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Full text of "Caramurú: Poema epico de descobrimento da Bahia"

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CARAMÍIRÚ. 

DO 

DESCOBRIMENTO 



DA 



BAHIA, 

f • ÇOMÇOSTp- ... 

POR 

Pir/JÒsè ©E SANfW RITA DUliAO , 

Da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, 
natural da Cata-Preta nas Minas Geraw. 



«:i 



BAHIA. 

KteiMP. na Typograpiiía nis Serva k Coma 
Rw ào Bispo , Casa n. ® 29* 

1837. 



"« "N 






Et qucmiam DènS ora ttioret , sequar ora 

ttioventei», 
Rite Deuni. " 




&iryffisviBR03& 



Ainda que o Slnr. IgriaCio Accioti dò 
Cerqueira e Silva nos quisesse dar a có- 
nhecer , da maneira mais satisfáctoria , 4 
descripção desta Provirtcia, nârf suas Me- 
morias históricas ê Politicas , obra estt 
que por ora chega ao terceiro volume , 
conátando que progredirá até o 10°, toda* 
Via a bellesa dò premente Poema Épico t 
e sua raridade , devida á falta de reim- 
pressões desde a primeira edição , nos im* 
pelle agora ajdarmol-a ao Publico illus- 
trado, que prezei o mérito de uma tal obra» 
Despertou- me esta tentativa o mesmo Sr. 
Accioli , e a elle soutos devedor da pres- 
tação do exemplar que ora reimprimimos, 
linico que podemos obter dentre os parti- 
culares, com quanto exista outro na Bi- 
blioteca publica , que para igual fim tam- 
bém não duvidou prestal-o o digno Biblio- 
tecário actual , o Sr. Dr. Joaquim Rof- 
drtgues Baptista Villas Boas. Ningtiem 
deixará de sentir a mais doce emoção ao 
^er naquellas Memorias históricas traí)s- 
criptas algumas bellissimas estancias de 

A3 



^aljPoeuia » e a curiosidade publica, fn^ 
s:\Lit\a pov essa leitura , ^ecv-se. pressa^ 
jiossmr $1 famosa produção do' iílustrado 
jfcf fr^çira* <tuq entre os deveres de Religio- 
so, quia honrar a Pátria com uma obra, on- 
dç rehiz a sublimidade da metrificarão copa 
ii; veracidade histórica : todavia náo era 
possivçl satisfazer a tât> louvável dezejo, 
^Iq motivo ja eunonciado , e de dqvev sç 
.tornava f pão sermos indiferente em sems- 
Jhaijte circunstancias á preencher a evi» 
rio^idhde de nossos conterrâneos. J^re* 
te^diartnoe akerar as notas do Poema r ff*- 
jgendo»lhes a» addigões r qup da certo rp- 
cl$una* ma?,, achamos -que semelhante. la~ 
jÇMtOa ja wtá de sobejo suprida peio illus r 
4çf<V>. aut^or das referida? ^lerçiorias hàsr 
Jtoricas , no 1, el volumes publicadas y 
.çspuraíidose : qom impaciência; pelos oi> 
M;of. ; S© este,, nosso- trabalha tiver o aco^ 
Jhimeotq q^io aguardamos r darnos-M isto 
c ijp poiso , a continuar, em iguaes reiu>pre&r 
ja<ies de outras obras, não menos apwxia- 
«jreis pyja sua importância, e raridade. ; 



PREVIAS, ' 



ARGUMENTO. 

Os successos do Brasil tilo meractito 
menos um Poema , que os da índia. lnci~ 
tou-me a escrever este o amor da Pátria. 
Sei que a minha Profissão exigiria dê mim 
outros estudos ; mas estes não são indig- 
nos de Qtn Religioso , porque o naô fora 3 
ée Bispos , e Bispos Santos ; e o qnc maia 
he , de Santos Patlrci , como 8. Gregório 
IVazianzeno, Saõ- Paulino, 'e outros, maifví^ 
mente , sendo este Poema ordenado a p&V 
diante dos olhos aos Libertinos o que a na- 
turesa inspirou a homens , que viviaõ táq 
remotos das que clles cham&o preocupa- 
ções de espíritos débeis. Opportut/amefltè 
o insinuamos em algumas Nota»: usntotòS 
«em escrúpulo de nomes tio barh&fGS*: ftá 
Alemães, Inglezes, e símilhahtes n£o pa- 
recem menos duros aos nossos ouvidos^ *é 
os nossos aos seos. Naô faeo mais apoios 
giasda Obra , porque espero as reprelayfr*' 
fiêes , para se for possível; emendar os tio- 



feitos, que me envergonho menos de com-* 
metter , que de desculpar. 

A apçâo do Poem# he o descobrimento 
da Bahia , feito quasi no meio do Século 
XVI. , por Diogo Alvares Correia, nobre 
Vianez, comprehendendo em vários episó- 
dios a Historia do Brasil , qs Ritos , Tra- 
dições, Milícias dos seos Indígenas , co- 
mo também a Natural, e Politica das Co* 
lonias. 

Diogo Alvares passava ao novo des-, 
cubrimentp da Capitania de S. Vicente % 
quando naufragou nos baixos de Boipeba* 
y isinhos á Bahia. Salvaraõ-se çpm elle seis 
dçs seos companheiros , e foraõ devorados 
pçlqs Gentios Antropófagos , ç elle espe- 
rado por vir enfermo , para melhor nutridQ 
çervir-lhes de mais gostoso pasto. Enca- 
lhada a Náo , deijtáraõ-no tirar delia pol^ 
vora, bala, armas, e outras espécies, de* 
qu$ igporavaõ o uso. Çom uma espingar- 
do, í^tpu elle caçando certa ave , de que 
espantados os Bárbaros o acclamárâo Fi- 
lho do trovão, e Çaramurú, isto he, Dra-r 
gão do mar. Combatendo com os Gentios, 
«do Sertaõ , vepee-os , e fçz-se dar obedi« 
euçia dgqueljas JSIações bambaras. Offeçe-^ 



«erao-lhe o* Pnneipftes do Brasil ao sou. 
£Hhaa por mulheres; mas de todas escolheq 
Paraguagu , que depois conduzio çomsigo 
4 Franga ; occasi^p , em que outras sino* 
Brasilianas seguirão a Náo Franceza * 
óado, <por acompanhaMo , até que uma^ei 
nffçgou ; e intimidadas asaras, se reli- 
táraô» 

Salvou «m navio de Hespanhees , quer 
naufragarão , com o que mereceo , que lhoi 
agradecesse e Imperador Carlos V. coo» 
lima honrosa carta Passou â França eu* 
Jí áo y que afli abordou daquele Reino , <s 
Jqí envido «com adiai ração de Henrique II,, 
«jue o convidava «pára em.see oornç fazer 
3qnefla Conquista* Repugnou elle^ dando 
avise ao Snr. D. Joaõ III» por meio de 
Fedro Fernandes Sardinha, primeiro Bis-* 
pe da Bahia. Commetteo o Moaarcha a 
empresa a Francisco Pereira Coutinho* 
fazeodo-e Donatário daquella Capitania. 
Mas este nâo podendo «mangar os Tupi*, 
natnbás * que fiafeitavão o Recôncavo , re« 
tiren-se á Capitania dos Ilhéotf ; e pacifiv 
cado depois com os Tupiaarabás * tomava 
á Bahia , quando atli infauatantatote pere-' 
em m naufrágio. JSm tanto £)k>&SL 






Al varèâ ássistTo^èrrt Parte no BaptàâtncT ífé 
Paraguagú sutf^jxwâ,* íioroeadb rielle Cal 
fliarína, pôr Cathartha de MWitís , Rai> 
£ha 'Ghristianlsáimd , qítè Jhé foi Madri- 
nhà , ' e tornou tom olfá pata : ' a Bahia , N 
fcnde foi reconhecida dós TupSnãmbás, co* 
ifio hèi^ eito ido sreo Prinéipal, eDiògare- 
cebido com o antigo respeito. TeveCíK 
tharinn Alva fés uma visaõ famosa, em <fue 
& Virgem Santíssima* rft a infestando- se-Wie- 
cheia de gloria , lhe di$se, qtie fizesse reâ* 
títôir uma Imagem sttá roubada por mti 
Salvagém. Achou-so esta nas mâostle uni 
Bárbaro ; o Catarina Alvares com excla^ 
mações de jobito sa lançou a abraçalla y 
damâfcdo ser aquella- a Imagem mesm&y 
qíie lhe apparecera : fai^collocâda^coit**^ 
titulo de Virgem Santíssima da Graça erií 
uma Igreja , que he hoje Mosteiro de S/i 
Bento , célebre por estátradi^âô. Ghegoií 
em tanto díô' Portugal n Ttoomé áe SouWt 
eom algmnas Náos v famiHas/ e tropas pa-* 
ra povoar *' Bahia/ Sebastião f)a Rochdl 
Pittn, Auther da Historia: Brasílica, ena*J 
turat dá mesma Cxdáde.úmevetaqae Ca-> 
tttâf h»â Alvares renu?tóHárfo«t# Senhor^D/^ 
jQ>ovílI^:os^}ii?eito^ >qW£i^s$bte«tif> 



^ 




Tupinambás , como herdeira dos seo9 
maiores Principaes : elle mesmo attesta , 
que aquelle Monarcha mandara aos seos 
Governadores, que honrassem, c attendes- 
sem Diogo Alvares Corrêa Caramurú pe- 
los referidos serviços , e foi com eíTeito el- 
le o tronco da Nobilíssima Casa da Torre 
na Bahia ; e Catharina Alvares sua mu- 
lher foi honrada por aquella Metrópole 
com ura seo Retrato sobre a porta da casa 
da pólvora ao lado das Armas Reaes. 
Lea-se Vasconcellos na Historia do Bra- 
sil , Francisco de Brito Freire , e Sebas- 
tião da Rocha Pitta.. 



11 



OARAMURU. 
POEMA ÉPICO* 

CANTO I. 



h 

De ura Vai^iô em mil ca60S agitada, 
Que as praias discorreudo do Occidente > 
DescubriQ o Recôncavo affamado 
Da Capital Brasil ica potente : 

Do Filho do Trovão denominado, 
Que o peito do mar soube á fera gente i 
O valor cantarei na adversa sorte, 
País só conheço Heróe quem nella.he forte* 

Santo Esplendor , que do grão Padre mana$ 
Ao seio intacto de uma Virgem bella ; 
Se da enchente de luzes Soberanas 
Tudo dispensas pela Mâi Douzella; 

Rompendo as sombras de illusôes humanas. 
Tudo do gf âo caso a pura luz revela ; . 
Faze que em ti comece , e em ti conclua 
Esta grande Obya ^ flue pqr fim foi tua» 



tS CARAMURU. 

* III. 

E vós , Príncipe excelso , do Ceq dado 
Pára base iramoítaL do Luso r J*hrojio ; 
Vós , flue do áureo Brasil no Principado 
Da Real siíocessaõ soi* alto abono: 

Em quanto o Império tendes descançado 
Sobre o seio da paz com doce sonno , 
Não queiraes itedignar-vos no meo metro 
De pôr os olhos , e admittillo ao scetro. 

Nelle vereis Naçõea descohfíteçidate , 
Que «m meio dos Sertões a Fé. nau doma ; * 
£ que poderio ser- vos convertidas 
Maior Império, q' houve em Grefcia, ota Rohia : 

Gentes vereis, e Terras escondidas , ' 
Ond6 se um raio 4a verdade affoma , 
Amando-as , tfereis ha turbaimmensft 
O atro lieiuo maior que a Eutopa extensa;* * * 

V. 

t ©etora-se a infeliz misera Gente T 4 
E selnpre reduzida a menos terra, 
Virá toda a extinguir-se infelizmente; 
Sendo eta campo menor maior a guerra. ; 
<' Olhai, vSenhor, com reflexão clemente 
Para tantos Mortaes, que a brenha encerra • 
£ jque , librando desse abysrrio fnndo , * 
Virçiea sai* Manârc]ia4e outro- Mundo.; * 



PÕEM* BPICÍX C*NTO í. If 

YI. 

Príncipe do Brasil ., fuluro dono-, , tX 
A IVJUi da Pátria , que ^d ministra o mando, ■ 
Popde , excçlço. Senhor , ao$ pés do Ttatonq * 
As desgraças do Povo nu*erancÍQ : '• t • 
r Para tanta esperança he * justo abono » 
"Vosso titulo ,. e nocno y , qfié invocando , .., 5 
Chamará, como a outvo. o Egypçio Poyo ; , ; fc 
D. José Salvador de ^ra.jíÍHndo.nQVQ.. ',,.* 

. Nem poderei* trpipety^qtaeao santo intento 
Nâo se nutrao Ileróes no Luso povo , • *> 
Que o antigo Portugal vqs , aprpseptp : 
No , £rps}l renascido ,00100. çm novo. < . t 

Vereis. do dorçador .4? iàdico. ae^çnto.. 
Nas gttçrr^s^o.B^^sU alto renavç, ... { 
^Eque os seguem nas beUicas idéas. 
y>s Vieiças,. Barreto^ e 03. Cprreias» , 



^ > 



V|IL 

t Dai por., tnntof.^nbpr, pptente Jmpufto ^ 

Xom que pç$sa ; entear . sonoro o .metro y • 

Da Braçilica gçnte.o.iqvicto píilso , . ? 

Que augrí)£fyta tanto Jmperjp ao vpssqS.ôetrc9 

E $m ; qq!|pto o Çqvo,c}ò H*asil (^nvijfefcO) 

Em nova ; lyjça canto ,,epn povo .plefrQácvr.C 

Fqzei^gué fidelíssimo, sç vçja . , {) ^ v ^A. 

, 9 . WP». Tftçpa? çm pro£agar-*e a lé$gd& 



V 



14 CÀKÀMUMJ, 

IX. 

Da nova Lusitânia o vasto espaço 
Hia a povoar Diogo , a qúera bisonho 
Chama o Brasil , temendo o forte braço » 
Horrível filho do trovão medonho *. 
: Quando do abysmo por cortár-lhe o 
Essa Fúria sahio y ' como Bupponho , 
A.qiiem do Inferno o Paganismo aluno, 
Dando 1 Império das aguas , fez Neptuno* 

*' • X. 

< O grão Tridente, oom que o mar commove # 
Cravou dos Orgàcís da montanha horrenda, (2) 
£ na esoura caverna , adonde Jove 
( Outro espirito ) espalha a luz tremenda ; 
Relâmpagos mil faz , coriscos chove ,' 
Bate-se o vento em 1 hórrida contenda : 
Arde o Ceo , zune o ar, treme a montanha, 
£ ergue-lhe o mar etti frente outra montanha. 

XI. 

t Filho do trovão Yqúe em baixel hia v 

For pasmadas tormentas ruinoso y 

Vê que do grosso mar na travessia* : 

Se* sorve o lenho pelo\p*go undoso; 

. Bem que constante , a morte nád temia , 

Invooa no perigo o Ceo piedoso ; 

Ao ver que a furià horrível da procéHa 

Botopéa aúo> quebra o leme, e arranca a véku 



POEMA i&ICO. CANTO !. ti 

XIT. 

Langa-te a* fundo o ignfonno instrumento, 
Todo o peso se alija ; o passageiro , 
Para nadar no túmido Elemento , 
A taboa abraça , que encontrou primeiro : 

Quem se arroja no mar tremendo o vento; 
Qual ae í a a um bate) ; quem a um madeiro, 
Até que sobre a penha , que a embaraça , 
A quilha bate , a a n&o se despedaga. 

MIL 

Selt somente do batel perdido 
Tem á praia cruel , lactando a nado ; 
Oflerece-lhe um soccorro fementido 
Barbara rouhidâo , que acode ao brado : 

£ ao ver na praia o Bemfeitor fingido, 
Rende-lhe afi má os o naufrago enganadei : 
TristeB ! que ver algum , qual fim o espera 
Com quanta sede a morte n*o bebera i 

XIV. 

?a estava em terra o infausto naufragm**; 
Rodeado da turba Americana ; 
Vem-se coro pasmo ao pôrem-se diante y 
E titó aos outros naõ crem da espécie humana* 

Qe -cabellos , a cor , barba , e semblante 
Faziaõ crer aqnella Gente infana, 
Que alguma espécie de animal seria 
Desses^ que no seo e$fc> o mar % trasia* 



ff iálgura -chèçmrdõ - soa ^i^^ , xjue n.at êâ 
O mar ( araya extinetqs:, ftotft q vulto $- ; - ! * 
Ora o tenta de»DÍr., # ora- peeea 
flà» seja astúcia , octm .que a aiçglte «çcultp, 
j.~ Outros* da Jacaré . tomando a idear -<3) 
iPfemèoi qua aeprde^ccró flçtotentOii&suJtp ; ".♦ 
Ou que o somao jiagidQ' qs açrebate^ - 
J2 entoe as prezas cruéis uo, f uadfr a>s rnjttov 

uri; 

Mas vendo à Sancho* úmbanfrogorq 1 o$pfra, 
Rota; ar cabeça n?uma penbft agtuk* , á -. * 
Que hia treroulo* a- enjuer*se , e ntffe cu>itóa , 
Qiteoont voz lastimosa impláffí ftfud%*' . ..; 
- 13* Venda os olho* , queelle 9flt bjwicKfcvita ; 
C&dfrverioa.a face, a booa j»u*la*/ 7 

Peifr experiência » da commua sorte ; 
licc^nheoem : também qys aquill^^ríieyopte../ 

XVH. 

^Jfcrrcm, depois de Oneltei^o pwto bprceptio; 
TE retalhando o .eorpo em mil » pedagps , + 
Vai cada um famélico, trapendtfn s ■ 
Ansl uni pé, qual a avÃQ v qufil oqtroos bp^p^ 

dOutoas da <h*i*$ caniç hiaô, ^omeudg.j 
Tanto na infame gula earaõ dftvWps * 
Tae* ha,* que aà.as$4£ ^s ar^tepaf^esp* * 
Alguute torraftdfc e#tâ*> <Mk£)tt|n« $> óMMbu 



POEMA ÉPICO. CANTO I. M 

XVIII. 

Que horror da Humanidade ! ver tragada 
Da própria espécie a carne ja corrupta ! 
Quanto naõ deve a Europa abençoada 
Á Fé do Redemptor , que humilde escuta í 

Naõ era aquella infâmia praticada 
Só dessa gente miseranda , e bruta ; 
Roma , e Cathargo o sabe no nocturno 
Horrível sacrifício de Saturno. (4) 

XIX, 

Os sete em tanto , que do mar com vida 
Chegarão a tocar na infame arêa , 
Pasmaõ de ver na turba recrescida 
Á brutal catadura , hbrrida , e fèa : 

A cor vermelha em si , mostraô tingida 
Ce outra cor differente , que os affêa : 
Pedras , e páos de embiras enfiados , (5) 
t ftue na face , e nariz trazem furados. 

XX. 

Na boca em carne humana ensanguentada 
Anda o beiço inferior todo cabido ; 
Porque a tem toda em roda esburacada, 
E o lábio de vis pedras embutido : 

Os dentes ( que he bellesa que lhe agrada) 
Um sobre outro desponta recrescido : 
Nem se lhe vê nascer ná barba o pello , 
Chata a cara > e nariz r ri J° ° oabello. 



Hé CARAMURU 

XXI. 

» Vê-se no sexo recatado o pejo , 
Sem mais que a antiga gala que Eva ysava # 
Quando por pena de um voraz desejo N 

Da fèá a desnudez se envergonhava : 

Vão sem pudor com bárbaro despejo 
Os homens , como Adaõ sem culpa andava ; 
Mas vê-se , alma Natura , o que lhe ordenas ; 
Forque no Sacrifício usaõ de penas. 

xxn. 

Quãi Hás bella-s Araras traz vistosas 
Louras /brancas, purpúreas, verdes pliírnas: 
Outros põem , como túnicas lustrosas , 
Ura verniz- de "blasfemicas escumas*/ 
-Tf em temem neHe as chuvas proceHosas , 
Nem "Q frio rigor de ásperas brumas ; 
Nem se receâo do mordaz bisouro, 
Qual* Anta, ou* qual Tatu dentro em seocouM» 

XXIII. 

T*or armas , frechas , arcos , pédrte , Ws tas; 
A espada do páo ferro , e por escuda 
As"rertes de algodão nada molestas , 
Onde a ponta se «mbace ao dardo agrido : 

Por capacete nas guerreiras testas 
Cintos Yie pennas com galhardo estudo? 
Mas o vulgo no bélico ameaço 
N»c t: mais iq'-unha ou dète, oupuahomtbra^o^ 



POEMA ÉPICO. CANTO I. |ft 

XXIV» 

Desta arte armada a multidip eopfuss 
Investe o naufragante enfraquecido , 
Oue ao ver-6e despojar , nada recusa ; 
rorque ,se enrugue o maclidp vestido : 

Tanto mais pelo mimo, que se lheuza, 
Quando .a barbara gçnte o ve rendido : 
Trouxeraõ-Jhe a batata, o coco, o inhame; (7) 
Mas o.qup «rempied^dé 1^ gulainfame* 

XXV. 

Çevavão desta forma o* 4e^ditoso# 
Das fadigas marítimas . desfeitos ; 
Por .pingues ter os pastos horrorosos, 
Sendo nas carnes míseras refeitos : 
f Feras]! mas feras não; que mais monstruosos 
S90 . da nossa . alma os : bárbaros efeitos ; 
£ em corrupta razão mais furor cabe * 
Que . taato um tyuto iuiagipar não cabe, 

-Nio mui lance do mar na percha dyra 
A boca está. de um antro . mal aberta , 
Que horrível dentr.o pela, sombra escara f ' 
Toda he • fira . de ramçp encoberta : 

AUi com guarda , á vista se clausura 
A infeliz companhia, estando flerta, 
JE.por cevaUos mais, 4ão-lhe o reireio 
Deiir .pel& . proíbam, plagido w pásseão*. 

jB 3 



feO • CARAMUBtf 

Diogo* então , que á gehfe miseranda^ 
Por ser "de nobre sangue precedia , T 

Vendo*' que nada/ entende á turba infanda, 
Nem : do ;'• fertfeò •imMKjuete usar "sabia ; 
* /Dá -rota -náe,, que se descobre a banda r 
Pólvora , e balaf em- eópie acolhia ; 
flÊ. eómõ* enfermo ,• que no panso tarda , 
Servisse -por -bastão de tuna espingarda, - 

Porte? áimV irtatsr cte tempera deliõada,' 
Aguda febre trte' desde a tormenta ; 
Pállidô"ò* rosto, è a cor toda mudada; 
A carne «obre os ossos macilenta: 
t* 4Gfos" ÍQi-lhe aquèlla doença afortunada» 
Porque a gente cruel ^aardaHo inteaia, 
Até qué sendo a sí restituída r 
Como os mais vão comer , seja comido* ' 

XXIX. 

^Barbaria foi (sé crê) da antiga idade 
A própria prole devorar nascida ; 
Desde que essa' cruel voracidade 
Fora aó velho Saturno attribuida t 

Fingi mento* por fim, mas he em verdade 
Invenção do diabólico homicida , 
Qué- uns cá se matâo , e outros lá se comem* : 
Tanto aborrece aquella foria afi hoipenu * 



POEMA ÉPICO. CANTO I. •* 

XXX. 

Mas ja trez vezes tinha a Lua encbtdo * 
Do vasto globo o -luminoso aspecto , 
«Quando o Chefe dos bárbaros temido 
Fulmina contra os seis o atroz decreto : 

•Ordena que no altar seja ofPrecido 
O brutal sacrifício em sangue infecto , (8) 
Sendo a cabeça ás victimas quebrada, 
13 a gula infanda de os comer saciada* 

* 

XXXI. 

Ena tanto que se ordenar a brutal festa j 
Nada sabiaõ na marinha gruta 
Os habitantes da prisaõ funesta ; 
Que ardilosa lho esconde a gente bruta : 

E em quanto a feral pompa ja se apresta, 
Toda a pena em favor se lhe cooimuta ; 
Nem parecem ter dado a menor ordeni? 
Senaõ que comâo , e comendo engordem, 

íxxif. 

Mimosas carnes mandaô* doces frutas 
O araçás , o caju, coco > emangaba;. -/?• 
Do bom maracujá -lhe enchem as grutas , 
Sobre rimas, e rimas de. Guaiabà:. 

Vasilhas põem ãe vinho iaunca enxutas ^ 
£ a immunda catirri poeira, que da baba (Qj - 
Fazer costuma ■ a barbara patrulha l*' /- 
*Que gó de ouvlllo ,0 estômago se embrulha* 



U CÀttAMÚRU 

xxxiii. 

Um dia pois qué á sombra dêzejada 
Se, repousaõ , passando ti calma ardente * * 
Por dar allivio á dor reconcentrada , 
De ver-se escravos de tão fera gente ; 

Fernando, um delles, diz, q' aos mais agrada 
Por cantigas , que entoa docemente , 
Que em cithara , que o mar na terra lança , 
Se divirtáò dá fúnebre lembrança. 

xxxif. 

c Mancebo erá Fernando mui polido ^ 
Douto em letras , è em prendas celebrado 9 
Que nas Ilhas dó Atlântico nascido , 
Tinha muito co'as Musas conversado: 
• Tinha èlle os ramos do sBrasil $egtíido , 
Por ver o monumento celebrado 
De uma Estatua fáiriosa , què n'um pico (10) 
Aponta do Brasil ào Paiz rico. 

*xxv. 

fedíra-lhè Luiz, que isto escutara, 
Da profética Estatua ò conto inteiro, 
Se ibi verdade, Se invenção foi clara 
Decente rúdó i òtt povo noveleiro:- 
1 Fernando entaõ , que em metro ja cantar^ 
O successo, que attesta . verdadeiro , 
Toma nas mios ô cithara stlave , 
E entoando-, Gom&çá ém èanto £rave« 



POEMA ÉPICO. CANTO I. 23 

XXXVL 

©oculto o tempo foi , incerta a éra , 
"Em que o graõ caso contão succedido; 
Mas em parte he sem duvida sincera 
A bella Historia , que a escutar convido ; 

Feliz foi o ditoso , e feliz era , 
Quem tanto foi do Ceo favorecido, 
f ois em meio ao corrupto Gentiiismo 
Merecer soube a Deos o seo Baptismo. 

XXXVII. 

Incerto pelas brenhas caminhava 
XJin Varaô santo , que perdera a via , 
Quando pelos, cabellos o elevava 
O Anjo , adonde o Sol ja se escondia ; 

E um salvagê lhe mostra, q' se achava,(il) 
Quasi luetando em ultima agonia : 
Ouve (lhe diz) o justo agonizante , 
£ uma estrada de luz tomou brilhaate. 

XXXVIII. 

Àaréo (q, aasira se chama o Sacro Enviado) 
Encostando-se ao Velho titubaute y 
Por ignorar-lhe o idioma não fallado , 
No seo diz ,. de que o enfermo era ignorante;, 

E ouve-se responder ( caso admirado [) 
jN\ima linjua de todo extravagante , 
Que aerçdo em tudo extraordinária > e bruta f 
Faz-se atender , e entendç-o no gue cpcuía^ 



£4 CARAMURU 

XXXIX. 

• Do grande Creador por mensageiro 
A benção (diz) te offereço , homem ditoso; ; 
Neste Mundo ignorado em o primeiro , 
Qaer que o seo l Nome escutes glorioso : 

Do Eterno Pai , de um Filho verdadeiro, 
Do Espirito também , laço amoroso , 
Quer que o Mystèrio saibas da Verdade : 
Sâo três Pessoas n'uma só Unidade. 

XL.^ 

Um só Sennor, que todo o sér governa , 
Que só com dizer seja o faz de nada ; 
Que á Naturesa desde a idade eterna, 
Certa época fixou de ser sercada : 

Que abrindo liberal a mao paterna, 
Toda a cousa abençoa , que he animada : 
Que sua imagem nos fez; e sem segundo , 
Quer q' o homem reine sobre o vasto Mundo. 

XLL 

Que havendo em mil delicias collocáda 
Nossos primeiros Pais n'um Paraiso , . 
Por homenagem desse Império dado ; 
Privou de um* pomo em severo aviso: 

Que vendo o seo respeito profanado , 
E igual satisfação sendo preciso , 
No duro lenho a poz , no férreo era^o 3 
E deo o Filho por salvar o escravo* 



POEMA ÉPICO CANTO I. »; 

XLH. 

Este do seio pois de Virgem puta» ' * 
Invocada no nome de Maria , 
Bedemptor , Mestre , e Luz da Creatura , 
IVasceo , pregou , morreo na Cruz impía : .<. 

Rompeo do abysmo a.immovel fechadura ; 
Depois rcsurge no terceiro dia ; ; 

E ao Ceo subindo em fim, donde commanda» 
Aos fins da Terra os mensageiros manda. 

XLIII. 

Um destes venha a ti : lavar-te intento 
Sc queres aceitar meo Catecismo; 
E servindo de porta o Sacramento , 
Incorporar-te ao santo Çhristianismo. 

Purga o teo coração , teo pensamento > 
Por chegar puro ás. aguas do Baptismo, 
Onde se entras com dor do mal primeiro , 
De Jesus Christo morrerás coherdeiro. 

XLIV. 

Aos primeiros accentos, que escutara, 
Guaçú (q' este he seo nome) a frente empena; 
Attenta ao que ouve a orelha , e fixa a cara r 
Senaõ que co'a cabeça a tudo acena : 

Dos olhos mal se serve , que cegara , 
Bem que a vista pareça ter serena ; 
As mãos de quando em quando estende, e.toça* 
£ pende attento da. Sagrada boca. 



ÍS CARAMURtf 

XLV. 

Bom Ministro (responde) do Piedoso . 
Excelsa grão Tupá, que o Ceo modera , (12) • 
Naõ me vens novo , naõ : que tive o goeo 
De ouvir-te em sonho ja ; quem ver pudera í 

Se a imagem tens , que o sono fabuloso 
Ha muito , que de ti na mente gera í 
Serás , disse , (na barba o Vai tocando) 
Homem com barbas , branco r e venerando» 

XLVI. 

Louvores a Tupá, que em fim chegaste ;. 
Que o caminho me ensinas , donde elejo 
Buscar logo o Grão Deos, q' m'annuneiaste 9 
Que desde a infância com ardor desejo : 

Nunca soube , assim he , quanto contaste ; 
Mas naõ sei, como o que ouço, e quasi vejo 
Sentia , como em sombra mal formada ; 
Naõ que o cresce ainda assim, mas por toada* 

XLV1L 

Vendo desse Universo a mole immensa» 
Sem ser de ainda maior entendimento 

fabricada a naõ cri : que elle o dispensa , 
em , rege , e guarda , infere o pensamento ^ 
Que repugna á creatura estar suspensa y 
Sem ultimo fim ter notava attento : 
E este Ente , que me fez um Deos segundo* 
He o grão Tupá, íabricador do Mundo, 



POEMA ÉPICO. CANTO I. S? 

XLTm. 

Ti as chagas da própria Naturesa, 
A ignorância , a malícia , a variedade > 
£ bem reconheci , que esta torpesa 
Nascer naô pode da eternal bondade. 

Onde, sem o saber , cri , que era accesa 
Neste incêndio commum da humanidade 
Antiga chamma, donde o mal nos veio ; 
Crer que taes nos fez D cos., eu tal não creio* 

XLIX. 

Também vi q' o Graõ Deos, q' o Mudo cria) 
Deixar uunca quizera em tanto estrago 
A humana Naturesa ; e que a mão pia 
De taes misérias ao profundo lago 

Havia de estender ; como o faria ? 
Suspenso fiquei sempre incerto , e vago ; 
Mas nunca duvidei. que alguém se visse , 
Que de tantas misérias nos remisse. 

L. 

& como era n maior, que exprimentava * 
O ver que livremente o mal seguia ; 
Qttè a Suprema Bondade se aggravav.i , 
Dçndfe um homem de bem se aggravaria : • 

Vendo que a affronta,q' estaacçaô causava, 
Só se houvera outro Deos , se pagaria ; 
E impossível iriais de utà reconhecendo... < 
Daqui nàô passo, e cego me suspeailo* (13) 



SS x CARAMUftU 

LI. 

Agora sim , que entendo a grã verdade ,' 
Qu& um só Deos se fez homem sem defeito ; * 
E sendo três Pessoas na Unidade, 
Do Filho ao Pai podia haver respeito : 

A Pessoa segunda da ' Trindade , 
Novo homem , como nós, de terra feito , 
A paz do homem com Deos iundar procura ; 
Kedemptor pio da mortal creatura. 

LII. 

Este creio, este adoro, este confesso; 
£ esta santa mensagem venerando , 
Pôr meo Deos, e Senhor firme o conheço , 
A quem da Terra, e Ceo pertence o mando : 

Deste o Baptismo santo hoje te peço , 
Onde na porta Celestial entrando , 
Suba o espirito á gloria que deseja, 
E com estes meos olhos ainda o veja. 

LIII. 

< Dtase o ditoso Telho ; e acompanhando 
Com devoto suspiro a vos que exprime ,-. 
Bem mostra que no peito o. está tocando 
A occulta unçaõ do Espirito sublime : 

As mãos ao Cep levanta lagrimando ; 
£ tanto ardor na face se lhe imprime, 
Que acompanhar parece o humilde rogo 
Vai diluvio de agoa, e outro de fogo- 



POEMA ÉPICO. CANTO I. t% 

LIV. 

"Entaõ o bom Ministro : He justo , amigo* 
Que chores (lhe dizia) o teo peccado ; 
Por naõ amar a Deos ; ser-lhe inimigo > 
Se o blasfemaste ; de o naõ ter honrado ; 

De naõ servir teos Pais; de um ódio antigo) 
E se naõ foste honesto , ou tens roubado ; 
<Se em mulher , bens , ou fama em caso feio . 
Fizeste damao, ou cobiçaste o alheio. 

LV. 

Esta a Lei santa he , que em nós impressa 
Kinguem offende , que mereça escusa ; 
Onde no que faltaste a Deos confessa, • 
Que tanto deve quem pecando abusa: ^ 

Quer~se a satisfarão com a promessa 
De melhor vida, no que a. Lei te accusa : * 
Pois quem quer q' pecou , q' assim naõ f aga^ 
JRecebe o Sacramento f mas não 



LVL 

Eu, disse o. Americano , antes de tudo 
Amei do coração quem ser me dera : . 
Seo nome ignoro , mas honrai lo estudo ; 
£ com fé o adorei sempre sincera: 

Em certos dias recolhido,, e mudo 
Cuidava em venerar quem tudo impera, 
Matar naõ quiz, nem morto algum comia j 
Pois quQ * mim mo fizessem na» queria.' , 



\ 



ao caramuru : 

LVH. 

'Mulher tive , mas uma , persuadido 
Que com uma se pôde ; acção impura 
Metteo-me sempre horror ; tendo entendido 9 
;Que só no Matrimonio era segara : 
v Qualquer outro prazer fora prqhibido » 
Porque se em tanto abuso se conjura ; . 
Quem seguindo esse instincto do Demónio » 
Se pudera lembrar do Matrimonio ? 

LVItl. 

»' Nunca roubei , temendo ser roubado t 
Por conservar a fama , honrei a alheia : 
Naô mç lembra fie ter calumniado, 
Hem de outrem disse mal , que he cousa fe a 5 
E quem houvesse de outros murmurado , 
Qne outro tanto lhe façaõ certo cria ; 
«Nad tive inveja do qlie alguém constara > 
Por ver que quem a tem , «eo íiial castiga. 

-LIX. 

TSm fim , corri meos annos desde a infância 
Sem , offender (que eu saiba) esta Lei justa , 
Sem ter a cousa boa repugnância, 
Tudo mereê da mão de Dêos augusta* 

Noâ meos males somente a tolerância 
Mos fazia passar a menor custa : 
fusta a minha anciã foi , este o meo zelo > 
f$àber quem era Deos ; tratallo , e yèl~Q* 



POEMA ÉPICO. CANTO I. 3f 

XX. 

• 

Dizendo o Velho assim , tanto se ascende 9 * 
Como se n'alma se lhe ateara um fogo : 
Reclina a humilde fronte, e a voz suspendei 
£ cahiodo em delíquio neste aflbgo, 

Corre o Ministro , qtle ao suoeesso «tte&de» 
15 buscando agoa, que o baptize logo ; 
Apenas Feliz diz , eu te baptizo 9 
Partio feliz .rdtam voo ao Panisp. 

. Xuidava em sepultallo Áureo saudoso ; 
Porem de espessa névoa, que o ar condensa* 
Ouve om coro entoando harmonioso 
Louvor eterno â Magestade immensa : 

E na athmosfera alli do ar nebuloso^ 
Luz arraiando , que a allumia iutensa ; 
T|o Feliz , que na gloria , que o vestia > 
AGraga Baptismal lhe agradecia. 

LXII. 

Que te conceda Deos Ministro justo , ' 
(Diz-lhe a AUna venturosa) o premio eterna? 
Pois vens do antigo Mundo á tanto custo 
A libertarão do poder do Inferno. 

Dos Geos em tanto o Dominante augusio , 
Que tornes manda ao ninho teo Paterno j 
JE sobre a névoa em nuvem levantada 
-Vás navegando ; pela .aeria estrada 



68 CARAMURU 

LXIII. 

_ ■ 

r E quer na nuvem própria, que le indico + 

Que efese cadáver meo vá transportando, 

38 na Ilha do Corvo, de alto pico 

Ò vejâo n'uma ponta collocado ; 

\ Qndfe acene ao paiz do metal rico, 

Que xO' ambiciosa Êuropeo vendo indicado 9 

Dará lugar\ que ouvida nelle seja 

A doutrina do<Cee y e a voz . da Jgreja. 

» 

LXIT. 

Disse ; e cessando ' a voz , e a visaolbella , 
#Vio da nuvem Auréo', quê .o* rodeava, • " 
Transfownar-se a bellà Alma em clara estreUa» 
E vio^que a nuvem sobre o mar voava :. 

•O -cadáver* também sublime nella, 
Ao cume do graõ pico ja chegava; 
Onde* a névoa , que no alto- se sublima , 
Depõe cemo uma Estatua o corpo em sima* 

lxv; 

Allf batido do nevado vento,** 
35>é Sol , de gelo , e chuva penetrado , 
Effeito natural $ e naõ portento 
He vêllo , qual se vê , petrificado. 
• Um arco tem por bellico instrumento , (14) 
J>e pluma um vcinto sobre a frente ornado .* 
Out*©. onde era decente : em cor vermelho f 
Sem pello a barba tem j no. aspectp he velho* 



POEMA ÉPICO- CANTO L 45 

LXVI; 

Voltando estava ás partes do Occidentc , 
Donde o áureo Brasil mostrava o dedo , 
ilotno ensinando a Lusitana Gente , 
Que alli devia navegar bem cedo : 

Destino foi do Ceo Omnipotente , 
A fim que sem receio , ou torpe medo 
Á piedosa empresa o povo corra ; 
E que quem morrer nella, alegre morra- 

lxvil 

Calou então Fernando, mas náõ cala* 
Na cithara dourada outra harmonia , 
Onde parece a mão , que também falia , 
E que quanto a voz disse , repetia : 

. âahíra era tanto um bárbaro a escutalla * 
Que encantando da doce melodia, 
Toma nas mãos o Musico lusttumento , 
Toca-o sem ' arte , e salta de contento. 

Lxvin. 

Naô pode ver dos nossos o congresso 
Tanta rudesa sem tentar-se a riso; 
Que por mais q' um pezar se tenha impresso, 
Naõ dá lugar a prevenção ao siso: 
. E sendo inopinado algum successo, . 
Onde he nos homens quasi o rir preciso , ' 
Tal pessoa ha que chora apaixonada , 
E passa do gemido a uma risada. 

C 



t» . « 



U r CARAMURU 

, Diogo entâe que dentro em si media 
Da, cruel Qente a condição danmosa, 
Naõ soçega de norte, nem de dia, 
Antevendo a desgraça lastimosa : 

E vepdo rir os mais com alegria, 
Pelai&eçaõ do selvagem gffaoiosa, 
Estranhop-lbe o prazer mal concebido* 
Arrancando do pqtat este gemido. 

JLXX. 

Obh triste condição da humana vida ! 
Que tanto era breve do seo mal se esqueoe; 
Pois vendo a liberdade em fim perdida , 
Sentimos meno^ , quando a dor mais creee : 

k Vemos. desd'a agoa ás praias 
infeliz gente , que no. mar perece ; 
É que o brutal Gentio na mesm'hora, 
Ainda bem os não vê , logo, os devora. 

LXXI. 

Quem sabe , se o cuidado , que destina 
Pôr-nos assim mimosos de snstento , 
Nâo.he por ter da nós grata- chacina 
Nesse horrível barbarico alimento ? 

Tanta attenção que tem , mal se combina r 
Seçn mosírar-se o maligno pensamento ; 
Que quem oa próprios, mortos brutal come , 
Como he erivel qoe aos vivos giate a fonqe í 



POEMA, ÉPICO. CANTO I. 39 

txxir. 

Tempo fora, afligidos eempaafceiros » 
De levantar do* Ceos ao Rei Supremo 
Humilde voaes ,- votos verdadeiros , 
Como quem luota no perigo extremo : 

Mas vís , que agora rides prazenteiros , 
Oh quanto, amigas aieos > oh. quanto temo » 
Que essa gente eruol só noa namore > 
Por cevar maia a pvesa 9 que devore 1 

LMIUt 

Yolteroos antes com fervor piedoso 
Os tristes olhos ao eihereo espaço ; 
Esperando de Deos um fim ditoso , 
Onde a morte ae a vista a eada passo* 

Contricto o. peito , o ooraçaõ chorbso , 
Implore a protecção do excelso braço ; 
Que o coração me diz , que por desdita 
O cruel sacrifício ae medita. 

ucxnr, 

Sm qaanto a«wim diata o Heróe prodente , 
Commovklo qualques do temor justo > 
lyeranta humilde as mãos ao Ceo clemente * 
Vendo o futuro com presego susto : 

Ja, cuida a cruel morte ver presente ; 
Ja vê sobra a cabeça o golpe izyuato : 
Batem no peita;, *] íevanteada as palmas , 
JFmoti vicikaa a Dees d& ptopriaa atau?**» 

CS 



•St CAftAMURU 

LXXV. 

Ja numerosa turba Ss praias Vinha, i"** 
E o&. seis levão ao carro miserando , 
Onde a» plebe eruêfr formada tinha 
A pompa do espectáculo execrando ; 

K mat 9 gente bruta se coíi tinha 9 
Que em quanto as tristes fttâos lhe vão ligandev 
No hmaano «orpo pelo susto exsangne 
Não vaO viva ser venda a infelks sangue^ 

LXXVI. 

Qual se da Libya pelo campo estende 
O Mouro caçador um leão vasto > • 
Em longa nuvem devoral-o emprende 
O sagaz corvo sempre attento ao pasto : 

Negro parece o chão; negra* onde? pende* 
A planta ,em» que da sangue explora o rasto £ 
Até que avilta a presa , e em chusma voa , 
Nem deixa parte, que voraz não rôav . 

LXXVIL 

< Tal do Gabofclo foi a fúria infanda y 
E o fanatismo, que na mente o cega, 
Faz que tendo esta acção por veneranda y 
Invoque O' grâa Tupá r que a raio emprega :. - 

Na miety r vê-»aquè em mil voltas, anda , 
O eleitb tatuador? comç-quem* pré&a- 
A : bradas , axhòrtirtHio' d povo. insano 
i-etímprw: ^(feç a-m*o no cangue hnmaiufc. 



POEMA ÉPICO. CANTO I. 

Lxrvni. 

 roda á roía a multidão fremente 
Com gritos corresponde á infame idáa ; . 
Em quanto a fero em gesto de valente 
Bate o pé , fere «ar,e um póo monea ; , i 
. Ergue-se um, um e outro, onde o pacienta 
Entre prisões d'embira se encadea ; 
Fogo se accende nos profundos fossos, 
£112. que se torrem com a carne os ossos». 

LXXIX. 

Dentro de uma estacada extensa , c vasta , 
Que a numerosa plebe em torno borda, ' 
Entaõ os Prittcipaes de cada casta 
Com bellas pluoias, onde a cor discorda: < 
. Outros, que a grenha tem com feral pnpta 
Do sangue humano , que ao matar trasborda > 
Os Nigromantes saõ»; que em vaõ conjuro . 
Chamaõ as Sombras desde o Averbo escuta 

\á XX X « 

-Companheira» de officiò tacr nefando * 
Seguem de um cabo a. turma, e de outro caba 
Seis torpíssimas veHias y aparando ♦ - 

O sangue sem nm leve menoscaba : ) 

Taô feas saõ , que a face. está prata nd o 
A imagem propissima -do Diaho ;•;,/; n',:*v*? 
Tinto o corpo em vetnia todo. .aroaflftío^ 
Rosto tal , .que . a Medusa o faz ter iLeJIq, _'.. J, 



I* CARAMURU 

LXXXI. 

Tem no collò as cruéis Sacerdotisas * 
For conta dos funestos sacrífteios, 
Fios de dentes , que lhe são divisas , 
De mais , ou menos tempo em taes officios : 

Gratas ao Ceo se crem , de que indivisa* 
Se incuicào por Tàrtareos malefícios ; 
£ em testemunho do mister nefando , 
Nos seos cocos cora facas vem tocando* ... 

LXXXIF. 

Quem pode reputar * que der tr aspas sa 
A miseranda infausta companhia, 
Vendo taes feras rodear a praça , • 
Que o sangue com os olhos lhe bébià ? 

Ver que os dentes lhe range por negaça ^ 
Senão he que os agita a fome diii pia, 
E disser lá comsigo : Em pouca* horas 
Sou pasto destas feras tragadvras. 

LXXXIII. 

Mas pôe-lhé a vista o Padre Omnipotente* 
Da desgraça cruel compadecido; 
E envia trfn Anjo desde o Ceo clemente > 
Que deixe tanto horror desvane eido ; 

E façQ que o espectáculo presente 
Venha por fim ifr ser sonho fingido ; 
Que quem recorre ao Ceo o mal que geme , 
Logo que Ume a Deos, nada mais teme* . * 



POEMA ÉP1C». ClftTO I. tfc 

IXiíIV. 

-. Sei* èâfié déá infernes NigTóifíântt* 
Lançarão m&o das victimas pacientes , 
E a seio lènhoâ fatacB * que eírgttêíào dantes , 
Atào cruéis às in&òft 4 o9 ifctiotfe&tès : 

Postos tto Geo os tflhó* IftgMmàftttg 
Ctfm lémbfar-se das penas vehementes , 
Que soffreo Déó* fira Oras , adie fiados 
Pediaô-lhe pefcdáo âdò ftfeos peocados. - 

i-xxxr. 

Fernando aUI , que em discripçaS pfreòfetíe , 
Com vos fconora a companhia anima : . 
Çhèlo do viva fé soccorro pede ; 
E quanto a dor permitte , qilè sé taptfma : 
, Grào Senhor (diz) de quem tixâé procede ^ 
à gloria * a pena , a confusão , e a estima * 
Que justo dàs as graças , e oà castigos , 
JNa d©* alímo, amparo nèâ pèrigoâ. 

txxxvt 

c Vida "Báâr peço aqui v motto ft ao temo , " n 
ííem menos choro d eâSõ desgrudado: * N 
O: que me doe ,°qu€ sinto , o qufe só gémó 
He , piedoso Deos , o moo péocado i 
< Feíte eèrei > Grk> Padre , se ao extremo 
For da tua bondade ^perdoado ; -> • . 
Pelo CaSsk ama^o, qâè dqtfi bebo, ; 

Fel* morte*' crael v >què-4ioje • Foctbo* 



40 CARAMURU 

LXXXVII. 

Mas , grande Deos , que ve* nossa fraquesa 
No duro transe desta cruel hora , . 
Nao soffras que çssas feras com eruesa 
Hajaõ de deyow a quem te adora: 

Porque estremece a frágil naturcsa, . 
Vendo, a gula brutal > que emprende agora 
Sacrifício fazer r ao terpe abysmo . . 
Destas, carnes tingidas ao Jíaptismo. 

lxxxyim. 

; Puvíq o Ceo 'piedoso a infeliz gente ; 
E quando o fero a meçaja leyanta, 
Que esmague a fronte ao mísero paciente , 
TrovaO <$e ouve , fatal, qne tudo espanta: 

Treme a irçontanha ,,e eahe a roca ingente, 
E na ruina as arvores quebranta ; : 
Mas o que mais 03 brutos confundia, , 
Sra o rumor Marcial , que então se ouvia, • 

LXXXIX. 

Pedras '? frechas , e dardos de arroiftésfèo 
Cubrião todo o ar; porque o inimigo,. 
Que atrás se poz.de. um prosimo cabeço , • 
Aguarda expressamente aquelle . artiga : 

De um lado, e outro desde um mato espesso 
Ameaça o furor,. cerca o perigo.; 
£ a gente crua transformada a sorte, 
Quando . cmidqu matar , padece a. morte* 



POEMA "ÉPICO. CINTO I. 41 

- ÍSrà Sergipe o Príncipe valente ' • \ 
Na esquadra valorosa , que atacava ; > - 
Varão entre; ósseos , bom manso, e prudente. 
Que .com justiça os povos couunandava : > 
Armava o forte Chefe de presente 
taçtra Gype va , que. cruel . reinava , 
►obre as "aldeãs , que em tal tempo* havia 
No recôncavo ameno da Bahia. 

' ' ' W ., ...» 

- ; K - ' XCI. * ;; - ^ : 

tfór tpda c* parte o Bahiense .he preso; 
Hé trucidado o bruto Nigromante T 
Muito^ lançados , são no fogo àccezo , 
Itendem-sè os mais ao Veuçeclor possante T 

Ficara em vjda, todavia ijleso 
O rçísero JÈurçpeo , que .alli eia frajanté 
Faz t desatar o bom Sergipe., è manda, 
A escravidão no seo Paiz.maia branda. 

' ' '".. ' XCIK, • • 

Mas a gente infeliz no Sertão vasto 
Por matos, e montanhas dividida^ <. 
He faina,. que uns de tigres foráo pasto; 
Outra parte dos bárbaros comida: . . ., 

Nem mais houve noticia , ou lete rasto 
Como houvessem perdido a amada vida ; 
Maa ha. boao suspeita, e firmo indicio, 
ftiie eyjuiirão^Q; infame sacrifício. x _ %m y 



4* CARAMUHU í 

(1) Povo eòntuho. Êpitheto , que dá Isaías 
aos Americanos -, como eonjecturie os me- 
lhores Interpretes. * 

, (t) fhna dê$ orgfot* Ramo da célebre Coi* 
dilheira, que discorre pelo Brasil, sakmdd 
dás suas cavernas névoas tetnpíestuosas. 

