Google
This is a digilal copy of a bix>k lhai was preservcd for general ions oii library shelves before il was carefully scanned by Google as pari of a projecl
to make thc workl's books discovcrable online.
Il has survived long enough for lhe copyright lo expire and thc book to enter thc public domain. A public domain book is onc lhai was never subjecl
lo copyright or whosc legal copyright icrrn lias expired. Whcthcr a book is in thc public domain rnay vary country locountry. Public domain books
are our galcways lo lhe pasl. rcprcscnling a wcalth of history. eulture and knowlcdgc lhat's oflen dillicult lo discover.
Marks. noialions and olher marginalia present in lhe original volume will appcar in this lile - a reminder of this book's long journey from thc
publisher to a library and linally to you.
Usage guidelines
Google is proud to parlner with libraries lo digili/e public domain materiais and make lhem widely aeeessible. Public domain books belong to thc
public and wc are merely lheir cuslodians. Neverlheless. this work is expensive. so in order lo keep providing this resource. we have laken steps lo
preveni abuse by eommereial parlies. incliiJing plaang kvlmical reslrietions on aulomated querying.
We alsoasklhat you:
+ Make non -eommereial use of lhe files We designed Google Book Search for use by individuais, and we reuuesl that you use these files for
personal, non -eommereial purposes.
+ Refrain from imtomuteá í/nerying Dono! send aulomated queries of any sorl to Google's system: If you are eondueting researeh on machine
translation. optieal eharaeler reeognilion or olher áreas where aeeess to a large amount of texl is helpful. please eonlaet us. We encourage thc
use of public domain materiais for these purposes and may bc able to help.
+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on eaeh lile is essenlial for informing people about this projeel and hclping them lind
additional materiais llirough Google Book Search. Please do not remove it.
+ Keep it legal Whatever your use. remember thai you are responsible for ensuring lhai what you are doing is legal. Do not assume that just
because we believe a b(K>k is in lhe public domain for users in lhe United Siatcs. lhai lhe work is also in lhe public domain for users in other
counlries. Whelher a book is slill in copyrighl varies from counlry lo counlry. and wc can'l olíer guidance on wliclher any specilie use of
any spccilic biK>k is allowed. Please do not assume lhai a bix>k's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner
anywhere in lhe world. Copyrighl infringcmcnl liabilily can bc quite severe.
About Google Book Search
Google 's mission is lo organize thc world's information and to make it universally aeeessible and useful. Google Book Search helps readers
discover lhe world's books whilc liclping aulliors and publishcrs rcach new aLidicnccs. You can search ihrough lhe J li 1 1 lexl of this book on lhe web
al |_-. — .■■-:: //::;-;- -;.,.<.s.qooqle. com/|
Google
Esta é unia cópia digital de um livro que foi preservado por gerações em prateleiras de bibliotecas até ser cuidadosamente digitalizado
pelo Google, como parte de um projeto que visa disponibilizar livros do mundo todo na Internet.
livro sobreviveu tempo suficiente para que os direitos autorais expirassem e ele si; tornasse então parte do domínio público. Um livro
de domínio público 6 aquele que nunca esteve sujeito a direitos autorais ou cujos direitos autorais expiraram. A condição de domínio
público de um livro pode variar de país para país. Os livros de domínio público são as nossas portas de acesso ao [lassado e representam
uma grande riqueza histórica, cultural e de conhecimentos, normalmente difíceis de serem descobertos.
As marcas, observações e outras notas nas margens do volume original aparecerão neste arquivo um reflexo da longa jornada pela qual
o livro passou: do editor à biblioteca, e finalmente até você.
Dirct rizes de uso
Google se orgulha de: realizar parcerias com bibliotecas para digitalizar materiais de domínio público e tornados amplamente acessíveis.
Os livros de domínio público pertencem ao público, e nós meramente os preservamos. _\o entanto, esse trabalho é dispendioso; sendo
assim, para continuar a oferecer este recurso, formulamos algumas etapas visando evitar o abuso por partes comerciais, incluindo o
estabelecimento de restrições técnicas nas consultas automatizadas.
Pedimos que você:
• Faça somente uso não comercial dos arquivos.
A Pesquisa de Livros do Google foi projetada para o uso individual, e nós solicitamos que você use estes arquivos para fins
pessoais e não comerciais.
• Evite consultas automatizadas.
Não envie consultas automatizadas de qualquer espécie ao sistema do Google. Se você estiver realizando pesquisas sobre tradução
automática, reconhecimento ótíco de caracteres ou outras áreas para as quais o acesso a uma grande quantidade de texto for útil.
entre em contai. o conosco. Incentivamos o uso de materiais de domínio público para esses fins e talvez possamos ajudar.
• Mantenha a atribuição.
A "marca dágua" que você vê em cada um dos arquivos essencial para informai- as pessoas sobre este projeto e ajudá-las a
encontrar outros materiais através da Pesquisa de Livros do Google. Não a remova.
• Mantenha os padrões legais.
independentemente do que você usar. tenha- em mente que é responsável por garantir que o que está fazendo esteja dentro da lei.
Não presuma que, só porque acreditamos que um livro é de domínio público pata os usuários dos Estados Unidos, a obra será de
domínio público para usuários de outros países. A condição dos direitos autorais de um livro varia de país para país, e nós não
podemos oferecer orientação sobro a permissão ou nào do determinado uso de um livro em específico. Lembramos que o fato de
o livro aparecer na Pesquisa de Livros do Google não significa que ele pode ser usado de qualquer maneira em qualquer lugar do
mundo. As consequências pela violação de direitos autorais podem ser graves.
Sobre a Pesquisa de Livros do Google
A missão do Google é organizar as informações de todo o mundo e torná-las úteis e acessíveis. A Pesquisa de Livros do Google ajuda
os leitores a descobrir livros do inundo todo ao m esmo :cii:;hí i-m que ajuda ■ím uiuíj^ e edi:ore- a ai ca: içar novos públicos. Vnce pode
pesquisar o texto integral deste livro na web, em |http : //books . google . com/|
/
'' -'1 "Y:
v;
/
\ *
CANCIONEIRO &ft+ m
PORTUGUEZ
DA VATICANA
EDIÇÃO CRITICA
RESTITUÍDA sobre o texto diplomático de halle,
ACOMPANHADA DE UM GLOSSÁRIO
E DE UMA INTRODUCÇÃO SOBRE OS TROVADORES E CANCIONEIROS
PORTUGUEZES
POR
THEOPHILO BRAGA
Profeflbr de Litteraturas modernas e efpecialmente de Litteratura portugueza,
no Curfo fuperior de Lettras
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
MDCCCLXXVIII
i
CANCIONEIRO
PORTUGUEZ
DA VATICAM
EDIÇÃO CRITICA
RESTITUÍDA sobre o texto diplomático de halle,
ACOMPANHADA DE TJM GLOSSÁRIO
E DE UMA INTBODUCÇlO SOBRE OS TROVADORES E CANCIONEIROS
PORTUGUEZES
POR
THEOPHILO BRAGA
Professor de Litteraturas modernas e especialmente de Litteratura portugucza,
no Guiso superior de Lettras
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
MDCCCLXXVIII
Prevenção— Seguimos na reproducção do texto (Teste Cancioneiro o respeito que se deve ter pela integridade do
qualquer monumento histórico, não amputando aquellas phrases que repugnam aos costumes modernos, por isso que este livro
é para estudo e não para recreio ; como o serviço que prestamos á litteratura e historia pôde ser mais uma vez deturpado por
insidias de uma moral capciosa, declaramos que nesta reproducçSo seguimos o exemplo do historiador Herculano na sua edição
critica dos Nobilicurios.
g? LIBRARY Q
2 4 J'JL W
&
'/m*
No meado do século xv falia o marquez de San til lana da existência (Teste Cancioneiro
em Hespanha, e desde o século xvi se sabe do seu apparecimenlo em Roma ; mas no sécu-
lo xvn D. João iv preoccupava-se exclusivamente em mandar copiar musicas dos principaes
compositores, e no século xviíi D. João v pagava perdulariamente as copias de miseráveis
documentos ecclesiasticos do Vaticano. Cancioneiro portuguez flcou sempre ignorado, e por
isso a tradição litteraria esquecida fez com que esses dois séculos fossem mesquinhos e sem
intuito c vitalidade na litteratura. Os excerptos extrahidos por Lopes de Moura, por Griiz-
macher, por Wolf, por Diez, por Varnhagen e por Monaci, nunca conseguiram despertar o
mínimo interesse na Academia das Sciencias de Lisboa, cuja dotação annual de mais de doze
contos de réis era dispendida em commissões litterarias fictícias, porque o trabalho cffectivo
resumia-se na reproducção typograpbica de alguns documentos com poucas linhas de pro-
logo histórico. Referimo-nos especialmente à collecção Portugalice Monumenla histórica,
da qual desde 1856 até 1877 apenas apresenta quatorze fascículos, os quaes custaram até
ao anno de 1876, pagando a um director 480/5000 réis annuaes, a um paleographo 2700000
réis, e a um revisor 2400000 réis (sem incluir a impressão e o papel), a quantia de réis
19:800^000! O trabalho litterario (Testes fascículos consiste em copias paleographicas
e mais nada ; mas no nosso paiz entende-se o dever (Teste modo. N'esla collecção dos
Portuga liw Monumenla histórica resolvera o seu fundador e director incluir na Secção
dos Scriptores o Cancioneiro da Ajuda e o Cancioneiro da- Vaticana; como estas repro-
duções não consistiam em simples copias, mas em restituições de texto e interpreta*
coes históricas, encobriu-se a impossibilidade com a reproducção de um desgraçado texto
do Código wisigothico, e assim se flcou servindo a algibeira sem servir a sciencia. Pela parte
do governo nenhum ministro teve a educação litteraria suííiciente para cTesses subsídios
que se dão para assistir a paradas militares no estrangeiro tirar uma pequena quantia para
mandar a Roma quem copiasse o monumento portuguez da Bibliotheca do Vaticano. Porém às
vezes pôde mais a boa vontade do que todos os poderes do mundo.
Sobre os pequenos subsídios para a historia da litteratura provençal portugueza, minis*
trados pelo embaixador inglês Lord Sluart, pelos brazileiros Lopes de Moura e Varnhagen,
pelos allemães Wolf, GrUzmacher e Diez, tentámos uma pequena synthese da epocha dos
nossos trovadores no livro Trovadores galecio-porluguezes, Porto, 1871. livro era defei-
tuoso por incompleto, porque incompletos eram os documentos sobre que se fundava; ter-
minava com uma imprecação acerba sobre o desleixo da Academia e do governo por deixa-
rem no esquecimento o grande Cancioneiro porttiguez da Vaticana. De 1871 a 1877 a
Academia continuou.consummindo em silencio a sua dotação, e o governo continuou a preoc-
cupar-se de si ; mas o livro dos Trovadores galecio-port>oguezes chegou á Itália, e um i Ilustre
romanista o joven professor dr. Ernesto Monaci, movido por aquellas palavras de interesse
emprebendeu restituir à nação portugueza o livro da sua tradição litteraria ft . As dificulda-
des que elle teve a vencer irão contadas adiante ao biographarmos este eminente philologo ;
é certo porém que o Cancioneiro portuguez da Bibliotheca do Vaticano estava publicado em
1 Em carta de 14 de abril de 1873, escrevia-nos o illustre philologo: «Nel preparare questo lavoro poi noa
mi è di poça compiacenxa il pensare ai materiali richissimi che caso presenterà per nuove opere ali' illustre
rtorico delia letteratura portoghese.»
IV IND1FFERENÇÀ DO PUBLICO PELO PASSADO NACIONAL
1875 por uma casa editora de Halle, que teve o patriotismo que faltou ao nosso governo, e
a intelligencia scientiGca que faltou á nossa Academia.
Monaci fez uma edição diplomática do Cancioneiro portuguez da Vaticana; as dificulda-
des insuperáveis do texto obrigaram-no a uma reproducção quasi fac-simile, entregando à
aptidão dos homens de sciencia de Portugal a restituição pura da linguagem archaica ali de*
turpada pelo primeiro copista do século xvi.
São commoventes as palavras com que Monaci termina a sua audaciosa empreza : «Questa
non é che una prima pietra, e voglia il cielo che tornato il livro in Portogallo, diventi presto
oggetto di studi novelli. É solo nelle fonte delle tradizione patrie che lo spirito di una nazio-
ne si ringagliardisce.» livro chegou a Portugal em dezembro de 1875, encarregando-me
o auctor e editor de offerecer em seu nome um exemplar á. Academia das Sciencias. Para
evitar a nossa vergonha tive de solicitar o agradecimento, e a nomeação de sócio correspon-
dente, titulo que tem descido entre nós até à ínfima plebe das letras, para o homem que no
estrangeiro maior serviço prestou à litteratura e historia de Portugal. Para que o juizo
sobre o Cancioneiro não ficasse no olvido, como a maior parte das obras dadas à censura
académica, tive que redigil-o. Mas apesar de tudo o trabalho de Monaci não foi comprehen-
dido, porque um académico chegou a propor em sessão, que sendo illegivel a edição de
Monaci, seria conveniente que a Academia das Sciencias de Lisboa mandasse tirar uma nova
copia para fazer uma edição sua ! Que paleographo na Europa seria capaz de tirar uma co-
pia com mais fidelidade e intelligencia do que a de Monaci? com todos os elementos críticos
para uma restituição integral? Ninguém.
que a edição diplomática do Cancioneiro da Vaticana reclamava era estudo. Lançá-
mo-nos a esse trabalho de restituição, como quem cumpria um dever de honra nacional; não
tínhamos esperança de alcançar os meios de publicidade para o nosso texto, mas fomos pro-
seguindo sempre. Nas livrarias, dos exemplares do Cancioneiro apenas se venderam uns
quinze ! Silencio da parte dos escriptores, porque nenhum jornal deu noticia da publicação
de Monaci, desprezo da parte do publico, tudo pesava sobre nós como uma grande vergo-
nha. Da Allemanha pediam-nos um juizo critico sobre o Cancioneiro para a Zeitschrift ftir
romanische Philologie 1 de Breslau, e em Portugal todos os livreiros se recusavam a tomar
a empreza da edição critica d'este esplendido monumento nacional I
Depois de restituído completamente o Cancioneiro, tentámos publical-o por fascículos,
associando-nos com um proprietário de typographia. Fizemos correr o seguinte prospecto :
«0 monumento principal da litteratura portugueza, pela sua importância philologica, his-
tórica, tradicional e artística, e pela época e sociedade que representa, é indubitavelmente
o grandioso Cancioneiro portugwz da Bibliotheca do Vaticano. Pertence aos séculos xm e
xiv, e compõe-se de mil duzentas e cinco canções que se repetiram nas cortes de D. Affon-
so in, D. Diniz e D. Adenso iv; ali se acham imitadas as varias escolas poéticas do fim da
edade media, os cantos trobadorescos da corte de S. Luiz, os cantares de segrel das cortes
peninsulares, os dizeres gallegos, e os lais bretãos a que apenas se allude ; emquanto às in-
dividualidades históricas, ali se acham representadas nos mais saborosos trovadores as famí-
lias que estiveram com Affonso in em França, e conspiraram para o elevarem ao throno. Por
qualquer lado que se compulse este monumento, redobra-se o seu valor. Desde o século xvi
que se sabe da sua existência ; os sábios estrangeiros o tém estudado suecessi vãmente, a
estrangeiros devemos os fragmentos publicados até hoje, e hoje a admirável edição diplo-
mática de Ernesto Monaci, que appareceu à luz em Halle, em fins de 1875. texto primiti-
vo do Cancioneiro suppõe-se perdido desde 1516 ; existe um apographo de copista que não
sabia portuguez, e que reproduziu o texto extrahindo-o cTentre a pauta musical ; d'aqui re-
sultou que o amanuense, apesar de toda a sua fidelidade reproduziu palavras imaginarias,
1 Fase. i, p. 41 a 57, e n, p. 179 a 190
NEGLIGENCIA DOS GOVERNOS V
as mais das vezes sem forma de verso. illustre Monaci, que salvou este texto, provoca a
nação portugueza com o seu generoso brinde, a trabalhar para a reconstrucção critica da
forma autbentica perdida. Ê o que tentamos hoje de um modo integral.
«A nossa edição deve constar:
«1 .°De uma longa introducção sobre a historia da poesia provençal portugueza deduzida
do texto do Cancioneiro, e de um estudo de historia externa sobre a filiação dos difTerentes
Cancioneiros dos séculos xm e xiv, com os quaes o Cancioneiro da Vaticana tem intima re-
lação.
<(2.° Do texto das mil duzentas e cinco canções restituído em quanto à lingua, à da épo-
ca em que foi escripto o Cancioneiro, pelos processos críticos mais rigorosos ; em quanto &
poética, Oxando-lhes a sua justa metrificação e a forma estrophica, segundo os dados com-
parativos da poética provençal.
«3.° De um glossário de todas as palavras archaicas empregadas no Cancioneiro; e no-
ticias biographicas dos trovadores porluguezes.»
Ao fim de seismezes apenas se haviam colhido oito assignaturas ! typograpbo propoz
então dirigir em seu nome um requerimento ao governo, pedindo a assignatura de um certo
numero de exemplares. Ficou sem resposta o requerimento, que é como se segue, e que aqui
fica archivado, por isso que o outro se perdeu debaixo da mesa da secretaria compe-
tente :
«Senhor — Os typographos F. F., procurando alliar ao interesse da sua arte todos os es-
forços para que a gloria (Teste paiz, de quem são filhos adoptivos, se affirme com todo o
brilho nos grandes congressos industriaes do nosso século, projectam fazer uma edição do
primeiro monumento da lingua e da litteratura portugueza, d'esse opulentíssimo Cancio-
neiro da Bibliotheca do Vaticano, do qual apenas existe uma edição diplomática illegivel,
publicada na Allemanha.
a A necessidade que o publico portuguez tem d'este livro, a sua inquestionável impor-
tância, ficam expostas no. prospecto junto; a falta de iniciativa das emprezas editoras, e o
grande sacrifício necessário para restituir aos que estudam este precioso Cancioneiro, fica-
ram-nos patentes com a cedência gratuita do texto litterario; é para o auxilio das despezas
da impressão que recorremos ao expediente das assignaturas, e por isso dentro dos limites
da verba destinada para animar e favorecer as emprezas scienlificas (Teste paiz
aLisboa, i 876. «P. a Vossa Magestade haja por bem mandar subscrever por um
certo numero de exemplares do Cancioneiro portuguez da Biblio-
theca do Vaticano, tal como se projecta no presente prospecto. —
E. R. M.<*=F. F.»
Por ultimo offereci ao lypographo emprezario duzentas assignaturas, mas recusando-se
então a imprimir por sua conta o Cancioneiro da Vaticana, vi que elle perdera completa-
mente a esperança de ser secundado pelo publico. Na Academia, os estatutos tém um ar-
tigo que dâ direito à impressão de obras de indivíduos não sócios, mas de reconhecida im-
portância nacional ; para que esse artigo se tornasse eflectivo era necessário esperar por um
novo orçamento para que essa despeza podesse ser incluída na dotação da Academia, d
que eu me expuzesse a passar por detrás dos membros da classe de litteratura, de quem
dependia a approvação do Cancioneiro* Um (Telles cria que o texto do Cancioneiro era
latim!
No cm tanto a Academia das Sciencias gastava perto de dois contos de réis em adornaras
sua* >alas para celebrar uma sessão solemne, porque havia jà dez annos que se não reunia ;
o p jlico foi assistir á sessão real, sem se lembrar de querer saber em que se gastaram cen-
VI O Ql^ VALE A INICIATIVA INDIVIDUAL
to e tantos contos do réis n'esse intervallo de dez annos, porque as relações litterarias com
as outras Academias da Europa conservam-se á custa das Memorias do principio (Teste sé-
culo. A par d' es ta negligencia nacional, no estrangeiro o interesse scientiflco muitas vezes
se occupou do passado histórico de Portugal; e no momento em que a Academia se prepa-
rava para sacudir o pó da velha rbetorica oficial, para dar parte da compra insensata de
um casco de Diccionario portuguez por doze contos de réis, e com o qual tem gasto sem re-
sultado até ao presente perto de sete contos e quinhentos mil réis, um erudito italiano, auxi-
liado por um intelligente editor allemão, restituia á nação porlugueza o livro das suas ori-
gens litterarias. .
Era uma vergonha para esta corporação o ter pelo menos desde 1847 deixado esqueci-
do no archivo do Vaticano esse documento extraordinário do nosso passado histórico. Nada
se fez para o tornar accessivel aos que estudam desajudados ; porém nos assumptos propos-
tos a premio pela Academia, para o anno de 1876, appareccu o seguinte inexplicável que-
sito, ao qual se promette uma medalha de oiro de peso de cincoenta mil réis: «Compor um
glossário de palavras hoje obsoletas ou antiquadas, que se leiam nos antigos Cancioneiros
Pobtuguezes, fazendo sobre cilas as observações linguisticas e phihlogicas que parecerem
convenientes 1 .» Isto revela-nos que alguém na Academia ouvira fallar em Cancioneiros
portuguezes, mas que não sabia que um glossário se não pôde fazer sem um texto accessi-
vel; ou que se pretendia supprir com este novo subsidio as insanáveis imperfeições do sup-
posto Diccionario de Ramalho e Sousa. Era tempo já do governo mandar pôr em pratica o
artigo dos estatutos da Academia, que commina a exclusão aos sócios que durante dois an-
nos não apresentem trabalhos; assim se melhorava uma instituição admirável e única, ex-
cluindo os inúteis que â desauetoram.
Haviamos perdido toda a esperança de honrar o serviço do illustre Monaci, publicando
o nosso estudo fundamental sobre o Cancioneiro portuguez da Ka/icana;faltava-nossóo
recurso ultimo de publicarmos algumas restituições parciaes dos grupos de canções mais il-
legiveis nas Revistas de philologia românica, na Romania., para cuja collaboração nos con-
vidara Mr. Gaston Paris, ou na Zeilschrift fiir romanische Philologie, para onde nos convi-
dara o dr. Guslav Gruber.
Nestas circumstancias visilou-nos o dr. Francisco Ferraz de Macedo, medico pela escola
do Rio de Janeiro, onde exerce a clinica, por occasião da sua viagem pela Europa ; soube
das diíUculdades insuperáveis que embaraçavam a entrega d 'este monumento à nação por-
lugueza, e insurgiu-se pondo immediatamente ás nossas ordens todos os meios maleriaes
para que a edição critica do Cancioneiro portuguez da Bibliotheca do Vaticano viesse a pu-
blico. Emquanto os príncipes assignalam a sua passagem com salvas, fogos de vista e para-
das de manequins, os que sabem o valor do trabalho e que tém amor de pátria deixam
após si monumentos que em todos os tempos são outros tantos estímulos de progresso. A
publicação do Cancioneiro portuguez da Vaticana deve-se exclusivamente ao patriotismo
do dr. Francisco Ferraz de Macedo; os que estudam conhecerão o valor d'este acto, e para
elles o seu nome ficará sempre venerado. Desculpe-nos esta violação da modéstia desinteres-
sada, declarando contra sua vontade o nome de quem por um sentimento de solidariedade
nacional praticou o que uma Academia dita de sciencias, com uma rica dotação, não soube
fazer. Noemtanto o corpo dos Portugalice Monumenta histórica continua consummindo quatro-
centos e oitenta mil réis annuaes com um director a quem a Academia concedeu dois turnos
de aprendizagem espectante, e duzentos e quarenta mil réis com revisor, que nada revê por-
que nada se imprime, e mais de quinhentos mil réis a dois paleographos que nada copiam.
Com o poderoso subsidio annual de que dispõe, a Academia das Sciencias devera ser um
elemento civilisador n'este paiz, e não ura asylo de mendicidade, dispendendo esterilmente
1 Sessão publica de 1875, p. xxxvt.
SYSTEMA DE INTERPRETAÇÃO DO CANCIONEIRO VII
os seus meios em mczadas que endireitem o orçamento domestico de amanuenses de secre-
taria ou bacharéis sem clientela que se lembraram de ser académicos.
Demos agora conta dos nossos processos de restituição do texto do Cancioneiro. Como
este texto foi copiado em principio do século xvi por um amanuense italiano de um apogra-
pho pouco intelligivel, acontece que os erros que se acham no Cancioneiro se podem re-
duzir a um systema; e portanto a interpretação facilita-se porque desapparece o capricho.
Os erros consistem : 1.°, em troca de leiras, e tfeste ponto o próprio Monaci organisou uma
chave .bastante útil para o trabalho da restituição; 2.°, em união de abreviaturas; a leitura
offerece muitos equívocos, mas pela intelligencia da canção e pela phraseologia usual se es-
tabelece a forma definitiva; 3.°, erros resultantes da troca de letras e confusão das abrevia-
turas, são os mais difficeis de interpretar, e só por logares parallelos se consegue uma lei-
tura plausível ; 4.°, falta de versos } e versos escnptos como prosa, ou dois fragmentos de
verso reunidos em um só; a leitura faz-se conhecendo primeiramente a estructura da stro-
phe; 5.°, alteração da rima, aqui a emenda pôde ser conjectural, uma vez que siga a for-
ma imposta pela canção ; 6.°, alteração da f&rma strophica; como de ordinário a canção
tem três strophes, começa-se pela leitura da mais completa para assim entrar na reconstruc-
ção das mais deturpadas; 7.°, suppressão de estribilhos, quando se não pôde formar o estri-
bilho na interpretação da primeira estrophe, procura-se no typo análogo de outras canções
o seu systema de rima, e do texto da canção se extraem os versos ou palavras que o com-
pletam ; 8.°, canções divididas, ou com rubricas inter calladas, reunem-se pela similhança
da forma strophica e do sentido. Onde apparecem dois números repelidos, é porque designa-
vam dois fragmentos de uma mesma canção; 9.°, canções repetidas, estas tém um grande
valor para o systema de interpretação, e para explicar o systema de compilação do Cancio-
neiro; 10.°, ignorância dos géneros característicos; acontece que algumas canções galle-
gas ou de amigo, estão escriptas & maneira limosina; pelo conhecimento da forma gallega
é que se reconstrue o typo da canção; ll.°, alteração dos nomes próprios ; restiluem-se
pela rima, e especialmente pela interpretação histórica.
Se exemplificássemos todos estes casos, o trabalho que ahi fica tornar-se-ía prodigioso ;
se se confrontar o nosso texto com os fragmentos de Lopes de Moura e Varnhagen, ver-se-
ha que estes editores organisaram os seus textos por supposições gratuitas, supprimindo as
canções quando não as podiam ler. Depois da enumeração dos erros systematicos segue-se
a enumeração dos meios hermenêuticos para a restituição do texto'; foram : interpretação
pelos recursos da poética provençal, medição do verso, distribuição da rima, estructura
strophica, combinação de retorne lios, e características distinctivas do género; uma parte
conjectural, como palavras omissas introduzidas por força da rima, sentido e estylo peculiar
e contemporaneidade de formas archaicas.
Por estes processos ousamos declarar que nenhuma canção resistiu por mais deturpada
que estivesse; com. algumas gastámos mezes, approximando-nos gradualmente da verdade
até a julgarmos plenamente restituída. Porém desde a primeira até á ultima canção tivemos
sempre diante de nós o imprevisto, e nunca a segurança de que terminaríamos com bom
êxito este trabalho! Algumas das nossas interpretações já publicadas na Anthologia por*
tugueza mereceram ao traduetor allemão de Camões, o dr. Storck, a classificação de admi-
ráveis 1 ; porém estamos certos de que uma critica severa tem de fazer, o processo do
nosso trabalho canção a canção, não em* Portugal, onde só temos colhido insultos de uma
• «Car sans vouloir diminuer la grande valeur de 1'ouvrage de Mr. Monaci, laquei le est au dessus de mes
louáDges, il me faut dire qu'elle n'est qu'une copie de Foriginal, qnoique celte reproduetion soit fort exacte
et fort précicuse; mais le texte en est presque aussi di£flcilc à comprendre que le manuscript le será lui-mô-
me. Selon ce qu'on voit par les épreuves que vous en avez données dans votre prospectus et dans votre An-
lhologie, surtout dans 1'admirable restitution du texte de la Romance n.° 3 (Desflar enviaron) votre édition ren-
dra plus facile ou plutòt— pour cn djre Ia veritó— ellc rendra possible 1'étude de ces documents précieux.
Storck, Munstcr, õ décembre, 1876.»
VIU VALOR DO CANCIONEIRO DE ÂFFONSO O SÁBIO
imprensa jornalística degradada, mas onde os estudos românicos estão convertidos em scien-
cia. Abi atravessarei duras provas, mas dar-me-hei por compensado se o texto que apresen-
to for julgado a base indispensável de uma edição definitiva.
A introdução historico-litteraria é quasi inteiramente nova, porque na refundição do li-
vro Trovadores gallecio-portuguezes pouco aproveitámos diante da riqueza de factos desco-
nhecidos. glossário foi organisado com o simples intuito de facilitar a leitura do Cancio-
neiro,-* philologia românica tem tudo a fazer jia parte linguistica. Se o]Cancioneiro de Affònso
o Sábio já estivesse publicado pela Academia de Historia de Madrid, com certeza derrama-
ríamos mais luz sobre o período litterario de D. Affonso ni ; infelizmente aquella corporação
precisando consultar escriptores portuguezes sobre a linguagem dessas canções julgadas ora
compostas em gallego ora em portuguez, estacionou perante uma das nossas reputações offi-
ciaes, e o Cancioneiro soffre delongas que prejudicam a sciencia. É possível que o Cancio-
neiro portuguez vá prestar ao códice poético aflbnsino uma nova luz ; fica ainda na sombra
o Cancioneiro da Ajuda, á espera da coadjuvação casual de algum impulso patriótico. Se o
governo em vez de mandar imprimir resmas innumeras de papel em órgãos officiaes, relató-
rios e outras cousas que se gastam em embrulhos de mercearia, comprebendesse a necessi-
dade de fortificar o sentimento nacional, tornando accessivel à nação os monumentos do ?eu
passado histórico, com certeza não cairíamos n'este profundo marasmo que se revela pela
esterilidade scientiflca, pelo pedantismo litterario, pela dissolução e indifferença politica,
emflm por esta desaggregação de um corpo a que lhe foge a vida.
TROVADORES E CANCIONEIROS PORTUGUEZES
CAPITULO I
ORIGEM E DIITUSIO DA POESIA PROVENÇAL NA EUROPA MODERNA
A Provença é considerada como o centro d'onde irradiou pelo mundo o gosto e a tendên-
cia da poesia lyrica e do amor; não porque a alma moderna ali primeiro do que em outra
qualquer parte soffresse a necessidade de dar uma forma universal e sentida á sua paixão,
mas porque ali essa linguagem recebeu pela primeira vez a forma escripta. Fixadas gra-
phicamenle as eslrophes caprichosas que se cantavam, conservava-se o artificio poético,
e a imitação tornava-se espontapea ; a novidade e o imprevisto das formas tornaram-se o
característico da invenção, e se por um lado produziram o desenvolvimento do génio poé-
tico, pelo abuso das convenções banaes c frívolas é que a poesia provençal veiu a extin-
guir-se ao fim de dois séculos. A propagação rápida do lyrísmo provençal para o norte da
França e Inglaterra, para a Itália, Allemanba, Siciiia, Baleares, para a Galliza, Portugal,
Catalunha, Aragão e Castella, revelam-nos que esta poesia se deriva de um profundo ele-
mento tradicional despertado pelos trovadores da Provença, e de um novo sentimento de
nacionalidade, de que esse lyrismo foi a linguagem.
Antes de procurarmos as tradições e o impulso nacional que produziram esta poesia nova,
que serviu de desafogo ao sair da' mudez da edade media, vejamos a sua collocação geogra-
phica, determinemos-lhe as raias, para que pelas suas relações ethnicas ou por contiguida-
de material.se explique o modo como ella lavrou e se diffundiu por quasi todos os povos da
Europa. Assim procedeu Diez.
nome de Provença foi dado pelos conquistadores romanos à Gallia transalpina ; conquis-
tado o resto das Gallias, ainda depois de Gesar ficou prevalecendo o nome de Província; com
as divisões administrativas de Augusto, a Provinda romana veiu a comprehender a Pro-
vença, o Delphinado, a Saboya, o Russilhão, Foix e quasi todo o Languedoc. Com a invasão
wisigotica no século v, o titulo de Provinda perde o seu sentido administrativo e fica usa-
do como uma denominação vaga; no sentido politico a Provença nem mesmo significava a
França meridional, que era conhecida pelo nome de Aquitania. Gonj o tempo estes dois no-
mes idenlificam-se.
Alem da diíTerença dos costumes e das tradições municipaes-romanas, as povoações
francezas dividiam-se segundo a lingua que faltavam. Em uma canção do trovador Albert
de Sisteron, as povoações francezas estavam divididas em Catalães, Gascoes, Provençaes,
liraosinos, Avernos e Vienezes. Somente depois das Cruzadas é que o nome de Provença,
até então particular, foi dado a toda a parte meridional da França; os Borgundios, Avernos,
Vasconios e Godos, ficaram designados como Provinciales, como declara Raymundo de Agi-
les, e os historiadores usaram também chamar Francigenas aos que occupavam as regiões
do norte da França. Os chronistas e escriptores foram introduzindo a denominação vulgar de
Provença, ou Proença, a ponto de se esquecer a designação olficial de Aquitania; este no-
me encerra a extensão ethnica em que floresce a poesia provençal, e pela moderna compre-
hensão da raça gauleza hoje considerada como differente da céltica, 1 se explica a unidade
do lyrismo meridional. A demarcação da zona em que se desenvolveu o novo género lilte-
rario discorre desde ò norte do Loire, passando pela ponte do lago de Génova, de Sevres
niorteza para o oeste, comprehendendo o Ducado da Aquitania, o Condado de Auvergne, o
Condado de Rodez, o Condado de Tolosa, o Condado de Provença e o Condado de Vienna *.
Os geographos romanos confundiram os Gaulezes com os Celtas ; só modernamente 6 que
se conseguiu descobrir que o Gaulez era de raça scy thica, e portanto pertencente a esse fun-
do luraniano que ainda se revela pela Europa na côr ruiva dos cabellos. (Topinard.) Uma
■ Lemière, Elude sur les CeUes, £• Elude, pag. 40. Polybio é quem mais profundamente distingue o gau-
lez do celta, dizendo: «Mas os Romanos confundiram estas nações sob uma mesma denominação, e a todas
deram o nome de gaulezes.» (Op.. v, 32.) Lagneau, CeUes, ap. Diclionnaire des Sciences médicales t t. xm.
1 Frederico Diez, Poisie des Troubadours, pag. 1. Trad. Roisin,— Baret, Les Troubadours, pag. 58.
B
X CARACTER ETHNICO DA POESIA PROVENÇAL (GAP. I
emigração em sentido contrario ao da corrente indo-européa o fez espalhar-se pela penín-
sula hispânica e itálica e pelas ilhas do Mediterrâneo. Como de raça scythica o Gaulez tinha
intimas analogias com os Iberos, como observou Strabão nos povos da Aquilania, ou da re-
gião meridional da França. O nome de Basco é uma das formas coramuns do nome de Vas-
cones ou Galeões; e o nome de euslmara, a linguagem gesticulada, a sciencia do gesto, as-
sim como é o característico do ibero, distingue o gaulez pelo seu genio rhetorico; Fauriel
também determinou um grande numero de palavras bascas no provençal dos trovadores,
recorrendo a uma unidade commum de etimologia.
Segundo Guilherme Humbqldt, que ainda não distinguira o celta do gaulez, os Iberos
encontra vam-se na Aquilania, e nas três grandes ilhas do Mediterrâneo, a Córsega, a Sarde-
nha e a Sicília; é n' estes paizes que existe uma poesia lyrica especial, que facilmente assi-
mila a si a poesia da Provença e lhe imprime uma tendência pastoril, tornando o gosto das
pastorellas como a unidade do genio lyrico da Europa meridional. Os nomes ibéricos que se
acham na Itália primitiva, apresentam este caracter pelo que tem de commum com o gau-
lez. Estes dois povos são ramos do mesmo grande tronco turaniapio, que vieram a fundir-se
com os celtas das migrações indo-européas ; distinguem-se um do outro, porque o gaulez
invadiu a Europa occidental pela Ásia Menor ao longo da costa do Mediterrâneo, e o ibero
isolou-se na península, vindo da Ásia através da Africa e do Egypto, como se deduz da sua
dolichocephalia, que revela a fusão com grupos africanos de raça branca. Nas inscripções
lapidares da Península encontram-se nomes de divindades que se acham também entre os po-
vos do ramo allophylo do tronco branco, a que se tem dado o nome de turaniano, re-
jeitado por alguns philologos. Nos documentos da grande civilisação turaniana temos hoje
as provas directas do seu grande genio lyrico nos hymnos accadicos traduzidos por Oppert e
por Lenormant ; esses hymnos são de um gosto pastoril, e o costume dos retornellos revela-
nos a sua reapparição na tradição gauleza. Se a fácil propagação do lyrismo provençal por
toda a Europa meridional se explica por um fundo ethnico commum, as formas particulares
das pastorellas, ás vezes quasi copiadas entre cantores que se desconheceram, revelam-nos
uma mesma tradição manifestando a recorrência d'essa identidade ethnica.
A poesia provençal manifestou-se na zona gallo-romana, e, como abaixo veremos, os
trovadores partiram de imitações de formas tradicionaes. Na zona gallo-romana, o elemento
gaulez representa a parte popular, e a influencia erudita, latinista e ecclesiastica, e sobre-
tudo a organisação municipal, são os vestígios da cultura romana. A união d'estas duas in-
fluencias formou a civilisação da França meridional, apesar de trabalharem longo tempo sem
accordo. A civilisação romana em nada alterou o caracter do gaulez, como aconteceu com
as invasões frankas, que desnaturavam pelo numero e pelo cruzamentp ; as instituições mu-
nicipaes desenvolviam a autonomia local, asseguravam a independência do individuo cuja
feição ethnica se conservava espontaneamente. Só quando a egreja se apoderou da cultura
latina, é que tornou desprezível a linguagem popular, e que prohibiu os cantos vulgares,
como restos do paganismo. silencio foi longo e forçado ; adoptaram-se canções latinas e
redigiram-se relações agiographicas ou legendas, mas uma circumstancia particular des-
viando a pressão clerical para a empreza das Cruzadas, a França meridional voltou-se com
amor para os seus cantos tradicionaes.
Os trovadores começaram por dar forma aos cantos tradicionaes que se repetiam incon-
scientemente ; umas vezes aproveitavam as velhas árias para acompanhar os versos novos,
outras vezes explicavam com versos fragmentários que lhes serviam de refrem a situação de
um sentimento exclusivo. O emprego do retornello na canção litteraria da Provença proveiu
d'esta imitação tradicional. Muitas vezes o trovador, diante da variedade de formas novas
que se introduzia, adheria com mais aíTinco á tradição do passado e fazia as suas pastorellas
no gosto antigo. achado de novas combinações poéticas produzia um deslumbramento, e
repetia-se e iraitava-se entre os cantores ; a tradição esqueceu-se de prompto. primeiro
trovador conhecido pela sua inspiração individual foi Guilherme ix, conde de Poitiers e du-
que da Aquilania (1087); as suas canções revelam a existência de cantos anteriores ao sé-
culo xi, menos perfeitos, mas já em linguagem vulgar. Diez considera as sua? canções como
uma. transição dos cantos populares; pelos concílios episcopaes determina-se a existência de
canções amorosas e satyricas ao sul da França condemnadas pela egreja 4 , e entre os nomes
de desprezo dados pelos latinistas da erudição da decadência aos que cantavam as cantigas
vulgares acham-se as formas d'ontle provieram depois as designações de classes novas, co-
mo osjograes, os menestreis } os histriões ou troveiros que recitavam as chronicas rimadas.
1 Concilio de Auxerre, de 578.
CAP. i) ORIGENS TRADICIONAES DO LYRISMO XI
Este ponto de vista da origem tradicional do lyrismo da Provenpa é uma realidade his-
tórica ; o trovador Guilherme de Berguedan o confessa : -
Chanson ai comensada
Que scra loing chantada,
En est son veill anlic,
Que fez Not de Moncada.
(Cnorx, ii, 167).
Pierre d'Auvergne confessa o esforço que fez para se libertar da imitação tradicional :
«Não é sem fadiga e sem tormento que eu cheguei a cantar» de maneira que o meu canto se
não pareça com o de alguém.» (Fauriel, ii, 13.) Gui d'Uissel cita o typo das canções amoro-
sas de que procurava fugir: «Bem mais vezes faria canções; mas aborrece-me ter sempre
de dizer que choro e suspiro de amor; porque toda a gente sabe dizer outro tanto. Eu qui-
sera sobre árias agradáveis versos novos; mas não acho cousa que não esteja já dita.»
(Faur., ii, 43.) O trovador Cercamons 7 o primeiro trovador conhecido depois de Guilherme ix,
conde de Poitiers, é designado nas tradições provençaes como auctor de Pastorellas no gosto
antigo. (Faur., n, 91.) Ao passo que vemos nos próprios trovadores accusada a existência de
um veio tradicional, achamos n'esses barões manifestado o primeiro gosto que lhes chamou a
attenção para esses cantos; Ebles in (n. 1086) é denominado o Cantador, e seu filho Ebles rv,
morto em 1170, em edade avançadissima, usquam ad seneclam carmina atacrUalis dile-
xií, como escreve o Prior de Vigeois na sua Chronica.
Portanto é ao sul da França que se deve procurar os vestígios da primitiva poesia da ra-
ça gauleza, tantas vezes absorvida e assimilada. Essa poesia era propriamente lyrica e saty-
rica, com o caracler que mais tarde vieram a revelar as canções dos trovadores occitanios
c os sirventesios jogralescos. Leroux de Lincy, sob o nome de Vallemachias cita uma forma
de poesia popular prohibida pelo Concilio de Auxerre, no século vi: «Elias eram muilo li-
vres, e talvez se possa contar entre o numero d'essas composições as que cantavam as' ra-
parigas nas egrejas, e que foram expressamente prohibidas pelo Concilio de Auxerre, de
578.» 1 Na tradição portugueza acha-se a designação de Cantos de ledino, que nos define
esta forma da tradição popular ; embora o nome de Vallemachias nos appareça pela pri-
meira vez em Izidoro de Sevilha, e seja da origem grega, não se deve confundir a designa-
cão, dada por eruditos ecclesiasticos para condemnar um facto existente, com esse facto ne-
gando a sua existência ou caracter gaulez, porque a palavra Ballismalica 6 grega. nome g
condemnatorio dos eruditos ecclesiasticos tem em si impressa a feição erudita 2 ; as Bailadas, '
Ballets, Baylias, que apparecemem toda a poesia trobadoresca meridional, são uma designa-
ção moderna de cantos tradicionaes antigos que reappareceram com voga na corrente dos
costumes. instrumento musico de corda com que se acompanhava o trovador no seu can-
to, chamava-se Rota, instrumento gaulez, cuja designação Croud se acha melhor definida
em Venâncio Fortunato, que lhe chama Chrotta brilana. 3 As Cortes de Amor, que se usaram
como divertimento cm toda a Europa, reviveram primeiramente nos solares da Provença,
porque nas planuras centraes da França, onde era o foco da raça gauleza, lá havia existido
o antigo costume dos Puy, ou asserabléas poéticas e jurídicas. O clima aprazivel do sul fa-
cilitava as divagações nocturnas, e as colónias gregas de Marselha fizeram reviver as formas
da tensão, os cantos de alvorada e afraMada(Vallemachia). 4 Na tradição popular portugue-
• Hécueil dês Cfianls hisloriqties, tom. i, pag. v.
chias; ce mot, comme on peut sen assurer dans Du Cango, est une faute de lecturc pour ballismalia ou quel-
oue terme greeque semblablc; il ne se trouve guèrc qu'en Espagnc, et parait signiíier— danses.» Esta objecção
c meramente exterior. Belloguct, no Glossário gaulez, pag. 173, entre as palavras colligidas de santo Isidoro
de Sevilha, traz Vallemachias significando cantos desbonestos; pôde muito bem ser corrupção da palavra ^re-
ga Ballismalia, e como tal sem importância philologica, mas nem por isso perde a sua importância histórica,
que é onde se encerra o problema utterario.
Esta designação dada aos cantos desbonestos gaulezes não proveiu do povo, mas dos que condemnavam
esses cantos; e como quem condemnava a poesia tradicional eram os Bispos, os principaes eruditos da baixa
edade media, não ha contradição cm que a palavra Vallemachia referindo-se a uma creação gauleza seja ti-
rada da baixa grecidade.
Portanto o facto da designação não tem importância, c acceita-se á falta de outro para exprimir uma rea-
lidade. A existência dos cantos gaulezes é indubitável, como se prova por esta passagem de Tito Livio (l. xxxviii,
cap. 17): «Ad hoc cantus inchoantium pruclium. .. in patrium morem, ctc.« Du Meril é de opinião que estes
cantos fossem lyricos. (UisL dê la Poèsie Scandinave, pag. 470, not. 1 e 2.)
* Baret, Las Trobadours, pag. 56.
• Ibid., pag. 57.
III ANTAGONISMO LITTEBÁRIO E POLITICO (CAP. I
za existem as endexas a duo, como no tempo de Sá de Miranda, e os cantos de desgarrada
ou desafio, as alvoradas, como no S. João, e os Puy nas serenadas; isto accentua a realida-
de de um fundo tradicional sobre que os trovadores começaram as suas composições.
Mas ao lado da corrente vital da inspiração da raça, dá-se o apparecimento de uma poe-
sia semi-popular, semi-erudita, proveniente das tradições cultas latinas; começou esta pri-
meiramente pela condemnação dos cantores populares, a quem davam o nome insultuoso de
Jaculatores, Jocistm, Ministrales, Ministellcc, Scurrce, Mimi, fíistriones. Nas cortes feudaes
preferiam-se as Cantilenas guerreiras, cantadas pelos histriones; os que sabiam dar forma
ao sentimento preferiam escrever era latim no mesmo género erótico que condemnavam no
povo. S. Bernardo, o revolucionário das cruzadas e creador do ideal da Virgem, escreveu
versos de amor na sua mocidade ; e Abaillard celebrava em versos latinos Heloisa, como ella
confessa em uma carta : «Quando para te desenfadares dos trabalhos da philosophia punhas
em rima canções de amor, todos as queriam cantar por causa da sua doçura e melodia. Por
ellas o meu nome andava em todas as bocas, e as praças eccoavam com o nome de He-
loísa.» 1
Já vimos como no sul da França existiam vivas as tradições gaulezas, modiQcadas pelo
cultismo romano, e promptas para receberem uma nova vida e manifestarem uma vigorosa
efflorescencia desde que a nacionalidade se sentir por um instante livre, ou reagir pela sua
liberdade. Entre o génio gallo-romano e o gallo-franko existia um antagonismo de raça e
de instituições; mas somente quando a lucta das Cruzadas distrahiu a França feudal do nor-
te, é que a França municipal do meio-dia pôde ter alegria e cantar. Este antagonismo reve-
lou-se primeiro pela poesia, porque estava no sentimento, tomou a sua forma na lingua
escripta, porque estava na cultura romana ; assim vemos a França do norte crear as grandes
epopéas feudaes ou as Canções de Gesta, e a França meridional propagar as Canções lyricas
do amor e das lendas mysticas. Na Grammatica de Raymond Vidal accentua-se este antago-
nismo : «O fallar francez vale mais e é melhor azado para fazer romances e pastorellas ; mas
o Limosino é preferível para fazer versos, canções e sirventes: e por todas as terras da nos-
sa linguagem são de maior auctoridade os cantares em lingua limosina mais do que em ne-
nhum outro idioma . . . »*
As canções amorosas ou provençaes só se extinguem, como veremos, quando a França
do norte absorver a do sul e apagar ahi os restos da liberdade municipal. As tradições poé-
ticas gaulezas não chegaram a desapparecer sob a cultura romana, nem sob os combates
successivos dos latinistas ecclesiasticos ; até onde se estendeu a influencia provençal é por-
que ahi persistira o génio lyrico da raça commum de que o gaulez era um ramo.
Attribue-se ao domínio árabe, que se estendeu pelo sul da França a conservação da pas-
sividade lyrica ; Fauriel exagera esta influencia, determinando-a na negação do génio pro-
vençal para as formas dramáticas, na tendência para os poemas breves e para as lendas
agiologicas, e no costume árabe de se reunirem em certa epocha do anno para recitarem os
seus cantos. Os restos da civilisação grega das escolas de Marselha facilitariam a assimila-
ção da cultura dos árabes, que introduziram de novo na Europa os thesouros da sciencia
positiva que receberam da Grécia; mas o lyrismo popular era incommunicavel, se o Árabe
não tivesse recebido a sua poesia, a sua religião e as suas superstições dos povos turania-
nos que conquistou. Da personificação bíblica de Heber, tronco dos Judeus e dos Árabes, se
deriva o nome de Ibéria 3 , e a raiz BR, que se acha em Abraham acha-se também em Ih-
bernia, Cumberland, Cambria, BrUannia, Celtiberia, Ibericum maré, Berber, Bretanha,
Cimbro, Breguez, Brenner, Umbna, Calábria, Ibéria, na Geórgia 4 , revelando a extensão do
elemento kuschito-semita, e o modo como se communicou á Europa meridional a civilisação
phenicia e a civilisação árabe. árabe influe no lyrismo provençal pelo phenomeno de re-
corrência. apparecimento dos poetas mysticos de Itália coincide com o dos cantos exalta-
dos da Kaba e dos suphis da Pérsia ; a cavalleria andante tem analogias com as façanhas de
Ruslem; Zoak é o typo oriental do Fausto, e Eblis o de Mephistopheles ; o reino do Diabo da
edade media apresenta os mesmos caracteres de malignidade de Arhimane. As modificações
que a poesia e as tradições árabes sofíriam com o contacto da Pérsia communicaram-se á
Europa fazendo reviver na grande zona da Aquitania um lyrismo que se extinguia, e cujo
typo perfeito se determina hoje nos hymnos accadicos.
O domínio árabe estendia-se no século vn por toda a zona meridional da França, não
1 Trad. do Bibliophilo Jacob, pag. 131.
■ fid. Guessard, tom. i, pag. 125.
■ Mezokovesd, hKgralions, pag. 164.
Segundo a lei de Hauslab, da persistência das consoantes.
CAP. i) ACÇÃO DOS ÁRABES SOBRE O LYRISMO XIII
avançando alé ao norle pela resistência de Carlos Martel (732-739) ; comtudo os árabes fi-
xaram-se na Sep timão ia, creando fundações estáveis por uma politica tolerante, a ponto de
uma filha do Duque de Aquilania ser desposada por um emir. E assim como os conquistado-
res árabes deixaram as cidades do Languedoc continuarem a ser governadas pelos seus con-
des, depois de vencidos por Pepino o Breve, que reconquistou a Seplimania em 759, conti-
nuaram a residir no território do mesmo modo que os Mudjares em Hespanha. Na época
de Carlos Magno a civilisação árabe estava no mais alto esplendor, e a pressão das guerras
converte-se em relações politicas, a ponto de Harun-al-Raschid procurar a alliança com o rao-
nareba franko. Depois da morte d'este monarcha que sustara as invasões germânicas e ára-
bes, estes readquirem o seu predomínio sobre a França meridional, avançam dos Pyrenéos
até aos Alpes, chegam até Borgonha e á Suissa, ao Tyrol e á Lombardia. (888-975.) Pelo seu
numero, pela individualidade ethnica, pelos conhecimentos de toda a sabedoria da Grécia
que elles renovaram, pelos altos progressos da industria agrícola e fabril, pela tolerância
politica e pela cultura litteraria, os Árabes deixaram de ser invasores para se tornarem os
civilisadores da Europa. Os monarchas europeus conservavam embaixadores junto dos kali-
fas, e a curte de Tolosa imitava os hábitos sumptuosos de Córdova ; os concursos poéticos,
mais tarde reorganisados por Clemência Isaura, foram uma imitação dos Moallacdt dos anti-
gos árabes. 1 Na aristocracia da Península a tendência para organisarem Cancioneiros, trans-
roittidos em família, era um resultado da educação árabe ; os Divans eram formados pelas
canções ás vezes de uma tribu inteira. E, como diz Sedillot : «Dos seus Divans é que os Pro-
vençaes adoptaram a rima, empregada desde tempo imraemorial pelos Árabes.» 2 Humboldt,
caracterisando com justeza o génio árabe na civilisação da Europa, allude também à sua in-
fluencia no lyrismo provençalesco : «Os Árabes eram admiravelmente azados para exerce-
rem a acção de mediadores e para actuar sobre os povos comprehcndidos desde o Euphra-
tes até ao Guadalquivir e na parte meridional da Africa media. Possuíam uma actividade sem
exemplo, que assignala uma época distincta na historia do mundo; uma tendência opposta
ao espirito intolerante dos Israelitas, que os levava a fundirem-se com os povos vencidos,
sem abjurar comtudo, a despeito d'esta perpetua mudança de regiões, o seu caracter nacio-
nal e as memorias tradicionaes da sua pátria primitiva. Emquanto as raças da Germânia só
começaram a polir-se muito depois das suas migrações, os Árabes traziam comsigo não só a
sua religião, mas também uma língua aperfeiçoada e as flores delicadas de uma poesia que
não devia ser perdida para os trovadores provençaes nem para os minnesingers.» z
O período das Cruzadas (1095-1291) tornou 'mais profundo o conhecimento da civilisa-
ção árabe ; pela vulgarisação da língua árabe facilitou-se o conhecimento da astronomia, da
matbemalica, da medicina e da philosophia das suas escolas ; circularam os seus produetos
índustriaes, como as tapeçarias de couro de Córdova, as laminas de Toledo, os tecidos de
Murcia, as sedas de Granada, de Almeria e Sevilha, e o papel de Salibah. Pôde-se dizer que
a reacção calholica das Cruzadas veiu atrazar por alguns séculos esta corrente da civilisação,
que só tornou a achar dificilmente o seu curso no século xvn.
Com a hâllucinação religiosa das Cruzadas, as instituições municipaes do sul da França,
que a civilisação romana ali deixara, adquiriram uma independência passageira. D'este re-
lâmpago de liberdade nasceu a inspiração que encheu de ideal a alma moderna. A França
do norte, feudal e prepotente, queria por todos os modos absorver a França meridional, ma-
tar ahi os germens do municipalismo que diffundia o contagio da liberdade. O antagonismo
politico torna-se eloquentíssimo no antagonismo das línguas. chronista Raduphus Cade-
mensis faz o parallelo (Testas duas nações, dando a superioridade nas armas aos francige-
nas e exaltando a parcimonia e inércia dos provençaes. A língua d 9 Oc caracterisava as po-
voações meridionaes. Os trovadores occitanios eram os primeiros a fazerem sentir a rivali-
dade do uso da sua língua ; na Grammatica do trovador Raymond Vidal se precisa melhor
esta divisão: «Todo aquelle que se quizer entregar à poesia, deve primeiro saber, que ne-
nhum idioma é nossa justa e natural linguagem a não ser a que se falia em Limoges, na Pro-
vença, no Auvergne, em Quercy. Ora quando eu falio do Limosino, deveis entender estas
mesmas terras, bem como todos os territórios vizinhos e intermediários ; e todo o homem
nado n'estas paragens falia naturalmente e correctamente a nossa língua.» Dante, no tra-
tado De VuUjari Eloquio, descreve esta rivalidade entre o norte e o sul da França : «A língua
cTOU allega pela sua parte, que em rasão das suas formas mais fáceis e mais agradáveis
1 L. A. Sedillot, Uisi. gênérale des Árabes, tom. n, pag. 205.
* Ibid., tom. n, pag. 106. Mos modernos estados dos cantos lyricos accadicos, encontra Lenormant a ori-
gem da poesia semita. TVesta forma a influencia árabe na Provença deve ser explicada como um pbenomeno
3e revivescência. Les Premières CivttiscUions, t. n, p. 189.
• Cosmos, trad. Gatusky.
XIV SENTIMENTO DE NACIONALIDADE NA POESIA (CAP. I
que as outras, tudo quanto ha redigido em prosa vulgar (poemas narrativos) lhe pertence ;
por exemplo : a serie das Gestas, dos Troyanos e dos Romanos e as longas e bellas aventuras
do Rey Arthur e muitas outras historias e Exemplos. A língua d*Oc pôde pretender que foi
a primeira que tevcpoetas, como a mais perfeita e mais doce, como Pedro d'Auvergne, e
"outros antes d'elle.» Quando a Provença foi herdada por Carlos de Anjou, dizia o trovador
Aimeric de Peguilain: a Ah, Provençaes, em que deshonra caístes. . . e viestes aparar nas
mãos d'aquelle de França. Ah desastrados senhores, de que vos servem agora cidades e
castellos roqueiros? sois francezes e nem pela boa ou má causa vos será permittido trazer
escudo ou lança.» 1 Quando se deu a entrada dos francezes na Catalunha, o trovador Ber-
nard d'Auriac symbolisou a rivalidade das duas rapas e das duas civilisações nos dois signaes
de aflirmação : «Depressa os trovadores aprenderam a conhecer os lírios, gomos de uma no-
bre semente; e ouvir- se-ha em Aragão oil e nenil, em logarde Oc e No.»* Bertrand de
Born também incitava os reis de França e de Inglaterra com dois advérbios de aflirmação e
negação. Esta rivalidade revelada pela poesia dos trovadores existia antes do apparecimento
do lyrismo provençal; linha um caracter politico, que obrigava a realeza a conter-se força-
da ao norte do Loire entre os ducados de Normandia e de Bretanha e os condados de Cham-
pagne e de Anjou.
Os barões prepotentes alistaram-se para a cruzada pregada por Pedro Eremita ; vende-
ram os castellos e empenharam os solares; a necessidade da aventura fez com que o poder
das armas reconhecesse o novo poder do capital que ia emancipando a burguezia. As datas
também t<?m ás vezes a sua eloquência : a primeira Cruzada foi publicada por Urbano n èm
1095, e com diíferença de oito annos apparecéra o primeiro trovador, Guilherme, conde de
Poitiers. Durante as oito cruzadas deu-se a vasta efUorescencia das canções provençaes, que
se propagou pelas cortes da Europa, c sendo a ultima Cruzada a de S. Luiz em 1268, assom-
bra-nos ver notada a decadência d'esta poesia do amor e da liberdade entre 1250 e 1290
pelo eminente Diez. O trovador Guilherme ix, conde de Poitiers, commandava trezentos mil
homens na cruzada de 1101; o trovador Marcabrun faz em umasirvente appellopara a
cruzada com o mesmo vigor de um S. Bernardo ; Joflre Rudel toma parte na cruzada de 1 1 47;
emíim, todos os nobres trovadores misturam as suas queixas amorosas com as lutas e desas-
tres das expedições da Terra Santa.
A Provença achou se em condições excepcionaes para ser o fbco d'onde se acordasse a
nova poesia, que era uma revivescência ethnica; tendo apenas sido perturbada de passagem
pelos Lombardos já suavisados pela permanência na Itália, enriquecida com o commercio que
fortalecia a classe burgueza e tornava mais robusta a tradição municipal romana, aconteceu
ter dois séculos de paz, sem que nenhuma invasão viesse perturbar-lhe o desenvolvimento.
Estes mesmos factos explicam a derivação das canções provençaes dos costumes populares,
que se admittiram como moda em todas as cortes. O espirito democrático ^espertado pelas
instituições municipaes tnanifestava-se na satyra atrevida, na sirvente que não poupa nem
os guerreiros nem os ecclesiasticos. Pierre Cardinal cantava : «Indulgências, perdões, Deus
e o Diabo, de tudo se servem os padres. . . não ha peccado de que se não obtenha absolvi-
ção dos monges; por dinheiro elles dão aos usurários e renegados a sepultura que recusam
aos pobres, porque não tém com que pagar.»
Os trovadores pregaram a Cruzada, e com as suas canções revolucionaram os castellos.
Mas à medida que as classes se nivelavam com a prosperidade do commercio e da navega-
ção, que o espirito de independência se robustecia com as garantias locaes, a humanidade
também se servia de uma força orgânica de unificação — o amor. A separação e preponde-
rância de classes na hierarchia social da edade media, foi o primeiro elemento de ordem,
mas obstou por longo tempo ao progresso; o abuso pela tyrannia dos senhores feudaes, pe-
los monarchas e pelo obscurantismo ecclesiastico prolongou a noite do§ tempos modernos,
e só por uma luta que ainda dura, é que se formaram as communas e se fez reconhecer o
terceiro estado pela participação politica, e emancipação da arbitrariedade senhorial ou
real pelos códigos escriplos. Á medida que se alcançavam as cartas de immunidades, mais
funda ficava a scisão entre a nobreza e a burguezia, contidas nos seus ódios de raça pelo
poder monarchico, que explorava a secular antipathia. Depois do impulso que tornou escri-
ptas as línguas novo-latinas, e as fez comrcunicaveis, a Provença, nos destinos da civilisação
moderna serviu de modelo para a accommodação dos dialectos confusos ao" lyrismo que
apostolava a egualdade perante o amor. Levado pelo impulso da paixão, o trovador não co-
nhece a distancia que o separa da castellã orgulhosa, que escuta com um mixto de desdém
1 Ap. Frederico Dicz, Les Troubadours, pag. 59.
* iDid., pag. 59.
CAP. I) UNIFICAÇÃO SOCIAL PELO AMOR XV
e compaixão a cantiga cora que o senhor, n'uma hora de capricho se dá por quite dos ser-
viços feudaes. A verdade do sentimento fascina, e o riso de escarneo torna-sc nos lábios da
castellã uni sorriso de complacência e talvez de esperança. Elle parte alentado por aquelle
novo calor; vae meditar no silencio e procurar (trovar)- na saudade viva a inspiração para.
cantar seus amores. O impossível moslra-sc-lhe sempre diante; servo da gleba, como erguer
os olhos a tanta altura? O amor, assim, torna-se desinteressado, puro, vaporoso e myslico;
o seu ideal é um nome que não pronuncia, é um segredo que só repete no imo da alma; a
eslrophe é um enigma artificioso com que occulta a todos esse mystcrio que o attrae ao so-
lar onde canta as melhores canções. Ai, se adivinham no rubor da castellã a confidencia que
só ella percebe ! No meio doestes terrores vagam sinistramente as reminiscências sombrias da
lenda do trovador Guilherme de Cabestaing, cujo coração foi d#do a comer a Margarida de
Roussillon. 1 trovador não as esquece, distrae-se com o artificio da rirna, e adormece com
o canto os que tentavam surprehender-lhe o segredo. Debaixo das abobadas do castello ro-
queiro, na monotonia e enfado de uma vida solitária, a mulher, pobre Griselidis exposta á
brutalidade baronial, alegra-se, ao conhecer que alguém vive por ella, que pôde dar o que
nunca teve no mundo, cmfim sente que se eleva, que fazem d'ella uma Madona, com a ado-
ração do amor. Tal é a impressão que deixam as canções dos trovadores provençaes, e é
este o espirito que anima ainda as mais pallidas imitações das novas lilteraturas. A cada pa-
gina dos nossos Cancioneiros transparecem os mesmos sentimentos, quasi inintelligiveis para
quem não tiver comprehendido esle momento da historia. O período das invasões barbaras
estava terminado pela acção de Carlos Magno ; fixadas nos seus territórios, as recentes na-
cionalidades sentiam-se seguras, em uma federação moral ; passara também o terror do
millenario conservado pela egreja, e o homem começava a conhecer em si uma outra for-
ça — a rasão. A invasão árabe havia-a despertado, ensinando a medicina, descobrindo-nos
o calculo, a astronomia, e até o canto, que afugenta o medo. As fabulas e contos da cadeia
tradicional do oriente vinham servir de expressão ao bom senso popular. Os grandes suc-
cessos que agitavam o mundo despertavam uma curiosidade immensa, tiravam o cérebro
da apathia. Todos queriam saber. Os pobres, os aventureiros iam de terra em terra para
cantarem e receberem dadivas. Era fácil entenderem-se ; as línguas, na indisciplina das suas
formas, por uma mudança na inflexão, por uma maior predominância de accentos nas sylla-
bas finaes,por qualquer contracção particular, eram entendidas, como o poitevin pelofran-
cez do norte e do sul, ou como o galleziano em todos os reinos da peninsula hispânica. O
jogral vagabundo, contando a um grande auditório para se fazer ouvir recorria ao canto ; a
intonação da palavra, alem da obliteração das flexões latinas, produziu o arranjo natural da
pausa métrica, de modo que espontaneamente se achou o verso octosyllabo das linguas ro-
mânicas. génio intuitivo de Viço comprehendeu este phenomeno orgânico; os gagos quan-
do querem fazer-se entender, modulam, cantam. A integridade severa com que os povos
conservam as suas tradições tornou a linguagem poética, por assim dizer, immovel. As can-
ções, as epopéas e as linguas modernas foram formadas simultaneamente, e esta simulta-
neidade revela-se nos seus mais íntimos caracteres ; assim a par do desenvolvimento indi-
vidual da poesia reapparecem os typos trctáicumaes, como já observámos, e a par da syste-
raatisação syntactica dos dialectos, reapparece no vocabulário um fundo popular primitivo.
A distineção entre o vocabulário e a syntaxe nas questões da origem de uma língua,
explica um grande numero de factos históricos apparen temente contradictorios ; no proble-
ma da formação das linguas românicas estas duas ordens dephenomenos coexistem em um
certo equilíbrio, que se estabelece ã medida que as linguas se tornam escriptas. As linguas
novo-latinas não provêm exclusivamente de uma degeneração do latim clássico ao contacto
das populações barbaras dos paizes conquistados; o facto natural explica-se pela indepen-
dência de um grande numero de dialectos pelasgicos bastante próximos do latim, que se en-
riqueceram com o vocabulário latino propagado pela milícia e administração romana, e que
os disciplinaram na forma escripta approximando-se do typo das construcções latinas. Tal é
a opinião do grande philologo Gubernalis, 1 objectando, que tendo os Romanos dominado
mais na Grécia do que na Hispânia, não conseguiram ali impor a sua lingua ; o mesmo se
dá com o dialecto românico dos Alpes* suissos proveniente dos poucos séculos de dominação
de Engadina, ao passo que as numerosas colónias militares na Illiria não conseguiram impor
aos slavos a lingua latina. Pergunta lambem, como sendo o céltico fallado na Itália superior,
na França, na Bretanha e na Hespanha, porque é que só sobreviveu na Bretanha, que era
oceupada pelos Romanos? A rasão, segundo Gubernatis está na coexistência de dialectos po-
1 Jacob Grimm, Tradições allcmâs.
* Piccola Enciclopédia indiana, p. 108.
XVI A POESIA PROVENÇAL NA ITÁLIA (CAP. I
pulares conservados de uma primitiva migração dos povos latinos, que foram influenciados
pelo latim, como agora os dialectos da Itália o estão sendo pelo toscano; e caminhando de
Génova para os Pyrenéos, as variações dialectaes modiflcam-se em gradação successiva,
sendo os dialectos de França um annel entre os itálicos e os ibéricos. O estudo do vocabulário
apresenta formas desconhecidas no latim, e mesmo que não são communs aos outros diale-
ctos românicos, sem comtudo se derivarem do céltico, do germânico ou do árabe; a acção
da disciplina syntactica começou desde que os novos dialectos independentes se tornaram
nacionaes e escriplos. D'estc modo se concilia o facto natural do vasto desenvolvimento es-
pontâneo das línguas românicas, e o facto histórico positivo da grande influencia da civilisa-
ção latina. Collocada a questão sob este aspecto, é admissível a existência de uma raça la-
tina, com uma physionomia ethnica revelada pelos dialectos, e não sô com a physionomia
moral da cultura, como geralmente se admitte.
Na poesia moderna, desde que se descobriram as formas lyricas communs á França, Itá-
lia e Portugal, é impossível comprehender os trovadores na sua elaboração individual sem
conhecer a tradição, que se foi revelando á medida que a poesia decaiu em um mister dos
jograes. É sobre este novo problema que baseámos o estudo da propagação do lyrismo pro-
vençal â Península hispânica.
A immobilidade da linguagem poética, tornou precisas outras formas para serem empre-
gadas nos usos vulgares da vida; as formas duplas ou divergentes accusam a modificação
social, e a imitação provençalesca, em um período de tanto vigor poético, mostra-nos co-
mo esses evangelhos do sentimento flxaram as phrases em moldes eternos. Da Provença,
que Fauriel considerava a capital das tradições da Europa moderna, saíram os primeiros
jograes a espalharem a boa nova da éra que se inaugurava ; nenhum paiz esteve como este
em condições para activar a imaginação e a concepção mental; a Provença era como a flor
protegida pelo clima suave do Meio Dia; abrigada das invasões do norte ali vieram reflectir
os sons da invasão e da civilisação árabe, c as terríveis legendas barbaras. Os dois séculos
de paz que a Provença gosou foram a causa primeira do desenvolvimento do novo dialecto
que se constituiu em língua escripla ; assim o provençal excedeu o italiano na flexibilidade
dos verbos e dos substantivos e na tendência elliptica dos pronomes ', e foi a primeira lín-
gua em que se ouviram os cantos de amor e da liberdade.
Diffusão da Poesia provençal na Itália. — O primeiro paiz que acceitou esta grande ma-
nifestação do sentimento moderno foi a Itália; fura da Itália que se propagara para o Meio
Dia da França a liberdade municipal, e a Provença pagava essa conquista da alma humana
com a nova linguagem do amor, que a fortalecia. A constituição municipal da Provença, do
Condado de Venaissin, do Languedoc, do Auvergne, do Limousin, da Marche, da Guienna,
do Périgord, da Gasconha, do Béarn, da Baixa Navarra, do Condado de Foix e do Delphina-
do, foi transplantado da Itália com o nome de regimen consular. 9 Diz Augustin Thierry : «A
Provença e o Condado de Venaissin, nos séculos xn e xiii, foram o foco da tradição italiana ;
foi ali que depois do estabelecimento da municipalidade consular se implantou nas três gran-
des cidades a instituição extravagante de Podestat 3 . » É esta uma das causas por que os tro-
vadores da Provença visitavam e frequentavam as curtes e as republicas italianas ; com cer-
teza da Itália se propagou reflexamente para Portugal a nossa primeira manifestação da poe-
sia dos trovadores, porque da Itália vinham as nossas armadas, as primeiras rainhas e o
pensamento dos nossos Foraes. A florescência das instituições municipaes produziu o vigor
das novas escolas poéticas da Aquitania, do Auvergne, de Rodez, do Languedoc e da Pro-
vença. Quando a infame luta contra os Albigenses tomou uma hallucinação religiosa, e o des-
potismo feudal do norte da França ligado com a theocracia, devastaram em nome de Deus as
cidades £ povoações meridionaes matando a independência municipal e vinculando o sul á
monarchia franka, acabou também a civilisação e a poesia occitaniana. Os solares ficaram
desertos, a língua muda, e os trovadores procuraram agasalho nas cortes estrangeiras onde
o alaúde provençal se tornou um arremedo nas mãos dos grandes senhores e dos príncipes.
O génio da Provença renasceu na Itália, nos grandes lyricos, os Fieis do Amor, em Dante e
Petrarcha 4 . Na Itália a arte de trovar exercia a mesma fascinação que na Provença; alguns
dos mais celebres trovadores eram italianos, como Bàrlholomé Zorgui, natural de Veneza,
Bonifácio Calvo, de Génova; Sordello, de Mantua, Albert de Malaspina do seu marquezado
d'este nome. Era 1080, Roger, Conde de Sicília, casou com Mathilde, filha do Conde de Pro-
1 C. Canta, HísL univers., xi époque.
« Augustin Thierry, Essai sur Uhsloire du Tiers-Etat, p. 237, (ed. 1868.
» Ibidem, op. ciL, p. 23*.
4 Gidel, La Troubadours et Pclrarche. Anger3, 1857.
CAP. I) POESIA PROVENÇAL NA FRANÇA DO NORTE XVII
vença, Raymundo Berenger. Segundo Fulgoro de S. Geminiano, usava-se na Itália «Cantar)
danzar alia provenzalesca.» 1 Dante, no Convito, queixa-se dos que desprezavam a língua
italiana preferindo o provençal: «Questi (mal vagi uoraini d'Italia) fanno vile lo parlare itá-
lico, et precioso quello di Provenza.» 2 No viscondado de Saboya, que estava ligado aos con-
des de Provença, formàra-se o centro da nova poesia ; as republicas eram também visitadas
pelos trovadores que pregavam a democracia. Os trovadores aventureiros Bernard de Ven-
tadour, Cadenet, Raimbau de Vaqueiras e Peire Vidal, propagavam os segredos da arte de
trovar. Na Sicília revela-se uma phase de poesia local animada do espirito provençalesco.
Guilherme n acolhia na sua corte aquelles que eram bons dizidores de rima ou que eram
excellentes cantores. 3 Na escola italiana floresceu no fira do século xn Ciulo d'Alcamo; o im-
perador Frederico n, tendo subido ao throno da Sicília em 1 197, produziu com o seu esme-
rado gosto o esplendor das instituições provençaes. Nas Cento Novelle arUiche sele, que Fre-
derico ii admittia na sua corte os trovadores, ensoadores e homens de arte, que ali chega-
vam. 4 Como todos os grandes senhores e monarchas dos séculos xn e xm, o imperador da
Sicília também cultivou a poesia, como se sabe pelos monumentos colligidos por Crescembi-
ni ; Enzo, filho natural de Frederico, e rei da Sardenha, Arrijo, filho legitimo, e Manfredi,
outro bastardo do imperador, também foram excellentes trovadores. mesmo facto se dá
com D. Diniz, seu filho legitimo D. Aflbnso ív, e os seus bastardos Conde D. Pedro e D. Af-
fonso Sanches. Chanceller do imperador Frederico, Pier delia Vigne, era um dos mais an-
tigos poetas da escola dos trovadores. Quando o imperador saia á noite a tomar a fresca ia
acompanhado por dois músicos italianos que romanzavam os estrambotes e canções que im-
provisava. Assim começou o alvorecer da poesia italiana. Em Bolonha o nome de Bernard
de Ventadour tornou-se a antonomásia de poeta. No canto xxvi do Purgatório, Dante enu-
mera no mesmo coro italianos e provençaes, Guido Guinicelli, de Bolonha, Giraud de Bor-
neilh e Arnaldo Daniello. Sam Francisco de Assis pregando a pobreza, imitava nos seus cantos
o lyrismo provençal, e chamava aos seus discípulos — jograes da divindade. Dante conde-
mnava o predomínio da poesia provençal, mas não se pejou de fazer recitar por Arnaldo
Daniello alguns tercetos n'essa língua; o patriotismo severo é que o forçava a reagir contra
essa influencia estranha, mas elle ara o primeiro a gemer sobre a ruina da liberdade muni-
cipal do sul da França, assolado com a cruzada contra os Albigenses, guerra da theocracia
feita «coo forza e con mensogna.» 5 Dante lamenta a morte politica da França meridional
determinada pelo casamento de Beatriz com Carlos de Anjou. 6
Diflusâo da Poesia provençal no norte da Franca. — Fauriel sustentou com argumentos
engenhosos as origens poéticas do norte da França derivando-as absolutamente do Meio Dia;
a verdade acha-se hoje restabelecida, e o próprio Fauriel reconheceu ao fim de vinte an-
nos de estudo a superioridade, independência e prioridade do génio poético gallo-franko 7
sobre o génio gallo-romano. Estas duas creações derivam-se de d i Gerentes condições ethni-
cas, e apesar de se penetrarem, revelaram o antagonismo politico ; as Canções provençaes,
menos vigorosas do que as Gestas, pelos seus artificios convencionaes acharam nas cortes
dos reis e potentados uma predilecção, que se impoz também pelo despotismo da moda ao
norte da França. A contar do anno 1 000, quando Constança, filha de Guilherme Taillefer,
Conde de Provença, casou com Roberto, grande numero de trovadores visitavam e frequen-
tavam a corte da sua condessa, que havia sido educada em Tolosa e Aries. E quando em
1 150 Leonor de Âquitania casou com Luiz vn, continuou-se a exercer a mesma communica-
ção. Os poetas francezes por seu turno também visitavam a Provença, como se vé por uma
canção de Perrin d'Angecourt. Quando em 1245 a Provença caiu em poder de Carlos de An-
jou, começou a decadência da poesia do amor ; Villani diz que este monarcha não prezava
os trovadores. casamento do segundo irmão de S. Luiz com a herdeira de Raymundo vu,
e a cedência que Amauri, filho do terrível Simão de Hontfort, fez à coroa de França, acaba-
ram de consummar a ruina da França meridional. Innocencio ív também ajudou a ruina da
civilisação gallo-romana com a condemnaçâo da língua provençal como herética ! A fixação
1 Poeli dei primo secolo, t. n, pag. 175. D'après Du Méril.
1 Concito, pag. 95.
* Tiraboscln, Sloria delia letteralura italiana, Part. n, pag. 383.
â Novella xx.
• Purgatório, canto xx.
* Purgatório, canto xx, est. 61, exclama:
Mentre quela gran dote provenzale
Al sangue mio no tolse la vergogna,
Poço valea na pur no facea male.
• fíist. lUiéraire de Ia France, t. xxn, p. ix.
c
XVIII POESIA PROVENÇAL EM INGLATERRA E ALLEMANHA (CAP. I
da corte franceza de Carlos de Anjou na Provença produziu a immixlão que fez desappare-
cer essa lingua primorosa, e os últimos restos da poesia occitanica desnaturaram-se na for-
ma alexandrina do norte, como se vc em uma canção de Bernard Rascas. O trovador Aime-
ric de Pequilain protesta contra esse desastre.
Os trovadores provençaes para serem entendidos na corte franceza serviam-se do dia-
lecto do Poitou, que segundo Leroux de Lincy e De Roisin, era um ponto de transição entre
as duas línguas do norte e do sul; o dialecto poitevin explica-nos o modo de transmissão das
canções provençaes para a corte ingleza.
Diffusâo da Poesia provençal em Inglaterra. — grande revolucionário e trovador Ber-
trand de Born ateava a guerraentre o rei de Inglaterra e o de França com as suas canções
provençaes. Quando os monarchas têm uma pequena trégua o trovador prorompe : «Vou
entoar uma canção, que aquelle que ainda tiver vergonha ha de sentir vontade de bata-
lhar.» Julgando que o rei- trovador Ricardo Coração de-Leão o offendêra, põe as cruas sir-
ventes ao serviço de seu irmão Henrique. Por aqui se vê quanto perstigio tinha a poesia
provençal em Inglaterra. Quando Leonor de Aquitania casou em segundas núpcias com Hen-
rique, Duque de Normandia, começaram os trovadores, e entre elles Bernard de Ventadour,
a frequentar a corte ingleza. Ricardo, que chegou a ser rei de Inglaterra, era excellente
trovador, e foi o seu menestrel que descobriu a recôndita prisão em que haviam encerrado
o seu senhor. As romagens ao tumulo de S. Thomaz de Cantorbery attrahiam lambem os
cantores provençaes 4 ; mas esta poesia tendo de lutar com as tradições scandinavas, e com
o gosto do saxonio pelas Gestas dos cantatores francigenarum, só veiu a penetrar no espi-
rito da litteratura ingleza quando Chaucer tendo percorrido a Itália trouxe d'ahi o gosto da
imitação provençalesca.
Diffusâo da Poesia provençal na Allemanha. — Os minnesingers allemães eram canto-
res vagabundos e visitaram também a Provença. No poema Perzival, de Wolffran von Es-
chenbach, diz o poeta que as verdadeiras tradições vieram da Provença *. A poesia de
Suabia era modelada sobre a dos trovadores; não tinha Frederico i assistido ao desenvolvi-
mento d'esta poesia na Sicilia? Em 1043 Henrique ih, imperador da Allemanha, desposou
Agnès ile Poitou, filha do Conde de Provença e irmã do primeiro trovador conhecido Gui-
lherme IX.
A canção amorosa na Allemanha, o lied, tem uma origem nacional; mas pelo espirito do
tempo, e pelo predomínio do gosto occitanico o estylo provençal deu a esse elemento natu-
ral uma exclusiva forma artística. Frederico Diez confessa que as canções provençaes che-
garam de vez cm quando ao conhecimento dos poetas allemães como se os territórios dos
dois idiomas tivessem um ponto de contacto 3 . Diez não precisa qual era esse ponto de con-
tacto, mas os factos positivos nos estão indicando o norte da Itália, onde os trovadores acha-
ram uma segunda pátria. O único plagiato incontestável das canções allemães são as do
Conde de Nemburg, mais do que paraphraseadas das canções do trovador Folquet de Marse-
lha, que Dante cita, e que era natural de Génova. Frederico Diez aponta mais imitações de
outros trovadores, que na maior parte visitaram a Itália. Peire Vidal, que frequentou as cor-
tes do norte de Itália, mostrou-se sempre hostil aos allemães. Os desastres da Itália oceupam
o seu canto, e para elle a lingua aliemã similhava o ladrar de cães : «E lors parlars sembla
lairar de cans.» Em outros trovadores revela-se este mesmo espirito hostil contra a Allema-
nha, porque tomavam o par lido dos perseguidos, como se vê nos seus sacrifleios a favor dos
Albigenses contra o despotismo franko, ou defendendo a Itália contra as violações dos impe-
radores da Allemanha. Por efleito d'estas lutas é que os minnesingers se familiarisaram com
o italiano. O trovador Peire de la Caravana insulta-os ainda mais duramente do que Vidal. 4
Os minnesingers imitavam os arliOcios exteriores; Walter de Wogelveide e outros imitavam as
rimas pela ordem das cinco vogaes, achada por Bernard Ventadour ; Wizlan imita a forma de
ecco, inventada por Jaufre Rudel; Rudolf von Nemburg e Rudolf von Rotenburg introduzem
1 À linguagem commum da poesia provençal em Inglaterra era também o poilevin, mais próxima da lin-
guagem dos Canlalores francigenarum, frequente na corte ingleza. D'este dialecto diz Leroux de Lincy: «Es-
tava em uso no Poitou, no Maine e Anjou, e tinha muitas analogias com o provençal. Mas á medida que se
afastava do Meio Dia e que se approximava da Borgonha e de Champagne, este dialecto perdia as suas formas
meridionaes, e parecia-se mais com o francez usado n'estas ultimas províncias. Este idioma é tanto mais cu-
rioso para ser estudado, porque parece o ponto de juneção entre os dois romances do sul e do norte.» Re-
cueil de Chanls hisloriques, 1. 1, p. G4.
• Grandiss, p. 108, d'après Du Mcril, Poésie scand., p. 315:
Von Provéns in Tutsche lant
Die rechte mere sint gesint.
• Les Troúbadours, p. 259. Trad. De Roisin.
4 Raynouard, Ctwix de Poésies des Troúbadours, t rv, p. 197.
CAP. I) LEI HISTÓRICA DA PENÍNSULA XIX
na AUemanha o lexapren e mansòbree provençal, e o encadenado era que a estropbe se pren-
de à antecedente pela repetição da ultima palavra. A rima por composição de palavras ou
por mudança de inflexão, as rimas femininas, o artiflcio de uma mesma letra, o acróstico de
uma só letra, a repetição de uma mesma palavra no verso, ou do verso na estropbe, foram
outros tantos caprichos resultantes da admiração pelos trovadores. 1 Com a poesia allemã
deu se o mesmo que com a ingleza: o estado da tradição era vigoroso, e a originalidade da
raça não podia estar por muito tempo abafada pelo perstigio dos trovadores; as maiores
communicações com os jograes do norte da França e o enthusiasmo das Canções de Gesta,
não tardaram a fecundar o cyclo dos Niebelimgens, e a fazerem com que a raça germânica
elaborasse pela segunda vez as suas tradições.
Da difpusão da Poesia provençal nas cortes peninsulares. — Não se pôde formar uma
idéa clara do modo de communicação da poesia dos trovadores nas varias cortes da Penín-
sula, sem descrever a situação especial (Testas para com os centros d'onde irradiaram os
cultores da Saya seiencia; sem ver como essas cortes estabeleceram a sua independência
politica ou a foram perdendo, dando assim logar pelo seu isolamento á formação de diale-
ctos românicos especiaes; finalmente pelas relações cTessas cortes, se fixa não só o modo de
propagação do gosto provençal, mas sobretudo sobresàem com uma certa originalidade de
formas os vestígios tradicionaes resultantes de caracteres etbnicos até agora não considera-
dos. intervallo histórico que comprehende estas questões complexas é pequeno, se tomar-
mos como ponto de partida a primeira manifestação da poesia provençal em Guilherme ix,
Duque da Aquitania, e se terminarmos na constituição da primeira unidade nacional da pe-
nínsula, isto é, na independência da nacionalidade portugueza firmada pela batalha de Alju-
barrota' (1 087-1 385).
Tanto na marcha politica da península como nos successos das suas transformações his-
toricas, os seus movimentos sociaes caraclerisam-se em dois actos repetidos quasi periodi-
camente: formação de pequenos estados até à sua unificação em uma grande nacionalida-
de, e desmembrarão d'essa nacionalidade outra vez em pequenos estados quer pela força
de invasões de novas raças, ou por heranças monarchicas. Exemplifiquemos : a raça tura-
niana ou ibérica fusionando-se com o elemento ligurico ou celta, produz três estados peque-
nos, os Galaecos, os Lusitanos e os Bastulos. Pela acção civilisadora das feitorias pbenicias,
estes elementos tendiam a converter a civilísação bastulo-phénicia como o centro de uma
unificação nacional ; este facto foi perturbado pelo conílicto das colónias e feitorias gregas
com as feitorias carthaginezas, fazendo intervir por necessidade da Tuta o poder dos Roma-
nos. Foram estes que realisaram pela sua administração, pela língua, pela jurisprudência,
a unificação nacional hispano-romana. Outra vez se deu a desmembração da península his-
pânica pela invasão germânica, fundando-se as monarchias dos Alanos, dos Suevos e dos
Vândalos; da mesma causa de desmembração proveiu o impulso de unificação pelo esforço
dos Godos (642-649.) A £Sta unidade da monarchia golhica resistem por differcnciação
ethnica os Ásturos, os Cantabros e os Bascos, e completa-se o seu desmoronamento pela in-
vasão dos Árabes, que se apoderam de quasi toda a Pcninsula em menos de dois annos.
Aqui começa a moderna vida histórica dos povos peninsulares; a sua actividade resu-
me-se ainda n'esse movimento de oscilação, no qual pelo sentimento da reconquista chris-
tã se estabelecem dois núcleos de unificação nacional, o reino das Astúrias e o de Navarra,
comprehendendo o primeiro Galliza, Portugal c Gastella, e o segundo Aragão. Da parte dos
Árabes, não obstante a unidade de língua, de crença e de raça, a tendência separatista
fal-os desmembrar-se nos reinos de Toledo, de Badajoz, de Sevilha, de Granada, de Málaga,
de Almeria, de Hurcia, de Valência, de Denia e das Baleares. Á medida que prepondera a
federação nos pequenos estados christãos, ou que um monarcha mais audacioso ou menos
dotado de sentimento de justiça se apodera dos outros reinos vizinhos, o poder dos Árabes
diminue. Muitas vezes os kalifas árabes entram nas ligas christãs contra a ambição despóti-
ca de um monarcha que se torna invencível pela grandeza dos seus estados. N'estas lutas
sem plano politico e sem outro intuito mais do que o arbitrio pessoal, a unidade politica
chegou quasi a firmar-se por Sancho o Magno, por Afibnso vn de Leão, e por Fernando de
Gastella, mas elles mesmos a destruíram com a distribuição dos diversos estados por seus
filhos. É por isso que o primeiro estado que fixa a sua unidade inalterável foi Portugal con-
stituindo-se de condado leonez em monarchia autonómica (1114), e só no fim do século xv
é que Gastella pode tornar- se o centro da unidade politica hespanhola.
Todos estes successos vitaes se ligam á manifestação da cultura li Iteraria, como produc-
*
• Diez, Les Troubadours, p. 260.
XX ESCHOLAS LYRIGAS PENINSULARES (cAP. I
çao de dialectos românicos, reapparição de tradições por causa da resistência local, propa-
gação das formas poéticas e rasão das suas características. Da luta dos pequenos estados
christãos contra os Árabes veiu o fervor 4as cruzadas pregadas contra os mouros de Hespa-
nha e de Africa pelos trovadores provençaes; as invasões dos árabes andaluzianos haviam
chegado ao sul da França de 715 a 1019, e muitas palavras árabes se conservaram nas can-
ções dos trovadores. Aquelles que pertenciam à escola poética da Aquitania, como Guilher-
me ix, foram os primeiros a pregarem a cruzada fervorosa, e para exaltarem as multidões
e os reis tinham um género chamado prezies e prczicanzas. Foi este um movei de commu-
nicação do gosto provençal á península, que foi muito visitada por trovadores que affluiam
á romagem de S. Thiago de Çompostella, ou que vinham tomar parte na cruzada da Extre-
madura, ou que aportavam a* Lisboa, na sua viagem para Jerusalém. Os casamentos dos
príncipes produzindo relações e ligas de estados foram também um motivo de propagação;
assim pelo casamento do fundador da monarchia portugueza com uma princeza italiana, in-
troduzem-se em Portugal algumas instituições communaes, e muitos trovadoresUcompanham
o séquito real. Pela fusão da Provença no Condado de Barcelona, a escola poética de Aragão
recebe uma mais directa communicação com os trovadores provençaes. O exercício da poe-
sia nos dialectos românicos, que haviam persistido através do domínio árabe por efleito da
incommunicabilidade do semita, fez com que estes dialectos fossem escriptos no tempo da
desmembrarão politica, e por isso se diferenciaram entre si. Por esses dialectos podemos
estabelecer as características que distinguem as differentes escolas trobadorescas da penín-
sula. São três esses dialectos principaes, que se desenvolveram ou paralysaram em consequên-
cia de causas históricas: a) o Catalão, que se subdivide no Valenciano e Malhorquino e que
pertence à poesia trobadoresca da escola de Barcelona e de Aragão; b) o Galleziano, ao
qual pertence o Bable, apenas fallado, o Gaiíego que estacionou e o Portuguez que progre-
diu, e servindo essa língua para a linguagem poética da Galliza e de Portugal, de Leão e de
Castella ; c) o Castelhano, por effeito da tardia unificação politica, só teve o seu verda-
deiro desenvolvimento lilterario no século xv, e os seus monumentos poéticos têm um ca-
racter épico, tradicional e popular, proveniente d'esta liogua não ser usada pela aristocra-
cia nas imitações provençalescas. Ha portanto três escolas poéticas bastante distinctas : a de
Aragão, em que ao passo que a tradição pura da Provença é communicada a Barcelona o
génio árabe allia-se a esses artifícios lyricos, por via das escolas secundarias de Valência,
de Murcia e das Baleares.
Em seguida temos' a escola da Galliza, em que se dá a communicação com os trovado-
dores da Aquitania, e onde o elemento ethnico das Astúrias, que, tendo resistido à conquis-
ta árabe assim como resistiu á unificação politica dos Godos, se inspira de um profundo ele-
mento tradicional, como veremos nas serranilhas. Mas este antigo elemento asturiano
explica-nos os caracteres fundamentaes da escola da Galliza. A resistência dos Asturos aos
Godos proya-nos que clles^assim como os Cantabros e Bascos pertenciam á antiga raça ibé-
rica; e hoje que se sabe que os Gaulezes comprehendiam principalmente o elemento scy-
thico, tornam-se notabilissimas estas palavras de Strabão : «Os AquUanos diíferem totalmen-
te dos Gaulezes (Strab. confundia estes com os Celtas) não somente pela língua, mas pela
figura que se parece muito com os Iberos.»* Já se vê que a Galliza foi um centro onde o
mesmo génio ethnico da Aquitania e dos Asturos se encontrou revivescendo com um grande
vigor lyrico. Tornam-se aqui de grande auctoridade as palavras de Fauriel, desenvolvendo
as observações de Strabão : «Entre os paizes de língua provençal estão comprehendidos a
Aquitania de César, e a plaga marítima que se estende desde as bacias do Rhodano até à ex-
tremidade oriental dos Pyrenéos; e está historicamente constatado que uma língua ibérica
esteve antigamente em uso n' estes paizes. Ora, depois de termos encontrado o céltico no
provençal, nada ha de estranho em presumir, que também se perdessem alguns restos d'es-
ta antiga língua ibérica cuja identidade com o vasconço é incontestável.» Fauriel exemplifica
o asserto com certas palavras communs ao basco e ao provençal, como Aonar, auxiliar,
secundar, asho, muito, bis, negro, bresca, mel, enoc, enojo, tristeza, nec, triste, gais, mal,
damno, gaissar, destruir, serra, monte, gavarrar, matagal, rabi, ribeiro, grazal, gral, vaso.
Por fim conclue: «Todas estas palavras e uma cincoentena de outras que se poderiam jun-
tar, tém em vasconço exactamente a mesma significação e o mesmo sentido que em pro-
vençal. Ha séculos que o vasconço está restricto ás montanhas; longe de poder dar palavras
às línguas vizinhas é forçado a tomal-as para exprimir idéas e relações novas do povo que o
falia. O provençal não podia tomar do vasconço senão somente aquillo que adoptou nos pai-
1 Àp. Fauriel, HisL de la Poésie provençale, 1. 1, pag. 187.
CAP. l) CATALUNHA E BALEARES XXI
zes onde antigamente se faltou a Iingua ibérica.» 4 Elíectivamenle na escola gallega encon-
tramos refrens communs tanto a Galliza, como à Biscaia, tal é o Alalala, e este problema
importante será particularmente estudado quando investigarmos as origens tradicionaes
d 'esta escola. O uso do gallego ou portuguez-galleziano na poesia de Leão e de Castella, tor-
nando-se assim um dialecto intermediário, à maneira do poitevin para o sul e norte da Fran-
ça, lambem se explica de uma maneira natural pelas origens ethnicas ; os Vândalos e Suevos
haviam occupado a Galliza e o que hoje tem o nome de Castella-Velha, e alem das causas
politicas, esta circumstancia manifestada apenas nos dialectos, fez com que os trovadores
castelhanos, como Affonso o Sábio, preferissem versificar em gallego até ao principio do sé-
culo xiv, o que fez dizer com profunda verdade ao Marquez de Santillana: «No ha mucho
liempo cualesquier decidores é trobadores destas partes, agora fuesen Castellanos, Ân-
daluses, é de la Extremadura, lodos jsus obras componian en l&ngua galega ó portu-
guesa.»
Aqui temos determinadas as duas escolas trobadorescas emquanto ás suas origens ethni-
cas, politicas e litterarias, do Aragão e da Galliza; cremos que a persistência do elemento
tradicional dá à Galliza um passado muito mais remoto, o que justifica a prioridade que lhe
altribuia o Marquez de Santillana, antepondo a todas as escolas as dos Gallaicos cisalpinos,
e a província da Equitania. As outras escolas são ramos secundários derivados d'este tron-
co. Enunciaremos agora as modificações politicas que influenciaram sobre a cultura troba-
doresca, para entrarmos por essa via na historia da lilteratura provençal portugueza.
A separação em que estava a Catalunha de Castella e a unidade da língua d'Oc no meio
dia da França, lornaram-a um centro litterario onde se cultivou a nova poesia; a sede do
governo da Provença eslava em Barcelona, na Catalunha. Por estas relações politicas Bas-
tero e Amat quizeram concluir que a poesia provençal tivera a sua origem na Catalunha ;
porém a designação que em Hespanha se deu sempre a esta poesia, a que chamavam Limo-
sina, como vemos pela Carta do Marquez de Santillana, basta para provar que ella veiu da
escola da Aquitania.* A língua provençal predominava em Aragão, na Catalunha, em Valên-
cia, Murcia e nas Baleares ; 3 alem (festas causas naturaes e orgânicas da diífusão da poesia
trobadoresca, accresceram as circumstancias politicas. Em Í092 extinguiu-se a dynastia
borgonheza, que em uma serie de doze reis governara a Provença; passou em 1113 essa
coroa para o terceiro Conde de Barcelona, casado com Dulce, herdeira do throno. Raymundo
Berenger era irmão de Affonso n, de Aragão, e esta circumstancia influiu bastante para os
trovadores serem acolhidos na corte d'este monarcha. trovador Ramon Vidal exalta a corte
aragoneza: «Pela minha parte eu também aprendi a conhecer a corte do rei Affonso, o pae
do rei actual (D. Pedro n) que enchia a todos de honras e de bens. Não teres vivido então!
conhecerias os bons tempos tão gabados por vosso pae ; terias sabido da boca dos poetas co-
mo se percorria o mundo, visitando as cidades e os castellos; terias visto as suas mollessel-
las, os magníficos arnezes, os freios dourados e os seus palafrens; grande numero (Telles
vinha para a Catalunha, outros vinham de Hespanha; todos tinham a certeza de encontrar
um protector affavel, generoso no rei Affonso n, bem como no bravo Diogo, no amável Con-
de Fernando e em seu irmão, de um espirito tão esclarecido.»
Em 1 137, a poesia provençal localisada em Barcelona, capital da Catalunha, mudou de
sede quando os Condes de Barcelona obtiveram por via de casamento o reino de Aragão 4 ;
Raymundo Berenger m casou com Petronilla, filha de Ramiro o Monge, e Aragão tornou-se
o foco dos trovadores. Os nomes dos trovadores catalães Guilherme de Berga e Hugo de Ma-
taplan figuram a par dos provençaes. Affonso n de Aragão (1162-1196) cultiva a gaya
sciencia; frequentaram a sua corte os trovadores Pedro Rogiers, Pedro Remon de Tolosa e
Aimeric de Péguilain. A guerra dos Albigenses fez com que os trovadores que defenderam
a causa da liberdade municipal contra as violações da santa sé e do feudalismo, encontras-
sem em Aragão um refugio. Ppdro n, de Aragão, morreu na batalha de Muret em 1213 de-
fendendo-os; frequentaram-lhe a corte os trovadores Hugo de Saint-Cyr, Azemar le Noir,
Raymundo de Miraval e outros muitos, que fugiram diante das atrocidades do infernal Si-
mão de Monfort. successor de Pedro n, Jayme o Conquistador (1213-1276) também pro-
tegeu os trovadores, como o confessam nos seus versos Guilherme Ameller, Nat de Mons,
Arnaldo Plagues, Mateo de Quercy, Hugo de Mataplan, e Guilherme de Berguedan. A tomada
das Baleares em 1229 e 1223 também estendeu a diffusão da poesia provençal. Em 1390
1 Ap. F*arie\, fíist.de la Poésie provençais, t i, p. 200, e t. m, p.
* Baret, Les Troubadours, p. 89.
' Diei, op. cit. t p. 2.
* Ticknor, fíist. de la Literatura espahola, 1. 1, p. 326.
299.
\
XXII CASTELLA E GALLIZA (CAP. II
estabeleceu-se ení Barcelona um Consistório do Gay Saber, e ainda hoje conserva os seus
Jogos florões.
Entre os reis de Castella encontrou a poesia provençal o acolhimento que recebia em
todas as curtes da Europa; distinguem-se como protectores Affonsò in (1158-1284), Af-
fonso ix (1 188-1229), e entre todos Affonso x (1252-1284), que teve relações directas com
os trovadores a quem deu asylo depois da queda das cortes de Provença e de Tolosa. 1 Nat
de Mons dirigiu a este monarcha um poema sobre a influencia das eslrellas, e Giraud Ri-
quier, de Narbonna, em 1275, dirigiu-lhe um requerimento em verso acerca do titulo de jo-
gral e de trovador. Todas as obras de Affonso o Sábio foram escriptas em castelhano, â ex-
cepção das suas Cantigas, redigidas em dialecto galleziano. Por este facto e pelo testemunho
do Marquez de Santillana, a poesia provençal entrou em Castella, que esteve separada de
Aragão, por via da Galliza e de Portugal ; a contar ^e 12 14 é que Castella teve relações di-
rectas com os trovadores; Aimerie de Bellinoi esteve na corte de Affonso ix; Martaquagent
e Folquet de Lunel celebraram a eleição de Affonso x, imperador; Raymundo de Tours diri-
giu-lhe versos, e Bertrand de Carbonel dedicou-lhe as suas composições. 2 Mas a poesia pro-
vençal encontrava em Castella uma terrível antagonista, que obstava ao seu desenvolvimen-
to : o génio nacional começava a elaborar as epopéas rnosaràbes, que constituem o riquíssimo
e inimitável Romancero hespanhol, e o gosto pelas Gestas francezas dava preferencia aos
cantos de feitos de armas, dirigindo a imitação para a forma alexandrina usada por Segura
e pelo Arcipreste de Hita, que conhecia os fabliaux. A imitação provençalesca foi uma mo-
da palaciana em Castella, e por isso ar língua em que essas canções eram escriptas, o galle-
ziano ou o portuguez, era preferida para esse artificio. Em breve o lyrismo provençalesco
foi substituído pela renovação italiana de Dante e de Petrarcha.
Em Portugal as condições vilães da nacionalidade não eram Ião profundas, e a poesia
dos trovadores conservou-se corça uma persistência notável de formas nos Cancioneiros até
ao flm do século xvi ; ainda assim não se pôde considerar uma imitação inorgânica, porque
essa persistência explica-se pelo sentimento tradicional que revive nas differentes épocas
da nossa historia litteraria.
CAPITULO II
PEBIODO ITALO-PROVENÇAL (1114-1245)
Para a fidalguia peninsular, empenhada na empreza da reconquista christã e nas tendências
separatistas dos pequenos estados ou nas violências de unificação politica de monarchas pre-
potentes que nos seus testamentos destruíam a obra que haviam realisado á custa de cri-
mes, n'este conflicto da sociedade catholico-feudal, a poesia dos trovadores foi como uma
aura saudável que todos quizeram respirar, era um raio de luz moral que vinha alegrar os
solares sombrios. A fidalguia da península quiz também imitar essa poesia que seduzia os
monarchas de França, da Itália, da Inglaterra, da Sicília e da Allemanha; em três pontos se
manifesta quasi ao mesmo tempo a arte dos trovadores da Provença — na Catalunha, em
Aragão, que se confundem em uma só escola, e na Galliza. Já vimos as condições que favo-
reciam esta imitação ou a tornavam uma revivescência ethnican'este ultimo ponto, e inves-
tigando a acção que exerceram outras raças que posteriormente- occuparam a Galliza assim
explicaremos o motivo porque o seu primitivo génio lyrico se manteve até á sua floração es-
plendida no flm da edade media. Como primeira das províncias romanas invadidas, começou
mais cedo na Galliza a formação do dialecto românico que havia de servir de linguagem á
sua poesia; os Suevos, que a occuparam, imprimiram um cunho particular ao dialecto gal-
leziano, que Helfferich e Declermont definem : «Comparando a vocalisação do dialecto sua-
bio actual á do portuguez, julga- se ter achado a solução do problema. Foram os Suevos, que
primeiro que todas as outras tribus germânicas se estabeleceram na Galliza, e admittindo
que a língua allemã recebesse da boca dos Suevos desde a sua primeira apparição históri-
ca, uma vocalisação distincta do golhico, não custará a attribuir a intonação nasal, particu-
lar ao dialecto suabio, e que se encontra de uma maneira surprehendente no portuguez, á
influencia da língua dos Suevos sobre o neo-latino que acabara de formar-se unicamente na
1 Diez, op. cU. } p. 61.
Ticknor, ibià., p. 47, not.
CAP. Il) INFLUENCIA DOS SUEVOS NO LYRISMO XXIII
Galliza.» 1 Vejamos as circumstancias que levaram o Suevo a perder os seus mythos e tradi-
ções épicas, e a adoptar a vida agrícola e um lyrismo pastoril.
À Galliza foi o primeiro ponto da Península que soflreu e ficou submettido às invasões
dos bárbaros do norte. Os Suevos eram um dos ramos mais civilisados das rapas germâni-
cas; na invasão da Península hispânica, apoderaram-se da região que mais favorecia o seu
progresso e a independência: «De antes os Suevos tinham o seu assento na Galliza e na
Lusitânia, que se estende sobre a direita da Hespanha, ao longo das costas do oceano, ten-
do ao oriente a Auslrogonia, ao occidente sobre o promontório, o monumento sagrado de
Scipião, general romano ; ao norte o oceano, ao meio dia a Lusitânia e o rio Tejo. . . . » 2 Por
esta noticia de Jornandes se vé que os Suevos occupavam o melhor solo da Península, que
os levava á ambição do domínio sobre todos os outros ramos germânicos: «Foi d'estas re-
giões que saiu Ricciario, rei dos Suevos, com o projecto de se apoderar de toda a Hespa-
nha.» Theodorico, que occupava o throno dos Visigodos, arruinou para sempre esta ambição
na batalha junto do rio Urbius. Por tanto a siluaçào geographica que provocava o Suevo á
independência e domínio, foi a causa da sua absorpção pelos visigodos. Por outro lado a si-
tuação dos Suevos, na invasão da Península, prova-nos a sua superioridade, porque já en-
tão tinham poder para preferir a melhor parte da conquista, e sabiam conhecer as melhores
condições para a economia das suas cidades; mas esta progresso foi interrompido por uma
causa que explica também o desenvolvimento dos Godos : os Suevos abraçaram o catholicis-
mo e por causa da nova crença perderam os seus mythos, e por consequência não chegaram
a elaborar os cantos épicos, que teriam sido um meio de resistirem sempre e de sustenta-
rem a sua independência apesar de todas as derrotas. Uma vez privado das ambições de
conquista, e da actividade das armas, o Suevo ficou sedentário, e pelas condições do terri-
tório em que estava limitado, entregou-se ao trabalho da agricultura. A natureza d'este tra-
balho feio renovar a antiga linguagem technica da agricultura romana juntamente com os
processos mais adiantados; ainda no século passado, escrevia o P. Sarmienlo: «Galicia, mi
pátria, es la Província que mas vocês latinas conserva, y en especial en quanto toca á agri-
cultura. Digolo, porque lei por curiosidad de verbo ad verbum á Caton, Varron, Columellay
Paládio.» 3 D'esta condição essencialmente agrícola, tirou o gallego a sua poesia lyrica, as
chamadas Serranas, como as villanelas da Gascunha, de que falia o Marquez de Santillana,
e que influíram no lyrismo de toda a Península, como adiante veremos ; mas o trabalho da
terra fez adoptar sob o domínio moral absoluto do catholicismo, uma forma de propriedade
que foi a causa mais forte da decadência da Galliza. Como se sabe, a egreja da edade media
era mais uma forma particular da propriedade, do que uma instituição hierática; onde a
egreja dominou fundou a auctoridade sobre a grande propriedade, e por este motivo fez
prevalecer a emphyteuse romana. Portugal, que já desde a occupação dos Suevos fazia par-
te da Galliza, no alto Minho é completamente emphyteutico. Portanto, submettida a proprie-
dade territorial na Galliza à emphyteuse, deu-se a separação entre os que trabalhavam e os
que possuíam, que eram as ricas abbadias e grandes senhores. D'aqui resultou uma ri-
queza limitada, e uma miséria geral, que .levava as classes pobres a dispersarem-se por to-
da a Península abraçando a proOssão de jograes. Assim communicaram não só as canções
dos trovadores que visitavam o tumulo de S. Thiago de Gompostella, e que elles aprendiam,
mas como jograes de tambor pediam de terra em terra cantando os seus cantos tradicionaes.
Os Suevos também influíram no systema musical que veiu a prevalecer nas canções aristo-
cráticas, como affirma o illustre musicographo Soriano Fuertes. Antes da invasão árabe já os
Judeus se espalhavam pela península, e até certo ponto lhe ensinaram os segredos da oc-
cupação territorial ; como os Suevos eram apaixonados pela musica, os judeus lisonjearam-os
ensinando o systema musical das notas rabbinicas, cuja analogia com as linhas, os nw-
meros e os pontos usados pelos Suevos, produziu o systema mixto, hoje conhecido pelas lar-
gas explicações do venerável Beda. 4 Aflbnso o Sábio, assim como foi educado na Galliza,
assim escreveu não só as suas canções em dialecto galleziano, mas como diz Fuertes, a me-
dida das suas canções está escripta em notas rabbinicas* Eslava classifica a musica das
canções de Aflbnso o Sábio como do systema de canto-chão melódico, o que está revelando
a tradição rabbirúca, conservada na egreja. No Cancioneiro da Ajuda ainda se acham na
primeira strophe de cada canção os intervallos para se escrever a solfa, e pelo que se ob-
< Aperçue de Vhisloire des langues neo-lalines en Espagnc, p: 3G, Madrid, 1857.
• Jornandes, De rebus Gelicis, p. 335, trad. Savagner.
• Memorias para la Historia de la Poesia y Poetas espàholes, p. 144.
• Historia de la Musica en Espana, 1. 1, p. 94.
• lhid M 1 1, p. 94.
XXIV INDEPENDE NCIA DO CONDADO DE PORTUGAL (GAP. II
serva nos códices de Aflbnsp o Sábio, seguia-se em Portugal a notação rabbina. Ainda no
Cancioneiro da Vatioana se achara dois fragmentos de canções (n. M 1 138-1 139) que com-
pozera um judeu de Elvas, que porventura se conservaram por causa da musica a que eram
cantadas; c do Cancioneiro do Conde de Marialva, exlrahira Fuertes a musica da celebre
Canção do Figueiral, e da Reina groriosa. 1
Ôs Suevos depois de haverem dilatado o seu domínio pela Bélica e Lusitana, entraram
na unificação gothica; tendo com os Vândalos occupado também a Castella Velha, dava-se
uma unificação de raça, que fez com que no século xn viesse Castella a receber a tradição
provençal da Galliza em vez de a receber das escolas da Catalunha ou do Aragão, de quem
estava separada. dialecto galleziano com leves modificações tornava-se inlelligivel em
todas as capitães chrislãs da península, e principalmente em Castella e Leão. Os fidalgos
asturo-leonezcs, que vinham desempenhar a homenagem dos castellos dos dois Condados da
Galliza e de Portugal, compraziam -se em escutar as canções amorosas n'esse dialecto novo,
que começou a ser escripto depois que se formou a nacionalidade portugueza. *
A independência do Condado de Portugal com relação a suzerania de Castella, foi uma
desmembração territorial da Galliza, que nunca conseguiu a autonomia nacional. N'esta se-
paração, a corte portugueza teve de estabelecer relações com outros paizes, como Génova
e Veneza por causa da sua marinha, Q com os cruzados francezes, inglezes e allemães para
a sua defeza e colonisação. Foi por isto que o dialecto galleziano começando a ser escripto
como a língua da nacionalidade portugueza, serviu de expressão á poesia provençal que nos
foi communicada pela Itália. A tradição da Galliza só se tornou a achar mais tarde; o nosso
primeiro período de manifestação poética é rigorosamente Ualo-provençal. Comecemos pelo
phenomeno da desmembração dos dois Condados, até chegarmos ás causas que produzem
esta corrente de communicação italiana.
No tempo de Fernando Magno, a província da Galliza, regida por diversos Condes, esten-
dia-se até ao Mondego; as suas fronteiras variavam com a conquista. Em 1065 as conquis-
tas ao norte do Mondego e do Alva ainda estavam incluidas no território da Galliza; por
morte do monarcha coube a Galliza a seu filho Garcia, mas por causa das dissensões entre
seus irmãos vem esse domínio a cair em poder de Sancho rei de Castella, e pelo assassinato
d'este ao outro seu irmão A Afonso, rei de Leão. Este suecesso deixou um ecco remotíssimo na
poesia popular da Galliza, no romance de Ayras Nunes, conservado no Cancioneiro da Va-
tícana (n.° 466), que adiante analysaremos. Em 1093, tendo Afibnso posto cerco a Santa-
rém, e tomando em seguida Lisboa e Cintra, as fronteiras da Galliza estenderam-se até á foz
do Tejo. Ainda hoje os habitantes do Alemtejo conservam a tradição d'estes limites chaman-
do indistinctamente gallegos aos ribatejanos, e no Ribatejo cada povoação dà o nome de gal-
legos aos povos que lhes ficam para o norte. É a contar d'este ponto que começam a dar-se
as condições para a separação de Portugal.
Afibnso vi, de Leão, tendo de tornar mais forte a administração do immenso domínio da
Galliza» entregou-a a Raymundo, filho do Conde de Borgonha, cavalleiro que acompanhara
o séquito da rainha D. Constança, mulher do monarcha leonez. Cré-se que viera com os
guerreiros frankos que passaram os Pyrenéos para ajudarem Afibnso vi na batalha de Za-
laka. Em 1 094 Afibnso vi casou-o com sua filha Urraca, encarregando-o assim da administração
de toda a Galliza. Não faltariam jograes frankos que visitassem a corte do Conde borgonbez,
attrahidos pela fama das piedosas romagens ao tumulo de S. Thiago, pelo caminho francez.
Com Raymundo viera também à Península seu primo Henrique, sobrinho da rainha
D. Constança; o illuslre cavalleiro francez logo em 1095 casou com D. Tareja, filha bastarda
de Affonso vi, ficando a governar os districtos de Braga sob a dependência de seu primo.
Em breve o território das margens do Minho até ao Tejo foi desmembrado da Galliza, fican-
do a sua administração privativa de Henrique e independente da suzerania de Raymundo.
A fama da romagem de S. Thiago crescia tanto, que* já em 1097 a 1098 o Conde D. Henri-
que fizera essa peregrinação. Mas o grito da primeira cruzada da Terra Santa soara pela
Europa em 1095 ! Os cavalleiros da península não quizeram esquivar-se ao appello. Conde
D. Henrique em 1 103 partiu para o oriente, talvez na passagem da armada genoveza, e de
lã regressou em 1 105. Os trovadores provençaes lançaram a proclamação fervorosa por to-
das as cortes por meio de canções. O trovador Guilherme ix, Conde de Poitiers e Duque da
Aquitania, que tomou parle na primeira cruzada, diz em uma canção :
«Fiel á honra e á bravura, eu tomo as armas; partamos; vou para Alem-mar, lá onde os
peregrinos imploram o perdão.
1 Historia de la Musica en Espana, t. r, p. 117. Colligidas nas Epopêas Mosarabes e Trovadores Galecio-
portuguezes.
CAP. Il) MARCABRUS EU PORTUGAL XXV
«Adeus esplendidos torneios, adeus magnificência e tudo quanto agrada ao coração ! Já
nada me detém, eu vou aos logares onde Deus promette a remissão dos peccados.
«Perdoae-me companheiros a quem haja offendido ; imploro o meu perdão, offereço o
meu arrependimento a Jesus, senhor do raio ; dirijo-lhe a minha supplica em língua roman-
ce e em latim.
«Por muito tempo me distrahi em mundanidades, mas a paz do Senhor se faz ouvir, e é
preciso apparecer no seu tribunal. Eu succumbo sob as minhas iniquidades.
«Oh meus amigos! quandq eu estiver em presença da morte, ajuntae-vos em torno de
mim, e concedei-me as vossas saudades e consolações.»
Como este, muitos outros cantos exaltados resoaram pelos caslellos sombrios. fervor
que o grito da cruzada produziu nos cavalleiros da Península concebe-se pela bulia de Pas-
choal n, que os inhibe de abandonarem a reconquista do território hispânico para irem para
alem-mar. Os cavalleiros partiam por terra ou dirigiam-se à Itália para embarcarem nas ar-
madas genovezas.
Este facto indica-nos a primeira communicação da poesia provençal por meio dos tro-
vadores que residiam nas cortes de Itália. que traria Peire Vidal, que residiu muito tem-
po em Génova, até Portugal, se não fosse o seu encontro com os cavalleiros portuguezes
que d'ali iam seguir o destino da Terra Santa? Também da Itália nos veiu esse enthusiasmo
da liberdade que tanto vigor deu aos municípios no tempo das lutas de D. Urraca, viuva do
Conde Raymundo da Galliza, com D. Tareja, viuva do Conde de Portugal. N'estas lutas, o
primeiro trovador conhecido, Guilherme ix, duque de Aquitania, era do partido de D. Ur-
raca, querendo que Affonso Raymundes, ainda seu parente, fosse o herdeiro de Affonso vi. 1
Desde 1 122 o infante da Galliza começou a denominar-se Affonso vn; o triumpho sobre o rei
de Aragão, que aspirava pelo casamento com D. Urraca ao throno de Castella e de Leão, fez
com que D. Tareja em paga da sua adhesão às pretensões da Galliza ficasse com o Condado
de Portugal, em segurança pelo menos até â morte de sua irmã em 1126. Um anno antes,
em 1 125, o filho de D. Tareja, D. Affonso Henriques, armava-se cavalleiro aos quatorze an-
nos, diante do altar de S. Salvador em Samora, e n'este mesmo dia seu primo Affonso Ray-
mundes (Affonso vu) vestia as armas no altar de S. Thiago em Compostella. Era d'este acto
análogo que havia de nascer a independência do Condado de Portugal, que tendia a eman-
cipar-se do reino de Castella e Leão; em 1 140 toma Affonso Henriques o titulo de rei, ser-
vindo-se das armas e do perstigio de Roma contra as pretensões de Affonso vn.
Kmquanto duraram estas lutas um trovador provençal, que frequentava a corte de Af-
fonso vn, viera também a Portugal, em dias mais propícios. Chamava-se Marcabrus, e per-
tencia ao ramo da Gasconha, da escola poética da Aquitania. A sua visita à corte portugue-
sa seria talvez em consequência da paz do novo estado com Affonso vn. D'este trovador,
que em um antigo manuscripto traz a seguinte rubrica «o primeiro de todos os trovadores,»
diz Fauriel: «Nasceu, segundo a maior probabilidade, por 1120; é certo que viveu até
1147, porque d'elle ha composições allusivas a acontecimentos d'esse anno. Frequentou as
cortes christãs d'áquem dos Pyrenéos, nomeadamente a de Portugal, e é o único dos tro-
vadores positivamente conhecido por ter visitado esta ultima.» * Em uma canção de Guerau
de Cabrera cita-se a influencia da escola da Gasconha na Península, e allude-se ao trovador
Marcabrus: M . ,
Non saps balar,
ni trasgitar,
a guisa de juglar guascoHj. . .
non cug que't pas sotz lo guingnon
de Markabrun
nin de negun. 3
Um dos motivos que chamaria os trovadores a Portugal seria o publicar-se, que os ca-
valleiros e homens de armas que fossem defender a Extremadura e especialmente Leiria,
gosaríam as mesmas graças como se fossem à Palestina, e seus peccados seriam remidos
como se morressem em Jerusalém. 4 Os trovadores eram um dos grandes instrumentos das
Cruzadas; Marcabrus, que pregara com os seus versos a cruzada de Luiz vn, não podia dei-
xar de acudir a este appello. A sua vinda a Portugal deve presumir-se portanto depois de
1 1 42. A luta entre os Àlmoravides com os Almohades em Africa e com os Árabes em Hespa-
Herculano, HisL de Portugal, t. i, p. 265.
24. Barcelona, 1868.
XXVI RELAÇÕES DE PORTUGAL COM A ITÁLIA (GAP. II
nha, fez com que D. A Afonso 'Henriques fosse alargando para o sul as fronteiras do novo es-
tado. As pequenas' potencias das cosias do Mediterrâneo, provençaes e italianos, levados
pela necessidade de protegerem os almoravides, alliaram-se a Affonso vn para formarem
uma liga contra o novo poder dos Almohades. O trovador Marcabrus incitou os monarchas
para esta cruzada ; elle também cita o rei de Portugal em uma das suas canções :
«Imperador, eu agora sei por mim mesmo quanto cresce o vosso denodo. Eu apressei-
me em vir, e alegro-me em vér-vos alimentado de prazer, elevado em gloria, florente de
mocidade e de cortezania.
«Pois que o filho de Deus vos requer, para o vingar da raça de Pharaô, rejubilae-vos.
«E se aquelles das partes de alem não morrem nem pela Hespanha, nem pelo Sepulchro,
compete a vós tomar o partido, sacudir os sarracenos, abater o seu orgulho. Deus será com-
vosco no momento decisivo.
«Falta soccorro aos Almoravides, por culpa dos senhores das partes de alem, que se pu-
zeram a urdir certa trama de inveja e de iniquidade. Mas cada um (Telles se lisonjéa de fa-
zer-se absolver na sua morte da parte que lhe pertence na obra.
«Deixemos então deshonrar-se aquelles das outras partes das montanhas, esses barões
que amam o descanso, e as doçuras da vida, os leitos moles e os bons somnos ; e nós d'este
lado, respondendo ao appello de Deus, reconquistemos a sua honra e a sua terra.
«Folguem muito entre si, esses deshonrados que se dispensam da santa peregrinação, e
eu lhes digo, que um dirá virá em que lhes será preciso sair dos seus castellos; mas sairão
com os pés para diante e a cabeça para traz !
«Que o Conde de Barcelona persista na sua resolução com o Rei de Portugal e o da Na-
varra, immediatamente iremos plantar os nossos pavilhões sob os muros da imperial Tole-
do, e destruir os pagãos que a guardam.» 1
N'esta cruzada figuraram sob a direcção de Affonso vn, Guilherme de Baux, senhor de
Marselha, Guilherme iv, de Montpellier, e a viscondessa Ermengarda de Narbona. D. Affonso
Henriques tomando parte n'ella, teve occasião de conhecer a organisação das republicas ita-
lianas. Em 1 146, casou este monarchacom D. Mafalda ou Mathilde, Olha de Amadeu u, conde
de Mauriana e Saboya; descendente também da casa de Borgonha por seu pae o Conde
D. Henrique, seria o parentesco com a casa de Mauriana que o levaria a effectuar esse ca-
samento. 9 A Saboya, nas antigas divisões de Augusto pertencia à Provença, e também na
Provença foi comprehendida a Borgonha, depois das cruzadas. O facto d'este casamento, ex-
plica-nos como por via da Itália se propagou a Portugal a poesia da Provença. Quando Ray-
mundo Berenger foi a Turin prestar homenagem a Frederico Barba Roxa, acompanharam-no
os trovadores Arnaldo Daniello, Geofiroy Rudel, Pierre de Vernegues, Elias Barjols, Guillau-
me de Sain Didier, Guillaume Adhemar e outros muitos. 3 Temos uma contraprova d'esta
influencia italiana, no trovador Peire Vidal, que residiu uma grande parte da sua vida na
Alta Itália, e em Génova ; elle deixou nos seus versos a prova de ter residido em Portugal, na
corte de D. Sancho i. A rainha D. Mafalda (Mahaul), ao vir para Portugal, trazia, como todas
as princezas, trovadores no seu séquito ; era na Itália que D. Affonso Henriques e seus suo
cessores compravam os navios com que atacavam os árabes do Algarve ; foi da Itália que se
propagou também a Portugal o espirito das revoltas communaes, das nossas cartas foralei-
ras. Com a vinda de D. Mafalda flxaram-se em Portugal bastantes nobres italianos; nos Nobi-
liários encontramos o nome de Podestade em varias famílias. No Livro velho das Linhagens,
acha -se o nome de Álvaro Fernandes Podestade, cuja neta veiu a casar com um Olho bastar-
do de el-rei D. Sancho. 4 nome de Podestat, era derivado do cargo electivo de dictador ad-
junto ao governo municipal ; 5 quando as instituições municipaes italianas penetravam no
sul da França, é certo que a esta corrente das garantias communaes obedeceram D. San-
cho ii e D. Affonso iu, com a creação dos numerosos Foraes poftuguezes.
É provável que Marcabrus acompanhasse o séquito de D. Mafalda em 1146; nos seus
1 Fauriel, ib., p. 147. Eis esta ultima strophe em provençal:
Àb lavador de Porlegal
E dei rei navar atrelai,
Ah sol que Barsalona is vir
Ver Toleta 1'emperial
Segur poirem cridar reial
E paiana gen desconflr.
• Herculano, Hist. de Portugal, t. r, pag. 363.
• Pitton, Hist. de la VUle d' Ais, liv. ii, cap. iv; Baret, TroubadourSj p. 192.
* Portuq. Mon. hist., (Scriptores), t.,n, p. 145 e 260.
• Àugustin Thierry, Hist. ãu Tiers-État, p. 288. (Ed. 1868.
)
GAP. Il} TOMADA DE LISBOA E BE SANTARÉM XXVII
versos elle exalta D. Afonso Henriques. 1 regresso dos estudantes portuguezes das univer-
sidades de Bolonha, Tolosa e Paris, era também um vehiculo para o conhecimento da nova
poesia. Porém um elemento que mais devera ter contribuído para essa diffusão seria a che-
gada dos cavalleiros cruzados, de ordinário trovadores, que vieram ajudar D. Affonso Hen-
riques na tomada de Lisboa. Em 1 146, Luiz vn, a quem escrevera o trovador Marcabrus,
tomou a insignia de Cruzado, e com elle os mais inclytos cavalleiros francezes; ajuntou-se-lhe
Conrado 111 da Állemanha, e dirigiram-se para a Ásia por terra. Os cavalleiros do Rheno in-
ferior e da Frisia e as tropas de Colónia dirigiram-se para Inglaterra, onde no porto de Dart-
raouth estava surta uma armada de duzentas velas flamengas e inglezas que haviam de
transportar os Cruzados de Flandres, de Lorena, de Inglaterra e da Aquitania, que se haviam
desmembrado de Luiz vn para irem por mar. Esta armada de mais de treze mil homens di-
rigiu-se para o norte da Península, vendo-se obrigada pela tempestade a aportar e juntar-se
na foz doTambre, na Galliza. Ali os cruzados celebraram a festa do Pentecostes no sanctuario
de S. Thiago de Compostella. Bastava este facto para deixar em evidencia a causa por que
a Galliza recebeu a poesia provençal de uma maneira differente da Catalunha e do Aragão.
Esta mesma armada, commandada pelo Conde Arnolfo de Areschot, aportou ao Douro a 16
de junho de 1 1 47, e dias depois foi sitiar Lisboa, para ajudar o combate que lhe dava por
terra D. Affonso Henriques.
N'este mesmo anno dera-se a tomada de Santarém, e o ecco d'este feito estrondoso con-
servou-se em uma composição do Cancioneiro da Ajuda, (n.° 1 19, das Trovas e Cantares)
cujo estribilho tem um grande valor histórico :
A mais fremosa de quantas vejo
en Santarém, e que mais desejo,
e en que sempre cuidando sejo,
non cha direi, mas direi commigo :
Au Seniirigo I au sentirigo
ale Alfanx e ai sesserígo!
Os nomes usados n'este estribilho concordam plenamente com uma Relação da tomada
de Santarém, espécie de poema em prosa, que refere todas as circumstancias da ousada
empreza de D. Affonso Henriques. 2 Depois que a hoste do rei portuguez saltou aos muros
da fortaleza, succedeu-se um repentino estrépito de armas e de gritos, que se não conhe-
ciam no tumulto ; o rei mandou atacar pelo lado direito ainda hoje chamado Alphan, e Gon-
çalo Gonsalves sustentou o ataque pelo lado esquerdo, impedindo o soccorro ao bairro ou
arrabalde externo de Senteiigo ou Sesserigo.* Assim o estribilho da cantiga do Cancioneiro
da Ajuda parece ser uma lembrança não remota de um grito de guerra usado pelos caval-
leiros portuguezes em 1 147, lembrança que se apagava, como se vé por este outro estribi-
lho da canção 1 20 (ed. Trov. e Cant.) :
Pêro eu vejo aqui trobadores,
senor e lume d'estes olhos meus,
que troban d'amor por sas senores,
non vefeu aqui trobador, par deus,
que mof entenda o porque digo :
— AI e Alfanx e ai Sesserigo!
O poema em prosa é attribuido ao próprio D. Affonso Henriques, e esta tradição basta
1 En Castella et en Portugal
No trametré aquestas salutz ;
Mas Deos los sal
Et en Barcelona atretal
E neis las valors son perdutz.
(Ap. Baret, op. cit, p. 192.)
* Pôde ver-se na Monarchia lusitana, Part in, Escr. 20, e nos Porl. Moru hist.
* No poemeto em prosa se lê : « Tanta deinde secuta est confusio vocnm ut utrarumque partium, ut nulia
possit notari dlscretio. Aio ergo méis, feramus auxilium sociis. leneamus dexlram, si jwlerimus ascendere per
Alphan, et Gundisalvus Gundisalvi cum suis sinistram, ut praeoccupet callem, qne venit de Setbmoo, ne por-
tae aditas ab illis praeoccupetnr...» Como já observámos, ainda hoje se conserva o nome de Alfdo; em um do-
cumento dos Templários, de 1159, o nome de Sesserigo, designava ainda o arrabalde que modernamente ae
chama a Ribeira de Santarém: «illa ecclesia de S. Jàcobi, quae est in subúrbio de Sesserigo...* (Elucidário,
vb.* Templários.) Esta palavra concorda com a descripção de Edrisi: «Ghantarin est une vi lie bàtie sur une
montagne três haute, au midi de laquelle est une vaste enfoncement 11 n'y a point de murai lies mais au pied
de Ia montagne un faubourg bali sur le bord du fleuve.» (Trad. Jaubert, vol. 11, p. 29.) Quanto ao poema em
prosa, talvez primitivamente em verso e deturpado n'essa forma pelos copistas, loi combatido como apocry-
pho por Fr. Joaquim de Santo Agostinho {Mem. de Lill. da Academia, t. v, o. 316), com rasões que Herculano
não acceitou, suppondo a redacção em um latim superior ao dos documentos dos séculos xn e xin, mas ain-
da assim verdadeiro na sua origem. (Bist. de Portugal, 1. 1, p. 504.)
XXVIII JOHÀM SOARES DE PANHA (CAP. I
para nos provar o gosto litterario do monarcha para dar protecção aos trovadores que
visitavam a sua corte. A forma latina cTeste poema, e a descrippão da tomada de Lisboa
no Cármen Gostànum, revelam-nos como a cultura latina começava muito cedo a obstar
ao desenvolvimento do dialecto vulgar, e estabelecia o desprezo pelas tradições popu-
lares.
Depois da tomada de Lisboa, alguns cruzados não seguiram para o Oriente, e fixaram-se
em Portugal; Jourdan estabeleceu-se na Lourinhã, Alardo em Villa- Verde, e Guilherme de
Cornes ajudou a povoar Athouguia com os seus homens de armas. No Cancioneiro da Vati-
cana (n.° 1 181) ha um apodo contra um descendente d'este ultimo cruzado. 1 Em 1 157 veiu
a Portugal outra armada de Cruzados, commandada por Thierry de Flandres. As prosperi-
dades do fundador da monarchia faziam com que outros soberanos procurassem a sua ai-
liança ; e Raymundo Berenger, um dos grandes protectores dos trovadores, procurou casar
seu filho com D. Mafalda, (ilha de Aflbnso Henriques. Realisou-se o contrato em 1 160, não
se efTectuando por fallecimento da infanta ; comtudo a boa avença em que estávamos com a
coroa de Aragão fez com que essa fusão se renovasse pelo casamento do príncipe D. Sancho
com D. Dulce, Olhando Conde de Provença. É portanto n'este tempo que os trovadores Ga-
vaudan o Velho, Peire Vidal, e segundo Baret, Cercamons e Peire Valeira se referem a Por-
tugal, ou visitam este paiz. Nos Nobiliários começam a apparecer os nomes de fidalgos por-
tuguezes conhecidos pelo epitheto de trobador, e outros já se tornam conhecidos pelo seu
talento poético nas cortes peninsulares, como João Soares de Panha '.
Uma canção de João Soares de Panha (n.° 937), uai rey dom Sancho de Navarra, por
que Ihi roubar tensa forom » pelos successos históricos a que allude, mostra-nos que este
trovador pertencia ainda ao fim do século xn. O monarcha a quem dirige a cantiga de mal-
dizer era Sancho vi o Forte, cunhado do trovador Ricardo Coração de Leão, rei de Inglater-
ra, cuja tradição cavalheiresca se conservou também nos cantos dos trovadores peninsula-
res 3 . Sancho vi começou o seu reinado ai li and o -se com o Emir de Marrocos contra a guerra
que lhe moviam os reis de Aragão e de Castella. Emquanlo Sancho vi esteve na corte do
Emir em Sevilha, a Navarra ficou exposta à invasão dos reis de Leão e de Castella (1200) e
o rei de Aragão havia posto cerco a Pampelona e a Estela. A estes factos allude o trovador
portuguez João Soares de Panha, que soffreu as consequências das invasões, « por que Ihi
roubar tensa forom e nom Ihi deu el rey ende déreyto.» Á demora de Sancho vi na corte do
Emir, allude o primeiro verso da canção :
Ora faz est'o senhor de Navarra,
poy9 em Proença est el rey d'Aragon,
non lh'am medo de pico nem de marra...
No Nobiliário do Conde D. Pedro acha se a lenda de D. Diogo Lopes de Haro e da Dama
pé de cabra; este vassallo do rei de Castella revoltou-se e veiu ajudar á independência dos
' Martin de Cornes vi queixar
de sa molher, a gram poder,
que Ihi faz hy a seu cuydar...
* À lenda poética do trovador Egas Moniz Coelho não é menos bella e fictícia do que aquellas com que
Nostradamus e o Monge das Ilhas de Ouro embellezaram a vida de muitos trovadores provençaes. Conta-se
que Egas Moniz, primo do celebre ayo de Àffonso Henriques, amava uma dama da rainha 0. Mafalda, chama-
da D. Violante. cavalieiro trovador tendo de ir a Coimbra escreveu á sua dama uma formosa canção de des-
pedida; na ausência Violante casou com um cavalieiro castelhano a instancias da rainha. Egas Moniz regres-
sou á corte e encontrou a sua dama já casada ; escreveu então a segunda canção inspirado pela tristeza e pelo
despeito e morreu de amores. Violante vendo quanto perdera envenenou-se. (Vid. Cancioneiro popular, p. 5 a
7). Miguel Leitão Ferreira foi o primeiro que publicou estas canções {Miscellanea, Dialogo xvi, p. 458), dizendo
haverem sido encontradas em um manuscripto que apparecéra no tempo de D. Sancho i, na tomada do cas-
tello de Arunce. Estas circumstancias imaginosas aceusam a invenção novellesca ; as duas canções existiam,
como observa Ribeiro dos Santos no Cancioneiro do dr. Gualter Antunes, e tanto pela letra como pelo estylo
litterario essas composições pertencem na realidade ao principio do século xv.
1 Em uma canção travada entre Pêro da fonte e Aflbnso Eannes de Cotom, jograes da corte de Affonso ix
de Castella e de Leão, e que viveram na corte de Affonso m de Portugal, allude-se ainda á valentia de Ricardo
Coração de Leão:
Pêro da Ponte, se dês vos perdon'
non faledes mais em armas, ca non
non está bem, esto sabe quem quer.
Affonso Eanes, filharey en don,
verdade vos ay Cór de Leão,
e faça poys cada quem seu mister.
(Canc, n.° 556.)
CAP. Il) , TROVADORES CITADOS NOS NOBILIÁRIOS XXIX
navarros. A canção de João Soares de Panha refere com escameo a iaefflcacia do cerco do
rei de Aragão :
Se llTo bon rey varrel-a escudela
que de Pamplona oystes nomear,
mal ficará aqueloutro em Todela,
que ai non ha a que olhos alçar;
que.verrá hi o bon rey sejornar,
e distinge a ca burgo de Estella,
e veredes Navarros acerar,
e o Senhor que os todos caudela.
No meio das lutas com os outros monarchas, Sancho vi, conhecido também pelo nome
de Encerrado, viveu o resto de seus dias fortificado no seu castello de Tudela, e d'ahi lhe
veiu o epitheto ; na canção de João Soares se allude a esta circumstancia :
Quand'el rey sal de Todela, estrea
el essa oste e todo o seu poder,
ben soffren hy de travalho e de péa,
ca van a furt'e tornam-s'en correr ;
guarda s'el rey, como é de bon saber,
que o non filhe luz en terra alhea,
e onde sal hy ss*ar torna a jazer
ao jantar ou senon aa cea.
Esta canção 937, alem dos factos históricos do reino de Navarra a que allude, e cujas
fontes históricas são diminutíssimas, 4 vem-nos precisar a época em que floresceu este anti-
quíssimo trovador portuguez, separando-o assim de outros homonymos. Pela marcha dos
suecessos políticos a Navarra, depois da morte de Sancho vi (1234), tendeu a ser absorvida
pela França, e assim termina aqui a sua influencia nas transformações da península.
O nome de João Soares de Payva acha-se citado nos antigos Nobiliários portuguezes do
século xni e xrv. Antes de se descobrirem os nossos Cancioneiros provençaes, Manuel de
Faria e Sousa ao fazer uma edição d'este cadastro da nobreza portugueza, achou ahi os nomes
de seis trovadores, entre os quaes figura João Soares de Paiva. Diz elle : « de modo que las
personas principales de que ai Conde Don Pedro vino a lanse hazer memoria, apparecen en
este libro seys poetas de casi 400 annos de antiguidad unos, e mas de trescentos, otros.» 1
De facto, nos Nobiliários acham-se com o titulo de « que foi Trobador, que tróbou bem, e
Trobador e mui saboroso, os seguintes fidalgos: João de Gaia, 3 João Soares de Paiva, 4 Fer-
não Garcia Esgaravinha, 6 Vasco Fernandes de Praga, 6 João Martins/ e Estevam Annes de
Valladares. 8 Alguns d'estes trovadores pertencem ao fim do século xm, como João Martins,
que n'uma doação de D. Marinha AfTonso, viuva do trovador D. João de Aboim, ao abbade de
Alcobaça em 1228, assigna como testemunha: «Joanne Martini Trovatore,» 9 e em outro
documento d# mesma época: «João Martins Trovador, alvasil de Santarém.» 10 Outros, como
João de Gaya, pertencem ao meado do século xiv.
O trovador verdadeiramente da primeira metade do século xn é João Soares de Pavha,
cujo nascimento se pôde fixar depois de 1 139. No Livro velho das Linhagens se lé acerca
d'este trovador : « O sobredito Soeiro Ayres des que se lhe foy Elvira Nunes com Mem de
Sande, casou com uma infante da Galliza e fege nella João Soares, que foy boo trobador. » ik
Esta tradição parece pertencer a um João Soares de Payva, cqja homonomya explicaremos
pelo syncretismo d'esta mesma tradição conservada pelo Marquez de Santillana. Portanto ao
antigo trovador que esteve na corte do rei de Navarra Sancho vi, pertencem rigorosamen-
te estas noticias do Nobiliário : « E este Dom Soeiro Paes, de alcunha o Mouro por sobreno-
me, era muy boo mancebo e muito aposto e bem fidalgo assaz e entendia com Dona Orraca
Mendes, mulher de Don Diogo Gonsalves. . . que outrosi era muy manceba e mui fermosa. . .
1 Rosse* Saint-Hilaire, Hist. dEspagne, t. iv, p. 56.
* Notas de Manuel de Faria e Sousa ao Nobiliário do Conde D. Pedro, Plana 120, n.° 18.— Vid. Planas 137.
n.« 8 ; 244 e 279.
* Fragmento do Nobiliário do Conde D. Pedro, p. 272. Citamos sempre a edição de Herculano, Portugália
Monumenta (Scriptores)
* Livro velho das Linhagens, p. 166 ; Frag. do Nob. do Conde D. Pedro, p. 208; Nobiliário do Conde D. Pe-
dro, p. 352 e 297.
* Frag. do Nob. do Conde D. Pedro, p. 192 e 290.
\ Nob. do Conde D. Pedro, p. 349.
Nob. do Conde D. Pedro, p. 302.
* Ibid.. p. 199.
* Brandão, Monarchia lusil., Part. v, p. 185.
•• Ibid., t. v, p. 372.
'' Man. hist., (Scriptores), p.l 66.
XXX GAVAUDAN O VELHO E A BATALHA DE NAVAS (CAP. II
e quando soube que seu marido fora morto na batalha que el rei Dom Affonso o primeyro
rey de Portugal ouve com os mouros no campo de Ourique, non leixou porem de casar com
Dom Soeiro Mouro. . . e fez com ella Joham Soares o Trovador. . . Este João Soares foi ca-
sado com Dona Maria Annes, filha de Dom João Fernandes de Riba d'Avisella. . . .» 4 Portanto
o nascimento de João Soares o trovador seria poucos annos depois de 1139, em que foi a
batalha de Ourique, e sendo de 1204 a canção de João Soares de Pavha (n.° 937), do Can-
cioneiro da Vaticana, allusiva ao cerco de Pamplona e de Estella, vê-se que elle estava no
vigor poético, e que pela sua antiguidade é que ficou a tradição do seu talento, mas se per-
deram as suas obras.
Marquez de Santillana descrevendo o celebre Cancioneiro portuguez que vira na sua
mocidade em casa de sua avó D. Mecia de Cisneros, refere-se a um outro João Soares de Pa-
via, ou de Pavha, colligindo a seguinte tradição: «Avia otras (obras) de João Soares de Pa-
via, el qual se dice aver muerto en Galicia por oymwes de uma infanta de Portugal.» Evi-
dentemente o João Soares, que nasce dos amores de uma infanta da Galliza, ou que morre
pelos amores de uma infanta de Portugal na Galliza, é sempre o mesmo individuo, como o
prova o syncretismo da tradição primitiva. A distincção d'estes trovadores estabelece-se não
só pela differença do nome de Panka e Payva, mas pelos successos históricos que levaram
este ultimo trovador a fugir de Portugal refugiando-se na Galliza. Vamos ver as lutas que
preludiaram a grande batalha das Navas de Tolosa, onde estabeleceremos a personalidade
histórica d'este trovador.
Um dos trovadores da escola da Gasconha, que allude à dissidência dos reis da Península
em 1210, dissidência que provocou a terrível batalha de Navas de Tolosa em 1212, é Ga-
vaudan o Velho; a influencia provençalesca conlinuava-se em Portugal pelo casamento de
D. Sancho n, em 1 178, com D. Dulce, filha de Raymundo Berenger iv, conde de Provença e
rei de Aragão. A necessidade de se defender contra a invasão do rei de Castella fez com que
o monarcha portuguez se alliasse com o reino de Aragão ; assim os trovadores que frequen-
tavam aquella corte visitavam confiadamente Portugal. Um dos trovadores conhecidos que
incita o monarcha portuguez para a cruzada contra os sarracenos é Gavaudan. Diz elle :
Non laissem nostrus heretatz
Pusqu'as la gran fé en assis,
A cas negres outramaris,
Q'usqoecx ne sia perpassatz,
Enans qu'el dampnatge nos* toe;
Portugals, Gallics, Castellas,
Navars, Arraeones, Ferras,
Lura ven en barra gequitz
Qu'els an rahazatz et unitz. *
Este canto de Gavaudan tinha por fim incitar os monarchas christãos contra o exercito de
cento e sessenta mil homens com que Mahomed El Nassir partira de Africa, chegando a Se-
vilha em 1 21 >« Não entreguemos, nós, firmes possuidores da grande lei, não entreguemos
as nossas heranças a esses negros cães ultramarinos ; não esperemos que elle nos assalte ;
os Portugalezes, Gallegos, Castelhanos, Navarros, Aragonezes, Ferrarezes, que eram para
nós como uma barreira avançada, agora são derrotados e ultrajados.» 3 Mohamed proclamou
do seu lado o aldjihed, o grito da guerra santa, que os bispos de Nantes e de Narbona tam-
bém repetiram alvoroçando os habitantes da França meridional. Á voz de Innocencio ni, ac-
cudiram também os cavalleiros da Allemanha e da Itália. Em maio de 121 1 Mohamed reuni-
ra completamente todo o seu exercito em Sevilha ; Maio era a época era que se recomeça-
vam as batalhas fronteiriças, e nas alcavalas antigas cavallo de Maio era o tributo para a
guerra contra os mouros, assim como na poesia popular campo que se lavra em Maio era o
logar bom para dar batalha. 4 Segundo Lucas de Tuy e Rodrigo Ximenez os exércitos chris-
tãos reuniram-se para a batalha das Navas em Toledo em maio ; Portugal mandou o infante
D. Pedro, 6 e os aragonezes chegaram pelo Pentecostes. Uma canção do trovador Pêro Bar-
roso (n.° 1055), chasquéa um cavalleiro que não quiz concorrer a esta cruzada em que por
um momento todas as monarchias da península se congrassaram :
Chegou aqui Dom Joam
e veo muy ben guisado,
[ Ilrid., p. 336 e 352.
8 Raynouard, Choix de Poésies des Troubadours, t. iv, p. 86 e 87.
Ap. Fauriel, llist. de la Poésie provençale, t. ii, p. 155.
' Cardos populares do Archipelago açoriano, n.° 147.
1 Rosseew Saint-Hilaire, Hist. d'Êsp.,\. iv, p. 60.— Adiante fallaremos d'este trovador desconhecido.
CAP. Il) D. AFFONSO III DE PORTUGAL, TROVADOR XXXI
pero non veo ao Mayo
por non checar endoado,
demos-lhi nos uma Maia
das que fazemos no Maio. . .
Por que veo ben guisado
com tenda e com reposte,
pero non veo ao Mayo
nem veo a Pindecoste. . .
Como acima vimos, D. Affonso n tomou parte n'esta cruzada, rcsultando-lhe a protecção
do rei de Caslella e terminando a hostilidade do rei de Leão ; os seus guerreiros voltaram
immediatamente para Portugal, e sem se preoccupar com as consequências (Testa guerra
que enfraquecia para muito tempo o dominio árabe, D. Afonso n veiu expoliar suas irmãs
da herança de D. Sancho i seu pae. Uma canção em estylo popular, (n.° 79) composta por
El rei D. Affonso de Castella e de Leão, allude a este crime do monarcha portuguez :
Quem da guerra levou cavaleyros
e a sa terra foy guardar dineyros,
non ven aí Mayo!
Quem da guerra se foy con maldade
a sa terra, foy comprar erdade 9
non ven ai Mayo !
facto de ser esta canção assignada por El rei D. Affonso de Caslella e de Leão mostra-nos
que ella se dirigia evidentemente ao rei de Portugal. No Cancioneiro da Vaticana, encon-
trara-se dezenove composições (n. os 61-79) sob a rubrica Elrei Dom Affonso de Caslella e de
Leom. Quem reuniu estas duas coroas foi Aflbnso ix rei de Leão, pelo casamento com Do-
na Berenguella, infanta de Castella, em segundas núpcias. As relações d'este monarcha com
Portugal provieram do seu primeiro casamento com Dona Thereza; d'este primeiro casa-
mento teve duas Olhas, D. Sancha e D. Dulce, nomeando-as successoras do seu throno con-
tra os direitos do filho D. Fernando, o Santo. A canção 79, em que chasquéa o companheiro
de armas que não vem ai Maio, refere-se indubitavelmente a D. Affonso n de Portugal, que
se retirara depois da batalha das Navas de Tolosa, para vir desapossar suas irmãs da he-
rança de D. Sancho i, que lhes pertencia.
Eram então os principaes trovadores Pero da Ponte, Aflbnso Eanes de Co tom, Bernaldo
de Bonaval e Citola; era já celebre o Cancioneiro de versos eróticos, o Livro dos Son$ }
que possuía o Dayão de Cales; a poesia resentia-se de uma grande dissolução dos costumes,
e era bastante obscena. próprio Aflbnso ix escreveu n'este estylo, que hoje mais nos re-
vela o viver intimo da sociedade do fim do século xn, e conservou o nome das damas mais
afamadas pela sua desenvoltura, taes como Maria Balteyra, Mayor Cotum, «e Alvela, a que
andou era Portugal.» (n.° 64). A época de Aflbnso ix, em que se dá o desenvolvimento
da poesia provençal em Castella, comprehende de 1188 a 1229; as canções que restam
d'este monarcha são puro portuguez dionisiano, signal de que efectivamente era esta a lín-
gua litteraria de toda a península. 1 As poesias de D. Aflbnso ix começam por um fragmento,
e tém a rubrica Desvmt; as composições que existiam no manuscripto truncado, e que oc-
cupavam o logar intermédio á canção 60 de Vaasco Peres e à 61, fragmento de Aflbnso ix,
podem hoje ser indicadas pelo índice do autographo de Colocci ; seguiam-se n'este interval-
lo, duas canções de Pero Vyviaens, duas canções de Bonifácio Calvo, trovador genovez, e
mais uma canção de Vaasco Peres (existem trez no Cod. da Vaticana, e quatro no de Colocci)
uma canção de D. Garcia Mendes de Eixo, outra do conde D. Gonçalo, (ou ao conde D. Gon-
çalo, em casa de Rodrigo Sanchez, per Coderniz). Depois d'estas é que se seguem 19 can-
ções de D. Aflbnso rei de Castella e de Leão, no códice da Vaticana; porém no códice de
Colocci seguiam-se quarenta e uma canções, attribuidas a dois monarchas, 1 1 ao rei D. Af-
fonso de Leão com a seguinte nota: «Bembo dice d y Aragone, figlio de Berenghieri, alia le-
ctio ê Portugal Rey don Sancho deponit.» N*este caso estas onze poesias perdidas perten-
ciam a D. Aflbnso ih, que em Portugal deposera seu irmão D. Sancho n. O segundo grupo
constava de trinta canções attribuidas ai rey D. Affonso de Castella et de Leon; é d' es te que
se conservam ainda 19 no códice da Vaticana a contar depois da rubrica Desunt. Por este
confronto dos logares truncados do códice da Vaticana vemos primeiramente, que el rei
D. Affonso ni, que tanto desenvolveu a poesia provençal na corte portugueza, era também
trovador; nem de outra forma se pôde explicar a sua fama na corte poética de S. Luiz, e a
decidida protecção que deu aos trovadores portuguezes durante o seu reinado, e a educa-
1 No livro dos Trovadores galecio-porluguezes, sob a interpretação do sr. VarnhageD, coufuadimoj algu-
mas veies as composições d'este monarcha com as de Affonso xi.
XXXII Á LENDA DE JOÃO SOARES DE PAYVA (CAP. II
ção litteraria que soube dar a seu filho D. Diniz. Por outro lado vè-se pelo confronto do livro
de Bembo, e do lemosino de Colocci, que existiam ainda no século xvi alguns dos Cancionei-
ros parciaes, que serviram para formar a grande collecção da Vaticana. Nem só a canção de Pê-
ro Barroso lança o stigma contra os que não vieram â cruzada das Navas; outros trovadores
increparamo monarcha portuguez, que abandonou a cruzada contra os mouros para saciar a
voracidade com que disputava a herança de suas irmãs. No século xm ainda os trovadores eram
a alma revolucionaria da Europa ; apostolavam a liberdade e faziam com que os reis se despe-
daçassem. No longo poema provençal intitulado Historia da Cruzada contra os Albigenses,
começada a escrever em 1210 por um supposto jogral chamado Guilherme deTudele, e
acabado em 1219, ahi se condemna a luta estéril dos reis D. Affonso n de Portugal e Af-
fonso ix de Leão. O poeta elogiando o infernal Simão de Monfort e Guilherme de Encontre,
que exterminaram a França municipal do sul, diz no cantar xxxvn, a começar do verso 857:
' « que se os reinos de Portugal e de Leão tivessem chefes eguaes àquelles, seriam incompa-
ravelmente melhor governados do que são por estes insensatos marotos que ali são reis,
e que para elle trovador não valem um botão.» A este propósito diz Fauriel com o seu
grande tino critico : « Não se sabe bem explicar esta tirada que ali rebenta tão vivamente e
fora de propósito. Mas o certo é, que pelo tempo em que escreveu o nosso poeta, Portugal
e o reino de Leão andavam agitados por discórdias civis bastante escandalosas; e ha so-
bejos motivos para ver que o nosso trovador tinha, como tantos outros, passado os Pyreneos,
visitado os reis christãqs da Península, e que ahi contrahira relações e affeições em virtude
das quaes elle continuava a tomar interesse em tudo o que acontecia n'estes reinos de pros-
pero ou de adverso. Em apoio (Testa conjectura vem directamente a allusão que acabo de
dizer, faz o poeta á batalha das Navas de Tolosa, allusão em que o elogio do rei de Navarra
apparece de uma maneira, que auctorisa a suppor nisso motivos pessoaes.» 1 Se Gavaudan
o Velho condemnára D. Sancho i mostrando a sua pouca força contra o ataque de Mahomed
El Nassir em 1210, em 1212 Guilherme de Tudele stigmatisava a velhacaria de D. Aflonson
que espoliava suas irmãs, resultando d'esse acto uma ligeira guerra civil. Alguns fidalgos
portuguezes defenderam as infantas, que estavam cercadas no castello de Monte-Mór por
D. Afibnso ii ; uma lenda acerca da morte de Martim Annes de Riba d 1 A vise lia conserva-se
no Nobiliário do Conde D. Pedro, 1 e com certesa a lenda da morte do trovador João Soares
de Pavha na Galliza por amor de uma infanta de Portugal, tal como a conservou o Mar-
quez de Santillana, significa o facto histórico, de que este trovador seguira o partido das
infantas, e sendo vencido se refugiara na Galliza onde morreu. João Soares de Pavha estava
apparentado com a familia de Riba cTAvisella: «E D. Maria Annes, filha de D. João Fernan-
des de Riba d'Avisella e de D. Maria Soares, e neta de D. Soeiro Mendes o Gordo, de gança,
foi casada com João Soares de Pavha o trovador.»* Isto prova a realidade da lenda, como
se vê pelo fio histórico.
É muito natural que o desenvolvimento da poesia provençal se paralysasse em Portugal
com o extermínio dos Albigenses. De 1210 a 1219 foram perseguidos pelo fanático Simão
de Monfort e pelo Papa, que com a mão da monarchia esmagava a França communal. Pelas
atrocidades commettidas contra os indefesos Albigenses os trovadores refugiaram^se na Itá-
lia, por causa das suas instituições communaes. A Lombardia era a que melhor comprehen-
dia a vida dos trovadores; Afibnso ix de Gastella e Leão allude a estas relações:
E diss' : está é a medida de Espanha,
cá non de Lombardia, nem d'Allemanha* . . (n.° 64).
Nos cantos populares portuguezes a Lombardia é ainda um ponto d'onde se filiam tradi-
ções, como o Duque de Lombar dia} dialecto de Génova, por effeito d'esta emigração dos
trovadores, approximou-se bastante do francez, a ponto de ainda hoje se notar uma certa
homogeneidade nos monumentos escriptos.^
Esta corrente foi o meio indirecto por onde, antes de D. Affonso m, communicamos com
a Provença; essa infiuencia continuou-se ainda no reinado de D. Diniz, porque de Génova
vinham os marinheiros para as nossas armadas. Na corte de Affonso ix propagamse os
contos italianos ou Noellaire. Se trovadores que viveram na alta Itália e em Génova é que
alludem nos seus cantos a Portugal como tendo-o visitado, no Cancioneiro da Vaticana exis-
i fíist. de la Poèsie provençalc, t. m, p. 369.
i Tit. xxvi.
• Mon. hisl., (Scriptores), t. n, p. 371.
• Romanceiro geral porluouez, n.° 40.
• Rathery, Influence de 1'ílalie, p. 12.
CAP. n) TROVADORES ITALIANOS EM PORTUGAL XXXIII
te a prova immediata de que esses cantos se repetiam em Portugal, e de que na língua
portugueza deixaram bastantes italianismos.
À communicação provençal por via da Itália não é um facto deduzido por provas indire-
ctas; no Cancioneiro portuguez, de Angelo Colocci, as canções 449 e 450 pertenciam a Bo-
nifaz de Jenoa, e pelo índice que resta apenas d'este Cancioneiro perdido se vê que o eru-
dito possuidor confrontara estas duas canções com o manuscripto dos versos de Bonifazio
Calvo, de Génova, que pertencia ao cardeal Bembo. Eram de Génova os marinheiros contra-
tados para as nossas frotas, e as relações com a Itália continuaram-se de modo que de Itália
nos veiu o almirante Pezagno, para commandar as nossas galeras. A universidade de Bolo-
nha era frequentada por alumnos portuguezes, e era tal o saber jurídico da Itália, que mes-
mo ainda depois de fundada a universidade de Coimbra, os nossos princi pães jurisconsultos,
como João das Regras, eram formados na escola de Bolonha. Por outro lado, a tradição aristo-
télica na península hispânica era tão viva por effeito dos últimos restos da cultura árabe,
que por nosso turno influímos nas escolas italianas com as Summulas lógicas de Pedro His-
pano. Dante colloca este porluguez no Paraíso (cant. xn) entre Sam Boaventura, Illuminato
e Agostinho, Hugo de Sam Victor e Pedro Comestor «e Pedro Hispano, que brilha na terra
com os seus doze livros.»
Dante cita também na Divina Comedia o trovador Sordello, e em uma canção de João
Soares Coelho (n.° 1021) acha-se satyrisado o jogral Picandon pelo atrevimento com que
cantava as canções de Sordello ; o jogral defende-se, que para ser apreciado na corte deve
saber coplas e sirvenlesios perfeitos :
— Vedes, Picandon, sou maravilhado
eu d'en Sordel, que ouço entençoes
muytas e boas, ey mui boos soes
como fuy en teu preyto tan errado;
poys non sabedes jograria fazer
porque vos fez per corte guarecer
ou vós ou el dacTende bom recado.
c João Soares, logo vos é dado
e mostrai- vol-o-ey ca poucas razões:
gram dereyfey de ganhar does,
e de ser cn corte tan pregado
como segrel que diga, mui bem vés,
en canções e cobras e sirventés
e que seja de falimento guardado. . .
O nome de segrel revela-nos que este jogral é anterior à corte de D. Diniz, que apodan-
do aquelles que só cantam na sazão da flor, nunca lhes dá este nome, que especificada-
mente se encontra no Regimento da Casa de D. AíTonso m.
Na linguagem de algumas canções também se encontram Uaiianismos, que fortalecem a
prova d'esla primeira influencia litleraria; taes são Afíam, aquesto, aquisto, aval, besonha,
cajon, cambliar, color, côr, dolçor, demandar, guarrd, gradesco, guirlanda, ledo, leger,
mensonha, mentre, noslro, pelegnn, podestade, remanyr, toste y vergonm, etc. Por esta in-
fluencia se pôde determinar uma das causas que levou a linguagem li Iteraria a afastar-se da
corrente popular, e com o exercício das versões latinas a admittir um grande numero de
vocábulos directamente tomados do latim urbano.
No Cancioneiro da Ajuda também se deparam algumas formas poéticas, que o Mar-
quez de Santillana dá como características da poesia portugueza, mas que hoje podemos
provar que nos foram communicadas pela corrente italo-provençal ; taes são as formas de
lexapren e mansobre. Diz o citado Marquez na Carta ao Condestavel : «E aun d'estes (os Por-
tuguezes) és cierto recebimos los nombres dei Arte, assi como Maestria mayor é menor,
encadenados, lexapren é mansobre.» A poesia provençal allemã apresenta também nos seus
complicados artifícios as formas de lexapren e de mansobre^ introduzidas pelos trovadores
Rudolf von Nemburg e Rudolf von Rotenburg, e Frederico Diez explica o caracter do lyrismo
aliemão pelas viagens dos trovadores à Itália. 4
Como exemplo do mansolrre doble, apresentamos a canção do Cancioneiro da Ajuda:
Pêro m'cu ei, amigos, non ei neum amigo
con que falar ousassa coita que comigo
ei, nem ar ei a quem ous'cu mais dizer, e digo
de mui bon grado querria a nn logar ir
'c nunca m f end'ar viir. .. 2
' Les Troubadours, p. 259, trad. franc.
• Ed. das Trovas e Cantares, n.» 4, Madrid, 1849.
£
XXXIV OS JOGRAES DA LOMBARDIA (GAP. IT
A forma do lexaprm (toma e larga) é mais frequente, por isso que consiste na repetição
do ultimo verso da estrophe servindo de primeiro da estrophe seguinte :
Agora me part'eu muy sem meu grado
de quanto bem oje no mund'avia,
c'assy quer deus e mao meu pecado.
Ay, eu, de mays se me non vai santa Maria,
d'aver coyta muyta tenh'eu guisado,
e rog'a deus, que mais oj'este dia
non viva eu se m'el y non consella.
Non viva se m'el y non consella
non viverei, nen é cousa guisada
ca poys non vir meu lume e meu espelho. . . l
A corrente ilalo-provençal é também evidente no gosto dos Contos, que começaram a
ser repetidos nos ajuntamentos palacianos. Os jograes novellistas da Lombardia, fizeram
sentir a sua influencia em Hespanha, como se vé na Dcclaratio de Giraud Riquier, onde são
condemnados com o nome insultuoso de Bufos:
Hom los apel bufos
Co fa en Lombardia,
E silh c'ab cortezia
Et ab azaut saber
Se sabon cap tener
Entre las ricas gens
Per tocar esturmens
E per novas contar,
Antrus verso e cansos
O per dautres faitz bas,
E plazens per auzir
Podon ben possezir
Aquel nom de joglar.*
trovador Ramon Vidal conta uma anedocta da vida intima da corte de AíTonso ix, por
onde se revela o gosto communicado pelos trovadores da Lombardia nos Noellaire: «Um
dia, el-rei AfTonso de Castella, em cuja casa reinavam a boa e regalada vida, a magnificên-
cia, a lealdade, o valor, a destreza e o manejo das armas e cavallos, tinha em seu palácio
uma numerosa reunião de cavalleiros e jograes. Quando a corte já estava completa, chegou
a rainha D. Leonor, coberto o rosto com um vèo, saudou o rei e foi sentar-se a alguma dis-
tancia d'elle. N'este momento um jogral se acercou silenciosamente do monarcha e disse :
— Rei, imperador de valor, venho supplicar-vos me concedaes audiência. rei prohibiu que
se interrompesse o jogral na narração que ia fazer. jogral vinha da sua terra contar uma
aventura que acontecera a um barão de Aragão, conhecido do rei, chamado Aflbnso Barbas-
tro. — Eis aqui, disse o jogral, a desgraça em que o precipitaram os seus zelos. jogral
contou então a desgraça do barão aragônez e o rei disse-lhe: — Jogral, tuas fabulai são
agradáveis e formosas, e tu serás bem recompensado ; mas para te mostrar quanto me sa-
tisfizeste, quero que d'aqui em diante lhe chamem em minha corte El celoso castigado. —
Quando o rei acabou de fallar, não houve na corte barão, cavalleiro, infanção ou donzella
ou pessoa alguma que se não manifestasse encantada e satisfeita de taes fabulas, e que,
elogianda-a, em altas vozes não manifestasse desejos de aprender de cór El celoso castiga-
do.»* Este monarcha tão apreciador da forma de Noellaire era também poeta, e como acima
vimos teve relações com a corte litteraria de Portugal. Sabendo-se a communicação dos
Árabes com a Lombardia, e como foram os Árabes os propagadores na peninsula dos Contos
orientaes, a forma de Noellaire nos revela como os jograes acharam este veio tradicional
que recebeu em Hespanha um grande desenvolvimento litterario. A influencia árabe tem
duas manifestações, uma erudita sobre as classes illustradas, que abraçaram os requintes
exteriores da sua civilisação ; outra popular, que se descobre ainda nos costumes Íntimos,
como os cantos do Fado (Huda), entoados á guitarra (quitara), ou as velhas aravias herói-
cas, as imprecações como Oxalá (Inschallah), emfim o culto de Mahomed em S. Mamede, e
as designações de officios industriaes com Alvener, Alfaiate, Alfageme, Calafate, Alveitar,
etc. Das relações com a sociedade árabe apresentam os Cancioneiros numerosos vestígios
históricos, sobretudo referindo-se ás lutas desesperadas da reconquista. As relações com as
camadas populares já ficaram estudadas no nosso livro das Epopéas mosarabes.
;ibid. f n.° 114.
, Àp. Diez, Troubadours, p. 409.
MiUot, Hisl. des Troubadours, t. m, p. 296.
4
GAP. li) AS ORDENS DE CAVALLERI<V XXXV
A prova mais positiva da influencia dos árabes sobre a fidalguia da peninsula é a crea-
pão da Ordem de cavalleria religiosa. 1 Antes da existência das Ordens dos Templários e
Hospitalarios na Europa, já os árabes andalusianos tinham a ordem dos Rabitas, que viviam
com uma austeridade cavalheiresca sobre a fronteira christã, no duro mister das armas sup-
portando com constância todas as fadigas. António José Conde foi o primeiro que determinou
as origens da cavalleria christã. Grande parte dos cavalleiros christãos sabiam fallar a ara-
via ou linguagem vulgar dos árabes, como Martim Moniz, que esteve na conquista de Santa-
rém. Á maneira dos Árabes, com quem D. Aflbnso Henriques chegou a combater sob a ban-
deira do Koran, fundou este monarcha a Ordem da Ala em 1 167, em memoria da conquista
de Santarém, e a Ordem de Avis, ou Ordem nova. Os cavalleiros obedeciam a votos reli-
giosos, juravam morrer pela defesa da fé, e protegerem as esposas e viuvas. Em uma can-
ção de Gonçalo Eanes do Vinha), (n.° 1003), allude-se a este ultimo dever chasqueando dos
Hospitalarios :
Unha dona foy de pram
demandar casas' e pam
da ordin de Sam Joham,
con minguas que avya;
e digo-vos que lh'as dam
quaes (Telas queria. . .
i
Estas protegidas tinham o nome de Dona ãOrdym como se pôde ver por uma rubrica
do Conde de Barcellos, (n.° 1040) allusiva a uma senhora pouco recatada. Se confrontarmos
com a exaltação cavalheiresca estes costumes íntimos e o estado da crença do século xn,
vemos que as desmedidas ambições do papado haviam espalhado entre todos os povos um
grande scepticismo religioso, que não podia produzir aquellas virtudes das Ordens novas.
Nas canções dos trovadores achara-se ásperas sirventes a estes mantenedores da fé e da re-
conquista:
non pararam os do SpitcU
- de melhor morte a lide com besonha. (n.° 1157.)
Uma canção de escarneo do Conde Dom Pedro «foy feda a um Meesire & Ordin, de
cavalaria, por que havia sa barregàa. . .» (n.° 1039.) Uma canção de João Soares Coelho
verbera acremente os Hospitalarios :
— Pêro MartiiSj ora por caridado
vós, que vos teedes por sabedor,
dizede-mi quen é Commendador
en o Espital ora da escassidade;
ou na franqueza, ou quen no forniz,
ou em quanto mal sse faz e diz
se o sabedes dizede verdade... (n.° 1020.)
A dissolução provinha da egreja pela independência politica dos bispos, e pela inter-
venção ardilosa do papado. Frederico ir, imperador da Allemanha, insurgiu-se contra
Roma em 1 238, e este facto chegou a produzir ecco nos nossos trovadores, como se vé
por esta canção de João Soares Coelho, escripta depois de 1240, como o prova a allusão aos
Tártaros :
Joham Fernandes, o mundo é tornado
e de pram cuydamus que quer flir,
vemol-o o Emperador levantado
contra Romã, e Tártaros viir; etc. (n.° 1013.)
Esta sirvente é de uma profunda ironia. A creação das Ordens foi uma necessidade de
disciplina, submettendo o génio guerrilheiro ao ascetismo. A idéa politica da resistência fez
com que se abraçasse dos Árabes uma instituição que os tornava invencíveis, e que ia sub-
mettendo todo o sul da Europa ás raças que vinham do deserto.
A canção 578 de Pêro da Ponte, celebra o triumpho do cerco de Valença, por D. Jayme i,
rei de Aragão, em 1238. monarcha procedeu n'esta conquista com um resto das virtudes
cavalheirescas que se extinguiam ; o emir de Valença propoz a entrega e o rei acceitou-a se-
cretamente, porque os seus nobres queriam tomal-a á força para terem direito de exercer
uma depredação selvagem. rei conhecia-os e assignou o tratado de rendição, de modo
que quando os arcebispos e nobres souberam as condições pacificas da evacuação torna-
• Fauriel, llist. de la Poésie provençale, t. m, p. 318.
XXXVI REFERENCIAS DOS TROVADORES Á RECONQUISTA . " (CAP. H
ram-se fulos de raiva, como diz a velha chronica. Tal é o sentido da sirvente de Pêro da
Ponte :
O que Valença conquereu
por sempre mays Valença aver,
Valença se quer manteer,
e sempre Valença entendeu,
e de Valença é senhor
poys el mantém prez'el cór
e prés Valença por valer...**
Rey (TAragon, rey de bon sen
rey de. prez, rey de todo ben,
est o rey d'Aragon de pram. (n.° 578.)
A ambição clerical, que D. Jayme sofreou na conquista de Valença, veiu provocal-o a pas-
sar á Itália para defender os estados do papa contra o imperador Frederico n. O papa Gre-
gório ix exigia-lhe pelo direito de suzerania sobre o reino de Aragão, que Jayme i passasse
á Itália a dcfendel-o; felizmente o cerco de Valença embaraçou-o (Testa nova aventura. Em
uma sirvente do trovador portuguez João Soares Coelho (n.° 1013) existe o ecco vago da
impressão que produziu na península a luta de Frederico n com o papa, e isto nos fixa a
época em que florescia este trovador.
A conquista de Valença produziu entre o povo um desenvolvimento de poesia heróica, e
ainda no tempo de Gil Vicente cantava-se em Portugal o romance Guaij Valencia y guay Va-
lência. 1 -v
Na poesia dos trovadores e dos jograes acha-se o reflexo da vida histórica das naciona-
lidades da Península; uma canção de Pêro da Ponte (n.° 573) refere-se ao principio do rei-
nado de Fernando in o santo, pelo ardil de sua mãe D. Berenguella restituido á coroa de Cas-
tella. Fernando m também por influencia de sua mãe casou com D. Beatriz de Suabia, filha
do imperador Filippe; a canção de Pêro da Poute celebra o fallecimento doesta rainha em
1236:
En forte ponto et em forfora
fez deus o mundo, poys non leixou hi
nenhun conbort' e levou d'aqui
a boa Rainha que ende fora
dona Beatriz, direy-vos en qual
non fez deus outra melhor, nem tal
nem de bondade par non lh'acharia
home no mundo, par sancta Maria. (n.° 573.)
D'este casamento ficara, alem de outros filhos, o grande trovador Aflbnso o Sábio, que,
por occasião da morte do imperador Guilherme de Hollanda, queria fazer prevalecer os seus
.direitos sobre a Suabia por parte de sua mãe. Ao segundo casamento de Fernando o Santo,
em 1238 com Joanna de Ponlhieu, segunda sobrinha de S. Luiz, referera-se as canções 999
e 1008 de Gonçalo Eanes do Vinhal, que adiante analysaremos. Fernando m, considerado
pelo seu ardor religioso nas cruzadas contra os mouros da península, como o S. Luiz hespa-
nhol, nos seus ímpetos selvagens tinha um único pensamento, o libertar o solo do domínio
árabe; por onde passava ficava a ruina e a devastação das colheitas e dos arvoredos ; o solo
tornava -se secco e estéril, mas era assim que extinguindo a civiiisação, a industria e a agri-
cultura dos árabes, prestava homenagem á sua fé. A táctica era apenas a razzia desespera-
da. Pela entrega de Jaén a Fernando m, o caminho de Sevilha e de Granada ficava aber-
to á conquista. Fernando seguiu-o no seu fervor. Em duas canções de Ruy Martins do Ca-
sal, ali u de se às algaradas que precederam a occupação de Granada, que pelo reconheci-
mento da suzerania de Fernando nr , se conservou árabe até ao reinado de Fernando e Izabel :
Rogo-te, ay amor, queyras migo morar
tod'este tempo em quanto vay andar
a Granam meu amigo 1 (n.° 765.)
Em outra canção repete-se o facto das expedições contra Granada no refrem :
Muyt'ey, amor que te gradescer,
porque quizeste comigo morar
e non me quizeste desemparar
ata que vem meu lum'e meu prazer,
e meu amigo que se foy andar
a Granada, por meu amor lidar.
1 Romanceiro geral português, n.« 35.
I
GAP. n) CONQUISTA DE SEVILHA XXXVII
Em uma canção de Pêro Barroso (a.° 1 056) falla-se jà da posse pacifica de Granada :
Pêro non vos custou nada
mha yda nem mha tornada,
gradades com mha espada
e com meu cavailo louro
bem da villa de Granada
tragu' eu o ouro £ o mouro. . .
Conquistada Granada, seguia-se fatalmente Sevilha; começou o cerco na primavera de
1247 ; os pregadores incitaram do púlpito esta nova cruzada, e a ella além de toda a fidal-
guia da península acudiu o infante D. Pedro de Portugal, senhor de Mayorca e cunhado do
rei de Aragão. 1 Pêro da Ponte canta em uma das suas canções esta emprçza gloriosa:
O muy bon rey que conquis a fronteyra
se acabou quanto quiz acabar,
e que se fez com rasao verdadeyra
todo o mundo temer e amar;
este bom rey de prez valente fis,
rey dom Fernando, bon rey que conquis
terra de mouros bem de mar a mar.
A quem deus mostrou tam gram maravilha
ue ja no mundo sempr v am que dizer
e quam bem soube conquerer Sevilha
per prez, per esforço e per valer;
e da conquista mays vos contarey,
non foy no mundo emperador nem rey
que tal conquista podesse fazer.. . (n.° 572.)
Na Chronica general, de A Afonso x, descrevem-se as maravilhas de Sevilha como nunca
vistas nem dentro nem fora de Hespania: «A sua belloza e opulência tem fama por todo o
mundo, poys contém mais de cem mil quintas de recreio, e as portagens produzem uma
renda incalculável.» Pêro da Ponte repete esta mesma admiração geral:
Non sey ôj'me tam bem razoado
3ue podesse contar todo o bem
e Sevilha, e por end'a deus grado
já o bom rey em seu podel-a tem-,
o mays vos digo em todas trez las Leys
quantas conquistas forom d'outros reys
após Sevilha todo non foy rem.
As trez Leys são aqui a synthese da historia antiga e moderna subordinada ao critério
religioso, a lei pagã, a lei mosaica e a christã. A posse de Sevilha terminava a conquista de
toda a Andalusia, e o trovador proclama-o com enthusiasmo:
Mayl o bom rey que deus mantém o guya,
e quer que sempre faça o melhor,
este conquis bem a Andalusia
e non catou hi custa nem pavor . . .
A entrega de Sevilha fez-se a 23 de novembro de 1248, em dia de S. Clemente, como
observa o trovador :
E des aquel dia que deus naceu
nunca tam bel presente recebeu
como dei recebeu aquel dia
dt Sam Clemente, em que se conquereu,
e em outro tal dia se perdeu
quatro centus e notfannos avia (n.° 572.)
Em outras canções conserva-se a impressão d 'esta cruzada a que concorreram o joven
Afonso com o exercito que conquistara Murcia, os infantes D. Affonso de Aragão e D. Pedro
de Portugal, Lopes de Haro com as tropas da Biscaia, os gallegos capitaneados pelo Arcebis-
po de San Thiago e as milicias concelhias de Gastella ; * a canção 52 0, de Ruy Fernandes, inspi-
ra-se d'estrfervor popular :
t Madre, quer ojeu yr veer
meu amigo, que se quer hir
a Sevilha el rey servir...
Rosseew Saint-Hilaire, Hist. d'Espagne, t. rv, p. 141.
Rosseew Saint-Hilaire, op. cit. y p. 149.
XXXYIII O TROVADOR AFFONSO O SÁBIO (CAP. H
A Sevilha se vay d'aqui
meu amigo por fazer ben,
ir-lo-ey veer por en,
madre, se tos prouguer d v ir y...
Depois de oito annos de guerras pela Andalusia, e de esgotamento pelas razzias constan-
tes em que andara, Fernando iu consuraia-se com uma hydropesia lenta, e falleceu a 30
de maio de 1254. trovador Pêro da Ponte exaltou q seu passamento, não se esquecendo
de saudar o successor Affonso x :
Que bem se soub'acompanhar
nostro senhor esta sazon,
que filhou tam bom companbon
do qual vos eu quero contar,
Rey don Fernando tam de prez
que tanto bem no mundo fez
v e que conquis de mar a mar. . . (n. 574.)
Affonso x, que mereceu dos seus contemporâneos o nome de Sábio, pelo desenvolvimen-
to que deu às sciencias e à poesia, tornou-se digno herdeiro de Fernando sob este ponto de
vista. Como poeta sonhava também conquistas phantasticas, e aspirava ao império da Alie-
manha. trovador Pêro da Ponte exalta -o :
Mays hu deus per a si levar
quis o bom rey, ni logu'enton
se nembrou de nós, poyl-o bom
rey Dom Affonso nos foy dar
por senhor, e bem vos cobrou,
ca se nos bom senhor levou,
muy bom senhor nos foy leixar.
Mavs façamos tal oracom
que deus que prés mort e paixom
o mande muyto bem reynar. (n.° 574.)
É esta a única referencia que se encontra no Cancioneiro da Vaticana ao trovador Af-
fonso x, cuja corte se tornou um centro litterario. É tambçra nos primeiros annos do reinado
de D. Affonso ni que começa uma éra nova para a poesia portugueza; como adiante vere-
mos, as relações de parentesco e politicas entre estes dois monarchas influíram no curso da
historta portugueza. Affonso m, como ardiloso, conseguiu tudo o que pretendeu do monar-
cha de Castella, e o desenvolvimento que deu à poesia provençal na sua corte seria também
ou para lisonjeal-o ou para competir com elle. Com o apparecimento de D. Affonso ni come-
ça a vida popular ou dos concelhos, apesar d'elle ter recebido o throno de que seu irmão
foi espoliado, pelo arbitrio das facções clerical e aristocrática. Affonso ni comprehendeu este
poder novo que despontava na sociedade moderna, e fortaleceu-o defendendo-se com elle.
O habito das algaradas convertera os fidalgos em bandidos, e acabada a conquista, e não
tendo em que se occupar seria impossível organisar sobre bases moraes e jurídicas a socie-
dade moderna.
Ao passo que a cavalleria religiosa substituía o costume da velha cavalleria feudal, da
defeza do fraco contra o forte, a nobreza fazia justiça por suas mãos com legitimidade des-
de que avisasse o seu inimigo com dez dias de antecedência; defendia-se em duello ou com-
bate judiciário, tinha a prova das façanhas, e à medida que faltavam os árabes para comba-
ter, atacava os burgos e as povoações ruraes. Foi então que se formou a liga dos fracos
contra os fortes, liga que tornou os villãos em Terceiro estado. Esta liga foi pela primeira
vez estabelecida pelos habitantes de Aiusa e Sobrarbe, com o titulo de Hermandad, para se
defenderem contra os abusos da aristocracia que se associara aos bandidos aragonezes ; as
Hermcmdades foram uma imitação da liga das cidades do Rheno para a paz publica estabe-
lecida em 1247;* mas estavam nos costumes peninsulares, como vestígios da organisação
social germânica.
Na canção n.° 37, verso nono, enconlra-se uma palavra que não introduzimos na nossa in-
terpretação, mas que aqui conservamos, para ser admittida no caso de uma justa demon-
stração histórica ; eis o verso :
como outras arllotas vivem na razom. . .
» Rosseew Saint-Hilaire, fíisl. d'Espagne, t. iv, p. 163.
GAP. Ill) AS IRMANDADES £ AS GARANTIAS POPULARES XXXIX
Nas poesias dos trovadores encontra-se frequentemente a palavra arlot, significando ho-
mem folgazão :
Ni arlot, ai joglar
Que lay vuelha contar. 1
No poema sobre a Cruzada contra os Albigenses, do século xm, os arlots representam
a canalha, os maltrapilhos que também tém o seu rei, como a ribaldaria :
Le Reys e li arlot cuieren estre gais
deis avers qu'an prés.'. .
