que se possa determinar em qual d'ellas foi 
creado.» 4 

Foi pelo estudo comparativo com algumas bailadas francezas colligidas nos seus relató- 
rios, (D. 236-9) que Paul Meyer se viu forçado a reconhecer nas canções portuguezas um 
typo tradicional, da mesma forma que Diez pela comparação das canções de Gil Vicente de- 
terminou no Cancioneiro de D. Diniz os caracteres da poesia portugueza primitiva. D'esta 
forma progrediu a sciencia até collocar o problema litterario no seu verdadeiro campo ; a 
demonstração dos typos tradicionaes donde se derivara a melhor parte e a mais bella das 
canções porluguezas, não só virá derramar uma nova luz sobre as origens da poesia româ- 
nica, mas explicar a unidade do lyrismo europeu. É este o nosso trabalho, esboçado já na 
dissertação Da Poesia modeima portugueza, suas transformações e destino ; 5 pelo desen- 
volvimento gradual do problema se vê que não somos levados por um aventuroso hyper- 

• Wolf. Sludien zur Geschichle der spanischen und porlugiesischen Natúmallileralur, S. 697. Ap. Bibl. 
critica, p. 136. 

• Diez, Uber die ersle porluqiesische Kunsl und fíofpoesie, S. 100. Bonn, 1863. 
» Paul Meyer, ftomania, voí. i, p. 119-123. 

• ftomania, t. rv, p. 265. 

• Parnaso porlumex moderno, p. xxv. Lisboa, 1877.— sr. J. A. de Freitas applicou a nossa theoria ás 
Origens do Lyrismo brazileiro, 

M 



XCVIU REFRENS POPULARES (CAP. VI 

criticismo. Se os jograes e trovadores conheceram um typo tradicional do lyrismo é porque 
esse typo se conservava inconscientemente entre o povo ; isto se prova ainda abundante- 
mente por vestígios do Cancioneiro da Vaticano,. 

Da existência de uma poesia lyrica popular temos em Ilespanba no século xm a prova 
na Cantiga de Serrana attribuida a Domingo Abad de los Romances, e que se acha intercal- 
lada entre as poesias do Arcipreste de Hita (p. 481, da ed. de Ochôa, str. 987 a 1001). Or- 
tiz de Zuniga nos Anates de Sevilla, referindo-se ao anno de 1253, e apoiando-se na aucto- 
ridade de Argote de Molina, diz que Nicolau dos Romances e Domingos abade de los Roman- 
ces eram poetas de Fernando o Santo ; o desenvolvimento lilterario que o Arcipreste de Hita 
e depois o Marquez de Santillana deram ás Cantigas de Serrana, mostra-nos como pelo co- 
nhecimento das suas origens tradicionaes a Hespanha veiu a prevalecer sobre Portugal no 
desenvolvimento do seu génio lyrico. 

A época em que as imitações populares reanimaram o lyrismo provençal portuguez, de- 
ve collocar-se depois do casamento de el-rei D. Diniz, quando muitos jograes aragonezes e 
leonezes se fixaram em Portugal. O jogral João de Gaya, escudeiro da corte de D. Diniz, dei- 
xa nas rubricas que precedem as suas canções bem accenluadas as provas da imitação po- 
pular. Na canção 1061, apodando o Eleyto de Viseu, que era natural de Aragão, pelo vicio 
da glutoneria, allude aos velhos cantares de Martim Moxa, que se haviam repetido na corte 
de D. Afibnso ih: 

Comede migu'e diram-vos 

cantares de Martim Moxa; 

diz el en estes meus narizes, 

color de escarlata roxa : 
vos avedel-os olhos verdes 
et matar-in'iades com eles. 

A sirvente remata com a preciosa rubrica: «Esta cantiga foi seguida por huã baylata, 

que diz : 

Vós avedel-os olhos verdes, 
matar-m'edes com elles.» 

Evidentemente João de Gaya fazia refrem de uma antiga balada popular, porque no sé- 
culo xvi nas redondilhas de Camões, ou de Cancioneiro, acha-se ainda este mesmo mote : 
Menina dos olhos verdes e Se não que tendes os olhos verdes. 

Este facto, ao mesmo tempo que nos prova a genuinidade popular da balada, demons- 
tra-nos também a persistência da tradição lyrica nacional, que revive na inspiração dos 
maiores poetas quinhentistas. 

Na canção 1041, do mesmo João de Gaya, vé-se uma imitação directa da structura dos 
cantos populares do século xiv; começa com a rubrica: «Diz huã cantiga de vilaão: 

ó pee d'huã torre 
baila corpe giulo; 

vedes o cos, ay cavalleyro.» 

João de Gaya compoz trcz estrophes sobre este molde, satyrisando o alfayate do bispo 
Dom Domingos Jardo, personagem celebre por ter concorrido para a fundação da Universi- 
dade de Coimbra. Na rubrica que a segue, se lê a declaração terminante : «Esta cantiga se- 
guiu Joham ds Gaia por aquela de cima, de vilãaos, que diz a refrem : vcdel-o cós, ay 
cavaleyro; e feze-a a hú vilãao, que foy alfayate do bispo don Domingos Jardo) de Lixboa.» 
D'esta imitação dos retornellos populares conserva-se na corte do século xv o estylo de rifar 
como uma prenda para parecer bem no paço. Da proveniência d'estes cantos, ainda no sé- 
culo xvn lhes chamava Miguel Leitão villanelas, e Gil Vicente conserva muitas designações 
do lyrismo popular, como villancico, villancote, chacota, ensaiada, e da serra e guaiados. 

Na canção 883, de Martim de Giezo, allude-so aos instrumentos árabes que acompanha- 
vam as cantigas populares: «Mandou lo aduffe tanger.» Por isso não nos admira que a de- 
signação de Serrana e Serranilha, conservada pelo marquez de Santillana, se derive do 
árabe serra ; ainda boje persiste a designação de Fado dada aos cantos lyrico-nar rali vos 
acompanhados em viola de arame ou guitarra (a quitara árabe) ; Caussin de Perceval * de- 
screve um canto plangente usado pelos guias de camellos, simples e monótonos, que é co- 
nhecido pela designação de Iluda, 2 que se identiQca com os nossos Fados actuaes. A cha- 

• Ap. Journal asialique, série vu, t. n, p. 420. 
' Nas poesias do Arcipreste de Hita, acha o verso: 

La adedura albanlana entre elles se entremete /v.° 1206.) 



CAP. vi) o critério da etiinologia XCIX 

cara da Linda Pastora, o typo do lyrismo antigo portuguez, em muilas versões provinciaes 
é conhecida pelo nome de Serrana. Nas povoações de Gafete, Arez e Tolosa, (Alemtejo) 
ainda existe um canto denominado a Chacoula, que suppomos ser uma corrupção de Chaco- 
ne, desusada desde o século xvn. 

Differentes raças occuparam na successão dos séculos a Península hispânica, e cada qual 
se define pelos raros vestígios da sua passagem deixados nos monumentos megalithicos, no 
onomástico local ou nos monumentos epigraphicos, numismáticos ou nas relações dos geo- 
graphos antigos; a constituição das modernas sciencias da Anthropologia e da Linguistica veiu 
dar mais um elemento para estabelecer um conhecimento mais preciso por meio da caracte- 
rística da dolichocephalia e brachycephalia nos craneos antiquíssimos, e da agglutinaoão da 
linguagem n'esse idioma fallado ainda nos Pyrenéos (o basco) que se fllia no grupo das lia- 
puas turanianas. 

Uma vez estabelecida a serie de occupação das raças no território hispânico, falta apro- 
veitar o novo critério da Etimologia, cuja luz ha de sair da comparação dos costumes, das 
noções religiosas, das superstições, das tradições em todas as suas formas. Este trabalho vi- 
rá um dia a basear-se sobre os resultados das anteriores investigações scientiflcas; no cm- 
tanlo aproveitando a direcção do que se sabe já como definitivo, vamos determinar a ori- 
gem de aljrumas formas tradicionaes da poesia da península hispânica, formas que só vie- 
ram a perder-se depois que as litteraturas nacionaes se constituíram fixando na forma escripta 
os dialectos românicos. Através das manifestações da poesia individual, mais ou menos in- 
spirada de fontes tradicionaes ou populares, ainda apparecem designações que aecusam gé- 
neros primitivos que se transformaram ou foram esquecidos; taes são os contos de Alaldla, 
os Arcytos, as Áravias, os cantares Guaiados, os cantos de Ledino, as Chacones, as Serra- 
tiillias, etc. Escolhemos principalmente as designações dos géneros poéticos que correspon- 
dem a cada uma d'essas raças; assim os cantos de Alaldla, os Ar ey tos e Ar avias, como vamos 
provar pelo critério comparativo, pertencem ainda ao génio lyrico da grande raça turaniana, 
que occupou a Península n'uma época ante-historica, e a que se dá o nome de Ibews. 1 Os 
cantares Guaiados, pertencem já á occupação céltica, que se fusionou com o elemento tu- 
raniano, formando assim os celtiberos. Os cantos de Ledino pertencem ao elemento romano, 
modificado pelo culto chrislão recebido da Africa. As Ciecones pertencem ao geqio germâni- 
co, e resultam da persistência da tradição golhica. Finalmente as Serranilhas, são uma re- 
vivescência do lyrismo pastoral do génio luraniano pela acção da poesia árabe. No desen- 
volvimento doestas affirmações esperamos determinar um principio etimológico, pelo qual a 
poesia tradicional da Península receberá uma nova luz. 

Pelos recursos da archeologia preliistorica e pela craniometria chegou-se à conclusão tf e 
que as raças antc-historicas da Europa se renovaram muitas vezes, podendo comi u do distin- 
guir-sc dois typos : o de craneo oblongo (dolichocephaloj e o de craneo redondo (brachyce- 
phalo).* Com os craneos oblongos coincidem nas mesmas camadas geológicas os instrumen- 
tos de pedra, ao passo que com os craneos redondos já coexistem os instrumentos de bron- 
ze, que revelam uma civilisaçào baseada sobre a industria metalúrgica, e uma superiorida- 
de que demonstra a realidade do dominio d'este typo mongolóide sobre o typo negroide. 
Sobre este estádio da civilisaçào ante-historica appareceu uma nova raça conhecedora do 
ferro e com a forma craneana oval, e que é considerada um ramo árico ou indo-europeu; o 
problema das origens da civilisação européa reside na determinação dos elementos aprovei- 
tados pelos ramos indo-europeus da civilisação rudimentar mongolóide, a que modernamen- 
te se tem dado o nome de turaniana. Considerando o typo dolichocephalo, como autochtone 
da Europa e da Africa, quando estes continentes ainda estavam unidos, o typo brachycepha- 
Io é imigrante e proveniente da Ásia. As migrações do typo mongolóide ou brachycephalo 
fazem-se pelo norte da Europa, como se observa pelo elemento finnico e esthoniano, pelo 
mixto com as raças germânicas e pelo dominio do gaulez ; e fazem-se também pelo norte da 
Africa, onde receberam modificações physiologicas do typo negroide, penetrando na penín- 
sula hispânica, como o elemento basco, e nas três grandes ilhas do Mediterrâneo. A existên- 
cia da cor branca, cabello ruivo e olhos azues entre os berberes da Africa é uma resultante 
do typo mongolóide através da Africa, da mesma forma que estas características nos povos 
da Europa, provém segundo Topinard do primitivo fundo turaniano. A distineção entre estgs 

Refere-se a um instrumento musico, que no códice de Oayoso se chama Hadura; por ventura a elle se 
cantavam os Muda ou Fados, ainda hoje populares. 

No Cancioneiro de Rezende acha-se uma imitação dos cantos de troteiro, com accentuada imitação po- 
pular. 

1 Da existência da sua poesia falia Strabão. 

• Yogt, Pruner-Bey, Wilson e SchaalThausen. 



C OS SCYTIIAS NA EUROPA ' (CAP. VI 

duas correntes convergentes de immigraç ões mongolóides ainda não estava estabelecida ; 
porém peias modernas descobertas sobre o gaulez, e pelas revelações da historia do Egypto 
sobre as invasões dos Matsuas, as duas correntes definem-se com uma certa authenticidade. 

Esta população da Europa, turaniana ou mongolóide, que precedeu os Árias, possuía um 
profundo génio poético, como se vó pelos cantos accadicos da Ghaldea, pela acção que exer- 
ceu sobre o desenvolvimento da poesia semita, pelas formas lyricas do Chi-King, da China, 
e pelas creações épicas do México e da Finlândia. A co habitação com os Árias, que a domi- 
naram na índia, e com os novos ramos que a absorveram na Europa, fez com que persistis- 
sem os elementos ethnicos turanianos, e por isso que se conservassem certas formas lyricas 
nas camadas populares ou servis, que certQS accidentes históricos fizeram receber forma 
litteraria. 

Antes de determinarmos os paradigmas d'esta unidade do lyrismo europeu, importa de- 
finir essas duas correntes convergentes da migração turaniana. A distineção do gaulez do 
celta, tão claramente exposta por Diodoro de Sicília, conflrma-se indirectamente por Dioii 
Cassius, Pausanias e Appiano. Fali and o dos celtas de uma e outra parte do Rheno, Cassius 
declara depois : «que tem á sua esquerda a Gallia e seus habitantes; á sua direita os cel- 
tas. Tal é o limite «destes dois povos, depois que tomaram fronteiras differentes.» 1 Em Pau- 
sanias allude-se já a uma assimilação entre as duas raças: «0 nome de gaulezesnão preva- 
leceu senão muito tarde ; elles tomaram antigamente o de celtas, nome que os outros povos 
lhe davam também.» 9 Appiano exprime já uma identificação: «Os celtas actualmente cha- 
mados Gallatas e Ga^.» 3 Ha aqui uma fusão em que o gaulez prevalece pelo numero, e em 
que o celta conserva o seu nome pelo espirito de resistência. Qual era porém a raça gaule- 
za? Diodoro Siculo descreve o seu habitat: «Occupavam já os paizes inclinados para o Meio 
Dia ou para o Oceano, já sobre os montes Hercynios (montanha do Herez e do Erzgebirge), 
emfim, occupavam em seguida uns aos outros todo este vasto espaço até á Scylhia (hoje 
Rússia).» 4 Gustave Lagneau demonstrando que o gaulez é um ramo scythico, apresenta a 
conformidade dos nomes entre Oestyi (antigos habitantes da Esthonia, província marítima da 
Rússia), que Tácito diz fallarem uma língua vizinha do bretão, e os Ostiey, antigos habitan- 
tes da Armorica, ou Bretanha actual; entre os Lemovii, que habitavam antigamente a pro- 
vinda de Dantzig, e os Lemovices, povoação da Armorica, e a capital dos Pictones denomi- 
nada Lemornees, hoje Limoges. 5 Cumpre aqui observar que a escola trobadoresca limosina, 
uma das mais celebres, foi a que mais influiu no desenvolvimento da moderna poesia na pe- 
nínsula hispânica, onde o nome de Astum revela-nos a profunda analogia com os Oestyi 
scythas. É ao oçcidente dos Asturos, que estavam situados os Gallaicos, ou a Galliza actual, 
o que também revela a sua origem gauleza ; o mesmo com relação ao nome de Portu^ato- 
cia. É grandíssima a diffusão da raça gauleza, na Germânia septentrional, nas ilhas Britanni- 
cas, na Galliza, na Hespanha, na Itália, na Germânia meridional, na Ilyria, na Grécia e na 
Ásia Menor. Assim como Diodoro Sioulo soube distinguir o gaulez do celta «que os Romanos 
haviam confundido sob o mesmo nome» elle mesmo nos dá os elementos para distinguir 
dois ramos differentes d'esla raça scythica : «Segundo a opinião de alguns escriptores, este 
povo tornado famoso pela sua ferocidade, è o mesmo que aquelle que nos tempos antigos 
devastou toda a Ásia sob o nome de Cimmerianos, designação que tendo se alterado pelo 
lapso dos annos, se mudou facilmente na dos Cimbros.» 6 ■ 

A identificação dos gaulezes com os Cimcrianos, leva-nos a approximar os differentes no- 
mes de Cymri, Kimri, Kimmerii do nome de Sumir, um ramo turaniano da Ásia anterior. 
(0 nome de Ruthene, com que os Assyrios eram conhecidos pelos egypcios, acha-se nos Ru- 
teni que oceuparam uma parte da Galicia.) Castren mostra-nos a importância ethnica da de- 
signação de Sumii\ cujo valor corresponde á situação dos gaulezes das planícies próximas 
do oceano. 7 

D'este modo os nomes de Gades, Gaidlieal, (Gaels, Galls) correspondem à outra designa- 
ção turaniana Accad, o que habitava as montanhas, tal como o gaulez nos montes Heryci- 
nios. Como scythas, os gaulezes podiam conservar estas características ethnicas. nome de 
Aquitania, é como uma forma de accadiano, conservada inconscientemente. 

# * Hisl. rom., Lib. xxxix, cap. 49. 

• Descripç. da Greda; Âllica. cap. m. 
■ De remis hispanicnsibus, § í. 

* Hisl. univers., lib. v, cap. 33. 

J Dicl. encycl. des Sciences médicales, t. xm, p. 705. 
, Op. cit., lib. v, cap. 33. 
Eram gaulezes os antigos habitantes do Condado de Sommerset (Dicl. encycl. des Sc. mèd., t. xur, 
p. 716. 



CAP. Vi) PARADIGMAS ACCADICOS E C1IINEZES Cl 

A confusão de Tacilo dos Kimerianos com os germanos, e os Goíhins considerados como 
gaulezes, explicam-nos os phenomenos de recorrência tradicional entre os povos da Penín- 
sula. A proveniência do ramo ibérico ou euskariano da peninsula atravessando a Africa, 
conhece-se não só pela língua, como por uma corta dolichecephalia resultante da fusão com 
grupos africanos de raça branca.* Os nomes de divindades egypcias nas fnscripções lapida- 
res da peninsula misturados com os nomes de divindades turanianas, revelam-nos que o 
ramo lybieo, que esteve em contacto com a civilisação dos pharaós, foi o que entrou em Hes- 
panba, oceupando as ilhas do Mediterrâneo, e o archipelago das Canárias. Strabão falia das 
poesias heróicas dos Turdetanos com mais de seis mil annos de antiguidade ; e este facto 
torna-se crivei hoje que o gtnio épico dos turanianos se manifesta no poema Isdubar, de 
Babylonia, no PopoUVuh do México, e no Kalevaía da Finlândia. É por esta via que somos 
levados â determinação do génio lyrico tradicional nas litteraturasmeridionaes. Provada por 
Paul Meyer a unidade de formas no lyrismo dos povos românicos, resta descobrir a causal 
d'esse phenomeno. Os dados ethnicos que temos determinado reduzem esse phenomeno a 
uma revivescência. 

A mesma revivescência se dá entre todos os povos em que existe o elemento turaniano; 
os cantos accadicos, tão parecidos com as nossas Serranilhas, tem paradigmas no Chi-King 
da China. O mesmo se dà com os hyranos triumphaes do Egypto e com os cantos populares 
árabes. Reunimos aqui alguns paradigmas ; eis um canto accadico, traduzido por Ôppert : 

Trigo do nosso sustento 
Cresce direito, mas lento ; 
Agua do céo nós pedimos t 

Trigo da nossa abundância, 
Levanta-se, e com fragrância ! 
Agua do céo nós pedimos 1 

Lenormant apresenta um outro canto accadico, que com o precedente pôde ser compa- 
rado com os n. 08 806, 842, 744, e 1046 do Cancioneiro da Vaticana; eis o canto traduzido 
pelo assyriologo Lenormant : 

O trigo que direito crece 
No fim dará boa messe; 

O segredo, nós sabemol-o I 

O trigo qne dá fartura 
Dará a boa cultura; 

O segredo nós sabemol-o ! 

No Chi-King, formado com os cantos tradicionaes do povo chinez, vê-se pela bella tra- 
ducção de Legge a forma estrophica e a distribuição da* rima de um modo em geral simi- 
Ihante às nossas canções provençaes : 

Guizos levam os cães; os cães levam os guizos; 
De amável, tem seu dono, e bom, todos os visos. 

# 

Os cães vão presos, vão a retininte ajoujo ; 
Dizer do dono a graça a tanto não me arrojo. 

Col leiras ao pescoço elles lançam-se á caça; 
Seu dono é excellente em poder e em graça. 2 

Na campina d' alem, qne mede umas dez gêiras, 
Andam homens colhendo a folha ás amoreiras; 
Busquemos essa paz I dizia um palaciano. 

No campo qne atrás flea e mede umas dez geiras, 
Homens andam colhendo a folha ás amoreiras; 
Fiquemos n'esta paz, dizia um palaciano. 3 

Vão cinco javalis, n'uma veloz carreira ; 
Disparam-lhes de prompto a seta mais certeira I 
Ah como assim parece úm tigre mosqueado. 



1 BuUelin de la Soáélê de gèoorapfiie, (Avril. 1876) p. 428. 
! Legge. op. cit.. p. 143; Pautfiier, trad., p. 294. 
ffi-Ktng, ed. Legge, p. 136; ap. Pauthier, 292. 



CII RETORNELLOS E PARALLELISMO LYRICO (CAP VI 

Cinco bácoros abrem na artemisa brecha; 
Dispara- lhes de promplo uma certeira frecha ! 
Ah como assim parece um tigre mosqueado. 1 



Tal como o pé do Lin não calca nos seus trilhos, 
Para os que encontram são assim do rei os filhos! 
Ellcs são como o Lin ! 

Como a frente do Lin nunca em fúria se atira, 
Tal os netos do rei dão amor em vez de ira; 
Elles são como o Lin ! 

Como o corno do Lin nunca a ninguém avança, 
Os parentes do rei a todos dão esperança; 
Ellcs são como o Lin ! * 

Seguimos na traducção doestes quatro vetustissiraos modelos do lyrismo chinez o pensa- 
mento de Legge, conservando a eslructura da estrophe e a ordem da rima e dos refrens; 
merecem comparar-se com estes as canções n. 09 247, 265 e 304 do Cancioneiro da Vatimna. 

No lyrismo egypcio também deve existir algum vestígio tradicional «d'esse typo primi- 
tivo de parallelismo das idéas e das opposições que formara a essência do estylo poético dos 
hebreus», 3 parallelismo que hoje se conhece como de origem turaniana. Na constituição 
ethnica do Egypto o elemento turaniano revela- se nas castas incommunicaveis, na sua apti- 
dão industrial, n'um persistente felichismo e nos cultos mágicos; na poesia, postoque ain- 
da pouco estudada, já se acha o typo lyrico de Accad. Eis um fragmento da canção interca- 
lada no Canto tríumphal de Totmes m : 

— Eu appareci ! eu te concedi bater os príncipes de Tahi ; 
Eu os arremessei debaixo dos teus pés através dos seus paizes. 
— Eu lhes fiz ver a tua magestade tal como o senhor da luz 
Allumiando as suas faces, como a minha imagem. 

Eu appareci ! eu te concedi bater os habitantes da Ásia, 
Tu reduziste á escravidão os príncipes dos Amu, dos Hotennu; 
Eu lhes fiz ver a tua magestade revestida dos seus ornamentos. 
Empunhando 'as tuas armas, e de pé sobre o teu carro. 

Eu appareci 1 eu te concedi bater os povos do Oriente, 
Tu marchaste sobre as províncias da terra sagrada; 
Eu lhes mostrei a lua magestade semelhante ao astro 
Que semeia o ardor dos seus raios, e espalho o orvalho . . . 

Sãu ao todo dez eslrophes com os mesmos cortes symclricos e o mesmo parallelismo de 
phrase ; embora ainda hoje se não conheça a poética dos egypcios e dos hebreus, e se na rea- 
lidade tinham versos medidos, é certo que o lyrismo accadico, ainda no mesmo caso, apre- 
senta esse parallelismo, e as formas do refrem em um estado d 'onde parece ter saído a con- 
strucção da estrophe métrica tal como se encontra no antiquíssimo livro de versos da China 
o Chi-King. A evolução que transformou o parallelismo accadico nas estrophes medidas e 
rimadas do Chi-King, também derivou das tradições poéticas dos turanianos da Europa es- 
sas formas communs aos povos meridionaes, taes como as bailadas, as serranilfias, as villa- 
nellas. É assim que se explica a unidade do lyrismo europeu. 

Uma das canções mais preciosas do Cancioneiro da Vaticana, é a que pertence a Pedro 
Anes Solaz (n.° 415) notável pelo seu refrem «Lelia d'olitra — E doy Lelia doutra.» É este 
o estribilho nacional da Galliza, a neuma característica da sua poesia popular, já notada 
desde o século i por Silio Itálico: «Barbara nunc patriis ululante m carmina linguis.» O pro- 
vérbio basco «Belhico leloa» allude á antiguidade d'esta neuma que apparece repetida na 
forma Leio, il Leio e Eioxj lelori bay leio, dos cantos populares das províncias vascongadas. • 
O mesmo estribilho se encontra nos cantos fúnebres da Irlanda ou ululaUh na forma ulluloo; 
a existência d'esta neuma entre varias t ri bus mongolóides, levam-nos a considerar os can- 
tos de alalala como pertencendo â primitiva poesia da raça que propagou na Europa as for- 
mas lyricas das paslorellas e serranilhas, cuja unidade foi reconhecida pelos modernos ro- 
manistas. 4 No Cancioneiro da Vaticana encontram-se referencias a diversas localidades bas- 
cas; taes são as canções n. os 1 045, 1000, 720 e 723, e canções do jogral vasconço Pêro do 

• Legge, op. cit., p. 66; Pauthier, 264. 

• Legge, op. c!t., p. 75; Pauthier, 271. 

• Vicomte de Rougé, Chanl Inumphal de Toulmès m, trad. Itíb. orient., t. n, p. 155. 
« Yid. sobre esta questão o Parnaso porlugiiez moderno, p. xl a xlvii. 



CAP. Vi) > REVIVESCÊNCIA DO GÉNIO LYRICO MERIDIONAL CHI 

Veer (Bear.) É possível que as com mu meações dos jograes de segrel Ozessera revivescer es- 
te fundo tradicional asturiano que distingue a escola da Galliza. 

Schack, no seu livro Poesia e Arte dos Árabes em Hespanha e Sicília, esforça-se por ex- 
plicar as formas lyricas communs á Itália, França, Hespanha e Sicília, da elaboração trobado- 
resca, como resultantes de uma propagação da poesia árabe na sua forma tradicional e po- 
pular. Para isto estabelece todos os pontos de connexão histórica, e compara os estylos e 
typos estrophicos dos Muvaschaja com as baladas e com as serranilhas.* Sabendo-se que a 
poesia semítica se desenvolveu sob a influencia do lyrismo accadico, como o prova Lenor- 
mant, e sabendo-se que o meio dia da Europa foi oceupado por vários ramos turanianos, co- 
mo o provam os documentos archeologicos e o moderno resultado da etimologia acerca da 
origem scylhica dos Gaulezes, a theoria e os factos produzidos por Von Schack devem col- 
locar-se em* uma luz mais verdadeira, attribuindo á influencia do lyrismo popular dos ára- 
bes a revivescência das tradições poéticas do elemento primitivo das povoações meridio- 
naes, e ao caracter ethnico destas a facilidade de se fusionarem com o árabe e de lhe ac- 
ceilarem muitos dos seus usos. É esta uma questão nova na historia, e por onde se modifica 
a incommunicabilidade do semita, que era contradictada pelos factos. 2 que se dá com a 
forma estrophica dos cantos lyricos, repete-se com relação aos cantos épicos apenas na sua 
designação de Aravia, cora que são conhecidos ainda hoje os romances populares nas ilhas 
dos Açores. Os narradores dos suecessos históricos entre os árabes ante-islamicos eram cha 
mados Ravah; o Rawi era o recitador dos feitos heróicos, em que a prosa vulgar e os ver 
sos se entremeavam. (Schack, op. cif., n, 136.) Não hesitamos em admittir que o nome de 
Aravia dado aos cantos populares heróicos, fosse derivado da designação d'aquelle que os 
cantava, o Rawi; porém este nome de uso ante-islamico liga-se á mesma proveniência tu- 
raniana pelas suas analogias com os Yaravi, ou os cantores das tradições heróicas entre os 
peruanos. A confusão de Aravia com Algaravia e a attribuição errada da origem dos roman- 
ces peninsulares aos árabes, prejudicaram a intelligencia d'este problema, hoje tão claro 
pela nova comprehensão das origens da poesia semita, como pelas descobertas da etimolo- 
gia sobre as raças mongolóides da Kuropa meridional. A influencia árabe sobre os cantos he- 
róicos peninsulares resume-se em um estimulo de revivescência. Estudemos aqui as causas 
do reapparecimento dos cantos épicos, cuja forma se acha reprcsenlada em um vestígio tra- 
dicional do Cancioneiro da VcUicana. 

Na Chronica geral de Hespanfia, Aflbnso o Sábio serviu-se dos cantos tradicionaes, apro- 
veitados das versões oraes do povo, para fundamentar com elles a sua narrativa histórica. 
Esses cantos estão totalmente perdidos, salvo um ou outro verso, que ainda se pôde desco- 
brir através da prosa da Chronica. Pode-se dizer que no meado do século xm, os cantos he- 
róicos, por causa d'este uso histórico, receberam importância entre os eruditos que os ha- 
viam desprezado; essa importância chegou a fazer-se sentir nas leis civis e nos regimentos 
da cavalleria. Nas Leis de Partidas (L 20, t. 21, part. 2.) se estabelece peremptoriamente : 
« que los jograles que no dixessen ante ellos (los caballeros antiguos) otros cantares sinon 
de Gesta, ó que fablassem en fechos de armas.» Nas Ordenanzas de caballeria, de Mosen de 
Sent Jordi, redige-se este mesmo costume. As jeis de Partidas tiveram vigor em Portugal, 
e no Cancioneiro da VcUicana está bem accentuada a influencia que esta disposição cava- 
lheiresca pôde exercer na nossa aristocracia; vê-se ali, de um lado a obediência de um jo- 
gral â determinação da lei, do outro a indisciplina de um fidalgo parodiando de um modo 
ridículo o eslylo e a metrificação dos cantares de Gesta. 

O jogral Pêro da Ponte, que floresceu ainda na corte de Fernando m, celebra na canção 
578 a tomada de Valença, perpetuada também nos cantos populares; 3 na canção 573 cele- 
bra a morte da rainha D. Beatriz, mulher de Fernando m, em 1236 ; na canção 572, allude 
à tomada de Sevilha era 1246, e na canção 574, celebra a morte de Fernando ih e a exal- 
tação ao throno de Aflbnso o Sábio, em 1252. Como um dos jograes mais antigos do Cancio- 
neiro, Pêro da Ponte, é o que deixa ver mais claramente a influencia do costume, que veiu 
a ser redigido nas Leis de Partidas; mas a influencia da determinação de Aflbnso o Sábio 
conhece-se no único vestígio directamente popular que se conserva da tradição anterior ao 
século xv, e que no Cancioneiro vem em nome de Ayras Nunes, clérigo. É o romance de 
Dora Fernando i, que se 1(5 sob o numero 466; por elle investigaremos abaixo o typo primi- 
tivo do romance popular da Península. 

' Op. cit, t. ii, p. 232. Trad. espaii. 

' Na moderna poesia árabe popular, ainda se encontra este parai lei ismo, mas predominando o uso dos 
rrfrens, c a rima. Md. Uaiks et Bournoufs, passim. 
' \id. Romanceiro geral porluguez, t. ui, n.°35. 



C1V TYPO DO ROMANCE POPULAR %(CAP. VI 

A disposição das Partidas provocou alguma reacção dos trovadores Ddalgos, que esta- 
vam acostumados á galanteria das canções de amor. No Cancioneiro da Vaticana, essa reac- 
ção transparece na Gesta de Mal-Dizer, de D. Aflbnso. Lopes Baiam, (vid. n.° 1080) onde es- 
te fidalgo cia corte de D. Aflbnso in parodia grotescamente e com archaismos a estructura das 
Gestas francezas, em alexandrinos, em monorrimos, e com a celebre neuma da Chanson de 
Roland, Aoi. Na corrente popular, conservada por Gil Vicente, ainda se allude também ao 
costume de não querer ouvir cantos que não fallem de guerras e cutiladas.* Nas canções da 
corte de D. Diniz citam-se os poemas de aventuras do cyclo arthuriano, Tristão e Branca- 
flor, o que denota a alteração do gosto poético, no sentido da disposição da IM de Partidas. 

No romance 466, de Ayres Nunes, acha-se o typo mais perfeito da forma dos cantos he- 
róicos anterior á que se fixou nas collecções do fim dos séculos xv e xvi, da peninsula. A 
sua conservação é um phenomeno litterario, a sua intelligencia uma descoberta: 

As fontes tradicionaes da epopêa hespanhola são os Romances, como as Cantilenas são 
o elemento orgânico das Gestas francezas; os romances peninsulares não receberam desen- 
volvimento cyclico na constituição da nacionalidade castelhana, porque essa manifestação 
poética foi combatida por três influencias; l. a , o espirito da erudição mantido pelos latinis- 
tas ecclesiasticos ; 2. a , a imitação das formas das Gestas francezas ; 3.*, u gosto exclusivo da 
aristocracia pelas complicadas construcções do lyrismo provençal. 

Da influencia latinista basta apontar os factos bem conhecidos da substituição das estro- 

phes saphicas e adonicas dos cantos latinos pelas estrophes populares; no século xu e xm 

essa luta entre a tradição e a erudição é evidente. No poema latino da tomada de Almeria, 

em 1147, se lc: 

Ipse Rodericus Mio Cid semper vocatus 

De qvo cantatur quod ab hostibus haud superatus 

vé-se por isto que existiam cantos populares, a que o poemeto se referia; na Chronica lati- 
na de Aflbnso vn, allude-se com frequência a designações populares, e ao uso da lingua 
vulgar nostra lingua. Um dos documentos mais preciosos que accusam esta influencia lati- 
nista é o poemeto sobre o Cid, copiado por Du Meril do ms. 5132 da Bibliotheque Nacionale, 
fl. 79, e publicado nas Poésies populaires latines du Mo\jen-âge. % Na litteratura portugueza 
existe também o poemeto latino da tomada de Lisboa, Cármen Gosuinum, que accentua 
esta influencia erudita dos latinistas, que fizeram desprezar a linguagem vulgar e por tanto 
os cantos tradicionaes. Era a lingua vulgar, e não a tradição que se desprezava; a tradição 
era aproveitada para essa outra manifestação erudita das Chronicas, que no século xm se 
baseavam sobre cantos populares e os convertiam em prosa, como aconteceu também em 
França cora as Gestas. A Chronica general de Espana, de Aflbnso el Sábio, basca muitas nar- 
rativas sobre os cantos jogralescos e sobre as Canções de Gesta. As tradições populares do 
Cid, transformaram-se sob a mesma influencia erudita na Chronica rimada, imitação da 
forma das Gestas, com intuito histórico. O Marquez de Pidal prescntiu esta transformação, 
extrahindo episódios em verso oclosyllabico, que deveriam ter pertencido aos romances po- 
pulares primitivos. No século xu o rotnance significava a linguagem vulgar, e a forma poé- 
tica era conhecida pela designação conservada por Ayala Cantar de antiguo rimar. O Mar- 
quez de Pidal diz : «Desgraçadamente estes primeiros cantares não chegaram até nós; ou se 
chegaram tem sido summamente alterados ou despojados d^aquelle primitivo caracter e 
d'aquelta rudeza, que tão importantes os faria hoje para o estudo actual da historia. Com- 
mummente não se escreviam. . .» 3 objecto d'este estudo tem por fim apresentar um typo 
v d'esses cantares de antiguo rimar \ achado no Cancioneiro porluguez da Bibliotheca do Va- 
ticano, composto pelo clérigo Ayras Nunes, jogral gallego. Porém antes de proseguirmos, 
importa accentuar as outras influencias que destruíram a manifestação cios cantos populares 
heróicos na sua lingua rústica, e que tornam raras as suas relíquias. 

A imitação das gestas francezas tão evidente nó Poema do Cid, e nas obras de Berceo, 
introduziu a pretensão efe uma metrificação regular e calculada, ao modo alexandrino, por 
syllabas contadas, e por la quaderna via; esta metrificação resultava da influencia dos exa- 
metros latinos. conhecimento directo das Gestas francezas prova-se não só pelas referen- 
cias da Crónica general, como pelos próprios títulos d'e!las referidos por vários metrifica- 
dores. N'uma canção de Guerau de Cabrera, acham-se enumeradas, la gran Gesta de Carlon, 
Ronsesvals, Rotlon, Aiolz, Anfeliz, Anseis, Floiisen, Milon, Locrenc, Erec, Amvc e Amelic, 

1 Trittmpho do Inverno. 

* Op. cit. p. 308. 

' De la Poesia caslcllana, p. vn, Canc. de Baena, 1. 1. 



CAP. Vi) O ROMANCE DE ÀYHES NUNES CV 

• 

Robert, Gribert, Augier, Olivier, ScUomon, Loer, Rainier, Girart de Rossillon, Gararin, 
Bovon, Aimar, Troja, Alixandre, Apolonie, Floris, Tristane IcerU, Gualvaing, Monas. 1 

A influencia franceza das gestas provinha também do espirito erudito, porque se vá 
n'esta serie de gestas já classificadas as carlingianas, as arthurianas e as greco-romanas. 
Em Portugal, no Nobiliário do Conde D. Pedro já vem citados os pares de França e no século 
xv a gesta do Duque Jean de Lanson, a que allude Azurara, como se fosse um documento 
histórico. 

A influencia lyrica da poesia da Provença e da Bretanha não destruiu completamente o 
lyrísmo popular, antes se accommodou a elle, acceitando nos cancioneiros aristocráticos as 
Serranilhas, os Dizeres, os Cantos de IMino e os Guaiados. Póde-se dizer, que o gosto pa- 
laciano pelo lyrismo provençal desviou a imaginação popular dos cantares heróicos, exer- 
cendo-a nas formas lyricas a que allude o Marquez de Santillana. É esta a causa porque os 
Cantares heróicos não apparecem nos Cancioneiros, ao passo que junto das formas lemosinas 
se encontram as pastorellas ou serranilhas communs à Itália, Galliza e França meridional. 
O apparecimento do romance de Ayras Nunes no Cancioneiro portuguez da Vaticana, por 
isso que é excepcional, é tanto mais precioso como documento de um typo poético que se 
julgava perdido; por elle se vé qual a forma estrophica, como predominava a redondilha 
menor, de cinco ou seis syllabas, e como o romance tinha uma origem jogralesca antes de 
se popularisar e se perder na impersonalidade da tradição. 

romance de Ayras Nunes versa sobre o facto do desmembramento do reino de Castel- 
la e Leão pelos três filhos de Fernando i. Este monarcha havia casado com D. Sancha, sue- 
cessora de seu pae no reino de Leão ; Fernando precipitou os factos, atacando o sogro e ma- 
tando-o na batalha de Tamaron. A unidade do reino de Castella e de Leão assim operada, foi 
pouco tempo depois dissolvida; Fernando deixou em testamento a seus três filhos os seus 
estados, desmanchando-os outra vez : a Sancho, seu primogénito, deixou o reino de Castel- 
la, a AfTonso o de Leão com a terra de Campos, e a Garcia o novo reino de Galliza. Esta épo- 
ca histórica foi fecunda em catastrophes dynasticas, que alimentaram a tradição e serviram 
de thema à poesia popular. Entre os romances populares conhecidos no século xvi em Por- 
tugal, que Gil Vicente cita como provérbio nos seus Autos, vem este, desde muito tempo 
perdido : Los hijos de Dona Sancha. Os jograes gallegos não deviam desconhecer a tradição 
local, de quando a Galliza fora momentaneamente elevada à categoria de reino. Sancho 
prendeu seu irmão Affonso no castello de Burgos é tirou -lhe o reino de Leão, oceupou de- 
pois a Galliza e despojou suas irmãs das cidades de Toro e de Zamora. No cerco de Zamora 
foi elle assassinado por Bellido Dolfos, e AfTonso achou-se assim reintegrado no seu reino de 
Leão, acceitando também o reino de Castella sob condição de jurar que não fora cúmplice 
na morte de Sancho. fragmento da Chronica rimada, que extractamos para subraettel-a 
ao typo do romance de Ayras Nunes, versa sobre esta clausula do juramento ; parece que se 
continuam entre si, o que justifica a facilidade com que os alexandrinos da Chronica se ada- 
ptam ás quintilhas de antiguo rimar. 

Este romance de antiguo rimar de Ayras Nunes, confirma a opinião de Pidal emquanlo 
às composições trobadorescas destinadas para o povo : «Os mesmos trovadores e poetas, que 
frequentemente compunham versos para o povo e seus cantores, faziam tão pouco caso 
d'estas composições suas, que nunca as incluíam nos Cancioneiros ou collecções que faziam 
das suas obras. Villassandino, por exemplo, do qual se conservam composições que nunca 
deveriam ler-se escripto, confessa que compoz versos para os jograes, porém nenhuma úni- 
ca d'estas canções se encontra nas suas obras; e o Arcipreste de Hita, não incluiu entre as 
suas, tão variadas, tão livres, e tantas, nenhum dos muitos cantares ou romances que aífir- 
ma ter composto para os cegos e outros cantores populares.» 1 «Isto explica em parte porque 
não se acha sequer um só romance em alguma das muitissimas collecções de poesias ma- 
nuscriptas anteriores ao século xvi, que se conservam nas nossas bibliothecas e archivos e 
que com todo o esmero e cuidado se hão revistado com este intuito.» 3 Portanto o appareci- 
mento do romance de Ayras Nunes tem o valor decisivo de nos mostrar que effectivarnente 
existiam romances populares na época em que só os cantos lyricos tinham importância lit- 
teraria, e ao mesmo tempo vem confirmar um ponto de vista que jà apontamos no Manual da 
Historia da Literatura portugueza: «Nos romances portuguezes notam-se duas formas par- 
ticulares de verso, o de redondilha menor, ou de cinco ou seis syllabas, e o de redondilha 
maior ou de sete syllabas. Até ao século xv prevaleceu a redondilha menor nos cantos po- 

1 Ap. Ubro de los Poetas, p. 43. Barcelona, 1868. 
* Pidal, De la Poesia caslenatia, p. xxn, Eu. Lcypsic. 
■ Ibid. 



CVI TYPO DO ANTIGO RIMAR CAP. Vi) 

pulares, talvez por influencia do alexandrino dos cantos jogralescos. . • Dá-se no século xv 
a substituição da redondilha menor pelo verso de sete syllabas, que hoje se tornou exclusi- 
vo da cantiga e do romance. Qual a causa cTeste phenomeno?» 1 O romance de Ayras Nunes 
prova-nos effectivamente o uso do verso de cinco syllabas anteriormente ao século xv nos 
cantos heróicos; isto dá-nos o sentido da designação usada por Ayala de antiguo rimar; os 
estribilhos repetidos, são também um indicio de que esses romances eram cantados. A mu- 
dança para o metro de sete syllabas fez-se por uma nova elaboração da tradição com restos 
de phrases e situações mais profundas conservadas dos cantares heróicos esquecidos durante 
a paixão pelo lyrismo provençalesco. Na tentativa de Pidal para extrahir da Chronica rima- 
da os primitivos romances populares <Jue a constituíram, a forma que melhor se destaca é a 
de redondilha menor. juramento de Affonso vi nas mãos do Gid, lira-se da Chronica rima- 
da n'esta forma do rimar antiguo (e não em verso de oito syllabas, como quer Pidal) : 

Vos venides jurar «Si ende sopistes 

Del rey por la muerte; «Vos parte ó mandado, 

Como murió el rey «Tal muerte morades 

Don Sancho, hermano vuestro: «Como murió don Sancho 

Que nin lo matastes, «El rei mi senor, 

Nun consejarlo fuestes. «E vuestro hermano. 

£1 rey e ellos diieron : Villano vos mate 

— Si juramos ( lo ayades. Ca fijo d'algo non ; 

E dijo el Cid : De otras tierras venga 

«Si vos ende sepades Que non de Leon. 

«Parte ó mandado Respondió el rey : 

«Tal muerte murades. — Ruy Diez, varon: 

«Como murio el-rey Porque hoy tanto 

«Don Sancho, vuestro hermano I > Ca me afincaredes ? 

— Amenl respondió Juramentastesme, eras 

El rei e los fljos d'algo, Mi mano besaredes. 

Los doce cahalleros Respondió el Cid : 

Que con el juraron. «Como el algo mi fleierdes 

• 

«Vos venides jurar • Ca en otra tierra 

«Por la muerte de mi senor, . Sueldo dan ai fljodalgo, 

«Que nin la matastes E assi faran a mi 

«Ni fuestes en sabedor? Como mi ficierdes el algo, 

Respondió el : — Amenl Quien mi quisiere 

E mudogele la color. A mi por vassallo.» 

Esta forma de metrificação era a legitimamente popular ; a ella cabe bem a característi- 
ca de desprezo dos eruditos que, como se ufana Berceo, trovaram por rima é cuenta, e que 
o Marquez de Santillana por isso chama a estes cantos heróicos sin regia ni cuento. A forma 
erudita da estrophe por quaderna via contrapõe-se á forma popular da quintilha ou sextilha 
narrativa, completada quasi sempre com um refrem. Pelo estudo do jogral Ayras Nunes se 
descobre o verdadeiro typo estrophico dos romances populares primitivos, que serviram 
para a construcção das epopéas e das chronicas hespanholas ; vé-se egualmente o problema 
como a creação individual entrava na corrente da tradição popular, pela communicação com 
os jograes, e ao mesmo tempo como o gosto popular penetrou nas collecções aristocráticas.* 



1 Man. da Hist. da Litl. portuguesa, p. 139. 

1 Interrompemos aqui o nosso estudo, deixando para uma futura edição do Cancioneiro da Ajuda os ca- 
pítulos sobre a Persistência da tradição provençal na Uiteratura portugueza, e sobre a Grammatica histó- 
rica dos Cancioneiros portugueses; esta ultima parte será por ventura brevemente preenchida pelo eminente 
tmUologo Francisco Adolpho Coelho. 



índice onomástico 



Os nomes em redondo s3o dos Trovadores que assignam as Canções ; os nomes em itálico slo dos personagens 
e iogares citados. Os números indicam as canções, e entre ( ) esses números designam as canções 

em que collaboraram dois trovadores 



Abril Perez (663.) 

Acento (Maestre) 503. 

Acri, 1057. 

Adam, 470. 

Adail (O) 69. 

Affons'Affonses t 366. 
Aflbns'Eanes, (556.) 
Affbnso do Cotom, i!!l, 1142, 1113, 1114. 1115, 

1116, 1117, 1118» 1119, 1121, 1122, 1123, 1149, 

1150 
Affons'Eanes de Cotom, 411, 412, 413; 555. 

Affons' Eanes de Cotom, 966. 
Affonso (el-rei Dom) de Castella e de Leom, 61, 62, 

63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70 71, 72, 73, 74, 75, 

76, 77, 78, 79. (se. Affbnso ix.) 

El-rei D. Affonso, 987. 
AÍTonso (el-rei Dom) de Castella e de Leom, que 

venceu el-rey de Belamarin, 269. (se. Affonso xi.) 

El-rei D. Affonso, 574. (se. Affbnso x.) 

El-rei D. Affonso, 1008. (se. Affonso m.) 

El-rei D. Affonso, 1036, 1088. (se. D. Affonso uide 
Portugal.) 
Affonso Fernandes, 15, 16. 
Affonso Fernandes Cubei, cavaleyro, 1143. 

Affonso (Infante dom) filho d'el rey don Denis, 
1058. 
Affbnso Gomez, jograr de Sarna, 470, 471. 
Affbnso (don) Lopez de Bayam, 5, 6; 339, 340, 341. 

342 ; 1079. 1080, 1081, 1082. 

Affonso (don) Lopez de Bayam, 1159. 
Affbnso Meendes de Beesteyros, 330, 331, 332. 
AÍTonso Paez de Bragaa, 439, 440, 441, 442, 443. 
Affonso (Don) Sanches, filho dei rey don Denis, 17, 

18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 ; 366, 367, 

368. 

Affonso Sanches, 366. 
Affbnso Soares, 1155, 1156. 

Africam. 
Al . . . 1088, 1089, 1090, 1091, 1092, 1093, 1094, 1095, 

1096. 

Alamanha, 64. 

Alanquer, 1050. 

Albardar, escudeyro, 968, 969. 

Alem- Doiro, 1042. 

Albuquerque (Dom Joham Affonso d') 1058. 

Alcântara (Metslre aV) 919. 

JÚhariz, 920. 

Almançor, 470. 

Ali (Maestre) 922, 923. 

Alquivir, 74. 
Álvaro (Affbnso) cantor do senhor Infante, 410. 

Altar, 1171. 
Álvaro Gomes, jograr de Sairia, 470, 471. (Vid. Af- 

fonso Gomes.) 

Álvaro (Don) 1188. 

Alvar Rodriguiz, 905, 906, 922, 923 ; 1037. 



Alvar Royz, monteyro mayor, 907, 1037. 

Alvela, 64. 

Alvelo, 1079. 

Amarante, 1014. 

Andalusia, 572. 

Anha, 64. 

Anrique (Infante Don), 999, 1008. 

Ansur Moniz, 65. 

Ante-Christo, 471, 1013, 1041. 

Aragom (Reyno de) 466; 708, 1062, 1129, 1147, 
1157. 

(— Rei de— >/ 578, 937. 

Arcos (Donzela de) 1026. 

Arçobispo, 1088. 

Arnado, 1014. 

Arouca, 1081. 
Ayras Carpancho, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 

263, 264, 265. 
Ayras Engeytado, 558, 559, 560, 561. 

Ayras Louco, 952. 

Ayras Moniz, 955. 
Ayras Nunes, clérigo, 454, 455, 456, 457, 458, 459, 

460, 461, 462, 463, 464, 465, 466, 467, 468, 469, 

1133. 
Ayras Paes, jograr, 691, 692; 891, 892. 
Ayras Perez Veituron, 1083? 1084? 1085, 1086, 

1087. 

Ayras Soga, 1088. 
Ayras Veaz, 55, 56, 57. 

Azamor, 74. 

Buguym (a Dona de) 959. 
Balteyra, 64. 
Barnage, 1000. 
Basto, 1080. * 
Bear, 1000. 

Beatrix (Raina Dona) 573. 
Beeyto (Don) 1074, 1075. 
Benavente, 947. 
Bellem, 1118. 
Belpelho (V. Velpelho.) 
Belenha, 1026. 
Beira, 1080. 
Belamarim, 209. 
Beno (Don) Galeon. 
Berna! de Bonaval, 653, 654, 655, 656, 657, 658, 
659, 660, 661, 662, (663), 726, 727, 728, 729, 730, 
731, 732, 733. 
Bernaldo de Bonaval, 70. 
Bernaldo (Don) 1069, 1086, 1175. 
Bernal Fendudo, 1063. 
Biringela (Dona) 26. 
Biscava (Donzela) 1045. 
Blandiz, 1118. 
Bodalho (João Mariz) 1040. 
Bonaval, 660, 729, 730, 731, 732. 



CVIII 



índice onomástico 



Boron, 937. 

Bragaa, 1040. 

Buyturan (Don) 1023. 

Branchafrol, 115, 358. 

Bretanha (Reino de) 1140. 

Bubela, 502. 

Burgus, 79, 555, 1163, 1180. 

Camâra, 26. 
Cabreira (Don) 1080. 
Caldeyron, 1157. 
Calez (Dayom de) 76. 
Cambray (Prés de) 547. 
Camela (Moor Martins) 1040. 
Campos, 65. 
Carcassona, 937. 

Carrt/on, 555, 987. 1149, 1163, 1166. 
Caca de Vem, 1199. 
Carvoeyiws, 65. 

Caste/a, 466, 505, 536, 553, 708, 963, 1129. 
Castela (Foro de) 1028? 
Castro, 555. 
Catalães, 1157. 
Cea (caminho de) 912. 
C^ira (Sobrinho do) 1080. 
O/orico (Castello de) 1088. 
Cerzeta, 502. 
Catalunha, 1157. 

Cirifta f&m/a; 876, 877, 878, 879, 880, 881. 
Cm/ra, 410. 
C/iarí^, 1132. 
Ciste/, 455. 
Cisneyros, 65. 
Ci/o/a, 71. 

Clemenço (San) do mar, 807, 808. 
Clemente (San), 572, 805, 806. 
Conca (Bispo de) 1193. 

Condi (O) irman tio d'el rey de Portugal, 1042. 
Conde (O) de Bolonha, 1088, 1089. 
Compostela, 689. 
Cora/ fZton,/ 959, 960. 
Cor-de-Leom, 556. 
Crarto, 1154. 
Cornoalha, 1007. 
Correola, 1093. 
Covylham, 1088. 
Coforo, 68. 
Coymbra, 1014. 
Coyra, 935. 
Craíto, 1154. 
Cra/o, 1147. 
Crecente (Souto de) 547, 554. 

Dayam de Calez, 76. 

Degredo, 1030. 
Denis (Don) Rey de Portugal, 80 a 208. 

£*m* (Don) Rey de Portugal, 156, 708, 1043, 
1058. 

Denis (Filho d'el rey don) 927. 
Diego Pezelho, jograr, 1124. 

Darra, 937. 

Doiro, 547, 912. 

Domingos Eanes, 78. 

Domingo (Don) Caorinha, 1030. 

Domingos (Bispo Dom) Jardo, de Lisboa, 1043. 

Dordia Gil, 37. 

Dura, 937. 

£/^o (O) 1088, 1133. 
Elvas (Dona de), 1138. 
Eiras (Judeu d') 1138. 
JEfoíra, 1192. 
' Elvyra Lopes, 1099, 1100, 1145. 
Elvyra Perez, 1145. 
Elvyra Padroa, 1145. 



Escobar, 65. 

£spt7a/, 1020. 

Espanha, 64, 1000. 

£*fe/a f7te£pio d'; 1131. 

f— Burgo de) 937. 

£sf*/a (Touca* $) 505, 689. 

Jftfecan fDontJ 1194, 1014, 1015; 1083, 1084, 
1085. 

Estevam Cabreyros, 65. 
Estevam da Guarda, privado d'cl rey Dom Denis, 

220, 221, 222, 223, 224, 225; 362; 904, 905, 906, 

907, 908, 909, 910, 911, 912, 913, 914, 915, 916, 

917, 918, 9U, (920) 921, 922, 923, 924, 925, 926, 

927, 928, 929, 930, 931, 932. 

Estorga, 1090. 

Estremadura, 758, 912. 

Esturas, 1091. 

Estevam da Guarda, 920. 

Estevam (Dom) 995, 997, 1014, 1015; 1083, 1084, 
1085, 1089. 

Eva, 470. 

Fagundo(Dom) 1112. 

Fagundo (San) 1090, 1091, 1135. 

Fariza, 1157. 

Felizes (San) 1135. 

Faria (Castello de) 1088. 

Faro, 894, 895, 896, 897, 898. 

Fernam d'Ambrea, 666. 
Fernam... 1140. 
Fernand'Eancs, 387. 

Fernam de Meyra/%90. 

Fernam Dias, 983, 987, 1088, 1090, 1091. 

Fernam Dias Estaturão, 1183. 
Fernam do Lago, 893. 
Fernam Fernandes Cogominho (Don) 303, 304, 305, 

306. 
Fernam Froyas, 388, 389, 390, 391. 
Fernam Gonçalvis, 1. 
Fernam Gonçalvis de Seaura, 338. 

Fernam Gil, 1114. 
Fernam Padrom, 563, 564, 565. 
Fernam Rodriguis de Calheiros, 227, 228, 229, 230, 

231, 232, 233, 234, 938, 939, 940. 

Fernam Roiz Corpo delgado, 938. 
Fernam Velho, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 ; 

403, 404. 

Fernam Vasques Pimentel, 1058. 

Fernam Dade, 1144. 

Fernanda (Dom) Escolho, 984, 985, 986, 1026, 
1135. 
Femand'£squyo, 899, 900, 901, 902, 903, 1136, 

1137. 

Fernando (Rey Don) 573, 574. 

Fernando (Filhos de Don) 466. 

Fernando (Dom) Esquio, 1137. 

Dom Fernando, 961. 

Fernando Torto, 1090. 
Fernan (Don) Paezde Talamancos. 941,942, 943,944. 
Fernan Rodrigues Redondo, 1147, 1148. 

Tenoyros, 65. 

Flores, 115, 358. 

Fouce, 65. 
• Francez (Caminho) 278. 

Franco, 964. 

França (Rey de) 707, 935. 

Fruitoso, 642. 

Gafaria, 1144. 

Galego, 914. 
Galisto Feroandiz, 701, 702; 861, 862, 863, 864. 

Galicia, 466. 

Galiza, 948, 1157. 
Garcia (Don) Marttiz (1186). 
Garcia (Irmão de Martin) Soares, 434, 435. 



ÍNDICE onomastíco 



CIX 



Gastom (Dom). 

Gastam (de Bear) 1000. 

Gaya, 547. 
Golparro, 872. 

Gomes (Don) Cura, 1087. 
Gomez (Don) Garcia, abade de Veladolid, 512, 513. 
Gonçalo Eanes do Vinhal, 307, 308, 309. 310, 311, 

312, 313; 999, 1000, 1001, 1002, 1003, 1004, 1005, 

1006, 1007, 1008. 

Gondiode (Dona) 26. 

Gontinlia (Dona) 26. 

Gram-Cam, 1198. 

Granada, 765, 766. 

Graada, 77, 1056. 

Guylhade, 369, 371. 

Guymar, 37. 

Hordem (Terra da) 1039. 

Incholas (Vid. Nicholás). 
Infanta, 1145. 
Iseu, 115. 

Jaen, 967. 

Jerusalém, 66, 1013, 1195, 1198, 1198. 

Jesu Cristo, 67, 396, 601. 

Joam (Ordim de Sam), 1003. 
João Velho de Pedrogáez, 1141, 1142. 

Jon (Don) 69, 690 : 908. 

Joham (Meestre) 72, 73. 
Joham Ayras, burguez de Santiago, 530, 531, 532, 

533, 534, 535, 536, 537, 538, 539, 540, 541, 542, 

543, 544, 545, 546, 547, 548, 549, 550, 551, 552, 

553, 554; 594, 595, 596, 597, 598, 599, 600, 601, 

602, 603, 604, 60o, 606, 607, 608, 609, 610, 611, 

612, 613, 642, 1071, 1072, 1073, 1074, 1075, 1076, 

1077, 1078. 

Joham Ayras, 523. 
Joham Baveca, 694, 695, 606, 697, 698, 669, 700, 

(826) 827, 828, 829, 830, 831, 832, 833, 834, 835, 

836, 837, 838, 839 ; 1063, 1068, 1069, 1070. ' 

Joham Baveca, 1198, 106i, 1065, 1066, 1067. 
Joham (Don) d'Avoyn, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 

273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, (1009) (1010) 

(1011.) 
Joham de Cangas, 873, 874, 875. 

Joham Coelho, (1009). 

Joham de Froyam, 1080. 
Joham de Gaya, escudeyro, 1043, 1044; 1058, 1059, 

1060, 1061, 1062. 
Joham de Guylhade, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 

36, 37, 38 ; 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 

351, 352, 333, 354, 355, 356. 357, 358, 359, 360, 

361 ; 369, 370, 371 ; 1097, 1098, 1099, 1100, 1101, 

1102, 1103, 1104, 1105, 1106, 1107, 1108, 1109, 

1110. 

Joham de Guylhade, 343, 346, 348, 369. 
Joham Fernandes Dardeleyro, 933, 934, 935, 936. 

Joham Fernandes de S. Nicholás, 1043. 

Joham Fernandes, 975, 978, 1012, 1013, 1149. 

Johan (Don) Garcia, 354, 358. 
Joham Garcia Sobrinho, 431, 432. 

Joham Garcia, 1022, 1024; 1104, 1105. 
Joham, lograr, morador em Leom, 707, 708. • 
Joham Lobcyra, 998. 

Joham Martin Bodalho, de Braga. 
Joham Lopes dUlhoa, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 

302. 
Joham (Don) Meendes de Besteyros, 444, 445,446, 

447, 448, 449, 450, 451, 452, 453. v 

Joham (Meestre) 72, 73. 

Joham Mariz, 940, 1040. 
Joham Nunes Camanes, 252, 253, 254, 255, 256. 
Joham Perez (1009.) 
Joham de Requcyxo, 894, 895, 896, 897, 898. 



Joham Rodriguis, 64. 
Joham Romeo de Lugo, 1145. 
Joham Servando, 664, 665, 666 ; 734, 735, 736, 737, 

738, 739, 740, 741, 742, 743, 744, 745, 746, 747, 

748, 749, 750; 1028, 1029, 1030, 1031. 

Joham Servando, 1032. 
Joham Soarez (786) (1011.) 

Joham Soarez, 1009, 1092. 
Joham (Don) Soares Coelho, 280, 281, 282 r 283, 284, 

285, 286, 287, 288, 289, 290, 291, 292,293; 1012, 

1013, 1014, 1015, 1016, 1017, 1018, 1019, 1020, 

1021, 1022, 1023, 1024, 1025. 
Joham Soares de Pavha, 937. 
Joham Vaasques, 42, 43, 44, 45, (1035.) 
Joham Vaasquiz de Talaveyra, 372, 373, 374, 375, 

376, 377, 378, 379. 
Joham Zorro, 751, 752, 753, 754, 755, 756, 757, 758, 

759 760 761 

Joanna (Reina Dona) 999, 1008. 

Joham Aranha, 1080. 

Joham d'Ambria, 990. 

Joham Eanes, 917. 

Joham Johanes, 940. 

Joham Nicholás, 1096. 

Jordam (Frume) 1066. 

Josaffas, 1118. 

Josep (Don), 920. 

Juilham, 720, 723. 
Juyào (14). 

Juyão (Sam) 1001. 
Juyào Bolseyro, 667, 668; 771, 772, 773, 774, 775, 

776, 777, 778, 779, 780, 781, 782, 783, 784, 785, 

786. 

Lampadões, 65. 

Lagares, 989. 

Legado (O) 1088. 

Lemus (Cavateyros de) 945. 

Leom (Foro de) 1096, 1113, 1149. 

Leom (Livro de) 1076. 

Leom (Reyno de) 466, 536, 708, 948, 987, 1129, 
1151. 

Leuter (San) 857, 858, 859, 860. 

Leyrea, 912, 936, 1088. 

Lisboa, 410, 754, 912, 1014, 1039, 1042, 1043. 

Lombardia, 64. 

Longos, (Mayson de) 1080. 

Lopo (Don) 1 165. 

Lopo Gato, 1080. 
Lopo, jograr, 703, 704, 705; 853, 854, 855, 856, 857, 

858, 859, 860. 

Lopo jograr, 971, 972, 973, 974. 
Lopo (Don) Lias, 945, 946, 947, 948, 949, 950,951, 

952, 953, 954, 955, 956, 957, 958, 959, 960, 961, 

962, 963, 964. 

Lopo Lias, 575, 1145. 

Lourenço, 1202. 

Lourenço Boucon, 1141. 
Lourenço, jograr, 693, 706 ; 865, 866, 867, 868,869, 

870. 871, (1010) (1032), 1033, 1034, 1035, 1036, 

(1104, 1105.) 

Lourenço jograr, 1106, 1107. 

Lugo, 903, 1145. 

Luis Vaasques, eschollar, 410. 

Luzia (Dona) 962. 

Luzia Sanches, 101 7 . 

Macia, 919. 

Mafomede, 572. 

Sam Mamedes, 873, 874, 875. 

Marçal (Fogo de) 76. 

Marco (Don) 997. 

Marcos (San) 1026. 

Maria (Dona) 26, 964, 1071, 1102. 

Mana (Santa) 137, 153, 182, 201, 234, 241, 249, 



cx 



índice onomástico 



253, 377, 413, 464, 470, 524, 553, 554, 568, 572, 573, 
624, 675, 721 a 723, 764, 846, 952, 988, 1001, 1022, 
1026, 1028, 1029, 1066, 1072, 1081. 

Maria Balteyra, 982, 1070, 1129, 1197, 1203. 

Maria (Santa) das Leyras, 341, 342. 

Maria (Santa) de Leça, 891, 892. 

Maria do Grave, 1016. 

Maria (Santa) do Lago, 893. 

Maria Dominga, 1185. 

Maria Garcia, 1120. 

Maria Genta, 1049. 

Marialva, 1088. 

Maria Martins, 386. 

Maria Mateu, 1115. 

Mana (Dona) Negra, 990, 992, 933. 

Maria Perez, 1176. 

Maria (Dona) Soydade, 964. 

Marinha (Dona), 957. 

Marinha, 1030, 1136. 

Marinha Foza, 1161. 

Marinha Crespa, 1162. 

Marinha Lopes, 1165. 

Marinha Mejouchi, 1199. 

Marinha Toda, 1150. 

Marinha Sabugal, 1123. 

Mars, 931. 

Marta (Santa) 709, 710, 712. 

Marta (Ermida de Santa), 712. 
Martin Anes Marinho, 1154. 
Martim de Caldas, 798, 799, 800, 801, 802, 803,804. 

Martin Gil, escudeyro, 921. 
Martim Moxa, 472, 473, 474, 475, 476, 477, 478, 

479, 480, 481, 482, 483 ; 502, 503, 504. 
Martim Peres Alvym, 643, 644, 645, 646, 647, 648, 

649. 

Martin Alteio, 1025, 1092. 
Martim Campina, 787, 788. 
Martin Codax, 884, 885, 886, 887, 888, 889, 890. 

Martin Codax, 882. 

Martin de Cornes, 1181. 

Martin de Farazon, 1080. 
Martin de Giijo(Frayson?), 876, 877,878, 879,880, 

881, 882, 883. 

Martin de Meyra, 1062, 1080. 

Martin Dias, 1088. 

Martin Fernandiz, juiz, 989. 

Martin Galo (Don) 1094, 1095. 

Martinho (Sam) 79. 

Martin, jograr, 1101, 1102. 

Martin (Don) Marcos, 1189. 

Martin Moxa, 470. 
Martin Pedrozelos, 843, 844, 845, 846, 847, 848, 

849 850 851 852 
Martin Soares, Ò65, 966, 967, 968, 969, 970, 971, 

972, 973, 974, 975, 976, 977, 978. 

Martin Soares, 435. 

(Irmão de) 435. 

Martin Vaasquez, jograr, 928, 929, 930, 931, 
1042. 

Mayor Garcia, 1064, 1065, 1205. 

Mayor Gil. 581. 

Mayor Cofom, 64. 
Meendinho, 438. 
Meen Rodriguis Tenoyro, 7,8, 9, 10, H, 12, 13, 14; 

317, 318, 319, 320, 1083, 1084. 

Meendo (Don) 1080. 

Meen Sapo, 1080. 
Meen Vaasquiz de Folheie, 386. 

Merlin, 930. 

Messya, 1041. 

Miguel Vivas, eleito de Viseu, 927, 1038. • 

Minho, 547, 912. 

Molide, 468. 

Mamede (San) do Mar. 

Monsanto, 1088. 



Monserraz, 960. 

Mora, 1056. 

Moor Martiz, 1040. 

Moniz Lourenço de Beja, 1038. 

Mompyler, 1066, 1073, 1116, 1195. 

Monçon (senhor de) 937, 1158. 

Mouron, 999. 

Mor da Cava, 1076. 

Mormoiom, 1118. 

Mordomo, 1080. 

Moraz (En) 

Navarra, 466, 937. 

Navarros, 937. 

Nicolao (Freguezia de San) 1043. 

Nicolas (Meestre) 1116. 

Nogueira (A de) 824. 

Nuno (Don) 999. 
Nuno Fernandes Torneol, 242, 243, 244, 245, 246, 

247, 248, 549, 979. 
Nuno Perez Sandeu, 380, 381, 382, 383, 384, 385. 
Nuno Porco, 719. 
Nuno Terez, 805, 806, 807, 808. 

Ocres (Commendador o?) 1132. 

Olide, 1171. 

Olmedo, 979. 

Oraca Lopes, 1121, 1122. 

Ordin de S. Joham, 1003. 

Ormão, 63, 944. 

Orgás, 1011. 

Orrac' Auras 969. 

Orzelhon (Trovadores ét) 947, 948, 962. 

Ourens (Vinho d') 73. 

Oseu, 115. 

Ouroana (Dona) 1109. 

Ousenda (Dona) 26. 

Outranto, 915. 

Ovava (Santa) 547. 

Ovedo, 1091. 

Paay Rangel, 1118. 

Paay Varella, 1041. 

Pacliequo, 1088. 

Pachacho, 1080, 

Padre Santo, 1088. 

Papa (O) 1088. 
Pae Calvo, 841, 842. 
Pae de Cana, clérigo, 521, 522. 
Pay Gomes Charinho, 392, 393, 394, 395, 396, 397, 

398, 399, 400, 401, 402; 424, 425, 426, 427, 428, 

429,430; 1158, 1159. 
Payo Soares, 239, 240, 241. 
Payo de Maas- Artes, 1132. 

Palença, 555. 

Pampalona, 937. 

Paris, 1185. 

Paris (Candeas de) 807. 

Pavha, 933. 

Pedr* Agudo, 1007, 1173, 1180. 

Pedr' Amigo, 1033, 1128, 1130. 
Pedr' Amigo de Sevilha, 685, 686, 687, 688, 689, 

690; 813, 814, 815, 816, 817, 818, 819, 820. 821, 
• 822,823, (826) 1125, 1126, 1127, 1192, 1193, 1194, 

1195, 1196, 1197, 1198, 1199, 1200, 1201, 1*02, 

1203, 1204, 1205. 
Pedr'Anes Solaz, 414, 415, 416; 824, 825. 

Pedro (Don) 68, 1149. 

Pedro (San) 1088, 1204. 
Pedro (O Colide Don) de Portugal, 210, 211,212, 

213; 1037, 1038, 1039, 1040, 1041, 1042. 

Pedro (Conde Don) 707. 

Pedro Boo, 980. 

Pedro Bodinho, 1180, 1202. 

Pedro (Don) d'Aragom, 1147. 



índice onomástico 



CXI 



Pedro (Infante Don) 707. 

Pedr'Ordonhes, 1203. 

Pêro Alvar, 1151. 

Pedro Vila-real, 70. 
Pedro Anes Marinho, filho de Joham Anes de Ya- 

ladares, 523. 
Pêro Barroso, 2, 3. 

(Don -), 592, 593 ; 1051, 1052, 1053, 1054, 1055, 
1056, 1057. 

Pêro Coelho, 935. 

Pêro dTAmbroa, 1004, 1057, 1066, 1067, 1195, 
1196 1198 1199 

Pero'd'Ambroa, 840, 1128, 1129, 1130, 1131, 1135. 
Pêro da Ponte, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 423, 

(556) 557, 566, 567, 568, 569, 570, 571, 572, 573, 

574, 575, 576, 577, 578; 1160 a 1191. 

Pêro da Ponte, 68, 70, 1148, 1149. 
Pêro d'Armea, 669, 670, 671, 672, 673, 674, 675, 

676, 677, 678, 679, 680, 681 ; 809, 810, 811, 812; 

1134. 

Pêro d'Armea, 1135. 

Pêro <f Arruda, 911. 
Pêro de Dardia, 709, 710, 711, 712, 713. 
Pêro de Veer, 650, 651, 652, 720, 721, 722, 723* 

724, 725. 

Pêro Dias, 1088. 
Pêro d'Ornelas, 226 ; 363, 364, 365. 

Pêro Fernandis, 1000. 

Pêro Ferreyra, 1080. 

Pêro (Don) filho delrey de Portugal. 

Pêro Garcia, 991, 1071. 
Pêro Garcia Burgalez, 250, 251, 980, 981, 982, 983, 

984, 985, 986, 987, 988, 989, 990, 991, 992, 993, 
(1034.) 

Pêro (Don) Gomes Barroso, 333, 334, 335. 
Pêro Gonçalves de Portocarreyro, 505, 506, 507, 

508. 
Pêro Goterrez, cavaleyro, 509, 510. 
Pêro Larouco, 214, 215. 

Pêro Lourenço, 1022, 1051. 

Pêro Marinho, 1041, 1155, 1156. 
Pêro Martiiz, (1020.) 
Pêro Mendezde Fonseca, 714, 715, 716, 717, 718; 

1132. 
Pêro Meogo, 789, 790, 791, 792, 793, 794, 795, 796, 

797. 

Pêro (Don) Nunes, 1078. 

Pêro Perez, 970. 

Pêro Rodriguiz Grougalete, 976. 

Pêro Soares, 1088. 

Pêro Tinhoso, 1151. 
Pêro Vivyaens, 336, 337, 1151, 1152, 1153. 
Píncandon (1021). 

Pindecoste, 1055. 

Poi de Roldan, 1066. 

Ponço (Don) de Bayam, 1052. 

Portugal, 64, 370, 509, 553, 631, 707, 708, 755, 
934, 1035, 1052, 1058, 1089. 

Priol f im. 

Proença, 937. 

Proençaes, 127. 

Proençal, 70, 123. 

Raymon Gonçalves, 433. 

Redondela, 468. 

Roam (Calças de) 1080. 

Rocamador (Cintas de) 689. 

Rodrigo (Don) AfTonso, 999. 

RodriaAyras, 941. 
Rodrig*Eanes Redondo, 1146. 

Rodrigo, 951, 953. 
Rodrig Eanes (1032). 
Rodríg v Eanes dAlvares, 562. 
RodrigEanes de Vasconcellos, 327, 328, 329. 

Roldam, 1066. 



Ronçavales, 1066. 

Ronda, 503. 

Roma, 1013. 

Roy Bezerro, 1088. 

Roy Fafes, 927. 
Ruy Fernandis, 484, 485, 486, 487, 488, 489, 490, 

491, 492, 493, 494, 495, 496, 497, 498, 499, 500, 

501. 
Ruy Fernandiz, clérigo, 514, 515, 516, 517, 518, 

519, 520. 

Ruy Gil, 1020. 

Ruy Gonçalves, 917. 

Ruy Gomes de Telha, 1056. 

Bui Marques, 642. 
Ruy Martiiz, 588, 589, 590, 591. 

Ruy Martiiz, 1020. 
Ruy Martiz do Casal, 762, 763, 764, 765, 766, 767, 

768, 669, 670. 

Ruy Paciez, 1144. 
Ruy Paez de Ribela, 1026, 1027, 1045, 1046, 1047, 

1048 1049 1050 
Ruy Queymado, 314, 315, 316, 988, 994, 995, 996, 

997, 

Ruy Queymado, 988. 

Ruy Gonçalviz, 917. 

Runa, 1014. 

Saco, jograr, 941, 942, 943. 

Samsam, 768. 

Sancho Dias, 1125. 

Sancha Garcia, 443. 
Sancho Sanchez, 4. 
Sancho Sanchez, clérigo, 524, 525, 526, 527, 528, 

529. 

San Salvador, 528, 846, 848, 850, 851. 

Sampay (Caminho de) 547, 989. 

Santarém, 1014, 1088, 1089, 1092, 1144. 

Santiago, 429, 455, 458, 903, 1078, 1182. 

Saturno, 931. 

Seghova, 1167. 

Selvage (Dona) 1063. 
Senhor... (1158). 

Servando (San) 664, 665, 734; 736, 737, 738, 

739, 740, 741, 742, 743, 744, 745, 746, 747, 748, 

749 750 

Sevilha, 520, 572, 949. 

Silves, 960, 1042. 

Sinum (San) 438. 

Simon (Ermida de) 

Sintra, 1088. (Vid. Cintra.) 

Sordel, 1021. 

Sortelha, 1088. 

Soryam, 1052. 

Sousa, 1124. 

Soverak (Ermida do) 881 ; 958. 

Spital, 1157. 
Stevam Coelho, 321, 322. 
Stevam Froyam, 39, 40, 41. 
Stevam Fernandes Barreto, 1144. 
Stevam Fernandes d'EIvas, 216,217,218, 219; 682, 

683,684. 
Stevam (Don) Peres Froyam, 511. 
Stevam Reymondo, 294, 295. 
Stevam Travanca, 323, 324, 325, 326. 

Stev 1 Eanes, 1144, 1170. 

Suer Fernandis, 1146. 

Sueyr'Eanes, jograr, 1117, 1170, 1179, 1184. 

Sueyro Bezerra, 1088. 

Sueyro (Don) 1088. 

Tarndris, 1118. 

Taraçona, 937. (V. Carcaçona.) 
Tareja Lopes, 1155, 1156. 
Tareja Lopes d* Al faro, 1169. 
Tarifa, 209. 



CXII 



índice onomástico 



Tártaros, 1113. 

Têlo (Don) Affonso, 576. " 

Toda (Dona), 1075. 

Toledo, 612, 979, 1011, 1030, 1122, 1187. 

Touro, 1056. 

Trancoso (Castello de) 1088. 

Treeçorn (San), 872. 

Trindade, 1144. 

Tisso (Don) Peres, 1191. 

Tristam, 115. 

Tudela, 466, 937. 

Ugo Gonçalves, de Monte-Mór-o-Novo, 666. 
Ultramar, 983, 1057, 1118, 1130, 1199. 

Vaasco (Don) (1020). 
Vaasco Gil, 266. 
Vaasco Martins (27). 
Vaasco Perez, 58, 59, 60. 
Vaasco Perez Pardal, 405, 406, 407, 408, 409. 
Vaasco Praga de Sandim, 235, 236, 237, 238. 
Vaasco Rodriguiz de Calvelo, 436, 437 ; 579, 580, 
581, 582, 583, 584, 585, 586, 587. 



' Valada, 905. 

Valedolide, 468, 512, 979. 

Valença, 578. 

Valongo, 846, 847. 

Veiga, 77. 

Vassalos de D. Mendo, 1080. 

Vela (Don) 466. 

Vela (Peom) 939. 

Velpelho (Don) 1080, 1081. 

Vicente Domingues, Alfayate, 1043. 
Vidal (judeu d'EÍvas) 1138. 

Vigo (mar de) 884, 888. 

Vigo (Igreja de) 886, 887, 889. 

Vilanansur de Ferreyros, 65. 

Vilar de Paes, 65. 

Vila Real, 70. 

Viseu (Bispo dê) 1062. 

Vilar, 215. 

Viveyro, 987. 

Vyl-Hanrique, 1026. 

Vuytorum (Don) 1023. 

Xemeno, 1171. 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



FERNAM GONÇALVES 

1 

Muytos vej'eu que con menguev de sen 
am gran sabor de me dizer pesar ; 
et todolos que me vêem preguntar 
qual est a dona que eu quero ben ; 
vedes que sandeç' e qu'é gran loucura, 
noa catam deus, nem ar catam mesura, 
nem catam mi a quem pesa muyfen. 



PÊRO BARROSO 



Quand'eu, mha senhor, convosco faley 
e vus dixi ca vus queria ben, 
senhor, se deus me valha, íix mal sen ; 
e per como m'end'eu depoys achey 

bem entendi, fremosa mha senhor, 

ca vus nunca poderia mayor 
Pesar dizer ; mays non pud'eu ai, 
mha senhor, se deus me valha, fazer, 
e fuy-vol-o com gram coyta dizer ; 
mays per com'eu despois m'eu achei mal, 

bem entendi, fremosa mha senhor, 

ca vus nunca poderia mayor 
Pesar dizer; em mal dia naçi 
por que vos fui dizer tam gram pezar, 
e por que m'end'eu non pudi guardar; 
ca per quanfeu depois per en perdi 

ben entendi, fremosa mha senhor 

ca vus nunca poderia mayor 
Pesar dizer, do que vos dix'entom y 
mays se menti, deus non mi perdon'. 



vosso bem, a vosso pesar ; 
e vedes, senhor, por que non : 

ca non cuydey sem vosso ben 

tanto viver per nulla ren. 
Nem ar cuydedes, des que vos vi 
o que vos agora direi 
mui gram coita que por vos ei 
sofrel-a quanto a sofri; 

ca non cuydei sem vosso ben 

tanto viver per nulla ren. 
Nem ar cuydei depoys d'amor 
a sofrer seu bera nem seu mal, 
nem de vós, nem de deus, nem d'al, 
e direy-vos, porque, senhor: 

ca non cuydei sem vosso ben 

tanto viver per nulla ren. 

SANCHO SANCHEZ 



A mha senhor, que eu mays d'outra ren 
desejey, sempre amey e servi, 
que non soya dar nada por mi, 
preyto mi trage de mi fazer ben ; 
ca meu ben é d'eu per ella moirer, 
ante ca sempr'en tal coyta viver. 
Sazon foy já, que me teve en desdém 
quando me mays forpava seu amor; 
e ora, já que pes'a mha senhor, 
ben mi fará, e mal grado aja en; 
ca meu ben é d'eu per ela moirer, 
ante ca sempr'en tal coyta viver. 

AFFONSO LOPES DE BAVAM 



Par deus, senhor, tam gram sazon 
non cuydey eu a desejar 
l 



Senhor, que grav'oj'a mi é 
de m'aver de vós a partir, 
ca sey de pram poys m'en partir 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA 



que m'haverrá, per boa fé ; 
averey, se deus mi perdon' 
gram coyta no meu corazon. 
E poys partir os olhos meus 

de vós que eu quero ben, 

e vos non virem, sey ben 

que m'haverrá, senhor, per deus: 
averey, se deus mi perdon* 
gram coyta no meu corazon. 
E sse deus mi algum ben non der 

de vós, que eu por meu mal vi, 

tam grave dia vos eu vi 

se de vós grado non ouver, 
averrey, se deus mi perdon* 
gram coyta no meu corazon» 



O meu senhor mi guysoil 
de sempr'eu já coyta sofrer 
emquanto no mundo viver, 
hu m'el a tal dona mostrou, 
que me fez filhar por senhor 1 , 
e non lh'ouso dizer: senhor. 
E sse deus ouve gram prazer 
de mi fazer coita levar, 
que ben s'end'el soube guysat 
hu m'el fez tal dona veer, 
que me fez Olhar por senhor, 
e non lh'ouso dizer: senhor. 
Se m'eu a deus mal mereci 
non vos quiz el muyto tardar 
que sse non quizesse vingar 
de mi hu eu tal dona vi, 
que me fez filhar por senhor, 
e non lh'ouso dizer : senhor. 



MEEM R0DRI6U1Z TENOYRO 



Quanfha, senhor, que ra'eu quitey 
de vós, tanfha que d'al prazer 
non vi mays ; poys de vos veer 
guisou, ja agora verei 
prazer por quanto pesar vi, 
des quando m T eu de vós parti. 
Mui triste sempr'eu andei 
consomem que com gram pezar 
vyv'o mays, pois m'el foy guysar 
de vos veer, ja veerey 
prazer per quanto pesar vi, 
des quando m'eu de vós parti. 
A meu pesar quanto morey 
sem vós foy, e d'aquestes meus 
olhos, mays pois que m'ora deus 
guysou, ja'gora terey 
prazer per quanto pesar vi, 
des quando m'eu de vós parti. 



8 



Senhor fremosa, poys m'aqui 
hu vos vejo tanto mal vem, 
dizede-m* unha ren 
por deus: — e que será de mi 
quando m'eu ora, mha senhor 
fremosa, d'u vós sodes for? 
E poys m'ora tal coyta dá 
o voss'amor hu vos veer 
posso, queria já saber 
eu de vós: — de mi que será 
quando m'eu ora, mha senhor 
fremosa, d'u vós sodes for? 



Se eu podess' yr hu mha senhor é, 
ben vos juro que querria bir, 
mays nom posso nem xi me guysa assy 
e por aquesfora per boa fé 
tal coyta ey que non poderia viver 
se nom foss'o sabor que ey de a veer. 
Esto me fez viver dei a sazon 
que m'eu quitei d'u era mha senhor, 
mais ora ey d'ir hi mui gram sabor, 
e non poss' en o meu corazon ; 
- tal coyta ey, que non poderia viver 
se nom foss' o sabor que ey de a veer. 
E se esto nom fosse, nom sey ren 
que pudesse de morte guarir 
hu a nom vejo ; tnais cuyd' eu a hir 
hu ela est e non poss* eu, per en 
tal coyta ey que nom poderia viver 
se nom foss' o sabor que ey de a veer. 



10 



Quer' eu agora já meu corazon 
esforçar bem e nom moirer assy, 
e quer' hir ora, assy deus mi perdon\ 
hu é mha senhor ; e poys eu for hy 
querrey-me de mui gram medo quitar 
que ey d'ela en menir' ela catar 
alhur catarey eu ela logu' enlom. 
Ca per bona fé a mui gram sazon 
que ei cu medo de mha senhor 
mui fremosa, mais agora já non 
averrey medo, pois anfela for 
ante me querrey mui bem esforçar 
e perder medo mentre la catar 
alhur catarey eu ela logu'eniora. 
A mui mays fremosa de quantas som 
oje no mund' aquesto sey eu bem 
quer'ir veer, e acho já razom 
como a veja, sem medo e con sen, 
hirey vel-a e querrey falar 
com ousad'y, e mentre la catar 
alhur catarey eu ela logu'entom. 



AFFONSO FERNANDEZ 



U 

Senhor fremosa, çreede per rpi 
que vos amo já mui de coraçom, 
e gram dereyto fa^e gram razom, 
senhor, ca nunca outra dona vi 
tara mansa, pem tam aposto catar, 
nem tam fremosa, nem tam bem falar, 
Como vós, senhor ; e poys assy é, 
mui gram derejto faç'en vos querer 
mui gram bem, ca nunca pudi veer 
outra dona fremosa, per Lona fé, 
tam mansa, nem tam aposto catar, 
nem tam fremosa, nem tam bem faiar, 
Como vós; porque cedo morrerey 
pêro direy-vos anfunha rem : 
dereyto fap'en vos querer gram bem, 
ca nunca dona vi, nem veerey 
tam mansa, nem tam aposto catar, 
nem tam fremosa, pem tam bem fylar, 

12 

Quando m'eu mui triste de mha senhor 
mui fremosa sem meu grado quytei 
e ss'ela foy^ e eu mesquinho flquey, 
nuncha mi valha a mi nostro senhor, 
se eu cuydasse que tanto vivera 
sem na veer, se ante nom moirera, 
Àly hu d'ela quitey os meus 
olhos, e me d 'ela triste parti, 
se cuydasse viver quanto vivi 
sem na veer, nunca mi valha deus 
se eu cuydasse que tanto vivera 
sen a veer, se ante nom moirera. 
Aiy hu m'eu d'ela quitey, mays nom 
cuydei que tanto podesse viver 
como vivi sem a poder veer, 
ca noslro senhor nunca mi perdon' 
se eu cuydasse que tanto vivera 
sen a veer, se ante nom moirera, 

13 

(Aqui apenas a primeira estrophe da Can- 
ção n.°319.) 

14 

— Juyão, quero comtigo fazer, 
se tu quizeres, uma entençom, 
et querey-te na primeyra razom 
buma punhada mui grande poer, 
e no roslro<chamar-te trapaz, 
muy mais, et qu'e o que assy faz 
boa entençom quem na quer fazer. 

« Meem Roiz, muy sem meu prazer 
a farey vosc', assy deus me perdon', 
ca vos eu ey de chamar cochon 
poys que eu a punhada receber ; 
desy trobar vos ey muy mal assaz, 



et a tal entençom se a vós praz 
a farey vosco muy sem meu prazer. 

— Juyão, poys tigo começar 
fui, dyreyfora o que te farey, 
huma punhada grande te darey, 
desy querey-te muytos cocos dar 
en a garganta, por te ferir peor, 
que nunca vylão aja sabor 
cToutra tençom comego começar. 

«Meem Roiz, quero y m'emparar, 
se deus me valha, como vos dyrey; 
coteyfe nojoso vos chamarey 
poys qu'eu a punhada recadar; 
desy direy, poys s'ós couces for 
lexade-m'ora, per nostro senhor, 
ca assy se sol meu padr'a emparar. 

— Juyão poys quer*eu Olhar 
pelos cabellos, e quer'arrastrar 
a quem dos couces te pez'que entençey. 

«Meem Roiz, se m'eu repostar 
ou se me salvo ou se me quero estar, 
ay tunadbr, já ves, nunca mays a direi '. 



AFFONSO FERNANDES 

15 

Senhor fremosa, des quando vos vi 
sempr'eu punhei de me guardar que nom 
soubessem qual coyta no coraçom 
por vós sempr'ouve, poys deus quer assy; 
que sabham todos o mui grarcTamor, 
a gram coyta que levo senhor 
por vós des quando vos primeiro vi. 

E poys souberem qual coyta sofri 
por vós, senhor, muyto mi pesará, 
porque ei.medo que alguém dirá 
que sem mesura sodes contra mi; 
que vos amei sempre mays d'outra ren, 
e nunca mi quizestes fazer ben 
nem oyr ren do que por vós sofri. 

E poys eu vir, senhor, o gram pezar 
de que sey ben que ei morte a prender, 
com muy gram coyta averey a dizer, 
ay deus, porque me vã assy matar? 
e veer-m'ã mui triste sem sabor, 
e por aquesfen tenderam, mha senhor, 
que por vós ei tocTaquesto pezar. 

E poys assy é, venho-vos rogar 
que vos nom pez'senhor em vos servir, 
e^me queirades per deus consentir 
que diga eu a tanto em meu cantar, 
que a dona que nTem sseu poder tem, 
que sodes vós, mha senhor e meu ben, 
e mais d'esto nom vos ouso roguar. 



1 Aqui terminam os dois tercetos do cabo da tenção. 
Scguiam-se ires versos pertencentes á terceira stro- 
pue da Canção 15. 



CANCIONEIRO PORTUGTJEZ DA VATICANA 



16 

Muy gram sabor avedes, mha senhor, 
que nunca perca coyta nem pesar 
eu, que vos sey mais cToutra rem amar; 
pois nom queredes que fale no bem 
que vos deus fez, ca non posso perder 
muy gram coyta, poys nom ous'a dizer 
o muyto ben que vos deus fez, senhor. 

Ca poys nom queredes vós, mha senhor, 
que falle no ben que vos deus quiz dar, 
sempre verey muyfestranho d'andar 
dos que am de falar em algum bem ; 
cá se nom nom avia poder 
quancTeii cT algum bem oisse dizer 
de nom se falar no vosso bem, senhor. 

Ca tam muyté o vosso bem, senhor, 
que eu nom cuydo nem posso cuydar 
que se podesse nulh'omem guardar 
que vos viss^ soubesse vosso bem 
que se oyss'em em alguma sazom 
alguém falar em algum bem, que nom 
ouse a falar no vosso bem, senhor. 



DOM AFFONSO SANCHES, 

FILHO DEL RBY D01 DBNYS Dl PORTUGAL 

17 

Muytos me dizem que serv'y doado 
huna donzela que ey por senhor ; 
dizel-o podem; mais, a deus loado, 
poss'eu fazer quem quizer sabedor 
que nom é assi, câ se me venha bem: 
non é doado, poys me deu por en 
muy grand^flam e desej' e cuidado 

Que ouv'i d'ela, poil-a vi ; levado 
per que, vivend* amigos, na mayor 
coita do mundo, e a máo pecado, 
sempre eu ouve por amar desamor; 
de mha senhor tod'este mal me vem 
ai me vem peyor, ca me he com quem 
quero servir e nom seer amado 

Por en; mais eu que mal dia fui nado 
punh'a levar aqueslo da melhor 
das que deus fezo, ca non outro grado 
ai quer'aver, de que me vem peyor, 
senhor, u deus nunca de mal per rem, 
foy dar a mi per que perdi o sen 
e por que moyfassy desonparado 

Dobem, quepardeusque m'era poder tem, 
quem na donzella vir, ficará en 
cora'eu fiquey de gram coyta coytado. 

18 

De vos servir, mha senhor, nom me vai 
poys nom atendo de vós ren, e ai 
sey eu de vós que vos ar fez deus tal, 



que nunca mal faredes, e por en, 

quer me queyrades se nom bem quer mal 

poys me de vós nom veer mal nem bem. 

Poys de vos servir ey muy gram sabor, 
e nom atendo bem do grand'amor 
que vos ey, ar sendo sabedor 
que nunca mal averedes d'affara 
quer me queyrades bem, quer mal, senhor, 
poys que mal nem bem de vos nora ey gram. 

Poys de vos servir é meu coraçora, 
e nom atendo por en galardon 
de vós, ar sey, assy deus me perdon', 
que nom faredes mal, por en se quer 
me queyrades bem, quer mal, quer non 
poys eu de vós mal nem bem non ouver. 

19 

Pêro eu dix'a mha senhor 
que nom atendia per rem, 
de vós semp^ouve peyor 
de vos quanto m'end'i ven ; 
u vej'est' ar cuido no ai 
per que sempr'uuv'i por vós mal, 
per esso me fezestes bem. 

Sempre lev'eu assas d'afam 
per vós, mha senhor, e por en, 
pois outro bem de vós de pram 
nom ouve, senhor, a meu sen, 
sequer per quanto vos servi 
d'aqueste bem cuitVeu de mi 
que me nom tolhades rem. 

Nad'a, senhor, menlr'eu viver; 
e sse vos conhecer d'alguom 
dissesse como eu: já perder 
tal bem nom posso, que me vem 
de vós, tem' a deus, bem sey 
que nom devia, poyl-o ey 
per vós a teel-o em desdém. 

20 

Sempre vos eu d'outra rem mays amey 
per quanto bem deus em vós poz senhor, 
desojarey gram mal e desamor, 
e por en, mha senhor, nom sey 
se me praza porque vos quero bem, 
se m'ar pez em por quanto mal me vem. 
Per quanto bem, por vos eu nom mentir, 
desejo, per vos am'eu mays que ai, 
desejarey meu grand'afam e mal 
de vós ; e porem nom sey bem partir 
se me praza porque vos quertf bem, 
se m'ar pez em por quanto mal me vem. 
Per quanto bem deus em vós foy poer, 
vos am'eu mais de quantas cousas som 
oje no mundo, nom ey se mal nom 
de vós, e per en nom sey escolher 
se me praza porque vos quero bem, 
se m'ar pez em per quanto mal me vem. 



DOM AiTONSO SANCIIES 



5 



21 

Vedes, amigos, que de perdas ey 
des que perdi por meu mal mha senhor; 
perdi ela, que foy a ren milhor 
das que deus fez, e quanto servid'ey 
perdi porem ; et perdi o riir 
perdi ossen e perdi o dormir, 
perdi seu bem que nom atenderey. 

22 

Esles que m ora tolhem mha senhor 
que a nom poss'aqui per rem veer, 
mal que lhes pez, nom m'ha podem tolher 
, que a nom veja sem nenhum pavor, 
ca raorrerey, e tal tempo verrà 
que mha senhor fremosa morrerá, 
enlom averey desi sabedor. 

Scond'a tanto par nostro senhor, 
que se lá vir o seu bem parecer 
coyta nem mal outro nom poss'aver 
en o inferno se com ela for ; 
desy sey que os que jazem a lá 
nenhum (Telles já mal nom sentirá, 
tant' averam de a catar sabor. 

23 

Tam grave dia que vus conhoci 
por quanto mal me vem por vós senhor, 
ca me vem coyta, nunca vi mayor 
se n'oulro bem por vos, senhor, desi 
por este mal que m'a mim por vos vera 
como se fosse bem, querer me por en 
gram mal a quem nunca mereci. 

Catem, senhor, porque vos eu servi, 
sempre digo que se de la milhor 
do mundo trobo pelo voss'amor 
que me fazedes grande bem ; e assi 
veed'ora, mha senhor de bom sem, 
este bem se compre mim e rem 
se non se valedes vos mays per y. 

Mais eu senhor en mal dia naci 
dei que nom tem nem 6 conhecedor 
do vosso bem a que nom fez valor 
deus de lhe dar que lhe fez o bem y, 
pêro senhor assy me venha bem 
d'este gram bem, que el per bem non tem 
muy pouco d'el seria grand'a mi. 

Poys, mha senhor, razom 6 quand^algucm 
serve nom pede já que 1 li í dem; 
servi sempr'e nunca vos pedi. 

24 

Mha senhor, quem me vos guarda 
guarda myn et faz pecado 
daver bem, e nem dá guarda 
como faz desaguisado; 



mays o que vos dá por guarda 
en tam bom dia foy nado, 
se dos seus olhos bem guarda 
e vos sodes bem talhado. 

Se foss'eu o que vos leva 
levar m'ia já en o bom dia, 
ca nom faria má leva 
d'outra, et mais vos diria, 
pois quem vos leva desleva 
das outras em melhoria 
por este som eu o que leva 
por vós coylas noyte e dia. 

Mha senhor, quem ufaqui manda 
a vos mand^e, flz sem falha 
por que vós per mha demanda 
nunca destes huma palha; 
mais aquel que vos manda 
sei tanto, se deus me valha 
que pois com vosco manda 
por vós pouc'ou nem migalha. 

25 

Poys que vós per hy mays de valer cuydades 
mal vos quer'eu conselhar mha senhor : 
para sempre fezer dei o peyor 
quero-vos eu dizer como façades: 
amade aquel que vos tem em desdém, 
et leixade, que vos quero bem, 
nunca vós melhor íius'achadcs. 

Al vos er quero dizer que faredes, 
poys que vos já mal eyde conselhar; 
poys per hy mays cuydades acabar 
assi fazede como vós fazedes: 
fazede bem sempre a quem vos mal fez 
e matade-me, senhor, poys vos prez 
et nunca vos melhor mouro matedes. 

Ca nom sey homem que se mal nom queyxe 
do que m'eu queyxo d'aver sempre mal, 
por en digo eu com gram coyta mortal : 
aquel que vos filhou nunca vos leixe 
e moyra eu por vós com'é a razom, 
et poys ficardes com el des entom 
coçar- vos-edes com a mãao do peixe. 

Do que diramj poys se deus vos perdon* 
por vós, senhor, quantos no mundo som 
dade todo et fazed'end'hi um feyxe. 

26 

Conhocedes a donzela 
por que trobei que dizia 
nome dona Biringela? 
Vedes camanha perfla 
e cousa tam desguisada, 
des que ora foy casada 
chamo-lhe dona Maria. 

D'al and'ora mais nojado 
se deus me de mal defenda, 
cstand'ora namorado 



6 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



huum que mâ morte prenda • 
e o demo cedo tome, 
quije-la chamar por seu nome 
e charaou-lhe dona Ousenda. 

Pêro se tem por fremosa 
mays que se ela pode, 
pede pola virgem gloriosa 
hum homem a que acode 
de certo se ja na forca 
estando cerrou-lhe a boca 
e chamou-lhe dona Gondiode, 

E par deus o poderoso, 
o que fez esta senhorsinha 
d'al and'ora mais nojoso 
do demo d'huma meninha, 
dacolá bem de Çamora, 
hu lhe quiz chamar senhora 
chamei-lhe dona Gontinha, 

27 

— Vhasco Martins, poys vos trabalhadas 
e trabalhastes de trobar d'amor, 
do que agora, par nostro senhor, 
quero saber de vós que m'ho digades; 
dizede-m'ho, cà bem vos estará 
pois vos esta por que trobastes já, 
morreu, por deus, porque trobades? 

«Afonso Sanchez, vos perguntadea 
e quero-vos eu fazer sabedor, 
eu trobo e trobey pola melhor 
das que deus fez, esto lo ajades; 
esta do coraçom nom me sahirá, 
e atenderey seu bem se nTho fará, 
e vós ai de mi saber nom queirades. 

— Vaasco Martins, vós nom respondedes 
nem er entendo, assi veja prazer, 
porque trobades; que ouvi dizer 
que aquella per que trobad'avedes 
e que amastes vós mais d'outra ren, 
que vos morreu de gram temp' e poren 
pola morta trobar non devedes. 

«Afonso Sanchez, pois nom entendedes 
em qual guysa vos eu fuy rresponder, 
a mi en culpa nom devem poer 
mais a vós-, se o saber nopi podedes; 
eu trobo pol-a que m'em poder tem, 
e vence todas de parecer bem 
pois hu i nom he, amor ey como o vedes. 

— Vaasco Martins, pois vos morreu por quem 
sempre trobastes, maravilho-m' en, 
pois vos morreu, como nom morredes. 
-«Afonso Sanchez, vós sabede bem 
quem ama be com perda de ssen, 
apoz que trobe sabeloedes. 

JOBAM DE GUYLBADE 

28 

Ouex'eu-m'a-vós d'estes olhos meus, 
mays ora se deus mi perdon' 



querolhis bem de coraçom, 
e des oy mays quer'amar deus, 

ca mi mostrou quem oj'eu vi, 

ay que parecer oj'eu vi. 
Sempre-n^eu d'amor quelxarey, 
cà sempre mi d'ele mal vpm, 
mays c'os meus olhos quer'eu bera, 
e já sempre deus araarcy ; 

ca mi mostrou quem oj'eu vi 

ay que parecer oj'eu vi. 
E mui gram queixum'ey d' amor 
ca sempre mi coyta sol dar, 
mais c'os meus olhos quer'araar 
e quer'amar nostro senhor; 

ca me mostrou quem oj'eu vi, 

ay que parecer oj'eu vi. 
E sse cedo nom vir quem vi, 
cedo morrerey por que vi, 

20 

Que muytos me perguntaram 
quando m'ora vyrem raoirer, 
por que moyr'e quer'eu dizer 
quanta ren depoys saberam : 

moyr'eu por quen eu nom vejo aqui, 

a dona que nom vej'aqui. 
E perguntar-m'am, eu o sei, 
da dona, que diga qual é, 
e juro-vos per boa fé, 
que nunca lhis eu mays direy: 

moyr'eu, per quen nora vej'aqui, ' 

a dona que nom vej'aqui. 
E diram-mi que parecer 
virom a donas mui bem, 
c direy-vo-lhes eu por en 
que comera oystes dizer : 

moyr'eu per quen nom vej'aqui, 

a dona que nom vej'aqui. 
E nom digu'eu das outras mal 
nem bem, nem sol nom fal'y, 
mays pois vejo que moyr'assy, 
digu'est'e, nunca direy ai, 

moyr'eu por quem nom vej'aqui, 

a dona que nom vej'aqui. 

30 

Amigo, nom poss'eu negar 
a gram coyta que d'amor ey, 
ca me vejo sandeu andar 
e com sandice o direy; 

os olhos verdes que eu vi 

me fazem ora andar assv. 
Pêro, quem quer x^nlenderà 
aquestes olhos quaes son, 
e d^sfalguem se queixará, 
mays eu jâ quer moyra quer nom 

os olhos verdes que eu vi 

me fazem ora andar assy. 



JOHÀM DE GUYLHADE 



Pêro nom deviam a perder 
homem que jà o sen nom ha, 
de com sandice ren dizer, - 
e com sandice digu'eu já: 

os olhos verdes que eu vi 

me fazem ora andar assy. 

31e32 

«Senhor, veedes-me moirer 
desejando o vosso bem, 
e vós nom dades ren por en, 
nem vus queredes en doer ? 

— Meu amigu' en quanfeu viver 

nunca vos eu farey amor 

per que faça o meu peyor. 

«Mha senhor, per deus que vos fez, 
que me nom leixedes assy 
morrer, e vós faredes y 
gram mesura com muy bon prez. 

— Direy-vol-o amig'outra vez : 

meu amigu' em quanfeu viver 

nunca vos eu farey amor 

per que faça o meu peyor* 

«Mha senhor, que deus vos pefdon', 
nembre-vos quanfafam levey 
por vós, ca por vós morrerey, 
e forçad'es9e coraçon. 

— Meu amig'ar direy que nom 

meu amigo, em quanfeu viver 

nunca vos eu farey amor 

per que faça o meu peyor '* 

33 

Quand'eu parti d'u m'eu parti» 
lógu'eu parti aquestes meus 
olhos de veer, e par deus 
quanto bem avya perdi, 
cà meu bem tod'era en veer, 
e mays vos ar quero dizer 
pêro vejo nunca ar vi. 

Ca nom vej'eu, e pêro vcj'eu 
quant'vej'eu non mi vai ren, 
ca perdi o lume per en 
por que ceg'a que mi deu 
esta coita que oj'eu ey 
que jamays nunca veerey 
se non vir o parecer seu. 

Ca ja ceguey quando ceguey 
de pram ceguey eu logu'entom, 
e jà deus nunca me perdon' 
se bem vejo, nem se bem ey, 
pêro se me deus guidar 
e me cedo quizer tornar 
bu eu bem vi bem veerey. 



• Os n.* 31 e 32 formam uma só canção nas Trovas 
t Cintares, n.* 238. 



34 

A boa dona por que eu trobava 
e que non dava nulha ren por mi, 
pêro s'ela de mi ren non pagava, 
sofrendo coyta sempre a servi; 
e ora jà por el' ensandeci, 
e dà per mi bem quanfante daVa. 

E pêro x'ela con prez estava - 
e con bon parecer que lh'eu vi, 
e lhi sempre com meu trobar pesava 
trobei eu tanfe tanto a servi, 
que já por ela lum'e sen perdi, 
e anda x'ela per qual anfandava 

Por de bon prez, e muyto se pagava, 
e dereyfé de sempr'aftdar assy, 
ca se lh'alguem na mha coita falava 
sol nom oya nem tornava hi ; 
pêro que coita grande que sofri, 
oy mais ey d'ela quant'aver cuydava. 

Sandice e morte que busquey, sempr'y 
o seu amor mi deu quanfeu buscava. 



35 

Amigus, quero-vos dizer 
mui gram coyfem que me tem 
hunha dona que quero bem, 
e que me faz ensandecer; 
e catando pola veer 

assy and'eu, assy and'eti, 

assy and'eu, assy and'eu (bis). 
E jà eu conselho nom sei 
cà já o meu adubad'é, 
e sey mui bem per boa fé, 
que jà sempr'assy andarey 
catando se a veerey, 

assi and'eu, assi and'eu .... 
E jà eu nom posso chorar, 
cajá chorand' ensandeci; 
e faz-m'amor andar assy 
como me veedes andar, 
calando per cada logar 

assi and'eu, assi and'eu . . . 
E jà o nom posso negar, 
alguém me fez assy andar. 

36 

Quantos am gram coyta d'amor 
era o mundo, qual oj'eu ey, 
querriara moirer, eu o sey, 
e averiam en sabor ; 
mais mentr'eu vos vir, mha senhor, 

sempre m'eu querria viver 

e atender, e atender. 
Pêro jà nom posso guarir, 
cà jà cegam os olhos meus 
per vós, e nom mi vai hi deus, 
nem vos mays, per vos nom mentir 



8 



CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA 



em quanfeu vos, mha senhor, vyr, 

sempre m'eu querria viver 

e atender, e atender. 
E tenho que fazem mal sen 
quantos (Tamor coytados som, 
de querer sa mort', e se nom 
ouverora nunca d' amor bem 
com'eu faço, senhor, por en 

sempre eu querria viver 

e atender, e atender. 

37 

Deus, como se forora perder e matar 
mui boas donzelas quaes vos direy, 
foy Dordia Gil e foy Guyomar 
que prenderom ordim ; mays se foss'eu rey 
eu as mandaria por en queymar, 
por que forom raund'e prez desenparar. 

Nom metedes mentes em qual perdiçom 
fazen no mund' e se forom perder, 
com 'outras muytas vivem na rasom 
por muy to de bem que podem fazer ; 
mays eu per alguém jà morfey de prender 
que nora vej', e moyro por alguém veer. 

Outra dona que pelo reyno á 
de bom prez e rica de bom parecer, 
se m'a deus amostra grara bem mi fará, 
cá nunca prazer veerey sen a veer ; 
que farey, coytado, moyro per alguém 
que nom vej', e moyro por veer alguém. 

38 

(Esta Canção é igual d n.° 28, servindo 
arribas para a restituição do texto.) 



STEVAM FROYAM 

39 

A mha senhor já lh'eu muyto neguey 
o muy gram mal que me por ela vem, 
e o pesar, e nom baratey bem, 
e des oy mays já lh*o nom negarey ; 
ante Ihi quero a mha senhor dizer 
o por que posso guarir ou morrer. 
Neguei-lh'0 muyto, e nunca lhi falar 
ousei na coyta que sofre no mal 
per ella, e sse me cedo nom vai 
eu ja oy mais lh'o posso negar, 
ante lhe quero a mha senhor dizer 
o por que posso guarir ou morrer. 
Eu lhe neguey sempre per boa fé 
a gram coyta que por ela sofTri, 
e eu morrerey por em des aqui 
se lh'o negar, mays poys que assi he, 
ante lhe quero a mha senhor dizer 
o por que posso guarir ou morrer. 



40 

— Vedes, senhor, quero-vos eu tal ben 
qual mayor posso no meu cor açora, 

e non diredes vós por ende nom. 
« Nom amigo, mays direy-m'outra ren, 
nom me queredes vós a mi melhor 
do que vos eu quer^amig^e senhor. 

— Hu vos nom vejo nom vejo prazer, 
se deus mi valha, de ren nem de mi, 

e nom diredes que nom est assy. 
« Nom amigo, mays quero mal dizer 
nom me queredes vós a my melhor 
do que vos eu quer' amigu'e senhor. 

— Amo-vos tanto, que eu muy bem sey 
que nom poderia mays per boa fé, 

e non diredes que assy nom é. 
«Nom, amigo, mays ai me vos direy, 
nom me queredes vós a mi melhor 
do que vos eu quer'amigu'e senhor. 

41 

Senhor fremosa, des que vos amey 
sabe ora deus que sempre vos servy 
| quanfeu toais pud', e servi- vos assy 
iper bona fé polo que vos direy, 
se poderia de vos aver bem 
e que fezess' eu y pezar a quem 
Vós sabedes no vosso coraçom 
que vos fez el muytas vezes pesar 
e am'eu-vos quanto vos poss'amar 
e servir-vos por aquesta razom: 
se poderia de vós aver bem 
e que fezess'eu y pezar a quem 
Vós sabedes que bem vos estará 
de vos servir quem vos mereceu, 
ca mim bem perdud'e sandeu . 
per vós, senhora, dized'ora já 
se poderia de vós aver bem, 
e que fezess'eu y pezar a quem. 

JOHAH VAASQIES 

42 

Muyfando triste no meu coraçom 
porque sey que m'ey muy ced' a quytar 
de vós, senhor, e hir alhur morar, 
e pesar-m'ha en, se deus mi perdon' 
de me partir de vós per nulha ren 
e hir morar alhur sem vosso bem. 
Por que sei que ey tal coyta sofrer 
qual sofri já outra vez, mha senhor, 
e nom a verá lii ai, poys èu for 
que nom aja gram pesar a prender 
de me partir de vós per nulha ren, 
e ir morar alhur sem vosso bem. 
Ga m'haveo assi outra vez já, 
mha senhor fremosa, que me quiley 



.JTO^apl^o 



9 



de vós, e sem meu gnuTalhur morey; 

mays este mui gram pesar mi será 
de me partir de vós per uulba ren 
e ir morar alhur sem vossq bem. 
E quaudo m'eu de vós partir por eu 

eu morrerey ou perderey o sen. 

43 

Parti-;n'eu de vós, mha senhor, 
sem meu grado hutoha vez aqui, ' 
e na terra hu eu vivi 
andei sempre 'tam sem sabor, 

que nuáca eti pude Vfcfcl" 

de rem, hu vós niom vi, prazer 1 . 
Na terra hú me fez moráf 
muito sem Vós, mha scnHor 1 , deus 
fez-me chorar fios olhos meus, 
e fez-me taitficoytád^ndar, 

que nUnca éu pude vcer 

de ren, u vos nom vi prazer. 
E des qiic itfeu de vóâ quitei 
fezo me seiApr'aver de pram •" 
nostro senhor tnúi grand afara, 
e sempre tam coytad'andeí, 

que nunca óu pude veer 

de ren, hu vos nom vi, prazer. 
E nom poderia prazer 
hu eu vos nom vissb, veer. 

44 

Meus amigos, muit' eslava eu bem 
quand'a mha. senhor podia falar 
na muy gram coyta, que me fazia levar 
nostro senhor, que mi a mostrou por en, 
me fez a mim sem meu grado viver, 
longe d'ela, e sen seu bem fazer ** 
Nostro senhor que lhi bom prez foy dar 
por mal de mi e (restes olhos meus 
me guisou ora que nom viss' os seus 
por m'a fazer sempre mais desejar, 
me faz a mi sen meu grado viver 
longe d'ela e sen seu bem fazer. 
Nostro senhor, que lhi deu mui bom prez 
melhor de quantas outras donas vi ' 
viver no mund', e de pram est assy 
porque a ela tod' este bem fez, 
me faz a mim sem meu grado viver 
longe (Tela e sem seu bem fazer. 
E faz-m' á força de mi bera querer 
senhor a quem nom ouso rem dizer. 



45 

Estes que ora dizem, mha senhor, 
que sabem cá vos qucr'eu mui gram bem, 

1 fla edição (Jiplomatica lê-se : foi. 97: Desuni mulla. 
Completámos esta canção pela do Cancioneiro d* Ajuda, 
n.° 273. 

* Esta primeira estrophc faltava no ms., mas acha- 
se nas Trovas t (Jantares, n.° 274, com leves variantes. 



poys eu, nunca por mi sopberom rem, 

queria agora seer sabedor 
per quem o pqderom eles saber 
poys m'o vós nunca quizestes creer. 
Ca, mha senhor, sempr'o eu neguey 

quanfeu mays pud', assy deus me perdon'; 

e dizem ora quantas aqui soh 

que o sabem, mays como saberey 
per quem o poderom eles saber, 
pois m'o vós nunca quizestes creer. 

FERNlO VELHO 

46 

Poysdeus nom quer que eu rem nom possa aver 
de vós, senhor, se non mal e afam, 
e os meus olhos gram coyta que am 
por vós, senhor, se eu veja prazer, 
ir-me-ey d'aqui; pêro hua ren sey 
de mi, senhor, câ ensandecerey. 
E, mha senhor fremosa de bom prez, 
pêro vos amo mays c'â mi nem ai, 
pois deus nofii quer que aja se nom mal 
de vós, por deus, que vos muylo bem fez, 
ir-me-ey d'aqui ; pero hua rem sey 
de mim, senhor, cá ensandecerey. 
E pero vos amo mayt d'oulra ren, 
senhor dei min e do meu coraçom, 
pois deus nom quer que aja se mal nom 
de vós, senhor, assy deus me úò bcm> 
ir-me-cy d^qui ; pero hua ren sey 
de mim, senhor, cà ensandecerey 
Por vós,' que eu muyfámo c amarey 
mais de quant' ai vejo, nem vecrey. 

47 

Quanfeu, mha senhor, de vós reccey 
aver, ejei-o dia era que vos vi 
dizen-m'hora que m'o aguisa assy 
nostro senhor r como ra'eu receey 
de vos casarem ; mays sey unha ren 
se assy for, que morrerey por en. 
E sempr'eu mha senhor esto temi 
que m'ora dizem de vos aveer, 
des que vos soub'i mui' gram bem querer 
per bona fé, semp^esto temi 
de vos casarem ; mais sei hunha ren, 
se assi for que morrerei pôr en. 
E sempre eu, senhor, ouvi pavor 
des que vos vi, e comvosco falei 
e vos dix'o mui grand' amor que ei, 
e, mha senhor, d^quesf ey eu pavor 
de vos casarem; mais sei hunha rem, 
se assi for, que morrerei por en. 

48 

Senhor, que eu por meu mal vi, 
poys m'eu de vós a partir ey, 



10 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA 



crecde que nom a en mi 
se nora mort' ou ensandecer ; 

poys m'eu de vós a partir ey 

e ir alhur sen vós viver. 
Poys vos eu quero mui gram bem 
e me de vos ey a quitar, 
dizer vos quero eu hua ren 
e que sey no meu coraçon, 

poys me de vós ey a quitar 

e ir alhur sen vós enlon. 
E mal dia naçi, senhor, 
pois que m'eu d'u vós sodes vou ; 
cà mui bem som sabedor 
que morrerey hu nom jaz ai, 

pois que m'eu d'u vós sodes vou, 

senhor que eu vi por meu mal. 
E logo hu m'eu de vós partir 
morrerey se me deus nom vai. 



49 



A mayor coyta que eu vi sofrer 
,d'amor a nulTome des que naçi 
eu m'a sofro, e ja que est assy, 
meus' amigos, assy veja prazer; 
gradesc'a deus, que mi faz a mayor 
coyta do mund^ aver por mha senhor. 
E bem tenh'eu que faço razom 
da maior coyta muifa deus gracir, 
que m'el dá por mha senhor, que servir 
ey mentr'eu viver ; mui de coraçom 
gradesc'a deus que mi fez a mayor 
coyta do mundo aver por mha senhor. 
E por mayor ey eu per boa fé 
aquesta coyta de quantas fará 
nostro senhor, e por mayor m'a dá 
de quantas fez ; e poys que assi é 
gradesc'a deus, que mi faz a mayor 
coyta do mundo aver por mha senhor, 
Poys que m'a faz aver pola melhor 
dona de quantas fez nostro senhor. 



50 

Nostro senhor, que cu sempre roguey 
pola coyta que m'amor faz sofrer, 
que ma tolhesse, nom m'a quiz tolher 
e me leixou em seu poder d'amor, 
des'oje mays sempre Ih eu rogarey 
poys ey gram coyta que mi de mayor 

Con que moyra, ca mui gram sabor 
ey per boa fé de nom mays guarecer, 
poys s'el nunca de mi quis doer 
e me faz viver sempre a gram pavor, 
de perder o sen, mays ja gracir-lhe-ey 
poys ey gram coyta que me dê mayor 

Se lh'aprouguer mui cedo, ca nom sey 
oj'eu outra rem, com qu'eu visse prazer 
pois m'el nom quis nem quer dei defender. 



e de meu mal ouve tam gram sabor, 
mentr'eu viver, sempr'o eu servirey 
poys ey gram coyta que mi dê mayor, 
Com que moyra, cá de pram ai nom se 
que mi possa tolher coyta d'ainor. 



51 



Muytos vej'eu per mi maravilhar 
porque eu pedi a nostro senhor 
das coytas do mundo sempr'a mayor; 
mays se soubessem o meu coraçon 
nom me cuyd'eu que o fossem provar, 
ante terriam que faço razom. 

Mays porque nom saben meu coraçom 
se van eles maravilhar por mi, 
porque das coitas a mayor pedi 
a deus, que ade m'ha dar a gram poder, 
mais eu pedir-lh'a-ey toda sazom 
atá que m'ha dé enquanf cu viver. 

El que ade mi dar a gram poder 
m'ha dé ; pêro se maravilham en 
os que nom sabem meu coraçom bem, 
porque a peço, cà m'é mui mester 
de m'a dar el que o pode fazer 
per bona fé se o fazer quizer. 

E ss'el sabe que m'he muy mester 
de m'ha dar, cl m'ha dê se lhi prouguer. 



52 



Senhor, o mal que m'ha mi faz amor 
e a gram coyta que mi faz sofrer 
a vol-o devo muyfagradecer 
e a deus que mi vos deu por senhor; 
ca bem vos faço d'esto sabedor 
que por ai nom m'o podia fazer; 

Se nom por vós, que avedes sabor 
do mui gram mal que nTa mi faz aver, 
e pois vos praz e lhi dades poder 
de mi fazer, fremosa mha senhor, 
o que quizer em quanfeu vyvo for 
e vos de mim nom quiserdes doer. 

E da gram coyta de que sofredor 
foy, e do mal muyfa sem meu prazer, 
a vos devem muy gramTapoer 
cá nom mi dé deus de vós bem, senhor, 
que me pod'emparar de sseu amor 
se oj'eu sey ai porque o temer. 

Mays por deus que vos foy dar o mayor 
bem que d'outra dona oy dizer, 
que me nom leixedes escaecer 
e nom me lhi clefenderedes çenhor, 
cà bem cuydo de como é traedor 
que me mate cedo e pois nom quer. 

Gracir-vol-o poys que eu morto for, 
e por quanto bem vos fez deus, senhor, 
guardade-vos de tal erro prender. 



AIRÀS VEAZ 



11 



53 

Meus amigos, muyto mi praz d*amor 
que entend' ora que mi quer matar, 
poys m'a mi deus nom quis nem mha senhor 
a quem roguey de me d'el emparar; 
e poren quando m'el quyser matar 
mays cedo, tanto lh'o mays gracirey. 

Ca bem me pode partir da mayor 
coyla de quantas eu oy falar, 
de que eu fuy muyfha sofredor 
e sabe deus, que me foy mostrar 
àa dona, bu a vi bem falar 
e parecer por meu mal, eu o sey. 

Ca muyfha que vyvo a pavor, 
de perder o sen com mui gram pesar, 
que vi depois, e poren gram sabor 
ey da mha morte se m'ha quizer dar 
amor, a que me fez gram pesar 
vecr d'aquella ren que mais amey. 

Mays esse pouco que eu vyvo for 
poys assy é, nom me quero queixar 
d 'eles, mays el seja seu traedor 
se me nom mata poys nom poss'achar 
quem me d'el empare, e se me d'el queixar 
deus nom me valha, que eu mester ey 

Ca poys m'eles nom querem emparar 
e me no seu poder querem leixar 
nunca per outrem emparado serey 4 . 

54 

Por mal de mi me fez deus tanfamar 
hunha dona, que jà per nenhum sen 
sey que nunca posso prender prazer 
dela, nem d'al; e poys m'aqueslo aven, 
rogu'eu a deus que ra'a faça veer 
ced', e me Ihi leixe tanto dizer 
moyr*eu, senhor, a que deus nom fez par. 

E poys lh'esto disser hu m'ha mostrar 
rogar-lh'ei que me dé morf e gram bem 
mi fará hi se m'ho quizer fazer, 
ca mui melhor mi será d'outra ren 
de me leixar logu'i morte prender 
cà melhor m'é, c'a tal vida viver 
el ca meu tempo tod'assy passar. 

E gram mesura deus de me matar 
fará, pois m'a morfem seu poder tem. 
cal el sabe que nom ey d'atendcr ' 
ôe nom gram mal se viver, e por en 
se me der morfey que lh'i gradecer 
ca per meu mal m'a fez el conhoccr, 
esto sei bem e tanto desejar. 

A1RAS VEAZ 

55 

A dona, que eu vy por meu 
mal, e que me gram coyta deu, 

1 Este cabo falta no Cancwneiív da Ajuda, 



e dá, poyl-a vy, por seu 
nom me tem, nem me quer valer, 
nem na vejo, nem vejo eu 
no mund'ond'eu aja prazer. 
A que me faz viver em tal 
afam, e ssofrer tanto mal, 
e morrerej\ se me nom vai 
poys nom quer mha coyta crer, 
nem na vejo, nem vejo ai 
no mund'ond'èu aja prazer. 
A que eu quero muy gram bem, 
e que m'assy forcado tem, 
que nom posso per nenhum sen 
parar-me de lhe bem querer 
nem na vejo, nem vejo ren 
no mundo ond'eu aja prazer. 



56 



Senhor fremosa, por meu mal 
vos viron estes olhos meus, 
ca des entom assy quiz deus 
e mha ventura, que he tal 

que nunca vos ousey dizer 

ho que vos queria dizer. 

E ai ouv'eu vosc' a falar, 

senhor, sempr'u vosco faley, 

vedes porque, ca me guardey 

tam muyfem vos dizer pezar, 

que nunca vos ousey dizer 

o que vos queria dizer. 
Seede muy bem sabedor 
desque vos eu por mal vi, 
sempre muy gram coita sofry, 
c'assy quiz nostro senhor, 

que nunca vos ousey dizer 

o que vos queria dizer. 



57 



Par deus, senhor, gram dereyto per' é 
de mi quererdes mal de coraçon, 
cá vos fui eu dizer per boa fé 
que vos queria bem, senhor; e nom 
soub'eu catar qual pezar vos dizia 
nem quanlo mal me poys per en veiria. 
Nom me guardou de vos dizer pesar 
quando vos diss', assy deus mi perdon', 
que vos queria gram bem, mays osmar 
podedes vós, se quiserdes, que nom 
soub'eu catar qual pezar vos dizia 
nem quanto mal me poys per en viria. 
Ca me fczestes vós perder o sen, 
porque me nom soub'eu guardar entom 
de vos dizer que vos queria bem, 
mays valha-mi conlra vós, porque nom 
soub'eu catar qual pezar vos dizia 
nem quanlo mal me poys per en viria. 



12 



CANCIONEIRO PORTCGÚEOA VATICANA 



VA ASCO PEREZ 



58 



Sempr'eu punhcy de servir mha senhor 
quanfeu raays pud', assy me venha bera, 
pêro direy-vol-Q que mTend^ven 
do poder en que me tem amor;' 

nom me quer ela nenhum bem fazer/ 

é amor me faz por ela moirer. 
Ca nom catey por ai des que á*vi 
senom por ela, e sempre punhei 
de a servir, p'ero ca d'al nòm ei 
se nom aquesto avem m'end'assy j 

et já nom mi quer ela nenhum bem fazer, 

e amor me faz por ela moirer. 
E sempr'eu cúydei no meu coraçom 
de lhi fazer servjç'e me guardar 
de já mays nunca lhi fazer pezar 
pêro ven m'cn mal, por esla razom 

nom me quer eía nenhum bem' fazer, 

e amor me faz por cia" moirer. 

59 

Senhor, des quand'em vós cuydc^ 
e no vosso bom parecer 
perdi o sen que eu haver 
soya, e ja perdud'ey 

de quanfal avya sabor, 

assi me forçou voss^mor. 
Cuydando des que vos vi 
em vós, senhor, perdud'ei Já • 
o sen, mays quando mi válrrà 
o vosso bem, porque perdi 

de quanfal avya sabor, 

assi me forçou vosso amor. 
E sabe este meu coraÇom 
que por vós muy to mal levou, 
des que vos vi, et el cuydou 
em vós, cá perdi des entom 

de quanfal avya sabor, 

assi me for£ou voss'ámor. 

60 

Muyto bem me podia amor fazer 
se el quizesse nom perder hi ren, 
mays nom quer ele, pereceu já o sen, 
e direy-vol o que mi vay fazer; 
ven logu' e faz-m'em mha senhor cuydar 
e poys cuyd'i rnuyfar quero me matar, 
e mha senhor nom me quer hi valer. 
Faz-m'i mal e nom ous'a dizer 
de muyto mal que mi faz senom bem, 
e sse ai digo, faz-nfeslo por en 
ou sse cuydo sol de lh'end'al dizer 
vem logu' e faz-m^m mha senhor cuydar, 
e poys cuyrVi muyfar quero-me matarj 
e mha senhor nom me quer hi valer. 



E tcwTaquesto nom poss'eu sofrer 
que já nom raoyra, ca nom sey eu quem 
nom moiresse com quanto mal mi vem 
(Tamor quç r mi fa& tam muyto, mal.sofrçr; 
vem logu' e/az-m'em mha sephor cuydar, 
e poys cuy<Ti muyt'ar quero-i&e matar 
e mha .senhor nòjn me .quer hi valer. 
May? ampr que m'ora assy quer matar, 
dé-lhi deus que lhi faç^ desejar , 
algum bem em que nom aja poder. 

EL REY DOM AFF0NS0 DÈ CASTELLA 
E DE LtiOM 



■' r. 



Desunt 



61 



E com' omem qu,e quer mal doestar 
seus naturaes, sol non qo provedes, 
cà nom .som mais de dous, et averedes 
los a perder pql-os muyfafjnnitar 
e sobresto vos digu^u ora ai ; 
d'aque$tes 4ous o que em menos vai i 
vos afiará gram mengua se o perfledes. 

E^sse queredes roeu icopselho GJhar, 
credfonfora* bem vo& achardes, , 
nunca muito de vós loa alanguedes 
cá nom podedes outros taes. achar 
que vos nom conhoscam quem sodes, nem qual, 
e se vos doestes dous end un fTal, 
que por minguado que vos enterredes. 

. 62 

Vi hum coteyffe de muy gram granhom, 
com sseu porponto, mais nom d^lpodom, 
e com sas calças velhas de branqueia ; 
e diYeu logo : poil-as guerras som, 
ay que coteyffe pêra a corneta. 

Vy hum coteyffe máo valdi 
com seu porponto nunca peior vi, 
cá nom quer deus se el em otitro meta, 
e dix'eu : poil-as guerras som y, 
ay que coteyffe- pêra a corneta. 

Vi um coteyffe mal gtíisad'è vil 
com seu perponto todo de panil 
e o condem (Touro tal pôr joetà; 
e dix'eu : pois se vay ò aguázil 
ay que coteyffe pêra á corneta. 

Non me posso pagar tanto 
do canto das aves, nem de sseu ssom, 
nem d'amor, nem d'ambiçom, 
nem d'armas, ca ey espanto 
por quanto muy perigosas som : 
com'é d'um bom galeon 
que m'alongu'e muyfazynha 
deste demo da campaynha 



EL RÉY ; irÔir AFONSO MCÁ^TÍÉÍti^B"^ IE0M 



13 



ha é mala tracssom, 
ca denlro no coraç om 
senty (Telia a espinha. 

E juro par deus lo santo 
que manto nom tragèrey, nem gràrifiom, 
nem tcrrey d'amor razom 
nem d^armas porque' qucbrantò^chanto, 
nem d'elas ced'à sazom ; 
mays tragèrey hum.d/ormaò, 
e hirey pela marinha 
vendemfa ceb^e farinha' 
e fugirey do passo do alazão, 
ca eu nom hy sey outra medzlnha. 

Nem de lariçar a tavolíldõ 1 
pagado nom som, se dbús m'aníparí> ha, 
e nem de bafordar e andar de noite armado 
sem graduo faço, et a roldana'; 
mais me pago do mar que de sét caValileyro 
ca eu fuy já marinheiro, 
e quero-me oy guardar do afabrá* 
e coronar quem me foi primeiro. 

E direy- vos um recado 
pecád' ora já me i pode enganar, 
que me faça já falar 
em armas, cá nom m*é dado 
doando-me de a$ eu braioriat, 
pois las nom ey a provar 
ante quefandar sirilheyro 
e hir com' morcadèyro 
alguma terra buscar 
hu me nom possam culpar 
alacrá negro nem vcciror. 

64 

Joham Rodriguiz foy dcsinar a Balteyra 
ssa midida, perque colha a madoyra^ 
e disse : se bem queredes fazer, 
de tal midida a devedes acolher 
e nom meor per nulha maneyra. 

E disse: esta é a madeyra inteyra 
e de mais nom na dey eu a vós sinfheyía, 
e pois que sem compasso ade meter 
a tan longa deve toda seer 
pêra as traspernas da, scaleyra. 

A Mayor Cotum dey já outra tamanha 
c foy-a ela colher logo sem sanha, 
e charryar-as feze-o logo outro tal 
e AlveFa que andou em Portugal, 
e lá x'as colheram na montanha. 

E diss': esta é a medida de Espanha 
cá nom de Lombardia nem d' A tamanha, 
e porque é grossa nom vos seja mal, 
cá delgada pêra tanta rem nom vai 
e d'eslo muy mays sey eu c^abond^nha. 

65 

Ansur Moniz, muyto m'é gram pesar 
quando vos vy dey lar aos porleyros 



vilanamente d'antr' os sendeyròs, 
e dixe-lhis logo, se deus me ampar-, 
per boafé fazedel-o muy mal, 
ca dom Arisur orne d menos vai 
vem dos de Vilàifaíisur de Ferreyrôsi 

E da outra parte vem dos d'Escob'ar 
e de Campos, mais ríòm dós dè Cizrieiros, 
mais de Lampadõe9 e de Carvoeiros 
e d'outra vem, fóy dós d^stòpar, 
e dam'era vèder é muy riatural 
hu jaz seu padre sa "madre outro tàl 
e ar a el e tod'os séús herdeyros. 

E seta esto er foy el gaanhar 
mais ca os seusaVôds primeiros, 
comprod Fou£'a'Estèvam Cabrepros* 
e Vilar de Paes ar foy comprar 
pêra seu corp'e'diz ca nom lhfe venl ai 
de viver pobre, e a quê x'assi ffal, 
falecer-U^ã todos seu» companheyros. 

Senhor, juslfca vimos pedif 
que nos façades, é fatedes fiem, 
da gris furtaram tafrío, qtfe por eft 
nom llTy leyxarám que possa cobri*;' 
pêro a tanfaprefldt d"um judeu, 
que este furto fez huu rotoieu 
que foy já otítros escafrríir. 