(3) Jacaré. Utaa espécie de CÒcôdrilò Iria 1 
éílíco. J ;; 

(4) Saturno. Os antigos italianos fblfâo \ èó- 
rao se eollige de Homero, Antropófagos ; taes 
eraô os Lestrigões , é os Liparitanos. Os Fe» 
niclofi , é os Cárthagíné&es úsátstò.ãe Victfma* 
humanas, e Rorná. prdf>rià nòs ftebs irtáioflêé 
apertos- Sfc* espécie* Vulgares riéí HfetoWà; 
' (5) Ethhiras* Eá^eciè áé cofda3 fiíitò âé 
casca interior de álgurnas arvor r ê& 

(6) Tató. Espécie éé anhftal cifbetftf dtf 
uma concha durissiriia, e irbperiétravél. ©rf 
Sal vagens tiftgem-se coto í arfes retftia*,*** 
naô com o fim , ao menos com o effeito de 
os livrar das mordeduras dos Insectos ; ain- 
da cflte alguns sé tiajaà com herra* tarifeis 
para esse uso. >, . t* 

; o(7) Batota, Coco, inhame. Frutos berà aè* 
checados ainda na nossa Europa'. f 
v. {§) Jtem/it*d. He cferto que 6s BrasiKenées 
naô itflhao forma alguma expressa dé SaorP 
Jicio > was â solem ne funçaft $ e rifoa, cotó 
que matava» a$<sea« pvistaaeiroa? pwca taitf 



POEMA XPICO. CANTO I. 4» 

rasaft ào Padre Simaô de Vásooncéllos na 
«ua. Historia do Brasil , que erao ma ves* 
tigio dós antigos Sacrifícios usados dos F€* 
nicios , de que assim falíamos em outra Noty 

(9} FhAo. Vem da America debaixo deste 
fkome vários extractos de cajá y coco , e dé 
outros frutos conhecidos , que podem com* 
petir com os nossos vinhos. 

Catimpoevra. Immunda bebida doa Sal va- 
gens , que mastigando o milho , fazem da, 
saliva , e do sueco mesmo do graõ uma po^ 
tágerh abominável. ' 

(10) Estatua. He estimada por prodigiosa a 
Estatua, que se vê ainda na Ilha do Cor- 
vo , uma das Açores , achada no descubra 
mento daquella Ilha sobre um pico, apon- 
tando pata America. Foi achada sem ves- 
tígios , de que jâ mais alli habitasse pessoa 
humana. Devo a um Grande do nosso Rei- 
no , Fidalgo eruditíssimo , a espécie de que 
se conserva uma Historia desta Estatua ma- 
Àuscripta , obra do nosso immortal João de 
Barros, 

(11) Sabagem. Naõ suppomos único o Sal- 
vagem, que o Padre Anxieta achou em o 
Estado , que aqui se descreve. Muitos Theo- 
logos se persuadem , que Deos por meios 
extraordinários instruirá a quem vivesse na 
observância da Lei Natural. 



44 



CARAMURU 



(12) Tupá. Oe Sal vagens do Brasil tem ex- 
pressa noçaõ de Dèos na palavra Tupá\ que 
vale entre elles excelkncia superior , cousa gran- 
de que nos domina. > . 

(13) Suspendo. Até aqui são os Jintyte&do 
Lume ^aturai, «com elle somente' o ai caa- 
$a a filosofia ; porém o remédio da Natu- 
reza humana, ferida pela culpa, uáq pôde 
constar-nos scqaõ pela Revelação. 

' (14) Um arco. As menorias desta Estatua 
concordaõ em ser o seo traje desconhecido : 
toma daqui ocoasiào o Poeta para o repre- 
sentar arbitrariamente. 



* % 



» * 



» » . • » ■ • • 



4fr 



CANTO XI. 



I, 

, "Era a hora, em queV> Sol na grã carreira 
fio tórrido Zenith vibra igualmente,. 
£ que a sombra dos corpos companheira 
Na terra extingue , . com o raio ardente ; 
- Quando ao pçrtir. a turba carniceira, 
Se vio Diogo só na praia ingente , , 
Entre mil pensamentos , mil terrores , . 
Que a dor faz grandes , e o teoior maiores 

Parecia-lhe ver da gente insana 
O bárbaro furor , a fome crua , 
A agonia dos seos na aeçaõ tyranna * 
E temendo a doa mais , presume a sua : 
• Quizera oppor-se a empresa deshuro^naj 
Pensa em arbitrou mil , com que o cpnçluar 
Se fugirá t ma$ donde ? se os invada ? 
Corem eafermo , e só naO vale a nada- . , 



4& POEMA ÉPICO. CANTO II. 

t. ..... . fn< 

• 

Oh! mil vezes (dizia) a Afortunados , 
Os que entregues á fúria do elemento 
Acabarão seps. dra.n çQgçegadgs* 
Nem viraõ *.taata der r jcomo expesJmento ! 

Que estavaô finalmente a mim guardadocr 
Este espanto , este horror , este tormento ! 
Que escapei (Santos Ceos ! ) desse mar vasto 
Para a feras servir de horrível pasto ! 

IV. 

B hei de agora (infeliz f) ver fraco, e inerme* 
Que dos meos vá fazer um pasto horrendo 
Essa patrulha vil í que agora enferme f 
Que me veja sem força em febre ardendo * 

Ah^ se pudera em meo vigor ja vifme ! 
Que ardor sinto em meo peitodeirrompeAde^ 
E a turba vil fazendo em mil pedalo», 
TKmea* pescoços , mães , oabeçaa , bragoo* 

V. 

Não pôde ( he certo ) a âébif natures» ? 
Porem que esperas mais- , misèr o Diogo ? 
Que pôde resultar* da forte empresa ? 
Será mal morrer já , <ge ha d<& aer logo ? 
' Faftaõ-me- as força» sim ; sinto a fraquesa z 
•fes- o esphrilp o suppre , e neste afogo 
Tira forças oceultas da nossa alma , 
Que eito não mestra ter , vivenda #» <ahna» 



VI. 

% como que* e«n fia* que o ipaade a sortes 

Morra-se, que talves se n^õ desuna 
O sucqeesa feliz , de uma acção farte ; 
Que 9oaso um temerário achou fort^n^ ; 
: £ quando irada o Ceo me envie a morte , 
E que a Maê 4o Senhor ra«*P erros puna» 
Recebei q golpe , que iqe for mandado j 
*forwrçi x asftiTO fce , pQçérji viogado, . ; 

m 

Ntm 4ei« de esperai que a gente tarwta ♦ 
v endo o eatrago d* espada , a do mosquete *' 
Nâp & ameba de payor na estranha lute & 
E força maior creia que a accommette : 

Se tpmo as amas, que sal vai qa gruta f 
Escudo, cota, i&alba, e capacete, 
Posso esperar que um só. me naõ veaiçta l 
E nato q»e o. ferro, * mi apjguetta a yiftta* 

%»* e entrando na sojita oe*ei$*, 
pobre de ferro a valeria fronte ; 
Um pçito d'aço de ífrmqsa eterna » 
£ o escudo ? onde a fiçécha se desponte. 

Dispõe de modo * e em forroA tal geweni? , 
we. nada teme ia ., que em eai#po, e affronte& 
Nas mâdos de ferra tinha unta albarda , 

A espada & cinta., aoalií^WQ^.^çspi^gard^ 



iÁ POEMA ÉPICO CAÍíTO It 

IX. 

' Sahia assim da gruta , quando o mctáte^ 
Cubertò vê de barbara caterva ; . - 
E nó que infere da turbada frotttef, 
Sinaes de fuga , e de derrota observa ; 

t "A algum obriga o medo , a que transmônte ; 
Outros se escondem pelo mato , ou herva ; 
Muitos fugindo vem com medo a morte, 
Crendo achar na caverna um lugar forte- 

* Más o prudente Diogo, que entendia 
Naõ pouca parte do Idioma escuro, 

Por alguns mefces \ em que attento o ouvia, 
Elege um posto a combater taegufo : 

* Attento a toda a voz , que ouvir poáia y 
Por escutar dos seos o caso duro , 
Entre esperanças , e receio intenso 

Sem susto estava sim , porem suspenso* 

Xí. 

Gup*va entaô , que-lbos' mate se adiantava , 
Vendo das. armas o medonho vulto, 
Incerto do que - vê , susperâso estava , 
Nem mais se lembra do inimigo insulto ; 

* Algata dos Anhangás imaginava , (1) 
Que dentro ao grão fantasma vinha oceulto 9 
E á vista do espectáculo ; estupendo 
Cahio .por terra o mísero tremendo. 



- • - • fcARAMURU 49 

HIr 

tiahiò coqi ejla junta .a..brqtal gente )# 
Nem sabe ' o qué iniagfné dà figura $ 
Vendo-a brandir coni a labareda ingente , 
E oRiando ao morriao, que. o transfigura j 

Ouvé-se \ittt rouco toai de Voz "fremente , 
Com qué éspantatlp^ mais o Heróè pfocuía ; 
E poroue téniâó dè o maior ; rijina , 
Faz-lhes a vóz mais" hof renda uma bosiu^. , 

. * , L • * 

. "Ètii tanto a , gente barbara prostfta<ta> 
Taô fora dé si está por cobardia , ; 

Que sem sentido estúpida, assombrada, 
Só mòsttà ViVa estar , porque tremia : \ 
Qutaes Verdes varas àè arvore copada > 
$e asóoprà a viração do meio dia , t 

Be uma pártè á outra pâfte qe maneio ; , 
Assim dé nVèdò 0$ vis' no chão pòrnçaô. . 



3Vk 

, Mas : Diogo rvaípaèllça '* mteryallos , : 
«usperideo o furor do duro Marte, '. * 
í^spétanga concebe de amansaHos, 
Umá vèz com térrof , outra com arte : 
.A Viseira levanta, é vai bqscallos, : 
. Wostrandò-se risonho èm ''' toda a parte : 
Levaútaivos (lhô^diz) e assim dizendo,' 
jttta-^ Co^a ptopria mão df terra erguendo 



80 POEMA ÉPICO. CANTO ff. 

XV. 

Gupeva, que no .traje mais cíisti&ct* 
Parecia na turba do seo Povo. 
O Principal no mando, moio extinco, 
Feio horto* de espectáculo taõ novo ; 

Tremendo em pé ficou, sem voz, e ioàti 
E cahirá sem duvida de novo, 
Se nos braços Diogo o na5 tomara, 
E d'airua alli corrente o borrifada. 

xvt. 

4 

Nâo temas ( disse affaveí ) cobra alento ; 
E supprindo-Ihe acenos o idioma,' 
Dá-lhe a entender, que todo esse armamento 
Protege amigos , se inimigos doma : * 
•" Que os naõ offendé o bèllico instrumento t 
Quando de humana carne algum não coma ; 
Que se a comerdes , tado èmcinsa poúhò.M 
E isto dizendo, bate ú pé y medonho. 

tfvií. 

Toma rtás mãos ( lhe diz ) verás mie nada 
Te haõ de fazer de mal ; e assim foliando, 
Põe-lhe na mâo a parfaáaná, e empada , 
E vai-Ihe á fronte o morriaõ lançando. 

Diminue-s* o .horror Aaálmá assombrada* 
E vài-6é {touco a pouco recobrando , 
Até que a fef tomando recohhebt 
fronde- estÀ , Com que Mb, è q 9 1h» offi*é*j 



CAEAiltEU M 

XTffl. 

8» 4Uem da* moatanhas c&Vemi* (d) 
ti. Cftâo Tape (4he dtefcque em ourem negra 
Escurece oom tomtaa», claro dia, 
£ amada eofarwSal, qaa o Mmnáo alegra.? 
. 8* reas d'eade o Sol dorme , a aa a Jhfchi* 
De alpuna noíra Léi trawa a régua ) 
Acharia, ee gostares* aa cabana, 
Mnikeree» oaça,, peixe, e oam*hamaiuu 



A carne hitmaba t (replico* fifoge, 
E como pode, explica em to* , eacentf) 
Se rir «gae dome* algam* betarei fég» ? 
Farei que kroadc em eangue eeae terreno* 
^ Paia ae d» báchaa no» derem comer togo / 
L OBa*bero lhe oppõe com d aempeno j: 

afa/foMM» horror , ae eUca dos rlmawito; 

hemanns trialeqpe áoa tvagae aat heataau' 

eoapor knatts (âbae o Hetóe ptfudflti} (3) 
Como o tartttai tóõ ha*: deade ^nenaafav 
He metadardó Espirita emifteate * 
Em quem . do Qt*ò tlkpá se anata *fiúe.< 

âapaha-aer na terra, qual eemlaarte) 
One stasie 1 apodfdae * aaufc saaaee? f 

«Wwréri, qoa ata/ aorpoaítranidai. 
Tone 4ii»íiMnaim» a wa^iiaroamTÁ» 

D 3 



M POEMA EFIOX CANTO íl 



O Iíurae ' da razaô 1 oohttemaa a^éw^rcíía ^ 
Pois se o in&tmioiiappetite o gçs tò adula | 
Para extinguir a >hanmna Naturesay'^-» 
Sem mais confrarias, j baàtarèa » giilar .• 
j^fQúbr.se; a maliria em vtós , ou searriicteáa , 
O instipcío universal de? todo a imitia r > •«• 
He -com tudo! entre op maifi cousa temida, 
Que. flutuem per yopaxtmpr *< vo» tjrea vida* 

xxir. 

Dis^e D8ogiy r 'e c»n dúzias 4 grata., A 
(Priacipal da/ barbara caterva* ■ ; > '' 
Que a#i seguido pela gente bruto; -••. 
O lugar Conheci dpattenio observa v '■ 
» Gtfpeva^ a i tudor aitende t é tudo escota ; 
Mas sempre.© horror, quprecebeo, conserva) 
E oUmuemíd ás í&ri&Jasi sçrn q! ai mais se' arroje , 
Ghtçm ovul n^âtafurtiva y apalpa, eifíge, 



:♦*** 



v*- 



xxin. 

^ yinha a ; nòitd §a então ;»eo ©etfa^ipBiKé 51 
Dçapregando ka lucidá A&nio£ÍEtafe *< ••. t 
Quando ^Q3C8&iisacegthkp'rieo quebranto 
No.aúiíh© «as* aves , éiha toèa a fera ^u •• 
E Qaatttlo o Somnpj enm suave etíeacttx 
Aoe míseros xnortàes a>«d©r -medeia *- '- fí '»' 
Mas JidõLimodera ein Diogo a smrdaflGOttXtf 

P^amamiar o furor>da «Genío dàra* ; •;**/ 






CAIUMURU- êt 

, For dissipar na gruta a ' sombra fria , 
Toma o férreo fuaii, que o fogo atêa; 
J2 veado a rude gente, que o accen dia , 
E brilhar de improviso uma oandêa ; 

Notando a prompta luz, que no oleò ardia , 
Naõ acaba de o crer de assombro chea : * 
Crepi por tanto jque o fogo do Cea nasça , • 
Ou que Diogo nas mãos nascello fa$a» > ^ 



Era costume do Selvagem rude ' i- - ; 
r Rossar um lenho n'outro com tal geito $ 
Que vinha por eletrioa. virtude 
A accender iumo , mas com tardo eflfeito. ? 

Mas observando , sen que o lenho o ajnde , . 
Im menos de um momento o fbgd feito ; ' 
O mesmo imaginou, que a Grécia creo , ' 
Quando vio ferir fogo a Prometheo. o 



»» i 



XXVIÍ 

Accesa loz na Ióbrega caverimy : ' " \. 
Vê-se o que- Diogo alli da nio levara ;> " 1 
Roupas, armas, e em parte mais interna , 
A pólvora etú barríz , que transportara: 
, Tudo vão vendo á luz de' uma lanterna , 
Sem que o appetega a gente nada-avara ^ 
Ouro , ; e prata j iqoe a inveja não lhe atiça t 
JVaçaõ feliz l> que iignoça o que* lie cobiça»' 



54 POEMA ÉPICO. CANTO II. 

xxvn. 

Mm eoírè objectos vários a que áttenélt , 
'Nota Ou peva extaotico a Pintura, 
Quç .tfunt preoipao quadro t qrae alii pende p 
Representava a Mâi da fcpmusura ; 
, -Ste)feja' «ousa viva v n^o entende ; 
Maa «lispeiteva bem pela figura , ^ 

Digna- a. pessoa, de que a Imagem era* 
De aer ,*ni d» Tupáv se ellc a tiver** 

XXTHI. 

Esta (pefcgunta,o Bárbaro) ta* bella>' 
Taq iín<fc &oe, acaao representa 
Alguma íbrmoeiwima, Donxellay 
Que â&pcgb o Ghra© Tup4 fazer intentai 

Ou por ventura que naseèsse delia , - 
Esse, que sobre, os Ceos no Sol se assenta ? 
Quem pode gèraçaõ saber taõ alta? 
Mas se ha Mâi, q' o gerasse, esía he seuiatau 

xxiy« 

Encantado está o pio Lusitano 
De ouvir em rude boca tal Verdade ; 
E adorando o Mysierio soberana * 
Mâi: ter nap pôde (disse) a Divindade. 
. Mas rsefodo Deos eterno , fez-se buafeatíò » 
E çem lesa6 da própria Virgindade., 
A DonacdHa o gerou , que piza a Loa 9 
Digna JÃii de Tupâ > Mâi minha , e tua» 



CARAMURU *5 

XXX, 

Peçamos pois, que he Mâi, que nos defeada» 
Que te dê parai ouvir dócil orelha ; 
fi oomtigo o teo Povo recommenda , 
Dizendo o Heróe abeira , devoto ajoelha. 

Gupeva o mesmo faz com fé estupenda ; 
E pendeate de Diogo , que o aconselha , 
Levanta as mãos , como èlle levantava ; 
E veadoo lagrimar, tarabçm chorava. 

XXXL 

* 

Mas crendo rude, ooroo çnt£o vivia) 
Hue fosse cousa viva a Imagem Çan^a ; - 
Jiue por mâi de Tupá tudo sabia , 
Tende poder conforme a gloria tanta ;' 

Repete o que houve a THogo coqv voe pia , 
g * Mâi de D e os o coração levanta : 
g encostando entre òs rogos a cabeça f 
*«3 a noite, e o desvelo qpe ^dor&eça/ 

XXXJJ. 

M x*o purpúreo , e tpeH>qlo Hprisonte-, 
Rosas parece que espalhava^ a Aurora ; T 
Ç 'O Sol que nasoe sobre, o opposto monte, 
A bella luss derrama <crèa<3[ora: t 

Quvem*sc as avezinhas Juato á fonte | 
Saldando a pianhâ. cpmVvti^spixorá; ; 
* os mortaes já do somuq, desatados , 
Toíaavâo novameute aos seòs cuidados. ■ 



56 POEMA ÉPICO. CANTO II, 

XXXIÍI. 

Quando Gupéva manso , e differente, 
Co que antes fora na feresa bruta • 
Convoca a ou vil lo q multidão fremente, 
Que á. roda estava da profunda gruta : 

Posto no meio da confusa gente , 
Que toda dçlle petide , e attentà escuta:, 
valentes Paiaiás ( diz desta sorte V (4) 
Que herdais o brio da prosápia forte- * 

XXXIV. 

Se hqntém do' vil Sergipe ísurprendidos , 
Vimos o grão terreiro posto a saco ; 
Fomos cercados siin , mns nafl vencidos ; -, 
Naõ foi yiçtoriá , foi traição* de um fraqo* 

Sabia béin' por •^ôf^ès' repetidos, :* . . 
Com quanto esforço' na peleija ataco ; , 
£ como sem traição fjana nada, 
N$ò tendo eu arma? , vem com mão armada, 

ixxv. 

Sombra do 6raõ Tatfe , de quem me ferve 
Nestas veias ó sangue ; de 'quem trago 
A invicta gcraç&õ r que em guerra ferve 
De espanto a todos , de terror , de estrago : 

Porque a gloria : a teo nome se conàerve , 
E porque a ;caníe da Bahia o lago ,.- 
Mandas dé fá" de donde o Mundo acaba 
Para o nosso soccorro este ' hnboába. (õ-) - 



CARAMURU l tfl 

XXXVI. 

f Tu lhe mudaste em ferro a carne brancf^ j 
Tu fazes que na maô £e accenda, e lhe árcía 
A viva chamma , que Tupá nos manda ; *' 
Tupá, que reg-e o Ceo , que o Mundo guarda. 
Com elle hei de vencer por qualquer banda; 
Com elle em campo armado , ja me tarda* 
O cobarde inimigo , que a cncontrallo ,* 
Vivo, vivo me ãniiho a devorallo. 

XXXVII. 

• -Sáfreis, Tapuias meos , conjo morrendo 
Nossos Irmãos , e Pais , que clles mntnVuo , 
Postos . debaixo já do golpe horrendo , 
Vosso nome aos vingar tristes chamavão. 

Também vistes ná guerra combatendo * 
Que estrago nelles estas mãos causava^ , 
E as vezes que vos dei no caihpò vasto > 
JMil è mil deíles por sabroso pasto, 

X3ÍXVIII. - 

" Htàà nà5 come o Estrangeiro, neifrí "cónsento 
Çomer-se earne humana, é só teria '• 

Outitf carne qualque por innòcentfe ^ 
Ave*', feras , Tatás , Paòa , ou Gotiii ; 

• fteòeba pois dé nós grato presente V 
De quanto houver nos matos, da Bahia; 

-Saia-se â r ' eaçk; e como lhe compete* , : 1<# 1 
ftrepàjre^sfe ai hospedagem «de unfbÍLnqôet& 



ff POEMA ÉPICO. CANTO II. 

XXXIX. 

Separa-se o Congresso em breve espaço , 
pispôerse em alas numerosa Tropa: 
Quem com taquaras donde pende o laço , 
Onde a avezinha cahe , se incauta o topa : 

Quem dos hombros suspende, e quê do braço 
Armadilhas diffrentes ; outro ensopa 
Em visgo as longas ramas do palmito» 
Onde improvido caia o Periquito* . 



Os mais com frecha vaõ , q' a um tempo.seja 
pFiro , que oflenda a fugitiva caça ; 
Ou armas ( se occorresse ) na peleija $ 
Quando o inimigo de emboscada a faça : 

E porque aos mais presida , e tudo veja 9 
Á frente do Esquadrão Gupeva passa ; . 

Sem fica Djiogp sò , que tudo via , 
as segpe andado a forte companhia* 



Mais ama naõ levou , que uma espingarda, 
E posto ao lado de Gupeva amigo , 
Prompto a todo o accidête, e posto em guarda, 
Trás na cautela o escudo ao seo perigo. 

Em tanto a destra gente a caga aguarda , 
E çlguro se affouta a penetrar no abrigo* 
Onde esconde a Panthera os seos cachdjpoa.» 
jpulró £ segue por brei^has^ £ ppr morros.^ 



OARÀMUItU tf» 

XLII. 

Até .que de <5upeva ooromeadaéa, 
Em circulo ee fòrrua a linha unido, 
Onde quanto fea de caça ja espantada, 
Fique no meio de um cordaõ cingido : 

A ress aili de estrondo amedrontada, 
N'um centro está de espaço reduzida: 
Á maô mesmo se colhe : cousa bella ! 
Que dá mofe gesto ver , do que comella» 

XLIII. 

Km. «ra assim nas ares fugitivas» 
Que umas frechava no ar , e outras em laços 
Com «rte o Caçador tomava vivas : 
Uma porem .noa liquides espaços 

Faz com- . a . pluma as sèttee pouco activas , 
Deixando a U*a . penna • crs golpes laços. 
Toma-a de mira Diogo 5 e 4» ponto aguarda ? 
Dá4be um íko,, e derribada ieo' a çspiíigajda- 

XUT. 

Estando i a ttrba longe de cuidado , 
Fica o bárbaro ao golpe estremecido 1 ' < : 
$ tonta por terra no tremendo -a^alo 
Da xfteagttma , do fraçago , e do estampido t 

Qual do horrado trovaô com raio ,,e estale 
Algum junto á quem cafre, fica aturada :* •* 
Tal Gupeira ficou < orfendo formada . «• 
Xfo airoabtó de Diogo uma trovoada. . / 



CO POEMA ÉPICO- C51NTO II. 

XLV. 

Toda em terra prostrada exclama , ^ grita 
A turba rude em mísero desmaio, * 
E faz o horror, que estúpida repita 
Tupá , Gammupú , terrtettdo um raio. 

Pertendem ter por Deos, quando o permitta^ 
O que estaõ vendo em pavoroso ensaio-, 
Eutré horríveis trovões do Mareio jogo , 
Vomitar ehatomais, e abrassar com fqgro* 

D n XLVI. 

« 

Desde esse dia he fama , que por nome 
Do Graõ Caramurú foi celebrado f. 
O forte 'Diogo'; e que escutado dome ' 
Este appellido o Bárbaro espontado; -'-•* ' 

Indicava o Bra&il no sobrenome , » . 
Que era um dragão «dos marea vomitando * 
Nem d'outra arte eatre hás a antiga idade 
Tem Jove, Apollo v e Marte por Deidade. 

XLVIÍ. 

Pora?5 qual hoje q rude Americana, •' 
valente Romano, o sábio Argivo y 5 
Nem foi de Salmoneo mais torpe o engano, (6) 
Dõ que outro Rei fizera em Creta altivo. 
* Nós que zombamos deste Povo iiisaáo, 
Se bem cavarmos no solar nativo,. 
Dos antigos Heròes dentro -4s imagens, * 
Não acharemos mais , que buttos^ctoagea?' 



:} CARAMUBSJ «» 

XLVIII. 

Me faèit proòensao na brutal gente, • 
guando em vida ferina admira uma arte; 
Chamar um fabro o Deos da forja ingente^ 
Bar ao guerreiro a fama de um Deos Marte $ 

• Ou talvez por sulfúreo fogo ardente, 
Tanto Jove se ouvio.por toda a parte : - r 
Hercules, ' e Théseos, Jações no Ponto (7) 
Serina cousas taes;, como as que eu conto.*. 

XLIX. 

. Quanto merece mais , em douta Lyra : ♦' 
Se cante > por Heróe , . quem pio , e justo , ; 
Onde a; oégaNaçaô tanto delira, 
Keduz & humanidade • um Povo injusto i , 
% Se . por Heróe no Mundo só sé admira , 
Queto . tyranno gabava um nome Augusto j 
Quanto o .aeti nt»ior.; que o vil tyranno , ; 
Quem nas fèraa infuude u*n peito humano ? . 

.&*• r 

Tal .pensamento entftô n'4lma volvia r 
Q Chráô «Cafctrmurít> vendo prostrada 
A rude cmoltidaô , quer. Deos o cria r 
E que j espera d'esta arte achar domada t i 

Politica infeliz da idolatria, 
Bonde a antiga cegueira foi causada ; (Çjn 
Mas t Diogo , qúe abomírta o feio insulta, . -' 
Quando *tiig«rçnA* o terror , recusa o cujfcn 



tft ^ POEMA ÉPICO, C4NT0 11. 

LI. 

• 

De Túpá sou (lhe disse) OmUpiteMe 
Humilde escravo v « como ' vóg me hanriihò ; 
Mas do horrendo trova*, que arroje ardeste^ 
£ète raio vos mostra, que> eu soa filho. 

(Disse, e outra vea díspar* e*n;oentinetfte) 
Do meio do relâmpago , em que brilho^ 
Abrazarei qualquer , que ainda se atreva; 
A negar a ebedienoia> ao Grio ttupéwu 

«II. 

Deo logo a amiga mia oomgro toaspétto 
Ao misfero Gupeva, que oobvulqo •..•-• 
No horror daquelle ignovomo prospecta t 
Jazia sem sentido , e ja sem prilse: 

Naó temas (diz-lhe) amigo, q' eu prametto, 
Que dé meo bra<jo se-i>a£ mova imputeo, 
Sena* contra quem for to* temerário *, 
Que se&4o»te eu amigo , he Mo «nitram», . 

LIA. 

Recobrar > o bom XJupevaiUttt wevo(]alèiffo , 
Sentindo a grata maõ > que aí Tida U> êhasàatj 
Nem pode davidar pelo exprimenrto j- 
De qoanta Diogo eom foe&a o>fn» c 

Mas sempre com reoek> íio oristroiftéOrto 
Tert>e qb* outra t ealiamoe a horrível eh#ímoàç 
E défot*-* no erro Diogo: y aflua qoçrtirièerfck 
Nenhum ptío parar se Qfcfcpw «* pttM; v. 



» i * m 



n »> 



CARAMURO ' 13 

LIV. 

Mas por deitar incerta a gente infida , 
Dâ-lhe astuto o arcabuz , que naô tem carga J 
E quem ( diz ) he fiel , pôde com vida 
Tello na maô fiem hórrida descarga ; 

Porém se algum faltaáse i fé devida, 
Sentirá da traição por pena amarga, 
Com próprio damno seô, com mor t^r risco j 
Relâmpago , e trovaô , fogo , e corisco* 

LV. 

Que eu acordado çsteja , ou que adprmeçe> 
Vigia em guarda minha o fogo occulto , 
£ a traição pagará com a cabeça, 
Quem tentasse fazcr-me um leve insulto. ' 

Porém se eu mal naõ quero , que acontega » 
Pôde um menino , como pôde o actulto , 
£ o mais fraco , que houver na vossa gente 9 
Ter o trovaô nas màos , sem que arrebente» 

LVI. 

Porem guardai-vos vós , "que só no peifo^ 
Só n,aliha , que tenhaès ' tesfçaô raaliná , 
Vereis que trovaô faz pof meo respeito > 
£ que . vem no estampido a voséa xuina. 

Treme Gupeya, ouvindo este conceito f 
£ humilde a fronte ao Graô Diogo* inblihà i t 
Certo dè Aáô faltar na fé que rende , ; 
Donde o raio , e toçvao cri que dcpthdei 



64 POEMA ÉPICO, CANTO li 

Con*qca>,iem taato o Prinoipal. temido* 
As enquadras .da turba, entaô dispersa., - 
£ &Ò] Graji Caramiirú petlo rendido 
Que eleja, cosa '.nu Paiz- díveríft : 

E que a gruta, deixando , suba unido > 
Onde o:n vasta cabana o Povo Versa ; 
Nem duvide que si gente fera, c brava. 
t> sirva humffdê , e se, sujeito escruta. " , 

.No Beçonc^rp ameno, gm posto. .havia 
t>o tro:icos iáimortaés dercailo i roda, 
Trmclibira ÍWÍural ,' com. que impedia, 
A quem' quer -penetràllo., á entrada toda 1 : 

Ura plano Vasto fio seo centro abria , (flfjf 
Sondo edificando ú patría moda, 
De troncos', varas , ramorf, vimég, canas , 
Formarão, como em quadro , oito cabanas-- 

Wi 

:)las com mole : V,Q}umqsgf ,, 
ênj.línfiftS páratelíaB '*. "' 
ida aos 'lados , qué eajrttjjtfsá f 
', ^S e V' °.lí Çolumfias beílaS : ' 

nõ cum& a faz vi?toáa,' ; - ' 
,pal mas ' J ainarcÍ] ás , 
■1 ( sè: estríoa, altas, ébtós', 

•ca^as^^a çiU píesotàj, , 



CAftAMUlilí Sâ 

, tittalo velha Noé na imrtiotifea West * 
Que a barbara cabana ém tudo imita , 
Verazes animaes próvido embarca , 
Onde a turba brutal tratiquílla habita : 

Tal o rude Tapuia ha grand' arca ; 
AUi dorme , alli come , alli medita ; 
Allâ se fae humano , e de amor molle •, 
Alimenta a mulher* © aflaga a prole. 

Dentro Úh gr d choupana a i&âá posso (10) 
tende de lenho à lenho a rede extensa : 
AUi descanso toma o corpo laço ; 
Alli se esconde a marital lifcett$a : 
. Repousa a filha no materno abraço 
Era rede especial , que tem suspenso : 
iNenhum se vê f que he raro ) em tal vivenda* 
Que a mulher de outrem, nem q' á filha ofteda» 

LXIL 

Alli chegando a Esposa fecundada 
fk termo ja feliz , nunca se omite 
De pôr na rede o Pai a prole amada * 
Onde o amigo, e parente o felicite: 

E como se á mulher soffrêra naáa,^ 
Tudo ao Pai reclinado entaô se admite 5 
Qual fora, tendo sido em mo^do serio 
Seo próprio > e uaô da& $f âis o puerperio* 

E 



66 POEMA ÉPICO. CANTO II- 

LXIII. 

Quando na rede encosta o tenro infante ^ 
Finta- o de negro todo , e de vermelho ; 
Um pequeno arco põe , frecha volante , 
E um bom cutelo ao lado ; e em tom de velha 

Com discurso patético, e zelagte, 
Vai-lhe inspirando o paternal conselho ; 
Que seja forte diz, (como se o ouvisse) 
Que se saiba vingar, que não fugisse» 

LXIT. 

Dá-lhe depois o nome, que apropria 
Por similhança que ao Infante iguala , 
Ou com que o espera célebre algum dia 5 
Senaõ he por defeito- que o assinala : 

A algum na fronte o home se imprimi» # 
Ou pintaõ no vernig , que tem por gala v 
E segundo a figura se lhe observa, 
Daõ-lhe o nome de fera , fruta , ou. herva* 

LXV. 

Trabalha em tanto a Mâi sem nova eura i 
Quando o parto oonclue , e em tempo breve , 
Senpt toais arte que a próvida* natura * 
Senterse lesta , e sã , robusta , e lave t 

Feliz gente, se unisse com* fé pura 
A «óbria educação , que simples teve ! 
Que o que a nós nos faz fracos, sempre estSnnty' 
Q' he mais q' pena, ou dor, nioliadrt, e mune» 



CÁRÀMtltti ÍÉtt 

LXtl. 

Vát éotol o adulto lllhd ã éaga > 69 pese* 
O solícito l*ai pelo alimento : 
O peixe 4 mulher lraz ? è à carne fresca > 
£ á tenra prole á frtttá por sustento : 

À nova prôvi&afc sempfè refresca, 
£ dá nesta fadiga um documento., 
Qué quem riègá o sustento á quem deò vida i 
Quiz ser Fài, por íáaer-sé Um "parricida. 

lxVk. 

Hnè te acontece que á ehférmar se venKa V 
Concorre còríi piedade a turba amiga ; 
£ pot dnr-lhé ufrn remédio, que convenha j 
Consultuo-no entre si com gente antiga; 

Buscaõ quê dé hèrva saiba , Òú cura tenha % 
*lue possa dai* állivio áo qúe periga , 
Otk tálvèz saágraô n'uròa fébrè ardente , 
Servindo de lanceta um fino dente* 

txyrii. 

ftfafc véridfo-sé híbrtál já !àa agonia , 
Sem ter pára ò rètáédib oiitrà esperança* 
Estima a bruta gtmté; acòáo mui niá^ 
Tirar-lhé á tida óorii á fnaçá, qu lança c 

Se mofré ó téiirb tàhó , â -Msf seria 

Estimada cMtft. quando fc ctiáftça , 

Qtfè ptoitW ântós átí Muãdô dgllâ veio' 

' ífad tttáfr áô *étf Wg*r *<*■ $Í8Í«9 seio. . 

jB S 



éÔ POEMA ÉPICO. CANTO ít 

LXIX, 

^ I 

Tal érá o Povo rude , e taj usança 
fiè lhá vê praticai* no vicio illuso i 
Tudo nota Diogo , na esperança 
De corrigir por fim taõ cego abuso. 

No' lugar da cabana , em que cíescangai 
Menos da gente, é multidão confuso, 
Põe-lhe a rede Gupevá, que o convida 
De rioa, e mole pluma entre tecida. 

ixx. 

Mas eis-que um grande aiiiriéfo o rodeai 
0e empfuniacíos feissimos Sal vagens : 
Ouve-se a casa de clamores chiea; 
Costume antigo seo nas hospedagens. 

Qualquer chegar-sè á Diogo ainda reçea ,* 
For ter viáto ôs hor ri ficas passagens ; 
Mas mair ma etpaãu de longe explicaõ, (11) 
E bem tindo a estrangeiro significai. , , 

LXXL 

Êor costumado obzequio os mais luzidos 
Tomâó Dio£o rios braços ; é no péitò 
A frente lhe apértayâo comedidos : 
Sinal entr'ellés do hospital respeito. 

Tirdõ-lhé cfm pressa ás roupas , e vestidos % 
E pondd-o sobre a rede , como em leito , 
fiem mais dizer-lhe nada , e sem ouvillo f 
Tudo se affasta , e deixaô-no traaquillo* 



CARAMURU $9 

LXXII. 

Com maior ceremonia outra visita 
Festiva celebrava o eeo cortejo ; 
Ferainea turba , que o costume incit^ 
A offerecer-se honesta ao seo dezejo ; 

Senta-se sobre os pés , e felicita , 
Cobrindo o rosto a ipaõ , como por pejo ; 
Vestidas vem de folhas taõ brilhantes , 
Que o que falta ao valor , tem de galantes» 

LXXIII. 

Parece ser da mesa o djspenseiro 
Uni Salvagem , que o nome lhe pergunta : 
Se tem fome , lhe diz ; ou se primeiro 
Quereria beber ? e logo ajunta , 

Sem mais resposta ouvir , sobre o terreiro 
A comida que trouxe em cópia munta : 
Põe-se-ltíe Uiçu de peixe, e carne crua , (12) 
£ o mimoso Cauin , que he paixào sua. 

LXXIV. 

Todos com gula cpmem furiosa , 
Sem olhar , sem fallar , nem distrahir-se : 
Tanto se absorbem na paixão gulosa, 
Que ipal pudera ao vellos distinguir-se , 

Se sa* feras, ou homens. Vergonhosa, 
Triste miséria humana ! confundir-se 
Um peito racional c'um bruto feio 
JVo horrendo vicio, donde o mal nos veio. 



10 POEMA ÉPICO. CANTO II. 

LXXV. 

Acabada a comida, a turba bruta 
O estrangeiro bem vinjfo outra vez grita ; 
E a tropa feminina, que isto çsguta , 
Cobre a face co-as m^ôs , e o pranto imita : 

Gupeva poia que o hospede reputa, 
Causa do seo. prazer , e author da dita ; 
O Sacro fogo a roda lhe ateava , 
Ceremonia "hpçpital , q\je o povo usava. (13) 

LXXVI. 

Bem presumia Dipgo , no qu^ explora , 
Qu>e ajguip mysterio se ocçultava interno ; 
Lembra-lhe a chamma , que o Caldeo ^dora ; 
O fogo das Vestaes recorda eterno; 

Nem duvidava que de origem fora 
Costume da Naçpõ , rit.o paterno ; 
Trazido-, sç he possível que se crêa, 
Na díspçrsaõ das gentes > da Caldêa*. 

LXXVH. 

Perguntou o dos bárbaros quimera ; 
&f qs como o acceno , e língua muito engana ," 
Acaso soube qup á Qupeva viera 
Certa Dama gentil Brasiliana : 

Que em Tamanca um dia comprepdêc^ 
Boá parte da, língua Lusitana ; 
Que Portqguez escravo qlli tratara , (I4J 
De q^cfn á Ungida , pelp ouvir ^ tomara* 



CARAMURU *íl 

LXXVHI. 

PaTagnaçú gentil ( tal nome teve ) 
Sem diversa de gente taõ nojosa ; 
I>e cor taõ alva, como a branca neve ; 
15 donde naõ he neve, era de rosa; 

O nariz natural, boca mui breve, 
Olhos de bella luz , testa espaçosa ; 
De algodão tudo o mais, com manto espesso, 
Quanto honesta encobrio, fez rer-lhe o preço. 

LXXIX- 

Um Principal das terras do contorno 
A bella Americana tem por filha ; 
Nobre sem fasto , amável sem adorno ; } 
tSem gala encanta, e sem concerto brilha: 

Servia aos Carijós , que tinha etn torno , 
Mais que de amor , de objecto a maravilha t 
De um desdém taõ gentil, que a quem olhava. 
Se mirava immodesto , hortor causava. 

LXXX. 

Foi destinada de seos Pais valentes , 
Esposa de Gupeva ; mas a Dama 
Fugia de seos olhos impacientes, 
Nem prenda lhe acceitou , porque o* naõ ama : 

Nada sabem de amor barbaras gentes , 
Nem arde em peito rude a amante chama : 
ttupeva , qué naõ serrte o soo despeito, 
Tratava-á sem . amor ; mas com respeita. 



73 POEMA ÉPICO. CANTO Tl, 

LXXXL 

Dezejava vella o forte Lusitano ; 
Porque interprete a língua que entendia j 
E toma por meroê do Ceò sobrano 
Ter como entenda o idioma da Bahia : 

Mas quando esse prodígio avista humano * 
Contempla no semblante a louçania : 
jPára um , vendo o outro ; mudo , e quedo , 

Qual junto de um penedo outro penedo, 

LXXXII. 

Só tu , Tutelar Aqjo , que o acompanhas , 
Sabes quanto a virtude alíi se arrisca , 
E as fúrias da pçtix^iõ , que accende estranhas 
JSeea de insano amo.r doce faiseo ; 

Anciãs no coração sentio tamanhas, 
( Anciãs , que nem na morte o tempo risca ) 
Qije houvera de perdbr-se naquelPora , 
gejiç^õ foça ChristàQ ? se u er óe nàp fqra. 

LXXXIII. 

Mas desde o Ceo a Santa Intelligencia 
Com doce inspiração mitiga, a chatnma ; 
Onde a qmante paixão ceda á. prudência , 
$ a razão pôde mais , que a ardente flamma : 

Em Deos na naturesa, e na consciência 
Conhece, que quer mal quem assim ama; 
E que fora sacrílego episodio 
Chqmar á culpa amor , não chamar-] he ódio. 



CARAMURU lã 

J 

LXXXIV. 

« 

No raio deste heróico pensamento 
$m tanto Diogo reflectio comsigo , 
Ser para a iingua um commodo instrumento 
Do Ceo mandado na donzelia amigo: 

£ por ser necessário ao Santo a intento , 
Estuda lio remédio do perigro, 
Que pôde ser ? sou fraco : ella ha fbrmosa.,* 
£u livre... ella donzelia,.. será esposa*. 

LXXXV. 

Bella ( lhe disse entaõ ) gentil Menina , 
( Tornando a si do pasmo , cm que estivera ) 
Sorte humana naõ he , mas he Divina, 
Ver-me a mim 5 verte a ti na nova esfera : 

Ella a frase , em que fallo , aqui te ensina ; 
EUa , senaõ me engana o que alma espera , 
Um ÍQgo em nós accende , que de resto 
Eterno haja de arder , se arder honesto. 

LXXXVI. 

Desde hoje se a meos olhos oorresponde 
pneigo olhar das lúcidas pupilas ; 
Se amor he.. porq' amor quê he q' o esconde , 
Se por olle essas lagrimas distillas : 

Com que chammas meo peito te responde , 
Com maõ de Esposa poderás sentillas ; 
I?isse ; e estendendo a maò , offereceo-lha ; 
EUa que nada diz 3 sorriorse , e íeo«lha. -* 



?4 POEMA EPICtt. CANTO II. 

LXXXV1I. 

Põe-lhe de fuga os olhos , que abaixara ; 
E ou de amante , ou também de vergonhosa , 
Um taõ bello rubor lhe tinge a cara, 
Como quando entre os lirios nasce a rosa : 

Três vezes quiz fallar , três se calara ; 
E ficou de soçobro taõ formosa, 
Quanto eile ficou cego ; e em tal porfia , 
Nem um, nem outro entaô de si sabia. 

LXXXYIII. 

Mas reflectindo logo o Heróe prudente, 
Fixou no coração, com fé segura, 
Naõ cumprir as promessas de presente , 
Antes que lhe entre u'alma a formosura: 

Rende-lhe o seo amor, mas innocente, 
Í5 faz-lhe prometer, que com fé pura, 
Em quanto se naõ lava, e regenera, 
Era conímencia viviràa sincera. ' 

LXXXIX. 

E. esta fé (dks-lhe) Esposa em Dfeos querida, 
Guardaste hoje promelto em laço eterno , 
Até! banhar-te n'agua prometi ida , 
Por cândida affeiçâo de amor fraterno: 

Amor, que sobrevivia á própria vida; 
Amor, que preso em laço sempiterno, 
Anda depois da morte çm maior chamma; 
Que asais? tmta da amor, quem por Deos^ama. 



/ 

CARAMURU 75 

xc. 

Esposo ( a bella diz ) teo nome ignoro ; 
Mas naõ teo coração, que no meo peito 
Desde o momento , em q' te vi , que o adoro : 
Não sei se era amor já , se era respeito : 

Mas sei do que então vi, do que hoje exploro, 
Que de dous corações um só foi feito. 
Quero o Baptismo teo , quero a tua Igreja , 
Meo Povo seja o teo , teo Deòs ineo seja. 

XCI. 

Tertne-has, oaro, terme-hassêpre a teo lado: 
Vigia tua , Be te oceupa o somno ; 
•Armada sahirei , vendo-se armado ; 
Taô fiel nas prisões, como u'um throno : 

Outrei^ não temas , que me seja anuído : 
Tu só serás , Senhor , tu só meo dono : 
Tanto lhe dis Diogo., e ambos jurarão; 
E em fé do juramento , as mãos tocara*). 



V 



76 POEMA ÉPICO. CANTO II. 

(1) Anhangá. Nome do Demónio, em Iin* 
Çua Brasílica , conhecido daquelles Bárbaros 
pelo nso da Nigromancia. 

(2) Montanhas* Persuadem-se os Brasilien* 
ses , que alerrt das montanhas , que dividem o 
Brazií do Perl , seja o Paraiso. Vide Martinit- 
re Dicçionafio Geográfico verb. Brazil , onde se 
lçra a maior parte da Historia dos ritos , e 
costumes do Brasil , que* aqui , e na 6erie do 
Poema escrevemos. 

(3) O corpo humano.. Kasaõ sufficiente , por* 
que he illicito comer a carne humana por 
princípios Theologicos na presente Oitava , 
e na seguinte pelos Naturaes. 

(4) Paiaié*, Nome honorifico em língua Bra- 
sílica, equivalente a JVbftrcí, ou Senhores. O 
Poeta conforma-se ao costume destas gentes 7 
entre as quaes os Prinoipes fazem longas 
falias aos seos Compatriotas, exhortando-os 
pelos princípios , que aqui se tocão. 

(5) Iniboába. Voz, com que os Bárbaros 
nomeaõ os Europeos. 

(6) Sahnoneo. Este Príncipe pertendia imi- 
tar o raio para espantar os Gregos, eqtãn bár- 
baros , e similhanlcs aos nossos Brazilienses. 
Tanto se pode crer do Rei de Creta, que 
aquelles Insulares chamúraõ Júpiter. 

(7) Hercules. Os Heróes dos tempos fabu- 
lares fora 5 soai duvida similhíjntes aos x*Qâr 



CARAMURU n 

■ ♦ 

go* primeiros Descubridores , feitos celebrei 
pela rudesa , e ignorância dos seos tempos 
Observamos este pararello para preoceupar 
a, ceirsara de qtietn acaso estimasse a ma* 
teria , e objecto desta Epopeia , indisfna de 
comparar-sr á que escolherão os antigos Poe* 
tas Épicos* 

(8) Cansada* He certo que a Idolatria dosl 
Gregos teve grande occaslaõ iios Inventores 
das Artes : e vimos outro tanto nos Ame- 
ricanos 5 dispostos a orer immortaes os Euro- 
peos* 

(9) Úm plano* Descripçaõ das Tabas , ou 
Aldeãs Brasílicas. 

(10) Dtntro. Padre Marteniere , célebre 
Critico, e testemunha ocular > attesta parte 
destes oostumes j outros. Ozorio $ Vasco n- 
cellos , Pitta ) qué não citamos , por serem 
espécies vulgares. 

(11) Mas rnoír. Nas hospedagens costumão 
assim os Brasiliaiios"? é ao Padre Martenie- 
re copiamos as palavras, que então prefe- 
rem , e a siia Interpretação* 

(Í2) TJiçu. Farinha , a que reduzem a carne 
torfàaa , ou ó peixe. Cauin , bebida simi- 
lhantê & que já dissemos da Catimpoeira. 

(13) Ceremonia. Tinhaõ esta ceremonia co- 
mo Religiosa, persuadidos que faz fugir 
Demónio* 



«W POEMA ÉPICO. CANTO II. 

. (14) Portoguez tsctttoo. Ficção Poética *G» 
bre o verosímil, naõ sendo diffieil que ai* 
çum dos Portugueses deixados por Cabral , 
ou por outros Capitães na costa , para apren- 
derem a língua, CoKimuuicassem parte dd* 
la aos habitantes* 



*» 



-' ' '■ 



CANTO Hl. 



i. 

Já tios confins extremos do Horisotttft 
Dourava o Sol no occaso rubicundo 
Coái tibio raio assima do alto monte ; 
E as sombras catem sobre o valle fundo I 

Hia morrendo a côr no prado , e fonte'; 
E a noite , que voava ao novo Mundo , 
Nas azas traz com viração suave 
O descanço aos mortaes no somno grave*' 

IL 

Só com Gupeva a Ifoma , ê com Diogo 
Gostosa aos dous de.intrerpreto fervia; 
E perguntando sobre o Sacro fogo , 
A qual fim se inventara ? a que fervia ? 

Deo-lhe simples rasa o Gupeva Jogo ; 
Suppr e de noite ( disse ) a luz do dia ; 
E como Tupá ao Mundjo a luz aecende, 
Taate tor^ aos hospedes emfrrande* 



66 POEMA ÉPICO. CANTO tlt. 

- - III. 

Se peccando o máo espirito solevas * 
Succede que talvez ci*uel se enoje } 
E como he Pai da noite , e Author das tréva^ 
Tahto abqttecé á luz , qué eqi veddo-a foge i 

Porem sé á Luz eterna o peito elevas $ 
Naô ha faria do Averno que se arroje ; 
Talvez por lhe excitar tristes idéas, 
Das ohammas , que tiVCraô por cadeas*. 

IV. 

Admira o pio Heróe , qtiè assim Conheça 
À Náçaô rude as legiões do Averno J (1) 
Nem já duvida que do Côo lhé desça 
Ciara luz de urti Principio sempiterno. 

Disse-me , Hospede amigo , se proffessa 
Este teo Povo , dlfc , com Culto externo 
Adorar algum Deos ? qual he ? onde ande } 
Sé seja um Deos somemte, ou q' outros mande? 

V: 

Um Deos (diz) nm Tupá, tim ser possãte (2) 
Quem poderá negar que reja o Mundo > 
Ou vendo a nuvens fulminar tonante ; 
Ou Vendo enfurecera o mar profundo ? 

Quem enche o Oe<y de tanta Luís brilhante? 
Quem borda a Terra de um matiz fecundo ■ 
É ,aquella sala azul , vasta infinita , 
Senão esti lâ Tupá ,. quem he que a habitta / 



CARAMUIU) hí 

VI. 

À chuva , a neve ,.ò vento , a terriftestade 
Q,uê a rege ? a quê segue ? tiú quem a rtlove ? 
Quèni nós derfaitta a bel lá claHdade ? 
Quem tátítás tfcéVás àobre ò Muhdò chóVé ? 

E eSté espirito àririante da verdade » 
Inimigo dó rtial , qué ó bem promove * 
Cousa taõ grande , como fora obrada , 
Sehâõ lhe Uef á ó sêfr , quem veftce o nádá ? 

VII. 

Quê seja este gr*de Ente, e qual set) nome, 
f íelfas queiri saber póáé ) éu cego ò iafhoro ; 
£ sem que á empresa de sabello tbrrie , 
Sei que hó qúerh tudo faz, e hiimildè ó adoro: 

Netft duvido qiie os Ceos , e Teirá dome , 
Quando rias núvenâ com terror o explora, 
Deixando o mortal peito ém vil desmaio^ 
Ameaçar no trovão, punir iiò rãiò. 

Viii. 