Esta palavra subsiste como vestígio da tradição germânica na primitiva organisação social
da Península. nome de Arimama e Arimcm, que na lingua hespanhola se conserva em
germania, hermandad, liga-se ao sentido politico da palavra arlot, porque na decadência da
classe dos homens livres, apparece com frequência Arm-leute, (o ariman confundido com
o leude) e de que arlot é um apagado vestigio. Não nos admira que no momento em que as
hermandades renasciam com um certo vigor, a tradição do arm-leute reapparecesse já de-
gradada e semf intuito nas reuniões dos arlotes.
As Hermandades tornaram-se um poderoso elemento de ordem na península, mas algu-
mas vezes foram cúmplices dos crimes da realeza, fim uma canção de Ayras Nunes, as Her-
mandades são também envolvidas no quadro da corrupção geral;
Porque no mundo meneou a verdade
punhei um dia de a hyr buscar,
et hu per ela fuy preguntar
disseram todos : — Alhur a buscade ;
ca de tal guysa se foy a perder
que non podemos en novas aver
nem já non anda na Yrmaydade. (n.° 455.)
As Irmandades tinham como norma o recusar abrigo aos malfeitores, resolverem as
suas questões pelo julgamento dos tribunaes; estas ligas tornaram-se um elemento de or-
ganisação civil ; o sino da sua egreja é que as convocava, e debaixo das carvalheiras do
adro se davam as sentenças. sino era para o burgo da edade media como o canhão moder-
no, e em uma canção do tempo de D. Affonso ih encontra-se um anexim velho que pinta es-
ta força moral :
Qual ric'omen tal vassalo,
qual Concelho tal campana. (n.° 1082.)
Tudo isto nos indica estarmos chegados a uma éra nova da vida moderna, caracterísada
pela elevação do proletariado a povo. rei D. Affonso m comprehendeu esta necessidade
da vida social e deu Foraes a todas as povoações do reino, redigindo por escripto os seus
direitos consuetudinários. A canção 1 080, de D. Affonso Lopes de Bayam, parodiando o estylo
das Gestas francezas, é o retrato grotesco da cavalleria representada em D. Velpelho (Vulpe-
cula, ou Golpelha, a raposa) o Renard da epopéa burgueza do flm da edade media. A poesia
dos trovadores, que tinha apostolado a causa da liberdade humana, no sul da França e na
Itália, ao ser propagada deste ultimo paiz a Portugal, trouxe-nos esse sentimento que pro-
vocou o reconhecimento das garantias populares.
CAPITULO III
A POESIA PROVENÇAL NA CORTE DE D. AFJFONSO IH
(PERÍODO LIM0S1N0. 1246-1279)
Portugal recebeu muito cedo o novo canto do amor, escutou-o com prazer, mas não o pôde
repetir emquanto as lutas para a constituição da nacionalidade não permittiram os ócios da
carte, nem a passividade do sentimento. No emtanto já vimos os monumentos que attestam
a nossa communicação com os trovadores desde o reinado de D. Affonso Henriques até
D. Sancho n. De 11 12 a 1245 muitos trovadores provençaes vieram a Portugal; a romaria
' Raynouard, Choix, t. v, p. 43.— Vid. adiante, p. xlvi, not. 3.
XL O POEMA DE KUDRUN E UMA PRINCEZA PORTUGUEZA (CAP. Hl
a S. Thiago de Gompostella tornara a Galliza o centro onde concorriam os jograes ; e 09 seus
portos, bem como os de Lisboa e do Porto eram o ponto onde aflerravam as armadas dos ca*
valleiros que iam para a cruzada da Palestina. Portugal ainda não estava organicamente
desmembrado da Galliza ; a separação era uma phantastica divisão politica, e pela imitação
da constituição municipal da Itália e pela vinda de uma princeza italiana para Rainha de Por-
tugal, começou uma elaboração poética entre as famílias nobres, effeito da fascinação do
gosto dominante da época. As provas da actividade rfesse período são na maior parte indi-
rectas. A verdadeira expansão da poesia provençal, que acordou o génio dos trovadores por-
tuguezes data do Dm do reinado de D. Sancho n; durante uma parte d'este reinado seu ir-
mão D. Affbnso frequentou a corte franceza de S. Luiz, onde floresciam bastantes trovado-
res ; com o infante portuguez refugiaram-se em França numerosos fidalgos das famílias dos
Porto-Carreros, Nobregas, Valladares, e é d'estas famílias que saíram os nossos principaes
trovadores. Do reinado de D. AíTonso m a D. Diniz, de 1245 a 1279 decorre o período da
maior fecundidade dos trovadores portuguezes, e a escola provençal portugueza despren-
dendo-se da imitação limosina e inspirando-se de formas tradicionaes gallezianas, torna-se
moda em todas as cortes christãs da Península. Este capitulo é destinado a historiar esta
época brilhante do desenvolvimento da nossa sociedade e da poesia, que mutuamente se
influenciaram e que ainda hoje se explicam uma á outra. N'este período os factos e as pro-
vas são positivas, directas e immediatas ; os Nobiliários são o commentario indispensável
dos Cancioneiros.
A poesia provençal não podia achar grande desenvolvimento na corte de um rei sempre
occupado nas guerras da fronteira com os árabes, e nas dissensões internas contra o clero
e a fidalguia, e principalmente em uma corte onde não havia damas, porque D. Sancho n
esteve até aos trinta annos solteiro. Se o monarcha olhava para o que se passava nas cortes
estrangeiras era para acompanhar as intrigas dos seus bispos com o papa, e dos seus fidal-
gos junto do príncipe D. Aflbnso. Os seus exaltados amores por D. Mecia Lopes de Haro fo-
ram atormentados pela malevolencia da fidalguia que olhava aquelle casamento com inve-
ja, calumniando-o em vez de celebral-o com canções trobadorescas. A destituição de D. San-
cho n pela nobreza e pelo clero, e a repentina creação de immunidades foraleiras são uma
prova de que o monarcha portuguez foi victima de uma reacção de classes que não queriam
que o povo tivesse direitos como as Hermandades aragonezas, nem que os judeus servissem
cargos públicos, nem que os impostos fossem de encontro aos seus privilégios. N'esta lula
o infante D. Aflbnso retirou -se para França acompanhado de alguns fidalgos das famílias
mais influentes do reino que o monarcha destituirá com a nova ordem de cousas que inau-
gurara. Por occasião do casamento da princeza D. Leonor, irmã de D. Sancho n com o príncipe
Waldemar da Dinamarca em 1229, aproveitaria o ambicioso Affonso, que se tornou chefe
dos descontentes para desthronar seu irmão, ensejo para sair sem desconfiança de Portugal.
As festas do casamento foram celebradas em Ripen com uma pompa que ficou proverbial.
No celebre poema Kudrtm, falla-se em uma princeza portugueza; este facto seria sem im-
portância e por assim dizer casual, se a edade do poema e os factos da historia portugueza
não fossem conformes. poema de Kudrun recebeu a forma com que hoje é conhecido no
século xiii. pae de Kudrun é o rei Ueltel, que tem vassallos na Dinamarca; na historia por-
tugueza vemos que o rei da Dinamarca Waldemar n casou em segundas núpcias com Beren-
garia, irmã do monarcha portuguez Aflbnso n; tendo um filho de sua primeira mulher Mar-
garida de Bohemia, escolheu para esposa do successor do seu reino a infanta D. Leonor, so-
brinha de sua mulher e irmã de D. Sancho n. 4 casamento da infanta celebrou-se em 1229,
justamente quando estava em elaboração o poema de Kudrun; mas em 1231 a mimosa
planta do occidente morreu nos rigores dos frios do norte e com ella também o seu joven
esposo. É crivei que a ambiciosa Berengaria trabalhasse para que o throno pertencesse a
um dos seus três filhos; Herculano chega a dizer que Berengaria era «appellidada a orgu-
lhosa nas Canções populares.)) Aqui temos um elemento que entrou por certo na corrente
da impressão tradicional da epopéa germânica. Depois do facto histórico comprehender-se-
ha o sentido do episodio do poema de Kudrun; Heltel, rei de Irlanda, mandou a Hagentres
embaixadores para lhe pedirem uma filha em casamento. Ilagen era conhecido pela antono-
másia de selvagem e espanto dos reis (der wilde, Valant der Kunige); em criança fora arre-
batado de casa de seu pae por um hypogrypho e levado para uma ilha deserta; prestes a
ser devorado por um d'estes monstros que o empolgaram, quebrou-se o ramo em que esta-
va poisado, e Hagen escapando-se por entre os arbustos, chegou a esconder-se dentro de
1 Herculano, fíisL de Portugal, t. n, p. 298.
CAP. m) ARISTOCRACIA PORTUGUEZA EM FRANÇA XLI
uma caverna. Lá dentro encontrou três princezas, que também haviam escapado da morte ,
a primeira era da índia, a segunda era princeza de Portugal, e a terceira da Irlanda. Hagen
cresceu em forças junto com ellas, até que chegou a libertal-as, destruiu os gryphos e ficou
senhor da ilha. Vencendo a equipagem de um navio que aportara à ilha, pôde a final re-
gressar à Irlanda, sueceder no reino de seu pae e casar com a princeza da índia. D'este ca-
samento teve Hagen uma filha chamada Hilde, que é a que os três embaixadores foram pe-
dir ao violento rei para Hettel. A princeza de Portugal acompanhou Hagen para a corte de
Irlanda, e depois foi no séquito de Hilde ; o seu nome era Hildburg, e foi também amiga de
Kudrun, chegando a casar com um dos seus pretendentes. 1 Mas no século xin era a França
a grande sybilla que fascinava o mundo com os seus cantos.
Seria talvez por occasião do casamento de sua irmã, que D. AfTonso iria para a corte de
seu primo Luiz ix, attrahido pelos cálculos de interesses de familia que sua tia Branca de
Gastella tão bem sabia urdir. Muitos dos fidalgos que o acompanharam para França foram
pães de trovadores portuguezes, como Pêro Ourigues da Nóbrega, pae do trovador D. João
de Aboim, como os da familia dos Valladares, d'onde provém os trovadores Estevam Annes
de Valladares e Rodrigo Annes de Valladares. D. Affonso correu as suas aventuras de armas
fora de Portugal, porque só veiu a ser armado cavalleiro em Melun ; a estas festas assisti-
ram vinte menestréis, a quem Luiz ix pagou com cincoenta livras. Na corte de S. Luiz ti-
nham então os trovadores uma grande influencia; elles incitavam por meio de canções o
ardor do monarcha para a cruzada. D. Affonso obedeceu a este poderoso meio, cultivando
também a poesia, como se deprebende de uma nota de Bembo no índice do Cancioneiro per-
dido de Colocci.
Documentos positivos da estada do infante portuguez em França só se encontram a con-
tar de 1238; é d'este tempo em diante que principia a maior cultura da poesia -trobadores-
ca entre a aristocracia portugueza por meio da familia dos Nobregas, dos Sousas e dos Val-
ladares. A poesia provençal da corte de D. Affonso in, (1245-1279) apresenta provas ma-
teríaes e immediatas da influencia franceza do norte, resultado da convivência na corte de
S. Luiz. Diez sustentava que no Cancioneiro da Ajuda não ha vestigio de imitação ou pla-
giato das canções da língua d'oc ; outro tanto se não pôde dizer da lingua d'oil. No Cancio-
neiro da Ajuda, em uma canção anonyma acha-se um estribilho ou refrem em francez, si-
gnal da sua muita popularidade :
Dizer vos quero hQa rera,
senhor que sempre bem quige:
Or sachaz veroyamen
que ie soy votre home-lige *.
Em Portugal não houve o feudalismo puro, e portanto a designação de home-lige cara-
cterisa uma instituição franka ; o trovador portuguez que usava esta palavra como galante-
ria estava por certo lembrado dos novos usos formulados nos Assentos de Jerusalém, prati-
cados na corte de S. Luiz. A comparação da fidelidade do amante á do home-lige apparece
uma vez em um trovador que viveu na Normandia e no norte da França, Bernard de Ven-
tadour: «Oh cara dama, eu sou e serei sempre vosso escravo, posto ao vosso mando; eu
sou vosso servo e vosso home-lige.» 3 Esta palavra aceusa uma impressão local.
Em 1238 D. Affonso casou com a Condessa de Boulogne, Mathilde, viuva de Filippe Hu-
repel, nora de Filippe Augusto ; o motivo deste casamento explica bem como o desenvolvi-
mento da poesia provençal deve começar a contar-se desde Affonso m. casamento foi de-
vido à suggestão de sua tia Branca de Castella, mãe de S. Luiz, que ao conhecer o caracter
do infante portuguez não hesitou em conflar-lhe o destino da viuva de seu cunhado. Branca
de Castella era increpada pelos barões francezes de ter envenenado seu marido e de accei-
tar os amores do celebre trovador Thibaut, conde de Champagne. barão feudal não se atre-
via a fazer sentir a sua paixão â astuta rainha ; aconselharam-lhe para allivio da tristeza que
compozesse canções provençaes. Em companhia de Gace Brulé, o conde de Champagne nos
seus castellos de Previns e de Troyes, escrevia as ainda hoje celebres poesias do rei de Na-
varra, cujo reino herdara de seu irmão. A estes costumes da corte franceza assistia o in-
fante D. Affonso e os fidalgos que o acompanharam ; por occasião do casamento de Luiz ix,
filho de Brapca, com Margarida de Provença, filha de Raymundo Beranger, em 1234, a poe-
sia da lingua d'oc tornar-se-ia inevitavelmente uma moda (Taquella regência exaltada de
mysticismo. As canções de Thibaut referiam-se a uma amante sempre oceulta, sempre es-
' Bossert, La Lilieralure allemande au Moyen-Âge, p. 119.
■ Ed. Trovas e Cantares, n.° 140.— Diez, líber d\e ersle poríugiesische Kunst und Hofpoesie, p. 29.
Raynouard, Choix, etc , t m, p. 87.
XLII A LIDE DO PORTO (GAP. m
quiva, e nunca adoçando as magoas profundas do trovador que a adorava. É este sentimen-
to o que predomina no maioria das canções do Cancioneiro da Ajuda e em uma grande
parte do Cancioneiro da Vaticana As Grandes Chronicas de S. Denis retratam os amores
de Tbibaut com mais clareza â , mas o impossível diante do amor orientou o modo de sentir
dos nossos trovadores, em quanto não abraçaram a tradição lyrica galleziana.
As canções populares chamavam Branca de Castella Dame Hersent, nome da mulher do
Renard, do romance satyrico da burguezia. Antes do infante D. Affonso sair de Portugal
para França dera-se a revolta dos Barões, que pretendiam desthronar Luiz ix ainda criança,
para darem o throno ao senhor de Coucy. conde de Boulogne era apparentemente do par-
tido de Branca e da regência, mas tinha ligações secretas com os barões. Foi este o motivo
da sua morte; diz Filippe de Mouskes, na Chronica rimada:
Filippes, li cuens de Boulogne,
Entrepri9t moult celle besogne,
Et dist que li cuens de Campagne
Qui et tous lea barons desdagne,
Et s'avait son frère empuisnet
Le roi Loeys, e laissait
Mauvaisement à Avignon
Et fait en avait traison 2 .
Branca de Castella quiz vingar-se d'esta traição contra seu filho, e os cantos populares
accusam-na da morte de Filippe, conde de Boulogne :
S'ant furent dolants li François,
Cevaliers, bourgeois et vilain
Et trestous li pais à plain;
Mais la reine en fu blamé 3 .
A morte de Filippe foi em 1234 ; quatro annos depois o infante D. Affonso servia de in-
strumento nas mãos (festa mulher, que o casava com a condessa viuva ; costumada a con-
spirar contra os Barões, Branca de Castella seria a primeira a coadjuvar D. Affonso e os seus
fidalgos para destituírem D. Sancho n, seu irmão. Este favor de asylo na corte franceza fez
recrudescer a audácia do clero e da fidalguia contra D. Sancho n. Em 1242 o infante D. Af-
fonso fizera bravuras inauditas na batalha de Saintes, travada entre Luiz ix e Henrique in
de Inglaterra. Os chronistas Nangis, Joinville e Matheus de Paris mostram o infante portu-
guez como o primeiro que rompeu os esquadrõesinglezes. 4 As suas bravuras eccoaram por certo
em Portugal, e isto não deixou de influir na decisão dos conspiradores, que em 1244 e 1245
se mostraram mais altivos contra D. Sancho n, vindo os bispos e os fidalgos ás mãos na ce-
lebre batalha chamada a Lide do Porto em Gaya, que na linguagem syncretica dos Nobi-
liários serve de ponto de partida para computar a época a que pertence um facto ou um
nobre, como vemos ao fallar-se do trovador Abril Peres.
A contar da Lide do Porto, (1245-1246) revolução clerical e aristocrática que precedeu
a deposição de D. Sancho n, uma grande parte da fidalguia agrupou-se em volta de D. Af-
fonso; o clero junto do papa tramava para a destituição do monarcha pelos meios do direi-
to canónico, o instrumento de todas as infâmias nas famílias e nas dynastias, capa dos cri-
mes, porque em vez da rasão e da justiça seguia o escrúpulo e a casuística. Declararam-se
a favor de D. Affonso os membros da família dos Pereiras, Raymundo Viegas de Porto Car-
rero, o que roubou ao monarcha D. Mecia do próprio leito para evitar que tivesse filhos que
viessem prejudicar os direitos de seu irmão, Rodrigo Sanches, tio do rei, Abril Peres, que
esteve na lide do Porto em Gaya, os fidalgos da linhagem dos Valladares, dos Mellos, de
Bayão, e Rui Gomes de Briteiros. Bispo D. João Viegas de Porto Carrero foi a França pa-
ctuar com o Conde de Bolonha, e depois foi ao papa buscar as absolvições para os per-
juros. Era chegado o momento para o golpe ; redigiram-se as queixas que serviriam de funda-
mento para a deposição fulminada pelo papa Innocencio iv; D. Affonso esperou um pretexto
para entrar em Portugal sem suspeita; Luiz ix projectava uma cruzada em 1246; o conde
1 *D'illec se partit tout peosif, et lui venoit souvent en remembrance le doux regard de la reine et sa
belle cootenance. Lors si entroit dans son coeur la douceur amoureuse: mais quand il lui souvenoit qu'eile
etait si haute dame et de si dame et de sa bonne renommée, et de sa bonne vie et nette, si muoit sa douce
peosée en grande tristesse.»
* Ap. Leroux de Lincy, Ohants historiques, 1. 1, p. 158.
* Mouskes, Chr. rimíe. t. ir, p. 576.
Herculano, HisL de Portugal, t. ih, p. 382.
GAP. Ill) SIHVENTE CONTRA OS TRAIDORES A D. SANCHO II XLIII
quiz acompanhal-o e veiu por mar n'esse mesmo anno desembarcar em Lisboa. 4 Entregaram-
lhe os castellos, violando a fé jurada a D. Sancho u, Gonçalo Perez, commendador de Mer-
lola, Martim Fernandes, Mem Calvo, Sueiro Gonçalves Bezerra, e outros muitos Alcaides.
Esta torpeza aristocratico-clerical deixou na litteratura portugueza um ecco de indignação,
que ainda resôa através dos séculos 1 É a canção 1 088 «de mal dizer dos que deram os cos-
tellos como non deviam, ai rei don Affonso.» Esta canção é a pagina mais viva da nossa
historia ; ella illuminará o que os documentos ofDciaes cal 1 aram. D. Sancho n debalde pro-
curou auxilio em Affonso o Sábio, ainda infante, mas o trovador anonymo da canção 1088
pendurou para sempre os traidores. A canção enumera os alcaides que se venderam, e os
que foram illudidos pelo legado do papa :
Non ten Sueyro Bezerra
que tort'é en vender Monsanto...
E poren diz que non fez torto
o que vendeu Marialva,
cá lhe diss'o Arçobispo
nn verso per que se salva. . .
O que vendeu Leyrea .
muyto ten que fez dereyto,
ca fez mandado do Papa,
et confirmou-lh'o Eleyto...
O que vendeu Faria
por remiir seus pecados
se mays tevesse inays daria. . .
Outros foram-se offerecer espontaneamente ao conde de Bolonha :
Ofereceu Martim Dias
a a Cruz que os confunde
Covylhã; e Pêro Dias
Sortelha; e disse o Conde :
centuplum accipiatis. . . .
OfTereceu Trancoso
ao Conde Roy Bezerro . . .
O que ofTereceu Cintra
fez como boo cavalleyro,
e disse-lh'i o Legado
logu'un verso de salteyro...
Diante da justiça implacável da historia muitas lendas sentimentaes caem no desprezo da
mentira ; a celebre lenda de Martim de Freitas parecerá à primeira vista justificada, porque
se não acha na canção 1088 o nome do Alcayde de Coimbra, mas no Nobiliário se diz que
se não entregou porque o Conde não foi ahi ! A outra lenda heróica de Pacheco, Alcaide de
Celorico, desfaz-se diante d'esta clara strophe :
E quando o Conde ao Castello
chegou de Celorico
Pachequ'enton o cuytelo
tirou, e disse-lhe : Amigo
mite gladium in vagina*
con el non nos em pescas;
Diz Pacheco : Alhur, Conde
peede hu vos digam : cresças.
No flm da acerba sirvente o trovador, cujo nome se perdeu, conchie com uma máxima
tirada da moral nova que vira :
Salvo é quem trae castelo
a preyto que o ysopen*
Presta serie de infâmias, e ainda no anno de 1246, Raymundo Viegas de Porto Carrero
1 Dteta cruzada de Luiz ix, falia o trovador Affonso de Cotom na canção lil«; explicaremos algumas re*
ferencias onomásticas, para mostrar a sua importância histórica. Na terceira estrophe Blandiz é Brandusium
ou Brindes, porto de Nápoles, d'onde partiam sempre os cruzados ; o Alcor, é o Cairo, por onde S. Luiz come-
çou a sua cruzada ; Mormoion é o sitio de Baramoun, onde o rei -caiu exhausto antes de flcar prisioneiro ' To-
mará será o rio Tamyras (Nahr-Damur) próximo do qual estava uma fortaleza que serviu de refugio aos cru
zados depois de perdida a Palestina. «
XLIV SIRVENTE CONTRA OS PRIVADOS DE D. AFFONSO III (GAP. IH
disfarça-se com os seus homens de armas em partidários de D. Sancho n, chega a Coim-
bra de noite e rapta do próprio leito de D. Sancho n a formosa D. Mecia Lopes de Haro. Na
sua luta D. Sancho n foi coadjuvado por seu cunhado em 1247, mas diante das traições suc-
cessivas teve de refugiar-se em Toledo, onde morreu logo em 1248. Às relações de D. San-
cho ii com a casa de Haro nos explicam como um grande numero de jograes bascos frequen-
taram a sua corte deixando bastantes canções na collecção da Vaticana.
Eraquanto o rei estava refugiado em Toledo, D. Affonso in achava-se em Santarém, on-
de fez a sua residência habitual. Uma outra canção do mesmo trovador anonymo (n.° 1089)
retrata a situação de alguns fidalgos que simulavam apparente hostilidade a D. Affonso iu ;
Don Estevan diz que desamor
a con el rey, e sey eu cá menti,
ca nunca viu prazer poys foy aqui
o Conde, nen veerá mentr f ir for;
e per quant'eu de sa fazenda sey
parque non ven ai regno el rey
non vée cousa ond'aja sabor.
Agora as consequências das traições que deram o throno a D. Affonso m : o clero queria
immunidades, e a fidalguia doações e influencias sobre o monarcha. D. Affonso in era bas-
tante intelligente para conhecer como devia fugir a comprommissos criminosos que atrazavam
o desenvolvimento nacional, mas não se oppoz de frente às ambições do favoritismo. As fa-
mílias que lhe deram o throno cercavam no como credores implacáveis, e nos versos de três
jograes nos apparece a accusação contra os privados, que vendiam justiça. Quando D. Af-
fonso iii começou a reinar introduziu na sua corte os costumes da corte de S. Luiz ; no /te-
gimento da Casa real estabelece, que o rei tenha somente três jograes e não menos, e que
ao jogral que vier de outra terra, ou de segrel, se lhe dé até cem maravedis. 1 Os três jo-
graes que apodam os privados são Martim Moxa, Lourenço e Diogo Pezelho, o que nos leva
a crer que estes pertenciam aos jograes do numero, e que as suas sirventes seriam encom-
mendadas pelo próprio D. Affonso m, para se escusar perante os seus impostos validos. Af-
fonso ui era caviloso como um Luiz xi. jogral Martim Moxa, na canção 472, que apparece
também sob o nome de Lourenço (n.° 1036) com a rubrica : «Esta cantiga de cima foy feita
em tempo dei rey don Affonso, a seus privados», ataca-os pela sua vileza:
Vós que soedes en corte morar
d'estes privados queria saber
se lhes na a privança muvto durar,
cá os non vejo dar nem despender;
anfos vejo tomar e pedir,
et o que lhes non quer dar ou servir
non pode rem con el rey adubar,
D estes privados non sey novelar
se non que lhes vejo muy gram poder,
e grandes rendas, casas gaanhar...
Na versão, attribuida a Lourenço existem variantes que accusam uma lição mais moder-
na, como falar em vez de novellar, do género provençal dos Noellaires, ainda usado na
corte de Affonso ix. Outras sirventes compozera Martim Moxa, hoje perdidas, porque o seu
nome tornou-se proverbial, quando se atacava qualquer privado ; João de Gaya satyrisando
o Eleyto de Vizeu, privado de D. Affonso iv, ainda diz :
Comede migo e diram-vos
cantares de Martim Moxa... (n.° 1062.)
jogral Diogo Pezelho allude ainda á traição dos Alcaides e às absolvições do arcebispo
(n.° 1124.):
Meu senhor Arçobispo, and'eu excomungado. . .
Por mha mala ventara tivi hu castello em Sousa,
e dey-o a seu dono, e tenho que fiz gran cousa;
soltade-me, ay senhor,
e jurarey mandado que seja traedor.
Por meus negros peccados tivi hu castello forte,
e dey-o a seu dono, e ey medo de morte. ..
Em outra sirvente em maestria menor, de Martim Moxa, allude-se aos privados e aos que
«
1 Àp. Man. hisl. } t. i, p. 149.
GAP. m) ESGÀRÀVUNHÀ E JOÃO GARCIA, TROVADORES XLV
os presenteavam, e como n'este conflicto de interesses só eram apreciados os cantos de mal-
dizer:
Louvamyantes deytados
e prezenteantes do mund'exerdados
am prez e poder; e vam-se perder;
e nos logares vej'achegados
ha nobres falares loados,
soyam dizer, de muitos amados
vej'aiongados os de mal-dizer.
Procurando quem eram os privados de D. Affonso ni determina-se o cyclo dos trovado-
res portuguezes pre-dionisios, que abrilhantaram a curte poética de Santarém. Seguiremos
as revelações dos Nobiliários. Sabe-se que a família dos Sousas abraçou a causa do Conde
de Bolonha ; a esta familia pertence o celebre Fernão Garcia Esgaravunha, cujas canções
existem por ventura sem nome no Cancioneiro da Ajuda. Fragmento do Nobiliário do
Conde D. Pedro cita-o como filho de D. Garcia Mendes de Sousa e de D. Elvira Gonsalves To-
rinho: «e fez. .. don Fernam Garcia Esgaravunha, o que trobou bem.» 1 Teve mais cinco
irmãos todos protegidos pelo monarcha. Na Chromca geral de Espanha é também citado
como trovador; entre seus irmãos, João Garcia o Pinto, é por ventura o trovador citado na
canção:
Perguntou Joham Garcia
da morte de que morria. . .*
N'uma canção de João Soares Coelho (n.° 1024) João Garcia é accusado de trovar por da*
mas a quem não competia fazel-o :
Joham Garcia tal se foi loar
e enfenger que dava sas doas
e que trobava por donas muy boas
e oy end'o meyrinho queyxar,
e dizer, que fará se deus quizer,
que non trobe quem trobar non dever »
por ricas donas, nem por infançoas. . .
Ca mand'al rey, porque a en despeyto
que trobem os melhores trobadores
polas mais altas donas e melhores. . .
Em outra canção é accusado Pêro Lourenço de se servir das tenções de João Garcia :
Pêro Lourenço, pêro t'eu oya
tençon desigual e que non rimava,
Sero que essa entençam de ti falava,
emo Wessa que t eu criia;
cá non cuydey que entençom soubesses,
tan desigual fazer, nem na fezesses,
mais sey-m'eu que x'a fez Joham Garcia (n.° 1022.)
As únicas canções que restam de João Garcia no Camcioneiro da Vaticana são duas ten-
ções travadas com o jogral Lourenço ; isto nos prova que elle respondia ás sirventes aos
privados :
Lourenço jograr, as mui gram sabor
de citolares, ar queres cantar
desy ar filhas-te log'a trobar,
e teens-t'ora já por trobador;
e por tod*esto unha rem te direy
deus me confonda, se oj'eu sey
d'estes mesteres qual fazes melhor. (n.° Í104.)
Na canção 1 105 João Garcia diz, que o jogral Lourenço não merece a cevada e o vinho
que ganhava com o seu canto. Este jogral foi apodado em bastantes canções de differentes
fidalgos, o que se explica pelo resentimento da sua sir vente.
Estevam Raymundo, partidário de D. Affonso m, e um dos chefes dos facciosos do reina-
do de D. Sancho n, tem duas canções na collecção da Vaticana (n.° 294 e 295) que perten-
cem ao género de Cantares de amigo, da tradição galleziana. Era um fidalgo prepotente que
reagia contra as medidas fiscaes de D. Sancho n ; 3 basta dizer que era filho do audacioso
1 Mon. histy Scriptores, t. n, p. 152, 192 e 321.
■ Cancioneiro da Ajuda, (ed. Trovas e Cantares, n.° 146.)
• Herculano, Bist. ae Portugal, t. u, p. 495, n.» 6.
XLVI DOM JOÃO DE ABOIM (GAP. EU
Raymundo Viegas de Porto Carrero, que raptou D. Meciaaorei seu marido, e de D. Maria Ou-
rigiz; foi casado com uma dona de Santarém, que fora barregã do rei de Portugal. 1
Um dos trovadores mais celebres da corte de D. Affonso m, pelo alto valimento jun-
to do monarcha, pela preponderância politica e pelo seu talento litterario, é o fidalgo
D. João de Aboim. No Livro velho das Linhagens se lê acerca d'este trovador: «e Urraca Gil
foi casada com Pêro Ouriguiz da Nóbrega, e fez em ella Joam de Aboim, que foi privado
d'el rei Dom Affonso, padre d'el rey D. Diniz de Portugal, e feze-o el rey D. AfTonso Rico-
Homem . . . E o sobredito D. João de Aboim. . . foi mui bõo por mercê d'el rey e houve mui
bons vassalos e foi casado com D. Marinha AfTonso.» 2 No Nobiliário do Conde D. Pedro acres-
centa- se : «Casou com D. Marinha Affonso, filha de Affonso Pires de Arganil, o que trouxe as
cabeças dos Martyres de Marrocos a Coimbra por mandado do infante D. Pedro. 3 Elle e sua
mulher jazem no Marmelar, tendo deixado bens ao hospital de Sam João.» 4 Entre as des-
avenças de Affonso o Sábio de Castella com D. Affonso iii, que se disputavam o domínio do
Algarve, D. João de Aboim occupou uma parte importante. Elle e seu filho Pedro Eanes fica-
ram com os penhores dos casteúos de Tavira, Loulé, Faro, Paderne, Silves e Aljesur, como
garantia das cincoenta lanças que o monarcha portuguez tinha de dar ao rei de Castella era
tempo de guerra em virtude da cedência do domínio do Algarve. 5 Deu-se este facto em 1 264.
Na Torre do Tombo guarda-se uma «Carta de el rey de Castella, pela qual manda a D. João
de Aboym e a Pedro Eanes, que entreguem os castellos do Algarve ao senhor rei D. Affonso,
absolvendo-os da homenagem que d'elles lhe aviam feito. 6 Foi necessário depois da cedên-
cia dos domínios do Algarve a D. Affonso iii, proceder a novas demarcações da fronteira do
reino de Portugal, nos pontos que confinava com Castella. trovador D. João de Aboim e
D. Diogo Lopes de Bayam foram nomeados por parte do reino de Portugal para este serviço, 7
por carta de 5 de junho de 1264. Ha também uma doação de umas casas de Santarém, de
1249, feita por D. Affonso m a este trovador; e na doação do mesmo monarcha a seu filho
o infante D. Affonso segundo-genito, de 1278, figura D. João de Aboim como testemunha, e
com as dignidades de Maiordomo d El rey, e Tenente do Alemtejo. Por ultimo achamol-o de-
pois de 1279 assistindo com D. Beatriz, viuva de D. Affonso iii, a uma espécie de regência
de D. Diniz. Por estes factos se pôde avaliar o interesse que despertam as canções de D. João
de Aboim ; pertencem na maior parte ao género de Cantares de amigo, o que nos revela a
corrente da escola galleziana. Uma d'essas canções, no gosto limosino, (n.° 279) acha-se
também no Códice da Ajuda, signal de que este Cancioneiro pertence na sua totalidade aos
poetas da corte de D. Affonso iii. Uma sirvente de D. João de Aboim travada com João Soa-
res Coelho, mostra o seu resentimento contra o jogral Lourenço que salyrisàra os privados :
— Joham Soares, comecei
de fazer ora hum cantar,
vedes porque, porque achey
boa razon pêra trobar :
ca vej'aqui hun jograron
que nunca pode dizer son,
nen o ar pode cilolar. . . (n.° 1009.)
Na tenção 1010 ataca directamente Lourenço :
Lourenço, soyas tu guarecer
como podias per teu citolon,
ou bem ou mal non te digo eu de non ;
e vejo-te de trobar trameter,
e quero-te eu d'esto desenganar,
bem tanto sabes tu que é trobar
bem quanto sabe o asno de leer.
» Mon. hisl., (Scriptores) t. n, p. 341.
* Mon. hisl., (Scriptores) t n, p. 161.
* Este infante D. Pedro, é citado como trovador ria canção n.° 1147: «Dom Pedro est cunhado deel rey—
Que chegou ora aqui de Aragão.» Na Viage literária a las iglesías de Espana, por D. Jaime ViUanueva, t xn.
B. 41, encontram-se dados importantes para a vida d 'este ignorado trovador português. Era filho de el rei
. Sancho i de Portugal, e sobrinho de Aionso n de Aragão, em cuja corte se refugiou quando D. Affonso n de
Portugal esteve em guerra com as irmãs para não cumprir o testamento do pae. O infante D. Pedro trocou o
condado de Urgel pelo senhorio das ilhas Baleares, em 1231 ; a outro presente de relíquias refere-se sua irmã
D. Mafalda, em uma carta, em que lhe pede noticias suas por qualquer pessoa sive per arlotas el peregrinos.
O testamento do infante D. Pedro é datado de 9 de outubro de 1255 ; um dos anniversarios que instituiu foi
nomeado em Mestre Joham celebrado na canção n, M 72 e 73, de Affonso ix, em cuja corte viveu o infante-tro-
vador.
* Ibid., t. n, p. 319.
■ Herculano, Hisl. de Portugal, t. m, p. 66.
Torre do Tombo, G. 14, Maç. 4, n.° 9.— V. de Santarém, Corpo diplomático, 1. 1, p. 16 e 23.
Y. de Santarém, Corpo diplomático, 1. 1, p. 13.
CAP. m) A GESTA DE MAL-DIZER XLV1I
Na tenção 1011, ainda volta ao mesmo resentimento :
Joham Soares, non poss'eu estar
que vos non diga o que vej'aqui,
vejo Lourenço com tnuytos travai
pêro non o vejo travar en mi;-
e bem sey eu porque aquesto faz
que ni'ho sey todo e que x'é tod'en mi...
Affonso Lopes de Bayam, é outro fidalgo grande valido de D. Affonso ra e trovador dis-
tincto; era filho de Lopo Affonso de Bayam e de D. Aldara Veegas, e foi casado com D. Mór
Gonsalves, segundo os Nobiliários. 4 Seu irmão D. Diogo Lopes de Baiam foi um dos árbitros
para a demarcação da fronteira portugueza em 1264; e na doação da Lourinha ao infante
D. Affonso, de 1278, Affonso Lopes de Bayam, Tenente de Sousa, assigna como uma das tes-
temunhas, entre as quaes figura seu irmão Tenente de Lamego. A sirvente de Diogo Pezelho,
em que se falia do castello de Sousa, parece referir-se a Affonso Lopes Bayam. No Cancio-
neiro da Vaticana traz este trovador algumas canções no gosto limosino, e a maior parte
d'ellas no género de Cantar de amigo , e de cantos de ledino :
Hyr quer'oj'eu, fremosa, de coraçom
por fazer romaria e oraçom
a saneia Maria das Leiras
poys meu amigo hy vem (n.° 341.)
A saneia Maria das Leiras
hirey velida,se hy vem meu amigo... (n.° 342.)
Uma das composições mais curiosas do Cancioneiro da Vaticana é o n.° 1 080, que traz
esta rubrica: «Aqui se começa a Gesta que fez don Affonso Lopes a don Mendo e a seus vas-
salos, de mal dizer.» É a primeira vez que se encontra na litteratura portugueza a designa-
ção de Gesta, significando um poema narrativo em alexandrinos monorrimos á maneira das
epopéas carlingianas dos troveiros do norte da França. As Gestas francezas deviam ser co-
nhecidas na corte portugueza, não só porque Gavaudan o Velho já citava a Chanson do Ro-
land, e no Nobiliário se cita como termo de comparação a gesta dos Doze Pares, mas prin-
cipalmente os privados de D. Affonso ni haviam residido com elle na corte franceza. Por
ventura a Gesta de Maldizer era para satyrisar algum ferrenho e extemporâneo partidário
de D. Sancho n, ou então para satyiisar a disposição legal das Partidas, que não permittia
se não cantares de Gesta. Uma canção de Payo Gomes Charinho (n.° 1159) contra Affonso
Lopes de Bayam, e outra d'este contra Martim Alvelo (n.° 1079) mostram-nos a época em
que figuram estes trovadores.
Martim Peres de Alvim, representado na collecção da Vaticana com seis canções limosi-
nas e um fragmento, pertence ao numero dos partidários de D. Affonso in ; era seu pae Pêro
Soares de Pousada, que appellidaram de Alvim em terra de Basto, e sua mãe D. Maria Es-
teves. Tinha solar em Riba de Visella, e foi casado com D. Margarida Pires. 1
Estevam Coelho, filho de Pêro Annes Coelho e de D. Maria Esteves Teixeira, 3 era natural
de Riba de Homem; na collecção da Vaticana conservam-se d'elle duas formosas Serranil-
las, da mais pura tradição galleziana, onde se caracterisa o género dos Cantares de amigo:
Sedia la fremosa, seu fuzo torcendo
sa voz manselinha, fremoso dizendo
cantigas de amigo. (n.° 321.)
Por esta serranilha do meado do século xm pôde determinar-se a existência de uma fe-
cunda poesia popular portugueza. Sob o n.° 322 conserva-se a barcarola, typo das que se
cantavam na curte de D. Affonso rv no tempo da batalha do Salado :
Se oj'o meu amigo
soubesse, hyria migo ;
eu ai rio me vou banhar,
ai maré.
Estevam Coelho foi casado com D. Maria Mendes, de quem teve um filho também trova-
\ Mon. hist., Scriptorea, t. n, p. 321.
. lbid., p. 302.
Ibid., p. 159.
XLVIII PRIVADOS DE D. ÀFFONSO Hl, TROVADORES (CAP. m
dor chamado João Coelho, cujas canções não chegaram a ser colligidas na collecção da Va-
ticana. No Cancioneiro da Ajuda encontra-se esta referencia :
O sen, e mais vos ende diria :
João Coelho sabe que é assy. 1
. É provável que este nome pertença a um trovador mais antigo ; D. Maria Mendes casou
em segundas núpcias com o trovador Martim Peres de Alvim. 5
Do partido de D. Affonso m era também o fidalgo trovador Fernão Fernandes Cogominho,
filho de D. Fernão Guedes e de D. Maria Fogaça. D'elle diz o Fragmento do Nobiliário, que
está junto ao Cancioneiro da Ajuda: «foy muito bõo e muyto honrado. E foi (privado) dei
rei D. Affonso de Portugal, padre d'el rei D. Diniz de Portugal.» 3 Fernão Fernandes Cogomi-
nho confirmou uma doação que em 1261 fez D. Affonso m do castello de Marvão a seu filho
D. Affonso. As três canções de Cogominho, que existem no Códice da Vaticana (n.° 303-306)
pertencem ao género característico dos validos de D. Affonso m, são cantares de amigo e
serranilhas.
A família dos Valladares foi das que conspiraram contra D. Sancho n: a esta família per-
tence o antigo trovador Estevara Annes de Valladares, cujas canções não chegaram a ser col-
ligidas no códice da Vaticajia, mas que julgamos conservarem-se anonymas no Cancioneiro
da Ajuda. Sabe-se que era trovador de fama, porque no fragmento do Livro velho das Li-
nhagens se lé : « Este Joham Rodrigues foi casado com D. Maria Fernandes, filha de Fernão
Peres Pintalho. E fez em ella Stevam Annes de Valladares, o Trobador.»* No Cancioneiro da
Vaticana (n.° 523) encontra-se a rubrica «Pêro Annes Marinho filho de João Annes de Vala-
dares » por onde se vé que o talento de trovar se conservou na sua familia.
Também faltam as canções do trovador João Martins na collecção da Vaticana ; no Nobi-
liário do conde D. Pedro se lé: «Taregia Lourenço. . . foi casada com Joham Martins, Pro-
vador.» Este fidalgo jà figura no tempo de D. Sancho n, achando-se o seu nome em uma
doação â ordem de S. Thiago, de 16 de janeiro de 1 239 ; em uma doação de D. Marinha Af-
fonso, viuva de D. João de Aboim, ao abbade de Alcobaça, figura entre as testemunhas « Jo-
hane Martini Trovadore.»* em 1288, e em outro documento assigna «Joham Martins Tro-
vador, Alvasil de Santarém.»* Tudo nos mostra que este trovador pertence ao numero dos
primados de D. Affonso m, assim como outro trovador de que adiante faltaremos, chamado
João Lobeyra.
No Nobiliário do conde D. Pedro, lé-se que João Soares de Gaya casara com D. Maria Soa-
res, de quem teve « Johanne Annes de Gaya «que foy cavalleyro, de boa palavra e muyto
saboroso.» 7 No Cancioneiro da Vaticana ha uma vaga referencia aos cantares d'este trova-
dor, n'uma canção de Estevam da Guarda :
Ruy Gonçalves, pêro vos agravece
porque vos travou em vosso cantar
Johan Eanes. . . (n.° 917.)
Tanto as canções de Ruy Gonçalves, como as de Joham Eanes estão perdidas ou não che-
garam a ser colligidas. No Cancioneiro encontram-se canções de Joham de Gaya escudeyro,
(n.° 1043, 1044, 1058 a 1062) mas este trovador pertence á corte de D. Affonso iv, como
se prova pelas referencias históricas dos seus versos; é a este que se refere o Conde D. Pe-
dro no Nobiliário: «Este Estevam Annes houve hum filho que houve nome Joham de Gaya,
que foy muy boo trovador e mui saboroso.» 9 O trovador Joham Eanes, era filho de João Soa-
res de Gaya, que figura no Cancioneiro da Vaticana, com o nome de O Irmão de Martim
Soares (n.° 435.) D. Soeiro Pires tivera de uma barregã dois filhos Martim Soares de Baguim
e João Soares de Gaia. Na canção 959 de D. Lopo Lias, falla-se na prostituição da
A dona de Bagyn
que mora no Soveral.. .
Parece que a isto responde Martim Soares na canção que traz a rubrica « a hum cavai-
leyro que cuydava que trobava muy ben e que fazia muy bõs sons e non era assy.» (Canç.
1 Bd. Trovas e Canlares,n° 179.
* Mon. hiMt.,L n, p. 221.
Mbid.,p.215e306.
4 Ibid., p. 199,
' Brandão, Mon. Lusil., Part. v, p. 1S5
• Ibid., t. v, p. 372.
[ Mon. hisL, t n 2 p. 271 e 272.
Mon. hist., Scnptores, t n, p. 272.
CAP. Ill) INFLUENCIA DE AFFONSO SÁBIO XL1X
965.) As canções de Martim Soares provam que elle florescia na corte de D. Affonso m, como
a n.° 966, em que apoda Affonso Eanes de Cotom, e a n.° 967 escripta jtempos antes de ser
tomada Jaen por Fernando m, em 1246 :
Hun cavaleyro se comprou
Eera quitar-se de Jaen,
u jazia pres'e custou
pouco, pêro non mercou ben;
ante tenho que mercou mal
ca deu por sy mays ca non vai,
e tenho que fez hy mal sen... (n.° 967.)
A canção 435, que tem a rubrica Irmão de Mwrtim Soares, é evidentemente de João
Soares de Gaya ; pertencendo ao género de cantares de amigo , vem provar-nos com o argu-
mento histórico da canção 967,, que estes dois trovadores floresceram no cyclo trobadoresco
de D. Affonso m.
Á corte d'este monarcha também pertence o trovador Joham Vasques, do qual se acha
uma tenção travada com Lourenço jogral :
Joham Vasques, moiro por saber
de vó9 porque me leixastes o trobar,
ou se foy eí vos primeiro leixar,
cá vedes o que ouço a todos dizer :
ca o trobar acordou-s'en a tal
que estava vosco en peccado mortal
e leixa-vos por se non perder... (n.° 1035.)
João Vasques pergunta ao jogral :
mas di-me, ti que trobas desigual
se te deitem por en de Portugal...
Esta circumstancia prova-nos que frequentava a corte de D. Affonso m. Era o trovador
filho de Vasco Pires (por ventura o trovador Vaasco Peres, da collecção da Vaticana,
(n.° 58 a 60) e de . . . Annes, filha de João Pires da Nova. João Vasques foi casado com D. The-
reza Affonso, e em segundas núpcias com D. Beatriz Affonso, filha do infante bastardo
D. João. 1 Algumas das suas canções são communs ao Códice da Vaticana e ao da Ajuda (n. 08 42,
43 e 44) escriptas no estylo limosino.
Explorando com vagar os Nobiliários ainda se encontram muitos outros nomes de trova-
dores, taes como D. Estevam Peres Froyam, Fernão Gonsalves, Fernão Velho, Fernand'Eanes,
João Soares Coelho, Gonçalo Eanes do Vinhal, Nuno Fernandes, Pêro Annes Marinho, Payo
Soares, Pêro Barroso, Rodrigo Annes de Vasconcellos, Rodrigo Annes Redondo, Ruy Martins,
que se acham representados na collecção da Vaticana; porém as suas filiações nada adian-
tam para a determinação da sua época.
Os suecessos políticos do reinado de D. Affonso m também influíram no desenvolvimento
da poesia trobadoresca portugueza, não só pelas relações da fidalguia com a corte de Affon-
so o Sábio, mas pelo favor que dispensou aos Segreis, a quem dava até cem maravedis
quando visitavam o seu reino. Investiguemos estas duas causas.
Pelo casamento de D. Affonso in com uma filha bastarda de Affonso x, com o fim de ap-
placar as preterições do monarcha sobre o dominio do Algarve, se deve determinar a pri-
meira influencia exercida pela escola trobadoresca de CastelJa sobre Portugal. Alem da imi-
tação dos costumes da corte poética de S. Luiz, os fidalgos portuguezes começaram a co-
nhecer o esplendor litterario promovido por Affonso o Sábio, cujas canções eram bastante
admiradas. Desde 1250 até à morte de Fernando m, em 1252, as relações de Portugal com
Castella foram pacificas, 2 e isto não pouco motivaria a visita dos jograes de ambos os paizes
e relações mais intimas entre a sua nobreza. Na corte de Affonso o Sábio figuraram pelo me-
nos três trovadores portuguezes, Gonçalo Eanes do Vinhal, D. Pêro Gomes Barroso e Payo
Gomes Charrinho. O Livro das Trovas de el rey D. Affonso copiado por F. de Monte-Mór, e
que se guardava na livraria de el rei D. Duarte, como consta pelo catalogo dos seus livros
de uso, seria um presente régio do monarcha a seu neto, que mostrava predilecção pela
poesia. No Cancioneiro da Vaticana encontra-se o nome de um jogral Ugo Gonçalves de
Monte-Mór (n.° 666), e na pergunta a que lhe responde Fernão Dambrea já se acha a forma
* Mon. hist., Scriptores, t. n, p. 386.
9 Herculano, Hist. de Portugal, t. iir, p. 18.
L O DOMÍNIO DO ALGARVE (CAP. III
da outava usada por Aflbnso o Sábio. Historiemos as relações mutuas das duas cortes, para
melhor se explicar a dupla acção litteraria.
Com a subida dè Aflbnso o Sábio ao throno começaram as dissensões sobre o domínio do
Algarve. ambicioso D. Aflbnso m não hesitava nos meios para realisar os seus planos ;
projectou dissolver o seu casamento com a condessa de Bolonha D. Mathilde, e achou no papa
Innocencio iv um cúmplice (Testa torpeza, porque o papa queria-o ter pelo seu lado na cru-
zada de Africa. seu casamento com Beatriz, bastarda de Aflbnso x, simplificava o direito
de conquista sobre o Algarve, e as previsões foram seguras, como abaixo veremos. Este ca-
samento celebrou-se em meados de maio de 1253, em Chaves, onde os monarchas se en-
contraram; D. Mathilde submetteu-se a este ultraje infligido pela auetoridade papal. Só de-
pois do nascimento do primeiro filho, e só quando este chegasse á edade de sete annos, é
que os dominios do Algarve e dos territórios ao oriente do Guadiana e das praças de Moura,
Serpa, Aroche e Aracena tornariam a ser encorporados na coroa portugueza. 1 As dispensas
d'es(e casamento de D. Aflbnso in foram dadas por Innocencio rv com o intuito de um pa-
cto de família, alliando-se Portugal e Castella para uma cruzada na Africa. Mas Aflbnso x era
de uma versatilidade proverbial ; as lulas e tréguas com Navarra, Aragão e Portugal mos-
tram a sua inconstância. Como vimos, o casamento de Aflbnso m fora em maio de 1253, e
logo a 20 de agosto Aflonso x faltava ao contrato nupcial, fazendo doação de Lagos a Frei
Roberto, a quem nomeara Bispo de Silves contra o direito de apresentação de D. Aflbnso in.
No prologo das Cantigas de Nossa Senhora allude ainda aos seus direitos de conquista sobre o
Algarve, e ao direito de apresentação; Herculano jà accenluou a intenção e prova histórica
d'estes versos:
D. Affonso de Castella
de Toledo, de Leon,
Rey é ben des Compostela
ta o reyno d'Aragon,
de Córdova, de Jaen,
de Sevilha outrossi,
e de Murça, ú gran ben
lhe fez deus con a prendi
do Algarve^ que ganou
de mouros, e nossa fé
meteu y. . .*
A projectada cruzada de Africa, para a qual Aflbnso x assentara pazes com Aragão, Na-
varra e Portugal, e alterara o valor da moeda, mudou-se em uma algarada às fronteiras de
Murcia e Valência, e na disputa sobre os dominios do Algarve. Por motivo d'esta luta acha-
se no Cancioneiro da Ajuda uma sirvente contra a pouca firmeza que Aflbnso o Sábio tinha
nos seus pactos, a qual está em harmonia com este juizo de Çurita : «El rey de Castella era
muy vario y de poça firmeza en sus emprezas.* A sirvente portugueza é anonyma, por isso
que as canções do códice da Ajuda não chegaram a ser rubricadas pelo amanuense ; mas sa-
bentlo-se pelo indice de Colocci, que D. Aflbnso m também cultivara a poesia, é muito na-
tural a suspeita de ser sua a sirvente, porque nenhum trovador se atreveria a tanto :
De quantas cousas en o mundo som
non vejo eu ben qual pode semelhar
ai Rei de Castella e de Leon
se uma, qual vos direy : o mar.
Ornar semelha muy to aqueste rey;
e d'aqui em diante vos direi
en quales cousas, segundo razon.
Segue-se uma comparação das qualidades contradictorias do seu caracter com o mar, e
termina *
Estas manhas, secundo meu sen,
que o mar ha, ha El Rey; e por en
se semelhan, quem o ben entender. 4
Vè-se claramente que esta canção sirventesca foi escripta depois de 1253. Como trova-
dor, Aflbnso x devia ser sensível á satyra ; elle estava relacionado com os principaes trova-
dores do século xin, como Nat de Mons, Giraud Riquier, e outros muitos, e a linguagem
usada então na corte de Castella era o puro portuguez dionisiaco em que as formas gallegas
' Herculano, Hist. de Portugal, t. ra, p. 24.
* Castro, Bibl. Espan., t. u, p. 637.— Hercul., ib., t. m.
• ArwaXes, liv. m, cap. 53.— Hera, ib. t. m, p. 26.
Ed das Trovas e Cantares, n.° 286.
CAP. Ill) TROVADORES PORTUGUEZES EM CASTELLA LI
■
são ainda naturaes. É esta a época em que toda a poesia artística da Península se escrevia
em dialecto portuguez ou gallego, como disse o Marquez de Santillana na sua Carta ao Con-
destavel, e hoje se veriflca diante do Cancioneiro da Vaticana, onde nos apparecem mo-
narchas de Castella como AfTonso x, jograes leonezes, catalães, aragonezes e gallegos escre-
vendo em uma única linguagem, o portuguez dionisiaco.
A historia politica espalha uma immensa luz sobre a vida moral e artística referida in-
conscientemente nos nossos Cancioneiros aristocráticos. Com o nascimento do infante D. Di-
niz AfTonso iii viu a possibilidade de recuperar o dominio do Algarve, porque se começaram
a realisar as condições impostas por AfTonso x. Nasceu o infante em 1261, e em uma carta
de 16 de fevereiro de 1267 o rei de Castella e de Leão cede-lhe o Algarve com a condição
de o ajudar com cincoenta lanças em tempo de guerra. D. Diniz ainda criança foi levado â
curte de seu avô para lhe pedir a remissão do feudo a que se obrigara AfTonso iii. Astuto
como Luiz xi, AfTonso iii conhecia a índole poética do sogro, e por um effeito de sentimento
conseguiu o que pretendia. Nos Romances sacados de historias antigas, Sepúlveda versifi-
cou esta situação. 1 Ticknor colloca a composição das Cantigas de AfTonso o Sábio entre 1263
e 1284, e a influencia d 1 este monarcha sobre a poesia portugueza deve determinar-se ape-
nas durante a mocidade de D. Diniz. É para notar que nenhuma canção de AfTonso x appa-
rece como excerpto nos Cancioneiros portuguczes, mas isto deve explicar-se pelo motivo de
já estarem colleccionadas em volume. Eram dois os códices poéticos de AfTonso o Sábio; o
primeiro continha quatrocentas canções, umas em galleziano, outras em castelhano, o se-
gundo constava de duzentas e noventa nos mesmos dialectos. 2 Na bibliotheca de el rei
D. Duarte se conservou uma copia de um cTestes códices; e na Torre do Tombo existia no
século xvi o segundo códice dos Louvores da Virgem Nossa Senhora, que Duarte Nunes de
Leão attribuia a el rei D. Diniz, talvez pelo motivo de ser escripto em galleziano. 3
Não nos admira que a lingua portugueza fosse usada pelos trovadores castelhanos da
curte de AfTonso o Sábio, porque a constituição da nossa nacionalidade não tinha sido per-
turbada, e a lingua tendia para uma regularidade grammatical ; alem d'isso achamos trova-
dores porluguezes oceupando os altos cargos (Taquelle reino, protegidos por AfTonso o Sá-
bio. nome que primeiro occorre é o de Pêro Gomes Barroso, filho de Gomes Veegas de
Basto e da filha de um escudeiro, de quem nascera antes de ser casado com D. Moor Rodri-
gues de Candarey; 4 casou este trovador em Toledo com D. Chamôa Fernandes. Na canção
334 allude á protecção real :
O meu amigo, que é com el rey,
faça-lhi quanto bem quiser, bem sey
ca nunca no mundo pocTaver
poys eu fremosa tam muyto bem ey
se non viver migo em quant'eu viver...
Figura o trovador a segurança de sua namorada em Toledo emquanto elle estava com
o rei em Castella. Julgamos como differente este trovador de um outro chamado simples-
mente Pêro Barroso, cujas canções alludem a factos mais antigos, como a batalha de Acre.
Algumas das canções de D. Pêro Gomes são communs ao Cancioneiro da Ajuda e ao da Va-
ticana, o que prova pertencem á época de D. AfTonso iii em que o primeiro códice foi com-
pilado. Também se tornou celebre na corte de AfTonso o Sábio um outro trovador portuguez
Payo Gomes Charrinho, o qual, segundo Lavanha, foi Almirante de Castella. Uma das suas
composições no Cancioneiro da Vatàeoma (n.° 40 1) éuma barcarola no gosto popular :
As froles do meu amigo
briosas vão no navyo;
e vam-ss'as frores
d'aqui bem com meus amores!
Esta barcarola pôde considerar-se como escripta em 1278, quando AfTonso o Sábio re-
uniu em Sevilha a grande armada que foi bloquear Algesiras. Na canção 424 allude o tro-
vador ao seu cargo : Disserom-m'oi', ay arnica, que non
é meu amigo Almirante do mar,
e meu coraçom jà pode folgar
e dormir já, e por esta razom
o que do mar meu amigo sacou
saque-o deus de coytas que afogou.
1 Bomancts, 11. 203. Anvers, l."i5l. , „ '
1 Seguimos a dcscrípçào do sr. Soria-.o Fuertes, dos Códices da Bibliotheca do Bscurial fíisL de la Mu*
sica esparu, 1. 1, p. 94.
• Nunes de Leão, Chron. dos Reis de Portugal, Part. r, t. n, p. 76.
* HobUiario do Conde D. Pedro, ap. Mon. nisl., p. 305.
L1I GONÇALO EANES DO VINHAL (CÀP. Dl
desastre do assedio de Algeziras, em que o Almirante ficou prisioneiro, e em que Af-
fonso x se viu obrigado a pedir paz, explicara-nos o sentimento (Testa canção. Na canção 429
do mesmo trovador, acha-se um estribilho de canção marítima :
Ay Samtiago, padron sabido,
vós m'hadugades o meu amigo;
sobre mar vem
quem frores d'amor tem ;
mirarey, madre,
as torres de Jeen.
A canção 1 1 58 é uma tenção travada entre Payo Gomes Gbarrinho e um senbor que tem
o direito feudal de Jantar; pela estrophe segunda (Testa canção suspeitamos que é o pró-
prio Affonso o Sábio :
tPay Gomes, quero eu vos responder
por vos fazer a verdade saber,
ouv'aqui reys de tnayor poder
conquirer, e en terras gaanhar,
mays non quen ouvesse mayor prazer
de comer quando lhi dan bon jantar.
— Senhor, por esto non digu'eu de non, -
de ben jantar des ca é gram razom,
mayl'os erdeyros Foro aa de Leon,
Suariam vosco porque am pavor,
'aver sobre lo seu con vosco entençon
e xe lhis parar outro non peyor.
Payo Gomes Gharrinho regressou a Portugal, como se pôde concluir da sirvente de es-
cárneo a D. Affonso Lopes de Bayam, tenente de Sousa por D. Affonso m (n.° 1 159.)
terceiro trovador portuguez que se refere a Affonso x é Gonçalo Eanes do Vinhal, que
o Nobiliário do Conde D. Pedro dá como filho de João Gomes do Vinhal e de D. Maria Pires.
Foi casado com D. Bringuella de Gardonha, de terra de Aragão, e teve um filho do mesmo
nome. 1 De facto a canção n.° 999 allude á invasão que os Aragonezes tentaram contra Cas-
tella juntamente com o infante D. Henrique, irmão de Affonso x, que o desterrara do reino.
conquistador de Sevilha, Fernando iii, o Santo, havia casado duas vezes ; ao primei-
ro leito pertenciam o primogénito Affonso, chamado depois o Sábio, e alem de mais quatro
filhos, um outro chamado D. Henrique; recordamos esta circumstancia para explicar o sen-
tido da canção 1008 de Gonçalo Eanes do Vinhal, que traz a rubrica: «ao infante Dom
Anrrique, porque diziam que era entendedor da raynha dona Joana, sa madrasta, e esto
foy quando el rey dom Affonso o poz fora da terra.» Fernando m, o Santo, esposara em
segundais núpcias em 1238 Joanna de Ponthieu, segunda sobrinha de S. Luiz, 1 de quem te-
ve ainda mais três filhos. Como se vé pela rubrica, esta canção de Vinhal foi escripta muito
depois de 1258, porque as lutas do infante Dom Anrrique foram com seu irmão Affonso x.
Diz a canção :
Sey eu, donas, que deitado é d'aqui
do reyno jà meu amigo, e non sey
como lhy vay, mais quer'ir a el rey,
chorar-lney muyto e direy-lh'assy :
por deus, senhor, gue vos tam bom rey fez,
perdoad'a meu amigo esta vez.
A canção 999, do mesmo trovador, imitando a maestria menor traz a rubrica «a Don
Ânriqúe en nome da reina dona Johana, sa madrasta, porque dizian que era seu enten-
dedor, quando lidou en Mouron con don Nuno, et con don Rodrigo Affonso, que tragia o
poder d 9 d-rey.» Na canção refere-se o logar da lide fratricida:
Amigas, eu oy dizer
que lidaron os de Mouron,
con aquestes d'el rey, e non
poss'end'a verdade saber,
se é viv'o meu amigo
que troux'a mha touca sigo.
No symbolismo foraleiro a touca era signal de viuvez ; a sirvente de Gonçalo Eanes do
Vinhal, pela sua audácia revela-nos que elle se fortalecia com a auctoridade de Affonso x. A
lide de Mouron, não chegou a ser ferida, e segundo Saint-Hilaire, as tropas aragonezas e
' Àp. Mon. hist.. t. n 2 p. 370.
1 Rosseew Saint-Hilaire, HisL d'Espagne, t.
iv, p. 148.
CAP. Ill) OS LAYS BRETÕES EM PORTUGAL LM
os rebeldes castelhanos tentavam invadil-o em 1289.* Outras canções de Gonçalo Eanes do
Vinhal alludem a estas lutas dos reis christãos:
En gran coyfandaramos con el rey
per esta terra ha con el andamus. . . (n. d 1001.)
Pela canção 1000 revela-nos elle como certas formas bascas penetraram no lyrismo gal-
leziano:
Pcro Fernandes, home de Barnage,
se lhi peagem forem demandar
os porteiros do Gaston de Bear,
bevam a peagen que Ihis el dará.
«
E na canção 1007 refere-se do modo mais terminante aos lays bretãos «aques cantares
de Cornoallia,» communicados á península pela Gasconha então ingleza, e pelo casamento
de Ricardo Coração de Leão com uma princeza de Navarra. D' es ta corrente como adiante
veremos existem vestígios nos Cancioneiros da Ajuda e da Vaticana.
Nas cantigas de Afio riso ix, rei de Castella e de Leon, lé-se esta passagem, em que ac-
ercando Pêro da Ponte, de roubar os versos a A (To uso Eanes de Cotom, diz que com esses
mesmos versos serve D. Pedro :
pois se de quanto el foy" la erdar
serve Dom Pedro, e non lhi dá en grado.
E com dereyto seer enforcado
deve Dom Pedro, porque foy filhar
a Cotom, pois lo ouve soterrado
seus cantares.. . (n.° 68.)
•
Quem é este D. Pedro de que aqui se trata? Com certeza não é o Conde D. Pedro, por-
que estes dois trovadores eram já velhos antes cTelle nascer. É o próprio Pêro da Ponte suc-
cessor de Cotom? Pela rubrica da canção 1 147 vemos referido D. Pedro de Aragão, cunhado
do rei :
Dom Pedro est cunhado dei rei
que chegou ora aqui de Aragão. . .
Muy ledo seendo Ira cantara seus lays
a sa lidice pouco lhe durou.
O trovador que apoda D. Pedro, é Fernão Rodrigues Redondo, também anterior à corte
de D. Diniz. 1 Portanto cremos que este D. Pedro, que chegara de Aragão, era o infante por-
tuguez desterrado, que casara com a condessa de Urgel, e que tendo em 1229 acompanha-
do Jayme i de Aragão á tomada de Mayorca, lhe foi dado o senhorio d'esta conquista. Assim
por essa passagem da canção de Aflbnso ix se descobre a existência de mais um trovador
portuguez, cujas composições existirão talvez innominadas no Cancioneiro da Ajuda. A for-
ma poética de que usava, o lay, corresponde ao género de cantares da Cornoalha, de que
falia Gonçalo Eanes do Vinhal, que vivera também em Aragão, e casara em Cardonha. Po-
de-se dizer que no fim do reinado de Aflbnso in actuava na corte portugueza o gosto da es-
cola de Aragão. N'um fragmento de canção do códice da Ajuda, apparece a palavra Guar-
vaya, que consideramos como um vestígio do regimen dos menestréis bretões, que n'esta
época se procurou imitar :
E mia senor, des aquel dia y
me foy a mi muy mal,
e vós filha de don Paay
Moniz; e ben vos semelha
d'aver eu por vós guarvaya;
pois eu, mia senor, cTalfaya
nunca de vós ouve nem ey
valia de uma corroa. (Trov. e Cant., frag. g.J
Alguns jograes bearnezes figuram no Cancioneiro da Vaticana com trovas portuguezas ;
tal é Pêro de Veer, (Bear) que em uma das suas canções no gosto popular se refere à povoa-
ção basca de Juilham :
Quando s'el ouve de Juilham a hir
fiquei, fremosa. por vos non mentir,
pequena e d el namorada. (n.° 720.)
' fíisl. d'Espagne f t iv, p. 314.
Era fácil o equivoco com o Conde D. Pedro, se se considerasse a canção 68 de Aflbnso xi.
L1V OS JOGRAES DE SEGREL (CAP. III
Des que o vy em Juilham um dia
ja me non leixam como sova
a santa Maria hir. (n.° 723.)
Na canção 1045 de Ruy Paes de Ribela, também na forma tradicional de serranilha, can-
ta-se uma dama vasconça :
A donzela de Bizcaia
ainda a mha preito saia
de noyte ao luar.
Era o coouro de Biscaya, que andava na casa de Haro, similhante aos gouril da Breta-
nha, o que o trovador aqui rogava. A canção 415 de PeuYEn Solaz, traz um refrem, Lelia
E doy lelia, que é o eterno leloa y tão característico dos bascos como o alaldla gallego* Estas
relações dos trovadores da Navarra, do Béarn, da Biscaya e da Galliza, renovando- o elemen-
to ethnico commum á região da antiga Aquitania, vieram despertar a tradição de um lyris-
mo esquecido entre o povo, e até então despresado pelos trovadores, lyrismo que deu todo
o esplendor á escola galleziana, e que no reinado de D. Diniz veiu a ser imitado pela aristo-
cracia a ponto de ser colligido nos Cancioneiros. A causa por que a corte de A (To aso ni foi
muito visitada por trovadores de todos os pontos de Hespanha explica-se pela situação es-
pecial em que se achava a península, devastada pelos monarchas que se invadiam, derrota-
da de arvoredos e de verdura ás vezes no circuito de vinte léguas em uma só algarada con-
tra os mouros ; a peninsula agrícola dos árabes estava estéril, e a miséria era a companheira
do trabalho. Os que sabiam cantar e tocar, montavam a cavai lo e visitavam as numerosas
cortes independentes, os burgos, lisonjeando os ódios dynasticos com as sirventes pessoaes
e politicas. Foi assim que se creou uma grande classe de trovadores, a que se deu o nome
de Segrel. A affluencia d'estes cavalleiros cantores era tanta que D. Affonso in teve de regu-
lar o numero dos que eram sustentados no paço, no Regimento da sua Casa.
Em uma tenção travada entre Abril Peres, fidalgo do partido de D. Affonso m, e D. Ber-
naldo de Bonaval, designado em uma rubrica do Canciqneiro «prymeiro trobador» (n.° 653)
discute-se as differenças que existem entre o trovador e segrel:
. . . non digades que hides amar
boa dona, ca vos noa é mester,
de dizerdes de bona dona mal,
ca bem sabemos don Bernalfo, qual
senhor sol sempr'a servir Segrel.
Em uma tenção de João Soares Coelho ao jogral Picandon, (n.° 1021) este defende-se :
gramdereyfey de gaanhar does
e de seer em corte tan preçado
como segrel que diga mui bem vez,
en canções, e cobras e Sirventes. . .
João Soares, por me deostardes
non perc'eu por esso mha jograria
e a vós, senhor, melhor estaria
d'a tod'ome de segrel bem buscardes;
ca eu sey canções muytas, e canto bem,
e guardo-me de todo jalimen,
e cantarey cada que me mandardes.
No Regimento da Casa de D. Affonso rn, em que se estabelece o numero de jograes que
pôde sustentar, distingue o segrel dos outros jograes, por ser trovador de cavallo que vem
de outras terras e a quem o rei pôde dar até cem maravedis. A variedade de canções do
Cancioneiro da Vaticana compostas por trovadores gallegos, asturianos, leonezes, arago-
nezes, navarros e castelhanos, prova-nos que a corte portugueza era a mais procurada pe-
los Segreis, ou trovadores da aventura. Os trovadores provençaes detestavam este atrevi-
mento dos Segreis se chamarem trovadores, e Giraud de Requier em uma queixa em verso
feita a Affonso o Sábio em 1275 accusa a invasão das classes intimas que repetiam por toda
a parte as canções provençalescas ; este trovador queria que o monarcha estabelecesse uma
mais justa classificação dos que versificavam, recitavam ou arremedavam. A distincção ado-
ptada por Affonso o Sábio em Jograes, Arremedadlpres e Segreis, é a mesma que se encon-
tra no Regimento da Casa de D. Affonso m, anterior á canção de Riquier. Diz este :
Hom apela joglars '
totz seis deis esturments
E ais contrafazens
CAP. Ill) TROVADORES DESCONHECIDOS LV
Ditz hom remendadores ;
E ditz ais trobadors
Segriers por totas corlz. . .*
«Chama-se jogral a todos os que tocam instrumentos; e diz-se Arremedador os que con-
trafazem alguém ; e os trovadores que vão por todas as curtes Segreis.» Tal é o costume de
Hespanha; acrescenta Riquier : «aqui o nome dá a medida do talento, mas na Provença to-
dos se chamam jograes.» Como análoga á forma dos Arremedador es, já n'um documento de
D. Sancho i se cita uma peagem de um Árremedilho que pagavam Bon Amis e Acompania-
do; entre as canções de mal dizer citam-se vários jograes que mal sabem cantar e rascar no
citolon ; como segreis podem ser considerados na maior parte os trovadores estrangeiros,
cujas canções se guardam no códice da Vaticana. No Cancioneiro de D. Diniz não se cita uma
só vez a designação de Segrel, signal que decahira de uso, embora innumeros trovadores de
cavai lo visitassem a sua corte. 1
Entre os numerosos trovadores da collecção da Vaticana, que se deve considerar como
um Cancioneiro geral da península com que se demonstra a extensão da língua portugueza,
pode-se tentar um esboço de classificação chronologica. Basta tomar o nome dos trovadores
de uma antiguidade reconhecida e agrupar em volta d'elles os nomes dos outros trovado-
res citados nas suas canções. Uma canção de AObnso ix de Castella e de Leão, diz que
Pêro da Ponte furtara os cantares de Affonso Eanes de Cotom, já fallecido ; nas canções de
Pêro da Ponte acham-se duas datas bem claras, 1236, em que celebra a morte da rainha
D. Beatriz, primeira mulher de Fernando o Santo, e a morte cTeste monarcha em 1252. As-
sim fica demonstrada a antiguidade de todos os trovadores citados por Cotom nos seus ver-
sos; taes são Sueyro Eanes e Mestre Incholas. Do primeiro diz em uma sirvente, defenden-
do-o contra os que o accusavam de não saber versificar :
Sueyiw Eanes, um vosso cantar
nos veo agora um jograr dizer,
e todos foram polo desfazer;
e punhey eu de vol-o em par ar. . .
E outro trovador ar quis travar
en huã cobra, mais por voss'amor
emparey-vol-eu; non justeis melhor
que a cobra rimava en hun logar
e dixel: Poys por que rimos aqui?
e dix'eu : de pram nos diss'el assy
mais tenho que x'a errou o jogral. (n.° 1117.)
Nas canções de Pêro da Ponte o trovador Soeyro Eanes é também apodado não só por ver-
sificar mal, mas por saber-se vingar em canções de mal dizer, e em perceber as ironias que
lhe dirigem:
Entendestes hun dia anfel rey
como vos meteran en hun cantar,
polo peyor trobador que eu sey,
esto s'a vós nunca pode negar. . . (n.° 1184.)
Qual era o monarcha cuja corte frequentava o trovador Sueyro Eanes ? Pela canção 1 1 70
Pêro da Ponte dá-o a entender, referindo-se a um género poético usado na corte de Aragão :
cà Suer'Eanes nunca lhi fal
razon des que el despagado vay,
en que lhi troba tan mal e tan lay,
porque o outro sempre lhi quer mal
* Ap. Dica, Les Troubadours, p. 409.
v Nos nossos primeiros estudos derivámos a palavra Segrel da forma poética litúrgica Secrelela, empre-
gada no Balionaíe de Durand c nos Capitulares ae Carlos magno. {Trovadores galecio-porlugueits, p. 152.) O
caracter da recitação em voz baixa, fazia-nos estabelecer a relação entre o Segrel como cantor da Secrelela
e esta forma que uma vez apparece usada por Montalvo nas Sergas de Esplandian. Mas Leis de Galles acba-se
estabelecido que o bardo da corte deve cantar em vos baixa ou em segredo : «Wtien the gueen shall tffll to
bear a song in her chamber, let the Bard of bousehold sing to her three elaborate songs m a moderale voi-
ce, so as not disturb the hal.« (Ancienl Laws and Jnstilules of Wales, p. 188. Ed. 1841.) Considerando as nos-
sas relações com a Àllemanha pelo casamento de Bcrengaría, irmã de D. Affonso u com Waldemar n^ rei de
Dinamarca, e pelo casamento de Leonor, irmã de D. Sancho n com um filho de Margarida de Bohemia, pri-
meira esposa aaquelle monarcha, concluímos que a designação de Segrel é uma corrupção da palavra alle-
mã Singer, com que eram denominados os que faziam profissão de cantarem canções provençaes, os Minne-
singers. Affonso o Sábio, que deu o maior desenvolvimento á poesia trobadoresca na corte de Castella, era
fllho de uma aJlemà Beatriz de Suabia, e é na sua corte que se adopta a distineção entre jogral e Segrel, por
isso mesmo que as classes dos cantores provençaes estavam confundidas. Tanto para a poesia portuguesa co-
mo castelhana existe uma intima connexao histórica, base indispensável de toda a etymoiogia que nao é evi-
dente.
LVl ENUMERAÇÃO DOS TROVADORES AFFONSINOS (CAP. III
Na canção 1 1 79 diz Pêro da Ponte, que a musica feita às canções de Sueyro Eanes é tão
boa, que por isso appetece cantar as suas coplas apesar de más:
Ca lhi troban en tan bon son,
que non poderian melhor,
e por esto avemos sabor
de lbi as cantigas cantar. • .
As canções de Sueyro Eanes não foram colligidas, por ventura pela antiguidade d'este
trovador, que o próprio Cotom apodava. O outro trovador citado por Gotom é Meestre Incho-
lâs, ou Nicoláo, que frequentou a escola de medicina de Montpelier:
Meestre Incholás a meu cuydar
é muy boo físico por non saber
el a suas gentes ben cuarecer,
mais vejo-lhi capelo d ultramar;
e traj'al uso ben de Monpiller,
e latim como qual clérigo quer,
entende, mais non o sabe tornar.
E sabe seus livros sigo trager
como meestre sabe-os catar
e sab'o8 cadernos ben cantar. . •
Explorando este systema das relações dos trovadores, agrupamos em volta de Pêro da
Ponte, Bernaldo de Bonaval, deduzindo por encadeamento os seguintes contemporâneos,
Fernão Rodrigues Redondo, o Infante D. Pedro de Portugal, cunhado do rei de Aragão, Ay-
ras Peres Vuyturon, João Baveca, Pedr'Amigo de Sevilha, Pêro d^Vmbroa, João Soares Coe-
lho, Pedr'En Solaz, Lourenço jograr, Pêro d'Arméa, Pêro Garcia Burgalez, Ruy Paes de Ri-
bela, João Vasques, João Garcia, João de Guylhade, João Servando, Rodrigo Eanes, Roy
Queymado, Martim jograr, Martim Moxa, Affonso Gomes, jograr de Sarria, Ayras Veaz, João
Lobeira, Ruy Martins do Casal, Pêro Martins, (Julião Bolseyro, Mem Rodrigues Tenoyro), Die-
go Pezelho, João Soares de Payva, Fernão Garcia Esgaravunha, João Martins, Vasco Fernan-
des de Praga, Estevam Annes de Valadares, Fernão Fernandes Cogominho/Abril Perez, Pi-
candon, Stevam Reymondo, Affonso Lopes de Bayão, Payo Gomes Charrinho, Pêro Gomes
Barroso, João Soares de Panha, e D. João de Aboim.
Todos estes trovadores pertencem indubitavelmente à época de D. Affonso ra, porque
nas suas canções se encontram referencias a mútuos interesses pessoaes. João Martins era
Alvasil de Santarém em 1238. As canções de João Garcia estão perdidas, postoque muitas
canções alludem ao seu talento; em um documento de 1239 assigna como testemunha uma
doação à ordem de San Thiago; João Lobeira, assigna como testemunha do testamento do
Bispo de Lisboa Airas Veaz, de 1 258 ; Abril Perez figura na Lide do Porto era 1 245, e Stevam
Raymundo era um dos mais ardentes partidários de D. Affonso ni, e portanto florescendo por
1246. Com menos dalas se podia lixar com certesa a época d'csles trovadores, que pelo
nosso processo consideramos como pre-dionisios, isto é, uns pertencendo á escola gallega na
sua maior extensão (Galliza, Navarra, Leão) e estes são os segreis, outros imitando o gosto
provençal do norte da França, e são os partidários de D. Affonso in que estiveram com elle
na corte de S. Luiz. 1
Santarém tornou-se o centro poético do cyclo pre-dionisio. A existência de numerosas
canções portuguezas revelam uma vida palaciana de serões e festas, de intrigas e anedoctas
de corte e de ambições em um período já sedentário, diíQcil de conciliar com os trabalhos
de conquista no Algarve, de povoação pelo regimen foraleiro, e de condidos com a corte de
Castella e com as ambições de Roma. O Cancioneiro da Ajuda e parte da collecção da Vati-
cana são uma prova de que existiu esse viver sedentário de uma corte faustuosa, capaz de
compelir com a aragoneza e castelhana. D. Affonso m depois de haver extinguido em Portu-
gal o domínio dos Árabes com a conquista do Algarve, tendo de procrastinar as ambições da
cúria romana e a indisposição da fidalguia que não queria nem as inquirições nem os foraes,
fingiu-se doente, à maneira de Luiz xi de França, e passava a maior parte do tempo na ca-
ma como se estivesse entrevado. Assim adiava as audiências regias e as concessões. Segun-
do um manifesto de D. Diniz se lé : que «avia bem catorze (annos) que el rey Dom Affonso
jazia em huma cama, e que se nom podia levantar.» 9 Embora se não acceite este tempo
no rigor da phrase, é certo que D. Affonso in, como valetudinário e vivendo recolhido, dava
azo a que os seus mais Íntimos privados se ajuntassem em volta d'elle para o distrahir. Os
1 Alguns (Testes trovadores continuam a figurar na corte de D. Diniz, como D. João de Aboim, João Soa-
res Coelho e Ayras Peres Vuyturon.
' Torre do Tombo, 0. 13, M. 11, n.° 12.— Apud Herculano, Hisl. dePorl.. t. m, not. xn, p. 418.
CAP. IV) SANTARÉM, CENTRO POÉTICO LVH
quatorze annos de entrevamenlo, de que falia D. Diniz, começam a contar-se de 1264 até
1278. O Tacto de D. Affonso m dar a seu fllho um mestre de poesia provençal, mestre Ay-
raeric d Ebrard, de Cabors, revela a necessidade (Testes divertimentos palacianos, em que
o príncipe fora educado, e a rivalidade com a corte de Affonso o Sábio, seu sogro. Affonso in
residia em Lisboa, mas as idas a Santarém eram como as suas ferias politicas. No Cancioneiro
da Ajuda encontram-se estribilhos allusivos á vida de galanteios em Santarém :
Todo este mal soffro e soffri
des que me vim de Santarém. 1
Em uma Sirvente contra João Soares Coelho pelo trovador que apodou os Alcaides trai-
dores, se lé :
E se vós de trobar sabor avedes
aqui trobades e faredes hi sen,
en o beote, cabo Santarém
ca nossos juizes que nos queremos
ca bem trobamos d'escarnn'e d'amor,
mais 3e avedes de trobar sabor
Martin AlveTó aqui con que trobedes. (n.° 1092.)
Uma canção de Stevam Fernandes Barreto ainda allude ás intrigas palacianas entre Ruy
Pacies e Fernam Dade «cada que el vem a Santarém.» (n.° 1 144.)
Pela nota de Bembo no índice dos trovadores do Códice de Colocci, vê-se que D. Affon-
so ih, pae de D. Diniz, era- também poeta. Não é inverosímil esta observação, postoque seja
hoje impossível veriílcal-a. D. Affonso m, como todos os reis das cortes peninsulares, obe-
decia à moda do tempo, à valentia cavalheiresca alliava a maestria amorosa ; na corte poé-
tica de S. Luiz este dote tornava-o tão respeitável e sympathico como a sua bravura. Pelo
Índice do Códice de Colocci, acceilando a sigla de Bembo, existiam de Affonso ih onze can-
tões n'aquelle perdido monumento ; nós porém consideramos que se realmente Affonso ni
foi trovador, como seu filho e netos, muitas das suas canções devem existir innominadas
no códice hoje designado Cancioneiro da Ajuda. De facto, n'este Cancioneiro existem as
provas de que é anterior ao cyclo dionisio; não apparecem ali os géneros poéticos de ori-
gem popular, como as serranilhas, os cantos de ledino, e os cantares de amigo; não appa-
rece a designação de segrel, nem vestígio de influencia jogralesca ; por outro lado abundam
os vestígios do gosto francez, como a celebre canção de estribilho : Or sachaz veroyement, etc.
e o outro fragmento, que traz a palavra guarvayp,; as formas poéticas são caprichosamente
artificiosas, como as combinações de lexaprem e de mansobre; existem vestigios de factos
históricos bastante antigos, como a canção de estribilho : Ay, Sentirigo, etc.
É frequente a referencia das canções à permanência da curte em Santarém, como suc-
cedeu no tempo de Affonso ni; e a sirvente contra Affonso x, de Castella, comparado na sua
força e versatilidade ao mar, sabendo-se das lutas diplomáticas entre elle e o monarcha por-
tuguez acerca do senhorio do Algarve, vem acabar de provar que o Ccmcioneiro da Ajuda
pertence á corte de Affonso m. Esta collecção formou-se para comprazer com o gosto de
D. Diniz, que estudava os segredos da arte provençal, porque no corte das folhas do perga-
minho se lé : Rei Dom Diniz ; mas a falia da musica no pentagramma e das assignaturas nas
canções, provam-nos que a organisação d'este Cancioneiro foi interrompida por causa de
uma nova phase de gosto poético, que se deu sob a influencia de D. Diniz, pela vinda de
muitos jograes aragonezes e leonezes que se fixaram na sua corte.
CAPITULO IV
A POESIA PROVENÇAL NA CORTE DE DOM DINIZ
(PERÍODO UM0S1N0. 1279-1325)
A decadência da poesia provençal, assignada por Diez entre 1250 e 1290, coincide com
o maior fervor de imitação artística nas cortes peninsulares; é este o período de esplendor
e fecundidade da nossa poesia cortezâ. D. Diniz amava o passado, que se debatia com o es-
1 Canc. da Ajuda. (Ed. Trov. t n.« 121.)
H
LVIII EDUCAÇÃO ERUDITA DE D. DINIZ (CAP. IV
pirilo novo da burguezia, e assim como quiz conservar os Templários com o nome de Ca-
valleiros de Christo, também quiz continuar o costume das galanterias provençalescas, quan-
do a Europa entrava jà em outra ordem de interesses. As causas conhecidas da decadência
da poesia occitanica foram : o triumpbo da nefanda cruzada contra os Albigenses, a fundação
da Universidade de Tolosa na qual era prohibido fallar-se a lingua d'Oc, e o apparecimento
da nova poesia italiana, cuja superioridade se revelou em Dante. El-rei D. Diniz estabele-
cendo em Portugal o rito romano de preferencia ao rito mosarabe, extinguiu a egreja na-
cional banindo assim a poesia popular; fundando a Universidade de Coimbra, subordinada
à disciplina clerical; por isso que era dotada por um bispo, viciava o sentimento social da secu -
larisação do ensino que inspirara a creação das recentes Universidades; para que o lyrismo
desabrochasse com o mesmo vigor que em Itália, era preciso que uma philosophia idealista
como o neo-platonismo, desenvolvesse as especulações, illuminando os problemas subjecti-
vos da passividade do amor ; porém entre nós prevalecia o aristotelismo averroista, dialé-
ctico, casuístico, e exercitado na apologética dos claustros, e por isso em religião não tive-
mos mysticos como os poetas da Ombria, nem lyricos coroo os Fieis de Amor. Como a leste
da Hespanha e em Valença continuava a imitação provençalesca animada pelos trovadores
ali refugiados, em Portugal continuou-se também esse uso palaciano, já por uma certa riva-
lidade monarchica, jà por efíeito da educação antiquada de D. Diniz. Creando a marinha
porlugueza, D. Diniz teve relações mais intimas com as republicas italianas, mas o conheci-
mento dos seus lyricos, que transformou a poesia castelhana, só se manifesta em Portugal
no meado do século xv. Ha em tudo isto certas contradições de quem não comprehendeu
bem o seu tempo, e, sem o sabei-, serviu a reacção religiosa e cesarista contra a primeira
Renascença. _
Nasceu D. Diniz a 9 de outubro de 1261 ; seu pae D. Aflbnso m, era trovador, e seu avô
Aflbnso o Sábio era o principal trovador da escola de Castella. Quando Affonso in andava em
luta com Affonso o Sábio sobre o senhorio do Algarve, foi o infante portuguez à corte de seu
avô em edade, é certo, em que ainda não podia apreciar a poesia, mas em que podia rece-
ber a impressão deslumbrante dos costumes que poz em pratica no seu reinado. Foi talvez
por este tempo que veiu para Portugal o Livro das Trovas de El rei Dom Affonso, compila-
do por F. de Montemor, que no século xv ainda se guardava na livraria de el rei D. Duarte.
D. Aflbnso m, vivera bastantes annos na corte franceza onde florescia o trovador Conde de
Champagne, e onde a poesia era um passatempo com que se lisongeava Branca de Castella ;
isto levou o monarcha a escolher um mestre francez para seu filho. historiador Schaeffer
comprehendeu a importância d'este facto: «Aflbnso escolheu mestres em França, paiz onde
as sciencias e a illustração haviam feito bastantes progressos. A sua permanência n'aquelle
reino tornou-lhe fácil a escolha de mestres convenientes. Foram certamente elles que accen-
deram no joven príncipe tão impressionavel amor pela poesia.» 1 Nos versos de D. Diniz co-
nhece-se a -imitação directa da poesia occitanica, porque elle é o único trovador portuguez
que faz referencia d maneira de proençal, e que elogia as trovas amorosas dos provençaes.
Segundo alguns vestígios históricos, foi seu mestre Aymeric d'Ebrard, de Cabors, nomeado
pelo seu discípulo Bispo de Coimbra. 1 Em Portugal temos as três designações mais frequen-
tes com que se denominava a poesia dos trovadores : limosina, averneza e provençal. Nás
canções de el-rei D. Diniz apparece duas vezes empregado este ultimo nome, como indican-
do a corrente artificial e litteraria que o dirigira nos seus primeiros annos :
Quer'eu em maneira de Provençal,
fazer agora um cantar de amor. . . (n.° 123.J
Provençaes soem mui bem de trovar,
e dizem elles que é con amor. . . (n.° 127.)
No século rvi, ainda Sà de Miranda, tendo ido à Itália e conhecido ali a tradição de Sor-
dello, de Nicolao de Turin, Bartholomeu Zorgui e Lefranc Cicala, trovadores da escola de
Montferrat, ramificação da grande escola de Provença, repele a mesma denominação usada
« Hisl. de PorL, Liv. ir, cap. i. g !.•
• Nas Noticias chronologicas da Universidade^ p. 5, g 10, escreve Leitào Ferreira: « Sendo ainda Infante
este príncipe teve por mestre na soa educação a D. Américo, de nação francez, a quem, tanto que subiu ao
tnrono e empunhou o sceptro, premiou o magistério com o Bispado de Coimbra. Era D. Américo varão insi-
gne em letras divinas e humanas, e da sua singular doutrina e virtuosas instrucções aprendeu D. Diniz a amar
as sciencias e a cultivar as Musas.» chronista Brandão também repete, acerca de Américo: « Que se presu-
me haver sido mestre de el-rei D. Diniz.» Mon. Luzit., t. v, p. 382.— Ferdinand Denis, no seu livro Portugal,
P-. 22, not. 2, diz que Aymeric era fllho de Guilherme dTbrard, senhor de S. Sulpicio; segundo se lé no Or-
ou (mpsltanus, edificara um mosteiro no valle de Paradis d'Espaghac, em Cabors, onde foi sepultado, tendo
morrido a 4 de dezembro de 1294.
CAP. IV) O CASAMENTO DE D. DINIZ LIX
por D. Diniz: «Eu digo os Proençaes, que inda se sente — som dos brandos versos que
entoaram. . .» Nunes de Leão, referindo-se ao achado do Cancioneiro de D. Diniz, em Roma,
antes de 1558, diz d'este monarcha, ser: «quasi o primeiro que na língua portugfueza sabe-
mos escreveu versos, e que elle e os d'aquelle tempo começaram a fazer à imitação dos
Avernos e Provençaes. . . »' Á escola de Auvergne pertenceram Gavaudan o Velho, que allu-
de a Portugal, e Peire Cardinal que metriQcou a fabula da Chuva de Maio, que Duarte da
Gama, Sà de Miranda e D. Francisco Manuel conservaram na litteratura portugueza. Mar-
quez de Santillana, na Carta ao Condestavel de Portugal, fatiando da metrificação dos valen-
cianos, diz que trocaram o verso popular pelo endecasyllabo « de diez syllabas d la manera
de los Limosis». Esta metrificação caracterisa a primeira época poética de D. Diniz, como as
imitações populares em redondilhas de serranas, alvoradas e cantares de amigo, represen-
tam o seu pleno desenvolvimento litterario. citado Marquez tinha para si que a poesia oc-
citanica entrara na Península pela communicação da escola de Limoges : « Estenderam-se,
creio, d*aquellas terras e comarcas dos Limosinos, estas artes aos Gallaicos, e a esta ultima
e occidental parte, que é a nossa Ilespanha, onde assas prudente e formosamente se têm
usado.» D'esta supposta origem veiu a ser vulgarissima na Península a designação de poe-
sia limosina; a opinião só é acceitavel no ponto em que Limoges é uma ramificação da es-
cola ethnica da Aquitania, que o próprio Marquez considera como a que se antepuzera a to-
das as outras nações em solemnisar e dar honra a estas artes. Á Aquitania pertencia Aimeric
d'Ebrard, mestre de D. Diniz.
Outra circumstancia que actuou sobre a educação poética do joven príncipe, foram os
annos de valetudinário que seu pae D. Affonso in passou no palácio de Lisboa, que tornaram
estes passatempos necessários aos hábitos sedentários da corte. Quando deu casa a D. Diniz,
entre os fidalgos que assignou para o seu serviço contam-se alguns trovadores, como João
Velho e Martira Peres, por ventura o d 1 Alvim. D. Diniz subiu ao throno em 1279; o celebre
trovador D. João de Aboim assistia com a mãe do joven monarcha a uma espécie de regên-
cia; D. Diniz quiz a sua independência e cTaqui resultou o malquistar-se algum tanto com
Aflbnso o Sábio. D. Diniz tinha uma organisação sensual; os seus conselheiros induziam-no
a que garantisse a coroa dos perigos das bastardias, casando-se. Por esta nova alliança tor-
nou-se mais activa a influencia provençal: D. Diniz casou com Izabel, filha de Constança de
Nápoles e de Pedro in de Aragão; o lio (Testa infanta, D. Sancho, era o Conde de Provença. 9
frestas duas cortes encontrou sempre a poesia provençal férvidos cultores. Em uma planh
de João Jograr (n.° 708), allude-se à protecção que el-rei D. Diniz dava aos trovadores de
Leão, de Castella e de Aragão ; o seu casamento influiu em uma communicação directa com
a Provença. Mas os primeiros annos do seu reinado foram perturbados com as pretensões de
seu irmão D. Affonso, nascido a 8 de fevereiro de 1263, o qual sustentava que lhe pertencia
o throno, por ter nascido quando o casamento de seu pae D. Affonso ni com a Condessa de
Bolonha já se achava dissolvido pelo papa. D. Diniz nascera quando o divorcio ainda pendia
do ajuste com a cúria romana; o mais notável é que a rainha patrocinava estas pretensões
que se apoiavam em uma mancebia prévia. A conquista do território portuguez estava con-
summada, e a éra de paz, que caracterisa o seu reinado, reflecte-se no desenvolvimento da
poesia popular, por isso que floresceu a agricultura, e no gosto da poesia palaciana, porque
se disciplinou a instrucção com o estabelecimento da Universidade.
Pelo numero, variedade e belleza das canções, el-rei D. Diniz é o principal trovador. Ne-
nhum monarcha da Europa foi tão fecundo, se tirarmos a de fora seu avô Affonso o Sábio, de
Castella. Basta o facto eloquente do seu Cancioneiro, para se deduzir como em volta d'elle
se organisou uma corte litteraria, onde, pelo conhecimento de todos os segredos da Maes-
tria provençal, todos competiram na aristocracia para se mostrarem mais sabedores, mais
artificiosos e conseguirem assim o agrado do monarcha. As canções de D. Diniz não estão de
accordo com a sua situação moral; emquanto os trovadores se annullam com a mais profun-
da passividade diante da sua dama, e occultam o nome d'ella como de um segredo magico
que assim como é a felicidade pôde ser também a sua desgraça, el-rei D. Diniz tinha re-
lações particulares com muitas damas, que na phrase nobiliarchica do tempo gançavam, e
de quem tinha bastardos que fazia Condes. É por isso que a historia contrasta com o senti-
mento poético de canções, como .esta:
Oy mays quer*eu já leixal-o trobar
e quero-me desamparar d'amor,
o quer'ir algunha terra buscar
• Chr. dos Reis dê Portugal. P. i, t n, p. 76.
* Monarch. Lusil., t. n, p. 152.
LX artifícios provençalescos, e cortes de amor (cap. IV
ha nunca possa seer sabedor
ela de mi, nem eu de mha senhor,
poys que lh'é, d'eu viver aqui, pesar. (n.° 81.)
monarcha procedia n'isto como verdadeiro artista, e de facto as suas canções têm pen-
samento ; elle não desconhece que pôde ser mal explicada a sua inspiração e é o primeiro a
defender-se contra a perfídia de algumas damas que não querem acceder à linguagem se-
ductora :
Senhor, dizem- vos por meu mal
que non trobo con voss'amor,
mays c'amey de trobar sabor;
e non mi valha deus, nem ai
se eu trobo por m'en pagar,
mays faz-me voss'amor trobar. (n.° 92.)
O artificio provençalesco, umas vezes dá-se na forma strophica, outras no encadeamento
das estancias, na disposição da rima, e às vezes até na repetição das palavras:
Quix ben, amigus, e quefe querrey,
hunha mulher que me quix e quer mal,
e querrá, mays vos direi eu qual
a mulher; mays tanto vos direy :
^ quix ben e quer, e querrey tal mulher
que mequis mal sempre, querrá e quer. (n.°i39.)
Eis o retornello no centro da canção, que começa sempre pela mesma palavra :
Nunca vos ousey a dizer
o gram bem que vos sey querer,
senhor d? este meu coração;
mays a que m'en vossa vrison
de que vos praz de mi fazer.
Nunca vos dixi nulha rem
de quanto mal mi por vós ven,
senhor d* este meu coraçon
mays a que m'en vossa mrison
de mi fazerdes mal ou ben.
Nunca vos ousey a contar
mal que mi fazedes levar,
senhor d? este meu coraçon ;
mays a que m'é vossa prison
de me guarir ou de me matar. (n.° 139.)
Na canção 188, o artificio está na repetição do estribilho no meio e fim da strophe, e na
repetição de palavra :
Quisera vosco falar de grado,
ay meu amigo e meu namorado,
mays non ous'oj'eu com vosc'a falar,
ca ey muy aram medo do hirado,
hirad aja deus quem Ihi foy dar.
Às canções 176, 179 e 180 são dialogadas entre o trovador e a sua dama ; se estas can-
ções de que apparecem algumas amostras no Cancioneiro se recitassem a duo, como se no-
ta em uma endeixa de Sá de Miranda, ainda da escola velha, em que se conservava o gosto
tradicional, enlão póde-se concluir que na corte de D. Diniz se conheceram os divertimentos
dramáticos. Este género, segundo o Jocs-partitz, da escola limosina, tornava-se também ca-
jsuistico, e portanto era uma parle obrigada das Cortes de Amor. Uma canção de Joham Ay-
ras, burguez de San Thiago, (n.° 597) allude directamente ao divertimento das Cartes de
Amor em Portugal :
O meu amigo novas sabe já
d'aquestas Cortes que s'ora faram,
ricas e nobres dizem que seram;
e meu amigo bem sey que fará
hum cantar em que dirá de mi bem,
ou fará ou já o feyto tem. . .
En aquestas Cartes que faz El rey
loarà mi e meu parecer,
e dirá quanto bem poder dizer
de mim, amigas, e fará bem sey
hum cantar. . .
CAP. IV) OS VOTOS DAS CRUZADAS LXI
João Ayras, de San Thiago, florescia na corte de D. Diniz e elle mesmo na canção 631 al-
ludc á sua permanência em Portugal :
Disserom-m'ora, se deus mi perdon',
que vos trage doas de Portugal . . .
Indubitavelmente o costume provençal das Cortes de Amor foi também imitado na corte
de D. Diniz, e a esse divertimento pertencem as canções dialogadas, como a canção 606 do
citado jogral gallego.
Épossivel que nem todas as canções que estão em nome de el-rei D. Diniz sejam d'elle;
algumas referem situações que só por muito artificio de imitação podia o monarcha descre-
veras, como esta :
Amiga, muyfa grara sazom
que se foy cfaqui com el rey
meu amigo; mays já cuydey
mil vezes no meu coraçon
que algur morreu com pesar,
poys non tornou migo a falar. (n.° 157.)
Por outro lado em todo o grupo das canções do monarcha sente-se a sua reserva em
nunca referir um nome de trovador contemporâneo, ou mesmo de dama da sua corte.
N'esta canção, allude-se a uma expedição do monarcha, que nunca teve guerra e foi nota-
velmente pacificador. Em 1297 concluiu-se um tratado entre Portugal e Castella, e em 1304
el-rei D. Diniz fez uma viagem a Castella para servir de árbitro entre D. Fernando e D. Jay-
me de Aragão. É esta a expedição alludida; na canção 159 também se repete:
Dos que ora son na oste,
amiga, queria saber
se se verram tard'ou toste,
por quanto vos quero dizer,
porque é lá meu amigo.
É frequentíssima a allusão entre os diversos cantares de amigo ao facto de el-rei chamar
os namorados ou de os demorar em campanha. Serve isto para estabelecer que o predomí-
nio da escola gallega começou no principio do século xiv.
Como discípulo dos trovadores, D. Diniz imitava em tudo os modos exteriores da
poesia occitanica ; jà estavam acabadas as cruzadas da terra santa, mas à imitação de Luiz vu,
de Luiz ix, de Ricardo Coração de Leão, o monarcha portuguez queria cumprir esses trans-
portes a que levava a nova maestria, emprehendendo a heróica romagem. costume das
peregrinações estava arraigado na edade media, e o seguil-o dava um tom cavalheiresco e
poético aos grandes monarchas ; no Testamenlo de el-rei D. Diniz encontramos uma clausula
que explica o sentido de muitas canções do códice da Vaticana: «Item, mando que hum ca-
valleiro, que seja homem de boa vida e de verguença, que và por mi aa Cruzada Santa
d'Ultramar, e que estee hi per dous annos compridos se a cruzada for servindo a Deus, por
minha alma. . .»* N'uma canção de Pêro da Ponte, (n.° 1 176) allude-se a esta compra de pe-
nitencia :
Maria Perez, a vossa cruzada
quando veo da terra d'Ultrainar
assy veo de perdon carregada...
Uma canção de Pêro Amigo, de Sevilha, (n.° 1 195) satyrisa os que acceitavam estas com-
missões de penitencia, e simulavam que partiam para Jerusalém; era por uma burla does-
tas que apodavam o jogral Pêro d 1 Ambroa :
Quem nVora quizesse cruzar,
bcn assy poderia hyr
ben como foy a Ultramar
Pêro d* Ambroa deus servir;
morar tanto quant'el morou
na melhor rua que achou
e dizer : —Venho d'Ultramar, etc.
Nos trovadores gallezianos é frequente a allusão à romaria de San Thiago; era a devoção
nacional da península, e as tradições populares tornavam-no um heroe épico das batalhas da
1 Provas da fíisl. genealógica, 1. 1, p. 101.
LXII ÀS ROMAGENS Á SAN THIAGO (CAP. IV
reconquista christa. Em uma canção de Payo Gomes Charrinho, que frequentou a corte de
Àffonso o Sábio, se acha esta expressão de sentimento commum :
Ay, Santiago, padron sabido,
, vós m'adugades o meu amigo;
sobre mar vem quem frores d'amor tem,
mirarei, madre, as torres de Jeen. (n.° 429.)
Nas trovas do clérigo Ayras Nunes vé-se que esta romaria era ainda da paixão aristocrá-
tica, e ali concorriam os jograes de toda a península:
En Santiago seendo albergado
em mha pousada, chegaram romeus. . . (n.° 455.)
E mais explicitamente referindo-se a uma romaria de D. Diniz :
A Santiago em romaria vem
el rey, madre, prax-me de coraçon. - (n.° 458.)
Em outra canção, satyrisando Ayras Nunes o fidalgo D. Pedro Nunes pelas suas supersti-
ções do agouro das aves, diz :
Don Pedro Nunes era en tornado
e ia-se a Santiago albergar,
e o aguyro sol el bem catar. • . (u.° 1078.)
Em um refrera usado pelo trovador Fernando Esquyo, se lé :
De amor que eu levei de Santiago a Lugo
esse me adugu'e esse me adugo. (n.° 903.)
habito das romagens piedosas ainda tão popular na provincia do Minho influiu em um
género de cantos chamados de ledino, de que adiante fatiaremos ao investigar as origens
tradicionaes do lyrismo peninsular. A romagem de San Thiago a Compostella tornava a Galliza
um centro de unificação poética, e é por esta circumstancia secundaria, mas que fortalece
as condições ethnicas, que a Galliza ficou o foco de irradiação do gosto trobadoresco. Em
uma canção de Pêro Amigo, de Sevilha, acha-se revelada esta communicação, e indicada
pouco mais ou menos a época em que as pastorelías se propagaram na península :
Quando eu um dia fuy em Compostella
em romaria, vi hunha pastora
que poys foy nado nunca vi tam bella,
nem vy a outra que falasse milhor;
e demandi-lhe logo o seu amor,
e fiz por ela esta pastorella. . . (n.° 689.)
Na Grammatica de Ray mundo Vidal, diz-se que o faltar francez é mais adoptado para fazer
romances e pastorelías } em quanto o limosino é melhor para canções e sirventes. Na canção
de João de Aboim, (n.° 278) conselheiro de el-rei D. Diniz, acha-se intercallada uma pasto-
rella no meio de um conto narrativo ou romanesco, e ahi se encontra indicada a direcção da
corrente franceza:
Cavalgava n'outro dia
per bum caminho francez,
e hunba pastor siia
cantando com outras trez
pastores, e non vos pez*
e direy-vos todavya
o que a pastor dizia
aas outras en castigo :
c Nunca molher créa per amigo,
poys s'o meu foy e non falou migo.
A phrase caminho francez, embora induza a determinar a corrente das pastorelías, si-
gnifica também que a romagem de San Thiago influiu na communicação d'este género poético ;
jâ Du Puymaigre observou e com elle Monaci, que a romaria de San Thiago de Compostella at-
trahia um grande numero de peregrinos, e a estrada por onde vinham era conhecida pelo
nome de caminho francez. 1 Em muitas canções de João Ayres e de João Servando revela-se
1 Da Puymaigre, La cour lillèraire de D. Juan tt, 1. t, p. 35.*- Monaci, Canzoniere, nota ao n.° 728.
CAP. IV) A FORMA PRIMITIVA DAS PASTORELLAS LXHI
este eslylo de intercalar no meio de uma canção narrativa estropbes soltas de pastorellas
populares. A educação litteraria de el-rei D. Diniz levou-o a admiltir este novo gosto cha-
mado francez em contraposição ao limosino, que elle cultivara na sua mocidade. No meio
das canções de um exagerado subjectivismo, tem pastorellas de um tom narrativo ingénuo,
e de um colorido encantador, como de uma illuminura medieval. Por algumas das pastorel-
las de D. Diniz se descobre o fio da imitação franceza, e por ventura o modo como os trova-
dores foram levados a cultivarem este bucolismo ante-classico ; na canção 137 se lé :
Ela tragia na mão
bQ papagay mui fremoso,
cantando mui saboroso
cá entrava o verão...
N'este personagem da pastorei la senle-se a ficção oriental dos pássaros fallantes, sobre
que os árabes formavam poemas allegoricos, de que é exemplo o Mimtic Uttair; A invasão
árabe também chegou ao sul da Franca, e no trovador Arnaut de Gracasse acha-se uma
noelle intitulada Anliphanor, a Dama e o Papagaio, que leva a induzir que este género
despertado pela cultura árabe foi por nós indirectamente recebido por via de Franca. 1
Sob os números 102 e 150 acham-se mais duas pastorellas de D. Diniz, em maestria me-
nor, em que se usava o verso octosyllabo ou de redondilha popular. Isto denota uma in-
fluencia jogralesca ; e portanto uma vez que esta forma adquirisse um certo desenvolvimen-
to, o que ella tinha de tradicional e que estava latente nos hábitos do povo havia de tornar-
se mais apreciado, e até reproduzir-se noâ divertimentos poéticos da aristocracia. Este phe-
nomeno pôde compre hender-se com o que se está passando entre a principal sociedade que
se compraz com o Fado das salas ; os trovadores fidalgos e o próprio monarcha foram por
uma evolução insensível levados á imitação artificial da forma primitiva d'estas pastorellas,
cujas designações particulares e puramente nossas eram Serrana ou Serranilha e Dizeres.
O fundo primitivo e ethnico em que persistiu este veio tradicional era commum á Franca
meridional, Itália, Sicília e Galliza; o próprio Marquez de Sanlillana, explicando o motivo
da prioridade da cultura poética nà Galliza, diz que a todos « se adiantaram e anteposeram
os Gallaicos Cisalpinos e da Provincia da Equitania em solemnisar e dar honra a estas artes.» 1
Gomo já acima notamos, o elemento ethnico da Aquitania é turaniano, e com esta raça pro-
fundamente poética, como hoje se pôde ver pelos hymnos accadicos, tiveram communica-
çâo de tradições alguns ramos árabes. Isto nos revela como pela invasão árabe se deu a re-
vivescência de certas formas poéticas extinctas por uma grande serie de fusionamentos de
rapa. Com a morte de el-rei D. Diniz a poesia trobadoresca soíTreu em toda a peninsula o gol-
pe decisivo da decadência; á sua corte convergiam os trovadores e jograes de Leão, de
Castella, de Aragão, da Catalunha, da Galliza, como quem buscava um juiz competente para
julgar da umaestria. Não é com lisonja, que o jograr Joham, na planh & sua morte, diz :
Os trobadores que poys ficarom
en o seu reano et no de Leon,
no de Castela, no de Aragon,
nunca poys de sa morte trobaron. . . (n.° 708.)
«,'
A missão especial da Galliza na unificação da poesia peninsular, pela educação que os
príncipes ali recebiam, e pelo encontro dos trovadores de todas as cortes meridionaes na
romaria de San Thiago, foi continuada por el-rei D. Diniz, pelo seu caracter conciliador, in-
tervindo na paz das differentes mooarchias como árbitro, pelo casamento com uma prioce-
za aragoneza e pelo estudo das canções de seu avô Affonso o Sábio de Castella, e pelo di-
vertimento aulico das Cortes de Amor.
Em quanto a unificação poética se fez por via da Galliza, onde os trovadores conheciam
por um contacto immediato as formas usadas pelas escolas da Aquitania e do sul da Itália,
prevaleceu um estylo artificial conhecido pelo nome de limosino ou da escola de Limoges. Os
cantos populares ficaram ignorados, e os próprios jograes que os conheciam abandonavam-os
com desprezo. Um cantar de mal dizer « a hum cavaleyro que cuydava que trotava muy
ben e que fazia mui bons sons e non era assy» feito por Martins Soares, revela este des-
prezo pelos cantos populares :
Os aldeyãos e os concelhos
todolus avedes por pagados,
também se chamam per vossos quites,
como se fossem vossos comprados,
• Vld. Raynouard, Choix de Poésies, t n, p. 275 a 282.
• Carta ao Condestavel de Portugal.
LXIV O ESTYLO GALLEZIÀNO OU POPULAR (CAP. IV
por estes cantares que fazedcs d'amor
em que Ihis acham as (ilhas sabor,
e os mancebos que teen soldados.
Benquisto sodes dos alfayates,
dos peliteyros e dos moedores,
d'a vosso bando son os tropeyros l
e os jograes dos atambores,
porque Ihis cabe nas trombas o som,
para atambores ar dizem que non
acham no mundo outros soes melhores. (n.° 965.)
Aqui se enumeram as classes populares que se compraziam com esses cantares, que eram
de serranilha^ de amigo, guaiados, de ledino, de alaldla, as aravias, os areytos e as cha-
cones. Estas formas ter-se-iam perdido totalmente se não adquirissem importância na curte
de D. Diniz ; os jograes gallegos aíHuiam a ella sem o intuito de ganho, como confessa João
jograr, e por isso não abandonavam as suas formas tradicionaes para lisonjearem o gosto e
explorai -o. Cantavam o que sabiam, e foi assim que muitas das formas que acima enume-
ramos penetraram no Cancioneiro por imitação aristocrática. Diz Joham jograr, a propósito
da morte de D. Diniz:
et dos jorrares vos quero dizer,
nunca coorarom panos nem aver,
et o seu bem muyto desejarom. (n.° 708.)
É por isso que à primeira influencia por via da Galliza sobre o gosto poético chamamos
escola limosina y e à influencia communicada pela corte de D. Diniz chamamos escola gal-
lega. As Cantigas de amigo pertencem a um género em que as formas populares animaram o
esgotamento da imitação provençalesca ; D. Diniz cultivou-o com predilecção e no seu Can-
cioneiro chegou a formar uma secção especial : «£Vi a folha adiante se começam as Cantigas
de Amigo, que o muy respeitable Dom Diniz fex.» (p. 32.) Este género pertence à poesia
popular árabe, na qual havia certas canções em que a palavra amigo se repetia, ou se in-
vocava esse sentimento; apenas na linguagem popular 6 que a palavra amigo, ainda con-
serva o sentido dos Cancioneiros, significando namorado, amante.
desenvolvimento doeste género na corte de D. Diniz revela-nos uma nova influencia
poética; a maneira de proencaí que D. Diniz aprendera com Ebrard modificava-se pelas
.formas populares, ou estylo galleziano. Pode-se caracterisar como uma escola nova, e é a
ella que pertence a parte mais bella dos nossos Cancioneiros, contendo alem d' isso a reve-
lação indirecta da existência de uma profunda poesia popular portugueza que os hábitos
eruditos não deixaram conservar. Adiante investigaremos as origens tradicionaes d'esta es-
cola gallega. As causas do seu apparecimento histórico foram o grande numero de jograes
gallegos, leonezes e aragonezes que se fixaram em Portugal.
casamento de D. Diniz com uma princeza aragoneza, estabeleceu uma cómmunhão
poética entre as duas cortes; neto de ASbnso o Sábio, que fora educado na Galliza e escre-
via as suas canções em gallego, tudo conspirava para tornar a corte portugueza um centro
em que o gosto se uniformisava. Esse lyrismo meio tradicional, meio individual da escola
galleziana tem raizes elhnicas no solo peninsular; pela persistência de alguns retornellos se
pôde determinar a sua verdadeira origem ibérica.
As canções 168, 169, 170, 171, 172, 173, 192, 195, de el-rei D. Diniz, parecem dire-
ctamente colligidas da tradição popular; se tivéssemos a prova de que o monarcha compu-
nha Sons, e executava a musica das canções, então podia dizer-se que elle aproveitara essa
letra popular, como fizeram alguns compositores do século xvi aos romances heróicos. Es-
tas canções indicadas são o typo legitimo da Serranilha, como comprovaremos adiante com
alguns paradigmas tirados de Gil Vicente. A forma d'estes cantos revela que serviam para
estabelecer o rythmo das danças ou baiUios de terreiro:
Amigu/e meu amigo
Valha deus!
vede la frol do pinho
e guisade d'andar.
Amigo e meu amado
valha deus !
vede la frol do ramo
e guisade d'andar.
\ Os cantos dos tropeyros, ainda hoje asados no Brazil, são na realidade os Fados, usados pelos tropey-
ros árabes com o nome oe Huda, como os descreve "Caussin de Pcrceval.
CAP. IV) PERSISTÊNCIA DE FORMAS POÉTICAS LXV
Vede Ia frol do pinho,
valha deus,
selad'o bayoninho,
e guisade ã andar.
Vede la frol do ramo,
valha deus,
salad'o bel cavallo,
e guisade £ andar.
Selad'o bayoninho,
valha deus,
treyde vos, ay amigo
e guisade d* andar. (n.° Í73.)
Por esta serranilha vamos estabelecer o typo da sua structura estrophica ; as estancias
são em geral de dois versos, unidos ou separados por um ou dous refrens ; os versos são
rimados ou assonantados, predominando na primeira estrophe a assonancia em i e na se-
gunda estrophe em a. Em rigor a serranilha consta (Testas duas estrophes, que se alternam,
tornando o segundo verso da primeira o primeiro da terceira estrophe, sendo o verso que
completa esta o primeiro da quinta. segundo verso da segunda estrophe torna a repetir-se
como primeiro da quarta, que é completada com um verso novo, que se repetirá na sexta
estrophe. D'esta sorte com duas estrophes se produz uma serranilha com oito e mais es-
trophes de uma improvisação fácil; a alternância dos versos resulta do movimento dos
pares nas danças de terreiro, como ainda se observa entre o povo.
Algumas formas lyricas de el rei D. Diniz conservam-se no moderno lyrismo portuguez,
como a da canção 131:
Senhor, pois me non queredes
fazer ben, nen o teedes
per guysado,
deus seja por en loado.
Mays poys vós mui bem sabedes
o torto que mi fazedes,
grara peccado
avedes de mi coytado.
Eram os versos que na tradição popular têm ainda o nome de pé quebrado. Esta estro-
phe simplificada veiu no século xv a fixar-se na estrophe das Coplas de Manrique, reappare-
ce nas redondilhas de Camões, em D. Francisco Manuel de Mello, e actualmente nas estrophes
de João de Lemos e Palmeirim.
A decima, tão usada no século xv, no século xvi e principalmente na escola arcàdica e
pelos improvisadores de Outeiro, tem jà o seu typo definido no Cancioneiro de D. Diniz.
(n.° 147.)0 Cancioneiro de D. Diniz não encerra nas suas cento e vinte nove canções uma única
referencia a nome ou suecesso particular da corte ; pôde attribuir-se isso ao orgulho rao-
narchico ; em compensação, as canções do seu valido Estevam da Guarda, completam esta
deficiência do tom sirventesco, porque estão carregadas de um grande numero de persona-
lidades d'essa época de transformações. As canções amorosas de Estevam da Guarda (n.° 220-
225) trazem a rubrica: ^Privado d'el-rey Dom Denis» ; de facto nos documentos officiaes,
como o testamento do monarcha, de 1322, elle assigna como testamenteiro : «Estevam da
Guarda, meu criado e meu vassallo . . . » á
Como privado de el-rei D. Diniz o trovador Estevam da Guarda também soffreu varias
si r vences dos mais afamados trovadores; travou n'elle João Soares Coelho, alludindo à sua
curteza de vista e à muita finura, porque nas partilhas entre seus irmãos ficou com as me-
lhores propriedades em Lisboa e com as peiores de Santarém. (n.° 1014.) Na canção 1015
apodam-no pela sua privança com o rei :
e ante el rey muyto caedes ben,
sequer manjar nunca tam pouco tem
de que vós vossa parte non ajades.
E poys el rey de vós é tan pagado
3ue vos seu ben essa mercê faz
'averdes nome muyto vos jaz
e non seer home desensinado;
ca poys per corte avedes a guarir
nnnea de vós devedes a partir
hum home que vos traga acompanhado.
1 Provas da Historia genealógica, 1. 1, p. 101.
I
t
LXVI ESTEVAM DA GUARDA, PRIVADO DE D. DINIZ (CAP. IV
Em tres canções de Ayras Peres Veyturon, D. Estevam da Guarda é apodado pelo seu
génio impetuoso, porque dà pancada de cego:
Don Estevan achey n' outro dia
rauy sanhudo de pós hum seu hom*ir,
e sol non lhi pod'un passo fugir,
aquel seu home de pos que elhya;
e nlhou-o hy pelo cabeçon,
e feriu-o muy mal d'un gran baston
que na outra mão destra tragia. . . (n.° 1083.)
Na canção 1 084 Veyturon chasquea-o, dizendo que comera em casa de el-rei comidas co-
mo elle nunca viu :
Don Estevan, eu eyri comi
em cas d'el rey, nunca vistes melhor,
e contarei-vol-o jantar aqui,
c'axa home de falar hy sabor;
non vyron nunca já outro tal pan,
os vossos olhos, nen ar veeram
outro tal vynho a qual eu bevi. . .
Da necessidade que elle tinha de um guia tira Veyturon este pretexto para uma sirvente :
Don Estevan, tan de mal talan
sodes, que non podedes de peyor,
que já por home que vos faça amor
sol non catades, tal preço vos dam ;
e serv'a vós home quanto poder,
se vos desvya quam pouco xiquer
hydes log orne trager como cari. . . (n.* 1085.)
Uma sirvente de Pedro Amigo, de Sevilha, (n.° 1 194) apoda também o privado de D. Di-
niz pelos amores de uma mulher que elle não vé :
Don Estevan, oy por vós dizer
d'unha molher que queredes gran bem,
que é guardada, qne per nulha rem
non a podedes, amigo, veer. . •
Se a personalidade de Estevam da Guarda nos apparece viva n'estas sirventes, ellas
também nos explicam o motivo das suas poucas canções amorosas, e do grande numero de
canções de mal-dizer; referem-se às reformas na jurisprudência portugueza feitas pelo
monarcha. A canção 908 satyrisa um letrado por causa das suas differentes opiniões sobre
o mesmo feito : «Esta cantiga de cima foy feita a hu meestre de leys y que era manco d J ua
perna, e sopegava d' dia muito.» Pela renascença do direito romano e fundação da Univer-
sidade, definiam-se os direitos reaes, e o processo civil tornava-se mais regular'. A celebre
Lei de Pontarias acha também o seu ecco na canção 932 :
Pêro el rey ha defeso
que juiz non filhe preyto,
vedes o que ey apreso :
quem 8'ajudar quer doalho
faz barata d algo e dá-lh'o.
Na canção 9 10 Estevam da Guarda satyrisa «hu juiz que nom ouvia bem.» N'este tem-
po já el-rei D. Diniz era fallecido, e Estevam da Guarda era mal visto na corte de Aflbnso iv,
desde o tempo das lutas em que o infante andara com seu pae :
Meu dano fiz por tal juiz pedir
quando mh'a rainha madre d'el rei deu. . .
Mais a rainha pois que certa for
de jjual juiz en sa casa ten,
terá per razoo, esto sei eu ben,
de poer hi outro juiz melhor. . .
Na corte de Aflbnso iv tinha Estevam da Guarda contra si a influencia de outros privados ;
por sirventes do Conde D. Pedro e João de Gaia, sabe-se da preponderância de Miguel Vivas,
Eleito de Viseu, no animo do monarcha; Estevam da Guarda, na canção 927, apoda o vilão
rico que casara com a sobrinha do bispo valido, e a quem o rei dera dom; na canção 904
CAP. IV) CQRTE POÉTICA DE D. AFFONSO IV LXVH
allude à sordidez do mesmo vilão, mas principalmente na canção 915 ataca de um modo
directo o bispo :
Bi9po, senhor, eu doa a deus bom grado
Sorque vos vejo em privança entrar
'el rey, a quem praz d'averdes logar
no seu conselho mais d'outro prelado. . .
Dobrando ende quanto ai avedes
fazede sempre quanfal rey prouguer,
pois que vos el por privaa assi quer,
e pois que vós altos feitos sabedes,
e quanto em fisco e em conselho jaz. . .
N'esta canção Estevam da Guarda allude ás relações cie subserviência do Bispo com o
papa, e como o monarcba ha de ser illudido; a canção é de uma delicada ironia, e encerra
muita mais verdade histórica do que os documentos dos archivos.
Em outra canção (n.° 918) apoda outro privado, e sabendo-se que elle apoiava assim a
situação em que se achava o Conde D. Pedro na corte de seu irmão, pelo cuidado das rubri-
cas explicativas que acompanham os versos pode-se inferir que o Códice da Vaticana é real-
mente um transumpto do Livro das Cantigas; a rubrica da alludida canção diz: «foi feita a
hun que fora privado &el-rey, e quando estava muy tendo amor d'eLrey apoinham-lhe
que era muy levantado corno homem de mal recado ; e aas vezes en quanto elrrey rum for
zia sanhudo, todo tornava mui manso et cordo et mui misurado.»
Muitas outras referencias se encontram nas canções d'este antigo valido de D. Diniz ; a
fidalguia, pela reforma da jurisprudência, perdera o direito de fazer justiça por suas mãos,
representado pelo symbolo de baraço e cuteUo. Na canção 921 satyrisa um Martim Gil, que
figura como testemunha na doação da Lourinhã em 1 3 1 6/ pelo facto de mandar açoutar um
plebeu contra direito :
Martim Gil, hum homem vil
sse quer de vós querellar,
que o mandastes atar
cruamente a um esteo,
dando-lhe açoites bem mil. . .
Nom me poss'eod'eu partir
per'o que o já roguey,
que se non queiafend ai rey,
cá se sente tan mal treyto . . .
Os impostos ou talhas eram cobrados pelos judeus, que em geral faziam nos primeiros
séculos da monarchia de ministros das finanças e de junta dos repartidores ; Estevam da
Guarda compor uma tenção com o recebedor dos impostos D. Josep, accusando este da co-
brança irregular :
—Vós, dom Josep, venho preguntar
poys poios vossos judeus t olhadores,
vos tem talhad'a grandes e meores
quanto cada hu judeu hade dar. . .
recebedor responde com o espirito secco do homem da finança :
mais na talha graça nem amores
nulh'y faram os que hande talhar.
Apesar 4'esta severidade do judeu, que chegava a pagar-se na carne do devedor, não
se tinha chegado a collectar a litteratura, como fez um ministro constitucional cujos mere-
cimentos derivam unicamente dos favores da imprensa.
Pelas canções de Estevam da Guarda sabe-se da existência de outros trovadores cujas
canções se perderam; taes são Ruy Gonçalves e Jobam Eanes, que se atacavam em canções
de maklixer :
Ruy Gonçalves, pêro vos agravece
porque vos travou em vosso cantar
Joham Eanes, vej*eu el queyxar
de quam mal doesto lh'y de vòsrecrece. (n.°ftl7.)
•
Na canção 911, ataca um jogral que abusava do peditório, acompanhado da mulher e
de uma criança emprestada, como fazia outro jogral Pêro d' Arruda :
1 Provas da Historia genealógica, 1 1, p. 61.
LXVIII DOM AFFONSO SANCHES (CAP. IV
Pois a todos avorrece
este jogral avorrido,
de tal molber e marido,
que a min razão parece
de trager per seu pcdiolo
o filho d'outro no colo.
Como Pêro da Arruda
foy da mulher ajudado. . .
Na corte de Affonso rv appareciam de vez em quando estes jograes vagabundos, uns co-
mo pedintes, como ainda hoje vemos os cantadores mendigos que aflluem na entrada do ve-
rão às cidades, como o cego d' Abrunheira em Coimbra, ou o Marcolino, no Porto. género
de mal-dizer cultivava-se com o.despeito dos deslocados em uma corte com usos differenles
dos da passada. A poesia decahia, e a escola gallega já não apresentava representantes di-
gnos; na canção 914, Estevam da Guarda apoda «a him gallego que se preçava de tróbar e
wm o sabya ben e meteu-se d maneira de tençon com Estevam da Guarda, e Estevam da
Guarda Ihi fez esta cantiga; e el andava sempre espartido, e nunca lhe entendeu a canti-
ga, nem lhe soube a ella trobar.» Na canção 9 19 fala Estevam da Guarda do escudeyro do
Mestre de Alcântara chamado Macia, «et veera d'el rei de Portugal com suas preytesias ;»
por nenhuma forma se pôde confundir com o ultimo trovador gallego, o celebre Macias ena-
morado, da casa do Mestre de Calatrava, D. Henrique de Vilhena, que floresceu no primeiro
quartel do século xv.
Antes do conhecimento do Cancioneiro da Vaticana sabia-se que o bastardo de el-rei
D. Diniz, o celebre Conde de Albuquerque D. Affonso Sanches fora também trovador; 1 se-
ria pelo seu talento poético que el-rei D. Diniz o amava loucamente, a ponto de o tra-
zer sempre em sua companhia, e lhe querer deixar o throno, com detrimento de seu filho le-
gitimo D. Affonso iv.* São quinze as canções compiladas no Códice da Vaticana, (n.° 17-27, e
366-368) ; pelo índice de Colocci (n.° 405-416, e 781) parece que faltam duas canções, mas
deve entender-se que a numeração anterior se ampliou em fragmentos de uma só composi-
ção. A divisão d'estes dois grupos de canções prova que não foram colligidas de um cancio-
neiro particular de D. Affonso Sanches, mas sim da memoria d'aquelles que as cantavam no
paço para lisonjear o rei. Se o Códice de Colocci ou o Cancioneiro da Vaticana fossem com-
pilados pelo Conde D. Pedro sob o titulo de Livro das Cantigas, é natural que D. Affonso
Sanches fosse mais amplamente representado, do que com treze ou quinze canções somen-
te. Variando a hypothese, que os Cancioneiros de Roma são os cadernos tumultuarios e apo-
graphos do Livro das Cantigas, do Conde de Barcellos, então infere -se pelo estado de detur-
pação e diminuto numero das canções de seu irmão D. Affonso Sanches, que ellas foram col-
ligidas depois de 1329, anno da sua morte, e que por isso o Conde, começando então a com-
pilação, se serviu de subsídios oraes.
As canções (Teste bastardo são as mais deturpadas que existem no apographo da Vatica-
na, isto é, as que o copista italiano menos percebeu do códice primitivo, por isso que não
provieram de traslados feitos com perfeição por amanuense, mas de simples notas de me-
moria. É isto o que se infere do estado fragmentário de uma parte d'ellas. As canções co-
meçam com a rubrica Dom Âffonso Sanches, filho de el rcy Dom Diniz de Portugal; porém
no Códice de Colocci a rubrica : Dom Âffonso Sanches, filho de Rcy Don Denis, traz uma co-
ta KF* alfons. 4. possuidor (Teste códice suspeitou que essas doze canções pertencessem
ao successor de D. Diniz; pela leitura das canções, principalmente pela tenção trovada com
o jogral Vaasco Martins (n.° 27) não se pôde desconhecer que o seu auctor é D. Affonso San-
ches. príncipe herdeiro era também trovador, segundo o estylo dos raonarchas da época.
Colocci ou o annolador do seu Cancioneiro tinha as provas do seu talento poético; sob os
números 1323-1326 estavam quatro canções com a rubrica El rey dom A°, filho dei
Bey dom Denis, e em sigla marginal : alfonso iiij, successit Donysio. Aqui está portanto o
fundamento da suspeita de Colocci, que ignorava a circumstancia de um outro trovador
D. Affonso, também filho de el-rei D. Diniz, mas bastardo. Infelizmente estas quatro canções
de el-rei D. Affonso iv perderam-se com o Códice de Colocci, e não apparecem no apographo
da Vaticana; mas essa rubrica é bastante para autbenticar o facto que traz Barbosa Macha-
do, de ter no fim do século xvi o chronista Frei Bernardo de Brito colligido as poesias d'es-
te monarcba, como constava de um manuscripto de Manuel Sevcrim de Faria. Antes de 1 568,
já Ferreira conhecia o talento poético d'este monarcha, por isso que em seu nome escreveu
os dois celebres sonetos gallegos, que vêm nos Poemas lusitanos; e a redacção do Amadis
i Frei Fernando da Soledade, Historia Seraphka, Part. m, Liv. 13, cap. 7.
• Poriug. Monumenta, (Scriptores) p. 285.
CAP. IV) O CONDE D. PEDRO LXIX
de Gaula sob a direcção do seu gosto é outro testemunho da educação litteraria de D. Af-
fonso iv. A cultura litteraria seria provocada pela rivalidade que lhe despertavam seus ir-
mãos bastardos D. A Afonso Sanches e D. Pedro.
As canções de D. Afibnso Sanches são no eslylo limosino, em grande parte, eslylo usado
na corto desde o reinado de D. Affonso iii; outras são já nas formas gallegas tradicionaes,
adoptadas por el-rei D. Diniz nos Cantares de amigo. No estylo limosino prevalecem os
versos decasyllabos, as canções tem três eslrophes com refrem, ás vezes ura cabo, e são de
um sentimento casuístico e de um subjectivismo allegorico. Affonso Sanches, como o Conde
D. Pedro, cultivava o gcnero de mal-dizer; postoque este género apresente pouco senli-
mento poético, é boje para nós o que mais nos revela a vida intima da sociedade portugue-
za dos séculos xm e xiv; pela canção 26 vemos que as damas mudavam de nome nos can-
tares trobadorescos, assim D. Biringela depois de casada passa a chamar-se D. Maria, D. Ou-
senda, D. Gondiode, D. Gontinha, segundo se vão succedendo os seus namorados.
N'esta canção 2G existe um proloquio, que allude ao
demo d'uma meninlia
(Tacolà bem de Cantora. . .
que ainda tem um equivalente na tradição popular ; as Meninas de Çamora vem citadas
nesta cantiga da Extremadura:
Salvaterra, Benavente,
Jericó fica no meio,
As meninhas de Çamora
Bailam com muito aceio.
Da época em que a corte portugueza esteve em Santarém é que ficou este dito popular,
cujo caracter satyrico se conservou na canção de D. Affonso Sanches.
Pela tenção com o trovador Vaasco Martins (n.° 27) vemos que D. Affonso Sanches era
ainda novel na maestria, porque admirando-se cTaquelle trovador continuar a fazer canções
depois de lhe ter morrido a sua dama, este lhe responde «apoz que trobe sabelo-edes.» De
Vaasco Martins nenhum outro vestígio resta no Cancioneiro da Vaticana alem d'estas duas
estrophes da tenção, mas infere-se que era um trovador antigo, ainda da corte de D. Af-
fonso iii, e se as suas canções não eslão inclusas anonymamente no Cancioneiro da Ajuda,
então uma grande parte do Cancioneiro de Roma se perdeu antes mesmo de chegar ao po-
der do erudito Coiocci. Na canção 366 cila-se Affonso Affonses, cuja personalidade histórica
é ali conhecida por ter um criado mouro ; a canção 367 é um graciosíssimo idylio, talvez de
todas as composições do Cancioneiro a que se inspira de um vago ideal. Sob o n.° 368 acha-
se o typo popular dos primitivos cantares guayados, a que no século xvi alludia Gil Vi-
cente, e que ainda apparecem na tradição como se vé no Romanceiro, no Jesus peregrino; 1
o nome d'este género provém da neuma Guay, ou Ay, com que começam sempre os relor-
nellos que acompanham o canto. conhecimento (Testa forma por D. Affonso Sanches mos*
tra-nos que elle, seguindo o exemplo de el-rei D. Diniz, foi um dos que influíram para que o
gosto e espirito tradicional popular penetrassem nos monótonos Cancioneiros que haviam
esgotado até á saciedade o estylo limosino.
Conde D. Pedro era filho dos amores de el-rei D. Diniz com D. Gracia, senhora da Ri-
beira de Santarém ; o monarcha cstimava-o bastante e comsigo o levou a Caslella em 1304,
quando foi servir de arbitro entre D. Fernando e D. Jayme de Aragão. Em 1 de março d'es-
te mesmo anno o nomeou D. Diniz Conde de Barcellos, senhor de Gestaçó, Lalim e Várzea, e
Fronteiro mór da Beira e Entre-Douro e Minho. A paixão que o monarcha mostrava pelos
seus bastardos tornava-os odiosos aos fidalgos que apoiavam o descontentamento do prínci-
pe D. Affonso. conde de Barcellos soube-se impor pelos talentos litterarios; elle tornou ef-
fectiva a lei de D. Diniz que attribuia à realeza o privilegio de conferir foro de nobreza, or-
ganisando um cadastro da fidalguia existente, conhecido hoje pelo titulo de Nobiliário do
Conde Dom Pedro. Este nobiliário é uma compilação de antigos registros das famílias aris-
tocráticas, e muitas vezes uma copia servil, como se pôde ver pelo confronto com o livro
velho das Linhagens, e por um segundo fragmento do Livro velho* Em um fragmento de ge-
nealogias, que se acha appenso ao Cancioneiro da Ajuda, a influencia do Conde D. Pedro
na corte de D. Diniz acha-se assim referida : « Este Conde Dom Pedro foi o que fez muito bem
a fidalgos em Portugal, e o que os poz em mui grandes conlias, cá mais foram por elle pos-
tos e feitos em mui grandes conlias, cà pelos melhores quatro homens bons que foram em
1 Cancioneiro e Romanceiro geral pprluguez, t. ni, n.° 43 e 35.
• Hoje publicados nos Porl. Aion. hisL (Scriptores.)
LXX DOM APFONSO XI, DE CASTELLA (CAP. IV
Portugal, salvando se foram ende reis. E este foi o que herdou alguns fidalgos nas suas her-
dades, e que houve os melhores vassallos que houve outro Conde nem homens bons dos que
dante foram.» Pela sua frequência na corte de D. Diniz, e pela viagem a Gastella o Conde
D. Pedro pôde conhecer as varias escolas trobadorescas e imilal-as; pela empreza da orga-
nisação de um vasto Nobiliário tornou-se sympathico à aristocracia e assim podia obter mui-
tos cadernos de sons, ou pequenos cancioneiros individuaes, para formar a grande compila-
ção de canções provençalescas que possuía sob o titulo Livro das Cantigas, referido no seu
testamento. Cancioneiro da Ajuda jà foi confundido com o Uvro das Cantigas, mas esse
códice organisou-se ainda sob a influencia da mocidade de D. Diniz, com composições li-
mosinas rimadas na corte de D. AfTonso m. A considerasse o Livro das CafUigas como um
vasto cancioneiro geral, só pôde attribuir-se este caracter ao Cancioneiro da Valicana, on-
de figuram trovadores porluguezes, gallegos, catalães, leonezes e castelhanos. No Cancio-
neiro da Vaticana y o Conde de Barcellos apenas é representado com dez canções desmem-
bradas em dois grupos: 210-213 e 1037-1042; esta desmembração explica-se pela neces-
sidade do systema de apartar os géneros poéticos. As primeiras quatro canções pertencem
ao género amoroso, das quaes duas estão incompletas; é provável que na copia mais antiga
de Colocci (608-612) estivessem menos deturpadas. O eslylo d'essas canções é de um sub-
jectivismo falso, de um sacrifício e impossibilidade no amor, o que contrasta com o facto de
ter sido casado três vezes com D. Branca Pires de Sousa, D. Maria Ximenez Coronel e D. The-
reza Anes de Toledo. Isto prova-nos que a poesia trobadoresca era um costume palaciano,
como o jogar as armas ; a violência (Teste habito que os próprios reis respeitavam poucas
vezes encontrou a espontaneidade do talento. As composições amorosas do Conde de Barcel-
los acham-se em seguida à única composição de AfTonso xi de Gastella, no Cancioneiro da
Vaticana. Esta approximação não foi accidente casual do copista. AfTonso xi tinha relações
litterarias com o Conde de Barcellos, e só por via do Conde é que as suas canções poderiam
ser conhecidas em Portugal; no seu testamento D. Pedro deixou a AfTonso xi o Livro das
Cantigas. D'estas pequenas circumstancias se poderá inferir, que este Livro era realmente
um grande cancioneiro geral para o qual também contribuirá AfTonso xi (n.° 209.) Este mo-
narcha era casado com D. Maria, filha de D. AfTonso iv; como trovador bastante distincto, na
sua corte se refugiaram os jograes que não encontravam em Portugal junto de D. Af-
fonso iv o favor que lhes dispensaram D. AfTonso m e D. Diniz. Em uma Planh de João jo-
grar, alludindo à perda litteraria pela morte de D. Diniz, refere-se á predilecção que a poe-
sia encontrava ainda em seu neto AfTonso xi :
Mays tanto me quero confortar
em seu neto, que o vae semelhar
em fazer feytos de muy sabeo rey. (n.° 708.)
Conde D. Pedro, perseguido e desherdado por seu irmão D. AfTonso rv, encontrou em
AfTonso xi e era D. Maria sua sobrinha um generoso acolhimento. A lembrança de deixar
àquelle monarcha trovador o seu Livro das Cantigas significava um reconhecimento de pro-
tecção e de superioridade litteraria. É provável que por intermédio de AfTonso xi el-rei
D. AfTonso rv fizesse as pazes com o conde de Barcellos. No Salulz de João jograr, (n.° 707)
cumprimentando D. AfTonso ivpcla tença que annualmente lhe dava, remata:
E ai do Conde falemos
que he irmão tio d'el rey,
et muyto bem dei diremos
segundo como apensey :
se fosse seu o thezouro
que el rei de França tem,
também prata como ouro
daria todo o seu sen.
Era esta generosidade do Conde que o fazia «haver os melhores vassallos, » como diz o
Fragmento do Nobiliário, e que lhe tornava fácil obter essa numerosíssima collecção de can-
ções do vasto códice de Roma. casamento de AfTonso xi com a infanta D. Maria celebrou-
se em 1328, e por esta occasião se estreitaram mais as relações das duas cortes, a ponto de
se alliarem para a celebre batalha do Salado em 1340. A canção de AfTonso xi, traz a ru-
brica: El rei D. Affonso, ds Castella e de Leon, que venceu el rei de Belamarim com o po*
der d' alem mar a par de Tarifa; isto prova-nos que a compilação do grande cancioneiro
se efTecluava não longe de 1340, se é que não foi provocada pela rivalidade poética das duas
GAP. IV) OS MARINHOS, TROVADORES LXXI
cortes em 1328. Adiante faltaremos da influencia tio successo histórico da batalha do Salado
sobre a poesia portugueza.
segundo grupo de canções do Conde D. Pedro consta de seis canções de mal-dizer
(n. M 1037-1042); a lição de Golocci tinha uma canção de menos. Algumas d' es tas canções
participam da obscenidade do género. A canção a Alvar Roiz, Monteiro-Mór, allude a um cos-
tume symbolico da edade media, com que se castigava os traidores, rapando-lhe a cabeça :
ca diz se quer hyr, et per hu for
levará cabeça descoberta. (n.° 103 7.)
Este Alvar Roiz era «hum escudeyro que andou a alem-mar, e dizia que fora a lo mou-
ro.* Era ainda então em Portugal frequente a monomania das cruzadas, e quem não podia
ir directamente, como sabemos pelo testamento de el-rei D. Diniz, á Palestina, pagava a
quem o fizesse. Na corte de D. Diniz soflreu também este Álvaro Rodrigues varias sirventes
do grande privado do monarcha, Estevam da Guarda (n.° 905, 906, 907; ; portanto a canção
do Conde de Barcellos deve considerar-se como escripta na sua mocidade e pertencente a
algum divertimento da corte, onde Álvaro Rodrigues foi o alvo dos apodos. Estevam da
Guarda em outras canções (n.°* 922, 923) ridiculisa-o por causa de um escravo mouro, ainda
criança, que lhe tocava a mulher.
Estas canções do Conde D. Pedro são as que vem na collecção com as maiores rubricas
explicativas, signal de que saíram directamente da sua mão para serem encorporadas na
vasta compilação, onde a falta de notas torna as outras canções sempre escuras. Muitas
dessas rubricas fazem-nos lembrar alguns traços pittorescos dos costumes da aristocracia
portugueza que o Conde de Barcellos introduzia na aridez do seu Nobiliário ; taes são as que
acompanham as canções n. 08 1 039 e 1040. Na canção 1041 allude a Pêro Marinho do qual res-
ta no Cancioneiro apenas uma canção (n.° 523) em resposta a outra de João Ayras de San-
ctiago. (n.° 594.) Na canção de Affonso Soares (n.° 1 155) Pêro Marinho é apodado por Ta-
reja Lopes não querer casar com elle apesar da sua riqueza e mocidade.
É d'este trovador que o Conde D. Pedro traz a formosa lenda heráldica da origem do seu
solar, em que seu avô D. Froyam tomou amores com uma Seréa : «Dom Froyam era caçador
e monteiro. E andando um dia em seu cavallo per riba do mar a seu monte, achou uma mu-
lher marinha jazer dormindo na ribeira. E hiam com elle trez escudeiros seus, e ella quan-
do os sentiu quise-se acolher ao mar, e elles foram tanto em pós ella ataa que a pilharam
ante que se acolhesse ao mar: e depois que a pilhou àaquelles que a tomaram, fea poer
em huma bestia e levara para sa casa. E ella era mui fremosa, e el fea bautizar, que lhe
nora caia tanto nome nenhum como Marinha, porque sairá do mar, e assy lhe poz nome e
chamaram dona Marinha: e ouve d'ella seus filhos dos quaes ouve um que houve nome Jo-
hara Froyam Marinho. E esta dona Marinha nom falava nemygalha. D. Froyam amava-a muy-
to e nunca lhe tantas cousas pode fazer que a podesse fazer falar. E hum dia mandou fazer
muy gram fugueyra em seu paaço, e ella vinha de fora e trazia aquelle seu filho comsigo,
que amava tanto como seu coraçom, e dom Froyam foi filhar aquel filho seu e d'ela e fez
que o queria enviar ao fogo e ela com raiva do filho esforçou de braadar e com o brado dei-
tou pela bocca huma peça de carne e d'alli adiante fali ou. E dom Froyam recebeu-a por mo
lher e casou com ella.» 1 Embora no Cancioneiro se diga filho de João Annes de Valladares,
o Nobiliário traz Pêro Annes Marinho como filho de João Froyaz Marinho, e irmão de outro
trovador Martim Afines Marinho (n.° 1 154) também representado no Cancioneiro da Vatica-
nu. Continua o Conde D. Pedro no Nobiliário : « E estes Marinhos parliram-se per muitas par-
tes per casamentos de Olhos que casaram em Galliza com outros de que deçenderam muitos
que chamaram Marinhos.» N'este tempo a escola gallega dos trovadores estava confundida
por meio de casamentos com o génio portuguez, e portanto esta designação tornase mera-
mente tradicional.
Na canção 1042, o Conde D. Pedro chasquea um jogral chamado Martim Vasques, por-
que se presava de saber astrologia e prognosticava que alcançaria uma egreja com mil li-
bras de rendimento. A influencia d'este jogral na corte parece ter sido grande, attendendo
ás duas sirventes que provocou a Estevam da Guarda grande privado de el-rei D. Diniz. Com-
tudo no Cancioneiro da Vaticana não se encontra vestígio das composições (Teste jogral,
que por certo não foram colleccipnadas, attendendo ao despreso que por elle tinha o Conde
D. Pedro. As cantigas de raal-dizer eram compostas por strophes desligadas como epigram-
mas, que depois se combinavam em uma única sirvente. É o que se deprehende d'esta ru.
• Mon. hisl., (Scriptorcs), p. 383.
LXXII LENDAS, POEMAS E LAYS BRETÕES (CAP. IV
brica que acompanha a canção 1042: «Esta cantiga suso escripta, que se commenta, se
ajuntou aás que no outro dia fez o Conde a hujograr que havia nome Martim Vasques, ca
se presava que sabia d'estrologia. . . » N'esta canção acha-se ainda uma palavra árabe ser-
vindo de interjeição, messella, (mashallah, deus o quer) que se perdeu, conservando-se a
outra lideraria Oxalá. A astrologia era a sciencia predominante do século; Afonso o Sábio
escrevia sobre os phenomenos celestes, e o pretencioso jogral queria arrogar-se importância
pelo conhecimento dos pontos e conjuncções dos planetas. Na linguagem dos trovadores por-
tuguezes é frequente esta phrase «em mdo ponto fui nado» resultante da influencia da as-
trologia nos costumes. As canções de Estevam da Guarda contra o jogral Martim Vasques
(n. ot 928-931) são mais importantes do que as do Conde de Barcellos emquanto a referen-
cias históricas ; Martins Vasques recebera ordens sacras, na esperança de obter uma egreja
rendosa. A egreja não lhe foi concedida, e pela sua dignidade era-lhe defesa a profissão da
jograria; este costume chegou a ser prohibido nas Ordenações Affbnsinas. A canção 930
é preciosíssima pela referencia à tradição de Merlin, que o Conde D. Pedro também cita nos
prólogos históricos do Nobiliário; 6 a historia dos amores do propheta da Bretanha com a
fada Viviana que o illudia e o clausurou na sepultura, que elle construirá:
Como aveo a Merlin de morrer
per seu gram saber, que el foy mostrar
a tal moíher que elle soube enganar.
E é que Ih'é muyto grave de teer
por aquelo que lh'el foy mostrar
em estar com quem sabe que o pod'ensarrar,
em tal logar hu conven d'atender
a tal morte de qual morreu Merlin
hu dará vozes dizendo sa fim. . .
Por esta canção de Estevam da Guarda, do fim do reinado de D. Diniz, se pôde fixar a
época em que as tradições bretãs penetraram em Portugal. Roman de Brut foi a fonte
das tradições do cyclo arthuriano n'este paiz; o Conde D. Pedro cita a Islavalon, a Ilha en-
cantada de Avalon, a morte de Arthur, as prophecias de Merlim, e a lenda do Rey Lear,
perpetuada na tragedia de Shakespeare. Alguns poemas d'este cyclo foram lidos na cor-
te, como o romance de Tristão e Yseult, cujo nome se usou na sociedade civil na forma de
Yseu, Isea e Ousenda, e o romance de Flores e Branca Flor.
Na canção 1 15 de el-rei D. Diniz, se acha uma referencia a estes poemas de aventuras
do cyclo bretão : q^j roa yor posso, e o mais encoberto
que poss e sey de Brancafrol,
que lhe non houve en Flores tal amor
3 uai vos eu ey.....
uai mayor poss'e o mui namorado
Triste, sey ben que non amou Oseu
quanto vos eu amo, esto certo sey . . .
B na canção 358, de João de Guilhade ha uma egual referencia:
Os grandes vossos amores
que mi e vós sempr'ouvemos
nunca lhi cima fizemos
como a Brancafrol e Flores.
Foi por esta influencia bretã, que em Portugal começou a elaboração novellesca do poe-
ma de aventuras de Amadis de Gaula, e também na classe aristocrática se vulgarisou o no-
me de Owroana (Ydoyne) celebrado n'esses amores. Em uma canção de João de Guylhade
(n.° 1 109) já se apoda uma dama D. Owroana. Mas a influencia bretã sobre o lyrismo pare-
ce ter sido mais musical do que litteraria ; uma vez pelo menos encontramos citada a forma
poética do Lay, na canção de Fernão Rodrigues Redondo (n.° 1147) apodando D. Pedro de
Portugal, cunhado do rei de Aragão, e que tem sido jà confundido com o Conde D. Pedro.
Nas lutas de D. Aflbnso ir com seus irmãos para não cumprir o testamento de seu pae
D. Sancho i, é citado o nome do Infante D. Pedro, que se refugiara na corte de Leão logo
que seu irmão subiu ao throno. Entre as canções de Affonso ix, que satyrisou Aflbnso n em
uma áspera sirvente (n.° '/9) encontra-se uma em que se allude aos talentos poéticos do in-
fante D. Pedro, seu cunhado, que imitava os versos de Cotom:
E com derevto seer enforcado
deve Dom Pedro, porque foy filhar
a Cotom, poyl-o ouve soterrado
seus cantares. . . (n.° 68.)
CAP. IV) OS LAYS BRETAOS LXXIU
Uma clara mtelligencia doesta estrophe pôde fazer considerar D. Pedro de que aqui
se falia o trovador Pêro da Ponte, da corte de Aflbnso ix ; mas o que se não pôde é confun-
dir com o Conde D. Pedro, auclor do Nobiliário, como o entendeu Varnhagen. Que o infante
D. Pedro, irmão de D. Aflbnso u, era poeta, e um dos sectários da escola bretã na península,
prova-o a canção 1 1 47, de Fernam Rodrigues Redondo, que começa :
Dom Pedro est cunhado de el rei
que chegou ora aqui de Aragon. • .
Muy ledo sendo hu cantara seus Lays,
a sa lidice pouco lhe durou. . •
Este infante distinguiuse na batalha das Navas, e na tomada de Mayorca, onde existe o
seu sepulchro, como se descreve na Viagem LUteraria ds Egrejas de Hespanha. As suas poe-
sias estão totalmente perdidas, e nem se conheceria o seu gosto se não fosse a passageira
allusão do trovador contemporâneo. A sua influencia litteraria na corte de Aragão foi
notável como se deduz da linguagem usada por Aflbnso nc, que é um portuguez dionisiano.
Por ventura os Lays com que começava o antigo Cancioneiro portuguez de Angelo Colocci,
de que resta apenas o índice, pertenciam a este até hoje ignorado trovador ; ao tempo que
o Conde D. Pedro começou a sua compilação ainda existiam o Lai de Elis o baço, Lai das
Quatro donzellas, Lai de Dom Trislam enamorado, Lai de Dom Tristam e Lai de D. Tris-
tam para Genebra. No tempo do Conde D. Pedro o lai era mais uma ária, e a musica nova
é que fazia conservar a velha letra ; ainda no principio do século xvi Gil Vicente intercalava
n'um Auto representado no paço uma canção francesa. Na novella de Amadis vem uma
canção «Leonoreta sin roseta» que nos parece representar este estylo bretão. Adiante mos-
traremos como no reinado de D. Pedro i circumstancias casuaes vieram fazer renascer mo-
mentaneamente os cantos de lay, que foram supplantados pelo desenvolvimento da for-
ma novellesca das tradições da Tavola Redonda.
Em uma canção de D. Gonçalo Eanes do Vinhal contra um trovador de segrel cujo nome
Geou desconhecido, vem uma referencia directa à poesia bretã usada na corte portugueza :
Maestre, todolos vossos cantares
. já que Olham sempre d'un a razon
e outrosy ar filham a mi son,
e non seguades outros milhares
senon aquestes de Cornoalha,
roays este seguides ben sen falha,
* e non vi trobador per tantos logares. (n.° 1007.)
Esta slrophe allude indubitavelmente aos lays de Isonda de Cornoalha, de que restavam
cinco composições no Cancioneiro de Collocci. Os cantares de Cornoalha eram as breves can-
tilenas do cyclo arthuriano antes do desenvolvimento épico e novellesco. Em uma canção de
Fernando Esquio (n.° 11 40) allude-se à tradição bretã do cavallo-fada :
Disse um infante ante sa companha
que me daria besta na fronteyrâ,
e non será já raurzela, nem veyra
nem branca, nem vermelha, nem castanha;
pois amarella, nem parda non for
a pram será a bestaladrador
que Itíadusam do reino de Bretanha.
Nas lutas de D. Affonso iv contra seu pae el-rei D. Diniz, por causa da preferencia que
este dava ao seu bastardo Aflbnso Sanches, o Conde D. Pedro encontrou-se do lado do prín-
cipe herdeiro : « infante quando soube que seu pae jazia sobre Coimbra, alçou-se de Gui-
marães e chegou a Sam Paulo com o Conde Dom Pedro, seu irmão, que então era exerdado
do reino, e com outros ricos homens e com gram poder de cavalleria, e jouve hi trez dias
rer trégua que houve entre seu padre e elle.» f Apesar de ter soflHdo por causa dos direi-
tos de D. Aflbnso iv, o Conde D. Pedro não achou n'este monarcha o favor de que era digno ;
na canção 1038 queixa-se o Conde dos privados que influíam no animo do monareba,
que eram o bispo eleito de Vizeu, Miguel Vivas, e Moniz Lourenço de Beja :
Os privados que d*el rey ham
por mal de muitos gram poder,
seu saber é juntar aver
e non o comem, nem o dam. . .
' Mon. hist., (Scriptores) p. 256.
LXXIV LOBEIRA E O AMADIS DE GAULA (CAP. IV
Em uma canção de Estevam da Guarda (n.° 927) por isso que fora privado de D. Diniz,
então mal visto na corte de D. Affonso iv, também se acha uma satyra contra «huu, vilãao
rico que avia nome Ruy Fafes, e feze-o el rey flom, a rogo de Miguel Vivas, eleyto de
Viseu, seu privado, porque casou com uma sa sobrinha . . . » 4 Na época em que o Conde es-
tava em conflicto com D. Affonso iv alguns dos seus cavalleiros vassallos passaram para o
monarcha; umasirvente de João de Gaya, escudeiro, apoda «o Cavalleiro Fernão Vasques
Pimentel, que foy primeiro vassallo do Conde D. Pedro », (n.° 1 058) e depois foi ser-
vir o filho de Affonso Sanches e por ultimo « o Infante D. Affonso filho d'el rey Dom Deniz,
que depoys foy rey de Portugal. . .» Conde D. Pedro viveu reconciliado com seu irmão o
resto de seus dias; a poesia estava decahida na corte de D. Affonso iv, e no seu testamento
de 1350 o Conde deixa o Livro das Cantigas a Affonso xi de Castella, com data de 30 de
março; a 26 d'esse mez falleceu o rei de Castella, e o Conde de Barcellos só veiu a morrer
d'ahi a quatro annos. É provável que o Livro das Cantigas não saísse de Portugal, se é que
elle já não estava em poder de Affonso xi.
Tendo fallado na cultura liiteraria dos bastardos de D. Diniz, seria deixar uma solução
de continuidade na historia não procurando os elementos que nos descrevam a actividade
litteraria da corte de D. Affonso iv seu successor. Como ha pouco observamos, este rei lam-
bem era trovador, e algumas canções suas foram colligidas no Cancioneiro de Colocci. Não
é hoje possível alcançar qualquer d'estes monumentos, mas nem por isso faltam as provas
do seu gosto e influencia litteraria. Pôde se dizer que foi o príncipe que melhor com-
prehendeu a transformação do lyrismo provençal; porque, faltando nos uma renascença phi-
losophica neo-platonica para converter a imitação exterior do lyrismo trobadoresco na ex-
pressão do sentimento moderno, como o fez a Itália em Dante e nos Fieis d'Amor, este prín-
cipe influiu na conversão dos lais subjectivos em novelks narrativas, tal como vieram a
prevalecer na Europa. Na sua menoridade D. Affonso fez com que Vasco de Lobeira redigis-
se em prosa a novella do Amadis de Gaula, até então propagada por toda a Europa na for-
ma poética. 1 O nome de Lobeira já Qgura em um trovador da corte de D. Affonso m e de
D. Diniz; é o trovador João Lobeira «natural portuguez, Olho de Pedro Soares de Alvim,» 3
bastardo mas legitimado por D. Affonso iii em 6 de maio de 1272; elle assigna como teste-
munha no testamento do bispo de Lisboa D. Aires Vaz, em 1258; na doação da villa da Lou-
rinhã por D. Affonso m a seu fillw D. Affonso, João Lobeira assigna a confirmação em 1278,
e em 1321 torna a assignar um instrumento de composição de el-rei D. Diniz com a camará
de Lisboa. 4 A phrase de Brandão: «D'este João Lobeira descendem, ao que entendo, os
que ha em Portugal d'este appellido. . .» leva-nos a suppor que Vasco de Lobeira, que es-
crevia ás ordens do Infante D. Affonso, seria seu Olho. Miguel Leite Ferreira, publicando os
Poemas lusitanos de seu pae, o dr. António Ferreira, explica porque é que este quinhentis-
ta compoz em linguagem archaica dois sonetos dirigidos em nome do Infante a Vasco de Lo*
beira; essa linguagem: «se costumava n'este reino no tempo dei rei Dom Diniz, que he a
mesma em que foi composta a historia do Amadis de Gaula, por Vasco de Lobeira, natural
da cidade do Porto, cujo original anda na casa de Aveiro. Divulgaram-se em nome do Infan-
te Dom Affonso, filho primogénito dei rei Dom Diniz, por quam mal este príncipe recebera,
(como se vê da mesma historia) ser a formosa Briolanja em seus amores maltratada.» 5 Por
esta preciosa nota se vc que Vasco de Lobeira, vivendo o pae na corte de D. Diniz, era fi-
dalgo da casa do Infante, e que este lhe fez modificar a redacção do episodio dos amores de
1 À canção 1062, de João de Gaya a hau bispo de Viseu, natural de Aragão, parece referi r-se ainda a Mi-
guei Vivas, privado de D. Affonso iv : n*este caso João de Gaya era partidário do Conde 0. Pedro, c um dos
que o ajudou na compilação do grande Cancioneiro.
■ Vid. as provas no livro Formação do Amadis de Gaula, 1872. Ultimamente o dr.Ludwíg Braunfels pu-
blicou um opúsculo intitulado Krilisclier Versuch iWer dm, tioman Ainadis von GaJUien, Leipzic, 1870, (Kn-
saio critico sobre o Romance de Amadiz de Gaula) no qual sustenta a prioridade da redacção castelhana, re-
pelindo os argumentos já refutados que traz Gayangos, sem o conhecimento dos novos trabalhos publicados
em Portugal. Braunreis refuta o nosso artigo SoSre a origem porlugueza de Amadiz de Gaula ifiivisla de Fi-
lologia Romanza, fase. m, 1873), que é o segundo capitulo da parte segunda do livro supracitado, mas que
elle também desconhece. ITessa refutação os factos são improvisados pelo critico, tacs como: attrilmir-mc o
dizer que António Ferreira foi Bibliotnecario do Duque de Aveiro, ou a confusão de Henrique m com Henri-
3ue ii, que no próprio texto se acha sanada. Outros argumentos contra a prioridade portugueza são inventa-
os pelo próprio tfr. Brauufels, como o dizer que o texto de Azurara, que cita o Amadiz, é inter pol lado por
um commentador! É esta a grande novidade do seu Ensaio critico, que tomou a questão no ponto até onde a
levou Gayangos, e a deixou ficar mais confusa por falta da verdadeira imparcialidade de um methodo scien-
tifico. Depois de estudarmos todas as argucias lógicas de Braunfels, concluímos que os seus argumentos con-
duzem á prova definitiva da redacção portugueza do Amadiz de Gaula, contra a qual até de ironias se serviu.
• Munarchia Luz.,L vi, p. 112.
4 Ibid., t v, p. 521.
• Esta nota deve procurar-se na folha de Erratas da edição de 1598, dos Poemas luzilanos; este aviso é
para que não neguem a sua existência, como ez Gayangos.
CAP. IV) A BATALHA DO SALADO LXXV
«
Briolanja, como ainda se lé na rubrica da mesma novel la do Âmadis de Gaula, apesar da
paraphrase castelhana, que exclusivamente subsiste. O exercício da lingua portugueza na
novel la em prosa era uma consequência das reformas de D. Diniz; a lingua portugueza aca-
bava de ser estabelecida nos tribunaes, nas escripturas publicas e leis. Demais o regimen
trobadoresco decaía, e os jograes, saídos das camadas populares, faziam prevalecer o gos-
to narrativo. Antes de 1325, época do fallecimento de D. Diniz, já na Provença os trovadores
se haviam confundido com os jograes, como se vé por estes versos de Giraud de Riquier :
Pêro tug son joglar
Apelât en Proensa...
Era este o período em que a poesia provençal perdia o seu exagerado subjectivismo, en-
trando de novo em voga as narrativas jogralescas, ou poemas de aventuras, chamados Ro-
nmnz e depois novellas. A creação do Âmadis de Gaula foi uma consequência d'esta trans-
formação histórica, e a D. Aflbnso iv cabe a gloria da comprehensão d'este phenomeno evo-
lutivo, facilitando o descobrimento do género narrativo, que mais tarde se manifestaria na
concepção histórica no inexcedivel Fernão Lopes.
A começar do reinado de D. Aflbnso rv em 1325, dà-se uma certa reacção da poesia cas-
telhana sobre a portugueza, reacção que se tornou crescente e exclusiva, a ponto de per-
manecer preponderante cm todo o século xv, como se vé pelo Cancioneiro de Rezende.
casamento de D. Maria, filha d'este monarcha, com D. Aflbnso xi rei de Castella e de Leão,
estabeleceu relações intimas entre as duas cortes. Aflbnso xi sustentava extemporaneamente
o modo provençal e as Cortes de Amor; D. Aflbnso ív patrocinava o género narrativo. As re-
lações das duas cortes em quanto à actividade jogralesca véem-se n'esta canção de João Ay-
ras (n.° 553) :
Meu senhor rey de Castella
venho-me vós querellar;
eu amey unha donzella
por quem m 'ouvistes trobar. . ,
Se mi justiça non vai
ante rey iam justiceiro,
hir-m'fy ao de Portugal.
Os jograes corriam as varias cortes peninsulares conforme os favores que lhes dispensavam
os monarchas; este João Ayres falia de Portugal, quando descreve cor^o levaria a sua dama :
oa coma do rocim deante,
por caminho de Sampay
passar Minh'e Doir'e Gaia. (n.° 547.)
E em outra canção allude ás suas peregrinações poéticas pelas outras cortes:
Andey, senhor, Leon e Castella
depoys que m*eu d'esta terra quiley,
c non foy hi dona nem donzella
que eu non visse.. . (n.* 536.)
Um suecesso histórico veiu estreitar mais as relações da corte portugueza com a caste-
lhana e inspirar os jograes : foi a batalha do Salado. sultão de Marrocos Abul-Hassan amea-
çava a Hespanha christã com uma invasão ; uma esquadra mourisca derrotara o almirante
Tenório, e Aflbnso xi achava-se sem meios de defeza. Aflbnso rv estava despeitado com Àf-
fonso xi, mas pelos rogos de sua filha que veiu directamente a Portugal para decidil-o a en-
trar na liga, o monarcha portuguez mandou o seu almirante. Micer Peçanha cruzar diante de
Cadiz, apresentando-se elle mesmo em Sevilha para ajudar o rei castelhano na tomada e de-
feza de Tarifa. Decidi u-se em conselho que Aflbnso xi atacaria Abul-Hassan, e Aflbnso rv
acommetleria o rei de Granada. No dia 3 de outubro de 1340 foi o encontro dos exércitos
chrislãos junto do rio Salado, cuja passagem os exércitos mouriscos impediam. Sobrepujada
esta primeira diíficuldade, e coadjuvados pela guarnição de Tarifa, os exércitos chrislãos al-
cançaram uma victoria, que annullou para sempre os terrores de uma invasão mahometa-
na. D. Aflbnso ív voltou para Portugal não querendo tomar parte nos despojos que ficaram
da batalha. Até aqui o facto histórico. No Cancioneiro da Vaticana estão patentes os resul-
tados da sua acção sobre os cantos dos jograes. Nas barcarollas de Joham Zorro achara-se os
eccos do enlhusiasmo popular por esta expedição marítima :
Os meus olhos, o meu eoraçom,
et o meu lume foy-se con el rey. . . (n.° 75Í.)
LXXVI EXPEDIÇÃO A SEVILHA E GRANADA (CAP. IV
As barcarollas de João Zorro têm ar eslruclura das canções populares do século xiy :
151 rey de Portugale
barcas mandou lavrar. (n.° 755.)
En Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandey lavrar;
ay mha senhor velida.
Em Lixboa sobre lo lez
barcas novas mandey fazer ;
ay mha senhor velida. (n.° 754.)
A este tempo também frequentava a corte portugueza o fidalgo trovador Nuno Fernan-
des Torneol, castelhano, que Tez uma linda barcarolla ao facto da expedição marítima :
Vy eu, mha madre, andar,
as barcas en o mar,
e moyro-me d'amor.
Puy eu, mha madre, veer
as barcas em o lez,
e moyro-me d 'amor... (n. 246.)
Em ambas estas barcarollas encontra-se a palavra lez, que segundo a auctorídade de
Sédillot* provém do árabe lezz, ter mão; na linguagem popular portugueza ainda se con-
serva a phrase locutiva «de lez a lez» contraposta a essoutra cede riba a baixo.»
Da marcha de D. Aflbnso iv para Sevilha, acha-se na canção do jogral Ruy Fernandes
clérigo esta allusão no estylo provenç alesco :
•Madre, quer'oj'eu yr veer
meu amigo, que se quer hir
a Sevilha el rey servtr;
ay madre, yr-lo-ey veer. . .
A Sevilha se vae daqui
meu amigo por fazer ben. . . (n.° 520.)
Nas canções de Ruy Martins do Casal também se allude à expedição sobre Granada:
Rogo-te, ay amor, queiras migo morar
tod'este tempo em quanto vay andar
a Granada, meu amigo! (n.° 765.)
A ida a Granada entrava como facto obrigado dos refrens jogralescos; em outra canção
Ruy Martins do Casal remata sempre com o estribilho :
• • . meu amigo, que se foy andar
a Granada por meu amor I dar. (n.° 766.)
Nas canções de Pêro Gonçalves de Porto Carrero, uma d'ellas explica a anciedade das
namoradas que não recebiam novas dos trovadores que estavam na campanha, ou que não
regressavam de Castella :
Par deus, coytada vivo
poys non vem meu amigo,
poys non vem, que farey ?
meus cabellos com sirgo
eu non os liarei. (n.° 505.)
N 9 esta eslrophe allude-se ao symbolo jurídico dos nossos Foraes, o cabello atado, como
signal de casada. Este costume ainda se expressa nos modernos cantos populares :
Menina ate o cabello
Que atado fica- lhe bem,
Se lhe faltarem as fitas
O salgueiro verga tem.
Na segunda estrophe da canção 505, à referencia histórica é ainda mais clara:
Poys non vem de Castella,
non e viv'ay mescla,
ou m'o detém el rey;
mbas toucas da Estela
eu non vos tragerey.
- * Hisl. gènirale da Árabes, t. ti, p. 219.
CAP. IV) O POEMA DE AFFONSO GIRALDES LXXVII
A viuvez, no symbolismo foraleiro, determinava-se pela touca.
Pela época da batalha do Salado, em 1340, e pela rubrica que acompanha a canção de
Aflbnso xi, vencedor a par de Tarifa, logo no principio do Cancioneiro, vê-se que esta vas-
ta collecção foi organisada por occasião das relações amigáveis das duas cortes, e sob o en-
tbusiasmo dos trovadores de ambos os paizes.
successo da batalha do Salado também inspirou os trovadores castelhanas ; na littera-
tura hespanhola d'este período existem dois poemas históricos celebrando esta mesma bata-
lha. Começou então a ser usada a quadra em redondilhas, que se imitou também em Portu-
gal. Os dois poemas castelhanos são a Chronica en coplas redondUlas de Alfonso Onceno,
escripta por Rodrigo Yanes, e achada em 1 575 por Diego Hurtado de Mendoza, em Granada ; e a
Chronica en rimas antiguaà, por Pernam Gonzalves, ambas em octosyllabos. Da poesia his-
tórica de Yanes temos a prova da sua imitação por Aflbnso Giraldes nos seus versos de re-
dondilha em que escreveu a Chronica de D. Aflbnso iv até á batalha do Salado. A noticia mais
antiga d'este poemeto acha-se em Faria e Sousa na Europa portugueza, e a ultima referen-
cia que se fez a elle apresentando alguns-extractos, foi em 1 751 , por Frei Francisco Brandão,
na Monarchia buaitana ; * portanto a sua perda data do grande terremoto de Lisboa, de 1 755.
. Restam d'este poemeto de Aflbnso Giraldes dez quadras, mas por esses vestígios se des-
cobrem algumas reminiscências directas da chronica poética de Yanes. O poema começava,
como o descreve o chronista Frei António Brandão, contando varias guerras antigas das mais
celebres :«emo principio do qual entre outras guerras antigas, se faz menção (Testa, que
o Abbade João teve com os mouros e com seu capitão Almançor.»* Por esta descrípção vé-se
que era a quadra seguinte uma das primeiras do poema :
Outros falam de gram razão
De Bistoris, grano sabedor,
£ do Abbade Dom João,
Que venceu Rei Almanzor.
A guerra de Bistoris, aqui citada, viria como allusão à extraordinária façanha de Eleazar,
que nos desfiladeiros de Betzacharah para salvar os israelitas, vendo o rei Antiocho Eupa-
tor montado sobre um elephante, atravessou denodado o exercito inimigo, e com a lança
varou o ventre do animal couraçado por todos os outros pontos. 3 Betzacharah é o mes-
mo que Bistoris, na linguagem vulgar, como Averroes se converteu da forma Ibn-Roschd.
A lenda do Abbade João de Monte-Môr, era um d'esses episódios épicos das lutas de ex-
termínio entre christãos e árabes ; (Testa luta subsiste ainda na forma poética a lenda do
Figueiral, colligida desde o século xv no Cancioneiro do Conde de Marialva, porém a lenda
do Abbade João, pelo seu caracter religioso foi absorvida pelos eruditos ecclesiasticos, e es-
terilisou-se na forma de relação em prosa. Na primeira metade do século xvi faltava Fernão
de Oliveira d'esta lenda, e explicava as façanhas do Abbade João referindo-se com uma ad-
mirável lucidez à sociedade mosarabe: « E só esta nossa terra Portugal, na Hespanha, quan-
do os Godos com seus costumes bárbaros e viciosos perderam a Hespanha, teve sempre ban-
deira nunca sujeita a mouros; mas muitas vezes contr'elles victoriosa : como foi a do Santo
Abbade João de Monte-Môr o qual confessam todos, que corria a terra dos mouros como d'imi-
gos e não como de senhores. E esta é a verdade, que em Portugal sempre houve lagares de
christãos, porque se assim não fora que na Estremadura não houvera logares de christãos,
não se atreveria o Abbade João, que era homem prudente, a sayr traz seus imigos por suas
terras d'esses imigos por espaço de jornadas com pouca gente.» i Era n'estes logares de
christãos encravados na conquista árabe que se elaboravam as tradições épicas dos Roman-
ceiros, ou Aravias, que se conservaram no elemento mosarabe da nacionalidade portugue-
za. O poema de Aflbnso Giraldes referia-se a estas tradições nacionaes, mas a tendência his-
tórica escravisava-o á narrativa prosaica ; elle descreve o nascimento de D. Aflbnso iv, a
sua educação e casamento, e como mandou usar aos Mudjares o distinctivo das almexias ;
depois descreve a batalha do Salado, referindo-se ao alferes de Portugal Gonçalo Gomes de
Azevedo. 6 O estylo d'estas quadras em redondilhas mostra que a tradição provençal tendia
a ser abandonada na corte portugueza; foi então que se vulgarisaram as prophecias de Mer-
lim em Portugal, e o Leão dormente e o Porco espinlio vieram ainda a figurar mas já sem
sentido na tradição provincial nas Prophecias de Bandarra, do principio do século xvi. A tra-
dição da batalha do Salado chegou até a Camões, formando um dos mais lindos episódios
1 Tomo vi, p. 106.
1 Mon. luzií., Part. ra, iiv. x, cap. 45.
* Naccab., i, 6, e 14.— Josepho, Anlig. judaicas, xn, 9.
• Grammalica da linguagem portugueza, p. 11. Ed. 1871.
' Antologia portugueza, n.* 41.
LXXV1II INFLUENCIA DE D. PEDRO I, NA POESIA (CAP. IV
dos Luziadas: «Entrava a formosíssima Maria. . .» Depois da morle de Àffonso xi de Cas-
tella, alguns castelhanos refugiaram-se na corte de D. Affonso iv; entre esses podemos citar
o nome do trovador Mem Rodrigues Tenoyro. As suas canções são das mais bellas do Can-
cioneiro da Vatíca)ia, e escriptas na língua portugueza exprimem a sua saudade :
Se eu pudess'yr hu mha senhor é
ben vos juro que querria hir. (n.° 9.)
Quando m'eu mui triste de mha senhor
mui fremosa sem meu grado parti. (n.° 12.)
Depois que o infante filho de D. AíTonso rv subiu ao throno em 1357, tratou de se vin-
gar dos assassinos de lgnez de Castro. trovador Mem Rodriguez Tenoyro foi entregue a
Pedro o Cruel em troca de um dos assassinos, sendo immediatamente executado. 1 Com a
morte quasi consecutiva de AíTonso xi, do Conde D. Pedro e de D. AíTonso iv, a poesia pro-
vençal palaciana perdeu os seus cultores; e a aristocracia entrando na luta contra o poder
real calava-se por um momento. Na Bibliollieca lusitana de Barbosa, D. Pedro i ainda é ci-
tado como trovador, attribuindo-se-lhe uma poesia em castelhano tirada do Cancioneiro ma-
nuscripto do padre Pedro Ribeiro ; mas essa poesia pertence em parte a el-rei D. Pedro, fi-
lho do Duque de Coimbra, e a outra parte é evidentemente da escola italiana do século xvi.
Pôde -se dizer que por isso mesmo que não foi trovador é que a poesia não se cultivou na
sua curte. No Cancioneiro encontra-se um fragmento da canção de Álvaro Affonso «cantor do
senhor Infante, a um eschollar» (n.° 4 10) chamado Luiz Vasques; o facto de ser escolar, ma-
nifesta-nos que já estava creada a universidade, e portanto, que Álvaro Aflbnso pertencia ao
séquito jogralesco de D. Aflbnso iv, ainda infante. Se o Cancioneiro fosse organisado sob a
influencia poética da corte de D. Aflbnso iv, por certo que existiriam d'este jogral mais al-
gumas composições colligidas; mas organisado sob a direcção e gosto do Conde D. Pedro,
elle compilou tudo o que pertencia â sua época, que acabava. A Pergunta de Álvaro Affonso
encerra um fragmento de pastorella popular, de que ha reminiscências nos fragmentos tra-
dicionaes conservados por Gil Vicente :
A terra de Cintra, a par d'esta serra,
vy huã serrana que bradava guerra.
Nos versos de João Ayras, também se refere o nome de um outro «cantor» chamado
Fruitoso, que trocou o nome pelo de Ruy Marques. (n.° 642.) A designação de cantor não se
confunde com a de jogral, porque significava os que sabiam o cantochão melódico, usado
nas canções eruditas e nas capellas regias. D. Pedro i substituiu os cantores por trombetei-
rtfs, mais em harmonia com os divertimentos venatorios do monarcha.
costume legalisado nas Leis de Partidas, teve a sua maior influencia na corte de D. Pe-
dro i, o amante de lgnez de Castro; as Summas moracs do século xm haviam condemnado
as musicas das canções amorosas como licenciosas, e D. Pedro em vez dos três jograes do
paço, como se estatuía no Regimento da Casa de D. Affonso ih, apenas conservou dois cor-
neteiros, que o acompanhavam. jogral leonez Joham, celebrando a generosidade da tença
que lhe dava D. Affonso rv, (canç. 707) louva também o príncipe herdeiro, notável então pela
sua valentia e aventuras perigosas da caça :
et o infante Dom Pedro
seu filho, que s'avenlura
a hu çranaurso matar,
et desi et sempre cura
d'el rey seu padre guardar.
Este caracter impetuoso de D. Pedro i não proveiu do desgosto pelo assassinato de lgnez
de Castro, e foi esse caracter que influiu na decadência das canções amorosas na sua corte.
Na canção 935, de Joham Fernandes Dardeleyro, parece-nos achar uma allusão à fuga de
Pedro Coelho, um dos assassinos de lgnez :
Pêro Coelho é deytado
da terra pellos meirinhos,
porque britou os caminhos ;
E foy-se elle morar a França
et desemparou sa terra,
cá non quis com el rey guerra. . .
E foy-se el morar a Coyra,
que é terra muyfesquiva.
1 Fernão Lopes, Clxron. de D. Pedro, cap. 31.
CAP. V) HISTORIA EXTERNA DO CANCIONEIRO LXX1X
A morte do Conde D. Pedro em 1354 e a elevação ao throno de el-rei D. Pedro em 1357,
decidem da completa decadência da poesia lyrica em Portugal. gosto da capa prevaleceu
sobre o gosto da poesia; no Libro de Monteria escript© por el-rei D. João i, se determina
claramente esta transformação : « Porém nós vendo em como o joguo de andar a monte era
tam boom, e tam proveitoso, que em sua bondade passa todolos os joguos, a que hora di-
zem manbas, e em seu ser para se os homens por elle poderem aproveitar mais que ne-
nhum dos outros de que os homens agora usam, e assi mesmo em como elle era em si mais
alta cousa e roais proveitosa que algumas outras, de que se trabalham de fazer libros assi
como de Falcoaria e de Cantigas e de outras cousas e artes, que muito menos que esta apro-
veitam. . .» l D. João i obedecia ao instincto hereditário de seu pae, apreciando mais a caça
do que a poesia. No poema de Berlrand du Guesclin, descreve-se os usos da corte de D. Pe-
dro i, e a paixão que havia pelos torneios violentos, em que figuravam os aventureiros bre-
lãos, como um certo La Barre* No ultimo quartel do século xiv ficámos sob a dependência
litteraria de Castella. Faltava- nos a inspiração e originalidade lyrica, e por isso antes de imi-
tarmos João de Mena, Padron ou Stuniga, traduzimos as poesias do Arcipreste de Ilita e al-
guns cantos sacros de Ilernam Perez de Gusraan. 3
CAPITULO Y
CANCIONEIRO DA VATICANA E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS
CANCIONEIROS DOS SÉCULOS XI li E XIV
N'este códice encontram-se as nossas origens litterarias, e as relações intimas que filiam
a litteratura portugueza no grupo das litteraturas românicas da edade media da Europa ;
aqui se acham representadas as duas correntes da inspiração popular e palaciana ou eru-
dita, bem como os costumes de uma sociedade que nos é desconhecida, mas d'onde pro-
viemos ; os suecessos históricos ahi tém a sua nota accentuada ; os nomes que figuram nas
lendas genealógicas e nos feitos de armas no período da constituição da nossa nacionalidade
ahi se encontram assignando os mais saborosos cantares consagrados ás damas da corte, que
serviam. Finalmente, é este o documento mais vasto em que alingua portugueza se ma-
nifesta no seu esforço para de inconsistente dialecto românico se tornar uma língua escripta
com uma grammatica fixa. Um livro assim, onde se acha representado o melhor da nossa
antiga poesia durante os séculos xm e xiv, é a jóia de uma bibliotheca. Como nos mostra-
remos gratos ao estrangeiro que vem augmentar os nossos thesouros históricos e restituir-
nos o fio perdido da nossa tradição nacional ? Estudando o livro.
