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33 a. 3r
GOLUEGCAO
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MONUMENTOS INÉDITOS
PARA A nSTOBIA DAS CONQUISTAS DOS PORTDfiDBBS
EM AFRICA, ÁSIA E AMERICA
1/ SEMK
HISTORIA DA ÁSIA
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CARTAS
DE
AFFONSO DE ALBUQUERQUE
SEGllAS DE DOCllENTOS QUE AS ELUCIDAI
PUBLICADAS
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Baymnndo António de Balhfiò Pato
soão DA MESMA ACADEMU
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0$ docutneffllòd polilieádos n'esfe volume são quasi todos tfanscri-
ptos dos que se guardam no arohivo rtaciona) da Torre do Totfibo, é ilos
poucos procedentes de outra fonte tivemos sempre cuidado de indicar se
eram copias e qual a sua época, para o leitor poder apreciar o grau de
confiança que lhe hajam de merecer.
Aproveitámos n'esta collecção dois cadernos que se vè serem os pró-
prios do secretario de Estado António Carneiro, nos quaes se encontra
summariada a correspondência da índia, tendo notado á margem o que
devia responder-se e muitas vezes a palavra — ]& — que significa, segundo
cremos, haver-se expedido a resposta. A letra d'estas notas marginaes é
semelhante á dos summarios lançados nas costas de algumas das cartas
que publicámos, o que nos acabaria de convencer da authenticicade dos
referidos cadernos, caso nos restasse duvida a tal respeito.
D'elles trasladámos somente o que pertencia a Affonso de Albuquer-
que, sem nos importar se qualquer d'esses summarios, que fomos copiando
em ordem chronologica, se referia a carta já impressa na integra n'este
volume.
Houve o maior escrúpulo na transcripção de todos os documentos,
tomando só a liberdade de os pontuar para tomar mais fácil a leitura e
interpretação do texto, porque é bem sabido que em escriptos de seçulQ
i
PAG.
1510 Outubro 16. Cananor.
Carta ao rei. Trata dos soldos e quintaladas concedidos a capitães e pilo-
tos, e lembra que se nomeie um homem para tomar couta das despezas do
provimento das naus e fortalezas. Pede capitães para instrucçao da suissa,
etc V, 19
1510 Outubra 17.— Cananor.
Carta ao mesmo. Participa a intenção de ir tomar Goa; expõe as vantagens
que resultarão d*este feito para a segurança da índia e confusão do reino
de Daquem, e diz que depois doesta cmpreza CwUta ir ao Mar Roxo. ... vi, 21
1510 Outtibro 19.— Cananor.
Carta ao mesmo. Envia uns pannos da Pérsia, que obteve <lo embaixador
do Xeque Ismael e do de Ormuz, e outros objectos de varias procedências.
Dá noticias de Malaca e dos navios que tenciona ali maudar. Pede armas e
gente para as fortalezas e armadas vu, 24
1510 Novembro 4.
Vid. Summario 419 e 427
1510 Novembro 12.
Vid. Summario 427
1510 Novembro 26.
Yid. Summario M8
1510 Novembro (?)
Vid. Summario 429 e 430
1610 Dezembro 22.— Goa.
Carta ao mesmo. Diz que expediu carta sobre a tomada de Goa Q'e8se
mesmo dia à tarde. Continua a narrar o que se fez e está fazendo para ex-
pulsar de todo os turcos. Dá conta da mensagem que enviou ao rei de
Narsinga; dos seguros concedidos aos officiaes mecânicos gentios que fi-
carem na cidade, e das concessões aos portuguezes qutt teem casado com as
mouras captivas, etc t vm, 26
1510 Fins (e 1511 principio ?)
Vid. Summarios 430 a 447
1512 Abril 1.— Cochim.
Carta ao mesmo. Dá conta de haver encontrado em ruina a armada que
deixou na índia, quando foi para Malaca; das desordens em Cochim; do
desleixo nas fortalezas; das malfeitorias de um frade de São Domiugos, vi-
gário de Goa^ que vae agora para o reiao; de outras desordens em Goae
do mal que fazem os boatos da vinda de rumes e de outro governador.
Pondera a necessidade de segurar a índia. Pede genla, armas e petrechos
de guerra. Como se poderá conservar a amisade dos reis e senhores da ín-
dia, fáceis em faltar ao que promettem. Inconsiderado auxilio dado pelo ca-
pitão de Goa a Rastalcao. Providencias tomadas em Cochim. Piraterias fa-
vorecidas pelo Samorim. Seguro dado a naus de Coromaudei para M^aca.
X!
PAO,
Pede mereadorias para negocio e para pagamento de soldos. Informa da sue-
eessâo do reino de Qnor. Contenda com Tímoja por haver tomado duas naus
de Chaul. Yassallagem ofTerocida pelo rei das Maldivas. Navios e provimen-
tos que mandou a Malaca; commercio que ali se pode fazer; boas condições
d^aquelta cidade. Necessidade de proteger os casados de Goa. Presentes do
rei de Sião, que foram salvos do naufrágio de Flor de la mar e se enviam
para o reino. Remette amostras da moeda que mandou cunhar em Malaca
e do ouro da mina de Menéncabo. Envia uns mappas da ilha de Goa, de
Diu e de uma ilha do canal de Cambaia, e copia de parte de uma impor-
tante carta náutica de um piloto de Java. Inconvenientes do peso novo man-
dado usar na índia. Procedimento de Diogo Mendes em Goa. Necessidade
de reprimir a ousadia dos mouros na índia, etc., etc ix, 29
1512 Agosto 20.— Cochim.
Carta ao rei. Agradece-lhe a mercê de o ter feito do seu conselho.
Naus e navios que ficam na índia, seu destino, quaes se inutilisaram, nome
dos seus capitães. Enviará cadernos da gente e artilheria com que fica. Posse
que Pedro Mascarenhas tomou da capitania de Cochim. Agradece deixar-lhe
á sua determinação o provimento de algumas pessoas que trazem carta. En-
viará a maior quantidade possivel de especiarias, sobretudo gengivre. In-
forma sobre os pagamentos aos que servem na índia, e d'estes, dos falleci-
dos e dos que vâo para o reino enviará relação. Remette três amostras de
seda, de que poderá obter quanta se quizer, etc., etc x, 65
1512 Agosto 20.— Cochim.
Carta ao mesmo. Participa que mandou desfazer a fortaleza de Socotorà por
Diogo Fernandes com três naus, o qual depois foi a Ormuz cobrar as pá-
reas. A fortaleza de Cdchim está bem provida, e manda amplial-a. Moti-
vos por que se não reuniu com Duarte de Lemos e foi tomar Goa. Irá ao
Mar Roxo e fará por cumprir o que se lhe ordena ()ara assentar commercio
em Zeila e Barbora. Ha paz em toda a terra do Malabar, excepto em Cale-
cut. Algumas considerações sobre Calecut, Malaca^ etc. • xi, 75
1S12 Setembro 30.— Cochim.
Carta ao mesmo. Participa que a armada chegada n^aquelle anno á ín-
dia concorreu muito para o socego d'esta, inquieta como estava com o
boato da vinda de rumes. Assentou por agora não desamparar as cousas de
Adem e Ormuz, etc xii^ 80
1512 Setembro 30.— Cochim.
Carta ao mesmo. Pede a el-rei o castello de madeira que possue, e um
mestre que saiba tratar d'e11e, por lhe poder esse castello servir de muito
para a guerra na índia xm, 82
1512 Outubro 9-- Cananor.
Carta ao mesmo. Dá parte de haverem chegado na nau Conceição os ca-
pities da suiâsa e mai3 gente de armas. Remette pimenta e drogarias. Pro-
i
xn
. \ PAO,
videncias que tomou sobre as naus da carga. Conta o que Ibe succedeu com
Pedro Mascarenhas que não trazia o alvará das suas quintaladas, e como es-
tas ficam determinadas na índia xnr, 83
1S12 Outubro 11. — Cananor.
Carta ao rei. Dá conta das pendências que teve com o alguazil de Ca-
nanor, e de haver conseguido do rei que o destituísse e nomeasse outro.
Ordens que deu a todos os of&ciaes portugueses para nao negociarem com
os mouros de Cananor xv, 85
1S12 Outubro 18. — Em S. António avante Batecala.
Carta ao mesmo. Encarece as vantagens que já se fazem sentir na índia
da remessa de homens e armas, e pede pannos para os vestir xvi, 91
1512 Outubro 25.— Em S. António caminho de Goa.
Carta ao mesmo. Elogia frei João Alemão, a quem deu licença para ir ao
reino, e deseja muito que elle volte á índia xvir, 93
1512 Outubro 26. — Em S. António caminho de Goa.
Carta ao mesmo. Diz que cumprirá o que se lhe manda sobre o perdão e
seguro aos homens que fogem para os mouros, ainda que julga isto prejiidi-
cial pelas razões que dá '. xvnr, 94
1512. Outubro 30. — Em S. António caminho de Goa.
Carta ao mesmo. Hás noticias de Adem com os projectos do Soldão; por
isto previne que vae entrar o Estreito, e pede para a índia as naus que
houver disponíveis em Lisboa. Lembra serem Goa e Malaca as duas maiores
coisas da índia e como taes precisarem ser favorecidas por três annos com
gente e armas, e para essas despezas não faltará dinheiro, etc xix, 95
1512 Novembro 8.— Goa.
Carta ao mesmo. Não se admira de haverem dito a el-rei que o anno pas-
sado tinham ido de Calecut a Meca vinte e tantas naus de especiaria, mas
de el-rei acreditar qne houvesse no Malabar vinte naus de quilha. Não deve
haver temor de Calecut; o mal vinha do golfam de Ceilão para dentro, mas
este caminho já se cortou. Razões para algumas vezes dar soldo a mouros,
apesar de ser prohibido, etc xx, 98
1512 Novembro 8. —Goa.
Carta ao mesmo. Envia o embaixador do rei de Ormuz, a quem se deve
fazer honra e boa recepção, e lembra que não se desista em coisa alguma
do contracto e assento já feito com aquelle rei xxi, 100
1512 Novembro 23.- Goa.
Carta ao mesmo. Dá minuciosa conta da tomada de Banestarim, e da re-
solução de ir a Cambaia «assentar as pazes xxii, 101
1512 Dezembro 16. — Goa.
Carta ao mesmo. Dá conta do modo por que mandou libertar a Ghaul,
onde estava captivo, o embaixador do Preste João, e da lepepção do mesmo
embaixador em Goa. Mensagem do Sabaio, que parece desejar a paz com
PAO.
oé portugaezes. Adiantamento das obras da fortificação em Banestarim,
etc civ, 381
1513 Novembro 30.— Conanor.
Carta ao rei. Pede provideincias para obviar aos transtornos causados
pela demora nos concertos das naus que teem de voltar para o reino cada
anoo xxiii, 117
1813 Novembro 30.— Cananor.
Carta ao mesmo. Responde a uma carta sobre a nau que António Real
e Lourenço Moreno faziam em Cockim para a mandarem com pimenta a
Ormuz, segundo diziam, e refere o que tem passado com elles xxiv, 118
1813 Novembro 30.— Cananor. '^
Carta ao mesmo. Mostra não ser culpado na má vigia de Calecut, que
pela sua posição é abastecido de mantimentos; apesar dos meios para obstar
ao seu commercio, é esse tão rendoso que os mercadores lhe correm todos
08 riscos, interesse dos reis de Caoanor e Cochim na guerra de Calecut com
08 portuguezes. Convém ater-se a Calecut e Cochim para a carga das naus,
e abandonar o trato de Cananor, que não dá interesse, etc xxv, 122
1813 Novembro 30. — Cananor.
Carta ao mesmo. Dá parte de irem bem as coisas de Calecut, de se fazer
a fortaleza e de haver já provido alguns cargos da mesma. Diversas indica-
ções para o commt>rcio com aquelle reino. Envia os apontamentos do con-
trato que assentou com o Samorim, etc xxvi, 132
1813 Novembro 30. — Cananor.
Carta ao mesmo. Dá conta da boa disposição das cousas da índia e da se-
gurança dos portuguezes que andam por aquellas terras. Depois de acabar
a fortaleza de Diu e a de Calecut determina ir ao porto de Suez no Mar Roxo
queimar-lhe as naus xxvii, 138
1813 Novembro 30.— Cananor.
Carta ao mesmo. Quoixa-se de Gonçalo Pereira por elle muito favorecido,
que vai para o reino com licença, antes de acabar o seu tempo. . . « xxvui, 140
1813 Novembro 30.— Cananor.
Carta ao n^mo. Responde ao que se lhe escreveu sobre os escrivães e
quadrilheiros das presas e a rc«peito dos tanadares xxix, 141
1813 Novembro 30.— Cananor.
Carta ao mesmo. Responde á carta que lhe mandava dar ao rei de Co-
chim o auxilio por este pedido contra o rei de Calecut. Diz que o rei de
Cochim e o de Cananor, com os mouros de ambos os reinos, consideram
prejudicial aos seus interesses a paz dos portuguezes com o Samorim,
etc XXX, 181
1813 Dezembro 1.— Cananor.
Carta ao mesmo. Queixa-se das falsM informações dadas pelos seus de-
tractores, e diz não Laver na índia quem esteja no caso de i;dministrar a
PAG.
fatetida rea). Relata as malversações e abu908 de auctoridade dos qne o ac-
cusam. Dá explicações sobre os quadrilheiros das presas; trata das desor-
dens dos capitães das armadas, e responde ao que se lhe escreveu sobre ag-
gravos por elle feitos a Onor e a Timoja, ètc. xxxi, 155
1513 Dezembro 1. — Cananor.
Carta ao rei. Expõe a necessidade de fornecer a índia de mercadorias,
por estar cerrada a bocca do Estreito. Relação das mais acceitas e dos
reinos que as pedem. Género de embarcações mais convenientes para o Mar
Roxo, se o assenhorear. Algumas informações e reflexões sobre as terras
das margens doeste mar. Pede armas, e diz que a gente as recebe de boa
vontade sobre o seu soldo xxxn, t67
1513. Dezembro 1. — Cananor.
Carta ao mesmo. Responde ao que se lhe escreveu das queixas do rei de
Garçopa. Diz que Onor é valhacouto de piratas. AfTirma que sempre guar-
dou lealmente a paz a todos, como pfova a confiança dos próprios inimi-
gos, que vêem á sua presença, sem seguro, quando os manda chamar,
. . etc xxxni, 172
1513 Dezembro 1. — Cananor.
Carta ao mesmo. Envia dois abexins, captivos quando iam para a roma-
ria de Jerusalém, com outro para lhes servir de interprete; úm sobrinho
do xeque e senhor de Haçuá; um robão do Mar Roxo, e um espingardeifo de
Goa com amostra das espingardas que se fabricam ali tào boas como as
de Bohemia. Lembra a conveniência de cultivar nos Açores e nos paúes
de Portugal a papoula do ampbíão como boa mercadoria para a índia,
etc xxxiv, 173
1513 Dezembro 1. — Cananor.
Carta ao mesmo. Recommenda Manuel de Lacerda, que pelos seus servi-
ços na índia, onde tem sido muitas vezes ferido, merece algum provi--
mento cxi, 415
1513 Dezembro 2;— Cananor.
Carta ao mesmo. Respondendo ao que se lhe escreveu sobre haver dei-
xado ir Timoja e recolher Melrao, diz que a gente de Timoja fugira quando
lhe constou a vinda dos turcos, emquanto Melrao, homem de credito e ver-
dadeiro a quem entregara então as terras de Goa, lhes dera batalha e os
desbaratara da primeira vez. Participa que a mulher e filhos de Timoja fu-
giram para Goa, onde estão bem tratados e considerados, etc xxxv, 174
1513 Dezembro 2. — Cananor.
Carta ao mesmo. Responde ao que se lhe escreveu sobre Diogo Correia
e dà as razões por que o nomeou capitão de Cananor, onde lhe movoram
injusta guerra, e grandes intrigas forjadas em Cochim; como se deduz dá
inquirição ahi tirada. Diz que Diogo Correia morreu como cavalleiro, o que
lhe foi melhor que vir para Portugal kxxvi, 175
PAG.
1513 Dezembro 2. — Cananor.
Carta ao rei. Envia para o reino Fernão Caldeira com os autos das suas
culpas e a inguiriçlSo que se tirou d^elle em Goa, etc xtxvii, 178
1913 Dezembro 2.— Cananor.
Carta ao mesmo. Refere-se ao que já escreveu do procedimento de Ti-
moja, que tomou uma nau de Ormuz e diias de Chaul com seguros, e faz
. outras queixas d^lle, etc xxxviii, 179
1513 Dezembro 2.— Cananor.
Carta ao mosmo. Dá conta d.is tomadias feitas quando foi ao Mar Roxo,
e dos roubos commettidos pelos quadrilheiros das presas. Remette para o
reino os quadrilheiros e escrivães da quadrilharia de Malaca e os das pre-
sas da Índia que achou culpados, etc ^ xxxix, 180
1513 Dezembro 3.— Cananor.
Carta ao mesmo. Falia da sua ida a Malaca. Parece-lhe que n^«ssa occa*
siâo o tiveram na índia pof morto, ou não o reconheciam por governador.
F6rma por que chamou os capitães a conselho sobre o feito de Goa. Coi^si-
deraçoes sobre a importância doesta cidade. Defende-se da accusação de
falta de guarda a Calecut. Explicação a respeito da tomada de algumas
naus de Ormuz e de Cambaia. Diz que em seu tempo a índia só se go- -
verna com veriiade e justiça. As nau§ da carga para o reino não se occu-
pam n^outro serviço senão quando falta cabedal para algumas. Falia das
quintaladas, dos casamentos de Goa, Cochim e Cananor, dos accrescenta- ^
mentos dos soldos, dos embaixadores de Cambaia, e de Meliquiaz de Diu
iâ seus offerecimentos. Enviará, como se lhe ordena, nota da quantidade de ,
mercadorias que podem gastar-se na índia. Cuidado que lhe merece a ad-
ministração da fazenda real e o desenvolvimento do commercio da índia,
etc., etc. XL, 181
l8l3 Dezembro 4. — Cananor.
Carta ao mesmo. Dá conta das obras que se fazem na armada e na forti-
ficação de Goa à partida das naus da carga. Boa recepção que fez aos mer-
cadores, capitães e mestres das naus de Ormuz chegadas a Goa com os cà-
Vallos. Obras da fortaleza de Bancstnrim. Despacho de embaixadas ao Sa-
baio, ao rei de Cambaia, ao de Narsinga e ^o de Yengapor. Obras em Pàn-
gim. Embarca com seu sobrinho D. Garcia e toma conselho com os capi-
tães sobre a ida a Adem e entrada no Estreito de Meca. Successos da via-
' gem desde os dois assaltos a Adem eentradA do Mar Roxo até voltar a Goa,
etc, etc . . • . . líÁy IM
1513 Deaembro 15^ — Cananor.
Carta ao mesmo. Pede mercadorias para pagamento dos soldos à gente,
visto não baver já presas, senão da guerra de Adem e do Mar Roxo: Per-
gunta o que deve fazer dos judeus castelhanos e portuguezes que entram
na índia por via do Cairo. . . , .,.,..... xui; 243
XVI
PAG.
1513 Dezembro 24. — Cananor.
Carta ao rei. Resposta sobre os accrescentamentos de soldos, e quin-
taladas que se teem tirado, conforme o regimento. Mau serviço e intrigas
dos officiaes a este respeito juu, S&K
1513 Dezembro 24.— Cananor.
Carta ao mesmo. Envia os embaixadores de Calectit, lembra a conveniên-
cia de receberem o melhor tratamento possivel, e pondera as grandes van*
tagens que resultarão da paz com o Samorim xliv, 248
1513 Dezembro 24. — Cananor.
Carta ao mesmo. Sobre a paz com o Samorim e a vinda do seu embaixa-
dor a Portugal xlv, 250
1513 Dezembro 28. —Porto de Calecut xlvi, 254
Yid. a carta de 1 do mesmo mez e anno xxxn, 167
1514 Janeiro 1. — Cochim^.
Carta ao mesmo. Envia os pareceres de todos os capitães sobre o Feito de
Goa. O rei de Narsinga eo reino deDaquem pagarão páreas, se o commer-
cio dos cavallos se fizer somente em Goa. Nao se admira da ordem de se
fazer conselho publico sobre o feito de Goa, á vista das falsidades que se
teem escrípto para o reino. O que lhe parece que se faça para prevenir
qualquer inconveniente da parte do reino de Daqoem. Julga proveitoso to-
mar Danda, da qual dá informação xlvii, 259
1514 Janeiro 4.— Cananor.
Yid. a nota 2 da carta xjlv, 250
1514 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Pede perdão para uns homens que no rio de Goa pro-
cederam em prejuizo do serviço real e da concórdia da gente e da armada,
etc XLvm, 262
1514 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Respondendo ao que se lhe recommendou sobre as car^
tas vindas nos maços, diz que sempre as manda entregar a quem são diri-
gidas sem nunca as abrir, ao contrario do que se fazia n'outro tempo na ín-
dia, etc xLix, 263
1514 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Responde às recommendações que se lhe fizeram sobre
a tpmada da ilha de Babarem, etc l, 264
1514 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Trata do cobre enviado à índia para negocio; das mer-
cadorias que mandou comprar cm Cambaia para irem nas naus do reino,
e de outras particularidades relativas à carga das mesmas naus, etc.. • li, 265
1514 Outubro «.—Goa.
Carta ao mesmo. Sobre a carga das naus para o reino lii, 268
PAG.
IM\ Outubro 20.— Gai.
Carta ao rei. Trata do accrescentamento de soldo ao arei de Gocbim
quando se fez christao, e dos bons serviços por elle prestados. Participa que
fez tomadia de três elephantes de António Real, Lourenço Moreno e Diogo
Pereira, etc lui, 269
1K14 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Dá conta de haver cumprido o que se lhe determinou a res-
peito da seda e estanho ; da carga das camarás de que se faz merco aos capitães,
edasprovidenciassobreaquebra, limpeza, preço e peso da pimenta... lfv, 271
1K14 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Resposta sobre a mina de ouro junto a Malaca. Trata
dos grandes interesses do commercio da índia, e lamenta a incompetência
dos officiaes das feitorias, etc lv, 272
1514 Outubro 20.— Goa.
Carla ao mesmo. Desmente o que d*elle dii Gaspar Pereira; conta as in-
trigas d'e8te e refore-^e às de António Real, Lourenço Moreno e Diogo Pe-
reira Lvi, 278
1814 Outubro 20.— Goa.
Carta ao mesmo. Amplia o que já escreveu acerca do Mar Roxo. Trata
de Adem, do modo de assenhoreal-a, e das novas que ha de se estar forti-
ficando. Náo pôde nem deve fazer-se fortaleza na porta do Estreito. Falia
de Barbora e Zeila. Noticias que tom da ilha de Camarão. Deve estabele-
cer-se assento em Maçuá por ser o porto principal do Preste, para d*ali in-
tender no feito de Judá, Meca e Suez, etc., etc lvu, 278
1814 Outubro 20.— Goa.
Cartu ao mesmo. Responde ao que se lhe escreveu acerca de Gaspar
Pereira e dos cargos e oRicios com que vçio à índia, e sobre a necessidade
do cargo de secretario. Conta como o mesmo Gaspar Pereira serviu na ín-
dia, falia das suas intrigas, e envia os autos das suas culpas lviii, 284
1814 Outubro 23.— Goa.
Carta ao mesmo. Recommenda António da Fonseca pelo serviço que lhe
tem prestado como secretario em todas as cousas de segredo, e agradece a
mercê feita ao mesmo de que é digno lix, 292
1814 Outubro 23.— Goa.
Carta ao mesmo. Diz que proverá as pessoas que levam recommendação
d'el-rei lx, 293
1814 Outubro 23.-^Qoa.
Carta áo mesmo. Agradece a concessão de poder gastar em mercês até
oito mil cruzados cada anno ■, lxi, 294
1514 Outubro 23.— Goa.
Carta ao mesmo. Dá parte do ter mandado construir umas galés, por lhe
convirem mais para o feito do Mar Roxo, se ali tomar assente. Queixa-se da
c
XYm
PAG.
mà qualidade de armas que se lhe enviam. A gente da índia gosta de boas
armas e de bons vestidos, e não tem duvida de os pagar. Pede uma dúzia
de carretas de artilberia de campo, eic lxii, 295
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao rei. Diz que cumprirá o determinado acerca dos casados que
morrerem sem filhos, das mulheres fallecidas sem herdeiros, e dos abin-
testados Lxni^ 297
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Trata da obra da egreja de Cochim lxiv, 298
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Informa do commercio de Sofala e Moçambique e dos
interesses que pôde dar lxv, 300
1814 Outubro 25.— Goa,
Carta ao mesmo. Respondendo ao que se lhe escreveu sobre André Corso,
mostra as razões por que não lhe deu a capitania da galé grande. Protesta
contra as falsidades que escrevem d'elle Albuquerque para o reino. Dá conta
de embarcações que mandou construir, etc lxvi, 301
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Agradece a conta em que sSo tidos os seus trabalhos e
dos seus capitães na tomada de Malaca Lxvn, 304
1614 Outubro 26.— Goa.
Carta ao mesmo. Participa haver empregado na capitania de Calecut Fran-
cisco Nogueira, que viera recommendado Lxvm, 306
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. A respeito do gentio Cidra, que se dá por aggravado a
propósito do negocio da pimenta 1 lxix, 306
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Expõe as razões por que não é possivel tirar todo o Com-
mercio da índia do poder dos mouros, ainda que se favoreçam muito os
gentios Lxx, 306
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Informa da despesa annual na índia em soldos, mora-
dias e mantimentos lxxi^ 307
1614 Outubro 26.— Goa.
Carta ao mesmo. Quin taladas que se teem tirado e vão tirando. O que se
concedeu a João Machado em recompensa dos serviços que prestou, e por
ter vindo apresentar-se na occasião mais critica do feito de Goa com oito
ou nove cbristãos que andavam com os mouros • lxxu, 308
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Responde á recommendação que se lhe fez de António
Real, contando o procedimento e intrigas d'est«, etc Lxxm, 310
XII
PAG.
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao rei. Trata do embaixador do Preste João, e do mau tratamento
que lhe deram na índia. Cumprirá o que se lhe ordena quando fôr aos
portos do Preste e o mandar cumprimentar, etc lxxiv, 312
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Dá conta de ter ido a Calecut assentar algumas cousas
c socegar o animo do Samorim, e depois a Cochim onde teve larga confe-
rencia com o rei, da qual informa; do conflicto da gente de Cochim com a
de Calecut; de haver despachado Pedro de Albuquerque a ir arrecadar as
páreas de Ormuz, e Diogo Fernandes com Jayme Teixeira para Cambaia
sobre os concertos da paz, etc, etc lxxy, 318
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Refere-se á carta em que deu conta da sua intenção de
ir ao Mar Roxo para assentar em Uaçuá, porto do Preste João, ganhar Da-
laca, e apalpar Judà. Expõe a vantagem d'esta ida, eo que n'isto determina
fazer. Depois de sair do Mar Roxo, irá a Ormuz. Na índia convém muito
fazerconcerto com Narsingae Cambaia^ e conservar ode Calecut, etc. lxxti, 325
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo Lxxvn, 327
Yíd. a carta de 20 do mesmo mez e anno Lm, 269
1514 Outubro 25.— Goa.
Cnrta ao mesmo. Resposta sobre o preço da pimenta que João Serrão
comprou mais barata. Modo por que se deve fazer este negocio. Dúvida so-
bre o pagamento de direitos ao rei de Cochim da pimenta que não fôr
agenciada em terras do seu dominio Lxxvni, 329
1614 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Diz que não se lhe mandaram ainda os valladores que
pediu e lhe são muito necessários lxxix, 331
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Agradece haver-lhe sido mandado João Serrão, homem
prudente e conhecedor das cousas da índia lxxx, 332
1514 Outubro 25.— Goa.
Carta ao mesmo. Participa que recebeu cartas de Meliqueaz por quatro ata-
laias, das quaes vinha por capitão Cide Alé, o torto, de quem falia desfavoravel-
mente. Entende que o rei de Cambaia nao deixará de nos conceder Diu com as
suas rendas, ou assento para fortaleza. Envia para o Príncipe uma jóia que
recebeu da parte de Meliqueaz. Chegada de outro Cide Alé, que foi embai-
xador do rei de Cambaia. Ultimas noticias do Mar Roxo, etc., etc. . . lxxxi, 332
1614 Outubro 2*5— Goa.
Yid. a nota da carta lxxxi, 334
1514 Outubro 28 -Goa.
Carta ao n;esmo. Agradece as mercês feitas ao homem que acompanhou
c#
«
PAO.
o embaixador, e o credito que merecem a el-rei as cousas d'elle Albuquer-
que, apezar das accusações que Ibe fazem lxxxii, 335
1814 Novembro 4.— Goa.
Carta ao rei. Dà noticia da despcza feita em Goaed^onde sae. NSo deve
suspender-se a remessa de dinbciro para a índia, omquanto ali nao houver
sufficiente quantidade de mercadorias para o obter Lxxxni, 336
1514 Novembro 4. — Goa.
Carta ao mesmo. Defende-se da accusação de ter vendido algumas escra-
vas suas e d*el-rei a homens que as pediram para casar. Razões que teve
para augmentar alguns poucos subsidios para casamentos lxxxiv, 337
1514 Novembro 8.— Goa.
Carta ao mesmo. Sobre os grandes interesses que podem tirar-se do com- ^
mercio de Malaca lxxxv, 339
1814 Novembro 8— Goa.
Carta ao mesmo. Informa do mau estado da torre de menagem da forta-
leza de Cananor, e da obra que precisa lxxxvi, 339
1614 Novembro 27. — Cananor.
Carta ao mesmo. Dá conta da chegada de embaixadores do rei de Nar-
singa, quando estava para partir de Goa, e da mensagem que traziam. Trata
dos grandes interesses do commercio dos cavallcs da Arábia e da Pérsia,
etc Lxxxvii, 340-
1514 Novembro 27. — Goa (sic)
Carta ao mesmo. Participa que apertou um pouco o porto de DabuA, para
reclamar uns homens que tinham fugido para o Idalcão, e que já tem alguns
em seu poder Lxxxvni, 344
1514 Novembro 27. — Cananor.
Carta ao mesmo. Participa que por falta de recursos mudou a tenção de
ir ao Mar Roxo na de assenhorear Ormuz, e com os meios d'ali obtidos vol-
tar ao Mar Roxo. Conserva por ora esta resolução em segredo. Dará parte
do que succeder; cumprirá as ordens para a segurança da índia, e não des-
' truirá Ormuz, que é terra para se desfructar e defender, etc lxxxix, 345
1614 Novembro 27.--Cananor.
Carta ao mesmo. Providencias que julga necessárias sobre os vinhos que
vêem nas naus da carga, tanto d'el-rei como de particulares xc, 349
1514 Novembro 28.— Cananor. ^
Carta ao mesmo. Manda o auto das culpas de Gaspar Pereira, e participa
que o substituiu por Pedro de Alpoem, homem de muita confiança. Diz que
o credito, favor e honra dados a algumas pessoas que vêem á índia só lhes
servetn para se enriquecerem com prejuizo da fazenda real, etc xci, 360
1614 Dezembro 2. — Calecut.
•Carta ao mesmo. Intercede por Pedro Alvares, marido de sua sobrinha,
afim de ser restituido ao favor e serviço real ."^ xcii, 363
Uí
FAO.
1514 Decembro 2.— Calecut.
Carta ao rei. Participa que Manuel de Sousa, a quem dera a aleaidaria
roór de 6oa« vem para o reino, e que servira bem no cereo de Goa. . . xan, 355
1514 Dezembro 5. — Na galé grande.
Carta á rainba. Sobre a carga de mercadorias a elle incumbida. Envia
alguns presentes para a rainha, para a infanta D. Isabel e para o prin* '
eipe, etc xciv, 356
1514 Dezembro 10.— Cocbim.
Carta ao rei. Dá conta do naufrágio da nau S. Miguel do capitão Chris-
tovâo de Brito, perto de Chaul, por culpa do piloto, salvando^se so-
mente o dinbeiro, cobre e artilheria. Lembra a necessidade àe uma lei de
responsabilidade para os pilotos, que parece ás vezes fazerem mau serviço
de propósito xcv, 356
1514 Dezembro 10.>«-Cochim.
Carta ao mesmo. Envia a resposta mandada por Meliqueaz ao que lhe es-
crevera sobre a pretensão de estabelecimento portuguez em Diu. . . . xcvi, 358
1514 Dezembro 11. — Cocbim.
Carta ao mesmo. Agradece as promessas de recompensa dos seus serviços
e trabalhos, e expõe algumas razões por que entende merece)>a. . . « tcvii, 360
1514 Dezembro 15. — Cochim.
Carta ao mesmo. Dá parte dos motivos por que privou do officio tSareia
Coelho e o substituiu por Pedro Barreto. Necessidade de acudir às feilorias
com gente honrada e que entenda do negocio xcviii, 364
1514 Dezembro 18.— Cochim.
Carta ao mesmo. Sobre o bom serviço prestado por Luiz Dantas, que ao
voltar de Diu salvou muitas mercadorias e a artilheria da nau de Christo-
vao de Brito, que encontrou perdida perto de Chaul xax, 365
1514 Dezembro 20.-^ Cochim.
Carta ao mesmo. Relata o que passou com o rei de Cochim para o conven-
cer a fazer-se christâo. Considerações sobre as respostas d^aqnelle rei. . . c, 367
1515 Setembro 22.— Ormuz.
Carta ao mesmo. Refere-se ás razões que já havia dado para ir antes a
Ormuz que ao Estreito. O feito de Ormuz deu grande credito e confiança ás
cousas da índia. Encarece as condições d'aquelte reino, do qual obtivera sem
fadiga o dinhoiro das preás em divida. Se as cousas de Ormuz o nio obri-
garem, determina pedir gente e auxilio para ir ao Mar Roxo. Providencias
sobre o provimento de Soíaia e da armada que está em Ormuz. Boas novas
que recebeu da índia. O rei de Lara, e Mirabuçaca capitão do Xeque Is-
mael, mandaram cumprimental-o e fazer-lhe oíTerecimentos. Ainda não pôde
dar noticias de Catifa, Baçorá e ilhas do cabo do mar da Pérsia, mas de
Babarem diz que é mais importante do que se pensa. Mandou levantar pe-
lourinho em Ormuz. Com a tomada doesta cidade ficará em poder de Por-
tugal o commercio dos cavallos da Arábia e da Pérsia. Naus que manda
construir cm Cochim c Calecut. Relação dos navios da índia, e dos seus ca-
pitães. Direitos que pagam as mercadorias em Ormuz. Manda amostra da
moeda de ouro, prata e cobre d*aquelle reino. Descreve a fortaleza de Or-
muz, etc a, 369
1515 Outubro . . . — Ormuz.
Carta ao rei. Recommenda Diogo Hoçíiem pelos seus serviços na ín-
dia cn, 380
1515 Dezembro 6.— No mar.
Carta ao mesmo. Aflirma, já moribundo, ter cumprido o que Ibe fora en-
carregado, deixando a índia segura. Rec-ommenda seu 61ho cm, 380
Sem data
Carta ao rei. Pede que sejam favorecidos com mercês Ruy Gonçalves e
João Fidalgo, porque teem prestado grande serviço com a gente da orde-
nança, e sao muito necessários » cv, 385
Carta ao mesmo. Participa que Ibe foram entregues, a seu pedido, umas
naus de mercadores do Cairo arribadas a diversos portos da costa da índia,
o que mostra a obediência, ou antes a sujeição dos reis e senhores a quem
pertencem aquelles portos cvi, 38G
Carta ao Xeque Ismael. Participa-lhe que fez toda a honra ao seu embai-
xador. Envia-lbe Fernão Gomes de Lemos para lhe dar as informações que
deseje a respeito dos portuguezes. Dá-lhe conta da tomada de Ormuz, onde
espera voltar. Expõe-lbe a vantagem de uma alliança contra o Soldão, so-
bre o que seria conveniente enviar mensageiros ao rei de Portugal. . . cvii, 387
Regimento que Albuquerque deu a Fernão Gomes e a Gil Simões, que
mandou ao Xeque Ismael 389
Do caminho que fizeram e o que fizeram os embaixadores que foram ao
Xeque Ismael, e o presente que levaram 391
Carta a Duarte Galvão. Depois de algumas queixas sobre invejas de que
é victíma, e de algumas phrases affectuosas acerca do favor e protecção que
tem recebido d*elle ante el-rei, dá-lhe conta da sua ida a Malaca. Trata da
variedade de opiniões religiosas dos mouros, as quaes dão causa a graves
dissensões entre elles. Falia de Meca, do Preste João, do Mar Roxo^e da
determinado em que fica de ali entrar, etc cviii, 395
Carta ao mesmo. Depois de tratar de algumas cousas de seu interesse par-
ticular, falia das cartas escríptas da índia, em que a verdade se desfigura de
xxm
PAG»
tal modo que não pôde el-rei tomar determinação decisiva do que quer fa-
zer d*aque]ia conquista, etc cix, 402
Carta a D. Martinho de Castello Branco. Agradece-lhe a protecção que
lhe tem dado ante el-rei, que não folga de contentar os bons cavalleiros, e
favorece os que não o merecem. Dá conta do socego em que está a índia. Trata
de Calecut, da sua riqueza, e das boas relações com o seu rei actual. Falia
de Goae da sua importância, e das bisas informações dadas a el-rei sobre
as grandes despezas que se fazem com ella, etc fix, 40S
CARTA I
1507— Fevereiro 6
Senhor. — Escripto tenho a vossa alteza todo ho passado até nossa
chegada a momçanbique, domde partimos caminho da terra de sam lou-
renço: temdo detriminado ho capitam moor de aquy neste porto passar hos
leuamtes, nos mandou chamar todos hos capitãees e pilotos e lhe pregum-
tou ho caminho que faríamos pêra esta terra e porto domde estes ho-
meens todos hos pillotos que pella bamda do Ruy
pireira viera, que foy pella. eu descobry; pregumteylhe a
a Rezam que davam maa nem na tinha por
nom ella bamda, nem saberem quamto
. . orle, somemte manuell telez que cremos que veyo terra de sam
louremço sem aver vista delia, veyo ter a huua pomta de cabo de terra
cm altura de homze graoos, vimdo demandar a costa de quyloa : pregum-
tou ho capitam moor o que me parecia, disse lhe que nom deuia de hir
senam por homde Ruy pireira viera pello porto de samtiaguo e por esta
bamda do sull, porque seria muy maoo de cobrar de momçambique no
tempo em que estauamos a pomta da terra que manuell telez deixara em
homze graoos, porque quatro graoos de momçambique pêra hos aver de
cobrar comtra as aguoas que coriam e comtra hos leuamtes guastariamos
muyto tempo e aymda seria^ duuyda podella aver, e que ho ali hera ar-
rado comselho temtar cousas nouas e caminho que nom era descuberto,
porque do tempo tinhamos mais necessidade; que vimdo janeiro se podia
naueguar pêra homde vossa alteza tinha emderemçada vossa frota a se
faRcr as cousas de vossos Rigimemtos, e que ouuesse por certo como as
naoos aventassem fumdo em terra que nom era descuberta, nom fizessem
1
2 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
fumdameníito de com hos prumos nas mãoos ouuessem d andar cada dia
três leguoas; e mais que tinhamos piloto e nao que saberia tornar ao porto
destes homens, o quall porto nós averiamos daquy de momçambique em
seis dias á popa e nos ficaria tempo pêra sabermos de hy em diante ho
que aviamos de fazer; e mais que elle linha mamdado a taforea tornar a
çofalla a ver se lhe queriam dar algum dinheiro, porque da primeira se
escusarom, e que daly se fosse aguardallo á terra de sam louremço pello
camir^íio do porto de samtiaguo; todavia quys ter estoutra volta dos pi-
lotos, c daly a muy poucos dias achou tudo o que lhe dissera; quamdo de-
triminou de tomar meu com . . . guastado perto de três meses
cemto e sessemta costa.