Só pasmo só nos fez , como iiao veio * 
devendo amar o qué obra de mão sua ,. 
Ab Mundo dè Anhangás cercado , e cheio 
A HVrar d Homem dessa besta crua! 

Como hé possível que haõ áésse um meio * 
Çom qvie á, mente' ignorante , enfermei $ è nua 
Ttatâfr pòm éltè possa , quando hé claro 
Que o Pai nãó déix;a â filho em desamparo t 



tó POEMA ÉPICO. CANTO m. 

.' Sinto bem remorder dentro ecn mera peito 
Lembrança , que me accusa : por mim fica 
Se rtlais bem 'do que faz, me não tem feho, 
Que he néscio quem o ingrato benéfica* 

Outro Povo talves mereça eleito 
A assistência dos Ceos de gragas rica ; 
Nem contra Deos se justifica a queixa , 
Que costume deixar , quem o nâo deixa. 

X. 

Mas se do Throno Celestial, e Eterno 
A pezar da malícia nos visita ; 
Quem sabe se jfrr zelo hoje paterno 
À nosso bem maíidar-te v aqui medita. 

Pois creio bem que contra o fogo AverftO 
TVazes a chamifta , que a do raio imita % 
Ou que vens como luz , do Etheréo assento t 
Por levfer-nos comtigo ao Firmamento. 

XI: 

Pasmava o Lusitano da eloquência 
Com tão alto pensar n'huma alma rude J 
Notação cotno a Eterna Sapiência 
A face a todos mostra da virtude. 
- E reputava por maior clemência , 
Que a quê , se a fé conhece , ingrato a fllu&i 
Negasse Deos a Iuí ; que, os outro» viãOJ 
Porqtie tetido-A maior, mais 



CARAMURU 6» 

XII. 

Nâo dêira nunca os seos o Ceo pieàosç 
(Diogo respondeo) que á terra indigna ' 
Manda o seu Unigénito glorioso, 
Que offrega , a quê o iavoca , a mão benigna : 

Mas se antevisse no Homem pernicioso ($) 
Huma livre eleição sempre maligna , 
Por dar-lhe menos pena em menor falta 
Era sombra , como £ Vot r deixa tâo alta. 

XIII. 

Tendes em tanto hum claro èentimentot 
Que espirito immortal se mos concede . . (4) 
Sim , diz Gupeva , que o decide attetito , 
Quem tudo quanto sente parte, ou mede : 

Mas mirando ao seu próprio pensamento , . 
Vê que a medida sempre intacto excede i 
E sendo imíivisivel desta sorte , 
Como pôde á razào sofirer a morte ? 

XIV. 

Quantas vezes em mim , se ser pudesse » 
Hum pensamento d'alma eu dividira ; 
Que todo o riial £m fim que o homem padece » 
Vem d^magfem cruel, qile dentro gyra., 

Mas a interna impressão tanto mais cresce r 
Quanto o peito ansiado mais suspira : 
E vejo que ha ém mim mesmo oculto, é ihtarnd 
Entre a mêté , e a verdade h* lago etei &>.($) 

E. 2 



84 tOEMA ÉPICO. CANTO tífi 

» 

áéndo a mente mortal, tornara tio nada, 
Aò apagar-se a luz no extremo dia^; . 
£ antes de ser punida , ou premiada } 
Hupna alma justa , ou ré pereceria ; 

Sempre errç desejos , nuftoa saciada : 
Mâ sem castigo; e sem fortuna. pia ; .. t 
Sem chegar ao seu fim perde? a f ssenoia . . * 
Conto he crível , q' Deos tem Prôridénòia ? (6) 

XVI. 

, Se' o fim . do inerte bruto se inquirisse ,* 
No contexto das obras respondera , 
Quq fora feito, porque nos servisse, 
E que eterno deatino' nâo' tivera : 

Onde era bem que a morte destruísse ? 
Quem ' para immortal fim nunca nascera i • 
Porque lfre dera , a tello , o Ceo. Divido 
Outro corpo , outra forma ,outro destino: (7) 

XV». 

Que o bruto elege, pensa , que dkcorre 
Do que o vemos obrar 6ca evidente ; 
Mas cada espécie a Jhum curto figa concorre , 
Sem órgãos, e aptidão corri que oiítro intente- 

O homem tudo quer, por tudo corre $ 
Tem órgãos para tudo, e tudo sente; 
Infinito em pensar, é no que vejo 
Maior que no pensar ao seu deseja. 



* ./ i 



CARAMURU 85 

XVIII. 

Tudo domina só , tudo governa,, - 
Sem qije' à outro animal servir costume ; 
Toda oiitra espécie á sua he subalterna , ' 
E se iirçmof tal nascera ., fora hum Nume ; (8) 

Arbítrio Upi versai 1 , Razáo Eterna, 
Capaz de receber o immeiíso lume , 
£ fora mais , se a morte, o dissipara , 
Que se Ceo , Terra , e Inferno ahniquilâra. 

XIX. 

Pasmado Diogo do que attento escuta,. 

ao cre que a singular Filosofia 
Possa &et' dá invenção da' gente bruta ; * 
Mas" a interprete bellá Ihè advertia , 

Quç q. antiga Tradição nunca interrupta 
Em cantigas , >|ue o Povo repetia , 
Desde ' a idade infantil todos comprendem ', 
E <ju l e dòsPáis , e Mais cantando o aprendem. 

XX. 

• • > 

Que èrâo pedaços das Cang5es, q* éntoap \S\ 
As que ouvia á Gupeva (e talvez tudo ; 
Que em, Poético estilo dobes soão 
Peitas por Sábios do sublime estudq. 

Que alguns entre elles com tal esírò vqSo,, 
Que involvendo-se o harmónico no' agudo, 
Parece que lhe inflamma a fantasia 
Algum Nume, se o ha, 4* Poesia 



\ 



fS POEMA ÉPICO. CANTO ttt. 

XXL 

Tendo Paraguaçú dito discreta y 
Prosegue então Oupeva os sei?s assumpto» : 
Que se as almas morressem , que indiscreta 
A memoria seria dos defuntos h 

A que servira a Lei , que nos decreta , (10) 
Que no sepulchro se lhe ponhào juntos 
Comidas , arcos , frechas ? quem resiste 
Aquém depois da morte não subsiste ? 

XXH. 

O inimigo Anhangá, logo que deixa 
A nossa alma esta carne , em fúria, á invade , 
E do mal , que cá fez , cruel se queixa , 
Até que em sombras entre , ou claridade : 

Rito do Sepulchro expresso deixa, 
Que enterrando-se em pé, oa Eternidade 
O fim buscamos, a que Deos nos cria; 
E que antçs de o alcançar , se segue a via. 

XXIII.' 

Deste principio nasce , que com' prantos 
Noite , e dia se chora o seu decesso ; 
Louvào-se nos Congressos como Santos» 
E pôe-se no sepulchro hum marco expresso : 

Tantas memorias pois , officios tantos 
A que fim se a alma acaba > eu não conheço: 
A expiação , e obsequio era frustrado , 
Se ella não vive , ou purga algum peooado* 



CARAMURU *7 

Costumes são da occulta Antiguidade 9 
due o Grão Taraandaré desde alta origê (11) 
A y s gentes ensinou , com que & piedade 
Todas no Mundo as almas se dirigem : 

£ quando algum conteste esta verdade, 
Provào-na os Anhangás, que nos afligem, 
Pedindo aos Nigromantes que a alma vendâo, 
fio q' huma alma immortal nos recommendào* 

XXV- 

, Que he desde nossos Pais fama constante > 
Que a onde o Sol se põe nessas môtanhas (li) 
Ha hum fundo lugar , de que he habitante 
O pérfido Anhangá com cruéis sanhas : 
Alli de enxofre a escuridão fumante 
Com portas encerrou Tapa tamanhas , 
Que as não pôde forçar , nem todo o Inferno : 
A morte he a chave ; e o cadeado he eterno. 

XXVI. 

Dentro nada se vê na sombra escura. ; 
Mas no vislumbre fúnebre , e tremendo 
Distingue-se com vista mal segura , 
Hum Antro vasto . tenebroso , e horrendo : 

Ordem nenhuma tem : tudo conjura 
Ao sempiterno horror , que alli comprendo : 
Mutuamente mordendo-se de envolta , 
Hum a^outro agarra , se o primeiro o solta* 



88 POEMA EPIGO. CANTO III. 

XXVII. 

Se vfetç onfo pipbrç onfo prpcrilosf*., , 
Qutndo bate escqmandq a arê^ funda , 
Como estq aguellq, engole ; e nmj^ p furiosa 
Afcmtaqha d'agqa vein , que am^as afiunda": 

Tal na oavçrqa lpbrega hoçrorpsa 
Onda > e onda de fogo os o*áos inunda : 
Este sópe ; este çlescq i e urç o^taqliamo 
ÀJaga 33 nuvens Y é descobre o abysriuô. 

.XXV-1II. 

. Aqui 9 fero Anhangá cahio, (sç oputa J 
Qqando do Grão Tupi rompia o jugo ; 
E vem do.s Ástío.su ÓH e soberbo ^rpout^, 
A ser. em ( pçnat Vtf , #o fyomém *vçr4ú,gt> ; : 
Alli corç i^ão qruel i cgm fyriii prômptâ 
Pune da nossa espécie o yil refugo ; 
E em veas de mãos ns ^i^crqnáap gentçs., 
Enrosca' çm tagqs de cruéis serpentes* '" 

XXI*. 

Alli do Grqõ T u P á P or Lei sçyera,, 
No incêndio está', que o tempo n.aõ apaga ,. 
Querçi tprpe incesto faz ; quem adultera ; 
Quem be r.éo da lasc^ia infame y e vaga ; 

Çqdq iw> fiorpp a culpa commettêra* ^ 
Tantq , ç hq pç qpiio membro o crime apaga : 
Fere-se a quem ferio; mas o homicida 
Sò porque morra mais , não perde a vida. 



'*'* CARAMtmU fc» 

• . > 

XXX. 

Sentada jio jqqlçíq da morada, horrenda l) 
jBraaca de çaqs , e imrnovel na manobra, 
ítnme/iiaa $prçibra faz, quç a cauda preadp» 
©entro jia bòpn h.Qrrjvet uma potyra : 

Com rouca vos, e intj>ma£ão tr6rn£qdf} ? 
Ao tempp prezo na yipcre^ dobra 
Diz, retumbando em eco a cavidade : . / 
Oh vida ! oh tepó ! oh morte ! oh eternidade ! 

XXXI, 

. Além da grã moiitauha, ègiq^e pcculta{lá) 
O cárcere das sombras bprroroso ; 
De mil delicias n'um terrenq exulta 
<Juem vive justo , ou quem morreo piedoso : 
Naõ se a.c&a imagem nesta terra inculta , 
ftue seja ^omljrq, do Paiz ditoço : 
O Tçmplo ' alji da Paz foi lçvantadjo. 
Sempre aberto aò prazer, e á dor fechado. 

XXXIL 

Ha do frmpnp jar/iim na va^ta entrada 
Urna grã porta <Je safiras bellas, 
Onde da çtherpa Luz reverberada , 
5e pinta em vasto fiindp um mar de estrellas ; 

Toda ella em tprno, em torno decorada 
De floridas bellissimas capellas : 
Junto voragem ha de um precipício % 
Que sorve a que se encosta insecto em vicio- 



99 POEMA, ÉPICO. CANTO III. 

XXXUI. 

Vem-se dentro campinas deleitosas , 
Geladas fontes , arvores copadas ; 
Outeiros de crystal, campos de rosas, 
Mil fructiferas plantas delicadas : 

Cuberto o Chaô das frutas mais mimosas, 
Com mil formosas cores matizadas , 
E á maneira , entre as flores , de serpentes 
Vaõ volteando as liquidas correntes. 

XXXIY. 

Latadas de martyrios ha sombrias , 
Que com a rama, e flor formão passeios; 
Onde passaô sem calma os claros dias, 
Gozando sem temor de mil recreios : 

Chuvas alli nâo ha , nem brumas frias, 
Nem das procellas hórridas receios ; 
Nem ha na Primavera, e verdes Maios 
Quem receie o trovaõ , nem tema os raios, 

XXXV. 

Entre o susurro alli das fontezinhas»] 
Harmónica se escuta a voz sonora , 
Com que mil innocentes avezinhas 
Entoa o a alvorada á fresca Aurora : 

Muitas com voos vaõ ao Ceo vizinhas; 
Outra segue o Consorte , a quem namora» 
E mil doces requebros gorjeando , 
De raminho em raminho vai saltando* 



£àhàmuru ai 

XXlVL 

Uma ave entre outras hà q' se discorre, (14) 
Ou fama certa seja , ou voz fingida. , 
Qué do jardim a nós, de nós lá corre, 
Como fiel correio da outra vida: 

Dizem que voa. quando algum cá morre, 
E exprime no seo canto enternecida 
O que alma passa nas eternidades, 
E que nos- leva, e traz doces saudades. 

XXXVIL 

Neste ameno jardim vivem contentes 
As alm&s , que no Mundo valorosas 
A Santa Lei guardarão diligentes , 
Obrando, acções "na vida gloriosas : 

Os que foraõ na guerra mais valentes f 
« a Pátria com acções guardaõ honrosas ; 
* °s que em bellico horror com peito forte 
Temem mais uma áffronta , do que a morte* 

XXXVIH. 

Aqui do firãio Tupá no amado seio 
Jjonversaõ , dangaô , jogaõ sem fastio ; 
Uns dos males passados sem receio 
C<mtaõ da crua guerra o caso impío : 

Outros da própria morte o golp # e feio , 
**fccordaõ sem pavor , coutaõ com brio , 
Hue o recordar um mal , que he ja passado ,' 
*K depois mais prazer , que entaô cuidado. 



99 POEMA ÉPICO. GANTO Hl. 

XXXIX. 

* *A1H dos Pais *s cirnas ventuço^aç 
tTnij&?..sempr$ estão qç Fil^to amado; 
E o' premia ias fstfigas Iabo v riqsa? 
Goeaõ i\o géío um d'outrp çeip cuidado : 

A Mãi abraça, as filhas amolas > 
Como o Esposo a Òojisorte em puro agrado; 
Sepj guerra x sçm çoi\tenda, sem porfia 
Pftssao ^ran^uilla a noite , alegre o ctia» 

Mas o q' he mais suave , p q* he mais docç, 
Jíe gozar-se entre tanta amenid^áe 
De todo. o bom dezejp a inteira possçj 
Nem tet de cousí* vá necessidade : 

Ôh quern de tanto beni possessor' fosse,? 
Grato Paia ! amavef liberdade ! 
Onde por graça de Tupá infinit^ 
Ninguém padece , ieme , ou , necessita. 

XLI. 

» • • ■ 

Dizendo açslm , Gupeva enterneceo-se > 
SentiAdo a força, que o mortal levanta 
A Bemaventurànça : comtnoveo-se 
Também Diogo , vendo que em luas tanta 

Taõ pouco de Deos sabe : a todos deo-se 
O eterno lume, copia da Lei santa; 
Mas bem que de esplendor inunde um pego, 
Quem he indigno de Deos, fica mais oégo. 



CARAMUHU OS 

XLH. 

Hue valam ( disse ao bárbaro ignorante J 
«Jardins, flores, delicias y e prazeres* 
faltando o Objecto em finv mais importante , 
Qaè he a face de íupá r pois de a não Veres 9 
: Todo outro bem , qaè gozes por brilhante , 
For bello , por maior , que o conceberes , 
Parada nossa s cubica mal saciada, 
He vil , he vaô , he popco , he sumo, hò nada* 

XLHIi 

Finge; que possa o Homem gozar junto 
t>estes bens cá da terra um vasto ri0 ; 
Quanto fyéos crear pode, tudo é rúmto; 
Quem áelle não gozar > ncà vasio : 

Se o mudo a hua alma basta, éu naõ pergúto; 
Que ella goze infinitos , sempre eu fio ; 
Que qual hydropesip verdadeira, 
Quantos maia possuir , tantos mais queira* , 

XLI V* 

Toda èssá gloria , que me tens pintado , 
Sem mais q' um bê ao Mundo círcumscrito , 
Nau he , GupeVa méo, mais qué um bobado , 
tara quem s6 ée farta do infinito: 

É quando tujflo ó mais dè haja logrado * 
Sebe um bem transi tório , se he finito , 
Em breve has de âentir*, & sem remédio 
Do futuro ânsia , e do passado tédio. 



94 poema épico. canto ih. 
: » xlv. 

Deos , caro amigo meo , he Deos somente 
Quem pode saciar nossa vontade: 
Chegar á parte onde o ver cofrtente, 
E vello alli por toda a eternidade: 

Todo o bem nelle está summo , e etmncnte f 
Honra , gloria , grandeza , magestade : 
Esta he ; se discorreres em bom siso , 
À idéa , que ha* de ter de um Paraiso. 

XLVI. 

Porém narra-me em tanto o qtie se penst 
Entre vós dos princípios deste Mundo: 
Quando ? como ? por quem na idéa immensa 
Se tomou a medida ao Ceo profundo f 

Qual foi o Homem primeiro, e de qual crêça? 
Ou se noticia tens do Adaô segundo? 
De qual origem sois , ou de qual gente ? 
Ou quem veio a povoar tal continente i 

XLVII. 

Memoria nunca ouvi (Gupéva dífese) (15) 
Qnde o homem nascesse ; mçs comprendo, 
Que houve principio em fim que o produzisse, 
Que sem fim , e principio eu nada entendo. 
' Como o creou naõ sei : e bem que o visse , 
Naõ pudera entendèllo ; conhecendo 
Que entre o nada , e o ser ha tal distância , 
Que a ti te creio igual nesta ignorância. 



s CARAMURU ÍS 

XLVIIL 

O primeiro homem na geral lembran$m^ 
A Tradição dos velhos mais antigos, 
Antes do grão Diluvio naõ alcança: 
Sabemos só que uns homens inimigos , 

Do forte braço na fallaz confiança. 
Encherão todo o Mundo de perigos, , 

E deraõ causa, que o Diluvio extenso 
N'um pego sepultasse a terra immenso. 

XLIX. 

t)o renovado Mundo o Patriarca 
Desde o alto monte , onde escapou, descendo* 
Depois que a grã canoa, e immensã barca * 
Em que ao alto subio , foi fundo tendo ; 

Na prole immensa dominou Monarca, 
E as varias Tribus dividido havendo 
For Continentes , e Ilhas do mar fundo , 
De toda a gente he Pai , que habita o Mondo» 

Predisse o Justo Telho o graõ castigo > 
E os Homens exhortando á penitencia , 
Nem á vista do próximo perigo 
Chaniallos pôde á justa obediência ? 

Cançado entaõ Tupà da paz *migo 
Do cruel latrocínio, e da violência, 
Quiz poí vingar-se o Padre Omnipotente 
Com aguas ápãgar a chamma ardente* 



H POEMA ÉPICO. CANfO íí/y 

Fafc' á? se abraô do Ceo, que aguas encerai* 
As catadupas 1 , côrao' ibm^so^nV*, 
£ que' a face íuuiidando-se dá terra , 
Se affogíiérn boná , é jpfiâos , justos ,, e ímpios : 

O* eTçmélítò^ êm desfeita guerra 
Confttadehl se em mêdonhóá desafios ; 
Cahe úm mar défede o Ceo , e na mesma' hora 
MaíVdar a' teiréâ do À cfenfrd ofrtro mar fora/ 

LIL 

Já rota a margem, que it^s feraixça^ praiatf 
Ãs. ondas pÒ£tò tinha o' Grão Sobfmío > 
Fâétíaq as ógíias das estremas raias, 
Onde sè ajunta còiti o mofíte o" plano:' 

Ô jSéiiè nadado? nas altas faias 
No< ftiftho está db" aíigerâr ttfeàjio : 
E em* seios as baíeas ver puderas \ 
Covíà dtis' Tigres , é aníroê de Pantneras^ 

£10. 

Hiaô em tanto os Homens mispraadoe 
De tini mòrite d* òuttfo pôr fugir das águas f 
E senv destíhó alguiú bandós, e bandos 
Correndo grítap conl piedosas magoas : 

E os Ceos dépirecâoS q' os çsòutem brandos ; 
Mas á ira de Tiipá còrh justas fràgoás 
fulminando centelhas , v é coriscou , 
Ftó maiores- oí dámnos , do que o* riscos. 



Lm 

Via>-se em longa tahoa miai segara . 
Nadar so,br'agoa a Mâi , desveaturada ; 
K tendo ao collo appensp a creatiua , 
Ora he n'agua abatida r ora elevada 

Quem desde o alto da^ casas se peadura m r 
Quem fabrica de lenhos a jangada ; •< 

Qual da fome mortal hprror concebe , 
U crê que he> menos qnal -, .se. a. mortç beba- 

LV. 

Tamandaré pprém ,de. Tupá amigo , 
Em quanto. a grâ procella horrível soa, 
Salva o naufrago Muncjo pelo abrigo , 
Que aos filhos procurou na grã canoa : 

JE a barca por memoria 4o castigo 
elevada deixou sobre a , coroa ;. 

pas altas serras, q\ie pà fama claras r ' ., 
^ eia nome similhantQ ao das Arar^ (Iflh 

LVÍ. 

baqui por varias terras espalhada '; 
Os Homens foraõ , que sepç netqrs çiro^io^.; 
tos que a frpnte de ao» / deifxou qu#imp4o$ , 
claro Saí, q^e nas^e emsçoe éxtver&p$: (1,?) 

Oqtros, que habitaõ. climas, apqrtncjos^, 
ttessa Qqr,. branca, que em tppjp^lp. vemos*? 
divididos do mar, por onde as .proas * > 
EadireitaO a nós vossas canoas, 

Q 



6$ POEMA KHCO. ÇJkNTO Uh 

IVlt, 

Se «ris de fita» das vossa* gente* , 
Saõ cousas , que nós todos ignoramos ; 
Pois do paterno chaõ sempre contenta, 
D'outras terras , c tempos naó cuidamos : 

Mas vós , que os mares passeais ingentes , 
Pbdereis inferir, se os que aqui estamos. 
Depois que de um Pai só todos nascemos , 
Com alguns entre vós nos parecemos* 

Lvra. 

Q' se em vós houve, ou ha quê assim trate (18/ 
Quem se governe assim, quem edifique, 
Ou quem com armas , como nos combate > 
Quem todo á caça , como nós se applique : 
Se ha quê devore os Homens, quãdoosmatc; 
A quem o feroz vulto imberbe fique > 
Desde Tamandaré , que he pai das gentes^ 
Podemos crer que saõ nossos Parentes» 

LiIX. 

Cooserva-se n*um Povo o afttiíro rito, 
Se o naõ altera o rito do estrangeiro ; 
E sempre algum vestígio fica escrito 
Por Tradição do século primeiro. 

Vós sabereis , se a Historia tenha tido , 
IV houve tempo, émq'o Mundo quasi inteiro? 
Sem sabermos uns d'outros se habitasse < % 
E como nós erramos , tuáo errasse. 



' Be i»» fe*re* mlnoa 4'tfttft f&vegitdtiá 
Discorrestes jtor cKraaw dlflfetèfited ; 
ÇWereís dtafttai Btutraté tép&wutos, 
Desòúbtrtos t*hret dai f #ÉSátf £cmtès : 

<feoe par wtrciu*; fcécte fie** gM«déá,, 
Tramttmtaft fitfé A6*8èe Cotitiftênteô : 
Vós direis , *e Héofen* lia tí* FttiÊa AuKMÍa 
lfú* y fc piatftdfc*, «tfflfo 1168 agofá? 

Onda Jttlguçé tóettfé* d a fititi^ô of^cfli r 
Dirte-hei ceifitt y ttftiifldtf 4 *mf>«mso lúirie , 
Há pMdwMeb N«çtt£ d* «* tòtetttii t 
. Item itó ifictoJ da JAOife* fee jfre&qtnè 
Corttf* «qnèllttif,, qtfft Gafeis» *« #*flri£èní • j 
Q»* tátnfeem e&f*ê vfe$réU*9« éèfcií*,, 
Quem te*** btt#s feUy t*n* me eòtfdU«t* 

Ji5Bft 
De Tapd) q«* % **0vft$ éoflí faftd «tónrfa , 

M*s. Splflfftcto flÉòsqMâ jft^Hfc' afeado * 
Fieâo o* ^òtotff* d* Ttffí* èfs^itéfcMfert : .í 

Sueca** fi*»tói, ÚéV htffltor vtíifr dtff S^tfà£i 

G 3 



100 POEMA ÉPICO. CANTO III. 

xun. 

Quem o blasfeme, afronte; ou que o. chame 
A ser-lhe testemunha, quando mente , • ; 
Nunca se ouve entre nós cõ m faria infome( 19) 
E só de o imaginar se assombra a .gente, . 

He raro quem o adore , ou.quemo amje ; 
Mas mais raro será quem insolente- 
Tenha do Suuimo Ser tão cega incúria 9 
Que trate o noiíje seo pom tanta, #ijuria«_ : 

LXIT. 

t)e externo culto a Deos ha pouco índi<5fo ; 
Senão he no que egtimaa bruto enganar . * 
De fazermos cruento, saoirificio y ^ i»r j... 
Não do cangue brutaU poréml4o hujntíaw.>(20) 

Vejo á luz da razão i que he faiorvióio , 
Qiuvae iíistineto repugft& por . tyr&nad »j ^ 
Mas m&tar quem :f*Q£ m&ia.p^cttroératiçaí* • 
N.a.p ;> )]^;.;VÍQtiflia ^gçaiila. Jutftiftfcjibj u. \.:{j 

JÍXY; 

; A Jfufttiga^do Çço r^eoah^emnsijV •».; 
Contra quem delinquente ^.profanaste-; 
Poi^-rsuppliçios contratos máo* extremos > 
E eu* jvisfo sacrificir* a- pena ã&*Be* x , ^ .. 
* O r n)jálfèifco? t ,o réo^ quando re, prendemos, 
Cojnjt^aetro ji\o a^ oã*emoaia p .fas&»8èji É * ... 
íii^ej; qitejKi no sangue v impio a /Deos vindica , 
Este ~$r ^aplaca fiémente,.ç eacriíi ca. £(£■!')* 



CARAMURU 10Í 

cxvr. 

 i&rma do governo por abnso 
Anárquico entre n6s seta lêt se offrece ; 
Mas nos qne fazem d& f âsaô 1>om uso » 
Justa Legislação reinar parece : • ' 

Nem. nos tomes por Povo tão confuso , 
Que um publico poder naõ conhecesse ; 
Ha Senado enfVe nós sábio , e prudente, (22) 
A quem o Nobrtí cede, a humilde gente. 

LXVII. 

YagMiorsenípife, e nunca umftrme assento 
Nos deixâo ter da caça os exercícios: 
Buscamos ndla* os próprios alimentos, 
£ habitamos onde a ha , ou delia' indícios : 

Estes saõ de ordinário os fundamentos 
De oceupíar«-nos em bellicoe oficies : 
Verás as genrtes em. continuo choque 
Sobre a quem ò terreno , cm praia toqpe;. 

Em varias castas /íe* NàçSes persas 

Dividido" o Sertaô vagar costuma v*"'. '' •" 
E bem /qne vagatwndas? *&vidispeT8as^' 
Confederaõ-se as Tabas vdè» ca^a- mna~ (23) 
Em guerra , e paz, e<era sedi^sf perversas 
Ao Pátrio nome naãèefiegq. aigtffttavM t .' 
E se o" Senado O' quçr , por justes ínnd<3»- 
Põem-se todos : em «jnz /eanhâo-se. todos*- 



10| POEMA ÉPICO. CiiVTO Ifl, 

Lm. 

Saõ nos Senados, merobroç , cabftiW* 
Os Velhos 9f|bío9 * Capitães valentes j 
Os que tem sòccorrid» em grande» presa» 
Com cónselfíe* i Pátria mais prudentes; 

Postes es ordem dimanando esprosens, 
Uirç e«í *e naô rejrá nas nossas fintes > 
Que rompa * neq Qedendo a Potestade » 
Este. laço d* taunfcqa sociedade. 

LXX. 

Destes una da Suprema Bivirniad* 
Ministros saô , nes festivos dias , (14) 
Fazçndo-se qualquer soleaimdade f 
O Poyo exhortaô eom lembranças pias ? 

Hwaraõ oa&tanda a eterna Magestade, 
Com sons , que para aós saõ melodias : 
Cousas , que se Anhangá eoraompeo tanta» 
Ve-se que aaacem de Principio » Saata» 

LXX1. 

Estes Chefes de. culto venerando 
Mantem-nos a oblação do Povo ereote s 
Saô Mestres santos, e por nos oi^nda, 
O lume da rasai mostra evidente , 

Que em tau suhUme oficio ministrando i 
Tem direito a que o Publico os sustente : 
Pois nelles he mçis justo que á lei valha 
De comer cada un\ dopdc trabalha. 



CÀRAMURU y» 

Punimos ò homicídio : quem mutila , 
Quem bate , ou fere , naõ evita a pena ; 
À sentença elle a dá* Deve subila (26) 
Qual foi a culpa, com justiça plena: 

Quem matou , morrer deve : assim se estila 
Por Lei Sagrada , que a Equidade ordena : 
Quem cornou pé , ou mjio , braço , ou cabeça > 
No pi , no broso y e maõ tanto padeça. 

mim 

A fé do matrimonio bem declara , (26) 
Que o vago amor a Lei ofenderia, 
Se se pudera usar sem que um casara» 
Quem he que nesta Mundo casaria? 

Deve morrer quem quer que adulterara ; 
Sem isso quem seo Pai conheceria ? 
£ o que extermina a Pátria Potestade * 
Quem não vê que repugna a Humanidade* 

LXXIY. 

Quem Pai > ou Mãi conheee com incesto , 
Ou quem corrompe a Irmã , padece a mortç ; 
Nos offioios dos Pais he manifesto , (37) 
Que confusaé nascera desta sorte: 

Ser a filha mulher , naõ fora honesto* 
Dominando em seo Pai , como consorte : 
Se o Irmaõ no Matrimonio á Irmã seguira , 
Sempre o Género Humano mal se unir». 



im POEMA EJPICÔ. CANTO III, 

lxxv; 

Devfe a humana geral sooiedadte { 
Para gozar da paz cofn doce laço, • 
Vincular do» mortaés a variedade (28) 
De um consorcio tfeliz na caro abrace : 
r Deo^noso Ceo por orgaõ <ia amizade ,* 
Deo^-nos como outra m&o , oomo outro braço 
A consorte , cm que o anlor com fé se excite ,* 
Naõ por pasto brutal (teutu ôppetite. 

LfXXVJ; 

E houvera sem :i priz&o, qué hetaõ suave, 
Dominando entre >os hbnfèns desde o Averno 
A discórdia cftiel y e a* inveja -grave, 
A contor-se o hymeneo no* amor fraterno: 

Nasce dò amor a paz ; o amor he a chave» 
He o doce grilhão , vinculo eterno , 
Que se* o vil' interesse algum desune* 
Os peitos abra 5 e os .corações nos une- ' 

Lxxvtr; 

Movidos deste fim por sa3 odstume 
Julgâ*a<>* nossos* Pais : na antiguidade* 
Que se ©ffendé no incesto o impresso lamei 
Como contrario á pafc da sbcteddtte : 

E<"sèftío Ceo preside 6 Santo' íNanies 
Ao soec\?go- da triste Humanidade j 
Quétf* tktvddâ quê- fc*time pouco bonést* 
Conh6cer.so .ot frmúoâ fco«i 'feio' incesto; ? 



CÂRAMURU !0£ 

Lxxvni. 

"Entre nós quem elege a Esposa amada , 
Pede ao* Pai , ou Parente"; e sem pedilla,' 
Naô se julgara a fethea desposada , 
Por deixar a família assim tranquilla : 
. Que se orfa fosse aftastf abandonada,' 
Só pertence ao vizinho' o permitilla ; 
E convindo ou seo Pai , ou seo Parente^ 
He sem mais matrimonio* de presente. 

LXXIX. ' 

Furto ètre nós naõ ha: cje q' ha de havello ? 
O que ha, come-se logo; "e sem que o enfade f 
Um tira d'ouiro o que acha, por cotnello ; 
E anda ao pé da pobfesa a caridade : 

À calumnia , a traição, o amargo zelo' 
Tem por penaa cocnmua inimizade ; • 
Nem ha-, se o entendo bem , maior castigo , 
Que o 'Munda* todo ter por inimigo. 

LXXX. f 

Outra' Lei depois desta he fama antiga, 
Que observada já foi das nossas gentes ; 
Mas ignoramos' hoje a : que ella obriga , v 
Porque m nossos Maiores pouco crentes , i 

Acharorio-a de seos vícios inimiga, 
Recusarão guàrdalla ,• mal contentes : 
Mas na. memorin o tempo naõ acaba, *" 
Que apTiígtra Súmé Santo Imboaba..(2$) '-' 



/ 



; \m POEMA ÉPICO. CANTO 01. 

LXXXI. 

Homero fei de semblante reverendo, 
Brwco de oop, e como tu, barbado, 
Que desde donde o Sol nos vem nascendo , 
De hum Filho de Tupá vinha mandado : 

A pé sem se affundar (caso estupendo !) 
Por esjse vasto mar tinha chegado ; 
E na santa doutrina , que ensinava , 
Ap caminho dos Ceos todos chamava. 

íãXOU 
Com grande mágoa ignorasse o que disse; 

S*s nào se ignora , que da santa booa 
um conselho utilíssimo se ouvisse 
De plantar, e moer a mandioca: 

Que havia de tornar , também predisse , 
Defede o Ceo, a que amigo» nos convoca, 
p na Terra, ou no Ceo, que elle estivera, 
Eu o iria a encontrar , se elle não viera- 

LXXXHI. ^ 

. Contâo que quando ao nossos c4 pregava, 
Poder mostrara tal nos Elementos, 
Que. ás ondas punha lei , se o Mar se irava, 
E da hum aceno $6 domava os ventos ; 

Òs ujstos se Ifyf nbri*o, quando entrava, 
E os Tigres feros a seus pés attentos ; 
Pareciâo ouvir, corno a outra gente , 
Feefejando-o co'a cauda ^ brandamente. 



CÁRAMURtf lai 

UCXXIT. 

Às agua* donde quei*, em rio, ou lago * 
$e as chegava a roçar com né ligeiro , 
Nio pareciâo do elemento vago, m 
Mas pedra dura, ou folião terreiro: 

Só com chamar seo nome , sesãa o estrago 
Se q furacão eom hórrido chuveiro, 
Quando na nuvem negra se levanta , 
Ou derriba ? cabana , ou quebra a planta» 

Porétp tieçando &s pregações o ouvido , 
Ylnka o Caboclo do Sertão maia bruto 
Contra o juste Suíné de Peos querido 
A matallo , e comello resoluto : 

Pudera elle fazer ♦ sendo offendido, 
Que elle» conhecem da cegueira o fruto ; 
$£a« pede ao prostrado a Deoa que o croe , 
Í que a ignorância aos míseros perdoe. . 

JUAaà VI • 

Os feros pois na fúria contumazes 
Tomaõ as frechas , e bramindo atir&o ; 
( Mas quanto pelos teos , Tupa , nau faajea ! ) 
Contra quem atirou pelo ar se virqò : 

È nem assim se mostraô mais capares 
Dea annucios de paz 9 que era tanto ouvirão , 
Deixados Sumé , e um rio a borda cheio , 
B só compor-lhc um pé , parti-a ao meio* 



10S FOEMA EPlfcO. CANTO IH, 

LXXXVH. 

• Contaõ ( e a vi st aí faz que a gente o crêa ) 
Que onde as correntes d'agoa arrebatadas , 
Se vaõ bordando* com a branca arêa, 
Ficáraõ de seos pés'. quatro pegadas: 

Vem-ee ciaras , patentes , sem queavca 
As tenha d 'agua no seô ser mudadas: 
E enxercra.se mui bem sobre os penedos 
Toda 3 forma do pé com planta , e dedos. 

lxxxviii. 

Assim Gupeva concluio, dizendo,* 
Nem mais tempo ao discurso , haver podia 
Por aviso 1 , que os campos vem batendo 
Turba inimiga em vasta .companhia : 

Ás armas, grita, ás armas, e o eco horrêdb , 
Retumbando nas. arvores sombrias » 
Fez que as mais , escoltando os mnrmurinhes» 
Apertassem no peito os< seos filhinhos-'. 

LXXXIX< 

Nâo te espantes , diz Diogo , naô alteres 
A paz dentro as cabanas beilicosas ; 
Em quanto novas- certas naô souberes, 
Basta pôr guardas -nos confins forçosas - 

De noite naô te empenhes , se temeres' 
Qujt te invadio com tropas numerosas, 
Pce-ite na defensiva > e bem que freme , . 
Quem te busca de noite , he quem te teme» 



V T 



;CAUAMUBU^ . i W 



r • » < l | 



- Quanto mais que o trovão rias mãos preparo 
-Contra teos inimigos neste affogo ; 
&em duvides qae logo qtíe disparo r 
Tudo em chamas naô vá , tudo arda* em fogo : 
Disse, e lio favor aahio de um luar cfofo V 
.Disparando o mosquete ern mareio jogo J 
K em quanto atira , todo o' bosque atroa 
Pelo hortor da bozína, xomquesoa. 

* * • 

Qual dos monos talvez tropa" nojosa 
Sahio do intrior mato em negro bando ; 
E se a frecha um derriba, vai medrosa 
Em fuça pelas arvorei saltando: 

Tal oavindo a bobina pavorosa *' »• 
Er o arcabuz com trovaõ relampagueéndoV 
Correm >; caliem; despenhasse na estimai 
De que , o , Çoç todo 1 hje &ahia en> .simar* . . y 



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tM POEMA EPiCO- CANTO III- 



(1) Legiões do Ax>trtu>. He constante o cO- 
*heebnento que tem o* Bárbaros da Atne* 
rica dos «pintos infernaes. De quem o aprerò> 
der*õ ? Quem lhes inspirou estes seíni men- 
te» ? Kespendúo os Materialistas , e Líber 1 
tinos ? Como era po&sivel que concorda&Mni 
com as outras gentes estas Nações ferinas , 
e *em algum comtnercio? Gomo era factí- 
vel que cewervassein depois de tantos sfe 
culos taõ clara noção de espíritos separados i 

(2) Um Dtos. He injuria que se fas por 
alguns- Author es aos Brasttirçnses , &tp£bn- 
do-es sem conhecimento de Deos , Lei , ê 
Bei, Elles tem a vos< Tupá Com especial 
dignificação de um Ente Supremo , como sa- 
bemos dos Missionários , e dos peritos dos 
seos Idiomas. 

(3) Mm te mfoMéêê. Naô admittimõs eni 
Deos seiéneia condicionada^, e exploratória ; 
mas he certo que com .determinado oonhe* 
cimento conhece nos objeotos as suas con- 
dições , e que na ezecuçaõ ao menos priva 
da sua Graça alguns , qae antevê que aba* 
sáraõ livremente delia. 

(4) Espirito immortaL Os Bárbaros Ameri- 
canos tem distincta idéa da Im mortalidade 
da alma , Ao Par aisò , do Inferno , da Lei , 
&c Veja*se o Martiiiiore , O^rio it r$bm 
HnmanutKsy e outros* Grande argumento 



CARAMUItU .. llt 

contra ~cA Libertinos , e Materialistas. Pois 
quem lhes transfandio estes conhecimentos* 
senaô a antiga Tradição dos tempos Dilu*- 
vianos , e a harmonia , que esta* Tradigèe* 
tem com a natureta ? 

(5) Laço demo. A verdade, e indelével 
impressão que delia sentimos no espirito 9 
he cm grande argumento da Im mor tal ida- 
de , a que recorrerão maiorarente Platão v 
Santo Agostinho , &o. Convence-se dos còv- 
tumes , e ritos dos Brasilienses * antiga per*, 
tsúasa? , <qne tem da imáiortalídaAe da alma, 

(6) Providência. O argumento da pena * e 
eastigo * que se deve aos injustos , e do pre- 
mio , que se concede aos bons , he prova, 
innegavel da immortalidade da alma , sup- 
posta a Divina Providencia , porque vemos 
morrer sem premio a piedade de muitos , t 
sem castigo a injustiça. 

(7) Destino. He está a invencível, euni«- 
versai prova de ser mortal & alma do frru- 
to : porquê por experiência 1 e péla *tia ót* 
^aniâaçaó vemos quê tem um fim limitado, 
temporal, e ordenado a servir o Homem 
ia vida mortal* Tudo ao contrario ap Ho* 
neçn mesmo. 

(8) JS se immortcd nascera. A Immortàlídadé 
>or naturesa, e essência he privilegio d* 
>ivifcvjqde. Adão nasce© itamòrtei por groçç. 



MJ POEMAvEPICO. JCANTO III. 

t (9) .Cánfões. Sei que Martiniere afirma não 
ter ouvido nas Canções Brasilienses indicio* 
-de Rejigiap. Mas sup ponho bem que, n&õ ve- 
da todas i e -creio .que seja irnpoesivei tei 
rem elles conservado, as Tradições •, que o 
mesmo . Author confessa , sem çste , ou iguas 

• : (,1P)- ftw ? W» ikçreta. Todos estes ritos, 
,qviQ: subsistem ,nosi AmeriQanos > wn vencem 
^uo as alroaa sobrevivem £«*$ oorp^g , e que 
são por tanto inuflOrtaes*,* - .l. » - # - 

(II)' Támahdarê. Noé^,- 8egtfrido'as~ no cm es 
do Diluvio que i depois veremos., 

(12) Montanhcy. Ci^m os Braailieascs que 
4iò meio das- montanhas ,• que dividem o Bra- 
sil* do- Pépú ; ha válles profundíssimos, aon- 
de- sa5 poniçloe os innfpitm. Wéa expressa do 
Infenú*-,- em qrie .'coitcordaõ com todas as 
gentes, e dão claro áflw^l nesta persuasão 
4e.;^bepem-.no pqr Tr^di^aãTqriginal'dos pri- 
anfirmM que jpovoaç&p p, A^erjtca, Não po- 
de, .haver árgiirfteftto; jmais conveniente para 
encher;. d$ : ço/M#saõ,r08»,PieÍ£tas ^Libertinos, 
e. RlMçrialistas., Urpa Trajrii$90.»tâp. , antiga, 
\op. &?ni§ nestes J^rfearos ,.;he.elja uma in- 
venção por ventura de al#un§ homens su- 
ppFSJjiok^qíi 4 , e tapuçtqftesi dap Nações d'Asia, 
pu da nossa, Europa ? K . t 
, r (.13) v2/em da grã montonha* Os. Bárbaros 



I 

CARAMUUU 113 

kíhxti que haja lugar destinado para premio 
4òs bons, e collocâo-no além daa montanhas 
do Peru. 

(Í4) Uma aot. Pèrsuadem-se os Brasilien* 
fees haver úma ave,^ fchamão Colibri.*' 
a qual Jeva, e trafc í^otieia do ôíítro Mun« 
Ao. Argumento innegavel da ét^otbnsa so- 
bra a Immortalidade da alma.' 

(15) Mkmàtia. PÍaõ tem oâ indígenas do 
Brasil idéa da Creaçaô , mas só de Noé , e 
do Diluvio , e mui confusa dos homens an- 
te-diluvianôs. Tudo argumento para conven- 
cer aos Incrédulos da Historia Saçrada , e 
do Diluvio universal nella referido. Veja-se 
Sebastião da Rocha Pitta, e Francisco da 
Brito Freire na Historia Brasílica. 

(16; JIraras. Entende o Poeta os montes 
Arat, onde ficou a Arca. 

(H) O claro Sol. Entende os Africanos, 
Que fioão ao Oriente da America. 

(18) Qtte st em v6s hottve. A maior parte 
destes sinaes se aohaõ nos Tártaros da Co* 
réa , e em outros Salvagens fronteiros a Ca* 
lifornia. Nem duvidamos que estes, gelan- 
do-se alli os mares , passassem ao continen- 
te da America pela parte mais Septentrronal. 

(19) Nunca se ouve. O juramento, blasfé- 
mia , e imprecação saõ vícios ignorados en-/ 
tre os nossos aalvágens : e raríssimos entre 
os Tártaros. H 



114 POEMA EPtCO. CANTO ttl. 



• (ffty A» tomar*. Não ha indicio de 9ra& 
ficio no» Indígenas Brasilienses : mas geada 
as victimas humanas praticadas no México, 
Peru , e em outras Nações da America , per* 
çuadimo-Bos que a sertemnidade dos homi- 
cídios rios habitantes do Sertão be um ves- 
tígio dos Sacrifícios costumados entre os mais 
Americanos. 

(3,1) Sacrifica. O Sacrifício he cem eflesto 
ttma destruição da victima , e , como expia* 
tório, satisfazia á justiça com o sangue. 

(££) Ha Senado. Todos os que escrevem 
os costume» dos Brasiliano* , confesftao que 
presidem ao sep governo os Anciãos, eos 
Frincipes das Tabas , ou Aldeãs :*e que ou* 
tra cousa be o Senado ? 

(2$) Tabas* Assim chamaõ os BrasHienses 
is suas Aldeãs. Veja- se o Diccionario da 
Çtramniatica , e lifrgua Brasílica na voz Taba. 

(24) Ministros são. Espécie, de Sacerdócio 
nos Brasilianos : e consta que os Povos con- 
correm para o seo sustento com ofiertaa. 

* (25) *â< sentença tllt a dá. Os. Authores dt 
Historia Brasílica descobrem nos Bárbaros 
do Sertaõ a Lei celebre de Talião. Da mes- 
ma sorte lhes attribuem Leis parapuâiro 
adultério, e o incesto, em primeiro, O: se- 
gundo, gr&o. 

' (âô) & fé do . TBotrimoniQ, Martiniere 



CÀRAMURU tii 

4fTÍÍS ffiF SrtffdhéiíS^f CcIítiSf ^^^JanfiTcTaii 
gama honestidade. Será dissolução da gen- 
te barbara : mas a constante Tr$diçaõ de 
oonjugarem-se em matrimonio he .argumen- 
to , de que- repumar .aos* seos costumes a 
Vénus Toga', é setfi ÀtefK 

(S7) JVfor oj^cíot Am Pau. Re a rasaõ suf- 
fiõiente por onde se faz illicito o incesto. 
Repugna â Pátria Potestade servir á Es- 
posa, e entregar-lhe e poder sobre o seo 
corpo, sendo ella sucí filha ; isto he , intei- 
rainepie styeíta, *p seo jdoroutio. .> <. :. ., 

(2&y Xfet nefíats a va<ritdafk. Jlat&p suffict- 
ente, ,por «onde. repugna aos Direitos àH 
Sociedade o incesto ertí seabncto $ráô> In^ 
pediria, o cocninercio , e confedera ç^5 do Gé- 
nero ifomt&e q resttàngirem-se os maíriauí- 
Bios &©s irmãos : e . aafturajntettte rç> nestria^ 
girteA ,pela 0cc*si*ô<j ?$ijfogsoj* lictíos.-..; , 

(£9) Stuné. O Padre Nóbrega, primeiro, e 
insigne Missionário dU Brasil , refere quan- 
to aflui diremos .do .Jfoatol&g £h«ftkJíe- 

f^iioe, escrevendo a vida ao mesmo Nobcegp* 



r 
t 



li» 



11S 

SSS . J I _UL 






OANTO IV- 



Era o Invasor nocturno um Chefe errante 1 
Terror do Sertaô vasto , e da marinha * 
Príncipe dos Caetés , Naçaõ possante > 
Que do Graõ Jararaca ao nome? tinha: 

Este de Paraguagú perdido amante , 
Com ciúmes da donzeila , ardendo vinha : 
ímpeto que á rasaõ batendo as azas, 
Apaga o claro lume, e açcende as brasas* 

' Dormindo estaca Paraguáçú formosa , 
Onde um clái*o ribeiro á sombra corre ; 
Laaguida está , conto ella , a branca rosa > 
E nas plantas com calma o vigor morre : 

Mas buscando a frescura deleitosa. 
De úm grão maracujá , que ai li discorro * 
Recostava-se a bella sobre um posto , 
Que encobrindo-lhe o mais , descobre o rosto* 



CAKAMURU 117 

HL . 

Hespira ta© tranquila, tão serena, 
X èm languor taõ suave adormecida, 
Como quem livre de temor , ou pena , 
Repousa , dando pausa á doce vida : 

Alli passar a ardente festa ordena, 
O bravo Jararaca a quem convida , 
A frescura do sitio , e sombra amada , 
£ dentro d'agua a imagem da latada. 

IV. 

No diáfano reflexo da onda pura 
Avistou dentro d'agua buliçosa , 
Tremulando a bellissima figura , 
Pasma , nem crê que imagem taó formosa 

Seja cópia de humana Creatura ; 
£ remirando a face, prodigiosa , 
Olha de um lado , e d'outro , e busca attentò; 
Quem seja Original deste portento, 

V. 

Em quanto tudo explora com cuidado, 
Vai dar eo's olhos na gentil donzella ; 
Picassem ugo d'alma arrebatado, 
Que toda quanta tem se occupa em vella : 

Ambts fórá de si, desacordado 
Elle mais , de observar cousa taõ bella , ♦ 
EUa absorta no somno, em que pegara** 
Elle enoaiitado a côntemplar-lhe a cara. 



A 



f )| POEMA $FfiW. .CANTO IT. 

?* 

Qu\q*f9 feia faljar^jaw na* acerta* 
Por ip*i* 9*3 dfntro em 91 fitai* etf tudo; 
Ella df um jrço suspiro olho? , deaperta » 
Elle daqvjçUç *4har -ficou toais muqo: 

Ley^ta?** 9 dpnzella maí cuberta ; 
Tomando fi rama por modesto e?oudp ; 
Poz;lb^ N ft$ olhos entaô, porém ta? fera? 
Como gjHifla » fe$Uç*a sçr podara* 

TH. 

Voa, At* omm p&lo d£**p mato 
A buscar nç oabapg p aço retiro ; 
E indo elle t jiiupirar > vê que jiH)m a<#p , 
Era <n^> sUa fugip do aeo sqppiro: 

Nem torua o triste a #i por lom?o Jtf*$o , 
Até que danáo £ magoa algum respiro » 
Toy * afcçr fondp habita , ou quem seja *1U 1 
íeguio, ypapfip, ot paftipi 4» d?R**U* 

VIII. 

p$ Tap^riça ura Príncipe posaaot? , 
Que dgíiuaia, $ dá nome á fértil Ilha, 
Veio em breve a saber o cego amaatf 
JTer paawydo a ípriaosa maravilha : 

"Pedio-lhp Jararaca, vgndq diante, 
Ao ht4© de, fftg* Pai§ , a beil* filha: 
Convém tq^f^ » npas ella n*o con^entp , 



CÀfcAMURU «9 

IX. 

Ardenée, parte o bravo Jarferáea 
D'ansia, de dor, de raiva, de despeito; 
£ quanto encontra , embravecido ataca 
Cem sombras na rasíto. fúrias no peito : 

E vendo a chamma, o Pai, q' naõ se aplaca, 
Per dar-lhe Esposo de maior conceito, 
Por Consorte Gupeva lhe destina , 
Cem quem ao sangue , e estale mais confina* 

Lego que por cem bocas vaga a fama 
Bs Esposo eleito a condição divulga, 
Irado o Caeté , raivando brama ; 
Arma todo o Sertão , guerra promulga , 

Tttdo acceodendo em bellioosa chauima, 
Investir por suspresa astuto julga , 
Com que a causa da guerra se conclua , 
^icaado Paraguaju ou morta, ou sua. 