A primeira questão que o Cancioneiro portuguez do Vaticano suggere é determinar as suas
relações com os antigos cancioneiros provençaes portuguezes em grande parte perdidos ;
esta circumstancia complica o problema critico, e por isso importa bem determinar apro-
ximadamente o numero d 'esses cancioneiros para se fazer o processo de filiação. Tal é o in-
tuito d^ste nosso estudo, bastante restricto, porque determinar o valor histórico do Cancio-
neiro pelas correntes litterarias n'elle representadas, pela allusão aos grandes suecessos,
pelo uso de dadas formas poéticas, pelas personalidades dos principaes trovadores e pelo
estado da lingua portugueza, é uma exploração de tal forma vasta, que qualquer d'estas
questões excede a competência de um individuo isolado. Começamos a critica externa do
Cancioneiro, enumerando todos os cancioneiros portuguezes dos séculos .xm e xiv que con-
tribuíram para a sua formação, procurando ao mesmo tempo o nexo que existiria entre el-
les, e pelas divergências de texto quaes as collecções que se perderam sem chegarem a ser
conhecidas.
i. Livro das Cantigas do Conde de Barcellos.
No testamento do Conde D. Pedro, feito em Lalira em 30 de março de 1350, se lé a
clausula: «Item, mando o meu Livro das Cantigas a el rei de Castella.» Interpretando esta
* Libro de Montaria, fl. 3. (Bibliotheca nacional.)
' Vid. Formação do Amadis de Gaula.
1 Um fragmento de traducçâo das poesias do Arcipreste de Hita existe na Bibliotheca do Porto, n.' 785,
junto ao Liber Geslorum Bartaam et Josaphat, e por nós publicado no nosso estudo sobre a Formação do
Amadiz de Gaula, p. 271; as estrophes d'essc fragmento correspondem aos números 90 a 93, 95 a 100, e 113
a 120 de Hita. Um outro fragmento cortado, corresponde aos números 59 a 60 e 61 a 62, e só pela compara-
ção ó que liça legível.
LXXX O LIVRO DAS CANTIGAS (CAP. V
clausula, Varnhagen quiz por ella atribuir o Cancioneiro da Ajuda ao Conde de Barcellos,
imprimindo-o em 1849 n'esse presupposto, com o titulo de Trovas e Cantares. . . oucmtes
mui provavelmente o Livro das Gfintigas do Conde de Barcellos. Esta hypothese cedo caiu
diante da evidencia dos factos; mas além (Teste primeiro erro, existe n'esta aflirmação um
outro, que é o julgar o Livro dás Cantigas formado de canções unicamente compostas pelo
Conde de Barcellos. Era antigamente vulgar terem os príncipes cancioneiro seu, como obje-
cto sumptuário, isto é, uma collecção contendo as melhores poesias do seu tempo ; sabendo-
se a tendência compiladora e erudita do Conde D. Pedro, e a amisade com a aristocra-
cia porlugueza e gallega por causa do seu Nobiliário, é mais no espirito da historia littera-
ria a hypothese, que o Livro das Cantigas era seu pelo facto material da propriedade ou da
colleccionação, e que este titulo designa um cancioneiro contendo composições de diversos
trovadores. Vamos fundamentar esta hypothese.
Algumas rubricas do Cancioneiro da Vaticana historiam incidentemente a formação
d'este grupo de composições; na canção 1 138, referindo-se a duas cantigas de um judeu de
Elvas, se lé : «e porque è bem, que o ben que home faz se non perca, mandamal-o screver
et non sabemos mais d' da mais de duas cobras, a primeira de cada huma.y* Conclue-se
d'aqui que se fazia uma compilação por ordem superior, e por um amanuense ; o único fa-
cto positivo que coincide com este é a formação do Livro das Cantigas, do Conde D. Pe-
dro. Portanto podemos ter como certo que o Cancioneiro da Vaticana, isto é, apographos,
e autographo, á parte a questão das suas interpollações, serão os borradores do Livro das
Cantigas que se ia copiando era pergaminho. Pela rubrica da canção 1 138, vê-se também
que o Conde, ou quem mandara coiligir as cantigas, explorava a tradição oral, longe mesmo
da corte e das classes aristocráticas. Havia o intuito de formar uma vasta compilação ; nin-
guém estava em relações mais especiaes para isto do que o Conde D. Pedro.
A rubrica da canção 1058 encerra factos passados entre o Conde D. Pedro, D. João Af-
fonso de Albuquerque e o Infante D. Affonso que succedeu a D. Diniz ; por aqui se vé que
estas referencias eram sabidas e escriptas por quem estava na intimidade d'estes perso-
nagens.
A época d'esla colleccionação pôde flxar-se depois de 1329, anno em que morreu D. Af-
fonso Sanches, que se acha ahi representado com canções transcriptas de versões oraes, si-
gnal de que já não pôde contribuir com composições de correcção proveniente da forma es-
cripta; e terminou, como se sabe pela letra do testamento de Lalim, em 1350. Gastou pelo
menos vinte annos em coiligir de todo o reino esse grande monumento da litteratura da eda-
de media porlugueza.
É muito natural que o Conde se servisse de cadernos existentes desde o tempo de D. Af-
fonso iii, como nos leva a induzir a canção n.° 1032; eram os reis e os príncipes que for-
mavam os Cancioneiros, porque só elles podiam pagar a amanuenses e a recitadores (dize-
dores) ou alcançar dos fidalgos as suas canções. Na canção 1032 o jogral leonez Lourenço
vangloria-se de serem os seus cantares colligidos em todas as cortes :
Rodrigu'Eannes, hu meu cantar for
non acha rey nem emperador
que o non colha, muy ben eu .o sey.
Pelo conteúdo do começo do Cancioneiro que pertenceu a Colocci, e porque no códice
da Vaticana mais de uma vez se citam as formas poéticas bretãs dos lais, podemos concluir
que esses cincos lais pertenceriam ao Livro das Cantigas, o qual foi encorporado em uma
grande collecção formando talvez a parte que vae até às canções de el-rei D. Diniz que eram
também um cancioneiro avulso. Por este mesmo códice de Angelo Colocci, de que resta o
indice, achamos que antes da parte que constituo a collecção de el-rei D. Diniz, estavam
colligidas varias canções de D. Affonso Sanches, bastardo do rei, as canções de D. Affonso ix
rei de Leão, as de D. Affonso xi de Castella, e depois d'estas as do próprio Conde de Barcel-
los, que são ao todo nove, e também as de seu irmão el-rei D. Affonso iv. Não era qualquer
compilador ocioso que poderia satisfazer a sua curiosidade obtendo d'estes príncipes e mo-
narchas as canções mais ou menos pessoaes; o Conde de Barcellos estava em uma posição
especial, sabia metriflcar, era estimado na corte de D. Diniz e na de Affonso xi, e tendo pas-
sado algum tempo em Hespanha de lá podia trazer canções de vários trovadores que nunca
estiveram em Portugal. Portanto o seu Livro das Ccmtigas fora formado n'estas condições
particulares, e o apreço que se lhe ligava é que fez com que o deixasse em testamento ao
elegante trovador Affonso xi de Castella. A posse de um livro de cantigas era quasi um titu-
lo nobiliarchico ; na cainção 76 da Vaticana, feita á maneira de sirvente por Affonso rx con-
CAP. V) CANCIONEIRO DE D. DINIZ LXXXI
Ira e Dayao de Calez, diz que elle tinha um Livro de Sons, por meio do qual seduzia todas
as mulheres. Foi também pelo seu gosto pela poesia provençalesca que o Conde de Barcel
los manteve a sympathia de D. Affonso iv, e de Âffonso xi, e por isso em uma canção de lou-
vor é chamado o irmão tio d'el rei. Por tudo isto é mais crivei que o Livro das Cantigas do
Conde fosse o primeiro núcleo com que se formou por juxtaposição o grande Cancioneiro
portuguez, do qual um dos apographos é o códice da Vaticana; dizemos por juxtaposição,
porque se lhe segue o de el-rei D. Diniz, e porque muitas canções do códice de Roma se
acham ahi mesmo repetidas, indicação inevitável de terem sido colligidas de fontes diversas
independentes. Quando o Conde D. Pedro falleceu já era morto Affonso xi, e isto explica co-
mo poderia exlraviar-se em Castella esse Livro das Cantigas, e como Pêro Gonçalves de
Mendoza viria a obter a copia que se guardava em um grande volume em casa de D. Mecia
de Cisneros, e pela primeira vez citada por seu neto o Marquez de Santillana.
ir. Livro das Trovas de El-rei D. Diniz.
corpo fias canções de el-rei D. Diniz occupava uma grande parte do códice de D. Me-
cia de Cisneros ; occupava também uma parte importante no apographo de Coloccí, bem como
no códice da Vaticana. modo como esta grande quantidade de canções de el-rei D. Diniz
entrou em uma vasta compilação explica-se naturalmente, por isso que pelo Catalogo dos li-
vros de uso de el-rei D. Duarte acha-se citado o Livro das Trovas de el-rei D. Diniz, do qual
se pôde inferir terem existido varias copias, porque o numero das canções varia entre as
enumeradas no indice de Colocci e as contidas no códice da Vaticana, contando este ultimo
cincoenta e uma canções a mais. Alem disso, na parte do códice que encerra as canções de
D. Diniz, a canção 116 acha-se repetida outra vez sob o n.° 174 com variantes e differente
disposição de estrophes, o que denota que essa parte foi compilada de copias secundarias,
mas classificadas, como vemos pelo titulo das Cantigas de Amigo dado a um certo género
de canções, especialmente de imitação popular. É provável que os autographos que serviam
para os traslados nitidos dos amanuenses fossem por vezes aproveitados por outros compi-
ladores ; de el-rei D. Diniz andava também um códice poético em poder dos Freires de Christo
de Thomar. Os muitos jograes da Galliza, de Castella e de Leão, que frequentavam a corte
de D. Diniz, também Colligiriam esses corpos de canções de SerranUha e de Mal-dizer que
os privados dos monarchas trovaram, e que elles decoravam para cantarem de ofBcio. Os
jograes formavam collecções dos melhores cantares para recitarem ou acompanharem à ci-
tola, pelo que recebiam dinheiro ; o costume de ter jograes de Segrel ao serviço da casa real
desde Affonso m, levava também a formar estes pequenos cancioneiros escolhidos.
hl O Catfcioneiro da Ajuda (ou do Collegio dõs*Nobres.)
O facto de se encontrarem cincoenta e seis canções communs ao códice da Ajuda e da
Vaticana, torna indispensável o resumir aqui o que se sabe da historia externa do Cancio-
neiro da Ajuda. As suas folhas são de pergaminho, a duas columnas, com pauta para a mu-
sica das canções que se deveria escrever em seguida, com varias vinhetas separando os
diversos grupos de canções de cada trovador e com letras historiadas. O cancioneiro está
truncado, pois que começa na folha 41, e não existe o final, não só por incúria dos possui-
dores, que o baralharam encadernando-o tumultuariamente com o Nobiliário, grudando al-
gumas folhas às capas, mas também porque o estado da copia, sem assignatura ou designa-
ção dos trovadores, letras historiadas incompletas, e falta de notação musical, nos revelara
que o códice não foi dado por acabado. Esta collecção começou-se ainda no reinado de D. Di-
niz, porque ju alando -se as folhas lé-se escripto no corte cTellas : Rei Dom Diniz, e d'isto tam-
bém se pôde deduzir, que se não perderam muitas folhas do principio e do fim. Doeste có-
dice foram encontradas mais 24 folhas avulsas na Bibliotheca de Évora, e é tradição corrente
que na de Coimbra existiram algumas outras também.
A inspecção do códice da Ajuda, confrontado com outros códices europeus, mostra-nos
que elle pertencia indubitavelmente a diversos trovadores; Varnhagen notou que existiam
dezeseis vinhetas imperfeitamente coloridas, que estão desenhadas junto às canções, 2, 36,
37, 149, 157, 170, 173, 184, 190, 231, 233, 249, 253, 255, 259 e fragmento h. (Notas às
Trovas e Cantares, p. 348.)
Alem d'este vestígio paleographico, o confronto com o códice da Vaticana levou a achar
os seguintes trovadores, communs aos dois Cancioneiros: Pêro Barroso, Affonso Lopes Baião,
Mem Rodrigues Tenoyro, João de Guilhade, Estevam Froyam, João Vasques, Fernão Velho,
K
LXXX1I CANCIONEIRO DA AJUDA (CAP. V
Ayres Vaz, D. João de Aboim, Pêro Gomes Charrinho, Ruy Fernandes, Fernam Padrom, Pêro
da Ponte, Vasco Rodrigo de Calvelo, Pêro Solaz, Pêro d'Armea e João de Gaia. Todos estes
nomes são de fidalgos grandes privados de el-rei D. Diniz, e alguns já figuram em doações
de D." Affonso m, como D. João de Aboim e Aflbnso Lopes Baião ; Mem Rodrigues Tenoyro vi-
via na corte de D. Affonso iv, e foi entregue a Pedro Cruel em troca dos assassinos de Ignez
de Castro. 1 A parte não assignada e que não se encontra no Cancioneiro da Vaticcma será
porventura o corpo das canções escriptas durante o tempo em que a corte de D. Affonso ni
esteve em Santarém. Alem disso a parte commum tem a particularidade de conservar a
mesma ordem nas canções, e ao mesmo tempo as variantes mais fundamenlaes n'essas li-
ções. D'aqui se conclue que já existia um Cancioneiro organisado, d'onde este da Ajuda estava
sendo trasladado, mas que cTesse cancioneiro existiam diíTerentes copias formadas, não di-
rectamente sobre elle, mas por meio dos cancioneiros particulares que o constituíram. A
parte não commum ao códice de Roma, prova-nos lambem que alguns desses cancioneiros
parciaes se perderam, ou eram já tão raros que não chegaram a ser encorporados na collec-
ção. Admiltida a hypolhese de que o Cancioneiro da Ajuda; pelo facto de ter pertencido a
el-rei D. Diniz e de andar encadernado junto- do Nobiliário do Conde D. Pedro, fosse o pró-
prio Livro das Cantigas, como primeiro quizVarnbagen, o facto de apparecerem ahi outros
trovadores prova nos a nossa hypolhese, que o Conde D. Pedro compilara sob esse titulo as
canções dos trovadores seus contemporâneos. numero de vinhetas imperfeitamente colo-
ridas do Cancioneiro da Ajuda são dezeseis ; isto leva a inferir que esse códice era formado
de dezeseis corpos de canções que pertenciam a dezesete trovadores. De facto a coincidên-
cia aqui é pasmosa; o numero dos trovadores communs ao Cancioneiro da Ajuda e da Va~
ticana é de dezesete ! Note-se que este numero é o que se perfaz com os nomes de Fernam
Padrom, João de Gaya e Pêro d'Armea, que achamos alem d'aquelles que primeiro desco-
briu Varnhagen. D'este numero se tira a conclusão que o Cancioneiro da Ajuda pertence
exclusivamente a esses dezesete trovadores, e que as cincoenta e seis canções communs ao
Códice da Ajuda eram as que andavam por cancioneiros parciaes, como as mais conhecidas,
e pelas variantes que apresentam, as mais repetidas. Alem d'isso, pôde suppor-se que o
Cancioneiro da Ajuda não foi acabado, porque o estylo limosino em que está escripto pas-
sou de moda, preferindo-se os Cantares de amigo, as serranilhas, as pastorellas, os lais e
as sirventes, mudança de gosto proveniente da grande affluencia de jograes gallegos, leone-
zes e castelhanos á corte de D. Diniz; e sob o gosto da corte de D. Affonso rv prevaleceram
também as canções e musicas bretãs, cuja corrente parece ainda reflectida no Cancioneiro
da Ajuda,' em um remotíssimo vestígio, no fragmento de canção em que se lé a palavra
guarvaya, com que o trovador allude aos seus infelizes amores. Nas Leges Wallice, xxni, i,
encontra-se o dom das núpcias, kyvarus, que se pagava ao canlor da corte: «Penkered
(musicus primarius) debet habere mercedes de filiabus poetarum sitri subditorum ; habebit
quoque munera nuptiarum, id est kyvarus neythans, a fenflnibus nuper datis, scilicet xxiv or
denarios». 1 A connexão histórica e a interpretação litleral mostram que a guarvaya do tro-
vador portuguez é o mesmo facto ou costume bretão kyvarus; a verificação pelos proces-
sos da alteração phonetica pertence para outro logar. Em todo o caso este vestígio é um dos
nexos mais Íntimos que se pôde achar com o códice perdido de Colocci, em que estavam já
colligidos alguns lais bretãos.
A musica do Cancioneiro da Ajuda também foi abandonada, porque foram substituídos
nos costumes outros instrumentos e outras tonadilhas; no poema francez de Bertrand Du
Guesclin, falla-se de cantores bretãos na corte de D. Pedro i de Portugal. Foi já n'esta nova
corrente poética e com o fervor que ella despertara que se começou a formar o vasto can-
cioneiro, de cuja existência se sabe por quatro apographos. Cremos que o compilador que
trasladou ou organisou o texto authentico d'onde saiu o apographo do Vaticano, não soube
da existência do Cancioneiro da Ajuda, apesar das cincoenta e seis canções communs a am-
bos. Este facto será mais amplamente explicado.
iv. Cancioneiro de D. Mecia de Cisneros.
Na Carta ao Condestavel de Portugal, escripta antes de 1449, o Marquez de Santil-
lana, no § xv, diz que se recordava de ter visto, quando era bastante menino, em poder de
sua avó D. Mecia de Cisneros, entre outros livros, tum grande volume de cantigas. . .» O Mar-
quez de San til lana nasceu em 1398, e sua avó D. Mecia, na companhia da qual passou a sua
1 Fernão Lopes, Chron. de D. Pedro i, cap. 31.
1 Leges Watlice, p. 779, 861.
CAP. V) CANCIONEIRO DE D. MECIA DE CISNEROS LXXX1II
infância, morreu em dezembro de 1418, em Palencia. Em primeiro logar, o grande volume
de Cantigas e outros livros, citados na carta, existiam em casa de D. Mecia de Cisneros por-
que provinham de Garcilasso de la Vega e de Pêro Gonzales de Mendoza, como claramente
o aflirma Amador de los Rios : «passo su infância encasa Dona Meneia de Cisneros, su abuela,
dondo hubo de aGcionar-se à la lectura de los poetas en los códices que poseyeron Garci-
lasso de la Vega y Pêro Gonzales de Mendoza» 4 . . . Garcilasso de la Vega, bisavó do Mar-
quez, morrera em 1351, e esta data, e as suas relações de parentesco com a aristocracia
porlugueza* explicam como a elle ou a Pedro Gonzales de Mendoza chegou o volume das
cantigas. Portanto esse grande cancioneiro não existia em Hespanha poucos annos antes de
1351 e foi pouco antes de 1418 que o joven Marquez de Santillana o consultou. Pedro Gon-
zales de Mendoza era também poeta da corte de D. Pedro e de D. Henrique, (Amador de los
Rios, op. cit., p. 623) e isto mostra o interesse que o levaria pelo seu lado a conservar o
grande Cancioneiro portuguez.
A descripção que faz o Marquez de Santillana d'esse códice, coincide com o que existe
na Bibliotheca do Vaticano em copia do século xvi : «ungi*ande volume de Cantiga* serra-
nas e dizeres portuguezes e gallegos.» São ao todo mil duzentas e- cinco cantigas compostas
no género descripto por Santillana, e os poetas são em grande numero gallegos. Em segui-
da acrescenta: «dos qucwsamaior parte era do rei D. Diniz de Portugal.» Efectivamente
o trovador que mais canções apresenta no códice da Vaticana é el-rei D. Diniz, cujas compo-
sições estão compiladas entre o numero 80 e 208, sendo ao todo cento vinte e nove. Ac-
crescenta mais o Marquez de Santillana: «cujas obras aquelles que as liam, louvavam de
invenções subtis, e de graciosas e doces palavras.» Esta aífir mação, sabendo-se que. o Mar-
quez escreve sobre uma recordação da sua infância, não podia resultar se não dos gabos
ouvidos a Pêro Gonzales de Mendoza, poeta do Cancioneiro de Baena, gabos que fizeram com
que o livro se conservasse em casa de D. Mecia de Cisneros, e d'onde se tirara por ventura
essa outra copia que hoje existe em poder de um grande de Hespanha, segundo uma afir-
mação de Varnhagen. N'esta mesma Carta ao Condestavel de Portugal, allude o Marquez
aos talentos poéticos de seu avó e cita varias das suas composições: *E Pêro Gonzales de
Mendoza, meu avô, fez boas canções.» Cremos que por esta via é que o cancioneiro foi co-
piado para Castella, copiado dizemos nós, porque se conforma com um grande cancioneiro
já organisado, de que o de Roma é um apographo terciário. Marquez de Santillana cita de
memoria os principaes trovadores que vira transcriptos n'essa vasta collecção: «Havia ou-
tras (se. canções) de Joham Soares de Paiva, o qual se diz que morrera em Galliza por amo-
res de uma infanta de Portugal; e de outro Ferrant Gonçalves de Senabria.» Pela referencia
a estes dois trovadores se vc qual o estado do cancioneiro manuscripto ou volume de Can-
tigas de D. Mecia de Cisneros. No apographo da Vaticana se acha uma canção de João Soa-
res de Paiva, quasino fim da collecção, (n.° 937) ao passo que no cancioneiro que perten-
ceu a Colocci e de que apenas resta o índice dos trovadores (cod. vat. n.° 3217) se acha
logo sob o numero 23 o nome de João Soares de Paiva com sete canções suecessivas. Em
seguida a este trovador cita Ferrant Gonçalves de Senabria, porém no Códice de Colocci
acha-se sob o numero 384 citado Gonçalves de Seaura com dez canções a seguir. Isto con-
corda com a phrase do Marquez, referindo-se a essas canções: «Havia outras. . .» O moti-
vo d'esta referencia especial seria por ter este trovador o appellido de Gonçalves, de seu
avô, e por isso ainda pertencente à sua linhagem. No Códice da Vaticana agora publicado,
acha-se um fragmento de canções de Fernão Gonçalvis, e só sob o numero 338 outra can-
ção de Fernão Gonçalves de Seabra, a qual corresponde segundo Monaci ao numero 737 do
Códice perdido de Colocci.
Portanto, o Cancioneiro de D. Mecia de Cisneros era completo pelo que se deduz da ci-
tação destes dois trovadores, cujas obras se achavam antes da folha 42 do actual Códice
Vaticano, na qual começa. No cancioneiro de Colocci, em vez de cento e vinte nove canções
el-rei D. Diniz é representado com setenta e oito; mas ainda assim era uma grande collecção
para o Marquez poder dizer d'ella em relação ao volume das cantigas «uma maior parte.»
Em seguida a estas preciosas referencias cita também na sua Carta Vasco Peres de Camões,
poeta do Cancioneiro de Baena e contemporâneo de Pedro Gonçalves de Mendoza, por cuja
via seria conhecido em casa de D. Mecia de Cisneros, e pelos eruditos que tinham o cuida-
do da educação do Marquez. Por ultimo infere-se que o Códice de D. Mecia era uma copia
castelhana, porque transcreve o nome de Fernão em Ferrant, e o de Seavra em Senabria,
o que se não pôde attribuir a vicio de orthographia do Marquez de Santillana. Estes tópicos
1 Obras dei Marquez de Santillana, p. xx.
* Mon. Iiisl., (Scriptores), p. 387; Sá de Miranda, Elegia á morte de Garcilasso.
LXXXIV CANCIONEIRO PERDIDO, DE COLOCCI (CAP. V
bastam para considerar a copia de D. Mecia mais próxima do texto autographo do que a da
Va ti cana.
v. Cancioneiro de Angelo Colocci.
(Catalogo di Âutori portogliesi compilato da Angelo Colocci sopra tm anlico
Canzoniere oggi ignoto. Ms. 3217 da Bibl. Vat.)
illustre editor Ernesto Monaci ao estudar o manuscripto do Cancioneiro da Bibliotheca
do Vaticano, n.° 4803, pelas referencias do texto e paginação de um outro códice ali inter-
calladas, reconheceu que deveriam ter existido duas fontes para este apographo. Nas suas
investigações na opulenta Bibliotheca do Vaticano teve a felicidade de descobrir o Catalogo
dos Trovadores portuguezes no manuscripto 3217, o qual combina na maior parte com o
dos Trovadores do Cancioneiro n.° 4803, sendo as emendas d'este ultimo códice da mesma
letra do indice escripto pelo philologo Angelo Colocci, erudito italiano do século xvi. É cer-'
to que o Cancioneiro da Vaticana pertenceu primeiramente a Colocci antes de vir a ser
propriedade da Bibliotheca vaticana; Colocci era um d'esses distinctos eruditos italianos do
fim do século xv, que colligiram manuscriptos de todos os paizes e cuja opulência se distin-
guia pela formação de ricas livrarias, taes como Leão x, Bembo, Orsini, e outros tantos.
Colocci morreu em 1549, tendo a sua livraria soflrido bastante no saque de Roma pelo Con-
destavel de Bourbon em 1527. Portanto, entre estas duas datas é que se teria perdido esse
graftde cancioneiro, do qual apenas resta o Catalgo dos Auctmes portuguezes, e que a Bi-
bliotheca do Vaticano adquirira o Cancioneiro n.° 4803, apographo de um outro perdido,
mas emendado pela mão de Colocci sobre o exemplar hoje representando unicamente pelo
indice.
Antes de examinar qual a riqueza da livraria de Colocci em manuscriptos portuguezes,
surge a questão mais diflicil de resolver: Como vieram estes vários cancioneiros portugue-
zes para as livrarias italianas ?
Sabe-se que os pontífices mais instruídos mandavam procurar em todos os paizes os
mais preciosos manuscriptos; de Leão x escreve Guinguené: «Não poupava despezas nem
rodeios junto das potencias estrangeiras para fazer procurar nos paizes mais remotos e até
nos estados do norte livros antigos ainda inéditos.» 1 modo como estes rodeios eram eífi-
cazes, explica-se pela prohibição de certos livros e pela instituição da censura, que já no sé-
culo xv se exercia em Hespanha e em Portugal, como vemos pelo Leal Conselheiro de el-rei
D. Duarte. Os livros eram entregues à auetoridade ecclesiastica para serem examinados, e
sob qualquer pretexto de escrúpulo não eram mais restituídos. Basta ver a quantidade de
canções obscenas e irreligiosas que o Cancioneiro portuguez da Vaticana encerra, para se
conhecer como veiu a cair na mão da auetoridade ecclesiastica e como sob ordem superior
esse livro antigo ainda inédito foi remetlido para Roma. Alem d'isto, a paixão pela renas-
cença da antiguidade, que começou no século xv, fez com que nos diversos paizes decaísse
repentinamente o amor pelos seus monumentos nacionaes. D'esta falta de amor pelo próprio
passado proveiu para Portugal a perda de muitos manuscriptos, como o da novella Amadis
de Gaula, de muitos cancioneiros manuaes, como relata Faria e Sousa, pelo que dizia o dr.
João de Barros no principio do século xvi, que estas cousas se seccavam nas nossas mãos.
D'esta falta de estima pelos monumentos nacionaes, veiu o dispersarem-se pelas bibliothe-
cas da Europa muitos thesouros da nossa litteratura, como se prova pela existência da De-
manda do santo Greal, na bibliotheca de Vienna, dos livros de Valentim Fernandes na bi-
bliotheca de Munich, do Leal Conselheiro de D. Duarte, Chronica de Guiné de Azurara, e
Historia geral de Hespanha, na bibliotheca de Paris, do Roteiro de D. João de Castro no Mu-
seu britannico, e do Cancioneiro do Conde de Marialva, da Satyra de infelice vida do Con-
destavel de Portugal, em Madrid. A saída do grande Cancioneiro de Portugal pertence a esta
forte corrente de dispersão. No. fim do século xv alguns portuguezes eruditos se distinguiam
na Europa pelas suas riquezas litterarias; em uma Memoria sobre as relações que existiam
antigamente entre os Flamengos de Flandres, especialmente os de Bruges, e os Portuguezes,
cita-se : «João Vasques, natural de Portugal, mordomo de D. Izabel de Portugal, Duqueza
de Borgonha: — Vasques possuía uma bibliotheca, ou pelo menos diversos manuscriptos de
valor.»' Entre esses livros figuravam Histoire de Troie la grant, e alguns tinham as armas
de Portugal na encadernação, como o velino Horce beatce Marice Virginis. Também no sé-
culo xv figuravam no estrangeiro os eruditos Diogo Aflbnso de Mangaancha, Vasco Fernan-
1 Hisl. liller. de Vllalie, t. nr, p. 17.
' Op. cil., p. 8.
CAP. V) MANUSCRIPTOS PORTUGUEZES'EM ROMA LXXXV
des de Lucena, Achilles Estaco, e outros muitos amadores bibliophilos. Cuidava-se em com-
prar livros impressos, por meio das Feitorias portuguezas, mas os manuscriptos, sobreludo
os da litteralura medieval, perdiam-se coma mais censurável incuria..Sabe-se por uma car-
ta de João Rodrigues de Sá dirigida a Damião de Góes, que el-rei D. Aflbnso v mandou vir
de Itália Frei Justo, a quem fez bispo de Ceuta, com o Qm de escrever em latim a historia
dos antigos reis de Portugal, e que todos os documenlos,que lhe foram entregues se perde-
ram na sua mão, por ter repentinamente fallecido da peste. É natural que estes subsídios
históricos constassem também de vários cancioneiros, porque a poesia fora um facto impor-
tante nas cortes de D. Aflbnso ni, D. Diniz e D. Aflbnso iv; alem d'isso o espolio d'este bis-
po italiano seria arrecadado pela aucloridade ecclesiastica e remettido para Roma. Por to-
dos estes factos parece justiflcar-se a hypotbese de existir na bibliolheca do Vaticano, antes
do saque de Roma em 1527, um d'esses cancioneiros portuguezes, e que d'ahi se dispersa-
ram por essa causa: «A bibliolheca do Vaticano, tão liberalmente enriquecida por Leão x,
foi saqueada; os livros mais preciosos foram presa de um furor ignorante e bárbaro, como
os da bibliolheca dos Medicis em Florença.» 1 Pelo códice 4803, publicado por Monacci, se vê
que este Cancioneiro foi copiado de um outro cancioneiro já bastante truncado, como ob-
servou o critico editor pelas siglas antigas: «Manca da foi. 1 1 infino a foi. 43»; e na pagi-
na 10: «Foi. 97 desumt multa» ;e pela ultima pagina, na qual se vé que ficou interrompida
a copia.
Alem d'esta deducç ão,- lira-se uma outra, isto é, que o códice 4803 foi comparado por
Colocci com um outro mais rico e completo do qual só resta agora o Catalogo dos trovado-
res. Os biographos de Colocci também consignam o fado de parte da sua opulenta biblio-
lheca ter sido destruída no saque de Roma, em 1527. Esse philologo italiano possuía um
decidido gosto pela poesia vulgar italiana, e conhecia a importância do estudo d& litteratu-
ras novo-latinas, como se vê pelo interesse cora que procurava as canções de Foulques de
Marseille, e pela posse de vários códices com os títulos Libro spagnolo di Romanze, e De
varie Romanze volgare, por ventura alguns d'elles provenientes da acquisição de manu-
scriptos das collecções de Bembo e de Orsini; seria algum doestes livros o Cancioneiro da
Vaticana, ou esse outro cancioneiro de que apenas resta o catalogo dos auctores. N'este ca-
talogo precioso descoberto por Monaci, sob o numero 44 : Bonifaz de Genoa, segue-se esta
referencia a manuscriptos de Bembo : «vide bembo Ms. bonifazio Calvo de Genoa.» E sob o
numero 456: il Réy don Affonso de Leon, segue-se esta nota: «bembo, dice di Ragona, figlio
di BerenghieiH.» A variante do códice de Bembo di Ragona seria d'Âragoneem vez de Leon,
isto é, um dos códices parciaes d'onde se formou o grande cancioneiro parece flxar-se por
esta circumstancia. Sob este mesmo numero segue-se : «Alia lectioi Portugal, rey Don San-
cho deponil.» Quer esta observação de Colocci significar, que este rei D. Aflbnso em outro
códice é citado como rei de Portugal, o que depoz D. Sancho, facto que caracteriza el-rei
1). Aflbnso m, que depoz seu irmão D. Sancho n. N'este caso este monarcha também fora
trovador, e Colocci possuía algum cancioneiro parcial. No mesmo índice dos Trovadores, sob
o numero 467 onde se continha as canções de el-rei D. Aflbnso de Castella e de Leão, ac-
crescenta se : «vide nel mio lemosino», no qual se attribuem as mesmas cantigas de prefe-
rencia ao rei de Leão, isto é, em harmonia com o titulo di Ragona, do numero 456. Em uma
outra nota que o illustre Monaci achou no Códice n.° 4817, de letra cTeste erudito, se acha
a seguinte referencia a um códice porluguez: «Messer Octaviano di messer barbarino, ha
il libro di portoghesi, quel da Ribera Vha lassato.» Sabendo-se pela bibliographia, que o ma-
nuscripto da Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, foi na primeira metade do século xvi
levado para a Itália, imprimindo-se cm Ferrara em 1544, cinco annos antes da morte de
Colocci, parece que a phrase quel (libro) da Ribera serefere a esta novella portugueza. Se-
ria por este tempo que o cancioneiro portuguez se tornou conhecido em Roma, como dá no-
ticia Duarte Nunes de Leão, nas palavras «que em Roma se achou» mas sem dizer que jà
pertencia à bibliolheca do Vaticano. A época em que v este códice entrou n'esta rica biblio-
lheca pôde fixar-se depois do anno de 1600, porque os livros e manuscriptos de Colocci fo-
ram adquiridos pelo erudito Fulvio Orsini, que os deixou em testamento à Vaticana. 3 Esta é
a opinião de Monaci; não concordamos porém com a sua interpretação do trecho de Duarte
Nunes de Leão quando este escriptor porluguez diz: «segundo vimos por um cancioneiro
seu, que em Roma se achou, em tempo de el rei D. João m. . . » deduzindo que Nunes de
Leão chegara a ver esse cancioneiro ; em primeiro logar, Nunes de Leão refere-se a um Can-
cioneiro seu, isto é, unicamente de el-rei D. Diniz, e não geral, como o de quje resta noticia
• Gingnené, Hist. lilt.. t rv. p. 41.
* Tirabosclri, Slorid delia Lelleratura i
italiana, t. vn, 246.
LXXXVI O CANCIONEIRO DA BIBLIOTHECA DO VATICANO (CAP. V
pelo índice de Colocci e pelo apographo da Vaticana; isto já é uma prova da informação va-
ga do chronista, e alem d'isso a phrase segundo vimos, significa : como se prova, como se
deduz. Nunes de Leão conhecia o códice das canções de D. Diniz que no principio do século
xvii se guardava na Torre do Tombo, como elle diz: «e per outro que está na Torre do
Tombo. . .» ou talvez pelo que pertencia aos Freires de Christo, de Thomar. Vivendo no
meado do século xvii, já o cancioneiro grande havia sido recebido na Bibliotheca do Vatica-
no e poderia ter noticia da existência do códice ; porém o chronista refere-se-principalmen-
te a um Cancioneiro de D. Diniz, e as referencias de Sá de Miranda, de Ferreira e de Camões
são unicamente aos talentos poéticos de D. Diniz. Como chegou a Portugal noticia do appa-
recimento em Roma? Sá de Miranda demorouse na sua viagem à Itália, entre 1521 e 1526,
e conviveu com os principaes eruditos italianos, Lactancio Tolomei e João Ruscula, e dava-
se também por parente da casa dos Colonas ; é possível que, regressando a Portugal cm
1526, quando havia já cinco annos que D. João iii reinava, desse a noticia da descoberta de
um cancioneiro em Roma, quando visitara as principaes livrarias ; o facto dos poetas da es-
cola italiana alludirem ao talento poético de D. Diniz, leva a induzir esta noticia como com-
municada pelo que trouxe a Portugal esse novo gosto litterario.
Em 1527 foi o saque de Roma, e a livraria de Colocci também soffreu com essa devas-
tação; por ventura algum dos cancioneiros acima citados se perdeu, ou foi talvez adquirido
algum cTentre os livros roubados por esta occasião da Vaticana. É de presumir que o livro
di Portoghesi fosse. o Cancioneiro de que só resta o índice, e sendo assim, perder-se-ia em
poder de Messer Octaviano de messer Barbarino; se o livro da Ribera é o manuscripto de
Bernardim Ribeiro, impresso mais tarde em Ferrara, então pôde fixar-se a perda do Cancio-
neiro n'esse mesmo anno em que morreu Colocci. inventario dos seus livros, feito a 27 de
outubro AS 1558, nove annos depois da sua morte, explica-noscomo os livros que estavam
emprestados Acaram perdidos. Pelo índice d'este Cancioneiro, achado por Monaci, vc-se que
elle constava de mil seiscentas e setenta e cinco canções, mais quatrocentas e setenta omis-
sas no apographo da Vaticana, hoje publicado.
vi. II Canzoniere portoghese delia Bibliotheca Vaticana, n.° 4803.
Messo a stampa da Ernesto Monaci. Halle, 1875.
Desde 1847, que o brazileiro Lopes de Moura publicou em Paris um excerpto do grande
Cancioneiro portuguez da Vaticana, contendo as canções de el-rei D. Diniz. Como se veiu a
conhecer a existência d'este precioso códice em Roma? Desde o principio do século xvii que
elle entrara na Bibliotheca do Vaticano pela doação dos livros de Fulvio Orsini; no século
xvin, segundo Varnhagen, era citado por um bibliophilo hespanhol junto com outros códi-
ces de poesias catalãs e valencianas; o facto de existir com encadernação moderna e com
a insígnia papal de Pio vn (1800-1823) explica-se pela reparação e ao mesmo tempo inte-
resse que houve em conservar o cancioneiro formado de cadernos dilTerentes e incompletos
e escriptos com tinta corrosiva que o pulverisa. Wolf, por intervenção do slavUta Kopitar,
mandou fazer as primeiras investigações no Vaticano para descobrir este códice de que ti-
nha vago conhecimento pela vaga allusão de Nunes de Leão ; foram infructuosas as tentati-
vas ; o visconde da Carreira, embaixador em Roma, avisado por um franciscano (por ven-
tura o P. Roquele, como se sabe pelo prologo da edição de Moura) conseguiu a copia da
parte publicada em Paris pelo livreiro Aillaud. Desde 1847 até hoje, nunca o governo por-
tuguez, nem a Academia real das Sciencias comprehenderam o valor d'este monumento. A
reproducção das nossas riquezas litterarias tem sido sempre feita por estrangeiros, e a pu-
blicação cTeste importantíssimo cancioneiro foi agora realisada por um rapaz desajudado de
subsídios académicos, mas animado pelo amor da sciencia. A edição feita em Halle, apre-
senta todo o rigor diplomático, de modo que os erros do copista italiano do século xvi po-
dem restituir-se â leitura do portuguez do códice primitivo; apesar (Teste subsidio, Monaci
tentou com um seguro tino critico uma tabeliã dos principaes erros systematicos, e um Ín-
dice das necessárias restituições que se podem fazer cm cada canção; emfim tudo quanto é
preciso para a intelligencia do texto, existe ali. Monaci conservou a disposição do manuscri-
pto na reprodutção typographica, já a uma ou a duas columnas, com todos os vestígios das
diflerentes numerações e siglas referentes a outros códices análogos e mais antigos. Pelo seu
prologo, de uma precisão rigorosa, se vé toda a historia externa do Cancioneiro. O Códice
da Vaticana está em papel de linho, com três marcas de agua dilTerentes. tal como se em-
pregava nas edições do Varisco; a letra é italiana, tal como a dos documentos do Om do sé-
culo xv e principio do século xvi, proveniente de dois copistas, um que escreveu as poe-
CAP. V) PEQUENOS CANCIONEIROS AVULSOS LXXXVH
sias, algumas rubricas e notas, outro a maior parte dos nomes, as numerações e algumas
postillas, contando ao todo 210 folhas. Da descripção d'este cancioneiro conclue-se, pelo
estado em que se acha, que outro ou outros cancioneiros foram n'elle copiados ou confron-
tados. À primeira nota que se depara ao abril-o é : «Manca da foi. U a foi. 43 ;» isto quer
dizer, que o cancioneiro foi copiado de um outro códice que já se achava assim fragmenta-
do, mas que mais tarde foi confrontado com outro que estava completo, como veremos na
relação com o índice de Colocci.
Ao começar o texto aeba-se oulra referencia: «A fogli 90» e segue-se a canção de Fer-
não Gonçalves, o que parece significar, que n'este cancioneiro existia outra disposição das
poesias à qual se refere este numero, que continua a cotar suecessivamente outras canções,
enlremeiandose com números romanos, que parecem estabelecer referencia a outro can-
cioneiro. Separemos estas duas ordens de números, por onde deduzimos o confronto com
dois cancioneiros ; para se localisar melhor a referencia que era de folhas e verso, indica-
remos a numeração actual das canções: Foi. 91 (canç. 8), 92 (canç. 11); Foi. 97 desunt
multa (canç. 43 fine) ; junto da canção 6 1 , vem a sigla Deswit; junto da 63 vem car. 106 ;
junto da canção 299: Foi. 141 Alvo (dei volumen?); junto da canção 507 vem: «473 ater-
go» e algumas canções com dois nomes de auetores, como Martim Campina ou Pêro Meo~
go», conforme a attribuição de um ou outro texto (canç. 796.). Por fim termina com esta
outra rubrica: «A foi. 290 é cominciata una Rubiica e nonv finita di copiare.» Tudo isto
prova, que se fez o confronto d 1 es te apographo existente com um códice mais completo, se-
guindo-se o confronto até à folha 300 d 'esse códice perdido.
O confronto do Códice por meio da numeração romana não prosegue até ao Dm ; apenas
se acha lxxxvi junto da canção 4 : lxxxviij junto da canção 1 4 ; lxxxviiij junto da can-
tão 26 fine; xcvj junto da canção 39 a 45; xcviu coincide com a referencia anterior junto
da canção 49; xcviiij á canção 55 ; cxn à 62 ; cxnu á canção 70; cxvu à canção 77. Esta
numeração romana adianla-se aqui mais do que a árabe, signal de que havia divergência
entre os dois códices que serviam para confrontação com o apographo publicado. É certo
porém, que a numeração romana termina anles do corpo das canções de D. Diniz, d'on-
de se poderá inferir, que até esta parte contribuiu um cancioneiro parcial, e que o de
D. Diniz só entrava no que era numerado em algarismos. Que existiam diversos cancionei-
ros, pelas mesmas canções d'este códice se pôde conhecer, como pela canção ile D. Affonsoix
de Castella (canç. 76) em que allude ao Livro dos Sons, que era um cancioneiro com que o
Dayão de Cales seduzia as mulheres. Na sua edição Monaci deixou apontadas em um índice
fundamental todas as canções repetidas no cancioneiro, ou aquellas que mutuamente se pla-
giavam. Da sua comparação se podem tirar poderosas inducções, para se estabelecer quan-
tos pequenos cancioneiros haviam servido para formarem o cancioneiro grande, do qual o
apographo publicado é uma copia. É o que vamos tentar.
Pequenos Cancioneiros que entraram na formação do Cancioneiro da Vaticana. — A
canção 4, de Sancho Sanches, apparece repetida com mais duas estrophes e assignada por
Pêro da Ponte, sob o numero 569 ; a segunda e terceira estrophes da versão de Pêro da
Ponte, faltam na canção de Sancho Sanches. As estrophes communs lém as seguintes va-
riantes :
Sazom foi já, que me teve em desdeni (n.° 4->
Tal sazom foi, que me teve em desdém (n.° 569.)
Que corrié mais j agora seu amor (n.° 4.)
Quando me tnays forçava seu amor (n.° 569.)
£ ora já que pes'a mha senhor (n.° 4.)
£ ora mal que pes'a mha senhor (n.° 569).
Evidentemente estas duas canções foram colligidas de dois cancioneiros parciaes, eelles
mesmos escriptos em grande parte de memoria.
A canção 13, de Mem Rodrigues Tenoyro, tem apenas uma eslrophe, mas repete-se sob
o numero 319 com o nome do mesmo trovador e com mais duas estrophes que a comple-
tam. Deve atlribuir-se essa divergência ao ter sido colligida de dois cancioneiros, formados
por diversos colleclores.
A canção 29, assignada por João de Guilhade, repele se sob o numero 38 com o nome
do trovador Stevam Froyam; existem entre ellas leves variantes, mas como estão immensa-
mente deturpadas, só pelos dois textos se reconstruem. Por este facto se vé, que houve com-
pilação de dois cancioneiros, e que o copista mal percebia a letra c fazia selecção das can-
ções.
LXXXVIH RELAÇÕES ENTRE O CANCIONEIRO DA VATIGANA E O DE COLOCCI (CAP. V
As canções 1 16 e 174, do cancioneiro de D. Diniz, são uma e mesma, havendo entre es-
tes dois números variantes, e sobretudo a 2.* e 3. a estrophe alternadas. Não proviria isto
dos originaes, escriptos por esmerados copistas, que se guardaram na Bibliotheca de el-rei
D. Duarte; este facto prova-nos que o corpo das canções de D. Diniz, que na collecçâo Vati-
cana occupa dos n. 0i 80 até 208 proveiu de copias avulsas de diflerentes palacianos, e tal-
vez do próprio Conde D. Pedro.
A canção 241, do trovador Payo Soares, apparece com o numero 413 repetida sob o no-
me de Affonso Eannes de Coton (Cordu) ; tem apenas uma rápida variante orthographica,
mas tanto o facto da repetição, como o da attribuição a dois trovadores diflerentes accusam
duas collecções parciaes.
As canções 457 e 469 pertencem a Ayres Nunes Clérigo e são uma única, com a diffe-
rença que as três estrophes de que constam, tem os versos baralhados sem systema; o que
se explica.pelo caracter jogralesco, isto é, que foram duas vezes colligidas no tempo em que
eram cantadas a capricho de Ayres Nunes ou de qualquer outro jogral, que as sabia de cór ;
ou então, que provieram de dois cancioneiros onde as duas canções se diferenciavam pela
rasão acima indicada.
A sirvente 472 de Martim Moxà apparece sob o numero 1036, em nome de Lourenço,
jograr de Sarria, com variantes fundamentaes, que provam compilação de dois cancioneiros
diversos. O caracter sirventesco fez talvez que vários jograes rejeitassem a paternidade
d'essa canção que verbera os privados da corte de D. Affonso nr.
Os números 6 1 3 e 639 são uma mesma canção de João Ayres, burguez de Santiago ; abun-
dam as variantes entre estas duas composições, signal de que provieram de duas copias re-
sultantes da monomania dos cancioneiros particulares. E sob o nome d 1 es te mesmo trovador
andam as duas canções repetidas 634 e 1 38, tendo esta ultima alem das variantes mais uma
estrophe e um Cabo.
Em nome do jogral João Servando apparecem repetidas as canções 738 e 749 com va-
riantes fundamentaes entre si :
Ora vou a Sam Servando,
donas, fazer romaria,
e nom me leixam com elas
hir, cá logo alá hiria
por que vem hy meu amigo. (n.° 738.)
Donas vam a Sam Servando
muytas hoje cm romaria,
mais nom quiz oje mha madre
que foss'eu hi este dia
porque vem hy meu amigo. (n.° 749.)
As outras variantes nas demais estrophes são menos reparáveis, mas no numero 738 ha
uma estrophe a mais. A pequena distancia a que ficam uma da outra estas canções, pro-
vam-nos que o copista italiano transcreveu materialmente uma compilação já formada ; e
portanto tudo quanto se pôde concluir sobre estas canções idênticas liga-se à formação does-
se cancioneiro perdido d'onde se trasladou o códice da Vaticana.
Dois casos especiaes se' davam n'essa formação do antigo cancioneiro: i.°, ou as canções
se attribuiam na repetição a dois4rovadores diflerentes, taes como Sancho Sanches e Pêro
da Ponte, João de Guilhade e Stevam Froyam, Pay Soares e Affonso Eanes do Cotom, Mar-
tim Moxa e Lourenço Jograr; 2.°, ou se repetiam em nome do mesmo trovador, como Mem
Rodrigues Tenoyro, el-rei D. Diniz, Ayres Nunes Clérigo, João Ayres e João Servando. Para
o primeiro caso conclue-se que contribuíram para a formação do grande cancioneiro peque-
nos cancioneiros trasladados de cantares dispersos, por curiosidade, ou também apanhados
na corrente oral, porque um só collector notaria os plagiatos. Para o segundo caso poderiam
os jograes terem contribuído com os seus cadernos de cantos e assim com lições diflerentes
de um mesmo texto que se alterava pelas continuadas repetições.
De todo este confronto se conhece a necessidade de estabelecer por todos os meios pos-
síveis as relações entre este apographo da Vaticana e os dois cancioneiros de Colocci, per-
dido, e da Ajuda.
Relações do Cancioneiro da Vaticana com o Cancioneiro de Angelo Colocci. — Antes de
Monaci haver descoberto no Ms. n.° 3217 o índice do Cancioneiro perdido do erudito qui-
nhentista italiano Angelo Colocci, já elle determinara pela forma por que está escripto o Can-
cioneiro da Vaticana, que deveria ter existido um original mais antigo e mais completo. A
descoberta do índice veiu aulhenticar a existência cTesse Cancioneiro perdido e explicar
CAP. V) TROVADORES IGNORADOS LXXX1X
pela letra do próprio Colocci, quem é que tinha feito o confronto. illustre Monaci compre-
hendeu logo quanto útil seria para a critica o comparar a lista dos trovadores do Cancionei-
ro perdido com a dos trovadores do Cancioneiro existente (Appendice i, p. xix a xxiv, da
edição de Halle) ; por uma simples inspecção fica o leitor habilitado a conhecer as profundas
relações entre os dois cancioneiros ; o de Colocci continha mil seiscentas e setenta e cinco
canções, e o da Vaticana contém mil duzentas e cinco, isto é, quatrocentas e setenta canções
a menos, por ventura as que oceupavam até a foi. 90. O numero das canções de cada tro-
vador pôde também ser confrontado, porque no códice de Colocci as canções eram numera-
das por algarismos e cada nome de trovador é precedido pelo numero que limita às canções
do antecedente* Assim, como jà acima vimos, as canções de D. Diniz são no Códice da Vati-
cana cincoenta e uma a mais do que no de Colocci. Apesar disso as notas desunt multa pro-
vam-nos que o cancioneiro de Colocci era muito mais rico, como se vê pelos nomes dos
seguintes trovadores que faltam no da Vaticana:
Diego Moniz, que linha ali uma canção; Pêro Paes Bazoco, com sete canções; João Velaz,
D. Juano; Pêro Rodrigues de Palmeyra; D. Rodrigo Dias dos Conveyros; Ayres Soares; Osó-
rio Annes; Nuno Fernandes de Mira-Peixe; Fernam Figueiredo de Lemos; D. Gil Sanches;
Ruy Gomes o Freyre; João Soares Foraesso; Nuno Eanes Cerzeo; Pêro Velho de Taveirós;
Pay Soares de Taveirós; Fernam Garcia Esgaravunha, do qual existiam dezesele canções;
João Coelho ; Pêro Mastaldo ; duas canções do trovador genovez Bonifácio Calvo ; o Conde
D. Gonçalo Garcia; D. Garcia Mendes de Eixo; el-rei D. Affonso rv, filho de el-rei D. Diniz,
com quatro canções. No códice de Colocci, as canções de D. Diniz não estavam em um corpo
isolado, apresentando mais quatro composições destacadas no fim do cancioneiro. Esta parte
também é omissa no Cancioneiro da Vaticana, porque ali se encontram outra vez trovadores
dos supracitados, como João Garcia, D. Fernam Garcia Esgaravunha, Pêro Mastaldo, Gil Pe-
res Conde, D. Ruy Gomes de Briteiros, Fernam Soares de Quinones, etc. Pelo confronto do
índice de Colocci se conhece, que embora se sigam ao texto do Cancioneiro da Vaticana
quatorze folhas em branco, nem por isso ficou muito distante do fim, porque só deixaram
de ser copiadas algumas sirventes de Julião Bolseyro. D'este confronto se conclue: i.°, que
o códice d'onde se extrahiu a copia da Vaticana difteria no numero das canções e na sua
disposição do de Colocci; 2.°, que as relações mutuas aceusam fontes communs, mas collec-
cionação arbitraria no agrupamento dos diflerentes cancioneiros parciaes.
Relações do Cancioneiro da Vaticana com o Cancioneiro da Ajuda. — Lopes de Moura
foi o primeiro que encontrou na collecção da Vaticana a canção de João Vasques, ilwjíando
triste no meu coraçom, que existe anonyma no Cancioneh o da Ajuda. Logo depois, Var-
nhagen achou mais quarenta e nove canções communs aos dois códices, e nós mesmo ainda
viemos a encontrar mais seis canções repetidas. São ao todo cincoenta e seis canções com-
muns, facto importante para estabelecer as relações que existiram entre os dois cancionei-
ros. Em primeiro logar, o Cancioneiro da Vaticana foi já copiado de um códice truncado,
como por exemplo : a canção 43 tem a rubrica final : «fW. 9-7 desunt multa» e a canção se-
guinte está truncada no principio; porém estas canções de João Vasques completam-se pelo
Cancioneiro da Ajuda, (canção n.° 272 e 273, ed. Trovas e Cantares). Isto prova que em-
bora o Cancioneiro da Ajuda esteja truncado e por seu turno se complete com algumas can-
ções do códice de Roma (y } das Trovas = n.° 38, Cano. da Vat.J ambos provieram de fon-
tes difTerenles, porque também nas cincoenta e seis canções communs existem notáveis va-
riantes :
Nostro Senhor, que lhe boro prez foi dar. (Vatic.)
Deus que lhe mui bom parecer foi dar. (Ajuda.) .
Presta variante o original do códice vaticano mostra-se mais archaico na linguagem. Na
canção 46, de Fernão Velho (no códice da Ajuda, n.° 92) no primeiro verso da segunda es-
trophe vem uma variante que denota erro do copista portuguez conservado inconsciente-
mente pelo antigo copista italiano:
E mha senhor fremosa de bom parecer (Vatic.)
£ mia senhor fremosa de bom prez (Ajuda.)
Prez é uma contracção de preço, e d^aqui resultou que o copista portuguez traduziu incon-
scientemente; como organisado no paço, o Cancioneiro da Ajuda seria formado directa-
mente da contribuição dos muitos trovadores que o frequentavam ; o cancioneiro de Roma
era jà derivado de um apographo secundário, truncado no principio, meio e fim, e em cer-
tos pontos mais archaico.
XC RELAÇÕES DOS CANCIONEIROS DA AJUDA E VATICANO (CAP. V
Na canpão 47 da Vaticana, (93, da Ajuda) pertencente a Fernão Velho, vem:
Quanfeu, mha senhor, de vós receei . . . (Vatic.)
Quanfeu de vós, mia senhor, receei. (Ajud.)
E vos dix'o mui grand'amor que ei (Vatic.)
E vos dix'o grande amor quo vós ei. (Ajud.)
A canpão 48 da Vaticana, apesar das imperfeições da copia italiana, pôde ser reconstruí-
da pelo typo strophico, porém a n.° 94 da Ajuda ficou incompleta :
Lição da Ajuda : Lição da Vaticana:
E mal dia naci, senhor, E mal dia naci, senhor,
Pois que m'eu d'u vós sodes, vou ; pois que nVeu d f u vos sodes, vou ;
Ca mui bem sou sabedor ca mui bem som sabedor
Que morrerei u non jaz ai ; que morrerey nu nom ey ai ;
Pois que nVeu d*u vós sodes, vou. poys que m'eu d'u vos sodes, vou,
pois que de.vosei a partirpor mal.
E logo nu m'eu de vós partir
morrerey se me deus non vai.
A canpão 53 da Vaticana, (Ajuda, n.° 99) tem uma estrophe mais imperfeita do que no
códice da Ajuda ; mas em compensação tem o Cabo, que falta no códice portugucz :
Ajuda: Vaticana:
Meus amigos, muito me praz . . . Meus amigos mu yto mi praz d'amor.
Cá bem pode partir da mayor Ca bem me pode partir da mayor
Coita de quantas eu oy falar, coyta de quantas eu oy falar,
De que eufuy muyfy a soffredor; do que eu fuy muyt'ha sofTredor
Esto sabe deus, que me foy mostrar e sabe deus hu a vi bem falar
Uma dona que eu vi bem falar e parecer, por meu mal, eu o sey.
E parecer por meu mal, eo sei.
Ca poys nVelles nom querem era parar
e me noseu poder querem leixar,
•>.... nunca por outroemparado serey.
A canpão 395, de Payo Gomes Charrinho, repetida no Cancioneiro da Ajuda, n.°276 > tam-
bém revela duas fontes diversas :
e nom hYousey mays d'a tanto dizer (Vatic.)
e nom hYousey mais d'aquesto dizer (Ajud.)
nem er cuidey que tam bem parecia (Vatic.)
nem cuidava que também parecia. (Ajud.)
mays quand*eu vi o seu bom parecer (Vatic.)
mais u eu vi o seu bom parecer. (Ajud.)
No códice da Vaticana tem esta canpão apenas três estrophes; porém no da Ajuda termi-
na com uma quarta:
E por esto bem consellaria
quantos oyrem-no seu bem falar
nom a vejam, e podem-se guardar
melhor ca m'end'eu guardei, que morria,
e dixe mal, mais fez-me deus aver
tal ventura, quando a fui veer
que nunca dix'o que dizer queria. (Ajuda.)
Evidentemente as alterapões de linguagem não foram do copista italiano, porque, com-
parativamente, a expletiva er é mais archaica ; e por isso a omissão da quarta estrophe não
foi casual, mas resultante do estado de outra fonte.
A canpão 400, da Vaticana, também de Payo Gomes Charrinho, tem leves variantes na
canpão 278 da Ajuda, mas importantíssimas omissões ; assim no códice de Roma, falta na pri-
meira strophe o verso :
me quer matar e guaria melhor (Vat.)
e também faltam duas estrophes completas com o seu Cabo.
A canpão 428, ainda de Charrinho, também no códice da Ajuda, n.° 285, offerece leves
variantes ; porém no códice da Vaticana alternam-se a segunda com a terceira estrophe, e fal-
ta este Cabo na lição da Ajuda :
E entend'eu cá me quer a tal bem
em que nom perde, nem gaano em rem.
CAP. V)
DEDUCÇAO DAS VARIANTES
XCI
As canções 485, 486 e 487 da Valicana, do trovador Ruy Fernandes, acham-se nos pe-
quenos fragmentos legíveis das folhas do Cancioneiro da Ajuda, que serviram de guardas à
encadernapão do Nobiliário ; esses fragmentos, seguindo a edição de Varnhagen são m } n 9
o; ainda assim se conhece por elles que existiam divergências entre os dois códices:
Ajuda (m):
A guisa de vos elevar
Por mia morte nom ater.
Idid. (n) :
Amigos, começa o meu mal.
Valicana n.° 486 :
a forza de vos elevar
por mha morte nom aduzer.
Ibid. n.° 486 :
Ora começa o meu mal.
As canções de Fernão Padrom, n.°* 563, 564, 565, a que achamos as análogas nos nú-
meros 126, 127 e 128, do códice da Ajuda, também apresentam variantes.
As canções n.°* 566, 567, 568, 569 e 570, que andam em nome de Pêro da Ponte no
códice daVaticana e apparecem anonymas no Cancioneiro da Ajuda, d. 09 1 12, 1 13, 114,
1 1 5 e 116, não apresentam mais variantes que a simples modificação orthographica em mha
e mia, que poderia provir das diOerentes épocas das copias. Esta conformidade entre o tex-
to da Valicana e o da Ajuda, leva-nos a concluir que pequenos cancioneiros entraram na
coordenação de um grande cancioneiro, e que as canções mais conformes são aquellas que
andaram em menor numero de copias antes de se agruparem na collecção geral.
Já com relação às canções de Vasco Rodrigues de Calvelo, apparecem variantes e detur-
pações que não provém do copista do século xvi, mas de códices diversos já corruptos; a
canção 580 comparada com a 265 da Ajuda tem uma lição menos pura, incompleta, mas
differente :
Iàçõo da Ajuda : Lição da Valicana :
Per una dona que quero gram bem que quero gram bem.
Com'a mim fez ; ca des que eu naci
nunca vi Orne en tal coita viver
como eu vivo por melhor bem querer
Com 'a mim fez muy coitado d'amor
Como a mim faz, que des quando naci
nunca vi orne tal coita sofrer
como euso/ro por melhor bem querer
ConVel faz mim muy coitado d' amor
A lição da Ajuda termina com este Gabo, que falta no códice da Vaticana:
Com'a mim fez, e nunca me quiz dar
Bem d'essa dona, que me fez amar.
A canção 581, também de Vasco Rodrigues de Calvelo, sob a designação c da lição da
Ajuda, (ed. Trov. e Carti.) alem das mutuas variantes, tem a segunda e terceira estrophes al-
ternadas :
E se soubessem qual coyta d'amor (Vatic.)
Se IWeu dissessem qual coita d'amor (Ajud.)
per nulha guisa, pêro ro'ey sabor (Vatic.)
Per nulha guisa, ca ey gram pavor (Ajud.)
De mais, no códice de Roma falta este Cabo :
. Mais de tod'esto nom lhi dig'eu rem,
Nem lh'o direy, cà lhe pesará bem.
Na canção 582, do mesmo trovador, ha esta divergência:
£ rogo sempre por mha morte a deus (Vatic.)
Et rogo muito por mia morte a deus (Ajud.)
Na canção 584, também de Calvelo, falta esta terceira estrophe, que vem no códice da
Ajuda :
Como vós quiserdes será
De me fazerdes mal e bem
E pois é tod*em vosso sen
Fazed'o que quizerdes já.
» *
A canção 677, de Pêro de Arméa, acha-se imitada no códice da Ajuda, n.° 56, por forma
que a da Vaticana apresenta um caracter de maior vulgarisação, e por isso de proveniência
jogralesca :
XCH
O APOGRAPIIO DE MADRID
[CXP. V
Lição da Ajuda :
Muitos me vêem preguntar,
mia senhor, aquém quero bem;
e non lhes quero end'eu falar
com medo de vos pesar en,
nem quer'a verdade dizer,
mas jur'e faço lhes creer
mentira, por vos lhe negar.
Lição daVaticana:
Muytos me veení preguntar,
senhor, que lhis diga eu quem
est a dona que eu quero bem;
e com pavor de vos pesar
nom lhis ouso dizer per rem,
senhor, que vos quero bem.
Duas canções de Pedro Solas, confrontadas com as do códice da Ajuda, acabam de sepa-
rar definitivamente estes dois cancioneiros :
Lição da Ajuda (n. 123) :
Nom est a de Nogueira
A freira, que mi poder tem,
Mays est outra a fremosa
A que me quer' eu mayor bem,
E moyro-m'eu pola freira
Mais nom pola de Nogueira.
Se eu a freira visse o dia
O dia que eu quizesse
Nom ha coita no mundo
Nem mingua que houvesse
£ moirome. • .
Se riela mi amasse
Muy gram dereito faria,
Cá lhe ouefeu mui gram bem
E punhy mais cada dta,
É moiro-me...
Lição da Vaticana (n. 9 824) :
E nom est a de Nogueira
a freira que eu quero bem,
mays outra mais fremosa
e a que mim em poder tem,
e moiro- m'cu pola freira
mais nom pola de Nogueira.
E se eu aquella frem % a
hum dia veer podesse
nom ha coita no mundo
nem pesar que eu ouvesse ;
e moyro-me...
E se eu aquella freura
veer podes ^um dia
nenhuã coita do mundo
nem pesar nom averia;
e moyro-me...
Estas duas variantes são elaborações differentes do mesmo trovador em épocas diversas,
e portanto os dois cancioneiros provém eíTecti vãmente de duas fontes. A canção 825 da Va-
ticana, que se acha sob o numero 124 do códice da Ajuda, apenas tem a terceira e quarta
estrophes alternadas. ultimo paradigma entre estes dois cancioneiros, apresenta uma com-
posição (1061 daVaticana, 253 da Ajuda) que pertence a João de Gaya, escudeiro da curte
de D. AlTonso iv, por onde se flxa não só a época da colleccionação do códice de Lisboa, mas
em que a fonte do códice de Roma nos apparece mais completa:
Lição da Ajuda :
Conselho, e quer-** matar
Lição da Vaticana:
Conselho e quer- me matar.
B assi me tormenta amor
de tal coyta, que nunca par
ouv'outr'ome, a meu cuydar,
assy morrerey pecador,
e, senhor, muyto me praz en
que prazer tomades por en
non no dev*eu arrecear.
£ bem o podedes fazer £ bem o devedes saber, etc.
Por todos estes factos se vê, que umas vezes o códice de Roma é omisso com relação ao
de Lisboa, o que se poderia impensadamente attribuir a incúria do copista; esta hypothese
não pôde ter logar, porque o Cancioneiro da Ajuda por muitíssimas vezes apresenta eguaes
omissões. Portanto essas cincoenta e seis canções communs aos dois códices, entraram nas-
sas respectivas collecções provindo de códices parciaes e de differente época.
Relações do Cancioneiro da Vaticana com o apographo actualmente possuído por um
Grande de fíespanha. — No Cancioneirinho de trovas antigas, Varnhagen dá noticia no pro-
logo, de ter encontrado em 1 857 na livraria de um íldalgo hespanhol um anligo cancionei-
ro portuguez, que, pelas canções de el-rei D. Diniz que elle* continha, lhe suscitou o procu-
rar as analogias que teria com o Cancioneiro da Vaticana n.° 4803 ; tirou copia do citado
cancioneiro, e em 1858 procedeu em Roma ao confronto do códice madrileno com o da Va-
ticana. Começavam ambas as copias corri a trova de Fernão Gonçalves, seguindo-se-lhes as
duas canções de Pêro Barroso; ambos os códices combinam nos mesmos nomes de trovado-
res, na ordem das canções, e em geral nos erros dos copistas. Poder-se-ha concluir que es-
tes dois apographos se derivam ambos do mesmo original ? Não ; apesar de Varnhagen não
ser mais explicito na descripção do códice madrileno e guardar no mysterio o nome do pos-
suidor, comtudo pelas cincoenta composições do Cancioneirinho se descobrem profundas
variantes, que se não podem attribuir a erro de leitura, ainda assim tão freouente em Var-
nhagen.
CAP. V)
VARIANTES DO CÓDICE DE MADRID
XCIH
Copiamos aqui essas variantes, para que se conclua pela existência de um outro códice mais
antigo, também perdido. Na canção n, a estrophe terceira (Cancioneirinho), acha-se assim :
• Os cavalleiros e cidadãos
(Taquesle rey aviam dizer
e se deviam com sas mãos poer
outrosi donas e escudeiros
que perderam a tam bom senhor
de quem poss'eu dizer, sem pavor,
que não ficou dal nos christaos.
Pelo códice de Roma vê-se a estrophe construida de outro modo :
Os cavalleiros e cidadãos
que d'este rey aviam dinheiros
e outrosi donas e escudeiros,
matar se deviam por sas mãos. (n.° 708.)
Na canção vi, a estrophe segunda e terceira (Cancioneirinho) estão incompletas e inter
polladas d'esta forma:
Cancioneirinho :
E as aves que voavam
Quando sayam canções
Todas d'amor cantavam
Pelos ramos d'arredor;
Mais eu sei tal que escrevesse
Que em ai cuidar podesse
Se nom todo em amor.
Em pêro dix'a gram medo :
— Mha senhor, r falar-vos-ey
Hum pouco, se m'aseuitardes
Mais aqui nom estarey.
Códice da Vaticana :
E as aves que voavam
quando saya lalvor
todas de amor cantavam
pelos ramos derredor;
mais nom sei tal que t esíevesse
que em ai cuidar podesse
se nom todo em amor.
Aly stive eu muy quedo
quis falar e non ousey,
em pêro dix'a gram medo:
— Mha senhor, falar- vos-ey
um pouco, se m'ascuitardes;
e ir-m'ey quando mandardes
mais aqui nom estarei. (n.° 554.)
Pela lição da Vaticana, onde se vêm as duas estrophes completas se infere que o defeito
no Cancioneirinho provêm de ura texto imperfeito e diflerente, por ventura tirado do apo-
grapho hespanhol.
Na canção xv, (Cancioneirinho) vem uma estrophe imperfeita, porque é formada com
duas, que lhe alteram o typo :
Cancioneirinho :
E foi-las aguardar
E nom a pude ver;
e moiro- me d'amor.
Códice da Vaticana
E fui-las aguardar,
e nomopudoacnar;
e moiro-me d'amor!
E fui-las atender,
e nom no pude veer ;
e moiro-me d'amor.
A canção xvii, do Cancioneirinho, tem só três estrophes; na lição do Códice da Vaticana
ha mais esta :
Estas doas mui bellas
el m'as deu, ay donzellas,
nom vol-as negarey;
mas cintas de fivelas
eu nom as cingirei.
Com certeza esta deficiência proveiu do apographo madrileno. Na canção xxi, a estrophe
quarta está interpollada, e segundo a lição da Vaticana é que se conhece a proveniência de
outro códice :
Cancioneirinho :
Cá novas me disserom
Que vem o meu amigo
C'and'eu mui leda.
E cuido sempre no meu coraçom
Pois nom cuia* ai, des que vos vi,
Se nom en meu amigo,
E (famor sei que nulKome tem,
Pois migo é, tal mandades,
Que vem o meu amado.
Códice da Vaticana :
Ca novas me disserom
ca vem o meu amado
e and* eu mui leda,
poys migu'é tal mandado;
poys migu'é tal mandado
que vem o meu amado.
XCIV AS ESTBOPHES OMISSAS (CAP. V
Os versos sublinhados do Cancioneirinho, são visivelmente de outra canção, porque tem
outro typo estrophico, e essa interpollafão não se pôde attribuir a erro de leitura de Var-
nhagen.
Na canção xxv, ha uma quarta estrophe, que é repetição da primeira ; na lição da Vati-
cana não existe esta forma; evidentemente o editor do Cancioneirinho seguiu aqui o códi-
ce madrileno.
Na canção xlv falta esta estrophe, que pela lição do texto da Vaticana se vé que é a se-
gunda:
Nom ja em ai d 1 esto som sabedor
de nValgum tempo quizera leixar
e leix f e juro nom a ir matar
mays poys Ia matam, serey sofredor
sempre de coyfem quant'eu viver,
cá sol y cuido no seu parecer,
ey muyto mais d'outra rem desejar.
Na canção xlvi, falta esta quarta estrophe da lição da Vaticana :
Por en na sazom em que nVeu queixey
a deus, hu perdi quanto desejei,
oy mais poss'en coraçom deus loar;
e por que me poz em tal cobro que ey
por senhor a melhor de quantas sey
eu, que poz tanto bem que nom ha par.
A canção xlviii encerra a prova definitiva de que o códice madrileno serviu de base da
edição do Cancioneirinho, e que esse códice proveiu de uma fonte diversa do da Vaticana.
No códice madrileno faltam cinco estrophes, porque são omissas no Cancioneirinlio :
O que da guerra se foi com emigo
pêro nom veo quand'a preyto sigo,
nom vem ai Maio.
O que tragia o pendon a aquilom
e vendid'é sempr'a traiçom,
nom vem ai Maio.
O que tragia o pendon sen oyto,
e a sa gente nom dava pam coyto,
nom vem ai Maio.
E no final da canção :
O que tragia pendom de cadarço
maçar nom veo no niez de Março,
nom vem ai Maio.
O que da guerra foy por recaúdo
maçar em Burgos fez pintar escudo,
nom vem ai Maio.
Indubitavelmente o códice madrileno provém de uma outra fonte, porque tem omissões
que o differenciam do códice da Vaticana ; mas a ordem das canções e os nomes dos trova-
dores, coramuns aos dois, provam-nos que ambos foram copiados de cancioneiros já orga-
nisados dos quaes um era já apographo. A circumstancia de começarem ambos pela trova
de Fernão Gonçalves^ e de se ler no códice de Roma a nota : «Manca da foi. ij in fino a
foi. 43» provam-nos que o original primitivo jà andava truncado, e é isto o que dá a mais
alta importância ao índice de Golocci do Cancioneiro perdido que era a copia mais antiga,
porque o monumento diplomático estava ainda completo. Monaci não desconheceu o valor
das variantes do Cancioneirinho.
Depois de toda esta discussão sobre os diminutos vestígios que restam de alguns can-
cioneiros portuguezes dos séculos xiii e xiv, a approximação de numerosos factos secundá-
rios, e as inducções que se formam sobre elles, exigem uma recapitularão clara para que se
possam tirar a limpo algumas conclusões geraes. Representamos os cancioneiros que são co-
nhecidos por letras maiúsculas, e aquetles cuja existência se pôde inferir pelas variantes
são notados por letras minúsculas; com estes signaes formaremos uma tentativa de filiação
de todos esses cancioneiros em um schema, que poderá ser modificado à medida que se
descobrirem novos subsídios :
CAP. V) CANCIONEIROS PORTUGUEZES DO SÉCULO XIII XCV
A.) O Livro das Cantigas do Conde de Barcellos. — Citado no seu testamento, e deixado
a Àflbnso xi, também trovador. Tendo em vista o génio compilador do Conde, e o andar li-
gado ao seu Nobiliário o Códice da Ajuda, cancioneiro de vários auctores, póde-se inferir
que o Livro das Cantigas não era exclusivamente do Conde, mas sim uma compilação sua.
No Cancioneiro da Vaticana encontram,-se canções do Conde, de Aflbnso xi e grupos de can-
ções do Códice da Ajuda em numero de cincoenta e seis assignadas por fidalgos da corte de
D. Diniz.
B.) O Cancioneiro de D. Diniz (Livro das Trovas de Elrei Dom Diniz.) — Existiu separado
em volume, pelo que se sabe pelo Catalogo dos Livros de uso de el rei Dom Duarte. Foi en-
corporado no códice da Vaticana depois ria canção 79.
B'.) Outro, dos Freires de Christo de Thomar.
C.) O Cancioneiro da Ajuda. — Começa em folhas 41; a parte anterior está perdida e o
final não chegou a ser terminado. Isto explica as pequenas relações com o Códice de Roma.
As 24 canções achadas na Bibliotheca de Évora e as guardas da encadernação do Nobiliário
provam o muito que se perdeu (Teste cancioneiro. Não se chegou a escrever a musica das
canções, nem a inscrever-lhes os nomes dos auctores que as assigna^ara, e por issoconclue-
se que não chegou a servir para a collecção de Roma, que é assignada. Não chegaram a en-
trar n'elle as canções de el-rei D. Diniz, e portanto entre este e o Cancioneiro de Roma pôde
fixar-se a existência de outro cancioneiro hoje desconhecido.
D.) O Cancioneiro de D. Meda de Cisnei m os. — Grande volume de cantigas, visto pelo Mar-
quez de Santillana, que o descreve ; já continha o cancioneiro de D. Diniz, e os trovadores
do Códice de Roma citados pelo Marquez. Seria a primeira compilação geral, feita mesmo
em Hespanha ?
E.) O apographo de Coloca. — Perdido talvez pela occasião do saque de Roma em 1527,
e do qual só se conserva o índice dos auctores. Tinha intimas relações com o códice de
D. Mecia. No principio apresentava vários lais no gosto bretão, e pelos Nobiliários, vemos
que o Conde Dom Pedro se refere às tradições bretãs, e também el-rei D. Diniz. Seria esta
parte assimilada do Livro das Cantigas do Conde de Barcellos?
F.) Cancioneiro da Vaticanan. 4803. — Este é menos completo do que o antecedente, o
que prova que foi copiado de outra fonte. Colocci por sua letra o emendou pelo códice hoje
perdido. Tem este cancioneiro 56 canções similhantes no Cancioneiro da Ajuda, com va-
riantes notáveis, signal que ambos os Códices se derivam de duas fontes diversas. Tem uma
parte relativa a successos da corte de D. Aflbnso iv, que provém de cancioneiros extra-
nhos e posteriores ao Cancioneiro da Ajuda. A ordem dos trovadores não é a mesma do ín-
dice de Colocci.
6.) Copia ms. de um Grande de Hespanha. — Em cincoenta canções reproduzidas por
Varnhagen, acham-se variantes fundamentaescom relação à lição do códice de Roma, signal
de que a copia aUudida provém de uma fonte extranha e de época differente.
De outros cancioneiros temos vestígios positivos :
1 .° O Livro dos Sons, do Dayam de Cales. (Comprova-se pela canção n.° 76, de Aflbn-
so ix de Caslella e Leão.)
2. Q Os Cadernos de Aflbnso Eanes de Cotom. (Comprova-se pela canção 68, de Aflbnso nc,
increpando o trovador Pêro da Ponte de servir-se d'elles.)
3.° Cantares de Lourenço jograr. (Comprova-se pela canção n.° 1032, na qual diz que
os seus versos eram colligidos nas cortes por onde andava.)
4.° Códice de Bembo. (Comprova-se pelo n.° 456 do índice de Angelo Colocci.)
5.° Códice lemosino. (Comprova-se pelo n.° 467 do índice de Colocci, e por este erudi-
to confrontado com o que possuia o cardeal Bembo.)
6.° // Libro de Portoghesi. (Comprovado por uma nota de Colocci, que vem no ms.
n.° 4817, da Bibliotheca do Vaticano, segundo Monaci.)
7.° Libro spagnolo di Romanze. (Pertencia à livraria de Colocci, como se sabe pelo seu
inventario de 27 de outubro de 1558.)
8.° De varie Romanze volgare. (Comprovado pelos meios supracitados.)
9.° Cancioneiro de D. Aflbnso iv. (Barbosa Machado diz que Frei Bernardo de Brito col-
ligira poesias d'este monarcha no fim do século xvi; è certo que pelo índice de Colocci,
n.° 1323-1326, se vé o fundamento creste facto sob a rubrica el-rei D. Aflbnso filho dei rei
Bom Deniz 1 e em sigla marginal: Aflbnso iiii, successit Dyonisio.
10.° Cancioneiro do Conde de Marialva. (Citado por Frei Bernardo de Brito a propósito
da canção do Figueiral e authenticada a sua existência em Barcelona por Soriano Fuertes,
na fíist. da Mus. esp.)
XCVI REFUTAÇÃO DE WOLF (CAP. VI
Os cancioneiros desconhecidos, mas intermediários aos supracitados, sao hypothetica-
mente :
a, b.) Cancioneiros anteriores ás collecções da corte de D. Diniz, com que se formou c,
d'onde se trasladou o Cancioneiro da Ajuda, como se justifica pelas variantes das 56 can-
ções reproduzidas no de Roma.
c.) Cancioneiro perdido, d 1 onde se não chegou a copiar nem a musica das canções nem
o nome dos trovadores para o Cancioneiro da Ajuda.
d.) Cancioneiro onde se encorporaram o Livro das Cantigas e Cancioneiro de D. Diniz,
o que justifica as differenças entre o códice de D. Mecia e o de Colocci.
e.) Cancioneiro perdido, cuja existência se induz das variantes entre o Cancioneiro da
Vaticano, o de Colocci e o do grande de Hespanha.
Eis portanto a nossa tentativa de schema de filiação dos cancioneiros portuguezes dos
séculos xiii e xiv :
a b
É provável que esta connexão ache contradiclores, porém ahi ficam todos os elementos
que pudemos agrupar, para que outros estabeleçam uma filiação mais verosímil. Só depois
de estudada a historia externa do Cancioneiro da Vaticana é que se poderá entrar com des-
assombro no desenho da grande época litleraria que elle representa.
.CAPITULO VI
DO ELEMENTO TRADICIONAL NO CANCIONEIRO DA VATICANA
Cancioneiro da Vaticana vem revelar-nos as origens tradicionaes da poesia lyrica por-
tugueza, desconhecidas pelos principaes críticos europeus, que consideravam a falta de na-
cionalidade ou de originalidade a característica distinctiva dos nossos trovadores, julgando
Gil Vicente e Camões desligados de toda a corrente popular e por isso phenomeuos isolados
quasi inexplicáveis. Resumimos o estado da questão, antes da nossa descuberta da persi-
stência das Serranilhas e Cantos de ledino, n'estas palavras de Wolf : «Destas vistas, que se
provam com documentos e testemunhos e portanto são as únicas exactas, acerca da origem
e formação da poesia lyrica portugueza, conclue-se que em verdade de um lado a lyrica
erudita apparecera mais cedo na Galliza e Portugal do que em Castella; mas que de outro
lado a poesia erudita portugueza se apresenta desde o começo como palaciana, formada por
moldes estrangeiros (provençaes) e que a não precedera, como à castelhana, uma poesia in-
dígena, ainda meio popular, meio erudita, nascida de elementos populares, e, em conse-
quência dMsso, puramente nacional. D'esse modo fica ao mesmo tempo resolvida a questão da
prioridade da poesia portugueza ou hespanhola; d'esse modo torna-se clara e evidentemente
reconhecível a differença do seu principio e dos caracteres fundamcnlaes e períodos de desen-
volvimento d'elle dependentes ; pois emquanto a poesia hespanhola tem um principio popular
e uma base popular, e, em consequência disso não só nos seus períodos de esplendor appare-
ce original e nacional, mas também não chega a reduzir-se a pura imitação sob a influencia es-
trangeira, c até mesmo nos seus tempos de decadência mostra tanta força vital própria, que se
pôde regenerar por si mesma ; tem-se a poesia portugueza desenvolvido de um principio intei-
ramente artificial cujas raízes são estrangeiras, antes que a poesia popular indígena podesse
ofierecer uma assas larga base para que sobre ella se produzissem obras artificiaes com typo
nacional; por isso são as suas feições fundamentaes (pois não pôde aqui ser questão de ca-
racter fundamental, se não se quer deixar valer como tal a própria falta de caracter) : de-
pendência da influencia exterior estrangeira, mania imitativa, flexibilidade e uma delicade-
za próxima da frouxidão; em summa ella é mais receptiva do que produetiva; — por isso
escacéa-lhe mesmo nos tempos de maior elevação a individualidade bem determinada, e os
poetas ainda assim mais populares, Gil Vicente e Camões, eram phenomenos sem influencia
CAP. Vi) OPINIÃO de diez e paul meyer XCVH
duradoura ; por isso quando a poesia portugueza decaiu íicou em agonia de que só a podia
erguer um novo impulso e auxilio estrangeiro.» 4
Esta opinião está derrogada ; quando Wolf a emittiu ainda o Cancioneiro da Vaticana era
mal conhecido, mas já por alguns Cantares de amigo do Cancioneiro de D. Diniz se podia infe-
rir da existência de um veio popular. Wolf desconhecendo a connexão tradicional de Gil Vi-
cente, não sabe como explicar a sua superioridade lyrica ; Friederich Diez, pelo estudo com-
parativo de algumas cançonetas de Gil Vicente intercalladas nos seus Autos, foi levado para
a determinação de um elemento popular na poesia provençal portugueza. 1 Á medida que
foram sendo conhecidas formas mais variadas de canções da collecção da Valicana, a impor-
tância do elemento popular não pôde escapar aos críticos romanistas. Com a publicação do
Cancioneirinho de trovas antigas, (Vienna, mdccclxx) conheceram-se novos typos poéticos, e
Paul Mayer fallando doeste pequeno excerpto da collecção da Vaticana, reconhece n'essas
canções as características populares, mas explica-as como resultantes das profundas modifi-
cações de uma vulgarisação de obras litterarias entre o povo: «Não se pôde ver n^Hes, pro-
priamente fallando, cantos populares. Supposto mesmo que existissem na Galliza e em Por-
tugal, é pouco provável que se dessem ao trabalho de os pôr em escripta. Demais, as peças
no ms. da Vaticana, e por consequência no seu original perdido, são acompanhadas do no-
me de seus auetores, o que não teria logar, se ellas fossem colligidas da boca do povo. Que
elles com o andar do tempo se tornassem populares, é o que se pôde olhar como mais pro-
vável : a mesma cousjt aconteceu a certas obras dos trovadores e dos troveiros ; não sabe-
mos nós que Giraut de Borneil gostava de ouvir as suas canções cantadas á compita pelas
raparigas quando iam à fonte? Não parece porém duvidoso (e isío é certo com relação ao rei
D. Diniz) que ellas devam a sua existência a auetores tão letrados como o poderiam ser os
leigos d'esle tempo, a homens, dos quaes muitos possuíram um amplo conhecimento da
poesia dos trovadores e dos troveiros.» 3 A explicação de Paul Meyer é hábil mas não verda-
deira; esle illustre philologo não estabelece a mínima distineção entre popular e tradicio-
nal, duas características que importa ter sempre em vista na questão das origens poéticas.
O que se tornou popular pôde provir de uma vulgarisação de obra individual, ou também
da persistência immemorial da tradição ; no primeiro caso, a opinião de Paulo Mayer é in-
admissível, porque obrigava a suppôr uma communhão litteraria muito intima entre os eru-
ditos dos séculos xm e xiv e o povo portuguez, facto que nunca se deu, como se vé por to-
do o decurso da histórica politica e principalmente da historia litteraria de Portugal. No se-
gundo caso, é preciso determinar o problema: As canções do Cancioneiro da Vaticawa que
apresentam características populares, embora sejam composições individuaes, revelam nas
suas formas a persistência de um typo primitivo tradicional ? A questão da determinação
d'esse typo é já um outro trabalho. Paul Meyer, ao dar conta dos Canti antichi portoghesi,
publicados por Monaci, antes da sua monumental edição (Imola, 1873) abandonou o seu pri-
meiro modo de ver, deixando a vulgarisação popular pela persistência de formas tradicio-
naes: «Noto que muitas das peças dadas á luz por Monaci (n.° ív, ix) são muito análogas na
essência como na forma, ás nossas antigas Ballettes, ou ás bailadas provençaes. Não concluo
por isto, que as poesias porluguezas que tem esta forma sejam imitadas do francez ou do
provençal, mas que são concebidas conforme um typo tradicional, que deve ter sido com-
mum a diversas populações românicas, sem que se possa determinar em qual d'ellas foi
creado.» 4
Foi pelo estudo comparativo com algumas bailadas francezas colligidas nos seus relató-
rios, (D. 236-9) que Paul Meyer se viu forçado a reconhecer nas canções portuguezas um
typo tradicional, da mesma forma que Diez pela comparação das canções de Gil Vicente de-
terminou no Cancioneiro de D. Diniz os caracteres da poesia portugueza primitiva. D'esta
forma progrediu a sciencia até collocar o problema litterario no seu verdadeiro campo ; a
demonstração dos typos tradicionaes donde se derivara a melhor parte e a mais bella das
canções porluguezas, não só virá derramar uma nova luz sobre as origens da poesia româ-
nica, mas explicar a unidade do lyrismo europeu. É este o nosso trabalho, esboçado já na
dissertação Da Poesia modeima portugueza, suas transformações e destino ; 5 pelo desen-
volvimento gradual do problema se vê que não somos levados por um aventuroso hyper-
• Wolf. Sludien zur Geschichle der spanischen und porlugiesischen Natúmallileralur, S. 697. Ap. Bibl.
critica, p. 136.
• Diez, Uber die ersle porluqiesische Kunsl und fíofpoesie, S. 100. Bonn, 1863.
» Paul Meyer, ftomania, voí. i, p. 119-123.
• ftomania, t. rv, p. 265.
• Parnaso porlumex moderno, p. xxv. Lisboa, 1877.— sr. J. A. de Freitas applicou a nossa theoria ás
Origens do Lyrismo brazileiro,
M
XCVIU REFRENS POPULARES (CAP. VI
criticismo. Se os jograes e trovadores conheceram um typo tradicional do lyrismo é porque
esse typo se conservava inconscientemente entre o povo ; isto se prova ainda abundante-
mente por vestígios do Cancioneiro da Vaticano,.
Da existência de uma poesia lyrica popular temos em Ilespanba no século xm a prova
na Cantiga de Serrana attribuida a Domingo Abad de los Romances, e que se acha intercal-
lada entre as poesias do Arcipreste de Hita (p. 481, da ed. de Ochôa, str. 987 a 1001). Or-
tiz de Zuniga nos Anates de Sevilla, referindo-se ao anno de 1253, e apoiando-se na aucto-
ridade de Argote de Molina, diz que Nicolau dos Romances e Domingos abade de los Roman-
ces eram poetas de Fernando o Santo ; o desenvolvimento lilterario que o Arcipreste de Hita
e depois o Marquez de Santillana deram ás Cantigas de Serrana, mostra-nos como pelo co-
nhecimento das suas origens tradicionaes a Hespanha veiu a prevalecer sobre Portugal no
desenvolvimento do seu génio lyrico.
A época em que as imitações populares reanimaram o lyrismo provençal portuguez, de-
ve collocar-se depois do casamento de el-rei D. Diniz, quando muitos jograes aragonezes e
leonezes se fixaram em Portugal. O jogral João de Gaya, escudeiro da corte de D. Diniz, dei-
xa nas rubricas que precedem as suas canções bem accenluadas as provas da imitação po-
pular. Na canção 1061, apodando o Eleyto de Viseu, que era natural de Aragão, pelo vicio
da glutoneria, allude aos velhos cantares de Martim Moxa, que se haviam repetido na corte
de D. Afibnso ih:
Comede migu'e diram-vos
cantares de Martim Moxa;
diz el en estes meus narizes,
color de escarlata roxa :
vos avedel-os olhos verdes
et matar-in'iades com eles.
A sirvente remata com a preciosa rubrica: «Esta cantiga foi seguida por huã baylata,
que diz :
Vós avedel-os olhos verdes,
matar-m'edes com elles.»
Evidentemente João de Gaya fazia refrem de uma antiga balada popular, porque no sé-
culo xvi nas redondilhas de Camões, ou de Cancioneiro, acha-se ainda este mesmo mote :
Menina dos olhos verdes e Se não que tendes os olhos verdes.
Este facto, ao mesmo tempo que nos prova a genuinidade popular da balada, demons-
tra-nos também a persistência da tradição lyrica nacional, que revive na inspiração dos
maiores poetas quinhentistas.
Na canção 1041, do mesmo João de Gaya, vé-se uma imitação directa da structura dos
cantos populares do século xiv; começa com a rubrica: «Diz huã cantiga de vilaão:
ó pee d'huã torre
baila corpe giulo;
vedes o cos, ay cavalleyro.»
João de Gaya compoz trcz estrophes sobre este molde, satyrisando o alfayate do bispo
Dom Domingos Jardo, personagem celebre por ter concorrido para a fundação da Universi-
dade de Coimbra. Na rubrica que a segue, se lê a declaração terminante : «Esta cantiga se-
guiu Joham ds Gaia por aquela de cima, de vilãaos, que diz a refrem : vcdel-o cós, ay
cavaleyro; e feze-a a hú vilãao, que foy alfayate do bispo don Domingos Jardo) de Lixboa.»
D'esta imitação dos retornellos populares conserva-se na corte do século xv o estylo de rifar
como uma prenda para parecer bem no paço. Da proveniência d'estes cantos, ainda no sé-
culo xvn lhes chamava Miguel Leitão villanelas, e Gil Vicente conserva muitas designações
do lyrismo popular, como villancico, villancote, chacota, ensaiada, e da serra e guaiados.
Na canção 883, de Martim de Giezo, allude-so aos instrumentos árabes que acompanha-
vam as cantigas populares: «Mandou lo aduffe tanger.» Por isso não nos admira que a de-
signação de Serrana e Serranilha, conservada pelo marquez de Santillana, se derive do
árabe serra ; ainda boje persiste a designação de Fado dada aos cantos lyrico-nar rali vos
acompanhados em viola de arame ou guitarra (a quitara árabe) ; Caussin de Perceval * de-
screve um canto plangente usado pelos guias de camellos, simples e monótonos, que é co-
nhecido pela designação de Iluda, 2 que se identiQca com os nossos Fados actuaes. A cha-
• Ap. Journal asialique, série vu, t. n, p. 420.
' Nas poesias do Arcipreste de Hita, acha o verso:
La adedura albanlana entre elles se entremete /v.° 1206.)
CAP. vi) o critério da etiinologia XCIX
cara da Linda Pastora, o typo do lyrismo antigo portuguez, em muilas versões provinciaes
é conhecida pelo nome de Serrana. Nas povoações de Gafete, Arez e Tolosa, (Alemtejo)
ainda existe um canto denominado a Chacoula, que suppomos ser uma corrupção de Chaco-
ne, desusada desde o século xvn.
Differentes raças occuparam na successão dos séculos a Península hispânica, e cada qual
se define pelos raros vestígios da sua passagem deixados nos monumentos megalithicos, no
onomástico local ou nos monumentos epigraphicos, numismáticos ou nas relações dos geo-
graphos antigos; a constituição das modernas sciencias da Anthropologia e da Linguistica veiu
dar mais um elemento para estabelecer um conhecimento mais preciso por meio da caracte-
rística da dolichocephalia e brachycephalia nos craneos antiquíssimos, e da agglutinaoão da
linguagem n'esse idioma fallado ainda nos Pyrenéos (o basco) que se fllia no grupo das lia-
puas turanianas.
Uma vez estabelecida a serie de occupação das raças no território hispânico, falta apro-
veitar o novo critério da Etimologia, cuja luz ha de sair da comparação dos costumes, das
noções religiosas, das superstições, das tradições em todas as suas formas. Este trabalho vi-
rá um dia a basear-se sobre os resultados das anteriores investigações scientiflcas; no cm-
tanlo aproveitando a direcção do que se sabe já como definitivo, vamos determinar a ori-
gem de aljrumas formas tradicionaes da poesia da península hispânica, formas que só vie-
ram a perder-se depois que as litteraturas nacionaes se constituíram fixando na forma escripta
os dialectos românicos. Através das manifestações da poesia individual, mais ou menos in-
spirada de fontes tradicionaes ou populares, ainda apparecem designações que aecusam gé-
neros primitivos que se transformaram ou foram esquecidos; taes são os contos de Alaldla,
os Arcytos, as Áravias, os cantares Guaiados, os cantos de Ledino, as Chacones, as Serra-
tiillias, etc. Escolhemos principalmente as designações dos géneros poéticos que correspon-
dem a cada uma d'essas raças; assim os cantos de Alaldla, os Ar ey tos e Ar avias, como vamos
provar pelo critério comparativo, pertencem ainda ao génio lyrico da grande raça turaniana,
que occupou a Península n'uma época ante-historica, e a que se dá o nome de Ibews. 1 Os
cantares Guaiados, pertencem já á occupação céltica, que se fusionou com o elemento tu-
raniano, formando assim os celtiberos. Os cantos de Ledino pertencem ao elemento romano,
modificado pelo culto chrislão recebido da Africa. As Ciecones pertencem ao geqio germâni-
co, e resultam da persistência da tradição golhica. Finalmente as Serranilhas, são uma re-
vivescência do lyrismo pastoral do génio luraniano pela acção da poesia árabe. No desen-
volvimento doestas affirmações esperamos determinar um principio etimológico, pelo qual a
poesia tradicional da Península receberá uma nova luz.
Pelos recursos da archeologia preliistorica e pela craniometria chegou-se à conclusão tf e
que as raças antc-historicas da Europa se renovaram muitas vezes, podendo comi u do distin-
guir-sc dois typos : o de craneo oblongo (dolichocephaloj e o de craneo redondo (brachyce-
phalo).* Com os craneos oblongos coincidem nas mesmas camadas geológicas os instrumen-
tos de pedra, ao passo que com os craneos redondos já coexistem os instrumentos de bron-
ze, que revelam uma civilisaçào baseada sobre a industria metalúrgica, e uma superiorida-
de que demonstra a realidade do dominio d'este typo mongolóide sobre o typo negroide.
Sobre este estádio da civilisaçào ante-historica appareceu uma nova raça conhecedora do
ferro e com a forma craneana oval, e que é considerada um ramo árico ou indo-europeu; o
problema das origens da civilisação européa reside na determinação dos elementos aprovei-
tados pelos ramos indo-europeus da civilisação rudimentar mongolóide, a que modernamen-
te se tem dado o nome de turaniana. Considerando o typo dolichocephalo, como autochtone
da Europa e da Africa, quando estes continentes ainda estavam unidos, o typo brachycepha-
Io é imigrante e proveniente da Ásia. As migrações do typo mongolóide ou brachycephalo
fazem-se pelo norte da Europa, como se observa pelo elemento finnico e esthoniano, pelo
mixto com as raças germânicas e pelo dominio do gaulez ; e fazem-se também pelo norte da
Africa, onde receberam modificações physiologicas do typo negroide, penetrando na penín-
sula hispânica, como o elemento basco, e nas três grandes ilhas do Mediterrâneo. A existên-
cia da cor branca, cabello ruivo e olhos azues entre os berberes da Africa é uma resultante
do typo mongolóide através da Africa, da mesma forma que estas características nos povos
da Europa, provém segundo Topinard do primitivo fundo turaniano. A distineção entre estgs
Refere-se a um instrumento musico, que no códice de Oayoso se chama Hadura; por ventura a elle se
cantavam os Muda ou Fados, ainda hoje populares.
No Cancioneiro de Rezende acha-se uma imitação dos cantos de troteiro, com accentuada imitação po-
pular.
1 Da existência da sua poesia falia Strabão.
• Yogt, Pruner-Bey, Wilson e SchaalThausen.
C OS SCYTIIAS NA EUROPA ' (CAP. VI
duas correntes convergentes de immigraç ões mongolóides ainda não estava estabelecida ;
porém peias modernas descobertas sobre o gaulez, e pelas revelações da historia do Egypto
sobre as invasões dos Matsuas, as duas correntes definem-se com uma certa authenticidade.
Esta população da Europa, turaniana ou mongolóide, que precedeu os Árias, possuía um
profundo génio poético, como se vó pelos cantos accadicos da Ghaldea, pela acção que exer-
ceu sobre o desenvolvimento da poesia semita, pelas formas lyricas do Chi-King, da China,
e pelas creações épicas do México e da Finlândia. A co habitação com os Árias, que a domi-
naram na índia, e com os novos ramos que a absorveram na Europa, fez com que persistis-
sem os elementos ethnicos turanianos, e por isso que se conservassem certas formas lyricas
nas camadas populares ou servis, que certQS accidentes históricos fizeram receber forma
litteraria.
Antes de determinarmos os paradigmas d'esta unidade do lyrismo europeu, importa de-
finir essas duas correntes convergentes da migração turaniana. A distineção do gaulez do
celta, tão claramente exposta por Diodoro de Sicília, conflrma-se indirectamente por Dioii
Cassius, Pausanias e Appiano. Fali and o dos celtas de uma e outra parte do Rheno, Cassius
declara depois : «que tem á sua esquerda a Gallia e seus habitantes; á sua direita os cel-
tas. Tal é o limite «destes dois povos, depois que tomaram fronteiras differentes.» 1 Em Pau-
sanias allude-se já a uma assimilação entre as duas raças: «0 nome de gaulezesnão preva-
leceu senão muito tarde ; elles tomaram antigamente o de celtas, nome que os outros povos
lhe davam também.» 9 Appiano exprime já uma identificação: «Os celtas actualmente cha-
mados Gallatas e Ga^.» 3 Ha aqui uma fusão em que o gaulez prevalece pelo numero, e em
que o celta conserva o seu nome pelo espirito de resistência. Qual era porém a raça gaule-
za? Diodoro Siculo descreve o seu habitat: «Occupavam já os paizes inclinados para o Meio
Dia ou para o Oceano, já sobre os montes Hercynios (montanha do Herez e do Erzgebirge),
emfim, occupavam em seguida uns aos outros todo este vasto espaço até á Scylhia (hoje
Rússia).» 4 Gustave Lagneau demonstrando que o gaulez é um ramo scythico, apresenta a
conformidade dos nomes entre Oestyi (antigos habitantes da Esthonia, província marítima da
Rússia), que Tácito diz fallarem uma língua vizinha do bretão, e os Ostiey, antigos habitan-
tes da Armorica, ou Bretanha actual; entre os Lemovii, que habitavam antigamente a pro-
vinda de Dantzig, e os Lemovices, povoação da Armorica, e a capital dos Pictones denomi-
nada Lemornees, hoje Limoges. 5 Cumpre aqui observar que a escola trobadoresca limosina,
uma das mais celebres, foi a que mais influiu no desenvolvimento da moderna poesia na pe-
nínsula hispânica, onde o nome de Astum revela-nos a profunda analogia com os Oestyi
scythas. É ao oçcidente dos Asturos, que estavam situados os Gallaicos, ou a Galliza actual,
o que também revela a sua origem gauleza ; o mesmo com relação ao nome de Portu^ato-
cia. É grandíssima a diffusão da raça gauleza, na Germânia septentrional, nas ilhas Britanni-
cas, na Galliza, na Hespanha, na Itália, na Germânia meridional, na Ilyria, na Grécia e na
Ásia Menor. Assim como Diodoro Sioulo soube distinguir o gaulez do celta «que os Romanos
haviam confundido sob o mesmo nome» elle mesmo nos dá os elementos para distinguir
dois ramos differentes d'esla raça scythica : «Segundo a opinião de alguns escriptores, este
povo tornado famoso pela sua ferocidade, è o mesmo que aquelle que nos tempos antigos
devastou toda a Ásia sob o nome de Cimmerianos, designação que tendo se alterado pelo
lapso dos annos, se mudou facilmente na dos Cimbros.» 6 ■
A identificação dos gaulezes com os Cimcrianos, leva-nos a approximar os differentes no-
mes de Cymri, Kimri, Kimmerii do nome de Sumir, um ramo turaniano da Ásia anterior.
(0 nome de Ruthene, com que os Assyrios eram conhecidos pelos egypcios, acha-se nos Ru-
teni que oceuparam uma parte da Galicia.) Castren mostra-nos a importância ethnica da de-
signação de Sumii\ cujo valor corresponde á situação dos gaulezes das planícies próximas
do oceano. 7
D'este modo os nomes de Gades, Gaidlieal, (Gaels, Galls) correspondem à outra designa-
ção turaniana Accad, o que habitava as montanhas, tal como o gaulez nos montes Heryci-
nios. Como scythas, os gaulezes podiam conservar estas características ethnicas. nome de
Aquitania, é como uma forma de accadiano, conservada inconscientemente.
# * Hisl. rom., Lib. xxxix, cap. 49.
• Descripç. da Greda; Âllica. cap. m.
■ De remis hispanicnsibus, § í.
* Hisl. univers., lib. v, cap. 33.
J Dicl. encycl. des Sciences médicales, t. xm, p. 705.
, Op. cit., lib. v, cap. 33.
Eram gaulezes os antigos habitantes do Condado de Sommerset (Dicl. encycl. des Sc. mèd., t. xur,
p. 716.
CAP. Vi) PARADIGMAS ACCADICOS E C1IINEZES Cl
A confusão de Tacilo dos Kimerianos com os germanos, e os Goíhins considerados como
gaulezes, explicam-nos os phenomenos de recorrência tradicional entre os povos da Penín-
sula. A proveniência do ramo ibérico ou euskariano da peninsula atravessando a Africa,
conhece-se não só pela língua, como por uma corta dolichecephalia resultante da fusão com
grupos africanos de raça branca.* Os nomes de divindades egypcias nas fnscripções lapida-
res da peninsula misturados com os nomes de divindades turanianas, revelam-nos que o
ramo lybieo, que esteve em contacto com a civilisação dos pharaós, foi o que entrou em Hes-
panba, oceupando as ilhas do Mediterrâneo, e o archipelago das Canárias. Strabão falia das
poesias heróicas dos Turdetanos com mais de seis mil annos de antiguidade ; e este facto
torna-se crivei hoje que o gtnio épico dos turanianos se manifesta no poema Isdubar, de
Babylonia, no PopoUVuh do México, e no Kalevaía da Finlândia. É por esta via que somos
levados â determinação do génio lyrico tradicional nas litteraturasmeridionaes. Provada por
Paul Meyer a unidade de formas no lyrismo dos povos românicos, resta descobrir a causal
d'esse phenomeno. Os dados ethnicos que temos determinado reduzem esse phenomeno a
uma revivescência.
A mesma revivescência se dá entre todos os povos em que existe o elemento turaniano;
os cantos accadicos, tão parecidos com as nossas Serranilhas, tem paradigmas no Chi-King
da China. O mesmo se dà com os hyranos triumphaes do Egypto e com os cantos populares
árabes. Reunimos aqui alguns paradigmas ; eis um canto accadico, traduzido por Ôppert :
Trigo do nosso sustento
Cresce direito, mas lento ;
Agua do céo nós pedimos t
Trigo da nossa abundância,
Levanta-se, e com fragrância !
Agua do céo nós pedimos 1
Lenormant apresenta um outro canto accadico, que com o precedente pôde ser compa-
rado com os n. 08 806, 842, 744, e 1046 do Cancioneiro da Vaticana; eis o canto traduzido
pelo assyriologo Lenormant :
O trigo que direito crece
No fim dará boa messe;
O segredo, nós sabemol-o I
O trigo qne dá fartura
Dará a boa cultura;
O segredo nós sabemol-o !
No Chi-King, formado com os cantos tradicionaes do povo chinez, vê-se pela bella tra-
ducção de Legge a forma estrophica e a distribuição da* rima de um modo em geral simi-
Ihante às nossas canções provençaes :
Guizos levam os cães; os cães levam os guizos;
De amável, tem seu dono, e bom, todos os visos.
#
Os cães vão presos, vão a retininte ajoujo ;
Dizer do dono a graça a tanto não me arrojo.
Col leiras ao pescoço elles lançam-se á caça;
Seu dono é excellente em poder e em graça. 2
Na campina d' alem, qne mede umas dez gêiras,
Andam homens colhendo a folha ás amoreiras;
Busquemos essa paz I dizia um palaciano.
No campo qne atrás flea e mede umas dez geiras,
Homens andam colhendo a folha ás amoreiras;
Fiquemos n'esta paz, dizia um palaciano. 3
Vão cinco javalis, n'uma veloz carreira ;
Disparam-lhes de prompto a seta mais certeira I
Ah como assim parece úm tigre mosqueado.
1 BuUelin de la Soáélê de gèoorapfiie, (Avril. 1876) p. 428.
! Legge. op. cit.. p. 143; Pautfiier, trad., p. 294.
ffi-Ktng, ed. Legge, p. 136; ap. Pauthier, 292.
CII RETORNELLOS E PARALLELISMO LYRICO (CAP VI
Cinco bácoros abrem na artemisa brecha;
Dispara- lhes de promplo uma certeira frecha !
Ah como assim parece um tigre mosqueado. 1
Tal como o pé do Lin não calca nos seus trilhos,
Para os que encontram são assim do rei os filhos!
Ellcs são como o Lin !
Como a frente do Lin nunca em fúria se atira,
Tal os netos do rei dão amor em vez de ira;
Elles são como o Lin !
Como o corno do Lin nunca a ninguém avança,
Os parentes do rei a todos dão esperança;
Ellcs são como o Lin ! *
Seguimos na traducção doestes quatro vetustissiraos modelos do lyrismo chinez o pensa-
mento de Legge, conservando a eslructura da estrophe e a ordem da rima e dos refrens;
merecem comparar-se com estes as canções n. 09 247, 265 e 304 do Cancioneiro da Vatimna.
No lyrismo egypcio também deve existir algum vestígio tradicional «d'esse typo primi-
tivo de parallelismo das idéas e das opposições que formara a essência do estylo poético dos
hebreus», 3 parallelismo que hoje se conhece como de origem turaniana. Na constituição
ethnica do Egypto o elemento turaniano revela- se nas castas incommunicaveis, na sua apti-
dão industrial, n'um persistente felichismo e nos cultos mágicos; na poesia, postoque ain-
da pouco estudada, já se acha o typo lyrico de Accad. Eis um fragmento da canção interca-
lada no Canto tríumphal de Totmes m :
— Eu appareci ! eu te concedi bater os príncipes de Tahi ;
Eu os arremessei debaixo dos teus pés através dos seus paizes.
— Eu lhes fiz ver a tua magestade tal como o senhor da luz
Allumiando as suas faces, como a minha imagem.
Eu appareci ! eu te concedi bater os habitantes da Ásia,
Tu reduziste á escravidão os príncipes dos Amu, dos Hotennu;
Eu lhes fiz ver a tua magestade revestida dos seus ornamentos.
Empunhando 'as tuas armas, e de pé sobre o teu carro.
Eu appareci 1 eu te concedi bater os povos do Oriente,
Tu marchaste sobre as províncias da terra sagrada;
Eu lhes mostrei a lua magestade semelhante ao astro
Que semeia o ardor dos seus raios, e espalho o orvalho . . .
Sãu ao todo dez eslrophes com os mesmos cortes symclricos e o mesmo parallelismo de
phrase ; embora ainda hoje se não conheça a poética dos egypcios e dos hebreus, e se na rea-
lidade tinham versos medidos, é certo que o lyrismo accadico, ainda no mesmo caso, apre-
senta esse parallelismo, e as formas do refrem em um estado d 'onde parece ter saído a con-
strucção da estrophe métrica tal como se encontra no antiquíssimo livro de versos da China
o Chi-King. A evolução que transformou o parallelismo accadico nas estrophes medidas e
rimadas do Chi-King, também derivou das tradições poéticas dos turanianos da Europa es-
sas formas communs aos povos meridionaes, taes como as bailadas, as serranilfias, as villa-
nellas. É assim que se explica a unidade do lyrismo europeu.
Uma das canções mais preciosas do Cancioneiro da Vaticana, é a que pertence a Pedro
Anes Solaz (n.° 415) notável pelo seu refrem «Lelia d'olitra — E doy Lelia doutra.» É este
o estribilho nacional da Galliza, a neuma característica da sua poesia popular, já notada
desde o século i por Silio Itálico: «Barbara nunc patriis ululante m carmina linguis.» O pro-
vérbio basco «Belhico leloa» allude á antiguidade d'esta neuma que apparece repetida na
forma Leio, il Leio e Eioxj lelori bay leio, dos cantos populares das províncias vascongadas. •
O mesmo estribilho se encontra nos cantos fúnebres da Irlanda ou ululaUh na forma ulluloo;
a existência d'esta neuma entre varias t ri bus mongolóides, levam-nos a considerar os can-
tos de alalala como pertencendo â primitiva poesia da raça que propagou na Europa as for-
mas lyricas das paslorellas e serranilhas, cuja unidade foi reconhecida pelos modernos ro-
manistas. 4 No Cancioneiro da Vaticana encontram-se referencias a diversas localidades bas-
cas; taes são as canções n. os 1 045, 1000, 720 e 723, e canções do jogral vasconço Pêro do
• Legge, op. cit., p. 66; Pauthier, 264.
• Legge, op. c!t., p. 75; Pauthier, 271.
• Vicomte de Rougé, Chanl Inumphal de Toulmès m, trad. Itíb. orient., t. n, p. 155.
« Yid. sobre esta questão o Parnaso porlugiiez moderno, p. xl a xlvii.
CAP. Vi) > REVIVESCÊNCIA DO GÉNIO LYRICO MERIDIONAL CHI
Veer (Bear.) É possível que as com mu meações dos jograes de segrel Ozessera revivescer es-
te fundo tradicional asturiano que distingue a escola da Galliza.
Schack, no seu livro Poesia e Arte dos Árabes em Hespanha e Sicília, esforça-se por ex-
plicar as formas lyricas communs á Itália, França, Hespanha e Sicília, da elaboração trobado-
resca, como resultantes de uma propagação da poesia árabe na sua forma tradicional e po-
pular. Para isto estabelece todos os pontos de connexão histórica, e compara os estylos e
typos estrophicos dos Muvaschaja com as baladas e com as serranilhas.* Sabendo-se que a
poesia semítica se desenvolveu sob a influencia do lyrismo accadico, como o prova Lenor-
mant, e sabendo-se que o meio dia da Europa foi oceupado por vários ramos turanianos, co-
mo o provam os documentos archeologicos e o moderno resultado da etimologia acerca da
origem scylhica dos Gaulezes, a theoria e os factos produzidos por Von Schack devem col-
locar-se em* uma luz mais verdadeira, attribuindo á influencia do lyrismo popular dos ára-
bes a revivescência das tradições poéticas do elemento primitivo das povoações meridio-
naes, e ao caracter ethnico destas a facilidade de se fusionarem com o árabe e de lhe ac-
ceilarem muitos dos seus usos. É esta uma questão nova na historia, e por onde se modifica
a incommunicabilidade do semita, que era contradictada pelos factos. 2 que se dá com a
forma estrophica dos cantos lyricos, repete-se com relação aos cantos épicos apenas na sua
designação de Aravia, cora que são conhecidos ainda hoje os romances populares nas ilhas
dos Açores. Os narradores dos suecessos históricos entre os árabes ante-islamicos eram cha
mados Ravah; o Rawi era o recitador dos feitos heróicos, em que a prosa vulgar e os ver
sos se entremeavam. (Schack, op. cif., n, 136.) Não hesitamos em admittir que o nome de
Aravia dado aos cantos populares heróicos, fosse derivado da designação d'aquelle que os
cantava, o Rawi; porém este nome de uso ante-islamico liga-se á mesma proveniência tu-
raniana pelas suas analogias com os Yaravi, ou os cantores das tradições heróicas entre os
peruanos. A confusão de Aravia com Algaravia e a attribuição errada da origem dos roman-
ces peninsulares aos árabes, prejudicaram a intelligencia d'este problema, hoje tão claro
pela nova comprehensão das origens da poesia semita, como pelas descobertas da etimolo-
gia sobre as raças mongolóides da Kuropa meridional. A influencia árabe sobre os cantos he-
róicos peninsulares resume-se em um estimulo de revivescência. Estudemos aqui as causas
do reapparecimento dos cantos épicos, cuja forma se acha reprcsenlada em um vestígio tra-
dicional do Cancioneiro da VcUicana.
Na Chronica geral de Hespanfia, Aflbnso o Sábio serviu-se dos cantos tradicionaes, apro-
veitados das versões oraes do povo, para fundamentar com elles a sua narrativa histórica.
Esses cantos estão totalmente perdidos, salvo um ou outro verso, que ainda se pôde desco-
brir através da prosa da Chronica. Pode-se dizer que no meado do século xm, os cantos he-
róicos, por causa d'este uso histórico, receberam importância entre os eruditos que os ha-
viam desprezado; essa importância chegou a fazer-se sentir nas leis civis e nos regimentos
da cavalleria. Nas Leis de Partidas (L 20, t. 21, part. 2.) se estabelece peremptoriamente :
« que los jograles que no dixessen ante ellos (los caballeros antiguos) otros cantares sinon
de Gesta, ó que fablassem en fechos de armas.» Nas Ordenanzas de caballeria, de Mosen de
Sent Jordi, redige-se este mesmo costume. As jeis de Partidas tiveram vigor em Portugal,
e no Cancioneiro da VcUicana está bem accentuada a influencia que esta disposição cava-
lheiresca pôde exercer na nossa aristocracia; vê-se ali, de um lado a obediência de um jo-
gral â determinação da lei, do outro a indisciplina de um fidalgo parodiando de um modo
ridículo o eslylo e a metrificação dos cantares de Gesta.
O jogral Pêro da Ponte, que floresceu ainda na corte de Fernando m, celebra na canção
578 a tomada de Valença, perpetuada também nos cantos populares; 3 na canção 573 cele-
bra a morte da rainha D. Beatriz, mulher de Fernando m, em 1236 ; na canção 572, allude
à tomada de Sevilha era 1246, e na canção 574, celebra a morte de Fernando ih e a exal-
tação ao throno de Aflbnso o Sábio, em 1252. Como um dos jograes mais antigos do Cancio-
neiro, Pêro da Ponte, é o que deixa ver mais claramente a influencia do costume, que veiu
a ser redigido nas Leis de Partidas; mas a influencia da determinação de Aflbnso o Sábio
conhece-se no único vestígio directamente popular que se conserva da tradição anterior ao
século xv, e que no Cancioneiro vem em nome de Ayras Nunes, clérigo. É o romance de
Dora Fernando i, que se 1(5 sob o numero 466; por elle investigaremos abaixo o typo primi-
tivo do romance popular da Península.
' Op. cit, t. ii, p. 232. Trad. espaii.
' Na moderna poesia árabe popular, ainda se encontra este parai lei ismo, mas predominando o uso dos
rrfrens, c a rima. Md. Uaiks et Bournoufs, passim.
' \id. Romanceiro geral porluguez, t. ui, n.°35.
C1V TYPO DO ROMANCE POPULAR %(CAP. VI
A disposição das Partidas provocou alguma reacção dos trovadores Ddalgos, que esta-
vam acostumados á galanteria das canções de amor. No Cancioneiro da Vaticana, essa reac-
ção transparece na Gesta de Mal-Dizer, de D. Aflbnso. Lopes Baiam, (vid. n.° 1080) onde es-
te fidalgo cia corte de D. Aflbnso in parodia grotescamente e com archaismos a estructura das
Gestas francezas, em alexandrinos, em monorrimos, e com a celebre neuma da Chanson de
Roland, Aoi. Na corrente popular, conservada por Gil Vicente, ainda se allude também ao
costume de não querer ouvir cantos que não fallem de guerras e cutiladas.* Nas canções da
corte de D. Diniz citam-se os poemas de aventuras do cyclo arthuriano, Tristão e Branca-
flor, o que denota a alteração do gosto poético, no sentido da disposição da IM de Partidas.
No romance 466, de Ayres Nunes, acha-se o typo mais perfeito da forma dos cantos he-
róicos anterior á que se fixou nas collecções do fim dos séculos xv e xvi, da peninsula. A
sua conservação é um phenomeno litterario, a sua intelligencia uma descoberta:
As fontes tradicionaes da epopêa hespanhola são os Romances, como as Cantilenas são
o elemento orgânico das Gestas francezas; os romances peninsulares não receberam desen-
volvimento cyclico na constituição da nacionalidade castelhana, porque essa manifestação
poética foi combatida por três influencias; l. a , o espirito da erudição mantido pelos latinis-
tas ecclesiasticos ; 2. a , a imitação das formas das Gestas francezas ; 3.*, u gosto exclusivo da
aristocracia pelas complicadas construcções do lyrismo provençal.
Da influencia latinista basta apontar os factos bem conhecidos da substituição das estro-
phes saphicas e adonicas dos cantos latinos pelas estrophes populares; no século xu e xm
essa luta entre a tradição e a erudição é evidente. No poema latino da tomada de Almeria,
em 1147, se lc:
Ipse Rodericus Mio Cid semper vocatus
De qvo cantatur quod ab hostibus haud superatus
vé-se por isto que existiam cantos populares, a que o poemeto se referia; na Chronica lati-
na de Aflbnso vn, allude-se com frequência a designações populares, e ao uso da lingua
vulgar nostra lingua. Um dos documentos mais preciosos que accusam esta influencia lati-
nista é o poemeto sobre o Cid, copiado por Du Meril do ms. 5132 da Bibliotheque Nacionale,
fl. 79, e publicado nas Poésies populaires latines du Mo\jen-âge. % Na litteratura portugueza
existe também o poemeto latino da tomada de Lisboa, Cármen Gosuinum, que accentua
esta influencia erudita dos latinistas, que fizeram desprezar a linguagem vulgar e por tanto
os cantos tradicionaes. Era a lingua vulgar, e não a tradição que se desprezava; a tradição
era aproveitada para essa outra manifestação erudita das Chronicas, que no século xm se
baseavam sobre cantos populares e os convertiam em prosa, como aconteceu também em
França cora as Gestas. A Chronica general de Espana, de Aflbnso el Sábio, basca muitas nar-
rativas sobre os cantos jogralescos e sobre as Canções de Gesta. As tradições populares do
Cid, transformaram-se sob a mesma influencia erudita na Chronica rimada, imitação da
forma das Gestas, com intuito histórico. O Marquez de Pidal prescntiu esta transformação,
extrahindo episódios em verso oclosyllabico, que deveriam ter pertencido aos romances po-
pulares primitivos. No século xu o rotnance significava a linguagem vulgar, e a forma poé-
tica era conhecida pela designação conservada por Ayala Cantar de antiguo rimar. O Mar-
quez de Pidal diz : «Desgraçadamente estes primeiros cantares não chegaram até nós; ou se
chegaram tem sido summamente alterados ou despojados d^aquelle primitivo caracter e
d'aquelta rudeza, que tão importantes os faria hoje para o estudo actual da historia. Com-
mummente não se escreviam. . .» 3 objecto d'este estudo tem por fim apresentar um typo
v d'esses cantares de antiguo rimar \ achado no Cancioneiro porluguez da Bibliotheca do Va-
ticano, composto pelo clérigo Ayras Nunes, jogral gallego. Porém antes de proseguirmos,
importa accentuar as outras influencias que destruíram a manifestação cios cantos populares
heróicos na sua lingua rústica, e que tornam raras as suas relíquias.
A imitação das gestas francezas tão evidente nó Poema do Cid, e nas obras de Berceo,
introduziu a pretensão efe uma metrificação regular e calculada, ao modo alexandrino, por
syllabas contadas, e por la quaderna via; esta metrificação resultava da influencia dos exa-
metros latinos. conhecimento directo das Gestas francezas prova-se não só pelas referen-
cias da Crónica general, como pelos próprios títulos d'e!las referidos por vários metrifica-
dores. N'uma canção de Guerau de Cabrera, acham-se enumeradas, la gran Gesta de Carlon,
Ronsesvals, Rotlon, Aiolz, Anfeliz, Anseis, Floiisen, Milon, Locrenc, Erec, Amvc e Amelic,
1 Trittmpho do Inverno.
* Op. cit. p. 308.
' De la Poesia caslcllana, p. vn, Canc. de Baena, 1. 1.
CAP. Vi) O ROMANCE DE ÀYHES NUNES CV
•
Robert, Gribert, Augier, Olivier, ScUomon, Loer, Rainier, Girart de Rossillon, Gararin,
Bovon, Aimar, Troja, Alixandre, Apolonie, Floris, Tristane IcerU, Gualvaing, Monas. 1
A influencia franceza das gestas provinha também do espirito erudito, porque se vá
n'esta serie de gestas já classificadas as carlingianas, as arthurianas e as greco-romanas.
Em Portugal, no Nobiliário do Conde D. Pedro já vem citados os pares de França e no século
xv a gesta do Duque Jean de Lanson, a que allude Azurara, como se fosse um documento
histórico.
A influencia lyrica da poesia da Provença e da Bretanha não destruiu completamente o
lyrísmo popular, antes se accommodou a elle, acceitando nos cancioneiros aristocráticos as
Serranilhas, os Dizeres, os Cantos de IMino e os Guaiados. Póde-se dizer, que o gosto pa-
laciano pelo lyrismo provençal desviou a imaginação popular dos cantares heróicos, exer-
cendo-a nas formas lyricas a que allude o Marquez de Santillana. É esta a causa porque os
Cantares heróicos não apparecem nos Cancioneiros, ao passo que junto das formas lemosinas
se encontram as pastorellas ou serranilhas communs à Itália, Galliza e França meridional.
O apparecimento do romance de Ayras Nunes no Cancioneiro portuguez da Vaticana, por
isso que é excepcional, é tanto mais precioso como documento de um typo poético que se
julgava perdido; por elle se vé qual a forma estrophica, como predominava a redondilha
menor, de cinco ou seis syllabas, e como o romance tinha uma origem jogralesca antes de
se popularisar e se perder na impersonalidade da tradição.
romance de Ayras Nunes versa sobre o facto do desmembramento do reino de Castel-
la e Leão pelos três filhos de Fernando i. Este monarcha havia casado com D. Sancha, sue-
cessora de seu pae no reino de Leão ; Fernando precipitou os factos, atacando o sogro e ma-
tando-o na batalha de Tamaron. A unidade do reino de Castella e de Leão assim operada, foi
pouco tempo depois dissolvida; Fernando deixou em testamento a seus três filhos os seus
estados, desmanchando-os outra vez : a Sancho, seu primogénito, deixou o reino de Castel-
la, a AfTonso o de Leão com a terra de Campos, e a Garcia o novo reino de Galliza. Esta épo-
ca histórica foi fecunda em catastrophes dynasticas, que alimentaram a tradição e serviram
de thema à poesia popular. Entre os romances populares conhecidos no século xvi em Por-
tugal, que Gil Vicente cita como provérbio nos seus Autos, vem este, desde muito tempo
perdido : Los hijos de Dona Sancha. Os jograes gallegos não deviam desconhecer a tradição
local, de quando a Galliza fora momentaneamente elevada à categoria de reino. Sancho
prendeu seu irmão Affonso no castello de Burgos é tirou -lhe o reino de Leão, oceupou de-
pois a Galliza e despojou suas irmãs das cidades de Toro e de Zamora. No cerco de Zamora
foi elle assassinado por Bellido Dolfos, e AfTonso achou-se assim reintegrado no seu reino de
Leão, acceitando também o reino de Castella sob condição de jurar que não fora cúmplice
na morte de Sancho. fragmento da Chronica rimada, que extractamos para subraettel-a
ao typo do romance de Ayras Nunes, versa sobre esta clausula do juramento ; parece que se
continuam entre si, o que justifica a facilidade com que os alexandrinos da Chronica se ada-
ptam ás quintilhas de antiguo rimar.
Este romance de antiguo rimar de Ayras Nunes, confirma a opinião de Pidal emquanlo
às composições trobadorescas destinadas para o povo : «Os mesmos trovadores e poetas, que
frequentemente compunham versos para o povo e seus cantores, faziam tão pouco caso
d'estas composições suas, que nunca as incluíam nos Cancioneiros ou collecções que faziam
das suas obras. Villassandino, por exemplo, do qual se conservam composições que nunca
deveriam ler-se escripto, confessa que compoz versos para os jograes, porém nenhuma úni-
ca d'estas canções se encontra nas suas obras; e o Arcipreste de Hita, não incluiu entre as
suas, tão variadas, tão livres, e tantas, nenhum dos muitos cantares ou romances que aífir-
ma ter composto para os cegos e outros cantores populares.» 1 «Isto explica em parte porque
não se acha sequer um só romance em alguma das muitissimas collecções de poesias ma-
nuscriptas anteriores ao século xvi, que se conservam nas nossas bibliothecas e archivos e
que com todo o esmero e cuidado se hão revistado com este intuito.» 3 Portanto o appareci-
mento do romance de Ayras Nunes tem o valor decisivo de nos mostrar que effectivarnente
existiam romances populares na época em que só os cantos lyricos tinham importância lit-
teraria, e ao mesmo tempo vem confirmar um ponto de vista que jà apontamos no Manual da
Historia da Literatura portugueza: «Nos romances portuguezes notam-se duas formas par-
ticulares de verso, o de redondilha menor, ou de cinco ou seis syllabas, e o de redondilha
maior ou de sete syllabas. Até ao século xv prevaleceu a redondilha menor nos cantos po-
1 Ap. Ubro de los Poetas, p. 43. Barcelona, 1868.
* Pidal, De la Poesia caslenatia, p. xxn, Eu. Lcypsic.
■ Ibid.
CVI TYPO DO ANTIGO RIMAR CAP. Vi)
pulares, talvez por influencia do alexandrino dos cantos jogralescos. . • Dá-se no século xv
a substituição da redondilha menor pelo verso de sete syllabas, que hoje se tornou exclusi-
vo da cantiga e do romance. Qual a causa cTeste phenomeno?» 1 O romance de Ayras Nunes
prova-nos effectivamente o uso do verso de cinco syllabas anteriormente ao século xv nos
cantos heróicos; isto dá-nos o sentido da designação usada por Ayala de antiguo rimar; os
estribilhos repetidos, são também um indicio de que esses romances eram cantados. A mu-
dança para o metro de sete syllabas fez-se por uma nova elaboração da tradição com restos
de phrases e situações mais profundas conservadas dos cantares heróicos esquecidos durante
a paixão pelo lyrismo provençalesco. Na tentativa de Pidal para extrahir da Chronica rima-
da os primitivos romances populares <Jue a constituíram, a forma que melhor se destaca é a
de redondilha menor. juramento de Affonso vi nas mãos do Gid, lira-se da Chronica rima-
da n'esta forma do rimar antiguo (e não em verso de oito syllabas, como quer Pidal) :
Vos venides jurar «Si ende sopistes
Del rey por la muerte; «Vos parte ó mandado,
Como murió el rey «Tal muerte morades
Don Sancho, hermano vuestro: «Como murió don Sancho
Que nin lo matastes, «El rei mi senor,
Nun consejarlo fuestes. «E vuestro hermano.
£1 rey e ellos diieron : Villano vos mate
— Si juramos ( lo ayades. Ca fijo d'algo non ;
E dijo el Cid : De otras tierras venga
«Si vos ende sepades Que non de Leon.
«Parte ó mandado Respondió el rey :
«Tal muerte murades. — Ruy Diez, varon:
«Como murio el-rey Porque hoy tanto
«Don Sancho, vuestro hermano I > Ca me afincaredes ?
— Amenl respondió Juramentastesme, eras
El rei e los fljos d'algo, Mi mano besaredes.
Los doce cahalleros Respondió el Cid :
Que con el juraron. «Como el algo mi fleierdes
•
«Vos venides jurar • Ca en otra tierra
«Por la muerte de mi senor, . Sueldo dan ai fljodalgo,
«Que nin la matastes E assi faran a mi
«Ni fuestes en sabedor? Como mi ficierdes el algo,
Respondió el : — Amenl Quien mi quisiere
E mudogele la color. A mi por vassallo.»
Esta forma de metrificação era a legitimamente popular ; a ella cabe bem a característi-
ca de desprezo dos eruditos que, como se ufana Berceo, trovaram por rima é cuenta, e que
o Marquez de Santillana por isso chama a estes cantos heróicos sin regia ni cuento. A forma
erudita da estrophe por quaderna via contrapõe-se á forma popular da quintilha ou sextilha
narrativa, completada quasi sempre com um refrem. Pelo estudo do jogral Ayras Nunes se
descobre o verdadeiro typo estrophico dos romances populares primitivos, que serviram
para a construcção das epopéas e das chronicas hespanholas ; vé-se egualmente o problema
como a creação individual entrava na corrente da tradição popular, pela communicação com
os jograes, e ao mesmo tempo como o gosto popular penetrou nas collecções aristocráticas.*
1 Man. da Hist. da Litl. portuguesa, p. 139.
1 Interrompemos aqui o nosso estudo, deixando para uma futura edição do Cancioneiro da Ajuda os ca-
pítulos sobre a Persistência da tradição provençal na Uiteratura portugueza, e sobre a Grammatica histó-
rica dos Cancioneiros portugueses; esta ultima parte será por ventura brevemente preenchida pelo eminente
tmUologo Francisco Adolpho Coelho.
índice onomástico
Os nomes em redondo s3o dos Trovadores que assignam as Canções ; os nomes em itálico slo dos personagens
e iogares citados. Os números indicam as canções, e entre ( ) esses números designam as canções
em que collaboraram dois trovadores
Abril Perez (663.)
Acento (Maestre) 503.
Acri, 1057.
Adam, 470.
Adail (O) 69.
Affons'Affonses t 366.
Aflbns'Eanes, (556.)
Affbnso do Cotom, i!!l, 1142, 1113, 1114. 1115,
1116, 1117, 1118» 1119, 1121, 1122, 1123, 1149,
1150
Affons'Eanes de Cotom, 411, 412, 413; 555.
Affons' Eanes de Cotom, 966.
Affonso (el-rei Dom) de Castella e de Leom, 61, 62,
63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70 71, 72, 73, 74, 75,
76, 77, 78, 79. (se. Affbnso ix.)
El-rei D. Affonso, 987.
AÍTonso (el-rei Dom) de Castella e de Leom, que
venceu el-rey de Belamarin, 269. (se. Affonso xi.)
El-rei D. Affonso, 574. (se. Affbnso x.)
El-rei D. Affonso, 1008. (se. Affonso m.)
El-rei D. Affonso, 1036, 1088. (se. D. Affonso uide
Portugal.)
Affonso Fernandes, 15, 16.
Affonso Fernandes Cubei, cavaleyro, 1143.
Affonso (Infante dom) filho d'el rey don Denis,
1058.
Affbnso Gomez, jograr de Sarna, 470, 471.
Affbnso (don) Lopez de Bayam, 5, 6; 339, 340, 341.
342 ; 1079. 1080, 1081, 1082.
Affonso (don) Lopez de Bayam, 1159.
Affbnso Meendes de Beesteyros, 330, 331, 332.
AÍTonso Paez de Bragaa, 439, 440, 441, 442, 443.
Affonso (Don) Sanches, filho dei rey don Denis, 17,
18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 ; 366, 367,
368.
Affonso Sanches, 366.
Affbnso Soares, 1155, 1156.
Africam.
Al . . . 1088, 1089, 1090, 1091, 1092, 1093, 1094, 1095,
1096.
Alamanha, 64.
Alanquer, 1050.
Albardar, escudeyro, 968, 969.
Alem- Doiro, 1042.
Albuquerque (Dom Joham Affonso d') 1058.
Alcântara (Metslre aV) 919.
JÚhariz, 920.
Almançor, 470.
Ali (Maestre) 922, 923.
Alquivir, 74.
Álvaro (Affbnso) cantor do senhor Infante, 410.
Altar, 1171.
Álvaro Gomes, jograr de Sairia, 470, 471. (Vid. Af-
fonso Gomes.)
Álvaro (Don) 1188.
Alvar Rodriguiz, 905, 906, 922, 923 ; 1037.
Alvar Royz, monteyro mayor, 907, 1037.
Alvela, 64.
Alvelo, 1079.
Amarante, 1014.
Andalusia, 572.
Anha, 64.
Anrique (Infante Don), 999, 1008.
Ansur Moniz, 65.
Ante-Christo, 471, 1013, 1041.
Aragom (Reyno de) 466; 708, 1062, 1129, 1147,
1157.
(— Rei de— >/ 578, 937.
Arcos (Donzela de) 1026.
Arçobispo, 1088.
Arnado, 1014.
Arouca, 1081.
Ayras Carpancho, 257, 258, 259, 260, 261, 262,
263, 264, 265.
Ayras Engeytado, 558, 559, 560, 561.
Ayras Louco, 952.
Ayras Moniz, 955.
Ayras Nunes, clérigo, 454, 455, 456, 457, 458, 459,
460, 461, 462, 463, 464, 465, 466, 467, 468, 469,
1133.
Ayras Paes, jograr, 691, 692; 891, 892.
Ayras Perez Veituron, 1083? 1084? 1085, 1086,
1087.
Ayras Soga, 1088.
Ayras Veaz, 55, 56, 57.
Azamor, 74.
Buguym (a Dona de) 959.
Balteyra, 64.
Barnage, 1000.
Basto, 1080. *
Bear, 1000.
Beatrix (Raina Dona) 573.
Beeyto (Don) 1074, 1075.
Benavente, 947.
Bellem, 1118.
Belpelho (V. Velpelho.)
Belenha, 1026.
Beira, 1080.
Belamarim, 209.
Beno (Don) Galeon.
Berna! de Bonaval, 653, 654, 655, 656, 657, 658,
659, 660, 661, 662, (663), 726, 727, 728, 729, 730,
731, 732, 733.
Bernaldo de Bonaval, 70.
Bernaldo (Don) 1069, 1086, 1175.
Bernal Fendudo, 1063.
Biringela (Dona) 26.
Biscava (Donzela) 1045.
Blandiz, 1118.
Bodalho (João Mariz) 1040.
Bonaval, 660, 729, 730, 731, 732.
CVIII
índice onomástico
Boron, 937.
Bragaa, 1040.
Buyturan (Don) 1023.
Branchafrol, 115, 358.
Bretanha (Reino de) 1140.
Bubela, 502.
Burgus, 79, 555, 1163, 1180.
Camâra, 26.
Cabreira (Don) 1080.
Caldeyron, 1157.
Calez (Dayom de) 76.
Cambray (Prés de) 547.
Camela (Moor Martins) 1040.
Campos, 65.
Carcassona, 937.
Carrt/on, 555, 987. 1149, 1163, 1166.
Caca de Vem, 1199.
Carvoeyiws, 65.
Caste/a, 466, 505, 536, 553, 708, 963, 1129.
Castela (Foro de) 1028?
Castro, 555.
Catalães, 1157.
Cea (caminho de) 912.
C^ira (Sobrinho do) 1080.
O/orico (Castello de) 1088.
Cerzeta, 502.
Catalunha, 1157.
Cirifta f&m/a; 876, 877, 878, 879, 880, 881.
Cm/ra, 410.
C/iarí^, 1132.
Ciste/, 455.
Cisneyros, 65.
Ci/o/a, 71.
Clemenço (San) do mar, 807, 808.
Clemente (San), 572, 805, 806.
Conca (Bispo de) 1193.
Condi (O) irman tio d'el rey de Portugal, 1042.
Conde (O) de Bolonha, 1088, 1089.
Compostela, 689.
Cora/ fZton,/ 959, 960.
Cor-de-Leom, 556.
Crarto, 1154.
Cornoalha, 1007.
Correola, 1093.
Covylham, 1088.
Coforo, 68.
Coymbra, 1014.
Coyra, 935.
Craíto, 1154.
Cra/o, 1147.
Crecente (Souto de) 547, 554.
Dayam de Calez, 76.
Degredo, 1030.
Denis (Don) Rey de Portugal, 80 a 208.
£*m* (Don) Rey de Portugal, 156, 708, 1043,
1058.
Denis (Filho d'el rey don) 927.
Diego Pezelho, jograr, 1124.
Darra, 937.
Doiro, 547, 912.
Domingos Eanes, 78.
Domingo (Don) Caorinha, 1030.
Domingos (Bispo Dom) Jardo, de Lisboa, 1043.
Dordia Gil, 37.
Dura, 937.
£/^o (O) 1088, 1133.
Elvas (Dona de), 1138.
Eiras (Judeu d') 1138.
JEfoíra, 1192.
' Elvyra Lopes, 1099, 1100, 1145.
Elvyra Perez, 1145.
Elvyra Padroa, 1145.
Escobar, 65.
£spt7a/, 1020.
Espanha, 64, 1000.
£*fe/a f7te£pio d'; 1131.
f— Burgo de) 937.
£sf*/a (Touca* $) 505, 689.
Jftfecan fDontJ 1194, 1014, 1015; 1083, 1084,
1085.
Estevam Cabreyros, 65.
Estevam da Guarda, privado d'cl rey Dom Denis,
220, 221, 222, 223, 224, 225; 362; 904, 905, 906,
907, 908, 909, 910, 911, 912, 913, 914, 915, 916,
917, 918, 9U, (920) 921, 922, 923, 924, 925, 926,
927, 928, 929, 930, 931, 932.
Estorga, 1090.
Estremadura, 758, 912.
Esturas, 1091.
Estevam da Guarda, 920.
Estevam (Dom) 995, 997, 1014, 1015; 1083, 1084,
1085, 1089.
Eva, 470.
Fagundo(Dom) 1112.
Fagundo (San) 1090, 1091, 1135.
Fariza, 1157.
Felizes (San) 1135.
Faria (Castello de) 1088.
Faro, 894, 895, 896, 897, 898.
Fernam d'Ambrea, 666.
Fernam... 1140.
Fernand'Eancs, 387.
Fernam de Meyra/%90.
Fernam Dias, 983, 987, 1088, 1090, 1091.
Fernam Dias Estaturão, 1183.
Fernam do Lago, 893.
Fernam Fernandes Cogominho (Don) 303, 304, 305,
306.
Fernam Froyas, 388, 389, 390, 391.
Fernam Gonçalvis, 1.
Fernam Gonçalvis de Seaura, 338.
Fernam Gil, 1114.
Fernam Padrom, 563, 564, 565.
Fernam Rodriguis de Calheiros, 227, 228, 229, 230,
231, 232, 233, 234, 938, 939, 940.
Fernam Roiz Corpo delgado, 938.
Fernam Velho, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54 ;
403, 404.
Fernam Vasques Pimentel, 1058.
Fernam Dade, 1144.
Fernanda (Dom) Escolho, 984, 985, 986, 1026,
1135.
Femand'£squyo, 899, 900, 901, 902, 903, 1136,
1137.
Fernando (Rey Don) 573, 574.
Fernando (Filhos de Don) 466.
Fernando (Dom) Esquio, 1137.
Dom Fernando, 961.
Fernando Torto, 1090.
Fernan (Don) Paezde Talamancos. 941,942, 943,944.
Fernan Rodrigues Redondo, 1147, 1148.
Tenoyros, 65.
Flores, 115, 358.
Fouce, 65.
• Francez (Caminho) 278.
Franco, 964.
França (Rey de) 707, 935.
Fruitoso, 642.
Gafaria, 1144.
Galego, 914.
Galisto Feroandiz, 701, 702; 861, 862, 863, 864.
Galicia, 466.
Galiza, 948, 1157.
Garcia (Don) Marttiz (1186).
Garcia (Irmão de Martin) Soares, 434, 435.
ÍNDICE onomastíco
CIX
Gastom (Dom).
Gastam (de Bear) 1000.
Gaya, 547.
Golparro, 872.
Gomes (Don) Cura, 1087.
Gomez (Don) Garcia, abade de Veladolid, 512, 513.
Gonçalo Eanes do Vinhal, 307, 308, 309. 310, 311,
312, 313; 999, 1000, 1001, 1002, 1003, 1004, 1005,
1006, 1007, 1008.
Gondiode (Dona) 26.
Gontinlia (Dona) 26.
Gram-Cam, 1198.
Granada, 765, 766.
Graada, 77, 1056.
Guylhade, 369, 371.
Guymar, 37.
Hordem (Terra da) 1039.
Incholas (Vid. Nicholás).
Infanta, 1145.
Iseu, 115.
Jaen, 967.
Jerusalém, 66, 1013, 1195, 1198, 1198.
Jesu Cristo, 67, 396, 601.
Joam (Ordim de Sam), 1003.
João Velho de Pedrogáez, 1141, 1142.
Jon (Don) 69, 690 : 908.
Joham (Meestre) 72, 73.
Joham Ayras, burguez de Santiago, 530, 531, 532,
533, 534, 535, 536, 537, 538, 539, 540, 541, 542,
543, 544, 545, 546, 547, 548, 549, 550, 551, 552,
553, 554; 594, 595, 596, 597, 598, 599, 600, 601,
602, 603, 604, 60o, 606, 607, 608, 609, 610, 611,
612, 613, 642, 1071, 1072, 1073, 1074, 1075, 1076,
1077, 1078.
Joham Ayras, 523.
Joham Baveca, 694, 695, 606, 697, 698, 669, 700,
(826) 827, 828, 829, 830, 831, 832, 833, 834, 835,
836, 837, 838, 839 ; 1063, 1068, 1069, 1070. '
Joham Baveca, 1198, 106i, 1065, 1066, 1067.
Joham (Don) d'Avoyn, 267, 268, 269, 270, 271, 272,
273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, (1009) (1010)
(1011.)
Joham de Cangas, 873, 874, 875.
Joham Coelho, (1009).
Joham de Froyam, 1080.
Joham de Gaya, escudeyro, 1043, 1044; 1058, 1059,
1060, 1061, 1062.
Joham de Guylhade, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,
36, 37, 38 ; 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350,
351, 352, 333, 354, 355, 356. 357, 358, 359, 360,
361 ; 369, 370, 371 ; 1097, 1098, 1099, 1100, 1101,
1102, 1103, 1104, 1105, 1106, 1107, 1108, 1109,
1110.
Joham de Guylhade, 343, 346, 348, 369.
Joham Fernandes Dardeleyro, 933, 934, 935, 936.
Joham Fernandes de S. Nicholás, 1043.
Joham Fernandes, 975, 978, 1012, 1013, 1149.
Johan (Don) Garcia, 354, 358.
Joham Garcia Sobrinho, 431, 432.
Joham Garcia, 1022, 1024; 1104, 1105.
Joham, lograr, morador em Leom, 707, 708. •
Joham Lobcyra, 998.
Joham Martin Bodalho, de Braga.
Joham Lopes dUlhoa, 296, 297, 298, 299, 300, 301,
302.
Joham (Don) Meendes de Besteyros, 444, 445,446,
447, 448, 449, 450, 451, 452, 453. v
Joham (Meestre) 72, 73.
Joham Mariz, 940, 1040.
Joham Nunes Camanes, 252, 253, 254, 255, 256.
Joham Perez (1009.)
Joham de Requcyxo, 894, 895, 896, 897, 898.
Joham Rodriguis, 64.
Joham Romeo de Lugo, 1145.
Joham Servando, 664, 665, 666 ; 734, 735, 736, 737,
738, 739, 740, 741, 742, 743, 744, 745, 746, 747,
748, 749, 750; 1028, 1029, 1030, 1031.
Joham Servando, 1032.
Joham Soarez (786) (1011.)
Joham Soarez, 1009, 1092.
Joham (Don) Soares Coelho, 280, 281, 282 r 283, 284,
285, 286, 287, 288, 289, 290, 291, 292,293; 1012,
1013, 1014, 1015, 1016, 1017, 1018, 1019, 1020,
1021, 1022, 1023, 1024, 1025.
Joham Soares de Pavha, 937.
Joham Vaasques, 42, 43, 44, 45, (1035.)
Joham Vaasquiz de Talaveyra, 372, 373, 374, 375,
376, 377, 378, 379.
Joham Zorro, 751, 752, 753, 754, 755, 756, 757, 758,
759 760 761
Joanna (Reina Dona) 999, 1008.
Joham Aranha, 1080.
Joham d'Ambria, 990.
Joham Eanes, 917.
Joham Johanes, 940.
Joham Nicholás, 1096.
Jordam (Frume) 1066.
Josaffas, 1118.
Josep (Don), 920.
Juilham, 720, 723.
Juyào (14).
Juyão (Sam) 1001.
Juyào Bolseyro, 667, 668; 771, 772, 773, 774, 775,
776, 777, 778, 779, 780, 781, 782, 783, 784, 785,
786.
Lampadões, 65.
Lagares, 989.
Legado (O) 1088.
Lemus (Cavateyros de) 945.
Leom (Foro de) 1096, 1113, 1149.
Leom (Livro de) 1076.
Leom (Reyno de) 466, 536, 708, 948, 987, 1129,
1151.
Leuter (San) 857, 858, 859, 860.
Leyrea, 912, 936, 1088.
Lisboa, 410, 754, 912, 1014, 1039, 1042, 1043.
Lombardia, 64.
Longos, (Mayson de) 1080.
Lopo (Don) 1 165.
Lopo Gato, 1080.
Lopo, jograr, 703, 704, 705; 853, 854, 855, 856, 857,
858, 859, 860.
Lopo jograr, 971, 972, 973, 974.
Lopo (Don) Lias, 945, 946, 947, 948, 949, 950,951,
952, 953, 954, 955, 956, 957, 958, 959, 960, 961,
962, 963, 964.
Lopo Lias, 575, 1145.
Lourenço, 1202.
Lourenço Boucon, 1141.
Lourenço, jograr, 693, 706 ; 865, 866, 867, 868,869,
870. 871, (1010) (1032), 1033, 1034, 1035, 1036,
(1104, 1105.)
Lourenço jograr, 1106, 1107.
Lugo, 903, 1145.
Luis Vaasques, eschollar, 410.
Luzia (Dona) 962.
Luzia Sanches, 101 7 .
Macia, 919.
Mafomede, 572.
Sam Mamedes, 873, 874, 875.
Marçal (Fogo de) 76.
Marco (Don) 997.
Marcos (San) 1026.
Maria (Dona) 26, 964, 1071, 1102.
Mana (Santa) 137, 153, 182, 201, 234, 241, 249,
cx
índice onomástico
253, 377, 413, 464, 470, 524, 553, 554, 568, 572, 573,
624, 675, 721 a 723, 764, 846, 952, 988, 1001, 1022,
1026, 1028, 1029, 1066, 1072, 1081.
Maria Balteyra, 982, 1070, 1129, 1197, 1203.
Maria (Santa) das Leyras, 341, 342.
Maria (Santa) de Leça, 891, 892.
Maria do Grave, 1016.
Maria (Santa) do Lago, 893.
Maria Dominga, 1185.
Maria Garcia, 1120.
Maria Genta, 1049.
Marialva, 1088.
Maria Martins, 386.
Maria Mateu, 1115.
Mana (Dona) Negra, 990, 992, 933.
Maria Perez, 1176.
Maria (Dona) Soydade, 964.
Marinha (Dona), 957.
Marinha, 1030, 1136.
Marinha Foza, 1161.
Marinha Crespa, 1162.
Marinha Lopes, 1165.
Marinha Mejouchi, 1199.
Marinha Toda, 1150.
Marinha Sabugal, 1123.
Mars, 931.
Marta (Santa) 709, 710, 712.
Marta (Ermida de Santa), 712.
Martin Anes Marinho, 1154.
Martim de Caldas, 798, 799, 800, 801, 802, 803,804.
Martin Gil, escudeyro, 921.
Martim Moxa, 472, 473, 474, 475, 476, 477, 478,
479, 480, 481, 482, 483 ; 502, 503, 504.
Martim Peres Alvym, 643, 644, 645, 646, 647, 648,
649.
Martin Alteio, 1025, 1092.
Martim Campina, 787, 788.
Martin Codax, 884, 885, 886, 887, 888, 889, 890.
Martin Codax, 882.
Martin de Cornes, 1181.
Martin de Farazon, 1080.
Martin de Giijo(Frayson?), 876, 877,878, 879,880,
881, 882, 883.
Martin de Meyra, 1062, 1080.
Martin Dias, 1088.
Martin Fernandiz, juiz, 989.
Martin Galo (Don) 1094, 1095.
Martinho (Sam) 79.
Martin, jograr, 1101, 1102.
Martin (Don) Marcos, 1189.
Martin Moxa, 470.
Martin Pedrozelos, 843, 844, 845, 846, 847, 848,
849 850 851 852
Martin Soares, Ò65, 966, 967, 968, 969, 970, 971,
972, 973, 974, 975, 976, 977, 978.
Martin Soares, 435.
(Irmão de) 435.
Martin Vaasquez, jograr, 928, 929, 930, 931,
1042.
Mayor Garcia, 1064, 1065, 1205.
Mayor Gil. 581.
Mayor Cofom, 64.
Meendinho, 438.
Meen Rodriguis Tenoyro, 7,8, 9, 10, H, 12, 13, 14;
317, 318, 319, 320, 1083, 1084.
Meendo (Don) 1080.
Meen Sapo, 1080.
Meen Vaasquiz de Folheie, 386.
Merlin, 930.
Messya, 1041.
Miguel Vivas, eleito de Viseu, 927, 1038. •
Minho, 547, 912.
Molide, 468.
Mamede (San) do Mar.
Monsanto, 1088.
Monserraz, 960.
Mora, 1056.
Moor Martiz, 1040.
Moniz Lourenço de Beja, 1038.
Mompyler, 1066, 1073, 1116, 1195.
Monçon (senhor de) 937, 1158.
Mouron, 999.
Mor da Cava, 1076.
Mormoiom, 1118.
Mordomo, 1080.
Moraz (En)
Navarra, 466, 937.
Navarros, 937.
Nicolao (Freguezia de San) 1043.
Nicolas (Meestre) 1116.
Nogueira (A de) 824.
Nuno (Don) 999.
Nuno Fernandes Torneol, 242, 243, 244, 245, 246,
247, 248, 549, 979.
Nuno Perez Sandeu, 380, 381, 382, 383, 384, 385.
Nuno Porco, 719.
Nuno Terez, 805, 806, 807, 808.
Ocres (Commendador o?) 1132.
Olide, 1171.
Olmedo, 979.
Oraca Lopes, 1121, 1122.
Ordin de S. Joham, 1003.
Ormão, 63, 944.
Orgás, 1011.
Orrac' Auras 969.
Orzelhon (Trovadores ét) 947, 948, 962.
Ourens (Vinho d') 73.
Oseu, 115.
Ouroana (Dona) 1109.
Ousenda (Dona) 26.
Outranto, 915.
Ovava (Santa) 547.
Ovedo, 1091.
Paay Rangel, 1118.
Paay Varella, 1041.
Pacliequo, 1088.
Pachacho, 1080,
Padre Santo, 1088.
Papa (O) 1088.
Pae Calvo, 841, 842.
Pae de Cana, clérigo, 521, 522.
Pay Gomes Charinho, 392, 393, 394, 395, 396, 397,
398, 399, 400, 401, 402; 424, 425, 426, 427, 428,
429,430; 1158, 1159.
Payo Soares, 239, 240, 241.
Payo de Maas- Artes, 1132.
Palença, 555.
Pampalona, 937.
Paris, 1185.
Paris (Candeas de) 807.
Pavha, 933.
Pedr* Agudo, 1007, 1173, 1180.
Pedr' Amigo, 1033, 1128, 1130.
Pedr' Amigo de Sevilha, 685, 686, 687, 688, 689,
690; 813, 814, 815, 816, 817, 818, 819, 820. 821,
• 822,823, (826) 1125, 1126, 1127, 1192, 1193, 1194,
1195, 1196, 1197, 1198, 1199, 1200, 1201, 1*02,
1203, 1204, 1205.
Pedr'Anes Solaz, 414, 415, 416; 824, 825.
Pedro (Don) 68, 1149.
Pedro (San) 1088, 1204.
Pedro (O Colide Don) de Portugal, 210, 211,212,
213; 1037, 1038, 1039, 1040, 1041, 1042.
Pedro (Conde Don) 707.
Pedro Boo, 980.
Pedro Bodinho, 1180, 1202.
Pedro (Don) d'Aragom, 1147.
índice onomástico
CXI
Pedro (Infante Don) 707.
Pedr'Ordonhes, 1203.
Pêro Alvar, 1151.
Pedro Vila-real, 70.
Pedro Anes Marinho, filho de Joham Anes de Ya-
ladares, 523.
Pêro Barroso, 2, 3.
(Don -), 592, 593 ; 1051, 1052, 1053, 1054, 1055,
1056, 1057.
Pêro Coelho, 935.
Pêro dTAmbroa, 1004, 1057, 1066, 1067, 1195,
1196 1198 1199
Pero'd'Ambroa, 840, 1128, 1129, 1130, 1131, 1135.
Pêro da Ponte, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 423,
(556) 557, 566, 567, 568, 569, 570, 571, 572, 573,
574, 575, 576, 577, 578; 1160 a 1191.
Pêro da Ponte, 68, 70, 1148, 1149.
Pêro d'Armea, 669, 670, 671, 672, 673, 674, 675,
676, 677, 678, 679, 680, 681 ; 809, 810, 811, 812;
1134.
Pêro d'Armea, 1135.
Pêro <f Arruda, 911.
Pêro de Dardia, 709, 710, 711, 712, 713.
Pêro de Veer, 650, 651, 652, 720, 721, 722, 723*
724, 725.
Pêro Dias, 1088.
Pêro d'Ornelas, 226 ; 363, 364, 365.
Pêro Fernandis, 1000.
Pêro Ferreyra, 1080.
Pêro (Don) filho delrey de Portugal.
Pêro Garcia, 991, 1071.
Pêro Garcia Burgalez, 250, 251, 980, 981, 982, 983,
984, 985, 986, 987, 988, 989, 990, 991, 992, 993,
(1034.)
Pêro (Don) Gomes Barroso, 333, 334, 335.
Pêro Gonçalves de Portocarreyro, 505, 506, 507,
508.
Pêro Goterrez, cavaleyro, 509, 510.
Pêro Larouco, 214, 215.
Pêro Lourenço, 1022, 1051.
Pêro Marinho, 1041, 1155, 1156.
Pêro Martiiz, (1020.)
Pêro Mendezde Fonseca, 714, 715, 716, 717, 718;
1132.
Pêro Meogo, 789, 790, 791, 792, 793, 794, 795, 796,
797.
Pêro (Don) Nunes, 1078.
Pêro Perez, 970.
Pêro Rodriguiz Grougalete, 976.
Pêro Soares, 1088.
Pêro Tinhoso, 1151.
Pêro Vivyaens, 336, 337, 1151, 1152, 1153.
Píncandon (1021).
Pindecoste, 1055.
Poi de Roldan, 1066.
Ponço (Don) de Bayam, 1052.
Portugal, 64, 370, 509, 553, 631, 707, 708, 755,
934, 1035, 1052, 1058, 1089.
Priol f im.
Proença, 937.
Proençaes, 127.
Proençal, 70, 123.
Raymon Gonçalves, 433.
Redondela, 468.
Roam (Calças de) 1080.
Rocamador (Cintas de) 689.
Rodrigo (Don) AfTonso, 999.
RodriaAyras, 941.
Rodrig*Eanes Redondo, 1146.
Rodrigo, 951, 953.
Rodrig Eanes (1032).
Rodríg v Eanes dAlvares, 562.
RodrigEanes de Vasconcellos, 327, 328, 329.
Roldam, 1066.
Ronçavales, 1066.
Ronda, 503.
Roma, 1013.
Roy Bezerro, 1088.
Roy Fafes, 927.
Ruy Fernandis, 484, 485, 486, 487, 488, 489, 490,
491, 492, 493, 494, 495, 496, 497, 498, 499, 500,
501.
Ruy Fernandiz, clérigo, 514, 515, 516, 517, 518,
519, 520.
Ruy Gil, 1020.
Ruy Gonçalves, 917.
Ruy Gomes de Telha, 1056.
Bui Marques, 642.
Ruy Martiiz, 588, 589, 590, 591.
Ruy Martiiz, 1020.
Ruy Martiz do Casal, 762, 763, 764, 765, 766, 767,
768, 669, 670.
Ruy Paciez, 1144.
Ruy Paez de Ribela, 1026, 1027, 1045, 1046, 1047,
1048 1049 1050
Ruy Queymado, 314, 315, 316, 988, 994, 995, 996,
997,
Ruy Queymado, 988.
Ruy Gonçalviz, 917.
Runa, 1014.
Saco, jograr, 941, 942, 943.
Samsam, 768.
Sancho Dias, 1125.
Sancha Garcia, 443.
Sancho Sanchez, 4.
Sancho Sanchez, clérigo, 524, 525, 526, 527, 528,
529.
San Salvador, 528, 846, 848, 850, 851.
Sampay (Caminho de) 547, 989.
Santarém, 1014, 1088, 1089, 1092, 1144.
Santiago, 429, 455, 458, 903, 1078, 1182.
Saturno, 931.
Seghova, 1167.
Selvage (Dona) 1063.
Senhor... (1158).
Servando (San) 664, 665, 734; 736, 737, 738,
739, 740, 741, 742, 743, 744, 745, 746, 747, 748,
749 750
Sevilha, 520, 572, 949.
Silves, 960, 1042.
Sinum (San) 438.
Simon (Ermida de)
Sintra, 1088. (Vid. Cintra.)
Sordel, 1021.
Sortelha, 1088.
Soryam, 1052.
Sousa, 1124.
Soverak (Ermida do) 881 ; 958.
Spital, 1157.
Stevam Coelho, 321, 322.
Stevam Froyam, 39, 40, 41.
Stevam Fernandes Barreto, 1144.
Stevam Fernandes d'EIvas, 216,217,218, 219; 682,
683,684.
Stevam (Don) Peres Froyam, 511.
Stevam Reymondo, 294, 295.
Stevam Travanca, 323, 324, 325, 326.
Stev 1 Eanes, 1144, 1170.
Suer Fernandis, 1146.
Sueyr'Eanes, jograr, 1117, 1170, 1179, 1184.
Sueyro Bezerra, 1088.
Sueyro (Don) 1088.
Tarndris, 1118.
Taraçona, 937. (V. Carcaçona.)
Tareja Lopes, 1155, 1156.
Tareja Lopes d* Al faro, 1169.
Tarifa, 209.
CXII
índice onomástico
Tártaros, 1113.
Têlo (Don) Affonso, 576. "
Toda (Dona), 1075.
Toledo, 612, 979, 1011, 1030, 1122, 1187.
Touro, 1056.
Trancoso (Castello de) 1088.
Treeçorn (San), 872.
Trindade, 1144.
Tisso (Don) Peres, 1191.
Tristam, 115.
Tudela, 466, 937.
Ugo Gonçalves, de Monte-Mór-o-Novo, 666.
Ultramar, 983, 1057, 1118, 1130, 1199.
Vaasco (Don) (1020).
Vaasco Gil, 266.
Vaasco Martins (27).
Vaasco Perez, 58, 59, 60.
Vaasco Perez Pardal, 405, 406, 407, 408, 409.
Vaasco Praga de Sandim, 235, 236, 237, 238.
Vaasco Rodriguiz de Calvelo, 436, 437 ; 579, 580,
581, 582, 583, 584, 585, 586, 587.
' Valada, 905.
Valedolide, 468, 512, 979.
Valença, 578.
Valongo, 846, 847.
Veiga, 77.
Vassalos de D. Mendo, 1080.
Vela (Don) 466.
Vela (Peom) 939.
Velpelho (Don) 1080, 1081.
Vicente Domingues, Alfayate, 1043.
Vidal (judeu d'EÍvas) 1138.
Vigo (mar de) 884, 888.
Vigo (Igreja de) 886, 887, 889.
Vilanansur de Ferreyros, 65.
Vilar de Paes, 65.
Vila Real, 70.
Viseu (Bispo dê) 1062.
Vilar, 215.
Viveyro, 987.
Vyl-Hanrique, 1026.
Vuytorum (Don) 1023.
Xemeno, 1171.
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
FERNAM GONÇALVES
1
Muytos vej'eu que con menguev de sen
am gran sabor de me dizer pesar ;
et todolos que me vêem preguntar
qual est a dona que eu quero ben ;
vedes que sandeç' e qu'é gran loucura,
noa catam deus, nem ar catam mesura,
nem catam mi a quem pesa muyfen.
PÊRO BARROSO
Quand'eu, mha senhor, convosco faley
e vus dixi ca vus queria ben,
senhor, se deus me valha, íix mal sen ;
e per como m'end'eu depoys achey
bem entendi, fremosa mha senhor,
ca vus nunca poderia mayor
Pesar dizer ; mays non pud'eu ai,
mha senhor, se deus me valha, fazer,
e fuy-vol-o com gram coyta dizer ;
mays per com'eu despois m'eu achei mal,
bem entendi, fremosa mha senhor,
ca vus nunca poderia mayor
Pesar dizer; em mal dia naçi
por que vos fui dizer tam gram pezar,
e por que m'end'eu non pudi guardar;
ca per quanfeu depois per en perdi
ben entendi, fremosa mha senhor
ca vus nunca poderia mayor
Pesar dizer, do que vos dix'entom y
mays se menti, deus non mi perdon'.
vosso bem, a vosso pesar ;
e vedes, senhor, por que non :
ca non cuydey sem vosso ben
tanto viver per nulla ren.
Nem ar cuydedes, des que vos vi
o que vos agora direi
mui gram coita que por vos ei
sofrel-a quanto a sofri;
ca non cuydei sem vosso ben
tanto viver per nulla ren.
Nem ar cuydei depoys d'amor
a sofrer seu bera nem seu mal,
nem de vós, nem de deus, nem d'al,
e direy-vos, porque, senhor:
ca non cuydei sem vosso ben
tanto viver per nulla ren.
SANCHO SANCHEZ
A mha senhor, que eu mays d'outra ren
desejey, sempre amey e servi,
que non soya dar nada por mi,
preyto mi trage de mi fazer ben ;
ca meu ben é d'eu per ella moirer,
ante ca sempr'en tal coyta viver.
Sazon foy já, que me teve en desdém
quando me mays forpava seu amor;
e ora, já que pes'a mha senhor,
ben mi fará, e mal grado aja en;
ca meu ben é d'eu per ela moirer,
ante ca sempr'en tal coyta viver.
AFFONSO LOPES DE BAVAM
Par deus, senhor, tam gram sazon
non cuydey eu a desejar
l
Senhor, que grav'oj'a mi é
de m'aver de vós a partir,
ca sey de pram poys m'en partir
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA
que m'haverrá, per boa fé ;
averey, se deus mi perdon'
gram coyta no meu corazon.
E poys partir os olhos meus
de vós que eu quero ben,
e vos non virem, sey ben
que m'haverrá, senhor, per deus:
averey, se deus mi perdon*
gram coyta no meu corazon.
E sse deus mi algum ben non der
de vós, que eu por meu mal vi,
tam grave dia vos eu vi
se de vós grado non ouver,
averrey, se deus mi perdon*
gram coyta no meu corazon»
O meu senhor mi guysoil
de sempr'eu já coyta sofrer
emquanto no mundo viver,
hu m'el a tal dona mostrou,
que me fez filhar por senhor 1 ,
e non lh'ouso dizer: senhor.
E sse deus ouve gram prazer
de mi fazer coita levar,
que ben s'end'el soube guysat
hu m'el fez tal dona veer,
que me fez Olhar por senhor,
e non lh'ouso dizer: senhor.
Se m'eu a deus mal mereci
non vos quiz el muyto tardar
que sse non quizesse vingar
de mi hu eu tal dona vi,
que me fez filhar por senhor,
e non lh'ouso dizer : senhor.
MEEM R0DRI6U1Z TENOYRO
Quanfha, senhor, que ra'eu quitey
de vós, tanfha que d'al prazer
non vi mays ; poys de vos veer
guisou, ja agora verei
prazer por quanto pesar vi,
des quando m T eu de vós parti.
Mui triste sempr'eu andei
consomem que com gram pezar
vyv'o mays, pois m'el foy guysar
de vos veer, ja veerey
prazer per quanto pesar vi,
des quando m'eu de vós parti.
A meu pesar quanto morey
sem vós foy, e d'aquestes meus
olhos, mays pois que m'ora deus
guysou, ja'gora terey
prazer per quanto pesar vi,
des quando m'eu de vós parti.
8
Senhor fremosa, poys m'aqui
hu vos vejo tanto mal vem,
dizede-m* unha ren
por deus: — e que será de mi
quando m'eu ora, mha senhor
fremosa, d'u vós sodes for?
E poys m'ora tal coyta dá
o voss'amor hu vos veer
posso, queria já saber
eu de vós: — de mi que será
quando m'eu ora, mha senhor
fremosa, d'u vós sodes for?
Se eu podess' yr hu mha senhor é,
ben vos juro que querria bir,
mays nom posso nem xi me guysa assy
e por aquesfora per boa fé
tal coyta ey que non poderia viver
se nom foss'o sabor que ey de a veer.
Esto me fez viver dei a sazon
que m'eu quitei d'u era mha senhor,
mais ora ey d'ir hi mui gram sabor,
e non poss' en o meu corazon ;
- tal coyta ey, que non poderia viver
se nom foss' o sabor que ey de a veer.
E se esto nom fosse, nom sey ren
que pudesse de morte guarir
hu a nom vejo ; tnais cuyd' eu a hir
hu ela est e non poss* eu, per en
tal coyta ey que nom poderia viver
se nom foss' o sabor que ey de a veer.
10
Quer' eu agora já meu corazon
esforçar bem e nom moirer assy,
e quer' hir ora, assy deus mi perdon\
hu é mha senhor ; e poys eu for hy
querrey-me de mui gram medo quitar
que ey d'ela en menir' ela catar
alhur catarey eu ela logu' enlom.
Ca per bona fé a mui gram sazon
que ei cu medo de mha senhor
mui fremosa, mais agora já non
averrey medo, pois anfela for
ante me querrey mui bem esforçar
e perder medo mentre la catar
alhur catarey eu ela logu'eniora.
A mui mays fremosa de quantas som
oje no mund' aquesto sey eu bem
quer'ir veer, e acho já razom
como a veja, sem medo e con sen,
hirey vel-a e querrey falar
com ousad'y, e mentre la catar
alhur catarey eu ela logu'entom.
AFFONSO FERNANDEZ
U
Senhor fremosa, çreede per rpi
que vos amo já mui de coraçom,
e gram dereyto fa^e gram razom,
senhor, ca nunca outra dona vi
tara mansa, pem tam aposto catar,
nem tam fremosa, nem tam bem falar,
Como vós, senhor ; e poys assy é,
mui gram derejto faç'en vos querer
mui gram bem, ca nunca pudi veer
outra dona fremosa, per Lona fé,
tam mansa, nem tam aposto catar,
nem tam fremosa, nem tam bem faiar,
Como vós; porque cedo morrerey
pêro direy-vos anfunha rem :
dereyto fap'en vos querer gram bem,
ca nunca dona vi, nem veerey
tam mansa, nem tam aposto catar,
nem tam fremosa, pem tam bem fylar,
12
Quando m'eu mui triste de mha senhor
mui fremosa sem meu grado quytei
e ss'ela foy^ e eu mesquinho flquey,
nuncha mi valha a mi nostro senhor,
se eu cuydasse que tanto vivera
sem na veer, se ante nom moirera,
Àly hu d'ela quitey os meus
olhos, e me d 'ela triste parti,
se cuydasse viver quanto vivi
sem na veer, nunca mi valha deus
se eu cuydasse que tanto vivera
sen a veer, se ante nom moirera.
Aiy hu m'eu d'ela quitey, mays nom
cuydei que tanto podesse viver
como vivi sem a poder veer,
ca noslro senhor nunca mi perdon'
se eu cuydasse que tanto vivera
sen a veer, se ante nom moirera,
13
(Aqui apenas a primeira estrophe da Can-
ção n.°319.)
14
— Juyão, quero comtigo fazer,
se tu quizeres, uma entençom,
et querey-te na primeyra razom
buma punhada mui grande poer,
e no roslro<chamar-te trapaz,
muy mais, et qu'e o que assy faz
boa entençom quem na quer fazer.
« Meem Roiz, muy sem meu prazer
a farey vosc', assy deus me perdon',
ca vos eu ey de chamar cochon
poys que eu a punhada receber ;
desy trobar vos ey muy mal assaz,
et a tal entençom se a vós praz
a farey vosco muy sem meu prazer.
— Juyão, poys tigo começar
fui, dyreyfora o que te farey,
huma punhada grande te darey,
desy querey-te muytos cocos dar
en a garganta, por te ferir peor,
que nunca vylão aja sabor
cToutra tençom comego começar.
«Meem Roiz, quero y m'emparar,
se deus me valha, como vos dyrey;
coteyfe nojoso vos chamarey
poys qu'eu a punhada recadar;
desy direy, poys s'ós couces for
lexade-m'ora, per nostro senhor,
ca assy se sol meu padr'a emparar.
— Juyão poys quer*eu Olhar
pelos cabellos, e quer'arrastrar
a quem dos couces te pez'que entençey.
«Meem Roiz, se m'eu repostar
ou se me salvo ou se me quero estar,
ay tunadbr, já ves, nunca mays a direi '.
AFFONSO FERNANDES
15
Senhor fremosa, des quando vos vi
sempr'eu punhei de me guardar que nom
soubessem qual coyta no coraçom
por vós sempr'ouve, poys deus quer assy;
que sabham todos o mui grarcTamor,
a gram coyta que levo senhor
por vós des quando vos primeiro vi.
E poys souberem qual coyta sofri
por vós, senhor, muyto mi pesará,
porque ei.medo que alguém dirá
que sem mesura sodes contra mi;
que vos amei sempre mays d'outra ren,
e nunca mi quizestes fazer ben
nem oyr ren do que por vós sofri.
E poys eu vir, senhor, o gram pezar
de que sey ben que ei morte a prender,
com muy gram coyta averey a dizer,
ay deus, porque me vã assy matar?
e veer-m'ã mui triste sem sabor,
e por aquesfen tenderam, mha senhor,
que por vós ei tocTaquesto pezar.
E poys assy é, venho-vos rogar
que vos nom pez'senhor em vos servir,
e^me queirades per deus consentir
que diga eu a tanto em meu cantar,
que a dona que nTem sseu poder tem,
que sodes vós, mha senhor e meu ben,
e mais d'esto nom vos ouso roguar.
1 Aqui terminam os dois tercetos do cabo da tenção.
Scguiam-se ires versos pertencentes á terceira stro-
pue da Canção 15.
CANCIONEIRO PORTUGTJEZ DA VATICANA
16
Muy gram sabor avedes, mha senhor,
que nunca perca coyta nem pesar
eu, que vos sey mais cToutra rem amar;
pois nom queredes que fale no bem
que vos deus fez, ca non posso perder
muy gram coyta, poys nom ous'a dizer
o muyto ben que vos deus fez, senhor.
Ca poys nom queredes vós, mha senhor,
que falle no ben que vos deus quiz dar,
sempre verey muyfestranho d'andar
dos que am de falar em algum bem ;
cá se nom nom avia poder
quancTeii cT algum bem oisse dizer
de nom se falar no vosso bem, senhor.
Ca tam muyté o vosso bem, senhor,
que eu nom cuydo nem posso cuydar
que se podesse nulh'omem guardar
que vos viss^ soubesse vosso bem
que se oyss'em em alguma sazom
alguém falar em algum bem, que nom
ouse a falar no vosso bem, senhor.
DOM AFFONSO SANCHES,
FILHO DEL RBY D01 DBNYS Dl PORTUGAL
17
Muytos me dizem que serv'y doado
huna donzela que ey por senhor ;
dizel-o podem; mais, a deus loado,
poss'eu fazer quem quizer sabedor
que nom é assi, câ se me venha bem:
non é doado, poys me deu por en
muy grand^flam e desej' e cuidado
Que ouv'i d'ela, poil-a vi ; levado
per que, vivend* amigos, na mayor
coita do mundo, e a máo pecado,
sempre eu ouve por amar desamor;
de mha senhor tod'este mal me vem
ai me vem peyor, ca me he com quem
quero servir e nom seer amado
Por en; mais eu que mal dia fui nado
punh'a levar aqueslo da melhor
das que deus fezo, ca non outro grado
ai quer'aver, de que me vem peyor,
senhor, u deus nunca de mal per rem,
foy dar a mi per que perdi o sen
e por que moyfassy desonparado
Dobem, quepardeusque m'era poder tem,
quem na donzella vir, ficará en
cora'eu fiquey de gram coyta coytado.
18
De vos servir, mha senhor, nom me vai
poys nom atendo de vós ren, e ai
sey eu de vós que vos ar fez deus tal,
que nunca mal faredes, e por en,
quer me queyrades se nom bem quer mal
poys me de vós nom veer mal nem bem.
Poys de vos servir ey muy gram sabor,
e nom atendo bem do grand'amor
que vos ey, ar sendo sabedor
que nunca mal averedes d'affara
quer me queyrades bem, quer mal, senhor,
poys que mal nem bem de vos nora ey gram.
Poys de vos servir é meu coraçora,
e nom atendo por en galardon
de vós, ar sey, assy deus me perdon',
que nom faredes mal, por en se quer
me queyrades bem, quer mal, quer non
poys eu de vós mal nem bem non ouver.
19
Pêro eu dix'a mha senhor
que nom atendia per rem,
de vós semp^ouve peyor
de vos quanto m'end'i ven ;
u vej'est' ar cuido no ai
per que sempr'uuv'i por vós mal,
per esso me fezestes bem.
Sempre lev'eu assas d'afam
per vós, mha senhor, e por en,
pois outro bem de vós de pram
nom ouve, senhor, a meu sen,
sequer per quanto vos servi
d'aqueste bem cuitVeu de mi
que me nom tolhades rem.
Nad'a, senhor, menlr'eu viver;
e sse vos conhecer d'alguom
dissesse como eu: já perder
tal bem nom posso, que me vem
de vós, tem' a deus, bem sey
que nom devia, poyl-o ey
per vós a teel-o em desdém.
20
Sempre vos eu d'outra rem mays amey
per quanto bem deus em vós poz senhor,
desojarey gram mal e desamor,
e por en, mha senhor, nom sey
se me praza porque vos quero bem,
se m'ar pez em por quanto mal me vem.
Per quanto bem, por vos eu nom mentir,
desejo, per vos am'eu mays que ai,
desejarey meu grand'afam e mal
de vós ; e porem nom sey bem partir
se me praza porque vos quertf bem,
se m'ar pez em por quanto mal me vem.
Per quanto bem deus em vós foy poer,
vos am'eu mais de quantas cousas som
oje no mundo, nom ey se mal nom
de vós, e per en nom sey escolher
se me praza porque vos quero bem,
se m'ar pez em per quanto mal me vem.
DOM AiTONSO SANCIIES
5
21
Vedes, amigos, que de perdas ey
des que perdi por meu mal mha senhor;
perdi ela, que foy a ren milhor
das que deus fez, e quanto servid'ey
perdi porem ; et perdi o riir
perdi ossen e perdi o dormir,
perdi seu bem que nom atenderey.
22
Esles que m ora tolhem mha senhor
que a nom poss'aqui per rem veer,
mal que lhes pez, nom m'ha podem tolher
, que a nom veja sem nenhum pavor,
ca raorrerey, e tal tempo verrà
que mha senhor fremosa morrerá,
enlom averey desi sabedor.
Scond'a tanto par nostro senhor,
que se lá vir o seu bem parecer
coyta nem mal outro nom poss'aver
en o inferno se com ela for ;
desy sey que os que jazem a lá
nenhum (Telles já mal nom sentirá,
tant' averam de a catar sabor.
23
Tam grave dia que vus conhoci
por quanto mal me vem por vós senhor,
ca me vem coyta, nunca vi mayor
se n'oulro bem por vos, senhor, desi
por este mal que m'a mim por vos vera
como se fosse bem, querer me por en
gram mal a quem nunca mereci.
Catem, senhor, porque vos eu servi,
sempre digo que se de la milhor
do mundo trobo pelo voss'amor
que me fazedes grande bem ; e assi
veed'ora, mha senhor de bom sem,
este bem se compre mim e rem
se non se valedes vos mays per y.
Mais eu senhor en mal dia naci
dei que nom tem nem 6 conhecedor
do vosso bem a que nom fez valor
deus de lhe dar que lhe fez o bem y,
pêro senhor assy me venha bem
d'este gram bem, que el per bem non tem
muy pouco d'el seria grand'a mi.
Poys, mha senhor, razom 6 quand^algucm
serve nom pede já que 1 li í dem;
servi sempr'e nunca vos pedi.
24
Mha senhor, quem me vos guarda
guarda myn et faz pecado
daver bem, e nem dá guarda
como faz desaguisado;
mays o que vos dá por guarda
en tam bom dia foy nado,
se dos seus olhos bem guarda
e vos sodes bem talhado.
Se foss'eu o que vos leva
levar m'ia já en o bom dia,
ca nom faria má leva
d'outra, et mais vos diria,
pois quem vos leva desleva
das outras em melhoria
por este som eu o que leva
por vós coylas noyte e dia.
Mha senhor, quem ufaqui manda
a vos mand^e, flz sem falha
por que vós per mha demanda
nunca destes huma palha;
mais aquel que vos manda
sei tanto, se deus me valha
que pois com vosco manda
por vós pouc'ou nem migalha.
25
Poys que vós per hy mays de valer cuydades
mal vos quer'eu conselhar mha senhor :
para sempre fezer dei o peyor
quero-vos eu dizer como façades:
amade aquel que vos tem em desdém,
et leixade, que vos quero bem,
nunca vós melhor íius'achadcs.