E tenho que vos nom veó líientrí 
pelos sinaes que nôs el disse, cá en 
o rostro tragè rióm tem 
por dereyto de s^mfel ericobrif í ; 
e se aquesto sõfredes, bém lff étí 
querria a outro assy furtai o seu, 
de que pode muy gram dano viir. 

E romeu que deus assy quef servir 
por levar tal furfa Jerusalém, 
e sol nom cata como gris nom tem 
nunca cousa de que sé cobrir; 
cá todo quanto el despendeu 
et deu d'ali foy tod^questo, sey eu 
e quanfel foy levar e vistir. 

67 

Fui eu poer a mano n^stradl 
a hua soldideyra no coyon, 
e disse-nvela : tolhed'al a don' 

cá nom é esta de riostro senhor 
payxom, mdys é xe de mi pecador 
por muyto mal que me llfcu merecy. 

Hu a vós começastes entendi 
bem que nom era deus aqucl som, 
cá os pontos d'el nô meu coràçom 
se Acaram de guisa que logu^y 
cuidey morrer, et dix^ssy : deus senhoT 
beneito sejas tu que sofredor 
me fazes d^ste jnarteyro par ti. 



u 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



Quisera-m'eu fogir logo d'ali 
e nom vos fora rauy sem razom 
com medo de morrer, et com ai nom, 
mais nom pudi Iam gram coyta sofrer, e 
dixe loguo: com deus meu senhor 
esta paixom sofro por teu amor 
pola tua que sofresfi por mi. 

Nunca del-o dia en que eu nacy 
fuy tan coitado se deus me perdon' 
e com pavor aquesta oraçom 
comecey logo, e dixe a deus assy: 
fel et azedo bivisti, senhor, 
por mi, mays muyfest a questo peior 
que por ti bevo, nem que comi. 

E por en, ay Jesu Christo senhor, 
em juizo quando ante ti for 
nembre-ch'esto que por ty padeci. 

. 68 

Pêro da Ponte ha, senhor, gram peccado 
de seus cantares que el foy furtar 
a Cotom, que quanto el lazerado 
ouve gram tempo, el x'os quer lograr 
e d'outros muylos que nom sey contar, 
porque oj'anda vistido é honrado. 

E porem foy Cotom mal dia nado, 
pois Pêro da Ponte erda seu trobar, 
e mui mais lhi valera que trobado 
nunca ouvess'el, assy deus m'ampar* 
pois que se de quanfel foy la erdar 
serve Dom Pedro, e nom lhi dà em grado. 

E com dereyto seer enforcado 
deve Dom Pedro porque foy filhar 
a Cotom, pois lo ouve soterrado, 
seus cantares, e nom quiz endar 
huu soldo pêra sa alma quitar 
sequer do que lhy avia emprestado. 

E por end'é gram traedor provado 
de que se jâ nunca poder salvar 
com que a seu amigo jurado 
bevendo com elle o foy matar, 
tudo poios cantares d'el levar 
com'é o que oj'anda arrufado. 

E pois nom ha quem n'o por en rétar 
queyra, seerâ oy mais por mi rétado. 

69 

Dom João, quand'ogano aqui chegou 
primeiramente e vyu vulta a guerra, 
tam gram sabor ouve d'ir a sa terra 
que logu'então por adail filhou 
, seu coràçom; e el fex-lh'y leyxar 
polo mais toste da guer^alongar 
prez e esforço, e passou a serra. 

En esto fez com'é de bom sen 
en fiihar adail que conhecia, 
que esles passos máos bem sabia, 
e el guariTo loguenlom mui bem 



d'eles, e fez-lhi de destro leixar 
lealdacTé de seeslro leixar lidar * 

adail é muy sabedor 
que o guiou por aquela carreyra, 
porque fez desguiar da fronteira 
e em tal guerra leixar sçu senhor; 
e direi-vos ai que lhi fez leixar 
bem que ped'a fazer por ficar, 
et feze-o poer aalem a calaveyra. 

Muyto foy ledo se deus me perdon 1 
quando se viu d'aqueles passos fora 
que vos jà dix'e diss'em essa ora : 
par deus, adail, rauyfey gram razom 
de sempre vos mha fazenda leixar 
cà nom me mova d'este logar 
se jamais nunca cuidey passar fora. 

E ao demo vou a encomendar 
prez doeste mundo e em armas lidar 
ca nom é jogo de que homem chora. 

70 

Pêro da Ponte, pár'o vosso mal 
per'ante o demo do fogo infernal, 
porque com deus o padre espiritual 
minguar quisestes, mal aprendestes, 
e bem vej'agora que trobar vos fal, 
poys vós tam louca razom cometestes. 
E poys razom tam descomunal 
fostes fyihar, e que tam pouco vai, 
pesar-mi-a en se vos pois a bem sal 
ante o diabo, a quem obedecestes, 
e bem vej'ora que trobar vos fal 
pois vós tam louca razom cometestes. 
Vós nom trobades como proençal, 
mais como Bernaldo de Bona vai, 
e pêro ende nom é trobador natural 
pois que d'el e do dem'aprendestes; 
e bem vej'agora que trobar vos sal 
poys vós tam louca fazom cometestes 
E por end^ra Pedro Vilâ-real 
em maao ponto vós tanto bevestes. 

71 

Citola vi andar-se queyxando 
de que lhi nom dam sas quitações, 
mays des que oy bem sas razões 
en a conta fuy mentres parando, 
logo tene y que nom dissera ren 
ca era já quite de todo bem, por en 
faz mal d'andar-s'assi queyxando. 

E queixa-se-nfele muitas de vegadas 
dos escrivãos e dos despenseiros, 

mais poys vêem a contas allicadas 
logo lhi mostram bem do que quite é: 

1 Falta o septimo verso da slrophe com a rima cm ia. 



EL REY DOM AFFONSO DE CASTELLA E DE IEOM 



15 



e pêro digo-lh'eu que mal he 

de que no el quitou muytas de vagadas. 

E por leval-a quitapom dobrada 
se queyxou, e catey hu jà sia 
en o padrom, e achey que avia 
de todo bem sa quitaçom levada; 
poren faz mal que nora pode peor, 
mays tanf a el de quita com sabor 
que a nega, pêro x'a leva dobrada. 

72 

Quero-vos ora muy bem conselhar, 
meestre Joham, segundo meu sen, 
que matar preyfajades com alguém, 
nem queyrades com el em vós entrar; 
mais dad'a outrem que tenga por vós, 
e a vossa honra e todos nós 
a quantos nos avemos por amar. 

E pêro se a quizerdes teer, 
non a tenhades per rem anfelrey, 
e direi embora, porque o ey, 
porque nunca vol-o vem fazer 
que vol-o non veja teer assy 
que pêro vos el-rey queira de si 
bem vingar nom a end'o poder. 

E aynda vos conselharey ai, 
porque vos amo de corafom, 
e nunca vos em dia d'acenssom 
tenhades, nem em dia de natal 
nem d'oulras festas de nostro senor, 
nem de seus santos, ca ey gram pavor 
de vos viir muy toste d'eles mal. 

Nem entrar na egreja nom vos conselho eu 
deteer-vos cá vós nom ha mester, 
ca se peleja sobKela ouver 
o arcebispo vosso amigo e meu 
a quem o feito do sagrado jaz, 
e a quem se pesa do mal se s'y faz 
e querra que seja quanto avedes seu. 

E poF amor de deus estadem paz, 
e leyxade maa vox carrajaz 
sol nom na deva teer, nem judeu. 

73 

Cornou em dia de páscoa, 
queria bem comer, 
assy queria bom som 
legeyro de dizer 

pêra meestre Joham. 
Assy como queria 
comer de bom salmom, 
assy queria a n'avangelho 
muy pequena payxom, 

pêra meestre Joham. 
E assy como queria 
comer que me soubesse bem, 
assy queria bom som 
et seculorum amem, 

pêra meestre Joham. 



Assy com'eu beveria 
bom vino d'0urens, 
assy queria bom som 
de que cum te potens 
pêra maestre Joham. 

74 

genete, poys remete 
seu alfaraz corredor 
estremente se esmorece 
o coteyffe com pavor. 

Vi coteyffes orpelados 
estar muy mal espantados, 
e genetes trosquiados 
cobriara-nos a redor, 
e granhãos mal aflicados 
perdiam-n'a calor. 

Vi coteyffes de granhom 
en o meio do estio, 
estar tremendo sem frio 
anfos mouros d'Azamor; 
enchia-se d'èles o rio 
que augua d'Alquivir maior. 

Vi eu de coteyffes azes 
cães siquazes, 
aves piores ca rapazes, 
e ouveram tal pavor, 
que os seus panos de razes 
tornaram d'outra color. 

Vi coteyffes com arminhos 
conhecedores de vinhos 
que rapozos dos martinhos 
que nom traziam se nom 
sairem aos mesquinhos, 
e fezerom todo o peor. 

Vi coteyffes e cochens 
com muy longos granhões 
que as barvas dos cabrões, 
ao som do atambor 
os deitavam dos arções 
anfos pees de seu senhor. 

75 

De grado queria ora saber 
doestes que traem sayas encordadas, 
em que s^apertam muy prontas vegadas 
se o fazem pol os ventres mostrar; 
porque se devam d'eles a pagar 
sas senhores que nom tem pagadas. 

Ay deus, se me quizess'alguem dizer 
porque tragem estas cintas sirgadas 
muyfanchas, como mulheres prenhadas, 
s'e em eles per lii gaanhar 
bem das com que nunca sabem falar 
ergo nas terras se som bem lauradas. 

Encobrir nom o lhes vejo fazer 
com as pontas dos mantos trastornadas 
em que semelha as aboys das aferradas 



16 



ílANW^^PiOHT^UfiZ P A V ATOADA 



quando as moscas les vêem coitar 
d'en se as cuidan per hi d çnganar 
que sejam d'eles por en, namoradas. 

Outrosy lhis ar vejo t^ager '. 
mangas mui curtas et enfunadas, 
bem como se adubassem quartadas 
ou se quizessem tortas amassar, 
ou quiçá o fazem pondeliurar 
sas bestas se fossem acevadadas. 

Ao dayão de Ç^lp z jea,acl*py 
lluros que lhi levavam, fia lèger, 
e ó que os tragia prcgijntey 
por elles, e rcspondcu-nfcl;. senhor 
como estes liuros que yós vendes, fiops 
e com os outros que ele tem dos sçns 
ffod'er por eles quanto foder quer. 

Ga inda vos endeu miais, djrey 
cà tam mal ey muyfa feç,leer 
por quanfen sa fazenda sey 
com os liuros que tem, #orq a ffi^hcr 
a que nom faça que semelhe grous 
os corvos et as águias babous 
per força de foder se x'el quiser. 

Cá nom ha mais na arte do foder, 
do que nos liuros que el tem, jaz, 
e el ha tal sabor de os leer 
que nunca noite nem dia ai faz, 
e sabe d'arte de foder tam bem 
que c'os seus liuros d'artes que cl tem 
fod'el as mouras cada que lhi praz. 

E mays vos contarey de seu saber 
que com os liuros que ele tem faz, 
manda-os ante sy todos trager 
et pois que fode por eles assaz, 
se mulher acha que o demo tem 
assy a fode por arte et por sem 
que saca d'eia a dinheiro, malvaz. 

E com tod'esto aynda faz ai 
com os liuros que tem, per boa fó, 
se acha molher que aja mal 
d'este fogo que de Sam Marçal é, 
assy vae per foder encantar 
que fodendo lhi faz bem semelhar 
que é geada, ou neve, nom ai. 

77 

O que foy passar a serra 
e nom quis servir a terra, 
e ora en trauta guerra 

que favoncia, 
pois el agor'a tam muyf erra 

maldito seia. 

O que levou os dinheixos 
e nom lroux'os cavaleyros, 
ó por nom ir nos primeiros, 

quefavopeia; 



poys que veo com os postumeyros 

maldito seia. 
que filhou gram soldada, 
e nunca fez cavalgada, 
e por nom ir a Craada, 

que favoneia, 
se é ric'omem ou bsi mesnada, 

maldito seia. 
O que meteu na tajeyga 
pouc'aver, é muyto meiga, 
e por nom entrar na Veiga, 

que favoneia 
poys.ehús mol'é que,raanteyga 

maldito seia. 

78 

Domingas Eanes ouve sa baralha 
con hum genefe foy mal ferida, 
en pêro foy ela y tan ardida 
que ouve depois a vencer sen falha ; 
e de pran venceu bom cavalleyro, 
mais en pêro 6 x'el tan braceiro, 
que ouve end'ela de ficar oolpada. 

O golpe colheu por huna malha 
da loriga que era desmentida, 
e pesa-m'ende, porque essa ida 
de prez que ouve, mais se deus me valha, 
venceu ela, mais o cavalleyro 
per sas armas ô per conter' arteyro 
já sempr'end'èla será esmalada. 

E aquel membro trouxe coroneite 
de os companhões em toda esta guerra, 
e de mais apreço que nunca erra 
de dar gram golpe com sen en gazeile 
e foy achar com costa juso, 
e deu liri por en tal golpe desuso, 
que já a chaga nunca vay çarrada. 

E dizem muytos que husam tal preyfe 
am que tal chaga já mais nunca cerra, 
se com quanta lã a en esta terra 
a escaentassem nem com o azeite, 
pêro a chaga não vae contra juso 
mais vay en redor como perafuso 
e por en muyfba que^ fistulada. 

79 

Quem da guerra levou cavaleyros 
e a sa terra foy guardar dineyros, 
nom vem ai raayo! 
Quem da guerra se foy com maldade 
a sa terra, foy comprar enlade, 
nom vem ai mayo. 
O que da guerra se foy confemigo, 
pêro nom veo quanda preito sigo 
nom vem ai mayo. 
O que tragia o pano de linho, 
pêro nom veio polo Sara Martinho, 
nom vem ai mayo. 
que tragia o pendom a aqipilon, 



EL BEY BOM DENIS 



17 



e vended'é sempre traiçom, 
noai vem ai raayo. 
O que tragia o pendom sen oyto, 
e a sa gente nora dava para coyto, 
nom vem ai mayo. 
O que tragia o pendon ssem sete, 
e cinta ancha e muy gram topete, 
nom vem ai mayo. 

que tragia o pendon, s' entenda 
por quanfagora sey d'essa fazenda, 
nom vem ai mayo. 
que sse foy comendo dos murtinhos, 
e a asa terra foy bever los vynhos, 
nom vem ai mavo. 
O que com medo fugiu da fronteyra, 
pêro tragia pendon sem caldeyra, 
nom vem ai mayo. 
O que roubou os mouros malditos, 
e a sa terra foy roubar cabritos, 
nom vem ai mayo. 

que da guerra sse foy con espanto 
e a ssa terra foy armar manto, 
nom vem ai mayo. 

que da guerra se foy com gram medo, 
contra sa terra espargendo tredo, 
nom vem ai mayo. 

O que tragia pendom de cadarço, 
maçar nom veo no mez de março, 
nom vem ai mayo. 

O que da guerra foy por recaúdo, 
maçar en Burgus fez pintar escudo, 
nom vem ai mayo. 

EL KEY DOM DEMS 

80 

Praz m'ha mi, senhor, de moirer, 
e praz-m f ende por vosso mal, 
ca sey que sentiredes qual 
mingua vos poys ey de fazer; 
ca no perde pouco senhor 
quando perde tal servidor, 
qual perdedes en me perder. 

E com mha morfey eu prazer, 
por que sey que vos farey tal 
mingua, qual fez omè leal 
o mays que podia seer 
a quen ama poys morto for, 
e fostes vos mui sabedor 
deu por vós a tal mort' aver. 

E pêro que ey de sofrer 
a morte mui descomunal, 
cõ mha mort' oy mays no mech'al, 
por quanto vos quero dizer 
ca meu serviç', e meu amor 
será vos d'escusar peyor 
que a mi. d 1 escusar viver. 

E certo podedes saber 
que poro ss'o meu tempo sal, 
3 



per mort' e no a ja hi ai 
que me non quer'end'eu doer ; 
por que a vós farey mayor 
mingua que fez nostro senhor 
de vassaT a senhor prender. 

81 

Oy mays quer' eu ja leixal o trobar, 
e quero me desenparar d'amor, 
e quer 1 ir algunha terra buscar 
hu nuca possa seer sabedor 
ela de mi, nè eu de mha senhor, 
poys que lh'é, d'eu viver aqui, pesar, 

Mays deus ! que grave cousa d'endurar, 
qu' a mi será hir me d'u ela for, 
ca sey mui bê que nunca poss' achar 
nêhua cousa ond'aja sabor, 
seno da morte, mays ar ey pavor 
de m'ha non querer deus ta cedo dar. 

Mays se fez deus a tã gran coita par, 
com'é a de que serey sofredor, 
quando m'agora ouver d'alongar 
d'aquesla terra hu est a melhor 
de quantas son, e de cujo teor 
no se pode per dizer acabar. 

82 

Se oj'en vós a nenhum mal, senhor, 
mal mi venha d^quel che pod'e vai, 
se nõ que matades mi pecador 
que vos servi sempr' e vos fui leal, 
e serey ja sempr' en quant' eu viver, 
e senhor, non vos venh' esto dizer 
polo meu, mays por qu 7 a vós está mal. 

Ga par deus mal vos per' está, senhor, 
desy é cousa mui descomunal 
de matardes mi, qu'eu merecedor 
nuca vos foy de mort' e poys que ai 
de mal nuca deus en vós quis poer, 
por deus, senhor, nõ queirades fazer 
en mi agora que vos este mal. 

83 

Que razon cuydades vós, mha senhor 
dar a deus, quancT ant' el fordes, por mi 
que matades, que vos non mereci 
outro mal, seno se vos ey amor, 
aquel mayor que vol 1 eu poss' aver, 
ou que salva lhi cuydades fazer 
da mha morte, poys per vós morto for ? 

Ca na mha morte non a razon 
boa que ant' el possades mostrar ; 
desy non o er podedes enganar, 
ca el sabe ben que de coraçon 
vos eu am'e nunca vos errey, 
e poren quen tal feyto faz bê sey, 
qu'en deus nunca pod'achar perdon. 



1* 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



Ga de pran deus no vos perdoará 
a mha morte, ca el sabe mui ben 
ca sempre foy meu saber e meu sen 
en vos servir, er sabe mui ben, 
que nunca vos mereci por que tal 
morte por vós ouvesse, poren mal 
vos será,' quand' ant' el formos a lá. 

84 

Quant' eu, fremosa mha senhor, 
de vós receey aveer, 
muyfer sey que non ey poder 
de m'agora guardar que non 
veja mays, tal confortey 
que aquel dia morrerey 
e perderey coytas d'amor. 

E como quer que eu mayor 
pesar no podesse veer, 
de que entõ verey, prazer 
ey ende, se deus mi perdon r , 
porque per morte perderey 
aquel dia coyta que ey, 
qual nuca fez nostro senhor. 

E pêro ey ta gram pavof 
d'aquel dia grave veer, 
qual vos sol nõ posso dizer ; 
conforfey no meu coraaon, 
perque por morte sayrey 
aquel dia do mal que ey 
peyor da que deus fez peyoí. 

85 

Vós mi defendestes, senhoi*, 
que nunca vos dissesse ren, 
de quanto mal mi por vós ven; 
mays fazede me sabedor 
por deus, senhor, a quen diíey 
quam muyto mal levey 
por vós, senon a vós, senhor? 

Ou a quen direy o meu mal, 
se o eu a vós non disser, 
poys calar me non m'é mester, 
e dizer voro nõ m'er vai? 
e poys tanto mal so(Tr'assy 
se cõvosco nõ falar hi, 
per quen saberedes meu mal? 

Ou a quen direi o pesar 
que mi vós fazedes sofrer, 
se o a vós non for dizer 
que podedes conselho dar? 
e por en se deus vos perdon', 
coyta d'este meu coraçon, 
a quen direy o meu pesar? 

86 

Como me deus aguysou que vivesse 
en gram coyta, senhor, des que vos \i ! 



ca logo m'el guisou que vos oy 
falar, desy quis que cr conhecesse 
o vosso ben, a que el non fez par, 
e tod'aquesto m'el foy aguysar 
en tal qu'eu nunca coyla perdesse. 

E tod' esfel quis que eu padecesse 
por muyto mal que me lh'eu mereci, 
e de tal guisa se vingou de mi, 
e cõ tod' esto non quis que morresse, 
porque era meu ben de non durar 
en tã gram coyta, né en tã gram pesar, 
mays quis que to<f este mal eu sofresse. 

Assy nõ er quis que m'eu percebesse 
de tan gram meu mal, nen o entendi, 
ante quis el que por viver assy, 
e que gram coyta non mi falecesse, 
que vos viss'eu, hu m'el fez desejar 
des entõ morte, que mi non quer dar, 
'mays que vivendo peyor atendesse. 

87 

Nunca deus fez tal coyta qual eu ey 
con a rem do mundo que mays amey, 
e desque a vi e am' e amarey; 
n'outro dia quando a fui veer, 
o demo lev'a rem que Ih^u faley, 
de quaiUo lh'ante cuydara dizer. 

Mays tanto que me d'anl'ela quitey, 
do que ante cuydava me nembrey, 
que nulha cousa ende non minguey; 
mays quand' er quix tornar pola veer 
a lh'o dizer, e me ben esforcey, * 
de lh'o contar sol non ouv'y poder. 

88 

Da mha senhor que eu servi 

sempr'e que mays c'a mi amey, 

veed' amigos que tort' ey ; 

que nunca tam gram torto vi, 

ca pêro a sempre servi, 
grand'é o mal que mha senhor 
mi quer, mays quero lh'eu mayor 
Mal que posso ; sei per gram bem 

lhi querer mays c'a mi nem ai, 

e sse aquesfé querer mal 

esfé o que a mi aven 

ca pêro lhi quero tal ben, 
grande ó o mal que mha senhor 
mi quer, mays quero lh'eu mayor 
Mal que posso; se per servir, 

e pela mays c'a mi amar, 

se est' ó mal, a meu cuydar, 

este mal non poss'eu parar; 

ca pêro que a fui servir, 
grand' é o mal que mha senhor 
mi quer, mays quero llTeu mayor 
Mal que poss 7 ; e pêro nozir 

non mi devia desamor 

c'al que no ben nõ a melhor. 



EL EET DOM DENIS 



19 



89 

En gran coyta, senhor, 
que peyor que morfé, 
vivo per boa fé 
e polo voss'amor ; 

esta coyta sofr' eu * 

por vós, senhor, que eu 
Vy polo meu gram mal, 
e melhor mi será 
de moirer por vós já ; 

pêro se me deus non vai, 

esta coyta sofr' eu 

por vós, senhor, que eu 
Polo meu gram mal vi, 
e mavs mi vai morrer 
ca tal coyta soflrer, 
poys por meu mal assy 

esta coyta sofr' eu 

por vos senhor, que eu 
Vy por gram mal de mi, 
poys Iam coytad' and' eu. 

90 

Senhor, poys que m'agora deus guysou 
que vos vejo, e vos posso falar, 
quero vol' a mha fazenda mostrar, 
que vejades como de vós estou ; 

ven mi gram mal de vós, ay mha senhor! 

en quen nunca pos mal nostro senhor. 
E senhor, gradesc' a deus este ben, 
que mi fez en mi vos fazer veer ; 
e mha fazenda vos quero dizer 
que vejades que mi de vós aven ; 

ven mi gram mal de vós, ay mha senhor! 

en quen nunca pos mal nostro senhor. 
E non sey quando vos ar veerey 
e por en vos quero dizer aqui 
mha fazenda que vos sempre encobri, 
que vejades o qu'eu de vós ey; • 

ven mi gram mal de vós, ay mha senhor! 

en quen nunca pos mal nostro senhor, 
Ca non pos en vós mal nostro senhor 
senon quant' a mi fazedes, senhor. 

91 

Poys mha ventura tal é ja, 
que sodes tam poderosa 
de mi, mha senhor fremosa, 
por mesura que en vós a, 
e por ben que vos estará, 

poys de vós non ey nenhun ben, 

de vos amar non vos pes en, 
Senhor, e poys por ben non teedes> 
que eu aja de vós grado 
por quant 1 aflan ey levado 
por vós, c' assy queredes 
mha senhor fé que devedes 

poys de vós non ey nenhun ben 

de vos amar non vos pes en, 



Senhor, e lume doestes olhos meos, 
poys m'assy desenparades, 
e que me grado non dades 
como dam outros aos seos; 
mha senhor, pelo amor de deos 
poys de vós non ey nenhun ben, 
de vos amar non vos pes en, 
E, senhor, eu non perderey o sen, 
e vós non perdedes hi ren. 

92 

Senhor, dizen vos por meu mal, 

que non trobo con voss' amor, 

mays c' amey de trobar sabor; 

e non mi valha deus, nen ai, 
se eu trobo por m'en pagar, 
mays faz me voss' amor trobar. 
E essa que vos vay dizer, 

que trobo, porque me pagu'en, 

e non por vós que quero ben, 

mente, ca non veja prazer, 
se eu trobo por m'en pagar, 
mays faz me voss 1 amor trobar. 
E pêro quem vos diz que nom 

trobo por vós que sempre amey 

mays o gram sabor que m^end^ey, 

mente, ca deus nom mi perdon' 
se eu trobo por m'en pagar, 
mays faz-me voss' amor trobar. 

93 

Tan muyto mal mi fazedes, senhor, 
e tanta coyta e afan levar 
e tanto me vejo coytad' andar, 
que nunca mi valha nostro senhor, 
se ant' eu já non queria morrer, 
e se mi non fosse mayor prazer. 
En tã gram coyta vyv'a gram sazon 
por vós, senhor, e levo tanto mal, 
que vós non posso, nen sey dizer qual, 
e por aquesto, deus non mi perdon', 
se ant' eu já non queria morrer, 
e se mi non fosse mayor prazer. 
Tam muyt' é o mal que mi por vós ven, 
e tanta coyta lev' e tant' affan, 
que morrerei con tanto mal de pran ; 
mays pêro, senhor, de vós non mi dó ben 
se ant 1 eu já non queria morrer, 
e se mi non fosse mayor prazer. 
Ca mays meu ben é de morte sofrer 
ante, c'a sempr' en tal coyta viver. 

94 

Grave vos é de que vos ey amor, 
e par deos aquesto vej' eu muy ben, 
mays em pêro direy vos hua ren 
per boa fé, fremosa mha senhor, 



20 



CANCIONEffiO PORTUGUEZ DA VATICANA 



se vos grav' é de vos eu ben querer, 
grave est a ml; mays non poss' ai fazer. 
Grave vos é, ben vej! eu qu' é assy, 

de que vos amo mays c T a mi, nen ai, 

e qu'est' é mha morte e meu mal, 

mays por deus, senhor, que por meu mal vi, 
se vos grav 1 é de vos eu ben querer, 
grave est a mi, mays non poss 1 ai fazer. 
Grave vos est assy, deus mi perdon', 

que non poderia mays per boa fé 

de que vos am' e sey qu' assy é ; 

mays por deus, coyta do meu coraçon, 
se vos grav' é de vos eu ben querer; 
grave est a mi, mays non poss' ai fazer. 
Pêro mays grave dev'i a mi de seer, 

quanl' é morte mays grave c'a viver. 

95 

Poys que vos deus fez, mha senhor, 
fazer do ben sempr' o melhor, 
e vos en fez tam sabedor, 
hunha verdade vos direy, 
se mi valha nostro senhor, 

erades boa pêra rey. 
E poys sabedes entender 
sempr'o melhor e escolher, 
verdade vos quero dizer, 
senhor, que servo e servirey, 
poys vos deus a tal foy fazer, 

erades boa pêra rey. 

E poys vos deus nunca fez par 
de bon sen, nen de ben falar, 
nem fará jâ, a meu cuydar, 
mha senhor, e quanto ben ey, 
se o deus quisesse guysar, 

erades boa pêra rey. 

96 

Senhor, des quando vos vi, 
e que fui vosco falar, 
sabed' agora per mi, 
que tanto ftii desejar 
vosso ben, e poys é assy 
que pouco posso durar, 
e moyro n^assy de chão, 

por que mi fazedes mal, 

e de vós non ar ey ai, 

mha morte tenho na mão. 
Ca tã muyto desejey 
aver ben de vós, senhor, 
que verdade vos direy, 
se deus mi de voss' amor, 
por quanfoj^eu creer sey 
con cuydad' e con pavor 
meu coraçon non é são, 

porque mi fazedes mal, 

e de vós non ar ey ai, 

mha morte tenho na mão. 



E venho vol' o dizer, 
senhor do meu corason, 
que possades entender 
como prendi o cajon, 
quando vos fui veer ; 
e por aquesta razon 
moyr' assy servind' en vão, 

porque a mi fazedes mal, 

e de vós non ar ey ai, 

mha morte tenho na mão. 

97 

Hun tal home sey eu, ay ben talhada, 
que por vós ten a sa morte chegada : 
vedes quen é, e seed'en nenbrada; 
eu, mha dona. 
Ilun tal home sey que per consente 
de ssy morte certamente ; 
vedes quen é, venha vos en mente ; 
eu, mha dona. 
Ilun home sey, aquest' oyde, 
que por vós morr', e vol o partide: 
vedes quen é, non xe vos obride ; 
eu, mha dona. 

98 

Pêro que eu muy long' estou 
da mha senhor e do seu ben, 
nunca me de deus o sseu ben, 
pêro nf eu ca long' estou, 
se non é o coraçon meu 
mays perto d'ela, que o seu. 
E pêro long' estou d'ali 
d'u agora ó mha senhor, 
non aja ben da mha senhor, 
pêro m'eu long' estou d' ali, 
^se non é o coraçon 
*mays perto d'ela, que o seu. 
É pêro longe do logar 
estou, que non poss' ai fazer, 
deus no mi dê o seu bê fazer, 
pêro long 7 estou do logar, 
se non é o coraçon meu 
mays perto d'ela que o seu ; 
Ca vezes ten en ai o seu, 
e sempre sigo ten o meu. 

99 

Sempr' eu, mha senhor, desejey 
mays que ai, e desejarey 
vosso ben, que mui servid' ey 
mays non cõ asperança 
d'aver de vós ben, ca ben sey 
que nunca de vós averey 
senon mal e viltança. 

Desej'eu mui mays d'outra ren 
o que mi pequena prol ten, 



EL BEY DOM DENIS 



21 



ca desej* aver vosso ben, 
mays non cot) asperança 
que aja do mal, que mi vcn 
por vós né galardon por en 

senon mal e viltança. 
Desej' eu con muy gram razon 
vosso ben, se deus mi perdon\ 
muy mays de quantas cousas son, 
mays non con asperança 
que sol coyde no coraçon 
aver de vós por galardon 

âenon mal e viltança, 

100 

Se eu podess' ora meu coraçon, 
senhor, forçar e poder vos dizer 
quanta coyla mi fazedes sofrer . 
por vós, cuyd' eu, assy deus me perdon', 
que averiades doo de mi. 

Ca, senhor, pêro me fazedes mal, 
e mi nunca quisestes fazer ben, 
se soubessedes quanto mal mi ven 
por vós, cuyd' eu, par deus que pod" e vai, 
que averiades doo de mi. 

E pêro nfhavedes gram desamor, 
se soubessedes quanto mal levey, 
e quanta coyla des que vos amey, 
por vós cuyd' eu per boa fé, senhor, 
que averiades doo de mi, 
E mal seria se nõ foss' assy. 

101 

Ouanf a senhor, que meu de vos parti, 
a tam muyta que nunca vi prazer, 
nen pesar, e quero vos eu dizer 
como prazer oen pesar senfy: 
perdi o sen, e non poss' estremar 
o ben do mal, nen prazer do pesar. 
E des que m'eu, senhor, per boa fé 
de vós parti, creed' agora ben, 
que non vi prazer, nen pesar de ren, 
e aquesto direy vos, por que: 
perdi o sen, e non poss' estremar 
o ben do mal, nen prazer do pesar. 
Ca, mha senhor, ben des aquela vez 
que nTeu de vós parti, no coraçon 
nunca ar ouv' eu pesar des entoo, 
nen prazer, e direy vos quen ofo fez : 
perdi o sen, e non poss 1 estremar 
o ben do mal, nen prazer do pesar. 

102 

Hunha pastor se queixava 
muyt 1 estando n outro dia 
e sigo medes falava, 
e chorava e dizia 
com amor que a forçava : 



Par deus, vi Cen grave dia, 

ay, amor! 
Ela s'estava queixando, 
como molher con gran coyla, 
e que a pesar des quando 
nacera non tora tloyta ; 
por en dizia chorando : 
Tu, non és senon mha coyta, 

ay, amor ! 
Coytas lhi davan amores, 
que non lh'eran senon morte, 
e deytou se antre uas flores, 
e disse con coyta forte : 
Mal ti venga per hu fores, 
ca non és senon mha morte, 

ay, amor I 

103 

Ora vejo ben, mha senhor, 
que nn non ten nen hunha prol 
de no coraçon cuydar sol 
de vós, senon que o peyor 

que mi vós poderdes fazer 

faredes a vosso poder. 
Ca non atencTeu de vós ai, 
nen er passa per coraçon, 
se nostro senhor mi perdoo', 
senon que aquel mayor mal 

que mi vós poderdes fazer, 

faredes a vosso poder. 
E sol nõ mer eu en cuydar 
de nunca de vós aver ben, 
ca soo certo d'ua ren, 
que o mays mal, e mays pesar 

que mi vós poderdes fazer, 

faredes a vosso poder ; 
Ca deus vos deu end'o poder, 
e o coraçom de m'o fazer. 

104 

Quen vos mui ben vysse, senhor, 
con quaes olhos vos eu vi, 
mui pequena sazon a hy ; 
guysar lh'ia nostro senhor 

que vyvess' en mui gram pesar, 

guysandolh'o nostro senhor, 

como m'a mi foy guysar. 
E quen vos ben con estes meos 
olhos visse, creede ben; 
que se non perdess' anf o sen, 
que ben lhi guysai ia deos 

que vivess' em muy gram pesar, 

se lh'o assy guysasse deos, 

como m'a mi foy guysar. 
E senhor, quen algua vez 
com quaes olhos vos catey 
vos catasse, per quanf eu sey, 
guysar lh'ia quen vos tal fez 

que vivess' em muy gram pesar, 



22 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



guysando-llf o quen vos tal fez, 
como nf a mi foy guysar. 

105 

- Nostro senhor, ajades bon grado 
por quanto nfoje mha senhora falou; 
e tod' esto foy por que sse cuydou 
que andava d'outra namorado; 
ca sey eu ben que mi non falara, 
se de qual ben Hf eu quero cuydara. 
Por que mi falou oj' esta dia, 
ajades bon grado nostro senhor, 
e tod' esto foy por que mha senhor 
cuydou qu'eu por outra morria ; 
ca sey eu ben, que me non falara, 
se de qual ben llfeu quero cuydara. 
Porque nfoje falou, aja deos 
bon grado, mays doesto non fora ren, 
senon porque mha senhor cuydou ben, 
que d'oulra eran os desejos meos; 
ca sey eu ben, que me non falara, 
se de qual ben llfeu quero cuydara. 
Ca tal é, que ante se matara 
c'a mi falar, se o sol cuydara. 

106 

A mha senhor qu'eu por mal de mi 
vi, e por mal d'aquestes olhos mcos, 
e por quem muylas vezes maldezi 
mi, e o mund' e muytas vezes deos; 
desque a non vi, non er vi pesar 
d'al, ca nunca me dal pude nembrar. 
A que mi faz querer mal mi medes 
e quanto amigos soya aver, 
e desperar de deos, que mi pes, 
pêro mi tod' este mal faz sofrer, 
des que a non vi, non ar vi pesar 
d'al, ca nunca me d'al pude nembrar. 
A por que mi quer este coraçon 
sayr de seu logar, e porque já 
moyr' e perdi o sen, e a razon, 
pêro nf este mal fez, e mays fará, 
des que a non vi non ar vi pesar 
d'al, ca nunca me d'al pude nembrar. 

107 

Poys que vos deos, amigo, quer guysar, 
d'irdes a terra d'u é mha senhor, 
rogo vos ora, que por qual amor 
vos ey, lhi queirades tanto rogar, 
que se doya já do meu mal. 
E d'irdes hi tenlf eu que mi fará 
deos gran ben, poyl a podedes veer, 
e amigo punhad' en lhi dizer 
poys tanto mal sofro grã sazon a, 
que sse doya já do meu mal. 
E poys que vos deos aguysa d'ir hi, 



tentfeu que mi fez el hi mui gran ben, 
e poys sabend'o mal que mi ven, 
pedide lhi mercee por mi, 
que se doya já do meu mal. 

108 

A tal estado nf hadusse, senhor, 
o vosso ben, e vosso parecer, 
que non vejo de mi, nen d'al prazer, 
nen veerey já en quanfeu vivo for 
bu non vyr vós, qu'eu por meu mal vi. 

E queria mha mort', e non mi ven, 
senhor, porque tamanho é o meu mal, 
que non vejo prazer de mi, nen d'al, 
nen veerey já, esto creede ben, 
hu non vir vós, qif eu por meu mal vi. 

E queria mha morte, e non mi ven, 
senhor, porque tamanho 6 o meu mal, 
que non vejo prazer de mi, nen d'al, 
nen veerey já, esto creede ben, 
hu non vir vós, qu'eu por meu mal vi. 

E poys meu feylo, senhor, assy é, 
queria já mha morte, poys que non 
vejo de mi, nen d'al nulha sazon 
prazer, nen veerey já per bona fé, 
hu non vir vós, qu'eu por meu mal vi, 

Poys non avedes mercee de mi. 

109 

O que vos nunca cuydey a dizer 
con gran coyta, senhor, vol o direy, 
porque me vejo já por vós morrer; 
ca sabedes que nunca vos faley 
de como me matava voss' amor ; 
ca sabe deos ben que doutra senhor 
qu'eu non avya mi vos chamey. 

E tod'aquesto mi fez fazer 
o mui gram medo qu'eu de vós ei, 
e desy por vos dar a entender 
que por outra morria, de que ey, 
ben sabe deos, mui pequeno pavor, 
e des oy mays, fremosa mha senhor, 
se me matardes, ben vol o busquey. 

E creedes que averey prazer 
de me matardes, poys cu certo sey, 
que esse pouco que ey de viver 
que nenhú prazer nunca veerey ; 
e porque sõo doesto sabedor, 
se mi quizerdes dar morte, senhor, 
por gran mercee voro terrey. 

110 

Que muy gran prazer, que eu ey, senhor, 
quand'en vós cuyd' e non cuydo no mal 
que mi fazedes ; mays direy vos qual 
tenlf eu por gran maravilha, senhor, 
de mi vir de vós mal, hu deos non 
pos mal, de quantas en no mundo son. 



EL RET DOM DENIS 



23 



E, senhor Cremosa, quando cuyd'eu 
en vós, e non en o mal que mi ven 
por vós, tod'aquel temp' eu ey de ben; 
mays por ^ran maravilha pêro tenh' eu 
de mi vir de vós mal, hu deos non 
pos mal de quantas en no mundo son. 
Ca senhor, mui gram prazer mi per é 
quanden vós cuyd' e non ey de cuydar 
en quanto mal mi fazedes levar ; 
mays gram maravilha tenho eu que é, 
de mi vir de vós mal, hu deos non 
pos mal de quantas en no mundo son, 
Ca par deus, semelha mui semrazon, 
(Taver eu mal dhu deus non pos, non. 

111 

Senhor fremosa, non poss' eu osmar 
que est aquel en que vos mereci 
tam muyto mal, quam muyto vós a mi 
fazedes, e venho vos perguntar 
o porque é, ca non poss 1 entender, 
se deus mi leixe de vos ben achar 
en que vol' eu podesse merecer, 

Se he senon porque vos sey amar 
muy mays que os meus olhos, nen c'a mi, 
e assy foy sempre des que vos vi; 
pêro sabe deus qu' ey gram pesar 
de vos amar, mays non poss' ai fazer, 
e poren vós a quçn deus non fez par 
non mi devedes y culpa poer. 

Ca sabe deus que se m'end'eu quitar 
podéra, des quant' a que vos servi, 
muy de grado o fezera logu'y, 
mays nunca pudi o coraç on forçar, 
que vos gran ben non ouvess' a querer, 
e poren non dev' eu alezerar, 
senor, nen devo poren de morrer. 

112 

Non sey como me salv' a mha senhor, 
se me deus anfos seus olhos levar; 
ca par deuô non ey como m'a ssalvar, 
que me non julgue por seu traedor; 

poys camanho lemp' a que guareci, 

seu mandado hir e a non vv. 
E ssey eu mui ben no meu coraçon 
o que mha senhor fremosa fará ; 
depoys que anfela for julgar-m'a 
por seu traedor com mui gram razon, 

poys tamanho temp' a que guareci, 

seu mandado ir e a non vy. 
E poys tamanho foy o erro meu 
que lhi flz torto tã descomunal, 
se ma sa gram mesura non vai, 
julgar m'a poren por traedor seu, 

poys tamanho temp* a que guareci 

seu mandado ir, e a non vy. 
Se o juizo passar assy, 
ay eu cativa que será de my ! 



113 

Quix ben, amigus, e quer' e querrey 
hunha molher que me quis, e quer mal, 
e querrá; mays non vos direy eu qual 
a molher; mays tanto vos direy, 
quix ben, e quer r , e querrey tal mulher 
que me quis mal sempre, querrá, e quer. 
Quix e querrey e quero muy gran ben 
a quen mi quis mal e quer, e querrá; 
mays nunca home per ml saberá 
quen é ; pêro direy vos huã ren, 
quix ben e quer\ e querrey tal mulher, 
que me quis mal sempre, querrá, e quer. 
Quix e querrey, e quero ben querer 
a quen me quis, e quer, per boa fé, 
mal, e querrá ; mays non direy quen é; 
mays pêro tanto vos quero dizer 
quix ben e quer', e querrey tal mulher, 
que me quis mal sempre, querrá, e quer. 

114 

Senhor, non vos pes, se me guysar deus 

algunha vez se vos poder veer ; 

ca ben creede que outro prazer 

nunca veram estes olhos meos, 
se non se mi vós fezessedes ben, 
o que nunca será per nulha rem. 
E non vos pes de vos veer, ca tan 

cuytad' ando quequerria morrer, 

se aos meos olhos podedes creer, 

que outro prazer nunca <Tal veran, 
se non se mi vós fezessedes ben, 
o que nunca será per nulla rem. 
E se vos vir, poys que já morr' assy 

non devedes ende pesar aver; 

mays meos olhos, vos poss' eu dizer, 

que nom veeran prazer dal, nen de mi, 
se non se mi vos fezessedes ben, 
o que nunca será per nulla rem ; 
Ca d'eu falar en mi fazerdes ben, 

como falo, fap'i mingua de sen. 

115 

Senhor fremosa, e do mui loução 
corapon, e querede vos doer 
de mi peccador que vos sey querer 
melhor c'a mi ; pêro soo cerlào, 
que mi queredes peyor d'outra ren, 
pêro, senhor, quero vos eu tal ben ; 
Qual mayor poss' e o mays encoberto 
que eu poss' e ssey de Brancha frol, 
que lhi non ouve Flores tal amor, 
qual vos eu ey ; e pêro sõo certão 
que mi queredes peyor d'outra ren, 
pêro, senhor, quero vos eu tal ben. 
Qual mayor poss' e o mui namorado 
Tristâ, sey ben que non amou Iseu, 
quant' eu vos amo, esto certo-sey eu, 



24 



CANCIONEIRO PORTUGU1Z DA VATICANA 



e co tocT esto sey, mao pecado, 
que mi queredes peyor d'outra ren ; 
pêro, senhor, quero vos eu tal ben 
Qual mayor poss\ e to d' aquesto ven 

a mi coytaxTe que perdi o sen. 

116 

voss' amigo tan de corapon 
pom el en võs seus o!h09, e tã ben> 
par deos, amiga, que non sey eu quen 
veja, que noa entenda que non 

pod el poderia ver d % aver praaer 
• de nulha rem, senon de ^os veer» 

E quando el ven hu vós sodes, razon 
quer el catar que se encobra, e ten 
que s*encobre, pêro nõ lhe vai ren; 
ca nos seos olhos entende que non 
pod'el poder aver d'aver prazer 
de nulla ren, se non de vos veer. 
E quen ben vir como el seos olhos pon 
en vós, amiga, quando ante vós ven, 
se noa for con muy gram mengua de seu 
entender pode muy ben d'el que non, 
pod' el poder aver d'aver prazer 
de nulla ren, se non de vos veer. 

117 

Ora, senhor, non poss' eu jà 
per nenhua guysa sofrer, * 
que me non ajam d'entender 
o qu'eu muyto receey, 
ca m'entenderara que vos sey, 

senhor, melhor c'a mi querer. 
Esto receey eu muyfa, 
mays esse vosso parecer 
me faz assy o sen perder, 
que des oy mays pêro m'é greu 
entenderam que vos sey eu, 

senhor, melhor c'a mi querer. 
Vos veed' en como será 
ca par deus non ei ja poder 
que en mi non possa veer, 
quen quer que me vyr des aqui, 
que vos sey eu por mal de mi 

senhor melhor c'a mi querer. 

118 

Senhor, oj' ouvess' eu vagar 
e deus me dess' end' o poder, 
que vos eu podesse contar 
o gram mal que mi faz sofrer 
esse vosso bom parecer, 
senhor a quê el non fez par. 

Ca se vos podess'y falar 
cuydaria rauyf a perder 
da gram coyta, e do pesar 
com que m'oje cu veio morrer; 



ca me non pode scaecer 

esta coyta que non a par. 
Ca me vos fez deus tanfaraar, 
er fèz vos tam muyto^valer, 
que non poss'oje en mi osmar, 
senhor, como possa viver ; 
poys me non queredes tolher 

esta coyta que non a par. 

119 

Que soydade de mha senhor ey ! 
quando ne nembra (Tela qual vi, 
e que me nembra que ben a oy 
falar, e por quanto Jben d 'ela sey, 
rog'eu a deus que end'a o poder 
que m'a leixe, se Ihi prouguer, veer 
Cedo ; ca pêro mi nunca faz ben, 
se a non vir non me posso guardar 
de ssandecer ou morrer con pesar ; 
e porque el a tod' en poder ten, 
rog'eu a deus que end'a o poder 
que m'a leixe, se lhi prouguer, veer 
Cedo; ca tal a fez nostro senhor 
de quantas outras no mundo son 
non lhi fez par, a la minha fé non, 
e poyl a fez das melhores melhor, 
rog'eu a deus que end'a o poder, 
que m'a leixe, se lhi prouguer, veer 
Cedo, ca tal a quis deus fazer, 
que se a non vyr, non posso viver. 

120 

Pêro eu dizer quyzesse, 
creo que non saberia 
dizer, nen er poderia, 
per poder que eu ouvesse, 
a coyta que o coytado 
sofre que é namorado, 
nen er sey quen ra'o creysse, 

Senon aquel a quen desse 
a mór coita todavia 
qual a mi dá noyt' e dia: 
este cuydo que tevesse 
que dig'eu muyf aguysado, 
ca outr'omero non é nado 
que esto creer podesse. 

E poren quen ben soubesse 
esta coyta ben diria, 
e sol non duvydaria 
que coyta que deus fezesse, 
nen outro mal afficado 
non fez tal, nen é pensado 
d'omem que lhi par posesse. 

121 

Ây, senhor fremosa, por deus, 
e por quam boa vos el fez, 



El EEY DOM DENIS 



25 



doede vos algunha vez 
de mi, e (Testes olhos meus, 

que vos viron por mal de ssy, 

quando vos viron, e por mi. 
E porque vos fez deus melhor 
de quantas fez, e mays valer, 
querede vos de mi doer, 
e doestes meus olhos, senhor, 

que vus viron por mal de ssy, 

quando vos viron, e por my. 
E porque o ai non é ren, 
senon o ben que vos deus deu, 
querede vos doer do meu 
mal e dos meus olhos, meu ben, 

que vos viron por mal de ssy, 

quando vos viron, e por my. 

122 

Senhor fremosa, por qual vos deus fez > 
e por quanto ben en vós quis poer, 
se nf agora quizessedes dizer 
o que vos já preguntey outra vez, 
tenho que mi fariades gram ben 
de mi dizerdes quanto mal mi ven 
per vós, se vos esfé loor ou prez. 

Ga se vos fosse ou prez ou loor 
de me matardes, seria razon, 
e non diria eu por ende non; 
mays da tanto seede sabedor 
que nenhu prez, nen loor non vos é, 
anferrades muyto, per boa fé, 
de me matardes, fremosa mha senhor. 

E saben quantos saben vós e mi 
que nunca cousa, como vó9, amey, 
desi saben que nunca vos errey, 
er saben que sempre vos servi 
o melhor que pude, e soub'y cuydar, 
e poren fazedes de me matar 
mal, poys voreu, senhor, non mereci. 

123 

Qucr'eu en maneyra de proençal 
fazer agora um cantar d 'amor, 
e querrey rauyfi loar mha senhor, 
a quen prez, nen fremusura non fal, 
nen bondade, e mays vos direy en 
tanto a fez deus conprida de ben 
que mays que todas las do mundo vai. 

Ca mha senhor quiso deus fazer tal, 
quando a fez, que a fez sabedor 
de todo ben, e de mui gram valor, 
e con tod'est' é muy comunal 
aly hu deve; er deu Ihi bon sen, 
c desy non lhi fez pouco de ben, 
quando non quis que lh'outra fossMgual. 

Ca en mha senhor nunca deus pos mal, 
mays pos hi prez e beldad'e loor, 
e falar mui ben, e riir melhor 

4 



que outra molher, desy é leal 
muyf, e por esto non sey oj'eu quen 
possa conpridamente no seu ben 
falar, ca non a, trai o seu ben, ai. 

124 

Mesura seria, senhor, 
de vos amercear de mi, 
que vos en grave dia vi, 
e en muy grave voss'amor; 
tan grav'é, que non ey poder 
d'aquesta coyta mays sofrer, 
de que muyfa fui sofredor. 

Pêro sabe nostro senhor 
que nunca voreu mereci, 
mays sabe ben, que vos servi 
des que vos vi sempre melhor 
que nunca pudi fazer, 
poren querede vos doer 
de mi coytado pecador. 

Mays deus, que de lod'é senhor, 
me queira poer conselh'hi, 
ca se meu feyto vay assy, 
e m' el non for avidador 
contra vós, qu'el fez valer 
mays de quantas fezo nacer, 
moyr'eu, mays non merecedor, 

Pêro se eu ey de morrer, 
sen vol'o nunca merecer, 
non vos vej'i prez, nen loor. 

125 

Que estranho quo m'he, senhor, 
e que gram coyta d'endurar, 
quando cuyd'en mi, de nembrar 
de quanto mal fui sofredor, 
des aquel dia que vos vi 
e tod'este mal eu sofri 
por vós, e polo voss'amor. 
Ca des aquel tenpo, senhor, 
que vos vi, e oy falar, 
non perdi coytas e pesar, 
nen mal non podia mayor, 
e aqueslo passou assy, 
e tod'este mal eu sofri 
por vós, e polo voss'amor. 
E poren seria, senhor, 
gram ben de vos amercear 
de mi que ey coyta sen par, 
de qual vós sodes sabedor, 
que passou, e passa per mi ; 
e Iodaste mal eu sofri 
por vós, e polo voss^mor. 



126 

Senhor, cuytad'é.o meu corapon 
por vós, e moyro se deus mi pardon* 



26 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YAÍICAÍÍ A 



porque, sabede que des que enton 

vos vi, desy 

nunca coyta perdi. 
Tanto m'é coyta e trax'i mal amor 
que me mata; seed en sabedor, 
e tod'aquesto é des que, senhor j 

vos vi ; desy 

nunca coyta perdi* 

Ca de mi matar amor non m'é greu, 
e tanto mal sofro já en poder seu 
e tocTaquesto, senhor, des quand'eú 

vos vi ; desy 

nunca coyta perdi; 



127 

ffoeiiçaes soên miiy ben trobai^ 
e dizen eles^ que é con amor ; 
mays os que trobam nò tempo da frolj 
e non en outro, sey eu ben cpie noti 
am tam grã coytá no seu coraçoh, 
qual m'eu por mha senhor vejo levar; 

Pêro que troban e saben loar 
sas senhores o mays e o melhor 
que eles pddèn, soo sabedor, 
que os que troban qtiancTa frol sazdri 
a, e noh ante, &è deus mi perdon 1 , 
non am tal coyta qual eu ey sen paf . 

Ca Os tjue troban, è que s^alegrai 1 
van en o tempo que ten' a color 
a frol consigu'e tanto que se for 
aqUel tempo, logo en trobar razori 
non afl, nen viven en qual perdiçô 
oj'eu vyvd que poys ma de matai"* 



1Ô8 

* 

Pfegiinlaí vos quero por deúsj 
senhor fremosa. que vos fez 
mesurada e de bon prez, 
que pecados foron os meus, 
que nunca te vestes por ben 
de nunca mi fazerdes ben. 
Pêro sedprc vos soub^mar^ 
des aquel dia que vos vi, 
mays que os meus olhos en mi } 
e assy o quis deus guysar, 
que nunca tevestes por ben 
de nunca mi fazerdes ben. 
Des que vos vi, senpfo mayor 
ben, que vos podia querer, 
vos quigi, a todo meu poder; 
e pêro quis nostro senhor 
que nunca tevestes por ben 
de nunca mi fazerdes ben ; 
Mays, senhor, a vida cõ ben 
se cobraria ben por ben. 



129 

De múytas coytas 5 senhor^ que levey 
des qile vos soub'i muy gran ben querer^ 
par deus non poss'oj'eu mi escolher 
end'a mayor ; mays per quanfeu passey 
de mal en mal, e peyor de peyor, 
non sey qual é mayor coyta, senhor» 
Tantas coytas levey e padeci 
des que vos vi, que non poss'i osmar 
end'a mayor, tantas foron sen par; 
mays de lodesto que passou por mi 
de mal en mal, e peyor de peyor 
non sey qual é mayor coyta, senhor* 
Tantas coytas passey dei a sazon 
que vos eu vi, per bona fé*, 
que floh poss'osmar a mayor qual é ; 
mays das que passey, se deus me perdott^ 
de mal en mal, e peyor de peyor 
non sey qual é mayor coyta, senhor. 



130 

Nbstro. senhor, se averey guysadú 
de mha senhor mui fremosa veer 
que mi nunca fez nenhun prazer 
e de que nunca cuyd'aver nen bon grado; 
pêro filhar lh'ia por galardon 
de a veer, se soubesse que non 
libera tan grave, deus fossen loado. 

Ca mui grã tenpa que ando coitado 
se eu podéase pola hir veer> 
ca depois non me podescaccer 
qual eu vi hu ouv'i deus irado*, 
ca verdadeyramente des enton 
non trago mig'aqueste corapon> 
nen er sey de mi parte, nen mandado» 

Ca me ten seu amor tan aficado, 
des que sse non guysou de a veer, 
que non ey en mi farpa, nen poder, 
hon dormho ren, nen ey en mi recado ; 
e porque viv'en lã grã perdipon 
que mi dê morte, peçfa deus perdon, 
e perderey meu mal e meu cuydado. 



131 

Senhor, poys me non queredes 
fazer ben, nen o teedes 

per guysado, 
deus seja por en lo^do ; 
mays poys vós mui ben sabedes 
ô torto que mi fazedes, 

gram pecado 
avedes de mi cojtado. 

E poys que vos non doedes 
de mi, e sol non avedes 
. en coydado, 



EL REY DOM DENIS 



27 



en grave dia fui nado ; 

jnays por deus, senhor, seeredes* 

de mi pecador, ca vedes 

mui doado 
jnoyr' e de vós non ey grado. 

K poys mentes noa metedes 
qq meu mal, neo çarregedes 

o estado 
a que m'avedes chegado, 
de me matardes fa redes 
meu ben, poys m'assy tragede* 

estranhado 
do ben que ei desejado. 

E senhor, 6ol non pensedeq 
que pêro mi morte dedes, 

agravado 
oi)d'eu seya mays pagado, 

132 

Que grave coyta, seilhor, ô 
a quen sempr'a desejar 
o vosso ben que non a par, 
com'eu fap\ e per boa fé{ 
se eu a deus mal mereci, 
ben sse vinga per vós en mi. 
Tal coyta mi dá vos^amor, 
e faz me levar tan[o mal, 
que esto iné coylq, mortal 
de sofrer, e poren, senhor, 
se eu a deus mal mereci, 
ben se vinga por vós çn mi, 
Tal coyta sofr'a gram sazoq 
e tanto mal, e tanfafam, 
que par de morte m'é de pram j 
e, senhor, por esta razpn 
se eu a deus mal mereci, 
ben se vinga per yós en mi. „ 
E quer se deus vingar assy, 
como lhi praz, per vós en mi. 

133 

De mi fozerdes vós, senhor, 
ben ou mal, tod' est' en vós é, 
e sofrer me per boa fé 
o mal ; ca o ben, sabedor 
sOo que o non ey d'aver ; 
mays que gram coylade sofrer 
quem é coytade pecador. 

Ca no mal, senhor, vyv'oj'eu 
que de vós ey; mays nulha ren 
non atendo de vosso ben, 
e cuydo senpre no mal meu 
que pass\ e que ei de passar, 
com'aver senpra desejar 
o muy gran ben que vos deus deu. 

E poys que eu, senhor, sofri, 
e sofro por vós tanto mal, 
e que de vós non atend'al. 



en que grave dia naci ! 
que eu de vós por galardon 
non ey d'aver se coyta non 
que seppr ouv'i des que vos vi, 

134 

Assy me trax coytado 
e aflcad'amor, 
e tan atormentado, 
que se nostro senhor 
a mha senhor non met' en cor, 
que se de mi doa d'anior, 
ca averey prazer e sabor. 

Ca vyv' en tal cuydado 
com' é quen sofre dor, 
e de mal aflicado 
que non pode mayor ; 
se mi non vai a que en forte 
ponto vi, ca ja da morte 
ey prazer, e nenhun pavor. 

E faço mui guysado, 
poys soo servidor 
da que mi non dà grado, 
querendo lh'eu melhor 
c'a nji, nen ai, por en 
confort' eu non ey ja, se nen 
da uiqtV ende sõo desejador. 

135 

gram uic'e o gram sabor, 
e o gram conforto que ey, 
é porque ben entender sey 
que o gr^m ben de mha senhor 
non querrç djeíis que err' en mi 
que a senpr' amey e servi, 
e lhi quero c'a min melhor. 

Esto iqe faz alegr'andar 
e mi dá conforme prazer, 
cuydand'en como poss^ver 
ben d 'aqiiela que non a par; 
e deus que lhi fez tanto ben 
non querrá que o seu bon sen 
err'jen mi, quanfé meu cuydar, 

E por end'ey no coraçon 
mui grã prazer ; tal a fez 
deus que lhi deo sen e o bon prez 
sobre quantas no mundo son, 
que non querrá que o bon sen 
err'en mi, mays dar m'ha, cuyd'en 
d'ela ben, e bon galardon. 

136 

Senhor, que de grad'oj'eu querria, 
se a deus e a vós prouguesse, 
que hu vós estades estevesse 
con vosqu'e por esto me terria 
por tan ben andante, 



28 



CANCIONEERO POBTUGUEZ DA VATICANA 



que por rey, nen iffante 

dcs ali adeante 

non me canbharia. 
E sapendo que vos prazeria, 
que hu vós morassedés morasse, 
e que vos eu viss'e vos falasse, 
terria me, senhor, todavya 

por tan ben andante 

que por rey nen iffante 

des ali adiante 

non me canbharia. 
Ca, senhor, en gran ben vyveria, 
se hu vós vivessedes vivesse, 
e ssol que de vós esf entendesse 
terrya men razon, faria 

por tan ben andante 

que por rey, nen iffante 

des ali adiante 

non me canbharia. 

137 

Rnnha pastor ben talhada 
cuydava en seu amigo, 
estava, ben vos digo 
per quanfeu vi, mui coytada ; 
e diss' : Oy mays no é nada 
de fiar per namorado 
nunca molher namorada, 
poys que m'ho meu a errado. 

Ela tragia na mão 
hu papagay mui fremoso 
cantando mui saboroso 
ca entrava o verão, 
e diss' : Amigo loução 
que faria por amores 
poys marrastes lã en vão, 
e ca eu antr'unhas flores. 

Huna grã peça do dia 
jouv'ali, que non falava, 
e a vezes acordava, 
e a vezes esmorecia, 
e diss' : Ay ! santa Maria, 
que será de mi agora 1 
e o papagay dizia : 
ben, per quanfeu sey, senhora. 

Se me queredes dar guarida, 
diss'a pastor, di verdade, 
papagay, por caridade, 
ca morte me est a vida; 
diss'el : Senhor conprida 
de ben, e non vos queixedes ; 
ca o que vos a servida, 
ergued'olho, e veeloedes. 

138 

Senhor fremosa, poys no coraçon 
nunca posesles de mi fazer ben, 
nen mi dar grado do mal que mi ven 



por vós, se quer teede por razon, 
senhor fremosa, de vos non pesar 
de vos veer, se mho deus guysar. 
Poys vos nunca no coraçon entrou 
de mi fazerdes, senhor, senon mal, 
nen ar atendo ja mays de vós ai, 
teede por ben, poys assy passou, 
senhor fremosa, de vos non pesar 
de vos veer, se m*ho deus guysar. 
Poys que vos nunca doeste de mi, 
er sabedes quanta coyta pássey 
por vós, e quanto mal lev' e levey, 
teède por ben, poys que est* assy, 
senhor fremosa, de vos non pesar 
de vos veer, se mho deus guysar. 
E assy me poderedes guardar, 
senhor, sen vos mal estar. 

139 

Nunca vos ousey a dizer 
o gram ben que vos sey querer, 
senhor d'este meu coraçon ; 
mays a que m'en vossa prison 
de que vos praz de mi fazer. 

Niinca vos dixi nulha ren 
de quanto mal mi por vós ven, 
senhor d'este rneu coraçon, 
mays a q m'è vossa prison 
de mi fazerdes mal ou ben. 

Nunca vos ousei a contar, 
mal que mi fazedes levar, 
senhor d'este meu coraçon, 
mays a que m'é vossa prison 
de me guarir ou me matar. 
E senhor, coyta e ai non 
me forçou de vos hir falar. 

140 

Non me podedes vós, senhor, 
partir d'este meu coraçon 
graves coytas, mays sey que non 
mi poderiades tolher 
per bona fé nenhun prazer, 
ca nunca o eu pud'aver, 
desque vos eu non vi, senhor. 

Podedes mi partir gran mal, 
e graves coytas que eu ey 
por vós, mha senhor, mays ben sei, 
que me non podedes por ren 
tolher prazer, nen hu ben, 
poys end'eu nada no ouv'en 
desque vos vi, non vi senon mal. 

Graves coitas, e grand'afan 
mi podedes se vos prouguer 
parar mui ben, senhor, mays er 
sei que non podedes tolher 
e que em mi non a prazer 
desque vos non pudy veer, 
mays que gran coit' e grand' afan. 



EL RET DOM BENIS 



29 



141 

Poys ante vós estou aqui 
senhor d'este meu corapon 
por deus teede por razon, 
por quanto mal por vos sofri, 
de vos querer de mi doer, 
ou de me leixardes morrer. 
E poys do mal qu'eu levei 
muyfa vós sodes sabedor, 
teede ja por ben, senhor, 
por deus, poys tanto mal passey, 
de vos querer de mi doer, 
ou de me leixardes morrer. 
E poys que viv'en coyta tal, 
per que o dormir e o sen 
perdi, teêde ja por ben, 
senhor, poys tanfó o meu mal, 
de vos querer de mi doer 
ou de me quererdes valer. 



142 

Senhor, que mal vos nembrades 
de quanto mal por vós levey 
e levo, ben o creades, 
que par dfeus ja poder non ey 
de lan grave coyta sofrer; 
niays deus vos leixe parfaver 
da mui gran coyta que mi dades. 

E sse deus quizer que ajades 
parte de minha coyta, ben sey 
pêro m'ora desamades, 
logu'enton amado serei 
de vós, e podedes sabor 
qual coyta é de padecer 
aquesla, de que me matades. 

E, senhor, certa sejades, 
que des enlõ non temerey 
coyta que mi dar possades, 
e tod'o meu sen cobrarey 
que mi vós fazedes perder, 
e vós cobrades conhocer 
tanto que m'algun ben façades. 



143 

Amor, en que grave dia vos vi, 
poys que lan muyfa que eu servi 
jamays nunca sse quis doer de mi 
e poys me Iodaste mal per vós ven, 
mha senhor, aja ben, poys esl' assy, 
e vós ajades mal e nunca ben. 

En grave dia que vos vi, amor, 
poys a de quen senpre foy servidor, 
me fez et faz cada dia peyor; 
e poys ey por vós tal coyta mortal, 
faça deus sempre ben a mha senhor, 
e vós, amor, ajades lodo o mal. 



Pois da mays fremosa de quantas soa 
non pud'aver se coita non, 
e por vós vyv'eu en tal perdipon, 
que nunca dormen estes olhos meus, 
mha senhor, aja ben per tal razon, 
e vós, amor, ajade mal de deus. 



144 

Que prafcer avedes, senhor, 
de mi fazerdes mal por ben, 
que vos quig* e quer', e poren 
peç.'eu tanfa nostro senhor, 
que vos imuTesse coraçon, 
que m'havedes lan sen razon. 
Prazer avedes do meu mal, 
pêro vos amo mais c'a mi, 
e poren peç'a deus assy 
que sabe quanfé o meu mal, 
que vos mud'esse coraçon, 
que m'havedes tan sen razon. 
Muytó vos praz do mal que ey, 
lume d'aquestes olhos meus, 
e por esto peç'eu a deus, 
que sab'a coyta que eu ey, 
que vos mudasse coraçon, 
que m'havedes tan sen razon; 
E sse vol o mudar, enton 
poss ? eu viver, senon, non. 



145 

Senhor, que ben parecedes, 
se mi contra vós valesse 
deus, que vos fez, e quisesse 
do mal, que mi fazedes 
mi fazessedes enmenda, 
e vedes, senhor quejanda, 
que vos viss'e vos prouguesse. 

Ben parecedes sen falha, 
que nunca vyu bomem tanto 
por meu mal e meu quebranto : 
mays, senhor, que deus vos valha, 
por quanto mal ey levado 
por vós, ajá eu por grado 
veer vos si quer ja quanto. 

Da vossa gram frem usura 
ond'eu, senhor, atendia 
grã ben, e grand'alegria, 
mi ven gram mal sen mesura: 
e poys ei coyta sobeja, 
praza vos ja que vos veja 
no ano hua vez d'ú dia. 



146 

Senhor fremosa, vejo vos queixar 
porque vos anT, e no meu corafon 



30 



CANCIONEIRO POHTUGUEZ DA VATICANA 



ey muy gram pesar, se deus mi perdon\ 
porque vej' end'a vós aver pesar, 
e queria m'en de grado quytar, 
mays noa posso forçar o coraçon 

Que mi forçou meu saber e meu sen 
c|esi meteu me no vosso poder, 
e do pesar que vos eu vej' aver 
par deus, senhor, a mi pesa muyt l enj 
e partir m'ia do vos querer ben 
mays tolhe m^end 1 o coraçon poder. 

Que me forçou de tal guisa, senhei^ 
que seu, nen força non ey ja dç mi, 
ç do pesar que vos tomades hy 
tornou pesar, que non posso mayor x 
e queria non vos aver amor, 
jnays o. coraçon pode mays ca mi. 



147 

Amor fez a ml amar 
gran temp' a hunha rnolher 
que meu mal quis sempre que^ 
e me quis e quer matar ; 
e ben o pode acabar, 
poys endV poder ouver,* 
mays deus, que sab'a sobeja 
coyta que nTela dá, veja 
como vyvo tan coytado, 
el mi ponha hy recado. 

Tal molher mi fez amor 
amar, que ben des eplQn 
non mi deu se coyta non, 
e do mal serppr'o peyor; 
por end'a nostro senfior 
rogu^u mui de coraçon, 
qu^lmajud^en a tan forte 
coyta, que par m'é de morto, 
e ao grã mal sobejo, 
com que m'oj eu morrer uejQ, 

A mi fez gram ben querer 
amor húa molher tal, 
que senpre quis o meu mal, 
e a quen praz d*eu morrer; 
e poys que o quer fazer, 
non poss' eu fazer hi ai ; 
mays deus que sab' o gram torto 
que mi ten, mi dé cõhorto 
a este mal sen mesura, 
que tanto comigo dura. 

Amor fez a mi gran ben 
querer tal molher, ond' ei 
senpre mal, e averey: 
ca en tal coyta me ten, 
que non ey eu força, nen sen : 
poren rogu' e rogarey 
a deus, que sabe que vivo 
en tal mal, e tan esquivo, 
que me queira dar guarida 
de mort\ ou de melhor vida. 



148 

Punh'eu, senhor, quanto poss'eu quyt j 
d'en vós cqydar este meu coraçon, 
que cuydq. sempr'en qual vos vi, mays noa 
poss'eu ppr ren, nen mi, nen el forçar, 
que non cuyde senpr'en qual vos eu yi j 
e por esto non sey oj'eu de mi 
que faça, nen me sey conselho dar. 

Non pudi nunca partir de chorar 
estes meus olhos ben dei a sazon 
que vos viro, senhor, ca des enlon, 
quis deus assy que vol hi foy mostrar, 
que non podess' o coraçon desy 
partir d'en vós cuydar, e vyv' assy 
sofrendo coyta tal, que non a par. 

E mha senhor, hu senpr'ey de cuydai 
no maypr ben dos que ijo jnundo soa 
qual est' o vosso, ey muy gram razon ; 
poys nop poss' end' p coraçon tirar 
de viver en cara anho mal vivi, 
desque vos eu por meu mal conhoci, 
e d'aypr sempr'a iuort' a desejar. 

149 

De mi valerdes seria, senhor, 
mesura, por qujapt a que vos seryr, 
mays poys vos praz de non seer assy, 
e do mal ey de vós sempr' o peypr, 
veecTora se seria melhor, 
como vo$ praz de me leixar morrer, 
de vos prazer de mi querer yaler. 
De mi valerdes, senhor, nulha ren 
non errades, poys vos sei tanfamar 
como yos am\ e poys yos é pesar 
e sofreu mal de que moyf e poren 
veed' agora se seria ben, 
como vos praz dp mi leixar morrer, 
de vos prazer de mi querer valer. 
De mi valerdes pra mui mester, 
porque perco quanto vos direy 
o corpo e deus, e nunca vo6 errey, 
e pêro praz vos do meu mal mays, er 
veedes se é ben, e se vos prouguer, 
como vos praz de mi leixar morrer, 
de vos prazer de mi querer valer. 
De mi valerdes, deus non mi perdon', 
se vós perdedes do vosso bon prez, 
poys vos tant' am ? e por deus que vos fez 
valer mays de quantas no mundo son, 
ved' agora se é razon 
como vos praz de mi leixar morrer, 
de vos prazer de mi querer valer. 
E poys, senhor, en vós é o poder, 
par dçus quered* o melhor escolher. 

150 

Vy oj' eu cantar d'amor 
en hu fremoso virgeu, 



Èt fcEY BOÍÍ DENIâ 



M 



hunha fremosa pastor 1 
que ao parecer seu 
ja mays nunca Ihi par vi} 
e poren dixi Ih' assy : 
Senhor por vosso vou eu. 

Tornou sanhudà enton } 
quando nfest' oyu dizer, 
e diss' : Ide vos varon ; 
quen vos foy aqui trager, 
para mordes d'estorvaf 
du dig'aqueste Cantar 
que fez quen sey ben querer ? 

Poys que me mandades bir^ 
dixi Ih^eu* senhor* hir m'ey ; 
mays ja vos ei de servir, 
sempre por voss' andarey ; 
ca vóS3' amor me forçou 
assy> qiie por vosso Voii, 
cujo senpr 1 eu já serey* 

Diz ela : Non vos len prol 
esso qiie dizedeá, neh 
mi praz de o oyr, sol 
ant' ey nòj' e pesar efy 
ca tneu coraçon non ó$ 
nen será per boa fé, 
senon no Quero ben. 

Nen o meti, difci lh'eii jâ 4 
senhor, non se pattirà 
de vós, por cujo s'el ten. 

O meu, diss* ela, será, 
hu foy sempre, hú está, 
e de vós non curo rem 



151 

Quand'eu ben meto feraençá 
en qual vos vej* e Vos vi 
des que vos eu conhoci, 
deus que non mente mi rhençá^ 
senhor, se oj ? eu sey ben 
que scmelh* o voss'en ren. 
Quand'eti a beldade vossa 
vejo, que vi por meu mal$ 
deus qtTa coytados vai 
a mi nunca ualer possa, 
senhor, se oj' eu sey ben 
que semelh'0 voss'en renj 
E quen o assy non ten^ 
non vos vyu, on non a sen 4 

152 

Senhor, aquel que sempre sofre mal, 
mentre mal a, non sabe que 6 ben, 
e o que sofre ben sempre' outro tal, 
do mal non pode saber nulha ren ; 
pêro en querede poys que eu, senhor, 
por vós fui sempre de mal sofredor, 
que algun tempo sabha que é ben. 



Ca o bôfy senhor, hon póss*eii sabétf 
senon pet* vós, per quen eu o mal seij 
desy o mal non o posso perdei* 
se per vós non, e poyl b ben non ey 
queredWa, senhor, qual por deus jâ 
que eri vós pos quanto btín no miind'à) 
que o ben sabha, poys que non sey. 

Ca se non souber algua sazoii 
o ben per vós, per quen eil mal sbfri> 
non tenh'eu ja hy se morte non, 
e vos perdedes mesura en mi; 
poren querede por deus que vos deú 
ta mtiyto ben, que per vós sabha eu 
o ben, senhor > por quanto mal sofri; 



Í53 

âetihói', eh tan graue diá, 

vos vi, que non poderia 

mays, e por sfchta Maria 

que vos fes tan mesurada^ 
doede vos algu dia 
de mi, senhor beú talhada. 
Poys sempre a en uós mesuffy 

e todo ben e cordHra, 

que deus fez en vós feytura 

qual úon fez eii mulher nada, 
doede-vos por mesúrà 
de mi, senhor ben talhada. 
E por deus, senhor, tomado 

mesura por grarò bondade 

que vós el deu, e catade 

qual vida vy vo coytadà, 
e algu doo tomade 
de mii, senhor ben talhada* 



Í54 

Pór de\te, senhor, póys per \ v òs non ficou 
de mi fazer ben, e ficou per mi, 
têede por ben, póys assy passou, 
en galardon de quanto vos servi 

de mi teer puridade, senhor, 

e eu a vós, ca cst' ó o melhor. 
Non ficou per vóâ de mi fazerdes ben, 
e de deus ajades bon galardon, 
mays a minha mingua foi grand', e poren 
por mercee tõedô por razon 

de me teer puridade, senhor, 

eclia vóà, ca esf ó o melhor. 
Sempre vos doesto bon grado darey, 
mays eu minguVy cn loor e en prez 
como deus quis, mays assy passou 
praza vós, senhor, por qual vos el fez 

de me teer puridade, senhor, 

e èu a vós, ca est' é o melhor. 
Canon tiro eu, nen vós prez, nen loor 
d'aqueste preyto se sabudo for. 



32 



CANCIONEffiO PORTUGTJEZ DA VATICANA 



155 

Senhor, eu vyvo coytada 
vida, des quando vos non vi ; . 
mays poys vós queredes assy> 
por deus, senhor ben talhada, 

querede vos de mi doer, 

ou ar leixade ra'ir morrer. 
Por deus, mha senhor fremosa, 
vos sodes tan poderosa 
de mi, que meu mal e meu ben 
en vós é tod'e poren 

querede vos de mi doer 

ou ar leixade m'ir morrer. 
Eu vyvo por vós tal vida, 
que nunca estes olhos meus 
dorme, mha senhor, e por deus 
que vos fez de ben conprida, 

querede vos de mi doer 

ou ar leixade m'ir morrer; 
Ca, senhor, todo m'é prazer 
quanfi vos quiserdes fazer. 

Em esta flblha adeante sse começa as 
CANTIGAS D' AMIGO que o muy respeitable 
Dom Denis de Portugal fex. 



I5fl 

Ben entendi, meu amigo, 

que mui grara pesar ouvestes 

quando falar non podestes 

vós n'outro dia comigo ; 

mays certo seed', amigo, 
que non foy o vosso pesar, 
que s'ao meu podess'iguar. 
Mui ben soub'eu por verdade 

que erades tan cuytado 

que non avya recado ; 

mays, amigo, a cá tornade, 

sabede ben por verdade, 
que non foy o vosso pesar, 
que s'ao meu podess'iguar. 
Ben soub', amigo, por certo 

que o pesar d'aquel dia 

vosso que par non avya, 

mays pêro foy encuberto; 

e poren seede certo 

que non foy o vosso pesar, 
que s'ao meu podess'iguar; 

Ca o meu non se pod' osmar, 
nen eu non o pudi negar. 



157 

Amiga, muyfa gram sazon 
que se foy d'aqui cõ el rcy 
meu amigo ; mays ja cuydey 
mil vezes no meu coraçon 



que algur morreu com pesar, 
poys non tornou migo falar. 
Porque tarda tan muyto lá, 

e nunca me tornou veer, 

amiga, si veja prazer, 

mays de mil vezes cuydei já 
que algur morreu con pesar, 
poys non tornou migo falar. 
Amiga, o coraçon seu 

era de tornar ced' aqui 

hu visse os meus olhos; en mi 

e por en mil vezes cuyd'eu, 
que algur morreo com pesar, 
poys non tornou migo falar. 

158 

Que trisfoj' é meu amigo, 

amiga, no seu coraçon, 

ca non pode falar migo, 

nen veer-m* ; e faz gram razon 
meu amigo de trist' andar, 
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar. 
Trisfanda, se deus mi valha, 

ca me non vyu e dereyfé 

e por esto faz sen falha 

mui gram razon per boa fé 
meu amigo de trist 1 andar, 
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar. 
D'andar triste faz guisado, 

ca o non vi, nen vio el mi, 

nen er oyu meu mandado; 

e poren faz grand dereyt' i 
meu amigo de trist' andar, 
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar, 

Mays, deus, como pode durar 
que ja non moirco com pesar í 

159 

Dos que ora son na oste, 
amiga, queria saber 
se se verran tard' ou toste ; 
por quanto vos quero dizer 
porque é lá meu amigo. 

Queria saber mandado 
dos que a lá son, ca o non sey, 
amiga, par deus de grado 
por quanto vos ora direy 
por que é lá meu amigo. 

E queredes que vos diga, 
se deus bon mandado mi dé, 
queria saber, amiga, 
d'eles novas, vedes por que ; 
por que é lá meu amigo, 

Ca por ai non vol o digo. 

160 

Que muyt' a ja que non vejo 
mandado do meu amigo, 



EL RET DOM DENIS 



33 



pêro, amiga, pos migo 
ben aqui hu nTora sejo, 

que logo menvyaria 

mandado, ou s'ar tornaria. 
Muyto mi tarda sçn falha 
que non vejo seu mandado, 
pêro ouve m'el jurado 
ben aqui, se deus mi valha, 

que logo m'envyaria 

mandado ou s'ar tornaria. 9 
E que vos verdade diga 
el s'eve muyto chorando 
er s'eve por mi jurando • 
hu m'agora sej' amiga, 

que logo m'envyaria 

mandado, ou s'ar tornaria. 
Mays poys non ven, nen envya 

raandad 1 , é mort', ou mentia. 

ltil 

Chegou m'ora aqui recado, 
amiga, do voss' amigo, 
e aquel que falou migo 
diz mi que é tan cuytado, 

que por quanta press'avedes, 

já o guarir non podedes. 
Diz que oje tercer dia 
ben lhi perfirades morte, 
mays ouv' el coyta tan forte, 
e tan coyta d' er jazia, 

que por quanta press'avedes 

já o guarir non podedes. 
Con mal que lhy vós fezestes 
jurou, mh'amiga fremosa, 
que pêro vós poderosa 
fostes d'el quanto quisestes, 

que por quanta press'avedes 

jà o guarir non podedes ; 
E gran perda per fazedes 
hu tal amigo perdedes. 

162 

O meu amig' , amiga, non quer' eu 
que aja grã pesar, nem grã plazer, 
e quer' eu este preyt 1 assy trager 
com'a erro notando no feyto seu 
ca o no quero guarir, nem o matar, 
nen o quero de mi desasperar. 
Ca se lh'eu amor mostrasse, ben sei 
que lhi seria end'a tan grã ben, 
que lh'aviam d'enteúder por en 
qual ben mi quer, e poren esto farey, 
ca o non quero guarir, nen o matar, 
nen o quero de mi desasperar. 
E se lhi mostrass 1 algun desamor, 
non sse podia guardar de morte 
tant 1 averia en coyta forte: 
mays por eu non errar cnd' o melhor, 



ca o non quero guarir, nen o matar, 
nen o quero de mi desasperar, 
E assi sse pode seu tempo passar, 
quando con prazer, quando con pesar. 

163 

Amiga, bon grad' aja deus 
do meu amigo que a mi ven, 
mays podedes creer mui ben, 
quando o viir dos olhos meus, 

que possa aquel dia veer, 

que nunca vi mayor prazer. 
Ajades ende bon grado 
porque o faz viir aqui, 
mays podedes creer per mi, 
quand' eu vir o namorado, 

que possa aquel dia veer 

que nunca vi mayor prazer. 

164 

Vós, que vos en vossos cantares, meu 
amigo chamades, creede ben, 
que non dou eu por tal enfinta ren ; 
e por aquesto, senhor, vos mand'eu 

que ben quanto quiserdes des aqui, 

fazer façades enfinta de mi. 
Ca demo lev'essa ren que eu der por 
enfinta fazer, e mentir ai 
de mi, ca me non monta ben, nen mal; 
e por aquesto vos mand'eu, senhor, 

que ben quanto quiserdes des aqui, 

fazer façades enfinta de mi. 
Ca mi non tolh'a mi ren, nen mi dà 
de s'enflnger de mi mui sen razon 
ao que eu nunca fiz se mal non ; 
e poren, senhor, vos mand'ora ja 

que ben quanto quiserdes desaqui 

fazer façades enfinta de mi : 
Estade com'estades de mi 
e enfingede vos ben desaqui. 

165 

Roga m'oje, filha, o vosso'amigo 
muyt' aficado, que vos rogasse, 
que de vos amar non vos pesasse ; 
e poren vos rogu' e vos castigo 

que vos non pcs de vos el ben querer, 

mays non vos mand'i, filha, mays fazer. 
Eu nTestava en vós falando, 
e m'esto que vos digo rogava, 
doy me d'el, tã muyto chorava; 
e poren, filha rogu' e mando, 

que vos non pes de vos el ben querer ; 

mays non vos mand' y, filha, mays fazer. 
Ca de vos el amar de coraçon 
non vej' eu ren de que vos hi percades, 
sen hi mays aver, mais guaanhades: 



34 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e por esto pol a mha beençon, 
que vos non pes de vos el ben querer, 
mays non vos mand'y, filha, mays fazer. 

166 

Pesar mi fez meu amigo, 
amiga, mays sey eu que non 
cuydou el no seu coraçon 
de mi pesar ; ca vos digo, 

que anfel queria morrer, 

c'a mi sol hu pesar fazer. 
Non cuydou que mi pesasse 
do que fez, ca sei eu muy ben, 
que do que foy, non fora ren, 
poren sey, se en cuydasse, 

que anfel queria morrer, 

c'a mi sol hú pesar fazer. 
Feze-o por encuberta, 
ca sey que se fora matar, 
ante que a mi fazer pesar ; 
e por esto soo certa 

que anfel queria morrer, 

c'a mi sol hu pesar fazer. 
Ca de morrer, ou de viver 
sab' el ca x'é no meu poder. 

167 

Amigas, sey eu ben d'unha molher 

que se trabalha de vosco buscar 

mal a voss'amigo pol o matar; 

mays tod' aquest', amiga, ela quer, 
porque nunca con el pode poer 
que o podesse por amig' aver. 
E busca lhi convosco quanto mal 

ela mays pode, aquesto sei eu, 

e tod' aquest' ela faz pelo seu 

é por este preyt', e non por ai ; 
porque nunca con el pode poer 
que o podesse por amig' aver. 
Ela trabalha se a gran sazon 

de lhi fazer o vosso desambr 

aver, e a ende muy grã sabor; 

e tod' est', amiga, non é senon, 
porque nunca con el pode poer 
que o podesse por amig' aver. 
Por esto faz ela seu poder 

para fazelo convosco perder. 

168 

Bon dia vi, amigo, 

poys seu mandad' ey migo, 

louçana. 
Bon dia vi, amado, 
poys migu' ey seu mandado, 

louçaua. 
Poys seu mandad 1 ey migo, 
rogu'eu a deus e digo 

louçana. 



Poys migo ey seu mandado, 
rogu'eu a deus de grado 

louçana. 
RogiTeu a deus e digo 
por aquel meu amigo, 

louçana. 
Por aquel meu amigo, 
que o veja comigo, 

louçana. 
Por aquel namorado, 
que fosse já chegado, 

louçana. 

169 

Non chegou, madr', o meu amigo, 
e oj' est o prazo saydo ; 
ay ! madre, moyro d^mor. 
Non chegou, madr', o meu amado, 
e ojest o prazo passado; 
ay ! madre, moyro d'amor. 
E oj' est o prazo saydo, 
por que mentiu o desmentido, 
ay ! madre, moyro d'amor. 
E oj' est o prazo passado, 
por que mentiu o perjurado, 
ay! madre, moyro d'amor. 
E porque mentiu o desmentido 
pesa mi, poys per si é falido, 
ay ! madre, moyro d'amor. 
Porque mentiu o perjurado 
pesa mi, poys mentiu por seu grado, 
ay ! madre, moyro d'amor. 

170 

De que morredes, Olha, a do corpo velido? 
mad re , moyro d'amores,que mi deu meu amigo 

alva e vay liero. 
De que morredes, filha, a do corpo louçano ? 
madre,raoy ro d 'amores que mi deu meu amado; 

alva e vay liero. 
Madre, moyro d' amores que mi deu meu amigo 
quando vej'esta cinta que por seu amor cinjo ; 

alva e vay liero. 
Madre, moyro d'amores que mi deu meu amado 
quando vej'esta cinta que por seu amor trago 

alva e vay liero. 
Quando vej'esta cinta que por seu amor cinjo 
e me nembra, fremosa, como falou comigo; 

alva e vay liero. 
Quando vej'esta cinta que por seu amor trago, 
e me nembra, fremosa, como falamos ambos ; 

alva e vay liero. 

m 

— Ay flores ! ay flores do vente pyno, 
se sabedes novas do meu amigo ! 
ay deusl ehué! 
Ay flores ! ay flores do verde ramo, 
se sabedes novas do meu amado ! 
av deus ! e hu é ? 



EL REY DOM DENIS 



35 



Se sabedes novas do meu amigo, 
aquel que mentiu do que pos comigo ! 
ay deusl e hu é? 
Se sabedes novas do meu amado, 
aquel que mentiu do que raha jurado! 
aydeus! e hué? 
«Vós me pergunlades polo voss'amado ? 
e eu ben vos digo que é viv' e sano; 
aydeus! ehu é? 
E eu ben vos digo que é san'e vyvo, 
e será vosco anfo prazo saydo ; 
aydeus! ebu é? 
E eu ben vos digo que é vyv'e sano, 
e será vosco anfo prazo passado; 
aydeus! ehu é? 

172 

Levantou s'a velida, 
levantou s'alva, 
e vay lavar camysas 

en o alto ; 
vay las lavar, alva. 

Levantou s'a louçana, 
levantou s'alva, 
e vay lavar delgadas 

en o alto; 
vay las lavar, alva. 

Vay lavar camisas, 
levantou s'alva, 
o vento lh'as desvya 

eno alto; 
vay las lavar, alva. 

E vay lavar delgadas, . 
levantou s'alva, 
o vento lh'as levava 

eno alto; 
vay las lavar, alva. 

O vento Ufas desvya 
levantou s'alva, 
meteu s'alva en hira 

eno alto; 
vay las lavar, alva. 

vento lh'as levava, 
levantou s'alva, 
meteu s'alva en sanha 

en o alto ; 
vay las lavar, alva. 

173 

Amigu'e, meu amigo, valha deus, 
vede la frol do pinho, 
e guisade d'andar. 
Amigu'e meu amado, valha deus, 
vede la frol do ramo, 
e guisade dandar. 
Vede la frol do pinho, valha deus, 
selad' o bayoninho, 
e guisade d'andar. 



Vede la frol do ramo, valha deus, 
selad* o bel cavalo, 
e guisade d'andar. 
Selad'o bayoninho, valha deus, 
treyde vos, ay amigo, 
e guisade d'andar. 

174 (via 116) 

voss'amigo tan de coraçon 
pon ele en vós seus olhos, e tã ben, 
par deus amiga que non sey eu quen 
<J verá, que non entenda que non 
pod'el poder aver d'aver prazer 
de nulha ren, senon de vos veer. 
E quen ben vir com'el seus olhos pon 
en vós, amiga, quand'ante vós ven, 
se xi non for muy minguado de sen, 
entender pod'er d'el muy ben que non 
pod'el poder aver d'aver prazer 
de nulha ren, senon de vos veer. 
E quand'el ven hu vós sodes, razon 
quer el catar que s'encobra, e ten 
que s'encobre, pêro non lhi vai ren; 
ca nos seus olhos entende que non 
pod'el poder aver d'aver prazer 
de nulha ren, senon de vos veer. 

175 

Com'ousará parecer ante mi 
o meu amigo, ay amiga, por deus! 
e com'ousará catar estes meus 
olhos, se o deus trouxer per aqui, 
poys tam muyfa que non veo veer 
mi, e meus olhos, e meu parecer ? 
Amiga, ou como s'atreverá 
de m'ousar sol dos seus olhos catar, 
se os meus olhos vir hu pouc' alçar, 
ou no coraçon como o porra, 
poys tan muyfa que non veo veer 
mi, e meus olhos, e meu parecer ? 
Ca sey que non terra el por razon, 
como quer que m'aja mui grand^mor, 
de m'ousar veer, nen chamar senhor, 
nen sol non o porra no coraçon, 
poys tan muyfa que non veo veer 
mi, e meus olhos, e meu parecer. 

176 

— En grave dia, senhor,- que vos oy 
falar, e vos viron estes olhos meus. 

«Dizcd^migo, que poss'eu fazer hi 
en aqueste feyto, se vos valha deus. 
— Paredes mesura contra mi senhor? 
«Farey, amigo, fazend'eu o melhor. 
— Hu vos en tal ponto eu oy falar, 
senhor, que non pudi depoys ben aver; 



3G 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



«Amigo, quero vos ora perguntar 
que mi digades o que poss'y fazer? 

— Faredes mesura contra mi senhor? 
«Farey, amigo, fazend'eu ó melhor. 

— Des que vos vi e vos oy falar non 
vi prazer, nen dormi, nen folguei. 

«Amigo, dizede, se deus vos perdon', 
o qu eu hi faça, ca eu non o scy. 

— Faredes mesura contra mi senhor? 
«Farey, amigo, fazend'eu o melhor. 

1T7 

Amiga, faço me maravilhada 
como pôde meu amigo viver 
hu os meus olhos non poden veer, 
ou como pod'a lá fazer tardada ; 
ca nunca tan gram maravilha vi, 
poder meu amigo viver sen mi, 
e par deus é cousa mui desguisada. 

Amiga, estadora calada 
hun pouco, e leixad'a mi dizer: 
per quant' eu sey certfe poss'entender 
nunca no mundo foy molber amada, 
como vós de voss^mig', e assy 
se el tarda sol non é culpad'i, 
se non eu quer'en ficar por culpada. 

Ay amiga, eu ando tan coytada, 
que sol non poss'cn mi tomar prazer, 
cuydand'cu como sse pode fazer, 
que non é já comigo de tornada; 
e par deus porque o non vej'aqui, 
que é morto gram sospeyta tom', e 
ss'é morfen mal dia eu fuy nada. 

Amiga fremosa e mesurada, 
non vos digu'eu que non pode seer 
voss'amigo, poys honre, de morrer ; 
mays par deus, non seiades sospeytada 
d'outro mal d'el, ca desquand'eu naci 
nunca d'outr T ome tan leal oy 
falar, e quen end'al diz, non diz nada. 

178 

O voss^migo, amiga, vi andar 
tam coylado que nunca lhi vi par, 
que adur me podia ja falar; 
pêro quando me vyu, disse m'assy : 
ay senhor I hyd'a mha senhor roguar 
por deus que aja já mercee de mi. 
El andava triste mui sen sabor 
como quen é lã coylado d'amor 
e perdudo o sen e a color, 
pêro quando me vyu, disse m'assy : 
ay ! senhor, ide roguar mha senhor, 
por deus que aja mercee de mi. 
El, amiga, achei eu andar tal 
como morto, ca é descomunal 
o mal que sofr'e a coyta mortal; 
pêro quando me vyu disse m'assy : 



senhor, rogad'a senhor do meu mal 
por deus que mercee aja de mi. 

179 

«Amigo, queredes vos hir? 

— Si, mha senhor, ca non poss'al 
fazer, ca seria meu mal, 

e vosso ; por end'a partir 
mi conven d'aqueste loguar, 
mays que gran coyta d'endurar 
me será poys me sen vós vir. 

«Amigu', e de mi que será? 
— Ben: senhor bõa e de prez, 
e poys m'eu for d^questa vez, 
o vosso mui ben sse passará ; 
mays morte m'é de m'alongar 
de vós, e hir m'alhur morar, 
mays poys é vos uma vez cá. 

«Amigu' eu sen vós morrerey. 
— Non o querra deus esso senhor; 
mays poys hu vós fordes non for 
o que morrerá eu serey ; 
mays quer' eu anfo meu passar, 
ca assy do voss'aventurar, 
ca eu sen vós de morrer ey. 

«Queredes m'amigo matar? 

— Non mha senhor ; mays por guardar 
vós, mato mi que m'ho busquey. 

180 

«Dizede por deus, amigo, 
tamanho bem me queredes 
como vós a mi dizedes? 

— Sy, senhor, e mays vos digo, 
non cuydo que oj 1 ome quer, 

tam gram ben no mund'a molher. 
«Non creo que tamanho ben 
mi vós podessedes querer 
camanh'a mi ides dizer. 

— Sy, senhor, e mays direy en: 
non cuydo que oj'ome quer 

tam gram ben no mund'a molher. 
«Amigu'eu non vos crecrey 
s'é que dev'a nostro senhor, 
que m'avedes tan gram amor. 

— Sy, senhor, e mays vos direy : 
non cuydo que oj^me quer 

tam gram ben no mundo'a molher. 

181 

Non poss'eu, meu amigo, 
con vossa soydade 
viver, ben volo digo, 
e por esto morade, 

amigo, hu mi possades 

falar, e me vejades. 



EL REY DOM DENIS 



37 



Non poss'hu vos non vejo 
viver, ben o creede, 
lan muyto vos desejo, 
e por esto vivede, 
amigo, hu mi possades, 
falar, e me vejades. 
Naci en forte ponto, 
c, amigo, partide 
o meu gran mal sen conto, 
e por esto guaride, 
amigo, hu mi possades, 
falar, e me vejades. 
Guarrey, ben o creades, 
senhor, hu me mandades. 

182 

Por deus, amigo, quen cuydaria 

que vós nunca ouvessedes poder 

de tam longo tempo sen mi viver ? 

e des oy mays, par santa Maria, 
nunca molher deve, ben vos digo, 
muyfa creer per juras d'amigo. 
Dissestes m'liu vos de mi quitastes: 

log'aqui serey con vosco, senhor, 

e jurastes mi polo meu amor ; 

e des oy mays, poys vos perjurastes, 
nunca molher deve, ben vos digo, 
muyfa creer per juras d'amigo. 
Jurastes m'enton muyfaíicado 

que logo, logo sen outro tardar 

vos queriades para mi tornar : 

e des oy mays, ay meu perjurado ! 
nunca molher deve, ben vos digo, 
muyfa creer per juras (Tamigo. 
E assy farey eu, ben vos digo, 

por quanto vós passastes comigo. 

183 

meu amigo a de mal assaz 
tant',amiga, que muyto mal per é 
que no mal non a mays, per boa fé ; 
e tod'aquesto vedes que lh"o faz 
porque non cuyda de ml ben aver, 
viv'cn coyta coytado por morrer. 
Tanto mal sofro, si deus mi perdon', 
que já eu, amiga, d'el doo ey, 
e per quanto de ssa fazenda sey, 
toÍTeste mal é por esta razon: 
porque non cuyda de mi ben aver, 
viv'en coyta coytado por morrer. 
Morrerá d'esta hu non pod'aver ai, 
que toma en sy tamanho pesar 
que sse non pode de morte guardar ; 
<\ amiga, ven lhi tod'este mal 
porque non cuyda de mi ben aver, 
viv'en coyta coytado por morrer. 
Ca se cuydasse de mi ben aver, 
anfel queria vyver, c'a morrer. 



184 

Meu amigo, non poss'eu guarecer 
sen vós, nen vós sen mi, e que será 
de vós ! mais ai deus que end'o poder a 
lhi rogu'eu que el querra escolher 
por vós, amigo, e des y por mi, 
que non moyrades vós, nen eu assy 
Como morremos ; ca non a mester, 
de tal vida avermos de passar, 
ca mays nos valeria de nos matar ; 
mays deus escolha, se a el prouguer, 
por vós, amigo, e desy por mi 
que non moyrades vós, nen eu assy 
Como morremos ; ca en a mayor 
coyta do mundo, e en a mays mortal 
vivemos, amigo, e no mayor mal ; 
mays deus escolha como bon senhor 
por vós, amigo, e desy por mi 
que non moyrades vós, nen eu assy 
Como morremos ; ca per boa fé 
mui gram temp'a que este mal passou 
por nós e passa, e muyto durou ; 
mays deus escolha como quen ele é 
por vós, amigo, e desi por mi 
que non moyrades vós, nen eu assy 
Como morremos; e deus ponha hi 
conselh', amigo, a vós e a mi. 

185 

Que coyta ouvestes, madr'e senhor, 
de me guardar que non possa veer 
meu amigu'e meu ben, e meu prazer; 
mays se eu posso, par nostro senhor, 
que o veja, e lhi possa falar, 
guisar lh'ey, e pes a quen pesar. 
Vós fezestes tod'o vosso poder, 
madr'e senhor, de mi guardar que non 
visse meu amigu', e meu coraçon ; 
mays se eu posso a tod'o meu poder 
que o veja, e lhi possa falar, 
guisar lh'ey, e pes a quen pesar. 
Mha morte quisestes, madr', e non ai, 
quanfaguisastes que per nulha ren 
eu non viss'o meu amigue meu ben ; 
mays se eu posso hu non pocTaver ai 
que o veja, e lhi possa falar, 
guisar lh'ey, e pes a quen pesar, 
E sse eu, madr^esto poss'acabar, 
o ai passe, como poder passar. 

186 

Amigu', e fals^c desleal, 
que prol a de vos trabalhar 
de na mha merece cobrar, 
ca tanto o trouxeste mal, 

que non ey de vos ben fazer 

pêro nTeu quisesse poder. 



38 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



Vós trouxestes o preyfassy 
como quen noa é sabedor 
de ben, nen de prez, nen d'amor, 
e porê creede por mi 
que non ey de vos ben fazer 
pêro m'eu quisesse poder. 
Caestes en tal cajon 
que sol conselho non vos sey, 
ca jà vos eu desemparey 
en guisa, se deus mi perdon', 
que non ey de vos ben fazer 
pêro m'eu quisesse poder. 



187 

Meu amigo ven oj'aqui, 
e diz que quer migo falar, 
é sab'el que mi faz pesar, 
madre, poys que lh'eu defendi, 
que non fosse per nulha ren 
per hu eu foss', e ora ven 
Aqui ; e foy pecado seu 
de sol poner no coraçon, 
madr',e passar mha defensem ; 
ca sab'el que lhi mandey eu 
que non fosse per nulha ren 
por hu eu foss', c ora ven 
Aqui; hu eu con el faley 
perante vós, mad^e senhor, 
e oy mays perd'o meu amor 
poys lh'eu defendi, e mandey 
que non fosse per nulha ren 
por hu eu fosse, e ora ven 
Aqui, madre; e poys fez mal sen 
dereyfé que perca meu ben. 



188 

Quisera vosco falar de grado, 
ay meu amigu'e meu namorado, 
mays non ous'oj'eu con vosc'a falar 
ca ey muy grã medo do hirado, 
hirad'aja deus quen me lhi foy dar. 

En cuydados de mil guysas travo 
por vos dizer o con que m'agravo, 
mays non ous'oj'eu convosc'a falar, 
ca ey mui gram medo do mal bravo ; 
mal brav'aja deus quen me lhi foi dar. 

Gran pesar ey, amigo, sofrudo 
por vos dizer meu mal ascondudo, 
mays non ous^eu comvosc'a falar; 
ca ey mui gram medo do sanhudo; 
sanhud'aja deus quen me lhi foy dar. 

Senhor de meu coraçon, cativo 
sodes em eu viver con quen vivo, 
mays non ous'oj'eu convosc'a falar; 
ca ey mui gram medo do esquivo, 
esquiv'aja deus quen me lhi foy dar. 



189 

Vy vos, madre, con meu amig'aqui 

oje falar, e ouv'en gran prazer 

porque o vi de cabo vós erguer 

led'e tenho que mi faz deus ben hi, 
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen 
non pode seer senon por meu ben. 
Ergueu-se ledo e rio jà, o que 

mui gram temp'a qu'el non fez, 

mays poys já esto passou esta vez, 

fiqu'end'eu leda, se deus ben me dê, 
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen 
non pode seer senon por meu ben. 
El pos os seus olhos nos meus enton, 

quando vistes que xi vos espediu, 

e tornou contra vós led'e riio; 

e por end'ey prazer no coraçon, 
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen 
non pode seer senon por meu ben. 
E pêro m'eu da fala non sey ren, 

de quanfeu vi, madr', ey gram prazer en. 

190 

Gran temp'a, meu amigo, que non quis deus 
que vos veer podesse dos olhos meus, 
e non pon con tod'esto en mi os seus 
olhos, mha madr'amigu'; e poys est assy, 
guysade de nos hirmos, por deus, d'aqui, 
e faça mha madr'o que poder deshy. 
Non vos vi a gram tempo, nen sse guysou, 
ca o partiu mha madr'a quen pesou 
d'aquesle preyfe pesa, e mi guardou, 
que vos non vyss'amigu v ; e poys est assy 
guysade de nos hirmos, por deus, d'aqui, 
e faça mha madr'o que poder deshy. 
Que vos non vi a muyto, e nulha ren 
non vi des aquel tempo de nenhu ben, 
ca o partiu mha madr', e fez poren 
que vos non vyss'amigu'; e poys est assy- 
guysade de nos hirmos, por deus d'aqui, 
e faça mha madr'o que poder deshy : 
E se non guisardes mui ced'assy, 
matades vos, amigu'e matades mi. 

191 

Valer vos hya, amigo, se oj'en 
ousasse, mais vedes quen 
m'o tolhe, d'aquest'e non ai, 
mha madr'é, que vos a mortal 
desamor, e con este mal 
de morrer non me pezaria. 

Valer-vos-hya, deus, meu ben, 
se eu ousasse, mays vedes quen 
me tolhe de vos non valer: 
mha rnadfé que end'a poder 
e vos sabe gram mal querer, 
e por en mha morte queria. 



EL HEY DOM DENIS 



39 



192 

Para veer meu amigo 
que talhou preyto comigo, 
ala vou, madre. 
Pêra veer meu amado 
que mig'a preyto talhado, 
ala vou, madre. 
Que talhou preyto comigo 
e por esto que vos digo : 
ala vou, madre. 
Que mig T a preyto talhado 
e por esto que vos falo, 
ala vou, madre. 

193 

Chegou mh'amiga recado 
d'aquel que quero gram ben, 
que poys que viu meu mandado 
quanto pode viir, ven; 
e and'eu leda poren, 
e fazo muyfaguysado. 

El ven por chegar coytado 
ca sofre grã mal d'amor, 
et anda muyfalongado 
d'aver prazer, nê sabor, 
senon ali hu eu for 
hu é todo seu cuydado. 

Por quanto mal a levado, 
amiga, razon farey 
de lhi dar eu d'algun grado, 
poys ven como lh'eu mandey, 
e logu'el será, ben sey, 
do mal guarid'e cobrado, 

E das coytas que lh'eu dey 
des que foy meu namorado. 

194 

De morrerdes por mi gram dereyfé, 
amigo, ca tanto paresqu'eu ben, 
que d' esto mal grad'ayades vos en 
e deus bon grado, ca per boa fé 
non é sen guisa de por mi morrer 
quem mui ben vyr este meu parecer. 
De morrerdes por mi non vos dev'eu 
bon grado poer, ca esto fará quen quer, 
que ben cousir parecer de molher, 
e pois mi deus este parecer deu, 
non é sen guisa de por mi morrer 
quen muy ben vyr este meu parecer. 
De vos por mi amor assy matar 
nunca vos d'esto bon grado darey, 
e, meu amigo, mays vos eu direy : 
poys me deus quis este parecer dar, 
non é sen guisa de por mi morrer 
quen muy ben vyr este meu parecer, 
Que mi deos deu, e podedes creer 
que non ey ren que vos hi gradecer. 



195 

Mha madr'é velyda, 
vou m'a la baylia 
do amor. 
Mha madr'é loada, 
vou m'a la baylada 
do amor. 
Vou m'a la baylia 
que fazen en vila, 
do amor. 
Que fazen en vila 
do que eu ben queria 
do amor. 
Que fazen en casa 
do qu'eu muyfamava 
do amor. 
Do qu'eu ben queria, 
chamar m'ã garrida 
do amor. 
Do qu'eu muyfamava, 
chamar m'ã perjurada 
do amor, 

196 

Coytadavyv',amigo, porque vos non vejo, 
e vós vyvedes coytad'e cõ grã desejo 
de me veer, e mi falar, e poren sejo 

senpr'en coyta tan forte, 

que non m'é senon morte, 
com'é que viv'amigo en tam gram desejo? 

Por vos veer, amigo, vy v'en tã coy tada, 
e vós por me veer, que oy mays non é nada 
a vida que fazemos; e maravilhada 

sõo de como vivo 

sofrendo tan esquivo 
mal, ca mays valeria de non seer nada. 

Por vos veer, amigo, non sey quê sofresse 
tal coyta, qual eu sofr'e vós que non morresse; 
e con aquestas coitas eu quen non nacesse, 

non sey de mi que seja, 

e da morfey enveja 
a tod'ome ou molher, que ja moresse. 

197 

voss' amig', ay amiga, 
de que vós muyto flades, 
tanto quer'eu que sabhades 
que hua que deus maldiga 
volo ten louco e tolhey to, 
e moyr' end'eu con despeylo. 
Non ey ren que vos asconda, 
nen vos será encoberto, 
mays sabede ben por certo, 
que hua que deus confonda 
volo ten louco e tolheyto, 
e moyr'end'eu con despeyto. 
Non sey molher que sse pague 
de lh'outras o seu amigo 



10 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA 



filhar, e poren vos digo 

que húa que deus estrague, 
volo ten louco e tolheyto 
e moyr' end' eu con despeyto. 
E fazo muy grã dereyto, 

poys quero vosso proveyto. 

198 

Ay! fàls'amigu'e sen lealdade, 
ora vej'eu a grani falsidade 
con que mi vós a grã temp'andastes ; 
ca d'outra sey eu já por verdade 
a quen vós a tal pedra lançastes. 
Amigo fals' e muyfencuberto, 
ora vej'eu o grã mal perto 
con que mi vós a grani temp'andastes; 
ca d'outra sey eu já ben por certo 
a quen vós a tal pedra lançastes. 
Ay, fals^migu^u non me temia, 
do gram mal, e da sabedoria 
com que mi vós a gran temp'andastes ; 
ca d'outra sey eu que o ben sabia, 
a quen vós a tal pedra lançastes ; 
E de colherdes, razon seria, 
da falsidade que semeastes. 

199 

Meu amigu'u eu sejo 
nunca perco desejo 
se non quando vos vejo : 
e poren vivo coytada 
con este mal sobejo 

que sofr'eu, ben talhada. 
Viver que sen vós seja, 
senpr'0 meu cor deseja 
vos, atà que vos veja 
e por en vivo coytada 
con gran coyta sobeja 

que soffr'eu, ben talhada. 
Non é se non espanto 
hu vos non vejo, quanto 
ey desej'e quebranto; 
e poren vivo coytada 
con aqueste mal tanto 

que soflr'eu, ben talhada. 

200 

Por deus punhade de veerdes meu 
amig', amiga, que aqui chegou, 
e dizede-lhi, pêro me foy greu, 
o que m'el já muy tas vezes rogou : 
que lhi faria end'eu o prazer, 
mays tolhe m'ende mha madr'o poder 
De o veerdes ; gradecer vol-o ey, 
ca sabedes quanfa que me servyu, 
e dizede lhi pêro lh'estranhey 
o que m'el rogou, cada que me viu : 



que lhi faria end'eu o prazer, 
mays tolhe m'ende mha madr'o poder 
De o veerdes ; gram prazer ey hi 

poys do meu bem desasperad' está, 

por end'amiga, dizede-lh' assy 

que o que n^el por vezes rogou já, 
que lhi faria end'eu o prazer, 
mays tolhe nfende mha madr'o poder. 
E por aquesto non ey eu o poder 

de fazer a mi nen a el prazer. 

201 

Amiga, quen vos ama 
vos é coytado, 
e sse por vosso chama ; 
desque foy namorado 
non viu prazer, sey o eu, 

poren ja morrerá 
e por aquesto m'é greu. 

Aquel que coita forte 
ouve des aquel dia 
que vos el vyo, que morte 
lh'é, par santa Maria, 
nunca vyu prazer, nen ben 

poren ja morrerá, 
a mi pesa muyfen. 

202 

Amigo, poys vos non vi, 
nunca folguey, nen dormi, 
mays ora já desaqui 

que vos vejo, folgarey, 

c veerey prazer de mi 

poys vejo quanto ben ey. 
Poys vos non pudi veer 
ja mays non ouv'i lezer 
e hu vos deus non quis trager 

que vos vejo, folgarey, 

e veerey de mi prazer, 

poys vejo quanto ben ey. 
Des que vos non vi, de ren 
non vi prazer e o sen- 
perdi, mays poys mh'aven 

que vos vejo, folgarey, 

e veerey todo meu ben, 

poys vejo quanto ben ey. 
De vos veer a ml praz 
tanto que muyto 6 assaz, 
mays hu m'este ben deus faz 

que vos vejo, folgarey, 

e veerey gran solaz, 

poys vejo quanlo ben ey. 

203 

Poys que diz meu amigo 
que se quer hir comigo, 
poys que d'el praz, 



EL REY DOM DEMS 



41 



praz a mi, ben vos digo, 
e este é o meu solaz. 
Poys que diz que todavya 

non hymos nossa vya, 
poys que a el praz, 
praz m'e veg'i bon dia, 
e este é o meu solaz. 
Poys me de levar vejo 

que esfé o seu desejo, 
poys que a el praz, 
praz mi muyto sobejo 
e este é o meu solaz. 



204 



Por deus, amiga, pes vos do grã mal 
que dizend'anda aquel meu desleal, 
ca diz, de mi, e de vós outro tal 
andand'a muytus que lhi fiz eu ben, 
e que vós soubestes tod'este mal, 

de que eu nen vós non soubemos ren. 
De vos en pesar é mui grã razon, 
ca dizend'anda mui gram trayzon 
de mi, e de vós, se deus mi perdon', 
bu sse louva de mi, que lhi flz ben, 
e que vós soubestes end'a razon, 

de que eu, nen vós non soubemos ren. 
De vos en pesar dereyto per'é 
ca diz de mi gram mal, per boa fé, 
e de vós, amiga, cada bu s'é 
falando; ca diz que lhi flz eu ben, 
e ca vós soubestes todo com'é, 

de que eu, nen vós non soubemos ren. 

205 

Falou m'oj' o meu amigo, 
mui ben, e muyfomildoso 
no meu parecer fremoso, 
amiga, que ey migo ; 
mays pêro tanto vos digo 
que lhi non torney recado 
ond'el ficasse pagado. 
Disse m'el, amiga, quanto 
m'eu melhor ca el sabia, 
que de quã ben parecia 
que no dera seu quebranto; 
mays pêro sabede tanto 
que lhe non torney recado 
ond'el ficasse pagado. 
Disse ra'el : Senhor creede 
que a vossa fremosura 
mi faz gram mal sen mesura, 
por en de mi vos doede; 
pêro, amiga, sabede 
que lhi non tornei recado, 
que el ficasse pagado. 
E foi ss'end'el ta coytado 
que tom'cnd'eu ja cuydado. 
<> 



206 

Vay ss'o meu amig'alhur sen mi morar, 
e par deus, amiga, ey end'eu pesar 
porque ss'ora vay, e no meu coraçon 
tamanho que esto non é de falar 
ca lho defendi, e fazo gram razon. 

Defendi lh'eu que se non fosse d'aqui 
cà todo meu ben perderia por hy 
e ora vay ss'e faz mi grã traiçon, 
e des oy mays que será de mi 
non vej'y, amiga, se morte non. 

20V 1 

Não sey oj'amigo quén padecesse 
coyta qual padesco que non morresse 
senon eu coytada, que non nacesse ; 
porque vos non vejo cornou queria, 
e quisesse deus que me scaecesse, 
vós, que vi, amigu'en grave dia. 
Non sey, amigo, molher que passasse 
coyta qual eu passo que ja durasse 
que non morress', ou desasperasse ; 
porque vos non vej'eu com'eu queria, 
e quisesse deus que me non nenbrasse 
vós, que vi, amigu'en grave dia. 
Non sey, amigo, quem bo mal sentisse 
que eu senpo, que o sol encobrisse 
se non eu coitada, que deus maldisse ; 
porque vos non vejo com'eu queria, 
e quisesse deus que nunca eu visse 
vós, que vy, amigu'en grave dia. 

208 

Pêro muito amo, muito nom desejo 
aver da que amo, e quero gram bem ; 
porque eu conheço muy entom et vejo 
os que de aver muifa my nom m'avem 
a tam grande folgança que mayor non seja 
o seu dano d'ela que me tal bem deseja, 
o bem d'essa dama em muy pouco tem. 

Mas o que nom he et seer podria 
sse fosse assy que a ella deesse 
bem do meu bem, eu desejaria 
aver o mayor que aver podesse ; 
ca pois a nos ambos hi guisava proveito, 
tal bem desejado farya defeyto, 
et sandeu seria quem o nom fezesse. 

E quem d'outra guisa tal bem, nom 
he namorado, mas he affrom, 
que sempre trabalh'i por cedo cobrar 
do que non soe y o amor regallar ; 
d'ahi et de tal amor amo mays de cento 
et nom amo buã de que me atento 
de seer servidor de boom cor açora. 

Que pois me eu chamo et soo servidor, 
gram t reitor ssia se in sus'a senhor 
por meu ben ouvesse mal ou sem razom, e 
quantos bem amam o diram assy. 



42 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VAUCANA 



EL REY DOM AFFONSO DE CASTELLA 
E DE LEOM 

QCE YEXCEB IL REY DE BELAIARU COI PODER D'AALRI 

A PAR DE TARIPA 

209 

Era hum tiempo cogi flores 
dei mui nobre paraíso, 
cuilado de mis amores 
e d'el su fremoso riso ! 
e sempre vivo en dolor 
e ya lo non puedo sofrir, 
mais me valera la muerte 
que en el mundo vivífc 

Yo cum cuidado demores 

vol-o vengo ora dizer, 

que he d'aquesta mi senhora, 

que muicho desejo aver. 
En el tiempo en que solia 
yo coger d^aquestas flores, 
d 1 ai cuidado nom avia 
des que vi los sus amores ; 
c nom se 1 per qual ventura 
me vino a defalir, 
si lo flz'el mi peccado, 
si lo flzo el mal dizir. 

Yo cum cuidado d'amores 

vol-o vengo ora dizer, 

que 6 cTaquesta mi senhora 

que muicho desejo aver. 
No creades, mi senhora, 
el mal dizer de las gentes, 
ca la muerte m'es Hegada 
sy en elho parardes mentes; 
ay senhora, nobre rosa, 
mercede vos vengo pidir, 
avede de mi dolor 
e no me dexedes raorir. 

Yo cum cuidado d'amores 

vol-o veng'ora a dizer, 

que he d'aquesta mi senhora 

que muicho desejo aver. 
Yo cogi la flor das frores 
de que tu coger solias, 
cuitado de mis amores 
bien se'lo que tu querias ; 
(\ios lo pues te por tal guisa 
que te lo pueda fazer, 
anfyo queria mi muerte 
que te asy veja a morrer. 

Yo cum cuidado d'amores 

vol-o vengo ora a dizer, 

que he d'aquesta mi senhora 

que muicho desejo aver. 

CONDE DOM PEDRO DE PORTUGAL 

210 

Que muyto bem me fez nostro senhor 
aqupl dia em que m>l foy mostrar 



hua dona que fez melhor falar 
de quantas fez e parecer melhor ; 
e o dia em que m'a fez veer 
el que quiz alli que foss'en seu poder 
hu me podia nunca mais bem dar. 

Nom jà en ai d'esto som sabedor 
se m'algum tempo quisera Leyxar, 
e leyx', c juro nom a ir matar 
mays pois la maten serei sofredor, 
sempre de coyta em quanfeu viver 
ca sol y cuydo no seu parecer 
ey muyto mays d'outra rem desejar. 

B poys eu nunca d'outra rem sabor 
poss^tender para me confortar, 
muy bem posso com verdade jurar 
pol-os que dizem que am mal d 1 amor; 
que com verdade nom podem dizer 
porque cuydan d'i tomar grara prazer 
o que a mi nunca pode chegar. 

Nem esperança nunca poss'aver 
confoutros am d'algum bem atender, 
poys eu meu bem nunca posso cobrar. 

211 

Nom quer a deus por mha morte rogar, 
nem por mha vida jà nom m'ha mester, 
oy aquel que o rogar quyzer 
por sy o rogu' e leyx'a mi passar 
asy meu tempo, cá mentre eu durar 
nunca me pode bem nem mal fazer 
nem ond'eu aja pezar ou prazer. 
E jà m'el tanio mal fez que nom sey 
rem hu me possa cobrar, d'isso nom 
sey nem sab'oulrem, nem sab'el razom 
porque me faça mays mal de quanfey ; 
e poys eu jà por tod'esto passey, 
nunca me pode bem nem mal fazer 
nem ond'eu aja pesar, nem prazer. 
E bem nem mal nunca m'el jà fará 
poys m'el pesar com gram coyta deu, 
que nunca prazer no coraçom meu 
me pode dar coyta nem poderá ; 
e poys por mi tod'esto passou jà, 
nunca me pode bem nem mal fazer 
nem ond'eu aja pesar nem prazer. 
Nom poss'en mim per rem .... 






212 

Tal sazon fuy em que eu jà perdi 
quanto bem ouve, nem cuydei aver, 
que par podesse a outro bem sseer ; 
mays ora jà mi guisou deus assy 
que hu perdi tam gram bem de senhor 
cobrey d'atcnder outro muy melhor 
em todo bem de quantos outros vi. 

E quand>n outra sazom perdi eu 



ESTEVAM FEBNANDES D'E1VAS 



43 



aquel gram bem, log'i cuidey que nom 
perdesse coita do meu coraçom ; 
mays agora deus tal senhor mi deu, 
que de bom prez e sen e parecer 
he muy melhor de quantas quiz fazer 
e quiz log'i que foss'em poder seu. 

Hu a d'eu perder aquela que amar 
sabia mais que mi nem outra rem 
nom cuydava, dante deus outro bem 
mays prouge a deus de m'o. asi guisar ; 
que hu perdi aquela que amei 
e outro sen muy melhor cobrey 
que me faz deus servir e desejar. 

Por eu na sazon em que m'eu queyxey 
a deus hu perdi quanto desejey 
oy mays poss'en coraçom deus loar ; 
e porque me poz em tal cobro que sey 
por senhor a melhor de quantas ey 
en que poz tanto bem que nom ha par. 

213 

Nom me poss'eu de morte defender 
poys vejo d'amor que me quer matar, 
por hua dona ; mays poys m'eu guardar 
nom posso já de por dona moirer 
catarey já das donas a melhor 



PÊRO LAROUCO 

214 

De vós, senhor, quer'eu dizer verdade 
e nom já sobr'amor que vos ey, 
senhor, é bem en a tropidade 
des quantas outras en o mundo sey, 
assy direy como de puridade 
nom vos vence oje senom filha d , um rey, 
nem vos amo, nem me perderey 
hu vos nom vir por vós de soydade. 

E s'eu vosco na casa estevesse 
e visse-vos cá vossa color 
s'eu o mundo em poder tevesse 
nom vos faria de todos senhor 
nem d'outra cousa onde sabor ouvesse 
e d'uma rem d'emperador, 
que de beldade peor estevesse 

Todos vos dizem, senhor, com enveja 
que d'esso medes el es, e mi nom, 
por deus vos rogo que esto nom seja, 
nom faredes cousa tan sem razom ; 
araade vós quem vos mais deseja 
e bem quercde, que elles todos som, 
et se vos eu quero bem de coraçom 
leve-me deus a terra hu vos nom veja. 

215 

Nom ha meu padre a quem peça 
hua peça d'um canelho, 



com que huntasse sa peça 
tod'a coelho e coelho ; 
cá a peça nom se especa 
buse estremado vermelho 
ca muyfaja gram peça 
que foy sem manto a conselho. 

que de me Vilar corrudo 
á, e de mays na ameaça 
aynda eu fi-de-cornudo 
seja por feyto que faça 
e el padre do meu drudo 



ESTEVAM FERNANDES DELVAS 

216 

Estes que agora, madre, aqui som 
dizem qiThe sandeu meu amigo; 
nom tenhades que o por ai digo, 
mays bem creo se me vyssem, que nom 
terriã meu amigo por sandeu, 
madre, é que por mi ensandeceu. 
E os que dizem que perdeu o sen 
por mi, madre, nom me diriam mal 
se soubessem com'é, et sey-me eu ai 
poys que me vissem, que nunca por en . 
terriã meu amigo por sandeu, 
madre, é que por mi ensandeceu. 
E aqueiles que já dizem qu'el he 
por my sandeu, asy deus mi perdon', 
cada huu d'eles no seu coraçom 
se me vyssem, nunca per boa fé 
terriã meu amigo per sandeu, 
madre, é que por mi ensandeceu. 

217 

Ay boa dona, se deus vos perdon' 
que vos nom pez do que vos eu direy : 
eu viv'en coita ca tal senhor ey 
mui fremosa, € pux no coraçom 
que fale vosco, cá nom vy senhor 
que semelhe como vós, mha senhor. 
E nom vos péz, senhor, pois vos deus deu 
fremusura e bondade e bom prez, 
e por todo este bem que vos el fez 
ouv'a poer en o coraçom meu 
que fale vosco, cá nom vi senhor 
que semelhe como vós, mha senhor. 
Poys sobre todas em bem parecer 
vos deus fez mais fremosa e en sen, 
e em mesura e em todo o outro bem, 
ouve eu no meu coraçom arder, 
que fale vosco, cá nom vy senhor 
que semelhe como vós, mha senhor. 



44 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA 



218 

À mha senhor fezo deus por meu mal 
tam fremosa, iam de bom sem, a tal 

que semelha que nunca em ai cuidou ; 

por dar a mi esta coita em que vou 
sei eu que a fez el e nom por ai, 
se m'ela com todo este bem, nom vai. 
Muy bem na fez falar et entender 
sobre quantas donas el fez nacer, 

que semelha, que nunca em ai cuidou; 

por dar a mi esta coita em que vou 
sei eu que a fez tam bem parecer 
se m'ela com todo esto nom valer. 

Esta senhor que mi em poder tem 
fez deus fremosa e de muy bom sem, 

que semelha que nunca em ai cuidou ; 

por dar a mi esta coita em que vou 
sei eu que a fez nom por outra rem 

se m'ela com todo este bem nom vem. 

« 

219 

Ouç'eu dizer huu verv' aguysado 
que — bem e mal sempre na face vem, 
e verdad'é, per com'end'a mi avem, 
cThuma dona hu tod'esto ey osmado; 
cá de quanto bem na sa face vy 
vem end'amigos tanto mal a mi, 
porque o verv' em meu dan'é provado. 

.A sa bondade e seu prez mui loado 
e sa mesura, nem do seu bom ssem 
nom mi vem mal mays d'outro muy gram bem 
que eu amigos polo meu pecado 
na sa fremosa face conheci, 
por quanto mal encTa mi vem dali 
está o verv' em meu dano tornado. 

Mas el é grand'afam e cuidado . 
e gram coyta que m'aflcado tem, 
.de todo esto a mi nom salgua rem 
por qual doairo quam bem apostado 
na sa face fremosa conheci; 
com gram beldade, amigos, é assi 
em meu dan'o verv' asacayado. 

E des enton, amigos, entendi 
que este vervo que eu sempre ouvi, 
he com verdad'en dan' acabado. 



ESTE V AM DA GUARDA 

PRIVADO DEL REY 001 DBNIS * 
220 

Ora senhor, tenho muyfaguysado 
de sofrer coita grand'e gram desejo 
pois d'u vós fordes eu for alongado 
e vos nom vir como vos ora vejo ; 
e mha senhor, esfé gram mal sobejo 
meu, et meu gram quebranto 



seer eu de vós por vos servir quanto 
posso mui desamado. 

De long'en coita e gram soidade 
convém, senhor, de sofrer todavia 
poys d'u vos fordes de gram beldade 
vos eu nom vir, que vi em grave dia ; 
e mha senhor, em gram bem vos teria 
de me dardel-a morte, 
cá de viver eu em coita tam forte 
et em tal estraidade. 

Nom fez deus par a desejo tam grande, 
nem a qual coita sofrer des ume 
partir de vós, cá poys quer que ande 
no que darei, ar meu bem e meu lume; 
de chorar sempre e com mui gram queixume, 
maldirei mha ventura, 
cá de viver eu em tam gram tristura 
deus, senhor, non o mande. 

E queira el, senhor, que a mha vida 
poys por vós he cedo, sei, acabada, 
cá pela morte me será partida 
gram soidade e vida mui coitada; 
de razom he d'aver eu desejada 
a morte, poys entendo 
de chorar sempre, e andar sofrendo 
coyta desmesurada. 

• 

221 

Por partir pesar que sempre vy 
a mha senhor aver dtf muy gram bem 
que ltTeu quero, desejava por en 
mha morte, amigos ; mays, pois entendi 

que lhe prazia de me mal fazer 

logu'eu des y desejey a viver. 
Veendeu bem, que do muy grand'amor 
que lb'eu sempre ouv'y tomava pesar, 
hya por cnd'a morte desejar ; 
mays poys, amigos, end'eu fuy sabedor 

que lhe prazia de me mal fazer 

logu'eu des y desejey a viver. 
Se me deus entom a morte nom deu 
nom ficou já por mi de lh'a pedir 
cuydand'a d'a tal pesar partir; 
mays poys amigos bem certo fuy eu 

que lhe prazia de me mal fazer 

logu'eu des y desejey a viver, 
Non por mha prol, mays para nom perder 
da que por mi rem dd que lhe prazer. 

222 

Sempre eu, senhor, mha morte receey 
mais d'outra rem, et já por boa fé 
nom a receedes porque he 
por aquesto que vos ora dyrey, 
a gram coyta que por vós ey senhor 
me faz perder de mha morte pavor. 
Cuydava-nveu que sempre de temer 
ouvess'a morte que sempre temi, 



FEKNAM BODBIOUIZ BE CALHEYR08 



45 



mais ora já, senhor, nom est asy 

por aqueslo que vos quero dizer, 
a gram coyta que por vós ey, senhor, 
me faz perder de raha morte pavor. 
Nom me passava sol por coráçom 

que eu podessc da morte per rem 

perder pavor, mais ora vejo bem 

que o nom ey, et vedes porque nom: 
a gram coyta que por vós ey, senhor, 
me faz perder de mha morte pavor, 
Que eu senpr'ou ve par deus, mha senhor, 

muyto me foy de o perder peor. 

223 

Ouç'eu muytos d'amor quexar 
et dizem que por ele lhes vem 
quanto mal ham, et que os ten 
en tal coyta que nom ha par; 

mays a mi vem da mha senhor 

quanto mal ey per desamor, 
Que m'ela tem ; pêro que ai 
ouço eu a muytos dizer 
que lhes faz g-ram coyta sofrer 
amor onde lhes vem gram mai ; 

mays a mim vem da mba senhor 

quanto mal ey per desamor 
Que m'ela tem muy sem razom; 
pêro vej'eu muytos de pram 
que dizem, que quanto mal ham 
que d'amor lhes vem et d 'ai nom; 

mays a mi vem de mha senhor 

quanto mal ey per desamor 
Que m'ela tem; et que peor 
poss'aver cà seu desamor? 

224 

Estranha vida viv'qj'eu, senhor, 
da que vivem quantos no mundo soro, 
como viver pesand'a vós, et nom 
aver eu jà doutra cousa sabor 
se nom da morte por partyr per hy 
pesar a vós et muy gram mal a mi, 
e fazer-me deus morrendo viver. 

Eu tal vida, qual m'oides dizer 
viv*eu, senhor, fazenda vós pezar, 
e mal a mi, et nom me quer deus dar 
de o partir nenhum sen, nem poder ; 
et pêro, senhor, grande meu mal 
vedes o que mhe mays grave que ai 
o pesar he que vós tomades en 

Querer a mi, senhor, quanto mal me vem 
podendo deus toÍTeste mal partir 
por mha morte que nom quer consentir, 
porque sabe que mais morte me tem 
per viver eu, pois a vós pesar he ; 
quanto mal, senhor, per boa fé 
ha em lai vida, dizer nom no sei. 



225 

Do que bem serve sempr'oí dizer 
que bem pede, mais digo-vos de mi 
pêro que eu, gram temp'ha, bem servi 
bua dona que me tem em poder; 
que nom tenho que por meu bem servir 
eu razon ei de Ihi por en pidir 
o maior bem dos que deus quiz fazer. 

Bem entendeu que logar deve aver 
o que bem serve de pidir por en 
com razom, mais est em tam gram bem 
que Ihi nom pod'outro bem par seer; 
pois d'eu bem servir hua dona tal 
por Ihi pedir bem que tam muito vai 
sol non no deu en porafom poer. 

E, meus amigos, quen bem cousecer 
o mui gram bem que nos Iro senhor deu 
a esta dona, bem certo sei eu 
se ou ver sen que bem pode entender, 
que por servir quantos no mundo som 
nom devem sol poer em coraçom 
que pedir possa en tal bem caber. 

Por end'a mi convém querend'ou nom 
de servir bem, sem avendo razom 
que por servir aja bem d'atender. 

PÊRO D'0RNELAS 

226 

Nostro senhor, e ora que será 
d'aquel que sempre coitado viveu 
e viv'e cuida porem ser sandeu, 
cá sabe bem que nunca perderá 

esta coita, cà nom quer sa senhor. 
E que será do que quis mui gram bem 
e quer a quem lh'o nom quer gradecer, 
nem Ihi quer por ende outro bem fazer 
e sabe que nom perderá per rem 

esta coita, cá nom quer sa senhor. 
E que será do que sempre servir 
foi, que Ihi quis e quer por en mal, 
e nunca Ihi por en quis fazer ai 
e que nunca de si pode partir 

esta coyta, cà nom quer sa seuhor. 