Mas sendo de improviso em terror posto r 
E ouvindo do arcabuz a fama f e effeito , 
Nâo permitte que p. susto assome ao rosto, 
Mas reprijtne o temor dentro em seo peito : 

Convoca um campo das Nações composto , 
Com quem tinha allianga em guerra feito ; 
£ excitando iaa plebe a voraz sanha , ^ 
Cobre de. Legiões, toda a campanha. 



12» POEMA KPICQ. CAUTO tf. 

XII. 

Em seis brigadas da vanguarda armados ^ 
Trinta mil Caetés vinhâo raivosos , (1) 
Com mil talhos horrendos deformados 9 
No nariz , face , e booa monstruosos : 

Cuidava, a bruta gente que espantados 
Todos de yellos , fugíraõ medrosos ; 
íeios como Demónios nos acenos , 
Que certo se o não sâo , s*o pouco meãos* 

XIII. 

Da gente fera , e do brutal cominando 
Capitão Jararaca eleito veio 5 
Forque na catadura , e gosto infando 
Entre outros mil horrepdos he o mais feio: 

Que uma horrível tisrura peleijando, 
He nos seos bravos militar aceio ; 
E traz entre elles gala de valente , 
Qnem só cqm a oara faç fugir a gente» 

XIV. 

Dez mil a negra cor trazem no aspecto > 
Tinta de escura noite a fronte impura ; 
NegrejaJhe na testa um cinto preto, 
Negras as armas sáõ , negra a figura. 

Sâo os feros Marga t es , em que.* Aleoto 
O Averno pinta sobre a sombra escura'; 
Por timbre nacional catfo, peesoa •« . 

Rapa do mçio áo cabolla,a coroa* do* 



jCARAMURU 121 

xv. 

Cupaiba , que empunha a feral maça, 
/Doía o broto Esquadrão da crua gente ; 
'Cupaiba, qup os miserôs que abraça. 
Devora vivos na batalha ardente : ' 

à roda do pescoço um fio enlaça, 
,Onde , de quantos come , enfia um dente ; 
Cordão , que em tantas voltas traz cingido , 
Que he já mais que cordão longo vestido. 

XVI. 

-Urubu, monstro horrendo, e cabelludo, 
Vinte mil Òvecates fero doma; (2) 
Por toda a parte lhe inçúbria tudo 
Cpm terrível figura a hirsuta coma r 

MQnstro disforme, horrêdo,álto, emèbrado> 
Que a imagem do Leão rugindo toma , 
SPão feio , tio liorrivei por extremo , 
Que he formoso a pçtr delle um f olyfemo* 

XVII. 

Fogem todo o commercio da mais gente ; 
Ou se se vissem a tratar forcados, 
Que lhe possaõ chegar nenhum consente , 
Senão trinta, ou mais passos apartados: 
' Se alguns se chegaô mais, por imprudentes, 
Coipo Leões , ou Tigres esfaimados , 
Mordendo investem os que incautos forão , * 
E a carne crua, crua lhe devoraõ. . r . i 



Mf POEMA ÉPICO. CANTO IV. 

xvm. 

Sambambaia outra turma conduzia, 
Que as aves no frechar tão certa vexa » 
Que nem voando pela etherep via 
Lhe erravão tiro de volante frecha : 

Era de pluma o manto , que o cobria ; 
De pluma um cinto , que ao redor se fecha ; 
E até grudando as plumas pela cara, 
Nova espécie da monstro excogitára. 

XIX. 

Seguem-no dez mil Maques , gente dom 9 
Que em cultivar mandioca exercitada , 
Não menos útil he na agricultura, 
Que valente em batalhas com a espada : 

* Tomar ãp estes , como próprio cora , 
De viveres prover a gente armada ; 
Quaes torravaõ o Aipi ; quem mandiocas ; (3) 
Outros na cinza as cândidas pipocas. 

XX, 

O bom Sergipe aos mais cohfederado 
Comsigo conduzia os Petiguares ; 
Que havepdo pouco d'antes triunfado, 
Tem do dente inimigo amplos collares : 

* Seguem seo nome em guerras decantado 
De gentes valerosas "dez milhares , 

Que do férreo madeiro usando o estoque, 
Dispãravâo com balas o bodoque* 



CARAMURU f*f 

XXL 

Nem ta faltaste alli , Grão Pecicava f 

§ mando a Carijó das aureaa terraa ; 
u que as folhetas "do ouro, que te «ornava f 
Nas margens do teo rio desenterras : 

Torraõ , que do seo ouro se nomeava , 
Por crear do mais fino ao pé das serras ; 
Mas que feito em fim baixo , e mal presado 9 
O nome teve, de ouro inficionado. (4) 

*XIL 

Muitos destes he fama que trasiao 
Desde alto cerro , que habita vaõ d'antes , 
Com pedras , que nos beiços embotia? 
Forrtiosos , e bellissimos diamantes : 

Outros áureos topasios lhe ingeriaõ ; 
Alguns safiras , e rubins flammantes ; 
Pedras que elles despresâo, nós amamos; 
Nem direi quaes de nós nos enganamos* 

, XXIII. 

O feroz Sabará move animoso 
Dos de. Agirapirapga seis mil arcos ; 
Homens de peito em armas valoroso, 
Que de sangue em batalhas nada parcop; 

Deixarão seu terreno deleitoso, 
Por matos dentos , pantanosos charcos; 
£ ouvindo dos canhões horrendo estouro, 
Passarão desde o mar ás minas do ouro* 



Í«4 POEMA ÉPICO. €ANTO W T 

XXÍV. 

Seguia-se nas forças tSo robusto, 
Quanto no aspecto feio , e em traje horrendo. 
Hum , que com fogo sobre o torpe busto 
Dons Tigre» esculpira combatendo : 

Este he p bravo Tatu, q' /enche de susto (5) 
Tudo , c* o Grão . Tacape accommettendo ; 
B que mil cutiladas dando espessas , 
Derriba troncos , braços , é càbegas* 

XXV. 

Debaixo do seu mando, em dez fileiras 
Doze mil Itatís formados hião ; 
Surdos, porque habitando ag cachoeiras. 
Com ó grão rumor d'agua ensurdeciâo : 

Pedem os seus inarraques por budeiras (6J 
De longas astes, que pelo ar batiâó, 
Btjtpprindo nos inconditos rumores 
O ruido dos bellicos tambores* 

XXVI. 

Em guerreiras columnas , feroz gente , 
Que no horror da figura assombra tudo , 
Trazem por armas uma massa ingente , 
Tendo dè duro lenbo um forte escudo : 

Frechas , e arco no braço armipotente ; 
Nas mãos um dardo depáo santo agudo ; 
fibbre osf hombros a rede , a cinta as cuias, 
Tal era a imagem dos cruéis Tapuias. 



ÊARAMURU ttt 

XXVII. 

Quarenta mil de dor todos vermelha , 
Conduz ao campo o forte Sapucaia : -» 

Dez mil que tem furada a longa orelha , - 
São Amazonas de, feminea laia : 
; He o amor conjugal quê lhe aconselha 
A descer dos Sertões á vasta praia , 
Por achar-se nos lances mais temidos , 
Ao lado, sem temor dos seus maridos. 

XXVIIh 

Brava matrona de coragem . cheia , 
A quem o mareio Jogo não perturba, 
Na forma fcella , mas^ ppr arte feita , 
Vai commandandq na feminea turba : '• 

Derão-lhe o nome os seus da Grã Baleia ; 
Nome , que ouvido 09 bárbaros dísturba ; • 
I)e namorados uns , que á tem por bella ; 
Mas outros com mais causa por temella. 

XXIX. 

Ouve-.se rouco som , que o ouvido atroa > 
Retumbando cotn eco a vot horrenda' 
t>e ; um grosseiro instrumento r q' a arma soa, 
Com que se inflamma entyre ellcs 3 contenda» 

E quando o horrível som mais desentoa,' 
Faz que no peito mais furor se acc^n^a^ 
De retrocidos páos sâo as cornetas ; 
De ps&os humanos frautag , o tronbetas. - r 



/ 



ít* POEMA ÉPICO. CANTO W> < 

XXX, 

Com batalhões a espaços separado* 
Triplicado cordão sè vê composto ; 
E era silencio admirável ordenados, 
Ao redor vão dó outeiro em meio poStp} 

Costuma um Orador fallar-lhe a brados, 
E ardendo-lhe mil fúrias sobre o rosto, 
O ar co-a espada furibundo corta , 
E a eonbater valente a turba 



XXXI. 

Jararaca no mando então primeiro, 
Ao Sacro*, e si vil rito presidia', 
E no mais alto do sublime outeiro 
Entre hitm Senado ancião se distinguia: 

Aos outros na estatura sobranceiro 
A's costas de hum Tapuia , que o trazia j 
De um lado a outro majestoso corre, 
E cfom geral silencio assim discorre. 

XXXII. 

Pâiàias gfêàètosos, hoje he o dia, 
Que aòS vindouros devemos mais honrado» 
Em qúe ; mostreis que a vossa valerftia 
Nào receia o trovão, subjuga o fado: 

SabeiVqúe de Gupevaa cobardia' 
Pb** Fiího do trovão teni acclataado 






Hum luboaba, que do mar rlêt&\ (if 
"~ 3 vtth pouco de fogo que átoeitâfafi 



CÀRAMtfBU Ift 

XXXIII. 

Postfado o vil aos pás desse Estrangeiro * 
Rende as armas com fuga vergonhosa, 
E corre voz que o adora lisopgeiro ; 
E até lhe cede com o sceptro a Esposa : 

£ que pôde nascer do erro grosseiro í 
Senão que em companhia numerosa 
As nossas gentes o Estrangeiro aterre, 
E que a uns nos devore, outros desterre? 

XXXIV. 

Se o Sacro ardor , que ferve no meo peito, 
Não me deixa enganar , vereis que hum dia 
(Vivendo esse impostor) por seo respeito 
Se enchera de Imboabas a Bahia : 

Pagarão Tupis o infano feito, 
E vereis entre a beilica porfia 
Toraar-lhe esses estranhos já vizinhos, 
Esoravas as mulheres c'o* filhinhos. 

XXXV. 

Vereis as nossas gentes desterrada* 
Entre os Tigres viver no Sertão funde r 
Cativa a plebe , as Tabas arrombadas } 
Levando para além do mar profundo 

Nossos . filhos , e filhas desgraçadas; 
Ou quando as deixem cá no nosso MoadO} 
Poderemoík soffirer Paiaias bravos , 
Ver filhos, mais, e paia fehos -escravos f 



1*3 POEMA. ÉPICO. CINTO IVi 

XXXVI. 

• 

, -Mas teme o péo trovai : e tanto ffpprííne 
O medo áqtielle vil, que naõ pondera 
Que por esse trovaõ, que naõ reprime, 
Ha de rer cheia de trovões a esfera? 

Que grande mal será , -se o raio imprime ? 
Se o Mundo, por hum raio se pferdêra, 
Susto pudera tei* , cobrar espanto : 
Porém morre de medo , que hef outro tanta 

xxxvn. 

/Eu só , eu próprio no geral desrháia 
Ao relâmpago irei sem mais soccorro; 
E quando elle dispare o falso raio $ 
Ou descubro á impostura, ou forte morro; 

Será de nigromaneia um torpe ensaio, 
Com que o astuto pertende , ao que discorro? 
Fazçr (}ue a nossa tropa desfalleça, 
Antes que a causa do terror conheçn. 

XXXVIII. 
Que sfe for (q' o naõ creio) o estrondo infído 
De* sublime Tupá triste ameaça , 
Faça como costuma , trovejando , 
Que matando um , du outro a mais naõ passa: 
K Se eu vir que o raio horrível vai vibrando* 
h 'um homem como eu , nada embaraça : 
Se for mortal quem causa tanto aballo» 
Pdcmeio ao próprio raio irei matailo- 



CARAMCBlf M» 



Sô * ralenti ; s& t . bravos companheiros , 
Tomai coragem i que será mo extremo' ; * 
Embora Beja. ura raio verdadeiro : <i 
Seoaô he Debs que o lança , eu nada tetrio.- 

Seja quem quer que for o author primeiro , 
Como haõ seja o Creador Supremo* <r ; 
Naô ha. forças creadas que aos domem:; . . 
Que sobre tildo o. maia domina o.Homem^ 

Disse o Graõ Chefe assim, eeníire 01 jfhrmtes, 
Cool a maô, que já tinha levantada^ / 
Bate ná espadoa aos Príncipes: ipiáiore*;* .' 
£ dá-lHes Or/ú dizendo , uma» palmada :<(*)/ 

Huns nos outros as dehiô naô menores i 
Que assim se incita a multidão armada t *.." 
y inguemo-nos , ( gritando ) eompanheipoa * ; 
Bem que .foraê seod raios verdadeiror. : 

XU. 

Jararaca depdis (quê ha. Sacro Rito) : 
Lança fdrioso as mãos a quanto abrange v 
E abrindo a. enorme booa em fero grito yí ' 
É éseúma* £ treme* enige, e optantes ráâgeç?. 

Gomo do mal Hercúleo aettfermaaflietôt 
Á feònrutfeaõ a retrocer eonstrangé aíl snoT 
Depois faltando aos Friatstpés : bafeja ^ /T 
B o espirito de foijga lhe «teseja. . ;,. à '-iml 



|£> POEMA EffCO. ClNfO tfi 

XEB. 

Ceremonía está foi dai pátrio xxm& y 
Vestígio nacional >àto antiga idade ;< 
$ue , acaso cor ronipeck . magico • atíu»o > 
Te&do talve» priacipiò na piedade:: 

Retumba do marfaque o soai 
£ pondo em alto o seo , com gravidade > 
Á insígnia, no' chaõ tudo se iaclín*,' 
Gomo a final de couta mais Divina. (í) . 

xuii. 

• Corresponde x> bettigevo itístrnmento • 
Da ftrçl firouta *o >arbaro raarraque ; 
£ promulgando, a. iaaroha aquelie aecento^ 
Todo : erti ordem ae-poté ao fero ataste'? ; 
Marehaõ contra Gupeva r eom -ioteate 
De metiter nas cabfcnajr tudo ataque? r 
£ perqi» tudo aasotabram com terrores, '■ 
Rompem, o! ar oort -bellteos ehunbresi 

Hat.. . 

Egft "tàtitoMio: eriaialp flosibQafc QtQptYtr) 
Sendo- a; irivasafr ipctariia: rechaçada ; . ... .' 
Çon vooiicHf e récmta* r Temera levai ■•' c!^ 
©» Tropa Maioi^^€^>íaihttda> ?* 

Bmiígranto Diog** a)*pB^ái«c<ptè rttévk, 
Toma na fruta a polrortí ogcuardaía ? . • ■. • 
£ ei* jr«ri<»s íp«ío»/ ^ue ariwoo! -dolafttee , 
Imita o raio, em botabajp fahmnaUtee; > o . 

1 



Xrá . a ' Bahia • ént&õ , ( âbbáé • imperará 
O bom Qupera;, povoada érafodà,' / 
Pelo* Vopia^xnbáfe; déiqueta cofitoya 
Trinta mil arcos ,* bravia gente 'toda : ; 

Tapar! ca seis init valente* armava!^ 
E por ctlmprir-se a promèttida boda, 
Mil Amazonas rritis á gaerra manda t 
Paraguaia gentil t^as r c'òtâLimnd&. '• *••' - 

XL*Í, 

ParagnaçA, que de IMôgsTEBpofcá ' 
(Porque mate datarás ae< tiôftfurtdá } T r ' ; 
Hia a seo lado a Gohibdter :brtó&dv< <" 
Nem t^me a Tnuinidâof Quê oicàtíip^) iiHnXinda t 

Usa com ella *i Tropa : àefltoòati « • l 
I>a vulgar í> afeita v d*> badale, e tortdà j 
Leva a Anftteotlafíutt rigttío Icôíete y <• 
E co'a: espada de^íorPó ó ;éap>aeeite.<- ; j • S ? 

XLVà. 

Combata* fór^'s<í f; (liu€-'fflái8^wií¥a^ 
Sahe Dtogo á ctrttfptfátla' i{>u§taécftl<*V- IJ Bn ° 
Neai«)fcia» :fdn**<ito' màròiávsôétíluèa : ^ CÍ - 
Mas tudo tem r e#tewMe«:$6Q*rÚibit' t ( * 
-6kilir-^bi^"initeir «f<»i« , íM» ,í 1ftaf> :,r - 
Deix^£tí*ftv*tífti»da^dôs«*á*a^ pP#tfèhiff#! " 

l 3 



M» POEMA ÉPICO. CAKTO H. 

XLVIÍL 

Não mais de duas l«gu*s acfiáfttando ,' 
O arraial sé , alojava de Diogo ; 
Quando o ardente Planeta vai queimando 
A tórrida região com vivo fogo ; 

£ em quanto espira no ar ájefyrjcr brando , 
Buscando n'uma sombra o desàffogo , 
Medita a grande achato , fhede o perigo , 
Nem deqpres* foft bárbaro o inimigo, 

XLIX 

Vê bem qutf espanto g*uss;* invenção nota; 
Mas que o tempo Consome a novidade ; 
Tem sim ,ttm, peito, d'aço feito á prova ; 
tyta- ycwdp ào inimigo' ff imméftiidade , 

Por riífefe que baias & njpsquete chova , 
Reconhece em vencei dificuldade; 
Tendo notado já na bruta gente , • 
Que era tko contorna», como -valente- 

fiensayá â*#im com reflexa* laadura y 
Qnaridp & roda do outeiro divisava ' 
Deps* nuvem de pó , qu$ em togito* eaoitm 
A rtfultidaô cônfaqe ltvaatavá : <•.: . 

Nâo : oess? . rim. ponflo méis r tud(»<assigtaa , 
E a^ffir tépter * turba .$14 óbterviMa > 
Ma^hp ftr-tppH** ú *lto* ep<>sfor&£»nte, 
Deo & Tr^ft çm #w$ap par oeojtro owgate. 



f A1UMT5RU 1SS 



IA. 

J4 sê avistava e bárbaro tumulto 
Baa inimigas Tropas em redondo ; 
£ ante» ,que emprejidãô o primeiro insulto , 
Levanta-sè p ímejaal medonho pstrondo: 

Os marraques, qapis, e obradoipqiiHo (11) 
Todos um só ruinpr , juntos compondo , 
Fazem tamanha bulha na esplanada, 
Gomo faz aa tormenta m»a trovoada. 



LH. 

Ta, rápido Pag£, foste o pri useiro, 
De qvçiq o negro sangue o campo pnnunda ; 
Que com feres rio salto o mais ligeiro , 
Mais ligeira te colhe a cruel funda: 

Parag>uaçú Hi 'atira desde o outeiro ; 
Chovem as pedras , dè que o monte abunda ; 
E do lado,' e de cima do cabeço, 
Tudo apateta com 4iros de arrèmeoe. 

uri. 

Não fieou nó combate em tanto ociosa 
A frecha do ioiípigp , qrçfc o ar encobre ; 
Começa Jararaca a' acção ftirjosç , 
Bando estimulo ousado ao vUor nobre : 

S a turba dei -Diogo receosa' 
Foge do» Grão Tacape, onde o descobre : 
Que tanto estrago* faz , que qualquer fera 
Mato» *&tre % cordeiros naâ- fizera. 



fSi POEMA UHjCO, CANTO IY- 

LIY. 

Mas.quapd* tudo ooiu terror fugia, « 
O bravo Jacaré sa }he p£e : diante, : 
Jacaré* ftue se og Tigres combatia. 
Tigre nâg ha , que lhq eblivesae ava.a*e-/ 
. Treme dç Jawápn^ a companhia,, : -, 
Vendo a forma do bar baro , arrogante ^ . 
Que com pele coberto de* paiUbera yi- 
Ruge' com mau*. ^«.dW «I pxofgjp ter*.. 

"' t i 

* # • • é 

A vi?ta-sp um. co' ontro ; $ ma$sq< ar.d^ttte 
Deixâo cahir oom barman* alando >> : 
Corresponde o clamor da t brykt^ ge^te,, . 
E treme a , terra em, cpda ; do rÀugidft : 

Aparpu Japaré .Rfx .e^ojK^^iogffttQ • «. 
Um dmrp golpe „ qm-^ft.' dtjWMgtttido,* ../ 
E em quanto iJaraTfiqa^.sp NjfewWri.'. i f* f « 
Quebra amassa no, chaõ ^çom, qji%fl;k*U*, 



Nem. mais epperp -ã <?M# foriçso ,f 
E qual Onça >np ,^ar ? .fl^ilp iflti&*V*'% 



• . • * 




E sçm. mpyçjr-$f çm torn^a ,genta, fra» , 
Ollmôluctandp, qs^dous, i\q fçgfr abraço t 
Pé com pé t mâocoWm»q^bç9so^^^^ #% 



hvu. 

Pofémcm*q»wtQ * facto <jMN*istm.» 
Jío sangue ^m terra, lúbrica escorrega 
O iflfeJii Jacaré íipm na porfia , . 
Nert assim do adversário np despega/. 
. Sotae^tf', chu^tim cemfouitro ás. vrfltas hia ; 
£ gual o dente, qual o punbo emprega >• 
Até que Jararaca \htV, golpe atira, - 
Com qu*y rota i jsatofa o tristi espira. < 

Nem ma* çsp^ fleeGupey* a^gefcte^ 
?orq«p voltando *m> rápida fugida , > , ; •' 
Deixai, nas mãos do bárbaro potente 
Toda a.-)>atalha*n'uma acrçaô vencida : 

Naô tarde aaais (Kogp já presente ; 
E tendo aa lado % JBsposa protegida •, r 
Do ©jute^ro desce ^ donde tuflo observa* 
í made *ro)ftdo a barbava caterva. 

Quea* ; peder,á difèr da, ttirba itnbellf • 
Quantos a forte mão talha em •• pedaços & * 
Paraguaçú valente ae l&do çielle.,.. 
Muito» mandava aps-Jãgubres espaços»: 

Semeando por donde o golpe impflle 
Troncos , bustos^* cabfega* , pernas , braços & 
Nem um momento a fraca gente aguarda* •» 
Vendora brandir, a lúcida alabarda. 



tst poí;ma entoo, oanto iv, 

O membrudo Pai oom três potentes 
Robustos filhos degollou oo'a espada; 
£ a dous nobres Caette dos mais Valentes , 
Tendo a mão pata d golpe levantada , 
; Com dous revezei , qfte lhe atira ardentes ^ 
Deixou. pendentes' no ár eo'a mãò cortada ; 
Babá de um talho que a aflastalla veio , 
Co'a oebega fidòu partida âo meio. 

LXL 

MditQB seta nome" despojou da vida ^ 
£ a quanto' encontra o ferro naô perdoa : 
Qual Se os eaohoírof perde embravecida, 
Nq cavador sé atáojâ á'' fera Leoa ; 

JÇntre mil dardos , de que a tem cindida ^ 
Dando-lhé asas a dor-, fahandò voa, 
E auge , e morde , e no q' encontra embarrai 
E pnde n^ô pôde 'ò dentes imprime á garoa. 

LXII- 

Tal a forte donzella meve a espada y 
Ou t*ive& : langa màjt> do dardo agudo, 
£ de mil , e rtnl golpes fnlmidadà , 
Rebate iodos no eòWte , J é pçgúdo \ 

As Amnecmes, de que vem rodeada , 
V4ndo sobre a Heroina correr tudo; 
Ourieiqtter quo o* centraria* se spresentaõ , 
JVccounnettem., dcgollaõ , e affogentaO. 



CARAMURU- IST 

LXIH. 

For outro lado o valeroso Diogo * 
A íflultiilaõ dos bárbaros subjuga, 
P ims precipita no tartareo fogo , 
0utros obriga copi terror á fuga : 

Mas uns detém o'a espada, outros com rflgç 
Urubu , que do sangue a fronte enxuga ; 
í oppondo-«e entre os mais a Diogo ardente, 
destitua 9 batalha , e anima a geato. 

LXIV. 

Umbu que na brenha exercitado 
Bm Tigres qnç. na caga & mãi roubara, 
Tendo-o juptp d« si domesticado , 
A combater pornsigo acostumara : 

Lan^a-o a Diogo : o monstro arrebatado 
Entre as prezas ornei*, que arreganhara, 
Hia a pezar dos férreos embalo* , V 
Com. garra , e depta a pollo *m mil pedaços. 

LXV. 

Mas o Heróe bem flue de outros investido , 
jEin quanto a fera po ar saltando tarda , 
T^ndp-S(B ão fero apsalto preyenido , 
Wspafà-lliç na fronte uma espingarda: 

È qual rafo de nuvem despedido , ' • • 
Quando a fiejra *jf|»$ o impeto retarda, 
Tremula ao gpípG a pàpillaj?' começa, 
Salta-lhe em «ima, e cprta«lhe a caheoa. 



188 POEMA ÉPICO. CINTO (?* 

, :. * * * t 

lxvi; 

Ao estrcpilo , ao ibgb , ao gcflpe horrendo, 
À fumaça, do ; íído occâflionadá ; 
Ao ver o busto sobre o chaõ ''■ tremendo , 
£ a terrível" oabéga sobre a capada ç 
- A iminensa multidão (^ue o «ejBta va vendo , 
Cahe *por torra sem anilho atoarabrada; 
E ateóns; qtijéf em pi tremendo «é «uspetadem, 
Ao Gnajjf ar amura todos seiçtíndcna, 

lxvhi 

Jararáôá - tinto? -tasxto ^uer, seguira 
Os que ftiçtràõ tio ,p ri melro insulto , 
Por encoijtuar.- Gdpeva tuia© g jrr a , 
Que nas .calinas se erabèacár* occuko* 
,/HiaHfo baseando o <barbdp»o* que<»Virt 
PtaqrieUtp pwtè : ; p belUeo tumulto , v ' 
Com tença» dé etxpuguar a Taba ingente, 
MQ^lfttyCftv&y> :fi! cativar-Lbe a. gente. 

< íféàoc9L. algum *âaii arvores tattiepsas* 
Alguip. -em inéi6;'jas ramas sé esooàdía; 
Muitoá , «o ' eatç&joscâo opalas sei vaa densas * 
Outros em ca*a^ progmdas que -sábia: 

Porque andando em jGPfltUiuas desavensas> 
Qualquer i «01 iwwo ijsyío^ recorria ;,_ 
Onde, entrando ro inimigo , sem jprevello , 
ti*hem. <ta toda a. parie a accoinmetelio- 



'Câjumubu* na 

Rtn qtitfpte a ^selva passeava esdura 
pé immortaeí* aryòBedos rodeada , , 
Foi Jaracáca que a* cuidoH fregura , 
Ferido. gõ}jt« $ pé de uma. frechada : 
;' Fi^u-lhe a ' planta, sobre a tprra dura , 
Km ial maneira com o cha& travada* 
Que ppr^mais que arrancaUa dalli prove , 
Despedaça-se o pé ,: ma* Mi sa move. : 

Corre^ç ^ turbada &afó»l|*,, e-f na continente 
Voao niU settaa dç*de a ^peftèa raniav - 
15 èád^arvpre i^lir do bo^úe, ingente 
Um ehuveirp de tjroe lhe deframa^ ; 

: Ceda tropco he um castellBí ao lado v e frete 
A 'occulta ipuHidaS bramindo clama ; 
38 o :f$ata,tqii$ em cavernas «e escondia f - 
Ao riioaqi: d» ^iptoftia <#noosria. ;; 

.' . • ' • i '■ • • ' > ." *"':'. 

Já mal re»i*te;o ( Caèté cercado ; * 
E o -bom .^u^tya^ítiueao^amorfCíMiQorre / 
Um corpo . de ,resçry^ trou*e , aviltado *> wí 
Qus..á HMiliiwU feataiha invicta oawro. >/ 

Jararaca. 9 que ; o pé tinha erieravado^l 
Vendo quç: outro remédio t a -nan aoocorro, ■ 
Por ter a,- vida * « e > liberdade 'firaaeh.Y : ' 7 
Deixa pw:t« jjo pé f^& Isctíta (arranca. , ...: 



140 POEMA ÉPICO. CANTO l? r 

\ 

lxxb. 

Nos braços vat dof seos mal defendido ; 
Mas com a massa, que menea hor^ada, 
Reprime- forte o bárbaro atrevido , 
forque naõ haja quem se acoste , p pp^ÍAj 
B tendo a sorte p caso decidido , 
çde raivosa da ornei contenda ; 
E ao Sertaô retirado naõ de«canga, 
^Ja<juinai>do <em furor apya y£Rg*P9* 

Lxxm. 

í*arnguaç?i porém de gloria avara 
Segjiia na victoria o genfo activq ; 
E íncaota de Diogo j»è apartara, 
Cortando e retirada 90 fugitivo : 

Anima a nujltida* , qoe W embo8ôáF$ ( 
pess içava pele A te, por motivo, 
Se prevalecesse a força do contrario > 
Pç apu^ijr a# socçoff* ^eeeífcafio. 

LÍXÍK 

Este vendo * donzelfa vftlerosa 
Turbar eom íuria 11 orôuté atnedroatada, 
Desde o aftç tap$* - Me arvàr? frondosa 
Grosso mrnci , que eahe de i|ma |ȇncada r 

Debaixo áetle a Herojifa italerosa > 
Ço? grande pesonpefo chão' prostrada , 
Ficou falis de alebloy e^simiviva^ 
JKag muos do «croel ibsrbàfo cativa. 



èÁfeAMURÚ 141 

LXXT, 

.Corre a turba feroz, contra a donzellá* 
ftue depois què (ítíà armas deixa o pezo , 
Vescdfaré a todos á presença bella, 
E fica quem á preridfe ainda mais presos 
,0a rude iriultidaô, qi!0 corre a vella , 
Ha quem dg a Ver ião linda fica aooeso , • 
Outro que de a ter visto ém guerra dritiacla , 
Ainda a teme cora vélld de*maiade< 

LXXVI. 

tkfgfií que respirou , de, novrt ar tomaádo * 
Sente no cora^uô mais desafogo, ' 

É alento pouoo a pouco vai cobrando , 
•Até que entrando éoi si , chama o séò Diogo a 

Mas ha turba que a cerca reptafaiidò $ 
Conhecé-sè cativa , , e < dèsdé logo 
N'outro fero desmaio fica absorta * 
£ cuida querti a tê qne ficou morta* 

UXT». 

Salvarem ha Qáe. cuida ÓÉ Cornélia* . 
Nem muito sé está» moita -se assegura ; 
Ç com fiiria vòrac cdtftra edonaeUa, 
^ gula aooende com a chama impura i 

Néft pfesar*se costilma a forma bella 
No fero cfWatfao da geate dnra ; . 
» em morrefado qualquer mulher, íW-Wnwnrn 
'horaô muita > e depois aeaad*QQ > e coroewtí 



POEMA ÉPICO; 4?ANT0 IT. 

LXXVÍÍL 

r Patê oótxf 0*te intento* si degottáf&r 
Se a belte Mángarita q<íe isto via , 
Desde, o mato escondida o naò frechara, 
f>eixando-lhe suspensa a mão qtié ergtíia • 
Um troço de Amazona» Volta ' a cara , 
E a . peteja de novof se aceefedia \ 
gendo Paraguacú, que jaz no meio, 
O jirego' davictoria neste enleio» 

r • Cotia , 4 que wwchrárfií serffptíé '*w háo 
Da dcsmaiírda Heroina , em po» , oa çatrra. 
Por vingar^ oa cernir o cot<po amado , 
Co 9 fultmneo Tacape o campo aterra : 

Piâ, Cipo,iA^â deitou prostrado, 
E faz quera Grà' Bfelfta nforéa a terra, 
Balêa, qae ~a eotflMtette vingativa r « 
Por gaardar a ^ii^tia-seiiúvivav - 

I 

Nem 'ta ç cGaferspkfWiga f á? ínaoiorHfoía 
Podeste evadia 5n a * tt<f9riv~ei* lacta*, •: 
Que em <pwntba tatibipeoas horrótwa/, (I*) 
Com que; A* armai *e r a ocep d <? -agente ÍW* 8 - 

Gotiidowtrâ espada vatefcma ;- ' 
A musica ;fer ab qti4rtp 'escota , ■-» ' " ' 
NcmtTAiiftnia , ratiimharnpíft* dd iterarão » 
Melodia r - qwfer 'difua;^* ^^Jíníeroa 



CARAMURU " i 148 

LXXXV 

» *Tudo cede a Amazona* é j£ salvava* 
Paraguaçú mortal da gente fera, 
Quando? o Grap Pessicava , que observava 
estraga, que a Aftozona alli fizera: 

Accomniette o esquadrão com' fúria fora Va , 
£ tudo afTujjentando o tempo espera, 
Ena. qu* a impulso do braço alcance for ti 
Degollar a Cotia ide um só oórte. 

iitxa. 

: Espera élla sem medo , apenas vira * 
Do bárbaro feroz o golpe incerto; > 

E veloz a uma toòa se retira,- » 

Que tinha, em duro tronco o tempo aberto 4 . > 

Poréçn repete alli com maior ira 
Pea&ieava outro golpe, e por acerto '. 
Na valerosa Paca imprime o tiro, 
Que tomou com Cotia este ritiro. 

LXXXIII. 

■ Em quanto entrava o bárbaro , e na lueta 
tJm , e outro se abraça ; o forte Diogo 
Que o caso da sua bella infausto escuta , 
Toma a espingarda , e parte em fúria logo : 
Qual pólvora encerrada dentro á gruta , 
guando na oceulta mina se deo fogo , 
trroja penha , e monte , e o que tem diante ; 
Tal se envia em furor o afiUotQ amante. 



\ 



144 ÊOEMA ÉÍflCO: CktitiÔ Wt 

LXXXIY. 

Tjmfhá efTò^adQ Peaaiuata, crrf tanto' 
A Amazona infelra,- e a mâtf lançava 
Já de Paraguaçú , que tfo quebranto 
A[fenas levemente respirava/;. 
. S tà^of ht ventaftdtf D jpgo um novo espanty 
Tf az unrr tannber', que hotrisotoo soava ; 
E foço que o arcabufc eónv balaf atira < 
Cahe Pes»icava , e morde o chão oera ira. 

mxxv. 

Mm* não* espera a tímida manaria ,'. . , 
Ouvindo o estrondo, eos hprridos .eSdfcdi ? 
Qu£m parte loffo em fúria deol arada ; 
E quem ihe rende humilde ofr seus rcfepteitoG 'i 

Paraguaia porém desassombi*ada , 
Sendo os contrários com terror desfeitos» 
Acordou n'um suspiro , e solta tio-sé ";> 
E conhecendo Diogo , olhou- o , e rio-se* 



I < 



1 ' 



~ «ÁRAMCftU 145 

(1) Caeiés* Gentio ferocíssimo, que infes- 
tava o Sertão da Bahia. 

(2) Qvecatti. Naçáo feríssima. 

(S) Aipi. Raiz de que se faz \ijna espécie 
de farinha. Mandioca outra similhante. Pipocas 
chama o o milho , que lançado na cinza quen- 
te , rebenta como em flores brancas. 

(4) Inficionado. Povo importante das Minas 
do Mato dentro ; chamado assim, porque o 
ouro , que tinha mui subido , perdeo os quila- 
tes mais altos , e ficou chatnando-se ouro in- 
ficionado. Assim o soube o Poeta dos antigos 
d'aquella Paroquia , de que elle he natural* 

(5) Tacape. Espada de páo ferro , ou simi- 
lhante , de que usão os Bárbaros. 

(6) JWarraque. He uma haste , de que pende 
um cabaço , ou coco cheio de pedras miúdas , 
que sacadindo-o fazem rumor, He insígnia 
Sacerdotal , e Militar entre estes Bárbaros. 

(7) Imboaba. Nome, que dão aquelles Bár- 
baros aos nossos Europeos. 

(8) Palmada* Rito Militar , com que se 
exhortaô á guerra. . 

(9) Divina. Usão nas suas solemnidades os 
Bárbaros de um marraque , ou haste (já em 
outra parte descripta ) que pelas circunstan- 
cias parece insígnia religiosa. * 

(10) Tupinaqm. , &c. Nomes das Nações do 
Sçrtâo. 

K 



t m poema hípico, canto nr. 

(Tfl) Úaph. Instrumente , que tocáe nafrfo* 
talhas* 

(12) ihufita: Espécie út corneta usada Uo# 
BsazUiénses. 



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CANTO V. 



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Débil entanto a lux «obre o fípiásfmta >/ 
Os. seus trémulos raios apagava » . > 

£ descbe o Occidental iramen^ i^oaio , , 
A noite pelas terras se espalhava.; 7 . , ,' • ^ I 

Moríeo deitando os antros efe J^vif^fifr*) 
No seio dos mortaes se derrai#av%^ , ,. \ : - 
Mas da barbara gente qup fuga* ^ 
Só s'éatreg^a ao «oa^p « ^» «3*$** : 7 ['/[ 

ih 

Da bella Esposa^ ^uaija, gtâ floreste >.. ••.•<■• 
Nem ^q grecizo somuQ.iytgajp dav^ ,. " l.','. ./ 
Na inte&çâo de a guarday dja g^r^te *nj^sip| :*■,;; 

Hum 4 o Wtfo o$ suecçssof «sentava > ♦ . , ^ 
Nutrindo ero ao vo fogo j^cljpiftma ^oáe$t$ ,;* 
Que depois q,ue hum^iuufa ( j(Jp iayiHgp j .. . ' 
Faz-se doce a memoria do perigo* % 



)4* POEMA ÉPICO. CANTO V. 

til. 

Ao resplendor da Lua que sahia , 
Misturar a-se o horror com a piedade, 
Porque em lagos de sangue só se via 
Sanguinolenta horrível mortandade : 

O valle igual ao monte parecia , 
E do estrago na vasta immensidade , 
O outeiro estava , donde foi o assalto * 
Com montes de cadáveres mais alto. 

Não pode vello á bellá Arrtericana , 
Sem que a tocasse hum triste sentimento; 
E ou fosse condição da gente Humana , 
Ou do seu sexo hum próprio movimento : 
c Chorou piedosa a sorte déshumana , 
Dos que apartado? do terreno assento 
Jazião , como ouvira -de Diogo , 
Nas lavaredttsde hutn etévúo foço. 

v: 

' E como ( côtópàiisiva disse ) he crivei (fel, 
Que hum Bèos, conlò.mé pintas, bom, e ania* 
Sabendo o (\\ie ha de ser, e 6 que he possível, 
Nos' ériè para fim' tâo miserável ? ' 

Antevendo hum successò tão terrível , 
Nfcó parece crueldade ittexcusavél 
Dar-ihfeo ser, dàiMhe a;vida darthe a menW 

Para vellos arder eternamente ?• •' -' • f 



CARAMURU 10 

VI, 

Quantos crear podéra que o servissem , T 
Deixando de crear quem o aggravasse ; 
Onde todos a vello ao Geo subissem , 
E as obras que produz todas salvasse ? 

Nossos pais se dos filhos tal previssem v 
Quanto fora cruel quem os gerasse ? ; 

E creremos da excelsa Grã Bondade > 

Que ceda a nossos Pais na humanidade ? 

TIL 

Segredos são ( diz Diogo ) da mscrotftvél 
Magestade de Deos : que saberemos " 

Do seu modo de obrar sempre inefiavel , ~ 
Se o que somos , e obramos não sabemos i 

Faltando-nos razão clara , e provável 
Nos conselhos de Deos , que oceultos vemoss 
He bem que toda a duvida se acabe , 
Parque elle pôde mais, do> que o. homem sabe. 

VIII. 

Mas se ha lugar á humana- conjectura '' 
Dos possíveis na longa immensidade *, • • N , 
Nâo se podia achar huma creatura , ' 

Que goze d'inpeccavcl Uberdade : 

Huma firme innocencia he graça pura ; i 
He mercê liberal da Divindade ; 
K quem em tanto a perguntar se attrere., . *. 
Porque lha não qu& dar, quem lha não deve? 



%M POEMA ÉPICO. CANTO V. 

IX. 

Desde a origem da immensa Eternidade , 
Que tudo sem principio ordena , e rege , 
Devemos pífcsumir da Divindade , 
Que o ride o Óptimo encontra, em tudo o elege: 

E «tHio em nós tão grande a iniquidade , 
Não temos cousa, que a qua!quer«sè inveje ; 
Onde se t-s mais pòSsí veis vendo fores , 
Nósfomos os eleitos por tnelhores* 



Embora soja assim ; ( disse a donzella ) 
Mas que culpa tem estes, que o ignora vão? 
Não .cuida aoaso Deos , que ou pouco zela 
As felmas , que entre nós se condemnavão ? 

E sènào , porque causa àos mais revela 
A* doutrinas , que aos nossos se occultavâo ? 
Distava mais do Céo a nossa gente v 
Porque medea o mar d 'Este a Poente ? 

XI. 

Tomai a culpa a vós ; e a vás somente 
(0 Heróe responde assim) Se com 'estudo 
Procurais sobre- a Terra ó bem prezente , 
Porque nso procurais o Author de tudo ? 

Para tKiraris tendes lumey instinctò, emente; 
Somente contra Deos baseais o escudo 
Em*a vossa- ignorância fc brutal culpa ! 

ignorância he crime v e não desculpa. 



cauamuru isi 

XII. 

Forem já da fadiga desviada 
Cerrava raraguaçú seus ©lhos claros , 
Tendo-a Diogo na fé mais confirmada , 
Com responder prudente aos seus reparos : 

Em -quanto a bruta gente aprisionada., 
Mostrpndo-se da vida nada avaros , 
Dançâo , e bebem com tripudio forte , 
E esperâo , como boda , a cruel morte, 

XIH. 

Gapeya triunfante na Grã Taba 
infausto prisioneiro & morte guia •, 
£ antevendo que a vida se lhe acá^a , 
A mulher cada htim The offerecia : 

Trazem-lhe o peixe, as carnes, a manrgaba, 
Brindaado-rhe o licor , que a taça enchia , 
Até que quando menos se recorda , 
Duos Sal vagens t> prendem <n Y uma corda. 

xiy. 

Soltas as mãos lhe ficão , t|ite manêa , 
Nem o tem mais que em meio da «cintura 
A soga de algodão , como eadêa , 
Que de huma parte , e de outra os assegura : 

Qual Leoa feroz na Maura arêa , l 

Quando o laço fto ventre a tem segura , * 
Toda da fronte a cauda se Tecorre ^ 
E ruge , e vibra a garra , e cr eórpo" torce. 



152 POEMA ÉPICO. CANTO V. 

XV. 

Muitos então da furibunda gente 
Dizcm-lhe injurias mil , com mil insultos » 
Que elle se esforça a rebater valente , 
Sem que receie os bárbaros tumultos : 

Algum alí chegando ao paciente 
( Que tem por cousa vil morrer inultos ) 
Dá-lhe li um cesto de pedras recalcado , 
Com que atirando aos mais , morra vingado. 

XVI. 

* Embiára , e Mexira , dons possantes 
Mancebos Caetcs} de hum parto vindos , 
Que a Tnubá. dera a luz tuo similhantes . 
Como tenros na idade , e em gesto lindos : 

Muitas donzellas > que os amarão d^antes> 
Os beijos dias seua chorava» findos ; 
Mitigando o desgosto de perdélíos 

Com a intenção , que tinhâo de cometlos*. 

» » +• 

xtn. . 

Estes na corda tem os da Bahia r 
Dispostos a morrer no torpe abuso r 
Do celebra^ com sangue o fausto dia 
Das victifrias triunfaaic? ao Pátria uso .- 

Emigra v qu,e ranvàrte a pedra envia y 
Muitas no #avo disparou confusa , 
E R ^9fÇÇ r . dô^ escudçs , que. prôe cliante , 
Algum ferio da íurtíà" cír cránsfàníè. ' * 



CARAMURU Ift! 

XVIII. 

tífuma grã pedra ao arlms mãos levanta ; 
E erguendo os braços sobre a fronte a atira : 
Lança por terra alguns , outros quebranta , 
TL esmola com o pezo o grão Te pira : 

Outras três arrojou com fúria tanta , 
Que se d'a torno a gente não fugira , 
Com os tiros , que o bravo lhe dispara f 
Em vingança cruel no chão ficara. 

XIX. 

Mexira u 'outro lado era detido 
Com o duro cordão ; porém sem medo, 
Áo barbrro Pyri , que o tem cingido , 
Esmigalha a cabeça cbm hum penedo : 

Foge o Povo com pedras rebatido ; 
Mas Mexira na corda atado , c quedo , 
Com trep. pedaços de huma ingente roca , 
Huns derriba no chão , e outros provoca. 

XX. 

Sahe então Tojucíne em campo ardente > 
E ao som dos seus marraques applaiidido , 
Hum cinto tem de plumas sobre a frente, 
Manto ao hombro de pluma entretecido ? 

Tinto de negro todo , a côrVmiente 
Traz natural no vulto enfurecido ; 
E por meter no horror maior respeito, 
Com o beiço infrior varria a peito. * — 



\ 



154 POEMA EPI60. CANTO Y. 

XXI- 

A cera , peito , bragos ( viste horrenda ! ) 
Traz com golpes crueje acutilados : 
Golpes , com que o valpr se recommenda , 
Feitos da própria mão com talhos dados : 

Ondç se a chaga apodreceo tremenda , 
Em meio do asco , e horror desfigurados , 
Vendq a- gente brutal que um não não se doe, 
Este então (que ignorância!) he o seuHeróe. 

XXII. 

Desta arte Tojucãne armado Tinha , 
Posto ao vello em silencio , em pasmo tudo; 
Atira-lhe em Biára ( que ainda o tinha ) 
Um penedo , que rompe o forte escudo : 

O Tacape elle então desembainha , 
Que de plumas ornou com bello estudo > 
E epcostando-se ousado á longa corda , 
Aos dous fortes irmãos fallando aborda. 

XXIII. 

t Não sois vós ( disse o bárbaro ) traidores > 
Os que a matar-nos com furor viestes > 
E sem respeito aos míseros clamores , 
Os nossos tenros filhos já comestes ? 

Somos ( disserâo ) nós : os teus furores 
Sem o laço, em que agera nos prendestes» 
Soubéramos domar : e assim cativo ,, 
A ver-me solto te comera vivo. 



CAItAMUTtU 15* 

» 

XXIV. 

Viro , nem morto a mim me não tocaras > 
Porque de braço a braço te mediras , 
Ou im movei de espanto em pé ficaras , 
Ou de um só golpe ( dii ) no chão cahiras t 

Verias bem , se agora nos soltaras , 
Como logo ( responde ) me fugiras : 
Não queira de valente ser louvado , 
Quem pertend* triunfar de um desarmado» 

XXV. 

Esse vão pensamento melhor fora 
Que tiveras, como eu ^ no campo , bravo ; 
Mas tu ( diz Tojocáne) na mesma hora 
Te viste combatido , e feste escravo : 

Como- te atreves a glariar*te agora 
Com*vil jactância , com soberbo gavo f 
A quem de resistir falta a eonstancia , 
Nâo fica mais lugar para a jactância» 

XXVI. 

Dizendo assim na fronte a espada ingente , 
feeixa o fero cahir com golpe horrendo ; 
Cahe por terra Biára v ainda vivente; - 
Mexira morto já , porém tremendo : 

Mordeo aquelle o chão com faria ardente , 
E em sima o matador co-pé batendo : 
Morre , soberbo , diz , e serás vasto 
Parar nosso traíéo vingança ,e pasto. , 



156 POEMA-EHCO. CANTO V. 

XX VIL 

Qual se diz que a Tifeo subjuga um monte, 
Tal a planta cruel Embiára opprime ; 
E como a cobra fo« , se mato 4 fonte 
Toda em nos qnebrantada se comprime : 

Retorcendo em mil voltas cauda , e fronte) 
Que ergue , vibrando a lingoa, no ar sublime* 
Tal o infeliz morrendo em voltas anda, 
E o espirito exhalado ás sombras manda* 

1 XX.Y1II. 

Chega £s Cruentas viotimas chorosa 
Feçiinea tropa , que com dor lamenta ; 
E uri ando todas com a vos maviosa , 
Tudo vai repetindo a plebe attenta : 

Depois d'*quella lastima enganosa y 
Qualquer junto aos cadáveres Be assenta, 
E vão talhando pés, cabeças, braços , • 
E as viotimas fazendo em mil pedagos. 

XXIX. 

. -Chamo o moquem as carnes , que se^^cobréto , 
TS a fogo lento sepultadas assão ; 
Tudo em. si ma com terra , e rama encobrem , 
Onde o fogo depois com lenha façaõ : 
. Em tanto as voltaõ f cobrem V e descobreto, 
Áté que jrlo calor se lhe respassaõ :• 
Detestável empreza* que escondinõ - . 
Da indigaaçarç de Diogo , a quem temiaõ. . 



CARAMURU Í57 

ft>t avisado o Ileróc do acto execrando , 
Horrível pasto da nagaõ perversa , 
£ a maneira opportuna meditando 
Da barbara função deixar dispersa : 

MU fogos de artificio hia espalhando , 
De horrível forma , e de invenção diversa : 
Treme a vil turba, ç sem que a mais se arroje 
Deixa o pasto cruel , o ao mato foge. 

'XXXI. 

Confusa a insana gente do successo , . 
D)> Oraõ Caramurú temia a vista-, 
Foge Gupeva de terror óppresso , 
Nem sabe , em que maneira ao mal resista 

Mas o novo pavor na gente impresso 
Mitiga Paraguaçú , que o damno avista > 
Se , como teme , o Povo de espantado > .■ 
terreno deixasse abandonado. . 

-XXXÍI»-'- 

Jararica enttétantò conduzido 
Dos bravos Caetés à Taba nota , 
Diligente ourava o pé ferido , 
E èm tèpSLtát cuidava a gtâ derrota : 

E havendo no conselho a»liga*unido , 
As forças representa; , os meios n<>t* , ' 
E Nigromante érè potf perda tanta. ^ 
Gr&èÇ&fcamuitt , qtft* eibgo encanta*- ™ 



t5S POEMA ÉPICO. CINTO V. 

Saõ &'agoa* terra, e ma* tnuidifferenttl 
Os Anhangás ,.que reinaô divididos : 
Uns , que só no ar > e íogo sao potentes , 
Causaõ ventos , ttovões*, raios temidos , 

O terremoto , e» pestes «obre as gentes 
Movem outros na terra oonheoidos : . 
Este porém , que ao estrangeiro .acode , 
N'agua naô poderá , se em fogo pode- 

xxxm 

Parece á rude gente este. duttUrso ^ 
Segundo os seua principies concludente» 
E ouvido cem applauso no concurso , 
Votâo na execução concordemente. 

Toma a guerra portaato um novo curso > 
E ao mar se envia a belkcósa gente ; 
Nem Capitão ha mais, nem ha pessoa, 
Que naô se embarque em rápida c*Q0&* 

xxxviií* 

Chamaõ oatooa os . wegoe.tyessee.flftate* 
Batel de um vasto Jçuho construído.» 
Que excavado no meio,, por dez par* 
De remo* , o** de mais voa. ímpeUido * 

Com » trepas , e petrechos militares» 
Vai de, impulso taô r4pido movido, 
Que ou fica da batylha,ou, e.aççplMWtt* 

tareco maia ligeiro que mb* eettyu. 