Al vos er quero dizer que faredes,
poys que vos já mal eyde conselhar;
poys per hy mays cuydades acabar
assi fazede como vós fazedes:
fazede bem sempre a quem vos mal fez
e matade-me, senhor, poys vos prez
et nunca vos melhor mouro matedes.
Ca nom sey homem que se mal nom queyxe
do que m'eu queyxo d'aver sempre mal,
por en digo eu com gram coyta mortal :
aquel que vos filhou nunca vos leixe
e moyra eu por vós com'é a razom,
et poys ficardes com el des entom
coçar- vos-edes com a mãao do peixe.
Do que diramj poys se deus vos perdon*
por vós, senhor, quantos no mundo som
dade todo et fazed'end'hi um feyxe.
26
Conhocedes a donzela
por que trobei que dizia
nome dona Biringela?
Vedes camanha perfla
e cousa tam desguisada,
des que ora foy casada
chamo-lhe dona Maria.
D'al and'ora mais nojado
se deus me de mal defenda,
cstand'ora namorado
6
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
huum que mâ morte prenda •
e o demo cedo tome,
quije-la chamar por seu nome
e charaou-lhe dona Ousenda.
Pêro se tem por fremosa
mays que se ela pode,
pede pola virgem gloriosa
hum homem a que acode
de certo se ja na forca
estando cerrou-lhe a boca
e chamou-lhe dona Gondiode,
E par deus o poderoso,
o que fez esta senhorsinha
d'al and'ora mais nojoso
do demo d'huma meninha,
dacolá bem de Çamora,
hu lhe quiz chamar senhora
chamei-lhe dona Gontinha,
27
— Vhasco Martins, poys vos trabalhadas
e trabalhastes de trobar d'amor,
do que agora, par nostro senhor,
quero saber de vós que m'ho digades;
dizede-m'ho, cà bem vos estará
pois vos esta por que trobastes já,
morreu, por deus, porque trobades?
«Afonso Sanchez, vos perguntadea
e quero-vos eu fazer sabedor,
eu trobo e trobey pola melhor
das que deus fez, esto lo ajades;
esta do coraçom nom me sahirá,
e atenderey seu bem se nTho fará,
e vós ai de mi saber nom queirades.
— Vaasco Martins, vós nom respondedes
nem er entendo, assi veja prazer,
porque trobades; que ouvi dizer
que aquella per que trobad'avedes
e que amastes vós mais d'outra ren,
que vos morreu de gram temp' e poren
pola morta trobar non devedes.
«Afonso Sanchez, pois nom entendedes
em qual guysa vos eu fuy rresponder,
a mi en culpa nom devem poer
mais a vós-, se o saber nopi podedes;
eu trobo pol-a que m'em poder tem,
e vence todas de parecer bem
pois hu i nom he, amor ey como o vedes.
— Vaasco Martins, pois vos morreu por quem
sempre trobastes, maravilho-m' en,
pois vos morreu, como nom morredes.
-«Afonso Sanchez, vós sabede bem
quem ama be com perda de ssen,
apoz que trobe sabeloedes.
JOBAM DE GUYLBADE
28
Ouex'eu-m'a-vós d'estes olhos meus,
mays ora se deus mi perdon'
querolhis bem de coraçom,
e des oy mays quer'amar deus,
ca mi mostrou quem oj'eu vi,
ay que parecer oj'eu vi.
Sempre-n^eu d'amor quelxarey,
cà sempre mi d'ele mal vpm,
mays c'os meus olhos quer'eu bera,
e já sempre deus araarcy ;
ca mi mostrou quem oj'eu vi
ay que parecer oj'eu vi.
E mui gram queixum'ey d' amor
ca sempre mi coyta sol dar,
mais c'os meus olhos quer'araar
e quer'amar nostro senhor;
ca me mostrou quem oj'eu vi,
ay que parecer oj'eu vi.
E sse cedo nom vir quem vi,
cedo morrerey por que vi,
20
Que muytos me perguntaram
quando m'ora vyrem raoirer,
por que moyr'e quer'eu dizer
quanta ren depoys saberam :
moyr'eu por quen eu nom vejo aqui,
a dona que nom vej'aqui.
E perguntar-m'am, eu o sei,
da dona, que diga qual é,
e juro-vos per boa fé,
que nunca lhis eu mays direy:
moyr'eu, per quen nora vej'aqui, '
a dona que nom vej'aqui.
E diram-mi que parecer
virom a donas mui bem,
c direy-vo-lhes eu por en
que comera oystes dizer :
moyr'eu per quen nom vej'aqui,
a dona que nom vej'aqui.
E nom digu'eu das outras mal
nem bem, nem sol nom fal'y,
mays pois vejo que moyr'assy,
digu'est'e, nunca direy ai,
moyr'eu por quem nom vej'aqui,
a dona que nom vej'aqui.
30
Amigo, nom poss'eu negar
a gram coyta que d'amor ey,
ca me vejo sandeu andar
e com sandice o direy;
os olhos verdes que eu vi
me fazem ora andar assv.
Pêro, quem quer x^nlenderà
aquestes olhos quaes son,
e d^sfalguem se queixará,
mays eu jâ quer moyra quer nom
os olhos verdes que eu vi
me fazem ora andar assy.
JOHÀM DE GUYLHADE
Pêro nom deviam a perder
homem que jà o sen nom ha,
de com sandice ren dizer, -
e com sandice digu'eu já:
os olhos verdes que eu vi
me fazem ora andar assy.
31e32
«Senhor, veedes-me moirer
desejando o vosso bem,
e vós nom dades ren por en,
nem vus queredes en doer ?
— Meu amigu' en quanfeu viver
nunca vos eu farey amor
per que faça o meu peyor.
«Mha senhor, per deus que vos fez,
que me nom leixedes assy
morrer, e vós faredes y
gram mesura com muy bon prez.
— Direy-vol-o amig'outra vez :
meu amigu' em quanfeu viver
nunca vos eu farey amor
per que faça o meu peyor*
«Mha senhor, que deus vos pefdon',
nembre-vos quanfafam levey
por vós, ca por vós morrerey,
e forçad'es9e coraçon.
— Meu amig'ar direy que nom
meu amigo, em quanfeu viver
nunca vos eu farey amor
per que faça o meu peyor '*
33
Quand'eu parti d'u m'eu parti»
lógu'eu parti aquestes meus
olhos de veer, e par deus
quanto bem avya perdi,
cà meu bem tod'era en veer,
e mays vos ar quero dizer
pêro vejo nunca ar vi.
Ca nom vej'eu, e pêro vcj'eu
quant'vej'eu non mi vai ren,
ca perdi o lume per en
por que ceg'a que mi deu
esta coita que oj'eu ey
que jamays nunca veerey
se non vir o parecer seu.
Ca ja ceguey quando ceguey
de pram ceguey eu logu'entom,
e jà deus nunca me perdon'
se bem vejo, nem se bem ey,
pêro se me deus guidar
e me cedo quizer tornar
bu eu bem vi bem veerey.
• Os n.* 31 e 32 formam uma só canção nas Trovas
t Cintares, n.* 238.
34
A boa dona por que eu trobava
e que non dava nulha ren por mi,
pêro s'ela de mi ren non pagava,
sofrendo coyta sempre a servi;
e ora jà por el' ensandeci,
e dà per mi bem quanfante daVa.
E pêro x'ela con prez estava -
e con bon parecer que lh'eu vi,
e lhi sempre com meu trobar pesava
trobei eu tanfe tanto a servi,
que já por ela lum'e sen perdi,
e anda x'ela per qual anfandava
Por de bon prez, e muyto se pagava,
e dereyfé de sempr'aftdar assy,
ca se lh'alguem na mha coita falava
sol nom oya nem tornava hi ;
pêro que coita grande que sofri,
oy mais ey d'ela quant'aver cuydava.
Sandice e morte que busquey, sempr'y
o seu amor mi deu quanfeu buscava.
35
Amigus, quero-vos dizer
mui gram coyfem que me tem
hunha dona que quero bem,
e que me faz ensandecer;
e catando pola veer
assy and'eu, assy and'eti,
assy and'eu, assy and'eu (bis).
E jà eu conselho nom sei
cà já o meu adubad'é,
e sey mui bem per boa fé,
que jà sempr'assy andarey
catando se a veerey,
assi and'eu, assi and'eu ....
E jà eu nom posso chorar,
cajá chorand' ensandeci;
e faz-m'amor andar assy
como me veedes andar,
calando per cada logar
assi and'eu, assi and'eu . . .
E jà o nom posso negar,
alguém me fez assy andar.
36
Quantos am gram coyta d'amor
era o mundo, qual oj'eu ey,
querriara moirer, eu o sey,
e averiam en sabor ;
mais mentr'eu vos vir, mha senhor,
sempre m'eu querria viver
e atender, e atender.
Pêro jà nom posso guarir,
cà jà cegam os olhos meus
per vós, e nom mi vai hi deus,
nem vos mays, per vos nom mentir
8
CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA
em quanfeu vos, mha senhor, vyr,
sempre m'eu querria viver
e atender, e atender.
E tenho que fazem mal sen
quantos (Tamor coytados som,
de querer sa mort', e se nom
ouverora nunca d' amor bem
com'eu faço, senhor, por en
sempre eu querria viver
e atender, e atender.
37
Deus, como se forora perder e matar
mui boas donzelas quaes vos direy,
foy Dordia Gil e foy Guyomar
que prenderom ordim ; mays se foss'eu rey
eu as mandaria por en queymar,
por que forom raund'e prez desenparar.
Nom metedes mentes em qual perdiçom
fazen no mund' e se forom perder,
com 'outras muytas vivem na rasom
por muy to de bem que podem fazer ;
mays eu per alguém jà morfey de prender
que nora vej', e moyro por alguém veer.
Outra dona que pelo reyno á
de bom prez e rica de bom parecer,
se m'a deus amostra grara bem mi fará,
cá nunca prazer veerey sen a veer ;
que farey, coytado, moyro per alguém
que nom vej', e moyro por veer alguém.
38
(Esta Canção é igual d n.° 28, servindo
arribas para a restituição do texto.)
STEVAM FROYAM
39
A mha senhor já lh'eu muyto neguey
o muy gram mal que me por ela vem,
e o pesar, e nom baratey bem,
e des oy mays já lh*o nom negarey ;
ante Ihi quero a mha senhor dizer
o por que posso guarir ou morrer.
Neguei-lh'0 muyto, e nunca lhi falar
ousei na coyta que sofre no mal
per ella, e sse me cedo nom vai
eu ja oy mais lh'o posso negar,
ante lhe quero a mha senhor dizer
o por que posso guarir ou morrer.
Eu lhe neguey sempre per boa fé
a gram coyta que por ela sofTri,
e eu morrerey por em des aqui
se lh'o negar, mays poys que assi he,
ante lhe quero a mha senhor dizer
o por que posso guarir ou morrer.
40
— Vedes, senhor, quero-vos eu tal ben
qual mayor posso no meu cor açora,
e non diredes vós por ende nom.
« Nom amigo, mays direy-m'outra ren,
nom me queredes vós a mi melhor
do que vos eu quer^amig^e senhor.
— Hu vos nom vejo nom vejo prazer,
se deus mi valha, de ren nem de mi,
e nom diredes que nom est assy.
« Nom amigo, mays quero mal dizer
nom me queredes vós a my melhor
do que vos eu quer' amigu'e senhor.
— Amo-vos tanto, que eu muy bem sey
que nom poderia mays per boa fé,
e non diredes que assy nom é.
«Nom, amigo, mays ai me vos direy,
nom me queredes vós a mi melhor
do que vos eu quer'amigu'e senhor.
41
Senhor fremosa, des que vos amey
sabe ora deus que sempre vos servy
| quanfeu toais pud', e servi- vos assy
iper bona fé polo que vos direy,
se poderia de vos aver bem
e que fezess' eu y pezar a quem
Vós sabedes no vosso coraçom
que vos fez el muytas vezes pesar
e am'eu-vos quanto vos poss'amar
e servir-vos por aquesta razom:
se poderia de vós aver bem
e que fezess'eu y pezar a quem
Vós sabedes que bem vos estará
de vos servir quem vos mereceu,
ca mim bem perdud'e sandeu .
per vós, senhora, dized'ora já
se poderia de vós aver bem,
e que fezess'eu y pezar a quem.
JOHAH VAASQIES
42
Muyfando triste no meu coraçom
porque sey que m'ey muy ced' a quytar
de vós, senhor, e hir alhur morar,
e pesar-m'ha en, se deus mi perdon'
de me partir de vós per nulha ren
e hir morar alhur sem vosso bem.
Por que sei que ey tal coyta sofrer
qual sofri já outra vez, mha senhor,
e nom a verá lii ai, poys èu for
que nom aja gram pesar a prender
de me partir de vós per nulha ren,
e ir morar alhur sem vosso bem.
Ga m'haveo assi outra vez já,
mha senhor fremosa, que me quiley
.JTO^apl^o
9
de vós, e sem meu gnuTalhur morey;
mays este mui gram pesar mi será
de me partir de vós per uulba ren
e ir morar alhur sem vossq bem.
E quaudo m'eu de vós partir por eu
eu morrerey ou perderey o sen.
43
Parti-;n'eu de vós, mha senhor,
sem meu grado hutoha vez aqui, '
e na terra hu eu vivi
andei sempre 'tam sem sabor,
que nuáca eti pude Vfcfcl"
de rem, hu vós niom vi, prazer 1 .
Na terra hú me fez moráf
muito sem Vós, mha scnHor 1 , deus
fez-me chorar fios olhos meus,
e fez-me taitficoytád^ndar,
que nUnca éu pude vcer
de ren, u vos nom vi prazer.
E des qiic itfeu de vóâ quitei
fezo me seiApr'aver de pram •"
nostro senhor tnúi grand afara,
e sempre tam coytad'andeí,
que nunca óu pude veer
de ren, hu vos nom vi, prazer.
E nom poderia prazer
hu eu vos nom vissb, veer.
44
Meus amigos, muit' eslava eu bem
quand'a mha. senhor podia falar
na muy gram coyta, que me fazia levar
nostro senhor, que mi a mostrou por en,
me fez a mim sem meu grado viver,
longe d'ela, e sen seu bem fazer **
Nostro senhor que lhi bom prez foy dar
por mal de mi e (restes olhos meus
me guisou ora que nom viss' os seus
por m'a fazer sempre mais desejar,
me faz a mi sen meu grado viver
longe d'ela e sen seu bem fazer.
Nostro senhor, que lhi deu mui bom prez
melhor de quantas outras donas vi '
viver no mund', e de pram est assy
porque a ela tod' este bem fez,
me faz a mim sem meu grado viver
longe (Tela e sem seu bem fazer.
E faz-m' á força de mi bera querer
senhor a quem nom ouso rem dizer.
45
Estes que ora dizem, mha senhor,
que sabem cá vos qucr'eu mui gram bem,
1 fla edição (Jiplomatica lê-se : foi. 97: Desuni mulla.
Completámos esta canção pela do Cancioneiro d* Ajuda,
n.° 273.
* Esta primeira estrophc faltava no ms., mas acha-
se nas Trovas t (Jantares, n.° 274, com leves variantes.
poys eu, nunca por mi sopberom rem,
queria agora seer sabedor
per quem o pqderom eles saber
poys m'o vós nunca quizestes creer.
Ca, mha senhor, sempr'o eu neguey
quanfeu mays pud', assy deus me perdon';
e dizem ora quantas aqui soh
que o sabem, mays como saberey
per quem o poderom eles saber,
pois m'o vós nunca quizestes creer.
FERNlO VELHO
46
Poysdeus nom quer que eu rem nom possa aver
de vós, senhor, se non mal e afam,
e os meus olhos gram coyta que am
por vós, senhor, se eu veja prazer,
ir-me-ey d'aqui; pêro hua ren sey
de mi, senhor, câ ensandecerey.
E, mha senhor fremosa de bom prez,
pêro vos amo mays c'â mi nem ai,
pois deus nofii quer que aja se nom mal
de vós, por deus, que vos muylo bem fez,
ir-me-ey d'aqui ; pero hua rem sey
de mim, senhor, cá ensandecerey.
E pero vos amo mayt d'oulra ren,
senhor dei min e do meu coraçom,
pois deus nom quer que aja se mal nom
de vós, senhor, assy deus me úò bcm>
ir-me-cy d^qui ; pero hua ren sey
de mim, senhor, cà ensandecerey
Por vós,' que eu muyfámo c amarey
mais de quant' ai vejo, nem vecrey.
47
Quanfeu, mha senhor, de vós reccey
aver, ejei-o dia era que vos vi
dizen-m'hora que m'o aguisa assy
nostro senhor r como ra'eu receey
de vos casarem ; mays sey unha ren
se assy for, que morrerey por en.
E sempr'eu mha senhor esto temi
que m'ora dizem de vos aveer,
des que vos soub'i mui' gram bem querer
per bona fé, semp^esto temi
de vos casarem ; mais sei hunha ren,
se assi for que morrerei pôr en.
E sempre eu, senhor, ouvi pavor
des que vos vi, e comvosco falei
e vos dix'o mui grand' amor que ei,
e, mha senhor, d^quesf ey eu pavor
de vos casarem; mais sei hunha rem,
se assi for, que morrerei por en.
48
Senhor, que eu por meu mal vi,
poys m'eu de vós a partir ey,
10
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA
crecde que nom a en mi
se nora mort' ou ensandecer ;
poys m'eu de vós a partir ey
e ir alhur sen vós viver.
Poys vos eu quero mui gram bem
e me de vos ey a quitar,
dizer vos quero eu hua ren
e que sey no meu coraçon,
poys me de vós ey a quitar
e ir alhur sen vós enlon.
E mal dia naçi, senhor,
pois que m'eu d'u vós sodes vou ;
cà mui bem som sabedor
que morrerey hu nom jaz ai,
pois que m'eu d'u vós sodes vou,
senhor que eu vi por meu mal.
E logo hu m'eu de vós partir
morrerey se me deus nom vai.
49
A mayor coyta que eu vi sofrer
,d'amor a nulTome des que naçi
eu m'a sofro, e ja que est assy,
meus' amigos, assy veja prazer;
gradesc'a deus, que mi faz a mayor
coyta do mund^ aver por mha senhor.
E bem tenh'eu que faço razom
da maior coyta muifa deus gracir,
que m'el dá por mha senhor, que servir
ey mentr'eu viver ; mui de coraçom
gradesc'a deus que mi fez a mayor
coyta do mundo aver por mha senhor.
E por mayor ey eu per boa fé
aquesta coyta de quantas fará
nostro senhor, e por mayor m'a dá
de quantas fez ; e poys que assi é
gradesc'a deus, que mi faz a mayor
coyta do mundo aver por mha senhor,
Poys que m'a faz aver pola melhor
dona de quantas fez nostro senhor.
50
Nostro senhor, que cu sempre roguey
pola coyta que m'amor faz sofrer,
que ma tolhesse, nom m'a quiz tolher
e me leixou em seu poder d'amor,
des'oje mays sempre Ih eu rogarey
poys ey gram coyta que mi de mayor
Con que moyra, ca mui gram sabor
ey per boa fé de nom mays guarecer,
poys s'el nunca de mi quis doer
e me faz viver sempre a gram pavor,
de perder o sen, mays ja gracir-lhe-ey
poys ey gram coyta que me dê mayor
Se lh'aprouguer mui cedo, ca nom sey
oj'eu outra rem, com qu'eu visse prazer
pois m'el nom quis nem quer dei defender.
e de meu mal ouve tam gram sabor,
mentr'eu viver, sempr'o eu servirey
poys ey gram coyta que mi dê mayor,
Com que moyra, cá de pram ai nom se
que mi possa tolher coyta d'ainor.
51
Muytos vej'eu per mi maravilhar
porque eu pedi a nostro senhor
das coytas do mundo sempr'a mayor;
mays se soubessem o meu coraçon
nom me cuyd'eu que o fossem provar,
ante terriam que faço razom.
Mays porque nom saben meu coraçom
se van eles maravilhar por mi,
porque das coitas a mayor pedi
a deus, que ade m'ha dar a gram poder,
mais eu pedir-lh'a-ey toda sazom
atá que m'ha dé enquanf cu viver.
El que ade mi dar a gram poder
m'ha dé ; pêro se maravilham en
os que nom sabem meu coraçom bem,
porque a peço, cà m'é mui mester
de m'a dar el que o pode fazer
per bona fé se o fazer quizer.
E ss'el sabe que m'he muy mester
de m'ha dar, cl m'ha dê se lhi prouguer.
52
Senhor, o mal que m'ha mi faz amor
e a gram coyta que mi faz sofrer
a vol-o devo muyfagradecer
e a deus que mi vos deu por senhor;
ca bem vos faço d'esto sabedor
que por ai nom m'o podia fazer;
Se nom por vós, que avedes sabor
do mui gram mal que nTa mi faz aver,
e pois vos praz e lhi dades poder
de mi fazer, fremosa mha senhor,
o que quizer em quanfeu vyvo for
e vos de mim nom quiserdes doer.
E da gram coyta de que sofredor
foy, e do mal muyfa sem meu prazer,
a vos devem muy gramTapoer
cá nom mi dé deus de vós bem, senhor,
que me pod'emparar de sseu amor
se oj'eu sey ai porque o temer.
Mays por deus que vos foy dar o mayor
bem que d'outra dona oy dizer,
que me nom leixedes escaecer
e nom me lhi clefenderedes çenhor,
cà bem cuydo de como é traedor
que me mate cedo e pois nom quer.
Gracir-vol-o poys que eu morto for,
e por quanto bem vos fez deus, senhor,
guardade-vos de tal erro prender.
AIRÀS VEAZ
11
53
Meus amigos, muyto mi praz d*amor
que entend' ora que mi quer matar,
poys m'a mi deus nom quis nem mha senhor
a quem roguey de me d'el emparar;
e poren quando m'el quyser matar
mays cedo, tanto lh'o mays gracirey.
Ca bem me pode partir da mayor
coyla de quantas eu oy falar,
de que eu fuy muyfha sofredor
e sabe deus, que me foy mostrar
àa dona, bu a vi bem falar
e parecer por meu mal, eu o sey.
Ca muyfha que vyvo a pavor,
de perder o sen com mui gram pesar,
que vi depois, e poren gram sabor
ey da mha morte se m'ha quizer dar
amor, a que me fez gram pesar
vecr d'aquella ren que mais amey.
Mays esse pouco que eu vyvo for
poys assy é, nom me quero queixar
d 'eles, mays el seja seu traedor
se me nom mata poys nom poss'achar
quem me d'el empare, e se me d'el queixar
deus nom me valha, que eu mester ey
Ca poys m'eles nom querem emparar
e me no seu poder querem leixar
nunca per outrem emparado serey 4 .
54
Por mal de mi me fez deus tanfamar
hunha dona, que jà per nenhum sen
sey que nunca posso prender prazer
dela, nem d'al; e poys m'aqueslo aven,
rogu'eu a deus que ra'a faça veer
ced', e me Ihi leixe tanto dizer
moyr*eu, senhor, a que deus nom fez par.
E poys lh'esto disser hu m'ha mostrar
rogar-lh'ei que me dé morf e gram bem
mi fará hi se m'ho quizer fazer,
ca mui melhor mi será d'outra ren
de me leixar logu'i morte prender
cà melhor m'é, c'a tal vida viver
el ca meu tempo tod'assy passar.
E gram mesura deus de me matar
fará, pois m'a morfem seu poder tem.
cal el sabe que nom ey d'atendcr '
ôe nom gram mal se viver, e por en
se me der morfey que lh'i gradecer
ca per meu mal m'a fez el conhoccr,
esto sei bem e tanto desejar.
A1RAS VEAZ
55
A dona, que eu vy por meu
mal, e que me gram coyta deu,
1 Este cabo falta no Cancwneiív da Ajuda,
e dá, poyl-a vy, por seu
nom me tem, nem me quer valer,
nem na vejo, nem vejo eu
no mund'ond'eu aja prazer.
A que me faz viver em tal
afam, e ssofrer tanto mal,
e morrerej\ se me nom vai
poys nom quer mha coyta crer,
nem na vejo, nem vejo ai
no mund'ond'èu aja prazer.
A que eu quero muy gram bem,
e que m'assy forcado tem,
que nom posso per nenhum sen
parar-me de lhe bem querer
nem na vejo, nem vejo ren
no mundo ond'eu aja prazer.
56
Senhor fremosa, por meu mal
vos viron estes olhos meus,
ca des entom assy quiz deus
e mha ventura, que he tal
que nunca vos ousey dizer
ho que vos queria dizer.
E ai ouv'eu vosc' a falar,
senhor, sempr'u vosco faley,
vedes porque, ca me guardey
tam muyfem vos dizer pezar,
que nunca vos ousey dizer
o que vos queria dizer.
Seede muy bem sabedor
desque vos eu por mal vi,
sempre muy gram coita sofry,
c'assy quiz nostro senhor,
que nunca vos ousey dizer
o que vos queria dizer.
57
Par deus, senhor, gram dereyto per' é
de mi quererdes mal de coraçon,
cá vos fui eu dizer per boa fé
que vos queria bem, senhor; e nom
soub'eu catar qual pezar vos dizia
nem quanlo mal me poys per en veiria.
Nom me guardou de vos dizer pesar
quando vos diss', assy deus mi perdon',
que vos queria gram bem, mays osmar
podedes vós, se quiserdes, que nom
soub'eu catar qual pezar vos dizia
nem quanto mal me poys per en viria.
Ca me fczestes vós perder o sen,
porque me nom soub'eu guardar entom
de vos dizer que vos queria bem,
mays valha-mi conlra vós, porque nom
soub'eu catar qual pezar vos dizia
nem quanlo mal me poys per en viria.
12
CANCIONEIRO PORTCGÚEOA VATICANA
VA ASCO PEREZ
58
Sempr'eu punhcy de servir mha senhor
quanfeu raays pud', assy me venha bera,
pêro direy-vol-Q que mTend^ven
do poder en que me tem amor;'
nom me quer ela nenhum bem fazer/
é amor me faz por ela moirer.
Ca nom catey por ai des que á*vi
senom por ela, e sempre punhei
de a servir, p'ero ca d'al nòm ei
se nom aquesto avem m'end'assy j
et já nom mi quer ela nenhum bem fazer,
e amor me faz por ela moirer.
E sempr'eu cúydei no meu coraçom
de lhi fazer servjç'e me guardar
de já mays nunca lhi fazer pezar
pêro ven m'cn mal, por esla razom
nom me quer eía nenhum bem' fazer,
e amor me faz por cia" moirer.
59
Senhor, des quand'em vós cuydc^
e no vosso bom parecer
perdi o sen que eu haver
soya, e ja perdud'ey
de quanfal avya sabor,
assi me forçou voss^mor.
Cuydando des que vos vi
em vós, senhor, perdud'ei Já •
o sen, mays quando mi válrrà
o vosso bem, porque perdi
de quanfal avya sabor,
assi me forçou vosso amor.
E sabe este meu coraÇom
que por vós muy to mal levou,
des que vos vi, et el cuydou
em vós, cá perdi des entom
de quanfal avya sabor,
assi me for£ou voss'ámor.
60
Muyto bem me podia amor fazer
se el quizesse nom perder hi ren,
mays nom quer ele, pereceu já o sen,
e direy-vol o que mi vay fazer;
ven logu' e faz-m'em mha senhor cuydar
e poys cuyd'i rnuyfar quero me matar,
e mha senhor nom me quer hi valer.
Faz-m'i mal e nom ous'a dizer
de muyto mal que mi faz senom bem,
e sse ai digo, faz-nfeslo por en
ou sse cuydo sol de lh'end'al dizer
vem logu' e faz-m^m mha senhor cuydar,
e poys cuyrVi muyfar quero-me matarj
e mha senhor nom me quer hi valer.
E tcwTaquesto nom poss'eu sofrer
que já nom raoyra, ca nom sey eu quem
nom moiresse com quanto mal mi vem
(Tamor quç r mi fa& tam muyto, mal.sofrçr;
vem logu' e/az-m'em mha sephor cuydar,
e poys cuy<Ti muyt'ar quero-i&e matar
e mha .senhor nòjn me .quer hi valer.
May? ampr que m'ora assy quer matar,
dé-lhi deus que lhi faç^ desejar ,
algum bem em que nom aja poder.
EL REY DOM AFF0NS0 DÈ CASTELLA
E DE LtiOM
■' r.
Desunt
61
E com' omem qu,e quer mal doestar
seus naturaes, sol non qo provedes,
cà nom .som mais de dous, et averedes
los a perder pql-os muyfafjnnitar
e sobresto vos digu^u ora ai ;
d'aque$tes 4ous o que em menos vai i
vos afiará gram mengua se o perfledes.
E^sse queredes roeu icopselho GJhar,
credfonfora* bem vo& achardes, ,
nunca muito de vós loa alanguedes
cá nom podedes outros taes. achar
que vos nom conhoscam quem sodes, nem qual,
e se vos doestes dous end un fTal,
que por minguado que vos enterredes.
. 62
Vi hum coteyffe de muy gram granhom,
com sseu porponto, mais nom d^lpodom,
e com sas calças velhas de branqueia ;
e diYeu logo : poil-as guerras som,
ay que coteyffe pêra a corneta.
Vy hum coteyffe máo valdi
com seu porponto nunca peior vi,
cá nom quer deus se el em otitro meta,
e dix'eu : poil-as guerras som y,
ay que coteyffe- pêra a corneta.
Vi um coteyffe mal gtíisad'è vil
com seu perponto todo de panil
e o condem (Touro tal pôr joetà;
e dix'eu : pois se vay ò aguázil
ay que coteyffe pêra á corneta.
Non me posso pagar tanto
do canto das aves, nem de sseu ssom,
nem d'amor, nem d'ambiçom,
nem d'armas, ca ey espanto
por quanto muy perigosas som :
com'é d'um bom galeon
que m'alongu'e muyfazynha
deste demo da campaynha
EL RÉY ; irÔir AFONSO MCÁ^TÍÉÍti^B"^ IE0M
13
ha é mala tracssom,
ca denlro no coraç om
senty (Telia a espinha.
E juro par deus lo santo
que manto nom tragèrey, nem gràrifiom,
nem tcrrey d'amor razom
nem d^armas porque' qucbrantò^chanto,
nem d'elas ced'à sazom ;
mays tragèrey hum.d/ormaò,
e hirey pela marinha
vendemfa ceb^e farinha'
e fugirey do passo do alazão,
ca eu nom hy sey outra medzlnha.
Nem de lariçar a tavolíldõ 1
pagado nom som, se dbús m'aníparí> ha,
e nem de bafordar e andar de noite armado
sem graduo faço, et a roldana';
mais me pago do mar que de sét caValileyro
ca eu fuy já marinheiro,
e quero-me oy guardar do afabrá*
e coronar quem me foi primeiro.
E direy- vos um recado
pecád' ora já me i pode enganar,
que me faça já falar
em armas, cá nom m*é dado
doando-me de a$ eu braioriat,
pois las nom ey a provar
ante quefandar sirilheyro
e hir com' morcadèyro
alguma terra buscar
hu me nom possam culpar
alacrá negro nem vcciror.
64
Joham Rodriguiz foy dcsinar a Balteyra
ssa midida, perque colha a madoyra^
e disse : se bem queredes fazer,
de tal midida a devedes acolher
e nom meor per nulha maneyra.
E disse: esta é a madeyra inteyra
e de mais nom na dey eu a vós sinfheyía,
e pois que sem compasso ade meter
a tan longa deve toda seer
pêra as traspernas da, scaleyra.
A Mayor Cotum dey já outra tamanha
c foy-a ela colher logo sem sanha,
e charryar-as feze-o logo outro tal
e AlveFa que andou em Portugal,
e lá x'as colheram na montanha.
E diss': esta é a medida de Espanha
cá nom de Lombardia nem d' A tamanha,
e porque é grossa nom vos seja mal,
cá delgada pêra tanta rem nom vai
e d'eslo muy mays sey eu c^abond^nha.
65
Ansur Moniz, muyto m'é gram pesar
quando vos vy dey lar aos porleyros
vilanamente d'antr' os sendeyròs,
e dixe-lhis logo, se deus me ampar-,
per boafé fazedel-o muy mal,
ca dom Arisur orne d menos vai
vem dos de Vilàifaíisur de Ferreyrôsi
E da outra parte vem dos d'Escob'ar
e de Campos, mais ríòm dós dè Cizrieiros,
mais de Lampadõe9 e de Carvoeiros
e d'outra vem, fóy dós d^stòpar,
e dam'era vèder é muy riatural
hu jaz seu padre sa "madre outro tàl
e ar a el e tod'os séús herdeyros.
E seta esto er foy el gaanhar
mais ca os seusaVôds primeiros,
comprod Fou£'a'Estèvam Cabrepros*
e Vilar de Paes ar foy comprar
pêra seu corp'e'diz ca nom lhfe venl ai
de viver pobre, e a quê x'assi ffal,
falecer-U^ã todos seu» companheyros.
Senhor, juslfca vimos pedif
que nos façades, é fatedes fiem,
da gris furtaram tafrío, qtfe por eft
nom llTy leyxarám que possa cobri*;'
pêro a tanfaprefldt d"um judeu,
que este furto fez huu rotoieu
que foy já otítros escafrríir.
E tenho que vos nom veó líientrí
pelos sinaes que nôs el disse, cá en
o rostro tragè rióm tem
por dereyto de s^mfel ericobrif í ;
e se aquesto sõfredes, bém lff étí
querria a outro assy furtai o seu,
de que pode muy gram dano viir.
E romeu que deus assy quef servir
por levar tal furfa Jerusalém,
e sol nom cata como gris nom tem
nunca cousa de que sé cobrir;
cá todo quanto el despendeu
et deu d'ali foy tod^questo, sey eu
e quanfel foy levar e vistir.
67
Fui eu poer a mano n^stradl
a hua soldideyra no coyon,
e disse-nvela : tolhed'al a don'
cá nom é esta de riostro senhor
payxom, mdys é xe de mi pecador
por muyto mal que me llfcu merecy.
Hu a vós começastes entendi
bem que nom era deus aqucl som,
cá os pontos d'el nô meu coràçom
se Acaram de guisa que logu^y
cuidey morrer, et dix^ssy : deus senhoT
beneito sejas tu que sofredor
me fazes d^ste jnarteyro par ti.
u
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
Quisera-m'eu fogir logo d'ali
e nom vos fora rauy sem razom
com medo de morrer, et com ai nom,
mais nom pudi Iam gram coyta sofrer, e
dixe loguo: com deus meu senhor
esta paixom sofro por teu amor
pola tua que sofresfi por mi.
Nunca del-o dia en que eu nacy
fuy tan coitado se deus me perdon'
e com pavor aquesta oraçom
comecey logo, e dixe a deus assy:
fel et azedo bivisti, senhor,
por mi, mays muyfest a questo peior
que por ti bevo, nem que comi.
E por en, ay Jesu Christo senhor,
em juizo quando ante ti for
nembre-ch'esto que por ty padeci.
. 68
Pêro da Ponte ha, senhor, gram peccado
de seus cantares que el foy furtar
a Cotom, que quanto el lazerado
ouve gram tempo, el x'os quer lograr
e d'outros muylos que nom sey contar,
porque oj'anda vistido é honrado.
E porem foy Cotom mal dia nado,
pois Pêro da Ponte erda seu trobar,
e mui mais lhi valera que trobado
nunca ouvess'el, assy deus m'ampar*
pois que se de quanfel foy la erdar
serve Dom Pedro, e nom lhi dà em grado.
E com dereyto seer enforcado
deve Dom Pedro porque foy filhar
a Cotom, pois lo ouve soterrado,
seus cantares, e nom quiz endar
huu soldo pêra sa alma quitar
sequer do que lhy avia emprestado.
E por end'é gram traedor provado
de que se jâ nunca poder salvar
com que a seu amigo jurado
bevendo com elle o foy matar,
tudo poios cantares d'el levar
com'é o que oj'anda arrufado.
E pois nom ha quem n'o por en rétar
queyra, seerâ oy mais por mi rétado.
69
Dom João, quand'ogano aqui chegou
primeiramente e vyu vulta a guerra,
tam gram sabor ouve d'ir a sa terra
que logu'então por adail filhou
, seu coràçom; e el fex-lh'y leyxar
polo mais toste da guer^alongar
prez e esforço, e passou a serra.
En esto fez com'é de bom sen
en fiihar adail que conhecia,
que esles passos máos bem sabia,
e el guariTo loguenlom mui bem
d'eles, e fez-lhi de destro leixar
lealdacTé de seeslro leixar lidar *
adail é muy sabedor
que o guiou por aquela carreyra,
porque fez desguiar da fronteira
e em tal guerra leixar sçu senhor;
e direi-vos ai que lhi fez leixar
bem que ped'a fazer por ficar,
et feze-o poer aalem a calaveyra.
Muyto foy ledo se deus me perdon 1
quando se viu d'aqueles passos fora
que vos jà dix'e diss'em essa ora :
par deus, adail, rauyfey gram razom
de sempre vos mha fazenda leixar
cà nom me mova d'este logar
se jamais nunca cuidey passar fora.
E ao demo vou a encomendar
prez doeste mundo e em armas lidar
ca nom é jogo de que homem chora.
70
Pêro da Ponte, pár'o vosso mal
per'ante o demo do fogo infernal,
porque com deus o padre espiritual
minguar quisestes, mal aprendestes,
e bem vej'agora que trobar vos fal,
poys vós tam louca razom cometestes.
E poys razom tam descomunal
fostes fyihar, e que tam pouco vai,
pesar-mi-a en se vos pois a bem sal
ante o diabo, a quem obedecestes,
e bem vej'ora que trobar vos fal
pois vós tam louca razom cometestes.
Vós nom trobades como proençal,
mais como Bernaldo de Bona vai,
e pêro ende nom é trobador natural
pois que d'el e do dem'aprendestes;
e bem vej'agora que trobar vos sal
poys vós tam louca fazom cometestes
E por end^ra Pedro Vilâ-real
em maao ponto vós tanto bevestes.
71
Citola vi andar-se queyxando
de que lhi nom dam sas quitações,
mays des que oy bem sas razões
en a conta fuy mentres parando,
logo tene y que nom dissera ren
ca era já quite de todo bem, por en
faz mal d'andar-s'assi queyxando.
E queixa-se-nfele muitas de vegadas
dos escrivãos e dos despenseiros,
mais poys vêem a contas allicadas
logo lhi mostram bem do que quite é:
1 Falta o septimo verso da slrophe com a rima cm ia.
EL REY DOM AFFONSO DE CASTELLA E DE IEOM
15
e pêro digo-lh'eu que mal he
de que no el quitou muytas de vagadas.
E por leval-a quitapom dobrada
se queyxou, e catey hu jà sia
en o padrom, e achey que avia
de todo bem sa quitaçom levada;
poren faz mal que nora pode peor,
mays tanf a el de quita com sabor
que a nega, pêro x'a leva dobrada.
72
Quero-vos ora muy bem conselhar,
meestre Joham, segundo meu sen,
que matar preyfajades com alguém,
nem queyrades com el em vós entrar;
mais dad'a outrem que tenga por vós,
e a vossa honra e todos nós
a quantos nos avemos por amar.
E pêro se a quizerdes teer,
non a tenhades per rem anfelrey,
e direi embora, porque o ey,
porque nunca vol-o vem fazer
que vol-o non veja teer assy
que pêro vos el-rey queira de si
bem vingar nom a end'o poder.
E aynda vos conselharey ai,
porque vos amo de corafom,
e nunca vos em dia d'acenssom
tenhades, nem em dia de natal
nem d'oulras festas de nostro senor,
nem de seus santos, ca ey gram pavor
de vos viir muy toste d'eles mal.
Nem entrar na egreja nom vos conselho eu
deteer-vos cá vós nom ha mester,
ca se peleja sobKela ouver
o arcebispo vosso amigo e meu
a quem o feito do sagrado jaz,
e a quem se pesa do mal se s'y faz
e querra que seja quanto avedes seu.
E poF amor de deus estadem paz,
e leyxade maa vox carrajaz
sol nom na deva teer, nem judeu.
73
Cornou em dia de páscoa,
queria bem comer,
assy queria bom som
legeyro de dizer
pêra meestre Joham.
Assy como queria
comer de bom salmom,
assy queria a n'avangelho
muy pequena payxom,
pêra meestre Joham.
E assy como queria
comer que me soubesse bem,
assy queria bom som
et seculorum amem,
pêra meestre Joham.
Assy com'eu beveria
bom vino d'0urens,
assy queria bom som
de que cum te potens
pêra maestre Joham.
74
genete, poys remete
seu alfaraz corredor
estremente se esmorece
o coteyffe com pavor.
Vi coteyffes orpelados
estar muy mal espantados,
e genetes trosquiados
cobriara-nos a redor,
e granhãos mal aflicados
perdiam-n'a calor.
Vi coteyffes de granhom
en o meio do estio,
estar tremendo sem frio
anfos mouros d'Azamor;
enchia-se d'èles o rio
que augua d'Alquivir maior.
Vi eu de coteyffes azes
cães siquazes,
aves piores ca rapazes,
e ouveram tal pavor,
que os seus panos de razes
tornaram d'outra color.
Vi coteyffes com arminhos
conhecedores de vinhos
que rapozos dos martinhos
que nom traziam se nom
sairem aos mesquinhos,
e fezerom todo o peor.
Vi coteyffes e cochens
com muy longos granhões
que as barvas dos cabrões,
ao som do atambor
os deitavam dos arções
anfos pees de seu senhor.
75
De grado queria ora saber
doestes que traem sayas encordadas,
em que s^apertam muy prontas vegadas
se o fazem pol os ventres mostrar;
porque se devam d'eles a pagar
sas senhores que nom tem pagadas.
Ay deus, se me quizess'alguem dizer
porque tragem estas cintas sirgadas
muyfanchas, como mulheres prenhadas,
s'e em eles per lii gaanhar
bem das com que nunca sabem falar
ergo nas terras se som bem lauradas.
Encobrir nom o lhes vejo fazer
com as pontas dos mantos trastornadas
em que semelha as aboys das aferradas
16
ílANW^^PiOHT^UfiZ P A V ATOADA
quando as moscas les vêem coitar
d'en se as cuidan per hi d çnganar
que sejam d'eles por en, namoradas.
Outrosy lhis ar vejo t^ager '.
mangas mui curtas et enfunadas,
bem como se adubassem quartadas
ou se quizessem tortas amassar,
ou quiçá o fazem pondeliurar
sas bestas se fossem acevadadas.
Ao dayão de Ç^lp z jea,acl*py
lluros que lhi levavam, fia lèger,
e ó que os tragia prcgijntey
por elles, e rcspondcu-nfcl;. senhor
como estes liuros que yós vendes, fiops
e com os outros que ele tem dos sçns
ffod'er por eles quanto foder quer.
Ga inda vos endeu miais, djrey
cà tam mal ey muyfa feç,leer
por quanfen sa fazenda sey
com os liuros que tem, #orq a ffi^hcr
a que nom faça que semelhe grous
os corvos et as águias babous
per força de foder se x'el quiser.
Cá nom ha mais na arte do foder,
do que nos liuros que el tem, jaz,
e el ha tal sabor de os leer
que nunca noite nem dia ai faz,
e sabe d'arte de foder tam bem
que c'os seus liuros d'artes que cl tem
fod'el as mouras cada que lhi praz.
E mays vos contarey de seu saber
que com os liuros que ele tem faz,
manda-os ante sy todos trager
et pois que fode por eles assaz,
se mulher acha que o demo tem
assy a fode por arte et por sem
que saca d'eia a dinheiro, malvaz.
E com tod'esto aynda faz ai
com os liuros que tem, per boa fó,
se acha molher que aja mal
d'este fogo que de Sam Marçal é,
assy vae per foder encantar
que fodendo lhi faz bem semelhar
que é geada, ou neve, nom ai.
77
O que foy passar a serra
e nom quis servir a terra,
e ora en trauta guerra
que favoncia,
pois el agor'a tam muyf erra
maldito seia.
O que levou os dinheixos
e nom lroux'os cavaleyros,
ó por nom ir nos primeiros,
quefavopeia;
poys que veo com os postumeyros
maldito seia.
que filhou gram soldada,
e nunca fez cavalgada,
e por nom ir a Craada,
que favoneia,
se é ric'omem ou bsi mesnada,
maldito seia.
O que meteu na tajeyga
pouc'aver, é muyto meiga,
e por nom entrar na Veiga,
que favoneia
poys.ehús mol'é que,raanteyga
maldito seia.
78
Domingas Eanes ouve sa baralha
con hum genefe foy mal ferida,
en pêro foy ela y tan ardida
que ouve depois a vencer sen falha ;
e de pran venceu bom cavalleyro,
mais en pêro 6 x'el tan braceiro,
que ouve end'ela de ficar oolpada.
O golpe colheu por huna malha
da loriga que era desmentida,
e pesa-m'ende, porque essa ida
de prez que ouve, mais se deus me valha,
venceu ela, mais o cavalleyro
per sas armas ô per conter' arteyro
já sempr'end'èla será esmalada.
E aquel membro trouxe coroneite
de os companhões em toda esta guerra,
e de mais apreço que nunca erra
de dar gram golpe com sen en gazeile
e foy achar com costa juso,
e deu liri por en tal golpe desuso,
que já a chaga nunca vay çarrada.
E dizem muytos que husam tal preyfe
am que tal chaga já mais nunca cerra,
se com quanta lã a en esta terra
a escaentassem nem com o azeite,
pêro a chaga não vae contra juso
mais vay en redor como perafuso
e por en muyfba que^ fistulada.
79
Quem da guerra levou cavaleyros
e a sa terra foy guardar dineyros,
nom vem ai raayo!
Quem da guerra se foy com maldade
a sa terra, foy comprar enlade,
nom vem ai mayo.
O que da guerra se foy confemigo,
pêro nom veo quanda preito sigo
nom vem ai mayo.
O que tragia o pano de linho,
pêro nom veio polo Sara Martinho,
nom vem ai mayo.
que tragia o pendom a aqipilon,
EL BEY BOM DENIS
17
e vended'é sempre traiçom,
noai vem ai raayo.
O que tragia o pendom sen oyto,
e a sa gente nora dava para coyto,
nom vem ai mayo.
O que tragia o pendon ssem sete,
e cinta ancha e muy gram topete,
nom vem ai mayo.
que tragia o pendon, s' entenda
por quanfagora sey d'essa fazenda,
nom vem ai mayo.
que sse foy comendo dos murtinhos,
e a asa terra foy bever los vynhos,
nom vem ai mavo.
O que com medo fugiu da fronteyra,
pêro tragia pendon sem caldeyra,
nom vem ai mayo.
O que roubou os mouros malditos,
e a sa terra foy roubar cabritos,
nom vem ai mayo.
que da guerra sse foy con espanto
e a ssa terra foy armar manto,
nom vem ai mayo.
que da guerra se foy com gram medo,
contra sa terra espargendo tredo,
nom vem ai mayo.
O que tragia pendom de cadarço,
maçar nom veo no mez de março,
nom vem ai mayo.
O que da guerra foy por recaúdo,
maçar en Burgus fez pintar escudo,
nom vem ai mayo.
EL KEY DOM DEMS
80
Praz m'ha mi, senhor, de moirer,
e praz-m f ende por vosso mal,
ca sey que sentiredes qual
mingua vos poys ey de fazer;
ca no perde pouco senhor
quando perde tal servidor,
qual perdedes en me perder.
E com mha morfey eu prazer,
por que sey que vos farey tal
mingua, qual fez omè leal
o mays que podia seer
a quen ama poys morto for,
e fostes vos mui sabedor
deu por vós a tal mort' aver.
E pêro que ey de sofrer
a morte mui descomunal,
cõ mha mort' oy mays no mech'al,
por quanto vos quero dizer
ca meu serviç', e meu amor
será vos d'escusar peyor
que a mi. d 1 escusar viver.
E certo podedes saber
que poro ss'o meu tempo sal,
3
per mort' e no a ja hi ai
que me non quer'end'eu doer ;
por que a vós farey mayor
mingua que fez nostro senhor
de vassaT a senhor prender.
81
Oy mays quer' eu ja leixal o trobar,
e quero me desenparar d'amor,
e quer 1 ir algunha terra buscar
hu nuca possa seer sabedor
ela de mi, nè eu de mha senhor,
poys que lh'é, d'eu viver aqui, pesar,
Mays deus ! que grave cousa d'endurar,
qu' a mi será hir me d'u ela for,
ca sey mui bê que nunca poss' achar
nêhua cousa ond'aja sabor,
seno da morte, mays ar ey pavor
de m'ha non querer deus ta cedo dar.
Mays se fez deus a tã gran coita par,
com'é a de que serey sofredor,
quando m'agora ouver d'alongar
d'aquesla terra hu est a melhor
de quantas son, e de cujo teor
no se pode per dizer acabar.
82
Se oj'en vós a nenhum mal, senhor,
mal mi venha d^quel che pod'e vai,
se nõ que matades mi pecador
que vos servi sempr' e vos fui leal,
e serey ja sempr' en quant' eu viver,
e senhor, non vos venh' esto dizer
polo meu, mays por qu 7 a vós está mal.
Ga par deus mal vos per' está, senhor,
desy é cousa mui descomunal
de matardes mi, qu'eu merecedor
nuca vos foy de mort' e poys que ai
de mal nuca deus en vós quis poer,
por deus, senhor, nõ queirades fazer
en mi agora que vos este mal.
83
Que razon cuydades vós, mha senhor
dar a deus, quancT ant' el fordes, por mi
que matades, que vos non mereci
outro mal, seno se vos ey amor,
aquel mayor que vol 1 eu poss' aver,
ou que salva lhi cuydades fazer
da mha morte, poys per vós morto for ?
Ca na mha morte non a razon
boa que ant' el possades mostrar ;
desy non o er podedes enganar,
ca el sabe ben que de coraçon
vos eu am'e nunca vos errey,
e poren quen tal feyto faz bê sey,
qu'en deus nunca pod'achar perdon.
1*
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
Ga de pran deus no vos perdoará
a mha morte, ca el sabe mui ben
ca sempre foy meu saber e meu sen
en vos servir, er sabe mui ben,
que nunca vos mereci por que tal
morte por vós ouvesse, poren mal
vos será,' quand' ant' el formos a lá.
84
Quant' eu, fremosa mha senhor,
de vós receey aveer,
muyfer sey que non ey poder
de m'agora guardar que non
veja mays, tal confortey
que aquel dia morrerey
e perderey coytas d'amor.
E como quer que eu mayor
pesar no podesse veer,
de que entõ verey, prazer
ey ende, se deus mi perdon r ,
porque per morte perderey
aquel dia coyta que ey,
qual nuca fez nostro senhor.
E pêro ey ta gram pavof
d'aquel dia grave veer,
qual vos sol nõ posso dizer ;
conforfey no meu coraaon,
perque por morte sayrey
aquel dia do mal que ey
peyor da que deus fez peyoí.
85
Vós mi defendestes, senhoi*,
que nunca vos dissesse ren,
de quanto mal mi por vós ven;
mays fazede me sabedor
por deus, senhor, a quen diíey
quam muyto mal levey
por vós, senon a vós, senhor?
Ou a quen direy o meu mal,
se o eu a vós non disser,
poys calar me non m'é mester,
e dizer voro nõ m'er vai?
e poys tanto mal so(Tr'assy
se cõvosco nõ falar hi,
per quen saberedes meu mal?
Ou a quen direi o pesar
que mi vós fazedes sofrer,
se o a vós non for dizer
que podedes conselho dar?
e por en se deus vos perdon',
coyta d'este meu coraçon,
a quen direy o meu pesar?
86
Como me deus aguysou que vivesse
en gram coyta, senhor, des que vos \i !
ca logo m'el guisou que vos oy
falar, desy quis que cr conhecesse
o vosso ben, a que el non fez par,
e tod'aquesto m'el foy aguysar
en tal qu'eu nunca coyla perdesse.
E tod' esfel quis que eu padecesse
por muyto mal que me lh'eu mereci,
e de tal guisa se vingou de mi,
e cõ tod' esto non quis que morresse,
porque era meu ben de non durar
en tã gram coyta, né en tã gram pesar,
mays quis que to<f este mal eu sofresse.
Assy nõ er quis que m'eu percebesse
de tan gram meu mal, nen o entendi,
ante quis el que por viver assy,
e que gram coyta non mi falecesse,
que vos viss'eu, hu m'el fez desejar
des entõ morte, que mi non quer dar,
'mays que vivendo peyor atendesse.
87
Nunca deus fez tal coyta qual eu ey
con a rem do mundo que mays amey,
e desque a vi e am' e amarey;
n'outro dia quando a fui veer,
o demo lev'a rem que Ih^u faley,
de quaiUo lh'ante cuydara dizer.
Mays tanto que me d'anl'ela quitey,
do que ante cuydava me nembrey,
que nulha cousa ende non minguey;
mays quand' er quix tornar pola veer
a lh'o dizer, e me ben esforcey, *
de lh'o contar sol non ouv'y poder.
88
Da mha senhor que eu servi
sempr'e que mays c'a mi amey,
veed' amigos que tort' ey ;
que nunca tam gram torto vi,
ca pêro a sempre servi,
grand'é o mal que mha senhor
mi quer, mays quero lh'eu mayor
Mal que posso ; sei per gram bem
lhi querer mays c'a mi nem ai,
e sse aquesfé querer mal
esfé o que a mi aven
ca pêro lhi quero tal ben,
grande ó o mal que mha senhor
mi quer, mays quero lh'eu mayor
Mal que posso; se per servir,
e pela mays c'a mi amar,
se est' ó mal, a meu cuydar,
este mal non poss'eu parar;
ca pêro que a fui servir,
grand' é o mal que mha senhor
mi quer, mays quero llTeu mayor
Mal que poss 7 ; e pêro nozir
non mi devia desamor
c'al que no ben nõ a melhor.
EL EET DOM DENIS
19
89
En gran coyta, senhor,
que peyor que morfé,
vivo per boa fé
e polo voss'amor ;
esta coyta sofr' eu *
por vós, senhor, que eu
Vy polo meu gram mal,
e melhor mi será
de moirer por vós já ;
pêro se me deus non vai,
esta coyta sofr' eu
por vós, senhor, que eu
Polo meu gram mal vi,
e mavs mi vai morrer
ca tal coyta soflrer,
poys por meu mal assy
esta coyta sofr' eu
por vos senhor, que eu
Vy por gram mal de mi,
poys Iam coytad' and' eu.
90
Senhor, poys que m'agora deus guysou
que vos vejo, e vos posso falar,
quero vol' a mha fazenda mostrar,
que vejades como de vós estou ;
ven mi gram mal de vós, ay mha senhor!
en quen nunca pos mal nostro senhor.
E senhor, gradesc' a deus este ben,
que mi fez en mi vos fazer veer ;
e mha fazenda vos quero dizer
que vejades que mi de vós aven ;
ven mi gram mal de vós, ay mha senhor!
en quen nunca pos mal nostro senhor.
E non sey quando vos ar veerey
e por en vos quero dizer aqui
mha fazenda que vos sempre encobri,
que vejades o qu'eu de vós ey; •
ven mi gram mal de vós, ay mha senhor!
en quen nunca pos mal nostro senhor,
Ca non pos en vós mal nostro senhor
senon quant' a mi fazedes, senhor.
91
Poys mha ventura tal é ja,
que sodes tam poderosa
de mi, mha senhor fremosa,
por mesura que en vós a,
e por ben que vos estará,
poys de vós non ey nenhun ben,
de vos amar non vos pes en,
Senhor, e poys por ben non teedes>
que eu aja de vós grado
por quant 1 aflan ey levado
por vós, c' assy queredes
mha senhor fé que devedes
poys de vós non ey nenhun ben
de vos amar non vos pes en,
Senhor, e lume doestes olhos meos,
poys m'assy desenparades,
e que me grado non dades
como dam outros aos seos;
mha senhor, pelo amor de deos
poys de vós non ey nenhun ben,
de vos amar non vos pes en,
E, senhor, eu non perderey o sen,
e vós non perdedes hi ren.
92
Senhor, dizen vos por meu mal,
que non trobo con voss' amor,
mays c' amey de trobar sabor;
e non mi valha deus, nen ai,
se eu trobo por m'en pagar,
mays faz me voss' amor trobar.
E essa que vos vay dizer,
que trobo, porque me pagu'en,
e non por vós que quero ben,
mente, ca non veja prazer,
se eu trobo por m'en pagar,
mays faz me voss 1 amor trobar.
E pêro quem vos diz que nom
trobo por vós que sempre amey
mays o gram sabor que m^end^ey,
mente, ca deus nom mi perdon'
se eu trobo por m'en pagar,
mays faz-me voss' amor trobar.
93
Tan muyto mal mi fazedes, senhor,
e tanta coyta e afan levar
e tanto me vejo coytad' andar,
que nunca mi valha nostro senhor,
se ant' eu já non queria morrer,
e se mi non fosse mayor prazer.
En tã gram coyta vyv'a gram sazon
por vós, senhor, e levo tanto mal,
que vós non posso, nen sey dizer qual,
e por aquesto, deus non mi perdon',
se ant' eu já non queria morrer,
e se mi non fosse mayor prazer.
Tam muyt' é o mal que mi por vós ven,
e tanta coyta lev' e tant' affan,
que morrerei con tanto mal de pran ;
mays pêro, senhor, de vós non mi dó ben
se ant 1 eu já non queria morrer,
e se mi non fosse mayor prazer.
Ca mays meu ben é de morte sofrer
ante, c'a sempr' en tal coyta viver.
94
Grave vos é de que vos ey amor,
e par deos aquesto vej' eu muy ben,
mays em pêro direy vos hua ren
per boa fé, fremosa mha senhor,
20
CANCIONEffiO PORTUGUEZ DA VATICANA
se vos grav' é de vos eu ben querer,
grave est a ml; mays non poss' ai fazer.
Grave vos é, ben vej! eu qu' é assy,
de que vos amo mays c T a mi, nen ai,
e qu'est' é mha morte e meu mal,
mays por deus, senhor, que por meu mal vi,
se vos grav 1 é de vos eu ben querer,
grave est a mi, mays non poss 1 ai fazer.
Grave vos est assy, deus mi perdon',
que non poderia mays per boa fé
de que vos am' e sey qu' assy é ;
mays por deus, coyta do meu coraçon,
se vos grav' é de vos eu ben querer;
grave est a mi, mays non poss' ai fazer.
Pêro mays grave dev'i a mi de seer,
quanl' é morte mays grave c'a viver.
95
Poys que vos deus fez, mha senhor,
fazer do ben sempr' o melhor,
e vos en fez tam sabedor,
hunha verdade vos direy,
se mi valha nostro senhor,
erades boa pêra rey.
E poys sabedes entender
sempr'o melhor e escolher,
verdade vos quero dizer,
senhor, que servo e servirey,
poys vos deus a tal foy fazer,
erades boa pêra rey.
E poys vos deus nunca fez par
de bon sen, nen de ben falar,
nem fará jâ, a meu cuydar,
mha senhor, e quanto ben ey,
se o deus quisesse guysar,
erades boa pêra rey.
96
Senhor, des quando vos vi,
e que fui vosco falar,
sabed' agora per mi,
que tanto ftii desejar
vosso ben, e poys é assy
que pouco posso durar,
e moyro n^assy de chão,
por que mi fazedes mal,
e de vós non ar ey ai,
mha morte tenho na mão.
Ca tã muyto desejey
aver ben de vós, senhor,
que verdade vos direy,
se deus mi de voss' amor,
por quanfoj^eu creer sey
con cuydad' e con pavor
meu coraçon non é são,
porque mi fazedes mal,
e de vós non ar ey ai,
mha morte tenho na mão.
E venho vol' o dizer,
senhor do meu corason,
que possades entender
como prendi o cajon,
quando vos fui veer ;
e por aquesta razon
moyr' assy servind' en vão,
porque a mi fazedes mal,
e de vós non ar ey ai,
mha morte tenho na mão.
97
Hun tal home sey eu, ay ben talhada,
que por vós ten a sa morte chegada :
vedes quen é, e seed'en nenbrada;
eu, mha dona.
Ilun tal home sey que per consente
de ssy morte certamente ;
vedes quen é, venha vos en mente ;
eu, mha dona.
Ilun home sey, aquest' oyde,
que por vós morr', e vol o partide:
vedes quen é, non xe vos obride ;
eu, mha dona.
98
Pêro que eu muy long' estou
da mha senhor e do seu ben,
nunca me de deus o sseu ben,
pêro nf eu ca long' estou,
se non é o coraçon meu
mays perto d'ela, que o seu.
E pêro long' estou d'ali
d'u agora ó mha senhor,
non aja ben da mha senhor,
pêro m'eu long' estou d' ali,
^se non é o coraçon
*mays perto d'ela, que o seu.
É pêro longe do logar
estou, que non poss' ai fazer,
deus no mi dê o seu bê fazer,
pêro long 7 estou do logar,
se non é o coraçon meu
mays perto d'ela que o seu ;
Ca vezes ten en ai o seu,
e sempre sigo ten o meu.
99
Sempr' eu, mha senhor, desejey
mays que ai, e desejarey
vosso ben, que mui servid' ey
mays non cõ asperança
d'aver de vós ben, ca ben sey
que nunca de vós averey
senon mal e viltança.
Desej'eu mui mays d'outra ren
o que mi pequena prol ten,
EL BEY DOM DENIS
21
ca desej* aver vosso ben,
mays non cot) asperança
que aja do mal, que mi vcn
por vós né galardon por en
senon mal e viltança.
Desej' eu con muy gram razon
vosso ben, se deus mi perdon\
muy mays de quantas cousas son,
mays non con asperança
que sol coyde no coraçon
aver de vós por galardon
âenon mal e viltança,
100
Se eu podess' ora meu coraçon,
senhor, forçar e poder vos dizer
quanta coyla mi fazedes sofrer .
por vós, cuyd' eu, assy deus me perdon',
que averiades doo de mi.
Ca, senhor, pêro me fazedes mal,
e mi nunca quisestes fazer ben,
se soubessedes quanto mal mi ven
por vós, cuyd' eu, par deus que pod" e vai,
que averiades doo de mi.
E pêro nfhavedes gram desamor,
se soubessedes quanto mal levey,
e quanta coyla des que vos amey,
por vós cuyd' eu per boa fé, senhor,
que averiades doo de mi,
E mal seria se nõ foss' assy.
101
Ouanf a senhor, que meu de vos parti,
a tam muyta que nunca vi prazer,
nen pesar, e quero vos eu dizer
como prazer oen pesar senfy:
perdi o sen, e non poss' estremar
o ben do mal, nen prazer do pesar.
E des que m'eu, senhor, per boa fé
de vós parti, creed' agora ben,
que non vi prazer, nen pesar de ren,
e aquesto direy vos, por que:
perdi o sen, e non poss' estremar
o ben do mal, nen prazer do pesar.
Ca, mha senhor, ben des aquela vez
que nTeu de vós parti, no coraçon
nunca ar ouv' eu pesar des entoo,
nen prazer, e direy vos quen ofo fez :
perdi o sen, e non poss 1 estremar
o ben do mal, nen prazer do pesar.
102
Hunha pastor se queixava
muyt 1 estando n outro dia
e sigo medes falava,
e chorava e dizia
com amor que a forçava :
Par deus, vi Cen grave dia,
ay, amor!
Ela s'estava queixando,
como molher con gran coyla,
e que a pesar des quando
nacera non tora tloyta ;
por en dizia chorando :
Tu, non és senon mha coyta,
ay, amor !
Coytas lhi davan amores,
que non lh'eran senon morte,
e deytou se antre uas flores,
e disse con coyta forte :
Mal ti venga per hu fores,
ca non és senon mha morte,
ay, amor I
103
Ora vejo ben, mha senhor,
que nn non ten nen hunha prol
de no coraçon cuydar sol
de vós, senon que o peyor
que mi vós poderdes fazer
faredes a vosso poder.
Ca non atencTeu de vós ai,
nen er passa per coraçon,
se nostro senhor mi perdoo',
senon que aquel mayor mal
que mi vós poderdes fazer,
faredes a vosso poder.
E sol nõ mer eu en cuydar
de nunca de vós aver ben,
ca soo certo d'ua ren,
que o mays mal, e mays pesar
que mi vós poderdes fazer,
faredes a vosso poder ;
Ca deus vos deu end'o poder,
e o coraçom de m'o fazer.
104
Quen vos mui ben vysse, senhor,
con quaes olhos vos eu vi,
mui pequena sazon a hy ;
guysar lh'ia nostro senhor
que vyvess' en mui gram pesar,
guysandolh'o nostro senhor,
como m'a mi foy guysar.
E quen vos ben con estes meos
olhos visse, creede ben;
que se non perdess' anf o sen,
que ben lhi guysai ia deos
que vivess' em muy gram pesar,
se lh'o assy guysasse deos,
como m'a mi foy guysar.
E senhor, quen algua vez
com quaes olhos vos catey
vos catasse, per quanf eu sey,
guysar lh'ia quen vos tal fez
que vivess' em muy gram pesar,
22
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
guysando-llf o quen vos tal fez,
como nf a mi foy guysar.
105
- Nostro senhor, ajades bon grado
por quanto nfoje mha senhora falou;
e tod' esto foy por que sse cuydou
que andava d'outra namorado;
ca sey eu ben que mi non falara,
se de qual ben Hf eu quero cuydara.
Por que mi falou oj' esta dia,
ajades bon grado nostro senhor,
e tod' esto foy por que mha senhor
cuydou qu'eu por outra morria ;
ca sey eu ben, que me non falara,
se de qual ben llfeu quero cuydara.
Porque nfoje falou, aja deos
bon grado, mays doesto non fora ren,
senon porque mha senhor cuydou ben,
que d'oulra eran os desejos meos;
ca sey eu ben, que me non falara,
se de qual ben llfeu quero cuydara.
Ca tal é, que ante se matara
c'a mi falar, se o sol cuydara.
106
A mha senhor qu'eu por mal de mi
vi, e por mal d'aquestes olhos mcos,
e por quem muylas vezes maldezi
mi, e o mund' e muytas vezes deos;
desque a non vi, non er vi pesar
d'al, ca nunca me dal pude nembrar.
A que mi faz querer mal mi medes
e quanto amigos soya aver,
e desperar de deos, que mi pes,
pêro mi tod' este mal faz sofrer,
des que a non vi, non ar vi pesar
d'al, ca nunca me d'al pude nembrar.
A por que mi quer este coraçon
sayr de seu logar, e porque já
moyr' e perdi o sen, e a razon,
pêro nf este mal fez, e mays fará,
des que a non vi non ar vi pesar
d'al, ca nunca me d'al pude nembrar.
107
Poys que vos deos, amigo, quer guysar,
d'irdes a terra d'u é mha senhor,
rogo vos ora, que por qual amor
vos ey, lhi queirades tanto rogar,
que se doya já do meu mal.
E d'irdes hi tenlf eu que mi fará
deos gran ben, poyl a podedes veer,
e amigo punhad' en lhi dizer
poys tanto mal sofro grã sazon a,
que sse doya já do meu mal.
E poys que vos deos aguysa d'ir hi,
tentfeu que mi fez el hi mui gran ben,
e poys sabend'o mal que mi ven,
pedide lhi mercee por mi,
que se doya já do meu mal.
108
A tal estado nf hadusse, senhor,
o vosso ben, e vosso parecer,
que non vejo de mi, nen d'al prazer,
nen veerey já en quanfeu vivo for
bu non vyr vós, qu'eu por meu mal vi.
E queria mha mort', e non mi ven,
senhor, porque tamanho é o meu mal,
que non vejo prazer de mi, nen d'al,
nen veerey já, esto creede ben,
hu non vir vós, qif eu por meu mal vi.
E queria mha morte, e non mi ven,
senhor, porque tamanho 6 o meu mal,
que non vejo prazer de mi, nen d'al,
nen veerey já, esto creede ben,
hu non vir vós, qu'eu por meu mal vi.
E poys meu feylo, senhor, assy é,
queria já mha morte, poys que non
vejo de mi, nen d'al nulha sazon
prazer, nen veerey já per bona fé,
hu non vir vós, qu'eu por meu mal vi,
Poys non avedes mercee de mi.
109
O que vos nunca cuydey a dizer
con gran coyta, senhor, vol o direy,
porque me vejo já por vós morrer;
ca sabedes que nunca vos faley
de como me matava voss' amor ;
ca sabe deos ben que doutra senhor
qu'eu non avya mi vos chamey.
E tod'aquesto mi fez fazer
o mui gram medo qu'eu de vós ei,
e desy por vos dar a entender
que por outra morria, de que ey,
ben sabe deos, mui pequeno pavor,
e des oy mays, fremosa mha senhor,
se me matardes, ben vol o busquey.
E creedes que averey prazer
de me matardes, poys cu certo sey,
que esse pouco que ey de viver
que nenhú prazer nunca veerey ;
e porque sõo doesto sabedor,
se mi quizerdes dar morte, senhor,
por gran mercee voro terrey.
110
Que muy gran prazer, que eu ey, senhor,
quand'en vós cuyd' e non cuydo no mal
que mi fazedes ; mays direy vos qual
tenlf eu por gran maravilha, senhor,
de mi vir de vós mal, hu deos non
pos mal, de quantas en no mundo son.
EL RET DOM DENIS
23
E, senhor Cremosa, quando cuyd'eu
en vós, e non en o mal que mi ven
por vós, tod'aquel temp' eu ey de ben;
mays por ^ran maravilha pêro tenh' eu
de mi vir de vós mal, hu deos non
pos mal de quantas en no mundo son.
Ca senhor, mui gram prazer mi per é
quanden vós cuyd' e non ey de cuydar
en quanto mal mi fazedes levar ;
mays gram maravilha tenho eu que é,
de mi vir de vós mal, hu deos non
pos mal de quantas en no mundo son,
Ca par deus, semelha mui semrazon,
(Taver eu mal dhu deus non pos, non.
111
Senhor fremosa, non poss' eu osmar
que est aquel en que vos mereci
tam muyto mal, quam muyto vós a mi
fazedes, e venho vos perguntar
o porque é, ca non poss 1 entender,
se deus mi leixe de vos ben achar
en que vol' eu podesse merecer,
Se he senon porque vos sey amar
muy mays que os meus olhos, nen c'a mi,
e assy foy sempre des que vos vi;
pêro sabe deus qu' ey gram pesar
de vos amar, mays non poss' ai fazer,
e poren vós a quçn deus non fez par
non mi devedes y culpa poer.
Ca sabe deus que se m'end'eu quitar
podéra, des quant' a que vos servi,
muy de grado o fezera logu'y,
mays nunca pudi o coraç on forçar,
que vos gran ben non ouvess' a querer,
e poren non dev' eu alezerar,
senor, nen devo poren de morrer.
112
Non sey como me salv' a mha senhor,
se me deus anfos seus olhos levar;
ca par deuô non ey como m'a ssalvar,
que me non julgue por seu traedor;
poys camanho lemp' a que guareci,
seu mandado hir e a non vv.
E ssey eu mui ben no meu coraçon
o que mha senhor fremosa fará ;
depoys que anfela for julgar-m'a
por seu traedor com mui gram razon,
poys tamanho temp' a que guareci,
seu mandado ir e a non vy.
E poys tamanho foy o erro meu
que lhi flz torto tã descomunal,
se ma sa gram mesura non vai,
julgar m'a poren por traedor seu,
poys tamanho temp* a que guareci
seu mandado ir, e a non vy.
Se o juizo passar assy,
ay eu cativa que será de my !
113
Quix ben, amigus, e quer' e querrey
hunha molher que me quis, e quer mal,
e querrá; mays non vos direy eu qual
a molher; mays tanto vos direy,
quix ben, e quer r , e querrey tal mulher
que me quis mal sempre, querrá, e quer.
Quix e querrey e quero muy gran ben
a quen mi quis mal e quer, e querrá;
mays nunca home per ml saberá
quen é ; pêro direy vos huã ren,
quix ben e quer\ e querrey tal mulher,
que me quis mal sempre, querrá, e quer.
Quix e querrey, e quero ben querer
a quen me quis, e quer, per boa fé,
mal, e querrá ; mays non direy quen é;
mays pêro tanto vos quero dizer
quix ben e quer', e querrey tal mulher,
que me quis mal sempre, querrá, e quer.
114
Senhor, non vos pes, se me guysar deus
algunha vez se vos poder veer ;
ca ben creede que outro prazer
nunca veram estes olhos meos,
se non se mi vós fezessedes ben,
o que nunca será per nulha rem.
E non vos pes de vos veer, ca tan
cuytad' ando quequerria morrer,
se aos meos olhos podedes creer,
que outro prazer nunca <Tal veran,
se non se mi vós fezessedes ben,
o que nunca será per nulla rem.
E se vos vir, poys que já morr' assy
non devedes ende pesar aver;
mays meos olhos, vos poss' eu dizer,
que nom veeran prazer dal, nen de mi,
se non se mi vos fezessedes ben,
o que nunca será per nulla rem ;
Ca d'eu falar en mi fazerdes ben,
como falo, fap'i mingua de sen.
115
Senhor fremosa, e do mui loução
corapon, e querede vos doer
de mi peccador que vos sey querer
melhor c'a mi ; pêro soo cerlào,
que mi queredes peyor d'outra ren,
pêro, senhor, quero vos eu tal ben ;
Qual mayor poss' e o mays encoberto
que eu poss' e ssey de Brancha frol,
que lhi non ouve Flores tal amor,
qual vos eu ey ; e pêro sõo certão
que mi queredes peyor d'outra ren,
pêro, senhor, quero vos eu tal ben.
Qual mayor poss' e o mui namorado
Tristâ, sey ben que non amou Iseu,
quant' eu vos amo, esto certo-sey eu,
24
CANCIONEIRO PORTUGU1Z DA VATICANA
e co tocT esto sey, mao pecado,
que mi queredes peyor d'outra ren ;
pêro, senhor, quero vos eu tal ben
Qual mayor poss\ e to d' aquesto ven
a mi coytaxTe que perdi o sen.
116
voss' amigo tan de corapon
pom el en võs seus o!h09, e tã ben>
par deos, amiga, que non sey eu quen
veja, que noa entenda que non
pod el poderia ver d % aver praaer
• de nulha rem, senon de ^os veer»
E quando el ven hu vós sodes, razon
quer el catar que se encobra, e ten
que s*encobre, pêro nõ lhe vai ren;
ca nos seos olhos entende que non
pod'el poder aver d'aver prazer
de nulla ren, se non de vos veer.
E quen ben vir como el seos olhos pon
en vós, amiga, quando ante vós ven,
se noa for con muy gram mengua de seu
entender pode muy ben d'el que non,
pod' el poder aver d'aver prazer
de nulla ren, se non de vos veer.
117
Ora, senhor, non poss' eu jà
per nenhua guysa sofrer, *
que me non ajam d'entender
o qu'eu muyto receey,
ca m'entenderara que vos sey,
senhor, melhor c'a mi querer.
Esto receey eu muyfa,
mays esse vosso parecer
me faz assy o sen perder,
que des oy mays pêro m'é greu
entenderam que vos sey eu,
senhor, melhor c'a mi querer.
Vos veed' en como será
ca par deus non ei ja poder
que en mi non possa veer,
quen quer que me vyr des aqui,
que vos sey eu por mal de mi
senhor melhor c'a mi querer.
118
Senhor, oj' ouvess' eu vagar
e deus me dess' end' o poder,
que vos eu podesse contar
o gram mal que mi faz sofrer
esse vosso bom parecer,
senhor a quê el non fez par.
Ca se vos podess'y falar
cuydaria rauyf a perder
da gram coyta, e do pesar
com que m'oje cu veio morrer;
ca me non pode scaecer
esta coyta que non a par.
Ca me vos fez deus tanfaraar,
er fèz vos tam muyto^valer,
que non poss'oje en mi osmar,
senhor, como possa viver ;
poys me non queredes tolher
esta coyta que non a par.
119
Que soydade de mha senhor ey !
quando ne nembra (Tela qual vi,
e que me nembra que ben a oy
falar, e por quanto Jben d 'ela sey,
rog'eu a deus que end'a o poder
que m'a leixe, se Ihi prouguer, veer
Cedo ; ca pêro mi nunca faz ben,
se a non vir non me posso guardar
de ssandecer ou morrer con pesar ;
e porque el a tod' en poder ten,
rog'eu a deus que end'a o poder
que m'a leixe, se lhi prouguer, veer
Cedo; ca tal a fez nostro senhor
de quantas outras no mundo son
non lhi fez par, a la minha fé non,
e poyl a fez das melhores melhor,
rog'eu a deus que end'a o poder,
que m'a leixe, se lhi prouguer, veer
Cedo, ca tal a quis deus fazer,
que se a non vyr, non posso viver.
120
Pêro eu dizer quyzesse,
creo que non saberia
dizer, nen er poderia,
per poder que eu ouvesse,
a coyta que o coytado
sofre que é namorado,
nen er sey quen ra'o creysse,
Senon aquel a quen desse
a mór coita todavia
qual a mi dá noyt' e dia:
este cuydo que tevesse
que dig'eu muyf aguysado,
ca outr'omero non é nado
que esto creer podesse.
E poren quen ben soubesse
esta coyta ben diria,
e sol non duvydaria
que coyta que deus fezesse,
nen outro mal afficado
non fez tal, nen é pensado
d'omem que lhi par posesse.
121
Ây, senhor fremosa, por deus,
e por quam boa vos el fez,
El EEY DOM DENIS
25
doede vos algunha vez
de mi, e (Testes olhos meus,
que vos viron por mal de ssy,
quando vos viron, e por mi.
E porque vos fez deus melhor
de quantas fez, e mays valer,
querede vos de mi doer,
e doestes meus olhos, senhor,
que vus viron por mal de ssy,
quando vos viron, e por my.
E porque o ai non é ren,
senon o ben que vos deus deu,
querede vos doer do meu
mal e dos meus olhos, meu ben,
que vos viron por mal de ssy,
quando vos viron, e por my.
122
Senhor fremosa, por qual vos deus fez >
e por quanto ben en vós quis poer,
se nf agora quizessedes dizer
o que vos já preguntey outra vez,
tenho que mi fariades gram ben
de mi dizerdes quanto mal mi ven
per vós, se vos esfé loor ou prez.
Ga se vos fosse ou prez ou loor
de me matardes, seria razon,
e non diria eu por ende non;
mays da tanto seede sabedor
que nenhu prez, nen loor non vos é,
anferrades muyto, per boa fé,
de me matardes, fremosa mha senhor.
E saben quantos saben vós e mi
que nunca cousa, como vó9, amey,
desi saben que nunca vos errey,
er saben que sempre vos servi
o melhor que pude, e soub'y cuydar,
e poren fazedes de me matar
mal, poys voreu, senhor, non mereci.
123
Qucr'eu en maneyra de proençal
fazer agora um cantar d 'amor,
e querrey rauyfi loar mha senhor,
a quen prez, nen fremusura non fal,
nen bondade, e mays vos direy en
tanto a fez deus conprida de ben
que mays que todas las do mundo vai.
Ca mha senhor quiso deus fazer tal,
quando a fez, que a fez sabedor
de todo ben, e de mui gram valor,
e con tod'est' é muy comunal
aly hu deve; er deu Ihi bon sen,
c desy non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra fossMgual.
Ca en mha senhor nunca deus pos mal,
mays pos hi prez e beldad'e loor,
e falar mui ben, e riir melhor
4
que outra molher, desy é leal
muyf, e por esto non sey oj'eu quen
possa conpridamente no seu ben
falar, ca non a, trai o seu ben, ai.
124
Mesura seria, senhor,
de vos amercear de mi,
que vos en grave dia vi,
e en muy grave voss'amor;
tan grav'é, que non ey poder
d'aquesta coyta mays sofrer,
de que muyfa fui sofredor.
Pêro sabe nostro senhor
que nunca voreu mereci,
mays sabe ben, que vos servi
des que vos vi sempre melhor
que nunca pudi fazer,
poren querede vos doer
de mi coytado pecador.
Mays deus, que de lod'é senhor,
me queira poer conselh'hi,
ca se meu feyto vay assy,
e m' el non for avidador
contra vós, qu'el fez valer
mays de quantas fezo nacer,
moyr'eu, mays non merecedor,
Pêro se eu ey de morrer,
sen vol'o nunca merecer,
non vos vej'i prez, nen loor.
125
Que estranho quo m'he, senhor,
e que gram coyta d'endurar,
quando cuyd'en mi, de nembrar
de quanto mal fui sofredor,
des aquel dia que vos vi
e tod'este mal eu sofri
por vós, e polo voss'amor.
Ca des aquel tenpo, senhor,
que vos vi, e oy falar,
non perdi coytas e pesar,
nen mal non podia mayor,
e aqueslo passou assy,
e tod'este mal eu sofri
por vós, e polo voss'amor.
E poren seria, senhor,
gram ben de vos amercear
de mi que ey coyta sen par,
de qual vós sodes sabedor,
que passou, e passa per mi ;
e Iodaste mal eu sofri
por vós, e polo voss^mor.
126
Senhor, cuytad'é.o meu corapon
por vós, e moyro se deus mi pardon*
26
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YAÍICAÍÍ A
porque, sabede que des que enton
vos vi, desy
nunca coyta perdi.
Tanto m'é coyta e trax'i mal amor
que me mata; seed en sabedor,
e tod'aquesto é des que, senhor j
vos vi ; desy
nunca coyta perdi*
Ca de mi matar amor non m'é greu,
e tanto mal sofro já en poder seu
e tocTaquesto, senhor, des quand'eú
vos vi ; desy
nunca coyta perdi;
127
ffoeiiçaes soên miiy ben trobai^
e dizen eles^ que é con amor ;
mays os que trobam nò tempo da frolj
e non en outro, sey eu ben cpie noti
am tam grã coytá no seu coraçoh,
qual m'eu por mha senhor vejo levar;
Pêro que troban e saben loar
sas senhores o mays e o melhor
que eles pddèn, soo sabedor,
que os que troban qtiancTa frol sazdri
a, e noh ante, &è deus mi perdon 1 ,
non am tal coyta qual eu ey sen paf .
Ca Os tjue troban, è que s^alegrai 1
van en o tempo que ten' a color
a frol consigu'e tanto que se for
aqUel tempo, logo en trobar razori
non afl, nen viven en qual perdiçô
oj'eu vyvd que poys ma de matai"*
1Ô8
*
Pfegiinlaí vos quero por deúsj
senhor fremosa. que vos fez
mesurada e de bon prez,
que pecados foron os meus,
que nunca te vestes por ben
de nunca mi fazerdes ben.
Pêro sedprc vos soub^mar^
des aquel dia que vos vi,
mays que os meus olhos en mi }
e assy o quis deus guysar,
que nunca tevestes por ben
de nunca mi fazerdes ben.
Des que vos vi, senpfo mayor
ben, que vos podia querer,
vos quigi, a todo meu poder;
e pêro quis nostro senhor
que nunca tevestes por ben
de nunca mi fazerdes ben ;
Mays, senhor, a vida cõ ben
se cobraria ben por ben.
129
De múytas coytas 5 senhor^ que levey
des qile vos soub'i muy gran ben querer^
par deus non poss'oj'eu mi escolher
end'a mayor ; mays per quanfeu passey
de mal en mal, e peyor de peyor,
non sey qual é mayor coyta, senhor»
Tantas coytas levey e padeci
des que vos vi, que non poss'i osmar
end'a mayor, tantas foron sen par;
mays de lodesto que passou por mi
de mal en mal, e peyor de peyor
non sey qual é mayor coyta, senhor*
Tantas coytas passey dei a sazon
que vos eu vi, per bona fé*,
que floh poss'osmar a mayor qual é ;
mays das que passey, se deus me perdott^
de mal en mal, e peyor de peyor
non sey qual é mayor coyta, senhor.
130
Nbstro. senhor, se averey guysadú
de mha senhor mui fremosa veer
que mi nunca fez nenhun prazer
e de que nunca cuyd'aver nen bon grado;
pêro filhar lh'ia por galardon
de a veer, se soubesse que non
libera tan grave, deus fossen loado.
Ca mui grã tenpa que ando coitado
se eu podéase pola hir veer>
ca depois non me podescaccer
qual eu vi hu ouv'i deus irado*,
ca verdadeyramente des enton
non trago mig'aqueste corapon>
nen er sey de mi parte, nen mandado»
Ca me ten seu amor tan aficado,
des que sse non guysou de a veer,
que non ey en mi farpa, nen poder,
hon dormho ren, nen ey en mi recado ;
e porque viv'en lã grã perdipon
que mi dê morte, peçfa deus perdon,
e perderey meu mal e meu cuydado.
131
Senhor, poys me non queredes
fazer ben, nen o teedes
per guysado,
deus seja por en lo^do ;
mays poys vós mui ben sabedes
ô torto que mi fazedes,
gram pecado
avedes de mi cojtado.
E poys que vos non doedes
de mi, e sol non avedes
. en coydado,
EL REY DOM DENIS
27
en grave dia fui nado ;
jnays por deus, senhor, seeredes*
de mi pecador, ca vedes
mui doado
jnoyr' e de vós non ey grado.
K poys mentes noa metedes
qq meu mal, neo çarregedes
o estado
a que m'avedes chegado,
de me matardes fa redes
meu ben, poys m'assy tragede*
estranhado
do ben que ei desejado.
E senhor, 6ol non pensedeq
que pêro mi morte dedes,
agravado
oi)d'eu seya mays pagado,
132
Que grave coyta, seilhor, ô
a quen sempr'a desejar
o vosso ben que non a par,
com'eu fap\ e per boa fé{
se eu a deus mal mereci,
ben sse vinga per vós en mi.
Tal coyta mi dá vos^amor,
e faz me levar tan[o mal,
que esto iné coylq, mortal
de sofrer, e poren, senhor,
se eu a deus mal mereci,
ben se vinga por vós çn mi,
Tal coyta sofr'a gram sazoq
e tanto mal, e tanfafam,
que par de morte m'é de pram j
e, senhor, por esta razpn
se eu a deus mal mereci,
ben se vinga per yós en mi. „
E quer se deus vingar assy,
como lhi praz, per vós en mi.
133
De mi fozerdes vós, senhor,
ben ou mal, tod' est' en vós é,
e sofrer me per boa fé
o mal ; ca o ben, sabedor
sOo que o non ey d'aver ;
mays que gram coylade sofrer
quem é coytade pecador.
Ca no mal, senhor, vyv'oj'eu
que de vós ey; mays nulha ren
non atendo de vosso ben,
e cuydo senpre no mal meu
que pass\ e que ei de passar,
com'aver senpra desejar
o muy gran ben que vos deus deu.
E poys que eu, senhor, sofri,
e sofro por vós tanto mal,
e que de vós non atend'al.
en que grave dia naci !
que eu de vós por galardon
non ey d'aver se coyta non
que seppr ouv'i des que vos vi,
134
Assy me trax coytado
e aflcad'amor,
e tan atormentado,
que se nostro senhor
a mha senhor non met' en cor,
que se de mi doa d'anior,
ca averey prazer e sabor.
Ca vyv' en tal cuydado
com' é quen sofre dor,
e de mal aflicado
que non pode mayor ;
se mi non vai a que en forte
ponto vi, ca ja da morte
ey prazer, e nenhun pavor.
E faço mui guysado,
poys soo servidor
da que mi non dà grado,
querendo lh'eu melhor
c'a nji, nen ai, por en
confort' eu non ey ja, se nen
da uiqtV ende sõo desejador.
135
gram uic'e o gram sabor,
e o gram conforto que ey,
é porque ben entender sey
que o gr^m ben de mha senhor
non querrç djeíis que err' en mi
que a senpr' amey e servi,
e lhi quero c'a min melhor.
Esto iqe faz alegr'andar
e mi dá conforme prazer,
cuydand'en como poss^ver
ben d 'aqiiela que non a par;
e deus que lhi fez tanto ben
non querrá que o seu bon sen
err'jen mi, quanfé meu cuydar,
E por end'ey no coraçon
mui grã prazer ; tal a fez
deus que lhi deo sen e o bon prez
sobre quantas no mundo son,
que non querrá que o bon sen
err'en mi, mays dar m'ha, cuyd'en
d'ela ben, e bon galardon.
136
Senhor, que de grad'oj'eu querria,
se a deus e a vós prouguesse,
que hu vós estades estevesse
con vosqu'e por esto me terria
por tan ben andante,
28
CANCIONEERO POBTUGUEZ DA VATICANA
que por rey, nen iffante
dcs ali adeante
non me canbharia.
E sapendo que vos prazeria,
que hu vós morassedés morasse,
e que vos eu viss'e vos falasse,
terria me, senhor, todavya
por tan ben andante
que por rey nen iffante
des ali adiante
non me canbharia.
Ca, senhor, en gran ben vyveria,
se hu vós vivessedes vivesse,
e ssol que de vós esf entendesse
terrya men razon, faria
por tan ben andante
que por rey, nen iffante
des ali adiante
non me canbharia.
137
Rnnha pastor ben talhada
cuydava en seu amigo,
estava, ben vos digo
per quanfeu vi, mui coytada ;
e diss' : Oy mays no é nada
de fiar per namorado
nunca molher namorada,
poys que m'ho meu a errado.
Ela tragia na mão
hu papagay mui fremoso
cantando mui saboroso
ca entrava o verão,
e diss' : Amigo loução
que faria por amores
poys marrastes lã en vão,
e ca eu antr'unhas flores.
Huna grã peça do dia
jouv'ali, que non falava,
e a vezes acordava,
e a vezes esmorecia,
e diss' : Ay ! santa Maria,
que será de mi agora 1
e o papagay dizia :
ben, per quanfeu sey, senhora.
Se me queredes dar guarida,
diss'a pastor, di verdade,
papagay, por caridade,
ca morte me est a vida;
diss'el : Senhor conprida
de ben, e non vos queixedes ;
ca o que vos a servida,
ergued'olho, e veeloedes.
138
Senhor fremosa, poys no coraçon
nunca posesles de mi fazer ben,
nen mi dar grado do mal que mi ven
por vós, se quer teede por razon,
senhor fremosa, de vos non pesar
de vos veer, se mho deus guysar.
Poys vos nunca no coraçon entrou
de mi fazerdes, senhor, senon mal,
nen ar atendo ja mays de vós ai,
teede por ben, poys assy passou,
senhor fremosa, de vos non pesar
de vos veer, se m*ho deus guysar.
Poys que vos nunca doeste de mi,
er sabedes quanta coyta pássey
por vós, e quanto mal lev' e levey,
teède por ben, poys que est* assy,
senhor fremosa, de vos non pesar
de vos veer, se mho deus guysar.
E assy me poderedes guardar,
senhor, sen vos mal estar.
139
Nunca vos ousey a dizer
o gram ben que vos sey querer,
senhor d'este meu coraçon ;
mays a que m'en vossa prison
de que vos praz de mi fazer.
Niinca vos dixi nulha ren
de quanto mal mi por vós ven,
senhor d'este rneu coraçon,
mays a q m'è vossa prison
de mi fazerdes mal ou ben.
Nunca vos ousei a contar,
mal que mi fazedes levar,
senhor d'este meu coraçon,
mays a que m'é vossa prison
de me guarir ou me matar.
E senhor, coyta e ai non
me forçou de vos hir falar.
140
Non me podedes vós, senhor,
partir d'este meu coraçon
graves coytas, mays sey que non
mi poderiades tolher
per bona fé nenhun prazer,
ca nunca o eu pud'aver,
desque vos eu non vi, senhor.
Podedes mi partir gran mal,
e graves coytas que eu ey
por vós, mha senhor, mays ben sei,
que me non podedes por ren
tolher prazer, nen hu ben,
poys end'eu nada no ouv'en
desque vos vi, non vi senon mal.
Graves coitas, e grand'afan
mi podedes se vos prouguer
parar mui ben, senhor, mays er
sei que non podedes tolher
e que em mi non a prazer
desque vos non pudy veer,
mays que gran coit' e grand' afan.
EL RET DOM BENIS
29
141
Poys ante vós estou aqui
senhor d'este meu corapon
por deus teede por razon,
por quanto mal por vos sofri,
de vos querer de mi doer,
ou de me leixardes morrer.
E poys do mal qu'eu levei
muyfa vós sodes sabedor,
teede ja por ben, senhor,
por deus, poys tanto mal passey,
de vos querer de mi doer,
ou de me leixardes morrer.
E poys que viv'en coyta tal,
per que o dormir e o sen
perdi, teêde ja por ben,
senhor, poys tanfó o meu mal,
de vos querer de mi doer
ou de me quererdes valer.
142
Senhor, que mal vos nembrades
de quanto mal por vós levey
e levo, ben o creades,
que par dfeus ja poder non ey
de lan grave coyta sofrer;
niays deus vos leixe parfaver
da mui gran coyta que mi dades.
E sse deus quizer que ajades
parte de minha coyta, ben sey
pêro m'ora desamades,
logu'enton amado serei
de vós, e podedes sabor
qual coyta é de padecer
aquesla, de que me matades.
E, senhor, certa sejades,
que des enlõ non temerey
coyta que mi dar possades,
e tod'o meu sen cobrarey
que mi vós fazedes perder,
e vós cobrades conhocer
tanto que m'algun ben façades.
143
Amor, en que grave dia vos vi,
poys que lan muyfa que eu servi
jamays nunca sse quis doer de mi
e poys me Iodaste mal per vós ven,
mha senhor, aja ben, poys esl' assy,
e vós ajades mal e nunca ben.
En grave dia que vos vi, amor,
poys a de quen senpre foy servidor,
me fez et faz cada dia peyor;
e poys ey por vós tal coyta mortal,
faça deus sempre ben a mha senhor,
e vós, amor, ajades lodo o mal.
Pois da mays fremosa de quantas soa
non pud'aver se coita non,
e por vós vyv'eu en tal perdipon,
que nunca dormen estes olhos meus,
mha senhor, aja ben per tal razon,
e vós, amor, ajade mal de deus.
144
Que prafcer avedes, senhor,
de mi fazerdes mal por ben,
que vos quig* e quer', e poren
peç.'eu tanfa nostro senhor,
que vos imuTesse coraçon,
que m'havedes lan sen razon.
Prazer avedes do meu mal,
pêro vos amo mais c'a mi,
e poren peç'a deus assy
que sabe quanfé o meu mal,
que vos mud'esse coraçon,
que m'havedes tan sen razon.
Muytó vos praz do mal que ey,
lume d'aquestes olhos meus,
e por esto peç'eu a deus,
que sab'a coyta que eu ey,
que vos mudasse coraçon,
que m'havedes tan sen razon;
E sse vol o mudar, enton
poss ? eu viver, senon, non.
145
Senhor, que ben parecedes,
se mi contra vós valesse
deus, que vos fez, e quisesse
do mal, que mi fazedes
mi fazessedes enmenda,
e vedes, senhor quejanda,
que vos viss'e vos prouguesse.
Ben parecedes sen falha,
que nunca vyu bomem tanto
por meu mal e meu quebranto :
mays, senhor, que deus vos valha,
por quanto mal ey levado
por vós, ajá eu por grado
veer vos si quer ja quanto.
Da vossa gram frem usura
ond'eu, senhor, atendia
grã ben, e grand'alegria,
mi ven gram mal sen mesura:
e poys ei coyta sobeja,
praza vos ja que vos veja
no ano hua vez d'ú dia.
146
Senhor fremosa, vejo vos queixar
porque vos anT, e no meu corafon
30
CANCIONEIRO POHTUGUEZ DA VATICANA
ey muy gram pesar, se deus mi perdon\
porque vej' end'a vós aver pesar,
e queria m'en de grado quytar,
mays noa posso forçar o coraçon
Que mi forçou meu saber e meu sen
c|esi meteu me no vosso poder,
e do pesar que vos eu vej' aver
par deus, senhor, a mi pesa muyt l enj
e partir m'ia do vos querer ben
mays tolhe m^end 1 o coraçon poder.
Que me forçou de tal guisa, senhei^
que seu, nen força non ey ja dç mi,
ç do pesar que vos tomades hy
tornou pesar, que non posso mayor x
e queria non vos aver amor,
jnays o. coraçon pode mays ca mi.
147
Amor fez a ml amar
gran temp' a hunha rnolher
que meu mal quis sempre que^
e me quis e quer matar ;
e ben o pode acabar,
poys endV poder ouver,*
mays deus, que sab'a sobeja
coyta que nTela dá, veja
como vyvo tan coytado,
el mi ponha hy recado.
Tal molher mi fez amor
amar, que ben des eplQn
non mi deu se coyta non,
e do mal serppr'o peyor;
por end'a nostro senfior
rogu^u mui de coraçon,
qu^lmajud^en a tan forte
coyta, que par m'é de morto,
e ao grã mal sobejo,
com que m'oj eu morrer uejQ,
A mi fez gram ben querer
amor húa molher tal,
que senpre quis o meu mal,
e a quen praz d*eu morrer;
e poys que o quer fazer,
non poss' eu fazer hi ai ;
mays deus que sab' o gram torto
que mi ten, mi dé cõhorto
a este mal sen mesura,
que tanto comigo dura.
Amor fez a mi gran ben
querer tal molher, ond' ei
senpre mal, e averey:
ca en tal coyta me ten,
que non ey eu força, nen sen :
poren rogu' e rogarey
a deus, que sabe que vivo
en tal mal, e tan esquivo,
que me queira dar guarida
de mort\ ou de melhor vida.
148
Punh'eu, senhor, quanto poss'eu quyt j
d'en vós cqydar este meu coraçon,
que cuydq. sempr'en qual vos vi, mays noa
poss'eu ppr ren, nen mi, nen el forçar,
que non cuyde senpr'en qual vos eu yi j
e por esto non sey oj'eu de mi
que faça, nen me sey conselho dar.
Non pudi nunca partir de chorar
estes meus olhos ben dei a sazon
que vos viro, senhor, ca des enlon,
quis deus assy que vol hi foy mostrar,
que non podess' o coraçon desy
partir d'en vós cuydar, e vyv' assy
sofrendo coyta tal, que non a par.
E mha senhor, hu senpr'ey de cuydai
no maypr ben dos que ijo jnundo soa
qual est' o vosso, ey muy gram razon ;
poys nop poss' end' p coraçon tirar
de viver en cara anho mal vivi,
desque vos eu por meu mal conhoci,
e d'aypr sempr'a iuort' a desejar.
149
De mi valerdes seria, senhor,
mesura, por qujapt a que vos seryr,
mays poys vos praz de non seer assy,
e do mal ey de vós sempr' o peypr,
veecTora se seria melhor,
como vo$ praz de me leixar morrer,
de vos prazer de mi querer yaler.
De mi valerdes, senhor, nulha ren
non errades, poys vos sei tanfamar
como yos am\ e poys yos é pesar
e sofreu mal de que moyf e poren
veed' agora se seria ben,
como vos praz dp mi leixar morrer,
de vos prazer de mi querer valer.
De mi valerdes pra mui mester,
porque perco quanto vos direy
o corpo e deus, e nunca vo6 errey,
e pêro praz vos do meu mal mays, er
veedes se é ben, e se vos prouguer,
como vos praz de mi leixar morrer,
de vos prazer de mi querer valer.
De mi valerdes, deus non mi perdon',
se vós perdedes do vosso bon prez,
poys vos tant' am ? e por deus que vos fez
valer mays de quantas no mundo son,
ved' agora se é razon
como vos praz de mi leixar morrer,
de vos prazer de mi querer valer.
E poys, senhor, en vós é o poder,
par dçus quered* o melhor escolher.
150
Vy oj' eu cantar d'amor
en hu fremoso virgeu,
Èt fcEY BOÍÍ DENIâ
M
hunha fremosa pastor 1
que ao parecer seu
ja mays nunca Ihi par vi}
e poren dixi Ih' assy :
Senhor por vosso vou eu.
Tornou sanhudà enton }
quando nfest' oyu dizer,
e diss' : Ide vos varon ;
quen vos foy aqui trager,
para mordes d'estorvaf
du dig'aqueste Cantar
que fez quen sey ben querer ?
Poys que me mandades bir^
dixi Ih^eu* senhor* hir m'ey ;
mays ja vos ei de servir,
sempre por voss' andarey ;
ca vóS3' amor me forçou
assy> qiie por vosso Voii,
cujo senpr 1 eu já serey*
Diz ela : Non vos len prol
esso qiie dizedeá, neh
mi praz de o oyr, sol
ant' ey nòj' e pesar efy
ca tneu coraçon non ó$
nen será per boa fé,
senon no Quero ben.
Nen o meti, difci lh'eii jâ 4
senhor, non se pattirà
de vós, por cujo s'el ten.
O meu, diss* ela, será,
hu foy sempre, hú está,
e de vós non curo rem
151
Quand'eu ben meto feraençá
en qual vos vej* e Vos vi
des que vos eu conhoci,
deus que non mente mi rhençá^
senhor, se oj ? eu sey ben
que scmelh* o voss'en ren.
Quand'eti a beldade vossa
vejo, que vi por meu mal$
deus qtTa coytados vai
a mi nunca ualer possa,
senhor, se oj' eu sey ben
que semelh'0 voss'en renj
E quen o assy non ten^
non vos vyu, on non a sen 4
152
Senhor, aquel que sempre sofre mal,
mentre mal a, non sabe que 6 ben,
e o que sofre ben sempre' outro tal,
do mal non pode saber nulha ren ;
pêro en querede poys que eu, senhor,
por vós fui sempre de mal sofredor,
que algun tempo sabha que é ben.
Ca o bôfy senhor, hon póss*eii sabétf
senon pet* vós, per quen eu o mal seij
desy o mal non o posso perdei*
se per vós non, e poyl b ben non ey
queredWa, senhor, qual por deus jâ
que eri vós pos quanto btín no miind'à)
que o ben sabha, poys que non sey.
Ca se non souber algua sazoii
o ben per vós, per quen eil mal sbfri>
non tenh'eu ja hy se morte non,
e vos perdedes mesura en mi;
poren querede por deus que vos deú
ta mtiyto ben, que per vós sabha eu
o ben, senhor > por quanto mal sofri;
Í53
âetihói', eh tan graue diá,
vos vi, que non poderia
mays, e por sfchta Maria
que vos fes tan mesurada^
doede vos algu dia
de mi, senhor beú talhada.
Poys sempre a en uós mesuffy
e todo ben e cordHra,
que deus fez en vós feytura
qual úon fez eii mulher nada,
doede-vos por mesúrà
de mi, senhor ben talhada.
E por deus, senhor, tomado
mesura por grarò bondade
que vós el deu, e catade
qual vida vy vo coytadà,
e algu doo tomade
de mii, senhor ben talhada*
Í54
Pór de\te, senhor, póys per \ v òs non ficou
de mi fazer ben, e ficou per mi,
têede por ben, póys assy passou,
en galardon de quanto vos servi
de mi teer puridade, senhor,
e eu a vós, ca cst' ó o melhor.
Non ficou per vóâ de mi fazerdes ben,
e de deus ajades bon galardon,
mays a minha mingua foi grand', e poren
por mercee tõedô por razon
de me teer puridade, senhor,
eclia vóà, ca esf ó o melhor.
Sempre vos doesto bon grado darey,
mays eu minguVy cn loor e en prez
como deus quis, mays assy passou
praza vós, senhor, por qual vos el fez
de me teer puridade, senhor,
e èu a vós, ca est' é o melhor.
Canon tiro eu, nen vós prez, nen loor
d'aqueste preyto se sabudo for.
32
CANCIONEffiO PORTUGTJEZ DA VATICANA
155
Senhor, eu vyvo coytada
vida, des quando vos non vi ; .
mays poys vós queredes assy>
por deus, senhor ben talhada,
querede vos de mi doer,
ou ar leixade ra'ir morrer.
Por deus, mha senhor fremosa,
vos sodes tan poderosa
de mi, que meu mal e meu ben
en vós é tod'e poren
querede vos de mi doer
ou ar leixade m'ir morrer.
Eu vyvo por vós tal vida,
que nunca estes olhos meus
dorme, mha senhor, e por deus
que vos fez de ben conprida,
querede vos de mi doer
ou ar leixade m'ir morrer;
Ca, senhor, todo m'é prazer
quanfi vos quiserdes fazer.
Em esta flblha adeante sse começa as
CANTIGAS D' AMIGO que o muy respeitable
Dom Denis de Portugal fex.
I5fl
Ben entendi, meu amigo,
que mui grara pesar ouvestes
quando falar non podestes
vós n'outro dia comigo ;
mays certo seed', amigo,
que non foy o vosso pesar,
que s'ao meu podess'iguar.
Mui ben soub'eu por verdade
que erades tan cuytado
que non avya recado ;
mays, amigo, a cá tornade,
sabede ben por verdade,
que non foy o vosso pesar,
que s'ao meu podess'iguar.
Ben soub', amigo, por certo
que o pesar d'aquel dia
vosso que par non avya,
mays pêro foy encuberto;
e poren seede certo
que non foy o vosso pesar,
que s'ao meu podess'iguar;
Ca o meu non se pod' osmar,
nen eu non o pudi negar.
157
Amiga, muyfa gram sazon
que se foy d'aqui cõ el rcy
meu amigo ; mays ja cuydey
mil vezes no meu coraçon
que algur morreu com pesar,
poys non tornou migo falar.
Porque tarda tan muyto lá,
e nunca me tornou veer,
amiga, si veja prazer,
mays de mil vezes cuydei já
que algur morreu con pesar,
poys non tornou migo falar.
Amiga, o coraçon seu
era de tornar ced' aqui
hu visse os meus olhos; en mi
e por en mil vezes cuyd'eu,
que algur morreo com pesar,
poys non tornou migo falar.
158
Que trisfoj' é meu amigo,
amiga, no seu coraçon,
ca non pode falar migo,
nen veer-m* ; e faz gram razon
meu amigo de trist' andar,
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar.
Trisfanda, se deus mi valha,
ca me non vyu e dereyfé
e por esto faz sen falha
mui gram razon per boa fé
meu amigo de trist 1 andar,
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar.
D'andar triste faz guisado,
ca o non vi, nen vio el mi,
nen er oyu meu mandado;
e poren faz grand dereyt' i
meu amigo de trist' andar,
poys m'el non vyr, e lh'eu nenbrar,
Mays, deus, como pode durar
que ja non moirco com pesar í
159
Dos que ora son na oste,
amiga, queria saber
se se verran tard' ou toste ;
por quanto vos quero dizer
porque é lá meu amigo.
Queria saber mandado
dos que a lá son, ca o non sey,
amiga, par deus de grado
por quanto vos ora direy
por que é lá meu amigo.
E queredes que vos diga,
se deus bon mandado mi dé,
queria saber, amiga,
d'eles novas, vedes por que ;
por que é lá meu amigo,
Ca por ai non vol o digo.
160
Que muyt' a ja que non vejo
mandado do meu amigo,
EL RET DOM DENIS
33
pêro, amiga, pos migo
ben aqui hu nTora sejo,
que logo menvyaria
mandado, ou s'ar tornaria.
Muyto mi tarda sçn falha
que non vejo seu mandado,
pêro ouve m'el jurado
ben aqui, se deus mi valha,
que logo m'envyaria
mandado ou s'ar tornaria. 9
E que vos verdade diga
el s'eve muyto chorando
er s'eve por mi jurando •
hu m'agora sej' amiga,
que logo m'envyaria
mandado, ou s'ar tornaria.
Mays poys non ven, nen envya
raandad 1 , é mort', ou mentia.
ltil
Chegou m'ora aqui recado,
amiga, do voss' amigo,
e aquel que falou migo
diz mi que é tan cuytado,
que por quanta press'avedes,
já o guarir non podedes.
Diz que oje tercer dia
ben lhi perfirades morte,
mays ouv' el coyta tan forte,
e tan coyta d' er jazia,
que por quanta press'avedes
já o guarir non podedes.
Con mal que lhy vós fezestes
jurou, mh'amiga fremosa,
que pêro vós poderosa
fostes d'el quanto quisestes,
que por quanta press'avedes
jà o guarir non podedes ;
E gran perda per fazedes
hu tal amigo perdedes.
162
O meu amig' , amiga, non quer' eu
que aja grã pesar, nem grã plazer,
e quer' eu este preyt 1 assy trager
com'a erro notando no feyto seu
ca o no quero guarir, nem o matar,
nen o quero de mi desasperar.
Ca se lh'eu amor mostrasse, ben sei
que lhi seria end'a tan grã ben,
que lh'aviam d'enteúder por en
qual ben mi quer, e poren esto farey,
ca o non quero guarir, nen o matar,
nen o quero de mi desasperar.
E se lhi mostrass 1 algun desamor,
non sse podia guardar de morte
tant 1 averia en coyta forte:
mays por eu non errar cnd' o melhor,
ca o non quero guarir, nen o matar,
nen o quero de mi desasperar,
E assi sse pode seu tempo passar,
quando con prazer, quando con pesar.
163
Amiga, bon grad' aja deus
do meu amigo que a mi ven,
mays podedes creer mui ben,
quando o viir dos olhos meus,
que possa aquel dia veer,
que nunca vi mayor prazer.
Ajades ende bon grado
porque o faz viir aqui,
mays podedes creer per mi,
quand' eu vir o namorado,
que possa aquel dia veer
que nunca vi mayor prazer.
164
Vós, que vos en vossos cantares, meu
amigo chamades, creede ben,
que non dou eu por tal enfinta ren ;
e por aquesto, senhor, vos mand'eu
que ben quanto quiserdes des aqui,
fazer façades enfinta de mi.
Ca demo lev'essa ren que eu der por
enfinta fazer, e mentir ai
de mi, ca me non monta ben, nen mal;
e por aquesto vos mand'eu, senhor,
que ben quanto quiserdes des aqui,
fazer façades enfinta de mi.
Ca mi non tolh'a mi ren, nen mi dà
de s'enflnger de mi mui sen razon
ao que eu nunca fiz se mal non ;
e poren, senhor, vos mand'ora ja
que ben quanto quiserdes desaqui
fazer façades enfinta de mi :
Estade com'estades de mi
e enfingede vos ben desaqui.
165
Roga m'oje, filha, o vosso'amigo
muyt' aficado, que vos rogasse,
que de vos amar non vos pesasse ;
e poren vos rogu' e vos castigo
que vos non pcs de vos el ben querer,
mays non vos mand'i, filha, mays fazer.
Eu nTestava en vós falando,
e m'esto que vos digo rogava,
doy me d'el, tã muyto chorava;
e poren, filha rogu' e mando,
que vos non pes de vos el ben querer ;
mays non vos mand' y, filha, mays fazer.
Ca de vos el amar de coraçon
non vej' eu ren de que vos hi percades,
sen hi mays aver, mais guaanhades:
34
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e por esto pol a mha beençon,
que vos non pes de vos el ben querer,
mays non vos mand'y, filha, mays fazer.
166
Pesar mi fez meu amigo,
amiga, mays sey eu que non
cuydou el no seu coraçon
de mi pesar ; ca vos digo,
que anfel queria morrer,
c'a mi sol hu pesar fazer.
Non cuydou que mi pesasse
do que fez, ca sei eu muy ben,
que do que foy, non fora ren,
poren sey, se en cuydasse,
que anfel queria morrer,
c'a mi sol hú pesar fazer.
Feze-o por encuberta,
ca sey que se fora matar,
ante que a mi fazer pesar ;
e por esto soo certa
que anfel queria morrer,
c'a mi sol hu pesar fazer.
Ca de morrer, ou de viver
sab' el ca x'é no meu poder.
167
Amigas, sey eu ben d'unha molher
que se trabalha de vosco buscar
mal a voss'amigo pol o matar;
mays tod' aquest', amiga, ela quer,
porque nunca con el pode poer
que o podesse por amig' aver.
E busca lhi convosco quanto mal
ela mays pode, aquesto sei eu,
e tod' aquest' ela faz pelo seu
é por este preyt', e non por ai ;
porque nunca con el pode poer
que o podesse por amig' aver.
Ela trabalha se a gran sazon
de lhi fazer o vosso desambr
aver, e a ende muy grã sabor;
e tod' est', amiga, non é senon,
porque nunca con el pode poer
que o podesse por amig' aver.
Por esto faz ela seu poder
para fazelo convosco perder.
168
Bon dia vi, amigo,
poys seu mandad' ey migo,
louçana.
Bon dia vi, amado,
poys migu' ey seu mandado,
louçaua.
Poys seu mandad 1 ey migo,
rogu'eu a deus e digo
louçana.
Poys migo ey seu mandado,
rogu'eu a deus de grado
louçana.
RogiTeu a deus e digo
por aquel meu amigo,
louçana.
Por aquel meu amigo,
que o veja comigo,
louçana.
Por aquel namorado,
que fosse já chegado,
louçana.
169
Non chegou, madr', o meu amigo,
e oj' est o prazo saydo ;
ay ! madre, moyro d^mor.
Non chegou, madr', o meu amado,
e ojest o prazo passado;
ay ! madre, moyro d'amor.
E oj' est o prazo saydo,
por que mentiu o desmentido,
ay ! madre, moyro d'amor.
E oj' est o prazo passado,
por que mentiu o perjurado,
ay! madre, moyro d'amor.
E porque mentiu o desmentido
pesa mi, poys per si é falido,
ay ! madre, moyro d'amor.
Porque mentiu o perjurado
pesa mi, poys mentiu por seu grado,
ay ! madre, moyro d'amor.
170
De que morredes, Olha, a do corpo velido?
mad re , moyro d'amores,que mi deu meu amigo
alva e vay liero.
De que morredes, filha, a do corpo louçano ?
madre,raoy ro d 'amores que mi deu meu amado;
alva e vay liero.
Madre, moyro d' amores que mi deu meu amigo
quando vej'esta cinta que por seu amor cinjo ;
alva e vay liero.
Madre, moyro d'amores que mi deu meu amado
quando vej'esta cinta que por seu amor trago
alva e vay liero.
Quando vej'esta cinta que por seu amor cinjo
e me nembra, fremosa, como falou comigo;
alva e vay liero.
Quando vej'esta cinta que por seu amor trago,
e me nembra, fremosa, como falamos ambos ;
alva e vay liero.
m
— Ay flores ! ay flores do vente pyno,
se sabedes novas do meu amigo !
ay deusl ehué!
Ay flores ! ay flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado !
av deus ! e hu é ?
EL REY DOM DENIS
35
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo !
ay deusl e hu é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que raha jurado!
aydeus! e hué?
«Vós me pergunlades polo voss'amado ?
e eu ben vos digo que é viv' e sano;
aydeus! ehu é?
E eu ben vos digo que é san'e vyvo,
e será vosco anfo prazo saydo ;
aydeus! ebu é?
E eu ben vos digo que é vyv'e sano,
e será vosco anfo prazo passado;
aydeus! ehu é?
172
Levantou s'a velida,
levantou s'alva,
e vay lavar camysas
en o alto ;
vay las lavar, alva.
Levantou s'a louçana,
levantou s'alva,
e vay lavar delgadas
en o alto;
vay las lavar, alva.
Vay lavar camisas,
levantou s'alva,
o vento lh'as desvya
eno alto;
vay las lavar, alva.
E vay lavar delgadas, .
levantou s'alva,
o vento lh'as levava
eno alto;
vay las lavar, alva.
O vento Ufas desvya
levantou s'alva,
meteu s'alva en hira
eno alto;
vay las lavar, alva.
vento lh'as levava,
levantou s'alva,
meteu s'alva en sanha
en o alto ;
vay las lavar, alva.
173
Amigu'e, meu amigo, valha deus,
vede la frol do pinho,
e guisade d'andar.
Amigu'e meu amado, valha deus,
vede la frol do ramo,
e guisade dandar.
Vede la frol do pinho, valha deus,
selad' o bayoninho,
e guisade d'andar.
Vede la frol do ramo, valha deus,
selad* o bel cavalo,
e guisade d'andar.
Selad'o bayoninho, valha deus,
treyde vos, ay amigo,
e guisade d'andar.
174 (via 116)
voss'amigo tan de coraçon
pon ele en vós seus olhos, e tã ben,
par deus amiga que non sey eu quen
<J verá, que non entenda que non
pod'el poder aver d'aver prazer
de nulha ren, senon de vos veer.
E quen ben vir com'el seus olhos pon
en vós, amiga, quand'ante vós ven,
se xi non for muy minguado de sen,
entender pod'er d'el muy ben que non
pod'el poder aver d'aver prazer
de nulha ren, senon de vos veer.
E quand'el ven hu vós sodes, razon
quer el catar que s'encobra, e ten
que s'encobre, pêro non lhi vai ren;
ca nos seus olhos entende que non
pod'el poder aver d'aver prazer
de nulha ren, senon de vos veer.
175
Com'ousará parecer ante mi
o meu amigo, ay amiga, por deus!
e com'ousará catar estes meus
olhos, se o deus trouxer per aqui,
poys tam muyfa que non veo veer
mi, e meus olhos, e meu parecer ?
Amiga, ou como s'atreverá
de m'ousar sol dos seus olhos catar,
se os meus olhos vir hu pouc' alçar,
ou no coraçon como o porra,
poys tan muyfa que non veo veer
mi, e meus olhos, e meu parecer ?
Ca sey que non terra el por razon,
como quer que m'aja mui grand^mor,
de m'ousar veer, nen chamar senhor,
nen sol non o porra no coraçon,
poys tan muyfa que non veo veer
mi, e meus olhos, e meu parecer.
176
— En grave dia, senhor,- que vos oy
falar, e vos viron estes olhos meus.
«Dizcd^migo, que poss'eu fazer hi
en aqueste feyto, se vos valha deus.
— Paredes mesura contra mi senhor?
«Farey, amigo, fazend'eu o melhor.
— Hu vos en tal ponto eu oy falar,
senhor, que non pudi depoys ben aver;
3G
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
«Amigo, quero vos ora perguntar
que mi digades o que poss'y fazer?
— Faredes mesura contra mi senhor?
«Farey, amigo, fazend'eu ó melhor.
— Des que vos vi e vos oy falar non
vi prazer, nen dormi, nen folguei.
«Amigo, dizede, se deus vos perdon',
o qu eu hi faça, ca eu non o scy.
— Faredes mesura contra mi senhor?
«Farey, amigo, fazend'eu o melhor.
1T7
Amiga, faço me maravilhada
como pôde meu amigo viver
hu os meus olhos non poden veer,
ou como pod'a lá fazer tardada ;
ca nunca tan gram maravilha vi,
poder meu amigo viver sen mi,
e par deus é cousa mui desguisada.
Amiga, estadora calada
hun pouco, e leixad'a mi dizer:
per quant' eu sey certfe poss'entender
nunca no mundo foy molber amada,
como vós de voss^mig', e assy
se el tarda sol non é culpad'i,
se non eu quer'en ficar por culpada.
Ay amiga, eu ando tan coytada,
que sol non poss'cn mi tomar prazer,
cuydand'cu como sse pode fazer,
que non é já comigo de tornada;
e par deus porque o non vej'aqui,
que é morto gram sospeyta tom', e
ss'é morfen mal dia eu fuy nada.
Amiga fremosa e mesurada,
non vos digu'eu que non pode seer
voss'amigo, poys honre, de morrer ;
mays par deus, non seiades sospeytada
d'outro mal d'el, ca desquand'eu naci
nunca d'outr T ome tan leal oy
falar, e quen end'al diz, non diz nada.
178
O voss^migo, amiga, vi andar
tam coylado que nunca lhi vi par,
que adur me podia ja falar;
pêro quando me vyu, disse m'assy :
ay senhor I hyd'a mha senhor roguar
por deus que aja já mercee de mi.
El andava triste mui sen sabor
como quen é lã coylado d'amor
e perdudo o sen e a color,
pêro quando me vyu, disse m'assy :
ay ! senhor, ide roguar mha senhor,
por deus que aja mercee de mi.
El, amiga, achei eu andar tal
como morto, ca é descomunal
o mal que sofr'e a coyta mortal;
pêro quando me vyu disse m'assy :
senhor, rogad'a senhor do meu mal
por deus que mercee aja de mi.
179
«Amigo, queredes vos hir?
— Si, mha senhor, ca non poss'al
fazer, ca seria meu mal,
e vosso ; por end'a partir
mi conven d'aqueste loguar,
mays que gran coyta d'endurar
me será poys me sen vós vir.
«Amigu', e de mi que será?
— Ben: senhor bõa e de prez,
e poys m'eu for d^questa vez,
o vosso mui ben sse passará ;
mays morte m'é de m'alongar
de vós, e hir m'alhur morar,
mays poys é vos uma vez cá.
«Amigu' eu sen vós morrerey.
— Non o querra deus esso senhor;
mays poys hu vós fordes non for
o que morrerá eu serey ;
mays quer' eu anfo meu passar,
ca assy do voss'aventurar,
ca eu sen vós de morrer ey.
«Queredes m'amigo matar?
— Non mha senhor ; mays por guardar
vós, mato mi que m'ho busquey.
180
«Dizede por deus, amigo,
tamanho bem me queredes
como vós a mi dizedes?
— Sy, senhor, e mays vos digo,
non cuydo que oj 1 ome quer,
tam gram ben no mund'a molher.
«Non creo que tamanho ben
mi vós podessedes querer
camanh'a mi ides dizer.
— Sy, senhor, e mays direy en:
non cuydo que oj'ome quer
tam gram ben no mund'a molher.
«Amigu'eu non vos crecrey
s'é que dev'a nostro senhor,
que m'avedes tan gram amor.
— Sy, senhor, e mays vos direy :
non cuydo que oj^me quer
tam gram ben no mundo'a molher.
181
Non poss'eu, meu amigo,
con vossa soydade
viver, ben volo digo,
e por esto morade,
amigo, hu mi possades
falar, e me vejades.
EL REY DOM DENIS
37
Non poss'hu vos non vejo
viver, ben o creede,
lan muyto vos desejo,
e por esto vivede,
amigo, hu mi possades,
falar, e me vejades.
Naci en forte ponto,
c, amigo, partide
o meu gran mal sen conto,
e por esto guaride,
amigo, hu mi possades,
falar, e me vejades.
Guarrey, ben o creades,
senhor, hu me mandades.
182
Por deus, amigo, quen cuydaria
que vós nunca ouvessedes poder
de tam longo tempo sen mi viver ?
e des oy mays, par santa Maria,
nunca molher deve, ben vos digo,
muyfa creer per juras d'amigo.
Dissestes m'liu vos de mi quitastes:
log'aqui serey con vosco, senhor,
e jurastes mi polo meu amor ;
e des oy mays, poys vos perjurastes,
nunca molher deve, ben vos digo,
muyfa creer per juras d'amigo.
Jurastes m'enton muyfaíicado
que logo, logo sen outro tardar
vos queriades para mi tornar :
e des oy mays, ay meu perjurado !
nunca molher deve, ben vos digo,
muyfa creer per juras (Tamigo.
E assy farey eu, ben vos digo,
por quanto vós passastes comigo.
183
meu amigo a de mal assaz
tant',amiga, que muyto mal per é
que no mal non a mays, per boa fé ;
e tod'aquesto vedes que lh"o faz
porque non cuyda de ml ben aver,
viv'cn coyta coytado por morrer.
Tanto mal sofro, si deus mi perdon',
que já eu, amiga, d'el doo ey,
e per quanto de ssa fazenda sey,
toÍTeste mal é por esta razon:
porque non cuyda de mi ben aver,
viv'en coyta coytado por morrer.
Morrerá d'esta hu non pod'aver ai,
que toma en sy tamanho pesar
que sse non pode de morte guardar ;
<\ amiga, ven lhi tod'este mal
porque non cuyda de mi ben aver,
viv'en coyta coytado por morrer.
Ca se cuydasse de mi ben aver,
anfel queria vyver, c'a morrer.
184
Meu amigo, non poss'eu guarecer
sen vós, nen vós sen mi, e que será
de vós ! mais ai deus que end'o poder a
lhi rogu'eu que el querra escolher
por vós, amigo, e des y por mi,
que non moyrades vós, nen eu assy
Como morremos ; ca non a mester,
de tal vida avermos de passar,
ca mays nos valeria de nos matar ;
mays deus escolha, se a el prouguer,
por vós, amigo, e desy por mi
que non moyrades vós, nen eu assy
Como morremos ; ca en a mayor
coyta do mundo, e en a mays mortal
vivemos, amigo, e no mayor mal ;
mays deus escolha como bon senhor
por vós, amigo, e desy por mi
que non moyrades vós, nen eu assy
Como morremos ; ca per boa fé
mui gram temp'a que este mal passou
por nós e passa, e muyto durou ;
mays deus escolha como quen ele é
por vós, amigo, e desi por mi
que non moyrades vós, nen eu assy
Como morremos; e deus ponha hi
conselh', amigo, a vós e a mi.
185
Que coyta ouvestes, madr'e senhor,
de me guardar que non possa veer
meu amigu'e meu ben, e meu prazer;
mays se eu posso, par nostro senhor,
que o veja, e lhi possa falar,
guisar lh'ey, e pes a quen pesar.
Vós fezestes tod'o vosso poder,
madr'e senhor, de mi guardar que non
visse meu amigu', e meu coraçon ;
mays se eu posso a tod'o meu poder
que o veja, e lhi possa falar,
guisar lh'ey, e pes a quen pesar.
Mha morte quisestes, madr', e non ai,
quanfaguisastes que per nulha ren
eu non viss'o meu amigue meu ben ;
mays se eu posso hu non pocTaver ai
que o veja, e lhi possa falar,
guisar lh'ey, e pes a quen pesar,
E sse eu, madr^esto poss'acabar,
o ai passe, como poder passar.
186
Amigu', e fals^c desleal,
que prol a de vos trabalhar
de na mha merece cobrar,
ca tanto o trouxeste mal,
que non ey de vos ben fazer
pêro nTeu quisesse poder.
38
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
Vós trouxestes o preyfassy
como quen noa é sabedor
de ben, nen de prez, nen d'amor,
e porê creede por mi
que non ey de vos ben fazer
pêro m'eu quisesse poder.
Caestes en tal cajon
que sol conselho non vos sey,
ca jà vos eu desemparey
en guisa, se deus mi perdon',
que non ey de vos ben fazer
pêro m'eu quisesse poder.
187
Meu amigo ven oj'aqui,
e diz que quer migo falar,
é sab'el que mi faz pesar,
madre, poys que lh'eu defendi,
que non fosse per nulha ren
per hu eu foss', e ora ven
Aqui ; e foy pecado seu
de sol poner no coraçon,
madr',e passar mha defensem ;
ca sab'el que lhi mandey eu
que non fosse per nulha ren
por hu eu foss', c ora ven
Aqui; hu eu con el faley
perante vós, mad^e senhor,
e oy mays perd'o meu amor
poys lh'eu defendi, e mandey
que non fosse per nulha ren
por hu eu fosse, e ora ven
Aqui, madre; e poys fez mal sen
dereyfé que perca meu ben.
188
Quisera vosco falar de grado,
ay meu amigu'e meu namorado,
mays non ous'oj'eu con vosc'a falar
ca ey muy grã medo do hirado,
hirad'aja deus quen me lhi foy dar.
En cuydados de mil guysas travo
por vos dizer o con que m'agravo,
mays non ous'oj'eu convosc'a falar,
ca ey mui gram medo do mal bravo ;
mal brav'aja deus quen me lhi foi dar.
Gran pesar ey, amigo, sofrudo
por vos dizer meu mal ascondudo,
mays non ous^eu comvosc'a falar;
ca ey mui gram medo do sanhudo;
sanhud'aja deus quen me lhi foy dar.
Senhor de meu coraçon, cativo
sodes em eu viver con quen vivo,
mays non ous'oj'eu convosc'a falar;
ca ey mui gram medo do esquivo,
esquiv'aja deus quen me lhi foy dar.
189
Vy vos, madre, con meu amig'aqui
oje falar, e ouv'en gran prazer
porque o vi de cabo vós erguer
led'e tenho que mi faz deus ben hi,
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen
non pode seer senon por meu ben.
Ergueu-se ledo e rio jà, o que
mui gram temp'a qu'el non fez,
mays poys já esto passou esta vez,
fiqu'end'eu leda, se deus ben me dê,
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen
non pode seer senon por meu ben.
El pos os seus olhos nos meus enton,
quando vistes que xi vos espediu,
e tornou contra vós led'e riio;
e por end'ey prazer no coraçon,
ca poys que s'el ledo partiu d'aquen
non pode seer senon por meu ben.
E pêro m'eu da fala non sey ren,
de quanfeu vi, madr', ey gram prazer en.
190
Gran temp'a, meu amigo, que non quis deus
que vos veer podesse dos olhos meus,
e non pon con tod'esto en mi os seus
olhos, mha madr'amigu'; e poys est assy,
guysade de nos hirmos, por deus, d'aqui,
e faça mha madr'o que poder deshy.
Non vos vi a gram tempo, nen sse guysou,
ca o partiu mha madr'a quen pesou
d'aquesle preyfe pesa, e mi guardou,
que vos non vyss'amigu v ; e poys est assy
guysade de nos hirmos, por deus, d'aqui,
e faça mha madr'o que poder deshy.
Que vos non vi a muyto, e nulha ren
non vi des aquel tempo de nenhu ben,
ca o partiu mha madr', e fez poren
que vos non vyss'amigu'; e poys est assy-
guysade de nos hirmos, por deus d'aqui,
e faça mha madr'o que poder deshy :
E se non guisardes mui ced'assy,
matades vos, amigu'e matades mi.
191
Valer vos hya, amigo, se oj'en
ousasse, mais vedes quen
m'o tolhe, d'aquest'e non ai,
mha madr'é, que vos a mortal
desamor, e con este mal
de morrer non me pezaria.
Valer-vos-hya, deus, meu ben,
se eu ousasse, mays vedes quen
me tolhe de vos non valer:
mha rnadfé que end'a poder
e vos sabe gram mal querer,
e por en mha morte queria.
EL HEY DOM DENIS
39
192
Para veer meu amigo
que talhou preyto comigo,
ala vou, madre.
Pêra veer meu amado
que mig'a preyto talhado,
ala vou, madre.
Que talhou preyto comigo
e por esto que vos digo :
ala vou, madre.
Que mig T a preyto talhado
e por esto que vos falo,
ala vou, madre.
193
Chegou mh'amiga recado
d'aquel que quero gram ben,
que poys que viu meu mandado
quanto pode viir, ven;
e and'eu leda poren,
e fazo muyfaguysado.
El ven por chegar coytado
ca sofre grã mal d'amor,
et anda muyfalongado
d'aver prazer, nê sabor,
senon ali hu eu for
hu é todo seu cuydado.
Por quanto mal a levado,
amiga, razon farey
de lhi dar eu d'algun grado,
poys ven como lh'eu mandey,
e logu'el será, ben sey,
do mal guarid'e cobrado,
E das coytas que lh'eu dey
des que foy meu namorado.
194
De morrerdes por mi gram dereyfé,
amigo, ca tanto paresqu'eu ben,
que d' esto mal grad'ayades vos en
e deus bon grado, ca per boa fé
non é sen guisa de por mi morrer
quem mui ben vyr este meu parecer.
De morrerdes por mi non vos dev'eu
bon grado poer, ca esto fará quen quer,
que ben cousir parecer de molher,
e pois mi deus este parecer deu,
non é sen guisa de por mi morrer
quen muy ben vyr este meu parecer.
De vos por mi amor assy matar
nunca vos d'esto bon grado darey,
e, meu amigo, mays vos eu direy :
poys me deus quis este parecer dar,
non é sen guisa de por mi morrer
quen muy ben vyr este meu parecer,
Que mi deos deu, e podedes creer
que non ey ren que vos hi gradecer.
195
Mha madr'é velyda,
vou m'a la baylia
do amor.
Mha madr'é loada,
vou m'a la baylada
do amor.
Vou m'a la baylia
que fazen en vila,
do amor.
Que fazen en vila
do que eu ben queria
do amor.
Que fazen en casa
do qu'eu muyfamava
do amor.
Do qu'eu ben queria,
chamar m'ã garrida
do amor.
Do qu'eu muyfamava,
chamar m'ã perjurada
do amor,
196
Coytadavyv',amigo, porque vos non vejo,
e vós vyvedes coytad'e cõ grã desejo
de me veer, e mi falar, e poren sejo
senpr'en coyta tan forte,
que non m'é senon morte,
com'é que viv'amigo en tam gram desejo?
Por vos veer, amigo, vy v'en tã coy tada,
e vós por me veer, que oy mays non é nada
a vida que fazemos; e maravilhada
sõo de como vivo
sofrendo tan esquivo
mal, ca mays valeria de non seer nada.
Por vos veer, amigo, non sey quê sofresse
tal coyta, qual eu sofr'e vós que non morresse;
e con aquestas coitas eu quen non nacesse,
non sey de mi que seja,
e da morfey enveja
a tod'ome ou molher, que ja moresse.
197
voss' amig', ay amiga,
de que vós muyto flades,
tanto quer'eu que sabhades
que hua que deus maldiga
volo ten louco e tolhey to,
e moyr' end'eu con despeylo.
Non ey ren que vos asconda,
nen vos será encoberto,
mays sabede ben por certo,
que hua que deus confonda
volo ten louco e tolheyto,
e moyr'end'eu con despeyto.
Non sey molher que sse pague
de lh'outras o seu amigo
10
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA
filhar, e poren vos digo
que húa que deus estrague,
volo ten louco e tolheyto
e moyr' end' eu con despeyto.
E fazo muy grã dereyto,
poys quero vosso proveyto.
198
Ay! fàls'amigu'e sen lealdade,
ora vej'eu a grani falsidade
con que mi vós a grã temp'andastes ;
ca d'outra sey eu já por verdade
a quen vós a tal pedra lançastes.
Amigo fals' e muyfencuberto,
ora vej'eu o grã mal perto
con que mi vós a grani temp'andastes;
ca d'outra sey eu já ben por certo
a quen vós a tal pedra lançastes.
Ay, fals^migu^u non me temia,
do gram mal, e da sabedoria
com que mi vós a gran temp'andastes ;
ca d'outra sey eu que o ben sabia,
a quen vós a tal pedra lançastes ;
E de colherdes, razon seria,
da falsidade que semeastes.
199
Meu amigu'u eu sejo
nunca perco desejo
se non quando vos vejo :
e poren vivo coytada
con este mal sobejo
que sofr'eu, ben talhada.
Viver que sen vós seja,
senpr'0 meu cor deseja
vos, atà que vos veja
e por en vivo coytada
con gran coyta sobeja
que soffr'eu, ben talhada.
Non é se non espanto
hu vos non vejo, quanto
ey desej'e quebranto;
e poren vivo coytada
con aqueste mal tanto
que soflr'eu, ben talhada.
200
Por deus punhade de veerdes meu
amig', amiga, que aqui chegou,
e dizede-lhi, pêro me foy greu,
o que m'el já muy tas vezes rogou :
que lhi faria end'eu o prazer,
mays tolhe m'ende mha madr'o poder
De o veerdes ; gradecer vol-o ey,
ca sabedes quanfa que me servyu,
e dizede lhi pêro lh'estranhey
o que m'el rogou, cada que me viu :
que lhi faria end'eu o prazer,
mays tolhe m'ende mha madr'o poder
De o veerdes ; gram prazer ey hi
poys do meu bem desasperad' está,
por end'amiga, dizede-lh' assy
que o que n^el por vezes rogou já,
que lhi faria end'eu o prazer,
mays tolhe nfende mha madr'o poder.
E por aquesto non ey eu o poder
de fazer a mi nen a el prazer.
201
Amiga, quen vos ama
vos é coytado,
e sse por vosso chama ;
desque foy namorado
non viu prazer, sey o eu,
poren ja morrerá
e por aquesto m'é greu.
Aquel que coita forte
ouve des aquel dia
que vos el vyo, que morte
lh'é, par santa Maria,
nunca vyu prazer, nen ben
poren ja morrerá,
a mi pesa muyfen.
202
Amigo, poys vos non vi,
nunca folguey, nen dormi,
mays ora já desaqui
que vos vejo, folgarey,
c veerey prazer de mi
poys vejo quanto ben ey.
Poys vos non pudi veer
ja mays non ouv'i lezer
e hu vos deus non quis trager
que vos vejo, folgarey,
e veerey de mi prazer,
poys vejo quanto ben ey.
Des que vos non vi, de ren
non vi prazer e o sen-
perdi, mays poys mh'aven
que vos vejo, folgarey,
e veerey todo meu ben,
poys vejo quanto ben ey.
De vos veer a ml praz
tanto que muyto 6 assaz,
mays hu m'este ben deus faz
que vos vejo, folgarey,
e veerey gran solaz,
poys vejo quanlo ben ey.
203
Poys que diz meu amigo
que se quer hir comigo,
poys que d'el praz,
EL REY DOM DEMS
41
praz a mi, ben vos digo,
e este é o meu solaz.
Poys que diz que todavya
non hymos nossa vya,
poys que a el praz,
praz m'e veg'i bon dia,
e este é o meu solaz.
Poys me de levar vejo
que esfé o seu desejo,
poys que a el praz,
praz mi muyto sobejo
e este é o meu solaz.
204
Por deus, amiga, pes vos do grã mal
que dizend'anda aquel meu desleal,
ca diz, de mi, e de vós outro tal
andand'a muytus que lhi fiz eu ben,
e que vós soubestes tod'este mal,
de que eu nen vós non soubemos ren.
De vos en pesar é mui grã razon,
ca dizend'anda mui gram trayzon
de mi, e de vós, se deus mi perdon',
bu sse louva de mi, que lhi flz ben,
e que vós soubestes end'a razon,
de que eu, nen vós non soubemos ren.
De vos en pesar dereyto per'é
ca diz de mi gram mal, per boa fé,
e de vós, amiga, cada bu s'é
falando; ca diz que lhi flz eu ben,
e ca vós soubestes todo com'é,
de que eu, nen vós non soubemos ren.
205
Falou m'oj' o meu amigo,
mui ben, e muyfomildoso
no meu parecer fremoso,
amiga, que ey migo ;
mays pêro tanto vos digo
que lhi non torney recado
ond'el ficasse pagado.
Disse m'el, amiga, quanto
m'eu melhor ca el sabia,
que de quã ben parecia
que no dera seu quebranto;
mays pêro sabede tanto
que lhe non torney recado
ond'el ficasse pagado.
Disse ra'el : Senhor creede
que a vossa fremosura
mi faz gram mal sen mesura,
por en de mi vos doede;
pêro, amiga, sabede
que lhi non tornei recado,
que el ficasse pagado.
E foi ss'end'el ta coytado
que tom'cnd'eu ja cuydado.
<>
206
Vay ss'o meu amig'alhur sen mi morar,
e par deus, amiga, ey end'eu pesar
porque ss'ora vay, e no meu coraçon
tamanho que esto non é de falar
ca lho defendi, e fazo gram razon.
Defendi lh'eu que se non fosse d'aqui
cà todo meu ben perderia por hy
e ora vay ss'e faz mi grã traiçon,
e des oy mays que será de mi
non vej'y, amiga, se morte non.
20V 1
Não sey oj'amigo quén padecesse
coyta qual padesco que non morresse
senon eu coytada, que non nacesse ;
porque vos non vejo cornou queria,
e quisesse deus que me scaecesse,
vós, que vi, amigu'en grave dia.
Non sey, amigo, molher que passasse
coyta qual eu passo que ja durasse
que non morress', ou desasperasse ;
porque vos non vej'eu com'eu queria,
e quisesse deus que me non nenbrasse
vós, que vi, amigu'en grave dia.
Non sey, amigo, quem bo mal sentisse
que eu senpo, que o sol encobrisse
se non eu coitada, que deus maldisse ;
porque vos non vejo com'eu queria,
e quisesse deus que nunca eu visse
vós, que vy, amigu'en grave dia.
208
Pêro muito amo, muito nom desejo
aver da que amo, e quero gram bem ;
porque eu conheço muy entom et vejo
os que de aver muifa my nom m'avem
a tam grande folgança que mayor non seja
o seu dano d'ela que me tal bem deseja,
o bem d'essa dama em muy pouco tem.
Mas o que nom he et seer podria
sse fosse assy que a ella deesse
bem do meu bem, eu desejaria
aver o mayor que aver podesse ;
ca pois a nos ambos hi guisava proveito,
tal bem desejado farya defeyto,
et sandeu seria quem o nom fezesse.
E quem d'outra guisa tal bem, nom
he namorado, mas he affrom,
que sempre trabalh'i por cedo cobrar
do que non soe y o amor regallar ;
d'ahi et de tal amor amo mays de cento
et nom amo buã de que me atento
de seer servidor de boom cor açora.
Que pois me eu chamo et soo servidor,
gram t reitor ssia se in sus'a senhor
por meu ben ouvesse mal ou sem razom, e
quantos bem amam o diram assy.
42
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VAUCANA
EL REY DOM AFFONSO DE CASTELLA
E DE LEOM
QCE YEXCEB IL REY DE BELAIARU COI PODER D'AALRI
A PAR DE TARIPA
209
Era hum tiempo cogi flores
dei mui nobre paraíso,
cuilado de mis amores
e d'el su fremoso riso !
e sempre vivo en dolor
e ya lo non puedo sofrir,
mais me valera la muerte
que en el mundo vivífc
Yo cum cuidado demores
vol-o vengo ora dizer,
que he d'aquesta mi senhora,
que muicho desejo aver.
En el tiempo en que solia
yo coger d^aquestas flores,
d 1 ai cuidado nom avia
des que vi los sus amores ;
c nom se 1 per qual ventura
me vino a defalir,
si lo flz'el mi peccado,
si lo flzo el mal dizir.
Yo cum cuidado d'amores
vol-o vengo ora dizer,
que 6 cTaquesta mi senhora
que muicho desejo aver.
No creades, mi senhora,
el mal dizer de las gentes,
ca la muerte m'es Hegada
sy en elho parardes mentes;
ay senhora, nobre rosa,
mercede vos vengo pidir,
avede de mi dolor
e no me dexedes raorir.
Yo cum cuidado d'amores
vol-o veng'ora a dizer,
que he d'aquesta mi senhora
que muicho desejo aver.
Yo cogi la flor das frores
de que tu coger solias,
cuitado de mis amores
bien se'lo que tu querias ;
(\ios lo pues te por tal guisa
que te lo pueda fazer,
anfyo queria mi muerte
que te asy veja a morrer.
Yo cum cuidado d'amores
vol-o vengo ora a dizer,
que he d'aquesta mi senhora
que muicho desejo aver.
CONDE DOM PEDRO DE PORTUGAL
210
Que muyto bem me fez nostro senhor
aqupl dia em que m>l foy mostrar
hua dona que fez melhor falar
de quantas fez e parecer melhor ;
e o dia em que m'a fez veer
el que quiz alli que foss'en seu poder
hu me podia nunca mais bem dar.
Nom jà en ai d'esto som sabedor
se m'algum tempo quisera Leyxar,
e leyx', c juro nom a ir matar
mays pois la maten serei sofredor,
sempre de coyta em quanfeu viver
ca sol y cuydo no seu parecer
ey muyto mays d'outra rem desejar.
B poys eu nunca d'outra rem sabor
poss^tender para me confortar,
muy bem posso com verdade jurar
pol-os que dizem que am mal d 1 amor;
que com verdade nom podem dizer
porque cuydan d'i tomar grara prazer
o que a mi nunca pode chegar.
Nem esperança nunca poss'aver
confoutros am d'algum bem atender,
poys eu meu bem nunca posso cobrar.
211
Nom quer a deus por mha morte rogar,
nem por mha vida jà nom m'ha mester,
oy aquel que o rogar quyzer
por sy o rogu' e leyx'a mi passar
asy meu tempo, cá mentre eu durar
nunca me pode bem nem mal fazer
nem ond'eu aja pezar ou prazer.
E jà m'el tanio mal fez que nom sey
rem hu me possa cobrar, d'isso nom
sey nem sab'oulrem, nem sab'el razom
porque me faça mays mal de quanfey ;
e poys eu jà por tod'esto passey,
nunca me pode bem nem mal fazer
nem ond'eu aja pesar, nem prazer.
E bem nem mal nunca m'el jà fará
poys m'el pesar com gram coyta deu,
que nunca prazer no coraçom meu
me pode dar coyta nem poderá ;
e poys por mi tod'esto passou jà,
nunca me pode bem nem mal fazer
nem ond'eu aja pesar nem prazer.
Nom poss'en mim per rem ....
212
Tal sazon fuy em que eu jà perdi
quanto bem ouve, nem cuydei aver,
que par podesse a outro bem sseer ;
mays ora jà mi guisou deus assy
que hu perdi tam gram bem de senhor
cobrey d'atcnder outro muy melhor
em todo bem de quantos outros vi.
E quand>n outra sazom perdi eu
ESTEVAM FEBNANDES D'E1VAS
43
aquel gram bem, log'i cuidey que nom
perdesse coita do meu coraçom ;
mays agora deus tal senhor mi deu,
que de bom prez e sen e parecer
he muy melhor de quantas quiz fazer
e quiz log'i que foss'em poder seu.
Hu a d'eu perder aquela que amar
sabia mais que mi nem outra rem
nom cuydava, dante deus outro bem
mays prouge a deus de m'o. asi guisar ;
que hu perdi aquela que amei
e outro sen muy melhor cobrey
que me faz deus servir e desejar.
Por eu na sazon em que m'eu queyxey
a deus hu perdi quanto desejey
oy mays poss'en coraçom deus loar ;
e porque me poz em tal cobro que sey
por senhor a melhor de quantas ey
en que poz tanto bem que nom ha par.
213
Nom me poss'eu de morte defender
poys vejo d'amor que me quer matar,
por hua dona ; mays poys m'eu guardar
nom posso já de por dona moirer
catarey já das donas a melhor
PÊRO LAROUCO
214
De vós, senhor, quer'eu dizer verdade
e nom já sobr'amor que vos ey,
senhor, é bem en a tropidade
des quantas outras en o mundo sey,
assy direy como de puridade
nom vos vence oje senom filha d , um rey,
nem vos amo, nem me perderey
hu vos nom vir por vós de soydade.
E s'eu vosco na casa estevesse
e visse-vos cá vossa color
s'eu o mundo em poder tevesse
nom vos faria de todos senhor
nem d'outra cousa onde sabor ouvesse
e d'uma rem d'emperador,
que de beldade peor estevesse
Todos vos dizem, senhor, com enveja
que d'esso medes el es, e mi nom,
por deus vos rogo que esto nom seja,
nom faredes cousa tan sem razom ;
araade vós quem vos mais deseja
e bem quercde, que elles todos som,
et se vos eu quero bem de coraçom
leve-me deus a terra hu vos nom veja.
215
Nom ha meu padre a quem peça
hua peça d'um canelho,
com que huntasse sa peça
tod'a coelho e coelho ;
cá a peça nom se especa
buse estremado vermelho
ca muyfaja gram peça
que foy sem manto a conselho.
que de me Vilar corrudo
á, e de mays na ameaça
aynda eu fi-de-cornudo
seja por feyto que faça
e el padre do meu drudo
ESTEVAM FERNANDES DELVAS
216
Estes que agora, madre, aqui som
dizem qiThe sandeu meu amigo;
nom tenhades que o por ai digo,
mays bem creo se me vyssem, que nom
terriã meu amigo por sandeu,
madre, é que por mi ensandeceu.
E os que dizem que perdeu o sen
por mi, madre, nom me diriam mal
se soubessem com'é, et sey-me eu ai
poys que me vissem, que nunca por en .
terriã meu amigo por sandeu,
madre, é que por mi ensandeceu.
E aqueiles que já dizem qu'el he
por my sandeu, asy deus mi perdon',
cada huu d'eles no seu coraçom
se me vyssem, nunca per boa fé
terriã meu amigo per sandeu,
madre, é que por mi ensandeceu.
217
Ay boa dona, se deus vos perdon'
que vos nom pez do que vos eu direy :
eu viv'en coita ca tal senhor ey
mui fremosa, € pux no coraçom
que fale vosco, cá nom vy senhor
que semelhe como vós, mha senhor.
E nom vos péz, senhor, pois vos deus deu
fremusura e bondade e bom prez,
e por todo este bem que vos el fez
ouv'a poer en o coraçom meu
que fale vosco, cá nom vi senhor
que semelhe como vós, mha senhor.
Poys sobre todas em bem parecer
vos deus fez mais fremosa e en sen,
e em mesura e em todo o outro bem,
ouve eu no meu coraçom arder,
que fale vosco, cá nom vy senhor
que semelhe como vós, mha senhor.
44
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATICANA
218
À mha senhor fezo deus por meu mal
tam fremosa, iam de bom sem, a tal
que semelha que nunca em ai cuidou ;
por dar a mi esta coita em que vou
sei eu que a fez el e nom por ai,
se m'ela com todo este bem, nom vai.
Muy bem na fez falar et entender
sobre quantas donas el fez nacer,
que semelha, que nunca em ai cuidou;
por dar a mi esta coita em que vou
sei eu que a fez tam bem parecer
se m'ela com todo esto nom valer.
Esta senhor que mi em poder tem
fez deus fremosa e de muy bom sem,
que semelha que nunca em ai cuidou ;
por dar a mi esta coita em que vou
sei eu que a fez nom por outra rem
se m'ela com todo este bem nom vem.
«
219
Ouç'eu dizer huu verv' aguysado
que — bem e mal sempre na face vem,
e verdad'é, per com'end'a mi avem,
cThuma dona hu tod'esto ey osmado;
cá de quanto bem na sa face vy
vem end'amigos tanto mal a mi,
porque o verv' em meu dan'é provado.
.A sa bondade e seu prez mui loado
e sa mesura, nem do seu bom ssem
nom mi vem mal mays d'outro muy gram bem
que eu amigos polo meu pecado
na sa fremosa face conheci,
por quanto mal encTa mi vem dali
está o verv' em meu dano tornado.
Mas el é grand'afam e cuidado .
e gram coyta que m'aflcado tem,
.de todo esto a mi nom salgua rem
por qual doairo quam bem apostado
na sa face fremosa conheci;
com gram beldade, amigos, é assi
em meu dan'o verv' asacayado.
E des enton, amigos, entendi
que este vervo que eu sempre ouvi,
he com verdad'en dan' acabado.
ESTE V AM DA GUARDA
PRIVADO DEL REY 001 DBNIS *
220
Ora senhor, tenho muyfaguysado
de sofrer coita grand'e gram desejo
pois d'u vós fordes eu for alongado
e vos nom vir como vos ora vejo ;
e mha senhor, esfé gram mal sobejo
meu, et meu gram quebranto
seer eu de vós por vos servir quanto
posso mui desamado.
De long'en coita e gram soidade
convém, senhor, de sofrer todavia
poys d'u vos fordes de gram beldade
vos eu nom vir, que vi em grave dia ;
e mha senhor, em gram bem vos teria
de me dardel-a morte,
cá de viver eu em coita tam forte
et em tal estraidade.
Nom fez deus par a desejo tam grande,
nem a qual coita sofrer des ume
partir de vós, cá poys quer que ande
no que darei, ar meu bem e meu lume;
de chorar sempre e com mui gram queixume,
maldirei mha ventura,
cá de viver eu em tam gram tristura
deus, senhor, non o mande.
E queira el, senhor, que a mha vida
poys por vós he cedo, sei, acabada,
cá pela morte me será partida
gram soidade e vida mui coitada;
de razom he d'aver eu desejada
a morte, poys entendo
de chorar sempre, e andar sofrendo
coyta desmesurada.
•
221
Por partir pesar que sempre vy
a mha senhor aver dtf muy gram bem
que ltTeu quero, desejava por en
mha morte, amigos ; mays, pois entendi
que lhe prazia de me mal fazer
logu'eu des y desejey a viver.
Veendeu bem, que do muy grand'amor
que lb'eu sempre ouv'y tomava pesar,
hya por cnd'a morte desejar ;
mays poys, amigos, end'eu fuy sabedor
que lhe prazia de me mal fazer
logu'eu des y desejey a viver.
Se me deus entom a morte nom deu
nom ficou já por mi de lh'a pedir
cuydand'a d'a tal pesar partir;
mays poys amigos bem certo fuy eu
que lhe prazia de me mal fazer
logu'eu des y desejey a viver,
Non por mha prol, mays para nom perder
da que por mi rem dd que lhe prazer.
222
Sempre eu, senhor, mha morte receey
mais d'outra rem, et já por boa fé
nom a receedes porque he
por aquesto que vos ora dyrey,
a gram coyta que por vós ey senhor
me faz perder de mha morte pavor.
Cuydava-nveu que sempre de temer
ouvess'a morte que sempre temi,
FEKNAM BODBIOUIZ BE CALHEYR08
45
mais ora já, senhor, nom est asy
por aqueslo que vos quero dizer,
a gram coyta que por vós ey, senhor,
me faz perder de raha morte pavor.
Nom me passava sol por coráçom
que eu podessc da morte per rem
perder pavor, mais ora vejo bem
que o nom ey, et vedes porque nom:
a gram coyta que por vós ey, senhor,
me faz perder de mha morte pavor,
Que eu senpr'ou ve par deus, mha senhor,
muyto me foy de o perder peor.
223
Ouç'eu muytos d'amor quexar
et dizem que por ele lhes vem
quanto mal ham, et que os ten
en tal coyta que nom ha par;
mays a mi vem da mha senhor
quanto mal ey per desamor,
Que m'ela tem ; pêro que ai
ouço eu a muytos dizer
que lhes faz g-ram coyta sofrer
amor onde lhes vem gram mai ;
mays a mim vem da mba senhor
quanto mal ey per desamor
Que m'ela tem muy sem razom;
pêro vej'eu muytos de pram
que dizem, que quanto mal ham
que d'amor lhes vem et d 'ai nom;
mays a mi vem de mha senhor
quanto mal ey per desamor
Que m'ela tem; et que peor
poss'aver cà seu desamor?
224
Estranha vida viv'qj'eu, senhor,
da que vivem quantos no mundo soro,
como viver pesand'a vós, et nom
aver eu jà doutra cousa sabor
se nom da morte por partyr per hy
pesar a vós et muy gram mal a mi,
e fazer-me deus morrendo viver.
Eu tal vida, qual m'oides dizer
viv*eu, senhor, fazenda vós pezar,
e mal a mi, et nom me quer deus dar
de o partir nenhum sen, nem poder ;
et pêro, senhor, grande meu mal
vedes o que mhe mays grave que ai
o pesar he que vós tomades en
Querer a mi, senhor, quanto mal me vem
podendo deus toÍTeste mal partir
por mha morte que nom quer consentir,
porque sabe que mais morte me tem
per viver eu, pois a vós pesar he ;
quanto mal, senhor, per boa fé
ha em lai vida, dizer nom no sei.
225
Do que bem serve sempr'oí dizer
que bem pede, mais digo-vos de mi
pêro que eu, gram temp'ha, bem servi
bua dona que me tem em poder;
que nom tenho que por meu bem servir
eu razon ei de Ihi por en pidir
o maior bem dos que deus quiz fazer.
Bem entendeu que logar deve aver
o que bem serve de pidir por en
com razom, mais est em tam gram bem
que Ihi nom pod'outro bem par seer;
pois d'eu bem servir hua dona tal
por Ihi pedir bem que tam muito vai
sol non no deu en porafom poer.
E, meus amigos, quen bem cousecer
o mui gram bem que nos Iro senhor deu
a esta dona, bem certo sei eu
se ou ver sen que bem pode entender,
que por servir quantos no mundo som
nom devem sol poer em coraçom
que pedir possa en tal bem caber.
Por end'a mi convém querend'ou nom
de servir bem, sem avendo razom
que por servir aja bem d'atender.
PÊRO D'0RNELAS
226
Nostro senhor, e ora que será
d'aquel que sempre coitado viveu
e viv'e cuida porem ser sandeu,
cá sabe bem que nunca perderá
esta coita, cà nom quer sa senhor.
E que será do que quis mui gram bem
e quer a quem lh'o nom quer gradecer,
nem Ihi quer por ende outro bem fazer
e sabe que nom perderá per rem
esta coita, cá nom quer sa senhor.
E que será do que sempre servir
foi, que Ihi quis e quer por en mal,
e nunca Ihi por en quis fazer ai
e que nunca de si pode partir
esta coyta, cà nom quer sa seuhor.
Em esta folha adeante se começam as CAN-
TIGAS D' AMIGO, que fezerom denis çavalley-
ros, et o primeiro he
FERNAM RODRIGCIZ DE CALBEYROS
227
Perdudey, madre, cuyd'eu, meu amigo;
maçar m'el viu sol nom quis falar migo,
e mha soberva nfho tolheu,
que flz o que m'el defendeu.
Maçar m'el viu sol nom quis falar migo,
e eu m'o flz que nom prix seu castigo;
46
CÀNCIONEIBO POKTUGUEZ DA VATICANA
e mha soberva m'ho tolheu,
que fiz o que m'el defendeu.
Eu m'o fiz que nom prix seu castigo;
que mi vai ora quando o digo,
e mha soberva m'ho tolheu
que fiz o que m'el defendeu.
E sei-m'eu tanfem qual bem m'el queria,
que nom meti mentes no que fazia;
e mha soberva m'ho tolheu
que fiz o que m'el defendeu.
Que nom meti mentes no que fazia,
e fiz pezar a quem m'o nom faria;
e mha soberva m'ho tolheu
que fiz o que m'el defendeu.
E fiz pezar a quem m'ho nom faria,
e tornou-s'en sobre mi a fblia;
e mha soberva m'ho tolheu
Que fiz o que m'el defendeu.
228
Que farey agora, amigo,
poys que nom veredes migo
viver,
' ci nom poss'eu ai bem querer.
Cá gram coita me leixades
se vós alhur hir cuydades
viver,
cà nom poss'eu ai bem querer.
Se aquesta hida vossa
for, nom sey eu como possa
viver,
cà nom poss'eu ai bem querer.
Matar-m'-hei, se m'ho dizedes,
que vós rcm sem mi podedes
viver;
cà nom poss'eu ai bem querer.
229
Agora vem o meu amigo
e quer-se logu'ir, e nom quer migo
estar ;
avel'-ey jà sempr'a desejar.
Nunca lh'o posso tanto dizer,
que o comigo possa fazer
estar ;
aveF-ey jà sempr'a desejar.
Maçar lh'o rogo, nem m'ha mester,
mais que farey poys migo nom quer
estar ;
avel'- ey jà sempr'a desejar.
230
Direy-vos agora, amigo,
camanho temp'a passado
que nom pudi veer cousa
onde ouvesse gasalhado,
des que vós de mi partistes
tà esfora que me vistes.
Des oy mais andarey leda,
meu amigo, poys vos vejo
ca muyfa que nom vi cousa
que mi tolhesse desejo,
des que vos de mi partistes
tà esfora que me vistes.
Des oy mays nom vos vaades
se amor queredes migo
cà jà mays, nom ar foy ledo
meu coraçom, meu amigo,
des que vos de mi partistes
tà esfora que me vistes.
231
Assanhey-m'eu muyfa, meu amigo,
porque mi faz el quanto lhi digo
porque entendo cà mi quer bem;
assanho-me-lhi por en.
E se m'outrem faz oncTey despeyto
a el m'assanho e faço gereyto,
porque entendo cà mi quer bem
assanho-me-lhi por en.
E jà m'el sabe mui bem mha manha,
cà sobr'el deyfeu toda mha sanha;
porque entendo cà mi quer bem,
assanho-me-lhi por en.
232
Estava meu amigo atendencTe chegou
mha madr'e fez m'end'ir tal que mal me pesou,
a là me tornarey,
e hi lo atenderey.
Nunca madr'a filha bom conselho deu,
nem a mi fez a minha mays; que farey eu?
a la me tornarey,
e hi lo atenderey.
Pesar lh'iaamha madre que quer que lh'assy
fezesse; mays direy-vos que farey eu hi:
a la me tornarey,
e hi lo atenderey.
233
Madre, passou per aqui hum cavaleyro
e leixou-me namorada ca marteyro;
ay madre, os seus amores ey
se me los ey
cà m'hos busquey
outros me lhe dey;
ay madre, seus amores ey.
Madre, passou per aqui hu filho d'algo,
e leixou-m'assy penada como eu ando ;
ay madre, seus amores ey
se me los ey,
ca nfbos busquey,
outros me lhe dey ;
ay madre, seus amores ey.
Madre, passou per aqui,que nom passasse.
YAASCO PRAGA DE SANDIM
47
e leucou-m'assy penada, mays leixasse ;
ay madre, os seus amores ey,
se me los ey
ca m'hos busquey,
outros me lhe dey,
ay madre, seus amores ey.
234
Disse-m'a mi meu amigo,
quando s'ora foy sa via,
que nom lh'estevess'eu triste
e cedo se tomaria;
e soo maravilhada
porque foy esta tardada. •
Disse-m'a mi meu amigo,
quando s'ora foy d'àquem,
que nom lh'estevess'eu triste,
e tarda e nom mi vem;
e soo maravilhada
por que foy esta tardada.
Que nom lh'estevess'eu triste
cedo se tornaria;
e pesa-mi do que tarda,
sabe-o santa Maria;
e soo maravilhada
por que foy esta tardada.
Que nom lh'estevess'eu triste,
tarda e nom mi vem,
e pêro nom é por cousa
que m'el nom queira gram bem;
e soo maravilhada
por que fuy esta tardada.
VAASCO PRAGA DE SANDIM
235
Sabedes quanfha, amigo,
que m'eu vosco veer
nom pud'a tant' ; e oje
que nunca vi prazer
ca migo, gradesc'a deus
que vos vêem os olhos meus.
• Ouv'eu por vós tal coita
en o meu coraçom,
que nunca vos cuydava
veer milha sazon ;
ca migo, gradesc'a deus
que vos vêem os olhos meus.
E rogu'eu, meu amigo,
aquel deus que me fez
que nunca eu jà vyva
sen vosco outra vez ;
ca migo, gradesc'a deus
que vos vêem os olhos meus.
E ben assi m'ho quiso
mha ventura guisar,
que nunca sem vós ouvi
sabor er quem chorar;
ca, migo, gradesc a deus
que vos vêem os olhos meus.
236
Cuydades vós, meu amigo,
ca vos nom quer'eu mui gram bem,
e a mi nunca bem venha
se eu vejo no mundo rem
que a mi tolha desejo
de vós hu vos eu nom vejo.
E macal-os vós cuydades
en o meu coraçom no ey
tam grand'amor, meu amigo,
que cousa no mundo nom sey
que a mi tolha desejo
de vós hu vos eu nom vejo.
E nunca mi bem queirades
que mi será de morte par
se souberdes, meu amigo,
ca poss'eu rem no mund'achar
que a mi tolha desejo
de vós hu vos eu nom vejo.
237
Meu amigo, poys vós tam gram pesar
avedes de mi vos eu assanhar,
por deus, a quem m'assanharey?
amigo como vyverey.
Se m'eu a vós, meu amig'e meu bem,
nom assanhar dized'em uma ren,
por deus, a quem m'assanharey,
amigo, como viverey.
Se m'eu a vós, que amo mays c'a mi
nom assanhar, se sabor ouver bi,
por deus, a quem m'assanharey,
amigo, como viverey?
Se m'eu a vós d'assanhar nom ouver
si quer doando quando m'eu quiser,
por deus, a quem m'assanharey,-
amigo, como viverey?
238
Quando-vos eu, meu amig'e meu bem,
nom posso veer, vedes que m'avem ;
tenho-lhe que nom posso veer,
meu amigo, que mi poss'aprazer.
Quando-vos eu, com estes olhos meus
nom posso veer, se mi valha deus,
tenho-lhe que nom posso veer,
meu amigo, que me poss'aprazer.
E nom dorm'eu, nem em preito nom é
hu vos eu nom vejo, e per boa fé
tenho-lhe que nom posso veer,
meu amigo, que me poss'aprazer.
E os meus olhos sem vós que prol m'ham,
poys nom dorm'eu com elles e de pram,
tenho-lhe que nom posso veer,
meu amigo, que me poss'aprazer.
48
CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA
PAYO SOARES
239
O meu amigo, que mi dizia
que nunca mays migo viveria,
par deus, donas, aqui é já.
Que muyto m'el avia jurado
que me nom visse mays, a deus grado,
par deus, donas, aqui é já.
O que jurava que me nom visse,
por nom seer todo quanfel disse,
par deus, donas, aqui é já.
Melhor o fezó, cá o nom disse
par deus, donas, aqui é já.
240
Donas, veeredes a prol que lhi lem
de lhy saberem ca mi quer gram bem ;
Par deus, donas, bem podedes jurar
do meu amigo que mi fez pesar;
mays deus e quem cuycTa mi aguardar,
de lhi saberem que mi quer gram bem.
Sofrer-lhe-ey eu de me chamar senhor,
nos cantares que fazia d'amor,
mays em mentar-me todo com sabor
de lhi saberem que mi quer gram bem.
Foy-m'el en seus cantares en mentar,
veedes ora se me deva queixar,
cá sse nom quis meu amigo guardar
de lhi saberem que mi quer gram bem.
241
Quando sse foy meu amigo
jurou que cedo verria,
mays pois nom vem falar migo,
por en por santa Maria
nunca me por el rroguedes,
ay, donas, ss'é que devedes.
Quando sse foy fez-rae preyto
que sse verria muy cedo,
e mentiu-me, torfha feito,
e poys de mi nom ha medo,
nunca me por el roguedes
ay, donas, s'é que devedes.
O que vistes que dizia
ca andava namorado,
poys que nom veiu o dia
que lh'eu avia mandado;
nunca me por el roguedes
ay, donas, s'é que devedes *.
NUNO FERNANDES T0RNE0L
242
Levad'amigo, que dormides as manhanas frias;
todal-as aves do mundo d'amor diziam
leda m'and'eu.
1 Viden.°4l3: canção assignada por Àffonso E?nnes
de Coton, idêntica.
LevacT amigo, que dormidel-as frias manhanas;
todal-as aves do mundo d'amor cantavam
leda m'and'eu.
Todal-as aves do mundo d'amor diziam
do meu amor e do voss'en mentaryam,
leda m'and'eu.
Todal-as aves do mundo d 1 a mor cantavam
do meu amor e de voss'y en mentavam
leda m'and'eu.
Do meu amor e do voss'en mentaryam
vós lhi tolhestes os ramos em que siiam,
leda m 1 and 1 eu.
Do meu amor e do vossy en mentavam,
vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam ;
leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos em que siiam,
e lhis secastes as fontes em que be viam ;
leda m'and'eu.
Vós lhi tolhestes os ramos em que pousavam,
e lhis secastes as fontes hu sse banhavam
leda m'aod'eu.
243
Aqui vej'eu, Olha, o voss'amigo-,
o por que vos baralhades migo,
delgada.
Aqui vejo, filha, o que amades,
o por que vós migo baralhades,
delgada.
Porque vos baralhades migo,
que tolheu bem poys a vofts'amigo
delgada.
O por que vós migo baralhades
quero-lh'eu bem, poyl-o vós amades,
delgada.
244
Ay, madr o meu amigo, que nom vi
a gram sazom, dizem-me que é'qui ;
madre, per boa fé, led'and'eu.
E sempr'eu punhey de lhi mal fazer
mays poys ora veiu por me veer,
madre, per boa fé, led'and'ea.
Por quanta coyta el por mi levou
nom lhi poss'al fazer mays, poys chegou
madre, per boa fé, led'and f en.
245
Que coyta tamanha ey a sofrer
por amar amigu'e nom o veer,
e pousarey sol o avelanal.
Que coyta tamanha ey endurar
per amar amigu'e nom lhi falar,
e pousarey sol o avelanal.
Por amar amigu'e nom lhi falar
nom lh'ousar a coita que ei mostrar,
e pousarey sol o avelanal.
JOHAM NUNEZ CAMANES
49
Por amar amigu'e o nom veer
nom lh'ousar a coita que ei dizer;
e pousarey sol o ave lanai.
Nom lh'ousar a coita que ei dizer,
e nom mi dam seus amores lezer;
e pousarey sol o avelanal.
Nom Ih 1 o usar a coita que ei mostrar,
e nom mi dam seus amores vagar,
e pousarey sol o avelanal.
246
Vy eu, mha madr', andar
as barcas en o mar,
e moyro-me d'amor.
Fuy eu, madre, veer
as barcas en o lez,
e moyro-me d'amor,
As barcas no mar
e foi-las guardar,
e moyro-me d'amor.
As barcas en o lex
e foi-las atender,
e moyro-me d'amor.
E foi-las aguardar
e nom o pud'achar,
e moyro-me d'amor.
E foil-as atender,
e nom o pude veer,
e moyro-me d'amor.
E nom o ach'eu hy,
que per meu mal vi,
e moyro-me d'amor.
247
Trisfanda, mha madr', o meu amigo,
e eu triste por el, ben vol-o digo;
e se n^el morrer, morrer- vos ey eu.
E morrerá por mi, tanfé coitado,
e vós perderedes meu gasalfiado;
e se m'el morrer, morrer-vos ey eu.
•
248
Foi-ss'um dia meu amigo d'aqui
e nom me vyu, e porque o nom vi,
madre, ora morrerey.
Quando m'el vyu nom foy polo seu bem,
ca morre agora por mi e por en,
madre, ora morrerey.
Foy-ss'el cTaqui e nom m'ousou falar,
nem eu a el e por eu com pezar,
madre, ora morrerey.
249
Dizede-m'ora, filha, por santa Maria,
e qual he o vo?s'amigo que mi vos pedia?
Madreu amostrar volo-ey.
7
Qual é voss ? amigo que mi vos pedia
se m'ho vós mostrassedes gracir vol-o-ya.
Madr'eu amostrar volo-ey.
E m'ho vós amostrardes gracir vol-o-ya
direy vol-eu logo en que ss'atrevya;
Madr 'eu amostrar vol-ey.
PÊRO GARCIA, BURGALEZ
250
Ay, madre, ben vos digo,
mentiu-m'o meu amigo;
sanhuda lh'and'eu.
Do que m'ouve jurado,
poys mentiu por seu grado,
sanhuda lh'and'eu.
Non foy oyr a vya
mays bem de aquel dia,
sanhuda lh'and'eu.
Non é de mi partido,
mays porque m'ha mentido,
sanhuda lh'and'eu.
251
Non vos nembra, meu amigo,
o torto que mi fezestes
posestes de falar migo
sin eu, e vós nom veestes;
e queredes falar migo
e nom querrey eu migo.
Jurastes que todavya
verriades de bon grado
ante que sayss'o dia,
mentiste-mi, ay perjurado
e queredes falar migo
e nom querrey eu migo.
E ainda me rogaredes
que fareu algur com vosco,
e per quanto mi fazedes
direy que vos nom conhosco,
e queredes falar migo
e nom querrey eu migo.
JOHAM NUNEZ GAMANES
252
Se eu, mha filha, for
vo3s'amigo veer,
porque morre d'amor
enom pôde viver;
d'iredes comigu' i
par deus, mha madre, irey.
Poys vos quero tam gram ben
que nom pôde guarir,
dizede-m'unha ren
poys eu alà quero hir ;
50
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
cTiredes comigu' i,
par deus, mha madre, irey.
Sempre lh'eu coita vi
per vós e morfay,
Olha poys eu vou, e
mig'outrem nom vay;
d'iredes comigu' i
par deus, mha madre, irey.
253
Vistes, filha, n'outro dia
hu vos dix'eu quebram prazer
eu avya dardes veer
voss'amigo que moiria ;
nom vol-o dix'eu por seu ben
mays por que mi dissera quem
nom viu que já nom guarria.
Por ai vos nom mandaria
vel-o, mays oy dizer
a quen o vyu assi jazer
que tam coitado jazia,
que já nom guarirâ per ren ;
mando-vol-o veer por en
por mal que vos d'ele seria.
E porque nom poderia
íalar-vos, nem vos conhocer,
nem de vós gasalhad'aver
mand'oy vol-o veer entom
por aquesto, que por ai nom,
filha, par santa Maria.
254
Par deus, amigo, muyfa gram sazon
que vos nom vi, e vedes porque non;
porque vos nom quis mha madre veer.
Defendeu-mi, que per nenhuma ren
nunca vos visse, nem vos vi por en,
porque vos nom quis mha madre veer.
Yyra-vos eu, nom fezera end'al
poyl-o roguei, mays estar-m'ia mal,
porque vos nom quis mha madre veer.
Roguey-lh'eu que vos viss'e nom quis deus
que me vissem aquestos olhos meus;
porque vos nom quis mha madre veer.
Nom mi devedes vós culpa poer,
amigo, cá vos nom ousey veer,
porque vos nom quis mha madre jveer.
255
Hyd'ay, madre, veel-o meu amigo,
que é coytado porque nom fala migo;
e irey eu comvosco se vós quyserdes.
Tan coitado que morrerá se me nom vir,
id'ay, mha madre, veel-o poyl-o guarir;
e irey eu comvosco se vós quiserdes.
Porquedemortemequergranbèdecoraçõ
ide veel-o, mha matlr',e guarrâ entom,
e irey eu comvosco se vós quiserdes.
256
Par deus, donas, quando veér
meu amigu'e migo falar,
nunca no mund'a meu cuidar
foy outra tan leda molher
como eu serey, des que o vir,
mays pêro triste serey.
AYRAS CARPANCHO
257
Ghegades vòs, ay amiga, d'ué meu amigo
e cura el falastes, mays eu bem vos digo,
que falarey vosco tod'aqueste dia
poys falastes com quem eu falar querya.
D'u é meu amigo ben sey que chegades
e com el falastes, mays por mi creades
que falarey vosco lod'aqueste dia,
poys falastes com quem eu falar queria.
Grã bem é con vós, muifen que vos diga
poys com el falastes, ereades, amiga,
que falarey vosco tocTaqueste dia
poys falastes com quem eu falar queria.
258
Tanto sey eu de mi parte
quanfé de meu coraçon,
cá me teu mha madre presa,
e mentr'eu en sa prisom
for, nom veerey meu amigo.
E por aquesta longada
querria per bona fé
seer d'u está, mha madre,
cá menir' hu ela é
for, nom veerey meu amigo.
Por quanto nfoutra vegada
sen seu grado com el vi
guarda-me d'el a perfla,
e oy mays em quanfassy
for, nom veerey meu amigo.
De mi nem de mha fazenda
nom poss'cu parte saber,
ca sey bem de mha madre
que mentr'oy em seu poder
for, nom veerey meu amigo.
259
Madre velida, meu amigo vi, *
nom lhi faley, e con el me perdi;
e moyr'agora querendo-lhe bem,
non lhi faley ca o tiv'em desdém;
moyro eu madre querendo-lhi bem.
Se lh'eu fiz torto, lazerar-m'-ho-ey
com gram dereito cá lhi nom faley,
e moyr'agora querendo-lhi bem,
nom iVy faley cà o liv'em desdém,
moyro eu madre querendo-lhe bem.
DOM JOHÀM D'AVOYM
51
Madre velida, ide-lhi dizer
que faça bera e me venha veer;
e mojTagora querendo-lhi bem,
nom lhi faley, cá o tiv'em desdém,
moyro eu, madre, querendo-lhi bem.
260
A mayor coyta que eu no mund'ey,
meu amigo, nom Ih 'ouso falar,
cá migo que nunca desejar
soube ou Ira ren senon mi, eu o sey,
e sse o eu por mi leixar morrer,
será grara torfe nom ey de fazer,
Que Ih'eu quisesse bem de coraçom
qual a mi quer o meu dcs que me vyu,
e nulhamor nunca de mi sentiu,
e foy coytado per mi des entom ;
e sse o eu per mi leixar morrer,
será gram lorte nom ey de fazer
Que lhi quisesse bem qual a mi quer
o meu, que tam muyfa que desejou
meu bem fazer, e nunca lhi prestou
e será morto se ll^eu nom valer;
e sse o eu por mi leixar morrer,
será gram torfe nom ey de fazer
O mayor torto que pode seer,
leyxar dona seu amigo morrer,
261
i Que me mandades, ay madre, fazer
ao que, sey, que nunca bem querer
soube outra rem?
Par deus, Olha, digades o sabor de viver,
e será bem,
Que lhi farey se veher hu eu for,
e mi quizer dizer, como é o senhor,
alguma rem?
Digades, filha, de quanto viver sabor
e será bem.
E el que vyv^m gram coita d'amor
garra por en.
262
Madre, poys vós desamor avedes
a meu amigo, porque sabedes
cá mi quer ben, veel-o-ey,
e se vós, madre, algum bem queredes
loar-raho-edes, eu o sey.
Por desamor que lhi semprouvestes,
madre velida, des que soubestes
cá mi quer bem, veel-o-ey,
e sse vós, madr\ algum ben queredes
loar-nfo-edes, eu o sey.
Por mui gram coyta que ha con sigo,
madre velida, bera vol-o digo
cá se poder veel-o-ey;
e sse mi vós, madr 1 , algum bem queredes
loar-m'ho-edes, eu o sey.
263 £ 264
Molher confeu nom vive tal vida,
trage-me mal, mha madre, velida,
por vosso amigo.
A mha coyta nom lhi sei guarida,
trage-me mal, mha madre velida,
por vosso amigo.
Trage-me mal, mha madre velida,
pouco ha que fui mal ferida
por vosso amigo.
265
Por fazer romaria pug*en meu coraçon
a Santiago ura dia por fazer oraçom,
e por veer meu amigo logu'i.
E sse fezcr tempo, e mha madre nom for,
querrey andar mui leda e parecer melhor,
e por veer meu amigo logu'i.
Quer'eu ora mui cedo provar se poderey
hir quey mar mhas candeas con grã coita qu'ey;
e por veer meu amigo logu'i.
VAASCO GIL
266
Irmãa, o meu amigo
que mi quer ben de coraçom,
e que é coytado por mi,
se nostro senhor vos perdon',
terey-de^lo veer comigo,
irmãa, o meu amigo.
Irmãa, o meu amigo
que sey que me quer mayor bem,
cá sy nunc'a seu coraçom
fazede per mi hua rem,
terey-de-lo veer comigo,
irmãa, o meu amigo.
Irmãa, o meu amigo
que mi quer melhor c'a os seus
olhos, e que morre por mi,
que vos amostfo vosso deus,
terey-de-lo veer comigo,
irmãa, o meu amigo.
DOM JOHAM DAVOYU
267
Quando se foy n'oulro dia d'aqui
o meu amigo, rogucy-llfpu por deus,
chorando muito (Kcstcs olhos meus,
que nom tardasse <lisse-m'el assy:
que nunca deus lhi desse de mi bem
se nom vehesse mui ced\ e nom vem.
Quando se foy n'outro dia que nom
pud'al fazer, dixi-lVeu: se tardar
quizesse muito, que nunca falar
podia migu'e disse-nfel entom:
52
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
que nunca deus lhe desse de mi bem
se nom vehesse mui ced', e nom vem.
Non sey, que x^stou que pode seer
porque nom vem, poys que lh'o eu roguey,
cà el mi disse, como vos direy:
e sol nom meteu hi de nom poder,
que nunca deus Ihi desse de mi bem
se nom vehesse mui ced 7 , e nom vem.
Nom sey que dig'a lanto iné gram mal
do meu amigo de como morreu,
câ mi diss'el hu sse de mi quitou
e nom sacou en de morte, nem ai;
que nunca deus lhi desse de mi bem
se nom vehesse mui ced', e nom vem.
268
Cuydades vós meu amigo hunha ren,
que me nom poss'assanhar sem razom
eu contra vós como vós, porque nom
escontra mi cuydades hy mal sen,
cá poder ey de m'assanhar assy
eu contra vós, como vós contra mi.
E sse cuydades cá nom ey poder,
meu amigo, de mi vos assanhar,
bem como vós a mi, hides cuydar
mal sen, eu logo vos farey veer
cà poder ey de m^assanhar assy
eu contra vós, como vós contra mi.