Com esta detriminação .- . . capitam mor de momçambique
nauyos da minha armada q;ue já aquy eram e com ho seu nauyo
e a naoo de Joham gomez e ha de Ruy pereira, Jó * queimado,
e fomos aver ho parcell de samta criaria e ha coroa darêa que eu descobry,
que achamos em altura de dezasete graoos e meyo, setemta leguoas de
momçambique ; e em tam peque\io caminho nos botarem logo as aguoas
iôus grãos e meyo ao sull : cortamos por este parcell com ho prumo na
mão per sele braças, oylo braças e cimquo e quatro e meya, e sorgiamos
de noite, atá que ouuemos vista da terra: lamçamos hos batees fora, fomos
em terra com ho capitam moor saber que terra era, tomamos hum zam-
buquinho pequeno com douus mouros, falamos com a jemte da terra; eram
caferes, nom se emtemdiam bem com estes da terra de sam louremço que
trouxe Ruy pireira, nem achamos nova de nenhuua especearia senam de
gymgiure que nos amostrarem; nom lhe pregumtou ho capitam moor por
a camtydade que poderia aver na terra : estes mouros que tomamos nos
amostrarem douus portos. No primeiro achamos hum luguar de mouros em
que saymos; fugi nos a jemte toda do luguar, em que achamos muyto mam-
timemto, tomamos lho todo e pusemos foguo ao luguar, e nesse mato a nossa
gemte solta matou alguuns mouros que jaziam escomdidos, e trouxerem al-
guuas mulheres ao capitam moor, que deixamos hy; daly nos partimos ao
lomguo da costa com milhor Resgardo que podiamos: foram nos amostrar
^ O nome d'esle capitão está escriplo n'umá enirelinha^ mas de tal modo que ^ pos-
sível ler-se /o, ou i^ (João). Preferimos a primeira leitura, porque o nome do Job Quei-
mado é conhecido e repetido pelos nossos escriptores das cousas da Indi^. N'esta mesma
carta mais adiante achà-se escripto com todas as lettras o nome Johamy o que julgamos
erro ou lapso do amanuense de Albuquerque.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 3
estes douus mouros que tomamos, hum luguar gramde que tomamos, que
se chama lulamguane, jaz demtro em húua emseada; he hílua Ilha perto
de terra firme quamto pode ser hum tiro de besta, tem suas abeguoaryas
em terra firme de muytos guados e lauoyras e escrauos; amtes que as naoos
aparecessem, mandamos douus bates diamle que se metessem. . . Ilha e
a terra firme por nom deixarem passar nenhuum da firme;
como viram as naoos surgyr medo tam grande neles que
se lamça em zambuquos e deles em alma.
capitam moor em terra .suas azagayas e adargas, como
se muytos delles a nado gemte
quG na Ilha esperou, se trouxe á espada senhor que pellas
gramdes corentes e escarceo que fazia amtre a Ilha e a terra firiro, que
hos zambuquos todos se perderam com toda a jemte e todas as almadias
alaguadas, e ho mar era coalhado domes afogados e molheres e mininos;
parece me, senhor, que amtre hos mortos da Ilha e os que se afoguarom
seriam bem mill almas, e muytos catiuos que as naoos trouxerom, porque
ho capitam moor deu licemça que tomasse cada hum aquelles que qui-
sesem; escolheo cada hum o que lhe bem veyo: no luguar se tomarom
alguns panos de cambaya, prata pouca e algum ouro pouco, porque trau-
tam aly as naoos de milimde e mombaça em escrauos e mamtimentos;
tinha tamto arroz que vimte naoos ho nom puderam careguar; três dias
teuemos asy ho luguar, atá que cada huum tomou ho que podia alojar, e
ho ali que ficou lhe Resguatou ho capitam moor por vacas e cabras o lhe
deixou muytas molheres e minynos que as naoos nom podiam trazer : to-
mamos nossa aguoa e partimos ao lomguo da costa; mandou loguo ho ca-
pitam moor as naoos pella Roupa de canbaya, e de todo ho ouro e prata
deu ho terço a quem ho achou, e fomos asy per espaço de dias alec ver
o cabo da terra, homde gastamos muyto tempo sem no podermos dobrar
com Icuamtes e aguoas que coriam a nós. Atá aly nom podemos saber se
esta terra era apeguada com a terra de sam louremço ou era Ilha sobre
sy: tomou ho capitam moor na pomta desta terra hum homem, mos-
tram lhe crauo, disse que hy no mato avia muyto delle, ho capitam moor
nom lhe deu muyto credito; tornou a voluer daly pella bamda por homde
lhe tinha acomselhado e por, homde rruy pireira viera com hos homens
da terra.
E tomamdo nós asy ao lo strarom hoç mouros que toma-
mos em de que se chama cada, em que e
4 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
trautam aly muylas naoos mtimentos e em fero,
que se as povoaçõces; a jcmte lugares pareceriam
atee douus mill .... azaguayas e adarguas e arcos de frecha nom ou-
sarom de pelejar com nosco e asy acudia jcmte de hfla parte e da ou-
tra por ser terra firme.
Semdo nós em meado janeiro, pareceome vosso seruiço, pois que ar-
mada podia naueguar, acomselhar ao capitam moor que nos parlissemos
em duas partes, eu com armada ao cabo de gardafur e elle com essas
naoos que hy tinha de c^regua a descobryr essa terra. Respomde me que
sy, que era bem, porem que elle tinha necesydade da taforea que llá li-
nha mamdado diamte e do Rey gramde que queria leuar consigno: quamdo
vy sua detreminaçam e ho desbarato de minha armada e conhecy hò tempo
que elle llá homde hya podia guastar, eemtam lhe disse que seria vosso
seruiço leuar eu toda armada e ajuntalla por huu quer que achasse e hyr
fazer a fortaleza de çoquotorá, e daly, vimdo tempo, ajumtar a frota que
as careguas aviam de hir tomar aa Imdia, e hordenar lhe sua pasajem e
polias em bordem; e emquamto nom fosse tempo datrauesarem, dar fauor
com ellas ás cousas da costa d arábia que vossa alteza tinha guanhadas, e
ho que se hy mais pode fazer por vosso seruiço: pareceolhe bem, dizemdo
me sua detreminaçam e do que esperaua de fazer de sy ; emtam me deu
huum mamdado pêra as naoos fazerem o que lhe mandasse, posto que ho
eu tragua de vossa alteza abastamte pêra ysso, e asy s apartou de mym e
em muy poucos dias vim ter a momçambique, homde eslaua a naoo sam-
tiaguo e a naoo em que vem Ruy diaz pireira; e a taforea que emtam che-
guara da terra de sam lourcmço, homde ha ho capitam moor mamdara
que ho esperasse, vyo tamtos meses gastados sem no capitam moor vir,
que detriminou vir se a momçambique, homde leuaua por seu Regimento
que se tornase, c trouxe da. . . . mill maticaees douro, hos quaees mandey
emtreguar ao feitor da minha naoo, pêra quamdo vier ho tempo
aa Imdia hos mandar e aquy achey anaoo de laguoos
r. . dey do caminho amtes que cheg * de lionell
Coutinho, que me disseram que cstaua em quyloa^ e da guarça que eslaua
cm milimde, o lhe mandey amostrar ho poder do capitam moor e carta
minha em que lhe mamdaua cpie em milimde mo aguardassem: a cara-
uella de pêro coresma veyo de quyloa aquy com Roupa pêra çofallá,
e aquy em momçanbique ã emtreguarom ao criado do prioll do cralo
que aquy ficou, e quando cheguey achey que era llá; se vier, irá comigo,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 5
e senam, nom me deterey por ella nada: veyo comigo Joham* queimado
e ho Rey pequeno : ficou com ho capitam moor ho Rey grande.
E aquy neste porto achey huua carauclla que ho capitam jerall
mamdaua a çofalla, e nella vinha nuno vaaz pireira por capitam da forta-
leza, e por alcayde Ruy de brito, e por escripuam amtonyo Raposo, e com
todo ho poder que vossa alteza deu ao capitam gerall ; dey lhe muy to ar-
roz que leuou, e muy to lhe fica aquy pêra mandar por elle; pydio me huua
bombarda grossa que foy do nauyo de framcisquo danhaya: hindo pêra
quyloa, nom podemdo naueguar, tornousse aquy e no caminho achou a
bombarda e a trouxe e lha dey; nom quys mais de mim e asy fiz prestes
estas naoos, e oje que he ho primeiro de feuereiro estou com as vergas
dallto pera4)artir.
Esta naoo de laguos que aquy achey e a carauella amdam ha tam
maoo Recado que ho nom poderá vossa alteza crer, e nom será maraui-
Iha perderem se de todo, que as cuteladas e bamdos que amdam nella sam
mayores que hos de sálamamca, e creo que tudo ysto faz nom se darem
por achados do capitam ; ho capitam me requero que . . . gua em minha
companhia ; posto, senhor, que eu nom nam o que me
vossa alteza manda, porque recolherey em mym e
hos meterey averam do que nos deus der so
atá vossa alteza mandar
Á feitura desta necesidade de mamtimentos
c vinho, do quall nós temos fiz loguo prestes a
carauella da compa de laguos, porque ha de pêro coresma he
careguada de Roupa a çofalla, e ha d amtonyo do campo he em busca
das naoos que tenho escripto a vossa alteza, a quall carauella careguey
d arroz e de milho, c asy de pam c de vinho lhe mandaremos aquyllo que
bem podermos escusar, c asy ho espero de fazer sempre domde quer que
esleucr, abastecellos de mamtimemlos; e parece me mais vosso seruiço que
deixar lhe carauella, porque clles nom na quiseram de tristam da cunha,
nem tam pouco ouueram mester a taforea ; e esses poucos de dias que a ta-
forea ahy esteue, veyo tall de busano que nom he pêra crer, nem pedem
senam hum par de carauellõees que traguam quatro ou cimquo homens
cada hum e que hôs varem em seco cada vez que quiserem, pêra lhe tra-
zer dos milhos ao lomguo desta costa, que naoos de mouros três ou qua-
•
1 Yid. nota dô pag. 2.
6 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tro annos ha que nom passam a çofalla, nem naueguam nesta costa se-
nam de vassalos vossos per licemça dos capitaees das fortalezas.
Asy, senhor, que até guora nom lhe tenho vista necesidade nenhtlua
senam de pessoas que a guouernem bem e que ponham em hordem ho
Resguate, pêra vossa alteza aver quamto ouro quiser; e lembro a vossa al-
teza os íidallguos que com tristam da cunha mandastes, que aguora ficam
comiguo, de hos prouerdes destas capitanyas, porque asaz de fortuna tem
passada: feita em momçambique a bj dias* do mês de feuereiro de 1507.
(Por lettra de Affonso de Albuquerque) feytura e servydor de vosa
allleza que beyja vosas mãos.
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripto) A ellRey nosso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) a bj de feuereiro de 1507 — dafonso
d alboquerque — descobry mento da ilha de sam louremço.
(Por lettra differente, mas também coeva) Vista — Já*.
CARTA n
1508— Fevereiro 2
Senhor. — As cousas que me atee qui sam acomtecidas he todo o que
lenho pasado, de que sam obrigado dar comta a vosa senhoria, se fez húa
carta pêra elRei e outra pêra V. S.; e porque sam cousas largas de com-
tar e a carta nom ser acabada, a nom mando per esta nao a vosa senho-
ria, e porque eses capitães que me fugiram, me leixarãom em tanta afromta
e perigue e me meterãom em tamanho cuidado que me nom soube dar
a comselho, por ter ordenado asy o cerquo desta cidade e prouimento
daguoa per as minhas nãos, que nestas partes está em maneira que sem
muita jemte e nauio que este sobre aguoada se nom pode tomar: sobre
esta aguoada estaua amtonio do campo ; e asy deixarãom sobre mim bua
armada de Ixx nauios com mais de nij homens^ que coje atar mandaua
^ A seis dias.
2 Torre do Tombo.—C. Chron. P. 1.*, M. 6, D. 8.
^ Quatro mil homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 7
vir de julfar he de sua terra em socorro desta cidade, e pêra iso mandei
aleuantar os nauios deles todos três, e me mandaram dizer que correram
após ela, he daly nom vy mais os nauios nem rrecado deles: estamdo ma-
noel telez com o nauio carregado de mantimentos he meezinhas pêra çoco-
torá a socorro da forteleza, se foy em companhia dos outros, sendo eu
hobrigado a fornecer a forteleza e a guardar e defensa dela a elRei e a
vosa senhoria, como diz em meu rregimento : em todas estas obrigações he
perigos me deixou manoel telez, afomso lopez da costa, amtonio do campo,
leuamdome os nauios dei Rei e jemte d armas asolldadada, artelharia e
todas as outras cousas, que* pêra hum cerquo de hua tall cidade como
esta, que em tamta afromta e necesydade d aguoa he mantimentos a ti-
nha posta, que sem duuida, senhor, que se me eses omens nom fugirãom,
em menos de xb dias' se meteram todos nas minhas mãos e me deixaram
fazer a forteleza que tinha começada, e me tornarãom os homens que ti-
nhãom rrecolhidos a sy d armada dei Rei, com que me oje neste dia man-
dãom tirar ás bonbardadas, he mais me queimarãom hua fusta que ti-
nha acerca acabada, e outras desobediências e descortesyas com que tra-
tauãom minha pesoa, das quaes cousas que asy pasaram, estes capitães
que me fugirãom he outras alguas pesoas tinham gramde comtemta-
mento; he casy por suas desobediências e emburilhadas que amdauãom
comiguo, vierãom os mouros a se aleuantar contra mim e nom me querer
dar os homens nem deixar fazer a forteleza no lugar que me tinhãom
dado : esta querela destes homes d armada dei Rei, per conselho dos capi-
tães e d outros fidalgos he caualeiros que todos jumtamente lhes pareceo
que nom mos dando lhes deuia de fazer a guerra, me pus rrigo niso, he
apertei que todavia me desem os homens; e posto nesta detreminaçãom, ao
outro dia me mandão os capitães huum asynado de^ todos b, que eu nom
deuia de fazer a guerra a ormuz, e que se saíse a pelejar, nom aviam de
sair comiguo nem aviãom de fazer a guerra a ormuz, ainda que lho eu
mandase: postos nesta detreminaçãom, tendo a guerra aberta per seu con-
selho, pareceo me cousa tam feea e digna de tam gramde castiguo e de tam
gramde imfamia de caualeiros, que fiquei fora de mim e me pareceo, se-
gundo as cousas pasadas, que eles eram de fala com os mouros, e comcer-
tados com coje atar; fizeram se Juizes e detriminadores da minha supriori-
^ Parece haver omissão das palavras são necessárias^ ou outras equivalentes.
2 Quinze dias.
' Todos cinco.
i
8 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dade e delriminaçãom minha nas cousas de seruiço dei Rei em meu rre-
gimenlo, as quaes cousas sam rreseruadas a elRei he a vosa senhoria man-
dar me que as faça ou nam: com este desemvergonhamenlo sem temor
dei Rei nem de V. S. me fugiram, estamdo em guerra he combate desta
cidade, omde pelegei muitas vezes e lhe dei asaz de custura que fazer, e me
leixarãom e se fogiram, caso tam abominauell e tam feeo saberem os mou-
ros que os capitães e caualeiros portugueses fugiram da guerra e leixa-
uãom seu capilãom mor, nom nos avemdo os mouros medo a nem hua
oulra cousa senom â nosa conformidade e lealdade e obediemcia a nosos
capitães, e ficar oje este dia em ormuz tall fama de nós, e verem me ir des-
troçado e perdido, e perdido ormuz pela guerra que me os meus súbditos
fezerãom.
Nem poso cuidar com que querela partisem daqui; dizem me que le-
uãom por albitre estrouarem a mim, pella vir vosa senhoria fazer, fazem-
do me voso competidor, estamdo eu debaixo da ordenamça e obediência a
vosa senhoria, e asy compri vosos mandados imteiramente, como se el Rei
em pesoa mo mandase; e se querem dizer que eram mall tratados de mim,
beigarei as mãos de V. S. mandar asemtar per esprito ho que cada huum
deles disser que lhe fiz e asy o que lhe tenho feito contra seruiço dei Rei
he meu rregimento, e cedo irei dar comta de mim e de meus feitos a vosa
pesoa, porem, senhor, porque estes dous casos nem outros mais fortes que
posam alegar os assolue do crime e maldade que cometerãom em me dei-
xarem na guerra em cerco de hua cidade mui gramde e proveitosa pêra
as cousas de seruiço dei Rei, a quall desbaratei e tomei hua vez, e to-
mara outra, se me eles nom fugiram, e fizera asemto de mercadoria e fei-
toria e forteleza muito forte e fremoza e defensauell com artelharia e ca-
pitam he jemte he mantimentos e com todo o necesareo, atee vosa senhoria
mandar prouer e ver o que era mais seruiço dei Rei noso senhor, e isto em-
quanto os tinha desbaratados e vencidos, amtes que se dem a outros Reis
ou senhore$ que tenhãom milhor aparelho de guerra e se defender de nós
ou de nos ofenderem, se de nouo viesemos outra vez a comquistala: por
estas rrezões he outras muitas que aqui nom espreuo a vosa senhoria, pus
o cerquo a esta cidade, com detreminaçam de me nom aleuantar de sobre
ela, e por o nauio em que mandaua os mantimentos a çocotorâ esperaua
d anisar V. S. do feito como pasaua; portanto, senhor, vos beigarei as mãos
castigalos como a homens que tamanha traiçãom fizerãom a seu rrei e des-
obediência a seu capitãom, he deixarem a guerra de mouros, he fugirem e
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 9
irem se dela e deixarem seu capilãom; c vos terei, senhor, em mercê man-
dardes mos nauios e dardes as capitanias deles aos^ fidalgos e caualeiros
que no cerquo aguardarâom comigao acutilados he feridos sem nem huum
bemfazer de mim, porque nom tenho eu mando nem poder pêra agalar-
doar os taes seruiços, nem as taes pesoas, omde V. S. está, que ho poder
tem de todas estas cousas ; e todo o mais castigo que lhe vosa senhoria der,
sam merecedores e dignos de toda a pena e de toda a desomrra, porque
ha iij^ anos^ que caualeiros portugueses tamanha maldade nom íizesem,
nem o ly en nas caronicas portuguesas.
Deueram eles aguardar o tempo em que suas maldades podesem
emcobrir com meus erros, mas, graças àquele poderoso deus, que me nom
podem eles escomder nem negar quamtos gramdes e asynados seruiços
tenho feitos depois de me emtregarem minha armada, e quam dinos de
memoria e de mercê sãom amte elRei; o primeiro he aceitar esta armada,
quando ma emtregou tristam da cunha, sem nem huum mantimento, armas
poucas e podres, de cabres, velas, emxarcea, mui desbaratada; poluora toda
molhada, bonbardeiros mui poucos, oíiciaes de carpimtaria, tenoeiros,huum
ou dous ; lanças todas podres, bestas sem nem hum tiro nem barmante pêra
cordas, com cento e cincoenta homens á morte da doemça de çocotorá;
louça toda perdida com arcos podres e quebrados; sem aver antre nós
senom huum pouco de bizcoito que me ficou e parti por todas as nãos,
podemos todos ter muito de pãom he agua pêra oito dias: deu me deus
tam boom vemto e viajem que arribei sobre a cidade de calaiate e lhe fiz
dar he n'ender per força muitos mantimentos de graça, e per mãos com-
selhos de capitães deixei de lhe poer as mãos, e ficou â obediência dei
Rei noso senhor; e dali me party e fui sobre a uila de curiate e a com-
bati he emtreguei per força d armas, e a trouxe toda á espada; dali me
carreguei de mantimentos, damdo escala franca á jemte de todas as ou-
trás cousas, de que ouuerãom muito proueito ; e daly me aleuantei e fui so-
bre a vila de mazcate e a combaty he emtrei per força d armas, trazendo a
toda â espada e a foguo, omde tomei muitos mantimentos, e a jemte muita
rriqueza ; e daly me aleuantei e fui sobre a vila e forteleza de coar, e de-
treminei de poer artelharía grosa em terra e a combater; nom ousou d es-
perar o combate e se vieram meter todos em minhas mãos, e se fizeram
vasalos dei Rei e rrecebêrãom sua bandeira e me fizeram carta disso, e a
^ Trezentos annos.
i
10 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
villa pagua trebulo, com que se pagãom os frecheiros que o alcaide da forte-
leza tem pêra guarda dela ; e daly me aleuanlei e fui sobre a vila de guor-
façãom e emlrei per força d armas, e segui ho allcamce mais de hua íegoa
á jemte do lugar, e matei muita jemte e pus o foguo á uilla ; e dali me
fui sobre a cidade dormuz e surgy junto com a sua armada mui grande e
de muita jemte, e ao outro dia ao meio dia mandei levar amcora á minha
nao com os bates armados, he surgy no meo de sua armada e asy o man-
dei aos capitães qiíe o fizesem, e o fizeram ; pelegei com ella, e pelegei he
desbaratei muita jemte e meti lhe as nãos no fundo, em que se afogou muila
jemte ; queimeilhe o arrabalde e quantas nãos tinha em terá ; meteram se em
minhas mãos, lancei lhe xB serafins* de trebuto e b pêra gastos^ d armada;
o asento que fyz com eles, em pessoa o espero de leuar a V. S. e nele verá
se som eu capitam pêra me os capitães e jemte que debaixo de minha
bandeira amdar, deixarem me na guerra e me fugirem e asy em todos es-
tes feitos que atrás aponto a V. S., nos quaes eles foram em pesoa, e co-
nheceram em mim que era eu capitãom pêra saber desbaratar os immi-
gos; he todos os outros negócios e cousas que fiz, acabei com muita des-
queriçam e temperança e como el Rei de mim comfia ; e se algua cousa
tenho errado em meu oficio, he sofrer tanto a eses capitães que me fugi-
ram, que vieram a dar esa comta de sy, que vosa senhoria vee e em tall
tempo ; milhor o fizeram quando estauam fartos d uuas, de pexegos e de
melões, que agora que conpria aos capitães e caualeíros mostrarem seus
desejos e boas vontades pêra seruir elRei e nam darem com huum tâm
gramde negoceo no chãom, cuidando que empeciãom a mim, nom lhe tendo
eu feito nenhum mall nem cousa que tenha nome, senom com muita de-
symulasãom e tenperamça passar suas desonistidades e descortesias, seus
ajuntamentos e conselhos ajuramentados aos santos avanjelhos, e isto com
tamta desordem e com tamto aluoroço que me comprio afastalos de mim,
e antes acarretar a pedra e o barro e a call só ao pescoço, que os trazer
em minha companhia antre mouros mui agudos o avisados, que entendiam
tudo mui bem; e por detrás de mim me aleuantauãom que queria eu pren-
der coje atar e rresgatalo por Ix dobras^; e semearem na cydade que fa-
zia eú aquela forteleza pêra os destruir he asenhorear, e outros rrequeri-
mentos que me faziãom, por híla vez me aleuantarem daqui e nom fa-
^ Quinze mil xerafins.
2 Cinco mil para ele.
^ Sessenta mil dobras.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 1
zer meu asento aqui, como me el Rei tinha dito, e isto, senhor, começaram
comigo despois que lhe mostrei hua caria que mandaua a V. S. por
hua nao de onor, em que vos esprevia minha detreminaçãom e o que
me parecia das cousas de cá: viram nela como depois na entrada do mar
rroxo auia de voluer a imuernar aqui a esta cidade e fazer nela meu
asemto, e mandar uol as nãos grosas, he nauios pequenos ficarem comido,
com detreminaçãom de me poer a caualo e fazer a guerra em terra firme,
e as ilhas que per aqui jazem d arredor proueitosas a seruiço dei Rei, tra-
zelas a seu senhorio: esta era a minha lençãom atee ver recado de V. S.
do que de mim ouuese de fazer, e pêra isto, senhor, que diguo, nom me era
necesareo dinheiro, senom jemte, porque tinha esperança em deus desta
ilha e da de bharem aver 1.** mill* serafins douro cadano: esta detremina-
çãom minha nom poderem eles sofrer, saberem que aviãom de ficar os na-
uios pequenos comigo e eles e toda a jemte; e per todas as vias he modos
desejauam de me deitar daqui fora, e fizerãomno de feito, como V. S. vee,
porque agora me auiãom por mais asemtado e mais senhor dormuz e
que nam podia deixar de o leuar nas mãos ; e ainda outro erro fizeram
comtra seruiço dei Rei mui gramde, mostrárãom á jemte que o trebuto que
se aqui deu a elRei, auiam eles d aver partes, e que era lonmdia e nam
trebuto, mostrando á jemte que eles ficaram por fiadores e que eu os ti-
nha roubados do seu, defendendo me eu sempre com vosa senhoria, que
o julgasse e detreminasse, que eu trebuto dei Rei nom auia por tomadia
nem presa, e que eles nom aviãom d aver partes; que Uaa iriamos onde V.
S. estcvese, que as páreas he trebuto dei Rei nom se aviam de gastar nem
despender, que a uossa senhoria avião.n d ir, que Uaa o detreminase como
lhe parecese bem: meteram com isto a jemte em tamta desordem, que casy
me nom queria seruir, e per força me fizeram dar á froU de la mar a
cada homem dez dez cruzados, tam aleuantada he aluoraçada achei com-
tra mim e asy o capitãom: era, senhor, jaa isto de maneira que amtre eles
mesmos avia hy rrezões huns com outros; e parece me, senhor, que com
estas cousas e com outras largas de comtar tardárãom os mouros em se
aleuantar comtra elRei noso senhor: veja Y. S. laa se sam estas cousas
dynas de castigo.
Tendo eu, Senhor, as cousas dormuz postas cm soseguo, despois da
guerra acabada espalmei minhas nãos he as pus em monte e lhe dei to-
^ Cincoenta mil.
2*
12 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
das as cousas de que tinha necesydade, de quanto mos mestres delas rre-
querêrãom, e estauam tamto a ponto e tãom sãas he fam bem aparelha-
das, como se sairam da rribeira de lixboa. E este corpo desta Armada
asy concertada e aparelhada per mim e per meu trabalho he cuidado,
nom mo pode el Rei pagar este seruiço, e emtregando ma com huum pão
na mão, estar eu pagamdo solido a sua jemte, capitãom; he, senhor, isto
pêra lhe os criados deli Rei nom ousarem fugir com os nauios he jente
deli Rei; com a quall armada, com ajuda de deus, eu esperaua fazer mui
grandes seruiços a ell Rei noso senhor e a vosa senhoria, e nom como
outras pesoas algtlas tem feito, lançando as nãos deli Rei a traués, e suas
armadas feitas em pedaços pellas rribeiras do mar ; e eu creio que este
seruiço que aqui diguo, será bem rrecebido dol Rei e de V. S. e será dado
castigo àqueles que as ordenamças deli Rei e sua armada poserãom em
desbarato ; também lembro a Y. S. como me eles fugírãom, temdo eu
noua que se fazia armada em cambaia pêra vir sobre mim : com ajuda
do muy allto deus nom me meteo a mim isto em desbarato, mas como
capitãom dei Rei noso senhor mandei lançar outra amcora á minha nao,
por verem os mouros que a armada dei Rei nom auia medo a nenhtia
cousa que viese sobre ella, e por isso, senhor, deue V. S. tomar mui Rigo
a estas cousas que sam feitas em voso tempo e debaixo de vosa gover-
nança e mando, ca Ell Rei noso senhor bem lhe mandara, que mandou pu-
blicar a todos capitães per Rui gomez juiz da mina, e asy aos mestres
he pilotos, que nem hum nom fose tam ousado que deixase seu capitãom
mor nem se aparlase dele so pena do caso maior e perdimento da fa-
zenda.
E porque Y. S. saiba mais meudamente como ormuz quebrou co-
miguo, com eles se lançárãom quatro homens desta armada, hum greguo
calefate de froll de la mar, e hum bizcainho calafate da minha nao, e hum
greguo marinheiro da minha nao, e hum português marinheiro da cara-
vela damtonio do campo, que jaa dias auia que andauãom neste trato de
os Recolherem a sy, se nam esperauam de despachar primeiro hua nao
deli Rei, que será de biij^ tones S que lhe aqui tomei no desbarato da sua
armada e lhe tomei a dar; e neste tempo me esbofetaram o pedreiro mes-
tre da forteleza, e outro dia me esbofetaram o mestre que me fazia a fusta,
e outras omrradas desonestidades que eses frecheiros faziãom por esa cí-
* Oitocentos toneis.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 13
dade: coje atar ora me mandaua dizer e rrequerer que me nom fose da-
qui, que auiãom medo das nãos de mequa, que se tomarem a cidade, que
a senhoreariam, ora me mandaua dizer que faria bem de me ir daqui ; a
estas cousas lhe respondia o que me parecia, atee me fazer forte na torre
que comecei ; pasado isto, parlio a nao mery, de que me eu muito arre*
pendy. Entam rrecolhôrãom logo os cristãos a sy he me tirarem loguo os
pedreiros e trabalhadores que andauãom na torre: quando achey menos
os cristãos, mandei lhe dizer que me mandase emtregar os homens d armada
deli Rei ; rrespomderam me que se nom auiam de perder e que logo mos
entregariãom : tomei conselho com os capitães, e isto, senhor, por fazer
sempre o que deuo e lhe dar parte de todas as cousas, como sempre fiz,
temdo eu jaa seu conselho por mui danosa cousa pêra o seruiço dei Rei,
e por minha onrra, todos me diserãom que se me nom desem os meus ho-
mens, que lhe deuia fazer a guerra; e ao outro dia me mandárãom hum
asynado seu deles todos cimquo, em que me diziãom que nom deuia fazer a
guerra a ormuz, e que se a fizese, que nom auiam de ser comiguo nem fa-
zer a guerra per meu mandado, tendo me eu jaa posto com cbje atar, que
se me nom dese os omens d armada dei Rei, que caía em desobediemcia e
desacatamento e que quebraua o comlrato e asemto que com elle tinha
feito, e que lhe lenbrase que nunca tomara homem seu, mas amtes os que
catiuara na guerra propeos criados seus, me mandara pedir e lhos dera, e
que soubese certo que nom era eu capitam per.i deixar perder hua agu-
Iheta d armada deli Rei e pêra nom dar mui booa comta dos homens que
me ell Rei entregara ; rrespondeo me que os tinha atados de pees e de
mãos e que loguo mos entregaria, que os tinha em hum lugar na terra
firme; que lhe dese b dias* d espaço e que mos mandaria trazer; aprouue-
me daquele : neste tempo mandou que nom trouxesem os paraos aguoa
senom de noite, por me poer em necesydade d aguoa, cuidamdo que os
seus frecheiros me tolheriãom as aguoadas donde a traziam: quando as
cousas jaa ir craras, fiz lhe hua noite represarea nos paraos d acarretar
aguoa e em mais de iij*^ homens* e tomei hum criado seu que vinha de
passar os iiij homens á terra firme : feita esta represarea, me mandou tor-
nar a pedir este homem, que queria mandar por elles: mandei lho; aca-
bados os b dias, diseram que já erãom vindos e amostraram nos a gaspar
^ Cinco dias.
^ Trezentos homens.
14 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Rodrigues limgua, e per elle me mandou dizer coje atar que lhe mandase
os mouros todos em terra, e lhos mandei poer todos a hua ponta d arèa
junto com a forteleza que fazia: pareceome aquilo Ruimdade e mandei
poer em terra cento e cincoenta omens armados d arredor deles, e eu em
hum esquife á ourela daguoa; foram com hum recado ou dous, vieram com
outros tamtos; emfim mandou me dizer que me mostraria hum do cerame,
e deixou me estar ao soll booas duas oras ou três; emíim nom me quise*
ram dar os homens, e neste tempo da dilasãom tapauãom todas as bocas
das ruas com pedra e call he delas com madeira e varauãom as nãos em
terra: quando vy esta detreminasãom sua, poer se em armas contra mym,
com6amdo n artelharia grosa de lhe derubar as paredes da sua forteleza
e emtrar com eles, mandei chegar os nauios pequenos a terra ; a poucos ti-
ros nom tiue camelo nem coronha de bombarda grosa que nom fose feito
em pedaços, por ser tudo podre ; mandei arredar os nauios e poios em
cerco d arredor da Ilha, e quis primeiro apalpar domde aueria aguoa pêra
minhas nãos, porque nom a auendo, estaua mais desbaratado que or-
muz ; e saltei em queixeme, htla Ilha que está perto desta cidade, donde
se traz a mor parte daguoa, e leuaria comiguo ij^ homens S e saltei em
hua villa mui gramde e desbaratei lha e matei lhe muita jemte, e trouxe
daly muita carne he mantimentos e aguoa pêra as nãos; nom heram hy
mais capitães comiguo que francisco de tauora e amtonio do campo; daly
a dous dias dei em outra vila muito maior nesta mesma Ilha e fui sen*
tido de noite, e quando dei, em amanhecendo, no lugar, nom achei jemte
nem htla nelle. Joham da noua que hia por htla parte por omde o man-
dei com sua jemte, e jorge barrete por outra parte por omde o mandei
emcaualgar o lugar com cinquoenta homens, se vieram ele e Joham da
noua ajuntar no cabo do lugar em hua casa forte omde estavãom os
capitães de coje atar que guardauam a villa; cuidando de se defemder na
casa, os emtraram per força d armas Jorge barreto he joham da noua, e
pelegárãom com eles e os mataram e muitos caualos e outros alguns que
a minha jemte sollta per esas ruas traziam á espada: foy aly ferido Joham
da noua e lhe mataram hum homem e lhe feriram dous ou três outros:
daly ouuemos asaz mantimento e aguoa per dias: fogidos eses capitães e
leuados os nauios domde os tinha postos, jaa nom pude daly em diamte
tomar aguoa, sem me ferirem allgtla jemte os daquella armada que eses
1 Duzentos homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 15
capitães deixârãom sobre mym e se foram sem a querer desbaratar; e
asy me aleuantei do cerqao, sendo o chamto na cidade cada noite da sede
e fome que padeciam, que nom foi cousa pêra crer, tendo lhe jaa os poços
atopidos he cisternas com mouros mortos e caualos e camelos e molheres
e meninos, e mortos he decepados mais de mill homens: acuda vosa senho-
ria em pesoa ou me mande homens e nauios, porque creio, senhor, que este
tirano de coje atar á de rroubar a cidade e ir se ; e se vosa senhoria lhe
parecer que sam escusado pêra iso, lembre se que el Rei em meu regimento
carrega sobre mim o socorro e guarda de çocotorá, o quall eu nom poso
fazer, porque meses capitães leuaram os nauios he jemte; que estas duas
nãos que me ficam, este agosto seram com Y. S.; e se mos mandar, sejam
fornecidos de mantimentos, porque á jemte que neles virá nom lhe da-
ram de comer nesta terra per seus dinheiros: beigarei as mãos de V. S.
tornar a ese feito, que eses capitães fizeram muito rigo, porque nom vãom
com outro esforço de cá^ senom parecendo lhe que áV. S. de folgar com
sua ida e com todo meu desbarato, he mandar ler esta carta perante eles,
por me fazer mercê; e beigarei as mãos a V. S. mandar guardar esta carta
pêra elRei noso senhor ver, porque se nom faça jaa em sua vida tam fea
cousa como esta. Joam da nouavai de mim agrauado; e certo, senhor, quem
á de seruir elRei, pode contentar a mui poucas pesoas; seruio sempre mui
bem neste caminho que fiz, e digno de muita mercê e omrra amte elRei
e y. S.; fico escandaUzado dele, porque o ajiartei pêra com elle tomar meu
conselho, e eses senhores que laa \ãom o tomârãom a meter na brigua
comsyguo: este caualeiro ^ criado do Duque de coimbrã, que esta minha
dará a Y. S., lhe deceparam esa mão na peleja que ouue com elRei dor-
muz; develheV. S. fazer mercê e satisfazer lhe sua aleigãom: feita em ho
Porto d ormuz a ij dias de feuereiro de 1 508'.