CARAMUTUJ ut 

XXXlfl. 

3k tis grã Taba os bárbaro» se ajutitad T 
Onde contra Diogo arte se estude, 
È por Magos famosos, que perguntai, 
Recorriaõ de encantos á virtude ; 

Os Nigromantes rem que os corpos tin$aõ , 
£ nos susurroa do seu canto rude 
Esperaõ que também ao forte Diogo, 
Matando privem do temido foge. 

XXXIV. 

Hum delf es , que por SaWb Sè acredita , 
Waõ ha ( disse ) quem possa a ardente fragua 
Apagar no trovaõ i que o rafa excita , 
Lastimosa ocoasktô da ftossa mâg&a : 

Que se o antídoto ao fogo se medita , 
Mais natttral naô ha que lanço r-lhe agoa: 
Dentro n'agua se apaga o fogo ardente; 
£ este he o meio , que ©coorre de pteselit*» 

XXXV- 

Contra as voasus can6à* n&o se atrele 
Filha do Trováo, se Acate ao porto; 
Vós o vereis sem força em tempo breve 
Sahir , qual já sahiò das agoas morto : 

Ninguém ha, que fcaô saiba eorao esteire / 
Quando o encontramos naufrago no porta : 
Nem usou do trovão , que espanta tem terra , 
JKem hz com fegotfàguA a herrivtl gueiv*. 



no PÕEM* ÉPICO. (JANTO V- 

XXXIX. 

.Concorrendo as Nações do Sertaô janto, 
Trezentas , ou mais arma Jararaca ; 
£ tendo eseolha ,- porque o Povo he oiunto, 
Deixa em terra das gente* a mais fraca. 
. E sendo da Bahia taõ conjuncto 
O ilheo de Taparica , este . ee ataca * 
Na esperança que Diogo acudiria, 
Vendo o sogro em perigo , que o regia* 

::xu 

, Repousava «em suato Taparica ; 
JS çonftado em Diogo., e na victoría , 
Gozava de uma: paz tranquilla , e rica, 
Depois que a .guerra terminou . com gloria; 

IJ quando a roca Inubia arma publica , 
{$aò_ longe tinh* as armas da memoria, 
Qqe ignorando em sosego os seus perigos, 
Nas uiaõs se foi metter dos inimigos» 

-Prendem o inerme ^ Chefe <Je improviso • 
A ccommettendo Ja Taba descuidada : 
Ar examina, e ftijHio d&6 jnfeufitp ávisp 
Ao bom dip^o* da/ba^^aisaltada : 
, * New inpwJso 'ixjaioç. lhe era~preciso, 
Yeodp fc; liba, do# Bárbaros tomada: 
,0«egtpa; em pressa as. armas ,. e as canoas» 
atem mt^sr.que Fr?g3*$$ .qpox cçm peasoa* 



♦ , èÀRAMtífttr m . • 

XtlL 

^ vinte bamba* díe polvófra tém cheâs , 
t)ê que hmá paítê já dás hábs salvara ; 
Quatro férreo» canhoenà \ 'qiié entre às árè&tf 
Por nadadores bons do rriar titara : 
.Metralhas, palanquetas, e cadeas* 
Pistolas ? e fuzis , que preparara- j ' m 
Canoaà tíes de pólvora, e resina , 
Que langar fta* contrarias determina. ' 

Fõrma-se èm mria Lua a Vista aitrtadâ , : 
Cuidando dé encerrar Diogo • em meio , - 
E cora nuvem de frechas cbnfleiínsadk 
A áurea luz do Sol a impedir veio : 

Firme estava tío Heróe á turba irada ; 
E çoalhando-se o mar de lenhos cheio , 
Retàmba o- éoô na Bahia toda 
feia gente brutal , q4ie urlava em roda 

XLíV- : 

l Até qtiê a ti r o os vê Ao bfónfce hortéfido 5 ■ 
E sem piais esperar , dispara fogo , 
Que tudo com metralha ia varrendo , 
E a pique dez canoas oietteo logo •- 

Saltão muitos de horror nó mar, tfétnêndte 
Mguns deixando o remo j as mncte de Diogo 
2om bombas ardem , que feros lhe langa , 
outros a espada de visinho alcanoa* 

L 



m POEMA SWCO. CANTO T. 

XLV. 

Confusas entre si vaõ fluctuando 
As canoas , que a gente não regia ; 
E uma vai sobr'outras embarrando 
Ma desordem, que todas confundia: 

As três incendiarias arrojando, 
Um diluvio de fogo n'agua ardia, 
Com tal fumaça nas ardentes fragoas,. 
Que cubrindo-se o ar, servem aa aguas- 

XLVL 

Qual*, se na Selva densa o fogo atêa, 
Em colummas de fumo voa a chammtfi 
E a lavareda, que pelo ar ondêa, 
Traspassando se vai de rama em rama: 

Tàl na Bahia de canoas chea 
Um diluvio de fogo se derrama; 
E o bárbaro de horor , de espanto , e» mágoa 
Foge á morte do fogo, e escolhe ad'agii& 

XLVIL , 

Jararaca entretanto em/ terra estava, 
Donde prendera ç incauto Taparica,, 
E raivoso, das praias observava 
Toda a frota naval, que em cinzas fica' 

Foge dispersa a tropa, que levava;. 
E logo que a víetoria se publica, 
Toda a Ilha, que as armas arrebata, 
O timido Gaeté subjuga, ou mata» 



• ■ * • ■ CAilAMUllU Í6S 

..xlviíi. 

Ntem já dos inimigos se descobre 
tjirta canoa só no lago ingente ; , 
E o mar de. nqiil, cadáveres se cobre, 
Sem que s^iba , aoi^dê, fuja a infeliz gente-, 

Que Gupeva entre tantçi a praia encobre» 
Embaraçando a ,fuga ao Continente ; 
Grande parte desde a agaa.o brago estendo 
E a liberdade coni à vida rende. 



; r 



XLIX. , 

Não assim .Jararaca^ qvie na praia . 
Poem f po ( r escudo o. infausto. Taparica ; 
E airíeaça m^tallo , .quando saia 
Em terira Diogo que suspensa íica, 

V r ê o transe afilha, e sobre as niáos desmaia 
Do caro Epposo, e pelo Pai suppMca: 
E vê-se Diogo em lance embaraçada, 
Sem saber cCmó salve o desgraçado. 

Atirar-lhe quizera; mas duvida, 7 / 

Na intenção de mat^lla vacillante; 
Vendo do sogro ameaçada a vida, 
E quási sem alento a esposa amante: 

Três vezes poz a mira cíi rígida; 
Três vezes se deteve a, mão canetante; 
E em terra, fi rnar a um tempo «ji aoç^ojretâída» 
Jararaca ao bastão; elle á espingarda. 

L Z - 



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Í44 fOEHl ÉPICO- CANTO fc 



Que mais espero (diz) ferillo he incerto; 
Mas he daro na mãò desse inimigo, 
Que em qualquer caso ém fim o dairmo he 
£ crescte na tardança o seu perigo: (ceita, 

Disse, e toma por alvo descoberto, 
A fronte do contrario, e neste artigo 
Dispara o tiro, e a bala lhe atravessa 
De uma parte á outra parte dia cabeça* 

LlL 

Cahe Jararaca ém terra ào mesmo tastastf 
Qual penhasco', que do alto sé derroca, 
Quando ò raio, que lhe arroja fulminante» 
Desde cima o arrancou da excelsa roca; 

# 

N'tím rio' a terrk sebaffhau famànte 
Do negro sangue, donde pondo a boca, 
Morde raivoso a arêa*, em que cahíra, 
£ o torpe alento com a vida espira; 

Já neste tempo se encontrava amigo' 
Taparíca e Dioéfo em terno abraço, 
Vendo por terra p pérfido inimigo, 
Que tremendo occup*va um vasto espbgoft 

. Paraguaçú,. que" afflictg da pérígo* 
Sem sentido ficou no horrível passo, 
Torna a si do desmaio, a vê piedoso * 
O Fai, que a tem nos bragos, com o esposo* 



t •» 



/ 



CARAMURU }f$ 

LIV. 

Alegre vem do ppposto Continente 
Sm canoas tiupeva a Taparica, 
Congratular-se com o Hcjróe valente, 
Que morto Jararaca, em caljna fica: N 

Pasma de ver o estrago a insana gente, 
Que os arcos abatendo a paz supplica, , 
£ respeitando a suprior Potencia, 
Compensavam a paz com a obediência* 

Chegarem do Sertão dez mensageiros 
Em nome das Nações, .que em guerra anda vao^ 
Confirmando coigpactgs verdadeiros 
A inteira sujeição, que ap Lu*o davam: 

Vem .entr'elles os Príncipes primeiros, 
£ com os ritos, que na Pátria usavam, 
Príncipe acclamam com festivo modç 
P Filho do trovão, do Sertão todo. 

Nem duvidou Diogo imaginando, 
Quanto domar importa a gente bruta, 
Accejtar dag N&çoens o excelso mando ? 
jE com sigo prudente os fins reputa: 

Ouve-se em nome seu publico bando, 
Quç a barbara, caterva humilde eseutaj 
Em que todo o homicidjio $e prohibe, 
J3 com pena de morte a culpa inhjbe f 



/ 



166 POEMA ÉPICO. CANTO T, * 

* 4 

LV1J. 

Julga porém ao ver inveterada 
A barbaía pftlxâo na gente cega, 
Que a grave peua ao crimo decretada,. 
Convém* dissimular, se ao caso,chega: 

A tudo à gente barbara humilhada, 
Só oa gula cruel* a emenda nega, 
Por barbara vingança carniceira, 
Que tanto pode a educação primeira. 

LYIIJ. 

Não tardou logo a òcoasiaõ dje vello, 
Porqtte apdnas deixara a compàVihia; 
«ô-píòprio Taparica sem temellò ' 
Ao convite cruel &e pfeVehíà: 

Bambu, que'for£rat) ponto efe prendèHo, 
Quem^lhe lançara as mãos com ousadia, 
Prezo em canoa o Regulo conserva, 
Por pasto infando á barbara caterva* 

Estava o depditoso éncad,eado f 
E epcpo8to»h mil infectou què b mordiam, 
Nefti se-lhe via o corpo ensaiigoeíitâdò, 
Que .ttâà-oft fkUmmboiidòs lhe cnbriritrt: (1)~ 

Corria o : negro sangue âerraírinflÒ 




*%J W.liUii ê» 



l^ W •»/ ->«" .» * *•>!.* 



CARAMtTRU ltt , 

LX. 

Tendo Diogo o infeliz, quanto padece 
No modo de' penar mais des humano; 
Maior a tolerância lhe parece, 
Do que possa caber n'um peito humano: 

£ como author do crime reconhece, 
Do cruel Sogro o coração tyranno, 
OfFercce a Bambu, que a morte ameaça, 
Soccorro amigo na cruel desgraça. 

LXL 

Perdes comigo o tempo (disse o Pêro) (2) 
"Ao que vês, e ainda a mais vivo disposto: 
A liberdade, que me dás, naõ quero ; 
E da dor, que tolero, faço gosto: 

Assim vingar-me do inimigo espero, 
Disse; e sem se mudar do antigo posto, 
As picadas erueis taõ firme atura, 
Como se penha fora, ou rocha dura. 

LXÍL 

Se o motivo, difc Diogo, porque temes, 
He porque escravo padecer receias; 
E tens por menos mal este, /em que gemes, 
Do que uma vida em míseras cadeias: 

Depõem o susto, que sem causa tremes: 
Penhor te pesso dar, por onde creias, 
Dependo a obstinação do torpe mede> 
Que a vida é liberdade te concçdo. - - 



168 POEMA EPIÇQ, CANTO V. 

tXIII. 

Aqui da fronte o bárbaro desvia , 
Pos infeetoe co-a mão a espessa banda; 
E a Diogq, que assim se condoia, 
Um sorriso em resposta alegre manda. 

De que te admiras tuí Que servira 
Dar ao vil. corpo condição mais brandai 
Corpp meivaãp he ji, se anda comigo, 
Elle he corpo pm verdade do ipiniigQ. 

tXIV. 

O espirite, a ra?aõ, o pensamento 
Bou eu, e nada ma^s; a carne immund^ - 
fonna-se cada dia do alimento» 
E. faz a nutrirão, que $e confunda; 
Vês tu a carne aqui, que mal sustento £ 
íaõ a reputas minha; çó çe fupda. 
S T a que tenhp comido aos adversários; 

Ponde minha p&9'Ítt»:iWft do§ poptrori^ 

Da-earne me pastai continuamente . 
Pe seus filhos, Pai: dç|ll& he compostq 
Este corpo, que aramo ide presente, 
Pôr isso dóp tqrgiçqtpf faço gO$to. 

E geando maior pena 9 carne sente, 
F.ntaõ.mais me consolo, rp pupposto 
Be mç ver do ifthnigp bem vingai 
?* este corj}$> ? . que he seu, tao xnpH^aJ9? 



CARAMURtf f G* 

LXVI. 

Impossível parece ao Sábio tferee 
p qpe vê, e o que escuta, e que assim 
Aliando á carne mortal tanto se doe. 
vencer-sè a dor da fantasia pofsa: 

Magoado interiormente se oondo* 
De ver, que no infeliz nada faz moça; 
Mostrando na bvutal rara eonstanoia, 
Çoia tal valor taô barbada ignorância» 

LXVII. 

Tiçham disposto em tanto nq terreiro 
As Naçoen§ do $ertaõ pompa fçstíva, 
Creandp* Diogo Principal primeiro 
Com applauso geral da comitiva/ 

Vê-se orrjada de plumas o guerreiro, 
*j como em triunfp a multidão cativa , 
E sobre òs mais n'um throno levantada 
Cingem de pluma o vpnpedor çrp^do. 

LIVIIL 

A roda, como em circulo, postrados 
Sessenta Prinçjpaes dás Naçoens feras 
^ nome de séu* poyos humilhados, 
Submisspens rendem com temor sincerae: 

Tujfceupápo, estando os mais calados, 
^ r aõ filho do trovão (disse) que impera 3 
£m terra, e mar com gloria combatendo, 
o domaste com o raio horrendo. 



110 POEMA ÉPICO. CANTO V. 

LXIX. 

• 

Naõ te cedera naõ dos nossos peitos 
A varonil constância em guerra humana; 
Nem da morte tememps os effeitos, . 
Se a contenda naõ fora sobrehumana: ~ 

Rendemos-te fieis nossos respeitos, 
Depois que o teu. valor nos desengana, 
Que em teus combates todo o Ceo te assiste; 
E a quem soccorre o Ceo, quem lhe resiste? 

LXX. 

As Náçoens do Sertão jâ convencidas, 
Põem a. teus pés os arcos, e as espadas: 
Suspende o raio teu; protege as vidas 
Desde hoje ao teu império sujeitadas: 

E se tens, como creio, submettidas 
As procellas, as chuvas, e as trovoadas. 
Naõ espantes com fogo a humilde gente; 
Mas faze-nos gozar da paz demente» 

A teu cominando estad sem replicaste 
Os povos deste vasto Continente; * 
E farás cotn teu nome em qualquer parte, 
Que. te obedeça a valerosa gente. 

Faze com x> favor que haja *de *mar-tCt 
Como a t&as coni terror feito obediente; 
Que se t*oveja o Cea na esfera escura, 
A luz mauda também ibmnoa& e pura* 



CARAMU^U 1»» 

LXXII. 

Não foi $caâo (disse o Hçree prudente, - 
Héspondéndo ao discurso) foi destinp \ 
Querer o Graô Tupá que a vossa gcnto 
A mão conhecia do Poder Divino: . 

Do Ceo ; que sobre vós brilha lusenle, 
Se receberdes o sagrei do ensino; 
Livres com gloria do tyranno. Averno 
Sobre elle reinareis n'um sólio eterno* 

\ LXXIIÍ. 

Porém por serdes na ignorância rude. 
Incapazes de ouvir o mais em tanto, 
Buscai com a rasaõ maior virtude, 
Implorando o favor do Throno Santo: 

Ê quapodo a vossa fé pedillo estude^ 
gereis da antiga serpe no quebranto ' 
PlofeiseY.nestar Pátria ^improviso 
Uma imagem do ámeftd Píiíaizo. : ' 

LXXIV. ; 

Disse o Heróe generoso; a turba iuimeusil 
Em sinal de prazer com grata dança, 
Jao em fileiras com a mão extensa, 
fazendo com os pés varia mudança: 

Uma perna bailhando tem suspensa, 
E turma sobre turma em modo avança, 
Que idéa dão dos bellicos ataques, 
Retumbando entretanto os seus marraques 



V 



Ht POEMA ÉPICO. CÀNTQ VJ 

LXXT. 

0« Nigromante?, que o Çrazil respeita, 
Um raerraque descobrem veaerado; 
insígnia da Nação, que ao povo acceitaj 
Consideram por Syttibolo Sagrado: 

O Sacerdócio, como turma eleita 
No ministério ao culto dedicado, 
Poz o bárbaro termo & função toda, 
JJaféjaado noa Príncipe* & roda. 



(1 ) Jffarimbondos. Espécie do veepa mordv 
^agima po BraziL 

(2) Dme p fero. Um gravíssimo Aulioo da 
nossa Corte i?ie ajtseyerpu ter jugcçdidp caw 
0Í mil h ante ao Pará, em Reinado do Fidelís- 
simo Rei o Senhor D. José 1. , onde eíle erç 
jttptemporaneamentc occupado em çargg d#r 
^ct^isiipo do Real JJervigo. 



*4*MWWMMrt« 



171- 

t 



• i 



CJLJStTO VI. 



L 

^ Deãcançaya no seio eritaô Diogo, 
Extincta a guerra, de uma paz dourada, 
£ o pavor do sulfúreo horrível fogo 
Trazia a gente fcarbara assombrada: 

As remotas Naçoeíiã concorrem logo, 
Desde a inteira regiaô mais apartada; 
E tendo-o do trovão por viva imagem, 
Viaha~U>do ú Sertão dár-llie homenagem* 

11. 

Muitos delles, do» povos subjugados, 
Que o efféito viram da terrível ohamraa; 
Outros vihhám somente convocados 
Das heróicas acçoens, que coíita a Famas 

Tt»aztím plumas, e bálsamos preaados, 
E outra rude opulência, que © povo ama, 
E com os dons da América Ceres, 
Qffereçem*lho as filhas por mulheres. 



\ 



1Í4 POEMA ÉPICO. CANTO VL 

m. 

Era antigo dos bárbaros* costume, 
Quando algum Capitão foi bárbaro em guerra, 
Ou se julgavam que a regia um Nume, 
Emparentallo aos Principaesrda tetra: 

Qualquer que de nobrésa*entaô presume, 
Do Graõ Caramuru, que tudo aterra, 
Procura, como nobre preminencia, 
Ter na sua prosápia a descendência. 

iv! 

Tuibaé, dos Tapbfas Chefe antigo, 
Tiapíra lhe offerece celebrada; 
E com a maõ da filha deixa amigo 
Uma ill astre alliança confirmada: 

Xerenimbó trazia-he comsigo 
A formosa Moeraa já negada 
A muitos' Principaes, por dar-lhc esposo 
Digno' do tronco de seus Pais famoso. 

V. , 

Muitas outras donzeílas Brazjlianas " 
A maõ do claro Diogo pertendiam, 
Ou por prendas, que notam soberanas, 
Ou po? grandes acçoens, que delle ouviam: 

A todos elle deo mostras bumanàs 
Sem a ( fe lhe obrigar, que pertendiam; 
Mas por naõ offender as brutas gentes, 
Trata os Pai* e os Irmaõá comd parentes 



CARAMURU 11& 

VL 

Paraguagú porém com fé de Esposo 
Parecia estimar distinctamente, 
Mostrando-lhe no affecto carinhoso 
A sincera afeição que n'alma sente: 

Amava nella o peito valeroso, 
E o génio dócil, com que á fé consente; 
Amor que occasionou, como hc costnme 9 
Em algumas inveja, n ? outraa ciúme* 

VIL 

Todas á bella Dama aborrecendo, 
Conspiram feras em tirar-lhe a vida; 
Mas ella que o projecto alcança horrendo, 
Deixar pertendea Pátria aborrecida: 

E na viagem de Europa discorrendo, 
Deseja renascer á melhor vida; 
Impulso santo, que com justa idéa 
Move Diogo a deixar aquella área. 

VIII. 

Agitado do vario pensamento, 
Na margem se entranhou do vasto rio, 
Que invocando o Seráfico portento; 
Chama de 8. Francisco o Luso pio: 

E estando o Sol no seu maior augmeffte, 
Quando sitio no ardor busca sombrio, 
N\ima lapa, que esconde alto mysterio, (Ij 
Foi achar para «a* calma o refrigério; 



fÍ3 ioÉMÁ ÉPICO. Cmiti Vfc' 

IX. 

Por mil passos a' penha milagrosa 
Estende em roda o gyro dilatado; 
Obra da Natureza prodigiosa, 
Quando o Globo terráqueo foí ereado: 

Concavidade ha alli vasta espaçosa. 
Onde tinha o creadof delineado, ' 
Com capeUa maior, nave, e cruzeiro^ 
Um Templo, como os nossos, verdadeira. 

Largo trinta e três passos sè estehdi* 

?> graõ cruzeiro: a longitude da mole 
or içais de outros oitenta discorria; 
Lugar, Que ímõ pízára humana prole: 

O prospecto extrior de pedraria^ 
O interior pavimento he terra molle: 
De jaspe se levanta a grã. portada, 
Entre torres marmóreas fabricada. 

Dentro vem-se magnificas Capellás/ ' 
Sustentadtfs de esplendidas çoiumnas; 
Pelo tecto entre nuvens gyrâo estrellasv 
E sobre o rio a um lado tem tribunas, ., 

Que tervindo-lhe a um tempo de janeltót 
Daõ luz a todo o Templo; e quando lhe db»* 
Quantos prodígios o lugar encerra, 
Maravilha m^ior não cobra a Terra* 



.1 «. -• 



, .CAtoAMíau i :•? rw 



.xn. 

fespfelfa alli ae-Yê.:âe entalho notara,' 
Obrado com desefcho estranho, e vario, > 
Onde eftigiado em inarmore v sè oebre v 
Ura natural belíssimo Calvário* -. ' ? ; . > o 

Verse a base da Cruz, mas hada sobre; 1 ; 
De jaspe ainda melhor tjqe Egywo ou Parco :< 
£ afr lado um posto èf n proporção distirtcta, * 
Onde a Mui, e Discípulo se pix&m* -•.■'-- .> - i £ 

XIII. 

Cbégédo Diogo a vjcr prôcBgab tsntoy ' » 
Pelo çatraniio espectáculo suspeatío, •;• • • 
Penetra-se no. peito de horror Santo* 4 -^ *- 
Por naõ sei que Sagrado rooeulto stetssoc • ' •' 

Depois! Rompendo u'um devoto pcaoíoy 
Prostrado em «terra, adora aDeos ianmcnso^ 
Que quando, ser ax> mar, ç .á» torra dava,; *. •• > 
O alieerae âgrà íà brica lançava^ , . •.. i 

Eis-aqui preparado (disseco Templo,! • 
íalta a fé, falta o culto necessário*) :c. :?7 
E quanto éra. de Deos* íeitò contemplo ti 
Tudo o qxie ne de salvar me io< ordinário: ^ 

Desta intenção parece ser. exemplo* , •* ! 
Este insigne prodígio extraordinário? ;.i : .. I 
Onde paçace que no Templo occulto, • ■ 
Tem disposto o lugar* e eepera o eulto* 

M 



T# POEMA SFTCO; QtNTO TE. 



QafeinottKÉriie9taL>kiMgm porvenfcp» 
Que eptar^entotottiai aaõ deaainpava; 
E que a3gaahiaer huraaoa* apeatura 
O nemedto da Cvub. jpat» prepara^ 

Que?* estar doteeu-aaagu* dera escura* 
Se> aes ia»tiiie$esy qi*e leròy noa ropugpaip; 
Quer Advogada» n»p deo de eniprez* taoia. 
Preparando * Jogar à. ¥)? gemi âepte - 

OH çtróra, Gfô Saoiwrç voa» boarfatf^ 
Supprir neHes>c era mim tofita* miscriwç 
Poiè d**tpdo*aaíva* tendes reptede* 
Que poo «Hte sé&ab meétvaia* taõ sémac 

Que? sarilhai» para & MMwa. iniquidade^ 
Apb&peu efe puJur taata trotem, 
Que a* antíf a cutpa pelos eeift^ab valho» 
A ninguém, dpixe junto ao* moeaea oi&o*. 

XfIL x 

DalU: sfOtoémâeío rio GntKfoloso, 
Yaí o note* Recôncavo feuwaudo* 
Por vier se- inchada vélà. ò píg» uodose* 
A rumo Orientei- vei navegnrtdoí 

Nem tenderia cNçrèlafo eer^çoeo 
Ir na. leve: camba ateavesaarido; 
Se o perigos que ímfneiiéo cotiaidew^; 
Pelo d«muô da Esposa jiaô temera^ / 



trúi. 

Ergnè^e «obre ò mar tirto|><Aé!d, \ 
Que urda angra & réiirtem, dárfnfibs èm^árò,* 
Onde datí rama* no intrêcHéftb enredo, 
Causa o verde prospecto iim góétò taro? 

AHi morro cubertd dte arvoredo, 
À quem paasea o mar* serve ée faro; ' f 
Daõ-lhe nome da Gosta os cíprltoítór, '' *' 
Do glorio** Apostolo da» <2efttei. - 

'Hl 

Aqui vê Diogo Hm eatfco, $tè éfoorfltói*, , 
Onde ti'agu* se óccufta hórrida Centra, 
Porque ignorando a costa feé arrogará, 
Sem que esperança de soceófrb tteriira: ( 

Vê, como a chusma em terra sé srilváray 
Que a bnrtál gerité a cativar sé éaljpeiALfc; 
£ ftréadiifinão o qúe erà, na canoa 
A defender o» seu* remàndb v6à; 

E tendendo <jpiè cedam' énçanjtfõà 
Ad bárbaro cruel os natrfráçantésjr ' " 
0* que fiqtietn sem anhás cativádoé 
Nas mãosr desses penhaicòS áoibiriááteft ; 
_Paí-ihes sioMs, deixámos avisárfoé, 
*Wnd$ ver as arraia* riitjfaifteè > 
Da artá infida , e do cruel perigo > ' 
■ o seoi sotcokwttieoffreoé amigo. 

MS 



* 






Jty POEMArflPICO, OANTO VI. 

III.- 

£ quaxujtçú .a. tira de canhão se -ris , 
Pez que\àe ; QiÍYJsçe,a formidável trombai 
ti ao éco da tambor * flue Ibé batia , 
Dispara ao te^ R o : p^snío a horrível boiriba : 

Treme de espanto o barb'aro r que ouvia; 
£ este . pasma , outro foge , aqúello tomba; 
£ o Grã. ^Cararçmru já divisando v 
Correm' tõcles, huijiilaes jao seó mando- . 

Ujxidps do bom , Diogo . á coqptiva 
Sofccorrera com presteza a Vela rota i 
Onde a, gente daaagij^. semiviva * 
Vão leVçp Gondu^ípido a praia nqta : 

SalvQÚ-se-íhc a equipagem , toda viva ; 
E p^ra 09 preparar a grâ derrota, 
Faz que a barbara çen te,, ( dando ajuda 
A' affiicta "multidão , piqdosá., ' acuda, 

Paraju^çíirrPor4nv com pio, evis* 
Cuida em prover de roupas r , e susteato ; 
E quantq 'lhe.he .jpasstyel de jmprovieo, 
Restablece-sltie as forcas co'aumento.» 

IJepbis- què.se^aci^rao do prefciso , 
Diogo' qíie p , oâ*ç». serç ; rjgcprcfa attçatp r 
Logo quê a turba vê 4 , . contente , : ejtt0ta, 
Donde vem? aonde vão? qu«j 3^/ perguot* 



CAteÁMURÚ A ' ^ M láí 

xxYv. '■ 

, Hum entre "oiitros , que" o.Chefe parecia» - 
E sobre os nreis da chusma, dopninava j 
Depoig de agradecer-Hie acortéfeiáv -• -• 
Na Castelhana lingua V*enY qíie raliavj* ; v 
Somos (disse} da flobfe 'Àridâúzía / ^ ' r 
Onde % chão rlispafense o Bêtis *íava f 
Sócios se ouviste o nome de Arélhaxio f 
E desde o Reino ciemos ; Peruano. - 

XXV. 

• » » « • • 

Se a Fama a vós chegou 3o ' víáerosò 
Doraá.dpr das Províncias" Peruanas ; 
E se Písarrò no Orbe tão famoso 
Nâo sé ignora das Gentes Luzitanas i 

Pomos delle mandados pelo undoso s f . 
Grão rio , que em cotrentes desce insanas^ 
Desde a grã cordilheira , que immiiiente' 
Aqui separa o* Occasfc -d<r Orientei* J * 

XXVI.- 

Novas IÍHqs Buscando 7 e tío^s^tíáréa * . 
Depois áp' inngo^ djfas naveçánios j * 
^oopíi proceílas , já com hráridos á*j|si 
Ao conhecido Oceano fchègátnok? : V ., * 

Os perigos;- os casos :Mtfiitfttei\ * % ' /' .. 
Que por mais 4 dè mH tè^dPídlérámoa ?;•. . 
^ão contara,, depois "jqâe ?fô? mkt eiró ?i J, 
l ter • ^eito dèaçò/é à^rcBí ^éftírS. r * 



191 poema fraca càfrro vi. 

XXVB. 

Be tpMtnl*,, e. mais lingnae diflferent«s, 
Timos, desfcenfJ* o rio, erp curso ijnpaemso, 
Incógnitas íftçõe*, barbaras gentes, 
£ huip , Povo ighqiqeravel , vasto , ê denso; 

Montanha* viinqf , campos mil patentes, 
£ hum terreno aã* margens tão extenso, 
Que' poderá ellp *ó neste hemisteriQ 
Forinar com tento Povo b*W vaaty txnperia 

xxvw. 

Mil Yt&ps çom canoas belKçoaàs 
Combatemos áo rio , e mil cm terra ; . 
Perseguidos de tropas nvunçrosas , 
Que occupavio ta] vez o yalle*. e a serra: 

Nem cessava nas margens .perigosa* 
De. mil ^>¥ayt|S t Nações, a di^ra guerra., 
Jhi <m* entrando nas ardentes Zonáa, 
Chegamos áJflejpào, ^i\a .Àmfz^ça* 

Discorre #mp furor pela, {ttvdrot, 
Vasto esquadrão <Ie tropa feminina, 
Que . ^ postura* e contenho de guerreira, 
Assaltar nossa frota çetermiiiá 

Sobre a ae*o viril v turba grosseira » . 
O ferj^nino jíf i^ jftlli domina ,'. "*. f .' 
Ondi np. T^.», pçrque a fama, o contam. 



TCSRàMDSU-. - ' VeH 



% já' o Hispano Leão damado Tieovér* 
©as Aauteonas o terreno iafiwsto > 
$e qo clima titfcKsi. «nos nâo morrera 
Be mil Fadiga* Avelhano -eifhatisto. - 

Agente poia <qiie a Capitão pcrdftra v 
ííào podendo «esperar eoecesm , fausto , 
Sobre este bergantim, que affi «è adorftá^ 
Ao. Selar Patrie-, navegande «arai. 



Ni* -tovideia, reepmidc, o Her6e< clenwríte 
De adiar «em -mm •aodoòvro poderoso^ * 
^uc achate *queai -coirm ^rós domar fkftaenté 
ApreaAeo na -desgraça a -eer piedoso: • 

Tenêe» afinca xaâo r ^nadeí ra .^ -e -gomtó ^ 
<3om qae «o case*, qm «dés>YinnfcStf., •' 
fteforraando-s* .tome Ao ,Oea nosso . * 

^' desejaáé tteepariha y « Béãs tomo* ^ 

XIXH 

tfisse; -e. «ordenando. ia toriba Jtaerièairf*, 
Assiste ae fWbro.ua naval fadiga ; - 
E qnanlo TUe perroUt© a força Wraatia, 
¥az que «et» Wer>e «Hatsel «eu Titifoesigai 

Nem (k demora unia a $tmfe Hi sp an a , 
^ue aoowvida a moaç», -a o yjento obrigar 
Soltâo a braiaca v*la ao- ireseo avento} > '* 
£ vte jraqpaado * liquido eternal* , • ^ 



16* POEMA ÉPICO. CANTO VI, 

xxxin. 

Edioeii v6s\ diz Diogo , afortunado* , ' 
A quem da cara Pátria he consedido 
Tornar hoje aos abramos - desejados , 
Depois de tanto tempo a ter perdido ! 

Eçi- quanto eu nestes climas apartados 
Me vejo de seguir-vos impedido; 

Sue fiar temo de tão debii lenho 
utra vida, q' em mais que a própria tenh» 

xxxiv; 

*, Dtoeaâo* aséím v dom calma vê lactando 
Formpsa náo de Gallioa bandeira , * 
Que aterra ao parecer vinha buscando , 
E a proa mette sobre a própria esteira: 

, Vem seguindo n canoa , m- c sinaea dando^ 
Até que. , aborda * ar eaito rcação veleira ; 
E de pau dando a Mostra conhecida, 
As praies/dafiahia * ^o convicta, 

XXXT, 

•A GupeVÉL «htretsntò', e taparica ' 
liava o ultimo abtarçor, eiá forte Esposa 
A intenção de: lavaila^eigiwfiea , 
A ' ver de: Europa a Regrito famosa*: ' 

Suspensa • entre *lvoroç<v e pena fica 
ram^a<^ 1 fiaiitônie,>"niae;*andefta ; 
E quando t> - pteiírter uai; ísen lida ' fuga 
Come^i^/ia. aaadade, Amar Ih» erixuga* 



t r ' 



«AfcAMtfllU 1W 



He fama èntto que* ú y mu!t?<fóo fornrjntoa 
Das Damas , qtie Diogo p'ert*»dílo , 
Vendo «van^af-se a náo na via undosa, 
B que a eépefança de o alcançar pérdi&oV 

Entre as ondas com ânsia furiosa 
Nadando o Esposa p*»lo mar seguiâo , 
E nem tanta ecoa que flnotâa vaca 
ardor que o peito 'tem, banhando apag». - 

XXXVII. 

Copioja urolti€fcç áà nío Franccaa 
Corre a ver o espectáculo assombrada; 
P ignorando a tibcsaââp da estranha emprtiza, 
Pasma da ttifba feminil, que nada: 

Huma^ que is utais precede em gentileza, 
Náp vinha menos betla , do que iradas 

fa Moem» ,* que de inveja- geme, 
jfr ifizfnh* á* ndo se apega ao leme. 

XX5í*Hl. 

BarbaWftrheftff dte)- tirite, e não homem:.. 
l*orén*< o tigre pôr cruel que brame, • 
Acha forças atnor , Que em r fim o domam;' 
Só a*tir iiH0>dán>ou, por»t#ai^4uê eu te ame; - 

Furtes, ratos, àrttakte, jjnftfafe oetisoqieqi, 
Como hfio fcefltfuwft «lúlàtó • fttfaWi*? - 
%8 pagar -táMé isiHOirffcóífi^ltetltcf, èafccq 
■Ah 411*4$ QotUfte ^tux;- Ytiiò.w peRhasoo. 



1 1 

• 4. ' 



196 POEMA BPICO. CANTO TI. 

XXXIX. 

. Bem poderes •, cruel , , ter «ido escutai * 
Quando eu a fá rendia ao teo eiagano ; . 
Nem me ofenderas a esetitar-me altivo , 
Que he favor, dado a tempo, «m deseu^aao: 

Porém deixando o eoeaçio cativo 
Com fa?er»te a meus roços sempre feomanot 
Fogistes-me • traidor , e desta sorte 
Paga me* fino amer te* crua morte i 

XL 

Taõ dera ingratidão menos *ertUra : , 
E esso fede cruel doce me fora* r - 

Se a moo despeke triunfar aaõ vira 
Essa indif na , essa infame , essa traidora: 

Por serva, por escrava te s*egaí-ra;» . 
Se tiaõ temera de Gkataae Senhor* 
A vil Paragua^ú , que sem <qtie o, orei* > 
Sobre scr-me itífriec* iie neaeU,,, àJvin-, 

Em $m, t?i* <©orageò de Vfe**men gffiift, 

Flauto, -n 1 moribuôda ^ntre estas tiadas,. 
*{eo> e 4Mt**ado amor te* peito incita . ' 
Açum ai «omente * oom *uc aos weus itespon- 
Barhert, *9*ft*f4 toHt«etto ,««&•>. :{*}ai: 
(Disse, i-eodfe* t qjiri ok n a ***** condas* . 
Dispam sobre mim t*u orgel raio* • • 
£ indo a d^zer <jL»aia, f *Ue «jun^deameiç. . 



CARAMURU — W* 

XtH. 

Perde o lume dos olhos, pasma, * treme*' 
Pállida a pôr, o aspeoto moribundo, 
Com maõ já sem vigor, soltando o leme, 
Entre as falsas escunas desce ao fundo: 

Mas na onda do mar, que irado freme, 
Tornando a apparecer desde o profundo; • 
Ah Diogo cruel! disse com mágoa, ' 
£ sem maia viate ser, sorvçp-ee n'agw» 

Choraram- da Bahia as Nynfaa bellas* 
Que nadando a Moema acompanhavam; 
£ vendo quo sem dor navegam delias, 
A' branca praia oom furor tornavam: 

Nem pôde o claro Herée sem penp vellas, 
Com tantas pçovas, que de amor lhe davam?. 
Nem mais lhe lembra o nome de Moema, 
Sem que ou amante a chore, ou grato gemar 

xur. 

Toava em tanto a náo na azul corrente» •* 
Impellida de um Zéfiro sereno, 
E do brilhatite mar o espaço ingente 
Um campo parecia igual, e ameno: 

Encrp*pava?se a onda docemente, 
Qual àipa leve, quando move o feno; 
£ como o prado ameno rir costuma, 
Iuutav9.au bofliíiJM COO* % wuma» 



tife POEMA EPICÒ. ÔSSTO TL 

XLT. 

Da *P1éMis ; ' <píé os Fraricezes governava , 
Em uma noite clara á poppa estando, 
Os oastís de Diogo, que escutava, 
Admira no ncufrayio memorando: 

Depois do Heróc prudente perguntava 
Quem achara o Brazil, o como, è quando 
Ganhara no recôndito hemisfério 
Tanto thesouro o Lusitano Império* ••• 

XLVL 

Dons Monarcbas (responde o Lugitaào) 
Jà sabes que no Occaso, é no Orfettte 
Novos Mundos buscaram pelo Oceano, 
Depois de haver domado a Libya atrtante: 

Êqné, onde naõ chegou Grego, ou Romane, 
Passe* o forte Hispano, e a Lusa crente; 
Que instruídos na Náutica com aHe, 
DeãCubriram .de Mundo outra grã p**tè*f 

XLVÍL- 

Do Tejo óà China b PortuçftèB imftfi*, 
De um pólo ao outro ó Castelhano v6a, 
£ os dous «xtrfcttioH da redonda èsftro, 
Dependem de Sevilha, e 4e |*isboa* '(2) 

Mas depois qué Cólon sinoefc trowférii, 
(Cólon, efe 'quem no Mundo tf 'faina voã)/ 
Deste novo admirável contitieritè ' *. °' 
Discorda com CMtélIa *Lu*o ardtfhté./ 



« • • 



» • 



&atA*irau i* 



xtyiiL 

íâ 9õ;di9p(^h^>a guerra sanguinosq; 
Porem a coramum Pai ao» dou» íatíma 
Arbítrio na contenda duvidosa, 
Que a parta competente aos Reis estima* 

Dcsdg Boina Alexandre, imperiosa, 
Deixando ?un£>os era ppg 4 eoipreza anitne, 
E uma linha lançandp ao Ceo profundo, 
Por Fçrpan4o, e Joaô reparte o Mundo. 

Na vasta ^ivísiifl quo.ao Uíso veio; 
precioso Br^ziJ contido .fico : . 
Paiz de gpentes^e prodígios cheio, 
Da America fejiz porgaõ mais ricas 

Aqui do vasto Oceano no meio 
Por horrível tormenta a proa applica 
iilustr^ Cabral com fausto aqasp 
Sobre sjráoa dezeseis do nosso 



• -li- 1 

Da nova«Regi*o, qae atiento observa. 
Admira o clima doce, o eampp ameno, • 
E e,ttfrs arvo^de itnraçf&o, a fértil herv* 
Na vi Q<^a^x tepsâo do, aujreo terreno: > 

Cnberta a praia está de grâ caterva • 
De incógnita Nacaê j; que com o aceno, 
Porque a liogua ignorava, á paz convide? 
Ergue^o-ihe q troféo do Author dp vida. 



' 190 POEMA ÊttGO. tíANTO VL 

LI* 

Era ò tempo, em que álégte réfttftâfii 
A verde planta, que murchou no Inverno; 
E quando n solar meta o tempo excita, 
Em <|iíe o Rei triunfou da morte eternos 

Tào sagrada memoria a frota incita 
A oelebrhf ao Vencedor do Inferne 
O saorifioio, donde a fe venera, 
A Paixào, que «m tal tempo aueoedêrà- - 

Em froftdosá ramada o Lusitano 
Um altar fabricou no prado extenso, 
Donde assista ao Mysterio soberano 
Da Lusitana esquadra o povo immenso* 

Ao Rei triunfante do infernal tyraflno, 
Odorífero fuma o sacro incenso, 
E a vi et ima do Ceo que a paz indica 
A' gente, e a nova terra sanottâca» 

LIÍI. 

Notar o Americano alli oontenée 
Do sacrosanto Altar ó acto. sublime; 
E tanto a simples gente o aceno entende* . 
Que parece que a acção por santa estimei 

Algum que olhava ao celebrante, eroprefldf 
O gesto arremedar, que orando exprime, 
E a» maôs une, e levanta, e talvez solta; 
E quando 'o vé voltar, também se volta- Â 



; 



i CAuamm m 

Caros aã nossas a égeea e talrea espia 
O peiloso arrimai, que o mate hospeda* 
£ quaai* *ê fazer, como á perfie, 
Tude ponto a observar, Ioga arremeda? 

Tal e Gentio simples parecia. 
Que veia uiw pé, nem passa dallí arreda* 
E ao santa sacrifício attento, e mudo, 
que ás mais ri» íãzer, fes ia-a tudo, 1 

Àqai deppír qjtier ás turbas eíoqzrenta ' 
Bretã o sacro Orador pio coiweito, 
E a fá disparo*» a» animo valente 
Do nobre Povo a propagafla eleito: 

Participa da cea a Cristã gente, 
£ o dom reeébem com ftef respeko; 
S he é&aw q«e Cabraf, que oa convocará. 
Montando setoe m» alto, assim íattán* 

HW 

GForiosar NeçaS, que a terra rasta 
Tais a livmrd&F^áaismaamHHmdo, 
A quem esse Orbe amigo j4 nao basta, 
Nem a immensa extensão de» mar profbndm -' 

Neste oesulto Paia* que q> mar arfaste? 
Tem teu zeki pbv campo um novo Mundo; ] 
E quando tanta fé seus termos sGnde, 
Outro Muado* aohar&s> se outío se esconde» j 



1W POEMA gPI/QQl Ç*NTO VI 



trn. 

Oh profundo bonselhof Abgrerao tomefift 
Do poder, e saber do Omnipotente! > * 
Que estivesse escondida no Orbe extenso 
Tanto, parte dosMuiido ú sabia gente* ; «- 
p Siucocnta e sinco ee#ulo$ aena senso. 
Das Caçoou* deste vasto continente* 
£ em ta^tta indagação dos sábio*» feita, 
Waô cahir-no* itá me ptejicoat suspeitai - 

Mas ftAibi&SHie utíia, <»- tempo; *iioí»i 
Em que a qítaJProvidenaia aqoi ná&gwftf 
Quando á igaarahoiar GkrÍ6to.(^£jjd»5 Q&> 
Quando morre aa Cruz, nt* Pf opriõí djau 

Na bandeira <lo mar triunfadora • - 
TremolaiTjosa^ Ohàgas^om fé çwa,. « t . 
K uejlas quiz a grei* qufc -cm fcem^igi* lâagiA 
Vir netfç.dift a ofliirpser seu strogu*; ... 

■MB. 

Goza d^ta^^b^Pi t^rral^mflt^ 
£ da Cvm ú& §#i*hor tei*jn0m#aq)*; ; , .. 
E quanto a U13 .waiçtar de te Visita*. «> ^ 
Tanto mais abundante em ti, se vejitf . 

íerra de. Sa^íaoQrus í» sqjaa tfita, . 
Maduro fratp d^ Paixi*), na. Igreja, 
Da Fé renovo pejo fruWfc opttyrg, . 
Qqejo dia nos jrçqptrçvb que tÇ;4$8«0bM* 



éÁRÀMURtJ : 19» 

LI. 

t)iaefttlo assim ajoelha, e Grua em tanto 
Sublime ii'ura oiteiro efe colloea; ' » 

O exercito formado ao final santo 
Sc prostra humilde, pondo em terra a bocas 

Pasma o Gentio, e admira com esparito 
A melodia, fcom que o Ceo se invoca* - 
Hymno entoando á Cruz, pios Cantores, 
£ respondendo as trompas, « os tambores. 

Lxi. 

Terrfc porem depois chamou a gente 
Do Brazil, naõ da Cruz; porque attrahida 
D'outro lenho nas tintas exeellentes, 
Se lembra menos do que o foi da vida: 

Assim ama o mortal o bem prezente; 
Assim ó nome esquece, que o oonvida 
Aos interessfes da futura gloria, 
Aos bens attento só da transitória, 

LXIL 

Observa o bom Cabral todo o prospéto 
Í)a immensa oosta, e pelo clima puro; * 
Pelo abordo tranquillo, e mar quieto, 
Chama o seio, em que entrou Porto Seguro: 

E olhando cem saudade o doce objecto 
Do seu destino, se lamenta escuro* ' : 
Que pela empreza a que mandado fora, 
Não permitte oa Armada outra % demora.. * -* 

N 



( \H POEMA HPICO. CANTO \% 

LXIIL 

Manda depois ao Luso Dominante 
Um aviso do clima descuberto; 
Nem tarda Manoel entaõ Reinante 
À eaviar um Cosmógrafo, que elperto. 

Da escola fora , que o famoso Infante ($} 
Para a Náutica scieucia tinha aberto, 
E Amerieo dispõem, que tfo Brazii parta, 
De quem deo nome ao continente a Carta* 

LXIVv 

E pof te* qfueftt aos nossos interprete 
Do ignorado idioma a escura sorte, 
Alguns em terra condemnados mettev 
Devidos por delicio á crua morte: 

A vida como premio lhe proraetttt, 
Quai^do com peito se atrevessem forte 
A esperar no Sertaõ nova viagem, 
Aprendendo os rodeios da linguagens 

Gom acenos depois á gente bruta 
Os seus que lhe deixava, recommenda, 
E no elaro perigo, em que os reputa, 
Arma lhe deixa, que na guerra ofieuda: 

Dâ-lhe a espécie, que alli 6em seeommntB) 
Em que possam tratar por compra, e vcad*; 
Espelhos, cascavéis, anzoes, cutelos, 
Campakihas^fi^ís,. serras, martelos 



J 



E convidando a veuta, eijtçudjç. a. vc|a t , 

Corre * U$ri>w?fi &&* $WPltiQ*a& 

Ao ernbarqijç n$$. ato? da 'í r opa bell^: 

í^ a^que po4a w.tè^d4Ur^€t a iflag^dífr 
Por ç^u^d^ q#e tem efe qws n$ã vella, 
Cora a#jWO$> è Voz oatfiruecida 
Faziam a sgç íflqdp u çLççpedidfr 

Mqi& ç^vdosç* o* triles destarr^do*, 
Correndo injmeneo risoq a li{ig#a àpçen^ÇMi* 
Receb^fido aUw>ojHp* computados 
Pelas espécies, quo 30 Gentio vendem; 

f alvez «a t$r*i cso-a cubara eacanljidQ?* 
Talvez com Qa^^veh todo? ^ugppqd^u; 
Mas o objecto quo a vista mais 1U« ppsqwhf a 
He reç d^tfQ «ta flsgsUip q B£opft§ ^qpi^ : 

Extática qu$l<3\*e? aot^ndo- $&£$*% 
Dentro ao terço ehrystal ft hçxrivql «raw' 
Perg,y**ta4h$ qaçt<u -bfs 4 cqnw se qisvmií; 
£ crendo ostar ao inver^Q 9 q^ ea*£HgfiM?fri 

De uqia parte a wtxa parte o Gs^lhpuYíra; 
E nãò topaudp o vujtç t>A Ua «Jara, 
Tal tysi a»©o v4i«çqufihp§» RP» vçy qtei#i:f|: 

N 2 



196 POEMA ÉPICO. CANTO tf. 

LXIX. 

. Mas em quanto estes erram vagabuhtlos, 
Américo Vespucci e o forte Coelho, 
A longa costa, e os seios mais profundos 
Demarcavam no Náutica conselho: 

Descubridor também dos novos Mandos 
Foi Jaques na Marinha experto, e velho, 
De quem já demarcado em carta ouvimos* 
Esse ameno recôncavo, qne vimos. 

LXX. 

Eu depois destes na òccasiaõ presente? 
Quanto o vasto Sertaõ nos encubria, 
Descubri, pondo em fuga a bruta gente, 
O reconeara interno da Bahia: 

Notei na vasta terra a turba ingente, 
Que mais Europa toda não teria;" 
fie da grã cordilheira ao mar baixando, 
Desde a Prata ao Pará se for contando» 

LXXI. 

Dá principio na America opulenta 
As Províncias do Império Lusitano, 
O Grâ Pará, que um mar nos representa, 
Emulo em mero á ferra do» Oceano: 

Foi descuberto já (como se intenta) 
Por ordem de Pissarro, de Arelhano; 
Paie, que a linha Equinocial tem dentre 
Onda a Tórrida Zona estende <y oent*?' 



CARAMURU 10* 

LXXII; 

Em npve léguas só de comprimento, 
Vinte seis de circuito se espraia 
No vasto Maranhão d'ago$ opulento, 
Uma Xlha bella, que se estende á praia: 

Regaui-lhe quiuae rios o áureo assento, 
E um breve estreito, que lhe forma a raia, 
Pode passar por Isthmo, que a encadea 
A' terra firme por mui breve aj-êa. 

LXXIH. 

Ççará depois, Província vasta, 
Sem portos, e oommercio jaz inculta; 
Gentio imrrçenso , que em seus campos pasta, 
Mais fero qu* outros 9 Estrangeiro insulta*: 

Com violento curso ao mar se arrasta • 
De um lago do Sertão, de que resulta, 
Kio, onde pescam nas profundas minafl 
As brasílicas pérolas mais íjna$. 