Cuydades que poder nom ey
de me vos assanhar se m'eu quiser,
ben como vós a mi se vos prouguer,
ben outro si me vos assanharey;
câ poder ey de m'assanhar assy
eu contra vós, como vós contra mi.
Mays pois me vos deus por amigo deu
e mi a vós por amiga muyfha,
quitade-vos vós de cuydardes já .
o que cuydades, cá bem vos digu'eu;
câ poder ey de m'assanhar assy
eu contra vós, como vós contra mi.
269
Vistes, madre, quand'o meu amigo
pos que verria falar comigo,
oj'em dia cuydades que venha?
Vistes hu jurou que nom ouvesse
nunca de mi bem se nom vehesse;
o^em dia cuydades que venha?
Viste-las juras que me jurou entom,
que verria sem morfou sem prisom;
oj'em dia cuydades que venha?
Viste-las juras que jurou aly
que verria, e jurou-as per mi ;
oj'em dia cuydades que venha?
270
Que boas novas que oj'oyrá
o meu amigo, quando-llTeu disser
cá lhi quer'eu mayor ben cá tn'el quer
e el enton com ben que lhi será,
nom saberá como m'hagradecer
nem que mi diga con Iam gram prazer.
Cà lhi direy cá mui melhor c'a mi
lhi quer'eu já, nem c'a meu coraçom
nem c'a meus olhos, se deus mi perdon'
e poys que lh'eu tocTesto meter hi,
nom saberá como nfagradecer,
nem que mi diga com tam gram prazer.
E outro prazer vos direy mayor
que vos eu dixi que lh'oj'eu direy,
que vyva migu'assy nom morrerey
e poys que lh'eu disser tam grand'amor,
nom saberá como n^agradecer,
nem que mi diga com tam gram prazer.
O que el deseja mays d'outra rera
lhi direy oje tanto que o vyr,
cá lhi direy cà nom posso guarir,
tal ben lhi quer'e el entom com bem,
nom saberá como m'agradecer
nem que mi diga com tam gram prazer.
271
Par deus, amigo, nunca eu cuydey
que vos perdesse como vos perdi,
porque nom parece melhor de mi
nem ar vai mays e tal queixun^end^ey,
que direy, amigo, per bona fé
como parece seu nome quem é.
Se vos foss'eu por tal dona perder
que me vencess'oj'en parecer bem,
ou em ai, que quer prazer-m'ia bem
mays tam sen guysa o fostes fazer
que direy, amigo, per bona fé
como parece seu nome quem é.
Em toda rem que vos possa buscar
mal, buscar- vol-o-ey, mentr'eu vyva for,
cà me leixastes per a tal senhor,
que bem vos digo com este pesar,
que direy, amigo, per bona fé
cojno parece seu nome quem é.
E poyl-o eu disse per bona fé
pesar-vos-ha poys souberem quem é.
272
Dized'amigo, em que vos mereci
por nom quererdes comigo viver
e saberedes que nom ey eu poder
de viver, poys vos paríides de mi,
e poys sen vós viver nom poderey
vivede nrigu'amig'e vyverey.
Vivede migu'e bem vos estará,
e averey sempre que vos gracir,
cá se vos fordes, e vos eu nom vyr,
nom viverey amigou ai nom ha,
e poys sem vós viver nora poderey
vivede migu^amig^ vyverey.
DOM JOHAM D'AVOYM
53
Se queredes que vos eu faça bem
ay, roeu amigo, em alguma sazon,
vivedes migo, se deus vos perdon'
cá nom poss'eu viver per outra ren;
e poys sem vós viver nom poderey
vivede migu'amig'e vyverey.
Poys entendedes, amigo com'é
a mha fazenda, por nostro senhor,
vivede migo cá poys sen vós for
nom poderey viver per boa fé;
e poys sem vós viver nom poderey
vivede migu'amig'e vyverey.
273
Disserom-nfora de vós hua ren,
meu amigo, de que ey gram pesar>
mays eu m*o cuydo mui' ben melhorar
se eu poder, e poderey mui bem,
cá o poder que sempre ouvi m'ey
e eu vos fiz e vos desfarev.
Dizem-mi que filhastes senhor tal
porque vos cuydastes de mi partir,
e bem vos é se vos a bem sayr,
mays doeste bem farey vos end'eu mal;
cá o poder que sempre ouvi m'ey
e cu vos fiz e vos desfarev.
Senhor filhastes, como oy dizer,
a meu pesar, e perderedes hi
s'eu poder, e poderey assy
como fiz sempre posso me poder ;
cá o poder que sempre ouvi m'ey
e eu vos fiz e vos desfarey.
E poys vos eu tornar qual vos achei
pcsar-m'ha en mays, pêro vingar-m'ei.
274
Pêro vos hides, amigo,
sen o meu grad'alhur viver,
nom vos hides ondei prazer
por nom falardes comigo,
cá d'aqui o poss'eu guysar
mays por mi fazerdes pesar.
E pêro vos hides d^àquem
nom vos hides do que mi praz,
por nom fazer en quanto faz
molher por hom'a que quer ben;
cá d'aqui o posseu guysar
mais por mi fazerdes pesar.
Hir-vos podedes, mays ben sei
cá nom direiles com razon
que nom faz'eu de coraçom
por vós quanto de fazer ci;
cá d'aqui o posseu guysar
mays por mi fazerdes pesar.
È pêro vos hir queredes
nom diredes per boa fé
com dereito que por mi é
ca fap'eu quanto dizedes;
ca d'aqui o poss'eu guysar
mays por mi fazerdes pesar.
275
Amigo, poys-me leyxades
e vos hides alhur morar,
rogu'eu a deus se tomades
aqui por comigo falar,
que nom ajades> amigo,
poder de falar comigo.
15 poys vós vos hir queredes
e me nom queredes creer>
rogu'a deus se o fazedes
e tornardes por me veer>
f que nom ajades, amigo,
poder de falar comigo.
Poys nom catades mesura
neiíl quanto vos eu fiz de ben,
rogu'a deus, se por ventura
torliades, per mi dizer ren,
que nom ajades, amigo,
poder de falar comigo.
Poys vos hides sem meu grado
e nom dades nada por mi,
rogu'eu a deus, se coytado
fordes e tornardes aqui,
que nom ajades, amigo,
poder de falar comigo.
276
Amig'ouv'eu a que queria ben
tal sazom foy, mays já migo nom ey
a que bera queira nem no averey
em quanto vyva já per hunha ren,
ca mi mentiu o que mi soya
dizer verdad'e nunca mentia.
E pouc'ha, que lh'eu oy jurar
que nom queria bem outra molher
se nom mi, e sey eu que lh'o quer;
e por esto nom poss'eu ren fiar,
ca mi mentiu o que mi soya
dizer verdad'e nunca mentia.
Mays me fiava por el c'a por mi,
nem ca per rem, que no mundo viss'al
e mentiu-nVora tam sem guysa mal,
que nora ficarey ca rem des aqui,
ca mi mentiu o que mi soya
dizer verdad'e nunca mentia.
E sse outr'ouvesse mentyr-nfya,
poys mi mentiu o que nom mentia.
277
por que sempre mha madre roguey
que vos visse, meu amigo, nom quer,
mays pesar-lh'a muyto quando souber
que vos eu digu'esto que vos direy:
cada que migo quiserdes falar
54
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
falade migife pes' a quem pesar.
Pose a quem quer, e mate-se por en,
ca posfé já o que já deve seer,
veer- vos ey se vos poder veer
e poderey; ca meu lum'e meu ben,
cada que migo quiserdes falar
falade migu'e pes' a quem pesar,
Poys entendo que mha raorfe meu mal
quer, poys nom quer rem de quanfa mi praz,
e poyl-o ela por aqueslo faz
làzed'aquest'e depoys far&-s'al,
cada que migo quiserdes falar
falade migu'e pçs' a quem pesar.
Sempr'eu punhei de mha madre servir
mais por esto ca por outra razom,
por vos veer amigue por ai nom,
mays poys m'ho ela nom quer consentir,
cada que migo quiserdes falar
falade migu^e pes' a quem pesar,
278
Cavalgava n'oulro dia
per hun caminho francez,
e hunha pastor siia
cantando com outras trez
pastores, e nom vos pez',
e direy-vos todavya
o que a pastor dizia
aas outras em castigo :
«Nunca molher créa per amigo,
«poys s'o meu foy e nom falou migo.»
Pastor, nom dizedes nada,
diz hua d^elas enton,
se se foy esta vegada
ar verrà s'outra sazon,
e dig'a vós per que nom
falou vosc', ay bem talhada,
e é cousa mays guisada
de dizerdes com'eu digo:
«Deus! ora vehesse o meu amigo,
«e averia gram prazer migo.»
279
Muytos vej'eu que se fazen de mi
sabedores que o non son de pram
nem o forom nunca, nen o seram,
e poys que eu d'eles estou assy,
non sabem tanto que possam saber
qual est a dona que me faz morrer.
Ca sempre m'eu de tal guisa guardarey,
que nom soubessem meu mal nem meu ben,
e fazem-s^ora sabedores en,
mas pêro cuydam saber quanfeu sey;
non sabem tanto que possam saber
qual est a dona que me faz morrer.
Digam jfandando quis'© que quiser,
ca mi sei eu como d'eles estou,
bem grad'a deus que m'end'assi guardou,
que se s'aquesto por mi nom souber,
nom sabem tanto que possam saber
qual est a dona que me faz morrer.
E muyto sabem, se nunca saber
o por mi podem e per lli'eu dizer,
DOM JOHAM SOARES COELHO
280
Per boa fe, mui fremosa, sanhuda
sej'eu e triste, coytada por en
por meu amigu'e meu lunTe meu ben,
que ey perdud'e el mi perduda,
porque se foy sen meu grado d'aqui.
Cuydou-s'el que mi fazia mui forte
pesar de s'ir porque Ihi nom faley;
pêro ben sabe deus ca nom ousey,
mays seria-lh'oje melhor a morte
porque se foy sen meu grado d'aqui.
Tan cruamente lh'o cuyd'a vedar,
que bem mil vezes no seu coraçom
rogu'el a deus que lhi dê meu perdon
ou sa morte se lVeu nom perdoar,
porque se foy sen meu grado d'aqui.
281
Foy-ss'o meu amigo d'aqui n'outro dia
coytad'e sanhud'e nom soub'eu ca s'ya,
mays já que o sey, e por saneia Maria
o que farey eu loupãa?
Que el falar migo e nom ouve guisado
e foy-s'el d'aqui sanhud'e mui coytado,
nunca depoys vi el nem seu mandado;
. o que farey eu louçãa?
Quê lh'ora dissesse quan triste oj M eu sejo
e quant'oj'eu mui fremosa desejo
falar-lh'e veel'e poys que o nom vejo
o que farey eu loupãa?
282
Amigo, queixun^avedes
de mi que nom falo vosco,
e quanfeu de vós conhosco
nulha parte nom sabedes
de quam muyto mal, amigo,
sofro se falardes migo.
Nen de com'ameapada
fui hu dia pola hida
que a vós fui e ferida
nom sabedes vós en nada,
de quam muyto mal, amigo,
sofro se falardes migo.
Des que souberdes mandado
do mal rauyfe mui sobejo,
que mi fazen se vos vejo
entom m'havcredes grado
de quam muyto mal, amigo,
DOM JOHAM SOARES COELHO
55
sofro se falardes migo.
E pêro se vós quiserdes
que vos fal'e que vos veja,
sol nom cuydedes que seja
se vós ante mim souberdes
de quam muyto mal, amigo,
sofro se falardes migo.
283
Ay, madr', o que eu quero bem
nom lh'ous'eu ante vós falar,
e a end'el tan gram pesar,
que dizem que morre por en;
e se assy morrer por mi
ay, madre, perderey eu hy.
Gran sazon a que me serviu
e nom mho leixastes veer,
e veherora-n^ora dizer
ca morre porque me nom vyu>
e se assi morrer por mi
ay, madre, perderey eu hy.
Se por mi morrer, perda m'he,
e pesar-m'ha se o nom vyr,
poys por ai nom pode guarir,
bem vos juro per boa fé ;
e se assi morrer por mi
ay, madre, perderey eu hy.
284
Oje quer'eu meu amigo veer,
porque mi diz que o nom ousarey
veer, mha madre; de pram vel-o-hey,
e quero tod'em ventura meter,
e desy saya per hu deus quiser.
Por em qual coita mi mha madre ten,
que o nom veja no meu coraçom;
ey oj'eu posto, se deus mi perdon,
que o veja e que lhi faça ben ;
e desy saya per hu deus quiser.
Pêro m'ho ela nom quer outorgar
hyl-ô-ei veer aly hu m'el mandou,
e per quanta coyta por mi levou
farey-llTeu esfe quanto ra'al roguar
e desy saya per hu deus quiser.
Ca diz o vervo — ca non semeou
milho quem passarinhos receou.
285
Faley hun dia por me baralhar
con meu amigo con outro m'el vysse,
e direy-vos que lhi dix'u m'el disse
porque lhe fezera tam gram pesar;
se vos hy, meu amigo, pesar flz
nom foy por ai, se non porque me quix.
Por baralhar com el e por ai non
faley com outren tal que o provasse,
e pcsou-lhi mays ca se o matasse
e perguntou-m'e dixi-lh'eu entom:
se vos hy, meu amigo, pesar flz
nom foy por ai, se nom porque me quix.
Aly hu eu com outr'ant'el faley
perguntou-m'ele porque lhi fazia
tam gram pesar ou se o entendia
e direy-vos como me lhi salvey:
se vos hy, meu amigo, pesar flz
nom foy por ai, se nom porque me quix.
286
Amigo, poys me vos aqui
ora mostrou nostro senhor,
direy-vos quanfha que sabor
nom ar ouve d'al nem de mi,
per boa fé viv'eu, meu amigo,
des que nom falastes migo.
E ar direy-vos outra ren,
nunca eu ar pudi saber
que x'era pesar nem praser,
nem que x'era mal, nem que bem;
per boa fé viv eu, meu amigo
des que nom falaste migo.
Nem nunca o meu coraçom,
nem os meus olhos ar quitey
de chorar, e tanto chorey
que perdi o sen des enton ;
per boa fé viv'eu meu amigo
des que nom falastes migo.
287
Amigas, por nostro senhor,
andade ledas migo
cá pupanlre mha madr'amor
e antr' o meu amigo;
e por aquesfando leda
gram dereyfei andar leda
e andade migo ledas.
Pêro mha madre nom foss'y
mandou-mi que o visse,
nunca tam bom mand'oy
como quando m'ho disse ;
e por aquesto ando leda,
gram dereyfey andar leda,
e andade migo ledas.
E mandô-o migo falar,
vedes que bem m'ha feyto,
e venho-mi vos en loar
ca pugi ja assy o preyto;
e por aquesto ando leda,
gram dereyfey andar leda
e andade migo ledas.
288
Vedes, amigas, meu amigo ven
e envyou-mi dizer e roguar,
que ll^aguis^eu de migo falar,
56
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e do tal preylo nom sey end'eu rera,
e pesa-mi que m'envyou dizer
que llu faça o que nom sey fazer.
Ca pêro m'end'eu gram sabor ouve?
e mui gram coita no meu coraçom
de lh'o guisar, se deus mi perdon 1
nom lh'o guisarey poys nom souber,
e pesa-mi que m'envyou dizer
que thi faça o que nom sey fazer.
Ca eu nunca com nulVorae faley
tanto me nom valha nostro senhor
des que naçi nçm ar fuy sabedor
de tal fala, nem na flz, nen a sey
e pesa-me que m'envyou dizer
que Ihi faça o que nom sey fazer A
289
Filha, direy-vos hunha reu
que de voss'amigu' entendi
e filhad'algun conselh'y,
digo-vos que vos nom quer ben
madre, creer vos-ey eíi d'al,
E nom d'esto, per boa fé,
ca sey que mui melhor ca sy
me quer, nem que m'eu quero mi ;
mal mi venha se assi é,
madre, creer-vo&-ey eu d'al
Mays nom d'esto, ca si lhe praz
de me veer, que poys naçi
nunca tal prazer d'ome vi ;
filha, sey eu que o nom faz ;
madre creer- vos-ey eu d'al.
. Mays nom vos creerey per ren
que no mundo a que queira Lara gram bem.
290
Ay, meu amigo, se vejades
prazer de quanto no muncTamades
levade-me vosc'amigo.
Por nom leixardes mi, bem talhada,
viver con^oj' eu vyvo coitada,
levade-me vosc'amigo.
Por deus, fllhe-x'i-vos de mi doo,
melhor vivedes migo, ca soo,
levade-me vosc'amigo.
291
Fui eu, madre, lavar meus cabellos
a la fonte, e paguey-m'eu d'elos
e de mi,
louçana, e
Fui eu, madre, lavar mhas garceras
a la fonte, e paguey-m'eu d'elas,
e de mi,
louçana, e
A la fonte paguey-m'eu d'eles;
a lá achey, madr', o senhor d'eles
e de mi,
louçana e
Ante que m'eu d'ali partisse
fui pagada do que mel disse
e de mi,
louçana, e . . ,
292
Ay, deus, a vol o digo,
foy-s'ora o meu amigo ;
e se o verey, velyda !
Quem m'end'ora soubesse
yerdad'e mi dissesse,
e se o verey, velida !
Foy-s'el mui sen meu grado,
e nom sey eu mandado
e se o verey, velida !
Que fremosa que sejo
morrendo com desejo ;
e se o verey, velida.
D01 JOHAM SOARES COELHO
293
Fremosa, a deus louvado
con tan muyto ben, como oj'ey,
e soo mays leda, a deus grado }
ca todo quanfeú desejey
vi, quando vi meu amigo.
Agora me foy mha madre melhor
ca me nunca foy melhor des quando naçi,
nostro senhor lh'o gradesca por mi
e ora é mha madre e mha senhor ;
• cá me mandou que falasse migo
quanfel quisesse, o meu amigo.
Sempre lh'eu, madr'e senhor chamarey,
e puynharey de lhe fazer prazer
por quanta me non quiz leixar morrer
e morrera, mais já non morrerey,
ca me mandou que falasse migo
quanfel quisesse, o meu amigo.
ESTEVAM REYH0ND0
294
Amigo, se ben ajades,
rogo-vos que mi digades
por que non vyvedes migo,
meu conselh'e meu amigo,
porque nom vivedes migo ?
Se mi vós tal ben queredes,
amigo, qual me dizedes,
porque nom vivedes migo,
meu conselh'e meu amigo,
porque nom vivedes migo?
Poys eu nada nom desejo
se nom vós, hu vos nom vejo,
JQHAM LOPES BE ULHOA
57
porque nom vivedes migo,
meu conselho meu amigo,
porque nom vivedes migo?
Poys que nom desejey ai nada
se nom vós d'esta vegada,
porque nom vivedes migo,
meu conselho meu amigo,
porque nom vivedes migo?
295
' Anda triste meu amigo,
mha madre, ha de mi gram despeyto
porque nom pode falar comigo
e non por ai ; e faz gram dereylo
d' and ar triste o meu amigo
porque nom pode falar migo.
Anda trisfo meu amigo,
mha madre, tenho que seja morto
porque nom pode falar comigo,
c nem por ai ; e nom faz gram torto
d'andar trisfo meu amigo
porque nom pode falar migo.
Anda trist' o meu amigo,
mha madre, anda por en coitado
porque nom pode falar comigo
c nom per ai ; e faz mui guisado
d'andar triste o meu amigo
porque nom pode falar migo.
JOHAM LOPES DE ULHOA
296
Oy ora dizer que ven
meu amigo, de que eu ey
muy gram queixunVe averey
se m'el mentir por nullft ren,
como pod'aquesto fazer ;
poder sen mi tanto morar
hu mi nom podesse falar.
Non cuydei que tam gram sazon
cl podesse per ren guarir
sen mi, e poys que o eu vyr
se mi nom disser logu'entora
como pod'aquesto fazer :
poder sem mi tanto morar
bu mi nom podesse falar.
Poder m'a, se o nom souber
que terra foy a que achou
hu el sen mi tanto morou,
se mi verdade non disser
como pod^aquesto fazer:
poder sen mi tanto morar
hu mi nom podesse falar.
297
Ay deus, hu é meu amigo
que nom menvya mandado,
8
cá preyfavya comigo
ergo se fosse coitado
de morte, que se vehesse
o mays cedo que podesse.
Quando s'el de mi partia
chorando fez-mi tal preyto
e disse quand'e qual dia
ergo se fosse mal treyto
de morte, que se vehesse
o mays cedo que podesse.
E já o praz' é passado,
que m'el disse que verria,
e que m'havia jurado
s'en gram coyta todavya
de morte, que se vehesse
o mays cedo que podesse.
E se eu encTal soubesse
que nunca Ihi bem qnizesse.
298
Que lrist'oj'cu ando, fazo gram razom,
foy-s' o meu amigu'; e o meu coraçom,
donas, per boa fé,
alà est hu el é.
Con tan gran coyta perderey o sen,
fuy-s'o meu amigu', e todo o meu bem
donas, per boa fé,
alà est hu el é.
E perdirey o sen, donas, ou morrerey;
fuy-s'o meu amigu'e quanto ben ey,
donas, per boa fé,
alà est hu el é.
Que adur quitou de me os olhos seus,
fuy-s'o roeu amigu' e o lume dos olhos meus
donas, per boa fé,
alà est hu el é.
299
Eu fiz mal sen qual nunca fez molher,
pêro cuydey que fazia bon sen
do meu amigo que mi quer gram bem,
e mal sen foy, poys m'el tan gran bem quer,
que o tive sempr'em desdém e nom
pode el saber rem do meu coraçom.
Ca nunca de mi pu(l'entender ai
e com essa coita se foy d'aqui,
e fez mal, se nunca tam mal sen vi
porque o fez, e acho-m'ende mal,
que o tive sempr'en desden e nom
pod'el saber rem do meu coraçom.
Por Ihi dar eu coyta por sabe'lo seu
coraçom, ben qu eu sairia ja,
m'encobri de mays, sempre jà scrà
mal para mi ca mal o perfiz eu,
que o tive sempre em desdém e nom
pod'el saber rem do meu coraçom.
58
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
I
300
Ja eu sempre meutre viva for
viverey mui coytada,
porque se foy meu amigo
e fui eu hy mui cerrada ;
por quanto lhi foy sanhuda
quando se de mi parlia
par deus, se ora, se ora chegasse
com el mui leda seria.
E tenho que lhi fez torto
de me lh'assanhar doado,
pois que m'o nom merecera
e foy-se por en coitado,
por quanto lhi fui sanhuda
quando se de mi partia
par deus, se ora, se ora chegasse
com el mui leda seria.
El de pram quen esto cuyda
que est migo perdudo,
ca se nom logo verria
mays por esto m'é sanhudo,
por quanto lhe fuy sanhuda
quando se de mi partia
par deus, se ora, se ora chegasse
com el mui leda seria.
301
Eu nunca dormo nada
cuydand'em meu amigo,
el que tam muyto tarda
se outr'amor ha sigo,
ergo lo m'eu querria
morrer oj'este dia.
E cuyd'eu eslo sempre,
nom sei que de mi seja,
el que tam muyto tarda
se outro bem deseja,
ergo lo m'eu querria
morrer oj'este dia»
Se o faz faz-mi torto,
e, par deus, mal me mata,
el que tam muyto tarda
se rostro outro lh f o cala
ergo lo m'eu querria
morrer oj'este dia.
Ca meu dano seria
de viver mays hum dia.
302
Que mi queredes, ay madr'e senhor,
ca nom ey eu no mund'outro sabor
se nom catar aly per ú a viir,
meu amigo porque moiro d'amor,
e nora poss'end'eu os olhos partir.
Já me feristes cem vezes por en,
eu, mha madre, nom ey outro ben,
se nom catar aly per u a viir
meu amigo, por quen perco o sen,
e nom poss'end'eu os olhos parlír.
Por aquel deus que vos fez nacer
leixade-me que nom possui fazer
se nom catar aly per u a viir
meu amigo, por quen quero morrer
e nom poss'end'eu os olhos partir.
DOM FERNÃO FERNANDEZ COGOMIXHO
303
Amigue nom vos nembrades
de mi, e torto fazedes
mays nunca per mi creades
se mui cedo nom veedes;
ca sodes mal conselhado
de mi sayr de mandado.
Nom dades agora nada
por mi, e poys vos partirdes
d'aqui, mays mui bem vingada
serey de vós, quando virdes
ca sodes mal conselhado
de mi sayr de mandado.
i\ T om queredes viver migo
e moiro com soydade,
mays veredes, amigo,
poys que vos digu'eu verdade,
ca sodes mal conselhado
de mi sayr de mandado.
304
Hyr quer^eu, madre, se vos progucr
hu é meu amigu', e se o poder veer,
veerey muy gram prazer.
Gram sazon ha, madre, que o nom vi;
mays poys mi deus guisa de o hir veer
veerey hi muy gram prazer.
305
Amiga, muyfha que nom sey
nen m'ar vehestes vós dizer
novas que querria saber
dos que ora son com el-rey,
se se vêem, ou se x'estam,
ou a que tempos se verram.
Enquanto falastes migo
dizede, se vos venha ben,
se vos disse novas alguém
dos que el-rey levou comsigo,
se se vêem, ou se x'estam,
ou a que tempos se verram.
Daria mui de coração
quem quer que aver podesse
a quem mi novas dissesse
del-rey e dos que con el son,
se se vêem ou se x'estam,
ou a que tempos se verram.
GONÇALO EANES DO VINHAL
59
Mays bcn sey o que faram,
porque mi pesa (urdaram.
300
Meu amigo, se vejades
de quanfamades prazer
quanfalhur muyto morades
que nom podedes saber,
amigo, de mi mandado
se sodes enton coytado ;
Dizede-m'o, meu amigo,
e par deus nom ro'o neguedes,
quando nom sodes commigo
e muyrha que nom sabedes
amigo, de mi mandado
se sodes entom covlado.
Ca sse faz que vós andàdes
quando vos de mi partides,
gram tempo que nom tornados,
e entom quando nom oydes
amigo, de mi mandado
se sodes entom coytado.
GONÇALO EAXES DO YIXH1L
307
Que leda que oj'eu sejo,
porque m'cnvyou dizer
ca nom vem com grani desejo
coytado d'u foy viver,
ay dona, lo meu amigo
se nom por falar comigo,
nen ven por ai, meu amigo,
se nom por falar comigo.
Envyou-mi seu mandado
dizer, qual eu creio bem
cà nom vem por ai coytado
de tam longe comei vc m,
ay dona, lo meu amigo
se nom por falar comigo,
nem vem por ai, meu amigo,
se nom por falar comigo.
Nulla coyla nom avya
tanlo creede per mi,
outro, nem el nom envia
mays quer que verria aqui,
ay dona, lo meu amigo
se nom por falar comigo,
nem vem por ai meu amigo,
se nora por falar comigo.
308
Par deus, amiga, quanto rececy
do meu amiguo todo ra'oj'avcm,
ca receey de mi querer gram bem
como m'el quer, pol o que vos dircy,
eu poys fui nada nunca ouvamor
nem quiz amigu'en tal sazom aver
e el íilhou-n^à força por senhor
a meu pezar e morrerá por en.
E nom se podalongar eu o sey
dos que migo falam, nem encobrir,
que Ihis eu nom falhe en ai para oyr
em mi falar, e já me lhi eu sanhey
porque o fez, e nunca el mayor
pezar oyo, mays nom podo fazer,
mays esse pouco que el vivo for,
farey-vo-lh'eu o que m'el faz sentir.
E sabe deus o pesar que end'ey,
mays nom se pode de um grara pezar
guardar se nom quenx'en d'el quer guardar,
mays sempre m'eu de tal preyto guardey,
o mays que pud'e nom ouvi sabor,
mays el me mata porque quer morrer
por mi de pram, e do que m'é peyor
nem poder já o coraçom quitar.
309
Quand'eu soby nas torres sobre lo mar
e vi onde soy a abafordar
o meu amig', amigas, tam gram pesar
ouv'eu enlom por el en o coraçom
quancreu vi estes outros per hy andar
que a morrer ouvera por el entom.
Quand'eu catey das torres derredor
e nom vi meu amigu'e meu senhor,
que oj'el por mi vyve tam sen sabor
ouv'eu enton tal coyta no coraçom
quando me nembrey dei c do seu amor
que a morrer ouvera por el entom.
Quand'eu vi esta cinta que m'el leixou,
chorando com gram coyla e me nembrou
a corda da camisa que m'el filhou
ouvi por el tal coyta no corazon
poys me nembra, fremosa, hu m'en mentou
que a morrer ouvera por cl entom.
Nunca molher tal coyla ouv'a sofrer
com'eu, quando me nembra o gram prazer
que lheu íiz huma cinta veu a cinger;
creceu-mi tal coyta no corazom
quand'eu soby nas torres polo veer,
que a morrer ouvera por el entom.
310
O meu amigo, que me quer gram bem,
nunca de mi pode aver se nom mal,
e morrerá hu nom pode aver ai
ca my praz, amiga, de morrer
por aquesto que vos quero dizer:
leix'a coydar en o mal que lhy en vem
e coyda sempre meu boum parecer.
E a tal hom\ amigas, que farcy
que assy morre e assy quer morrer,
porque aquele bem que nunca pode aver
nem averà, cà ja se lho panyo,
<iO
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
porque mi asy demanda d'u saiu
leix'a cuydar no mal que lhy eu dey
e coyda em mi fremosa que m'el vyo.
Camores tantas coytas lhy dam
por mi, que já á morte muy prompto está
e sey eu d'el que cedo morrerá,
e se morrer nom me faz hy pesar,
ca se nom soube da morte guardar;
leix'a coydar en o seu grande afam
e coyda sempre em meu bom semelhar.
311
Amigo, por deus, vos venlrora a rogar
que mi nom querades fazer perdoar
ao meu amigo que mi fez pesar,
e nom m'o roguedes ca o nom farey
alá que el venha ante mi chorar,
porque s'assanbou nom lhy perdoarey.,
Por quanto sabedes que mi quer servir
mais que outra rem, quero-lh'o gracir,
mais eu nom lh'o ey por en consentir, -
e nom mo roguedes ca o nom farey
atà que el venha mercee pedir,
porque «'assanhou nom lhi perdoarey.
Gram pesar lh'y farey, nom vistes mayor
porque nom guardou min, nen o meu amor,
sem filhar sanha ouve gran d'ir sabor,
e nom me roguedes ca o nom farey
atá que el senta hira de senhor,
porque s'assanhou nom lhy perdoarey.
E porque sey bem que nom pode viver
hu el nom poder os meus. olhos veer
fare-lh'eu que veja qual é meu poder^
e nom me roguedes que o nom farey
atá que eu veja que já quer morrer,
porque s'assanhou nom lhy perdoarey.
Mais pois que el tod'aquesto fazer, farey
eu por vós quanto fazer desejo,
mays ante por rem nom lhy perdoarey.
312
O meu amigo queixa-se de my,
amiga, porque lhi non faço bem,
et diz que perdeu já por mi o sem
e que o poss'eu desensandecer;
et nom sey eu se el diz verdad'y,
mais nom quer'cu por el meu mal fazer.
Queyxa-se el muyto, porque lhy nom flz,
amiga, bem; et diz que ha pavor
de mostrar mal se por mi morto for,
poyl-o poss 7 eu de morte couorecer,
et nom sey eu se el verdade diz,
mais nom quer'eu por el meu mal fazer.
313
Meu amigiTé d'áquem hido,
amiga, muy meu amigo,
dizem-mi, bem vol-o digo
que é já de mi parado;
mais que preito tarfi desavisado.
Pêro vistes que chorava
quando se de mi partia,
disserom-mi que morria
por outra e que trovava;
mays que preyto tam desavisado.
O que sey de pram que morre
por mi, que nom faz torto,
dizem m'ora que é morto
s'y se lh'outra nom acorre;
mays que preyto iam desavisado.
ROY QDEVMADO
- 314
meu amig 1 , ay amiga,
que muyfa prol buscastes
quando me por el rogastes,
pêro vos outra vez diga
que me vós por el roguedes,
nunca me por el roguedes.
El verrá ,bem o sabedes,
dizer- vos que é coylado,
mays sol nom seja pensado
pêro o morrer vejades,
que me vós por el roguedes
nunca me por el roguedes.
Quanto quiser tanto more
meu amigo e nós outra terra,
e ande comig'a guerra,
mays pêro ante vós chore
que me vós por el roguedes,
nunca me por el roguedes.
315
Quando meu amigo souber
que m'assanhey por el tardar
tam muyto quancTaquy chegar
e que lh'eu falar nom quizer,
muyto terra que baratou
mal, porque tam muyto tardou.
Nen tem agora el en rem
mui gram sanha que eu d'el ey,
quando cl veer com'eu serey
sanhuda, parecendo bem
muyto terra que baratou
mal, porque tam muyto tardou.
E quand'el vir os olhos meus
e vir o meu bom semelhar,
e o eu nom quiser catar
nem m'ousar el catar dos seus,
muyto terra que baratou
mal, porque tam muyto tardou.
Quando m'al vir bom parecer
com'oj'eu sey que m'el verá,
e da coyta que por myn ha
ESTEVAM COELHO
61
nom m'ousar nulha rem dizer,
muyto terra que b a ratou
mal, porque tam muyto tardou.
316
Dizem-ro'ora que nom verrà
o meu amigo, porque quer
muy gram bem d 'outra molher;
mays esto quem no creérà,
que nunca el de coraçom
molher muyfame, se mi nom.
Pode meu amigo dizer
que ama outrem mays c'a sy
nem que outra rem, nem c'a mi;
mays esto nom é de creer
que nunca el de coraçora
molher muyfame se mi nom.
Enfinta fazer el, eu o sey,
que morre por outra d'amor*
e que nom ha mi por senhor;
mays en esto nom creerey
que nunca el de corapom
molher muyfame, se mi nom.
RODRIGUES TENOYRO
317
«
Poys que vos eu quero mui gram bem,
amigu', e quero por vós fazer
quanto me rogades dizer,
vos quer'eu y rogar uma rem :
que nunca vós amig'ajades
amig'aque o digades;
nem eu nom quer'aver amiga,
meu amig a que o diga.
Quanto me vós quiserdes mandar
que por vós faça, bem sabede
que o farey, e vós fazede
por mi o que vos quero rogar:
que nunca vós amig'ajades
amig'a.que o digades;
nem eu nom qucfaver amiga,
meu amig'a que o diga.
Poys vos eu faço tam grand'amor
que nom quero ao meu catar,
quero- vos ante muyto roguar,
meu amigo, por nostro senhor,
que nunca vós amig'ajades
amig'a que o digades;
nem eu nom quer'aver amiga,
roeu amig'a que o diga.
318
Amigo, pois mi dizedes
cà mi queredes mui gram bem,
quandora vos fordes d'aquem
dizede-me que faredes?
Senhor fremosa, eu vol-o direy,
tornar-m'ey ced'ou morrerey.
Se nostro senhor vos perdon'
poys aqui sodes coytado,
quando fordes alongado
por deus, que farey entom?
Senhor fremosa, eu vol-o direy,
tornar-m'ey ced'ou morrerey.
319
Hir-vos queredes, amigo, d'aquem
e dizedes-mi vós que vos guys'en
que faledes ante comigu'; e meu
amigo, dizede oranmha rem :
como farey eu tam gram prazer
a quem mi tam gram pesar quer fazer?
Rogades-me vós mui de coraçom
que fale vosco, que ai nom aja hi,
e queredes- vos, amigo, yr d'aqui;
mays dized'ora, se deus vos perdon' :
como farey eu tam gram prazer
a quem mi tam gram pesar quer fazer?
Queredes que vos fale se poder
e dizedes que vos queredes hir,
mas se deus vos leixe cedo viir
dizede, amigo, se o eu fizer :
como farey eu tam gram prazer
a quem mi tam gram pesar quer fazer ?
320
Quyso-me hum cavalleyro dizer,
amigas, cà me queria gram ben,
e defendi-lh'0 eu, e hunha rem
sey, per quanfeu hi d'el pud'aprender :
tornou mui trisfe eu bem lh'entendi
que lhi pezou, porque lh'o defendi.
Quiz-m'el dizer, assy deus mi perdon'
o bem que mi quer, a mui gram pavor,
e quisome logo chamar senhor,
e defendi-lh'o eu, et el entom
tornou mui triste, eu bem lh'entendi
que lhi pezou, porque lh'o defendi.
Falava migu'e quiso-me falar
no mui gram bem que m'el diz ca mi quer ;
e dixi-lh'eu que nom lh'era mester
de falar hi, e el com gram pesar
tornou mui trisfe eu bem entendi
que lhi pezou, porque lh'o defendi.
ESTEVAM COELHO
321
Sédia la fremosa, seu fuzo torcendo,
sa voz manselinha, fremoso dizendo
cantigas d^amigo.
Sedia la fremosa seu fuso lavrando,
sa voz manselinha, fremoso cantando
62
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
cantigas d'amigo.
— Par deusde cruz, dona, sey eu que avedes
amor mui coitado, que Iam bem dizedes
cantigas d'amigo.
Par deus de cruz, dona, sey que andades
d'amor mui coylada, que tam bem cantades
cantigas d'amigo.
«Abuylre comestes, que adevinhades.»
322
Se oj' o meu amigo
soubesse, hyria migo .
eu ai rio me vou banhar,
ai maré. *
Se oj'el este dia
soubesse, migo iria
eu ai rio me vou banhar,
ai maré.
Que lhi dessess' a tanto
ca ja lilbey o manto,
eu ai rio me vou banhar,
ai maré.
ESTEVAM TRAVANCA
323
Por deus, amiga, que me pregunledes
por meu amigo que aqui nom ven,
e sempre vos eu poren querrey bem
par deus, amiga, se o fazedes;
cá nom ous'oj'eu por el preguntar
com medo de mi dizerem pezar.
Log' oj* amiga, polo meu amor
preguntad'os que aqui chegaron,
como ou de qual guisa o leixaron
e dizede-m 1 ©, por nostro senhor;
cá non ous'oj'eu por el preguntar
com medo de mi dizerem pezar.
Preguntade vol-o vosso amigo,
ca sei eu mui ben cá vol-o dirá
se era morto ou vivo que fará,
e falade-o commigo ;
ca non ousyeu por el preguntar
com medo de mi dizerem pezar.
324
Amigas, quando-se quylou
meu amigo un dia d 'aqui
pêro m'ho eu coytado vi,
e m'el ante muyto rogou
que lhe perdoasse, nom quix;
e fiz mal porque o nom fiz.
E pavor ey de s'alongar
d'aqui, assy deus mi perdon,
e farâ-o com gramrazom,
ca me veo ante rogar
que lhi perdoass'e num quix;
e fiz mal porque o nom fiz.
Chamava-m^l lume dos seus
olhos, e seu bem c seu mal,
poyFo nom fazia por aj
que o fezesse, por deus,
que lhi perdoasse nom quix ;
e fiz mal porque o nom fiz.
E se o poren perdud'ey
nunca mayor dereytovi,
ca veo chorar ante mi
e disse-m' o que vos direy:
que lhi perdoasse nom quix;
e fiz mal porque o nom Qz.
E sempre m'eu mal acharey
porque lh'entom nom perdoey,
cá se lh'eu perdoass^ly
nunca s'el partira d'aqui;
que lhi perdoasse nom quix,
e fiz mal porque o nom fiz.
325
Se eu a meu amigo dissesse
quanfeu já por el quisera fazer
hunha vez, quando m'el veo veer,
des que end'el verdade soubesse,
nom averia queixume de mi
como oj'el ha, nem s'yria d'aqui.
E se soubesse quam sen meu grado
nom fiz por el quanto eu quizera enton
fazer, amiga, se deus mi perdon'
per cornou cuid 1 e cuyd^guisado,
num averia queixume de mi
como oj'el ha, nem s'yria d'aqui.
326
Dizem, mha^miga, se nom fezer bem
a meu amigo, qu'el prenderá
morte por my, et peio que el a
por mim gran coyta c me quer gram ben
mais lhe valrria para nom morrer
nom lhe fazer bem ca de lh'o fazer.
Mais, amiga, hua cousa sey
de meu amigo que el averâ
morte muy cedo se meu bera nom a,
e per quanfoj' eu de mha fazenda sey,
mais lhe valrria pêra nom morrer
nom lhe fazer bem, ca de lh'o fazer.
RODRIGO EAXES DE VA SCO \CE LIOS
327
amig,
amiga, foy sazom
O voss
que desejava no seu coraçon
outra molher, mays em vossa prisom
está quite por vós doutra rem
e poys el nom deseja se vós nom
ben seria de lhi fazerdes ben.
El a outra dona soya querer
AFFONSO MEENDES DE BEESTEIROS
6
grani bera, amiga, c foy-vos veer
e ora ja dom pod'aver prazer
de si nem d'al se lhi por vós nom \em )
e poys assi é no vossb poder
ben seria de lhi fazerdes ben.
328
Se eu, amiga, quero fazei 4 ben
a meu amigo que ben nom quer ai
se nom a mi, dizem que é mal
mhas amigas, e faço mal sen ;
mays non as creo, ca sey huriha rem
poys meu amigo morre por morrei*
por mi meu bem e de lhi bem fazer.
Elas nom sabem qual sabor eu ey
de lhi fazer eu bem no meu coraçom,
e posso-llf o fazer mui com razom,
raays dizem logo que mal sen farey
mhas amigas, mays bua cousa sey
poys meu amigo morre por morrer
por mi meu bem e de lhi bem fazer.
Eu lhi farey bem, e elas verram
preguntar-nf ante vós porque o fiz,
e direy eu qual est a que o diz ;
e poys moyr'e outorgar-nf ho am,
ca lhis direi, mhas amigas, de pram
poys meu amigo morre por morrer
por mi meu bem, e de lhi bem fazer.
E ante lhi quero algum ben fazer
ca o leixar como morre, morrer,
por lhi falar bem ou polo veer
nora lhi quer'eu leixar morte prender.
329
O meu amigo nom ha de mi ai
se nom gram coyta que lhi nunca fal,
e, amigos, o coraçom lhi sal
por me veer; e dized'unha ren
poys nTel bem quer, e que ltf eu fapa mal
que faria se lircu fezesse bem.
Des que eu wdçi nunca lhi fiz prazer
e o mays mal que llf eu pudi faz^r
lhi Dz amiga, e quero saber
de vós, poys esle mal por mal non ten
e llf eu mal faç'e por mi quer morrer,
que faria se Ih'eu fezesse bem.
El é quite por mi d'outro senhor
e fapo-llf eu cada dia peyor,
pêro amiga, a mi quer melhor
c'a ssy nem ai, e pois llf assy aven
que lh'cu mal fap e nf el ha tal amor,
que faria se Hf eu fezesse bem.
AFFONSO MEENDES DE BEESTE1R0S
330
Fahfamigo, per boa fé
nf eu sey que queredes gram ben
outra molher, e por mi ren
nom dades • mays poys assy 6
oy mays fazede des aqui
compra d'outra ca nom de mi*
Ca n'outro dia vos achei
falar no vosse nom en ai
com outra^ e foy nf ende mal,
mays poys que a verdade sey
oy mays fazede des aqui
compra d'outra ca nom de mi.
E quando vos eu vi falar
com outra logu'i bem vi eu
que seu erades cá nom meu ;
raays quero-vos eu desenganar
oy mays fazede des aqui
compra d'outra, ca nom de mi.
331
Mha madre, venho-vos rogar
como roga fíllf a senhor;
o que morre por mi d'amor
leixade-ttfir com el falar;
quanta coyta el sigo ten
sey que toda lhi por mi ven.
E sodes desmesurada
que vos nom queredes doer
do meu amigo, que morrer
vejo, e and'eu coitada ;
quanta coita el sigo tem
sey que toda lhi por mi vem.
Veelo-ey eu, per boa fé
e darei-llfi tam gram prazer
porqu'el dev' agradecer
poyl-o seu mal ced'o meu he ;
quanta coyta el sigo tem
sey que todo lhi por mi vem.
332
Amigas, nunca mereceu
ornem como eu mercy mal
em meu cuydar, ca nom en ai,
mais ando-me por en sandeu
por quanto mi faz cuydador
d'aver eu bem de mha senhor.
Mais leixad'a nf andar assy
pêro vos ajades poder,
meus amigos, de me valer
sol nom vos doades de mi ;
por quanto mi fez coidador
d'aver eu bem de mha senhor.
Ca sey que per nenhum togar
amigos, que nom averey
d'ela bem, por quanto uuydey ;
mais leixade-nf assv andar
por quanto mi faz cuidador
d'aver eu bem de mha senhor.
Ca o sandeu quanto mais for
d'amor sandeu merece milhor.
64
CANCIONEIRO FOKTUGUEZ DA YATICANA
PÊRO GOMES BARROSO
333
Amiga, quero-vos eu já dizer
o que mi diss\) meu amigo,
que morre quando nou é comigo
cuydando sempre no meu parecer;
mays eu nom cuydo se el cuydasse
em mi que tanlo sen mi morasse.
Nunca Ihi já creerey nulha rem
poys tanto tarda, se deus mi perdon',
e diz ca morre d^slo ca d'al nom
cuydand'en quanto mi deus fez de ben
mays eu nom cuydo se el cuydasse
em mi que tanto sem mi morasse.
Porque Iam muylo tarda d'esta vez
sen pouqu'e -pouco se vay perdendo
comigu'e diz el que jaz morrendo
cuydand'en quam fremosa me deus fez;
mays eu nom cuydo se el cuydasse
em mi que tanto sem mi morasse.
E nom sey rem porque el ficasse
que nom vehesse se lh'eu nembrasse.
334
meu amigo que é com el rey,
faça Ihi quaiUv bem quiser, bem sey
'ca nunca bem no mundo pod'aver,
poys eu fremosa tam muyto bem ey
. se nom viver miguem quanfeu viver.
Punh'el-rey ora de Ihi fazer bem,
e quanto x'el quizer tanto Ihi dem,
ca nunca bem no mundo pode aver
se deus mi valha que Ihi valha rem
se nom viver migu'em quanfeu viver.
Faça-lh'ora quanto el quiser, e nom
more comigo, se deus mi perdon',
ca nunca bem no mundo pod'aver
nem gram prazer era o seu coraçom
se nom viver migu'emquant'eu viver.
Nem gram pesar quantos no mundo som
nom lh'o faram se lh'eu fezér prazer.
335
Direy verdade, se deus mi perdon'
o meu amigo se mi quer gram bem
nom lh'o gradesco, e mays d'outra rem
gradesco a deus en o meu coraçom,
que m'el fremosa fez tanlo mi deu
tanto de bem quanto Ihi perdi eu.
Se m'el quer ben como diz ca mi quer,
el faz guisa d'en polo fazer,
nem lh'o gradesco, e ey que gradecer
a deus ja sempr' o mays que poder,
que m'el fremosa fez tanto mi deu
tanlo de bem quanto Ihi perdi eu.
Sem^lquerbemnomlh^oquereunenmal
nem farey que Ihi gradesca hi,
mas quant' oj' eu no meu espelho vi
gradesc' a deus muyl', e gradesco lh'al
que m'el fremosa fez; tanlo mi deu
lanto de bem quanto lhe perdi eu.
PÊRO VYVYAENS
336
Poys vossas madres vam a San Simon
de Vai de Prados candeas queymar
nós as meninhas punhemos d'andar
com nossas madres, s'elas entom
queymem candeas por nós e por sy
e nos meninhas baylaremos hy.
Nossos amigos todos la hiram
por nos veer, e andaremos nós
bayland'ant ? eles fremosas sós,
e nossas madres poys que alá vam
queymem candeas por nós e persy
e nós meninhas baylaremos hy.
Nossos amigos hiram por cousir
como baylamos, e podem veer
baylar moças de bom parecer,
e nossas madres poys lá querem hir
queymem candeas por nós e por sy
e nós meninhas baylaremos hy.
337
Por deus, amiga, punhad'em partir
o meu amigo de mi querer bem,
non m'ho digades cá vós nom vai ren
nen mi mandes a ess 1 alá hir
ca tanta prol mi ten de Ihi falar
per boa fé, como de me calar.
Dizede-lh'ora que se parla já
do meu amor onde sempre ouve mal,
leixeroos ess'e falemos en ai
muyto confonda deus quem lho dirá,
ca tanta prol mi ten de Ihi falar ,
per boa fé, como de me calar.
Dizede-lh'ora que nom pod'aver
nunca meu bem, e que nom cuid'i sol
nom nrho digades, ca vos nom tem prol,
confonda deus a quem lho vay dizer,
ca tanta prol mi ten de Ihi falar
per boa fé, como de me calar.
FERNAH GONÇALVES DE SEAVRA
338
Pêro que eu meu amigo roguey
que sse nom fosse sol nom sse leixou
por mi de s'yr, e quand'aqui chegou
por quanfel vyu que me lh'eu assanhey
chorou tam muyfe tan de corapon
que chorey eu con doo dei enton.
JOHAM DB GUiLHADE
65
Eu lhi roguey que mays nora chorasse,
ca lhi partia que nunca poren
lhi mal quisesse, nem por outra rem;
e ante que lh'eu eslo rogasse,
chorou tam muyfe tam de coraçom
que chorey eu com doo d'el entom.
El mi jurou que se nom cuydava
que end 9 ouvess'a tam gram pesar
cà se nom fora bem quen fosse matar,
e quand el vyu que mi lh'assanhava
chorou tam muyfe tam de coraçom,
que chorey eu com doo d'el entom.
DOM AFWNSO LOPES DE BAYAM
339
Fui eu, fremosa, fazer oraçon
nom por mha alma, mays que viss'eu bi
o meu amigo, e poyl o nom vi,
vedes, amigas, se des mi perdon',
gram dcreyfé de lazerar poren
poys el nom veo nem a ver meu bem.
Ca fuy eu chorar dos olhos meus,
mays, amigas, e candeas queymar
nom por mha alma, mays polo achar;
e poys nom veo, nen o dusse deus,
gram dereyfó de lazerar poren
poys el nom veo nem a ver meu bem.
Fui eu rogar muyfa nostro senhor,
non por mha alma candeas queymey
mays por veer o que eu muyfamey
sempr'e nom veo o meu traedor,
gram dereyfé de lazerar poren
poys el nora veo nem a ver meu bem.
340
Madre, des que se foy d'aqui
meu amigo, non vi prazer
nem m'ho queredes creer;
e moyr'e se nom é assy
nom vejades de mi prazer
que desejades aver.
Des que s'ele foy per boa fé
chorey, madre, dos olhos meus
com gram coyta sab'oje deus
e moyr'e se assy nom é
non vejades de mi prazer
que desejades aver.
De mha morf ey mui gram pavor,
mha madre, se cedo nom vem,
e ai nom dovidedes en,
cà se assy nom é, senhor,
non vejades de mi prazer
que desejades aver.
341
Hyr quer'oj'eu, fremosa de coraçom,
por fazer romaria e oraçom
9
a sancta Maria das Leiras,
poys meu amigo hy vem.
Des que s'o meu amigo foy nunca vi prazer
e que^oj 1 ir, fremosa polo veer,
a sancta Maria das Leiras,
poys meu amigo hy vem.
Nunca serey leda se o nom vir,
e por esto fremosa and\>r'a hir
a sancta Maria das Leiras,
poys meu amigo hy vem.
342
Disseron-m'unhasnovasdequemémuigrãben
ca chegou meu amigu'e se el ali ven
a sancta Maria das Leiras
hirey velida, se hy vem meu amigo.
Disserom-m'unhas novas de que ei gram sabor
ca chegou meu amigo, e se el aly for
a sancta Maria das Leiras
hirey velida, se hy vem meu amigo.
Disserom-m'unhas novas de que ei gram prazer
ca chegou meu amigo, mays eu pol-o veer
a sancta Maria das Leiras
hirey velida se hy vem meu amigo.
Nunca com taes novas tam leda foy molher
cornou solo tom estas, e se hy veer
a sancta Maria das Leiras
hirey velida, se hy vem meu amigo.
JOHAM DE GUILHADE
343
Treydes todas, ay amigas, comigo
veer hum home muy to. namorado
que aqui jaze cabo nós mal chagado,
e pêro oy ha muy tas coytas comsigo,
non quer morrer porjaom pesar d'el alguen
que lh'amor ha, mays el muyfama alguen.
Jâ x'ora el das chagas morreria
se nom foss'o grand'amor verdadeyro,
preciade sempre amor de cavaleyro
cà, el de pram sobr'aquesto perQa ;
non quer morrer por nom pesar d*el alguém
que lh'amor ha, mays el muyfama alguém.
Lealmente ama Joham de Guylhade
e de vós todas lhi seja loado,
e deus lhi dé da porque faz grado,
ca el de pram com mui gram lealdade
nom quer morrer por nom pesar d'el alguém
que llVamor ha, mays el muyfama alguém.
344
Por deus, amiga, que serra
poys o mundo non é ren,
nen quer amiga senhor ben,
e este mundo que é já.
poys hi amor nom ha poder
. 66
CANCIONEIBO POETUGUEZ DA VATICANA
que presfa seu bom parecer,
nem seu bom talh'a quen o ha.
Vedes porque o dig'assy
porque nom ha no mundo rey
que viss'o talho que eu ey
que xe nom morresse por mi,
si quer meus olhos verdes son
e meu amig'agora nom
me vyu e passou por aqui.
Mays dona que amig'ouver
des oje mays crea por deus
nom s'esforcem os olhos meus,
cá des oje mays nom lh'é mester,
cá já meus olhos vyu alguém
e meu bom talh'e ora vem
e vay-se tanto que s'yr quer.
E poys que nom ade valer
bom talho, nem bon parecer
parescamos já como quer.
345
Quer'eu, amigas, o mundo loar
por quanto ben mi nostro senhor fez;
fez-me fremosa e de mui bom prez,
ar fez-mi meu amigo muyfamar,
aqueste mundo x'est a melhor ren
das que deus fez a quem el i faz bcn.
O parayso boo x'é de pram
cá o fez deus, e nom digu'eu de non
mayl-os amigos que no mundo son
amiga, muifambos lezer am ;
aqueste mundo x'est a melhor ren
das que deus fez a quem el i faz ben.
Querria-n^eu o parays'aver
des que moiresse bem com'é quem quer
mays poyl a dona seu amigo er
e com el pode no mundo viver,
aqueste mundo x'est a melhor ren
das que deus fez a quem el i faz ben.
Quem aqueslo nom lever por ben
nunca lhi deus dê en ele ren.
34G
Sanhud'andades, amigo,
porque non faço meu dano
vosqu'e per fé sen engano
ora vos par e vos digo,
ca nunca já esse preyto
migo, amigo, será feyto.
De pram nom son tam louca
que ja esse preyto faça,
mays dou-vos esta baraça
guardad'a cinfe a touca,
ca nunca já esse preyto
migo, amigo, será feyto.
Ay don Johan de Guylhade
sempre vos eu fui amigo,
e queredes que vos digo
en outro preyto falade,
ca nunca já esse preyto
migo, amigo, será feyto.
347
Amigas, o meu amigo
dizedes que faz enfinta
em cas del-rey da mha cinta,
e vede-lo que vos digo
mando-me-lh'eu que s'enfluta
da mha cinta e x'a cinta.
De pram todas vós sabedes
que lhi dei eu de mhas doas
e que m'has dá el mui boas,
mays d'esso que mi dizedes
mando-me-ltTeu que s'enflnla
da mha cinta e x'a cinta.
Se s'el en finge ca x'ousa
e direy-vos que façades,
já mays nunca m'o digades,
e direy-vos hua cousa
mando-me-lh'eu que s'enflnta
da mha cinta e x'a cinta.
348
Vistes, mhas donas, quando n'outro dia
o meu amigo comigo falou,
foy mui queixos'e pêro se queixou
dei-ltfeu enlom a cinta que tragia
mays el demanda-nfoutra solya.
E vistes que nunca, quem nunca tal visse,
por s'ir queixar, mhas donas, tan sen guisa,
fez-mi tirar a corda da camisa
e dei-lh'eu d'ela bem quanta m'el disse,
mays el demanda-m'al que no ferisse.
Sempre averà dom Joham de Guilhade
mentfel quiser, amigas, das mhas doas,
ca já m^end^el muytas deu e mui boas
desy terrey-lhe sempre lealdade,
mays el demanda-m'outra torpidade.
349
Amigas, tamanha coita
nunca sofri, poys fuy nada,
e direy-vol-a gram coyta
com que eu sejo coytada;
amigas, ten meu amigo
amiga na terra, amigo.
Nunca vós vejades coita,
amiga, qual m'oj'eu vejo,
e direy-vos a mha coita
com que eu coitada sejo;
amigas, tem meu amigo
amiga na terra, amigo.
Sej'eu moirendo com coita
tamanha coita me Olha
e de mha coita e coita
JOHAM DE GUILHADE
67
que trague que maravilha;
amigas, tem meu amigo
amiga na terra, amigo.
350
Par deus, amigas, já me nom quer ben
o meu amigo, poys ora ficou
onde m'eu vyn, e outra o mandou;
e direy-vos, amigas, bunha ren:
se m'el quizesse como soya,
j'agora, amigas, migo seria.
E jà cobrad'é seu coraçom,
poys el ficou hu lh'a mha cinta dei
e, mhas amigas, se deus me perdon',
se m'el quizesse como soya,
j'agora, amigas, migo seria.
Fez-m'el chorar muyto dos olhos meus
com gram pesar que m'oje fez prender
quand'eu dixi outro nfouvyra dizer,
ay, mhas amigas, se mi valha deus,
se m'el quizesse como soya
j'agora, amigas, migo seria.
351
Vy oj'eu donas mui ben parecer
e de muy bon prez e de muy bom sen,
e muy famigas som de todo ben ;
mays d'unha moça vos quoro dizer
de parecer venceu quantas achou
or'a moça que x' agora chegou.
Cuydava m'eu que nom avyam par
de parecer as donas que eu vi,
a tam bem me pareciam ali,
mays poila moça filhou seu loguar,
de parecer venceu quantas achou
or'a moça que x'agora chegou ;
Que feramente a todas venceu,
e a moedinha em pouca sazom,
de parecer todas vençudas som,
mays poil-a moça hi pareceu,
de parecer venceu quantas achou
or'a moça que x'agora chegou.
352
Amigas, que deus vos valba,
quando veher meu amigo,
falade semprunhas outra9
emquanfel falar comigo,
ca muytas cousas diremos
que ante vós nom diremos.
Sey eu que por falar migo
chegará el muy coytado,
e vós hide-vos chegando
li todas par'ess'estrado,
ca muytas cousas diremos
que ante vós nom diremos.
353
Morro, meu amigo, d'amor
e eu nom vol-ho creo ben,
e el mi diz logo por en
cá verrá morrer hu eu for,
cá mi praz de coraçom
por veer se moir'e se nom.
Envyou-nfel assy dizer
que el per mesura de mi
que o leixasse morrer aqui
e o vej'a quando morrer;
cá mi praz de coraçom
por veer se moir'c se nom.
Mays nunca já créa molher
que por ela morre assy,
cá nunca eu esse tal vi ;
e el moyra se lhi prouguer,
cá mi praz de .coraçom
por veer se moir'e se nom.
354
Diss'ay, amigas, don Joham Garcia
que por mi com pesar nom morria,
mal baratou porque o dizia,
cá por esfo faço morrer por mi;
e vistes vós o que s'en fengia
demo lev'o conselho que ha de sy.
El disse já que por mi trobava,
ar en mentou-me quando lidava,
seu dano fez que se nom calava,
ca por esto o faço morrer por mi;
sabedes vós o que se gabava
demo lev'o conselho que ha de sy.
El andou por mi muito trobando,
e quanfavya por mi o dando,
e nas lides me ia en mentando,
e por esto o faço morrer por mi,
pêro se muyto andava gabando
demo lev'0 conselho que ha de sy.
355
Fostes amig'oje vencer
na voda em bafordar bem
todo-los outros, e praz-m'en;
ar direy-vos outro prazer,
alevad'o parecer da voda,
per boa fé eu m'a levo toda.
E poyl-os vencedes assy,
nunca deviam a lanzar
vosc'amigo, nem bafordar,
ar falemos loguo de mi ;
alevad'o parecer da voda,
per boa fé eu m'a levo toda.
E muyto mi praz do que sey
que vosso bom prez verdade,
meu amigo, e per boa fé
outro gram prazer vos direy :
68
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
alevaiVo parecer da voda,
per boa fé eu m*a levo toda.
A toda las donas pesou
quando me vi comsigo estar,
e punharam de s'afeytar,
mays praza- vos de como eu vou;
alevad'0 parecer da voda,
per boa fé eu m'a levo toda.
35G
Chus mi tarda, mhas donas, meu amigo,
ô que el migo pozera,
e crece-nfend^nha coyta tam fera
que nora ey o cor migo ;
cuidey já que atâ que o visse
que nunca ben dormisse.
Quand'el ouVa fazer a romana
poz-m'ura dia talhado
que vyess'e nom vem, mal pecado,
oje sse compre o dia.
cuydey já que atá que o visse
que nunca bem dormisse.
Aquel dia que foy de mi partido
el mi jurou chorando,
que verria, e poys mi pez'e quando
já o praz'é saydo ;
cuidey já que atá que o visse
que nunca bem dormisse.
357
Cada que ven o meu amig'aqui
diz-m\ ay amigas, que perdoo sen por mi,
e diz que morre por meu ben ;
mays eu bem cuydo que nom est assy,
ca nunca lheu vejo morte prender
nem no ar vejo nunca ensandecer.
El chora muyto e filha-s'a jurar
que é sandeu, e quer-me fazer Ds
que por mi morr'e poys morrer nom quis
mui bem sey eu que ha ele vagar,
ca nunca lh'eu vejo morte prender
nem no ar vejo nunca ensandecer.
Ora vejamus o que vos dirá
poys veher viv'e poys sandeu nora for
ar direy-lh'cu : nom morrestes d'amor J
mays bem se quite de meu preito já,
ca nunca lhi vejo morte prender,
nem no ar vejo nunca ensandecer.
E já mays nunca mi fará creer
que por mi morre ergo se morrer.
358
Per boa fé, meu amigo,
mui bem sey eu que m'ouveste6
grand'amor, e estevestes
mui gram sazon bem comigo ;
mays vede-lo que vos digo
já çafou.
Os grandes vossos amores
que mi e vós sempr'ouvemos
nunca lhi cima fezemos
com'a Brancafrol e Flores;
mays tempo de rogadores
já çafou.
Já eu faley em folya
com vosqu'em gram cordura,
e en sen e em loucura
quanto durava o dia;
mays está hi don Jam Garcia
ja çafou.
E d'essa folya toda
ja çafou,
ja çafou do para da voda
já çafou.
359
Estas donzelas que aqui demandam
os seus amigos que lhis façam ben,
querrey, amigas, saber hunha ren
qu'é aquello que lhes demandam?
ca hum amigo que eu semp^amey
pediu-mi cinta e ja lh'a er dey,
mays eles, cuydo, que ai lhis demandam.
O meu seria perdudo comigo
per sempr', amigas, se mi pediss'al;
mays pedir cinta non é nulh'a mal
e por aquesto nem se perdeu migo;
mais se m'el outra demauda fezesse
deus me confunda se lh'eu cinta desae,
e perder-sMa já sempre comigo.
Mayl-a doncela que rauylha servida,
o seu amigo esto lh'é mester
dé lhi sa cinta se lhi dar quiser,
se entender que a muyto ba servida;
mays se x'el quer outro preyto raayor
maldita seja quem Ih' amiga for,
e quem se d'el tever por servida,
E se tal preyto nom sey end'eu ren
mays se o ela por amigo ten,
nom lhi trag'el lealdade cumprida.
360
Fez meu amigo gram pesar a mi,
e pêro m'el faz tamanho pesar m
fezestes-me-lh', amigas, perdoar
e chegou oj'e dixi-lh'eu assy:
viinde já cá, ja vos perdoey,
mays pêro nunca vos já bem querrey.
Perdoey-lh'eu, mays nora já com sabor
que lh'ouvesse de lhi ben fazer,
e el quiz oj'os seus olhos nferguer,
e dixi-lh'eu — olhos de traedor,
viinde já cá, ja vos perdoey,
mays pêro nunca vos jà bem quecrey.
Este perdon foy de guysa de pra»
que jà mays nunc'amig'ouve6s'amor,
DOM AFFONSO SANCHES
69
e nom ousava viir com pavor ;
e dixi-Hfeu — ay cabeça de cam,
viinde já cá, já vos perdoey,
roays pêro nunca vos já bem querrey.
361
Pez meu amigo, amigas, seu cantar
per boa fé, em mui boa razoo,
e sem enflnta, e fez-lhi bon son,
e unha dona lho quyso filhar;
mays sey eu ben por quen s'o cantar fez,
e o cantar já valrria hunha vez.
Tanto que lheu este cantar oy
logo lh'en foy na suma da razom
porque foy feyfe bem sey porque nom
e bua dona o quer para si
roays sey eu bem por quem s'q cantar fez
e o cantar já valrria unha vez.
E no cantar muy bem entendi eu
como foy feyf , e bem como por bem,
e o cantar é guardado muy bem
e hua dona o querria por seu;
mays sey eu bem porque s'o cantar fez,
e o cantar já valrria hunha vez.
KSTEVAV DA fiDAHDA
362
A voss^migo, amiga, que prol tem
servir- vos sempre muy de coraçom
sem bem que aja de vós se mal nom,
et com'amiga nom tem el por bem
entender de mi que lhy consenfeu
de me. servyr et se chamar por meu.
Que prol tem ou que fala lhe dá
de vos servir et amar mais que ai
sem bem que aja de vós se nom mal,
et nom tem el, amiga, que bem ha
entender de mi que lhy consenf.eu
de me servyr et se chamar por meu.
A deus, amiga, que nos céos s'é
pêro sey bem que me tem em poder,
non o servirey se noa por ben fazer,
et com' amiga et tem el que pouqu'é
entender de mi que lhy conseifeu
de me servyr et se chamar por meu.
PÊRO BMNELLAS
363 e 364
Avedes vós, amiga, guisado
de falar vosc'oj'ô meu amigo
que vem aqui, e bem vol-o digo,
por falar vosqu'e diz recado
de rogo, amiga, do voss'amigo
que fafades o meu falar migo.
E hu eu moro jâ el nom mora,
cá lhe defendi que nom morasse hi
e pêro sey que vos traz'ora aqui
bem vol o digo o recado agwa
de rogo, amiga, do vosso amigo,
que fafades o meu falar migo.
*
Gram sazom ha que meu bem demanda
e nunca pode comigo falar,
e vem agora voss'amigo rogar
e ora recado sey que vos manda
de rogo, amiga, do vosso amigo
que façades o meu falar migo.
365
Huú ric'ome, a quem buu trobador
trobou ogan'aqui em cas dei rey,
assentando em traz mi achey
vyu seer em huu logar peyor;
er si me dixi: vynd'a ca pousar;
e disse-m'el — seed'em vosso logar
bem sej^cá, nom quero ser melhor.
Quando m'assentey, assi veja prazer,
nora me guardava eu de tal acajon,
e quando o vy, ergui-me logo entom:
passad 7 acá, lhe fui logo dizer
que s'erguesse d'antre os criados seus,
e disse-m'el — gradesca- vol-o deus
nom me compre de melhor seer.
DOM AFFONSO SANCHES
366
Aflbnso AíTonses batipar queredes %
vosso criado, e cura nom avedes
que chame e diga, er esto fazedes
a quanto eu cuydo muy maao recado ;
cá esto digo como o averedes
Affonso Sanses nunca hatiçado.
367
Quando, amiga, meu amigo veer
em quanto lh'eu preguntar hu tardou
faláde vós nas dooçelas entom ;
e no sembrant', amiga, que fezer
veeremos bem se tem no corapom
a donzela por que sempre trobou.
368
Dizia la fremoamba :
ay deus, vai l
como estou d 'amor ferida,
ay deus, vai 1
Dizia la bem talhada:
ay deus, vai !
70
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
como estou d'amor coytada,
ay deus, vai !
E como estou d'amor ferida
ay deus, vai !
nom vejo o bera que queria,
ay deus, vai !
B como estou d'amor coytada
ay deus, vai !
nom vejo o que muito amava
ay deus, vai !
JODAM DE GUYLDADK
369
Foy-s'ora d'aqui sanhudo,
amiga, o vosso amigo;
amiga, perdudo é migo,
e pêro mig'oj'é perdudo
o traedor conheçudo
a cá verrá,
a cá verrá,
a cá verrá.
Amiga, desemparado
é já de vó6, e morreria;
sodes, amiga, sandia,
nom fogeu muy coytado,
mays ele mao seu grado
a cá verrá,
a cá verrá,
a cá verrá.
Amiga, com lealdade
dizem que anda morrendo,
vol-o andades dizendo,
amiga, esfé verdade
majTos que chufam Guylhade
a cá verrá,
a cá verrá.
a ca verra.
370
Ay, amigas, perdud'an conhocer
quantus trobadores no reyno som
de Portugal, já nom am coraçom
de dizer bem que soyam dizer,
e sol nom falam em amor
e ai fazem do que amar, e peor
nom querem já loar bom parecer.
Eles, amigas, perderon sabor
de vos veerem, ar direy-vos ai:
os trobadores já vam para mal
nom ha hi tal que já sirva senhor;
nem sol Iroba per hua molher,
maldita sej'a quem nunca disser
a quem nom troba, que é trobador.
Mays, amigas, conselho ad'aver
dona que prez'e parecer amar,
atender temp'e nom se queixar,
e leixar já a vol-o tempo perder;
cá bem cuyd'eu que cedo verrá alguém
que se paga do que parece ben
ou veredes cedo amor valer.
E os que já desemparados som
de vos servir, sabud'é que entom,
leixe-os deus ma amor prender,
371
Vehestes, amiga, rogar
que fale com meu amigo
e que o avenha migo,
mays quero m'eu d'ele quytar,
cá se com el algunha ren falar
quanfeu falar com cabeça de cam
logo-o todas sabe rara.
Cabeça de cam perdudo,
e poys nom ha lealdade
com outra fala em Guylhade
é traedor conheçudo;
e por esto, amigo, estudo
quanfeu falar com cabeça de cam
logo-o todas saberam.
E se lh'eu mhas doas desse,
amigas, como soya,
a todol-o el diria,
e ai quanf eu el dissesse
e falass'e com el fezesse ;
quanto eu falar com cabeça de cam
logo-o todos saberam.
JOHAM VAASQUES DE TALAVEYRA
372
Disseron-mi que avya de mi
o meu amigo queixum'e pesar,
e é tal que me nom sey conselhar,
e, amiga, se lh'eu mal mereci
rog'eu a deus, que o bem que m'el quer
a que o queyra ced'a outra molher.
E se èl queixume quiser perder
quede mi com coyta gracir-vo-lho-ey,
e, amiga, verdade vos direy
se lh'oj'eu queria mal merecer;
rogu'eu a deus que o bem que n^el quer
a que o queyra ced'a outra molher.
E fará meu amigo muy melhor
em perder queixume que de mi ha,
e par deus, amiga, bem lhe estará,
cá se ltTeu fuy de mal merecedor
rogu'eu a deus que o bem que m'el quer
a que o queyra ceda outra molher.
E se lhe o el por ventura quiser
mal dia eu naçi se o souber.
373
O meu amigo, que sempr'amey
do primeyro dia que o vi,
ouv'cl hum dia queixume de mi,
JOHÀM VÀÀSQUES DE TALAVEffiA
71
nom sey porque mays logo lh'eu guysey
que lhi fiz de mi queixume perder,
sey-m'eu com'e non o quero dizer.
Por que ouvel queixume os meus
olhos chorarom muyto com pesar
que eu ouv'e poil-o vi assanhar
cscontra mi, mays guysey eu par deus
que lhi fiz de mi queixume perder,
sey-m'eu com 1 , e non o quero dizer.
Ouv'el de mi queixum'e huã rem
vos direy que m'aveo des entom,
ouv'eu tal coyta no meu coraçom
que nunca dormi, e guisey por en
que lhi fiz de mi queixume perder,
sey ra'eu com*, e non o quero dizer.
E quem esto nom souber entender
nunca en mays per mi pode saber.
374
Quando se foy meu amigo d 'aqui
direy-vos quanfeu d'el pud'aprender
pesou-IlTy muyfem se partir de mi
e ora, amiga, moyro por saber
se é morfou se guariu de pesar
grande que ouvem se de mi quitar.
Sey eu ca lhi pesou de coraçon
de s'ir, pêro nom pudi outra rem
fazer, se noslro senhor mi perdon ? ,
e moyr'amiga, por saber d'alguem
se é morf, ou se guariu de pesar
grande que ouv'em se de mi quitar.
Mui ben vej'eu quam muyto lhi pesou
a meu amigu'em se daqui partir,
e todo foy per quanto se quitou
de mi, e moyr'amiga por oyr
se é mort', ou se guariu de pesar
grande que ouv'em se de mi quitar.
E, amiga, quem alguém sab'amar,
mal peccado, semp^end^ o pesar.
375
Conselhou-mi unha mha amiga
que quizess'eu a meu amigo mal,
e ar dix'eu — poys m'eu parti a tal
rogu'eu a deus que ei me maldiga
se eu nunca por amiga tever
a que ma mi a tal con-elho der
Qual m'a mi deu aquela que os meus
olhos logo os entom fez chorar
por aquel conselho que mi foy dar,
vos jur'cu que nunc'a mi valha deus
se eu nunca por amiga tever
a que ma mi a tal conselho der
Qual ra'a mi deu aquela que poder
non ha des y, nem doutro conselhar,
e deul a leixe d'est'o mal achar
e a mi nunca mi mostre prazer,
se eu nunca por amiga tever
a que ro'a mi a tal conselho der.
A que m'a mi tal conselho der
filhe*y-o para si, se o quizer.
376
Do meu amigo que eu defendi
que non fosse d'aqui per nulha rem
alhur morar, ca mi pesava en,
vedes, amiga, o que aprendi :
que est aqui e quer migo falar,
mas ante pod f aqui muyto morar.
Do que vistes que me perguntou
quando sei ouve d'aqui a partir
se mi seria bem, se mal de s'ir
ay amiga, mandado mi chegou
que est aqui e quer migo falar,
mas ante pod'aqui muyto morar.
Do que vós vistes mui sem meu prazer
partir d'aqui quando s'end'el partiu
e nom me falou entom, nem me viu,
ay amiga, veherom-mi dizer
que est aqui, e quer migo falar
mas ante pocTaqui muyto morar.
Que migo fale averà do pesar
que m'el fez, que mi poss'eu bem negar.
377
Vistes vós, amiga, meu amigo
que jurava que sempre fezesse
todo por mi quanto lh'eu dissesse,
foy-se d'aqui e nom falou migo;
e pêro lh'eu dixi quando s'ya,
que sol nom se foss'e foy sa vya.
E pcr'u foy irá perjurado,
amiga, de quanfel a mi disse
ca mi jurou que se nom partisse
d'aqui, e foy-se sem meu mandado ;
e pêro lh'eu dixi quando s'ya
que sol nom se foss'e foy sa vya.
E nom poss'eu estar que nom diga
o gram torto que m'el ha feyto,
ca pêro mi fezera gram preyto
foy-se d'aqui sem meu grad', amiga;
e pêro ih'eu dixi quando s'ya
que sol nom se foss'e foy sa vya.
E se m'el muy gram torto fazia
julgue-me com el sancta Maria.
378
meu amigo, que mi gram ben quer,
punha sempr', amiga, de me veer,
e punh'eu logo de lhi ben fazer ;
mays vedes que ventura de molher :
quando-ltfeu poderia fazer bem
el nom vem hy; e se nom poss'eu, vem.
E nom fica per mi per boa fé
d'aver meu bem e de lh'o guisar eu,
nom sey se x'é meu pecado, se seu,
72
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA TATICANA
mays mha ventura (ai foy e tal é:
quando-lh'eu poderia fazer bem
el nom vera hy ; e se nom poss'eu, vem.
E per boa fé nom flca per mi
quanfeu posso, amiga, de lh'o guisar,
nem por el sempre de mh'o demandar >
mays a ventura no lo parfassy,
quando lh'eu poderia fazer bem
el nom vem hy ; e se nom poss'eu, vem.
E tal ventura era para quem
nom quer amigu'e nom dá por el rem.
379
Quero-vos ora muy bem conselhar,
ay meu amig', assi me venha bem,
se virdes que me vós quer'assanhar
mha sanha nom tenhades em desdém ;
ca se non (br, muy bem sey que será :
se m'assanhar, alguém se queixará»
Se m'assanhar, nom façades hy ai
et vos dé a sanha no coraçom,
poys vos eu posso fazer bem e mal
de a sofrerdes faredes razom,
ca se nom for, muy bem sey que será,
se m'assanhar, alguém se queixará.
E poys eu ey em vós tam gram poder
et averey emquanf eu vyva for,
já nom podedes per rem bem aver,
se nom fordes de sanha sofredor;
cá se nom for, muy bem sey que será,
se m'assanhar, alguém se queixará»
NUNO PEREl SANDEU
380
*
Madre, disserom-nfora, que ven
o meu amigu'e seja-vos bera,
e non façades vós end'oulta rem,
ca moi^agora já por m'o veer
e a vós, madre, bem dev'aprazer
de s'a tal home por mi nom perder.
Bem m'é com este mandado que ey
de meu amigue non o negarey
de que se vera, e ora por que sey
que mor^agora ja por m'o veer,
e a vós, madre, bem dev'aprazer
de s'a tal home por mi nom perder.
Muyfand'eu leda no meu coraçom
com meu amigu'e faço gram razom,
de que se vem, assi deus me perdon',
cá moir', amiga, ja por m'o veer
e a vós, madre, bem dev'aprazer
de s'a tal home por mi nom perder.
381
Ay, mha madre, sempre vos eu roguey
por meu amigu'e pêro nom mi vai
rem contra vós, e queredes lhí mal
e direy-vos que vos por en farey :
poys mal queredes meu lume e meu ben
mal vos querrey eu mha madre por en.
Vós catade per qual guisa será
cá nom ei eu já mays vosc'a viver
poys i vós a meu amigu' ydes querer
mal direyvos que vos end'averrá,
poys mal queredes meu lume e meu bera,
mal vos querrey eu mha madre por eu.
382
Porque vos quer'eu mui gram ben,
amiga, andad'a mi sanhuda;
mha madre, soo perduda
agora com ela poren,
mays guisarey, meu amigo
como faledes comigo.
Pela coyta que mi destes
foy ferida e mal treyta,
e ben o sab'a mha madre
que aquesta será feyta,
mays guisarey, meu amigo
como faledes comigo.
383
Deus, porque faz meu amig'outra rem
se nom quanto sabe que praz a mi,
per boa fé, mal conselhadé hy,
ca em mi ten quanto i el a de bem,
e em mi tem a coyta e o leze^
e o pesar e quanfha de prazer.
E pois Ihi deus a tal ventura dá
esconlra mi barata mui mal
se nunca já de meu mandado sal,
ca en mi tem quanto bem no raumTha ;
e em mi tem a coyta e o lezer,
e o pesar e quanfha de prazer.
384
«Ay filha, o que ws bem queria
aqui o jurou n'outro dia,
e pêro nom xe vos veo veer 1
— Ay madre, de vós se temia
que me soedes por el mal trager.
« O que por vós coytad'andava
bem aqui na vila estava,
e pêro nom xe vos veo veer !
— Ay madre, de vós se catava
que me soedes por el mal trager»
(( O que por vós era coitado,
aqui foy oj'o perjurado,
e pêro nom xe vos veo veer !
— Madre, por vós nom foy ousado,
que me soedes por el mal tragçr.
miNAM FROYAS
l(.
73
385
Madre, poys nom posso veer
meu amigo ha tanto, scy beni
que morrerey cedo por en,
e queria de vós saber
se vos eu morrer que será
do meu amig'ou que fará ?
E poys aquestes olhos meus
por el perderan o dormir
e nom poss'end'eu partir
o coraçom, madre, por deus,
se vos eu morrer que será
do meu amigo, ou que fará ?
E a mi era mui mester
huã morte que eid'aver
ante que tal coyta sofrer,
e pesar-nTha se nom souber
se vos eu morrer que será
de meu amigou que fará ?
HEEH VAASQDES DE FOLHETE
386
Ay amiga, per boa fé
nunca cuydey, des que naci,
viver tanto como vivi
aqui hu meu amigo é,
non o veer, nem lhi falar
ca vel-o eu muyf a desejar.
E se nom, deus nom mi perdon',
se m'end'eu podesse partir
tanto punha de me servir
o senhor do meu coraçom,
meu amigo que est aqui
a quem quix bem des que o vi.
E querrey já, menlr'eu viver
esso que eu de viver ey,
de meu amigo bem sey
que nom sab'al bem querer
se nom mi, e mays vos direy
sempre lh'eu por ende melhor querrey.
* Ca lhi queredes poder
mi d 1 ende com el viver.
(Esta troba fez FERNAND ^ EANES, porque
queria bem a húa molhcr e nom lhe falou
em i partindo d 9 onde ella estava Mana Mar-
tins).
387
Do pcrlendo nom mudar
por parlyda mal direy,
a quem amo nom faley
do que tomo gram pesar.
Desejoso muy sobejo,
e nom leixo de cudar,
desejando cu nom vejo
quem me faz apressurar,
10
e mais penas suportar;
nom me ensandece a d'af am
d'onde ouve africam
outra morte sofrerey.
Em fym, d'esto nom direy
por quem passo africam
se nom sempre mentarey
a su nobre descriçam
em que tenho devopam,
que me aja de valer,
pois me tem a seu poder,
a bem tenho de louvar.
Nunca foy partida
tam triste de rogar.
FEKNAM FROYAS
388
Juravadçs-mi, vós ? amigo,
que mi queriades mui gram ben,
mays eu non no creo per rem,
porque marrastes o digo
mui longi de mi e mui sem meu grado.
Muytas vezes mi jurastes
e sey cá vós perjurades;
mays poil-o tanto jurades
dizede porque morastes
mui longi de mi e mui sem meu grado.
Muy to podedes jurar
que já em quanto vivades,
que nunca de mi ajades
amor, porque fostes morar
mui longi de mi e mui sem meu grado.
Esto podedes ben creer
que já em quanto eu viva for
nom ajades de mi amor,
poys morada fostes fazer
mui longi de mi e mui sem meu grado.
389
Que trisfanda meu amigo
porque me quer'eu levar
d^qui, e se el falar
nom poder ante comigo,
nunca já ledo será
e se m'el nom vvr morrerá.
Que trisfoj'é quem eu sejo,
e par deus que pod'e vai
morrerá hu nom jaz ai
se m'eu for, e o nom vejo
nunca já ledo será,
e se m'el non vyr morrerá.
E pêro non soo guardada
se soubess'y a morrer
hil-o-hey ante veer,
cá bem sey doesta vogada
nunca já ledo será,
e se m'el non vir morrerá.
74
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
E se m'el visse, guarido
seria logo por en,
mays quite será de ben,
poys el for de mi partido
nunca já ledo será,
e se m'el non vyr morrerá.
390
— Amigo, preguntar-vos^ey
em que andades cuydando,
poys que andades chorando?
«Mha senhor, eu vol-o direy:
ey amor, e quem amor ha
mal que lhi pez de cuydar ha.
391
Porque se foy d'aqui meu amigo
sem meu mandado, e non mho fez sabei* ;
quando el veer para falar comigo
assanhar-nfei, c farey-lh'enlender
que outra vez non se vaya d'aqui
per milha rem, sem mandado de mi.
Quand'el veer, e me sanhuda vir
sey que será muy coylado por en,
c jurar-m'ha, e querrà-me mentir,
e eu logu'y falar-lh'cy em desdém:
que outra vez non se vaya d'aqui,
per nulha rem, sem mandado de mi.
er
já meu amigo nunca salrrà,
e se se el for em mentre jurará
quanto eu quiser, c todo a meu prazer;
que outra vez non se vaya d'aqui
per nulha rem, sem mandado do mi.
PAVO GOMES CU \1U\H0
392
Tanto falam do vosso parecer
e da vossa bondade, mha senhor,
"e da vossa mesura, que sabor
am muytos por eslo de vos veer;
mays non vos digam que de coraçom
vos outro quer bem se non eu, ca nom
sabem quanfem vós de bon conhecer.
Cá poucos son que sabham entender
quantos beens em vós a, nem amor
sab'haver, em quam muylo nom for
entendudo no no pode saber;
mais logram bem a hi mui gram sazom
eu vol-o quer\ e outro com razom
nom vol-o pode tam grande querer.
Ca tanto bem ouvi de vós dizer
e tanto vos sodes vós a melhor
dona do mundo, que o que for
veer- vos logo non cuyd'a viver
mays o gram bem, e peço-vos perdon
eu vol-o quer', e por vós quantos som
nom saberain com 'eu moyr'e moirer.
393
Muytos dizem con gram coyta d'amor
que querriam morrer, e que assy
perderiam coytas, mays eu de mi
quero dizer verdad'a mha senhor:
queria-me-lh'eu mui grani bem querer
mays non queria por ela morrer,
Com' outros morrerom, e que prol tem,
ca deus que morrer non a veerey,
nem boõ serviço nunca lhi farey
por end'a senhor que eu quero bem ;
queria-me-lh'cu mui gram ben querer
mays non queria por ela morrer
Com' outros morri rom no mundo já,
que depoys nunca poderom servir
as porque morrerom, nem Ihis pedir
rem ; por cnd'esta que m'estas coitas dá
queria-me-lh'eu mui gram bem querer
mays non queria por ela morrer;
Ca nunca lhi tam bem posso fazer
serviço morto, como ssc viver.
394
Itunha don' a que quero gram bem
por mal de mi, par deus, que nom por ai,
pêro que sempre mi fez e faz mal,
e fará, direy-vol-o o que m'avem:
mar, nen terra, nen prazer, nep pesar
nen bem, nen mal non mha podem quylar
Do coraçom; e que será de mi
morto son, sse cedo nom morrer
ela já nunca bem m'hade fazer
mays sempre mal, e por en est assy,
mar, nen terra, nen prazer, nen pezar
nen bem, nen mal, nen m'a podem quylar
Do coraçom; ora mi vay peyor
ca mi, nem (Tela por vos nom mentir
mal se a vejo, e mal ssc a nom vir,
que de coytas mays cuyd'a mayor;
mar, nen terra, nen prazer, nen pezar
nen bem, nen mal, non m'a podem quytar.
395
A dona, que ome senhor devia
con dereyfa chamar per boa fé,
meus amigos, direy- vos eu quen é,
hunha dona que eu vi neutro dia
e nom lh'ousev mais d'a tanto dizer;
mays quen a visse, podess'entender
todo seu bem, senhor a chamaria.
Ca senhor é de muyto bem, e vya
polo meu mal, sey o per boa fé,
e de morrer por ela dereifé,
cá bem soub'eu quanto m'end'averria;
PAY GOMES CIIAIÍINHO
75
morrer assy com'eu moyr'e perder
meus amigos o corp*e nom poder
veer ela que eu voer querria.
E lOíPaquesto mante eu entendia
que a visse ; mays tanto oy falar
cie sseu bem, que me nom soubi guardar
nem er cuydey que tam bem parecia,
que logifeu fosse por ela morrer;
mays quandeu vi o seu bom parecer,
vi, amigos, que mha morte seria ! .
390
Senhor fremosa, tam de coraçom
vos faria, se podesse, prazer
que Jhesu Christo nunca mi perdon'
nem de vós bem nunca me leix'avcr
se eu soubesse que vos prazia
de mha morte sse logu'eu nom querria
Morrer, senhor; ca todo praz a mi
quanfa vós praz, cá ess'é o meu bem,
e que seja verdade, que é assy
mays mal mi **enha de vós que mi nom vem;
se eu soubesse que vos prazia
de mha morte se logu'eu nom querria
Morrer, senhor; cá se vos eu prazer
fezess'ay lume d'esles olhos meus,
nunca mui mal poderia morrer,
c por esto nunca mi valha deus,
se eu soubesse que vos prazia
de mha morte se logu^u nom querria.
397
Ora me venho, senhor, expedir
de vós, a quemuyfha que aguardei,
e ora me quero de vós partir
sen galardon de camanho temp^y
que vos servi, e qucro-nrir vyver
en a tal terra hu nunca prazer
veja, nem cante, nem possa riir.
Ca soo certo, dos que vos non vir
que outro prazer nunca veerey,
e mal que aja nom ei de sentir
se nom o voss'assy cuidarcy
triste cuidando no vosso parecer
c chorando muytas vezes dizer:
senhor, já nunca vos posso servir.
E do meu corpo quem será senhor
quandYl d'alá o vosso desejar;
e que fará quem vos ha tal amor
e vos nom vir, nem vos,podcr falar?
ca vejo-vos, c por vós mor'aqui
poys que farey, ou que será de mi
quanden terra hu vos fordes nom for?
Ora com graça de vós a melhor
dona do mundo, ca muyfei d'andar,
1 Nas Trova x e Cantares, canção n.° 27G, ha uma
quarta elroplic.
e vós ficades de mi pecador
ca vos servi muyf, c galardoar
nom m'o quizestes, e vou-m'eu d'aqui
d'u eu tanto lazerev c servi
buscar hu vyva pouqu'c ssem sabor.
E, mha senhor, tod'esl'eu mereci
a deus, mais vós, de como vos servi
mui sem vergonha hirey per hu for
ora com graça de vós, mha senhor.
398
Par deus, senhor, e meu lum'e meu bem
e mhas coytas e meu mui gramTafram,
e meus cuydados que mi coytas dam
por mesura dizey-m'unha ren:
se mi queredes algum bem fazer,
se nom já mays nom vos poss'atendcr.
Mui fremosa, qu'eu per meu mal vi
sempre mhas coitas, por des, cá nom ai
meu coraçom e meu bem e meu mal,
dizede-mi per quanto vos servi:
se mi queredes algum bem fazer
se nom já mays nom vos poss'atender.
Muy fremosa, muytaposta senhor,
sempre mui mansa e de boa razom
melhor falar de quantas outras son, ■
dizede-mi, das donas a melhor:
se mi queredes algum bem fazer,
se nom já mays nom vos poss'atender.
399
Senhor, semp^os olhos meus .
am sabor de vos calar,
e que os vossos pezar
nunca vejam; e por deus
nom vos péz, e cataram
vós, que a desejar am
Sempr^emquanto vivo for;
ca nunca podem dormir,
nem aver bem se nom hir
hu vos vejam ; e senhor
nom vos pfa e cataram
vós, que a desejar am
Sempre, mha senhor; ca prez
nom é fazerde-lhes mal,
mays por deus c nom por ai
que os vossos taes fez;
nom vos pez, e cataram
vós, que a desejar am.
400
Oy eu sempre mha senhor dizer
que peyor é de sofrer o gram bem
que o gram mal; e maravilho-uTen
c non o pudi, nem posso creer,
ca sofrYu mal por vós qual mal sen!ior
76
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
me quer matar, e guaria melhor *
se mi vós bem queizerdes fazer.
E sse eu bera de vós podess'aver
ficasse mal, que por vós ey, a quem
aqueslo diz e ó que assi tem
o mal em pouco, faça-o viver
deus com mal sempr'e com coita d'amor
e podesse vcer qual é peyor
do mui gram bem ou do gram mal sofrer.
401
As froles do meu amigo
briosas vam no návyo ;
e vam-ss'as frores
d'aqui bem com meus amores!
As frores do meu amado
briosas vam no barco :
e vam-ss'as frores
d'aqui bem com meus amores!
Briosas vam en o navio
pera chegar ao ferido ;
e vam-se as frores
(Vaqui bem com meus amores!
Briosas vam en o barco
pera chegar ao fossado;
e vam-se as frores
d'aqui bem com meus amores !
Pera chegar ao ferido
e servir-mi corpo velido ;
e vam-se as frores
d'aqui bem com meus amores!
Pera chegar ao fossado
e servir-mi corpo loado;
e vam-se as frores
d'aqui bem com meus amores!
402
' Par deus, senhor, de grado queria
se deus quizesse, de vós hua rem,
que nom desejass'eu o vosso bem
como desej'a noyfe o dia,
por muyfafam que eu sofr'e sofri
por vós, senhor, et oy mais desaqui
poss'entender que faç'y folia.
. E poys nom quer a ventura mia
que vos doades do mal que mhi vem
por vós, senhor, e maravilho-m'en
como nom moi^e morrer devya;
porem rog'a deus que me valha hy
que sab'a coyta que por vós sofry
se nom mha morte mays me valrria.
FERNAM VELHO
403
Vedes, amig', o que oj'oy
' Falia este verso no Códice da Vaticana; acha-sc,
porém, na canção 278 do Cod. da Ajuda, onde traz
mais duas estróphes e um cabo.
dizer de vós, assy deus mi perdon\
que amades já outra e mi nom,
mays se verdade, vingar-m'ey assy,
punharey já de vos nom querer ben
e pesar-m'ha en mays que outra rem.
Oy dizer, por me fazer pesar,
amades vós outro, meu traedor,
e ss'é verdade, par nostro senhor,
direy-vos como me cuyd'a vingar:
punharey já de vos nom querer bem,
epesar-nThaen mays que outra rem.
E sse eu esto per verdade sey
que mi dizem, meu amigo, par deus,
chorarey muyto cVestes olhos meus,
c direy-vos como me vingarey:
punharey já de vos nom querer bem,
e pesar-nfha en mays que outra rem.
404
Nojo, como quer, prazer
já nom posso m'aver prazer!
Cobrar nom posso amiga
se nom vós lo que me siga, *
ainda que ai nom diga,
logo-m'adc esquecer
nojo, como quer, prazer
já nom posso-m'aver prazer.
E poren fazer tal partida
nom me será esquecida;
ainda que ai nom diga
logo-m^esquecer
nojo, como quer, prazer
já nom posso-nfaver prazer.
VAASCO PERES PARDAl
405
— Amigo, que miydades a fazer
quando-vos ora-partirdes d'aqui,
e vos nembrar algunha vez de mi?
«Par deus, senhor, quero-vol-o dizer:
chorar muyt', e nunca fazer ai,
se nom cuydar como mi faz deus mal
En me partir de nunca já saber
vosso mandado nenhua sazom,
nem vos falar, se per ventura nom
mays este conforto cuyd'a prender:
chorar rmiyf , e nunca fazer ai,
se nom cuydar como mi faz mal
Em me partir do vosso parecer
e d'u soya comvosc'a falar,
ca mi valerá mays de me matar,
mays este conselho cuyd'i aver:
chorar muyto, e nunca fazer ai,
se nom cuydar como mi faz deus mal.
406
Coytada sejo no meu coraçom
por meu amigo, diz ca se quer
AFFOXSO EANES DE COTON
;7
hir d'aqui, c sse ora fezer
pesar-mha muy to, se deus mi perdon' ;
porque sey bem que as gentes d iram
que se morrer por mi, morre de pram.
E que me nom pesass'a mi por ai,
pesar-mha muyto per hua rem,
porque mi diz ca mi quer mui gram bem;
mays vedes ora de que m'é gram mal,
porque ssey bem que as gentes diram
que se morrer por mi, morre de pram.
Ca pola gram coyta que soffri
nom dou eu rem, cà sse eu coyta sofrer
des que ss'el for, nom poderey viver,
mays temo já qual pesar averey ;
porque ssey bem que as gentes diram
que se morrer por mi, morre de pram.
407
Por deus, amiga, provad'un dia
o voss'amigo de vo'llTassanhar,
e veredcs home coytad'andar.
Ay amiga, que mal conselh'ess'é;
ca sey eu aquesto per boa fé
muy bem, que logu'el morto seria.
Amiga, bem vos conselharia
dizerdes que nom dades por el rem,
e veredes coita por en.
Nom mho digades, se deus vos perdon',
cà sei eu já pelo seu coraçora
muy bem que logu'el morto seria.
Amiga, nunca lhi mal verria
de lhi dizerdes a tanto por mi
que nom dades por el rem desaqui.
Par deus amiga, nom vos creerey,
nem vós nunca m'o digades, ca ssey
muy bem que logu'el morto seria.
408
Amigo, vós hides dizer
que vos nom quero eu fazer bem;
pêro sey m'eu d'csl'unha rem
que dizedes vosso prazer;
cá bem ó de vos sofrer eu
de dizerdes cá sodes meu.
Mays nom se sabe conhocer
algum home a quem bem deus dá,
nem tom per bem esto que ha,
mays eu vos farey entender
cá bem é de vos sofrer eu,
de dizerdes cá sodes roeu.
Mays des que vos eu entender
que nom venhades hu eu for
nom me tenhades por senhor,
desy poderedes saber
cá bem é de vos sofrer eu
de dizerdes cá sodes meu.
409
Amiga, bem cuyd'eu do meu amigo
que é morto, cà muilha gram sazom
que anda triste o meu coraçom,
e direy-vol-o mays porque o digo:
porque ha gram sazom que nom oy
nem hum cantar que fezesse por mi,
nem que nom houvi seu mandad', amigo.
E ssey eu d'el mui bem que é coitado
se oj'el vive em poder d'amor,
mays por meu mal me filhou por senhor
e por aquesfey eu raayor cuydado ;
porque ha gram sazom que nom oy
nem hum cantar que fezesse por mi,
nem que nom houvi, amigo, seu mandado.
E cuyd'eu bem d'el que se nom partisse
de trobar por mi sem mort' ou sem ai,
mays por este sey eu que nom es tal
pêro que mho nenhum nom disse ;
porque ha gram sazom que nom oy
nenhum cantar que fezesse por mi
nem que, amigo, seu mandado ouvisse.
ÁLVARO AFONSO
(Pergunta que fez Álvaro Âffbnso, cantor
do senhor infante, a húu eschollar)
410
Luis Vaasques, depois que parti
d 'essa cidade tam boa, Lisboa,
achey tal encontro, que digo per mi
que som já descreto e faço a crôa:
a terra de Cintr', a par d'esta serra
vy huã serrana que braadava guerra
vós tenentes comigo deçe-vos a terra
pois lá tang'asi, et qua ora sôa.
Pêro (Testa vista eu fora espantado,
qual m'ella parçeo tal s'ela hi anda
AFFONSO EANES DE COTON
411
Ay meu amigu' e meu lum' e meu bem
vejo-vos ora mui triste poren,
queria saber de vós ou d'alguem
que est aquesfou porque o fazedes ;
par deus, senhor, direy-vos hunha rem,
mal estou eu se o vós nom sabedes.
Muy trisfandades a mui gram sazom
e nom sey eu porque nem porque nom,
dizede-m'ora, se deus vos perdon',
que est aquesto, ou porque o fazedes
par deus, ay coyta do meu corapom,
mal estou eu se o vós nom sabedes.
78
CAXCIONEIHO PORTUGUEZ DA VATICAXA
Vós trisfandades, eu sem saber ando,
por que nom soo sabedor
se vol-o faz fazer coyta d'amor
ou que estou porque o fazedes,
par deus, ay mui fremosa mha senhor,
mal estou eu se o vós nom sabedes.
* ♦ . . . « ■ •
412
Se grado edes, amigo,
de mi, que gram bem queredes,
falad^gora comigo,
por deus, e nom mho neguedes :
amigo, porque andades
tan trist' ou porque chorades?
Poys eu nom sey como entenda
porque andades coitado,
sse deus me de mal defenda
queria saber de grado,
amigo, porque andades
tam triste, ou porque chorades?
Todos andam trebelhando
estes com quem vós soedes
trebelhar, e vós chorando
por deus, o que de mi avedes,
amigo, por que andades
tam triste, ou porque chorades?
413
Quando sse foy meu amigo
jurou que cedo verria,
mays poys nom vem falar migo,
por en por Santa Maria
nunca mi por el roguedes,
ay donas, fé que devedes.
Quando sse foy fez-mi preyto
que se verria mui cedo,
e mentiu-m', torfi ha feyto
e poys de mi nom ha medo,
nunca mi por el reguedes
ay donas, fó que devedes.
E que vistes que dizia
que andava namorado
poys que nom veio o dia
que lh'eu avya mandado,
nunca mi por el rcgucdes,
ay donas, fé que devedes.
PEDMNES SOLAZ
414
Dizia la bem (alhada :
agora viss'eu penada
ond'eu amor ey I
A bem talhada dizia:
penada, visse iflium dia
ond'cu amor ey!
Ca sse a visse penada
nom seria tam coitada
ond'eu amor ey !
Penada se a eu visse
nom ha mal que eu sentisse
ond'eu amor ev!
Quem lh'oje por mi dissesse
que nom tardasse vehesse
ond'eu amor eyl
Quem lh'oje por mi rogasse
que nom tardass'e chegasse
ondeu amor ey!
415
Eu velida nom dormia
lelia d'outra !
E meu amigo yenia
e doy, lelia d'outra!
Nom dormia e cuydava
lelia d'outra!
E meu amigo chegava
e doy, lelia d'outra !
O meu amigo vénia
lelia d'outra!
E d'amor tam bem dizia
e doy, lelia d'outra !
O meu amigo chegava
lelia d'outra !
E d 'amor tam bem cantava
e doy, lelia d'outra!
Muyto desej'ey, amigo,
lelia d'outra!
Que vos tevesse comigo,
e doy, lelia d'outra.
Le-Ii, le-li, par deus le-ly,
lelia d'outra !
Bem sey eu quem nom diz leli
e doy, lelia d'outra!
Bem sey eu quem nom diz lelya
lelia doutra!
Demo xe quem nom diz lelia
e doy, lelia d'oulra !
416
Jurava-n^oje o meu amigo
por tal, madre, que lhi perdoasse,
que nuncajamais se irfassanhasse,
mays preyrei a que nom porá migo;
vedes porque, ca já s'el perjurou
per muytas vezes que m'esto jurou.
El me cuydava tal preyto a trager
per sas juras que lh'o foss'eu parcir
c pois que vi, que m 'havia mentir
nem lh'o parei, nem quis sol saber,
vedes porque, cá já s'el perjurou,
per muytas vezes que nTesto jurou.
E mays de cem vezes lhi perdoey
per sas juras e achey m'cnd'cu mal,
e por aquesto já lhi rena nom vai
FERO DA PONTE
79
de me jurar, pois que me llfassanhey ;
Vedes porque, ca jà s'el perjurou
per muytas vezes que m'esto jurou.
CERO DA PONTE
417
«Viajes, madr\ o escudeiro
que m'ouvera levar sigo,
menlMh' e vay-mi sanhudo,
mha madre, bem vol-o digo ;
madre, namorada me leixou,
madre, namorada mha leixada,
madre, namorada me leixou.
Madre, vós que me mandastes
que roentiss'a meu amigo,
que conselho mi daredes
ora poyr o nom ey migo ?
madre, namorada me leixou,
madre, namorada mha leixada,
madre, namorada me leixou.
— Filha, dou-vos por conselho
que tanto que vos el veja
que toda rem lbi façades,
que vosso pagado seja;
madre, namorada me leixou,
madre, namorada m'ha leixadã»
madre, namorada me leixou.
Pois escusar nom podedes^
mba Olha, seu gasalhado,
des oy mays eu vos castigo
que lh'andedes a mandado;
madre, namorada me leixou,
madre, namorada mha leixada,
madre, namorada me leixou.
418
Vistes, madr', o que dizia:
que por mi era coytado?
poys mandado nom m'envya,
entendeu do perjurado
que já nom leme mha ira ;
ca se nom, noyte nem dia
a menos de meu mandado
nunca s'el d'aqui partira.
E vistes hu ss'el partia
de mi mui sen o meu grado
e jurando que avya
per mi penas c cuydado
lo d 1 andava com mentira ;
cá se nom, noyte nem dia
a menos de meu mandado
nunca s>l d'aqui partira.
E jà qual molher devia
creer per nullfome nado;
poys o que assy morria
polo meu bom gasalhado
jà x'i per outra suspira ;
cà se nom, noyte nem dia
a menos de meu mandado
nunca s'el d'aqui parlira.
Mays, deus, quem no cuydaria,
d'el viver tam alongado
d*u el os meus olhos vira.
419
Mha madre, poys se foy d 'aqui
o meu amigo, e o nom vi,
nunca fui leda, nem dormi,
bem vol-o juro des entom ;
madre, el por mi oulro ssy
tam coylad'é seu coraçom.
Mha madre, como viverey
ca nom dormo, nem dormirey,
poys meu amigo é em cas d'el rey,
me tarda tam longa sa%>m,
madfe, el por mi outro ssy ,
tam coytad'é seu coraçom.
Poys sab'el ca lhi quer 1 eu bem
melhor ca mi, nem outra rem,
porque mi larda e nom vem,
faz sobre mi mui gram trayzora,
madre, el por mi outro ssy
tam coylad'é seu coraçom.
E direy-vos que vos avem,
eu perco por el o sen,
e.el por mi o coraçom.
420
Poy-s'0 meu amigo d'aqui
na oste por el-rey servir,
e nunca eu depoys dormir
pudi ; mays bem tenh' eu assy
que poys m'el tarda e nom vem,
el rey o faz que ra'o delem.
E gram coyta nom perderey
pêro tem meos de o veer
ca nom ha o meu corlezer,
pêro tanto de conforfey
que poys m'el larda e nom vem
el-rey o fez que nTo delem.
E bem se devia nembrar
das juras que m'entom jurou
hu mel mui fremosa leixou ;
mays, donas, podedes jurar
que poys m'el larda e nom vem,
el-rey o faz que m'o delem.
421
Poys vos hides d'aqui, ay meu amigo,
conselhar-vos-ey bem se mi creerdes;
tornade-vos mays cedo que poderdes
e guysarey como faledes migo ;
e poys, amigo, comigo falardes
a tal mi venha qual mi vós jurardes.
80
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
Non mi tardedes com' oulra vegada
mi tardastes ; muyf ey en gram medo ;
mays punbade de vos viirdes cedo
cà nossa fola muyfé bera parada;
e poys, amigo, comigo falardes
a tal mi venha qual mi vós jurardes.
E sse vós queredes meu gasalhado
venha-vos em mente o que vos rogo,
poys vos hides, de vos viirdes logo
e falarey cora vosco muy de grado ;
e poys, amigo, comigo falardes
a tal mi venha qual mi vós jurardes.
422
Por deus, amigu', e que será de mi
poys me vos hides com el-rey morar,
a como me vos soedes tardar
outro conselh' amigo, nom sey hi
se nom morrer; e poys nora averey
a gram coyta que ora por vós ey.
Hide-vos vós ora, e tam graad'aflain
leixades-mi com meu corapom,
que mi nom já ei hi ai se morte nom,
ca bom conselho nom sey hi de pram,
se nom morrer ; e poys nom averey
a gram coyta que ora por vós ey.
Poys me vos hides, vedes que será,
meu amigo, des que vos eu nom vir
os meus olhos nom podram dormir,
nem bem d'este mundo nom mi valrrá
se nom morrer; e poys nom averey
a gram coyta que ora por vós ey.
Aquesta hida tam sem meu prazer,
por deus, amigo, será quando for,
mays poys vós hides, amigu 7 e senhor
nom pos3'eu outra guerra fazer
senom morrer; e poys nom averey
a gram coyta que ora por vós ey.
423
Ay madr\ o que me namorou
foy-sse n'oulro dia d'aqui,
e por deus que faremos hi
ca namorada me leixou?
Filha, fazed'end'o melhor;
poys vos seu amor enganou,
que o engane voss'amor.
Ca me nom sey conselhar,
mha madre, se deus me perdon'.
Dized', ay filha, porque nom?
quero-me vol-o eu mostrar:
filha, fazed'end'0 melhor,
poys vos seu amor enganou, .
que o engane voss'amor.
Que o recebades mui bem,
filha, quand'ante vós veher;
e todo quanto vos disser
outorgade-lh'o, e por cn,
filha, fazed"end'o melhor;
poys vos seu amor enganou,
que o engane voss'amor.
PAY COMES CBARINHO
424
Disseron-n^oj', ay amiga, que nom
é meu amig'almirante do mar,
e meu coraçom já pôde folgar
e dormir já, e por esta razom
o que do mar meu amigo sacou
saque-o deus de coytas qu'afogou
Muy bem; e a mi, cà já nom andarey
triste por vento que veja fazer,
nem per tormentas nom ei de perder
o sono, amiga; mays sse foy el-rey
o que do mar meu amigo sacou,
saque-o deus de coytas que afogou
Muy bem; e a mi, cà já cada que vir
algum home de fronteyra chegar
nom ey medo que me diga pezar ;
mays porque m'el fez bem sem lh'o pedir,
o que do mar meu amigo sacou,
saque-o deus de coytas qu'afogou.
425
Que muytas vezes eu cuydo no bem
que meu amigo mi quer, e no mal,
que lhy por mi de muytas guisas vem,
mays quand'aquesto cuydar cuyd'eu ai,
se mi quer bem, que lh'o quer'eu raayor
e se lhy vem mal que he por senhor.
E poys assi que razom diria
porque nom sofra mal nom ha razom,
e hu eu cuydo que nom poderia
tara gram bem mi quer, cuydo logu^ntom,
se mi quer bem, que lh'o quer'eu mayor
e se Ihi vem mal que he por senhor.
E por tod'esto deve lá sofrer
tod'aquel mal que lh^é non por mi,
pêro cuydo que nom pode viver,
tam gram bem mi quer, mays logo hi
se mi quer bem, que lh'o quero eu mayor
e se lhi vem mal que he por senhor.
426
Mha filha, non ey eu prazer,
de que parecedes tam ben,
cà voss'amigo falar ven
comvosqu', e vem vos dizer
que nulha rem nom creades
que vos diga que sabhades.
Filha, cà perderedes hi,
e pesar-m'ha de coraçom,
e jà deus nunca mi perdon'
se ment', e digo-vos assy
JOHÀM GARCIA SOBRINHO
81
que milha rem nom creades
que vos diga que sabhades.
Filha, ca perderedes hi,
e vedes que vos averrá
des quand'eu quiser nom será
ora vos defendaqui
que nulha rem nem creades
que vos diga que sabhades.
Filha, cá perderedes hi
no voss', ende mais pesa a mi.
427
Voss'amigo, que vos sempre servyu
dized', amiga, que vos mereceu,
poys que s'agora comvosco perdeu,
se per vossa culpa foy nom foy bem?
Nora sey, amiga; dizem que oyu
dizer nom sey qué, e morre por en.
Nom sey, amiga, que foy ou que é,
ou que será, ca sabemus que nom
vos errou nunca vos^amig', e son
maravilhados todos end'aqui.
Nom sey, amiga, el cada hu é
aprende novas com que mor^assy.
Vós, amiga, nom podedes partir
que nom tenha por cousa d'el igual
servir-vos sempr'e fazerdes lhi mal
e que diredes d'el ali perder?
Nom sei, amiga; el quer sempr'oir
novas de pouca prol para morrer.
428
A mha senhor, que por mal doestes meus
olhos a vy, fuy-lhe gram bem querer,
et o melhor que d'ela pud'avcr
des que a vy dyr-vol-o par deus:
disse-m'oje que me queria bem,
pêro que nunca me faria bem.
E por aquesto, cuyda que seu prez
todo ha perdud'e vedes qual senhor
me faz amar deus et amor,
mays o melhor que m'ela nunca fez
disse-m'oje que me queria bem,
pêro que nunca me faria bem.
E por esto que me disse cuydou
mi a guarir que já moyro, mais nom
perdy poren coyla do coraçom,
pêro bem foy mays do que me matou:
disse-m'oje que me queria bem,
pêro que nunca me faria bem.
429
Ay, Santiago, padron sabido,
vós m'adugadcs o meu amigo;
sobre mar vem quem frores d'amor tem,
rayrarey, madre, as torres de Jeen.
Ay, Santiago, padron provado,
it
vós m^adugades o meu amado;
sobre mar vem quem frores damor tem,
mirarey, madre, as torres de Jeen.
430
Vou-m'eu senhor, et quero-vos leixar
encomendad'este meu coraçom,
que fique vosqu'e faredes razom
senhor, se vos algua vez nembrar;
cá de vós nunca se parará
et de mi, senhor, por deus que já
poyl-o coraçom migo nom levar.
Poylo meu coraçom vosco Qcar,
ay mha senhor, poys que m'eu vou d^qui,
nembre-vos sempr'e faredes hy
gram mesura, cá nom sab'el amar
tam rauyfoutra rem como vós, senhor,
poys vosco fica a tam gram sabor
nom o devedes a desemparar.
E prez'a vós vosco quer andar'
meu coraçom, et nunca se parlir
de vós, senhor, nem já mays alhur hyr,
mays qtier senhor sempre vosco morar;
ca nunca soub'amar oulra rem,
et nembre-vos d'el, sey per gram bem
et gram mesura que vos deus quis dar.
JOflAM GARCIA SOBRINHO
431
Donas, fezeron hir d'aqui
o meu amig^ meu pesar,
e quem m'este mal foi buscar
guyse-lhi deus por end'assy,
que lhi venha com'a mi vem
pesar onde desejar bem.
E veja-s'em poder d'amor
que rem nom lhi possa valer,
e quem este mal foy fazer
guyse-lh'assy noslro senhor,
que lhi venha com'a mi vem
pesar onde desejar bem.
Cá o fezerom hir por mal
de mi e doestes olhos meus,
e quem nTeste pezar fez, deus
lhi mostre cedo pezar tal
que lhi venha como a mi vem
pezar onde desejar bem.
Venha-lhi pezar por en,
de deus, ou de mi ou de alguém.
432
A meu amigo, que cu sempr' amey
des que o vy, muy mais ca mi nen ai,
foi outra dona veer por meu mal;
mais eu sandia, quando m'acordei
82
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
nom soub'eu ai em que me cTel vingar,
se nom chorey quanto m'eu quiz chorar.
Mayl-o amey ca my, nem outra rem,
des que o vy, et foy-nrora fazer
tam gram pczar que m 'ou vera morrer;
mays eu sandia, que lhe flz por cn,
nom soub'eu ai em que me d'el vingar,
se nom chorey quanto m'eu qufz chorar.
Sab'ora deus que no meu coraçom
nunca rem tiv'em o sseu logar,
et foy-m'ora fazer tam gram pezar;
mays eu sandia, que lhe fiz entom
nem soub'eu ai em que me d'el vingar,
se nom chorey quanto m'eu quiz chorar.
REYMON GONÇALVES
433
Foste- vos vós, meu amigo, d'aqui
n'outro dia sem vol-o eu mandar,
e ey-vol' ora já de perdoar
porque veestes chorar ante mi
e quanfé esto, pass'agora assy, '
mays outra vez nom roguedes en.
Meu talam' era de vos nom partir
porque vos fostes sem meu grad'enlom,
et ora sodes cobrad'em perdom
porque me vehestes merece pedir,
e nom quer'ora mays de pos esf yr,
mays outra vez nom roguedes en..
Cá se vos ora fuy perdoador
mesura foy que mh'o fezo fazer,
cá me veiestes chorando dizer
por deus mercée, mercée, senhor;
et quanfé ora serey sofredor,
mays outra vez nom roguedes en.
GARCIA SOARES
434
«Filha, do voss'amigo m'é gram bem
que vos nom vyu quando se foy d^áquem.
— Eu o fiz, madre, que llTo defendi
se m'el non vyu quando se foy d'aqui
«Nunca lhi bem devedes a querer,
porque se foy e vos nom quis veer.
— Eu mho fiz, madre, que lh'o defendi
se m'el non vyu quando se foy d 'aqui.
«Gram pezar ey no meu coraçom
porque se foy e vos nom viu entom
— Eu m'o fiz, madre, que lh'o defendi,
se m'el non vyu quando se foy d'aqui.
1RMA0 de HART1H SOARES
435
Madfe, se meu amigo vchesse,
demandar-lh'ia, se vos prouguesse,
que sse vehesse veer comigo;
se veer, madre, o meu amigo
demandar-lh'ey que se veja migo.
Se vos prouguer, mha madre velida,
quando veer o que m'ha servida,
demandar-lh'ey que se veja comigo;
se veer, madre, o meu amigo
demandar -lh'cy que se veja migo.
Sol que el venha, se deus nTajude,
assy deus m'o mostre com saúde,
demandar- llf ey que sse veja comigo,
se veer, madre, o meu amigo
deman,dar-lhe-ey que se veja migo.
Porque m'o referistes ogano
que me nom vyu per fè sem engano,
demandar-lh'ey que se veja comigo ;
se veer, madre, o meu amigo,
demandar-lh'ey que se veja migo.
Nom sejades d'esf enfadada
se veer o que me tem namorada,
demandar-lh'ey que se veja comigo;
se veer, madre, o meu amigo
dcmandar-lh'ey que se veja migo.
VA ASCO RODRIGtlS DE CALVELO
436
Quanto durou este dia,
mha madre, mal me trouxestes
e muy to mal mi fezestes ;
mays sobr'aquesta perda
será oj'aqui conmigo
mandado do meu amigo.
Mal me trouxestes sen falha
e nom ha rem que detenha
meu amigo que nom venha,
mha madre, se deus mi valha,
será oj'aqui conmigo
mandado do meu amigo.
Será migo seu mandado,
e praz-mi que veeredes
per quanto mal mi fazedes,
mha madre, sem vosso grado
será oj'aqui conmigo
mandado do meu amigo.
437
Roguey-vos eu madre, ay, gram sazom
por meu amigo, que quero gram bem
que o viss'eu, c a vós nom prougu'en;
mays poyl'o eu já vi de corazom
gradesc'a deus que m^ho fezo veer,
e que nom ey a vós que gradecer.
Gram sazom ha, madre, que vos roguey
que o leixassedes migo falar
e nom quisestes vós esto outorgar,
mays poyl-o eu já vi e faley,
AFFGNSO PAES DE BRAGA
83
gradesco a deus que m'o fez veer
e que nom ey a vós que gradecer.
Vós nora quizesles que el vehess' aqui
o meu amigondavya sabor
de o veer, e quis nostro senhor
que o eu vysse ; mays poyPo eu já vi
gradesco a deus que m'o fez veer
e que nom ey a vós que gradecer.
Mostrou-mo deus, e fez-mi gram prazer
sem aver eu a vós que gradecer.
MEEXDINHO
438
Seria-mYu na ermida de Sam Simhon,
e cercarom-ra'as ondas, que grandes som,
en alendencTo meu amigo !
Estando na ermida, anfo altar,
cercarom-mas ondas grandes do mar,
en atendendo meu amigo !
Ecercarom-m'as ondas que grandes som,
nem ey barqueyro, nem remador,
en atendendo o meu amigo !
E cercarom-m'as ondas do alto mar,
nom ey barqueyro, nem sey remar,
en atendendo o meu amigo.
Nom ey barqueyro, nem remador
raorrerey fremosa no mar mayor,
en atendendo o meu amigo!
Nom ey barqueyro, nem seyTemar.
e morrerey eu fremosa no alto mar,
en atendendo o meu amigo 1
AFPONSO PAES DE BRAGA
439
Poys mha senhor dô mi nom quer pensar,
nem gradecer-mi quanto a ^e^vi,
nom me quer'eu por en desemparar,
ca m'acharey eu quem mi faça assy;
ca sey eu bem que nunca mha falir
a quem eu serva sse poder servir,
mays nom que eu tam muyto possa amar,
Comela; pêro nom poss'estar
que nom serva já outra des aqui,
que veja ela ca poss'eu achar
quem serva e que lhi nom menti,
sse eu nom moyro, farey-llf o eu oyr
ca servo eu outrem, nom por ra'o gracir
e quem am'ela muyfa seu pesar.
E com'o sen dona quer assanhar
nom vos dirá que tolher ada mi
nen hu bem que ela possa osmar
que tFela ouvesse des a que naci,
c quando meu d'ela ouver a partir
todo Olhe quanto x'cla vir
que d'ela ey, se o quizer filhar.
E filhará logui a meu cuydar
aflam e coyta que mayor nom vi,
pêro ela que nunca soub'amar
nom saberia conseliraver hi ;
e quando se d'ela cousir
ou-lh'o alguém ousar dizer, guarir
poderia per sol nom s'en qíeixar.
440
Ay, mha senhor, quer'eu provar
se poderey sem vós viver,
e veerey se ey poder
cTalgunha vez sem vós morar;
pêro sey o que m 1 haverrá,
cá mil vezes o provey já
e nunca o pud'acabar.
Pêro quero-o começar,
e forç ar hi meu conhocer,
e ssey de mi como ha seer,
e cá vos ey poys a rogar ;
e quam pouco mi durará,
mha senhor, e quam bem mi será
se vos posso desensanhar
Escontra mi, que vos pesar
nunca Dz, nem cuytTa fazer,
mays sey-vos iam gram bem querer
que vos faz contra mi queixar;
e poys me deus poder nom dá
que vos desame, assy m'ei ja
vosc'a perder por vos amar.
441
A que eu quoro gram bem des que a vi,
e que amo, deul o sabe mays ca mi,
me faz en coyta viver,
e d f esto xi matou morte
sem poder
que eu aja d'end'al fazer.
A provar averey eu se poderey
guarir sen a hir veer, pêro bem sey
que o nom ey de fazer,
e d'esto xi matou morte
sen poder
que eu aja d'end'al fazer.
Pêro nunca lh'eu cousa mereci
perque me mat', e ventura me faz hi
sem seu grado bem querer;
e d'esto xi matou morte
sen poder
que eu aja d'end'al fazer.
Nunca tal ventura vistes qual eu ey
controla, que servi sempre e amey
pol-o nom ousar dizer ;
e d'esto xi matou morte
sen poder
que eu aja d'end'al fazer.
Por sandice mi pod'omem esto contar,
mays per coita nom, quem vir seu semelíiar
84
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e (Testo xi matou morte
sen poder
que eu aja (TencTal fazer.
442
Ay, mha senhor, sempr'eu a deus roguey
que vos visse, e nunca ai pedi ;
e poys vos vi loguV tanto cuydey
que nom era cuydado pêra mi,
mais nom poss'eu o meu coraçom forçar
que nom cuyde com'el quiser cuydar.
E mha senhor, por deus rogar-vos-ey
como senhor que amey e que servi,
que vós nom pes d'em vós cuydar c^mey,
atend'0 bem, a mais nom atendo y;
mais nom poss'eu o meu coraçom forçar
que nom cuyde com'el quiser cuydar.
E sse eu fosse emperador ou rcy
era muyto de m'aviir assy
de vós, senhor, como eu depoys cuidey,
e vejo bem que lazerarey hy ;
mays nom poss'eu o meu coraçom forçar
que nom cuyde contei quiser cuydar.
Pêro que m'eu y ey a lezerar,
sabor m^ey eu no que n^cl faz,cuydar.
443
Ora entend'eu quanto me dizia
a mha senhor, cá era guisado
ca inda lh'eu muyto grazeria
o de que lhy nunca ouvera grado,
pola amar e servir doado,
como fez ora Sancha Garcia,
que me fezo tornar ond'eu ya.
DOM JOHAM MENDES DE BESTEYROS
444
Veherõ-me meus amigos dizer
d'ua dona, porque lhi quero bem
que lhi pesava muy de coraçom
desi que lh'er pesa de a servir;
dig'eu, amigos, bem pode seer,
mays quer lhi pes, quer lhi praza, ca nom
me poss'end'eu per nulha rem partir.
E dizem-me, porque me chamo seu
que lhi pesa, e que me quer gram mal,
e muy doado lh'ende pesará,
e, amygus, verdade vos direy;
c pêro que sey que lh'est muy greu,
quer lhi pes, quer ihi praz'a ca já,
se morto nom nunca me partyrey.
E da gram coyla que me faz levar
pesar-lh'ha ende, de que ando sandeu
por ella, mays nom cuyda de mi
nem do meu mal, nem de meu gramTaflam,
e bem vej'eu que lh'y faz' y pesar;
quer lhi pez, quer lhi praz'ora assy
sy avya sem meu grado de pram.
445
Tal ventura quis deus a mi, senhor,
dar contra vós, que nom posso partir
meu coraçom de vos gram bem querer;
assy me ten (orçado voss'amor
de tal força que nom posso fugir
a estes olhos que forom veer
aquestes meus, mha senhor, por meu mal.
Pêro, bem sabedes que pod'e vai,
que sempre eu pugi no meu coraçom
em vos servir, porque vos sey amar
mays d'outra rem ; mais mha ventura tal
he contra vós, que nenhum galardom
nom ey de vós, senhor, quando catar
com esses olhos que por meu mal vi.
Que eu vi sempre por gram mal de mi,
e por gram mal d'aquestes olhos meus
que vos virom, mha senhor, e por en
a mha ventura me tray'ora assy
a tam coylado, assy me valha deus,
por esses olhos, que per nulha rem
perder nom posso a gram coita que ey.
446
Senhor, comigo nom posso soffrer
nem com este cativo coraçom,
que vos nom dig'a milhor a querer
de quantas cousas en o mundo som ;
e 7 senhor, é desvayrada razom,
hu eu por bem que vos quero por en
nom haver de vós per nulha rem.
Já meus dias assy ey a passar,
en amando mays que outro amador
vós, mha senhor, quê semp^eu soub'amar
e servir mais que outro servidor;
e razom é desvayrada, senor,
hu eu por bem que vos quero por en
nom aver de vós per nulha rem.
E razom era, senhor, d 'algum bem
aver de vós, d'hu me tanto mal vem.
447
E já, senhor, a que vós mi aqui
que coyta ouves tes ora de enviar
por mi, nom foy, senhor, por me matar,
poys todo meu mal tem deus por bem ;
poren, senhor, mais vai d'eu ir d'aqui,
ca d'eu ficar sem vosso bem fazer;
De mais aver, esses olhos veer
e desejar o vosso bem, senhor,
de que eu sempre fui desejador;
e meus desejos e meu coraçom
nunca de vós ouveram se mal nom
e por esfé milhor de m'ir, par deus
DOM JOHAM MENDES DE BESTEIROS
85
Hu eu nom possa poer esses meus
olhos nos vossos, de que tanto mal
me vem, senhor, e gram coyla morlal
me vós destes no corafom meu,
e mha senhor, pêro que m'é muy greu,
nulh'ome nunca mho estranyará.
E poys m'eu for, mha senhor, que será
poys m'assy faz o voss'amor ir
já como vai cervo lançad'a fugir.
448
Que perfesteve de me fazer bem
nostro senhor, e nom m'o quis fazer
quand'entendeu que podia morrer
por vós, senhor, que logo nom morry ;
matando-m^el, fezera-me bem y
tal que tevera, que m'era gram bem.
Ante me quis leixar perder o sen
por vós, senhor ; desy soub'alongar
meu bem que era em mha morte dar
e quis que já sempr'eu vivess' assy
em gram coyla, como sempre vivi
e que nfouvesse perdud'o meu sen.
E vej'eu que mal coraçom me tem
nostro senhor, assy el me perdon',
nom me deu morle que de coraçom
lhe roguey sempr'e muylo lh'a pedi,
mais deu-me vida a pesar de mi
desejando a que n^em pouco lem.
A tal ventura quis el dar a mi
fez-me veer-vos, e ar fezo logu'y
a vós que nom déssedes por mi rem.
449
Estranho mal e estranho pesar
é oje o meu de quantos outros som
no mundo já, ca poys mha senhor nom
praz que eu moyra, mais quer que assy
aj'a viver a gram pesar de mi ;
e por aquesto, assi deus me perdon',
muylo mé grave de viver, e nom
posso viver s'est'ey a passar.
E poren, sempre todo m'eslranhar
devi' aqueslo com muy gram razom,
poys as mhas coylas, o meu coraçom
soffrer nom pod', o mays sey que des hy
tanto soííre com'eu soffri aqui
ey a viver sem grado, e des entom
vivo em pesar, poren meu coraçom
nom pode já tanto mal endurar.
450
Amiga, bem sey que nom ha
voss'amigo nenhum poder
de vos falar, nem de vos vccr,
e vedes per que o sey já :
porque vos vejo ambos andar
muy tristes et sempre chorar.
Encobride-vos sobejo
de mi, e já o feito eu sey
e guardado vos terrey;
mais vedes porque o vejo,
porque vos vejo ambos andar
mui tristes et sempre chorar.
Como se foss T o fevto meu
vos guardarey quanfeu poder,
e negar-nThe, com 1 ha mester,
cá vedes porque o sey eu:
porque vos vejo ambos andar
mui tristes et sempre chorar.
Nom choredes cá o pesar
sol des tosfem prazer tornar.
. 451
Deus, que leda que rn^sla noyte vy,
amiga, em hum sonho ! que sonho que sonhey,
cá sonhava eu, como vos direy
que me dizia meu amig' assy :
falad'amig' ay meu lum' e meu bem.
Nom foy no mundo Iam leda molher
em sonho, nem no podia seer,
cá sonhey que me veerades dizer
aquel que me melhor que a sy quer:
falad'amig' ay meu lum' e meu bem.
Des que nfespertey ouvi gram pesar
cá em tal sonho avia gram sabor,
como rogar-me, por nostro senhor
o que me sabe mais que sy amar:
falad^mig' ay meu lum' e meu bem.
E poys m'espertey, foy a deus rogar
que me sacass' aqucsle sonh'a bem.
452
Ora vej'eu, que nom ha verdade
em sonh', amiga, se deus me perdon',
e quero-vos logo raoslrar razom
e vedes como, par caridade :
sonhey, muyfha, que vcera meu bem,
e meu amiguo nom veo, nem vem.
Ca nom ha verdade nemigalha
em sonho, nem sol nom é bem nem mal,
bem nunca ende verey ai,
porque, amiga, só deus me valha,
sonhey, muyfha, que veera meu bem
e meu amigo nom veo nem vem.
Per mim, amiga, entendeu assy que
sonho nom pode verdade seer,
nem que m'er pode bem nem mal fazer,
porque, amiga, se deus bem mi de,
sonhey, muyfha, que veera meu bem
e meu amigo nom veo, nem vem.
E poys se foy meu amigue nom vem,
meu sonir, amiga, nom é mal nem bem.
86
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
453
Visles tal cousa, senhor, que m'avem
cada que venho com vosco falar,
sol que vos vejo logu' ey a cegar
que sol nora vej'e que nos venha rem ;
poys m'assy cega vosso parecer,
se cegass'assy quantos vos vem veer.
Cegu'eu de pram d'estes olhos meus
que rem nom vejo, par deus, mha senhor,
a tanfey já de vos veer sabor
que sol nom vejo, que vos valha deus;
poys m'assy cega vosso parecer
se cegass'assy quantos vos vem veer.
Vosso parecer faz a mim entom,
senhor, cegar tanto que venh'aqui,
por vos veer, e loguer cegu'assy
que sol veja que deus vosperdon*;
poys m'assy cega vosso parecer
se cegass'assy quantos vos vem veer.
E poys eu cego, deus, que ha poder
cegass'assy quantos vos vem veer.
AVRAS NINES, clérigo
454
Oy pj'eu huã pastor cantar
d'u cavalgava per hua ribeyra ;
e a pastor estava senlheyra,
e ascondi-me pola ascuylar ;
e dizia muy bem este cantar:
«Sol-o ramo verde, frolido
vodas fazem ao meu amigo;
e choram olhos d'amor!»
E a pastor parecia muy bem,
e chorava e estava cantando,
e eu muy passo fuy-m'achegando
pola oyr, e sol nom faley rem ;
e dizia este cantar muy bem:
«Ay estorninho do avelanedo,
cantades vós, e moyr'eu e peno;
d'amores ey mal!»
E eu oya sospirar entom
e queixava-se estando com amores,
e fazia guirlanda de flores;
desy chorava muy de coraçom,
e dizia este cantar entom :
«Que coyta ey tam grande de sofrer,
amar amigue nom o ousar veer ;
e pousarey sol-o avelanal !»
Poys que a guirlanda fez a pastor
foy-se cantando indo-s'en manselinho;
et torney-nfeu logo a meu caminho
ca de a nojar nom ouve sabor ;
e dizia este cantar bem a pastor:
« Pela ribeyra do rio
cantando ya la virgo
d'amor:
— quem amores ha,
como dormVay
bela frol?»
455
Porque no mundo mengou a verdade
punbey hum dia de a hyr buscar,
et hu per ela fui pregunlar
disserom todos: — Alhur la buscade;
ca de tal guisa se foy a perder
que nom podemus en novas aver
nem já nom anda na yrmaydade.
Nos moesteyros dos frades regrados
a deraandey, et disserom-m'assy:
Nom busquedes vós a verdade aqui,
ca muylos anos avemos passadps
que nom mor'en nosco, per boa fé,
el d'al avemos mayores cuydados.
E em Cislel, hu verdade soya
sempre morar, disserom-me que nom
morava hy, havia gram sazom,
nem frade d'y ja a nom conhocia;
nem o abbade us'outrosy nom estar,
sol nom queria que foss'y pousar
et anda já fora da abbadia.
Em Sanlyago seemTalbergado
em mha pousada chegarom roroeus,
preguntey-os et disserom : Par deus,
muy to levadel-o caminho errado;
cá se verdade quiserdes achar
outro caminho convém a buscar,
ca nom sabem aqui d'ela mandado.
456
Que muyto nTcu pago d'este verão
por estes ramos et por estas flores,
et polas aves que cantam demores
porque ando hy led'e sem cuydado;
et assy faz tod'omem namorado
sempfy and lcd'e muy loução.
Cand'cu passo per algumas ribeyras
so boas arvores, per boos prados
se cantam hy pássaros namorados
logu'eu com amores hy vou cantando,
et log'aly d'amores vou trobando
et faço cantares em mil maneyras.
Ey eu gram viço e gramTalegria
quando m'as aves cantam no estyo.
457 (wd.) 469
Amor faz a mim amar tal senhor,
que he mays fremosa de quantas sey,
e faz-n^alegr', e faz-me trobador
cuydand'em bem; sempre mais vos direy:
faz-me viver em alegrança,
e faz-me todavia em bem cuidar
poys mim amor nom quer leixar,
e dá-me esforç' e asperança
mal venira quem d'el desasperar.
ATUAS NUNES
87
Ca per amor cuycTen mais a valer,
e os que d'el desasperades som
nunca poderam nenhum bem aver
mais aver mal ; et por esta razom
trob'eu, et nom per atítolhança
mais porque sey lealmente amar;
poys min amor nom quer leyxar
e dâ-me esforço e asperança
mal ventTa quem dei desasperar.
Couseç'em mim os que amor nom ham,
et nom couseçem s'y vedes que mal
ca trob'e canto per senhor de pram
que sobre quantas ojeu sey, mais vai
de beldade de bem falar
et he cousido sem duldança,
a tal am'eu, et por seu quer'andar;
poys mi amor nom quer leyxar
e dà-me esforço e esperança,
mal venlfa quem d'el desasperar.
458
A Santiago em romaria vem
el rey, madre, praz-me de coraçora
por duas cousas, sse deus me perdon',
em que tenho que me faz deus gram bem
cá verey el-rey que nunca vi,
et meu amigo que vem com el hy.
459
Vy eu, senhor, vosso bon parecer
por mal de mim e (Testes olhos meus,
e nom quis poys mha ventura, nem deus,
nem vós, que podess'eu coyta perder;
e poys me vós nora queredes valer
breve, creo, que será mha vida,
gentil dona, poys nom sen t ú/a
em vós vay camanha coyta seer.
460
Delia dolçor vosdcusdeu,quenospraya,
sup^end^s mercês de mi qiToje vaya.
Assy me tem em podtr voss'amor
que sempre cuid'eu como poderey
vosso bem aver, que nom ave rey,
mal pecado, em quanto vivo for
mays entom ey eu cõhorf e sabor.
461
Gentil dona, l'amislàra
que oj'ay, tan muy vej'ir
quen viss'ay la vostra cara.
462
Baylemos nós já todas, todas, ay amigas,
sô aquestas avelaneyras floridas ;
e quem for velida como nós velidas,
se amigo amar
só aquestas avelaneyras frolidas
verrá baylar.
Bailemos nós já todas, todas, ay irmanas
sô aqueste ramo d'estas avelanas;
e quem for louçana como nós louçanas
se amigo amar,
sô aqueste ramo (Testas avelanas
verrá baylar.
Por deus, ay amigas, mentr'al nom fazemos
sô aqueste ramo florido baylemos ;
e quem bem parecer como nós parecemos,
se amigo amar,
sô aqueste ramo sol que nós bailemos
verrá baylar.
463
Por deus, coraçom, mal me matades
e pela vossa nem minha nom fazedes,
e pouco, se assi for, viveredes,
ca, senhor, porque m'assi matades
ai cuid'acâ, nom no vosso cuydar,
mal dia forom meus olhos catar
a fremosurai porque me matades.
Agora que eu moiro com quem ficades?
vós com ela, par deus, nom íicaredes,
e sse eu moiro migo morredes,
cá vós noife dia migo ficades
mays vosso cuidado pode chegar
hu est a dona que rem nora quer dar
por mi, cá sempre comigo ficades.
464
— Baylade oje, ay filha, que prazer vejadea,
anfo voss'amigo, que vós muyfamade.s.
«Baylareyeu,madre,poysmevósmandades,
mays pêro entendo de vós huã rem :
de viver el pouco muyto vos pagades,
poysmevósmandadesquebaylcanfclbcm.
— Rogo-vos, ay filha, por deus que bayledes
anf o voss'amigo, que bem parecedcs.
« Baylarey eu, madre, poys rafo vós dizedes
mays pêro entendo de vós huã rem:
de viver el pouco gram sabor avedes
poysquememandadesquebayleanfelbem.
— Por deus, ay mha filha, fazed'a baylada
anfo voss'amigo de sô a frol granada.
«Baylarey eu y madre, d'aquesta vegada,
mays entendo de vós uma rem :
de viver el pouco sodes muy pagada
poysque me mandados que bayle anfelbcm.
— Baylade oj'ay (ilha, por sancta Maria
anfo voss'amigo, que vos bem queria.
«Baylarey cu, madre, por vós todavia
88
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATiCANA
mays poro entendo de vós huã rem :
em viver el pouco tomades períia
poysquememandade9quebayleant'elbem.
465
Noslro senhor, e porque foy veer
liua dona que eu quero gram bem
e querrey sempre já mentr'eu viver,
e que me faz por sy perder o sen ;
pêro ela faça quanto quiser
contra mi, cà pêro me bem nom quer
nom leyxarey de a servir por en.
466
Desfiar enviarom
ora de Tudela
filhos de Dom Fernanda
cTel-rey de Castela;
e disse el-rey logo :
«Hidealà Dom Vela.
« Desflade e mostrade
«por mi esta razom,
«se quiserem per talho
«do. reino de Leom,
«filhem por en Navarra
«ou o reino d'Aragom.
«Ainda lhes fazede
«outra preilesia,
«dar-lhes-ey per talho
«quanto ei en Galicia,
« e aquesto lhe faço
«por partir perfia.
« E faço grave dito
«cà meus sobrinhos som,
«se quiserem per talho
a do reino de Leom
«filhem por en Navarra
«ou o reino d'Aragom.
«E veed'ora, amigos,
«se prend'eu engano;
« e fazede de guisa
«que jà, sem meu dano 7
«se quiserem tregoa
«dade-lh'a por uni anno.
«Outorgo-a por mi
«e por eles dom,
« c'as tem se quizerem
«per talho de Leom
« filhem por en Navarra
«ou o reino cTAragom.»
46T
Faley noutro dia com mba senhor
et dixe-lh'0 muy grand'araor que lh'ey,
et quantas coytas por ela levey
et quanfafam sofro por seu amor;
foy sanhuda et nunca tanto vi,
et foy-se, el sol nom quis catar por mi
et nunca mays poys com ela faley.
Mentr'eu com ela falava em ai
eu nunca m'olhos tam bem vi falar ;
et poys lh'eu dixe a coyta e o pesar
que por ela soffro et o muy gram mal,
foy sanhuda et catou-me em desdém,
et des ali nom lh'ousey dizer rem
nem ar quis nunca poys por mi catar.
E muytas vezes oy eu dizer
que quem ascuita a costas lhe dá,
e eu receey esto grand'acá;
mays porque me vejo em coytas viver
dixe-lh'o bem que lhe quer' et entom
estranhou-m^o de guisa que sol nom
me quiz falar, el de mi que será.
468
meu senhor obispo na Redondela huu dia
de noyte com gram medo de desonrra fogia ;
eu hyndo-n^aguysando por hyrcom el mha via
achey hua campanha assas brava e crua,
que me decerom logo de cima da mha ruiva
azemela, et cá m'alevaram-na por sua.
E des que eu naçfa nunca entrara em lide,
pêro que já fora cabo Valedolide
escoltar doas muytas que fezerom em Molide;
e ali me lançarom a mi à falcatrua
a mais escudeyros, gage o churruchão,
el taaes sergentos, cá nom gente de rua.
Ali me desbulharom do tabardo e dos panos,
et no houverõ vergonha dos mis cabelos canos,
nem me derom por ende grãs nem abanos;
leixarom-me qual fuy nado no meyo de la ria,
et huu donato tinhoso que a de par estava
chamava minha nana velha fududadia.
469
Poys min amor nom quer leyxar
e dá-ine esforço e asperança
mal venha a quem se d'el desasperar,
cà per amor cuytTeu mays a valer;
e os que d'el desasperados som
nom podem nunca nenhum bem aver,
nem fazer bem, e por esta razom
com amor quero-me alegrar
e quer'o trisfem mal andança
que nom lhe de deus ai poys sem pagar.
Poys mim amor nom quer leyxar
e dá-me esforço e asperança
- mal venha a quem se d'el desasperar;
amor faz a mi amar tal senhor
mays fremosa de quantas oj'eu sey;
e faz-me alegre, e faz-me trobador,
cuydand'em bem sempre mays vos direy
hu s'era rasom de trobar
trob'eu e nom per antolhança
mays poys sey muy lealmente amar.
HARTIM MOXA
89
Poys mi amor noro quer leixar
e dà-me estorço, e asperança
mal vcnh'a quem se d'el desasperar;
couseçem mi os que amor nom liam,
nom couseçem si veedes que mal
ca trobey lauto por senhor de pram
que de beldade quantas eu sey vai;
de mesur'e de bem falar
e de todo bem sem duldança
a tal am'eu } e por seu querandar.
ÁLVARO 60MES, jograr de Sarria, fez esta cantiga
a HARTIM MOXA
470
Martin Moxa, a mba alma se perca
polo foder se vós pecado avedes
nem por boos fllbus que fazedes,
mays avedes pecado por la herva
que comestes, que vos faz viver
tam gram tempo que podedes saber
jnuy bem quando nace' Adam et Eva.
Nem outro si dos filhos Larvados
nom vos acho hy por pecador,
se nom dos tempos grandes transpassados
que acordades et sodes pastor ;
dizede-m'ora, se vejades prazer,
de que tempo podiades ser,
quand Y estragou ali o Almançor.
De profaçar as gentes sandias
nom avedes por que vos embargar,
nem porque filhardes em vós pesar
cá o nom dizer se nom com perdas;
disede-m'ora, se deus vos perdon',
quanto nascestes vós anfa sazom
que encarnou deus em sancta Maria.
471
Per como achamos na santa escriptura
o anli-christo ora seerá na terra
cá se nom guarda trégua nem postura,
et cada parte vejo a volver guerra,
et fazer mal com mengua de justiça
et na genfé tam grande a cobiça
que nom ha bon conselho nem mesura.
Ca nom leyxam espital nem egleja
romeu nem dona, nem orne fidalgo
nem homeê d'onra, por bom que seja
que nom desonrem por levar dei algo;
forçam mulheres
MARTI» MOXA *
472
Vós que soedes em corte morar,
d>stes privados queria saber
se lhes ha a privança muylo durar
cá os nom vejo dar nem despender;
ante os vejo tomar et pedir,
et o que lhes nom quer dar ou servir
nom pode rem com el-rey adubar.
Destes privados nom sey novelar
se nom que lhes vejo muy gram poder
et grandes rendas, casas gaanhar
et vejo os grandes muyto empobrecer;
com proveza da guerra sayr,
et ha el-rey sabor de os ouvir,
mays eu nom sey que lhe vam conselhar.
Sodes de côrt' e nom sabedes rem,
cà mester faz a tod^ome que dé
poys á corte per livrar algo vem,
ca se dar nom quer por end'ech'a se;
pêro se de dar nom se trabalhe d'al
et se nom der ijada nom pod'adubar ai
cá os privados querem que lhes dém.
473
Amigos, cuyd'eu que noslro senhor
nom quer no mundo ja mentes parar,
cà o vejo cada dia tornar
de bem em mal, e de mal em peior ;
ca vejo boos cada dia decer
e vejo maaos sobfeles poder,
por en nom ey da mha morte pavor.
O mundo tod'a vessas vej'ir
em promptas armas no mundo som
a avessas andam, sy deus mi perdon';
poren nom dev'anf a morte fugir,
quem sabe o bem que soia leer
e ve d' oy o mundo outra guysa correr
e nom se pode de morte partir.
Os que morreram, mentr'era melhor
am muyfa deus que gradecer,
ca sabem jâ que nom am de morrer
nem er atendem que vejam peyor,
como oj' atendem os que vyvos som,
e por en tenlTeu que faz sem razom
quem doeste mundo ha muy gram sabor.
E por en tenho eu que he muy melhor
de morrer homem que lhi bem for.
474
Por vós, senhor fremosa, poys vos vy
me faz viver coytado sempi^amor
mays pêro quamTar cuyden qual senhor
me fez e faz amar, cuido logu'y
que nom queria nom vos querer bem,
maysquand'ercuydo no malquenTen vera
Por vós, a quem pesa de vos amar,
aly mi pesa de vo3 bem querer;
mays poys no prez cuyde-vos parecer
que vos deus deu logui ey de cuydar
que nom queria nom vos querer bem
mays quandercuydo no mal que nTen vem,
_-j
90
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
Por vós, senhoi, a quem deus por meu mal
me vos Iam muyto bem conhecer fez,
pêro sabede se rem ey de prez
ou d'oulro bem por vos lie e nom por ai,
que nom queria vos nom querer bem
mays quand'er cuydo no mal que m'en vem.
475
O gram prazer e gram vip/em cuydar
que scmpr'ouv' y no bem de mlia senhor
m'a fazem ja tam muylo desejar
que moyr'e nom perco coylas d'araor,
pêro avem que algunha sazom
assi m'afog'e muylo porque nom
tenpo-me d'el, nem sey em que trobar.
E por esto nom leyxey pois amar
e servir bem e fazel-o milhor,
cá sempre amor per bem se quer levar,
e o pequeno co ! grande é o mayor;
quaes el quer en o seu poder som
poys assy é, semelha-mi razom,
de a servir e seu bem aguardar
A deus lai bem que nom podcss'aver
de tal senhor qual mi em poder tem,
pêro quero-meu cuydar hy prazer,
cuydar me tolh'o dormir e o sen,
cá non poss'end'o corapom partir
ca ma faz sem prantos meus olhos ir
cada hu vou et d'ii a vi veer.
Mays tanto sey, se podesse seer
se viss'ela o meu corapom Iam bem
com'el ela, dever-s'ya doer
d'el e de mi, poil-o visse pôr en
am'eu e trob'e punham a servir,
que entenda poys meu cantar oyr
o que nom posso, nem Hf ouso a dizer.
E nom dev^mem seu cor encobrir
a quem sabe que o pode guarir,
de mais hu llfoulro nom pode valer.
476
Amor, de vós bera me posso loar
de qual senhor me fazedes amar ;
mays d' unha cousa me devo queixar
quanf é meu sen,
hu mesura, nem outro bem
nem mercê nom vai, nem outra rem.
Gradesco-vos, que mi destes senhor
fremosa, e de todo bem sabedor,
mays poys m'a destes, pepo-vos, amor,
do que m'avem,
hu mesura nem outro bem
nem mercê nom vai, nem outra rem.
Am'eu e trobo e serv'a mays poder
aquesta dona por seu bem aver,
mays quando-lh'a coyla venho dizer
em que me tem,
hu mesura, nem outro bem
nem mercê nom vai, nem outra rem.
477
Pêro mi fez e faz amor
mal, e nom ey nem cuyd'aver
já per el bem de mha senhor,
ey muyto que lhi gradecer
porque mi faz a melhor rem
d'aquesle mundo querer bem.
E pêro m'el nom quis nem quer
dar bem per quanto mal mi deu
ja em quanfeu viver poder
ledo serey de seer seu;
porque mi faz a melhor rem
-tTaqueste mundo querer bem.
478
Venho-vos, mha senhor, roguar
com grand'amor que vos eu ey
que mi valhades, cá bem sey
se m'esta coyta mays durar,
já minha vida pouco será.
E que mi queirades valer
ay coyta do meu corapom,
bem sey eu se deus mi perdon',
se emparardes este lezer,
já minha vyda pouca será.
479
A tanto queria saber
doestes que morrem com amor
qual coyta teen por mayor :
d'ir homem tal loguar viver
hu nunca veja sa senhor,
ou de guarir hu a veer
possa e nom llfouse falar?
E muylus vej'a dês rogar
que lh'ela moslre ou que lhis dê
morte cerla per boa fé,
que esta coyta nom ha par;
nom a veer ca já quite ó
hu a nom vyr d'aval cuydar
nem de pagar-se doutra rem.
E direy-vus como llfavem,
a quem dona mui gram bem quer,
se a vir e lhi nom poder
falar tal e como quen tem
ante sy quanto lh'é mester
e nom Ih ousa falar em bem,
e desejando moyr^ssy.
E tod'aquesl'eu padecy
ca muy gram coyla perlevey
poys-me de mha senhor quiley
porque lhe falar nom ous'y
a tam coytado foy logu'i
que cuydara morrer entom.
E doestas coytas que sofri
a mayor escolher nom sey
pêro sey cá muy grandes som.
MARTIM MOXA
91
480
Amor nom qued'eu amando
nem quedo dandar punhando
se poderia fazer
per que vossa graç'ouvesse,
ou a mha senhor prouguesse ;
mays pêro faç'y meu poder
contra mha desventura
nom vai amar, nem servir,
nem vai razom, nem mesura,
nem vai calar, nem pedir.
Am*c servo quanfeu posso
e praz-mi de seer vosso,
sol que end'a mha senhor
nom pesasse meu servipo,
des nom mi dess'outro viço
mays faça end'o melhor
contra níha desventura
nom vai amar, nem servir,
nem vai razom, nem mesura,
nem vai calar, nem pedir.
Que quer que mha mi gracido
fosse de quanfey servido
que m'a mi nada nom vai ;
mha coyta viço seria
ca servido atenderia
contra mha desventura
' nom vai amar, nem servir,
nem vai razom, nem mesura,
nem vai calar, nem pedir.
Porque sol dizer a gente
do que serve lealmente
e se nom quer enfadar,
nem depoys galardom tem
am'eu e servo poren;
mays vedes ond^ey pesar,
contra mha desventura
nom vai amar, nem servir,
nem vai razom, nem mesura,
nem vai calar, nem pedir.
E poys-mi deus deu ventura
de tam bom logar servir,
atender quero mesura
ca mi nom deve falyr.
481
Per quanfeu vejo
per só me desejo,
ey coyta e pesar,
se and'ou sejo
o cor m'est antejo
que me faz cuydar;
cà poys franqueza
proeza,
venceu escaceza ;
nonsey que pensar;
vej 'avareza
maleza
per sa soteleza
o mundo tornar.
Já de verdade,
nem de lealdade
nom ouso falar,
cá falsidade
mentira e maldade
nom lhis dam logar;
estas som nadas
e criadas
enventuradas,
e querem reynar;
as nossas fadas
iradas,
forom chegadas
por esto fadar.
Louvam'yaàles
e prezenteantes
am prez e poder;
e nos logares
hu nobres falares
soyam dizer
vej^longados
deytados
do mund'exerdados
e vam se a perder;
vej'achegados
loados,
de muytos amados
os de maldizer.
Pela crerizia
per que se soya •
todo bem reger,
paz, cortezia
solaz que avia
fremoso poder,
quand'alegria
que vivia
no mund'e fazia
muyt'algu'e prazer;
foy-se sa vya
e dizia
cada dia
eyde falecer.
D'ar que valya
compria,
seu tempo fogia
por s'ir asconder.
482
Bem poss'araor c seu mal endurar,
tanfé o bem que de mha senhor ey,
sol em cuydar no bem que d'ela sey;
cà sa mesure seu muy bon falar
e seu bom sen e seu bom parecer
tod'é meu bem, mays que mal poss'avcr,
mentre a vyr e no seu bem cuydar.
Gradesc'a deus, que mi deu tal senhor
Iam de boo prez e que tam muyto vai,
92
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e rogo-lhi que nunca cTeste mal
me guarescá, nem m'empare d'amor,
ante mi dê sempre perder o sen
de a servir, cá este é o meu bem
e aquesfé meu juizo e meu sabor.
Ca seu fremoso calar e riir
e falar ben sempr'em boa razom
assy m'alegra no meu coraçom
que nom cuyd'al se nom en a servir
e no seu bem se m'o deus dar quiser,
como farey depoys se o ouver
que o possa manteer e gracir.
Aly, des, senhor, quando se nembrarâ
esta dona, que tanfamo, de mi,
que diga: em tam bom dia servi
senhor que tam bom galardom mi dá ;
poys em cuydar tara gram sabor ach'eu,
rem nom daria se ouvess'o seu
bem, per quanfoutro bem en o mund'ha.
E por end'am'e serv'e soo seu
doesta senhora, e servil-a quer'eu,
cá bom servirem bem s^ncimará.
ê
483
Que grave coyta qu'é-me dizer
as graves coitas que sofr'em cantar,
vejo mha morte que m'hade matar
em vós, e nom vos ous'em rem dizer;
pêro ei dizer-lo cantando e em som
que me semelha cousa sem razom
de m'eu com coita de morte dizer.
E pois mha coita per tal guisa he
que a nom posso per rem encobrir,
em a tal terra cuido eu de guarir,
que bem entendam meu mal a la Té;
et a tal gente cuicTeu de cantar
et dizer son hu com ela falar
que bem entenda a meu mal onde be»
ROY FERNANDES
«
484
Quantas ctrytas senhor sofri
por vos veer e rae quitey
de vós hu vosco nom raorey,
e poys me deus ados^aqui
dizer- vos quero que ro'avem :
tanto me nerafoKagora jâ
como se nunca fosse rem.
Peto que vivo na mayor
coyta que podia viver
desejando-vos a veer,
e poys vos vejo mha senhor
dizer- vos quero que m'avern:
tanto me nembr'agora já
como se nunca fosse rem.
Pêro quem tanto mal levou
com'eu levey e tanfafam,
a nembrar-lh'avia de pram,
e poys me vos deus amostrou,
dizer-vos quero que m'avem :
tanto me nembr'agora já
como se nunca fosse rem.
485
Se hom'ouvesse de morrer,
senhor, veendo gram pezar
da rem que mays soubess'amar
de quantas quyso fazer,
eu nom poderá mays viver
hu vos forom d'aqui filhar
à força de vós, e levar
e vos nom pud'y cu valer.
Nom me soub'i conselh'aver
per como podess'endurar
a coifem que me vi andar
pola força que vos prender
vi, e quisera ante sofrer
raorfu a veria cá ficar
vyvo per aver a estar
a tam grave pesar a veer.
E nunca no mundo prazer
des aqui jamais aguardar,
e sempre m'aver a queixar
a deus por el esto querer;
mays hua rem posso creer
que des que m'eslo foy mostrar,
poren me leixe de'matar
que aja sempre que doer.
E que nunca possa tolher
estes meus olhos de chorar
e que sempr'aja a desejar
vós e o vosso parecer;
que nunca m'hade escaecer
en o meu mal sempre cuydar,
bem me posso maravilhar
por mha morte nom aduzer.
E nunca deus queyra prazer
que nunca el queyra mostrar
a nulh^me tanto pesar
quanfel poderia sofrer.
486
Ora começa o meu mal
de que já nom temia rem,
e cuydava que m'ia bem
e cedo se tornou em mal,
cá o dén^agora d^mor
me fez filhar outra senhor.
E já dormia tod'o meu
sono, e nom era foi,
e podia fazer mha prol ;
mayl-o poder já nom é meu,
cá o dém'agora d'amor
me fez filhar outra senhor.
Que ledo me fez a cá
ROT FERNANDES
93
quando-s'amor de mi quitou
hum pouco que m'a mi leixou
mays d'outra guysa mi vay já;
cá o dém'agora d'amor
me fez filhar outra senhor.
E nom se dev'ome alegrar
muyto de rem que possa aver
cà eu que o quigi fazer
nom ey jâ de que m 'alegrar;
cà o dém'agora d'amor
me Tez filhar outra senhor.
Ao dém'acomend'eu amor,
e teenga deus a senhor
de que nom será sabedor
Dulh'om'em quant'eu vyvo for.
487
Que muy gram prazer oj'eu vi
hu me vos deus mostrou, senhor,
e bem vos faço sabedor
que poys que m'eu de vós parti
nota cuydara tanfa vyver
como vevi sem vos veer.
Que muyto que eu desejey
de vos veer e vos falar,
e foy-m'o deus agora guysar,
senhor, e mays Vos en direy;
nom cuidara tanfa viver
como vevi sem vos veer.
E dés que mi fez este bem
ainda nfoutro bem fará,
poys el quiz que vos visse já,
mha senhor, cà per nenhum sen
nom cuydara tanfa viver
como vevi sem vos veer.
488
Quand 7 eu vejo las ondas
e las muyt' altas ribas,
logo mi vêem oudas
ai cor por la velyda;
maldito sefal marc
que mi faz tanto malc.
Nunca veo las ondas
nen as altas rocas,
que mi nom venham ondas
ai cor pela fremosa;
maldito sefal maré
que mi faz tanto male.
Se eu vejo las ondas
e veo-las costeyras,
logo-mi vem ondas
ai cor pola bem feyta ;
maldito sefal maré
que mi faz tanto male.
489
Jà eu nom am'a quem soya,
nem ey a coyta que anfavya,
e pesa-mi, par sancta Maria,
cá nfey outra coyta d'amor mayor.
Nostro senhor, quem m'oj'a mi desse
que a que bem quigi bem quisesse,
cà tenh'eu-que mayor coyta ouvesse ;
cà nfey outra coyta d' amor mayor.
E menlr^eu d'ela fuy namorado
nunca me virom desacordado,
mays ora já nom ha hi recado,
cà m'ey outra coyta d'amor mayor.
490
Hy logo, senhor, que vos vi,
vi eu que fazia mal sen
d'ir osmar de vos querer bem,
e partira-m'end'eu logu'i;
mayl-o vosso bom parecer
nom m'o leixou, senhor fazer
nom m'o leixou, senhor, fazer.
Assas entendénd'eu, que dlr
começar com a tal molher
como vós, nom nfera mester
e qual será m'end'eu partir,
mayl-o vosso bom parecer
nom m'o leixou, senhor, fazer,
nom nfo leixou, senhor, fazer.
Senhor, e nom foy pelo meu
gradou a vós fuy amar, nem ey
hi culpa porque* vos araey,
ca me vos partira end'eu,
mayl-o vosso bom parecer
nom m'ho leixou, senhor, fazer,
nom m'o leixou, senhor fazer.
E nom xe vos filhe pesar
por vos eu muy de coraçom
amar, cà deus nom mi perdem'
se me nom quisera quitar ;
mayl-o vosso bom parecer
nom nfho leixou, senhor, fazer,
nom m'o leixou, senhor, fazer.
491
Des que eu vi
o que eu vi,
nunca dormi,
e cuydand'i
moyr'eu.
Fez-me veer
despreveer
quem me morrer
faz, e dizer
moyr'eu.
Gram mal mi vem,
em mi vem.
nem verrà bem
end'c por en
moyr'eu.
E nom mi vai,
94
CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA
deus nom me vai,
e (Teste mal
moyr'eu
moyr'eu
moyr'eu.
492
Pêro raha senhor nulha rena
nom m ? hade fazer se nom mal,
nem eu d' ela nom atencTal,
tam muyto parec'ela bem,
que o seu muy bom parecer
m'a faz á força bem querer.
De punhar de lhi nunca já
querer alguã vez mi praz,
e de tod'esto ai xi mi faz
poys tam bom parecerá,
que o seu muy bom parecer
m'a faz à força bem querer.
De já sempr'esta dona amar
porque nom se pode partir,
cá deus quem quis destroir
tam bom parecer lhe foy dar ;
que o seu muy bom parecer
m*a faz à força bem querer.
E faz-mi que nom ey poder
que lh'o nom aja de querer.
493
De gram coyta faz gram lezer
deus, per quanfeu cntend'e sey,
e de gram pesar gram prazer,
e direy-vos porque o ey,
cá vi mha senhor d'aqucm d'ir
e ora vejo-a viir.
Ja per coita, nem per pesar
que aja no meu coraçonr
nom me quer'eu muyto queyxar,
e direy-vos eu porque nom ;
cá vi mha senhor d'aquem d'ir
e ora vejo-a \iir.
E sempr'eu esforçarey
contra pesar se o ouvcr,
de o perder nom o querercy
aver oy mays, se deus quiser ;
cá vi mha senhor d T aquem d'ir
e ora vejo-a viir.
494
Quand'cu nom podia vecr
a senhor do meu coraçom,
e de mi bem cuydar entom
que podesse coyta perder
sol que a visse ; poyl-a vi
ouv'eu mayor coyta dcs hi.
Pêro que perdia o sen
pola fremosa mha senhor,
quanta coyta avia d'amor
nom cuvdava teer em rem
sol que a visse ; poyl-a vi
ouv'eu mayor coyta desy.
De quanfeu cuydey acabar
nulha cousa nom acabey,
cá vedel-o que eu cuydey,
cuydei-mê de coyta quitar
sol que a visse; poyl-a vi
ouv'eu mayor coyla desy.
495
Que doo que agora ey
dos meus olhos polo. chorar,
que faram poyl-os eu levar,
senhor, hu vos nom veerey,
ca nunca os ey a partir
de chorar hu vos eu nom vyr.
Quiçá m'en que vissem ai
e nom vissem-vos estes meus
olhos, e nom quis assy deus,
mays sey que mi verram em mal,
ca nunca os ey a partir
de chorar hu vos eu nom vyr.
O vosso mui bom parecer
virom en mal dia por sy,
e mal dia lhe-lo sofri,
senhor, que fossem veer,
ca nunca os ey a partir
de chorar hu vos eu nom vyr.
Pêro, que OFa, senhor, am
em vos veer mui gram sabor,
já o pesar será mayor
poys quando vos nom verram,
ca nunca os ey a partir
de chorar hu vos eu nom vyr.
Nem vos poderey eu partir
de chorar hu vos eu nom vyr.
»
496
Ora m'o tenham a mal sen
ca nom leixarey a trobar,
nem a dizer em o cantar
que eu fezer, o muy gram bem
que vos eu quero, mha senhor,
e querrey mentrVu vyvo for.
Vós, quanto eu poder, negarey
que nom sodel-a que eu vi,
que nom visse, ca des aly
Iby sandeu, mayl-o bem direy,
que vos eu quero, mha senhor,
e querrey mentr'eu vivo for.
Bera tenho eu quem n^estranh' acâ
esto de vós poyl-o disser,
mays será o que deus quiser,
cá o bem a dizer 6 já
que vos eu quero, mha senhor,
e querrey mentr'eu vivo for.
E bem pod'unha rem creer
quem me doesto quiser cousir,
ROY FERNANDES
85
que m^ci, ca m'endc pode partir
que o bem nom aja a dizer
que vos eu quero, mha senhor,
e querrey mentr'eu vivo for.
Cá nora querrâ deus, nem amor
que vol e'y queyra, senhor.
497
A dona que eu quero bem
tal sabor ey de a veer
que nom saberia dizer
camanh'é, pêro nom sen
poyl-a end'eu mays desejo
seriipre cada que a vejo.
Pêro que oje no mund'al
a tanto desej'e nom ha,
como d'ir hu a possa ja
veer, nom na veer mays val>
poyl-a end'eu mays desejo
sempre cada que a vejo.
Se nom vyr nom averrey
que de mim nem d'al sabor,
se a vyr averey mayor
coyla, mays porque o forey,
poyl-a end'eu mays desejo
sempre cada que a vejo.
Esto soo nom é do yr,
que eu ja sempr'esla molher
nom veja cada que poder,
pêro devia-lhe a fugir,
poyl-a end'eu mays desejo
sempre cada que a vejo.
498
Esla senhor que ora fllhey
grave dia, vedes que faz,
porque lh'agravon, lhi nom praz
do que com ela comecey ;
assanhou-ss' ora contra mi
e pêro faz seu prazer hy.
E bem pode saber que nom
meresco eu d'esta sanha rem,
ergo se lhi quero gram bem,
e pêro nom ha hy razom
assanha-ss' ora contra mi,
e pêro faz seu prazer hy.
Bem vos digo que ante m'cu
queria ir siquer matar,
ca lhe fazer nenhum pesar,
mays ela bem assy de seu
assanhassora coutra mi
e pêro faz seu prazer hy.
E poyl-o quer fazer assy
nom sey, ou que seja de mi.
499
Pêro lanfé o meu mal (Vamor
c a muy gram coyla que ey
por vós, que dizer non o sey
bom dia nacerá senhor,
se, aposfa d'aqueste mal
eu atendesse de vós ai.
Tod'este mal quanfa mim vem
nen a gram coyta que sofri
por vós, des que vos conheci
non o teria já em rem,
se, aposfa d'aqueste mal
eu atendesse de vós ai.
Pêro tod'este mal me tolherá
o sen, nem lhi cuyd'a guarir,
se de mim nom se quer partir
sabor averya d'el já,
se, aposfa d'aquesle mal
eu atendesse de vós ai.
Muyto é o mal que mi sofrer
fazedes, porque mi falar
nora queredes, nem ascoytar>
pêro mays eu querria aver
se, aposfa d'aqueste mal
eu atendesse de vós ai.
Cá de vós nom alend'eu ai
que mi façades, se nom mal.
500
Aquesle muy gram mal d'amor
que eu por vós mha senhor ey,
poys outro conselho nom sey
se prouguer a nostro senhor,
alongar me querrey d'aqui,
e alongar-s'ha el de mi.
Nenhum conselho me sal
contra vós, nem deus nom m ? o dá,
porque perca este mal já,
e poys nTaqui vem este mal
alongar me querrey d'aqui
e a!ongar-s'ha el de mi:
E mentr'eu a guarir ouver
hu vos eu soya veer
nom averrey nunca a perder
este mal, mays se eu poder
alongar-me querrey d'aqui
e alongar-slia el de mi.
Nem tenho hi ai que seja sen
que faça, poys vos eu falar
nom ous'yr, senhor, nem catar,
e poys moeste mal aqui vem
alongar-me querrey d'aqui
e alongar-s'ha el de mi.
Ca nom vyverey mays desy,
e alongar-sha end'assy.
501
Os meus olhos que virom mha senhor
c'o seu muy fremoso parecer
mãos seram agora d'afazer
longi, de lá nas terras hu cu for
96
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e cataram contra bu jaz
a terra (Testa dona, que os faz
sempre chorar e o sono perder.
E muyto fezerara assi melhor,
e a mi, se a nom foss'eu veer.
MARTIN MOXA
502
En muyto andando cheguey a logar
hu lealdade, nem manha, nem sen,
nein crerezia nom vejo preçar,
nem pod'om' i de senhor gram rem
senom loar quanto lh'y vir fazer
e 1'encimar, e rem nom lhi dizer
pêro lhi veja o sal semear.
E quem ally com'eu cheguey chegar
se mentir, e nem te ver mal por bem,
quitar-s'ha em com'eu vi mim quitar
mais nom con^end^u vi quitar alguém,
nem quem, nem como, nom quero dizer;
e vi alhur quem mentirei seer
nom quer, nem pode, nem bom prez leixar.
Mentr'aly foy tal somno ouve a sonhar
muytas vezes, e no sonho vi quem
vi a Bubela a Çerzeta filhar
e a Bubela eslá que tem
ca Çerzeta, e que quero dizer
ou como a pode Bubela prender
em este sonho que nom pode soltar.
503
Maestr' Açenso dereyto faria
cl-rey de vos dar muy boa soldada,
porque fedestes hua cavalgada
sem seu mandad'a Roda n 'outro dia,
sem sa ajuda et sem seu dinheiro,
fostes alá matar um cavalleyro
porque soubestes que o deservia.
E se ell-rey fosse bem conselhado
maestr' Açenço d'aqueles dinheiros
que lh'o demo leva nos cavalleyros
partil-Jos hya vosco per meu grado,
ca nom foy tal que a Ronda encontrasse
que cavalleiro da villa matasse
se nom vós que hyades desarmado.
E do serviço que lh'avedes feito
macstfAçenço, nom vos enfadedes,
tornada lá, bem barataredes
et matad'outro quand^uverdes geyto,
ca se ell-rey sabe vossa demanda
et ouver paz doeste enxeco em que anda
arcediagoo sodes logo feyto.
E diss'ellrey, n'outro dia estando
hu lh'y falarom em vossa fazenda,
que vos quer dar ar dom em encomraenda,
porque dizem que sodes de seu bando:
mays se hy jouv'algum homem fraco
dos vossos poons levad'um gram saco
e hyr sMh'ha o castello livrando.
504
De Martim Moxa porfaçam as gentes
e dizemlhe por mal que he casado,
nom lh'o dizem senom os maldizentes
ca o vej'eu assas hom'ordynhado,
e muy gram capa de coro trager,
e os que lhe mal buscam por foder
nom lhe vaam jejuar o seu pecado.
E porfaça d'el a gente sandia
e non o fazem senom com mayça,
ca o vej'eu no coro cada dia
vestir capa et sobre peliça,
et a eyto fala el y muy melhor
diz, se poys foder el peccador
nom m'a n'eles y a fazer justiça.
PÊRO GONÇALVES DE P0RT0CARREYRO
505
Par deus, coytado vivo,
poys nom vem meu amigo
poys nom vem, que farey?
meus cabelos com sirgo
eu nom vos liarey.
Poys nom vem de Castela
nom é viv'ay mesela,
ou m'o detém el-rey ;
mhas toucas da Estella
eu nom vos tragerey.
Pêro m'eu leda semelho,
nora me sey dar conselho,
amigas, que farey?
em vós, ay meu espelho,
eu nora veerey.
Estas doas muy belas
el nVas deu, ay donzelas,
nom vol-as negarey,
mhas cintas das fivelas
eu nom vos cingirey.
506
Meu amigo quando s'ya
preguntey-o se verria?
disse-rn'el: querrey muy cedo!
de tardar mais ca soya
raadr'ey m'eu muy gram medo.
507
O anel do meu amigo
perdi-o ssol o verde pino,
e chor'eu, bela !
O anel do meu amado
perdi-o ssol o verde ramo,
e chor'eu, beía!
*",
DOM GOMEZ GAKCIA
97
Perdi-o sol o verde ramo
por en choreu dona d'algo,
echor'eu, bela!
Perdi-o sol o verde pino
por en chor'eu dona virgo,
e chorou, bela I
508
Ay, meu amigue meu senhor
e lume (Testes olhos meus,
porque nom quer agora deus
que vós ajades tal sabor
de viver migo, qual eu ouv'y
de viver vosco, amigo, des que vos vy.
E terna com gram razom,
poys que vos eu tal amor ey,
(Taverdes oje qual eu ey
coyta no vosso coraçom
de viver migo, qual eu ouv'y
de viver vosco, amigo, des que vos vy.
A que me aquesta coyta deu
por vós a foy dar quem me fez
e se m'a guise alguma vez
que tal coyta vos veja eu
de viver migo, qual eu ouv'y
de viver vosco, amigo, des que vos vy.
PÊRO GOTERRES, caralleiro
509
Muy tus a quem deus quiz d ar m u y bom sen
e mui t 1 outro linhag'e gram poder,
e mnifoutro bem polo seu placer
de tod'esto me podem vencer bem;
sei-m'eu aquesto, e ai sei de mi,
ca todol-os d'este mundo eu venci
á'amar amando a quem m'em poder tem.
A melhor dona e de melhor sen
e mais fremosa que deus fez nacer
essa sei de coraçom bem querer
mais de quantas donas quiserom bem
nem querram já, pêro esto é assi
aver-m'ende o que nora mereci
gram desamor que mela per en tem.
Pêro de a tanfamar a meu sen
mais de quantos outros deus quis fazer,
nem qtiantos me cuydam d'est'a vencer
venç'-os eu querendo-lh'y gram bem,
pêro que nunca d'el'al entendy
se nom gram sanha des quand'a oy,
o mal talante que contra mi tem.
B senhor rey de Portugal aqui
julgad'ora se eu amand'assy
dev'a soer desamado por en.
510
Todos dizem que deus nunca pecou,
mays mortalmente o vej'eu pecar,
13
cà lhe vej'eu muytos desemparar
seus vassallos que muy caro comprou;
cá os leixa morrer com grand^mor
desemparados de bem de senhor
e já contestes mim desemparou.
E mayor pecado mortal nom sey
cà o que eu vejo fazer a deus,
cá desempara os vassallos seus
em muy gram coyta d'amor qual eu ey;
e o senhor, que acorrer nom quer
a seus vassallos quando lh'é mester
peca mortal poys é tam alto rey.
Todo senhor, de mays rey natural,
dev'os vassallos de morfa partir,
e acorre-lhes cada que os vir
estar em coyta, mays deus nom é tal
cá os leixa com grand'amor morrer,
e pêro pod'e nom lhes quer valer
e assi faz gram pecado mortal.
DOM STEVAH PEREZ FROVAM
511
> Senhor, se o outro mundo passar
assy com'aqueste pass'e passey
e com tal coyta com'aqui levey
e levo, em o inferno ey de morar
por vós, senhora, já nom per outra rem,
ca por vós perco deus, e fiz esse sen
cando vos vejo dos olhos catar.
A tam muyfaposto que nom ousar
ora me trabalhey de os cousir,
e amarei log'enton a rir,
e er filhey-me log'y a chorar,
como homem d esem parado d'amor
e de vós, ay fremosa, mha senhor,
nom sey como esto pode s'endurar.
E ja que vos no inferno faley,
senhor fremosa, e na coyta d'aqui,
que por vós ey, vedes quanto entendi
e quanto d'aquesto muy bem sey,
que alá nom poderia aver tal
coyta qual sofro tam descommunal,
e que nunca por vós o coydey.
Ca vedes, mha senhor, porque vol-o-ey
porque soedes o vosso corpo a tal
em que nunca pode home sobir mal
nem poder em mays, eu gram pavor ey;
quem vol-o domandare por my
pois eu morrer, lume d'esles meus olhos, e
que sempre mays que my amey.
DOM GOMEZ GARCIA, abbade de Vcladolido
512
A vossa mesura, senhor,
aguardey, mal dia, por mi;
já desmesura, deus, ali
98
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
me faz cada dia peior;
cá me busca comvosco mal
e a mesura nom me vai,
e leixa-me morrer d'amor.
E, senhor, mal dia naceu
quem mesura muyto aguardou
como eu guardey e sempre achou
desmesura que me tolheu ;
cá onde eu cuidei aver bem
por servir, nunca ouve eu rem,
cá desmura me tolheu.
A vossa mesura guardei,
senhor, sempre mais doutra rem,
et a desmesura por en
me faz tal mal, que me nom sei
com ela já conselh'aver,
e leixa-me de amor morrer
et da mesura bem nom hei.
513
Diz meu amigo que me serve bem
e que rem nom lhe nembra senom mi,
pêro foy-s^l n'outn> dia d'aqui
sem meu grado; mays farey-lh'eu por en
por quanfandou a là sem meu prazer
que ande hum tempo sem meu bemfazer.
El tem ora que logo s'averrá
comigo sol que veér et me vir,
e el querrà como me sol servir
se m'eu quiser; mays fareWh'esto já,
por quanfandou a là sem meu prazer
que ande hum tempo sem meu bemfazer.
Por que se foy e o ante nom vy
sem rah'o dizer a cas d'el-rey morar,
quando veér e me quiser falar
pois que o fez eu lh'y farey assy:
por quanfandou a là sem meu prazer
que ande hum tempo sem meu bemfazer.
RUV FERNANDÍZ, clérigo
514
Conhoscome, meu amigo,
que sempre vos fiz pesar,
mays se agofamigar
quisessede-vos commigo,
a vós eu nunca faria
pesar, nem vol-o diria.
Que quero quem vos d'end'al diga,
nom lh'o queirades creer,
ca se podess'eu sseer
amigo com vosco, amiga,
a vós eu nunca faria
pesar, nem vol-o diria.
Se eu por amig'ouvesse
vós, a quem eu por meu mal
fiz pezar hu nom jaz ai
pero-me de vós vehesse,
a vós eu nunca faria
pesar, nem vol-o diria.
515
Se vos nom pesar ende,
madr', irey hu m'atende
meu amigo no monte!
Irey, se deus vos valha,
por nom meter em falha
meu amigo no monte.
E filhe-xi-vos doo,
como m'atende soo
meu amigo no monte.
516.
Id'é, meu amigo d'aqui,
e nora me quis ante veer,
e deus mi tolha parecer
e quanto de bem ha em mi,
se el vem e mVu nom vingar
quand'el quiser migo falar.
E cuyda s'el que lhi querrey
por esto que m'el fez, melhor;
mays logo veja o senhor
eu ssua que nom seerey,
se el vem e m'eu nom vingar
quancTe] quiser migo falar.
Que viss'eu que nom dava rem
el por mi, nom se m'espçdiu
quando se da terra partiu,
mays logo me lh'eu queira bem
se m'end'eu nom vingar
quand'cl quiser migo falar.
E veerâ muy bem o meu
amigo, quanfel ora fez
a que lhi salirà esta vez,
ca em seu poder seja eu
se el vem e m>u nom vingar
quand'el quiser migo falar.
Ca lhi nom querrey ascuytar
nulha rem do que mel rogar
517
Ay madre, que muyfey
que nom vy o meu amigo
el falasse comigo,
e pêro lhi fale, bem sey
ca nom ey nenhum poder
de o por amigo aver
hu el falasse comigo.
Nom vos leixedes en por mi,
filha, que lhi nom faledes
s'é vos en sabor que edes.
Ay madre, nom tenho prol hi
cá nom ey nenhum poder
de o por amigo aver
hu el falasse comigo.
PEEO ANES MARINHO
99
Filha, pol-o desassanhar
falaredes por meu grado
pois lhi say demandado
que prol ha, madr'em lhi falar
cá nom ey nenhum poder
de o por amigo aver
hu el falasse comigo.
518
Madre, poys amor ey migo
tal, que nom posso sofrer
que nom veja meu amigo,
mandade-m'ho hir veer
se nom hirey seu mandado
véel-o sem vosso grado.
Gram coyla me faz ousada
de vol-o assy dizer,
e pois eu vivo coitada,
mandade-nfho hir veer,
se nom hirey seu mandado
véel-o sem vosso grado.
E já que por mi sabedes
o bem que lh'eu sey querer,
por quanto bem me queredes,
mandade-m'ho hir veer,
se nom hirey seu mandado
vêel-o sem vosso grado.
519
Ora nom dev'empregar parecer
nem palavra que eu aja, nem sen,
nem cousa que em mi seja de bem,
poys vos eu tanto nom posso dizer
que vos queirades, amigo, partir.
Outra senhor vos convém a buscar
cá nunca vos eu ja mays por meu terrey,
poys hides mays ca por mi por el-rey
fazer, nem vos posso tanto rogar
et vos queredes, amigo, partir.
Nunca vos mays paredes ante mi
se vós em alguma sazom cTalá
com meus desejos veherdes a cà,
poys m 1 eu tanto nom poss'assy
ficar, que vos queyrades, amigo, partir.