Em esta folha adeante se começam as CAN- 
TIGAS D' AMIGO, que fezerom denis çavalley- 
ros, et o primeiro he 

FERNAM RODRIGCIZ DE CALBEYROS 

227 

Perdudey, madre, cuyd'eu, meu amigo; 
maçar m'el viu sol nom quis falar migo, 
e mha soberva nfho tolheu, 
que flz o que m'el defendeu. 
Maçar m'el viu sol nom quis falar migo, 
e eu m'o flz que nom prix seu castigo; 



46 



CÀNCIONEIBO POKTUGUEZ DA VATICANA 



e mha soberva m'ho tolheu, 
que fiz o que m'el defendeu. 
Eu m'o fiz que nom prix seu castigo; 
que mi vai ora quando o digo, 
e mha soberva m'ho tolheu 
que fiz o que m'el defendeu. 
E sei-m'eu tanfem qual bem m'el queria, 
que nom meti mentes no que fazia; 
e mha soberva m'ho tolheu 
que fiz o que m'el defendeu. 
Que nom meti mentes no que fazia, 
e fiz pezar a quem m'o nom faria; 
e mha soberva m'ho tolheu 
que fiz o que m'el defendeu. 
E fiz pezar a quem m'ho nom faria, 
e tornou-s'en sobre mi a fblia; 
e mha soberva m'ho tolheu 
Que fiz o que m'el defendeu. 

228 

Que farey agora, amigo, 
poys que nom veredes migo 
viver, 
' ci nom poss'eu ai bem querer. 
Cá gram coita me leixades 
se vós alhur hir cuydades 
viver, 
cà nom poss'eu ai bem querer. 
Se aquesta hida vossa 
for, nom sey eu como possa 
viver, 
cà nom poss'eu ai bem querer. 
Matar-m'-hei, se m'ho dizedes, 
que vós rcm sem mi podedes 
viver; 
cà nom poss'eu ai bem querer. 

229 

Agora vem o meu amigo 
e quer-se logu'ir, e nom quer migo 
estar ; 
avel'-ey jà sempr'a desejar. 
Nunca lh'o posso tanto dizer, 
que o comigo possa fazer 
estar ; 
aveF-ey jà sempr'a desejar. 
Maçar lh'o rogo, nem m'ha mester, 
mais que farey poys migo nom quer 
estar ; 
avel'- ey jà sempr'a desejar. 

230 

Direy-vos agora, amigo, 
camanho temp'a passado 
que nom pudi veer cousa 
onde ouvesse gasalhado, 

des que vós de mi partistes 

tà esfora que me vistes. 



Des oy mais andarey leda, 
meu amigo, poys vos vejo 
ca muyfa que nom vi cousa 
que mi tolhesse desejo, 

des que vos de mi partistes 

tà esfora que me vistes. 
Des oy mays nom vos vaades 
se amor queredes migo 
cà jà mays, nom ar foy ledo 
meu coraçom, meu amigo, 

des que vos de mi partistes 

tà esfora que me vistes. 

231 

Assanhey-m'eu muyfa, meu amigo, 
porque mi faz el quanto lhi digo 
porque entendo cà mi quer bem; 
assanho-me-lhi por en. 
E se m'outrem faz oncTey despeyto 
a el m'assanho e faço gereyto, 
porque entendo cà mi quer bem 
assanho-me-lhi por en. 
E jà m'el sabe mui bem mha manha, 
cà sobr'el deyfeu toda mha sanha; 
porque entendo cà mi quer bem, 
assanho-me-lhi por en. 

232 

Estava meu amigo atendencTe chegou 
mha madr'e fez m'end'ir tal que mal me pesou, 

a là me tornarey, 

e hi lo atenderey. 
Nunca madr'a filha bom conselho deu, 
nem a mi fez a minha mays; que farey eu? 

a la me tornarey, 

e hi lo atenderey. 

Pesar lh'iaamha madre que quer que lh'assy 
fezesse; mays direy-vos que farey eu hi: 

a la me tornarey, 

e hi lo atenderey. 

233 

Madre, passou per aqui hum cavaleyro 
e leixou-me namorada ca marteyro; 

ay madre, os seus amores ey 

se me los ey 

cà m'hos busquey 

outros me lhe dey; 

ay madre, seus amores ey. 
Madre, passou per aqui hu filho d'algo, 
e leixou-m'assy penada como eu ando ; 

ay madre, seus amores ey 

se me los ey, 

ca nfbos busquey, 

outros me lhe dey ; 

ay madre, seus amores ey. 
Madre, passou per aqui,que nom passasse. 



YAASCO PRAGA DE SANDIM 



47 



e leucou-m'assy penada, mays leixasse ; 
ay madre, os seus amores ey, 
se me los ey 
ca m'hos busquey, 
outros me lhe dey, 
ay madre, seus amores ey. 

234 

Disse-m'a mi meu amigo, 
quando s'ora foy sa via, 
que nom lh'estevess'eu triste 
e cedo se tomaria; 

e soo maravilhada 

porque foy esta tardada. • 
Disse-m'a mi meu amigo, 
quando s'ora foy d'àquem, 
que nom lh'estevess'eu triste, 
e tarda e nom mi vem; 

e soo maravilhada 

por que foy esta tardada. 
Que nom lh'estevess'eu triste 
cedo se tornaria; 
e pesa-mi do que tarda, 
sabe-o santa Maria; 

e soo maravilhada 

por que foy esta tardada. 
Que nom lh'estevess'eu triste, 
tarda e nom mi vem, 
e pêro nom é por cousa 
que m'el nom queira gram bem; 

e soo maravilhada 

por que fuy esta tardada. 

VAASCO PRAGA DE SANDIM 

235 

Sabedes quanfha, amigo, 

que m'eu vosco veer 

nom pud'a tant' ; e oje 

que nunca vi prazer 
ca migo, gradesc'a deus 
que vos vêem os olhos meus. 
• Ouv'eu por vós tal coita 

en o meu coraçom, 

que nunca vos cuydava 

veer milha sazon ; 
ca migo, gradesc'a deus 
que vos vêem os olhos meus. 
E rogu'eu, meu amigo, 

aquel deus que me fez 

que nunca eu jà vyva 

sen vosco outra vez ; 
ca migo, gradesc'a deus 
que vos vêem os olhos meus. 
E ben assi m'ho quiso 

mha ventura guisar, 

que nunca sem vós ouvi 

sabor er quem chorar; 



ca, migo, gradesc a deus 
que vos vêem os olhos meus. 

236 

Cuydades vós, meu amigo, 
ca vos nom quer'eu mui gram bem, 
e a mi nunca bem venha 
se eu vejo no mundo rem 

que a mi tolha desejo 

de vós hu vos eu nom vejo. 
E macal-os vós cuydades 
en o meu coraçom no ey 
tam grand'amor, meu amigo, 
que cousa no mundo nom sey 

que a mi tolha desejo 

de vós hu vos eu nom vejo. 
E nunca mi bem queirades 
que mi será de morte par 
se souberdes, meu amigo, 
ca poss'eu rem no mund'achar 

que a mi tolha desejo 

de vós hu vos eu nom vejo. 

237 

Meu amigo, poys vós tam gram pesar 
avedes de mi vos eu assanhar, 
por deus, a quem m'assanharey? 
amigo como vyverey. 
Se m'eu a vós, meu amig'e meu bem, 
nom assanhar dized'em uma ren, 
por deus, a quem m'assanharey, 
amigo, como viverey. 
Se m'eu a vós, que amo mays c'a mi 
nom assanhar, se sabor ouver bi, 
por deus, a quem m'assanharey, 
amigo, como viverey? 
Se m'eu a vós d'assanhar nom ouver 
si quer doando quando m'eu quiser, 
por deus, a quem m'assanharey,- 
amigo, como viverey? 

238 

Quando-vos eu, meu amig'e meu bem, 
nom posso veer, vedes que m'avem ; 
tenho-lhe que nom posso veer, 
meu amigo, que mi poss'aprazer. 
Quando-vos eu, com estes olhos meus 
nom posso veer, se mi valha deus, 
tenho-lhe que nom posso veer, 
meu amigo, que me poss'aprazer. 
E nom dorm'eu, nem em preito nom é 
hu vos eu nom vejo, e per boa fé 
tenho-lhe que nom posso veer, 
meu amigo, que me poss'aprazer. 
E os meus olhos sem vós que prol m'ham, 
poys nom dorm'eu com elles e de pram, 
tenho-lhe que nom posso veer, 
meu amigo, que me poss'aprazer. 



48 



CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA 



PAYO SOARES 

239 

O meu amigo, que mi dizia 
que nunca mays migo viveria, 
par deus, donas, aqui é já. 
Que muyto m'el avia jurado 
que me nom visse mays, a deus grado, 
par deus, donas, aqui é já. 
O que jurava que me nom visse, 
por nom seer todo quanfel disse, 
par deus, donas, aqui é já. 

Melhor o fezó, cá o nom disse 
par deus, donas, aqui é já. 

240 

Donas, veeredes a prol que lhi lem 
de lhy saberem ca mi quer gram bem ; 
Par deus, donas, bem podedes jurar 
do meu amigo que mi fez pesar; 
mays deus e quem cuycTa mi aguardar, 
de lhi saberem que mi quer gram bem. 
Sofrer-lhe-ey eu de me chamar senhor, 
nos cantares que fazia d'amor, 
mays em mentar-me todo com sabor 
de lhi saberem que mi quer gram bem. 
Foy-m'el en seus cantares en mentar, 
veedes ora se me deva queixar, 
cá sse nom quis meu amigo guardar 
de lhi saberem que mi quer gram bem. 

241 

Quando sse foy meu amigo 
jurou que cedo verria, 
mays pois nom vem falar migo, 
por en por santa Maria 

nunca me por el rroguedes, 

ay, donas, ss'é que devedes. 
Quando sse foy fez-rae preyto 
que sse verria muy cedo, 
e mentiu-me, torfha feito, 
e poys de mi nom ha medo, 

nunca me por el roguedes 

ay, donas, s'é que devedes. 
O que vistes que dizia 
ca andava namorado, 
poys que nom veiu o dia 
que lh'eu avia mandado; 

nunca me por el roguedes 

ay, donas, s'é que devedes *. 

NUNO FERNANDES T0RNE0L 

242 

Levad'amigo, que dormides as manhanas frias; 
todal-as aves do mundo d'amor diziam 
leda m'and'eu. 

1 Viden.°4l3: canção assignada por Àffonso E?nnes 
de Coton, idêntica. 



LevacT amigo, que dormidel-as frias manhanas; 
todal-as aves do mundo d'amor cantavam 
leda m'and'eu. 
Todal-as aves do mundo d'amor diziam 
do meu amor e do voss'en mentaryam, 
leda m'and'eu. 
Todal-as aves do mundo d 1 a mor cantavam 
do meu amor e de voss'y en mentavam 
leda m'and'eu. 
Do meu amor e do voss'en mentaryam 
vós lhi tolhestes os ramos em que siiam, 
leda m 1 and 1 eu. 
Do meu amor e do vossy en mentavam, 
vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam ; 
leda m'and'eu. 
Vós lhi tolhestes os ramos em que siiam, 
e lhis secastes as fontes em que be viam ; 
leda m'and'eu. 
Vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam, 
e lhis secastes as fontes hu sse banhavam 
leda m'aod'eu. 

243 

Aqui vej'eu, Olha, o voss'amigo-, 
o por que vos baralhades migo, 
delgada. 
Aqui vejo, filha, o que amades, 
o por que vós migo baralhades, 
delgada. 
Porque vos baralhades migo, 
que tolheu bem poys a vofts'amigo 
delgada. 
O por que vós migo baralhades 
quero-lh'eu bem, poyl-o vós amades, 
delgada. 

244 

Ay, madr o meu amigo, que nom vi 
a gram sazom, dizem-me que é'qui ; 
madre, per boa fé, led'and'eu. 
E sempr'eu punhey de lhi mal fazer 
mays poys ora veiu por me veer, 
madre, per boa fé, led'and'ea. 
Por quanta coyta el por mi levou 
nom lhi poss'al fazer mays, poys chegou 
madre, per boa fé, led'and f en. 

245 

Que coyta tamanha ey a sofrer 
por amar amigu'e nom o veer, 
e pousarey sol o avelanal. 
Que coyta tamanha ey endurar 
per amar amigu'e nom lhi falar, 
e pousarey sol o avelanal. 
Por amar amigu'e nom lhi falar 
nom lh'ousar a coita que ei mostrar, 
e pousarey sol o avelanal. 



JOHAM NUNEZ CAMANES 



49 



Por amar amigu'e o nom veer 
nom lh'ousar a coita que ei dizer; 
e pousarey sol o ave lanai. 
Nom lh'ousar a coita que ei dizer, 
e nom mi dam seus amores lezer; 
e pousarey sol o avelanal. 
Nom Ih 1 o usar a coita que ei mostrar, 
e nom mi dam seus amores vagar, 
e pousarey sol o avelanal. 

246 

Vy eu, mha madr', andar 
as barcas en o mar, 
e moyro-me d'amor. 
Fuy eu, madre, veer 
as barcas en o lez, 
e moyro-me d'amor, 
As barcas no mar 
e foi-las guardar, 
e moyro-me d'amor. 
As barcas en o lex 
e foi-las atender, 
e moyro-me d'amor. 
E foi-las aguardar 
e nom o pud'achar, 
e moyro-me d'amor. 
E foil-as atender, 
e nom o pude veer, 
e moyro-me d'amor. 
E nom o ach'eu hy, 
que per meu mal vi, 
e moyro-me d'amor. 

247 

Trisfanda, mha madr', o meu amigo, 
e eu triste por el, ben vol-o digo; 
e se n^el morrer, morrer- vos ey eu. 
E morrerá por mi, tanfé coitado, 
e vós perderedes meu gasalfiado; 
e se m'el morrer, morrer-vos ey eu. 

• 

248 

Foi-ss'um dia meu amigo d'aqui 
e nom me vyu, e porque o nom vi, 
madre, ora morrerey. 
Quando m'el vyu nom foy polo seu bem, 
ca morre agora por mi e por en, 
madre, ora morrerey. 
Foy-ss'el cTaqui e nom m'ousou falar, 
nem eu a el e por eu com pezar, 
madre, ora morrerey. 

249 

Dizede-m'ora, filha, por santa Maria, 
e qual he o vo?s'amigo que mi vos pedia? 
Madreu amostrar volo-ey. 
7 



Qual é voss ? amigo que mi vos pedia 
se m'ho vós mostrassedes gracir vol-o-ya. 
Madr'eu amostrar volo-ey. 
E m'ho vós amostrardes gracir vol-o-ya 
direy vol-eu logo en que ss'atrevya; 
Madr 'eu amostrar vol-ey. 



PÊRO GARCIA, BURGALEZ 

250 

Ay, madre, ben vos digo, 
mentiu-m'o meu amigo; 
sanhuda lh'and'eu. 
Do que m'ouve jurado, 
poys mentiu por seu grado, 
sanhuda lh'and'eu. 
Non foy oyr a vya 
mays bem de aquel dia, 
sanhuda lh'and'eu. 
Non é de mi partido, 
mays porque m'ha mentido, 
sanhuda lh'and'eu. 

251 

Non vos nembra, meu amigo, 

o torto que mi fezestes 

posestes de falar migo 

sin eu, e vós nom veestes; 
e queredes falar migo 
e nom querrey eu migo. 
Jurastes que todavya 

verriades de bon grado 

ante que sayss'o dia, 

mentiste-mi, ay perjurado 
e queredes falar migo 
e nom querrey eu migo. 
E ainda me rogaredes 

que fareu algur com vosco, 

e per quanto mi fazedes 

direy que vos nom conhosco, 
e queredes falar migo 
e nom querrey eu migo. 

JOHAM NUNEZ GAMANES 

252 

Se eu, mha filha, for 
vo3s'amigo veer, 
porque morre d'amor 
enom pôde viver; 

d'iredes comigu' i 

par deus, mha madre, irey. 
Poys vos quero tam gram ben 
que nom pôde guarir, 
dizede-m'unha ren 
poys eu alà quero hir ; 



50 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



cTiredes comigu' i, 

par deus, mha madre, irey. 
Sempre lh'eu coita vi 
per vós e morfay, 
Olha poys eu vou, e 
mig'outrem nom vay; 

d'iredes comigu' i 

par deus, mha madre, irey. 

253 

Vistes, filha, n'outro dia 
hu vos dix'eu quebram prazer 
eu avya dardes veer 
voss'amigo que moiria ; 
nom vol-o dix'eu por seu ben 
mays por que mi dissera quem 
nom viu que já nom guarria. 

Por ai vos nom mandaria 
vel-o, mays oy dizer 
a quen o vyu assi jazer 
que tam coitado jazia, 
que já nom guarirâ per ren ; 
mando-vol-o veer por en 
por mal que vos d'ele seria. 

E porque nom poderia 
íalar-vos, nem vos conhocer, 
nem de vós gasalhad'aver 
mand'oy vol-o veer entom 
por aquesto, que por ai nom, 
filha, par santa Maria. 

254 

Par deus, amigo, muyfa gram sazon 
que vos nom vi, e vedes porque non; 
porque vos nom quis mha madre veer. 
Defendeu-mi, que per nenhuma ren 
nunca vos visse, nem vos vi por en, 
porque vos nom quis mha madre veer. 
Yyra-vos eu, nom fezera end'al 
poyl-o roguei, mays estar-m'ia mal, 
porque vos nom quis mha madre veer. 
Roguey-lh'eu que vos viss'e nom quis deus 
que me vissem aquestos olhos meus; 
porque vos nom quis mha madre veer. 
Nom mi devedes vós culpa poer, 
amigo, cá vos nom ousey veer, 
porque vos nom quis mha madre jveer. 

255 

Hyd'ay, madre, veel-o meu amigo, 
que é coytado porque nom fala migo; 
e irey eu comvosco se vós quyserdes. 
Tan coitado que morrerá se me nom vir, 
id'ay, mha madre, veel-o poyl-o guarir; 
e irey eu comvosco se vós quiserdes. 
Porquedemortemequergranbèdecoraçõ 
ide veel-o, mha matlr',e guarrâ entom, 
e irey eu comvosco se vós quiserdes. 



256 

Par deus, donas, quando veér 
meu amigu'e migo falar, 
nunca no mund'a meu cuidar 
foy outra tan leda molher 
como eu serey, des que o vir, 
mays pêro triste serey. 

AYRAS CARPANCHO 

257 

Ghegades vòs, ay amiga, d'ué meu amigo 
e cura el falastes, mays eu bem vos digo, 
que falarey vosco tod'aqueste dia 
poys falastes com quem eu falar querya. 
D'u é meu amigo ben sey que chegades 
e com el falastes, mays por mi creades 
que falarey vosco lod'aqueste dia, 
poys falastes com quem eu falar queria. 
Grã bem é con vós, muifen que vos diga 
poys com el falastes, ereades, amiga, 
que falarey vosco tocTaqueste dia 
poys falastes com quem eu falar queria. 

258 

Tanto sey eu de mi parte 
quanfé de meu coraçon, 
cá me teu mha madre presa, 
e mentr'eu en sa prisom 
for, nom veerey meu amigo. 

E por aquesta longada 
querria per bona fé 
seer d'u está, mha madre, 
cá menir' hu ela é 
for, nom veerey meu amigo. 

Por quanto nfoutra vegada 
sen seu grado com el vi 
guarda-me d'el a perfla, 
e oy mays em quanfassy 
for, nom veerey meu amigo. 

De mi nem de mha fazenda 
nom poss'cu parte saber, 
ca sey bem de mha madre 
que mentr'oy em seu poder 
for, nom veerey meu amigo. 

259 

Madre velida, meu amigo vi, * 

nom lhi faley, e con el me perdi; 
e moyr'agora querendo-lhe bem, 
non lhi faley ca o tiv'em desdém; 
moyro eu madre querendo-lhi bem. 
Se lh'eu fiz torto, lazerar-m'-ho-ey 

com gram dereito cá lhi nom faley, 
e moyr'agora querendo-lhi bem, 
nom iVy faley cà o liv'em desdém, 
moyro eu madre querendo-lhe bem. 



DOM JOHÀM D'AVOYM 



51 



Madre velida, ide-lhi dizer 
que faça bera e me venha veer; 
e mojTagora querendo-lhi bem, 
nom lhi faley, cá o tiv'em desdém, 
moyro eu, madre, querendo-lhi bem. 

260 

A mayor coyta que eu no mund'ey, 

meu amigo, nom Ih 'ouso falar, 

cá migo que nunca desejar 

soube ou Ira ren senon mi, eu o sey, 
e sse o eu por mi leixar morrer, 
será grara torfe nom ey de fazer, 
Que Ih'eu quisesse bem de coraçom 

qual a mi quer o meu dcs que me vyu, 

e nulhamor nunca de mi sentiu, 

e foy coytado per mi des entom ; 
e sse o eu per mi leixar morrer, 
será gram lorte nom ey de fazer 
Que lhi quisesse bem qual a mi quer 

o meu, que tam muyfa que desejou 

meu bem fazer, e nunca lhi prestou 

e será morto se ll^eu nom valer; 
e sse o eu por mi leixar morrer, 
será gram torfe nom ey de fazer 
O mayor torto que pode seer, 

leyxar dona seu amigo morrer, 

261 

i Que me mandades, ay madre, fazer 
ao que, sey, que nunca bem querer 
soube outra rem? 

Par deus, Olha, digades o sabor de viver, 
e será bem, 

Que lhi farey se veher hu eu for, 
e mi quizer dizer, como é o senhor, 
alguma rem? 

Digades, filha, de quanto viver sabor 
e será bem. 

E el que vyv^m gram coita d'amor 
garra por en. 

262 

Madre, poys vós desamor avedes 
a meu amigo, porque sabedes 

cá mi quer ben, veel-o-ey, 

e se vós, madre, algum bem queredes 

loar-raho-edes, eu o sey. 

Por desamor que lhi semprouvestes, 
madre velida, des que soubestes 

cá mi quer bem, veel-o-ey, 

e sse vós, madr\ algum ben queredes 

loar-nfo-edes, eu o sey. 
Por mui gram coyta que ha con sigo, 
madre velida, bera vol-o digo 

cá se poder veel-o-ey; 

e sse mi vós, madr 1 , algum bem queredes 

loar-m'ho-edes, eu o sey. 



263 £ 264 

Molher confeu nom vive tal vida, 
trage-me mal, mha madre, velida, 
por vosso amigo. 
A mha coyta nom lhi sei guarida, 
trage-me mal, mha madre velida, 
por vosso amigo. 
Trage-me mal, mha madre velida, 
pouco ha que fui mal ferida 
por vosso amigo. 

265 

Por fazer romaria pug*en meu coraçon 
a Santiago ura dia por fazer oraçom, 
e por veer meu amigo logu'i. 
E sse fezcr tempo, e mha madre nom for, 
querrey andar mui leda e parecer melhor, 
e por veer meu amigo logu'i. 
Quer'eu ora mui cedo provar se poderey 
hir quey mar mhas candeas con grã coita qu'ey; 
e por veer meu amigo logu'i. 

VAASCO GIL 

266 

Irmãa, o meu amigo 
que mi quer ben de coraçom, 
e que é coytado por mi, 
se nostro senhor vos perdon', 

terey-de^lo veer comigo, 

irmãa, o meu amigo. 
Irmãa, o meu amigo 
que sey que me quer mayor bem, 
cá sy nunc'a seu coraçom 
fazede per mi hua rem, 

terey-de-lo veer comigo, 

irmãa, o meu amigo. 
Irmãa, o meu amigo 
que mi quer melhor c'a os seus 
olhos, e que morre por mi, 
que vos amostfo vosso deus, 

terey-de-lo veer comigo, 

irmãa, o meu amigo. 

DOM JOHAM DAVOYU 

267 

Quando se foy n'oulro dia d'aqui 
o meu amigo, rogucy-llfpu por deus, 
chorando muito (Kcstcs olhos meus, 
que nom tardasse <lisse-m'el assy: 
que nunca deus lhi desse de mi bem 
se nom vehesse mui ced\ e nom vem. 
Quando se foy n'outro dia que nom 
pud'al fazer, dixi-lVeu: se tardar 
quizesse muito, que nunca falar 
podia migu'e disse-nfel entom: 



52 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



que nunca deus lhe desse de mi bem 
se nom vehesse mui ced', e nom vem. 
Non sey, que x^stou que pode seer 
porque nom vem, poys que lh'o eu roguey, 
cà el mi disse, como vos direy: 
e sol nom meteu hi de nom poder, 
que nunca deus Ihi desse de mi bem 
se nom vehesse mui ced 7 , e nom vem. 
Nom sey que dig'a lanto iné gram mal 
do meu amigo de como morreu, 
câ mi diss'el hu sse de mi quitou 
e nom sacou en de morte, nem ai; 
que nunca deus lhi desse de mi bem 
se nom vehesse mui ced', e nom vem. 

268 

Cuydades vós meu amigo hunha ren, 
que me nom poss'assanhar sem razom 
eu contra vós como vós, porque nom 
escontra mi cuydades hy mal sen, 
cá poder ey de m'assanhar assy 
eu contra vós, como vós contra mi. 
E sse cuydades cá nom ey poder, 
meu amigo, de mi vos assanhar, 
bem como vós a mi, hides cuydar 
mal sen, eu logo vos farey veer 
cà poder ey de m^assanhar assy 
eu contra vós, como vós contra mi. 
Cuydades que poder nom ey 
de me vos assanhar se m'eu quiser, 
ben como vós a mi se vos prouguer, 
ben outro si me vos assanharey; 
câ poder ey de m'assanhar assy 
eu contra vós, como vós contra mi. 
Mays pois me vos deus por amigo deu 
e mi a vós por amiga muyfha, 
quitade-vos vós de cuydardes já . 
o que cuydades, cá bem vos digu'eu; 
câ poder ey de m'assanhar assy 
eu contra vós, como vós contra mi. 

269 

Vistes, madre, quand'o meu amigo 
pos que verria falar comigo, 
oj'em dia cuydades que venha? 
Vistes hu jurou que nom ouvesse 
nunca de mi bem se nom vehesse; 
o^em dia cuydades que venha? 
Viste-las juras que me jurou entom, 
que verria sem morfou sem prisom; 
oj'em dia cuydades que venha? 
Viste-las juras que jurou aly 
que verria, e jurou-as per mi ; 
oj'em dia cuydades que venha? 

270 

Que boas novas que oj'oyrá 
o meu amigo, quando-llTeu disser 



cá lhi quer'eu mayor ben cá tn'el quer 
e el enton com ben que lhi será, 
nom saberá como m'hagradecer 
nem que mi diga con Iam gram prazer. 
Cà lhi direy cá mui melhor c'a mi 
lhi quer'eu já, nem c'a meu coraçom 
nem c'a meus olhos, se deus mi perdon' 
e poys que lh'eu tocTesto meter hi, 
nom saberá como nfagradecer, 
nem que mi diga com tam gram prazer. 
E outro prazer vos direy mayor 
que vos eu dixi que lh'oj'eu direy, 
que vyva migu'assy nom morrerey 
e poys que lh'eu disser tam grand'amor, 
nom saberá como n^agradecer, 
nem que mi diga com tam gram prazer. 
O que el deseja mays d'outra rera 
lhi direy oje tanto que o vyr, 
cá lhi direy cà nom posso guarir, 
tal ben lhi quer'e el entom com bem, 
nom saberá como m'agradecer 
nem que mi diga com tam gram prazer. 

271 

Par deus, amigo, nunca eu cuydey 
que vos perdesse como vos perdi, 
porque nom parece melhor de mi 
nem ar vai mays e tal queixun^end^ey, 
que direy, amigo, per bona fé 
como parece seu nome quem é. 
Se vos foss'eu por tal dona perder 
que me vencess'oj'en parecer bem, 
ou em ai, que quer prazer-m'ia bem 
mays tam sen guysa o fostes fazer 
que direy, amigo, per bona fé 
como parece seu nome quem é. 
Em toda rem que vos possa buscar 
mal, buscar- vol-o-ey, mentr'eu vyva for, 
cà me leixastes per a tal senhor, 
que bem vos digo com este pesar, 
que direy, amigo, per bona fé 
cojno parece seu nome quem é. 
E poyl-o eu disse per bona fé 
pesar-vos-ha poys souberem quem é. 

272 

Dized'amigo, em que vos mereci 
por nom quererdes comigo viver 
e saberedes que nom ey eu poder 
de viver, poys vos paríides de mi, 
e poys sen vós viver nom poderey 
vivede nrigu'amig'e vyverey. 
Vivede migu'e bem vos estará, 
e averey sempre que vos gracir, 
cá se vos fordes, e vos eu nom vyr, 
nom viverey amigou ai nom ha, 
e poys sem vós viver nora poderey 
vivede migu^amig^ vyverey. 



DOM JOHAM D'AVOYM 



53 



Se queredes que vos eu faça bem 
ay, roeu amigo, em alguma sazon, 
vivedes migo, se deus vos perdon' 
cá nom poss'eu viver per outra ren; 
e poys sem vós viver nom poderey 
vivede migu'amig'e vyverey. 
Poys entendedes, amigo com'é 
a mha fazenda, por nostro senhor, 
vivede migo cá poys sen vós for 
nom poderey viver per boa fé; 
e poys sem vós viver nom poderey 
vivede migu'amig'e vyverey. 

273 

Disserom-nfora de vós hua ren, 
meu amigo, de que ey gram pesar> 
mays eu m*o cuydo mui' ben melhorar 
se eu poder, e poderey mui bem, 

cá o poder que sempre ouvi m'ey 

e eu vos fiz e vos desfarev. 
Dizem-mi que filhastes senhor tal 
porque vos cuydastes de mi partir, 
e bem vos é se vos a bem sayr, 
mays doeste bem farey vos end'eu mal; 

cá o poder que sempre ouvi m'ey 

e cu vos fiz e vos desfarev. 
Senhor filhastes, como oy dizer, 
a meu pesar, e perderedes hi 
s'eu poder, e poderey assy 
como fiz sempre posso me poder ; 

cá o poder que sempre ouvi m'ey 

e eu vos fiz e vos desfarey. 
E poys vos eu tornar qual vos achei 
pcsar-m'ha en mays, pêro vingar-m'ei. 

274 

Pêro vos hides, amigo, 
sen o meu grad'alhur viver, 
nom vos hides ondei prazer 
por nom falardes comigo, 

cá d'aqui o poss'eu guysar 

mays por mi fazerdes pesar. 
E pêro vos hides d^àquem 
nom vos hides do que mi praz, 
por nom fazer en quanto faz 
molher por hom'a que quer ben; 

cá d'aqui o posseu guysar 

mais por mi fazerdes pesar. 
Hir-vos podedes, mays ben sei 
cá nom direiles com razon 
que nom faz'eu de coraçom 
por vós quanto de fazer ci; 

cá d'aqui o posseu guysar 

mays por mi fazerdes pesar. 
È pêro vos hir queredes 
nom diredes per boa fé 
com dereito que por mi é 
ca fap'eu quanto dizedes; 



ca d'aqui o poss'eu guysar 
mays por mi fazerdes pesar. 

275 

Amigo, poys-me leyxades 
e vos hides alhur morar, 
rogu'eu a deus se tomades 
aqui por comigo falar, 

que nom ajades> amigo, 

poder de falar comigo. 
15 poys vós vos hir queredes 
e me nom queredes creer> 
rogu'a deus se o fazedes 
e tornardes por me veer> 
f que nom ajades, amigo, 

poder de falar comigo. 
Poys nom catades mesura 
neiíl quanto vos eu fiz de ben, 
rogu'a deus, se por ventura 
torliades, per mi dizer ren, 

que nom ajades, amigo, 

poder de falar comigo. 
Poys vos hides sem meu grado 
e nom dades nada por mi, 
rogu'eu a deus, se coytado 
fordes e tornardes aqui, 

que nom ajades, amigo, 

poder de falar comigo. 

276 

Amig'ouv'eu a que queria ben 
tal sazom foy, mays já migo nom ey 
a que bera queira nem no averey 
em quanto vyva já per hunha ren, 

ca mi mentiu o que mi soya 

dizer verdad'e nunca mentia. 
E pouc'ha, que lh'eu oy jurar 
que nom queria bem outra molher 
se nom mi, e sey eu que lh'o quer; 
e por esto nom poss'eu ren fiar, 

ca mi mentiu o que mi soya 

dizer verdad'e nunca mentia. 
Mays me fiava por el c'a por mi, 
nem ca per rem, que no mundo viss'al 
e mentiu-nVora tam sem guysa mal, 
que nora ficarey ca rem des aqui, 

ca mi mentiu o que mi soya 

dizer verdad'e nunca mentia. 
E sse outr'ouvesse mentyr-nfya, 
poys mi mentiu o que nom mentia. 

277 

por que sempre mha madre roguey 
que vos visse, meu amigo, nom quer, 
mays pesar-lh'a muyto quando souber 
que vos eu digu'esto que vos direy: 
cada que migo quiserdes falar 



54 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



falade migife pes' a quem pesar. 
Pose a quem quer, e mate-se por en, 
ca posfé já o que já deve seer, 
veer- vos ey se vos poder veer 
e poderey; ca meu lum'e meu ben, 
cada que migo quiserdes falar 
falade migu'e pes' a quem pesar, 
Poys entendo que mha raorfe meu mal 
quer, poys nom quer rem de quanfa mi praz, 
e poyl-o ela por aqueslo faz 
làzed'aquest'e depoys far&-s'al, 
cada que migo quiserdes falar 
falade migu'e pçs' a quem pesar. 
Sempr'eu punhei de mha madre servir 
mais por esto ca por outra razom, 
por vos veer amigue por ai nom, 
mays poys m'ho ela nom quer consentir, 
cada que migo quiserdes falar 
falade migu^e pes' a quem pesar, 

278 

Cavalgava n'oulro dia 
per hun caminho francez, 
e hunha pastor siia 
cantando com outras trez 
pastores, e nom vos pez', 
e direy-vos todavya 
o que a pastor dizia 
aas outras em castigo : 

«Nunca molher créa per amigo, 
«poys s'o meu foy e nom falou migo.» 

Pastor, nom dizedes nada, 
diz hua d^elas enton, 
se se foy esta vegada 
ar verrà s'outra sazon, 
e dig'a vós per que nom 
falou vosc', ay bem talhada, 
e é cousa mays guisada 
de dizerdes com'eu digo: 

«Deus! ora vehesse o meu amigo, 
«e averia gram prazer migo.» 

279 

Muytos vej'eu que se fazen de mi 
sabedores que o non son de pram 
nem o forom nunca, nen o seram, 
e poys que eu d'eles estou assy, 
non sabem tanto que possam saber 
qual est a dona que me faz morrer. 
Ca sempre m'eu de tal guisa guardarey, 
que nom soubessem meu mal nem meu ben, 
e fazem-s^ora sabedores en, 
mas pêro cuydam saber quanfeu sey; 
non sabem tanto que possam saber 
qual est a dona que me faz morrer. 
Digam jfandando quis'© que quiser, 
ca mi sei eu como d'eles estou, 
bem grad'a deus que m'end'assi guardou, 



que se s'aquesto por mi nom souber, 
nom sabem tanto que possam saber 
qual est a dona que me faz morrer. 
E muyto sabem, se nunca saber 

o por mi podem e per lli'eu dizer, 

DOM JOHAM SOARES COELHO 

280 

Per boa fe, mui fremosa, sanhuda 
sej'eu e triste, coytada por en 
por meu amigu'e meu lunTe meu ben, 
que ey perdud'e el mi perduda, 

porque se foy sen meu grado d'aqui. 
Cuydou-s'el que mi fazia mui forte 
pesar de s'ir porque Ihi nom faley; 
pêro ben sabe deus ca nom ousey, 
mays seria-lh'oje melhor a morte 

porque se foy sen meu grado d'aqui. 
Tan cruamente lh'o cuyd'a vedar, 
que bem mil vezes no seu coraçom 
rogu'el a deus que lhi dê meu perdon 
ou sa morte se lVeu nom perdoar, 

porque se foy sen meu grado d'aqui. 

281 

Foy-ss'o meu amigo d'aqui n'outro dia 
coytad'e sanhud'e nom soub'eu ca s'ya, 
mays já que o sey, e por saneia Maria 
o que farey eu loupãa? 

Que el falar migo e nom ouve guisado 
e foy-s'el d'aqui sanhud'e mui coytado, 
nunca depoys vi el nem seu mandado; 
. o que farey eu louçãa? 

Quê lh'ora dissesse quan triste oj M eu sejo 
e quant'oj'eu mui fremosa desejo 
falar-lh'e veel'e poys que o nom vejo 
o que farey eu loupãa? 

282 

Amigo, queixun^avedes 
de mi que nom falo vosco, 
e quanfeu de vós conhosco 
nulha parte nom sabedes 

de quam muyto mal, amigo, 

sofro se falardes migo. 
Nen de com'ameapada 
fui hu dia pola hida 
que a vós fui e ferida 
nom sabedes vós en nada, 

de quam muyto mal, amigo, 

sofro se falardes migo. 
Des que souberdes mandado 
do mal rauyfe mui sobejo, 
que mi fazen se vos vejo 
entom m'havcredes grado 

de quam muyto mal, amigo, 



DOM JOHAM SOARES COELHO 



55 



sofro se falardes migo. 

E pêro se vós quiserdes 

que vos fal'e que vos veja, 

sol nom cuydedes que seja 

se vós ante mim souberdes 

de quam muyto mal, amigo, 

sofro se falardes migo. 

283 

Ay, madr', o que eu quero bem 
nom lh'ous'eu ante vós falar, 
e a end'el tan gram pesar, 
que dizem que morre por en; 

e se assy morrer por mi 

ay, madre, perderey eu hy. 
Gran sazon a que me serviu 
e nom mho leixastes veer, 
e veherora-n^ora dizer 
ca morre porque me nom vyu> 

e se assi morrer por mi 

ay, madre, perderey eu hy. 
Se por mi morrer, perda m'he, 
e pesar-m'ha se o nom vyr, 
poys por ai nom pode guarir, 
bem vos juro per boa fé ; 

e se assi morrer por mi 

ay, madre, perderey eu hy. 

284 

Oje quer'eu meu amigo veer, 
porque mi diz que o nom ousarey 
veer, mha madre; de pram vel-o-hey, 
e quero tod'em ventura meter, 
e desy saya per hu deus quiser. 

Por em qual coita mi mha madre ten, 
que o nom veja no meu coraçom; 
ey oj'eu posto, se deus mi perdon, 
que o veja e que lhi faça ben ; 
e desy saya per hu deus quiser. 

Pêro m'ho ela nom quer outorgar 
hyl-ô-ei veer aly hu m'el mandou, 
e per quanta coyta por mi levou 
farey-llTeu esfe quanto ra'al roguar 
e desy saya per hu deus quiser. 

Ca diz o vervo — ca non semeou 
milho quem passarinhos receou. 

285 

Faley hun dia por me baralhar 
con meu amigo con outro m'el vysse, 
e direy-vos que lhi dix'u m'el disse 
porque lhe fezera tam gram pesar; 
se vos hy, meu amigo, pesar flz 
nom foy por ai, se non porque me quix. 
Por baralhar com el e por ai non 
faley com outren tal que o provasse, 
e pcsou-lhi mays ca se o matasse 



e perguntou-m'e dixi-lh'eu entom: 
se vos hy, meu amigo, pesar flz 
nom foy por ai, se nom porque me quix. 
Aly hu eu com outr'ant'el faley 

perguntou-m'ele porque lhi fazia 

tam gram pesar ou se o entendia 

e direy-vos como me lhi salvey: 
se vos hy, meu amigo, pesar flz 
nom foy por ai, se nom porque me quix. 

286 

Amigo, poys me vos aqui 
ora mostrou nostro senhor, 
direy-vos quanfha que sabor 
nom ar ouve d'al nem de mi, 

per boa fé viv'eu, meu amigo, 

des que nom falastes migo. 
E ar direy-vos outra ren, 
nunca eu ar pudi saber 
que x'era pesar nem praser, 
nem que x'era mal, nem que bem; 

per boa fé viv eu, meu amigo 

des que nom falaste migo. 
Nem nunca o meu coraçom, 
nem os meus olhos ar quitey 
de chorar, e tanto chorey 
que perdi o sen des enton ; 

per boa fé viv'eu meu amigo 

des que nom falastes migo. 

287 

Amigas, por nostro senhor, 
andade ledas migo 
cá pupanlre mha madr'amor 
e antr' o meu amigo; 

e por aquesfando leda 

gram dereyfei andar leda 

e andade migo ledas. 
Pêro mha madre nom foss'y 
mandou-mi que o visse, 
nunca tam bom mand'oy 
como quando m'ho disse ; 

e por aquesto ando leda, 

gram dereyfey andar leda, 

e andade migo ledas. 
E mandô-o migo falar, 
vedes que bem m'ha feyto, 
e venho-mi vos en loar 
ca pugi ja assy o preyto; 

e por aquesto ando leda, 

gram dereyfey andar leda 

e andade migo ledas. 

288 

Vedes, amigas, meu amigo ven 
e envyou-mi dizer e roguar, 
que ll^aguis^eu de migo falar, 



56 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e do tal preylo nom sey end'eu rera, 
e pesa-mi que m'envyou dizer 
que llu faça o que nom sey fazer. 
Ca pêro m'end'eu gram sabor ouve? 

e mui gram coita no meu coraçom 

de lh'o guisar, se deus mi perdon 1 

nom lh'o guisarey poys nom souber, 
e pesa-mi que m'envyou dizer 
que thi faça o que nom sey fazer. 
Ca eu nunca com nulVorae faley 

tanto me nom valha nostro senhor 

des que naçi nçm ar fuy sabedor 

de tal fala, nem na flz, nen a sey 
e pesa-me que m'envyou dizer 
que Ihi faça o que nom sey fazer A 

289 

Filha, direy-vos hunha reu 
que de voss'amigu' entendi 
e filhad'algun conselh'y, 
digo-vos que vos nom quer ben 
madre, creer vos-ey eíi d'al, 
E nom d'esto, per boa fé, 
ca sey que mui melhor ca sy 
me quer, nem que m'eu quero mi ; 
mal mi venha se assi é, 
madre, creer-vo&-ey eu d'al 
Mays nom d'esto, ca si lhe praz 
de me veer, que poys naçi 
nunca tal prazer d'ome vi ; 
filha, sey eu que o nom faz ; 
madre creer- vos-ey eu d'al. 
. Mays nom vos creerey per ren 
que no mundo a que queira Lara gram bem. 

290 

Ay, meu amigo, se vejades 
prazer de quanto no muncTamades 
levade-me vosc'amigo. 
Por nom leixardes mi, bem talhada, 
viver con^oj' eu vyvo coitada, 
levade-me vosc'amigo. 

Por deus, fllhe-x'i-vos de mi doo, 
melhor vivedes migo, ca soo, 
levade-me vosc'amigo. 

291 

Fui eu, madre, lavar meus cabellos 
a la fonte, e paguey-m'eu d'elos 

e de mi, 

louçana, e 
Fui eu, madre, lavar mhas garceras 
a la fonte, e paguey-m'eu d'elas, 

e de mi, 

louçana, e 
A la fonte paguey-m'eu d'eles; 
a lá achey, madr', o senhor d'eles 



e de mi, 

louçana e 
Ante que m'eu d'ali partisse 
fui pagada do que mel disse 

e de mi, 

louçana, e . . , 

292 

Ay, deus, a vol o digo, 
foy-s'ora o meu amigo ; 
e se o verey, velyda ! 
Quem m'end'ora soubesse 
yerdad'e mi dissesse, 
e se o verey, velida ! 
Foy-s'el mui sen meu grado, 
e nom sey eu mandado 
e se o verey, velida ! 
Que fremosa que sejo 
morrendo com desejo ; 
e se o verey, velida. 

D01 JOHAM SOARES COELHO 

293 

Fremosa, a deus louvado 
con tan muyto ben, como oj'ey, 
e soo mays leda, a deus grado } 
ca todo quanfeú desejey 
vi, quando vi meu amigo. 

Agora me foy mha madre melhor 
ca me nunca foy melhor des quando naçi, 
nostro senhor lh'o gradesca por mi 
e ora é mha madre e mha senhor ; 
• cá me mandou que falasse migo 
quanfel quisesse, o meu amigo. 
Sempre lh'eu, madr'e senhor chamarey, 
e puynharey de lhe fazer prazer 
por quanta me non quiz leixar morrer 
e morrera, mais já non morrerey, 
ca me mandou que falasse migo 
quanfel quisesse, o meu amigo. 

ESTEVAM REYH0ND0 

294 

Amigo, se ben ajades, 
rogo-vos que mi digades 
por que non vyvedes migo, 
meu conselh'e meu amigo, 
porque nom vivedes migo ? 
Se mi vós tal ben queredes, 
amigo, qual me dizedes, 
porque nom vivedes migo, 
meu conselh'e meu amigo, 
porque nom vivedes migo? 
Poys eu nada nom desejo 
se nom vós, hu vos nom vejo, 



JQHAM LOPES BE ULHOA 



57 



porque nom vivedes migo, 
meu conselho meu amigo, 
porque nom vivedes migo? 
Poys que nom desejey ai nada 
se nom vós d'esta vegada, 
porque nom vivedes migo, 
meu conselho meu amigo, 
porque nom vivedes migo? 

295 

' Anda triste meu amigo, 
mha madre, ha de mi gram despeyto 
porque nom pode falar comigo 
e non por ai ; e faz gram dereylo 
d' and ar triste o meu amigo 
porque nom pode falar migo. 
Anda trisfo meu amigo, 
mha madre, tenho que seja morto 
porque nom pode falar comigo, 
c nem por ai ; e nom faz gram torto 
d'andar trisfo meu amigo 
porque nom pode falar migo. 
Anda trist' o meu amigo, 
mha madre, anda por en coitado 
porque nom pode falar comigo 
c nom per ai ; e faz mui guisado 
d'andar triste o meu amigo 
porque nom pode falar migo. 

JOHAM LOPES DE ULHOA 

296 

Oy ora dizer que ven 
meu amigo, de que eu ey 
muy gram queixunVe averey 
se m'el mentir por nullft ren, 
como pod'aquesto fazer ; 
poder sen mi tanto morar 
hu mi nom podesse falar. 
Non cuydei que tam gram sazon 
cl podesse per ren guarir 
sen mi, e poys que o eu vyr 
se mi nom disser logu'entora 
como pod'aquesto fazer : 
poder sem mi tanto morar 
bu mi nom podesse falar. 
Poder m'a, se o nom souber 
que terra foy a que achou 
hu el sen mi tanto morou, 
se mi verdade non disser 
como pod^aquesto fazer: 
poder sen mi tanto morar 
hu mi nom podesse falar. 

297 

Ay deus, hu é meu amigo 
que nom menvya mandado, 
8 



cá preyfavya comigo 
ergo se fosse coitado 
de morte, que se vehesse 
o mays cedo que podesse. 
Quando s'el de mi partia 
chorando fez-mi tal preyto 
e disse quand'e qual dia 
ergo se fosse mal treyto 
de morte, que se vehesse 
o mays cedo que podesse. 
E já o praz' é passado, 
que m'el disse que verria, 
e que m'havia jurado 
s'en gram coyta todavya 
de morte, que se vehesse 
o mays cedo que podesse. 
E se eu encTal soubesse 
que nunca Ihi bem qnizesse. 



298 

Que lrist'oj'cu ando, fazo gram razom, 
foy-s' o meu amigu'; e o meu coraçom, 
donas, per boa fé, 
alà est hu el é. 
Con tan gran coyta perderey o sen, 
fuy-s'o meu amigu', e todo o meu bem 
donas, per boa fé, 
alà est hu el é. 
E perdirey o sen, donas, ou morrerey; 
fuy-s'o meu amigu'e quanto ben ey, 
donas, per boa fé, 
alà est hu el é. 
Que adur quitou de me os olhos seus, 
fuy-s'o roeu amigu' e o lume dos olhos meus 
donas, per boa fé, 
alà est hu el é. 

299 

Eu fiz mal sen qual nunca fez molher, 
pêro cuydey que fazia bon sen 
do meu amigo que mi quer gram bem, 
e mal sen foy, poys m'el tan gran bem quer, 
que o tive sempr'em desdém e nom 
pode el saber rem do meu coraçom. 
Ca nunca de mi pu(l'entender ai 
e com essa coita se foy d'aqui, 
e fez mal, se nunca tam mal sen vi 
porque o fez, e acho-m'ende mal, 
que o tive sempr'en desden e nom 
pod'el saber rem do meu coraçom. 
Por Ihi dar eu coyta por sabe'lo seu 
coraçom, ben qu eu sairia ja, 
m'encobri de mays, sempre jà scrà 
mal para mi ca mal o perfiz eu, 
que o tive sempre em desdém e nom 
pod'el saber rem do meu coraçom. 



58 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



I 



300 

Ja eu sempre meutre viva for 
viverey mui coytada, 
porque se foy meu amigo 
e fui eu hy mui cerrada ; 

por quanto lhi foy sanhuda 

quando se de mi parlia 

par deus, se ora, se ora chegasse 

com el mui leda seria. 
E tenho que lhi fez torto 
de me lh'assanhar doado, 
pois que m'o nom merecera 
e foy-se por en coitado, 

por quanto lhi fui sanhuda 

quando se de mi partia 

par deus, se ora, se ora chegasse 

com el mui leda seria. 
El de pram quen esto cuyda 
que est migo perdudo, 
ca se nom logo verria 
mays por esto m'é sanhudo, 

por quanto lhe fuy sanhuda 

quando se de mi partia 

par deus, se ora, se ora chegasse 

com el mui leda seria. 



301 

Eu nunca dormo nada 
cuydand'em meu amigo, 
el que tam muyto tarda 
se outr'amor ha sigo, 

ergo lo m'eu querria 

morrer oj'este dia. 
E cuyd'eu eslo sempre, 
nom sei que de mi seja, 
el que tam muyto tarda 
se outro bem deseja, 

ergo lo m'eu querria 

morrer oj'este dia» 
Se o faz faz-mi torto, 
e, par deus, mal me mata, 
el que tam muyto tarda 
se rostro outro lh f o cala 

ergo lo m'eu querria 

morrer oj'este dia. 
Ca meu dano seria 
de viver mays hum dia. 

302 

Que mi queredes, ay madr'e senhor, 
ca nom ey eu no mund'outro sabor 
se nom catar aly per ú a viir, 
meu amigo porque moiro d'amor, 
e nora poss'end'eu os olhos partir. 

Já me feristes cem vezes por en, 
eu, mha madre, nom ey outro ben, 
se nom catar aly per u a viir 



meu amigo, por quen perco o sen, 
e nom poss'end'eu os olhos parlír. 
Por aquel deus que vos fez nacer 

leixade-me que nom possui fazer 

se nom catar aly per u a viir 

meu amigo, por quen quero morrer 
e nom poss'end'eu os olhos partir. 

DOM FERNÃO FERNANDEZ COGOMIXHO 

303 

Amigue nom vos nembrades 
de mi, e torto fazedes 
mays nunca per mi creades 
se mui cedo nom veedes; 

ca sodes mal conselhado 

de mi sayr de mandado. 
Nom dades agora nada 
por mi, e poys vos partirdes 
d'aqui, mays mui bem vingada 
serey de vós, quando virdes 

ca sodes mal conselhado 

de mi sayr de mandado. 
i\ T om queredes viver migo 
e moiro com soydade, 
mays veredes, amigo, 
poys que vos digu'eu verdade, 

ca sodes mal conselhado 

de mi sayr de mandado. 

304 

Hyr quer^eu, madre, se vos progucr 
hu é meu amigu', e se o poder veer, 
veerey muy gram prazer. 
Gram sazon ha, madre, que o nom vi; 
mays poys mi deus guisa de o hir veer 
veerey hi muy gram prazer. 

305 

Amiga, muyfha que nom sey 
nen m'ar vehestes vós dizer 
novas que querria saber 
dos que ora son com el-rey, 

se se vêem, ou se x'estam, 

ou a que tempos se verram. 
Enquanto falastes migo 
dizede, se vos venha ben, 
se vos disse novas alguém 
dos que el-rey levou comsigo, 

se se vêem, ou se x'estam, 

ou a que tempos se verram. 
Daria mui de coração 
quem quer que aver podesse 
a quem mi novas dissesse 
del-rey e dos que con el son, 

se se vêem ou se x'estam, 

ou a que tempos se verram. 



GONÇALO EANES DO VINHAL 



59 



Mays bcn sey o que faram, 
porque mi pesa (urdaram. 

300 

Meu amigo, se vejades 
de quanfamades prazer 
quanfalhur muyto morades 
que nom podedes saber, 

amigo, de mi mandado 

se sodes enton coytado ; 
Dizede-m'o, meu amigo, 
e par deus nom ro'o neguedes, 
quando nom sodes commigo 
e muyrha que nom sabedes 

amigo, de mi mandado 

se sodes entom covlado. 
Ca sse faz que vós andàdes 
quando vos de mi partides, 
gram tempo que nom tornados, 
e entom quando nom oydes 

amigo, de mi mandado 

se sodes entom coytado. 

GONÇALO EAXES DO YIXH1L 

307 

Que leda que oj'eu sejo, 
porque m'cnvyou dizer 
ca nom vem com grani desejo 
coytado d'u foy viver, 

ay dona, lo meu amigo 

se nom por falar comigo, 

nen ven por ai, meu amigo, 

se nom por falar comigo. 
Envyou-mi seu mandado 
dizer, qual eu creio bem 
cà nom vem por ai coytado 
de tam longe comei vc m, 

ay dona, lo meu amigo 

se nom por falar comigo, 

nem vem por ai, meu amigo, 

se nom por falar comigo. 
Nulla coyla nom avya 
tanlo creede per mi, 
outro, nem el nom envia 
mays quer que verria aqui, 

ay dona, lo meu amigo 

se nom por falar comigo, 

nem vem por ai meu amigo, 

se nora por falar comigo. 

308 

Par deus, amiga, quanto rececy 
do meu amiguo todo ra'oj'avcm, 
ca receey de mi querer gram bem 
como m'el quer, pol o que vos dircy, 
eu poys fui nada nunca ouvamor 



nem quiz amigu'en tal sazom aver 
e el íilhou-n^à força por senhor 
a meu pezar e morrerá por en. 

E nom se podalongar eu o sey 
dos que migo falam, nem encobrir, 
que Ihis eu nom falhe en ai para oyr 
em mi falar, e já me lhi eu sanhey 
porque o fez, e nunca el mayor 
pezar oyo, mays nom podo fazer, 
mays esse pouco que el vivo for, 
farey-vo-lh'eu o que m'el faz sentir. 

E sabe deus o pesar que end'ey, 
mays nom se pode de um grara pezar 
guardar se nom quenx'en d'el quer guardar, 
mays sempre m'eu de tal preyto guardey, 
o mays que pud'e nom ouvi sabor, 
mays el me mata porque quer morrer 
por mi de pram, e do que m'é peyor 
nem poder já o coraçom quitar. 

309 

Quand'eu soby nas torres sobre lo mar 
e vi onde soy a abafordar 
o meu amig', amigas, tam gram pesar 
ouv'eu enlom por el en o coraçom 
quancreu vi estes outros per hy andar 

que a morrer ouvera por el entom. 
Quand'eu catey das torres derredor 
e nom vi meu amigu'e meu senhor, 
que oj'el por mi vyve tam sen sabor 
ouv'eu enton tal coyta no coraçom 
quando me nembrey dei c do seu amor 

que a morrer ouvera por el entom. 
Quand'eu vi esta cinta que m'el leixou, 
chorando com gram coyla e me nembrou 
a corda da camisa que m'el filhou 
ouvi por el tal coyta no corazon 
poys me nembra, fremosa, hu m'en mentou 

que a morrer ouvera por cl entom. 
Nunca molher tal coyla ouv'a sofrer 
com'eu, quando me nembra o gram prazer 
que lheu íiz huma cinta veu a cinger; 
creceu-mi tal coyta no corazom 
quand'eu soby nas torres polo veer, 

que a morrer ouvera por el entom. 

310 

O meu amigo, que me quer gram bem, 

nunca de mi pode aver se nom mal, 

e morrerá hu nom pode aver ai 

ca my praz, amiga, de morrer 

por aquesto que vos quero dizer: 
leix'a coydar en o mal que lhy en vem 
e coyda sempre meu boum parecer. 
E a tal hom\ amigas, que farcy 

que assy morre e assy quer morrer, 

porque aquele bem que nunca pode aver 

nem averà, cà ja se lho panyo, 



<iO 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



porque mi asy demanda d'u saiu 
leix'a cuydar no mal que lhy eu dey 
e coyda em mi fremosa que m'el vyo. 
Camores tantas coytas lhy dam 
por mi, que já á morte muy prompto está 
e sey eu d'el que cedo morrerá, 
e se morrer nom me faz hy pesar, 
ca se nom soube da morte guardar; 
leix'a coydar en o seu grande afam 
e coyda sempre em meu bom semelhar. 

311 

Amigo, por deus, vos venlrora a rogar 
que mi nom querades fazer perdoar 
ao meu amigo que mi fez pesar, 
e nom m'o roguedes ca o nom farey 
alá que el venha ante mi chorar, 
porque s'assanbou nom lhy perdoarey., 

Por quanto sabedes que mi quer servir 
mais que outra rem, quero-lh'o gracir, 
mais eu nom lh'o ey por en consentir, - 
e nom mo roguedes ca o nom farey 
atà que el venha mercee pedir, 
porque «'assanhou nom lhi perdoarey. 

Gram pesar lh'y farey, nom vistes mayor 
porque nom guardou min, nen o meu amor, 
sem filhar sanha ouve gran d'ir sabor, 
e nom me roguedes ca o nom farey 
atá que el senta hira de senhor, 
porque s'assanhou nom lhy perdoarey. 

E porque sey bem que nom pode viver 
hu el nom poder os meus. olhos veer 
fare-lh'eu que veja qual é meu poder^ 
e nom me roguedes que o nom farey 
atá que eu veja que já quer morrer, 
porque s'assanhou nom lhy perdoarey. 

Mais pois que el tod'aquesto fazer, farey 
eu por vós quanto fazer desejo, 
mays ante por rem nom lhy perdoarey. 

312 

O meu amigo queixa-se de my, 
amiga, porque lhi non faço bem, 
et diz que perdeu já por mi o sem 
e que o poss'eu desensandecer; 
et nom sey eu se el diz verdad'y, 
mais nom quer'cu por el meu mal fazer. 
Queyxa-se el muyto, porque lhy nom flz, 
amiga, bem; et diz que ha pavor 
de mostrar mal se por mi morto for, 
poyl-o poss 7 eu de morte couorecer, 
et nom sey eu se el verdade diz, 
mais nom quer'eu por el meu mal fazer. 



313 

Meu amigiTé d'áquem hido, 
amiga, muy meu amigo, 



dizem-mi, bem vol-o digo 
que é já de mi parado; 

mais que preito tarfi desavisado. 
Pêro vistes que chorava 
quando se de mi partia, 
disserom-mi que morria 
por outra e que trovava; 

mays que preyto tam desavisado. 
O que sey de pram que morre 
por mi, que nom faz torto, 
dizem m'ora que é morto 
s'y se lh'outra nom acorre; 

mays que preyto iam desavisado. 

ROY QDEVMADO 

- 314 

meu amig 1 , ay amiga, 

que muyfa prol buscastes 

quando me por el rogastes, 

pêro vos outra vez diga 
que me vós por el roguedes, 
nunca me por el roguedes. 
El verrá ,bem o sabedes, 

dizer- vos que é coylado, 

mays sol nom seja pensado 

pêro o morrer vejades, 
que me vós por el roguedes 
nunca me por el roguedes. 
Quanto quiser tanto more 

meu amigo e nós outra terra, 

e ande comig'a guerra, 

mays pêro ante vós chore 
que me vós por el roguedes, 
nunca me por el roguedes. 

315 

Quando meu amigo souber 
que m'assanhey por el tardar 
tam muyto quancTaquy chegar 
e que lh'eu falar nom quizer, 
muyto terra que baratou 
mal, porque tam muyto tardou. 
Nen tem agora el en rem 
mui gram sanha que eu d'el ey, 
quando cl veer com'eu serey 
sanhuda, parecendo bem 
muyto terra que baratou 
mal, porque tam muyto tardou. 
E quand'el vir os olhos meus 
e vir o meu bom semelhar, 
e o eu nom quiser catar 
nem m'ousar el catar dos seus, 
muyto terra que baratou 
mal, porque tam muyto tardou. 
Quando m'al vir bom parecer 
com'oj'eu sey que m'el verá, 
e da coyta que por myn ha 



ESTEVAM COELHO 



61 



nom m'ousar nulha rem dizer, 
muyto terra que b a ratou 
mal, porque tam muyto tardou. 

316 

Dizem-ro'ora que nom verrà 
o meu amigo, porque quer 
muy gram bem d 'outra molher; 
mays esto quem no creérà, 
que nunca el de coraçom 
molher muyfame, se mi nom. 
Pode meu amigo dizer 
que ama outrem mays c'a sy 
nem que outra rem, nem c'a mi; 
mays esto nom é de creer 
que nunca el de coraçora 
molher muyfame se mi nom. 
Enfinta fazer el, eu o sey, 
que morre por outra d'amor* 
e que nom ha mi por senhor; 
mays en esto nom creerey 
que nunca el de corapom 
molher muyfame, se mi nom. 



RODRIGUES TENOYRO 



317 

« 

Poys que vos eu quero mui gram bem, 
amigu', e quero por vós fazer 
quanto me rogades dizer, 
vos quer'eu y rogar uma rem : 

que nunca vós amig'ajades 

amig'aque o digades; 

nem eu nom quer'aver amiga, 

meu amig a que o diga. 
Quanto me vós quiserdes mandar 
que por vós faça, bem sabede 
que o farey, e vós fazede 
por mi o que vos quero rogar: 

que nunca vós amig'ajades 

amig'a.que o digades; 

nem eu nom qucfaver amiga, 

meu amig'a que o diga. 
Poys vos eu faço tam grand'amor 
que nom quero ao meu catar, 
quero- vos ante muyto roguar, 
meu amigo, por nostro senhor, 

que nunca vós amig'ajades 

amig'a que o digades; 

nem eu nom quer'aver amiga, 

roeu amig'a que o diga. 

318 

Amigo, pois mi dizedes 
cà mi queredes mui gram bem, 
quandora vos fordes d'aquem 
dizede-me que faredes? 



Senhor fremosa, eu vol-o direy, 

tornar-m'ey ced'ou morrerey. 
Se nostro senhor vos perdon' 
poys aqui sodes coytado, 
quando fordes alongado 
por deus, que farey entom? 

Senhor fremosa, eu vol-o direy, 

tornar-m'ey ced'ou morrerey. 

319 

Hir-vos queredes, amigo, d'aquem 
e dizedes-mi vós que vos guys'en 
que faledes ante comigu'; e meu 
amigo, dizede oranmha rem : 
como farey eu tam gram prazer 
a quem mi tam gram pesar quer fazer? 
Rogades-me vós mui de coraçom 
que fale vosco, que ai nom aja hi, 
e queredes- vos, amigo, yr d'aqui; 
mays dized'ora, se deus vos perdon' : 
como farey eu tam gram prazer 
a quem mi tam gram pesar quer fazer? 
Queredes que vos fale se poder 
e dizedes que vos queredes hir, 
mas se deus vos leixe cedo viir 
dizede, amigo, se o eu fizer : 
como farey eu tam gram prazer 
a quem mi tam gram pesar quer fazer ? 

320 

Quyso-me hum cavalleyro dizer, 

amigas, cà me queria gram ben, 

e defendi-lh'0 eu, e hunha rem 

sey, per quanfeu hi d'el pud'aprender : 
tornou mui trisfe eu bem lh'entendi 
que lhi pezou, porque lh'o defendi. 
Quiz-m'el dizer, assy deus mi perdon' 

o bem que mi quer, a mui gram pavor, 

e quisome logo chamar senhor, 

e defendi-lh'o eu, et el entom 
tornou mui triste, eu bem lh'entendi 
que lhi pezou, porque lh'o defendi. 
Falava migu'e quiso-me falar 

no mui gram bem que m'el diz ca mi quer ; 

e dixi-lh'eu que nom lh'era mester 

de falar hi, e el com gram pesar 
tornou mui trisfe eu bem entendi 
que lhi pezou, porque lh'o defendi. 

ESTEVAM COELHO 

321 

Sédia la fremosa, seu fuzo torcendo, 
sa voz manselinha, fremoso dizendo 
cantigas d^amigo. 
Sedia la fremosa seu fuso lavrando, 
sa voz manselinha, fremoso cantando 



62 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



cantigas d'amigo. 

— Par deusde cruz, dona, sey eu que avedes 
amor mui coitado, que Iam bem dizedes 

cantigas d'amigo. 
Par deus de cruz, dona, sey que andades 
d'amor mui coylada, que tam bem cantades 

cantigas d'amigo. 
«Abuylre comestes, que adevinhades.» 

322 

Se oj' o meu amigo 
soubesse, hyria migo . 
eu ai rio me vou banhar, 
ai maré. * 

Se oj'el este dia 
soubesse, migo iria 
eu ai rio me vou banhar, 
ai maré. 
Que lhi dessess' a tanto 
ca ja lilbey o manto, 
eu ai rio me vou banhar, 
ai maré. 

ESTEVAM TRAVANCA 

323 

Por deus, amiga, que me pregunledes 

por meu amigo que aqui nom ven, 

e sempre vos eu poren querrey bem 

par deus, amiga, se o fazedes; 
cá nom ous'oj'eu por el preguntar 
com medo de mi dizerem pezar. 
Log' oj* amiga, polo meu amor 

preguntad'os que aqui chegaron, 

como ou de qual guisa o leixaron 

e dizede-m 1 ©, por nostro senhor; 
cá non ous'oj'eu por el preguntar 
com medo de mi dizerem pezar. 
Preguntade vol-o vosso amigo, 

ca sei eu mui ben cá vol-o dirá 

se era morto ou vivo que fará, 

e falade-o commigo ; 
ca non ousyeu por el preguntar 
com medo de mi dizerem pezar. 

324 

Amigas, quando-se quylou 
meu amigo un dia d 'aqui 
pêro m'ho eu coytado vi, 
e m'el ante muyto rogou 

que lhe perdoasse, nom quix; 

e fiz mal porque o nom fiz. 
E pavor ey de s'alongar 
d'aqui, assy deus mi perdon, 
e farâ-o com gramrazom, 
ca me veo ante rogar 

que lhi perdoass'e num quix; 

e fiz mal porque o nom fiz. 



Chamava-m^l lume dos seus 
olhos, e seu bem c seu mal, 
poyFo nom fazia por aj 
que o fezesse, por deus, 

que lhi perdoasse nom quix ; 

e fiz mal porque o nom fiz. 
E se o poren perdud'ey 
nunca mayor dereytovi, 
ca veo chorar ante mi 
e disse-m' o que vos direy: 

que lhi perdoasse nom quix; 

e fiz mal porque o nom Qz. 
E sempre m'eu mal acharey 
porque lh'entom nom perdoey, 
cá se lh'eu perdoass^ly 
nunca s'el partira d'aqui; 

que lhi perdoasse nom quix, 

e fiz mal porque o nom fiz. 

325 

Se eu a meu amigo dissesse 
quanfeu já por el quisera fazer 
hunha vez, quando m'el veo veer, 
des que end'el verdade soubesse, 
nom averia queixume de mi 
como oj'el ha, nem s'yria d'aqui. 
E se soubesse quam sen meu grado 
nom fiz por el quanto eu quizera enton 
fazer, amiga, se deus mi perdon' 
per cornou cuid 1 e cuyd^guisado, 
num averia queixume de mi 
como oj'el ha, nem s'yria d'aqui. 

326 

Dizem, mha^miga, se nom fezer bem 
a meu amigo, qu'el prenderá 
morte por my, et peio que el a 
por mim gran coyta c me quer gram ben 
mais lhe valrria para nom morrer 
nom lhe fazer bem ca de lh'o fazer. 
Mais, amiga, hua cousa sey 
de meu amigo que el averâ 
morte muy cedo se meu bera nom a, 
e per quanfoj' eu de mha fazenda sey, 
mais lhe valrria pêra nom morrer 
nom lhe fazer bem, ca de lh'o fazer. 

RODRIGO EAXES DE VA SCO \CE LIOS 

327 



amig, 



amiga, foy sazom 



O voss 
que desejava no seu coraçon 
outra molher, mays em vossa prisom 
está quite por vós doutra rem 
e poys el nom deseja se vós nom 
ben seria de lhi fazerdes ben. 

El a outra dona soya querer 



AFFONSO MEENDES DE BEESTEIROS 



6 






grani bera, amiga, c foy-vos veer 
e ora ja dom pod'aver prazer 
de si nem d'al se lhi por vós nom \em ) 
e poys assi é no vossb poder 
ben seria de lhi fazerdes ben. 

328 

Se eu, amiga, quero fazei 4 ben 
a meu amigo que ben nom quer ai 
se nom a mi, dizem que é mal 
mhas amigas, e faço mal sen ; 
mays non as creo, ca sey huriha rem 
poys meu amigo morre por morrei* 
por mi meu bem e de lhi bem fazer. 
Elas nom sabem qual sabor eu ey 
de lhi fazer eu bem no meu coraçom, 
e posso-llf o fazer mui com razom, 
raays dizem logo que mal sen farey 
mhas amigas, mays bua cousa sey 
poys meu amigo morre por morrer 
por mi meu bem e de lhi bem fazer. 
Eu lhi farey bem, e elas verram 
preguntar-nf ante vós porque o fiz, 
e direy eu qual est a que o diz ; 
e poys moyr'e outorgar-nf ho am, 
ca lhis direi, mhas amigas, de pram 
poys meu amigo morre por morrer 
por mi meu bem, e de lhi bem fazer. 
E ante lhi quero algum ben fazer 
ca o leixar como morre, morrer, 
por lhi falar bem ou polo veer 
nora lhi quer'eu leixar morte prender. 

329 

O meu amigo nom ha de mi ai 
se nom gram coyta que lhi nunca fal, 
e, amigos, o coraçom lhi sal 
por me veer; e dized'unha ren 
poys nTel bem quer, e que ltf eu fapa mal 

que faria se lircu fezesse bem. 
Des que eu wdçi nunca lhi fiz prazer 
e o mays mal que llf eu pudi faz^r 
lhi Dz amiga, e quero saber 
de vós, poys esle mal por mal non ten 
e llf eu mal faç'e por mi quer morrer, 

que faria se Ih'eu fezesse bem. 
El é quite por mi d'outro senhor 
e fapo-llf eu cada dia peyor, 
pêro amiga, a mi quer melhor 
c'a ssy nem ai, e pois llf assy aven 
que lh'cu mal fap e nf el ha tal amor, 

que faria se Hf eu fezesse bem. 

AFFONSO MEENDES DE BEESTE1R0S 

330 

Fahfamigo, per boa fé 
nf eu sey que queredes gram ben 



outra molher, e por mi ren 
nom dades • mays poys assy 6 
oy mays fazede des aqui 
compra d'outra ca nom de mi* 
Ca n'outro dia vos achei 
falar no vosse nom en ai 
com outra^ e foy nf ende mal, 
mays poys que a verdade sey 
oy mays fazede des aqui 
compra d'outra ca nom de mi. 
E quando vos eu vi falar 
com outra logu'i bem vi eu 
que seu erades cá nom meu ; 
raays quero-vos eu desenganar 
oy mays fazede des aqui 
compra d'outra, ca nom de mi. 

331 

Mha madre, venho-vos rogar 

como roga fíllf a senhor; 

o que morre por mi d'amor 

leixade-ttfir com el falar; 
quanta coyta el sigo ten 
sey que toda lhi por mi ven. 
E sodes desmesurada 

que vos nom queredes doer 

do meu amigo, que morrer 

vejo, e and'eu coitada ; 
quanta coita el sigo tem 
sey que toda lhi por mi vem. 
Veelo-ey eu, per boa fé 

e darei-llfi tam gram prazer 

porqu'el dev' agradecer 

poyl-o seu mal ced'o meu he ; 
quanta coyta el sigo tem 
sey que todo lhi por mi vem. 

332 

Amigas, nunca mereceu 
ornem como eu mercy mal 
em meu cuydar, ca nom en ai, 
mais ando-me por en sandeu 
por quanto mi faz cuydador 
d'aver eu bem de mha senhor. 
Mais leixad'a nf andar assy 
pêro vos ajades poder, 
meus amigos, de me valer 
sol nom vos doades de mi ; 
por quanto mi fez coidador 
d'aver eu bem de mha senhor. 
Ca sey que per nenhum togar 
amigos, que nom averey 
d'ela bem, por quanto uuydey ; 
mais leixade-nf assv andar 
por quanto mi faz cuidador 
d'aver eu bem de mha senhor. 
Ca o sandeu quanto mais for 
d'amor sandeu merece milhor. 



64 



CANCIONEIRO FOKTUGUEZ DA YATICANA 



PÊRO GOMES BARROSO 



333 



Amiga, quero-vos eu já dizer 

o que mi diss\) meu amigo, 

que morre quando nou é comigo 

cuydando sempre no meu parecer; 
mays eu nom cuydo se el cuydasse 
em mi que tanlo sen mi morasse. 
Nunca Ihi já creerey nulha rem 

poys tanto tarda, se deus mi perdon', 

e diz ca morre d^slo ca d'al nom 

cuydand'en quanto mi deus fez de ben 
mays eu nom cuydo se el cuydasse 
em mi que tanto sem mi morasse. 
Porque Iam muylo tarda d'esta vez 

sen pouqu'e -pouco se vay perdendo 

comigu'e diz el que jaz morrendo 

cuydand'en quam fremosa me deus fez; 
mays eu nom cuydo se el cuydasse 
em mi que tanto sem mi morasse. 
E nom sey rem porque el ficasse 

que nom vehesse se lh'eu nembrasse. 

334 

meu amigo que é com el rey, 
faça Ihi quaiUv bem quiser, bem sey 
'ca nunca bem no mundo pod'aver, 
poys eu fremosa tam muyto bem ey 
. se nom viver miguem quanfeu viver. 

Punh'el-rey ora de Ihi fazer bem, 
e quanto x'el quizer tanto Ihi dem, 

ca nunca bem no mundo pode aver 
se deus mi valha que Ihi valha rem 
se nom viver migu'em quanfeu viver. 
Faça-lh'ora quanto el quiser, e nom 
more comigo, se deus mi perdon', 

ca nunca bem no mundo pod'aver 
nem gram prazer era o seu coraçom 
se nom viver migu'emquant'eu viver. 
Nem gram pesar quantos no mundo som 
nom lh'o faram se lh'eu fezér prazer. 

335 

Direy verdade, se deus mi perdon' 
o meu amigo se mi quer gram bem 
nom lh'o gradesco, e mays d'outra rem 
gradesco a deus en o meu coraçom, 
que m'el fremosa fez tanlo mi deu 
tanto de bem quanto Ihi perdi eu. 
Se m'el quer ben como diz ca mi quer, 
el faz guisa d'en polo fazer, 
nem lh'o gradesco, e ey que gradecer 
a deus ja sempr' o mays que poder, 
que m'el fremosa fez tanto mi deu 
tanlo de bem quanto Ihi perdi eu. 
Sem^lquerbemnomlh^oquereunenmal 



nem farey que Ihi gradesca hi, 
mas quant' oj' eu no meu espelho vi 
gradesc' a deus muyl', e gradesco lh'al 
que m'el fremosa fez; tanlo mi deu 
lanto de bem quanto lhe perdi eu. 

PÊRO VYVYAENS 

336 

Poys vossas madres vam a San Simon 
de Vai de Prados candeas queymar 
nós as meninhas punhemos d'andar 
com nossas madres, s'elas entom 
queymem candeas por nós e por sy 
e nos meninhas baylaremos hy. 
Nossos amigos todos la hiram 
por nos veer, e andaremos nós 
bayland'ant ? eles fremosas sós, 
e nossas madres poys que alá vam 
queymem candeas por nós e persy 
e nós meninhas baylaremos hy. 
Nossos amigos hiram por cousir 
como baylamos, e podem veer 
baylar moças de bom parecer, 
e nossas madres poys lá querem hir 
queymem candeas por nós e por sy 
e nós meninhas baylaremos hy. 

337 

Por deus, amiga, punhad'em partir 
o meu amigo de mi querer bem, 
non m'ho digades cá vós nom vai ren 
nen mi mandes a ess 1 alá hir 
ca tanta prol mi ten de Ihi falar 
per boa fé, como de me calar. 
Dizede-lh'ora que se parla já 
do meu amor onde sempre ouve mal, 
leixeroos ess'e falemos en ai 
muyto confonda deus quem lho dirá, 
ca tanta prol mi ten de Ihi falar , 
per boa fé, como de me calar. 
Dizede-lh'ora que nom pod'aver 
nunca meu bem, e que nom cuid'i sol 
nom nrho digades, ca vos nom tem prol, 
confonda deus a quem lho vay dizer, 
ca tanta prol mi ten de Ihi falar 
per boa fé, como de me calar. 

FERNAH GONÇALVES DE SEAVRA 

338 

Pêro que eu meu amigo roguey 

que sse nom fosse sol nom sse leixou 

por mi de s'yr, e quand'aqui chegou 

por quanfel vyu que me lh'eu assanhey 

chorou tam muyfe tan de corapon 

que chorey eu con doo dei enton. 



JOHAM DB GUiLHADE 



65 



Eu lhi roguey que mays nora chorasse, 
ca lhi partia que nunca poren 
lhi mal quisesse, nem por outra rem; 
e ante que lh'eu eslo rogasse, 

chorou tam muyfe tam de coraçom 
que chorey eu com doo d'el entom. 
El mi jurou que se nom cuydava 
que end 9 ouvess'a tam gram pesar 
cà se nom fora bem quen fosse matar, 
e quand el vyu que mi lh'assanhava 
chorou tam muyfe tam de coraçom, 
que chorey eu com doo d'el entom. 

DOM AFWNSO LOPES DE BAYAM 

339 

Fui eu, fremosa, fazer oraçon 
nom por mha alma, mays que viss'eu bi 
o meu amigo, e poyl o nom vi, 
vedes, amigas, se des mi perdon', 
gram dcreyfé de lazerar poren 
poys el nom veo nem a ver meu bem. 
Ca fuy eu chorar dos olhos meus, 
mays, amigas, e candeas queymar 
nom por mha alma, mays polo achar; 
e poys nom veo, nen o dusse deus, 
gram dereyfó de lazerar poren 
poys el nom veo nem a ver meu bem. 
Fui eu rogar muyfa nostro senhor, 
non por mha alma candeas queymey 
mays por veer o que eu muyfamey 
sempr'e nom veo o meu traedor, 
gram dereyfé de lazerar poren 
poys el nora veo nem a ver meu bem. 

340 

Madre, des que se foy d'aqui 
meu amigo, non vi prazer 
nem m'ho queredes creer; 
e moyr'e se nom é assy 

nom vejades de mi prazer 

que desejades aver. 
Des que s'ele foy per boa fé 
chorey, madre, dos olhos meus 
com gram coyta sab'oje deus 
e moyr'e se assy nom é 

non vejades de mi prazer 

que desejades aver. 
De mha morf ey mui gram pavor, 
mha madre, se cedo nom vem, 
e ai nom dovidedes en, 
cà se assy nom é, senhor, 

non vejades de mi prazer 

que desejades aver. 

341 

Hyr quer'oj'eu, fremosa de coraçom, 
por fazer romaria e oraçom 
9 



a sancta Maria das Leiras, 

poys meu amigo hy vem. 
Des que s'o meu amigo foy nunca vi prazer 
e que^oj 1 ir, fremosa polo veer, 
a sancta Maria das Leiras, 

poys meu amigo hy vem. 
Nunca serey leda se o nom vir, 
e por esto fremosa and\>r'a hir 
a sancta Maria das Leiras, 

poys meu amigo hy vem. 

342 

Disseron-m'unhasnovasdequemémuigrãben 
ca chegou meu amigu'e se el ali ven 
a sancta Maria das Leiras 
hirey velida, se hy vem meu amigo. 
Disserom-m'unhas novas de que ei gram sabor 
ca chegou meu amigo, e se el aly for 
a sancta Maria das Leiras 
hirey velida, se hy vem meu amigo. 
Disserom-m'unhas novas de que ei gram prazer 
ca chegou meu amigo, mays eu pol-o veer 
a sancta Maria das Leiras 
hirey velida se hy vem meu amigo. 
Nunca com taes novas tam leda foy molher 
cornou solo tom estas, e se hy veer 
a sancta Maria das Leiras 
hirey velida, se hy vem meu amigo. 

JOHAM DE GUILHADE 

343 

Treydes todas, ay amigas, comigo 
veer hum home muy to. namorado 
que aqui jaze cabo nós mal chagado, 
e pêro oy ha muy tas coytas comsigo, 
non quer morrer porjaom pesar d'el alguen 
que lh'amor ha, mays el muyfama alguen. 
Jâ x'ora el das chagas morreria 
se nom foss'o grand'amor verdadeyro, 
preciade sempre amor de cavaleyro 
cà, el de pram sobr'aquesto perQa ; 
non quer morrer por nom pesar d*el alguém 
que lh'amor ha, mays el muyfama alguém. 
Lealmente ama Joham de Guylhade 
e de vós todas lhi seja loado, 
e deus lhi dé da porque faz grado, 
ca el de pram com mui gram lealdade 
nom quer morrer por nom pesar d'el alguém 
que llVamor ha, mays el muyfama alguém. 

344 

Por deus, amiga, que serra 
poys o mundo non é ren, 
nen quer amiga senhor ben, 
e este mundo que é já. 
poys hi amor nom ha poder 



. 66 



CANCIONEIBO POETUGUEZ DA VATICANA 



que presfa seu bom parecer, 
nem seu bom talh'a quen o ha. 

Vedes porque o dig'assy 
porque nom ha no mundo rey 
que viss'o talho que eu ey 
que xe nom morresse por mi, 
si quer meus olhos verdes son 
e meu amig'agora nom 
me vyu e passou por aqui. 

Mays dona que amig'ouver 
des oje mays crea por deus 
nom s'esforcem os olhos meus, 
cá des oje mays nom lh'é mester, 
cá já meus olhos vyu alguém 
e meu bom talh'e ora vem 
e vay-se tanto que s'yr quer. 

E poys que nom ade valer 
bom talho, nem bon parecer 
parescamos já como quer. 

345 

Quer'eu, amigas, o mundo loar 
por quanto ben mi nostro senhor fez; 
fez-me fremosa e de mui bom prez, 
ar fez-mi meu amigo muyfamar, 
aqueste mundo x'est a melhor ren 
das que deus fez a quem el i faz bcn. 
O parayso boo x'é de pram 
cá o fez deus, e nom digu'eu de non 
mayl-os amigos que no mundo son 
amiga, muifambos lezer am ; 
aqueste mundo x'est a melhor ren 
das que deus fez a quem el i faz ben. 
Querria-n^eu o parays'aver 
des que moiresse bem com'é quem quer 
mays poyl a dona seu amigo er 
e com el pode no mundo viver, 
aqueste mundo x'est a melhor ren 
das que deus fez a quem el i faz ben. 
Quem aqueslo nom lever por ben 
nunca lhi deus dê en ele ren. 

34G 

Sanhud'andades, amigo, 
porque non faço meu dano 
vosqu'e per fé sen engano 
ora vos par e vos digo, 

ca nunca já esse preyto 

migo, amigo, será feyto. 
De pram nom son tam louca 
que ja esse preyto faça, 
mays dou-vos esta baraça 
guardad'a cinfe a touca, 

ca nunca já esse preyto 

migo, amigo, será feyto. 
Ay don Johan de Guylhade 
sempre vos eu fui amigo, 
e queredes que vos digo 



en outro preyto falade, 
ca nunca já esse preyto 
migo, amigo, será feyto. 

347 

Amigas, o meu amigo 
dizedes que faz enfinta 
em cas del-rey da mha cinta, 
e vede-lo que vos digo 

mando-me-lh'eu que s'enfluta 

da mha cinta e x'a cinta. 
De pram todas vós sabedes 
que lhi dei eu de mhas doas 
e que m'has dá el mui boas, 
mays d'esso que mi dizedes 

mando-me-ltTeu que s'enflnla 

da mha cinta e x'a cinta. 
Se s'el en finge ca x'ousa 
e direy-vos que façades, 
já mays nunca m'o digades, 
e direy-vos hua cousa 

mando-me-lh'eu que s'enflnta 

da mha cinta e x'a cinta. 

348 

Vistes, mhas donas, quando n'outro dia 
o meu amigo comigo falou, 
foy mui queixos'e pêro se queixou 
dei-ltfeu enlom a cinta que tragia 
mays el demanda-nfoutra solya. 

E vistes que nunca, quem nunca tal visse, 
por s'ir queixar, mhas donas, tan sen guisa, 
fez-mi tirar a corda da camisa 
e dei-lh'eu d'ela bem quanta m'el disse, 
mays el demanda-m'al que no ferisse. 

Sempre averà dom Joham de Guilhade 
mentfel quiser, amigas, das mhas doas, 
ca já m^end^el muytas deu e mui boas 
desy terrey-lhe sempre lealdade, 
mays el demanda-m'outra torpidade. 

349 

Amigas, tamanha coita 
nunca sofri, poys fuy nada, 
e direy-vol-a gram coyta 
com que eu sejo coytada; 

amigas, ten meu amigo 

amiga na terra, amigo. 
Nunca vós vejades coita, 
amiga, qual m'oj'eu vejo, 
e direy-vos a mha coita 
com que eu coitada sejo; 

amigas, tem meu amigo 

amiga na terra, amigo. 
Sej'eu moirendo com coita 
tamanha coita me Olha 
e de mha coita e coita 



JOHAM DE GUILHADE 



67 



que trague que maravilha; 
amigas, tem meu amigo 
amiga na terra, amigo. 

350 

Par deus, amigas, já me nom quer ben 
o meu amigo, poys ora ficou 
onde m'eu vyn, e outra o mandou; 
e direy-vos, amigas, bunha ren: 

se m'el quizesse como soya, 

j'agora, amigas, migo seria. 
E jà cobrad'é seu coraçom, 
poys el ficou hu lh'a mha cinta dei 
e, mhas amigas, se deus me perdon', 

se m'el quizesse como soya, 

j'agora, amigas, migo seria. 

Fez-m'el chorar muyto dos olhos meus 
com gram pesar que m'oje fez prender 
quand'eu dixi outro nfouvyra dizer, 
ay, mhas amigas, se mi valha deus, 

se m'el quizesse como soya 

j'agora, amigas, migo seria. 

351 

Vy oj'eu donas mui ben parecer 
e de muy bon prez e de muy bom sen, 
e muy famigas som de todo ben ; 
mays d'unha moça vos quoro dizer 

de parecer venceu quantas achou 

or'a moça que x' agora chegou. 
Cuydava m'eu que nom avyam par 
de parecer as donas que eu vi, 
a tam bem me pareciam ali, 
mays poila moça filhou seu loguar, 

de parecer venceu quantas achou 

or'a moça que x'agora chegou ; 
Que feramente a todas venceu, 
e a moedinha em pouca sazom, 
de parecer todas vençudas som, 
mays poil-a moça hi pareceu, 

de parecer venceu quantas achou 

or'a moça que x'agora chegou. 

352 

Amigas, que deus vos valba, 
quando veher meu amigo, 
falade semprunhas outra9 
emquanfel falar comigo, 

ca muytas cousas diremos 

que ante vós nom diremos. 
Sey eu que por falar migo 
chegará el muy coytado, 
e vós hide-vos chegando 
li todas par'ess'estrado, 

ca muytas cousas diremos 

que ante vós nom diremos. 



353 

Morro, meu amigo, d'amor 

e eu nom vol-ho creo ben, 

e el mi diz logo por en 

cá verrá morrer hu eu for, 
cá mi praz de coraçom 
por veer se moir'e se nom. 
Envyou-nfel assy dizer 

que el per mesura de mi 

que o leixasse morrer aqui 

e o vej'a quando morrer; 
cá mi praz de coraçom 
por veer se moir'c se nom. 
Mays nunca já créa molher 

que por ela morre assy, 

cá nunca eu esse tal vi ; 

e el moyra se lhi prouguer, 
cá mi praz de .coraçom 
por veer se moir'e se nom. 

354 

Diss'ay, amigas, don Joham Garcia 
que por mi com pesar nom morria, 
mal baratou porque o dizia, 
cá por esfo faço morrer por mi; 
e vistes vós o que s'en fengia 

demo lev'o conselho que ha de sy. 
El disse já que por mi trobava, 
ar en mentou-me quando lidava, 
seu dano fez que se nom calava, 
ca por esto o faço morrer por mi; 
sabedes vós o que se gabava 

demo lev'o conselho que ha de sy. 
El andou por mi muito trobando, 
e quanfavya por mi o dando, 
e nas lides me ia en mentando, 
e por esto o faço morrer por mi, 
pêro se muyto andava gabando 

demo lev'0 conselho que ha de sy. 

355 

Fostes amig'oje vencer 

na voda em bafordar bem 

todo-los outros, e praz-m'en; 

ar direy-vos outro prazer, 
alevad'o parecer da voda, 
per boa fé eu m'a levo toda. 
E poyl-os vencedes assy, 

nunca deviam a lanzar 

vosc'amigo, nem bafordar, 

ar falemos loguo de mi ; 
alevad'o parecer da voda, 
per boa fé eu m'a levo toda. 
E muyto mi praz do que sey 

que vosso bom prez verdade, 

meu amigo, e per boa fé 

outro gram prazer vos direy : 



68 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



alevaiVo parecer da voda, 

per boa fé eu m*a levo toda. 
A toda las donas pesou 
quando me vi comsigo estar, 
e punharam de s'afeytar, 
mays praza- vos de como eu vou; 

alevad'0 parecer da voda, 

per boa fé eu m'a levo toda. 

35G 

Chus mi tarda, mhas donas, meu amigo, 
ô que el migo pozera, 
e crece-nfend^nha coyta tam fera 
que nora ey o cor migo ; 

cuidey já que atâ que o visse 

que nunca ben dormisse. 
Quand'el ouVa fazer a romana 
poz-m'ura dia talhado 
que vyess'e nom vem, mal pecado, 
oje sse compre o dia. 

cuydey já que atá que o visse 

que nunca bem dormisse. 
Aquel dia que foy de mi partido 
el mi jurou chorando, 
que verria, e poys mi pez'e quando 
já o praz'é saydo ; 

cuidey já que atá que o visse 

que nunca bem dormisse. 

357 

Cada que ven o meu amig'aqui 
diz-m\ ay amigas, que perdoo sen por mi, 
e diz que morre por meu ben ; 
mays eu bem cuydo que nom est assy, 
ca nunca lheu vejo morte prender 
nem no ar vejo nunca ensandecer. 
El chora muyto e filha-s'a jurar 
que é sandeu, e quer-me fazer Ds 
que por mi morr'e poys morrer nom quis 
mui bem sey eu que ha ele vagar, 
ca nunca lh'eu vejo morte prender 
nem no ar vejo nunca ensandecer. 
Ora vejamus o que vos dirá 
poys veher viv'e poys sandeu nora for 
ar direy-lh'cu : nom morrestes d'amor J 
mays bem se quite de meu preito já, 
ca nunca lhi vejo morte prender, 
nem no ar vejo nunca ensandecer. 
E já mays nunca mi fará creer 
que por mi morre ergo se morrer. 

358 

Per boa fé, meu amigo, 
mui bem sey eu que m'ouveste6 
grand'amor, e estevestes 
mui gram sazon bem comigo ; 
mays vede-lo que vos digo 
já çafou. 



Os grandes vossos amores 
que mi e vós sempr'ouvemos 
nunca lhi cima fezemos 
com'a Brancafrol e Flores; 
mays tempo de rogadores 

já çafou. 
Já eu faley em folya 
com vosqu'em gram cordura, 
e en sen e em loucura 
quanto durava o dia; 
mays está hi don Jam Garcia 

ja çafou. 

E d'essa folya toda 

ja çafou, 

ja çafou do para da voda 

já çafou. 

359 

Estas donzelas que aqui demandam 
os seus amigos que lhis façam ben, 
querrey, amigas, saber hunha ren 
qu'é aquello que lhes demandam? 
ca hum amigo que eu semp^amey 
pediu-mi cinta e ja lh'a er dey, 
mays eles, cuydo, que ai lhis demandam. 

O meu seria perdudo comigo 
per sempr', amigas, se mi pediss'al; 
mays pedir cinta non é nulh'a mal 
e por aquesto nem se perdeu migo; 
mais se m'el outra demauda fezesse 
deus me confunda se lh'eu cinta desae, 
e perder-sMa já sempre comigo. 

Mayl-a doncela que rauylha servida, 
o seu amigo esto lh'é mester 
dé lhi sa cinta se lhi dar quiser, 
se entender que a muyto ba servida; 
mays se x'el quer outro preyto raayor 
maldita seja quem Ih' amiga for, 
e quem se d'el tever por servida, 

E se tal preyto nom sey end'eu ren 
mays se o ela por amigo ten, 
nom lhi trag'el lealdade cumprida. 

360 

Fez meu amigo gram pesar a mi, 
e pêro m'el faz tamanho pesar m 
fezestes-me-lh', amigas, perdoar 
e chegou oj'e dixi-lh'eu assy: 
viinde já cá, ja vos perdoey, 
mays pêro nunca vos já bem querrey. 
Perdoey-lh'eu, mays nora já com sabor 
que lh'ouvesse de lhi ben fazer, 
e el quiz oj'os seus olhos nferguer, 
e dixi-lh'eu — olhos de traedor, 
viinde já cá, ja vos perdoey, 
mays pêro nunca vos jà bem quecrey. 
Este perdon foy de guysa de pra» 
que jà mays nunc'amig'ouve6s'amor, 



DOM AFFONSO SANCHES 



69 



e nom ousava viir com pavor ; 

e dixi-Hfeu — ay cabeça de cam, 
viinde já cá, já vos perdoey, 
roays pêro nunca vos já bem querrey. 

361 

Pez meu amigo, amigas, seu cantar 

per boa fé, em mui boa razoo, 

e sem enflnta, e fez-lhi bon son, 

e unha dona lho quyso filhar; 
mays sey eu ben por quen s'o cantar fez, 
e o cantar já valrria hunha vez. 
Tanto que lheu este cantar oy 

logo lh'en foy na suma da razom 

porque foy feyfe bem sey porque nom 

e bua dona o quer para si 
roays sey eu bem por quem s'q cantar fez 
e o cantar já valrria unha vez. 
E no cantar muy bem entendi eu 

como foy feyf , e bem como por bem, 

e o cantar é guardado muy bem 

e hua dona o querria por seu; 
mays sey eu bem porque s'o cantar fez, 
e o cantar já valrria hunha vez. 



KSTEVAV DA fiDAHDA 

362 

A voss^migo, amiga, que prol tem 
servir- vos sempre muy de coraçom 
sem bem que aja de vós se mal nom, 
et com'amiga nom tem el por bem 
entender de mi que lhy consenfeu 
de me. servyr et se chamar por meu. 
Que prol tem ou que fala lhe dá 
de vos servir et amar mais que ai 
sem bem que aja de vós se nom mal, 
et nom tem el, amiga, que bem ha 
entender de mi que lhy consenf.eu 
de me servyr et se chamar por meu. 
A deus, amiga, que nos céos s'é 
pêro sey bem que me tem em poder, 
non o servirey se noa por ben fazer, 
et com' amiga et tem el que pouqu'é 
entender de mi que lhy conseifeu 
de me servyr et se chamar por meu. 



PÊRO BMNELLAS 

363 e 364 

Avedes vós, amiga, guisado 
de falar vosc'oj'ô meu amigo 
que vem aqui, e bem vol-o digo, 
por falar vosqu'e diz recado 
de rogo, amiga, do voss'amigo 



que fafades o meu falar migo. 
E hu eu moro jâ el nom mora, 
cá lhe defendi que nom morasse hi 
e pêro sey que vos traz'ora aqui 
bem vol o digo o recado agwa 
de rogo, amiga, do vosso amigo, 
que fafades o meu falar migo. 

* 
Gram sazom ha que meu bem demanda 
e nunca pode comigo falar, 
e vem agora voss'amigo rogar 
e ora recado sey que vos manda 
de rogo, amiga, do vosso amigo 
que façades o meu falar migo. 

365 

Huú ric'ome, a quem buu trobador 

trobou ogan'aqui em cas dei rey, 

assentando em traz mi achey 

vyu seer em huu logar peyor; 

er si me dixi: vynd'a ca pousar; 
e disse-m'el — seed'em vosso logar 
bem sej^cá, nom quero ser melhor. 
Quando m'assentey, assi veja prazer, 

nora me guardava eu de tal acajon, 

e quando o vy, ergui-me logo entom: 

passad 7 acá, lhe fui logo dizer 

que s'erguesse d'antre os criados seus, 
e disse-m'el — gradesca- vol-o deus 
nom me compre de melhor seer. 

DOM AFFONSO SANCHES 

366 

Aflbnso AíTonses batipar queredes % 
vosso criado, e cura nom avedes 
que chame e diga, er esto fazedes 
a quanto eu cuydo muy maao recado ; 
cá esto digo como o averedes 
Affonso Sanses nunca hatiçado. 

367 

Quando, amiga, meu amigo veer 
em quanto lh'eu preguntar hu tardou 
faláde vós nas dooçelas entom ; 
e no sembrant', amiga, que fezer 
veeremos bem se tem no corapom 
a donzela por que sempre trobou. 

368 

Dizia la fremoamba : 
ay deus, vai l 
como estou d 'amor ferida, 
ay deus, vai 1 

Dizia la bem talhada: 
ay deus, vai ! 



70 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



como estou d'amor coytada, 

ay deus, vai ! 
E como estou d'amor ferida 

ay deus, vai ! 
nom vejo o bera que queria, 

ay deus, vai ! 
B como estou d'amor coytada 

ay deus, vai ! 
nom vejo o que muito amava 

ay deus, vai ! 

JODAM DE GUYLDADK 

369 

Foy-s'ora d'aqui sanhudo, 
amiga, o vosso amigo; 
amiga, perdudo é migo, 
e pêro mig'oj'é perdudo 
o traedor conheçudo 

a cá verrá, 

a cá verrá, 

a cá verrá. 

Amiga, desemparado 
é já de vó6, e morreria; 
sodes, amiga, sandia, 
nom fogeu muy coytado, 
mays ele mao seu grado 

a cá verrá, 

a cá verrá, 

a cá verrá. 
Amiga, com lealdade 
dizem que anda morrendo, 
vol-o andades dizendo, 
amiga, esfé verdade 
majTos que chufam Guylhade 

a cá verrá, 

a cá verrá. 



a ca verra. 



370 



Ay, amigas, perdud'an conhocer 
quantus trobadores no reyno som 
de Portugal, já nom am coraçom 
de dizer bem que soyam dizer, 
e sol nom falam em amor 
e ai fazem do que amar, e peor 
nom querem já loar bom parecer. 

Eles, amigas, perderon sabor 
de vos veerem, ar direy-vos ai: 
os trobadores já vam para mal 
nom ha hi tal que já sirva senhor; 
nem sol Iroba per hua molher, 
maldita sej'a quem nunca disser 
a quem nom troba, que é trobador. 

Mays, amigas, conselho ad'aver 
dona que prez'e parecer amar, 
atender temp'e nom se queixar, 
e leixar já a vol-o tempo perder; 
cá bem cuyd'eu que cedo verrá alguém 



que se paga do que parece ben 
ou veredes cedo amor valer. 

E os que já desemparados som 
de vos servir, sabud'é que entom, 
leixe-os deus ma amor prender, 

371 

Vehestes, amiga, rogar 
que fale com meu amigo 
e que o avenha migo, 
mays quero m'eu d'ele quytar, 
cá se com el algunha ren falar 

quanfeu falar com cabeça de cam 

logo-o todas sabe rara. 
Cabeça de cam perdudo, 
e poys nom ha lealdade 
com outra fala em Guylhade 
é traedor conheçudo; 
e por esto, amigo, estudo 

quanfeu falar com cabeça de cam 

logo-o todas saberam. 
E se lh'eu mhas doas desse, 
amigas, como soya, 
a todol-o el diria, 
e ai quanf eu el dissesse 
e falass'e com el fezesse ; 

quanto eu falar com cabeça de cam 

logo-o todos saberam. 

JOHAM VAASQUES DE TALAVEYRA 

372 

Disseron-mi que avya de mi 

o meu amigo queixum'e pesar, 

e é tal que me nom sey conselhar, 

e, amiga, se lh'eu mal mereci 
rog'eu a deus, que o bem que m'el quer 
a que o queyra ced'a outra molher. 
E se èl queixume quiser perder 

quede mi com coyta gracir-vo-lho-ey, 

e, amiga, verdade vos direy 

se lh'oj'eu queria mal merecer; 
rogu'eu a deus que o bem que n^el quer 
a que o queyra ced'a outra molher. 
E fará meu amigo muy melhor 

em perder queixume que de mi ha, 

e par deus, amiga, bem lhe estará, 

cá se ltTeu fuy de mal merecedor 
rogu'eu a deus que o bem que m'el quer 
a que o queyra ceda outra molher. 
E se lhe o el por ventura quiser 

mal dia eu naçi se o souber. 

373 

O meu amigo, que sempr'amey 
do primeyro dia que o vi, 
ouv'cl hum dia queixume de mi, 



JOHÀM VÀÀSQUES DE TALAVEffiA 



71 



nom sey porque mays logo lh'eu guysey 
que lhi fiz de mi queixume perder, 
sey-m'eu com'e non o quero dizer. 
Por que ouvel queixume os meus 
olhos chorarom muyto com pesar 
que eu ouv'e poil-o vi assanhar 
cscontra mi, mays guysey eu par deus 
que lhi fiz de mi queixume perder, 
sey-m'eu com 1 , e non o quero dizer. 
Ouv'el de mi queixum'e huã rem 
vos direy que m'aveo des entom, 
ouv'eu tal coyta no meu coraçom 
que nunca dormi, e guisey por en 
que lhi fiz de mi queixume perder, 
sey ra'eu com*, e non o quero dizer. 
E quem esto nom souber entender 
nunca en mays per mi pode saber. 

374 

Quando se foy meu amigo d 'aqui 
direy-vos quanfeu d'el pud'aprender 
pesou-IlTy muyfem se partir de mi 
e ora, amiga, moyro por saber 
se é morfou se guariu de pesar 
grande que ouvem se de mi quitar. 
Sey eu ca lhi pesou de coraçon 
de s'ir, pêro nom pudi outra rem 
fazer, se noslro senhor mi perdon ? , 
e moyr'amiga, por saber d'alguem 
se é morf, ou se guariu de pesar 
grande que ouv'em se de mi quitar. 
Mui ben vej'eu quam muyto lhi pesou 
a meu amigu'em se daqui partir, 
e todo foy per quanto se quitou 
de mi, e moyr'amiga por oyr 
se é mort', ou se guariu de pesar 
grande que ouv'em se de mi quitar. 
E, amiga, quem alguém sab'amar, 
mal peccado, semp^end^ o pesar. 

375 

Conselhou-mi unha mha amiga 
que quizess'eu a meu amigo mal, 
e ar dix'eu — poys m'eu parti a tal 
rogu'eu a deus que ei me maldiga 
se eu nunca por amiga tever 
a que ma mi a tal con-elho der 
Qual m'a mi deu aquela que os meus 
olhos logo os entom fez chorar 
por aquel conselho que mi foy dar, 
vos jur'cu que nunc'a mi valha deus 
se eu nunca por amiga tever 
a que ma mi a tal conselho der 
Qual ra'a mi deu aquela que poder 
non ha des y, nem doutro conselhar, 
e deul a leixe d'est'o mal achar 
e a mi nunca mi mostre prazer, 
se eu nunca por amiga tever 
a que ro'a mi a tal conselho der. 



A que m'a mi tal conselho der 
filhe*y-o para si, se o quizer. 

376 

Do meu amigo que eu defendi 

que non fosse d'aqui per nulha rem 

alhur morar, ca mi pesava en, 

vedes, amiga, o que aprendi : 
que est aqui e quer migo falar, 
mas ante pod f aqui muyto morar. 
Do que vistes que me perguntou 

quando sei ouve d'aqui a partir 

se mi seria bem, se mal de s'ir 

ay amiga, mandado mi chegou 
que est aqui e quer migo falar, 
mas ante pod'aqui muyto morar. 
Do que vós vistes mui sem meu prazer 

partir d'aqui quando s'end'el partiu 

e nom me falou entom, nem me viu, 

ay amiga, veherom-mi dizer 
que est aqui, e quer migo falar 
mas ante pocTaqui muyto morar. 
Que migo fale averà do pesar 

que m'el fez, que mi poss'eu bem negar. 

377 

Vistes vós, amiga, meu amigo 

que jurava que sempre fezesse 

todo por mi quanto lh'eu dissesse, 

foy-se d'aqui e nom falou migo; 
e pêro lh'eu dixi quando s'ya, 
que sol nom se foss'e foy sa vya. 
E pcr'u foy irá perjurado, 

amiga, de quanfel a mi disse 

ca mi jurou que se nom partisse 

d'aqui, e foy-se sem meu mandado ; 
e pêro lh'eu dixi quando s'ya 
que sol nom se foss'e foy sa vya. 
E nom poss'eu estar que nom diga 

o gram torto que m'el ha feyto, 

ca pêro mi fezera gram preyto 

foy-se d'aqui sem meu grad', amiga; 
e pêro ih'eu dixi quando s'ya 
que sol nom se foss'e foy sa vya. 
E se m'el muy gram torto fazia 

julgue-me com el sancta Maria. 

378 

meu amigo, que mi gram ben quer, 
punha sempr', amiga, de me veer, 
e punh'eu logo de lhi ben fazer ; 
mays vedes que ventura de molher : 
quando-ltfeu poderia fazer bem 
el nom vem hy; e se nom poss'eu, vem. 
E nom fica per mi per boa fé 
d'aver meu bem e de lh'o guisar eu, 
nom sey se x'é meu pecado, se seu, 



72 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA TATICANA 



mays mha ventura (ai foy e tal é: 
quando-lh'eu poderia fazer bem 
el nom vera hy ; e se nom poss'eu, vem. 
E per boa fé nom flca per mi 

quanfeu posso, amiga, de lh'o guisar, 

nem por el sempre de mh'o demandar > 

mays a ventura no lo parfassy, 
quando lh'eu poderia fazer bem 
el nom vem hy ; e se nom poss'eu, vem. 
E tal ventura era para quem 

nom quer amigu'e nom dá por el rem. 

379 

Quero-vos ora muy bem conselhar, 
ay meu amig', assi me venha bem, 
se virdes que me vós quer'assanhar 
mha sanha nom tenhades em desdém ; 
ca se non (br, muy bem sey que será : 
se m'assanhar, alguém se queixará» 
Se m'assanhar, nom façades hy ai 
et vos dé a sanha no coraçom, 
poys vos eu posso fazer bem e mal 
de a sofrerdes faredes razom, 
ca se nom for, muy bem sey que será, 
se m'assanhar, alguém se queixará. 
E poys eu ey em vós tam gram poder 
et averey emquanf eu vyva for, 
já nom podedes per rem bem aver, 
se nom fordes de sanha sofredor; 
cá se nom for, muy bem sey que será, 
se m'assanhar, alguém se queixará» 

NUNO PEREl SANDEU 

380 

* 

Madre, disserom-nfora, que ven 

o meu amigu'e seja-vos bera, 

e non façades vós end'oulta rem, 

ca moi^agora já por m'o veer 
e a vós, madre, bem dev'aprazer 
de s'a tal home por mi nom perder. 
Bem m'é com este mandado que ey 

de meu amigue non o negarey 

de que se vera, e ora por que sey 

que mor^agora ja por m'o veer, 
e a vós, madre, bem dev'aprazer 
de s'a tal home por mi nom perder. 
Muyfand'eu leda no meu coraçom 

com meu amigu'e faço gram razom, 

de que se vem, assi deus me perdon', 

cá moir', amiga, ja por m'o veer 
e a vós, madre, bem dev'aprazer 
de s'a tal home por mi nom perder. 

381 

Ay, mha madre, sempre vos eu roguey 
por meu amigu'e pêro nom mi vai 



rem contra vós, e queredes lhí mal 

e direy-vos que vos por en farey : 
poys mal queredes meu lume e meu ben 
mal vos querrey eu mha madre por en. 
Vós catade per qual guisa será 

cá nom ei eu já mays vosc'a viver 

poys i vós a meu amigu' ydes querer 

mal direyvos que vos end'averrá, 
poys mal queredes meu lume e meu bera, 
mal vos querrey eu mha madre por eu. 



382 

Porque vos quer'eu mui gram ben, 
amiga, andad'a mi sanhuda; 
mha madre, soo perduda 
agora com ela poren, 

mays guisarey, meu amigo 

como faledes comigo. 
Pela coyta que mi destes 
foy ferida e mal treyta, 
e ben o sab'a mha madre 
que aquesta será feyta, 

mays guisarey, meu amigo 

como faledes comigo. 



383 

Deus, porque faz meu amig'outra rem 
se nom quanto sabe que praz a mi, 
per boa fé, mal conselhadé hy, 
ca em mi ten quanto i el a de bem, 
e em mi tem a coyta e o leze^ 
e o pesar e quanfha de prazer. 
E pois Ihi deus a tal ventura dá 
esconlra mi barata mui mal 
se nunca já de meu mandado sal, 
ca en mi tem quanto bem no raumTha ; 
e em mi tem a coyta e o lezer, 
e o pesar e quanfha de prazer. 



384 

«Ay filha, o que ws bem queria 
aqui o jurou n'outro dia, 
e pêro nom xe vos veo veer 1 
— Ay madre, de vós se temia 
que me soedes por el mal trager. 
« O que por vós coytad'andava 
bem aqui na vila estava, 
e pêro nom xe vos veo veer ! 
— Ay madre, de vós se catava 
que me soedes por el mal trager» 
(( O que por vós era coitado, 
aqui foy oj'o perjurado, 
e pêro nom xe vos veo veer ! 
— Madre, por vós nom foy ousado, 
que me soedes por el mal tragçr. 



miNAM FROYAS 



l(. 



73 



385 

Madre, poys nom posso veer 
meu amigo ha tanto, scy beni 
que morrerey cedo por en, 
e queria de vós saber 

se vos eu morrer que será 

do meu amig'ou que fará ? 
E poys aquestes olhos meus 
por el perderan o dormir 
e nom poss'end'eu partir 
o coraçom, madre, por deus, 

se vos eu morrer que será 

do meu amigo, ou que fará ? 
E a mi era mui mester 
huã morte que eid'aver 
ante que tal coyta sofrer, 
e pesar-nTha se nom souber 

se vos eu morrer que será 

de meu amigou que fará ? 

HEEH VAASQDES DE FOLHETE 

386 

Ay amiga, per boa fé 
nunca cuydey, des que naci, 
viver tanto como vivi 
aqui hu meu amigo é, 
non o veer, nem lhi falar 
ca vel-o eu muyf a desejar. 

E se nom, deus nom mi perdon', 
se m'end'eu podesse partir 
tanto punha de me servir 
o senhor do meu coraçom, 
meu amigo que est aqui 
a quem quix bem des que o vi. 

E querrey já, menlr'eu viver 
esso que eu de viver ey, 
de meu amigo bem sey 
que nom sab'al bem querer 
se nom mi, e mays vos direy 
sempre lh'eu por ende melhor querrey. 

* Ca lhi queredes poder 
mi d 1 ende com el viver. 

(Esta troba fez FERNAND ^ EANES, porque 
queria bem a húa molhcr e nom lhe falou 
em i partindo d 9 onde ella estava Mana Mar- 
tins). 

387 

Do pcrlendo nom mudar 
por parlyda mal direy, 
a quem amo nom faley 
do que tomo gram pesar. 

Desejoso muy sobejo, 
e nom leixo de cudar, 
desejando cu nom vejo 
quem me faz apressurar, 
10 



e mais penas suportar; 
nom me ensandece a d'af am 
d'onde ouve africam 
outra morte sofrerey. 

Em fym, d'esto nom direy 
por quem passo africam 
se nom sempre mentarey 
a su nobre descriçam 
em que tenho devopam, 
que me aja de valer, 
pois me tem a seu poder, 
a bem tenho de louvar. 

Nunca foy partida 
tam triste de rogar. 

FEKNAM FROYAS 

388 

Juravadçs-mi, vós ? amigo, 
que mi queriades mui gram ben, 
mays eu non no creo per rem, 

porque marrastes o digo 

mui longi de mi e mui sem meu grado. 
Muytas vezes mi jurastes 
e sey cá vós perjurades; 
mays poil-o tanto jurades 

dizede porque morastes 

mui longi de mi e mui sem meu grado. 
Muy to podedes jurar 
que já em quanto vivades, 
que nunca de mi ajades 

amor, porque fostes morar 

mui longi de mi e mui sem meu grado. 
Esto podedes ben creer 
que já em quanto eu viva for 
nom ajades de mi amor, 

poys morada fostes fazer 

mui longi de mi e mui sem meu grado. 

389 

Que trisfanda meu amigo 
porque me quer'eu levar 
d^qui, e se el falar 
nom poder ante comigo, 

nunca já ledo será 

e se m'el nom vvr morrerá. 
Que trisfoj'é quem eu sejo, 
e par deus que pod'e vai 
morrerá hu nom jaz ai 
se m'eu for, e o nom vejo 

nunca já ledo será, 

e se m'el non vyr morrerá. 
E pêro non soo guardada 
se soubess'y a morrer 
hil-o-hey ante veer, 
cá bem sey doesta vogada 

nunca já ledo será, 

e se m'el non vir morrerá. 



74 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



E se m'el visse, guarido 
seria logo por en, 
mays quite será de ben, 
poys el for de mi partido 

nunca já ledo será, 

e se m'el non vyr morrerá. 

390 

— Amigo, preguntar-vos^ey 
em que andades cuydando, 
poys que andades chorando? 

«Mha senhor, eu vol-o direy: 
ey amor, e quem amor ha 
mal que lhi pez de cuydar ha. 

391 

Porque se foy d'aqui meu amigo 
sem meu mandado, e non mho fez sabei* ; 
quando el veer para falar comigo 
assanhar-nfei, c farey-lh'enlender 
que outra vez non se vaya d'aqui 
per milha rem, sem mandado de mi. 
Quand'el veer, e me sanhuda vir 
sey que será muy coylado por en, 
c jurar-m'ha, e querrà-me mentir, 
e eu logu'y falar-lh'cy em desdém: 
que outra vez non se vaya d'aqui, 
per nulha rem, sem mandado de mi. 

er 

já meu amigo nunca salrrà, 
e se se el for em mentre jurará 
quanto eu quiser, c todo a meu prazer; 
que outra vez non se vaya d'aqui 
per nulha rem, sem mandado do mi. 

PAVO GOMES CU \1U\H0 

392 

Tanto falam do vosso parecer 
e da vossa bondade, mha senhor, 
"e da vossa mesura, que sabor 
am muytos por eslo de vos veer; 
mays non vos digam que de coraçom 
vos outro quer bem se non eu, ca nom 
sabem quanfem vós de bon conhecer. 

Cá poucos son que sabham entender 
quantos beens em vós a, nem amor 
sab'haver, em quam muylo nom for 
entendudo no no pode saber; 
mais logram bem a hi mui gram sazom 
eu vol-o quer\ e outro com razom 
nom vol-o pode tam grande querer. 

Ca tanto bem ouvi de vós dizer 
e tanto vos sodes vós a melhor 
dona do mundo, que o que for 
veer- vos logo non cuyd'a viver 
mays o gram bem, e peço-vos perdon 



eu vol-o quer', e por vós quantos som 
nom saberain com 'eu moyr'e moirer. 

393 

Muytos dizem con gram coyta d'amor 
que querriam morrer, e que assy 
perderiam coytas, mays eu de mi 
quero dizer verdad'a mha senhor: 
queria-me-lh'eu mui grani bem querer 
mays non queria por ela morrer, 
Com' outros morrerom, e que prol tem, 
ca deus que morrer non a veerey, 
nem boõ serviço nunca lhi farey 
por end'a senhor que eu quero bem ; 
queria-me-lh'cu mui gram ben querer 
mays non queria por ela morrer 
Com' outros morri rom no mundo já, 
que depoys nunca poderom servir 
as porque morrerom, nem Ihis pedir 
rem ; por cnd'esta que m'estas coitas dá 
queria-me-lh'eu mui gram bem querer 
mays non queria por ela morrer; 
Ca nunca lhi tam bem posso fazer 
serviço morto, como ssc viver. 

394 

Itunha don' a que quero gram bem 
por mal de mi, par deus, que nom por ai, 
pêro que sempre mi fez e faz mal, 
e fará, direy-vol-o o que m'avem: 
mar, nen terra, nen prazer, nep pesar 
nen bem, nen mal non mha podem quylar 
Do coraçom; e que será de mi 
morto son, sse cedo nom morrer 
ela já nunca bem m'hade fazer 
mays sempre mal, e por en est assy, 
mar, nen terra, nen prazer, nen pezar 
nen bem, nen mal, nen m'a podem quylar 
Do coraçom; ora mi vay peyor 
ca mi, nem (Tela por vos nom mentir 
mal se a vejo, e mal ssc a nom vir, 
que de coytas mays cuyd'a mayor; 
mar, nen terra, nen prazer, nen pezar 
nen bem, nen mal, non m'a podem quytar. 

395 

A dona, que ome senhor devia 
con dereyfa chamar per boa fé, 
meus amigos, direy- vos eu quen é, 
hunha dona que eu vi neutro dia 
e nom lh'ousev mais d'a tanto dizer; 
mays quen a visse, podess'entender 
todo seu bem, senhor a chamaria. 

Ca senhor é de muyto bem, e vya 
polo meu mal, sey o per boa fé, 
e de morrer por ela dereifé, 
cá bem soub'eu quanto m'end'averria; 



PAY GOMES CIIAIÍINHO 



75 



morrer assy com'eu moyr'e perder 
meus amigos o corp*e nom poder 
veer ela que eu voer querria. 

E lOíPaquesto mante eu entendia 
que a visse ; mays tanto oy falar 
cie sseu bem, que me nom soubi guardar 
nem er cuydey que tam bem parecia, 
que logifeu fosse por ela morrer; 
mays quandeu vi o seu bom parecer, 
vi, amigos, que mha morte seria ! . 

390 

Senhor fremosa, tam de coraçom 

vos faria, se podesse, prazer 

que Jhesu Christo nunca mi perdon' 

nem de vós bem nunca me leix'avcr 
se eu soubesse que vos prazia 
de mha morte sse logu'eu nom querria 
Morrer, senhor; ca todo praz a mi 

quanfa vós praz, cá ess'é o meu bem, 

e que seja verdade, que é assy 

mays mal mi **enha de vós que mi nom vem; 
se eu soubesse que vos prazia 
de mha morte se logu'eu nom querria 
Morrer, senhor; cá se vos eu prazer 

fezess'ay lume d'esles olhos meus, 

nunca mui mal poderia morrer, 

c por esto nunca mi valha deus, 
se eu soubesse que vos prazia 
de mha morte se logu^u nom querria. 

397 

Ora me venho, senhor, expedir 
de vós, a quemuyfha que aguardei, 
e ora me quero de vós partir 
sen galardon de camanho temp^y 
que vos servi, e qucro-nrir vyver 
en a tal terra hu nunca prazer 
veja, nem cante, nem possa riir. 

Ca soo certo, dos que vos non vir 
que outro prazer nunca veerey, 
e mal que aja nom ei de sentir 
se nom o voss'assy cuidarcy 
triste cuidando no vosso parecer 
c chorando muytas vezes dizer: 
senhor, já nunca vos posso servir. 

E do meu corpo quem será senhor 
quandYl d'alá o vosso desejar; 
e que fará quem vos ha tal amor 
e vos nom vir, nem vos,podcr falar? 
ca vejo-vos, c por vós mor'aqui 
poys que farey, ou que será de mi 
quanden terra hu vos fordes nom for? 

Ora com graça de vós a melhor 
dona do mundo, ca muyfei d'andar, 



1 Nas Trova x e Cantares, canção n.° 27G, ha uma 
quarta elroplic. 



e vós ficades de mi pecador 
ca vos servi muyf, c galardoar 
nom m'o quizestes, e vou-m'eu d'aqui 
d'u eu tanto lazerev c servi 
buscar hu vyva pouqu'c ssem sabor. 
E, mha senhor, tod'esl'eu mereci 
a deus, mais vós, de como vos servi 
mui sem vergonha hirey per hu for 
ora com graça de vós, mha senhor. 

398 

Par deus, senhor, e meu lum'e meu bem 
e mhas coytas e meu mui gramTafram, 
e meus cuydados que mi coytas dam 
por mesura dizey-m'unha ren: 
se mi queredes algum bem fazer, 
se nom já mays nom vos poss'atendcr. 
Mui fremosa, qu'eu per meu mal vi 
sempre mhas coitas, por des, cá nom ai 
meu coraçom e meu bem e meu mal, 
dizede-mi per quanto vos servi: 
se mi queredes algum bem fazer 
se nom já mays nom vos poss'atender. 
Muy fremosa, muytaposta senhor, 
sempre mui mansa e de boa razom 
melhor falar de quantas outras son, ■ 
dizede-mi, das donas a melhor: 
se mi queredes algum bem fazer, 
se nom já mays nom vos poss'atender. 

399 

Senhor, semp^os olhos meus . 
am sabor de vos calar, 
e que os vossos pezar 
nunca vejam; e por deus 

nom vos péz, e cataram 

vós, que a desejar am 
Sempr^emquanto vivo for; 
ca nunca podem dormir, 
nem aver bem se nom hir 
hu vos vejam ; e senhor 

nom vos pfa e cataram 

vós, que a desejar am 
Sempre, mha senhor; ca prez 
nom é fazerde-lhes mal, 
mays por deus c nom por ai 
que os vossos taes fez; 

nom vos pez, e cataram 

vós, que a desejar am. 

400 

Oy eu sempre mha senhor dizer 
que peyor é de sofrer o gram bem 
que o gram mal; e maravilho-uTen 
c non o pudi, nem posso creer, 
ca sofrYu mal por vós qual mal sen!ior 



76 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



me quer matar, e guaria melhor * 
se mi vós bem queizerdes fazer. 

E sse eu bera de vós podess'aver 
ficasse mal, que por vós ey, a quem 
aqueslo diz e ó que assi tem 
o mal em pouco, faça-o viver 
deus com mal sempr'e com coita d'amor 
e podesse vcer qual é peyor 
do mui gram bem ou do gram mal sofrer. 

401 

As froles do meu amigo 
briosas vam no návyo ; 
e vam-ss'as frores 
d'aqui bem com meus amores! 
As frores do meu amado 
briosas vam no barco : 
e vam-ss'as frores 
d'aqui bem com meus amores! 
Briosas vam en o navio 
pera chegar ao ferido ; 
e vam-se as frores 
(Vaqui bem com meus amores! 
Briosas vam en o barco 
pera chegar ao fossado; 
e vam-se as frores 
d'aqui bem com meus amores ! 
Pera chegar ao ferido 
e servir-mi corpo velido ; 
e vam-se as frores 
d'aqui bem com meus amores! 
Pera chegar ao fossado 
e servir-mi corpo loado; 
e vam-se as frores 
d'aqui bem com meus amores! 

402 

' Par deus, senhor, de grado queria 
se deus quizesse, de vós hua rem, 
que nom desejass'eu o vosso bem 
como desej'a noyfe o dia, 
por muyfafam que eu sofr'e sofri 
por vós, senhor, et oy mais desaqui 
poss'entender que faç'y folia. 

. E poys nom quer a ventura mia 
que vos doades do mal que mhi vem 
por vós, senhor, e maravilho-m'en 
como nom moi^e morrer devya; 
porem rog'a deus que me valha hy 
que sab'a coyta que por vós sofry 
se nom mha morte mays me valrria. 

FERNAM VELHO 

403 

Vedes, amig', o que oj'oy 

' Falia este verso no Códice da Vaticana; acha-sc, 
porém, na canção 278 do Cod. da Ajuda, onde traz 
mais duas estróphes e um cabo. 



dizer de vós, assy deus mi perdon\ 
que amades já outra e mi nom, 
mays se verdade, vingar-m'ey assy, 
punharey já de vos nom querer ben 
e pesar-m'ha en mays que outra rem. 
Oy dizer, por me fazer pesar, 
amades vós outro, meu traedor, 
e ss'é verdade, par nostro senhor, 
direy-vos como me cuyd'a vingar: 
punharey já de vos nom querer bem, 
epesar-nThaen mays que outra rem. 
E sse eu esto per verdade sey 
que mi dizem, meu amigo, par deus, 
chorarey muyto cVestes olhos meus, 
c direy-vos como me vingarey: 
punharey já de vos nom querer bem, 
e pesar-nfha en mays que outra rem. 

404 

Nojo, como quer, prazer 
já nom posso m'aver prazer! 
Cobrar nom posso amiga 
se nom vós lo que me siga, * 
ainda que ai nom diga, 
logo-m'adc esquecer 
nojo, como quer, prazer 
já nom posso-m'aver prazer. 
E poren fazer tal partida 
nom me será esquecida; 
ainda que ai nom diga 
logo-m^esquecer 
nojo, como quer, prazer 
já nom posso-nfaver prazer. 

VAASCO PERES PARDAl 

405 

— Amigo, que miydades a fazer 
quando-vos ora-partirdes d'aqui, 
e vos nembrar algunha vez de mi? 
«Par deus, senhor, quero-vol-o dizer: 
chorar muyt', e nunca fazer ai, 
se nom cuydar como mi faz deus mal 
En me partir de nunca já saber 
vosso mandado nenhua sazom, 
nem vos falar, se per ventura nom 
mays este conforto cuyd'a prender: 
chorar rmiyf , e nunca fazer ai, 
se nom cuydar como mi faz mal 
Em me partir do vosso parecer 
e d'u soya comvosc'a falar, 
ca mi valerá mays de me matar, 
mays este conselho cuyd'i aver: 
chorar muyto, e nunca fazer ai, 
se nom cuydar como mi faz deus mal. 

406 

Coytada sejo no meu coraçom 
por meu amigo, diz ca se quer 



AFFOXSO EANES DE COTON 



;7 



hir d'aqui, c sse ora fezer 

pesar-mha muy to, se deus mi perdon' ; 
porque sey bem que as gentes d iram 
que se morrer por mi, morre de pram. 
E que me nom pesass'a mi por ai, 

pesar-mha muyto per hua rem, 

porque mi diz ca mi quer mui gram bem; 

mays vedes ora de que m'é gram mal, 
porque ssey bem que as gentes diram 
que se morrer por mi, morre de pram. 
Ca pola gram coyta que soffri 

nom dou eu rem, cà sse eu coyta sofrer 

des que ss'el for, nom poderey viver, 

mays temo já qual pesar averey ; 
porque ssey bem que as gentes diram 
que se morrer por mi, morre de pram. 



407 

Por deus, amiga, provad'un dia 
o voss'amigo de vo'llTassanhar, 
e veredcs home coytad'andar. 
Ay amiga, que mal conselh'ess'é; 
ca sey eu aquesto per boa fé 

muy bem, que logu'el morto seria. 
Amiga, bem vos conselharia 
dizerdes que nom dades por el rem, 
e veredes coita por en. 
Nom mho digades, se deus vos perdon', 
cà sei eu já pelo seu coraçora 

muy bem que logu'el morto seria. 
Amiga, nunca lhi mal verria 
de lhi dizerdes a tanto por mi 
que nom dades por el rem desaqui. 
Par deus amiga, nom vos creerey, 
nem vós nunca m'o digades, ca ssey 

muy bem que logu'el morto seria. 



408 

Amigo, vós hides dizer 
que vos nom quero eu fazer bem; 
pêro sey m'eu d'csl'unha rem 
que dizedes vosso prazer; 
cá bem ó de vos sofrer eu 
de dizerdes cá sodes meu. 
Mays nom se sabe conhocer 
algum home a quem bem deus dá, 
nem tom per bem esto que ha, 
mays eu vos farey entender 
cá bem é de vos sofrer eu, 
de dizerdes cá sodes roeu. 
Mays des que vos eu entender 
que nom venhades hu eu for 
nom me tenhades por senhor, 
desy poderedes saber 
cá bem é de vos sofrer eu 
de dizerdes cá sodes meu. 



409 

Amiga, bem cuyd'eu do meu amigo 
que é morto, cà muilha gram sazom 
que anda triste o meu coraçom, 
e direy-vol-o mays porque o digo: 
porque ha gram sazom que nom oy 
nem hum cantar que fezesse por mi, 
nem que nom houvi seu mandad', amigo. 
E ssey eu d'el mui bem que é coitado 
se oj'el vive em poder d'amor, 
mays por meu mal me filhou por senhor 
e por aquesfey eu raayor cuydado ; 
porque ha gram sazom que nom oy 
nem hum cantar que fezesse por mi, 
nem que nom houvi, amigo, seu mandado. 
E cuyd'eu bem d'el que se nom partisse 
de trobar por mi sem mort' ou sem ai, 
mays por este sey eu que nom es tal 
pêro que mho nenhum nom disse ; 
porque ha gram sazom que nom oy 
nenhum cantar que fezesse por mi 
nem que, amigo, seu mandado ouvisse. 

ÁLVARO AFONSO 

(Pergunta que fez Álvaro Âffbnso, cantor 
do senhor infante, a húu eschollar) 

410 

Luis Vaasques, depois que parti 
d 'essa cidade tam boa, Lisboa, 
achey tal encontro, que digo per mi 
que som já descreto e faço a crôa: 
a terra de Cintr', a par d'esta serra 
vy huã serrana que braadava guerra 
vós tenentes comigo deçe-vos a terra 
pois lá tang'asi, et qua ora sôa. 

Pêro (Testa vista eu fora espantado, 
qual m'ella parçeo tal s'ela hi anda 



AFFONSO EANES DE COTON 

411 

Ay meu amigu' e meu lum' e meu bem 
vejo-vos ora mui triste poren, 
queria saber de vós ou d'alguem 
que est aquesfou porque o fazedes ; 
par deus, senhor, direy-vos hunha rem, 
mal estou eu se o vós nom sabedes. 
Muy trisfandades a mui gram sazom 
e nom sey eu porque nem porque nom, 
dizede-m'ora, se deus vos perdon', 
que est aquesto, ou porque o fazedes 
par deus, ay coyta do meu corapom, 
mal estou eu se o vós nom sabedes. 



78 



CAXCIONEIHO PORTUGUEZ DA VATICAXA 



Vós trisfandades, eu sem saber ando, 

por que nom soo sabedor 

se vol-o faz fazer coyta d'amor 

ou que estou porque o fazedes, 
par deus, ay mui fremosa mha senhor, 
mal estou eu se o vós nom sabedes. 

* ♦ . . . « ■ • 

412 

Se grado edes, amigo, 

de mi, que gram bem queredes, 

falad^gora comigo, 

por deus, e nom mho neguedes : 
amigo, porque andades 
tan trist' ou porque chorades? 
Poys eu nom sey como entenda 

porque andades coitado, 

sse deus me de mal defenda 

queria saber de grado, 
amigo, porque andades 
tam triste, ou porque chorades? 
Todos andam trebelhando 

estes com quem vós soedes 

trebelhar, e vós chorando 

por deus, o que de mi avedes, 
amigo, por que andades 
tam triste, ou porque chorades? 

413 

Quando sse foy meu amigo 
jurou que cedo verria, 
mays poys nom vem falar migo, 
por en por Santa Maria 

nunca mi por el roguedes, 

ay donas, fé que devedes. 
Quando sse foy fez-mi preyto 
que se verria mui cedo, 
e mentiu-m', torfi ha feyto 
e poys de mi nom ha medo, 

nunca mi por el reguedes 

ay donas, fó que devedes. 
E que vistes que dizia 
que andava namorado 
poys que nom veio o dia 
que lh'eu avya mandado, 

nunca mi por el rcgucdes, 

ay donas, fé que devedes. 