LXXIV, 

Da fértil Paraíba naô occorre 
Que informe a gente vossa, sendo empreza 
Do cornmerçio Francez, que alli concorre 
A lenhos carregar, que a Europa preza: 

Não mui longe da costa, que alli corre 
Uma ílha vedes de menor grandeza, 
Que amena, fértil, rica, e povoada 
He d'Itamarac4 de nós chamada. 



m POEMA 1M(*>. tftNTO Tl, 

Pernambuco, PrbVlfiíSfc 8telicfctta, 
A pincfue barça, % 'ptesca, & frrçtfi grerta, 
A madéfra fentPò éié òàfrfefc rwafe pfèétotfai 

O ^òspècto, húc o& tí\hò9 arfréb&tfc 
Na V^dnrti dnís kfrtò^èá fronâosfe, 
Faz qtiè to WVo sfe fe$eôfcc «a '•metiraVfefe» 
De crer qq«féía J t5fh>áM 4 ò Fá*a*fc*. 

Serzipe -èlftW f!?Bltaei:"logb b tteftttAa 
De qué Vk*è'à 8eDóâfe,-fe pfeft^pfcctívaj 

NfeHi t^tffe com ttfírfs fccàrtfe h Jrfchífc vivar 

ciWfhisttuaa^i^Oteo'»*»^ Bem*, 

Mitiçadfc ha nèVba S fcalitài ftcrtito», 
Palma*, -wwmgoè*, rtfiLpIfcfcfcV* im <cspfcS*i* a * 
Naô ha depofsiío Gfe^fofttâ^fòtÈiti&tHMu 

A quinze giffitfe , to í 9iflh&$«'^*têí(M* 
né$ftfi>tffetò*tf*>, pò* ^Hièófif cortado, 
Outfrfc £W*irfcta #è 'cultura írrintettea, 
Tem tftfs pfoiJrittírHhfeGs AorÂòtlMtíàdo: 

DéMofe * V<Mb Sfecfffrò, • a qikmi acmvpett?* 
O espado d-a 'PWiWò&ia -Hhlitfttto, 
.Ontra de rttrtbitb hilrriltoj^iicvfe **SotAft, - 
E do Espirite $#tftb ->o-a**rfte t&tób* • 



CARAMVnXf 196 

LXXYIII. 

tffhíteròi dqs Tamoyos habitada, 
Por largas terras seu domínio estende, 
Famoga região. peia enseada, 
Hue uma grã barra dentro em si comprendet 

Está praia dos vossos frequentada, 
5ue pomo de discórdia entre nos pende, 
Custará, se presago naõ me engano, 
Muito cangue ao Francez , e qo lusitano, 

LXXIX, 

S. Vicente, e S. Paulo os nomes derarçi 
A's extremas Provincias, que occupamos; 
Bem que ao Rio da Prata se estenderam 
As que com próprio marco assinalamos ; 

E por memoria de que nossas eram, 
De Marco o nome no lugar deixamos, 
Povoação, que aos vindouros significa, 
Onde o termo Hespanhol, e o Luso fi<ft, 



400 POEMA ÉPICO. 04NTO Yt. 

(1) Lapa. Esta he a celebre Igreja da Lapa, 
em que parece que a Natureza preparou á 
Graça um admirável edifício. Veja-se Sebas- 
tião da Rocha Pitta. 

(2) Seritta. Eptao Corte de Hespaqha. 

(3) Do famoso Infante* A e?cola Náutica, t 
Mathematica ,, fundada em Sngre^ pelo Se 
nhor Infante D. Henrique, dep qs ultimo* 
lumçs a Colou , America Vespucci , ç outroi 
Cosmógrafos estranhos, que cm nenhuuu 
outra Rcffiaõ da terra podiam achar estudo» 
áquelle tempo taõ célebres, como qs de f ca> 
tugal. 



. : > 
't 



» 1 



£01 






CANTO VII, 



i. 

Era o teiqpo, em que o Sol na vasta Esfyr* 
O claro dia com a noite iguala, 
E p velho Outono, qpe o calor modera, 
De seus pâmpanos tece a vçrde gala: 

£ quando todo o monte ijapcho altera^ 
E os capazes toneis na adega abala, 
Tocava a Franca náo dp claro Sen^ 
Na deliciosa foz a praia amena. 

Na gp3 Lutecia, Cnpitpl do Estado > 
A ligeira falua dava fundo, 
E esse Orbe na Cidade abbreviado, 
Enchia Diogo de um prazer jucundo; 

Templos, torres, palapips, casas, prado, 
O famoso Atheneo mestre do Mundo, 
A Corte mais augusta, que se avista, 
Enche-lhe o coração, e assombra a vista. 



m POEMA ÉPICO. CANTO VIL 

m. 

Paraguaçú porém, que já mais vira, 
Espectáculo igual, suspensa pára ; 
Nem falia, nem se yolta, nem respir$, 
liqmovel a pestana, -e fixa a çpra: 

E cheia a fantasia do que admira, 
Causa-lhe tanto pasmo a visaõ rara, 
Que estúpida parece ter perdido 
O discurso, a njemoria, q. vqz, e o ouvido» 

IV, 

i^ual pende b tenro Infante ab coflo dá «ma, 
Se um novo, e bçllo objecto tem presente, 
Que nem a doce m ai, 'que ao peito o chamfy 
Nem os tnimos do pai pasmado sente; 

Tód* n alma no que vc fixo derrama, 
E só parece pelo olhar vivente: 
Na 5 foi da Americana o ar direrso, 
Veiado cm Paris a summa do Universo 

V, 

Por fama tjne se onvio da novidade . 
A admirar o espetaculo se ajunta, 
Curiosa do suecesso a íítS. Cidatie, 
E un\ se admira, outro o canta, algu perfontaf 

Gw^sre o vago nrmor sobre a verdade; 
E a plebe , que a Diogo acode junta, 
Delle, cda Esposa divulgada tinha, 
Que fera o Rei tto Brazil, e ella a Ramha. / 



E já a?frft«1ltti do Palácio Augtistti 
Em beJkt p^i^èctivn o ^^gjfc fcsj>a<;o, 
E o atrôo/vèft4o de twrféo* Oftijsto, 
Entram flólPMhêti liei do <>fct*lso Paço; 

Cingfc ftf? pwtas exército rebuâto, 
Brilhsthife s?un**da, de que o invicto brèçq 
Ao ladp sefflptò da ftanl JPessoft, 
Sustenta as lii&efc, e defende a Gtoa. 

VÍI. 

Era^fiXftitfatiaryissiima Heíbfthtfe 
J5nt?3 09 Itytttse&eft ò srçrundo Henriqufe, 
Meta entfu) do 'Germano fulminante, 
Que oppoz de Carlos á$ >vtotarta|fi dique: 

(*ífl%é>a<yjco Monarca, da F«é tarttante, 
Qne faz que ena tod* f* França immovfcl fique 
antigo culto, e ~ Religião paternfc, 
Quç-ilivíjtfiò^de Calviao a |?ârifc Averna. 

sdrck-é*è ao Ite&io lafio a Çrn Prinèeaa, 
Formosa Lis, q!te do Aí ho Florentino 
Troitxft a. França um íh^quro de bclíeza, 
E outro maior no engenho peregrino: 

Formoso par, que a ©aMa Natureza 
Ni© eem insííncto ■ribhjngou Divino^ 
Porque rmíbsrtido Hvnriqufc & dura morte, 
Sustente -Franga OathâWKj -t\ -Porte. 



\ 



?04 POEMA ÉPICO. CANTO VIf f 

IX. 

Ao Throno Christianissimo prostradp 
^ Regia Mão doa dous Monarcas beija, 
P bom Diogp, teado a Esposa ao lado, 
E faz que attenta toda a Corte esteja: 

E havendo por três vezes humilhado 
A fronte aos Reis, que respeita? deseja, 
jHe fama, que com gesto reverente 
Fallára deste rçodo ao Rei potepte. 

Tendes, a vossos pés, Sirç, invocando 
No throno da grandeza a Magestade, 
Estes dous peregrinos, que surcando 
Do prooelloso mar a immensidade, 

No Império, que regeis com sábio mando, 
Cascam agylo na Real piedade; 
E a vós, e ao vosso Reino se dirigem, 
Donde ten* Portugal o nome, e a origem. 

XL 

O Brazil, Sire, infunde-me a confiança 
Que allj, renasça o Portugúez Império, 
Que estendendo-se ao Ca|bo da Feperança, 
.Tem descuberto ao Mundo outro hemisfério; 

Tempo virá, se o vaticínio o alcança, • 
Que o cadente esplendor do nome Hesperio 
O século, em què está, recobre de ouro, 
E lhe cinja o Brazil mais nobre louro. ' ^ 



' CAKAMUfttr SOS 

XII. 

, É Ta, que ao Luso Reino um germe Augusto 
No grão Burgundo a propagar mandaste, 
Contempla, ó França Heróica, o Império justo, 
Como ramo dò teu, que alli plantaste: 

E se o inculto Brazil, se o Cafre adusto 
Por teus famosos Netos subjugaste, 
Admittef ao throno do Solar primeiro 
Este teu não' indigno aventureiro. 

XIII. 

E esta , que ao lado meu teu Sceptro beija , 
Vinefeea do Brazit, que um tempo fora, 
Io seio da Christâ piedosa Igreja, 
Como Mãi pia regenera agora. 

He bem que a Mãi primeira o Bfateil veja, 
Donde a gente nasceo, que lhe he Senhora» 1 
E quando a Lusitana lhe hc Rainha, 
Tome o Brasil a França por Madrinha* 

XIV. 

Disse o Heróe generoso, é o Rei potente; 
Recordando os annaes de antiga Historia; 
Com vista rrtagestoça, mas clemente', 
Deo sinal de agradar-lhe esta memoria: 

Com susurro entre tanto- a aulica gente' 
Celebra, como própria, a Lusa gloria; 
E impondo-lhe silencio alto respeito, 
Respondem com os olhos, e oo' peito» 



*# rOEMA 8PIÇQ* CANf O Víí. 

% tyen£om*rí> q*& $erve n» i^Mlbl: 
pe inierprétó de Rei, faltou bépigfc*ô 
Conforme u4 resposta á justa idéa, t . 
De quê o bom Dioífo sé mosrtieu taõ cfèçno: 
Nem vendo a Lysia de eaaqutèta* qhwa 
Lhe inspira impulôo da anpbiçQú wu)iff4p> 
Á invejarrthe já iuhís troféo* t&tpanbw» 
Que em prole m naô wpatit wtfiftntWfc 

fcU, disse a Rakih*, d par 4it<^a> 
Que o banha santo, doadé a culpa awtffb 
Sb apague nçàse peito generoso, 
Condoo a França apadrinhar pr<*p#i&« 
. v R quando o Soj seu curso luminosa 
Ti?es ve*es repetir na Esfera clara, 
Será das nódoas .do Tartafeo abysijW 
Lavada a Mia -Dama 00 Bapti&nub 

ÍVH. 

Era o dia , em que he fama, qae.o finfai 
Í)e t$rra, foi na Estatua preciosa, (feito 
Em que Deos lhe infundida nó &e^ p^Uo 
Dó Soberano ser cópia formosa. 

Dia do nosso rito ao oulte eleito 
De Simão, e f haxídeo, quando fomos* 
Entrou Fraguagu com feli? sorte 
Ho banha Santo» vçd&mãp'* % C$ifó« 



C ARAMURU 907 

XVIH. 

À* roda o Real Clero, e grão Jerarca 
í ÓFma ein meio á Capella a Augusta linha; 
Entre os Pares seguia o bom Monarca, 
E ao lado da Neyofita a Rainha. 

Vê-se copia de leunes nada parca, 
E a turba immêhsa que das guardas vi aba; • 
E dando o nome a Augusta á nobre Dama, 
Poém-lhe o seu próprio, é Catharina a chama* 

XIX* 

Banhada a forrirozíssima Denzella 
No Santo Crisma, que os Chíístaôs eaaiirraay 
Os Desposorios na Iteal Capella 
Com o vafente Dioero amante firma: 

Catharina Alvares 3e nomea a bclia, (r)Í 
De quem a gloria nó trofeo se affirma, 
Com' que' a Bahia, que lbe foi Senhora/ 
N'oi*tro tempo, a confessa, e fundadoras 

r XX. 

Prense um banquete com grantó, 
Um qtie a cópia compita co'*a a elegância; 
E aos dous Consortes se dispo cal a mcza 
No magnifico Paço a Regia estancia: 

Nêm áe dedigna a Soberana Alteza, , 
í)epoís de os regalar com abundância, 
De dar Rainha e Rei, de ouvir curiosos^ 
Uma audiência privada ao& dous Esposos 



àoé POEMA ÉPICO. CANTO IftL 

XXI. 

Depois (disse o Monarca) qué informada 
t)e méds Ministros tenho a Historia ouvido, 
Gomo foste das ondas agitado, 
Como da gente barbara temido: 

Sabendo que os Sertoens tens visitado, 
E o centro do Braéil reconhecido, 
Quero das terras, dos viventes plantas* 
Qué a Historia contes dé Províncias tantas- 

XXII; 

Mandas^mé, Rei Augusto, que te expoábsj 
(Diz cheio de respeito o Heróe prudente) 
È aos olhos teus em um compendio ponha 
A Historia natura] da occulta gente: 

Se esperas dé mim, Sire, que componha 
Exacta narração da cópia ingente, 
fimpréza tanta he, quando obedeça, 
Que f&z que o tempo falte, e a foz fállega. 

XXIHí 

Mil e sincoenta e seis legoás dé Costa* 
De valJes, é arvoredos revestida, 
Tem a terra Brazílicá éompósta 
De montes de gratideáa desmedida: 

Os Guafarapes, Borbòrémá posta 
Sobre as Ativens na cima recrescida* 
A serra de Aimorés, que do pólo hé ftrià> 
Às de Ibo-ti-catu, e Itatiaia, 



J 



CARAMURU 10* 

XXIV. 

Nos vastos rios, e altas alagoas 
Mares dentro das terras representa; 
Cuberto o Graõ Pará de mil canpas 
Tem na espantosa fóz legoas oitenta. 

Por dezesete se desagoa boas 
vasto Maranhão; legoas quarenta 
Jaguaribe dista; outro se engrossa 
De 8- Francisco, com que o mar se adoga. 

XXV. 

O Sergipe, o Real de licor puto, 
Que com vinte o Sertaõ regando correm, 
Santa Cruz, que no Porto entra seguro, 
Depois de trinta, que no mar concorrem: 

Logo o das Contas, o Taigipe impuro, 
Que abrindo a vasta fóz no .Oceano morrem, 
O Rio Doce, a Cananea, a Prata, 
£ outros sincoenta mais, com que arremata. 

XXVI. 

O mais rico, e importante vegetal 
He a doce cana, donde o assuear brota, 
Em pouco as nossas canas comparável; 
Mas nas do Milho proporção se nota: 

Com manobra expedita, e praticável, 
Espremido em moenda o sueco bota, 
Que acaso a antiguidade imaginava, 
Quando o néctar, e ambrósia .celebrava. 

O 



$10 POEMA ÉPICO- CANTO TtL 

XXVII. 

Outra planta de muitos desejada, 
Por fragrância que o olfacto activa sente, 
Herva santa dos nossos foi chamada, 
Mas tabaco depois da Hispana gente. 

Pelo Franco Nicot manipulada 
Expelle a bile, e o cérebro cadente 
Soccorre em modo tal, que em quem o temei 
Parece o impulso de o tomar que he fome. 

r XXVHL 

• 

He sustento com mu m, raiz prezada, 
Doncje se extrahe, com arte útil farinha, 
Que saudável ao corpo, ao gosto agrada, 
E por delicia dos Braz is se tinha. 

Depois que em Bolandeiras foi ralada, (t} 
Np Tapití s.c espreme, e se convinha, 
Fazem a puba então, e a tapioca, 
Que he todo o mime, e flor da mandioca^ 

XXIX. 

Chama <y Agricultor raiz gostosa 
Aipi por nome; e em gosto se parece 
Com a.raolle castanha saborosa, 
De que tira o Poiz vario interesse. 

v Opfímo arroz em cópia prodígios», 
Sem cultura nos campos apparece* 
No Pará, Cuiabá, por modo feito, 
Que iguala ua bondade o maia 



CARAMURU 211 

XXX. 

Ervilhas, feijão, favas, milho, e trigo, 
Tudo a Terra produz, se se transplanta; 
Fruta também, o pomo, a pêra, o figo 
Com bifera colheita, e em cópia tanta: 

Que mais que no Paiz que o dera antigo, 
No Brazil fruetifica qualquer planta; 
Assim nos deo a Pérsia, e Lybia ardente, 
Os que a nós transplantamos de outra gente» 

XXXI. 

Nas comestíveis hervas he louvada 
Quiabo, o Giló, os Maxixeres, 
A Maniçoba peitpral prezada, 
A Taioba agradável nos comeres: 

palmito de folha delicada, 
E outras mil hervas, que se usar quizeres» 
Acharás na opulenta natureza 
Sempre com mimo preparada a meza. 

XXXII. 

• • 

Sensível chama-se herva pudibunda* 
Que quando a mão chegando alguê lhe pobha, 
Parece que do tacto se.confunda, 
E que fuja o que o toca por vergonha. 

Nem torna a si da confusac profunda, 
Quando auzente o aggressor se lhe naõ ponha, 
Documento á alma casta, que lhe indica, 
Que quem cauta naõ foi, nunca he pudica* 

o a - 



Ut POEMA ÉPICO. CANTO TBL 

XXXiII. v 

D'hervas medicinaes cópia tâo rara 
Tem no mato o Brazil, e na campina, 
Que quem toda a virtude lhe explorara? 
Por demais recorrera á Medicina. 

Nasce a Gelapa eili, a serie amara, 
O Filopodio, a malva, o póo da China, 
A Caroba, a Capeba, e mil r que agora 
Conhece a bruta gente, e a nossa ignora. 

xxxiy. 

Tem mimosos legumes, que não cedem 
Âos que usamos na Europa mais prezados^ 
Gingibre, Gergelim, que os mais excedem 
Mendubim, Mangaló, que usam guisados: 

Algubs medicinaes, com que despedem 
Do peito estilicidios radicados; 
Tem o Cará, o Inhame, e em cópia grata 
Mangarás, mangaritps, e batata* 

xxxr. 

Das flores naturaes pelo ar brilhante 
He com causa entre as mais rainha a Rosa? 
Branca sahindo a Aurora rutilante, 
£ ao meio dia tinta em cor lustrosa: 

Porénr creseendo a chamma rutilante, 
He purpúrea de tarde a cor formosa; 
Maravilha que a'Clicie competira, 
Vendo que muda a côrj quando o Sol gyrw 



CARAMU11U 313 

í * 

XXXVL 

f)utra engraçada flor, que em ramos pende 
(Chamam de S. João) por bella possa 
Mais que quantas o prado alli comprcnde, 
Seja na bella cor, seja na graça: 

Entre a copada rama, que se estende 
Em vistosa apparencia a flor se enlaça. 
Dando a ver por diante, e nas espaldas, 
Cachos de ouro com verdes esmeraldas- 

XXXVII. 

Nem to me esquecerás, flor admirada, 
Em quem naô sei, se a graça, se a natura 
Fez da Paixão do Redemptor Sagrada « 
Urna formosa, e natural pintura: 

Pend^com pomos mil sobre a latada» 
Áureos na cor, redondos na figura, 
O âmago fresco, doce, e rubicundo, 
Que o sangue indica, qne salvará o mundo. 

XXXVIII. 

Com densa cópia a folho se derrnma, 
Que muito ú vulgar Era hc parecida, 
Entresáchando pela verde rama 
Mil quadros da Paixão do Author da vida: 

Milagre natural, que a mente chama 
Com impulsas da graça, que n convida, 
A pintar sobre a ftar aos nossos olhos 
A Cruz dcChristo, as Chagas, e-oS abrolhos.* 



814 POEMA ÉPICO. CAJíTO Vlf. 

XXXIX. 

He na forma redonda, qual diadema 
De pontas, como espinhos rodeada, 
A colam na no meio, e um claro emblema 
J)as Chagas santas, e da Cruz sagrada: 

Vem-se os três cravos, e na parte extrema 
Com arte a cruel lança figurada, 
A cor he branca, mas de um roxo çxtuuigue» 
Salpicada recorda o pio sangue. 

XL. 

* Prodigio raro, estranha maravilha, 
Com que tanto mysterio sé retrata! 
Onde em meio das trevas a fé brilha, 
Que tanto desconhece a gente ingrata: 

Assim do lado seu nascendo filha 
A humana espécie, Deos piedoso trata, 
E faz que quando a Graça em si despreza, 
Lhe pregue ço'esta flor a natureza. 

XLI, 

Outra? flores suaves, e admiráveis 
Bordão com vpria. côr Gampinas bellas, 
E em varia multidão por agradáveis» , 
A vista encantam, transportada em vellasj 

Jasmins vermelhos ha, que innumeraveto 
Cobrem paredes, tectos, ejanellas; 
E sendo por miúdos mal distinctos, 
Entretecem purpúreos labyrintho3*, 



CARAMURU -•' 215 

« 

i XLH. 

As assucenaft são talvez fragrantes, 
Como as nossas na folha organisados; 
Algumas no candor lustram brilhantes, 
Outras na côr reluzem nacaradas. 

Os bredos namorados rutilantes. 
As flores de Courana celebradas; 
12 outras sem conto pelo prado immenso, 
Que deixam quem as vê, como suspenso. 

XLIIÍ. 

Das frutas do Paiz q, mais louvada 
He o Rcgio Ananás, fruta taõ boa, 
Que a mesma Natureza namorada 
Quiz como a Rei cingíll* da coroa: 

Tão grato cheiro dá, que uma talhada 
Surprende o olfacto de qualquer pessoa; 
Que a não ter do Ananás distincto aviso» 
Fragrância a cuidará do Paraíso, 

XLIV. 

As fragantes Pitombas delicadas ' 
São, como gemmas d'ovos «a figura ; 
As Pitangas com 'cores golpeadas 
Daõ refrigério na febril seccura: 

As formosas Guaiabas nacaradas, 
As Bananas famosas na (Joçura, 
Fruta, que em cachos pende, e cuida a gWté 
Que fora o figo da cruel Serpente* - ' 



Ift ' POEMA ÉPICO. CANTO MS. 

XLV. 

Distingue-se entre as mais na forma, e gosto, 
Pendente de alto ramo o coco duro, 
Que em grande casca no extrior composto» 
Enche o vaso intrior de um licor puro: 

Licor, que á competência sendo posto, 
Do antigo néctar fora o nome escuro; 
Dentro tem carne branca, como a amêndoa, 
Que a alguns enfermos foi vital, comendo-a. 

XLVI. 

Não são menos que as outras saborosas 
As varias frutas do Brazil. campestres, 
Com gala de ouro, e purpura vistosas, 
Brilha a Mangaba, e os Mocujês silvestres: 

Os Mamões, Moricis, e outras famosas, 
De que os rude* Caboclos foram Mestres, 
Que ensinaram os nomes, que se estillam, 
Janipapo, e Caju vinhos distillam. 

XLVIL 

Nas preèiosàs arvores se conta 
O cacáo, droga em, Hespanha taô commua, 
Pouco n'altura mais que arbusto monta, 
E rende novo fruto em cada Lua: 

A Bainilha nos sipós desponta, 
Que tem no chocolate a parte sua, 
Nàsee em bainhas, como páos de lacre, - 
De um sueco oleoso, grato o cheiro e acra* 



CARAMURU 217 

XLVHI. 

Óptimo anil de planta pequenina 
Entre as brenbas incultas se recolhe; 
Tece-se a roupa do algodão mais fina, 
Que era cópia abundantíssima se colhe: 

Que se a abnndarícia A industria sexombina, 
Cessando a inércia, que mil lucros tolhe, 
Houvera no algodão, que alli se topa, 
Roupa, com que vestir-se toda a Europa. ' 

XLIX. 

O uruçé, fruto d'arvore pequena, 
Como lima, em pyramide elevada, 
De que um extracto a diligencia ordena, 
Que a escarlata produz mais nacarada: 

De im mortal tronco a Tarajaba amena 
Rende a áurea cor dos Belgas, desejada, 
páo Brasil, de que o engenhoso Norte 
Costuma extrahir cor de toda a sorte. 

L. 

Ha de bálsamos arvores copadas, 
Que por legoas, e legoas se dilatam; 
Folhas cinzentas, como a murta, obradas, 
E em grato aroma os troneos se desatam: 

Se nclles pelas Luas saô sangradas: 
E uso vario fazendo os qiie contratam, 
Lavram remédios mil, e obras lustrosas, 
Contas de cheiro, e caixas preciosas/ 



*Í1S POEMA ÉPICO; CANTO VH. 

LI. 

A Copaíba em curas applaudida, 
Que a Médica Sciencia estima tanto, 
A Biouiba no óleo, conhecida, 
A Ahpececra, que se usa no quebranto*" 

A preciosa madeira appetecida, 
Que o nome nos merece de Páo santo, 
O Sateafraz cheiroso, de -que as Praças 
6e vêem cubertas com formosas taças. 

LII. 

Quaes ricas vegetáveis amethystas 
As agoas do Violete em varia casta, 
O áureo Pequiá com claras vistas, 
Que n'outros lenhos por matiz se engasta; 

O vinhatico páo, que quando avistas, 
Massa de ouro parece extensa, c vasta; 
O ,duro páo, que ao ferro competira, 
ft Angelim, Tataipeya, o Supopira. 

LIII. 

Troncos vários em côr, e qualidade, 
Que inteiriças nos fazem as canoas, 
Dando a grossura tal capacidade, 
Que andam remos quarenta, e cem peasoast 

E ha por todo o Brazil cm quantidade 
Madeiras para fabricas taô boas, 
Que tiazendo-as ao mar por vastos rios> 
Pôde encher toda a Europa de navios. 



\ 



CARAMÚRU f tft " 

LIV, 

Nutre a vasta Região raros viventes 
Em numero sem conto, e em natureza 
Dos nossos animaes Ião differehtes, 
Que enchem a vista da maior surpresa: 

Os .que tem mais communs as nossas gentes» 
Ignorn esta porção da redondeza; 
boi, eavallo, a ovelha, a cabra, e o caè; 
Mas levados alli sem conto saô. 

LV. 

Todo o animal he fero alli; levado 
Donde tinha o seu pasto competente; 
Nem era lugar próprio ao nosso gado, 
Que fora o bruto manso, e ferça a gente: 

Como entre nós he o Tigre arrebatado, 
Cruel a Onça, o Javali fremente, 
Peras as Antas saõ Americanas, 
£ próprias do Braz.il as Suroranas. 

• • ** 

Vem- se Cobrais terríveis monstruosas, 
Que afiusrentam co'a vista a gente fraca; 
As Giboias, que cingem volumosas 
Na cauda um touro, quando o dente o ataca; 

Voa entre outras com forças horrorosas, é 
Batendo a aguda cauda a Jararaca, 
Com veneno, a quem fere taõ presente, 
Qucf logo exn convulsão morrer ee sente. 



220 POEMA ÉPICO. CANTO VIL 

LVH. 

Entre outros bichos, de que o bosque abuds 
Vê-se o espelho da gente, que he remissa, 
No animal torpe de figura iminunda, 
A que o nome puzemos da Preguiça: 

Mostra no aspecto a lentidão profunda; 
E quando mais se bate, e mais se atiça. 
Conserva o tardo impulso por tal modo, 

Que em poucos passos mette um dia todo. 

* 

Lym. 

Vê-se o Camaleão, que não se observa, 
Que tenha, éomo os mais, por alimento 
Ou folha, ou fruto, ou nota fearne, ou herva, 
Donde a plebe affirmou; que pasta cm venta 

Mas sendo certo, que o ambiante ferva 
De infinitos insectos, por sustento 
Creio bem que se nutra na Campanha 
De quantos delles, respirando, apanha. 

LIX. 

Gyrá o Sarchué, como pirata, 
Da cre"a^r.o domestica inimigo; 
Á' Canção da Guariba sempre ingrata 
Responde o Guassinin, que o segue amigo: 

lia varia caça, que o Caboclo mata, 
A Narração por longa nào prosigo* 
Veados, Capivaras, e Coatiás, 
Paccas, Teíte, Peri**, Tatus, Cotias. 4 



CARAMURU Jâl 

LX. 

O mono, que a espessura habita astuto, 
De um ramo n'outro buliçoso salta; 
E para não se crer que nasceo bruto, 
Parece que o fallar somente falta: 

O riso imita, e contrafaz o luto; 
E a tanto sobre os mais o instínoto exalta. 
Que onde a espécie brutal chegar lhe veda, 
Tem arte natural, com que o arremeda. 

LXL 

Entre as voláteis caças mais mimosa, 
A Zabelé, que os Francolins imita, 
He de carne suave, e deliciosa,. * 

Que ao Tapuia voraz a gula incita; . 

Logo a Enha-popé, carne preciosa, 
De que a titela mais o gosto irrita, 
Pombas* verás também nesses paizes, 
Que em sabor forma, e gesto sâo perdizes* 

LXIL 

Juritiz, Pararis, tenras, e gordas, 
A Hiraponga no gosto regalada, 
As Marrecas, que ao, rio enchem as bordas, 
As Jacutingas, e a Aracan prezada: 

E se do lago na ribeira abordas 
De Galeiroens, e patos habitada, 
Verás, correndo as agoas na canoa; 
A turba aquatil, que nadando voa. 



*2§ POEMA ÉPICO. CANTO tlt 

LXIII. 

Negou is aves do ar a Natureza, 
Na maior parto a Musica harmonia; 
Mas compensa-se a vista na belleza, 
Do que pôde faltar na melodia: 

A pénna do Tocano mais se preza, 
Que feita de ouro fino se diria» 
Os Guararazes pelo astro tão luzidos* 
Que parecem de purpura vestidos. 

LXIV, 

Vão pelo ar loquazes papagaios, 
Como nuvens voando em cópia ingentôí 
Iguaes na formosura aos verdes Maios* 
Proferindo palavras, como a gente: 

Os Periquitos com iguaes ensaios» 
X) Canindé, qual íris reluzente; 
Mas faliam menos da pronuncia avaras» 
Gritando as formosíssimas Ar afãs* 

LXV. 

Como melros são negros t)S bicudos» 
Mais. destros, e agradáveis no seu canto» 
fcla terra os Sabiás sempre saõ mudos; 
Alas junto d'agoa tèm a voz, que he enc&ftto : 

Os Coleirinhas no entoar agudos, 
As Patatibas, que o saudoso pranto 
Imitam, requebrando com sons varioil) 
*Da Colibres, e harmónicos Casario* 



CARAMURU 22â 

LXVL 

Dag espécies marítimas de preço 
Temos pérolas netas preciosas, 
Neiu melhores aljôfares conheço, 
Que os das ostras Brazilicas famosas: 

Âmbar Gríz do melhor, mais denso, e cxpes* 
Nas costas do Ceará se vê espaçosas, (so 
Madrèsperolas, conchas delicadas. 
Umas parecem de ouro, outras prateadas. 

LXVIÍ. 

» 

Piscoso o mar de peixes mate ruinosos, 
Entre nóê conhecidos rico abunda, 
Linguados, Sáveis, Meros preciosos, 
A Agulha, de que o mar todo se inunda: 

Ro,baldos, Sàlmonctes deliciosos, 
Xerne, o Voador, que n'agoa a (Tunda, 
Pescadas, Gallo, Arraias, e Tainhas. 
Carapaos, Encharrocos, e Sardinhas. 

LtVHf. 

Outros peixes, que próprios sâó do climtf/ 
fierupirás, Vermelhos, e o Garopa, » 

Tampanos, Còrimás, que o vulgo estima,* 
Os Dourados, que' preza a nossa Europa: 

Carépebas, Parus, nem desestima 
A grande cópia, que nos mares topa, 
A rhultidão vulglar do Chareo vasto, 

<4u<* ás pobres gentes s.ubministra o pasftf. 



224 POEMA ÉPICO. C±NTO VIÍ- 

L^IX. ~ 

De Junho a Outubro para o mar se alarga. 

Qual gigante marítimo a Balêa, 

Que palmos vinte seis conta de larga, 

Setenta de comprido, horrenda, e feia: 

Opprime as agoas com a horrível carga, 
E de oleosa gordura em roda cheia, 
Convida o pescador, que ao mar se deite, 
Por fazer, derretendo»a, útil azçite. 

LXX. 

Tem por espinhas ossos desmarcados, 
O ferro as duras péllesYepresentam, 
Donde pendem mil busios apegados, 
Que de quanto lhe chupam se sustentam: 

Nâo parecem da fronte separados 
Os vastos cof pos, que na arêa assentam,' 
Entre os olhos medonhos se ergue a tromba, 
Que ondas vomita, como a quatil bomba. 

LXXL 

Na boca horrível, como vasta gruta, 
Doze palmos comprida a língua pende, 
Sem dentes; mas da boca immensa, e bruta 
Barbatanas quarenta ao longo estende: 

Com ellas para o estômago transmuta, 
Quanto por alimento' n'agoa prende, 
O peixe, ou talvez carne, e do elemento 
A fez iínmunda, que lhe dá sustento. 



1 



CARAMUItV SM 

LXXII. 

. Duas azas noa hotnbros tem por braços, 
%e aos lados vinte palmos Se dlfFundejn, 
£om $za, e cauda os liquides espaços . 
Sqtando remam, quando o mar confundem; 

E excitando no .pélago fracaços, % , 
Chorros d'agoa nas náos de longe infundem; 
.E andando o monstro sobre o mar boiante, 
£rê qae he ilha o inexperto navegante. 

LXXilI. 

Brilha o materno amor no monstro horrédo, 
%e, vendo prevenida a gente armada, n 
Matar se deixa n'agoa Combatendo, 
for dâr fuga, morrendo á prole amada: 

Onde no filho o arpão caçáô mettendô, 
£om que attrahindo a mãi dentro a Enréadfe 
í)esde a longa canoa se alancêa, * 

Ao lado de seus filhos a b&lêa. 

ixxiv. 

Sobre a costa ò marisco appetecido 
No arrecife se colhe, e nas ribeiras 
As Lagostas, c ô Polvo retorcido, 
Os Lagostins, Santólas, Sapateiras, 

Ostras famosas, Camarão crescido, 
Caranguejos também de mil maneiras, 
^or entre os Mangues, donde o tino perde 
* humana vista em labyrintho verde. 



ié» f oêma épico, tútí o vií; 

(1) TVo/Jfo. Àllude-se á imagem de Cathaiv 
na Alvres, pintada sobre a casa da pólvora na 
Bahia. , 

(9) Bolandeiras ê Túpitis. Instrumentos, com 
que se fabrica a farinha de Mandioca* Fubá 
(ou fuW) he a flor da mesma farmha 



V / * ' i 



SÃT 



CANTO vni. 



I. 

Três vezes tinha o Sol no gyro obliquo 
A carreira dos.Tropieos voltado,» 
E três de Europa pelo Clima aprieo, 
Tinha as plâ&tas o Abril ressuscitado: 

Depois que do Brazil se tinha rieo, 
A' França o nobre Diogo transportado* 
Buscando nas viagens meio, e fume, 
Com que reforme o bárbaro costume* 

II. 
Mas dejmiséra gente na lembrança, 
Que lhe excita da Esposa a cara imagem> 
Meditava deixar a amiga França, • 
Repetirido a Brazilica viagem: 

Na generosa empresa não descansa* .. • 
De instruir a rudeza do selvagem, 
E cuida com razio que he humanidade, . 
Amansar-lhe a cruel barbaridade. 

P 2 



m fOEMÁ ÉPICO. CANTO Víft 

fff. 

Em quanto não, e embarque úegoeea,, 
Da amigo Dú-Plessis solicitado, 
Foi-lhe do Rei Francez proposta a idear, 
De ergueras Lizes ao paiz buscado: 

Terásr (lhe disse, e he fateil que sé crea* 
Que lho dizia do seu Rei mandado,) 
Terás da França auxilio, e Tropa immensay 
E maior que o serviço a recompensa. 

IV. 

Qutf sè o empenho te occripíf generoso 
De amansar do Gentio a mente *mpía, 
Trazendo a França utt> povo numeroso, 
Melhor se amansará na companhia : 

Que engano fora a Europa pernicioso, 
Quando Colónias derramando envia, 
Extinguir sem remediou infeliz gente, 
E despovoar-se com a Ttopa ausentev 

V. 

Desta» arte Roma o império seu faziar, 
Qu* 'as Colónias pelo Orbe derramando* 
Do paiz conquistado outraer utim, 
Com que ia a falta pvopria reparando: 

tf^invsecukr, que o bárbaro vivia, 
Na grã Roma' Romano hia ficando, 
Eneate arbítrio' de pensar profundo; 
Foi Muudo Roma, eibi Romane o Mundot 



j 



CARAMURU £29, 

VL 

Esfe meio por faBjto eu te çuggiro, (1) 
Que se a tua prudência boje executa., , 
Verás em pouco tempo, como aspiro, 
Francesa pejo trptp a gente bruta: 

Vive sempre brutal no seu retiro, 
Quem ninguém eomqa única, e nada escuta, 
Nem o Sal vagem tiraras da toca, 
Se outro paiz nçô t?&ta, e o seu não tropa, 

VIL 

E em tanto que o ter^eao nosso habity, 
Transraigrçjte a infeliz Gentilidade, 
A gente, que perdemos infinita, 
Supprirá. com commua utilidade: 

Assim a Agricultura mais se excita, 
Cresce a plebe no campo, e na Cidade, 
E a turba inerte, que corrompe a (erra, 
Pu se d^ixa emendada}, ou se 4e$terra, 

VIII. 

Disse o Francfiz prudente, e o nobre Diogo, 
^eal á amada Pátria respondendo, 
Sábio projecto dás (explicou logo) 
Sobre a população; nada o contendo: 

Mafc nâp posso convir no exposto rogo, 
Sendo fiel ao Rei, Português sendo, 
Quando o Luso Monarca julgo certo 
%ahor de quanto deisa desçuberto, 



Í58 POEMA EMC». CANTO YHL 

Et,' 

Vivendo ex lege ura povo na Anarquia, 
Tem direito o vísinho a sugeitallo, 
Que a Natureza mesma inspiraria, 
Ao que fosse mais próximo a amansalltí: 

Deixo que o Ceò parece que o queria, (í) 
Bando a Cabral o instinto de buscallo, 
JC o ser em caso tal commum coneetto, 
Que quem primeiro o ocçupa, tein direito. 

X. 

E sem que offenda a França a minha escusa, 
He bem que esta conquista a Lisia faca; 
Mas em quanto a Bahia o não recusa, 
Ser-vos-ha no commereio a melhor praga: 

Cópia de drogas achareis profusa, 
E o-lenho precioso, alli de graça; 
E durando eu na Pátria obediência, 
Serei Francez na obrigação, e agencia. 

Xh 

Admirou Du-Plessis no peito nobre 
O generoso ardor, e o pátrio zelo, 
Que a illustre condição no obrar descobre* 
Novo motivo. para mais querello: 

Sem' mais receio que o contrario. ette obre, 
Na nova expedição quer sócio telloç ' 
Mas antes de embarcar-se oTheróe prudente, 
Avisa o Luso itei da empreba ingente- 



CÁRAMURU S3| 

XII. 

Já pelo salso Oceano navega 
A França não, e o Cabo se divisa. 
Donde á Europa no Occaso ao tçrmo chega» 
Tido do antigo nauta por balisa: 

A terra alli se vê, que r o Minho rega, 
Correndo a costa da feliz Galisa; 
E o rumo então seguindo do OccideAtç, 
Ao meio dia se navega ardente 

XIII. 

Naõ longo do Equador o mar cortava, 
Quando Paraguáçíí, já Catharina, 
Como era seu costume, attenta orava, 
Implorando o favor na mão Divina: 

E eis-que a vista da turba, que a observava! 
Em quanto adora a Magestade Trina, 
Em somno fica suspendida, e absorta, 
E algum cuida que dopirçe, outro q' he morta* 

XIV. 

Brilha rço aspecto um ar do aflet o interno; 
Mas em funda abstracção com doce calma 5 * 
Bem se lhe vê pelo semblante externo, 
Que occupa«m grande objecto a feliz alma* 

Vê-se nelía arraiar do lume eterno, 
Que no Ceo goza, quem jã logra a palma, 
Admirarei ^^nribre,, que suspende, 
E iiifuadefl^ípip affectp em <jupj£ o attentter 



Í32 POEMA ÉPICO. CANTO VHfc 

Assim por longas heras abstrahida 
Deixava o caro espòsp rça ansiedade, 
Sê era somno, em que estava suspendida^ 
Se era effeito dç cruel enfermidade: 

Ora suspeita que perigue a vida, 
Ora na Celestial tranquillidade 
Crê que do claro Empyreo habitadora» 
Immortal sobre p Geo reinando mora, 

XVI, 

Até que a si tornada docemente, 
Corre a turba co'-a vista em grato gyr»; 
£ como quem esta aura ingrata sente, 
Rompe os longros siíçncios h'um suspiro: 

Oh doce, (disse) oh Pátria permanente $ 
Que escura este ar parece, que respirou 
Feliz quem contemplando o Ceo formoso; 
Vive no seio do çelçfrtç esposo! 

XV». 

Pasmado Diogo, e a multidão, que a ouvia* 
Calam tçdos no assombra de admirados, 
Nem Já duvidam que visaõ feria, 
Em que ouvira os mistérios revelados: 

Quando bccultps segredos Deos confia, 
Não devem ser (diz Díego) propalados; 
Mas se em parte, como este, he manifestçL 
Temerário naõ sou, se inquiro o resto.- 



CARAMURU 134 

,i 

XVIII. 

Narra-nos, feliz alma, a visaõ bella, 
Quem sabe se por li nos manda aviso 
A Providencia, 1 que ao governo vela. 
Do mortal nos seus fins sempre indeciso! 

Nâp nos cales em tanto o que revela 
Por nosso luiqe, o excelso raraisq, 
Ê a nossos roços coni memoria prompta* 
Dizendo quando viçte, tudo conta. 

XIX. 

Calaram todos, com ouvido attento, 
Pendendo da expressão de Catharina; 
E tomando na poppa gm roda assento, 
Dâo-lhò sobre um canhão, q' ao bordo inclina; 

Mandais-me (a Dama disse) que o portento 
Haja de erpor-yps da impressão divina: 
Quem poderá contar cousa taô alta, 
Quando o lume cessou, a sciencia falta? 

XX. 

N$m incluo em meu çonho um sacro instín- 
Qqe tudo fingir pode a fantazia; (to, 

Porqqe a imagem talvez que n-a)ma pinto, 
Por. força natural se fingiria: 

Pode ser, se presaga a idéa sinto, 
Que sem extraordinária profecia, 
Anteveja osuecesso, o tempo, e o praaq, 
S depois náo sueceda, ou seja acasq ? 



SSt POEMA ÉPICO. CANTO VHÍ, 

XXI. 

Vi, não sei s'era impulso iiçaginario, 
Um globo de diamante çlarp, e immenso} 
E nos seus fundos figurar-se vario / 
Um Paiz opulento, rico, e extenso: 

E applioando o cuidado necessário, 
Em nada do meu próprio o differenço; 
Era o ( áureo Brazil taõ vasto, e fundo» 
Que parecia, no diamante um Mundo. 

XXII, 

Fixo- os olhos attenta no estupendo 
Milagroso espectáculo, que via, 
E em três legoas de boca vi correndo 
Por doze de diâmetro a Bahia. 
t Seis rios pelo golfo discorrendo, 
Engenhos, povoações, que descubria, , 
Eram como ornamentos da Cidade, 
De que sç ergue qq plano a Magestade r 

XXIH. 

Parocia ém seis hairros dividida,- 
Com dui.s Praças de extensão formosa) 
Fortaleza alii vi na barra erguida, , 
Outra a parte de tçrra niagestosa; . 

A enseada por oito defendida, 
E outra em Taparica poderosa, , * 
Pr as casas de pólvora, e n# e.ntrad#, 
Vi-me a ijhiq d§ .um£.4eUas jetrata4%* 



CARAMUIIU 835 

XXIV. 

Dentro a um Templo magnifico se via 
Pe seu» .Prelados turma numerosa, 
Be que um &s maôs dos bárbaros morria, 
Outro a espada cingia valerosa: 

Muitos de alta virtude ps matos via, 
Com caridade discorrer zelosa, 
Sem ppupar tempo, estudo,. ou vida. ou gasto, 
For propagar a Fé no Sertaõ vasto. 

XXV. 

No grão palácio em tintas retratados 
Os que, o governo do Brazil tiveram, 
Os Sonsas na Bahia decantados, 
Os nobres Costas, que depois vieram: 

Mas entre outros na guerra celebrados, 
Por troféo^, que vencendo mereceram, 
Mendo de Sá de gloriosa fama, 
Que Pai da Pátria no lírazil se acclama. 

XXVL 

Deste era prole o intrépido Fernando, 
Que alli vi fulminando a forte espada; 
E contra a feroz gente peleijándo, 
Deixou a morte com valor vingada: 

Mas da Bahia os olhos levantando, 
Vi descorrer no mar potente Armada, 
Qne as Ilhas o ocupando, e a vasta terra,, 
Movia na Brazil funesta guerra. 



â36: POEMA EPICG. CANTO VIif r 

XXVIL 

Parecia-tne a frota bellicosa ' x 

Franceza crente, que o Braztl tentava. 
Pedra Lopes de Sousa em furiosa 
Naval batalha o mar lhe contestava: 

N'outra acçnô com Esquadra numerosa 
Luiz de Mello o Silva peleijava; 
Çhristoyjo Jaques, que este mar corria, 
Dous navios lhe aíFunda na Bahia. 

XXTIII. 

"Era de França sim a adversa pente; 
Mas por culto inimigo ao Rei contraria, 
E ao rito Calvinistico adherente, 
Enviava ao Br$zil Tropa adversaria: 

E protegida da facção potente 
Com as forcas, e Armada necessária, 
Queriam para a infanda ceremonia 
Fabricar a Galvinio umá Colónia. 

XXIX. f 

Cavalheiro de Malta, e Franco nobre 
Era Villçtgalhon de forte peito, 
Bohlad» antigo, que o valor descobre, 
•E eu ire os Huçnotcs do maior respeito: 

De mil promessas o partido cobre. 
]Haveiido~o a empreza, do Brazil eleito; 
E abc\aada de um Chefe de esperança, 
I)ú-Jhe a maO a Heresia em toda a França ? 



XXX. 

Este vi navegando a Cabo-Frio, 
Seguido de outras náos ira forte empresa? 
£ que tratando afável co'Gentio, 
Explorava do sitio a natureza: 

Mostrava aos naturaes animo pio; 
E arguindo4ho a gente Portugueza, 
Induz a Nação bruta a que lhe assista 
Na eropreza do oonimercioy e da conquista. 

XXXF. 

, Votebu aFratrça o Cabo diligente, 
Tendo de ricas d roças carregado; 
E convocando ás nãos armada íieute, 
Torna de turba ingente acompanhado: 

Nem tarda o Sertão cópia potente 
Be um povo, que nas armas alliado, . . 
for amigo estimava ura is sincero, 
Meftos inculto sim, porem mais fero. 

XXXII. 

Alli Yillagalhon, que o troco ukrja*, > 
Â's gentes do Sertão se coniedera; 
E toda a costa a dominar se arroja, 
I)e donde os nosBoS expulsar já espera: ^ 

Do sen! còmmercio o Fortugúéz despojrf< 
IJíai fértil Paraíba, em que útil erá; « • < 7 . 
Nem ha na costa do Brasil enseada, • 
Que a Hugonote naâ tenha bloqueada < .• i 



j 



«sé Poema epiço. canto vttf^ 

XXXIIL 

Mendo de Sá* qiie adverte no perigo, 
^Tres náos, tjue em guerra cuidadoso armara» 
Com oito de commercio tem comsigo, 
APérn dais qiié ém soccorío convocara: 

E por ter força igual ás do inimigo, 
Sobre longas canoas, que ajuntara, 
Guia contra os Tamoios prepotentes ■ 
Do bravo Carijó turmas valentes, 

kxxrt. 

A/highe4etoi sé chama a vasta enseada; 
Que estreita boca, como barra encerra, 
frechando em vasto porto á grande armada 
Um lago, quò em redondo cinge a terra: 

Vê-ãé Ilha penháscosa sobre a entrada» 
Com fortaleza, que disposta em guerra, 
Por boca dos canhões rumor fazendo, 
Fechava a barra ao valeroso Mendo. 

XXXV. 

Era á Ilha de rochas guarnecida, 
Quê em torno tem por natural muralha. 
Donde a força das balas rebatida, 
Faz inútil dos Lusos a batalha: 

Três dias foi dos nossos combatida, 
Sem que o fogo incessante aos nossos valha* 
Até que infatigadp o invicto Mendo, 
Invade é. escala, vista o forte horrendo* 



■' • ' • <)AftÁMURtJ èéê 

XXXVI. 

. Entre frécnas, e batas destemido 
T^a penha o Portuguez trepando saltai 
3E deixando o Franeez esmorecido, 
Degolla, mata, fere, invade, e assalta:. 
Nem do antigo valor cede èsquefcido 
O Fiancez animoso, até que falta 
De sangue a brava gente na contenda, 
J?az a perda, e cansaço que a Ilha renda. 

XXXVIÍ. 

Nem mais demora teve o invicto Mendo 
Ào ver a gente adversa dissipada, 
E-a excèfáa fortaleza desfazendo', 
A costa visitou ha forte armada f 

E tudo ao nome seu sujeito havendo, 
A' Bahia tornou, que illuminada 
Entre o éom dí> clarim, e alegre trofnpa, 
Em triunfo a Mendo recebèo com pompa* 

XXXVIIÍ. 

Mas a facçâò do Hugnotè enfurecida 
Villagàlhoti potértte ao Brazil manda, 
Que a Ilha recobrando já perdida, 
Guerfa intenta fazer por toda a banda: 

Vê-se a nossa Marinha combatida, 
E a forte Esquadra, que o Franeez commanda, 
Dominante no Oceano por modo, 

Que impedia o commercio ao Brazil todo. 



m frÒÉMA íèttCO. CANTO fafo 

XXXIX. 

Maia não tolera, a Lusa Monarquia, 
jftué ao Rei Christianissimó adhcrente, 
Contra a rebelde herética porfia, 
Armada põem na America potente: 

CheÇe Estácio de Sá prudente envia» 
De validos galeões com forte gente, 
Que o Herege expulsando ida enseada, 
Deixe nòvà Cidade alli jfuhdada; 

XL. 

Obsequioso abraçava b claro Meildo 
Ò valéroso Chefe seú conjunto, 
As forças da Bahia unido tendo 
As que trouxera sobre x> mesmo assumpto: 

Contra os esforços do Tamoio horrendo 
Accommette o rebelde em liga janto, 
incorporando á Armada Lusitana 
Vasto esquadrão da turba Americana* 

XLL 

Chama-sé . Paõ de aasúpar o penedo, 
Í5ni pyramicle ás nuvens levantado, 
K>nde de um «alto tinha já sém medo 
A turba militar desembarcado: 

Nadava pelo mar vasto arvoredo 
Do Gentio em canoas habitado; - 
& do ardente Frahcez luzida Trópé» 
^ue habU n'arte de guerra fez á EàrojMU 



XLIl. 

Destes »o Luso oampe accoomiettide. • 
£>e dardos* frechas, balas se embaraça, 
5Em sombra -o seio todo escurecido, 
As náos -occtiltam ♦»« vens de fumaça-: 

E ao ecco dos canhoeos er&tpe o »ruido, 
4*udo está -cego, -e surdo em campo, e.pruoa; 
E no horrível relâmpago das peças 
*Cáfrâm.{>or tei*ra osiusfcos sem «cabeças. 