520
« Madre, qucr'oj'eu yr veer
meu amigo, que se quer hir
a Sevilha el-rey sservir;
ay madre, yr-lo-ey veer.
m — Filha, ydc, eu vosqu'irey.
« E faredes-me prazer
cá nom sey quando mho verey.
«Bem no sabe nostro senhor
que me pesa, poys que s'ir quer,
e vcerlo-cy se vos prouguer
por dés, mha madre, mha senhor.
— Filha, yde, eu vosqulrey.
« Madre, faredes-mi amor,
cá nom sey quando mho verey.
« A Sevilha se vay d'aqui
meu amigo, por fazer bem
ir-lo-ey veer por en,
madre se vos prouguer d'ir y.
— Filha, ide, eu vosqu'irey.
« Madre faredes-me bem y,
cá nom sey quando mho verey.
PAYO DE CANA, clérigo
' 521
Vedes que gram desmesura
amig'a do meu amigo,
nom veo falar comigo
nem quis deus, nem mha ventura
que foss'el aqui o dia
que poz migo quando s'ya.
Como eu tevera aguysado
de fazer quanfei quizesse,
amiga, sol que vehesse
nom quis deus, nem meu pecado
que foss'el aqui o dia
que poz migo quando s 7 ya.
E and'end'eu muy coytada
como quer que vos ai diga,
por que nom quis dés, amiga,
nem mha ventura minguada
que foss'el aqui o dia
que poz migo quando s'ya.
522
Amiga, o voss'amigo
soub'eu que nom mentiria
poys que o jurad'avya
que vehesse ; mais vos digo
que ha de vós muy gram medo
porque nora veo mays cedo.
E rogou-m'el que vos visse
e vos dissesse mandado
que nom era perjurado,
e vedes ai que mi disse :
que ha de vós mui gram medo
porque nom veo mays cedo.
E rogou-vos, ay amiga,
que boa ventura ajades
que muy to Ih 'o gradescades,
poys m'er roga que vos diga:
que ha de vós muy gram medo
por que nom veo mays cedo.
PÊRO ANES MARINHO,
Olho de Joham Ancs de Valadares
523
Boa senhor, o que me faz mister
vosco, por certo, soube-vos mentir
100
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
que outra dona punhei de servir
de tal razom me vos venho ssajvar,
cá se eu a molher oje quero bera
se nom a vós, quero morrer por en.
E, nobre amiga, poys vos sey amar
de coraçom, devedes receber
aquesta salva que venho fazer,
e nom creades que quero profaçar ;
cá se eu a mulher oje quero bem
se nom a vós, quero morrer por en.
E, meu amigo, eu vos venho rogar
que nom creades nenhum dizedor
e sempr'a mi, meu lume e meu amor,
dos que me querem mal buscar,
cá se eu a molher oje quero bem
se nom a vós, quero morrer por en.
Nem quer'eu dona por senhor tomar
se nom vós, que amo e quero amar.
Esta cantiga fez Pêro Anes Marinho, filho
de Joham Anes de Valadares, por salvar ou-
tra que fez Joham Ayras de Sanctiago, que
diz assim o começo:
« Dizen, amigo, que outra senhor
queredes vós sem meu grado filhar — »
(Vide n.° 594.)
SANCHO SANCHES, clérigo
524
Amiga, bem sey do meu amigo
que é mort', ou quer outra dona bem
cá nom m'envya mandado, nem vem ;
e quando se foy, posera migo
que se vehesse logo a seu grado,
se nom que m'envyasse mandado.
A min pesou muyto quando s'ya,
e comccey-lhi entom a preguntar:
cuydailes muyf amig'a lá morar?
e jurou-mi per sancta Maria
que se vehesse logo a seu grado,
se nom que m'envyasse mandado.
Hu estava comigo falando
dixi-lh'o: en que farey eu se nom vir
ou se vosso mandado nom oyr
ced'entom? jurou-m'el chorando :
que se vehesse logo a seu grado,
se nom que m'envyasse mandado.
525
Amiga, do meu amigo
oy eu oje recado
que é viv'e namorado
d'outra dona, bem vos digo;
mays jur'a deus que quisera
oyr ante que morfera.
Eu era maravilhada
porque tam muyto tardava,
pêro sempr'esto cuydava
se eu d'el seja vingada,
mays jur'a deus que quisera
oyr ante que morfera.
Mui coitada per vyvya
mais ora nom sei que sseja
de mi, pois outra deseja,
e leixou mi que servia;
mays jur'a deus que quisera
oyr ante que roorfera.
E a el mui melhor era
ca mim, mays me prouguera.
52tí
Hir-vos queredes, ay meu amigo, tfaqui
e pesa-n^end^assi me valha deus,
e pesa-mi por estes olhos meus,
e porque sey que viverey assy
como vive quem ha coyta cTamor,
e nom ha de sy netn de rem sabor.
Des vós vos fordes ora hi ai nom ha,
por dês, amigo; mays eu que farey,
ca outro conselh'eu de mi nom sey
se nom viver, em quanto vyver ja,
como vive quem ha coyta d'amor,
e nom ha de sy nem de rem sabor.
Estad'amigo, tam grave m'é
que vol-o nom saberia dizer,
mays poys end'al já nom pode sseer,
se viver, viverey per boa fé
como vive quem ha coyta d'amor,
e nom ha de sy nem de rem sabor.
527
Que muy gram torto mi fez, amiga,
meu amigo quando se foy d'aqui
a meu pezar, poys que lh'o defFendi;
mays pêro queredes que vos diga
se vehess'en já lh'eu perdoaria.
Tanto mi faz gram pezar sobejo
em s'ir d'aqui, que ouve de jurar
mentre vivesse de lhi nom falar,
mays porque tam muyto desejo
se vehess'en já lh^u perdoaria.
Bem vos dig'amiga em verdade
que jurey de nunca lhi fazer bem
anfel, e nom se leixou de s'yr por en ;
mays porque ey d'el gram soydade
se vehess'en já lh'eu perdoaria.
•
528
Em outro dia em Sam Salvador
vi meu amigo que mi gram bem quer,
e nunca mays coytada foy molher
do que eu lhy fui segundo meu sen
JOHÀM AYRAS DE SANTIAGO
101
cuydaiuramiga, qual era melhor,
de o matar ou de lhi fazer bem.
El'é por mi tam coitado d'amor
que morrerá se meu bem nom ouver,
e viv'en aly e como quer
que vos diga, ouv'a morrer por en
cuydand'amiga, qual era melhor
de o matar ou de lhi fazer bem.
Mim é o poder que soo senhor
de fazer d'el o que m'a mi prouguer;
mays foy hy tam coytado, que mester
nora me fora, poys que ouvi per ren
cuydand'amiga, qual era o melhor
de o matar ou de lhi fazer bem.
529
Muyfatendi eu bem da mha senhor
e ela nunca me quis fazer,
e eu nom tenho y ai se nom morrer
poys que nrela nom vai nem seu amor;
mays deus que sabe que est assy
poys eu morrer demande-lh'o por mi.
Servi-a sempre mui de coraçom
emquanto pudi, segundo meu sen,
e ela nunca me quiz fazer bem
e eu nom tenho y ai se morrer nom ;
mays deus que sabe bem que est assy,
poys eu morrer demande-lh'o por mi.
Servi-a sempre nom catey por ai
des que a vi e sempr'aver cuidey
algum bem d'ela, mays bem vej'e sey
que morte tem hy pois me nom vai ;
mays deus que sabe bem que est assy
poys eu morrer demande-lh'o por mi.
JOHAM AYRAS DE SANTIAGO
530
De me preguntar am sabor
muytos, e dizera-mi por en:
conTestou eu com mha senhor?
e direy-vos eu que m'avem :
se disser bem, mentir-lhis-ey,
tam mal é que o nom direy.
Os que me vêem preguntar
como mi vae, querem saber
com'eslà quem sey muyfamar?
e eu nom sey que lhis dizer;
se disser bem mentir-lhis-ey,
tam mal é que o nom direy.
Os meus amigos com quem vou
falar, me preguntam assy
com mha senhor com'eu estou?
e nom sey que lhis diga hi :
se disser bem mentir-lhis-ey,
tam mal é que o nom direy.
Mays poys d'ela bem nom ey
prcguntar-m'hã e calar-mW.
531
Tam grave ra'é, senhor, que morrerey,
a mui gram coyla que per boa fé
se nom por vós, cá vos muy grav'é;
pêro, senhor, verdade vos direy:
se vos grav'é de vos eu bem querer
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer.
Tam grave m'é esta coy ta em que me tem
o voss'amor que nom llrey de guarir
e a vós grav'é sol de o oyr;
pêro, senhor, direy-vos que m'avem:
se vos grav'é de vos eu bem querer
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer.
Mui grave m 7 é que nom atendo já
de vós, senhor, morfou myy gram pesar
e grav'é a vós de vos coitar;
pêro, senhor, direy- vo^ quanfi ha,
se vos grav'é de vos eu bem querer
tam grav'é a mi, mays nom poss'al fazer.
532
Dizem, senhor, que nom ey eu poder
de veer bem, e por vos nom mentir
gram verdad'é quand'eu alhur guarir
eu sem vós, que nom posso bem aver;
mays, mha senhor, direy-vos unha rem
poys eu vos vejo, muyto vejo bem.
Travam em mi e em meu conhocer
e dizem que nom vejo bem, senhor,
e verdad'é seend'eu sabedor,
ou eu alhur sem vós ey de viver:
mays, mha senhor, direy-vos unha rem
poys eu vos vejo, muito vejo bera.
D'aver bem nom me quero eu creer,
e mha senhor, quero-vos dizer ai,
vejo muy pouco, e sey que vejo mal
hu nom vejo vosso bom parecer;
mays, mha senhor, direy-vos unha rem
poys eu vos vejo, muito vejo bem.
533
Com coytas d'amor, se deus mi perdon'
trobo, e dizem que meus cantares nom
valem rem porque tam muytos som,
mays muy tas coytas nThos fazem fazer;
e tantas coytas quantas de sofrer
ey, non as posso em hum cantar dizer.
Muytas ey, et cuydatle se mi sal
e faço muyto cantares, e mal
que pêro coitasse, dizem-mi vai ;
mays muytas coitas mh'os fazem fazer;
e tantas coytas quantas de sofrer
ey, non as posso em hum cantar dizer.
E muytos cantares tenho que bem
posso dizer rahas coitas e por en
e dizem-m'ora que faço hy mal sen ;
mays muytas coitas mh'os fazem fazer
102
CANCIONEIRO PORTIIGUEZ DA VATICANA
e tantas coitas quantas de sofrer
ey, nom as posso em um cantar dizer.
Cá se cuydar hi já mentre vyver
bem cuido que as-nom possa dizer.
534
Vy eu donas, senhor* em cas d'el-rey
fremosas e que pareciam bem,
e vi donzelas muytas hu andey,
e, mha senhor, direy-vos unha rem:
a mays fremosa de quantas eu vi
long'estava de parecer assy,
Como vós; eu muytas vezes provey
se amaria de tal parecer
algua dona, senhor, hu andey
e, mha senhor, quix-vol-al dizer:
a mays fremosa de quantas eu vi
lon^estava de parecer assy
Como vós ; e mha senhor perguntey
por donas"muytas que oy loar,
de parecer nas terras bu andey,
e, mha senhor, poys m^as foy mostrar,
a mays fremosa de quantas eu vi
long'cstava de parecer assy.
535
Nom vi molher des que naci
tam muyto guardada come
a mha senhor, per boa fé,
mays pêro a guardam assy,
quantos dias no mundo som
ala vay o meu coraçom.
E de sa madre sey húa rem
que a manda muyto guardar
de mi e d'outrem a lã entrar,
mays pêro a guarda muy bem,
quantos dias no mundo som
alá vay o meu coraçom.
Do que a guard'ar sey eu já,
que lhis nom pod'ome alá hir,
mays direy-vos, per nom mentir,
pêro muy guardada está,
quantos dias no mundo som
a lá vay o meu coraçom.
E pesa mi a mim porque nom
posso bir bu vay meu coraçom.
536
Andey, senhor, Leom e Castella
depoys que m'eu d'esta terra quitey,
e nom foy hi dona nem donzella
que eu nom vysse, mays vos eu direy :
quantas mays donas, senhor, alá vi
tanto vos eu muy mais precey desy.
Quantas donas cu vi des quando
me foy d'aqui, punhei de as cousyr,
e poyl-as vi. estive cuydando
em vós, senhor, e por vos nom mentir
quantas mays donas, senhor, a la vi
tanto vos eu muy mays precey desi.
E as que a lá mayor prez aviam
em todo bem todalas fuy veer
e cousi-as, e bem pareciam,
pero> senhor, quero-vos ai dizer :
quantas mays donas, senhor, a lá vi,
tanto vos eu muy mais precey desi.
537
Pêro tal coyta ey d'amor
que mayor nom pod^n^aver,
nom moyro, nem ey eu sabor,
nem morrerey a meu poder,
porque sempre alend^ver bem
da dona que quero grara bem.
E os que muy coytados som
d'amor, desejam a morrer,
mays eu assy, deus mi perdon',
queria grara sazom viver,
porque sempre atendo d'aver bem
da dona que quero gram bem.
Mal sen é por desasperar
home de mui gram bem aver
de sa senhor que lhi deus dar
pode; nom o quer'eu fazer
porque sempre atendo aver bem
- da dona que quero gram bem.
E quem deseja morte aver
per coyta damor nom faz sen
nen o tcnh'eu por de bom sen.
538
Ouço dizer dos que nom am amor
que também podem jurar que o am
anfas donas, como mim ou melhor,
mays pêro jurem nom lh'o creeràm,
ca nunca pode mentir ai tam bem
jurar como o que verdade tem.
Bem jura que a sabem amar
senom que nom ajam d'elas prazer,
mays que lhis vai de assy jurar,
pêro o jurem nom lho querram creer,
ca nunca pode mentir ai tam bem
jurar como o que verdade tem.
539
Maravylho-nfeu sy deus mi dé bem
senhor, por quanto vos vejo rogar
nostro senhor, e vym-vos perguntar
que mi digades por deus hunha rem:
em que vos podia nostro senhor
fazer mays bem do que vos fez, senhor?
Fez-vos bera falar e bera parecer
e cumprida de bem, per boa fé,
e rogades deus, nom sey por que é ;
JOHÀM AYRAS DE SANTIAGO
103
c, mha senhor, quer de vós saber
em que vos podia nostro senhor
fazer mays bem do que vos fez, senhor?
Ca vos fez mansa e de mui bom preá
e já. em vós mays bem nom poderá
aver; poys porque o rogades jà
ca poys que vos e) tam muyto bem fez,
em que vos podia nostro senhor
fazer mays hem do que vos fez, senhor?
Eu cativo, muy coytado d*amor,
avya que rogar nostro senhor
quem fez sempre viver sem sabor
e sem vosso bem fazer, mha senhor,
540
Senhor fremosa, ey-vol grand^roor,
e os que sabem que vos quero bem
teem que vos pesa mays cToutra rem,
e eu tenho, fremosa mha senhor,
muy guisado de vos fazer pesar
se vos pesa de vos eu muyf amar.
Cá já vos sempr'averey de querer
bem, e estas gentes que aqui som
teem que vos pesa de coraçora,
et eu tenho já em quanto viver
muy guisado de vos fazer pesar
se vos pesa de vos eu muyfamar.
Ca, mha senhor, sempre vos bem querey
e aquestas gentes que som aqui
teem que faço grani pesar hi,
e tenh'ora e sempre teerey
mui guisado de vos fazer pesar
se vos pesa de vos eu muyfamar.
Ca vos nom posso, senhor, desamar
nem posso amor que me força, forçar.
541
Desejou bem aver de mha senhor,
mays nom desejo aver bem d*ela tal
por seer meu bem que seja seu mal;
e por aquesto, par nostro senhor,
nom queria que mi fezesse bem
em que perdesse do seu nulha rem,
ca nom é meu bem o que seu mal for.
Ante cuyd'eu, que o que seu mal he
que meu mal est, e cuydo gram razom,
por en desejo no meu coraçom
aver tal bem d'ela per boa fé
em que nom perca rem de seu bom prez,
nem lhar diga nulhome que mal fez,
e outro bem deus d'ela nom mi dó.
E já'eu muylos namorados vi
que nom davam nulha rem por aver
sas senhores, mal pois assy prazer
faziam, e por esto digo assy :
se eu mha senhor amo polo meu
bem, e nom cato a nulha rem do seu
nom amo eu mha senhor, mays amo mi.
E mal mi venha, se a tal fuy eu
ca des que eu no mund'andey por seu
amey sa prol muylo mais ca de mi.
542
Que grave m'est ora de vos fazer,
senhor fremosa, hum muy gram prazer
ca me quer'ir longe de vós vyver
e venho-vos por eslo perguntar :
que prol ha mi fazer- vos eu prazer
e fazer a mi, senhor, gram pesar?
Sey que vos praz muyto, hir-m'ey d'àquem,
ca dizedes que nom he vosso bem
de morar perlo de vós, e poren
quero de vós que mi digades ai:
que prol ha min fazer eu vosso bem
et fazer a mi, senhor, muy gram mal?
Dizedes que m'havedes desamor
porque moro perto de vós, senhor,
e que morredes se m'eu nom for,
mays dizede já que m'eu quero bir:
que prol ha min guarir eu vós, senhor,
e matar-mi, que moyro por guarir?
E vós guarredes sem mi, mha senhor,
et eu morrerey des que vos nom vyr.
543
Senhor fremosa de bom parecer,
pêro que moyro querendo-vos bem,
se vos digo que muyto mal mi vem
por vós, nom mi queredes rem dizer T
pêro no mundo nom sey eu molher
que tam bem diga o que dizer quer.
E, mha senhor fremosa, morrerey
com tanto mal como mi faz amor
por vós, esse vol-o digo, senhor,
nom mi dizedes o que lhi softerey,
pêro no mundo nom sey eu molher
que tam bem diga o que dizer quer.
Estas coytas grandes que sofri
por vos ter, a vós venho queixar,
como se nom soubessedes falar
nom mi dizedes o que faça hi,
pêro no mundo nom sey eu raollíer
que tam bem diga o que dizer quer.
E poys nom falha quem bem diz que quer,
como falará bem quem nom souber.
544
Que de bem mhora podia fazer
deus, se quizesse, nom lhi custa rem,
contar-m'os dias que nom passey bem
e dar-m'oulros tantos a meu prazer
com mha senhor, ca se deus mi perdon'
os dias que vyVonfa seu prazer
dev'a contar que vyv' e outros nom.
E mha vyda nom na devo chamar
104
CANCIONEIRO POETUGUEZ DA VATICANA
vyda, mays morte a que eu hi passey
sem mira senhor, ca nunca led'andey
e nom foy vyda, mays foy gram pezar;
porem sabem quanlos no mundo som
os dias que viv'omem sen pesar
dev'a contar que vyv' e outros nom.
E os dias que me sem mha senhor
dês fez viver, passé-os eu Iam mal
que nunca vi prazer de mi nem d'al,
e esta vyda foy tam sem sabor,
e quem-n'a julgar quiser com razom,
os dias que vyv'om' a seu sabor
dev'a contar que viv'e outros nom.
545
Nom quera deus em conto receber
os dias que vyvo sem mha senhor,
porque os vyvo muy sem meu sabor;
mayl os que m'el fez viver
hu a vejaf e lhi possa falar
esses Ihy quer'eu em conto filhar,
cá nom é vida viver sem prazer.
E se m'el fez algua sazom
viver com ela quanton^aprougucr,
esses dias mi confel se quiser
que eu com ela viv' e mays nom
de mha vyda, mays nem vos contarey
dos dias que a meu pesar passey
cá nom foy vida, mays foy perdiçom.
Cá nom he vyda vyver hom'assy
com'pj'eu vyvo hu mha senhor nom he,
c'a par de morte m'é per boa fé,
e se mi descontar quanto vevi
nom confos dias que nom passey bem,
mays el que os dias em poder tem
dê-m'outros tantos por quanto perdi.
Ca el dias nunca minguaram
e eu serey bem andanfe seram
cobrado-los meus dias que perdi.
546
A mha senhor, que me tem em poder
e que eu sey mays d 'outra rem amar
sempr'eu farey quanto-m'ela mandar
a meu grado que eu possa fazer ;
mays nom lhi posso fazer unha rem
quando mi diz que lhi nom quera bem,
cá o nom posso comigo poer.
Ca se eu migo podesse poer
se dés mi valha, de a nom amar
ela nom avya que mi rogar
ca eu rogadora de o fazer;
mays nom posso querer mal a quem
nostro senhor quiz dar tam muyto bem
como lh'el deu e tam bom parecer.
Sa bondad'e seu bom parecer
mi faz a mi mha senhor tanfamar
e seu bom prez e seu muy bom falar,
que nom poss'eu per ren hy ai fazer;
mays ponha ela comsigo huã rem
de nunca já mays mi parecer bem
porey migu'eu de lhi bem nom querer.
547
A por qilem perco o dormir
e que do muy namorado
vejo-a d'aqui partir
e flqu'eu desemparado
a muy gram pezar se vay,
a que x'en tem sua mua baya
vestida d'um prés de Cambray,
deus, que bem lh'está manto e saya !
A morrer ou\ r, y por en
tanto'-a vy bem talhada
que parecia muy bem
em sua sela dourada
as sueyras som d'en say
e os arções de faya
vestida de úm prés de Cambray,
deus, que bem lh'está manto e sayal
Se a podess'eu Olhar
tevera m'ende por bem andante,
en os braços a levar
na coma do rocim deante
por caminho de Sampay
passar Minh' e Doir' e Gaya;
vestida de um prés de Cambray,
deus, que bem lh'està manto e saya!
Se a podess' alongar
quatro léguas de Crecente
e nos braços la filhar
aperlal-a fortemente ;
nom lhi valrria dizer ay,
nem chamar deus, nem sancta Ovaya;
vestida de um prés de Cambray,
deus, que ben lh'està manto e saya !
548
Ouv'agora de mha prol gram sabor,
mha senhor, e conselhou-meporen,
que me partisse de lhi querer bem;
e dixi-lh'eu: Fremosa mha senhor,
muy bem me conselhades vós, mays nom
poss'eu migo, nem com meu coraçom,
que somos ambos em poder d'amor.
E disse-m'ela: Por nostro senhor
quitade-vos, amigo, de mal sen
e nom amedes quem vos nom quer bem;
e dixi-lh'eu : Per boa fé, senhor,
se eu podesse comigo poer
bem vos podia tod'esso fazer,
mays nom posso migo nem com maior
que somos ambos em poder d'amor.
E disse-m'ela: Tenh'eu por melhor
de vos herdes, ca prol nom vos tem
JOHAM AYBÀS DE SANTIAGO
105
d amardes mim, poys mi nom é em bem ;
e dixi-lh'eu : Per boa fé senhor,
se eu podess'o que nom poderey
poder comigu' e com amor bem sey
que vos faria de gram desamor.
549 •
Algum bem mi deve cecVa fazer
deus, e farà-m'o quando lh'aprouguer,
serapr'ando led\ e quem mi falar quer
em pesar nom lh'o posso padecer,
mays fuj'ant'el e nom lh'o quer'oyr;
desyar-ey gram sabor de guarir
com quem sey que quer falar em prazer.
Ca todus andam cuydando em aver,
e outra rem nom queren cuydar já
e morrem ced'e Dca tod'a cá;
mays esto migo nom pode poer
que trob'e canto e cuydo sempren bem,
e tenho amig'a que faz muy bom sen
quem pod'o tempo passar em prazer.
Nostro senhor, que a muy gram poder
é sempre ledo no seu coraçom
e som muy ledos quantos com el som,
poren faz mal, quanfé meu conhocer
o que trisfé, que sempre cuyda mal
ca hum pobre ledo mal tanto vai
ca rico triste em que nom ha prazer.
550
Todal-as cousas eu vejo partir
do mund'em como soyam seer,
e vej'as gentes partir de fazer
bem que soyam, tal tempo vos vem ;
mays nom se pod' o coraçom partir
do meu amigo de mi querer bem.
Pêro que home perc'o coraçom
das cousas que ama per boa fé,
e parte-s^ome da terra onde
e parte-s'home d'u gram prol tem,
nom se pode partil-o coraçom
do meu amigo de mi querer bem.
Todal-as cousas cu vejo mudar,
mudam-s' os tempos e muda-s'o ai,
muda-se a genle em fazer bem ou mal,
mudam-se os ventos et lodoutra rem ;
mays nom se podo coraçom mudar
do meu amigo de mi querer bem.
551
Dizem-m'a mi quantos amigos ey
que nunca perderey coyta d'araor
se m'eu nom alongar da mha senhor;
e digo-lhis eu como vos direy,
par deus setnpr'eu alongado vevi
(Tela e do seu bem, e non o perdi
Coyta damor; pêro dizem que bem
farey em mha fazenda de vy ver
longi (rela que mi nom quer valer;
mays de tal guisa lbis digu'eu por en:
par deus sempr'eu alongado vevi,
(Tela e do seu bem, e non o perdi
Coyta d'amor; pêro dizem que nom
poss'eu vyver se me nom alongar
de tal senhor que se nom quer nembrar
de mi, mays dígo-lhis eu logu'entom:
par deus sempr'eu alongado vevi
d'ela e do seu bem, e nom o perdi
Coyta d'amor; nem alhur, nem aly'
nom lhi guarrey, ca muytolhyguarry.
552
A mha senhor que eu sey muyfamar
punhey sempre do seu amor ganhar,
e nom o ouvi mays a meu cuydar
nom fuy eu hy de sen nem sabedor
porquanto lh'eu fui amor demandar,
cá nunca vi molher mays sem amor.
E des que a vi sempr'a muyfamey
e sempre lhy seu amor demandey,
e nom no ouvi nem no averey ;
mays se cenfanos for seu servidor
nunca lh'eu já amor demandarey ;
ca nunca vi molher tam sem amor.
553
Meu senhor.rey de Castela
venho-me-vos querelar:
eu amey unha donzela
por quem m'ouvisles trobar ;
e com quem se foy casar,
porquanfeu d'ela bem dixi,
quer-m'ora por én matar.
Fidór pêra direito,
bi quix perante vós dar,
el ouve de mi despeyto
e mandou-me desafiar ;
nom m'ouseu a lá morar,
venh'a vós que m'emparedes
cá nom ei quem m'emparar,
Senhor, por sancta Maria
mandad'ante vós chamar
ela e mi algum dia,
mandade-nos razoar;
se s'ela de mi queixar
de nulha rem que dissesse
em sa prison quer'entrar.
Se mi justiça nom vai
ante rey tam justiceiro
hirm'ey ao de Portugal.
554
Pelo souto de Crexente
hua pastor vi andar
106
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
muyf alongada de gente
alçando a voz a cantar,
apertando-se na ssaya
quando saya la faia
do sol nas ribas do mar.
E as aves que voavam
quando saía 1'alvor
todas demores cantavam
pelos ramos d'arredor,
mays nom sey tal qu' eslevesse
que em ai cuydar podesse
se nem todo em amor.
Aly estivi eu muy quedo,
* quis falar e nom ousey,
eu pêro dixi a gram medo :
— Mha senhor, falar- vos-ey
hu pouco se m'ascuytardes
e ir-m'cy quando mandardes
mais aqui nom estarey.
«Senhor, por sancta Maria
nom estedes mais aqui,
mais ide- vos vossa via
faredes mesura ay ;
ca os que aqui chegarem
poys que vos aqui acharem
bem diram que mays ouv'hy.
AFF0NS0 EANES DO C0T0H
555
As mhas jornadas vedes quaes som,
meus amigos, meted'i fcmença
de Castr'* Burgos, e end'a Palença
e de Palença sayr-mha Carryon ♦
e end'a Castro, e deus mi de conselho,
ca vedes, pêro vos ledo semelho,
muyfanda triste o meu coraçom.
E a dona que nrassy faz andar
casada, ou vyov'ou solteyra
ou coneg'ou monja ou freyra,
e ar se guarde quem ss'ha por guardar ;
cá mha fazenda vos digo eu sem falha
e rogades quem m'ajud'e mi valha,
e nunca valha quem mi mal buscar.
E nom vos ous'eu d'ela mays dizer. .
PÊRO DA PONTE et AFF0NSS'EANES,
fezerom esta tenzom
556
Pêro da Ponte, hum vosso cantar
que vos ogano fezestes d'amor,
foste-vos hy escudeyro chamar,
et dized'ora tanfay trobador,
poys vos escudeyro chamastes hy
porque vos queixades ora de mi
por meus panos que vos nom quero dar?
Afons'eanes, se vos eu pesar
tornade-vos a vosso Dador
et de m'eu hy escudeyro chamar,
et porque nom pois escudeyro for
et se peç'algo, vedes quanfha hy,
nom podemos todos guarir assy
como vós que guarides por lidar.
Pêro da Ponte, quem a mi veher
d'esta razora ou doutra cometer,
querrey-vo-lh'eu responder se souber
como trobador deve responder :
em nossa terra, se deus me perdon'
a todo o escudeyro que pede dom
as mais das gentes lhe chamam segler.
Afons'eanes, este é meu mester,
et per esto devo eu a guarecer
et per servir donas quanto poder;
mays huã rem vos quero dizer,
em pedir algo nom digu'eu de nom
a quem entendo que faço rraçom
c a lá lide quem lidar souber.
Pêro da Ponte, se d<5s vos perdon'
nom faledes mays em armas, ca nom
nom está bem, esto sabe quem quer.
Afons'eanes, fllharey eu dom
verdade vos ay cor de leom,
e faça poys cada quem seu mester.
557
A quantos sabem trobar,
quero eu que vejam o enfadamento,
dar trobas feitas, e por deus sento
quem cantou s'a nom pod^mprestar.
AVRAS EN6EVTAD0
558
O gram dereyto laçerey
que nunca home vyu mayor
hu me de mha senhor quitey ;
e que queria eu melhor
de seer seu vassalo e ela mha senhor ?
E sempre per foi terrey
o que deseja bem mayor
daquele que eu recehey
a guisa flze de pastor ;
e que queria eu melhor
de seer seu vassalo e ela mha senhor?
E quantas outras donas sey
a sa beldad^sfa mayor
d'aquela que desejar ey
nos dias que vyvo for;
e que queria eu melhor
de seer seu vassalo e ela mha senhor?
559
A rem que inha mi mays valer
devya contra mha senhor
FERNAM PADROM
107
e ss'a mi faz a mi peyor
serviç'é muy gram bera querer
e muy grancToraildade
nom me vos pod'al apoer
que seja com verdade
nem ar, e d'al dcspagada.
Nunca lh'outro pesar busquey
se nom que Ihi quero gram bem,
e por esto em coita me lem
tal que conselho me nom sey ;
se lh'eu mal merezesse
o que lhi nom merezerey
hu eu pou^o valesse
nom mi daria nada.
Quando-nr agora rera nom dà
que lhi nom sey merezer mal
o meu serviç'e nom mi vai
cuyd'eu, nunca mi bem fará;
mays diga a seu marido
que a nom guarde de mi já
ca será hi falido
se m'ha lever guardada.
Torto fará se m'ha guardar
ca nom vou eu hu ela é,
e juro-vos per bona fé
des que m'ela fez tornar,
nunca foy aquel dia
que a eu vysse, ca pesar
grande lh'y crezeria,
nem vi a ssa malada
Que com ela sol bem estar,
c meu mal lhi diria
cá esta é ssa privada
e sse me quisess'ajudar
el vyra bem faria,
de deus foss'ajudada.
560
Tam grave dia vos eu vi,
senhor, tam grave foy por mi
e por vós, que tam gram pesar
avedes de que vos am'eu
e poys a vós aqueste greu
vos seria meu cuydar
domardes mi muyto. senhor,
eu vos nom mays nunca assy
será já mentr'eu vivo for.
E nom foy home aleer-s^aqui,
cousa que eu bem entendi
que me quisessedes desamar,
nem vossamor nunca foy meu,
e poil-o deus a mi nom deu,
nem vós, nom me pod'outrem dar
nem ouve nunca, senhor, bem
nem sey que resfassy movera
mays sey que o desejey mal.
E pêro meus dias assy
porque vos eu sempre servi
v servho muytc nom mi vai,
mentr*eu poder servirey,
mays nunca vos rem pedirey.
561
Nunca tam gram coyta sofri
com'ora quandp-me quyley
de mha senhor e m'espedi
d'ela, nunca led'ar andey
mays a tanto cohort'end'ey
sey bem ca lhi pesou de mi.
Quando m'eu vim e m'espedi
d'ela porque a lá nom fiquey
coita-nfora por end'assy
que sol conselho nom me sey
se nom quanto vos eu direy,
morrer ou tornar hu a vi.
Bem parecer, que nunca assy
outra dona vi nem verey
nem cobrarey o que perdi,
se a nom vyr nom viverey,
mais agora eu me matey
porque d'u ela he sey.
Outra vez quando-me d'aqui
fui, e os seus olhos calei
sol nenhum mal nom me senti
e fui logo led'e cantey ;
e se a vir logo guarrey,
ca já por aquesto guary.
R0DRIGD'EANES D' ALVARES
562
Ay amiga, tentfeu par de bom sen
tod'omem que sa senhor gram bem
quer, que lh'o nom entendem per nulba rem
senom a quem no el dizer quizer;
Rodrigu'Eanes d' Alvares e tal
quer-me milhor ca quis hom'a molher,
mays nom sabem se me quer bem se mal.
Maravilho-me como nom perdeu
o corpo per quantas terras andou,
por mim, ou como nom ensandeceu
por qual vos digo que a mi chegou;
Rodrigu'Eanes d'Alvares e tal
des que me vyu nunca rem tanfamou,
mays nom sabem se me quer bem se mal
Nem vistes homem tam gram coifavv
com'el por mi ha, assy deus me perdon',
si em por senhor tam gram coyta sofrer
confel sofre ha muy longa sazom;
Rodrigu^anes d* Al vares c tal
se nunca de mi parte o seu coraçom,
mais nom sabem se me quer bem se mal.
FERNAM PADKOM
563 . •
Se vos prouguess' amor, bem mi devya
cousi mento contra vos a valer
108
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
que mig'avedes filhada perfia
tal que nom sey como possa vyver
sem vós, que me teedes em poder
e nom me leixades noyle nem dya.
Por esto faz mal sen quem s'en vós fia
com'eu, ond'ouvera a morrer
por voss'amor en que m'eu atrevia
muyf e cuydava com vosco a veer
a que mi vós fezestes bem querer
e filhastes-m'u vos mester avya.
E por aquesto gram bem seria
se eu per vós podesse bem aver
da mha senhor ond'eu bem averia
sol que vos end'ouvessedcs prazer;
mays, vós amor, nom queredes fazer
nulha rem de quanfeu poj bem terria.
E de bom grado jà m'en parteria
de voss^amor se ouvess'eu lezer,
mays acho-vos comigo toda vya
cada hu vou por me vos asconder;
e poys sem vós nom posso guarecer
se me matassedes jà prazer via.
564
NuWome nom pode saber
mha fazenda per nenhum sem
ca nom ous'eu per rem dizer
a quem m'em grave coyta tem ;
e nom me sey conselho dar,
ca a mha coyta nom ha par
que mi faz seu amor sofrer.
Con tal senhor fuy eu prender
o que nom ouso dizer rem,
de quanto mal mi faz aver
que mi sempre por ela vem,
e mal, per foy de mi pensar
amor que me seu fez tornar
e por ela cuyd'a morrer.
E nunca meus olhos vera
com que folgue meu coraçom,
menl^esteverem como estam
alongados d'ela, e nom
forem hu a vejam, bem sey
que nunca lhi rem mostrarey
que lhis poss'aprazer de pram.
E bem sey ca nom dormiram
mentr'assy for, m'é razom
nem eu nom perderey afifam
mal peccado nulha sazom,
mays se eu nom morrer hirey
çed'u lh'y mha coita direy
e per ela me mataram.
565
Os meus olhos que mha senhor
forom veer a seu pesar,
mal per forom dessy pensar
que nom poderiam peor,
poys ora em logar estam •
que a veer nom poderàm.
Sey ca nom poderàm dormir
que virom o bom semelhar
dos que os faz por ssy chorar
e avel-o an a sentir;
poys ora em logar estam
que a veer nom poderàm.
Quanlo prazer viron enlom
semelha que foy por seu mal,
ca se lhis deus agora nom vai
nom jaz hi se morle nom,
poys ora em logar estam
que a veer nom poderàm.
Quando a virom gram prazer
ouv^end^ meu coraçom,
mays dercy-vos huã rrazom :
nom lhe devya gradecer,
poys ora em logar estam
que a veer nom poderàm.
PÊRO DA POME
566
Tam muyto vos am' eu, senhor,
que nunca tanfamou senhor
home que fosse nado ;
pêro des que fui nado
nom pud'aver de vós, senhor,
porque dissess' — ay mha senhor,
em bom ponfeu fui nado ;
mays quem de vós fosse senhor
bom dia fora nado.
E o dia que vos vi,
senhor, em tal ora vos vi
que nunca dormi nada,
nem desejei ai nada
senom vosso bem, poys vos vi
e diga-mi porque vos vi
pois que mi nom vai nada;
mal dia nad'eu, que vos vi,
e vós bom dia nada.
Que se vos eu nom viss^ntom
quando vos vi, poderá entom
seer d^flam guardado,
mais ai nunca foy guardado,
da mui gram coyta des entom,
e atende-m^el entom
que aquel é guardado
que desguareja, que des entem
é tod'ome guardado.
567
Se eu podesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem mi sempre mal buscou,
assy me vingaria eu
PÊRO DA PONTE
109
se cu podesse coyta dar
a quem a mi sempre coyta deu.
Mays sol nom posso eu enganar
meu corapom quem mVnganou
por quanto mi faz desejar
a quem me nunca desejou,
e por esto nem dorm'eu
porque nom posseu coita dar
a quem a mi sempre coyta deu.
Mays rog'a deus que desempar'
a quem m'assy desenparou,
ou que podess'eu estorvar
a quem me sempre destorvou,
e logo dormiria eu
se eu podesse coyta dar
à que a mi sempre coyta deu.
A el que ousass'eu preguntar
a quem me nunca perguntou
porque me fez em sy cuydar
poys ela nunca em mi cuydou,
e por esto lazero eu
porque nom poss'eu coyta dar
à que mi sempre coyta deu.
568
Agora me parfeu mui sem meu grado
de quanto bem oj'eu no mund ? avya,
c'assy quer deus e mau meu pecado;
ay eu, de mays, se mi nom vai saneia Maria,
d'aver coyta muyto lenh'eu guysado ;
mays rog' a deus que mays d'oj'este dia
nom vyva eu se m'el nom dá conselho.
Nora vyva eu se m'el hi nom dá conselho
nem vyverey, nem é cousa guisada
ca poys nom vyr meu lume e meu espelho,
ay eu ja por mha vida nom daria nada ;
mha senhor, e digo-vos em concelho
que ss'eu moir'assy d'esta vegada
que a vol-o demande meu linhage.
Que a vol-o demande meu linhage,
senhor fremosa, ca vós me matades
poys voss'amor em tal coita me trage
ayeu,esolnomquerdeusquemhovóscreades;
e nom mi vai hi preylo nem menage,
e hydes-vos e mim desemparades
desempare-vos deus a que o eu digo.
Desempare-vos deus a que o eu digo
ca mal per fic'oj eu desemparado,
de mays nom ei parente nem amigo ;
ay eu que m^aconsclire desaconselhado
fiqu'eu sem vós e nom ar fica mifro,
senhor, senomgram coyta e cuydado
ay deus valeira home que damor morre.
569
A mha senhor que eu mays d'oulra rem
desejey sempr'e amey e servi
que nom soya dar nada por mi,
preyto me trage de mi fazer bem,
ca meu bem é d 'eu por ela morrer .
antes que sempr'em tal coyta vyver.
En qual coyta me seus .desejos dam
toda sazom, mays des agora já
por quanto mal mi faz bem mi fará
ca morre rey e perde rey afiam,
ca meu bem ê deu por ela morrer,
antes que sempr'em tal coyla viver.
Tal sazom foy que me teve em desdém
quando me mays forçava seu amor
e ora, mal que pes a mha senhor,
bem mi fará e mal grad'aja eu,
ca meu bem ó deu por ela morrer
antes que sempr'em tal coyta viver.
570
Senhor do corpo delgado
en forte ponfeu fuy nado,
que nunca perdi coydado
nem afam des que vos vi ;
em forte ponfeu fui nado
senhor, por vós e por mi.
Con esf afiam tam longado
em forte ponfeu fuy nado,
que vos amo sem meu grado
e faç ? a vós pesar hy ;
em forte ponfeu fui nado,
senhor, por vós e por mi.
Ay eu, cativa coylado
em forte ponfeu fuy nado,
que servi sempr'cndoado
ond'um bem nunca prendi;
em forte ponfeu fui nado,
senhor, por vós e por mi.
571
Poys de mha morlc gram sabor avedes,
senhor fremosa, mays que d'outra rem
nunca vos deus mostr'o que vós queredes
poys vós queredes mha morte por en,
rogu'eu a deus que nunca vós vejades,
senhor fremosa, o que desejades.
Nom vos anefeu per outras galhardias
mays sempr^aquesto rogarey a deus
em tal que tolha el dos vossos dias
senhor fremosa e em nada nos meus,
rogu'eu a deus que nunca vos vejades,
senhor fremosa, o que desejades.
E deus sabe que vos am'eu muyto
e amarey em quanfeu vyvofor,
el me leix'ante por vós trazer luyto
ca vós por mi, por en mha senhor,
rogu'eu a deus, que nunca vós vejades,
senhor fremosa, o que desejades.
572
O muy bom rey que conquis a frontcyra
se acabou quanto quiz acabar,
110
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e que se fez cora razom verdadeira
todo o mundo temer e amar,
este bom rey de prez valenie Pis
rey dom Fernando, bom rey que conquis
terra de mouros bem de mar a mar.
A quem deus mostrou tam gram maravilha
que já no mundo sempr'am que dizer
de quam bem soube conquerer Sevilha
per prez, per esforç 1 e per vaier ;
e da conquista mays vos contarey
nom foi no mund^mperador nem rey
que tal conquista podesse fazer.
Nom ssey oj'ome tam bem razoado
que podesse contar todo o bem
de Sevilha, e por end'a deus grado,
jà o bom rey em seu podcl-a tem;
e mays vos digu' en todas três las leys
quantas conquistas forom tToutros reys
após Sevilha todo nom foy rem.
Mayl-o bom rey que deus mantém e guya
e quer que sempre faça o melhor,
este conquis bem a Andaluzia
e nom catou hi custa nem pavor;
e dyrey-vos hu a per cqnquereu
hu Sevilha a Mafomede tolheu,
e erdou hi deus e sancta Maria.
E des aquel dia que deus naceu
nunca tam bel presente recebeu
como dei recebeu aquel dia
de Sam Clemenfem que se conquereu,
e cm outro tal dia se perdeu
quatro centus e nov' annos avya.
573
Nostro senhor deus, que prol vos tem ora
por destroyrdes este mund'assy,
que a melhor dona quo era hy
nem ouve nunca, vossa madre fora,
levastes ende? pensastes mui mal
d'aqueste mundo false desleal,
que quanto bem aqueste mundo avya
todo Íh'o vos tolhestes en hun dia.
Que pou^ome por ern prazer devia
este mundo, poys vos bondad y nom vai
contra morrer, e poys el assy tal
seu prazer faz quem por tal mundo Da;
cà o dia que eu tal peèar vy
já per quanfeu doeste mund'entendi
per foi tendeu quem por tal mundo chora
e por mais foi quem mais ern el mora.
Em forte ponto et em forfora
fez deus- o mundo, poys nom leixou hy
nenhu cõhorfe levou d'aqui
a boa Rainha que ende fora
dona Itoalrix, direy-vos eu qual
nom fez deus outra melhor, nem tal,
nem de bondade par nora ll^acharia
home no mundo, par saneia Maria.
574
Que bera se soub'acompanhar
nostro senhor esta sazom
que filhou tam bom companhom
do qual vos eu quero contar,
rey dom Fernando tam de prez
que tanto bem no mundo fez
e que conquis de mar a mar.
Tal companhom foy deus fllhar
no bom rey, a quem deus perdon\
que ja mais nom disse de nom
a nulh'ome per lh'algo dar,
e que sempre fez o melhor
por en x'o quis nostro senhor
poer comsigo par a par.
E quanfome en el mays falar-
tanfachará melhor razom
ca dos reys que forom nem som,
no mundo per bom prez guaanhar,
este rey foy o melhor rey
que soub'eyxalçar a nossa ley
e a dos mouros abaixar.
Mays hu deus per a si levar
quis o bom rey hi logu'enlom
se nèmbrou de nós, poyl-o bom
rey dom Affonso nos foy dar
por senhor e bem vos cobrou,
ca se nos bom senhor levou
muy bom senhor nos foy leixar.
E dòs bom senhor nos levou
mays poys vos tam bom rey leixou
nom nos devemos aqueixar.
Mays façamus tal oraçom
que deus que prés morfe paixom
o mande muyto bem reynar
amen, alleluya.
575
Ora já nom poss'eu creer
que deus ao mundo mal nom quer
e querrá mentre Ihi fezer
qual escarnho lhi sol fazer,
e qual escarnho lh'ora fez ;
leixou liri tanfome sem prez
e foy-lh'y dom Lopo tolher.
E oy mays bem pode dizer
tod'ome que esto souber
que o mundo nom a mester,
poys que o quer deus confonder,
ca per deus mal o confondeu
quando lhi dom Lopo tolheu
que osoya manteer.
E oy mays que nom manterrâ
por dar hi tanto rico dom
cavaFe armas a baldon
onde foy mays que nom dará,
poys que dom Lopo Dias morfé
o melhor dom Lopo, a la (Té
que foy nem ja mays nom será.
VAASCO RODRIGMZ DE CM.VELO
111
E peropoys assy é já
façamus a tal oraçom
que deus que prés morf e paixom
o salve, que o em poder a;
e deus que o pode salvar
e se o leva a bom logar
pelo gram poder que end'a.
Amen, amen, aquesfamen
ja mais noa ssi mobridará.
576
Que mal s^ste mundo guysou
de nullTome per el fiar,
nem deus nom no quys guysar
poro o fez e o firmou,
ante o que se destroyr
poys que dom Telo fezerid' ir,
que sempre bem fez e cuydou.
Des quando nançeu e punhou
sempr'em bondade guaanhar
e em seu bom prez avançar
e nunca se d'al trabalhou,
e quem sas manhas bem cousir
pode jurar por nom mentir
que todalas deus acabou.
Mays a mim ja esto leixou
com que me posso conorlar,
que ei gram sabor de contar
do bem que fez menlre durou ;
e tod'ome que mi oyr
sempraverá que deparar
em quanto bom prez d'el ficou.
E a dom Telo deus x'o amou
para si, e x'o quis levar,
e nom se quis de nós nembrar
que nos assy desemparou,
e maylo fez por se riir
d'este mal mund'e escarnyr
que sempre com aleyv^andou.
E quem na bem quiser oyr
que forte palavra doyr
dom TcTAffons^ora finou.
577
Poys me tanto mal fazedes,
senhor, se mi nom valedes,
sey ca mha morfoyredes
a muy pouca sazom,
senhor se me nom valedes,
nom mi valrra se deus nom.
Gram pecado per fazedes,
senhor, se mi nom valedes,
ca vós sodes e sercdes
coita de meu coraçom,
senhor, se me nom valedes,
nom mi valrra se deus nom.
Poys m'en tal poder teedes,
senhor, se mi nom valedes,
prasmada vos en veretles
se moyro em vossa prijom,
senhor se mi nom valedes,
nom mi valrra se deus*nom.
578
que Valença conquereu
por sempre mays Valença aver,
Valença se quer manteer
e semp^em Valença entendeu,
e de Valença é senhor
poys el mantém prez'el cor
e prés Valença por valer.
E por Valença sempre obrou
por aver Valença de pram,
e por Valença lhi diram
que bem. Valença gaanhou;
e o bom rey Valença tem,
que poys prez e valor mantém
rey de Valença lhi diram.
Cá deus lhi deu esforça ssen
por sobre Valença reinar,
e lhi fez Valença acabar
com quanfa Valença convém;
el-rey que Valença conquis
que de Valença em bem fiz,
e per Valença quer ójj>rar.
Rey d'Aragom, rey de bom sen,
rey de prez, % rey de todo bem
est o rey d'Aragom de pram.
VAASCO R0DIUGU1Z DE GALVELO
579
Pouco vos nembra, mha senhor,
quanfafam eu por vós levey
e quanta coyta por vós ey,
e quanto mal mi faz amor
por vós, e nom mi creedes
mha coyta, nem mi valedes.
E senhor, já perdi o ssen,
cuydand'en vós, e dormir,
com gram coita de vos servir,
e outro mal muyto mi vem
por vós, e nom mi creedes
mha coita, nem mi valedes.
Por vós mi veo muyto mal
des aquel dia que vos vi,
e vos amei e vos servi
vyvend'en gram coyta mortal.
E desmesura fazedes
que vos de min nom doedes.
580
Nom pereceu coyta do meu coraçom
cuydando semp^em quanto mal mi vem
por molher a que quero gram bem,
112
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
e sey la esto, se deus mi perdorT,
que nunca deus muy grani coyta quis dar
se nora a quem el fez molher amar,
Como a mim faz; que des quando uaci
nunca vi home lai coita sofrer
com'eu sofro por molher bem querer;
e sey já esto que passa por mim,
que nunca deus gram coita quiso dar
se nom a quem el fez molher amar
Com'el faz a min, muy coitado d'amor,
e d'outras coitas muytas que eu ey,
e poys eu já todalas coytas sey
d'unha cousa soo bem sabedor;
que nunca deus gram coita quiso dar
se nom a quem el fez molher amar.
581
Se cu ousasse Mayor Oil dizer
como lh'eu quero bem des que a vi,
meu bem seria dizer-lh'o assy,
mays nom lh'o digo, cá nom ey poder
de lhi falar emquanto mal mi vem
e quanta coyta querendo-lhi bem.
E sse soubessem qual coita d'amor
por ela vivo, e quanto afam eu ey
meu bem seeria, mays nom lh'o direy
per nulha guisa, pêro m'ei sabor
de lhi falar emquanto mal mi vem
e quanta coyta querendo-lhi bem.
Como lhi eu quero bem d&coraçom
se lh'o disser, meu bem seria já
mays porque sey que m'ho estranhará
sol nom lh'o digo, ca nom ey sazom
de lhi falar emquanto mal mi vem
e quanta coyta querendo-lhi bem.
582
Vivo coytado em tal coyta d*amor
que sol nom dormem estes olhos meus,
e rogo sempre por mha morte a deus;
mays húa rem sey eu de mha senhor,
nom sab'o mal que m'ela faz aver
nem a gram coyf em que me faz viver.
Vivo coytad'e sol nom dormo rem,
e cuido muyf e choro com pesar,
porque me vejo mui coylad'andar,
mays mha senhor que sabe todo bem,
nom sab'o mal que m'ela faz aver
nem a gram coyfem que me faz viver.
E meus amigos, mal dia naçi
com tanta coita que sempre levei
e porque mays no mundo viverey
poys mha senhor que eu por meu mal vi ;
nom sab'o mal que m'ela faz aver
nem a gram coyfem que me faz viver.
583
Des quand'eu a mha senhor entendi
que lhi pesava de lhi querer bem
ou de morar hu lhi dissesse rem,
veeífamigus, como m'em parti:
leixcy-la terra por lhi nom fazer
pesar, e vivo hu nom posso viver,
Senom coytad'; e mays vos eu direy
perimem viv'em gram coita d'amor,
de nom fazer pesar a mha senhor
veed'amigos, que bem m'en guardey,
leixei-la terra por lhi nom fazer
pesar, e vivo hu uom posso viver
Se nom coitado no meu corapom;
ca me guardei de lhi fazer pesar
e, amigos, nom me soub'en guardar
por outra rem se por aquesta nonj,
leixei-la terra por lhi nom fazer
pesar, e vivo hu nom posso viver.
* 584
Por vos veer, vim eu, senhor
e lume d'estes olhos meus,
e valha-mi contra vós deus
cá o íz com coyta d'amor
ca, senhor, nom ey em poder
de viver mays sen vos veer.
Aventurey-m'e vim aqui
por vos veer e vos falar
e, mha senhor, se vos pesar
fazed'0 que quizerdes hi,
ca, senhor, nom ey em poder
de viver mays se vos veer.
585
Meus amigus, pese-vos de meu mal
e da gram coyta que mi faz aver
hunha dona que me tem em poder
e porque moir'; e poys m'ela nom vai
morrerey eu, amigus, por en
ca já perdi o dormir e o sen
Polo seu bem; e deus nora n^ho quer dar
senom gram coita que sempre vivi
des que vi ela que por meu mal vi;
e poys eu tanto vyv'a meu pesar
morrerey eu, amigos, por en,
ca já perdi o dormir e o sen
Polo seu bem que desej'e nom sey
senom gram coita que m'ela deu já;
e sse mays vyvo mays mal mi fará,
e poys eu tanto mha fazenda sey
morrerey eu, amigos, por en,
ca já perdi o dormir e o sen.
E, cuyd'eu, muyto mal mi vem
porque quer'a mui boa senhor bem.
586
Porque nom ous'a mha senhor dizer
a mui gram coyta do meu coraçom
que ei por ela, se deus mi perdon'
ved'a coyfem que ey a viver:
RUY MAKTINS
113
ond'cu atendo bem mi vem gram mal,
e quem me dev'a valer nom mi vai.
Nom mi vai ela que eu sempre amey
nem seu amor que m'em forcado tem,
que mi tolheu o dormir e o sen;
ora veed'a coyta que eii ey,
ond'eu atendo bem mi vem gram mal,
e quem me dev'a valer nom mi vai.
Nom mi vai deus nem mi vai inha senhor,
nem qual bem IhVu quero des que a vi,
nem meus amigos nom mi valem hi,
ay eu cativo em coita damor,
ond'eu atendo bem mi vem grani mal,
e quem me dev'a valer nora mi vai.
587
Coytado vyvo d'amor
e da morfey gram pavor,
desejando mha senhor
a que eu muylo servi,
a mha senhor que eu vi
mui mui fremosa em sy.
•Amor me tem em poder,
e pavor ey de morrer,
porque nom posso veer
a que eu muylo servi,
a mha senhor que eu vi
mui mui fremosa em sy.
Amor em poder me tem
e faz-rai perder o sen,
porque nom poss'aver bem
da que eu muyto servi,
a mha senhor que eu vi
mui mui fremosa em sv.
RUY MARTINS
588
Disserom-vos, fremosa mha senhor,
que me nom mata mi o voss^amor,
e nom o negu eu, poys cu sabedor
faço quem quer que o queyra saber,
cá me nom mata min o voss'amor
mays mata-me que o nom poss^aver.
Ca bem sey que vos disserom por mi
que me nom inata voss'amor assy
conTalguem cuyda, e digu'eu tanfi
a vós que o nom posso mays, mays negar,
ca me nom mala voss'amor assy,
mays mata-me que mho nom quer deus dar.
B os que cuidam que mi buscaram
por i mal vosque dizen-o de prara
e nom mho ncgu'eu, poilo saber am,
desi entendo que nom poderey
que me nom mata vossamor de pram
mays mata me, senhor, que o nom ey.
589
Oy mays, amiga, quereu já falar
com meu amigo quanto x>l quiser,
«>
vedes porque, ca tam gram bem mi quer
que bem vos digu'eu quanfé semelhar,
quanfeu sej que nom ey de cuydar:
nom querria meu dano por saber
que podia per hi meu bem aver.
Falarey com el que nom nTesLará
mal nulha rem, e mesura farev
7 «
de lhi falar por quanfeu d'el sey,
que mi quer bem e ssempre mho querrá,
que vejades o gramKamor que mh'a :
nom querria meu dano por saber
que podia per hi meu bem aver.
Falarey com el poys est assy
par deus, amiga, ca sempre punhou
de me servir, desi nunca n^osmou
des que m'eu fui, por quanfeu aprendi
e mays vos direi que d'el entendi:
nom querria meu dano por saber
que podia per hi meu bem aver.
E poys m'el quer como oydes dizer
d'essa fala nom ey rem que temer.
590
D'unha que diz que morrerá d'amor
o voss'amigo se vol-o veer
nom faço, filha, mays quer'eu saber
que pereceu hi se por vós morto for?
Diry-vos, madr', as perdas que ha hi,
pcrder-ss'a el e poss'eu perder
o eorp', e vós madre, o vosso por mi.
Ay, mha filha, entenderá quem quer
que vós teedes por el ssa razom,
mays dizcd'ora se deus vos perdon';
que pereceu hi se x'el morrer quiser.
Direy-vos, madre, quaufeu entendi,
perder-ss'a cl e perderey entom
o corp\ e vós madre o vosso por mi.
591
Ay, madr 1 , o meu amigo morr'assy
comfé quem morre de coylas que ha
grandes d'amor, e nom queredes já
que vos veja e el morre c sey
por mi d'amor, mais eu morta serey,
pois el morrer por mi, por el logo hy.
E amores tantas coitas lhi dam
por mi, madre, que nom pode guarir,
pêro sey eu que guarrá se me vir,
e jaz morrenÍTassy por mi d'amor;
mays eu morrerey, madre, mha senhor
pois el morrer por mi, por el de prara.
592 e 593
Esta cobra, a prestumeyra d'esta canliga
de D. Pêro Gomes, que diz:
« Do que sabia nulha rem nom sey.»
114
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
DOM PEItO GOMES BARROSO
Do que sabia nulha rem nom sey
polo mundo que vej'assy andar,
et quand'y cuydo, ey log'a cuydar
per boa fé o que nunca cuydey,
ca vej'agora o que nunca vi
. el ouço cousas que nunca oy.
Aqueste mundo par deus nom he tal
qual eu vy outro non ha gram sazoin,
et por aquesto no meu coraçom
aquel desej'e este quero mal;
ca vejo agora o que nunca vi
et ouço cousas que nunca oy.
E nom recéo mha morte poren
et deus lo sab'e queria morrer
ca nom vejo que aja prazer
nem sey, amigo, de que diga bem,
ca vejo agora o que nunca vi,
et ouço cousas que nunca oy.
E se me a mi deus quizesse atender,
per boa fé hua pouca razom,
eu posfavya no meu coraçom
de nunca jamais nenhum bem fazer
ca vejo agora o que nunca vy,
et ouço cousas que nunca oy.
E nom daria rem per vyver hy
em este mundo mays do que vyvy.
JOHAH AYRAS, buryura de Santiago
594
Dizen, amigo, que outra senhor
queredes vós sem meu grado filhar
por mi fazerdes com ela pesar,
mays a la fé nom ey end'eu pavor,
ca jâ todas sabem que sodes meu
e nenhuma nom vos querrá por seu.
E fariades-mi vós de coraçom
este pesaj, mays nom sey oj'eu quem
me vos filhasse, e já vos nom vai rem,
ay meu amigo, vedes porque nom,
ca já todas sabem que sodes meu
e nenhuma nom vos querrá por seu.
E quem vos a vós esto conselhou
mui bem sey, ca vos conselhou mal,
e com tod'esso já vos rem nom vai
ay, meu amigo, tard'i vos nembrou,
ca já todas sabem que sodes meu
e nenhuma nom vos querrá por seu.
Confonda deus a que filharo meu
amigue mim se eu filhar o seu.
595
que soya, mha filha, morrer
por vós, dizem que já nom morr'assy,
e mojTeu, filha, porque o oy;
mays se o queredes veer morrer
dizede que morre por vós alguém
e veredes home morrer por en.
O que morria, mha filha, por vós
como nunca vi morrer por molher
home no mundo, já morrer nom quer;
mays se queredes que moyra por vós,
dizede que morre por vós alguém
e veredes home morrer por en.
O que morria, mha filha, d'amor
por vós, nom morre, nem quer hi cuydar,
e moy r'end'eu, mha filha, com pesar;
mays se queredes que moyra d'amor
dizede que morre por vós alguém
e veredes home morrer por en.
Ca se souber que por vós mor^alguem,
morrerá, filha, querendo-vos bem.
596
Par deus, mha raadr'o que mi grambè quer
diz que deseja comigo falar
mays d'ouíra rem que homem pod^smar
e hunha vez se a vós aprouguer,
fale migo, poys end'a tal prazer,
e saberemol-o que quer dizei'. .
De falar migo nom pereceu bom prez,
ca d'essa prol hi rem nom falarey
e el dirá, e eu ascuytarey
e ante que moyra já hua vez
fale migo, poys end'a tal prazer,
e' saberemol-o que quer dizer.
Se vos prougucr venha falar aqui
comig', ay madre, poys en sabor a,
e direy-vos poys quanto m'el dirá;
e hua vez, ante que moyr'assy,
fale migo, poys end'a tal prazer,
e saberemol-o que quer dizer.
Quiçá quer-nTora tal cousa dizer
que lh'a poss'eu sem meu dano fazer.
597
O meu amigo novas sabe já
d'aquestas cortes que s ora faram,
ricas e nobres dizem que seram;
e meu amigo bem sey que fará
hum cantar em que dirá de mi bem
ou fará, ou já o feyto tem.
Loar-m'ha muvto e chamar-m^ha senhor
ca muyta gram sabor de me loar,
a muylas donas Tara gram pesar,
mays el fará con^é muy trobador
hum cantar em que dirá de mi bem
ou fará, ou já o feyto tem.
En aquestas cortes que faz el-rey
loará mi e meu parecer,
è dirá quanto bem poder dizer
de mim, amigas, e fará, bem sey
JOHAM AYRAS
115
hum cantar em que dirá de mi bem
ou fará, ou jà o feyto tem.
Câ o virom cuydar, e sey eu bem
que nom cuydava já em oulra rem.
598
Amigo, quando me levou
mha madr*a meu pesar d'aqui
nom soubestes novas de mi,
e por maravilha tenho
por nom saberdes quando vou
nem saberdes quajido venho.
Pêro quem vós amades, meu
amigo, nom soubestes rem
quando me levarom dáquêm,
e maravilho-me ende
por nom saberdes quando m'eu
venho, ou quando vou d'aquêmde.
Catey por vós quand'a partir
mVrave d'aquy e pêro nom
vos vi, nem vcestes cntom,
e mui queixosa vos ando
por nom saberdes quando-m'ir
quedou se verrey já quando.
E por amigo nom tenho
o que nom sabe quando vou
nem sabe quando me venho.
599 .
Ay, mha filha, por deus, guysade-vós
que vos veja, se fustam trager
voss'amig'e tod'a vosso poder
veja vos bem con el estar em cós;
cá se vos vir sey eu cá morrerá
por vós, filha, ca mui bem vos está.
Se vol-o fustam eslevesse mal
nom vos mandaria hir anfos seus
olhos, mays guisade cedo por deus
que vos veja, nom façades end'al
cá se vos vir sey cá morrerá
por vós, filha, ca mui b.em vos está.
E como quer que vos el seja
sanhudo, poys que vol-o fustam vir
averâ gram sabor de vos cousir,
e guisade vós como vos veja.
600
O meu amigo nom pod'aver bem
de mi, amigas, vedes porque nom;
el nom m'ho diz, assy deus-mi perdon',
nem lh'o digu'eu, e assy nos avem,
el com pavor non mh'o ous'a mentar,
eu, amiga, nom o posso roguar.
E gram sazom a já, per boa fé,
que el meu bem podéra aver,
c já mays nunca m'ho ousou dizer
e o preyto direy-vos eu con^ò;
el com pavor nom mh'0 ous'a mentar,
eu, amiga, nom o posso roguar.
E gram lemp'a que lITeu entendi,
que mh'o disserom, mays ouv'i pavor
de mi pesar, e par nostro senhor
prougucra-m'en desfamor assy;
el com pavor nom mh'o ous'a mentar,
eu, amiga, nom o posso roguar.
E o preyto guisad'en sse chegar
ora mays nom o quero começar.
601
Os que dizem que vêem bem e mal
nas aves e d'agoirar preifam,
quer en corvo seestro quando vam
alhur entrar, e digo-lhis eu ai,
que jhesu christo nom me perdon',
se anfcu nom queria hu capom
que hu gram corvo carnhaçal.
E o que diz que he muy sabedor
d'ago\TC d'avcs quand'alhur quer hir,
quer corvo seeslro sempr'ao partir
e pòr en digifeu a nostro seuhor,
que el me dô cada hu chegar
capom cevado para meu jantar,
e dê o corvo ao agoirador.
Ca eu bem sei as aves conhocer, '
e com patela gorda mais me praz
que com bulhafre contra nem víaraz
que me nom, pode bem, nem mal fazer;
e o agoirador torpe que diz
que mais vai o corvo que a perdiz
nunca o deus leixe melhor escolher.
602
Meu amigo, vós morredes
porque vos nom leixam migo
falar, e moyr'eu amigo
por vós e fé que devedes;
algum consclh'y ajamos
ante qué assy moyramos.
Ambus morreremos sem falha
por quanto nós nom podemos
falar, e poys que morreremos,
amigo, se deus vos valha,
algum conselh'y ajamos
ante que assy moyramos.
De mha madr'ei gram queixume
porque nos anda guardando,
e morreremos hi cuydando;
ay meu amigue meu lume,
algum consellTy ajamos
ante que assy moyramos.
E porque o nom guysamos,
poys nós tanto desejamos?
603
Entendeu amiga, per boa fó,
que avedes queixumMiu ai nom a
116
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
de voss^migo que aqui está,
e (Vel e de vós nom sey p< rque é;
mays quero-vos ora bem conselhar,
fazed'i ambos q que eu mandara
E, arnica, depram hu nom jaz ai
este preilo deve-se de fazer,
ca vos vejo d'el gram qucixum'avcr
e cl de vós, e tenho que 6 mal ;
mays quero-vos ora bem conselhar,
fazecTi ambos o que eu mandar.
Sanha d 'amigos, e nom será bem
e ssey que faredes ende melhor,
pêro vejo-vos aver desamor
d'el, arnica, e esto vos coirvem;
mays quero-vos ora bem conselhar,
fazed'i ambos o que eu mandar.
E mal Hfcn venha a quem nom outorgar
ante vós ambos o que eu mandar.
604
N
O meu amigo, que x'i nVassanliou
c que nom queria comigo falar,
se cuydou el que o foss>u rogar
se lh'eu souber que o assy cuydou,
farey que em tal coyta o lenha
por mi amor, que rogar me venha.
E poys que o meu amigo souber
que ll^eslo farey, nom atenderá
que o rogue, mays logo verrá
el rogar a mi, e ssVmTal fezer,
farey que em tal coyta o tenha
por mi amor, que rogar me venha.
Nem averá meu amigo poder
de nulha sanha Olhar contra mi,
mais que eu nom quiser que seja assy;
cá se doutra guisa quiser fazer,
farey que em tal coyta. o tenha
por mi amor, que rogar me venha.
605
O vo$s'amig'a de vós gram pavor,
ca sabYl que vos fazem entender
que foy, amiga, de vós mal dizer;
mays voss^migo dizend'o melhor
que de quanto disse de vós e diz,
vól-o julgad'assy confé senhor,
* ca diz que nom quer y outro juiz.
Queixades-vos d'el, mays se deus quiser
saberedes, e pouc'a de sazom,
que nunca disse de vós se bem nom
nem dirá mays, diz quanfi a mester;
que de quanto disse de vós e diz
vól-o julgade como vos prouguer,
ca diz que nom quer hi outro juiz.
Rogou-nfcl muylo que vos jurass'eu,
que nunca disse de vós se nom bem,
non o dirá e ar diz outra rem
e nom a mays que diga; cuydo-m'eu
que de quanto disse de vós e diz
vós julgad'o vossY o seu,
ca diz que nom quer hi outro juiz.
FilhatTo seu preyto como diz
sobre vós, e conselho-vol-o-eu,
e nom ponhades hi outro juiz.
606
«Meu amigo, quero vos preguntar.
— Pregunlade, senhor, e a meu bem.
«Nom vos a mester de mi rem negar.
— Nunca vos eu, senhor, negarey rem.
«Tantos cantares porque fazedes?
— Senhor, ca nunca mi escaecedes.
«Pregunlar-vos quero, per boa fé.
— Preguntade, cá ei em gram sabor.
«Nom mi neguedes rem, poys assy é.
— Nunca nos rem negarey, mha senhor.
«Tantos cantares porque fazedes?
— Senhor, ca nunca mi escaecedes.
«Non vos pez de qual pregunta fezer.
— Nom, senhor, ante vol-o graçirey.
«Nom m'ar neguedes o que vos disser.
— Nunca vos eu, senhor, rem negarei. .
«Tantos cantares porque fazedes?
— Senhor, ca nunca mi escaecedes.
«Este bem por mi o fazedes?
— Por vós, mha senhor, que o valedes.
«
(507
Par deus, amfco, nom sey eu que é*
mays muyfa já que vos vejo partir
de trobar por mi e de me servir,
mays hua (restas ó per boa fé:
ou é per mi que vos nom faço bem,
ou é sinal de morte que vos vem.
Mui gram tempa, e tenho que é mal,
que vos nom oy já cantar fazer,
nem loar-mi, nem meu bom parecer,
mays hua d'esla$ ou nom já ai
ou é per mi que vos nom faço bem,
ou ó sinal de morte que vos vem.
Já m'eu do tempo acordar nom sey
que vos oysse fazer um cantar
como soiades por me loar,
mays hua destas he que vos direy:
ou é per mi que vos nom laço bem,
ou é sinal de morte que vos vem.
Se é per mi que vos nom faço bem
dizcde-m'o, e-já, que farey en.
608
Par deus, mha madfouvesles grã prazer
quando se foy meu amigo d'aqui;
e ora vem e praz em muifa mi,
mays hunhas novas vos quero dizer:
JOHAM ATRAS
117 •
se vos posar, sofrcde-o mui bem
c'assy íip'c u quando ee foy d áquem.
Cã fontes vós mui leda do meu mal
quando ss'el foy, o qncrr°y-vos ou já
mal por end', e dizem-mi que verrá
mui cedV quero- vos eu dizer ai:
se vos pesar, sofrede-o mui hom
c'assy Òpeu quando se foy d^áquem.
609
Que mui leda que eu mhá madre vi
quando sse foy meu amipo (1'uqui,
e eu nunca fui leda nern dormi,
amipa, depoys que sVl foy (ráquem;
e ora já dizem-mi (Yc\ que vem
e mal prad'aja mha madre por en.
Ela foy leda poilo vyu hir
e eu mui triste poilo vi partir
de mi, ra nunca mais pudi dormir,
amipa, dcjwys que s'el foy d'aquem;
e ora já dizem- mi d'el que vem
c mal prad'aja mha madre por en.
De quando s'el foy d'aqui a el-rey
foy mha madre mui lede o sey,
eu fuy triste sempre e cliorey,
amipa, depoys que s>l foy (ráquem;
e ora já dizem-mi dYI que vem
o mal prad'aja mha madre por en.
610
Vay ss'amipa, meu amipo (1'aqui
triste, ca diz que nunca lia Hz hom;
mays se o virdes ou anle vós vem,
dizede-lhe, ca Ihi dipuYu assi:
que se venha mui cedo, c se veer
cedo, que será como deus quizer.
Per boa fé nom Ihi poss'eu fazer
bem, e vay triste no seu coraçom ;
mays se o virdes, se deus vos perdoif
dizede-lhe que Ihi mandVu dizer:
que se venha mui cedo, e se veer
cedo, que será como deus quizer.
Queixa-s'el e diz que sempre foy meu,
e diz que é pram tlereylo |>er boa fé,
o nom Ihi fiz bem e tem que mal c ;
mays dizedo-lhi vós, que Ihi dipu'eu:
que se venha cedo, e se veer
cedo, que será como deus quizer.
E nom sse queixe, ca nom Ih a mester
e filho o bem quando-Ilfo deus der.
611
(Jueixos'andados, amipo, (1'ainor
o de mi que vos nom posso fazer
bem, ca nom ey sem meu danen poder ;
c porem puyse-nrfho no-»ro •; uhor
que vos faça eu bom em puysa tal
que seja vosso bem e nom meu mal.
Queixados- vos que sempre fostes meu
amigue vos leixo per mi morrer,
mavs dizede-mi como vos valer
possa sem meu danV puysal-o eu
que vos faça eu bem em guisa tal
que seja vosso bem e nom meu mal.
Soo puardada como outra molher
nom foy, amipo, nom ade seer,
ca vos nom ous'a falar o veer
e por em puyse-m'ho deus se quizer,
que vos faça eu bem em íruysa tal
que seja vosso bem e nom meu mal.
•
612
A meu amipo mandad'envyey
a Toled', amiga, per boa fé
e muy bem creo que já com el é ;
prepuntadY pradcer-vol-ey,
em quantos dias poderá chepar
aqui de Toledo quem bem andar?
Ca do mandadovro sei eu mui bem
que depois que lh'o mandado disser
que se verrá mays cedo que poder;
e, amipa, sabede vós d^ilpuem
em quantos dias poderá chepar
aqui de Toledo quem bom andar?
E sempre catam estes olhos meus
per hu eu cuydo que ade viir,
o mandadeiro, e moyro per oyr
novas (fel; e perpunlade por deus
em quantos dias poderá chepar
aqui de Toledo quem bem andar?
■ "613
Queredes hir, meu amipo, eu o sey
buscar outro conselho'e nom o meu,
porque sabedes que vos desejYu,
queredes-vos hir morar com el-rey;
mays hid'ora quanto quiserdes hir
ca pois a mi avedes a viir.
Hides-vos vós, o íic/or eu aqui
que vos ey sempre muyta desejar,
e vós queredes com el rey morar
i porque cuydades mays valer per hi;
! mays hidora quanto quiserdes hir
ca pois a mi avedes a viir.
Sabor avedes, ao vosso dizer,
de me servir e, amipo, poro nom
leixados d'ir ai rey por lai razom,
nom podedes el rey c mim aver;
mays hidora quanto quiserdes hir
ca pois a mi avedes a viir.
E, amipo, querode-lo oyr,
nom podedes dous senhores servir
que ambos ajam rom que vos gracir.
118
CANCIONEIRO PORTTGUEZ DA VATICANA
614
Diz meu amigo tanto bem de mi
quanfel mays pode de meu parecer,
e os que sabem que o diz assy
teem que ey eu que lhi gradecer ;
em quanfel diz nom lhi grades^eu rera
ca mi sey eu que mi pareseo bem.
Diz-mi fremosa, e diz-mi senhqr,
e fremosa mi dirá quem me vyr,
e tem que mi faz muy grand'amor
e que cy muy lo que lhigracir;
em quanlel diz nom lhi gradesc'eu rem
ca mi sey eu que mi pareseo bem.
Diz muito bem de mim em seu trobar
com grani direyfe ai vos eu direy,
teem beni quantos me lhoyem loar
que ei muito que gradecerey ;
em quanfel diz nom lhi gradesc'eu rem
ca mi sey eu que mi pareseo bem.
-Ca se eu nom parecesse muy bem
de quanfel diz nom diria rem.
615
Ày, mha filha, de vós saber quer'eu
porque fizestes quanlo vos mandou
voss' amigo que vos non ar falou?
Par deus, mha madre, direy-vol-o eu:
cuyd^n melhor aver por hy
e semelha-mi que nom esl assy.
Porque o fezestes, se deus vos de bem,
filha, quanto vos cl veom rogar,
ca des entom nom vos ar quis falar?
Direy-vol-eu se deus mi dê bem :
cuyd'cn melhor aver per hi
e semelha-mi que nom est assy.
Porque o fizestes, se deus vos perdon',
filha, quanto vos el veo dizer,
ca des entom nom vos ar quis veer?
Direy-vol-o eu, se deus mi perdon'
cuyd'en melhor aver per hi
e semelha-mi que nom est assy.
Bom dia naçeu, com'eu oy,
quem se d'outro castiga e nom de sy.
616
QuaníVeu fui hum dia vosco falar,
meu amigo, figi-o eu por bem
e enfengeste-vos de mi por en,
mays se vos eu outra vez ar falar
logo vós dizede ca fezestes
comigo quanto fazer quysesles.
Ca, meu amigo, falei eu huã vez
com vosco por vos de morle guarir,
e fosle-vos vós de mim enfingir,
mays se vos eu falar outra vez
logo vós dizede ca fezestes
comigo quanlo fazer quysestcs.
Ca mui bem sei eu que nom fezestes
o meyo de quanto vóe dissestes.
617
Amigo, vehestes-me um dia aqui
rogar d'um preyfe nom vos flg'eu rem
porque cuydava que nom era bem ;
mays poys vos já tanfaficades hi
fazei o quer'e nom farey end'al
mays vós guardade-mi e vós de mal.
Vós dizedes que o que meu mal for
nom queredes, e bem pode seer,
pêro nom quix vosso rogo fazer
mays poys end'avedes tam gram sabor,
fazel-o quer'e nom farey emTal
mays vós guardade-mi e vós de mal.
Bem sabedes como falamos nós
e me vós rogastes o que m'eu sei
e nom o fiz ; mays com pavor que ey
de perder eu amigo como vós
fazel-o quer'e nom farey end'al
mays vós guardade-mi e vós de mal.
E se vós fordes amigo leal
guardaredes vossa senhor de mal.
618
Nom vos sabedes amigo guardar
de vos saberem por vosso mal sen
como me vós sabedes muyfamar,
nem a gram coyta que vos por mi vem;
e quero-vos end'eu desenganar,
se souberem que mi queredes bem
quyte sodes de nunca mi falar.
Per nulha rem nom me posso quitar
de falar vosqife sempre mi temi
de m'ho saberem, cá nTand^longar
de vós, se o souberem des aly;
e quero-vos end'eu desenganar,
se souberem que mi queredes bem
quyte sodes de nunca mi falar.
Do que me guarda, tal é seu cuydar
que amades, amig',oulra senhor,
ca se a verdade poder osmar
nunca veredes ja mays hu eu for;
e quero-vos end'eu desenganar,
se souberem que mi queredes bem
quyte sodes de nunca mi falar.
E se avedes gram coyta d'amor
avel-a edes por min mayor,
ca de longi mi vos faram catar.
619
Nom ey eu poder do meu amigo
partir, amigas, de mi querer bem;
e pêro m'eu queixo prol nom mi tem,
e quando ltfeu rogo muyre digo
JOHAM AYRAS
119
que se parta de mi lai bem querer,
lanto mi vai como nom lho dizer.
Se mi quer falar, digo-llf eu logo
que mi nom fale, ca mi vem gram mal
de sa fala; mays muy pouco mi vai,
e quando IhYu digo muyfe rogo
que se parta de min tal bem querer,
tanto mi vai como nom liro dizer.
Sempre mi pesa com sa apanha •
porque ei medo de mi crecer prez
com el, conrf outra vegada ja fez,
e pêro lhi digu'em mui gram sanha:
que se parla de min tal bem querer,
tanto mi vai como nom lh'o dizer.
620
Mha madre, poys tal é vosso sen
que eu quera mal a quem mi quer bem,
e me vos roguedes muylo por en,
dizedora, por deus que pod'e vai:
poys eu mal quiser
a quem mi quer bem,
se querrey bem a quem mi quiser mal?
Dizcdes-mi, que se eu mal quiser
a meu amigo, que mi gram bem quer,
que faredes sempre quanfeu quiser;
mays venlf ora que mi digades ai :
poys ey de querer mal
a quem mi bem quer,
se querrey bem a quem mi quer mal?
Múyto mi será grave de sofrer
d'aver a quem mi quer bem mal a querer,
mays faço-vos huâ pregunta a tal :
poys quem mi quer bem
e^mal a fazer
se querrey bem a quem mi quer mal?
Se assy for, por mi podem dizer
que eu fuy a que semeou o sal.
621
Finge meu amigo que hu nom jaz ai
morre, ca nom pod'aver bem de mi,
e queixa-se-me muylo e diz assy :
que o matcu, e que fapo muy mal;
mays onde tem el que o mato eu,
se el morre por Hf eu nom dar o meu.
Tem guisad , em muytas vezes morrer
se el morrer cada que Hf eu nom der
do meu rem, senom quando nf eu quiser;
e diz que o maio a mal fazer,
mays onde tem el que o mato cu,
se el morre por Hf eu nom dar o meu.
Diz que tam muyto é coitado (f amor
que rem de morte nom o tornará
porque nom ouve bem de mi, nem a;
e diz-nfel: matades-me senhor;
mays onde tem el que o mato eu
se cl morre por Ih cu nom dar o meu.
E assanha-xi-ufel, mays bem sey eu
que a sanha todo 6 sobre lo meu.
622
Voss'amigo quer-vos sas donas ciar,
amiga, e quero-vos dizer ai:
dizem-mi que Hf as queredes filhar;
e dized'ora, por deus, hunha rei^:
se lhi filhardes sas doas ou ai
que dircdes por lhi nom fazer bem?
Vós nom sçredes Iam sem conhocer
se lhi filhardes nulha rem do seu
que lhi nom ajades bem a fazer;
e venlf ora pregunlar-vbs por em:
se lhi filhardes nulha rem do seu
que diredes por lhi nom fazer bem?
El punharâ muyfe fará razom
de Ufas filhardes quando vol-as der,
e vós Ufas Dlharedes ou nom ;
e dized'ora qual é vosso sen:
se lhi filhardes quanto vos el der
que diredes por lhi nom fazer bem?
Ou bem filhade quanto vos el der,
e fazede bem quanto x'el quiser,
ou nom lhi façades nunca nenhum bem.
623
meu amigo forçado d'amor,
poys agora comigo quer viver
hunha sazom se o poder fazer,
nom dorma já menlre comigo for,
ca d'aquel tempo que migo guarir
a tanto perderá quanto dormir.
E quem bem quer seu tempo passar
hu é com sa senhor, nom dorme rem,
e meu amigo poys para mi vem
nom dorma já menlre migo morar,
ca d'aquel tempo que migo guarir
a tanto perderá quanto dormir.
E se Hf aprouguer de dormir a lá
hu el é, prazer-nf ha per boa fé,
pêro dormir tempo perdud'é
mays per meu grad'a que nom dormirá;
ca d'aquel tempo que migo guarir
a tanto perderá quanto dormir.
E depoys que s'el de mim partir,
tanto dorma quanto quiser dormir.
624
«
Quer meu amigo de mi hu preyto
que el ja muytas vezes quizera,
que lhi faça bem, e já tempera;
mas como quer que. seja meu feyto
farey-Hf eu bem par saneia Maria,
mays nom tam cedo conf el querria.
E digam-lhi por mi, que nom tenha
que Hf o eu vou por mal demorando,
120
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VAT1CANA
ca el anda-sè de mi queixando,
mais como quer que depoys venha
farey-lh'eu bem por saneia Maria,
mays nom tam cedo conTel queria.
El é por mi alam namorado
e meu amor o trag'assy louco,
que se nom pod'atender hu pouco,
mays tanto que eu aja guisado,
farey-llfeu bem par saneia Maria
mays nom tam cedo comei querria.
E como quer que fosse, el querria
aver jâ bem de min todavya.
E bem sei dei que nom cataria
o que m'end'a mim depoys verria.
625
Diz, amiga, o que mi grani bem quer,
que nunca mays mi rem demandará
sol que Touca quanto dizer quiser,
e mentre viver que me servirá;
e vedes ora com'é sabedor
que poys que lh'eu lod'este bem fezer
logu>l querrá que lhi faça melhor.
Muy bem cuydeu que com mentira vem,
pêro jura que mi nom quer menlir,
mays diz que fale comigu'e por en
mentre viver nom mi quer ai pedir;
e vedes ora como é sabedor
que poys que lrfeu lodVstc bem fezer
logu'el querrá que lhi faça melhor.
Oram pavor ey nom me queira enganar,
pêro diz el que nom quer ai de mi
senom falar migu'e mays demandar
mentre viver nom quer des aly;
e vedes ora com'é sabedor,
que poys que lh'eu lod'este bem fezer
logrei querrá que lhi faça melhor.
K esto será menlr'o mundo for,
quanfome mais ou ver ou acabar
tanto d'aver mays averá sabor.
Mays hid'amiga vós, por meu amor,
comig^ly hu m'el quiser lalar,
ca mal mi venha se lh"eu soa for.
62(5
Que mui de grad'cu faria
prazer ao meu amigo,
amiga, bem vol-o digo,
mais logu'en aquel dia
nom leixará el, amiga,
nutlrome a quern o nom diga.
Faria-llTo mui de grado
porque sei que me deseja,
mays se guysar hu me veja
e lhi fezer seu mandado,
nom leixará el, amiga, •
nulh'ome a quem o nom diga.
Tam coytado por mi anda
que nom ha par nem mesura,
pêro se eu per ventura
fezer todo quantel manda,
nom leixará el, amiga,
nullfomc a quem o nom diga*
Dizedora e denemiga
e dira-o log*amiga.
627
Vedes, amigo, ond'ey gram pesar:
sey muytas donas que sabem amar
seus amigos e soem -Ih is falar,
e nom lh'o sabem, assi lliis avem;
e nós, sol que o queyremus provar
logué sabuiTe nom sey eu per quem.
Tal dona sey eu quando quer veer
seu amigo, a quem sabe bem querer,
que lh'o nom pode per rem entender
o que cuyda que a guarda mui bem;
e nós sol que o queyramus fazer
logu'é sabuefe nom sey eu per quem.
Com'cu querria nom se guys'assi
falar vosco que morredesper mi,
com'outras donas falam c desy
nunca Ihis mays podem entender rem;
e nós ante que cheguemos hy
logifé sabud'e nom sey eu per quem.
Coyla lhi venha qual ora a nós vem,
porque nos a nós lod'este mal vem.
628
Morredes se vos nom fezer bem
por mim, amigu'c nom sey que vos hi
faça, pêro muytas vezes cuyd'i; .
e d'este preyto vedes que mhavem:
é-mi mui grave de vos bem fazer,
e mui grave de vos leixar morrer.
Hem non vos pode de morte guardar
e sei bem que morredes por min,
se nom ouverdes algum bem de mim,
e quanfeu ei em tod^sto a cuydar
é-mi mui grave de vos bem fazer,
e mui grave de vos leixar morrer.
Se vos non fezer bem, por mi amer
vos matará, bem sei que será assy,
mays bem vos jur'e digo-vos assy
se deus mi leixeu fazer o melhor,
é-mi mui grave de .vos bem fazer
e mui grave de vos leixar morrer.
E rog\i deus que a end^ poder
que el me leixVndo melhor fazer.
629
Amigu\ eu vos diss'amigo, e serio cu
por mi miscrar com vosco, que faley
com outr ornem, mays nunca o cuydey
e meu amigo, direy- vol-o eu,
J01ÍAM ÀYRÀS
121
de mentira non me posseu guardar
mays guardar-m'ei de vos fazer pesar.
Alguém sabe que me queredes bem
e pesa-lh'ende non po(l'al fazer
senom que mi quer mentira poer;
meuamigue meu lume meu bem,
de mentira non me possYu guardar
mays guardar-m'ei de vos fazer pesar.
É sey de quanto gram sabor a
de mentir, e non teme deus nem ai ;
meu amigu', e vedes quanfi a.
De menlira non me poss^eu guardar,
de fazer mentira sey-nfeu guardar
mays non de quem me mal quer assacar.
030
Amigas, o que mi quer bem
dizem-m'ora muytus que vem ;
pêro nom o posso creer,
ca tal sabor ei de o veer
que o non posso creer.
que eu amo mays ca mi
dizem que cedo será aqui;
pêro non o posso creer,
ca tal sabor ey de o veer
que o non posso creer.
O que se foy d'aqui, muyVha,
dizem-mi que cedo verrá;
pêro non o posso creer,
ca tal sabor ey de o veer
que o non posso creer.
E nunca m'ho farám creer
se m'o non fezerem veer.
031
«0 voss'amigo, que s'a cas del-rey
foy, amiga, muy cedo vos verrá,
e partide-m'as doas que vos el dará.
— Amiga, verdade vos direy;
fará-mi deus bem se m'o adusser,
e sas doas dê-as a quem quizer.
«Disseroni-n^ora, se deus mi perdon',
que vos trage doas de Portugal,
e, amiga, non as partades ma).
— Direi-vos, amiga, meu coraçom,
fará-mi deus bem se m'o adusser,
*c sas doas de-as a quem quizer.
«Dizem, amiga, que non vem o meu
amigo, mayl-o vosso cedo vem,
e parlid'-as doas que trage bem.
— Direy- vos, amiga, o que digifeu,
fará-mi deus bem se mo adusser,
e sas doas dé-as a quem quizer.
E bem sey eu des que el veher
averey doas o quanfal quizer.
10
632
Vay meu amigo com el-rey morar
e non m'ho disse, nem lh'o outorguey,
e faz mal sen de mi fazer pezar,
mays eu perca bom pai ecer que ey
se nunca lhel-rrey tanlo bem fezer
quanto 111'eu farei quando mi qiryser.
E quer muyto com el-rey viver
e mha senhor non a tem em rein,
e el-rey pode quanto quer poder,
mas mal mi venha onde vem o bem,
se nunca lh'el-rrey tanto bem fezer
quanto Ih'eu farey quando mi quizer.
E el punhou muyfem me servir
e ai rey nunca servipo fez,
por end'el rey non a que lhi gracir
mays eu perca bom parecer e bom prez,
se nunca lh'el-rey tanto bem fezer
quanto lh'eu farey quando mi quizer.
i Ca mais valrrá se lireu quiser
que quanto bem lh'el-rey fazer poder.
033
Amigo, queredes-vos hir,
e bem sey eu que mhaverrá
em mentre morardes a lá;
a quantos end'eu vir viir •
a todos eu pregunlarey
como vos vay em cas d 'el-rey.
Non Vos poderia dizer
quantey de vos hirdes pesar,
mays a quantos eu vir chegar
d'u hides com elrrey viver,
a todos eu perguntarey
como vos vay em cas d^l-rcy»
Coylada flearey d^mor
alá que mi vos deus adusser,
mays a quantos eu já souber
que veherem d'u el rey for,
a todos eu preguntarey
como vos vav em cas delrev.
E se disserem bem, loarey
deus, e gracil-o-ey ai rey.
634
Foi-ss' o meu amigo a cas d^l rey
e, amigas, com grand'araor que lh'ey
quand J el veher, ja eu morta serey ;
mais non lhe digam que raoir'assi,
ca se souber com'eu por el morri
será muy pouca sa vida des i.
Por nu lha rem non me posso guardar
que non morra ced'eu com gram pesar;
e, amigas, quand'el aqui chegar
nom sabha per vós qual mort' eu prendi,
ca se souber com'eu por el morri
será muy pouca sa vida des i.
122
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
, Eu morreroy cedo, se deus quizer,
c, amigas, quandVl aqui vcer
desmesura dirá quem lhi disser
que mort' eu fllhey des que o non vi,
ca se souber conreu por el morri
será muy pouca sa vida des i.
635
Amcy-vos sempr amigo, e flz-vos lealdade,
se preguntar quiserdes em vossa puridade
saberedes, amigo, que vos digo verdade,
ou se falar ouvordes com algum maldizente
e vos quiser, amigo, fazer ai entendeu te,
dizede-lhi que mente,
e dizede-lhi que mente.
636
Meu amigue meu bem e meu amor,
disserom-vos que me vyrom falar
com outfome, por vos fazer pesar;
e por en rogu'eu a nostro senhor
que confonda quem vol-o foy dizer,
e vós se o assi fostes creer,
e mim, se end'eu fui merecedor.
E ja vos disserom por mi que faley
com outr'orne, que vos nom tiv'em rem,
e se o fiz nunca mi venha bem,
mays rog'a deus, sempre rogal-o-ey
que confonda quem vol-o diss'assy,
e vós, se tarn gram mentira de mi
creestes, e min se o eu cuvdei.
Sey que vos disserom per boa fé
que faley com outi^ome, e non foy ai
se non que vol-o disserom por mal;
mays rog' a dís que no ceo ssé,
que confonda quem vos a tal razom
diss', e vós se a creestes entonj,
e que confonda min se verdacfé.
E confonda quem a tam gram sabor
d'antre mi e vós meter desamor
ca mayor amor do mund^ó.
637
A que m'a mi meu amigo filhou
mui sem meu grad'e non me teve em rem,
que me scrv'y e mi queria bem
e non m'ho disse nem m'o preguntou,
mal lhi será quando-lh'o eu filhar
mui sem seu gradue nom a preguntar.
E se m'ela muy gram torto fez hi
deus me leixe dereito dlela aver,
ca o levou de mi sem meu prazer
e ora tem que o levará assy,
mal lhi será quando liro eu filhar
mui sem seu grad'e non a preguntar.
E bem sey eu d 'ela que dirá
que non fiz eu por el quanfela fez,
mays quiçay m'ho fezera outra vez,
e pêro tem bem que o averâ;
mal lhi será quando lh'o eu filhar
mui sem seu grad'e non a preguntar.
Entom veredes molher andar
por mi chorando non lh'o querrey eu dar.
638 (vid. 634)
Vay meu amigo morar com el-rey
e, amiga, com grand'amor que lirey
quand'el veher, ja eu morta serey;
mais non lhi digam que morri assy,
ca se souber com'eu por el morri
será muy pouca sa vida des y.
Nem de morte non o pode guardar
que non moyra ced'e com gram pesar ;
e, amiga, quand'el aqui chegar
non sabha por vós qual morte eu prendi,
cá se souber com'eu por el morri
será muy pouca sa vida des i.
E eu morrerey cedo, se deus quizor,
e, amiga, quand'el aqui veer
desmesura fará quem lhi disser
qual morfeu filhei des que o non vi,
cá se souber com'eu por el morri
será muy pouca sa vida des i.
Já non posso de morte guarecer,
mays quando s'el tornar por me veer
non lhi digam como m'el fez morrer
ante tempo, porque se el foy d'aqui;
Ca se souber com'eu por el morri
será mui pouca já sa vyda des y.
639
Queredes hir, meu amigo, eu o sey,
buscar outro conselho e non o meu,
porque cuydadesque vos desejou,
queredes- vos hir morar com el-rey;
mays hid'ora quando quiserdes hir,
ca poys a mi avedes a viir.
Hides-vos vós e fiqu'eu aqui
que vos ei sempre muifa desejar,
e vós queredes com el-rey morar
porque cuydades mays valer per hi;
mays hid'ora quando quiserdes hir
ca poys a mi avedes a viir.
Sabor avedes a vosso dizer
de me servir, amigu', e pêro non
leixades dir ai rey por tal razom
nem podedes vós mim e el-rey aver ;
mays hid'ora quando quiserdes hir
ca poys a mi avedes a viir.
E, amigo, queredel-o oyr
nom podedes dous senhores servir,
que ambus ajam que vos gracir.
i
MARTIM PEREZ ALVYM
123
640
Ir vos queredes e nom cy poder
par deus, amigo, de vos eu tolher;
e sse ficardes vos quero dizer,
meu amigo, que vos por en farey:
os dias que vós a vosso prazer
nom passastes eu vol-os cobrarey.
Se vos fordes, sofrerey a mayor
coita que sofreu molher por senhor, -
c sse íicardes polo meu amor
direy-vol-o que vos pòr en farey:
os dias que vós a vosso sabor
nom passastes eu vol-os cobrarey,
Hides-vos e teendes-nVem desdém,
e fico eu muy coitada poren,
e ficade por mi ca vos convém,
e diremos que vos porem farey:
os dias que vós nom passastes bem,
ay meu amigo, eu vol-os cobrarey,
641
Hir-vos queredes, amigo,
d'aqui por me' fazer pesar,
e pois vos queredes quitar
daqui, vedes que vos digo :
quitade bem o coraçom
de mira, e ide-vos entom.
E pois vos hides, sabhades
que nunca mayor pesar vi,
e pois vos queredes d'aqui
partir, vedes que façades:
quitade bem o coraçom
de min, e ide-vos entom.
642
Esta tençon fez Johã Atras, de Santiago,
a hum que avia nome Fruiíoso, ccuntor, e se
poz nome Rui Marques, e o outro respon-
deulhi:
Rui Marques, pois que est assi
que vós ja mais quizesles viver
em Leom, e nos veesles veer
dized'agora vós ben perla mi
Rui Marques, assi deus vos perdon 9 i.
MARTIM PEREZ ALVYM
643
Mais desaguysadamente mi vem mal,
de quantos deus no mundo fez nacer
todus am bem per oyr o veer
e per entendimento e per falar;
mays a mim, mha senhor, avem end*al,
ca por todYslo me vejeii andar
na mayor coyta que deos quiz fazer.
E ante que vos eu visse, sénior,
tam muylo bem ouvi de vós dizer,
per bonu fé,' que nom pud'al fazer
que nom ouvess'a viir a loguar
hu vos eu visse, e logu'en vosso amor
fez-m'os por tal guysa desejar
que nom desej'al rem se nom morrer.
Ca se nom viram estes olhos meus
nem viram- vos hu vos eu fuy veer,
e sse eu rem nom soubess'enlender
do mui gram bem que deus a vós quiz dar,
nom averia este mal, par deus,
por vós d'amor, que mMia ced'a matar
a quem me vós metestes em poder.
fi mal dia mi deus deu conhoccr
hu vos eu vi Iam fremoso catar,
ca mi valera muv mais nom nacer.
644
Dizer-vos quer'a gram coyta d'amor
em que vyvo, senhor, des que vos vi
e o gram mal que eu sofri ;
e d'unha rem soo sabedor
que mi valera muy mais nom veer
eu vós, nem ai quando vos fuy veer.
E a mha coita sey que nom a par
antr'as outras coytas que d'amor sey,
e poys meu temp'assy pass'e passey
com gram verdade vos posso jurar,
que mi valera muy mais nom veer
eu vós, nem ai quando vos fuy veer.
Esta coyta que mha morte tem
tam chegada que nom lh'ey de guarir,"
ca nom sey eu logar hu lh*a fogir,
e per esto podedes creer bem,
que mi valera muy mais nom veer
eu vós, nem àl quando vos fuy veer.
Ca sse nom vyra poderá viver
e meor coita ca sofro sofrer.
645
Senhor, nom poss'eu já per nulha rera
meus olhos cPesses vossos partir,
e poys assy é que agora d'ir
am hu vos nom vejam, sey eu muy bem
que nom podem os meus olhos veer
hu vos nom vyrem d'al veer prazer.
E nom poss'eu meus olhos quitar
d'esses vossos que virom por meu mal,
e pêro m'end'eu nuntfatend^l
tal ventura mi quis a mi deus dar,
que nom podem os meus olhos veer
hu vos nom vyrem d'al veer prazer.
Nom poss'eu partir os olhos meus
d'esses vossos, nem o meu coraçom
nunca de vós, e poys mha senhor nom
atend^nd^al creedesto por deus,
121
CANCIONEIRO rORTUGUEZ DA VATICAXA
que nom>podem os meus olhos veer
hu vos nom vyrem (Tal veer prazer.
Poys que ai nora desejam veer,
deus vos lhis mostre ced'a seu prazer.
646
Ja m'eu queria leixar de cuydar
e d'andar triste e perder o dormir,
e d'amor, que sempre servi, servir
de tod'esto m'eu queria leixar,
se me leíxassc a que me faz aver
aquestas coytas ond'ey a morrer.
E leixar qual coita mi dá
amor, que em grave dia vi,
e qual pesar sempre sofi^e sofri,
de tod'eslo me leixaria ca,
se me leixasse a que me faz aver
aquestas coytas ond'ey a morrer.
Lcixar-m'ia de cuydado meu
e da gram coyta do meu coraçom,
e de servir amor com gram razom,
tqd'esto me leixaria eu,
* se me leixasse a que me faz aver
aquestas coytas ond'ey a morrer.
E leixa-mela de mi bem fazer,
mays nom me leixa em sas coytas viver.
.647
Senhor fremosa, que de coraçom
vos servi sempre, scrv'e servirey *
por muyto mal que eu lev'e levey;
por vós tenlfcu que seria razom,
de mi fazerdes aver algum bem
de vós, senhor, por quanto mal mi vem.
Do vosso lallfe do vosso catar
muyfaposto vem a mi muyto mal,
e poys de vós nunca puefaver ai,
razom seria já a meu cuydar
de mi fazerdes aver algum bem
de vós, senhor, por quanto mal mi vem.
E a mesura que vos quis dar deus
em mui bom tallfe muy bó parecer
razon seria por mha moite tolher,
bera pêra já, lume dos olhos meus,
de mi fazerdes aver algum bem
de vós, senhor, por quanto mal mi vem.
648
— Senhor fremosa, assy veja prazer
poys vos nom vi, ouvi gram pesar
que nunca mi deus d'al prazer quis dar.
« Como podestes tanto mal sofrer?
— Cuydey em vós e por esto guari,
que nom vyvera rem do que vevi.
— Senhor fremosa, direy-vos eu ai
e creed'eslo, meu lum'e meu bem,
poys vos nom vi, nom vi prazer de rem.
« Como podesles sofrer tanto mal?
— Cuydey em vós e por esto guari,
que nom vyvera rem do que vevi.
— Creede, lume d'estes olhos meus,
que des que vos eu nom pudi veer
pêro vi, já nunca vi prazer,
i « Como sofrestes tanto mal, por deus?
| — Cuydey em vós, e por esto guari
que nom vyvera rem do que vevi.
649
i
■
Eu, mha senhor, nora ei poder
de me de vos poder quylar
PÊRO DE VEEK
650
Mha senhor fremosa, por deus
e por amor que vos eu ey,
oyd'um pouqu'e direy
o porque eu ante vós vim :
que ajades doo de mim,
mha senhor fremosa, por deus.'
Se vos doerdes do meu mal
por deus que vol-o roguey
vós que cu sempre desejey
des aquel dia em que vos vi:
cousimento faredes hy"
se vos doerdes do meu mal.
E, mha senhor, per boa fé
por vós me tem forpari'amor
e vós, fremosa mha senhor,
nom vos queredes cn doer ;
e por esl'é meu mal vyver
ay, mha senhor, per boa fé.
Per boa fé nom é meu bem
nem é mha prol viver assy,
e vós que. eu por meu mal vi
averey sempr'a desejar ;
vós e mha morfa meu pesar
per boa fé nom é meu bem.
651 e 652
Nom sey eu tempo quand^em nulha rem
d'amor ouvess^nd^uve&se sabor,
ca nom quis deus nem íilhey tal senhor
a que ousasse nulha rem dezer
do que seria meu vip'e meu bem,
nem de qual guisa mi d'amor mal vem
fazer no mund'a meu pesar viver.
E ssc oulr^ome, segundo meu sen,
j tanto soubesse quanfeu sey d'amor
i bem saberia conré forçador
I e sem mesura e de gram poder,
| quando soubessem qual coita me tem
I bem saberia como vyve quem
I faz deus no mundo a seu pesar viver.
BERXAL DE BONAVAL
125
Eu que no mundo vyva meu pesar
ou vyveria muyfa meu prazer
se cu cFamor bem podess'aver,
meu bem seria quanl'oj'è meu mal;
mayl*a senhor, que m'amor faz Olhar,
essa me soube de guisa guysar
que nom ouvess'eu bera d'amor nem d'al.
En esta ffolha adeiante sse começam can-
tigas d? amor do primeyro tratador Bernal
de Bonaval;
BERXAL DE BONAVAL
053
Ay deus, e quem mi tolherá
gram coyta do meu coraçom
no mundo, poys mha senhor nom
quer que eu perca coyta já;
e direy-vus como nom quer, •
leixa-me sem seu bem viver
coytad'e sen Yni nom valer
eia que mi pode valer.
No mund'outra cousa nom a
que me coita nulha sazom
tolha, se deus ou morte nom,
ou mha senhor que nom querrâ
tolher-m'a; e poys eu ouver
por mha senhor morfa prender;
dés meu senhor se Ihi prouguer
m'ha leiVanfunha vez veer.
E sse mi deus quiser fazer
este bem que m*é mui mester
de a veer, poys eu poder
veer o seu bom parecer,
por en gram bem mi per fará
se m'el moslrar hua razom
de quantas end'eu cuyd'a cá
a dizer que lhi diera enlom.
654
Pêro nfeu moyro, mha senhor,
nom vos ouseu dizer meu mal
ca tanfei de vós gram pavor
que nunca tam grand'ouvi dal;
e por en vos leixa dizer
meu mal, c qutTanlc morrer
por vós, ca vus dizer pesar.
E por aquesto, mha senhor,
\\\em gram coita morlal
que nom poderia mayor;
ay deus, quem soubess'ora qual •"
e vol-a fezess'enlender,
c nom cuydassM a perder
conlra vós por vos hi falar.
E deul-o sabe, mha senhor,
que se m el contra vós nom vai
ca mi seria muv melhor
mha morte, ca mha vida em tal
que fezess'y a vós prazer
que vos eu hi nom posso fazer
nem miro quer deus nem vós guysar.
E com dereilo, mha senhor,
peç'eu mha morte poys mi fal
todo bem de vós e d'amor,
e pois meu temp'assy me fal
amand'eu vós dev'a querer
ante mha morte, ca viver
coylad^ poys nom grado ar
De vós, que me fez deus veer
por meu mal poys sen bem fazer
vos ey sempr'a desejar.
655
Amor, bem sey o que m'ora faredes,
poys nf em poder d'a tal senhor metedes,
de conlra quem me depoys nom valercdes
hu eu por ela tal coyta levar,
a qual me nom saberey conselhar.
Poren vos rog'amor que me leixedes
viver, se o bem fazer nom me queredes,
ca eu bem sey que vós poder avedes
de mi fazerdes se quiserdes bem,
amor ou mal quando vos prouguer en.
E poys mi bem e mal fazer podedes,
nom mi façades quanto mal fazedes
fazer, mays dereyfé que mi mostredes
o mui gràm bem que podedes fazer,
arifar, poys eu som em vosso poder.
656
Senhor fremosa, poys assy deus quer
que já eu sempre no meu coraçom
deseje de vós bem e d'alhur nom,
rogar-vos-ey, por deus, se vos prouguer
que vos nom pes de vos eu muyfamar
poys que vos nom ouso por ai rogar.
E já que sempr'a desejar ey
o vosso bem e nom cuyd'a perder
coyla se nom por vós ou per morrer,
por deus oyde-m'e rogar-vos-ey:
que vos nom pes de vos muyfamar
poys que vos nom ouso por ai rogar.
E poys m'assy tem em poder amor
que me nom quer leixar per nulha rem,
partir de vós já sempre querer bem,
rogar-vos quero, por deus, mha senhor:
que vos nom pes de vos eu muyf amar,
poys que vos nom ouso por ai rogar.
657
A dona que eu am'e lenho por senhor,
amostrade-m'a, deus, se vos en prazer for,
se nom dade-m'a morle !
126
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
A que tenh'eu per lume (Testes olhos meus
eporquem chorara semp^amostrade-n^a deus
se nom dade-m'a morte!
Essa que vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, ay dés, fazede-mh'a veer,
se nom dade-m'a morte !
Ay dês, que m'a fezeates mais c'a mi arçar,
mostrade-m'a hu possa), com ela falar;
se nom dade m'a morlel
658
Pêro me vás dizedes, mha senhor,
que nunca per vós perderey
a mui gram coyta que eu por vós ey
em tanto cornou vyvo for,
ai cuyd'eu de vós d'amor
que m'haveredes mui ced'a tolher
quanta coyla me fazedes aver.
E, mha senhor, hfia rem vos àirey
de nom estar de vós melhor
quanfeu ouver por vós coyta mayor
a tanto me mays aflcarey,
que m'haveredes mui ced'a tolher
quanta coyta me fazedes aver.
659
Senhor fremosa, tam gram coyta ey
por vós, que bom conselho nom me sey,
cu yd and o em vós, mha senhor mui fremosa.
Por vós, que vi melhor d'outras falar
e parecer, nom me sei conselhar,
cuydando em vós, mha senhormui fremosa.
Nom mi queredes mha coita creer,
creer-m'a-edes poys que eu morrer,
cuydando em vós, mha senhor mui fremosa.
660
A Bonaval quer'eu, mha senhor, hir
e des quand'eu ora de vós partir,
os meus olhos nom dormiram.
Hir-m'ey, pêro m'é grave de fazer,
e des quand'eu ora de vos tolher
os meus olhos nom dormiram.
Todavya bem será de provar
de m'ir, mays des quand T eu de vós quitar
os meus olhos nom dormiram.
661
Pêro m'eu vejo donas mui bem parecer
e falar bem e fremoso catar,
nom poss'eu por tod'esto desejos perder
da que mi deus nom ouvera mostrar
hu mh'a mostrou por meu mal, ca desy
nunc'ar fui led'e cuydando perdi
desejos de quanfal fui amar.
A que eu vi mays fremoso parecer
de quantas en o mundo pud'achar,
essa foy eu das do mund'escolher
e poys mira des faz desejar assy
nom mh'o fez el se nom por mal de mi
cometer o que nom ey de acabar.
Se eu fos^a tal senhor bem querer
com que podesse na terra morar
ou a quem ousasse mha coyta dizer
logu'eu poderá meu mal endurar;
mays tal senhor am'eu, que poyl-a vi
sempre por ela gram coita sofri,
e pêro nunca-ll^end^ousey falar.
662
Por quanta coyta mi faz mha senhor
aver, nunca m'eu d'ela queixarey .
nem é dereyto ca eumh'o busquey,
mays dereyfei etn mp queixar d'amor
porque me fez gram bem querer
quem m'ho nom ade gradecer.
B nunca m'eu a mha senhor hirey
queixar de quanta coyta padeci
por ela, nem do dormir que perdi ;
mays d'amor sempr'a queixar n^averey
porque me fez gram bem querer
quem m'ho nom ade gradecer.
Por quanta coyta por ela sofri
nom me lhi dev'a queixar com razom,
mays queixar-m'ei no meu corapom
d'amor a que nunca mal mereci,
porque me fez gram bem querer
quem m'ho nom ade gradecer.
663
— Abril Perez, muyfei eu gram pesar
da gram coyta que vos vejo sofrer,
ca vos vejo como mi lazerar
e nom poss'a mi nem a vós valer :
ca vós morredes como eu d'amor,
e pêro x'esta mha coyta mayor
dereyto faz em me de vós doer.
«Dom Bernaldo, quero- vos preguntar
com'ousastes tal cousa cometer,
qual cometestes em vosso trobar,
que vossa coita quisestes poner
com a minha, que quanfé mha senhor,
dom Bernaldo, que a vossa melhor
tanto me faz mayor coyta sofrer.
— Abril Perez, fostes-me demandar
de tal demanda que rresposta nom
ha hy mester, e converá de provar
o que disesles das donas entom;
cnmentemõl-as, et sabel-as am,
e poys las souberem julgar nos ham
e veram quem tever melhor razom.
«Dom Bernaldo, eu hyria ementar
a mha senhor,' assi dês mi perdon',
se nom ouvesse med^m lhe pesar
eu a dyria muy de coraçom,
JTJLYÃO BOLSEYRO
127
ca huã rero sey eu d'ela de pram
que poys Ia souberem conhoccr-lh'am
melhor ja quanlos no mundo som.
— Abril Perez, os olhos enganar
vam homem das cousas que gram bem quer,
assy fezerom-vos, a meu cuydar,
e por seer assy cornou disser,
se vós vistes alguã dona tal
tam fremosa et que táni miiylo vai
mha senhor he, ca nom outra molher.
«Dom Bernaldo, quero-vos conselhar
bera, e creede-rífem se vos prouguer,
que nom digades que bidés amar
boa dona, ca vos nom é mester
de dizerdes de bona dona mal,
ca bem sabemos, dom Bernaldo, qual
senhor sol sempr'a servir se&rel.
JOHAM SERVANDO
664
Hum dia vi mha senhor 4
que mi deu a tal amor,
que nom direy per hu for
quem est per milha rera,
nom ous'eu dizer per quem
mi vem quanto mal mi vem.
Preguntam-me cada dia
polo que nom ousaria
dizer, ca m'ey todavya
medo de morre porem
nom ous'eu dizer per quem
mi vem quanto mal mi vem.
Preguntara-nTem puridade
que lhis diga em verdade,
raays eu com gram lealdade
e por nom fazer mal sen,
nom ous'eu dizer per quem
mi vem quanto mal mi vem.
Andam-m'assy preguntando
que lhis diga por quem ando
trisfeu, per Sam Sorvando,
com pavor que ey dalguem,
nom ous'eu dizer per quem
mi vem quanto mal mi vem.
665
Amigus, cuydo sempr^em mha senhor
por Ihi fazer prazer, pêro direy
quem mi vem em cuydar, ey
a cuydar em cuydal-o melhor;
pêro cuydando nom posso saber
como podesse d'ela bera aver.
E o cuydar que eu cuydei
des aquel dia em que mha senhor vi
logu'em cuydar sempre cuydei assy
por cuydar end'o melhor, e o cuydcy ;
pêro cuydando nom posso saber
como podesse d'ela bem aver.
Tanto cuydei já que nom ha par
em mha senhor, se mi faria bem
era cuydar, nom me partiria ém
se poderia o melhor cuydar;
pêro ciiydando noiíi posso saber
como podesse d'ela bem avér.
Par San Servando, jiientr'eu já vivei
por mha senhor cúyd'e cuyd'a morrer.
666
Pregúnta qúe foy feita a Fernam Úambrea
confortaria' Ugo Gonçalves', de Mortie-Moôr-o-
Novo.
E ó honierrt ferido corri ferro e Sem paao
niais te valia de seeres ja morto,
pois tua daína ha corri outro conforto,
com esto fleas tu por vaganaao
para bem mester <f ou trás quecPa naao
aquesla rribeira de grandes correntes
que d'esta guisa matará muitas gentes,
ainda que se apeguam ao nad'a váao
d'Ugo e se fafam depois d'ay màao.
Perdoiú vos peço se em esto pequey
ou quanto vos ouve aquy de mal grado,
pêro que grande te faça, e muito andado .
para mym nom se parte, pêro nom irey
mas a de d'amores me tornarey
com grandes querellas muyto braadando
dar-ra'had'a my saber que já amando
busc'onde quiz que veja se errey,
porem em mha vida ja lhe nom falerey.
JDLYÂO BOLSEYRO
667
. Ay, mha senhor, tod'o bem m'a mi fal
mays nom mi fal gram coyta nem cuydar,
des que vos vi, nem mi fal gram pesar;
mays nom mi valha o que pod'e vai
se oj'eu sey onde mi venha bem
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem.
iNom mi fal coita, nem vejo prazer,
senhor fremosa, des que vos amey;
mays a gram coita que eu por vos ey
ja dés senhor nom mi faça lezer
se oj'eu sey onde mi venha bem,
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem.
Nem rem nom podem veer estes meus
olhos, no muncTeu aja sabor
sem veer- vos, e nom mi vai amor,
nem mi valhades vós, senhor, nem deus,
se oj'eu sey onde mi venha bem
ay, mha senhor, se mi de vós nom vem.
128
UAXClOSEIttO PORTUGUEZ DA VÀTICANÀ
«68
Dohna et senhor de grande vallia^
nom sei se cuidastes que tenho cuidado
(Teftòjos feitos, mais bem juraria
que iionl lenho outro tám afleacto
nem mayor enojo noiíi tem homem nado ;
esto senhora poderrés saber
sse deus quiser, que possante aver
mais compridamente meu certo recado.
Mas eu vos peço, mui gentil senhora,
que nojo e tristeza et enfadamento
de todo ponto vos botees de fora
e todo cuidado, que agastamento
vos porá trager em esquecemento
vos pode, senhora, e sey que farees
vosso gram proveito a mi o darees
que eu ouça nova de hu seja contento.
Fazei, senhora, que quantus vos virem
conheçam de pram a gram fremusura
que deus a vós deu, sse nom mentirem
que falem de siso, grande cordura
bondade, a graça, juizo et mesura
que em vós assy ha muy compridamente
sobre quantas ora vivem de presente,
esto é certo sem fazer mais jura.
Muy boa senhora, se n'eslo atura
vossa vontade em deus esperando,
vós averees sem muito tardando
praizo em vida, seede bem segura.
PÊRO DARHEA
669
Pelo dia em que m'eu quitey
d'u mha senhor é morador
nunca de min ouve sabor
per boa fé, nem averey,
se nom vir ela, d'outrarem.
Ca me quitey a meu pesar
(Tu ela é, poys me quitey
nunca me depdys paguey
de min, nem me cuyd'a pagar,
se non vir ela, d'outra rem.
Pêro que bem non ey
verdade vos quero dizer,
nunca eu depoys vi prazer,
nem já mays non o veerey,
se non vir ela, d'oulra rem.
670
Ora vos podess'eu dizer
a coyta do meu cor açora,
e nom chorassy logu'entom
pêro nom ey end'o poder
se vos eu a mha coyta contar,
que poys nom aja de chorar.
Ey eu mui gram coyta endurar
pêro se vos dizer quiser
mha coyta, e vol-a disser
non ey poder de m'eu guardar,
se vos eu a mha coyta contar
que poys nom aja de chorar.
Mui gram coyta vos contarey
d'amor que sofr'e sofri,
des quand'eu mha senhor non vi^
e peio nom me guardarey
se vos eu mha coyta contar,
que poys non aja de chorar.
671
Mha senhor, por nostro senhor
por que vos eu venho rogar,
quero- vos agora'rogar
mha senhor, por nostro senhor
que vos non pes de vos amar,
ca non sey ai tam muyfamar
Senhor; e nom vos rogarey
por ai, ca ei de vos pesar
pavor, e se vos nom pesar
oyde-me e rogar-vos-ey,
que vos non pes de vos amar,
ca non sey ai tam muyfamar.
E non vos ous'eu mays dizer
senhor e lume doestes meus
olhos, ay lume destes meus
olhos, e venho-vos dizer
que Vos nora pes de vos amar,
ca non sey ai tam muyfamar.
672
Guydades vós, que mi faz a mi deus
por outra rem tam muyto desejar
aquesta dona que me faz amar
se non por mal de mi e d'estes meus
olhos, e por me fazer entender
qual é a muy gram coyta de sofrer.
E non m'os foi os seus olhos mostrar
deus, nem mh'a fez filhar por senhor
se nom porque ouv'el gram sabor .
que soflr'eu com estes meus pesar
olhos, e por me fazer entender
qual ó a muy gram coyta de sofrer.
E vy eu os seus olhos por meu mal
e sseu muy fremoso parecer,
e por meu mal m'a fezo deus veer
entom d'aquestes meus, ca nom por ai,
olhos, e por mi fazer entender
qual é a muy gram coyta de sofrer.
673
A mayor coyta que deus quis fazer,
senhor fremosa, a min a guysou
aguei dia que me de vós quitou ;
mays deus, senhor, nom mi faça lezer - -
rERO DABMEA
129
se eu ja mui grani coyla lenirem rem,
poys que vos vejo meu lun^e meu bem.
Da coyla que ouvi no coraçom
o dia, senhor, que m'eu fuHraqui
maravilho-m'òu como non moiri
com gram coita, mais deus nom mi perdon',
se eu ja muy gram coita lenh'em rem
poys que vos vejo, meu lume e meu bem.
Ouv>u tal coyla qual vos eu direy
o dia que nfeu fui de vós partir,
que sse cuydey d'esse dia sayr
deus mi lolha este corp'e quanfey,
se eu ja mui gram coyla lenirem rem
poys que vos vejo, meu lun^c meu bem.
G74
Com gram coyta sol bom posso dormir
nem vejo rem de que aja sabor,
e das coytas do mundo a mayor
sofro de pram e non posso guarir;
vedes porque, porque non vej'aqui
a mha senhor, que eu por meu mal vi.
Querendo-lhi bem, sofri muytomal
e muytWam des que foy mha senhor, .
e muytas coylas polo seu amor
e ora vyvem gram coyta mortal,
vedes porque, porque noto vej'aqui
a mha senhor, que eu por meu mal vi.
Quando-n^eu d'ela parti logu'entom
ouvi tal coyta, que perdi meu sen
bem trez dias, que nom conhoçi rem,
e ora moyro e faço gram razom,
vedes porque, porque non vej'aqui
a mha senhor, que eu por meu mal vi.
Uò
Senhor fiemosa, des aquel dia
que vos eu vi primeyro, des entom
nunca dormi conrTanie dormia
nem ar fui led'e vides porque non,
cuydand'em vós e non em outra rem
c desejando sempfo vosso bem.
E sabe deus e saneia Maria
cá non arrfeu tanfal e no coraçom
quanfamo vós, nem ar poderia,
e sse morrer porem farey razom
cuydand'em vós e non em oulra rem
e desejando sempro vosso bem.
E anf eu ja morte queirya
ca viver com'eu viv'a gram sazom,
e mha morte melhor mi seria
ca vyver mays, assy deus mi perdon*
cuydand'em vós e non em oulra rem
e desejando sempr'o vosso bem.
Ca vós sodes mha coyta c meu bem,
e por vós ey quanta coyla mi vem.
17
676
A vós fez deus fremosa, mha senhor,
o mayor bem que vos pod'el fazer,
fez-vos mansa e melhor parecer
das outras donas e fez-vos melhor
dona do mund'e de melhor sen;
vedes, senhor, se ai disser alguen
com verdade nom vos podai dizer.
Feze-vos deus e deu-vol o mavor
poder de bem, e fez-vos mays valer
das outras donas e fez-vos vencer
todalas donas, e fez-vos melhor
dona do mund'e de melhor sen ;
vedes, senhor, se ai disser alguém
com verdade nom vos pod'al dizer.
E porque é deus o mays sabedor
do mundo, fez-me-vos tal bem querer
qual vos eu quer'e fez a vós nacer
mays fremosa e fez-vos melhor
dona do mund'e de melhor sen ;
vedes, senhor, se ai disser alguém
com verdade nom vos pod'al dizer.
E o que ai disser por dizer mal
de vós, senhor, do que disser, nem d'al
confonda deus quem lh'o nunca creer;
E querend'eu todos desenganar
o que m'esto, senhor, nom outorgar
nom sabe nada de bem conhocer.
677
MUytus me vêem preguntar,
senhor, que Ibis diga eu quem
est a dona que quero bem,
e com pavor de vos pesar
nora Ihis ouso dizer per rem,
senhor, que vos eu quero bem.
Pêro punham de m'a partir
se poderam de mim saber
por qual dona quer'eu morrer;
e eu por vos nom assanhar •
nom lhis ouso dizer per rem,
senhor, que vos eu quero bem.
E porque me \éem chorar
d'amor, queren saber de mim
por qual dona moyfeu assy;
e eu, senhor, por vos negar
nom lhis ouso dizer per mi,
pêro tem que por vós moyr'assy»
678
Senhor, vej'eu que avede9 sabor
de mha morte veer e de meu mal,
poys contra vós nulha rem nom mi vai
rogar- vos quero, por nostro senhor,
que vos nora pes o que vos rogarey,
e depoys se vos prouguer morrerey.
E bem enlend^u no meu coraçom
130
CANCIONEIUO POKTUGUEZ DA VATICANA
que desejades mha morte veer;
poys m'oulro bem nom queredes fazer,
rogar-vos quero per hua razom,
que vos nom pes o que vos rogarey,
e depoys se vos prouguer morrerey.
Muy bem sey eu que avedes pesar
porque sabedes que vos quer'eu bem,
e que vos praz de quanto mal mi vem,
pêro vos quero-vos eu rogar
que vos nom pes o que vos rogarey,
e depoys se vos prouguer morrerey.
E sse vos prouguer o que vos direy
e poys morrer, jamays nom morrerey.
679
Senhor Cremosa, nom pod'om'osmar
quam muyto bem vos quiso deos fazer
e quam fremosa vos fezo nacer,
quam bem vos fez parecer e falar ;
se deus mi valha, nom poss'eu achar
quem vosso bem todo possa dizer.
Pêro punho sempre de preguntar,
porem nunca me podem entender
o muy gram bem que vos eu sey querer,
nem o sabor d'oyr cm vós falar,
per boa fé, pero nom poss'achar
quem vosso bem todo possa dizer.
680
Meus amigos, quero-vos eu dizer,
se vos quyserdes, qual coyta mi vem
vem mi tal coyta que perco meu sen
por quanto vos ora quero dizer,
por hunha dona que por meu mal vi
mui fremosa cie que me parti
muyt'anvydos'e ssem meu prazer.
Perco meu sen que sol nom ey poder
e muy de pram desejando seu bem
e de mays se mi quer falar alguém
de lhi falar nora ey em min poder;
porque me nembra quanto a servi
e quam viposo mentr'y guary
e que gram vip'a mi fez deus perder.
E moyr'eu, e praz-mi muyto de morrer
ca vyvo coitado mays d'outra rem,
e pero moyro nom vos direy quem
est a dona que m'assy faz morrer,
e a quem eu quero melhor ca mi,
e a quem eu por meu mal conhoci
hu mha fez deus primeiro veer.
E, meus amigus, poys eu moyr'assy
pola melhor dona de quantas vi
nom tera % em rem mha morte nem morrer.
681
Em grave dia me fez deus nacer
aquelle dia em que eu naç i,
e grave dia me fezo veer
a mha senhor hu a primeyro vi,
em grave dia vi os olhos seus
e grave dia me fez enlom deus
veer quam bem parece parecer.
E grave dia mi fez entender
deus quam muyto bem eu d^la entendi,
e grave dia mi fez conhocer
aquel dia que a conhoci
e grave dia m'ha fez entom, meus
amigos, grave dia m'a fez deus
tam gram bem como lh'eu quero querer.
E grave dia por mi lhi faley
aquel di'em que lh'eu fuy falar,
e grave dia por mi a caley
dos meus olhos quando a fuy catar;
e grave dia foy pêra mi
grave dia entom quando a vy
ca nunca eu dona tam fremosa veerey.
E grave dia por mi comecey
com mha senhor quand'eu fuy começar
com ela. grave dia, desejey
quam muyto bem nTela fez desejar;
grave dia foy per mi del-a sazom
que eu a vy, grave dia, poys nom
moiri por ela nunca morrerey.
E porque m'eu d'ela quitey
esmoresco mil vfczes e nom sey
per boa fé nu lha parte de mi.
E nom mi ponhan culpa des aqui
de seer sandeu, ca ensandeci
pela mays fremosa dona que sey.
STEVAH FERNANDES D'ELVAS
682
O meu amigo, que por min o sen
perdeu, ay madre, tornad'é sandeu,
e poys deus quis-me ynda nom morreu
e a vós pesa de lh'eu querer bem,
que me queira jâ mal, mal me farey
parecer, e desensandecef-ey.
Por deus vos rogo, mha madre, perdoa
que mh'o leyxedes bua vez veer,
ca lhi quefeu hua cousa dizer
per que guerra se me vir, e se nom
que me queira ja mal, mal me farey
parecer, e desensandeceF-cy..
E el a perdudo o sen por mi
que lhi esta coyta dey, madr'e senhor,
e guarria, ca m'ha muy grande amor,
se me visse; sse nom des aqui
que me queira já mal, mal me farey
parecer, e desensandeceP-ey.
683
« Farey eu, Olha, que vos nom veja
vosso amigo.- — Porque, madr'e senhor?
PEDR'AMIGO DE SEVILHA
131
« Ca me dizem que é entendedor
voss'. — Ay madre, por deus nom seja;
eu o deva lazerar que o Oz
sandeu, e el com sandice o diz.
«De vós e d'el Olha ey queixume.
— Porque, madre, ca nom é guisado?
c< Lazera m'a esse perjurado.
— Porque, madr'e meu bem e meu lume,
eu o deva lazerar que o Oz
sandeu, e el com sandice o diz.
« Matar-m'cy, Olha, se m'ho disserdes.
— Porque vos a vedes madr'a matar?
« Anle que nfeu do falso nom vengar.
— Madre, se vos nom vengar quiserdes,
eu o deva lazerar que o Oz
sandeu, e el com sandice o diz.
684
n Madre, chegou meu amig' oj'aqui.
— Novas som, íilha, com que me nom praz.
« Por deus, mha madre, gram lorlo per faz.
— Nom faz, mha flllía, ca perdedes hy.
« Mays perderey, madre, se el perder.
— Bem lhe sabodes, mha Olha, querer.
PEDir AMIGO DE SEVILHA
685
Sey ben que quantos en o mund^amarõ
e amam, todolos provou amor
e fez a mi amar hunha senhor
de quantas donas no mundo loarom
em todo bem, e desy muy coytado
me tev'amor, poys que desenganado
fuy dos que amam e dos que amárom.
E des entom per quantos se quitarom
d'amar, por en travou em mi amor
ca provou-mi per leal amador
e poios oulrus que o leixarom;
quer matar mim por esfo mal peccado,
ca sabe já ca nom será vingado
nunca d'aquelos que se dei quitarom.
E sabor de min que per seu ando
pêro ca me tcv'em poder
d'esta dona que mi fez bem querer
e matar-nTha por esto e nom sey quando
e prazer-n^ha sse amor achasse
d'u pus mha morte que com el Ocasse
comVu Oquey muytha que por seu ando.
E matar-m'a por esto, desejando
bem d'esta dona poys nom a poder
sobre los outrus de Ihi mal fazer
ca os outros forom xi llfalongando,
c pêro sey amor se Ihis mostrasse
aquesla dona poys que mi matasse
matalos-hya seu br m desejando.
E nom sey ai por que s'amor vingasse,
nem por que nunca dereylo filhasse
dos que sse forom assi (Kel quitando.
686
Coytado vyvo mays de quantos som
no ihund', amigos, e perc'o meu sen
por hunha dona que quero gram bem,
mays pêro sey en o meu coráçom
que nom averia coyta d amor
se esta dona fosse mha senhor.
Mays esta dona nunca quis que seu
Tosse, mays dizem aquestes que am
senhores, que logo xi morreram
por elas, mays de mim já bem sey cio
que nom averia coyta d'amor
se esta dona fosse mha senhor.
Mays non o est, e poys quis deus assy
que por seu nunca me quis receber
se meus amigos podessem poder
que fosse seu, sey já muy bem por mi
que nom averia coyta d'amor
se es la dona fosse mha senhor.
687
Meu senlwrdeos, poys me tammuyfaraar
fezestes quam muyfamo hunha moler,
rogue-vos outrem quanto xi quiser
ca vos nom quer'eu mays d^sto rogar:
meu senhor, deos, se vos em prazer for
que mira façades aver por senhor.
Esta dona que mi faz muylo mal
porque me nom quis nem quer que seja seu
nom me, senhor, mays gram coyta mi deu
e por esLo vos rogu'e nom por ai:
meu senhor, deos, se vos em prazer for
que mira façades aver por senhor.
Tal bem lhi quero no meu coraçom
que vos nom rogarey por outro bem,
que mi façades, nem per outra rem
mays por tanto vos rogu'e por ai nom:
meu senhor, deos, se vos em prazer for
que mh'a façades aver por senhor.
Ca sey que nom é tam forços'amor
que me mate se m'achar com senhor.
688
Quand'eu vi a dona que nom cuydava
nunca veer, logo me fez aly
mays ca mi fez hu a primeyro vi
levar d'afam e de mal
tam muyto, que morrerey hu nom jaz ai
quand'eu ante mays ca todos levava.
E non moyri pêro pos mi andava
mha morte, quanfha que eu conhoçi
aquesta dona que agora vi
que nom visse, ca de guisa me tem
o seu amor já fora de meu sen,
que lhi quito quanto lh'eu demandava.
Ca hinda-m'eu anf aver cuydava,
mays sei que nom vy verei des aqui
132
CANCIONEIRO PORTTGUEZ DA VATICÀXÀ
e nom por ai se nom porque a vi
aquesta vez que com ela falei
que nom falasse, poys por ela perderei >
locTaquelo que anl'eu receava.
Ca sey mha morte que comig'andava
se nom ora poys esta dona vi,
e poys m'eu d'aqueste mundo assy
vou
pescai a quem diram porque leixou
morrer quem nom tam muyfamava.
E pesa-mi, porque perderá prez
quanto deus em aqueste mundo fez
que nom era, erga, a el a mandava
689
Quand'eu bum dia fuy em Compostela
em romaria vi hunha pastor,
que poys fuy nado nunca vi tam bela,
nem vy a outra que falasse milhor,
e demandi-lhe log'o seu amor,
e fiz por ela esta pastoreia.
Dix'eu logo : Fremosa poncela, '
queredes vós mim por entendedor,
que vos darey boas toucas d'Estela
e boas cintas do Rrocamador,
e d'outras doas a vosso sabor,
e fremoso pano pêra gonella.
E ela disse : «Eu nom vos queria
por entendedor ca nunca vos vi
se nom agora, nen vos filharia
doas que sey que nom som pêra mi;
pêro cuid'eu sse as fllhas3'assy
que tal ha no mundo a quem pesaria.
E se veess'outra que lhi diria
sse me dissesse: Ca per vós perdi
meu amigu'e doas que me tragia;
eu nom sey rem que lhi dissess'aly,
se nom foss'esto de que me temi
nom vos digira que o nom faria.»
Dix'eu: Pastor, sedes bem razoada,
e pêro creede se vos nom pesar,
que nom est oj'outra no mundo nada
se vós non sedes, que eu sabbia amar,
e por aquesto vos venho rogar
que eu seja voss'ome esta vegada.
E diss'cla, como bem ensinada:
«Por entendedor vos quero filhar,
e pois for a romaria acabada
aqui d'u som natural do mar
cuido se me queredes levar
ir-m'ey vosqu'e fico vossa pagada.»
690
Dom João en gran cordura
moveu a min preytesia
de parliçom n outro dia,
mais fuy de mala ventura
porque com el nom party
que penas veyras prendi.
Podéra seer cobrado
por huu muy grara tempo fero
se dissesse: partir quero;
mais enganou-m'0 pecado,
porque cora el nom party
que penas veyras prendi.
Que panos perdi de peso
e outros bem basloados
que m'aviam já mandados,
mays foy homem mal a preso,
porque com el nora party
que penas veyras prendi.
AVRAS PAEZ, jograr
691
Dix'eu pela terra, senhor, cá vos amey,
e de todalas coytas a vossa mayor ey;
e sempr'eu namorado
ey a viver coytado.
Dix'eu pela terra, que vus amey, senhor
e de todalas coytas a voss'ey mayor;
e sempr'eu namorado
ey a viver coytado.
E de todalas coitas a vossa mayor ey,
c nom dorm'a noyte, o dia peyor ey ;
e sempr'eu namorado
ey a viver coytado.
E de todalas coitas a vossa ey mayor,
e nora dorm'a noyfe o dia ey peyor;
e sempr'eu namorado
ey a viver coytado.
692
M ay or gu arda vos d erom ca soy ara , senhor,
e vyv'eu mays penado por vós e ey mayor
coyta, que nom cuyd'a guarir;
senhor, se vos guardarem e vos eu nom vir
nom cuyd'um dia mays a guarir.
Se vós soubessedes a coita que ei mayor
mui gram doo averiades de mi senhor,
ca nom poss'eu sem vós guarir ;
senhor, se vos guardarem e vos eu nom vir
nom cuyd'um dia mays a guarir.
LOURENÇO, jograr
693
Senhor fremosa, oy eu dizer
que vos levarom d'u vos eu leixei
e d'u os meus olhos de vós quytei,
aqucl dia fora bem de morrer
eu, e nom jur'a tam gram pesar
qual mi deos quis de vós mostrar.
Porque vos forom, mha senhor, casar
e nom ousastes vós dizer ca nom,
JOHÁM BAVECA
133
por en senhor, assy deus mi perdoa',
mays mi valera já de me matar
eu, e nora jur'a tam gram pesar
qual mi d?QS quis de vós mostrar,
JOHAM BAVECA
694
Meus amigus, nom poss'eu mais negar
o mui gram bem que quer'a mha senhor,
que lh'o nom diga poys anfela for,
e des oy mays me quer'aventurar
a lh'o dizer, e poys que lh'o disser
mate -m' ela se me matar quiser.
Ca per boa fé sempre m'eu guardey
quanfeu pudi de Ihi pesar fazer;
mays como quer, hua morfey d ? aver
e com gram pavor aventurar provey
a lh'o dizer, e poys que lh'o disser
mate-m'ela se me malar quiser.
Ga nunca eu tamanha coita vi
levar a outfome per boa fé
com'eu levo, mays poys que assy é
aventurar-me quero des aqui
a dizer-Ih'e, poys que lh'o disser
mate-ra'ela se me matar quizer.
695
Cuydara eu a mha senhor dizer
e mui gram bem que lhi quer', e pavor
ouvi d 'estar com ela mui peor
ca eslava, e nom lh'ousey dizer
de quanta coita por ela sofri,
nem do gram bem que lhe quis poyl-a vi.
E nom cuydei aver de nulha rera
med^ por esto «desforcei entom
e fui anfela, se deus mi perdorf,
por lh'o dizer, mays nom ll^y dixi rem,
de quanta coita por ela sofri,
nem do gram bem que lhe quis poyl-a vi.
Bem esforçado fui por lhi falar
na mui gram coita que por ela ei
e fui anf ela, estiv'e cuydei
e catey-a, mays nom lh'ousey falar
de quanta coita por ela sofri,
nem do gram bem que lhi quis poyl-a vi
E quer'e querrey sempre des aqui.
696
Hu vos nom vejo, senhor, sol poder
nom ei de mi, nem rem sey conselhar,
nem ey sabor de mi er qu' em cuydar
em como vos poderia veer ;
e poys vos vejo, mayor coyta ey
que anfavya, senhor, porque m'ei
End'a partir; e quem vyu nunca tal
coita sofrer qual eu sofro, ca sen
perche dormir, e tocresto m'avem
por vos veer, senhor, e nom por ai;
e poys vos vejo, mayor coyty ey
que aofayya. senhor por qije m*ei
End'a partir; e por en sei qqegom
perderey. coyta mentr*eu vyvo for,
ca hu vos eu nom vejo, mha senhor,
por vos veer perc'este coraçom ;
e poys vos vejo, mayor coyta ey
qual anfavya, senhor, porque m'ei
End'a partir, mha senhor, e bem sei
que d'uma doestas coytas morrerey.
697
Mui desguisado tenho d'aver bem,
em quanfeu ja en o mundo viver
ey tal coyta, qual sofro, a sofrer
ca vos direy, amigus, que m'avem :
cada que cuyd'estar de mha senhor
bem, estou mal, e quando mal peor.
E por aquesto, se deus mi perdon',
entendo já que nunca perderey
a mayor coyta do mundo que ey,
e quero logo dizer por que nora :
cada que cuyd'estar de mha senhor
bem, estou mal, e quando mal peor.
E por aquesto ja bem fls entom
d'aver gram coyta no mund'e nom ai,
e d*aver semp^em logar de bem mal,
ca vos direy como xi me guysou,
cada que cuyd'estar de mha senhor
bem, estou mal, e quando mal peor.
E per aquesto sofr'eu a maor
coita de quantas fez sofrer amor.
698
Muytus dizem que gram coyta d'amor
os faz em mays de mil guysas cuydar,
e devo m'eu d'esta maravilhar
que por vós moyr'e non cuydo, senhor,
se nom em como parecedes bem,
desy em como averey de vós bem.
E se oj'omo ha cuydados, bem sey
se per coita d'amor am de seer,
que eu devia cuydados aver
pêro, senhor, nunca em ai cuydei
se nom em como parecedes bem,
desy em como averey de vós bem.
Ca rn é coyta voss'amor assy
que nunca dormi, se deus mi perdon',
e cuydo sempre no meu coraçom
pêro nom cuyd'al des que vos vi,
senom em como parecedes bem,
des y en como averey de vós bem.
E d'amor sey que nulh'oraem nom tem
em mayor coyta ca mim por vos vem.
134
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATÍCANA
699
Os que nom amam, nem sabem d'amor
fazen perder aos que amor am,
vedes porque, quand'anfas donas vam
juram que morrem por elas damor;
e elas sabem poys que nom é'ssy
e por esto pereceu e os que bem
lealmente amam, segundo meu sen.
Ca se elas soubessem os que am
bem verdadeyramente grand'amor
d'alguem, sse doeria ssa senhor;
mays por aqueles que o juraiKam
cuydam-ss'elas que todas taes som,
e por eslo perc'eu e os que bem
lealmente amam, segundo meu sen.
E aqueles que ja medo nom am
que lhis faça coyta sofrer amor,
vêem anfelas e juram melhor
ou também como os que amor am
e elas nom sabem quaes creer;
e por esto pereceu e os que bem
lealmente amam, segundo meu sen.
E os bem desemparados d'araor
juram que morrem com amor que am
seend'ant'eías, e mentem de pram,
mays quand'ar veern os que am amor
ja elas cuydam que vêem mentir;
e por esto perc'cu e os que bem
lealmenle amam, segundo meu sen.
700
Senhor, por vós ey as coytas que ey,
e per amor que mi vos fez amar,
ca el sem vós nom m'as poderá dar
nem vós sem el, c por esto nora sey
se me devo de vós queyxar, senhor,
mays d'estas coytas que ei, se d'amor.
Ca muytus vej'a que ouço dizer
que d'amor vivem coytados, nom d'al
ca mi d'el e de vós me vem mal,
e por aqueslo nom poss^ntender
se me devo de vós queixar, senhor,
mays d'estas coytas que ei, se d'amor.
Pêro amor nunca me coyta deu
nem mi fez mal, senom des que vos vi
nem vós de rem, se anlcl nom foy hi,
e por estas razões nom sey
se me devo de vós queixar, senhor,
mays d'estas coytas que ey, se d^mor.
E por deus, fazede-me sabedor
se nfey de vós queixar, se d'amor.
GALISTEO FERNANDES
701
Dizem-m'ora que nulha rem nom sey
d'ome coytado de coyta d'amor,
e (Festa coyta soo sabedor
por aquesto que vos ora direy,
pela mha coita entendeu mui bem
a quem ha coyta d'amor e que lh*avera.
E desejos e mui pouco prazer,
ca assy fiz eu mui gram sazom a já
por huã dona que mi coita dá,
e por aquesto vos venho dizer
pela mha coita entend'eu mui bem
a quem ha coyta d^mor, e que lh'avem
702
Teem-mem tal coita, que nunca vi
hom'em tal coyta, pêro que o preyt eslê
que lhis diga por quem trol/e quem é;
e, meus amigos, digo-lhis assy:
é jjiha senhor e parece mui bem.
Pregunlam-me, e nom sey eu qual razom
que lhis diga quem est a que loey
em meu trobar sempre quando trobey ;
e digo-lhis eu, se deus mi perdon' ;
é mha senhor e parece mui bem.
Porque nom quer, ca se lhi prouguess'en
nom mi verria quanto mal mi vem.
LOPO jograr
703
Eu muy coytado nom acho razom
per que possa hir hu é mha senhor,
e pêro que m l ey d'hir hi gram sabor
sol nom vou hy, e a mui gram sazom
que nom fuy hy, e por esto m'avem
por nom saberem a quem quero bem.
E nom acho eu razom e por est' é
porque m'ey de guardar e de temer
de m'o saberem, mays pola veer
moy^e gram temp'ha ja per boa fé
que nom fuy hi, e por esto m'avem
por nom saberem a quem quero bem.
Por eslo nom poss^eu razom achar
como a veja, nem sey que fazer,
e valer-m'ia mui mays en morrer
poys que Iam muyfa já, si deus n^empar',
que nom fuy hi, e por esto nTavem
por nom saberem a quem quero bem.
Nem saberám, mcntr'eu aquesto sen
ouver, que ey, por mim que quero bem.
704
Par deus, senhor, muyf aguisari'oy
des quando m'ora eu de vós quitar
de vos veer muy tarda meu cuydar
por hunha rem que vos ora direy,
JOHAM JOGRAR
135
ca nom será tam pequena sazora
que sem vós more, se deus mi perdon',
que mi nom seja muy grande o sey.
E, mha senhor, nunca cedo verrey
hu vos veja des que m'ora partir
de vós, mha senhor, e vos eu non vir,
mays com tal coyta como vy verey
ca se hu dia tardar hu eu for
e hu vos nom vir bem terrey, mha senhor,
que a hum, e nom mays que a lá tardey.
E, mha senhor, porque me coitarey*
de viir cedo, poys-mi prol non a,
ca se veer logo tard'i será
e por esto nunca ced'acharey
ca se hum dia em menos meter
que vos nom veja, logu'ey de teer
que ha mill dias que sen vós morey.
705
Bem vej'eu que dizia mha senhor
gram verdade no que mi foy dizer,
ca já eu d'ela querria aver
esto terria-lh'o por grand'amor,
que sol quysesse comigo falar
e quytaí-lh'ia de lh'al demandar.
E bem entendo que baratey mal
do que lhe foy dizer, ca des enlom
non falou migo, se deus mi perdon 1 ,
e tanto mi fezess'oje e nom ai
que sol quysesse comigo falar
e quytar Ih ia de lh'al demandar.
E bem entendo que fiz folia,
e dizem verdade per huã rem:
do que muylo quer a pouco devera ;
a tal foy eu, ca ja Olharia
que sol quisesse comigo falar
e quitar-lh'ia do llfal demandar.
LOURENÇO jograr
706
Estes, com que eu venho, preguntei
quanfha que vehemos, per boa fé,
d'essa terra hu mha senhor é,
mays dizem mo que Ihis nom creerey,
dizem que mays d'oylo dias nom ha,
e a mi é que mays d'un an'y ha.
Mays de pram nom lhe-lo poss'eu creer
áos que dizem que Iam pouc'ha hy
que m'eu d'u est a mha senhor parti ;
mays que mi querem creente fazer,
dizem que mays d'oyto dias nom ha
c a mi é que mays d'um an'y ha.
Mcntr^cu morar hu nom vir a mha senhor
se m'oyto dias tanfam a durar
mays me valrria logrem me matar
se m'oyto dias tara gram sazom for;
dizem que mays cToyto dias nom ha
o a mi é que mays d'un an'y ha.
E se mays d'oyto dias nom som
que de mha senhor foy alongado,
forte preylo tenho começado
poys m*oylo dias foy tam gram sazom.
JOHAM jograr, morador em Leom
707
A sa vida seja muyta
d'este rey de Portugal,
que cada ano ra'ha por fruyfa
per o que eu canto mal ;
e ai vou muy confortado
da mercê que m'el faz,
el he rey acabado
et eu soo muy maao rapaz.
Os rex mouros, christãos
mentre viver lITajam medo,
que el ha muy bem as mãaos,
et o infante dom Pedro,
seu filho, que s'aventura
a hu graniTusso matar,
et desi et sempre cura
d'el rey seu padre guardar,
E ai do Conde falemos
que he irmão tio d'el-rey
et muy to bem d'el diremos
segundo como apensey ;
se fosse seu o thesouro
que el-rey de França tem
também prata como ouro,
daria todo a sseu sen.
708
Os namorados que trobam d'amor
todos deviam gram doo fazer,
et nora tomar em si nenhum prazer,
porque perderom tam boo senhor
com'é el-rey Dom Denis de Portugal,
de que nom pode dizer nenhum mal
homem, pêro seja profaçador.
Os trobadores que poys fleárom
en o seu regno et no de Leon,
no de Castela, no d'Aragon
nunca poys de sa morte trobarom ;
et dos jorrares vos quero dizer
nunca cobrarom panos nem aver,
et o seu bem muyto dtfsejarom.
Os cavaleiros e cidadãos
que d^ste rey aviam dinheiros,
et outro si donas el cscudeyros
matar-se deviam con sas mãoos,
porque perderom a tam boo senhor,
de que eu posso cn bem dizer sera pavor
que nom ficou d'al nos christãos.
E mays vos quero dizer doeste rey
et dos que d'el avyam bem fazer,
deviam-se (reste mundo a perder
136
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
quand'e1e tabrreh, per qúahfeú vi et sey;
ca el foy rey á fame muy prestador
et saboroso, e d'amor trobador,
tod'o seii bem dizer nom poderey.
Màys tanto me quero confortar
em seu rietò, que o vay semelhar
em fafcer feitos de muy sabeo rey.
PÊRO DE DARDIA
709
Sanhudo m'é meu amigue nom sey,
deul-o sabe porque Xi m'assanhou,
ca toda rem que m'el a mi mandou
fazer, fl^eu, e nunca HTerrey;
e por aquesto nom tenh'eu em rem
sanha, que sey onde mi verrá bem.
Tam sanhudo nom m'é, se m'eu quiser
que muyfalhur sem mi possa viver,
e en soberva lh'o quer*eu meter
que o faça se o fazer poder ;
e por aquesto nom tenheu em rem
sanha, que sey onde mi verrà bem.
E des que eu de mandado sayr
nom se pode meu amigo guardar
que me nom aja poys muyfa rogar,
polo que m'agora nom quer gracir;
e por aquesto nom tenho eu em rem
sanha, que sey onde mi verrà bem.
Quando-m'el vir em Santa Marta estar
muy fremosa, meu amigo, bem olh'eu,
querrà falar migo, e nom querrey eu,
entom me cuydo bem d'el a vingar;
e por aquesto nom tenho eu cm rem
sanha, que sey onde mi verrà bem.
710
Jurava-m'o meu amigo
quancTel falava comigo,
que nunc'alhur viveria
sem mi ; e nom mi querria
tam gram bem como dizia.
Foy hu dia polo vecr
a Santa Marta, em a er
hu m'el jurou que morria
por mi, mays nom mi querria
tam gram bem como dizia.
Se m'el desejasse tanto
como dizia logo anfo
tempo que disse, verria,
mays sey que me nom querria
tam gram bem como dizia.
Pode el tardar quanto quiser
mays perjurar quando veher,
ja ho lh'eu nom creeria,
ca sey que mi nom queria
tam gram bem como dizia.
Ay fals'é porque mentia
quando mi bem nom queria.
71Í
Deul-o sabe, còy tada, vivo mays cà soya,
ca se foy meu amigo, e bem vi quando s*ya
cà se perderia migo.
E dissera-lh'eu ante que se de min quitasse
que sse vehesse pcdo e sse a lá tardasse
cà se perderia migo.
E dissera-lh'eú ante que se de mi partisse .
que se muy to quisesse viver hu me nom viss^
cà se perderia migo.
712
Àssanhou-so meu amigo
a mi, porque nom guysei
como falasse comigo,
deus lo sabe, nom ousey;
e por en se quiser ande
sanhudo e nom m'o demande;
quanfel quiser a tanfande
sanhud'e nom me demande. •
Envyar quer'eu, velida,
a meu amigo que seja
em Santa Marta na ermida
migo led', e hy me veja
se quiser, e senom ande
sanhud'e nom me demande.
Depoyl o tiv'eu guisado
que s'el foy d 'aqui sanhudo,
e atendi seu mandado
e nom o vi, e perdudo ^
é comigo, e a là x'ande
sanhud'e nom me demande.
Sey que nom sabe a mha manha
poys que m'enviar nom quer
mandadeyro, xi m'assanha
ca verrà se m'eu quiser;
mays nom quer 1 eu, e el ande
sanhud'e nom me demande.
713
Foy-s'o meu amigo d 'aqui
sanhudo, porque o nom vi
e pesar -m'ha, mays oy
hum verv'antiguo, de mi bem
verdadeyr', e ca diz assy:
quem leve vay, leve x'ar vem.
PÊRO MENDES DA FONSECA
714
Par deus, senhor, quero-m'eu hir
e venho-mi vos espedir,
e que aja que vos gracir
NUNO PORCO
13'
crccde-m*ora hunlia rem,
cá me quero de vós parlir,
mays noto de vos querer gram bem.
Des aquel dia em que naci
nunca I amanho pesar vi
com'el dé me parlir d'aqui
onde vos fuy veer;
e parto-m^emragora assy
mays nom do vos gram bem querer»
Agora já me partirey
de vós, senhor, que sempr^amcy,
e creede m'o que vos direy,
que nunca vy mayor pesar ,
de me partir, e parlir-m'cy
de vós, mays nom de vos amar.
715
Senhor fremosa, vou-n^alhur morar,
per boa fé, rouyfa pesar de mi,
porque vos pesa de viver aqui ;
poren faç'eu dereyfem mi pesar
qu'é grave coyta, senhor, d'endurar
quando vos vej'e nom posso guarir
de mays.avermc de vós a partir.
Vej'eu, senhor, que vos fap'i prazer,
mays faz a mi mui gram pesar por en •
viver sem vós, ay meu lum'e meu bem ;
pêro nom sey como possa seer
qu'é grave coyta, senhor, de sofrer
quando vos vej'e nom posso guarir
de mays aver-rae de vós a partir.
Já mi de vós expederey
atá que dós vos mela em corapom
que me queirades saber a razom >
pêro sey ben que pouco vyverey,
que grave cousa que de sofrer ey
onde vos vej'e nom posso guarir
de mays aver-me de vós a partir.
716
Senhor, que forle coraçom
vos deus sempre contra mi deu,
que tanto mal sofr'este meu
por vós de pram, ca por ai nom;
poys mhas coylas prazer vos som,
em grave dia vos eu vi,
que vos nom doedes de mi.
Doo deviades aver
de min, senhor, per boa fé,
poys quanto mal ey, per vós é
e veerdes-m'assy morrer;
poys vos mhas coytas som prazer,
em grave dia vos eu vi,
que vos nom doedes de mi.
717
Sazom sey eu que nom ousey dizer
o mui gram bem que qnor'a mha senhor,
IH
ca me temia de seu desamor,
e ora já nora ey rem que temer;
ca já m'ela mayor mal nom fará
do que mi fez, per quanto poderá
ca já hy fezo todo seu poder.
Per boa fé n'aquella sazom
dizer temia quanto xi direy
ca nom ousava, mays já ousarey
e des oy mays, quer se queixe, quer nom;
e quer se queixe, nom mi pode dar
mayor afam, nem já mayor pesar
nem mayor coita no*meu coraçom
Ca já mi deu, porque perdi o sen
e os meus olhos prazer e dormir,
pêro sempr'eu punhey de a servir
como se fosse tod'este mal bem ;
e servirey emquanfeu vivo for
ca nom ey doutra rem Iam gram sabor,
pêro lhi praz de quanto mal mi vem.
718
Senhor de mi c d'estes olhos meus,
gram coyta sofro por vós, e sofri
e per amor que ajuda muyfi,
e nom mi vai el y nem vós, mays deos
se mi dei morfey que lhi gradecer,
ca viv'em coyta, poys ey a morrer.
Per esta coyta perdi já o sen,
e vós mesura contra mi, e sey
que per amor e quanto mal eu ey
por vós, senhor, mays deus ora poren
se mi der morfey que lhi gradecer,
ca Viv^m coyta, poys ey a morrer.
Ca eu bem vejo de vós e d'amor,
qual mays poder que mays mal mi fará,
e bem entendo mha fazenda já
como mi vay, poren noslro senhor
se mi der morfey que lhi gradecer,
ca viv'em coyta, poys ey a morrer.
NUNO POUCO
719
Ilirey a lo mar veel-o meu amigo,
preguntal-o-ey se querrá viver migo; -
e vou-m'eu namorada.
Hircy a lo mar veel-o meu amado,
preguntal-o-ey se fará meu mandado;
e vou m'eu namorada.
Preguntal-o-ey porque nom vyve migo,
e direy-ltTa coyfem que por el vyvo;
c vou-m'eu namorada.
PreguiUal-o-cy porque m'a despagado
e ssi m'assanhou a lorfendoado ;
c vou-m'eu namorada.
138
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
PÊRO DE VEER
720
Ay deus, que doo que eu de mi ey,
porque se foy meu araigu'e fiquey
pequena e d'el namorada.
Quando s'el ouve de Juilham a hir
fiquey, fremosa, por vos nom mentir,
pequena e d'cl namorada.
Aly ouv'eu de mha morte pavor
hu eu fiquey mui coitada pastor,
pequena e dei namorada.
721
Assanhey-me-vos, amigo, Voutro dia
mays bem o sab'ora Santa Maria,
que nom foy por vosso mal
per boa fé, meu amigo, foy por ai.
722
A Santa Maria fiz hir meu amigo
e nom lh'atendi o que poz comigo;
con el me perdi
porque Ihi menti.
Fiz liir meu amigo a Santa Maria,
e nom foi eu hy com el aquel dia;
con el me perdi
porque lhi menti.
723
Ho meu amig', a que eu quero bem,
guardam-me d'el e nom ouso per rem
a santa Maria hir
poys
Guardam-me d'el, e que o nom veja,
e nom me leixam, per rem que seja,
a santa Maria hir
poys...
Que o nom visse maçar quisesse,
poren guisarom que nom podesse
a santa Maria hir
poys
Nem o viss'eu, nem o tanfamasse,
poys mi deus deu quem me nom leiíasse
a santa Maria hir
poys ,
Des que o vi em Juilham hum dia
já me nom leixam como soya
a santa Maria hir
poys
724
Assanhey-me-vos, amigo,
per boa fé com sandece,
como se molher assanha
a quem lh'o nunca merece ;
mays se mi vos assanhey
desassanhar-mi-vos ey.
725
— Vejo- vos, filha, tam de corapom
chorar tam muyto que ey eu pesar,
e venho-vos por esto preguntar
que mi digadeys, se deus vos perdon',
porque m'andades tam triste chorando?
«Nom poss'eu madre se mpr andar cantando.
— Nom vos vej'eu, filha, sempre cantar
mays chorar, muyfe com que por en
algum amigo queredes gram bem ;
e venho-vos por esto preguntar:
porque irmandades tam triste chorando?
« Nom poss'eu madre sempr'andar cantando.
BERNAL DE BONAVAL
726
Fremosas, a deus grado tam bom dia comigo
ca novas mi disserom ca vem o meu amigo;
ca vem o meu amigo
é tam bom dia migo.
Tam bom dia migo fremosas a deus grado,
ca novas mi disserom ca vem o meu amado;
c fremosas, a deus grado
ca vem o meu amado.
Ca novas mi disserom que vem o meu amigo,
eand'end'eumuiledapoystalmandad'eymigo;
poys tal mandad'ey migo
que vem o meu amigo.
Ca novas mi disserom ca vem o meu amado
e and'eu mui leda poys migu'é tal mandado;
poys migu'é tal mandado
ca vem o meu amado.
727
Quero-vos eu, mha irmana, roguar
por meu amigue quero-vos dizer
que vos non pés' de m'el viir veer,
e ar quero-vos d'el desenganar:
se vos prouguer con el gracir-vol-o-ey,
e se vos pesar nom o leixarey.
s Se veher meu amigu' e vos for bem
com"el, fiar-m'ei mays em voss'amor
e sempre m'eu d'averdes melhor,
e ar quero-vos dizer outra rem :
se vos prouguer com el gracir-vol-o-ey,
e se vos pesar nom o leixarey.
Quando veher meu amigo, cousir
vos ei, se me queredes bem se mal,
e, mha irmana, direy-vos logu'al
ca nom vos quero meu cór encobrir,
se vos prouguer com el gracir-voío-ey,
e se vos pesar nom o íeixarey.
JOHAM SERVANDO
139
728
— Ay fremosinha, se bera ajades,
longi de vila quem asperades?
«Vim atender meu amigo.
— Ay fremosinha, se grado edes,
longi de vila quem atendedes?
«Vim atender meu amigo.
— Longi de vila que asperades?
«Direy-vol-eu poys me preguntades,
vim atender meu amigo.
— Longi de vila que atendedes?
«Direy-vol-eu poyl^o nom sabedes,
vim atender meu amigo.
729
Poys mi dizedes, amigo
ca mi queredes vós melhor
de quantas em o mundo som,
dizede, por nostro senhor,
se mi vós queredes grara bem,
e como vós podedes d aquém.
E poys dizedes ca poder
nom avedes cTal tanfamar
como mim, ay meu amigo,
dizede, se deus vos arapar'
se mi vós queredes gram bem,
e como vós podedes d'aquem.
E poys vos eu ouço dizer
ca nom amades tam muyfa mal
como mi, dized'ami£0,
se deus vos leva Bonaval,
se mi vós queredes gram bem,
e como vós podedes d'aquem.
Porque oy sempre dizer
du home rauyfaraou molher
que se non podia end'ir;
pesar-m'ha se eu nom souber
se mi vós queredes gram bem,
e como vós podedes d'aquèm.
730
Se vehesso meu amigo a Bonaval e me visse
vedes como lh'eu diria ante que rrfeu partisse :
se vos fordes nom tardedes
tam muyto como soedes ; >
diria-lh'eu non tardedes
amigo, como soedes.
Diria-lh'eu: m'amigo, se vós a ml muy 1'amades
fazede por mi a tanto q per boa ventura ajades
se vos fordes nom tardedes
tam muyto como soedes ;
dirja-lh'eu nom tardedes,
amigo, como soedes.
Que leda que eu seria se vehess^el falar inigo,
e ao partir da fala, diria-lh'eu: meu amigo
se vos fordes non tardedes
tam muyto como soedes ;
diria-lh'eu, non tardedes
amigo como soedes.
731
Diss'a fremosa em Bonaval assy :
ay deus, hu é meu amigo d'aqui
de Bonaval.
Cuyd'eu coytad'en o seu coraçom,
porque nom foy migo na sagraçom
de Bonaval.
Poys eu migo seu mandado nom ey,
jà m'eu led'a partir nom poderey
de Bonaval.
Poys irfaqui seu mandado nom chegou,
muyto vim eu mays leda ca me vou
de Bonaval.
732
Rogar- vts quer'eu, mba madre, raha senhor,
que mi nom digades oje mal
se eu for a Bonaval,
poys meu amigo nom vem.
Sevos nom pesar, mha madre, rogar-vos-ey
por deus, que mi nom digades mal
e hirey a Bonaval,
poys meu amigo nom vem.
733
Filha fremosa, vedes que vos digo,
que non falades do voss'amigo
sem mi, ay filha fremosa.
E se vós, filha, meu amor queredes,
rogo-vos eu que nunca lhi faledes
sem mi, ay filha fremosa.
E ai ha hi de que vos non guardades,
perdedes hi de quanto lhi non falades
sem mi, ay filha fremosa.
JOHAM SERVANDO
734
Quand'eu a San Servando fay um dia d'aqut
fazel-a romaria, e meu amiguM vi,
direy- vos com verdade quant'eu d'el entendi :
Muyto venho pagada
de quanto lhi faley ;
mays a-m'el namorada
que nunca lhi guarrey.
Que bona romaria con meu amigo fiz !
ca lhi dix\ a deus grado, quanto llTeu dizer quix
e dixi-lh'o gram torto que sempre d'el prix.
Muyto venho pagada
per quanto lhi faley ;
mays a-mel namorada
que nunca lhi guarrey.
Hu el falou comigo, disse-m'esta razon
140
CANCIONEIRO POItTUGUEZ DA VATICANA
por deus que lhi faria t c dixi-lh^eu entom:
averey de vós doo no meu coraçom.
Muyto venho pagada
de quanto lhi faley;
mays a-m'el namorada
que nunca lhi guarrey.
Nunca m'eu (Testa hida acharey se nõben,
ca dix'a meu amigo a coyta'n que me tem
o seu amor e cuydo que vay ledo por en.
Huylo venho pagada
de quanto lhi faley;
mays a-m'el namorada
que nunca lhi guarrey.
735
Hir-se quer o meu amigo,
nom me sey eu d'el vingar,
e pêro mal está migo
se me lheu anfassanhar :
quando m'el sanhuda vir
nom s'ousarà d'aquem d'ir.
Hir-se quer el d'aqui cedo
por mi non fazer companha,
mays pêro que non a medo
de lhi mal fazer mha sanha ;
quando m'el sanhuda vir
nom s'ousará d 'aquém d'ir.
Foy el fazer n'outro dia
oraçora a Sam Servando
por ss'yr já d'aqui sa vya;
mays se m'eu for assanhando
quanto m'el sanhuda vir
nom s'ousará d'aquem d'ir.
736
A San Servand'en oraçom
foy m'eu amigu'e por que nom
foy eu, chorarom des entom
estes meus olhos com pesar,
e non os poss'end'eu quytar
estes meus olhos de chorar.
Poys que ss'agora foy d'aqui
o meu amigu'e o non vi
filharom-ss'a chorar des y
estes meus olhos com pesar,
e nom os poss'end'eu quytar
estes meus olhos de chorar
737
A San Servando foy meu amigo,
e porque non veo falar migo
direy-o a deus,
e chorarey dos olhos meus.
Se o i vir, madre, serey cobrada
e porque me teendes guardada?
direy-o a deus,
c chorarey dos olhos meus.
E se m^el nom vir será por mi morto ;
mays porque m'cl fez taro gram torlo,
direy-o a deus,
e chorarei d'estes olhos meus.
738 (vid. 749)
•
Ora van a San Servando
donas fazer romaria,
e nom me leixam com ellas
hir, ca log'a lá hiria
porque vem hy meu amigo.
Se eu foss'en tal companha
de donas, fura guarida ;
mays nom quis oje mha madre
que fezess'eud'eu a hida,
porque vem hi meu amigo.
Tal romaria de donas
vay a lá que nom a par!
e fora oj'eu con elas,
mays nom me querem leixar,
porque vem hi meu amigo.
Nunca me mha madre veja,
se d'ela non for vingada,
porque oj'a San Servando
nom vou, e me tem guardada,
porque vem hi meu amigo.
739
A San Servando ora vara todas orar,
madre velida, por deus vin-vol-o roguar:
que me leixedes a lá hir
a San Servand', e se o meu amigu'o vir
leda serey por non mentir.
Poys mi dizem do meti amigo ca hi ven,
madre velida e senhor, faredes ben
que me leixedes a lá hir
a San Servand' ; e se o meu amigu'o vir
leda serey, por non mentir.
Poys todas hi van de grado oraçom fazer,
madre velida, por deus, venho-vol-o dizer
que me leixedes a lá hir
a San Servand'; e se o meu amigu o vir,
leda serey por nom mentir.
740
Se meu amig'a San Servando for,
e lh'o deus aguysa polo seu amor,
d'y lo quer'eu, madre, veer I
E sse eu for, como me demandou
a San Servando hu nf outra vez buscou,
d'y lo quer'eu, madre, veer.
O meu amigo, que mi vós tolhedes,
pêro m'agora por cl mal dizedes,
d'y lo quer'eu, madre, veer.
JOHAM SERVANDO
141
741
Mha madre velida ! e nom me guardecjes
d'ir a Bap Servando ; ca sç o fazedes
roorrerey d'amores|
E nom me guardedes, se bem ajades,
d'Jr a San Servando; ca se me guardades
jnorrerey demores !
E sse me non guardades d'a tal perfla
d'ir a San Servando fazer romaria,
morrerey demores I
E sse me vós guardades, eu ben vol-o digo,
dlr a San Servando veer meu amigo,
morrerey d'ajnores !
742
Trist'and'eu, velida, e ben vol-o digo,
porque mi nom leixam veer meu amigo ;
podem-m'agora guardar,
roays nom me partiram de o amar.
Pêro me ferirom por el n'outro dia,
fui a San Servando ver se o veria;
podem-m'agora guardar,
mays nom me partiram de o amar.
E pêro m'aguardam que o nom veja,
esto nora pode seer per rem que seja;
podem-m'agora guardar,
mays nom me partiram de o amar.
B muyto me podem guardar,
e nom me partiram de o amar.
743
Foy- ss'agorá meu amigu'e por en
a-mi jurado que polo meu bem
me quis e quer mui melhor d'outra rem ;
mays eu ben creo que non est assy,
ante cuyd'eu que moyra el por mi
e eu por el, em tal ora o vi%
Quando sse foy, vyu-me triste cuydar,
e logo disse por me non pesar,
que por meu bem m'a sempre tanfamar;
mays eu bem creo que non est assy,
ante cuyd'eu que moyra el por mi
e eu por el, en lai ora o vi.
Aquel dia que sse foy mi jurou
que por meu bem me sempre tanfamou
e amará, poys migo começou ;
mays eu bem creo que non est assy,
ante cuyd'cu que moyra el por mi
e eu por el, en tal ora o vi.
Par San Servando ! sey que será assy
de morrer eu por el, e el por mi.
744
Fuy eu a San Servando por veer meu amigo
c non o vi na ermida, nem falou el comigo,
namorada!
Disserom-mi mandadodequemuylodesejo
ca verria a San Servando, e poys eu non o vejo,
namorada !
745
Diz meu amigo que Ihi faça ben,
mays nom mi diz o bem que quer de min j
eu por bem tenho de que lh'aqui vin
pol-o veer, mays el assy non tem ;
mays se soubess'eu qual ben el querria
aver de min, assi llVo guysaria.
Pede-ra'el bem, quanf ha que o vi eu,
e non mi diz o bem quer aver
de min ; e tenh'eu que do veer
he muy gram bem, e el non ten'as6y ;
mays se soubess'eu qual ben el querria
aver de min, assi lh'o guysaria.
Pede-nf el bem, non sey en qual razon ;
pêro non mi dij'o ben que querrá
de min ; e tenh'eu oy que o vi já
que lh'é gram ben, e el ten que non;
mays soubess'eu qual ben el querria
aver de min, assi lh'o guysaria.
Par San Servand' f assanhar-m'ey hun dia,
se m'el non diz qual ben de mi querria.
746
Filha, o que queredes ben
partiu-ss'agora d'aquen
e non vos quiso veer ;
e hides vós bem querer
a quem vos nom quer veer ?
Filha, que mal baratades,
que o sem meu grad'amades,
poys que vus nom quer veer !
> e hides vós bem querer
a quem vus nom quer veer?
Por esto lhe quer'eu mal,
mha filha, e nom por ai :
porque vos non quis veer;
e hides vós bem querer
a quem vos non quer veer?
Andades por el chorando,
e foy ora a San Servando
e nom vus quiso veer ;
e hides vóá bem querer
a quem vus nora quer veer ?
747
Disscrom-mi cá se queria hir
o meu amigo, porque me ferir,
quiso mha madre; se m'ante non vyr
achar-s'ha end'el mal, se eu poder,
se ora for sem meu gradou hir quer,
achar-s'-a end'el mal, se eu poder.
Torto mi fez quem m'agora mentiu;
a veer-m'ouve, pêro non me vyu,
e porque m'el de mandado sayu,
142
CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA
achar-sba end'el mal, se eu poder,
se ora for sem meu gradou hir quer,
achar-s'-a end^el mal se eu poder.
El me rogou que Ihi quisesse bem,
e rogo a deus que lhi dia por en
coytas cTamõr ; et pois s'el foi daquem
achar-s'-a end'el mal, se eu poder,
se ora for sem meu grad'u hir quer,
achar-s'-a end'el mal se eu poder.
A San Servando foy eu oraçon
en que o visse, non foy el enton,
e por a tanto, se deus mi perdon',
achar-s'-a end'el mal se eu poder,
se ora for sem meu grad'u hir quer,
achar s'-a end'el mal, se eu poder,
748
meu amigo, que me faz viver
trisfe coytada des que o eu vi,
esto sey ben que morrerá por mi,
e poys eu logo por el ar morrer,
maravilhar-ss'am todos datai fim,
quand'eu morrer por el e el por min.
Vy vo coitada, par nostro senhor !
por meu amigo que me nom querrá
valer; e sey eu que morrerá;
mays poys eu logo por el morta for,
maravilhar-ssam todos datai lln
quandeu morrer por el e el por min.
Sabe mui ben que non ade guarír
o meu amigo, que mi faz pesar;
cá morrerá, non o meto eu en cuydar,
por mi, e poys meu por el morrer vir
maravilhar-ss'am todos datai fin
quand'eu morrer por el e el por min.
Por San Servando, que eu rogar vin,
nom morrerá meu amigo por min.
749
Donas vam a San Servando,
muylas oj'em romaria,
mays non quis oje mha madre
que fosseu hy este dia,
porque ven hy meu amigo !
Se eu foss'en tal companha
de donas, fora guarida ;
mays non quis oje mha madre
que end'eu fezesse a hida,
porque vem hy meu amigo !
A tal companha de donas
vay a lá, que non ha par,
e fora-m'eu oje com elas,
mays non me querem leixar,
porque vem hi meu amigo.
750
Ir vos queredes, amigo,
e ey end'eu muy gram pesar,
ca me fazedes trisfandar
por vós, eu bem vol-o digo ;
ca nom ey sem vós a veer,
amigo, omTeu aja prazer;
e com'ey sem vós a veer
ond'eu aja nenhum prazer?
E ar direy-vos outra rera,
poys que vos queredes ir,
peu amigu' e de mim partir ;
perdud'ey eu todo meu ben,
ca non ey sem vós a veer,
amigo, ond'eu aja prazer; .
e conTey sem vós a veer
ond'eu aja nenhum prazer?
Choraram estes olhos meus
poys vos hides sem meu grado,
porque m'andades irado;
mays, fleade migo, por dens,
ca non ey sem vós a veer,
amigo, ond'eu aja prazer;
e com'ey sem vós a veer
ond'eu aja nenhum prazer?
A San ServandMrey dizer
que me mostre de vós prazer.
J0HA1I ZURRO
751
Quem vise andar a fremosinha
com'eu vi, d'amor coytada,
et tam moyto namorada,
que chorando assi dizia :
«Ay amor, leyxedes m'oje
cc de sol o ramo folgar,
«e depoys, treydes vós migo
« meu amigo demandar.
Quem vise andar a fremosa
cornou vi, d'amor chorando,
et dizendo et rogando
por amore da glosa :
«Ay amor, leyxedes nfoje
(( de sol o ramo folgar,
«et depoys, treydes vós migo
«meu amigo demandar.
Quem lh'y visse andar fazendo
queyxumes d'amor d'amigo
que ama, sempre sigo
chorando, assi dizendo :
«Ay amor, leyxedes nfoje
« de sol o ramo folgar,
«e depoys, treydes migo
«meu amigo demandar.
752
«Os meus olhos, o meu coraçom
et o meu lume foy-se com el rey.
— Que est, ay íllha, se deus vos perdon',
que m'o digades, gracir-vol o ey?
JOHAM ZORRO
143
«Direy-vol-eu, el poys que o disser
nom vos pés, madre, quand'aqui veer.
Que coyt'ouv'ora el rey de me levar
quanto bem avia nem ey d'aver.
— Nom vos tem prol, Olha, de m'o negar;
ante vol-o terra de m'o dizer.
«Direy-vol-eui et poys que o disser
nom vos pés, madre, quando aqui veer*
753
Per ribeira dò rio
vi remar o navio ;
et sabor ey da ribeyra !
Per ribeyra do alto
vy remar o barco ;
et. sabor ey da ribeyra I
Vy remar o navio ;
hy vay o meu amigo ;
et sabor ey da ribeira !
Vy remar o barco,
by vay o meu amado ;
et sabor ey da ribeira 1
Hy vay o meu amigo>
quer-me levar comsigo ;
et sabor ey da ribeira!
Hy vay o meu amado,
quer-me levar de grado,
et sabor ey da ribeira !
754
En Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandey lavrar ;
ay, mha senhor velida !
En Lixboa, 'sobre lo lez
barcas novas mandey fazer;
ay mha senhor velida !
Barcas novas mandey lavrar
et no mar as mandey deytar;
ay mha senhor velida!
Barcas novas mandey fazer,
et no mar as mandey meter;
ay mha senhor velida !
755
El-rey de Portugalc
barcas mandou lavrar,
e là iram nas barcas sigo
mha Olha e voss'amigo !
El-rey portugueese
barcas mandou fazer ;
e là iram nas barcas sigo
mha Olha e voss'amigo !
Barquas mandou lavrare
e no mar as deytarem ;
e la iram nas barcas sigo
mha filha e voss'amigo.
Barquas mandou fazere,
e no mar as melere ;
e la iram nas barcas sigo,
mha filha e vdss^amigo.
756
^Cabelos, lòs meus cabelos;
el-rey me enviou por elos ;
madre, que lh'is farey?
— FiJha, dade-os a el-rey.
«Garceras, las mhas garceras
el-rey m'enviou por elas ;
madre, que lhys farey?
— Filha, dade-as a el-rey.
757
tela ribeyfa do rio
(cantando ia la dona sigo
d 'amor :
Venham as barcas
pelo rio a sabor.
Pela ribeyra do alto
cantando ya la dona d'algo
d'amor :
Venham as barcas
pelo rio a sabor.
758
Mete el-rey barcas no rio forte ;
quem amigo ha, que deus lh'o amostre ;
a la vay madr',
eoj'ey suydade!
Mete el-rey barcas na Estremadura,
quem amigo ha, que deus lh T o aduga ;
a la vay madr',
e oj'ey suydade.
759
Jus'a lo*nar c ó rryo,
oje namorada irey
hu el-rey arma navyo ;
amores comvusco m'yrey.
Juso a lo mar e ó alto,
eu namorada yrey
hu el-rey arma o barco ;
amores comvusco nryrey.
Hu el-rey arma navyo
eu namorada yrey
pêra levar a virgo ;
amores comvusco nryrey.
Hu el-rey arma o barco
eu namorada yrey
pêra levar a d'algo ;
amores comvusco nryrey.
760
Pela ribeira do rio salido
trebelhey, madre, com meu amigo ;
144
CANCIONEIRO PORTUGUÊS DA VATICANA
amor ey thigo
que noth oiivesse ;
fiz por athigo
que no til, fézèsse.
Pela Hbeira do rio levado
trebelhey^ madre, coiri meu amacio j
amor ejp migo
que noiii ouvesse ;
fiz por àtaigo
que ttom fezesse.
7BÍ(vid.462)
Baylètaus agora, por deus, ay velidas,
d'aquéstas avelancyras frolidas ;
e quem íbr velida como vós velidas,
se amigo amar,
sõ aqiiestas avelaneyras granadas
verrà bayíar.
Baylemus agora, por deus, ay louvadas,
sõ aquestas avelaneyras granadas,
e quem for loada como vós loadas,
se amigo amar,
só aquestas avelaneyras granadas
verrà baylar.
ROY MARTINS DO CASAL
762
Mui gram temp'ha que serv'huã senhor,
e avya en hy hir gram prazer,
meus amigos, assy deus me perdon',
que anfeu quisera em poder d'amor
morrer ou viver, segundo meu sen,
ca hu a mays servi, dama, non
quer que a veja, nem lh'y quera bem.
763
Que rauyto bem fiz, deus, a mha senhor,
se por bem ten de lh'eu gram bem querer,
ca tam bem está já do meu amor
que nunca já mays a pode perder;
mays se eu d'ella estevess'assy
*muy mayor bem faria deus a min.
Muyto bem lh'y fez, aquesto sey eu,
se ca Tapraz de lh'y querer bem,
poys meu coraçom he em poder seu
que nunca o pode perder per rem ;
mays se eu d'ela estevess'assy
rauy mayor bem faria deus a min.
E muyto bem lh'y deve deus fazer
se co'meu serviço lh'y prazerá,
poyl-o meu coraçom terra em seu poder
que nunca já per rem nom perderá ;
mays se eu d 'ela estevess'assy
muy mayor bem faria deus a min.
E se prouguess'a deus que foss'assy
nom me fezesse outro bem cies aly.
764
aDized', amigo, se praífcr vejadfed,
vossa morte se a desejades,
poys nom podedes fallar migo?
— Desejo, senhor, bem no creádes.
«Desejades tam bom dia migo
poys que os meus desejos desejades;
Dizede, amigo, se vos prazeria
com a vossa morte todavya
poys Vi vedes dé min alongado?
— Prazer, senhor, por sancta Maria.
«Prazeria, deus aja bom grado,
poys a Vós do meú prazer prazeria.
Dizede, amigo: se grado edes,
a vossa ntoi te se a queredes^
poys que vi vedes de miú tam longe ?
— Quero^ mha senhor, non duvidedes.
«Queredes poys tam bom dia oje,
poys o qtie eu quero vós queredes»
765
Rogo-te, ay amor, queyras migo morar
tod'este tempo em quanto vay andar
a Granada, meu amigo !