PEDMNES SOLAZ 

414 

Dizia la bem (alhada : 
agora viss'eu penada 
ond'eu amor ey I 
A bem talhada dizia: 
penada, visse iflium dia 
ond'cu amor ey! 
Ca sse a visse penada 



nom seria tam coitada 
ond'eu amor ey ! 
Penada se a eu visse 
nom ha mal que eu sentisse 
ond'eu amor ev! 
Quem lh'oje por mi dissesse 
que nom tardasse vehesse 
ond'eu amor eyl 

Quem lh'oje por mi rogasse 
que nom tardass'e chegasse 
ondeu amor ey! 

415 

Eu velida nom dormia 
lelia d'outra ! 
E meu amigo yenia 
e doy, lelia d'outra! 

Nom dormia e cuydava 
lelia d'outra! 
E meu amigo chegava 
e doy, lelia d'outra ! 

O meu amigo vénia 
lelia d'outra! 
E d'amor tam bem dizia 
e doy, lelia d'outra ! 

O meu amigo chegava 
lelia d'outra ! 
E d 'amor tam bem cantava 
e doy, lelia d'outra! 

Muyto desej'ey, amigo, 
lelia d'outra! 
Que vos tevesse comigo, 
e doy, lelia d'outra. 

Le-Ii, le-li, par deus le-ly, 
lelia d'outra ! 
Bem sey eu quem nom diz leli 
e doy, lelia d'outra! 

Bem sey eu quem nom diz lelya 
lelia doutra! 
Demo xe quem nom diz lelia 
e doy, lelia d'oulra ! 

416 

Jurava-n^oje o meu amigo 
por tal, madre, que lhi perdoasse, 
que nuncajamais se irfassanhasse, 
mays preyrei a que nom porá migo; 
vedes porque, ca já s'el perjurou 
per muytas vezes que m'esto jurou. 
El me cuydava tal preyto a trager 
per sas juras que lh'o foss'eu parcir 
c pois que vi, que m 'havia mentir 
nem lh'o parei, nem quis sol saber, 
vedes porque, cá já s'el perjurou, 
per muytas vezes que nTesto jurou. 
E mays de cem vezes lhi perdoey 
per sas juras e achey m'cnd'cu mal, 
e por aquesto já lhi rena nom vai 



FERO DA PONTE 



79 



de me jurar, pois que me llfassanhey ; 
Vedes porque, ca jà s'el perjurou 
per muytas vezes que m'esto jurou. 

CERO DA PONTE 

417 

«Viajes, madr\ o escudeiro 

que m'ouvera levar sigo, 

menlMh' e vay-mi sanhudo, 

mha madre, bem vol-o digo ; 
madre, namorada me leixou, 
madre, namorada mha leixada, 
madre, namorada me leixou. 
Madre, vós que me mandastes 

que roentiss'a meu amigo, 

que conselho mi daredes 

ora poyr o nom ey migo ? 
madre, namorada me leixou, 
madre, namorada mha leixada, 
madre, namorada me leixou. 
— Filha, dou-vos por conselho 

que tanto que vos el veja 

que toda rem lbi façades, 

que vosso pagado seja; 
madre, namorada me leixou, 
madre, namorada m'ha leixadã» 
madre, namorada me leixou. 
Pois escusar nom podedes^ 

mba Olha, seu gasalhado, 

des oy mays eu vos castigo 

que lh'andedes a mandado; 
madre, namorada me leixou, 
madre, namorada mha leixada, 
madre, namorada me leixou. 

418 

Vistes, madr', o que dizia: 
que por mi era coytado? 
poys mandado nom m'envya, 
entendeu do perjurado 
que já nom leme mha ira ; 

ca se nom, noyte nem dia 

a menos de meu mandado 

nunca s'el d'aqui partira. 
E vistes hu ss'el partia 
de mi mui sen o meu grado 
e jurando que avya 
per mi penas c cuydado 
lo d 1 andava com mentira ; 

cá se nom, noyte nem dia 

a menos de meu mandado 

nunca s>l d'aqui partira. 
E jà qual molher devia 
creer per nullfome nado; 
poys o que assy morria 
polo meu bom gasalhado 
jà x'i per outra suspira ; 



cà se nom, noyte nem dia 

a menos de meu mandado 

nunca s'el d'aqui parlira. 
Mays, deus, quem no cuydaria, 
d'el viver tam alongado 
d*u el os meus olhos vira. 

419 

Mha madre, poys se foy d 'aqui 
o meu amigo, e o nom vi, 
nunca fui leda, nem dormi, 
bem vol-o juro des entom ; 

madre, el por mi oulro ssy 

tam coylad'é seu coraçom. 
Mha madre, como viverey 
ca nom dormo, nem dormirey, 
poys meu amigo é em cas d'el rey, 
me tarda tam longa sa%>m, 

madfe, el por mi outro ssy , 

tam coytad'é seu coraçom. 
Poys sab'el ca lhi quer 1 eu bem 
melhor ca mi, nem outra rem, 
porque mi larda e nom vem, 
faz sobre mi mui gram trayzora, 

madre, el por mi outro ssy 

tam coylad'é seu coraçom. 
E direy-vos que vos avem, 
eu perco por el o sen, 
e.el por mi o coraçom. 

420 

Poy-s'0 meu amigo d'aqui 
na oste por el-rey servir, 
e nunca eu depoys dormir 
pudi ; mays bem tenh' eu assy 

que poys m'el tarda e nom vem, 

el rey o faz que ra'o delem. 
E gram coyta nom perderey 
pêro tem meos de o veer 
ca nom ha o meu corlezer, 
pêro tanto de conforfey 

que poys m'el larda e nom vem 

el-rey o fez que nTo delem. 
E bem se devia nembrar 
das juras que m'entom jurou 
hu mel mui fremosa leixou ; 
mays, donas, podedes jurar 

que poys m'el larda e nom vem, 

el-rey o faz que m'o delem. 

421 

Poys vos hides d'aqui, ay meu amigo, 
conselhar-vos-ey bem se mi creerdes; 
tornade-vos mays cedo que poderdes 
e guysarey como faledes migo ; 
e poys, amigo, comigo falardes 
a tal mi venha qual mi vós jurardes. 



80 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



Non mi tardedes com' oulra vegada 
mi tardastes ; muyf ey en gram medo ; 
mays punbade de vos viirdes cedo 
cà nossa fola muyfé bera parada; 
e poys, amigo, comigo falardes 
a tal mi venha qual mi vós jurardes. 
E sse vós queredes meu gasalhado 
venha-vos em mente o que vos rogo, 
poys vos hides, de vos viirdes logo 
e falarey cora vosco muy de grado ; 
e poys, amigo, comigo falardes 
a tal mi venha qual mi vós jurardes. 

422 

Por deus, amigu', e que será de mi 
poys me vos hides com el-rey morar, 
a como me vos soedes tardar 
outro conselh' amigo, nom sey hi 
se nom morrer; e poys nora averey 
a gram coyta que ora por vós ey. 
Hide-vos vós ora, e tam graad'aflain 
leixades-mi com meu corapom, 
que mi nom já ei hi ai se morte nom, 
ca bom conselho nom sey hi de pram, 
se nom morrer ; e poys nom averey 
a gram coyta que ora por vós ey. 
Poys me vos hides, vedes que será, 
meu amigo, des que vos eu nom vir 
os meus olhos nom podram dormir, 
nem bem d'este mundo nom mi valrrá 
se nom morrer; e poys nom averey 
a gram coyta que ora por vós ey. 
Aquesta hida tam sem meu prazer, 
por deus, amigo, será quando for, 
mays poys vós hides, amigu 7 e senhor 
nom pos3'eu outra guerra fazer 
senom morrer; e poys nom averey 
a gram coyta que ora por vós ey. 

423 

Ay madr\ o que me namorou 
foy-sse n'oulro dia d'aqui, 
e por deus que faremos hi 
ca namorada me leixou? 

Filha, fazed'end'o melhor; 

poys vos seu amor enganou, 

que o engane voss'amor. 
Ca me nom sey conselhar, 
mha madre, se deus me perdon'. 
Dized', ay filha, porque nom? 
quero-me vol-o eu mostrar: 

filha, fazed'end'0 melhor, 

poys vos seu amor enganou, . 

que o engane voss'amor. 
Que o recebades mui bem, 
filha, quand'ante vós veher; 
e todo quanto vos disser 
outorgade-lh'o, e por cn, 



filha, fazed"end'o melhor; 
poys vos seu amor enganou, 
que o engane voss'amor. 

PAY COMES CBARINHO 

424 

Disseron-n^oj', ay amiga, que nom 
é meu amig'almirante do mar, 
e meu coraçom já pôde folgar 
e dormir já, e por esta razom 
o que do mar meu amigo sacou 
saque-o deus de coytas qu'afogou 
Muy bem; e a mi, cà já nom andarey 
triste por vento que veja fazer, 
nem per tormentas nom ei de perder 
o sono, amiga; mays sse foy el-rey 
o que do mar meu amigo sacou, 
saque-o deus de coytas que afogou 
Muy bem; e a mi, cà já cada que vir 
algum home de fronteyra chegar 
nom ey medo que me diga pezar ; 
mays porque m'el fez bem sem lh'o pedir, 
o que do mar meu amigo sacou, 
saque-o deus de coytas qu'afogou. 

425 

Que muytas vezes eu cuydo no bem 
que meu amigo mi quer, e no mal, 
que lhy por mi de muytas guisas vem, 
mays quand'aquesto cuydar cuyd'eu ai, 
se mi quer bem, que lh'o quer'eu raayor 
e se lhy vem mal que he por senhor. 
E poys assi que razom diria 
porque nom sofra mal nom ha razom, 
e hu eu cuydo que nom poderia 
tara gram bem mi quer, cuydo logu^ntom, 
se mi quer bem, que lh'o quer'eu mayor 
e se Ihi vem mal que he por senhor. 
E por tod'esto deve lá sofrer 
tod'aquel mal que lh^é non por mi, 
pêro cuydo que nom pode viver, 
tam gram bem mi quer, mays logo hi 
se mi quer bem, que lh'o quero eu mayor 
e se lhi vem mal que he por senhor. 

426 

Mha filha, non ey eu prazer, 
de que parecedes tam ben, 
cà voss'amigo falar ven 
comvosqu', e vem vos dizer 

que nulha rem nom creades 

que vos diga que sabhades. 
Filha, cà perderedes hi, 
e pesar-m'ha de coraçom, 
e jà deus nunca mi perdon' 
se ment', e digo-vos assy 



JOHÀM GARCIA SOBRINHO 



81 



que milha rem nom creades 

que vos diga que sabhades. 
Filha, ca perderedes hi, 
e vedes que vos averrá 
des quand'eu quiser nom será 
ora vos defendaqui 

que nulha rem nem creades 

que vos diga que sabhades. 
Filha, cá perderedes hi 
no voss', ende mais pesa a mi. 

427 

Voss'amigo, que vos sempre servyu 
dized', amiga, que vos mereceu, 
poys que s'agora comvosco perdeu, 
se per vossa culpa foy nom foy bem? 
Nora sey, amiga; dizem que oyu 
dizer nom sey qué, e morre por en. 

Nom sey, amiga, que foy ou que é, 
ou que será, ca sabemus que nom 
vos errou nunca vos^amig', e son 
maravilhados todos end'aqui. 
Nom sey, amiga, el cada hu é 
aprende novas com que mor^assy. 

Vós, amiga, nom podedes partir 
que nom tenha por cousa d'el igual 
servir-vos sempr'e fazerdes lhi mal 
e que diredes d'el ali perder? 
Nom sei, amiga; el quer sempr'oir 
novas de pouca prol para morrer. 

428 

A mha senhor, que por mal doestes meus 
olhos a vy, fuy-lhe gram bem querer, 
et o melhor que d'ela pud'avcr 
des que a vy dyr-vol-o par deus: 

disse-m'oje que me queria bem, 

pêro que nunca me faria bem. 
E por aquesto, cuyda que seu prez 
todo ha perdud'e vedes qual senhor 
me faz amar deus et amor, 
mays o melhor que m'ela nunca fez 

disse-m'oje que me queria bem, 

pêro que nunca me faria bem. 
E por esto que me disse cuydou 
mi a guarir que já moyro, mais nom 
perdy poren coyla do coraçom, 
pêro bem foy mays do que me matou: 

disse-m'oje que me queria bem, 

pêro que nunca me faria bem. 

429 

Ay, Santiago, padron sabido, 
vós m'adugadcs o meu amigo; 
sobre mar vem quem frores d'amor tem, 
rayrarey, madre, as torres de Jeen. 
Ay, Santiago, padron provado, 
it 



vós m^adugades o meu amado; 
sobre mar vem quem frores damor tem, 
mirarey, madre, as torres de Jeen. 

430 

Vou-m'eu senhor, et quero-vos leixar 
encomendad'este meu coraçom, 
que fique vosqu'e faredes razom 
senhor, se vos algua vez nembrar; 
cá de vós nunca se parará 
et de mi, senhor, por deus que já 
poyl-o coraçom migo nom levar. 

Poylo meu coraçom vosco Qcar, 
ay mha senhor, poys que m'eu vou d^qui, 
nembre-vos sempr'e faredes hy 
gram mesura, cá nom sab'el amar 
tam rauyfoutra rem como vós, senhor, 
poys vosco fica a tam gram sabor 
nom o devedes a desemparar. 

E prez'a vós vosco quer andar' 
meu coraçom, et nunca se parlir 
de vós, senhor, nem já mays alhur hyr, 
mays qtier senhor sempre vosco morar; 
ca nunca soub'amar oulra rem, 
et nembre-vos d'el, sey per gram bem 
et gram mesura que vos deus quis dar. 



JOflAM GARCIA SOBRINHO 

431 

Donas, fezeron hir d'aqui 
o meu amig^ meu pesar, 
e quem m'este mal foi buscar 
guyse-lhi deus por end'assy, 

que lhi venha com'a mi vem 

pesar onde desejar bem. 
E veja-s'em poder d'amor 
que rem nom lhi possa valer, 
e quem este mal foy fazer 
guyse-lh'assy noslro senhor, 

que lhi venha com'a mi vem 

pesar onde desejar bem. 
Cá o fezerom hir por mal 
de mi e doestes olhos meus, 
e quem nTeste pezar fez, deus 
lhi mostre cedo pezar tal 

que lhi venha como a mi vem 

pezar onde desejar bem. 
Venha-lhi pezar por en, 
de deus, ou de mi ou de alguém. 

432 

A meu amigo, que cu sempr' amey 
des que o vy, muy mais ca mi nen ai, 
foi outra dona veer por meu mal; 
mais eu sandia, quando m'acordei 



82 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



nom soub'eu ai em que me cTel vingar, 
se nom chorey quanto m'eu quiz chorar. 
Mayl-o amey ca my, nem outra rem, 
des que o vy, et foy-nrora fazer 
tam gram pczar que m 'ou vera morrer; 
mays eu sandia, que lhe flz por cn, 
nom soub'eu ai em que me d'el vingar, 
se nom chorey quanto m'eu qufz chorar. 
Sab'ora deus que no meu coraçom 
nunca rem tiv'em o sseu logar, 
et foy-m'ora fazer tam gram pezar; 
mays eu sandia, que lhe fiz entom 
nem soub'eu ai em que me d'el vingar, 
se nom chorey quanto m'eu quiz chorar. 

REYMON GONÇALVES 

433 

Foste- vos vós, meu amigo, d'aqui 
n'outro dia sem vol-o eu mandar, 
e ey-vol' ora já de perdoar 
porque veestes chorar ante mi 
e quanfé esto, pass'agora assy, ' 
mays outra vez nom roguedes en. 
Meu talam' era de vos nom partir 
porque vos fostes sem meu grad'enlom, 
et ora sodes cobrad'em perdom 
porque me vehestes merece pedir, 
e nom quer'ora mays de pos esf yr, 
mays outra vez nom roguedes en.. 
Cá se vos ora fuy perdoador 
mesura foy que mh'o fezo fazer, 
cá me veiestes chorando dizer 
por deus mercée, mercée, senhor; 
et quanfé ora serey sofredor, 
mays outra vez nom roguedes en. 

GARCIA SOARES 

434 

«Filha, do voss'amigo m'é gram bem 
que vos nom vyu quando se foy d^áquem. 
— Eu o fiz, madre, que llTo defendi 
se m'el non vyu quando se foy d'aqui 
«Nunca lhi bem devedes a querer, 
porque se foy e vos nom quis veer. 
— Eu mho fiz, madre, que lh'o defendi 
se m'el non vyu quando se foy d 'aqui. 
«Gram pezar ey no meu coraçom 
porque se foy e vos nom viu entom 
— Eu m'o fiz, madre, que lh'o defendi, 
se m'el non vyu quando se foy d'aqui. 

1RMA0 de HART1H SOARES 

435 

Madfe, se meu amigo vchesse, 
demandar-lh'ia, se vos prouguesse, 



que sse vehesse veer comigo; 
se veer, madre, o meu amigo 
demandar-lh'ey que se veja migo. 
Se vos prouguer, mha madre velida, 
quando veer o que m'ha servida, 
demandar-lh'ey que se veja comigo; 
se veer, madre, o meu amigo 
demandar -lh'cy que se veja migo. 
Sol que el venha, se deus nTajude, 
assy deus m'o mostre com saúde, 
demandar- llf ey que sse veja comigo, 
se veer, madre, o meu amigo 
deman,dar-lhe-ey que se veja migo. 
Porque m'o referistes ogano 
que me nom vyu per fè sem engano, 
demandar-lh'ey que se veja comigo ; 
se veer, madre, o meu amigo, 
demandar-lh'ey que se veja migo. 
Nom sejades d'esf enfadada 
se veer o que me tem namorada, 
demandar-lh'ey que se veja comigo; 
se veer, madre, o meu amigo 
dcmandar-lh'ey que se veja migo. 



VA ASCO RODRIGtlS DE CALVELO 

436 

Quanto durou este dia, 
mha madre, mal me trouxestes 
e muy to mal mi fezestes ; 
mays sobr'aquesta perda 

será oj'aqui conmigo 

mandado do meu amigo. 
Mal me trouxestes sen falha 
e nom ha rem que detenha 
meu amigo que nom venha, 
mha madre, se deus mi valha, 

será oj'aqui conmigo 

mandado do meu amigo. 
Será migo seu mandado, 
e praz-mi que veeredes 
per quanto mal mi fazedes, 
mha madre, sem vosso grado 

será oj'aqui conmigo 

mandado do meu amigo. 

437 

Roguey-vos eu madre, ay, gram sazom 
por meu amigo, que quero gram bem 
que o viss'eu, c a vós nom prougu'en; 
mays poyl'o eu já vi de corazom 
gradesc'a deus que m^ho fezo veer, 
e que nom ey a vós que gradecer. 
Gram sazom ha, madre, que vos roguey 
que o leixassedes migo falar 
e nom quisestes vós esto outorgar, 
mays poyl-o eu já vi e faley, 



AFFGNSO PAES DE BRAGA 



83 



gradesco a deus que m'o fez veer 
e que nom ey a vós que gradecer. 
Vós nora quizesles que el vehess' aqui 

o meu amigondavya sabor 

de o veer, e quis nostro senhor 

que o eu vysse ; mays poyPo eu já vi 
gradesco a deus que m'o fez veer 
e que nom ey a vós que gradecer. 
Mostrou-mo deus, e fez-mi gram prazer 

sem aver eu a vós que gradecer. 

MEEXDINHO 

438 

Seria-mYu na ermida de Sam Simhon, 
e cercarom-ra'as ondas, que grandes som, 
en alendencTo meu amigo ! 
Estando na ermida, anfo altar, 
cercarom-mas ondas grandes do mar, 
en atendendo meu amigo ! 
Ecercarom-m'as ondas que grandes som, 
nem ey barqueyro, nem remador, 
en atendendo o meu amigo ! 
E cercarom-m'as ondas do alto mar, 
nom ey barqueyro, nem sey remar, 
en atendendo o meu amigo. 
Nom ey barqueyro, nem remador 
raorrerey fremosa no mar mayor, 
en atendendo o meu amigo! 
Nom ey barqueyro, nem seyTemar. 
e morrerey eu fremosa no alto mar, 
en atendendo o meu amigo 1 

AFPONSO PAES DE BRAGA 

439 

Poys mha senhor dô mi nom quer pensar, 
nem gradecer-mi quanto a ^e^vi, 
nom me quer'eu por en desemparar, 
ca m'acharey eu quem mi faça assy; 
ca sey eu bem que nunca mha falir 
a quem eu serva sse poder servir, 
mays nom que eu tam muyto possa amar, 

Comela; pêro nom poss'estar 
que nom serva já outra des aqui, 
que veja ela ca poss'eu achar 
quem serva e que lhi nom menti, 
sse eu nom moyro, farey-llf o eu oyr 
ca servo eu outrem, nom por ra'o gracir 
e quem am'ela muyfa seu pesar. 

E com'o sen dona quer assanhar 
nom vos dirá que tolher ada mi 
nen hu bem que ela possa osmar 
que tFela ouvesse des a que naci, 
c quando meu d'ela ouver a partir 
todo Olhe quanto x'cla vir 
que d'ela ey, se o quizer filhar. 

E filhará logui a meu cuydar 



aflam e coyta que mayor nom vi, 
pêro ela que nunca soub'amar 
nom saberia conseliraver hi ; 
e quando se d'ela cousir 
ou-lh'o alguém ousar dizer, guarir 
poderia per sol nom s'en qíeixar. 



440 

Ay, mha senhor, quer'eu provar 
se poderey sem vós viver, 
e veerey se ey poder 
cTalgunha vez sem vós morar; 
pêro sey o que m 1 haverrá, 
cá mil vezes o provey já 
e nunca o pud'acabar. 

Pêro quero-o começar, 
e forç ar hi meu conhocer, 
e ssey de mi como ha seer, 
e cá vos ey poys a rogar ; 
e quam pouco mi durará, 
mha senhor, e quam bem mi será 
se vos posso desensanhar 

Escontra mi, que vos pesar 
nunca Dz, nem cuytTa fazer, 
mays sey-vos iam gram bem querer 
que vos faz contra mi queixar; 
e poys me deus poder nom dá 
que vos desame, assy m'ei ja 
vosc'a perder por vos amar. 



441 

A que eu quoro gram bem des que a vi, 
e que amo, deul o sabe mays ca mi, 
me faz en coyta viver, 

e d f esto xi matou morte 

sem poder 

que eu aja d'end'al fazer. 
A provar averey eu se poderey 
guarir sen a hir veer, pêro bem sey 
que o nom ey de fazer, 

e d'esto xi matou morte 

sen poder 

que eu aja d'end'al fazer. 
Pêro nunca lh'eu cousa mereci 
perque me mat', e ventura me faz hi 
sem seu grado bem querer; 

e d'esto xi matou morte 

sen poder 

que eu aja d'end'al fazer. 
Nunca tal ventura vistes qual eu ey 
controla, que servi sempre e amey 
pol-o nom ousar dizer ; 

e d'esto xi matou morte 

sen poder 

que eu aja d'end'al fazer. 
Por sandice mi pod'omem esto contar, 
mays per coita nom, quem vir seu semelíiar 



84 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e (Testo xi matou morte 

sen poder 

que eu aja (TencTal fazer. 

442 

Ay, mha senhor, sempr'eu a deus roguey 

que vos visse, e nunca ai pedi ; 

e poys vos vi loguV tanto cuydey 

que nom era cuydado pêra mi, 
mais nom poss'eu o meu coraçom forçar 
que nom cuyde com'el quiser cuydar. 
E mha senhor, por deus rogar-vos-ey 

como senhor que amey e que servi, 

que vós nom pes d'em vós cuydar c^mey, 

atend'0 bem, a mais nom atendo y; 
mais nom poss'eu o meu coraçom forçar 
que nom cuyde com'el quiser cuydar. 
E sse eu fosse emperador ou rcy 

era muyto de m'aviir assy 

de vós, senhor, como eu depoys cuidey, 

e vejo bem que lazerarey hy ; 
mays nom poss'eu o meu coraçom forçar 
que nom cuyde contei quiser cuydar. 
Pêro que m'eu y ey a lezerar, 

sabor m^ey eu no que n^cl faz,cuydar. 

443 

Ora entend'eu quanto me dizia 
a mha senhor, cá era guisado 
ca inda lh'eu muyto grazeria 
o de que lhy nunca ouvera grado, 
pola amar e servir doado, 
como fez ora Sancha Garcia, 
que me fezo tornar ond'eu ya. 

DOM JOHAM MENDES DE BESTEYROS 

444 

Veherõ-me meus amigos dizer 

d'ua dona, porque lhi quero bem 

que lhi pesava muy de coraçom 

desi que lh'er pesa de a servir; 

dig'eu, amigos, bem pode seer, 
mays quer lhi pes, quer lhi praza, ca nom 
me poss'end'eu per nulha rem partir. 
E dizem-me, porque me chamo seu 

que lhi pesa, e que me quer gram mal, 

e muy doado lh'ende pesará, 

e, amygus, verdade vos direy; 

c pêro que sey que lh'est muy greu, 
quer lhi pes, quer ihi praz'a ca já, 
se morto nom nunca me partyrey. 
E da gram coyla que me faz levar 

pesar-lh'ha ende, de que ando sandeu 

por ella, mays nom cuyda de mi 

nem do meu mal, nem de meu gramTaflam, 

e bem vej'eu que lh'y faz' y pesar; 



quer lhi pez, quer lhi praz'ora assy 
sy avya sem meu grado de pram. 

445 

Tal ventura quis deus a mi, senhor, 
dar contra vós, que nom posso partir 
meu coraçom de vos gram bem querer; 
assy me ten (orçado voss'amor 
de tal força que nom posso fugir 
a estes olhos que forom veer 
aquestes meus, mha senhor, por meu mal. 

Pêro, bem sabedes que pod'e vai, 
que sempre eu pugi no meu coraçom 
em vos servir, porque vos sey amar 
mays d'outra rem ; mais mha ventura tal 
he contra vós, que nenhum galardom 
nom ey de vós, senhor, quando catar 
com esses olhos que por meu mal vi. 

Que eu vi sempre por gram mal de mi, 
e por gram mal d'aquestes olhos meus 
que vos virom, mha senhor, e por en 
a mha ventura me tray'ora assy 
a tam coylado, assy me valha deus, 
por esses olhos, que per nulha rem 
perder nom posso a gram coita que ey. 

446 

Senhor, comigo nom posso soffrer 
nem com este cativo coraçom, 
que vos nom dig'a milhor a querer 
de quantas cousas en o mundo som ; 
e 7 senhor, é desvayrada razom, 
hu eu por bem que vos quero por en 
nom haver de vós per nulha rem. 
Já meus dias assy ey a passar, 
en amando mays que outro amador 
vós, mha senhor, quê semp^eu soub'amar 
e servir mais que outro servidor; 
e razom é desvayrada, senor, 
hu eu por bem que vos quero por en 
nom aver de vós per nulha rem. 
E razom era, senhor, d 'algum bem 
aver de vós, d'hu me tanto mal vem. 

447 

E já, senhor, a que vós mi aqui 
que coyta ouves tes ora de enviar 
por mi, nom foy, senhor, por me matar, 
poys todo meu mal tem deus por bem ; 
poren, senhor, mais vai d'eu ir d'aqui, 
ca d'eu ficar sem vosso bem fazer; 

De mais aver, esses olhos veer 
e desejar o vosso bem, senhor, 
de que eu sempre fui desejador; 
e meus desejos e meu coraçom 
nunca de vós ouveram se mal nom 
e por esfé milhor de m'ir, par deus 



DOM JOHAM MENDES DE BESTEIROS 



85 



Hu eu nom possa poer esses meus 
olhos nos vossos, de que tanto mal 
me vem, senhor, e gram coyla morlal 
me vós destes no corafom meu, 
e mha senhor, pêro que m'é muy greu, 
nulh'ome nunca mho estranyará. 

E poys m'eu for, mha senhor, que será 
poys m'assy faz o voss'amor ir 
já como vai cervo lançad'a fugir. 



448 

Que perfesteve de me fazer bem 
nostro senhor, e nom m'o quis fazer 
quand'entendeu que podia morrer 
por vós, senhor, que logo nom morry ; 
matando-m^el, fezera-me bem y 
tal que tevera, que m'era gram bem. 

Ante me quis leixar perder o sen 
por vós, senhor ; desy soub'alongar 
meu bem que era em mha morte dar 
e quis que já sempr'eu vivess' assy 
em gram coyla, como sempre vivi 
e que nfouvesse perdud'o meu sen. 

E vej'eu que mal coraçom me tem 
nostro senhor, assy el me perdon', 
nom me deu morle que de coraçom 
lhe roguey sempr'e muylo lh'a pedi, 
mais deu-me vida a pesar de mi 
desejando a que n^em pouco lem. 

A tal ventura quis el dar a mi 
fez-me veer-vos, e ar fezo logu'y 
a vós que nom déssedes por mi rem. 



449 

Estranho mal e estranho pesar 
é oje o meu de quantos outros som 
no mundo já, ca poys mha senhor nom 
praz que eu moyra, mais quer que assy 
aj'a viver a gram pesar de mi ; 
e por aquesto, assi deus me perdon', 
muylo mé grave de viver, e nom 
posso viver s'est'ey a passar. 

E poren, sempre todo m'eslranhar 
devi' aqueslo com muy gram razom, 
poys as mhas coylas, o meu coraçom 
soffrer nom pod', o mays sey que des hy 
tanto soííre com'eu soffri aqui 
ey a viver sem grado, e des entom 
vivo em pesar, poren meu coraçom 
nom pode já tanto mal endurar. 



450 

Amiga, bem sey que nom ha 
voss'amigo nenhum poder 
de vos falar, nem de vos vccr, 
e vedes per que o sey já : 



porque vos vejo ambos andar 

muy tristes et sempre chorar. 
Encobride-vos sobejo 
de mi, e já o feito eu sey 
e guardado vos terrey; 
mais vedes porque o vejo, 

porque vos vejo ambos andar 

mui tristes et sempre chorar. 
Como se foss T o fevto meu 
vos guardarey quanfeu poder, 
e negar-nThe, com 1 ha mester, 
cá vedes porque o sey eu: 

porque vos vejo ambos andar 

mui tristes et sempre chorar. 
Nom choredes cá o pesar 
sol des tosfem prazer tornar. 

. 451 

Deus, que leda que rn^sla noyte vy, 
amiga, em hum sonho ! que sonho que sonhey, 
cá sonhava eu, como vos direy 
que me dizia meu amig' assy : 
falad'amig' ay meu lum' e meu bem. 

Nom foy no mundo Iam leda molher 
em sonho, nem no podia seer, 
cá sonhey que me veerades dizer 
aquel que me melhor que a sy quer: 
falad'amig' ay meu lum' e meu bem. 

Des que nfespertey ouvi gram pesar 
cá em tal sonho avia gram sabor, 
como rogar-me, por nostro senhor 
o que me sabe mais que sy amar: 
falad^mig' ay meu lum' e meu bem. 

E poys m'espertey, foy a deus rogar 
que me sacass' aqucsle sonh'a bem. 



452 

Ora vej'eu, que nom ha verdade 
em sonh', amiga, se deus me perdon', 
e quero-vos logo raoslrar razom 
e vedes como, par caridade : 
sonhey, muyfha, que vcera meu bem, 
e meu amiguo nom veo, nem vem. 
Ca nom ha verdade nemigalha 
em sonho, nem sol nom é bem nem mal, 
bem nunca ende verey ai, 
porque, amiga, só deus me valha, 
sonhey, muyfha, que veera meu bem 
e meu amigo nom veo nem vem. 
Per mim, amiga, entendeu assy que 
sonho nom pode verdade seer, 
nem que m'er pode bem nem mal fazer, 
porque, amiga, se deus bem mi de, 
sonhey, muyfha, que veera meu bem 
e meu amigo nom veo, nem vem. 
E poys se foy meu amigue nom vem, 
meu sonir, amiga, nom é mal nem bem. 



86 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



453 

Visles tal cousa, senhor, que m'avem 
cada que venho com vosco falar, 
sol que vos vejo logu' ey a cegar 
que sol nora vej'e que nos venha rem ; 
poys m'assy cega vosso parecer, 
se cegass'assy quantos vos vem veer. 
Cegu'eu de pram d'estes olhos meus 
que rem nom vejo, par deus, mha senhor, 
a tanfey já de vos veer sabor 
que sol nom vejo, que vos valha deus; 
poys m'assy cega vosso parecer 
se cegass'assy quantos vos vem veer. 
Vosso parecer faz a mim entom, 
senhor, cegar tanto que venh'aqui, 
por vos veer, e loguer cegu'assy 
que sol veja que deus vosperdon*; 
poys m'assy cega vosso parecer 
se cegass'assy quantos vos vem veer. 
E poys eu cego, deus, que ha poder 
cegass'assy quantos vos vem veer. 

AVRAS NINES, clérigo 

454 

Oy pj'eu huã pastor cantar 
d'u cavalgava per hua ribeyra ; 
e a pastor estava senlheyra, 
e ascondi-me pola ascuylar ; 
e dizia muy bem este cantar: 

«Sol-o ramo verde, frolido 
vodas fazem ao meu amigo; 
e choram olhos d'amor!» 

E a pastor parecia muy bem, 
e chorava e estava cantando, 
e eu muy passo fuy-m'achegando 
pola oyr, e sol nom faley rem ; 
e dizia este cantar muy bem: 

«Ay estorninho do avelanedo, 
cantades vós, e moyr'eu e peno; 
d'amores ey mal!» 

E eu oya sospirar entom 
e queixava-se estando com amores, 
e fazia guirlanda de flores; 
desy chorava muy de coraçom, 
e dizia este cantar entom : 

«Que coyta ey tam grande de sofrer, 
amar amigue nom o ousar veer ; 
e pousarey sol-o avelanal !» 

Poys que a guirlanda fez a pastor 
foy-se cantando indo-s'en manselinho; 
et torney-nfeu logo a meu caminho 
ca de a nojar nom ouve sabor ; 
e dizia este cantar bem a pastor: 

« Pela ribeyra do rio 
cantando ya la virgo 

d'amor: 
— quem amores ha, 



como dormVay 
bela frol?» 



455 



Porque no mundo mengou a verdade 
punbey hum dia de a hyr buscar, 
et hu per ela fui pregunlar 
disserom todos: — Alhur la buscade; 
ca de tal guisa se foy a perder 
que nom podemus en novas aver 
nem já nom anda na yrmaydade. 

Nos moesteyros dos frades regrados 
a deraandey, et disserom-m'assy: 
Nom busquedes vós a verdade aqui, 
ca muylos anos avemos passadps 
que nom mor'en nosco, per boa fé, 

el d'al avemos mayores cuydados. 

E em Cislel, hu verdade soya 
sempre morar, disserom-me que nom 
morava hy, havia gram sazom, 
nem frade d'y ja a nom conhocia; 
nem o abbade us'outrosy nom estar, 
sol nom queria que foss'y pousar 
et anda já fora da abbadia. 

Em Sanlyago seemTalbergado 
em mha pousada chegarom roroeus, 
preguntey-os et disserom : Par deus, 
muy to levadel-o caminho errado; 
cá se verdade quiserdes achar 
outro caminho convém a buscar, 
ca nom sabem aqui d'ela mandado. 

456 

Que muyto nTcu pago d'este verão 
por estes ramos et por estas flores, 
et polas aves que cantam demores 
porque ando hy led'e sem cuydado; 
et assy faz tod'omem namorado 
sempfy and lcd'e muy loução. 

Cand'cu passo per algumas ribeyras 
so boas arvores, per boos prados 
se cantam hy pássaros namorados 
logu'eu com amores hy vou cantando, 
et log'aly d'amores vou trobando 
et faço cantares em mil maneyras. 

Ey eu gram viço e gramTalegria 
quando m'as aves cantam no estyo. 

457 (wd.) 469 

Amor faz a mim amar tal senhor, 
que he mays fremosa de quantas sey, 
e faz-n^alegr', e faz-me trobador 
cuydand'em bem; sempre mais vos direy: 
faz-me viver em alegrança, 
e faz-me todavia em bem cuidar 
poys mim amor nom quer leixar, 
e dá-me esforç' e asperança 
mal venira quem d'el desasperar. 



ATUAS NUNES 



87 



Ca per amor cuycTen mais a valer, 
e os que d'el desasperades som 
nunca poderam nenhum bem aver 
mais aver mal ; et por esta razom 
trob'eu, et nom per atítolhança 
mais porque sey lealmente amar; 
poys min amor nom quer leyxar 
e dâ-me esforço e asperança 
mal ventTa quem dei desasperar. 
Couseç'em mim os que amor nom ham, 
et nom couseçem s'y vedes que mal 
ca trob'e canto per senhor de pram 
que sobre quantas ojeu sey, mais vai 
de beldade de bem falar 
et he cousido sem duldança, 
a tal am'eu, et por seu quer'andar; 
poys mi amor nom quer leyxar 
e dà-me esforço e esperança, 
mal venlfa quem d'el desasperar. 



458 

A Santiago em romaria vem 
el rey, madre, praz-me de coraçora 
por duas cousas, sse deus me perdon', 
em que tenho que me faz deus gram bem 
cá verey el-rey que nunca vi, 
et meu amigo que vem com el hy. 



459 

Vy eu, senhor, vosso bon parecer 
por mal de mim e (Testes olhos meus, 
e nom quis poys mha ventura, nem deus, 
nem vós, que podess'eu coyta perder; 
e poys me vós nora queredes valer 
breve, creo, que será mha vida, 
gentil dona, poys nom sen t ú/a 
em vós vay camanha coyta seer. 



460 

Delia dolçor vosdcusdeu,quenospraya, 
sup^end^s mercês de mi qiToje vaya. 

Assy me tem em podtr voss'amor 
que sempre cuid'eu como poderey 
vosso bem aver, que nom ave rey, 
mal pecado, em quanto vivo for 
mays entom ey eu cõhorf e sabor. 



461 

Gentil dona, l'amislàra 
que oj'ay, tan muy vej'ir 
quen viss'ay la vostra cara. 



462 

Baylemos nós já todas, todas, ay amigas, 
sô aquestas avelaneyras floridas ; 
e quem for velida como nós velidas, 

se amigo amar 
só aquestas avelaneyras frolidas 

verrá baylar. 
Bailemos nós já todas, todas, ay irmanas 
sô aqueste ramo d'estas avelanas; 
e quem for louçana como nós louçanas 

se amigo amar, 
sô aqueste ramo (Testas avelanas 

verrá baylar. 

Por deus, ay amigas, mentr'al nom fazemos 
sô aqueste ramo florido baylemos ; 
e quem bem parecer como nós parecemos, 

se amigo amar, 
sô aqueste ramo sol que nós bailemos 

verrá baylar. 

463 

Por deus, coraçom, mal me matades 
e pela vossa nem minha nom fazedes, 
e pouco, se assi for, viveredes, 
ca, senhor, porque m'assi matades 
ai cuid'acâ, nom no vosso cuydar, 
mal dia forom meus olhos catar 
a fremosurai porque me matades. 

Agora que eu moiro com quem ficades? 
vós com ela, par deus, nom íicaredes, 
e sse eu moiro migo morredes, 
cá vós noife dia migo ficades 
mays vosso cuidado pode chegar 
hu est a dona que rem nora quer dar 
por mi, cá sempre comigo ficades. 

464 

— Baylade oje, ay filha, que prazer vejadea, 
anfo voss'amigo, que vós muyfamade.s. 

«Baylareyeu,madre,poysmevósmandades, 
mays pêro entendo de vós huã rem : 

de viver el pouco muyto vos pagades, 

poysmevósmandadesquebaylcanfclbcm. 

— Rogo-vos, ay filha, por deus que bayledes 
anf o voss'amigo, que bem parecedcs. 

« Baylarey eu, madre, poys rafo vós dizedes 
mays pêro entendo de vós huã rem: 

de viver el pouco gram sabor avedes 

poysquememandadesquebayleanfelbem. 
— Por deus, ay mha filha, fazed'a baylada 
anfo voss'amigo de sô a frol granada. 

«Baylarey eu y madre, d'aquesta vegada, 
mays entendo de vós uma rem : 

de viver el pouco sodes muy pagada 

poysque me mandados que bayle anfelbcm. 
— Baylade oj'ay (ilha, por sancta Maria 
anfo voss'amigo, que vos bem queria. 
«Baylarey cu, madre, por vós todavia 



88 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATiCANA 



mays poro entendo de vós huã rem : 
em viver el pouco tomades períia 
poysquememandade9quebayleant'elbem. 

465 

Noslro senhor, e porque foy veer 
liua dona que eu quero gram bem 
e querrey sempre já mentr'eu viver, 
e que me faz por sy perder o sen ; 
pêro ela faça quanto quiser 
contra mi, cà pêro me bem nom quer 
nom leyxarey de a servir por en. 

466 

Desfiar enviarom 
ora de Tudela 
filhos de Dom Fernanda 
cTel-rey de Castela; 
e disse el-rey logo : 
«Hidealà Dom Vela. 

« Desflade e mostrade 
«por mi esta razom, 
«se quiserem per talho 
«do. reino de Leom, 
«filhem por en Navarra 
«ou o reino d'Aragom. 

«Ainda lhes fazede 
«outra preilesia, 
«dar-lhes-ey per talho 
«quanto ei en Galicia, 
« e aquesto lhe faço 
«por partir perfia. 

« E faço grave dito 
«cà meus sobrinhos som, 
«se quiserem per talho 
a do reino de Leom 
«filhem por en Navarra 
«ou o reino d'Aragom. 

«E veed'ora, amigos, 
«se prend'eu engano; 
« e fazede de guisa 
«que jà, sem meu dano 7 
«se quiserem tregoa 
«dade-lh'a por uni anno. 

«Outorgo-a por mi 
«e por eles dom, 
« c'as tem se quizerem 
«per talho de Leom 
« filhem por en Navarra 
«ou o reino cTAragom.» 

46T 

Faley noutro dia com mba senhor 
et dixe-lh'0 muy grand'araor que lh'ey, 
et quantas coytas por ela levey 
et quanfafam sofro por seu amor; 
foy sanhuda et nunca tanto vi, 



et foy-se, el sol nom quis catar por mi 
et nunca mays poys com ela faley. 

Mentr'eu com ela falava em ai 
eu nunca m'olhos tam bem vi falar ; 
et poys lh'eu dixe a coyta e o pesar 
que por ela soffro et o muy gram mal, 
foy sanhuda et catou-me em desdém, 
et des ali nom lh'ousey dizer rem 
nem ar quis nunca poys por mi catar. 

E muytas vezes oy eu dizer 
que quem ascuita a costas lhe dá, 
e eu receey esto grand'acá; 
mays porque me vejo em coytas viver 
dixe-lh'o bem que lhe quer' et entom 
estranhou-m^o de guisa que sol nom 
me quiz falar, el de mi que será. 

468 

meu senhor obispo na Redondela huu dia 
de noyte com gram medo de desonrra fogia ; 
eu hyndo-n^aguysando por hyrcom el mha via 
achey hua campanha assas brava e crua, 
que me decerom logo de cima da mha ruiva 
azemela, et cá m'alevaram-na por sua. 

E des que eu naçfa nunca entrara em lide, 
pêro que já fora cabo Valedolide 
escoltar doas muytas que fezerom em Molide; 
e ali me lançarom a mi à falcatrua 
a mais escudeyros, gage o churruchão, 
el taaes sergentos, cá nom gente de rua. 

Ali me desbulharom do tabardo e dos panos, 
et no houverõ vergonha dos mis cabelos canos, 
nem me derom por ende grãs nem abanos; 
leixarom-me qual fuy nado no meyo de la ria, 
et huu donato tinhoso que a de par estava 
chamava minha nana velha fududadia. 

469 

Poys min amor nom quer leyxar 
e dá-ine esforço e asperança 
mal venha a quem se d'el desasperar, 
cà per amor cuytTeu mays a valer; 
e os que d'el desasperados som 
nom podem nunca nenhum bem aver, 
nem fazer bem, e por esta razom 
com amor quero-me alegrar 
e quer'o trisfem mal andança 
que nom lhe de deus ai poys sem pagar. 
Poys mim amor nom quer leyxar 
e dá-me esforço e asperança 
- mal venha a quem se d'el desasperar; 
amor faz a mi amar tal senhor 
mays fremosa de quantas oj'eu sey; 
e faz-me alegre, e faz-me trobador, 
cuydand'em bem sempre mays vos direy 
hu s'era rasom de trobar 
trob'eu e nom per antolhança 
mays poys sey muy lealmente amar. 



HARTIM MOXA 



89 



Poys mi amor noro quer leixar 
e dà-me estorço, e asperança 
mal vcnh'a quem se d'el desasperar; 
couseçem mi os que amor nom liam, 
nom couseçem si veedes que mal 
ca trobey lauto por senhor de pram 
que de beldade quantas eu sey vai; 
de mesur'e de bem falar 
e de todo bem sem duldança 
a tal am'eu } e por seu querandar. 

ÁLVARO 60MES, jograr de Sarria, fez esta cantiga 

a HARTIM MOXA 

470 

Martin Moxa, a mba alma se perca 
polo foder se vós pecado avedes 
nem por boos fllbus que fazedes, 
mays avedes pecado por la herva 
que comestes, que vos faz viver 
tam gram tempo que podedes saber 
jnuy bem quando nace' Adam et Eva. 

Nem outro si dos filhos Larvados 
nom vos acho hy por pecador, 
se nom dos tempos grandes transpassados 
que acordades et sodes pastor ; 
dizede-m'ora, se vejades prazer, 
de que tempo podiades ser, 
quand Y estragou ali o Almançor. 

De profaçar as gentes sandias 
nom avedes por que vos embargar, 
nem porque filhardes em vós pesar 
cá o nom dizer se nom com perdas; 
disede-m'ora, se deus vos perdon', 
quanto nascestes vós anfa sazom 
que encarnou deus em sancta Maria. 

471 

Per como achamos na santa escriptura 
o anli-christo ora seerá na terra 
cá se nom guarda trégua nem postura, 
et cada parte vejo a volver guerra, 
et fazer mal com mengua de justiça 
et na genfé tam grande a cobiça 
que nom ha bon conselho nem mesura. 

Ca nom leyxam espital nem egleja 
romeu nem dona, nem orne fidalgo 
nem homeê d'onra, por bom que seja 
que nom desonrem por levar dei algo; 
forçam mulheres 

MARTI» MOXA * 

472 

Vós que soedes em corte morar, 
d>stes privados queria saber 



se lhes ha a privança muylo durar 
cá os nom vejo dar nem despender; 
ante os vejo tomar et pedir, 
et o que lhes nom quer dar ou servir 
nom pode rem com el-rey adubar. 

Destes privados nom sey novelar 
se nom que lhes vejo muy gram poder 
et grandes rendas, casas gaanhar 
et vejo os grandes muyto empobrecer; 
com proveza da guerra sayr, 
et ha el-rey sabor de os ouvir, 
mays eu nom sey que lhe vam conselhar. 

Sodes de côrt' e nom sabedes rem, 
cà mester faz a tod^ome que dé 
poys á corte per livrar algo vem, 
ca se dar nom quer por end'ech'a se; 
pêro se de dar nom se trabalhe d'al 
et se nom der ijada nom pod'adubar ai 
cá os privados querem que lhes dém. 

473 

Amigos, cuyd'eu que noslro senhor 
nom quer no mundo ja mentes parar, 
cà o vejo cada dia tornar 
de bem em mal, e de mal em peior ; 
ca vejo boos cada dia decer 
e vejo maaos sobfeles poder, 
por en nom ey da mha morte pavor. 

O mundo tod'a vessas vej'ir 
em promptas armas no mundo som 
a avessas andam, sy deus mi perdon'; 
poren nom dev'anf a morte fugir, 
quem sabe o bem que soia leer 
e ve d' oy o mundo outra guysa correr 
e nom se pode de morte partir. 

Os que morreram, mentr'era melhor 
am muyfa deus que gradecer, 
ca sabem jâ que nom am de morrer 
nem er atendem que vejam peyor, 
como oj' atendem os que vyvos som, 
e por en tenlTeu que faz sem razom 
quem doeste mundo ha muy gram sabor. 

E por en tenho eu que he muy melhor 
de morrer homem que lhi bem for. 

474 

Por vós, senhor fremosa, poys vos vy 
me faz viver coytado sempi^amor 
mays pêro quamTar cuyden qual senhor 
me fez e faz amar, cuido logu'y 
que nom queria nom vos querer bem, 
maysquand'ercuydo no malquenTen vera 
Por vós, a quem pesa de vos amar, 
aly mi pesa de vo3 bem querer; 
mays poys no prez cuyde-vos parecer 
que vos deus deu logui ey de cuydar 
que nom queria nom vos querer bem 
mays quandercuydo no mal que nTen vem, 



_-j 



90 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



Por vós, senhoi, a quem deus por meu mal 
me vos Iam muyto bem conhecer fez, 
pêro sabede se rem ey de prez 
ou d'oulro bem por vos lie e nom por ai, 
que nom queria vos nom querer bem 
mays quand'er cuydo no mal que m'en vem. 

475 

O gram prazer e gram vip/em cuydar 
que scmpr'ouv' y no bem de mlia senhor 
m'a fazem ja tam muylo desejar 
que moyr'e nom perco coylas d'araor, 
pêro avem que algunha sazom 
assi m'afog'e muylo porque nom 
tenpo-me d'el, nem sey em que trobar. 

E por esto nom leyxey pois amar 
e servir bem e fazel-o milhor, 
cá sempre amor per bem se quer levar, 
e o pequeno co ! grande é o mayor; 
quaes el quer en o seu poder som 
poys assy é, semelha-mi razom, 
de a servir e seu bem aguardar 

A deus lai bem que nom podcss'aver 
de tal senhor qual mi em poder tem, 
pêro quero-meu cuydar hy prazer, 
cuydar me tolh'o dormir e o sen, 
cá non poss'end'o corapom partir 
ca ma faz sem prantos meus olhos ir 
cada hu vou et d'ii a vi veer. 

Mays tanto sey, se podesse seer 
se viss'ela o meu corapom Iam bem 
com'el ela, dever-s'ya doer 
d'el e de mi, poil-o visse pôr en 
am'eu e trob'e punham a servir, 
que entenda poys meu cantar oyr 
o que nom posso, nem Hf ouso a dizer. 

E nom dev^mem seu cor encobrir 
a quem sabe que o pode guarir, 
de mais hu llfoulro nom pode valer. 

476 

Amor, de vós bera me posso loar 
de qual senhor me fazedes amar ; 
mays d' unha cousa me devo queixar 
quanf é meu sen, 
hu mesura, nem outro bem 
nem mercê nom vai, nem outra rem. 
Gradesco-vos, que mi destes senhor 
fremosa, e de todo bem sabedor, 
mays poys m'a destes, pepo-vos, amor, 
do que m'avem, 
hu mesura nem outro bem 
nem mercê nom vai, nem outra rem. 
Am'eu e trobo e serv'a mays poder 
aquesta dona por seu bem aver, 
mays quando-lh'a coyla venho dizer 
em que me tem, 
hu mesura, nem outro bem 
nem mercê nom vai, nem outra rem. 



477 

Pêro mi fez e faz amor 
mal, e nom ey nem cuyd'aver 
já per el bem de mha senhor, 
ey muyto que lhi gradecer 
porque mi faz a melhor rem 
d'aquesle mundo querer bem. 
E pêro m'el nom quis nem quer 
dar bem per quanto mal mi deu 
ja em quanfeu viver poder 
ledo serey de seer seu; 
porque mi faz a melhor rem 
-tTaqueste mundo querer bem. 

478 

Venho-vos, mha senhor, roguar 
com grand'amor que vos eu ey 
que mi valhades, cá bem sey 
se m'esta coyta mays durar, 

já minha vida pouco será. 
E que mi queirades valer 
ay coyta do meu corapom, 
bem sey eu se deus mi perdon', 
se emparardes este lezer, 

já minha vyda pouca será. 

479 

A tanto queria saber 
doestes que morrem com amor 
qual coyta teen por mayor : 
d'ir homem tal loguar viver 
hu nunca veja sa senhor, 
ou de guarir hu a veer 
possa e nom llfouse falar? 

E muylus vej'a dês rogar 
que lh'ela moslre ou que lhis dê 
morte cerla per boa fé, 
que esta coyta nom ha par; 
nom a veer ca já quite ó 
hu a nom vyr d'aval cuydar 
nem de pagar-se doutra rem. 

E direy-vus como llfavem, 
a quem dona mui gram bem quer, 
se a vir e lhi nom poder 
falar tal e como quen tem 
ante sy quanto lh'é mester 
e nom Ih ousa falar em bem, 
e desejando moyr^ssy. 

E tod'aquesl'eu padecy 
ca muy gram coyla perlevey 
poys-me de mha senhor quiley 
porque lhe falar nom ous'y 

a tam coytado foy logu'i 
que cuydara morrer entom. 

E doestas coytas que sofri 
a mayor escolher nom sey 
pêro sey cá muy grandes som. 



MARTIM MOXA 



91 



480 

Amor nom qued'eu amando 

nem quedo dandar punhando 

se poderia fazer 

per que vossa graç'ouvesse, 

ou a mha senhor prouguesse ; 

mays pêro faç'y meu poder 
contra mha desventura 
nom vai amar, nem servir, 
nem vai razom, nem mesura, 
nem vai calar, nem pedir. 
Am*c servo quanfeu posso 

e praz-mi de seer vosso, 

sol que end'a mha senhor 

nom pesasse meu servipo, 

des nom mi dess'outro viço 

mays faça end'o melhor 
contra níha desventura 
nom vai amar, nem servir, 
nem vai razom, nem mesura, 
nem vai calar, nem pedir. 
Que quer que mha mi gracido 

fosse de quanfey servido 

que m'a mi nada nom vai ; 

mha coyta viço seria 

ca servido atenderia 



contra mha desventura 

' nom vai amar, nem servir, 
nem vai razom, nem mesura, 
nem vai calar, nem pedir. 
Porque sol dizer a gente 

do que serve lealmente 

e se nom quer enfadar, 

nem depoys galardom tem 

am'eu e servo poren; 

mays vedes ond^ey pesar, 
contra mha desventura 
nom vai amar, nem servir, 
nem vai razom, nem mesura, 
nem vai calar, nem pedir. 
E poys-mi deus deu ventura 

de tam bom logar servir, 

atender quero mesura 

ca mi nom deve falyr. 

481 

Per quanfeu vejo 
per só me desejo, 
ey coyta e pesar, 
se and'ou sejo 
o cor m'est antejo 
que me faz cuydar; 
cà poys franqueza 
proeza, 

venceu escaceza ; 
nonsey que pensar; 
vej 'avareza 



maleza 

per sa soteleza 

o mundo tornar. 

Já de verdade, 
nem de lealdade 
nom ouso falar, 
cá falsidade 
mentira e maldade 
nom lhis dam logar; 
estas som nadas 
e criadas 
enventuradas, 
e querem reynar; 
as nossas fadas 
iradas, 

forom chegadas 
por esto fadar. 

Louvam'yaàles 
e prezenteantes 
am prez e poder; 
e nos logares 
hu nobres falares 
soyam dizer 
vej^longados 
deytados 

do mund'exerdados 
e vam se a perder; 
vej'achegados 
loados, 

de muytos amados 
os de maldizer. 

Pela crerizia 
per que se soya • 

todo bem reger, 
paz, cortezia 
solaz que avia 
fremoso poder, 
quand'alegria 
que vivia 
no mund'e fazia 
muyt'algu'e prazer; 
foy-se sa vya 
e dizia 
cada dia 
eyde falecer. 

D'ar que valya 
compria, 
seu tempo fogia 
por s'ir asconder. 

482 

Bem poss'araor c seu mal endurar, 
tanfé o bem que de mha senhor ey, 
sol em cuydar no bem que d'ela sey; 
cà sa mesure seu muy bon falar 
e seu bom sen e seu bom parecer 
tod'é meu bem, mays que mal poss'avcr, 
mentre a vyr e no seu bem cuydar. 

Gradesc'a deus, que mi deu tal senhor 
Iam de boo prez e que tam muyto vai, 



92 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e rogo-lhi que nunca cTeste mal 
me guarescá, nem m'empare d'amor, 
ante mi dê sempre perder o sen 
de a servir, cá este é o meu bem 
e aquesfé meu juizo e meu sabor. 

Ca seu fremoso calar e riir 
e falar ben sempr'em boa razom 
assy m'alegra no meu coraçom 
que nom cuyd'al se nom en a servir 
e no seu bem se m'o deus dar quiser, 
como farey depoys se o ouver 
que o possa manteer e gracir. 

Aly, des, senhor, quando se nembrarâ 
esta dona, que tanfamo, de mi, 
que diga: em tam bom dia servi 
senhor que tam bom galardom mi dá ; 
poys em cuydar tara gram sabor ach'eu, 
rem nom daria se ouvess'o seu 
bem, per quanfoutro bem en o mund'ha. 

E por end'am'e serv'e soo seu 
doesta senhora, e servil-a quer'eu, 
cá bom servirem bem s^ncimará. 

ê 

483 

Que grave coyta qu'é-me dizer 
as graves coitas que sofr'em cantar, 
vejo mha morte que m'hade matar 
em vós, e nom vos ous'em rem dizer; 
pêro ei dizer-lo cantando e em som 
que me semelha cousa sem razom 
de m'eu com coita de morte dizer. 

E pois mha coita per tal guisa he 
que a nom posso per rem encobrir, 
em a tal terra cuido eu de guarir, 
que bem entendam meu mal a la Té; 
et a tal gente cuicTeu de cantar 
et dizer son hu com ela falar 
que bem entenda a meu mal onde be» 

ROY FERNANDES 

« 

484 

Quantas ctrytas senhor sofri 
por vos veer e rae quitey 
de vós hu vosco nom raorey, 
e poys me deus ados^aqui 

dizer- vos quero que ro'avem : 

tanto me nerafoKagora jâ 

como se nunca fosse rem. 
Peto que vivo na mayor 
coyta que podia viver 
desejando-vos a veer, 
e poys vos vejo mha senhor 

dizer- vos quero que m'avern: 

tanto me nembr'agora já 

como se nunca fosse rem. 
Pêro quem tanto mal levou 
com'eu levey e tanfafam, 



a nembrar-lh'avia de pram, 
e poys me vos deus amostrou, 
dizer-vos quero que m'avem : 
tanto me nembr'agora já 
como se nunca fosse rem. 

485 

Se hom'ouvesse de morrer, 
senhor, veendo gram pezar 
da rem que mays soubess'amar 
de quantas quyso fazer, 
eu nom poderá mays viver 
hu vos forom d'aqui filhar 
à força de vós, e levar 
e vos nom pud'y cu valer. 

Nom me soub'i conselh'aver 
per como podess'endurar 
a coifem que me vi andar 
pola força que vos prender 
vi, e quisera ante sofrer 
raorfu a veria cá ficar 
vyvo per aver a estar 
a tam grave pesar a veer. 

E nunca no mundo prazer 
des aqui jamais aguardar, 
e sempre m'aver a queixar 
a deus por el esto querer; 
mays hua rem posso creer 
que des que m'eslo foy mostrar, 
poren me leixe de'matar 
que aja sempre que doer. 

E que nunca possa tolher 
estes meus olhos de chorar 
e que sempr'aja a desejar 
vós e o vosso parecer; 
que nunca m'hade escaecer 
en o meu mal sempre cuydar, 
bem me posso maravilhar 
por mha morte nom aduzer. 

E nunca deus queyra prazer 
que nunca el queyra mostrar 
a nulh^me tanto pesar 
quanfel poderia sofrer. 

486 

Ora começa o meu mal 
de que já nom temia rem, 
e cuydava que m'ia bem 
e cedo se tornou em mal, 
cá o dén^agora d^mor 
me fez filhar outra senhor. 
E já dormia tod'o meu 
sono, e nom era foi, 
e podia fazer mha prol ; 
mayl-o poder já nom é meu, 
cá o dém'agora d'amor 
me fez filhar outra senhor. 
Que ledo me fez a cá 



ROT FERNANDES 



93 



quando-s'amor de mi quitou 
hum pouco que m'a mi leixou 
mays d'outra guysa mi vay já; 
cá o dém'agora d'amor 
me fez filhar outra senhor. 
E nom se dev'ome alegrar 
muyto de rem que possa aver 
cà eu que o quigi fazer 
nom ey jâ de que m 'alegrar; 
cà o dém'agora d'amor 
me Tez filhar outra senhor. 
Ao dém'acomend'eu amor, 
e teenga deus a senhor 
de que nom será sabedor 
Dulh'om'em quant'eu vyvo for. 

487 

Que muy gram prazer oj'eu vi 
hu me vos deus mostrou, senhor, 
e bem vos faço sabedor 
que poys que m'eu de vós parti 
nota cuydara tanfa vyver 
como vevi sem vos veer. 
Que muyto que eu desejey 
de vos veer e vos falar, 
e foy-m'o deus agora guysar, 
senhor, e mays Vos en direy; 
nom cuidara tanfa viver 
como vevi sem vos veer. 
E dés que mi fez este bem 
ainda nfoutro bem fará, 
poys el quiz que vos visse já, 
mha senhor, cà per nenhum sen 
nom cuydara tanfa viver 
como vevi sem vos veer. 

488 

Quand 7 eu vejo las ondas 
e las muyt' altas ribas, 
logo mi vêem oudas 
ai cor por la velyda; 

maldito sefal marc 

que mi faz tanto malc. 
Nunca veo las ondas 
nen as altas rocas, 
que mi nom venham ondas 
ai cor pela fremosa; 

maldito sefal maré 

que mi faz tanto male. 
Se eu vejo las ondas 
e veo-las costeyras, 
logo-mi vem ondas 
ai cor pola bem feyta ; 

maldito sefal maré 

que mi faz tanto male. 

489 

Jà eu nom am'a quem soya, 
nem ey a coyta que anfavya, 



e pesa-mi, par sancta Maria, 
cá nfey outra coyta d'amor mayor. 
Nostro senhor, quem m'oj'a mi desse 

que a que bem quigi bem quisesse, 

cà tenh'eu-que mayor coyta ouvesse ; 
cà nfey outra coyta d' amor mayor. 
E menlr^eu d'ela fuy namorado 

nunca me virom desacordado, 

mays ora já nom ha hi recado, 
cà m'ey outra coyta d'amor mayor. 

490 

Hy logo, senhor, que vos vi, 

vi eu que fazia mal sen 

d'ir osmar de vos querer bem, 

e partira-m'end'eu logu'i; 
mayl-o vosso bom parecer 
nom m'o leixou, senhor fazer 
nom m'o leixou, senhor, fazer. 
Assas entendénd'eu, que dlr 

começar com a tal molher 

como vós, nom nfera mester 

e qual será m'end'eu partir, 
mayl-o vosso bom parecer 
nom m'o leixou, senhor, fazer, 
nom nfo leixou, senhor, fazer. 
Senhor, e nom foy pelo meu 

gradou a vós fuy amar, nem ey 

hi culpa porque* vos araey, 

ca me vos partira end'eu, 
mayl-o vosso bom parecer 
nom m'ho leixou, senhor, fazer, 
nom m'o leixou, senhor fazer. 
E nom xe vos filhe pesar 

por vos eu muy de coraçom 

amar, cà deus nom mi perdem' 

se me nom quisera quitar ; 
mayl-o vosso bom parecer 
nom nfho leixou, senhor, fazer, 
nom m'o leixou, senhor, fazer. 

491 

Des que eu vi 
o que eu vi, 
nunca dormi, 
e cuydand'i 
moyr'eu. 

Fez-me veer 
despreveer 
quem me morrer 
faz, e dizer 
moyr'eu. 

Gram mal mi vem, 
em mi vem. 
nem verrà bem 
end'c por en 
moyr'eu. 

E nom mi vai, 



94 



CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA 



deus nom me vai, 
e (Teste mal 

moyr'eu 

moyr'eu 

moyr'eu. 



492 



Pêro raha senhor nulha rena 
nom m ? hade fazer se nom mal, 
nem eu d' ela nom atencTal, 
tam muyto parec'ela bem, 
que o seu muy bom parecer 
m'a faz á força bem querer. 
De punhar de lhi nunca já 
querer alguã vez mi praz, 
e de tod'esto ai xi mi faz 
poys tam bom parecerá, 
que o seu muy bom parecer 
m'a faz à força bem querer. 
De já sempr'esta dona amar 
porque nom se pode partir, 
cá deus quem quis destroir 
tam bom parecer lhe foy dar ; 
que o seu muy bom parecer 
m*a faz à força bem querer. 
E faz-mi que nom ey poder 
que lh'o nom aja de querer. 

493 

De gram coyta faz gram lezer 
deus, per quanfeu cntend'e sey, 
e de gram pesar gram prazer, 
e direy-vos porque o ey, 

cá vi mha senhor d'aqucm d'ir 

e ora vejo-a viir. 
Ja per coita, nem per pesar 
que aja no meu coraçonr 
nom me quer'eu muyto queyxar, 
e direy-vos eu porque nom ; 

cá vi mha senhor d'aquem d'ir 

e ora vejo-a \iir. 
E sempr'eu esforçarey 
contra pesar se o ouvcr, 
de o perder nom o querercy 
aver oy mays, se deus quiser ; 

cá vi mha senhor d T aquem d'ir 

e ora vejo-a viir. 

494 

Quand'cu nom podia vecr 
a senhor do meu coraçom, 
e de mi bem cuydar entom 
que podesse coyta perder 
sol que a visse ; poyl-a vi 
ouv'eu mayor coyta dcs hi. 
Pêro que perdia o sen 
pola fremosa mha senhor, 
quanta coyta avia d'amor 
nom cuvdava teer em rem 



sol que a visse ; poyl-a vi 

ouv'eu mayor coyta desy. 
De quanfeu cuydey acabar 
nulha cousa nom acabey, 
cá vedel-o que eu cuydey, 
cuydei-mê de coyta quitar 

sol que a visse; poyl-a vi 

ouv'eu mayor coyla desy. 

495 

Que doo que agora ey 

dos meus olhos polo. chorar, 

que faram poyl-os eu levar, 

senhor, hu vos nom veerey, 
ca nunca os ey a partir 
de chorar hu vos eu nom vyr. 
Quiçá m'en que vissem ai 

e nom vissem-vos estes meus 

olhos, e nom quis assy deus, 

mays sey que mi verram em mal, 
ca nunca os ey a partir 
de chorar hu vos eu nom vyr. 
O vosso mui bom parecer 

virom en mal dia por sy, 

e mal dia lhe-lo sofri, 

senhor, que fossem veer, 
ca nunca os ey a partir 
de chorar hu vos eu nom vyr. 
Pêro, que OFa, senhor, am 

em vos veer mui gram sabor, 

já o pesar será mayor 

poys quando vos nom verram, 
ca nunca os ey a partir 
de chorar hu vos eu nom vyr. 
Nem vos poderey eu partir 

de chorar hu vos eu nom vyr. 

» 

496 

Ora m'o tenham a mal sen 

ca nom leixarey a trobar, 

nem a dizer em o cantar 

que eu fezer, o muy gram bem 
que vos eu quero, mha senhor, 
e querrey mentrVu vyvo for. 
Vós, quanto eu poder, negarey 

que nom sodel-a que eu vi, 

que nom visse, ca des aly 

Iby sandeu, mayl-o bem direy, 
que vos eu quero, mha senhor, 
e querrey mentr'eu vivo for. 
Bera tenho eu quem n^estranh' acâ 

esto de vós poyl-o disser, 

mays será o que deus quiser, 

cá o bem a dizer 6 já 
que vos eu quero, mha senhor, 
e querrey mentr'eu vivo for. 
E bem pod'unha rem creer 

quem me doesto quiser cousir, 



ROY FERNANDES 



85 



que m^ci, ca m'endc pode partir 

que o bem nom aja a dizer 
que vos eu quero, mha senhor, 
e querrey mentr'eu vivo for. 
Cá nora querrâ deus, nem amor 

que vol e'y queyra, senhor. 

497 

A dona que eu quero bem 
tal sabor ey de a veer 
que nom saberia dizer 
camanh'é, pêro nom sen 

poyl-a end'eu mays desejo 

seriipre cada que a vejo. 
Pêro que oje no mund'al 
a tanto desej'e nom ha, 
como d'ir hu a possa ja 
veer, nom na veer mays val> 

poyl-a end'eu mays desejo 

sempre cada que a vejo. 
Se nom vyr nom averrey 
que de mim nem d'al sabor, 
se a vyr averey mayor 
coyla, mays porque o forey, 

poyl-a end'eu mays desejo 

sempre cada que a vejo. 
Esto soo nom é do yr, 
que eu ja sempr'esla molher 
nom veja cada que poder, 
pêro devia-lhe a fugir, 

poyl-a end'eu mays desejo 

sempre cada que a vejo. 

498 

Esla senhor que ora fllhey 
grave dia, vedes que faz, 
porque lh'agravon, lhi nom praz 
do que com ela comecey ; 

assanhou-ss' ora contra mi 

e pêro faz seu prazer hy. 
E bem pode saber que nom 
meresco eu d'esta sanha rem, 
ergo se lhi quero gram bem, 
e pêro nom ha hy razom 

assanha-ss' ora contra mi, 

e pêro faz seu prazer hy. 
Bem vos digo que ante m'cu 
queria ir siquer matar, 
ca lhe fazer nenhum pesar, 
mays ela bem assy de seu 

assanhassora coutra mi 

e pêro faz seu prazer hy. 
E poyl-o quer fazer assy 
nom sey, ou que seja de mi. 

499 

Pêro lanfé o meu mal (Vamor 
c a muy gram coyla que ey 



por vós, que dizer non o sey 
bom dia nacerá senhor, 

se, aposfa d'aqueste mal 

eu atendesse de vós ai. 
Tod'este mal quanfa mim vem 
nen a gram coyta que sofri 
por vós, des que vos conheci 
non o teria já em rem, 

se, aposfa d'aqueste mal 

eu atendesse de vós ai. 
Pêro tod'este mal me tolherá 
o sen, nem lhi cuyd'a guarir, 
se de mim nom se quer partir 
sabor averya d'el já, 

se, aposfa d'aquesle mal 

eu atendesse de vós ai. 
Muyto é o mal que mi sofrer 
fazedes, porque mi falar 
nora queredes, nem ascoytar> 
pêro mays eu querria aver 

se, aposfa d'aqueste mal 

eu atendesse de vós ai. 
Cá de vós nom alend'eu ai 
que mi façades, se nom mal. 

500 

Aquesle muy gram mal d'amor 
que eu por vós mha senhor ey, 
poys outro conselho nom sey 
se prouguer a nostro senhor, 

alongar me querrey d'aqui, 

e alongar-s'ha el de mi. 
Nenhum conselho me sal 
contra vós, nem deus nom m ? o dá, 
porque perca este mal já, 
e poys nTaqui vem este mal 

alongar me querrey d'aqui 

e a!ongar-s'ha el de mi: 
E mentr'eu a guarir ouver 
hu vos eu soya veer 
nom averrey nunca a perder 
este mal, mays se eu poder 

alongar-me querrey d'aqui 

e alongar-slia el de mi. 
Nem tenho hi ai que seja sen 
que faça, poys vos eu falar 
nom ous'yr, senhor, nem catar, 
e poys moeste mal aqui vem 

alongar-me querrey d'aqui 

e alongar-s'ha el de mi. 
Ca nom vyverey mays desy, 
e alongar-sha end'assy. 

501 

Os meus olhos que virom mha senhor 
c'o seu muy fremoso parecer 
mãos seram agora d'afazer 
longi, de lá nas terras hu cu for 



96 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e cataram contra bu jaz 

a terra (Testa dona, que os faz 

sempre chorar e o sono perder. 

E muyto fezerara assi melhor, 
e a mi, se a nom foss'eu veer. 

MARTIN MOXA 

502 

En muyto andando cheguey a logar 
hu lealdade, nem manha, nem sen, 
nein crerezia nom vejo preçar, 
nem pod'om' i de senhor gram rem 
senom loar quanto lh'y vir fazer 
e 1'encimar, e rem nom lhi dizer 
pêro lhi veja o sal semear. 

E quem ally com'eu cheguey chegar 
se mentir, e nem te ver mal por bem, 
quitar-s'ha em com'eu vi mim quitar 
mais nom con^end^u vi quitar alguém, 
nem quem, nem como, nom quero dizer; 
e vi alhur quem mentirei seer 
nom quer, nem pode, nem bom prez leixar. 

Mentr'aly foy tal somno ouve a sonhar 
muytas vezes, e no sonho vi quem 
vi a Bubela a Çerzeta filhar 
e a Bubela eslá que tem 
ca Çerzeta, e que quero dizer 
ou como a pode Bubela prender 
em este sonho que nom pode soltar. 

503 

Maestr' Açenso dereyto faria 
cl-rey de vos dar muy boa soldada, 
porque fedestes hua cavalgada 
sem seu mandad'a Roda n 'outro dia, 
sem sa ajuda et sem seu dinheiro, 
fostes alá matar um cavalleyro 
porque soubestes que o deservia. 

E se ell-rey fosse bem conselhado 
maestr' Açenço d'aqueles dinheiros 
que lh'o demo leva nos cavalleyros 
partil-Jos hya vosco per meu grado, 
ca nom foy tal que a Ronda encontrasse 
que cavalleiro da villa matasse 
se nom vós que hyades desarmado. 

E do serviço que lh'avedes feito 
macstfAçenço, nom vos enfadedes, 
tornada lá, bem barataredes 
et matad'outro quand^uverdes geyto, 
ca se ell-rey sabe vossa demanda 
et ouver paz doeste enxeco em que anda 
arcediagoo sodes logo feyto. 

E diss'ellrey, n'outro dia estando 
hu lh'y falarom em vossa fazenda, 
que vos quer dar ar dom em encomraenda, 
porque dizem que sodes de seu bando: 
mays se hy jouv'algum homem fraco 



dos vossos poons levad'um gram saco 
e hyr sMh'ha o castello livrando. 

504 

De Martim Moxa porfaçam as gentes 
e dizemlhe por mal que he casado, 
nom lh'o dizem senom os maldizentes 
ca o vej'eu assas hom'ordynhado, 
e muy gram capa de coro trager, 
e os que lhe mal buscam por foder 
nom lhe vaam jejuar o seu pecado. 

E porfaça d'el a gente sandia 
e non o fazem senom com mayça, 
ca o vej'eu no coro cada dia 
vestir capa et sobre peliça, 
et a eyto fala el y muy melhor 
diz, se poys foder el peccador 
nom m'a n'eles y a fazer justiça. 

PÊRO GONÇALVES DE P0RT0CARREYRO 

505 

Par deus, coytado vivo, 
poys nom vem meu amigo 
poys nom vem, que farey? 
meus cabelos com sirgo 

eu nom vos liarey. 
Poys nom vem de Castela 
nom é viv'ay mesela, 
ou m'o detém el-rey ; 
mhas toucas da Estella 

eu nom vos tragerey. 
Pêro m'eu leda semelho, 
nora me sey dar conselho, 
amigas, que farey? 
em vós, ay meu espelho, 

eu nora veerey. 
Estas doas muy belas 
el nVas deu, ay donzelas, 
nom vol-as negarey, 
mhas cintas das fivelas 

eu nom vos cingirey. 

506 

Meu amigo quando s'ya 
preguntey-o se verria? 
disse-rn'el: querrey muy cedo! 
de tardar mais ca soya 
raadr'ey m'eu muy gram medo. 

507 

O anel do meu amigo 
perdi-o ssol o verde pino, 
e chor'eu, bela ! 
O anel do meu amado 
perdi-o ssol o verde ramo, 
e chor'eu, beía! 



*", 



DOM GOMEZ GAKCIA 



97 



Perdi-o sol o verde ramo 
por en choreu dona d'algo, 
echor'eu, bela! 
Perdi-o sol o verde pino 
por en chor'eu dona virgo, 
e chorou, bela I 

508 

Ay, meu amigue meu senhor 

e lume (Testes olhos meus, 

porque nom quer agora deus 

que vós ajades tal sabor 
de viver migo, qual eu ouv'y 
de viver vosco, amigo, des que vos vy. 
E terna com gram razom, 

poys que vos eu tal amor ey, 

(Taverdes oje qual eu ey 

coyta no vosso coraçom 

de viver migo, qual eu ouv'y 
de viver vosco, amigo, des que vos vy. 
A que me aquesta coyta deu 

por vós a foy dar quem me fez 

e se m'a guise alguma vez 

que tal coyta vos veja eu 
de viver migo, qual eu ouv'y 
de viver vosco, amigo, des que vos vy. 

PÊRO GOTERRES, caralleiro 

509 

Muy tus a quem deus quiz d ar m u y bom sen 
e mui t 1 outro linhag'e gram poder, 
e mnifoutro bem polo seu placer 
de tod'esto me podem vencer bem; 
sei-m'eu aquesto, e ai sei de mi, 
ca todol-os d'este mundo eu venci 
á'amar amando a quem m'em poder tem. 

A melhor dona e de melhor sen 
e mais fremosa que deus fez nacer 
essa sei de coraçom bem querer 
mais de quantas donas quiserom bem 
nem querram já, pêro esto é assi 
aver-m'ende o que nora mereci 
gram desamor que mela per en tem. 

Pêro de a tanfamar a meu sen 
mais de quantos outros deus quis fazer, 
nem qtiantos me cuydam d'est'a vencer 
venç'-os eu querendo-lh'y gram bem, 
pêro que nunca d'el'al entendy 
se nom gram sanha des quand'a oy, 
o mal talante que contra mi tem. 

B senhor rey de Portugal aqui 
julgad'ora se eu amand'assy 
dev'a soer desamado por en. 

510 

Todos dizem que deus nunca pecou, 
mays mortalmente o vej'eu pecar, 
13 



cà lhe vej'eu muytos desemparar 
seus vassallos que muy caro comprou; 
cá os leixa morrer com grand^mor 
desemparados de bem de senhor 
e já contestes mim desemparou. 

E mayor pecado mortal nom sey 
cà o que eu vejo fazer a deus, 
cá desempara os vassallos seus 
em muy gram coyta d'amor qual eu ey; 
e o senhor, que acorrer nom quer 
a seus vassallos quando lh'é mester 
peca mortal poys é tam alto rey. 

Todo senhor, de mays rey natural, 
dev'os vassallos de morfa partir, 
e acorre-lhes cada que os vir 
estar em coyta, mays deus nom é tal 
cá os leixa com grand'amor morrer, 
e pêro pod'e nom lhes quer valer 
e assi faz gram pecado mortal. 

DOM STEVAH PEREZ FROVAM 

511 

> Senhor, se o outro mundo passar 
assy com'aqueste pass'e passey 
e com tal coyta com'aqui levey 
e levo, em o inferno ey de morar 
por vós, senhora, já nom per outra rem, 
ca por vós perco deus, e fiz esse sen 
cando vos vejo dos olhos catar. 

A tam muyfaposto que nom ousar 
ora me trabalhey de os cousir, 
e amarei log'enton a rir, 
e er filhey-me log'y a chorar, 
como homem d esem parado d'amor 
e de vós, ay fremosa, mha senhor, 
nom sey como esto pode s'endurar. 

E ja que vos no inferno faley, 
senhor fremosa, e na coyta d'aqui, 
que por vós ey, vedes quanto entendi 
e quanto d'aquesto muy bem sey, 
que alá nom poderia aver tal 
coyta qual sofro tam descommunal, 
e que nunca por vós o coydey. 

Ca vedes, mha senhor, porque vol-o-ey 
porque soedes o vosso corpo a tal 
em que nunca pode home sobir mal 
nem poder em mays, eu gram pavor ey; 
quem vol-o domandare por my 
pois eu morrer, lume d'esles meus olhos, e 
que sempre mays que my amey. 

DOM GOMEZ GARCIA, abbade de Vcladolido 

512 

A vossa mesura, senhor, 
aguardey, mal dia, por mi; 
já desmesura, deus, ali 



98 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



me faz cada dia peior; 
cá me busca comvosco mal 
e a mesura nom me vai, 
e leixa-me morrer d'amor. 

E, senhor, mal dia naceu 
quem mesura muyto aguardou 
como eu guardey e sempre achou 
desmesura que me tolheu ; 
cá onde eu cuidei aver bem 
por servir, nunca ouve eu rem, 
cá desmura me tolheu. 

A vossa mesura guardei, 
senhor, sempre mais doutra rem, 
et a desmesura por en 
me faz tal mal, que me nom sei 
com ela já conselh'aver, 
e leixa-me de amor morrer 
et da mesura bem nom hei. 

513 

Diz meu amigo que me serve bem 
e que rem nom lhe nembra senom mi, 
pêro foy-s^l n'outn> dia d'aqui 
sem meu grado; mays farey-lh'eu por en 
por quanfandou a là sem meu prazer 
que ande hum tempo sem meu bemfazer. 
El tem ora que logo s'averrá 
comigo sol que veér et me vir, 
e el querrà como me sol servir 
se m'eu quiser; mays fareWh'esto já, 
por quanfandou a là sem meu prazer 
que ande hum tempo sem meu bemfazer. 
Por que se foy e o ante nom vy 
sem rah'o dizer a cas d'el-rey morar, 
quando veér e me quiser falar 
pois que o fez eu lh'y farey assy: 
por quanfandou a là sem meu prazer 
que ande hum tempo sem meu bemfazer. 

RUV FERNANDÍZ, clérigo 

514 

Conhoscome, meu amigo, 
que sempre vos fiz pesar, 
mays se agofamigar 
quisessede-vos commigo, 

a vós eu nunca faria 

pesar, nem vol-o diria. 
Que quero quem vos d'end'al diga, 
nom lh'o queirades creer, 
ca se podess'eu sseer 
amigo com vosco, amiga, 

a vós eu nunca faria 

pesar, nem vol-o diria. 
Se eu por amig'ouvesse 
vós, a quem eu por meu mal 
fiz pezar hu nom jaz ai 
pero-me de vós vehesse, 



a vós eu nunca faria 
pesar, nem vol-o diria. 

515 

Se vos nom pesar ende, 
madr', irey hu m'atende 
meu amigo no monte! 
Irey, se deus vos valha, 
por nom meter em falha 
meu amigo no monte. 
E filhe-xi-vos doo, 
como m'atende soo 
meu amigo no monte. 

516. 

Id'é, meu amigo d'aqui, 

e nora me quis ante veer, 

e deus mi tolha parecer 

e quanto de bem ha em mi, 
se el vem e mVu nom vingar 
quand'el quiser migo falar. 
E cuyda s'el que lhi querrey 

por esto que m'el fez, melhor; 

mays logo veja o senhor 

eu ssua que nom seerey, 
se el vem e m'eu nom vingar 
quancTe] quiser migo falar. 
Que viss'eu que nom dava rem 

el por mi, nom se m'espçdiu 

quando se da terra partiu, 

mays logo me lh'eu queira bem 
se m'end'eu nom vingar 
quand'cl quiser migo falar. 
E veerâ muy bem o meu 

amigo, quanfel ora fez 

a que lhi salirà esta vez, 

ca em seu poder seja eu 
se el vem e m>u nom vingar 
quand'el quiser migo falar. 
Ca lhi nom querrey ascuytar 

nulha rem do que mel rogar 

517 

Ay madre, que muyfey 
que nom vy o meu amigo 
el falasse comigo, 
e pêro lhi fale, bem sey 

ca nom ey nenhum poder 

de o por amigo aver 

hu el falasse comigo. 
Nom vos leixedes en por mi, 
filha, que lhi nom faledes 
s'é vos en sabor que edes. 
Ay madre, nom tenho prol hi 

cá nom ey nenhum poder 

de o por amigo aver 

hu el falasse comigo. 



PEEO ANES MARINHO 



99 



Filha, pol-o desassanhar 
falaredes por meu grado 
pois lhi say demandado 
que prol ha, madr'em lhi falar 

cá nom ey nenhum poder 

de o por amigo aver 

hu el falasse comigo. 

518 

Madre, poys amor ey migo 
tal, que nom posso sofrer 
que nom veja meu amigo, 

mandade-m'ho hir veer 

se nom hirey seu mandado 

véel-o sem vosso grado. 
Gram coyla me faz ousada 
de vol-o assy dizer, 
e pois eu vivo coitada, 

mandade-nfho hir veer, 

se nom hirey seu mandado 

véel-o sem vosso grado. 
E já que por mi sabedes 
o bem que lh'eu sey querer, 
por quanto bem me queredes, 

mandade-m'ho hir veer, 

se nom hirey seu mandado 

vêel-o sem vosso grado. 

519 

Ora nom dev'empregar parecer 
nem palavra que eu aja, nem sen, 
nem cousa que em mi seja de bem, 
poys vos eu tanto nom posso dizer 
que vos queirades, amigo, partir. 

Outra senhor vos convém a buscar 
cá nunca vos eu ja mays por meu terrey, 
poys hides mays ca por mi por el-rey 
fazer, nem vos posso tanto rogar 
et vos queredes, amigo, partir. 

Nunca vos mays paredes ante mi 
se vós em alguma sazom cTalá 
com meus desejos veherdes a cà, 
poys m 1 eu tanto nom poss'assy 
ficar, que vos queyrades, amigo, partir. 

520 

« Madre, qucr'oj'eu yr veer 
meu amigo, que se quer hir 
a Sevilha el-rey sservir; 
ay madre, yr-lo-ey veer. 

m — Filha, ydc, eu vosqu'irey. 
« E faredes-me prazer 
cá nom sey quando mho verey. 

«Bem no sabe nostro senhor 
que me pesa, poys que s'ir quer, 
e vcerlo-cy se vos prouguer 
por dés, mha madre, mha senhor. 



— Filha, yde, eu vosqulrey. 
« Madre, faredes-mi amor, 

cá nom sey quando mho verey. 
« A Sevilha se vay d'aqui 
meu amigo, por fazer bem 
ir-lo-ey veer por en, 
madre se vos prouguer d'ir y. 

— Filha, ide, eu vosqu'irey. 
« Madre faredes-me bem y, 

cá nom sey quando mho verey. 

PAYO DE CANA, clérigo 

' 521 

Vedes que gram desmesura 

amig'a do meu amigo, 

nom veo falar comigo 

nem quis deus, nem mha ventura 
que foss'el aqui o dia 
que poz migo quando s'ya. 
Como eu tevera aguysado 

de fazer quanfei quizesse, 

amiga, sol que vehesse 

nom quis deus, nem meu pecado 
que foss'el aqui o dia 
que poz migo quando s 7 ya. 
E and'end'eu muy coytada 

como quer que vos ai diga, 

por que nom quis dés, amiga, 

nem mha ventura minguada 
que foss'el aqui o dia 
que poz migo quando s'ya. 

522 

Amiga, o voss'amigo 

soub'eu que nom mentiria 

poys que o jurad'avya 

que vehesse ; mais vos digo 
que ha de vós muy gram medo 
porque nora veo mays cedo. 
E rogou-m'el que vos visse 

e vos dissesse mandado 

que nom era perjurado, 

e vedes ai que mi disse : 
que ha de vós mui gram medo 
porque nom veo mays cedo. 
E rogou-vos, ay amiga, 

que boa ventura ajades 

que muy to Ih 'o gradescades, 

poys m'er roga que vos diga: 
que ha de vós muy gram medo 
por que nom veo mays cedo. 

PÊRO ANES MARINHO, 
Olho de Joham Ancs de Valadares 

523 

Boa senhor, o que me faz mister 
vosco, por certo, soube-vos mentir 



100 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



que outra dona punhei de servir 
de tal razom me vos venho ssajvar, 
cá se eu a molher oje quero bera 
se nom a vós, quero morrer por en. 
E, nobre amiga, poys vos sey amar 
de coraçom, devedes receber 
aquesta salva que venho fazer, 
e nom creades que quero profaçar ; 
cá se eu a mulher oje quero bem 
se nom a vós, quero morrer por en. 
E, meu amigo, eu vos venho rogar 
que nom creades nenhum dizedor 
e sempr'a mi, meu lume e meu amor, 
dos que me querem mal buscar, 
cá se eu a molher oje quero bem 
se nom a vós, quero morrer por en. 
Nem quer'eu dona por senhor tomar 
se nom vós, que amo e quero amar. 

Esta cantiga fez Pêro Anes Marinho, filho 
de Joham Anes de Valadares, por salvar ou- 
tra que fez Joham Ayras de Sanctiago, que 
diz assim o começo: 

« Dizen, amigo, que outra senhor 
queredes vós sem meu grado filhar — » 

(Vide n.° 594.) 

SANCHO SANCHES, clérigo 

524 

Amiga, bem sey do meu amigo 

que é mort', ou quer outra dona bem 

cá nom m'envya mandado, nem vem ; 

e quando se foy, posera migo 
que se vehesse logo a seu grado, 
se nom que m'envyasse mandado. 
A min pesou muyto quando s'ya, 

e comccey-lhi entom a preguntar: 

cuydailes muyf amig'a lá morar? 

e jurou-mi per sancta Maria 
que se vehesse logo a seu grado, 
se nom que m'envyasse mandado. 
Hu estava comigo falando 

dixi-lh'o: en que farey eu se nom vir 

ou se vosso mandado nom oyr 

ced'entom? jurou-m'el chorando : 
que se vehesse logo a seu grado, 
se nom que m'envyasse mandado. 

525 

Amiga, do meu amigo 
oy eu oje recado 
que é viv'e namorado 
d'outra dona, bem vos digo; 

mays jur'a deus que quisera 

oyr ante que morfera. 



Eu era maravilhada 
porque tam muyto tardava, 
pêro sempr'esto cuydava 
se eu d'el seja vingada, 
mays jur'a deus que quisera 
oyr ante que morfera. 
Mui coitada per vyvya 
mais ora nom sei que sseja 
de mi, pois outra deseja, 
e leixou mi que servia; 
mays jur'a deus que quisera 
oyr ante que roorfera. 
E a el mui melhor era 
ca mim, mays me prouguera. 

52tí 

Hir-vos queredes, ay meu amigo, tfaqui 
e pesa-n^end^assi me valha deus, 
e pesa-mi por estes olhos meus, 
e porque sey que viverey assy 
como vive quem ha coyta cTamor, 
e nom ha de sy netn de rem sabor. 
Des vós vos fordes ora hi ai nom ha, 
por dês, amigo; mays eu que farey, 
ca outro conselh'eu de mi nom sey 
se nom viver, em quanto vyver ja, 
como vive quem ha coyta d'amor, 
e nom ha de sy nem de rem sabor. 
Estad'amigo, tam grave m'é 
que vol-o nom saberia dizer, 
mays poys end'al já nom pode sseer, 
se viver, viverey per boa fé 
como vive quem ha coyta d'amor, 
e nom ha de sy nem de rem sabor. 

527 

Que muy gram torto mi fez, amiga, 
meu amigo quando se foy d'aqui 
a meu pezar, poys que lh'o defFendi; 
mays pêro queredes que vos diga 
se vehess'en já lh'eu perdoaria. 
Tanto mi faz gram pezar sobejo 
em s'ir d'aqui, que ouve de jurar 
mentre vivesse de lhi nom falar, 
mays porque tam muyto desejo 
se vehess'en já lh^u perdoaria. 
Bem vos dig'amiga em verdade 
que jurey de nunca lhi fazer bem 
anfel, e nom se leixou de s'yr por en ; 
mays porque ey d'el gram soydade 
se vehess'en já lh'eu perdoaria. 

• 

528 

Em outro dia em Sam Salvador 
vi meu amigo que mi gram bem quer, 
e nunca mays coytada foy molher 
do que eu lhy fui segundo meu sen 



JOHÀM AYRAS DE SANTIAGO 



101 



cuydaiuramiga, qual era melhor, 
de o matar ou de lhi fazer bem. 
El'é por mi tam coitado d'amor 
que morrerá se meu bem nom ouver, 
e viv'en aly e como quer 
que vos diga, ouv'a morrer por en 
cuydand'amiga, qual era melhor 
de o matar ou de lhi fazer bem. 
Mim é o poder que soo senhor 
de fazer d'el o que m'a mi prouguer; 
mays foy hy tam coytado, que mester 
nora me fora, poys que ouvi per ren 
cuydand'amiga, qual era o melhor 
de o matar ou de lhi fazer bem. 

529 

Muyfatendi eu bem da mha senhor 
e ela nunca me quis fazer, 
e eu nom tenho y ai se nom morrer 
poys que nrela nom vai nem seu amor; 
mays deus que sabe que est assy 
poys eu morrer demande-lh'o por mi. 
Servi-a sempre mui de coraçom 
emquanto pudi, segundo meu sen, 
e ela nunca me quiz fazer bem 
e eu nom tenho y ai se morrer nom ; 
mays deus que sabe bem que est assy, 
poys eu morrer demande-lh'o por mi. 
Servi-a sempre nom catey por ai 
des que a vi e sempr'aver cuidey 
algum bem d'ela, mays bem vej'e sey 
que morte tem hy pois me nom vai ; 
mays deus que sabe bem que est assy 
poys eu morrer demande-lh'o por mi. 

JOHAM AYRAS DE SANTIAGO 

530 

De me preguntar am sabor 
muytos, e dizera-mi por en: 
conTestou eu com mha senhor? 
e direy-vos eu que m'avem : 

se disser bem, mentir-lhis-ey, 

tam mal é que o nom direy. 
Os que me vêem preguntar 
como mi vae, querem saber 
com'eslà quem sey muyfamar? 
e eu nom sey que lhis dizer; 

se disser bem mentir-lhis-ey, 

tam mal é que o nom direy. 
Os meus amigos com quem vou 
falar, me preguntam assy 
com mha senhor com'eu estou? 
e nom sey que lhis diga hi : 

se disser bem mentir-lhis-ey, 

tam mal é que o nom direy. 
Mays poys d'ela bem nom ey 
prcguntar-m'hã e calar-mW. 



531 

Tam grave ra'é, senhor, que morrerey, 

a mui gram coyla que per boa fé 

se nom por vós, cá vos muy grav'é; 

pêro, senhor, verdade vos direy: 
se vos grav'é de vos eu bem querer 
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer. 
Tam grave m'é esta coy ta em que me tem 

o voss'amor que nom llrey de guarir 

e a vós grav'é sol de o oyr; 

pêro, senhor, direy-vos que m'avem: 
se vos grav'é de vos eu bem querer 
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer. 
Mui grave m 7 é que nom atendo já 

de vós, senhor, morfou myy gram pesar 

e grav'é a vós de vos coitar; 

pêro, senhor, direy- vo^ quanfi ha, 
se vos grav'é de vos eu bem querer 
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer. 

532 

Dizem, senhor, que nom ey eu poder 
de veer bem, e por vos nom mentir 
gram verdad'é quand'eu alhur guarir 
eu sem vós, que nom posso bem aver; 
mays, mha senhor, direy-vos unha rem 
poys eu vos vejo, muyto vejo bem. 
Travam em mi e em meu conhocer 
e dizem que nom vejo bem, senhor, 
e verdad'é seend'eu sabedor, 
ou eu alhur sem vós ey de viver: 
mays, mha senhor, direy-vos unha rem 
poys eu vos vejo, muito vejo bera. 
D'aver bem nom me quero eu creer, 
e mha senhor, quero-vos dizer ai, 
vejo muy pouco, e sey que vejo mal 
hu nom vejo vosso bom parecer; 
mays, mha senhor, direy-vos unha rem 
poys eu vos vejo, muito vejo bem. 

533 

Com coytas d'amor, se deus mi perdon' 
trobo, e dizem que meus cantares nom 
valem rem porque tam muytos som, 

mays muy tas coytas nThos fazem fazer; 

e tantas coytas quantas de sofrer 

ey, non as posso em hum cantar dizer. 
Muytas ey, et cuydatle se mi sal 
e faço muyto cantares, e mal 
que pêro coitasse, dizem-mi vai ; 

mays muytas coitas mh'os fazem fazer; 

e tantas coytas quantas de sofrer 

ey, non as posso em hum cantar dizer. 
E muytos cantares tenho que bem 
posso dizer rahas coitas e por en 
e dizem-m'ora que faço hy mal sen ; 

mays muytas coitas mh'os fazem fazer 



102 



CANCIONEIRO PORTIIGUEZ DA VATICANA 



e tantas coitas quantas de sofrer 
ey, nom as posso em um cantar dizer. 
Cá se cuydar hi já mentre vyver 
bem cuido que as-nom possa dizer. 

534 

Vy eu donas, senhor* em cas d'el-rey 
fremosas e que pareciam bem, 
e vi donzelas muytas hu andey, 
e, mha senhor, direy-vos unha rem: 

a mays fremosa de quantas eu vi 

long'estava de parecer assy, 

Como vós; eu muytas vezes provey 
se amaria de tal parecer 
algua dona, senhor, hu andey 
e, mha senhor, quix-vol-al dizer: 

a mays fremosa de quantas eu vi 

lon^estava de parecer assy 

Como vós ; e mha senhor perguntey 
por donas"muytas que oy loar, 
de parecer nas terras bu andey, 
e, mha senhor, poys m^as foy mostrar, 

a mays fremosa de quantas eu vi 

long'cstava de parecer assy. 

535 

Nom vi molher des que naci 
tam muyto guardada come 
a mha senhor, per boa fé, 
mays pêro a guardam assy, 

quantos dias no mundo som 

ala vay o meu coraçom. 
E de sa madre sey húa rem 
que a manda muyto guardar 
de mi e d'outrem a lã entrar, 
mays pêro a guarda muy bem, 

quantos dias no mundo som 

alá vay o meu coraçom. 
Do que a guard'ar sey eu já, 
que lhis nom pod'ome alá hir, 
mays direy-vos, per nom mentir, 
pêro muy guardada está, 

quantos dias no mundo som 

a lá vay o meu coraçom. 
E pesa mi a mim porque nom 
posso bir bu vay meu coraçom. 

536 

Andey, senhor, Leom e Castella 
depoys que m'eu d'esta terra quitey, 
e nom foy hi dona nem donzella 
que eu nom vysse, mays vos eu direy : 
quantas mays donas, senhor, alá vi 
tanto vos eu muy mais precey desy. 
Quantas donas cu vi des quando 
me foy d'aqui, punhei de as cousyr, 
e poyl-as vi. estive cuydando 



em vós, senhor, e por vos nom mentir 
quantas mays donas, senhor, a la vi 
tanto vos eu muy mays precey desi. 
E as que a lá mayor prez aviam 

em todo bem todalas fuy veer 

e cousi-as, e bem pareciam, 

pero> senhor, quero-vos ai dizer : 
quantas mays donas, senhor, a lá vi, 
tanto vos eu muy mais precey desi. 

537 

Pêro tal coyta ey d'amor 

que mayor nom pod^n^aver, 

nom moyro, nem ey eu sabor, 

nem morrerey a meu poder, 
porque sempre alend^ver bem 
da dona que quero grara bem. 
E os que muy coytados som 

d'amor, desejam a morrer, 

mays eu assy, deus mi perdon', 

queria grara sazom viver, 
porque sempre atendo d'aver bem 
da dona que quero gram bem. 
Mal sen é por desasperar 

home de mui gram bem aver 

de sa senhor que lhi deus dar 

pode; nom o quer'eu fazer 
porque sempre atendo aver bem 

- da dona que quero gram bem. 
E quem deseja morte aver 

per coyta damor nom faz sen 

nen o tcnh'eu por de bom sen. 

538 

Ouço dizer dos que nom am amor 
que também podem jurar que o am 
anfas donas, como mim ou melhor, 
mays pêro jurem nom lh'o creeràm, 
ca nunca pode mentir ai tam bem 
jurar como o que verdade tem. 
Bem jura que a sabem amar 
senom que nom ajam d'elas prazer, 
mays que lhis vai de assy jurar, 
pêro o jurem nom lho querram creer, 
ca nunca pode mentir ai tam bem 
jurar como o que verdade tem. 

539 

Maravylho-nfeu sy deus mi dé bem 
senhor, por quanto vos vejo rogar 
nostro senhor, e vym-vos perguntar 
que mi digades por deus hunha rem: 
em que vos podia nostro senhor 
fazer mays bem do que vos fez, senhor? 
Fez-vos bera falar e bera parecer 
e cumprida de bem, per boa fé, 
e rogades deus, nom sey por que é ; 



JOHÀM AYRAS DE SANTIAGO 



103 



c, mha senhor, quer de vós saber 
em que vos podia nostro senhor 
fazer mays bem do que vos fez, senhor? 
Ca vos fez mansa e de mui bom preá 
e já. em vós mays bem nom poderá 
aver; poys porque o rogades jà 
ca poys que vos e) tam muyto bem fez, 
em que vos podia nostro senhor 
fazer mays hem do que vos fez, senhor? 
Eu cativo, muy coytado d*amor, 
avya que rogar nostro senhor 
quem fez sempre viver sem sabor 
e sem vosso bem fazer, mha senhor, 

540 

Senhor fremosa, ey-vol grand^roor, 

e os que sabem que vos quero bem 

teem que vos pesa mays cToutra rem, 

e eu tenho, fremosa mha senhor, 
muy guisado de vos fazer pesar 
se vos pesa de vos eu muyf amar. 
Cá já vos sempr'averey de querer 

bem, e estas gentes que aqui som 

teem que vos pesa de coraçora, 

et eu tenho já em quanto viver 
muy guisado de vos fazer pesar 
se vos pesa de vos eu muyfamar. 
Ca, mha senhor, sempre vos bem querey 

e aquestas gentes que som aqui 

teem que faço grani pesar hi, 

e tenh'ora e sempre teerey 
mui guisado de vos fazer pesar 
se vos pesa de vos eu muyfamar. 
Ca vos nom posso, senhor, desamar 

nem posso amor que me força, forçar. 

541 

Desejou bem aver de mha senhor, 
mays nom desejo aver bem d*ela tal 
por seer meu bem que seja seu mal; 
e por aquesto, par nostro senhor, 
nom queria que mi fezesse bem 
em que perdesse do seu nulha rem, 
ca nom é meu bem o que seu mal for. 

Ante cuyd'eu, que o que seu mal he 
que meu mal est, e cuydo gram razom, 
por en desejo no meu coraçom 
aver tal bem d'ela per boa fé 
em que nom perca rem de seu bom prez, 
nem lhar diga nulhome que mal fez, 
e outro bem deus d'ela nom mi dó. 

E já'eu muylos namorados vi 
que nom davam nulha rem por aver 
sas senhores, mal pois assy prazer 
faziam, e por esto digo assy : 
se eu mha senhor amo polo meu 
bem, e nom cato a nulha rem do seu 
nom amo eu mha senhor, mays amo mi. 



E mal mi venha, se a tal fuy eu 
ca des que eu no mund'andey por seu 
amey sa prol muylo mais ca de mi. 

542 

Que grave m'est ora de vos fazer, 

senhor fremosa, hum muy gram prazer 

ca me quer'ir longe de vós vyver 

e venho-vos por eslo perguntar : 
que prol ha mi fazer- vos eu prazer 
e fazer a mi, senhor, gram pesar? 
Sey que vos praz muyto, hir-m'ey d'àquem, 

ca dizedes que nom he vosso bem 

de morar perlo de vós, e poren 

quero de vós que mi digades ai: 
que prol ha min fazer eu vosso bem 
et fazer a mi, senhor, muy gram mal? 
Dizedes que m'havedes desamor 

porque moro perto de vós, senhor, 

e que morredes se m'eu nom for, 

mays dizede já que m'eu quero bir: 
que prol ha min guarir eu vós, senhor, 
e matar-mi, que moyro por guarir? 
E vós guarredes sem mi, mha senhor, 

et eu morrerey des que vos nom vyr. 

543 

Senhor fremosa de bom parecer, 
pêro que moyro querendo-vos bem, 
se vos digo que muyto mal mi vem 
por vós, nom mi queredes rem dizer T 
pêro no mundo nom sey eu molher 
que tam bem diga o que dizer quer. 
E, mha senhor fremosa, morrerey 
com tanto mal como mi faz amor 
por vós, esse vol-o digo, senhor, 
nom mi dizedes o que lhi softerey, 
pêro no mundo nom sey eu molher 
que tam bem diga o que dizer quer. 
Estas coytas grandes que sofri 
por vos ter, a vós venho queixar, 
como se nom soubessedes falar 
nom mi dizedes o que faça hi, 
pêro no mundo nom sey eu raollíer 
que tam bem diga o que dizer quer. 
E poys nom falha quem bem diz que quer, 
como falará bem quem nom souber. 

544 

Que de bem mhora podia fazer 
deus, se quizesse, nom lhi custa rem, 
contar-m'os dias que nom passey bem 
e dar-m'oulros tantos a meu prazer 
com mha senhor, ca se deus mi perdon' 
os dias que vyVonfa seu prazer 
dev'a contar que vyv' e outros nom. 
E mha vyda nom na devo chamar 



104 



CANCIONEIRO POETUGUEZ DA VATICANA 



vyda, mays morte a que eu hi passey 
sem mira senhor, ca nunca led'andey 
e nom foy vyda, mays foy gram pezar; 
porem sabem quanlos no mundo som 
os dias que viv'omem sen pesar 
dev'a contar que vyv' e outros nom. 
E os dias que me sem mha senhor 
dês fez viver, passé-os eu Iam mal 
que nunca vi prazer de mi nem d'al, 
e esta vyda foy tam sem sabor, 
e quem-n'a julgar quiser com razom, 
os dias que vyv'om' a seu sabor 
dev'a contar que viv'e outros nom. 

545 

Nom quera deus em conto receber 
os dias que vyvo sem mha senhor, 
porque os vyvo muy sem meu sabor; 
mayl os que m'el fez viver 
hu a vejaf e lhi possa falar 
esses Ihy quer'eu em conto filhar, 
cá nom é vida viver sem prazer. 
E se m'el fez algua sazom 
viver com ela quanton^aprougucr, 
esses dias mi confel se quiser 
que eu com ela viv' e mays nom 
de mha vyda, mays nem vos contarey 
dos dias que a meu pesar passey 
cá nom foy vida, mays foy perdiçom. 
Cá nom he vyda vyver hom'assy 
com'pj'eu vyvo hu mha senhor nom he, 
c'a par de morte m'é per boa fé, 
e se mi descontar quanto vevi 
nom confos dias que nom passey bem, 
mays el que os dias em poder tem 
dê-m'outros tantos por quanto perdi. 
Ca el dias nunca minguaram 
e eu serey bem andanfe seram 
cobrado-los meus dias que perdi. 

546 

A mha senhor, que me tem em poder 
e que eu sey mays d 'outra rem amar 
sempr'eu farey quanto-m'ela mandar 
a meu grado que eu possa fazer ; 
mays nom lhi posso fazer unha rem 
quando mi diz que lhi nom quera bem, 
cá o nom posso comigo poer. 

Ca se eu migo podesse poer 
se dés mi valha, de a nom amar 
ela nom avya que mi rogar 
ca eu rogadora de o fazer; 
mays nom posso querer mal a quem 
nostro senhor quiz dar tam muyto bem 
como lh'el deu e tam bom parecer. 

Sa bondad'e seu bom parecer 
mi faz a mi mha senhor tanfamar 
e seu bom prez e seu muy bom falar, 



que nom poss'eu per ren hy ai fazer; 
mays ponha ela comsigo huã rem 
de nunca já mays mi parecer bem 
porey migu'eu de lhi bem nom querer. 

547 

A por qilem perco o dormir 

e que do muy namorado 

vejo-a d'aqui partir 

e flqu'eu desemparado 

a muy gram pezar se vay, 

a que x'en tem sua mua baya 
vestida d'um prés de Cambray, 
deus, que bem lh'está manto e saya ! 
A morrer ou\ r, y por en 

tanto'-a vy bem talhada 

que parecia muy bem 

em sua sela dourada 

as sueyras som d'en say 

e os arções de faya 
vestida de úm prés de Cambray, 
deus, que bem lh'está manto e sayal 
Se a podess'eu Olhar 

tevera m'ende por bem andante, 

en os braços a levar 

na coma do rocim deante 

por caminho de Sampay 

passar Minh' e Doir' e Gaya; 
vestida de um prés de Cambray, 
deus, que bem lh'està manto e saya! 
Se a podess' alongar 

quatro léguas de Crecente 

e nos braços la filhar 

aperlal-a fortemente ; 

nom lhi valrria dizer ay, 

nem chamar deus, nem sancta Ovaya; 
vestida de um prés de Cambray, 
deus, que ben lh'està manto e saya ! 

548 

Ouv'agora de mha prol gram sabor, 
mha senhor, e conselhou-meporen, 
que me partisse de lhi querer bem; 
e dixi-lh'eu: Fremosa mha senhor, 
muy bem me conselhades vós, mays nom 
poss'eu migo, nem com meu coraçom, 

que somos ambos em poder d'amor. 
E disse-m'ela: Por nostro senhor 
quitade-vos, amigo, de mal sen 
e nom amedes quem vos nom quer bem; 
e dixi-lh'eu : Per boa fé, senhor, 
se eu podesse comigo poer 
bem vos podia tod'esso fazer, 
mays nom posso migo nem com maior 

que somos ambos em poder d'amor. 
E disse-m'ela: Tenh'eu por melhor 
de vos herdes, ca prol nom vos tem 



JOHAM AYBÀS DE SANTIAGO 



105 



d amardes mim, poys mi nom é em bem ; 
e dixi-lh'eu : Per boa fé senhor, 
se eu podess'o que nom poderey 
poder comigu' e com amor bem sey 
que vos faria de gram desamor. 

549 • 

Algum bem mi deve cecVa fazer 
deus, e farà-m'o quando lh'aprouguer, 
serapr'ando led\ e quem mi falar quer 
em pesar nom lh'o posso padecer, 
mays fuj'ant'el e nom lh'o quer'oyr; 
desyar-ey gram sabor de guarir 
com quem sey que quer falar em prazer. 

Ca todus andam cuydando em aver, 
e outra rem nom queren cuydar já 
e morrem ced'e Dca tod'a cá; 
mays esto migo nom pode poer 
que trob'e canto e cuydo sempren bem, 
e tenho amig'a que faz muy bom sen 
quem pod'o tempo passar em prazer. 

Nostro senhor, que a muy gram poder 
é sempre ledo no seu coraçom 
e som muy ledos quantos com el som, 
poren faz mal, quanfé meu conhocer 
o que trisfé, que sempre cuyda mal 
ca hum pobre ledo mal tanto vai 
ca rico triste em que nom ha prazer. 

550 

Todal-as cousas eu vejo partir 
do mund'em como soyam seer, 
e vej'as gentes partir de fazer 
bem que soyam, tal tempo vos vem ; 
mays nom se pod' o coraçom partir 

do meu amigo de mi querer bem. 
Pêro que home perc'o coraçom 
das cousas que ama per boa fé, 
e parte-s^ome da terra onde 
e parte-s'home d'u gram prol tem, 
nom se pode partil-o coraçom 

do meu amigo de mi querer bem. 
Todal-as cousas cu vejo mudar, 
mudam-s' os tempos e muda-s'o ai, 
muda-se a genle em fazer bem ou mal, 
mudam-se os ventos et lodoutra rem ; 

mays nom se podo coraçom mudar 

do meu amigo de mi querer bem. 

551 

Dizem-m'a mi quantos amigos ey 
que nunca perderey coyta d'araor 
se m'eu nom alongar da mha senhor; 
e digo-lhis eu como vos direy, 
par deus setnpr'eu alongado vevi 
(Tela e do seu bem, e non o perdi 
Coyta damor; pêro dizem que bem 



farey em mha fazenda de vy ver 
longi (rela que mi nom quer valer; 
mays de tal guisa lbis digu'eu por en: 
par deus sempr'eu alongado vevi, 
(Tela e do seu bem, e non o perdi 
Coyta d'amor; pêro dizem que nom 
poss'eu vyver se me nom alongar 
de tal senhor que se nom quer nembrar 
de mi, mays dígo-lhis eu logu'entom: 
par deus sempr'eu alongado vevi 
d'ela e do seu bem, e nom o perdi 
Coyta d'amor; nem alhur, nem aly' 
nom lhi guarrey, ca muytolhyguarry. 

552 

A mha senhor que eu sey muyfamar 
punhey sempre do seu amor ganhar, 
e nom o ouvi mays a meu cuydar 
nom fuy eu hy de sen nem sabedor 

porquanto lh'eu fui amor demandar, 

cá nunca vi molher mays sem amor. 
E des que a vi sempr'a muyfamey 
e sempre lhy seu amor demandey, 
e nom no ouvi nem no averey ; 
mays se cenfanos for seu servidor 

nunca lh'eu já amor demandarey ; 

ca nunca vi molher tam sem amor. 

553 

Meu senhor.rey de Castela 
venho-me-vos querelar: 
eu amey unha donzela 
por quem m'ouvisles trobar ; 
e com quem se foy casar, 
porquanfeu d'ela bem dixi, 
quer-m'ora por én matar. 

Fidór pêra direito, 
bi quix perante vós dar, 
el ouve de mi despeyto 
e mandou-me desafiar ; 
nom m'ouseu a lá morar, 
venh'a vós que m'emparedes 
cá nom ei quem m'emparar, 

Senhor, por sancta Maria 
mandad'ante vós chamar 
ela e mi algum dia, 
mandade-nos razoar; 
se s'ela de mi queixar 
de nulha rem que dissesse 
em sa prison quer'entrar. 

Se mi justiça nom vai 
ante rey tam justiceiro 
hirm'ey ao de Portugal. 

554 

Pelo souto de Crexente 
hua pastor vi andar 



106 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



muyf alongada de gente 
alçando a voz a cantar, 
apertando-se na ssaya 
quando saya la faia 
do sol nas ribas do mar. 

E as aves que voavam 
quando saía 1'alvor 
todas demores cantavam 
pelos ramos d'arredor, 
mays nom sey tal qu' eslevesse 
que em ai cuydar podesse 
se nem todo em amor. 

Aly estivi eu muy quedo, 
* quis falar e nom ousey, 
eu pêro dixi a gram medo : 
— Mha senhor, falar- vos-ey 
hu pouco se m'ascuytardes 
e ir-m'cy quando mandardes 
mais aqui nom estarey. 

«Senhor, por sancta Maria 
nom estedes mais aqui, 
mais ide- vos vossa via 
faredes mesura ay ; 
ca os que aqui chegarem 
poys que vos aqui acharem 
bem diram que mays ouv'hy. 

AFF0NS0 EANES DO C0T0H 

555 

As mhas jornadas vedes quaes som, 
meus amigos, meted'i fcmença 
de Castr'* Burgos, e end'a Palença 
e de Palença sayr-mha Carryon ♦ 

e end'a Castro, e deus mi de conselho, 
ca vedes, pêro vos ledo semelho, 
muyfanda triste o meu coraçom. 

E a dona que nrassy faz andar 
casada, ou vyov'ou solteyra 
ou coneg'ou monja ou freyra, 
e ar se guarde quem ss'ha por guardar ; 
cá mha fazenda vos digo eu sem falha 
e rogades quem m'ajud'e mi valha, 
e nunca valha quem mi mal buscar. 

E nom vos ous'eu d'ela mays dizer. . 



PÊRO DA PONTE et AFF0NSS'EANES, 
fezerom esta tenzom 

556 

Pêro da Ponte, hum vosso cantar 
que vos ogano fezestes d'amor, 
foste-vos hy escudeyro chamar, 
et dized'ora tanfay trobador, 
poys vos escudeyro chamastes hy 
porque vos queixades ora de mi 
por meus panos que vos nom quero dar? 



Afons'eanes, se vos eu pesar 
tornade-vos a vosso Dador 
et de m'eu hy escudeyro chamar, 
et porque nom pois escudeyro for 
et se peç'algo, vedes quanfha hy, 
nom podemos todos guarir assy 
como vós que guarides por lidar. 

Pêro da Ponte, quem a mi veher 
d'esta razora ou doutra cometer, 
querrey-vo-lh'eu responder se souber 
como trobador deve responder : 
em nossa terra, se deus me perdon' 
a todo o escudeyro que pede dom 
as mais das gentes lhe chamam segler. 

Afons'eanes, este é meu mester, 
et per esto devo eu a guarecer 
et per servir donas quanto poder; 
mays huã rem vos quero dizer, 
em pedir algo nom digu'eu de nom 
a quem entendo que faço rraçom 
c a lá lide quem lidar souber. 

Pêro da Ponte, se d<5s vos perdon' 
nom faledes mays em armas, ca nom 
nom está bem, esto sabe quem quer. 

Afons'eanes, fllharey eu dom 
verdade vos ay cor de leom, 
e faça poys cada quem seu mester. 

557 

A quantos sabem trobar, 
quero eu que vejam o enfadamento, 
dar trobas feitas, e por deus sento 
quem cantou s'a nom pod^mprestar. 

AVRAS EN6EVTAD0 

558 

O gram dereyto laçerey 
que nunca home vyu mayor 
hu me de mha senhor quitey ; 

e que queria eu melhor 

de seer seu vassalo e ela mha senhor ? 
E sempre per foi terrey 
o que deseja bem mayor 
daquele que eu recehey 
a guisa flze de pastor ; 

e que queria eu melhor 

de seer seu vassalo e ela mha senhor? 
E quantas outras donas sey 
a sa beldad^sfa mayor 
d'aquela que desejar ey 
nos dias que vyvo for; 

e que queria eu melhor 

de seer seu vassalo e ela mha senhor? 

559 

A rem que inha mi mays valer 
devya contra mha senhor 



FERNAM PADROM 



107 



e ss'a mi faz a mi peyor 
serviç'é muy gram bera querer 
e muy grancToraildade 
nom me vos pod'al apoer 
que seja com verdade 
nem ar, e d'al dcspagada. 

Nunca lh'outro pesar busquey 
se nom que Ihi quero gram bem, 
e por esto em coita me lem 
tal que conselho me nom sey ; 
se lh'eu mal merezesse 
o que lhi nom merezerey 
hu eu pou^o valesse 
nom mi daria nada. 

Quando-nr agora rera nom dà 
que lhi nom sey merezer mal 
o meu serviç'e nom mi vai 
cuyd'eu, nunca mi bem fará; 
mays diga a seu marido 
que a nom guarde de mi já 
ca será hi falido 
se m'ha lever guardada. 

Torto fará se m'ha guardar 
ca nom vou eu hu ela é, 
e juro-vos per bona fé 
des que m'ela fez tornar, 
nunca foy aquel dia 
que a eu vysse, ca pesar 
grande lh'y crezeria, 
nem vi a ssa malada 

Que com ela sol bem estar, 
c meu mal lhi diria 
cá esta é ssa privada 
e sse me quisess'ajudar 
el vyra bem faria, 
de deus foss'ajudada. 

560 

Tam grave dia vos eu vi, 
senhor, tam grave foy por mi 
e por vós, que tam gram pesar 
avedes de que vos am'eu 
e poys a vós aqueste greu 
vos seria meu cuydar 
domardes mi muyto. senhor, 
eu vos nom mays nunca assy 
será já mentr'eu vivo for. 

E nom foy home aleer-s^aqui, 
cousa que eu bem entendi 
que me quisessedes desamar, 
nem vossamor nunca foy meu, 
e poil-o deus a mi nom deu, 
nem vós, nom me pod'outrem dar 
nem ouve nunca, senhor, bem 
nem sey que resfassy movera 
mays sey que o desejey mal. 

E pêro meus dias assy 
porque vos eu sempre servi 
v servho muytc nom mi vai, 



mentr*eu poder servirey, 
mays nunca vos rem pedirey. 

561 

Nunca tam gram coyta sofri 
com'ora quandp-me quyley 
de mha senhor e m'espedi 
d'ela, nunca led'ar andey 
mays a tanto cohort'end'ey 
sey bem ca lhi pesou de mi. 

Quando m'eu vim e m'espedi 
d'ela porque a lá nom fiquey 
coita-nfora por end'assy 
que sol conselho nom me sey 
se nom quanto vos eu direy, 
morrer ou tornar hu a vi. 

Bem parecer, que nunca assy 
outra dona vi nem verey 
nem cobrarey o que perdi, 
se a nom vyr nom viverey, 
mais agora eu me matey 
porque d'u ela he sey. 

Outra vez quando-me d'aqui 
fui, e os seus olhos calei 
sol nenhum mal nom me senti 
e fui logo led'e cantey ; 
e se a vir logo guarrey, 
ca já por aquesto guary. 

R0DRIGD'EANES D' ALVARES 

562 

Ay amiga, tentfeu par de bom sen 
tod'omem que sa senhor gram bem 
quer, que lh'o nom entendem per nulba rem 
senom a quem no el dizer quizer; 
Rodrigu'Eanes d' Alvares e tal 
quer-me milhor ca quis hom'a molher, 
mays nom sabem se me quer bem se mal. 

Maravilho-me como nom perdeu 
o corpo per quantas terras andou, 
por mim, ou como nom ensandeceu 
por qual vos digo que a mi chegou; 
Rodrigu'Eanes d'Alvares e tal 
des que me vyu nunca rem tanfamou, 
mays nom sabem se me quer bem se mal 

Nem vistes homem tam gram coifavv 
com'el por mi ha, assy deus me perdon', 
si em por senhor tam gram coyta sofrer 
confel sofre ha muy longa sazom; 
Rodrigu^anes d* Al vares c tal 
se nunca de mi parte o seu coraçom, 
mais nom sabem se me quer bem se mal. 

FERNAM PADKOM 

563 . • 

Se vos prouguess' amor, bem mi devya 
cousi mento contra vos a valer 



108 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



que mig'avedes filhada perfia 
tal que nom sey como possa vyver 
sem vós, que me teedes em poder 
e nom me leixades noyle nem dya. 

Por esto faz mal sen quem s'en vós fia 
com'eu, ond'ouvera a morrer 
por voss'amor en que m'eu atrevia 
muyf e cuydava com vosco a veer 
a que mi vós fezestes bem querer 
e filhastes-m'u vos mester avya. 

E por aquesto gram bem seria 
se eu per vós podesse bem aver 
da mha senhor ond'eu bem averia 
sol que vos end'ouvessedcs prazer; 
mays, vós amor, nom queredes fazer 
nulha rem de quanfeu poj bem terria. 

E de bom grado jà m'en parteria 
de voss^amor se ouvess'eu lezer, 
mays acho-vos comigo toda vya 
cada hu vou por me vos asconder; 
e poys sem vós nom posso guarecer 
se me matassedes jà prazer via. 

564 

NuWome nom pode saber 
mha fazenda per nenhum sem 
ca nom ous'eu per rem dizer 
a quem m'em grave coyta tem ; 
e nom me sey conselho dar, 
ca a mha coyta nom ha par 
que mi faz seu amor sofrer. 

Con tal senhor fuy eu prender 
o que nom ouso dizer rem, 
de quanto mal mi faz aver 
que mi sempre por ela vem, 
e mal, per foy de mi pensar 
amor que me seu fez tornar 
e por ela cuyd'a morrer. 

E nunca meus olhos vera 
com que folgue meu coraçom, 
menl^esteverem como estam 
alongados d'ela, e nom 
forem hu a vejam, bem sey 
que nunca lhi rem mostrarey 
que lhis poss'aprazer de pram. 

E bem sey ca nom dormiram 
mentr'assy for, m'é razom 
nem eu nom perderey afifam 
mal peccado nulha sazom, 
mays se eu nom morrer hirey 
çed'u lh'y mha coita direy 
e per ela me mataram. 

565 

Os meus olhos que mha senhor 
forom veer a seu pesar, 
mal per forom dessy pensar 
que nom poderiam peor, 



poys ora em logar estam • 
que a veer nom poderàm. 
Sey ca nom poderàm dormir 
que virom o bom semelhar 
dos que os faz por ssy chorar 
e avel-o an a sentir; 
poys ora em logar estam 
que a veer nom poderàm. 
Quanlo prazer viron enlom 
semelha que foy por seu mal, 
ca se lhis deus agora nom vai 
nom jaz hi se morle nom, 
poys ora em logar estam 
que a veer nom poderàm. 
Quando a virom gram prazer 
ouv^end^ meu coraçom, 
mays dercy-vos huã rrazom : 
nom lhe devya gradecer, 
poys ora em logar estam 
que a veer nom poderàm. 

PÊRO DA POME 

566 

Tam muyto vos am' eu, senhor, 
que nunca tanfamou senhor 
home que fosse nado ; 
pêro des que fui nado 
nom pud'aver de vós, senhor, 
porque dissess' — ay mha senhor, 
em bom ponfeu fui nado ; 
mays quem de vós fosse senhor 
bom dia fora nado. 

E o dia que vos vi, 
senhor, em tal ora vos vi 
que nunca dormi nada, 
nem desejei ai nada 
senom vosso bem, poys vos vi 
e diga-mi porque vos vi 
pois que mi nom vai nada; 
mal dia nad'eu, que vos vi, 
e vós bom dia nada. 

Que se vos eu nom viss^ntom 
quando vos vi, poderá entom 
seer d^flam guardado, 
mais ai nunca foy guardado, 
da mui gram coyta des entom, 
e atende-m^el entom 
que aquel é guardado 
que desguareja, que des entem 
é tod'ome guardado. 

567 

Se eu podesse desamar 
a quem me sempre desamou, 
e podess'algum mal buscar 
a quem mi sempre mal buscou, 
assy me vingaria eu 



PÊRO DA PONTE 



109 



se cu podesse coyta dar 

a quem a mi sempre coyta deu. 
Mays sol nom posso eu enganar 
meu corapom quem mVnganou 
por quanto mi faz desejar 
a quem me nunca desejou, 
e por esto nem dorm'eu 

porque nom posseu coita dar 

a quem a mi sempre coyta deu. 
Mays rog'a deus que desempar' 
a quem m'assy desenparou, 
ou que podess'eu estorvar 
a quem me sempre destorvou, 
e logo dormiria eu 

se eu podesse coyta dar 

à que a mi sempre coyta deu. 
A el que ousass'eu preguntar 
a quem me nunca perguntou 
porque me fez em sy cuydar 
poys ela nunca em mi cuydou, 
e por esto lazero eu 

porque nom poss'eu coyta dar 

à que mi sempre coyta deu. 

568 

Agora me parfeu mui sem meu grado 
de quanto bem oj'eu no mund ? avya, 
c'assy quer deus e mau meu pecado; 
ay eu, de mays, se mi nom vai saneia Maria, 
d'aver coyta muyto lenh'eu guysado ; 
mays rog' a deus que mays d'oj'este dia 
nom vyva eu se m'el nom dá conselho. 

Nora vyva eu se m'el hi nom dá conselho 
nem vyverey, nem é cousa guisada 
ca poys nom vyr meu lume e meu espelho, 
ay eu ja por mha vida nom daria nada ; 
mha senhor, e digo-vos em concelho 
que ss'eu moir'assy d'esta vegada 
que a vol-o demande meu linhage. 

Que a vol-o demande meu linhage, 
senhor fremosa, ca vós me matades 
poys voss'amor em tal coita me trage 
ayeu,esolnomquerdeusquemhovóscreades; 
e nom mi vai hi preylo nem menage, 
e hydes-vos e mim desemparades 
desempare-vos deus a que o eu digo. 

Desempare-vos deus a que o eu digo 
ca mal per fic'oj eu desemparado, 
de mays nom ei parente nem amigo ; 
ay eu que m^aconsclire desaconselhado 
fiqu'eu sem vós e nom ar fica mifro, 
senhor, senomgram coyta e cuydado 
ay deus valeira home que damor morre. 

569 

A mha senhor que eu mays d'oulra rem 
desejey sempr'e amey e servi 
que nom soya dar nada por mi, 
preyto me trage de mi fazer bem, 



ca meu bem é d 'eu por ela morrer . 
antes que sempr'em tal coyta vyver. 
En qual coyta me seus .desejos dam 

toda sazom, mays des agora já 

por quanto mal mi faz bem mi fará 

ca morre rey e perde rey afiam, 
ca meu bem ê deu por ela morrer, 
antes que sempr'em tal coyla viver. 
Tal sazom foy que me teve em desdém 

quando me mays forçava seu amor 

e ora, mal que pes a mha senhor, 

bem mi fará e mal grad'aja eu, 
ca meu bem ó deu por ela morrer 
antes que sempr'em tal coyta viver. 

570 

Senhor do corpo delgado 
en forte ponfeu fuy nado, 
que nunca perdi coydado 
nem afam des que vos vi ; 

em forte ponfeu fui nado 

senhor, por vós e por mi. 
Con esf afiam tam longado 
em forte ponfeu fuy nado, 
que vos amo sem meu grado 
e faç ? a vós pesar hy ; 

em forte ponfeu fui nado, 

senhor, por vós e por mi. 
Ay eu, cativa coylado 
em forte ponfeu fuy nado, 
que servi sempr'cndoado 
ond'um bem nunca prendi; 

em forte ponfeu fui nado, 

senhor, por vós e por mi. 

571 

Poys de mha morlc gram sabor avedes, 
senhor fremosa, mays que d'outra rem 
nunca vos deus mostr'o que vós queredes 
poys vós queredes mha morte por en, 
rogu'eu a deus que nunca vós vejades, 
senhor fremosa, o que desejades. 
Nom vos anefeu per outras galhardias 
mays sempr^aquesto rogarey a deus 
em tal que tolha el dos vossos dias 
senhor fremosa e em nada nos meus, 
rogu'eu a deus que nunca vos vejades, 
senhor fremosa, o que desejades. 
E deus sabe que vos am'eu muyto 
e amarey em quanfeu vyvofor, 
el me leix'ante por vós trazer luyto 
ca vós por mi, por en mha senhor, 
rogu'eu a deus, que nunca vós vejades, 
senhor fremosa, o que desejades. 

572 

O muy bom rey que conquis a frontcyra 
se acabou quanto quiz acabar, 



110 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e que se fez cora razom verdadeira 

todo o mundo temer e amar, 

este bom rey de prez valenie Pis 

rey dom Fernando, bom rey que conquis 

terra de mouros bem de mar a mar. 

A quem deus mostrou tam gram maravilha 
que já no mundo sempr'am que dizer 
de quam bem soube conquerer Sevilha 
per prez, per esforç 1 e per vaier ; 
e da conquista mays vos contarey 
nom foi no mund^mperador nem rey 
que tal conquista podesse fazer. 

Nom ssey oj'ome tam bem razoado 
que podesse contar todo o bem 
de Sevilha, e por end'a deus grado, 
jà o bom rey em seu podcl-a tem; 
e mays vos digu' en todas três las leys 
quantas conquistas forom tToutros reys 
após Sevilha todo nom foy rem. 

Mayl-o bom rey que deus mantém e guya 
e quer que sempre faça o melhor, 
este conquis bem a Andaluzia 
e nom catou hi custa nem pavor; 
e dyrey-vos hu a per cqnquereu 
hu Sevilha a Mafomede tolheu, 
e erdou hi deus e sancta Maria. 

E des aquel dia que deus naceu 
nunca tam bel presente recebeu 
como dei recebeu aquel dia 
de Sam Clemenfem que se conquereu, 
e cm outro tal dia se perdeu 
quatro centus e nov' annos avya. 



573 

Nostro senhor deus, que prol vos tem ora 
por destroyrdes este mund'assy, 
que a melhor dona quo era hy 
nem ouve nunca, vossa madre fora, 
levastes ende? pensastes mui mal 
d'aqueste mundo false desleal, 
que quanto bem aqueste mundo avya 
todo Íh'o vos tolhestes en hun dia. 

Que pou^ome por ern prazer devia 
este mundo, poys vos bondad y nom vai 
contra morrer, e poys el assy tal 
seu prazer faz quem por tal mundo Da; 
cà o dia que eu tal peèar vy 
já per quanfeu doeste mund'entendi 
per foi tendeu quem por tal mundo chora 
e por mais foi quem mais ern el mora. 

Em forte ponto et em forfora 
fez deus- o mundo, poys nom leixou hy 
nenhu cõhorfe levou d'aqui 
a boa Rainha que ende fora 
dona Itoalrix, direy-vos eu qual 
nom fez deus outra melhor, nem tal, 
nem de bondade par nora ll^acharia 
home no mundo, par saneia Maria. 



574 

Que bera se soub'acompanhar 
nostro senhor esta sazom 
que filhou tam bom companhom 
do qual vos eu quero contar, 
rey dom Fernando tam de prez 
que tanto bem no mundo fez 
e que conquis de mar a mar. 

Tal companhom foy deus fllhar 
no bom rey, a quem deus perdon\ 
que ja mais nom disse de nom 
a nulh'ome per lh'algo dar, 
e que sempre fez o melhor 
por en x'o quis nostro senhor 
poer comsigo par a par. 