XLttL 

Voam as «aos diechmmmas-occupads^ 
^Enchendo 3a ^enseada do infernal estrondo, V 
<Às canoas dos *n ossos abordadas^ 
E aos galeões, -quedem liiUi a se vão jkmdo: 

Os -golpes* que retiniu das espadas, 
Õ golfo, que arde em ohammaseui sedando, 
-Eraai na terra, -e «íarem sanguo unto 
*iJm abysrao, um inferno, um labyxintha. 

XJuIV. 

Depois que Targo tempo em Ma*cio jogo 
Dura a batalha tom com m um perigo, 
Cessando o impulso do contraa-iõ fogo, 
Todo o estrago apparcoç do iniuii^o- 

finha cedido >da«(*utçnda logo 
Receoso o Tamoio 4o eaátwço; 
1t os Francezes, que as ná<*3 mal suste ataYaõj 
Entre as penhas o asylo nroctu 



»o i^rava 



242 POEMA ÉPICO. CANTO Vlrf, 

Não cessa o bravo Sá contra o Gentio* 
E a forte Tropa pêlo mato avança; - 
Porque abateado o orgulho, e insano brio, 
Se apartasse .o Sertão daftifame alliariça* 

Nem receia o Tamoio ò desafio, 
Tendo no sen valor tanta confiança, 
Que fugindo da aldeã ào mato, e gruta* 
A liberdade ao Portuguez disputa. 

XlVl 

Era áspero o combate, c íéiita á 'gíiêrray- 
E sem effeito o assedio ao Fr&ncez posto; K 
E o bárbaro, embrenhado dentrò : á terra, 
Tinha emboscada aò Portuguez disposto: 

Mendo, que n'almá grafi euMado encerra* 
Tendo de Estacio soecorrer proposto^ 
Paz levas, busca náos, e a gente incita, 
E em auxilio das seus partir medita. 

XLVIt. 

-> Jse dobra o frio Cabo a esquadra ingente*, 
E á vista do penhaseo lançar a' amarra, 
Pasma o rebelde, vendo a Armada á frente 
Gccupar numerosa a estreita barra: 
Une-se a frota alli da Lusa gente, 
È os mútuos casos vanglorioso narra, 
Irmão a irmão, c o filho ao Pai, festivo 
Vov tep chegado são, e adhallo vivo** 



\ XLtAl. 

. . tJhegá aos braços dê Ésíacio o forte Àíèndo* 
IÉ por Festiva salva estrepitosa, 
Faz que vomite o bronze o. fogo horrendo, 
Contra à Ilha, que avistara penhaècosa: 

Etarg^mènte consultado havendo 
; Os deus Chefes da empreza gloriosa, 
Contra p penedo tentam no mais alto* 
A peito dèscuberto, lirri fero assalto. 

Vem-se entre às "penhas formidáveis bocas > 
De canhões, e mosquetes troycyandõj 
E nas quebradas espantosas rocas 
3>o tórbaro Tamxútfo immenso banáo: 

Muitos ai II das ásperas barracas 
Vaô os nossos fuzis precipitando, 
Outros da rota penha êirç meio ás gretas, 
"Cubriám contra nós todo o ar dè seitas. 

Naõ ceèsava o rebelde beíficoso 
Com vivo fogo o assalto rebatendo* 
Era quanto sobe o luso vatéroso, ,- 
Trepando em fúria no penedo herrènào: 

Quem no meio do impulso impetuoso, 
Cahe na ruina o próximo involvelido, 
"Quem ferido da frecha, ou veloz bala, 
Do mais alto da penha ao mar resvala. * - 

Q 2 



S44 POEMA ÉPICO. CANTO Vfflt 

LI. 

Todo o penhasco em fogt> se fundia, 
Em quanto o mar em roda jem cframm&r fetfve, 
Entre o fracaço, e foiíio que sabia*, 
De nada o* ouvido vale, e a vista setve: 

A terra toda em rotlia estremetía; 
E sem que a-agoa do incêndio se' preserve. 
Parecia ferver do fogfc insano, 
Escondendaa cabega a Padre Ooeano. 

LÍL 

Qual do Vesúvio a boca pavorosa. 
Quando rios de fogo ao mar deffàttla, 
Arroja ao ar com furta impetuòsn', 
Parte do vasto monte favolta em cHaramíir 

A cinza cobre 7 oCeocaliginosa, 
Muge o chão, treme a terra, o pego* brama, 
E o mortal espantado, e tremebundo, 
Crê que o Geo caia, e que se funda o Mundo* 

Mir. 

' Tal de Vfllagalhon na penha dura, 
Bb horrífico trovaõ freme atormenta*, 
E a chama entre a fumaça horirerida, eéscuífc 
0o infernal lago as^futtías representa: 
Porém dò próprio* fumo. na espessura 
A pontaria, que o rebelde iiitentat; 
Evita o Portuguez, que ataca incerto 
A e*cala vista, e a peito descuberto. 



CÂRAMURU 245 

LIV. 

E já no grão penedo tremolavam 
As Ltfsas Quinas pelo forte Estacio, 
£ as Lises do penhasco se arrancavam, 
Donde a Vfllagatbon se ergue um palácio? 

Pela roca os Taroojos se arrojavam, 
E o valor Luso dando inveja ao Lacia, 
A guarnição Franceza investe á espada» 
E obriga em duro choque á retirada. 

LV- 

valente Francez, que alellica arte 
•** com valor na Europa .professara, 
^ peito á fuga oppoem por toda a parte, 
® foz que volte o fugitivo a cara: 

E vendo Estacio só junto ae Estandarte* 
Que por "Ch efe dos Lusos se declara, 
Cuida de um golpe terminar a empreza 
No General da gente Portugueza. 

LVL 

Naõ desfalece o Capitão valente; 
E de um, e de outro lado accommettido, 
Rebate as balas sobre o escudo ingente, 
E arrojasse ao rebelde enfurecido: 

Lebrun despoja do mosquete ardente, 
Com que muitos de um golpe tem ferido, 
^Jutros do Íngreme posto ao mar despenha, 
* alguns expulsa da soberba penha, 



£$ POEMA. t EPICO. CANTO YHf. 

LVII. 

E já fugia a timida caterva, 
Quando Ròchefocó, que a pugna iguala, 
Donde a viseira descuberta observa, 
Lhe aponta desde longe ardente bala, 

Cahindo o heróe na espada, que copserva, 
Adora humilde a Cruz, e perde a fblla: 
Banhíi-$e em sangue o chaô, c em tagta gloria 
Regadia a terra pçoduzio viçtoviã, 

LVIII. 

Porque em quanto em seguitlo divertido» 
Abandona o Francez a fortaleza, 
Tinha parte do Exercito subido, 
A dar fim com a victoria á forte eippreza:, 

Actmira Mendo o braça esclarecido; 

Vjl bem que do sobrinho o valor preza, 

No juvenil ardor notou magoado 

O tomfcr Chefe as partes de soldado*. 
• ♦ • 

LIX. 

* 

A Pátria (o nobre Sá diz lagrimando.) 
Victima ir&s da fé, da liberdade, 
Vigor' no sangue heróico á terra dando, 
Donde se erga immortal nova Cidade: 

O caso acerbo aos pósteros contanda 
Tenhátai seus Cidadãos da heroicidade 
Clara liçaô no Fundador primeiro, 
Gloria eterna do RJo de JQadro. 



ÇAUAMURU 

IX. 

Tal nojno deo á enseada no recordo 
%)o mez, jquç il lustre foi por caso tanto, 
£ a Cidade deixou com justo acordo 
A clara invocação de um Martyr Santo: 

E 1} a vendo as Tropas recolhido ò bordo, 
Descancadas do, bellico quebranto, 
Faz inimortaes no tempo transitório 
Os Gorreas, e Sás no novo empório. 

LXL ' 

Em tanto do Tamoio a gente bruta, 
Mais feroá: sempre na Marcial contenda, 
<Jontra a nova Cidade em fera luta, 
Movia guerra pelo mar tremenda: 

Mas Mendo para a barbara di&puta 
Faz que um Chefe Tapyia o iriar defenda, 
Ararigboia aos seus nomea a fama, 
JVlartinj ÂfFonse por Ch ris tio se chama» 

LXH. ' 

Príncipe foi nas Tabas respeitado, 
x Que ao nome Portuguez na guerra addicto, 
Tinha com Mendo os seus capitaneado, 
«Sempre contra o Tamoio em campo invicto; 

Quatro guerreira* náos tinha avançado 
O rebelde, depois do graõ conflicto, 
E cm oito lanchas Ararig buscando, 
Po Cabo Frio a ponta iam dobrauda* 



J4Ô FOE&Cft EPTCOi CANTO VHt 

LXin. 

Saltam da ttoite no sfrencm escuro; 
J\s belHcosas mangas gtíamecictes, 
De immcnrsas chusma* áe Ta mora dtirofc 
Que obrnr deviam na campanha nnídfes:- 

fiem quanto- tem o campo por seguro*, 
Jaziam pelas praias estendidas,* 
Para investir co'a luz, que ja arraiava^ 
 aldeã de- Arori^j que 09 esperava^ 

Mas o Bravo Tapuia beriícosov 
Awtev€TKÍ0o descuida do faHnigoy 
Basca o* manta da noite insidioso, 
Fará írrvestHFos no^noctnnio-abriçor 

Convoca os seus puerreirss a-ntmosoç 
Ta som diáeHbc nrars do sen perrçr», 
Depois que um breve espaço os olhou* mudo*, 
Disse cheio de ardo*, batendo o escndt*. 

LXT. 

Sú, valcrosn, intrépida eatervar 
Qné- esperamos rx» n-essa afogamento?; 
Acaso o-té q-ue o ronrpn em? chusma ferv», 
E nos busque o France*z no próprio aaseitte? 

Sei por cspia> que o seu campo» observa* 
Qtto dorme sobre as praias desattento, 
Onde se o snrpren dermos de improviso^ 
Sentirão todo o damm> antes à» avisos 



CARÀMURU U% 

LXV!. 

• 

Sastn que em marcha procedais quieta, 
15 que invadindo a turba descuidada, 
Jvífto cuideis deempregwr a bala, ou setta, 
Mas que tudo leveis á pura espada: 

E quando o vasto campo se aecommetta, 
Deixando-lhe ús canoaq livre entrada, 
Antes que o ferro vibre os seus revezes* 
Desarmai, se puderdes, os Franceses. 

LXVIL 

Chamam corpo dá guarda, onde o soldada 
Costuma pôr as armas nas vigias; 
Alli correi com ímpeto apressado, 
Sesruindo o passo sempre dns espias: 

Que nada o France^ pode desarmado, 
K sem ns chnmmas que derrama impías» 
Ficará desde o ímpeto primeiro 
Nas mios da nossa Tropa prisioneiro. 

LXVIH. 

Disse o astuto Âmrisr, e a tento passa 
Cnda um pela brenha vai disperso. 
Devendo a dodo tempo, e a certo espaça 
Qualquer unir-se em batalhão diversa: 

E achando em somno descuidado, e lassa. 
Sem sentineíías ter, o campo adversa. 
Um a um, pé antep£, cm marcha tarda, 
Assaltam juntos a sopita guarda. 



Í5Ô POEMA BPICO. CANTO VIH, 

Juntas as armas de improviso apanham, 
Matando as guardas meio adormecidas; 
E depois que a armariam toda ganham, 
Quantos a« vem buscar perdem as vidas: 

O somno com as mortes acompanham; 
E outros vendo sem armas as partidas, 
Porque á causa nuõ sájem do tumulto. 
Buscam as lancha? por fugir do insulto* 

LXX.- 

Ararigboia,- como um raio ardente, 
Utís dormindo degolia pela arêa, 
Outros sem armas, que rendidos sente, 
Prizionejros com cordas encadea: 

A fiel Tropa pela' praia ingente • 
Toda deixa a campanha de horror chea, 
Cubrindo de cadáveres o plano, 
Alagado ço'a espada em sangue humano, 

LXXL 

E jij>os Ceos risonha apparecia 
A K&trella d/alva as travas apartando, 
E eom.iremula luz o incerto dia, 
fio extremo do Horizonte ia arraiando: 

Quando o estrago da noite apparecia, 
E prezo, pu morto, o Franco demonstrando, 
Nem as (anchas sa salvam, que a vasantç 
Em seco aspas iaa rjião do triunfonte. 



CAUAMUttU 351 

« 

LXXII, 

Naõ cessava Martim contra a espantada 
Multidão de Tamoips, que se embrenha; 
E deixando-lhe a aldeã derribada, 
Naõ ge lhe esconde algum no n>ato, ou brenha; 

Muitos no Avenio lança com a empada, 
Fugindo outros ao mar n^agon despepna, 
JVem fulminando a maçça a algum perdoa, 
Occulto na cabana, ou na. canoa,, 

LXXIII. 

Fez este marte, do Brazil constante 
A' Naçaô dos Tamoio^ tanta guerra,. 
Que elle só com a espada fulminante 
Lhe extingue o nome, e despovoa, a terras 

Mais na*) ousa o rebelde mariaute, 
Em quanto Ararjgboia no campo erra, 
Desembarcar na costa, sem que o bravo 
O deixe combatendo, ou morto, ou escravo* 

LXXIV, 

Vi que do excelso throno vinha em tanta 
Uma augusta donzella adormeeida, 
De quem brilhava sobre o aspecto santo 
A piedade, a abundância, a sciencia, a vidas 

Do seio. derramava do áureo manto 
A opulência no mundo appetecida; 
E logo que foi vista sobre a terra, 
Subraergio-se no Averna a infausta guerra.. 



252 POEMA ÉPICO. CANTO VIIÍ. 

LXXV. 

Era a Divina paz, que o Ceo nos manda, 
Premio de um «ceptro, que da fé zelante 
Propaga o santo culto, onde çommanda, 
IS as Lei* defende da justiça amante: 

Sem os estragos de uma guerra infanda 
Gozará o Brazil de paz constante^ 
Por setenta annos de um governo justo, 
Tendo tranquílla a terra, e o mar sem susto» 

LXXYL 

Nem mais a espada, e bomba pavorosa 
Se ouvirá na Marinha, e Sertaõ vasto, 
A voz só do Evangelho poderosa, 
Simples, sem artifício, industria, ou fasto: 

A semifera gente viciosa 
No jugo conterá de um temor casto; 
E ás maôs dos seus Apóstolos se avista. 
Com as armas da Cruz feita a conquista. 

LXXVII. 

Mais vi em tanto o Lusitano Império 
Na Libya ardente em sangue submergido, 
H o seu domínio no Indico hemisfério 
Do Batavo nas agoas invadido: 

E ou por descuido do governo Hesperio, 
Ou de mil contratempos combatido, 
4'edeo no vasto mar por toda a banda 
O império do Brazil á fria Hollanda* 



Dispunha assim o Batavo experiente* 
Antevendo que á turba mat unida,. 
Sem cauta providencia que a suste ate* 
Èsfriaíído no ardor toma a fugida: 

E vendo a multidão menos frequente, 
E a plebe na tardança femorecida, 
Quando nienos o espera a chusma fraca, 
Occupandó am' cststello, o poro ataca. 



CAÍlÁMUÊU Í5Í 

LXXTIH, 

fiezeseis longos séculos contando, 
Com annos vinte quatro a vulgar Eia* 
Vi a Batata ésqrtadfa o mar surcabdo; 
Ondef Wilherkens General modera: 

Petrê Petrid cts mares assombrando* 
Por* Almirante aos náuticos sé dera^ ) 

Poder que á índia, navegar fingia, 
E contra a ftcpôétaçúo veio a Bahia. | ; 

Lttttr 

A fVcriite' defscubri da excelsa Praça»* 
As armas ííoveftifínda o bom Furtado, 
Que antevendo osí efieitos da desgraçai, 
Tudo dispunha &>m valor frustrado: 

ConVotó qíianío énefontra e títdo abraça 
íór oppor-se atf pêrígfo ameaçado; 
Mas dissipa-se a gente sem batalha, 
for" faltar naõ valor, mas vitualha. 



èsi íWemà épico, cànío Vtti* 

LXXXI. 

Ruitér, e Duchs com Iegiáo potente 
A porta invaclém de S. Beato em fúria; 
Mas rebatidos dê impressão valente, 
Cessam, fuerndo dá intèiítáda injuria: 

Mas tâô funesto horror concebd a géntéi' 
Qué â guerfa ignora com profunda ihcuria* 
Que quando faz que Ruitér náõ se arroje, 
L)eixa o terreno, e do vencido fosre. 

LXXXIK 

Filrtaáo áe Mendonça, qué nâô vira 
já mais do medo vil á fronte escura * 
Com setenta Somente a face vira, 
E sèm mais quê o seu peito a praga mura: 
. O amoí da Pátria, que o furor lhe inspira* 
Fn± qiié da vida, desprezando a cura, 
Se arroje o Luso ao Batavo, que o inunda, 
E um fira, um despedace, outro confunda. 

Lxxxni. * 

Mas vendo ha manhã, que o Cèo descobfô 
À Cidade do povo abandonada, 
ftèm mais que o peito de Furtado nobre 
tJom pôuôôs dos setenta na esplanada: 

*£ èmê que n'um só peito o valor sobre* 
E quê deixando a empreza retardada, 
Soccorro venha, donde bom partido 
ifco bravo Chefe se ofiereceo rendido» 



CÁÍtÁMtmtF- 355 

LXXXIV. 

mô tarda a fama a divulgar voando 
I)a Capital Brazilica õ saccessa, 
Em quanta o Belga, que lhe occupsí o manda, 
Récalhe da victoriá o immensopreço: 

Treme em Madrid o throno, rêceandcr 
Que tfBèlgíco Leão', coirr tanto excesso, 
Prostre o de Hespanha, e como o vulgo narra, 
No México, e Peru lhe imprima a garra, 

ixxxv. 

f 

Cobre-se o mar de.Esnuadràá ríumero*sa*V 
Move-sc a Lusa, e Hispana Fidalguia, 
Va*5*se embarcando legiões famosas, 
Todo em náutica chuâma ô Uíar fervia: 

Fadrique as náos Hispaíías poderosas* 
Menezes as de Lisia prevetiia, 
Vendo-se terra, e mar no caso Incerto, 
De petrechos, canhões, e armas -eaberto. 

LXXX/Vf- 

Já péla barra entfata da Bahia", 
Com sessenta e seis itáos soberba a Armada/ 
Doze mil homens de alta f afentia 
Occupavam sobre ellàs a enseada: 

De tanto nome em militar porfia, * 
Que a guarnição da Praça de assombrada 
Beiri que finja valor nesta Conquista, 
Antes que ao ferrç se lho abate á vistaf. • 



fefc» rOÉMA EHCO. CANf O VftL 

LXXXVIL 

Dispoem-çe *m meia lua a àrMada inteka> 
Úèrrando a fiigà ao Belga esmorecido, 
t)ecupa forte exército a ribèita 
Em doià quartéis aos lados dividido: 

Mas o Batavo (Juif aa acçaô primeira, 
'Tèndò o ôamòo a Fadfri^ac ao6orAmettid<S 
Com èortida deitou ao ardor insana . 
Suspèaàà à Lusa gèAtè, e *ota a Hispana* 

LXXXVIH* 

Cheio o Belga de orgulho na téçaõ toava, 
forque irtâis prove ptla Pátria o zelo, 
Contra k Esquadra, que os muros varejava, 
Em do os baixeis arrqja úm mongibèloi 

' Crê t[ue he íu£á ò Menezes, que obsfetvaVa) 
fi inove toda á Esquadra sem píévello* 
E parece que Deus o inhpulso inspira, 
.Com qu% fio occtolto ihcèadio as aáos retira» , 

LXXXIX. 

Um gyro a Lua fez na azul èsfeto* 
Km quanto os Belga* de valor jA faltoi* . 
Cteder cTb^onhíua na contenda fera 
Ao furor incessante dos assaltos: 

Ê quando mais soccofro aaõ sé eâpèra> 
Vende que os mates se empoílavàrn altos, 
Cede o Batavo humilde ao Luso Hispano 
A Capital do Império Americano^ 



CAUAMUUU 



2S* 



xc; 

Fattatodo proseguia Cathârinft, 
TTendô a assembtéa no discurso afítetita, 
Quando com fúria b bordo ao' mar inclina 
A náo, batida de hórrida tormenta; 

Tudo á manobra t> Capitão destina; 
£ vendo qtre onda horrível se apresenta, 
tança-sc o marinheiro 4 vela cm pressa, 
Acode Diogo, e CathoVina Cessa. 



j 



Q 



1 $5ft POEMA JTCQ. CANTO Vílí. 

(1) Este meio. Projetoto admirável cie fazer 
úteis as Conqvpgtftsá pppulg$ap d^J .Nagqjw 
que as fazem/pois he f cerjtp. que cora e^tappli- 
tica se fprmpu, e cresceo a antiga. Republica 
de Ronia.' : 

(2) Notç-se qi*e Cólon ji#o foi o.desçubridor 
do Brazil, más, Pedro Alvres Cabr^; que ao, 
mesmo Cólon ènt^õ habitante n^ Madeira dea 
€8 roteiros, cpm que descubrio, a.Amerixja, 
Francisco Sanches, o qual fazem uns Andaluz, 
outros Biscainho; mas o Hespanhol Gomara 
Author coevo, e que militou entre os soldados 
de Cólon, attesta que era Portuguez. Não he 
por tanto occasião de notar-ee a expressão: 
dando a Cabral o inslincto, fyc. 

(3) Os Correas, e Sás. Esta he a rama nobi- 
líssima dos Condes de Penaguião, que pas- 
sando ao Brazil, deo os primeiros Conquista- 
dores áquelle Estado; familia, que existe com 
a antiga gloria na Excellentissima Casa de 
Asseca, e nos dous digníssimos ramos da mes- 
ma os Excellentissimos Senhores Sebastião 
Corrêa de Sá, e Joaô Corrêa de Albuquerque, 
Fidalgos, que o Brazil deve considerar por 
seus perpétuos Pais, o Protectores. 



*• 

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339 



g»^ ■"■ ,l r" " '" ■'",.' s"^ : 



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CANTO I3t. 



ítepòís «Jtte o tempo torfta tóíiáíicjoèô, 
k noite vem tranquilla em branàa calrnrt} 
*è onvlr ó mais do soiiho portfeiitoâo, 
Se açcende a todos o dezejo n'alma: 
E úo empenho do Belga bellicoiso, 
í)esejfcndò escutar quem tevê à phímia, 
Supplicam Cathariha, que pro9Í£a 
íía narragâo do sonho, e tildo diga* 

ú. 

Vi (proséguè a Matrona) 'érti tylarte cfuro 
Conftindir-se o iijfttóil, vagar potejltc 
O Batavo feíoss: e o lleino escuro 
Encher ri utão.dà desditosa géntê: 

Vi déscênào pte Mílicias do Õèò.púro, 
À' plebe inèVrrie com o zelo arderífe, 
Infundir Valor tal, que conte a historia , 
for niilatoe dô CeO cada viotòría, 

R2 



260 POEMA ÉPICO, CANTO IX* 

III. 

Petrid e Iolo raios da Marinha, 
Com Esquadras do pélago Senhoras, 
Qualquer do lado seu queimado tinha. 
Com chammas o Brazil desoladoras: 

Petrid a frota que das índias vinha 
Com procellas de fogo abrazadoras, 
£ nas náos lavra de th escuros cheiasy 
Ao infausto BrazS novas cadeas* 

4 

IV. 

Maquina» move o Belga ambiciosas, 
Supprindo os gastos eom a immensa prata; 
E armando eia guerra Esquadras numerosa*, 
Occupaí Pernambuco aq Luso trata: 

Nem ás forças da Hollanda poderosas 
Oppoem o Hispano com a nova Ingrata, 
Tal soccòrro, que a Praça fia contenda 
Do graõ poder dos Batavos defenda. 

V. 

Rege de Pernambuco a terf a éxtenáa 
O intrépido Albuquerque, a tudo attenta: 
Guarnece a Praça, os Esquadrões cpndenW, 
Dispõem ao fogo o betlico instrumento: 

Quando & maneira de floresta densa 
Se vio c\iberto o liquido elemento, 
Onde çreas setenta o mar rompiam, 
E o WandembuTgo General' seguSani* 



CAUAMURU 201 

TI. 

Chamam Pão amaretlo um sitio no lado 
Da Cidade, quô a frota accommettid, 
Commodo ao desembarque, e mal guardado 
De Albuquerque, que as praias defendia: 

Alli çom quatro legiões formado, 
À' befla Olinda o Batavo se envia, 
Onde com turmas de inexperta gente 
Se oppoz t> Luso Chefe ao Belga ardente. 

TH. 

Nem muito dura ao fogo desusado 
© tímido esquadrão da gente Lusa^, 
Que do insólito horror preoccupado, 
A fuga emprehende em multidão confusa: 

Uni sobre outro ao fugir precipitado, 
Render-sè áo fero Belga naõ recusa-, 
E a tHdàdé infeliz deixando aberta, 
Qualquer -se sàlra donde mate o acerta. 

VIII. 

Entra o HòHandez ria Praça abandonada; 
E quando de riqueza a cuidou chea, 
Em triste eolidaõ desamparada; 
E acha serri premio a eubiçosa ídéa, 

Vingam nos templos a intenção malvada, 
E o Altar píofattam com infâmia fea, 
Tratando o pio Rito, c o santo culto 
Com sacrílega mente, e horrendo insulto. 



36* POEMA, EPiGO. CANTO IX. 

Mns, naõ soffre da fuga o toçpe viçjla 
O valente fortíssimo TemudQ; 
E t^endo ao lado oJntrepidp Á^eyçf^o, 
A espada empunha, embaraçando o escudo: 

Ao ver do saco no funesto enredo 
A forma do Hollandez turbar-se çnj tudo, 
Une alguns, que odiando a vil fugi*d^ 
Daõ pgr pre^o da g}qria a heróica- vida. 

O', dissQ,' honra immortal donpme Luso, 
Corações valerosos, que em tal sorta 
Fazeis da doce vida o melhor uso, 
Comparando a floria com a invicta morte; 

Vedes sem forma o Batavo confuso, 
Da valeroaa espada esposto ao cfote; 
Corra -se ás armas, que se os riaõ vej^emos, 
Sem a Pátria vingar naõ. morreremofl. 

XL 

Disse; e empregando a fulminante espada, 
Uma Esquadra invadio que desconta. 
Com cálices da Igreja profanada,. 
Que com insulto çra derisaõ mettia; 

De uns à fronte no chão deixou truncada, 
De outros o peito com o ferro enfia, 
De alguns, que insano aceom me tteado freme, 
Talhadp o brago&obre a terra treme. 



. ' CXRAMORU 26Ô 

XII. 

, -ttae vedo "entre os mate, r qtte ftò cháõ lança, 
Tendo das balas empregado o itirf pulso, 
Com fero golpe de alabnrda aloartça, 
Be Ruiter, q J o bceonimette, o horrível pulso: 

Despoja-o da arma, e ftirioso avança, 
Deixando-o em %çtYá Còm tremor convulso, 
Cornelisten derriba, e o fferro emprega 
Em Blá, quê toHo t> chàó Côtti éàtfgtfe rega. 

Xllf. 

Com furis igual, e imphteo désfèmido 
Invade contra o Batavo a Caterva, 
E bem qne a legiaò em ftôrpo unido, 
Em roda ao Loso disparando ferva: 

Resiste o PortQgnefc nunca rendido, 
Em -quanto a vida eotti vigor conserva, 
Até que sobre m Belgas derribado», 
Cahiram mortos sim, porém vingados. 

xiv: 

Tpnrpar nome AVrécife um fôrtè posto? 
Que um Igthmo separou do Continente) 
Donde o Castello de S. Jorge opposto, 
defende o pnsso ao transito eminente: 

Alli fetía aos inimigos rosto 

bravo Lima* qne âó Betgtt ãrdèfitè, 
Sem mais que trintáiiíviótò* dèfenstíifes; 

1 rezentos sacrifica aos- setifc furóf éâ. 



264 POEMA ÉPICO. CANTO IX* 

XV, 

Pasnr» de assombro Wamlenbiirgo insatto» 
Nem pode crer, se o não convence a vista* 
Que com força taõ pouca o Lusitano 
De dou» mil Belgas ao furor resista: 

Sahe com todo o poder, e occupa o plano, 
E cm forma regular tenta a conquista, 
E nem assim o Lima ao fogo cede, 
Em quanto auxilio ao General naô pede. 

XVI. 

Recobrava-se enwjtanto valorosa 
Do primeiro terror a Lusa gente, 
Que inexperta da pugna bellicosa, 
Cedera no improviso do a ocidente: 

E accompanhando em Tropa numerosa 
Do intrépido Albuquerque o ardor valente, 
O Belga usurpador pelas ribeiras 
Cercaram com jreduetos, e trincheiras* 

XVII. 

Plantam depois um forte acampamento, 
Donde se insulte o Batavo inimigo, 
Nern deixavam que um só pudesse isento 
Sahir sem damno ao campo, ou ser» perigor 

Cortam-lhe o passo, e impedem-lhe o sus* 
Nem lhe concedem no terreno abrigo; (tento, 
E oceupando-lhe o gyro dilatado, 
O Beíga ceroador deixam cercado* 



CARAMURU 26$ 

XVIII. 

Deus mil dos seus guerreiros escolhido» 
Contra Albuquerque Wandemburg avança; 
Mas achavam os Lusos prevenidos 
Do seu valor na nobre confiança: 

Cahiam das trincheiras rebatidos 
Do fogo os Belgas, ou da espada, e lança; 
E sem que combatendo a mais se arrojem, 
Em desordem do campo á praça fogem. 

XIX. 

Com quatro Companhias n'uma Armada 
Soccorro de Lisboa recebendo, 
Foi outra vez a Tropn reforçada 
Com gente, e munições n'outra de Oquendo: 

Mil mosqueteiros, Tropa exercitada, 
No duro jogo de Mavort horrendo, 
S. Fel ice conduz Mostre de guerra; (X 
Mas menos apto na que usava a terra 

XX. 

Com soccorro maior de Hollonda armado 
Contra Itamaracá corre o inimigo; 
Duas vezes porém foi rechaçado 
Com perda o Belga para o noto abrigo: 

A 9 Paraíba, e Rio Grande enviado" 
Mudava de lugar, naõ de perigo; 
E já menos bisonha a Lusa Tropa, 
*ôe em fuga o Holiandcz sé em campo o topa- 



$ft POEMA BFfQO. OANTO IX- 

XXL 

A Wamienbupgo no Holla&des Império 
Succerteç* Rirobaeh -em çuerras noto 
Qtie estimando das Belgas tituperio, 
Ser cada dia pelos nossos roto: 

Em qua»to celobrava atteftto, e ferio 
A Páscoa q campo em Procissão devoto, 
Com todo o poder Batavo accommctte, 
E o'ca.nu>o em eoalusaã batendo» raette* 

• ■ * 

Njié/iff interrompe a cercmdtoia augusta, 
Orando o Clero com o sexo pio, 
Sahe o Orthodoxo contra a turma injusta) 
TfoR>afldor por sagrado o desafio: 

É fundando no Ceo confiança justa, 
Pcléijam com tal fé, copi tanto brio. 
Que matando Rimb&ch em feio estraga» 
Deram aps Belgas da blasíçnna o pago. 

XXIII. 

Wue o, !C«o, que o ãacrello destinava, 
Poder taõ grande aos Batavos concede, 
Que nada a Vandescop, que os moderava, 
Depois : desta campanha o curso impede: 

Fica Ita^maraoá deJHollanda escrava» 
Desfaz-se o campo, a Paraíba cede, 
Perde-se o Rio Grandej e uVmtrti eraprcza, 4 
lUAderChlnUso o Po&tal, e. a Fpjrtalafett. . 



CAHAMURU 36*. 

XXfV. 

Salva-se p sesta da fycçaõ perdida, 
Nas Alagou; sitio defensável, 
Onde dó fero Çelga peroeguida', 
Asylo busca a turba miserável : 

Mas foi fia Hespanta eru breve goccorrida 
Com brava Tropa era frota respeitável, 
Roxas de Borja, á Pernambuco enviado; 
De AlbyqytyHgqe p .bastaõ tomou deixado* 

. i iT 

Roxas prompto no obrar, poeto em batalha 
De Vandescop as Tropas investia; # 

Mas o Belga Arquichofe a marcha atalha 
Com sçocorro que valido traria: 

Coirç, tenebrosa sombra, os lutos talha 
A noiie, que começa, £ morte ímpia, 
Dispondo Roxa? cm defensa armado, 
Esperar o soccqroo convocado. > 

■ • • 

Mas logo. que a manhã mostrou formosa 
Da batalha inimiga a fornia unida, < 
Mais naõ spcega a eh amena generQS*, 
E investe ardente a ffeetaxe. partid*:. . 

Cobre os Ceos a fumada» tenebrosa, 
Perde o Hispano, e Hollwdez na en?preza a* 
E nety este, nem o outro alli veneêra, (vidai • 
Se o tei#er&rip Roça^pão morrera. . . ■ . 



968 POEMA ÉPICO. CANTO IX. 

XXVII. 

S. Pelice na guerra Mestre astuto, 
Succede no governo ao bravo Hispano, 
E Brazilico Fábio em tanto luto 
Salvou na retirada o Lusitano: 

Foi das palmas Bata viças produto 
Governar o Paiz Pernambucano 
O Conde de Nassati, que o belga envia, 
General das Conquistas que emprendia. 

XXVIII. 

Era Nassau nas armas celebrado, 
Com que Ulustrava o excelso nascimento* 
Príncipe entaõ no Império respeitado, 
Nutrindo igual ao sangue o pensamento: 

Entrou de forte Armada acompanhado, 
E no Arrecife situando o assento, 
Levantou fortes, è em paizes belios 
Guarnecco as Colónias com Castellos. 

XXIX. 

Mas aspirando a empreza memorável, 
Todo o exercito, e Armada prevenia, 
E achando Pernambuco defensável, 
Invadio no reeoncnvo a Bahia: 

S. Fehce com resto miserável 



CARAMURU 269 

XXX- 

Tudo dispunha o Conde cm forma, e arte 
t>e rebater do Batavo a ínterpreza, 
Dispõem pela Cidade em toda a parte 
Os meios, e instrumentos da deféza; 

Faz grossas levas, e esquadrões reparte, 
E tudo preparando á forte empreza, 
Nada esqueceo dê quanto na Milícia 
Inventa a militar sábia perícia* 

XXXI, 

Entrava entanto pela vasta enseada 
Naasau, que as praias enche da Bahia, 
Com a terrível magestòsa Armada, 
Que com quarenta náos linha fazia: 

E ao som da trompa Marcial tocada 
Em gratos ecos de hórrida harmonia, 
Enche a horrenda procella em taes ensaio» 
A enseada de trovões, e o Ceo de raios. 

XXXIÍ. 

Em tanto o claro Silva que ocoupava 
Do supremo govtfrfto o excelso mando,. 
A S. Felkse o posto renunciava, 
Ficando por soldado ao seu commando: 

Heróica acçaô, que pela Pátria obrava r 
Maior perícia em outrem confessando, 
E merecendo nélla em tanta empreza 
Da Corte acclama^ões, do Rei grandeza. 



'2TO POEMA él»íCO. CANTO tSL 

XXXflI. 

Desembarca ft assau com tutba ingetate 
Junto de Tapagipe, e emprende o oiteito, 
Que nomear costuma a vulgar gente 
Do antigo habitador, Padre Ribeiro: 

Mas $. Felice ; que o antevio prudente. 
De posto o bate, que oceupou primeiro; 
£ depois que seiâcentôs destro mata, 
Em grande parte o Belga disparata. 

XXXIV. 

Largos dias Nassau bate a trincheira, 
Que lhe oppoz ao Quartel Banholo & frente; 
Mas o Belga em batalha verdadeira 
Por muitpsi dias sé avançava ardente: 

Cobre-se a terra em hórrida márteirà 
De um monte de cadáveres ingente, 
Vendo os Belgas cahir, sem que desista 
Nassau com tanto sangue da conquista. 

XXXV- 

* 

E já desfeito o exercito sfc vía, - 
PeTidâ o Official, c a gente morta, 
Sem que cessasse o ardor nos da Éahiá, 
Que o S. Peíice rege, e a Silvia eihortaí 

Pede tregoas Nassau nesta porfia, 
E tudo com a Tropa as náoB transporte, 
Fugindo do perigo o infausto efleito, 
Com perda igual do gè&te, e de cone&tfc 



CARAMURU &t 

« 

XXXVI: 

DoUs dias, na enseada por -vingança ** 
Date, a [Esquadra a Cidade sem perigo, 
Com balas, e granadas, que em vão lança, 
Parecendo mais salva, que «castigo: 

Sobreveio ao Brazil nova* esperança • 
De ex pugnar com mais força» o* inimigo; * 
Mas foi o .efeito das promessas vario, 
Impedindo o eoccorru o n\ar coutca*io.' --.* . 

XXXV3I. 

Vi oeste tempo em confusão paftttiosa - 
A Monarquia cm Lisia dominante, 
E a Casa de. Bragança gloriosa 
Nos quatro* Impérios triunfar reinante : 

A Bahia oom. pompa magestosa 
Festejar o Monarca triunfante, 
E o Pernambuco de desgraças farto* 
Invocar Pai da Pátria D. Joak Quarto. 

xxxviil 

Tratava o novo Rfeicom fé provada 
A Batavica pate, qqe «em justiça, 
Deixava ao mesmo tempo quebrantada 
Belga injusto pela vil cubica: 

Occupa o. Maranhão Ratava armada', 
E outra Esquadra envSersipe* o ineendiô&tieà> ! 
P0tyepd£bdo;Oceupar com> falso engano - 
Toda Africa, , e $*azii a» Lusiíanw. - 



9» POEMA ÉPICO. CINTO I3T- 

XXXlXv 

r Cede do, séu governo de nffpontado 
O General Nassttu, tornando a Hollanda» 
Tendo o conselho do Arrecife armado 
Mil artificio» de calumnia infunda: 

Nem contra os habitantes moderado 
O duro freio no governo abrande, 
Onde a plebe aggravada que o experimento* 
O jugo sacudir com gloria intenta* 

Joáô Fernandes Vieira foi na empresa 
O instrumentada Pátria liberdade, 
Heróe, que soub^Usar da grã riqueza, 
Libertando o Brasil desta impiedade: 

Oe amigos, o parentes na defeza 
Tentou furtivamente a sociedade, 
E cpmo a pedra a Estatua de Nal tl3o» 
ifelga .derribou de Pernambuco. 

Nomeou Cabos Tropas, Companhias* 
Pedio soccorros, e invocou prudente, 
Et pondo do fíollandcz as tyrahnias 
O Governo Brazilioo potente: 

Avisa sem demora Henrique Dias, (3) 
Capitão dos Ethiopes valente, 
E o forte Camarão, que. em guerra tanta, (*) 
Com os seus Carijós, o Belga espanta. 



CARAMURt) 273 

XLII, 

t)uve o Hollandez com susto o movimento ; 
te querendo òpprimir nascente a c!<iamma, 
CJorn dous milliòmenâ prevenia attento 
À «ova guerra, que o Vieira inflamtna: 

Deixara o Luso Chefe ò alojamento, 
E os Belgas, que ^cilada occulto chama, 
Empenhou de Um lugar nas duras rocas, 
A que o monte chamaram das Tabocas. 

XLIIL 

, Entre arbusto», e canas de improviso 
Dispara o Líisò sobre a incauta gente; 
JS precedendo o damtio antes do aviso, 
Disbarata o Hollandéz com fúria ardentes 

Suspende a marcha o Êatavo indeciso, 
É sérti ver o inimigo, o golpe sente, 
Até que Vendo ò estrago dos soldados, 
Cedem ò campo, è Fogem destroçados 

XLIV, 

Hollanda era potente, e p Luso afflito, 
Onde enchendo Lisboa de ameaçais, 
Por ter ^noticia do infeliz conflito, 
Meditava ao Brazil novas desgraças: 

MàS por guardar os seus o Rei invicto, 
Dispoz piedoso nas Províncias lassas, 
Providencias, que á paz chamar pudessem 
t) tumulto, çm que os nossos permanecem. 

S ' 



VU POEMA ÉPICO. CANTO HL 

XLT. 

Taô com dons Regimentos destacados 
O Moreno, e Negreiros da Bahia 
A dar paz (se he possível) destinados 
Na guerra, que o Vieira entaõ morra: 

Viram veigas, e campos abrazados, 
E o colono infeliz, que perecia, 
Com lastima da Tropa, que observara, 
Todo o estrago, que o Belga atli causarav 

xlvi. 

Avistado o Negreiros e o Vieira?, 
Venho (disse oprimeiro) a psizâo dar-vos, 
Por h#Ver provocado a ira estrangeira 
A uma guerra, que acabe de assolar-vos: 

He justo que eu também preader-vos quei- 
JMas serái (disse o heróe) com abraçar-vos; \j% 
E assim dizendo alegre move o passo, 
E os dous recebe com festivo abraso. 

xlyil 

Outro tanto fazia a Tropa puída 
Ao invicto Esqtaadrào Pernambucano;* 
E applaudipdo a victoria conceguida, 
Detestam do Hollandez o enorme engano* 

Nem muito tarda a gente fementida, 
Que nau abraze a Esquadra ao Lusitano» 
Onde embarcado peia paz chegara, 
Como o Batavo próprio o convidara. 



OAJUMUIiU rt* 

XLVIU. 

OtrféWh** em tanto o* mísero» olamora» 
>e turba feminina, que invocava 
) socctorro do* séoá libertador** 
)ontra o Belga cruel, que as cativava: 

Mais nrão eessa o Vieira, e sem rumorew 
> engenho, aonde incauto descansava 
) Belga General cercado, bate; 
i rendeodo-o á priaâo, vence o combato* 

XLFX, 

Henrique Husf db Arrecife Comftia&Kkmt* 
Era o Cabo dos Belgas prisioneiro, 
Blac rendido também, Chefe importante, 
Subalterno nas armas do primeiro: 

Fop:e éo Luso o Batavo arrogante, 
Espalhando os frusta no grão terreiro, 
E a chamma teme, que no horrendo empenhos 
Lanhara o Vieira pelo vasto engenho. 

Com fama de victoria íaã brilhante 
Toma as armas a plebe, e o Belga invade, 
Serinhaem tomou, Villa poésante, 
partido comtmim da liberdade: 

Segue Itamaracá com fé constante, 
Porto Calyo, c os contornos da Cidade, 
Deixando no Arrecife sem remédio* 
encerrado o Hoiiandez com duro agfedio* 

S 2 



il$ POEMA ÉPICO. CÀÍítfO tíL 

LI. 

Mas nâo cessa na Hollanda a companhia} 
È ao numeroso exercito, que ordena, . 
Sigismundo, Van-Scop por Chefe -envia, 
Munida em guerra de potencia plena:' 

Do experto General, que desconfia 
O premio ao valeroso, ao fraco a pena, 
E emprendendo com forças o combate, 
O inimigo Vieira ou prenda, ou mate. 

LIL 

Abordando o Arrecife entaâ cêrcadtf, 
A inércia dos seus Chefes réprehende, 
Nem muito tarda, que no campo armado, 
Naõ saia a Olinda, que expugfnar emprende: 

Em assalto a eccammette duplicado, 
E a brava Tropa, que ao presidio attende, 
Com' tanto alento ò Batavo rechaça, 
Que ferido Van-Seop se acolhe á Praça. 

LIÍI. 

Sem qtiê desista da passada. instancia, 
Tenta de novo ã empreza da Bahia; 
Mas notando nos Lusos a constância, 
Que injuria do poder lhe parecia: 

Consome do Recôncavo a abundância 
Com frequentes sortidas, que emprendia; 
E porque cresça na Cidade o tédio, . 
Occupa Toparica, e poem-lhe o assedio. 



CÀRÀMURU 2W 

LIV. 

Telles cm tanto, que expulsar pertende, 
Sem igual força o Batavo contrario, 
Contra o com mu conselho o ataque eroprende, 
E tudo expõem no impulso temerário: , 

Mas vendo o Luso Áei, que a nadaattende, 
Belga nos seus pactos sempre vario, 
Manda Armada ao Brazil, que poderosa 
A Batava -Nação dome orgulhosa, 

LV. 

Teme o golpe Van-Scop, e desampara, 
íop guardar o Arrecife, Taparica, 
Antevendo que a Esquadra se prepara 
Contra a Praça, que auxilio lhe supplíca: 

Barreto de Menezes, que chegara 
De novo General patente indica, 
K em Pernambuco sublimado ao mando, 
Com pmdeneia, e valor foi .governando. 

LVI. 

Nove mil homens, Tropa valerosa, 
Ê corn frequentes palmas veterana, 
Manda o Batavo a empreza perigosa, 
Que á guerra ponha fim Pernambucana: 

/Occupa o mar Armada poderosa; 
E dominando a praia Americana, 
Usurpa em mar, e terra alto dominio, 
Ameaçando dos Luso? o extermínio, 



tyf* POEMA ÉPICO. CANTO IX. 

LVIL 

Poem-se ern eampanhia o Batavo tertfi*A 
Com sete mil de veterana Tropa, 
Váo densos bandos do Gentio horrível, 
Com destro gastador vindo da Europa: 

E estlmando-a potencia irresistível, 
Cede ao Belga a Barreto, ç quanto topa, (9) 
Em quanto em defensiva o Luso fica, 
E o campo contra o Belga fortifica. 

LVIH. 

Sigistnundo porém, que oá bastiment*r 
Em Moribeca assegurar procura, 
Dispunha alii tomar allojamentea, 
Estimando a victoria já segura: 

Mas Barreto, e Vieira a tudo attentos, 
Na justiça, que a causa lhe assegura, 
Confiam que na empreza o Ceo lhe valha, 
E tudo vaõ dispondo a uma batalha. 

LU. 

Nem com tanto poder Van-Scop reeusa* 
Decidir n'uma acgaô toda a contenda, 
Antevendo, se a perde a gente Lusa, 
Que outra força naõ tem que a guerra emprei* 

E já na marcha a multidão confusa» (d* 
A acçaõ começa peio fogo hocrenda, 
E turbando dos Belgas toda a fótma, 
Combatem, com vaior, porém aem.noim* 



CAltAMUIUJ 279 

i 

LX- 

líos montes Gaararapcs se alojava 
I?orrt\ado o Português, que b Belga espera; 
E a escaramuça, que eniprendêra brava, 
Traz a sitio o Hollandez, que adverso lhe era; 

Desde alto monte o Luso fogo obrava, 
<2ora roinn dos Batavos tão fera, 
-Que ou seja ao lado, ou na çspaçosa fronte, 
Se cubrio -de cadáveres o monte. 

i 

LXL 

Reúne us batalhões Van-Scop irado, 
12 á fronte com valor da linha posto, 
Tenta desalojar no alto oceupado 
O invicto Camarão, que lhe faz rosto* 

Mas com chuva de balas rechaçado, 
Perdfe três vezes o ganhado posto; 
E já ferido com mil mortos rede, 
Em vil fuga, que a noite lhe concede. 

XXII. 

Noventa dos seus perde o Lusitano; 
E em quanto o Belga se retira incerto, 
Descobre a aurora todo o monte, e plano 
De bandeiras, canhães, -e armas cuberte: 

Muitos. alH do Batavo tyranno, 
3Perd4dos pela noite em campo aberto, 
Deixa o dia, inexpertos nos roteiros, 
Nas mãos da nossa Tropa prisioneiros. 



.JCA 



280 POEMA ÉPICO, JCANTO IX, 

LXIII. 

Horrorizasse Hollanda, pasma Europa, 
Exalta Portugal, canta a Bahia, 
Vendo-se triunfar tão pouca Tropa 
Da terrível Poteucia, que a invadia: 

Nada de humano o pensamento topa* 
Que em tudo a mão de Deos clara se via, 
Pois sempre elege para os setis portento* 
Os mais fracos, e humildes instrumentos- 

LXFV\ 

Tinha exausta a ambição* mas não cangada 
A cubiçosa Hollanda em tal conquista; 
E para novo empenha apparelhada, 
Escolhe os Capitães, e a gente alista: 

Mas do Britanno ás armas, provocada, 1 ] 
Sobre interesse que mais alto avista, 
Suspende o influxo na famosa empreza, 
Deixando em Pernambuco u guerra aeceza* 

LXV. 

Brinc a este tempo, Coronel valente, 
Impetra de Van-Scop tropa luzida, 
Com petrechos, e numero potento, 
Que em batalha cruel tudo decida: 

Sinco mil homens de escolhida gente, 
De canhões, e petrechos guarnecida, 
Põem no campo assombrado da Potencia, 
Igualando o valor co'a diligencia. 



CARAMURU 591 

LXVL 

Com dons mil e seis centos veteranos 
Faz-lhe frente JJarreto. e o Belga invade, 
Correm de toda a parte os Lusitanos 
A sustentar 4 Pátria liberdade: 

Aloja o Luso «obre os mesmos planos, 
Onde fora a passada mortandade; 
O Belga na montanha se distingue, 
Um que o estrago renove, outro que o vingue; 

LXVII. 

Mas Brinc a tudo attonto desde o cume 
Com perjciu guerreira occupa p monte, 
Onde seguindo o militar costume, 
Dá forma a retaguarda, e ordena a fronte; 

Nem taõ çusado o Portuguez presume, 
Que em vantajoso posto o Belga affronte, 
Esperando & ocçasiau dalli opportuna, 
Pe poder atacar com mais fortuna. 

LXVIII. 

Reconhece Barreto o sitio, e forma; 
E vendo o ardor da Lusitana crente, 
Que, hsbil no paço, da subida o informa, 
Faz que o bravo Vieira ataca ardente: 

E cubrindo a invasão com sábia norma, 
Com o fogo protoge o assalto ingente, 
Até que por mil casos duvidosos, 
Vê sobre o monte os campeões briosost 



98g POEMA ÉPICO. CANTO IX. 

LXIX. 

Noya batalha alli com fogo vivo 
Move impávido o Belga, e firme insiste; 
E por mais que o Vieira invada activo, 
Onde um corpo vacilla, outro resiste: 

Tal ha que ainda combate semivivo; 
Tal que cadáver já na morte triste, 
A terra morde, e em raiva enfurecida. 
Blasfemando do Ceo, despede a vida. 

LXX. 

A toda a parte voa o Gr ao Barreto, 
E um anima, outro ajuda, outros exhorta; 
E excitando no Luso o Pátrio aftecto, 
Incita o forte, o invalido conforta: 

Bramava o fero Brino em sangue infeto, 
Entre a Batava turba oppressa, e morta. 
Assalta horrendo um batalhão potente, 
E outros reprime com ferocia ardente* 

LXXI. 

Mas o invencível Camarão, que o nota 
Um forte troço da reserva abala; 
E suspendendo a mísera derrota, 
Lam;a o Belga por terra de uma bala: 

Logo o Almirante da soberba Frota, 
Vendo invalido Brinc cahir sem falia, 
Occupa o mando, que já vago estima, 
E o Batavo á peleija altivo anima. 



caiumuru m 

LXXII. 