1 Era Gaspar Dias, de Alcácer do Sal, mencionado nos Commentaríos de Albuquer-
quây P. I. C. XXX.
* Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.', M. 7, D. 66, foi. 4 t. Ê um caderno que
foi remettido para o reino, e contém copias de diversos documentos. Está assignado por
Gaspar Pereira, e no principio tem a seguinte declaração.
«Neste caderno vaão allguus trelados de cartas que allguuas pesoas msndarom ao
viso Rey e elle mandou depois de partida a frota de tristam da cuunha até á partida
desta, e asy allguus Regimemtos que deu e Requerymentos que fizeralo allguus a af-
fonso dalboquerque e outras coussas desta calidade, que por serem de muita leitura as
nom traladei no outro liuro gramde que vay neste cofre, e as propeas ficam em minha
maao; e se algtiuas forem soltas neste cofre, será porque com a muita presa que te-
16 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA ffl
1508— Fevereiro 6
Senhor. — Por apagar os aluoroços de froll de la mar e desobediem-
cia em que os achei contra mim, estando em guerra de immigos, tendo os
cercados, ouuindonos eles muito bem e nos tiramdo duas bonbardadas
da fortaleza por nos estremar, e com este aseseguo, senhor, se faziam câ
as cousas de seruiço dei Rei, eses capitães que laa vãom dinos de muita
pena, quis antes este aleuamtamento pagar com dinheiro que com ho cu-
telo que elles bem mereciam, e lhes mandei dar b° e R.^* cruzados*, a com-
disãom se o V. S. ouuese que de Irebuto dei Rei e páreas ouuese d auer
a jente partes, como se fose presa ou tomadia: os capitães por imdinarem
a jemte contra mim, dizem lhe que aviãom daver partes e que eu que os
rroubava do seu: senpre me defendy que V. S. era juiz desa causa, que
eu trebuto nom o auia por presa nem tomadia; os capitãees todavia acen-
deram este caso quamto podérãom, dizemdo á jemte que eles queriam fi-
car por fiadores, e outras cousas feeas: este dinheiro que asy dey, vay Uaa
hua arrecadaçãom delle, e mais Pedraluares leua mill serafins pêra com
ho dinheiro que tem rrecebido e com este lhe ser feito pagamento d oito
mezes: também, senhor, neste negoceo dormuz nom vos faça nimguem
emtender que eu fiz pazes com ormuz, porque tal nom he; mas depois
de o ter desbaratado e vemcido, metendo se eles em minhas mãos, lhe
tomei a emtregar a governamça do reino, que o regesem e govemasem
em nome dei Rei de portugall dom manoell. e lhe lancei de trebuto IcB
serafins^ d ouro, e com outros pontos de muita sustancia, segundo se verá
nho, se nom podérãao aquy trellãdar, e por iso veja vosalUeza todos os papes que nelle
forem.
cE se por vemtura aqui forem algQas traladadas que já lá fosem as outras viajes,
será per erro e por estarem todas juntas e nom poder huum homem soo tantas mil cou-
sas oulhar, e mais em tenpo de carregação, que se aqui treladãao, que sam tantas as
partes a Requerer seus despachos e o tempo he brebe, que me nom sei dar a conselho ;
e por aqui nom aver papell nom tiue feito antes da vinda das nãos.»
^ Quinhentos e quarenta cruzados.
^ Quinze mil xerafins.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 7
pelo asemto he entrega que tenho feito com eles da governamça do Reino,
o quall eles am de entregar a V. S. ou a elRei noso senhor ou a quem seu
poder teuer, com toda obediemcia e acatamento, cada vez que lhe for re-
querido ; e portamto, senhor, nam sam pazes as que fiz, mas Reino ga-
nhado per força d armas, sometido á obediência dei Rei noso senhor, tor-
nado a receber das minhas mãos com obrigaçam do trebuto que lhe pus:
da maneira que aguora fica, creyo que o trebuto sempre o pagará, mas
a entrega do Reino será per força d armas ; e com esla pobre armada que
debaixo de vosa lamça e obediência nestas partes amda, eu esperaua, nom
me fazemdo os capitães portugueses traiçam, o tomar outra vez a tirar de
poder dos tiranos e metelo nas mãos dos mui bons homens cidadãos e
pacificos, que nom tomaram nunòa os homens d armada dei Rei pêra os
tornar mouros: aviso disto V. S., porque nom quis meter minhas cousas
em mãos de meus imigos, que demfadados de pelegar he com enveja
danaram o seruiço dei Rei ; mas iram em tempo que V. S. será seruido :
beigo as mãos de V. S.: esprita do mar a bj dias^ de feuereiro de 1508'.
CARTA IV
1508— Fevereiro 15
Senhor. — Depois de ter esprito a vosa senhoria amtes de minha par-
tida da cidade dormuz, me capeárãom em terra he me mandou dizer coje
atar, que se alargase os quatro homens que me tinha tomados, porque erãom
jaa seus irmãos, que faria todo o que quisese; que a cidade era dei Rei de
portugall e elle era dei Rei de portugall. Eu lhe respondi, que atee ly eu
tinha mui booa com ta dada d armada e jemte que me elRei emtregara, e
que nom quisese deus que a hua cidade sojeita e vemcida e que pagaua
trebuto a elRei noso senhor, posto que elle se alevamtase como tirano he
quebrase ho comtrato das pazes, eu sabia que o pouo he mercadores es-
tauãom á obediência dei Rei noso senhor, e que agora me tomara e em-
ganara quatro cristãos, ovelhas do meu curral, de que eu som pastor, e
1 Seis dias.
» Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.*, M. 7, D. 86, foi. 10 v.
18 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mas leuara ás mizquitas de mafamede a renegar o nome de jezn chrísto
noso senhor e saluador, por cuja feè elRei noso senhor como católico
prímcipe mamdaua fazer ha guerra aos mouros, e mos nom queria dar
nem emtregar, que em nem htla maneira deste mundo nom avia de fazer
tamanha malldade nem lhe deixar de fazer a guerra he deitallo daly fora,
atee mo emtregar os cristãos d armada dei Rei noso senhor, saluamte vendo
mandado dei Rei ou de vosa senhoria, que nestas partes estaua em seu
nome, e nisto mandei lamçar hua batelada de mouros velhos em que tinha
feito represarea, porque nom tinha mantimento nem eram homens pêra
seruir : temdo jaa minha partida detreminada, por me terem jaa tomadas as
aguoadas com muita força de jemte daquela armada que estes capitães
que me fugirãom nom quiseram desbamtar, souberam parte pellos mes-
mos mouros, que os meus nauios he capitães dei Rei me fugirãom ; ca-
peárãom outra vez em terra, mandei llaa ho esquife, vieram mouros a fa-
lar com aires de sousa chichoro he gaspar rodrigues lingoa, que llaa man-
dei; traziãom comsiguo huum crístãom dos quatro, marinheiro da caravela
damtonio do campo he português: na pratica que com elle tiverãom, rres-
pondeo elle e dise: c outrem uos mandou cá;» he mais disse: cuós nom
eres comtemte de fazer feitoria, mas forteleza e feitoria» , e outras palauras,
he de tudo mamdei fazer huum auto pêra o mandar ha vosa senhoria ou
levar em pesoa, segundo vir voso rrecado, ca soube deses capitães que
fugirãom, he induziãom também francisco de tauora que se fose com eles :
as cousas, senhor, dormuz, a meu ver, senhor, nom se aleuantárãom con-
tra mim senam pella forteleza que me viãom fazer, ca ho trebuto tem
eles em menos comta; que huum pobre pescador he jemte chea de temor
com booa vomtade me deixauam fazer ha forteleza e me dauãom todo
ho necesareo pêra ella: estes capitães com seus dessasegos semearam
amtre os mouros tamtas mentiras, que cuidárãom que feita a forteleza
os auia de lançar fora: este temor lhes fez nom entregarem os homens e
quererem que* tomar isto por querela, por esconder o ali que lhe mais
doía, porque erãom obrigados por bem do comtrato a me fazer esta casa ;
nom tenha vosa senhoria duuida de os tomar ás mãos e fazer lhe fazer
quamto eu quisese, se eses capitães nom íizerãom a elRei noso senhor
tamanha traiçãom: o trebuto he certo sempre de o pagarem cada vez
que lho mandarem pedir, se virem que os deixam viuer em sua tirania ;
^ Este fue pareee-nos de mais.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE i9
força, se lha oauerem de lhe fazer, á mester gemte he mamtimemtos, por*
que Qom nos á senom na terra firme, que tem muito poder: as mercada*
rias todas tem aqui muita valia; as suas sãom muito caras pêra nós,
nom se fará nem huum proueito em portugall pello preço que as dãom :
terei a esta jemte pagos de solido d oito até noue mill cruzados, os B que ^
me loguo deram os mouros pêra iso, e ííy do cobre^ que se vemdeo dei Rei ;
os xE das páreas^ aimda estam imteiros pêra leuarem a uosa senhoria com
\\ e tantos^ cruzados que mandei empregar em perlloas, aimda que me
parece muito caro : aqui nom ha mais que esprever a vosa senhoria, se-
nom que vou na vollta de çocotorá a partir com eles destes poucos man*
timentos que leuo, pois Manoell telez, que pêra iso estaua ordenado e
carregado, me fugio: daly amdarei no estreito de mequa com estas duas
nãos e todavia averei vista d adem; nestes lugares que vir, ou em çacotorâ
imuernarei; vimdo o mês d agosto, mandarei estas nãos pêra imdia e fica-
rei em çacotorâ, porque asy mo manda elRey em meu rregimento, sall-
uamte vendo rrecado de vosa senhoria em comtrairo, a que beigo as mãos:
feita no mar a xb dias' de feuereiro de 1508^.
CARTA V
1610-*- Outubro 16
Senhor. — Alguas cousas me lembraram depois de ter esprito a
voss alteza, pêra vos delas fazer lembrança e voss alteza prover de lã como
vir que for seu seruiço.
Prhneiramente se os soldos acrecemlados de dom francisco dal-
^ Cinco mil que...
* Quatro mil do cobre.
3 Quinze mil das páreas.
^ Dois mil e tantos.
^ Quinze dias.
* Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.% M. 1, D. 56, foi. 3. Esta carta e as duas
antecedentes, lançadas no caderno que mencionamos na nota 2 de pag. 15, teem no mes-
mo caderno os títulos seguintes: a de foi. 3: «Cartas dafonso dalbuquerqueao viso Rei,
vieram em froll de la mar»; a de foi. 4 v.: «Outra sua»; e a de foi. 10 v.: «Outra sua
sem ser asynada, de letra das outras e o sobrcesprito vinha pêra o viso Rei.i
3*
2Õ CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
meida e quimteladas averam efeito, ou se as tiraram de todo e asy as da»
capitanias e mestres e pilotos.
Mais se se fará hum comtador que tome a conta do que se despemde
por meudo por homeens que os almoxerifes mamdam e vosso feitor e ofe-
ciaes comprar madeira, pregadura e outras muitas meudezas, que cada
dia vam buscar fora, e asy terá cuidado de quamdo o capitam mor qui-
ser saber pouco mais ou menos o dinheiro que he despeso, e ho que pode
ficar em mão de vosos ofeciaes e d algtlas pessoas a que se daa cargo
de o despender, porque vay nisto muito voso seruiço; que aimda que
nom seja fim de comta, he jbem que se tome quá rezam da despesa e
Recepta, pêra se saber verdadeiramente o que aimda hy ha.
E se voss alteza nom ha por bem que ho hy aja, mande a huum des-
tes ofeciaees da feitoria que tenha cargo diso; porque o negocio de caa
vai se fazendo gramde, asy de corregimento de nãos e navios, obras de
fortelezas, e asy naaos que vossa alteza mamdará fazer nestas partes, pêra
que compre espalharem se muitos homeens e serem mamdados a desvaira-
dos lugares pêra trazerem as cousas necesarias pêra o que dyto tenho,
como se agora faz, e de tudo isto comvem hum homem que tome a comta.
E asi he necessareo também pêra justificaçam damtre os mercado-
res, feitor e vossos tisoureiros, pêra hy nom aver comtemda nem debate
sobre suas comtas depois de terem Recebida sua carga; de maneira, se-
nhor, que me parece que nam deveis de ter nestas partes tam gramde
asemto, como he o de cochim, sem comtador da casa e feitoria, nam pêra
que seja fim de comta, mas porque amde viva vossa fazemda sempre, e
nam comfie nos homeens em dizerem, a portugall ey de ir dar comta, e
trazerem em seu poder dous ou três mil cruzados ou quamto quizeram.
Lembro também a voss alteza o que vos tenho esprito sobre os ca-
pitãees da çuiça, que será bem mamdallos voss alteza pêra imsinar esta
jemte que de lá vem, de quinhemtos rs., a nam fogir nem pôr em desba-
rato a outra que tem mais obrigaçam a darem bõoa comta de sy ; digo uos,
senhor, isto, porque a vós vos compre, por hum par de nãos e por dous
pares poerem bem o ferro aos mouros da imdia, que nos vam perdemdo
o medo e a vergonha, e stam milhor aposemtados que nós.
E oulhe voss alteza bem o que fazem vossos capitãaes, que lhe falam
verdade e lha mamtem sobre seus seguros e comcertos; portamto, senhor,
mamdai fazer a guerra, porque de bõoa guerra vem bõoa paz, e tomai sem-
pre vimgança dos Rex e senhores da imdia que uos errarem, porque he
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 21
hua das cousas que mais compre nestas partes pêra vossa faina e ere**
dito: esprita em cananor a xbj dias^ d outubro de 1510.
(Por lettra de Affomo de Albuquerque) feytura e servydor de vosa
allleza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) Pêra ellRey noso senhor — primeira via.
(In dorso ^ em lettra coeva) dafonso dalboquerque. — Lançada*.
CARTA VI
1610— Outubro 17
Senhor. — As cousas de goa sam tam gramdes, que tocam tamto â
seguramça da imdia e a tudo o que nos compre e desejaees, asy pêra gas-
tos, despesas, ofeciaees, madeira, ferro, sahtre, Hnho, arrozes, mercada-^
rias, roupas dalgodam, que me parece que sem ela nom poderes soster a
imdia, porque os calafates e carpynteiros com molheres de cá e trabalho
em terra quente, como pasa hum ano nom sam mais homeens, e com goa
pode voss alteza escusar os deses Regnos, porque os ha mais e milhores que
os que cá amdam.
Afora este bem de goa, tem outra cousa mui danosa pêra a segu^
ramça da imdia, que tem muitas nãos e galees e podem hy fazer quamtas
quiserem ; e por ser pesuida destes turcos estramjeiros, sempre foy guer-
reira mais que os outros lugares e sempre di saíram d armada e ouue cos-^
sairos ; e he tam danosa per as naoos de carga e pêra seguramça e sesego
com que a am de tomar, que nom poeria duuida, se s aly meterem Rumis,
que nom façam muito dano ás nossas nãos, porque ou as tomaram quamdo
vem demamdar amjediva, ou lhe faram perder a carga: he ilha cercada
dagua, de muita Remda, e [muito proveitosa; barra de muitagua, porto
morto de todoUos vemtos, ilha de muitos mamtimentos e muita críaçam^
veados tantos que he hua cousa d espamto, lebres, perdizes, lauoiras dar-
rozaees e de triguo abastada, muito de feno, pêra a jemte de cavalo, sç
* Dezeseis dias.
* Torré do Tombo— C. Cbron. P. I.% M. 9, D. 88.
22 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
hy oauer d estar, podela soster e defemder, como hy ooaer espaço para
segarar, porque se ho teaera, nunca ma os turcos emtraram.
Oulhe voss alteza bem, que se soees senhor de goa, metees em tamta
comfusam ho Regno de daquem, que nom seria muita duuida deyxarem a
terra, se vos virem fazer forte em goa, porque eles nom tem outro bem
nem outra seguramça de seu estado senam as costas que tem em goa,
porque he ilha, e perdemdo a terra, am se de recolher a ela, ho que nom
podem fazer a dabull ; e tenho isto sabido per certa ciemcia pellos mesmos
mouros, porque o regno de daquem está desta maneira que aqui direi a
voss alteza.
O rei de daquem deu a terra em capitanias ou senhorios repartidos
per escrauos seus, turcos de naçam, e alguuns pérsios poucos ; estes se ale-
uamtaram e nom Ih obedecem senam em lhe chamarem Rey ; mamdam
lhe aguora algua joya, se querem; tem comtinoa guerra estes alguazis
huns com os outros e tomam os lugares huns ós outros e ás vezes fazem
amizade uns contra os outros e cada huum se trabalha por aver o rei de
daquem á mão e o ter em seu poder; o çabayo ho tem agora, e este he o
mor alguazil deles e que mais terra tem e o que he senhor de goa ; outro
alguazill he o senhor de chauU ; este teue sempre comtinoa guerra co ça-
bayo e tem, e se neste tempo que ganhei goa, o senhor de chauU nom
morrera, nunca a perdera, porque viera logo sobre o filho de çabayo quamdQ
veyo cerquar a ilha, e o desbaratara, mas fycou lhe hum filho moço he co*
meçou emtender primeiro em seu alguazilado ; assy, senhor, que digo que
nesta dyuisam amtreles, temdolhe vossa alteza tomado goa, que he bua
gram quebra pêra eles ; com este fauor he logo a terra dos jemtios leuada
comtr eles, e quero perder a vida se voss alteza isto nom vê, se guànha goa
e a ssegura loguo ; porem se á detreminação em que á feitura desta estou
que he, acabada a cargua, ir com todalas naaos e leuala nas mãaos, a mim
me parece que deitando os mouros dela fora, ela se pode bem segurar e
defemder com menos jemte, aimda que o que me mais comtemta do feito
de goa, poder ela sofrer e soster muita jemte sem nenhum gasto nem des-
pesa vossa; e.despois que goa se segurar bem sem ter mouros demtro,
qualrocemtos portugueses a teram viua pêra sempre; mas ainda diguo que,
pois ela pode soster dous e três e quatro mill homens, e a voss alteza com^
pre telos na imdia pêra seguramça dela e pêra serdes senhor dela seguro,
que por iso a deue voss alteza de soster e ter, porque todalas nãos que
quiserdes podeis aly fazer: mais diguo*, senhor, se timoja, que he mero ti-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 23
rano, dá por ela cem mill cruzados e se obriga a ter seis e sete mill ho-
meenspera defender, em que se gastaram outros tamtos, parece, senhor,
que peso he o de goa, pêra voss alteza gastar de vossa fazemda com muita
confiamça.
Diguo, senhor, isto de timoja, porque posto que seja uosso amiguo,
he homem mui imtereseiro, e por omde pode aver, mall ou bem sempre
se trabalha por iso ; em nossos feitos sempre deles Recebeo muito proueito
e muito pouco dano ; e algum descomtemtamento e receo, se o dele tenho,
he este ; porem homem he que tem de nossas boas obras alguum conhe-
cimento e que se pega bem comnosco; nom he homem de jemte nem de
força, senam homem de credito amte elrrey donor, o qual lhe faz muita
omrra por o nosso.
Á partida minha de cananor deixo ordenado e mandado aos capi-
tãees morees das nãos que vam pêra portugall, que tamto que suas cargas
forem acabadas, me vam buscar amjediva, porque já emtam serei voluido
de canbaya de asemtar as pazes, trato e feitoria, e tirar esses catiuos que
lá jazem, e vir amjediva e aly nos ajumtarmos todos e tomarmos sobre
goa e fazermos o que podermos: espero em nosso senhor que nos ajudará;
do que aly fezermos ou nam fezermos, voss alteza será diso sabedor, e mi-
nha temçam he no cabo deste tempo entrar o mar Roxo, e se for seguro
de mamtymemtos e agua, emvemarei em adem, e se disto nom for seguro,
no fim do mês de mayo virey emvemar a urmuz: espríta em cananor a xbij
dias* d outubro de 1510.
{Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripto) Pêra elRey noso senhor — segunda via.
(In dorso j lettra coeva) xbj fsic) d outubro 1510 — dafonso d albo-
querque de xbij d outubro de h^x do que sabia de goa e do que esperaua
acerqa delia fazer^.
' Dezesete dias.
* Torre do Tombo— C. Cíiron. P. 1.% M. 9, D. 87.
24 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA Vn
1510— Outubro 19
Senhor. — Lá mando a vosa aallezaa tres pannos que ouvee do embai-
xador de xeqe ismaell e do embaixador d urmuz ; são pannos da pérsia e
qe se leva maito á terra do preste João, e mando a vosa alteza huum sayo
de borcado qe me deram e duas peças de borcado e duas peças de ve*
ludo de mequa, da roupa que se tomou da nao de mequaa que vinha pêra
calequt. Duarte de lemos levaa a vosa alteza aljoTar do trebulo d urmuz;
levaa asy gomçalo de seqeira o cabo do anndoor dei Rei de calequt
douto e de pedraria, e leva hum maço de cartas, e leva também bua
adarguaa da pérsia da pesoa de xeqe esmaell, que me derão.
As nãos qe este anno vieram de portugall, deixo tomando suas car-
gas, e segumdo meu parecer elas irão Riqas e proveitosas, porque levam
mercadarias que vosa alteza de lá avisou terem neste tempo vallía; mando
a nao de joão daveiro tomaar laqar e gemgivre em cananor, e que vá a
melinde a tomar especearia qe lá está de presas, e creo qe irá Riquaa,
se a nosso senhor levaar a salvamento.
A feitura desta chegarão aqui novas como bemdará governador de
malaqua era morto, qe o matara el Rei de malaqa ; nom sabemos ainda a
causa por que : as cartas que delia espreveo Ruy d araujo, a vosa allteza as
mando: a malaqa mando este ano oyto nãos, amtre as quaes he a nao em
que veo jorge nunez qe mandei fiquar cá; com esa determynação mando
diogo mendez que de lá veo, por capitão moor, porqe me pareceo homem
de bom Recado e de bom temto ; leva as suas quatro nãos comsiguo ; par-
tirão no mês dabryll e serão aqui no mês de setembro e outubro; as vo-
sas nãos vam muito Ryquaas, porqe levam toda a mercadaria da nao de
mequa e muita Roupa de cambaia, qe são próprias pêra lá e vallem lá
muito dinheiro ; dizem que levam mercadaria pêra carregarem dez nãos
d especearia: mando lá deixar Ruy d araujo por feitor, se quiser fiquar, e se-
nara, dioguo pereira, o quall nom quis asemtar na esprevanynha de co-
chim, e sei que avemos dele de teer necesydade: se vosa allteza quer ser
Riquo, nom venhão cá nãos de mercadores pêra o negocio da imdia ; nãos
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 25
á nella qe abastem, se lhe mandardes muitas lamças e muitas armaas^ e
se mais nãos ouver misteer, qá se dará forma como se facão : mande vosa
alteza cem corpos d armas apartados pêra cadaa forteleza e quinhentas
lamças de pee pêra cada hiia, duzentos piques, cem padeses bezcainhoos,
porque nunca vy cousa tão piadosa como he de ver estas fortellezas ; nom
á nelas húa só lança nem armas.
Estees coirateiros sãoo mui boons, se lhe mandaseis muyta cravação
e coiros; e se cá viese ho fundidor pêra a cravação, seria cousa muy pro-
veitosa e os homeens andariam muy bem armados ; o fumdidor da cravação
noos falece; de todo o ali estamos bem, tudo se cá pode fazer muy bem.
Peço a vosa altezaa por mercê qe se lembre de me mamdaar ar-
mas, muitas lamças, muitos piquees, muitos gorgazesS alabardas e partesa-
nas, pêra estas nãos darmadaa, qè tam symgelas e tam vaziaas amdão:
pola vemtura se allguem lá fez a imdia chaam a vosa alltezaa ou vos es-
preveo que nom á nella mister armas nem jemtee, de meu comselho este
mandaria eu cá por governadoor, pois qe lhe parece que sem armas e sem
jemte se pode senhorear e soster a imdia; porqe emquanto eu nela esti-
ver e nom vir vossa alteza mais asemtos na india nem mais seguramça do
que agora nela ha, sempre vos ei de pedir muita jemte e muitas armas,
porqe eu nunqua ey de decer da minha openião, a quall he que seguree^s
a imdia, sem o qe nunca aves de comer dela boom bocado : outras pes-
soas averá ahy, qe se cá vierem, qe lhes parecerá que não á mister mais
qe dous barquos sevilhanos ; estes taes eu lhes seguro que levem mais di-
nheiro que eu de cá, porqe seu cuydadoo será carregarem bem sua pi-
menta e fazerem seu proveito e irem se em seu tempo : esprita em cananor
aos xix dias d outubro de 1510.
(Por lettra de Affonso de Albuguerque) feytura e servydor de vosa
allteza
Afonso dalboquerque
(Sobrescrípto) Pêra elRey noso senhor — Primeira via.
(In dorso, lettra coeva) dafonso dalboquerque de xix dias d outu-
bro de b^x— cousas que envia — as naaos que manda a malaca — armas
e cousas que pede — fundidor de crauaçam pêra as coiraças — gente e ar-
mas que pede. — Lançada*.
^ Gorjaes.
» Torre do Tombo— C. Oir. P. 1.', M. 9, D. 88.
26 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA Vin
1610— Dezembro 82
Senhor. — A carta qe esprevy a vosa allteza sobre a tomada de
goa, foi logoaquelle dia á tarde, porqe determynei mandaar huum na-
vyo a cananor per avisar vosa allteza polas nãos da carga, as qaes man-
dey que viessem todas per gooa, porqe não perdiam nada do seu camy-
nho, e davam favor ao feito de gooa, e amostravam ha yndia poder eu
vir 5robre goa com mais nãos, se quysera, e poor fazer esta mostra á yn-
dia, pola esperamça que tem da vinda dos Rumes nom se alvoraçarem,
mas serem certeficados do poder e gramdeza de vosas armadas e como
poodemos ajumtar vimle, trimta e qorenta nãos, se comprir; e qys fazer
esta mo;3tra, e nam sei se os capitães comprirám meos mandados, ou se
fumdados em dar boa Rezão de sy farão outro camynho.
Na tomada de goa e desbarato de suas eslamcyas e emtrada da for-
teleza noso senhor fez muyto por nós, porqe qis que acabasemos huum
feito tam gramde e milhor do qe nós poderamos pedir : aly falecerão pas-
sante de trezemtos turqos, e daly até o paso de banastary e de gomdaly
per eses camynhos jaziam muytos mortos qu escaparam ferydos e cayam
aly, e outros muytos se afogaram á passagem do Rio e muitos cavalos :
despois queimei a cydade e trouxe tudo á ospadaa, e per qatro dias com-
tinuadamente a vosa gente íFez samgue nelles; por omde qer que os po-
diamos achaar, nom se dava vida a nenhum mouro, e emchiam as mez-
quitas delles e punham le o fogo: aos lavradores da terra e bramenes
mandei que nam matassem: achamos per comta serem mortas seis mill
almas mouros e mouras, e dos seus piães archeiros, muytos deles falece-
ram: foy, senhor, hum feito muy gramde, bem pelejado e bem acabado,
e afora ser goa huua tam gramde cousa e tam primcipall, aymda se cá
nom tomou vingança de treição e malldade que os mouros íizesem a vosa
allleza e a vosas gentes, senão este, o qal soará era toda parte,, e com
esle temor e espamto fará vir gramdes cousas á vossa obediência, sem
nas comquystardes, e as senhoreardes: nam farám malldade, sabendo que
tem cl paga mui prestes.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 27
Allgums gentios homens principaes, a que os turquos tem tomado
suas terras, sabendo a destruição de gooa, decérão da será onde estam
Recolhidos, e vieram eai mynha ajudaa e tomarão os passos e camynhos,
e todolos mouros que escaparam de goa trouxeram á espada, e nom de-
ram vida a viva creatura. Roubaram gramde aveer, porque tomarão todo
o dinheiro do pagamento dos soldos qu escapou de goa, e matarão hum
turqo homem primcipall que o levava, que era thesoureyro: nenhíla se-
poltura nem ydifycio de mouros nom deixo em pee; o^ que agora tomam
vivos, mando os assar: tomaram aquy hum arrenegado, e mandei o quei-
mar.
A determinação em que fiqo, he nom deixar viver mouro em goa, nem
emtrar nela, soomente gentios, e deixar gemte por agora aquela que me
bem parecer e algums navios, e com outra armada hir ver o mar Roxo e
hurmuz e o mais que tenho escrito a vosa alteza, se a nosso senhor
aprouver.
As nãos dos mouros que tinham feitas^ me trabalho por botar ao
mar e alguas estam já no mar, e asi me trabalho por deitar as que es-
tam por acabar e fazer; se a nosso senhor aprouver de eu soster goa, tra-
balharey de as acabaar, e farseam outras e muitas e qamtas vosa allteza
quyzer: achámos gramde abastamça de ferro e de pregadura; dei seguro
ao povo meudo e ofyciaes, calafates e carpimteiros, ferreiros, pintores, e
logo teremos abastamça d ooficiaes pêra tudo o necesairo.
Deixo todalas Remdas a tymoja, tyramdo as da ylha ; ha de paguar
o soldo aos portugueses e a toda outra gente necesaira: com hua nao de
cavalos que tomamos, e com os que se tomaram aos turqos, amtre boons
e mãos haverá hy cemto e qoremta cavallos ; nom temos aynda sellas nem
freos, senão huuns poucos devasos sem coiro, que achei em cochym.
Aqy se tomarão allguas mouras, molheres alvas e de bom parecer,
e alguuns homens limpos e de bem quiseram casar com ellas e fiqar aquy
nesta terraa, e me pediram fazemda, e eu os casei com elas e lhe dei o
casamento ordenado de vosa alteza, e a cada hum seu cavalo e casas e
terras e gado, aquylo que arrezoadamente me parecya bem: averá hy qa-
trocentas e cymqoemta almas ; estaas cativas e estas molheres que casão,
tomam a suas casas e desenterram suas joyaas e suas fazendas e suas
arrecadas douro e aljôfar e Robis, e colares e manylhas, contas, e tudo
lhe deixo a elas e a seos marydos : os bens e terras da mezquyta deixo á
W^i^' d^. euivpcac^uD) de santa catexyna, em ciijoo dia pos aoso senbor
4*
28 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dea a vitoria poios merecimentos dela, a qual ygreja mando fazer demtro
na forteleza na cerqua grande.
Lá mando a vosa alteza a mostra das suas cubertas, as qaes jeral-
mente todos trazem nos cavalos por amor das frechas, que he a primci-
pal arma das suas batalhas. Parecem me muyto leves, e seryãoo provei-
tosas pêra guerra d aliem, porque sam todos mouriscos pequenos e pode-
riam com ellas, porque os de cá caminham com ellas: mando também a
vosa alteza os seus espimgardões, que tiram com virotões, e trasem gramde
sooma desta gemte: mando a vosa alteza a mostra das espimgardas dos
Rumes e a fumdição (?) das que os mouros faziam em gooa, e asim mando
mais a vosa allteza da sua artelherya grossa duas bonbardas grossaas;
e mais mando a vosa alteza huua sela das de cá, que me elRey donor
mandou : mando a narsynga huum messageiro, e mando allguuns cavalos
a elRei de naarsymgua e Representar lhe o feito de goa, aynda que já
tenho mandado dous piães com cartas a braldez, que já lá tinha man-
dado, e ver se com este feito de gooa lhe podemos tirar o credito que
tem nos turqos e medo que lhe am, e averem que somos homens que fa-
remos tam boons feitos na terra como no maar, e asy ver se o poso fazer
aballar seus arrayaes contra os turquos de daquem, e quererem nossa
amyzade verdadeira.
Despois de ter esta esprita, mandei dioguo femandez cryado de
vosa alteza com trezentos homens nas galés e paraos, e gemte, piães da
terra, com capitães delRey d onor e de timoja, e foram per terraa a bam-
da, húua terra em que os turqos aynda estavam com jemte de cavalo e
de pé, e per força os lançaram fora dele, e agora vam sobre condall, ou-
tra terra de goa, e vay a nosa. gemte per mar lá, e a jemte da terra per
lerra, e acabado de os lamçar d aquy fora, o que espero em noso senhor,
nom fiqa mais por fazer, porque toda a outra terra de cintaqola até goa
está á vosa obediência toda, e estam vosos alcaides em cada lugar, e de
goa até comdall, que he comtra dabuU, nom nos falece já senão comdall :
peço vos, seahor, por mercê que me creaes de comselho, e que façaes muito
fundamento de goa, porqe he tam gramde cousa e tam principal, que vos
certeíiqo, senhor, que, sendo cousa que Deos nom permyta, perdemdose
a ymdia, de goa a podes tornar a ganhar e comquistaar, e pôde noso se-
nhor abryr camynho, como em muy pouco tempo pooderiam as vosas
gemtes emtrar o Reino de daquem e de narsynga, porque a força dos
tuf qos soo per sy nom he muito gramde, se os gemtioâ nom fosem seus
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 29
soditos e nom andasem naa guerra com elles ; e os gentios são homens
cheos de novidades, e se acharem capitam português que dè escalla franqa
e soldo, sâo logo cem mill piães com elles, e tomam a Remda da terra
em pagamento de seos soldos ; e os turqos são deuisos amtre sy ; toda
sua força he piães gemtios: poderá ser í[ue parecerá esta cousa hum
pouco duvidosa, e a mym cá parece me muy bem, porque vejo a hum es-
cravo conprado por cynquo xeraflns fazer se senhor de muitas Rendas e
de muitas terras: goa podes nella ordenar e fazer todo o que quiserdes;
nom ha mister soldo nem mantimento de vosa alteza, amtes pooderês aver
dela quanto gemgivre determynardes de mandar pêra eses Reynoos; e es-
pero em nosso senhor, segundo os homens que sam casados nesta terra
e follgão de viver nela, que os mesmos lavradores serão os portugueses,
os quaes são casados já quy muitos, e os de cananor querem se vir viver
aquy: escrita em goa aos xxij dias de dezembro de 1510.
(Por lettra de Affonso de Albuquerque) feytura e servydor de vosa
allteza
Afonso dalboquerque
( Sobrescripto) Pêra eIRey noso senhor*.
CARTA IX
1612— Abril 1
Senhor. — Algtlas cousas mevdas de quaa da Imdia, que será ne-
cessareas sabelas voss alteza, as esprevo aquy nesta carta gramde, por
nam fazer gramde valumy de cartas. E diguo, senhor, que chegamdo de
malaca aa Imdia achey as nãos principaees d armada derribadas e achey
algtlas pesoas de bem lamçadas fora de cochim pelo alcaide moor e fey-
tor a que ficou ho carguo da terra: era hum destes simam rramjell, ho
quall mandavam a goa e se foy a cananor; daly a dias tomamdose pêra
cochim em hum paguer de mouros, tomaram a ele e a outro os caturis
de Calecut ; neste tempo estava mafomede roaçary, primcipall mercador
de Calecut, com sua casa pêra se ir pêra ho cairo domde era naturall, e
o comprtfú e o levou comsiguo.
1 Torre do Tombo-*- C. Ghron. P. 1.' M. 9. D. 109.
30 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Saberá voss alteza como de calecut partiram cimquo ou seis nãos e
levavam especearia, semdo eu em malaca e manoel de lacerda com ar-
mada da imdia em goa ; deu a estas nãos tam gramde vemto de ponente
que se perderam a mayor parle delas, e mafomede maçary com duas ar-
ribou aas ilhas de maldiva, omde ao presemte está, e se nos ho negoceo
de goa der lugar, nam nos escapará: com este mesmo tempo arribaram
as nãos que hiam pêra vrmuz, e alguas delas se perderam ; e creo que
averá gram fome em vrmuz e gram necesidade de mamtimentos, pois os
arrozes da imdia nam pasaram: com este mesmo tempo arribou htla nao
d adem, que carregou de canela em ceilam, e veyo ter a balecallá e hy
descarregou; creo que haverey toda e que nam pasará em nenhúa ma-
neira.