E quanfome en el mays falar- 
tanfachará melhor razom 
ca dos reys que forom nem som, 
no mundo per bom prez guaanhar, 
este rey foy o melhor rey 
que soub'eyxalçar a nossa ley 
e a dos mouros abaixar. 

Mays hu deus per a si levar 
quis o bom rey hi logu'enlom 
se nèmbrou de nós, poyl-o bom 
rey dom Affonso nos foy dar 
por senhor e bem vos cobrou, 
ca se nos bom senhor levou 
muy bom senhor nos foy leixar. 

E dòs bom senhor nos levou 
mays poys vos tam bom rey leixou 
nom nos devemos aqueixar. 

Mays façamus tal oraçom 
que deus que prés morfe paixom 
o mande muyto bem reynar 
amen, alleluya. 

575 

Ora já nom poss'eu creer 
que deus ao mundo mal nom quer 
e querrá mentre Ihi fezer 
qual escarnho lhi sol fazer, 
e qual escarnho lh'ora fez ; 
leixou liri tanfome sem prez 
e foy-lh'y dom Lopo tolher. 

E oy mays bem pode dizer 
tod'ome que esto souber 
que o mundo nom a mester, 
poys que o quer deus confonder, 
ca per deus mal o confondeu 
quando lhi dom Lopo tolheu 
que osoya manteer. 

E oy mays que nom manterrâ 
por dar hi tanto rico dom 
cavaFe armas a baldon 
onde foy mays que nom dará, 
poys que dom Lopo Dias morfé 
o melhor dom Lopo, a la (Té 
que foy nem ja mays nom será. 



VAASCO RODRIGMZ DE CM.VELO 



111 



E peropoys assy é já 
façamus a tal oraçom 
que deus que prés morf e paixom 
o salve, que o em poder a; 
e deus que o pode salvar 
e se o leva a bom logar 
pelo gram poder que end'a. 

Amen, amen, aquesfamen 
ja mais noa ssi mobridará. 

576 

Que mal s^ste mundo guysou 
de nullTome per el fiar, 
nem deus nom no quys guysar 
poro o fez e o firmou, 
ante o que se destroyr 
poys que dom Telo fezerid' ir, 
que sempre bem fez e cuydou. 

Des quando nançeu e punhou 
sempr'em bondade guaanhar 
e em seu bom prez avançar 
e nunca se d'al trabalhou, 
e quem sas manhas bem cousir 
pode jurar por nom mentir 
que todalas deus acabou. 

Mays a mim ja esto leixou 
com que me posso conorlar, 
que ei gram sabor de contar 
do bem que fez menlre durou ; 
e tod'ome que mi oyr 
sempraverá que deparar 
em quanto bom prez d'el ficou. 

E a dom Telo deus x'o amou 
para si, e x'o quis levar, 
e nom se quis de nós nembrar 
que nos assy desemparou, 
e maylo fez por se riir 
d'este mal mund'e escarnyr 
que sempre com aleyv^andou. 

E quem na bem quiser oyr 
que forte palavra doyr 
dom TcTAffons^ora finou. 

577 

Poys me tanto mal fazedes, 
senhor, se mi nom valedes, 
sey ca mha morfoyredes 
a muy pouca sazom, 
senhor se me nom valedes, 
nom mi valrra se deus nom. 
Gram pecado per fazedes, 
senhor, se mi nom valedes, 
ca vós sodes e sercdes 
coita de meu coraçom, 
senhor, se me nom valedes, 
nom mi valrra se deus nom. 
Poys m'en tal poder teedes, 
senhor, se mi nom valedes, 



prasmada vos en veretles 

se moyro em vossa prijom, 
senhor se mi nom valedes, 
nom mi valrra se deus*nom. 

578 

que Valença conquereu 
por sempre mays Valença aver, 
Valença se quer manteer 
e semp^em Valença entendeu, 
e de Valença é senhor 
poys el mantém prez'el cor 
e prés Valença por valer. 

E por Valença sempre obrou 
por aver Valença de pram, 
e por Valença lhi diram 
que bem. Valença gaanhou; 
e o bom rey Valença tem, 
que poys prez e valor mantém 
rey de Valença lhi diram. 

Cá deus lhi deu esforça ssen 
por sobre Valença reinar, 
e lhi fez Valença acabar 
com quanfa Valença convém; 
el-rey que Valença conquis 
que de Valença em bem fiz, 
e per Valença quer ójj>rar. 

Rey d'Aragom, rey de bom sen, 
rey de prez, % rey de todo bem 
est o rey d'Aragom de pram. 

VAASCO R0DIUGU1Z DE GALVELO 

579 

Pouco vos nembra, mha senhor, 
quanfafam eu por vós levey 
e quanta coyta por vós ey, 
e quanto mal mi faz amor 
por vós, e nom mi creedes 
mha coyta, nem mi valedes. 
E senhor, já perdi o ssen, 
cuydand'en vós, e dormir, 
com gram coita de vos servir, 
e outro mal muyto mi vem 
por vós, e nom mi creedes 
mha coita, nem mi valedes. 
Por vós mi veo muyto mal 
des aquel dia que vos vi, 
e vos amei e vos servi 
vyvend'en gram coyta mortal. 

E desmesura fazedes 
que vos de min nom doedes. 

580 

Nom pereceu coyta do meu coraçom 
cuydando semp^em quanto mal mi vem 
por molher a que quero gram bem, 



112 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



e sey la esto, se deus mi perdorT, 
que nunca deus muy grani coyta quis dar 
se nora a quem el fez molher amar, 
Como a mim faz; que des quando uaci 

nunca vi home lai coita sofrer 

com'eu sofro por molher bem querer; 

e sey já esto que passa por mim, 
que nunca deus gram coita quiso dar 
se nom a quem el fez molher amar 
Com'el faz a min, muy coitado d'amor, 

e d'outras coitas muytas que eu ey, 

e poys eu já todalas coytas sey 

d'unha cousa soo bem sabedor; 
que nunca deus gram coita quiso dar 
se nom a quem el fez molher amar. 

581 

Se cu ousasse Mayor Oil dizer 
como lh'eu quero bem des que a vi, 
meu bem seria dizer-lh'o assy, 
mays nom lh'o digo, cá nom ey poder 
de lhi falar emquanto mal mi vem 
e quanta coyta querendo-lhi bem. 
E sse soubessem qual coita d'amor 
por ela vivo, e quanto afam eu ey 
meu bem seeria, mays nom lh'o direy 
per nulha guisa, pêro m'ei sabor 
de lhi falar emquanto mal mi vem 
e quanta coyta querendo-lhi bem. 
Como lhi eu quero bem d&coraçom 
se lh'o disser, meu bem seria já 
mays porque sey que m'ho estranhará 
sol nom lh'o digo, ca nom ey sazom 
de lhi falar emquanto mal mi vem 
e quanta coyta querendo-lhi bem. 

582 

Vivo coytado em tal coyta d*amor 
que sol nom dormem estes olhos meus, 
e rogo sempre por mha morte a deus; 
mays húa rem sey eu de mha senhor, 
nom sab'o mal que m'ela faz aver 
nem a gram coyf em que me faz viver. 
Vivo coytad'e sol nom dormo rem, 
e cuido muyf e choro com pesar, 
porque me vejo mui coylad'andar, 
mays mha senhor que sabe todo bem, 
nom sab'o mal que m'ela faz aver 
nem a gram coyfem que me faz viver. 
E meus amigos, mal dia naçi 
com tanta coita que sempre levei 
e porque mays no mundo viverey 
poys mha senhor que eu por meu mal vi ; 
nom sab'o mal que m'ela faz aver 
nem a gram coyfem que me faz viver. 

583 

Des quand'eu a mha senhor entendi 
que lhi pesava de lhi querer bem 



ou de morar hu lhi dissesse rem, 
veeífamigus, como m'em parti: 
leixcy-la terra por lhi nom fazer 
pesar, e vivo hu nom posso viver, 
Senom coytad'; e mays vos eu direy 
perimem viv'em gram coita d'amor, 
de nom fazer pesar a mha senhor 
veed'amigos, que bem m'en guardey, 
leixei-la terra por lhi nom fazer 
pesar, e vivo hu uom posso viver 
Se nom coitado no meu corapom; 
ca me guardei de lhi fazer pesar 
e, amigos, nom me soub'en guardar 
por outra rem se por aquesta nonj, 
leixei-la terra por lhi nom fazer 
pesar, e vivo hu nom posso viver. 

* 584 

Por vos veer, vim eu, senhor 
e lume d'estes olhos meus, 
e valha-mi contra vós deus 
cá o íz com coyta d'amor 

ca, senhor, nom ey em poder 

de viver mays sen vos veer. 
Aventurey-m'e vim aqui 
por vos veer e vos falar 
e, mha senhor, se vos pesar 
fazed'0 que quizerdes hi, 

ca, senhor, nom ey em poder 

de viver mays se vos veer. 

585 

Meus amigus, pese-vos de meu mal 
e da gram coyta que mi faz aver 
hunha dona que me tem em poder 
e porque moir'; e poys m'ela nom vai 

morrerey eu, amigus, por en 

ca já perdi o dormir e o sen 

Polo seu bem; e deus nora n^ho quer dar 
senom gram coita que sempre vivi 
des que vi ela que por meu mal vi; 
e poys eu tanto vyv'a meu pesar 

morrerey eu, amigos, por en, 

ca já perdi o dormir e o sen 
Polo seu bem que desej'e nom sey 
senom gram coita que m'ela deu já; 
e sse mays vyvo mays mal mi fará, 
e poys eu tanto mha fazenda sey 

morrerey eu, amigos, por en, 

ca já perdi o dormir e o sen. 
E, cuyd'eu, muyto mal mi vem 
porque quer'a mui boa senhor bem. 

586 

Porque nom ous'a mha senhor dizer 
a mui gram coyta do meu coraçom 
que ei por ela, se deus mi perdon' 
ved'a coyfem que ey a viver: 



RUY MAKTINS 



113 



ond'cu atendo bem mi vem gram mal, 
e quem me dev'a valer nom mi vai. 
Nom mi vai ela que eu sempre amey 

nem seu amor que m'em forcado tem, 

que mi tolheu o dormir e o sen; 

ora veed'a coyta que eii ey, 

ond'eu atendo bem mi vem gram mal, 
e quem me dev'a valer nom mi vai. 
Nom mi vai deus nem mi vai inha senhor, 

nem qual bem IhVu quero des que a vi, 

nem meus amigos nom mi valem hi, 

ay eu cativo em coita damor, 

ond'eu atendo bem mi vem grani mal, 
e quem me dev'a valer nora mi vai. 

587 

Coytado vyvo d'amor 
e da morfey gram pavor, 
desejando mha senhor 

a que eu muylo servi, 

a mha senhor que eu vi 

mui mui fremosa em sy. 
•Amor me tem em poder, 
e pavor ey de morrer, 
porque nom posso veer 

a que eu muylo servi, 

a mha senhor que eu vi 

mui mui fremosa em sy. 
Amor em poder me tem 
e faz-rai perder o sen, 
porque nom poss'aver bem 

da que eu muyto servi, 

a mha senhor que eu vi 

mui mui fremosa em sv. 

RUY MARTINS 

588 

Disserom-vos, fremosa mha senhor, 
que me nom mata mi o voss^amor, 
e nom o negu eu, poys cu sabedor 
faço quem quer que o queyra saber, 
cá me nom mata min o voss'amor 
mays mata-me que o nom poss^aver. 
Ca bem sey que vos disserom por mi 
que me nom inata voss'amor assy 
conTalguem cuyda, e digu'eu tanfi 
a vós que o nom posso mays, mays negar, 
ca me nom mala voss'amor assy, 
mays mata-me que mho nom quer deus dar. 
B os que cuidam que mi buscaram 
por i mal vosque dizen-o de prara 
e nom mho ncgu'eu, poilo saber am, 
desi entendo que nom poderey 
que me nom mata vossamor de pram 
mays mata me, senhor, que o nom ey. 

589 

Oy mays, amiga, quereu já falar 
com meu amigo quanto x>l quiser, 

«> 



vedes porque, ca tam gram bem mi quer 
que bem vos digu'eu quanfé semelhar, 
quanfeu sej que nom ey de cuydar: 
nom querria meu dano por saber 
que podia per hi meu bem aver. 
Falarey com el que nom nTesLará 
mal nulha rem, e mesura farev 

7 « 

de lhi falar por quanfeu d'el sey, 
que mi quer bem e ssempre mho querrá, 
que vejades o gramKamor que mh'a : 
nom querria meu dano por saber 
que podia per hi meu bem aver. 
Falarey com el poys est assy 
par deus, amiga, ca sempre punhou 
de me servir, desi nunca n^osmou 
des que m'eu fui, por quanfeu aprendi 
e mays vos direi que d'el entendi: 
nom querria meu dano por saber 
que podia per hi meu bem aver. 
E poys m'el quer como oydes dizer 
d'essa fala nom ey rem que temer. 

590 

D'unha que diz que morrerá d'amor 
o voss'amigo se vol-o veer 
nom faço, filha, mays quer'eu saber 
que pereceu hi se por vós morto for? 
Diry-vos, madr', as perdas que ha hi, 
pcrder-ss'a el e poss'eu perder 
o eorp', e vós madre, o vosso por mi. 
Ay, mha filha, entenderá quem quer 
que vós teedes por el ssa razom, 
mays dizcd'ora se deus vos perdon'; 
que pereceu hi se x'el morrer quiser. 
Direy-vos, madre, quaufeu entendi, 
perder-ss'a cl e perderey entom 
o corp\ e vós madre o vosso por mi. 

591 

Ay, madr 1 , o meu amigo morr'assy 
comfé quem morre de coylas que ha 
grandes d'amor, e nom queredes já 
que vos veja e el morre c sey 
por mi d'amor, mais eu morta serey, 

pois el morrer por mi, por el logo hy. 
E amores tantas coitas lhi dam 
por mi, madre, que nom pode guarir, 
pêro sey eu que guarrá se me vir, 
e jaz morrenÍTassy por mi d'amor; 
mays eu morrerey, madre, mha senhor 

pois el morrer por mi, por el de prara. 

592 e 593 

Esta cobra, a prestumeyra d'esta canliga 
de D. Pêro Gomes, que diz: 

« Do que sabia nulha rem nom sey.» 



114 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



DOM PEItO GOMES BARROSO 

Do que sabia nulha rem nom sey 
polo mundo que vej'assy andar, 
et quand'y cuydo, ey log'a cuydar 
per boa fé o que nunca cuydey, 
ca vej'agora o que nunca vi 
. el ouço cousas que nunca oy. 

Aqueste mundo par deus nom he tal 
qual eu vy outro non ha gram sazoin, 
et por aquesto no meu coraçom 
aquel desej'e este quero mal; 
ca vejo agora o que nunca vi 
et ouço cousas que nunca oy. 
E nom recéo mha morte poren 
et deus lo sab'e queria morrer 
ca nom vejo que aja prazer 
nem sey, amigo, de que diga bem, 
ca vejo agora o que nunca vi, 
et ouço cousas que nunca oy. 
E se me a mi deus quizesse atender, 
per boa fé hua pouca razom, 
eu posfavya no meu coraçom 
de nunca jamais nenhum bem fazer 
ca vejo agora o que nunca vy, 
et ouço cousas que nunca oy. 
E nom daria rem per vyver hy 
em este mundo mays do que vyvy. 



JOHAH AYRAS, buryura de Santiago 

594 

Dizen, amigo, que outra senhor 
queredes vós sem meu grado filhar 
por mi fazerdes com ela pesar, 
mays a la fé nom ey end'eu pavor, 
ca jâ todas sabem que sodes meu 
e nenhuma nom vos querrá por seu. 
E fariades-mi vós de coraçom 
este pesaj, mays nom sey oj'eu quem 
me vos filhasse, e já vos nom vai rem, 
ay meu amigo, vedes porque nom, 
ca já todas sabem que sodes meu 
e nenhuma nom vos querrá por seu. 
E quem vos a vós esto conselhou 
mui bem sey, ca vos conselhou mal, 
e com tod'esso já vos rem nom vai 
ay, meu amigo, tard'i vos nembrou, 
ca já todas sabem que sodes meu 
e nenhuma nom vos querrá por seu. 
Confonda deus a que filharo meu 
amigue mim se eu filhar o seu. 



595 

que soya, mha filha, morrer 
por vós, dizem que já nom morr'assy, 



e mojTeu, filha, porque o oy; 

mays se o queredes veer morrer 
dizede que morre por vós alguém 
e veredes home morrer por en. 
O que morria, mha filha, por vós 

como nunca vi morrer por molher 

home no mundo, já morrer nom quer; 

mays se queredes que moyra por vós, 
dizede que morre por vós alguém 
e veredes home morrer por en. 
O que morria, mha filha, d'amor 

por vós, nom morre, nem quer hi cuydar, 

e moy r'end'eu, mha filha, com pesar; 

mays se queredes que moyra d'amor 
dizede que morre por vós alguém 
e veredes home morrer por en. 

Ca se souber que por vós mor^alguem, 

morrerá, filha, querendo-vos bem. 

596 

Par deus, mha raadr'o que mi grambè quer 
diz que deseja comigo falar 
mays d'ouíra rem que homem pod^smar 
e hunha vez se a vós aprouguer, 

fale migo, poys end'a tal prazer, 

e saberemol-o que quer dizei'. . 
De falar migo nom pereceu bom prez, 
ca d'essa prol hi rem nom falarey 
e el dirá, e eu ascuytarey 
e ante que moyra já hua vez 

fale migo, poys end'a tal prazer, 

e' saberemol-o que quer dizer. 
Se vos prougucr venha falar aqui 
comig', ay madre, poys en sabor a, 
e direy-vos poys quanto m'el dirá; 
e hua vez, ante que moyr'assy, 

fale migo, poys end'a tal prazer, 

e saberemol-o que quer dizer. 
Quiçá quer-nTora tal cousa dizer 
que lh'a poss'eu sem meu dano fazer. 

597 

O meu amigo novas sabe já 
d'aquestas cortes que s ora faram, 
ricas e nobres dizem que seram; 
e meu amigo bem sey que fará 

hum cantar em que dirá de mi bem 

ou fará, ou já o feyto tem. 
Loar-m'ha muvto e chamar-m^ha senhor 
ca muyta gram sabor de me loar, 
a muylas donas Tara gram pesar, 
mays el fará con^é muy trobador 

hum cantar em que dirá de mi bem 

ou fará, ou já o feyto tem. 
En aquestas cortes que faz el-rey 
loará mi e meu parecer, 
è dirá quanto bem poder dizer 
de mim, amigas, e fará, bem sey 



JOHAM AYRAS 



115 



hum cantar em que dirá de mi bem 
ou fará, ou jà o feyto tem. 
Câ o virom cuydar, e sey eu bem 
que nom cuydava já em oulra rem. 

598 

Amigo, quando me levou 
mha madr*a meu pesar d'aqui 
nom soubestes novas de mi, 
e por maravilha tenho 
por nom saberdes quando vou 
nem saberdes quajido venho. 

Pêro quem vós amades, meu 
amigo, nom soubestes rem 
quando me levarom dáquêm, 
e maravilho-me ende 
por nom saberdes quando m'eu 
venho, ou quando vou d'aquêmde. 

Catey por vós quand'a partir 
mVrave d'aquy e pêro nom 
vos vi, nem vcestes cntom, 
e mui queixosa vos ando 
por nom saberdes quando-m'ir 
quedou se verrey já quando. 

E por amigo nom tenho 
o que nom sabe quando vou 
nem sabe quando me venho. 

599 . 

Ay, mha filha, por deus, guysade-vós 
que vos veja, se fustam trager 
voss'amig'e tod'a vosso poder 
veja vos bem con el estar em cós; 
cá se vos vir sey eu cá morrerá 
por vós, filha, ca mui bem vos está. 
Se vol-o fustam eslevesse mal 
nom vos mandaria hir anfos seus 
olhos, mays guisade cedo por deus 
que vos veja, nom façades end'al 
cá se vos vir sey cá morrerá 
por vós, filha, ca mui b.em vos está. 
E como quer que vos el seja 
sanhudo, poys que vol-o fustam vir 
averâ gram sabor de vos cousir, 
e guisade vós como vos veja. 

600 

O meu amigo nom pod'aver bem 
de mi, amigas, vedes porque nom; 
el nom m'ho diz, assy deus-mi perdon', 
nem lh'o digu'eu, e assy nos avem, 
el com pavor non mh'o ous'a mentar, 
eu, amiga, nom o posso roguar. 
E gram sazom a já, per boa fé, 
que el meu bem podéra aver, 
c já mays nunca m'ho ousou dizer 
e o preyto direy-vos eu con^ò; 



el com pavor nom mh'0 ous'a mentar, 
eu, amiga, nom o posso roguar. 
E gram lemp'a que lITeu entendi, 
que mh'o disserom, mays ouv'i pavor 
de mi pesar, e par nostro senhor 
prougucra-m'en desfamor assy; 
el com pavor nom mh'o ous'a mentar, 
eu, amiga, nom o posso roguar. 
E o preyto guisad'en sse chegar 
ora mays nom o quero começar. 

601 

Os que dizem que vêem bem e mal 
nas aves e d'agoirar preifam, 
quer en corvo seestro quando vam 
alhur entrar, e digo-lhis eu ai, 
que jhesu christo nom me perdon', 
se anfcu nom queria hu capom 
que hu gram corvo carnhaçal. 

E o que diz que he muy sabedor 
d'ago\TC d'avcs quand'alhur quer hir, 
quer corvo seeslro sempr'ao partir 
e pòr en digifeu a nostro seuhor, 
que el me dô cada hu chegar 
capom cevado para meu jantar, 
e dê o corvo ao agoirador. 

Ca eu bem sei as aves conhocer, ' 
e com patela gorda mais me praz 
que com bulhafre contra nem víaraz 
que me nom, pode bem, nem mal fazer; 
e o agoirador torpe que diz 
que mais vai o corvo que a perdiz 
nunca o deus leixe melhor escolher. 

602 

Meu amigo, vós morredes 
porque vos nom leixam migo 
falar, e moyr'eu amigo 
por vós e fé que devedes; 

algum consclh'y ajamos 

ante qué assy moyramos. 
Ambus morreremos sem falha 
por quanto nós nom podemos 
falar, e poys que morreremos, 
amigo, se deus vos valha, 

algum conselh'y ajamos 

ante que assy moyramos. 
De mha madr'ei gram queixume 
porque nos anda guardando, 
e morreremos hi cuydando; 
ay meu amigue meu lume, 

algum consellTy ajamos 

ante que assy moyramos. 
E porque o nom guysamos, 
poys nós tanto desejamos? 

603 

Entendeu amiga, per boa fó, 
que avedes queixumMiu ai nom a 



116 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



de voss^migo que aqui está, 

e (Vel e de vós nom sey p< rque é; 
mays quero-vos ora bem conselhar, 
fazed'i ambos q que eu mandara 
E, arnica, depram hu nom jaz ai 

este preilo deve-se de fazer, 

ca vos vejo d'el gram qucixum'avcr 

e cl de vós, e tenho que 6 mal ; 
mays quero-vos ora bem conselhar, 
fazecTi ambos o que eu mandar. 
Sanha d 'amigos, e nom será bem 

e ssey que faredes ende melhor, 

pêro vejo-vos aver desamor 

d'el, arnica, e esto vos coirvem; 
mays quero-vos ora bem conselhar, 
fazed'i ambos o que eu mandar. 

E mal Hfcn venha a quem nom outorgar 

ante vós ambos o que eu mandar. 



604 



N 



O meu amigo, que x'i nVassanliou 

c que nom queria comigo falar, 

se cuydou el que o foss>u rogar 

se lh'eu souber que o assy cuydou, 
farey que em tal coyta o lenha 
por mi amor, que rogar me venha. 
E poys que o meu amigo souber 

que ll^eslo farey, nom atenderá 

que o rogue, mays logo verrá 

el rogar a mi, e ssVmTal fezer, 
farey que em tal coyta o tenha 
por mi amor, que rogar me venha. 
Nem averá meu amigo poder 

de nulha sanha Olhar contra mi, 

mais que eu nom quiser que seja assy; 

cá se doutra guisa quiser fazer, 
farey que em tal coyta. o tenha 
por mi amor, que rogar me venha. 

605 

O vo$s'amig'a de vós gram pavor, 
ca sabYl que vos fazem entender 
que foy, amiga, de vós mal dizer; 
mays voss^migo dizend'o melhor 
que de quanto disse de vós e diz, 
vól-o julgad'assy confé senhor, 
* ca diz que nom quer y outro juiz. 

Queixades-vos d'el, mays se deus quiser 
saberedes, e pouc'a de sazom, 
que nunca disse de vós se bem nom 
nem dirá mays, diz quanfi a mester; 
que de quanto disse de vós e diz 
vól-o julgade como vos prouguer, 
ca diz que nom quer hi outro juiz. 

Rogou-nfcl muylo que vos jurass'eu, 
que nunca disse de vós se nom bem, 
non o dirá e ar diz outra rem 
e nom a mays que diga; cuydo-m'eu 



que de quanto disse de vós e diz 
vós julgad'o vossY o seu, 

ca diz que nom quer hi outro juiz. 
FilhatTo seu preyto como diz 
sobre vós, e conselho-vol-o-eu, 
e nom ponhades hi outro juiz. 

606 

«Meu amigo, quero vos preguntar. 

— Pregunlade, senhor, e a meu bem. 
«Nom vos a mester de mi rem negar. 

— Nunca vos eu, senhor, negarey rem. 
«Tantos cantares porque fazedes? 

— Senhor, ca nunca mi escaecedes. 
«Pregunlar-vos quero, per boa fé. 

— Preguntade, cá ei em gram sabor. 
«Nom mi neguedes rem, poys assy é. 

— Nunca nos rem negarey, mha senhor. 
«Tantos cantares porque fazedes? 

— Senhor, ca nunca mi escaecedes. 
«Non vos pez de qual pregunta fezer. 

— Nom, senhor, ante vol-o graçirey. 
«Nom m'ar neguedes o que vos disser. 

— Nunca vos eu, senhor, rem negarei. . 
«Tantos cantares porque fazedes? 

— Senhor, ca nunca mi escaecedes. 
«Este bem por mi o fazedes? 

— Por vós, mha senhor, que o valedes. 

« 
(507 

Par deus, amfco, nom sey eu que é* 
mays muyfa já que vos vejo partir 
de trobar por mi e de me servir, 
mays hua (restas ó per boa fé: 
ou é per mi que vos nom faço bem, 
ou é sinal de morte que vos vem. 
Mui gram tempa, e tenho que é mal, 
que vos nom oy já cantar fazer, 
nem loar-mi, nem meu bom parecer, 
mays hua d'esla$ ou nom já ai 
ou é per mi que vos nom faço bem, 
ou ó sinal de morte que vos vem. 
Já m'eu do tempo acordar nom sey 
que vos oysse fazer um cantar 
como soiades por me loar, 
mays hua destas he que vos direy: 
ou é per mi que vos nom laço bem, 
ou é sinal de morte que vos vem. 

Se é per mi que vos nom faço bem 
dizcde-m'o, e-já, que farey en. 

608 

Par deus, mha madfouvesles grã prazer 
quando se foy meu amigo d'aqui; 
e ora vem e praz em muifa mi, 
mays hunhas novas vos quero dizer: 



JOHAM ATRAS 



117 • 



se vos posar, sofrcde-o mui bem 
c'assy íip'c u quando ee foy d áquem. 
Cã fontes vós mui leda do meu mal 
quando ss'el foy, o qncrr°y-vos ou já 
mal por end', e dizem-mi que verrá 
mui cedV quero- vos eu dizer ai: 
se vos pesar, sofrede-o mui hom 
c'assy Òpeu quando se foy d^áquem. 

609 

Que mui leda que eu mhá madre vi 
quando sse foy meu amipo (1'uqui, 
e eu nunca fui leda nern dormi, 

amipa, depoys que sVl foy (ráquem; 
e ora já dizem-mi (Yc\ que vem 
e mal prad'aja mha madre por en. 
Ela foy leda poilo vyu hir 
e eu mui triste poilo vi partir 
de mi, ra nunca mais pudi dormir, 
amipa, dcjwys que s'el foy d'aquem; 
e ora já dizem- mi d'el que vem 
c mal prad'aja mha madre por en. 
De quando s'el foy d'aqui a el-rey 
foy mha madre mui lede o sey, 
eu fuy triste sempre e cliorey, 

amipa, depoys que s>l foy (ráquem; 
e ora já dizem-mi dYI que vem 
o mal prad'aja mha madre por en. 

610 

Vay ss'amipa, meu amipo (1'aqui 

triste, ca diz que nunca lia Hz hom; 

mays se o virdes ou anle vós vem, 

dizede-lhe, ca Ihi dipuYu assi: 
que se venha mui cedo, c se veer 
cedo, que será como deus quizer. 
Per boa fé nom Ihi poss'eu fazer 

bem, e vay triste no seu coraçom ; 

mays se o virdes, se deus vos perdoif 

dizede-lhe que Ihi mandVu dizer: 
que se venha mui cedo, e se veer 
cedo, que será como deus quizer. 

Queixa-s'el e diz que sempre foy meu, 

e diz que é pram tlereylo |>er boa fé, 

o nom Ihi fiz bem e tem que mal c ; 

mays dizedo-lhi vós, que Ihi dipu'eu: 
que se venha cedo, e se veer 
cedo, que será como deus quizer. 

E nom sse queixe, ca nom Ih a mester 

e filho o bem quando-Ilfo deus der. 



611 

(Jueixos'andados, amipo, (1'ainor 
o de mi que vos nom posso fazer 
bem, ca nom ey sem meu danen poder ; 
c porem puyse-nrfho no-»ro •; uhor 



que vos faça eu bom em puysa tal 
que seja vosso bem e nom meu mal. 
Queixados- vos que sempre fostes meu 
amigue vos leixo per mi morrer, 
mavs dizede-mi como vos valer 
possa sem meu danV puysal-o eu 
que vos faça eu bem em guisa tal 
que seja vosso bem e nom meu mal. 
Soo puardada como outra molher 
nom foy, amipo, nom ade seer, 
ca vos nom ous'a falar o veer 
e por em puyse-m'ho deus se quizer, 
que vos faça eu bem em íruysa tal 
que seja vosso bem e nom meu mal. 

• 

612 

A meu amipo mandad'envyey 
a Toled', amiga, per boa fé 
e muy bem creo que já com el é ; 
prepuntadY pradcer-vol-ey, 
em quantos dias poderá chepar 
aqui de Toledo quem bem andar? 
Ca do mandadovro sei eu mui bem 
que depois que lh'o mandado disser 
que se verrá mays cedo que poder; 
e, amipa, sabede vós d^ilpuem 
em quantos dias poderá chepar 
aqui de Toledo quem bom andar? 
E sempre catam estes olhos meus 
per hu eu cuydo que ade viir, 
o mandadeiro, e moyro per oyr 
novas (fel; e perpunlade por deus 
em quantos dias poderá chepar 
aqui de Toledo quem bem andar? 



■ "613 

Queredes hir, meu amipo, eu o sey 
buscar outro conselho'e nom o meu, 
porque sabedes que vos desejYu, 
queredes-vos hir morar com el-rey; 
mays hid'ora quanto quiserdes hir 
ca pois a mi avedes a viir. 
Hides-vos vós, o íic/or eu aqui 
que vos ey sempre muyta desejar, 
e vós queredes com el rey morar 
i porque cuydades mays valer per hi; 
! mays hidora quanto quiserdes hir 
ca pois a mi avedes a viir. 
Sabor avedes, ao vosso dizer, 
de me servir e, amipo, poro nom 
leixados d'ir ai rey por lai razom, 
nom podedes el rey c mim aver; 
mays hidora quanto quiserdes hir 
ca pois a mi avedes a viir. 
E, amipo, querode-lo oyr, 
nom podedes dous senhores servir 
que ambos ajam rom que vos gracir. 



118 



CANCIONEIRO PORTTGUEZ DA VATICANA 



614 

Diz meu amigo tanto bem de mi 
quanfel mays pode de meu parecer, 
e os que sabem que o diz assy 
teem que ey eu que lhi gradecer ; 

em quanfel diz nom lhi grades^eu rera 
ca mi sey eu que mi pareseo bem. 
Diz-mi fremosa, e diz-mi senhqr, 
e fremosa mi dirá quem me vyr, 
e tem que mi faz muy grand'amor 
e que cy muy lo que lhigracir; 
em quanlel diz nom lhi gradesc'eu rem 
ca mi sey eu que mi pareseo bem. 
Diz muito bem de mim em seu trobar 
com grani direyfe ai vos eu direy, 
teem beni quantos me lhoyem loar 
que ei muito que gradecerey ; 

em quanfel diz nom lhi gradesc'eu rem 
ca mi sey eu que mi pareseo bem. 
-Ca se eu nom parecesse muy bem 
de quanfel diz nom diria rem. 

615 

Ày, mha filha, de vós saber quer'eu 

porque fizestes quanlo vos mandou 

voss' amigo que vos non ar falou? 

Par deus, mha madre, direy-vol-o eu: 
cuyd^n melhor aver por hy 
e semelha-mi que nom esl assy. 

Porque o fezestes, se deus vos de bem, 

filha, quanto vos cl veom rogar, 

ca des entom nom vos ar quis falar? 

Direy-vol-eu se deus mi dê bem : 
cuyd'cn melhor aver per hi 
e semelha-mi que nom est assy. 
Porque o fizestes, se deus vos perdon', 

filha, quanto vos el veo dizer, 

ca des entom nom vos ar quis veer? 

Direy-vol-o eu, se deus mi perdon' 
cuyd'en melhor aver per hi 
e semelha-mi que nom est assy. 
Bom dia naçeu, com'eu oy, 

quem se d'outro castiga e nom de sy. 



616 

QuaníVeu fui hum dia vosco falar, 
meu amigo, figi-o eu por bem 
e enfengeste-vos de mi por en, 
mays se vos eu outra vez ar falar 
logo vós dizede ca fezestes 
comigo quanto fazer quysesles. 
Ca, meu amigo, falei eu huã vez 
com vosco por vos de morle guarir, 
e fosle-vos vós de mim enfingir, 
mays se vos eu falar outra vez 
logo vós dizede ca fezestes 
comigo quanlo fazer quysestcs. 



Ca mui bem sei eu que nom fezestes 
o meyo de quanto vóe dissestes. 

617 

Amigo, vehestes-me um dia aqui 
rogar d'um preyfe nom vos flg'eu rem 
porque cuydava que nom era bem ; 
mays poys vos já tanfaficades hi 
fazei o quer'e nom farey end'al 
mays vós guardade-mi e vós de mal. 
Vós dizedes que o que meu mal for 
nom queredes, e bem pode seer, 
pêro nom quix vosso rogo fazer 
mays poys end'avedes tam gram sabor, 
fazel-o quer'e nom farey emTal 
mays vós guardade-mi e vós de mal. 
Bem sabedes como falamos nós 
e me vós rogastes o que m'eu sei 
e nom o fiz ; mays com pavor que ey 
de perder eu amigo como vós 
fazel-o quer'e nom farey end'al 
mays vós guardade-mi e vós de mal. 
E se vós fordes amigo leal 
guardaredes vossa senhor de mal. 

618 

Nom vos sabedes amigo guardar 
de vos saberem por vosso mal sen 
como me vós sabedes muyfamar, 
nem a gram coyta que vos por mi vem; 
e quero-vos end'eu desenganar, 
se souberem que mi queredes bem 
quyte sodes de nunca mi falar. 

Per nulha rem nom me posso quitar 
de falar vosqife sempre mi temi 
de m'ho saberem, cá nTand^longar 
de vós, se o souberem des aly; 
e quero-vos end'eu desenganar, 
se souberem que mi queredes bem 
quyte sodes de nunca mi falar. 
Do que me guarda, tal é seu cuydar 
que amades, amig',oulra senhor, 
ca se a verdade poder osmar 
nunca veredes ja mays hu eu for; 
e quero-vos end'eu desenganar, 
se souberem que mi queredes bem 
quyte sodes de nunca mi falar. 
E se avedes gram coyta d'amor 
avel-a edes por min mayor, 
ca de longi mi vos faram catar. 

619 

Nom ey eu poder do meu amigo 
partir, amigas, de mi querer bem; 
e pêro m'eu queixo prol nom mi tem, 
e quando ltfeu rogo muyre digo 



JOHAM AYRAS 



119 



que se parta de mi lai bem querer, 
lanto mi vai como nom lho dizer. 
Se mi quer falar, digo-llf eu logo 
que mi nom fale, ca mi vem gram mal 
de sa fala; mays muy pouco mi vai, 
e quando IhYu digo muyfe rogo 
que se parta de min tal bem querer, 
tanto mi vai como nom liro dizer. 
Sempre mi pesa com sa apanha • 
porque ei medo de mi crecer prez 
com el, conrf outra vegada ja fez, 
e pêro lhi digu'em mui gram sanha: 
que se parla de min tal bem querer, 
tanto mi vai como nom lh'o dizer. 

620 

Mha madre, poys tal é vosso sen 
que eu quera mal a quem mi quer bem, 
e me vos roguedes muylo por en, 
dizedora, por deus que pod'e vai: 

poys eu mal quiser 

a quem mi quer bem, 

se querrey bem a quem mi quiser mal? 
Dizcdes-mi, que se eu mal quiser 
a meu amigo, que mi gram bem quer, 
que faredes sempre quanfeu quiser; 
mays venlf ora que mi digades ai : 

poys ey de querer mal 

a quem mi bem quer, 

se querrey bem a quem mi quer mal? 
Múyto mi será grave de sofrer 
d'aver a quem mi quer bem mal a querer, 
mays faço-vos huâ pregunta a tal : 

poys quem mi quer bem 

e^mal a fazer 

se querrey bem a quem mi quer mal? 
Se assy for, por mi podem dizer 
que eu fuy a que semeou o sal. 

621 

Finge meu amigo que hu nom jaz ai 
morre, ca nom pod'aver bem de mi, 
e queixa-se-me muylo e diz assy : 
que o matcu, e que fapo muy mal; 
mays onde tem el que o mato eu, 
se el morre por Hf eu nom dar o meu. 
Tem guisad , em muytas vezes morrer 
se el morrer cada que Hf eu nom der 
do meu rem, senom quando nf eu quiser; 
e diz que o maio a mal fazer, 
mays onde tem el que o mato cu, 
se el morre por Hf eu nom dar o meu. 
Diz que tam muyto é coitado (f amor 
que rem de morte nom o tornará 
porque nom ouve bem de mi, nem a; 
e diz-nfel: matades-me senhor; 
mays onde tem el que o mato eu 
se cl morre por Ih cu nom dar o meu. 



E assanha-xi-ufel, mays bem sey eu 
que a sanha todo 6 sobre lo meu. 

622 

Voss'amigo quer-vos sas donas ciar, 

amiga, e quero-vos dizer ai: 

dizem-mi que Hf as queredes filhar; 

e dized'ora, por deus, hunha rei^: 
se lhi filhardes sas doas ou ai 
que dircdes por lhi nom fazer bem? 
Vós nom sçredes Iam sem conhocer 

se lhi filhardes nulha rem do seu 

que lhi nom ajades bem a fazer; 

e venlf ora pregunlar-vbs por em: 
se lhi filhardes nulha rem do seu 
que diredes por lhi nom fazer bem? 
El punharâ muyfe fará razom 

de Ufas filhardes quando vol-as der, 

e vós Ufas Dlharedes ou nom ; 

e dized'ora qual é vosso sen: 
se lhi filhardes quanto vos el der 
que diredes por lhi nom fazer bem? 
Ou bem filhade quanto vos el der, 

e fazede bem quanto x'el quiser, 

ou nom lhi façades nunca nenhum bem. 

623 

meu amigo forçado d'amor, 

poys agora comigo quer viver 

hunha sazom se o poder fazer, 

nom dorma já menlre comigo for, 
ca d'aquel tempo que migo guarir 
a tanto perderá quanto dormir. 
E quem bem quer seu tempo passar 

hu é com sa senhor, nom dorme rem, 

e meu amigo poys para mi vem 

nom dorma já menlre migo morar, 
ca d'aquel tempo que migo guarir 
a tanto perderá quanto dormir. 
E se Hf aprouguer de dormir a lá 

hu el é, prazer-nf ha per boa fé, 

pêro dormir tempo perdud'é 

mays per meu grad'a que nom dormirá; 
ca d'aquel tempo que migo guarir 
a tanto perderá quanto dormir. 
E depoys que s'el de mim partir, 

tanto dorma quanto quiser dormir. 

624 

« 

Quer meu amigo de mi hu preyto 
que el ja muytas vezes quizera, 
que lhi faça bem, e já tempera; 
mas como quer que. seja meu feyto 
farey-Hf eu bem par saneia Maria, 
mays nom tam cedo conf el querria. 
E digam-lhi por mi, que nom tenha 
que Hf o eu vou por mal demorando, 



120 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VAT1CANA 



ca el anda-sè de mi queixando, 
mais como quer que depoys venha 
farey-lh'eu bem por saneia Maria, 
mays nom tam cedo conTel queria. 
El é por mi alam namorado 
e meu amor o trag'assy louco, 
que se nom pod'atender hu pouco, 
mays tanto que eu aja guisado, 
farey-llfeu bem par saneia Maria 
mays nom tam cedo comei querria. 
E como quer que fosse, el querria 
aver jâ bem de min todavya. 

E bem sei dei que nom cataria 
o que m'end'a mim depoys verria. 

625 

Diz, amiga, o que mi grani bem quer, 
que nunca mays mi rem demandará 
sol que Touca quanto dizer quiser, 
e mentre viver que me servirá; 
e vedes ora com'é sabedor 
que poys que lh'eu lod'este bem fezer 
logu>l querrá que lhi faça melhor. 
Muy bem cuydeu que com mentira vem, 
pêro jura que mi nom quer menlir, 
mays diz que fale comigu'e por en 
mentre viver nom mi quer ai pedir; 
e vedes ora como é sabedor 
que poys que lrfeu lodVstc bem fezer 
logu'el querrá que lhi faça melhor. 

Oram pavor ey nom me queira enganar, 
pêro diz el que nom quer ai de mi 
senom falar migu'e mays demandar 
mentre viver nom quer des aly; 
e vedes ora com'é sabedor, 
que poys que lh'eu lod'este bem fezer 
logrei querrá que lhi faça melhor. 
K esto será menlr'o mundo for, 
quanfome mais ou ver ou acabar 
tanto d'aver mays averá sabor. 

Mays hid'amiga vós, por meu amor, 
comig^ly hu m'el quiser lalar, 
ca mal mi venha se lh"eu soa for. 

62(5 

Que mui de grad'cu faria 
prazer ao meu amigo, 
amiga, bem vol-o digo, 
mais logu'en aquel dia 
nom leixará el, amiga, 
nutlrome a quern o nom diga. 
Faria-llTo mui de grado 
porque sei que me deseja, 
mays se guysar hu me veja 
e lhi fezer seu mandado, 
nom leixará el, amiga, • 
nulh'ome a quem o nom diga. 
Tam coytado por mi anda 



que nom ha par nem mesura, 

pêro se eu per ventura 

fezer todo quantel manda, 
nom leixará el, amiga, 
nullfomc a quem o nom diga* 
Dizedora e denemiga 

e dira-o log*amiga. 

627 

Vedes, amigo, ond'ey gram pesar: 
sey muytas donas que sabem amar 
seus amigos e soem -Ih is falar, 
e nom lh'o sabem, assi lliis avem; 
e nós, sol que o queyremus provar 
logué sabuiTe nom sey eu per quem. 
Tal dona sey eu quando quer veer 
seu amigo, a quem sabe bem querer, 
que lh'o nom pode per rem entender 
o que cuyda que a guarda mui bem; 
e nós sol que o queyramus fazer 
logu'é sabuefe nom sey eu per quem. 
Com'cu querria nom se guys'assi 
falar vosco que morredesper mi, 
com'outras donas falam c desy 
nunca Ihis mays podem entender rem; 
e nós ante que cheguemos hy 
logifé sabud'e nom sey eu per quem. 
Coyla lhi venha qual ora a nós vem, 
porque nos a nós lod'este mal vem. 

628 

Morredes se vos nom fezer bem 
por mim, amigu'c nom sey que vos hi 
faça, pêro muytas vezes cuyd'i; . 
e d'este preyto vedes que mhavem: 
é-mi mui grave de vos bem fazer, 
e mui grave de vos leixar morrer. 
Hem non vos pode de morte guardar 
e sei bem que morredes por min, 
se nom ouverdes algum bem de mim, 
e quanfeu ei em tod^sto a cuydar 
é-mi mui grave de vos bem fazer, 
e mui grave de vos leixar morrer. 
Se vos non fezer bem, por mi amer 
vos matará, bem sei que será assy, 
mays bem vos jur'e digo-vos assy 
se deus mi leixeu fazer o melhor, 
é-mi mui grave de .vos bem fazer 
e mui grave de vos leixar morrer. 
E rog\i deus que a end^ poder 
que el me leixVndo melhor fazer. 

629 

Amigu\ eu vos diss'amigo, e serio cu 
por mi miscrar com vosco, que faley 
com outr ornem, mays nunca o cuydey 
e meu amigo, direy- vol-o eu, 



J01ÍAM ÀYRÀS 



121 



de mentira non me posseu guardar 
mays guardar-m'ei de vos fazer pesar. 
Alguém sabe que me queredes bem 
e pesa-lh'ende non po(l'al fazer 
senom que mi quer mentira poer; 
meuamigue meu lume meu bem, 
de mentira non me possYu guardar 
mays guardar-m'ei de vos fazer pesar. 
É sey de quanto gram sabor a 
de mentir, e non teme deus nem ai ; 
meu amigu', e vedes quanfi a. 

De menlira non me poss^eu guardar, 
de fazer mentira sey-nfeu guardar 
mays non de quem me mal quer assacar. 



030 

Amigas, o que mi quer bem 
dizem-m'ora muytus que vem ; 
pêro nom o posso creer, 
ca tal sabor ei de o veer 
que o non posso creer. 
que eu amo mays ca mi 
dizem que cedo será aqui; 
pêro non o posso creer, 
ca tal sabor ey de o veer 
que o non posso creer. 

O que se foy d'aqui, muyVha, 
dizem-mi que cedo verrá; 
pêro non o posso creer, 
ca tal sabor ey de o veer 
que o non posso creer. 
E nunca m'ho farám creer 
se m'o non fezerem veer. 



031 

«0 voss'amigo, que s'a cas del-rey 
foy, amiga, muy cedo vos verrá, 
e partide-m'as doas que vos el dará. 

— Amiga, verdade vos direy; 
fará-mi deus bem se m'o adusser, 
e sas doas dê-as a quem quizer. 

«Disseroni-n^ora, se deus mi perdon', 
que vos trage doas de Portugal, 
e, amiga, non as partades ma). 

— Direi-vos, amiga, meu coraçom, 
fará-mi deus bem se m'o adusser, 

*c sas doas de-as a quem quizer. 
«Dizem, amiga, que non vem o meu 
amigo, mayl-o vosso cedo vem, 
e parlid'-as doas que trage bem. 

— Direy- vos, amiga, o que digifeu, 
fará-mi deus bem se mo adusser, 
e sas doas dé-as a quem quizer. 

E bem sey eu des que el veher 
averey doas o quanfal quizer. 

10 



632 

Vay meu amigo com el-rey morar 
e non m'ho disse, nem lh'o outorguey, 
e faz mal sen de mi fazer pezar, 
mays eu perca bom pai ecer que ey 
se nunca lhel-rrey tanlo bem fezer 
quanto 111'eu farei quando mi qiryser. 
E quer muyto com el-rey viver 
e mha senhor non a tem em rein, 
e el-rey pode quanto quer poder, 
mas mal mi venha onde vem o bem, 
se nunca lh'el-rrey tanto bem fezer 
quanto Ih'eu farey quando mi quizer. 
E el punhou muyfem me servir 
e ai rey nunca servipo fez, 
por end'el rey non a que lhi gracir 
mays eu perca bom parecer e bom prez, 
se nunca lh'el-rey tanto bem fezer 
quanto lh'eu farey quando mi quizer. 
i Ca mais valrrá se lireu quiser 
que quanto bem lh'el-rey fazer poder. 

033 

Amigo, queredes-vos hir, 

e bem sey eu que mhaverrá 

em mentre morardes a lá; 

a quantos end'eu vir viir • 
a todos eu pregunlarey 
como vos vay em cas d 'el-rey. 
Non Vos poderia dizer 

quantey de vos hirdes pesar, 

mays a quantos eu vir chegar 

d'u hides com elrrey viver, 
a todos eu perguntarey 
como vos vay em cas d^l-rcy» 
Coylada flearey d^mor 

alá que mi vos deus adusser, 

mays a quantos eu já souber 

que veherem d'u el rey for, 
a todos eu preguntarey 
como vos vav em cas delrev. 
E se disserem bem, loarey 

deus, e gracil-o-ey ai rey. 

634 

Foi-ss' o meu amigo a cas d^l rey 
e, amigas, com grand'araor que lh'ey 
quand J el veher, ja eu morta serey ; 
mais non lhe digam que raoir'assi, 
ca se souber com'eu por el morri 
será muy pouca sa vida des i. 
Por nu lha rem non me posso guardar 
que non morra ced'eu com gram pesar; 
e, amigas, quand'el aqui chegar 
nom sabha per vós qual mort' eu prendi, 
ca se souber com'eu por el morri 
será muy pouca sa vida des i. 



122 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



, Eu morreroy cedo, se deus quizer, 
c, amigas, quandVl aqui vcer 
desmesura dirá quem lhi disser 
que mort' eu fllhey des que o non vi, 
ca se souber conreu por el morri 
será muy pouca sa vida des i. 



635 

Amcy-vos sempr amigo, e flz-vos lealdade, 
se preguntar quiserdes em vossa puridade 
saberedes, amigo, que vos digo verdade, 
ou se falar ouvordes com algum maldizente 
e vos quiser, amigo, fazer ai entendeu te, 

dizede-lhi que mente, 

e dizede-lhi que mente. 



636 

Meu amigue meu bem e meu amor, 
disserom-vos que me vyrom falar 
com outfome, por vos fazer pesar; 
e por en rogu'eu a nostro senhor 
que confonda quem vol-o foy dizer, 
e vós se o assi fostes creer, 
e mim, se end'eu fui merecedor. 

E ja vos disserom por mi que faley 
com outr'orne, que vos nom tiv'em rem, 
e se o fiz nunca mi venha bem, 
mays rog'a deus, sempre rogal-o-ey 
que confonda quem vol-o diss'assy, 
e vós, se tarn gram mentira de mi 
creestes, e min se o eu cuvdei. 

Sey que vos disserom per boa fé 
que faley com outi^ome, e non foy ai 
se non que vol-o disserom por mal; 
mays rog' a dís que no ceo ssé, 
que confonda quem vos a tal razom 
diss', e vós se a creestes entonj, 
e que confonda min se verdacfé. 

E confonda quem a tam gram sabor 
d'antre mi e vós meter desamor 
ca mayor amor do mund^ó. 



637 

A que m'a mi meu amigo filhou 
mui sem meu grad'e non me teve em rem, 
que me scrv'y e mi queria bem 
e non m'ho disse nem m'o preguntou, 
mal lhi será quando-lh'o eu filhar 
mui sem seu gradue nom a preguntar. 
E se m'ela muy gram torto fez hi 
deus me leixe dereito dlela aver, 
ca o levou de mi sem meu prazer 
e ora tem que o levará assy, 
mal lhi será quando liro eu filhar 
mui sem seu grad'e non a preguntar. 



E bem sey eu d 'ela que dirá 
que non fiz eu por el quanfela fez, 
mays quiçay m'ho fezera outra vez, 
e pêro tem bem que o averâ; 
mal lhi será quando lh'o eu filhar 
mui sem seu grad'e non a preguntar. 
Entom veredes molher andar 
por mi chorando non lh'o querrey eu dar. 

638 (vid. 634) 

Vay meu amigo morar com el-rey 
e, amiga, com grand'amor que lirey 
quand'el veher, ja eu morta serey; 
mais non lhi digam que morri assy, 
ca se souber com'eu por el morri 
será muy pouca sa vida des y. 
Nem de morte non o pode guardar 
que non moyra ced'e com gram pesar ; 
e, amiga, quand'el aqui chegar 
non sabha por vós qual morte eu prendi, 
cá se souber com'eu por el morri 
será muy pouca sa vida des i. 
E eu morrerey cedo, se deus quizor, 
e, amiga, quand'el aqui veer 
desmesura fará quem lhi disser 
qual morfeu filhei des que o non vi, 
cá se souber com'eu por el morri 
será muy pouca sa vida des i. 
Já non posso de morte guarecer, 
mays quando s'el tornar por me veer 
non lhi digam como m'el fez morrer 
ante tempo, porque se el foy d'aqui; 

Ca se souber com'eu por el morri 
será mui pouca já sa vyda des y. 

639 

Queredes hir, meu amigo, eu o sey, 
buscar outro conselho e non o meu, 
porque cuydadesque vos desejou, 
queredes- vos hir morar com el-rey; 

mays hid'ora quando quiserdes hir, 

ca poys a mi avedes a viir. 
Hides-vos vós e fiqu'eu aqui 
que vos ei sempre muifa desejar, 
e vós queredes com el-rey morar 
porque cuydades mays valer per hi; 

mays hid'ora quando quiserdes hir 

ca poys a mi avedes a viir. 
Sabor avedes a vosso dizer 
de me servir, amigu', e pêro non 
leixades dir ai rey por tal razom 
nem podedes vós mim e el-rey aver ; 

mays hid'ora quando quiserdes hir 

ca poys a mi avedes a viir. 
E, amigo, queredel-o oyr 
nom podedes dous senhores servir, 
que ambus ajam que vos gracir. 



i 



MARTIM PEREZ ALVYM 



123 



640 

Ir vos queredes e nom cy poder 
par deus, amigo, de vos eu tolher; 
e sse ficardes vos quero dizer, 
meu amigo, que vos por en farey: 
os dias que vós a vosso prazer 
nom passastes eu vol-os cobrarey. 
Se vos fordes, sofrerey a mayor 
coita que sofreu molher por senhor, - 
c sse íicardes polo meu amor 
direy-vol-o que vos pòr en farey: 
os dias que vós a vosso sabor 
nom passastes eu vol-os cobrarey, 
Hides-vos e teendes-nVem desdém, 
e fico eu muy coitada poren, 
e ficade por mi ca vos convém, 
e diremos que vos porem farey: 
os dias que vós nom passastes bem, 
ay meu amigo, eu vol-os cobrarey, 

641 

Hir-vos queredes, amigo, 
d'aqui por me' fazer pesar, 
e pois vos queredes quitar 
daqui, vedes que vos digo : 

quitade bem o coraçom 

de mira, e ide-vos entom. 
E pois vos hides, sabhades 
que nunca mayor pesar vi, 
e pois vos queredes d'aqui 
partir, vedes que façades: 

quitade bem o coraçom 

de min, e ide-vos entom. 

642 

Esta tençon fez Johã Atras, de Santiago, 
a hum que avia nome Fruiíoso, ccuntor, e se 
poz nome Rui Marques, e o outro respon- 
deulhi: 

Rui Marques, pois que est assi 

que vós ja mais quizesles viver 

em Leom, e nos veesles veer 
dized'agora vós ben perla mi 
Rui Marques, assi deus vos perdon 9 i. 

MARTIM PEREZ ALVYM 

643 

Mais desaguysadamente mi vem mal, 
de quantos deus no mundo fez nacer 
todus am bem per oyr o veer 
e per entendimento e per falar; 
mays a mim, mha senhor, avem end*al, 
ca por todYslo me vejeii andar 
na mayor coyta que deos quiz fazer. 



E ante que vos eu visse, sénior, 
tam muylo bem ouvi de vós dizer, 
per bonu fé,' que nom pud'al fazer 
que nom ouvess'a viir a loguar 
hu vos eu visse, e logu'en vosso amor 
fez-m'os por tal guysa desejar 
que nom desej'al rem se nom morrer. 

Ca se nom viram estes olhos meus 
nem viram- vos hu vos eu fuy veer, 
e sse eu rem nom soubess'enlender 
do mui gram bem que deus a vós quiz dar, 
nom averia este mal, par deus, 
por vós d'amor, que mMia ced'a matar 
a quem me vós metestes em poder. 

fi mal dia mi deus deu conhoccr 
hu vos eu vi Iam fremoso catar, 
ca mi valera muv mais nom nacer. 



644 

Dizer-vos quer'a gram coyta d'amor 
em que vyvo, senhor, des que vos vi 
e o gram mal que eu sofri ; 
e d'unha rem soo sabedor 
que mi valera muy mais nom veer 
eu vós, nem ai quando vos fuy veer. 
E a mha coita sey que nom a par 
antr'as outras coytas que d'amor sey, 
e poys meu temp'assy pass'e passey 
com gram verdade vos posso jurar, 
que mi valera muy mais nom veer 
eu vós, nem ai quando vos fuy veer. 
Esta coyta que mha morte tem 
tam chegada que nom lh'ey de guarir," 
ca nom sey eu logar hu lh*a fogir, 
e per esto podedes creer bem, 
que mi valera muy mais nom veer 
eu vós, nem àl quando vos fuy veer. 
Ca sse nom vyra poderá viver 
e meor coita ca sofro sofrer. 



645 

Senhor, nom poss'eu já per nulha rera 
meus olhos cPesses vossos partir, 
e poys assy é que agora d'ir 
am hu vos nom vejam, sey eu muy bem 
que nom podem os meus olhos veer 
hu vos nom vyrem d'al veer prazer. 
E nom poss'eu meus olhos quitar 
d'esses vossos que virom por meu mal, 
e pêro m'end'eu nuntfatend^l 
tal ventura mi quis a mi deus dar, 
que nom podem os meus olhos veer 
hu vos nom vyrem d'al veer prazer. 
Nom poss'eu partir os olhos meus 
d'esses vossos, nem o meu coraçom 
nunca de vós, e poys mha senhor nom 
atend^nd^al creedesto por deus, 



121 



CANCIONEIRO rORTUGUEZ DA VATICAXA 



que nom>podem os meus olhos veer 
hu vos nom vyrem (Tal veer prazer. 
Poys que ai nora desejam veer, 
deus vos lhis mostre ced'a seu prazer. 

646 

Ja m'eu queria leixar de cuydar 
e d'andar triste e perder o dormir, 
e d'amor, que sempre servi, servir 
de tod'esto m'eu queria leixar, 
se me leíxassc a que me faz aver 
aquestas coytas ond'ey a morrer. 
E leixar qual coita mi dá 
amor, que em grave dia vi, 
e qual pesar sempre sofi^e sofri, 
de tod'eslo me leixaria ca, 
se me leixasse a que me faz aver 
aquestas coytas ond'ey a morrer. 
Lcixar-m'ia de cuydado meu 
e da gram coyta do meu coraçom, 
e de servir amor com gram razom, 
tqd'esto me leixaria eu, 
* se me leixasse a que me faz aver 
aquestas coytas ond'ey a morrer. 
E leixa-mela de mi bem fazer, 
mays nom me leixa em sas coytas viver. 

.647 

Senhor fremosa, que de coraçom 
vos servi sempre, scrv'e servirey * 
por muyto mal que eu lev'e levey; 
por vós tenlfcu que seria razom, 
de mi fazerdes aver algum bem 
de vós, senhor, por quanto mal mi vem. 
Do vosso lallfe do vosso catar 
muyfaposto vem a mi muyto mal, 
e poys de vós nunca puefaver ai, 
razom seria já a meu cuydar 
de mi fazerdes aver algum bem 
de vós, senhor, por quanto mal mi vem. 
E a mesura que vos quis dar deus 
em mui bom tallfe muy bó parecer 
razon seria por mha moite tolher, 
bera pêra já, lume dos olhos meus, 
de mi fazerdes aver algum bem 
de vós, senhor, por quanto mal mi vem. 

648 

— Senhor fremosa, assy veja prazer 
poys vos nom vi, ouvi gram pesar 

que nunca mi deus d'al prazer quis dar. 

« Como podestes tanto mal sofrer? 
— Cuydey em vós e por esto guari, 
que nom vyvera rem do que vevi. 

— Senhor fremosa, direy-vos eu ai 
e creed'eslo, meu lum'e meu bem, 
poys vos nom vi, nom vi prazer de rem. 
« Como podesles sofrer tanto mal? 



— Cuydey em vós e por esto guari, 
que nom vyvera rem do que vevi. 
— Creede, lume d'estes olhos meus, 
que des que vos eu nom pudi veer 
pêro vi, já nunca vi prazer, 
i « Como sofrestes tanto mal, por deus? 
| — Cuydey em vós, e por esto guari 
que nom vyvera rem do que vevi. 

649 

i 

■ 

Eu, mha senhor, nora ei poder 
de me de vos poder quylar 



PÊRO DE VEEK 



650 



Mha senhor fremosa, por deus 
e por amor que vos eu ey, 
oyd'um pouqu'e direy 
o porque eu ante vós vim : 
que ajades doo de mim, 
mha senhor fremosa, por deus.' 

Se vos doerdes do meu mal 
por deus que vol-o roguey 
vós que cu sempre desejey 
des aquel dia em que vos vi: 
cousimento faredes hy" 
se vos doerdes do meu mal. 

E, mha senhor, per boa fé 
por vós me tem forpari'amor 
e vós, fremosa mha senhor, 
nom vos queredes cn doer ; 
e por esl'é meu mal vyver 
ay, mha senhor, per boa fé. 

Per boa fé nom é meu bem 
nem é mha prol viver assy, 
e vós que. eu por meu mal vi 
averey sempr'a desejar ; 
vós e mha morfa meu pesar 
per boa fé nom é meu bem. 

651 e 652 

Nom sey eu tempo quand^em nulha rem 
d'amor ouvess^nd^uve&se sabor, 
ca nom quis deus nem íilhey tal senhor 
a que ousasse nulha rem dezer 
do que seria meu vip'e meu bem, 
nem de qual guisa mi d'amor mal vem 
fazer no mund'a meu pesar viver. 

E ssc oulr^ome, segundo meu sen, 
j tanto soubesse quanfeu sey d'amor 
i bem saberia conré forçador 
I e sem mesura e de gram poder, 
| quando soubessem qual coita me tem 
I bem saberia como vyve quem 
I faz deus no mundo a seu pesar viver. 



BERXAL DE BONAVAL 



125 



Eu que no mundo vyva meu pesar 
ou vyveria muyfa meu prazer 
se cu cFamor bem podess'aver, 
meu bem seria quanl'oj'è meu mal; 
mayl*a senhor, que m'amor faz Olhar, 
essa me soube de guisa guysar 
que nom ouvess'eu bera d'amor nem d'al. 

En esta ffolha adeiante sse começam can- 
tigas d? amor do primeyro tratador Bernal 
de Bonaval; 

BERXAL DE BONAVAL 

053 

Ay deus, e quem mi tolherá 
gram coyta do meu coraçom 
no mundo, poys mha senhor nom 
quer que eu perca coyta já; 
e direy-vus como nom quer, • 

leixa-me sem seu bem viver 
coytad'e sen Yni nom valer 
eia que mi pode valer. 

No mund'outra cousa nom a 
que me coita nulha sazom 
tolha, se deus ou morte nom, 
ou mha senhor que nom querrâ 
tolher-m'a; e poys eu ouver 
por mha senhor morfa prender; 
dés meu senhor se Ihi prouguer 
m'ha leiVanfunha vez veer. 

E sse mi deus quiser fazer 
este bem que m*é mui mester 
de a veer, poys eu poder 
veer o seu bom parecer, 
por en gram bem mi per fará 
se m'el moslrar hua razom 
de quantas end'eu cuyd'a cá 
a dizer que lhi diera enlom. 

654 

Pêro nfeu moyro, mha senhor, 
nom vos ouseu dizer meu mal 
ca tanfei de vós gram pavor 
que nunca tam grand'ouvi dal; 
e por en vos leixa dizer 
meu mal, c qutTanlc morrer 
por vós, ca vus dizer pesar. 

E por aquesto, mha senhor, 
\\\em gram coita morlal 
que nom poderia mayor; 
ay deus, quem soubess'ora qual •" 
e vol-a fezess'enlender, 
c nom cuydassM a perder 
conlra vós por vos hi falar. 

E deul-o sabe, mha senhor, 
que se m el contra vós nom vai 
ca mi seria muv melhor 



mha morte, ca mha vida em tal 
que fezess'y a vós prazer 
que vos eu hi nom posso fazer 
nem miro quer deus nem vós guysar. 

E com dereilo, mha senhor, 
peç'eu mha morte poys mi fal 
todo bem de vós e d'amor, 
e pois meu temp'assy me fal 
amand'eu vós dev'a querer 
ante mha morte, ca viver 
coylad^ poys nom grado ar 

De vós, que me fez deus veer 
por meu mal poys sen bem fazer 
vos ey sempr'a desejar. 



655 

Amor, bem sey o que m'ora faredes, 
poys nf em poder d'a tal senhor metedes, 
de conlra quem me depoys nom valercdes 
hu eu por ela tal coyta levar, 
a qual me nom saberey conselhar. 

Poren vos rog'amor que me leixedes 
viver, se o bem fazer nom me queredes, 
ca eu bem sey que vós poder avedes 
de mi fazerdes se quiserdes bem, 
amor ou mal quando vos prouguer en. 

E poys mi bem e mal fazer podedes, 
nom mi façades quanto mal fazedes 
fazer, mays dereyfé que mi mostredes 
o mui gràm bem que podedes fazer, 
arifar, poys eu som em vosso poder. 



656 

Senhor fremosa, poys assy deus quer 
que já eu sempre no meu coraçom 
deseje de vós bem e d'alhur nom, 
rogar-vos-ey, por deus, se vos prouguer 
que vos nom pes de vos eu muyfamar 
poys que vos nom ouso por ai rogar. 
E já que sempr'a desejar ey 
o vosso bem e nom cuyd'a perder 
coyla se nom por vós ou per morrer, 
por deus oyde-m'e rogar-vos-ey: 
que vos nom pes de vos muyfamar 
poys que vos nom ouso por ai rogar. 
E poys m'assy tem em poder amor 
que me nom quer leixar per nulha rem, 
partir de vós já sempre querer bem, 
rogar-vos quero, por deus, mha senhor: 
que vos nom pes de vos eu muyf amar, 
poys que vos nom ouso por ai rogar. 



657 

A dona que eu am'e lenho por senhor, 
amostrade-m'a, deus, se vos en prazer for, 
se nom dade-m'a morle ! 



126 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



A que tenh'eu per lume (Testes olhos meus 
eporquem chorara semp^amostrade-n^a deus 
se nom dade-m'a morte! 
Essa que vós fezestes melhor parecer 
de quantas sei, ay dés, fazede-mh'a veer, 
se nom dade-m'a morte ! 
Ay dês, que m'a fezeates mais c'a mi arçar, 
mostrade-m'a hu possa), com ela falar; 
se nom dade m'a morlel 

658 

Pêro me vás dizedes, mha senhor, 
que nunca per vós perderey 
a mui gram coyta que eu por vós ey 
em tanto cornou vyvo for, 
ai cuyd'eu de vós d'amor 

que m'haveredes mui ced'a tolher 

quanta coyla me fazedes aver. 
E, mha senhor, hfia rem vos àirey 
de nom estar de vós melhor 
quanfeu ouver por vós coyta mayor 
a tanto me mays aflcarey, 

que m'haveredes mui ced'a tolher 

quanta coyta me fazedes aver. 

659 

Senhor fremosa, tam gram coyta ey 
por vós, que bom conselho nom me sey, 
cu yd and o em vós, mha senhor mui fremosa. 
Por vós, que vi melhor d'outras falar 
e parecer, nom me sei conselhar, 
cuydando em vós, mha senhormui fremosa. 
Nom mi queredes mha coita creer, 
creer-m'a-edes poys que eu morrer, 
cuydando em vós, mha senhor mui fremosa. 

660 

A Bonaval quer'eu, mha senhor, hir 
e des quand'eu ora de vós partir, 
os meus olhos nom dormiram. 
Hir-m'ey, pêro m'é grave de fazer, 
e des quand'eu ora de vos tolher 
os meus olhos nom dormiram. 
Todavya bem será de provar 
de m'ir, mays des quand T eu de vós quitar 
os meus olhos nom dormiram. 

661 

Pêro m'eu vejo donas mui bem parecer 
e falar bem e fremoso catar, 
nom poss'eu por tod'esto desejos perder 
da que mi deus nom ouvera mostrar 
hu mh'a mostrou por meu mal, ca desy 
nunc'ar fui led'e cuydando perdi 
desejos de quanfal fui amar. 

A que eu vi mays fremoso parecer 
de quantas en o mundo pud'achar, 



essa foy eu das do mund'escolher 
e poys mira des faz desejar assy 
nom mh'o fez el se nom por mal de mi 
cometer o que nom ey de acabar. 

Se eu fos^a tal senhor bem querer 
com que podesse na terra morar 
ou a quem ousasse mha coyta dizer 
logu'eu poderá meu mal endurar; 
mays tal senhor am'eu, que poyl-a vi 
sempre por ela gram coita sofri, 
e pêro nunca-ll^end^ousey falar. 

662 

Por quanta coyta mi faz mha senhor 
aver, nunca m'eu d'ela queixarey . 
nem é dereyto ca eumh'o busquey, 
mays dereyfei etn mp queixar d'amor 
porque me fez gram bem querer 
quem m'ho nom ade gradecer. 
B nunca m'eu a mha senhor hirey 
queixar de quanta coyta padeci 
por ela, nem do dormir que perdi ; 
mays d'amor sempr'a queixar n^averey 
porque me fez gram bem querer 
quem m'ho nom ade gradecer. 
Por quanta coyta por ela sofri 
nom me lhi dev'a queixar com razom, 
mays queixar-m'ei no meu corapom 
d'amor a que nunca mal mereci, 
porque me fez gram bem querer 
quem m'ho nom ade gradecer. 

663 

— Abril Perez, muyfei eu gram pesar 
da gram coyta que vos vejo sofrer, 
ca vos vejo como mi lazerar 
e nom poss'a mi nem a vós valer : 
ca vós morredes como eu d'amor, 
e pêro x'esta mha coyta mayor 
dereyto faz em me de vós doer. 

«Dom Bernaldo, quero- vos preguntar 
com'ousastes tal cousa cometer, 
qual cometestes em vosso trobar, 
que vossa coita quisestes poner 
com a minha, que quanfé mha senhor, 
dom Bernaldo, que a vossa melhor 
tanto me faz mayor coyta sofrer. 

— Abril Perez, fostes-me demandar 
de tal demanda que rresposta nom 
ha hy mester, e converá de provar 
o que disesles das donas entom; 
cnmentemõl-as, et sabel-as am, 
e poys las souberem julgar nos ham 
e veram quem tever melhor razom. 

«Dom Bernaldo, eu hyria ementar 
a mha senhor,' assi dês mi perdon', 
se nom ouvesse med^m lhe pesar 
eu a dyria muy de coraçom, 



JTJLYÃO BOLSEYRO 



127 



ca huã rero sey eu d'ela de pram 
que poys Ia souberem conhoccr-lh'am 
melhor ja quanlos no mundo som. 

— Abril Perez, os olhos enganar 
vam homem das cousas que gram bem quer, 
assy fezerom-vos, a meu cuydar, 
e por seer assy cornou disser, 
se vós vistes alguã dona tal 
tam fremosa et que táni miiylo vai 
mha senhor he, ca nom outra molher. 

«Dom Bernaldo, quero-vos conselhar 
bera, e creede-rífem se vos prouguer, 
que nom digades que bidés amar 
boa dona, ca vos nom é mester 
de dizerdes de bona dona mal, 
ca bem sabemos, dom Bernaldo, qual 
senhor sol sempr'a servir se&rel. 



JOHAM SERVANDO 

664 

Hum dia vi mha senhor 4 
que mi deu a tal amor, 
que nom direy per hu for 
quem est per milha rera, 

nom ous'eu dizer per quem 

mi vem quanto mal mi vem. 
Preguntam-me cada dia 
polo que nom ousaria 
dizer, ca m'ey todavya 
medo de morre porem 

nom ous'eu dizer per quem 

mi vem quanto mal mi vem. 
Preguntara-nTem puridade 
que lhis diga em verdade, 
raays eu com gram lealdade 
e por nom fazer mal sen, 

nom ous'eu dizer per quem 

mi vem quanto mal mi vem. 
Andam-m'assy preguntando 
que lhis diga por quem ando 
trisfeu, per Sam Sorvando, 
com pavor que ey dalguem, 

nom ous'eu dizer per quem 

mi vem quanto mal mi vem. 

665 

Amigus, cuydo sempr^em mha senhor 
por Ihi fazer prazer, pêro direy 
quem mi vem em cuydar, ey 
a cuydar em cuydal-o melhor; 
pêro cuydando nom posso saber 
como podesse d'ela bera aver. 
E o cuydar que eu cuydei 
des aquel dia em que mha senhor vi 
logu'em cuydar sempre cuydei assy 
por cuydar end'o melhor, e o cuydcy ; 



pêro cuydando nom posso saber 
como podesse d'ela bem aver. 
Tanto cuydei já que nom ha par 

em mha senhor, se mi faria bem 

era cuydar, nom me partiria ém 

se poderia o melhor cuydar; 
pêro ciiydando noiíi posso saber 
como podesse d'ela bem avér. 
Par San Servando, jiientr'eu já vivei 

por mha senhor cúyd'e cuyd'a morrer. 



666 

Pregúnta qúe foy feita a Fernam Úambrea 
confortaria' Ugo Gonçalves', de Mortie-Moôr-o- 
Novo. 

E ó honierrt ferido corri ferro e Sem paao 
niais te valia de seeres ja morto, 
pois tua daína ha corri outro conforto, 
com esto fleas tu por vaganaao 
para bem mester <f ou trás quecPa naao 
aquesla rribeira de grandes correntes 
que d'esta guisa matará muitas gentes, 
ainda que se apeguam ao nad'a váao 
d'Ugo e se fafam depois d'ay màao. 

Perdoiú vos peço se em esto pequey 
ou quanto vos ouve aquy de mal grado, 
pêro que grande te faça, e muito andado . 
para mym nom se parte, pêro nom irey 
mas a de d'amores me tornarey 
com grandes querellas muyto braadando 
dar-ra'had'a my saber que já amando 
busc'onde quiz que veja se errey, 
porem em mha vida ja lhe nom falerey. 

JDLYÂO BOLSEYRO 

667 

. Ay, mha senhor, tod'o bem m'a mi fal 
mays nom mi fal gram coyta nem cuydar, 
des que vos vi, nem mi fal gram pesar; 
mays nom mi valha o que pod'e vai 
se oj'eu sey onde mi venha bem 
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem. 
iNom mi fal coita, nem vejo prazer, 
senhor fremosa, des que vos amey; 
mays a gram coita que eu por vos ey 
ja dés senhor nom mi faça lezer 
se oj'eu sey onde mi venha bem, 
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem. 
Nem rem nom podem veer estes meus 
olhos, no muncTeu aja sabor 
sem veer- vos, e nom mi vai amor, 
nem mi valhades vós, senhor, nem deus, 
se oj'eu sey onde mi venha bem 
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem. 



128 



UAXClOSEIttO PORTUGUEZ DA VÀTICANÀ 



«68 

Dohna et senhor de grande vallia^ 
nom sei se cuidastes que tenho cuidado 
(Teftòjos feitos, mais bem juraria 
que iionl lenho outro tám afleacto 
nem mayor enojo noiíi tem homem nado ; 
esto senhora poderrés saber 
sse deus quiser, que possante aver 
mais compridamente meu certo recado. 

Mas eu vos peço, mui gentil senhora, 
que nojo e tristeza et enfadamento 
de todo ponto vos botees de fora 
e todo cuidado, que agastamento 
vos porá trager em esquecemento 
vos pode, senhora, e sey que farees 
vosso gram proveito a mi o darees 
que eu ouça nova de hu seja contento. 

Fazei, senhora, que quantus vos virem 
conheçam de pram a gram fremusura 
que deus a vós deu, sse nom mentirem 
que falem de siso, grande cordura 
bondade, a graça, juizo et mesura 
que em vós assy ha muy compridamente 
sobre quantas ora vivem de presente, 
esto é certo sem fazer mais jura. 

Muy boa senhora, se n'eslo atura 
vossa vontade em deus esperando, 
vós averees sem muito tardando 
praizo em vida, seede bem segura. 

PÊRO DARHEA 

669 

Pelo dia em que m'eu quitey 
d'u mha senhor é morador 
nunca de min ouve sabor 
per boa fé, nem averey, 

se nom vir ela, d'outrarem. 
Ca me quitey a meu pesar 
(Tu ela é, poys me quitey 
nunca me depdys paguey 
de min, nem me cuyd'a pagar, 

se non vir ela, d'outra rem. 
Pêro que bem non ey 
verdade vos quero dizer, 
nunca eu depoys vi prazer, 
nem já mays non o veerey, 

se non vir ela, d'oulra rem. 

670 

Ora vos podess'eu dizer 
a coyta do meu cor açora, 
e nom chorassy logu'entom 
pêro nom ey end'o poder 
se vos eu a mha coyta contar, 
que poys nom aja de chorar. 
Ey eu mui gram coyta endurar 



pêro se vos dizer quiser 

mha coyta, e vol-a disser 

non ey poder de m'eu guardar, 

se vos eu a mha coyta contar 

que poys nom aja de chorar. 
Mui gram coyta vos contarey 
d'amor que sofr'e sofri, 
des quand'eu mha senhor non vi^ 
e peio nom me guardarey 

se vos eu mha coyta contar, 

que poys non aja de chorar. 

671 

Mha senhor, por nostro senhor 

por que vos eu venho rogar, 

quero- vos agora'rogar 

mha senhor, por nostro senhor 
que vos non pes de vos amar, 
ca non sey ai tam muyfamar 
Senhor; e nom vos rogarey 

por ai, ca ei de vos pesar 

pavor, e se vos nom pesar 

oyde-me e rogar-vos-ey, 
que vos non pes de vos amar, 
ca non sey ai tam muyfamar. 
E non vos ous'eu mays dizer 

senhor e lume doestes meus 

olhos, ay lume destes meus 

olhos, e venho-vos dizer 
que Vos nora pes de vos amar, 
ca non sey ai tam muyfamar. 

672 

Guydades vós, que mi faz a mi deus 
por outra rem tam muyto desejar 
aquesta dona que me faz amar 
se non por mal de mi e d'estes meus 
olhos, e por me fazer entender 
qual é a muy gram coyta de sofrer. 
E non m'os foi os seus olhos mostrar 
deus, nem mh'a fez filhar por senhor 
se nom porque ouv'el gram sabor . 
que soflr'eu com estes meus pesar 
olhos, e por me fazer entender 
qual ó a muy gram coyta de sofrer. 
E vy eu os seus olhos por meu mal 
e sseu muy fremoso parecer, 
e por meu mal m'a fezo deus veer 
entom d'aquestes meus, ca nom por ai, 
olhos, e por mi fazer entender 
qual é a muy gram coyta de sofrer. 

673 

A mayor coyta que deus quis fazer, 
senhor fremosa, a min a guysou 
aguei dia que me de vós quitou ; 
mays deus, senhor, nom mi faça lezer - - 



rERO DABMEA 



129 



se eu ja mui grani coyla lenirem rem, 
poys que vos vejo meu lun^e meu bem. 
Da coyla que ouvi no coraçom 

o dia, senhor, que m'eu fuHraqui 

maravilho-m'òu como non moiri 

com gram coita, mais deus nom mi perdon', 
se eu ja muy gram coita lenh'em rem 
poys que vos vejo, meu lume e meu bem. 
Ouv>u tal coyla qual vos eu direy 

o dia que nfeu fui de vós partir, 

que sse cuydey d'esse dia sayr 

deus mi lolha este corp'e quanfey, 
se eu ja mui gram coyla lenirem rem 
poys que vos vejo, meu lun^c meu bem. 



G74 

Com gram coyta sol bom posso dormir 
nem vejo rem de que aja sabor, 
e das coytas do mundo a mayor 
sofro de pram e non posso guarir; 
vedes porque, porque non vej'aqui 
a mha senhor, que eu por meu mal vi. 
Querendo-lhi bem, sofri muytomal 
e muytWam des que foy mha senhor, . 
e muytas coylas polo seu amor 
e ora vyvem gram coyta mortal, 
vedes porque, porque noto vej'aqui 
a mha senhor, que eu por meu mal vi. 
Quando-n^eu d'ela parti logu'entom 
ouvi tal coyta, que perdi meu sen 
bem trez dias, que nom conhoçi rem, 
e ora moyro e faço gram razom, 
vedes porque, porque non vej'aqui 
a mha senhor, que eu por meu mal vi. 



Uò 

Senhor fiemosa, des aquel dia 
que vos eu vi primeyro, des entom 
nunca dormi conrTanie dormia 
nem ar fui led'e vides porque non, 
cuydand'em vós e non em outra rem 
c desejando sempfo vosso bem. 
E sabe deus e saneia Maria 
cá non arrfeu tanfal e no coraçom 
quanfamo vós, nem ar poderia, 
e sse morrer porem farey razom 
cuydand'em vós e non em oulra rem 
e desejando sempro vosso bem. 
E anf eu ja morte queirya 
ca viver com'eu viv'a gram sazom, 
e mha morte melhor mi seria 
ca vyver mays, assy deus mi perdon* 
cuydand'em vós e non em oulra rem 
e desejando sempr'o vosso bem. 
Ca vós sodes mha coyta c meu bem, 
e por vós ey quanta coyla mi vem. 
17 



676 

A vós fez deus fremosa, mha senhor, 
o mayor bem que vos pod'el fazer, 
fez-vos mansa e melhor parecer 
das outras donas e fez-vos melhor 
dona do mund'e de melhor sen; 
vedes, senhor, se ai disser alguen 
com verdade nom vos podai dizer. 
Feze-vos deus e deu-vol o mavor 
poder de bem, e fez-vos mays valer 
das outras donas e fez-vos vencer 
todalas donas, e fez-vos melhor 
dona do mund'e de melhor sen ; 
vedes, senhor, se ai disser alguém 
com verdade nom vos pod'al dizer. 
E porque é deus o mays sabedor 
do mundo, fez-me-vos tal bem querer 
qual vos eu quer'e fez a vós nacer 
mays fremosa e fez-vos melhor 
dona do mund'e de melhor sen ; 
vedes, senhor, se ai disser alguém 
com verdade nom vos pod'al dizer. 
E o que ai disser por dizer mal 
de vós, senhor, do que disser, nem d'al 
confonda deus quem lh'o nunca creer; 

E querend'eu todos desenganar 
o que m'esto, senhor, nom outorgar 
nom sabe nada de bem conhocer. 



677 

MUytus me vêem preguntar, 

senhor, que Ibis diga eu quem 

est a dona que quero bem, 

e com pavor de vos pesar 
nora Ihis ouso dizer per rem, 
senhor, que vos eu quero bem. 
Pêro punham de m'a partir 

se poderam de mim saber 

por qual dona quer'eu morrer; 

e eu por vos nom assanhar • 
nom lhis ouso dizer per rem, 
senhor, que vos eu quero bem. 
E porque me \éem chorar 

d'amor, queren saber de mim 

por qual dona moyfeu assy; 

e eu, senhor, por vos negar 
nom lhis ouso dizer per mi, 
pêro tem que por vós moyr'assy» 

678 

Senhor, vej'eu que avede9 sabor 
de mha morte veer e de meu mal, 
poys contra vós nulha rem nom mi vai 
rogar- vos quero, por nostro senhor, 
que vos nora pes o que vos rogarey, 
e depoys se vos prouguer morrerey. 
E bem enlend^u no meu coraçom 



130 



CANCIONEIUO POKTUGUEZ DA VATICANA 



que desejades mha morte veer; 

poys m'oulro bem nom queredes fazer, 

rogar-vos quero per hua razom, 
que vos nom pes o que vos rogarey, 
e depoys se vos prouguer morrerey. 
Muy bem sey eu que avedes pesar 

porque sabedes que vos quer'eu bem, 

e que vos praz de quanto mal mi vem, 

pêro vos quero-vos eu rogar 
que vos nom pes o que vos rogarey, 
e depoys se vos prouguer morrerey. 
E sse vos prouguer o que vos direy 

e poys morrer, jamays nom morrerey. 

679 

Senhor Cremosa, nom pod'om'osmar 
quam muyto bem vos quiso deos fazer 
e quam fremosa vos fezo nacer, 
quam bem vos fez parecer e falar ; 
se deus mi valha, nom poss'eu achar 

quem vosso bem todo possa dizer. 
Pêro punho sempre de preguntar, 
porem nunca me podem entender 
o muy gram bem que vos eu sey querer, 
nem o sabor d'oyr cm vós falar, 
per boa fé, pero nom poss'achar 

quem vosso bem todo possa dizer. 

680 

Meus amigos, quero-vos eu dizer, 
se vos quyserdes, qual coyta mi vem 
vem mi tal coyta que perco meu sen 
por quanto vos ora quero dizer, 
por hunha dona que por meu mal vi 
mui fremosa cie que me parti 
muyt'anvydos'e ssem meu prazer. 

Perco meu sen que sol nom ey poder 
e muy de pram desejando seu bem 
e de mays se mi quer falar alguém 
de lhi falar nora ey em min poder; 
porque me nembra quanto a servi 
e quam viposo mentr'y guary 
e que gram vip'a mi fez deus perder. 

E moyr'eu, e praz-mi muyto de morrer 
ca vyvo coitado mays d'outra rem, 
e pero moyro nom vos direy quem 
est a dona que m'assy faz morrer, 
e a quem eu quero melhor ca mi, 
e a quem eu por meu mal conhoci 
hu mha fez deus primeiro veer. 

E, meus amigus, poys eu moyr'assy 
pola melhor dona de quantas vi 
nom tera % em rem mha morte nem morrer. 

681 

Em grave dia me fez deus nacer 
aquelle dia em que eu naç i, 



e grave dia me fezo veer 
a mha senhor hu a primeyro vi, 
em grave dia vi os olhos seus 
e grave dia me fez enlom deus 
veer quam bem parece parecer. 

E grave dia mi fez entender 
deus quam muyto bem eu d^la entendi, 
e grave dia mi fez conhocer 
aquel dia que a conhoci 
e grave dia m'ha fez entom, meus 
amigos, grave dia m'a fez deus 
tam gram bem como lh'eu quero querer. 

E grave dia por mi lhi faley 
aquel di'em que lh'eu fuy falar, 
e grave dia por mi a caley 
dos meus olhos quando a fuy catar; 
e grave dia foy pêra mi 
grave dia entom quando a vy 
ca nunca eu dona tam fremosa veerey. 

E grave dia por mi comecey 
com mha senhor quand'eu fuy começar 
com ela. grave dia, desejey 
quam muyto bem nTela fez desejar; 
grave dia foy per mi del-a sazom 
que eu a vy, grave dia, poys nom 
moiri por ela nunca morrerey. 

E porque m'eu d'ela quitey 
esmoresco mil vfczes e nom sey 
per boa fé nu lha parte de mi. 

E nom mi ponhan culpa des aqui 
de seer sandeu, ca ensandeci 
pela mays fremosa dona que sey. 

STEVAH FERNANDES D'ELVAS 

682 

O meu amigo, que por min o sen 
perdeu, ay madre, tornad'é sandeu, 
e poys deus quis-me ynda nom morreu 
e a vós pesa de lh'eu querer bem, 

que me queira jâ mal, mal me farey 

parecer, e desensandecef-ey. 
Por deus vos rogo, mha madre, perdoa 
que mh'o leyxedes bua vez veer, 
ca lhi quefeu hua cousa dizer 
per que guerra se me vir, e se nom 

que me queira ja mal, mal me farey 

parecer, e desensandeceF-cy.. 
E el a perdudo o sen por mi 
que lhi esta coyta dey, madr'e senhor, 
e guarria, ca m'ha muy grande amor, 
se me visse; sse nom des aqui 

que me queira já mal, mal me farey 

parecer, e desensandeceP-ey. 

683 

« Farey eu, Olha, que vos nom veja 
vosso amigo.- — Porque, madr'e senhor? 



PEDR'AMIGO DE SEVILHA 



131 



« Ca me dizem que é entendedor 
voss'. — Ay madre, por deus nom seja; 
eu o deva lazerar que o Oz 
sandeu, e el com sandice o diz. 
«De vós e d'el Olha ey queixume. 

— Porque, madre, ca nom é guisado? 
c< Lazera m'a esse perjurado. 

— Porque, madr'e meu bem e meu lume, 
eu o deva lazerar que o Oz 

sandeu, e el com sandice o diz. 

« Matar-m'cy, Olha, se m'ho disserdes. 

— Porque vos a vedes madr'a matar? 
« Anle que nfeu do falso nom vengar. 

— Madre, se vos nom vengar quiserdes, 
eu o deva lazerar que o Oz 
sandeu, e el com sandice o diz. 

684 

n Madre, chegou meu amig' oj'aqui. 

— Novas som, íilha, com que me nom praz. 
« Por deus, mha madre, gram lorlo per faz. 

— Nom faz, mha flllía, ca perdedes hy. 
« Mays perderey, madre, se el perder. 

— Bem lhe sabodes, mha Olha, querer. 

PEDir AMIGO DE SEVILHA 

685 

Sey ben que quantos en o mund^amarõ 
e amam, todolos provou amor 
e fez a mi amar hunha senhor 
de quantas donas no mundo loarom 
em todo bem, e desy muy coytado 
me tev'amor, poys que desenganado 
fuy dos que amam e dos que amárom. 

E des entom per quantos se quitarom 
d'amar, por en travou em mi amor 
ca provou-mi per leal amador 
e poios oulrus que o leixarom; 
quer matar mim por esfo mal peccado, 
ca sabe já ca nom será vingado 
nunca d'aquelos que se dei quitarom. 

E sabor de min que per seu ando 
pêro ca me tcv'em poder 
d'esta dona que mi fez bem querer 
e matar-nTha por esto e nom sey quando 
e prazer-n^ha sse amor achasse 
d'u pus mha morte que com el Ocasse 
comVu Oquey muytha que por seu ando. 

E matar-m'a por esto, desejando 
bem d'esta dona poys nom a poder 
sobre los outrus de Ihi mal fazer 
ca os outros forom xi llfalongando, 
c pêro sey amor se Ihis mostrasse 
aquesla dona poys que mi matasse 
matalos-hya seu br m desejando. 

E nom sey ai por que s'amor vingasse, 
nem por que nunca dereylo filhasse 
dos que sse forom assi (Kel quitando. 



686 

Coytado vyvo mays de quantos som 
no ihund', amigos, e perc'o meu sen 
por hunha dona que quero gram bem, 
mays pêro sey en o meu coráçom 
que nom averia coyta d amor 
se esta dona fosse mha senhor. 
Mays esta dona nunca quis que seu 
Tosse, mays dizem aquestes que am 
senhores, que logo xi morreram 
por elas, mays de mim já bem sey cio 
que nom averia coyta d'amor 
se esta dona fosse mha senhor. 

Mays non o est, e poys quis deus assy 
que por seu nunca me quis receber 
se meus amigos podessem poder 
que fosse seu, sey já muy bem por mi 
que nom averia coyta d'amor 
se es la dona fosse mha senhor. 



687 

Meu senlwrdeos, poys me tammuyfaraar 
fezestes quam muyfamo hunha moler, 
rogue-vos outrem quanto xi quiser 
ca vos nom quer'eu mays d^sto rogar: 
meu senhor, deos, se vos em prazer for 
que mira façades aver por senhor. 
Esta dona que mi faz muylo mal 
porque me nom quis nem quer que seja seu 
nom me, senhor, mays gram coyta mi deu 
e por esLo vos rogu'e nom por ai: 
meu senhor, deos, se vos em prazer for 
que mira façades aver por senhor. 
Tal bem lhi quero no meu coraçom 
que vos nom rogarey por outro bem, 
que mi façades, nem per outra rem 
mays por tanto vos rogu'e por ai nom: 
meu senhor, deos, se vos em prazer for 
que mh'a façades aver por senhor. 
Ca sey que nom é tam forços'amor 
que me mate se m'achar com senhor. 

688 

Quand'eu vi a dona que nom cuydava 
nunca veer, logo me fez aly 
mays ca mi fez hu a primeyro vi 
levar d'afam e de mal 
tam muyto, que morrerey hu nom jaz ai 
quand'eu ante mays ca todos levava. 

E non moyri pêro pos mi andava 
mha morte, quanfha que eu conhoçi 
aquesta dona que agora vi 
que nom visse, ca de guisa me tem 
o seu amor já fora de meu sen, 
que lhi quito quanto lh'eu demandava. 

Ca hinda-m'eu anf aver cuydava, 
mays sei que nom vy verei des aqui 



132 



CANCIONEIRO PORTTGUEZ DA VATICÀXÀ 



e nom por ai se nom porque a vi 
aquesta vez que com ela falei 
que nom falasse, poys por ela perderei > 
locTaquelo que anl'eu receava. 

Ca sey mha morte que comig'andava 
se nom ora poys esta dona vi, 
e poys m'eu d'aqueste mundo assy 

vou 

pescai a quem diram porque leixou 
morrer quem nom tam muyfamava. 

E pesa-mi, porque perderá prez 
quanto deus em aqueste mundo fez 
que nom era, erga, a el a mandava 

689 

Quand'eu bum dia fuy em Compostela 
em romaria vi hunha pastor, 
que poys fuy nado nunca vi tam bela, 
nem vy a outra que falasse milhor, 
e demandi-lhe log'o seu amor, 
e fiz por ela esta pastoreia. 

Dix'eu logo : Fremosa poncela, ' 
queredes vós mim por entendedor, 
que vos darey boas toucas d'Estela 
e boas cintas do Rrocamador, 
e d'outras doas a vosso sabor, 
e fremoso pano pêra gonella. 

E ela disse : «Eu nom vos queria 
por entendedor ca nunca vos vi 
se nom agora, nen vos filharia 
doas que sey que nom som pêra mi; 
pêro cuid'eu sse as fllhas3'assy 
que tal ha no mundo a quem pesaria. 

E se veess'outra que lhi diria 
sse me dissesse: Ca per vós perdi 
meu amigu'e doas que me tragia; 
eu nom sey rem que lhi dissess'aly, 
se nom foss'esto de que me temi 
nom vos digira que o nom faria.» 

Dix'eu: Pastor, sedes bem razoada, 
e pêro creede se vos nom pesar, 
que nom est oj'outra no mundo nada 
se vós non sedes, que eu sabbia amar, 
e por aquesto vos venho rogar 
que eu seja voss'ome esta vegada. 

E diss'cla, como bem ensinada: 
«Por entendedor vos quero filhar, 
e pois for a romaria acabada 
aqui d'u som natural do mar 
cuido se me queredes levar 
ir-m'ey vosqu'e fico vossa pagada.» 

690 

Dom João en gran cordura 
moveu a min preytesia 
de parliçom n outro dia, 
mais fuy de mala ventura 

porque com el nom party 

que penas veyras prendi. 



Podéra seer cobrado 
por huu muy grara tempo fero 
se dissesse: partir quero; 
mais enganou-m'0 pecado, 

porque cora el nom party 

que penas veyras prendi. 
Que panos perdi de peso 
e outros bem basloados 
que m'aviam já mandados, 
mays foy homem mal a preso, 

porque com el nora party 

que penas veyras prendi. 

AVRAS PAEZ, jograr 

691 

Dix'eu pela terra, senhor, cá vos amey, 
e de todalas coytas a vossa mayor ey; 
e sempr'eu namorado 
ey a viver coytado. 
Dix'eu pela terra, que vus amey, senhor 
e de todalas coytas a voss'ey mayor; 
e sempr'eu namorado 
ey a viver coytado. 
E de todalas coitas a vossa mayor ey, 
c nom dorm'a noyte, o dia peyor ey ; 
e sempr'eu namorado 
ey a viver coytado. 
E de todalas coitas a vossa ey mayor, 
e nora dorm'a noyfe o dia ey peyor; 
e sempr'eu namorado 
ey a viver coytado. 

692 

M ay or gu arda vos d erom ca soy ara , senhor, 
e vyv'eu mays penado por vós e ey mayor 
coyta, que nom cuyd'a guarir; 
senhor, se vos guardarem e vos eu nom vir 
nom cuyd'um dia mays a guarir. 
Se vós soubessedes a coita que ei mayor 
mui gram doo averiades de mi senhor, 
ca nom poss'eu sem vós guarir ; 
senhor, se vos guardarem e vos eu nom vir 
nom cuyd'um dia mays a guarir. 

LOURENÇO, jograr 

693 

Senhor fremosa, oy eu dizer 
que vos levarom d'u vos eu leixei 
e d'u os meus olhos de vós quytei, 
aqucl dia fora bem de morrer 
eu, e nom jur'a tam gram pesar 
qual mi deos quis de vós mostrar. 
Porque vos forom, mha senhor, casar 
e nom ousastes vós dizer ca nom, 



JOHÁM BAVECA 



133 



por en senhor, assy deus mi perdoa', 

mays mi valera já de me matar 
eu, e nora jur'a tam gram pesar 
qual mi d?QS quis de vós mostrar, 

JOHAM BAVECA 

694 

Meus amigus, nom poss'eu mais negar 
o mui gram bem que quer'a mha senhor, 
que lh'o nom diga poys anfela for, 
e des oy mays me quer'aventurar 
a lh'o dizer, e poys que lh'o disser 
mate -m' ela se me matar quiser. 
Ca per boa fé sempre m'eu guardey 
quanfeu pudi de Ihi pesar fazer; 
mays como quer, hua morfey d ? aver 
e com gram pavor aventurar provey 
a lh'o dizer, e poys que lh'o disser 
mate-m'ela se me malar quiser. 
Ga nunca eu tamanha coita vi 
levar a outfome per boa fé 
com'eu levo, mays poys que assy é 
aventurar-me quero des aqui 
a dizer-Ih'e, poys que lh'o disser 
mate-ra'ela se me matar quizer. 

695 

Cuydara eu a mha senhor dizer 
e mui gram bem que lhi quer', e pavor 
ouvi d 'estar com ela mui peor 
ca eslava, e nom lh'ousey dizer 
de quanta coita por ela sofri, 
nem do gram bem que lhe quis poyl-a vi. 
E nom cuydei aver de nulha rera 
med^ por esto «desforcei entom 
e fui anfela, se deus mi perdorf, 
por lh'o dizer, mays nom ll^y dixi rem, 
de quanta coita por ela sofri, 
nem do gram bem que lhe quis poyl-a vi. 
Bem esforçado fui por lhi falar 
na mui gram coita que por ela ei 
e fui anf ela, estiv'e cuydei 
e catey-a, mays nom lh'ousey falar 
de quanta coita por ela sofri, 
nem do gram bem que lhi quis poyl-a vi 
E quer'e querrey sempre des aqui. 

696 

Hu vos nom vejo, senhor, sol poder 
nom ei de mi, nem rem sey conselhar, 
nem ey sabor de mi er qu' em cuydar 
em como vos poderia veer ; 
e poys vos vejo, mayor coyta ey 
que anfavya, senhor, porque m'ei 
End'a partir; e quem vyu nunca tal 
coita sofrer qual eu sofro, ca sen 



perche dormir, e tocresto m'avem 
por vos veer, senhor, e nom por ai; 
e poys vos vejo, mayor coyty ey 
que aofayya. senhor por qije m*ei 
End'a partir; e por en sei qqegom 
perderey. coyta mentr*eu vyvo for, 
ca hu vos eu nom vejo, mha senhor, 
por vos veer perc'este coraçom ; 
e poys vos vejo, mayor coyta ey 
qual anfavya, senhor, porque m'ei 
End'a partir, mha senhor, e bem sei 
que d'uma doestas coytas morrerey. 



697 

Mui desguisado tenho d'aver bem, 
em quanfeu ja en o mundo viver 
ey tal coyta, qual sofro, a sofrer 
ca vos direy, amigus, que m'avem : 
cada que cuyd'estar de mha senhor 
bem, estou mal, e quando mal peor. 
E por aquesto, se deus mi perdon', 
entendo já que nunca perderey 
a mayor coyta do mundo que ey, 
e quero logo dizer por que nora : 
cada que cuyd'estar de mha senhor 
bem, estou mal, e quando mal peor. 
E por aquesto ja bem fls entom 
d'aver gram coyta no mund'e nom ai, 
e d*aver semp^em logar de bem mal, 
ca vos direy como xi me guysou, 
cada que cuyd'estar de mha senhor 
bem, estou mal, e quando mal peor. 
E per aquesto sofr'eu a maor 
coita de quantas fez sofrer amor. 



698 

Muytus dizem que gram coyta d'amor 
os faz em mays de mil guysas cuydar, 
e devo m'eu d'esta maravilhar 
que por vós moyr'e non cuydo, senhor, 
se nom em como parecedes bem, 
desy em como averey de vós bem. 
E se oj'omo ha cuydados, bem sey 
se per coita d'amor am de seer, 
que eu devia cuydados aver 
pêro, senhor, nunca em ai cuydei 
se nom em como parecedes bem, 
desy em como averey de vós bem. 
Ca rn é coyta voss'amor assy 
que nunca dormi, se deus mi perdon', 
e cuydo sempre no meu coraçom 
pêro nom cuyd'al des que vos vi, 
senom em como parecedes bem, 
des y en como averey de vós bem. 
E d'amor sey que nulh'oraem nom tem 
em mayor coyta ca mim por vos vem. 



134 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATÍCANA 



699 

Os que nom amam, nem sabem d'amor 
fazen perder aos que amor am, 
vedes porque, quand'anfas donas vam 
juram que morrem por elas damor; 
e elas sabem poys que nom é'ssy 
e por esto pereceu e os que bem 
lealmente amam, segundo meu sen. 
Ca se elas soubessem os que am 
bem verdadeyramente grand'amor 
d'alguem, sse doeria ssa senhor; 
mays por aqueles que o juraiKam 
cuydam-ss'elas que todas taes som, 
e por eslo perc'eu e os que bem 
lealmente amam, segundo meu sen. 
E aqueles que ja medo nom am 
que lhis faça coyta sofrer amor, 
vêem anfelas e juram melhor 
ou também como os que amor am 
e elas nom sabem quaes creer; 
e por esto pereceu e os que bem 
lealmente amam, segundo meu sen. 
E os bem desemparados d'araor 
juram que morrem com amor que am 
seend'ant'eías, e mentem de pram, 
mays quand'ar veern os que am amor 
ja elas cuydam que vêem mentir; 
e por esto perc'cu e os que bem 
lealmenle amam, segundo meu sen. 

700 

Senhor, por vós ey as coytas que ey, 

e per amor que mi vos fez amar, 

ca el sem vós nom m'as poderá dar 

nem vós sem el, c por esto nora sey 
se me devo de vós queyxar, senhor, 
mays d'estas coytas que ei, se d'amor. 
Ca muytus vej'a que ouço dizer 

que d'amor vivem coytados, nom d'al 

ca mi d'el e de vós me vem mal, 

e por aqueslo nom poss^ntender 
se me devo de vós queixar, senhor, 
mays d'estas coytas que ei, se d'amor. 
Pêro amor nunca me coyta deu 

nem mi fez mal, senom des que vos vi 

nem vós de rem, se anlcl nom foy hi, 

e por estas razões nom sey 
se me devo de vós queixar, senhor, 
mays d'estas coytas que ey, se d^mor. 
E por deus, fazede-me sabedor 

se nfey de vós queixar, se d'amor. 

GALISTEO FERNANDES 

701 

Dizem-m'ora que nulha rem nom sey 
d'ome coytado de coyta d'amor, 



e (Festa coyta soo sabedor 

por aquesto que vos ora direy, 
pela mha coita entendeu mui bem 
a quem ha coyta d'amor e que lh*avera. 
E desejos e mui pouco prazer, 

ca assy fiz eu mui gram sazom a já 

por huã dona que mi coita dá, 

e por aquesto vos venho dizer 
pela mha coita entend'eu mui bem 
a quem ha coyta d^mor, e que lh'avem 



702 

Teem-mem tal coita, que nunca vi 
hom'em tal coyta, pêro que o preyt eslê 
que lhis diga por quem trol/e quem é; 
e, meus amigos, digo-lhis assy: 
é jjiha senhor e parece mui bem. 
Pregunlam-me, e nom sey eu qual razom 
que lhis diga quem est a que loey 
em meu trobar sempre quando trobey ; 
e digo-lhis eu, se deus mi perdon' ; 
é mha senhor e parece mui bem. 
Porque nom quer, ca se lhi prouguess'en 
nom mi verria quanto mal mi vem. 

LOPO jograr 

703 

Eu muy coytado nom acho razom 
per que possa hir hu é mha senhor, 
e pêro que m l ey d'hir hi gram sabor 
sol nom vou hy, e a mui gram sazom 
que nom fuy hy, e por esto m'avem 
por nom saberem a quem quero bem. 
E nom acho eu razom e por est' é 
porque m'ey de guardar e de temer 
de m'o saberem, mays pola veer 
moy^e gram temp'ha ja per boa fé 
que nom fuy hi, e por esto m'avem 
por nom saberem a quem quero bem. 
Por eslo nom poss^eu razom achar 
como a veja, nem sey que fazer, 
e valer-m'ia mui mays en morrer 
poys que Iam muyfa já, si deus n^empar', 
que nom fuy hi, e por esto nTavem 
por nom saberem a quem quero bem. 
Nem saberám, mcntr'eu aquesto sen 
ouver, que ey, por mim que quero bem. 

704 

Par deus, senhor, muyf aguisari'oy 
des quando m'ora eu de vós quitar 
de vos veer muy tarda meu cuydar 
por hunha rem que vos ora direy, 



JOHAM JOGRAR 



135 



ca nom será tam pequena sazora 

que sem vós more, se deus mi perdon', 

que mi nom seja muy grande o sey. 

E, mha senhor, nunca cedo verrey 
hu vos veja des que m'ora partir 
de vós, mha senhor, e vos eu non vir, 
mays com tal coyta como vy verey 
ca se hu dia tardar hu eu for 
e hu vos nom vir bem terrey, mha senhor, 
que a hum, e nom mays que a lá tardey. 

E, mha senhor, porque me coitarey* 
de viir cedo, poys-mi prol non a, 
ca se veer logo tard'i será 
e por esto nunca ced'acharey 
ca se hum dia em menos meter 
que vos nom veja, logu'ey de teer 
que ha mill dias que sen vós morey. 

705 

Bem vej'eu que dizia mha senhor 
gram verdade no que mi foy dizer, 
ca já eu d'ela querria aver 
esto terria-lh'o por grand'amor, 
que sol quysesse comigo falar 
e quytaí-lh'ia de lh'al demandar. 
E bem entendo que baratey mal 
do que lhe foy dizer, ca des enlom 
non falou migo, se deus mi perdon 1 , 
e tanto mi fezess'oje e nom ai 
que sol quysesse comigo falar 
e quytar Ih ia de lh'al demandar. 
E bem entendo que fiz folia, 
e dizem verdade per huã rem: 
do que muylo quer a pouco devera ; 
a tal foy eu, ca ja Olharia 
que sol quisesse comigo falar 
e quitar-lh'ia do llfal demandar. 

LOURENÇO jograr 

706 

Estes, com que eu venho, preguntei 
quanfha que vehemos, per boa fé, 
d'essa terra hu mha senhor é, 
mays dizem mo que Ihis nom creerey, 
dizem que mays d'oylo dias nom ha, 
e a mi é que mays d'un an'y ha. 
Mays de pram nom lhe-lo poss'eu creer 
áos que dizem que Iam pouc'ha hy 
que m'eu d'u est a mha senhor parti ; 
mays que mi querem creente fazer, 
dizem que mays d'oyto dias nom ha 
c a mi é que mays d'um an'y ha. 
Mcntr^cu morar hu nom vir a mha senhor 
se m'oyto dias tanfam a durar 
mays me valrria logrem me matar 
se m'oyto dias tara gram sazom for; 
dizem que mays cToyto dias nom ha 
o a mi é que mays d'un an'y ha. 



E se mays d'oyto dias nom som 
que de mha senhor foy alongado, 
forte preylo tenho começado 
poys m*oylo dias foy tam gram sazom. 

JOHAM jograr, morador em Leom 

707 

A sa vida seja muyta 
d'este rey de Portugal, 
que cada ano ra'ha por fruyfa 
per o que eu canto mal ; 
e ai vou muy confortado 
da mercê que m'el faz, 
el he rey acabado 
et eu soo muy maao rapaz. 

Os rex mouros, christãos 
mentre viver lITajam medo, 
que el ha muy bem as mãaos, 
et o infante dom Pedro, 
seu filho, que s'aventura 
a hu graniTusso matar, 
et desi et sempre cura 
d'el rey seu padre guardar, 

E ai do Conde falemos 
que he irmão tio d'el-rey 
et muy to bem d'el diremos 
segundo como apensey ; 
se fosse seu o thesouro 
que el-rey de França tem 
também prata como ouro, 
daria todo a sseu sen. 

708 

Os namorados que trobam d'amor 
todos deviam gram doo fazer, 
et nora tomar em si nenhum prazer, 
porque perderom tam boo senhor 
com'é el-rey Dom Denis de Portugal, 
de que nom pode dizer nenhum mal 
homem, pêro seja profaçador. 

Os trobadores que poys fleárom 
en o seu regno et no de Leon, 
no de Castela, no d'Aragon 
nunca poys de sa morte trobarom ; 
et dos jorrares vos quero dizer 
nunca cobrarom panos nem aver, 
et o seu bem muyto dtfsejarom. 

Os cavaleiros e cidadãos 
que d^ste rey aviam dinheiros, 
et outro si donas el cscudeyros 
matar-se deviam con sas mãoos, 
porque perderom a tam boo senhor, 
de que eu posso cn bem dizer sera pavor 
que nom ficou d'al nos christãos. 

E mays vos quero dizer doeste rey 
et dos que d'el avyam bem fazer, 
deviam-se (reste mundo a perder 



136 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



quand'e1e tabrreh, per qúahfeú vi et sey; 
ca el foy rey á fame muy prestador 
et saboroso, e d'amor trobador, 
tod'o seii bem dizer nom poderey. 

Màys tanto me quero confortar 
em seu rietò, que o vay semelhar 
em fafcer feitos de muy sabeo rey. 



PÊRO DE DARDIA 

709 

Sanhudo m'é meu amigue nom sey, 
deul-o sabe porque Xi m'assanhou, 
ca toda rem que m'el a mi mandou 
fazer, fl^eu, e nunca HTerrey; 
e por aquesto nom tenh'eu em rem 
sanha, que sey onde mi verrá bem. 
Tam sanhudo nom m'é, se m'eu quiser 
que muyfalhur sem mi possa viver, 
e en soberva lh'o quer*eu meter 
que o faça se o fazer poder ; 
e por aquesto nom tenheu em rem 
sanha, que sey onde mi verrà bem. 
E des que eu de mandado sayr 
nom se pode meu amigo guardar 
que me nom aja poys muyfa rogar, 
polo que m'agora nom quer gracir; 
e por aquesto nom tenho eu em rem 
sanha, que sey onde mi verrà bem. 
Quando-m'el vir em Santa Marta estar 
muy fremosa, meu amigo, bem olh'eu, 
querrà falar migo, e nom querrey eu, 
entom me cuydo bem d'el a vingar; 
e por aquesto nom tenho eu cm rem 
sanha, que sey onde mi verrà bem. 

710 

Jurava-m'o meu amigo 
quancTel falava comigo, 
que nunc'alhur viveria 
sem mi ; e nom mi querria 

tam gram bem como dizia. 
Foy hu dia polo vecr 
a Santa Marta, em a er 
hu m'el jurou que morria 
por mi, mays nom mi querria 

tam gram bem como dizia. 
Se m'el desejasse tanto 
como dizia logo anfo 
tempo que disse, verria, 
mays sey que me nom querria 

tam gram bem como dizia. 
Pode el tardar quanto quiser 
mays perjurar quando veher, 
ja ho lh'eu nom creeria, 
ca sey que mi nom queria 

tam gram bem como dizia. 



Ay fals'é porque mentia 
quando mi bem nom queria. 

71Í 

Deul-o sabe, còy tada, vivo mays cà soya, 
ca se foy meu amigo, e bem vi quando s*ya 
cà se perderia migo. 

E dissera-lh'eu ante que se de min quitasse 
que sse vehesse pcdo e sse a lá tardasse 
cà se perderia migo. 

E dissera-lh'eú ante que se de mi partisse . 
que se muy to quisesse viver hu me nom viss^ 
cà se perderia migo. 

712 

Àssanhou-so meu amigo 
a mi, porque nom guysei 
como falasse comigo, 
deus lo sabe, nom ousey; 
e por en se quiser ande 
sanhudo e nom m'o demande; 
quanfel quiser a tanfande 

sanhud'e nom me demande. • 
Envyar quer'eu, velida, 
a meu amigo que seja 
em Santa Marta na ermida 
migo led', e hy me veja 
se quiser, e senom ande 

sanhud'e nom me demande. 
Depoyl o tiv'eu guisado 
que s'el foy d 'aqui sanhudo, 
e atendi seu mandado 
e nom o vi, e perdudo ^ 

é comigo, e a là x'ande 

sanhud'e nom me demande. 
Sey que nom sabe a mha manha 
poys que m'enviar nom quer 
mandadeyro, xi m'assanha 
ca verrà se m'eu quiser; 
mays nom quer 1 eu, e el ande 

sanhud'e nom me demande. 

713 

Foy-s'o meu amigo d 'aqui 
sanhudo, porque o nom vi 
e pesar -m'ha, mays oy 
hum verv'antiguo, de mi bem 
verdadeyr', e ca diz assy: 
quem leve vay, leve x'ar vem. 

PÊRO MENDES DA FONSECA 

714 

Par deus, senhor, quero-m'eu hir 
e venho-mi vos espedir, 
e que aja que vos gracir 



NUNO PORCO 



13' 



crccde-m*ora hunlia rem, 
cá me quero de vós parlir, 

mays noto de vos querer gram bem. 
Des aquel dia em que naci 
nunca I amanho pesar vi 
com'el dé me parlir d'aqui 
onde vos fuy veer; 
e parto-m^emragora assy 

mays nom do vos gram bem querer» 
Agora já me partirey 
de vós, senhor, que sempr^amcy, 
e creede m'o que vos direy, 
que nunca vy mayor pesar , 
de me partir, e parlir-m'cy 

de vós, mays nom de vos amar. 

715 

Senhor fremosa, vou-n^alhur morar, 
per boa fé, rouyfa pesar de mi, 
porque vos pesa de viver aqui ; 
poren faç'eu dereyfem mi pesar 
qu'é grave coyta, senhor, d'endurar 
quando vos vej'e nom posso guarir 
de mays.avermc de vós a partir. 
Vej'eu, senhor, que vos fap'i prazer, 
mays faz a mi mui gram pesar por en • 
viver sem vós, ay meu lum'e meu bem ; 
pêro nom sey como possa seer 
qu'é grave coyta, senhor, de sofrer 
quando vos vej'e nom posso guarir 
de mays aver-rae de vós a partir. 
Já mi de vós expederey 
atá que dós vos mela em corapom 
que me queirades saber a razom > 
pêro sey ben que pouco vyverey, 
que grave cousa que de sofrer ey 
onde vos vej'e nom posso guarir 
de mays aver-me de vós a partir. 

716 

Senhor, que forle coraçom 
vos deus sempre contra mi deu, 
que tanto mal sofr'este meu 
por vós de pram, ca por ai nom; 

poys mhas coylas prazer vos som, 

em grave dia vos eu vi, 

que vos nom doedes de mi. 
Doo deviades aver 
de min, senhor, per boa fé, 
poys quanto mal ey, per vós é 
e veerdes-m'assy morrer; 

poys vos mhas coytas som prazer, 

em grave dia vos eu vi, 

que vos nom doedes de mi. 

717 

Sazom sey eu que nom ousey dizer 
o mui gram bem que qnor'a mha senhor, 

IH 



ca me temia de seu desamor, 
e ora já nora ey rem que temer; 
ca já m'ela mayor mal nom fará 
do que mi fez, per quanto poderá 
ca já hy fezo todo seu poder. 

Per boa fé n'aquella sazom 
dizer temia quanto xi direy 
ca nom ousava, mays já ousarey 
e des oy mays, quer se queixe, quer nom; 
e quer se queixe, nom mi pode dar 
mayor afam, nem já mayor pesar 
nem mayor coita no*meu coraçom 

Ca já mi deu, porque perdi o sen 
e os meus olhos prazer e dormir, 
pêro sempr'eu punhey de a servir 
como se fosse tod'este mal bem ; 
e servirey emquanfeu vivo for 
ca nom ey doutra rem Iam gram sabor, 
pêro lhi praz de quanto mal mi vem. 



718 

Senhor de mi c d'estes olhos meus, 
gram coyta sofro por vós, e sofri 
e per amor que ajuda muyfi, 
e nom mi vai el y nem vós, mays deos 
se mi dei morfey que lhi gradecer, 
ca viv'em coyta, poys ey a morrer. 
Per esta coyta perdi já o sen, 
e vós mesura contra mi, e sey 
que per amor e quanto mal eu ey 
por vós, senhor, mays deus ora poren 
se mi der morfey que lhi gradecer, 
ca Viv^m coyta, poys ey a morrer. 
Ca eu bem vejo de vós e d'amor, 
qual mays poder que mays mal mi fará, 
e bem entendo mha fazenda já 
como mi vay, poren noslro senhor 
se mi der morfey que lhi gradecer, 
ca viv'em coyta, poys ey a morrer. 



NUNO POUCO 



719 

Ilirey a lo mar veel-o meu amigo, 
preguntal-o-ey se querrá viver migo; - 
e vou-m'eu namorada. 
Hircy a lo mar veel-o meu amado, 
preguntal-o-ey se fará meu mandado; 
e vou m'eu namorada. 
Preguntal-o-ey porque nom vyve migo, 
e direy-ltTa coyfem que por el vyvo; 
c vou-m'eu namorada. 
PreguiUal-o-cy porque m'a despagado 
e ssi m'assanhou a lorfendoado ; 
c vou-m'eu namorada. 



138 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



PÊRO DE VEER 



720 



Ay deus, que doo que eu de mi ey, 
porque se foy meu araigu'e fiquey 
pequena e d'el namorada. 
Quando s'el ouve de Juilham a hir 
fiquey, fremosa, por vos nom mentir, 
pequena e d'cl namorada. 
Aly ouv'eu de mha morte pavor 
hu eu fiquey mui coitada pastor, 
pequena e dei namorada. 

721 

Assanhey-me-vos, amigo, Voutro dia 
mays bem o sab'ora Santa Maria, 
que nom foy por vosso mal 
per boa fé, meu amigo, foy por ai. 

722 

A Santa Maria fiz hir meu amigo 
e nom lh'atendi o que poz comigo; 
con el me perdi 
porque Ihi menti. 
Fiz liir meu amigo a Santa Maria, 
e nom foi eu hy com el aquel dia; 
con el me perdi 
porque lhi menti. 

723 

Ho meu amig', a que eu quero bem, 
guardam-me d'el e nom ouso per rem 
a santa Maria hir 

poys 

Guardam-me d'el, e que o nom veja, 
e nom me leixam, per rem que seja, 
a santa Maria hir 

poys... 

Que o nom visse maçar quisesse, 
poren guisarom que nom podesse 
a santa Maria hir 

poys 

Nem o viss'eu, nem o tanfamasse, 
poys mi deus deu quem me nom leiíasse 
a santa Maria hir 

poys , 

Des que o vi em Juilham hum dia 
já me nom leixam como soya 
a santa Maria hir 
poys 

724 

Assanhey-me-vos, amigo, 
per boa fé com sandece, 
como se molher assanha 
a quem lh'o nunca merece ; 



mays se mi vos assanhey 
desassanhar-mi-vos ey. 

725 

— Vejo- vos, filha, tam de corapom 
chorar tam muyto que ey eu pesar, 
e venho-vos por esto preguntar 
que mi digadeys, se deus vos perdon', 

porque m'andades tam triste chorando? 

«Nom poss'eu madre se mpr andar cantando. 
— Nom vos vej'eu, filha, sempre cantar 
mays chorar, muyfe com que por en 
algum amigo queredes gram bem ; 
e venho-vos por esto preguntar: 

porque irmandades tam triste chorando? 

« Nom poss'eu madre sempr'andar cantando. 



BERNAL DE BONAVAL 

726 

Fremosas, a deus grado tam bom dia comigo 
ca novas mi disserom ca vem o meu amigo; 
ca vem o meu amigo 
é tam bom dia migo. 
Tam bom dia migo fremosas a deus grado, 
ca novas mi disserom ca vem o meu amado; 
c fremosas, a deus grado 
ca vem o meu amado. 
Ca novas mi disserom que vem o meu amigo, 
eand'end'eumuiledapoystalmandad'eymigo; 
poys tal mandad'ey migo 
que vem o meu amigo. 
Ca novas mi disserom ca vem o meu amado 
e and'eu mui leda poys migu'é tal mandado; 
poys migu'é tal mandado 
ca vem o meu amado. 

727 

Quero-vos eu, mha irmana, roguar 
por meu amigue quero-vos dizer 
que vos non pés' de m'el viir veer, 
e ar quero-vos d'el desenganar: 

se vos prouguer con el gracir-vol-o-ey, 

e se vos pesar nom o leixarey. 
s Se veher meu amigu' e vos for bem 
com"el, fiar-m'ei mays em voss'amor 
e sempre m'eu d'averdes melhor, 
e ar quero-vos dizer outra rem : 

se vos prouguer com el gracir-vol-o-ey, 

e se vos pesar nom o leixarey. 
Quando veher meu amigo, cousir 
vos ei, se me queredes bem se mal, 
e, mha irmana, direy-vos logu'al 
ca nom vos quero meu cór encobrir, 

se vos prouguer com el gracir-voío-ey, 

e se vos pesar nom o íeixarey. 



JOHAM SERVANDO 



139 



728 

— Ay fremosinha, se bera ajades, 
longi de vila quem asperades? 
«Vim atender meu amigo. 
— Ay fremosinha, se grado edes, 
longi de vila quem atendedes? 
«Vim atender meu amigo. 
— Longi de vila que asperades? 
«Direy-vol-eu poys me preguntades, 
vim atender meu amigo. 
— Longi de vila que atendedes? 
«Direy-vol-eu poyl^o nom sabedes, 
vim atender meu amigo. 

729 

Poys mi dizedes, amigo 
ca mi queredes vós melhor 
de quantas em o mundo som, 
dizede, por nostro senhor, 

se mi vós queredes grara bem, 

e como vós podedes d aquém. 
E poys dizedes ca poder 
nom avedes cTal tanfamar 
como mim, ay meu amigo, 
dizede, se deus vos arapar' 

se mi vós queredes gram bem, 

e como vós podedes d'aquem. 
E poys vos eu ouço dizer 
ca nom amades tam muyfa mal 
como mi, dized'ami£0, 
se deus vos leva Bonaval, 

se mi vós queredes gram bem, 

e como vós podedes d'aquem. 
Porque oy sempre dizer 
du home rauyfaraou molher 
que se non podia end'ir; 
pesar-m'ha se eu nom souber 

se mi vós queredes gram bem, 

e como vós podedes d'aquèm. 

730 

Se vehesso meu amigo a Bonaval e me visse 
vedes como lh'eu diria ante que rrfeu partisse : 

se vos fordes nom tardedes 

tam muyto como soedes ; > 

diria-lh'eu non tardedes 

amigo, como soedes. 
Diria-lh'eu: m'amigo, se vós a ml muy 1'amades 
fazede por mi a tanto q per boa ventura ajades 

se vos fordes nom tardedes 

tam muyto como soedes ; 

dirja-lh'eu nom tardedes, 

amigo, como soedes. 
Que leda que eu seria se vehess^el falar inigo, 
e ao partir da fala, diria-lh'eu: meu amigo 

se vos fordes non tardedes 

tam muyto como soedes ; 



diria-lh'eu, non tardedes 
amigo como soedes. 

731 

Diss'a fremosa em Bonaval assy : 
ay deus, hu é meu amigo d'aqui 
de Bonaval. 
Cuyd'eu coytad'en o seu coraçom, 
porque nom foy migo na sagraçom 
de Bonaval. 
Poys eu migo seu mandado nom ey, 
jà m'eu led'a partir nom poderey 
de Bonaval. 
Poys irfaqui seu mandado nom chegou, 
muyto vim eu mays leda ca me vou 
de Bonaval. 

732 

Rogar- vts quer'eu, mba madre, raha senhor, 
que mi nom digades oje mal 

se eu for a Bonaval, 

poys meu amigo nom vem. 

Sevos nom pesar, mha madre, rogar-vos-ey 
por deus, que mi nom digades mal 

e hirey a Bonaval, 

poys meu amigo nom vem. 

733 

Filha fremosa, vedes que vos digo, 
que non falades do voss'amigo 
sem mi, ay filha fremosa. 
E se vós, filha, meu amor queredes, 
rogo-vos eu que nunca lhi faledes 
sem mi, ay filha fremosa. 
E ai ha hi de que vos non guardades, 
perdedes hi de quanto lhi non falades 
sem mi, ay filha fremosa. 



JOHAM SERVANDO 

734 

Quand'eu a San Servando fay um dia d'aqut 
fazel-a romaria, e meu amiguM vi, 
direy- vos com verdade quant'eu d'el entendi : 

Muyto venho pagada 

de quanto lhi faley ; 

mays a-m'el namorada 

que nunca lhi guarrey. 
Que bona romaria con meu amigo fiz ! 
ca lhi dix\ a deus grado, quanto llTeu dizer quix 
e dixi-lh'o gram torto que sempre d'el prix. 

Muyto venho pagada 

per quanto lhi faley ; 

mays a-mel namorada 

que nunca lhi guarrey. 
Hu el falou comigo, disse-m'esta razon 



140 



CANCIONEIRO POItTUGUEZ DA VATICANA 



por deus que lhi faria t c dixi-lh^eu entom: 
averey de vós doo no meu coraçom. 

Muyto venho pagada 

de quanto lhi faley; 

mays a-m'el namorada 

que nunca lhi guarrey. 
Nunca m'eu (Testa hida acharey se nõben, 
ca dix'a meu amigo a coyta'n que me tem 
o seu amor e cuydo que vay ledo por en. 

Huylo venho pagada 

de quanto lhi faley; 

mays a-m'el namorada 

que nunca lhi guarrey. 

735 

Hir-se quer o meu amigo, 
nom me sey eu d'el vingar, 
e pêro mal está migo 
se me lheu anfassanhar : 

quando m'el sanhuda vir 

nom s'ousarà d'aquem d'ir. 
Hir-se quer el d'aqui cedo 
por mi non fazer companha, 
mays pêro que non a medo 
de lhi mal fazer mha sanha ; 

quando m'el sanhuda vir 

nom s'ousará d 'aquém d'ir. 
Foy el fazer n'outro dia 
oraçora a Sam Servando 
por ss'yr já d'aqui sa vya; 
mays se m'eu for assanhando 

quanto m'el sanhuda vir 

nom s'ousará d'aquem d'ir. 

736 

A San Servand'en oraçom 
foy m'eu amigu'e por que nom 
foy eu, chorarom des entom 

estes meus olhos com pesar, 

e non os poss'end'eu quytar 

estes meus olhos de chorar. 
Poys que ss'agora foy d'aqui 
o meu amigu'e o non vi 
filharom-ss'a chorar des y 

estes meus olhos com pesar, 

e nom os poss'end'eu quytar 

estes meus olhos de chorar 

737 

A San Servando foy meu amigo, 
e porque non veo falar migo 
direy-o a deus, 
e chorarey dos olhos meus. 
Se o i vir, madre, serey cobrada 
e porque me teendes guardada? 
direy-o a deus, 
c chorarey dos olhos meus. 



E se m^el nom vir será por mi morto ; 
mays porque m'cl fez taro gram torlo, 
direy-o a deus, 
e chorarei d'estes olhos meus. 



738 (vid. 749) 

• 

Ora van a San Servando 
donas fazer romaria, 
e nom me leixam com ellas 
hir, ca log'a lá hiria 

porque vem hy meu amigo. 
Se eu foss'en tal companha 
de donas, fura guarida ; 
mays nom quis oje mha madre 
que fezess'eud'eu a hida, 

porque vem hi meu amigo. 
Tal romaria de donas 
vay a lá que nom a par! 
e fora oj'eu con elas, 
mays nom me querem leixar, 

porque vem hi meu amigo. 
Nunca me mha madre veja, 
se d'ela non for vingada, 
porque oj'a San Servando 
nom vou, e me tem guardada, 

porque vem hi meu amigo. 



739 

A San Servando ora vara todas orar, 
madre velida, por deus vin-vol-o roguar: 

que me leixedes a lá hir 
a San Servand', e se o meu amigu'o vir 

leda serey por non mentir. 
Poys mi dizem do meti amigo ca hi ven, 
madre velida e senhor, faredes ben 

que me leixedes a lá hir 
a San Servand' ; e se o meu amigu'o vir 

leda serey, por non mentir. 
Poys todas hi van de grado oraçom fazer, 
madre velida, por deus, venho-vol-o dizer 

que me leixedes a lá hir 
a San Servand'; e se o meu amigu o vir, 

leda serey por nom mentir. 



740 

Se meu amig'a San Servando for, 
e lh'o deus aguysa polo seu amor, 
d'y lo quer'eu, madre, veer I 
E sse eu for, como me demandou 
a San Servando hu nf outra vez buscou, 
d'y lo quer'eu, madre, veer. 
O meu amigo, que mi vós tolhedes, 
pêro m'agora por cl mal dizedes, 
d'y lo quer'eu, madre, veer. 



JOHAM SERVANDO 



141 



741 

Mha madre velida ! e nom me guardecjes 
d'ir a Bap Servando ; ca sç o fazedes 
roorrerey d'amores| 
E nom me guardedes, se bem ajades, 
d'Jr a San Servando; ca se me guardades 
jnorrerey demores ! 
E sse me non guardades d'a tal perfla 
d'ir a San Servando fazer romaria, 
morrerey demores I 
E sse me vós guardades, eu ben vol-o digo, 
dlr a San Servando veer meu amigo, 
morrerey d'ajnores ! 

742 

Trist'and'eu, velida, e ben vol-o digo, 
porque mi nom leixam veer meu amigo ; 
podem-m'agora guardar, 
roays nom me partiram de o amar. 
Pêro me ferirom por el n'outro dia, 
fui a San Servando ver se o veria; 
podem-m'agora guardar, 
mays nom me partiram de o amar. 
E pêro m'aguardam que o nom veja, 
esto nora pode seer per rem que seja; 
podem-m'agora guardar, 
mays nom me partiram de o amar. 
B muyto me podem guardar, 
e nom me partiram de o amar. 

743 

Foy- ss'agorá meu amigu'e por en 

a-mi jurado que polo meu bem 

me quis e quer mui melhor d'outra rem ; 
mays eu ben creo que non est assy, 
ante cuyd'eu que moyra el por mi 
e eu por el, em tal ora o vi% 
Quando sse foy, vyu-me triste cuydar, 

e logo disse por me non pesar, 

que por meu bem m'a sempre tanfamar; 
mays eu bem creo que non est assy, 
ante cuyd'eu que moyra el por mi 
e eu por el, en lai ora o vi. 
Aquel dia que sse foy mi jurou 

que por meu bem me sempre tanfamou 

e amará, poys migo começou ; 
mays eu bem creo que non est assy, 
ante cuyd'cu que moyra el por mi 
e eu por el, en tal ora o vi. 
Par San Servando ! sey que será assy 

de morrer eu por el, e el por mi. 

744 

Fuy eu a San Servando por veer meu amigo 
c non o vi na ermida, nem falou el comigo, 
namorada! 



Disserom-mi mandadodequemuylodesejo 
ca verria a San Servando, e poys eu non o vejo, 
namorada ! 