Naô soffre Henrique Dias, que observava 
Do novo Chefe a intimarão constante; 
E de um tiro, que fero lhe apontava, 
Derriba morto o intrépido- Almirante: 

Sem Çommandante o Belga trepidava* 
E de ura, e de outro lado vacillante, 
Uiua vil fvg% tímido declara, ~ 
E o Giwpo com desordem desampara. 



LXXIH. 

O estandarte soberbo dos Estados, 
Tendas, peças, bandeiras numerosas. 
Mil e trezentos mortos numerados, 
Prisioneiros, bagagens preciosas: 

Muitos centos na fuga deçollados, 
A caixa militar, armas custosas, » 
Foram nesta occasiaò de tanta gloria 
O merecido premio da victoria. 

LXXIV. 

Cinge o arrecife de um asaedio estreito 
Com prompta cura o Chefe Lusitano; 
Mas tendo longa guerra o Belga feito, 
Era contínuo sim, mas mutuo o damno: 

Até que Jaques ao cominando eleito 
No cqmpo se avistou Pernambucano» 
Condnzindo em fortuita derrota 
Par* 9 JtUSQ commercio a usada Frota* 



294 POEMA ÉPICO. GANTO IX, 

LXXV. 

Por mar, e terra sitiada a Praça, 
Depois do longo assedio de nove annos, 
Com mil desastres fatigada e lassa, 
Cedeo todo o Brazil aos Lusitanos: 

Mercê clara do Ceo, patente graça, 
Que a tão poucos, e míseros paizanos 
Cedesse uma Nação, que enchia em guerra, 
De Armadas todo o mar, de espanto a terra,. 

LXXVI. 

Assim modera o radre Omnipotente 
Do. ignorante mortal a incerta sorte, 
Por fazer com tacs casos evidente 
Que naõ he quem mais pode o q' iie mais for- 

Tudo rege na terra a Mão potente; (te; 
Delle a Victoria pende, a vida, a morte; 
E sem o seu favor, que o distribiie, 
'«Todo o humano poder nada conclue, 

LXXVII. 

Triunfou Portugal; mas castigado, 
Teve p*f\ tal permissão severo ensino, 
*iue só se logrará feliz reinado, 
Honrando os Reis da terra ao Rei Divino: 

E que o Brazil aos Lusos confiado, 
Será, cumprindo os fins do alto destino, 
Instrumento talvez neste hemisfério, 
Pe recobrar no Mundo o antigo Império* 



CAUAMURU 385 

LXXVIIL 

Vi no sonho mil casos differentés, 
Que no curso viram de outras idades: 
Vi Províncias notareis, e potentes, 
Vi nascer no Brazil áurea* Cidades: 

Famosos Vice-Reis, e illustres gentes, 
Tantos successos, tantas variedades, 
Que somente pintado, como em sombra, 
Confunde o pensamento, a vista assombra* 

LXXIX. 

treládòá vi dé excelsa Jèrafquía, 
È entre outros da maior celebridade 
claro Lemoá, que enriqueça um dia 
Be novas Sciencias a Universidade: 

EUe ornará depois a Acadèrfiiá 
Com construcçoens de exeelsa magestaáe* 
È em doutrina a fará com sábio modo 
O Átheneo mais famoso do Orbe todo. 

LXXX. 

Deo Catharifia fim, e arrebatada 
N'um extasè ficou, vibrando ardores} 
Corriam pela face em luz banhada 
Lagrimas bcllas, como orvalho em flore»; 

Fica a pia assemblea esperançada 
De outros successos escutar maiores; 
E dando tempo ao somno milagroso, 
No abrago a deixam do celeste Esposo* 



tW POEMA ÉPICO. GANTO IX. 

(1) S. Felice. He o celebre Conde de Ba- 
liholo, Offieial pratico, mandado de Hespa- 
nha para exercitar, «disciplinar a* neasaa 
Milícias. 

(2) Po Md grandeza. Por esta aeçiegeaercP 
•a, que sal voa a Bahia, foi cpeado por Filip- 
pe IV, primeiro Conde de S. Lourenço. 

(3) Henrique Dias. Negro valeroatesimo, e 
Commandante dos» Etbiopes , que tiveram 
grande parte na restauração do Brazil. 

(4) Camarão. D. António Filippe Camarão, 
Americano de origem , e nação , bravíssimo 
Capitão dos Carijós, que se fee terrível* ao» 
Hollandezes em frequentes combates , que 
lhes deo. 

(5) Barreta. Fortaleza importante doa nos- 
sos juftto ao Arrecife. 



38f 



■ r i ! 



OANTO X 



I. 

Cheia de assombro a turba a Dama admira 
Tornada a si da susponsaõ pasmosa; 
E da nova viâaô, que alli sentira, 
Prosegue a ouvir-lhe a narração gostosa: 

Mais bella que esse Sol que o Mundo gyra, 
E com côr (disse) de purpúrea rosa, 
Vi fortnar-se no Ceo nuvem serena, 
Qual nasce a Aurora em madrugada amena. 

H. 

Vi luzeiros de chamma rutilante 
Sobre a esfera tecer claro diadema, 
De matéria mais pura que o diamante, 
Que obra parece de invenção Suprema. 

Luzia cada estreita taõ brilhante, 
Que parecia um Sol, precioso emblema 
De admirável belíssima pessoa, 
Que & roda da cabeça cinge a coroa. 



' 88» PÔÉÚA EPlÓO. CANfO tk 

Hl. 

be ouro fínõ os cabe lios pareciam» 
Que uma aura branda aos ares espalhava 5 
12 uns dos outios talvez sè dividiam, 
Í3 outra vez um com outro se enredava: 

Frechas vòandd , mais fiãó feririam, 
í)o que um só delles n'alma penetrava; 
Cabellos taõ gentis, que o Esposo amado 
Se queixa, que de um delies foi chagado* 

IV. 

A frente bella, cândida espaçosa, 
Cheia de celestial serenidade, 
Vislumbres dava pela luz formosa 
Da immortal soberana claridade; 

Vê-se alli mansidão reinar piedosa» 
É inVolta na modéstia a suavidade, 
Com graça, a quem á olhava tão serena, 
Que excitando prazer, desterre a pena. 

V. 

* 

t>os dons olhos não ha na terra idea, 
Que astros, flores, diamantes escurecem; 
Ou na belleza de mil graçaè chea, 
Ou nos agraàos que brilhando onrecenK 

N'um olhar seu toda alma se encactofc, 
SE mil votos á roda lhe apparecem,, 
Dos que a sèu culto glorioso alista, 
Outorgando o remédio n'uraa vista. 



CARAMURU 389 

VI. 

Das faces bellas, se na terra houvera 
Ymagem competente que a pintara, 
.As flores mais gentis da Primavera 
íelo encarnado, e branco eu comparara: 

Mas flor não nasoe na terrena esfera; 
!Naõ ha estrella no Ceo tão bclla, « clara, 
4iue não seja, se a oppor-se-lhe se arrisca* 
Menos que á luz do Sol breve faísca. 

VIL 

Da boca formozissima pendente 
Pasma em silencio todo o Ceo, profundo? 
Boca, que um Fiat pronunciou potente, 
Com mais effeito, que se crcas^e um Mundo: 

Odorífero cheiro em todo o ambiente 
Do labro se espalhava rubicundo; 
Fragrância celestial, que amante, e pia 
No Filho com mil ósculos bebia. 

VIII. 

Todos suspende em pasjno respeitoso 
O amável formozissimo semblante; 
E mais nelle se ostenta poderoso 
O Soberano Author do Ceo brilhante: 

Pois quanto tem o Empyreo de formoso, 
Quanto a angélica luz de rutilante, 
Quanto dos Serafins o ardente incêndio, 
De tudo aquelle rosto era um compendio. 

T 



2&" POEMA ÈttÊO. 6A&TO X, 

!*. 

Nas brancas mãos, que angélicas se efctetfl 
Uni desmaiado azul nas veias tinto, (dem, 
Faz parecer aos olhos, quando o atteadeiq, 
Alabastros com fnadus de jacinto: 

Ambas com doce abraso ao seio prendem 
Formosura maior, que aqui não pinto; 
Porqne para pincel me nàõ bastara, 
Quanta Oeas^u qreoq, quanto creáía* - 

-S. 

Mas se nãó sé dedilha o Verbo Santo 
Por nosso amor, de um symbolo rasteiro} 
Dentro parece do Virgíneo Manto, 
Pascendo em brancos lírios urí Cordeiro: 

Os olbos com suavíssimo quebranto 
Lhe oécupa um doce somno lisonjeiro, , 
A' roda qà Serafins, que o estrondo impedira, 
Para o nãp dispc?tar silencio pedem. 

XI. 

Aos p*ês da M&i piedosa superada 
Vê-se a antiga Serpente insidiosa, 
De que a fronte nu culpa Ipyautuda, 
Quebra a planta Virgíwòíi gloriosa: 

E enroscando os inortaes já quebrantada» 
Ao c'eo só da Virgens poderosa, 
No mais fundo dó abismo se submerge, 
K o feral antro do vsaeao nr-pepg<o.* 



CARÀMURflf • Jty 

XII. 

Ào vêr belleza tanta o*pen$amento, 
ftue 9 liiuia imagem sorprendia absorto, 
í)uvçrii$ centro d'.alma um doce accento, 
Que o peito enchia de vital conforto: 

E como infunde ás plantas novo alentç 
O matutino orvalho em fértil horto, 
Tal do^s dpees influxos na abundância 
P entro d'ainig, eu senti noya constância, 

XIII. 

Catarina (me diz) verás ditos» 
iOutra vez do Brazil a terra amada; 
Faze que a Imagem minha gloriosa 
Se restitua de vil nmo roubada: 

E a^eim dizendo, nuvem luminosa, 
Como vto, cobre a face dezejada; 
E faz qije na memoria firme exista 
JSntre anipr, o saudade a doce vista* 

XIV. 

• A*sii®e^ducCatharins, enchendo 
De duvidoso Qssqnibro a companhia: 
Que ImageoFjt fosso aquslla, iam dizendo, 
Ou qual dçlles acaso a roucqjia ? 

Se 9 Múi de Dços mysteriQ» involveu lu ? 
IVoutra copia intrior o entenderia? 
í)u queria talvez que em santo traio. • 
jgp restitua u!alaia o sgu rçtrato. 



293 POEMA ÉPICO. CANTO X. 

XV. 

Mas vela em tanto appareceo boiante, 
Que junto da Bahia o mar cortava, 
Onde em bandeira, que lançou flammante, 
Leão das Hespanhas tremolava: 

Tem á falia com salva fulminante; 
E a .França náo, que á terra velejava, 
Posto 4 capa o Hespanhol, cortez visita, 
E o claro Diogo avisitallo incita. 

XVI. 

E depois que em festivo amigo abordo 
bom Gonzales o Hospede festeja, 
Éxcitou^se nos dous claro recordo, 
De quem o Hispano foi, quem Diogo seja: 

Ambos nos braços, do commum acordo, 
Um a outro mil ditas se dezeja; 
Reconhecendo o Luso o nobre Hispano 
Por um dos companheiros de Arelhano. 

XVIL 

Carlos o Grande, o Imperador famoso 
Grato por mim a saudar-te envia 
(Disse a Diogo o Hispano generoso, 
Soccorrido a outro tempo na Bahia:) 

Ouvio o invicto César gracioso 
O teu obzequio á Hispana Monarquia, 
E o serviço, que grande considera, 
Por mim no seu agrado remunera. 



GARAMURU 283 

XVIII. 

12 porque possa em caso equivalente 
Retribuir-te aquella acçaõ piedosa, 
Salva aqui te offereço a. infausta gente, 
Perdida nessa praia desditosa* 

De cativeiro bárbaro, e inclemente 
Vivia na oppressaô laboriosa, 
Até que destas armas protegida, 
Kemio ha liberdade a infausta vida. 

XIX. 

Garcés então da gente Lusitana 
O mais distinto, que o discurso ouvia, 
Confessa o beneficio á força Hispana, 
£ a historia de seus casos principia. 

Depois que a gente abandonaste insana» 
Com teu aviso, a Lusa Monarquia 
Gentes aqui mandeu, náos poderosas, 
Que as Naçoens sujeitassem bellioosas. 

XX. 

«• 

Foi Pereira Coutinho o destinado 
À fazer da Bahia a grã conquista; 
Heróe no Indico Império celebrado, 
Em quem nova esperança o Luso avista* 

Tudo tinha o bom Chefe preparado. 
Formosas náos ajunta, e gente alista, 
E á grã população, que meditava 
"* um spxo, e d'outro as gentes convidava. 



I U POEMA EflCO. OÁHHÚ X; 

XXL 

E sem demora as pratas ocettpando, 
Èoi dos Tupinambas, com teu tecordo, 1 . 
As potentes aldeãs visitando, 
Com amiga alliattça em firme acordo. 

Do Sertão vasto em numeroso barndcr 
Desciam festejando o nosso abordo, 
Os Carijós, Tapuias, e ouífas gentes, 
Por fama do teu nome obedientes. 

XXÍL 

Gupeva, é Tapfcrlca celebrados 
Entre os Tupinambas, Naçaõ, que habittf 
* Os campos da Bahia dilatados, 
Antes do outros Coutinho solicita: 

JE por vellos comtigo €mpí rentados, 
Povoaf o Recôncavo medita 
Da gente, que o teu nome reconhece, 
Onde de dia' a dia o povo cresce. 

Todo oTertil téftreno utilizando, 
Donde riqueza se offerôce tanta, 
Engenhos vai de assucar fabricando, 
Aldeãs, casas, máquinas levanta: 

E as drogas preciosas óomrtuitandoj 
A mandioca, arroz, è a cana planta; 
fiem duvida que seja era témpóbrete? 
Apolónia melhor*, q*je-Ee*opan6ve» 



CauamIjro m 

Êaçelba i#z nas Tab?|8 numerosas 
Dos que acha ho trabalho mate activos; 
Mag guarda paíà èmprézás bellícosas 
Os que em fe rocia reconhece altivos: 

A tQdofe com mbnteiras amorosas 
JPropoèm da Fé Çhristã claro» motivos; 
E à condição notando fcm cada raça, 
Uns dorua com terror, outros c^mgraja. 

XXV. 

SaV$?quc<çm gente tal ngdasa.cqllie* 
pepòis de feudureper na idade ndplta, i 

Pntfè na puerícia oH mais escol lie, 
íor dar-líre cm bíeve a educação móis cijlfat 

Nem dos pais violento nígum recolhe; 
Mas do proveito* que de alguns resulta, 
In<J«z a gçnté barbara rjue. o Beguc, 
Que â prota á, educarão gos toca entregue. 

XXVI. 

Em cuidadosa escola o tempr santo, 
Antes das Arte» a qualquer se ensina; 
•P a <>-lhe liçoens de ler, contpr, de canto, 
E o Catecismo da Christâ Doutrina: , 

Ytlpdo-os o fude Pai, concebe espanto, 
P pelo filho a.AÍâi á.Fe rc inclina, 
Nèm de /freio entre nós mais apto se t uza, • 
H\xc aqmaiin g$p te b arbara reduza. 



896 POEMA ÉPICO. CANTO X. 

i 

XXVIL 

E estes serão, se a idéa rroõ me engane; 
Meios á grande empreza necessários, 
Que em brev,e a gente rude fora humana, 
Com Escolas, e Régios Seminários: 

Foge, sem se domar a gente insana, 
' Sc em forças, e poder nos vê contrario»; 
Mas educada em tenra mocidade, 
Dilataria o Reino, e a Christandftde* 

XXVIII. 

Mas no meio das belfas esperanças, 
Com que a nova Golonia florecia, 
Move a Serpe infernal desconfiança* 
Entre os Tupinambás, e os da Bahia: 

Foi a causa infeliz destas mudança» 
Um interesse vil de gente impía, 
Que os povos offendentfcr em paz amigo*. 
Cobriram- toda a terra de inimigo*. 

XXIX. 

Gupeva foi dós seus abandonado; 
Taparica foi morto; a Lusa gente 
Do Ocntio nos matos rebellatfcr, 
Contínua perda nas lavouras sente: 

Queimada a pfanta foi perdido o gadoy 
E cercada o arraial em continente, 
Vi© Coutinho por barbara violência 
Perdido o seu thesoaro> e diligneia- . 



CABAMURU *97 

XXX. 

Na geral affiioçaõ do Luso povo 
A lugar se recorre mais tranquillo; 
Buscamos nos Ilheos um sitio novo 
Contra a turba feroz, seguro asyla: 

£ já Coutinho se dispõe de novo, 
Vendo manso o Gentio, a reduziilo, 
Fabricando Colónia de mais dura, 
Menes fecunda sim, mas mais segura. 

• 

XXXI. 

Mas os Tupinambás, melhor cuidanda, 
Com promessas os nossos convidavam, 
Çom mil amigas provas protestando 

De conservar a paz, que antes guardavam- 

Creo o infeliz Coutinho celebrando 
Pactos, que segurança a todos davam; 
E sem temor de mais, voltar queria 
Ao Recôncavo antigo da Bahia. 

XXXII. 

E já no mar a frota se esquipava, 
E cada um de nós na empreza absorto, 
Sem temor, ou receio só cuidava 
Em fazer ao Recôncavo transporta: 

Navegamos o espaço, que dictava; 
E tendo á vista o desejado porto, 
Com furiá o mar aos Astros se levanta, 
Em cerragaô do Ceo, que á vista espanta. 



4ftâ rOEMÀ SPICO.>CiNtO & 

O ar caftgfinosd, e em wevoa imputo 
Tirou-nds toda a vista é'sem 'destino 
Batcntos 'cesfos n'dm penhasco duro, 
Sem termo» do lugar noticia, ou tino: 

Nestô «noméntarborrifal, transe escura* 
Supplicartdd d favor do Çeo Divino, 
Vemos a iifro, cómí «hórridos fraéagos, 
DesfaEfcr-se na penha em mil pedaços 

X)tXIV. 

Ficamos, comd o entendes, alagados, 
Nadatldaéni meioda procella horrenda; 
Uns das ondas se affogaip devorados, 
Oétros na praia em confusão tremenda: 

E éis-qaé os efueis -Tupis ericarniçndos 
Com frechas se empenharam rta contenda, 
Por leva^rio» 1 da arêa semivivos 
A' sorte dos -seus míseros cati vost 

xxxv. 

Minloá vimos dos bárbaros comidos, 
Àlguos dispostos ao fdfcésto ocaso, 
Afflictos todos nó*,* e esmorecidos, 
E esperando qualquer séu tristcpnago: 

Mas de ti sobre túdo<ebndAÍdo§, „ 

Triste Coutinho, que. rio acerbo* eásey 
Depois de triunfar cVÀsia<fi38ombkada> 



ftXXVL 

¥tí ,°qde tòil veaes no rcirt*to r OHè*t€> 
Levantaste tròffos' de gloria ónuàtos; 
A quem cédêra o k M alabar potente ' 

Em Armadas/e* Exércitos robustos: 

Tu, cpié foste o terror dá' Indtoa-ffente, 
Que da Lisie htifmilhaste aos'Reis 'Augustos; 
Lá estava em tanto a tua sorte -escrita 
Da . vires -a acabar xtedta déflfdtta. 

XXfcVIÍ. 

:%fais * piroséguir não pode stYffòcado 
q bom Garòez cm amargoso pranto ; 
K coridoeò-se IMdgo, recordado 
De ver-se em outfo tempo cm caso tanto: 

E havendo os naufragafttes consolado; 
Não sou (diz) insensível, que sei quanto 
Acerbo o ' caso hè , cruel o artigo , 
È a piedéidé aprendi no meu petigo. 

xixvm. 

Recebei efttre tanto valerosòs 
Com Magnânimo peito ? a ndvercitfade ; 
Conseguirei por -trances perigosos 
Fazer*vòs dignos *da ímmortôlidade. 

Deixareis monumentos gloriosos 
A-uma íoiíga, c feliz posteridade; 
E ganhando -bbterèis com tanta gloria 
tfm nome-etOTffo^OTpadTõnesdtf ílistoriai* 



.300 POEMA ÉPICO. CANTO X* 

XXXIX. 

Disse o piedoso Heróe, reconhecendo - 
Ao Hispano Monarca pelo Enviado 
O distincto favor, e á mercê tendo 
Achar memoria ho real agrado: 

A' n&o depois os sócios recolhendo, * 
Mo Recôncavo entrava desejado, 
Onde a vista formosa da Bahia 
Com perspectiva amena apparecia. 

XL. 

A ver na estranha n&o, que gente aporte, 
Desde o interior Sertão turba recrece, 
E bem que differente em trage, e porte, 
Catharina dos seus se reconhece: 

Entre applausos recebe a Nação forte 
O grão Caramurú, como merece, 
Mostrando pelo amor, e reverencia 
No antigo affecto a nova obediência. 

* 

XLI. 

Carrega em tanto o lenho desejado 
A n&o de Du-Plessis, que Diogo estuda» 
Que seja em toda a terra obsequiado, 
Dando-lhe a ao talho da madeira ajuda: 

Um Carijó porém nisto empregado, 
Em quanto a carga em toda a náo se muda? 
Uma Imagem roubou formosa, e bella > 
Que a náo venera «a iatrior Capella* 



CÀRÀMURU m 

XLII. 

Observou-à Diogo na cabana 
Tratada dos Tupis com reverencia, 
Estimando-a por cousa mais que humana, 
Que excedia dos seus a intelfigencia: 

Sorprendeo-se da Imagem soberana 
Lusitano Heróe: e á competência 
Com clles venerando a Mãi Divina, 
Chama a vella a piedosa Catharina. 

xun. 

Poz-lhe os olhos a Dama; e transportada: 
Esta he (disse) he esta a Grã Senhora, 
Que vi no doce sonho arrebatada, 
Mais que o Sol pura, mais gentil que a aurora: 

Eis-aqui! esta he a Imagem venerada: 
Este era aquelle roube: entendo agora: 
Oh minha grando sorte! Oh imensa dita! 
Isto me qui£ dizer a Mài bemdita. 

XLIV. 

Dizendo assim com ânsia fervorosa, 
Postrada abraça a Imagem veneranda: 
Beija, aperta-a, e de gosto lagrimosa 
Mil saudosos ais ao Cco lhe manda: 

Aqui vos venho achar, Mài piedosa, 
No meio (disse) desta gente infanda! 
Infanda, como eu fui, se o vosso lume 
Nao me emendará o bárbaro costume* 



ffM FOKM* fiff ICO r CANTO ¥• 

XLV. 

Olha em tante «aspens* agente braU; 
£ os excessos, que vé> cuidando, admira; 
Ncm,€pocebe nos vosfts, que lhe escuta» 
Se prazer seja, *e de d^r fcuspira: 

Mas cor)o a ImagjBin calestjal reputa; 
Quando á Dama piôdosa obrando víra> 
Qualquer á imitação fazer deaeja, 
£ este a adQ*a,Quteo a abwgaj.e &ftMU%a beija* 

(V {«usitpiM», e Franco Religfa&Q- - 
Veneraram com fo prodígio tantq* 
Lembrando-so do, 303 ho-. pprteutosot 
ffafn eiajro Ludicio do pr£S8gio ssiata* 

Em j^iaoio o brutal povp numeroso 
Tudo n^ta em um -êxtase de espanto i 
Até qc|^ a um Templo em pompa yoivm&êi& 
A pia multid^p p Imagjsm ryawfo. . 

Por ga&tMnwftiçãô fui oocUufcada 
A SenhQfA da Qraça* e eo»i fé pia 
Foi desde {iqu?lle dia v^uwada 
£iogular Pjrotootora &i Bahia: 

igreja primitiva de(}icad«* 
JFftu meio a» trevas dessa gente ímpia, 
Memorável (s*e a firam í*e verdadeira) 
forque qqk terf^ o Bra« ji ÍW* 9 primei*** 



Neste fentejcíi* plebe se entuetinhaY 
E^ets^qup uma saly^se ouve estrépitos» 
De çtaiide Armada v que estendendo vinha 
Galhardetes* e flamniulas lustrosa: 

Tudo ao rumor dít frota ee encaminha, 
Vendo a bandeira tremular fumosa, 
Que no'brazâo das Quinas representa 
A radciipQAo, que g Coo ua tepra intout*, 

XUJfc 

Eru Thotné de-Sfruao. o Goiàtf\aodotit«> 
Qííealli Governador fora mamlrçdo 
Com niuliidaú de «patas ata uadao to, 
Para dar ftnna ao f kwo começado: 

.N\irn sítio com mil mangues verdojarçtej 
Que o çraô Catumuru tinh» habitado v 
Da Colónia, que ás Tabas s* pssenwltot 
O noiíuj jius ficou de Viila- Velha. 

AHi por PrinaipaT constituída 
K,)i do* Tapinumb;'$<* claro Diogo; 
Das Tabas do Sert(ȉ reconhecido, 
Como Dra#aõ do mar, filha do fogo: 

Cutlumaà por sangue esclarecido 
Herda de seus Avisei o Imp$i?i.o logo, (l)< 
Convocando á Bahia nesta idéa 
pua ssua Tupir^ia^:^ toJqi it asgenabtéa, 



304 POEMA ÉPICO. CANTO X. 

LI. 

A 1 Taba de Gupeva já habitada , 
Onde hoje he Villa-Velha , a turba eorre; 
Das outras Tabas toda a gente armada 
Com os seus Principaes a ouvir concorre: 

Toda a Cidade em corpo congregada 
A' grande casa coneorreo da Torre: 
Paço de Catharina , que na empreza 
Presidia aos Tupis, como Princeza. 

LIL 

A seu lado Diogo, e Sousa armado, 
A 1 Camará preside da Bahia : (S) 

O Clero santo a Deos tendo invocado , 
Ouvio-se dos clarins doúce harmonia: 

A Tropa Portugueza oecupa hum lado; 
Todo o outro espaço o Bárbaro cubria: 
E em meio a eada casta alli presente, 
Brilha emplumado o Principal potente. 

LIIL 

^De Varões Apostólicos hum bando 
Tem de innocentes o esquadao disposto, 
Que híâo na Santa Fé dissiplinando , 
Todos assistem com modesto rosto : 

O Catecismo em cântico entoando, 
No idioma Brazilico composto 
Do Exercito , que Ignacio á Igreja alista. 
Para emprehender a barbara conquista. 



GAUAMURU .305 

LIV. 

• Sen tio da Pntrlá o público proveito 
Monarca piíssimo , que impera ; 

E estes Varões famosos tinha eleito 
A instruirão Brasil na Fé sinsera : 

ELles torta a conquista h ou verão feito ^ 
E o immehso Gentio ' á- Fé viera , 
Se cuidasse fervente o santo zelo , (3)' 

Sem. humano interesse em convertõllo. * « ' 

LV. 

São desta espécie os Opérafrioô santôé , 
Que* com fadiga dura , intenção reta $ 
Padecem pela Fé trabalhos tantos ; • - 
Nobreza famoso > o claro Anchieta r 
v Por meio de perigos , e de espantos > 
Sem temer do Gentio a cruel setta , 
Tode o' vasto sertão tem penetrado , 
E a -Fé com mil trabalhos propagado. r % 

LVf. 

Muitos destes alli , velando ploá* » r 
Dentro .ás -tocas das arvores occultdsf* '^ 
Soffreim riscos, trabalhos, fomes, frios, ■ 
Sem. recear os bárbaros insultos : - - - 

* PeneUrôo > matos , atravesão rios ^ " r >» • 
Iiuscsaulo nostePrénos mais ificuftftl 
Gom^immensà* fadiga , e pkr ganho ' 
Esse perdida integro sebanho*- -> 

U 



J - / 4 



■>Y 



Sffit . POEMA HNCCK (MWTO X. 

LTflU 

Maj»; de hum Terás ,p$lfcpatnp*mhai /casta 
Derramar pela Fé . dito^Q. seufrjÇMQ ; 
Quem morto »» eh amw#». o Gentic* arrasta, 
Quem dei^a a setta eçm o, riro v . exangue ; 

V^UftÉhh^fii .; discorrer . de:, eas*a ,. era casta , 
Onde o rude Fag&o. .Ma travas laugwe ; 
£l ao Cqq lucrando as miseráveis aluas* 
Carregada subir.ds inçUta3apaka*s>. . 

lvih. 

, Çtdro Cwrter tanta ; no sublime Paço , 
Que a. gr* Caea da Torre se appellidn, 
Orando ; Cathariaa hum, bpeye i: espstço, 

?throao occupa , e as, aHeaççes convidar 
Titiba emplumada p. fronte* e o forte braço, 
Como insígnia de JrupeJTÍQ .Cfni)%ecida , 
Hum n\arraqpe por sqeptTo suste n ta va t 
Que toda. a tuvba.^jív r^tiuouolbsvya. M . 

UXv 

Ventujro*» P&iaarw^, que,*) Gfco aumV 
(Dissç^P^iQaRgpH ;po>va disperso,, i. 
Quç h eUA ( apv 4r0l>ajvtiQ B i *w > piejloeo<-ehs«a, 
Desde o aiuig<?,. diluvio, £fft,a$mbr*;*rotnei»re 

Hoje vq9- qpejr; lixiiaxda^Ay^na^haaima, 
Vendo jurr&Stsfur-VGS: dp Drag^ .p^iierso, 
Esse Grétí Djbq^ q*e. de uma íCrus sublima 
A pena satisfi»., tj* cidpitfíppprítaoq 



Dar antiga I«fi|it^náa v o Rtó potente^ ; 
Acompanhando .o ; , S«4> i\o. gjrrò iinmenqo , 
Vai r*deaado> toda o Globo, ingente, - 
Desde o .aurífero .TagK»- ao Ghitia< extenso: 

FbE, eltei a Eé reoebe todo o Oriente, 
O Mpuro, cede. deis pavor, suspenso , . 
E-( Eurepa. admira . pelo mar profundo;, 
Qtte, qseo.&einok menor subjugue hã Munda: 

UXL i 

Deste tossindo Monarca he tanto o Império, 
Que aonde a própria, luz não ee encaminha} ' 
Nos lipútea? extremos- do. hemisfério . 
O Lusitana Exercita. caminha. 

A Africa, e» Ilhas*, o . Árabe . Cimerio, - 
Duas vezes ( pas&andoa imqxeÀaa liaha^ 
Fossue t Urç*os<jpávcjs:* que. ai coatallòs -ii 
São maiai quèjQKportuguÁa^sebs. Vasaallos I ■ 

LXJttt 

^etei.BéiocflorioflQ. foijoj eteitar • . . 
Por PjH*rÍd$íieia dh, eternal «Bondade <, 
A façerL doe* Brazil hami.paVo aoceifo 7 
E digno de azgozáví -re»í -fifteraid&deix - 

Pudera^ dmtfhogdnttí. o< IõRÍeupeita> { y .;;•* 
Tendo n' Afciaiioptflemtsí umiiiaiiBkiq2&* 
Estes^ j«»itBB :>S£jrpô(i«. trooar Jnouitos . -. 
For Nagoj&f/j ripai,- ^ terrona^ /.cultos* 

U 2 



SOS POEMA EFICO. CANTO & 

Pudera com ar forgas , que aqui maada. 
Com pouaa utilidade, ou mais que fora, 
Domar. o roxo- mar por toda a? banda, 
Ec o Reino toda possuir da Aurora* 

Mas a piedade foz» ooo> que commanda, 
Que antepondo o Brazii.a tudo* agora , 
Mostre aos homens, que ao< impulso que o do~ 
He propagar ao Mundo a Fé Divina.* - . (mtea 

Lrrvi 

Generoso pensar! sagrada empresas! • 
Lpnge da vã Politica de Estados r 
Que se a Milícia, se o Commercio pnsaa,. 
Nào tem da Santa Fé. menor cuidado* 

M,ns> que* rege a vasta reáandeaa, • 
E a sorte dos Impérios teto fixado, 
Lá virá tempo em fim que o zelo pague, 
E em ouro a Taga do Brazil se alague. 

LXV. 

Um Rei, sertão me engana ocuho rostintoy 
Quandp é Quatro remir as 'Lusas Quinas, 
Depoi? do Sexto Affpneo; e Pedro extinto^ 
Abrirá no-Scfrtaô famosas- Minas: 

Fará de ouro Lisboa D«Jo*o Quihtov 
Altas DisposiçGesr dò Ceo: Divinas!- 
Pois no tremor, e moendio, quéa ameaçay 
Preparat-esteflubsidior>ágrã;de^gragal^ - 



CARAMURU 309 

LXVI. 

Tempo virá, que Dama maerestosa 
Por Soberana a Lisia reconheça, 
Época illustre, insigne, e venturosa, 
Em que tenha uma Santa por Cabeça. 

Descerá sobre o Reino a paz formosa, 
E com a paz fará que a Gloria desça; 
Atlante* tendo do seu ftegio Estado, 
^Quatro Sábios, e um ínclito Prelado. 

LXVII. 

E tu, Monarea Justo, do Ceo vindo, 
Venha-te a palma sobre o Empyreo tarda, 
E Pai da Pátria ao Reino presidindo, 
Cora zelo a antiga fé nos nossos guarda: 

Enche o graõ nome, as portas reprimindo 
Do monstro Averno: que nos fundos arda; . 
Que deixe Portugal, que na Fé medra, 
JS Christo firma sobre a immovel pedra, 

LXYIII. 

Esta insigne Progénie o Ceo promette, 
Brazil agora rude, aos teus vindouros, 
O colo humilde em tanto ao Rei sobraetíe, 
E ofFerece-lhe contente os teus thesourosr 

E eritre tantas Nações, que aojugoraette 
À' sombra Portugal dos verdes touros, 
-Sem provares da Guerra o furor vario, 
Chega ao Throno a humilhar- te voluntário.- 



310 POEMA OTIOO. 'OANTO X- 

íimx. 

E se Princesa me chaYnai» sublime 
Dos vossos Prinripaes nascida < herdeira, 
Se ao Grão Caçam uru, qòe * o «maio imprime) 
Jurastes vãs&riogecn verdadeira: 

EIJe da sujeição tudo>Hcr}e->exiaie* 
Cedendo ao Thrnrio* Luso npofcse inteira; 
E eu do Monarca ; na ^Real Pessoa 
Cedo todo o diffeito, e entrego a Creia» 

I/KC. 

Dizendo assim a Dataaigeirerosã, 
Desce do Throno, e o esplendido- Diadema 
Entrega ao Sousa; e toma magesfésa 
Um baixo assento com modéstia! extrema: 
* Pasma o Tupinambá, vendo a formbsa 
Nqbre Pairasrnaçú de* clnro* Estéma, 
Que osèu Régio Marraquc ao* Sóusá -dando, 
Despia: a pompa do- Real Garamaiido. 

LXXL 

togo o Carnmiirú ria linerêa, e éstUo 
Dos naturaes faHando ao Chefe novo, 
Posto tudo em silencio 1 para ou vilto, 
O escudo da Bahia mostrarão porro. 
- A, pomba de Noé, que ão^nôtoasylo 
Com ramo de oliveira vèm de novo > 
Dando -a entender a paz; *tfue á cráa gente 
Ccán a Fé dispensava o 3 Jieb Gteftiente. 



LXXH. 

B*fe lie o título ( disse ) verdadeiro , 
Com qiíe ôooftpa 'mBr.arfl iicstaotaátcfura 
O muito "Alto 'Senhor "D. J<*át> Terçwro , 
A i eftm *<|ae * em pa« »se térfhar a titrba imrpía: 

Porqite ao fSupramo- Ser,: e-Edie «primeiro 
Réfettâfreça ' o ■ Sertão , sirva a Bahia ; 
E 'pdflqfle >propft£&da a Fé se Yfeja 
No tidvo império , «que enquista "âjgpeja. 

EXXHL 

Disfté 'Dí&go , e as boinas trearotefltfo, 
R&#1 , yRrnl com voz clama expressiva , 
lPor D. tfoâo Monarca venerando , 
Príncipe do Brazil , que fausto *viva. 

Responde a turba os vivas replicaitdo , 
Com tão 'alto clamor, qde o ouvido priva, 
E ffto nrmor dos 'eanhòes , e das cornetas 
Correspondem as bellicas Trombetas. 

LXXtV. 

Então sentado sobre, o «Sòllb JnWnte, 
Que jj de*occupára a D&ma trellfc, 
Como Governador da Lusa v gt>ííte 
Thomé de Sousa cortejada ítella ; 

Toma posse legitima , e pntértffe 
Da ftahia, e Seftào, e afem qiíertUa 
Do habitante, que os eawipos dfcgocwfttpB, 
Em nome dos seus 'Beis atw*a iòci>pa. 



318 rOEMÀ ÉPICO. CANTO X. 

LXXV. 

Depois ao povo , e illustre Magistrado 
Por Lei do novo Império manifesta, 
Que seja o Nome santo venerado * 
Que cesse nos Sertões a guerra infesta ; 

Que o Homicídio se veja castigado, 
Que Antropófago atroz , que a Lei detesta, 
Que a Embaixada Evangélica , que envia, 
Se ouça com paz; q' sehonre o q' a aununcía. 

lxxvk 

Que o indígena seja alli empregado, 
E que á sombra das Leis tranquillo esteja; 
Que viva em liberdade conservado, 
Sem que opprimido dos Colonos seja: 

Que ás expensas do Rei seja educado 
O Neófito , que abraça a Santa Igreja ; 
E que na santa empreza ao Missionaria 
Subministre subsidio o Régio Erário. 

LXXVIL 

Por fim publica do Monarca reto , 
Em favor de Diogo , e Catharina , 
Hum Real honorifico Decreto, 
Que ao t»eu mericimento honras destina: 

E em recompensa do leal affecío , 
Com que a coroa a Dama lhe confina, 
Manda honrar na Colónia Lusitana 
Dipgo Alvares Corre» de Viana. 



CARÀMURU SIS 

(1) Dt sem Avfo. Vê-se ainda hoje a Ipscrip« 
çào da sua sepultura , que intitula Princ&z* 
do Brazil. 

(2) A Camará. Ainda hoje por assento feito 
em Camará se faz na Bahia o Anniversario 
a Catharina Alvares, com esta memoria. 

(3) O santo zelo. Nâo referimos esta ex- 
pressão aos sujeitos, de que 6e falia, que 
fora huma contradição ; mas vagamente a 
quem houvesse sido causa de decahirem 
aquellas Missões. 



FIM. 



■*■•« 



Typ. dt Serva e C. 



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LISTA 



I)Ô9 ' 



ILL.: AETO^&S 'BÚBãGíIíPT^KÊS. 



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<+. 



(Excel. Arcebispo da Bahia , :• ' • T $ 
-Tenente Corbítel Alexandre .Gomçs ée Ar- 

gollo 'Ferrão . . . f . • y2 
•António] Pedrozo de Albijqvierque . . nl 
«Capitâo-mór António joajqjaim -Pires de 
^ Carvalho Albijqúcçque • / . • • I 
*D. AnnaBenedicta. de Oliveira Junqueira 

e Andrade . . . , : 1 

Dr. António Gomes Villaça : • .1 
António de Sousa Vieira Filho . • 1 
António Gomes Amorim . . • . 1 
Antero José Calixto 1 

»Au^i<> -l^pés de MJwnda \ • .* » \l 

'António, Barboza Gooíes de. Sá , • ?1 

'Antónia Ferreira 'de» Baqggs . . . >2 

T António pt&eftUl tbii^pitaflga Pimentel . 1 



tf 



Dt\ António José Sousa Lobo Júnior 

António Lourenço Alves Nobre 

António José Dias Guimarães. 

António Salluetiano Ferreira . 

António José Silva Araújo . . . 

Afttoniò Ferreira l Santos Capirunga 

António Alves da Silva . . , 

António Ozofio Fonseca de Pina Leitão 

António Ferreira- B «a toa . 

António José Fita Lima . » ' 



# fc * * • , m 

Excel. Barão dé Ja^oaripe 
JJxcel. Barnô de S. Francisco. 
TSxcel. Barão de Marasrogipe . 
Ercel. Bafòo do Rio de Contas 
Bérnafdo José Jorçe . • ' 

"Tenente Bernardino de Senna Guazina 
JBeTnnrnío «José de Santa Rita. 
B.*G« de Aquino . • 



Dezeinbargador Cândido Ladisláo Japiassí 1 

-Clmuloveo Pereira Rabello . ' . . 1 

Cassiano Ferreira Mundim . . . 1 

Tenente Cypriano Gomes Barroso . . 1 



m 

Ofaudío Tibuircio Mweirti : 7 ; « 

Fr. Custodio de S. José . ; • • * . 1 

Carlos Manoel da Silva Campo» > , 1 

« • • • * 

• • • 

• • • • 

Domingos íoaé àe Oliveira e Souza . 1 

David José Ferreira da Veiga . . 1 

Domingos Carcfozo M^r(jues .- .. • • 1 

Alferes . Domingos Muadinv Pestana, • 1 

Domingos ílodrig^eç da Silvai v • 1- 

Donyngos .Francisco Ribeiro da Silva . l 



• % • - • 



E 



Ten/ Coronel Francisco Xavier de Barros 

Galvão*. • ♦ * . . . .''..' I; 
Egas Muniz Barreto Carneiro de Campos. 3 
Dr. Evaristo Ladisláo e feílvat • . 'V J;. 
Eduardo <Tci*eira dç Freitas* Barbozá . ' %í 
Tenente Estahisláo* José de Moraes . . í : 
BusUaquio Jt>sé- Ptefreira de "Andracte • ./ l^ 



1, 



Exm. Francisco de Sousa Paraíso (Fre- ^ 
isidenteèda Provinciá) *-*• . ^ r «» *£* 
ttr. JFrai*âsco. Aatçnio de Araujoi^ ;.».# 



Joaquim Francisco fiíery 

Joaô António d'01iveira . 

Dezemb. J. Ancelmo 

£ JL do» Alencastre 

J. J. dos Santos 

Ten. Coronel Joaquim José Vclloso 

Joaquim José Fernandes Pereira Braga 

Júlio, C. da Silva , . * - . 
bsó' Maria Servelo Sampaio . . 
Joaquim Olavo da Silva Rebello . 
Dezemb. Joaquim Marceliino de Britto 
Joaquim Frolirio Vieira . 
Ifnaeio- Accioh 'de Cirqueita . 
Gap* Ten. Jacintbo Alves Branco Muniz 

r Barreto . 
J|>sé. Vicente de Sá Freire • 
£bcnw José Mariano d'Albuquerque Cavai 

tcajUe (actual Presidente de Sergipe) 
Jflsé. Estanisiáo Vieira 
Joséf lunooénck) Pires de Carvalho 
Qr. Joaq. Baptista Rodrigues Villaa-Boan 
Padne Mestre Dr. Fr. José de Santo Bs 

l colastica • . • 

Dr. Joírtkth&s íAfrott .. • . t . . . 
IJezçmb. Joaô José d'01iveira Junqueira 
J»ão. Aa* Coftta Júnior ■..— • •» . \* 
José % Joaquim Firauna Júnior .:/ . .•■. 
Jtsé, Joaquim .Simões 
Jfcsé, Ign^çio ÃÍ4n9z€*- Dória ... 
^praoel J. Laiisiág Figitfi&aio::© tytolto 



• * 



ml 

JTosé Fernandes Oliveira Litga 
jJosé Virissimo freira de Azpvede 
Joaquim António Moitinho 
.José Lourenço Torreira . 
Dr. José Tieira de 'Faria Arqgàe Atalita 
José Joaquim Soares -. " , • 

José Pedro de Sousa Alcamfrn 
jJo&o Baptista fiou^a Rahiensfc 

J. fi. Faria 

J)r. # # Joâro Antnn«s de Azevedo Chaves 
Jo^ Jatisem do f asso .. . 
,José Sérgio Ferreira^ • . . 
.José «Felippe de Santa Anna . 
Joaquim de Oliveira Ssvntps , -FSlio 
.Joaquim de Oliveira Santos, Pai . 
JToào Pinto Gonçalves . ' . , 
Ignacio Almeida Gouvêa . 
Jo&o Joaquim dos Santos 
.Jo&o Leocadio V^rne . . 
.Joaquim dé Mattos Telles de 'Mene&es 
v Joâo Gapistrano 'Leite * 
„Jo&o da Graça Gentil 
„Jo5to Nicola o Gomes. 
;Ignacio de Loyolti Pátria.. ; '• 
„Joaò Cancio da Silva 
.José Casimiro Pereira da Çoeta . 
.Jo&õ Lopes Rodrigues . . . •£ 

José António de q Scmsa *4fta9$éi » % <* 
Coronel Ignacio Aprigio da Fonseca 
Galvão . . «... 

* ¥ 



•# 



VIU 

José Caetano da Fonseca 

Joaô Ppdro da Cunha Valle . 

José Machado Guimarães. 

Idelfonso Martins Carneiro 

Joaquim Mendes do* Santos Guimarães 

José Joaquim FranGo 

Dr. I. t. Bjito. 

José Jerónimo Pereira Nobre . 

:J. M. António Abreo Seixas . 

José Rodrigues Mendes Guimarães 

José de Barros Reis • 

Jaçintho Silvano Santa Roza. 

Vigário Joaô Pereira Ramos . 

Desembargador Jojaõ Homqm de Carvalho 

Jo?é Rodrigues .Gil de Sá Menezes 

Dr. José Alves da Silva. 
•José Pedreira França 

Jopõ de Sousa Gomes Pitanga 
,Joaô Marcolino da Franga 
:Jo?é António Rodrigues Vianna 
5J030 Pedro de Aguiar •. 

Fr. José de S. Matheus. 
.José Jqaqnim Flôrence . , - 
v José Joaquim do Sacramento ., 
» Jopé R. Moreira . t - . 
t Coronel Joaqçipt, Bento Pires* 

Jopõ Caetano Martins 
.José Agostinho de Salles . , 



n 



Éxm. Tenente Coronel Luiz da França 

Pinto Garcez (Command. das Armas) .3 
Luiz António dos Reis . . . 1 

• L 

• 1 



Leopoldinó da Silva Azevedo. 
Luiz 'António Pereira Franoo. 



Manoel José de Almeida. * 

Manoel Alves Pereira Telles Sanipaip 

Manoel Joaquim Gonçalves . 

Manoel Ezequiel d'Almeida . 

Dr. Manoel Ladisláo. Aranha Dantas 

Manool Gomes Tourinho 

Major Manoel Garcez Pinto de Madureira 

Teru Coronel M. C. d'Ahueid* Sfcu<l» 

Manoel d' Araújo Aragaõ . 

Manoel Rodrigues Oliveira . 

Manoel Roxa Galvaõ 

Manoel G. da Silva 

Maríoel Lopes Teixeira Júnior 

Manoel do Nascimento de Almeida 

Dr. Manoel José Cardozo Júnior 

Mamede e Irmão . 

Manoel JoaqçimF. da Motta 

Manoel Francisco Gomes Júnior 

Manoel José Alves ... 

V 3 



* 



Manoel Bntó Alves Mésooso 
Miguel Ferreira Tavffffes. 
Manoel J?sé E$trejla Júnior 
Manoel Francisco Litís . 
Manoel da Silva Paranhos 
Manoel José Monteiro Guimarães . 
Minòrista Esmeraldo de Sousa Branda* 
Manoel Pinto' Leite. 

Mello Moraes 

Manoel Martins Dias Santos. 

Manoel David Rocha Pita. J- 

£adre Manoel -Francisco Perefra de Sousa 

farnel 'Gomeb Pereira . 

Manoel Innocencio da Costa»» * 



N 

4 . . 

Ten. Nfcol4o Carneiro da Roeha Menezes. 1 

O' . 
* • "ti 

í : . 

Clavo José Rodrigues Pimenta , ♦ ' 1 

Prospero de Freitas Guirtiar&ts 4 • 1 
Pedro Deodato Pitanga . • * % ' . 1 
Pedro Carraseoza • r « - » . X 



Pedro António Barkoza . • l „ . \ 
Capitão Ten. Pedro Ferreira d'01iveira r 
(actual Intendeste da Muriaha). . % 
faulino de Campos Lima . » « l 
Bedfo Bofges Leilão. . % * • % 

R 

Ricardo Calmon de Cirqueira. . 1 

Rodrigo Xavier de Figueiredo Arnizau . 1 
D. Rodrigues da Silva .... 1 
llolland _, . . . . vi 

D. Rita Cicilia Junqueira Villas-Boas . 1 

8 

Severianno Vieira do Couto . . • . 1 
Sérgio Pereira da Silva. . «1 

Major Sérgio José Vellozo. . .1 



Thomaz d'Aqnino Gaspar . 1 

Theodoro Joaquim Capocaia. . . 1 

Tito Livio da Silva. . . , .1 

v 

Exra. Visconde de Piraj*. . * 10 



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XII 



— ■ w — 

Exifl. Visconde da- Torre. 
Vicente José' Teixeira '. 
Vicforio do Nascimento Pinto 
Ticénte Ribeiro Moreira, 
▼ícénte Ignacio da Síít» 



10 
1 
I 
1 
1 



LISTA 

DOS ILLtn. SENHORES. SUB8CRIPTORES JTA 
COATÊ DO RIO DE JANEIRO* 



Exm. Marquez de S. Joaõ da Palma 
Exm. Marquez de Inhambupe de cima. 
Exm. Visconde de S. Amaro. 
Exm. António Paulino Limpo de Abreu. 
Exm. Senador José Custodio Dias. 

„ Senador Francisco Carneiro de Campos 
Cqnselh*. José Bonifácio Ribeiro d'Andrada 
António Carlos Machado d'Andrada. 
Martim Francisco Ribeiro d'Andrada 
Bento da Silva Lisboa . 
Manoel Carneiro de Campos. 
Joaõ Carneiro de Campos 
Manoel Alves Branco . 
Dr. Francisco Gê Acaiba de Montezuma 
Joaõ Silveira do Pilar . 
António José de Brito . . . 
Domingos José Teixeira . . , 
Dezemb. José António de Cirqueira 
Dee, Bernardo Pereira de Vasconcellos 
António Ribeiro Borges da Fonceca 
Luiz de Menezes Vasconcellos Drumond 
António José da Silva Arcos . 
Joáõ Silvério Monteiro Dias * 
Vicário ' Manoel da Piedade Vallongo de 
Lacerda. ...... 

Joaõ Gonçalves Pereira , 



v 

99, 



2 
2 
2 



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Joaquim José de Sousa Jteeym- >. 
Miguel António da Silva. 
Luiz Fernandes M o nteir o. 
, Victor Roberto. 
José MPoretra Azevedo 
liuife Hentíqoss Ferreira fle Aguiar. 
^Cónego 'Narciso Wepomoceno cia 9i1v% 
Ltri* Veixoto dos 'Guimarães 
l Eleuterio JosS de Sousa. 
' Joáõ ffotfí Barbosa . 
Francisco Ferreira Ramos 
António José HSheiro w 

.Alexandre Soares l*erdta . .' v 
Dr. Francisco José Pereira -Qtfimartaty 
Dr. Jos*é 'Marra Frederico de 'Sousa Pintai 
:Df. Joarino tio Nascimento Silva . ': « 
'Joaquim Alves Corrêa . . . . . %i { JL 

VMlflfroel Teixeira Passos . '.ia 

' António Moreira Coelho • 
.Manoel' Pacheco 'Ferreira 
'.Bâmardo Teixeira 'Passos 
Airtonio Teixeira 'Passos. 
.Dr. Joaquim iYanco Alves Branco Mtínftr 
i Barreto . ... . . . , 

'Caetano José TSarboBa do Couto 
José Tíburcit) Carneiro de "Canrpqé 
^Frederico Carneiro de Carnpos . 



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