Partimdo eu pêra malaca, leixey a mayor parte da jemte da imdia
nas fortelczas, com gramde defesa que se nam pasase d ua forteleza a ou-
tra nenhua jemte sem meu espiciall mandado até minha vimda; ouue-
ramse os capitãees nisto froxamente, em tall maneira que muy desem-
vergonhadamente fojiam os que queriam dum lugar a outro em pagueres
e paraos de mouros, e iso mesmo deram licemça alguas pesoas que fos-
sem tratar, nam semdo daqueles que voss alteza a tall liberdade deu, por
omde se fizeram allguuns maaos recados: dou esta comta a voss alteza,
porque sam cousas que obrigam a castiguo, e nimguem nam quer ver
justiça em sua casa; e esta devassidade foy em goa mais que em outras
partes.
De goa deu licemça dioguo mendez alg&as pesoas pêra se irem pêra
eses rregnos, amtre os quaees foy hum gomçallo rabello, o quall teve
cargo da tanadaria e rrecebimento da ilha de divary e de choram, e se
foy com ho dinheiro, sem dar comta nenhua, e mais rroubou muita fa-
zenda a Rodrigo Rabello por seu falecimento, no quall rroubo foy hum asy-
fiado meu aseelado que ficaua na mãao de Rodrigo Rabelo e na sua bueta
pêra ho socedimento da capitania, quamdo dele deos desposesse algua
cousa, no quall socedimento leixava manoel de lacerda e fícase n armada
do mar diogo fernandez até minha vimda.
Com esta mesma licemça se foy hum frade de sam domimgos que
eu hy leixey por vigairo contra minha vomtade, o quall leva rroubado
mais de setecemtos cruzados de defuntos, porque fazia os testdtnentos, e
fez se erdeiro nos testamentos e a outros que ho perfilhavam: mais fez
depois de minha partida: fez emtemder a eses homeens casados que es-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 31
tavam escomungados, porque os ele nam rrecebera, nam tomdo ele poder
do vigairo jerall que quá he, pêra poder ministrar este sacramento, so-
mente frey framcisco da rrocha, a que estes poderes coraeteo ho vigairo
quamdo me party de cananor pêra goa, e este casou cemto e cinquerota
pesoas antes que partise pêra malaca ; e a este frade mamdoulhe ho vigairo
estes poderes despois que me eu party pêra malaca; pôs tamtas escumn-
nhõees nos casados que tirou de cada hum hum cruzado e dous cruzados
e iso que podia aver deles per força; daualhc este lugar droguo mendez
e os da sua valia, que entam rreinavam por capitãees, os quaees eram pêro
coresma, ho cimiche, femam corroa: este frade que digo, por cobiça de
dinheiro fez peramte mim ho que aquy direy a voss alteza: foy tomada
hua molher em goa, e aquele que a tomou vemdeo a logo a hum mes-
trafonso, físico, boom crístãao, que quaa amda; mandeylha tomar, por-
que nam era dada per mim; mandeya tornar christãa e case a com bum
homem que a rrequereo de casamemto: teve tall maneira este mestre
afomso, que por hum cachopo seu mamdou imduzir a molher que disese
que nam casara por sua vomtade com aquele homem, e peitou ao frade
que a mandase vyr diamte dum altar omde nós hiamos ouuir misa; cui-
damdo ho marido que era pêra outra cousa, trouxe sua molher, e o frade
lhe fez pregumta, se casara por sua vontade ; ela respomdeo que nam :
ho mestr afomso estava aly, e pedio logo hum estromento daquilo; ho ma-
rido quamdo se asy vyo, tomou sua molher e levou a, e foy me fazer quei-
xume da desomrra que lhe o frade e aquele boom cristam fezera; man-
dey chamar o mestre afonso e lhe dise que como ousara ele diamte do
altar de noso senhor vituperar ho primeiro sacramento que ele ordenara,
e que imda ele lá trazia aquela pedrada guardada pêra lhe dar; respon-
de me que fezera bem e que imda se nam arrepemdia; mamdeyo entam
premder, e mamdey fazer auto daquele caso : prouou se contra elle sobor-
nar a molher, e imduzila que disese aquillo e que lamçase mãao do al-
tar; mandar lhe aqueles rrecados por hum moço seu, que sabia a limgua
da terra; prouou se ter peitado ao frade: foy pregumtada a molher; dise
como lhe ele e o frade acomselharam como ela disese aquilo, prome-
tendo lhe mestre afonso que casaria com ela, e outras maldades deste
feito que aquy nam esprevo a voss alteza: mamdey loguo ho frade fora
pêra as naaos de dioguo mendez, e o creliguo de dioguo mendez leixa*
vao em goa, porque frey framcisco que entam era noso vigairo, avia diir
comigo narmada; e o boom crístam, quisera fazer justiça dele, e por ser
32 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
físico e dizer que querya casar na terra, lhe perdoey vossa justiça, e roais
per rrequerymento dos casados; e casou com hõa molher que ele nam
merecia: tornou ho frade ter maqeíra como os casados mo mamdaram
pedir e eu ho torney a leixar ; pregou sempre contra os casamentos e com-
tra mim, mostramdo sempre aa jemte como aquele ano avia de viir outro
governador; afavoreceo isto dioguo mendez, que tinha emtam cargo de
capitam, e pêro coresma e o comiche e fernam corrêa, que mamdavam
entam toda a terra, e danavam este feito e desconfiavam os casados, avendo
que era obra de mynhas mãaos, sabemdo que o mamdava voss alteza fa-
zer; e daquy naceo alguns descomtemtamentos aos casados de goa, por
omde alguns fizeram de sy mao rrecado.
Mais fez este frade : semdo eu em malaca, casey em goa hua mo-
lher omrrada e de boom parecer com hum João cerueira, homem de bem:
veyo ho marido a falecer, e ela casou loguo com outro, e rrecebê os hum
archiles godinho também casado em goa peramte certas testemunhas em
sua casa; namorou se desta molher hum homem, que he já falecido, pei-
tou ao frade, e descasou a, e mandarana pôr em casa dum homem, omde
aquela pesoa já falecida hia fazer ho que lhe aprazia com ela; como
aquela pesoa faleceo, foy logo ho frade e casou a com outro: e esta cizma
que ele pregou, de vem outro governador, danou muito aa jemte e o ne-
goceo de goa, porque as pesoas que isto afavoreceram, delreminaram dar
com goa no cham, mostramdo que ha nam avia de soster ho outro go-
vernador que vynha, e que havia de derribar, e que nam era vosso ser-
uiço soster goa ; e após isto cayo hum pedaço de muro velho do tempo
dos mouros, nan o qeriam correjer: mandaram algtlas pesoas que eu
aquy nam diguo, rrecolher ho fato aas nãos, e a jemte que nela estava,
com as taees prégaçõees assaz descomfiada; e mais pregavam ser eu morto
e perdido com toda armada aqueles que desejavam tomar vimgamça nas
vossas cousas, cuidamdo que empeciam a mim; e desta mercadaria se
trata quaa na imdia, se voss alteza nam torna com muy gramde cas-
tigo a iso, porque se a emveja damtre nós fosse desejarmos de vos ser-
uir huns tam bem como os outros, seria emtam a tall emveja vertude;
mas ho que agora quaa Reina, he querermos aquerir autoridade amte
voss alteza cos defeitos alhêos, folgamos com as quebras e desastres que
acomtecem huns aos outros nas cousas de vosso seruiço, e aimda nos tra-
balhajmos com nossas envejas por os outros fazerem erradas e darem
noiaa comta de sy : chegou, neste tempo em que se goa nesta furtuna vio.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 33
manoell de lacerda e diogo fernandes, que sostiveram ho feito todo e man-
daram reformar ho muro de pedra e call; e asy me trouxe noso senhor
neste tempo aa imdia a ssalvamento, e a jemle tomou mais aseseguo e se
comfortou mais.
Saiba voss alteza certo, que as cousas que me mais mall tem feito
na imdia e mais desaseseguo tem metido, asy nos mouros como nos cris-
tãos, he dizerem vem Rumis, vem outro governador, porque já voss al-
teza sabe como os portugueses sam cheos de nuvidades, e emtra isto tam
bem nos boons homeens como na jemle civell, semdo cousa certa aver de
viir outro governador á imdia; e com estas cousas fazem ás vezes os ho-
meens outras cousas dinas de castiguo, que nam fariam, e os senhores
de quá e Rex ás vezes tardam em viir a comcerto e aseseguo, e os que
ho tem tomado bolem comsyguo, e outras praticas neste feito, que torvam
muyto ho asesego das cousas de voso seruiço.
E quamto á vimda dos Rumis, aja voss alteza por certo, que hatá
que nam emtremos ho mar rroxo e descomfiemos a imdia de nam aver
hy Rumis, nam ha de deixar cadano d aver hy rrevoltas e emburylhadas
na imdia aiguas cousas: pesoas que de lá vieram, soltaram quaa esta
vertuosa nova, que vinha outro governador, e nan os nomêo aquy a voss al-
teza, porque nam he de minha comdiçam danar nynguem amte voss al-
teza. E com esta mesma nova de vem outro governador, cometeram al-
g\ins homeens de boom aseseguo hila bõoa imburylhada no Rio de goa,
tendo noos os mouros com muyta. artelharia sobre o pescoço: crede, se-
nhor, que he esprito de comtradiçam quallquer trabalho que se quá daa
á jemte, porque nam podem sofrer fazer fortelezas, nem andarem no mar,
homeens que nunca trabalharam; e voss alteza manda que as façamos nós,
e os aparelhos pêra iso estam nas vossas taracenas em lixboa, e portamto,
senhor, as que se quá fazem, falas deus milagrosamente, e os cavaleiros
portuguezes que vos quaa servem, trabalham nellas em cotinhos, porque,
senhor, fazer fortelezas ha mester preposyto, e nós nam temos na imdia
de que fazer preposito; metemonos n armada com hum pouco d arroz e
huns poucos de cocos, e cada hum com suas armas, se ás tem : nos vosos
almazeens quá nam ha nenhila cousa, hum prego que se quá faz, asy
como ho tiram da forja, asy ho vam logo pregar no costado da nao.
Digouos, senhor, isto, porque vos vejo mamdar as nãos carregadas
d aparelhos, armas e jemte, pêra soster as cousas que os outros Rex vos-
sos amtecessores ganharam jumto com vossos regnos, e voss alteza des-
6
34 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
afavorece as cousas de vossa vitorea e vossa fama tam lomje de vossos
rregnos, tam gramdes e tam rricas que imrrequece voso povo e emno-
brece vossos rregnos e senhorios; e sostendes gramdes gastos e gramdes
despezas com as rriquezas que vos de quá vay, e com ajuda de noso se-
nhor cada vez vos irá maais, porque a imdia ha de tomar asento de ne-
cesidade, porque as cousas tam gramdes, em que ha tamta comtradiçam
que tam lomje tem ho remedeo, he muito ho que está feito: outras cou-
sas poderia eu dizer neste caso, porque sam L** anos*, e vy dous Rex vos-
sos amtecessores e o que em seu tempo fezeram ; e vy as armas que ti-
nham, e armadas que fizeram, e as nãos de seu rreino camanhas eram e
quamtas, e as ajudas que deram a seus amigos, e vy também os gastos
e despesas que fizeram e podiam fazer ; e vejo agora ho que vossa alteza
tem dado depois que rreinou, e as gramdes despezas que sam feitas so-
bre a comquista da imdia, e asy outras gramdes armadas que em ajuda
de vossos amigos mandastes fora de vosos rregnos, e a comtinua guerra
e despeza que cada dia fazees nos lugares d africa, e armadas que cadano
ao mar do estreyto mandaees, e muy gramdes e grossas nãos que comti-
nuadamente mandaees fazeer ; e sey certo que os Rex vosos amtecessores
vos nam leixaram tisouros que estes gastos podesem sofrer, mas amtes
vos leixaram imdividado, e obrigaçam de gramdes despesas; e eu sey
certo que todo este feito sostem a imdia asy emgorlada como a voss al-
teza agora logra ; e se a noso senhor aprouver que ho negoceo da imdia
se desponha em tall maneira que ho bem e rriquezas que nela ha vos
vam cad ano em vossas frotas, nam creo que na cristemdade averá Rey
tam Rico como voss alteza; e portamto diguo, senhor, que aquemtees ho
feito da imdia muy grossamente com jemte e armas, e que vos façaees
forte nela e segurees vossos tratos e vossas feytoryas, e que arrymquees
as Riquezas da imdia e trato das mãaos dos mouros, e isto com bQoas
fortelezas, guanhamdo os lugares prímcipaees deste negoceo aos mouros,
e tirar vos ees de gramdes despesas, e segurarees voso estado na imdia,
e averees todo o bem e Riquezas que nela ha, e seja com tempo.
Alguas cousas que acima toco a voss alteza acerqua do negocio da
imdia é de como vejo a voss alteza aver este feito por cham e seguro; e
vejo vossos rrejimentos e cartas cheas de bramduras e seguros pêra os
mouros de quá, avendo por certo que asy se fará nestas partes as cousas
^ Cincoenta annos.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 35
de vosso seruiço, mamdamdo me que escuse a guerra quamto poder, e
outras palavras que em vossas cartas vem que diga e fale aos Rex e se-
nhores destas parles, com quem querees ter tratos, feitorias, vemdas e
compras de mercadarias, vossa jemte e fazemda segura; e vejo após isto,
que mandaees fazer muy bõoas fortelezas e segurar vossa fazemda e vossa
jemte; e vejo que querees leuar as especearias e rriquezas da imdia com-
tra vomtade dos mouros, e que querees desfazer ho trato de mequa^ de
Judá e do cairo ; e vejo que os mouros que gastam seus tisouros por voUo
defemder, e que s escusam quamto podem de rreceber vossos tratos e fei-
torias por suas vomtades, e queles que as tem Recebidas aguardam tempo
pera^ quamdo poderem tirar ho laço fora do pescoço, poer as mãaos á
obra; e sey certo que esta he a comdiçam dos mouros cos cristãos, e será
atee fim do juizo, emquanto eles poderem; e asy vejo como lhe \oss alteza
tem tirado sua amtiga e isemta navegaçam e trato, e aos Rex mouros der-
ribados de seu estado, poder e mando, que tinham na imdia, vituperados
e cheos dopressam, e lhe temdes tomado e tirado todo seu senhorio do
mar, e mares com que suas terras e reinos confinam, e alguns deles fei-
tos trebutareos, e outros que com medo vos mamdam pedir pazes ; estes
taees cuida voss alteza de segurar com bõoas palavras, paz e seguros,
semdo mouros senhores de muyta jemte, muytos cavalos e muito dinheiro:
com bõoas fortelezas, muita jemte de cavallo, muita artelharia e bõoas
armas, vejo eu lá a vos alteza segurar as cousas de vosso estado em terra
dos imfiees, e desemparaees a imdia, temdo muita necesidade de todas
estas^ cousas pêra a segurardes, semdo a mayor empreza que nunca ne-
nhum primcipe cristão teue nas mãaos, e mais proueitosa, asy pêra ho
seruiço de deos como pêra ho vosso nome e fama, e asy pêra averdes as
rriquezas quantas ha no mundo, e deixaila aa misericórdia d uns poucos
de navios podres e de mill e quinhentos homeens, a ametade deles jemte
sem proueito: nam diguo, senhor, mais, senam que ey medo que nam
queiraees afauorecer isto em meu tempo por meus pecados velhos e no-
vos; e mais, senhor, nam querees voos que homem ás vezes cometa hum
feito na imdia, em que vay muyto voso seruiço, sem nos avemturarmos
tamtas vezes, pola pouquidade da jemte que quá temdes.
Vejo, senhor, também nam me mamdardes armas nem jemte nem
nenhum aparelho de guerra; vejo vossos capitãees que de laa vem, muy
isemtos, e omde me nam acham em pessoa darem muy pouco por minhas
determioaçõees e mamdados e porem nas em comselho e jem vozes ; e vejo
30 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que se sabem muy bem desobrigar da necesidade que aas vezes acham
na imdia, e nam nomêo aquy alguas pessoas qae ho já fizeram, e por
mostrarem sua justyficaçam e que nam viam necessidade na imdia que
os obrigase, deram a pramcha em terra e levaram me quamla jemte sãa
e bõoa avia na imdia, e leixaramme os espitaees e casas chèas domeens
doentes, e asy me levaram oficiaees, e presos obrigados á justiça, fa-
zemdose detreminadores nas cousas de vosso seruiço na imdia, e que
nam era voso seruiço aver tamta jemte na imdia, e que eu tomara goa
com iij homeens ^; e eles sabiam certo que eram eles mill e seiscemtos e
oitemta per Roll feito per auitonio fernandez criado de dom martinho,
feitor d armada em amjediua, e que destes que digo, eram duzemtos e
cimquemta das nãos de dioguo mendez, e setemta demxobre^as, e do
bretam trinta e seis, e da lionarda quaremta, a quall jemte nam he da
ordenança da imdia, que sam naaos de carga e am diir sua viajem em
seu tempo, e per esta comta, senhor, que diguo, ficavam mill e duzratos;
tiramdo daquy cem malabares^ ficam mill e cemto, e ficavam em cananor
setemta homeens dordenamça e em cochim ficariam oitemta dordenamça,
e isto porque a voss armada amdava sobre ho pescoço das vosas fortele*
zas ; e estas pessoas que asy deram a pramcha em terra e me levaram a
jemte fora de minha ordenamça, dirvosey, senhor, ho que fizeram.
Com eles ficaram quinhemtos homeens, a milhor jemte da imdia, e
duzemtos que ficariam alapardados e escomdidos; fizeram em cananor,
depois que meu party, homeens fojidos pêra esses palmares; chamavanos
com seguros e davam lhos; faziam excramaçõees de mim á jemte, mos-
tramdo que a tinha por força na imdia e que se lamçavam cos mouros
por isso, e que pêra que queria eu três mill homeens na imdia? leva-
ram me ferreiros, cou^aceiros e carpimteiros, som minha licemça e meu
mamdado, e outras cousas que aquy nam esprevo a voss alteza: todo seu
negoceo era culparem a mim, dizerem mall de mim, buscarem rrezOes
pêra s escusarem da necessidade que deles tinha nas cousas de voso ser-
viço ; e deus sabe que nam merecy a nenhum deles fazerem me tam maas
obras.
Estas sam as pessoas que lâ fazem a imdia chãa e as cousas destas
partes muy leves, cuidamdo que vos comprazem niso e daneficam a mim,
▼emdo quamto dano fazem ao s^uiço de voss alteza; porque, se todos vos
1 Tree mil komdAs.
♦- - ».
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 37
espreveranios e faláramos verdade, outra maneira tivera voss alteza nas
cousas da imdia; e digouos, senhor, isto, porque alguas vezes me falou
voss alteza neste negoceo da imdia com mayor fumdamento e detremina-
Qão do que eu agora vejo em meu tempo, polas rrezoõees que acima dito
tenho; e sabe voss alteza ho que nace deste deseraparo e necesidade em
que me vejo? tomar malaca duas vezes, e tomar duas vezes goa, e pele-
jar duas vezes com urmuz, e amdar em hua tauoa no mar por rremedear
as cousas de voso seruiço e minha obrigaçam ; e se pelos taees feitos fora
do boom comselho e ordenamça da guerra cheos de necesidade algua
jemte faleceo nestas cousas que dito tenho, alem de serem pecados meus,
obrigada está a vossa comciemcia, porque se me voss alteza mandase os
aparelhos, jemte e armas, que cumpre pêra ho que mandaees fazer, nam
metera eu a jemte duas vezes no foguo em malaca, nem em goa duas ve-
zes, nem os mouros d urmuz nam tiveram a vossa forteleza, que eu co-
mecey, em seu poder.
Poderá ser que esquecerá lá aos que fazem ho feylo da imdia leve
e que nam avees quaa mester jemte nem armas, senam trato, as bram-
duras com que os Rex mouros e senhores desta terra respomdem e falam
aas cousas que lhe cometem per voso seruiço, debaixo das quaees jazem
todas suas maldades, emganos e traiçõees; e quero vollas eu, senhor, aquy
lembrar: cojatar e elrrey durmuz, se lhe falam em voss alteza, dizem que
sam vossos espravos e que ho rreyno he vosso, beijam vossas cartas e
põem nas na cabeça, pagam vos páreas: ora mamde voss alteza lá asentar
vossa feitoria e forteleza debaixo destas bramduras e verdade sua, e pe-
dir lhe ho rregno que lho voso capitam ganhou e tornou emtregar com
juramemtos na sua ley, e vejamos como ho comsemtem, senam com bõoa
jemte e bem armada e bõoas naoos : dezia el rrey de malaca que era voso
seruidor e que a terra era vossa, e que ele matara bemdará, porque ma-
tara os vosos cristaaos, e que a fazemda das naaos que loguo era pagua,
e que folgaua com vosso trato, paz e amizade ; e com estas bramduras
fez muy forte sua cidade e sua terra, e tinha mais de xx homeens* de pe-
leja com bõoas armas e bõoa artelharía, e nam quis voso trato, paz nem
concerto com voss alteza, e aguardou ser desbaratado primeiro duas vezes.
Eirroy de cambaya deseja paz e amizade de voss alteza, e precura com
embaxadores e j^récados seus á meude, .e diz que dará lugar pêra fazer
^ Vinte mil homens.
38 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
fortaleza; veja ora voss alteza, se tirardes jemte e armas e bõoa armada
aa imdia, se comprirá isto que vos promete; e também veja voss alteza,
se he bem que debaixo de suas bramduras e moralidades e bnoas pala-
vras se deva comfíar dele vossa jemte e vossa fazemda sem forteleza em
terra. E asy miliquiaz nam diz ele que he vosso vassalo e que vos ha
sempre de servir bem e leallmente? este tall, se nos ele viir em algfla
quebra, credes voos, senhor, que nam dirá ele que he vassalo delrrey
de cambaya e que nam podia fazer pazes sem sua licemça? os mouros
de Calecut nam beijavam eles os pees ao voso feitor e tomavano por juiz
e detreminador de suas deferemças, chamamdose vossos espravos? nam
vee voss alteza ho que fizeram e os modos que tiveram com pedr alvares
e CO vosso feitor, pêra se fazer escamdolo na terra, ordenada e criada
per eles esta estucia? os mouros de cananor nam sabe voss alteza que se
chamam eles vossos espravos, e vem beijar os pees ao vosso feitor e vem
cpm gramdes vmilldades e somitimemtos debaixo de voso capitam, e por
muy piquena cousa vos cercaram vossa forteleza duas vezes e comtraria-
ram sempre nam se fazer? e como dizem que vem Rumis, nam vemdem
pam na praça á vossa jemte: chaull paga vos páreas e sam homeens muyto
sumitidos em voso seruiço, e debaixo desta verdade e bramdura ajuda-
ram a desbaratar voss armada e afauoreceram os Rumis, e deram omrrada
sepultura a maymame, capitam de calecut, que emtam aly morreo, que
oj este dia em dia está diamte dos nosos olhos, casa muy bem obrada e
muy fermosa, canunizado por samto, porque morreo em guerra comtra
os cristãaos : batecala nam vos paga 1] fardos ^ d arroz de páreas, sumitido
a tudo ho que deles quiserdes fazer? e dam ajuda ao çabayo comtra nós
de muitos cavallos durmuz, muyto salitre e emxofre, e gramdes cáfilas
de mamtimentos; e nós, quamdo himos, dizem que nam ha arroz na terra,
senam ho que os mercadores tem pêra suas nãos. ElRey donor nam vos
tem ele dado mirgeu com mill e tamtos pardaos de páreas? e ajuda ho
çabayo contra nós, e traz seus embaxadores comtinuadamente em sua casa:
coulam nam estava somitido á vossa obidiemcia? e polo vosso feitor aver
algum descomcerto cos mouros e nãos de calecut, ho leixaram hy espe-
daçar oos mouros e quamtos com eles (sic) estavam : os mouros de cocbím
nam sam eles vosos espravos, e feitos gramdes rricos com vosos tratos?
como hy haa algum Reboliço na imdia, loguo a sua bolsa e companhia
1 Dois mil fardos.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 39
e ajuda he metida no negoceo: a cidade de goa nam recebeo ela meu
seguro, e lhe quitey gram parte dos dereitos que soyam de pagar, e lhe
outorguey todalas terras, rremdas e soldos que lhe ho çabayo tinha dado,
e asy as terras de suas mizquitas, e viverem á sua vomtade debaixo da
sua maa seita? e como viram tempo desposto, tomaram suas armas com-
tra mira e poseramme em desbarato. E elrrey de narsymgua nàm tem elle
amizade e paz comvosco? e ajuda ho çabayo comtra nós secretamente;
e demtro em besnigar nam matou hum Rumy frey luis? e nam fez nisso
nehúa cousa; e na primeira vez que nos os mouros entraram goa, hy
matamos hum seu capitam, e pesou lhe muy bem co a tomada de goa, e
ha muy gramde medo de voss alteza: a estes taees cortar lhe os governos,
tomar lhe a rribeu*a do mar, fazer lhe muy bõoas forteiezas nos lugares
primcipaees, porque d outra maneira nam avees de meter a imdia a cami-
nho, ou temde sempre hum peso de jemte nestas partes, que os tenha sem-
pre asesegados, porque a amizade que asemtardes com quallquer Rey ou
senhor da imdia, se a nam segurardes, tende, senhor, por certo que volvem-
dolhe as costas, os temdes logo por imigos. E isto que diguo, custume
he jerall quaa amt reles; nam ha quaa ho primor desas partes em guar-
dar verdade nem amizade nem fee, porque a nam tem, e portamto, se-
nhor, comfiay em bõoas forteiezas e mamdayas fazer, seguray com tempo
a imdia, nam ponhaes ho couodo na amizade dos rrex e senhores de quá,
porque nam eratrastes vós com querela na imdia pêra vos asenhoreardes
ho trato delas com bramdnras nem comcerto de pazes, nem vos faça nim-
guem lá emtemder que he isto dura cousa d acabar, e acabando o, que
vos obrigará a^ muito. E diguo vos, senhor, isto, porque tenho eu imda
oos pees na imdia, e pêra hum feito de tamlo voso seruiço, tam gramde
e tam proveitoso e tam rrico, querya eu que os homeens vemdessem suas
fazemdas e viessem a esta empresa, e nam pêra fazer forteleza na caza
do cavaleiro.
El Rey de vemgapor nam se mostra ele vosso servidor muyto? co-
mo tomey goa, mandey logo hum capitam a çupa com quinhemtos piãees,
bua tanadaria das terras de goa que comfína com sua terra, e mandey
gaspar chanoca com cavallos a elrrey de narsymgua, noteficamdo lhe que
vossa alteza mamdara tomar goa, pollo ajudar comtra os mouros, e prim-
cipalimente comtra o çabayo, que lhe sempre fizera guerra, dizendo lhe
que se quisese entemder no rreino de daquem, que eu ho ajudaria; e
mandey a elrrey de vemgapor presemte de peças de brocados eezcarla-
40 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tas e joyas booas, pedimdolhe que me leixase comprar em sua terra du-
zemtas selas e duzemtas cubortas de cauallos; desimulouo muy bem e
nunca ho comsymtio, dyzemdo que sem licemça dei rrey de narsymga ho
nam avia de fazer.
Afora todas estas cousas que acima dito tenho, ha hy algum por-
tuguees que se desmande na imdia e seja achado de mouros, que lhe lo*
guo nam levem a cabeça nas maãos? e ha hy algum navio que chegue a
porto de mouros, se ho vêm estar a mao rrecado, que ho nam apalpem
loguo pêra ho tomar? afora outros emganos e maldades que lhe mevda-
mente homem quaa sofre: ora veja voss alteza, se na terra omde nos a
nós tem este amor, se ha voss alteza de mester jemte e armas e bõoas
fortelezas pêra as soster, ou se nos deitaremos a durmir descamsados
sobre a verdade destes câees, com as portas das fortelezas abertas; e a
quem vos a vós, senhor, desta maneira espreve de quá da imdia, man-
dai lhe voos criar ho filho.
E aimda diguo que pêra os tratos da imdia e asemtos de feitorias
se fazerem, como compre a vosso serviço, sem guerra, e a imdia tomar
asento, e os lugares omde ouuer mercadaria rreceberem nossos tratos e
companhias, que por três anos teria nela três mill homeens bem armados
e bõos aparelhos de fazer fortelezas e muytas armas, e as rrezõees por
que me isto parece, sam estas.
Dos lugares omde ouuer mercadaria e dos mouros mercadores nam
podemos aver pedraria nem especearia por bem, e se a queremos por
força e comtra suas vomtades, ha mester fazerlhe a guerra, e já do tall
lugar por dous e três anos nam podemos aver nenhum bem ; e se noô
vêm força de jemte, fazem nos omrra, nam emtra em seus coraçõees fa-
zerem nos engano nem Ribaldaria, dam nos suas mercadarias e tomam nos
as nossas sem guerra, e acabaram de deixar este emgano, cuidarem que
nos am de botar fora da imdia: e sabe voss alteza que manha he a dos
mouros de quá? como chego com armada sobre seus portos, a primcipall
cousa em que se logo trabalham, em saberem quamta jemte somos, que
armas trazemos; e se nos vêm força com que eles nam possam, emtam
nos rrecebem bem e nos dam as suas mercadarias e tomam as nossas
de bõoa vomtade ; e se nos vêm fracos e poucos, crede, senhor, que aguar-
dam a derradeira detreminaçam e se põem a tudo ho que possa acomte-
cer, milhor que nenhua outra jemte que tenha visto; asy ho fez vrmuz e
malacâ e todolos lugares em que pus os pees : el rrey de malaca primeiro
CARTAS DE AFFONSa DE ALBUQUERQUE 4 1
soube que éramos nós oitocentos homens bramcos, e creavoss alteza qiie
Dam arraram três, averya hy mais duzemtos malabares d espadas e adar«
gas: como soube que nam éramos mais jemte, ouuenos loguo por per-
didos e impivlados e era seu poder, e aguardou toda nossa detremina-
çara; e depois deste feito acabado, viio vertemutarrajajaao a jemte que
éramos em terra, e mamdava comtar as covas e ver nas casas quamtos
doemtes e feridos avia ahy, e como viio nossa pouquidade, começou lo-
guo de bulir comsyguo; e se nam apagara toda sua casa, sempre nos me-
tera em necessidade, porque era homem de muyta jemte : per esta ma-
neira ho fez vrmuz comiguo: depois de morta e desbaratada toda sua
jemte na guerra, meteram oa cidade quamta jemte d armas poderam, e
vyram nossa pouquidade e trabalharam por tirar ho laço fora do pescoço;
e nestes feitos taees omde hy ha força de jemte, nam leixa entrar nos
coraçõees e pemsamentos dos mouros fazerem nos traiçam. E isto, senhor,
que vos eu aquy esprevo, ha de durar na imdia emquamtò nam virem em
vosso poder as forças primcipaees dela, e bõoas fortelezas ou peso de
jemte que os asessegue, e desta maneira se fará ho trato da mercadaria
sem guerra e sem termos tamtas pemdemças na imdia; e três mill ho-
meens polo soldo que voss alteza agora daa, pouco mais ou menos falem
(sic) cemto e vimte mill cruzados cadano, e a especearia que mandaees
levar da imdia cad ano, tirando os soldos da imdia, perdas do mar e ca-
hfiáúlj valem hum milham de cruzados: veja voss alteza se ho arvore que
este fruito daa cadano, se merece ser bem ortado e bem regado e bem
fauorecido. E aimda vos torno a dizer, que se querees escusar a guerra
da imdia e ter paz com todolos Rex dela, que mandees força de jemte
e bõoas armas, ou lhe tomees as cabeças primcipaees de seu rreino que
tem na Ribeira do mar.
Item. Chagado de malaca a cochim, mandey loguo a gram pressa oito
caturis a goa, e foram laa em seis dias, noteficamdo lhe minha chegada
e a tomada de malaca, que afavoreceo muito a jemte, e os imigos nam fol-
garam com tall nova ; e asy mandey entregar a capitania de goa a ma-
noel de lacerda, e alcaidaría a manoell de sousa, e o cargo d armada a
dioguo fernandez; e mandey soltar dez ou doze mouros que trouxe de
malaca, por esas terras todas deses rrex e senhores, que lhe comtassem a
verdade, e pelos caturis me fiz prestes com esa pouca jemte com que
cheguey pêra ir a goa, e de lá me mamdaram dizer todos eses capitãees,
fidalgos e caualeiros, que em nenhua maneira nam devia diír com tam
6
42 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
pouca jemte, porque pêra defender a forteleza tinham seiscemtos homeens
6 quinhemtos piãees da terra e alguns outros homeens homrrados da terra
em companhia destes; e neste tempo chegou hum capitam do filho do
çabayo, que se chama Ruztalcam; e ho outro capitam que estava demtro
na ilha, que se chamava pularcam, nam quis obedecer ao Ruztalcam nem
aos mamdados do çabayo: o rruztalcam teve maneira de fazer emtemder
a diogo mendez, que emtam era capitam, e vossa jemte, que vynha por
pazes, e trazia certos portugueses que cativaram com femam jacome e
duarte tavarees, hum escudeiro do comde dabramtes que me cativaram
na ilha de choram, porque quis fazer valemtia sem minha licemça nem
meu mandado: chegamdo esle capitam sobre banaslary, soltou logo ho
duarte tauares com rrecados pêra ho capitam da forteleza, mostramdo
quamto ho filho do çabayo desejava a paz, pedimdolhe ajuda pêra botar
pularcam, que estava alevamtado comtra ho çabayo; o capitam e eses fi-
dalgos e caualeiros que em goa estavam, deram fee aas palavras de rruz-
talcam, e mamdaram batees e galees polo Rio, e rruztalcam pelejou com
o pularcam, que estaua na ilha, e o desbaratou e lamçou fora da ilha com
ajuda que lhe deram; e emtrado na ilha, começou de pedir a forteleza,
que era casa do çabayo e cabeça de rreino, que se não avia de dar a nim-
guem ; e daly avamte lhe fizeram os vosos a guerra, e lha defemderam
valemtemente e a vila velha.
A mim me nam pareceo bem ajuda que deram a Ruztalcam que
veyo sobre goa, e se me hi acertara, afauorecera ho pularcam, que es-
tava alevamtado contra ho çabayo e nam obedecia a seus mamdados, e
pela vemtura com noso fauor e ajuda se começara bua cousa de muito
voso seruiço, porque este pularcam era homem aventureiro e valemte ho-
mem, turco de naçam, e ouuera de cometer qualquer cousa gramde, se
tivera noso favor e ajuda; e depois dele ido, conheceo ho capitam e os
da forteleza ho erro que tinham feito.
Este pularcam foy ho (jue emlrou a ilha, e Rodrigo Rabello com trimta
de caualo, semdo os outros iij homeens * turcos e coraçanees a mayor parte,
os cometeo ousadamente e os debaratou e fez gramde estrago neles; se-
ryam perto de mill homeens os que aly morreram ; era aly ho alguazill
velho de cananor com certos naires pêra vos servir, que levou, e pelejou
valemtemente e decepou e matou muyta jemte ; e a sobejidam da bõa fur-
^ Três mil homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 43
tuna e omrrado feito fez a Rodrigo Rabelo desprezar os imigos vemcidos
e desbaratados, e o mataram, como voss alteza já lá saberá; porem crea
voss alteza que ele ho fez como bom cavaleiro, e tinha acabado muy om-
rrado feito, se lhe deus dera a vida; e per aquy verá voss alteza, se se-
semta de cavallo, que eu tinha nos passos da primeira vez que tomey goa,
quiseram pelejar, se apagaram eles trezemtos turcos que primeiro entra-
ram na ilha e a fezeram alcvamtar contra mim e a cidade, porque os se-
tecemtos que após estes vynham nas jamgadas, todolos meu sobrinho dom
amtonio e eses cavaleiros que com ele eram, trouxeram á espada: a ilha
se emtrou a Rodrigo Rabelo, porque nam quis fazer a torre no passo de
banastary, como lhe tinha mandado, e muita camtaria de goa a velha,
que lhe já hy tinha posta, em que está toda a segurança da ilha de goa ,
porque, se emtrarem cem mill homeens na ilha e nós tivermos ho passo
de benastary seguro, perder se am todos em toda maneira, porque ho Rio
per todas partes he muy largo, e nam podiam ser prouidos de mamtimen-
tos, que lho nós nam tolhesemos com ij batees; e o passo de benastary
he cousa muyto estreita e passam per ele lijeiramente, sem lho nós po-
dermos tolher, porque está da bamda da ilha sobre ho Rio hum outro,
em que está hum muro velho e hua porta muyto forte e alta sobre ho
passo e da bamda da terra da ilha muyto chãa; e da outra vez quamdo
m entraram a ilha, se ho passo de benastary estivera forte, perdera se
quanta jemte emtrou na ilha: aja voss alteza isto por muyto certo, que a
chave de goa he ho passo de benastary ; ho passo de benastary nam tem
vao, mas he ho Rio muyto estreyto.