745 

Diz meu amigo que Ihi faça ben, 
mays nom mi diz o bem que quer de min j 
eu por bem tenho de que lh'aqui vin 
pol-o veer, mays el assy non tem ; 
mays se soubess'eu qual ben el querria 
aver de min, assi llVo guysaria. 
Pede-ra'el bem, quanf ha que o vi eu, 
e non mi diz o bem quer aver 
de min ; e tenh'eu que do veer 
he muy gram bem, e el non ten'as6y ; 
mays se soubess'eu qual ben el querria 
aver de min, assi lh'o guysaria. 
Pede-nf el bem, non sey en qual razon ; 
pêro non mi dij'o ben que querrá 
de min ; e tenh'eu oy que o vi já 
que lh'é gram ben, e el ten que non; 
mays soubess'eu qual ben el querria 
aver de min, assi lh'o guysaria. 
Par San Servand' f assanhar-m'ey hun dia, 
se m'el non diz qual ben de mi querria. 

746 

Filha, o que queredes ben 
partiu-ss'agora d'aquen 
e non vos quiso veer ; 

e hides vós bem querer 

a quem vos nom quer veer ? 
Filha, que mal baratades, 
que o sem meu grad'amades, 
poys que vus nom quer veer ! 
> e hides vós bem querer 

a quem vus nom quer veer? 
Por esto lhe quer'eu mal, 
mha filha, e nom por ai : 
porque vos non quis veer; 

e hides vós bem querer 

a quem vos non quer veer? 
Andades por el chorando, 
e foy ora a San Servando 
e nom vus quiso veer ; 

e hides vóá bem querer 

a quem vus nora quer veer ? 

747 

Disscrom-mi cá se queria hir 
o meu amigo, porque me ferir, 
quiso mha madre; se m'ante non vyr 
achar-s'ha end'el mal, se eu poder, 
se ora for sem meu gradou hir quer, 
achar-s'-a end'el mal, se eu poder. 
Torto mi fez quem m'agora mentiu; 
a veer-m'ouve, pêro non me vyu, 
e porque m'el de mandado sayu, 



142 



CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA 



achar-sba end'el mal, se eu poder, 
se ora for sem meu gradou hir quer, 
achar-s'-a end^el mal se eu poder. 
El me rogou que Ihi quisesse bem, 
e rogo a deus que lhi dia por en 
coytas cTamõr ; et pois s'el foi daquem 
achar-s'-a end'el mal, se eu poder, 
se ora for sem meu grad'u hir quer, 
achar-s'-a end'el mal se eu poder. 
A San Servando foy eu oraçon 
en que o visse, non foy el enton, 
e por a tanto, se deus mi perdon', 
achar-s'-a end'el mal se eu poder, 
se ora for sem meu grad'u hir quer, 
achar s'-a end'el mal, se eu poder, 

748 

meu amigo, que me faz viver 

trisfe coytada des que o eu vi, 

esto sey ben que morrerá por mi, 

e poys eu logo por el ar morrer, 
maravilhar-ss'am todos datai fim, 
quand'eu morrer por el e el por min. 
Vy vo coitada, par nostro senhor ! 

por meu amigo que me nom querrá 

valer; e sey eu que morrerá; 

mays poys eu logo por el morta for, 
maravilhar-ssam todos datai lln 
quandeu morrer por el e el por min. 
Sabe mui ben que non ade guarír 

o meu amigo, que mi faz pesar; 

cá morrerá, non o meto eu en cuydar, 

por mi, e poys meu por el morrer vir 
maravilhar-ss'am todos datai fin 
quand'eu morrer por el e el por min. 
Por San Servando, que eu rogar vin, 

nom morrerá meu amigo por min. 

749 

Donas vam a San Servando, 
muylas oj'em romaria, 
mays non quis oje mha madre 
que fosseu hy este dia, 

porque ven hy meu amigo ! 
Se eu foss'en tal companha 
de donas, fora guarida ; 
mays non quis oje mha madre 
que end'eu fezesse a hida, 

porque vem hy meu amigo ! 
A tal companha de donas 
vay a lá, que non ha par, 
e fora-m'eu oje com elas, 
mays non me querem leixar, 

porque vem hi meu amigo. 

750 

Ir vos queredes, amigo, 
e ey end'eu muy gram pesar, 



ca me fazedes trisfandar 
por vós, eu bem vol-o digo ; 

ca nom ey sem vós a veer, 

amigo, omTeu aja prazer; 

e com'ey sem vós a veer 

ond'eu aja nenhum prazer? 
E ar direy-vos outra rera, 
poys que vos queredes ir, 
peu amigu' e de mim partir ; 
perdud'ey eu todo meu ben, 

ca non ey sem vós a veer, 

amigo, ond'eu aja prazer; . 

e conTey sem vós a veer 

ond'eu aja nenhum prazer? 
Choraram estes olhos meus 
poys vos hides sem meu grado, 
porque m'andades irado; 
mays, fleade migo, por dens, 

ca non ey sem vós a veer, 

amigo, ond'eu aja prazer; 

e com'ey sem vós a veer 

ond'eu aja nenhum prazer? 

A San ServandMrey dizer 

que me mostre de vós prazer. 

J0HA1I ZURRO 

751 

Quem vise andar a fremosinha 
com'eu vi, d'amor coytada, 
et tam moyto namorada, 
que chorando assi dizia : 

«Ay amor, leyxedes m'oje 

cc de sol o ramo folgar, 

«e depoys, treydes vós migo 

« meu amigo demandar. 
Quem vise andar a fremosa 
cornou vi, d'amor chorando, 
et dizendo et rogando 
por amore da glosa : 

«Ay amor, leyxedes nfoje 

(( de sol o ramo folgar, 

«et depoys, treydes vós migo 

«meu amigo demandar. 
Quem lh'y visse andar fazendo 
queyxumes d'amor d'amigo 
que ama, sempre sigo 
chorando, assi dizendo : 

«Ay amor, leyxedes nfoje 

« de sol o ramo folgar, 

«e depoys, treydes migo 

«meu amigo demandar. 

752 

«Os meus olhos, o meu coraçom 
et o meu lume foy-se com el rey. 
— Que est, ay íllha, se deus vos perdon', 
que m'o digades, gracir-vol o ey? 



JOHAM ZORRO 



143 



«Direy-vol-eu, el poys que o disser 
nom vos pés, madre, quand'aqui veer. 
Que coyt'ouv'ora el rey de me levar 

quanto bem avia nem ey d'aver. 

— Nom vos tem prol, Olha, de m'o negar; 

ante vol-o terra de m'o dizer. 

«Direy-vol-eui et poys que o disser 
nom vos pés, madre, quando aqui veer* 

753 

Per ribeira dò rio 
vi remar o navio ; 
et sabor ey da ribeyra ! 
Per ribeyra do alto 
vy remar o barco ; 
et. sabor ey da ribeyra I 
Vy remar o navio ; 
hy vay o meu amigo ; 
et sabor ey da ribeira ! 
Vy remar o barco, 
by vay o meu amado ; 
et sabor ey da ribeira 1 
Hy vay o meu amigo> 
quer-me levar comsigo ; 
et sabor ey da ribeira! 
Hy vay o meu amado, 
quer-me levar de grado, 
et sabor ey da ribeira ! 

754 

En Lixboa, sobre lo mar 
barcas novas mandey lavrar ; 
ay, mha senhor velida ! 
En Lixboa, 'sobre lo lez 
barcas novas mandey fazer; 
ay mha senhor velida ! 
Barcas novas mandey lavrar 
et no mar as mandey deytar; 
ay mha senhor velida! 
Barcas novas mandey fazer, 
et no mar as mandey meter; 
ay mha senhor velida ! 

755 

El-rey de Portugalc 
barcas mandou lavrar, 
e là iram nas barcas sigo 
mha Olha e voss'amigo ! 
El-rey portugueese 
barcas mandou fazer ; 
e là iram nas barcas sigo 
mha Olha e voss'amigo ! 
Barquas mandou lavrare 
e no mar as deytarem ; 
e la iram nas barcas sigo 
mha filha e voss'amigo. 
Barquas mandou fazere, 



e no mar as melere ; 
e la iram nas barcas sigo, 
mha filha e vdss^amigo. 

756 

^Cabelos, lòs meus cabelos; 
el-rey me enviou por elos ; 
madre, que lh'is farey? 
— FiJha, dade-os a el-rey. 
«Garceras, las mhas garceras 
el-rey m'enviou por elas ; 
madre, que lhys farey? 
— Filha, dade-as a el-rey. 

757 

tela ribeyfa do rio 
(cantando ia la dona sigo 

d 'amor : 

Venham as barcas 

pelo rio a sabor. 
Pela ribeyra do alto 
cantando ya la dona d'algo 

d'amor : 

Venham as barcas 

pelo rio a sabor. 

758 

Mete el-rey barcas no rio forte ; 
quem amigo ha, que deus lh'o amostre ; 
a la vay madr', 
eoj'ey suydade! 
Mete el-rey barcas na Estremadura, 
quem amigo ha, que deus lh T o aduga ; 
a la vay madr', 
e oj'ey suydade. 

759 

Jus'a lo*nar c ó rryo, 
oje namorada irey 
hu el-rey arma navyo ; 
amores comvusco m'yrey. 
Juso a lo mar e ó alto, 
eu namorada yrey 
hu el-rey arma o barco ; 
amores comvusco nryrey. 
Hu el-rey arma navyo 
eu namorada yrey 
pêra levar a virgo ; 
amores comvusco nryrey. 
Hu el-rey arma o barco 
eu namorada yrey 
pêra levar a d'algo ; 
amores comvusco nryrey. 

760 

Pela ribeira do rio salido 
trebelhey, madre, com meu amigo ; 



144 



CANCIONEIRO PORTUGUÊS DA VATICANA 



amor ey thigo 
que noth oiivesse ; 
fiz por athigo 
que no til, fézèsse. 
Pela Hbeira do rio levado 
trebelhey^ madre, coiri meu amacio j 
amor ejp migo 
que noiii ouvesse ; 
fiz por àtaigo 
que ttom fezesse. 

7BÍ(vid.462) 

Baylètaus agora, por deus, ay velidas, 
d'aquéstas avelancyras frolidas ; 
e quem íbr velida como vós velidas, 

se amigo amar, 
sõ aqiiestas avelaneyras granadas 

verrà bayíar. 

Baylemus agora, por deus, ay louvadas, 
sõ aquestas avelaneyras granadas, 
e quem for loada como vós loadas, 

se amigo amar, 
só aquestas avelaneyras granadas 

verrà baylar. 

ROY MARTINS DO CASAL 

762 

Mui gram temp'ha que serv'huã senhor, 
e avya en hy hir gram prazer, 
meus amigos, assy deus me perdon', 
que anfeu quisera em poder d'amor 
morrer ou viver, segundo meu sen, 
ca hu a mays servi, dama, non 
quer que a veja, nem lh'y quera bem. 

763 

Que rauyto bem fiz, deus, a mha senhor, 
se por bem ten de lh'eu gram bem querer, 
ca tam bem está já do meu amor 
que nunca já mays a pode perder; 
mays se eu d'ella estevess'assy 
*muy mayor bem faria deus a min. 
Muyto bem lh'y fez, aquesto sey eu, 
se ca Tapraz de lh'y querer bem, 
poys meu coraçom he em poder seu 
que nunca o pode perder per rem ; 
mays se eu d'ela estevess'assy 
rauy mayor bem faria deus a min. 
E muyto bem lh'y deve deus fazer 
se co'meu serviço lh'y prazerá, 
poyl-o meu coraçom terra em seu poder 
que nunca já per rem nom perderá ; 
mays se eu d 'ela estevess'assy 
muy mayor bem faria deus a min. 
E se prouguess'a deus que foss'assy 
nom me fezesse outro bem cies aly. 



764 

aDized', amigo, se praífcr vejadfed, 
vossa morte se a desejades, 
poys nom podedes fallar migo? 
— Desejo, senhor, bem no creádes. 
«Desejades tam bom dia migo 
poys que os meus desejos desejades; 

Dizede, amigo, se vos prazeria 
com a vossa morte todavya 
poys Vi vedes dé min alongado? 
— Prazer, senhor, por sancta Maria. 
«Prazeria, deus aja bom grado, 
poys a Vós do meú prazer prazeria. 

Dizede, amigo: se grado edes, 
a vossa ntoi te se a queredes^ 
poys que vi vedes de miú tam longe ? 
— Quero^ mha senhor, non duvidedes. 
«Queredes poys tam bom dia oje, 
poys o qtie eu quero vós queredes» 



765 

Rogo-te, ay amor, queyras migo morar 
tod'este tempo em quanto vay andar 
a Granada, meu amigo ! 
Rogo te, ay amor, que queyras migo seer, 
tod'este tempo, em quanto vay viver 
a Granada, meu amigo ! 
Tod'este tempo, em quanto vay morar, 
lidar com mouros e muy tos matar 
a Granada, meu amigo! 
Todo este tempo em quanto vay viver 
lidar com mouros e muytos prender 
a Granada, meu amigo l 



766 

Muyfey, amor, que te gradescer, 
porque quizestè comigo morar, 
e nom me quizestè desemparar 
atá que vem meu lum'e meu prazer, 
e meu amigo, que se foy andar 
a Granada, por meu amor lidar. 
Amor gradesco mays doutra rem, 
des que se foy meu amigo d J aqui 
que te nom quizestè partir de mi, 
atá que veo meu lum'e meu bem 
e meu amigo, que se foy andar 
a Granada, por meu amor lidar. 
Nunca prenderey de ti queyxume 
ca non fuste de mi partido, 
poys meu amigo foy d'aquem hido 
atá que vem meu bem e meu lume, 
e meu amigo, que se foy andar 
a Granada, por meu amor lidar. 
Poys me quisestes tam bem aguardar, 
por deus, nom me leixes sem ti oy morar. 



JUYÃO BOLSEYRO 



145 



767 

Ora, senhor, muy leda fycade, 
de mir; pesar nonse vos filhe de mi, 
cá me vou eu, e nora levo d'aqui 
o meu coraçom, e por deus enviade 
o vosso mygo, e faredes bom sen ; 
se nom, ben certa seede, senhor, 
que morrerey, tanfey de vós amor. 

768 

Assaz he desasisado 
o que cuyda que tem dama 
que nenhum outro nom ama, 
nem tem já d'ali cuydado, 

alça rabo. 
Se me deras galardon, 
amor, de quanto servi 
roais o quisera de ti 
do que dizem de Sansom 

com rrazon. 

769 

Quem de myn saber quiser 
que de sizo he o meu, 
servir quem me tem por seu 
o milhor que eu poder. 

Este é o meu desejo 
et será sem falecer 
se me bem conheço e vejo, 
quem me tem em seu poder; 

E pêro nom tem querer 
de me bem fazer vontade, 
mais vai seu mal em verdade 
que o bem que m'outra der. 

770 

Servinda outra donzella sey eu 
que sempr'estou algemado seu. 

Quando s'esta festa se fazia 
em que ella foy presente, 
e des que se foy auzente 
o lume nen ampar'via; 
junf a ella razom dizia : 
a huã negra a-mi, pêro seu 
hoy já m'ey, hoy ja m'ey cu. 

JDYÍO BOLSEYRO 

771 

Sem meu amigo m'and'eu senlheyra, 
e sol nom dormem estes olhos meus, 
u quaufeu posso peça luz a deus, 
c nom ma dá per nulha maneyra; 
mays se ma desse com meu amigo 
a luz agora seria migo. 
19 



Quamleu com meu amigo dormia 
a noyte nom durava nulha rem, 
e ora dur'a noyfc vay e vem, 
nem vem luz, nem pareço dia; 

mays se m'a desse com meu amigo 

a luz agora seria migo. 
E segundo com'a mi parece 
comigo m'é meu lum'e meu senhor, 
vem log'a luz de que nom ey sabor, 
e ora vay noit' e vera e creçe; 

mays se nra desse com meu amigo 

a luz agora seria migo. 
Pater noslrus, rez'eu mays de cento 
por aquel que morreu na vera cruz, 
que el me mostre mui ced'a luz, 
mays moslra-m'as noytes d'avento; 

mavs se m'a desse com meu amigo 

a luz agora seria migo. 

772 

Da noyte d^onlcm poileram fazer 
grandes trez noyles, segundo meu sen, 
mays na d'oje mi veo muyto bem, 

ca veomeu amigo; 
e ante que Hf envyasse dizer rem 

veo a luz e foy logo comigo. 
E poys m'eu onté senlheyra deytey 
a noyte foy e vèo e durou, 
mays a d'oje pouco a semelhou 

ca veo meu amigo ; 
a tanto que m'a falar começou 

veo a luz e foy logo comigo. 
E comecey a noyte de cuydar 
começou a noyte de crecer, 
mayl-a d'oje nom quis assy fazer 

ca véomeu amigo; 
e faland'eu com el a gram prazer 

veo a luz e foy logo comigo. 

773 

Fuy oj'eu, madre, veer meu amigo 
que envyou muyto rogar por en, 
porque sey eu como aver muy gram bem, 
mays vedes, madre, poys m'el vyo comsigo, 
foy el tam ledo, que des que naci 
nunca tam led'ome com molher vi. 
Quand'eu cheguey eslava el chorando 
e nom folgava o seu coraçom 
cuydand 7 em mi, se hiria se nom, 
mays poys m'el vyo hu m'el estava asperando 
foy el tam ledo, que des que naci 
nunca tam led'ome com molher vi. 
E poys deus quis que eu fosse hu m'el visse 
diss'el, mha madre, como vos direy: 
«vej'eu m'ir quanto ben no mmuTey,» 
e vedes, madre, quancTcl esto disse 
foy tara ledo, que des que eu naci 
nunca tam led'ome com molher vi. 



146 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



774 

Nas barcas novas foy-s'o roeu amigo tTaqui 
e vej'eu viir barcas, e tenho que vem hy, 

mha madre, o meu amigo! 
A tendamus, ay madre; sempre vos querrey ben 
cà vejo viir barcas, e tenho que hi ven, 

mha madre, o meu amigo! 
Non faç'eu desaguisado,mha madr'en o cuydar, 
ca nom podia muyto sen mi alhur morar, 

mha madr'o meu amigo ! 

775 

« 

— Vej'eu, mha Glha, quanfé meu cuydar, 

as barcas novas viir pelo mar 

em que se foy voss'amigo d'aqui. 
«Non vos pese, madre, se deos vos empar', 
hyrey veer se vem meu amigu'i. 
— Cuyd'eu, mha filha, no meu coraçom 

das barcas novas que aquellas som 

em que se foy voss'amigo d'aqui. 
«Non vos pese, madre, se deus vos perdon', 
hyrey veer se vem meu amigu'i. 
— Filha fremosa, por vos nom mentir, 

vej'eu as barcas pelo mar viir 

en que se foy voss'amigo d'aqui. 

«Nom vos pese, madre, quanfeu poder hir 
hyrey veer se vem meu amigu'i. 

776 

Que olhos som que vergonha nom am 
dized', amigo, d'outra, ca meu nom, 
e dizecTora, se deos vos perdon' 
poys que vos jà com outra prezo dam; 
com'ousastes viir anfos meus 
olhos, amigo, por amor de deus? 
Ca vos ben vos devia nembrar 
ende qual coyta vos eu jâ por mi vi 
falss', e nembravos qual vos fuy eu hi; 
mays poys com outra fostes começar 
com'ousastes viir anfos meus 
olhos, amigo, por amor de deus? 
Par deus, falsso mal se mi gradeceu 
quando vos ouverades de morrer 
se eu nom fosse quem vos fui veer, 
mays poys vos outra já de mi venceu, 
com'ousastes viir anfos meus 
olhos, amigo, por amor de deus? 
Nom m'ha mays vosso preyto mester, 
e hi-de-vos já, per nostro senhor, 
e nom venhades nunca hu eu for, 
poys começastes com outra molher ; 
com'ousastes viir anfos meus 
olhos, amigo, por amor de deus? 

777 

Mal me tragedes, ay filha, 
porque quer'aver amigo, 



e poys eu com vosso medo 
nom o ey, nem é comigo; 

nom ajades a mha graça, 

e dé-vos deus, ay mha filha, 

filha que vos assy faça, 

filha que vos assy faça. 
Sabedes, ca sem amigo 
nunca foy molher viçosa, 
e porque m'o nom leixades 
aver, mha filha fremosa, 

nom ajadel-a mha graça, 

e dê-vos deus, ay mha filha, 

filha que vos assy faça, 

filha que vos assy faça. 
Poys eu nom ey meu amigo 
nora ei rem do que desejo, 
mays pois que mi por vós vêo, 
mha filha, que o nom vejo, 

nom ajadel-a mha graça 

e dc-vos deus, ay mha filha, 

filha que vos assy faça, 

filha que vos assy faça. 
Per vós perdi meu amigo 
porque gram coita padesco, 
e poys que m'o vós tolhestes 
é melhor ca vos paresco; 

nom ajadel-a mha graça, 

e dé-vos deus, ay mha filha, 

filha que vos assy faça, 

filha que vos assy faça. 

778 

Buscades-m', ay amigo, muyto mal 

aly hu vos enfengistes de mi; 

e rog'a deus que mi percades hi 

e dizecTora falsso, desleal, 
se vos eu fiz no mund'algum prazer 
que coyta ouvestes vós de o dizer? 
E nom vos presta, falss'em m'o negar, 

nem m'o neguedes, ca vos nom tem prol, 

nem juredes ca sempr'o falsso sol 

jurar muyt', e dizede sem jurar 
se vos eu fiz no mund'algum prazer 
que coyta ouvestes vós de o dizer? 
O que dissestes se vos eu ar vyr 

por mi coitado como vos vi já, 

vedes falss'a coor, ar x'i vos a; 

mays dized'ora, sem todo mentir: 
se vos eu fiz no mund'algum prazer 
que coyta ouvestes vós de o dizer? 

779 

Fex hunha cantiga (Tamor 
ora meu amigo poí mi, 
que nunca melhor feyla vi ; 
mays como x'é rauy trobador 

fez huas Lirias no som 

que mi sacam o coraçom. 



JUYÃO BOLSEYRO 



1Í7 



Muyto bem se soube buscar 
por mi, aly quando a fez 
en loar-rai muyfé meu prez; 
mays de pram por xe mi matar 

fez buas Lirias no som 

que mi sacam o coraçom. 
Per boa fé bem baratou 
de a por mi boa fazer 
e muyto lh'o sey gradecer ; 
mays vedes de que me matou, 

fez buas Lirias no som 

que mi sacara o coraçom. 

780 

Ay madre, nunca mal senliu 

nem soubi que x'era pesar 

a que seu amigo nom vyu 

com'oj'eu vy o meu falar 
com outra; mays poyl-o eu vi 
com pesar ouv'a morrer hy. 
E sse molher ouve d'aver 

sabor d^mig^ou llfo deus deu, 

sey eu que lh'o nom fez veer 

com*a mi fez veel-o meu 
com outra; mays poyl-o eu vi 
com pesar ouv'a morrer hy. 

781 

Ay meu amigo, — meu per boa fé, 
e nom d'outra per boa fé mays meu, 
rogu'eu a deus que mi vos oje deu 
que vos faça tara ledo seer migo 
quam leda foy oj'eu quando vos vi 
ca nunca foy tam leda poys naci. 
Bom dia vejo, — poys vos vej'aqui, 
meu amigo, meu a la fé sem ai, 
faça-vos deus ledo, que pod'e vai, 
seer migo, meu bem e meu desejo, 
quam leda fuy oj'eu quando vos vi 
ca nunca foy tam leda poys naci. 
Meu gasalhado — se mi valba deus, 
alvergo meu, e meu coraçom, 
faça-vos deus em algua sazom 
seer migo tam ledo e tam pagado, 
quam leda fuy oj'eu quando vos vi, 
ca nunca foy tam leda poys naci. 

782 

Aquestas noytes tam longas 
que deus fez em grave dia 
por mi, porque as nom dormo, 
e porque as nom fazia 
no tempo que meu amigo 
soya falar comigo. 
Porque as fez deus tam grandes 
nom poss'eu dormir coitada, 
e de como som sobejas 



quisera eu outra vegada 

no tempo que meu amigo 

soya falar comigo. 
Porque as deus fez tam grandes 
sem mesura desregraaes, 
e as eu dormir nom posso 
porque as nom fez a taaes 

no tempo que meu amigo 

soya falar comigo. 

783 

Ay, meu amigo, avedes vós por mi 
afam e coyfe desej'e nom ai 
e o meu bem é todo vosso mal; 
mays poys vos eu nom posso valer hi 
pesa-m'a mi porque paresco bem 
poys end'a vós, meu amigo, mal vem. 
E ssey, amigo, doestes olhos meus 
e ssey do meu fremoso parecer, 
que vos fazem gram coyta viver; 
mays, meu amigo, se mi valha deus, 
pesa-m'a mi porque paresco bem, 
poys end'a vós, meu amigo, mal vem. 

784 

Partir quer migo mha madr^aqui 
quanfa no mundo outra rem nom jaz, 
de vós, amig'unha parte mi faz 
e faz-m'outra de quanfa, e desy 

poys faz esto, manda-m'escolher; 

que mi mandades, amigo, fazer? 
Partir quer migo, como vos direy, 
de vós mi faz hua parte já, 
e faz-m'oulra de sy e de quanfa, 
e de quantos outros parentes ey; 

poys faz esto, manda-m'escolher; 

que mi mandades, amigo, fazer? 
E de qual guisa migo partir quer 
a pram ca põ, ay meu amigo, em tal 
hua me faz senom de vós sem ai, 
outra desy de quanfal ouver; 

poys faz esto, manda-m' escolher; 

que mi mandades, amigo, fazer? 
De vós me faz hua parte, ay senhor, 
e, meu amigiTe meu lum'e meu bem, 
et faz-m'outra de grand'algo que tem 
e pom-rae de mays y, e seu amor; 

poys faz esto, manda-m'escolher; 

que mi mandades, amigo, fazer? 
E poyl-o ela perc'a meu prazer 
em vós quer'eu, meu amigu'ey escolher. 

785 

Nom perdi eu, meu amigo, 
des que me de vós parti, 
do meu coraçom gram coyta 
nem gram pesar; mays perdi 



148 



CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA 



quanto tempo, meu amigo, 

vós nom vivestes comigo. 
Nem perderan os olhos meus 
chorar nunca, nem em mal 
des que vos vós d'aqui fostes, 
mays vedes que perdi ai 

quanto tempo, meu amigo, 

vós nom vivestes comigo. 

786 

— João Soares, de pram as melhores 
terras andastes que eu nunca vy, 
deverdes donas per entendedores 

muy fremosas, quaes sey que ha hy, 
fora razom; mays hu fostes achar 
d'yrdes por entendedores fllhar 
sempre quand'amas, quando tecedores? 

«Juyão, outros mays sabedores 
quiserom já esto saber de mi, 
et em todo trobar mays trobadores, 
que tu nora és ; mays direy-fo que vy : 
vy boas donas tecer e lavrar 
cordas et cintas, et vy-lhes catar 
per boa fé, fremosas pastores. 

— Johão Soares, nunca vy chamada 
molher ama, nas terras hu andey, 

se per emparamenfou por só laida 
nom criou mez, e mays vos eu direy; 
e nas terras hu eu soy a viver 
nunca muy boa dona vy tecer, 
mays vy tecer algua lazerada. 

«Juyão, por esfoutra vegada 
com outro tal trobador entramey, 
íiz-lhe dizer que nom dizia nada 
com'or'a ty desta tençom farej ; 
vy boas donas lavrar et tecer 
cordas e cintas et vy-lhes teer 
muy fremosas pastores na pousada. 

— Joan Soares, hu soy a viver 
nom tecem donas, nem ar vy teer 
berp 'anfo fog'a dona muyfonrrada. 

«Juvão, tu deves entender 
que o mal vylam nom pode saber 
de fazenda de boa dona nada. 

MARTIN CAMPINA (Pêro Meogo) 

787 

O meu amig', amiga, vej'andar 
triste cuydand'e nom poss'entender 
porque trisfanda, assy veja prazer; 
pêro direy-vos quanfé meu cuydar: 
anda cuydand'em sse d'aqui partir 
e nom ss'atreve sem mi a guarir. 
Anda tam triste, que nunca mays vi 
andar nulh'omem e em saber punhei 
o porque; eu pero nom o sey, 
pêro direy-vos quant>nd'aprendi: 



anda cuydand'em sse daqui partir 
e nom ss'atreve sem mi a guarir. 
A tan trisfanda, que nunca vi quem 
tan trisfandasse no seu corapom, 
e nom sey porque, nen por qual razom; 
pero direy-vos quanfaprendi eu, 
anda cuydancPem sse d'aqui partir 
e nom ss'atreve sem mi a guarir. 

788 

Diz meu amigo, que eu lo mandey 
hir, amiga, quando ss*el foy d'aqui; 
e se lh'o sol dixi, nem se o vi, 
nom veja prazer do pezar que ey; 
e se m'el tem torto era m*o dizer 
veja-ss'el ced'aqui era meu poder. 
E vedes, amiga, do que me mal 
dizem, os que o jurora com'el diz, 
que o mandei hir, e sse o eu flz, 
nunca d'et aja dereito, nem d'al; 
e se m'el tem torto em m'o dizer 
veja-ss'el ced'aqui em meu poder. 
E que gram torto que m'agora tem 
em dizer, amiga, per boa fé 
que o mandey hir, e sse assy é 
como m'el busca mal, busque-lh'eu ben; 
e se m'el tem torto em m'o dizer 
veja-ss'cl ced'aqui em meu poder. 
E ss'el vem aqui a meu poder 
preguntarlh'ey quem lh'o mandou dizer? 



PERO MEOGO 

789 

meu amig 1 , a que preyto talhei 
com vosso medo, madre, menlir-lh'ey, 
c sse nom for, assanhar-s'-a ! 
TalheMIf cu preyto de o hir veer 
en a fonlc hu os cervos vam bever; 
e sse nom for, assanhar-s^a ! 
E nom ey eu de lhi mentir sabor, 
mays mentir-íh'ey com vosso pavor; 
e sse nom for, assanhar-s'a! 
De lhi mentir nenhum sabor nom ey, 
com vosso med'a mentir lh'averey; 
e se nom for, assanhar-s^a ! 

790 

Por muy fremosa que sanhuda estou 
a meu amigo que me demandou 
que* o foss'eu veer 
a la fonfu os cervos vam bever. 
Nom faç'eu torto de mi lh'assanhar 
por s'atrever el de me demandar 
que o foss'eu veer 
a la fonfu os cervos vam bever. 



PÊRO MEOGO 



149 



Aflfeito me tem jà per sendia, 
que el nom vem, mas envya, 
que o foss'eu veer 
a la fonfu os cervos vam bevcr. 



791 

Tal vay o meu amigo 
com amor que lheu ey 
como cervo ferido 
de monteyro dei rey. 

Tal vay o meu amado, 
madre, com meu amor, 
como cervo ferido 
de monteyro mayor. 

E sse el vay ferido 
hirà morrer ai mar, 
*ssy fará meu amigo 
se-eu d'el nom pensar. 

E guardade-vos, filha, 
ca jà m'eu a tal vi 
que se fez coitado 
por guaanhar de mi. 

E guardade-vos, filha, 
ca já ra'eu vi a tal 
que se fez coytado 
por de min guaanhar. 

792 

Ay cervas do monte, vim-vos preguntar, 
foy-ss'o meu amigue se a lá tardar 
que farey, velidas? 
Ay, cervas do monte, vin«-vol-o dizer : 
foy-ss'o meu amigu'e querria saber 
que farey, velidas ? 

793 

Levou-ss'a velida 
vay lavar cabelos 
na fontana fria ; 

leda dos amores, 

dos amores leda. 
Levou-ssa louf ana, 
vay lavar cabelos 
na fria fontana; 

leda dos amores 

dos amores leda! 
Vay lavar cabelos 
na fontana fria, 
passou seu amigo 
que lhi bem queria ; 

leda dos amores 

dos amores leda. 
Passa seu amigo 
que lhi bem queria, 
o cervo do monte 
a augua volvva : 



leda dos amores, 

dos amores leda 1 
Vay lavar cabelos 
na fria fontana, 
passa seu amigo 
quemuyfa vós ama; 

leda dos amores, 

dos amores leda. 

794 

En as verdes ervas 
vi andal'-as cervas; 
meu amigo ! 
En os verdes prados 
vi os cervos bravos, 
meu amigo ! 
E com sabor d'elha9 
lavey mhas graceras, 
meu amigo. 
E com sabor d'elhos 
lavey meus cabelos, 
meu amigo I 
Des que vos lavey 
d'ouro lus liey, 
meu amigo ! 
Des que las lavara 
(Touro las liara, 
meu amigo ! 
D 'ouro los liei, 
e vos asperey, 
meu amigo I 
D'ouro las liara 
e vos asperava, 
meu amigo ( 

795 

Preguntar-vos quer'eu, madre, 
que mi digades verdade : 
se ousara meu amigo 
ante vós falar comigo. 
Poys eu migu'ey seu mandado 
querria saber de grado, 
se ousara meu amigo 
ante vós falar comigo. 
Hirey, mha madre, a la fonte 
hu van os cervos do monte ; 
se ousara meu amigo 
ante vós falar comigo. 

796 

Fostes, filha, en o baylar, 
e rompestes hi o brial, 
poys o namorado y vem 

esta fonte seguide-a bem, 

poys o namorado y vem. 
Fostes, filha, en o royr 
e rompestes hi o vestir ; 
poyl-o cervo hi vem 

esta fonte seguide-a bem, 

poyl-o cervo hi vem. 



150 



CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA 



E rrompestes hi o brial 
que fezestes ao meu pesar ; 
poyl-o cervo hi vem 

esta fonte seguide-a bem, 

poyl-o cervo hi vem. 
E rompestes hi o vestir 
que fezestes a pesar de mi ; 
poyl-o cervo hy ven, 

esta fonte seguide-a bem, 

poyl-o cervo hi vem. 

797 

— Digades, filha, mha filha velida, 
porque tardastes na fontana fria? 

«Os amores ey ! 

— Digades, filha, mha filha loupana, 
porque tardastes na fria fontana? 

«Os amores eyl 
Tardei, mha madre, na fontana fria, 
cervos do monte a augua volviam; 
os amores ey ! 
Tardey, mha madre, na fria fontana, 
cervos do monte volviam a agua ; 
os amores ey ! 

— Mentis, mha filha, mentis por amigo, 
nunca vi cervo que volvesse rio ; 

«Os amores ey ! 

— Mentis, mha filha, mentis por amado, 
nunca vi cervo que volvess'o alto; 

«Os amores ey ! 



MARTIN DE CALDAS 

798 

Per quaes novas oj'eu aprendi 
eras me verrá meu amigo veer 
e oje cuyda quanto m'ha dizer; 
mais do que cuyda nom será assy, 
ca lhi cuyd'eu aparecer Iam bem 
que lhe nom nembre de que cuyda rem. 

799 

Madr'e senhor, leixade-m'ir veer 
aquel que eu por meu mal dia vi 
e el vyu-mi em mal dia por si 
ca morr'el, madr', e eu quero morrer, 
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey 
e el guarrà, poys-me vyr, eu o sey. 
O que mi deus nom ouver'a mostrar 
veel-o-ey, madre, se vos prouguer en, 
e tal nom me lhi mostrou per seu ben, 
ca morr'el e moyr'eu se deus m'ampar' 
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey 
e el guarrá, poys-me vyr, eu o sey. 
Aquel que deus fez nacer por meu mal, 



madre, leixade-m'o veer por deus ; 
eu naci por mal dos olhos seus, 
cà morr'el e moyr'eu hu nom jaz ai 
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey 
e el guarrá, poys me vyr, eu o sey. 



800 

Mandad'ey migo, qual eu desejey, 
gram sazom a, madre, per boa fé, 
e direy-vol-o mandado qual é, 
que nulha rem nom vos eu negarey ; 
o meu amigo será ofaqui 
e nunca eu tam bom mandado oy. 
E poys mi deus fez tal mandad'aver 
qual desejava o meu corapom, 
madr'e senhora, se deus mi perdon', 
que vos quer'eu mandado dizer; 
o meu amigo será oj'aqui 
e nunca eu tam bom mandado oy. 
E por en sey ca mi quer bem fazer 
nostro senhor, a que eu fuy rogar 
por bon mandad'e fez-m'o el chegar 
qual poderedes, mha madre, saber; 
o meu amigo será oj'aqui 
e nunca eu tam bom mandacToy. 
Melhor mandado nunca ja per ren 
d'aqueste, madre, nom poss ? eu oyr, 
e por en non me quer'eu encobrir 
de vós, ca sey que vos praz de meu bem; 
o meu amigo será oj'aqui 
e nunca eu tam bom mandado oy. 

801 

Foy-ss'um dia meu amigo d'aqui 
triste, coytad'e muyfa seu pesar, 
porque me quis d'el mha madre guardar, 
mays eu, fremosa, des que o non vi 
nom vi depoys prazer de nulha rem 
nem veerey jâ mays se m'el nom vera. 
Quando-ss'el ouve de mi a partir 
chorou muyto dos seus olhos entora, 
e foy coitado no seu corapom, 
mays eu fremosa, por vos nom mentir, 
nom vi depoys prazer de nulha ren, 
nem veerey já mays se m'el nom vem. 



802 

Ay meu amigu'e lume d'estes meus 
olhos, e coyta do meu corapom, 
porque tardastes a muy gram sazom, 
nom nfo neguedes, se vos valha deus; 
ca eu quer'end'a verdade saber, 
pêro m'a vós nom ousades dizer. 
Dizede-mi quem mi vos fez tardar, 
ay meu amigu'e gradecer-vol-o-ey, 



NUNO TREEZ 



151 



cà jà m'end'eu o mays de preyto sey 

e nom vos é mester de m'o negar ; 
ca eu quer^end^ verdade saber, 
pêro m'a vós nom ousades dizer. 
Per boa fé, nom vos conselhou ben 

quem vos esta tardada fazer fez, 

e sse mi vos negardes esta vez 

perder-vos-edes comigo por en ; 
ca eu quer'end'a verdade saber, 
pêro m'a vós nom ousades dizer. 
Nostro senhor ! e como, por estes meus 

olhos e coyta do meu coraçom, 

porque tardastes a muy gramsazom? 

nom m'o neguedes, se vos valha deus, 
cá eu quer'end'a verdade saber 
pêro m'a vós nom ousades dizer. 



803 

Nostro senhor! e como poderey 
guardar de morte meu amigu'e mi, 
ca me dizem que se quer hir d'aqui? 
e sse s'el for, logu'eu morta serey, 
e el morto será se me nom vyr, 
mays quero-m'eu esta morte partir. 
Hir-m'ey com el, que sempre falaram 
d'esta morte, que se ventura for 
ca se quer hir meu lum'e meu senhor; 
e sse se for serey morta de pram, 
e el morto será se me nom vyr, 
mays quero-m'eu esta morte partir. 
Hirey con el mui de grado, ca nom 
me sey conselho, se m'o deus nom der, 
ca se quer hir o que mi gram bem quer ; 
e sse s'el for, serey morta entom, 
e el morto será se me nom vyr, 
mays quero-n^eu esta morte partir. 



804 

Vedes qual preyfeu querria trager, 
irmãa, se o eu podesse guisar, 
que fezess'a meu amigo prazer 
e nom fezess'a mha madre pesar ; 
e sse mi deus esto guisar, bem sey 
de mi que logu'eu mui leda serey. 
E a tal preyto m'era mui mester 
se mi deus aguisar de o aveer, 
quanto meu amigo quiser 
e que m'ho mande mha madre fazer; 
e sse mi deus esto guisar, bem sey 
de mi que logu^u mui leda serey. 
E sse m'a mi guisar nostro senhor 
aqueste preyto, será muy gram bem 
com'eu faç'a meu amigo amor, 
e me rogou mha madre ame por en; 
e sse mi deus esto guysar, bem sey 
de mi que logueu mui leda serey. 



NUXO TREEZ (PEREZ?) 

805 

Des quando vos fostes d'aqui, 
meu amigo, sem meu prazer 
ouv'eu tam gram coyta desy 
qual vos ora quero dizer: 
que nom fezerom des entom 
os olhos meus si chorar nom, 
nem ar quis o meu coraçom 
que fezessem se chorar nom. 
E des que m'eu sem vós achei 
sol nom mi soube conselhar, 
e mui triste por en flquey 
e com coyta grand'e pesar, 
que nom fezerom des entom 
os olhos meus si chorar nom, 
nem ar quis o meu coraçom 
que fezessem se chorar nom. 
E fui eu fazer oraçon 
a San Clemente e nom vos vi, 
e bem des aquela sazom, 
meu amigu' aveõ-m'assy 
que nom fezerom des entom 
os meus olhos si chorar nom, 
nem ar quis o meu coraçom 
que fezessem, se chorar nom. 

806 

Sam Cremente, do mal 
se mi d'el nom vingar, 
non dormirey ! 
San Clemenço, senhor, 
se vingada non for, 
non dormirey ! 
Se vingada^non for 
do fals* e traedor, 
nom dormirey ! 

807 

Nom vou eu a Sam Clemenfo 

orar e faço gram razom, 

ca el non mi tolhe a coyta 

que trago no meu coraçom, 
nem m'aduz o meu amigo 
pêro lh'o rogu'e lh'o digo. 
Non vou eu a Sam Clemenço, 

nem el non se nembra de mi, 

nem m'aduz o meu amigo 

que sempr'amey des que o vi ; 

nem m'aduz o meu amigo 

pêro lh'o rogu'e lh'o digo. 

Ca se el m'adussessc 

o que me faz penand'andar 

nunca tantos estandaes 

arderam anfo seu altar, 
nem m'aduz o meu amigo, 
pêro lh'o rogu'e lh'0 digo. 



152 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



Ca se el nfadussesse 
o por que eu moyro d'amor 
nunca tantus estandaes 
arderam anfo meu senhor, 

nem m'aduz o meu amigo 

pêro lh'o rogu'e lh'o digo. 
Poys eu e mha voontade 
de o nom veer sõ bem Os, 
que porrey par caridade 
anfel candeas de Paris ; 

nem m'aduz o meu amigo 

pêro lh'o rogu'e lh'o digo. 
En mi tolher meu amigo 
filhou comigo perfia, 
por end'arderá, vos digo, 
anfel lume de bogia; 

nem m'aduz o meu amigo 

pêro lh'o rogu'e lh'o digo. 

808 

Estava-n^em Sam Clemenço 
hu fora fazer oraçom 
e disse-m'o mandadeyro 
que mi prougue de coraçom : 
agora verrâ 'qui voss , amigo. 

Estava em Sam Clemenço 
e fora candeas queimar, 
e dissem'0 mandadeiro, 
fremosa de bom semelhar: 
agora verrá aqui o voss'araigo. 

Estava-m'em Sam Clemenço 
hu fora oraçom fazer, 
e disse-m'0 o mandadeyro 
fremosa de bon parecer : 
agora verrá aqui o voss'amigo. 

E disse-m'0 mandadeyro: 
fremosa de bon semelhar, 
per que viu que mi prazia, 
ar comcçou-m'a falar: 
agora verrá aqui voss'amigo. 

E disse-m'o mandadeyro 
fremosa de bon parecer, 
porque viu que mi prazia, 
ar começou-m'a dizer : 
agora verrá aqui voss'amigo. 

E disse-m'o mandadeyro 
que mi prougue de coraçom, 
per que vyu que mi prazia 
ar disse m'ou Ira vez entom: 
agora verrá aqui vos$'amigo. 

PEDRO D'AKMEA 

809 

Sej'eu, fremosa, com mui gram pezar 
e muy coytada no meu coraçom, 
e choro muyfe faço gram razom, 
par deus, mha madre, de muyto chorar, 



por meu amigu'e lum' e meu bem 
que se foy d'aqui, ay madre, e nom vem. 
E bem sey de pram que por meu mal 
me fez deus tara fremosa naçer 
poys n^ora faz, como moyro, morrer, 
cá moyro, madre, se deus mi non vai, 
por meu amigu'e lurne meu bem 
que se foy d'aqui, ay madr'e non vem. 
E fez-mi deus naçer, per boa fé, 
polo meu mal, er fez-me logu'i 
mays fremosa de quantas donas vi, 
e moyro, madr'e vedes porque he, 
por meu amigu'e meu lum'e meu bem 
que se foy d'aqui, ay madr'e non vem. 
E poys deus quer que eu moyra por er 
sabham que moyro querendo-lhi bem. 



810 

Amiga, grand'engan'ouv'a prender 
do que mi fez creer mui gram sazom 
que mi queria bem de coraçom, 
tam grande que nom podia guarir; 
e tod'aquest'era por encobrir 
outra que queria gram bem entom. 
E dizia que perdia o sen 
por mi, de mays chamava-me senhor, 
e dizia que morria d' a mor 
por mi, e que non podia guarir ; 
e tod^aquesfera pox encobrir 
outra que queria gram bem entom. 
E quand'el migo queria falar 
chorava muito e jurava logu'i 
que nom sabia conselho de ssy 
por mi, e que non podia guarir; 
e tod'aquesto era por encobrir 
outra que queria gram bem entom. 



811 

Mhas amigas, quero-nreu des aqui 
querer a meu amigo mui gram bem, 
ca o dia que ss'el foy d^quem 
ouvyu-me chorar, e con doo de mi 
hu chorava começou-m^a catar, 
vyu- me chorar e fi]hou-ss'a chorar. 
E per boa fé, sempre lh'eu querrey 
o mayor bem de pram que eu poder, 
ca fez el por mi o que vos disser 
mays, amigu', e que vos non mentirey : 
hu chorava começou-m'a catar, 
vvu-me chorar e Qlhou-ss'a chorar. 
Ouv'el gram coyla no seu coraçom, 
mays, amigas, hu sse de mi partiu 
vyu-mc chorar, e depoys que me vyu 
chorar, direy-vol'o que fez entom : 
hu chorava começou-m'a catar, 
vvu-me chorar e fllhou-s$ ? a chorar. 



PEDR'ÀMIGO DE SEVILHA 



153 



812 

«Amigo, mando- vos migo falar 
cada que vós end'ouverdes sabor. 
— Nostro senhor, fremosa mha senhor, 
vos dê grado, que vol-o pode dar, 
de tod'este bem que mi dizedes, 
e de quanfoutro bem mi fapedes. 
«Poys vós sodes por mi tam coylado, 
quando quiserdes falade migo. 

— Ay, mha senhor, vedes que vos digo, 
nostro senhor, vos dé bom grado 

de Iodaste bem que mi dizedes, 
e de quanfoutro bem mi façedes. 
«Porque sey que mi queredes bem 
falade migo, ca bem é e prez. 

— Nostro senhor, que vos fez, 

vos dé sempre mui bom grado poren > 
de tod'este bem que mi dizedes, 
e de quanfoutro bem mi façedes. 

PEDITAMIGO, de Sevilha 

813 

Disserom-vos, meu amigo, 
por vos fazer pesar, 
fuy eu com outrem falar; 
mays nom faledes vós migo 

se o poderdes saber 

por alguém non entender. 
E ben vos per vingaredes 
de mi, se eu com alguém 
faley, per vos pesar en, 
mais vos nunca mi faledes 

se o poderdes saber 

por alguém non entender. 
Se vós per verdad'achardes, 
meu amigo, que é assy 
confonda deus logu'i mi, 
muyfe vós se mi falardes, 

se o poderdes saber 

por alguém non entender. 

814 

Amiga, muyfamigos som 
muytos no mundo por Olhar 
amigas pol-as muyfamar, 
mas já deus nunca mi perdon', 
se nunca eu vi tam amigo 
d'amiga, com' é meu amigo. 
Pode vossamigo dizer, 
amiga, ca vos quer gram bem, 
e quer-vol-o ; mays eu por en 
nunca veja do meu prazer 
se nunca eu vi tam amigo 
d'amiga, com'é meu amigo. 
Vy-m*eu com estes olhos meus 
amigo d'aroiga que lhe é 
20 



muy famigo per boa fé ; 
mays non mi valha nunca deus 

se nunca eu vi tam amigo 

d'amiga com'é meu amigo. 

815 

«Amiga, vistes amigo 
d'amiga que tanfamasse 
que tanta coyta levasse 
quanta leva meu amigo? 

— Non o vi, des que fui nada, 

mays vej'eu vós mays coytada. 
«Amiga, vistes amigo 
que por amiga morresse, 
que tanto pesar sofresse, 
quanto leva meu amigo? 

— Non o vi, des que fui nada 
mays vej'eu vos mays coytada. 

«Amiga, vistes amigo 
que tam muyto mal ouvesse 
d'amiga que bem quezesse 
quanfa por mi meu amigo? 

— Non o vi, nem que non visse 
que muy mayor mal avedes 

ca el, que morrer veedes. 

816 

Moyr' amigo desejando 
meu amigu'; e vós no vosso 
mi falades, e non posso 
estar sempr'em esto falando, 

mays queredes falar migo 

falemos no meu amigo. 
Queredes que todavya 
en o voss'amigo fale 
vosqu', e senom que me cale 
e non poss'eu cada dia ; 

mays queredes falar migo 

falemos no meu amigo. 
Amiga, sempre queredes 
que fale vosq^e falades 
no voss'amigu'; e cuydades 
que poss'eu, non o cuydedes, 

mays queredes falar migo, 

falemos no meu amigo. 
Nom avedes tal coydado 
sol que eu vosco bem diga 
do voss'amigu'e, amiga, 
non poss'eu, nem é guisado ; 

mays queredes falar migo, 

falemos no meu amigo. 

817 

O meu amigu'e que mi gram bem quer, 
punha sempr'amiga de me veer, 
e punh'eu logo de lhi bem fazer; 
mays vedes que ventura de molher, 



154 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



quando-lb'eu poderia fazer bera 
el non vem hy, eu non po3s'en rcn. 
Pêro sab>l que non fica por mi, 
amiga, nunca de lh'o eu guisar, 
nem per el sempre de m'o demandar; 
mays má ventura nol-o parfassy, 
quando-lh'eu poderia fazer bem 
el non vem hy, eu non poss'en ren. 
E non fica por el per bona fé 
d'aver meu bem, e polo fazer eu 
non sey se x'é meu grado e seu 
mays raha ventura tal foy e tal é, 
quando lh'eu poderia fazer bem 
el non vem hy, eu non poss'en ren. 



818 

Por meu amig', amiga, preguntar 
vos quer'eu ora, ca se foy d'aqui 
muy mui sanhud'e nunca o ar vi 
se sabe ja ca mi quer outro bem, 
par deus, amiga, sab'o pesar 
que oj'el a non é por outra rem. 

Amiga, pesa-mi de coraçom 
porque o sabe, ca de o perder 
ey muy gram med'et de lhi dizer 
que lhi non pes, ca nunca lh'ende verrà 
mal, e poys el souber esta razom 
sey eu que lo^ aqui migo será. 

E dizede-lhi ca poder non ei 
de me partir, se me gram bem quiser 
que m'o non querria, ca nem sey molher 
que sse d'el possa partir per ai, 
se non per esto que m'end'eu farey 
non fazer rem que mi non tenha por mal. 

E poys veher meu amigo, bem sey 
que nunca pode per mi saber ai. 



819 

Hum cantar novo d 'amigo 

querrey agora aprender 

que fez ora meu amigo, 

e cuydo logu'entender 
no cantar que diz que fez 
por mi, se o por mi fez. 
Hum cantar d'amig'a feyto, 

e sse m'o disser alguém 

deyto como el é feyto 

cuydo-o eu entender muy bem 
no cantar que diz que fez 
por mi, se o por mi fez. 
O cantar este mui dito 

pêro que o eu nom sey, 

mays poys m'o ouverom dito 

cuyd'eu que entenderey 
no cantar que diz que fez 
por mi, & o por mi fez. 



820 

«Amiga, voss'amigo vi falar 
oje com outra, mays non sey em qual 
razom falavam, assy deus m'empar', 
nem se falavam por bem, se por mal. 
— Amiga, fale com quem x'el quiser 
en quanfeu d'el contestou estever. 

Ca assy tenh'eu meu amigo em poder, 
que quantas donas en o mundo som 
punhem ora de lhi fazer prazer, 
ca m'o nom tolheram, se morte nom ; 
amiga, med'ei de perder o sen 

«E vó faredes poys em voss'amor, 
vos esforçades tanto no seu 
e vós vos acharedes en peyor 
cá vós cuydade, e digo-vol-eu. 
— Amiga, non, cá mi quer mui gram bem 
e sey quem lenham el, e el quem tem 

En mi, cá nunca vos partiram já 
se non per morte vos podem partir 
e poys en este sey hu ai non ha 
mando-me-lh'eu falar com quantas vir. 
«Com voss'esforfo, amiga, pavor ey 
de perderdes vos3'amigo. cá sey 

Per boa fé, outras donas que am 
falad^m como vol-o tolheram. 

— Amiga, nom ; cá o poder nom é 
seu, nem d' elas, mays meu per boa fé. 

821 

«Par deus, amiga, podedes saber 
como podesse maudad'envyar 
a meu amigo que nom a poder 
de falar migu'e moyr 7 eu com pesar; 
e bem vos digo se el morr'assy 
que non vyverey des aly. 

Amiga, sey que nom pod'aver 
meu amig'arte de migo falar, 
e ouv'eu arfe figi-lhe fazer 
por outra dona hu mui bõ cantar, 
e poys por aquela dona trobou 
cada quis, sempre migo falou. 

O meu amigo nom é trobador, 
pêro tam grand'é o bem que m'el quer 
que filhará outra entendedor 
e trobará poys que lh'o eu disser ; 
mays, amiga, per quem o saberá 
que lh'o eu mande, ou quem lh'o dirá? 

— Eu, amiga, o farey sabedor 
que tanto que el hu cantar fezer 
per outra dona, e poys por seu for 
que falará vosco quando quiser ; 
mays a mester de lh'o fazer el bem 
creente, vós nom o ciardes en. 

«Amiga, per deus e quanfeu ey 
de mal, mays nunca já ciarey. 

— Mester vos é, ca vol-o entenderam 
se o ciardes, guardar-vos am. 



PEDR'EN SOLAZ 



155 



822 
Sey eu, donas, que non quer tara grambem 
bom'outra dona, como a mi o meu 
amigo quer, ca por que lhi diss'eu : 
non me veredes ja mais des aqui ; 
desmayó logo bem ali por en, 
e ouve logu'i a morrer por mi. 

Porque lhi dixi que nunca veher 
me poderia, quis por en morrer, 
e fui a lâ e achey-o jazer, 
sem fala ja; e ouv'en gram pesar; 
e falei-lh', ouve-ra'a conhoecer 
e diss' ; ouvi huã dona Talar. 

Dix'eu : oystes ja polo guarir, 
e guareceu, mayl-a quem vos disser 
que ama tant'om'outra molher 
mentir-vos-ha, ca ja x'o el provou 
com quantas vyu e achou, ao partir 
todas d'amor e assy as leixou. 

E bera vos poss'eu em salvo jurar 
que outr'orae vyvo non sab'amar 
dereytamente, ca per me provar 
veherom outros em mi entender 
se poderiam de min guaanhar 
mays non poderam de min rem aver. 

Mays aquel que tam de coraçom 
quer bem, par deus, mal seria senom 
o guarisse, poys por mi quis morrer. 

823 

«Dizede, madre, porque me metestes 
em tal prison, e porque mi tolhestes 
que non possa meu amigo veer? 
— Porque filhades que o vós conhecestes 
nunca punhou ergu'em mi vos tolher. 

E ssey, fllha, que vos trag'enganada 
com seus cantares que non valem nada, 
que lhi podia quem quer desfazer. 
«Nom dizem, madre, esso ca da pousada 
os que trobar sabem bem entender. 

Sacade-me, madre, d'estas paredes 
e verey meu amigu', e veredes 
que logo me mele em vosso poder. 

nem m'ar venhades tal preito mover. 

Ca sey eu bem qual preito vos el trage 
e sodes vós, Olha, de tal linhage 
que devia vosso servo seer. 
«Cuydades vós, madre, que é tam sage 
que podess'el commigu'esso poer. 

Sacade-me, madre, crestas prisões, 
ca non avedes de que vos temer. 

— Filha bem sey eu vossos corações, 
ca non querem gram pesar atender. 

PEDREiN SOLAZ 

824 

E nom est a de Nogueyra 
a freyr'a que quero bem ; 



mais outra mays fremosa 

é a que min em poder tem ; 
e moyro-m'eu pola freyra, 
mays non pola de Nogueyra. 
Non est a de Nogueyra 

a freyra ond'eu ey amor, 

mays outra mays fremosa 

a que mi quer'eu muy melhor ; 
e moyro-m'eu pola freyra 
mays non pola de Nogueyra. 
E sse eu aquela freyra 

huu dia veer podesse 

nom a coyta no mundo 

nem pesar que eu o ouvesse ; 
e moyro-m'eu pola freyra 
mays non pola de Nogueyra. 
E sse eu aquella freyra 

veer podess'um dia 

nem huã coyta do mundo 

nem pesar non averia ; 
e moyro-m'eu pola freyra 
mays non pola de Nogueyra. 

825 

A que vi antr'as amenas, 
deus, como parece bem ; 
eu mirey la das arenas, 
des y penado me tem ; 

eu das arenas la mirey, 

des enton sempre peney. 
A que vi antr'as amenas 
deus, com'ha bom semelhar? 
eu mirey-la das arenas, 
des entom me fez penar ; 

eu das arenas la mirey, 

des entom sempre peney. 
Se a non viss'aqucl dia, 
muyto me fora melhor, 
mays quis dés enlonce, e via 
mui fremosa, mha senhor ; 

eu das arenas la mirey 

des enton sempre peney. 
Se a non viss'aquel dia 
que se fezera de min 
mays quis deus entonc'e vya 
nunca tam fremosa vi ; 

eu das arenas la mirey, 

des enton sempre peney. 

826 

— Pedr'amigo. quer'ora hua rem 
saber de vós, se o saber poder, 
do râfrep'ome que vay bem querer 
muy boa dona de que nunca bem 
atende já, e o bõo que quer 
outro sy bem muy râfTeçe molher, 
pêro que lh'esta queira fazer bem, 
qual (Testes ambos é de peyor sen? 



156 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



<( Joham Baveca, lod'ome sse tem 
com muy bõ home, e quero-m'eu teer 
logo com el raays por sem conhocer 
vos tenh'ora que nom sabedes quem 
ha peor sen, e poys vol-eu disser 
vós vos terredes com qual m'eu tever 
et que ssabedes vós que ssey eu quem 
o râfFeç'ome de peyor sen. 

— Pedr'amigo, des aqui enlençom 
ca me nom quer'eu com vos^outorgar 
o râffe^ome a que deus quer dar 
enlendiraenfen algua sazom 

de querer bem a muy boa ssenhor, 
este nom cuyda fazer o peor 
e quem molher râffeçfa gram sazom 
quer bem, nom pode fazer se mal nom. 

« Joham Bavec', e fora da razom 
sodcs, que nTante fostes preguntar 
ca muy bom home nunca podess'ar 
de fazer bem, assy deus me perdon'; 
e o râflep'ome que vay seu amor 
empregar hu desasperado for, 
este faz mal, assy deus me perdon', 
et esfé sandeu el esfoutro nom. 

— Pedr'amigo, râífep^me nom yy 
perder per mui boa doa servir, 

mays vi-lh'o sempre loar e graçir 
et o muy bõ home pois tem cabo sy; 
molher râflep'esse non paga d'al, 
et pois el entende o bem et o mal 
et por esto nom a quanfa desy, 
tanfé melhor, tanferra mays hy. 

« Joham Baveca, des quand'eu naçi 
esto vy sempre oy de partir 
do muy bõ home de lh'a bem sayr 
sempre que faz, mais creede per mi 
do râffe^ome que ssa comunal 
nem quer servir et serve senhor tal 
porque o tenham por ley'e por vil 
quanfela he melhor, tanferra mays hy, 

— Pedr'amigo, esso nada nom vai, 
ca o que ouro serv'e uom ai 

o avarento semelha desy, 

e parta-s^sla tençom por aqui. 

« Joham Baveca, nom tenho por mal 
de se partir; pois ouro serv'a tal 
que nunca pode valer mais per hy, 
et julguem-nos da lenç om por aqui. 

JOHAM BAVECA 

827 

Amiga, dizem que meu amig'ha 
por mi tal coyta que nom a poder 
per nulha guysa d'un dia viver 
se por mi non, e vedes quanta a; 
se por mi morre flqu'eiid'eu mui mal, 
se lh'ar faço algum bem outro tal. 
E Iam coytad'é com'aprendi eu 



que o nom pode guarir nulha rem 
de morte jà, se lh'eu nom faço bem, 
mays vedes ora contestou end'eu; 
se por mi morre fiqu'end'eu mui mal, 
se lh'ar faço algum bem outro tal. 
Dizem que é por mi coytad'assy 
que quantas cousas en o mundo som 
nom lhi poder dar vida se eu nom 
e este preyto c'a é-m'ora assy; 
se por mi morre fiqu'end'eu mui mal, 
se Ih'ar faço algum bem outro tal. 
E amiga, per deus, conselho tal 
mi dade vós que nom íiqiTend eu mal. 

828 

— Por deus, amiga, preguntar- vos-ey 
do voss^njigo que vos quer gram bem 

se ouve nunca de vós algum ben, 
que m'ho digades e gracir-vol-ey. 
t< Par deus, amiga, eu vol-o direy: 
servyu-me muyfe eu por lhi fazer 
bem, el foy outra molher bem querer. 

— Amiga, vós nom fezestes razom 
de que perdestes voss^mig^assy 
quando vos el amava mais c'a ssy; 
porque lhe nom fezestes bem entom? 

« Eu vos direy, amiga, porque nom: 
servyu-me muyfe eu por lhi fazer 
bem el foy outra molher bem querer. 
— Vedes, amiga, meu sen est a tal 

que poys vos amigo dar quiser 

que vos muyfame e vos gram bem quiser, 

bem lhi devedes fazer, e nom mal. 

<( Amiga, non lhi pud'eu fazer ai; 
servyu-me muyfe eu por ihi fazer 
bem el foy outra molher bera querer. 

829 

— Ay amiga, oje falou comiguo 
o voss'amigo, e vy-o tam coytado 
porque nunca vi tanfome nado 

ca morfera se lhi vós nom valedes. 
v Amiga, quand'eu vir que é guysado 
valer-llTey, mays nom vos maravilhedes 
d'andar por mi coytado meu amigo. 

— Per boa fé, amiga, bem vos digo 
que hu estava migu'em vós falando 
esmoreceu, e bem assy andando 
morrerá se vos d'el doo nora filha. 

« Sy, filha-m', ay amiga, já quando 
mays nom tenhades vós por maravilha 
d 'andar por mi coytado meu amigo. 

— Amiga, tal coita d'amor ha sigo, 
que jà nunca dorme noyle nem dia 
coydand'em vós, e par Santa Maria 
sem vosso bem non o guarirà nada. 

« Guarrey-o eu, amiga, todavya, 
mays nom vos façades maravilhada 
d'andar per mi coytado meu amigo. 



JOHÀM BAVECA 



157 



830 

Amigo, sey eu que ha mui gram sazom 
que trobastes sempre d'amor por mi, 
e ora vejo que vos travam hy, 
mays nunca deus aja parte comigo, 
se vos eu des aqui nom dou razom 

per que façades cantigas d'amigo. 
E poys vos eles teem por melhor 
de vós enfengir de que vos nom Tez 
bem, poys naceu, nunca nenhuma vez; 
e porem des aqui vos digo, 
que eu vos quero dar razom cTamor 

per que façades cantigas cTamigo 
E sabe deus, que (Testo nulha rem 
vos nom cuydava eu ora fazer, 
mays poys vos cuydam o Irobar tolher 
ora verey o poder qup am sigo, 
cà de tal guysa vos farey eu ben 

per que façades cantigas d'amigo. 

831 

Pesa-ml^amiga, por vos nora meptir, 
d 'unhas novas que de mi e do meu 
amig^y, e direy-vol-as eu; 
dizem que )h'entendem o grancTamor, 
que a comigu', e se verdade for 
por maravilha pod'a bem sayr. 

E bem vos digo que des que oy 
aquestas novas sempre trisfandey, 
ca bera entend'e bem vej'e bem sey 
o mal que nos d'este preyfaverrá, 
poys lh'entenderem ca posto x'é jà 
de morrer eu por el et el por mi. 

Ca poyl-o souberem, el partida 
de nunca jà mays viir a loguar 
hu me veja, tanto m'ande guardar 
vedel-o morto per esta razom, 
poys bem sabedes vos de mi que nom 
poss'eu sem el viver per boa fé. 

Mays deus que sabe o gram ben que nfel quer 
et eu a el quando vos for mester 
nos guarde de mal, se vir ca bem é. 

832 

— Filha, de grado queria saber 
de voss^amig^e de vós hunha rem: 
como vos vay ou como vos avem? 

« Eu vol-o quero, mha madre, dizer: 
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi, 
e bem vos digo que nom a mays hy. 

— Filha, nom sey se a hi mays senom, 
mays vejo-vos sempre com el falar 

e vejo-vos chorar et el chorar? 

« Nom vos terrey, madre, hi outra razom; 
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi, 
e bem vos digo que nom a mays hy. 

— Se m'o negardes, filha, pesar-m'ha 
ca se mays a hy feyf a como quer 



outro conselh T avemos hi mester. 

« Já vos eu dixi, madre, quanfi a; 
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi, 
e bem vos digo que nom a mays hy. 

833 

Voss'amenaç', amigo, nom é rem 
ca de pram ouvestes toda sazom 
a fazer emquanfeu quisesse ai non • 
Ê por rogo, nem por mal, nem por bem; 

sol nom vos pos^esta hyda partir. 
Nunca vos já de rem ey a creer, 
ca sempr'ouvestes a fazer por mi 
quanfeu mandass 7 e mentides-n^assy, 
ib pêro faç'i todo meu poder, 

sol nom vos poss'esta hyda partir. 
Que nom ouvess'antre nós qual preyto a, 
per qual vos foy sempre mester, 
deviades per mi a fazer que quer, 
e pêro vos mil vezes roguei já, 

sol nom vos poss'esta hyda partir. 

834 

Amigu'entendo que nom ouvestes 
poder d'alhur viver e vehestes 
a mha mesura, e nom vos vai rem 
ca tamanho pesar mi fezestes 
que jurey de vos nunca fazer bem. 

Quizera-m'eu nom aver jurado, 
tanto-vos vejo viir coitado 
a mha mesura, mas que prol vos tem, 
ca hu vos fostes sem meu mandado 
jurey que nunca vos fezesse bem. 

Por sempre sodes de mi partido 
e nom vos a prol de seer viido 
a mha mesura, e gram mal me ven 
ca jurey tanto que fostes bido 
que nunca já mays vos fezesse bem. 

835 

— Como cuydades, amiga, fazer 
das grandes juras que vos vi jurar 
de nunca a voss , amigo perdoar, 

ca vos direy de qual guisa o vi, 
que sen vosso bem, creede per mi, 
que lhi nom pode rem morte tolher. 

« Tod f ess', amiga, bem pode seer, 
mays punharei eu jà de me vingar 
do que m'el fez, e se vos eu pesar 
que nom façades ao voss'assy 
ca bem vistes quanto lhi defendi 
que se nom foss'e nom me quis creer. 

— Par deus, amiga, vingança sem sen 
nunca vós faredes se deus quiser 

a meu poder, nem vos era mester 
de a fazer, ca vedes quanfi a; 
se voss'amigo morrer, morrerá 
por bem que fez, e nom per outra rem. 



158 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANa 



« Amiga, nom poss'eu teer por bera 
o que m'el faça. a quem o tever 
per bem tal aja cTaquel que bem quer, 
mas sem morfe nunca lhi mal verrà, 
per boa fé que mi nom praza en, 
pêro (Tel morrer nom mi prazerá, 

836 

Amigo, vós nom queredes catar 
a nulha rem, se ao vosso nom, 
e nom catades tempo, nem sazom 
a que venhades comigo falar; 
e nom querades, amigo, fazer 
per vossa culpa mi e vós morrer. 
Ca n'outro dia chegastes aqui 
a tal sazom, que ouv'eu tal pavor, 
que por seer d'este mundo senhor 
nom quizera que vehessedes hi; 
e nom querades, amigo, fazer 
per vossa culpa mi e vós morrer. 
E quem molber de coraçom quer bem 
a meu cuydar punha de s'encobrir 
e cata temp'e sazom pêra hir 
hu ela est, e a vós nom avem ; 
e nom querades, amigo, fazer 
per vossa culpa mi e vós morrer. 
Vós nom catades a bem nem a mal, 
nem do que vos pois d'aquesta verrà 
senom que pas T o vosso hu averrá, 
mays en tal feyto muyfa mester ai'; 
e nom querades, amigo, fazer 
per vossa culpa mi e vós morrer. 

837 

Madr', o que sey que mi quer mui grambem 
e que sempre fez quanto lh'eu mandey, 
e nunca lhi d'eslo galardon dey, 
mha madre, vem e el quer já morrer 
por mi d'amor, e se vos prouguer en 

vós catad'y o que devo fazer. 

Ca nom pode guarir se per mi nom, 
ca o am'eu e el des que me vyu 
quanto pod'e soube me servyu 
mays poys lh'eu poss'a tal coyta valer 
conTé de morte, se deus vos perdon' 

vós catad'y o que devo fazer. 
Ca d'el morrer, madre, per boa fó 
mi pesaria quanto mi pesar 
mays podesse, ca em todo logar 
me serviu sempre todo seu ser; 
e pois veedes confesle preyfé 

vós catad'y o que devo fazer. 

838 

Ora veerey, amiga, que fará 
o meu amigo, que non quis creer 
o que lh'eu dix'e soube-me perder, 
ca de tal guysa me guardam d'el já, 



que non ey poder de fazer ren 
por el, mays esto buscou el mui bem. 
El quis cumprir sempre seu coraçom 
e soub'assy ssa fazenda trager, 
que tocfome nos podfantender, 
e pois aqueslas guardas tantas son, 
que non ey poder de fazer ren 
por el, mais esto buscou el mui bem. 
E pêro lh'eu já querro des aqui 
o mayor ben que lhi possa querer, 
poys non poder non lhi farey prazer, 
e digo que me guardam assy, 
que non ey poder de fazer ren 
por el, mais esto buscou el muy bem. 
E vedes vós, assy contep'a quen 
non sab'audar en tal preyto con sen. 

839 

Amigo, mal soubestes encobrir 
meu feyfe voss'e perdestes per hy, 
mi e vós, e oy mays quen nos vyr 
de tal se guarde se molher amar, 
fllh'aquel ben que lhi deus quiser dar, 
e leyx'o mays e pass'o temp'assy. 

Cá vós quisestes aver aquel ben 
de mi que vos non podia fazer 
sen meu gram dan'é perdestes poren, 
quanto vos anfeu fazia d'amor; 
e assy faz quen non é sabedor 
de saber bem poys lh'o deus dá a soflrer. 

E bem sabedes camanho terap'ha 
que m'eu d^quest', amigo, recehey, 
em que somus, e poys que o ben já 
non soubestes sofrer, solred'0 mal, 
ca m'end'eu queyra fazer ai 
demo lev'o poder que end'ey. 

PÊRO DAMBROA 

840 

Ay meu amigo, pêro vós andades 
jurando sempre que mi non queredes 
bem anfas donas quando as veedes, 
entendem elas cá vós perjurades, 
e que queredes a mi tam gram bem 
congelas querem os que queren ben. 
E pêro vós anl'ela* jurar hides 
que non fazedes quanto vos eu mando, 
quanto lhis mays hides en mi falando 
ai entendem mays que lhis mentides, 
e que queredes a mi tam gran bem 
com'elas queren os que queren ben. 
E andad'ora de camanho preyto 
vós vos quiserdes andar toda vya, 
cá o cantar vosso de maestria 
entenden elas que por mi foy feyto, 
e que queredes a mi tam gram bem 
com'elas querem os que queren ben. 



MARTIN PEDROZELLOS 



159 



PAYO CALVO 

841 

Foy-ss'o namorado* madr'e nõ vejo 

e vyv'eu coytada e moyro con desejo ; 
torlo mi ten ora o meu namorado, 
que tanf alhur mora e sen meu tnandado» 
Foy-ss'el coti perfla por mi fazer guerra 

nerabrar-se devya de que mUyto nferra; 
torto mi tem ora o meu namorado, 
que tanfalhur mora e sen meti mandado, 
De pran con mentira mh'andava sem falha, 

ca se foy con ira, mays se deus mi Valha 
torto mi ten ora o meu namorado 
que tanfalhur mora e sen meu mandado. 
Non quis meter guardado min que seria, 

e quanf el tarda, e per seu mal dia, 
torto mi ten ora o meu namorado 
que tanfalhur mora, e sen meu mandado. 

842 

Foy-ss'o meu perjurado 
e non nfenvya mandado, 
desejal-o-cy. 
Ay madr'ò que ben queria 
foy-ss'ora d'aqui sa vya ; 
desejalo-ey. 
Se non nfenvyou mandado 
de deus lhi seja buscado; 
desejal-o-ey. 
Poys mandado nom m'envya, 
busque-Ilf o sancta Maria ; 
desejal-o-ey. 

MARTIN PEDROZELLOS 

843 

Eu louçana, em quanf eu viva for 

nunca ja mays creerey por amor, 
poys me mentiu o que namorey ; 
nunca jamays per amor creerey 
poys me mentiu o que namorey. 
E poys m'el foy a sseu grado mentir 

des oy mays me quer'eu d'amor partir, 
poys me mentiu o que namorey ; 
nunca jamays per amor creerey, 
poys me mentiu o que namorey. 
E direy-vos que lhi farey por en, 

d'amor non quero seu mal nen seu ben, 
poys me mentiu o que namorey ; 
nunca jamays per amor creerey, 
poys me mentiu o que namorey. 

844 

Gram sazom ha, meu amigo, 
que vós vos de mi partistes, 



en Valongu'e non m'ar vistes, 
nen ar ouv'eu depoys migo 
de nulba ren gasalhado, 
mays nunca tan desejado 
d'amiga fostes, amigo. 

Nen vos dirá nunca molher 
que verdade queyra dizer, 
nen Vós non podedes saber 
nunca per outrem, se deus quer, 
ou se eu verdad'ey migo 
que nunca vistes amigo 
tan desejado de molher. 

Pêro ouvestes amiga 
a quem quisestes mui gram bem, 
a min vos lomade por en, 
se achardes que vos diga ; 
se non, assy com'eu digo, 
que nunca vissem amigo 
tan desejado d'amiga. 

845 

c Amig'aVya queixume 

de vós e quero mh'0 perder, 

poys vehestes a meu poder, 

— Ay meu senhor e meu lume, 
se de mi queixum'avedes, 
por deus que o melhoredes. 
tTanf era vossa queixosa 

que jurey en San Salvador, 

que nunca vos fezess'amor. 

— Ay mha senhor mui fremosa ; 
se de mi queixum'avedes, 
por deus que o melhoredes. 
«Amigu^n poder sodes meu, 

se m'eu de vós quiser vingar, 

mays quero mi vos perdoar. 

— Ay senhor por ai vos rogu'eu 
se de mi queixum'avedes, 
por deus que o melhoredes. 
De min que mal dia naçi 

senhor se vol-o mereci. 

846 

Madr', envyou-voFo meu amigo 

oje dizer que vos veeria 

se ousasse par sancta Maria, 

se o vós ante falardes migo, 
se el vir vós nen min per meu grado, 
san Salvador mi seja hirado. 
De Valongo pêro se espreylada 

som de vós, cá lhi quero gram ben, 

nunca lh'o quix pois naci, e por en 

se creerdes, madre loada, 
se el vir vós nen mi per meu grado, 
san Salvador mi seja hirado. 
De Valongo, cá se foy el d'aqui 

sem meu mandad'e non me quis veer, 

e ora manda-vos preyto trager, 



160 



CANCIONEIRO PORTUOUEZ DA VATICANA 



que vos veja por tal que vej'a min ; 
se el vir vós neu mi per meu grado* 
san Salvador mi seja hirado. 
E ssey ben que non é lan ousado 

que vos el veja sen vosso grado; 

847 

Ay meu amigo, coytada 
vyvo porque vos non vejo* 
e poys vos tanto desejo, 
en grave dia foy nada, 

se vos ced'o meu amigo 

non fazo prazer e digo : 
Poys que o cendal venci 
de parecer en Valongo, 
se m'ora de vós alongo, 
en grave dia naçi ; 

se vos ced'o meu amigo 

non fazo prazer e digo : 
Por quantas vezes pesar 
vos fiz de que vos amey, 
alguma vez vos farey 
prazer e dés non m'ampar' 

se vos ced'o meu amigo 

non fazo prazer e digo» 

848 

Por deus, que vos non pes', 
mha madr'e mha senhor, 
d'ir a San Salvador, 
ca se oje hy van três 

fremosa, eu serey * 

a hunha, bem o sey. 
Por fazer oraçon 
quer'oj'eu a lá hir, 
e por vos non mentir 
se oj'i duas son 

fremosas, eu serey 

a hunba, ben o sey. 
Hy é meu amigo, ay 
madre hil-o-ey veer, 
por lhi fazer prazer; 
se oj'i hua vay, 

fremosas, eu serey 

a hunha, bem o sey. 

849 

Amigas, sejo cuydando, 

no meu amigo, porque non 

ven, e sal-m'este corazon, 

e estes olhos chorando, 
que me nom pode guarir ren 
de morte, se cedo non ven. 
E ando maravilhada 

porque tanto tarda, se é ' 

viv'e saben per boa fé 

cá vyv'oj'eu tan coitada 



que me non pode guarir ren 
de moíte, se cedo non ven. 

850 

Fostes-vos vós, meu amigo d'aqui 
sen meu mandad', e nulha ren falar 
mi non quisestes, itiays oj'ao entrar 
se por mesura nón fosse de mi 
se vos eu vira, non mi venha ben 
nunca de deiis, nen dor ende m'oje ven. 
Cá vos fostes sen meu mandada sey 
que mi pesava muy de corapon, 
e, meu amigo, deus non mi perdon' 
se por mesura non fosse que ey, 
se vos eú non vira, non mi venha ben 
nunca de deus, nen dor ende m'oje vem. 
San Salvador sabe que assy é 
cá vos fostes mui sen o meu prazer, 
e quando m'oje non vehestes veer 
se por mesura non foss', a lá fé, 
se vos eu non vira, non mi venha ben 
nunca de deus, nen dor ende m'oje vem. 

851 

Hido Tay meu amigo 
led'a San Salvador, 
eu vosc'ay hirey leda, 
e poys eu vosco for, 

muy leda hirey, amigo, 

e vós led'a comigo. 
Pêro sou guardada 
todavya quer'hir 
con vosc'ay meu amigo, 
se m'ha guarda non vyr, 

muy leda hirey, amigo, 

e vós led'a comigo. 
Pêro soõ guardada 
todavya hirey 
com vosc'ay amigo 
se a guarda non ey, 

muy leda hirey, amigo, 

e vós led'a comigo. 

852 

Deus, e que cuydey a fazer 
quando m'eu da terra quitey, 
hu mha senhor vi, baratey 
mal, porque o fuy cometter, 
ca sey que non posso guarir 
per nulha rem se a non vir; 
deus, e que cuydey a fazer I 

Sandep'e devia perder, 
amigus, por quanto provey 
de m'end'alongar, e direy 
vos : mays nom posso sofrer ; 
e cuydo sempre tornar hy 
e fiz por quanto m'eu party, 
sandipe, e devia perder 



LOPO JOGRAR 



161 



O corpo, ca non oulr'; a ver 
tocTaqueste eu mh'o busquey 
muy ben, e lazeral-o-ey, 
ca sey ca non posso viver 
pelo que flz ; e assy é 
que perderey per boa fé 
o corpo, ca nom oulr'aver. 

Mais quen me podia valer 
se nom dés, a quen rogarey 
que me guise d'ir e hirey 
ced'u a vi pola veer, 
ca rton sey ai tan muyfamar 
e se mel eslo non guisar 
quem me poderia valer ? 

LOPO, jognr 

853 

Por vós, meu amigo, morar 
queredes en casa dei rey, 
íazed'end'0 que vos direy; 
se nostro senhor vos empar'; 
doede-vos vós de meu mal 
porque vos lev'e nom por ai. 

854 

Polo meu mal filhou el rey 
de mar a mar, assy deus mi perdoíi\ 
ca levou sigo o meu corazon 
e quanio ben oj'eu no mund'ey; 
se o el rey sigo non levasse ' 

mui ben creo que migo ficasse. 
O meu amigu'e meu lurrfe meu bem 
non s'ouver'assy de mi a partir, 
mays ante se m'ouvera a espedir, 
e veed'ora qual é o meu sen ; 
se o el rey sigo non levasse 
mui ben creo que migo ficasse. 
meu amigo, poys con el rey é 
a mha coyta e qual pode seer 
semelha-mh'a mi já par de morrer, 
esto vos digira per boa fé ; 
se o el rey sigo non levasse 
mui ben creo que migo ficasse. 

855 

And ora triste fremosa 
porque se foy meu amigo 
con sanha, ben vol-o digo, 
mays eu soo aleyvosa 
se ss'el foy pol-o seu ben 
ca sey que mal hi verrà en. 
E bem vol-o juro, madre, 
poys que ss el foy noutro dia 
sanhud'e non mho dizia; 
non fui filha de meu padre 
se ss'el foy pol-o seu ben, 
ca sey que mal hi verrà en. 
SI 



Poys que m'eu d'el muito queixo 
e fui por el mal ferida 
de vós. mha madre velida, 
non logfeu este meu soqueixo, 

se ss^l foy pol-o seu ben, 

ca sey que mal hi verrà en. 

856 

Porque se foy meu amigo 
sen o meu grad'alhur viver, 
e se foy sen o meu prazer 
jànon falará comigo 

nenhunha rem que el veja 

de quanio de mi deseja. 
Porque se foy a meu pesar 
e sse foy sen o meu prazer, 
esto li cuyd'eu a fazer 
ca sey que non a pod^acabar 

nen hunha rem que el veja 

de quanto de mi deseja. 

857 

Filha, se grado edes 
dizede, que avedes : 
non mi dam amores vagar. 
Filha, se bem ajades 
dizecTe non mençades: 
non mi dam amores vagar. 
Dizede, poys vus mando, 
porque lh'ides chorando : 
nom mi dam amores vagar. 
Par san Leuter vos digo, 
cuydand'en meu amigo: 
non mi dam amores vagar. 

858 

Por_deus vos rogo, madre, que mi digades 
que vos mereci, que mi tanto guardades 
d'ir a san Leuter falar com me'amigo? 
Fazede-mh'ora quanto mal poderdes, 
ca non me guardaredes pêro quiserdes, 
(rir a san Leuter falar com me'amigo. 
Nunca vos flz ren que non devess'a fazer, 
e guardades-me tanto que non ey poder 
d'ir a san Leuter falar com me'amigo. 

859 

Disserom-m'agora do meu namorado 
que se foy sanhude sen o meu mandado; 
e porque s'assanhou agora o meu amigo ? 
Sabe-o san Leuter a que o eu muyto roguey 
que non mereci porque o sanhud'ey ; 
e porque s 1 assanhou agora o meu amigo? 
Non lh'o mereci, ca nunca poys Iby nada, 
madre, fuy hu dia por el mal julgada, 
e porque s'assanhou agora o meu amigo? 



162 



CANCIONEIRO PORTUGUJSZ DA VATICANA 



860 

Assanhou-se, madr'o que mi quer gram bem 
contra mi endoad'e foy-ss'ora d'áquem, 
e sse soubess'eu, madre, ca mi sanhud'ya, 

desassanhal-o-ya. 

Sabe-o san Leuler, a que o roguey, 
que o non mereci, pêro o sanhudei 
e sse soubess^u, madre, ca mi tanhud^a 

desassanhal-o-ya. v 

Assanhou-ss'e foy-sse sen o meu prazer, 
e quando mh'o disseron non o quis creer, 
e sse soubess'eu, madre, ca mi sanhucTya, 

desassanhal-o-ya. 

GALISTElí FERNANDIZ 

861 

O voss'amigo fby-ss'oje d'aqui 
mui triste, araig', assi mi venha ben, 
porque non ousou vosco Talar ren, 
e manda-vos esto roguar por mi: 

que perca já de vós med'e pavor, 

e falara vosc', amiga, melhor. 
O voss'amigo non pode perder 
pavor, amiga, se por esto non 
perdoardes-lhi de corapon ; 
e manda-vos el roguar e dizer : 

que perca jà de vós med'e pavor, 

e falará vosc', amiga, melhor. 
Quantlo-ss'el foy chorou muytod'osseus 
olhus, amiga, se mi venha ben, 
porque non ousou vosco falar ren, 
e manda-vos esto rogar, por deus, 

que perca já de vós med'e pavor, 

e falará vosc', amiga, melhor. 
Veja-se vosqu', e perderá pavor 
que ha de vós, et esfé o melhor. 

862 

Meu amigo sey ca se foy d'aqui 
trist', amiga, porque m'ante non vyu, 
e nunca mays depoys el ar dormiu, 
nen eu, amiga, des que o non vi ; 
nunca depoys dormi per boa fé 
des que s'el foy, porque non sey que é 
D'el, amigas ; e agora serey 
morta porque o non posso saber, 
nem mi sab'oje nulh'ome dizer 
o que d'el est, et mays vos eu direy : 
nunca depoys dormi per boa fé 
des que s'el foy, porque non sey que é 
D'el, amigas; ç and 'ora por en 
tan triste que me non sey conselhar, 
nem mi sabome oje recado dar 
se verra ced'e mays vos direy en : 
nunca depoys dormi per boa fé 
des que s'el foy, porque nom sey que é 



D'el, amigas ; e sse el coytad'é 
por mi e eu por el, per boa fé. 

863 

«Por deus, amiga, que pode seer 

do voss'amigo, que morre d'amor 

e de morrer a jà muy grã sabor 

poys que non pode vosso ben aver. 

— Non o averâ en quanfeu viver, 
ca já lhi diss'eu que se parliss'en, 
e sse ha coyta, que a sofra ben. 

«Tenl^eu, amiga, que prol non vos a 

do voss'amigo ja morrer assy, 

ante tenho que o perdes hi 

se por ventura voâso ben non a. 

— Par dês, amiga, non o averá ja, 
ca já lhi disseron que se partiss'en, 
e sse ha coyta, que a sofra ben. 
«Ben sodes desmesurada molher, 

se voss'amor non pod'aver de pram, 

e ben sey que por mal vol-o terran, 

amiga, se vosso ben non ouver. 

— Nunca o averá, se deus quiser^ 

ca já lhi disseron, que se partiss'en, 
e sse ha coyta, que a sofra ben. 
« Pai dês, amiga, mui guisado ten 
de sofrer coita, pois quer morrer por en. 

— Se morrer moyra, ca non dou eu ren, 
d'assy morrer ante mi praz rauyfen. 

« Por ess'amiga, venha mal a quen 
vos amar, poys tal preyto por vós ven. 

864 

Dizem do meu amigo ca mi fez pesar, 
pêro veo-m T ora, amigas, rogar : 
ca mi queria tanto pesar fazer 
quanto querria de mi receber. 
Disserom-m ay amigas, ca mi buscou mal 
pêro veo-m'ora jurar jura tal : 
ca mi queria tanto pesar fazer 
quanto querria de mi receber. 
Sousel estas novas e veõ ante mi 
chorand'ay amigas, e jurou-m'assy : 
ca mi queria tanto pesar fazer 
quanto querria de mi receber. 

• 
LOURENÇO jograr 

865 

« Hir-vos queredes, amigo 
mays mi de vós mui cedo? 
— Ay, mha senhor, ey gram medo 
de tardar, ben vol-o digo, 
ca nunca tan cedo verrey 
que eu non cuyde que muylo tardey. 
« Amigo, rogo- vos aqui 
que mui cedo vos venhades: 



LOURENÇO JOGRAR 



163 



— Senon porque me rogades, 
cà sey ben que será assy, 

ca Duoca tan cedo verrey 

que eu non cuyde que muyto tardey. 
«Amigo, vossa prol será, 
poys que vos hides, de non tardar. 
— Senhor, que prol m'hade jurar, 
ca sei ben quanto mh'averrâ, 

ca nunca tan cedo verrey 

que eu non cuyde que muyto tardey. 
E senhor, sempre cuydarey 
que tardo muyto, e que farey ? 
«Meu amigo, eu vol-o direy, 
se assy for, gracil-vol-o-ey. 

866 

Hunha moça namorada 
dizia hun cantar d'amor, 
e diss'ella: «Nostro senhor, 
oj'eu foss'aventurada, 

que oyss'o meu amigo, 

com'eu este cantar digo.» 
A moça ben parecia, 
e en sa voz manselinha 
cantou, e diss'a meninha: 
« Prouguess'a sancta Maria, 

que oyss'o meu amigo, 

com'eu este cantar digo.» 
Cantava muy de coraçon, 
e mui fremosa estava, 
e disse quando cantava : 
« Pejfeu a deus por pediçom, 

que oyss'o meu amigo, 

com'eu este cantar digo.» 

867 

Três moças cantavam d'amor 
mui fremosinhas pastores, 
mui coytadas dos amores 
e diss^end^unha mha senhor: 

Dized'amigas, comigo 

o cantar do meu amigo. 
Todas três cantavam mui bem 
com 1 é moças namoradas, 
e dos amores coitadas, 
e diss'a per quem perc'o sen: 

Dized', amigas, comigo 

o cantar do meu amigo. 
Que gram sabor eu avya 
de as oyr cantar entom, 
e prougue-mi de coraçon 
quanto mha senhor dizia : 

Dized'amigas, comigo 

o cantar do meu amigo. 
E sse as eu mays oysse 
a que gram sabor estava 
e que muyto me pagava, 
de como mha senhor disse: 



Dizcde, amigas, ctmigo 
o cantar do meu amigo. 

868 • 

Assaz é meu amigo trobador, 
ca nunca ss'ome defendeu melhor 
quanto sse torna en trobar 
do que ss'el defende por meu amor 
dos que van con el entençar. 

Pêro o muytos vêem cometer 
tan ben se sab'a todos defender, 
en seu trobar per boa fé, 
que nunca o trobadores vencer 
poderom, tam trobador é. 

Muytus cantares ha fey per mi 
mays o que llTeu sempre mays gradeei 
de como sse ben defendeu 
nas entenções que eu d'el oy, 
sempre per meu amor venceu. 

E aquesto non sey eu per mi, 
senon por que o diz quen quer assy 
que o en trobar cometeu. 

869 

. Amiga, des que meu amigo vi 
el por mi morre, e eu ando desy 
namorada. 
Des que o vi primeyro Uri faley, 
e el por mi morre e eu d'el fiquey 
namorada. 
Des que nos vimos assi nos aven 
el per mi morre, e eu ando por en 
namorada. 
Des que nos vimus vedel-o que faz, 
el per mi morre, e eu and 'assaz 
namorada. 

870 

Já'gora meu amigo filharia 
de mi o que el tinha por pouco 
de falar migo cà tanfera louco, 
contra mi, que a vida mays querria ; 
e já filharia se m'eu quizesse 
de falar migu'e nunca Ih ai fezesse. 
Tan muyto mi dizen que é coitado 
por mi des quando non falou comigo, 
que non dorme, nen ha sen comsigo, 
nem sabe de si parte nem mandado ; 
e já filharia se m'eu quisesse 
de falar migu'e nunca lhal fezesse. 
Ca esfé Tome que mays demandava 
e non ar quis que comigo falasse, 
e ora jura que já sse quitasse 
de gram sandiç'en que m'ante falava ; 
e já filharia se m'eu quizesse 
de falar migue nunca lh'al fezesse. 
E jura ben que nunca mi dissesse 
de lh'eu fazer rem que mal me'stevesse ; 



1S4 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



En tâl que comigo falar podesse 
já non a preito que mi non fezesse. 

'• 871 

Amiga, quero-m'ora cousecer 
se ando mays leda por hunha ren, 
porque dizen, que meu amigo ven ; 
mays a quen me vir querrey parecer 
triste quando souber que el verrá, 
mays meu corapon muy ledo será. 
Querrey andar triste por lhy mostrar 
ca mi non praz, assi dês mi perdon', 
pêro ai mi tenho eu no corapon ; 
mas a quem me vir querrey semelhar 
triste quando souber que el verrá, 
mays meu corapon muy ledo será. 
Pêro, amigas, sempre receey 
d'andar triste quand'o gram prazer viir, 
mays ey-o de fazer por m'encobrir, 
e á força de mi parecerey 
triste quando souber que el verrá, 

mays ftieu corapom muy ledo será, 

# 

GOLPARRO 

872 

Mal fap'eu, velida, que ora non vou 
veer meu amigo, poys que me mandou 
que foss'eu con el en a sagrapon 
fazer orapom a san Treepon ; 

d 'ir ey corapon 

a san Treepon. 

E nom me devedes, mha madr'a guardar, 
ca sse lá non for, morrerey con pesar, 
ca hu ss'el hya disse-m'esta razon: 
fazer orapon a san Trceçon 

d'ir ey corapon, 

a san Treepon. 

JOHAM DE CANGAS 

873 

En san MamecTu sabedes 
que vistel-o meu amigo, 
oj'ouvera seer migo, 
mha madre, fé que devedes 

leixedes-mh'o hir veer. 
O que vistes esse dia 
andar per mi mui coytado, 
chegou-m'ora seu mandado, 
madre, per sancta Maria, 

leixedes mh'o hir veer. 
E poys el foy da tal ventura 
que sofreu tan muyto mal 
per mi e ren non lhi vai, 
mha madre, e per mesura, 

leixedes-mlfo hir veer. 



Eu serey per el coitada 
poys el é por mi coitado, 
se de deus ajades grado, 
madre ben aventurada, 
leixedes-mh'o hir veer. 

874 

Fuy eu, madrVsan Mamed!u me cuydey 
que veess'o meu amigu'e non foy hi 
por mui fremosa que triste m'eu parti, 
e dix'eu como vos agoradirey: 
poys hy non ven, sey hunha ren, 
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben. 
Quand'eu a san Mamede fui e non vi 
meu amigo con quem quisera falar, 
a muy gram sabor nas ribeyras do mar 
sospirey no corapon e dix'assy : 
pois hi non ven, sey hunha ren, 
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben. 
Depoys que fiz na ermida orapon 
a non vi o que mi queria gram ben, 
com gram pesar filhou-xi-me gram tristen, 
e dix'eu log 7 assy esta razon : 
poys hi non ven, sey hunha ren, 
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben, 

875 

Amigo, se mi gram bem queredes, 
bid'a san Mamed'e veer-m'edes; 
oje non mi menpades, amigo. 
Poys nfaqui ren nom podedes dizer, 
hid'u ajades comigo lezer ; 
oje non mi menpades, amigo. 
Serey yosqu'en san Mamede do mar, 
na ermida, se mh'o deus aguisar ; 
oje nom mi menpades, amigo. 

MARTIN DE GIIZO FltAYSÕ?) 

87a 

E como vyvo coy tada, madre, por meuamigo 
ca m'envyou mandado, que se vay no ferido ; 

e por el vyvo coytada. 

Como vyvo coytada, madre, por meu amado, 
ca m'envyou mandado que se vay no fossado; 

e por el vyvo coytada. 

Cá m'envyou mandado que se vay no ferido ; 
eu a santa Cecilia de corapom o digo, 

e por el vyvo coytado. 
Ca m'envyou mandado que sse vay no fossado; 
en a santa Cecilia de corapom o falo : 

e por el vyvo coytada. 

877 

Se vos prouguer, madroj'este dia 
hirey oj'eu fazer orapum 



MARTIN DE GIIZO 



165 



e chorar muyfen santa Cecília, 
doestes olhos meus, e de coraçon, 

ca moyr'eu, madre, por meu amigo, 

e el morre por falar comigo. 
Se vos prouguer, madre, d'esta guisa 
hirey a là rohas candcas queimar, 
en o meu mant'en a mha camisa 
a santa Cecília anfo seu altar; 

ca muyr'eu, madre, por meu amigo 

e el morre por falar comigo. 

Se me leixardes, mha madr'a la hir 
direy-vos ora o que vos farey, 
punharey sempre já de vos servir, 
e doesta hida muy leda verrey ; 

ca moyreu, madre, por meu amigo, 

e el morre por falar comigo. 

878 

Treydes, ay mha madi^en romaria 
ora hu chamam sancta Cecília, 

e louçana hirey 
ca já hy esto que namorey, 

e louçana hirey. 
E treydes migo, madre, de grado, 
ca meu amigu'é por mi coitado, 

e louçana hirey ; 
cá ja hy esfo que namorey 

e louçana hirey 
Orar hu chamam saneia Cecília, 
poys n^aduss^o que ben queria, 

louçana hirey 
cajá hy esfo que namorey 

louçana hirey. 
Ca meu amigu'é por mi coitado, 
e poys eu non farey seu mandado, • 

e louçana hirey 
cajá hy cst o que namorey 

louçana hirey. 

879 

Nom poss>u, madre, ir a sancta Cecília, 
ca me guardades a noyfe o dia, 
do meu amigo. 
Non poss'eu, madr'aver gasalhado, 
ca me non leixades fazer mandado, 
do meu amigo. 
Ca me guardades a noyfe o dia, 
morrer-vos-ey con aquesta perfla, 
por meu amigo. 
Ca mi non leixades fazer mandado, 
raorrer-ves-ey com aqueste cuydado 
por meu amigo. 
Morrer-vos-ey com aquesta perfla, 
e sse me leixassedes hir guarria 
con meu amigo. 
Morrer-vos-ey com aqueste cuydado, 
e ss'er quiserdes hirey mui de grado 
com meu amigo. 



880 

Ay vertudes de sancta Cecília, 
que sanhudo que se foy hun dia 
o meu amigo ; e tem-se por morto 
e se ssa sanha non faz hy torto 
o meu amigo e tem-se por morto. 
Ay vertudes de sancta ermida, 
com gram pesar fez aquesta hida 
o meu amigo; e lem-se por morto 
e se ssa sanha non faz hi torto 
o meu amigo, e tem-se por morto. 

♦ 

881 

Non mi digades madre mal, e irey 
veel*o, se verdade que namorey 

na ermida do Soveral, 
hu m'el fez muytas vezes coytada estar, 

na ermida do Soveral. 
Non mi digades madre mal, se eu for 
veel-o, s'en verdad T é o mentidor, 

na ermida do Soveral, 
hu m'el fez muytas vezes coytada estar 

na ermida do Soveral. 
Se el non ven hi, madre, sey que farey 
el será sen verdad'e eu morrerey 

na ermida do Soveral, 
hu m'el fez muytas vezes coytada estar 

na ermida do Soveral. 
Rogu'eu sancta Cecília e nostro senhor, 
que ach'oj'eu hy madr'o meu traedor 

na ermida do Soveral, 
hu m'el fez muytas vezes coytada estar 

na ermida do Soveral. 

882 

Nunca eu vi melhor ermida nem mais santa 
e que sse de mi enflnge e mi canta ; 
disserom-mi que a ssa coyta sempr'avanta 

por mi deus a-vos grado, 

e dizen-mi que é cuydado 

por mi o perjurado. 
Martin Codaz, esta non acho fechada . . . 

883 

A do muy bon parecer 
mandou lo adufle tanger; 
louçana, d'amores moyr'%u. 
A do muy bon semelhar 
mandou lo adufle sonar; 
louçana, d'amores moyr'eu. 
Mandou-1'o adufle tanger 
e non lhi davan lezer; 
louçana, d'amores moyr'eu. 
Mandou-Fo adufle sonar, 
e non lhy davam vagar ; 
louçana, demores moyr'eu. 



166 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



MARTIN CODAX 

884 

Ondas do mar de Vigo, 
se vistes o meu amigo? 
e ay, deus, se verrá cedo ! 
Ondas de mar levado, 
se vistes meu amado? 
e ay, deus, se verrá cedo ! 
Se visles meu amigo, 
o porque eu sospiro ? 
• e ay, deus, se verrá cedo? 

Se vistes meu amado, 
o por que ey grara cuydado; 
e ay, deus, se verrá cedo! 

885 

Mandad'é comigo, 
ca ven meu amigo ; 
hirey, madr'e vyvo ! 
Comigu'é mandado, 
ca ven meu amado; 
hirey, madre vyvo f 
Ca ven meu amigo, 
e ven san' e vyvo ; 
hirey, madr'e vyvo f 
Ca ven meu amado, 
e ven vyvo e sano ; 
hirey, madr'e vyvo ! 
Ca ven san'e vyvo, 
e d'el rey amigo ; 
hirey, madr'e vyvo! 
Ca ven vyv'e sano 
e d'el rey privado ; 
hirey, madr'e vyvo 

886 

Mha irmana fremosa, 
treydes comygo 
a la igreja de Vigo, 
hu é o par salido 

e miraremos las ondas. 
Mha hermana Cremosa, 
treidcs de grado 
a la igreja de Vigo 
hu é o mar levado ; 

e miraremos las ondas. 
A la igreja de Vigo 
hu é o mar salido, 
e verrá hy, madre 
o meu amigo ; 

e miraremos las ondas. 
A la igreja de Vigo 
hu é o mar levado, 
e verrá hy, madre, 
meu amado ; 

e miraremos las ondas. 



887 

Ay, deus, sabora, meu amigo, 
com'eu senlheira estou en Vigo, 
e vou namorada! 
Ay deus, sab'ora o meu amado 
corifeu en Vigo senlheira manho; 
e. vou namorada! 
Com'eu senlheyra estou en Vigo, 
e nulhas guardas non son comigo; 
e vou namorada ! 
Com' eu senlheira em Vigo manho, 
e nulhas guardas migo non trago; 
e vou namorada. 
E nulhas guardas nom é comigo, 
ergas, meus olhos que choram migo 
e vou namorada ! 
B nulhas guardas migo non trago 
ergas, meus olhos que choram ambos ; 
e vou namorada. 

888 

Quantas sabedes amar amigo, 
treydes comigu'a lo mar de Vigo, 
e banhar-nos-hemos nas ondas. 
Quantas sabedes d'amar amado, 
treydes-vos migo ao mar levado, 
e banhar-nos-hemos nas ondas. 
Treydes comigo ao mar de Vigo, 
e veeremol-o meu amigo, 
e banhar-nos-hemos nas ondas! 
Treydes migo ao mar levado, 
e veremol-o meu amado ; 
e banhar-nos-hemos nas ondas. 

889 

En o sagrad'en Vigo, 
baylava corpo velido; 
amor ey. 
En Vigo, no sagrado, 
baylava, corpo delgado; 
amor ey. 
Hu baylava corpo velido, 
que nunca ouvera amigo ; 
amor ey. 
Baylava corpo delgado, 
que nunca ouvera amado; 
amor ey. 
Que nunca ouvera amigo, 
ergas, no sagrad'en Vigo, 
amor ey. 
Que nunca ouvera amado, 
ergas, no Vigo en sagrado, 
amor ey. 

890 

Ay, ondas que eu vin veer, 
se mi saberedes dizer: 
porque tarda meu amigo 
sem mi? 



JOHAM DE REQUEYXO 



167 



Ay ondas que eu vin mirar, 
se mi saberedes contar 
porque tarda meu amigo 
sen mi? 

AYBAS PAES 

891 

Querhyr a saneia Maria de Leça 
e, irmanas, treydes migo 
e verrá o namorado 
de bom grado falar migo; 

quer'hir a sancta Maria de Leça 

bu non fui a mui gram peça. 
Se a lá poss'ir, mana, ben sei 
que meu araigui verria, 
por me veer e por falar migo, 
ca lh'o non vi n'outro dia ; 

querhir a santa Maria de Leça 

hu non fui a mui gram peça. 

892 

Por vel lo namorado 
que muyfa que eu non vi, 
irmana, treydes comigo, 
ca me dizen que ven hy 

a sancta Maria de Leça. 
Porque sey ca mi quer beil, 
e porque ven hi mu'yrado, 
irmana, treides comigo 
ca sey que ven hi de grado 

a sancta Maria de Leça. 
Por vel-o namorado 
que por mi gram mal levou, 
treides comig'ay irmana, 
ca mi dizem que chegou 

a sancta Maria de Leça. 

PERNAH DO LAfiO 

893 

D'ir a santa Maria do Lagu 'ey gram sabor, 
et pêro non hyrey a lá se anti non for, 
irmana, o meu amigo. 
E d f ir a santa Maria do Lago é-rai gram ben, 
et pêro non hyrey a lá se anti non a sen, 
irmana, o meu amigo. 
Gram sabor averia no meu coraçon 
d'ir a santa Maria se hy achass'enton, 
irmana, o meu amigo. 
Já jurey n'outro dia, quando-me de parti 
que non saliaMa hermida se ante non foss'i, 
irmana, o meu amigo. 

JOHAM DE REQUEYXO 

894 

Fui eu madren romaria 
a Faro com meu amigo, 



e venho cTel namorada 
por quanto falou migo ; 

ca mi jurou que morria 

por mi ; tal ben mi queria. 
Leda venho da ermida 
e d'esta vez leda serey, 
ca faley com meu amigo 
que sempre desejey ; 

ca mi jurou que morria 

por mi, tal ben mi queria. 
D'u m'eu vi con meu amigo, 
vin leda, se deus mi perdon', 
ca nunca lhi cuycTa mentir 
por quanto m'el diss'enton; 

ca mi jurou que morria 

por mi, tal ben mi queria. 

895 

À Far'hun dia Hirey, madre, se vos prouguer, 
rogar se verria meu amigo que mi ben quer, 

e direi-lh'eu enton 

a coyta do meu coraçon. 

Muy to per desejou que vehesse meu amigo, 
que m'estas pebas deu, e que falasse comigo, 

e direi-lh'eu enton 

a coyta do meu coraçon. 
Se ss'el nembrar quiser como Oquey namorada 
e sse cedo veher, e o vir eu ben talhada, 

e direi-lh'eu enton 

a coyta do meu coraçon. 

896 

Poys vós, filha, queredes mui gram ben 

voss'amigo, mando-vor-hir veer; 

pêro facede por mi hunha ren, 

que aja sempre que vos gradecer : 
non vos entendam per ren que seja 
que vos eu mand'hir hu vos el veja. 
Mando-vos eu hir a Far'hun dia, 

filha fremosa, fazer oraçon 

hu fale vosco como soya, 

o voss^migu', e se deus vos perdon', 
non vos entendam per rem que seja, 
que vos eu mandar hu vos el veja. 
E poys lhi vós gram bem queredes, 

direy-vos, filha, como façades 

hy, de vós, madfe vel-o-edes, 

mays per quanto vós comig'amades, 
non vos entendam per rem que seja 
que vos eu mand'ir hu vos el veja. 

897 

Atender quer'eu mandado 
que n^envyou meu amigo, 
que verrá en romaria 
a Far'e veer-ss'ha migo ; 
e poren tenh'eu que venha, 



168 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



como quer que outrfcm tenha,, 
nom lenfeti d'el que non venha; 
Atendel-o quei'eu, madre, 

poys m'envyou seu mandado^ 

ca mi diss'o mandadeyfo 

que é por mi mui coitado ; 
e por cn tenh'eu que venhat 
como quer que outrem tenha, 
non tem'eu d'el que non venha. 
Atendel-o quer' eu madre 

poys m'el mandad^envya, 

que se querria veer migo 

en Far'en saneia Maria ; 
e por en tenh'eu d'el que venhat 
como quer que outrem tenha, 
nom tem'eu d'el que non venha. 
Que, el log'a mi non venha 

non tenh'eu per rem que seja, 

nem que muyto viver possa 

en logar hu me nom veja ; 
e par en tenh'eu d'el que venha, 
como quer que outrem venha, 
non tenh r eu d'el que non venha. 

898 

Amiga, quen oje soubesse 
mandado do men amigo 
e lhi bem dizer podesse 
que vehesse falar migo, 

aly bu sempre queria 

falar migu'e non podia. 
Se de mi ouver mandada 
non sey ren que o detenha, 
amiga, pelo seu grado, 
que el mui cedo non venha, 

aly hu sempre queria 

falar migu'e non podia. 
E foy mig'outra vegada 
atendel-o-ey velida, 
fremosa e ben talhada 
en Far'en a ermida, 

aly hu sempre queria 

falar migu'e non podia. 

FERNANDESQIYO 

899 

vosso amigo, assy deus m^mpar 7 , 
vy, amiga, de vós muyto queyxar, 
das grandes coylas que ihe fostes dar 
des que vos el vyra. 
A lo seu mal vos filhou por senhor, 
e, amiga, sodes d'el pecador 
e diz que morte lhe foy voss'amor, 
des que vos el vyra. 
A lo seu mal, e queyxou-se-n^ende, 
ca el morre, e de vós nunca atende 
se non coylas, que fosse por ende, 
des que vos el vyra. 



900 

Senhor, porque eu tanfafam levey 
gram sazoh ha por deus que vos non vy, 
e pêro muy longe de vós vyvy 
nunca aqueste verv'anlig T achey: 
quau longe d'oos tan longe de coraçon. 

A minha coyta, por deus, non ha par 
que por Vós levo sempr'e ievarey, 
e pêro muy longe de vós morey 
nunca pude este verv'antig' achar : 
quan longe d'o!hos tan longe de coraçon. 

E Iam gram coyta d'amor ey migo 
que o non sabe deus, mal pecado, 
pêro que vyvy muyfalongado 
de vós, non acho este verv'antigo: 
quan longe d'olhos tan longe de coraçon. 

901 

' O Voss^amigo, triste sem razon 
vi eu amiga; muy pouco per'ey, 
e perguntey-o porque? e non sey 
d'el se non tanto que me diss'enton: 
des qu'el vyra hua sa senhor 
hir d'u el era, fora sofredor 
de grandes coylas no seu coraçon. 

Tan trisfestava, que ben entender 
pode quem quer que o vir que trisfé, 
e perguntey-o, mais per boa fé 
non pud'eu d'el mais d'atanto aprender, 
des qú'cl vira hua que quer bera 
hyr d'u el era, por dereito ten, 
'ta que a vyr, de non tomar prazer. 

Da ssa tristeza ouv'eu tal pesar 
que foy a el e perguntey assy, 
en que coidava, mais nom aprendi 
d'el senon tanto que lh'y oy falar, 
des que el vira quem lhi coitas deu 
hir d'u el era, no coraçon seu 
ta que a vir, ledo non pod^ndar. 

E enton pode perder seu pesar 
d'u que el vyra hyr veer tornar. 

902 

Vayamos, irmana, vayamos dormir 
nas rybas do lago, hu eu andar vy 
a las aves meu amigo. 
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar 
nas ribas do lago hu eu vi andar 
a las aves meu amigo. 
En nas ribas do lago, hu eu andar vi 
seu arco na mãao as aves ferir, 
a las aves meu amigo. 
En nas rribas do lago, hu eu vi andar 
seu arco na mãao a las aves tirar, 
a las aves meu amigo. 
Seu arco na mano, as aves ferir 
a las que cantavam leixal-as guarir ; 
a las aves meu amigo. 



STEVAM DA GUARDA 



169 



Seu arco na mano, a las aves tirar 
e las que cantavam non nas quer matar, 
a las aves meu amigo. 

903 

«Que adubastes, amigo, alàen Lu^u andastes 
ou q.'he essa flremosa de q Vos vós namorastes? 
Direi- vol-o eti, sr.% poismetãbèpreguntastes 
d'amor que eu levei de Sanctiago a Lugo 
a esse me adugu\ e esse mh'adugo. 
«Queadubastes,amigo,huLardastesn'outrodia 
ou qual he essa fremosa q vos lan ben parecia? 
— Direi-vól-o, senhora, pois hi tomastes perfia: 
d'amor que eu levei de Sanctiago a Lugo 
esse me adugu', e esse me adugo. 
«Que adubastes, amigo, la hu avedes tardado, 
ou qual heessa fremosa de q sodes namorado?» 
Direi-vol-eu, sr. a , pois m*avedes pregunlado: 
d'amor que eu levei de Sancliago a Lugo, 
esse me adugu', e esse me adugo. 

STEVAM DA GUARDA 

904 

A hu corretor a quem vy 
vender panos que conhuçi 
con penas veyras, diss'assy: 
— Da molher son de dom Foam, 
e disse m'el : Vedes quant am 
el et aquesta sa molher 

an o mester, an o mester. 
E diss'eu : Ficará em cós 
sem estes panos do ungrós, 
mays poys que o irajedcs vós 
a vender et per seu lalam; 
et disse-m'el: Sey eu de pram 
per ela quanta vez disser: 

an-o mester, an-o mester. 
E diss'eu : Grav'é de creer 
que elos con mengua d 'a ver 
mandem taes panos vender, 
por quam pouco por elles dam. 
E disse-nfel : Per contestam 
el et aquesta ssa molher, 

an-o mester, an o mester. 

« 

905 

D'uma gram vinha que tem em Valada 
Alvar Rodriguis nom pod'aver prol, 
vedes porquê, ca el non cura sol 
-de a querer per seu tempo cavar, 
et a mays d'ela jaz por adubar 
pcro que tem a mourisca podada. 

El s'cntende que a ten adubada 
pois lh'a podarom el sen razon 
ca tan menguado ficou o torçon, 
que a copa non pode bem deytar, 

3» 



ca en tal tempo a mandou podar 
que sempre lhe ficou decepada. 

SVnlom de cabo non for rrechantada 
nenhum proveyto non pod'end'aver 
ca per aly per hu a fez reer 
ja en dezembr^està para secar, 
el mays valrria já pêra queymar 
que de jazer como jaz mal parada. 

. 906 

Alvar Rodriguis vej'eu agravar 
porque se senfaqui mengua d'avindar, 
et ten que lh'ya melhor alen mar 
que lhe vay aquy hu naçeu et criou ; 
et por esto diz que sse quer tornar 

hu gram tempo serviu e afanou. 
Ten el que faz dereyfen se qucyxar 
poys lhe non vai servir et afanar, 
nen pod'aqui conselho percalçar 
com'alem-mar per servir percalçou ; 
poren quer-ss'yr aseu tempo passar 

ha gram tempo serviu e afanou. 

907 

A molher d' Alvar Roiz tornou 
tal queyxume quando ss^cl foy d'áquem 
et a leixou, que per mal nem per bem, 
des que vco nunca ss'a el chegou, 
nem quer chegar-sc d'el ; saneia non he 
jurando-lhe ante que a boa fé 
non na er leixe como a leixou. 

E o cativo per poder que ha 
non na pode d'esta feyta parlyr, 
nem per meaças, nem pela ferir, 
ela por en nenhuma ren non dá, 
mais se a quer cresta sanha tirar 
a boa fé lhe convém a jurar 
que a non leixe en nenhum tempo já. 

908 

En preyto que dom Joam ha, 
con hun maeslre ha gram queslom, 
e o meestre presopora 
o de que o dereyfestá 
tan conlrairo per quanfeu vi, 
que se llToutrem non acorr' i 
o meestre decaerà. 

Mais se decac, quem será 
que já dereilo, nem razon 
for demandar, nen defenson, 
en lai meestre que non dá 
en seu feifajuda de ssi, 
mais levará per quanfoy 
quem Ih'o direito soslerrâ. 

Ca o meestre entende já 
se decaer, que lh'é cajom, 
antr'os que leterados som, 



170 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



onde vergonha prenderá, 
d' errar seu dereito assi, 
e quem esto vir des ali 
por mal andante o terra. 

Esta cantiga de cima foi feita a hu mees- 
tre de leys que era manco d 7 uã perna, e ço~ 
pegava d' ela muito. 

909 

Hum cavaleiro me diss'em baldom 
que me queria poer citação 
muy agravada, como home crú ; 
e dixi-lh'enton como vos direy: 
se mh'a poserdes, tal vol-a porrei 
que a sençades bem atá o cuu. 

E disse-m'el : citação tenh'eu já, 
lai que vos ponha, que vos custará 
mais que quanto vai aqueste meu muu ; 
e dixi-llTeu : poil-o non tenh'en ai, 
se m'a poserdes, porrei-vol-a tal 
que a sençades atá o cuu. 

Tal exeiçon vos tentfeu de poer, 
diss'el a mi, per quando voss'aver 
vos custe, tanto que fiquedes nuu ; 
e dixi-llr eu : coração de judeu, 
se mh'a poserdes tal vos pareceu, 
que a sençades ben a taa o cuu. 

Esta cantiga de cima foi feita a hun cava- 
leiro que lhe apohiam que era puto. 

910 

Meu dano fiz por tal juiz pedir 
quando mh'a rainha madre d'el-rei deu 
hu cavaleiro oficial seu 
pois me non vai d'ante tal juiz ir; 
ca se vou y e lev'o meu vogado, 
sempre me diz que está embargado, 
de tal guisa que me non pod'oir. 

Por tal juiz nunca já mais ha 
descmbargacTesle preylo que ey, 
nem a rainha, nem seu filh'el-rei 
pêro lh'0 manden nunca m'oirà; 
cajá me disse que me non compria 
d'ir per d^anfcl pois m'oir non podia 
mentr'embargado eslever contesta. 

Mais a rainha pois que certa for 
de qual juiz en a sa casa ten, 
terá per razon, esto sei eu ben, 
de poer hi outro juiz melhor, 
e assi poss'cu aver meu dereito, 
pois que d'i for este juiz tolheito, 
e me deren qualquer outr'oidor. 

Esta cantiga foi feita a hu juiz que non 
ouvia ben. 



911 

Pois a todos avorrece 
este jograr avorrido, 
de tal molher e marido 
que a min razon parece 
de trager per seu pediolo 
o filho doutro no colo. 
Pois ela trage camisa 
de sargo mui bem lavrada, 
e vai a cada pousada 
por algo, non é sen guisa 
de trager per seu pediolo 
o filho d'outrojao colo. 
Como Pêro da Arruda 
foi da mulher ajudado, 
non he mui desaguisado 
pois lh'esta fez tal ajuda 
de trager per seu pediolo 
o filho d'outro no colo. 



912 

D r onde mora ali huu home 
vai-sse d'aqui huu ric'ome; 
dixe-lh'eu, per com'el come, 
poys que m'eu fiqu'en Lixboa: 
já que se vay o ric'ome 
varon, vaa-ss'en ora boa. 

E disse-m'el : per Leyrea 
se vai caminho de Céa; 
dixi-lh'cu: per com'el çóa, 
poys eu fiqu'en Extremadura 
se vay caminho de Côa ; 
el vaa-ss'em boa ventura. 

E disse-m'el: este caminho 
se vay d'antre Doyro et Minho; 
dix J eu : poys bevo bon vinho, 
aqui hu conrhe um conto, 
se vay antre Doyfe Minho, 
senhor vaa-ss^m ponto. 



913 

Pois leu preyto anda juntando 
áquel que he do leu bando, 
di-me, doutor, com'ó roguando 
lhe cuydas fazer emmenda? 
por quanfanda trabalhando 

com'aposfa ta fazenda. 
Pois com muytos ha baralha 
por le juntar prol sem falha, 
di, doutor, ssy deus t'y valha, 
se lhe cuydas dar merenda, 
por quanfel por sy trabalha 

com'aposfa ta fazenda. 
Pois anda tam afilcado 
por teu preyto aver juntado, 
di, doutor, cab'o casado, 



STEVAM DA GUAKM 



171 



que prol tem y ou quegenda 
o que toma tal cuydatlo 
com 1 apost'a ta fazenda? 

Esta cantiga foy feda a hun doutor que 
meteu por seu meseyeyro pêra justar seu ca- 
samento huu home que era leigo e casado, e 
fora ante frade preegador, e o que se sal da 
ordem chamam-lhe «apóstata»; esta cantiga 
hi a de cima. 

914 

Pois que te prazes d'aver sen comprido 
en trobar bem e em boa razom, 
non faz mester, a ty fler ua chançon 
dlr entençar com'en torre a ruido; 
nen te ioares con^é quen s'engana 
e de palavras torpes e d'ou(Tana 
e depôs faço seer espargido. 

Ca sempre contam por en cyvidade 
ao pastor por dar-sse de gram sen, 
nem gram saber, por end'a ty conven 
en quanto es tam pastor d'idade, 
pois en tan alta razon ousas 
que punhes sempre antre outras cousas 
seeres partido de torpiclade. 

Non entendas que fazes hy cordura, 
dlres assy confen torre entençar, 
atrevendo te que sabes trobar 
ante mercês hy ten feito mesura; 
poren non queiras seer enganado, 
en tal razon mays séy semp^acordado 
de seeres parado de loucura. 

Fiida 

» 

E pois en ai es mans 7 e mesurado, 
non entences se quer, serás loado 
no que tu es comprido de bravura. 

Esta cantiga foy feda a huu galego que se 
preçava de trobar e non o sabya ben e me- 
teu-sse d maneira de tencon com Estcvam 
da Guarda, e Estevam da Guarda Ihi fez 
esta cantiga; e et andava sempre espartido, 
e nunca lhe entendeu a cantiga, nem lhe soube 
a cila trobar. ^ 

915 

Bispo senhor, eu dou a deus bon grado 
por que vos vej'em privança entrar 
d'el-rey, aquém praz daverdes logar 
no seu conselho mais cToutro prelado, 
e por que eu do voso tal a sey, 
qual prol da vossa privança terrey, 
rogo eu a deus que seiades privado. 

Dobrando ende quanfal avedes 
iazede sempre quantal rey prouguer, 
pois que vos el por privad'assi quer, 
e pois que vós altos fectos sabedes, 
e quanfen flsce en conselho jaz, 



nostro senhor, pois d^sto ai rey praz, 
fyo por deus que privado seredes. 

Per qu'este papa quen dovydaria 
quen non tiredes gram prol e gram bem 
quand'el souber que pelo vosso sen 
el-rey de vós mais d'oulro varon fia, 
e poys vos el-rey aqueste logar dá 
d'ÍBto, senhor, hu outra rem non ha 
vos seeredes privado todavya. 

Doeste vosso beneficio com oficio quem 
dovydarâ, 
que voi exalcem em Outranfora já? 

916 

Donzela, quem quer que poser femença 
em qual vós sodes e de que logar, 
e non parecer que vos deus quis dar 
entender porquant'é mha creença, 
que pois vos querem juntar casamento 
nom pod'aver hy nen huu partimento 
se non se for por vosa negrigença. 

E quem bem vir o voso contenente 
e as feyestas e o parecer, 
que vós avedes, bem pod entender 
en tod'aquesto quanfé mençientc ; . 
que ben aly hu vos casar queredes 
non se partirá que hy non casedes 
se non per seerdes vós hy negrigente. 

Ca sey eu outro non de tal doayro, 
nem de tal logar como vós de pram, 
com aguça que tomou de talam 
de casar cedo nom ou\ r, y contrayro ; 
poren vos compre, se casar cuydades 
de negregente que sodes, seiades 
muy aguçosa sem outro desvayro. 

917 

Ruy Gonçalvyz, pêro vos agravece 
porque vos travou en voso cantar 
JohanEanes, vej^u el queyxar 
de quam mal doesto lh'y de vós recrecc, 
hu lh'y íTezestes trobar de mal dizer, 
en tal guysa que ben pode entender 
quem quer o mal que ai lh'aparece. 

Poren partid ? este feito de cedo, 
ca de mal dizer non tirades prol, 
e como se Johau'Eanes dol, 
já de vós perdeu vergonha et medo; 
ca enlend'el que se dev'a senlyr 
do mal dizer que a seu olho vyr, 
que pode log'a tocar con seu dedo. 

Poys sodes entendud'en vysta 
sabed'agora catar tal razon, 
per que venha este feito a perdon, 
e por parardes melhor a conquista, 
outorgad^ra, senhor, que vos praz, 
se mal-dizer no voso cantar jaz 
que o poedes tod'o voss'a vista. 



172 



CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA 



918 

Dis oj'el-rey : poys dom Foam mays vai 
seendo pobre, o gram bem fazer 
que Ih'eu fiz sempfo Tez ensandecer; 
se m'el ben quer, meus amigos, en tal 

que me queyra mal hy, farey 

padecer et desensandeceF-ey. 

Poys en pobreza non sal de seu sen 
e o bem fazer o torna sandeu 
por padecer o que non padeceu, 
pêro, amigos, diz que me quer bem, 

que me queyra mal hy, farey 

padecer et desensandeceF-ey. 

Poys que lhi deus a tal ventura deu 
que em pobreza tod'o seu sen ha, 
e com bem et se tem por meu 
que me queira ja, 

que me queyra mal hy, farey 

padecer et desensandecef-ey. 

Esta cantiga foy fecta a huu que fora pri- 
vado d'el rey, e quando estava muy tendo 
amor d'cl-rey apoinham-lhe que era muy le- 
vantado com* homem de mal recado; e aas 
vezes en quanto elrey non fazia sanhudo 
todq tornava mui mansso et mui cordo et 
mui misurado. 

919 

Poys calarei ú mVspreitc 
con sas razões d'engano 
e me quer meler a dano, 
por en dan'eu quem m'o deyte; 

deylar quero eu lodavya 

o Maestre qu'a dom Macia. 
Poys me tenla, de tal provo 
per que traga esforzado, 
eu como home de recado 
em véspera d'ano novo, 

deytar quero eu todavya 

o Maestre qu*a dom Macia. 
E poys el aas puimeyras 
quer de myn levar o meu, 
com'é enganador judeu 
en véspera de janeyras, 

deytar quero eu todavya 

o Maestre qu'a dom Macia. 

Esta cantiga foyfeyta a huu escudeyro que j 
avya nome Macia e que era escudeyro do 
Meeslre (T Alcântara et veera cVcl-rej/ de Por- 
tugal con suas preytesias, et davalhe a en- ' 
tender que levaria do Maestre d" Alcântara 
muyto gram algo, e el andava-lliy con men- 
tira et para levar d y cl algo. 

920 

— Vós dom Josep venho eu preguntar 
poys pelos vossos Judeus talhadores, 



vos ten talhada grandes e meores 
quanto cada huu Judeu ade dar; 
per qual razon dom Poham Judeu 
a quen já talha foy posta no seu 
s'escusa sempre de vosco reytar. 

<( Estevam da Guarda, pode quitar 
qual judeu quer de reytar os senhores, 
mays na talha grafas nem amores 
nulh'y faram os que ham de talhar; 
e don Foam ja per vezes deu 
o o que talharom contende perd'o meu 
des ora mays et con yr"a s'el jurar. 

— Don Josep tenho por sem razom 
poys ja (Tal vosquVu talha igualdade, 
hu do seu deu quanto lhy foy tolhade, 
que per senhores aja defensora, 

de non peytar como outro peytador 
como peyla qualquer talhador 
quanto lh'y talhan sem escusaçom. 

<( Stevam da Guarda per tal auçom 
qual vós dizedes, foy já demandado 
e foy por el seu feylo desputado 
assy que dura na desputaçora, 
e do talho non ten o melhor 
ca deu gran peyla poys seu senhor 
lh'a peyla quanfa vai tal quitaçom. 

— Já dom Foam pormal que mi quer dizer 
que nego quantYy per non peytar nada, 

e de com'he fazcmFaposlada 
vós dom Estevam sodes em bem fazer, 
que nunca foy dom a tan sonegado 
mays sabudo e certo apregoado 
quanfev na terra movil e raiz. 

«Dom Joseph, já eu certo fiz 
que devess'e non he cousa negado,, 
mays he tan cerlo et apreado 
com'he o vinho forte em Alhariz; 
e el querc-a de vós desearreygado, 
de vos aver assy aspeylado 
confoj^el he polo mayor juiz. 

921 

Marlim Gil, huu homem vil 
sse quer de vós querellar, 
que o mandastes atar 
cruamente a um esleo, 
dando-lh'açoutes bem mil; 
e aqueslo, Marlym Gil, 
parece a lodos muy feo. 

Nom me possYmfeu partir 
per'o que o já roguey, 
que se non quey.Vendc ai rey, 
ca se sente tam mal trevlo 
que non cuyda en guarir; 
e Marlim Gil, quen no vir 
parece mior lá o defeyto. * 

Tan cruamenle e tam mâl 
diz que foy ferido entom, 
que teedes hy eajom 



STEVAM DA GUARDA 



173 



sei d*esto non guarrer, 
e aquesto flcyto tal, 
Marlim Gil, tan desigual 
ei a rauy peior parecer. 

Esta cantiga foy feita a hum escudeyro 
que avya nome Marlim Gil, e era, l\omerru 
muy feo, 

922 

Alvar Rodriguis, dá preç' e de3forçq 

a esf infante mouro paslorinho, 

c dis que pêro parece menino 

que emparar-se quer a lod'alvorqçoj 

e maestrAli, que vejas prazer, 
d'Alvar Rodriguiz punha de saber 
et sé fode já este mouro tam moço. 
Diz que per manhaselperseusembrante 

sab*el do mouro qif é home comprido, 

et para emparar-ss^ tod'o ruydo 

et que sabe que lai lie seu talante ; 

e maestr^Ali, que moiras em fé, 
(VAIvar Rodriguis sabi ora como he, 
et se fode já esle mouro infante. 
E diz do mouro que sabe que ten'o 

seu coraçom em ss'emparar afeito ; 

porque o cria et lhi hc sujeito, 

pêro parece de corpo pequeno ; 

et maeslr'Ali sab'y ora ben, 
d'Alvar Rodriguis poyl-o assi ten 
se fode já este mouro Iam neno. 

923 

Do que eu quigi per sabedoria 
d* Alvar Rodriguis seer sabedor, 
e (resfinfanle mouro muy pastor 
já eiureu sey quanto saber queria 
por maestrWIi, de que aprendi 
que lhi diss'Alvar Rodriguis asi 
que já tempo ha que o mouro fodia. 

ConVel guardou de frio e de fome 
este mouro, poyl-o ten en poder, 
maylo devera guardar de lbder 
poys con el sempre alberga et come ; 
ca maeslr'Ali jura per ssa fe 
que já d" Alvar Rodriguis ao pé 
que fo(ro mouro como fode outr'ome. 

Alah guarde toda prol en seu seo, 
Alvar Rodriguis, que por en tirar 
d'aqucste mouro que non quis guardar 
de seu foder a que tam moço veo; 
ca macslr'Aly diz que dias ha 
que sabe d'Alvar Rodriguis que já 
fod'cste mouro a caralho cheo. 

924 

Dizem, senhor, que hufi vosso parente 
vos vem fazer de seus serviços crença, 



e dizer-vos en maneyra de sabença 
que vos serviu como leal servente; 
e se vos el aqueslo ven frontar 
corla resposta ihy (levedes dar 

hu vos disser que vos servyif lealmen . 
Ca se vos el quer fazer enlendente 
que vos servyu scrv'y outra encoberta 
per sa coita que ven pocr por certa, 
en tal razom a que che m'eu ciente 
certa resposta deve levar, 
de vós, senhor, poys non he de negar 

hu disser que vos serviu lealmente. 
E poys el and'a fazer-vos creente 
que vos serviu como homem de peage, 
nom compre aqui resposta per mensage, 
mays vós, senhor, com ledo contenente 
lhy devedes-lhy y logo a tornar 
certa resposta, s'ar a mays cuydar, 

hu disser que vos serviu lealmente. 

925 

En tal perfia qual eu nunca vy 
vi eu dom Foam com sa madr'estar, 
e porque os vi ambos perfiar 
cheguei m'a el et dixi-lhy logu'y: 
vencede-vos a quanto vos disser, 
ca perfiardes non vos ha mester 
con vossa madre perfiar assy. 

E disse-m'el: semp^esloouvemosd^so, 
eu e mha madre em nosso solaz, 
de perfiarmos en o que nos praz, 
e quando-mVu de perfiar escuso, 
assanha-se et diz-ufo que vos direy: 
que sejas sempre maldito e confu>o. 

E <lix'eu : senhor, non vos está bem, 
de perfiardes, mays es tá- vos mal 
com vossa madr'; e riiss'el: nemical, 
poyl-o ela por sa prol as-^y ten 
ca : e lireu dig'al tenho de fazer, 
por bem ou mal tanto uTade dizer 
ou na cima perfiar me conven. 

E paravuas am de falecer, 
mays tanto avemos de noyte a seer 
que a alvorada ja muy perto ven. 