Rogo te, ay amor, que queyras migo seer,
tod'este tempo, em quanto vay viver
a Granada, meu amigo !
Tod'este tempo, em quanto vay morar,
lidar com mouros e muy tos matar
a Granada, meu amigo!
Todo este tempo em quanto vay viver
lidar com mouros e muytos prender
a Granada, meu amigo l
766
Muyfey, amor, que te gradescer,
porque quizestè comigo morar,
e nom me quizestè desemparar
atá que vem meu lum'e meu prazer,
e meu amigo, que se foy andar
a Granada, por meu amor lidar.
Amor gradesco mays doutra rem,
des que se foy meu amigo d J aqui
que te nom quizestè partir de mi,
atá que veo meu lum'e meu bem
e meu amigo, que se foy andar
a Granada, por meu amor lidar.
Nunca prenderey de ti queyxume
ca non fuste de mi partido,
poys meu amigo foy d'aquem hido
atá que vem meu bem e meu lume,
e meu amigo, que se foy andar
a Granada, por meu amor lidar.
Poys me quisestes tam bem aguardar,
por deus, nom me leixes sem ti oy morar.
JUYÃO BOLSEYRO
145
767
Ora, senhor, muy leda fycade,
de mir; pesar nonse vos filhe de mi,
cá me vou eu, e nora levo d'aqui
o meu coraçom, e por deus enviade
o vosso mygo, e faredes bom sen ;
se nom, ben certa seede, senhor,
que morrerey, tanfey de vós amor.
768
Assaz he desasisado
o que cuyda que tem dama
que nenhum outro nom ama,
nem tem já d'ali cuydado,
alça rabo.
Se me deras galardon,
amor, de quanto servi
roais o quisera de ti
do que dizem de Sansom
com rrazon.
769
Quem de myn saber quiser
que de sizo he o meu,
servir quem me tem por seu
o milhor que eu poder.
Este é o meu desejo
et será sem falecer
se me bem conheço e vejo,
quem me tem em seu poder;
E pêro nom tem querer
de me bem fazer vontade,
mais vai seu mal em verdade
que o bem que m'outra der.
770
Servinda outra donzella sey eu
que sempr'estou algemado seu.
Quando s'esta festa se fazia
em que ella foy presente,
e des que se foy auzente
o lume nen ampar'via;
junf a ella razom dizia :
a huã negra a-mi, pêro seu
hoy já m'ey, hoy ja m'ey cu.
JDYÍO BOLSEYRO
771
Sem meu amigo m'and'eu senlheyra,
e sol nom dormem estes olhos meus,
u quaufeu posso peça luz a deus,
c nom ma dá per nulha maneyra;
mays se ma desse com meu amigo
a luz agora seria migo.
19
Quamleu com meu amigo dormia
a noyte nom durava nulha rem,
e ora dur'a noyfc vay e vem,
nem vem luz, nem pareço dia;
mays se m'a desse com meu amigo
a luz agora seria migo.
E segundo com'a mi parece
comigo m'é meu lum'e meu senhor,
vem log'a luz de que nom ey sabor,
e ora vay noit' e vera e creçe;
mays se nra desse com meu amigo
a luz agora seria migo.
Pater noslrus, rez'eu mays de cento
por aquel que morreu na vera cruz,
que el me mostre mui ced'a luz,
mays moslra-m'as noytes d'avento;
mavs se m'a desse com meu amigo
a luz agora seria migo.
772
Da noyte d^onlcm poileram fazer
grandes trez noyles, segundo meu sen,
mays na d'oje mi veo muyto bem,
ca veomeu amigo;
e ante que Hf envyasse dizer rem
veo a luz e foy logo comigo.
E poys m'eu onté senlheyra deytey
a noyte foy e vèo e durou,
mays a d'oje pouco a semelhou
ca veo meu amigo ;
a tanto que m'a falar começou
veo a luz e foy logo comigo.
E comecey a noyte de cuydar
começou a noyte de crecer,
mayl-a d'oje nom quis assy fazer
ca véomeu amigo;
e faland'eu com el a gram prazer
veo a luz e foy logo comigo.
773
Fuy oj'eu, madre, veer meu amigo
que envyou muyto rogar por en,
porque sey eu como aver muy gram bem,
mays vedes, madre, poys m'el vyo comsigo,
foy el tam ledo, que des que naci
nunca tam led'ome com molher vi.
Quand'eu cheguey eslava el chorando
e nom folgava o seu coraçom
cuydand 7 em mi, se hiria se nom,
mays poys m'el vyo hu m'el estava asperando
foy el tam ledo, que des que naci
nunca tam led'ome com molher vi.
E poys deus quis que eu fosse hu m'el visse
diss'el, mha madre, como vos direy:
«vej'eu m'ir quanto ben no mmuTey,»
e vedes, madre, quancTcl esto disse
foy tara ledo, que des que eu naci
nunca tam led'ome com molher vi.
146
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
774
Nas barcas novas foy-s'o roeu amigo tTaqui
e vej'eu viir barcas, e tenho que vem hy,
mha madre, o meu amigo!
A tendamus, ay madre; sempre vos querrey ben
cà vejo viir barcas, e tenho que hi ven,
mha madre, o meu amigo!
Non faç'eu desaguisado,mha madr'en o cuydar,
ca nom podia muyto sen mi alhur morar,
mha madr'o meu amigo !
775
«
— Vej'eu, mha Glha, quanfé meu cuydar,
as barcas novas viir pelo mar
em que se foy voss'amigo d'aqui.
«Non vos pese, madre, se deos vos empar',
hyrey veer se vem meu amigu'i.
— Cuyd'eu, mha filha, no meu coraçom
das barcas novas que aquellas som
em que se foy voss'amigo d'aqui.
«Non vos pese, madre, se deus vos perdon',
hyrey veer se vem meu amigu'i.
— Filha fremosa, por vos nom mentir,
vej'eu as barcas pelo mar viir
en que se foy voss'amigo d'aqui.
«Nom vos pese, madre, quanfeu poder hir
hyrey veer se vem meu amigu'i.
776
Que olhos som que vergonha nom am
dized', amigo, d'outra, ca meu nom,
e dizecTora, se deos vos perdon'
poys que vos jà com outra prezo dam;
com'ousastes viir anfos meus
olhos, amigo, por amor de deus?
Ca vos ben vos devia nembrar
ende qual coyta vos eu jâ por mi vi
falss', e nembravos qual vos fuy eu hi;
mays poys com outra fostes começar
com'ousastes viir anfos meus
olhos, amigo, por amor de deus?
Par deus, falsso mal se mi gradeceu
quando vos ouverades de morrer
se eu nom fosse quem vos fui veer,
mays poys vos outra já de mi venceu,
com'ousastes viir anfos meus
olhos, amigo, por amor de deus?
Nom m'ha mays vosso preyto mester,
e hi-de-vos já, per nostro senhor,
e nom venhades nunca hu eu for,
poys começastes com outra molher ;
com'ousastes viir anfos meus
olhos, amigo, por amor de deus?
777
Mal me tragedes, ay filha,
porque quer'aver amigo,
e poys eu com vosso medo
nom o ey, nem é comigo;
nom ajades a mha graça,
e dé-vos deus, ay mha filha,
filha que vos assy faça,
filha que vos assy faça.
Sabedes, ca sem amigo
nunca foy molher viçosa,
e porque m'o nom leixades
aver, mha filha fremosa,
nom ajadel-a mha graça,
e dê-vos deus, ay mha filha,
filha que vos assy faça,
filha que vos assy faça.
Poys eu nom ey meu amigo
nora ei rem do que desejo,
mays pois que mi por vós vêo,
mha filha, que o nom vejo,
nom ajadel-a mha graça
e dc-vos deus, ay mha filha,
filha que vos assy faça,
filha que vos assy faça.
Per vós perdi meu amigo
porque gram coita padesco,
e poys que m'o vós tolhestes
é melhor ca vos paresco;
nom ajadel-a mha graça,
e dé-vos deus, ay mha filha,
filha que vos assy faça,
filha que vos assy faça.
778
Buscades-m', ay amigo, muyto mal
aly hu vos enfengistes de mi;
e rog'a deus que mi percades hi
e dizecTora falsso, desleal,
se vos eu fiz no mund'algum prazer
que coyta ouvestes vós de o dizer?
E nom vos presta, falss'em m'o negar,
nem m'o neguedes, ca vos nom tem prol,
nem juredes ca sempr'o falsso sol
jurar muyt', e dizede sem jurar
se vos eu fiz no mund'algum prazer
que coyta ouvestes vós de o dizer?
O que dissestes se vos eu ar vyr
por mi coitado como vos vi já,
vedes falss'a coor, ar x'i vos a;
mays dized'ora, sem todo mentir:
se vos eu fiz no mund'algum prazer
que coyta ouvestes vós de o dizer?
779
Fex hunha cantiga (Tamor
ora meu amigo poí mi,
que nunca melhor feyla vi ;
mays como x'é rauy trobador
fez huas Lirias no som
que mi sacam o coraçom.
JUYÃO BOLSEYRO
1Í7
Muyto bem se soube buscar
por mi, aly quando a fez
en loar-rai muyfé meu prez;
mays de pram por xe mi matar
fez buas Lirias no som
que mi sacam o coraçom.
Per boa fé bem baratou
de a por mi boa fazer
e muyto lh'o sey gradecer ;
mays vedes de que me matou,
fez buas Lirias no som
que mi sacara o coraçom.
780
Ay madre, nunca mal senliu
nem soubi que x'era pesar
a que seu amigo nom vyu
com'oj'eu vy o meu falar
com outra; mays poyl-o eu vi
com pesar ouv'a morrer hy.
E sse molher ouve d'aver
sabor d^mig^ou llfo deus deu,
sey eu que lh'o nom fez veer
com*a mi fez veel-o meu
com outra; mays poyl-o eu vi
com pesar ouv'a morrer hy.
781
Ay meu amigo, — meu per boa fé,
e nom d'outra per boa fé mays meu,
rogu'eu a deus que mi vos oje deu
que vos faça tara ledo seer migo
quam leda foy oj'eu quando vos vi
ca nunca foy tam leda poys naci.
Bom dia vejo, — poys vos vej'aqui,
meu amigo, meu a la fé sem ai,
faça-vos deus ledo, que pod'e vai,
seer migo, meu bem e meu desejo,
quam leda fuy oj'eu quando vos vi
ca nunca foy tam leda poys naci.
Meu gasalhado — se mi valba deus,
alvergo meu, e meu coraçom,
faça-vos deus em algua sazom
seer migo tam ledo e tam pagado,
quam leda fuy oj'eu quando vos vi,
ca nunca foy tam leda poys naci.
782
Aquestas noytes tam longas
que deus fez em grave dia
por mi, porque as nom dormo,
e porque as nom fazia
no tempo que meu amigo
soya falar comigo.
Porque as fez deus tam grandes
nom poss'eu dormir coitada,
e de como som sobejas
quisera eu outra vegada
no tempo que meu amigo
soya falar comigo.
Porque as deus fez tam grandes
sem mesura desregraaes,
e as eu dormir nom posso
porque as nom fez a taaes
no tempo que meu amigo
soya falar comigo.
783
Ay, meu amigo, avedes vós por mi
afam e coyfe desej'e nom ai
e o meu bem é todo vosso mal;
mays poys vos eu nom posso valer hi
pesa-m'a mi porque paresco bem
poys end'a vós, meu amigo, mal vem.
E ssey, amigo, doestes olhos meus
e ssey do meu fremoso parecer,
que vos fazem gram coyta viver;
mays, meu amigo, se mi valha deus,
pesa-m'a mi porque paresco bem,
poys end'a vós, meu amigo, mal vem.
784
Partir quer migo mha madr^aqui
quanfa no mundo outra rem nom jaz,
de vós, amig'unha parte mi faz
e faz-m'outra de quanfa, e desy
poys faz esto, manda-m'escolher;
que mi mandades, amigo, fazer?
Partir quer migo, como vos direy,
de vós mi faz hua parte já,
e faz-m'oulra de sy e de quanfa,
e de quantos outros parentes ey;
poys faz esto, manda-m'escolher;
que mi mandades, amigo, fazer?
E de qual guisa migo partir quer
a pram ca põ, ay meu amigo, em tal
hua me faz senom de vós sem ai,
outra desy de quanfal ouver;
poys faz esto, manda-m' escolher;
que mi mandades, amigo, fazer?
De vós me faz hua parte, ay senhor,
e, meu amigiTe meu lum'e meu bem,
et faz-m'outra de grand'algo que tem
e pom-rae de mays y, e seu amor;
poys faz esto, manda-m'escolher;
que mi mandades, amigo, fazer?
E poyl-o ela perc'a meu prazer
em vós quer'eu, meu amigu'ey escolher.
785
Nom perdi eu, meu amigo,
des que me de vós parti,
do meu coraçom gram coyta
nem gram pesar; mays perdi
148
CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA
quanto tempo, meu amigo,
vós nom vivestes comigo.
Nem perderan os olhos meus
chorar nunca, nem em mal
des que vos vós d'aqui fostes,
mays vedes que perdi ai
quanto tempo, meu amigo,
vós nom vivestes comigo.
786
— João Soares, de pram as melhores
terras andastes que eu nunca vy,
deverdes donas per entendedores
muy fremosas, quaes sey que ha hy,
fora razom; mays hu fostes achar
d'yrdes por entendedores fllhar
sempre quand'amas, quando tecedores?
«Juyão, outros mays sabedores
quiserom já esto saber de mi,
et em todo trobar mays trobadores,
que tu nora és ; mays direy-fo que vy :
vy boas donas tecer e lavrar
cordas et cintas, et vy-lhes catar
per boa fé, fremosas pastores.
— Johão Soares, nunca vy chamada
molher ama, nas terras hu andey,
se per emparamenfou por só laida
nom criou mez, e mays vos eu direy;
e nas terras hu eu soy a viver
nunca muy boa dona vy tecer,
mays vy tecer algua lazerada.
«Juyão, por esfoutra vegada
com outro tal trobador entramey,
íiz-lhe dizer que nom dizia nada
com'or'a ty desta tençom farej ;
vy boas donas lavrar et tecer
cordas e cintas et vy-lhes teer
muy fremosas pastores na pousada.
— Joan Soares, hu soy a viver
nom tecem donas, nem ar vy teer
berp 'anfo fog'a dona muyfonrrada.
«Juvão, tu deves entender
que o mal vylam nom pode saber
de fazenda de boa dona nada.
MARTIN CAMPINA (Pêro Meogo)
787
O meu amig', amiga, vej'andar
triste cuydand'e nom poss'entender
porque trisfanda, assy veja prazer;
pêro direy-vos quanfé meu cuydar:
anda cuydand'em sse d'aqui partir
e nom ss'atreve sem mi a guarir.
Anda tam triste, que nunca mays vi
andar nulh'omem e em saber punhei
o porque; eu pero nom o sey,
pêro direy-vos quant>nd'aprendi:
anda cuydand'em sse daqui partir
e nom ss'atreve sem mi a guarir.
A tan trisfanda, que nunca vi quem
tan trisfandasse no seu corapom,
e nom sey porque, nen por qual razom;
pero direy-vos quanfaprendi eu,
anda cuydancPem sse d'aqui partir
e nom ss'atreve sem mi a guarir.
788
Diz meu amigo, que eu lo mandey
hir, amiga, quando ss*el foy d'aqui;
e se lh'o sol dixi, nem se o vi,
nom veja prazer do pezar que ey;
e se m'el tem torto era m*o dizer
veja-ss'el ced'aqui era meu poder.
E vedes, amiga, do que me mal
dizem, os que o jurora com'el diz,
que o mandei hir, e sse o eu flz,
nunca d'et aja dereito, nem d'al;
e se m'el tem torto em m'o dizer
veja-ss'el ced'aqui em meu poder.
E que gram torto que m'agora tem
em dizer, amiga, per boa fé
que o mandey hir, e sse assy é
como m'el busca mal, busque-lh'eu ben;
e se m'el tem torto em m'o dizer
veja-ss'cl ced'aqui em meu poder.
E ss'el vem aqui a meu poder
preguntarlh'ey quem lh'o mandou dizer?
PERO MEOGO
789
meu amig 1 , a que preyto talhei
com vosso medo, madre, menlir-lh'ey,
c sse nom for, assanhar-s'-a !
TalheMIf cu preyto de o hir veer
en a fonlc hu os cervos vam bever;
e sse nom for, assanhar-s^a !
E nom ey eu de lhi mentir sabor,
mays mentir-íh'ey com vosso pavor;
e sse nom for, assanhar-s'a!
De lhi mentir nenhum sabor nom ey,
com vosso med'a mentir lh'averey;
e se nom for, assanhar-s^a !
790
Por muy fremosa que sanhuda estou
a meu amigo que me demandou
que* o foss'eu veer
a la fonfu os cervos vam bever.
Nom faç'eu torto de mi lh'assanhar
por s'atrever el de me demandar
que o foss'eu veer
a la fonfu os cervos vam bever.
PÊRO MEOGO
149
Aflfeito me tem jà per sendia,
que el nom vem, mas envya,
que o foss'eu veer
a la fonfu os cervos vam bevcr.
791
Tal vay o meu amigo
com amor que lheu ey
como cervo ferido
de monteyro dei rey.
Tal vay o meu amado,
madre, com meu amor,
como cervo ferido
de monteyro mayor.
E sse el vay ferido
hirà morrer ai mar,
*ssy fará meu amigo
se-eu d'el nom pensar.
E guardade-vos, filha,
ca jà m'eu a tal vi
que se fez coitado
por guaanhar de mi.
E guardade-vos, filha,
ca já ra'eu vi a tal
que se fez coytado
por de min guaanhar.
792
Ay cervas do monte, vim-vos preguntar,
foy-ss'o meu amigue se a lá tardar
que farey, velidas?
Ay, cervas do monte, vin«-vol-o dizer :
foy-ss'o meu amigu'e querria saber
que farey, velidas ?
793
Levou-ss'a velida
vay lavar cabelos
na fontana fria ;
leda dos amores,
dos amores leda.
Levou-ssa louf ana,
vay lavar cabelos
na fria fontana;
leda dos amores
dos amores leda!
Vay lavar cabelos
na fontana fria,
passou seu amigo
que lhi bem queria ;
leda dos amores
dos amores leda.
Passa seu amigo
que lhi bem queria,
o cervo do monte
a augua volvva :
leda dos amores,
dos amores leda 1
Vay lavar cabelos
na fria fontana,
passa seu amigo
quemuyfa vós ama;
leda dos amores,
dos amores leda.
794
En as verdes ervas
vi andal'-as cervas;
meu amigo !
En os verdes prados
vi os cervos bravos,
meu amigo !
E com sabor d'elha9
lavey mhas graceras,
meu amigo.
E com sabor d'elhos
lavey meus cabelos,
meu amigo I
Des que vos lavey
d'ouro lus liey,
meu amigo !
Des que las lavara
(Touro las liara,
meu amigo !
D 'ouro los liei,
e vos asperey,
meu amigo I
D'ouro las liara
e vos asperava,
meu amigo (
795
Preguntar-vos quer'eu, madre,
que mi digades verdade :
se ousara meu amigo
ante vós falar comigo.
Poys eu migu'ey seu mandado
querria saber de grado,
se ousara meu amigo
ante vós falar comigo.
Hirey, mha madre, a la fonte
hu van os cervos do monte ;
se ousara meu amigo
ante vós falar comigo.
796
Fostes, filha, en o baylar,
e rompestes hi o brial,
poys o namorado y vem
esta fonte seguide-a bem,
poys o namorado y vem.
Fostes, filha, en o royr
e rompestes hi o vestir ;
poyl-o cervo hi vem
esta fonte seguide-a bem,
poyl-o cervo hi vem.
150
CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA
E rrompestes hi o brial
que fezestes ao meu pesar ;
poyl-o cervo hi vem
esta fonte seguide-a bem,
poyl-o cervo hi vem.
E rompestes hi o vestir
que fezestes a pesar de mi ;
poyl-o cervo hy ven,
esta fonte seguide-a bem,
poyl-o cervo hi vem.
797
— Digades, filha, mha filha velida,
porque tardastes na fontana fria?
«Os amores ey !
— Digades, filha, mha filha loupana,
porque tardastes na fria fontana?
«Os amores eyl
Tardei, mha madre, na fontana fria,
cervos do monte a augua volviam;
os amores ey !
Tardey, mha madre, na fria fontana,
cervos do monte volviam a agua ;
os amores ey !
— Mentis, mha filha, mentis por amigo,
nunca vi cervo que volvesse rio ;
«Os amores ey !
— Mentis, mha filha, mentis por amado,
nunca vi cervo que volvess'o alto;
«Os amores ey !
MARTIN DE CALDAS
798
Per quaes novas oj'eu aprendi
eras me verrá meu amigo veer
e oje cuyda quanto m'ha dizer;
mais do que cuyda nom será assy,
ca lhi cuyd'eu aparecer Iam bem
que lhe nom nembre de que cuyda rem.
799
Madr'e senhor, leixade-m'ir veer
aquel que eu por meu mal dia vi
e el vyu-mi em mal dia por si
ca morr'el, madr', e eu quero morrer,
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey
e el guarrà, poys-me vyr, eu o sey.
O que mi deus nom ouver'a mostrar
veel-o-ey, madre, se vos prouguer en,
e tal nom me lhi mostrou per seu ben,
ca morr'el e moyr'eu se deus m'ampar'
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey
e el guarrá, poys-me vyr, eu o sey.
Aquel que deus fez nacer por meu mal,
madre, leixade-m'o veer por deus ;
eu naci por mal dos olhos seus,
cà morr'el e moyr'eu hu nom jaz ai
se o nom vyr mays ; se o vyr guarrey
e el guarrá, poys me vyr, eu o sey.
800
Mandad'ey migo, qual eu desejey,
gram sazom a, madre, per boa fé,
e direy-vol-o mandado qual é,
que nulha rem nom vos eu negarey ;
o meu amigo será ofaqui
e nunca eu tam bom mandado oy.
E poys mi deus fez tal mandad'aver
qual desejava o meu corapom,
madr'e senhora, se deus mi perdon',
que vos quer'eu mandado dizer;
o meu amigo será oj'aqui
e nunca eu tam bom mandado oy.
E por en sey ca mi quer bem fazer
nostro senhor, a que eu fuy rogar
por bon mandad'e fez-m'o el chegar
qual poderedes, mha madre, saber;
o meu amigo será oj'aqui
e nunca eu tam bom mandacToy.
Melhor mandado nunca ja per ren
d'aqueste, madre, nom poss ? eu oyr,
e por en non me quer'eu encobrir
de vós, ca sey que vos praz de meu bem;
o meu amigo será oj'aqui
e nunca eu tam bom mandado oy.
801
Foy-ss'um dia meu amigo d'aqui
triste, coytad'e muyfa seu pesar,
porque me quis d'el mha madre guardar,
mays eu, fremosa, des que o non vi
nom vi depoys prazer de nulha rem
nem veerey jâ mays se m'el nom vera.
Quando-ss'el ouve de mi a partir
chorou muyto dos seus olhos entora,
e foy coitado no seu corapom,
mays eu fremosa, por vos nom mentir,
nom vi depoys prazer de nulha ren,
nem veerey já mays se m'el nom vem.
802
Ay meu amigu'e lume d'estes meus
olhos, e coyta do meu corapom,
porque tardastes a muy gram sazom,
nom nfo neguedes, se vos valha deus;
ca eu quer'end'a verdade saber,
pêro m'a vós nom ousades dizer.
Dizede-mi quem mi vos fez tardar,
ay meu amigu'e gradecer-vol-o-ey,
NUNO TREEZ
151
cà jà m'end'eu o mays de preyto sey
e nom vos é mester de m'o negar ;
ca eu quer^end^ verdade saber,
pêro m'a vós nom ousades dizer.
Per boa fé, nom vos conselhou ben
quem vos esta tardada fazer fez,
e sse mi vos negardes esta vez
perder-vos-edes comigo por en ;
ca eu quer'end'a verdade saber,
pêro m'a vós nom ousades dizer.
Nostro senhor ! e como, por estes meus
olhos e coyta do meu coraçom,
porque tardastes a muy gramsazom?
nom m'o neguedes, se vos valha deus,
cá eu quer'end'a verdade saber
pêro m'a vós nom ousades dizer.
803
Nostro senhor! e como poderey
guardar de morte meu amigu'e mi,
ca me dizem que se quer hir d'aqui?
e sse s'el for, logu'eu morta serey,
e el morto será se me nom vyr,
mays quero-m'eu esta morte partir.
Hir-m'ey com el, que sempre falaram
d'esta morte, que se ventura for
ca se quer hir meu lum'e meu senhor;
e sse se for serey morta de pram,
e el morto será se me nom vyr,
mays quero-m'eu esta morte partir.
Hirey con el mui de grado, ca nom
me sey conselho, se m'o deus nom der,
ca se quer hir o que mi gram bem quer ;
e sse s'el for, serey morta entom,
e el morto será se me nom vyr,
mays quero-n^eu esta morte partir.
804
Vedes qual preyfeu querria trager,
irmãa, se o eu podesse guisar,
que fezess'a meu amigo prazer
e nom fezess'a mha madre pesar ;
e sse mi deus esto guisar, bem sey
de mi que logu'eu mui leda serey.
E a tal preyto m'era mui mester
se mi deus aguisar de o aveer,
quanto meu amigo quiser
e que m'ho mande mha madre fazer;
e sse mi deus esto guisar, bem sey
de mi que logu^u mui leda serey.
E sse m'a mi guisar nostro senhor
aqueste preyto, será muy gram bem
com'eu faç'a meu amigo amor,
e me rogou mha madre ame por en;
e sse mi deus esto guysar, bem sey
de mi que logueu mui leda serey.
NUXO TREEZ (PEREZ?)
805
Des quando vos fostes d'aqui,
meu amigo, sem meu prazer
ouv'eu tam gram coyta desy
qual vos ora quero dizer:
que nom fezerom des entom
os olhos meus si chorar nom,
nem ar quis o meu coraçom
que fezessem se chorar nom.
E des que m'eu sem vós achei
sol nom mi soube conselhar,
e mui triste por en flquey
e com coyta grand'e pesar,
que nom fezerom des entom
os olhos meus si chorar nom,
nem ar quis o meu coraçom
que fezessem se chorar nom.
E fui eu fazer oraçon
a San Clemente e nom vos vi,
e bem des aquela sazom,
meu amigu' aveõ-m'assy
que nom fezerom des entom
os meus olhos si chorar nom,
nem ar quis o meu coraçom
que fezessem, se chorar nom.
806
Sam Cremente, do mal
se mi d'el nom vingar,
non dormirey !
San Clemenço, senhor,
se vingada non for,
non dormirey !
Se vingada^non for
do fals* e traedor,
nom dormirey !
807
Nom vou eu a Sam Clemenfo
orar e faço gram razom,
ca el non mi tolhe a coyta
que trago no meu coraçom,
nem m'aduz o meu amigo
pêro lh'o rogu'e lh'o digo.
Non vou eu a Sam Clemenço,
nem el non se nembra de mi,
nem m'aduz o meu amigo
que sempr'amey des que o vi ;
nem m'aduz o meu amigo
pêro lh'o rogu'e lh'o digo.
Ca se el m'adussessc
o que me faz penand'andar
nunca tantos estandaes
arderam anfo seu altar,
nem m'aduz o meu amigo,
pêro lh'o rogu'e lh'0 digo.
152
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
Ca se el nfadussesse
o por que eu moyro d'amor
nunca tantus estandaes
arderam anfo meu senhor,
nem m'aduz o meu amigo
pêro lh'o rogu'e lh'o digo.
Poys eu e mha voontade
de o nom veer sõ bem Os,
que porrey par caridade
anfel candeas de Paris ;
nem m'aduz o meu amigo
pêro lh'o rogu'e lh'o digo.
En mi tolher meu amigo
filhou comigo perfia,
por end'arderá, vos digo,
anfel lume de bogia;
nem m'aduz o meu amigo
pêro lh'o rogu'e lh'o digo.
808
Estava-n^em Sam Clemenço
hu fora fazer oraçom
e disse-m'o mandadeyro
que mi prougue de coraçom :
agora verrâ 'qui voss , amigo.
Estava em Sam Clemenço
e fora candeas queimar,
e dissem'0 mandadeiro,
fremosa de bom semelhar:
agora verrá aqui o voss'araigo.
Estava-m'em Sam Clemenço
hu fora oraçom fazer,
e disse-m'0 o mandadeyro
fremosa de bon parecer :
agora verrá aqui o voss'amigo.
E disse-m'0 mandadeyro:
fremosa de bon semelhar,
per que viu que mi prazia,
ar comcçou-m'a falar:
agora verrá aqui voss'amigo.
E disse-m'o mandadeyro
fremosa de bon parecer,
porque viu que mi prazia,
ar começou-m'a dizer :
agora verrá aqui voss'amigo.
E disse-m'o mandadeyro
que mi prougue de coraçom,
per que vyu que mi prazia
ar disse m'ou Ira vez entom:
agora verrá aqui vos$'amigo.
PEDRO D'AKMEA
809
Sej'eu, fremosa, com mui gram pezar
e muy coytada no meu coraçom,
e choro muyfe faço gram razom,
par deus, mha madre, de muyto chorar,
por meu amigu'e lum' e meu bem
que se foy d'aqui, ay madre, e nom vem.
E bem sey de pram que por meu mal
me fez deus tara fremosa naçer
poys n^ora faz, como moyro, morrer,
cá moyro, madre, se deus mi non vai,
por meu amigu'e lurne meu bem
que se foy d'aqui, ay madr'e non vem.
E fez-mi deus naçer, per boa fé,
polo meu mal, er fez-me logu'i
mays fremosa de quantas donas vi,
e moyro, madr'e vedes porque he,
por meu amigu'e meu lum'e meu bem
que se foy d'aqui, ay madr'e non vem.
E poys deus quer que eu moyra por er
sabham que moyro querendo-lhi bem.
810
Amiga, grand'engan'ouv'a prender
do que mi fez creer mui gram sazom
que mi queria bem de coraçom,
tam grande que nom podia guarir;
e tod'aquest'era por encobrir
outra que queria gram bem entom.
E dizia que perdia o sen
por mi, de mays chamava-me senhor,
e dizia que morria d' a mor
por mi, e que non podia guarir ;
e tod^aquesfera pox encobrir
outra que queria gram bem entom.
E quand'el migo queria falar
chorava muito e jurava logu'i
que nom sabia conselho de ssy
por mi, e que non podia guarir;
e tod'aquesto era por encobrir
outra que queria gram bem entom.
811
Mhas amigas, quero-nreu des aqui
querer a meu amigo mui gram bem,
ca o dia que ss'el foy d^quem
ouvyu-me chorar, e con doo de mi
hu chorava começou-m^a catar,
vyu- me chorar e fi]hou-ss'a chorar.
E per boa fé, sempre lh'eu querrey
o mayor bem de pram que eu poder,
ca fez el por mi o que vos disser
mays, amigu', e que vos non mentirey :
hu chorava começou-m'a catar,
vvu-me chorar e Qlhou-ss'a chorar.
Ouv'el gram coyla no seu coraçom,
mays, amigas, hu sse de mi partiu
vyu-mc chorar, e depoys que me vyu
chorar, direy-vol'o que fez entom :
hu chorava começou-m'a catar,
vvu-me chorar e fllhou-s$ ? a chorar.
PEDR'ÀMIGO DE SEVILHA
153
812
«Amigo, mando- vos migo falar
cada que vós end'ouverdes sabor.
— Nostro senhor, fremosa mha senhor,
vos dê grado, que vol-o pode dar,
de tod'este bem que mi dizedes,
e de quanfoutro bem mi fapedes.
«Poys vós sodes por mi tam coylado,
quando quiserdes falade migo.
— Ay, mha senhor, vedes que vos digo,
nostro senhor, vos dé bom grado
de Iodaste bem que mi dizedes,
e de quanfoutro bem mi façedes.
«Porque sey que mi queredes bem
falade migo, ca bem é e prez.
— Nostro senhor, que vos fez,
vos dé sempre mui bom grado poren >
de tod'este bem que mi dizedes,
e de quanfoutro bem mi façedes.
PEDITAMIGO, de Sevilha
813
Disserom-vos, meu amigo,
por vos fazer pesar,
fuy eu com outrem falar;
mays nom faledes vós migo
se o poderdes saber
por alguém non entender.
E ben vos per vingaredes
de mi, se eu com alguém
faley, per vos pesar en,
mais vos nunca mi faledes
se o poderdes saber
por alguém non entender.
Se vós per verdad'achardes,
meu amigo, que é assy
confonda deus logu'i mi,
muyfe vós se mi falardes,
se o poderdes saber
por alguém non entender.
814
Amiga, muyfamigos som
muytos no mundo por Olhar
amigas pol-as muyfamar,
mas já deus nunca mi perdon',
se nunca eu vi tam amigo
d'amiga, com' é meu amigo.
Pode vossamigo dizer,
amiga, ca vos quer gram bem,
e quer-vol-o ; mays eu por en
nunca veja do meu prazer
se nunca eu vi tam amigo
d'amiga, com'é meu amigo.
Vy-m*eu com estes olhos meus
amigo d'aroiga que lhe é
20
muy famigo per boa fé ;
mays non mi valha nunca deus
se nunca eu vi tam amigo
d'amiga com'é meu amigo.
815
«Amiga, vistes amigo
d'amiga que tanfamasse
que tanta coyta levasse
quanta leva meu amigo?
— Non o vi, des que fui nada,
mays vej'eu vós mays coytada.
«Amiga, vistes amigo
que por amiga morresse,
que tanto pesar sofresse,
quanto leva meu amigo?
— Non o vi, des que fui nada
mays vej'eu vos mays coytada.
«Amiga, vistes amigo
que tam muyto mal ouvesse
d'amiga que bem quezesse
quanfa por mi meu amigo?
— Non o vi, nem que non visse
que muy mayor mal avedes
ca el, que morrer veedes.
816
Moyr' amigo desejando
meu amigu'; e vós no vosso
mi falades, e non posso
estar sempr'em esto falando,
mays queredes falar migo
falemos no meu amigo.
Queredes que todavya
en o voss'amigo fale
vosqu', e senom que me cale
e non poss'eu cada dia ;
mays queredes falar migo
falemos no meu amigo.
Amiga, sempre queredes
que fale vosq^e falades
no voss'amigu'; e cuydades
que poss'eu, non o cuydedes,
mays queredes falar migo,
falemos no meu amigo.
Nom avedes tal coydado
sol que eu vosco bem diga
do voss'amigu'e, amiga,
non poss'eu, nem é guisado ;
mays queredes falar migo,
falemos no meu amigo.
817
O meu amigu'e que mi gram bem quer,
punha sempr'amiga de me veer,
e punh'eu logo de lhi bem fazer;
mays vedes que ventura de molher,
154
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
quando-lb'eu poderia fazer bera
el non vem hy, eu non po3s'en rcn.
Pêro sab>l que non fica por mi,
amiga, nunca de lh'o eu guisar,
nem per el sempre de m'o demandar;
mays má ventura nol-o parfassy,
quando-lh'eu poderia fazer bem
el non vem hy, eu non poss'en ren.
E non fica por el per bona fé
d'aver meu bem, e polo fazer eu
non sey se x'é meu grado e seu
mays raha ventura tal foy e tal é,
quando lh'eu poderia fazer bem
el non vem hy, eu non poss'en ren.
818
Por meu amig', amiga, preguntar
vos quer'eu ora, ca se foy d'aqui
muy mui sanhud'e nunca o ar vi
se sabe ja ca mi quer outro bem,
par deus, amiga, sab'o pesar
que oj'el a non é por outra rem.
Amiga, pesa-mi de coraçom
porque o sabe, ca de o perder
ey muy gram med'et de lhi dizer
que lhi non pes, ca nunca lh'ende verrà
mal, e poys el souber esta razom
sey eu que lo^ aqui migo será.
E dizede-lhi ca poder non ei
de me partir, se me gram bem quiser
que m'o non querria, ca nem sey molher
que sse d'el possa partir per ai,
se non per esto que m'end'eu farey
non fazer rem que mi non tenha por mal.
E poys veher meu amigo, bem sey
que nunca pode per mi saber ai.
819
Hum cantar novo d 'amigo
querrey agora aprender
que fez ora meu amigo,
e cuydo logu'entender
no cantar que diz que fez
por mi, se o por mi fez.
Hum cantar d'amig'a feyto,
e sse m'o disser alguém
deyto como el é feyto
cuydo-o eu entender muy bem
no cantar que diz que fez
por mi, se o por mi fez.
O cantar este mui dito
pêro que o eu nom sey,
mays poys m'o ouverom dito
cuyd'eu que entenderey
no cantar que diz que fez
por mi, & o por mi fez.
820
«Amiga, voss'amigo vi falar
oje com outra, mays non sey em qual
razom falavam, assy deus m'empar',
nem se falavam por bem, se por mal.
— Amiga, fale com quem x'el quiser
en quanfeu d'el contestou estever.
Ca assy tenh'eu meu amigo em poder,
que quantas donas en o mundo som
punhem ora de lhi fazer prazer,
ca m'o nom tolheram, se morte nom ;
amiga, med'ei de perder o sen
«E vó faredes poys em voss'amor,
vos esforçades tanto no seu
e vós vos acharedes en peyor
cá vós cuydade, e digo-vol-eu.
— Amiga, non, cá mi quer mui gram bem
e sey quem lenham el, e el quem tem
En mi, cá nunca vos partiram já
se non per morte vos podem partir
e poys en este sey hu ai non ha
mando-me-lh'eu falar com quantas vir.
«Com voss'esforfo, amiga, pavor ey
de perderdes vos3'amigo. cá sey
Per boa fé, outras donas que am
falad^m como vol-o tolheram.
— Amiga, nom ; cá o poder nom é
seu, nem d' elas, mays meu per boa fé.
821
«Par deus, amiga, podedes saber
como podesse maudad'envyar
a meu amigo que nom a poder
de falar migu'e moyr 7 eu com pesar;
e bem vos digo se el morr'assy
que non vyverey des aly.
Amiga, sey que nom pod'aver
meu amig'arte de migo falar,
e ouv'eu arfe figi-lhe fazer
por outra dona hu mui bõ cantar,
e poys por aquela dona trobou
cada quis, sempre migo falou.
O meu amigo nom é trobador,
pêro tam grand'é o bem que m'el quer
que filhará outra entendedor
e trobará poys que lh'o eu disser ;
mays, amiga, per quem o saberá
que lh'o eu mande, ou quem lh'o dirá?
— Eu, amiga, o farey sabedor
que tanto que el hu cantar fezer
per outra dona, e poys por seu for
que falará vosco quando quiser ;
mays a mester de lh'o fazer el bem
creente, vós nom o ciardes en.
«Amiga, per deus e quanfeu ey
de mal, mays nunca já ciarey.
— Mester vos é, ca vol-o entenderam
se o ciardes, guardar-vos am.
PEDR'EN SOLAZ
155
822
Sey eu, donas, que non quer tara grambem
bom'outra dona, como a mi o meu
amigo quer, ca por que lhi diss'eu :
non me veredes ja mais des aqui ;
desmayó logo bem ali por en,
e ouve logu'i a morrer por mi.
Porque lhi dixi que nunca veher
me poderia, quis por en morrer,
e fui a lâ e achey-o jazer,
sem fala ja; e ouv'en gram pesar;
e falei-lh', ouve-ra'a conhoecer
e diss' ; ouvi huã dona Talar.
Dix'eu : oystes ja polo guarir,
e guareceu, mayl-a quem vos disser
que ama tant'om'outra molher
mentir-vos-ha, ca ja x'o el provou
com quantas vyu e achou, ao partir
todas d'amor e assy as leixou.
E bera vos poss'eu em salvo jurar
que outr'orae vyvo non sab'amar
dereytamente, ca per me provar
veherom outros em mi entender
se poderiam de min guaanhar
mays non poderam de min rem aver.
Mays aquel que tam de coraçom
quer bem, par deus, mal seria senom
o guarisse, poys por mi quis morrer.
823
«Dizede, madre, porque me metestes
em tal prison, e porque mi tolhestes
que non possa meu amigo veer?
— Porque filhades que o vós conhecestes
nunca punhou ergu'em mi vos tolher.
E ssey, fllha, que vos trag'enganada
com seus cantares que non valem nada,
que lhi podia quem quer desfazer.
«Nom dizem, madre, esso ca da pousada
os que trobar sabem bem entender.
Sacade-me, madre, d'estas paredes
e verey meu amigu', e veredes
que logo me mele em vosso poder.
nem m'ar venhades tal preito mover.
Ca sey eu bem qual preito vos el trage
e sodes vós, Olha, de tal linhage
que devia vosso servo seer.
«Cuydades vós, madre, que é tam sage
que podess'el commigu'esso poer.
Sacade-me, madre, crestas prisões,
ca non avedes de que vos temer.
— Filha bem sey eu vossos corações,
ca non querem gram pesar atender.
PEDREiN SOLAZ
824
E nom est a de Nogueyra
a freyr'a que quero bem ;
mais outra mays fremosa
é a que min em poder tem ;
e moyro-m'eu pola freyra,
mays non pola de Nogueyra.
Non est a de Nogueyra
a freyra ond'eu ey amor,
mays outra mays fremosa
a que mi quer'eu muy melhor ;
e moyro-m'eu pola freyra
mays non pola de Nogueyra.
E sse eu aquela freyra
huu dia veer podesse
nom a coyta no mundo
nem pesar que eu o ouvesse ;
e moyro-m'eu pola freyra
mays non pola de Nogueyra.
E sse eu aquella freyra
veer podess'um dia
nem huã coyta do mundo
nem pesar non averia ;
e moyro-m'eu pola freyra
mays non pola de Nogueyra.
825
A que vi antr'as amenas,
deus, como parece bem ;
eu mirey la das arenas,
des y penado me tem ;
eu das arenas la mirey,
des enton sempre peney.
A que vi antr'as amenas
deus, com'ha bom semelhar?
eu mirey-la das arenas,
des entom me fez penar ;
eu das arenas la mirey,
des entom sempre peney.
Se a non viss'aqucl dia,
muyto me fora melhor,
mays quis dés enlonce, e via
mui fremosa, mha senhor ;
eu das arenas la mirey
des enton sempre peney.
Se a non viss'aquel dia
que se fezera de min
mays quis deus entonc'e vya
nunca tam fremosa vi ;
eu das arenas la mirey,
des enton sempre peney.
826
— Pedr'amigo. quer'ora hua rem
saber de vós, se o saber poder,
do râfrep'ome que vay bem querer
muy boa dona de que nunca bem
atende já, e o bõo que quer
outro sy bem muy râfTeçe molher,
pêro que lh'esta queira fazer bem,
qual (Testes ambos é de peyor sen?
156
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
<( Joham Baveca, lod'ome sse tem
com muy bõ home, e quero-m'eu teer
logo com el raays por sem conhocer
vos tenh'ora que nom sabedes quem
ha peor sen, e poys vol-eu disser
vós vos terredes com qual m'eu tever
et que ssabedes vós que ssey eu quem
o râfFeç'ome de peyor sen.
— Pedr'amigo, des aqui enlençom
ca me nom quer'eu com vos^outorgar
o râffe^ome a que deus quer dar
enlendiraenfen algua sazom
de querer bem a muy boa ssenhor,
este nom cuyda fazer o peor
e quem molher râffeçfa gram sazom
quer bem, nom pode fazer se mal nom.
« Joham Bavec', e fora da razom
sodcs, que nTante fostes preguntar
ca muy bom home nunca podess'ar
de fazer bem, assy deus me perdon';
e o râflep'ome que vay seu amor
empregar hu desasperado for,
este faz mal, assy deus me perdon',
et esfé sandeu el esfoutro nom.
— Pedr'amigo, râífep^me nom yy
perder per mui boa doa servir,
mays vi-lh'o sempre loar e graçir
et o muy bõ home pois tem cabo sy;
molher râflep'esse non paga d'al,
et pois el entende o bem et o mal
et por esto nom a quanfa desy,
tanfé melhor, tanferra mays hy.
« Joham Baveca, des quand'eu naçi
esto vy sempre oy de partir
do muy bõ home de lh'a bem sayr
sempre que faz, mais creede per mi
do râffe^ome que ssa comunal
nem quer servir et serve senhor tal
porque o tenham por ley'e por vil
quanfela he melhor, tanferra mays hy,
— Pedr'amigo, esso nada nom vai,
ca o que ouro serv'e uom ai
o avarento semelha desy,
e parta-s^sla tençom por aqui.
« Joham Baveca, nom tenho por mal
de se partir; pois ouro serv'a tal
que nunca pode valer mais per hy,
et julguem-nos da lenç om por aqui.
JOHAM BAVECA
827
Amiga, dizem que meu amig'ha
por mi tal coyta que nom a poder
per nulha guysa d'un dia viver
se por mi non, e vedes quanta a;
se por mi morre flqu'eiid'eu mui mal,
se lh'ar faço algum bem outro tal.
E Iam coytad'é com'aprendi eu
que o nom pode guarir nulha rem
de morte jà, se lh'eu nom faço bem,
mays vedes ora contestou end'eu;
se por mi morre fiqu'end'eu mui mal,
se lh'ar faço algum bem outro tal.
Dizem que é por mi coytad'assy
que quantas cousas en o mundo som
nom lhi poder dar vida se eu nom
e este preyto c'a é-m'ora assy;
se por mi morre fiqu'end'eu mui mal,
se Ih'ar faço algum bem outro tal.
E amiga, per deus, conselho tal
mi dade vós que nom íiqiTend eu mal.
828
— Por deus, amiga, preguntar- vos-ey
do voss^njigo que vos quer gram bem
se ouve nunca de vós algum ben,
que m'ho digades e gracir-vol-ey.
t< Par deus, amiga, eu vol-o direy:
servyu-me muyfe eu por lhi fazer
bem, el foy outra molher bem querer.
— Amiga, vós nom fezestes razom
de que perdestes voss^mig^assy
quando vos el amava mais c'a ssy;
porque lhe nom fezestes bem entom?
« Eu vos direy, amiga, porque nom:
servyu-me muyfe eu por lhi fazer
bem el foy outra molher bem querer.
— Vedes, amiga, meu sen est a tal
que poys vos amigo dar quiser
que vos muyfame e vos gram bem quiser,
bem lhi devedes fazer, e nom mal.
<( Amiga, non lhi pud'eu fazer ai;
servyu-me muyfe eu por ihi fazer
bem el foy outra molher bera querer.
829
— Ay amiga, oje falou comiguo
o voss'amigo, e vy-o tam coytado
porque nunca vi tanfome nado
ca morfera se lhi vós nom valedes.
v Amiga, quand'eu vir que é guysado
valer-llTey, mays nom vos maravilhedes
d'andar por mi coytado meu amigo.
— Per boa fé, amiga, bem vos digo
que hu estava migu'em vós falando
esmoreceu, e bem assy andando
morrerá se vos d'el doo nora filha.
« Sy, filha-m', ay amiga, já quando
mays nom tenhades vós por maravilha
d 'andar por mi coytado meu amigo.
— Amiga, tal coita d'amor ha sigo,
que jà nunca dorme noyle nem dia
coydand'em vós, e par Santa Maria
sem vosso bem non o guarirà nada.
« Guarrey-o eu, amiga, todavya,
mays nom vos façades maravilhada
d'andar per mi coytado meu amigo.
JOHÀM BAVECA
157
830
Amigo, sey eu que ha mui gram sazom
que trobastes sempre d'amor por mi,
e ora vejo que vos travam hy,
mays nunca deus aja parte comigo,
se vos eu des aqui nom dou razom
per que façades cantigas d'amigo.
E poys vos eles teem por melhor
de vós enfengir de que vos nom Tez
bem, poys naceu, nunca nenhuma vez;
e porem des aqui vos digo,
que eu vos quero dar razom cTamor
per que façades cantigas cTamigo
E sabe deus, que (Testo nulha rem
vos nom cuydava eu ora fazer,
mays poys vos cuydam o Irobar tolher
ora verey o poder qup am sigo,
cà de tal guysa vos farey eu ben
per que façades cantigas d'amigo.
831
Pesa-ml^amiga, por vos nora meptir,
d 'unhas novas que de mi e do meu
amig^y, e direy-vol-as eu;
dizem que )h'entendem o grancTamor,
que a comigu', e se verdade for
por maravilha pod'a bem sayr.
E bem vos digo que des que oy
aquestas novas sempre trisfandey,
ca bera entend'e bem vej'e bem sey
o mal que nos d'este preyfaverrá,
poys lh'entenderem ca posto x'é jà
de morrer eu por el et el por mi.
Ca poyl-o souberem, el partida
de nunca jà mays viir a loguar
hu me veja, tanto m'ande guardar
vedel-o morto per esta razom,
poys bem sabedes vos de mi que nom
poss'eu sem el viver per boa fé.
Mays deus que sabe o gram ben que nfel quer
et eu a el quando vos for mester
nos guarde de mal, se vir ca bem é.
832
— Filha, de grado queria saber
de voss^amig^e de vós hunha rem:
como vos vay ou como vos avem?
« Eu vol-o quero, mha madre, dizer:
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi,
e bem vos digo que nom a mays hy.
— Filha, nom sey se a hi mays senom,
mays vejo-vos sempre com el falar
e vejo-vos chorar et el chorar?
« Nom vos terrey, madre, hi outra razom;
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi,
e bem vos digo que nom a mays hy.
— Se m'o negardes, filha, pesar-m'ha
ca se mays a hy feyf a como quer
outro conselh T avemos hi mester.
« Já vos eu dixi, madre, quanfi a;
quero-lh'eu bem, e quel-o el a mi,
e bem vos digo que nom a mays hy.
833
Voss'amenaç', amigo, nom é rem
ca de pram ouvestes toda sazom
a fazer emquanfeu quisesse ai non •
Ê por rogo, nem por mal, nem por bem;
sol nom vos pos^esta hyda partir.
Nunca vos já de rem ey a creer,
ca sempr'ouvestes a fazer por mi
quanfeu mandass 7 e mentides-n^assy,
ib pêro faç'i todo meu poder,
sol nom vos poss'esta hyda partir.
Que nom ouvess'antre nós qual preyto a,
per qual vos foy sempre mester,
deviades per mi a fazer que quer,
e pêro vos mil vezes roguei já,
sol nom vos poss'esta hyda partir.
834
Amigu'entendo que nom ouvestes
poder d'alhur viver e vehestes
a mha mesura, e nom vos vai rem
ca tamanho pesar mi fezestes
que jurey de vos nunca fazer bem.
Quizera-m'eu nom aver jurado,
tanto-vos vejo viir coitado
a mha mesura, mas que prol vos tem,
ca hu vos fostes sem meu mandado
jurey que nunca vos fezesse bem.
Por sempre sodes de mi partido
e nom vos a prol de seer viido
a mha mesura, e gram mal me ven
ca jurey tanto que fostes bido
que nunca já mays vos fezesse bem.
835
— Como cuydades, amiga, fazer
das grandes juras que vos vi jurar
de nunca a voss , amigo perdoar,
ca vos direy de qual guisa o vi,
que sen vosso bem, creede per mi,
que lhi nom pode rem morte tolher.
« Tod f ess', amiga, bem pode seer,
mays punharei eu jà de me vingar
do que m'el fez, e se vos eu pesar
que nom façades ao voss'assy
ca bem vistes quanto lhi defendi
que se nom foss'e nom me quis creer.
— Par deus, amiga, vingança sem sen
nunca vós faredes se deus quiser
a meu poder, nem vos era mester
de a fazer, ca vedes quanfi a;
se voss'amigo morrer, morrerá
por bem que fez, e nom per outra rem.
158
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANa
« Amiga, nom poss'eu teer por bera
o que m'el faça. a quem o tever
per bem tal aja cTaquel que bem quer,
mas sem morfe nunca lhi mal verrà,
per boa fé que mi nom praza en,
pêro (Tel morrer nom mi prazerá,
836
Amigo, vós nom queredes catar
a nulha rem, se ao vosso nom,
e nom catades tempo, nem sazom
a que venhades comigo falar;
e nom querades, amigo, fazer
per vossa culpa mi e vós morrer.
Ca n'outro dia chegastes aqui
a tal sazom, que ouv'eu tal pavor,
que por seer d'este mundo senhor
nom quizera que vehessedes hi;
e nom querades, amigo, fazer
per vossa culpa mi e vós morrer.
E quem molber de coraçom quer bem
a meu cuydar punha de s'encobrir
e cata temp'e sazom pêra hir
hu ela est, e a vós nom avem ;
e nom querades, amigo, fazer
per vossa culpa mi e vós morrer.
Vós nom catades a bem nem a mal,
nem do que vos pois d'aquesta verrà
senom que pas T o vosso hu averrá,
mays en tal feyto muyfa mester ai';
e nom querades, amigo, fazer
per vossa culpa mi e vós morrer.
837
Madr', o que sey que mi quer mui grambem
e que sempre fez quanto lh'eu mandey,
e nunca lhi d'eslo galardon dey,
mha madre, vem e el quer já morrer
por mi d'amor, e se vos prouguer en
vós catad'y o que devo fazer.
Ca nom pode guarir se per mi nom,
ca o am'eu e el des que me vyu
quanto pod'e soube me servyu
mays poys lh'eu poss'a tal coyta valer
conTé de morte, se deus vos perdon'
vós catad'y o que devo fazer.
Ca d'el morrer, madre, per boa fó
mi pesaria quanto mi pesar
mays podesse, ca em todo logar
me serviu sempre todo seu ser;
e pois veedes confesle preyfé
vós catad'y o que devo fazer.
838
Ora veerey, amiga, que fará
o meu amigo, que non quis creer
o que lh'eu dix'e soube-me perder,
ca de tal guysa me guardam d'el já,
que non ey poder de fazer ren
por el, mays esto buscou el mui bem.
El quis cumprir sempre seu coraçom
e soub'assy ssa fazenda trager,
que tocfome nos podfantender,
e pois aqueslas guardas tantas son,
que non ey poder de fazer ren
por el, mais esto buscou el mui bem.
E pêro lh'eu já querro des aqui
o mayor ben que lhi possa querer,
poys non poder non lhi farey prazer,
e digo que me guardam assy,
que non ey poder de fazer ren
por el, mais esto buscou el muy bem.
E vedes vós, assy contep'a quen
non sab'audar en tal preyto con sen.
839
Amigo, mal soubestes encobrir
meu feyfe voss'e perdestes per hy,
mi e vós, e oy mays quen nos vyr
de tal se guarde se molher amar,
fllh'aquel ben que lhi deus quiser dar,
e leyx'o mays e pass'o temp'assy.
Cá vós quisestes aver aquel ben
de mi que vos non podia fazer
sen meu gram dan'é perdestes poren,
quanto vos anfeu fazia d'amor;
e assy faz quen non é sabedor
de saber bem poys lh'o deus dá a soflrer.
E bem sabedes camanho terap'ha
que m'eu d^quest', amigo, recehey,
em que somus, e poys que o ben já
non soubestes sofrer, solred'0 mal,
ca m'end'eu queyra fazer ai
demo lev'o poder que end'ey.
PÊRO DAMBROA
840
Ay meu amigo, pêro vós andades
jurando sempre que mi non queredes
bem anfas donas quando as veedes,
entendem elas cá vós perjurades,
e que queredes a mi tam gram bem
congelas querem os que queren ben.
E pêro vós anl'ela* jurar hides
que non fazedes quanto vos eu mando,
quanto lhis mays hides en mi falando
ai entendem mays que lhis mentides,
e que queredes a mi tam gran bem
com'elas queren os que queren ben.
E andad'ora de camanho preyto
vós vos quiserdes andar toda vya,
cá o cantar vosso de maestria
entenden elas que por mi foy feyto,
e que queredes a mi tam gram bem
com'elas querem os que queren ben.
MARTIN PEDROZELLOS
159
PAYO CALVO
841
Foy-ss'o namorado* madr'e nõ vejo
e vyv'eu coytada e moyro con desejo ;
torlo mi ten ora o meu namorado,
que tanf alhur mora e sen meu tnandado»
Foy-ss'el coti perfla por mi fazer guerra
nerabrar-se devya de que mUyto nferra;
torto mi tem ora o meu namorado,
que tanfalhur mora e sen meti mandado,
De pran con mentira mh'andava sem falha,
ca se foy con ira, mays se deus mi Valha
torto mi ten ora o meu namorado
que tanfalhur mora e sen meu mandado.
Non quis meter guardado min que seria,
e quanf el tarda, e per seu mal dia,
torto mi ten ora o meu namorado
que tanfalhur mora, e sen meu mandado.
842
Foy-ss'o meu perjurado
e non nfenvya mandado,
desejal-o-cy.
Ay madr'ò que ben queria
foy-ss'ora d'aqui sa vya ;
desejalo-ey.
Se non nfenvyou mandado
de deus lhi seja buscado;
desejal-o-ey.
Poys mandado nom m'envya,
busque-Ilf o sancta Maria ;
desejal-o-ey.
MARTIN PEDROZELLOS
843
Eu louçana, em quanf eu viva for
nunca ja mays creerey por amor,
poys me mentiu o que namorey ;
nunca jamays per amor creerey
poys me mentiu o que namorey.
E poys m'el foy a sseu grado mentir
des oy mays me quer'eu d'amor partir,
poys me mentiu o que namorey ;
nunca jamays per amor creerey,
poys me mentiu o que namorey.
E direy-vos que lhi farey por en,
d'amor non quero seu mal nen seu ben,
poys me mentiu o que namorey ;
nunca jamays per amor creerey,
poys me mentiu o que namorey.
844
Gram sazom ha, meu amigo,
que vós vos de mi partistes,
en Valongu'e non m'ar vistes,
nen ar ouv'eu depoys migo
de nulba ren gasalhado,
mays nunca tan desejado
d'amiga fostes, amigo.
Nen vos dirá nunca molher
que verdade queyra dizer,
nen Vós non podedes saber
nunca per outrem, se deus quer,
ou se eu verdad'ey migo
que nunca vistes amigo
tan desejado de molher.
Pêro ouvestes amiga
a quem quisestes mui gram bem,
a min vos lomade por en,
se achardes que vos diga ;
se non, assy com'eu digo,
que nunca vissem amigo
tan desejado d'amiga.
845
c Amig'aVya queixume
de vós e quero mh'0 perder,
poys vehestes a meu poder,
— Ay meu senhor e meu lume,
se de mi queixum'avedes,
por deus que o melhoredes.
tTanf era vossa queixosa
que jurey en San Salvador,
que nunca vos fezess'amor.
— Ay mha senhor mui fremosa ;
se de mi queixum'avedes,
por deus que o melhoredes.
«Amigu^n poder sodes meu,
se m'eu de vós quiser vingar,
mays quero mi vos perdoar.
— Ay senhor por ai vos rogu'eu
se de mi queixum'avedes,
por deus que o melhoredes.
De min que mal dia naçi
senhor se vol-o mereci.
846
Madr', envyou-voFo meu amigo
oje dizer que vos veeria
se ousasse par sancta Maria,
se o vós ante falardes migo,
se el vir vós nen min per meu grado,
san Salvador mi seja hirado.
De Valongo pêro se espreylada
som de vós, cá lhi quero gram ben,
nunca lh'o quix pois naci, e por en
se creerdes, madre loada,
se el vir vós nen mi per meu grado,
san Salvador mi seja hirado.
De Valongo, cá se foy el d'aqui
sem meu mandad'e non me quis veer,
e ora manda-vos preyto trager,
160
CANCIONEIRO PORTUOUEZ DA VATICANA
que vos veja por tal que vej'a min ;
se el vir vós neu mi per meu grado*
san Salvador mi seja hirado.
E ssey ben que non é lan ousado
que vos el veja sen vosso grado;
847
Ay meu amigo, coytada
vyvo porque vos non vejo*
e poys vos tanto desejo,
en grave dia foy nada,
se vos ced'o meu amigo
non fazo prazer e digo :
Poys que o cendal venci
de parecer en Valongo,
se m'ora de vós alongo,
en grave dia naçi ;
se vos ced'o meu amigo
non fazo prazer e digo :
Por quantas vezes pesar
vos fiz de que vos amey,
alguma vez vos farey
prazer e dés non m'ampar'
se vos ced'o meu amigo
non fazo prazer e digo»
848
Por deus, que vos non pes',
mha madr'e mha senhor,
d'ir a San Salvador,
ca se oje hy van três
fremosa, eu serey *
a hunha, bem o sey.
Por fazer oraçon
quer'oj'eu a lá hir,
e por vos non mentir
se oj'i duas son
fremosas, eu serey
a hunba, ben o sey.
Hy é meu amigo, ay
madre hil-o-ey veer,
por lhi fazer prazer;
se oj'i hua vay,
fremosas, eu serey
a hunha, bem o sey.
849
Amigas, sejo cuydando,
no meu amigo, porque non
ven, e sal-m'este corazon,
e estes olhos chorando,
que me nom pode guarir ren
de morte, se cedo non ven.
E ando maravilhada
porque tanto tarda, se é '
viv'e saben per boa fé
cá vyv'oj'eu tan coitada
que me non pode guarir ren
de moíte, se cedo non ven.
850
Fostes-vos vós, meu amigo d'aqui
sen meu mandad', e nulha ren falar
mi non quisestes, itiays oj'ao entrar
se por mesura nón fosse de mi
se vos eu vira, non mi venha ben
nunca de deiis, nen dor ende m'oje ven.
Cá vos fostes sen meu mandada sey
que mi pesava muy de corapon,
e, meu amigo, deus non mi perdon'
se por mesura non fosse que ey,
se vos eú non vira, non mi venha ben
nunca de deus, nen dor ende m'oje vem.
San Salvador sabe que assy é
cá vos fostes mui sen o meu prazer,
e quando m'oje non vehestes veer
se por mesura non foss', a lá fé,
se vos eu non vira, non mi venha ben
nunca de deus, nen dor ende m'oje vem.
851
Hido Tay meu amigo
led'a San Salvador,
eu vosc'ay hirey leda,
e poys eu vosco for,
muy leda hirey, amigo,
e vós led'a comigo.
Pêro sou guardada
todavya quer'hir
con vosc'ay meu amigo,
se m'ha guarda non vyr,
muy leda hirey, amigo,
e vós led'a comigo.
Pêro soõ guardada
todavya hirey
com vosc'ay amigo
se a guarda non ey,
muy leda hirey, amigo,
e vós led'a comigo.
852
Deus, e que cuydey a fazer
quando m'eu da terra quitey,
hu mha senhor vi, baratey
mal, porque o fuy cometter,
ca sey que non posso guarir
per nulha rem se a non vir;
deus, e que cuydey a fazer I
Sandep'e devia perder,
amigus, por quanto provey
de m'end'alongar, e direy
vos : mays nom posso sofrer ;
e cuydo sempre tornar hy
e fiz por quanto m'eu party,
sandipe, e devia perder
LOPO JOGRAR
161
O corpo, ca non oulr'; a ver
tocTaqueste eu mh'o busquey
muy ben, e lazeral-o-ey,
ca sey ca non posso viver
pelo que flz ; e assy é
que perderey per boa fé
o corpo, ca nom oulr'aver.
Mais quen me podia valer
se nom dés, a quen rogarey
que me guise d'ir e hirey
ced'u a vi pola veer,
ca rton sey ai tan muyfamar
e se mel eslo non guisar
quem me poderia valer ?
LOPO, jognr
853
Por vós, meu amigo, morar
queredes en casa dei rey,
íazed'end'0 que vos direy;
se nostro senhor vos empar';
doede-vos vós de meu mal
porque vos lev'e nom por ai.
854
Polo meu mal filhou el rey
de mar a mar, assy deus mi perdoíi\
ca levou sigo o meu corazon
e quanio ben oj'eu no mund'ey;
se o el rey sigo non levasse '
mui ben creo que migo ficasse.
O meu amigu'e meu lurrfe meu bem
non s'ouver'assy de mi a partir,
mays ante se m'ouvera a espedir,
e veed'ora qual é o meu sen ;
se o el rey sigo non levasse
mui ben creo que migo ficasse.
meu amigo, poys con el rey é
a mha coyta e qual pode seer
semelha-mh'a mi já par de morrer,
esto vos digira per boa fé ;
se o el rey sigo non levasse
mui ben creo que migo ficasse.
855
And ora triste fremosa
porque se foy meu amigo
con sanha, ben vol-o digo,
mays eu soo aleyvosa
se ss'el foy pol-o seu ben
ca sey que mal hi verrà en.
E bem vol-o juro, madre,
poys que ss el foy noutro dia
sanhud'e non mho dizia;
non fui filha de meu padre
se ss'el foy pol-o seu ben,
ca sey que mal hi verrà en.
SI
Poys que m'eu d'el muito queixo
e fui por el mal ferida
de vós. mha madre velida,
non logfeu este meu soqueixo,
se ss^l foy pol-o seu ben,
ca sey que mal hi verrà en.
856
Porque se foy meu amigo
sen o meu grad'alhur viver,
e se foy sen o meu prazer
jànon falará comigo
nenhunha rem que el veja
de quanio de mi deseja.
Porque se foy a meu pesar
e sse foy sen o meu prazer,
esto li cuyd'eu a fazer
ca sey que non a pod^acabar
nen hunha rem que el veja
de quanto de mi deseja.
857
Filha, se grado edes
dizede, que avedes :
non mi dam amores vagar.
Filha, se bem ajades
dizecTe non mençades:
non mi dam amores vagar.
Dizede, poys vus mando,
porque lh'ides chorando :
nom mi dam amores vagar.
Par san Leuter vos digo,
cuydand'en meu amigo:
non mi dam amores vagar.
858
Por_deus vos rogo, madre, que mi digades
que vos mereci, que mi tanto guardades
d'ir a san Leuter falar com me'amigo?
Fazede-mh'ora quanto mal poderdes,
ca non me guardaredes pêro quiserdes,
(rir a san Leuter falar com me'amigo.
Nunca vos flz ren que non devess'a fazer,
e guardades-me tanto que non ey poder
d'ir a san Leuter falar com me'amigo.
859
Disserom-m'agora do meu namorado
que se foy sanhude sen o meu mandado;
e porque s'assanhou agora o meu amigo ?
Sabe-o san Leuter a que o eu muyto roguey
que non mereci porque o sanhud'ey ;
e porque s 1 assanhou agora o meu amigo?
Non lh'o mereci, ca nunca poys Iby nada,
madre, fuy hu dia por el mal julgada,
e porque s'assanhou agora o meu amigo?
162
CANCIONEIRO PORTUGUJSZ DA VATICANA
860
Assanhou-se, madr'o que mi quer gram bem
contra mi endoad'e foy-ss'ora d'áquem,
e sse soubess'eu, madre, ca mi sanhud'ya,
desassanhal-o-ya.
Sabe-o san Leuler, a que o roguey,
que o non mereci, pêro o sanhudei
e sse soubess^u, madre, ca mi tanhud^a
desassanhal-o-ya. v
Assanhou-ss'e foy-sse sen o meu prazer,
e quando mh'o disseron non o quis creer,
e sse soubess'eu, madre, ca mi sanhucTya,
desassanhal-o-ya.
GALISTElí FERNANDIZ
861
O voss'amigo fby-ss'oje d'aqui
mui triste, araig', assi mi venha ben,
porque non ousou vosco Talar ren,
e manda-vos esto roguar por mi:
que perca já de vós med'e pavor,
e falara vosc', amiga, melhor.
O voss'amigo non pode perder
pavor, amiga, se por esto non
perdoardes-lhi de corapon ;
e manda-vos el roguar e dizer :
que perca jà de vós med'e pavor,
e falará vosc', amiga, melhor.
Quantlo-ss'el foy chorou muytod'osseus
olhus, amiga, se mi venha ben,
porque non ousou vosco falar ren,
e manda-vos esto rogar, por deus,
que perca já de vós med'e pavor,
e falará vosc', amiga, melhor.
Veja-se vosqu', e perderá pavor
que ha de vós, et esfé o melhor.
862
Meu amigo sey ca se foy d'aqui
trist', amiga, porque m'ante non vyu,
e nunca mays depoys el ar dormiu,
nen eu, amiga, des que o non vi ;
nunca depoys dormi per boa fé
des que s'el foy, porque non sey que é
D'el, amigas ; e agora serey
morta porque o non posso saber,
nem mi sab'oje nulh'ome dizer
o que d'el est, et mays vos eu direy :
nunca depoys dormi per boa fé
des que s'el foy, porque non sey que é
D'el, amigas; ç and 'ora por en
tan triste que me non sey conselhar,
nem mi sabome oje recado dar
se verra ced'e mays vos direy en :
nunca depoys dormi per boa fé
des que s'el foy, porque nom sey que é
D'el, amigas ; e sse el coytad'é
por mi e eu por el, per boa fé.
863
«Por deus, amiga, que pode seer
do voss'amigo, que morre d'amor
e de morrer a jà muy grã sabor
poys que non pode vosso ben aver.
— Non o averâ en quanfeu viver,
ca já lhi diss'eu que se parliss'en,
e sse ha coyta, que a sofra ben.
«Tenl^eu, amiga, que prol non vos a
do voss'amigo ja morrer assy,
ante tenho que o perdes hi
se por ventura voâso ben non a.
— Par dês, amiga, non o averá ja,
ca já lhi disseron que se partiss'en,
e sse ha coyta, que a sofra ben.
«Ben sodes desmesurada molher,
se voss'amor non pod'aver de pram,
e ben sey que por mal vol-o terran,
amiga, se vosso ben non ouver.
— Nunca o averá, se deus quiser^
ca já lhi disseron, que se partiss'en,
e sse ha coyta, que a sofra ben.
« Pai dês, amiga, mui guisado ten
de sofrer coita, pois quer morrer por en.
— Se morrer moyra, ca non dou eu ren,
d'assy morrer ante mi praz rauyfen.
« Por ess'amiga, venha mal a quen
vos amar, poys tal preyto por vós ven.
864
Dizem do meu amigo ca mi fez pesar,
pêro veo-m T ora, amigas, rogar :
ca mi queria tanto pesar fazer
quanto querria de mi receber.
Disserom-m ay amigas, ca mi buscou mal
pêro veo-m'ora jurar jura tal :
ca mi queria tanto pesar fazer
quanto querria de mi receber.
Sousel estas novas e veõ ante mi
chorand'ay amigas, e jurou-m'assy :
ca mi queria tanto pesar fazer
quanto querria de mi receber.
•
LOURENÇO jograr
865
« Hir-vos queredes, amigo
mays mi de vós mui cedo?
— Ay, mha senhor, ey gram medo
de tardar, ben vol-o digo,
ca nunca tan cedo verrey
que eu non cuyde que muylo tardey.
« Amigo, rogo- vos aqui
que mui cedo vos venhades:
LOURENÇO JOGRAR
163
— Senon porque me rogades,
cà sey ben que será assy,
ca Duoca tan cedo verrey
que eu non cuyde que muyto tardey.
«Amigo, vossa prol será,
poys que vos hides, de non tardar.
— Senhor, que prol m'hade jurar,
ca sei ben quanto mh'averrâ,
ca nunca tan cedo verrey
que eu non cuyde que muyto tardey.
E senhor, sempre cuydarey
que tardo muyto, e que farey ?
«Meu amigo, eu vol-o direy,
se assy for, gracil-vol-o-ey.
866
Hunha moça namorada
dizia hun cantar d'amor,
e diss'ella: «Nostro senhor,
oj'eu foss'aventurada,
que oyss'o meu amigo,
com'eu este cantar digo.»
A moça ben parecia,
e en sa voz manselinha
cantou, e diss'a meninha:
« Prouguess'a sancta Maria,
que oyss'o meu amigo,
com'eu este cantar digo.»
Cantava muy de coraçon,
e mui fremosa estava,
e disse quando cantava :
« Pejfeu a deus por pediçom,
que oyss'o meu amigo,
com'eu este cantar digo.»
867
Três moças cantavam d'amor
mui fremosinhas pastores,
mui coytadas dos amores
e diss^end^unha mha senhor:
Dized'amigas, comigo
o cantar do meu amigo.
Todas três cantavam mui bem
com 1 é moças namoradas,
e dos amores coitadas,
e diss'a per quem perc'o sen:
Dized', amigas, comigo
o cantar do meu amigo.
Que gram sabor eu avya
de as oyr cantar entom,
e prougue-mi de coraçon
quanto mha senhor dizia :
Dized'amigas, comigo
o cantar do meu amigo.
E sse as eu mays oysse
a que gram sabor estava
e que muyto me pagava,
de como mha senhor disse:
Dizcde, amigas, ctmigo
o cantar do meu amigo.
868 •
Assaz é meu amigo trobador,
ca nunca ss'ome defendeu melhor
quanto sse torna en trobar
do que ss'el defende por meu amor
dos que van con el entençar.
Pêro o muytos vêem cometer
tan ben se sab'a todos defender,
en seu trobar per boa fé,
que nunca o trobadores vencer
poderom, tam trobador é.
Muytus cantares ha fey per mi
mays o que llTeu sempre mays gradeei
de como sse ben defendeu
nas entenções que eu d'el oy,
sempre per meu amor venceu.
E aquesto non sey eu per mi,
senon por que o diz quen quer assy
que o en trobar cometeu.
869
. Amiga, des que meu amigo vi
el por mi morre, e eu ando desy
namorada.
Des que o vi primeyro Uri faley,
e el por mi morre e eu d'el fiquey
namorada.
Des que nos vimos assi nos aven
el per mi morre, e eu ando por en
namorada.
Des que nos vimus vedel-o que faz,
el per mi morre, e eu and 'assaz
namorada.
870
Já'gora meu amigo filharia
de mi o que el tinha por pouco
de falar migo cà tanfera louco,
contra mi, que a vida mays querria ;
e já filharia se m'eu quizesse
de falar migu'e nunca Ih ai fezesse.
Tan muyto mi dizen que é coitado
por mi des quando non falou comigo,
que non dorme, nen ha sen comsigo,
nem sabe de si parte nem mandado ;
e já filharia se m'eu quisesse
de falar migu'e nunca lhal fezesse.
Ca esfé Tome que mays demandava
e non ar quis que comigo falasse,
e ora jura que já sse quitasse
de gram sandiç'en que m'ante falava ;
e já filharia se m'eu quizesse
de falar migue nunca lh'al fezesse.
E jura ben que nunca mi dissesse
de lh'eu fazer rem que mal me'stevesse ;
1S4
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
En tâl que comigo falar podesse
já non a preito que mi non fezesse.
'• 871
Amiga, quero-m'ora cousecer
se ando mays leda por hunha ren,
porque dizen, que meu amigo ven ;
mays a quen me vir querrey parecer
triste quando souber que el verrá,
mays meu corapon muy ledo será.
Querrey andar triste por lhy mostrar
ca mi non praz, assi dês mi perdon',
pêro ai mi tenho eu no corapon ;
mas a quem me vir querrey semelhar
triste quando souber que el verrá,
mays meu corapon muy ledo será.
Pêro, amigas, sempre receey
d'andar triste quand'o gram prazer viir,
mays ey-o de fazer por m'encobrir,
e á força de mi parecerey
triste quando souber que el verrá,
mays ftieu corapom muy ledo será,
#
GOLPARRO
872
Mal fap'eu, velida, que ora non vou
veer meu amigo, poys que me mandou
que foss'eu con el en a sagrapon
fazer orapom a san Treepon ;
d 'ir ey corapon
a san Treepon.
E nom me devedes, mha madr'a guardar,
ca sse lá non for, morrerey con pesar,
ca hu ss'el hya disse-m'esta razon:
fazer orapon a san Trceçon
d'ir ey corapon,
a san Treepon.
JOHAM DE CANGAS
873
En san MamecTu sabedes
que vistel-o meu amigo,
oj'ouvera seer migo,
mha madre, fé que devedes
leixedes-mh'o hir veer.
O que vistes esse dia
andar per mi mui coytado,
chegou-m'ora seu mandado,
madre, per sancta Maria,
leixedes mh'o hir veer.
E poys el foy da tal ventura
que sofreu tan muyto mal
per mi e ren non lhi vai,
mha madre, e per mesura,
leixedes-mlfo hir veer.
Eu serey per el coitada
poys el é por mi coitado,
se de deus ajades grado,
madre ben aventurada,
leixedes-mh'o hir veer.
874
Fuy eu, madrVsan Mamed!u me cuydey
que veess'o meu amigu'e non foy hi
por mui fremosa que triste m'eu parti,
e dix'eu como vos agoradirey:
poys hy non ven, sey hunha ren,
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben.
Quand'eu a san Mamede fui e non vi
meu amigo con quem quisera falar,
a muy gram sabor nas ribeyras do mar
sospirey no corapon e dix'assy :
pois hi non ven, sey hunha ren,
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben.
Depoys que fiz na ermida orapon
a non vi o que mi queria gram ben,
com gram pesar filhou-xi-me gram tristen,
e dix'eu log 7 assy esta razon :
poys hi non ven, sey hunha ren,
por mi se perdeu, que nunca lhi fiz ben,
875
Amigo, se mi gram bem queredes,
bid'a san Mamed'e veer-m'edes;
oje non mi menpades, amigo.
Poys nfaqui ren nom podedes dizer,
hid'u ajades comigo lezer ;
oje non mi menpades, amigo.
Serey yosqu'en san Mamede do mar,
na ermida, se mh'o deus aguisar ;
oje nom mi menpades, amigo.
MARTIN DE GIIZO FltAYSÕ?)
87a
E como vyvo coy tada, madre, por meuamigo
ca m'envyou mandado, que se vay no ferido ;
e por el vyvo coytada.
Como vyvo coytada, madre, por meu amado,
ca m'envyou mandado que se vay no fossado;
e por el vyvo coytada.
Cá m'envyou mandado que se vay no ferido ;
eu a santa Cecilia de corapom o digo,
e por el vyvo coytado.
Ca m'envyou mandado que sse vay no fossado;
en a santa Cecilia de corapom o falo :
e por el vyvo coytada.
877
Se vos prouguer, madroj'este dia
hirey oj'eu fazer orapum
MARTIN DE GIIZO
165
e chorar muyfen santa Cecília,
doestes olhos meus, e de coraçon,
ca moyr'eu, madre, por meu amigo,
e el morre por falar comigo.
Se vos prouguer, madre, d'esta guisa
hirey a là rohas candcas queimar,
en o meu mant'en a mha camisa
a santa Cecília anfo seu altar;
ca muyr'eu, madre, por meu amigo
e el morre por falar comigo.
Se me leixardes, mha madr'a la hir
direy-vos ora o que vos farey,
punharey sempre já de vos servir,
e doesta hida muy leda verrey ;
ca moyreu, madre, por meu amigo,
e el morre por falar comigo.
878
Treydes, ay mha madi^en romaria
ora hu chamam sancta Cecília,
e louçana hirey
ca já hy esto que namorey,
e louçana hirey.
E treydes migo, madre, de grado,
ca meu amigu'é por mi coitado,
e louçana hirey ;
cá ja hy esfo que namorey
e louçana hirey
Orar hu chamam saneia Cecília,
poys n^aduss^o que ben queria,
louçana hirey
cajá hy esfo que namorey
louçana hirey.
Ca meu amigu'é por mi coitado,
e poys eu non farey seu mandado, •
e louçana hirey
cajá hy cst o que namorey
louçana hirey.
879
Nom poss>u, madre, ir a sancta Cecília,
ca me guardades a noyfe o dia,
do meu amigo.
Non poss'eu, madr'aver gasalhado,
ca me non leixades fazer mandado,
do meu amigo.
Ca me guardades a noyfe o dia,
morrer-vos-ey con aquesta perfla,
por meu amigo.
Ca mi non leixades fazer mandado,
raorrer-ves-ey com aqueste cuydado
por meu amigo.
Morrer-vos-ey com aquesta perfla,
e sse me leixassedes hir guarria
con meu amigo.
Morrer-vos-ey com aqueste cuydado,
e ss'er quiserdes hirey mui de grado
com meu amigo.
880
Ay vertudes de sancta Cecília,
que sanhudo que se foy hun dia
o meu amigo ; e tem-se por morto
e se ssa sanha non faz hy torto
o meu amigo e tem-se por morto.
Ay vertudes de sancta ermida,
com gram pesar fez aquesta hida
o meu amigo; e lem-se por morto
e se ssa sanha non faz hi torto
o meu amigo, e tem-se por morto.
♦
881
Non mi digades madre mal, e irey
veel*o, se verdade que namorey
na ermida do Soveral,
hu m'el fez muytas vezes coytada estar,
na ermida do Soveral.
Non mi digades madre mal, se eu for
veel-o, s'en verdad T é o mentidor,
na ermida do Soveral,
hu m'el fez muytas vezes coytada estar
na ermida do Soveral.
Se el non ven hi, madre, sey que farey
el será sen verdad'e eu morrerey
na ermida do Soveral,
hu m'el fez muytas vezes coytada estar
na ermida do Soveral.
Rogu'eu sancta Cecília e nostro senhor,
que ach'oj'eu hy madr'o meu traedor
na ermida do Soveral,
hu m'el fez muytas vezes coytada estar
na ermida do Soveral.
882
Nunca eu vi melhor ermida nem mais santa
e que sse de mi enflnge e mi canta ;
disserom-mi que a ssa coyta sempr'avanta
por mi deus a-vos grado,
e dizen-mi que é cuydado
por mi o perjurado.
Martin Codaz, esta non acho fechada . . .
883
A do muy bon parecer
mandou lo adufle tanger;
louçana, d'amores moyr'%u.
A do muy bon semelhar
mandou lo adufle sonar;
louçana, d'amores moyr'eu.
Mandou-1'o adufle tanger
e non lhi davan lezer;
louçana, d'amores moyr'eu.
Mandou-Fo adufle sonar,
e non lhy davam vagar ;
louçana, demores moyr'eu.
166
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
MARTIN CODAX
884
Ondas do mar de Vigo,
se vistes o meu amigo?
e ay, deus, se verrá cedo !
Ondas de mar levado,
se vistes meu amado?
e ay, deus, se verrá cedo !
Se visles meu amigo,
o porque eu sospiro ?
• e ay, deus, se verrá cedo?
Se vistes meu amado,
o por que ey grara cuydado;
e ay, deus, se verrá cedo!
885
Mandad'é comigo,
ca ven meu amigo ;
hirey, madr'e vyvo !
Comigu'é mandado,
ca ven meu amado;
hirey, madre vyvo f
Ca ven meu amigo,
e ven san' e vyvo ;
hirey, madr'e vyvo f
Ca ven meu amado,
e ven vyvo e sano ;
hirey, madr'e vyvo !
Ca ven san'e vyvo,
e d'el rey amigo ;
hirey, madr'e vyvo!
Ca ven vyv'e sano
e d'el rey privado ;
hirey, madr'e vyvo
886
Mha irmana fremosa,
treydes comygo
a la igreja de Vigo,
hu é o par salido
e miraremos las ondas.
Mha hermana Cremosa,
treidcs de grado
a la igreja de Vigo
hu é o mar levado ;
e miraremos las ondas.
A la igreja de Vigo
hu é o mar salido,
e verrá hy, madre
o meu amigo ;
e miraremos las ondas.
A la igreja de Vigo
hu é o mar levado,
e verrá hy, madre,
meu amado ;
e miraremos las ondas.
887
Ay, deus, sabora, meu amigo,
com'eu senlheira estou en Vigo,
e vou namorada!
Ay deus, sab'ora o meu amado
corifeu en Vigo senlheira manho;
e. vou namorada!
Com'eu senlheyra estou en Vigo,
e nulhas guardas non son comigo;
e vou namorada !
Com' eu senlheira em Vigo manho,
e nulhas guardas migo non trago;
e vou namorada.
E nulhas guardas nom é comigo,
ergas, meus olhos que choram migo
e vou namorada !
B nulhas guardas migo non trago
ergas, meus olhos que choram ambos ;
e vou namorada.
888
Quantas sabedes amar amigo,
treydes comigu'a lo mar de Vigo,
e banhar-nos-hemos nas ondas.
Quantas sabedes d'amar amado,
treydes-vos migo ao mar levado,
e banhar-nos-hemos nas ondas.
Treydes comigo ao mar de Vigo,
e veeremol-o meu amigo,
e banhar-nos-hemos nas ondas!
Treydes migo ao mar levado,
e veremol-o meu amado ;
e banhar-nos-hemos nas ondas.
889
En o sagrad'en Vigo,
baylava corpo velido;
amor ey.
En Vigo, no sagrado,
baylava, corpo delgado;
amor ey.
Hu baylava corpo velido,
que nunca ouvera amigo ;
amor ey.
Baylava corpo delgado,
que nunca ouvera amado;
amor ey.
Que nunca ouvera amigo,
ergas, no sagrad'en Vigo,
amor ey.
Que nunca ouvera amado,
ergas, no Vigo en sagrado,
amor ey.
890
Ay, ondas que eu vin veer,
se mi saberedes dizer:
porque tarda meu amigo
sem mi?
JOHAM DE REQUEYXO
167
Ay ondas que eu vin mirar,
se mi saberedes contar
porque tarda meu amigo
sen mi?
AYBAS PAES
891
Querhyr a saneia Maria de Leça
e, irmanas, treydes migo
e verrá o namorado
de bom grado falar migo;
quer'hir a sancta Maria de Leça
bu non fui a mui gram peça.
Se a lá poss'ir, mana, ben sei
que meu araigui verria,
por me veer e por falar migo,
ca lh'o non vi n'outro dia ;
querhir a santa Maria de Leça
hu non fui a mui gram peça.
892
Por vel lo namorado
que muyfa que eu non vi,
irmana, treydes comigo,
ca me dizen que ven hy
a sancta Maria de Leça.
Porque sey ca mi quer beil,
e porque ven hi mu'yrado,
irmana, treides comigo
ca sey que ven hi de grado
a sancta Maria de Leça.
Por vel-o namorado
que por mi gram mal levou,
treides comig'ay irmana,
ca mi dizem que chegou
a sancta Maria de Leça.
PERNAH DO LAfiO
893
D'ir a santa Maria do Lagu 'ey gram sabor,
et pêro non hyrey a lá se anti non for,
irmana, o meu amigo.
E d f ir a santa Maria do Lago é-rai gram ben,
et pêro non hyrey a lá se anti non a sen,
irmana, o meu amigo.
Gram sabor averia no meu coraçon
d'ir a santa Maria se hy achass'enton,
irmana, o meu amigo.
Já jurey n'outro dia, quando-me de parti
que non saliaMa hermida se ante non foss'i,
irmana, o meu amigo.
JOHAM DE REQUEYXO
894
Fui eu madren romaria
a Faro com meu amigo,
e venho cTel namorada
por quanto falou migo ;
ca mi jurou que morria
por mi ; tal ben mi queria.
Leda venho da ermida
e d'esta vez leda serey,
ca faley com meu amigo
que sempre desejey ;
ca mi jurou que morria
por mi, tal ben mi queria.
D'u m'eu vi con meu amigo,
vin leda, se deus mi perdon',
ca nunca lhi cuycTa mentir
por quanto m'el diss'enton;
ca mi jurou que morria
por mi, tal ben mi queria.
895
À Far'hun dia Hirey, madre, se vos prouguer,
rogar se verria meu amigo que mi ben quer,
e direi-lh'eu enton
a coyta do meu coraçon.
Muy to per desejou que vehesse meu amigo,
que m'estas pebas deu, e que falasse comigo,
e direi-lh'eu enton
a coyta do meu coraçon.
Se ss'el nembrar quiser como Oquey namorada
e sse cedo veher, e o vir eu ben talhada,
e direi-lh'eu enton
a coyta do meu coraçon.
896
Poys vós, filha, queredes mui gram ben
voss'amigo, mando-vor-hir veer;
pêro facede por mi hunha ren,
que aja sempre que vos gradecer :
non vos entendam per ren que seja
que vos eu mand'hir hu vos el veja.
Mando-vos eu hir a Far'hun dia,
filha fremosa, fazer oraçon
hu fale vosco como soya,
o voss^migu', e se deus vos perdon',
non vos entendam per rem que seja,
que vos eu mandar hu vos el veja.
E poys lhi vós gram bem queredes,
direy-vos, filha, como façades
hy, de vós, madfe vel-o-edes,
mays per quanto vós comig'amades,
non vos entendam per rem que seja
que vos eu mand'ir hu vos el veja.
897
Atender quer'eu mandado
que n^envyou meu amigo,
que verrá en romaria
a Far'e veer-ss'ha migo ;
e poren tenh'eu que venha,
168
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
como quer que outrfcm tenha,,
nom lenfeti d'el que non venha;
Atendel-o quei'eu, madre,
poys m'envyou seu mandado^
ca mi diss'o mandadeyfo
que é por mi mui coitado ;
e por cn tenh'eu que venhat
como quer que outrem tenha,
non tem'eu d'el que non venha.
Atendel-o quer' eu madre
poys m'el mandad^envya,
que se querria veer migo
en Far'en saneia Maria ;
e por en tenh'eu d'el que venhat
como quer que outrem tenha,
nom tem'eu d'el que non venha.
Que, el log'a mi non venha
non tenh'eu per rem que seja,
nem que muyto viver possa
en logar hu me nom veja ;
e par en tenh'eu d'el que venha,
como quer que outrem venha,
non tenh r eu d'el que non venha.
898
Amiga, quen oje soubesse
mandado do men amigo
e lhi bem dizer podesse
que vehesse falar migo,
aly bu sempre queria
falar migu'e non podia.
Se de mi ouver mandada
non sey ren que o detenha,
amiga, pelo seu grado,
que el mui cedo non venha,
aly hu sempre queria
falar migu'e non podia.
E foy mig'outra vegada
atendel-o-ey velida,
fremosa e ben talhada
en Far'en a ermida,
aly hu sempre queria
falar migu'e non podia.
FERNANDESQIYO
899
vosso amigo, assy deus m^mpar 7 ,
vy, amiga, de vós muyto queyxar,
das grandes coylas que ihe fostes dar
des que vos el vyra.
A lo seu mal vos filhou por senhor,
e, amiga, sodes d'el pecador
e diz que morte lhe foy voss'amor,
des que vos el vyra.
A lo seu mal, e queyxou-se-n^ende,
ca el morre, e de vós nunca atende
se non coylas, que fosse por ende,
des que vos el vyra.
900
Senhor, porque eu tanfafam levey
gram sazoh ha por deus que vos non vy,
e pêro muy longe de vós vyvy
nunca aqueste verv'anlig T achey:
quau longe d'oos tan longe de coraçon.
A minha coyta, por deus, non ha par
que por Vós levo sempr'e ievarey,
e pêro muy longe de vós morey
nunca pude este verv'antig' achar :
quan longe d'o!hos tan longe de coraçon.
E Iam gram coyta d'amor ey migo
que o non sabe deus, mal pecado,
pêro que vyvy muyfalongado
de vós, non acho este verv'antigo:
quan longe d'olhos tan longe de coraçon.
901
' O Voss^amigo, triste sem razon
vi eu amiga; muy pouco per'ey,
e perguntey-o porque? e non sey
d'el se non tanto que me diss'enton:
des qu'el vyra hua sa senhor
hir d'u el era, fora sofredor
de grandes coylas no seu coraçon.
Tan trisfestava, que ben entender
pode quem quer que o vir que trisfé,
e perguntey-o, mais per boa fé
non pud'eu d'el mais d'atanto aprender,
des qú'cl vira hua que quer bera
hyr d'u el era, por dereito ten,
'ta que a vyr, de non tomar prazer.
Da ssa tristeza ouv'eu tal pesar
que foy a el e perguntey assy,
en que coidava, mais nom aprendi
d'el senon tanto que lh'y oy falar,
des que el vira quem lhi coitas deu
hir d'u el era, no coraçon seu
ta que a vir, ledo non pod^ndar.
E enton pode perder seu pesar
d'u que el vyra hyr veer tornar.
902
Vayamos, irmana, vayamos dormir
nas rybas do lago, hu eu andar vy
a las aves meu amigo.
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago hu eu vi andar
a las aves meu amigo.
En nas ribas do lago, hu eu andar vi
seu arco na mãao as aves ferir,
a las aves meu amigo.
En nas rribas do lago, hu eu vi andar
seu arco na mãao a las aves tirar,
a las aves meu amigo.
Seu arco na mano, as aves ferir
a las que cantavam leixal-as guarir ;
a las aves meu amigo.
STEVAM DA GUARDA
169
Seu arco na mano, a las aves tirar
e las que cantavam non nas quer matar,
a las aves meu amigo.
903
«Que adubastes, amigo, alàen Lu^u andastes
ou q.'he essa flremosa de q Vos vós namorastes?
Direi- vol-o eti, sr.% poismetãbèpreguntastes
d'amor que eu levei de Sanctiago a Lugo
a esse me adugu\ e esse mh'adugo.
«Queadubastes,amigo,huLardastesn'outrodia
ou qual he essa fremosa q vos lan ben parecia?
— Direi-vól-o, senhora, pois hi tomastes perfia:
d'amor que eu levei de Sanctiago a Lugo
esse me adugu', e esse me adugo.
«Que adubastes, amigo, la hu avedes tardado,
ou qual heessa fremosa de q sodes namorado?»
Direi-vol-eu, sr. a , pois m*avedes pregunlado:
d'amor que eu levei de Sancliago a Lugo,
esse me adugu', e esse me adugo.
STEVAM DA GUARDA
904
A hu corretor a quem vy
vender panos que conhuçi
con penas veyras, diss'assy:
— Da molher son de dom Foam,
e disse m'el : Vedes quant am
el et aquesta sa molher
an o mester, an o mester.
E diss'eu : Ficará em cós
sem estes panos do ungrós,
mays poys que o irajedcs vós
a vender et per seu lalam;
et disse-m'el: Sey eu de pram
per ela quanta vez disser:
an-o mester, an-o mester.
E diss'eu : Grav'é de creer
que elos con mengua d 'a ver
mandem taes panos vender,
por quam pouco por elles dam.
E disse-nfel : Per contestam
el et aquesta ssa molher,
an-o mester, an o mester.
«
905
D'uma gram vinha que tem em Valada
Alvar Rodriguis nom pod'aver prol,
vedes porquê, ca el non cura sol
-de a querer per seu tempo cavar,
et a mays d'ela jaz por adubar
pcro que tem a mourisca podada.
El s'cntende que a ten adubada
pois lh'a podarom el sen razon
ca tan menguado ficou o torçon,
que a copa non pode bem deytar,
3»
ca en tal tempo a mandou podar
que sempre lhe ficou decepada.
SVnlom de cabo non for rrechantada
nenhum proveyto non pod'end'aver
ca per aly per hu a fez reer
ja en dezembr^està para secar,
el mays valrria já pêra queymar
que de jazer como jaz mal parada.
. 906
Alvar Rodriguis vej'eu agravar
porque se senfaqui mengua d'avindar,
et ten que lh'ya melhor alen mar
que lhe vay aquy hu naçeu et criou ;
et por esto diz que sse quer tornar
hu gram tempo serviu e afanou.
Ten el que faz dereyfen se qucyxar
poys lhe non vai servir et afanar,
nen pod'aqui conselho percalçar
com'alem-mar per servir percalçou ;
poren quer-ss'yr aseu tempo passar
ha gram tempo serviu e afanou.
907
A molher d' Alvar Roiz tornou
tal queyxume quando ss^cl foy d'áquem
et a leixou, que per mal nem per bem,
des que vco nunca ss'a el chegou,
nem quer chegar-sc d'el ; saneia non he
jurando-lhe ante que a boa fé
non na er leixe como a leixou.
E o cativo per poder que ha
non na pode d'esta feyta parlyr,
nem per meaças, nem pela ferir,
ela por en nenhuma ren non dá,
mais se a quer cresta sanha tirar
a boa fé lhe convém a jurar
que a non leixe en nenhum tempo já.
908
En preyto que dom Joam ha,
con hun maeslre ha gram queslom,
e o meestre presopora
o de que o dereyfestá
tan conlrairo per quanfeu vi,
que se llToutrem non acorr' i
o meestre decaerà.
Mais se decac, quem será
que já dereilo, nem razon
for demandar, nen defenson,
en lai meestre que non dá
en seu feifajuda de ssi,
mais levará per quanfoy
quem Ih'o direito soslerrâ.
Ca o meestre entende já
se decaer, que lh'é cajom,
antr'os que leterados som,
170
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
onde vergonha prenderá,
d' errar seu dereito assi,
e quem esto vir des ali
por mal andante o terra.
Esta cantiga de cima foi feita a hu mees-
tre de leys que era manco d 7 uã perna, e ço~
pegava d' ela muito.
909
Hum cavaleiro me diss'em baldom
que me queria poer citação
muy agravada, como home crú ;
e dixi-lh'enton como vos direy:
se mh'a poserdes, tal vol-a porrei
que a sençades bem atá o cuu.
E disse-m'el : citação tenh'eu já,
lai que vos ponha, que vos custará
mais que quanto vai aqueste meu muu ;
e dixi-llTeu : poil-o non tenh'en ai,
se m'a poserdes, porrei-vol-a tal
que a sençades atá o cuu.
Tal exeiçon vos tentfeu de poer,
diss'el a mi, per quando voss'aver
vos custe, tanto que fiquedes nuu ;
e dixi-llr eu : coração de judeu,
se mh'a poserdes tal vos pareceu,
que a sençades ben a taa o cuu.
Esta cantiga de cima foi feita a hun cava-
leiro que lhe apohiam que era puto.
910
Meu dano fiz por tal juiz pedir
quando mh'a rainha madre d'el-rei deu
hu cavaleiro oficial seu
pois me non vai d'ante tal juiz ir;
ca se vou y e lev'o meu vogado,
sempre me diz que está embargado,
de tal guisa que me non pod'oir.
Por tal juiz nunca já mais ha
descmbargacTesle preylo que ey,
nem a rainha, nem seu filh'el-rei
pêro lh'0 manden nunca m'oirà;
cajá me disse que me non compria
d'ir per d^anfcl pois m'oir non podia
mentr'embargado eslever contesta.
Mais a rainha pois que certa for
de qual juiz en a sa casa ten,
terá per razon, esto sei eu ben,
de poer hi outro juiz melhor,
e assi poss'cu aver meu dereito,
pois que d'i for este juiz tolheito,
e me deren qualquer outr'oidor.
Esta cantiga foi feita a hu juiz que non
ouvia ben.
911
Pois a todos avorrece
este jograr avorrido,
de tal molher e marido
que a min razon parece
de trager per seu pediolo
o filho doutro no colo.
Pois ela trage camisa
de sargo mui bem lavrada,
e vai a cada pousada
por algo, non é sen guisa
de trager per seu pediolo
o filho d'outrojao colo.
Como Pêro da Arruda
foi da mulher ajudado,
non he mui desaguisado
pois lh'esta fez tal ajuda
de trager per seu pediolo
o filho d'outro no colo.
912
D r onde mora ali huu home
vai-sse d'aqui huu ric'ome;
dixe-lh'eu, per com'el come,
poys que m'eu fiqu'en Lixboa:
já que se vay o ric'ome
varon, vaa-ss'en ora boa.
E disse-m'el : per Leyrea
se vai caminho de Céa;
dixi-lh'cu: per com'el çóa,
poys eu fiqu'en Extremadura
se vay caminho de Côa ;
el vaa-ss'em boa ventura.
E disse-m'el: este caminho
se vay d'antre Doyro et Minho;
dix J eu : poys bevo bon vinho,
aqui hu conrhe um conto,
se vay antre Doyfe Minho,
senhor vaa-ss^m ponto.
913
Pois leu preyto anda juntando
áquel que he do leu bando,
di-me, doutor, com'ó roguando
lhe cuydas fazer emmenda?
por quanfanda trabalhando
com'aposfa ta fazenda.
Pois com muytos ha baralha
por le juntar prol sem falha,
di, doutor, ssy deus t'y valha,
se lhe cuydas dar merenda,
por quanfel por sy trabalha
com'aposfa ta fazenda.
Pois anda tam afilcado
por teu preyto aver juntado,
di, doutor, cab'o casado,
STEVAM DA GUAKM
171
que prol tem y ou quegenda
o que toma tal cuydatlo
com 1 apost'a ta fazenda?
Esta cantiga foy feda a hun doutor que
meteu por seu meseyeyro pêra justar seu ca-
samento huu home que era leigo e casado, e
fora ante frade preegador, e o que se sal da
ordem chamam-lhe «apóstata»; esta cantiga
hi a de cima.
914
Pois que te prazes d'aver sen comprido
en trobar bem e em boa razom,
non faz mester, a ty fler ua chançon
dlr entençar com'en torre a ruido;
nen te ioares con^é quen s'engana
e de palavras torpes e d'ou(Tana
e depôs faço seer espargido.
Ca sempre contam por en cyvidade
ao pastor por dar-sse de gram sen,
nem gram saber, por end'a ty conven
en quanto es tam pastor d'idade,
pois en tan alta razon ousas
que punhes sempre antre outras cousas
seeres partido de torpiclade.
Non entendas que fazes hy cordura,
dlres assy confen torre entençar,
atrevendo te que sabes trobar
ante mercês hy ten feito mesura;
poren non queiras seer enganado,
en tal razon mays séy semp^acordado
de seeres parado de loucura.
Fiida
»
E pois en ai es mans 7 e mesurado,
non entences se quer, serás loado
no que tu es comprido de bravura.
Esta cantiga foy feda a huu galego que se
preçava de trobar e non o sabya ben e me-
teu-sse d maneira de tencon com Estcvam
da Guarda, e Estevam da Guarda Ihi fez
esta cantiga; e et andava sempre espartido,
e nunca lhe entendeu a cantiga, nem lhe soube
a cila trobar. ^
915
Bispo senhor, eu dou a deus bon grado
por que vos vej'em privança entrar
d'el-rey, aquém praz daverdes logar
no seu conselho mais cToutro prelado,
e por que eu do voso tal a sey,
qual prol da vossa privança terrey,
rogo eu a deus que seiades privado.
Dobrando ende quanfal avedes
iazede sempre quantal rey prouguer,
pois que vos el por privad'assi quer,
e pois que vós altos fectos sabedes,
e quanfen flsce en conselho jaz,
nostro senhor, pois d^sto ai rey praz,
fyo por deus que privado seredes.
Per qu'este papa quen dovydaria
quen non tiredes gram prol e gram bem
quand'el souber que pelo vosso sen
el-rey de vós mais d'oulro varon fia,
e poys vos el-rey aqueste logar dá
d'ÍBto, senhor, hu outra rem non ha
vos seeredes privado todavya.
Doeste vosso beneficio com oficio quem
dovydarâ,
que voi exalcem em Outranfora já?
916
Donzela, quem quer que poser femença
em qual vós sodes e de que logar,
e non parecer que vos deus quis dar
entender porquant'é mha creença,
que pois vos querem juntar casamento
nom pod'aver hy nen huu partimento
se non se for por vosa negrigença.
E quem bem vir o voso contenente
e as feyestas e o parecer,
que vós avedes, bem pod entender
en tod'aquesto quanfé mençientc ; .
que ben aly hu vos casar queredes
non se partirá que hy non casedes
se non per seerdes vós hy negrigente.
Ca sey eu outro non de tal doayro,
nem de tal logar como vós de pram,
com aguça que tomou de talam
de casar cedo nom ou\ r, y contrayro ;
poren vos compre, se casar cuydades
de negregente que sodes, seiades
muy aguçosa sem outro desvayro.
917
Ruy Gonçalvyz, pêro vos agravece
porque vos travou en voso cantar
JohanEanes, vej^u el queyxar
de quam mal doesto lh'y de vós recrecc,
hu lh'y íTezestes trobar de mal dizer,
en tal guysa que ben pode entender
quem quer o mal que ai lh'aparece.
Poren partid ? este feito de cedo,
ca de mal dizer non tirades prol,
e como se Johau'Eanes dol,
já de vós perdeu vergonha et medo;
ca enlend'el que se dev'a senlyr
do mal dizer que a seu olho vyr,
que pode log'a tocar con seu dedo.
Poys sodes entendud'en vysta
sabed'agora catar tal razon,
per que venha este feito a perdon,
e por parardes melhor a conquista,
outorgad^ra, senhor, que vos praz,
se mal-dizer no voso cantar jaz
que o poedes tod'o voss'a vista.
172
CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA
918
Dis oj'el-rey : poys dom Foam mays vai
seendo pobre, o gram bem fazer
que Ih'eu fiz sempfo Tez ensandecer;
se m'el ben quer, meus amigos, en tal
que me queyra mal hy, farey
padecer et desensandeceF-ey.
Poys en pobreza non sal de seu sen
e o bem fazer o torna sandeu
por padecer o que non padeceu,
pêro, amigos, diz que me quer bem,
que me queyra mal hy, farey
padecer et desensandeceF-ey.
Poys que lhi deus a tal ventura deu
que em pobreza tod'o seu sen ha,
e com bem et se tem por meu
que me queira ja,
que me queyra mal hy, farey
padecer et desensandecef-ey.
Esta cantiga foy fecta a huu que fora pri-
vado d'el rey, e quando estava muy tendo
amor d'cl-rey apoinham-lhe que era muy le-
vantado com* homem de mal recado; e aas
vezes en quanto elrey non fazia sanhudo
todq tornava mui mansso et mui cordo et
mui misurado.
919
Poys calarei ú mVspreitc
con sas razões d'engano
e me quer meler a dano,
por en dan'eu quem m'o deyte;
deylar quero eu lodavya
o Maestre qu'a dom Macia.
Poys me tenla, de tal provo
per que traga esforzado,
eu como home de recado
em véspera d'ano novo,
deytar quero eu todavya
o Maestre qu*a dom Macia.
E poys el aas puimeyras
quer de myn levar o meu,
com'é enganador judeu
en véspera de janeyras,
deytar quero eu todavya
o Maestre qu'a dom Macia.
Esta cantiga foyfeyta a huu escudeyro que j
avya nome Macia e que era escudeyro do
Meeslre (T Alcântara et veera cVcl-rej/ de Por-
tugal con suas preytesias, et davalhe a en- '
tender que levaria do Maestre d" Alcântara
muyto gram algo, e el andava-lliy con men-
tira et para levar d y cl algo.
920
— Vós dom Josep venho eu preguntar
poys pelos vossos Judeus talhadores,
vos ten talhada grandes e meores
quanto cada huu Judeu ade dar;
per qual razon dom Poham Judeu
a quen já talha foy posta no seu
s'escusa sempre de vosco reytar.
<( Estevam da Guarda, pode quitar
qual judeu quer de reytar os senhores,
mays na talha grafas nem amores
nulh'y faram os que ham de talhar;
e don Foam ja per vezes deu
o o que talharom contende perd'o meu
des ora mays et con yr"a s'el jurar.
— Don Josep tenho por sem razom
poys ja (Tal vosquVu talha igualdade,
hu do seu deu quanto lhy foy tolhade,
que per senhores aja defensora,
de non peytar como outro peytador
como peyla qualquer talhador
quanto lh'y talhan sem escusaçom.
<( Stevam da Guarda per tal auçom
qual vós dizedes, foy já demandado
e foy por el seu feylo desputado
assy que dura na desputaçora,
e do talho non ten o melhor
ca deu gran peyla poys seu senhor
lh'a peyla quanfa vai tal quitaçom.
— Já dom Foam pormal que mi quer dizer
que nego quantYy per non peytar nada,
e de com'he fazcmFaposlada
vós dom Estevam sodes em bem fazer,
que nunca foy dom a tan sonegado
mays sabudo e certo apregoado
quanfev na terra movil e raiz.
«Dom Joseph, já eu certo fiz
que devess'e non he cousa negado,,
mays he tan cerlo et apreado
com'he o vinho forte em Alhariz;
e el querc-a de vós desearreygado,
de vos aver assy aspeylado
confoj^el he polo mayor juiz.
921
Marlim Gil, huu homem vil
sse quer de vós querellar,
que o mandastes atar
cruamente a um esleo,
dando-lh'açoutes bem mil;
e aqueslo, Marlym Gil,
parece a lodos muy feo.
Nom me possYmfeu partir
per'o que o já roguey,
que se non quey.Vendc ai rey,
ca se sente tam mal trevlo
que non cuyda en guarir;
e Marlim Gil, quen no vir
parece mior lá o defeyto. *
Tan cruamenle e tam mâl
diz que foy ferido entom,
que teedes hy eajom
STEVAM DA GUARDA
173
sei d*esto non guarrer,
e aquesto flcyto tal,
Marlim Gil, tan desigual
ei a rauy peior parecer.
Esta cantiga foy feita a hum escudeyro
que avya nome Marlim Gil, e era, l\omerru
muy feo,
922
Alvar Rodriguis, dá preç' e de3forçq
a esf infante mouro paslorinho,
c dis que pêro parece menino
que emparar-se quer a lod'alvorqçoj
e maestrAli, que vejas prazer,
d'Alvar Rodriguiz punha de saber
et sé fode já este mouro tam moço.
Diz que per manhaselperseusembrante
sab*el do mouro qif é home comprido,
et para emparar-ss^ tod'o ruydo
et que sabe que lai lie seu talante ;
e maestr^Ali, que moiras em fé,
(VAIvar Rodriguis sabi ora como he,
et se fode já esle mouro infante.
E diz do mouro que sabe que ten'o
seu coraçom em ss'emparar afeito ;
porque o cria et lhi hc sujeito,
pêro parece de corpo pequeno ;
et maeslr'Ali sab'y ora ben,
d'Alvar Rodriguis poyl-o assi ten
se fode já este mouro Iam neno.
923
Do que eu quigi per sabedoria
d* Alvar Rodriguis seer sabedor,
e (resfinfanle mouro muy pastor
já eiureu sey quanto saber queria
por maestrWIi, de que aprendi
que lhi diss'Alvar Rodriguis asi
que já tempo ha que o mouro fodia.
ConVel guardou de frio e de fome
este mouro, poyl-o ten en poder,
maylo devera guardar de lbder
poys con el sempre alberga et come ;
ca maeslr'Ali jura per ssa fe
que já d" Alvar Rodriguis ao pé
que fo(ro mouro como fode outr'ome.
Alah guarde toda prol en seu seo,
Alvar Rodriguis, que por en tirar
d'aqucste mouro que non quis guardar
de seu foder a que tam moço veo;
ca macslr'Aly diz que dias ha
que sabe d'Alvar Rodriguis que já
fod'cste mouro a caralho cheo.
924
Dizem, senhor, que hufi vosso parente
vos vem fazer de seus serviços crença,
e dizer-vos en maneyra de sabença
que vos serviu como leal servente;
e se vos el aqueslo ven frontar
corla resposta ihy (levedes dar
hu vos disser que vos servyif lealmen .
Ca se vos el quer fazer enlendente
que vos servyu scrv'y outra encoberta
per sa coita que ven pocr por certa,
en tal razom a que che m'eu ciente
certa resposta deve levar,
de vós, senhor, poys non he de negar
hu disser que vos serviu lealmente.
E poys el and'a fazer-vos creente
que vos serviu como homem de peage,
nom compre aqui resposta per mensage,
mays vós, senhor, com ledo contenente
lhy devedes-lhy y logo a tornar
certa resposta, s'ar a mays cuydar,
hu disser que vos serviu lealmente.
925
En tal perfia qual eu nunca vy
vi eu dom Foam com sa madr'estar,
e porque os vi ambos perfiar
cheguei m'a el et dixi-lhy logu'y:
vencede-vos a quanto vos disser,
ca perfiardes non vos ha mester
con vossa madre perfiar assy.
E disse-m'el: semp^esloouvemosd^so,
eu e mha madre em nosso solaz,
de perfiarmos en o que nos praz,
e quando-mVu de perfiar escuso,
assanha-se et diz-ufo que vos direy:
que sejas sempre maldito e confu>o.
E <lix'eu : senhor, non vos está bem,
de perfiardes, mays es tá- vos mal
com vossa madr'; e riiss'el: nemical,
poyl-o ela por sa prol as-^y ten
ca : e lireu dig'al tenho de fazer,
por bem ou mal tanto uTade dizer
ou na cima perfiar me conven.
E paravuas am de falecer,
mays tanto avemos de noyte a seer
que a alvorada ja muy perto ven.
92G
Se vós, dom Foao, dizedes
que deverades de casar
com molher de mayor logar
que essa que vos doedes,
dizedes hy en que vos praz
ca para vós perdon ten
et ela quanfobra bem,
filha (1'algo he bem assaz.
Corno quer que vos tenhades
que con ben fazer de senhor
deverades casar melhor,
senhor, nunca o digades ;
174
CANCIONEffiO PORTUGUEZ DA VATICANA
ca se filharedes em cós •
molher para vós lan lyal,
pêra ela que tanto vai
filha cTalgo é para vós.
Poys sodes tan bem casado
non devedes hy ai dizer,
mays a deus muy to gradecer
casamento tan onrrado;
ca para vós poys que vos- dar
gram prejfa ome de bon sen,
et ela hu ha todo ben
filha d'algo é ben de pram.
927
caparom do marvy
que vos a testa bem cobre,
con pena veyra tan nobre,
alfayafpu pelyteiro,
dized ? ora cavaleiro
qual vol a postou assy ?
Tal caparom vos conven
con tal pena que tragaes,
mays ides dar meesteyraes
me dized'o que vos digo,
cavaleyr'a meu amigo
cal vol-a postou ca bera ?
que he mays sabedor
de caparom empenado
mi àè d'agora recado
e non seja encoberto,
de como vos sodes certo
cal vol-a postou melhor.
Esta cantiga foy feita a huu vilaão rico
que avia nome Roy Fafes e feze-o el rey dom
ao filho dei rey Dom Denis cavalleiro a rogo
de Miguel Vivas, eleito de Viseu seu privado,
porque casou com hua sa sobrinha, e era
calvo e el em pêro fez hun capeirom grande
de marvy con pena veira e con alfreses aber-
to por deante e anchavasse pelas costas pe-
los ombros todos arredor e de bi % anco em ci-
ma do caparom lhe parece a pena veira.
928 e 929
Ja Martim Vaasques da eslrclogia
perdeu bençom polo grand'engano
das pranetas, per que veo a dapno
en que tan muyto ante s'atrevia ;
cá o fezerom sem prol ordinhar
por egreja que lhe non querem dar,
e per que lh'é defesa jograria.
E per esto porque anfel vivia
llf é defeso des que foy ordinhado,
oy mays se ten el por desasperado
da prol do mester et da crerezia;
e as pranetas o tornarom foi,
sen egreja, nen capela de prol
et sen o mester per que guarecia.
E ja de grado el renunçaria
sas ordiis per quanfeu ey apreso,
por lhe non seer seu mester defeso,
nem er ficar en tanta peioria,
como ficar por dcvaneador
coroado, et do que he peor
perder a prol do mester que avia.
E na coiôa, que tapar queria
leixa crecer acima o cabelo
et a vezes a cobre com capelo
o que a mal muy daninhos faria,
mays d'el quanfel asperança perdeu
das planetas desi logu' entendeu
que per coroa prol non tiraria.
En o seu livro, per que aprendeu
astrologia, logu' i prometeu
que nunca por el mays estudaria.
Estas cantigas de cima foram feitas a huu
jograr que se presava d-eslrologo e el rum sa-
via nada e ffoy-sse cercear, dizendo que ave-
lia egreja, e fazer coroa, e a hurna ficou cer-
ceado e non ouve a egreja e fezerom-lhe estas
cantigas porem.
930
Conf aveo a Merlin de morrer
per seu gram saber, que el foy mostrar
a tal molher que o soub^ejiganar,
per essa guisa se foy confonder
Martim Vaasques per quanfeu llfoy,
que o ten morfhuã molher assi
a que mostrou por seu mal saber.
E tal coyta diz que lhe faz sofrer
no coraçom que se quer afogar,
nem er pode hu a non vyr durar,
en tornando o faz esmorecer;
e per saber que llf el mostrou o tem
ja coytado que a morrer convém,
de morfestranha que ha padecer.
E é que llf é muyto grave de ler
por aquelo que llf el foy mostrar,
em estar cora quem sabe que o pod^nsarrar,
en tal logar hu conven d'atender
a tal morte de qual morreu Merlim,
hu dará vozes fazendo ssa ffim,
ca non pod'el tal morte escaecer.
931
Ora é já Martim Vaasques certo
das planetas que tragia erradas,
Mars e Saturno mal aventuradas,
cujo poder trax en si encuberto ;
ca per Mars foy mal chagad^m peleja,
et per Saturno cobrou tal egreja
sem prol nenhuma em logar deserto.
Outras planetas de boa ventura
achou per vezes en seu calandayro,
JOHAM FERNANDES DARDELEYRO
175
mays das outras que llTandam en conlrayro,
cujo poder ainda sobral dura,
per hua d'elas foy muy mal chagado,
et pela outra cobrou priorado
hu ten lazeyra en logar de cura.
El rapou barva e fez gran coroa,
et cerceou seu lopete spartido,
et os cabelos cabo do oydo,
cuydando avtr per hy egreja boa;
mays Saturno lh'a guisou de tal renda
hu non ha pam nem vinho d'oferenda,
nem de herdade milho para boroa.
E poys el he prior de tal prebenda,
conven que leyx'a cura e a renda
a capela ygual da sa pessoa.
932
Pêro el rey ha defeso
que juiz non filhe preyto,
vedes o que ey apreso :
quen s'ajudar quer do alho
faz barata d'algu'e da-lh'o.
Pêro que he cousa certa
que el rey pôs tal defesa
onda bon juiz non pesa,
digu'eu que per encoberta :
quem s'ajudar quer do alho
faz barata d' algo e da-)h'o.
Pêro en tod'ome cabe
en que a sen e cordura,
que se aguarde tal postura,
vedes que diz quem o sabe :
quem s'ajudar quer do alho,
barata d'algo e dá-lh'o,
En prata ou em retalho
ou em trobas ou bisalho.
JOHAM FERNANDES DARDELEYRO
933
Esta cantiga foy feyta a hum commenda-
dor que ouvera sas palavras com este escu-
deyro que lh'y esta cantiga fez, porque o mo-
veu a fazer d'el queyxume d'el rey et fezAhi
perder a terra que d y el tiinha avya nome
Pavya.
O que cer'a no pavyo,
que me fez perder Pavya,
de que m 7 eu nada non fio,
ai m'er fez com sa perfia:
de noyte per muy gram frio
que tangesse eu pessa fria,
mais aynda n^emTeu ryo
como s'end'el nunca ria.
Nem huãs graças non rendo
a quen lliy deu tan gran renda,
per quo m'cu d'el nom defenda,
nen acho quem me defenda ;
et poys que eu non emendo,
nem me faz outrem emenda,
a o demo eu comendo
que o aja en sa comenda.
Coyda-me lançar a mato,
dos ays o que me d'el m'após mata. . .
• •••••«. •.... « •
Que m'hade poer no paao
esto diz que vyu na paa
e por en quanto ten da-o
et a mha lavoyra daa;
mays poys eu non acho váao
a meu feito, sempre vaa
sa fazenda em ponto máao
e el muyto em ora maa.
934
A mi dizen quantos amigos ey
porque vivo tan muyfera Portugal
ca muyclf a já que non fighe mha prol;
digo-lhe eu : vos eu direy,
meus amigus, nom rnho digades sol
ca mha prol he de viver en hu non vej'
hua vez a quen vi por meu mal.
E a esf est oje quanto ben ey,
nem me digades amiga hy ai,
ca emquanfeu poder veer os seus
olhos, meu dano já nunca farey,
mays mha gram prol vedes porque, par deus,
ca me querrà matar se m'emparar
esta gram coyla que me nunca fal.
935
Pêro Coello é deytado
da terra pellos meirinhos,
porque britou os caminhos;
mays de seu padr'ey gram doo,
nom ha mays d'um filho soo
e ficou d'elle lançado.
E foy-s'el morar a França
et desemparou sa terra,
ca nom quys con el rey guerra ;
mays la coyta de sa madre
porque ficou a seu padre
d'el no coraçom a lança.
E foy-s'el morar a Coyra
que he terra muyfesquiva,
hu coydamos que non viva,
e sseu padr'e sseu linhage
da lança que d'el trage
todos envydamus que moyra.
E el se foy certamente
porque nom podia
na terra guarir um dia;
ca eu a sseu padre ouvy-lh'o
que a lança do seu filho
en o coraçom a sente.
\
176
CANCIONEIRO PORTCGTIE2 DA VATICANA
93G
Jluu sangrador tio Leireá
me sangrou estoutro dyaj
et vedes que me fa^ia:
cuidando buscar a vêa
foy-me no cuu apalpar;
ai fodidò h irá sangrar
sangrador em tal logár.
Este sangrador, amiga^
traz liuã noVa sangria
onde m'eu non percebia;
fllhou-me pela barriga,
começou a sofaldrar;
ai fodido hirâ sangrar
sangrador en tal logar.
E tal sangrador achedeS;
amiga, se vos sangrardes,
quando vos non precatardes
se lli'o consentir queredes,
querra-vos el provar :
ai fodido hirà sangrar
sangrador en tal logar.
Quem tal rogo, quer rogar
con sa mãy vaa roguentar.
JOHAM SOARES DE PAYVA
937
Aquy se começam as cantigas, d? escarntie
de mal-dizer. Esta cantiga, è de mal-dizer
e feze-a Joham Soares de Pavha aí rey dom %
Sancho de Navarra, porque llá rroubar (c?isa
foram, e non Ihi deu el rey ende dereylo.
Ora faz esfo senhor de Navarra
poys em Proençfest el rey d'Aragom,
nom lh'am medo de pico, nem de marra,
Carcaç ona, pêro vezinhos son ;
nen am medo de Ihis poer Boron
c riir-3'am muyfen Dura e Darra,
mays se deus traz o senhor de Monpon
ben mi cuyd'eu que a cunca Ihis varra.
Se lh'o bon rey varrel-a escudela
que de Pamplona oysles nomear,
mal ficará aquesfouti^cn Todela,
que ai non ha a que olhos alçar ;
que verrâ hi o bon rey sojornar,
e destruyr a cà burgo d^slela,
e veredes Navarros azerar,
e o senhor que os (odus caudela.
Quand'el rey sal de Todela estrea
el essa osfe tod'o seu poder,
ben soffrem hy de travalh'e de pea,
ca van a furfe lornam-s^n correr;
guarda-s'el rey, confé de bon saber,
que o non filhe luz en terra alhea
e onde sal hy ss'ar tonfa jazer
ao jantar ou senon aa cea.
FERNA1I RODRIGIÍS DE CALHEYROS
Ô38
Fernàm fíodríguis de Callieyros entendia
en húa donzela et tragia a esta donzela prey-
to de a casarem com Fern-am tiniz Corpo-
delgado^ e ela disse que non queria, e por
esto fez este cantar Fernani Rodriguis, e
diz assi:
DVnha donzela ensaáhàda
soo eu maravilhado,
de como foy razoada
contra mi neutro dia,
ca mi disse que queria
seer ante mal talhada,
que áver crirpó delgado.
939
Oúlrossy fez outra cantiga a úulra dona
a que davam preyto cofi huunpeon, que avia
nome Vela, e diz assy :
Agora oy d'unha dona falar
que quero ben, pêro a nunca vi,
por tan muyto que foz por se guardar
por molher que nunca fora guardada,
por se guardar de maa nomeada
filhou-se e pos o Vela sobre sy.
Ainda e d'al Tez mui melhor,
que lhi devemos mays agradecer
que nunca eiuTouve seu padre sabor,
nem Hf o mandou nunca pois que foy nado,
c'apesar d'el e sen o seu grado
non quer Vela de sobre ssy tolher.
940
»
Et fez esf outro cardar a huu cavaieyro
que dizia que era fdho a"um home e fazia-se
chamar per seu nome, e depois acharom que
era filho d outrem, e diz assy:
Vistes o cavaleiro que dizia
que Joham Mariz ora mentia
ca Joham Johanes o acharom ;
e tomarom-lhi quanto tragia,
e foy de gram ventura aquel dia
que escapou que o non enforcarom.
941
Dom Fernam Paes de Talamancos fez es-
te cantar de maldizer a hum jograr que
chamavam Jograr-Saco, e era muy mal fey-
to e poren trobou-Uxi que mays guysad y era de
seer saco ca jograr.
DOM LOPO LIAS
177
DOM FERNAM PARI DE TALAMANGOS
Jograr Sacco, non tenh'eu que fez razom
quen vos poz nome jograr e vos deu dom ;
mays guisado fora saqu'e jograr non,
assy deus m'ampar'vosso nome vos dirá
quem vos chamar saqu'e non jograr.
Rodrig'Ayras vol-o diss'e fez mal sen,
poys que vós non citolades nulha rem,
ar avede o nome saqu'e será bem;
assy deus n^ampar', vosso nome vos dirá
quem vos chamar saqu'e non jograr.
Quem vos saco chamar prazerá a vós,
e dirá-vol-o ben lh'en que vos en cós
vistira lus nadigões após vós ;
assy deus m^ampar', vosso nome vos dirá
quem vos chamar saqu'e non jograr.
Quen vos a vós chamou jograr a prã mentiu
ca vej'eu que citolar non vos oyu,
nen os vossos nadigões non vos vyu ;
assy dés nfempar', vosso nome vos dirá
quem vos chamar saqu'e non jograr.
942
Jograr Saqu'eu entendi
quando ta medida vi
que sem partires d'aqui
ca desmesura pedes;
como vêes vay-fassy
poys tu per saco medes.
Gram medida é de pram
pêro que d'ele muyfam,
saqu'e non ch'o daram,
ca desmesura pedes ;
hu fores recear te-am,
poys tu per saco medes.
943
Outrossy fez estas cantigas a húa abbades-
sa sa coyrmana en que entendia, e passou
por aquel moesteyro huu cavaleiro e levava
hua cinta e deu-IKa porque era pêra ela, e
poren trobou-lhi estes cantares.
Non sey dona que podesse
valel-a que eu amey,
nem que eu tanto quisesse
por senhor das que eu sey;
se a cinta nom prefesse
de que mi lh'eu despaguey
e por eslo a cambey.
Pcro m'ora dar quisesse
quanfeu d*ela desejey,
e mh'aqucl amor fezesse
porque a sempr'aguardey,
cuydo que II) o non quisesse
ca muyto me despaguey
(Tela poyla a cinta achey.
23
Nem ar sey prol que m'ouvesse
seu ben, e ai vos direy
s'eu por a tal tevesse
quando-m'a ela torney.
juro que o non fezesse,
ca tenho que baratey,
bem poys me d'ela quitey.
Ca muyto per el am'e ssey,
com melhor senhor a sey -
de mi, que a servirey.
944
Quand'eu passey per d'0rmãa
preguntey per mha coyrraãa
a salva e paçãa?
disseron : non ó aqui essa,
alhur buscade vós essa,
mays é aqui a abbadessa.
Perguntey per caridade
hu é d'aqui salvidade,
que sempr'amou castidade ?
disseron : non é aqui essa.
alhur buscade vós essa,
mays é aqui a abbadeça.
DOM LOPO LIAS
945
Don Lopo Lias trobou a huns cavalleiros
de temus, e eram quatro irmãos e anda-
vam sempre iríal guisados, e por en trobow-
Ihis estas cantigas.
Da esteyra vermelha cantarey
e das mangas do ascari farey,
e o brial hy ementar-vol-ey,
e da sela que lh'eu vj rengelhosa
que já llTogano rengeu anfel rey,
ao zevron, e poys ante sa esposa.
Da esteyra cantarey des aqui
e das mangas grossas do ascari,
e o brial ementar-vol ey hy,
e da sela que lh'eu vi rengelhosa
que lh'ogano rengeu anfeí rey
ao zevron, e poys ante sa esposa.
946 '
Tercer dia ante natal
o infançon 1 ti i foy dar
hum brial a mha senhor bela,
c ao zevron renge llTa sela;
e brial a mha senhor bela,
c ao zevron rengi-lh'a sela.
Sey eu hu tal cavaleiro
que lhi talhou em janeyro
hum brial a mha senhor bela, •
e ao zevron renge lh'a sela ;
e brial a mha senhor bela,
e ao zevron rengi-lh'a sela.
/
178
CANCIONEIRO POKTUGUEZ DA VATICANA
Fiou-ll^o manto cacnte,
e ta1bou-lh 9 o en Benavente
hu brial a mha senhor bela,
e ao zevron renge-lh'a sela ;
e brial a mha senhor bela
c ao zevron rengi-lh'a sela.
947
Enmentar quer' eu do brial
que o infançon por natal
deu a sa molher e fez mal ;
a gram trayçom a matou,
que lhi no janeyro talhou
brial e lh'o manto levou.
O infançon ca ond'a liçam,
de muytos e omiziam,
se for cTanfel rey lhy diran
cá fremosa dona matou,
que lhi no janeyro talhou
brial e lh'o manto levou.
Brialheste, vay-te d'aqui
hu for Lopo Lias, e dy
que faça cobras per mi
ao que a dona matou,
que lhi no janeyro talhou
brial e lh'o manto levou.
Ben fajudaram d'0rzelhoa
quantos trobadores hy son,
a escarnir o infançon
ca fremosa dona matou,
que lhi no janeiro talhou
brial e lh'o manto levou.
948
A mi quer mal o infançon
a mui gran cór et sen razon
por trobadores d'0rzelhon,
que lhi cantam seu brial
e pesa-m'en, e é-mi mal
que ll^escarniron seu brial
que era nov'e de cendal.
Quantos oj'en Galiza son
atá en terra de Leon,
lodos com o brial colhon
dizen e fazen-no mui mal,
e pesa-m'en, et é-mi mal
que lh'escarniron o seu brial
que era nov'e de cendal.
E seu irmão, o zevron,
que lhi quer mui gram mal de corazon,
porque lhi reng'o selegon,
e se lhi renge non mensal,
e pesa-m'en e é-mi mal
que lh'escarniron seu brial
que era nov'e de cendal,
i
949
En este son de negrada
farey hu cantar
d'unha sela canterlhada;
mui mal
este a sela pagada,
e direy do brial
todos colhon, colhon, colhott
con aquel brial de Sevilha
que aduss'o infançon
aqui por maravilha,
fin este son de negrada
hu cantar farey,
d'uã sela canterlhada
qu'é mi anfel rey,
este a sela pagada,
e do brial direy
todos colhon, colhon, colhon
com aquel brial de Sevilha
que aduss'o infançon
aqui por maravilha.
Logo fuy maravilhado
polo ascari,
c assy fui espantado
polo soçeri ;
vi end'o brial talhado
edixi lh'eu assy:
todos colhon, colhon, colhon
con aquel brial de Sevilha-
que aduss'0 infançon
aqui por maravilha.
950
D'esto son os zevrõcs
de ventura minguada,
erguen-sse nos arções
da sela canterllada
e dando os riadigões,
e diss'a ben talhada :
maa sela tragedes,
maa sela levades,
porque a non atades ?
Doesto son os zevrões
de ventura falida,
erguem-se nos arções
da sela con^empodrida,
e dand'os nadigões,
e disse-HVa velida :
maa sela tragedes,
maa sela levades,
porque anón atades?
Direy-vus que lh'eu ouço
em dia de ssa voda,
ao lançar do touco
da sela rengelhosa,
feriu do arcabouço,
e <lisso-lh'a fremosa:
DOM LOPO LIAS
17!>
maa sola tragedcs,
maa sela levades,
porque a non atades?
951
Os aevrôes forom buscar
Rodrigo polo matar;
inays ouvyu-lhes cl cantar
as selas porque guariu ;
polas selas que UToyu
renger, por essas guaryu.
Non lhis guarirà per ren,
a torto que lhis ten,
mays reng orne per seu ben
as selas porque guariu ;
polas selas que lh'oyu
renger por essas guaryu.
Non lhis poderá guarir
ca os non vira viir,
rnays oyu-lhes el ganir
a< selas porque guariu ;
polas selas que oyu
renger, por essas guariu.
E foram-lhi meter
cilada polo prender,
mays oyu-lhis el renger
as selas por que guariu;
polas selas que oyu
renger, por essas guariu.
952
Ora tenho guysado
desmanchar o zevron,
non and'eu cavalgado
nen lrag'en selegon,
nen sela, mal pecado,
nen lh^oyrey o son ;
ca jà non trag'a sela
de que riiu a beia,
sela canterlhada
que rengeu na cilada.
Val-mi sancta Maria,
poys a sela non ouço
a que ranger soya,
ao lançar do touco ;
matar-sc-m'ia huu dia
ou ele ou Ayras Louco,
ca jà non trag'a sela
de que riiu a bela,
a sela cantarlhada
que rengeu na cilada.
953
Sela aleyvosa cm mao dia te vi.
por teu cantar jà Rodrigo perdi,
riiu-ss'cl rey c mha esposa de mi ;
leixar-te quero, mha sela, por en,
e hirey en osso e baratarey ben.
Sela aleyvosa polo teu cantar
perdi Rodrigu'e non o poss'achar,
e per ende te quero leixar ;
leixar-te quero, mha sela, por en,
• e hirey en ousso e baratarey ben.
Des oy mays non tragerey
esteos, nen arções, se mi valha deus,
e vencerey os enmigus meus,
leixar-te quero, mha sela, poren,
e hirey en ousso e baratarey ben.
954
Ao lançar do pao
en a sela deu do cuu mao,
e quebrou-Ih'a sela ;
e assy diss'a bela:
rengeu-llTa sela.
Ao lançar do touco
deu do arcabouço,
e quebrou-lira sela;
e assy diss^abela:
rengeu-Ih'a sela.
955
Ayras Moniz, o zevron,
leixado selegon,
e tornad'ao albardon,
andaredes hy melhor
cà na sela rengedor ;
andaredes hy mui ben
e non vos rengerá per ren.
Tolhede-lh'o peytoral,
apertade-lh'o atafal,
e non vos rengerà per ai,
andaredes hy melhor,
ca na sela rengedor ;
andaredes hy mui ben
e non vos rengerà per rcn.
Podedes en bafordar
e o ta volado britar,
e non vos rengerà ; e ar
andaredes hy mui melhor
cà na sela rengedor,
andaredes hy mui bem
e non vos rengerá per ren.
956
O infançon ouv'a tal
tregoa comigo des natal
que agora oyredes,
que Ihi non dissesse mal
da sela, nen do brial;
mays aquel dia vedes,
ante que foss'unha legoa,
comecey
aqueste cantar da egoa
que non andou na tregoa,
e por en lhi cantey.
180
CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA
Non negu'eu que tregoa dey hi
ao brial a sazon,
e aa rengclhosa,
e de pram hy andaron
as mangas do ascari
mays non a rabicosa ;
ante que fosse hua légua
comecei
aqueste cantar da égua
que non andou na tregoa,
e por en lhi cantarey.
Dey eu ao infançon
e a seu brial Iregoa,
ca mh'a pedia ;
e ao ou Iro zevron
a quem reng o selegon ;
mays logo n'aquele dia
ante que foss'unha légua
comecei
aqueste cantar da égua
que non andou na tregoa,
e por en lhi cantarei.
Do infançon vilão
aflamado como cão
e a canterlhada
e o seu brial d'a)vâo,
tregoa lhe dey eu de prão ;
e pois lh'a ouvi dada
ante que foss'unha legoa
comecei
aqueste cantar da egoa
que non andava na tregoa,
e por en lhi cantei.
957
Outrossyfez este cantar detnahdizer após-
to a húa dona que era mmrneninha fremosa,
e fogiu ao marido e a el prazia-lln.
Muyto mi praz d T unha ren
que fez dona Marinha,
non quer a seu marido beu r
e soub'essa pastorinha
fogir ;
mal aja quen nwr servir
dona fremosa que fogir.
Ela fez end'o melflor,
a dCTS seja gracído,
molhersinha com pastor
saber a seu marido
fogir;
mal aja quen non servir
dona fremosa que fogir.
Qual 6 meu sabor
averem ambos guerra,
e ben toste mha senhor
verrá-ss'a vossa terra
guarir;
mal aja quem non servir
dona fremosa que fogir.
\
958
Outrossy trobou a húa dona que non avua
prez de mui salva, e el disse que lhi dera <1c
seus dinheyros por preyto a tal, que fezesi-e
por el algúa cousa, e pêro non quis por ti
fazer nada, e por en fez estes cantares de nuU
dizer.
A dona fremosa do Soveral
a de mi dinheyrus per preyfa tal
que vehess'a mi hu non óuvess'al
hun dia talhado a cas de don Coral ;
e-perjurada
ca non fez en nada,
e baratou mal ;
ca desta vegada
será penhorada,
que dobr'o final.
Se m'ela creyer, cuydo-m'eu, dar-llfey
o melhor conselho que oj'eu sey,
de mi meu aver e gracir-lh'o-ey,
se mh'o non der penhoral-a-ey ;
cá m'o ten forpado
e de corp^alargado,
non liro sofrerey ;
mays polo meu grado
dar-mh'a ben dobrado
o sinal que lh'eu dey.
959
A dona de Baguyn
que mora no Soveral,
dex e sex soldos ha de min,
e dey-lh'os eu per preyfa tal
que m'os ar desse
ond'al non fezesse,
se non vehesse
falar migu'en cas
de don Coral.
960
Sabem en Monserraz e en Silves
meu preyfe sen non lhis pes,
quen ha de mi mays a d'un mez
hú sold'e dous, e dez e trez ;
de mays diziam que tercer dia
en cas de don Curral o burguez . . .
961
Esta cantiga fez como respondeu fm escu-
deyro que non era ben fidalgo e quena seer
cavaleyro e el non o tiinha por dereyto, e
diss y assy:
— Escudeyro, poys armas queredes,
dized'ora con quen comedes?
«Don Fernanda comer mi eu sol,
ca assy fez sempre meu avol.
MARTIN SOARES
181
— Poys armas tanto desejade»,
buscad'anlc com quem comades.
«l)on Fernand', a comer mi eu sol,
ca assy fez sempre meu avol.
962
Esta cantiga fez a hua dona fremosa que
a casarom seus parentes mal por dinlwyros.
Se m'el rey dessalgo ja m'iria
pêra mba terra de bon grado,
e sse chegasse, compraria >
dona fremosa de gram mercado;
ca jà vendem, a deus louvado,
como venderon dona Luzia
cn Orzelhon n'oulro dia.
Eu coytado non chegaria
por comprar corpo tan ben talhado,
e astroso que a vendia
porque mi non envyou mandado ;
fora de cachas encarregado,
en que comprara dona Luzia
en o Orzelhon do que a vendia.
963
Este cantar fez en son d'un seu cór, e fe-
ze-o a hu infanzon de Castela que tragia leyto
dourado, e era mui rico e guisava-se mal
e era muyt'esca£SOé
Quen oj'ouvesse
guysad'e podesse,
huu cantar fezesse
a quem mh'ora eu sey ;
e Ihi dissesse:
e poys pouco valesse,
non desse
ren que non trouxesse
feyfen cas d'el rey.
Ca poys onrrado
non é, nem graadoado,
faz leyto dourado
de pos sy trager;
e ten poupado
quanta, e negado
preçado,
e trag'enganado
quem lh'o faz fazer.
Ca nunca el de seu
aver ren deu,
esto ben sey eu
que lh'eslevesse ben ;
demo-lh'o deu
poys que lhi prol non ten ;
muylo lh'é greu
quando lh'o pede alguen.
E mantenente
perdoo contenenle,
verdadeiramente
e vayVasconder ;
e faz-se doente»
e vosso mal non sente
e fumante a gente
pola non veer.
964
Este outro cantar fez a hãa dona casade
que avya preço con huu seu tiomen que avy
nome Franco.
A dona Maria
soydade ca perd^en
aquel jogral
dizendo d 'el ben;
et el non o achou
quett nenhtin preyto
d'el fosse mover
nem ben nem mal,
e triste se tornou»
965
Essoutro Cantar fez de mal dizer a hwn
cavaleyro que cuydava que trobava mwy
ben, e que fazia muy bons sons e non era
assy.
MARTIN SOARES
CaValeyro, com vossus cantares
mal avilastes os trobadores,
e poys assy per vós som vençudos
btisquen per ai servir sas senhores ;
cá vos vej'eu mays das gentes ganhar,
do vosso bando por vosso trobar
ca non eles que son trobadores.
Os aldeyãos e os concelhos
todolus avedes per pagados,
também sse chamam per vossus quites
como se fossem vossos comprados;
por estes cantares que fazedes d'amor
em que lhis acham as Olhas sabor,
e os mancebos que teen soldados.
Benquisto sodes dos alfayates,
dos peliteyros e dos moedores,
d'a vosso bando son os tropeyros
e os jograes dos alambores,
porque lhis cabe nas trombas vosso son,
para alambores ar dizem que non
acham no mund'oulrqs soes melhores.
'Os trobadores e as mulheres
de vossus cantares son nojados
a hua porque en pouco daria
poys mi dos outros fossem loados;
•ca eles non saben que xi van fazer,
queren bon son e boõ de dizer,
e os cantares fremosos e rimados.
E tod'aquesto é mao de fazer
a quen os sol fazer desguisados.
182
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
966
Esta outra canti/ja fez, a AffonsEanes de
Coton l foy de mal-dizer, aposto en que mos-
trava dizendo mal de ssy as manhas que o.
outro (((Vya^ e diz assi:
Noslro senhor, cornou ando coylado
con estas manhas que mi quisestes ciar,
son muy gran putanbeyr'a(ficado,
e pago-me muyto dos dados jog;*r,
desy ar ey muy gram sabor (íe morar
per estas ruas c vyvend 'apartado.
Pod'ora meu ben se fu$s*âvejo$o
caer en bon prez e onrrado secr,
mays pago-m'eu d'este foder astrosp
e d'estas tavernas e doeste bever;
e poys eu jãmays non posso valer
quero-n^andar per'u seja viroso.
E poys eu entendo que ren non yalhQ
nen ey por outra bondada cintar,
non queneu perder este fodestalho
nen estas pulas, nen est' enlcnçar;
nem querer per outras fronteiras andar,
perdendo vinç e dando-mi gram trabalho.
Ainda eu outras manhas avya
porque eu non posso já muyto valer,
nunca vos entro na taflularia
que lhi non aja algum preyto a volver ;
porque ey poys cm gran coita seer
e fuj'ir guarir na pularia.
E poys quando me voj'eu meu lezer,
merendo logo e poys vou mha vya,
e leixM puta* de mi ben dizer,
e de mhas manhas e da mha folya.
967
Esta outra cantiga fez a hum cavaleyro
que foy cativo e deu por se quitar mayor
aver que pode, que tinJiam os homeens que
non valia el tanto.
Hun cavaleyro se conprou
pêra quitar-se de Jaen,
hu jazia pres'e custou
pouco, pêro non mercou ben;
ante tenho que mercou mal
ca deu por sy mays ca non vai,
e lenho que fez hy mal sen.
Tan pouco fez el de mercar
que nunca cu tan pouco vi
ca se quitou de se comprar
e tan grand'engano pens'y,
que pêro s'ar querra vender
ja nunca poderá valer
o meyo do que deu por sy.
De se comprar ouv'el sabor
tan grande que ssé non guardou
de mercar m^l, e fez pcyor
porque s'ante non conselhou ;
ca diz agora sa molher
que este mercado non quer
caber, poys Iam mal mercou. •
968
Esta outra fes a lm escudeyro de pequeno
logo, e diziam-lhi Albardar; e fez- lhe estes can-
tares d'escarnlic de mal-dizcr, e dissassy:
Ouv'Albardar cavale seendeyro,
puydava cavaleyro seer ;
quand'eu soub'eslas novas primeyro,
jnaravilhey-nVç non o quys crecr;
fiz dereylo, ca non vi fazer
des que naci d^lbardar cavaleyro.
9G9
QuandAlbardar fogia cVaalen,
Orrac^Ayras o ascondeu mui ben 7
e el na arca lhi fez a tal ren
per que nunca hy outr'asconderá;
per quanfi fez Albardar nunca já
Orra^Ayras hy outr'asconderá.
Polo guarir muyto fostes de mal
sen, e chamou sempre non inoyr'Al-
bardar — et el de mavs lhi fez a arca lai
porque nuqca hy outr'asconderá;
per quanfi fez Albardar nunca já
Orrac^Ayras hy outr'asconderá.
970
-Esta outra fes a hu escudeyro que era pe-
lejador, e pêro hu cuydava el ferir ferian el.
Pêro Perez se remeteu
por dar hunha punhada,
e non a deu, mays recebeu
hunha grand'orelhada ;
ca errou essa que quis dar,
mays non o quis enterrar
de cima da queixada.
Ouvera el gram coraçom
de seer vingado,
e d'o ferir punho d'un peon
que o ha desonrrado ;
e non lhi deu ca o errou
Pêro Perez, hi ficou
con seu rosto britado.
971
Outrossy fez estes cantares aposto a hujn~
gr ar que diziam Lopo, e citolava mal, e can
lava peyor, e sson estes:
Foy a citola temprar
Lopo que citolasse,
IIAUTIK S0ÀUE3
133
e mandarbn-Ih* algo dar
en lai que a lcixasse,
e el cantou k)gu'enton
cà deron-lh^outro don
en tal que sse calasse.
Hu a citola (emproa «
logo-!h'o doo foi dado,
que a leixasse e el cantou
e dissun seu malado
ar d£-lh'alg'a quen pesar
non se cal'endoado.
E conselhava eu ben
a quen el don pedisse,
disse-lh'0 log^e per ren
seu cantar non oysse
ai ca este, ay meu senhor,
ó jograr braadador,
que nunca bon son disse.
972
Con alguen équi Lopo desfiado,
a meu cuydar, ca Ihi vyron trager
liun cilolon muy grande sobraçado
con que el sol muy to mal fazer;
o poyl-o ora assy vyron andar,
non mi creades, se o non sacar
contra alguen que foy mal dia nado.
Por que o vêem a tal desaguisado
non o prezara, nen o querem temer,
mays tal passa cabo dei segurado,
que se lhi Lopo cedo non morrer
ca lhi queira deante citolar,
e poys guarrà a morte seu grado.
E poys mi Lop'ouver citolado
se hi alguen chegar polo prender
diz que é mui corredor alheado,
e de mays se cansar ou sse cacr
e hi alguen chegar polo filhar,
jura que à cara vos a cantar
que non aja quem dulde, mal pecado.
973
Lopo jograr garganton,
e se és trisfao comer,
pêro dous nojos per razon
tcnh*eu de ctfos non nTen sofrer,
mays vàs no cilolon rascar,
i\c^\ ar filhas-fa cantar
e estes nojos quatro son.
Come verde foucelegon,
cuidas tu hi a guarecer
por nojos, mays non é sazon
de chos querer homen sofrer:
ca hiràs hú dia cantar
hu ch'o faram todo quebrar
na cabeça o cilolon.
&74
Foy hum dia Lopo jograr
a cas d'uu infanzon cantar,
e mandou-llTel por don
dar três couces na garganta,
e fuy-ll^escass^ meu cuydar^
segtmdo com'el canta.
Escasso foy o infançoh
en seus couces partir enlon^
ca non deu a Lop'enton
mays de ires na garganta ;
e mays merece o jograron^
segundo coni'el canta.
975
Esta cantiqa fez cTescarnho a hú que di-
zian Johan Femandis e semelhava mouro, e
jogavam-lti 'onde, e ttiss'assy:
Johan Femandis, hun mourYst aqui
fugid'e dizen que vól-o avedes,
e fazed'ora tanto por mi,
se deus vos valha, que o mour % edes,
ca vol-o hiran da pousada filhar,
e se vós virdes no mouro travar
sey eu de vós que vos assanharedes.
Levad'o mour'e hide-vos d'aqui,
pojTa seu don'enlrcgar non queredes,
e jurarey eu que vol-o non vi
en tal que vós con o mour'escapedes;
ca ey pavor d'iren vosco travar
e quéro-rt^anfeu por vós prejurar,
ca vós por mouro non pelejedes.
Si quer meaçan-vos agor'aqui
por este mouro que vosco traedes,
e juran que se vos achan assy
mour'aseondudo com'esfascondedes,
se o quiserdes hu pouqu'emparar
ca vol-o hiran sô o manto cortar
de guisa que vos sempr'en doeredes.
976
Esta outra cantiga fez a Pêro Rodrigues
Grougaiete, de sa molher que avya prez que
lhi fazia torto.
Pêro Rodriguis, da vossa molher
non creades mal que vos home diga,
ca entendeu d'ela que ben vos quer
e quen emTal disser dirá nemiga;
e direy-vos en que lh'o entendi,
en outro dia quando a fodi
mostrou-xi-mi muyto por voss'amiga.
Poys vos deus deu boa molher leal,
non tenhades per nulha jograria
de vos nulh'omc d'ela dizer mal,
ca Ih^oy eu jurar en outro dia,
184
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
ca vos queria melhor (Toulra ren,
e por veerdes ca vos quer gram ben
non sacou ende mi que a fodia.
9T7
Esta outra oantiqa fíz d-escamho a hua
donzela % e diz assy :
Hunha donzela jaz aqui
que foy ogano hua dona seguir,
e non Ihi soube da lerra sayr
e a dona cavalgou, e echou-1'i
don caralhotc nas mãaos, e ten,
poyPo a preso, ca está muy ben
e non quer d'el as mãos abrir.
Kl pois a dona caralhote viu
ántre sas mãos ouv'en gran sabor,
e diz eslo : o ffalso traedor,
que m'ogano desonrrou e feriu,
praz-me con el, pêro tregoa lhy dey,
que o non male, mais Irosquiarey
como quem trosquia falso traedor.
A tal dona, molher mui leal,
pois que cara lho le ouv'em seu poder,
muy ben soube o que d'el fazer,
e raeteu-o logo en huu cerc'a tal
hu muytus presos jouveron assaz,
e nunca hi tan fero preso jaz
que orne saia, menos de morrer.
978'
Esta cantiga que se aqui acaba fez Martin
Soares a hua sa irmãa, porque Ihi fez ela
querela d f tm clérigo que a fodia ca a terra
e o clérigo non quis a ela tornar, atá que ela
foy por el a ssa casa e o trouxe para a sua.
Johan Fernandez, que mal vos talharon
essa saya que Iragedes aqui,
que nunca eu peyor talhada vy,
e se quer muito vol-a encortaram ;
cá Ihi talharon cabo de gibon,
muito corta, si deus mi perdon',
porque Ihi cabo do gibon talharon.
E porque Ihi talharon a tanto,
sô o gibon vol-a talharom mal,
Johan Fernandes, ar derei-vos ai,
poys que d'ela non tragedes o manto ;
saya tan curta nom convém a vós,
ca muitas vezes ficados em cós
e faz- vos peyor talhada jaqueton.
Non vos vestides de saya guisado,
poys que a corta queredes trager,
ante fazedes hi vosso prazer,
ca na curta sodes vós mal talhado;
e a longa eslará-vos ja ben,
ca mui corta, senhor, non convém
a vós que sodes cortês c casado.
NUNO FERNANDES TORNEOL
979
De longas vyas muy longas mentiras,
esfé venrautigo verdadeiro,
ca. hum ric'om'achei eu mentireiro,
hindo de Valedolide pêra Toledo;
achei sas mentiras entranf ao Olmedo,
e sa resposta e seu posadeiro.
Aquestas son as que el enviara
sen as outras que com el Qcarom,
de que paga os que o guardarom
a gram sazom, e de mais^seus amigos
pagará d 'elas, e seus enemigos,
ca tal esfel que nunca Ihi menguarom.
Nen minguará, ca mui ben as barata,
de mui gram terra que ten ben parada,
de que Ihi non tolhe nu!h'ome nada
gram dereyto, e ca el nunca erra,
dá-lhis mentiras em paz e em guerra,
a seus cavaleiros per sa soldada.
PÊRO GARCIA BURGALEZ
980
D'unha cousa soo maravilhado,
que nunca vi a outren^ontecer,
de Pedro boo; que era arrijado
e bera manceb'assaz pêra vyver,
e foy doent' e non se confessou,
deu-lh'0 peor e perceu e ficou
seu aver todo mal desemparado.
E pêro avya que s'el sentiu coitado
quando-lhi deu a lançad'a perder,
logu'el ouve por seu filho enviado
cá Ihi queria leixar seu aver,
e sa herdad' ; e o filho tardou
e poren entramente ficou
seu filho mal, ca ficou exerdado.
981
Pero-me vós, donzela, mal queredes,
porque vos amo, conselhar-vos-ey,
que poys vos vós entoucar nom sabedes
que façades quanto vos eu direy ;
buscade quem vos entouque melhor,
e vos correga polo meu amor
as feyturas e o cós que avedes.
E sse esto fezerdes, averedes,
assy mi valha a min nostro senhor,
bon parecer e bon talhe seredes
fremosa muyfe de bon coor ;
sacad'aquessa louc'a torcer,
se log^uvcrdes quem vos correger
as feyturas mui ben parecedes.
Ay, mha senhor, por deus cn que creedes,
poys que por ai non vos ouso rogar,
PEKO GAKCIA BURGALEZ
185
poys sempr'a touca mal posta tragedes,
creede-mi do que vos conselhar;
en vez de vol-a correger alúmen,
correia vol-as feyturas mui ben
co falar, e se non nua faledes»
982
Maria Balleyra* porque jogades
os dadus, poys a eles descreedes?
hunlias novas vos direy que sabcdes,
com quantos vos conhecem vós perdedes;
ca vos direy que lhis oufo dizer,
que vós nom devedes a descreer,
poys dona sodes e jogar queredes.
E sse vos daquesto non casl idades
nulh orne non sey con que ben esledes,
pêro muylas boas maueyras ajades
poys já daquesto iam gram prazer avedes
de descrcerdes», e direy-vos ai,
se vol oyr terrâ-volo a mal
bou orne e nunca con el jogaredes.
E nunca vós, dona, per mi creadcs,
per esle descreer que vós tazedes,
se en gram vergonha poys nom enlrades
algunha vez con tal home manteredes,
ca sonharedes, se dós mi perdon'
per sonho mui gram vergonça averedes.
983
Fernam Dias, esle que and'aqui
foy hunha vez daqui a Ultramar,
e quanto bom maeslre podVhar
de casloar pedras, per quanf oy,
todolos foy provar o pecador,
e pêro nunca achou castoador
que lh'0 olho soubess>ncasloar.
E pêro mui boo maeslre achou hy
qual no mund'oulro non pod'en saber
de casloar pedras, e de fazer
mui b< n lavor de caston oulrossy ;
pêro lho olho en mesurou enton,
tam eslreyto lhi fazendo caston,
que Ihy non pod'y o olho caber.
Ca don Fernamraconteceu-ll^assy
d"un maeslre que com el baralou, .
cambhou lh'o olho que daqui levou,
e dissi-lhi que era de f afy ;
dYsies mãos conlrafeytus d'el põy,
e meteu-lhun grand'olho de boy,
aquel mayor que el no muud achou.
Olho de cabra lhi quis hy meter
cnm lhi podo no casion fazer,
e con seu olho de boy xi flcou.
984
Fernand'Escalho leixey mal doente
com olho mao, tan coytad'ass>v
24
que non guarrà, cuydYu, tan mal se sente,
per quanl'oj'eu de don Fernando vi ;
ca lhi vi grand olho mao avtr,
e non cuydo que possa guarecer
d'este olho máo tanfé mal doente.
E o maeslre lhi disse : dormistes
con aquesf olho mao, e por en
don Fernando non sey se vol-o oysles,
quem se non guarda non o praza ren ;
por en vos quer>u huã ren dizer já,
se-guarirdes, maravilha será,
desfolho mao velho que teedes.
Ca conhosqu^u mui ben que vós avedes
olho máo mesto con catarron,
e d'este mal guarecer non podedes,
tau ceife direy-vos por que non ;
ca vós que qurredes foder e dormir,
por esto sodes mao de guarir
d^^folho mao velho que avedes.
985
^ Fernand'Escalho vi eu cantar ben
que poucos outrus vi cantar melhor,
e vy-lhe sempre mentre fuy paslor
muy boa voz e vy-o cantar ben ;
mays ar direy-vos per que o perdeu,
ouve sabor de foder e fõdeu,
e perdeu todo o cantar por en.
Non se eruardou de foder, e mal sen
ferel, que non poderia peor,
e am-lh'as gentes per en desamor,
por boa voz que perdeu con mal sen ;
voz de cabeça que xi lhi tolheu,
ca fodeu tanto que lh'cnrouqueceu,
a voz, e ora já non canta bem.
C'a dom Fernand'aconteceu assy
de mui boa voz que soya aver,
soube a per avoleza perder,
ca fodeu moç'e non canta já assy ;
ar fodeu poys mui grand^scudeyron,
e ficou ora, se deus mi perdon',
con a peor voz que nunca vi.
E ora ainda mui grandinfançon
si quer foder, que nunca foy sazon,
que mays quisesse foder, poyl-o eu vi.
98G
Don Fernando, pêro mi mal digades,
quero- vos eu ora desenganar,
ca ouç'as gentes de vós profaf ar,
de cavalgar de que vos non guardades;
cavalgades pela fesfaqui,
e cavalgades de noyf outro ssy,
e sospeytam que por mal cavalgades
Mays ro- r o-vos ora que mi creades,
do que vos ora conselhar,
se queredes com as gentes estar,
dom Fernando, melhor ca non estades,
186
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
senhor, forçade vosso coraçon
e nora cavalguedes tan sen razon,
siquer por vossas bestas que malades.
987
Que muyto mi de Feman Dias praz,
que fez el rey dom Affonso meyrinho,
e non cata parente nem vezinho,
con sat)or de teel'a terra em paz ;
se o pode por mal feylor saber,
vay sobr'el e sse o pode colher
na mão logo d'el justiça faz.
E porque ha dom Fernando gram prez
das gentes todas de mui justiceyro,
o fez el rey meyrinho des Viveyro,
a tá Carron ond'outro nunca fez,
e sse ouve de malfeitor falar
vay sobr'el e non Ihi podescapar
e faz-lhi mal jogo per huã vez.
E cuydará dei quen o vir aqui
que o vir andar assy calado
ca non sabe parte nen mandado ^
de tal justiça fazer qu'a lhVu vi ;
*leix'or'a gente adormecer enlon,
e trasnoytou sobr'un hom'a Leon,
e fez sobral gram justiça logu'i.
988
Roy Queymado morreu com amor
em seus cantares, par sancta Maria,
por hunha dona que gram bem queria,
e por se meter por mays trobador;
porque ll^ela non quis ben fazer,
feze-sel en seus cantares morrer,
mays resurgiu depoys ao tercer dia.
Esto fez el per hunha ssa senhor,
que quer gram bem, e mays vos eu dirya,
porque cuyda que faz hi maestria,
e nos cantares que fez a sabor
de morrer hy, e desy d'ar vyver
esto fez el que x'o pode fazer,
mays outr^mem per ren non o faria.
E non aja de sa morte pavor,
se nòn sa morte mays la temeria,
mays sabe ben per sa sabedoria
que vyverá des quanto morto for;
(! faz en sseu cantar morte prender,
desy ar vyve vedes que poder
que lhi deus deu, mays que non cuydaria.
E sse mi deus a min desse poder
qual oj'el a, poys morrer de viver,
jâ mays morte nunca temeria.
989
Nostro senhor, que ben alberguey
quand'a Lagares cheguey n'outro dia,
per hunha chuva grande que fazia,
ca prougu'a deus que o juiz achey,
Martin Fernandiz ; e disse-m'assy :
pan e vinh'e carne venden aly,
en San Paayo contra hu eu hya.
En coyla fora, qual vos eu direy
se non achasse o juiz que faria,
ca eu nenhu dinheyro non tragia,
mays proug'a deus que o juiz achey;
Martin Fernandis savu a mi,
e mostrou-m'albergue cabo sy,
em que compre quanto mester avya.
Se eu o juiz non achasse, ben sey
como alberguey na albergaria,
ca eu errey e ja m'estarrecia,
mays o juiz me guariu que achey;
per o que eu tard'i o conhoci,
conhoceu-m'el ô ssayo contra mi
e omilhou-xi-mi e mostrou-mha a vya.
990
Maria Negra vi eu en outro dia
hir rabialçada per hunha carreyra,
e preguntey-a como hya senlheyra,
e por aqueste nome que avya ;
e disse-m^ela enton: ey nonTassy
por aqueste sinal com que naci
que trago negro como hunha caldeyra.
Dixi-lh'eu hu med'ela partia:
esse sinal é-suso na moleyra ;
e disse-m'ela d'aquesta maneyra
cornou a vós direy, e foy sa vya:
este sinal, se deus mi perdon'
é negro ben com'é hun carvon,
e cabeludo a derredor da caldeyra.
A grandes vozes lhi dix'eu hu sse hya,
que vos direy : a don Fernan de Meyra,
d'esse sinal, ou é de pena veyra,
de como he feyto a Johan dWnbria;
toroou-s'elae dizia-m 'outra vez:
dizede-lhis ca chus negré ca pez,
e tem sedas de que faram peneyra.
E dixi-lh'eu enlon: dona Maria
como vós sodes molher arteyra
assy soubestes dizer com'arteyra
esse sinal que vos non parecia;
e disse-m'ela: por este sinal
nom'ey de Negr', e muyfoutro mal,
ey per hy preço de peydeyia.
991
— Senhor, eu quer'ora de vós sabei
poys que vos vejo Iam coylad^ndar,
con amor que non vos leixa, nem vos ar
leixa dormir nen comer,
que farey a que faz mal amor
de tal guysa que non dormho, senhor,
nem posso contra el conselffaver.
«Pêro Garcia, non po*s>u saber
BOY QUEYMADO
187
como vos vós possades emparar
ri' amor, segundo quanto meu cuydar,
que vos non faz muylo mal soffrer,
ca tanto mal mi faz a mi amor,
que se eu fosse do mundo senhor
dal-o-ya por amor non aver.
— Senhor, direy-vos que oy dizer,
a quen d'el foy cuytado gram sazon,
esse me disse que per orapon
per jajuar, per esmolla fazer
ca per aquesto se partiu d'el amor;
fazed'esto, quiçá nostro senhor
vol-o fará per esto perder.
«Pêro Garcia, seropr'oy dizer
que os conselhos boos boos son,
farey esso se deus mi perdon',
poys lhi per ai non posso guarecer;
poys que mi tanto mal faz amor
rogarey muyto a nostro senhor,
que mi dé mortou mh'o faca perder.
992
Dona Maria Negra, bem talhada,
dizen que sodes de min namorada ;
se me bem queredes
por deus, amiga, que m'oy saberedes
se me ben queredes.
Poys eu tanto por vossamor ey feyto
aly hu vós migo talhades preyto,
se me ben queredes,
por deus, amiga, que nf oy saberedes
se me ben queredes.
Por non viir a min ssoa senlheyra
venha con vosc' a vossa covilheyra,
se me ben queredes,
por deus, amiga, que m'oy saberedes
se me bem queredes.
Poys m'eu por vós de peydos vaso,
aly hu vós migo talhastes prazo,
se me bem queredes,
por deus, amiga, que moy saberedes
se me bem queredes.
993
Maria Negra desventuyrada,
e porque quer tantas pissas comprar,
poys lhe na mão non queren durar,
e lh'assi morreu a a malfadada;
e n'un caralho grande que comprou
honte ao seram o esfolou
e outra pissa ten ja amorviada.
E ja ela é probe tornada
comprando pissas, vedes que ventuyra,
pissa que conpra pouco lhe dura,
sol que a mete na sa pousada ;
ca lhi conven que ali moyra énton,
de polmeyra ou de torcilhon,
ou per forca fica ende aaguada.
Muyté per aventuyra menguada,
de tantas pissas no ano perder,
que compra caras, poys lhe van morrer,
e esfé pola casa molhada;
e quem as mete na estrebaria
poys lhe morder que Ufa sandia,
per pissas será en terra deytada.
ROY QUeYHADO
994
demo nfouver^a levar
a hunha poria d'un cavaleyro,
por saber novas, e o porteyro
foy-lhi dizer que queria jantar;
e el tornou fogo ssa vya,
con dous cães grandes que tragia
que na poria m'ouveram de matar.
E começava-os el d'arriçar
de tral-a porta d*un seu celeyro
hun mui grau can negro, outro veyro,
e começavam-ss'a mi de couçar
en cima da besta en que hya
e jurand'eu par sancta Maria
per novas vos quisera perguntar.
Três cães e tan grandes no logar
mays non sayu o gram íileyro,
mays os dous que sayron primeyro
non lhis cuydei per ren ascapar,
pêro jurava que non Queria
aly dizer tanto mi valia,
como se dissess'a lá quer'entrar.
E dix'eu logo, poys m'en partia
sey-m'eu quen assy convydaria
o coteyfle peydeyKen seu logar.
995
Don Esievan en grand^ntenpon
foy ja oi*a aqui por vosso preyto,
oy dizer por vós que a feyto
sodes cego, mays dix'eu que mui ben
oydes cada que vos cham^alguen,
vedes como tiv^u vossa razon.
E muytò vos vy eu oje mal sen
dizer, por vós que a feyto,
sodes cego, e dixeu logu'enton;
esto que sey que vos a vós aven,
que nunca vos home diz nulha rem
que non ouçades, se deus mi perdon'.
Oy dizer por vós que a sazon
que vedes*quanlo poys m'é deyto
e dormesco e dormho ben a feyto
que assy veedes vol-o a son';
e assanhey-meu e dixi per en,
confonda deus quem cego chama quen
assy ouve como vól-o sermon.
188
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
996
QuerrTagora saber de grado
d f un home que sey mui profaçador,
de profaçar a tan gran sabor,
se soubora el com'é profaçado;
e poro sabe-o a meu cuydçur
e por en a coyia de profaçar
ca non profaçar endoado.
E poyl-o sabe laz aguisado
de profaçar, ca nunca vi peyor,
ca x'o deoslan el o melhor
faz pois que já tal é seu pecado:
ca o deosta quen eu nunca vi
home no mundo, des quando naci,
en profaçar e tan mal doestado.
Non vos é el d'aquesl'en artado,
ante lenlTeu que ó ben sabedor»
de profaçar d amigue de senhor,
e non guardar nenhum home nado
em profaçar, e tenho Ihi per sen
de non dizer de nenhum home bem,
ca d>slo fi el de todos ben guardado.
E diga poys quen disser muylo mal
qual dfa fezrr o compadroutro tal
lhi faz per end'e serás vingado.
997
Don Marco, vej'eu muyto queixar
I don Estevan de vós, cá diz assy
que pêro foy muy mal doente aqui
que vos nunca quisestes trabalhar
de o veer, nen o vistes mays ben
jura que o confonda deus por cn,
se vos eslo per casa non passar.
Qual desden lhi vós fostes fazer
nunca oulr'om'a seu amigo fez,
mays ar fará-voKoulra vez,
se mal ouverdes non vos ar veer,
ca x'é el home que x'a poder tal
ben como vós, se vos ar veher mal
de vos dar en pelo vas'a bever.
Diz que o non guise nostro senhor,
se vos mui ced'outro tal non fezer,
non vos veer quando vos for mester
poyl-o non vistes e end'al diz peyor
J?nn verv'antigo, cor. sanha que a:
como lhi cantardes baylemos a ca,
pon a per que vos bayle melhor.
De mal-dizer
J01IAM LÔBEYltA
998
Hum cavaleyro a 'qui tal entendença
qual vos eu agora quero cantar-,
faz hu dev'a fazer prazer pesar,
e sa mesura toda é en tença ;
e ó que lhi preguntan responda),
e o seu ben fazer é fazer mal,
e todo seu saber é sen sabença.
E non deparf en ren de que se vença
pêro lh'outren guysado falar,
e verveja hu se deva calar,
e nunca diz vcrdadu mays non mença ;
e hu lhi ped< n cousimento fal,
pêro é mans'liu dev'a fazer ai,
e hu deve sofrer é sen sofrença.
Desy er fala sempr'en conhocença
que sairei ben seu conhocer mostrar,
e dorme quando se deve espertar,
e menos sabu mete mays femença;
e se cou guisa diz logo seu sal,
e hu lhaven alguma cousa tal
que lhé mester scienle sen scienpa.
E non Ihy fazen mal de que se serça,
ante leyx^sy o preylo passar,
e os que lhi devian a peitar
peila-lhis el per fazer aveença;
e diz que nenhum prez nada non va),
mays deus que o fez jâ descomunal
Ihy queyra dar por saúde doença.
DOU GONÇAl/EANES DO VIXHAL
999
Amigas, eu oy dizer
que lidaron os de Mouron
<t)n aquesles dYI rey, e non
poss'end'a verdade saber,
se he vivo meu amigo
que troux'a mha louca sigo.
Se me mal non estevesse,
ou non fosse por enOnta
daria esta mha cinta
a quem rn'as novas dissesse ;
se he viv'o meu amigo,
que lroux'a mha touca sigo.
Esta cantiga fez Don GonçaV Eanes do Vi-
nhal a Don Amique en nome da reina dona
Johana sa madrasta, porque dizian que era
seu entendedor, quando lidou en Mouron con
don Nuno et con don Rodrigo Affbnso que
tragia o poder d'el rey.
1000
Estas cantigas son de escarnh'?, de mal-di-
zer, e feze-as GonçaV Eanes do Vinhal:
Pêro Fernandis, home de Barnage
que me non quer de noyte guardar o muu,
se a ca dYI travarem por peage
como non trage dinheiro nenhuu;
non lhi vaam na capa travar,
BOM GONÇÁJ/EANES DO VINHAL
189
nen o assanhen ca sse assanhar
pagar-lhis-a el peage do cuu.
Des ar m!Ta mi cTanriar em raha companha
ca nunca home tan sanhudo vi,
eu oy já que hu home dKspanha
sobre peagem mafaron aqui ;
e com'é home de gram coraçom
se llii peagen \)C{\e o gaston
peage de cuu pagará hy.
Ca el ven quebrando com grand'ardura
con este mandado que oyu ja,
e ferve-lh f o san*ru'e fará loucura
que nulha ren hy non esguardarâj
se lhi peagem foren demandar
os parleiros do gaston de Bear
bevan a peagen que Ihis el dará,
1001
En gran coyta andáramos con el rey
per esta terra hu con el andamus,
se non fosse que quis deus que achamos
infançôes quaes vos eu direy :
que (ntram nosqu>n doas cada dia,
e jantan e cean a gran perlia,
e burlham corte cada hu ehegamus.
Tues barvas infançôes quaes non sey
e todos nós deles maravilhamus,
e pêro os infançôes chamamus
vedes ami^us tano vos direy ;
cu per iulanções non os teiria
mays son xa graça Fairta Maria
e san Juyão ci>n que aibergamus.
E sempre des por sa vida rogarey
e dereyf é que todol-o façamus,
poys creles todos tanfamor Olhamos
en sa terra quanto* vos eu direy;
qualquer deles nos fez quanto devya,
mays lauté grand'a nossa folya
que nulhas graças lhis eude non damus.
1002
Non levava nen dinheyro
ogano hu ouv'i passar
per campos, e quix pousar
en casa d un cavaleyro,
que sse t n por infançon,
c soltou m'hum can enton
e mordeu-rairo seendeyro.
Por meu mal enton senlbeyro
ouv'a)y a chegar
que non Chegass'a logar
hu a tal fais cawrleyro,
ca ( I se Tosse sanlon
non fora ao vergalhon
raso do meu seendeyro.
Non vistes peyor parado
albergue do que achey
enion quanda elle cheguey,
nen vistes mays estirado
home ca fuy dum masliu
e fez-mi tal o rocin
que semelhava lobado.
Non Tui eu ben acordado
poyl o da porta çatey
dentro, porque o chamey
poz mo gram can enriçado
que nunca fez fln
atá que Fez en min
qual te% no rucjji lobado
1003
Hunha dona foy de piam
demandar casas e pain
da ordin de San Johain,
con minguas que avya;
e digo-vos que Ufas dam
quaes ela querrya.
Das casas ouve sabor
e foy tal preytejador
que fossendc jazedor
con minguas que avya;
e dam lh'as per seu amor
quaes ela querrya.
Pedyu as a preito tal
d'i jazer, non fez ai
ca xi lazerava mal
co:i minguas que avya;
e dam lhas do espiíal
quaes ela querrya.
A dona de corazon
pediu as casas enton,
e mostrou esta razon
con minguas que avya;
e dam-lh'as da mkson
quaes ela querrya.
1004
Pêro d'Ambroa, sempr'oy cantar
que nunca vós andastes sobre mar,
que med'ouvessedes n'hua sazon,
e que avedes tan gram coraçon
que tanto dades que bon tempo faca,
ben como mão, nfcm como boança
nem dades ren por tormentas do mar.
E desi ja pola nave quebrar
aqui non dades vós rem polo mar,
come os outros que hy van enton,
poren teè que tamanho perdon
non avedes pomo os que na frota
van e sse deytan con medo na sota
sol que entenden tormenta do mar.
E nunca oymus doulrome falar
que non temesse mal tempo do mar,
e poren cuydan quantos aqui son,
que vossa madre com algum caçon
190
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
vos fez sem falha ou com lobaganto,
e todos esto cuydamos per quanto
non dades ren por tormenta do mar, .
1005
Abadessa, noslro senhor
vos gradesca, se lhy prouguer,
porque vos nembrastí s de mi
a sazon que m'era mester ;
hu cheguey a vosso logar,
que tan ben mandastes pensar
hy do vosso commendador.
Ca morto fora, mha senhor,
de gram lazeyra, sey de pram,
mays nembrastes-vos bem de min,
e todos me perguntaram
se vos saberey eu servir
quam bem o soubestes guarnir
de quantel avya sabor.
Ajades por en galardon
de deus, senhor, se a el praz,
porque vos nembrasles de min,
hu ra'era muy mester assaz ;
o commendador chegou
e sse el ben non albergou
non foy por vosso coraçon.
Dé-vos de poren galardon
por mi, que eu non poderey
porque vos nembrasles de min,
quand'a vosso logar cheguey;
ca jà d'amor e de prazer
non podestes vós mays fazer
ao commendador enton.
Cento dobrad'ajadcs por en,
por mi que lhi non mingou ren,
de quant' avya na mayson.
1006
Quantus mal am, se queren guarecer
se x'agora per eles non flcar
venham este maestre ben pagar
e deu lus pode mui ben guarecer ;
ca nunca tan mal doenfome achou,
nem tan perdudo des que el chegou
se llfalgo deu que non fosse catar.
Quyçá non o pod'assy guarecer
que este poder non Ih 'o quis deus dar,
a que non sabe que possa sanar
o doente, menos de guarecer;
mays perguntar- lh'am de que enfermou,
confo maestre se o bem pagou
non leixa guarecer pol o el perguntar.
Ca vos non podei assy guarecer
o doente, menos de terminhar,
fnays poys esto for se quiser filhar
seu conselho pode ben guarecer ;
se se ben guardar, poyl-o el catou
ben guarrá do mal ca terminhou,
e diz o maestre se lhi non tornar ;
Ca o doente de que el pensou
per hu gram tempo se mui ben sanou
se mal non ouver pod'andar.
1007
Maestre, todolus vossos cantares
ja que filham sempre d'un a razoa
e outrossy ar filham a mi son,
e non seguades outros milhares
se non aquestes de Cornoalha,
mays este seguydes ben sen falha
e non vi trobador per tantos logares.
D'amor e d'escarnh'en todas razões
os seguides sempre ben provado,
eu o sey que avedes filhado,
ca se ar seguissedes outros soes
non trobariades peyor por en,
pêro seguydes vós os vossus mui ben
e já ogany fezestes tenções.
En razon dun escambo que filhastes
e non metestes ascondudo
ca já que era de Pedr'Agudo
essa razon en que vós hy trobastes ;
mays assy a soubestes vós deitar
antr unhas rimas e entravincar
que toda vol a na vossa tornastes.
Por maestria soubestes saber
da razon alhea vossa fazer,
e seguir soes a que vos deitastes.
E gram careza fezestes de pram,
mays lus (robadores travar- vos- am
ja que vos tem por que ben non guardastes.
1008
Esta cmUiga fez dom Oonçalo Anes do Vi-
nhal ao infante don Anrrique, porque di-
zian que era entendedor da raynha dona
Joana sa madrasta, e esto foy quando et rcy
dom Affons'o poz fora da terra.
Sey eu, donas, que deytad'é d'aqui
do reyno jà meu amigo, e non sey
dòomo lhy vay, mais querir a el rey,
chorar-lhey muy to e direy-lh'assy :
por deus, senhor, que vos tan bon rey fez,
perdoada meu amigo esta vez.
Porque o amo tan de coraçon
como nunca amou amigo molber,
irey aly hu el rey estever,
chorando dos olhos e direi-lhe enton :
por deus, senhor, que vos tan bon rey Xcz,
perdoad'a meu amigo esta vez.
E poys que me non vai rogar a deus
nen os sanctos me queren oyr,
hirey ai rey mercê pedir,
e digo chorando dos olhos meus:
por deus, senhor, que vos tan b~n rey fez
pcrdoad'a meu amigo esta vez.
JOHAM SOABES COELHO
191
E por deus, que vos deu honrra e bondade
a dom Anrriqu'esla vez perdoade.
«
00N JOHAM DAV01N
1009
— Joham Soares, comecey
de fazer ora hun cantar,
vedes porque, porque achey
boa razon pêra trobar ;
ca vejaqui hun jograron, '
que nunca pode dizer son
nen o ar pode citolar.
((Joham Ferez, eu vos direy
porque o faz a meu cuydar,
porque beve muyfe o sey
e com'e fod'e poys falar
non pode por esta razon
canta el mal, mays a tal don
ben dev'el de vós a levar,
— Joham Soares, responder
non mi sabedes d*esto ben,
non canta el mal por bever,
sabede mays por húa rem ;
porque des quando começou
a cantar, sempre mal cantou
e cantará mentre vyver.
«Joham Perez, por mal dizer
vos foy esso dizer alguém,
ca pelo vynh'e per foder
perd'el o cantar e o sen;
mays ben sey eu que o mizcrou,
alguen com vosqu'e lhi buscou
mal, poys vos esso fez creer.
— Joham Coelho, el vos pey tou,
if outro dia quando chegou
poys hides d'el tal ben dizer.
«Joham Perez, ca vos dou
quanto mi deu e mi mandou
e quanto ra'hades meter.
1010
— Lourenço, soyas tu guarecer
como podias per teu citolon,
ou ben ou mal non ti digu'eu de non,
e vejo-te de trobar Irameter,
e quero-teu (festo desenganar,
ben tanto sabes tu que é trobar
ben quanto sab'o asno de leer.
((Joham dÀvoyn, já me cometer
veherom muytos per esta razon,
que mi diziam, se deus mi perdon ,
que non sabian trobar entender,
e veheron por en comigu^ntençar,
e flgi-us cu vençudos ficar,
e cuydo-vos deste preylo vencer.
— Lourenço, serias mui sabedor
se me vencesses de trobar nen (1'al,
ca ben sey eu quem troba bem ou mal,
que non sabe mays nenhum irobador ;
e por aquesto te desenganey,
e vés, Lourenço, onde eh 'o direy :
quita-te sempre do que teu non for.
((Joham d'Avoym, por noslro senhor,
porque leixarei eu trobar a tal
que mui ben faç'e quo muyto mi vai,
desy ar gradece-mh o mba senhor
porque o faç'e poys eu tod'est'ey
o trobar nunca eu leixarey,
poyl-o ben faç'e ei gram sabor.
1011
— Joham Soares, non poss'eu estar
que vos non diga o que vej'aqui,
vejo Lourenço com muytos travar, .
pêro nom o vejo travar en mi;
e bem sey eu porque aquesto faz,
porque sab'el que quanfen trobar faz
que mh'o sey todo e que x'é tod'en mi.