Depois que se este pularcam foy, ho mataram com peçonha, e ficou
hy ho rruztalcam; vynha hy Joham machado com elle e se lamçou com-
nosco em tempo que nos ele era bem necessareo pêra nosos avisos, e nove
ou dez cristãos que cativaram com fernam jacome, que ele trouxe comsyguo.
Myravcem, capitam d armada dos Rumis, elrrey de cambaya que agora
he, lhe deu licemça que se fosse, e seu pay em sua vida numca lha quis dar.
Item. Gomo cheguey a cochím, que soube as compitiçõees que lá
avia na jemte de goa, mamdey loguo prouer da capitania da forteleza a
manoel de lacerda, com que a jemte tomou mais aseseguo, e d alcaide
mór a manoel de sousa, e da capitania das nãos do mar a diogo feman-
dez; deixo aquy de dar conta a voss alteza as rrezões que ma isto move-
ram, por nam culpar tamtos homeens, que tam mall oulham ho que fa-
iem nas cousas de vosso seruíço.
6*
44 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item. Chegamdo a cochim, a mim me pareceo seraiço de deus e de
voss alteza avitar alguns males que se faziam nesta pouoaçam da vossa
jemte e cristãos novos, e mandey apregoar que todo homem ou molher
jemtios s afastassem da nossa pouoaçam e fose viver fora, porque, senhor,
estas cristãas nouas tinham em sua casa x, xb e xx pessoas S primos e
irmãaos e paremtes, sem serem cristãos, e tinham parte com elas, e ou-
tras casas de jemtios omde os mouros de cochim vynham durmir com as
cristãas. E asy avia hy casas que agasalhavam homeens jemtios de fora
e mouros, os quaees tinham por oficio enganar espravos e espravas, que
rroubassem seus senhores e fojisem; hia este feito tamto avamte, que sam
rroubadas muitas pesoas de cem cruzados pêra cima e seus espravos fo-
jidos, e era a mais certa rrenda que quá avia; e asy algíla da vossa jemte
tinham parte com esas jemtias, emfadados jâ de durmir com esas cristãs;
e em poucos dias se tornaram bem bj^ homeens * e pessoas cristãas, em
que emtraram panicaees e homens homrrados; e creo que nosalympare-
mos desta maneira dalguas maldades e pecados que saquy faziam, por
omde cochim foy muitas vezes queimado e feito em cimza, e elrrey de
cochim nos deu certa demarcaçam de terra pêra vivermos sobre nós.
Elrrey de calecut, depois que vio que com su armada de grossas
naaos nos nam pode fazer nojo, prouounos com armifdas de paraos, como
voss alteza já lá tem sabido nos tempos passados; agora fez sessemta ca-
turis em sua terra, e como as nãos de cochim vem, saem a elas e traba-
lham polas tomar: faço agora trimta caturis, deles de voss alteza e de-
les damtonio real, arei daquy, e creo que calecut nam pescará, nem os
seus caturys nam navegaram; dava nos calecut muyta opressam com eles,
porque nam ousava ho feitor de cananor mandar cairo nem mamtimen-
tos em pagueres e paraos a cochim, que loguo nam fossem tomados;
hiamse lamçar ao monte dely e quall quer atalaya ou parao que vinha
de goa pêra cananor, pegavam logo com eles; e mais, senhor, estes ca-
turis per demtro per estes Rios de cochim creo que nam leixa passar ne-
nhiia pimenta a calecut, e asy sam boons pêra se mandarem Recados e
avisos de forteleza a forteleza em poucos dias.
Em cochim achey hua arca de cartinhas por omde imsynam os me-
ninos, e pareceo me que voss alteza as nam mandara pêra apodrecerem
^ Dez, quinze e vinte pessoas.
2 Seiscentos homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 45
estâmdo narca, e ordeney huum homem casado aquy, que imsynase os
moços a ler e esprever, e averá na escolla perto de cem moços, e sam de-
les filhos de panicaees e domeens honrrados; sam muito agudos e tomam
bem o que Ihemsynam e em pouco tempo, e sam todos cristãos.
No tempo que vim de malaca jò cheguey a cochym, me veyo híla
carta de choromamdell de quatro marynheiros que escaparam de frol de la
mar e foram ter ao porto de pacee, a que nós chamamos çamatora, e deste
porto se passaram em hua nao de choromamdell e vieram ter a rraly (?),
porto de choromamdell, e os de choromamdell lhe fizeram omrra e gasa-
Ihado e mos mamdaram por lerra a cochim; e os mercadores de choro-
mamdell me mandaram pedir seguro pêra suas nãos hirem a malaca,
como soyam, e eu lhos mandey; e asy me mandaram dizer que hy estava
hum jumquo dei rrey de malaca, que tinha Roupa dos mercadores cha-
tins dé malaca e, também delirey, e que chegara ahy amtes da tomada
de malaca, pedimdome seguro pêra a roupa dos mercadores, e que a
delRey m emtregariam ; eu lhe dey ho seguro com a mesma comdiçam,
e da parte dei rrey que a voss alteza pertemcia, fiz mercee dalgua cousa
ao capitam do jumquo, que he chatim mercador de malaca; creo que
sempre virá á parte de voss alteza doze ou quinze mill cruzados, e vay o
jumquo pêra malaca; e soube como este jumquo imvernara sobre a amarra
na costa de choromamdell e espamteime; porem, senhor, quando aqui
he imverno, he veram na costa de choromamdell, e se hy ha ponentes,
sam ao lomgo da costa, porque a costa do choromamdell se corre norte
sull, e os ponentes da imdia pola msiyor parte sam oesuduestes, os quaees
ponentes vem per cima da terra, e asy a ilha de ceilam e as ilhas, que
tudo faz abrigo aa costa de choromamdell; os levamtes da costa sam
vemtos sempre bonançosos, e no tempo dos levamtes vemtam nortes ao
lomguo da costa de choromamdell.
Voss alteza me espreve mevdamente em muitas carias sobre o trato
de quaa, emcarregamdo mo muyto ; ho trato de quá ha mester que se co-
mecee com cabedall e mercadarias de lá, e eu nanas vejo nas vossas fei-
torias, as quaees estam vazias e bem varridas; e asy, senhor, querees
que se paguem soldos, o. eu nam vejo mercadarias pêra se poderem pa-
gar, e se hy haa algdas presas ou tomadias a mouros, esse he ho milhor
cabedall que agora quaa tem as vossas feitorias, e domde a voss armada
faz seus gastos e despesas e paga soldos e casamentos ás vezes, e asy
vos vay lá algSa mercadaría deste 4)abedall, porque sam cousas que lá
46 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tem valia e mandaees levar, e por isso se nam pagaa das presas gramde
soma de soldo á jemte, porque os vosos ofeciaees tomam as mercadarias
que lá tem valia, pêra carga das nãos; e agora que já temos paz e ami-
zade com todo mundo, tiramdo ho çabayo e calecut, nam ha by presas
nem tomadias; e se voss alteza d8|ieja de pagar os soldos á jemte, per
mercadarias ho podees muy bem fazer, e per outras cousas de que quá
temos muita necessidade, a saber, panos chamalotes, armas, espadas, bar-
retes e adargas e panos de seda, e toda diversidade de mercadaria, imda
que malaca nos dará já disto algila cousa; e pola largueza que vossal-
teza daa ós homeens, nam ha hy nimguem que nam folgue de tomar seu
soldo em mercadaria, e se quá tivera cobre e azougue e o ali que dito
tenho, nam ficara hum soo reall por pagar na imdia, porque todos ho
querem e todos ho pedem, e voss alteza escusara fazer os taees gastos e
pagamentos per dinheiro, e creo que se n^m perderaa nada nisso nenhua
cousa. Digouos, senhor, isto, porque os homeens am mester de vestir e
de comer, e nam Ih abasta seu mamtimento pêra isto ; pedem seu soldo
e rrequerem mercadarias em pagamcmto, e voss alteza nam tem merca-
daria ; e se alguas pessoas vos esprevem de quá que nam mamdees mer-
cadarias, porque vèm ás vezes estar nas feitorias algua soma dela, nam
oulham que daly a dous meses vem os mercadores e varrem tudo á vas-
soira; e asy esses taees nam tem diamte dos olhos que, se voss alteza der
fee a suas cartas, peraa vos tornarem logo avisar que ha hy necesidade
delas nas vossas feitorias, que se nam pode meter neste aviso e proui-
menlo menos tempo de três anos; e portamto, senhor, daquy avamte
mamday gramde soma de mercadarias aas vossas feitorias, porque se
gasta já gora muyta per todas partes, e creo que ho faz, nam vir tamta
soma delas per via do cau*o, como soya; e manday a goa gram soma de
cobre, por se fazerem os gastos e despezas de vossa jemte e armada per
moeda de cobre e asy pagamentos de soldos e casamentos, porque em
goa faço fumdamento de ser sempre meu asemto e aly ha d estar a força
da jemte, porque temos aly carnes, pam de triguo, e ^roz em abas-
tamça, e sam os mamtimentos mais de baratos, porque os ha na mesma
terra, e tem valya a moeda de cobre de goa em toda a terra ; nam pase
voss alteza por estas cousas que diguo, porque a jemte ha mester de ves-
tir e de comer, e querem os homeens quaa andar tam bem vestidos como
em portugal.
Eu tenho tocado a voss alteza, nestas cartas que vos ora vam, em
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 47
merlao rrey donor. E porque mevdamente sejaees emformado do que pa-
sey com merlao, quamdo lhe dey a capitania das terras de goa, diguo
primeiramente, que merlao era sobrinho dei rrey d onor, ho que vos deu
mirjeu, e seu tio por algum descomtemtamento que dele teue, ho lamçou
fora do rreino, e por sua morte deixou a hum seu irmão mais moço; e
sempre ouue guerra amtr ambos, e merlao se trabalhou sempre por Iam-
çar fora seu irmãao mais moço, por ele ser verdadeiramente erdeiro : este
seu irmão, emquamto rreynou, ho achey muy maao homem, amigo dos
mouros, de pouca verdade, e pagava mall a obrigaçam de mirjeu: mer-
lao como soube que tinha tomado goa, se mandou oferecer com sua jemte
e seus cavallos pêra vos seruir na guerra, e eu mandey por ele a bate-
cala, da maneil*a que em outras cartas esprevo a voss alteza: chegado
merlao a goa, veyo hum capitam com ele espedido dei rrey de narsymga,
que se chama içarrao, homem de bõoa fama e bOoa presemça : como ho
irmão de merlao, que emtam era rrei donor, soube que merlao era em
goa e capitam das terras de goa, mamdou seus misyjeiros a mim, temen-
do se que daria eu ajuda a seu irmãao pêra lhe tomar ho rreino, e sobre
isto era ho recado que me trouxeram : ouue hy algua murmuraçam am-
tre a nossa jemte e capitãees sobre ho escamdalo que elrrey donor tinha
sobre en rreceber seu irmãao em vosso seruiço; eu mamdey dizer a elrrey
donor, que agravo lhe fazia eu em rreceber bem seu irmãao? amtes es-
perava de os meter em comcerto e em aseseguo: e agora prouue a deus
que morreo el rrey d onor seu irmãao, homem muy mao e de muy maa
condiçam, e socedeo ele ho rreino: a morte de seu irmão ho achou em
Usnegar em casa dei rrey de narsymgua; foi se lá quamdo ho os turcos
desbarataram nas terras de goa; e agora que soube que eu era vimdo de
malaca, mespreveo de bisnegar e muytos ofiricimentos e desejos de ser-
uir voss alteza co rreino donor e toda sua jemte e força, cheo do boom
conhecimento da omrra e gasalhado que rrecebeo de mim ; aly me deu
hua tripeça forrada toda douro, que foy dei rrey de narsymgua, pêra
voss alteza, e com os pees feytos em torno forrados todos douro, obra
muy bem feita, e porque os homees quamdo nestas partes vem alg&a
cousa bem feita louuana, e quamdo daly vem a nacer algtla cousa que
obriga, encomendam se a ese murmurar; e portamto folguey de merlao so-
ceder ho Reyno donor e lhe ter feito tamta omrra e gasalhado.
Depois de tomado goa, timoja se veyo pêra mim, e demtro em goa
armou duas alalayas gramdes suas e me pedio licemça que as querya
48 CABIAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mamdar a onor, e mandou as muy bem armadas sobre chavU e tomaram
duas nãos de chavll e levaranas com mercadaria a onor; mandey as pedir
a elrrey d onor, dizendo lhe que eram de chavll, lugar trebutareo de voss al-
teza; nam alargou mãao delas j'^ nisto chegam dous misyjeiros de xeque-
driz governador de chavll, fazemdome queixume de timoja, como lhe to-
mara as nãos e mamdara suas atalayas armadas do rrio de goa omde ele
estava comigo; chamey timoja peramte eles; nam me deu outra rezam,
senam que as suas atalayas nam fizeram aquilo por seu mamdado. E por
ele já ter tomado este mesmo ano htla nao durmuz com seguro meu, por
htla cousa e por outra lamcey mão dele; merlao que emtam hy estava em
goa, sayo por seu fiador, e eu lho emtreguey com hum assynado seu em
que prometia d emtregar as nãos ou me tornar timoja, e asy os deixey
nas terras de goa quando me fuy caminho de malaca.
Item. No começo do mês d agosto, depois de minha^mda de malaca
em cochim, chegou um misyjeiro do rrey das ilhas de maldiva^ temdo já
esprito alguas cousas sobre as ditas ilhas nestas cartas que ora emvio a
voss alteza, o quall m enviou dizer, que ele queria ser vassala de voss al-
teza e ter aa vossa obidiemcia todalas ilhas, e que ho tirase do roubo e
opressam dos mouros de cananor: mamale e seus irmãos como isto sou-
beram, renunciaram todos ho direito que tinham em certas ilhas que ty-
nham tomadas por força a este rrey, a hum seu irmão que se chama içapo-
car, e fizeram com elrrey de cananor que lhe desse nome de Rey e deulho,?<
Digo uos, senhor, que estes mouros de cananor, se lhe nam daees hum
boom açoute Rijo, que vos am de fazer em algum tempo alguum gramde
erro ou cousa de que voss alteza receba gramde desprazer, afora nos tra-
zerem sempre elrrey amomtado seno vermos, nem falarmos com ele, e
mais sosterem calecut diamte dos nosos olhos e com nosos seguros, e
afora seus beocos e suas soberbas em que sempre vivem comnosco ; e se
isto, senhor, nam mandaees fazer, parece me que pêra os beocos de ca-
nanor avees mester sempre bua bõa armada; e se eu fora mais comfiado
em voss alteza, eu vos mandara mamale com hua mea dúzia deles dos
primcipaees; e parece que deue voss alteza de mamdar secretamente que
vobs leuem, e poderá ser que alguns outros semfrearám, se virem que
voss alteza lhe quer lá tomar a comta; e mais esta empresa que agora to-
ma mamale e seus irmãos, em se fazerem comquistadores da imdía diamte
dos olhos de voso cs^itam jerall e de vossas armadas e de vosso titulo,
quererem comquistar e aseohorear as ilhas; e mais, senhor, cartas tenho
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 49
eu de Yosos ofeciâes de cananor, em que me mamdam dizer, poios mou-
ros de cananor, que deuia de segar aquele trigo, porque nam crecesse
tamto.
A mim, senhor, me certeficaram como miravcem capitam dos Ru-
rais, quamdo se parlio, espreveo aos mouros de cananor e aos de cochim;
e os de cananor começaram loguo de fazer duas nãos de quilha, que agora
sam acabadas; ho pêra que, nano sey; somente chegamdo eu de malaca,
eles me mamdaram loguo hua carta a cochim, dizemdo que faziam duas
nãos novas pêra malaca; porem elas foram começadas quando eles aleuam-
taram amtre sy que era perdido com lod armada da imdia : mais, senhor,
achey que cheriua mercar de cochim mandou híia nao d adem carregada
despecearia, e tomou seguro do feitor per ela, dizemdo que a mamdava a
vrmuz, e que com temporall fora lá ter; e cie sabe que sou eu tam boom
piloto, que sey que nam fala verdade, porque com tormenta de levamte
á popa avia de correr a vrmuz, e com tormenta de ponente á popa a vr-
muz nam tinha nenhum vemto que a fezesse ir per força ao estreito, sc-
nam por sua própria vomtade, como foy; e agora muy desemvergonha-
damente me vinha pedir seguro pêra tornaviagem dela: cousas, senhor,
sam estas pêra nimguem sofrer a estes mouros em lugares omde voss al-
teza tem muy boas fortelezas, senam eu, que sam agachado e descomfiado
'de voss alteza: digouos, senhor, que hua cousa vos he muyto necessária
na imdia, se querees ser amado e temido nela, tomardes Rija vimgamça
de quallquer cousa que vos estes arrenegados fizerem, e crede me, senhor,
verdadeiramente ; e se quereès que estas cousas curem os Rex que os se-
nhoream, nam ha hy Remedeo, porque peitam tam Rijo que acabam
quamto querem : por amor de deus nam deixees vadear ho feito da imdia
aos mouros; aly omde vos fizerem a maldade, aly lhe day logo a paga
que eles bem merecem; e voss alteza me nomeará em algum tempo: nam
fez piqueno balamço na imdia em ver a vimgamça que se tomou de ma-
laca e a vimgamça que se tomou de goa; e as casas do çaamory e a po-
voaçam dos mouros e suas mezquitas e suas nãos queimadas, nam foy
pequeno espamto na imdia: muyto credito e muyto fauor deram estas
cousas que digo, ao feito da imdia.
AlgCla parte disto que diguo, que m a mim quaa parece vosso seruiço,
curaria eu quá, senam tivesse receo de me voss alteza mamdar ir em tempo
que eu nam podese curar estas chagas que abrise, e se as achar abertas
quetn vier de supito, chamar Ih am lá quebras minhas: diguo, senhor, isto
7
50 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
poUo feito durmuz; pedia eu fortelezâ e asemto de feitoria e os ciistãaos
aos mouros, e nam falava nas páreas; nam me leixou dom framcisco cu-
rar esta chaga, c comtemtou se de rreceber as páreas, e voss alteza manda
agora fazer fortelezâ e asemto de feitoria; esta chaga quisera eu que eles
curaram, que as páreas certas estavam.
Neste tempo que esta esprevo a voss alteza, a imdia amda bem revolta
e bem desasegada (sic) com a uimda dos Rumís e perda de muitas naaos
que hiam pêra ho estreito de mequa e pêra vrmuz, porque a mouçam des-
tas duas navegaçõees case toda he em hum tempo, e o temporall os tomou
juntamente naquella parajem do golpham de çacotorá; e os mouros de ca-
nanor amdam tam empolados, que os nam pode homem amamsar, sa-
bemdo que temos nós bõoas fortelezas e boons cavaleiros nelas, e naaos
pêra quallquer feito: e quis noso senhor que chegou jorje da silveira, e
com a fama de naaos e jemte e armas que voss alteza mandava, nam ha
hy mouro que ouse de falar.
Já em outras cartas toquey a voss alteza, como depois de minha che-
gada a cochim mamdey a malaca duas nãos ; hia bernaldim feire por ca-
pitam moor deles, e veyo hum pouco de temporall, estamdo sobre a barra,
e bernaldim freire teve hum pouco de pejo d ir neles; e por lhe lá ir al-
gua fazemda sua, me tomou a pedir samta ofemea, em que pêro mazca-
renhaz veyo no mês de mayo á imdia, que lá mandey na mouçam do mês
d agosto; e com a vergalta pêra partir teue ho mesmo pejo da primeira
e leixou d ir lá: os dous navios levou deles cargo framcisco de melo, semdo
capytam dum deles; os dous navios e agora samta ofemea levaram pro-
vimentos pêra lá de ferro, chumbo, pregadura, emxarcia, estopa, e leva-
ram alguns ferreiros e carpimteiros de casas pêra ho madeiramento das tor-
res e apousemtamento da fortelezâ, e mamdo lá fazer seis galees por agora
hum pouco mais piquenas que a galé pequena, pêra tirar de lá as nãos :
aviam logo de fazer duas pêra a companhia da galé gramde que Já está:
estas galees am de ser esquipadas de jaós, e sobressalemtes xxb até xxx
homeens*; estes jaaos am de ser espravos casados, ao costume de malaca:
e asy mandey alguns quadernaees de varar nãos, e alguns vasos e cabres-
tamtes, nam por mimgua de madeira que lá aja, mas por poucos carpim-
teiros e por hy aver lá menos carpemtaria que fazer, e acudir com cedo
ás nãos nam se vam ao fumdo.
^ Vinte e cinco até trinta homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 51
Malaca nam ha mester naaos, somentes aquellas que determinardes
de amdar do trato daquelas partes: as galees am d estar varadas em terra,
muy atiladas e comcertadas e com suas bombardas grossas e sua arte-
Iharia mevda, metidas em suas taracenas cubertas, pêra a guarda da terra,
porque lá ha ladrõees, como em toda outra parte, custumados a saltear
as terras de malaca; posto que a mim me parece, que a vossa jemte leixa
lá tam bõoa fama de sy, que eles nam ousaram de viir buscar a Ribeira
de malaca, como soyam em tempo dos mouros: e a mim, senhor, me pa-
rece que por omrra e nobresa da terra nam terya menos de doze galees,
porque remeyros nam am de falecer, da maneira que dito tenho ; e sobre-
salemtes abastará ij^^R homeens* pêra todas doze; e malaca, por bem do
tfiato que se ha daly demtender em muitas partes, sempre ha de ter jemte
pêra hfia cousa e pêra a outra, e tomando asemto, pouca força ha mester
pêra a soster e defemder, porque sempre nas cousas gramdes ha hy con-
tradigam, e de necessidade am de tomar asemto, se sam bem defemdidas;
e as cousas destas partes asenhoreadas de voss alteza com bõoa forteleza,
que htla vez tomarem asemto, teloam até íim do juizo; e se ho querees
que ho tomem, com guerra guerreada he destruiçam dos lugares e com
peso de jemte conserva e asesega tudo.
Ho porto de pacee e pedir nam sam mais que quamto malaca neles
faz, nem devees deles fazer mais fumdamento que da pimenta que malaca
poder gastar na vossa feitoria; se voss alteza quiser, com pouca força vos
seram trebutareos, he pouca cousa de levar nas mãaos, e com piquena força
os asenhorearees: creo, senhor, que em algua maneira vos comprirá nam
lhe tomsymtirdes que a pimenta daly vaa dar saida em lugar omde vos faça
nojo: a maneira que se agora terya neste caso, nana saberey eu logo detre-
minar, porque emtra aquy ho trato e naaos de cambaya, com quem avees
de ter amizade, e suas naaos am de navegar seguras; emtra aquy a seda
destes portos, de que temdes necesydade, e cambaya élhe muito necesarea
a seda destas partes e gastam muyta, e as ilhas que com ajuda de noso
senhor estaram cedo em voso poder, também gasta muyta seda destas
partes: as mercadarias de cambaya sam muy to necesareas pêra estas
parles de çamatora e malaca, e voss alteza nam lhe pode dar tamta soma
como lhe trazem as nãos de cambaya, e he necessareo deixardes lha tra-
zer ; e seu retomo já voss alteza sabe que nam ha de ser senam pimenta
2 Duzentos e quarenta bomeus.
52 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e seda e camfora; e todalas outras sortes de mercadaria que levam, de
malaca lhe vem ; porlamto, senhor, se a bõoa paz e amyzade e trato os
querees soster, he necessário que lhe deixees a emtrada e saída das mer-
cadarias que dito tenho, naaos e trato, como sempre custumaram; e se
os querees asenhorear por força, lijeira cousa he d acabar.
Destas partes vay gram soma de pimenta a bemgala e a choromam-
dell e he muyto barata e muita; e posto que se na terra gaste gram soma
dela, todavia a nao que vay a bemgala e carrega de roupa bramca, açu-
cares e pimenta de çamatora levam muytas vezes e pimenta longa, e va-
zam per amtras ilhas e vam demamdar ho estreito, e as nãos de choro-
mamdell asy o fazem, quamdo lhe bem vem; e portamto, senhor, digo
que, se a pimenta de çamatora e pedir he tall, que per bem do preço dela
a queiraees levar pêra eses Regnos, que comsyrees lá bem a maneira e
trato que querees ter com pedir e pacee, porque na vosa mãao está ma-
laca, debaixo de cuja detreminaçam estam todas estas cousas, e que os
Rex e senhorees destes dous portos nam faram senam ho que voss alteza
ordenar; amvos muy gram medo e temem vos muyto; acho os por agora
fiees e asesegados.
No navio samta ofemea, que agora mamdey a malaca, mamdey hum
homem com rroupa de cambaya, que imda na feitoria de cananor estava
da nao mery, que ficase em çamatora co esprivam do navio por esprivam,
aos quaees mandey que fezesem a carga do navio prestes, emquamto
chegava a malaca de breu, porque alguas outras mercadarias que o na-
vio ha de trazer, em malaca as ha de tomar; porem a primcipall carga
ha de ser breu, ho quall achamos quá que he milhor que ho desas par-
tes; temos dele muita necesidade: per estes esprevy a elrrey de pedir e
de pacee, noteficamdo lhe como voss alteza querya toda a seda deses lu-
gares, que me mamdasem dizer as mercadarias que queryam ; e mamdey
a Joanes, feitor das nãos dos mercadores, tornar a malaca emtemder na
carga das suas nãos, que lá ficaram aguardamdo por ela; a este mamdey
que decese em terra em çamatora com estes dous homeens e que temtase
ho preço e peso da seda e as mercadarias que por ela tomaryam, e asy
os preços, trazemdome de tudo verdadeira emformaçam, porque he ho-
mem que ho emtemde bem: mamdarey daquy sete ou oito pesoas com
mercadaria, que façam a compra da seda nestes dous lugares em tamta
soma como voss alteza mamda pedir, e nam farey. outro asemto nem trato
nos ditos lugares, até nam ver vossa detreminaçam.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 53
A navegaçam, senhor, de malaca pêra a terra do malabar he em
tempo que cadano polas nãos da carga podees ter recado de malaca; e
mais digo que a nao que de portugall vier e chegar á terra de malabar
no mês d agosto, pôde ir a maiaca, porque depôs da chegada de jorje da
silueira a cochim partio samta ofemea pêra malaca.
E asy diguo que a nao que carregar em malaca, pôde vazar per
amtras ilhas de camdaluz e camdecall, e ir demamdar moçambique, ou
por detraz da ilha de sam lourenço na mouçam das nãos que tomam a
carga em cochim ; e as nãos que na mouçam do més d agosto ouverem
d ir tomar sua carga, ha mester que a tenham prestes, porque he ho tempo
curto, e as que forem no mès d abril, espaço tem que Ih abaste.
Malaca he muyto gramde cousa, e está em lugar que, aimda que hy
nam ouuera malaca, polo trato daquelas partes vos comprira fazerdes aly
hua forteleza; aquentaya e afauorecêa por hum ano e dous e três e qua-
tro com jente e nãos, pêra os senhores daquelas partem vos temerem e
acatarem, e precurarem vosa amizade e quererem vosos tratos; e diguo
isto, porque se faça sem guerra, e se quizerdes ter em malaca jemte que
vola estèm comtamdo co dedo : pela vemtura nam falecerá d algila parte
jemte que cuide que vos pode tirar malaca das mãos: e a grusura de ma-
laca tudo pode sofrer e manter. E pêra malaca nunca falecerá j^nto que
deseje viir a ela, tam grossa he e tam Rica,
Pêra malaca e goa me compre quá valadores e taipeiros ; porque he
ho momte de malaca, onde está a vossa forteleza, com hua aberta que se
faça do Rio per derredor do monte ao mar, que he espaço piqueno, fica
htla vila muito forte e muito bem cercada, pegada com a vossa forteleza;
e jemtes desas partes que quá quiserem viir viver, e casados, aly será a
sua pouoaçam : he lugar de boons ares e muitas aguas, em que ha laram-
jeiras e limueyros e parreiras de bõoas huvas, e comias eu, e muitas frui-
tas da terra.
Iso mesmo tem goa necesidade de valadores pêra se alimpar a cava
amtiga da villa velha, e ficar a mais forte cousa do mundo, e asy alguns
pedreiros pêra se fazerem moemdas em alguns esteyros que hi estam, em
que emtra gram peso d agua com a preamar; e malaca necesidade tem
de pedreiros pêra obras da feitoria e da forteleza.
Na igreja de malaca ha mester hum Retauollo d anunciaçam de nossa
senhora e seja Rico, porque ha hy mais ouro e azull em malaca que nos
paços de simtra; e bum pomtyfícall beno merece malaca; demascos, se-
54 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
das e brocados, mamde voss alteza ao voso feitor que gaste bem deles,
que em malaca se acharam em abastança : dos dous panos Ricos que aqui
tinha esta Igreja de cochim, lhe mandey hum ; e asy orgãaos pêra estas
igrejas da imdia pareceram quaa muy bem, porque nunca quaa falece
quenos saiba tanger; e porque me nam esqueça, digo, senhor, que es-
tas igrejas am mester livros missaees meãaos, porque nam ha hy senam
podres e esferrapados, e destes muy poucos.
Voss alteza tem goa nas mãaos, e temdes a mayor cousa destas par-
tes pêra enfrear a imdia e a ter asesegada ; porque asy cercada como
achey, aimda goa he tam temida que nam leixarám os rex e senhores
destas partes precurar e desejar vossa amizade com medo dela; e agora
deste cerqo se mostrou mais verdadeiramente as forças de vosos portu-
gueses e de vosas fortelezas, e os turcos cheos de soberba e de vitorya
comtra estes jemtios em descrédito ficam nos olhos de toda a imdia, e os
portugueses em gramde estima e fama: guarday vos, senhor, de comselhos
domeens a que a guerra emfada, porque goa em voso poder ha de fa-
zer pagar trebuto a el rrey de narsymgua e a el rrey de daquem : lembre-
vos, senhor, isto que vos digo, porque com ajuda de deus cedo ho verees,
porque elrrey de narsymgua, por segurar batecala e seus portos e os Ira-
tos dos cavalos que vam a sua terra, ha de fazer ho que vós quiserdes,
e os turcos do Reino de daquem; e o çabayo, por segurar dabull, avos
de dar de necesidade as terras de goa, porque, tomando lhe Dabull, ti-
raeslhe todolos cavalos d arábia e pérsia, e jemte branca, que nam tem
por omde emtrar no reino: afauorecêa muyto, porque asy averees as ter-
ras de goa, que ma mim quâ parece muy lijeira cousa d acabar, e que
de necesidade volas am de dar, porque he muy gramde renda e gram se-
nhorio nestas partes.
As vossas fortelezas feitas a nossa vsamça com cavas, torres e arte-
Iharia, bem prouidas e bõoa jemte, com ajuda da paixam de noso senhor
nam tenhaees receo delas nestas partes, aimda que vos lá digam que es-
tam cercadas; porque, mediamte deus, se hi nam ouuer traiçam, nam ha
hy que temer de os mouros comtraryarem vossas fortelezes e cousas de
que vos comvem lamçar mão; nam he d estranhar cercarem nas os Rex e
senhores a que as tomardes, e serem cercadas hfla e duas e dez vezes;
mas a portugueses cos capacetes nas cabeças amtras ameyas nam lhe to-
mam asy a forteleza: bem sabe voss alteza que amjediva, que he hum mato
maninho, vieram cercar os mouros vossa jemte que hy estava; pêro da-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 55
nhaya em çofala cercado foy de mais de xx homens * ; cananor doas vezes
volo cercaram ; e goa, que he hua tam gram cousa, chave do reino de da-
quem e de narsymga, cabeça de Reino, comfiamça e escora do senhorio
do çabayo, rezam he que os turcos, que tamtos anosjuerrearam com nar-
symga sobre ho feito de goa, tomada duas vezes de j b* portugueses* com
tamto estrago neles, que venham com seus arrayaees sobrela e a cerquem
hua e duas e dez vezes, e que iij*" cavaleiros^ portuguezes lha defendam.
Eu, senhor, nam m espanto de ha virem cercar, porque me parece que
goa ha de ser caminho pêra lamçar fora os turcos do reyno de daquem;
e quamto mais viir apreSar sobrele, tamlo mais maa de parecer que he
a milhor empresa que voss alteza nestas partes pode ter, porque de ne-
cesidade ha de tomar asento com muyto voso proueyto e muyto voso ser-
viço, porque goa remde ij'' cruzados*, e o livro que vos lá levaram, era
feito per conselho de timoja, que folgaua d apagar a remda: as forças
das tanadarias de goa e lugares primcípaees todos tem Rios gramdes, em
que podem emtrar caravelas e galees nossas, e com piquenos curtijos em
que estêm seguros trinta homens portugueses em cada tanadaria, podees
comer os dereitos da terra seguramente; e goa nam vos gasta mais que
vosos soldos e mamtimentos ordenados ; e cuidam os danadores das cou-
sas de voso seruiço, porque vém pagar os mamtimentos á vossa jemte
per arroz pacharill e nam por curzados, que he gramde gasto, e dizen o
aqueles que fojem dela quamdo ela está cercada, e vem buscar as mo-
Iheres mundairas de cananor e cochim. E sofro lhe eu quá isto, e poUos
nam danar amte voss alteza os nam nomêo aquy.
E mais, quem fez a elrrey de cambaya mamdar os vosos cristãos
que estavam catyvos, sem lhos eu mamdar pedir? goa: e quem lhe fez
mamdar embaxador, que comigo amda, pedir pazes, senam termos nós
tomado goa? e quem fez a chavll mamdar dous mill pardaos de páreas
demtro a goa, e batecala estar tam obediemte e tam sojeita a voso serui-
ço, que nam faz nehua cousa senam ho que lhe mamdo? e agora neste
tempo que arribou hda nao d adem carregada de canela sobre batecalla,
como esprevy a dame chatim que tivese mão nela, logo me mandaram
seu misijeiro, que a tinha aly prestes pêra se fazer ho que eu mamdase;
^ Vinte mil homens.
^ Mil e quinhentos portuguezes.
' Trezentos cavalleiros.
^ Duzentos mil cruzados.
56 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
todolos mantymentos e cousas que nos sam necessareas, com muy gramde
delijemcia sam loguo feitas: quem mefeo estes lugares nesta sojeiçam e
ubidiemcia? goa, que está na vossa maão: e as nãos da ordenamça da
vossa carga como vem elas ter amjediva hua e hua, duas e duas? credes
vós, senhor, que se goa estivera em pee e em poder dos turcos e Rumis,
que ouueram as nãos da carga fazer este caminho e viir demamdar am-
jediva, senam em corpo e com bõoa armada? por certo nam; 3 jorje da
silueira, que veyo soo ter amjediva, nam escapara ás nãos e armada de
goa, a quall tomava por openiam e empresa tomar todaa nao que com
voso seguro navegase : e mais, senhor, quem vos faz a vós seguro vrmuz ?
goa, que está sobre batecala e sobre os tratos dos cavalos, que he a prim-
cipall cousa que vem d urmuz: e quem tem a soberba de cananor enfreada,
e descomflado calecut de sua detreminaçam, senam termos nós tomado
goa, em que estava toda sua escora e comíiamça? quem metia toda a imdia
em rrevolta e detreminaçam de se fazerem todolos mouros em corpo com
gramdes armadas pêra nos botarem fora da imdia? goa, cabiceira destes
bamdos : torno vos, senhor, a dizer, que folgara muito de vosa alteza po-
der ver goa e como derribou a famtesia aos mouros, e como asesegou a
imdia, e a maneira de que somos recebidos em quallquer porto de mou-
ros omde chegam portugueses e mercadaria vossa: quem derribou a so-
berba do reino de daquem, e narsymga ternos tam gramde temor, senam
terdes lhe tomado goa, que está metido amtreles? lá, senhor, vos tenho
esprito pel armada de gonçalo de siqeira a grandeza de goa, e como ho
lugar, terra e porto, pêra se daly tomar a comquistar a imdia e soster
todo peso que viese em comtrairo a ela; e Joam serram e outras pessoas
que quá estiveram e navegaram na imdia nos tempos passados, pregum-
telhe voss alteza como acharam mamsos os portos de cambaya e o trato
e mercadarias dos lugares da imdia domde ha primeira nam podiamos
aver fala ^ e dos mouros da imdia podia imda voss alteza ser milhor em-
formado, se lho podéssees preguntar.