92G 

Se vós, dom Foao, dizedes 
que deverades de casar 
com molher de mayor logar 
que essa que vos doedes, 
dizedes hy en que vos praz 
ca para vós perdon ten 
et ela quanfobra bem, 
filha (1'algo he bem assaz. 

Corno quer que vos tenhades 
que con ben fazer de senhor 
deverades casar melhor, 
senhor, nunca o digades ; 



174 



CANCIONEffiO PORTUGUEZ DA VATICANA 



ca se filharedes em cós • 

molher para vós lan lyal, 
pêra ela que tanto vai 
filha cTalgo é para vós. 

Poys sodes tan bem casado 
non devedes hy ai dizer, 
mays a deus muy to gradecer 
casamento tan onrrado; 
ca para vós poys que vos- dar 
gram prejfa ome de bon sen, 
et ela hu ha todo ben 
filha d'algo é ben de pram. 

927 

caparom do marvy 
que vos a testa bem cobre, 
con pena veyra tan nobre, 
alfayafpu pelyteiro, 
dized ? ora cavaleiro 

qual vol a postou assy ? 
Tal caparom vos conven 
con tal pena que tragaes, 
mays ides dar meesteyraes 
me dized'o que vos digo, 
cavaleyr'a meu amigo 

cal vol-a postou ca bera ? 
que he mays sabedor 
de caparom empenado 
mi àè d'agora recado 
e non seja encoberto, 
de como vos sodes certo 

cal vol-a postou melhor. 

Esta cantiga foy feita a huu vilaão rico 
que avia nome Roy Fafes e feze-o el rey dom 
ao filho dei rey Dom Denis cavalleiro a rogo 
de Miguel Vivas, eleito de Viseu seu privado, 
porque casou com hua sa sobrinha, e era 
calvo e el em pêro fez hun capeirom grande 
de marvy con pena veira e con alfreses aber- 
to por deante e anchavasse pelas costas pe- 
los ombros todos arredor e de bi % anco em ci- 
ma do caparom lhe parece a pena veira. 

928 e 929 

Ja Martim Vaasques da eslrclogia 
perdeu bençom polo grand'engano 
das pranetas, per que veo a dapno 
en que tan muyto ante s'atrevia ; 
cá o fezerom sem prol ordinhar 
por egreja que lhe non querem dar, 
e per que lh'é defesa jograria. 

E per esto porque anfel vivia 
llf é defeso des que foy ordinhado, 
oy mays se ten el por desasperado 
da prol do mester et da crerezia; 
e as pranetas o tornarom foi, 
sen egreja, nen capela de prol 
et sen o mester per que guarecia. 



E ja de grado el renunçaria 
sas ordiis per quanfeu ey apreso, 
por lhe non seer seu mester defeso, 
nem er ficar en tanta peioria, 
como ficar por dcvaneador 
coroado, et do que he peor 
perder a prol do mester que avia. 

E na coiôa, que tapar queria 
leixa crecer acima o cabelo 
et a vezes a cobre com capelo 
o que a mal muy daninhos faria, 
mays d'el quanfel asperança perdeu 
das planetas desi logu' entendeu 
que per coroa prol non tiraria. 

En o seu livro, per que aprendeu 
astrologia, logu' i prometeu 
que nunca por el mays estudaria. 

Estas cantigas de cima foram feitas a huu 
jograr que se presava d-eslrologo e el rum sa- 
via nada e ffoy-sse cercear, dizendo que ave- 
lia egreja, e fazer coroa, e a hurna ficou cer- 
ceado e non ouve a egreja e fezerom-lhe estas 
cantigas porem. 

930 

Conf aveo a Merlin de morrer 
per seu gram saber, que el foy mostrar 
a tal molher que o soub^ejiganar, 
per essa guisa se foy confonder 
Martim Vaasques per quanfeu llfoy, 
que o ten morfhuã molher assi 
a que mostrou por seu mal saber. 

E tal coyta diz que lhe faz sofrer 
no coraçom que se quer afogar, 
nem er pode hu a non vyr durar, 
en tornando o faz esmorecer; 
e per saber que llf el mostrou o tem 
ja coytado que a morrer convém, 
de morfestranha que ha padecer. 

E é que llf é muyto grave de ler 
por aquelo que llf el foy mostrar, 
em estar cora quem sabe que o pod^nsarrar, 
en tal logar hu conven d'atender 
a tal morte de qual morreu Merlim, 
hu dará vozes fazendo ssa ffim, 
ca non pod'el tal morte escaecer. 

931 

Ora é já Martim Vaasques certo 
das planetas que tragia erradas, 
Mars e Saturno mal aventuradas, 
cujo poder trax en si encuberto ; 
ca per Mars foy mal chagad^m peleja, 
et per Saturno cobrou tal egreja 
sem prol nenhuma em logar deserto. 

Outras planetas de boa ventura 
achou per vezes en seu calandayro, 



JOHAM FERNANDES DARDELEYRO 



175 



mays das outras que llTandam en conlrayro, 

cujo poder ainda sobral dura, 

per hua d'elas foy muy mal chagado, 

et pela outra cobrou priorado 

hu ten lazeyra en logar de cura. 

El rapou barva e fez gran coroa, 
et cerceou seu lopete spartido, 
et os cabelos cabo do oydo, 
cuydando avtr per hy egreja boa; 
mays Saturno lh'a guisou de tal renda 
hu non ha pam nem vinho d'oferenda, 
nem de herdade milho para boroa. 

E poys el he prior de tal prebenda, 
conven que leyx'a cura e a renda 
a capela ygual da sa pessoa. 

932 

Pêro el rey ha defeso 
que juiz non filhe preyto, 
vedes o que ey apreso : 
quen s'ajudar quer do alho 
faz barata d'algu'e da-lh'o. 
Pêro que he cousa certa 
que el rey pôs tal defesa 
onda bon juiz non pesa, 
digu'eu que per encoberta : 
quem s'ajudar quer do alho 
faz barata d' algo e da-)h'o. 
Pêro en tod'ome cabe 
en que a sen e cordura, 
que se aguarde tal postura, 
vedes que diz quem o sabe : 
quem s'ajudar quer do alho, 
barata d'algo e dá-lh'o, 
En prata ou em retalho 
ou em trobas ou bisalho. 

JOHAM FERNANDES DARDELEYRO 

933 

Esta cantiga foy feyta a hum commenda- 
dor que ouvera sas palavras com este escu- 
deyro que lh'y esta cantiga fez, porque o mo- 
veu a fazer d'el queyxume d'el rey et fezAhi 
perder a terra que d y el tiinha avya nome 
Pavya. 

O que cer'a no pavyo, 
que me fez perder Pavya, 
de que m 7 eu nada non fio, 
ai m'er fez com sa perfia: 
de noyte per muy gram frio 
que tangesse eu pessa fria, 
mais aynda n^emTeu ryo 
como s'end'el nunca ria. 

Nem huãs graças non rendo 
a quen lliy deu tan gran renda, 
per quo m'cu d'el nom defenda, 



nen acho quem me defenda ; 
et poys que eu non emendo, 
nem me faz outrem emenda, 
a o demo eu comendo 
que o aja en sa comenda. 

Coyda-me lançar a mato, 
dos ays o que me d'el m'após mata. . . 
• •••••«. •.... « • 

Que m'hade poer no paao 
esto diz que vyu na paa 
e por en quanto ten da-o 
et a mha lavoyra daa; 
mays poys eu non acho váao 
a meu feito, sempre vaa 
sa fazenda em ponto máao 
e el muyto em ora maa. 

934 

A mi dizen quantos amigos ey 
porque vivo tan muyfera Portugal 
ca muyclf a já que non fighe mha prol; 
digo-lhe eu : vos eu direy, 
meus amigus, nom rnho digades sol 
ca mha prol he de viver en hu non vej' 
hua vez a quen vi por meu mal. 

E a esf est oje quanto ben ey, 
nem me digades amiga hy ai, 
ca emquanfeu poder veer os seus 
olhos, meu dano já nunca farey, 
mays mha gram prol vedes porque, par deus, 
ca me querrà matar se m'emparar 
esta gram coyla que me nunca fal. 

935 

Pêro Coello é deytado 
da terra pellos meirinhos, 
porque britou os caminhos; 
mays de seu padr'ey gram doo, 
nom ha mays d'um filho soo 
e ficou d'elle lançado. 

E foy-s'el morar a França 
et desemparou sa terra, 
ca nom quys con el rey guerra ; 
mays la coyta de sa madre 
porque ficou a seu padre 
d'el no coraçom a lança. 

E foy-s'el morar a Coyra 
que he terra muyfesquiva, 
hu coydamos que non viva, 
e sseu padr'e sseu linhage 
da lança que d'el trage 
todos envydamus que moyra. 

E el se foy certamente 
porque nom podia 
na terra guarir um dia; 
ca eu a sseu padre ouvy-lh'o 
que a lança do seu filho 
en o coraçom a sente. 



\ 



176 



CANCIONEIRO PORTCGTIE2 DA VATICANA 



93G 

Jluu sangrador tio Leireá 
me sangrou estoutro dyaj 
et vedes que me fa^ia: 
cuidando buscar a vêa 
foy-me no cuu apalpar; 

ai fodidò h irá sangrar 

sangrador em tal logár. 
Este sangrador, amiga^ 
traz liuã noVa sangria 
onde m'eu non percebia; 
fllhou-me pela barriga, 
começou a sofaldrar; 

ai fodido hirâ sangrar 

sangrador en tal logar. 
E tal sangrador achedeS; 
amiga, se vos sangrardes, 
quando vos non precatardes 
se lli'o consentir queredes, 
querra-vos el provar : 

ai fodido hirà sangrar 

sangrador en tal logar. 
Quem tal rogo, quer rogar 
con sa mãy vaa roguentar. 

JOHAM SOARES DE PAYVA 
937 

Aquy se começam as cantigas, d? escarntie 
de mal-dizer. Esta cantiga, è de mal-dizer 
e feze-a Joham Soares de Pavha aí rey dom % 
Sancho de Navarra, porque llá rroubar (c?isa 
foram, e non Ihi deu el rey ende dereylo. 

Ora faz esfo senhor de Navarra 
poys em Proençfest el rey d'Aragom, 
nom lh'am medo de pico, nem de marra, 
Carcaç ona, pêro vezinhos son ; 
nen am medo de Ihis poer Boron 
c riir-3'am muyfen Dura e Darra, 
mays se deus traz o senhor de Monpon 
ben mi cuyd'eu que a cunca Ihis varra. 

Se lh'o bon rey varrel-a escudela 
que de Pamplona oysles nomear, 
mal ficará aquesfouti^cn Todela, 
que ai non ha a que olhos alçar ; 
que verrâ hi o bon rey sojornar, 
e destruyr a cà burgo d^slela, 
e veredes Navarros azerar, 
e o senhor que os (odus caudela. 

Quand'el rey sal de Todela estrea 
el essa osfe tod'o seu poder, 
ben soffrem hy de travalh'e de pea, 
ca van a furfe lornam-s^n correr; 
guarda-s'el rey, confé de bon saber, 
que o non filhe luz en terra alhea 
e onde sal hy ss'ar tonfa jazer 
ao jantar ou senon aa cea. 



FERNA1I RODRIGIÍS DE CALHEYROS 

Ô38 

Fernàm fíodríguis de Callieyros entendia 
en húa donzela et tragia a esta donzela prey- 
to de a casarem com Fern-am tiniz Corpo- 
delgado^ e ela disse que non queria, e por 
esto fez este cantar Fernani Rodriguis, e 
diz assi: 

DVnha donzela ensaáhàda 
soo eu maravilhado, 
de como foy razoada 
contra mi neutro dia, 
ca mi disse que queria 
seer ante mal talhada, 
que áver crirpó delgado. 



939 

Oúlrossy fez outra cantiga a úulra dona 
a que davam preyto cofi huunpeon, que avia 
nome Vela, e diz assy : 

Agora oy d'unha dona falar 
que quero ben, pêro a nunca vi, 
por tan muyto que foz por se guardar 
por molher que nunca fora guardada, 
por se guardar de maa nomeada 
filhou-se e pos o Vela sobre sy. 

Ainda e d'al Tez mui melhor, 
que lhi devemos mays agradecer 
que nunca eiuTouve seu padre sabor, 
nem Hf o mandou nunca pois que foy nado, 
c'apesar d'el e sen o seu grado 
non quer Vela de sobre ssy tolher. 

940 

» 

Et fez esf outro cardar a huu cavaieyro 
que dizia que era fdho a"um home e fazia-se 
chamar per seu nome, e depois acharom que 
era filho d outrem, e diz assy: 

Vistes o cavaleiro que dizia 
que Joham Mariz ora mentia 
ca Joham Johanes o acharom ; 
e tomarom-lhi quanto tragia, 
e foy de gram ventura aquel dia 
que escapou que o non enforcarom. 



941 

Dom Fernam Paes de Talamancos fez es- 
te cantar de maldizer a hum jograr que 
chamavam Jograr-Saco, e era muy mal fey- 
to e poren trobou-Uxi que mays guysad y era de 
seer saco ca jograr. 



DOM LOPO LIAS 



177 



DOM FERNAM PARI DE TALAMANGOS 

Jograr Sacco, non tenh'eu que fez razom 
quen vos poz nome jograr e vos deu dom ; 
mays guisado fora saqu'e jograr non, 
assy deus m'ampar'vosso nome vos dirá 
quem vos chamar saqu'e non jograr. 
Rodrig'Ayras vol-o diss'e fez mal sen, 
poys que vós non citolades nulha rem, 
ar avede o nome saqu'e será bem; 
assy deus n^ampar', vosso nome vos dirá 
quem vos chamar saqu'e non jograr. 
Quem vos saco chamar prazerá a vós, 
e dirá-vol-o ben lh'en que vos en cós 
vistira lus nadigões após vós ; 
assy deus m^ampar', vosso nome vos dirá 
quem vos chamar saqu'e non jograr. 
Quen vos a vós chamou jograr a prã mentiu 
ca vej'eu que citolar non vos oyu, 
nen os vossos nadigões non vos vyu ; 
assy dés nfempar', vosso nome vos dirá 
quem vos chamar saqu'e non jograr. 

942 

Jograr Saqu'eu entendi 
quando ta medida vi 
que sem partires d'aqui 
ca desmesura pedes; 
como vêes vay-fassy 
poys tu per saco medes. 

Gram medida é de pram 
pêro que d'ele muyfam, 
saqu'e non ch'o daram, 
ca desmesura pedes ; 
hu fores recear te-am, 
poys tu per saco medes. 

943 

Outrossy fez estas cantigas a húa abbades- 
sa sa coyrmana en que entendia, e passou 
por aquel moesteyro huu cavaleiro e levava 
hua cinta e deu-IKa porque era pêra ela, e 
poren trobou-lhi estes cantares. 

Non sey dona que podesse 
valel-a que eu amey, 
nem que eu tanto quisesse 
por senhor das que eu sey; 
se a cinta nom prefesse 
de que mi lh'eu despaguey 
e por eslo a cambey. 

Pcro m'ora dar quisesse 
quanfeu d*ela desejey, 
e mh'aqucl amor fezesse 
porque a sempr'aguardey, 
cuydo que II) o non quisesse 
ca muyto me despaguey 
(Tela poyla a cinta achey. 

23 



Nem ar sey prol que m'ouvesse 
seu ben, e ai vos direy 
s'eu por a tal tevesse 
quando-m'a ela torney. 
juro que o non fezesse, 
ca tenho que baratey, 
bem poys me d'ela quitey. 

Ca muyto per el am'e ssey, 
com melhor senhor a sey - 
de mi, que a servirey. 

944 

Quand'eu passey per d'0rmãa 
preguntey per mha coyrraãa 
a salva e paçãa? 

disseron : non ó aqui essa, 

alhur buscade vós essa, 

mays é aqui a abbadessa. 
Perguntey per caridade 
hu é d'aqui salvidade, 
que sempr'amou castidade ? 

disseron : non é aqui essa. 

alhur buscade vós essa, 

mays é aqui a abbadeça. 

DOM LOPO LIAS 

945 

Don Lopo Lias trobou a huns cavalleiros 
de temus, e eram quatro irmãos e anda- 
vam sempre iríal guisados, e por en trobow- 
Ihis estas cantigas. 

Da esteyra vermelha cantarey 

e das mangas do ascari farey, 

e o brial hy ementar-vol-ey, 

e da sela que lh'eu vj rengelhosa 

que já llTogano rengeu anfel rey, 

ao zevron, e poys ante sa esposa. 

Da esteyra cantarey des aqui 

e das mangas grossas do ascari, 

e o brial ementar-vol ey hy, 
e da sela que lh'eu vi rengelhosa 
que lh'ogano rengeu anfeí rey 
ao zevron, e poys ante sa esposa. 

946 ' 

Tercer dia ante natal 
o infançon 1 ti i foy dar 
hum brial a mha senhor bela, 
c ao zevron renge llTa sela; 

e brial a mha senhor bela, 

c ao zevron rengi-lh'a sela. 
Sey eu hu tal cavaleiro 
que lhi talhou em janeyro 
hum brial a mha senhor bela, • 
e ao zevron renge lh'a sela ; 

e brial a mha senhor bela, 

e ao zevron rengi-lh'a sela. 



/ 



178 



CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA 



Fiou-ll^o manto cacnte, 
e ta1bou-lh 9 o en Benavente 
hu brial a mha senhor bela, 
e ao zevron renge-lh'a sela ; 
e brial a mha senhor bela 
c ao zevron rengi-lh'a sela. 



947 

Enmentar quer' eu do brial 

que o infançon por natal 

deu a sa molher e fez mal ; 

a gram trayçom a matou, 
que lhi no janeyro talhou 
brial e lh'o manto levou. 
O infançon ca ond'a liçam, 

de muytos e omiziam, 

se for cTanfel rey lhy diran 

cá fremosa dona matou, 
que lhi no janeyro talhou 
brial e lh'o manto levou. 
Brialheste, vay-te d'aqui 

hu for Lopo Lias, e dy 

que faça cobras per mi 

ao que a dona matou, 
que lhi no janeyro talhou 
brial e lh'o manto levou. 
Ben fajudaram d'0rzelhoa 

quantos trobadores hy son, 

a escarnir o infançon 

ca fremosa dona matou, 
que lhi no janeiro talhou 
brial e lh'o manto levou. 



948 

A mi quer mal o infançon 
a mui gran cór et sen razon 
por trobadores d'0rzelhon, 
que lhi cantam seu brial 

e pesa-m'en, e é-mi mal 

que ll^escarniron seu brial 

que era nov'e de cendal. 
Quantos oj'en Galiza son 
atá en terra de Leon, 
lodos com o brial colhon 
dizen e fazen-no mui mal, 

e pesa-m'en, et é-mi mal 

que lh'escarniron o seu brial 

que era nov'e de cendal. 
E seu irmão, o zevron, 
que lhi quer mui gram mal de corazon, 
porque lhi reng'o selegon, 
e se lhi renge non mensal, 

e pesa-m'en e é-mi mal 

que lh'escarniron seu brial 

que era nov'e de cendal, 
i 



949 

En este son de negrada 

farey hu cantar 
d'unha sela canterlhada; 

mui mal 
este a sela pagada, 

e direy do brial 
todos colhon, colhon, colhott 
con aquel brial de Sevilha 

que aduss'o infançon 

aqui por maravilha, 
fin este son de negrada 

hu cantar farey, 
d'uã sela canterlhada 

qu'é mi anfel rey, 
este a sela pagada, 

e do brial direy 
todos colhon, colhon, colhon 
com aquel brial de Sevilha 

que aduss'o infançon 

aqui por maravilha. 
Logo fuy maravilhado 

polo ascari, 
c assy fui espantado 

polo soçeri ; 
vi end'o brial talhado 

edixi lh'eu assy: 
todos colhon, colhon, colhon 
con aquel brial de Sevilha- 

que aduss'0 infançon 

aqui por maravilha. 



950 

D'esto son os zevrõcs 

de ventura minguada, 

erguen-sse nos arções 

da sela canterllada 

e dando os riadigões, 

e diss'a ben talhada : 
maa sela tragedes, 
maa sela levades, 
porque a non atades ? 
Doesto son os zevrões 

de ventura falida, 

erguem-se nos arções 

da sela con^empodrida, 

e dand'os nadigões, 

e disse-HVa velida : 
maa sela tragedes, 
maa sela levades, 
porque anón atades? 
Direy-vus que lh'eu ouço 

em dia de ssa voda, 

ao lançar do touco 

da sela rengelhosa, 

feriu do arcabouço, 

e <lisso-lh'a fremosa: 



DOM LOPO LIAS 



17!> 



maa sola tragedcs, 
maa sela levades, 
porque a non atades? 

951 

Os aevrôes forom buscar 
Rodrigo polo matar; 
inays ouvyu-lhes cl cantar 

as selas porque guariu ; 

polas selas que UToyu 

renger, por essas guaryu. 
Non lhis guarirà per ren, 
a torto que lhis ten, 
mays reng orne per seu ben 

as selas porque guariu ; 

polas selas que lh'oyu 

renger por essas guaryu. 
Non lhis poderá guarir 
ca os non vira viir, 
rnays oyu-lhes el ganir 

a< selas porque guariu ; 

polas selas que oyu 

renger, por essas guariu. 
E foram-lhi meter 
cilada polo prender, 
mays oyu-lhis el renger 

as selas por que guariu; 

polas selas que oyu 

renger, por essas guariu. 

952 

Ora tenho guysado 
desmanchar o zevron, 
non and'eu cavalgado 
nen lrag'en selegon, 
nen sela, mal pecado, 
nen lh^oyrey o son ; 

ca jà non trag'a sela 

de que riiu a beia, 

sela canterlhada 

que rengeu na cilada. 
Val-mi sancta Maria, 
poys a sela non ouço 
a que ranger soya, 
ao lançar do touco ; 
matar-sc-m'ia huu dia 
ou ele ou Ayras Louco, 

ca jà non trag'a sela 

de que riiu a bela, 

a sela cantarlhada 

que rengeu na cilada. 

953 

Sela aleyvosa cm mao dia te vi. 
por teu cantar jà Rodrigo perdi, 
riiu-ss'cl rey c mha esposa de mi ; 
leixar-te quero, mha sela, por en, 
e hirey en osso e baratarey ben. 



Sela aleyvosa polo teu cantar 
perdi Rodrigu'e non o poss'achar, 
e per ende te quero leixar ; 

leixar-te quero, mha sela, por en, 
• e hirey en ousso e baratarey ben. 

Des oy mays non tragerey 
esteos, nen arções, se mi valha deus, 
e vencerey os enmigus meus, 
leixar-te quero, mha sela, poren, 
e hirey en ousso e baratarey ben. 

954 

Ao lançar do pao 
en a sela deu do cuu mao, 
e quebrou-Ih'a sela ; 

e assy diss'a bela: 

rengeu-llTa sela. 
Ao lançar do touco 
deu do arcabouço, 
e quebrou-lira sela; 

e assy diss^abela: 

rengeu-Ih'a sela. 

955 

Ayras Moniz, o zevron, 
leixado selegon, 
e tornad'ao albardon, 

andaredes hy melhor 

cà na sela rengedor ; 

andaredes hy mui ben 

e non vos rengerá per ren. 
Tolhede-lh'o peytoral, 
apertade-lh'o atafal, 
e non vos rengerà per ai, 

andaredes hy melhor, 

ca na sela rengedor ; 

andaredes hy mui ben 

e non vos rengerà per rcn. 
Podedes en bafordar 
e o ta volado britar, 
e non vos rengerà ; e ar 

andaredes hy mui melhor 

cà na sela rengedor, 

andaredes hy mui bem 

e non vos rengerá per ren. 

956 

O infançon ouv'a tal 
tregoa comigo des natal 

que agora oyredes, 

que Ihi non dissesse mal 

da sela, nen do brial; 

mays aquel dia vedes, 
ante que foss'unha legoa, 

comecey 
aqueste cantar da egoa 
que non andou na tregoa, 

e por en lhi cantey. 



180 



CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA 



Non negu'eu que tregoa dey hi 
ao brial a sazon, 

e aa rengclhosa, 

e de pram hy andaron 

as mangas do ascari 

mays non a rabicosa ; 
ante que fosse hua légua 

comecei 
aqueste cantar da égua 
que non andou na tregoa, 
e por en lhi cantarey. 

Dey eu ao infançon 
e a seu brial Iregoa, 

ca mh'a pedia ; 

e ao ou Iro zevron 

a quem reng o selegon ; 

mays logo n'aquele dia 
ante que foss'unha légua 

comecei 
aqueste cantar da égua 
que non andou na tregoa, 
e por en lhi cantarei. 

Do infançon vilão 
aflamado como cão 

e a canterlhada 

e o seu brial d'a)vâo, 

tregoa lhe dey eu de prão ; 

e pois lh'a ouvi dada 
ante que foss'unha legoa 

comecei 
aqueste cantar da egoa 
que non andava na tregoa, 
e por en lhi cantei. 

957 

Outrossyfez este cantar detnahdizer após- 
to a húa dona que era mmrneninha fremosa, 
e fogiu ao marido e a el prazia-lln. 

Muyto mi praz d T unha ren 
que fez dona Marinha, 
non quer a seu marido beu r 
e soub'essa pastorinha 
fogir ; 
mal aja quen nwr servir 
dona fremosa que fogir. 
Ela fez end'o melflor, 
a dCTS seja gracído, 
molhersinha com pastor 
saber a seu marido 
fogir; 
mal aja quen non servir 
dona fremosa que fogir. 
Qual 6 meu sabor 
averem ambos guerra, 
e ben toste mha senhor 
verrá-ss'a vossa terra 
guarir; 
mal aja quem non servir 
dona fremosa que fogir. 



\ 



958 



Outrossy trobou a húa dona que non avua 
prez de mui salva, e el disse que lhi dera <1c 
seus dinheyros por preyto a tal, que fezesi-e 
por el algúa cousa, e pêro non quis por ti 
fazer nada, e por en fez estes cantares de nuU 
dizer. 

A dona fremosa do Soveral 
a de mi dinheyrus per preyfa tal 
que vehess'a mi hu non óuvess'al 
hun dia talhado a cas de don Coral ; 

e-perjurada 

ca non fez en nada, 

e baratou mal ; 

ca desta vegada 

será penhorada, 

que dobr'o final. 
Se m'ela creyer, cuydo-m'eu, dar-llfey 
o melhor conselho que oj'eu sey, 
de mi meu aver e gracir-lh'o-ey, 
se mh'o non der penhoral-a-ey ; 

cá m'o ten forpado 

e de corp^alargado, 

non liro sofrerey ; 

mays polo meu grado 

dar-mh'a ben dobrado 

o sinal que lh'eu dey. 

959 

A dona de Baguyn 
que mora no Soveral, 
dex e sex soldos ha de min, 
e dey-lh'os eu per preyfa tal 

que m'os ar desse 

ond'al non fezesse, 

se non vehesse 

falar migu'en cas 

de don Coral. 

960 

Sabem en Monserraz e en Silves 
meu preyfe sen non lhis pes, 
quen ha de mi mays a d'un mez 
hú sold'e dous, e dez e trez ; 
de mays diziam que tercer dia 
en cas de don Curral o burguez . . . 

961 

Esta cantiga fez como respondeu fm escu- 
deyro que non era ben fidalgo e quena seer 
cavaleyro e el non o tiinha por dereyto, e 
diss y assy: 

— Escudeyro, poys armas queredes, 
dized'ora con quen comedes? 

«Don Fernanda comer mi eu sol, 
ca assy fez sempre meu avol. 



MARTIN SOARES 



181 



— Poys armas tanto desejade», 
buscad'anlc com quem comades. 

«l)on Fernand', a comer mi eu sol, 
ca assy fez sempre meu avol. 

962 

Esta cantiga fez a hua dona fremosa que 
a casarom seus parentes mal por dinlwyros. 

Se m'el rey dessalgo ja m'iria 
pêra mba terra de bon grado, 
e sse chegasse, compraria > 

dona fremosa de gram mercado; 
ca jà vendem, a deus louvado, 
como venderon dona Luzia 
cn Orzelhon n'oulro dia. 

Eu coytado non chegaria 
por comprar corpo tan ben talhado, 
e astroso que a vendia 
porque mi non envyou mandado ; 
fora de cachas encarregado, 
en que comprara dona Luzia 
en o Orzelhon do que a vendia. 

963 

Este cantar fez en son d'un seu cór, e fe- 
ze-o a hu infanzon de Castela que tragia leyto 
dourado, e era mui rico e guisava-se mal 
e era muyt'esca£SOé 

Quen oj'ouvesse 
guysad'e podesse, 
huu cantar fezesse 
a quem mh'ora eu sey ; 
e Ihi dissesse: 
e poys pouco valesse, 

non desse 
ren que non trouxesse 
feyfen cas d'el rey. 

Ca poys onrrado 
non é, nem graadoado, 
faz leyto dourado 
de pos sy trager; 
e ten poupado 
quanta, e negado 

preçado, 
e trag'enganado 
quem lh'o faz fazer. 

Ca nunca el de seu 
aver ren deu, 
esto ben sey eu 
que lh'eslevesse ben ; 
demo-lh'o deu 
poys que lhi prol non ten ; 
muylo lh'é greu 
quando lh'o pede alguen. 

E mantenente 
perdoo contenenle, 



verdadeiramente 
e vayVasconder ; 
e faz-se doente» 
e vosso mal non sente 
e fumante a gente 
pola non veer. 

964 

Este outro cantar fez a hãa dona casade 
que avya preço con huu seu tiomen que avy 
nome Franco. 

A dona Maria 
soydade ca perd^en 
aquel jogral 
dizendo d 'el ben; 
et el non o achou 
quett nenhtin preyto 
d'el fosse mover 
nem ben nem mal, 
e triste se tornou» 

965 

Essoutro Cantar fez de mal dizer a hwn 
cavaleyro que cuydava que trobava mwy 
ben, e que fazia muy bons sons e non era 
assy. 

MARTIN SOARES 

CaValeyro, com vossus cantares 
mal avilastes os trobadores, 
e poys assy per vós som vençudos 
btisquen per ai servir sas senhores ; 
cá vos vej'eu mays das gentes ganhar, 
do vosso bando por vosso trobar 
ca non eles que son trobadores. 

Os aldeyãos e os concelhos 
todolus avedes per pagados, 
também sse chamam per vossus quites 
como se fossem vossos comprados; 
por estes cantares que fazedes d'amor 
em que lhis acham as Olhas sabor, 
e os mancebos que teen soldados. 

Benquisto sodes dos alfayates, 
dos peliteyros e dos moedores, 
d'a vosso bando son os tropeyros 
e os jograes dos alambores, 
porque lhis cabe nas trombas vosso son, 
para alambores ar dizem que non 
acham no mund'oulrqs soes melhores. 

'Os trobadores e as mulheres 
de vossus cantares son nojados 
a hua porque en pouco daria 
poys mi dos outros fossem loados; 
•ca eles non saben que xi van fazer, 
queren bon son e boõ de dizer, 
e os cantares fremosos e rimados. 

E tod'aquesto é mao de fazer 
a quen os sol fazer desguisados. 



182 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



966 

Esta outra canti/ja fez, a AffonsEanes de 
Coton l foy de mal-dizer, aposto en que mos- 
trava dizendo mal de ssy as manhas que o. 
outro (((Vya^ e diz assi: 

Noslro senhor, cornou ando coylado 
con estas manhas que mi quisestes ciar, 
son muy gran putanbeyr'a(ficado, 
e pago-me muyto dos dados jog;*r, 
desy ar ey muy gram sabor (íe morar 
per estas ruas c vyvend 'apartado. 

Pod'ora meu ben se fu$s*âvejo$o 
caer en bon prez e onrrado secr, 
mays pago-m'eu d'este foder astrosp 
e d'estas tavernas e doeste bever; 
e poys eu jãmays non posso valer 
quero-n^andar per'u seja viroso. 

E poys eu entendo que ren non yalhQ 
nen ey por outra bondada cintar, 
non queneu perder este fodestalho 
nen estas pulas, nen est' enlcnçar; 
nem querer per outras fronteiras andar, 
perdendo vinç e dando-mi gram trabalho. 

Ainda eu outras manhas avya 
porque eu non posso já muyto valer, 
nunca vos entro na taflularia 
que lhi non aja algum preyto a volver ; 
porque ey poys cm gran coita seer 
e fuj'ir guarir na pularia. 

E poys quando me voj'eu meu lezer, 
merendo logo e poys vou mha vya, 
e leixM puta* de mi ben dizer, 
e de mhas manhas e da mha folya. 

967 

Esta outra cantiga fez a hum cavaleyro 
que foy cativo e deu por se quitar mayor 
aver que pode, que tinJiam os homeens que 
non valia el tanto. 

Hun cavaleyro se conprou 
pêra quitar-se de Jaen, 
hu jazia pres'e custou 
pouco, pêro non mercou ben; 
ante tenho que mercou mal 
ca deu por sy mays ca non vai, 
e lenho que fez hy mal sen. 

Tan pouco fez el de mercar 
que nunca cu tan pouco vi 
ca se quitou de se comprar 
e tan grand'engano pens'y, 
que pêro s'ar querra vender 
ja nunca poderá valer 
o meyo do que deu por sy. 

De se comprar ouv'el sabor 
tan grande que ssé non guardou 
de mercar m^l, e fez pcyor 



porque s'ante non conselhou ; 
ca diz agora sa molher 
que este mercado non quer 
caber, poys Iam mal mercou. • 

968 

Esta outra fes a lm escudeyro de pequeno 
logo, e diziam-lhi Albardar; e fez- lhe estes can- 
tares d'escarnlic de mal-dizcr, e dissassy: 

Ouv'Albardar cavale seendeyro, 
puydava cavaleyro seer ; 
quand'eu soub'eslas novas primeyro, 
jnaravilhey-nVç non o quys crecr; 
fiz dereylo, ca non vi fazer 
des que naci d^lbardar cavaleyro. 

9G9 

QuandAlbardar fogia cVaalen, 
Orrac^Ayras o ascondeu mui ben 7 
e el na arca lhi fez a tal ren 

per que nunca hy outr'asconderá; 

per quanfi fez Albardar nunca já 

Orra^Ayras hy outr'asconderá. 
Polo guarir muyto fostes de mal 
sen, e chamou sempre non inoyr'Al- 
bardar — et el de mavs lhi fez a arca lai 

porque nuqca hy outr'asconderá; 

per quanfi fez Albardar nunca já 

Orrac^Ayras hy outr'asconderá. 

970 

-Esta outra fes a hu escudeyro que era pe- 
lejador, e pêro hu cuydava el ferir ferian el. 

Pêro Perez se remeteu 
por dar hunha punhada, 
e non a deu, mays recebeu 
hunha grand'orelhada ; 
ca errou essa que quis dar, 
mays non o quis enterrar 
de cima da queixada. 

Ouvera el gram coraçom 
de seer vingado, 
e d'o ferir punho d'un peon 
que o ha desonrrado ; 
e non lhi deu ca o errou 
Pêro Perez, hi ficou 
con seu rosto britado. 

971 

Outrossy fez estes cantares aposto a hujn~ 
gr ar que diziam Lopo, e citolava mal, e can 
lava peyor, e sson estes: 

Foy a citola temprar 
Lopo que citolasse, 



IIAUTIK S0ÀUE3 



133 



e mandarbn-Ih* algo dar 
en lai que a lcixasse, 
e el cantou k)gu'enton 
cà deron-lh^outro don 
en tal que sse calasse. 

Hu a citola (emproa « 
logo-!h'o doo foi dado, 
que a leixasse e el cantou 
e dissun seu malado 
ar d£-lh'alg'a quen pesar 
non se cal'endoado. 

E conselhava eu ben 
a quen el don pedisse, 
disse-lh'0 log^e per ren 
seu cantar non oysse 
ai ca este, ay meu senhor, 
ó jograr braadador, 
que nunca bon son disse. 

972 

Con alguen équi Lopo desfiado, 
a meu cuydar, ca Ihi vyron trager 
liun cilolon muy grande sobraçado 
con que el sol muy to mal fazer; 
o poyl-o ora assy vyron andar, 
non mi creades, se o non sacar 
contra alguen que foy mal dia nado. 

Por que o vêem a tal desaguisado 
non o prezara, nen o querem temer, 
mays tal passa cabo dei segurado, 
que se lhi Lopo cedo non morrer 
ca lhi queira deante citolar, 

e poys guarrà a morte seu grado. 
E poys mi Lop'ouver citolado 
se hi alguen chegar polo prender 
diz que é mui corredor alheado, 
e de mays se cansar ou sse cacr 
e hi alguen chegar polo filhar, 
jura que à cara vos a cantar 
que non aja quem dulde, mal pecado. 

973 

Lopo jograr garganton, 
e se és trisfao comer, 
pêro dous nojos per razon 
tcnh*eu de ctfos non nTen sofrer, 
mays vàs no cilolon rascar, 
i\c^\ ar filhas-fa cantar 
e estes nojos quatro son. 

Come verde foucelegon, 
cuidas tu hi a guarecer 
por nojos, mays non é sazon 
de chos querer homen sofrer: 
ca hiràs hú dia cantar 
hu ch'o faram todo quebrar 
na cabeça o cilolon. 



&74 

Foy hum dia Lopo jograr 
a cas d'uu infanzon cantar, 
e mandou-llTel por don 
dar três couces na garganta, 
e fuy-ll^escass^ meu cuydar^ 

segtmdo com'el canta. 
Escasso foy o infançoh 
en seus couces partir enlon^ 
ca non deu a Lop'enton 
mays de ires na garganta ; 
e mays merece o jograron^ 

segundo coni'el canta. 

975 

Esta cantiqa fez cTescarnho a hú que di- 
zian Johan Femandis e semelhava mouro, e 
jogavam-lti 'onde, e ttiss'assy: 

Johan Femandis, hun mourYst aqui 
fugid'e dizen que vól-o avedes, 
e fazed'ora tanto por mi, 
se deus vos valha, que o mour % edes, 
ca vol-o hiran da pousada filhar, 
e se vós virdes no mouro travar 
sey eu de vós que vos assanharedes. 

Levad'o mour'e hide-vos d'aqui, 
pojTa seu don'enlrcgar non queredes, 
e jurarey eu que vol-o non vi 
en tal que vós con o mour'escapedes; 
ca ey pavor d'iren vosco travar 
e quéro-rt^anfeu por vós prejurar, 
ca vós por mouro non pelejedes. 

Si quer meaçan-vos agor'aqui 
por este mouro que vosco traedes, 
e juran que se vos achan assy 
mour'aseondudo com'esfascondedes, 
se o quiserdes hu pouqu'emparar 
ca vol-o hiran sô o manto cortar 
de guisa que vos sempr'en doeredes. 

976 

Esta outra cantiga fez a Pêro Rodrigues 
Grougaiete, de sa molher que avya prez que 
lhi fazia torto. 

Pêro Rodriguis, da vossa molher 
non creades mal que vos home diga, 
ca entendeu d'ela que ben vos quer 
e quen emTal disser dirá nemiga; 
e direy-vos en que lh'o entendi, 
en outro dia quando a fodi 
mostrou-xi-mi muyto por voss'amiga. 

Poys vos deus deu boa molher leal, 
non tenhades per nulha jograria 
de vos nulh'omc d'ela dizer mal, 
ca Ih^oy eu jurar en outro dia, 



184 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



ca vos queria melhor (Toulra ren, 
e por veerdes ca vos quer gram ben 
non sacou ende mi que a fodia. 

9T7 

Esta outra oantiqa fíz d-escamho a hua 
donzela % e diz assy : 

Hunha donzela jaz aqui 
que foy ogano hua dona seguir, 
e non Ihi soube da lerra sayr 
e a dona cavalgou, e echou-1'i 
don caralhotc nas mãaos, e ten, 
poyPo a preso, ca está muy ben 
e non quer d'el as mãos abrir. 

Kl pois a dona caralhote viu 
ántre sas mãos ouv'en gran sabor, 
e diz eslo : o ffalso traedor, 
que m'ogano desonrrou e feriu, 
praz-me con el, pêro tregoa lhy dey, 
que o non male, mais Irosquiarey 
como quem trosquia falso traedor. 

A tal dona, molher mui leal, 
pois que cara lho le ouv'em seu poder, 
muy ben soube o que d'el fazer, 
e raeteu-o logo en huu cerc'a tal 
hu muytus presos jouveron assaz, 
e nunca hi tan fero preso jaz 
que orne saia, menos de morrer. 

978' 

Esta cantiga que se aqui acaba fez Martin 
Soares a hua sa irmãa, porque Ihi fez ela 
querela d f tm clérigo que a fodia ca a terra 
e o clérigo non quis a ela tornar, atá que ela 
foy por el a ssa casa e o trouxe para a sua. 

Johan Fernandez, que mal vos talharon 
essa saya que Iragedes aqui, 
que nunca eu peyor talhada vy, 
e se quer muito vol-a encortaram ; 
cá Ihi talharon cabo de gibon, 
muito corta, si deus mi perdon', 
porque Ihi cabo do gibon talharon. 

E porque Ihi talharon a tanto, 
sô o gibon vol-a talharom mal, 
Johan Fernandes, ar derei-vos ai, 
poys que d'ela non tragedes o manto ; 
saya tan curta nom convém a vós, 
ca muitas vezes ficados em cós 
e faz- vos peyor talhada jaqueton. 

Non vos vestides de saya guisado, 
poys que a corta queredes trager, 
ante fazedes hi vosso prazer, 
ca na curta sodes vós mal talhado; 
e a longa eslará-vos ja ben, 
ca mui corta, senhor, non convém 
a vós que sodes cortês c casado. 



NUNO FERNANDES TORNEOL 

979 

De longas vyas muy longas mentiras, 
esfé venrautigo verdadeiro, 
ca. hum ric'om'achei eu mentireiro, 
hindo de Valedolide pêra Toledo; 
achei sas mentiras entranf ao Olmedo, 
e sa resposta e seu posadeiro. 

Aquestas son as que el enviara 
sen as outras que com el Qcarom, 
de que paga os que o guardarom 
a gram sazom, e de mais^seus amigos 
pagará d 'elas, e seus enemigos, 
ca tal esfel que nunca Ihi menguarom. 

Nen minguará, ca mui ben as barata, 
de mui gram terra que ten ben parada, 
de que Ihi non tolhe nu!h'ome nada 
gram dereyto, e ca el nunca erra, 
dá-lhis mentiras em paz e em guerra, 
a seus cavaleiros per sa soldada. 

PÊRO GARCIA BURGALEZ 

980 

D'unha cousa soo maravilhado, 
que nunca vi a outren^ontecer, 
de Pedro boo; que era arrijado 
e bera manceb'assaz pêra vyver, 
e foy doent' e non se confessou, 
deu-lh'0 peor e perceu e ficou 
seu aver todo mal desemparado. 

E pêro avya que s'el sentiu coitado 
quando-lhi deu a lançad'a perder, 
logu'el ouve por seu filho enviado 
cá Ihi queria leixar seu aver, 
e sa herdad' ; e o filho tardou 
e poren entramente ficou 
seu filho mal, ca ficou exerdado. 

981 

Pero-me vós, donzela, mal queredes, 
porque vos amo, conselhar-vos-ey, 
que poys vos vós entoucar nom sabedes 
que façades quanto vos eu direy ; 
buscade quem vos entouque melhor, 
e vos correga polo meu amor 
as feyturas e o cós que avedes. 

E sse esto fezerdes, averedes, 
assy mi valha a min nostro senhor, 
bon parecer e bon talhe seredes 
fremosa muyfe de bon coor ; 
sacad'aquessa louc'a torcer, 
se log^uvcrdes quem vos correger 
as feyturas mui ben parecedes. 

Ay, mha senhor, por deus cn que creedes, 
poys que por ai non vos ouso rogar, 



PEKO GAKCIA BURGALEZ 



185 



poys sempr'a touca mal posta tragedes, 
creede-mi do que vos conselhar; 
en vez de vol-a correger alúmen, 
correia vol-as feyturas mui ben 
co falar, e se non nua faledes» 

982 

Maria Balleyra* porque jogades 
os dadus, poys a eles descreedes? 
hunlias novas vos direy que sabcdes, 
com quantos vos conhecem vós perdedes; 
ca vos direy que lhis oufo dizer, 
que vós nom devedes a descreer, 
poys dona sodes e jogar queredes. 

E sse vos daquesto non casl idades 
nulh orne non sey con que ben esledes, 
pêro muylas boas maueyras ajades 
poys já daquesto iam gram prazer avedes 
de descrcerdes», e direy-vos ai, 
se vol oyr terrâ-volo a mal 
bou orne e nunca con el jogaredes. 

E nunca vós, dona, per mi creadcs, 
per esle descreer que vós tazedes, 
se en gram vergonha poys nom enlrades 
algunha vez con tal home manteredes, 
ca sonharedes, se dós mi perdon' 

per sonho mui gram vergonça averedes. 

983 

Fernam Dias, esle que and'aqui 
foy hunha vez daqui a Ultramar, 
e quanto bom maeslre podVhar 
de casloar pedras, per quanf oy, 
todolos foy provar o pecador, 
e pêro nunca achou castoador 
que lh'0 olho soubess>ncasloar. 

E pêro mui boo maeslre achou hy 
qual no mund'oulro non pod'en saber 
de casloar pedras, e de fazer 
mui b< n lavor de caston oulrossy ; 
pêro lho olho en mesurou enton, 
tam eslreyto lhi fazendo caston, 
que Ihy non pod'y o olho caber. 

Ca don Fernamraconteceu-ll^assy 
d"un maeslre que com el baralou, . 
cambhou lh'o olho que daqui levou, 
e dissi-lhi que era de f afy ; 
dYsies mãos conlrafeytus d'el põy, 
e meteu-lhun grand'olho de boy, 
aquel mayor que el no muud achou. 

Olho de cabra lhi quis hy meter 
cnm lhi podo no casion fazer, 
e con seu olho de boy xi flcou. 

984 

Fernand'Escalho leixey mal doente 
com olho mao, tan coytad'ass>v 
24 



que non guarrà, cuydYu, tan mal se sente, 
per quanl'oj'eu de don Fernando vi ; 
ca lhi vi grand olho mao avtr, 
e non cuydo que possa guarecer 
d'este olho máo tanfé mal doente. 

E o maeslre lhi disse : dormistes 
con aquesf olho mao, e por en 
don Fernando non sey se vol-o oysles, 
quem se non guarda non o praza ren ; 
por en vos quer>u huã ren dizer já, 
se-guarirdes, maravilha será, 
desfolho mao velho que teedes. 

Ca conhosqu^u mui ben que vós avedes 
olho máo mesto con catarron, 
e d'este mal guarecer non podedes, 
tau ceife direy-vos por que non ; 
ca vós que qurredes foder e dormir, 
por esto sodes mao de guarir 
d^^folho mao velho que avedes. 

985 

^ Fernand'Escalho vi eu cantar ben 
que poucos outrus vi cantar melhor, 
e vy-lhe sempre mentre fuy paslor 
muy boa voz e vy-o cantar ben ; 
mays ar direy-vos per que o perdeu, 
ouve sabor de foder e fõdeu, 
e perdeu todo o cantar por en. 

Non se eruardou de foder, e mal sen 
ferel, que non poderia peor, 
e am-lh'as gentes per en desamor, 
por boa voz que perdeu con mal sen ; 
voz de cabeça que xi lhi tolheu, 
ca fodeu tanto que lh'cnrouqueceu, 
a voz, e ora já non canta bem. 

C'a dom Fernand'aconteceu assy 
de mui boa voz que soya aver, 
soube a per avoleza perder, 
ca fodeu moç'e non canta já assy ; 
ar fodeu poys mui grand^scudeyron, 
e ficou ora, se deus mi perdon', 
con a peor voz que nunca vi. 

E ora ainda mui grandinfançon 
si quer foder, que nunca foy sazon, 
que mays quisesse foder, poyl-o eu vi. 

98G 

Don Fernando, pêro mi mal digades, 
quero- vos eu ora desenganar, 
ca ouç'as gentes de vós profaf ar, 
de cavalgar de que vos non guardades; 
cavalgades pela fesfaqui, 
e cavalgades de noyf outro ssy, 
e sospeytam que por mal cavalgades 

Mays ro- r o-vos ora que mi creades, 
do que vos ora conselhar, 
se queredes com as gentes estar, 
dom Fernando, melhor ca non estades, 



186 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



senhor, forçade vosso coraçon 
e nora cavalguedes tan sen razon, 
siquer por vossas bestas que malades. 

987 

Que muyto mi de Feman Dias praz, 
que fez el rey dom Affonso meyrinho, 
e non cata parente nem vezinho, 
con sat)or de teel'a terra em paz ; 
se o pode por mal feylor saber, 
vay sobr'el e sse o pode colher 
na mão logo d'el justiça faz. 

E porque ha dom Fernando gram prez 
das gentes todas de mui justiceyro, 
o fez el rey meyrinho des Viveyro, 
a tá Carron ond'outro nunca fez, 
e sse ouve de malfeitor falar 
vay sobr'el e non Ihi podescapar 
e faz-lhi mal jogo per huã vez. 

E cuydará dei quen o vir aqui 
que o vir andar assy calado 
ca non sabe parte nen mandado ^ 

de tal justiça fazer qu'a lhVu vi ; 
*leix'or'a gente adormecer enlon, 
e trasnoytou sobr'un hom'a Leon, 
e fez sobral gram justiça logu'i. 

988 

Roy Queymado morreu com amor 
em seus cantares, par sancta Maria, 
por hunha dona que gram bem queria, 
e por se meter por mays trobador; 
porque ll^ela non quis ben fazer, 
feze-sel en seus cantares morrer, 
mays resurgiu depoys ao tercer dia. 

Esto fez el per hunha ssa senhor, 
que quer gram bem, e mays vos eu dirya, 
porque cuyda que faz hi maestria, 
e nos cantares que fez a sabor 
de morrer hy, e desy d'ar vyver 
esto fez el que x'o pode fazer, 
mays outr^mem per ren non o faria. 

E non aja de sa morte pavor, 
se nòn sa morte mays la temeria, 
mays sabe ben per sa sabedoria 
que vyverá des quanto morto for; 
(! faz en sseu cantar morte prender, 
desy ar vyve vedes que poder 
que lhi deus deu, mays que non cuydaria. 

E sse mi deus a min desse poder 
qual oj'el a, poys morrer de viver, 
jâ mays morte nunca temeria. 

989 

Nostro senhor, que ben alberguey 
quand'a Lagares cheguey n'outro dia, 
per hunha chuva grande que fazia, 



ca prougu'a deus que o juiz achey, 
Martin Fernandiz ; e disse-m'assy : 
pan e vinh'e carne venden aly, 
en San Paayo contra hu eu hya. 

En coyla fora, qual vos eu direy 
se non achasse o juiz que faria, 
ca eu nenhu dinheyro non tragia, 
mays proug'a deus que o juiz achey; 
Martin Fernandis savu a mi, 
e mostrou-m'albergue cabo sy, 
em que compre quanto mester avya. 

Se eu o juiz non achasse, ben sey 
como alberguey na albergaria, 
ca eu errey e ja m'estarrecia, 
mays o juiz me guariu que achey; 
per o que eu tard'i o conhoci, 
conhoceu-m'el ô ssayo contra mi 
e omilhou-xi-mi e mostrou-mha a vya. 

990 

Maria Negra vi eu en outro dia 
hir rabialçada per hunha carreyra, 
e preguntey-a como hya senlheyra, 
e por aqueste nome que avya ; 
e disse-m^ela enton: ey nonTassy 
por aqueste sinal com que naci 
que trago negro como hunha caldeyra. 

Dixi-lh'eu hu med'ela partia: 
esse sinal é-suso na moleyra ; 
e disse-m'ela d'aquesta maneyra 
cornou a vós direy, e foy sa vya: 
este sinal, se deus mi perdon' 
é negro ben com'é hun carvon, 
e cabeludo a derredor da caldeyra. 

A grandes vozes lhi dix'eu hu sse hya, 
que vos direy : a don Fernan de Meyra, 
d'esse sinal, ou é de pena veyra, 
de como he feyto a Johan dWnbria; 
toroou-s'elae dizia-m 'outra vez: 
dizede-lhis ca chus negré ca pez, 
e tem sedas de que faram peneyra. 

E dixi-lh'eu enlon: dona Maria 
como vós sodes molher arteyra 
assy soubestes dizer com'arteyra 
esse sinal que vos non parecia; 
e disse-m'ela: por este sinal 
nom'ey de Negr', e muyfoutro mal, 
ey per hy preço de peydeyia. 

991 

— Senhor, eu quer'ora de vós sabei 
poys que vos vejo Iam coylad^ndar, 
con amor que non vos leixa, nem vos ar 
leixa dormir nen comer, 
que farey a que faz mal amor 
de tal guysa que non dormho, senhor, 
nem posso contra el conselffaver. 

«Pêro Garcia, non po*s>u saber 



BOY QUEYMADO 



187 



como vos vós possades emparar 
ri' amor, segundo quanto meu cuydar, 
que vos non faz muylo mal soffrer, 
ca tanto mal mi faz a mi amor, 
que se eu fosse do mundo senhor 
dal-o-ya por amor non aver. 

— Senhor, direy-vos que oy dizer, 
a quen d'el foy cuytado gram sazon, 
esse me disse que per orapon 
per jajuar, per esmolla fazer 
ca per aquesto se partiu d'el amor; 
fazed'esto, quiçá nostro senhor 
vol-o fará per esto perder. 

«Pêro Garcia, seropr'oy dizer 
que os conselhos boos boos son, 
farey esso se deus mi perdon', 
poys lhi per ai non posso guarecer; 
poys que mi tanto mal faz amor 
rogarey muyto a nostro senhor, 
que mi dé mortou mh'o faca perder. 

992 

Dona Maria Negra, bem talhada, 
dizen que sodes de min namorada ; 

se me bem queredes 
por deus, amiga, que m'oy saberedes 

se me ben queredes. 
Poys eu tanto por vossamor ey feyto 
aly hu vós migo talhades preyto, 

se me ben queredes, 
por deus, amiga, que nf oy saberedes 

se me ben queredes. 
Por non viir a min ssoa senlheyra 
venha con vosc' a vossa covilheyra, 

se me ben queredes, 
por deus, amiga, que m'oy saberedes 

se me bem queredes. 
Poys m'eu por vós de peydos vaso, 
aly hu vós migo talhastes prazo, 

se me bem queredes, 
por deus, amiga, que moy saberedes 

se me bem queredes. 

993 

Maria Negra desventuyrada, 
e porque quer tantas pissas comprar, 
poys lhe na mão non queren durar, 
e lh'assi morreu a a malfadada; 
e n'un caralho grande que comprou 
honte ao seram o esfolou 
e outra pissa ten ja amorviada. 

E ja ela é probe tornada 
comprando pissas, vedes que ventuyra, 
pissa que conpra pouco lhe dura, 
sol que a mete na sa pousada ; 
ca lhi conven que ali moyra énton, 
de polmeyra ou de torcilhon, 
ou per forca fica ende aaguada. 



Muyté per aventuyra menguada, 
de tantas pissas no ano perder, 
que compra caras, poys lhe van morrer, 
e esfé pola casa molhada; 
e quem as mete na estrebaria 
poys lhe morder que Ufa sandia, 
per pissas será en terra deytada. 



ROY QUeYHADO 

994 

demo nfouver^a levar 
a hunha poria d'un cavaleyro, 
por saber novas, e o porteyro 
foy-lhi dizer que queria jantar; 
e el tornou fogo ssa vya, 
con dous cães grandes que tragia 
que na poria m'ouveram de matar. 

E começava-os el d'arriçar 
de tral-a porta d*un seu celeyro 
hun mui grau can negro, outro veyro, 
e começavam-ss'a mi de couçar 
en cima da besta en que hya 
e jurand'eu par sancta Maria 
per novas vos quisera perguntar. 

Três cães e tan grandes no logar 
mays non sayu o gram íileyro, 
mays os dous que sayron primeyro 
non lhis cuydei per ren ascapar, 
pêro jurava que non Queria 
aly dizer tanto mi valia, 
como se dissess'a lá quer'entrar. 

E dix'eu logo, poys m'en partia 
sey-m'eu quen assy convydaria 
o coteyfle peydeyKen seu logar. 



995 

Don Esievan en grand^ntenpon 
foy ja oi*a aqui por vosso preyto, 
oy dizer por vós que a feyto 
sodes cego, mays dix'eu que mui ben 
oydes cada que vos cham^alguen, 
vedes como tiv^u vossa razon. 

E muytò vos vy eu oje mal sen 
dizer, por vós que a feyto, 
sodes cego, e dixeu logu'enton; 
esto que sey que vos a vós aven, 
que nunca vos home diz nulha rem 
que non ouçades, se deus mi perdon'. 

Oy dizer por vós que a sazon 
que vedes*quanlo poys m'é deyto 
e dormesco e dormho ben a feyto 
que assy veedes vol-o a son'; 
e assanhey-meu e dixi per en, 
confonda deus quem cego chama quen 
assy ouve como vól-o sermon. 



188 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



996 

QuerrTagora saber de grado 
d f un home que sey mui profaçador, 
de profaçar a tan gran sabor, 
se soubora el com'é profaçado; 
e poro sabe-o a meu cuydçur 
e por en a coyia de profaçar 
ca non profaçar endoado. 

E poyl-o sabe laz aguisado 
de profaçar, ca nunca vi peyor, 
ca x'o deoslan el o melhor 
faz pois que já tal é seu pecado: 
ca o deosta quen eu nunca vi 
home no mundo, des quando naci, 
en profaçar e tan mal doestado. 

Non vos é el d'aquesl'en artado, 
ante lenlTeu que ó ben sabedor» 
de profaçar d amigue de senhor, 
e non guardar nenhum home nado 
em profaçar, e tenho Ihi per sen 
de non dizer de nenhum home bem, 
ca d>slo fi el de todos ben guardado. 

E diga poys quen disser muylo mal 
qual dfa fezrr o compadroutro tal 
lhi faz per end'e serás vingado. 

997 

Don Marco, vej'eu muyto queixar 
I don Estevan de vós, cá diz assy 
que pêro foy muy mal doente aqui 
que vos nunca quisestes trabalhar 
de o veer, nen o vistes mays ben 
jura que o confonda deus por cn, 
se vos eslo per casa non passar. 

Qual desden lhi vós fostes fazer 
nunca oulr'om'a seu amigo fez, 
mays ar fará-voKoulra vez, 
se mal ouverdes non vos ar veer, 
ca x'é el home que x'a poder tal 
ben como vós, se vos ar veher mal 
de vos dar en pelo vas'a bever. 

Diz que o non guise nostro senhor, 
se vos mui ced'outro tal non fezer, 
non vos veer quando vos for mester 
poyl-o non vistes e end'al diz peyor 
J?nn verv'antigo, cor. sanha que a: 
como lhi cantardes baylemos a ca, 
pon a per que vos bayle melhor. 

De mal-dizer 

J01IAM LÔBEYltA 

998 

Hum cavaleyro a 'qui tal entendença 
qual vos eu agora quero cantar-, 
faz hu dev'a fazer prazer pesar, 



e sa mesura toda é en tença ; 
e ó que lhi preguntan responda), 
e o seu ben fazer é fazer mal, 
e todo seu saber é sen sabença. 

E non deparf en ren de que se vença 
pêro lh'outren guysado falar, 
e verveja hu se deva calar, 
e nunca diz vcrdadu mays non mença ; 
e hu lhi ped< n cousimento fal, 
pêro é mans'liu dev'a fazer ai, 
e hu deve sofrer é sen sofrença. 

Desy er fala sempr'en conhocença 
que sairei ben seu conhocer mostrar, 
e dorme quando se deve espertar, 
e menos sabu mete mays femença; 
e se cou guisa diz logo seu sal, 
e hu lhaven alguma cousa tal 
que lhé mester scienle sen scienpa. 

E non Ihy fazen mal de que se serça, 
ante leyx^sy o preylo passar, 
e os que lhi devian a peitar 
peila-lhis el per fazer aveença; 
e diz que nenhum prez nada non va), 
mays deus que o fez jâ descomunal 
Ihy queyra dar por saúde doença. 

DOU GONÇAl/EANES DO VIXHAL 

999 

Amigas, eu oy dizer 
que lidaron os de Mouron 
<t)n aquesles dYI rey, e non 
poss'end'a verdade saber, 

se he vivo meu amigo 

que troux'a mha louca sigo. 
Se me mal non estevesse, 
ou non fosse por enOnta 
daria esta mha cinta 
a quem rn'as novas dissesse ; 

se he viv'o meu amigo, 

que lroux'a mha touca sigo. 

Esta cantiga fez Don GonçaV Eanes do Vi- 
nhal a Don Amique en nome da reina dona 
Johana sa madrasta, porque dizian que era 
seu entendedor, quando lidou en Mouron con 
don Nuno et con don Rodrigo Affbnso que 
tragia o poder d'el rey. 

1000 

Estas cantigas son de escarnh'?, de mal-di- 
zer, e feze-as GonçaV Eanes do Vinhal: 

Pêro Fernandis, home de Barnage 
que me non quer de noyte guardar o muu, 
se a ca dYI travarem por peage 
como non trage dinheiro nenhuu; 
non lhi vaam na capa travar, 



BOM GONÇÁJ/EANES DO VINHAL 



189 



nen o assanhen ca sse assanhar 
pagar-lhis-a el peage do cuu. 

Des ar m!Ta mi cTanriar em raha companha 
ca nunca home tan sanhudo vi, 
eu oy já que hu home dKspanha 
sobre peagem mafaron aqui ; 
e com'é home de gram coraçom 
se llii peagen \)C{\e o gaston 
peage de cuu pagará hy. 

Ca el ven quebrando com grand'ardura 
con este mandado que oyu ja, 
e ferve-lh f o san*ru'e fará loucura 
que nulha ren hy non esguardarâj 
se lhi peagem foren demandar 
os parleiros do gaston de Bear 
bevan a peagen que Ihis el dará, 

1001 

En gran coyta andáramos con el rey 
per esta terra hu con el andamus, 
se non fosse que quis deus que achamos 
infançôes quaes vos eu direy : 
que (ntram nosqu>n doas cada dia, 
e jantan e cean a gran perlia, 
e burlham corte cada hu ehegamus. 

Tues barvas infançôes quaes non sey 
e todos nós deles maravilhamus, 
e pêro os infançôes chamamus 
vedes ami^us tano vos direy ; 
cu per iulanções non os teiria 
mays son xa graça Fairta Maria 
e san Juyão ci>n que aibergamus. 

E sempre des por sa vida rogarey 
e dereyf é que todol-o façamus, 
poys creles todos tanfamor Olhamos 
en sa terra quanto* vos eu direy; 
qualquer deles nos fez quanto devya, 
mays lauté grand'a nossa folya 
que nulhas graças lhis eude non damus. 

1002 

Non levava nen dinheyro 
ogano hu ouv'i passar 
per campos, e quix pousar 
en casa d un cavaleyro, 
que sse t n por infançon, 
c soltou m'hum can enton 
e mordeu-rairo seendeyro. 

Por meu mal enton senlbeyro 
ouv'a)y a chegar 
que non Chegass'a logar 
hu a tal fais cawrleyro, 
ca ( I se Tosse sanlon 
non fora ao vergalhon 
raso do meu seendeyro. 

Non vistes peyor parado 
albergue do que achey 
enion quanda elle cheguey, 



nen vistes mays estirado 
home ca fuy dum masliu 
e fez-mi tal o rocin 
que semelhava lobado. 

Non Tui eu ben acordado 
poyl o da porta çatey 
dentro, porque o chamey 
poz mo gram can enriçado 
que nunca fez fln 
atá que Fez en min 
qual te% no rucjji lobado 

1003 

Hunha dona foy de piam 
demandar casas e pain 
da ordin de San Johain, 
con minguas que avya; 
e digo-vos que Ufas dam 

quaes ela querrya. 
Das casas ouve sabor 
e foy tal preytejador 
que fossendc jazedor 
con minguas que avya; 
e dam lh'as per seu amor 

quaes ela querrya. 
Pedyu as a preito tal 
d'i jazer, non fez ai 
ca xi lazerava mal 
co:i minguas que avya; 
e dam lhas do espiíal 

quaes ela querrya. 
A dona de corazon 
pediu as casas enton, 
e mostrou esta razon 
con minguas que avya; 
e dam-lh'as da mkson 

quaes ela querrya. 

1004 

Pêro d'Ambroa, sempr'oy cantar 
que nunca vós andastes sobre mar, 
que med'ouvessedes n'hua sazon, 
e que avedes tan gram coraçon 
que tanto dades que bon tempo faca, 
ben como mão, nfcm como boança 
nem dades ren por tormentas do mar. 

E desi ja pola nave quebrar 
aqui non dades vós rem polo mar, 
come os outros que hy van enton, 
poren teè que tamanho perdon 
non avedes pomo os que na frota 
van e sse deytan con medo na sota 
sol que entenden tormenta do mar. 

E nunca oymus doulrome falar 
que non temesse mal tempo do mar, 
e poren cuydan quantos aqui son, 
que vossa madre com algum caçon 



190 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



vos fez sem falha ou com lobaganto, 
e todos esto cuydamos per quanto 
non dades ren por tormenta do mar, . 

1005 

Abadessa, noslro senhor 
vos gradesca, se lhy prouguer, 
porque vos nembrastí s de mi 
a sazon que m'era mester ; 
hu cheguey a vosso logar, 
que tan ben mandastes pensar 
hy do vosso commendador. 

Ca morto fora, mha senhor, 
de gram lazeyra, sey de pram, 
mays nembrastes-vos bem de min, 
e todos me perguntaram 
se vos saberey eu servir 
quam bem o soubestes guarnir 
de quantel avya sabor. 

Ajades por en galardon 
de deus, senhor, se a el praz, 
porque vos nembrasles de min, 
hu ra'era muy mester assaz ; 
o commendador chegou 
e sse el ben non albergou 
non foy por vosso coraçon. 

Dé-vos de poren galardon 
por mi, que eu non poderey 
porque vos nembrasles de min, 
quand'a vosso logar cheguey; 
ca jà d'amor e de prazer 
non podestes vós mays fazer 
ao commendador enton. 

Cento dobrad'ajadcs por en, 
por mi que lhi non mingou ren, 
de quant' avya na mayson. 

1006 

Quantus mal am, se queren guarecer 
se x'agora per eles non flcar 
venham este maestre ben pagar 
e deu lus pode mui ben guarecer ; 
ca nunca tan mal doenfome achou, 
nem tan perdudo des que el chegou 
se llfalgo deu que non fosse catar. 

Quyçá non o pod'assy guarecer 
que este poder non Ih 'o quis deus dar, 
a que non sabe que possa sanar 
o doente, menos de guarecer; 
mays perguntar- lh'am de que enfermou, 
confo maestre se o bem pagou 
non leixa guarecer pol o el perguntar. 

Ca vos non podei assy guarecer 
o doente, menos de terminhar, 
fnays poys esto for se quiser filhar 
seu conselho pode ben guarecer ; 
se se ben guardar, poyl-o el catou 
ben guarrá do mal ca terminhou, 
e diz o maestre se lhi non tornar ; 



Ca o doente de que el pensou 
per hu gram tempo se mui ben sanou 
se mal non ouver pod'andar. 

1007 

Maestre, todolus vossos cantares 
ja que filham sempre d'un a razoa 
e outrossy ar filham a mi son, 
e non seguades outros milhares 
se non aquestes de Cornoalha, 
mays este seguydes ben sen falha 
e non vi trobador per tantos logares. 

D'amor e d'escarnh'en todas razões 
os seguides sempre ben provado, 
eu o sey que avedes filhado, 
ca se ar seguissedes outros soes 
non trobariades peyor por en, 
pêro seguydes vós os vossus mui ben 
e já ogany fezestes tenções. 

En razon dun escambo que filhastes 
e non metestes ascondudo 
ca já que era de Pedr'Agudo 
essa razon en que vós hy trobastes ; 
mays assy a soubestes vós deitar 
antr unhas rimas e entravincar 
que toda vol a na vossa tornastes. 

Por maestria soubestes saber 
da razon alhea vossa fazer, 
e seguir soes a que vos deitastes. 

E gram careza fezestes de pram, 
mays lus (robadores travar- vos- am 
ja que vos tem por que ben non guardastes. 

1008 

Esta cmUiga fez dom Oonçalo Anes do Vi- 
nhal ao infante don Anrrique, porque di- 
zian que era entendedor da raynha dona 
Joana sa madrasta, e esto foy quando et rcy 
dom Affons'o poz fora da terra. 

Sey eu, donas, que deytad'é d'aqui 
do reyno jà meu amigo, e non sey 
dòomo lhy vay, mais querir a el rey, 
chorar-lhey muy to e direy-lh'assy : 
por deus, senhor, que vos tan bon rey fez, 
perdoada meu amigo esta vez. 
Porque o amo tan de coraçon 
como nunca amou amigo molber, 
irey aly hu el rey estever, 
chorando dos olhos e direi-lhe enton : 
por deus, senhor, que vos tan bon rey Xcz, 
perdoad'a meu amigo esta vez. 
E poys que me non vai rogar a deus 
nen os sanctos me queren oyr, 
hirey ai rey mercê pedir, 
e digo chorando dos olhos meus: 
por deus, senhor, que vos tan b~n rey fez 
pcrdoad'a meu amigo esta vez. 



JOHAM SOABES COELHO 



191 



E por deus, que vos deu honrra e bondade 
a dom Anrriqu'esla vez perdoade. 

« 

00N JOHAM DAV01N 

1009 

— Joham Soares, comecey 
de fazer ora hun cantar, 
vedes porque, porque achey 
boa razon pêra trobar ; 
ca vejaqui hun jograron, ' 

que nunca pode dizer son 
nen o ar pode citolar. 

((Joham Ferez, eu vos direy 
porque o faz a meu cuydar, 
porque beve muyfe o sey 
e com'e fod'e poys falar 
non pode por esta razon 
canta el mal, mays a tal don 
ben dev'el de vós a levar, 

— Joham Soares, responder 
non mi sabedes d*esto ben, 
non canta el mal por bever, 
sabede mays por húa rem ; 
porque des quando começou 
a cantar, sempre mal cantou 
e cantará mentre vyver. 

«Joham Perez, por mal dizer 
vos foy esso dizer alguém, 
ca pelo vynh'e per foder 
perd'el o cantar e o sen; 
mays ben sey eu que o mizcrou, 
alguen com vosqu'e lhi buscou 
mal, poys vos esso fez creer. 

— Joham Coelho, el vos pey tou, 
if outro dia quando chegou 
poys hides d'el tal ben dizer. 

«Joham Perez, ca vos dou 
quanto mi deu e mi mandou 
e quanto ra'hades meter. 

1010 

— Lourenço, soyas tu guarecer 
como podias per teu citolon, 
ou ben ou mal non ti digu'eu de non, 
e vejo-te de trobar Irameter, 
e quero-teu (festo desenganar, 
ben tanto sabes tu que é trobar 
ben quanto sab'o asno de leer. 

((Joham dÀvoyn, já me cometer 
veherom muytos per esta razon, 
que mi diziam, se deus mi perdon , 
que non sabian trobar entender, 
e veheron por en comigu^ntençar, 
e flgi-us cu vençudos ficar, 
e cuydo-vos deste preylo vencer. 

— Lourenço, serias mui sabedor 
se me vencesses de trobar nen (1'al, 



ca ben sey eu quem troba bem ou mal, 
que non sabe mays nenhum irobador ; 
e por aquesto te desenganey, 
e vés, Lourenço, onde eh 'o direy : 
quita-te sempre do que teu non for. 

((Joham d'Avoym, por noslro senhor, 
porque leixarei eu trobar a tal 
que mui ben faç'e quo muyto mi vai, 
desy ar gradece-mh o mba senhor 
porque o faç'e poys eu tod'est'ey 
o trobar nunca eu leixarey, 
poyl-o ben faç'e ei gram sabor. 

1011 

— Joham Soares, non poss'eu estar 
que vos non diga o que vej'aqui, 
vejo Lourenço com muytos travar, . 
pêro nom o vejo travar en mi; 
e bem sey eu porque aquesto faz, 
porque sab'el que quanfen trobar faz 
que mh'o sey todo e que x'é tod'en mi. 

«Joham d*Avoym, oy-vos ora loar 
vosso trobar e muyto m'eu rii, 
er dizede que sabedes boyar 
ca ben o podedes dizer assy, 
e que x'é vosso Toled'e Orgás, 
e todo quanto se no mundo faz > 
ca per vós x'est e t dized'assy. 

— Joham Soares, nunca eu direy 
senon aquelo que eu souber ben, 
e do que sse polo mundo faz sey 
que sse faz por mi ou por alguen ; 
mays Toledo nen Orgás nom poss'eu 
aver, mays en trobar que mi deus deu 
conhosco se troba mal alguen. 



J0HAH SOARES C0ELU0 

1012 

Joham Fernandis, mentreu vosc'ouver 
aquesfamor que oj'eu con vosqu'ey, 
nunca vos eu tal cousa negarcy 
qual oj'eu ouço pela terra dizer ; 
dizem que fode quanto mays foder 
fode o vosso mouro a vossa molher. 

Pêro que foss'este mouro meu 
ca mi terria eu por desleal, 
Joham Fernandez, se vos negasseu 
a tal cousa qual dizen que vos faz: 
ladinho, como vós jazedes, jaz 
com vossa molher e m'end'é mal. 

E direy-vos eu quanto vyraos nós, 
vymos ao vosso mouro filhar 
a vossa molher, e foy-a deitar 
no vosso leife vos eu direy; 
quanfeu do mour'aprendi e sey, 
fode-a como a fodedes vós. 



192 



CANCIONEIRO PORTtGtIÈ2 DA VATICANA 



1013 

Joham Fernandes, o rtiund^ tornado» 
e fie prara r.iiydatnos que quer Qir 9 
voemol-o emperador levantado 
contra Roma e tártaros viir; 
e ar vemos aqui don pedir 
Joham Fernandes, o mouro cru«ado. 

E scmpfeàto foy profetizado 
par dous e cinco sinaes da Ifin, 
seer o mundo assy como é miscrado, 
e ar torna ss'o mouro pelegrin; 
Joham Fernandes, creedYsf a mi, 
que soo home ben letrado. 

E se non fosso Anfe-Chtísto nado 
non averria falo que avcm, 
nen fiar o senhor no maladoj 
nen o malado no senhor rem, 
nem ar tiiria a Jherusalem 
Joham Fernandes non baulifado. 

1014 

. t Don Estevan fez sa partifon 
con seus irmãos e caeu mui ben 
en Lixboa, e mal en Santarém, 
mays en Coymbra, caeu ben provado» 
caeu en Runa ata en o Arnado, 
en lodos três os portos qug hy son. 

Quem diz dEslevau que non vee ben 
digu'eu que mente, ca diz mui gram falha, 
e moslrar-llfey que non disse rem, 
nem é recado que nulha rem valha; 
pêro mostrado devya seer, 
ca nom pode per nulha rem veer 
mal home que non vée nemigalha. 

E nem lho diss'e sey que lho non diria 
ca vee mal se migo falass'ante, 
ou se o viss'andar fora da vya, 
como o eu vi en junfa Amarante, 
que non sabia sayr d'uu tojal 
por en vos digo que non vée mal, 
quem vee de redo quanté deante. 

1015 

Don Estevam, que Ihi non gradecedes 
qual doayro vos deu nostro senhor, 
e como faz de vós aver sabor 
os que vos vêem que vós non veedes; 
e ai hy devedes agradecer, 
como vos faz antr'os boos caer, 
e antros mãos que ben vós caedes. 

E hu vosjogaron ou hu vós jogades 
mui ben caedes en qual destas quer, 
en falardes con Ioda molher, 
ben caedes e. hu quer que falades 
e anfel rey muyto caedes ben, 
se quer manjar nunca tam pouco ten 
de que vós vossa parle non ajades. 



E poys el rey de vós é tan pagado 
que vos seu bem essa mera* faz 
(1'avefrles nome muyto vos j iz, 
e non seer home desensinado; 
ca poys per eórfavedes a jruarir, 
nunca de vós devedes a partir 
hum home que vos traga companhado. 



1016 

Maria do Grave* graVé de saber 
porqUe Vos chamam Maria do Grave* 
ca vós non sodes grave de foder, 
e pefo sodes de foder mui grave ; 
e quefeu gram conhocenfa diíer 
sen leterad'ou trobodor seer 
non poífome departir este grave. 

Mays eu sey ben trobar e ben leer, 
e queKassy depatlir este grave, 
vós ttom sodes grav'en pedir aver, 
pêro vosso cone vós sodes grave 
a quem vos fode muyto de foder, 
e por aquesto sse dev>ntender 
porque vos chamam Maria do Grave. 

E poys vos assi deparli este grave, 
tenho-me d'ora por muy trobador, 
e bem vos juro, par nostro senhor, 
que nunca eu achey tan grave 
con^é Maria, e já o provey 
de grave nunca poys molher achey 
que a mi fosse de foder tan grave. 



1017 

Luzia Sanches, jazedes en gram falha 
comigo que non fodo mays nemigalha 
d'ua vez ; e poys fodo, se deus mi valha, 
fiqu'end'afrontado ben por tercer dia; 
par deus, Luzia Sanches, dona Luzia, 
se eu foder vos podesse foder-vos-hya. 
Vejo-vos jazer comigo muyfagravada, 
Luzia Sanches, porque non fodo nada, 
mays se eu vos per hy ouvesse pagada, 
poys eu foder non posso, pagar- vos-ya ; 
par deus, Luzia Sanches, dona Luzia, 
se eu foder vos podesse, foder-vos-hya. 
Deu-mlfo demo esta pissupa cativa 
que jà non pode sol cospir a saly va, 
e de pram semelha mays morta ca vyva, 
e sse lh'ardess'a casa non soergueria ; 
par deus. Luzia Sanches, dona Luzia, 
se eu foder-vos podesse, foder-vos hya. 
Deytaram-vos comigo os meus pecados, 
cuydades de mi preylus tan desgtiisados, 
cuydades dos colhóes que traglnchados; 
ca o son con foder e con malouria ; 
par deus. Luzia Sanches, dona Luzia, 
se eu foder-vos podesse, foder-vos-hya. 



JOHAM SOARES COELHO 



193 



1018 

Jograr mal desemparado 
fuy eu pelo teu pescar, 
como que ouvh'a envyar 
aa rua por pescado ; 
por end'0 don que fey dado 
quer'ora de li levar. 

Assi ch'0 dei preitejado 
que nVouvesfa escusar 
da rua, e vés, jograr, 
poys me non as escusado, 
hun don e linho dobrado 
pensa ora de mh'o dar. 

Non ti barallfeu mercado 
nem queria baralhar, 
mays ouvesle-m'a pagar 
en truytas, e poys pagado 
non miras dás como f ei contado 
er pensa de mi coutar. 

1019 

Bon casamenfé pêro sen gram milho 
en a poria do ferrenha tendeyra, 
e direy-vos confe de qual maneyra: 
pêra ric v ome que non pod'aver 
filho nen filha pod'el a fazer 
con aquela, que faz cada mez ilibo. 

E de min vos dig'assy — ben mi venha, 
sse rkfome fosse e grand^alg^ouvesse, 

a queo leixar meu aver e mha erdade, 

eu casaria, digades verdade, 

con aquela que cada mez emprenha. 

E ben seria meu mal e meu dano 
per boa fé e mha menos ventura, 
e meu pecado grave sen mesura, 
poys que eu com a tal molher casasse 
se hfia vez de min non emprenhasse, 
poys emprenha doze vezes no anno. 

1020 

— Pêro Hartiiz, ora por caridade 
vós que vos teedes por sabedor, 
dizede mi quen é comendador, 
en o Espital ora da escassidade, 
ou na franqueza, ou quen no forniz, 
ou quen en quanto mal sse fez e diz, 
se o sabedes dizede verdade. 

«Poys don Vaasc'un pouco m'ascoytade : 
os que mal fazen e dizen son mil, 
en o forniz é don Roy Gil, 
e Roy Martiiz en a falsisdade, 
e en a escasseza é o seu Priol 
non vos pod^nfeslo partir melhor, 
se mays quiserdes por mais perguntade. 

— Pêro Martiiz, mui ben respondestes, 
pcro sabia- m' eu esto per min, 

2j 



ca todos trez eram senhores hy, 
das comendas comendadores estes; 
e par estes mh'é tan ben que m'é mal, 
mays ar quefora de vós saber ai 
que mi digades do que non aprendestes. 

«Vós don Vaasc'ora me cometestes 
d outros preytos, des y ar dig'assy, 
non mi deu. algo pêro lh'o pcdy, 
o Priol, e fod'y e vós fodestes 
con Roy Gil, emeus preytos talhey, 
con frey Rodrigu'e mentiu-m'os, e sey 
por aquesta sa fazenda cl 1 aqu estes. 

— Pêro Martiiz, respondestes tan ben, 
en tod'esto, que foystes hy con sen 
de trobador, e cuyd'eu que leestes. 

«Vos donVaasco, Lod'esso-m'é ben, 
ey sis'e sey trobar e leo ben, 
mays que tardi que mlfo vós entendestes. 

1021 

— Vedes, Picaudou, soo maravilhado 
eu d'en Sordel, que ouço entenções 
muytas e boas, ey mui boos soes 
como fui en teu preyto tan errado ; 
poys non sabedes jograria faz^r, 
porque vos fez per corte guarecer, 
ou vós ou el dacTendebon recado. 

cJoham Soares, logo vos é dado 
e mostrar-vo-lo-ey en poucas razões ; 
gram dereyfey de ganhar does, 
c de seer en corte tan préçado, 
como segrel que diga, mui ben vés, 
en canções e cobras e sirventês, 
e que seja de falimento guardado. 

— Picandon, por vos vós muytp loardes 
noni vol-o cataram per cortesia 
nen por entrardes na tafularia, 
nem por beverdes, nem por pelejardes ; 
e se vos esto contarem per prez, 
nunca nostro senhor tan corlez fez 
como vós sodes se o ben catardes. 

«Joham Soares, por me deostardes 
non perceu por esso mha jograria, 
e a vós, senhor, melhor estaria, 
d'a tod'ome de segrel bem buscardes; 
ca eu sey canções muytas e canto bem, 
e guardo-me de todo falimen, 
e cantarey cada que me mandardes. 

— Senhor, conhosco-mi-vos, Picandon, 
e do que dixr peço-vos perdon, 
e gracir-vor-ey se mi perdoardes. 

•Joham Soares, mui de coraçon 
vos perdoarei que mi dedes don, 
e mi busquedes prol per hu andardes. 

1022 

—Quem ama deus, Lourenp', ama verdade, 
c farey-ch^ntender porque o digo, 



194 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



home que entençon furta a seu amigo 

semelha ramo de deslealdade ; 

e tu dizes que entenções faes 

que poys non riman e son desiguaes, f 

sey-m'eu que x'as faz Johan de Guylhade. 

«Joham Soares, ora m*ascuytade ; 
eu ouvi sempre lealdade migo, 
e quem iam gram parte ouvesse sigo 
en trobar com'eu ey par caridade, 
bem podia fazer entenções quaes 
fossen bem feytas, e direy-vos mays 
la con Joham Garcia baratade. 

— Pêro Loureuço, pêro t'eu oya 
tençon desigual e que non rimava, 
pêro qu'essa entençon de ti falava, 
demo lev'esso que t'eu criia, 
ca non cuydey que entençon soubesses 
tan desigual fazer nen n'a fezesses, 
mas sey-ineu que x'a fez Johan Garcia. 

«Joham Soares, par saneia Maria, 
íiz eu entençon e bem a iguava 
com outro trobador que ben trobava/ 
e de nós ambos bem feyta seria ; 
e non vol-o poss'eu mays jurar, 
mays sse trobador migu'entençar 
defender-mi-lh'ei mui ben todavya. 

1023 

Don Buytorom, o que vos a vós deu 
sobre los trobadores a julgar, 
ou non sabia que xera trobar, 
ou sabia como vos trobey eu, 
que trobey duas vezes mui ben 
e se vos el fez juyz por en 
de vos julgardes outorgo-voFeu. 

E sse vos el por esto fez juyz 
don Vuy toron devedel'-a seer, 
ca vos soub'eu dous cantares fazer 
sen outros sex ou sete que vos flz, 
porque devedes julgar com razon 

julgad'os cantares que vos eu flz. 

E pois julgardes como vos trobey 
e ar chamad'o comendador hy 
que fezeron comendador sen mi 
de mhas comendas per força de rey, 
e o que ora nas alças está 
se o eu deitey entregar-mh^s a, 
ca todas estas son forçadas de rey. 

1024 

Johan Garcia tal se foy Ioar 
e enfenger que dava sas doas, 
e que trobava por donas muy boas, 
e oy end'o meyrinho queyxar, 
e dizer que fará, se deus quizer, 
que non trobe quen trobar non dever 
por ricas donas nen por infançôas. 



E oy n'outro dia eu queixar 
huãs coteyfas e outras cochoas, 
e u meyrinho lhis disse: — varôas, 
e non vos queixedes, ca se eu tornar 
eu vos farey que nenhum trobador 
non trobe en talho se non de qual for, 
nen ar trobe por mays altas pessoas. 

Qa mand'al rey, porque a en despeito, 
que trobem os melhores trobadores 
polas mays altas donas e melhores, 
e tem assy per razon con proveito; 
e o coteyfe que for trobador 
trobe, mays clíam' a coteyfa senhor, 
e andaram os preytus com dereyto. 

E o vilão que trobar souber 
que trob'e chame senhor sa molher, 
e averâ cada huu o seu dereilo. 

1025 

Martin Alvelo, 
d 7 esse teu cabelo 
ti falarey- já, 
cata capelo 
que punhas sobr'elo 
ca muy mester eh' a; 
ca o topete 
poys mete, 
ca os mays de sete 
e mays hu mays ha, 
muytos que vejo 

sobejo, 
e que grand^ntejo 
en toda molher a. 

E das trincheyras, 
e das transmoleyras 
ti quero dizer, 
vejo-ch'as veyras 
e von nas carreyras 
polas deffender; 
ca a velhice 
poys crecer, 
sol non quer sandice 
ai é de fazer, 
ca essa cinta 
mal pinta 
e que vai a enflnta 
hu não ha foder? 

Messa os caos 
e sinus saimãos 
e non ch'a mester, 
panos louçãos ; 
abride-las mãos 
ca toda molher 
o tempo cata 
quen s'ata 
a esta barata 
que fora disser, 
d'encobrir 
a nós con panos 



JOHAM SERYANDO 



1U5 



aquesles enganos, 
per rem non os quer. 

ROY PAES DE RIBELA 

1026 

Mala ventura mi venha, 
se eu pola de Belenha 
cPamores ey mal. 
E confonda-me san Marcos, 
se pola donzela d 1 Arcos 
d 'amores ei mal. 
Mal mi venha cada dia, 
se eu por dona Maria 
d 'amores ey mal. 
Fernan d'Escalho me pique, 
se eu por de Vyl'Hanrique 
d'amores ey mal. 

1027 

Ven hu ric'ome das Iruylas 
que compra duas por muytas, 
e coz'end'a hunha! 
Por quanto xi quer apenas, 
compra en duas pequenas, 
e coz'end'a hunba. 
Venden cem truytas vivas, 
e compra en duas cativas 
e coz'end'a hunha! 
E hu as venden bolindo 
vay-ss'en con duas riindo, 
e coz'end'a hunba ! 



JOBAM SERYANDO 

1028 

E s'a sela muyto dura 

e dura sa pregadura, 

mais non a For* de Castela, 
ay novel, non vos a prol 
de tragerdes mais a sela. 
Já a sela dava mal 

e quebra o peytural, 

per hu se ten a flivela; 
ay novel, non vos a prol, 
de tragerdes mais a sela. 
Ja ssa sela vay busando, 

e dixo Joham Servando, 

que muyto vosco revela ; 
ay novel, non vosha prol 
de tragerdes mais" a sela. 

1029 

Comeron infanções en outro dia 
apartados na feyra de saneia Maria, 



e déron-lhi linguados por melhoria, 
que nunca vi lan poucos des que naçy ; 
eu com os apartados fui enton hy 
apartado da vida e non comi. 
Dircy-vos como forom hy apartados, 
derom-lhis das fanegas e dos pescados 
a tanto, per que foran muy lazerados, 
que des quando foy nado nunca chus vi ; 
eu com os apartados fuy enton hy, 
apartado da vida e non comi. 
Apartarom-sse delles por comer bem 
melhor que comeriam em almazem, 
e pois quando os erguer non podiam em 
tirar muy bem as pernas ar c'a ssy, 
eu com os apartados ffoy enton hy 
apartado da vida c non comi. 

1030 

Don Domingo Caorinha 

non a proe 
de sobir em Marintot, 

ca ja doe 
quand ela jaz, a sobrinha 

mal assoe 
a grossa pixa mesquinha 
que lhi no seu cono móe; 

por aquesto, don Domingo, 

non digades que m'enfingo 
de trobar, 

e d'outra cinta me cingo 

e d'outra Marinirolhar. 
Don Domingo, a deus loado 
d'aqui ataa em Toledo, 
nom ha clérigo prelado 
que non tenha o Degredo ; 
e vós Marinha, co'dedo 
avedel-o con husado 
que non pode teer medo ; 

por aquesto, don Domingo, 

non digades ca meníUigo 
de trobar, 

e d'outra cinta me cingo, 

e doutra Marioh'olhar. 
Dom Domingo, non podedes 

co's calções 
que com a pissa tragedes 
a Marinha pelos peixes 
mays com mó a fodedes 
e sobedes edecedes; 
brad'en os cantões : 

por aquesto, don Domingo, 

non digades ca menflngo 
de trobar, 

e d'outra cinta me cingo 

e d'outra Marinha olhar. 
Dom Domingo, vossa vida 

é com pêa, 
pois Marinha jaz transida 

e sem côa; 



19tí 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



porque vos aa sobida 

cansou essa cordovéa ; 

flcou-yol-a pissa 'espida, 

que jaxe vos esfreia; 
por aquesto, don Domingo, 
noa digades ca m'enfingo, 

de trobar, 
e doutra cinta me cingo, 
e doutra Marinha olhar. 



1031 

De quanl'og'eu no mundo queria 
a quen infançun nen ao senda) aven, 
ca Ihi pedi os panos que Iragia 
e disse-m'el o que teve por bem, 
ca os queria trager a seu sen, 
e pois na cima que mhos non daria. 

E pois 1'ouv'i hos panos perOado 
enton punhey mais en lh'os pedir, 
e disse-m'el: muy foy eu pagado, 
hide-vos alhur e quando-vos ar vir 
querrey os panos ante vós cobrir 
que sejades d'elles de segurado. 

E porem seerey ja sempre do seu lado, 
per como m'ele os panos mandou, 
hu me parecia d'el desconfortado 
foy-me chamar, e des hu me chamou : 
Joham Servando, pêro nfassy vou 
non vos darey os panos a meu grado. 



LOURENÇO jograr 

1032 

— Rodrigu'Eanes, queria saber 
de vós porque m'hides sempre travar 
em meus cantares, ca ssey bem trobar, 
e a vós nunca vos vimos fazer 

cantar d'amor, nem d'amigo ; e por en 
sse querede-Fo que eu faço bem 
d^mar terran-vos por sem conhocer. 

«Lourenço, tu fazes hi teu prazer 
en te quereres tan muyto loar, 
ca nunca te vimos fazer cantar 
que ch'eu querra, nen o demo dizer; 
confesso diz Servand^ huã rem, 
que es omen mui comprido de sen, 
e bon meestre que sabes leer. 

— Rodrigu 'Eanes, sempr'eu loarey 
os cantares que muy bem fectos viir, 
quaes eu faço, e quem os oyr 
pagar-ss'a d'eíles; mays Vos eu direy 
dos sarilhos sodes vós trobador, 

ca non fazedes um cantar d 'amor 
por nulha guisa qual eu farey. 

«Lourenç Eanes, terras hu eu andey 
non vi vilam tan mal departir, 



e vejo-te trobares cousir, 
e loar-le ; mais huã cousa sey, 
de tod'omcn que enlendudo for, 
non averá en teu cantar sabor, 
nem ch'o colheram cm casa d'el rey. 

— RodriguEanes, hu meu cantar for 
non acha rey nem emperador 
que o non colha, muy ben eu o sey. 

•Lourenço, tenho que és chufaâor, 
e vejo-fora muy gram loador 
de pouco, se non ch'0 creerey. 



1033 

Pedr'Amigo duas sobervas faz 
ao trobar, e queixa-sse muyfen 
o trobar, aquesto sey eu muy bem, 
ca diz que Ihi fazem de mal assaz; 
com seus canlares vai-u escarnir, 
ar diz que o leix'eu, que sey seguir 
o trobar e lodo quanfen el jaz. 

E aqucstas sobervas duas som, 
que Pedr^Amigo em trobar vay fazer, 
en a huã vay-o escarnecer 
con seus cantares sempre en seu son; 
en a outra vay, he min de loor, 
d'esto se queixa muy mal o trobador, 
ca ten comigu'en toda razon. 

Mais dizede porque lb'o sofirerey 
a Pedr' Amigo se me mal disser 
de meus mesteres, poilos bem fezer, 
e de mais o trobar de mi já partirey 
s'el sem conhocer per flcarà 
do que me diz que quer veerà, 
que fazo bem esta que me Dlhey. 



1034 

— Quero que julguedes, Pêro Garcia, 
d'antre min e todolos trobadores 

que de meu trobar som desdezidores, 
poys que eu ey muy gram sabedoria 
de trobar e do mui bem fazer; 
se ey culpa no que me vam dizer 
vingade-o sen toda bandoria. 

«Don Lourenço, muyto me comcledes, 
e en trobar muyto vos ar loades, 
e dizem esses com que vós trobades, 
que de trobar nulha rem non sabedes; 
nem rimades, nem sabedes iguar, 
e pois vos assy travan en trobar 
do vosso julgar, senhor, nom me coitedes. 

— Dom Pedro, eu como vos ouç/i falar 
hu vós bem non sabedes julgar, 

ora dos outros ofTereçom avedes. 

«Dom Lourenço, wjo i vosprofaçar, 
mais quem nom rima, nem sabe iguar 
se eu juizo dou queyxar-vos-edes. 



O (ONDE DON PEDRO, DE PORTUGAL 



19; 



1035 

— Johara Vaasquez, moiro por saber 
de vós porque me leixasles o trobar, 
ou se foy el vos primeiro leixar, 
ca vedes o que ouço a todos dizer: 
ca o trobar acordou-s'en a tal 
que estava vosco en pecado mortal, 
e leixa-vos por se non perder. 

«Lourenço, tu vées por aprender 
de min, e eu non ch'o quero negar, 
eu iro bo ben quanto quero irobar, 
pêro nom o quero sempre fa*er ; 
mais di-me, ti que trobas desigual, 
se te deitam por en de Portugal, 
ou se mataste homem ou se roubaste aver. 
. «Joham Vaasquez, nunca roubei rem 
nem matey homem, nem ar mereci 
porque mi deitassem, mais vil aqui 
por ganhar algo, e pois sey iguar-mi bem 
como o trobar vosso, mais estou 
que se perdia tan vosqu'e quitou- 
sse de vós, e nom trobades por en. 

1036 (vid. 472) 

Vós que soédes en corte morar, 
d*esses privados' queria saber 
se lhes ha privança muita durar, 
ca os nom vejo dar nem despender; 
ante lhes vejo tomar e pidir, 
e os que nom querem dar ou servir 
nom podem rem com el rey adubar. 

D'esses privados nom sei mais falar 
senon que lhes vejo mui gram poder, 
e grandes rendas et casas gaanhar, 
e vejo a gente toda empobrecer ; 
et com pobreza da terra sair, 
e ha el rey sabor de os oyr, 
mais eu nom sei que lhe vã conselhar. 

Sodes de corte et nom sabedes rem, 
ca mester faz a todo homem que dé, 
pois a corte por livrar algo vem 
(fali dar non quer, por seu sabor he ; 
poys na côrfhomem non livra por ai, 
pense de dar, nom se trabalhe d'al, 
ca os privados querem que lhes dêm. 

Esta cantiga de cima foy feita em tempo 
dei rey don Afíonso, a seus privados. 



CONDE DON PEDRO, de Portugal 

1037 

Esta cantiga foy feita nhã escudeiro que an- 
dou a alem-mar, e dizia que fora a lo mouro. 

Alvar Roiz, monteyro mayor, 
sabe bem qua-lhi el-rey desamor, 



porque lhe dizem que he mal feylor; 

na ssa terra esfé cousa certa, 

ca diz qué se quer hyr, et per hu for 

levará cabeça descuberla. 
El entende que faz ai rey pesar 
se lh'y na terraqui mais morar, 
por en quer hir sa guarida buscar, 
com gram despeitem terra deserta; 
et diz que pode per hu for levar 

sempr'a cabeça bera descuberta. 

1038 

Esta cantiga foy feita a Miguel Vivas, que 
foy Enleyto de Viseu, el a Moniz Lourenço de 
Beja. 

Os privados que d'el rey ham, 
por mal de muytos, gram poder, 
seu saber é juntar aver, 
e non no comen, nen o dam ; 
mays profaçar de quem o dá, 
e de quanto no reyno ha, 
se compre todo seu lalam. 

Os que trabalham de servir 
el-rey por tirar galardon, 
s'é do seu bando ou se non som, 
logo punham de lho partir 
o que d'el rey quiser tirar 
bem sem servir, se lhis peitar 
avel o-a d'u To pedir. 

Seu sen e seu saber é tal 
qual vos ca já'gora contey, 
e fazem ai que vos direi, 
que he muy peior que o ai ; 
hu s'el-rey mov'a fazer 
bem com'é razon, pesa-lhes er 
et razoam o bem por mal. 

E hu compre conselh'ou sen 
a seu senhor, nom sabem rem, 
se nom em todo desigual. 

* 

1039 

Huu cavaleyro avya 
hua tenda muy fremosa, 
que cada que n'ella siia 
assaz lh'é tam saborosa ; 
e huu dia pela sesta 
hu estava bem armada, 
de cada parte espetada 
foy toda pela meestra. 

Na tenda nom ficou pano, 
nem cordas, nem guarnimento, 
que toda nom foss'a dano, 
pelo apoderamento 
da maestra, que tirando 
foy tanto pelo csteo 
que por esto, com'eu creo, 
se foy toda espetando. 



198 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ M VATICANA 



A corda foy em pedaços 
e o mays do ai perdudo, 
mays flcaron-lhy dous maços 
ficand'0 esleo rompudo ; 
e a maeslra meluda 
em grand' estaca jazendo, 
e foy-s'a tenda perdendo 
assy como he perduda. 

Per mingua de boo meestre 
pereceu tod'a tenda, 
que nunca sse d'ela preste 
pêra dom, nom pêra venda; 
ca leyxou com mal recado 
a meeslra tirar tanto 
da tenda, que ja quanto 
avia sse era porfaçado. 

Esta cantiga de cima foy fecta a hxm mees- 
tre dCordim de cavalaria, porque avya sa 
barragãa, e fazia seus filhos en ela ante que 
ffosse meestre, e depoys caw/a hua tenda em 
Lixboa em que tragia mui grande aver a 
guaanho, e aquela sa barra gãa quitando -Ihy 
alguns dinheiros q viinhã da terra da Horden 
et que o maestre y non era envyavaos a 
aquela tenda porque guaanhasen con elles 
pêra sseos filhos, e depoys tiraron ende os di- 
neros da tenda e deron-os em outros prazos 
pêra gaanharem com elles e ficou a tenda 
desfeita e non leyxou por en o meestre de- 
poys a gaanhar. 

1040 

Natura das animalhas 
que som d'uã semelhança 
é de fazerem criança 
mais des que som fodimalhas ; 
vej'ora estranho talho, 
qual nunca cuydey que visse, 
que emprenhasse parisse 
a Camela do Bodalho. 

As que som d'ua natura 
juntam-s'a certas sazões 
e fazem sas criações, 
mays vejo já criatura 
ond'eu nom cuydey veel^a ; 
e por en me maravilho 
de Bodalho fazer filho 
per natura na Camela. 

As que som per natureza 
corpos d'ua parecença 
juntam-s'e fazen nacença, 
estohesadereyteza; 
mays non coydey em mha vida 
que Camela se juntasse 
com Bodalho emprenhasse, 
e de mays seer d'el parida. 

Esta cantiga de cima ffoy fecta a hua do- 
na d'ordym, que chamavam Moor Martins 



por sobrenome Camela, e a hwu liomem que 
avya nome Jofiam Mariz, por sobrenome Bo- 
dalho, e era noticio de Bragaa. 

1041 

Mandey pedir n'outro dia 
huu alaão a Paay Varella, 
porqu'ei hua mha cadella, 
e diss'ell que mho daria ; 
e per como mh'o el dá 
eu ben cuydo qu'ell verrâ 
quand'aqui veer Messya. 

Outrossy Pêro Marinho 
dous sabujos mha mandado 
la da serra e de montado, 
e disse- me huu sseu mininho 
que bem certo foss'eu disto; 
poys veér o Ante-Christo 
verrã con el por camynho. 

Eu nom foy home de siso 
hu mh'as promessas fazian, 
duvydando cá que verrian, 
e entolha-xe-me riso 
de que o foy duvydando 
poys sey que verram quando 
for todus no parayso. 

Esta cantiga foy fecta a estes cavaUeyros 
que aquy conta, que remeterom ca hwu alão 
et sabujos segundo s^aqui escreveo e pêro que 
Ih? os temian a sopear, que os quiserom dar, 
e o conde fez-lhis poren esta cantiga. 

1042 

Martin Vasques n'outro dia 
hu estava en Lixboa, 
mandou fazer gram coroa, 
ca vyo per estrologia 
que averia igreja 
grande, qual ca el deseja, 
de mil libras em valia. 

E diz que vio na estrela 
pêro que a nom domande, 
d'aver egreja mui grande 
ca nom egreja messela; 
ca da pequena nom cura, 
ca lhe seria loucura 
d'el aver a curar d'ela. 

E diz que vio na lua 
que averia sem contenda 
egreja de muy gram renda, 
e non ca non pequena e nua 
e porque lhe vay tardando 
el vai-sse muito agravando 
porque lhe non dam nenhua. 

El a cercou na espera • 
qual planeta tem por doa 
que lh'a outorgasse pessoa. . . 



ROY PAEZ DE RIBELA 



199 



Esta cantiga sitso escripta, que se comen- 
ta , se juntou a as que no outro dia fez o Con- 
de a hu jograr que avya nome Martin Voas- 
queSy et prezava-se que sabya d'estrologia et 
non sabia em nada, e colheu ai vaydade na 
maão ca avya d'aver egreja de Milhas ou de 
Silves et juntou infantes et mandou fazer co- 
roa e con cavalarya foy-se a Alem-Dwjro et 
non ouve nemigalha, e o Conde fez-lhi esta 
cantiga. 

1043 



Diz hua cantiga de vilado: 

• o pee d'hua torre 
baila corp'e giolo; 
veda o cós, ay cavaleyro.» 

JOHAI BB GAYA, eseudfyro 



e 



Vosso pay na rua 
anfa porta sua, 
vedel-o cós, ay cavaleyro. 
Anfa ssa pousada 
em say'apretdda, 
vedel-o cós, ay cavaleyro. 
En meio da praça 
em saya de bar aça, 
vedel-o cós, ay cavaleyro 

Esta cantiga seguiu Joham de Gaya por 
aquella de cima, de vilaaõs, que diz a refren} : 
vedel-o cós, ay cavaleyro; e feze-a a hú vi- 
lãao que foy alfayate do bispo don Domitigos 
Jardo, de Lixboa, ca avya nome Vicente Do- 
mingues, e depoys pose-lhy nome o bispo 
Joham Fernandes et fese-o servir ante sy de 
cosinha et talhar anJCel, et feze-o el rey Dom 
Denys cavaleyro e depois morou na freguesia 
de Sam Nicolaao et chamaram-lhy Joham 
Fernandes de Sam Nicolaao. 

1044 

Vej'eu rauy bem que por amor 
que vos ey me queredes mal, 
et quero vos eu dizer ai 
per boa Té, ay mha senhor: 

que me queirades mal por en, 

jà vos eu sempre querrey ben. 
E mha senhor, per boa fé 
poys soubestes que vos amey, 
me desamastes, eu o sey, 
mays per deus, que no ceo s'é 

que me queyrades mal por en, 

jà vos eu sempre querrey ben. 
Meu coraçon non se partiu 
poys vos vyu de vos muyfamar, 
e vós tomastes en pesar," 
e por deus que nunca mentiu, 



que me queirades mal por en 
já vos eu sempre querrey bem. 
Senhor, sempre vos querrey ben 
atà que moyr'ou perca o sen. 

ROY PAEZ DE RIBELA 

1045 

A donzela de Bizcaia 
ainda mh'a preyto saya, 
de noyte ao lunar. 
Poys n^agora assy desdenha, 
ainda mh'a preito venha 
de noyte ao luar. 
Poys d'ela soo mal treito, 
ainda mi venha a preito 
de noyte ao luar. 

.1046 

Perguntad'un ricome, 
mui rico que mal come, 
porque o' faz? 
El de fam'e de sede 
mata home, ben o sabede 
porque o faz ? 
Mal com'e faz nemigá, 
dizede-lhi que diga 
porque o faz ? 

1047 

» 

Hun ric'omaz, hun ric'omaz 
que de mãos jantares faz, 
quanta carne manda a cozer 
quand'ome vay pola veer 
se s'ante muyto non merger 
sol non pode veer hu jaz ; 

hun ric Y omaz, hu ric'omaz 

que de mãos jantares faz. 
Quem vee qual cozinha tem 
de carne se s'y non detém 
nom poderá estimar bem 
se x'est carne, se pescaz ; 

hu ric'omaz, hu ric'omaz 

que de mãos jantares faz. 

1048 

Comendador, hu m'eu quytei 
de vós e vos encomendey 
a mha molher, per quanfeu sey 
que lhi vós fezestes d'amor, 

tenhades vós comendador 

comendad'o demo mayor. 
Ga muyto a fostes servir 
nom vol-o poss'eu gracir, 
mays poyl' a vós fostes comprir 
de quantela ouve sabor, 

tenhades vós comendador 

comendad'o demo mayor. 



200 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



E dizer-vos querunha rem, 
ela per servida sse len 
de vós, e poys que vos quer bem, 
como quer a mia ou melhor, 

tenhades vós comendador 

comendad^ demo mayor. 

1049 

Maria Genta, Maria Geu ta da saya cintada, 
hu massastes esta noyle, ou quenpoz cevada? 
Alva, abriades-ma lá. 
Albergamos eu e outra na carreyra, 
e rapazes com amores furtan ceveyra. 
Alva, abriades-m'a lá. 
Hu eu m'oj'aquesta noyte ouvy gram cea, 
e rapazes com amor furtan avéa ; 
Alva, abriades-m'a lá. 

1050 

Meu senhor, se vos aprouguer, 
comendador, dade-mi mha molher, 
e se vol-a eu outra vez ar der 
de mi, dé-vos muita de maa ventura; 

comendador, dade-mi mha molher 

que vos dey e fazede mesura. 
De fazer filhos m'é mester, 
comendador, dade mha molher, 
e dar-vos-ey outra d'Alanquer 
en que percades a calentura ; 

comendador, dade mha molher 

que vos dey e fazede mesura. 



PÊRO BARROSO 

1051 

Pêro Lourenço, comprastes 
hunhas casas, e mercastes 
d'elas mal, pêro catastes 
anfas casas e por en 
por deus vós vos enganhastes 
que as non catastes ben. 

Poys vos non deron hy orto 
por entrada de morto, 
vos tenh'oj'eu mays conhorto 
ca de vós, per hua rem, 
que se faz em vosso torto 
que as nom catastes ben. 

Se vós, como home dereito 
as paredes e o teyto 
catassedes, gram preveilo 
vos ouvera a meu sen ; 
vós sofred % end'o despeito 
que as non catastes ben. 

Poys non vistes hy cortinha 
nem paaço, nem cosinha, 
respondestes vós azinha; 



mays ora que prol vos tem, 
a pagar é a farinha, 
poyFas non catastes ben. 

1052- 

Moyr'eu aqui da de Soryã, 
e dizen ca moyro damor, 
e ave ri a gram sabor 
de comer se tevesse pam ; 
e, amigo, direi-vos ai : 
moyfeu do que en Portugal 
morreu don Pouco de Bayam. 

E quantus m'est'a mi difam 
que nom posso comer d'amor, 
dê lhis deus tam gram sabor 
com' end'eu ey, e veram 
que é a gram coita de comer 
quem dinheiros nom podaver 
de que o compr'e nom lh'o dam. 

1053 

Sey eu hun ric'ome, se deus mi perdon\ 

que traj'alferez e trage pendon, 
e con tod'est'assy mi venha ben, 
nom podei rey saber per nulha rem 
quando sse vay, nem sabe quando ven. 
E trage tenda e trage manjar, 

e ssa cozinha hu faz seu jantar, 
e con tod'esto, se mi venha ben, 
nom pod'el rey saber per nulha rem 
quando sse vay, nem sabe quando ven. 
Trage reposte e trage 'scançam, 

e trage saquiteyro que lhi dá pam, 
e com tod'eslo, si mi venha ben, 
non pod'el rey saber per nulha rem 
quando se vay, nen sabe quando ven. 

1054 

Hun ryc'ome que oj'eu sey 
que na guerra non foy aqui, 
vem mui sanhudo e diz assy 
como vos agora direy : 

diz que ten terra qual pediu, 

mays porque a nunca servyu 

a muy gram querela <Tel-rey. 
El veo, sse deus mi perdon', 
des que vyu que era paz, 
ben lhi venha se ben faz, 
pêro mostra el tal razon; 

diz que ten terra qual pediu, 

mays porque a nunca serviu 

contra el rey anda muy felon. 
Pêro na guerra nom fez ben 
nen mal, que nom quis hy viir, 
con coita d'el rey non servir, 
pêro mostra el hua rem : 

diz que tem terra qual pediu, 



JOHÀM DE GAYA 



201 



mays porque a nunca serviu 

ai rey quer mui mal por en. 
Sanhudo vem contr'el rey já, 
ca bu foy mester nom chegou, 
e mais de mil vezes jurou 
que da terra nom sayrâ : 

diz que tem terra qual pediu, 

mais porque nunca a serviu 

ai rey mui gram mal por en querrd. 

1055 

Chegou aqui don Foam 
c veo mui ben guysado, 
pêro non veo ao mayo 
por nom chegar endoado; 

demos-lhi nós hunha maya 

das que fazemos no mayo. 
Per boa fé, ben guysado 
chegou aqui don Foam, 
pero non veo no mayo, 
mays por non chegar em vão, 

demos-lhi nós hunha maya 

das que fezemos no mayo. 
Porque veo ben guisado 
com tenda e com reposte, 
pero non veo en o mayo 
nen veo a Pindecoste, 

demos-lhi nós hunha maya 

das que fezemos no mayo. 
Poys traz reposte e tenda 
em que sse tenh'a viço, 
pero non veo no mayo 

demos-lhi nós hunha maya 
das que fezemos no mayo. 

1056 

Meu senhor, direi-vos ora 
pela carreira de Mora, 
hu vó;3 jà passastes fora, 
e con vosco os de Touro, 
ca pero que alguém chora 

tragu'eu o our'e o mouro. 
Pero non vos custou nada 
mha yda, nem mha tornada, 
gradades com mha espada 
e com meu cavalo louro, 
bem da vila de Graada 

tragu'eu o our'e o mouro. 
Meu senhor, que vos semelha 
do que xe vosc'aparelha 
e vos anda na orelha, 
rogindo como abesouro, 
Roy Gomes de Telha, 

tragu'eu o our'e o mouro. 

1057 

Pero d'Ambroa, se deus mi perdoo' 
non vos trobey da terra d^ltramar, 



vedes por que, ca non achei 
razon porque vos (Tela podesse trobar; 
poys hy non fostes mays trobar-vos-ey 
de muytas cousas que vos eu direy 
do que vos non sabedes guardar. 

Se deus mi valha, vedes porque non 
non trobey d'Acri, nem d'esse logar, 
porque nom virom quantos aqui som 
que nunca vós passastes alen-mar ; 
e da terra hu non fostes non sey, 
como vos trobei, mays saber-vos-ey 
as manhas que vós avedes contar. 



JOHAI DE GAYA, escudeyro 

1058 

Como asn'em mercado 
se vendeo hun cavaleyro 
de Sanhoan'a janeyro, 
três vezes este provado ; 
pero se oj'este dia 
lh'outrem der mayor contia 
ficará con el de grado. 

El foy comprado trez vezes, 
ogano de trez senhores, 
el xe sab'en os melhores, 
ca non ha mays de sex mezes 
ca el ten que todavia 
ade pagar en con ti ia 
en panos ou en torneses. 

Se mays senhores achara 
ca os trez que o comprarem 
os sex mezes non passarom 
que el com mays non ficara; 
mais està-x'é em sa períla 
empenhando cada dia, 
ca el non se desempara. 

Esta cantiga foi fecta a htm cavaleyiv que 
ouve nome Fernam Vaasques Pimentel que 
foy primeiro vasalo do Conde dom Pedro, 
poys partiu-se d' ele e foi-sse pêra dom Joham 
Âffbnso d' Alboquerque seu sobrinho, e depoys 
partiu-sse pêra o Inffante dom Affonso filho 
d*el rey dom Denis, que depoys foy rey de 
Portugal, e todo esto foy em sex meses. 

1059 

Se eu, amigus, hu he mha senhor 
viver ousasse, por tod^outro ben 
que deus no mundo a outro pecador 
fazer quizesse, eu jà per boa fé 
ren non daria, mays poys assi he 
et que non ous'i a viver, conven 

Que moyr'amigus ; ca nom sey eu quem 
viver podesse, poys nom ousassMr 
1 hu est aquela que sa vida ten 



202 



CANCI0NE1B0 PORTUGUEZ DA VATICANA 



en seu poder et seu bem e seu mal 
como ela teo de mi et non me vai 
rem contra ela, nem me vai servir 
Ela que amo ; pêro que mlroyr 
non quer mha coyta, nem me quer hy dar 
conselho, amigus, nem quer consentir 
que a veja, nem que more hu a veer 
possa per bem, et meu gram bem querer 
cl meu serviço todo s'aprobar. 

1060 

Meus amigus, poys me deus foy mostrar 
a mha senhor que quero muy gram bem, 
trobey eu sempre polo seu amor; 
et meu trobar nunca me valeu rem 
contra ela, mays vedes que farey 
poys me nom vai trobar por mha senhor 
oy mays quer'eu ja leixar o trobar. 

E buscar outra razon, se poder 
porque possa esta dona servir, 
et verey enton se me fará 
sequer algua rem porque possa partir 
muy grandes coytas do meu coraçom, 
et sey que asi me conselhará 
o meu amigo que me gram bem quer. 

Ca cToutra guisa nom posso aver hy 
conselho jà per csla razon tal 
ca eu, amigos, da morte presfestou 
se m'a esto nostro senhor non vai, 
pêro da morfey sabor, et a la fé 
ca se morrer diram que me matou 
a melhor dona que eu nunca vi. 

1061 

En gran coyta vivo, senhor, 
a que me deus nunca quis dar 
conselho et quer-me matar; 
et a min seeria melhor, 
et por meu mal se me deten 
por vingar- vos, mha senhor, ben 
dô-roi se vos faço pesar. 

E assi me tromenfamor 
de tal coyta que nunca par 
ouv'outr'ome a meu cuydar, 
assy raorrerey pecador; 
et, senhor, muyto me praz en 
que prazer tomades por en, 
non o dev'eu a recear. 

E assi ey eu a morrer 
veendo mha mort'ante mi, 
et nunca poder filhar hy 
conselho, nen o atender 
de parte do mund'e bem sey, 
senhor, que assi morrerey 
si assi he vosso prazer. 

E ben o devedes saber 
se vos eu morte mereci, 
mais, por deus, guardade-vos hy 



ca todo he em vosso poder ; 
et, senhor, pregunlar-vos ey 
por serviço que vos busquey 
se ey por en morfa prender? 

1062 

Eu convidey hu prelado 
a jantar, se ben me venha; 
diss'el en estes meus narizes 
de color de berengenha: 

vós avedel-os olhos verdes, 

et malar-m'iades con eles. 
O jantar está guisado 
et por deus, amigo, trey-nos ; 
diz el en estes meus narizes 
color de figus çofeynos: 

vós avedel-os olhos verdes, 

et matar-mlades con eles. 
Comede migu'e dirara-vos 
cantares de Martim Moxa, 
diz el en estes meus narizes 
color d'escarlata roxa; 

vós avedel-os olhos verdes, 

et matar-m'iadescon eles. 
Comede migu'e dar-vos-ey 
hua gorda garça parda; 
diz el en estes meus narizes 
color de rosa bastarda : 

vós avedel-os olhos verdes, 

et matar-m'iades con eles. 
Comede migu'e dar-vos-ey 
temporaano figo maduro; 
diz el en estes meus narfces 
color de môrece 'scuro : 

vós avedel-os olhos verdes, 

et matar-m'iades com eles. 
Treides migu'e comeredes 
muy tas boas assaduras; 
diz el en estes meus narizes 
color d'a moras maduras: 

vós avedel-os olhos verdes, 

et matar-mMades con eles. 

Esta cantiga foy seguida por huâ baylada, 
que diz: 

Vós avedel-os olhos verdes , 
matar-m'cdes com eles, 

e foy feda a hwu bispo de Viseu natural 
(FAragon, que era tan tardo en comer cada 
huã d'estas cousas que convida en esta can- 
tiga ou mays, et apoynhamdhe que sse paga- 
va do vinho. 

J0HAI BAVECA 

1063 

Bernal fendudo, quero-vos dizer 
que vós façades, poys vos querem dar, 



JOHAM BAVECA 



203 



ar mãos, dona salvage chamar, 
se vos com mouros lid'acaecer; 
soffrede-os, ca todos ferrar-vos-am 
e dando colpes en vós cansaram, 
e averedes poys vós a vencer. 

E ali logo hu ss'a lide a volver 
verram-vos d'elhes deante cobrar, 
desy os outros, por vos nom errar, 
ar querram-vos por alhur cometer ; 
mais soflrede ferram per hu quer, 
ca se vos dés en armas ben fezer 
ferindo em vós am elles de caer. 

Pêro coma muy gram gente a sseer, 
muyfa vezes vos am a derribar, 
mais vós sempr'avedes a cobrar, 
e elles am mais a enfranquecer ; 
pêro nom quedarom de vos ferir 
de todas partes, mays ao /Kr, 
todos morreram em vosso poder. 

1064 

Hum escudeyro vi oj'arrufado 
por tomar penhor a Mayor Garcia, 
por dinheyros poucos que lhi devia ; 
e diss'ella, poil'o viu denodado : 
senhor, vós non m'affrontedes assy, 
c será gora huu judeu aqui 
con que barate dar-vos-ey recado 

De vossos dinheiros de muy bom grado; 
c tornad'aqui ao meio dia, 
e entanto verrá da judaria 
aquel judeu con que ey baratado, 
e hu mouro que aclTi de chegar 
con que ey outrosy de baratar, 
e eu como quer farey-vos en pagado. 

E o mouro foy a log'alhy chegado 
e cuydou-s'ela que el pagaria 
divida velha que ela devia, 
mais diss'o mouro: ssal non compensado, 
que vós paguedes rom do meu aver, 
mcas deveram sobre vós fazer 
ca hu judeu avedes enganado. 

E ela disse : fazede vos qual 
feito quiserdes sobre min, poys dal 
nom poss'avcr aquel homen pagado. 

E o mouro logo a carta notou 
sobr'cla et sobre quanto lhachou, 
e pagou-a c leixou-lh'o Iralado. 

1065 

Mayor Garcia, scmpr'oy dizer 
por quen quer que podesse guisar 
da ssa morte se bem rrfa enlTestar, 
que non podia perdudo seer ; 
e ela diz por sse de mal partir 
que emquanfouver per que o comprir 
que non quer ja sem clérigo viver. 

Ca diz que nom sab'u x'adc morrer, 



e por aquesto se quer trabalhar 
a como quer d'ess'e d'esto pagar, 
guis'ar e diz, que a ben per hu a fazer 
çono que tem desy, se d'alhur non, 
dous outros clérigos hu sa sazon 

E Mayor Garcia por non perder 
sua alma quando esto oyeu 
foy buscar clérigo en o sacr'e veu 

albergar er 

e jà trez clérigos pagados tem, 
que nehu d 'elles, sabede vos ben, 
qua non pode a morte Jolher. 

1066 

Pêro d'Ambroa prometeu de pram 
que fosse romeu de sancta Maria, 
e acabou assy sa romaria 
com'acabou a do flume Jordam ; 
ca entonce ata Monpylier chegou, 
e ora per Ronç avales passou 
e tornou -se do poio de Roldam. 

1067 

Pêro d'Ambroa, sodes mayordomo 
e trabalharia de vos enganar 
o albergueyro; mais de 'scarmenlar 
lo avedes, e direy-vos eu como ; 
se vos mentir do que vosco poscr 
s'ora de vós c de nós, como quer, 
c brila-lh'os narizes no momo. 

E pois mercai* d'elos ai logo cedo 
vos amostra roupa que vos dará 
e sse pois mi diz que vol'a non da 
ide sarrar la porfa vosso quedo, 
e d'esses vossos narizes logul 
fic'o seu cuu quebrand'assy 
que já sempr'aja d'espanhoes medo. 

1068 

Estavam oje duas soldadeyras 
dizendo ben a gram pressa de sy, 
e vyu a huã d'elas as olheyras 
de ssa companhcyra e diss f assy : 
que enrugadas olheyras teendes ; 
e diss'a outra : vós com'ar veedes 
d'esses ca 

E ambas elas eram companheyras 
e diss'a huã en jogo outrosy : 
pêro nós ambas somos muyfanteyras 
milhor conhosqu'eu vós ca vós min ; 
e diss' outra: vós que conhocedes 
a min também, porque non entendedes 
como som covas essas caaveyras. 

E depoys tomaram senhas masseyras 
e banharom-sse e loavam-ss'aly ; 
e quis dés, que nas palavras primeiras 



201 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



que ouveram, que chegass'eu aly, 
e diss'a ua : mole o ventr'avedes ; 
e diss'a outra : e vós maio ascondedes 
as tetas que semelham cevadeyras. 

1069 

Don Bernaldo, pesa me que tragedes 
mal aguadeyr'e esse balandrao, 
e aqui dura muifo tempo mao, 
e vós en esto mentes oon metedes, 
e conselho-vos que catedes ai 
que cobrades, ca esse non é tal 
que vos vós sô el muyto non molhedes. 

E quem vos pois vir la saya molhada 
ben lh'en terra que é com escaceza, 
e en vós ouve sempre gram largueza, 
e pois aqui veél-a n'invernada 
maravilha será se vos guardar 
hun dia poderdes de vós molhar 
sô huã muy boa capa dobrada. 

E don Bernaldo, verem esta guerra 
de quanto vol-o vosso home ai mete, 
avecTua capa d'un capeyrete 
pêro capa nunca ss'a vós bem serra ; 
ar queredes-vos vós eras a colher, 
c cavalgar e non pode seer 
que vos non molhedes en essa terra. 

1070 

Par deus, amigos, gram torto tomey 
e de logar onde m'eu non cuydey, 
estand'alhi anfa porta d'el-rey 
preguntando por novas da fronteyra, 
por hua velha que eu doestey 

doestou- nfora Maria Balteyra. 
Veed'ora se me devo queixar 
d'este preyto, ca nom pode provar 
que me lhoisse nulh'omen chamar 
y senon seu nome per nulha maneyra ; 
e pola velha que foy deostar 

dcostou-m'ora Maria Balteyra. 
Muyto vos deve de sobervha tal 
pesar, amigos, e direi-vos ai, 
sey muy bem que lh'esla bem ssal, 
todos iremos per hua carreyra ; 
ca porque (lixo d'ua velha mal 

deostou-nfora Maria Balteyra. 

JOHAN AYRAS, de Sanctiago 

1071 

Pêro Garcia me disse 
que mha senhor con el visse ; 
e disse-lh'eu que non oysse : 

Ay Pêro Garcia, 

gran med'ey 

de dona Maria 

que nos mataria. 



Disse-m'el : aventuremos 
os corpos e a là entremos ; 
e dixi-lh'eu : non o faremos, 
Ay Pêro Garcia, 
gran med'ey 
de dona Maria 
que nos mataria. 
Disse-m'el : entremos ante, 
que dona Maria jante ; 
e dix'eu : ide vós deante ; 
Ay Pêro Garcia, 
gram med'ey 
de dona Maria 
que nos mataria. 
Mal conhocedes dona Maria 
ay Pêro Garcia. 

1072 

Quando chamam Johan Ayras 
bevedor, bem cuyd'eu logo 
per boa ííé que mi chamam, 
mais a nostro senhor rogo 

que a tal demo o tome 

per que tolham o nome. 
Veen Johan Ayras chamando 
per aqui todo dia, 
e eu vou quando o chamam, 
mais rogu'eu a sancta Maria 

que a tal demo o tome 

per que tolham o nome. 

1073 

Dizcn que ora chegou dom Beeyto 
muyfalegre pêra sa molher 
com sas merchandias de Monpiler ; 
mais dizer-vos quer'ora hum preyto: 
já deus nom me leixc entrar sobre mar 
sse polo custo queria filhar 
o mercado qu'el aly a feyto. 

E por huu crestes nossos miradoyros 
veo aqui bem guisado esta vez 
con sas merchandias que a lá fez, 
mais dizen que ouve mãos agoyros; 
e ar dizen que mercou* a tan mal 
que nunca end'averam seu caudal, 
ca se Ihy danaram muy mal os coyros. 

1074 

Dom Beeylo home duro, 
foy beijar pelo oscuro 
a mha senhor. 
Hom'é hom'aventurado, 
foy beyjar pelo furado 
a mha senhor. 
Vedes que gran desventura, 
beijou-lhe la fendedura 
a mha senhor. 



DON ÀFFONSO LOPES DE BAYAM 



205 



Vedes que muy grancTabaco, 
foy beijar pelo buraco 
a mha senhor. 

1075 

Hu con don Veeylo 
aos preytos veeron, 
cuspiron as donas 
e assy disseron : 

talhou don Veeyto 

aqui o ffeyto. 
E poys que ouveran 
ja feita sa voda, 
cuspiron as donas 
e diz dona Toda : 

talhou don Beeyto 

aqui o feylo. 

Todas se da casa 

com coita sayam, 

e hiam cospindo, 

todas en diziam : 

talhou don Beeyto 

aqui o ffeyto. 

1076 

Ay justiça, mal fazedes que non 
queredes ora dereyto filhar 
de Mór da Cava, porque foy malar 
Joban Ayras, ca fez muy sen razon ; 
mays se dereyto queredes fazer, 
ela sô el devedes a meter, 
ca o manda o Livro de Leom. 

Ca Ibi queira gram bem, e desy 
nunca lhi chamava senon senor, 
c quando-lh'cl queria muy melhor 
foy-o ela logo matar aly ; 
mays, justiça, poys tam gram torto fez 
metede-a ja sô ele hua vez, 
en o mando é dereyto assy. 

E quando mais Johan Ayras cuydou 
que ouvesse de Mor da Cava ben 
foy-o ela logo matar por en, 
tanto que el en seu poder entrou ; 
mays justiça pois que assy é jà, 
mel an-a sô el et padecerá 
a que o a muy gram torto matou. 

E quen nós ambos vir jazer, dirá 
beeyto seja aquel que o julgou. 

1077 

Hunha dona, non digu'eu qual, 
non aguyrou ogano mal, 
polas oytavas de natal 
hya por ssa missa oyr ; 
c ouv'un corvo carnaçal 
c non quys da casa sayr. 

A dona muy de coraçon 
oyra ssa missa enton, 
e foy por oyr o sermon 



e vedes que liro foy partir; 
ouve sig'un corv'a caron, 

e non quis da casa sayr. 
A dona disse : que será? 
e hi o clerigu^está já 
revestida maldizer-m'ha, 
se me na igreja non vyr ; 
e diz o corvo: qua-cá, 

e non quis da casa sayr. 
Nunca laes agoyros vy, 
des aquel dia que nacy, 
con^aquesfano ouv'aqui; 
e ela quis provar de ss'yr 
e ouv'un corvo sobre sy, 

e non quis da casa sayr. 

1078 

Don Pêro Nunez era en tornado 
e ia-ss'a Santiagu'albergar, 
e o agoyro sol el bem catar 
ca rauytas vezes rouv'afaç anhado ; 
e indo da cas ao celeyro 
ouvTiuu corvo vorac'e faceiro, 
de que don Pedro non foy ren pagado. 

E pois lo el ouve muylo catado 
diz : d'este corvo non posso escapar, 
que d'el non aja escambo a tomar, 
con gram perda do que ey gaanhado, 
ou da mayor parte do que ouver, 
per ventura ou do corpo ou da molher, 
segundou ey o agoyro provado. 

E tornou-sse contra seu gasalhado, 
e diz : amiga, muyfey gram pesar, 
ca me non posso do dano guardar, 
d'este corvo que vejo tam chegado 
a nossa casa, poys (ilha perfia t 
e corv'é jâ'qui sempr'o mays do dia; 
e diz : de noite seas trasffuraado. 

DON AFF0NS0 LOPES DE BAYAM 

1079 

Cantigas que fez don Affbnso Lopez de 
Bayam de escarnh'e de mal dizer. 

Oy d'Alvelo que era casado 
mays non o creo, se deus mi perdon', 
e quero-vos logo mostrar razon, 
que entendades que digo recado ; 
ca lh'oy eu muytas vezes jurar 
que can pastor non podia casar, 
e por en creo que non é casado. 

Sabia-m'eu ca x'era esposado, 
mays a d'u ano, non digu'eu de non, 
ca mi mostrou el ben seu coraçon 
per quanfcl a mi avya jurado, 
que mentre cão pastor fosse com'é 
que non casaria, per boa fé, 
mays esposou-ss'e anda esposado. 



206 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATÍCANA 



E seus parentes teen por guisado 
que sse casass'ay gram sazon, 
ós que lh'o dizcn, dize-lhis el enlon: 
do que dizedes non soo pagado ; 
ca me non podedes tanto coitar, 
que eu cam pastor quisesse casar, 
mays casarey quantTouver guisado. 

De me cuytardes fazedes mal sen, 
ca non podedes jà per nulha rem 
que per mi seja o preito evitado. 

1080 

Aqui sse começa a gesta, que fez don Âflim- 
so Lopes a don Meendo e a seus v assaltos, de 
mal diser. 

Seria-xM don Velpelho en hunha sa mayson 
que chamam Longos, ond'eles todos son; 
per porta lh'entra Martin de Farazon, 
esouTa colo en qu'é senh'un capon 
que foy ja pol'ey r'en outra sazon ; 
cavaFagudo que semelha forom, 
en cima d'el un velho selegon, 
sen estrebcyras e con roto bardon, 
nem porta loriga, nem porta lorigon, 
nen geolheiras quaes de ferro son, 
mays trax perponto rolo sen algodon, 
e cuberluras d'un velho zarelhon, 
lança de pinh'e de bragal o pendon, 
e chapei de ferro que xi lhi mui mal pon; 
e sobarçad'um velh'espadarron; 
cuyteFa cachas, cintas sen farcilhom, 
duas esporas destras, ca sestras non som, 
maça de fusto que lhi pende do arçom; 
a don Belpelho moveu esta razon : 
— Ay, meu senhor, assy deus vos perdon', 
hu é Jobam Aranha, o vosso companhon, 
e voss'alferez, que vos ten o pendon? 
se é aqui saya d'esta mayson, 
ca ja os outros todos en Basto son. 