«Joham d*Avoym, oy-vos ora loar
vosso trobar e muyto m'eu rii,
er dizede que sabedes boyar
ca ben o podedes dizer assy,
e que x'é vosso Toled'e Orgás,
e todo quanto se no mundo faz >
ca per vós x'est e t dized'assy.
— Joham Soares, nunca eu direy
senon aquelo que eu souber ben,
e do que sse polo mundo faz sey
que sse faz por mi ou por alguen ;
mays Toledo nen Orgás nom poss'eu
aver, mays en trobar que mi deus deu
conhosco se troba mal alguen.
J0HAH SOARES C0ELU0
1012
Joham Fernandis, mentreu vosc'ouver
aquesfamor que oj'eu con vosqu'ey,
nunca vos eu tal cousa negarcy
qual oj'eu ouço pela terra dizer ;
dizem que fode quanto mays foder
fode o vosso mouro a vossa molher.
Pêro que foss'este mouro meu
ca mi terria eu por desleal,
Joham Fernandez, se vos negasseu
a tal cousa qual dizen que vos faz:
ladinho, como vós jazedes, jaz
com vossa molher e m'end'é mal.
E direy-vos eu quanto vyraos nós,
vymos ao vosso mouro filhar
a vossa molher, e foy-a deitar
no vosso leife vos eu direy;
quanfeu do mour'aprendi e sey,
fode-a como a fodedes vós.
192
CANCIONEIRO PORTtGtIÈ2 DA VATICANA
1013
Joham Fernandes, o rtiund^ tornado»
e fie prara r.iiydatnos que quer Qir 9
voemol-o emperador levantado
contra Roma e tártaros viir;
e ar vemos aqui don pedir
Joham Fernandes, o mouro cru«ado.
E scmpfeàto foy profetizado
par dous e cinco sinaes da Ifin,
seer o mundo assy como é miscrado,
e ar torna ss'o mouro pelegrin;
Joham Fernandes, creedYsf a mi,
que soo home ben letrado.
E se non fosso Anfe-Chtísto nado
non averria falo que avcm,
nen fiar o senhor no maladoj
nen o malado no senhor rem,
nem ar tiiria a Jherusalem
Joham Fernandes non baulifado.
1014
. t Don Estevan fez sa partifon
con seus irmãos e caeu mui ben
en Lixboa, e mal en Santarém,
mays en Coymbra, caeu ben provado»
caeu en Runa ata en o Arnado,
en lodos três os portos qug hy son.
Quem diz dEslevau que non vee ben
digu'eu que mente, ca diz mui gram falha,
e moslrar-llfey que non disse rem,
nem é recado que nulha rem valha;
pêro mostrado devya seer,
ca nom pode per nulha rem veer
mal home que non vée nemigalha.
E nem lho diss'e sey que lho non diria
ca vee mal se migo falass'ante,
ou se o viss'andar fora da vya,
como o eu vi en junfa Amarante,
que non sabia sayr d'uu tojal
por en vos digo que non vée mal,
quem vee de redo quanté deante.
1015
Don Estevam, que Ihi non gradecedes
qual doayro vos deu nostro senhor,
e como faz de vós aver sabor
os que vos vêem que vós non veedes;
e ai hy devedes agradecer,
como vos faz antr'os boos caer,
e antros mãos que ben vós caedes.
E hu vosjogaron ou hu vós jogades
mui ben caedes en qual destas quer,
en falardes con Ioda molher,
ben caedes e. hu quer que falades
e anfel rey muyto caedes ben,
se quer manjar nunca tam pouco ten
de que vós vossa parle non ajades.
E poys el rey de vós é tan pagado
que vos seu bem essa mera* faz
(1'avefrles nome muyto vos j iz,
e non seer home desensinado;
ca poys per eórfavedes a jruarir,
nunca de vós devedes a partir
hum home que vos traga companhado.
1016
Maria do Grave* graVé de saber
porqUe Vos chamam Maria do Grave*
ca vós non sodes grave de foder,
e pefo sodes de foder mui grave ;
e quefeu gram conhocenfa diíer
sen leterad'ou trobodor seer
non poífome departir este grave.
Mays eu sey ben trobar e ben leer,
e queKassy depatlir este grave,
vós ttom sodes grav'en pedir aver,
pêro vosso cone vós sodes grave
a quem vos fode muyto de foder,
e por aquesto sse dev>ntender
porque vos chamam Maria do Grave.
E poys vos assi deparli este grave,
tenho-me d'ora por muy trobador,
e bem vos juro, par nostro senhor,
que nunca eu achey tan grave
con^é Maria, e já o provey
de grave nunca poys molher achey
que a mi fosse de foder tan grave.
1017
Luzia Sanches, jazedes en gram falha
comigo que non fodo mays nemigalha
d'ua vez ; e poys fodo, se deus mi valha,
fiqu'end'afrontado ben por tercer dia;
par deus, Luzia Sanches, dona Luzia,
se eu foder vos podesse foder-vos-hya.
Vejo-vos jazer comigo muyfagravada,
Luzia Sanches, porque non fodo nada,
mays se eu vos per hy ouvesse pagada,
poys eu foder non posso, pagar- vos-ya ;
par deus, Luzia Sanches, dona Luzia,
se eu foder vos podesse, foder-vos-hya.
Deu-mlfo demo esta pissupa cativa
que jà non pode sol cospir a saly va,
e de pram semelha mays morta ca vyva,
e sse lh'ardess'a casa non soergueria ;
par deus. Luzia Sanches, dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos hya.
Deytaram-vos comigo os meus pecados,
cuydades de mi preylus tan desgtiisados,
cuydades dos colhóes que traglnchados;
ca o son con foder e con malouria ;
par deus. Luzia Sanches, dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-hya.
JOHAM SOARES COELHO
193
1018
Jograr mal desemparado
fuy eu pelo teu pescar,
como que ouvh'a envyar
aa rua por pescado ;
por end'0 don que fey dado
quer'ora de li levar.
Assi ch'0 dei preitejado
que nVouvesfa escusar
da rua, e vés, jograr,
poys me non as escusado,
hun don e linho dobrado
pensa ora de mh'o dar.
Non ti barallfeu mercado
nem queria baralhar,
mays ouvesle-m'a pagar
en truytas, e poys pagado
non miras dás como f ei contado
er pensa de mi coutar.
1019
Bon casamenfé pêro sen gram milho
en a poria do ferrenha tendeyra,
e direy-vos confe de qual maneyra:
pêra ric v ome que non pod'aver
filho nen filha pod'el a fazer
con aquela, que faz cada mez ilibo.
E de min vos dig'assy — ben mi venha,
sse rkfome fosse e grand^alg^ouvesse,
a queo leixar meu aver e mha erdade,
eu casaria, digades verdade,
con aquela que cada mez emprenha.
E ben seria meu mal e meu dano
per boa fé e mha menos ventura,
e meu pecado grave sen mesura,
poys que eu com a tal molher casasse
se hfia vez de min non emprenhasse,
poys emprenha doze vezes no anno.
1020
— Pêro Hartiiz, ora por caridade
vós que vos teedes por sabedor,
dizede mi quen é comendador,
en o Espital ora da escassidade,
ou na franqueza, ou quen no forniz,
ou quen en quanto mal sse fez e diz,
se o sabedes dizede verdade.
«Poys don Vaasc'un pouco m'ascoytade :
os que mal fazen e dizen son mil,
en o forniz é don Roy Gil,
e Roy Martiiz en a falsisdade,
e en a escasseza é o seu Priol
non vos pod^nfeslo partir melhor,
se mays quiserdes por mais perguntade.
— Pêro Martiiz, mui ben respondestes,
pcro sabia- m' eu esto per min,
2j
ca todos trez eram senhores hy,
das comendas comendadores estes;
e par estes mh'é tan ben que m'é mal,
mays ar quefora de vós saber ai
que mi digades do que non aprendestes.
«Vós don Vaasc'ora me cometestes
d outros preytos, des y ar dig'assy,
non mi deu. algo pêro lh'o pcdy,
o Priol, e fod'y e vós fodestes
con Roy Gil, emeus preytos talhey,
con frey Rodrigu'e mentiu-m'os, e sey
por aquesta sa fazenda cl 1 aqu estes.
— Pêro Martiiz, respondestes tan ben,
en tod'esto, que foystes hy con sen
de trobador, e cuyd'eu que leestes.
«Vos donVaasco, Lod'esso-m'é ben,
ey sis'e sey trobar e leo ben,
mays que tardi que mlfo vós entendestes.
1021
— Vedes, Picaudou, soo maravilhado
eu d'en Sordel, que ouço entenções
muytas e boas, ey mui boos soes
como fui en teu preyto tan errado ;
poys non sabedes jograria faz^r,
porque vos fez per corte guarecer,
ou vós ou el dacTendebon recado.
cJoham Soares, logo vos é dado
e mostrar-vo-lo-ey en poucas razões ;
gram dereyfey de ganhar does,
c de seer en corte tan préçado,
como segrel que diga, mui ben vés,
en canções e cobras e sirventês,
e que seja de falimento guardado.
— Picandon, por vos vós muytp loardes
noni vol-o cataram per cortesia
nen por entrardes na tafularia,
nem por beverdes, nem por pelejardes ;
e se vos esto contarem per prez,
nunca nostro senhor tan corlez fez
como vós sodes se o ben catardes.
«Joham Soares, por me deostardes
non perceu por esso mha jograria,
e a vós, senhor, melhor estaria,
d'a tod'ome de segrel bem buscardes;
ca eu sey canções muytas e canto bem,
e guardo-me de todo falimen,
e cantarey cada que me mandardes.
— Senhor, conhosco-mi-vos, Picandon,
e do que dixr peço-vos perdon,
e gracir-vor-ey se mi perdoardes.
•Joham Soares, mui de coraçon
vos perdoarei que mi dedes don,
e mi busquedes prol per hu andardes.
1022
—Quem ama deus, Lourenp', ama verdade,
c farey-ch^ntender porque o digo,
194
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
home que entençon furta a seu amigo
semelha ramo de deslealdade ;
e tu dizes que entenções faes
que poys non riman e son desiguaes, f
sey-m'eu que x'as faz Johan de Guylhade.
«Joham Soares, ora m*ascuytade ;
eu ouvi sempre lealdade migo,
e quem iam gram parte ouvesse sigo
en trobar com'eu ey par caridade,
bem podia fazer entenções quaes
fossen bem feytas, e direy-vos mays
la con Joham Garcia baratade.
— Pêro Loureuço, pêro t'eu oya
tençon desigual e que non rimava,
pêro qu'essa entençon de ti falava,
demo lev'esso que t'eu criia,
ca non cuydey que entençon soubesses
tan desigual fazer nen n'a fezesses,
mas sey-ineu que x'a fez Johan Garcia.
«Joham Soares, par saneia Maria,
íiz eu entençon e bem a iguava
com outro trobador que ben trobava/
e de nós ambos bem feyta seria ;
e non vol-o poss'eu mays jurar,
mays sse trobador migu'entençar
defender-mi-lh'ei mui ben todavya.
1023
Don Buytorom, o que vos a vós deu
sobre los trobadores a julgar,
ou non sabia que xera trobar,
ou sabia como vos trobey eu,
que trobey duas vezes mui ben
e se vos el fez juyz por en
de vos julgardes outorgo-voFeu.
E sse vos el por esto fez juyz
don Vuy toron devedel'-a seer,
ca vos soub'eu dous cantares fazer
sen outros sex ou sete que vos flz,
porque devedes julgar com razon
julgad'os cantares que vos eu flz.
E pois julgardes como vos trobey
e ar chamad'o comendador hy
que fezeron comendador sen mi
de mhas comendas per força de rey,
e o que ora nas alças está
se o eu deitey entregar-mh^s a,
ca todas estas son forçadas de rey.
1024
Johan Garcia tal se foy Ioar
e enfenger que dava sas doas,
e que trobava por donas muy boas,
e oy end'o meyrinho queyxar,
e dizer que fará, se deus quizer,
que non trobe quen trobar non dever
por ricas donas nen por infançôas.
E oy n'outro dia eu queixar
huãs coteyfas e outras cochoas,
e u meyrinho lhis disse: — varôas,
e non vos queixedes, ca se eu tornar
eu vos farey que nenhum trobador
non trobe en talho se non de qual for,
nen ar trobe por mays altas pessoas.
Qa mand'al rey, porque a en despeito,
que trobem os melhores trobadores
polas mays altas donas e melhores,
e tem assy per razon con proveito;
e o coteyfe que for trobador
trobe, mays clíam' a coteyfa senhor,
e andaram os preytus com dereyto.
E o vilão que trobar souber
que trob'e chame senhor sa molher,
e averâ cada huu o seu dereilo.
1025
Martin Alvelo,
d 7 esse teu cabelo
ti falarey- já,
cata capelo
que punhas sobr'elo
ca muy mester eh' a;
ca o topete
poys mete,
ca os mays de sete
e mays hu mays ha,
muytos que vejo
sobejo,
e que grand^ntejo
en toda molher a.
E das trincheyras,
e das transmoleyras
ti quero dizer,
vejo-ch'as veyras
e von nas carreyras
polas deffender;
ca a velhice
poys crecer,
sol non quer sandice
ai é de fazer,
ca essa cinta
mal pinta
e que vai a enflnta
hu não ha foder?
Messa os caos
e sinus saimãos
e non ch'a mester,
panos louçãos ;
abride-las mãos
ca toda molher
o tempo cata
quen s'ata
a esta barata
que fora disser,
d'encobrir
a nós con panos
JOHAM SERYANDO
1U5
aquesles enganos,
per rem non os quer.
ROY PAES DE RIBELA
1026
Mala ventura mi venha,
se eu pola de Belenha
cPamores ey mal.
E confonda-me san Marcos,
se pola donzela d 1 Arcos
d 'amores ei mal.
Mal mi venha cada dia,
se eu por dona Maria
d 'amores ey mal.
Fernan d'Escalho me pique,
se eu por de Vyl'Hanrique
d'amores ey mal.
1027
Ven hu ric'ome das Iruylas
que compra duas por muytas,
e coz'end'a hunha!
Por quanto xi quer apenas,
compra en duas pequenas,
e coz'end'a hunba.
Venden cem truytas vivas,
e compra en duas cativas
e coz'end'a hunha!
E hu as venden bolindo
vay-ss'en con duas riindo,
e coz'end'a hunba !
JOBAM SERYANDO
1028
E s'a sela muyto dura
e dura sa pregadura,
mais non a For* de Castela,
ay novel, non vos a prol
de tragerdes mais a sela.
Já a sela dava mal
e quebra o peytural,
per hu se ten a flivela;
ay novel, non vos a prol,
de tragerdes mais a sela.
Ja ssa sela vay busando,
e dixo Joham Servando,
que muyto vosco revela ;
ay novel, non vosha prol
de tragerdes mais" a sela.
1029
Comeron infanções en outro dia
apartados na feyra de saneia Maria,
e déron-lhi linguados por melhoria,
que nunca vi lan poucos des que naçy ;
eu com os apartados fui enton hy
apartado da vida e non comi.
Dircy-vos como forom hy apartados,
derom-lhis das fanegas e dos pescados
a tanto, per que foran muy lazerados,
que des quando foy nado nunca chus vi ;
eu com os apartados fuy enton hy,
apartado da vida e non comi.
Apartarom-sse delles por comer bem
melhor que comeriam em almazem,
e pois quando os erguer non podiam em
tirar muy bem as pernas ar c'a ssy,
eu com os apartados ffoy enton hy
apartado da vida c non comi.
1030
Don Domingo Caorinha
non a proe
de sobir em Marintot,
ca ja doe
quand ela jaz, a sobrinha
mal assoe
a grossa pixa mesquinha
que lhi no seu cono móe;
por aquesto, don Domingo,
non digades que m'enfingo
de trobar,
e d'outra cinta me cingo
e d'outra Marinirolhar.
Don Domingo, a deus loado
d'aqui ataa em Toledo,
nom ha clérigo prelado
que non tenha o Degredo ;
e vós Marinha, co'dedo
avedel-o con husado
que non pode teer medo ;
por aquesto, don Domingo,
non digades ca meníUigo
de trobar,
e d'outra cinta me cingo,
e doutra Marioh'olhar.
Dom Domingo, non podedes
co's calções
que com a pissa tragedes
a Marinha pelos peixes
mays com mó a fodedes
e sobedes edecedes;
brad'en os cantões :
por aquesto, don Domingo,
non digades ca menflngo
de trobar,
e d'outra cinta me cingo
e d'outra Marinha olhar.
Dom Domingo, vossa vida
é com pêa,
pois Marinha jaz transida
e sem côa;
19tí
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
porque vos aa sobida
cansou essa cordovéa ;
flcou-yol-a pissa 'espida,
que jaxe vos esfreia;
por aquesto, don Domingo,
noa digades ca m'enfingo,
de trobar,
e doutra cinta me cingo,
e doutra Marinha olhar.
1031
De quanl'og'eu no mundo queria
a quen infançun nen ao senda) aven,
ca Ihi pedi os panos que Iragia
e disse-m'el o que teve por bem,
ca os queria trager a seu sen,
e pois na cima que mhos non daria.
E pois 1'ouv'i hos panos perOado
enton punhey mais en lh'os pedir,
e disse-m'el: muy foy eu pagado,
hide-vos alhur e quando-vos ar vir
querrey os panos ante vós cobrir
que sejades d'elles de segurado.
E porem seerey ja sempre do seu lado,
per como m'ele os panos mandou,
hu me parecia d'el desconfortado
foy-me chamar, e des hu me chamou :
Joham Servando, pêro nfassy vou
non vos darey os panos a meu grado.
LOURENÇO jograr
1032
— Rodrigu'Eanes, queria saber
de vós porque m'hides sempre travar
em meus cantares, ca ssey bem trobar,
e a vós nunca vos vimos fazer
cantar d'amor, nem d'amigo ; e por en
sse querede-Fo que eu faço bem
d^mar terran-vos por sem conhocer.
«Lourenço, tu fazes hi teu prazer
en te quereres tan muyto loar,
ca nunca te vimos fazer cantar
que ch'eu querra, nen o demo dizer;
confesso diz Servand^ huã rem,
que es omen mui comprido de sen,
e bon meestre que sabes leer.
— Rodrigu 'Eanes, sempr'eu loarey
os cantares que muy bem fectos viir,
quaes eu faço, e quem os oyr
pagar-ss'a d'eíles; mays Vos eu direy
dos sarilhos sodes vós trobador,
ca non fazedes um cantar d 'amor
por nulha guisa qual eu farey.
«Lourenç Eanes, terras hu eu andey
non vi vilam tan mal departir,
e vejo-te trobares cousir,
e loar-le ; mais huã cousa sey,
de tod'omcn que enlendudo for,
non averá en teu cantar sabor,
nem ch'o colheram cm casa d'el rey.
— RodriguEanes, hu meu cantar for
non acha rey nem emperador
que o non colha, muy ben eu o sey.
•Lourenço, tenho que és chufaâor,
e vejo-fora muy gram loador
de pouco, se non ch'0 creerey.
1033
Pedr'Amigo duas sobervas faz
ao trobar, e queixa-sse muyfen
o trobar, aquesto sey eu muy bem,
ca diz que Ihi fazem de mal assaz;
com seus canlares vai-u escarnir,
ar diz que o leix'eu, que sey seguir
o trobar e lodo quanfen el jaz.
E aqucstas sobervas duas som,
que Pedr^Amigo em trobar vay fazer,
en a huã vay-o escarnecer
con seus cantares sempre en seu son;
en a outra vay, he min de loor,
d'esto se queixa muy mal o trobador,
ca ten comigu'en toda razon.
Mais dizede porque lb'o sofirerey
a Pedr' Amigo se me mal disser
de meus mesteres, poilos bem fezer,
e de mais o trobar de mi já partirey
s'el sem conhocer per flcarà
do que me diz que quer veerà,
que fazo bem esta que me Dlhey.
1034
— Quero que julguedes, Pêro Garcia,
d'antre min e todolos trobadores
que de meu trobar som desdezidores,
poys que eu ey muy gram sabedoria
de trobar e do mui bem fazer;
se ey culpa no que me vam dizer
vingade-o sen toda bandoria.
«Don Lourenço, muyto me comcledes,
e en trobar muyto vos ar loades,
e dizem esses com que vós trobades,
que de trobar nulha rem non sabedes;
nem rimades, nem sabedes iguar,
e pois vos assy travan en trobar
do vosso julgar, senhor, nom me coitedes.
— Dom Pedro, eu como vos ouç/i falar
hu vós bem non sabedes julgar,
ora dos outros ofTereçom avedes.
«Dom Lourenço, wjo i vosprofaçar,
mais quem nom rima, nem sabe iguar
se eu juizo dou queyxar-vos-edes.
O (ONDE DON PEDRO, DE PORTUGAL
19;
1035
— Johara Vaasquez, moiro por saber
de vós porque me leixasles o trobar,
ou se foy el vos primeiro leixar,
ca vedes o que ouço a todos dizer:
ca o trobar acordou-s'en a tal
que estava vosco en pecado mortal,
e leixa-vos por se non perder.
«Lourenço, tu vées por aprender
de min, e eu non ch'o quero negar,
eu iro bo ben quanto quero irobar,
pêro nom o quero sempre fa*er ;
mais di-me, ti que trobas desigual,
se te deitam por en de Portugal,
ou se mataste homem ou se roubaste aver.
. «Joham Vaasquez, nunca roubei rem
nem matey homem, nem ar mereci
porque mi deitassem, mais vil aqui
por ganhar algo, e pois sey iguar-mi bem
como o trobar vosso, mais estou
que se perdia tan vosqu'e quitou-
sse de vós, e nom trobades por en.
1036 (vid. 472)
Vós que soédes en corte morar,
d*esses privados' queria saber
se lhes ha privança muita durar,
ca os nom vejo dar nem despender;
ante lhes vejo tomar e pidir,
e os que nom querem dar ou servir
nom podem rem com el rey adubar.
D'esses privados nom sei mais falar
senon que lhes vejo mui gram poder,
e grandes rendas et casas gaanhar,
e vejo a gente toda empobrecer ;
et com pobreza da terra sair,
e ha el rey sabor de os oyr,
mais eu nom sei que lhe vã conselhar.
Sodes de corte et nom sabedes rem,
ca mester faz a todo homem que dé,
pois a corte por livrar algo vem
(fali dar non quer, por seu sabor he ;
poys na côrfhomem non livra por ai,
pense de dar, nom se trabalhe d'al,
ca os privados querem que lhes dêm.
Esta cantiga de cima foy feita em tempo
dei rey don Afíonso, a seus privados.
CONDE DON PEDRO, de Portugal
1037
Esta cantiga foy feita nhã escudeiro que an-
dou a alem-mar, e dizia que fora a lo mouro.
Alvar Roiz, monteyro mayor,
sabe bem qua-lhi el-rey desamor,
porque lhe dizem que he mal feylor;
na ssa terra esfé cousa certa,
ca diz qué se quer hyr, et per hu for
levará cabeça descuberla.
El entende que faz ai rey pesar
se lh'y na terraqui mais morar,
por en quer hir sa guarida buscar,
com gram despeitem terra deserta;
et diz que pode per hu for levar
sempr'a cabeça bera descuberta.
1038
Esta cantiga foy feita a Miguel Vivas, que
foy Enleyto de Viseu, el a Moniz Lourenço de
Beja.
Os privados que d'el rey ham,
por mal de muytos, gram poder,
seu saber é juntar aver,
e non no comen, nen o dam ;
mays profaçar de quem o dá,
e de quanto no reyno ha,
se compre todo seu lalam.
Os que trabalham de servir
el-rey por tirar galardon,
s'é do seu bando ou se non som,
logo punham de lho partir
o que d'el rey quiser tirar
bem sem servir, se lhis peitar
avel o-a d'u To pedir.
Seu sen e seu saber é tal
qual vos ca já'gora contey,
e fazem ai que vos direi,
que he muy peior que o ai ;
hu s'el-rey mov'a fazer
bem com'é razon, pesa-lhes er
et razoam o bem por mal.
E hu compre conselh'ou sen
a seu senhor, nom sabem rem,
se nom em todo desigual.
*
1039
Huu cavaleyro avya
hua tenda muy fremosa,
que cada que n'ella siia
assaz lh'é tam saborosa ;
e huu dia pela sesta
hu estava bem armada,
de cada parte espetada
foy toda pela meestra.
Na tenda nom ficou pano,
nem cordas, nem guarnimento,
que toda nom foss'a dano,
pelo apoderamento
da maestra, que tirando
foy tanto pelo csteo
que por esto, com'eu creo,
se foy toda espetando.
198
CANCIONEIRO PORTUGUEZ M VATICANA
A corda foy em pedaços
e o mays do ai perdudo,
mays flcaron-lhy dous maços
ficand'0 esleo rompudo ;
e a maeslra meluda
em grand' estaca jazendo,
e foy-s'a tenda perdendo
assy como he perduda.
Per mingua de boo meestre
pereceu tod'a tenda,
que nunca sse d'ela preste
pêra dom, nom pêra venda;
ca leyxou com mal recado
a meeslra tirar tanto
da tenda, que ja quanto
avia sse era porfaçado.
Esta cantiga de cima foy fecta a hxm mees-
tre dCordim de cavalaria, porque avya sa
barragãa, e fazia seus filhos en ela ante que
ffosse meestre, e depoys caw/a hua tenda em
Lixboa em que tragia mui grande aver a
guaanho, e aquela sa barra gãa quitando -Ihy
alguns dinheiros q viinhã da terra da Horden
et que o maestre y non era envyavaos a
aquela tenda porque guaanhasen con elles
pêra sseos filhos, e depoys tiraron ende os di-
neros da tenda e deron-os em outros prazos
pêra gaanharem com elles e ficou a tenda
desfeita e non leyxou por en o meestre de-
poys a gaanhar.
1040
Natura das animalhas
que som d'uã semelhança
é de fazerem criança
mais des que som fodimalhas ;
vej'ora estranho talho,
qual nunca cuydey que visse,
que emprenhasse parisse
a Camela do Bodalho.
As que som d'ua natura
juntam-s'a certas sazões
e fazem sas criações,
mays vejo já criatura
ond'eu nom cuydey veel^a ;
e por en me maravilho
de Bodalho fazer filho
per natura na Camela.
As que som per natureza
corpos d'ua parecença
juntam-s'e fazen nacença,
estohesadereyteza;
mays non coydey em mha vida
que Camela se juntasse
com Bodalho emprenhasse,
e de mays seer d'el parida.
Esta cantiga de cima ffoy fecta a hua do-
na d'ordym, que chamavam Moor Martins
por sobrenome Camela, e a hwu liomem que
avya nome Jofiam Mariz, por sobrenome Bo-
dalho, e era noticio de Bragaa.
1041
Mandey pedir n'outro dia
huu alaão a Paay Varella,
porqu'ei hua mha cadella,
e diss'ell que mho daria ;
e per como mh'o el dá
eu ben cuydo qu'ell verrâ
quand'aqui veer Messya.
Outrossy Pêro Marinho
dous sabujos mha mandado
la da serra e de montado,
e disse- me huu sseu mininho
que bem certo foss'eu disto;
poys veér o Ante-Christo
verrã con el por camynho.
Eu nom foy home de siso
hu mh'as promessas fazian,
duvydando cá que verrian,
e entolha-xe-me riso
de que o foy duvydando
poys sey que verram quando
for todus no parayso.
Esta cantiga foy fecta a estes cavaUeyros
que aquy conta, que remeterom ca hwu alão
et sabujos segundo s^aqui escreveo e pêro que
Ih? os temian a sopear, que os quiserom dar,
e o conde fez-lhis poren esta cantiga.
1042
Martin Vasques n'outro dia
hu estava en Lixboa,
mandou fazer gram coroa,
ca vyo per estrologia
que averia igreja
grande, qual ca el deseja,
de mil libras em valia.
E diz que vio na estrela
pêro que a nom domande,
d'aver egreja mui grande
ca nom egreja messela;
ca da pequena nom cura,
ca lhe seria loucura
d'el aver a curar d'ela.
E diz que vio na lua
que averia sem contenda
egreja de muy gram renda,
e non ca non pequena e nua
e porque lhe vay tardando
el vai-sse muito agravando
porque lhe non dam nenhua.
El a cercou na espera •
qual planeta tem por doa
que lh'a outorgasse pessoa. . .
ROY PAEZ DE RIBELA
199
Esta cantiga sitso escripta, que se comen-
ta , se juntou a as que no outro dia fez o Con-
de a hu jograr que avya nome Martin Voas-
queSy et prezava-se que sabya d'estrologia et
non sabia em nada, e colheu ai vaydade na
maão ca avya d'aver egreja de Milhas ou de
Silves et juntou infantes et mandou fazer co-
roa e con cavalarya foy-se a Alem-Dwjro et
non ouve nemigalha, e o Conde fez-lhi esta
cantiga.
1043
Diz hua cantiga de vilado:
• o pee d'hua torre
baila corp'e giolo;
veda o cós, ay cavaleyro.»
JOHAI BB GAYA, eseudfyro
e
Vosso pay na rua
anfa porta sua,
vedel-o cós, ay cavaleyro.
Anfa ssa pousada
em say'apretdda,
vedel-o cós, ay cavaleyro.
En meio da praça
em saya de bar aça,
vedel-o cós, ay cavaleyro
Esta cantiga seguiu Joham de Gaya por
aquella de cima, de vilaaõs, que diz a refren} :
vedel-o cós, ay cavaleyro; e feze-a a hú vi-
lãao que foy alfayate do bispo don Domitigos
Jardo, de Lixboa, ca avya nome Vicente Do-
mingues, e depoys pose-lhy nome o bispo
Joham Fernandes et fese-o servir ante sy de
cosinha et talhar anJCel, et feze-o el rey Dom
Denys cavaleyro e depois morou na freguesia
de Sam Nicolaao et chamaram-lhy Joham
Fernandes de Sam Nicolaao.
1044
Vej'eu rauy bem que por amor
que vos ey me queredes mal,
et quero vos eu dizer ai
per boa Té, ay mha senhor:
que me queirades mal por en,
jà vos eu sempre querrey ben.
E mha senhor, per boa fé
poys soubestes que vos amey,
me desamastes, eu o sey,
mays per deus, que no ceo s'é
que me queyrades mal por en,
jà vos eu sempre querrey ben.
Meu coraçon non se partiu
poys vos vyu de vos muyfamar,
e vós tomastes en pesar,"
e por deus que nunca mentiu,
que me queirades mal por en
já vos eu sempre querrey bem.
Senhor, sempre vos querrey ben
atà que moyr'ou perca o sen.
ROY PAEZ DE RIBELA
1045
A donzela de Bizcaia
ainda mh'a preyto saya,
de noyte ao lunar.
Poys n^agora assy desdenha,
ainda mh'a preito venha
de noyte ao luar.
Poys d'ela soo mal treito,
ainda mi venha a preito
de noyte ao luar.
.1046
Perguntad'un ricome,
mui rico que mal come,
porque o' faz?
El de fam'e de sede
mata home, ben o sabede
porque o faz ?
Mal com'e faz nemigá,
dizede-lhi que diga
porque o faz ?
1047
»
Hun ric'omaz, hun ric'omaz
que de mãos jantares faz,
quanta carne manda a cozer
quand'ome vay pola veer
se s'ante muyto non merger
sol non pode veer hu jaz ;
hun ric Y omaz, hu ric'omaz
que de mãos jantares faz.
Quem vee qual cozinha tem
de carne se s'y non detém
nom poderá estimar bem
se x'est carne, se pescaz ;
hu ric'omaz, hu ric'omaz
que de mãos jantares faz.
1048
Comendador, hu m'eu quytei
de vós e vos encomendey
a mha molher, per quanfeu sey
que lhi vós fezestes d'amor,
tenhades vós comendador
comendad'o demo mayor.
Ga muyto a fostes servir
nom vol-o poss'eu gracir,
mays poyl' a vós fostes comprir
de quantela ouve sabor,
tenhades vós comendador
comendad'o demo mayor.
200
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
E dizer-vos querunha rem,
ela per servida sse len
de vós, e poys que vos quer bem,
como quer a mia ou melhor,
tenhades vós comendador
comendad^ demo mayor.
1049
Maria Genta, Maria Geu ta da saya cintada,
hu massastes esta noyle, ou quenpoz cevada?
Alva, abriades-ma lá.
Albergamos eu e outra na carreyra,
e rapazes com amores furtan ceveyra.
Alva, abriades-m'a lá.
Hu eu m'oj'aquesta noyte ouvy gram cea,
e rapazes com amor furtan avéa ;
Alva, abriades-m'a lá.
1050
Meu senhor, se vos aprouguer,
comendador, dade-mi mha molher,
e se vol-a eu outra vez ar der
de mi, dé-vos muita de maa ventura;
comendador, dade-mi mha molher
que vos dey e fazede mesura.
De fazer filhos m'é mester,
comendador, dade mha molher,
e dar-vos-ey outra d'Alanquer
en que percades a calentura ;
comendador, dade mha molher
que vos dey e fazede mesura.
PÊRO BARROSO
1051
Pêro Lourenço, comprastes
hunhas casas, e mercastes
d'elas mal, pêro catastes
anfas casas e por en
por deus vós vos enganhastes
que as non catastes ben.
Poys vos non deron hy orto
por entrada de morto,
vos tenh'oj'eu mays conhorto
ca de vós, per hua rem,
que se faz em vosso torto
que as nom catastes ben.
Se vós, como home dereito
as paredes e o teyto
catassedes, gram preveilo
vos ouvera a meu sen ;
vós sofred % end'o despeito
que as non catastes ben.
Poys non vistes hy cortinha
nem paaço, nem cosinha,
respondestes vós azinha;
mays ora que prol vos tem,
a pagar é a farinha,
poyFas non catastes ben.
1052-
Moyr'eu aqui da de Soryã,
e dizen ca moyro damor,
e ave ri a gram sabor
de comer se tevesse pam ;
e, amigo, direi-vos ai :
moyfeu do que en Portugal
morreu don Pouco de Bayam.
E quantus m'est'a mi difam
que nom posso comer d'amor,
dê lhis deus tam gram sabor
com' end'eu ey, e veram
que é a gram coita de comer
quem dinheiros nom podaver
de que o compr'e nom lh'o dam.
1053
Sey eu hun ric'ome, se deus mi perdon\
que traj'alferez e trage pendon,
e con tod'est'assy mi venha ben,
nom podei rey saber per nulha rem
quando sse vay, nem sabe quando ven.
E trage tenda e trage manjar,
e ssa cozinha hu faz seu jantar,
e con tod'esto, se mi venha ben,
nom pod'el rey saber per nulha rem
quando sse vay, nem sabe quando ven.
Trage reposte e trage 'scançam,
e trage saquiteyro que lhi dá pam,
e com tod'eslo, si mi venha ben,
non pod'el rey saber per nulha rem
quando se vay, nen sabe quando ven.
1054
Hun ryc'ome que oj'eu sey
que na guerra non foy aqui,
vem mui sanhudo e diz assy
como vos agora direy :
diz que ten terra qual pediu,
mays porque a nunca servyu
a muy gram querela <Tel-rey.
El veo, sse deus mi perdon',
des que vyu que era paz,
ben lhi venha se ben faz,
pêro mostra el tal razon;
diz que ten terra qual pediu,
mays porque a nunca serviu
contra el rey anda muy felon.
Pêro na guerra nom fez ben
nen mal, que nom quis hy viir,
con coita d'el rey non servir,
pêro mostra el hua rem :
diz que tem terra qual pediu,
JOHÀM DE GAYA
201
mays porque a nunca serviu
ai rey quer mui mal por en.
Sanhudo vem contr'el rey já,
ca bu foy mester nom chegou,
e mais de mil vezes jurou
que da terra nom sayrâ :
diz que tem terra qual pediu,
mais porque nunca a serviu
ai rey mui gram mal por en querrd.
1055
Chegou aqui don Foam
c veo mui ben guysado,
pêro non veo ao mayo
por nom chegar endoado;
demos-lhi nós hunha maya
das que fazemos no mayo.
Per boa fé, ben guysado
chegou aqui don Foam,
pero non veo no mayo,
mays por non chegar em vão,
demos-lhi nós hunha maya
das que fezemos no mayo.
Porque veo ben guisado
com tenda e com reposte,
pero non veo en o mayo
nen veo a Pindecoste,
demos-lhi nós hunha maya
das que fezemos no mayo.
Poys traz reposte e tenda
em que sse tenh'a viço,
pero non veo no mayo
demos-lhi nós hunha maya
das que fezemos no mayo.
1056
Meu senhor, direi-vos ora
pela carreira de Mora,
hu vó;3 jà passastes fora,
e con vosco os de Touro,
ca pero que alguém chora
tragu'eu o our'e o mouro.
Pero non vos custou nada
mha yda, nem mha tornada,
gradades com mha espada
e com meu cavalo louro,
bem da vila de Graada
tragu'eu o our'e o mouro.
Meu senhor, que vos semelha
do que xe vosc'aparelha
e vos anda na orelha,
rogindo como abesouro,
Roy Gomes de Telha,
tragu'eu o our'e o mouro.
1057
Pero d'Ambroa, se deus mi perdoo'
non vos trobey da terra d^ltramar,
vedes por que, ca non achei
razon porque vos (Tela podesse trobar;
poys hy non fostes mays trobar-vos-ey
de muytas cousas que vos eu direy
do que vos non sabedes guardar.
Se deus mi valha, vedes porque non
non trobey d'Acri, nem d'esse logar,
porque nom virom quantos aqui som
que nunca vós passastes alen-mar ;
e da terra hu non fostes non sey,
como vos trobei, mays saber-vos-ey
as manhas que vós avedes contar.
JOHAI DE GAYA, escudeyro
1058
Como asn'em mercado
se vendeo hun cavaleyro
de Sanhoan'a janeyro,
três vezes este provado ;
pero se oj'este dia
lh'outrem der mayor contia
ficará con el de grado.
El foy comprado trez vezes,
ogano de trez senhores,
el xe sab'en os melhores,
ca non ha mays de sex mezes
ca el ten que todavia
ade pagar en con ti ia
en panos ou en torneses.
Se mays senhores achara
ca os trez que o comprarem
os sex mezes non passarom
que el com mays non ficara;
mais està-x'é em sa períla
empenhando cada dia,
ca el non se desempara.
Esta cantiga foi fecta a htm cavaleyiv que
ouve nome Fernam Vaasques Pimentel que
foy primeiro vasalo do Conde dom Pedro,
poys partiu-se d' ele e foi-sse pêra dom Joham
Âffbnso d' Alboquerque seu sobrinho, e depoys
partiu-sse pêra o Inffante dom Affonso filho
d*el rey dom Denis, que depoys foy rey de
Portugal, e todo esto foy em sex meses.
1059
Se eu, amigus, hu he mha senhor
viver ousasse, por tod^outro ben
que deus no mundo a outro pecador
fazer quizesse, eu jà per boa fé
ren non daria, mays poys assi he
et que non ous'i a viver, conven
Que moyr'amigus ; ca nom sey eu quem
viver podesse, poys nom ousassMr
1 hu est aquela que sa vida ten
202
CANCI0NE1B0 PORTUGUEZ DA VATICANA
en seu poder et seu bem e seu mal
como ela teo de mi et non me vai
rem contra ela, nem me vai servir
Ela que amo ; pêro que mlroyr
non quer mha coyta, nem me quer hy dar
conselho, amigus, nem quer consentir
que a veja, nem que more hu a veer
possa per bem, et meu gram bem querer
cl meu serviço todo s'aprobar.
1060
Meus amigus, poys me deus foy mostrar
a mha senhor que quero muy gram bem,
trobey eu sempre polo seu amor;
et meu trobar nunca me valeu rem
contra ela, mays vedes que farey
poys me nom vai trobar por mha senhor
oy mays quer'eu ja leixar o trobar.
E buscar outra razon, se poder
porque possa esta dona servir,
et verey enton se me fará
sequer algua rem porque possa partir
muy grandes coytas do meu coraçom,
et sey que asi me conselhará
o meu amigo que me gram bem quer.
Ca cToutra guisa nom posso aver hy
conselho jà per csla razon tal
ca eu, amigos, da morte presfestou
se m'a esto nostro senhor non vai,
pêro da morfey sabor, et a la fé
ca se morrer diram que me matou
a melhor dona que eu nunca vi.
1061
En gran coyta vivo, senhor,
a que me deus nunca quis dar
conselho et quer-me matar;
et a min seeria melhor,
et por meu mal se me deten
por vingar- vos, mha senhor, ben
dô-roi se vos faço pesar.
E assi me tromenfamor
de tal coyta que nunca par
ouv'outr'ome a meu cuydar,
assy raorrerey pecador;
et, senhor, muyto me praz en
que prazer tomades por en,
non o dev'eu a recear.
E assi ey eu a morrer
veendo mha mort'ante mi,
et nunca poder filhar hy
conselho, nen o atender
de parte do mund'e bem sey,
senhor, que assi morrerey
si assi he vosso prazer.
E ben o devedes saber
se vos eu morte mereci,
mais, por deus, guardade-vos hy
ca todo he em vosso poder ;
et, senhor, pregunlar-vos ey
por serviço que vos busquey
se ey por en morfa prender?
1062
Eu convidey hu prelado
a jantar, se ben me venha;
diss'el en estes meus narizes
de color de berengenha:
vós avedel-os olhos verdes,
et malar-m'iades con eles.
O jantar está guisado
et por deus, amigo, trey-nos ;
diz el en estes meus narizes
color de figus çofeynos:
vós avedel-os olhos verdes,
et matar-mlades con eles.
Comede migu'e dirara-vos
cantares de Martim Moxa,
diz el en estes meus narizes
color d'escarlata roxa;
vós avedel-os olhos verdes,
et matar-m'iadescon eles.
Comede migu'e dar-vos-ey
hua gorda garça parda;
diz el en estes meus narizes
color de rosa bastarda :
vós avedel-os olhos verdes,
et matar-m'iades con eles.
Comede migu'e dar-vos-ey
temporaano figo maduro;
diz el en estes meus narfces
color de môrece 'scuro :
vós avedel-os olhos verdes,
et matar-m'iades com eles.
Treides migu'e comeredes
muy tas boas assaduras;
diz el en estes meus narizes
color d'a moras maduras:
vós avedel-os olhos verdes,
et matar-mMades con eles.
Esta cantiga foy seguida por huâ baylada,
que diz:
Vós avedel-os olhos verdes ,
matar-m'cdes com eles,
e foy feda a hwu bispo de Viseu natural
(FAragon, que era tan tardo en comer cada
huã d'estas cousas que convida en esta can-
tiga ou mays, et apoynhamdhe que sse paga-
va do vinho.
J0HAI BAVECA
1063
Bernal fendudo, quero-vos dizer
que vós façades, poys vos querem dar,
JOHAM BAVECA
203
ar mãos, dona salvage chamar,
se vos com mouros lid'acaecer;
soffrede-os, ca todos ferrar-vos-am
e dando colpes en vós cansaram,
e averedes poys vós a vencer.
E ali logo hu ss'a lide a volver
verram-vos d'elhes deante cobrar,
desy os outros, por vos nom errar,
ar querram-vos por alhur cometer ;
mais soflrede ferram per hu quer,
ca se vos dés en armas ben fezer
ferindo em vós am elles de caer.
Pêro coma muy gram gente a sseer,
muyfa vezes vos am a derribar,
mais vós sempr'avedes a cobrar,
e elles am mais a enfranquecer ;
pêro nom quedarom de vos ferir
de todas partes, mays ao /Kr,
todos morreram em vosso poder.
1064
Hum escudeyro vi oj'arrufado
por tomar penhor a Mayor Garcia,
por dinheyros poucos que lhi devia ;
e diss'ella, poil'o viu denodado :
senhor, vós non m'affrontedes assy,
c será gora huu judeu aqui
con que barate dar-vos-ey recado
De vossos dinheiros de muy bom grado;
c tornad'aqui ao meio dia,
e entanto verrá da judaria
aquel judeu con que ey baratado,
e hu mouro que aclTi de chegar
con que ey outrosy de baratar,
e eu como quer farey-vos en pagado.
E o mouro foy a log'alhy chegado
e cuydou-s'ela que el pagaria
divida velha que ela devia,
mais diss'o mouro: ssal non compensado,
que vós paguedes rom do meu aver,
mcas deveram sobre vós fazer
ca hu judeu avedes enganado.
E ela disse : fazede vos qual
feito quiserdes sobre min, poys dal
nom poss'avcr aquel homen pagado.
E o mouro logo a carta notou
sobr'cla et sobre quanto lhachou,
e pagou-a c leixou-lh'o Iralado.
1065
Mayor Garcia, scmpr'oy dizer
por quen quer que podesse guisar
da ssa morte se bem rrfa enlTestar,
que non podia perdudo seer ;
e ela diz por sse de mal partir
que emquanfouver per que o comprir
que non quer ja sem clérigo viver.
Ca diz que nom sab'u x'adc morrer,
e por aquesto se quer trabalhar
a como quer d'ess'e d'esto pagar,
guis'ar e diz, que a ben per hu a fazer
çono que tem desy, se d'alhur non,
dous outros clérigos hu sa sazon
E Mayor Garcia por non perder
sua alma quando esto oyeu
foy buscar clérigo en o sacr'e veu
albergar er
e jà trez clérigos pagados tem,
que nehu d 'elles, sabede vos ben,
qua non pode a morte Jolher.
1066
Pêro d'Ambroa prometeu de pram
que fosse romeu de sancta Maria,
e acabou assy sa romaria
com'acabou a do flume Jordam ;
ca entonce ata Monpylier chegou,
e ora per Ronç avales passou
e tornou -se do poio de Roldam.
1067
Pêro d'Ambroa, sodes mayordomo
e trabalharia de vos enganar
o albergueyro; mais de 'scarmenlar
lo avedes, e direy-vos eu como ;
se vos mentir do que vosco poscr
s'ora de vós c de nós, como quer,
c brila-lh'os narizes no momo.
E pois mercai* d'elos ai logo cedo
vos amostra roupa que vos dará
e sse pois mi diz que vol'a non da
ide sarrar la porfa vosso quedo,
e d'esses vossos narizes logul
fic'o seu cuu quebrand'assy
que já sempr'aja d'espanhoes medo.
1068
Estavam oje duas soldadeyras
dizendo ben a gram pressa de sy,
e vyu a huã d'elas as olheyras
de ssa companhcyra e diss f assy :
que enrugadas olheyras teendes ;
e diss'a outra : vós com'ar veedes
d'esses ca
E ambas elas eram companheyras
e diss'a huã en jogo outrosy :
pêro nós ambas somos muyfanteyras
milhor conhosqu'eu vós ca vós min ;
e diss' outra: vós que conhocedes
a min também, porque non entendedes
como som covas essas caaveyras.
E depoys tomaram senhas masseyras
e banharom-sse e loavam-ss'aly ;
e quis dés, que nas palavras primeiras
201
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
que ouveram, que chegass'eu aly,
e diss'a ua : mole o ventr'avedes ;
e diss'a outra : e vós maio ascondedes
as tetas que semelham cevadeyras.
1069
Don Bernaldo, pesa me que tragedes
mal aguadeyr'e esse balandrao,
e aqui dura muifo tempo mao,
e vós en esto mentes oon metedes,
e conselho-vos que catedes ai
que cobrades, ca esse non é tal
que vos vós sô el muyto non molhedes.
E quem vos pois vir la saya molhada
ben lh'en terra que é com escaceza,
e en vós ouve sempre gram largueza,
e pois aqui veél-a n'invernada
maravilha será se vos guardar
hun dia poderdes de vós molhar
sô huã muy boa capa dobrada.
E don Bernaldo, verem esta guerra
de quanto vol-o vosso home ai mete,
avecTua capa d'un capeyrete
pêro capa nunca ss'a vós bem serra ;
ar queredes-vos vós eras a colher,
c cavalgar e non pode seer
que vos non molhedes en essa terra.
1070
Par deus, amigos, gram torto tomey
e de logar onde m'eu non cuydey,
estand'alhi anfa porta d'el-rey
preguntando por novas da fronteyra,
por hua velha que eu doestey
doestou- nfora Maria Balteyra.
Veed'ora se me devo queixar
d'este preyto, ca nom pode provar
que me lhoisse nulh'omen chamar
y senon seu nome per nulha maneyra ;
e pola velha que foy deostar
dcostou-m'ora Maria Balteyra.
Muyto vos deve de sobervha tal
pesar, amigos, e direi-vos ai,
sey muy bem que lh'esla bem ssal,
todos iremos per hua carreyra ;
ca porque (lixo d'ua velha mal
deostou-nfora Maria Balteyra.
JOHAN AYRAS, de Sanctiago
1071
Pêro Garcia me disse
que mha senhor con el visse ;
e disse-lh'eu que non oysse :
Ay Pêro Garcia,
gran med'ey
de dona Maria
que nos mataria.
Disse-m'el : aventuremos
os corpos e a là entremos ;
e dixi-lh'eu : non o faremos,
Ay Pêro Garcia,
gran med'ey
de dona Maria
que nos mataria.
Disse-m'el : entremos ante,
que dona Maria jante ;
e dix'eu : ide vós deante ;
Ay Pêro Garcia,
gram med'ey
de dona Maria
que nos mataria.
Mal conhocedes dona Maria
ay Pêro Garcia.
1072
Quando chamam Johan Ayras
bevedor, bem cuyd'eu logo
per boa ííé que mi chamam,
mais a nostro senhor rogo
que a tal demo o tome
per que tolham o nome.
Veen Johan Ayras chamando
per aqui todo dia,
e eu vou quando o chamam,
mais rogu'eu a sancta Maria
que a tal demo o tome
per que tolham o nome.
1073
Dizcn que ora chegou dom Beeyto
muyfalegre pêra sa molher
com sas merchandias de Monpiler ;
mais dizer-vos quer'ora hum preyto:
já deus nom me leixc entrar sobre mar
sse polo custo queria filhar
o mercado qu'el aly a feyto.
E por huu crestes nossos miradoyros
veo aqui bem guisado esta vez
con sas merchandias que a lá fez,
mais dizen que ouve mãos agoyros;
e ar dizen que mercou* a tan mal
que nunca end'averam seu caudal,
ca se Ihy danaram muy mal os coyros.
1074
Dom Beeylo home duro,
foy beijar pelo oscuro
a mha senhor.
Hom'é hom'aventurado,
foy beyjar pelo furado
a mha senhor.
Vedes que gran desventura,
beijou-lhe la fendedura
a mha senhor.
DON ÀFFONSO LOPES DE BAYAM
205
Vedes que muy grancTabaco,
foy beijar pelo buraco
a mha senhor.
1075
Hu con don Veeylo
aos preytos veeron,
cuspiron as donas
e assy disseron :
talhou don Veeyto
aqui o ffeyto.
E poys que ouveran
ja feita sa voda,
cuspiron as donas
e diz dona Toda :
talhou don Beeyto
aqui o feylo.
Todas se da casa
com coita sayam,
e hiam cospindo,
todas en diziam :
talhou don Beeyto
aqui o ffeyto.
1076
Ay justiça, mal fazedes que non
queredes ora dereyto filhar
de Mór da Cava, porque foy malar
Joban Ayras, ca fez muy sen razon ;
mays se dereyto queredes fazer,
ela sô el devedes a meter,
ca o manda o Livro de Leom.
Ca Ibi queira gram bem, e desy
nunca lhi chamava senon senor,
c quando-lh'cl queria muy melhor
foy-o ela logo matar aly ;
mays, justiça, poys tam gram torto fez
metede-a ja sô ele hua vez,
en o mando é dereyto assy.
E quando mais Johan Ayras cuydou
que ouvesse de Mor da Cava ben
foy-o ela logo matar por en,
tanto que el en seu poder entrou ;
mays justiça pois que assy é jà,
mel an-a sô el et padecerá
a que o a muy gram torto matou.
E quen nós ambos vir jazer, dirá
beeyto seja aquel que o julgou.
1077
Hunha dona, non digu'eu qual,
non aguyrou ogano mal,
polas oytavas de natal
hya por ssa missa oyr ;
c ouv'un corvo carnaçal
c non quys da casa sayr.
A dona muy de coraçon
oyra ssa missa enton,
e foy por oyr o sermon
e vedes que liro foy partir;
ouve sig'un corv'a caron,
e non quis da casa sayr.
A dona disse : que será?
e hi o clerigu^está já
revestida maldizer-m'ha,
se me na igreja non vyr ;
e diz o corvo: qua-cá,
e non quis da casa sayr.
Nunca laes agoyros vy,
des aquel dia que nacy,
con^aquesfano ouv'aqui;
e ela quis provar de ss'yr
e ouv'un corvo sobre sy,
e non quis da casa sayr.
1078
Don Pêro Nunez era en tornado
e ia-ss'a Santiagu'albergar,
e o agoyro sol el bem catar
ca rauytas vezes rouv'afaç anhado ;
e indo da cas ao celeyro
ouvTiuu corvo vorac'e faceiro,
de que don Pedro non foy ren pagado.
E pois lo el ouve muylo catado
diz : d'este corvo non posso escapar,
que d'el non aja escambo a tomar,
con gram perda do que ey gaanhado,
ou da mayor parte do que ouver,
per ventura ou do corpo ou da molher,
segundou ey o agoyro provado.
E tornou-sse contra seu gasalhado,
e diz : amiga, muyfey gram pesar,
ca me non posso do dano guardar,
d'este corvo que vejo tam chegado
a nossa casa, poys (ilha perfia t
e corv'é jâ'qui sempr'o mays do dia;
e diz : de noite seas trasffuraado.
DON AFF0NS0 LOPES DE BAYAM
1079
Cantigas que fez don Affbnso Lopez de
Bayam de escarnh'e de mal dizer.
Oy d'Alvelo que era casado
mays non o creo, se deus mi perdon',
e quero-vos logo mostrar razon,
que entendades que digo recado ;
ca lh'oy eu muytas vezes jurar
que can pastor non podia casar,
e por en creo que non é casado.
Sabia-m'eu ca x'era esposado,
mays a d'u ano, non digu'eu de non,
ca mi mostrou el ben seu coraçon
per quanfcl a mi avya jurado,
que mentre cão pastor fosse com'é
que non casaria, per boa fé,
mays esposou-ss'e anda esposado.
206
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA YATÍCANA
E seus parentes teen por guisado
que sse casass'ay gram sazon,
ós que lh'o dizcn, dize-lhis el enlon:
do que dizedes non soo pagado ;
ca me non podedes tanto coitar,
que eu cam pastor quisesse casar,
mays casarey quantTouver guisado.
De me cuytardes fazedes mal sen,
ca non podedes jà per nulha rem
que per mi seja o preito evitado.
1080
Aqui sse começa a gesta, que fez don Âflim-
so Lopes a don Meendo e a seus v assaltos, de
mal diser.
Seria-xM don Velpelho en hunha sa mayson
que chamam Longos, ond'eles todos son;
per porta lh'entra Martin de Farazon,
esouTa colo en qu'é senh'un capon
que foy ja pol'ey r'en outra sazon ;
cavaFagudo que semelha forom,
en cima d'el un velho selegon,
sen estrebcyras e con roto bardon,
nem porta loriga, nem porta lorigon,
nen geolheiras quaes de ferro son,
mays trax perponto rolo sen algodon,
e cuberluras d'un velho zarelhon,
lança de pinh'e de bragal o pendon,
e chapei de ferro que xi lhi mui mal pon;
e sobarçad'um velh'espadarron;
cuyteFa cachas, cintas sen farcilhom,
duas esporas destras, ca sestras non som,
maça de fusto que lhi pende do arçom;
a don Belpelho moveu esta razon :
— Ay, meu senhor, assy deus vos perdon',
hu é Jobam Aranha, o vosso companhon,
e voss'alferez, que vos ten o pendon?
se é aqui saya d'esta mayson,
ca ja os outros todos en Basto son.
Eoy!
Estas oras chega Joham de Froyam,
cavalho velho cuçurr'e alazam,
sinaes porta en o arçon d'avam,
campo verde u inquyreo can,
en o escud'ataaes lh'acharam
çeram'e cinfe calças de Roam,
sa catadura semelha d'un sayam ;
ante don Belpelho se vay aparelhan'
e diz : — Senhor, non valrredes hu pam,
se os que son en Basto se x'i vos assy van,
mays hid'a eles ca xe vos non iram,
achal-os-edes, escarmenlarán,
vyngacVa casa en que vos mesa dan,
que digam todos quantos pós vós verran,
que tal conselho deu Joham de Froyam.
Eoy!
Esto per dito, chegou Pêro Ferreyra
cavalo branco, vermelho na pcreyra,
escuda colo que foy d'uã masseyra,
ca lança torta d'un ramo de cerdeyra,
capelo de ferro, o anasal na trincheyra,
e furad'en rrod'a moleyra,
traguam husa e hua geolheyra ;
estrebeyrando vai de mui gram maneyra,
e achou Belpelho estand'en hua eyra,
e diz : — Aqui estades, ay velho de matreyra,
venha Pachacho e o don Cabreyra,
para dar a min a deanteyra,
ca já vos tarda essa gente da Beyra,
o Moordom'e o sobrinho de Cheira,
e Meen Sapo, e don Martin de Meyra,
e Lopo Gato, esse filho da freyra,
q non ha antre nós melhor lança per peydeyra.
Eoy!
1081
En Arouca hunha casa faria,
a tanfey gram sabor de a fazer,
que ja mays custa non recearia,
nem ar daria ren por meu aver;
ca ey pedreyros e pedra e cal,
e d'esta casa non mi mingua ai,
se non madeyra nova que queria.
E quem m'a desse sempre lh ? o servyria.
ca mi faria hy mui gram prazer,
de mi fazer madeyra nova aver,
en que lavrass'unha peça do dia ;
e poys hir logo a casa madeirar,
e telhai a, e poys que a telhar
e dormir en ela de noyfe dia.
E meus amigos, par sancta Maria,
se madeira nova podess'aver,
logu'esta casa hiria fazer,
e cobril-a e descobril-a-hia;
e revolvel-a, se fosse mester,
e sse mh'a mi a abadessa der
madeyra nova esto lhi faria.
1082
Deu ora el rey seus dinheiros
a Belpelho que mostrasse
en alardo cavaleiros
e por ric'omen ficasse ;
e pareceu a cavalo
con sa sela de badana,
qual ric'omen tal vassalo,
qual concelho tal campana.
MEEN RODRIGUES TEN0YR0
(Ayras Peres Vuytnron?)
1083
Don Estevam achey noutro dia
muy sanhudo de pos hum seu bornir,
e sol non lhi pod'un passo fogir
aquel seu home de pos que el hya ;
AYHAS PERES VEYTOROM
207
e filhou o hy pelo cabeçora,
e ferio -o mui mal d'un gram baston
que na outra mãao destra tragia.
E don Estevan assy dizia
a nós, que lh'o nom leixassemos ferir :
mays quero-vos eu ora descobrir,
conteste vilão migo vy vya :
mays era eu seu, ca era el meu,
e muyfandava mays em pos el eu,
ca el por mi, pêro x'i m'el queria.
E o vilão enton respondia
com'agora podedes oyr :
mui gram mal fazedes en consentir
a esfome torto que mi fazia;
ca del-o dia en que o eu sey
sempr'aa gram coita deante lh'andey,
e el sempre deante me metia.
E veed'ora, por sancta Maria,
se ey poder de com el mays guarir,
ca me non poss'un dia d'el partir,
de mi dar golpe de que morreria;
d'un gram pào que achou non sey hu,
e poys s'assanha non cata per hu
feyra con el, sol que lh'ome desvya.
1084
Don Estevan, eu eyri comi
en cas d'el rey, nunca vistes melhor,
e conlarey-vol-o jantar aqui,
c'axa home de falar hy sabor ;
non vyron nunca jà outro tal pan
os vossos olhos, nen ar veeram
outro tal vynho a qual eu hy bevi.
Nen vistes nunca, se deus mi perdon',
melhor jantar, e conlar-vol-o-cy ;
a dez annos que non vistes capon
qual eu hy ouve, nem vistes ben sey
melhor cabrito, nen vistes a tal
lombo de vinlre d'alhos e de sal
que Ihi nomi deu hi hu de criaçora.
Nem vistes nunca nulh^me comer
com'eu comi, nem vistes tal jantar,
nem vistes mays viços^me seer
do que eu sevi en nenhum logar,
ca a min non minguava nulha rem,
e mays viç os'ome de comer bem
nom vistes, nem havedes de veer.
AVRAS PERES VEYTOROH
1085
Don Estevan, tam de mal talam
sodes, que nom podedes de peyor,
que ja por home que vos faça amor
sol non catades tal preço vos dam ;
e servh'a vós home quanto poder,
se vos desvya quam pouco xiquer,
hydes log'ome traper como can.
E tan mal dia vosco tanfaflam
e tanta coila con vosc'a levar,
poys non avedes per hom'a catar
mal serviço faz hom'en vós de prara;
ca se avedel-a besta mester
se vol-a home toste nom trouxer
queredes home trazer como can.
E, don Estevan, poys sodes tan
sanhudo, que non catades por quem
vos faz serviço poys vos sanha vem,
os que vos servem non vos serviram ;
ca se vos sanha como sol prefer'
non cataredes home nem molher,
que non queirades trager como can.
1086
Don Bernaldo, porque non entendedes
camanlf escarnho vos fazem aqui
ca nunca mais escarnhidome vi
ca vós andades aqui hu vyvedes ;
ca escarnh'é pera mui bom segrel
a que x'assy vam foder a molher
com'a vós fodem esta que tragedes.
E, don Bernaldo, se o non sabedes
quero-vos eu dizer quanfend^y,
molher tragedes, com 'eu aprendi,
que vos foden, e de que flearedes
com mal escarnho se vos emprenhar
d'algun rapaz, e vos depoys leixar
fllho doutro que por vosso criedes.
Mays semelha-xc que vós non queredes
que xi vos fodan a molher assy,
ca se non fugi ri ad es d'aly
d'u vol-a foden, don Bernal, e vedes
non é maravilha de xi vos foder
a molher, mays fodem-vos do aver,
ca xi vos foden mal de quanfavedes.
1087
Poys que don Gomes Cura querria
con boas aves ante prender mal
ca ben con outras, non Ihy dê deus ai
erguestes corvos per que s'el fia,
e con qual corVel soubesse escolher,
o leixasse mal andante seer
deus, ca depois em ben tornaria.
Contei sabe d'agoyria
se ouvesse bon corvo carnaçal
ou cornelha a negra caudal
e tal e qual xe don Qomcz oya,
o cal lhi leixasse deus perder
a herdade, o corp'e o aver
ca todo x'el depoys cobraria.
E poys sab'el tod'alegoria,
d'agoyro quando da ssa casa sal,
se ouvcss'el huã cornelha tal
qual x'a don Gomez consinaria ;
con a tal visse a casa arder,
208
CANCIONEIRO PORTDGUEZ DA VATICANA
e lhi leixasse deus morte prender
sen confisson, ca pois s'ar porria.
E con bon corvo foss'el pois caer
en nojo grav'e ficassem poder
do diaboo, ca pois s'oporria.
1088
Esta outra cantiga é de mal dizer dos
derom os Castelos corno non deviam ai
don Affonso.
AL. . ,
Non ten Sueyro Bezerra
que torfé en vender Monsanto,
ca diz que nunca deus diss'
a san Pedro roays de tanto :
quen tu legares en terra
erit ligatum in ceio;
poren diz ca non é torto
de vender hom'o castelo.
E poren diz que non Tez torto
o que vendeu Marialva,
ca lhe diss'o Arcebispo
hu verso per que se salva :
estote fortes in bello,
etpugnate cum sponte;
poren diz que non he torto
quen faz traypon et esconde.
O que vendeu Leyrea
muyto ten que fez dereylo,
ca fez mandado do Papa
et confirmou-lh'o Eleyto :
swper istud caput meum 7
et super ista mea capa T
dade.o castello do Conde
poys vol-o manda o Papa.
O que vendeu Faria
por reraiir seus pecados,
se mays tevesse mays daria,
e disserom dois prelados :
tu autem, domine, dimitte
aquel que sse confonde,
bem esmolou en sa vida
quen deu Santarém ao Conde.
Offereceu Martin Dias
a a cruz que os confonde
Covylhaâ, e Pêro Dias
Sortelha; e diss'o Conde:
centuplum accipiatis
de mão do Padre Santo ;
diz Fernan Dias ben m'est
por que o fez i Monsanto.
Offereceu Trancoso
ao Conde Roy Bezerro ;
falou enton don Soeyro
por sacar seu filho d 'erro :
non potest filius meus f acere
sine patre suo quiquam;
salvos son os traedors,
poys ben ysopados ficam.
que
rey
O que offereceu Sintra
fez como bon cavaleiro;
e disse-llfi o Legado
log^n verso do salteyro :
segui te potentis acute;
e foy hy ben acordado,
melhor é de seer traedor
ca morrer escommungado.
E quando o Conde ao castelo
chegou de Celorico,
Pachequ'enton o cuytelo
tirou, e disse-lh, amigo:
mite gladium in vagina,
con el non nos empescas ;
diz Pacheco : alhur, Conde,
peede hu vos digam : cresças!
Mal disse don Ayras Soga
a huã velha n'outro dia,
disse -lhi Pêro Soares
huu verso per d'erizia:
non vetula bonbatricon
scandis confusio ficun;
non foy Soeyro Bezerra
alcayde de Celorico.
Salvos son os traedores
quantos os castelos deron,
mostrarom-lhi en escrito:
super ignem eternum
et dum vacatis open }
salvo é quen trae castelo
a preyto, que o ysopen.
1089
Don Estevam diz que desamor
a con el rey, e sey eu ca menfi,
ca nunca viu prazer poys foi aqui
o Conde, nen veerà mentr'el i for ;
e per quanfeu de sa fazenda sey,
por que non ven ai reyno el rey
non vee cousa ond'aja sabor.
Con arte diz que non quer ai rey ben,
ca sey eu d'el ca já non veerà
nunca prazer se o Conde reyn'a;
ca ben quifé de veer nulha ren
don Estevam ond'aja gram prazer,
d'est'é já el ben quite de veer
mentr'0 Cond'assy ouver Santarém.
Porque vos diz el que quer ai rey mal,
ca ren non vee, assi deus mi perdon',
que el mays ame en o seu coraçon,
nem veerá nunca, e direy-vos ai;
poys que ss'agora o reyno partiu,
prazer poys nunca don Estevam vyu
nem veerà jamays en Portugal.
1090
Kernam Dias é aqui como vistes,
e anda en preyto de sse casar,
AL.
• •
209
mays non pod'o casamento chegar,
d'ome o sey eu que sabe cora'é;
e por aver casamenfa la fé
dorae nunca vós tam gram coyta vystes.
• E por end'anda vestid'e loução,
e diz que morre por outra molher,
mays este casamento que el quer
d'ome o sey eu que lh'o non daram ;
e por este casamento el de pram
d'ome a tal coyta nunca vyu christão. .
Ca d'Eslorga atà san Pagundo
dona que a de don Fernando torto,
ca por outro casamento anda morto
d'ome o sey eu que o sabe jà,
e se este casamenfel non a
d'om'a tal coyta nunca foy no mundo.
1091
Don Fernando, vejo- vos andar ledo
con deantanf a que vos deu el rey,
adeantado sodés e o sey
de San Fagundo, e d'Esluras, d'Ovedo;
e poys vos deus ora tanto ben fez,
punhade d'ir adeanfunha vez
ca ala aqui fostes scmpr'a derredo.
Ca fostes sempre desaventurado,
mays poys vos ora deus tanto ben deu,
don Fernando, conselhar-vos quer'eu,
non vos ar lev'atràs vosso peccado,
poys vos el rey meteu en tal poder,
senhor, querede-mi d'esto creer,
adeanfyde como adeantado.
E poys sodes ora tan ben andante,
ben era d'ome do vosso logar
de ss'olho mao de vos ar quebrar,
e nom andar com'andava des ante ;
ca somos oj'e non seremos cràs,
e poys punhastes sempre d'ir atraz,
ar punhad'agora d'yr adeante.
1092
Joham Soares, pêro vos teedes
que trobades en esta terra ben,
quero-vos eu conselhar hunha rem,
aqui fazed'esso qu'em sabedes;
ca aqui teen-vos por sabedor
de trobar, mays non trobamos melhor
ben entendemos como o fazedes.
E se vós de trobar sabor avedes,
aqui trobade e faredes hi sen
en o beote, cabo Santaren,
ca nossos juyzes que nos queredes,
ca ben trobamos d'escarnh'e d'amor;
roais se avedes de trebar sabor
Martin Alvel'é aqui com que trobedes.
E por travar no que non conhoçedes
non daríamos nós nada por en,
câ vos direy o que vos aven
27
en estes juyzes que vós dizedes,
cantar julgamos de bon trobador,
mays cantar dama nen de tencedor
nunca julgamos, vol-o saberedes.
1093
Correola, sodes adeantado
en cas d'el rey doma que ss'y fezer,
e cae redes en este mester
se me creerdes que est aguysado ;
se algun home vyrdes mal fazer
non lh'o leixedes a vosso poder,
ante o vós fazed'a vosso grado.
E se souberdes hu confangendado
que quer alguen perder o que trouxer,
sabed'u e de quen vol-o disser,
e logu'yde vosso passo calado;
e non leixedes hi nada perder
se non a vós e a vosso poder,
ante vós hy fleade desbragado.
E todavya seed'acordado
se algun home pelejar quiser
aqui con outren, seja cujo quer,
aqui punhad'en seer esforçado;
e quen quiser a peleja volver
logu'entrad'i, ca vosso poder
vos say d'en con o rostro britado.
E pois tod'esto vos eu ey conselhado,
conselho- vos que tragades molher,
d'estas d'aqui se peyor non veher,
a que achardes hi mays de mercado ;
e sse tal molher poderdes trager
será mui ben e punhad'en poder
ca per by é nosso preyfacabado.
1094
Don Martin Galo est acostumado
de lhi daren algo todos de grado,
e dizem que he ben empregado,
sol que podessem acalantal-o;
ben merep'algo don Martin Galo,
quando quizer cantar por leixal-o.
Ben entend'ele com*agravece,
e por dar-lh'algo non o gradece,
ca el ten que mayl-o merece,
ca o merep'a senhor vassallo;
ben merep'algo don Martin Galo,
quando quizer cantar por leixal-o.
1095
Ja hun s'achou con corpos que fezeron
mui ben de vestir e logo lh'o deron,
e el baratou mui ben en QlhaUo ;
ja hun sachou con corpos, Martin Galo,
ca o vejo vestid'e de cavalo.
Ja hun s'achou com corpos na carreyra,
ca o vcj'andar com capa augadeyra;
e sse non dou mao demo por vassalo,
210
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
ja hun s'achou con corpos, Martin Galo,
ca o vejo vestid'e de cavalo.
1096
Joham Nicholas soube guarecer
de morfun hom'assy per sa razon,
que foy julgad'a Foro de Leon,
que non devya demo cas torcer ;
e sucorreu-s'assy con esta Iey,
que non deve justiça fazer rey
en home que na mão colher.
E poys el vyu que devya prender
morfaquel hom'assy, disse-)h'enton :
ponho que fez aleyv'e trayçon,
e cousa ja porque deva morrer;
dizede vós, se a terra leixar,
que me non achen hi a justiçar,
se poderá en mi justiça fazer ?
JOMAM DE GUYLHADK
1097
Ay dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv'eu meu cantar,
mays ora quero fazer hun cantar
en que vos loarey todavya ;
e vedes como vos quero loar,
dona fea, velha e sandya.
Dona fea, se deus me perdon'
poys avedes tan grani coraçom,
que vos eu loe en esta razon,
vos quero ja loar todavya ;
e vedes qual será a loação :
dona fea, velha e sandia,
Dona fea, nunca vos eu loey
en meu trobar, pêro muyto trobey,
mays ora jà hun bon cantar farey,
en que vos toarei todavya :
e direy-vos como vos loarey,
dona fea, velha e sandia.
1098
Hun cavalo non comeu
a sex mezes, nen soergueu,
mays proug'a deus que choveu
e creceu a erva,
e per cabo sy paceu,
e já se leva.
Seu dono non lbi buscou
cevada, nen o ferrou;
mayl o bon tempo tornou
e creceu a erva,
e paceu e arriçou,
e jà se leva.
Seu dono non lhi quis dar
cevada, nen o ferrar,
mays cabo d'un lamaçal
e creceu a erva,
e paceu e arriç'ar
e jà se leva.
1099
Elvyra Lopes, que mal vos sabedes
vós guardar sempre d'aqueste peon,
que pousa vosqire a coraçon
de pousar vosqu'e vós non lh'entendedes ;
ey mui gram medo de xi vos colher
algur senlheira, e se vos foder
o engano nunca Ih 7 o provaredes.
O peon sabe sempr'hu vós jazedes,
e non vos sabedes d'ele guardar,
siquer poedes cada logar
vossa maeta, e quanto tragedes ;
e dized'ora, se deus vos perdon'
se de noyte vos foder o peon,
contra qual parte o demandaredes ?
Direy-vos ora como ficaredes
d'este peon que tragedes assy
vosco pousand'aqui e aly ;
e non jà quanto que ar dormiredes;
e o peon se coraçon ouver
de foder, foder -vos-a se quiser,
e nunca d'el o vosso averedes.
Cà vós diredes : fodeu-m'o peon !
e el dirá : boa dona, eu non I
e hu las provas que lhi daredes?
1100
Elvyra Lopes, aqui n'outro dia
se deus mi valha, prendeu hun cajon,
deytou na casa sigo hun peon
en a maeta e quanto tragia
pois cabo de sy, e adormeceu,
e o peon levantou-ss'e fodeu,
e nunca ar soube contra hu siia.
Ante lh'eu dixi que mal sen fazia,
que se non queria d'el a guardar,
sigo na casa o hya jeytar,
e dixi-lh'eu quanto lh'end'averria;
ca vos direy do peon com'o fez,
abriu a porta e fodeu huã vez,
nunca soube d'el sabedoria.
Mal sse guardou e perdeu quanfavya,
ca se non soub'a cativ'a guardar;
leixô-o sigo na casa alberguar,
e o peon fez que dormya;
e levantou-ss'o peon traedor,
e como x'era de mal sabedor,
fodeu-a tosfe foy logo sa vya.
E o peon vyron en Santaren,
e non sse a nada, nen dà per en ren ;
mais lev'o demo o quanfen tragia.
1101
Martin jograr, que gram cousa,
ja sempre comvosco pousa
vossa molher !
JOHAM DE GUYLHADE
211
Vedes-m'andar morrendo,
e vós jazedes fodendo
vossa molher!
Do meu mal noa vos doedes,
e moyr'eu, e vós fodedes
vossa molher I
1102
Martin jograr, ay dona Maria
jeyta-sse vosco jà cada dia;
e lazero-m'eu mal !
AncTeu morrendo morrendo sejo,
e el ten sempre cono sobejo ;
e lazero-ra'eu mal !
Da mha lazeyra pouco sse sente,
fod'el ben con'e jaz caente ;
e lazero-ra'eu mal.
1103
Par deus, infanzon, queredes perder
a terra, poys non temedes el-rey ;
ca ja brítades seu degred'e sey
que lh'o faremos mui cedo saber,
ca vos mandaron a capa de pram
trager dos avós, e provar- vos-an
que vol-a viron três avôs trager.
E provar- vos-a das carnes quem quer,
que duas carnes vos mandam comer,
e non queredes vós d'unha cozer,
e no degredo non a já mester ;
nem jà da capa non ey a falar,
ca ben trez avós a vymos andar,
no vosso col'e de vossa molher.
E fará el rey corte este mes
e mandam-vos, infançon, chamar,
e vós querredcs a capa levar,
e provar-vos-an, pêro que vos pes\
da vossa capa e do vosso garda-cós,
en cas d'el rey vos provaremos nós
que an quatr'anos, e passa por trez.
1104
— Lourenzo jograr, as mui gram sabor
de citolares, ar queres cantar
desy ar fllhas-te log'a trobar,
e teês-fora ja por trobador ;
e por tod'esto hunha ren ti direy :
deus me confonda se oj'eu hy sey
d'estes mesteres qual fazes melhor.
«Joham Garcia, soo sabedor
de meus mesteres sempre deanlar,
e vós andades por mh os desloar,
pêro non sodes tan desloador,
que con verdade possades dizer
que meus mesteres non sey ben fazer,
mays vós non sodes hi conhocedor.
— Lourenzo, vejo-fagora queixar
pola verdade que quero dizer,
metes-me já por de mal conhocer,
mays eu non quero tigo pelejar ;
e teus mesteres conhocer-t'os-ei,
e dos mesteres verdade direy
esse que foy con os lobos arar.
((Joham Garcia, no vosso trobar
acharedes muyto que correger,
e leixade-mi que sei ben fazer
estes mesteres que fui começar;
ca no vosso trobar sey-m'eu com'é,
hy a de correger, per boa fé,
mais que nos meus em que m'ides travar.
— Vês, Lourenç'ora m'assanharey,
poys mal i entenças, e todo farey
o citolon na cabeça quebrar.
((Joham Garcia, se dés mi perdon',
mui gram verdade digu'eu na tençon,
e vós fazed'0 que vos semelhar.
1105
— Muyto te vejo, Lourenço, queixar,
pola cevada e polo bever,
que t'o non mando dar a teu prazer,
mays eu t'o quero fazer melhorar ;
poys que fagora citolar oy,
e cantar, mando que t'o den assy
ben como o tu sabes merecer.
«Joham Garcia, se vos eu pesar
de que me queix'en vosso poder,
o melhor que podedes hy fazer
non mi mandedes a cevada dar
mal, nen o vinho, que mi non dam hy
tan ben com'eu sempre mereci,
ca vos seria grave de fazer.
— Lourenço, a min grave non será
de te pagar tanto que mi quiser,
poys ante mi fezisti teu mester,
mui ben entendo e ben vejo ja
como te pague logo o mandarey
pagar a grani vilão que ey,
se hu bõ pao na mão tever.
«Joham Garcia, tal paga achará
en vós o jograr quand'a vós veher,
mays outro que mester fezer
que m'eu entenda mui ben fará;
e panos ou algo merecerey,
e vossa paga ben a leixarey,
e pagad'outro jograr qualquer.
— Pois, Lourenço, cala-fe calar-m'ey,
e todavya tigo mh ! o averey,
e do meu filha quatito-chi meu der.
«Joham Garcia, non vos filharey
algu'e mui ben vos citolarey,
e conhosco mui ben trovar.
— Amo far don Lourenço chufar.
1106
Lourenço, poys te quitas de rascar
e desemparas o teu citolom,
212
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VAT1CANA
rogo-te que nunca digas meu son,
e jamais nunca mi farás pesar;
ca per trobar queres la guarecer,
e farás-m'ora desejos perder
do trobador que trobou d'ovinçal.
Ora cuyd'en trobar e dormir
que perdi sempre cada que te vi
rascar no cep'e tanger e non dormi,
mais poyFo queres jà de ti partir
poys guarecer per trobar,
Lourenço, nunca irás a logar
bu tu non faças as gentes riir.
E voes, Lourenço, se deus mi perdon'
poys que mi tolhes do cepo pavor,
e de cantar farey-t'eu sempr'amor
e tenho que farey mui gram razom,
e direy-ti qual amor t'eu farey,
já mays nunca teu cantar oyrey
que eu non riia muy de coraçon.
Ca vês, Lourenço, muyto mal aprendy
de teu rascar e do cep'e de ti,
mays poys te quitas tudo ti perdon\
1107
Ora quer Lourenço guarir
poys que sse quyta de rascar,
se já guariria a meu cuydar
se ora ouvesse que vestir ;
e ja nulh'ome non se len
por devedor de o ferir.
E sse sse quysesse partir
como se partiu de rascar,
d'un pouco que ha de trobar
poderia mui ben sayr;
de todo por se quitar en
ou non no ferían poren,
os que o non queren oyr.
E seria conhocedor
de sseu trobar por non fazer
os outros errados seer,
e el guarria mui melhor
sen trobar e sen citolon,
poys perdeu a voz e o son,
porque o ferian peyor.
1108
Nunca tan gran torto vi
com'eu prendo d'un infançon,
e quantos en a terra son
todolo teen por assy ;
o infançon cada que quer
vay-sse deytar com ssa molher,
e nulha ren non dá por mi.
E ja me nunca temerá
ca sempre me teve en desdém,
desy ar quer a sa molher ben,
e já sempr'y filhos fará ;
sequer três filhos que fiz hy
fllha-os todos pêra sy,
o demo lev'o que m'en dá.
En tan gran coita vyvo oj'eu,
que non poderia mayor,
vay-se deytar com mha senhor,
e diz do leyto que é seu ;
e deyta-ss'a dormir en pnz,
desy se filh'ou filha faz
non o quer outorgar por meu.
1109
Dona Ouroana, poys já besta avedes,
outro conselh'ar avedes mester;
vós sodes muy fraquelinba molher,
se ja mays cavalgar non podedes ;
mays cada que quyserdes cavalgar
mandade sempr'a besta chegar
a hun caralho de que cavalguedes.
E cada que vós andardes senlheira
se vol-a besta mal enselada andar,
guardade-a de xi vos derramar,
ca pela besta sodes soldadeira;
e, par deus, grave vos foy d'aver,
e punhade sempr'en guarecer
ca en talho sodes de peydeyra.
E non moredes muyto na rua,
este conselho filhade de min,
ca perderedes logu ? i o rocin,
e non faredes hi vossa prol nenhOa ;
e mentr'ouverdes a besta de pram,
cada hu fordes todos vos faram
onrra (Toulra puta fudud'an-cúa«
E se ficardes en besta muar,
eu vos conselho sempr'a ficar
ante con muacho novo, ca en múa.
1110
A don foam quer'eu gram mal,
e quer'a ssa molher gram ben,
gram sazon a que m'est'avem,
e nunca hy já farey ai ;
ca des quand'eu sa molher vi
AFF0NS0 DO COTOU
1111
Abadessa, oy dizer
que erades muy sabedor
de todo ben, et por amor
de deus querede-vos doer
de min, que ogano casey,
que ben vos juro que non sey
mays que huu asno de foder.
Ca me fazen en sabedor
de vós, que avedes bon sen
AFFONSO DO COTOM
213
de foder et de todo bem,
ensinade me mais, senhor,
como foda, cà o non sey,
Dera padre, Dera madre non ey,
que nFensine, e fiqu'y pastor.
E sse eu ensinado vou
desi, vós senhor, d'este mester
de foder, e foder souber
per vós, que me deus aparou,
cada que per foder direy
pater noster et enmentarey
a alma de quem m'ensynou.
E per y podedes ganhar,
mha senhor, o reyno de deus,
per ensynar os pobres seus,
mais ca por outro jajuar;
e per ensinar a molher
cortada que a vós veer,
senhor, que non souber ambrar.
1112
Foy don Fagundo huu dia convidar
dois cavaleyros pêra seu jantar,
e ffoy con elles sa vaca encerrar,
e a vaca morreu-xe logu'enton ;
e don Fagundo quer-s'ora m?tar
porque matou sa vaca o cajon.
Quand'el a vaca ante sy raórfachou
logu'i estando mil vezes jurou
que non morreu por quanl'end'el talhou,
ergas se foy no coytelo poçon,
e don Fagundo todo se mestou
porque matou sa vaca o cajon.
Quysera-5'el da vaca despender,
tanfa per que non leyxass'a pacer,
ca sse el cuydasse sa vaca perder
ante xe dera. . . assy non,
e don Fagundo quer ora morrer
porque matou sa vaca o cajon.
1113
Veieron-nFagora dizer
d'uã molher que quero bem,
que era prenhe, et ja creer
non UFo quig'eu per nulha rem,
pêro dix'eu : sse esfassy
oy mais non creades per mi
se a non emprenhou alguen.
E digo-vos que m'é gram mal
d'aquesto que Ihy conteceu,
ca soo côrd'e leal
pêro me dan por de sandeu ;
mays vedes de que ey pesar,
d'aquel que a foy emprenhar
de que cuyda que x'a fodeu.
Pêro juro- vos qne no sey
ben este Foro de Leon,
ca pouc'a que aqui cheguey,
mais direy-vos huã razon ;
em mha terra per boa fé
a toda molher que prenlFé
logo lhi dizen con baron.
1114
Fernam Gil am aqui ameaçado
d'uu seu rapaz e doestado mal ;
e Fernam Gil teve-sse por desonrrado,
cà o rapa? é muy seu natural,
cá é filho d'un vylãao de seu padre
e de mais foy criado de ssa madre
1115
MarFMateu, ir-me quer'eu d'áquem,
porque non poss'un cono baralar;
alguen que mh'0 daria non o tem,
e alguém que o tem non mh'o quer dar;
MarFMateu, MarFMateu
tam desejosa ch'es de cono conFeu.
E foy deus jâ de conos avondar
aqui outros que o non am mester,
e ar fazer muyto desejar
a min e ty, pêro que cIFés molher;
MarFMateu, MarFMateu
tam desejosa ch'es de cono conFeu.
1116
Meestre íncolas a meu cuydar
é muy boõ íisico por non saber
el a suas gentes bem guarecer,
mais vejo-lhi capelo d'ultra-mar;
e traj'al uso bem de Monpiller,
e latyn como qual clérigo quer
entende, mais non o sabe tornar.
E sabe seus livros sigo trager,
como meestre sabe-os calar,
e salFos cadernos ben cantar,
qual cór non sabe per elles leer ;
mais bem vos dirá 'qui quanto custou
todo per conta ca elle x'os comprou,
ora veede se a gram saber.
E en boõ ponto el tan muyto leeu,
ca per o prezam condes e reyx,
e sabe contar quatro e cinqu'et seix,
per 'strolomya que aprendeu ;
e mais vos quer'end'ora dizer
en mays vara a el quen a meester
an d'el des antanho que o outro morreu.
E outras artes sab'el muy melbor
que estas todas de que vos faley,
diz das luas como vos direy,
que x'as fezo todas nostro senhor,
e dos estormentos diz tal razom
que muy bem pod'em elles fazer son
todo homem que en seja sabedor.
214
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
1117
Sueyr'Eanes, hun vosso cantar
nos veo ora huu jograr dizer,
e todos foram pelo desfazer,
e punhey eu de vol-o emparar ;
e travaron en que era igual,
e dix'eu que cuydavades en ai,
ca vos vy sempre d'aquesto guardar.
E outro trobador ar quis travar *
en huã cobra, mais por voss'amor
emparey-vol-eu : non justeis milhor,
que a cobra rimava en hu logar;
e diss'el : poys porque rimou aqui ?
e dix'eu : de pram non diss'el assy,
mais tenho que x'a errou o jograr.
E, amigus, outra rem vos direy,
polo jograr a cantiga dizer
igual non dev'o trobador a perder,
eu por Sueyr'Eanes vol-o-ey,
ca del'o dia en que el trobou
nunca cantar qual fez nem rimou,
ca todos os seus cantaron, eu sey.
1118
Paay Rangel e outros dous romeus
de gram ventura non vistes mayor,
guareceram ora, louvado deus,
que non morreron por nostro senhor,
en huã lide que ffoy en Josaphàs,
a lide foy com'oj'e como crás,
prenderam elles terra no Alcor.
E ben hos quis deus de morte guardar
Paay Rangel et outros dous entoo,
d'uã lide que foy em Ultramar,
que non chegaram aquela sazon ;
e vedes ora por quanto fflcou,
que o dia qu'essa lide juntou
prenderam elles porfa Mormoion.
De como non entraron a Blandiz
per que poderam na lide seer,
ca os quis deus de morte guarecer
per com'agora Paay Rangel diz,
e guarecerom de morte por em,
que quand'a lide foy em Bellem
aportarom elles en Tamaris.
1119
Covilheyra velha, se vos eu fezesse
grand^scarnhe, dereyto farya
ca me buscades vós mal cada dia
e direy-vos em que vorentendi:
ca nunca velha fudud'an-cua vy
que me non buscasse mal se podesse.
E non est úa velha, nem som duas,
mais som m'el cenfas que m'andam buscando
mal quanto podem e m'andam miserando *,
1 E andam-me sempre deostando. (Variante)
e por esto rogu'eu de coraçon
a dês que nunca mela se m'el non
antre mi e velhas fudud'an-cúas.
E pêro lança de morte me feyra,
covylheyra velha, se vós fazedes
nenhuu torto, se me gram mal queredes,
ca deus me tolha o corp'a quanfey,
se eu velha fudud'an-cúa sey
oge no mundo a que gram mal non queyra.
E sse me gram mal queredes, covylheyra
velha, digu'eu que fazedes razom,
cà vos quer'eu gram mal de coraçom
covilheyra velha, e sabed^r^oí,
des que ftiy nado quig'eu sempre mal
a velha fudud'an-cúa peydeyra.
1120
Bem cuydey eu, Maria Garcia,
em outro dia quando vos fodi
que me non partiss'em de vós assy,
como me party jà mão vazia ;
u el por servyço muyto que vos fiz
que me non destes, como x'omen diz,
se quer huu soldo que ceass'un dia.
Mais d'esta seerey eu escarmentado
de nunca foder jà outra tal molher,
se m'ant'algo na mão non poser,
ca non ey porque foda em grado;
ide-o fazer
con quem teverdes visted T e calçado.
Ca me non vistedes nen me calçades,
nen ar sej'eu en o vosso casal,
nem avedes sobre min poder tal
porque vos foda se me non pagades;
ante muy bem et mays vos em direy,
nulho medo, grado a deus e a el rey,
non ey de força que me vós façades.
E ninguém, dona, que pergunta non erra,
e vós, per deus, mandade perguntar
poios naturaes (Teste logar
se foderam nunca en pax nem en guerra ;
ergo se foy por alg'ou por amor,
hyd'adul ar vossa prol, ay senhor,
c'avedes, grad'a deus, rey a na terra.
1121
Oraca Lopez vy doente hun dia,
e perguntey-a sse guareceria ?
e diss-m'ela tod'en jograria:
soon velha e cuyd'a guarecer ;
e dixi-lh'eu : cuydades gram folia,
c'a yrman veg'eu das velhas morrer.
Dixi-lh'eu : gram folia pensades
se per velhece a guarecer cuidades,
pêro non vos digu'eu que non vivades.
quanto vos deus quizer leixar viver ;
mais em velhice non vos atre vades,
c'a yrman vej'eu das velhas morrer.
PÊRO D'AMBliOÀ
215
1122
A huã velha quis eu trobar
quand'en Toledo fiquey d'esta vez,
e veo-mi cà Orraca Lopes rogar,
e disse-m'assy : Por deus que vos fez,
non trobedes a nulha velha aqui,
ca cuydaràm que trobades a mi.
1123
Tal é 'gora Marinha Sabugal
bua velha que adusse d' essa terra,
a quem quer bem e ella lhi quer mal ;
e faz-lb'algo, pêro que lh'erra;
mays ora quer ir mouros guerreyar,
e quer corasyg a velha levar,
mais a velha non é doyta da guerra.
DIEGO PEZE1H0, jograr
1124
Meu senhor arcebispo, and'eu escommungado,
porque fiz lealdade enganhou-m'o pecado;
soltade-m'ay senhor,
e jurarey mandado que seja traedor.
Se traiçon fezesse nunca vol-a diria,
mais pois flz lealdade, vai por santa Maria,
soltade-m'ay senhor,
e jurarey mandado que seja traedor.
Permhamala ventura ti vi hucaslello em Souza,
et dey-o a seu dono e tenho que fiz grã cousa;
soltade-m'ay senhor,
e jurarey mandado que seja traedor.
Per meus negros pecados tive huu castello forte
et dey-o a seu dono e ey medo de morte;
soltade-m'ay senhor,
e jurarey mandado que seja traedor.
PEDRAMIGO, de Sevilha
1125
Moytos s'enilngem que hã gaanhado
doas das donas a que amor ham,
e tragem cintas que lhys elas dam,
mays a mim vay-ra'oy peor, mal pecado,
com Sancha Dias, que sempre quix ben,
ca jur'a deus que nunca mi deu rem,
senon huu peyd'a qu'el foy sem seu grado.
Ca se per seu grado foss'al seerya,
mays d'aquesto nunca m'enflngirey,
ca eu verdadeyramente o ssey,
que per seu grado nunca mh'o daria;
mays u estava coydando en ai,
deu'ra gram peyd'e foy-lh'y depoys mal
hu ss'acordoa que mh o dad'avya.
Coydando eu que melhor se nembrasse
ela de min, por quanto a servi.
por aqueslo nunca lhy rem pedy
desy en tal que se mi non queixasse ;
e falando-lh'eu em outra razom,
deu-m'hu gram peid'e deu-mho em tal som
como quem s'ende moy mal log'achasse.
E pois ela dera refece dom,
scmp^end^n bem tenho eu que non
mi dessoutro de que m'en mays passasse.
1126
Non sey no mundo outro omen tan coytado
com'og'eu vivo de quantos eu sey,
e meus amigos, por deus, que farey
eu sen conselho desaconselhado ;
ca mha senhor non me quer fazer bem,
senon por algo eu non lhy dou rem
nem poss'aver que lhy dé, mal pecado.
E, meus amigos, mal dia foy nado,
poys esta dona sempre tanfamey,
des que a vi quanto vos eu direy,
quanfeu mais pudi, nen ei d'ela grado;
e diz que sempre me terra en vil
atá que barate hun maramfôi,
e mais d'u soldo non ey baratado.
E vej^qui outros em desemparado,
que am seu ben que sempr'eu desejey,
por senhos soldos, e gram pesar ey,
por quanto dizen que é mal mercado ;
ca s'eu podesse mercar assy
con esta dona que eu por meu mal vi,
logu'eu seeria guarid'e cobrado,
De quanfafam por ela ey levado.
1127
Meus amigos, tan desaventurado
me fez deus, que non sey oj'eu quem
fosse no mund'en peor ponto nado,
poys unha dona fez querer gram bem ;
fea e velha nunca eu vi tanto,
e esta dona puta é jà quanto
porqu'eu moyr'amigos, mal pecado.
Esta dona de pram a jurado,
meus amigos, porque perc'o meu sen,
que jasca sempre quand'ouver guisado
ela con outrem non dé por min rem ;
e con tod'aquesto, se deus mi valha,
jasqu'eu morrendo d 'amor e sem falha
polo seu rostro velh'e enrugado.
E d'esta dona moylo ben diria. . . .
PÊRO DAMDROA
1128
Ora vej'eu que esl aventurado
já Pedr' Amigo e que lhi fez deus bem,
ca non desejou do mund'outra ren
se non aquesto que aja cobrado:
216
CANCIONEIKO PORTUGUEZ DA VATICANA
bua ermida velha que achou,
e entrou dentre poys que hi cnlrou
de sayr d'ela sol non 6 pressado.
B pois achou logar iam aguisado
en que morasse, per dereyto ten
de morar hi, e vedes que lh'avem,
con a ermida é muy cordado;
e diz que sempre querrá hy morar,
e que quer hi as carnes marteyrar
ca d'este mundo muyfa ja burlado.
E non sey eu no mgnd'outr'ome nado,
que s'aly fosse meter, e mal sen
faz se o ende quer quitar alguen,
ca da ermida tanfé el pagado,
que a jurado que non saya d'y
morto nem vyv'e sepultura by
ten em que jasca quando for passado.
1129
O que Balteyra ora quer vingar
das desonrras que no mundo prendeu,
se bem fezer non dev'a começar
en mi que ando por ela sandeu ;
mays com'e canfen reyno de Leon
hu prés desonrras de quantos hy som,
que lh'as desonrras nom querem peylar.
Ca Castela foy-a desonrrar
muyto mal home que non entendeu
o que fazia, nem soube catar
quem muyta dona per esto perdeu;
e quem a vinga fezer con razon
d'estes la vingue, ca en sa prison
and'eu d'ela non n^eyd^mparar.
E os mouros pense de os matar,
ca de todos gram desonrra colheu
no corpo, ca non em outro logar,
e outro tal desonrra recebeu
dos mays que a no reyno cTAragon,
e d'Estela vinga el, ca de mi non
poys ha sabor de lhi vingança dar.
1130
Querri'agora fazer hun cantar
se eu podesse tal, a Pedr'Amigo,
que sse non perdess'el por en comigo,
nen eu con el, pêro non poss'achar
tal razon, e que lh'o possa fazer
que me non aja con el de perder
e el comigo des que-lh'eu trobar.
Ca jà outra vez, quando foy entrar
en a ermida velha Ped^Araigo,
trobey-lh^nd^u e pcrdeu-ss'el comigo,
e eu con el quando vin d'UItramar;
mays ora jà poys m'el foy cometer
outra razon lhi cu yd' cu a mover
de que ajam dous tamanho pesar.
Ca se acha per u m'escatimar
non vos é el contra mi Pcdr'amigo,
e por aqueslo perder-ss'a comigo,
e eu con el ca poyTeu começar
tal escatima lhi cuyd'eu dizer,
que se mil anos no mumTel viver
que já sempr'aja de que sse vingar.
1131
Se eu no mundo fiz algun cantar
como faz home con coyta d'amor,
e por estar melhor co;n sa senhor,
acho-me mal e quero-m'eu quylar;
ca hunha dona que sempre loey
en meus cantares e porque trobcy
anda morrendo por hun scolar.
Mays eu irie matey, que fui começar
dona a tan velha sabedor
pêro conhorto-m'ey gram sabor
de que a veerey cedo pobr'andar ;
ca o que gaanhou en cas d'el rey
andand'y pedind'e o que lh'eu dey
todo lh'o faz o clérigo peytar.
Mays que lhi cu yd a nunca rem a dar
assy s'ach'en com'eu ou peyor,
e poyl a velha puta pobre for
non a querrà poys nulh'ome catar,
e será d'ela como vos direy
demo lev'a guarda que lh'eu sey,
ergo se guarir per alcayotar.
PÊRO MENDEZ DA FONSECA
1132
Chegou Payo de maas artes
con seu cerame de Chartes,
e non leeu el nas partes
que chegasse a hun mez ;
e do lunes ao martes
foy comendador d'0crés.
Semelha-rae busuardo
viind'em ceram en pardo,
e hu non ouvesse reguardo,
em nenhum dos dez a sex;
log' ouve manto tabardo
e foy comendador d'Ocrez.
E chegou per hua grada
descalço gram madrugada,
hu se non catavam nada
d'um hom'a tam raffez;
cobrou manto com espada
e foy comendador d'0cres.
AYR4S NUNES
1133
Achou -ss'i um bispo que eu sey, hun dia
con ho Eleyfe sol non lhe falou,
e o Eleyto se maravilhou
FERNANDO ESQUIO
217
e foy a el e assy lhe dizia :
que bispo sodes, se deus vos perdon'
que passastes ora por min e non
me falastes e fostes vossa via?
E diz o bispo : nom vos conhocia,
se deus me valha, ca des que naci
nunca con vosco faley nem vos vi,
e assi conhocer noh vos podia ;
e por en se me algur con vosco achar,
e vos non conhocer, nen vos falar
non mh'o tenhades vós por vilania.
P£R0 DARMEA
1134
Donzela, quem quer entenderia
que vós muy fremosa parescedes,
se assi he como vós dizedes
no mundo vosso par non avya •
aura que y vosso par non ouvesse,
quem a meu cuu con sela posesse
de parescer bem vencer-vos-ya.
Vós andades dizend'en concelho
que sobre todas parescedes bem,
e con tod^esto non vos vej'eu rem,
pêro poedes branqu'e vermelho ;
mays sol que s'o meu cuu de ssi pague,
et poser huu pouco da vaydade
reveer-s'a con vosco no espelho.
Donzela, vós sodes bem talhada
se no talho erro non prendedes,
ou en essa saya que vós tragedes,
e pêro sodes ben colorada :
quem a meu cuu posesse orelhas
et lhi ben tingesse as sobrancelhas
de parescer non vos dev'em nada.
PÊRO D'AMBR0A
1135
Esta outra cantiga fez Pêro d'Ambiva a
Pêro cCArmea por essoutra de cima que fe-
zera.
Pêro d'Arméa, quan coraposestes
o vosso cuu, que tam ben parescesse,
e lhi revol et com cela posestes
que donzela de parescer vencesse ;
e sobrancelhas lhi fostes poer,
e tod'est'ay amigo soubestes perder
poios narizes que lhi non posestes.
E, don Pedro, poned'olhos grizes,
ca vos conselh'eu o revinqueroso
e matarei huu par de perdizes
quem a tam bon cuu com'o que he vosso ;
ainda que o home que irà buscar
que o non possan em toda a terra achar
de san Fagundo atà san Felizes.
28
E, don Pedro, os beipos lhe poede
a esse cuu, que he tan ben barvado,
e o granho bem feito lhi fazede
e faredes o cuu bem arrufado ;
e per hu pode log'ade-o encobrir,
ca se vejo don Fernan d'Escalbo riir
sodes solteiro et seredes casado.
FERNANDO ESQUIO
1136
A huu frade dizem escaralhado,
e faz perdudo quem lh'o vay dizer,
ca pois el sabia reytar de foder,
cuyd'eu que gaj'é de pissa retada,
et poys emprenha estas con quem jaz
et faze filhos et (ilhas assaz;
ante lhe digu'eu ben encaralhado.
Escaralhado nunca eu diria,
mays que trage ante caralh'oj'aceyte
ao que tantas molberes de leyte
len, ca lhe pariron três en huu dia;
et outras muita^prenhadas que tem,
et a tal frade cuyd'eu que muy bem
encaralhado per esto serria.
Escaralhado non pode seer '
o que tantas filhas fez èn Marinha,
et que tem ora outra pastorinha
prenhe que ora quer escaecer ;
et outras muylas molberes que fode,
et a tal frade bem cuyd'eu que pode
encaralhado per esto seer.
v 1137
A vós dona abbadessa,
de min don Fernando Esquio,
estas doas vos envyo
porque sey que soys essa
dona, que as merecedes :
quatro caralhos francezes,
et dous aa prioreza.
Poys sodes amiga minha
non quer'a cusfacatar
quero-vos já esto dar
ca non tenho, ai tan aginha ;
quatro caralhos de meza,
que me deu huã burgueza
dous e dous en a baynha.
Muy bem vos semelharam,
ca se quer levar cordões
de senhos pares de colhões
agora vol-os daram ;
quatro caralhos asnaes
enmargedos en coráes
1 com guedelha d'ua mam.
218
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
1138
Estas cmUigas fez hum judeu d' Elvas, que
avia nome Vidal, por amor d^uã judia d' es-
sa vila que avia nome dona; e por que é ben
que o ben que home faz stnon perca, man-
damol-o screver et non sabemos mais d' ela
mais de duas cobras, a primeira cobra de
cada huã.
Moyr'e faço dereylo
por huã dona d' Elvas,
que me lrage*tolheylo
como a quem dam as hervas ;
des que lh'eu vi o peylo*
branco, dix'aas sas servas :
a mha cova non a par,
ca ssey que me quer matar,
e quero eu morrer por ela
ca me non posso em guardar.
1139
Faz-m'agora por sy morrer
e traz-me muy coitado
mha senhor de bom parecer
e docas bem filhado;
a porque ey morta prender
com'é cervo lançado,
que sse vay do muncTa perder
da companha das cervas ;
e mal dia non ensandeci
e pacesse das hervas,
e non viss'u primeiro vi
a muy fremosinha d'Elvas.
FERNAM...
1140
Disse hum infante ante sa companha
que me daria besta na fronteyra,
e non será já murzela, nen veyra,
nem branca, nem vermelha, nem castanha;
pois amarela, nem parda non for,
a pram será a besta ladrador
que lh'adusam do reyno de Bretanha.
E tal besta como m'el a mandada
non foy que lhe visse as semelhas,
nem tem rostro, nem olhos, nem orelhas,
nem he gorda, nem magra, nem dentada,
nem he ferrada, nem é por ferrar,
nem foy homen que a visse espernear,
nem come erva, nem palha, nem cevada.
JOAN VELHO DE PEDROGAES
1141
Esta cantiga de cima foi feita a hun cava-
leyro, que fora viUano, et fwrtava a as ve-
zes per n andava.
Lourenço Boucon, o vosso vilão
que sempre vosco soedes trager
é gram ladron, e oi eu dizer,
que se o colhe o meirinho na mão
de lod'en lod'enforcar-volo a;
ca o meirinho em pouco terra
vos mandar enforcar o vilão.
Porque tragedes huu vilão maao
ladron convosco, o meirinho vos he
sanhud'e brav'e cuid'eu a la fé,
que vol-o mande poer ben hu paao;
e pois que d'el muytas querelas dam
se lhi con el non fogides, leram
todos que sodes hom'a jus'i maao.
1142
Con gram coita rogar a que m'ajudasse
a hua dona fui eu n'oulro dia,
sobre feito d'uã capelania,
e disso-m'ela que me non coitasse:
ca sobre min filhei o capelan,
e poil-o sobre min filhei de pram
mal faria se o non ajudasse.
E dixi-lh'eu: mui gram fiupa tenho
pois que en vós filhastes o seu feito,
de dardes cima a tocTo seu preito ;
e diss'ela : eu de tal logar venho,
que poil-o capelan per boa fé
sobre mi filh'e seu feifen min he,
ajudal-ei, poil-o sobre min tenho.
E dixi-lh'eu: que vós do vosso filho
prazer vejades, que vós m'ajudedes
o capelan que vós mester avedes;
e diz ela : por vós me maravilho
que avedes, ca poil-o eu filhei
já sobre min, verdade vos direi
ajuda ei, poil'o sobre min filho.
E dixi-lh'eu : non queyrades seu dano
de capelan, nem perca rem per mingua,
en sa ajuda, e poede língua ;
diss'ela: farey-o sen engano ;
ca já em mim meteu do seu i ben,
et pois que todo assy en min tem
se o non ajudar farey meu dano.
Ca non quero end'eu outro escarmentar,
que me de do seu polo ajudar,
quancTei mengua da cousa que non tenho.
AFF0NS0 FERNANDES €UBEL, ca?a1eyro
1143
De como mh'ora con el-rey aveo
qucro-vor-eu, meus amigos, contar,
el do seu aver rem non me quer dar,
nem er quer que eu vy va do alheo ;
ja eu non ey erd'a de meu padre,
e huã pousa que foy de mha madre
alhou-m'a e fez-mh'uã pobra no seo.
FEKNAM RODRIGUES REDONDO
219
E n'oulra parte tolheu-m'as na t uras
en que eu spya a guarecer,
e agora ey coytacTa vyver,
já dod som poucas, par dês, mhas rancuras,
com'é quem non come ca o non tem,
se lh'o Don dá por sa mesura alguen
ay, demo andou en estas mesuras.
STEVAM FERNANDES BARRETO
1144
Slev'Eanes x por deus mandade
a Ruy Paciez, logo este dia
se quizer hir a sancta Maria
que sse non vaa pela Trindade,
ca mi dizem que lhe tem Fernan Dade
cilada feita pela gaffaria.
Se a romaria fazer quiser
como a sempre fazer soya,
outro caminho cate todavia,
ci o da Trindade non lh'é mester;
cá dizen que Fernan Dade lhe quer
meter cilada pela gafaria.
E cada que el ven a Santarém
sempr'alá vay fazer romaria ;
e da Trindade, per u soya
d'ir, mandade que se guard'el muy ben,
ca dizen que Fernan Dade lhe ten
cilada feita pela gafaria.
Esta cantiga de cima fez Stevam Fernan'
des de Barreto a hun cavaleiro que era (ga"
fo?)
JOHAM ROIEO, de Lago
1145
Loavara huu dia em Lugo Elvira,
Elvira Perez, Elvira Padroa,
todos diziam que era muy boa,
e non tenh'eu que diziam mentira,
ante tenho que diziam con razon;
e Dom Lopo Lias diss'entQn
i, per boa fé, que já x'el melhor vyra.
Ficou já a dona muy bem andante,
ca a loaram quantos ali siiam,
e todos (Tela muy to bem diziam,
mays Lopo Lias, este de constante,
como foy sempr'huu gram jogador,
i disse que vyra outra vez melhor
quando era moça, em cas da Infante.
Esta cantiga de cima fez Joham Romeo a
hun cavaleyro que morava em Lugo, a don
Lopo Lias, que era cego d'hum olho.
R0DR161TANE8 REDONDO
1146
Soer'Fernandi3, si veja plazer,
veste-se ben a todo seu poder,
e outra cousa lhe vejo fazer,
que fazem outros pontos no reinado ;
sempr'eu no verãao lhe vejo trager
e no inverno sapato dourado.
El se veste et se calça mui bem,
en esto mete el o mais do que tem,
pêro nunca lhe vejo menguar ren,
e como se lodo ouvesse endoado,
hu outros non tragem, a el conven
que traga sempre çapato dourado.
El se veste sempre ben como quer,
et desi, custe o que custar poder,
e non creades quem vos ai disser,
et d' es to mi faço maravilhado ;
ca en inverno et per qual.tempo quer,
sempre lhe vejo çapato dourado.
FERNAM RODRIGUES REDONDO
1147
Dom Pedro est cunhado d'el-rei
que chegou ora aqui d'Aragon,
com hum espelho grande de leitom,
e pêra que vol-o perlongarei,
deu por vassalo desi a senhor,
faz sempre nojo, non vistes mayor.
Pêro se lhi non poder aperceber
já el tinha prestes cabo si
aquel espelho que filhou logu'i
e que compre de vós en mais dizer:
deu por vassalo desi a senhor
faz sempre nojo, non vistes mayor.
Muy ledo seend'hu cantara seus lays
a sa lidice pouco lhi durou,
e o espelho en sas mãos filhou
e pêra que o perlongarey mays ;
deu por vassalo desi a senhor
faz sempre nojo, non vistes mayor.
E en tal que non podesse escapar
nem lhi podesse en salvo fogir,
filhou o espelho em som d'esgremir
e que ey de-vol-o perlongar ;
deu por vassalo desi a senhor
faz sempre nojo, non vistes mayor.
Esta cantiga foi feita a Dom Pedro d f Âra-
gon> per hu cavaUyro seu moordomo que
feriu endoado en desajuda d? outros. . . Crat'-
iam. . .
1148
Pcro da Ponte, ou eu non vejo ben,
de prara essa calça non he
220
CANCIONEIRO POBTUGUEZ DA VATICANA
o que vos antano per boa fé
levastes quando fomos aleen,
e cuydo-ra'eu adormecestes ayer,
e roubador ou ladron
AFF0NS0 BE COTOM
1149
A mi dom Pedro non he desguisado
dos maltalliados, e nau erram y
Joham Fernandez, o mour'outrosy,
nos maltalbados o vejo contado;
e pêro maltalhados semos nós
e me visse Pêro da Ponte em cós,
semelbar-lh'ya muy peor talhado.
E pêro dés a gram poder
non o pode tanfajudar,
que o peyor possa tornar,
pêro ben sey que a poder
de dar grand'alg'a don foam,
mays d'el seer peyor de pram
do que era non ba en poder.
Pêro Iby queyra fazer deus
dobrado ben do que )bi fez
ja nunca pode peyor prez
aver per rem ; porem por deus,
como será peyor que é,
quem peyor é per boa fé
de quantos fez nem fará deus ?
1150
Marinha Tod'en folengares
tenho eu por de&aguysado,
e soom muy maravilhado
end'eu por nqn rebentares,
ca che tapo en aquenta minha
boca a ta boca, Marinha ;
e d'estes narizes meus
tapo eu, Marinha, os teus ;
e co'as mãos e as orelhas,
de olhos, das sobrancelhas;
tapo-t'o primeiro sono
da mha pissa p teu cono,
como me non veja nenguem,
e dos colhoes no cuu, em
como non rebentas Marinha . . •
«
PÊRO DE YIVYAES
1151
Vós que per Pêro Tinhoso
perguntades, se queredes
d'ele saber novas certas
per min poil'as non sabedes,
achar Jh'edes trez sinaes,
per que o conhosceredes :
mais este que vos eu digo
non vol-o sabha nenhun :
e qu'el é Pêro Tinhoso
o -que traz o toutiço nuu,
e traz un câncer na pissa,
Pêro Alvar asno ou rauu.
Já me per Pêro Tenhoso
preguntastes n'outro dia,
que vos dissess'eu d'el novas
et enton non as sabhia ;
mas por estes três sinaes
quen quer o conhosceria :
mais este que vos eu digo
non vol-o sabha nenhun,
e qu'el é Pêro Tinhoso
o que traz o toutiço nuu,
e traz un câncer na pissa,
Pêro Alvar asno ou muu.
Vós que per Pêro Tinhoso
mlvora hyadcs preguntando,
que vos dissess'eu d'el novas,
novas as quer enmentando :
achar-lh'edes trez sinaes,
se lhe bem fordes catando ;
mais esto que vos eu digo
non vol-o sabha nenhun,
aquel é Pêro Tenhoso
o que traz o toutiço nuu,
e traz un câncer na pissa,
Pêro Alvar a no ou muu.
1152
Huã donzela coylado
d 'amor por si me faz andar
jà ; et en sas fey luras falar
quero eu como namorado ;
rosfagudo como forom,
barva no queyxo en o granhom,
o ventre grande, inchado.
Sobrancelhas mesturadas,
grandes, et muy cabeludas
sobr'elhas olhos morrudas,
et as tetas penduradas,
et muy grandes, per boa fé,
ham hu palm'e medonho est,
et no cos três pollegadas.
A testa ten rugada
et os olhos encovados,
dentes como pindurados
et acabo i de passada
a tal a fez nostro senhor
muy sen donayr'e sem- sabor
desi muy d'obra forçada.
1153
Por dom foam em ssa casa comer
quer bem quer mal que ay d 'adubar,
quem mal cõ el, nem bem non sol jantar
PAYO 60MES CHARINHO
221
e d'cl bem diz nen mal faz seu prazer,
poys mal nem bem con el nunca comeu,
e d'el bem diz nem mal muyté sandeu
d'ir mal nem bem de sseu jantar dizer.
Por en sa casa come quando quer
quer bem quer mal que had n adubar, hy,
pois bem nem mal com el non comeu hy,
et d'el ben diz nem mal non lh'é mester;
poys mal nem bem con el non comer sol,
et dei ben nen mal diz, tenheu por foi
se mal nen ben de seu jantar disser.
Por el comer en sa casa tenh'eu
quer bem quer mal, que grani torpidad'é
quem mal nem bem dei diz per boa fé,
poys bem nem mal nunca lhai jantar deu;
nen mal nem bem no er ten hy de pram,
et mays que a bem a mal lhe terram
nem bem nem mal dizer do jantar seu.
HARTIM ANES ilARMBO
1154
En a primeyra rua que cheguemos
gu ar ir- vos- a dom foam mui ben,
d'un pancstranho que todos sabemos,
d'unha gualdrapa i xe que ten;
e as calças seram de melhor pano
feytas seram de névoa dantano,
e nós de chufas guarnidos seremos.
E prometeu-m'el bua boa capa,
ca non doestas ma as feytas de luyto,
mays outra bona feita de gualdrapa,
cintada e de nem pouco nem muyto;
e hua pena non d'estas miscradas,
mays outra boa de chufas paradas,
jà m'eu d'aqui non hirey sen a capa.
Vistel-o potro côor de mentira
que nfantano prometeu em janeyro,
que nunca home melhor aqui vyra,
criado foy em Craslro mentireiro ;
e prometeu-m'uãs armas entom,
non d' es tas maas feytas en Leora,
mays melhores d'ouleyr'en freixeyro.
Ca quanto labor mi deu a loriga,
e toda era de chufas vilada,
e como quer que vos end'eu ai diga
nunca mlVa home viu na pousada,
e cravelada de mençonha,
e tan levera, que ben de coronha
a trageria aqui huã formiga.
E prometeu-munha arma prepada,
como dizem os que a conhocerom,
gualdrapa fariz avya numa espada
de mouros foy, non sey hu x'a perderom ;
e pelo pao mi prometeu login,
de nevoeyro e eu Ih o recebi
que me pagass'a seu poder de nada.
De preç'e con labor foy a loriga
que mel mandou e de par lh'avyada,
mays como quer que vol-o homen diga
nunca a min vyron teer na pousada;
ben cravelada é de çanponha,
desy tan leve que bem de mençonha
mira aduria aqui huã formiga.
AFFONSO SOARES
1155 e 1156
PorenTareyja Lopez non quer Pêro Marinho,
pois x'el é mancebo, quer-x^la mays meninho ;
non casará con ele nem pelos seus dinheyros,
e esto saben donas e sabem cavaleyros ;
ca dos escarmentados se fazen mays ardeyros.
Esta offens'am
Poren Tareyja Lopes non quer Pêro Marinho
pêro x'el é mancebo quer x'ela mais minino;
non casará con ele pola cobrir d'alfolas,
nem poios seus dinheiros velhos q tem nas olas;
o que perdeu nos alhos quer cobrar nas cebolas.
Poren Tareyja Lopes non quer Pêro Marinho,
pêro x'el é mancebo quer x'ela mais mininho ;
non casará con ele por ouro nem por prata,
nem por panos de seda quanfé per escarlala ;
ca dama de capelo de todo se cata.
CALDEVRON
1157
Os d'Aragon, que sóen donear
e Catalães con eles a perCa,
leixados som por donas a lidar,
van-ss'acordando que era folia;
et de burlas cuyd'eu rir-s'end'ia,
quem lhe dissess'aqueste meu cantar
a dona gaia de bon semelhar
oo amar quiçá non no precária.
Jantar quer'eu, non averá hy ai
a dos d'Aragon et dos de Catalunha,
per como guardam sas armaduras de mal
cada hu d'eles ergo se as sonha
ante xe querem sobre a vergonha
d'aqueste segre poios que mays i fal
non pararam os do Spital
de melhor morte a lide con besonha.
D'este cantar el-rey me desolvide,
dos d'Aragon quand'eu vin de Galiza
en que viven con gram mingua de lide,
a busquey ben aalen de Fariza ;
non se faz todo por farpar peliça
mays quem este meu cantar oyr
far-me-a bem, et poys que esbaldir
se s^m queixar busque-me liça.
PAVO GOMES CHAR1NII0
1158
— Huã pregunla vos quero fazer,
senhor, que mi devedes a fazer,
porque podestes jantares comer,
222
CANCIONEIRO PORTTOUEZ DA VATICANA
que home nunca do vosso loguar
comeu esto que pode seer,
ca vej'ende os herdeiros queixar.
«Pay Gomes, quer'eu-vos responder
por vos fazer a verdade saber,
ouv'aqui reys de mayor poder
conquirer e en terras guaanhar,
mays non quem ouvesse mayor prazer
de comer quando lhi dan bon jantar.
— Senhor, por esto non digu'eu de non,
de ben jantar, cies ca he gram razom,
maylos erdeyros Fôr'an de Leon,
guarian vosco porque am pavor
d'aver sobre lo seu con vosco entençon
e xe lhis parar outro non peyor.
«Pay Gomes, assi deus mi perdon'
mui gram terra que non foy en Carrhon,
nem mi derom meu jantar en Monçon,
e por esto non soõ pecador
de comer ben poys mh'0 dan en don\ .
ca de mui boo janlar ei gram sabor.
1159
Don Aflbnso Lopes de Bayam quer
fazer sa casa; se el pod'aver
madeyra nova e sse mi creer,
fará bom siso tanto que ouver
madeyra logo punh'en a cobrir
o fundamento ben alfe guarir
pod'o lavor per hy se o fezer.
E quand'el a madeyra adusser
guarde-a ben e faça-a jazer
en logar que non chouva, ca torcer
assy a mui toste non ar a mester ;
e sse o lavor non quer escarnir
abra lo fundamental t'e ferir
e muyto batel-o quanto poder.
E poys o fundamento aberto for
alte bem batudo, pocTel andar
en salvo sobrei e poys s'acabar
estará da madeyra sen pavor,
e do que diz que a revolverá,
anf esto faça, se non matar-ss'a
ca este é o começo do lavor.
E don Aflbnso poys a tal sabor
de fazer boa casa começar
e dev'assy e desy folgar
e fazer que d'en mester for;
descobril-a e cobril-a poderá,
e revolvei- a, ca todo sofrerá
a madeyra e seer aly en melhor.
E don Aflbnso tod'esto fará
que lh'eu conselho, senom perder-ss T a
esta casa por máo laurador.
PÊRO DA PONTE
1160
Eu digo mal com'ome fadimalho
quanto mais posso d'aquestes fodidos,
e trob'a eles e a seus maridos ;
e hu d'eles mi pos mui grand'espanto,
topou comigu 1 e sobraçou o manto,
e quis en min achantar o caralho.
Ando lhes fazendo cobras et soons
quanto mais poss'e and'escarnecendo
d aquestes putos que ss'andam fodendo ;
e hu (Feles de noite afTUou-me
e quis-me dar do caralh' errou -me
e lançou de pós mi os colhões.
1161
Marinha Foza quiz saber
como lh'ia de parecer,
e fuy eu log'assi dizer
tanto que nTela preguntou :
senon non ouvera nacer
quem vos viu e vos desejou.
E bem vos podedes gabar,
que vos non sab f oj'ome par,
en as terras, de semelhar,
de mays diss'uu que vos catou :
que non se ouvera levantar
quen vos vyu e vos desejou.
E poys parecedes assy
tan negr'ora vos eu vi
que o meu cór sempre des y
nas vossas feyturas cuydou :
e mal dia naceu por sy
quen vos vyu e vos desejou.
Mays que fará o peccador
que vyu- vos e vossa coor
e vos non ouv'a seu sabor ;
dizer- vol-oey poys me vou,
irad'ouve nostro senhor
quem vos vyu e vos desejou.
1162
Marinha Crespa, sabedes filhar
en o paaço semprun tal logar,
en que am todos mui ben a pensar
de vós ; e poren diz o verv'antigo :
a boy velho non lhi busques abrigo.
En o inverno sabedes prender
logar cabo do fogo ao comer,
ca non sabedes que x'ade ?eèr
de vós; e por en diz*o verv 'antigo:
a boy velho non lhi busques abrigo.
E no Abril quando gram vento faz
o abrigo est o vosso solaz,
hu fazedes como boy quando jaz
en o bon prado ; e diz o verv'antigo :
a boy velho non lhi busques abrigo.
1163
Hun dia foy cavalgar
de Burgus contra Carrhon,
PÊRO DA PONTE
223
e sayu-n^a convydar
do caminh'un infançôn ;
e tanto me convydoti
que ouv'i logo a jantar
con el, mal que mi pesou.
Hu m'eu de Burgus parti
log'a deus m 1 encomendey,
e log'a el proug'assy
que hun infançôn achey ;
e tanto me convydou
que ouv T a jantar logu'i
con el, mal que mi pesou.
E sse eu de coraçon
roguey deus, baratey ben
ca en pouca de sazon
a que m'un infançon vem, .
e tanto me convidou
que ouv'a jantar entom
con ele, mal que mi pesou.
E nunca jà assy comerey
com'enton con el comi
mays hu eu con cl topey
quisera-m'ir, e el y
* a tanto me convidou
que sen meu grado jantey
con el, mal que mi pesou.
1164
Eu ben me cuydava que er'avoleza
d'a cavaleyro mancebo seer
escasso muyfe de guardar aver,
mays vej'ora que vai muyfescaceza ;
ca hun cavaleyro sey eu vylan,
e torpe brav'e mal barragam,
pêro locresto lh'encobre cscasscza.
1165
Marinha Lopes oy mays ha seu grado,
se quiser deus, será boa molher,
e sse algun feyto Tez desaguisado
non o fará ja mays, se deus quiser;
e dircy-vos como se quer guardar, *
quer ss'yr aly en cas don Lop'andar
hu lhi semelha loguar apartado.
E ben creede que est apartado
pêra ela, que folya non quer,
ca non veerà hy mays nulFomen nado,
de mil cavaleyros, sê non quiser ;
e poys se quer de folya leyxar,
de pram deus Ihy mostrou aquel logar
hy pode ben remiir seu pecado.
E poys ben quer remiir seu pecado
logar achou qual avya mester,
hu non saberá parte nem mandado
de nulh'ome, se d'alhur non vehcr ;
pêro se prob'ou coytado passar
por aquel porto, sabel-o-a albergar,
e de mays dar-lh'alberguo en doado.
1166
N'outro dia en Carrhon
queria hu salmon vender,
e chegou hy hun infançon,
e tanto que o foy veer
creceu-lh'i d'el tal coraçon
que dissa hun seu hom'enton:
peix'ora quer'oj'eu comer.
Ca muyfa jà que non comi
salmon que sempre desejey,
mays poys que o ach'ora aqui
ja custa non receerey,
que oj'eu non coma de pram,
bem da peixota e do para
ca muyfa que ben non cehey.
Mays poys aqui salmon achei
querrei oj'cu mui ben cear,
ca non sei hu mh'o acharey
des que me for d'este logar;
c do salmon que ora vi
ante que x'o levem d'aly
vay-m'unha peixota comprar.
Non quer'eu cusfarrecear
poys salmon fresco acho siquer,
mays quero hir ben d'el assimar,
por envyar a mha molher,
que morre por el outrossy
da balea que vej'aqui,
e depois quite quen poder.
1167
D'un tal ric'ome vos quero contar
que n'outro dia a Segovha chegou,
de comp foy a a vila a re foçar
poys o ric'ome na vila entrou;
ca o manjar que ante davam hy
por dez soldos ou por maravedi
logu'esse dia cinco soldos tornou.
Ric'ome foy que vos deus envyou
que vos non quis assy desamparar,
que nos a vila assy refeçou
poyl o ric'ome veo no logar;
ca nunca eu tan gram miragro vi
polo açougue en refeçar assy
mentr'0 ric^ome mandara comprar.
Ca dês devemos graças a dar
doeste ric^ome que nos presentou,
de mays en ano que era tan car',
a conteste foy que ogano passou ;
ca poys este ric'om'entrou aqui
nunca maa careza entrou hy
mentr'0 ric'ome na corte morou.
1168
'Quem a sesta quiser dormir
conselhal'0-ey a razon,
lanlo que jante pense d'ir
224
CANCIONEIRO FOKTUGVEZ DA VATICANA
a cozinha do infançon;
e tal cozinha Ih^aohará
que tau fria casa non a
na oste de quanlas hy son.
Aynda vos eo mays direy
eu que hu dia hi dormi,
tan boa festa non levey
des aquel di'an que nacy
como dormir en tal logar,
hu nunca deus quis mosca dar
en a mais fria rem que vi.
E vedes que ben se guisoo
de fria cosinha teer
o infançon, ca non mandou
des ogan'y fog'acender ;
e sse vinho ganhar d T algueii
ali lh'o esfriará ben
se o frio quiser bever.
1169
Tareja Lopes d'ÀIfaro 7
direy-vos que m'agravece 7
qu'é vosso don mui caro
e vosso don é rafece ;
o vosso don éroui caro,
pêra quen o ad'aver;
o vosso don é rafece
a quen o ade vender.
Por caros temos panos
que home pedir non ousa,
e poyl-os tragem doas anos
rafeces son por tal cousa ;
o vosso don é mui caro
pêra quen o ade aver ;
o vosso don é moi rafece
a quen no ade vender.
Esto eu nunca cuydara
que buâ cousa senlheira
podesse seer cara
e rafec'en tal maneira;
o vosso don é mui caro
para quen no ade aver,
o vosso don é mui refece -
a quen no ade vender.
1170
Sueyr'Eanes, este trobador
foy por jantar a cas d'un infançon,
e jantou mal, mays el vingou-8s'enton,
que or'ajam os outros d'el pavor ;
e non quys el a vendita tardar,
en tanto que se partiu do jantar,
trobou-lhi mal, nunca vistes peyor.
E no mundo non sey eu trobador
de que ss'ome mays dev'a se temer
de x'el mui maas três cobras fazer,
ou quatro a quem lhi maa barva for;
ca des que non lh'el cae na razoa
maas trez cobras ou quatr'e o son
de as fazer rirayfé el sabedor.
E por esto non sey no mundo tal
home que lh'a el devess'a dizer,
de non por lhi dar mui ben seu aver,
ca Suer'Eanes nunca lhi fal
razon des que el despagado vay,
en que lhi troba tan mal e tan lay,
porque o outro sempre lhi quer mal.
1171
QuamTeu dOlide say
preguntey por Alvar,
e disse-mi Iog'assy
aquel que foy preguntar:
senhor vós creed'a mi
que o sey mui ben contar;
eu vos contarey quanfa d'aqui
a cas de don Xemeno,
hun dia mui grand'a hy*
e hun jantar mui pequeno.
Disse-mi hu me d'el parti:
quero-vos ben conselhar,
a jornada que d'aqui
vós óy queredes filhar
será grande poys desy,
eras non é ren o jantar ;
poren vos conto quanfa d'aqui
a cas de don Xemeno ;
hun dia mui grand'a hi,
e hu jantar mui pequeno.
1172
D' unha cousa son maravilhado
porque se quer home desembargar,
por porfaçar muyfe deostar
e nulh'ome non seer seu pagado;
eu por aquesto ben vos jurarey
que tan mal torp'en o mundo non sey
cora'é o torpe muy desenbargado.
E quen se len por desvergonhado
por dizer a quantos sempre vyr pesar,
e pelo mundo non poder achar
nenhu home que seja seu pagado ;
por desembargado non lhi contarey,
mays se o vir vedes que lhe direy:
confonda deus a tal desenbargado.
Ca o torpe que sempr'anda calado
non o deven per torpe a razoar
poys que é torp'e leixa de falar,
e d'a tal torpe soo eu pagado;
mays o mal torpe eu vol-o mostrarey,
quem diz mal dos que som en cas d'el rey
por se meter por mays desembargado.
1173
Dáde-m^alvyssara, Ped^Agudo,
e oy mays sodes guarido,
PEKO DA PONTE
225
vossa molher a bon drudo,
baronsinho mui velido ;
dade-m'alvissara, Pedr f Agudo,
vossa molher a bon drudo.
Dade-m'alvyssara, Pedr'Agudo,
cresça- vos end'o rabo;
vossa molher a bon drudo,
que iode jà en seu cabo ;
dade-nTalvyssara, Pedr'Agudo,
vossa molher a bon drudo.
Dade-m'alvyssara, Pedr' Agudo,
eslo seja mui festinho ;
vossa molher a bon drudo,
e jà non sodes maninho;
dade-n^alvyssara, Pedr'Agudo,
vossa molher a bon drudo.
Dade-m'alvyssara, Pedr'Agudo.
e gram dereilo faredes,
vossa molher a bon drudo
que erda en quanfaver edcs ;
dade-nTalvyssara, Pedr' Agudo,
vossa molher a bon drudo.
1174
D*un tal ric'ome ouç'eu dizer
que csl mui ric'omaz,
de quanfen gram requeza jaz,
mays eslo non poss'eu creer ;
mays creo-mh'al, per boa fé,
quen d'amigos mui pobr'é
non pode mui rico seer.
De mays quem a mui gram poder
de fazer algu'e o non faz
mays de viver porque Ihi praz
poys que non vai, nem quer valer,
ou gran<]'e8tanpa que prol )h'a,
ca poys d'amigos mal eslà
non pode boa estanca aver.
Ca poys home de tal conven
porque todos Ihi queren mal
o demo lev'o que Ihi vai
sa requeza, demays a quen
non presta a outren nen a ssy,
de mal conhocer por esfy,
quem tal home per rico ten.
E direy-vos d'el outra ren,
e non acharedes end'al,
poys el diz que Ihi non ench'al
de dizerem d'el mal nem bem ;
jà mays d'el non atenderey
bon feyfe sempre terrey
por cousa que non vay nem vem.
Mas pêro lh'eu grand'aver sey
que a el mays do que eu ey,
poys s'end'el non ajuda rem.
1175
Don Bernaldo, poys trajedes
convoscunha ta) molher,
29
a peior que vós sabedes
se o alguazil souber
apoutar-vol-a querrâ,
e a puta queixar-s'a,
e vós assanhar-vos-edes.
Mays vós que tod'entcndedes
quanfenlende bon segrel,
pêra que demo queredes
puta que non a mester,
ca* vedes que vos fará :
en Jogar vos meterá
hu vergonha prenderedes.
Mays que conselho faredes
se alguen ai rey disser
ca molher vosco teedes
e a justiçar quizer ;
se non deus non Ihi valrrá,
e vós a quen pesará
valer non Ihi poderedes.
E vós mentes non metedes
se ela Olho fizer,
andando como veedes
con algun peon qualquer,
aquel tempo avemos jà
alguen vos suspeylarà
que no filho parfavedes.
1176
Maria Perez, a vossa cruzada
quando veo da terra d'ultra-mar
assy veo de perdon carregada
que se non podia con el'emerger ;
mays furtam -Ih 'o cada hu vay maguer,
e do perdon jà non Ihi ficou nada.
E o perdon é cousa mui prepada,
e que sse devya muy t' aguardar;
mays ela non a maeta ferrada,
en que o guarde, nem a podaver ;
ca poys o cadcad'en foy perder,
sempr'a maeta andou descadeada.
Tal maeta como será guardada,
poys que rapazes albergan no logar,
que non aja seer mui trastornada,
ca o logar hu eles an poder
non a perdon que assy possa asconder,
assy saben trastornar a pousada.
E outra cousa vos quero dizer
a tal perdon ben se devera de perder;
ca muyto foy cousa mal ganhada.
1177
En almoeda vi estar
a hun ric'ome ; e diss'assy :
quen quer hun ric/ome comprar?
e nunca hy comprador vi
que o quysesse nen en don,
ca diziam todos que non
dariam hun soldo por sy.
226
CANCIONEIRO PORTCGUEZ DA VATICANA
E (Teste ric'ome quem quer
vos pod'a verdade dizer,
poys non a prés nen hun mester
quen querrà hi o sen perder;
ca el non faz nenhun lauor
de que nuRi'om'aja sabor,
nen sab'adubar de comer.
E hu forom polo vender
preguntaron-no en gram sen ;
ric'ome que sabedes fazer ?
e o ric'ome disse rem ;
non amo custa nem misson,
mays compro mui de coraçoo
erdade se mha vend'aiguen.
E poys e) diss'esta razou,
non ouvi molber nem baron
que por el dar quisesse rem.
1178
Mentre m'agora d'al non digo nada
d'un meu amigo quero dizer
amor sen prol e palavra doada,
de tal amor non ey eu que fazer ;
nem outro se non ey eu poique temer
o desamor que non mha nuçir nada.
Non me lem'eu de grand 1 espadada
que d'el prenda nos dias que vyver,
nem s'ar lem'el de nulha rem doada,
que eu d'el lev'a todo seu poder;
nem mar tefttfeu de nunca dei prender
já mays bon dou nem boa espadada.
E quem vyu terra tan mal empregada
nen a cuyda nunca mays aveer
que non merece carta de soldada
e da-lh'o demo terra e poder,
e muytas terras pod'orae saber
mays nunca terra mal empregada.
E o que non vai e podia valer
este merece só terra jazer,
mays non terra hui polegada.
1179
De Sueyr'Eanes direy
como lhe de trobar aven,
non o baralha el mui beto,
nen ar quer hy mentes meter ;
mays d^sto se pod^l gabar
que se m'eu faço bon cantar
a el mh'o soyo fazer.
Pêro cousa que eu ben sey
non sab'el muyto de trobar,
mays en tod'aqueste logar
non poss'eu trobador seer
tan venturad'en huã rem
se algú cantar faz alguen
de lhi mui cantado seer.
Ca lhi troban en tan bon son .
que non poderian melhor,
e por esfavemos sabor
de lhi sas cantigas cantar;
mays ai vos quer'eu d'el dizer,
quem lh'aquesla manha tolher
ben assy o pode matar.
1180
Os de Burgus son coytados,
que perderon Pedr'Agudo,
de quem porram por cornudo ;
e disseron os jurados :
seja-o Pedro Bodinho
que esfé nosso vesinho,
também com'é Pedr'Agudo.
E poys qu'é o concelho
dos cornos apoderado,
quem lhi sayr demandado
fará-ltTel mao trebelho ;
ca el mentr'hi for cornudo
querrà hi seer temudo
e da vila apoderado.
E vedes en que gram bryo
el que o deus a chegado
por seer cornad'alçado
en tamano poderio ;
hom'é de seu padre filho,
por tanto me maravylho
d'a esto seer chegado.
E creede que en justiça
pod'i mays, anda la terra,
ca sse noa fará hi guerra
nem mui maa cobiça»
ca el rogo nunca prende
de cornos, mays entende
mui ben os foros da terra.
1181
Martin de Cornes vi queixar
de sa molher, a gram poder,
que lhi faz hi a seu cuydar,
tanto mays eu foy-lhi dizer:
falar quereu y se vos pra^
demo lev'o torto que faz
a gram poder d'esse foder*
Mays se vós sodee hy de mal sen
de que lh'apoedes mal prez,
ca salvar-sse pod'ela ben
que nenhun torto non vos fez*
nen torto non faz o taful
quando os dados acha algar
de os jogar huã vez.
. 1182
Quen seu parente vendia
todo por fazer thesouro,
se xe foss'en conredura
e podesse prender mouro,
PÊRO DA POXTE
22:
tenho que xo venderia
quen seu parente vendia.
Quen seu parente vendia
ben fidalgu'e seu sobrinho,
se tevess'en Sanctiago
bon* adega de vinho,
tenho que x*o venderia
quen seu parente vendia.
Quen seu parente vendia
polo poerero no pao,
se pam sobrepôsfouvesse
e Ihi chegass'ano raao,
tenho que x'o venderia
quen seu parente vendia.
Quen seu parente vendia
mui fldalgu'e mui loução
se cavalo $op'ouvesse
e lh'o comprassem por são,
tenho que x'o venderia
quen seu parente vendia.
1183
De Fernam Dias Estaturão
oy dizer novas de que mi praz,
que é home que muyto por deus faz,
e sse quer ora meter ermitão;
e fará bom feyto se o fezer,
de mays nunca lh'ome soube molher
des que naceu, tanfé de bon cristão.
Este ten o parais'en mão,
que sempr'amou con sen cristão paz,
nen nunca amou molher nem seu solaz,
nem desamou Odalgo nem vilão ;
e mays vos direy se vos prouguer,
nunca molher amou, nem quis, nem quer
pêro cata falagueyr'e loução.
B tan bon dia foy nado
que tani)en soub'o pecad 'enganar,
que nunca por molher rem quis dar
e pêro mete-ss'el por namorado ;
e os que o non conhecemos ben
cuydamos d'el que folya manten,
may»el da ver molher non é pensado.
Que ss'oj'el foss^emparedado
nem se saberia melhor guardar
de nunca já com molher albergar,
por non se riir dei o pecado ;
ca nunca deu por molher nulha rem,
e pêro vedes se o vyr alguen
terra que morre por seer casado.
E poys el tal castidade mantém,
quand'el morrer direy- vos huã rem:
beati oculy — será chamado.
1184
Sueyr'Eanes, nunca eu terrey
que vós trobar non entendedes ben,
poys entendestes quando vos trobey
que de trobar uoq sabiades rem ;
mays o trobar ond'estades melhor,
pêro d'al non sodes tan trobador,
entendedes quando vos troba alguen.
Entendestes hun dia anfel rey
como vos meteron en hun cantar,
polo peyor trobador que eu sey
esto s'a vós nunca pode negar ;
e por aquesto maravilho-m'eu,
d'este poder que demo vol-o deu,
por vós assy entenderdes trobar.
Cà vos vi eu aqui mui gram sazora,
e non vos vi per trobador meter,
e ora non vos troban en razon
en que xi vos possa rem asconder ;
se de mal trobador enmeptaahv
que vós logo non digades : a mi
foy feyfaquel cantar de mal dizer.
1185
Quen a sa Qlha quyser dar
a mester con que sabba guarir,
a Maria Doming' ad' yr,
que a saberá ben mostrar,
e direy- vos que lhi fará:
ante d'un mes Uf amostrará
como sabha mui ben ambrar.
Como lhi vej'eu ensinar
huã ssa Olha encobrir,
quen sas manhas ben cousir
aquesto pode ben jurar
que des Paris atees a cá,
molher de seus dyas non a
que tan ben s'acorde d'ambrar.
E quen d' a ver ouver sabor
non ponha sa fllh'a tecer
nen a cordas, nen a coser,
mentr'esta mestra aqui for,
que hi mostrará tal mester
porque seja rica molher,
ergo se lhi minguar lavor.
E será en mays sabedor
por estas artes aprender,
de irToje quanto quiser saber
sabel-o pode mui melhor;
e pois tod'esto ben souber
guarrá assy como poder,
de mays guarra por seu lavor.
1186
— Don Garcia Martiiz, saber
queria de vós hunha rem,
de que dona qu'ei-mi gram ben
e lhi ren non ous'a dizer,
com medo que lhi pesará ;
e non o posso mays sofrer,
dizede-mi se lh'o dirá
ar que mandaties-1'y fazer.
228
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
•Pêro da Ponle, responder
vos quer'eu e dizer meu sen,
se ela pode por alguen
o ben que Ih'el quer aprender ;
sol non o diga, mays se jâ
por el non o pod'entender
este pesar, dizel-o-a,
e poys servir e atender.
— Don Garcia, como vos direy
a quem sempr'amey e servi,
a tal pesar por que desy
perca quanto ben no mund'ey;
d'eu veer e de lhi fallar
ca sol viver non poderey
poys m'ela de sy alongar
e d'esto julgue-nos el rey.
«Pêro da Ponle, julgar-m'ey,
anfel rey vosqu'e dig'assy,
poys que per oulren, non por mi
mha coyta non sabe, querrey
dizel-a, e se s'en queixar
a tan muito a servirey
que por servir cuyd'acabar
quanto bem sempre desejey.
— Don Garcia, non poss f osmar
com'o diga, nem o direy
a quem servi sempr'e amey
como direy tam gram pesar.
«Pêro da Ponte, se n^ampar',
dês, praz-mi que vos julgu'el rey.
1187
Eu en Toledo sempr'ouço dizer
que mui maa de pescad'é,
mays non o creo per boa fé,
ca mi fui eu a verdad'en saber;
ca n'outro dia quand'cu entrey hy
ben vos juro quanfem ma vida vi
a peixota su o leilo jazer.
Endoando ben poderá aver
peixota quen na quisesse Olhar
ca non a vi a nulh orne aparar,
e buã cousa vos quero dizer;
tenh'eu por mui boa vileca assaz
bua peixota su o leyto jaz,
e sol nulb'ome non a quer prender.
E sse de min quiserdes aprender
qual parfa de cima en esta sazon,
non ha by se Ihis ven hy salmon
mays pescad 'outro pêra desprender,
iquí refece por vos eu non mentir
ca vi eu a peixota remanyr
by su hun leyfassy deus mi perdon'.
1188
Aos mouros que aqui son
don Álvaro rem non Ihis dà,
mays manda- Ihis filhar raçon
da cachaça, e dar-lhis-a
d'al que na cosi nh'ou ver;
mays o mouro que mi creer
a cachaça non Olhará.
Mays se lh'a deren )ogu'enton
aos cães a deytarà,
e direy- vos por qual razon,
ca nunca xe lhi cozerá ;
e a cachaça non a mester
poys que sse non cozer
a quanta lenha no mund'a.
Nen os mouros a meu cuydar
poyl-a vyren non a querram,
mays se a quiseren Olhar
direy-vos como lhi faran ;
hyla-an logo remolhar,
ca assy soen adubar
a cachaça quando lh'a dam.
1189
Morfé don Martin Marcos,
ay deus, se é verdade !
sey ca se ele é morto
morta é torpidade,
e morta neycedade,
morta é covardia
e morta é maldade.
Se don Martinho morto
sen prez e sen bondade,
oy mays mãos costumes
outro senhor catade ;
mays non o acharedcs
de Roma atâ cidade,
se tal senhor queredes
alhu' lo demandade.
Pêro hu cavaleyro
sey eu par caridade
que vos ajudaria
tolher d'el soydade,
mays que vos diga
ende bem a verdade ;
non est rey nen conde
mays he x'outra podeslade
que non direy, que direy,
que non direy.
1190
Poys vos vós ca vyngar non sabedes
(Tesle marido con que vós seedes,
mostrar-vos quer'eu como vos vinguedes
d'el, que vos faz con mal dia vyver:
maa noyte vos mando que lhi (ledes,
poys que vos el mal dia faz aver.
Poys que vos deus deu tamanha valentia
de vos vingar, sse creerdes, hia
d'este marido que vos dà mal dia,
mostrar- vos-ey gram dereyfa prender ;
PEM'AMIGO
229
maa noyte lhi dade todavia,
pois que vos mal dia faz aver.
Direy-vos eu a negra da verdade,
se mh'a creerdes, e senon leixade
d'el, que vos dà mal dia, vos vingade ;
pois vos en deus deu tamanho poder
oy mays todavia negra noyte lhi dade,
pois que vos el mal dia faz aver.
Por deus, todavya, que vos fez seer nada
nen se ria pois de vós na pousada
este marido que vos tem coitada,
porque vos faz mal dia padecer;
negra noyte lhi dade e estirada,
pois que vos el mal dia faz aver.
1191
Don Tisso Peres, queria oj'eu
seer guardado do trebelho seu,
a perdoar-lh*o baston que foy meu,
mais non me poss'a sem rogo quitar ;
e Tisso Perez, que demo mh'o deu
por sempre migo querer trebelhar.
De lrebelhar-mh'a el gram sabor,
e eu pesar nunca vistes maior,
ca non dormho de noite con pavor,
ca me trebelha senpre ao luar ;
demo o fezo tan trebelhador
por sempre migo querer trebelhar.
Cada que pôde mal me trebelhou,
sempr'eu já mh'assanhando vou
de seu trebelho mao que vezou,
con que me ven cada noy fespertar ;
e Tisso Perez, demo mh'o mostrou,
por sempre migo querer trebelhar.
PKDRAMI60
1192
Blvyra, capa velha desfaqui
que lhi vendess'un judeu corretor,
e Geou comtigo outra mui peyor,
Elvira, capa velha que t'eu vi ;
ca queres sempre por dinheiros dar
ja melhor capa, e queres leixar
a capa velha, Elvyra, pêra ti.
Por que te fleass^, deus ti perdon',
a capa velh'Elvyra, que trager
non quer nulh'ome, mays dás a vender
melhor capa velha d'outra sazom ;
Elvyra, nunca a ti capa daram,
ca ficas d'estas capas que ti dam
con as mays husadas no cabeçon.
Cá capa ve)h'Elvyra, mi pesou,
por que non é la para cas d'el-rey,
a capa velha, Elvyra, que eu sey,
muytus an que comtigo ficou ;
ca pêra corte sey que non vai rem
a capa velh 1 , Elvyra, que jâ lem
pouco cabelo, tan muyto ss'usou.
1193
Hun bispo diz aqui por sy
que é de Conca, mays ben sey
de mi que bispo non achey
de Conca, des que eu naci,
que d'alá fosse natural ;
mays d'aquesle mi venha mal
se nunca tan sen Conca vi.
E nunca tal mentira oy,
qual el diss'aqui anfel rey,
ca sse meteu, por qual direy,
por bispo de Conca logu'i ;
e dixi-Ih'eu logu'en ton ai:
hu est essa Conca bispai
de que vós falades assy?
E polo bispo aver sabor
grande de Conca non aver
non lh'o queremos nós saber,
ca diss'o vesitador :
que bispo per nenhun logar
non pode per de Conca andar,
bispo que de Conca non for.
Vedes que bisp'e que senhor
que vos cuyda a fazer veer
que é de Conca, mays saber
podedes que é chufador;
por min que o fuy asseytar
per hun telhad'e non vi dar
anfel Conca nem talhador.
1194
Don Estevan, oy por vós dizer
d'unha molher que queredes gram bem,
que é guardada, que per nuiha rem
non a podedes, amigo, veer ;
e ai oy, de que ey gram pesar,
que quantouvestes todo no logar
hu é, là o fostes hy despender.
E poys ficastes probe sem aver,
non veede ca fezestes mal sen,
siquer a gente a gran mal vol-o ten,
por hirdes tal molher gran ben querer;
que nunca vistes riir, nen falar
e por molher tan guardada ficar
vos vej'eu pobr'e sen conhocer.
E non vedes, home pecador,
qual est o mund'e estes que lh'i son,
nen conhocedes, mesquinho, que non *
se paguam já de quen faz o peyor ;
é gram sandice d'ome per oyr
bem da molher guardada que non vyr
dir despender quanfa por seu amor.
E ben vos fajfamigo sabedor,
que andaredes por esta razon,
per portas alheas mui gram sazon,
230
CANCIONEIRO MRTUGCE2 DA VATICANA
porque Tostes querer bem tal senhor ;
porque sodes tornacTen pam pedir,
e as guardas non se querem partir
de vós, e guardan-a porén melhor.
1195
Quem mirora quysesse cruzar,
ben assy poderia hyr
ben como foy a ultra-mar
Pêro d'Ambroa deus servir,
morar tanto quanfel morou
na melhor rua que achou,
e dizer : Venho d'ultra-mar.
E tal vyla foy el buscar
de que nunca quiso sayr,
atà que pôde ben osmar
que podia hir e viir,
outr'omen de Jherusalen,
e poss'eu hir, se andar ben,
hu el foy tod'aquest'osmar.
E poss'en Monpilher morar
ben como el fez por nos mentir,
e ante que cheg'ao mar
tornar-me poss'e departir
com'el deparfen cour'a deus,
prés morfen poder dos judeus
e en as tormentas do mar.
E sse m'eu quiser enganar,
deus, ben o poss'aqui comprir,
en Burgos, ca sse perguntar
por novas ben nas posso oyr,
tan ben com'el en Monpilher,
e dizel-as poys a quen quer
que me por novas preguntar.
E poys entras novas souber
tan ben poss'eu, se mi quiser,
como hum gfara palmeyro chufar.
1196
Pêro (T Am broa, tal senhor avedes
que non sey quen se (Tela non pagasse,
e ajudey-vos eu, como sabedes
escontra ela mui de boa mente ;
e diss'ela : fazede-me-lh'en mente
ainda oje vós migo jazedes
Por seu amor ; ca x'anda tan coy tado
que áe vós oje migo non jouverdes
será sandeo, e se o non fazerdes
non se terra de vós por ajudado;
mays enmentade-me Ihi hua vegada,
e morarey eu vosqiTen vossa pousada,
e o cativo perderá cuydado.
E já que lhi vós amor demostrades
semelhara que lhi sodes amigo,
jazede logo aquesta noyte commigo,
e desy poys crás, hu quer que o vejades,
dizede-lhe que comigo albergastes
por seu amor, e que me lh'enmentastes
e non tenha que o pouc'ajudades.
1197
Maria Balteyra, que se queria
hyr já daqui, veorae preguntar
se sabia j'aqui d'aguyraria,
ca non podia mays aqui andar ;
e dixi-lh'eu logu'enton quanteu sey,
Maria Perez, eu vol-o direy,
e diss'e)a logul que mho gracia.
E dix'eu : poys vos hides vossa vya
a quen leixades o voss'escbolar
ou vosso fllh'e vossa companhia?
poren vos roand'eu catar
que vejades nos aguyros que ey,
com'er poss'yr, e mays vos eu direy,
a menos d'esto sol non moveria.
E dixi-lh'eu : cada que vos deitadas
que esturnudos soedes d' a ver?
e diss'ela : dous ey, ben o sabhades,
e hun ey quando quero mover ;
mays este non sey eu ben departir ;
e dix'eu : con dous ben poderiades hir,
mays hun manda sol que non movades.
E dixi lh'eu : poys aguyro catadas
das aves vos ar conven a saber,
vós que tan longa carreyra flibades ;
diss'ela : esso vos quer'eu dizer,
ey feryvelha sempr'ao sayr ;
e dixi-lh'eu : ben podedes vós hir
con ferivelha mays nunca tornades.
1198
Joham Baveca e Pêro d' Am broa
começaron fazer sa tençon,
e sayron-sse logo da razom,
Joham Baveca e Pêro dAmbroa;
e por que x'a non souberon seguyr ;
nunca quedaron poys en departir
Joham Baveca e Pêro d^ A mb roa.
Joham Baveca e Pêro dAmbroa
ar forom outra razom começar,
sobre que ouverom de pelçjar,
Joham Baveca e Pêro (VAmbroa;
sobre la terra de Jherusalem,
que diziam que sabiam mui ben
Joham Baveca e Pêro d'Ambroa.
Joham Baveca e Pêro d 1 Am broa
ar departirom logo no Gram-Can,
e pelejaram sobresto de pram,
Joham Baveca e Pêro d'Ambroa ;
dizend'ora verremos qual é;
e leixei eu assy per boa fé
Joham Baveca e Pêro d'Ambcoa.
PBDK'AMMO
231
1199
Marinha Mejouchi, Pêro (VAmbroa
diz el que tu o fuisfi pregoar
que nunca foy na terra cTUltra-mar;
mays non fezisti como molher boa,
ca, Marinha Mejouchi, sy é sy,
Pêro d' Am broa sey eu cà foy-lh'y
mays queseste-lh'y tu mal assacar.
Marinha Mejouchi, sen nulha falha
Pêro (TAmbroa en Caca de-Ven
filhou a cruz pêra Jherusalem
e depoys d'aque$to, se deus mi valha
Marinha Mejouchi, com'é romeu,
que ven casado e tal o vi end'eu
tornar, e dizer que non tornou en.
Marinha Mejouchi, muytas vegadas
Pêro d'Arnbroa ach'end'en mal,
mays se te colhe d'el logar a tal
com'andas tu assy pelas pousadas,
Marinha Mejouchi, a mui gram sazon
Pêro d' Am broa, se te achar enton,
gram med'ey que ti querrà fazer mal.
1200
Quer'eu gram bem a mha senhor
polo seu mui bon parecer,
e por que me non quei veer
pobre, lhi quer'eu jà melhor ;
ca diz, que mentr'eu ai jouver,
que nunca jà será molher
que mi queyra por en peyor.
Conselha-me mha senhor
como se ouvess'a levar
de mui algo poys mh'o achar,
e diz-mo ela con sabor :
que ouvess'eu algo de meu
ca diz que tanfé come seu
poys que mh'a por entendedor.
1201
Hun cavaleyro fi' de clerigon
que non a en ssa terra nulha rem,
por quanfestá com seu senhor mui ben,
por tanto se non queria conhocer
a quen sab'onde ven e onde non
e leixe-vos en gram conta poer.
E poys xe vos en tan gran conta pon,
por que é caro, ca lhi non conven
contra quen sabe ond'est e onde ven
o seu linhagen e todo seu poder,
e faz creenç'a quantos aqui son
que vai mui mays que non dev'a valer.
El se quer muyf a seu poder onrrar
ca se quer por mays fidalgo meter
de quantos a enton d'aquel logar
hu seu padre ben a missa cantou,
e non queria por parente colher
hu seu sobrinho que aqui chegou.
1202
Lourenço non mi quer creer
pêro que o conselho ben
do que el non sabe fazer;
e pêro se mi creess'en
de três cousas que ben direy,
podia per hy con el rey
e con outros ben guarecer.
E quero-lh'eu logo dizer
hi outras cousas qu'el ten,
que sabe melhor, e saber
podedes que non sabe ren
trobar, ca trobador non a
en o mundo, nen averá
a que ss'el queira conhocer.
E ben com'el faz de trobar
assy vira se vehess'y
pêro s'en con el cantar
e Pêro Bodinh 'outro ssy
e quantos que cantadores son,
por todos diz el ca non
lhis quer end'a vontad'a dar.
Aynda de seu citolar
vos direy eu quanto lh'oy,
diz que o non poden passar,
todos quantos andam aqui ;
e por esto lhi conselh'eu
que leix'esto que non è seu
en que lhi van todos travar.
E eu que lh'o conselho dou
que Ieix'esta que se filhou,
diz que ando poFenganar.
1203
Ped^Ordones, corpo desembrado,
vej'eu hun home que ven da fronteyra
e pregunta por Maria Balteyra,
Per'Ordonhes, e semelha guysado
d'àquest'ome que tal pregunta faz
Per'Ordonhes, semelhar rapaz
ou algun home de pouco recado.
Per'Ordonhes, corpo enganado,
mi semelha, e fora de caveyra,
a quen pregunta por huã soldadeyra
e non pregunta por ai mays guysado ;
e Per'Ordonhes, mui cheo de mal
mi semelha en corp'est'om'a tal,
Per'Ordonhcs, que m'a preguntado.
E Per'Ordonhes, non preguntaria
por esto se alguã rem valesse
aquesfomen e se o ben conhocesse,
Per'Ordonhes, fez mui gran ben e queria
aquesfome que tal pregunta fez
Per'Ordonhis, se foss'alguã vez
por corpo fora, dereyto seria.
1204
Pediu oj'hum ric'ome
de que eu ey queixume,
232
CANCIONEIRO PORTUGUEZ DA VATICANA
candeas a hun seu home
e deu-lh'o home lume;
e poys que foy o lume.
ficado no esteo,
ca assy Pedro
queria segun creo,
que ai est a candea
e ai est o candeo.
El candeas e vinho
pediu ao serão,
e log'un seu meninho
troux'o lume na mão ;
e foy log'a dereyto
ficara no esteo,
e disse Pedro : queria
colher-me d'un baracêo,
que ai est a candea
e ai est o candeo.
E candeas pedia,
e logo mantenente
assy com'el queria
foy-lh'o lume presente;
e per logo ficado
ben aly no eáteo
e disse san Petro que ja
ou eu nada non creo ;
ou ai est a candea
ou ai est o candeo.
1205
Mayor Garcia vi lan pobr'ogano,
que nunca tan pobr'outra molher vi,
que se non foss'o arcediano
non avya que dey lar sobre ssy ;
ar cobrou poys sobr'ela o dayam,
e por aquelo que lh'antr'ambos dam
ancTalá toda coberta de pano.
1 Seguem-se no Ms. 14 folbas em branco innume-
radas.
GLOSSÁRIO ARCHÁIGO DO CANCIONEIRO
A, (expletiva; antigo galleguismo.)
Aaugado, Doente de desejos ; pop.
ougado.
Ábaco, Cofre, arca.
Abafordar, Jojar o bafordo.
Abanos, Capa solta.
Aboiz, Armadilha.
Abondo, Excessivamente.
Abuytre, Abutre.
A cachas, Escondidamente.
Acaecer, Acontecer.
A cajam, Cajaro, desastre.
A carom, Defronte.
Achantar, Plantar.
Acorrer, Acudir, soccorrer.
Adul, Adur, Dificultosamente.
Aduffe, Pandeiro.
Aduzer, Trazer.
A ff amado, Esfaimado.
Affanar, Causar affan, cansar.
Afeitar, Enfeitar.
Apeado, Teimoso.
Affrom, Affronta.
Agravecer, Tornar grave.
Agoyria, Aguyraria, Arte dos
agouros.
Aguadeyra, Capa larga.
Aguça, Pressa, diligencia.
Aguçoso, Argucioso.
Aautsar, Guisar, dispor.
Al, Outro, e expletiva.
Alacrá, Tecido antigo.
Albergueiro, Estalajadeiro.
Alças, Impostos.
Alegrança, Alegria.
Alegoria, Explicação.
Alfaraz, Cavallo ligeiro.
Alfrezes, Ornato de chapéo.
Algo, Alguma cousa.
Alguazil, Aguazil, quadrilheiro.
Alhur, Algures, n'outra parte.
Alvão, Espécie de brial.
Amenaça, Ameaça.
Amistar, Ter amisade.
Amorviado, Adoentado.
Anasal, Anasado.
Ancho, Amplo.
Anchar, Alargar.
Animalhas, Alimárias.
Antanho. O anno anterior.
Antejo, Entojo, teiró, aversão.
Anieyras, Inteiras, virgens,
Antclhança, Previdência.
Aparelham, Aparelhando.
Apoer, Increpar, aceusar.
Aposto, Elegante.
Apressurar, Apressar.
Aquessa, Essa.
Aqueste, Aquisto, Este, isto.
Ar, (expletiva) Também, outra
cousa.
30
Ardido, Atrevido.
Arduda, Ardidez.
Arcabouço, Esqueleto.
Arcediano, Arcediago.
Arlota, Vagabunda.
Armar, Aparelhar.
Arriçado, Açulado.
Arrufado, Impavezado.
Arteiro, Ardiloso.
Ascari, Certo pano.
Asperança, Esperança.
Assimar, Acabar.
Astroso, Desastroso.
Atai, Tal.
Auscuytar, Escutar.
Aval, Estrago.
Aver preço, Ter relações sexuaes.
Avilar, Envilecer.
Avindador, Conciliador.
Avol, Avô»
Avoleza, Nobreza dos antepas-
sados.
Azerar, Acerar.
Azes, Alas, flancos, lados.
Azinha, Depressa.
Babous, Espécie de lesma.
Bafordar, Jojar o bafordo.
Balandráo, Sobretudo sem man-
gas.
Baraceo, Baraço.
Bandoria, Parcialidade.
Baraço, Cinta, atilho do cabello.
Baralha, Bulha, peleja.
Baralhar, Combinar.
Barata, Questão.
Baratar, Apoucar.
Barvado, Barbado.
Bastoados, Bastonados.
Bayoninho, Cavallinho bayo.
Bel, Bello.
Beldade, Belleza.
Beneito, Beeito, Bento, bendito.
Beote, Bote, barco.
Besonha, Necessidade.
Bevo, Bevisti, (v. de Beber.)
Bisalho, Bolsim; enfeites.
Boança, Bonança.
Boroa, Pão de milho.
Braceiro, Forte de braços, activo.
Bulhafre, Milhafre.
Burlhar, Burlar.
Ca, Que, porque.
Cabo, Ao pé, perto; flm.
Cachaça, Porca por castrar.
Cada que, Cada vez que.
Caente t Cadente.
Cafi, Çaflra.
Cujon, Mau ensejo.
Calaveyra, Caveira.
Calentura, Febre.
C amanho, Tamanho.
Cambhar, Trocar.
Campana, Sino.
Campaynha, Campina.
Canelho f
Cano, Encanecido, velho.
Canterlhado, Guarnecido nos
cantos.
Capeyrete, Capa pequena.
Careza, Carestia, custo.
Carnacal, Carniceiro.
Carrajaz, Houfenho.
Carreyra, Caminho, atalho.
Cas, Casa.
Castoar, Encastoar, engastar.
Catar, Guardar, attender.
Catairon, Catarro forte.
Caudelar, Acaudilhar.
Cendal, Tecido de brial.
Cerame, Çurome, capa grande.
Cercear, Cortar rente ou cerce.
Certão, Certo.
Cervo, Veado.
Cevadeyra, Cesto de pào, alforge.
Cernira, Ceraes ; (pop. na Beira.)
Chançon, Canção.
Chanto, Pranto.
Chapei, Capello, elmo.
Charriar, Carrear, acarretar.
Che, Te; que.
Chuchurruchfio f
Chufador, Critico.
Chus, Mais.
Ciar, Ter ciúmes.
Cinger, Cingir.
Citola, Citolar, Cythara, etc.
Cividade, Cidade.
Cobra, Copla, estrophe.
Cobrar, Obter, alcançar.
Cohorto, Conforto.
Cochom, Porco.
Coitar, Causar mal.
Color, Côr.
Colpado, Golpeado.
Conortar, Confortar.
Conhocença, Conhecimento.
Conquirer, Conquistar.
Çopegar, Manquejar.
Copo, Manco.
Cofeynos, Espécie de figos.
Conquis, (v. de Conquistar) con-
quistou.
Cor, Coração.
Cordo, Cordato.
Cornelha, Gralha.
Corredura, Correria.
Cartinha, Pateo, pequena corte.
Cos, Apertadura da saia.
Costa juso, De costas para o ar.
Coteyfe, Capa de pesponto.
234
GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO
Cousecer, Censurar.
Cousido, Considerado, censurado.
Cousir, Considerar, discernir.
Cousimento, Discrição, discerni-
mento.
Coyta, Afllição.
Coyto, Cosido.
Covylheyra, Dama de companhia.
Cras, Amanhã.
Criança, Criação.
Cravellado, Cravejado.
Cruzar, Entrar na Cruzada.
Curar, Tratar, cuidar.
Cuçurro, Certa cor de cavallo.
Dante, Que dá; dando.
Dapno, Damno.
De cham, De prompto.
Defensem, Prohibiçao,
Degredo, Decreto (Decretaes.)
Delgadas, Certa vestimenta.
Delgado, Delicado.
Del, Des, Desde.
Desaguisado, Desguisado, Sem
geito.
Desembrado, Desajeitado, azam-
brado.
Desi, Desde então.
Desfiar, Desafiar.
Disputação, Disputa.
De pratn, De prompto.
De suso, De cima.
De vegadas, Amiudadas vezes.
Deyto, Dito.
Dia talhado, Dia aprasado.
Dizer a refrem, Glossar o retor-
nello.
Dizer das luas, Prognosticar.
Dizedor, intrigante.
Doa, Dadiva.
Doairo, Donaire, graça.
Doestar, Deostar, insultar.
Dolçor, Doçura.
Doma, Ebdoma, Semana.
Dona, Senhora.
Dona tfalgo, Senhora nobre.
Douta, Docta. *
Drudo, Amante. ~
Duldar, Duvidar.
Dy, (v. de Dizer) Diz.
Echar, Deixar (cf. enha por rot-
nha.J
Edes, (v. de Haver) Eis.
Edoy, retornello basco : Etoy.
Eiri, Eyri, Hontem.
El, Elle.
Elhes, Elles.
Empar amento, Amparo.
En, Ende, D'isso } por isso, d'ali.
Em cas, Em casa.
Ementar, Mentar, considerar.
Encimar, Acabar.
Endurar, Soffrer.
Enfinger, Fingir.
Enfinta, Fingimento.
Enganhar, Enganar.
Entença, Pleito, demanda.
Entençar, Trovar tenções, plei-
tear.
Entenção, Género poético, des-
pique.
Entendedor, Conversado, namo-
rado.
Entendença, Intendência.
Entolhar, Antolhar.
Entramente, Entretanto.
Entravincar, Cruzar rimas.
Enventuriulo, Venturoso.
Enxero, Pendência, damno.
Er, Ar, (expletiva) Al.
Ergo (er que) De mais.
Esbaldir, Gastar, baldar.
Escaecer, Esquecer.
Escarnir, Escarnindo, Escarne-
cer, escarnecido.
Escatima, Falta, defeito ; censura.
Escasso, Mesquinho.
Escorara, De encontro.
Esguardar, Resguardar.
Esparger, Derramar.
Espartido, Ausente.
Espedir, Despedir.
Espilal, Hospital.
Est, (v. de Ser) É.
Este, (v. de Estar) Esteja.
Estarrecer, Entristecer.
Esto, Isto.
Estraydade, Extranheza.
Estyo, Verão.
Exalçar, Exaltar.
Faceiro, Insolente.
Faes, (v. de Fazer) Fazes.
Falagueiro, Fagueiro.
Falha, Falta.
Falcatrua, pop. Trapaça.
Falido, Falso.
Falimen, Falimento, Erro, falta.
Fali, Falta.
Fame, Fome.
Farcilhom, Certo arreio.
Favonear, Facilitar.
Femença, Attenção, inquirição.
Fendedura, Fenda.
Fer, Fazer.
Ferido, Arrancada, assalto.
Festinho, Apressadamente.
Fey, Feito.
Feyra, (v. de Ferir) Fira.
Feyestas, Festas.
Feziste, (v. de Fazer) Fizeste.
Fi, Filho.
Ftdor, Fiador.
Fighe, (v. de Fazer) Fiz.
Fistulado, Que abriu fistula.
Fiusa, Fiança, confiança.
Flume, Frume, Rio.
Fodimalhas, Capazes de gerar.
Folengar, Folgar.
Foi, Tollo.
Folgança, Folguedo.
Folia, Loucura.
Fontana, Fonte.
Foro da terra, Garantia local.
Forom, Furão de caça.
Fossado, Arrancada, hoste.
Fraquelinha, Fraquinha.
Fm, Frolido, Flor, Florido.
Fudud'an cúa, Crime antigo.
Fudud'an dia, Dada ao fornizio.
Fustam, Panno branco.
Gaanhar, Ganhar.
Gage, Penhor.
Garceras, Roupas de moça.
Gargantom, Comilão.
Garrida, Bella; vistosa.
Gasalhado, Abrigo.
Gazeitef (n.° 78.)
Geolheiras, Dcfeza dos joelhos.
Giolo, Joelho.
Glosa, Rima, trova.
GoneÚa, Coifa ; veste de lã.
Gratfescades, (v. de Gradescer.)
Gradr, Agradecer.
Grado, Vontade, agrado.
Gram peça, Uma grande parte.
Gram sazom. Muito tempo.
Gran, Pano de lã.
Grand'algo, Riqueza.
Granho, Grenha.
Granhom, Gadelhudo.
Greu, Grado, vontade.
Gris, Cinzento.
Guarecer, Melhorar, sarar.
Guarida, Agasalho.
Guarnimento, Guarnição.
Guarir, Melhorar, curar.
Guidar, Guiar.
Guirlanda, Grinalda.
Guisa, Modo, maneira.
Guysar, Ordenar, dispor.
Haveo, (v. de Advir) Adveiu.
Hadusse, (v. de Adduzir) Addu-
zisse.
Ho, O.
Hi, Ahi.
Homem, Om, (Forma pronomi-
nal.)
Ha, Onde.
I, Ali.
Iguar, Egualar, rimar bem.
Infançôis, Filhas de infançoc*.
Ir em osso. Montar sem selim.
In suso, De cima.
Jaço, Jasca, Jouve, (v. de Jazer)
Jazo, jaza, jazi.
Jajuar, Jejuar.
Janeyras, Festas do primeiro dia
do anno.
Jantar, Tributo peculiar dos reis.
Jaquetão, casacão curto.
Jazedor, Morador ; que tem pri-
vilegio de sepultura.
Joeta, Pequena jóia.
Jograes, Jograes, cantores vaga-
bundos.
Jograron; Jogral desprezível.
Juso, Abaixo.
Ladinho, Ladino, astuto.
Laida, Ferida grave ; affrontado.
Lanzar, Jogar a lança.
Lazerado, Doente.
Lazeyra, Doença.
Ledo, Alegre.
Leqer, Ler.
Leli, Lelia, Estribilho popular.
Levar, Levantar.
Lez, Lado (pop. Lez a lez.)
Lexar, Deixar.
Lezer, Descanso.
Leuter, Eleuthcrio.
Li, Lhe.
Liça, Estacada.
Lidar, Combater.
Lidice, Alegria.
Liria, Género poético com refrem.
Livrar, Entregar. -
Lo, O.
Loador, Louvaminheiro.
GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO
235
Ltyirao, Louvor.
Lobado. Com tumores do cavallo.
Fjtbagantn, Espécie de lagosta.
Litiga, Espada curta.
Loução, Formoso.
Lou vamyantes , Louvaminheiros.
Lunes. Segunda feira.
Lus, Os.
Morar, Maguer, Antes que.
Maestro, Vendedeira.
Madre, Mãe.
Maestria, Arte de trovar.
Maeta, Mala pequena.
Matado. Servo.
Mala, Má.
Maldezi. (v. verb.) Maldisse.
Malondança, Infelicidade.
Maltreyto, Doente.
Molouria, Doença.
Malraz, Malvado.
Moleza. Maldade.
Mondadevro, Portador de recado.
Maniia, Costume.
Manhana, Manhã.
Manselinha, Mansinha.
Mantenente, Detidamente.
Maratedil, Maravedi.
Mortes, Terça feira.
Morteiro, Martyrio.
Marra, Marte 1 lo, maça. *
Mayson, Casa, mansão.
Mayça, Malícia.
Meaça, Ameaça.
Medes, Mesmo.
Meiga, Miga, migalha.
Mençonha, Mentira.
Mengua, Mingua.
Menciente. Mentiroso.
Mentes, Mentre, Entretanto.
Mentidor, Mentiroso.
Mentireiro, Mentiroso.
Meores, Menores.
Mercadeyro, Mercador.
Merchandia, Mercadoria.
Merger, Mergulhar.
Mesela, O que Deus qnizer.
Mesnada, Arrancada, hoste.
Mester, Precisão.
Mesteyral, Industrial.
Mesura, Decência, honestidade.
Messeqeyro, Mensageiro.
Mha, Minha.
Miscrar, Intrigar.
Mi medes, A mim mesmo.
Mocelinha, Mocinha.
Moirer, Morrer.
Motitar, Importar.
Mourisco, Bando de trabalhado-
res mouros.
Moril, Movei.
Mua, Mula.
Muacho, Macho ou mú.
Murzelo, Cor de amora; diz-se
do cavallo.
Nana, Menina.
Nembrar, Lembrar.
Nemigalha, Cousa nenhuma.
Neno, Menino.
Pieycedade, Necessidade.
Nostro, Nosso.
Hulha, Nenhuma.
Nucir, Fazer mal. •
Nuncha, Nunca.
Obridar, Olvidar.
Obispo, Bispo.
Ogano, Este anno.(Pop. Oroanna)
Oidor, Ouvinte.
Ota, Panclla.
Oos, Olhos.
Omildoso, Humilde.
Ordinhado, Ordenado.
Oste, Exercito.
Orpelado, Franjado [de oiro.
Ouso, Osso.
Oy, Hoje.
Oyr, Ouvir.
Paaço, Palácio.
Padre, Pae.
Pagar, Satisfazer-se.
Piàmeiro, Peregrino.
Panil, Pesponto de coteyíTe.
Papagay, Papagaio.
Par, Por.
Paravoras, Palavras.
Partimento, Desfecho.
Parecer, Rosto, semblante.
Partir, Acabar.
Passo, Vagarosamente.
Pastorella, Bailada pastoril.
Patela, Patinha.
Pêa, Embaraço.
Peage, Pionagem, tributo.
Pediçom, Petição.
Pedido, Peditório.
Petegrim, Peregrino.
Pendon sem Caldeira, Hoste não
sustentada.
Peon, Pedestre.
Per, Pôr.
Perdoador, Que perdoa.
Percalcar, SofTrer perdas.
Pêro, Porém.
Pez, (v. de Pesar) Pese.
Pescoz, Pescado.
Pindecoste, Pentecoste.
Plazer, Prazer.
Poer, Pôr.
Pobra, Póvoa; logarejo.
Poio, Píncaro.
Pon, (y. de Pôr) Põe.
Polo, Pelo.
Palmeira, Abcesso.
Pontos, Notas do canto.
Poylo, Pois o.
Posponto, Pesponto.
Porra, (v. de Poder) Poderá.
Porto, Passagem.
Pos, Apoz.
Posadeiro, Pousada.
Postura, Lei.
Pram, De prompto.
Prasmado, Censurado.
Prés, Perto.
Preçar, Prezar.
Preito, Accordo, accedencia.
Prender, Tomar.
Prestador, Prestadio.
Prestumeiro, Ultimo.
Prix, (de Prender) Tomou.
Preyteiador, Pleiteador.
Prez, Preço, presença.
Profaçador, Satyrico.
Profaçar, Satyrisar.
Prol, Pró.
Probe, Pobre.
Proeza, Valentia.
Proreza, Pobreza.
Puge, (v. de Pôr) Puz.
Punhar, Pugnar.
Quegenda, Tal qual.
Quartadas, Golpes de espada.
Quebranto, Feitiço, agouro.
Querelhas, Queixas.
Querria, (v. de Querer) Quereria.
Quitações, Pagamentos.
Quiçá, Talvez.
Quitar, Resgatar.
Rabiosa, Que tem rabo.
Raffece, Renegado.
Rancuras, Aggravos.
Recadar, Arrecadar.
Recaudo, Acautelado.
Rechantado, Replantado*
Reer, Cortar, podar.
Rem, Cousa.
Remanyr, Permanecer.
Rengelhoso, Que range.
Repostar, Responder.
Reposte, Reposteiro.
Ric f omem, Cavalleiro.
Riir, Rir.
Roída, Vigia.
Rostro, Rosto, cara.
Sabha, (v. de Saber) Saiba.
Sabença, Sapiência.
Sabor, Prazer, graça.
Sal, Salirá, Satrrá (v. de Sair)
Sáe, sairá.
Salva, Defeza.
Salvidade, Salvação.
Sandecer, Ensandecer.
Sandia, Douda.
Sanhoane, Sam João.
Sanhar, Assanhar.
Sanhudo, Assanhado.
Saquiteiro, Moço do pão.
Sorgo, Pano.
Sazon, Ensejo, occasião.
Scaleyra, Escada.
Scancão, Moço da copa.
Schoíar, Estudante.
Selegon, Sela grande.
Seestro, Esquerdo, sinistro.
Sen, Sentido, cuidado.
Segler, Segrel, Cantor de cavallo.
Senço (v. de Sentir) Sinto.
Sejo, Sedia e Siiam (v. de Sedar)
Estou, estava assentado.
Sedes, Sódes, Stmos, Seiades,
Seve (v. de Ser.)
Senhor, Senhora.
Senhos, Taes.
Servir, Galantear.
Sinus Saymao, Signo de Salomão.
Si, Se.
Sin, Sem.
Sirventes, Cantos satyricos.
Sinllieira, Cuidadosa.
Siquazes, Sequazes.
Sirgada, Atada com sirgo.
Sol, Soyo (v. de Soer) Costuma,
costumo.
Sô, Sob.
Sofírenca, SoíTri mento.
Sofralàar, Levantar a fralda.
Sojomar, Permanecer.
Soterrado, Enterrado.
Soydade, Saudade.
Spartido, Partido ao meio.
236
GLOSSÁRIO ARCHAICO DO CANCIONEIRO
Spital, Hospital.
Strolomya, Astronomia.
Tafmlaria, Vicio do jogo.
Talam, Talante, Vontade.
Talsyga, Sacola.
Tathadores, Cobradores de im-
postos ou talhas.
Talho, Estatura.
Tardada, Demora.
Tam tnuyto, Muitíssimo.
Tavolado, Jogo das Tavoias.
Temperar, Afinar.
Tene, Terra, (v. de Ter) Tem,
terá.
Terminhar, Terminar.
TolheUo, Aleijado.
Tolher, Tirar.
Torçon, troço, copa.
Tomar, Responder.
Torpidade, Torpesa.
Torto, Mal, damno.
Toste, Logo, immediatamente.
Touco, Projéctil do jogo.
Tratado, Traslado.
Trameler, Entremetter.
Trapaz, Trapaceiro.
Trasnoytar, Perder a noite.
Traspemas, Traves da casa.
Tray (v. de Trazer) Traz.
Trautar, Em pre frender.
Trebelhar, Folgar.
Tredo, Traidor.
Treitor, Traidor.
Treyde (v. de Trazer^ Trazey.
Tristem, Tristura, Tristeza.
Trobar, Compor versos.
Tropeyros, Os que andam em
bandos.
Trosq*iado, Tosquiado.
Trutnentar, Atormentar.
Tunador, Que anda á tuna.
U, Onde.
Unha, Uma.
Ungrosr, Certos panos.
Uso de Monpilher, Vestes doulo-
raes.
Vaudes, (v, de (r) Vades.
Vaaanáo, Vadio.
Vaídi, Certo pano.
Valiria (v. de Valer) Valeria.
Vassallo, Subordinado.
Veer, Ver.
Veiro, Alvo, alveiro.
V elido, Bello.
Vervejar, Dizer anextns.
Vervo, Rifão, anexim; provérbio*
Viaraz, Certo milhafre.
Viçoso, Saudável.
Viido, (v. de Vir) Vindo.
Vilado, Envilecido.
VUeco, Velhaco.
Viltança, Vilta, affronta.
Vinco, Viço.
Vir ao Mayo, Entrar em campa-
nha.
Vogado, Advogado.
Vus, Vos.
Xa, A.
Xe (expletiva.)
Xi, Se.
Y, Ali, aí.
Zevron, Selim de pelle de boi.
rr í> o
N.