Falamdo a voss alteza na jemte quaa mamdaees casar, a mim me
parece muito gramde seruiço de deus e voso ; e a imcrinaçam da jemte* e
desejos de casar em goa, se ho voss alteza vise bem, espamlarsya; e pa-
rece cousa de deus desejarem os portugueses tamto de casar e viver em
goa; e asy me salue deus, que a mim me parece que noso senhor ordena
isto e imcrina os coraç5ees dos homeens por algua cousa de muyto seu
seruiço escomdida a nós; e estas cousas am mester muyto afauorecidas
QARTAS DE AFPONSO DE ALBUQUERQUE 57
de vossdt^a e vejiadas com muyto cuidado e emparo de vosso gover-
nador e capitam jeràll que quá tiverdes; porque certefico a voss alteza que
traz ho diabo tam gramde cuidado derpcomtrar e danar este feito e rroer
este enxerto que nam creça, que os mesmos portugueses e pesoas de que
voss alteza comfiarya quallquer cousa, se trabalham de ho danar e estor-
var quamto podem, e dar com este feito na metade do chão, com toda
maa temçam, mãos enxempros e mãos comselhos e com toda desordem
quamta podem ordenar e fazer; e esta he a mayor perseguiçam que agora
quá tenho na imdiannam creaees, senhor, que hy ha homem na imdia
nem ha de viir a ela, que lhe lembre nehíla cousa das que por seruiça
de deus quaa mamdaees fazer, senam carregar de pimenta, furtar ades-
tre seslo, auer tudo por vaidade e cousa de pouco proueito, senam ho que
eles fazem pêra sy; e portamto, senhor, muy poucas pessoas avees da-
char que vos façam moesteyros doservamcia, se os quá mamdardes fazer;
nem casar homeens na imdia, afauorecelos e defemdelos, que vivam com
suas molheres como cristãos ; nem que torne cristãos, e faça outras cousas
que voss alteza quaa mamda e ordena, fumdadas em seruiço de deus: e
digo nos, senhor, isto, porque ho vejo eu quá em alguas pessoas, que sey
certo que vos lá am de louuar tudo, e quaa se trabalham de o danar quamto
podem; e quero, senhor, primeiro falar em mim: eu cuido que vos syrvo
bem em todas estas cousas de que vos eu aquy aviso, mas eu vos certe-
fico, senhor, que eu ho faço mais com medo que com vergonha nem bõoa
imcrinaçam.
" E neste feito dos casados pregumte voss alteza a diogo mendez, por*
que folgou, nes&e piqueno tempo que teve cargo de goa, de ho danar e
desafauorecer, e deixar os homeens correr em toda desordem contra es^
ses casados e suas molheres, domde naceo algum mall e descomtenta-
mento aos casados, cuidamdo que este feito era obra de minhas maãos;
porque quaa, como se hum homem agrava de lhe nam darem muito solido
e quintaes, delremina logo de dar com todo ho feito no chão; e Rodrygo
rrabelo, se fóra vivo, eu tinha bem de que ho rrepremder e castigar; e
asy ho fezeram bem mall á minha vomtade os que governaram cananor e
cochym, no tempo que me afastey deles; nam falo aquy em outras pesoas
qu esperam mercee e bemfazer de voss alteza, que estas cousas sempre fol-
gam de danar. Dou vos, senhor, comta de todas estas cousas de voso ser-
viço e vossa detreminaçam, as quaees podees prouer e fazer crecer e ir
avamte eom voso fauor, em tall maneira que se simta na imdia, e escu*
8
58 CARTAS DE AFPONSO DE ALBUQUERQUE
sarsá ho Rigor de voso capitam mor, com que comvem defemdelas e sos-
telas; e estas coasas da imdia ham mester muyto bem apomtoadas, e
aimda que seja lomje domde voss alteza está, muyto se semte quá voso
fauor e desfauor, porque ho trago eu diamte dos olhos dos homeens, com
que ás vezes faço milhor as cousas de voso seruiço, e acho me bem diso;
e voss alteza deuia pubricamente de repremder as cousas mall feitas da
imdia, e louvar pubricamente aqueles que as fezerem bem e com boom
zello de vos seruir; e comvem vos fazer isto, porque vam as cousas de
voso serviço avamte e vosa detreminaçam, porque pêra ho bem da imdia
que he quá outro senhorio voso, outro mando e outro mundo, mais ha
mester de vós que jemte e armas.
As joyas que a voss alteza mamda elrrey de siam, leva as nuno vaz:
he htla espada e hum Roby e hua copa douro, que escapou da perda de
frol de la mar, a quall se tirou quebrada^ que depois mandey correjer;
e na carta gramde dou larga comta a voss alteza do que se pasou com
elrrey de syam.
A moeda douro, de prata e de cobre e d estanho, que se em voso
nome lavra em malaca, dela leva nuno vaaz e dela leva ho ouuidor; per-
de se muita da do estanho em frol de la mar. Por ser fruita nova da im-
dia, deuia a ho padre samto de Receber em oferta hum dia de sua missa,
porque cousas sam que se devem muyto d estimar e serem louuadas am-
tre jentes que tiverem fee: dous crises, que sam adagas dos jaós, com as
bainhas d'ouro e pedraria e os punhos, com bocaees douro e pedraria,
que trazia pêra voss alteza, nam se poderam salvar.
Pêro d alpoem leva a amostra do ouro da mina de menemcabo, que
está defromte de malaca.
Da pimenta, que me voss alteza espreveo que se tomase a pesar pelos
pesos de lá, demtro na torre da menagem da forteleza de cochim os en-
treguey a cheryna mercar e mamale mercar e a todolos outros mercado-
res peramte elrrey de cochim, que hy estava: eles o receberem sem pejo,
pêra daquy avamte pesarem per eles, e entregaram lhe quintaes, arro-
vas e meãs arrovas, arratees e meyos arratees, e toda outra meudeza de
pesos.
Eu nam emtemdo como voss alteza quá mandou ho peso novo, temdo
a imdia criada ha dez anos em pesaf pelo peso velho, e as mercadarias
vemdidas per ese peso e pelo mesmo peso imviadas a eses Regnos e car-
regadas nas nãos, e todolos mercadores da imdia terem ho seu peso aleal-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 59
dado CO TOSO peso velho; e agora com este peso novo emtra muytas du-
uidas Deles, e vyo eu em goa, mercadores que tiveram duuida no peso;
e as partes a que se daa algtla mercadaria, muitos s embaraçam co peso
novo, e estam á miserycordia das cifras dos vosos esprivãees : deuia voss al-
teza de tornar ao peso velho, como começastes de criar a imdia, e o nouo
esto asy pêra rreceber ho cobre e mercadarias que de lá vem deses Re-
gnos.
Em froU de la mar se perdeu a manilha que se tomou a naboda
begea, que esprevo a voss alteza que vos mamdo na carta gramde, e mais
o trelado do rejimento que dey aos capitães que mandey ás ilhas do cravo;
e mais se perdeo a carta dei rrey de siam, que mamdava a voss alteza com
as joyas que vos lá levam, e a menagem de Ruy de bryto, posto que lá
Ocase ho trelado no livro da feitoria: perde se o Roll dartelharia que dei-
xey na foi-teleza, e pouco mais ou menos ho mandarey com ho caderno
destoutras fortelezas; perde se a menagem que tomey a fernam perez d ar-
mada que leixey, de que ho Oz capitam mor, em que lhe mandava que
obedecesse em todo e per todo ao capitam da forteleza ; e mais se per-
deo ho rrejimento que leixey a Ruy daraujo acerca da governamça e
comservaçam da cidade e prouedoria de vossa fazemda e dereitos da
terra; e asy se perdeo os rrequerimentos. Recados e messajeens de parte
a parte, que pasey com elrey de malaca amtes de o destruir e lamçar
fora da terra; e também se perdeo ho roll dos fidalgos e cavaleiros e
homeens de bem que foram no feito de malaca nomeadamente cada pes-
soa por seu nome.
Falamdo a vossalteza no feito de diogo mendez que em goa pas-
sou, ela he a mais fea cousa que eu numca vy ; e como já tenho esprito
a vossalteza em outras cartas, parece costolaçam minha, que quer danar
os homeens e fazer lhe fazer cousas feas e que em nenhum tempo do mundo
as nam ha numca de fazer nimguem: depois de ho as galees de vossalteza
fazerem amainar, amdamdo ele com sua jemte posto em armas de bua
volta na outra, a mim mo trouxeram preso ; preguntei lhe porque fezera
aquillo diamte dos olhos de quamtos embaxadores de rrex e senhores da
imdia estavam comigo, fazemdo híla forteleza de vossalteza nos olhos de
narsyroga e do reino de daquem, semdo acordado per comselhos de ca-
pitães, cavaleiros e fidalgos nano dever de leixar ir a malaca, pola pouca
jemte e fracas naaos que tinba^ sem lhe dar ajuda, os quaees conselhos
asynados por todos levou lourenço de paiva; ele me rrespomdeo pe-
8^
60 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUOUERQUB
ramte todos, que porque ho mandara aa ilha de choram socorrela que
a nam eratrasem os mouros, ho quall foy ele e manoel de lacerda com ou-
tros batees e jemte: eu lhe respondy, que socorrer aas cousas de ?oso
seruiço em guerra tam justa avia ele por mazcabo de sua pessoa; e mais
me dise, que porque mandara aos mestres das suas nãos e contramestre*
pagar dous cruzados a cada hum, porque foram de noutc furtar vacas a
ilha de dyvary, e nam me dise mais ; ho ali elle terá cuidado do ho pocr
de sua casa, como fazem os outros; os autos diso leva ho ouvidor: e por-
que tynha já detreminado ele nam ir a malaca, por lhe eu nam poder dar
ajuda e dar Ih a carga em cochim, quamdo os premdy, dey as capitanias
das nãos, a fernam peres a trimdade, e a gaspar de paiva samtantonio, e
a dom joam a comceiçam,e a caravella a james teixeira;epu8meem de-
treminaçam diir demandar ho estreito de mequa e dy ir a vrmuz, como em
^outras cartas digo a voss alteza: a noso senhor aprouue de fazer 1k) caminho
de malaca, e pola demora que lá poderia fazer, eu leixey manoell de lacer-
da com as nãos e navios d armada da imdia e com mayor parte da jem-
te, e dioguo fernandez que havia de viir durmuz e se ajuntar cem ele, e
as fortelezas prouidas de mamtimentos e artelharia, e tudo isto segundo
forma de vosso rrejimento, no quall me mandastes que comprindo ir eu
algum lugar afastado da costa da imdia, deixase híia pesoa com navios e
jemte que guardase a costa, e prouese as fortalezas, e asy ho fiz.
E a fazemda e nãos de dioguo mendez m as ouue por perdidas
polo caso e erro em que cairam, e as tomey sop minha guarda e obriga*-
çam, como cousa de voss alteza, e as gramjêo e aproueito ho milbor que
poso ; praza a deus que sejam eles asy castigados e reprendidõs por omrra
da imdia, que nam fique eu daquy feitor dos mercadores, mas de voss-
âlteza; epeço uos, senhor, por mercee, que oulbees polas cousas da màisti
que sam muito temrras e quallquer cousa piquena Ibe faz muito gramde
dano e nojo; depois que a deus segurar como voos desejae^, enitam
será outra cousa. *
Ho que agora lie feito destas nãos e mércadarias, eu as levey a ím^
laca comiguo em sua mouçam e tempo verdadeiro de suá ida, com boons
capilãees e seus propios esprivãees e feitores, ^as mercadarias e seu di^
nheiro em muy boom rrecado; e navegamdo asy, as fuy sutjit diamte de
malaca: eles me pediram parte das presas pêra as suas nãos, eu lhe rres-
pondy que nam pediam justiça, porque a eles era vedado per voso rreji**
mento nam fazerem tomâdias nem presas de ceilam peraderntrò, nem
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 61
menos eram companheiros nas despesas e gastos da voss armada da imdia,
nem emlravam nas avalias qne armada fazia, nen os desviara de seu ca-
minho nenos levara a outra parte per força, mas antes os afanorecera
com armada de voss alteza e lhe fezera bOa companhia até malaca, om-*
de eram obrigados a tomar sua carga, e que ainda lhes dezia que fos-
sem descobrir pegn, como traziam per sen comtrato ; aa jemte dey suas
partes.
Oulhamdo como as nãos dest armada nam podiam ir a purtugall
sem serem tiradas em picadeiros, dey carga á nao trimdade, e as outras
leiíey aguardamdo pola carga do cravo e outras mercadarias por que es^
peravam hy cada dia; e asy as leixey, porque se nam podiam cocrejer to-
das quatro em cochim aquele ano, polo negoceo de cochim ser todo acu-
pado nas vossas nãos da carga e de voss armada, e mais averem de ser
correjidas á custa de voso cabcdall, porque, se do seu se correjeram,
nam tinham cabedall pêra tomar carga; e portanto decraro qiie o correji-
mento das nãos vay metido narmaçam, pêra voss alteza lá ver seu dirâto
e sua parte^ porque eles quamdo logo vieram^ foram comtentes de aguar-
darem pola ajuda que lhe [»*omety pêra a roouçam em que fuy com eles
a malaca.
A mim, senhor, me pareceo que dioguo mendez como homem que
sabe fazer ho que lhe compre, fez em goa ho que vossalteoa sabe; e pa-
rece me que se o nam fezera, que lamçara a perder armaçam de todo^
porque quatro nãos, a mayor parte delas podres e que todas aviam
mester carpemtaria e calafates, Uaçam e tavoado e pregadura^ pêra tor-
narem a essees regnos, e que pêra isto aviam mester gramde râbedall e
gramde despesa,^e nam se podia fazer senam em cochim e á vossa custa^
deíxamdo de fazer todas as cousas de vo^o serviço e de minha obryga*^
çam, e o negoceo de cochim nam está tam oceoso que todo ho ano nam
tenha que fazer, e ás vezes temos muita necesidade e nam podemos a
tudo soprír; e per estas rezOees que dito tenho, nam poderam estas nao$
iraportugaS em nenhíh maneira, senam des&zeremse, ou fazer mwf
gramde demora e gramdes gastos de solido, pêra lhe cad ano poderem
renovar bSa^
Mais» seahor, diguo que est armada, se a leixara ir, em toda manein^
se perdera, porque em tnalaca nam ouuera de poder tomar carga; tor-
nando á paoee e a pedir a querer tomar carga de pimenta^ se lha deram^
quB ^ tto més de janeiro e feuereiro, fôralbe forçado ficar lá, pw nam
62 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
ser tempo pêra viir á imdia; e ficamdo lá, fora se ho iimdo, qae lá nain
rreconhece a maré, pêra se poderem espalmar; e mais sam nãos podres a
muito comestas de busano ; e digo mais, que uam tomsmdo carga e vimdo
a coGhim,Dam tinham cabedall pêra tomar carga de cochim nem pêra se
correjerem, nem ho negoceo de cochim estar tam oceoso que ho podesè
fazer como dito tenho; de maneira, senhor, que se me este. negoceo nam
caíra nas mãaos como cousa de voss alteza, diogo mendez perdera em toda
maneira est armada ; e se fojira, como levava caminho, emtam tinha mais
certa sua perdiçam polo que socedeo em malaca, e bem asy por ele nam
ousar de tornar a buscar ho remedeo omde leixava tam gramde erro feito ;
e ficou me este trabalho ás costas, temdo eu tamto sobre meu pescoço,
que sobeja per cima das gavias : lá mamdo os autos de suas culpas e ho
trelado do seu comtrato, no quall está hum capitolo, em que me voss ai*
teza mamda que ho leixe ir livremente, sem lhe poer pejo. E na carta
que mele deu de voss alteza, ine mandavees que t(^a ajuda e boom com-
seiho lhe dese ; e segumdo as cousas socederam, a mim me parece que
deus pelejou por elle; ele s apegou ho capitolo do seu comtrato dizemdo
que era isemto, fazendo se eiecutador desse feito, e o capitolo do seu
comtrato he mamdarme a mim a voss alteza que ho cumpra, e nam a ele
que ho €xuÉ[ete (sic). !
A rrezam que diogo mendez daa a seus amigos deste feito^ quam^
do ho querem culpar, diz qne quis comprir cos mercadores ; parece que
Ih^squeceo a obrigaçam que tinha aas cousas de vososeruiço. E com tudtí
isto, senhor, eu vos afirmo que dioguo mendez he boom homem e que
hé avisado e cavaleiro e homem de bom comselbo; espamteirae fazer i^
lo, porque sempre m estranhou muy to ho feito durmuz; e mais, senhor,
vos digo qiie he homem que^imda que cemt anos amdara comyguo nuii-*
ca poderá rreceber desprazer de mim nem eu dele, porque fiam tem com-
diçam pêra iso, e eu lhe tinha afeigam e amor gramde, que sempre em
nossas praticas e comselhos achava sostamcia nele, e numca recçbydea*
prazer dele nem ele de mim; e aimda, senhor, vos digo, qtie se o caso
nam fora cousa que tocava tamto ao desfauor da imdia e descrédito do
nome de vosso capitam jerall e do corpo e mamdo que nestas partes Re-
presemta vosso nome e estado, certo eu, senhor, lho pas^a levemente.
Verdade stá que depois que eu fuy em malaca e eie spcedeo a ca-
pitania, em algjla maneira quis tomar vimgamça Hjas cousas ^ de voso
seruigo e sésego e oomforto <los eoraçõees dos homeens qu& com ais atv
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 63
mas afiam de defemder vosas consas ; e no reformamento da forteleiza e
sostimento dela, em suas praticas e comselhos e cousas que me diseram
que lá esprevera; e asy neses casados serem desafauorecidos, mall trata-
dos dele ; e pêro coresma era a cabiceira destes bamdos, e prenusticador
do que avia de ser de goa e dos casados, e do que era feito da minhar^
mada e jemte; e Jerónimo cernicbe e fernam corrêa desta volta e (iomse-
Iho eram em danar todo o feito, e desta maneira cuydavam todos que to-
mavam vimgamça de mim: eu lhes perdoo, porque nosso senhor lhe
amostrou bem suas culpas e seus erros e sua detreminaçam e mao com-
selho na minha ida que me levou a malaca, e cousas que lá socederam.
Ho feito dos casados vay muyto avamte, porque casam muitos ho-
meens de bem e muitos ofeciaes ferreiros e carpimteiros, torneiros e bom-
bardeiros, e alguns alemãees sam quá casados; e creo, senhor, que se
nam partira de goa, casaram aquelle ano mais de b^ pesoas^; averá
em cananor e cochim cem casados, e em goa perto de duzentos; e estam
tamtos criados de voss alteza e dos duques e comdes de portugall em goa
pêra casar, que ho nam poderá crer voss alteza ; e per cartas sam avisa-
do dos casados, em como sem minha licemça sam muitas mulheres tira-
das de goa per alguns homeens que as tinham, porque eu nunca dey
molher a nenhua pessoa, senão com comdicam que se a quizesse casar^
que lhe daria algtla cousa por ela, e que ninguém as nam tirase de goa
sem minha licemça.
Se pela vemtura a jemte casar desta maneira, parece me que será
necessareo mandar voss alteza botar fora os naturaees da ilha e dar as ter-
ras e lavoyras aos casados, porque as terras de goa nam ha património
de ninguém, senam do rey e senhor da terra ; todolos outros lavradores
e jemte sam Remdeiros, e por couodos Ih arrendam a terra e as aruores,
segundo ho fruyto que daa.
Alguns bramenes e neiquebarys sam tornados cristãos e seruiram
voss alteza neste cerqo de goa bem e fíellmente, e cojequy, mouro quituall
e tanadar de goa, ao quall dey estes ofícios por seus seruiços e fieldade,
asy desta vez derradeira que tomamos goa^ como da outra, e porque era
homem que sabia muy bem mamdar a jemte da terra, conhecela e tra*
tala, e asy os prouimentos das cousas da terra, j^nte de trabalho e ofi-
ciaees pêra as obras da forteleza, que tudo trazia muy Redomdo e muy
^ Quinhentas pessoas.
64 CARTAS JJE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
apertado oom muyta delijemcia e cuidado; se de men, tííe era
amte voss^^teza de muita mercee e omrra; em suas obras era cristão, e
morreo com bo nome de noso senbor e de nossa senhora na boca ; nam
pôde ser bautizado, porque o feryram por voso seruiço e durou pouco;
dey os oficyos a seu filho, ho quall quer ser cristão.
Amtes da chegada dest armada em que veyo jorje de melo, eu tinha
rrespcmdido aos maços das cartas que n armada de dom garcia vieram e
me João serrão e pêro mazcarenhaz tinham dadas; e porque algflas cou-^^
sas vBm nas ditas Repostas das cartas a que voss alteza proueo pel ar-
mada que depois veyo, saiba voss alteza que ho tempo e a necesidade
foy causa diso : posto que a outras taees cartas já tivesse respomdido,
foy todavia necessareo rrespomder a elas outra vez, pêra voss alteza ser
certeficado do que era feito e comprido, e do que estava por comprir e
acabar; e aos maços da dita armada de jorje de melo Respomderey apar*
tadamente per sy: espríta em cochim ao primeiro dia d abril, antonio da
fomseqa ho fez, de 1512.
Nesta prímeyra vya vos vay hiia carta gramde, em que vos dou re-
zam de tudo ho que fiz desde a partida das nãos de duarte de lemos e
gonsalo de sequeira até minha tornada de malaca a cochim ; foy começa-
da em malaca e acabada em cochim, e perdoe me voss alteza, se na mesma
carta e modo d esprever dela me achardes nestes dous lugares de que a
carta faz mençam que vos eu esprevo, polo gramde trabalho que he es-
prever a voss alteza largamente, queem todo ho dia e toda a noute tem
que emtemder em outras cousas: mando uos, senhor, também hum padram
da ilha de goa, de dyo e da ilha do canall de cambaya, que vos prome-
tem pêra a forteleza e seguramça de vossa feitoria ; também vos vay hum
pedaço de padram que se tirou d fia gramde carta dum piloto de jaoa, a
quall tinha ho cabo de bõoa esperamça, portugall e aterrado brasyll, ho
mar rroxo e ho mar da pérsia, as ilhas do cravo, a navegaçam dos chins e
gores, com suas lynhas e caminhos dereytos por omde as nãos hiam, e ho
sertam, quaees reynos comfynavam huns cos outros: parece me, senhor,
que foy a milhor cousa que eu nunca vy, e voss alteza ouuera de folgar
muyto de haver; tinha os nomes por letra jaoa, e eu trazia jao que sabia
ler e esprever; mamdo esse pedaço a voss alteza, que francisco rrodríguez
empramtoi sobre a outra, domde voss alteza poderá ver verdadeiramente
os chins domde vem e os gores, e as vossas nãos ho caminho que am de
fazer pêra as ilhas do cravo, e as minas do ouro omde sam» e a ilha de jaoa
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE (if)
e de baindam, de noz nozcada e maças, c a leira deirrey de syam, e asy ho
cabo da terra da navegaçam dos chins, e asy para omde volve, e como daly
a diamle nam navegara: a caria primcipall se perdeo em froll de la mar :
CO piloto e com poro dalpoem praliquey ho symtir desta carta, pêra lá
saberem dar Rezam a voss alteza ; temde este pedaço de padram por cousa
rauyto certa e muyto sabida, porque he a mesma navegaçam por omde
eles vam e vem: mimgualhe o arcepedego* das ilhas que se chamam ce-
late, que jazem amtre jaoa e malaca,
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A ellRey noso senhor^.
CARTA X
1512 — Agosto 20
Senhor. — Per pêro mazcarenhaz me foy dado hum maço de cartas
de vos alteza, aas quaees respondcrey per capitolos apartados, por nam
fazer gramde valumc de cartas, E pelos ditos capitolos será vos alteza
emformado de que calidadc e sostamcia eram as cartas e asy a rreposta
do que vos alteza quer ser certeficado.
Primeiramente cu vy liua carta de vos alteza, em que me fazia do
seu comselho, e eu ho Recebo na mayor mercee do mumdo e vos beijo,
senhor, as maaos por iso, porque sey que vos alteza ho fez sem vos nim-
guem impurlunar; seja vos alteza certeficado que eu vos syrvo tam des-
emganadamento na imdia, que toda a omrra que me fezerdes, sam me-
recedor dela: outras pesoas tem vos alteza que ho faram milhor, po-
rem disto que acho quaa em mim, me quero gabar; os comselhos eu nam-
sam pêra os dar a vos alteza, e sam milhor pêra emxecutar os que vos
alteza poser em detraminaçam^ porque ey de fazer com delijemcia o
bom cuydado ho! que me mamdardes, ajudamdome noso senhor.
* A rchi pélago.
* Torre do Tombo— C. Cbron. P. i,\ M. U, D. l\0.
9
6() CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Em oiilra caria quer vos alteza saber as nãos e navios que na im-
dia avia e me ficam: diguo, senhor, que na imdia avia frol de la mar, ho
cirna, ho rrey gramde, a rumesa; estas eram naaos da gramdura que
vos alteza já lá sabe.
Mais de navios pequenos: sam crislovam, samta maria d ajuda, a
garça, outra ajuda, de duarte de lemos, ho rrosairo, samtesprilo, a ca-
ravelinha latina e a caravelinha rredonda, ho rrey peqeno e a taforea: na
lyvnarda nam falo, por a mandava (sic) correjer pêra se tornar com sua
carga, como vos alteza de lá mamdou.
Os capilãees das nãos grosas: a capitaina, frol de la mar; ho cirne,
manuell de lacerda; ho rrey gramde, diogo fernandez; a lyvnarda, gas-
par de paiva; e a rumesa, lopo dazevedo.
Dos outros navios piqenos sam capitaees : duarte de melo do rrey
peqeno; a taforea, ayres pereira; samta maria d ajuda, pêro da fomseqa;
a caravela lalyna, symam afomso; a caravelynha rredomda, amlonio daze-
vedo; a garça, symam velho; a outra samta maria d ajuda, a memd afomso;
ho rrosairo, amtonio de saa; sam cristovam, amlonio de matos; samtes-
prito, francisco sodré ; a galé gramde, duarte da silva; a galé pequena, sy-
mam martinz.
Com esta armada que dito tenho, e com cimqo nãos das novas de
goa, CO as de diogo mendez, depois de em três comselhos em que detre-
minaram todos per seus asynados que,tse fosem a malaea, que se per-
deriam, e eu já tomado fumdamento de lhe dar carga em cochim, me
party caminho do estreito de meqa e d adem, temdo primeiro mandado
diogo fernandez com três nãos diamte a levamtar a fortaleza de çacotorá,
e esperar por mim na dita ilha até meado mayo; e se aly nam fase até
ho dito tempo, soubese que eu era arribado com tempos, a vrmoz, com-
trairos, e que me fose aguardar a mascate : pus em caminho minha detre-
minaçam e comselho que damtes tinhamos ávido; saimdo de goa, nunca
tivemos tempo pêra dobrarmos os baixos de padua; vendo que a mouçam
e navegaçam do estreito e vrmuz era pasada, torney arribar sobre goa,
e deixey hy a livnarda, que já hy ficava por nam poder navegar e pêra
se correjer ho rrey pequeno, samtesprito, a rnímesa, e outra nao nova
de goa de duzemtos tonees, que imda* estava em picadeiros, as quaees
deixey muy emcomendadas, e mestres e carpymteiros pêra as averem de
varar em terra, e daly me fuy caminho de cochim, omde leixey ho cirne e
todalas outras nãos e navios d armada da undia; e asy deixey jemte em
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 67
cananor e em cochim mais da que tinha ; somente leuey a malaca frol de
la mar e a taforea, e as iiij nãos que foram de diogo mendez, que hiam
seu verdadeiro caminho segumdo seu comtrato, e a nao emxobregas; e
levey cimqo nãos novas de goa e as duas caravelynhas e o brelam e as
duas galees ; a galé peqena co a bombarda grosa que symam martinz
nam quis tirar fora per meu mamdado em cochim, e cobre que symam
martinz ouue em cochim ouue em pagamento de seu soldo, que carregou
nas cabeças da galé, alquebrou a galé no mar a travees de ceilam, e lam-
çou a cíftopa fora, porque tinha toda a lyaçam podre: salvamos a jemle
toda, e a galé ficou aly: a taforea de podre se leixou desfazer no niomte
em malaca; frol de la mar apousentouse jumto com pacee; e vundo aa
imdia cuidamdo d achar armada que leyxey, rreformada, e achey ho cirne
perdido e a lyvnarda perdida e a rrumesa e o rrey peqeno, e o Rey gramde
queimado de podre, e samtesprito, e a nao de duzemtos tonees nova des-
feita, que ficava em goa. Esta he a comta e despesa que achey d armada
e nãos que leixey na imdia, nam levamdo mais que frol de la mar e a
taforea: nam quero culpar as pesoas que este feito ficou cmcomendado,
benos conhece vos alteza. E por os taees casos, senhor, vos digo eu, que
voos apeguees voos a booas torrees de menajem, as quaees nam rrece-
bem estes imoomviniemtes.
Os capitãees que foram a malaca das nãos e navios em minha com-
panhia sam estes: fernam perez na nao de diogo mendez, dom joão de
Ihna na nao de jironimo cerniche, gaspar de paiva na nao de pêro co-
resma, james teixeira na caravela da mesma companhia, bastiam de mi-
ramda no bretam, aires pereira na taforea, jorje nunez em xobregas, de-
nis fernandez na nao çabaya de goa, pêro dalpoem, ouuidor, na nao samta
catherina de goa, symam damdrade na nao joya de goa, amtonio d abreu
na nao samtiago de goa, nuno vaz na nao sam joham, que se fez em cam»
guiçar; e achamos no Rio em goa duarte da silva na galé gramde, symam
martinz' na galé peqena, afonso pesoa níla galeota de goa, symam afonso
a caravela latina, a caravelinha rredomda jorge bolelho.
Aa minha partida de malaca se quis viir dom joão de hma e ficou
na sua naao fernam perez damdrade por capitam no mar; veyose tam-
bém gaspar de paiva e fycou na sua nao joão lopez alvim; veyose james
teixçira e ficou lopo dazevedo na caravela; veyose bastiam de miramda
e ficou no bretam vasco fernandez Coutinho ; veyo se duarte da silva e fi-
cou na galé pêro de faria, filho do comendador aluoro de faria; veyo de-
9*
08 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
liis fernandez e ficou na sua nao framcisco serain; veyose pêro dalpoem
ouuidor e fycou na sua nao amlonio d abreu; veyose nuno vaz e ficou na
sua nao airés pereira; e a nao samtiago que tinlia amtonio d abreu, ficou
nela cristo vam mazcarenhaz ; veyose symani danidrade, ticou na sua nao
cristovam garcees; fica na caravelinha rredomda amlonio dazevedo e na
latina symani afomso.
Estas nãos que aquy noméo, ficaram em malaca; as duas dos mer-
cadores e a caravela ficaram aguardamdo por carga com dinheiro e mer-
cadarias suas; a nao çabaya e a nao samta catherina e a caravela latina
sam carregadas de mercadarias aas ilhas do cravo carregar de cravo : vay
nelas por capitam moor amtonio d abreu, sota capitam framcisco serrão,
vay na caravela latina s)Tnam afomso, vay por feytor das nãos joão freire,
criado da senhora Rainha vosa irmãa, vay por esprivam diogo borjes,
criado de vos alteza: partiram no mês de novembro, dous meses e meo
amtes que eu partise; levam dous pilotos da terra e três portugueses, he
hum gomçalo d oliveira e o outro luis botim e o outro framcisco rrodri-
guez, homem mamcebo que quaa amdava, de muy boom saber, e sabe
fazer padrõees; hiam bem furnecidos de mamthnentos e dartelharia, e em
todos três navios semto e vimtomeens bramcos e vimte espravos cativos
pêra a bomba, com muitas bamdeiras e bõoas velas e boons aparelhos,
calafates, estopa e breu : praza a noso senhor que os qeira levar e tra-
zer a salvamento, e com fumdamento d irem á ilha de bamdam, ilha das
maças e noz nozcada, c dy irem espalmar a hum cabo que se chama am-
bam, de bua ilha gramde que está quatro dias de caminho das ilhas do
cravo; rreconhece a maré aly muito, e isto se lhe cumprise.
As nãos e capitãees que leixey na imdia, foram estes: manoell de
lacerda no cirne por capitam moor d armada; e a nao nova que se fez
em cochim, fycava diogo pereira por capitam dela; ficava pêro da fom-
seqa CO seu navio, duarte de melo co seu navio, memdafonso co seu na-
y\o, francisco sodré co seu navio, symam velho co seu navio, amlonio de
saa CO seu navio, diogo fernamdez no rrey gramde, que veyo no mês
d agosto durmuz, e com ele amlonio de matos no seu navio, gaspar cam
no seu navio; ficava a Rumesa em goa sem capitam, e a livnarda sem
capitam, pêra se correjerem: deixey eu hum poder abastamte a manuell
de lacerda pêra Ih obedecerem todos estes capitãees, e todos foram jum-
tos; porém armada da imdia as primcipaees nãos delas acbéas derriba-
das, e eu ao tempo que esta esprevo, fico com muita necesidade delas,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUOUERQUE 69
polas novas dos Rumis c minha detreminaçam dcmlrar ho mar rroxo: se
estas nãos se perderam no mar, nam tivera diso nenhua doi^, porcpie, co-
mo liomem amda pelos caminhos dè voso Rejimento, toma homem ho que
acha das mãaos de deos; mas jemte chea dóceosidade, em boom porto e
forteleza vosa, vosa feitoria e aímazem em que ha dinheiro e fazenda, dei-
xarem perder naaos ácimty I e se querem dizer que sam velhas, co esas
navega homem na imdia, que se armada da imdi.% ouuer de ser correjida
como as nãos da carga, faram mais gasto do que elas podem fazer de
proueito; mas asy mcas rremendadas, faz homem as cousas de voso
sermço, porque nam m entregaram nao que nam fose mais Rezam de a
desfazer que navegar nela: dalg&a destas cousas tomaria eu ás vezes
mais estreita a comta, sse hos homeens nam fosem tam mimosos de vosa
alteza, e que dornfiem muy descamsados á custa da barba lomga.
Quamto he aa soma da jemte que me fica, asy de criados de vos
alteza como de toda a outfa sorte c diversidade de jemtes, e bem asy a
soma dos bombardeiros e espimgardeiros que me ficam, artelhària do mar
e da terra; todalas causas desta calidade iram em cadernos apartados per
sy, com decraraçam do que vosaUeza quer saber.
Per outra carta de vos alteza sam avisado dos pagamemtos que se
am de fazer dos desembargos que vos alteza daa alguas pesoas pêra ave-
rem nestas partes seu pagamento, os quaees vos alteza ha por bem qe
ajam efeito depois do furnimento da carga, mamtimentos c soldos, e o
mais que se nela contém, a quall carta logo mamdey Resistar nos livros
das feitorias, e mamdey que sem nehua rrezam que possam dar, se cum-
pra a detreminaçam de vos alteza; e portamto, senhor, foy boom avysar-
desme diso, poiVjue vosos alvaraees sam cumpridos na maneira e forma
que vos alteza mamda, asy neste caso como em todolos outros, e asy se
fará sempre, se hy nam ouuer caso de furtuna, ou tall necesidade pêra
que comvenha mudar comselho, e por iso oulhe bem vosa alteza ho que
asyna pêra a imdia, que he muy lomge.
Em outra carta me faz saber vos alteza como pêro mazcarenhaz vi-
nha aquy por capitam, com fundamemto de sachar aquy dom amtonio
meu sobrinho, que deus aja: pagou bem a obrigaçam que tmha a sua ley
e a seu Rey e senhor, e todos temos; e a pêro mazcarenhaz foy entregue
a forleleza ao outro dia despois de sua chegada, por esperarmos por el rrey
de cochinj, e pubricamente se leu vosa carta peramte os casados da vosa
cidade e forteleza de cochim e toda a outra jemte d armas que comigo es-
70 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tava, peramte vosos ofeciaees, crdigos e vigairo e el rrey de cochim com
toda sua jemte, e lhe foy tomada per mim a menagem.
Per outra me faz saber vos alteza em como deixa a mim a detre-
minaçam dalguns prouimentos que alguas pesoas trazem pêra estas par-
tes per vosa carta. Eu, senhor, vos beijo aas mãaos por esa comfiamça,
mas crea de mim vos alteza, que emquamto achar vosos criados ou da
rrainha nosa senhora, fidalgos e cavaleiros e escudeiros que vos quá am-
dam seruimdo, nam ey de dar vosas cousas a outra nehua pesoa, sal-
vante se fôr per obrigaçam que eu saiba que lhe vos alteza tem, ou per
criaçam da senliora ilFante, que deos aja, e da senhora Rainha vosa ir^-
mãa, e da senhora duqesa, que quá m enviam seus certos rrecados, o$
quaees cumpro naquelas cousas que eu creo que vos alteza ho averá por
seu seruiço, desas cousas da imdia que sam muitas e abastam pêra todos,
e nam sam cousas que impidam vosos rrejimentos e detreminaçõees.
Em outra carta diz vos alteza, que alem da soma do jemjivre que
he ordenado per vos alteza e asy canela, se aja mayor soma que aquela
de que somos avisados : diguo, senhor, que toda forma se daa pêra s aver
toda camtidade despecearia que podemos, porque minha detreminaçam
he estar sempre nesta feitoria carga de dous anos e três guardada e com-
servada e emfardelada, e o ali parece cousa de por esoarnho; c noso se-
nhor ajuda bem a voso preposito, por sua piadade, e creo que vos alteza
ho verá cedo per obras, pois que Ih ele aproue de uos meter malaca nas
mãaos e todo governo e trato de ceilam pêra demtro, sem comtradiçam,
e tirala aos arrenegados: e quamto he ao jemjivre, cada vejs averá vos
alteza mayor soma dele, porque espertou nmyto aos lauradores dele
precurarmos nós pollo aver, e nam duuido aver se dobrada a soma do que
desejaes.