Eoy! 
Estas oras chega Joham de Froyam, 
cavalho velho cuçurr'e alazam, 
sinaes porta en o arçon d'avam, 
campo verde u inquyreo can, 
en o escud'ataaes lh'acharam 
çeram'e cinfe calças de Roam, 
sa catadura semelha d'un sayam ; 
ante don Belpelho se vay aparelhan' 
e diz : — Senhor, non valrredes hu pam, 
se os que son en Basto se x'i vos assy van, 
mays hid'a eles ca xe vos non iram, 
achal-os-edes, escarmenlarán, 
vyngacVa casa en que vos mesa dan, 
que digam todos quantos pós vós verran, 
que tal conselho deu Joham de Froyam. 

Eoy! 

Esto per dito, chegou Pêro Ferreyra 
cavalo branco, vermelho na pcreyra, 



escuda colo que foy d'uã masseyra, 
ca lança torta d'un ramo de cerdeyra, 
capelo de ferro, o anasal na trincheyra, 
e furad'en rrod'a moleyra, 
traguam husa e hua geolheyra ; 
estrebeyrando vai de mui gram maneyra, 
e achou Belpelho estand'en hua eyra, 
e diz : — Aqui estades, ay velho de matreyra, 
venha Pachacho e o don Cabreyra, 
para dar a min a deanteyra, 
ca já vos tarda essa gente da Beyra, 
o Moordom'e o sobrinho de Cheira, 
e Meen Sapo, e don Martin de Meyra, 
e Lopo Gato, esse filho da freyra, 
q non ha antre nós melhor lança per peydeyra. 
Eoy! 

1081 

En Arouca hunha casa faria, 
a tanfey gram sabor de a fazer, 
que ja mays custa non recearia, 
nem ar daria ren por meu aver; 
ca ey pedreyros e pedra e cal, 
e d'esta casa non mi mingua ai, 
se non madeyra nova que queria. 

E quem m'a desse sempre lh ? o servyria. 
ca mi faria hy mui gram prazer, 
de mi fazer madeyra nova aver, 
en que lavrass'unha peça do dia ; 
e poys hir logo a casa madeirar, 
e telhai a, e poys que a telhar 
e dormir en ela de noyfe dia. 

E meus amigos, par sancta Maria, 
se madeira nova podess'aver, 
logu'esta casa hiria fazer, 
e cobril-a e descobril-a-hia; 
e revolvel-a, se fosse mester, 
e sse mh'a mi a abadessa der 
madeyra nova esto lhi faria. 

1082 

Deu ora el rey seus dinheiros 
a Belpelho que mostrasse 
en alardo cavaleiros 
e por ric'omen ficasse ; 
e pareceu a cavalo 
con sa sela de badana, 
qual ric'omen tal vassalo, 
qual concelho tal campana. 

MEEN RODRIGUES TEN0YR0 
(Ayras Peres Vuytnron?) 

1083 

Don Estevam achey noutro dia 
muy sanhudo de pos hum seu bornir, 
e sol non lhi pod'un passo fogir 
aquel seu home de pos que el hya ; 



AYHAS PERES VEYTOROM 



207 



e filhou o hy pelo cabeçora, 

e ferio -o mui mal d'un gram baston 

que na outra mãao destra tragia. 

E don Estevan assy dizia 
a nós, que lh'o nom leixassemos ferir : 
mays quero-vos eu ora descobrir, 
conteste vilão migo vy vya : 
mays era eu seu, ca era el meu, 
e muyfandava mays em pos el eu, 
ca el por mi, pêro x'i m'el queria. 

E o vilão enton respondia 
com'agora podedes oyr : 
mui gram mal fazedes en consentir 
a esfome torto que mi fazia; 
ca del-o dia en que o eu sey 
sempr'aa gram coita deante lh'andey, 
e el sempre deante me metia. 

E veed'ora, por sancta Maria, 
se ey poder de com el mays guarir, 
ca me non poss'un dia d'el partir, 
de mi dar golpe de que morreria; 
d'un gram pào que achou non sey hu, 
e poys s'assanha non cata per hu 
feyra con el, sol que lh'ome desvya. 

1084 

Don Estevan, eu eyri comi 
en cas d'el rey, nunca vistes melhor, 
e conlarey-vol-o jantar aqui, 
c'axa home de falar hy sabor ; 
non vyron nunca jà outro tal pan 
os vossos olhos, nen ar veeram 
outro tal vynho a qual eu hy bevi. 

Nen vistes nunca, se deus mi perdon', 
melhor jantar, e conlar-vol-o-cy ; 
a dez annos que non vistes capon 
qual eu hy ouve, nem vistes ben sey 
melhor cabrito, nen vistes a tal 
lombo de vinlre d'alhos e de sal 
que Ihi nomi deu hi hu de criaçora. 

Nem vistes nunca nulh^me comer 
com'eu comi, nem vistes tal jantar, 
nem vistes mays viços^me seer 
do que eu sevi en nenhum logar, 
ca a min non minguava nulha rem, 
e mays viç os'ome de comer bem 
nom vistes, nem havedes de veer. 

AVRAS PERES VEYTOROH 

1085 

Don Estevan, tam de mal talam 
sodes, que nom podedes de peyor, 
que ja por home que vos faça amor 
sol non catades tal preço vos dam ; 
e servh'a vós home quanto poder, 
se vos desvya quam pouco xiquer, 
hydes log'ome traper como can. 



E tan mal dia vosco tanfaflam 
e tanta coila con vosc'a levar, 
poys non avedes per hom'a catar 
mal serviço faz hom'en vós de prara; 
ca se avedel-a besta mester 
se vol-a home toste nom trouxer 

queredes home trazer como can. 
E, don Estevan, poys sodes tan 
sanhudo, que non catades por quem 
vos faz serviço poys vos sanha vem, 
os que vos servem non vos serviram ; 
ca se vos sanha como sol prefer' 
non cataredes home nem molher, 

que non queirades trager como can. 

1086 

Don Bernaldo, porque non entendedes 
camanlf escarnho vos fazem aqui 
ca nunca mais escarnhidome vi 
ca vós andades aqui hu vyvedes ; 
ca escarnh'é pera mui bom segrel 
a que x'assy vam foder a molher 
com'a vós fodem esta que tragedes. 

E, don Bernaldo, se o non sabedes 
quero-vos eu dizer quanfend^y, 
molher tragedes, com 'eu aprendi, 
que vos foden, e de que flearedes 
com mal escarnho se vos emprenhar 
d'algun rapaz, e vos depoys leixar 
fllho doutro que por vosso criedes. 

Mays semelha-xc que vós non queredes 
que xi vos fodan a molher assy, 
ca se non fugi ri ad es d'aly 
d'u vol-a foden, don Bernal, e vedes 
non é maravilha de xi vos foder 
a molher, mays fodem-vos do aver, 
ca xi vos foden mal de quanfavedes. 

1087 

Poys que don Gomes Cura querria 
con boas aves ante prender mal 
ca ben con outras, non Ihy dê deus ai 
erguestes corvos per que s'el fia, 
e con qual corVel soubesse escolher, 
o leixasse mal andante seer 
deus, ca depois em ben tornaria. 

Contei sabe d'agoyria 
se ouvesse bon corvo carnaçal 
ou cornelha a negra caudal 
e tal e qual xe don Qomcz oya, 
o cal lhi leixasse deus perder 
a herdade, o corp'e o aver 
ca todo x'el depoys cobraria. 

E poys sab'el tod'alegoria, 
d'agoyro quando da ssa casa sal, 
se ouvcss'el huã cornelha tal 
qual x'a don Gomez consinaria ; 
con a tal visse a casa arder, 



208 



CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA 



e lhi leixasse deus morte prender 
sen confisson, ca pois s'ar porria. 

E con bon corvo foss'el pois caer 
en nojo grav'e ficassem poder 
do diaboo, ca pois s'oporria. 

1088 

Esta outra cantiga é de mal dizer dos 
derom os Castelos corno non deviam ai 
don Affonso. 

AL. . , 

Non ten Sueyro Bezerra 
que torfé en vender Monsanto, 
ca diz que nunca deus diss' 
a san Pedro roays de tanto : 
quen tu legares en terra 
erit ligatum in ceio; 
poren diz ca non é torto 
de vender hom'o castelo. 

E poren diz que non Tez torto 
o que vendeu Marialva, 
ca lhe diss'o Arcebispo 
hu verso per que se salva : 
estote fortes in bello, 
etpugnate cum sponte; 
poren diz que non he torto 
quen faz traypon et esconde. 

O que vendeu Leyrea 
muyto ten que fez dereylo, 
ca fez mandado do Papa 
et confirmou-lh'o Eleyto : 
swper istud caput meum 7 
et super ista mea capa T 
dade.o castello do Conde 
poys vol-o manda o Papa. 

O que vendeu Faria 
por reraiir seus pecados, 
se mays tevesse mays daria, 
e disserom dois prelados : 
tu autem, domine, dimitte 
aquel que sse confonde, 
bem esmolou en sa vida 
quen deu Santarém ao Conde. 

Offereceu Martin Dias 
a a cruz que os confonde 
Covylhaâ, e Pêro Dias 
Sortelha; e diss'o Conde: 
centuplum accipiatis 
de mão do Padre Santo ; 
diz Fernan Dias ben m'est 
por que o fez i Monsanto. 

Offereceu Trancoso 
ao Conde Roy Bezerro ; 
falou enton don Soeyro 
por sacar seu filho d 'erro : 
non potest filius meus f acere 
sine patre suo quiquam; 
salvos son os traedors, 
poys ben ysopados ficam. 



que 
rey 



O que offereceu Sintra 
fez como bon cavaleiro; 
e disse-llfi o Legado 
log^n verso do salteyro : 
segui te potentis acute; 
e foy hy ben acordado, 
melhor é de seer traedor 
ca morrer escommungado. 

E quando o Conde ao castelo 
chegou de Celorico, 
Pachequ'enton o cuytelo 
tirou, e disse-lh, amigo: 
mite gladium in vagina, 
con el non nos empescas ; 
diz Pacheco : alhur, Conde, 
peede hu vos digam : cresças! 

Mal disse don Ayras Soga 
a huã velha n'outro dia, 
disse -lhi Pêro Soares 
huu verso per d'erizia: 
non vetula bonbatricon 
scandis confusio ficun; 
non foy Soeyro Bezerra 
alcayde de Celorico. 

Salvos son os traedores 
quantos os castelos deron, 
mostrarom-lhi en escrito: 

super ignem eternum 
et dum vacatis open } 
salvo é quen trae castelo 
a preyto, que o ysopen. 

1089 

Don Estevam diz que desamor 
a con el rey, e sey eu ca menfi, 
ca nunca viu prazer poys foi aqui 
o Conde, nen veerà mentr'el i for ; 
e per quanfeu de sa fazenda sey, 
por que non ven ai reyno el rey 
non vee cousa ond'aja sabor. 

Con arte diz que non quer ai rey ben, 
ca sey eu d'el ca já non veerà 
nunca prazer se o Conde reyn'a; 
ca ben quifé de veer nulha ren 
don Estevam ond'aja gram prazer, 
d'est'é já el ben quite de veer 
mentr'0 Cond'assy ouver Santarém. 

Porque vos diz el que quer ai rey mal, 
ca ren non vee, assi deus mi perdon', 
que el mays ame en o seu coraçon, 
nem veerá nunca, e direy-vos ai; 
poys que ss'agora o reyno partiu, 
prazer poys nunca don Estevam vyu 
nem veerà jamays en Portugal. 

1090 

Kernam Dias é aqui como vistes, 
e anda en preyto de sse casar, 



AL. 



• • 



209 



mays non pod'o casamento chegar, 

d'ome o sey eu que sabe cora'é; 

e por aver casamenfa la fé 

dorae nunca vós tam gram coyta vystes. 

• E por end'anda vestid'e loução, 
e diz que morre por outra molher, 
mays este casamento que el quer 
d'ome o sey eu que lh'o non daram ; 
e por este casamento el de pram 
d'ome a tal coyta nunca vyu christão. . 

Ca d'Eslorga atà san Pagundo 
dona que a de don Fernando torto, 
ca por outro casamento anda morto 
d'ome o sey eu que o sabe jà, 
e se este casamenfel non a 
d'om'a tal coyta nunca foy no mundo. 

1091 

Don Fernando, vejo- vos andar ledo 
con deantanf a que vos deu el rey, 
adeantado sodés e o sey 
de San Fagundo, e d'Esluras, d'Ovedo; 
e poys vos deus ora tanto ben fez, 
punhade d'ir adeanfunha vez 
ca ala aqui fostes scmpr'a derredo. 

Ca fostes sempre desaventurado, 
mays poys vos ora deus tanto ben deu, 
don Fernando, conselhar-vos quer'eu, 
non vos ar lev'atràs vosso peccado, 
poys vos el rey meteu en tal poder, 
senhor, querede-mi d'esto creer, 
adeanfyde como adeantado. 

E poys sodes ora tan ben andante, 
ben era d'ome do vosso logar 
de ss'olho mao de vos ar quebrar, 
e nom andar com'andava des ante ; 
ca somos oj'e non seremos cràs, 
e poys punhastes sempre d'ir atraz, 
ar punhad'agora d'yr adeante. 

1092 

Joham Soares, pêro vos teedes 
que trobades en esta terra ben, 
quero-vos eu conselhar hunha rem, 
aqui fazed'esso qu'em sabedes; 
ca aqui teen-vos por sabedor 
de trobar, mays non trobamos melhor 
ben entendemos como o fazedes. 

E se vós de trobar sabor avedes, 
aqui trobade e faredes hi sen 
en o beote, cabo Santaren, 
ca nossos juyzes que nos queredes, 
ca ben trobamos d'escarnh'e d'amor; 
roais se avedes de trebar sabor 
Martin Alvel'é aqui com que trobedes. 

E por travar no que non conhoçedes 
non daríamos nós nada por en, 
câ vos direy o que vos aven 

27 



en estes juyzes que vós dizedes, 
cantar julgamos de bon trobador, 
mays cantar dama nen de tencedor 
nunca julgamos, vol-o saberedes. 

1093 

Correola, sodes adeantado 
en cas d'el rey doma que ss'y fezer, 
e cae redes en este mester 
se me creerdes que est aguysado ; 
se algun home vyrdes mal fazer 
non lh'o leixedes a vosso poder, 
ante o vós fazed'a vosso grado. 

E se souberdes hu confangendado 
que quer alguen perder o que trouxer, 
sabed'u e de quen vol-o disser, 
e logu'yde vosso passo calado; 
e non leixedes hi nada perder 
se non a vós e a vosso poder, 
ante vós hy fleade desbragado. 

E todavya seed'acordado 
se algun home pelejar quiser 
aqui con outren, seja cujo quer, 
aqui punhad'en seer esforçado; 
e quen quiser a peleja volver 
logu'entrad'i, ca vosso poder 
vos say d'en con o rostro britado. 

E pois tod'esto vos eu ey conselhado, 
conselho- vos que tragades molher, 
d'estas d'aqui se peyor non veher, 
a que achardes hi mays de mercado ; 
e sse tal molher poderdes trager 
será mui ben e punhad'en poder 
ca per by é nosso preyfacabado. 



1094 

Don Martin Galo est acostumado 

de lhi daren algo todos de grado, 

e dizem que he ben empregado, 

sol que podessem acalantal-o; 
ben merep'algo don Martin Galo, 
quando quizer cantar por leixal-o. 
Ben entend'ele com*agravece, 

e por dar-lh'algo non o gradece, 

ca el ten que mayl-o merece, 

ca o merep'a senhor vassallo; 
ben merep'algo don Martin Galo, 
quando quizer cantar por leixal-o. 

1095 

Ja hun s'achou con corpos que fezeron 
mui ben de vestir e logo lh'o deron, 
e el baratou mui ben en QlhaUo ; 
ja hun sachou con corpos, Martin Galo, 
ca o vejo vestid'e de cavalo. 
Ja hun s'achou com corpos na carreyra, 
ca o vcj'andar com capa augadeyra; 
e sse non dou mao demo por vassalo, 



210 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



ja hun s'achou con corpos, Martin Galo, 
ca o vejo vestid'e de cavalo. 

1096 

Joham Nicholas soube guarecer 
de morfun hom'assy per sa razon, 
que foy julgad'a Foro de Leon, 
que non devya demo cas torcer ; 
e sucorreu-s'assy con esta Iey, 
que non deve justiça fazer rey 
en home que na mão colher. 

E poys el vyu que devya prender 
morfaquel hom'assy, disse-)h'enton : 
ponho que fez aleyv'e trayçon, 
e cousa ja porque deva morrer; 
dizede vós, se a terra leixar, 
que me non achen hi a justiçar, 
se poderá en mi justiça fazer ? 

JOMAM DE GUYLHADK 

1097 

Ay dona fea, foste-vos queixar 
que vos nunca louv'eu meu cantar, 
mays ora quero fazer hun cantar 
en que vos loarey todavya ; 
e vedes como vos quero loar, 
dona fea, velha e sandya. 

Dona fea, se deus me perdon' 
poys avedes tan grani coraçom, 
que vos eu loe en esta razon, 
vos quero ja loar todavya ; 
e vedes qual será a loação : 
dona fea, velha e sandia, 

Dona fea, nunca vos eu loey 
en meu trobar, pêro muyto trobey, 
mays ora jà hun bon cantar farey, 
en que vos toarei todavya : 
e direy-vos como vos loarey, 
dona fea, velha e sandia. 

1098 

Hun cavalo non comeu 
a sex mezes, nen soergueu, 
mays proug'a deus que choveu 

e creceu a erva, 

e per cabo sy paceu, 

e já se leva. 
Seu dono non lbi buscou 
cevada, nen o ferrou; 
mayl o bon tempo tornou 

e creceu a erva, 

e paceu e arriçou, 

e jà se leva. 
Seu dono non lhi quis dar 
cevada, nen o ferrar, 
mays cabo d'un lamaçal 



e creceu a erva, 
e paceu e arriç'ar 
e jà se leva. 

1099 

Elvyra Lopes, que mal vos sabedes 
vós guardar sempre d'aqueste peon, 
que pousa vosqire a coraçon 
de pousar vosqu'e vós non lh'entendedes ; 
ey mui gram medo de xi vos colher 
algur senlheira, e se vos foder 
o engano nunca Ih 7 o provaredes. 

O peon sabe sempr'hu vós jazedes, 
e non vos sabedes d'ele guardar, 
siquer poedes cada logar 
vossa maeta, e quanto tragedes ; 
e dized'ora, se deus vos perdon' 
se de noyte vos foder o peon, 
contra qual parte o demandaredes ? 

Direy-vos ora como ficaredes 
d'este peon que tragedes assy 
vosco pousand'aqui e aly ; 
e non jà quanto que ar dormiredes; 
e o peon se coraçon ouver 
de foder, foder -vos-a se quiser, 
e nunca d'el o vosso averedes. 

Cà vós diredes : fodeu-m'o peon ! 
e el dirá : boa dona, eu non I 
e hu las provas que lhi daredes? 

1100 

Elvyra Lopes, aqui n'outro dia 
se deus mi valha, prendeu hun cajon, 
deytou na casa sigo hun peon 
en a maeta e quanto tragia 
pois cabo de sy, e adormeceu, 
e o peon levantou-ss'e fodeu, 
e nunca ar soube contra hu siia. 

Ante lh'eu dixi que mal sen fazia, 
que se non queria d'el a guardar, 
sigo na casa o hya jeytar, 
e dixi-lh'eu quanto lh'end'averria; 
ca vos direy do peon com'o fez, 
abriu a porta e fodeu huã vez, 
nunca soube d'el sabedoria. 

Mal sse guardou e perdeu quanfavya, 
ca se non soub'a cativ'a guardar; 
leixô-o sigo na casa alberguar, 
e o peon fez que dormya; 
e levantou-ss'o peon traedor, 
e como x'era de mal sabedor, 
fodeu-a tosfe foy logo sa vya. 

E o peon vyron en Santaren, 
e non sse a nada, nen dà per en ren ; 
mais lev'o demo o quanfen tragia. 

1101 

Martin jograr, que gram cousa, 
ja sempre comvosco pousa 
vossa molher ! 



JOHAM DE GUYLHADE 



211 



Vedes-m'andar morrendo, 
e vós jazedes fodendo 
vossa molher! 
Do meu mal noa vos doedes, 
e moyr'eu, e vós fodedes 
vossa molher I 

1102 

Martin jograr, ay dona Maria 
jeyta-sse vosco jà cada dia; 
e lazero-m'eu mal ! 
AncTeu morrendo morrendo sejo, 
e el ten sempre cono sobejo ; 
e lazero-ra'eu mal ! 
Da mha lazeyra pouco sse sente, 
fod'el ben con'e jaz caente ; 
e lazero-ra'eu mal. 

1103 

Par deus, infanzon, queredes perder 
a terra, poys non temedes el-rey ; 
ca ja brítades seu degred'e sey 
que lh'o faremos mui cedo saber, 
ca vos mandaron a capa de pram 
trager dos avós, e provar- vos-an 
que vol-a viron três avôs trager. 

E provar- vos-a das carnes quem quer, 
que duas carnes vos mandam comer, 
e non queredes vós d'unha cozer, 
e no degredo non a já mester ; 
nem jà da capa non ey a falar, 
ca ben trez avós a vymos andar, 
no vosso col'e de vossa molher. 

E fará el rey corte este mes 
e mandam-vos, infançon, chamar, 
e vós querredcs a capa levar, 
e provar-vos-an, pêro que vos pes\ 
da vossa capa e do vosso garda-cós, 
en cas d'el rey vos provaremos nós 
que an quatr'anos, e passa por trez. 

1104 

— Lourenzo jograr, as mui gram sabor 
de citolares, ar queres cantar 
desy ar fllhas-te log'a trobar, 
e teês-fora ja por trobador ; 
e por tod'esto hunha ren ti direy : 
deus me confonda se oj'eu hy sey 
d'estes mesteres qual fazes melhor. 

«Joham Garcia, soo sabedor 
de meus mesteres sempre deanlar, 
e vós andades por mh os desloar, 
pêro non sodes tan desloador, 
que con verdade possades dizer 
que meus mesteres non sey ben fazer, 
mays vós non sodes hi conhocedor. 

— Lourenzo, vejo-fagora queixar 
pola verdade que quero dizer, 



metes-me já por de mal conhocer, 
mays eu non quero tigo pelejar ; 
e teus mesteres conhocer-t'os-ei, 
e dos mesteres verdade direy 
esse que foy con os lobos arar. 

((Joham Garcia, no vosso trobar 
acharedes muyto que correger, 
e leixade-mi que sei ben fazer 
estes mesteres que fui começar; 
ca no vosso trobar sey-m'eu com'é, 
hy a de correger, per boa fé, 
mais que nos meus em que m'ides travar. 

— Vês, Lourenç'ora m'assanharey, 
poys mal i entenças, e todo farey 
o citolon na cabeça quebrar. 

((Joham Garcia, se dés mi perdon', 
mui gram verdade digu'eu na tençon, 
e vós fazed'0 que vos semelhar. 

1105 

— Muyto te vejo, Lourenço, queixar, 
pola cevada e polo bever, 
que t'o non mando dar a teu prazer, 
mays eu t'o quero fazer melhorar ; 
poys que fagora citolar oy, 
e cantar, mando que t'o den assy 
ben como o tu sabes merecer. 

«Joham Garcia, se vos eu pesar 
de que me queix'en vosso poder, 
o melhor que podedes hy fazer 
non mi mandedes a cevada dar 
mal, nen o vinho, que mi non dam hy 
tan ben com'eu sempre mereci, 
ca vos seria grave de fazer. 

— Lourenço, a min grave non será 
de te pagar tanto que mi quiser, 
poys ante mi fezisti teu mester, 
mui ben entendo e ben vejo ja 
como te pague logo o mandarey 
pagar a grani vilão que ey, 
se hu bõ pao na mão tever. 

«Joham Garcia, tal paga achará 
en vós o jograr quand'a vós veher, 
mays outro que mester fezer 
que m'eu entenda mui ben fará; 
e panos ou algo merecerey, 
e vossa paga ben a leixarey, 
e pagad'outro jograr qualquer. 

— Pois, Lourenço, cala-fe calar-m'ey, 
e todavya tigo mh ! o averey, 
e do meu filha quatito-chi meu der. 

«Joham Garcia, non vos filharey 
algu'e mui ben vos citolarey, 
e conhosco mui ben trovar. 
— Amo far don Lourenço chufar. 

1106 

Lourenço, poys te quitas de rascar 
e desemparas o teu citolom, 



212 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VAT1CANA 



rogo-te que nunca digas meu son, 
e jamais nunca mi farás pesar; 
ca per trobar queres la guarecer, 
e farás-m'ora desejos perder 
do trobador que trobou d'ovinçal. 

Ora cuyd'en trobar e dormir 
que perdi sempre cada que te vi 
rascar no cep'e tanger e non dormi, 
mais poyFo queres jà de ti partir 
poys guarecer per trobar, 
Lourenço, nunca irás a logar 
bu tu non faças as gentes riir. 

E voes, Lourenço, se deus mi perdon' 
poys que mi tolhes do cepo pavor, 
e de cantar farey-t'eu sempr'amor 
e tenho que farey mui gram razom, 
e direy-ti qual amor t'eu farey, 
já mays nunca teu cantar oyrey 
que eu non riia muy de coraçon. 

Ca vês, Lourenço, muyto mal aprendy 
de teu rascar e do cep'e de ti, 
mays poys te quitas tudo ti perdon\ 

1107 

Ora quer Lourenço guarir 
poys que sse quyta de rascar, 
se já guariria a meu cuydar 
se ora ouvesse que vestir ; 
e ja nulh'ome non se len 

por devedor de o ferir. 

E sse sse quysesse partir 
como se partiu de rascar, 
d'un pouco que ha de trobar 
poderia mui ben sayr; 
de todo por se quitar en 
ou non no ferían poren, 
os que o non queren oyr. 

E seria conhocedor 
de sseu trobar por non fazer 
os outros errados seer, 
e el guarria mui melhor 
sen trobar e sen citolon, 
poys perdeu a voz e o son, 
porque o ferian peyor. 

1108 

Nunca tan gran torto vi 
com'eu prendo d'un infançon, 
e quantos en a terra son 
todolo teen por assy ; 
o infançon cada que quer 
vay-sse deytar com ssa molher, 
e nulha ren non dá por mi. 

E ja me nunca temerá 
ca sempre me teve en desdém, 
desy ar quer a sa molher ben, 
e já sempr'y filhos fará ; 



sequer três filhos que fiz hy 
fllha-os todos pêra sy, 
o demo lev'o que m'en dá. 

En tan gran coita vyvo oj'eu, 
que non poderia mayor, 
vay-se deytar com mha senhor, 
e diz do leyto que é seu ; 
e deyta-ss'a dormir en pnz, 
desy se filh'ou filha faz 
non o quer outorgar por meu. 

1109 

Dona Ouroana, poys já besta avedes, 
outro conselh'ar avedes mester; 
vós sodes muy fraquelinba molher, 
se ja mays cavalgar non podedes ; 
mays cada que quyserdes cavalgar 
mandade sempr'a besta chegar 
a hun caralho de que cavalguedes. 

E cada que vós andardes senlheira 
se vol-a besta mal enselada andar, 
guardade-a de xi vos derramar, 
ca pela besta sodes soldadeira; 
e, par deus, grave vos foy d'aver, 
e punhade sempr'en guarecer 
ca en talho sodes de peydeyra. 

E non moredes muyto na rua, 
este conselho filhade de min, 
ca perderedes logu ? i o rocin, 
e non faredes hi vossa prol nenhOa ; 
e mentr'ouverdes a besta de pram, 
cada hu fordes todos vos faram 
onrra (Toulra puta fudud'an-cúa« 

E se ficardes en besta muar, 
eu vos conselho sempr'a ficar 
ante con muacho novo, ca en múa. 

1110 

A don foam quer'eu gram mal, 
e quer'a ssa molher gram ben, 
gram sazon a que m'est'avem, 
e nunca hy já farey ai ; 
ca des quand'eu sa molher vi 



AFF0NS0 DO COTOU 

1111 

Abadessa, oy dizer 
que erades muy sabedor 
de todo ben, et por amor 
de deus querede-vos doer 
de min, que ogano casey, 
que ben vos juro que non sey 
mays que huu asno de foder. 

Ca me fazen en sabedor 
de vós, que avedes bon sen 



AFFONSO DO COTOM 



213 



de foder et de todo bem, 
ensinade me mais, senhor, 
como foda, cà o non sey, 
Dera padre, Dera madre non ey, 
que nFensine, e fiqu'y pastor. 

E sse eu ensinado vou 
desi, vós senhor, d'este mester 
de foder, e foder souber 
per vós, que me deus aparou, 
cada que per foder direy 
pater noster et enmentarey 
a alma de quem m'ensynou. 

E per y podedes ganhar, 
mha senhor, o reyno de deus, 
per ensynar os pobres seus, 
mais ca por outro jajuar; 
e per ensinar a molher 
cortada que a vós veer, 
senhor, que non souber ambrar. 

1112 

Foy don Fagundo huu dia convidar 
dois cavaleyros pêra seu jantar, 
e ffoy con elles sa vaca encerrar, 
e a vaca morreu-xe logu'enton ; 
e don Fagundo quer-s'ora m?tar 

porque matou sa vaca o cajon. 
Quand'el a vaca ante sy raórfachou 
logu'i estando mil vezes jurou 
que non morreu por quanl'end'el talhou, 
ergas se foy no coytelo poçon, 
e don Fagundo todo se mestou 

porque matou sa vaca o cajon. 
Quysera-5'el da vaca despender, 
tanfa per que non leyxass'a pacer, 
ca sse el cuydasse sa vaca perder 
ante xe dera. . . assy non, 
e don Fagundo quer ora morrer 

porque matou sa vaca o cajon. 

1113 

Veieron-nFagora dizer 
d'uã molher que quero bem, 
que era prenhe, et ja creer 
non UFo quig'eu per nulha rem, 
pêro dix'eu : sse esfassy 
oy mais non creades per mi 
se a non emprenhou alguen. 

E digo-vos que m'é gram mal 
d'aquesto que Ihy conteceu, 
ca soo côrd'e leal 
pêro me dan por de sandeu ; 
mays vedes de que ey pesar, 
d'aquel que a foy emprenhar 
de que cuyda que x'a fodeu. 

Pêro juro- vos qne no sey 
ben este Foro de Leon, 
ca pouc'a que aqui cheguey, 



mais direy-vos huã razon ; 
em mha terra per boa fé 
a toda molher que prenlFé 
logo lhi dizen con baron. 

1114 

Fernam Gil am aqui ameaçado 
d'uu seu rapaz e doestado mal ; 
e Fernam Gil teve-sse por desonrrado, 
cà o rapa? é muy seu natural, 
cá é filho d'un vylãao de seu padre 
e de mais foy criado de ssa madre 



1115 

MarFMateu, ir-me quer'eu d'áquem, 
porque non poss'un cono baralar; 
alguen que mh'0 daria non o tem, 
e alguém que o tem non mh'o quer dar; 

MarFMateu, MarFMateu 

tam desejosa ch'es de cono conFeu. 
E foy deus jâ de conos avondar 
aqui outros que o non am mester, 
e ar fazer muyto desejar 
a min e ty, pêro que cIFés molher; 

MarFMateu, MarFMateu 

tam desejosa ch'es de cono conFeu. 

1116 

Meestre íncolas a meu cuydar 
é muy boõ íisico por non saber 
el a suas gentes bem guarecer, 
mais vejo-lhi capelo d'ultra-mar; 
e traj'al uso bem de Monpiller, 
e latyn como qual clérigo quer 
entende, mais non o sabe tornar. 

E sabe seus livros sigo trager, 
como meestre sabe-os calar, 
e salFos cadernos ben cantar, 
qual cór non sabe per elles leer ; 
mais bem vos dirá 'qui quanto custou 
todo per conta ca elle x'os comprou, 
ora veede se a gram saber. 

E en boõ ponto el tan muyto leeu, 
ca per o prezam condes e reyx, 
e sabe contar quatro e cinqu'et seix, 
per 'strolomya que aprendeu ; 
e mais vos quer'end'ora dizer 
en mays vara a el quen a meester 
an d'el des antanho que o outro morreu. 

E outras artes sab'el muy melbor 
que estas todas de que vos faley, 
diz das luas como vos direy, 
que x'as fezo todas nostro senhor, 
e dos estormentos diz tal razom 
que muy bem pod'em elles fazer son 
todo homem que en seja sabedor. 



214 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



1117 

Sueyr'Eanes, hun vosso cantar 
nos veo ora huu jograr dizer, 
e todos foram pelo desfazer, 
e punhey eu de vol-o emparar ; 
e travaron en que era igual, 
e dix'eu que cuydavades en ai, 
ca vos vy sempre d'aquesto guardar. 

E outro trobador ar quis travar * 
en huã cobra, mais por voss'amor 
emparey-vol-eu : non justeis milhor, 
que a cobra rimava en hu logar; 
e diss'el : poys porque rimou aqui ? 
e dix'eu : de pram non diss'el assy, 
mais tenho que x'a errou o jograr. 

E, amigus, outra rem vos direy, 
polo jograr a cantiga dizer 
igual non dev'o trobador a perder, 
eu por Sueyr'Eanes vol-o-ey, 
ca del'o dia en que el trobou 
nunca cantar qual fez nem rimou, 
ca todos os seus cantaron, eu sey. 

1118 

Paay Rangel e outros dous romeus 
de gram ventura non vistes mayor, 
guareceram ora, louvado deus, 
que non morreron por nostro senhor, 
en huã lide que ffoy en Josaphàs, 
a lide foy com'oj'e como crás, 
prenderam elles terra no Alcor. 

E ben hos quis deus de morte guardar 
Paay Rangel et outros dous entoo, 
d'uã lide que foy em Ultramar, 
que non chegaram aquela sazon ; 
e vedes ora por quanto fflcou, 
que o dia qu'essa lide juntou 
prenderam elles porfa Mormoion. 

De como non entraron a Blandiz 
per que poderam na lide seer, 
ca os quis deus de morte guarecer 
per com'agora Paay Rangel diz, 
e guarecerom de morte por em, 
que quand'a lide foy em Bellem 
aportarom elles en Tamaris. 

1119 

Covilheyra velha, se vos eu fezesse 
grand^scarnhe, dereyto farya 
ca me buscades vós mal cada dia 
e direy-vos em que vorentendi: 
ca nunca velha fudud'an-cua vy 
que me non buscasse mal se podesse. 

E non est úa velha, nem som duas, 
mais som m'el cenfas que m'andam buscando 
mal quanto podem e m'andam miserando *, 

1 E andam-me sempre deostando. (Variante) 



e por esto rogu'eu de coraçon 
a dês que nunca mela se m'el non 
antre mi e velhas fudud'an-cúas. 

E pêro lança de morte me feyra, 
covylheyra velha, se vós fazedes 
nenhuu torto, se me gram mal queredes, 
ca deus me tolha o corp'a quanfey, 
se eu velha fudud'an-cúa sey 
oge no mundo a que gram mal non queyra. 

E sse me gram mal queredes, covylheyra 
velha, digu'eu que fazedes razom, 
cà vos quer'eu gram mal de coraçom 
covilheyra velha, e sabed^r^oí, 
des que ftiy nado quig'eu sempre mal 
a velha fudud'an-cúa peydeyra. 

1120 

Bem cuydey eu, Maria Garcia, 
em outro dia quando vos fodi 
que me non partiss'em de vós assy, 
como me party jà mão vazia ; 
u el por servyço muyto que vos fiz 
que me non destes, como x'omen diz, 
se quer huu soldo que ceass'un dia. 

Mais d'esta seerey eu escarmentado 
de nunca foder jà outra tal molher, 
se m'ant'algo na mão non poser, 
ca non ey porque foda em grado; 

ide-o fazer 

con quem teverdes visted T e calçado. 

Ca me non vistedes nen me calçades, 
nen ar sej'eu en o vosso casal, 
nem avedes sobre min poder tal 
porque vos foda se me non pagades; 
ante muy bem et mays vos em direy, 
nulho medo, grado a deus e a el rey, 
non ey de força que me vós façades. 

E ninguém, dona, que pergunta non erra, 
e vós, per deus, mandade perguntar 
poios naturaes (Teste logar 
se foderam nunca en pax nem en guerra ; 
ergo se foy por alg'ou por amor, 
hyd'adul ar vossa prol, ay senhor, 
c'avedes, grad'a deus, rey a na terra. 

1121 

Oraca Lopez vy doente hun dia, 
e perguntey-a sse guareceria ? 
e diss-m'ela tod'en jograria: 
soon velha e cuyd'a guarecer ; 
e dixi-lh'eu : cuydades gram folia, 

c'a yrman veg'eu das velhas morrer. 
Dixi-lh'eu : gram folia pensades 
se per velhece a guarecer cuidades, 
pêro non vos digu'eu que non vivades. 
quanto vos deus quizer leixar viver ; 
mais em velhice non vos atre vades, 

c'a yrman vej'eu das velhas morrer. 



PÊRO D'AMBliOÀ 



215 



1122 

A huã velha quis eu trobar 
quand'en Toledo fiquey d'esta vez, 
e veo-mi cà Orraca Lopes rogar, 
e disse-m'assy : Por deus que vos fez, 
non trobedes a nulha velha aqui, 
ca cuydaràm que trobades a mi. 

1123 

Tal é 'gora Marinha Sabugal 
bua velha que adusse d' essa terra, 
a quem quer bem e ella lhi quer mal ; 
e faz-lb'algo, pêro que lh'erra; 
mays ora quer ir mouros guerreyar, 
e quer corasyg a velha levar, 
mais a velha non é doyta da guerra. 

DIEGO PEZE1H0, jograr 

1124 

Meu senhor arcebispo, and'eu escommungado, 
porque fiz lealdade enganhou-m'o pecado; 

soltade-m'ay senhor, 

e jurarey mandado que seja traedor. 
Se traiçon fezesse nunca vol-a diria, 
mais pois flz lealdade, vai por santa Maria, 

soltade-m'ay senhor, 

e jurarey mandado que seja traedor. 
Permhamala ventura ti vi hucaslello em Souza, 
et dey-o a seu dono e tenho que fiz grã cousa; 

soltade-m'ay senhor, 

e jurarey mandado que seja traedor. 
Per meus negros pecados tive huu castello forte 
et dey-o a seu dono e ey medo de morte; 

soltade-m'ay senhor, 

e jurarey mandado que seja traedor. 

PEDRAMIGO, de Sevilha 

1125 

Moytos s'enilngem que hã gaanhado 
doas das donas a que amor ham, 
e tragem cintas que lhys elas dam, 
mays a mim vay-ra'oy peor, mal pecado, 
com Sancha Dias, que sempre quix ben, 
ca jur'a deus que nunca mi deu rem, 
senon huu peyd'a qu'el foy sem seu grado. 

Ca se per seu grado foss'al seerya, 
mays d'aquesto nunca m'enflngirey, 
ca eu verdadeyramente o ssey, 
que per seu grado nunca mh'o daria; 
mays u estava coydando en ai, 
deu'ra gram peyd'e foy-lh'y depoys mal 
hu ss'acordoa que mh o dad'avya. 

Coydando eu que melhor se nembrasse 
ela de min, por quanto a servi. 



por aqueslo nunca lhy rem pedy 
desy en tal que se mi non queixasse ; 
e falando-lh'eu em outra razom, 
deu-m'hu gram peid'e deu-mho em tal som 
como quem s'ende moy mal log'achasse. 

E pois ela dera refece dom, 
scmp^end^n bem tenho eu que non 
mi dessoutro de que m'en mays passasse. 

1126 

Non sey no mundo outro omen tan coytado 
com'og'eu vivo de quantos eu sey, 
e meus amigos, por deus, que farey 
eu sen conselho desaconselhado ; 
ca mha senhor non me quer fazer bem, 
senon por algo eu non lhy dou rem 
nem poss'aver que lhy dé, mal pecado. 
E, meus amigos, mal dia foy nado, 
poys esta dona sempre tanfamey, 
des que a vi quanto vos eu direy, 
quanfeu mais pudi, nen ei d'ela grado; 
e diz que sempre me terra en vil 
atá que barate hun maramfôi, 
e mais d'u soldo non ey baratado. 

E vej^qui outros em desemparado, 
que am seu ben que sempr'eu desejey, 
por senhos soldos, e gram pesar ey, 
por quanto dizen que é mal mercado ; 
ca s'eu podesse mercar assy 
con esta dona que eu por meu mal vi, 
logu'eu seeria guarid'e cobrado, 
De quanfafam por ela ey levado. 

1127 

Meus amigos, tan desaventurado 
me fez deus, que non sey oj'eu quem 
fosse no mund'en peor ponto nado, 
poys unha dona fez querer gram bem ; 
fea e velha nunca eu vi tanto, 
e esta dona puta é jà quanto 
porqu'eu moyr'amigos, mal pecado. 

Esta dona de pram a jurado, 
meus amigos, porque perc'o meu sen, 
que jasca sempre quand'ouver guisado 
ela con outrem non dé por min rem ; 
e con tod'aquesto, se deus mi valha, 
jasqu'eu morrendo d 'amor e sem falha 
polo seu rostro velh'e enrugado. 

E d'esta dona moylo ben diria. . . . 

PÊRO DAMDROA 

1128 

Ora vej'eu que esl aventurado 
já Pedr' Amigo e que lhi fez deus bem, 
ca non desejou do mund'outra ren 
se non aquesto que aja cobrado: 



216 



CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA 



bua ermida velha que achou, 

e entrou dentre poys que hi cnlrou 

de sayr d'ela sol non 6 pressado. 

B pois achou logar iam aguisado 
en que morasse, per dereyto ten 
de morar hi, e vedes que lh'avem, 
con a ermida é muy cordado; 
e diz que sempre querrá hy morar, 
e que quer hi as carnes marteyrar 
ca d'este mundo muyfa ja burlado. 

E non sey eu no mgnd'outr'ome nado, 
que s'aly fosse meter, e mal sen 
faz se o ende quer quitar alguen, 
ca da ermida tanfé el pagado, 
que a jurado que non saya d'y 
morto nem vyv'e sepultura by 
ten em que jasca quando for passado. 

1129 

O que Balteyra ora quer vingar 
das desonrras que no mundo prendeu, 
se bem fezer non dev'a começar 
en mi que ando por ela sandeu ; 
mays com'e canfen reyno de Leon 
hu prés desonrras de quantos hy som, 
que lh'as desonrras nom querem peylar. 

Ca Castela foy-a desonrrar 
muyto mal home que non entendeu 
o que fazia, nem soube catar 
quem muyta dona per esto perdeu; 
e quem a vinga fezer con razon 
d'estes la vingue, ca en sa prison 
and'eu d'ela non n^eyd^mparar. 

E os mouros pense de os matar, 
ca de todos gram desonrra colheu 
no corpo, ca non em outro logar, 
e outro tal desonrra recebeu 
dos mays que a no reyno cTAragon, 
e d'Estela vinga el, ca de mi non 
poys ha sabor de lhi vingança dar. 

1130 

Querri'agora fazer hun cantar 
se eu podesse tal, a Pedr'Amigo, 
que sse non perdess'el por en comigo, 
nen eu con el, pêro non poss'achar 
tal razon, e que lh'o possa fazer 
que me non aja con el de perder 
e el comigo des que-lh'eu trobar. 

Ca jà outra vez, quando foy entrar 
en a ermida velha Ped^Araigo, 
trobey-lh^nd^u e pcrdeu-ss'el comigo, 
e eu con el quando vin d'UItramar; 
mays ora jà poys m'el foy cometer 
outra razon lhi cu yd' cu a mover 
de que ajam dous tamanho pesar. 

Ca se acha per u m'escatimar 
non vos é el contra mi Pcdr'amigo, 



e por aqueslo perder-ss'a comigo, 
e eu con el ca poyTeu começar 
tal escatima lhi cuyd'eu dizer, 
que se mil anos no mumTel viver 
que já sempr'aja de que sse vingar. 

1131 

Se eu no mundo fiz algun cantar 
como faz home con coyta d'amor, 
e por estar melhor co;n sa senhor, 
acho-me mal e quero-m'eu quylar; 
ca hunha dona que sempre loey 
en meus cantares e porque trobcy 
anda morrendo por hun scolar. 

Mays eu irie matey, que fui começar 
dona a tan velha sabedor 
pêro conhorto-m'ey gram sabor 
de que a veerey cedo pobr'andar ; 
ca o que gaanhou en cas d'el rey 
andand'y pedind'e o que lh'eu dey 
todo lh'o faz o clérigo peytar. 

Mays que lhi cu yd a nunca rem a dar 
assy s'ach'en com'eu ou peyor, 
e poyl a velha puta pobre for 
non a querrà poys nulh'ome catar, 
e será d'ela como vos direy 
demo lev'a guarda que lh'eu sey, 
ergo se guarir per alcayotar. 

PÊRO MENDEZ DA FONSECA 

1132 

Chegou Payo de maas artes 
con seu cerame de Chartes, 
e non leeu el nas partes 
que chegasse a hun mez ; 
e do lunes ao martes 
foy comendador d'0crés. 

Semelha-rae busuardo 
viind'em ceram en pardo, 
e hu non ouvesse reguardo, 
em nenhum dos dez a sex; 
log' ouve manto tabardo 
e foy comendador d'Ocrez. 

E chegou per hua grada 
descalço gram madrugada, 
hu se non catavam nada 
d'um hom'a tam raffez; 
cobrou manto com espada 
e foy comendador d'0cres. 

AYR4S NUNES 

1133 

Achou -ss'i um bispo que eu sey, hun dia 
con ho Eleyfe sol non lhe falou, 
e o Eleyto se maravilhou 



FERNANDO ESQUIO 



217 



e foy a el e assy lhe dizia : 
que bispo sodes, se deus vos perdon' 
que passastes ora por min e non 
me falastes e fostes vossa via? 

E diz o bispo : nom vos conhocia, 
se deus me valha, ca des que naci 
nunca con vosco faley nem vos vi, 
e assi conhocer noh vos podia ; 
e por en se me algur con vosco achar, 
e vos non conhocer, nen vos falar 
non mh'o tenhades vós por vilania. 

P£R0 DARMEA 

1134 

Donzela, quem quer entenderia 
que vós muy fremosa parescedes, 
se assi he como vós dizedes 
no mundo vosso par non avya • 
aura que y vosso par non ouvesse, 
quem a meu cuu con sela posesse 
de parescer bem vencer-vos-ya. 

Vós andades dizend'en concelho 
que sobre todas parescedes bem, 
e con tod^esto non vos vej'eu rem, 
pêro poedes branqu'e vermelho ; 
mays sol que s'o meu cuu de ssi pague, 
et poser huu pouco da vaydade 
reveer-s'a con vosco no espelho. 

Donzela, vós sodes bem talhada 
se no talho erro non prendedes, 
ou en essa saya que vós tragedes, 
e pêro sodes ben colorada : 
quem a meu cuu posesse orelhas 
et lhi ben tingesse as sobrancelhas 
de parescer non vos dev'em nada. 

PÊRO D'AMBR0A 

1135 

Esta outra cantiga fez Pêro d'Ambiva a 
Pêro cCArmea por essoutra de cima que fe- 
zera. 

Pêro d'Arméa, quan coraposestes 
o vosso cuu, que tam ben parescesse, 
e lhi revol et com cela posestes 
que donzela de parescer vencesse ; 
e sobrancelhas lhi fostes poer, 
e tod'est'ay amigo soubestes perder 
poios narizes que lhi non posestes. 

E, don Pedro, poned'olhos grizes, 
ca vos conselh'eu o revinqueroso 
e matarei huu par de perdizes 
quem a tam bon cuu com'o que he vosso ; 
ainda que o home que irà buscar 
que o non possan em toda a terra achar 
de san Fagundo atà san Felizes. 
28 



E, don Pedro, os beipos lhe poede 
a esse cuu, que he tan ben barvado, 
e o granho bem feito lhi fazede 
e faredes o cuu bem arrufado ; 
e per hu pode log'ade-o encobrir, 
ca se vejo don Fernan d'Escalbo riir 
sodes solteiro et seredes casado. 



FERNANDO ESQUIO 



1136 

A huu frade dizem escaralhado, 
e faz perdudo quem lh'o vay dizer, 
ca pois el sabia reytar de foder, 
cuyd'eu que gaj'é de pissa retada, 
et poys emprenha estas con quem jaz 
et faze filhos et (ilhas assaz; 
ante lhe digu'eu ben encaralhado. 

Escaralhado nunca eu diria, 
mays que trage ante caralh'oj'aceyte 
ao que tantas molberes de leyte 
len, ca lhe pariron três en huu dia; 
et outras muita^prenhadas que tem, 
et a tal frade cuyd'eu que muy bem 
encaralhado per esto serria. 

Escaralhado non pode seer ' 
o que tantas filhas fez èn Marinha, 
et que tem ora outra pastorinha 
prenhe que ora quer escaecer ; 
et outras muylas molberes que fode, 
et a tal frade bem cuyd'eu que pode 
encaralhado per esto seer. 



v 1137 

A vós dona abbadessa, 
de min don Fernando Esquio, 
estas doas vos envyo 
porque sey que soys essa 
dona, que as merecedes : 
quatro caralhos francezes, 
et dous aa prioreza. 

Poys sodes amiga minha 
non quer'a cusfacatar 
quero-vos já esto dar 
ca non tenho, ai tan aginha ; 
quatro caralhos de meza, 
que me deu huã burgueza 
dous e dous en a baynha. 

Muy bem vos semelharam, 
ca se quer levar cordões 
de senhos pares de colhões 
agora vol-os daram ; 
quatro caralhos asnaes 
enmargedos en coráes 
1 com guedelha d'ua mam. 



218 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



1138 

Estas cmUigas fez hum judeu d' Elvas, que 
avia nome Vidal, por amor d^uã judia d' es- 
sa vila que avia nome dona; e por que é ben 
que o ben que home faz stnon perca, man- 
damol-o screver et non sabemos mais d' ela 
mais de duas cobras, a primeira cobra de 
cada huã. 

Moyr'e faço dereylo 
por huã dona d' Elvas, 
que me lrage*tolheylo 
como a quem dam as hervas ; 
des que lh'eu vi o peylo* 
branco, dix'aas sas servas : 
a mha cova non a par, 
ca ssey que me quer matar, 
e quero eu morrer por ela 
ca me non posso em guardar. 

1139 

Faz-m'agora por sy morrer 
e traz-me muy coitado 
mha senhor de bom parecer 
e docas bem filhado; 
a porque ey morta prender 
com'é cervo lançado, 
que sse vay do muncTa perder 
da companha das cervas ; 
e mal dia non ensandeci 
e pacesse das hervas, 
e non viss'u primeiro vi 
a muy fremosinha d'Elvas. 

FERNAM... 

1140 

Disse hum infante ante sa companha 
que me daria besta na fronteyra, 
e non será já murzela, nen veyra, 
nem branca, nem vermelha, nem castanha; 
pois amarela, nem parda non for, 
a pram será a besta ladrador 
que lh'adusam do reyno de Bretanha. 

E tal besta como m'el a mandada 
non foy que lhe visse as semelhas, 
nem tem rostro, nem olhos, nem orelhas, 
nem he gorda, nem magra, nem dentada, 
nem he ferrada, nem é por ferrar, 
nem foy homen que a visse espernear, 
nem come erva, nem palha, nem cevada. 

JOAN VELHO DE PEDROGAES 

1141 

Esta cantiga de cima foi feita a hun cava- 
leyro, que fora viUano, et fwrtava a as ve- 
zes per n andava. 



Lourenço Boucon, o vosso vilão 
que sempre vosco soedes trager 
é gram ladron, e oi eu dizer, 
que se o colhe o meirinho na mão 
de lod'en lod'enforcar-volo a; 
ca o meirinho em pouco terra 
vos mandar enforcar o vilão. 

Porque tragedes huu vilão maao 
ladron convosco, o meirinho vos he 
sanhud'e brav'e cuid'eu a la fé, 
que vol-o mande poer ben hu paao; 
e pois que d'el muytas querelas dam 
se lhi con el non fogides, leram 
todos que sodes hom'a jus'i maao. 

1142 

Con gram coita rogar a que m'ajudasse 
a hua dona fui eu n'oulro dia, 
sobre feito d'uã capelania, 
e disso-m'ela que me non coitasse: 
ca sobre min filhei o capelan, 
e poil-o sobre min filhei de pram 
mal faria se o non ajudasse. 

E dixi-lh'eu: mui gram fiupa tenho 
pois que en vós filhastes o seu feito, 
de dardes cima a tocTo seu preito ; 
e diss'ela : eu de tal logar venho, 
que poil-o capelan per boa fé 
sobre mi filh'e seu feifen min he, 
ajudal-ei, poil-o sobre min tenho. 

E dixi-lh'eu: que vós do vosso filho 
prazer vejades, que vós m'ajudedes 
o capelan que vós mester avedes; 
e diz ela : por vós me maravilho 
que avedes, ca poil-o eu filhei 
já sobre min, verdade vos direi 
ajuda ei, poil'o sobre min filho. 

E dixi-lh'eu : non queyrades seu dano 
de capelan, nem perca rem per mingua, 
en sa ajuda, e poede língua ; 
diss'ela: farey-o sen engano ; 
ca já em mim meteu do seu i ben, 
et pois que todo assy en min tem 
se o non ajudar farey meu dano. 

Ca non quero end'eu outro escarmentar, 
que me de do seu polo ajudar, 
quancTei mengua da cousa que non tenho. 

AFF0NS0 FERNANDES €UBEL, ca?a1eyro 

1143 

De como mh'ora con el-rey aveo 
qucro-vor-eu, meus amigos, contar, 
el do seu aver rem non me quer dar, 
nem er quer que eu vy va do alheo ; 
ja eu non ey erd'a de meu padre, 
e huã pousa que foy de mha madre 
alhou-m'a e fez-mh'uã pobra no seo. 



FEKNAM RODRIGUES REDONDO 



219 



E n'oulra parte tolheu-m'as na t uras 
en que eu spya a guarecer, 
e agora ey coytacTa vyver, 
já dod som poucas, par dês, mhas rancuras, 
com'é quem non come ca o non tem, 
se lh'o Don dá por sa mesura alguen 
ay, demo andou en estas mesuras. 



STEVAM FERNANDES BARRETO 

1144 

Slev'Eanes x por deus mandade 
a Ruy Paciez, logo este dia 
se quizer hir a sancta Maria 
que sse non vaa pela Trindade, 
ca mi dizem que lhe tem Fernan Dade 

cilada feita pela gaffaria. 
Se a romaria fazer quiser 
como a sempre fazer soya, 
outro caminho cate todavia, 
ci o da Trindade non lh'é mester; 
cá dizen que Fernan Dade lhe quer 

meter cilada pela gafaria. 
E cada que el ven a Santarém 
sempr'alá vay fazer romaria ; 
e da Trindade, per u soya 
d'ir, mandade que se guard'el muy ben, 
ca dizen que Fernan Dade lhe ten 

cilada feita pela gafaria. 

Esta cantiga de cima fez Stevam Fernan' 
des de Barreto a hun cavaleiro que era (ga" 
fo?) 

JOHAM ROIEO, de Lago 

1145 

Loavara huu dia em Lugo Elvira, 
Elvira Perez, Elvira Padroa, 
todos diziam que era muy boa, 
e non tenh'eu que diziam mentira, 
ante tenho que diziam con razon; 
e Dom Lopo Lias diss'entQn 
i, per boa fé, que já x'el melhor vyra. 

Ficou já a dona muy bem andante, 
ca a loaram quantos ali siiam, 
e todos (Tela muy to bem diziam, 
mays Lopo Lias, este de constante, 
como foy sempr'huu gram jogador, 
i disse que vyra outra vez melhor 
quando era moça, em cas da Infante. 

Esta cantiga de cima fez Joham Romeo a 
hun cavaleyro que morava em Lugo, a don 
Lopo Lias, que era cego d'hum olho. 



R0DR161TANE8 REDONDO 



1146 

Soer'Fernandi3, si veja plazer, 
veste-se ben a todo seu poder, 
e outra cousa lhe vejo fazer, 
que fazem outros pontos no reinado ; 
sempr'eu no verãao lhe vejo trager 

e no inverno sapato dourado. 
El se veste et se calça mui bem, 
en esto mete el o mais do que tem, 
pêro nunca lhe vejo menguar ren, 
e como se lodo ouvesse endoado, 
hu outros non tragem, a el conven 

que traga sempre çapato dourado. 
El se veste sempre ben como quer, 
et desi, custe o que custar poder, 
e non creades quem vos ai disser, 
et d' es to mi faço maravilhado ; 
ca en inverno et per qual.tempo quer, 

sempre lhe vejo çapato dourado. 

FERNAM RODRIGUES REDONDO 

1147 

Dom Pedro est cunhado d'el-rei 

que chegou ora aqui d'Aragon, 

com hum espelho grande de leitom, 

e pêra que vol-o perlongarei, 
deu por vassalo desi a senhor, 
faz sempre nojo, non vistes mayor. 
Pêro se lhi non poder aperceber 

já el tinha prestes cabo si 

aquel espelho que filhou logu'i 

e que compre de vós en mais dizer: 
deu por vassalo desi a senhor 
faz sempre nojo, non vistes mayor. 
Muy ledo seend'hu cantara seus lays 

a sa lidice pouco lhi durou, 

e o espelho en sas mãos filhou 

e pêra que o perlongarey mays ; 
deu por vassalo desi a senhor 
faz sempre nojo, non vistes mayor. 
E en tal que non podesse escapar 

nem lhi podesse en salvo fogir, 

filhou o espelho em som d'esgremir 

e que ey de-vol-o perlongar ; 
deu por vassalo desi a senhor 
faz sempre nojo, non vistes mayor. 

Esta cantiga foi feita a Dom Pedro d f Âra- 
gon> per hu cavaUyro seu moordomo que 
feriu endoado en desajuda d? outros. . . Crat'- 
iam. . . 

1148 

Pcro da Ponte, ou eu non vejo ben, 
de prara essa calça non he 



220 



CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA 



o que vos antano per boa fé 
levastes quando fomos aleen, 
e cuydo-ra'eu adormecestes ayer, 
e roubador ou ladron 



AFF0NS0 BE COTOM 



1149 



A mi dom Pedro non he desguisado 
dos maltalliados, e nau erram y 
Joham Fernandez, o mour'outrosy, 
nos maltalbados o vejo contado; 
e pêro maltalhados semos nós 
e me visse Pêro da Ponte em cós, 
semelbar-lh'ya muy peor talhado. 

E pêro dés a gram poder 
non o pode tanfajudar, 
que o peyor possa tornar, 
pêro ben sey que a poder 
de dar grand'alg'a don foam, 
mays d'el seer peyor de pram 
do que era non ba en poder. 

Pêro Iby queyra fazer deus 
dobrado ben do que )bi fez 
ja nunca pode peyor prez 
aver per rem ; porem por deus, 
como será peyor que é, 
quem peyor é per boa fé 
de quantos fez nem fará deus ? 

1150 

Marinha Tod'en folengares 
tenho eu por de&aguysado, 
e soom muy maravilhado 
end'eu por nqn rebentares, 
ca che tapo en aquenta minha 
boca a ta boca, Marinha ; 
e d'estes narizes meus 
tapo eu, Marinha, os teus ; 
e co'as mãos e as orelhas, 
de olhos, das sobrancelhas; 
tapo-t'o primeiro sono 
da mha pissa p teu cono, 
como me non veja nenguem, 
e dos colhoes no cuu, em 
como non rebentas Marinha . . • 

« 

PÊRO DE YIVYAES 

1151 

Vós que per Pêro Tinhoso 
perguntades, se queredes 
d'ele saber novas certas 
per min poil'as non sabedes, 
achar Jh'edes trez sinaes, 
per que o conhosceredes : 



mais este que vos eu digo 

non vol-o sabha nenhun : 

e qu'el é Pêro Tinhoso 

o -que traz o toutiço nuu, 

e traz un câncer na pissa, 

Pêro Alvar asno ou rauu. 
Já me per Pêro Tenhoso 
preguntastes n'outro dia, 
que vos dissess'eu d'el novas 
et enton non as sabhia ; 
mas por estes três sinaes 
quen quer o conhosceria : 

mais este que vos eu digo 

non vol-o sabha nenhun, 

e qu'el é Pêro Tinhoso 

o que traz o toutiço nuu, 

e traz un câncer na pissa, 

Pêro Alvar asno ou muu. 
Vós que per Pêro Tinhoso 
mlvora hyadcs preguntando, 
que vos dissess'eu d'el novas, 
novas as quer enmentando : 
achar-lh'edes trez sinaes, 
se lhe bem fordes catando ; 

mais esto que vos eu digo 

non vol-o sabha nenhun, 

aquel é Pêro Tenhoso 

o que traz o toutiço nuu, 

e traz un câncer na pissa, 

Pêro Alvar a no ou muu. 

1152 

Huã donzela coylado 
d 'amor por si me faz andar 
jà ; et en sas fey luras falar 
quero eu como namorado ; 
rosfagudo como forom, 
barva no queyxo en o granhom, 
o ventre grande, inchado. 

Sobrancelhas mesturadas, 
grandes, et muy cabeludas 
sobr'elhas olhos morrudas, 
et as tetas penduradas, 
et muy grandes, per boa fé, 
ham hu palm'e medonho est, 
et no cos três pollegadas. 

A testa ten rugada 
et os olhos encovados, 
dentes como pindurados 
et acabo i de passada 
a tal a fez nostro senhor 
muy sen donayr'e sem- sabor 
desi muy d'obra forçada. 

1153 

Por dom foam em ssa casa comer 
quer bem quer mal que ay d 'adubar, 
quem mal cõ el, nem bem non sol jantar 



PAYO 60MES CHARINHO 



221 



e d'cl bem diz nen mal faz seu prazer, 
poys mal nem bem con el nunca comeu, 
e d'el bem diz nem mal muyté sandeu 
d'ir mal nem bem de sseu jantar dizer. 

Por en sa casa come quando quer 
quer bem quer mal que had n adubar, hy, 
pois bem nem mal com el non comeu hy, 
et d'el ben diz nem mal non lh'é mester; 
poys mal nem bem con el non comer sol, 
et dei ben nen mal diz, tenheu por foi 
se mal nen ben de seu jantar disser. 

Por el comer en sa casa tenh'eu 
quer bem quer mal, que grani torpidad'é 
quem mal nem bem dei diz per boa fé, 
poys bem nem mal nunca lhai jantar deu; 
nen mal nem bem no er ten hy de pram, 
et mays que a bem a mal lhe terram 
nem bem nem mal dizer do jantar seu. 

HARTIM ANES ilARMBO 

1154 

En a primeyra rua que cheguemos 
gu ar ir- vos- a dom foam mui ben, 
d'un pancstranho que todos sabemos, 
d'unha gualdrapa i xe que ten; 
e as calças seram de melhor pano 
feytas seram de névoa dantano, 
e nós de chufas guarnidos seremos. 

E prometeu-m'el bua boa capa, 
ca non doestas ma as feytas de luyto, 
mays outra bona feita de gualdrapa, 
cintada e de nem pouco nem muyto; 
e hua pena non d'estas miscradas, 
mays outra boa de chufas paradas, 
jà m'eu d'aqui non hirey sen a capa. 

Vistel-o potro côor de mentira 
que nfantano prometeu em janeyro, 
que nunca home melhor aqui vyra, 
criado foy em Craslro mentireiro ; 
e prometeu-m'uãs armas entom, 
non d' es tas maas feytas en Leora, 
mays melhores d'ouleyr'en freixeyro. 

Ca quanto labor mi deu a loriga, 
e toda era de chufas vilada, 
e como quer que vos end'eu ai diga 
nunca mlVa home viu na pousada, 
e cravelada de mençonha, 
e tan levera, que ben de coronha 
a trageria aqui huã formiga. 

E prometeu-munha arma prepada, 
como dizem os que a conhocerom, 
gualdrapa fariz avya numa espada 
de mouros foy, non sey hu x'a perderom ; 
e pelo pao mi prometeu login, 
de nevoeyro e eu Ih o recebi 
que me pagass'a seu poder de nada. 

De preç'e con labor foy a loriga 
que mel mandou e de par lh'avyada, 
mays como quer que vol-o homen diga 



nunca a min vyron teer na pousada; 
ben cravelada é de çanponha, 
desy tan leve que bem de mençonha 
mira aduria aqui huã formiga. 

AFFONSO SOARES 

1155 e 1156 

PorenTareyja Lopez non quer Pêro Marinho, 
pois x'el é mancebo, quer-x^la mays meninho ; 
non casará con ele nem pelos seus dinheyros, 
e esto saben donas e sabem cavaleyros ; 
ca dos escarmentados se fazen mays ardeyros. 
Esta offens'am 

Poren Tareyja Lopes non quer Pêro Marinho 
pêro x'el é mancebo quer x'ela mais minino; 
non casará con ele pola cobrir d'alfolas, 
nem poios seus dinheiros velhos q tem nas olas; 
o que perdeu nos alhos quer cobrar nas cebolas. 

Poren Tareyja Lopes non quer Pêro Marinho, 
pêro x'el é mancebo quer x'ela mais mininho ; 
non casará con ele por ouro nem por prata, 
nem por panos de seda quanfé per escarlala ; 
ca dama de capelo de todo se cata. 

CALDEVRON 

1157 

Os d'Aragon, que sóen donear 
e Catalães con eles a perCa, 
leixados som por donas a lidar, 
van-ss'acordando que era folia; 
et de burlas cuyd'eu rir-s'end'ia, 
quem lhe dissess'aqueste meu cantar 
a dona gaia de bon semelhar 
oo amar quiçá non no precária. 

Jantar quer'eu, non averá hy ai 
a dos d'Aragon et dos de Catalunha, 
per como guardam sas armaduras de mal 
cada hu d'eles ergo se as sonha 
ante xe querem sobre a vergonha 
d'aqueste segre poios que mays i fal 
non pararam os do Spital 
de melhor morte a lide con besonha. 

D'este cantar el-rey me desolvide, 
dos d'Aragon quand'eu vin de Galiza 
en que viven con gram mingua de lide, 
a busquey ben aalen de Fariza ; 
non se faz todo por farpar peliça 
mays quem este meu cantar oyr 
far-me-a bem, et poys que esbaldir 
se s^m queixar busque-me liça. 

PAVO GOMES CHAR1NII0 

1158 

— Huã pregunla vos quero fazer, 
senhor, que mi devedes a fazer, 
porque podestes jantares comer, 



222 



CANCIONEIRO PORTTOUEZ DA VATICANA 



que home nunca do vosso loguar 

comeu esto que pode seer, 

ca vej'ende os herdeiros queixar. 

«Pay Gomes, quer'eu-vos responder 
por vos fazer a verdade saber, 
ouv'aqui reys de mayor poder 
conquirer e en terras guaanhar, 
mays non quem ouvesse mayor prazer 
de comer quando lhi dan bon jantar. 

— Senhor, por esto non digu'eu de non, 
de ben jantar, cies ca he gram razom, 
maylos erdeyros Fôr'an de Leon, 
guarian vosco porque am pavor 
d'aver sobre lo seu con vosco entençon 
e xe lhis parar outro non peyor. 

«Pay Gomes, assi deus mi perdon' 
mui gram terra que non foy en Carrhon, 
nem mi derom meu jantar en Monçon, 
e por esto non soõ pecador 
de comer ben poys mh'0 dan en don\ . 
ca de mui boo janlar ei gram sabor. 

1159 

Don Aflbnso Lopes de Bayam quer 
fazer sa casa; se el pod'aver 
madeyra nova e sse mi creer, 
fará bom siso tanto que ouver 
madeyra logo punh'en a cobrir 
o fundamento ben alfe guarir 
pod'o lavor per hy se o fezer. 

E quand'el a madeyra adusser 
guarde-a ben e faça-a jazer 
en logar que non chouva, ca torcer 
assy a mui toste non ar a mester ; 
e sse o lavor non quer escarnir 
abra lo fundamental t'e ferir 
e muyto batel-o quanto poder. 

E poys o fundamento aberto for 
alte bem batudo, pocTel andar 
en salvo sobrei e poys s'acabar 
estará da madeyra sen pavor, 
e do que diz que a revolverá, 
anf esto faça, se non matar-ss'a 
ca este é o começo do lavor. 

E don Aflbnso poys a tal sabor 
de fazer boa casa começar 
e dev'assy e desy folgar 
e fazer que d'en mester for; 
descobril-a e cobril-a poderá, 
e revolvei- a, ca todo sofrerá 
a madeyra e seer aly en melhor. 

E don Aflbnso tod'esto fará 
que lh'eu conselho, senom perder-ss T a 
esta casa por máo laurador. 

PÊRO DA PONTE 

1160 

Eu digo mal com'ome fadimalho 
quanto mais posso d'aquestes fodidos, 



e trob'a eles e a seus maridos ; 
e hu d'eles mi pos mui grand'espanto, 
topou comigu 1 e sobraçou o manto, 
e quis en min achantar o caralho. 

Ando lhes fazendo cobras et soons 
quanto mais poss'e and'escarnecendo 
d aquestes putos que ss'andam fodendo ; 
e hu (Feles de noite afTUou-me 
e quis-me dar do caralh' errou -me 
e lançou de pós mi os colhões. 

1161 

Marinha Foza quiz saber 
como lh'ia de parecer, 
e fuy eu log'assi dizer 
tanto que nTela preguntou : 
senon non ouvera nacer 

quem vos viu e vos desejou. 
E bem vos podedes gabar, 
que vos non sab f oj'ome par, 
en as terras, de semelhar, 
de mays diss'uu que vos catou : 
que non se ouvera levantar 

quen vos vyu e vos desejou. 
E poys parecedes assy 
tan negr'ora vos eu vi 
que o meu cór sempre des y 
nas vossas feyturas cuydou : 
e mal dia naceu por sy 

quen vos vyu e vos desejou. 
Mays que fará o peccador 
que vyu- vos e vossa coor 
e vos non ouv'a seu sabor ; 
dizer- vol-oey poys me vou, 
irad'ouve nostro senhor 

quem vos vyu e vos desejou. 

1162 

Marinha Crespa, sabedes filhar 
en o paaço semprun tal logar, 
en que am todos mui ben a pensar 
de vós ; e poren diz o verv'antigo : 

a boy velho non lhi busques abrigo. 
En o inverno sabedes prender 
logar cabo do fogo ao comer, 
ca non sabedes que x'ade ?eèr 
de vós; e por en diz*o verv 'antigo: 

a boy velho non lhi busques abrigo. 
E no Abril quando gram vento faz 
o abrigo est o vosso solaz, 
hu fazedes como boy quando jaz 
en o bon prado ; e diz o verv'antigo : 

a boy velho non lhi busques abrigo. 

1163 

Hun dia foy cavalgar 
de Burgus contra Carrhon, 



PÊRO DA PONTE 



223 



e sayu-n^a convydar 
do caminh'un infançôn ; 

e tanto me convydoti 

que ouv'i logo a jantar 

con el, mal que mi pesou. 
Hu m'eu de Burgus parti 
log'a deus m 1 encomendey, 
e log'a el proug'assy 
que hun infançôn achey ; 

e tanto me convydou 

que ouv T a jantar logu'i 

con el, mal que mi pesou. 
E sse eu de coraçon 
roguey deus, baratey ben 
ca en pouca de sazon 
a que m'un infançon vem, . 

e tanto me convidou 

que ouv'a jantar entom 

con ele, mal que mi pesou. 
E nunca jà assy comerey 
com'enton con el comi 
mays hu eu con cl topey 
quisera-m'ir, e el y 
* a tanto me convidou 

que sen meu grado jantey 

con el, mal que mi pesou. 

1164 

Eu ben me cuydava que er'avoleza 
d'a cavaleyro mancebo seer 
escasso muyfe de guardar aver, 
mays vej'ora que vai muyfescaceza ; 
ca hun cavaleyro sey eu vylan, 
e torpe brav'e mal barragam, 
pêro locresto lh'encobre cscasscza. 

1165 

Marinha Lopes oy mays ha seu grado, 
se quiser deus, será boa molher, 
e sse algun feyto Tez desaguisado 
non o fará ja mays, se deus quiser; 
e dircy-vos como se quer guardar, * 
quer ss'yr aly en cas don Lop'andar 
hu lhi semelha loguar apartado. 

E ben creede que est apartado 
pêra ela, que folya non quer, 
ca non veerà hy mays nulFomen nado, 
de mil cavaleyros, sê non quiser ; 
e poys se quer de folya leyxar, 
de pram deus Ihy mostrou aquel logar 
hy pode ben remiir seu pecado. 

E poys ben quer remiir seu pecado 
logar achou qual avya mester, 
hu non saberá parte nem mandado 
de nulh'ome, se d'alhur non vehcr ; 
pêro se prob'ou coytado passar 
por aquel porto, sabel-o-a albergar, 
e de mays dar-lh'alberguo en doado. 






1166 

N'outro dia en Carrhon 
queria hu salmon vender, 
e chegou hy hun infançon, 
e tanto que o foy veer 
creceu-lh'i d'el tal coraçon 
que dissa hun seu hom'enton: 
peix'ora quer'oj'eu comer. 

Ca muyfa jà que non comi 
salmon que sempre desejey, 
mays poys que o ach'ora aqui 
ja custa non receerey, 
que oj'eu non coma de pram, 
bem da peixota e do para 
ca muyfa que ben non cehey. 

Mays poys aqui salmon achei 
querrei oj'cu mui ben cear, 
ca non sei hu mh'o acharey 
des que me for d'este logar; 
c do salmon que ora vi 
ante que x'o levem d'aly 
vay-m'unha peixota comprar. 

Non quer'eu cusfarrecear 
poys salmon fresco acho siquer, 
mays quero hir ben d'el assimar, 
por envyar a mha molher, 
que morre por el outrossy 
da balea que vej'aqui, 
e depois quite quen poder. 

1167 

D'un tal ric'ome vos quero contar 
que n'outro dia a Segovha chegou, 
de comp foy a a vila a re foçar 
poys o ric'ome na vila entrou; 
ca o manjar que ante davam hy 
por dez soldos ou por maravedi 
logu'esse dia cinco soldos tornou. 

Ric'ome foy que vos deus envyou 
que vos non quis assy desamparar, 
que nos a vila assy refeçou 
poyl o ric'ome veo no logar; 
ca nunca eu tan gram miragro vi 
polo açougue en refeçar assy 
mentr'0 ric^ome mandara comprar. 

Ca dês devemos graças a dar 
doeste ric^ome que nos presentou, 
de mays en ano que era tan car', 
a conteste foy que ogano passou ; 
ca poys este ric'om'entrou aqui 
nunca maa careza entrou hy 
mentr'0 ric'ome na corte morou. 

1168 

'Quem a sesta quiser dormir 
conselhal'0-ey a razon, 
lanlo que jante pense d'ir 



224 



CANCIONEIRO FOKTUGVEZ DA VATICANA 



a cozinha do infançon; 
e tal cozinha Ih^aohará 
que tau fria casa non a 
na oste de quanlas hy son. 

Aynda vos eo mays direy 
eu que hu dia hi dormi, 
tan boa festa non levey 
des aquel di'an que nacy 
como dormir en tal logar, 
hu nunca deus quis mosca dar 
en a mais fria rem que vi. 

E vedes que ben se guisoo 
de fria cosinha teer 
o infançon, ca non mandou 
des ogan'y fog'acender ; 
e sse vinho ganhar d T algueii 
ali lh'o esfriará ben 
se o frio quiser bever. 

1169 

Tareja Lopes d'ÀIfaro 7 
direy-vos que m'agravece 7 
qu'é vosso don mui caro 
e vosso don é rafece ; 

o vosso don éroui caro, 

pêra quen o ad'aver; 

o vosso don é rafece 

a quen o ade vender. 
Por caros temos panos 
que home pedir non ousa, 
e poyl-os tragem doas anos 
rafeces son por tal cousa ; 

o vosso don é mui caro 

pêra quen o ade aver ; 

o vosso don é moi rafece 

a quen no ade vender. 
Esto eu nunca cuydara 
que buâ cousa senlheira 
podesse seer cara 
e rafec'en tal maneira; 

o vosso don é mui caro 

para quen no ade aver, 

o vosso don é mui refece - 

a quen no ade vender. 

1170 

Sueyr'Eanes, este trobador 
foy por jantar a cas d'un infançon, 
e jantou mal, mays el vingou-8s'enton, 
que or'ajam os outros d'el pavor ; 
e non quys el a vendita tardar, 
en tanto que se partiu do jantar, 
trobou-lhi mal, nunca vistes peyor. 

E no mundo non sey eu trobador 
de que ss'ome mays dev'a se temer 
de x'el mui maas três cobras fazer, 
ou quatro a quem lhi maa barva for; 
ca des que non lh'el cae na razoa 



maas trez cobras ou quatr'e o son 
de as fazer rirayfé el sabedor. 

E por esto non sey no mundo tal 
home que lh'a el devess'a dizer, 
de non por lhi dar mui ben seu aver, 
ca Suer'Eanes nunca lhi fal 
razon des que el despagado vay, 
en que lhi troba tan mal e tan lay, 
porque o outro sempre lhi quer mal. 

1171 

QuamTeu dOlide say 
preguntey por Alvar, 
e disse-mi Iog'assy 
aquel que foy preguntar: 
senhor vós creed'a mi 
que o sey mui ben contar; 

eu vos contarey quanfa d'aqui 

a cas de don Xemeno, 

hun dia mui grand'a hy* 

e hun jantar mui pequeno. 
Disse-mi hu me d'el parti: 
quero-vos ben conselhar, 
a jornada que d'aqui 
vós óy queredes filhar 
será grande poys desy, 
eras non é ren o jantar ; 

poren vos conto quanfa d'aqui 

a cas de don Xemeno ; 

hun dia mui grand'a hi, 

e hu jantar mui pequeno. 

1172 

D' unha cousa son maravilhado 
porque se quer home desembargar, 
por porfaçar muyfe deostar 
e nulh'ome non seer seu pagado; 
eu por aquesto ben vos jurarey 
que tan mal torp'en o mundo non sey 
cora'é o torpe muy desenbargado. 

E quen se len por desvergonhado 
por dizer a quantos sempre vyr pesar, 
e pelo mundo non poder achar 
nenhu home que seja seu pagado ; 
por desembargado non lhi contarey, 
mays se o vir vedes que lhe direy: 
confonda deus a tal desenbargado. 

Ca o torpe que sempr'anda calado 
non o deven per torpe a razoar 
poys que é torp'e leixa de falar, 
e d'a tal torpe soo eu pagado; 
mays o mal torpe eu vol-o mostrarey, 
quem diz mal dos que som en cas d'el rey 
por se meter por mays desembargado. 

1173 

Dáde-m^alvyssara, Ped^Agudo, 
e oy mays sodes guarido, 



PEKO DA PONTE 



225 



vossa molher a bon drudo, 

baronsinho mui velido ; 
dade-m'alvissara, Pedr f Agudo, 
vossa molher a bon drudo. 
Dade-m'alvyssara, Pedr'Agudo, 

cresça- vos end'o rabo; 

vossa molher a bon drudo, 

que iode jà en seu cabo ; 
dade-nTalvyssara, Pedr'Agudo, 
vossa molher a bon drudo. 
Dade-m'alvyssara, Pedr' Agudo, 

eslo seja mui festinho ; 

vossa molher a bon drudo, 

e jà non sodes maninho; 
dade-n^alvyssara, Pedr'Agudo, 
vossa molher a bon drudo. 
Dade-m'alvyssara, Pedr'Agudo. 

e gram dereilo faredes, 

vossa molher a bon drudo 

que erda en quanfaver edcs ; 
dade-nTalvyssara, Pedr' Agudo, 
vossa molher a bon drudo. 

1174 

D*un tal ric'ome ouç'eu dizer 
que csl mui ric'omaz, 
de quanfen gram requeza jaz, 
mays eslo non poss'eu creer ; 
mays creo-mh'al, per boa fé, 
quen d'amigos mui pobr'é 
non pode mui rico seer. 

De mays quem a mui gram poder 
de fazer algu'e o non faz 
mays de viver porque Ihi praz 
poys que non vai, nem quer valer, 
ou gran<]'e8tanpa que prol )h'a, 
ca poys d'amigos mal eslà 
non pode boa estanca aver. 

Ca poys home de tal conven 
porque todos Ihi queren mal 
o demo lev'o que Ihi vai 
sa requeza, demays a quen 
non presta a outren nen a ssy, 
de mal conhocer por esfy, 
quem tal home per rico ten. 

E direy-vos d'el outra ren, 
e non acharedes end'al, 
poys el diz que Ihi non ench'al 
de dizerem d'el mal nem bem ; 
jà mays d'el non atenderey 
bon feyfe sempre terrey 
por cousa que non vay nem vem. 

Mas pêro lh'eu grand'aver sey 
que a el mays do que eu ey, 
poys s'end'el non ajuda rem. 

1175 

Don Bernaldo, poys trajedes 
convoscunha ta) molher, 
29 



a peior que vós sabedes 
se o alguazil souber 
apoutar-vol-a querrâ, 
e a puta queixar-s'a, 
e vós assanhar-vos-edes. 

Mays vós que tod'entcndedes 
quanfenlende bon segrel, 
pêra que demo queredes 
puta que non a mester, 
ca* vedes que vos fará : 
en Jogar vos meterá 
hu vergonha prenderedes. 

Mays que conselho faredes 
se alguen ai rey disser 
ca molher vosco teedes 
e a justiçar quizer ; 
se non deus non Ihi valrrá, 
e vós a quen pesará 
valer non Ihi poderedes. 

E vós mentes non metedes 
se ela Olho fizer, 
andando como veedes 
con algun peon qualquer, 
aquel tempo avemos jà 
alguen vos suspeylarà 
que no filho parfavedes. 

1176 

Maria Perez, a vossa cruzada 
quando veo da terra d'ultra-mar 
assy veo de perdon carregada 
que se non podia con el'emerger ; 
mays furtam -Ih 'o cada hu vay maguer, 
e do perdon jà non Ihi ficou nada. 

E o perdon é cousa mui prepada, 
e que sse devya muy t' aguardar; 
mays ela non a maeta ferrada, 
en que o guarde, nem a podaver ; 
ca poys o cadcad'en foy perder, 
sempr'a maeta andou descadeada. 

Tal maeta como será guardada, 
poys que rapazes albergan no logar, 
que non aja seer mui trastornada, 
ca o logar hu eles an poder 
non a perdon que assy possa asconder, 
assy saben trastornar a pousada. 

E outra cousa vos quero dizer 
a tal perdon ben se devera de perder; 
ca muyto foy cousa mal ganhada. 

1177 

En almoeda vi estar 
a hun ric'ome ; e diss'assy : 
quen quer hun ric/ome comprar? 
e nunca hy comprador vi 
que o quysesse nen en don, 
ca diziam todos que non 
dariam hun soldo por sy. 



226 



CANCIONEIRO PORTCGUEZ DA VATICANA 



E (Teste ric'ome quem quer 
vos pod'a verdade dizer, 
poys non a prés nen hun mester 
quen querrà hi o sen perder; 
ca el non faz nenhun lauor 
de que nuRi'om'aja sabor, 
nen sab'adubar de comer. 

E hu forom polo vender 
preguntaron-no en gram sen ; 
ric'ome que sabedes fazer ? 
e o ric'ome disse rem ; 
non amo custa nem misson, 
mays compro mui de coraçoo 
erdade se mha vend'aiguen. 

E poys e) diss'esta razou, 
non ouvi molber nem baron 
que por el dar quisesse rem. 

1178 

Mentre m'agora d'al non digo nada 
d'un meu amigo quero dizer 
amor sen prol e palavra doada, 
de tal amor non ey eu que fazer ; 
nem outro se non ey eu poique temer 
o desamor que non mha nuçir nada. 

Non me lem'eu de grand 1 espadada 
que d'el prenda nos dias que vyver, 
nem s'ar lem'el de nulha rem doada, 
que eu d'el lev'a todo seu poder; 
nem mar tefttfeu de nunca dei prender 
já mays bon dou nem boa espadada. 

E quem vyu terra tan mal empregada 
nen a cuyda nunca mays aveer 
que non merece carta de soldada 
e da-lh'o demo terra e poder, 
e muytas terras pod'orae saber 
mays nunca terra mal empregada. 

E o que non vai e podia valer 
este merece só terra jazer, 
mays non terra hui polegada. 

1179 

De Sueyr'Eanes direy 
como lhe de trobar aven, 
non o baralha el mui beto, 
nen ar quer hy mentes meter ; 
mays d^sto se pod^l gabar 
que se m'eu faço bon cantar 
a el mh'o soyo fazer. 

Pêro cousa que eu ben sey 
non sab'el muyto de trobar, 
mays en tod'aqueste logar 
non poss'eu trobador seer 
tan venturad'en huã rem 
se algú cantar faz alguen 
de lhi mui cantado seer. 

Ca lhi troban en tan bon son . 
que non poderian melhor, 



e por esfavemos sabor 
de lhi sas cantigas cantar; 
mays ai vos quer'eu d'el dizer, 
quem lh'aquesla manha tolher 
ben assy o pode matar. 

1180 

Os de Burgus son coytados, 
que perderon Pedr'Agudo, 
de quem porram por cornudo ; 
e disseron os jurados : 
seja-o Pedro Bodinho 
que esfé nosso vesinho, 
também com'é Pedr'Agudo. 

E poys qu'é o concelho 
dos cornos apoderado, 
quem lhi sayr demandado 
fará-ltTel mao trebelho ; 
ca el mentr'hi for cornudo 
querrà hi seer temudo 
e da vila apoderado. 

E vedes en que gram bryo 
el que o deus a chegado 
por seer cornad'alçado 
en tamano poderio ; 
hom'é de seu padre filho, 
por tanto me maravylho 
d'a esto seer chegado. 

E creede que en justiça 
pod'i mays, anda la terra, 
ca sse noa fará hi guerra 
nem mui maa cobiça» 
ca el rogo nunca prende 
de cornos, mays entende 
mui ben os foros da terra. 

1181 

Martin de Cornes vi queixar 
de sa molher, a gram poder, 
que lhi faz hi a seu cuydar, 
tanto mays eu foy-lhi dizer: 
falar quereu y se vos pra^ 
demo lev'o torto que faz 
a gram poder d'esse foder* 

Mays se vós sodee hy de mal sen 
de que lh'apoedes mal prez, 
ca salvar-sse pod'ela ben 
que nenhun torto non vos fez* 
nen torto non faz o taful 
quando os dados acha algar 
de os jogar huã vez. 

. 1182 

Quen seu parente vendia 
todo por fazer thesouro, 
se xe foss'en conredura 
e podesse prender mouro, 



PÊRO DA POXTE 



22: 



tenho que xo venderia 

quen seu parente vendia. 
Quen seu parente vendia 
ben fidalgu'e seu sobrinho, 
se tevess'en Sanctiago 
bon* adega de vinho, 

tenho que x*o venderia 

quen seu parente vendia. 
Quen seu parente vendia 
polo poerero no pao, 
se pam sobrepôsfouvesse 
e Ihi chegass'ano raao, 

tenho que x'o venderia 

quen seu parente vendia. 
Quen seu parente vendia 
mui fldalgu'e mui loução 
se cavalo $op'ouvesse 
e lh'o comprassem por são, 

tenho que x'o venderia 

quen seu parente vendia. 

1183 

De Fernam Dias Estaturão 
oy dizer novas de que mi praz, 
que é home que muyto por deus faz, 
e sse quer ora meter ermitão; 
e fará bom feyto se o fezer, 
de mays nunca lh'ome soube molher 
des que naceu, tanfé de bon cristão. 

Este ten o parais'en mão, 
que sempr'amou con sen cristão paz, 
nen nunca amou molher nem seu solaz, 
nem desamou Odalgo nem vilão ; 
e mays vos direy se vos prouguer, 
nunca molher amou, nem quis, nem quer 
pêro cata falagueyr'e loução. 

B tan bon dia foy nado 
que tani)en soub'o pecad 'enganar, 
que nunca por molher rem quis dar 
e pêro mete-ss'el por namorado ; 
e os que o non conhecemos ben 
cuydamos d'el que folya manten, 
may»el da ver molher non é pensado. 

Que ss'oj'el foss^emparedado 
nem se saberia melhor guardar 
de nunca já com molher albergar, 
por non se riir dei o pecado ; 
ca nunca deu por molher nulha rem, 
e pêro vedes se o vyr alguen 
terra que morre por seer casado. 

E poys el tal castidade mantém, 
quand'el morrer direy- vos huã rem: 
beati oculy — será chamado. 

1184 

Sueyr'Eanes, nunca eu terrey 
que vós trobar non entendedes ben, 
poys entendestes quando vos trobey 



que de trobar uoq sabiades rem ; 
mays o trobar ond'estades melhor, 
pêro d'al non sodes tan trobador, 
entendedes quando vos troba alguen. 

Entendestes hun dia anfel rey 
como vos meteron en hun cantar, 
polo peyor trobador que eu sey 
esto s'a vós nunca pode negar ; 
e por aquesto maravilho-m'eu, 
d'este poder que demo vol-o deu, 
por vós assy entenderdes trobar. 

Cà vos vi eu aqui mui gram sazora, 
e non vos vi per trobador meter, 
e ora non vos troban en razon 
en que xi vos possa rem asconder ; 
se de mal trobador enmeptaahv 
que vós logo non digades : a mi 
foy feyfaquel cantar de mal dizer. 

1185 

Quen a sa Qlha quyser dar 
a mester con que sabba guarir, 
a Maria Doming' ad' yr, 
que a saberá ben mostrar, 
e direy- vos que lhi fará: 
ante d'un mes Uf amostrará 

como sabha mui ben ambrar. 
Como lhi vej'eu ensinar 
huã ssa Olha encobrir, 
quen sas manhas ben cousir 
aquesto pode ben jurar 
que des Paris atees a cá, 
molher de seus dyas non a 

que tan ben s'acorde d'ambrar. 
E quen d' a ver ouver sabor 
non ponha sa fllh'a tecer 
nen a cordas, nen a coser, 
mentr'esta mestra aqui for, 
que hi mostrará tal mester 
porque seja rica molher, 

ergo se lhi minguar lavor. 
E será en mays sabedor 
por estas artes aprender, 
de irToje quanto quiser saber 
sabel-o pode mui melhor; 
e pois tod'esto ben souber 
guarrá assy como poder, 

de mays guarra por seu lavor. 

1186 

— Don Garcia Martiiz, saber 
queria de vós hunha rem, 
de que dona qu'ei-mi gram ben 
e lhi ren non ous'a dizer, 
com medo que lhi pesará ; 
e non o posso mays sofrer, 
dizede-mi se lh'o dirá 
ar que mandaties-1'y fazer. 



228 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



•Pêro da Ponle, responder 
vos quer'eu e dizer meu sen, 
se ela pode por alguen 
o ben que Ih'el quer aprender ; 
sol non o diga, mays se jâ 
por el non o pod'entender 
este pesar, dizel-o-a, 
e poys servir e atender. 

— Don Garcia, como vos direy 
a quem sempr'amey e servi, 
a tal pesar por que desy 
perca quanto ben no mund'ey; 
d'eu veer e de lhi fallar 
ca sol viver non poderey 
poys m'ela de sy alongar 
e d'esto julgue-nos el rey. 

«Pêro da Ponle, julgar-m'ey, 
anfel rey vosqu'e dig'assy, 
poys que per oulren, non por mi 
mha coyta non sabe, querrey 
dizel-a, e se s'en queixar 
a tan muito a servirey 
que por servir cuyd'acabar 
quanto bem sempre desejey. 

— Don Garcia, non poss f osmar 
com'o diga, nem o direy 
a quem servi sempr'e amey 
como direy tam gram pesar. 

«Pêro da Ponte, se n^ampar', 
dês, praz-mi que vos julgu'el rey. 

1187 

Eu en Toledo sempr'ouço dizer 
que mui maa de pescad'é, 
mays non o creo per boa fé, 
ca mi fui eu a verdad'en saber; 
ca n'outro dia quand'cu entrey hy 
ben vos juro quanfem ma vida vi 
a peixota su o leilo jazer. 

Endoando ben poderá aver 
peixota quen na quisesse Olhar 
ca non a vi a nulh orne aparar, 
e buã cousa vos quero dizer; 
tenh'eu por mui boa vileca assaz 
bua peixota su o leyto jaz, 
e sol nulb'ome non a quer prender. 

E sse de min quiserdes aprender 
qual parfa de cima en esta sazon, 
non ha by se Ihis ven hy salmon 
mays pescad 'outro pêra desprender, 
iquí refece por vos eu non mentir 
ca vi eu a peixota remanyr 
by su hun leyfassy deus mi perdon'. 

1188 

Aos mouros que aqui son 
don Álvaro rem non Ihis dà, 
mays manda- Ihis filhar raçon 



da cachaça, e dar-lhis-a 
d'al que na cosi nh'ou ver; 
mays o mouro que mi creer 
a cachaça non Olhará. 

Mays se lh'a deren )ogu'enton 
aos cães a deytarà, 
e direy- vos por qual razon, 
ca nunca xe lhi cozerá ; 
e a cachaça non a mester 
poys que sse non cozer 
a quanta lenha no mund'a. 

Nen os mouros a meu cuydar 
poyl-a vyren non a querram, 
mays se a quiseren Olhar 
direy-vos como lhi faran ; 
hyla-an logo remolhar, 
ca assy soen adubar 
a cachaça quando lh'a dam. 

1189 

Morfé don Martin Marcos, 
ay deus, se é verdade ! 
sey ca se ele é morto 
morta é torpidade, 

e morta neycedade, 
morta é covardia 
e morta é maldade. 

Se don Martinho morto 
sen prez e sen bondade, 
oy mays mãos costumes 
outro senhor catade ; 
mays non o acharedcs 
de Roma atâ cidade, 
se tal senhor queredes 
alhu' lo demandade. 

Pêro hu cavaleyro 
sey eu par caridade 
que vos ajudaria 
tolher d'el soydade, 
mays que vos diga 
ende bem a verdade ; 
non est rey nen conde 
mays he x'outra podeslade 
que non direy, que direy, 
que non direy. 



1190 

Poys vos vós ca vyngar non sabedes 
(Tesle marido con que vós seedes, 
mostrar-vos quer'eu como vos vinguedes 
d'el, que vos faz con mal dia vyver: 
maa noyte vos mando que lhi (ledes, 
poys que vos el mal dia faz aver. 
Poys que vos deus deu tamanha valentia 
de vos vingar, sse creerdes, hia 
d'este marido que vos dà mal dia, 
mostrar- vos-ey gram dereyfa prender ; 



PEM'AMIGO 



229 



maa noyte lhi dade todavia, 
pois que vos mal dia faz aver. 
Direy-vos eu a negra da verdade, 

se mh'a creerdes, e senon leixade 

d'el, que vos dà mal dia, vos vingade ; 

pois vos en deus deu tamanho poder 
oy mays todavia negra noyte lhi dade, 
pois que vos el mal dia faz aver. 
Por deus, todavya, que vos fez seer nada 

nen se ria pois de vós na pousada 

este marido que vos tem coitada, 

porque vos faz mal dia padecer; 
negra noyte lhi dade e estirada, 
pois que vos el mal dia faz aver. 

1191 

Don Tisso Peres, queria oj'eu 
seer guardado do trebelho seu, 
a perdoar-lh*o baston que foy meu, 
mais non me poss'a sem rogo quitar ; 
e Tisso Perez, que demo mh'o deu 

por sempre migo querer trebelhar. 
De lrebelhar-mh'a el gram sabor, 
e eu pesar nunca vistes maior, 
ca non dormho de noite con pavor, 
ca me trebelha senpre ao luar ; 
demo o fezo tan trebelhador 

por sempre migo querer trebelhar. 
Cada que pôde mal me trebelhou, 
sempr'eu já mh'assanhando vou 
de seu trebelho mao que vezou, 
con que me ven cada noy fespertar ; 
e Tisso Perez, demo mh'o mostrou, 

por sempre migo querer trebelhar. 



PKDRAMI60 

1192 

Blvyra, capa velha desfaqui 
que lhi vendess'un judeu corretor, 
e Geou comtigo outra mui peyor, 
Elvira, capa velha que t'eu vi ; 
ca queres sempre por dinheiros dar 
ja melhor capa, e queres leixar 
a capa velha, Elvyra, pêra ti. 

Por que te fleass^, deus ti perdon', 
a capa velh'Elvyra, que trager 
non quer nulh'ome, mays dás a vender 
melhor capa velha d'outra sazom ; 
Elvyra, nunca a ti capa daram, 
ca ficas d'estas capas que ti dam 
con as mays husadas no cabeçon. 

Cá capa ve)h'Elvyra, mi pesou, 
por que non é la para cas d'el-rey, 
a capa velha, Elvyra, que eu sey, 
muytus an que comtigo ficou ; 
ca pêra corte sey que non vai rem 



a capa velh 1 , Elvyra, que jâ lem 
pouco cabelo, tan muyto ss'usou. 

1193 

Hun bispo diz aqui por sy 
que é de Conca, mays ben sey 
de mi que bispo non achey 
de Conca, des que eu naci, 
que d'alá fosse natural ; 
mays d'aquesle mi venha mal 
se nunca tan sen Conca vi. 

E nunca tal mentira oy, 
qual el diss'aqui anfel rey, 
ca sse meteu, por qual direy, 
por bispo de Conca logu'i ; 
e dixi-Ih'eu logu'en ton ai: 
hu est essa Conca bispai 
de que vós falades assy? 

E polo bispo aver sabor 
grande de Conca non aver 
non lh'o queremos nós saber, 
ca diss'o vesitador : 
que bispo per nenhun logar 
non pode per de Conca andar, 
bispo que de Conca non for. 

Vedes que bisp'e que senhor 
que vos cuyda a fazer veer 
que é de Conca, mays saber 
podedes que é chufador; 
por min que o fuy asseytar 
per hun telhad'e non vi dar 
anfel Conca nem talhador. 

1194 

Don Estevan, oy por vós dizer 
d'unha molher que queredes gram bem, 
que é guardada, que per nuiha rem 
non a podedes, amigo, veer ; 
e ai oy, de que ey gram pesar, 
que quantouvestes todo no logar 
hu é, là o fostes hy despender. 

E poys ficastes probe sem aver, 
non veede ca fezestes mal sen, 
siquer a gente a gran mal vol-o ten, 
por hirdes tal molher gran ben querer; 
que nunca vistes riir, nen falar 
e por molher tan guardada ficar 
vos vej'eu pobr'e sen conhocer. 

E non vedes, home pecador, 
qual est o mund'e estes que lh'i son, 
nen conhocedes, mesquinho, que non * 
se paguam já de quen faz o peyor ; 
é gram sandice d'ome per oyr 
bem da molher guardada que non vyr 
dir despender quanfa por seu amor. 

E ben vos fajfamigo sabedor, 
que andaredes por esta razon, 
per portas alheas mui gram sazon, 



230 



CANCIONEIRO MRTUGCE2 DA VATICANA 



porque Tostes querer bem tal senhor ; 
porque sodes tornacTen pam pedir, 
e as guardas non se querem partir 
de vós, e guardan-a porén melhor. 



1195 

Quem mirora quysesse cruzar, 
ben assy poderia hyr 
ben como foy a ultra-mar 
Pêro d'Ambroa deus servir, 
morar tanto quanfel morou 
na melhor rua que achou, 
e dizer : Venho d'ultra-mar. 

E tal vyla foy el buscar 
de que nunca quiso sayr, 
atà que pôde ben osmar 
que podia hir e viir, 
outr'omen de Jherusalen, 
e poss'eu hir, se andar ben, 
hu el foy tod'aquest'osmar. 

E poss'en Monpilher morar 
ben como el fez por nos mentir, 
e ante que cheg'ao mar 
tornar-me poss'e departir 
com'el deparfen cour'a deus, 
prés morfen poder dos judeus 
e en as tormentas do mar. 

E sse m'eu quiser enganar, 
deus, ben o poss'aqui comprir, 
en Burgos, ca sse perguntar 
por novas ben nas posso oyr, 
tan ben com'el en Monpilher, 
e dizel-as poys a quen quer 
que me por novas preguntar. 

E poys entras novas souber 
tan ben poss'eu, se mi quiser, 
como hum gfara palmeyro chufar. 



1196 

Pêro (T Am broa, tal senhor avedes 
que non sey quen se (Tela non pagasse, 
e ajudey-vos eu, como sabedes 

escontra ela mui de boa mente ; 
e diss'ela : fazede-me-lh'en mente 
ainda oje vós migo jazedes 

Por seu amor ; ca x'anda tan coy tado 
que áe vós oje migo non jouverdes 
será sandeo, e se o non fazerdes 
non se terra de vós por ajudado; 
mays enmentade-me Ihi hua vegada, 
e morarey eu vosqiTen vossa pousada, 
e o cativo perderá cuydado. 

E já que lhi vós amor demostrades 
semelhara que lhi sodes amigo, 
jazede logo aquesta noyte commigo, 
e desy poys crás, hu quer que o vejades, 



dizede-lhe que comigo albergastes 
por seu amor, e que me lh'enmentastes 
e non tenha que o pouc'ajudades. 



1197 

Maria Balteyra, que se queria 
hyr já daqui, veorae preguntar 
se sabia j'aqui d'aguyraria, 
ca non podia mays aqui andar ; 
e dixi-lh'eu logu'enton quanteu sey, 
Maria Perez, eu vol-o direy, 
e diss'e)a logul que mho gracia. 

E dix'eu : poys vos hides vossa vya 
a quen leixades o voss'escbolar 
ou vosso fllh'e vossa companhia? 
poren vos roand'eu catar 
que vejades nos aguyros que ey, 
com'er poss'yr, e mays vos eu direy, 
a menos d'esto sol non moveria. 

E dixi-lh'eu : cada que vos deitadas 
que esturnudos soedes d' a ver? 
e diss'ela : dous ey, ben o sabhades, 
e hun ey quando quero mover ; 
mays este non sey eu ben departir ; 
e dix'eu : con dous ben poderiades hir, 
mays hun manda sol que non movades. 

E dixi lh'eu : poys aguyro catadas 
das aves vos ar conven a saber, 
vós que tan longa carreyra flibades ; 
diss'ela : esso vos quer'eu dizer, 
ey feryvelha sempr'ao sayr ; 
e dixi-lh'eu : ben podedes vós hir 
con ferivelha mays nunca tornades. 



1198 

Joham Baveca e Pêro d' Am broa 
começaron fazer sa tençon, 
e sayron-sse logo da razom, 
Joham Baveca e Pêro dAmbroa; 
e por que x'a non souberon seguyr ; 
nunca quedaron poys en departir 
Joham Baveca e Pêro d^ A mb roa. 

Joham Baveca e Pêro dAmbroa 
ar forom outra razom começar, 
sobre que ouverom de pelçjar, 
Joham Baveca e Pêro (VAmbroa; 
sobre la terra de Jherusalem, 
que diziam que sabiam mui ben 
Joham Baveca e Pêro d'Ambroa. 

Joham Baveca e Pêro d 1 Am broa 
ar departirom logo no Gram-Can, 
e pelejaram sobresto de pram, 
Joham Baveca e Pêro d'Ambroa ; 
dizend'ora verremos qual é; 
e leixei eu assy per boa fé 
Joham Baveca e Pêro d'Ambcoa. 



PBDK'AMMO 



231 



1199 

Marinha Mejouchi, Pêro (VAmbroa 
diz el que tu o fuisfi pregoar 
que nunca foy na terra cTUltra-mar; 
mays non fezisti como molher boa, 
ca, Marinha Mejouchi, sy é sy, 
Pêro d' Am broa sey eu cà foy-lh'y 
mays queseste-lh'y tu mal assacar. 

Marinha Mejouchi, sen nulha falha 
Pêro (TAmbroa en Caca de-Ven 
filhou a cruz pêra Jherusalem 
e depoys d'aque$to, se deus mi valha 
Marinha Mejouchi, com'é romeu, 
que ven casado e tal o vi end'eu 
tornar, e dizer que non tornou en. 

Marinha Mejouchi, muytas vegadas 
Pêro d'Arnbroa ach'end'en mal, 
mays se te colhe d'el logar a tal 
com'andas tu assy pelas pousadas, 
Marinha Mejouchi, a mui gram sazon 
Pêro d' Am broa, se te achar enton, 
gram med'ey que ti querrà fazer mal. 

1200 

Quer'eu gram bem a mha senhor 
polo seu mui bon parecer, 
e por que me non quei veer 
pobre, lhi quer'eu jà melhor ; 
ca diz, que mentr'eu ai jouver, 
que nunca jà será molher 
que mi queyra por en peyor. 

Conselha-me mha senhor 
como se ouvess'a levar 
de mui algo poys mh'o achar, 
e diz-mo ela con sabor : 
que ouvess'eu algo de meu 
ca diz que tanfé come seu 
poys que mh'a por entendedor. 

1201 

Hun cavaleyro fi' de clerigon 
que non a en ssa terra nulha rem, 
por quanfestá com seu senhor mui ben, 
por tanto se non queria conhocer 
a quen sab'onde ven e onde non 
e leixe-vos en gram conta poer. 

E poys xe vos en tan gran conta pon, 
por que é caro, ca lhi non conven 
contra quen sabe ond'est e onde ven 
o seu linhagen e todo seu poder, 
e faz creenç'a quantos aqui son 
que vai mui mays que non dev'a valer. 

El se quer muyf a seu poder onrrar 
ca se quer por mays fidalgo meter 
de quantos a enton d'aquel logar 
hu seu padre ben a missa cantou, 
e non queria por parente colher 
hu seu sobrinho que aqui chegou. 



1202 

Lourenço non mi quer creer 
pêro que o conselho ben 
do que el non sabe fazer; 
e pêro se mi creess'en 
de três cousas que ben direy, 
podia per hy con el rey 
e con outros ben guarecer. 

E quero-lh'eu logo dizer 
hi outras cousas qu'el ten, 
que sabe melhor, e saber 
podedes que non sabe ren 
trobar, ca trobador non a 
en o mundo, nen averá 
a que ss'el queira conhocer. 

E ben com'el faz de trobar 
assy vira se vehess'y 
pêro s'en con el cantar 
e Pêro Bodinh 'outro ssy 
e quantos que cantadores son, 
por todos diz el ca non 
lhis quer end'a vontad'a dar. 

Aynda de seu citolar 
vos direy eu quanto lh'oy, 
diz que o non poden passar, 
todos quantos andam aqui ; 
e por esto lhi conselh'eu 
que leix'esto que non è seu 
en que lhi van todos travar. 

E eu que lh'o conselho dou 
que Ieix'esta que se filhou, 
diz que ando poFenganar. 

1203 

Ped^Ordones, corpo desembrado, 
vej'eu hun home que ven da fronteyra 
e pregunta por Maria Balteyra, 
Per'Ordonhes, e semelha guysado 
d'àquest'ome que tal pregunta faz 
Per'Ordonhes, semelhar rapaz 
ou algun home de pouco recado. 

Per'Ordonhes, corpo enganado, 
mi semelha, e fora de caveyra, 
a quen pregunta por huã soldadeyra 
e non pregunta por ai mays guysado ; 
e Per'Ordonhes, mui cheo de mal 
mi semelha en corp'est'om'a tal, 
Per'Ordonhcs, que m'a preguntado. 

E Per'Ordonhes, non preguntaria 
por esto se alguã rem valesse 
aquesfomen e se o ben conhocesse, 
Per'Ordonhes, fez mui gran ben e queria 
aquesfome que tal pregunta fez 
Per'Ordonhis, se foss'alguã vez 
por corpo fora, dereyto seria. 

1204 

Pediu oj'hum ric'ome 
de que eu ey queixume, 



232 



CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA 



candeas a hun seu home 
e deu-lh'o home lume; 
e poys que foy o lume. 
ficado no esteo, 
ca assy Pedro 
queria segun creo, 
que ai est a candea 
e ai est o candeo. 
El candeas e vinho 
pediu ao serão, 
e log'un seu meninho 
troux'o lume na mão ; 
e foy log'a dereyto 
ficara no esteo, 
e disse Pedro : queria 
colher-me d'un baracêo, 
que ai est a candea 
e ai est o candeo. 
E candeas pedia, 
e logo mantenente 
assy com'el queria 



foy-lh'o lume presente; 

e per logo ficado 

ben aly no eáteo 

e disse san Petro que ja 

ou eu nada non creo ; 
ou ai est a candea 
ou ai est o candeo. 



1205 

Mayor Garcia vi lan pobr'ogano, 
que nunca tan pobr'outra molher vi, 
que se non foss'o arcediano 
non avya que dey lar sobre ssy ; 
ar cobrou poys sobr'ela o dayam, 
e por aquelo que lh'antr'ambos dam 
ancTalá toda coberta de pano. 



1 Seguem-se no Ms. 14 folbas em branco innume- 
radas. 



GLOSSÁRIO ARCHÁIGO DO CANCIONEIRO 



A, (expletiva; antigo galleguismo.) 
Aaugado, Doente de desejos ; pop. 

ougado. 
Ábaco, Cofre, arca. 
Abafordar, Jojar o bafordo. 
Abanos, Capa solta. 
Aboiz, Armadilha. 
Abondo, Excessivamente. 
Abuytre, Abutre. 
A cachas, Escondidamente. 
Acaecer, Acontecer. 
A cajam, Cajaro, desastre. 
A carom, Defronte. 
Achantar, Plantar. 
Acorrer, Acudir, soccorrer. 
Adul, Adur, Dificultosamente. 
Aduffe, Pandeiro. 
Aduzer, Trazer. 
A ff amado, Esfaimado. 
Affanar, Causar affan, cansar. 
Afeitar, Enfeitar. 
Apeado, Teimoso. 
Affrom, Affronta. 
Agravecer, Tornar grave. 
Agoyria, Aguyraria, Arte dos 

agouros. 
Aguadeyra, Capa larga. 
Aguça, Pressa, diligencia. 
Aguçoso, Argucioso. 
Aautsar, Guisar, dispor. 
Al, Outro, e expletiva. 
Alacrá, Tecido antigo. 
Albergueiro, Estalajadeiro. 
Alças, Impostos. 
Alegrança, Alegria. 
Alegoria, Explicação. 
Alfaraz, Cavallo ligeiro. 
Alfrezes, Ornato de chapéo. 
Algo, Alguma cousa. 
Alguazil, Aguazil, quadrilheiro. 
Alhur, Algures, n'outra parte. 
Alvão, Espécie de brial. 
Amenaça, Ameaça. 
Amistar, Ter amisade. 
Amorviado, Adoentado. 
Anasal, Anasado. 
Ancho, Amplo. 
Anchar, Alargar. 
Animalhas, Alimárias. 
Antanho. O anno anterior. 
Antejo, Entojo, teiró, aversão. 
Anieyras, Inteiras, virgens, 
Antclhança, Previdência. 
Aparelham, Aparelhando. 
Apoer, Increpar, aceusar. 
Aposto, Elegante. 
Apressurar, Apressar. 
Aquessa, Essa. 
Aqueste, Aquisto, Este, isto. 
Ar, (expletiva) Também, outra 

cousa. 

30 



Ardido, Atrevido. 
Arduda, Ardidez. 
Arcabouço, Esqueleto. 
Arcediano, Arcediago. 
Arlota, Vagabunda. 
Armar, Aparelhar. 
Arriçado, Açulado. 
Arrufado, Impavezado. 
Arteiro, Ardiloso. 
Ascari, Certo pano. 
Asperança, Esperança. 
Assimar, Acabar. 
Astroso, Desastroso. 
Atai, Tal. 

Auscuytar, Escutar. 
Aval, Estrago. 

Aver preço, Ter relações sexuaes. 
Avilar, Envilecer. 
Avindador, Conciliador. 
Avol, Avô» 

Avoleza, Nobreza dos antepas- 
sados. 
Azerar, Acerar. 
Azes, Alas, flancos, lados. 
Azinha, Depressa. 

Babous, Espécie de lesma. 
Bafordar, Jojar o bafordo. 
Balandráo, Sobretudo sem man- 
gas. 
Baraceo, Baraço. 
Bandoria, Parcialidade. 
Baraço, Cinta, atilho do cabello. 
Baralha, Bulha, peleja. 
Baralhar, Combinar. 
Barata, Questão. 
Baratar, Apoucar. 
Barvado, Barbado. 
Bastoados, Bastonados. 
Bayoninho, Cavallinho bayo. 
Bel, Bello. 
Beldade, Belleza. 
Beneito, Beeito, Bento, bendito. 
Beote, Bote, barco. 
Besonha, Necessidade. 
Bevo, Bevisti, (v. de Beber.) 
Bisalho, Bolsim; enfeites. 
Boança, Bonança. 
Boroa, Pão de milho. 
Braceiro, Forte de braços, activo. 
Bulhafre, Milhafre. 
Burlhar, Burlar. 

Ca, Que, porque. 
Cabo, Ao pé, perto; flm. 
Cachaça, Porca por castrar. 
Cada que, Cada vez que. 
Caente t Cadente. 
Cafi, Çaflra. 
Cujon, Mau ensejo. 
Calaveyra, Caveira. 



Calentura, Febre. 

C amanho, Tamanho. 

Cambhar, Trocar. 

Campana, Sino. 

Campaynha, Campina. 

Canelho f 

Cano, Encanecido, velho. 

Canterlhado, Guarnecido nos 
cantos. 

Capeyrete, Capa pequena. 

Careza, Carestia, custo. 

Carnacal, Carniceiro. 

Carrajaz, Houfenho. 

Carreyra, Caminho, atalho. 

Cas, Casa. 

Castoar, Encastoar, engastar. 

Catar, Guardar, attender. 

Catairon, Catarro forte. 

Caudelar, Acaudilhar. 

Cendal, Tecido de brial. 

Cerame, Çurome, capa grande. 

Cercear, Cortar rente ou cerce. 

Certão, Certo. 

Cervo, Veado. 

Cevadeyra, Cesto de pào, alforge. 

Cernira, Ceraes ; (pop. na Beira.) 

Chançon, Canção. 

Chanto, Pranto. 

Chapei, Capello, elmo. 

Charriar, Carrear, acarretar. 

Che, Te; que. 

Chuchurruchfio f 

Chufador, Critico. 

Chus, Mais. 

Ciar, Ter ciúmes. 

Cinger, Cingir. 

Citola, Citolar, Cythara, etc. 

Cividade, Cidade. 

Cobra, Copla, estrophe. 

Cobrar, Obter, alcançar. 

Cohorto, Conforto. 

Cochom, Porco. 

Coitar, Causar mal. 

Color, Côr. 

Colpado, Golpeado. 

Conortar, Confortar. 

Conhocença, Conhecimento. 

Conquirer, Conquistar. 

Çopegar, Manquejar. 

Copo, Manco. 

Cofeynos, Espécie de figos. 

Conquis, (v. de Conquistar) con- 
quistou. 

Cor, Coração. 

Cordo, Cordato. 

Cornelha, Gralha. 

Corredura, Correria. 

Cartinha, Pateo, pequena corte. 

Cos, Apertadura da saia. 

Costa juso, De costas para o ar. 

Coteyfe, Capa de pesponto. 



234 



GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO 



Cousecer, Censurar. 
Cousido, Considerado, censurado. 
Cousir, Considerar, discernir. 
Cousimento, Discrição, discerni- 
mento. 
Coyta, Afllição. 
Coyto, Cosido. 

Covylheyra, Dama de companhia. 
Cras, Amanhã. 
Criança, Criação. 
Cravellado, Cravejado. 
Cruzar, Entrar na Cruzada. 
Curar, Tratar, cuidar. 
Cuçurro, Certa cor de cavallo. 

Dante, Que dá; dando. 

Dapno, Damno. 

De cham, De prompto. 

Defensem, Prohibiçao, 

Degredo, Decreto (Decretaes.) 

Delgadas, Certa vestimenta. 

Delgado, Delicado. 

Del, Des, Desde. 

Desaguisado, Desguisado, Sem 

geito. 
Desembrado, Desajeitado, azam- 

brado. 
Desi, Desde então. 
Desfiar, Desafiar. 
Disputação, Disputa. 
De pratn, De prompto. 
De suso, De cima. 
De vegadas, Amiudadas vezes. 
Deyto, Dito. 

Dia talhado, Dia aprasado. 
Dizer a refrem, Glossar o retor- 

nello. 
Dizer das luas, Prognosticar. 
Dizedor, intrigante. 
Doa, Dadiva. 
Doairo, Donaire, graça. 
Doestar, Deostar, insultar. 
Dolçor, Doçura. 
Doma, Ebdoma, Semana. 
Dona, Senhora. 
Dona tfalgo, Senhora nobre. 
Douta, Docta. * 
Drudo, Amante. ~ 

Duldar, Duvidar. 
Dy, (v. de Dizer) Diz. 

Echar, Deixar (cf. enha por rot- 
nha.J 

Edes, (v. de Haver) Eis. 

Edoy, retornello basco : Etoy. 

Eiri, Eyri, Hontem. 

El, Elle. 

Elhes, Elles. 

Empar amento, Amparo. 

En, Ende, D'isso } por isso, d'ali. 

Em cas, Em casa. 

Ementar, Mentar, considerar. 

Encimar, Acabar. 

Endurar, Soffrer. 

Enfinger, Fingir. 

Enfinta, Fingimento. 

Enganhar, Enganar. 

Entença, Pleito, demanda. 

Entençar, Trovar tenções, plei- 
tear. 

Entenção, Género poético, des- 
pique. 

Entendedor, Conversado, namo- 
rado. 

Entendença, Intendência. 



Entolhar, Antolhar. 
Entramente, Entretanto. 
Entravincar, Cruzar rimas. 
Enventuriulo, Venturoso. 
Enxero, Pendência, damno. 
Er, Ar, (expletiva) Al. 
Ergo (er que) De mais. 
Esbaldir, Gastar, baldar. 
Escaecer, Esquecer. 
Escarnir, Escarnindo, Escarne- 
cer, escarnecido. 
Escatima, Falta, defeito ; censura. 
Escasso, Mesquinho. 
Escorara, De encontro. 
Esguardar, Resguardar. 
Esparger, Derramar. 
Espartido, Ausente. 
Espedir, Despedir. 
Espilal, Hospital. 
Est, (v. de Ser) É. 
Este, (v. de Estar) Esteja. 
Estarrecer, Entristecer. 
Esto, Isto. 

Estraydade, Extranheza. 
Estyo, Verão. 
Exalçar, Exaltar. 

Faceiro, Insolente. 

Faes, (v. de Fazer) Fazes. 

Falagueiro, Fagueiro. 

Falha, Falta. 

Falcatrua, pop. Trapaça. 

Falido, Falso. 

Falimen, Falimento, Erro, falta. 

Fali, Falta. 

Fame, Fome. 

Farcilhom, Certo arreio. 

Favonear, Facilitar. 

Femença, Attenção, inquirição. 

Fendedura, Fenda. 

Fer, Fazer. 

Ferido, Arrancada, assalto. 

Festinho, Apressadamente. 

Fey, Feito. 

Feyra, (v. de Ferir) Fira. 

Feyestas, Festas. 

Feziste, (v. de Fazer) Fizeste. 

Fi, Filho. 

Ftdor, Fiador. 

Fighe, (v. de Fazer) Fiz. 

Fistulado, Que abriu fistula. 

Fiusa, Fiança, confiança. 

Flume, Frume, Rio. 

Fodimalhas, Capazes de gerar. 

Folengar, Folgar. 

Foi, Tollo. 

Folgança, Folguedo. 

Folia, Loucura. 

Fontana, Fonte. 

Foro da terra, Garantia local. 

Forom, Furão de caça. 

Fossado, Arrancada, hoste. 

Fraquelinha, Fraquinha. 

Fm, Frolido, Flor, Florido. 

Fudud'an cúa, Crime antigo. 

Fudud'an dia, Dada ao fornizio. 

Fustam, Panno branco. 

Gaanhar, Ganhar. 
Gage, Penhor. 
Garceras, Roupas de moça. 
Gargantom, Comilão. 
Garrida, Bella; vistosa. 
Gasalhado, Abrigo. 
Gazeitef (n.° 78.) 



Geolheiras, Dcfeza dos joelhos. 
Giolo, Joelho. 
Glosa, Rima, trova. 
GoneÚa, Coifa ; veste de lã. 
Gratfescades, (v. de Gradescer.) 
Gradr, Agradecer. 
Grado, Vontade, agrado. 
Gram peça, Uma grande parte. 
Gram sazom. Muito tempo. 
Gran, Pano de lã. 
Grand'algo, Riqueza. 
Granho, Grenha. 
Granhom, Gadelhudo. 
Greu, Grado, vontade. 
Gris, Cinzento. 
Guarecer, Melhorar, sarar. 
Guarida, Agasalho. 
Guarnimento, Guarnição. 
Guarir, Melhorar, curar. 
Guidar, Guiar. 
Guirlanda, Grinalda. 
Guisa, Modo, maneira. 
Guysar, Ordenar, dispor. 

Haveo, (v. de Advir) Adveiu. 

Hadusse, (v. de Adduzir) Addu- 
zisse. 

Ho, O. 

Hi, Ahi. 

Homem, Om, (Forma pronomi- 
nal.) 

Ha, Onde. 

I, Ali. 

Iguar, Egualar, rimar bem. 
Infançôis, Filhas de infançoc*. 
Ir em osso. Montar sem selim. 
In suso, De cima. 

Jaço, Jasca, Jouve, (v. de Jazer) 
Jazo, jaza, jazi. 

Jajuar, Jejuar. 

Janeyras, Festas do primeiro dia 
do anno. 

Jantar, Tributo peculiar dos reis. 

Jaquetão, casacão curto. 

Jazedor, Morador ; que tem pri- 
vilegio de sepultura. 

Joeta, Pequena jóia. 

Jograes, Jograes, cantores vaga- 
bundos. 

Jograron; Jogral desprezível. 

Juso, Abaixo. 

Ladinho, Ladino, astuto. 

Laida, Ferida grave ; affrontado. 

Lanzar, Jogar a lança. 

Lazerado, Doente. 

Lazeyra, Doença. 

Ledo, Alegre. 

Leqer, Ler. 

Leli, Lelia, Estribilho popular. 

Levar, Levantar. 

Lez, Lado (pop. Lez a lez.) 

Lexar, Deixar. 

Lezer, Descanso. 

Leuter, Eleuthcrio. 

Li, Lhe. 

Liça, Estacada. 

Lidar, Combater. 

Lidice, Alegria. 

Liria, Género poético com refrem. 

Livrar, Entregar. - 

Lo, O. 

Loador, Louvaminheiro. 



GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO 



235 



Ltyirao, Louvor. 

Lobado. Com tumores do cavallo. 

Fjtbagantn, Espécie de lagosta. 

Litiga, Espada curta. 

Loução, Formoso. 

Lou vamyantes , Louvaminheiros. 

Lunes. Segunda feira. 

Lus, Os. 

Morar, Maguer, Antes que. 

Maestro, Vendedeira. 

Madre, Mãe. 

Maestria, Arte de trovar. 

Maeta, Mala pequena. 

Matado. Servo. 

Mala, Má. 

Maldezi. (v. verb.) Maldisse. 

Malondança, Infelicidade. 

Maltreyto, Doente. 

Molouria, Doença. 

Malraz, Malvado. 

Moleza. Maldade. 

Mondadevro, Portador de recado. 

Maniia, Costume. 

Manhana, Manhã. 

Manselinha, Mansinha. 

Mantenente, Detidamente. 

Maratedil, Maravedi. 

Mortes, Terça feira. 

Morteiro, Martyrio. 

Marra, Marte 1 lo, maça. * 

Mayson, Casa, mansão. 

Mayça, Malícia. 

Meaça, Ameaça. 

Medes, Mesmo. 

Meiga, Miga, migalha. 

Mençonha, Mentira. 

Mengua, Mingua. 

Menciente. Mentiroso. 

Mentes, Mentre, Entretanto. 

Mentidor, Mentiroso. 

Mentireiro, Mentiroso. 

Meores, Menores. 

Mercadeyro, Mercador. 

Merchandia, Mercadoria. 

Merger, Mergulhar. 

Mesela, O que Deus qnizer. 

Mesnada, Arrancada, hoste. 

Mester, Precisão. 

Mesteyral, Industrial. 

Mesura, Decência, honestidade. 

Messeqeyro, Mensageiro. 

Mha, Minha. 

Miscrar, Intrigar. 

Mi medes, A mim mesmo. 

Mocelinha, Mocinha. 

Moirer, Morrer. 

Motitar, Importar. 

Mourisco, Bando de trabalhado- 
res mouros. 

Moril, Movei. 

Mua, Mula. 

Muacho, Macho ou mú. 

Murzelo, Cor de amora; diz-se 
do cavallo. 

Nana, Menina. 
Nembrar, Lembrar. 
Nemigalha, Cousa nenhuma. 
Neno, Menino. 
Pieycedade, Necessidade. 
Nostro, Nosso. 
Hulha, Nenhuma. 
Nucir, Fazer mal. • 
Nuncha, Nunca. 



Obridar, Olvidar. 

Obispo, Bispo. 

Ogano, Este anno.(Pop. Oroanna) 

Oidor, Ouvinte. 

Ota, Panclla. 

Oos, Olhos. 

Omildoso, Humilde. 

Ordinhado, Ordenado. 

Oste, Exercito. 

Orpelado, Franjado [de oiro. 

Ouso, Osso. 

Oy, Hoje. 

Oyr, Ouvir. 

Paaço, Palácio. 

Padre, Pae. 

Pagar, Satisfazer-se. 

Piàmeiro, Peregrino. 

Panil, Pesponto de coteyíTe. 

Papagay, Papagaio. 

Par, Por. 

Paravoras, Palavras. 

Partimento, Desfecho. 

Parecer, Rosto, semblante. 

Partir, Acabar. 

Passo, Vagarosamente. 

Pastorella, Bailada pastoril. 

Patela, Patinha. 

Pêa, Embaraço. 

Peage, Pionagem, tributo. 

Pediçom, Petição. 

Pedido, Peditório. 

Petegrim, Peregrino. 

Pendon sem Caldeira, Hoste não 

sustentada. 
Peon, Pedestre. 
Per, Pôr. 

Perdoador, Que perdoa. 
Percalcar, SofTrer perdas. 
Pêro, Porém. 
Pez, (v. de Pesar) Pese. 
Pescoz, Pescado. 
Pindecoste, Pentecoste. 
Plazer, Prazer. 
Poer, Pôr. 

Pobra, Póvoa; logarejo. 
Poio, Píncaro. 
Pon, (y. de Pôr) Põe. 
Polo, Pelo. 
Palmeira, Abcesso. 
Pontos, Notas do canto. 
Poylo, Pois o. 
Posponto, Pesponto. 
Porra, (v. de Poder) Poderá. 
Porto, Passagem. 
Pos, Apoz. 
Posadeiro, Pousada. 
Postura, Lei. 
Pram, De prompto. 
Prasmado, Censurado. 
Prés, Perto. 
Preçar, Prezar. 
Preito, Accordo, accedencia. 
Prender, Tomar. 
Prestador, Prestadio. 
Prestumeiro, Ultimo. 
Prix, (de Prender) Tomou. 
Preyteiador, Pleiteador. 
Prez, Preço, presença. 
Profaçador, Satyrico. 
Profaçar, Satyrisar. 
Prol, Pró. 
Probe, Pobre. 
Proeza, Valentia. 
Proreza, Pobreza. 



Puge, (v. de Pôr) Puz. 
Punhar, Pugnar. 

Quegenda, Tal qual. 
Quartadas, Golpes de espada. 
Quebranto, Feitiço, agouro. 
Querelhas, Queixas. 
Querria, (v. de Querer) Quereria. 
Quitações, Pagamentos. 
Quiçá, Talvez. 
Quitar, Resgatar. 

Rabiosa, Que tem rabo. 
Raffece, Renegado. 
Rancuras, Aggravos. 
Recadar, Arrecadar. 
Recaudo, Acautelado. 
Rechantado, Replantado* 
Reer, Cortar, podar. 
Rem, Cousa. 
Remanyr, Permanecer. 
Rengelhoso, Que range. 
Repostar, Responder. 
Reposte, Reposteiro. 
Ric f omem, Cavalleiro. 
Riir, Rir. 
Roída, Vigia. 
Rostro, Rosto, cara. 

Sabha, (v. de Saber) Saiba. 

Sabença, Sapiência. 

Sabor, Prazer, graça. 

Sal, Salirá, Satrrá (v. de Sair) 

Sáe, sairá. 
Salva, Defeza. 
Salvidade, Salvação. 
Sandecer, Ensandecer. 
Sandia, Douda. 
Sanhoane, Sam João. 
Sanhar, Assanhar. 
Sanhudo, Assanhado. 
Saquiteiro, Moço do pão. 
Sorgo, Pano. 

Sazon, Ensejo, occasião. 
Scaleyra, Escada. 
Scancão, Moço da copa. 
Schoíar, Estudante. 
Selegon, Sela grande. 
Seestro, Esquerdo, sinistro. 
Sen, Sentido, cuidado. 
Segler, Segrel, Cantor de cavallo. 
Senço (v. de Sentir) Sinto. 
Sejo, Sedia e Siiam (v. de Sedar) 

Estou, estava assentado. 
Sedes, Sódes, Stmos, Seiades, 

Seve (v. de Ser.) 
Senhor, Senhora. 
Senhos, Taes. 
Servir, Galantear. 
Sinus Saymao, Signo de Salomão. 
Si, Se. 
Sin, Sem. 

Sirventes, Cantos satyricos. 
Sinllieira, Cuidadosa. 
Siquazes, Sequazes. 
Sirgada, Atada com sirgo. 
Sol, Soyo (v. de Soer) Costuma, 

costumo. 
Sô, Sob. 

Sofírenca, SoíTri mento. 
Sofralàar, Levantar a fralda. 
Sojomar, Permanecer. 
Soterrado, Enterrado. 
Soydade, Saudade. 
Spartido, Partido ao meio. 



236 



GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO 



Spital, Hospital. 
Strolomya, Astronomia. 

Tafmlaria, Vicio do jogo. 

Talam, Talante, Vontade. 

Talsyga, Sacola. 

Tathadores, Cobradores de im- 
postos ou talhas. 

Talho, Estatura. 

Tardada, Demora. 

Tam tnuyto, Muitíssimo. 

Tavolado, Jogo das Tavoias. 

Temperar, Afinar. 

Tene, Terra, (v. de Ter) Tem, 
terá. 

Terminhar, Terminar. 

TolheUo, Aleijado. 

Tolher, Tirar. 

Torçon, troço, copa. 

Tomar, Responder. 

Torpidade, Torpesa. 

Torto, Mal, damno. 

Toste, Logo, immediatamente. 

Touco, Projéctil do jogo. 

Tratado, Traslado. 

Trameler, Entremetter. 



Trapaz, Trapaceiro. 
Trasnoytar, Perder a noite. 
Traspemas, Traves da casa. 
Tray (v. de Trazer) Traz. 
Trautar, Em pre frender. 
Trebelhar, Folgar. 
Tredo, Traidor. 
Treitor, Traidor. 
Treyde (v. de Trazer^ Trazey. 
Tristem, Tristura, Tristeza. 
Trobar, Compor versos. 
Tropeyros, Os que andam em 

bandos. 
Trosq*iado, Tosquiado. 
Trutnentar, Atormentar. 
Tunador, Que anda á tuna. 

U, Onde. 
Unha, Uma. 
Ungrosr, Certos panos. 
Uso de Monpilher, Vestes doulo- 
raes. 

Vaudes, (v, de (r) Vades. 
Vaaanáo, Vadio. 
Vaídi, Certo pano. 



Valiria (v. de Valer) Valeria. 
Vassallo, Subordinado. 
Veer, Ver. 
Veiro, Alvo, alveiro. 
V elido, Bello. 
Vervejar, Dizer anextns. 
Vervo, Rifão, anexim; provérbio* 
Viaraz, Certo milhafre. 
Viçoso, Saudável. 
Viido, (v. de Vir) Vindo. 
Vilado, Envilecido. 
VUeco, Velhaco. 
Viltança, Vilta, affronta. 
Vinco, Viço. 

Vir ao Mayo, Entrar em campa- 
nha. 
Vogado, Advogado. 
Vus, Vos. 

Xa, A. 

Xe (expletiva.) 
Xi, Se. 

Y, Ali, aí. 

Zevron, Selim de pelle de boi. 



rr í> o 






N.