Quanto á carta em que vosalteza diz acerqua da decraraçam da
jemte e rrol dos acrecentados, e que se faça livro e asemto da jemte, asy
do mar como da terra, com decraraçam daqueles que per vosos aluaraecs
ouueram ho dito soldo, e asy os que quá foram acrecemtados, em espe-
ciall ho dos finados, sobre que lá ha muita duuida; digo, senhor, que a
ordenaç^m que está na imdia, he esta: nós fazemos cabeça primcipall do
asemto da jemte a feitoria de cochim, e aly vem cada hum buscar sua cer-
tidam e seu pagamento e sua arrecadaçam, e embarcaçam quamdo se em-
bora vam pêra portugall, e àquelas pesoas que em vosas annadas rrecebem
soldo do tisoureiro da dita armada que he tristam de gaa e esprívam am-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 71
tonio de sousâ, pasani cadano hum caderno das pesoas a que tem feitos
ostaees pagamentos, emderençado á feitoria de cochim, ao tempo que as
riaaos tomam sua carga, por tall que as sobreditas pesoa» ajam finall e
verdadeira comta do que lhe hc deuido e leue sua verdadeyra arrecada-
çam pêra escs rregnos; e esta mesma maneira tem as feitorias de vos al-
teza, aas quaees cadanõ mamdam estas certidOees e decraraçT^ees per ca-
dernos aa dita feitoria» de cochim, sem a quall certidam se nam faz comta
aas pesoas que vem doutras feitorias ou armadas.
E tamto que os ofeciaees de cochim vêm os ditos cadernos das pe-
soas nomeadas, vam ver ho rresisto de seu livro, e se ho acham, fazem lhe
sua verdadeira comia e seu verdadeiro despacho, e se ho nam acham no
livro, rremeteno a mim sem lhe darem despacho nehum^^ porque ho nam
acham em soldo ordenado. E as taees pesoas se vem a mim rreqerer sua
justiça, os quaees am mester muita proua, a quall he, omde servyram,
em que armadas amdaram e em quall vieram á imdia, omde seruiram,
se n armada no mar, ou nas fortelezas, e se sam marynheiros ou homeens
d armas ou goremetes; e emtam lhe mamdo que me tragam certidõees de
seus capitãees, certidam dos esprivãees dos ditos navios, e se seruiram
em fortelezas, dos capitãees das fortelezas; am de trazer sua certidam
dos esprivãees e feitores das feitorias, dos almoxerifes dos mamtiinentos,
quamtos meses rreceberam seu mamtimento; e depois desta proua bem
crara mando dar juramento aa parte, e acabada esta delijencia, lhe mando
pasar hum aluará, que ho asemtem em soldo que vos alteza lá ordena,
que he quinhentos rs, porque da vimda do marichall comecey eu de go-
uernar a imdia, e a jemte que ele trouxe vinha toda com quinhemtos
rs; e se fora no ano que vosaheza deu seiscemtos^ seiscemtos lhe dera,
e se fora no ano qne vos alteza deu dous cmrzados, dous curzados lhe
dera, porque nam alço nem abaixo mais ho soldo que aquele que vos al-
teza lá ordena, nem tiro aas pesoas ho que tinham, sem voso especiall
mandado:
Os esprivãees d armada cadano mamdam a esta feitoria certidam
das pesoas falecydas e do dia e era de seu falecímemto, e os ofedaees
dos defumtos emtregam ho dinheiro dos defumtos com seus testamemtos
ao f^lor ide cochim, e dy lhe pasam seus despachos, segumdo forma de
vodos ntejimentos.
Ho rrecebimemto do tesoureiro d armada nam he do dinheiro das
feitorias, mas ho que as armadas amdam (sic) por omde quer que am-
72 CAUTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERUOJí
riam, que sam parcas, presas, tomadias, (^resgates de mouros, e vemda
dalgqa mercadaria de vos alteza que nas nãos amdam por omde (|uei: que
liimos; paga se daqi^y soldos, casamemtos, dadivas a embaxadores de Rex
mouros e senhores que vem a mim,^e asy mesejeiros qiKuemvio em nome
de vos alteza a eses Res vosos seruidores e amigos e áqeles que vos pa-
gam tfobuto e sam vosos vasalos; e mamlimemtos pêra armada, e asy
alguas cousas de qe ás vezes temos necesidade, poslo (jue das presas
que fazemos, aquelas mercadarias que lá sam proueitosas^ sempre as
mando aas feitorias: fiz este ofício de tesoureiro d armada, porque ache
vos alteza sempre hiía pesoa a que se tome sempre rrezam de vosa fa-
zemda.
Ho livro que vos alteza mamda que vos mamdem, farseá sy daqui
em dyamte, porque ha dous anos que nam vym a cochim, sens^m quatro
dias que cheguey^ quamdo hy ouue deferemça no rreinar dos JRex ; sostive
aquele que vos alteza coroou: e porque na cidade e forteleza de cochim
ficaua jemte e náos pêra seguramça dese feito, me party logo em hua
galé em busca darmada, que tinha amelade dela sobre caiecut e ametade
ao momte dely, e nam soube mais a delijemcia que os ofeciaeas faziam
no despacho da jemte e suas arrecadaçõees, comfíamdd que as cousas
estavam ordenadas de maneira que nam podia nimguem rreceber emgano
em seu despacho.
Os livros que vos alteza pedee, leva os ho feitor comsigo pêra sua
comta, porque no livro do pagamemto dos soldos da feitoria jaz Ioda esa
decrai^açam, e se os vos alteza quer cadano pêra yer se ha hy Ojovidades
d asemtos, ou as calidades das pesoas que vos quá sentem, e asy a certeza
das pesoas que em voso serviço falecem, he-muy bem que ciulano vaa a
vos alteza ho trelado do IWro da jemte da imdia e asy dos que sam fale-
cidos, com as jnais decraraçoees que em vosa carta vem; e se vos alteza
manda que volo levem pêra a verdadeira comta dos pagamemtos dos sol-
dos das pesoas que de quá vam, posto que levem suas arrecadaçõees,
ano ha hy em que se nam vay nimguem de que se fará (sic) livro, e ás
vezes se vam dous e três; parece me que de tam pouca jemte nam se
pôde fazer livro, porem comtudo eu mamão y rresistar' fe carta de vos al-
teza na feitoria, e mamdo que cadano façam as ditas delijemcias dos fa-
lecidos, que me parece cousa muy necesarea, porque por nosos ptcados
sempre hy ha hQa ptqena de cnsta dese feito; e se algua destas delijem-
cias vos alteza nam viir muy imteiramente compridas, saiba que nam sam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 73
eu na terra, e que a vos armada toma sua acitaçam (sic) e caminho per^i
omde ha mamdaees.
Per outra me faz vos alteza lembramça do imdio que de lá vos alteza
emviou ; será bem tratado, agasalhado e omrrado, e naquelas cousas de
voso seruiço pêra que ele fôr pertemcente, ho emcarregarey ; e esas cou»
sas aproueitam quá, porque nam mataram os mouros de cananor ho
mouro que vos alteza de lá emviou e forrou, senam porque comtou a?
gramdezas de voso estado e a multídam das nãos que avia em lixLoa, e
as mercees que de vos alteza rrecebeo; e imdo de cananor pêra calecut
com esa nova, foy apagado no caminho.
Em outra carta m avisa vos alteza do partido e mercee que vos al-
teza fazia a framcísco pereira capitam de quilua, nam averdes por uoso
seruiço dardes lho, e o mais que se na carta comtém: díguo, senhor, que
eu mamdey amtonio de saldanha bua carta, com forme ho que me vos al-
teza mamdou per rrejimento e cartas acerqua das cousas da costa dalém:
creo que ho trelado de tudo será dado a vo^ alteza, aimda que por meuB
pecados ho maço da segumda via, que dey a rrogo de tristam de ga a
hum seu irmão que chamam amtam deigaa, se foy meter co maço da pri-*
meira via, que era gonçalo de siqeira; ho quall feito, se ho vos alteza nam
castiga, parece me, senhor, que lho ha deus de dar; porque governar
vos alteza hSa terra de tam lomje, e averdes d estar aguardamdo poios
rrecados do úegoceo todo e detreminaçam do voso capitam mor e gover-
nador da imdia e homem prouer as cousas em duas nãos e três, e fazer
esse homem hQa tam desemvergonhada maldade, creo eu, senhor, que
oam pasará este feito amte vos alteza sem castigo, porque vos toca muyto;
e mais bem sey que ha vosa alteza de saber a causa por que ho ele fez.
Amtonio de saldanha mamdey prouer aquelas cousas da bamda
dalém, na maneira que ho vos alteza mamdou, porque tinha lá três na-
vios; e abaixo de tudo iso eu pus alguas cousas de minha casa, que me
pareceram voso seruiço, e alé ho presemte nam tenho visto Reposta dele,
somemte per este navio que diamte de meu sobrinho veyo, fuy certefi-
cado que framcisco pereira nam estava bem com os de quilua e aimda
com a jemte da forteleza, e o alcaide mor nam veyo muito comtemte dele:
vyrá meu sobrinho dom garcia embora, que á feitura desta aimda aquy
nam he, e mamdarey mais imteira emformaçam daqelas partes a vos al-
teza, e comtudo farseá ho que vos alteza mamda na mesma carta.
Em outra carta m avisa vos alteza que das especearias e drogoarías
10
74 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que em vosas feitorias ouuerem e poderem aver, nam se dê em paga-
mento a nimguem por divida que lhe devam, nem llie sejam dadas por
preço nem per compra. Digo, senhor, que vos beijo as maaos por ese
feito, porque ho fauor da vosa armada e do voso capitam moor e suas
delijemcias faz dar a carga aas naaos, porque sem esta certeza nam me
parto eu pêra nehum cabo, porque ho jemjivre que eu ajuntey em cana-
nor, nam se deu aas pesoas que ho lâ levaram per meu mamdado ; pêra
as vosas naaos ho busqey eu ; e nam digo mais deste feito, porque sam
cousas já pasadas; e agora que vos alteza quer que se iso proueja, estará
tudo a boom Recado, aimda que qem he Rey e senhor de malaca, bera
pôde partir com seus amigos. Porém digo isto polo jemjivre, que he mao
dajumlar a copya que vos alteza quer, por amor da guerra que temos
com Calecut, imda que me parece que daquy a dous ou três anos se fará
quamto vos alteza quiser, que na ilha de goa se poderá aver gram soma
dele, porque he terra da feiçam de calecut e cananor, e faz se muyto
boom e groso nela.
Outra carta vy de vos alteza sobre a ida de gonçalo femandez: certo,
senhor, ele he homem avisado, tbmou a sy este modo de viver, e algúas
pesoas se anojam dele, e creo que os homeens nestas partes nam se da-
nam senam se lhe homem dá azo e jeito de sy pêra iso, e ele he homem
avisado e descreto, e se homem que a quiser, saberá ele milhor fazer híia
maldade que os outros, porem eu ho achey sempre boom homem; posto
que em algum tempo me fezese más obras, achava emtam em que pacer
e amdava mais anafado; lá irá todavia ao tempo de sua embarcaçam.
Per outra de vos alteza fuy avisado de como as nãos chegamdo ho
porto de cochim ou cananor, omde quer que tomavam suas cargas, era
logo toda jenle em terra: certo, senhor, quaa me pareceo muy mall feito,
e já alguas vezes avisey ho alcaide mor de cochim e capitam de cananor
que tall cousa nam comsentisem ; e posto que a imdia estee hum pouco
erofreada, todavia ho boom custume sempre he bem que se faça pêra ficar
em vso, porque se nós tivermos imigos aa porta que tiveram bõoas galees,
creo eu que nam tomaram sua carga sobre hum estrem, e hum cão que
ladra a bordo, como aas vezes eu sey que estam, e nam omde eu estou;
porem farsa ho que vosaheza mamda, com mayor cuydado, imda que os
homeens de quá sam muyto mimosos de vos alteza, e eu os trago muyto
mais, pola necesidade que deles t^nho, e portamto pasam aas vezes por
estas cousas folgadamente, posto que fiqem avisados por mim.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 75
Na seda que me vos alteza toqua em outra carta, digo, senhor, que
doje avamte, com ajuda da paixam de noso senhor, quamta quiserdes po-
derees aver, porque toda a de çamatora está em vosa mão e toda a dos
chios e toda a durmuz: ho preço da durmuz nam crea vos alteza que a
faraçola de lá vali em vrniuz a trimta serafms, como a eu da outra vez
comprey pêra vos alteza, posto que ha faraçola durmuz he em peso fara-
çola e meia de cochim, pouco mais ou menos; nem ho aljôfar e perlas va-
lem ho preço por que as lá comprey pêra vos alteza, porque cojatar até
fim do juizo ha descurecer as cousas durmuz, porque he muito avisado e
muito temido, e pode o fazer: a seda dos chins vali a faraçola em malaca
a catorze e quimze curzados, e case toda he bramca, he ho bahar de qua-
tro quintaes; a de çamatora vali a façola (sic) a seis curzados e a sete, he
ho bahar de quatro quintaes: lá levam a vos alteza amostra de todas três;
a de que se vos alteza mais comtentar e lá se fezer mais proueito, se mam-
dará quamta camtidade dela quiserdes, porque as vosas nãos da orde-
namça que vosalteza ouver por bem que cadano vam carregadas de pi-
menta do malabar pêra os chins, nam traram outra mercadaria senam
seda, ouro e Ruibarbo, porque os jumqos de malaca amdam já gora em-
voltos cos chins, e vam lá e vem, e nam he navegaçam tam lomje como
vos lá fazem entender, amtes he muito perto caminho, senam estes imi-
gos da fee sempre folgam descurecer todalas Riqezas da imdia: esprita
em cochim a xx dias d agosto: amtonio da fomseqa ha fez, de 1512.
(Por lettra de A/fonso de Albuquerque) feytura e servydor de vosa
allteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A El Rei noso senhor *.
CARTA XI
1612— Agosto 20
Senhor. — Per Joham serraam me foy dado hfla carta gramde em
capitolos apartados per sy, ho quall aquy rrespomdo em cada capitolo per
sy a vosalteza.
^ Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 22, D. 66.
10*
76 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item. No primeiro capitolo me faz V. A. lembramça do que me tem-
des esprito sobre çacotorá, e asy alguas rezõees que vos moveram, por
omde parece voso serviço alevamtarse de todo. Digo, senhor, que pelas
mesmas Rezõees que V. A. daa e pela dila forleleza ser pouco pròueitosa
e obrigar a muito, eu mamdey alevantar a dila forteleza e rrasar pelo chão,
e trazer alguas molheres cristãas e asy outras pesoas que se quisesem viir
por sua vomtade, e mamdey a este feito diogo fernandez com três nãos,
pêra maver hy d esperar, com fumdamentp demtrar ho mar rroxo e de ir
imvernar a vrmuz, e lhe mamdey que m aguardase até meado ho mês de
raayo, e nam imdo, que me fose aguardar a vrmuz, e nam chegamdo eu
a vrmuz, pedise as páreas e se viese embora; e elle fez tudo com muy
boom recado e boom cuidado, e como pesoa de que se deue comfiar toda
cousa, e V. A. ho deue de ter ne ta comta, e deve d aver prazer de a
vosa guarda roupa criar hum tam boom homem e que tam bõoa conta
sempre quaa deu de sy e dos carregos que lhe pus nas mãaos.
Item. Per outro capitolo diz V. A. que a forteleza dé cochim e ca-
nanor sejam sempre bem prouidas de mamtimemtos. Digo, senhor, que
cmquamto eu aquy amdey sobre as forlelezas, sempre elas tiveram boons
payoes, e agora que vim de malaca, asy mesmo as achey bem providas;
e asy mesmo a de goa bem socorryda foy das outras fortelezas e de vos ar-
mada e capilaêes que nâ imdia deixey, e bem defemdida aos mouros; ver-
dade stá que os capitaees de cochim e cananor sam ás vezes mais comfia-
dos do que eu querya, porem tudo se poerá a muy boom recado co ajuda
do muy alto deus.
Item. Per outro capitolo diz V. A. que a forteleza de cochim vos
parece hum pouco pequena e de pouco gasalhado. Digo, senhor, que asy
mo parece a mim, e portamto com muita delijemcia mamdey logo fazer
hua cerqua pêra a bamda domde varam as nãos, á maneira dalbacar, a
quall vay já em bõoa altura; vayem quadra hum pouco perlomgada pêra
omde estam as nãos, e vem emtestar no muro da mesma forteleza, de ma-
neyra que os cubelos da forteleza guardam a forteleza e os lamços do al-
bacar, porque os corre a artelharia de lomgo a lomgo; faço lhe hua porta
pêra ho mar e outra pêra as nãos, e faço lhe dous cubelos nos dous cam-
tos que vay pêra a bamda das nãos; ey de fazer cimqo naves de casas ao
travees deste albacar, com as portas pêra a bamda do mar ; as quatro sam
pêra as mercadarias, e hfla he pêra ho almazem ; e os mamtimentos faço
fumdamento de os alojar demtro no apartado da forteleza em payoees :
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 77
estas cimqo naves am de ser de call e camlo, cuberlas de chumbo, e de
demtro muy bem obradas e muy bem lavradas, e parece me que nam ha
menos mester, se nesta feitoria ouuer d acudir todalas mercadarias do rre-
torno das vosas feitorias, como quá fazemos fumdamento, por bém da
carga que as nãos aquy am de viir sempre tomar, e aimda me parece pe-
quenas estas quatro naves, porque a carga de malaca, que aqui ha d estar
deposito de Ires anos, faz gramde valume, porque vem emfardelada; e a
carga demxobregas nem no castello nem fora dele nana podiamos aver
agasalhada, tam gramde valume faz : faço fumdamento de fazer a torre da
menajem desta forteleza pegada no mar, no b«'iluarte que está sobre a
porta do castelo, ho quall baluarte tem hum soo sobrado ; creo que vyrá
asy desta maneira muy formosa a forteleza, e as feitorias e mercadarias
que nela estiverem, estaram muy guardadas e muy seguras, e co ajuda
de deus, doje a dous anos seram bõoas pêra ver a riqueza que se nelas
achará de todas partes; e fica asy a forteleza desta maneira que dito te-
nho, de bõoa gramdura, e ho corpo e cerqua dela primeiro fica por
apartado.
Em outro capitolo diz V. A. que eu vos tinha esprito ho fundamento
que linha de me ir ajumtar com duarte detemos. Digo, senhor, que eses
capitãees e cavaleiros que em minha companhia eram, vos diram como
me pus cm caminho com vosa armada e detreminaçam de comprir ho que
vos tinha esprito: trouueme noso senhor a goa e me desviou dese cami-
nho ; nam sey dar outra rrezam de mim, senam que as cousas- de deus á
lhe homem d obedecer e tomalas por milhor, porque vimte nãos de cas-
telos davamle que ficavam em goa e em camguiçar, e goa que nam lei-
xava já liavegar nehfla nao com voso seguro, nam era pêra desimular e
leixar este feito detrás das costas; e pois que a noso senhor aprouue de
s acabar, tomaya por cousa muy gramde das mãaos de deus e por cousa
muy primcipall pêra a impresa da imdia, e nam digo mais, porque ela
dará testemunho de sy. E quamto a mais vir contrariada dos imigos,
tamto mais m esforço a dizer que s acabou hum dos mayores feitos e mais
proueitosos da imdia que V. A. podia desejar: prazerá noso senhor que
a comservará e defemderá de seus imigos, e que aqueles que a agora
guerream, ela os fará imda vosos trebutareos.
Em outro capitolo diz V. A. que se façam quamtas presas, mall e
dano que se poder fazer em todolos lugares e nãos que se demtro no
mar Roxo acharem: certo, senhor, minha temçam bõoa he nese feito, e
78 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
bem sabem os mouros dâ imdia que lhe nam ey de criai* os filhos^ e aque-
les que sam de guerra e me caem nas mãos, de maravilha am de toroar
a sua lerra : demtro do estreito ha ilhas em que pescam gramde camti-
dade d aljôfar, sam piquenas e Ricas; e chegamdose aa costa dos abexms,
está dalaca e outras ilhas Ricas, em que hy ha bem que Roubar e tomar,
porque estas seu ofício he comtinuadamente resgatar ouro dos abexins.
Em outro capitolo diz V. A. que se asemte trato cm zeila e bar-
bara em maneira que seja mais voso serviço. Digo que, levamdome lá
noso senhor, se fará ho que mais voso serviço for ; porem eu querya que
os mouros nos visem milhor arreigados na imdia, pêra nos averem por
vezinhos e nam por ospcdes e caminhantes, e emtam Receberyam milhor
vosos tratos e nos dariam suas mercadarias e tomariam as nosas ; e nam
pase V. A. por isto que vos digo, porque esta he a cousa que vos mais
dano tem feito a vosos tratos e a vosas mercadarias, porque ho tenho eu
quaa visto por esperyemcia; como nos melhorámos em algum lugar, logo
nos recebem milhor nosos tratos e companhias, vemdas e compras com
eles ; e somos já gora mylhor recebidos em seus portos com a tomada de
gòa: e calecut qeno manteve ele até gora em sua emganosa delremina-
çam, senam cuidar que avemos nós de deixar a imdia e que os Rumis
nos ãm de botar fora dela, e os mouros, que escurecendo seus tratos e
suas mercadarias, que nos emfaremos (sic) e que nos iremos? e nam rece-
bem nehua opresam de lhe tomarem hua nao, nem dez, nem vimte, nem
trimta; todo seu feito está em asenhorearem ho mar da imdia, como soyam,
e ser todo ho negoceo da imdia ajacemte a eles sem comtradiçam, como
era da primeira, e mais am por pecado tratarem comnosco, vemderemnos
as suas mercadarias, desfazermos ho trato de mequa e sua roniarya.
Per outro capitolo me diz V. A. que asemte paz com toda a terra
do malabar, tiramdo calecut, salvamte se rreceber as comdiçôees que V.
A. apomtar. Digo, senhor, que toda a terra do malabar está dasesego
comvosco e rrecebe vosos tratos e mercadarias, e asy ho farya calecut,
se V. A. pêra iso dése lugar. Esta guerra de calecut nam vejo proueito
que dela se syga, pois que nam determinaees de ho asenhorear; e aimda
dii7a, que se lhe querees tirar ho trato de meqa, que com paz e trato
com ele sobre ho jemjivre, em que tamto vay, ho podees fazer milhor
que com a guerra ; e se lhe querees fazer a guerra, seja de verdade e
metei lhe hua vila de madeira demtro na metade do seu çarame e arra-
salo todo por terra, porque nam vy cousa em calecut de força; e hoiaque-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 79
eido parece açoute de deus, porque eu nam vy duzemtos naires, e vy os
cemto deles estirados aas portas dei rrey, e ho governador da cidade com
alguns caimaaees; e ho noso desbarato foy desemparo, que deliraram hy
dez ou dozeliomeens decepar; alguns outros que faleceram, eradejerote
que nam quis volver com seus capilãees, nem lhe lembrar a obrigaçam
qué tinham; a jemte solta que amdava por esa cidade a Roubar e osnai-
res a rroubar, na casa omde sacertauam, os mais venciam os mais pou-
cos, e os naires que daly arremcaram comnosco, que nos vinham la-
drando detrás das costas, seryam sesemta até setenta, e via hir dyamte
mim hum corpo de jemte de quinhentos ou seiscentos horaeens, sem ne-
hum deles pregumtar por seus capitãees mores; e quamdo volvy da di-
amteira, omde hia com minha bamdeira, dizcmdo me que pelejava ho ma-
rychall, nam chegou comigo oníd estava ho marychall senam a minha ban-
deyra e diogo fernandez; acabou aly a minha bamdeira, que levava gon-
çalo qeimado, valente homem de sua pesoa; asy, senhor, que nam vy
força em calecut pêra que Ueixees de lhe pormos as mãos, quamdo man-
dardes de verdade; e se a querees destruir per guerra guerreada, ha
mester hQa armada acupada sempre sobrela, e armada da imdia nam he
tam gramde que se posa dela faser dous corpos: porem se me V. A. s(í-
gurar dos arrufos dei rrey de cochim e de cananor, ós quaees nam qerem
ver esta paz, porque ficam caimaees de todo, a mim me parece que eu
averey todo ho jenjivre de calecut sem trato nem asemto, e lhe tolhierey
toda a navegaçam de meqa; e metendo me neste negoceo, com ele per-
derá ho medo que vos tem, e receberá forteleza de vos alteza, porque a
meu ver el rrey do calecut ha tam gramde medo de vos alteza, que lhe
parece que nam quer vos alteza trato e forteleza em sua terra senam pêra
ho destruir, e ajuda o a isto ser homem em que ha pouca verdade, e pa-
rece lhe que lha nam falará nimguem, e poso lhe aver todo ho jemjivre
sem comfiar dele hum homem; porem he necesareo que, se vos derem
todo ho jemjivre de sua terra, que lhe deixees viir os mamtimemtos a seu
porto, e fique sempre em aberto cada vez que V. A. lhe quiser pôr as
mãos, e nam perderees tam gramde soma de proueito, se ho jemjivre lá
tem esa valia que dizem.
E diz mais vos alteza que asy mesmo asemte com malaca: ela oam
quis rreceber voso trato nem asemto, e cuidou que nam éramos homeens
pêra ousar de pôr ho pee em terra, e mais que su armada que fez, nos
desbaratariam ; e se fez forte em terra e comfyou que a raouçam que vi-
80 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nha cedo, nos lamçâría fora de seu porto, e amdou sempre comnosco em
pomtos, e fezeram nos sempre oitocemtos homeens, e eu creo que nam
éramos mais jemie bramca: prouue a noso senhor e a nosa senhora que
nos deu vitorea comlra eles: despois de muitos requerymentos e protes-
taç5ees que lhe fiz, e ho desbaratar hua vez e tornar lhe a largar a cidade
sem dano nehum, nunca quis vyr a coiticerto ; e ho negoceo de malaca
me pareceo cousa ordenada por deus, porque nam souberam comservar
seu estado com muyto dinheiro que tinham, nem com trato e asemto de
V. A., que lhe tam bem vynha, nem com força de jemte e artelharia,
temdo gram soma delia.
Per outro capitolo diz V. A. como gaspar da imdia metera quá em
Yso tomarem os mercadores mercadarias fiadas, e pagarem em pimenta.
Digo, senhor, que gaspar da imdia sabe milhor fazer seu proveito quá
nestas partes que ho de vos alteza, porque uosos ofeciaees começaram ese
negoceo, e vay agora em tam gram crecimento poios preços que as vosas
mercadarias tem em cambaya, naqueles lugares e portos daquela costa
omde tratam, que tomaram das vosas mercadarias quamtas lhe quiserem
dar, e todavia se lhe dá gram soma dela, mas he com boom temto; tem
lá agora esta valia, porque das mercadarias desta sorte que soyam entrar
na imdia per via do cairo e nam vem; V. A. saberá lá ho que isto he:
esprita em cochim a xx dias d agosto, amtonio da fomseqa ha fez, de
1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
CARTA XII
1612— Setembro 30
Senhor. — Asy como as cousas da hndia sam governadas per noso
senhor, asy amostra a vos alteza ho sam e verdadeiro comselho nas cou-
sas de quá, porque armada que leixastes de mamdar a malaca e estano
i Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. i% D. 64.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 81
veyo aa imdia, e asy as outras nãos, jemte e armas, vieram a tempo em
que a imdia amdava Revolta e desasesegada com a vymda dos Rumis, e
as primcipaees nãos da vos armada de quaa da imdia derrybabas, como
per outras cartas mevdamemtè tenho esprito a vos alteza, e a milhor jemte
que tinha e as nãos novas de goa ficarem em malaca e eu soo em cochim
com emxobregas, e em goa cimqo navios piqenos e a nao nova que se fez
em cochim, toda esta jemte, navios e forleleza, sem nehQa arma nem
lamça: chegamdo est armada, nãos e jemte e armas Iam cedo e tam im-
leiras, e asy a errada vyajem de meu sobrynho, que pareceo misteryo de
deus, fizeram a imdia tam mamsa e tam asesegada, que nam ouue hy
mais nehum Rumor nem aluoroço, nem mouro que ousase de falar em
vimda de Rumis: eu abaley logo com lod armada caminho de cananor,
deixando os cofres e feitores das nãos em cochim Recebemdo sua pi-
memta em casas, e fazemdo suas cargas, em tall maneira que tomamdo
aas nãos, em quinze dias podesem todas tomar sua carga cada hua per
sy, sem aver hy mais pejo, nem cousa que as detivese, e este impito dos
Rumis, se vyessem, apagalos em tall maneira que nam tornase nehum de-
les a sua terra.
Tamto que for em cananor e a vimda dos Rumis segura, vyrá neste
tempo a nova de malaca, e as nãos tornaram tomar sua carga, que será
meado outubro; e o que agora poso dizer a vos alteza da detreminaçam
em que fico, he ter dyamte dos olhos adem e vrmuz por cousas muy ne-
cesareas, e de necesidade se averem d acabar: nqso senhor sabe ho que
será mais seu seruiço, e "omde quererá emderençar meu preposito e minha
detreminaçam ; e o pejo que neste caso lynha, que era desfalecimento de
pesoas domeens pêra os taees carregos e ajuda minha pêra os taees fei-
tos, fora estou dele, pois que vos alteza acudio em tempo e com taees fi-
dalgos e cavaleiros, e com taees nãos e aparelhos de guerra, que tudo se
deve de cometer; e a noso senhor Ihaprouue d amostrar vos a necesidade
que a imdia tynha e o feito de malaca que tinhamos nas mãaos, e o mais
pêra que comvinha socorro e ajuda de vos alteza: esprita em cochim a
XXX dias de setembro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
» Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.*, M. 12, D. 12.
li
82 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA Xm
1612— Setembro 80
Senhor. — A mim me diseram quaa que vos alteza tinha hum cas-
telo de madeira que abastaria pêra cinquoemt omeens ou sesemta; terey
era mercee a vos alteza mamdarmo, porque he cousa muito necesareo
pêra logo segurar quallquer cousa de que quiserdes que lamcemos mãao,
e daly em diarate lavrar se a forteleza, ou quallquer outra obra que com-
prir, porque já por vezes me vy em gram necesidade diso ; e aimda pêra
quallquer lugar que comprir destruir se de todo, nam ha hy nehfia cousa
tam bõoa como he meter demtro hum castelo de madeira, pêra dy ho
poer per terra, e levamtar ho castelo de madeyra, se comprir leixalo, e
pêra quaeesquer outras cousas piquenas e gramdes omde comprir ter cim-
quemt omeens ou sesemta: todavia mo mamde vos alteza, porque asy em
malaca, vrrauz e em goa sempre vy dosposysam e cousa em que me fora
muy proueitoso; portamto vos beijarey as mãaos todavia me viir, e se a
deus aprouver, eu ho terey milhor gramjeado do que qua foy a vila de
madeira que quaa mandastes; e venha muy comcertado, e mestre dele
que ho sayba comcertar, com ho armemos, e nam seja muito gramde :
esprita em cochim a xxx dias de setembro de 151 2.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allleza
Afomso dalboqucrque.
(Sobrescripto) A elRey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— Gav. 18. Maç. 19. N.« ÍK.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 83
CARTA XIV
1612— Outubro O
Senhor. — Os capitãees da soyça chegaram per deiradeiro na nao
conceiçam, e asy alguns homeens de bem cabos d esquadra e fez me vos al-
teza a mayor mercee do mumdo, porque mayor medo ey no desarramjo
da jemte a pee quaa nestas parles, que em cometer quallquer feito, e
quamdo homem achar hum corpo nas cosias, mais confiado poerá as
mãaos á obra: sam muy bons homeens e eu os traio homrradamemte, e
trabalharey por lhe aproueitar com as migalhas da imdia; fazem trezem-
tos piques, cimquemta besteiros e outros tamtos espimgardeiros, e esta
he a detreminaçam em que agora ficamos.
Item: senhor, acerqua das nãos da carga que estano vieram de por-
tugall, e asy as de do m garcia, eu tomey por fumdamemto de irem estano
a vosa alteza xxxbiij quintaes* de pimenta e drogoarias, que poderiam
alojar as cimqo nãos novas ; e porque a nazaré estava hum pouco duvi-
dosa, se poderia a carga seguramente tornar nela, eu mamdey a iso mes-
tres, pilotos e carpimteiros ajuramemtados, e polo que neles achey, me
pareceo voso serviço nam se avemturar a carga nela e que seria milhor
ir em htla nao nova, pois que a nazaré era nao que de necesidade avia
de levar mill e quinhemtos quintaees de carga menos que a primeira, de
maneira que ficava em sete mill e quinhemtos até oito mill quintaes, que
pouco mais ou menos carregam as nãos novas: fica também saní pedro,
porque de htla bamda e doutra Rompeo liames no monte que pôs em
moçombique. E fica samta maria da serra, nao que poderá muy bem
aguardar ho ano que vem : a nazaré fará de três caminhos hum, ou irá
com mercadaria a malaca, ou com pimemta a vrmuz, ou com carga des-
pecearias a moçombique no mês de feuereiro: esta he minha detremina-
çam ao presemte, ho que depois socederá, deus ho sabe ; e se pela vem-
tura as cousas de goa e malaca socederem como homem espera em deus,
e que me nam obriguem, ao estreito com ajuda da paixam de noso se-
> Trinta e oito mil quintaes.
11*
84 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nhor espero d ir. E com esta jemte da ordenamça, semdo noso senhor
em minha ajuda, nam ey por nada adem, nem judá, pêra lhe deixar de
pôr as mãaos Rijo.
Item: pêro mazcarenhaz tomou juramemto nos samtos avamjelhos,
que ele lhe ficara ho alvará de suas quimtladas na casa da imdia, e so-
memte no caderno vynha seu soldo. E porque vy a jorje de mello trazer
quimtladas e soldo, parece me que deuia de ser asy: emtam lhe mamdey
carregar estano aquele que lhe coube de seu seruiço, e ele me deu hum
asynado de sua mãao, que nam semdo verdade que ele tinha tall aluará,
que a pimenta fycase por vos alteza, e neste caso tall sempre deuia de
viir mais decrarado, pêra homem saber ho que avia de fazer, posto que
já nam venha caderno de quimtladas.
Item : as quintladas imdia ficam agora nesta maneira: a todo homem
que nam he voso criado, nam se carrega quimtladas da vimda de gom-
çalo de Siqueira pior diamte, mas paga se aquele ano segumdo forma^ de
voso mamdado, e aos vosos criados carregam lhe aquele ano; e estano
desta carregaçam pagam se lhe suas quintladas, e aos piãees nem a nehua
outra pesoa nam se paga mais nehuas quintladas, porque vos alteza m es-
preveo, dizemdo que os escudeiros averiam dous cruzados e os piãees
averiam quinhemtos fs, e os degradados nam averyam soldo, e que huns
nem outros nam averiam quintladas. E porque vos alteza nam falou na
paga dos três anos, como tinhees ordenado, fiz fumdamemlo que se lhe
nam avia de pagar mais tempo que estano aos vosos criados e o pasado
a eses piãees e jemte mevda; e os capitãees somente ficam agora com
quintladas, asy os das fortelezas como os das nãos, e algua outra pesoa,
se tem alvará de vos alteza agora novamemte; os navios que dou com as
mesmas quintladas que os outros trouxeram de portugall, as am de mim:
e foy boom começar vos alteza laa ese negoceo das quintladas, porque os
Recebem os de quaa com menos escamdollo; porem as quintladas atrás
da vinda de gomçalo de siqueira, as que sam deuidas se carregam aos
homeens e mais nam: esprita em cananor a ix dias d outubro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhor*.
1 Torre do Tombo— G. Chron. Part. 1.* Maç. 12. D. 13.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 85
CARTA XV
1612 — Outubro 11
Senhor. — A mim me pareceo voso seruiço fazer com elRey de ca-
nanor que todavia tirase este seu alguazill de cananor e posese outro, e
creo que se muito tardara en o fazer, que mouuera d obrigar a mais, por-
que ele tem três cousas pêra nam poder deixar de ser; a primeira he
pouco siso, a segunda he ser amigo dos mouros, a terceira he ser muy
gram tirano e cobiçoso; e trazia nos tam Revoltos e tam cheos de desase-
sego todolos moradores de cananor e a forteleza, que parecia que agora
novamente começávamos dasemtar na terra; e chegamdo a cananor mam-
dey falar a elRey, elRey duuidou de ho fazer; emtam fiz huns capitolos
comtra ele, os quaees sam estes.
Item: primeiramemte, que ele tomara toda artelharia, pimemta e ou-
tras cousas muitas das naaos que se perderam nos baixos de padua, e
nan a qerya tomar.
Item: que matara arevollo, por ser servydor de vos alteza, e vosos
oficiaees da feitoria e capitam da forteleza confiarem muito delle.
Item: que mandara matar hum mouro que lá foy n armada do viso
Rey, que vos alteza quaa tornou mandar, por dizer que vira muitas naaos
e jemle em lixboa e outras gramdezas de vos alteza.
Item : que nam leixava viir nehum mercador tratar a vosa feitoria
nem falar ao capitam e moradores da forteleza, sem sua licemça.
Item : que matara ho natury primcipe de cananor com peçonha, por
ser servidor de vos alteza.
Item: que calecut navegava todo cos seguros que Ih ele vemdia e
pedia na forteleza, em tall maneira que ho arroz era mais de barato em
calecut que em cananor.
Item: que era muito liado com mamalle e com outros mouros que
nos querem mall, em tall maneira que se nam fazia na terra senam ho
que eles mamdavam e queryam; e como hy avia novas de Rumis, nam
vemdiam pam na praça aos portugueses.
Item : que avemdo fres anos que nam viera a cananor, temdo lhe
86 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vos alteza feito muita mercee e eu dado dadivas, boom trato e gasalbado,
chegamdo agora a cananor achara a cidade toda despejada, como jemte
posta em algua maa detreminaçam, ou detreminada em ajudar os Ru-
mis.
liem : que tinha destruido pocaracem voso seruidor e o nam leixar
viver por ser voso amigo.
Item : que tinha destruido ho alguazill velho, por vos ir senjir a goa
com jemte, e telo ençarrado em casa com naires que ho guardavam.
Item : que mamale se fazia comquistador das ilhas com seu fauor, e
que el rrey de cananor per seu comselho dera ho nome de rrey das ilhas
a hum irmaao de mamale.
Item: que as naaos e mercadores durmuz eram Roubados e mall
tratados deles, semdo lugar de vos alteza.
Item: que ele e mamalle fezeram hua armada de muitos paraos e
jemte, e se foram em busca dos Rumis, que deziam que vynham ao lomgo
da costa, estamdo eu em malaca, e goa cercada de mouros ; e daly toma-
ram as nãos d urmuz per força d armas sobre meu seguro, e os fizeram
viir a cananor por força.
Item: que hum guzurate seruidor de vos alteza e de vosa forteleza,
com seu medo de ho nam matarem, como fizeram aos outros, se tornara
em espia c descubi-ydor de todos nosos segredos, e hum seu sobrynho,
que premdera nese mar, e Ih achara muitas espimgardas, que levava pêra
os mouros, e como levara pólvora, emxofre e salitre aos mouros que fa-
ziam a guerra a goa.
Item : mais em tempo do governo deste alguazill cercaram os mou-
ros a forteleza dei Rey noso senhor per seu comsimtimento, e lhe fizeram
a guerra ele e eles, sem aver hy causa, podemdo ele estorvar com seu
oficio, e no mesmo caso foy mais culpado que os mouros ; e agora p&r
derradeiro fuy avisado pela molher e filhos de cojebequy, que estam pre-
sos em Calecut, que nos querya tornar a tomar a forteleza, quamdo me
vyo fora da imdia.
Mostrados estes capitolos a el Rey, alguns deles confesou, outros
negou, c a outros deu alguaa escusas e rrezõees em defesa do seu algua-
zill, escusamdose nan o tirar, porque he homem mole e governado por
ele: quamdo vy que todavia ho querya ter, lhe mamdey dizer, que em
quallquer terra do mundo omde ouuese justiça, nos dariam hum juiz sem
sospeita, que emtendese em nosas deferenças, e que todavia nos devia de
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 87
dar outro, vemdo como este era comlrairo a voso seruiço e cheo de todo
desasesego; e peramte hum seu esprivam que lhe este rrecado levava,
mamdey dar juramento dos samtos avaamjelhos aos vosos oíiciaees e ao
capitam da forteleza, que mais nam Recebesem ho alguazill demlro na
forteleza, nem fizesem mais comcerlo com elle, nem compras, nem vem-
das, nem preços de vosas mercadarias, nem lhe Requeresem cousa ne-
huua ; e quamdo algíía cousa comprise, que ho fosem falar a el Rey ; e
asy lhe mamdava que nam desem seguros a nãos de cananor, e abastava
navegarem sem seguros, pois que vos alteza asy mamdava; e asy lhe man-
dey que nam comprasem ho jemjivre a cananor, e lhe fiz logo peramte
ho esprivam dei Rey quaremta seguros pêra os pagueres de calecut, di-
zemdo que quem trouxese ho paguer carregado de jemjivre beledy, lhe
dava lugar que fose caregar d arroz: quamdo el Rey estas cousas vyo, em-
tam me outorgou pôr outro alguazill.
Amtes disto chegamdo eu a cananor, me veyo ho alguazill ver e
mamale, e outro seu irmãao que fizeram Rey, e eu mamdey chamar os
capitãees e oficiaees de vos alteza, e peramte eles dise a mamalle e ao
alguazill, que qe dereito tinham eles nas ilhas pêra fazerem seu irmãao
Rey, e como ousava mamale de se fazer comquistador, sabemdo que se
chamava vos alteza comquistador das imdias? e pregumteilhe que direito
era ho que tinham nas ilhas? Respomdeme mamale, que hum gramde
homem se alevamlara comtra ho Rey das ilhas, e que ho Rey das ilhas
lhe pedira socorro e que ele lho dera, e que emlam lhe dera certas ilhas;
e eu mamdey emtam chamar peramte mamale ho misijeiro do rrey das
ilhas, ho quall se mamdava meter á vosa obidíemcia e emtregar as ilhas
e senhorio delas a vos alteza, e que ho livrase do poder dos mouros de
cananor: ho misijeiro lhe dise que ele tinha ho Rey fora de sua pose e
tomado as ilhas por força, e agora ho qerya lamçar fora e fazer seu ir-
mãao Rey, e que as ilhas que lhe dera, fora porque ho tiveram Retevdo
em cananor, e polas opresõees que lhe faziam, e nam por sua vomtade.
Dise emtam mamalle, que ele tinha cartas diso, e que fose elrrey de ca-
nanor juiz diso; e eu lhe rrespomdy, que el rrey de cananor era jemtio
e que as ilhas eram de mouros e que os naires nam navegavam, nem el
rrey era juiz desa causa; e que nam divera ele de dar nome de Rey a
seu irmãao, nem comsymtir comquystar as ilhas a mamalle, vemdo voso
poder e força na imdia, e semdo esa vosa obrigaçam e voso senhorio ; e
mais lhe dise, que eu lhe mamdava de vosa parte, que de demlro de
88 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
cimqo meses tirarem sua jemte e seu governador das ilhas, e deyxasem
el Rey isemto com todo seu poder e mando, pois se fizera vasalo de vos al-
teza e viera á vosa obidiemcia; e que se algum direito tinham nas ilhas,
fosem rrequerer sua justiça diamte de vos alteza, e que pasado ho tempo
que lhe aly limitava, soubese certo que cousa sua que se achase nas ilhas,
se nani daria vida ; e mais que lhe emtregava ho rrey das ilhas vivo da
parte de vos alteza e lhe dava voso reall seguro, e semdo caso que ele
Recebese algum Revés ou comti adiçam em seu governo e mando, ou polo
mesmo caso lhe fose feita algua imjuria ou morte a sua pesoa, que ele
fose obrigado a dar comia diso, a quall lhe ser)^a tomado per mim muy
estreita: e mais lhe dise, que vos alteza mandava aly fazer forteleza, e a
navegaçam de malaca nosa avia de ser por aly comtinuadamente, que se
decesem de sua errada famlesya.
Dito isto, ho irmãao que se chamava Rey das ilhas, começou de tra-
tar comigo, dyzemdo que ho fizese Rey e que ele terya as ilhas por
vos alteza; eu lho nam outorguey, nem me parece voso seruiço, por ser
perto de cananor e mostrarem ter dereito nelas, e terem sempre ajuda e
fauor de cananor pêra quallquer' maldade que quiserem fazer, e asy polo
outro ser Rey de direito e viii* á vosa obidiemcia, sem ter outra ajuda,
nem favor, nem socorro, senam a que lhe vos alteza der, o quall dará
todo âmbar a vos alteza cadano e todo cayro que vos for necesareo, e
alguns panos Ricos das ilhas; e mais nam navegará per hy senam qem
vos alteza ouuer por bem, nem se dará lugar a nãos que naveguem do
golfam de ceilam pêra demtro, senam aquelas que levarem vosos segu-
ros, e estará ho cairo das ilhas todo em vosa mãao, que se nam dará se-
nam a quem vos alteza mandar.
Outra pemdemça tive com ho alguazill: a comory se foram vemder
certos cavalos de vos alteza, e os mouros vemdo que começávamos de tra-
tar neles, peitaram Rijo a el rrey de comory, em tall maneira que diogo
pereira se veyo sem dinheiro e sem cavalos : soube eu que era hum mi-
sijeiro dei Rey de comory a cananor com dinheiro comprar cavallos, e
mamdeilhe socrestar ho dinheiro, e quamdo vym a cananor, fojyo ho mi-
sijeiro dei rrey de comory e deixou ho dmheiro: pedy ao alguazill que
me mamdase emtregar ho dinheiro ao feitorado vos alteza, rrefusou de ho
fazer, dizemdo que avia de pagar primeiro xx fanões ^ a manp^ato, emttw
^ Vinte mil fanões.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUEROUE 89
lhos fiz pagar e emtregaram RíJ fatiões * ; e o alguazill me dise qufe lhe
mamdase primeiro pagar Ix fanões^ que lhe deviam do jemjivre, e eu
lhos mamdey logo pagar, e àsy eratregou os Rij fanoees que se em co-
morym tomaram dos vosos cavalos.
E porque me parece que estes mouros de cananor e este alguazill
amdavam hum pouco danados, pelo trato e companhia que estes vòsos
oficiaees tmham com eles, e ho afulavam e fauoreciam em todo mall, lou-
vamdolhe suas maldades, temdo pouco cuidado de minha obrygaçam,
mostramdolhe como vos alteza cria muyto nele e que nam avia dir á mãao
a cousa que ele fizese, e outras mevdezas ncsle caso, que vos eu, senhor,
nam esprevo, por omde eles qeryam fauorecer suas omzenas, e mais os
mouros quamdo am mester fauor, peitam logo Rijo; eu mamdey aos vo-
sos oficiaees, que mais nam tratasem seus dinheiros e fazemdas com os
mouros de cananor, nem tivesem mais imtelijemcia com eles que aquela
que fizesem a bem de voso trato, sô pena de perderem tudo ho que lhe
asy fôr achado, seus oficies e ordenados, e que poderyam tratar per sy
em outros lugares: e asy lhe dise, que bem sabia eu que poios seus tra-
tos e omzenas e por seu dinheiro estar efh poder dos mouros de cananor,
sabiam eles nosos segredos, e lhos descobryam e praticavam todas nosas
cousas com eles; e os traziam cheos de samdices e d alvoroços, que vy-
nha outro governador, e que este que vos alteza quaa tinha nam era boom
e que ho avia vos alteza de mamdar de quaa ir preso em ferros, e que
goa nam valya nimygalha, que ha avia vosalteza de mamdar derribar,
que gastava muytos mamtimemtos; acomselhamdo ho alguazill e a ma-
male ho que aviam desprever de mim a vosalteza, afauorecendo os com-
tra ho capitam da forteleza, dizemdo que era posto por mim e que nam
tinha poder, nem mamdo, nem autoridade, e outras cousas que quá ha
na imdia e danam muyto: tudo isto que asy esprevo a vosalteza, pasa
asy na verdade ; e os mouros de cananor e todolos lugares de mouros
desta terra nehua cousa desejam mais que ver nos fora de goa, porque
goa todolos tem apertados na mãao.
Ho asemto que se nisto tomou, he este: elrrey de cananor me mam-
dou outro alguazill, homem de linhajem amtreles, boom homem e de
boom saber, e mo mamdou entregar, que fizese tudo ho que lhe eu mam-
^ Quarenta e dois mil fanoes.
^ Sessenta mil fanoes.
12
90 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dase; eu ho rreceby omrradamente e lhe dey alguas dadyvas, e ho mam-
dey omrradamente a sua casa, e desistio demtender no feito das ilhas,
asy naquelas de que lhe mamale dava a Remda, como naquelas em que
mamale tinha sua jemte; e mamdey logo soltar jemte das ilhas, que ti-
nha tomado em hua nao de cairo, que viera sem seguro, e lhe mandey
dar hum seguro a hum homem primcipall deles que tinha cargo de certas
ilhas, e lhe mamdey que nam obedecese a mamale, nem aos seus mam-
dados, senam ao Rey que está á obediemcia de vos alteza: ho outro al-
guazill foy logo fora de cananor; e se lhe isto fizera quamdo ele deu lu-
gar que os mouros cercasem a forteleza, e veyo com eles em pesoa, nam
nos trouuera tam Revoltos cadano; e os mouros de cananor andam hum
pouco mais asesegados, e os vosos servidores foram mais fauorecidos,
E asy mamdey a todolos vosos oficiaees de cananor, que nehum não
fose tam ousado que mais dése seu dinheiro a ganho aos mouros de ca-
nanor, nem tratasem com eles suas fazemdas, nem tomasem companhia
em suas nãos; que de fora poderiam fazer seu proueilo, tratar, comprar
e vemder, como lhe per vos alteza era dado lugar.
Depois disto tudo mamdey a jorje de melo que fose ver el rrey, e
foy lá com muyta jemte, e omrradamemte el rrey os Recebeo, e com mui-
tos oferecimentos, mostramdose sem culpa dos erros do seu alguazill, e
mamdou a içapocar, irmão de mamalle, que leixase ho titulo das ilhas ; e
os mouros em gram quebra e derribados, de verem ná metade dos seus
olhos tirar lhe ho alguazill que eles traziam criado de sua mãao: esprita
em cananor a xj dias d outubro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa aJlteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor.
(In dorso por lettra coeva) dafonso dalboquerque de xj dias d ou-
tubro 1512 sobre o de cananor e ilhas.
Pêra elRey ver pêra o que ha de responder aos embaixadores —
vista *.
1 Torre do Tombo^C. Chron. P. 1.*, M. 22, D. 96.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 91
CARTA XVI
1612— Outubro 18
Senhor. — Agora me parece que querees pagar á imdia ho que voft
ela merece, que he jemte e aruias que lhe faça tomar asemto e asesego
sem guerra, e que se acabem muitas cousas de voso seruiço e o que de-
sejaes, sem nos aventurarmos tamtas vezes: e sabe vos alteza ho que fez
esta jemte e armas que mandastes? de todolos lugares mespreveram lo-
guo todoUos Rex e senhores muylos oferecimemtos, mais com medo que
per suas vomtades, e tudo está asesegado, ho que damtes disto nam era,
com a nova da vinda dos Rumis, aquall praga creo que nam sayrá da
imdia cadano, atá que nam entremos ho mar Roxo e que descomfiemos
estes arrenegados de aver hy Rumis, e a imdia asesegue e nam faça fum-
damento de sua vymda: calecut está de todo despovoado, todo ho fato e
gemte se foy á serra.
As armas que vos alteza mandou, deixo de dizer o gramde seruiço
que foy voso; mas aimda, senhor, fizestes niso seruiço a deus, porque eu
vos juro pola verdade que sam obrygado a dizer a vos alteza, que na im-
dia averya amtes da chegada destas armadas mill e duzemtos homeens,
deles em malaca, deles em goa e em outras fortelezas, e amtreles nam
avia trezemtos homeens armados, e ametade deles sem lamças, e na vosa
armada nem nas vosas fortelezas somente húa arma, nem lamça, nem
piqe; e esta he a verdade. Agora, senhor, nam ha homem que nam tome
de muito bõoa vomtade dous pares de coiraças sobre seu soldo, se lhas
quiserem dar ; lamças e espadas, que amtre nós nam avia, também as to-
mam d^ muy bõoa vomtade sobre seu soldo, porque já hy nam avia ne-
hua espada amtre nós portuguesas, senam eses traçados deses mouros,
de maneira, senhor, que era hua cousa pyadosa de ver: fartay, senhor,
a imdia d armas, e dayas sobre ho soldo á jemte, porque nam Recebem
diso nehum escamdollo, antes certefico a vos alteza que os metem em
desejos de fycarem quaa: e certo, senhor, ho que vos esprevo na reposta
do maço d armada de dom garcia, nam foy senam com muita Rezam, por-
que vya malaca em voso poder, qué fonte das especearias e Riquezas
i2^
92 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
destas partes e chave da navegaçam do estreito, e goa, que he freo de
toda imdia e seguramça de toda a navegaçam das naaos de vosa carga,
escapola primcipall das mercadarias que vam pêra ho regno de narsymga
e pêra o regno de daquem ; e nam ver jemte nem armas pêra as segurar
e comservar, pêra tomarem asemto, e ver vos mamdar armadas á imdia
sem jemte e sem armas, tiramdo vos alteza hum milham douro, parecia
pecados meus, que ordenavam darem algum açoute em minha omrra.
Deixo aquy, senhor, de dizer durmuz, que está no ar, sem Receberdes
dela nehuni proveito senam as páreas, e adem e outras cousas gramdes
da imdia, as quaees, como tiverem vosas fortelezas no pescoço, pôde vosa
alteza durmir muito descamsado, porque, quy aja alguns Rebates e al-
uoroços de povo ou jemte que venha sobrelas, nam am d ousar doulhar
a vosa forleleza, como estiver em ordem; e como hfla vez tomarem asemto,
ano de ter pêra sempre: e deste feito deue vos alteza de ter menos Receo
que nehum outro que posa sobrevyr á imdia.
Pode vos alteza isto ver per goa, que nam ousou ho idalham, filho
do çabayo, de vyr sobrela, porque conheceo os portugueses da primeira
vez que nola ganhou, e sabia que se nos cercasemos, que nam nos avia
de poder ganhar a forteleza; e estes turcos sam homeens que mais tra-
balham por comservar ho credito e sua fama que nehua outra jemte que
tenha visto, e desimulam muitas cousas, por nam Receberem qebra; man-
dou hum seu capitam ás terras de goa, ho quall emtrou a ilha, porque
me nam quiseram crer meu conselho, nem cumprir meu mamdado em se-
gurar ho passo de benastary, e creo que tudo pecou de falecer Rodrigo
Rabello: afavorecey, senhor, muito goa, porque ela vos ha de fazer os tra-
tos da imdia chãos, e os Rex da terra muyto mamsos.
Pois vos alteza nos proueo bem d armas, provede nos de panos pêra
nos vestirmos, porque tudo tomará a jemte sobre seu soldo: esprita em
samtamtonio avamte batecala, a xbiij dias d outubro de i512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A ellRey noso senhor*.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1/, M. 10, D. 113.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 93
CARTA XVn
1612— Outubro 86
Senhor. — Frey Joham alemão veo ha Imdia com lamtos carreguos
que nom pudia deixar seruir bem vos alteza, e no esprituall e temporall
sempre trabalhou por vos mercer mercê, e ha muitos aproueitou sua ca-
rydade: foy na tomada de goa e de malaca»e em todoUos feitos depois
de sua chegada que se na Imdia fezeram por voso seruiço; e neses es-
pritaes e doemtes foUgou sempre de fazer obras de seruiço de deus e de
vos alteza, e cousas que alguns homes somenos delle nom fezeram. E por
elle ser pesoa que seu oficio fez sempre bem, e na guerra sempre se acer-
tou nos primeiros ; e no comselho palavras de pesoa que deseja voso ser-
viço; e posto que elle viese delegido ha cochym, por elle ser pessoa de
que me mais podia aproueitar n armada, lhe Rogey que hamdase comi-
guo, porque elle mostrou sempre quá gramdes desejos de seruir vos al-
teza, como elle por obra, asy em goa como em mallaca e em cochym. E
poUo achar ás vezes mais perto de mim nos tempos de necesidade, lhe
dey sempre comta de meus malles e pecados, e lhe tenho alguum amor
e afeiçam, como ha meu padre esprituall e seruidor de vos alteza: elle
vay llá; por hua necesydade que lhe sobreveo de cajam mais que doutra
cousa, me pedio Hcemça e eu lha dey; se quá tornar em meu tempo, fol-
garey muyto com elle: esprita em samtamtonio caminho de goa aos xxb
dias de outubro 1512.
(Porjettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A elRey noso senhor*.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 12, D. 22.
94 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA XVffl
1612 — Outubro 26
Senhor.— Per htla carta de vos alteza vy ho que me mamdaees acer-
qua domeens que se lamçam cos mouros, e o seguro e perdam que lhe
vos alteza mamda e daa: eu, senhor, tenho tamanho cuidado de nestas
cousas e em outras que sam serviço de deus e de vos alteza seguir vosa
detreminaçam e temçam e desejos, que sempre me trabalho polas fazer
quamdo vejo lugar omde as poso empregar: alguns que se lamçaram no
Rio de goa sam tornados, e outros que cativaram com fernam jacome, a
mayor parte deles se vyeram com joham machado; os que se lamçaram
em tempo de diogo memdez, amtes que eu viese de malaca se tornaram
alguns, e dous deles se tornaram arrepender outra vez ; os que se lam-
çaram em minha estada no Rio de goa me dam alguas Rezõees que foy
causa do que fezera, tudo lie maas pregaçõees e maas praticas que ou-
uem a quen os mamda.
A todos estes dey seu soldo do tempo que lá amdaram e lhe mam-
dey dar algúa cousa pêra seu vestir; aos que imda lá sam, lhe tenho
dado seguros e lhe mamdo agora noteficar ho voso perdam.
A maneira de que estes homeens, senhor, sam tratados amtrc os
mouros: como hy ha guerra, estes turcos que acapitoneam a jemte, aas
pamcadas os fazem pelejar na diamteira, por omde alguns deles já per-
deram a forma do sayo; tem nos em muy pouca comta e nam lhes dá nada,
quer se vam, quer se venham; amdam soltos e livres e dam lhe soldo; e
os vosos capitãees outro tamto lhe fazem, tiramdo as pamcadas; e pêra
jemte que nam tiver fee nem temer a deus, he a milhor calaçarya do
mumdo, e se a ley ho premetise, em comselho seryá eu de lhe nam da-
rem seguro, porque eles como lá sam, arrependem se logo e sabem que
tem ho seguro certo cada vez que ho mamdarem pedir; e portanto muy
desemvergonhadamente vam e vem per esa estrada caminho dos mouros :
esprita em samtamtonio caminho de goa a xxbj, dias d outubro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
* Torre do Tombo — Gav. 15. Maç. 21. N.° 18.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQDERQCE 95
CARTA XIX
1618— Outubro 30
Senhor. — Eq mamdo a vos alteza per Joham serram as cartas que
me espreverara os homeens que cativaram em adem no bargamtim de
duarte de lemos, e parece me, segumdo ho que v y pelas cartas, naquelas
partes ha nova que ho soldam faz fumdamento da porta do estreito e
d adem; e mouros que de lá vieram, esta nova trazem comsygo, e adem
se teme deles; e a mim sempre me pareceo que eles nam careceryam
deste comselho, e creo que nas minhas cartas pasadas eu toquey a vos ai*
teza nesta cousa, como homem asombrado diso, e esta causa me»moveo
a fazer ho caminho do estreito, quamdo me noso senhor volveo ao cami-
nho de malaca: este feito he mais danoso do que pode sobrevir á imdia^
porque afora cerrarem ha boca do estreito e terem força nela, fazemdo
asemto em adem, nos meteryam em gramde despesa e obrygaçam, e as
nãos dos mouros navegariam com as especearias ousadamente, e a imdía
tomaria tarde asemto. Três judeos que agora vieram do cairo, esta nova
me comtaram e mais me diseram que ho soldam mamdara pedir cem mill
serafins ao xeqe d adem e que lhos nam quisera mamdar, e o soldam lhe
tomou a mamdar dez mill frechas e cem arcos e hila arredoma de bal-
semo, dizemdo que com aquelas frechas e arcos ho avia de matar, e
aquela arredoma de balsemo era com que avia de abalsemar seu corpo.
Asy , senhor, que a mim me parece que eu devo d acudir a este feito
este ano Rijamente, aimda que alguas cousas da imdia ficasem em pem-^
demça, porque, senhor, posto que malaca fiqe com bõoa forteleza e bõoa
armada e bõoa artelharia e boons cavaleiros, todavia he cousa fresqa e
ha mester quente e prouida com minha pesoa e com armada que ha vaa
aqueptar e afauurecer; e goa, senhor, cousa fresqua he e bem contra-*
riada, como cousa primcipall e danosa pêra os mouros, e cortou toda a
esperamça do ajuntamento dos mouros da imdia, porque dela se fazia
cabeça primcipall deste ajuntamento; he cousa que afavorece muyto noso
credito na imdia, c também ha mester armada e jemte que ha au!pm%
alaa que tome asemto, que pêra a forteleza ela está de maneira qne^ m
nam fose semteuiça de deus sobre nosos pecados, nam pode eonper p^^
96 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
rygo nehum, que venha todo daquem sobrela; e deixamdo eu a imdia
tam asesegada, agora que vim de malaca, com a nova dos Rumis acheya
muy Revolta: ora vede, senlior, que serya terem nos em adem por vezi-
nhos, afora ho credito que tem nestas partes.
Portamto minha detreminaçam he, ajudamdome noso senhor, em-
trar ho estreito estano, posto que tenha poucas nãos e muyto em que
emtemder, e fazer ho que me parecer voso serviço e o que noso senhor
ouuer por bem; e a jemte nam he tamta na imdia como vos alteza cuida
pêra este feito, se fose necesareo defemderlho com força de jemte e ar-
mas, porque malaca jemte acupa e goa, e nam ha mester que lha tirem
por hum ano ou dous, ataa que se façam tam mamsas como cochim; e
amtes que este caminho faça, me parece que será a nova de malaca co-
migo: e como já per outras cartas esprevo a vos alteza, esas nãos que se
lamçam através na Ribeira de lixboa, milhor se viryam elas quaa desfa-
zer sobr este feito ; e com pouca custa as podiam quaa trazer, porque ao
presemte esta he a mayor necesidade que tenho, por achar as principaees
nãos d armada da imdia todas derribadas por culpa domeens que vos
nam querem servir na imdia senam como meus compitidores, poios mi-
mos e omrras que lhe fazees: aperte vos alteza isto na mãao, porque he
hua das cousas que vos mais nojo quá faz, e nam se faz isto omde eu
estou presemte, porque todalas cousas estam a direito, mas como volvo
as costas, husa cada hum de sua comdiçam, e eu ey poucas vezes des-
prever a vos alteza os erros dos homeens, mas todo bem que poder, guar-
damdo verdade.
E pêra este feito d adem e do estreito nam sam pouco acusado dos
capitãees, cavaleiros e fidalgos, que leve as naaos da carga comigo, dam-
dome asaz Rezõees pêra ser muito voso serviço fazello, mostramdo que
ha carga nam se perde, mas tomando adem e a porta do estreito, se se-
gara a carga pêra sempre, e que as nãos podem levar sua carga ho ano
que vem; e posto que meste parecese boom comselho, porque sam desta
cativa comdiçam nas cousas de vosa fazemda e voso proueito, alargar ás
vezes a mãao por se dobrar por outro cabo, ho nam ousey de fazer mais
que baqueias que quaa ficam, polas Rezõees que dito tenho em minhas
cartas. E o que mais ao diamte soceder até partida das naaos da carga
pêra portugall, ho espreverey a vos alteza largamente; somente digo ho
que até feitura desta carta se pasa na imdya, e minha detreminaçam em
que estou.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 97
Torno vos, senhor, a lembrar que temdes as mayores duas cousas
da imdia nas mãaos, goa e malaca, e que hafauoreçaees ha imdia por
três anos com jemle e armas e nãos, pedreiíos, ferreiros e carpimteiros
e todo ho aparelho de se fazerem bõoas forlelezas, e tirar vos á deus de
muytas sospeitas e duuídas, que vos cada dia am de ir da imdia, e das
duuidas que lá ha em alguas pesoas das cousas da imdia, que ás vezes
darám a vos alteza mayor descomtemtamemlo das cousas de quá: nam
tema vos alteza os gastos dos soldos e mamtimemtos da jemte, porque
deus volos dá quaa, como já tenho esprito, e tornem me a mim os cabe-
daees que em vosas feitorias estam ganhados pela vos armada e as espe-
cearyas e mercadarias que vos lá vam ávidas desta maneyra, e eu paga-
rey ho soldo á jemte: a grusura da imdia he muito grande cousa, e se ho
peso da vosa jemte e armada todolos gastos que faz tirase das vosas fey-
torias, vos alteza saberya ho que se quaa despemde á custa alheya; nem
he nada duzentos mill cruzados, de que se podem pagar quatro mill ho-
meens, pois que a mercadaria que vos alteza mamda levar, vali hum mi-
lham e trezemtos mill cruzados, e se vos noso senhor der vrmuz e adem,
como agora temdes malaca, abasta pêra todalas despesas do mumdo quam-
tas quiserdes fazer; como se vos alteza comtemtar do trato somemte des-
tas partes pêra eses Regnos, e leixardes ho trato de quaa, trebutos e pá-
reas e percalços da vos armada, podees ter dez mill homeens na imdia;
se quiserdes, podees fazer na 'imdia quatro ou cimqo homeens gramdes
de gramde mamdo e de gramde Remda, que abastaram pêra defemde-
rem a todo mumdo, com ajuda de noso senhor.
E a jemte que vos alteza diz que vos nam mamde pedir em soma,
nam pode leixar de ser, porque d uum ano pêra ho outro sobrevem ne-
cesidade pêra que se ha mester, e nós nam estamos em lugar pêra a po-
deraios alargar e tornar aver quamdo nos comprir: vos alteza sabe bem
ho que mamda fazer, e sabees que avemos lá diir, se noso senhor der
pêra iso lugar; a jemte que cada cousa ha mester, he necesareo que ha
traga na mamga, e se querees que logo certeficadamente volo diga, sam
cousas que estam imda no mato, e nano saberya detrcminar.
Nem vos ey, senhor, desprever acerqua da jemte e armas e cousas
necesareas pêra seguramça da imdia, como os vosos oficiaees lá espreve-
ram do cobre : viram estar nas feitorias alguaa soma dele, espreveram lá
que ho nam mamdasem, que se nam gastava, e eles daly a muy poucos
dias gastarano todo, e primeiro que ho aviso lá vaa e a mercadaria ve-
13
98 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nha, se pasarám três anos : asy serya ho da jemte e armas, se esta ma
neira quisese ter; faça vos alteza fumdamemto que me trabalho com
quamto siso e saber me noso senhor deu, por segurar voso estado na
imdia; ajuday a este feito com as cousas necesareas, porque a jemte em
meu poder nam come seu pam oceoso, porque, senhor, de meu fraco
juizo eu ey todalas outras cousas por hum pouco de vemto; nem esas
carregas despecearias que cadano lá vam, nem as Riqezas que vos de
quaa levam, tudo me ha de parecer cousa emprestada, até que vos eu
nam veja muy forte na imdia, e nam no mar, mas na terra, naqueles lu-
gares domde as vosas cousas podem Receber comtradiçam, pois vos alteza
despois do descubrymemto da imdia té gora sempre teve nestas partes
força d armada, e vistes que se nam melhorava nehfla cousa voso prepo-
sito nas cousas da imdia, asy nos tratos como no encurtar das despesas
e gastos, como na estima e credito e fama de voso estado e voso nome.
Provay agora isto que vos digo, e pela vemtura, senhor, vos acharees-
milhor, posto que vosa alteza nesta detreminaçam eslê, segumdo tenho
visto per vosas cartas; acuda vosa alteza com jemte e nãos pêra se aca-
bar vosa detreminaçam com tempo, porque a dilaçam nestas cousas sem-
pre as faz mayores e mais trabalhosas d acabar: esprita em samtamtonio
caminho de goa a xxx dias d outubro de 1512.
(Por lettra de Albuguerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
CARTA XX
1612— Novembro 8
Senhor. — Nas cartas que me vos alteza espreveo per Jorje de melo,
me mamdastes dizer que ho ano pasado foram de calecut vimte e tamtas
nãos carregadas despecearias a mequa; e eu, senhor, nam mespamto de
vol o dizerem, mas de vos alteza crer que ha em toda a terra de malabar
vimte nãos de quilha, quamto mais que calecut se tirou de todalas nãos
1 Torre do Tombo— G. Chron. 6av. 18, Maç. 14, N.*" 38.
k
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 99
gramdes com que navegava a meqa, e se pôs em navegar esas espiâa-
ryas que podese escomdidamente levar, em terradas de cem babares, du-
zemtos babares de carga, esquipadas de boons Remos, as quaees serám
por todas dez ou doze ao mais, e alguas destas navegam pêra bemgala
e pêra cambaya; e ese ano de que a vosa carta faz memçam, á pessoa
que vos tall dise ou espreveo, pergumtelbe vos alteza omde estava syniam
afomso com a caravela latina e jorje botelbo com a caravela Redomda,
e simam ramjell com Reposta minba ao çamory, bo quall sempre esteve
bramdimdo bua espada emtamto Ibe simam Ramjell deu meu Recado; e
após estes dous navios veyo duarte da silva com a galee gramde, que se
ficou con*ejemdo em coctiim, os quaees tomaram bua nao com pimemta
que saya da costa de calecut, e outra de cocbim com pimenta, a quall
mamdey alargar; sinaees sam isto pêra vos alteza crer que vos falo eu
verdade; by era nuno vaz na nao sam Jobam, que se fez em camguiçar;
lá vay ele, pregumtelbe vos alteza por ese feito.
E est ano que fuy a malaca, manoell de lacerda a que ficou armada
e cargo desta costa e da guarda das vosas fortelezas, acudio ao cerquo
de goa, e emtam pasaram seis ou sete, que nam ba by mais, com Jemji-
vre e pimenta; e noso senbor, que se lembra de mim e be em minba
ajuda sem Ibo eu merecer, espedaçou delas quatro em çocotorá com tor-
memta, e três arribaram ás ilbas de maldiva com mafomede macary, que
se bia com sua casa pêra bo cairo, e duas arribaram a dyo, e a d adem
carregada de canela arribou a batecala, e muytas outras que biam pêra
urmuz, delas se perderam e delas arribaram com este temporall á costa
da imdia ; e esta be a verdade.
Grea vos alteza que ba verdade deste negoceo nam ey de leixar de
vol a esprever sempre, porque estas cousas nam pecam por mimgua de
delijemcía e boom cuidado, que bo tenbo nas cousas de voso serviço
quamto abaste, mas por mimgua de nãos e jemte; e estas caravelas e
galé gramde e o navio sam jobam que sobre calecut amdaram, bem de-
sejey eu de meles ajudarem a carretar a pedra e fazer a forteleza de goa;
e porem, por acudir a bua cousa e outra, os mamdey aly amdar nesta
travesa, e as caravelas meado mayo pelejaram diamte de calecut com bíia
destas terradas, que trazia muyto dinbeíro e muytos Rumis, emcalbou em
terra e salvou se a jemte e o dinbeiro ; e as caravelas nam ousaram de
pôr a proa em terra em seco com ela; esta be a verdade do que pasa.
Nam tema vos alteza calecut, que nam be já nada seu feito; bo gol-
13*
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100 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
fam de ceilam pêra demtro he ho que vos fazia lá todo mall e dano, por-
que comtinuadamemte híam cadano pêra meqa carregadas cimquenta
nãos de quamtas cousas se podem nomear de malaca e desas partes;
agora, louuores a noso senhor, cortado lhe temdes ese caminho.
E bem asy me diz vos alteza nas mesmas cartas, que nam dê soldo
a mouros; e creo que volo diseram por miliquy çufu, quamdo lhe mam-
dey correr as terras de goa; e a mim me pareceo muyto voso serviço e
muy boom comselho mamdar apalpar a terra firme per mouros e jemtios,
como mamdey, os quaees Receberam paga de soldo por esas terras por
omde hiam, amtes que mamdar portugueses, que hum dia amanhecesem
degolados nese campo; e os mouros desta terra bem sabem ho amor que
lhe eu tenho e como lhe crio os filhos, e a comfiamça que neles tenho:
esprita em goa a biij dias de novembro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhor*.
CARTA XXI
1612— Novembro 8
Senhor. — Ese embaxador durmuz ha dias que amda comigo; trou-
xe me cartas pêra mim dei Rey e de cojatar; traz hum cofre fechado e
cartas cerradas pêra vos alteza, nam me pareceo bem bolir com nehua
cousa do que asy leva, nem abrir ho cofre nem as cartas; e leva duas
omças de caça; foy cristão; he homem em que vos alteza achará Rezam
em muitas cousas.
Vos alteza nam deve d alargar a mão do comtrato e asemto que com
eles tenho feito, porque mouros aciistumados sam a se fazerem mizqui-
nhos : nam he nada pêra urmuz xxx serafins ^ que pagase de páreas, nem
he muyto escamdolo pêra eles; todo seu feyto he nam estar hy forteleza
àe vos alteza, nem asemto nem feyturya em que estêm portugueses que
1 Torre do Tombo.— C. ChroD. P. !.•, M. 12, D. 40.
^ Trinta mil xerafins.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 101
emtemdam qae cousa he vrmuz, porque tem cojatar lamla oservamcia
nislo e tam gramde vejia que nam pode ser mais, porque sabe que he
vrmuz Iam gramde cousa, que nam ha nimguem que ha veja, que nam
deseje de ha levar nas mãaos, e sabe que quen a guanhar, que ha ase-
nhoreará pêra sempre, porque vrmuz nam lem de que se lemer senam
da bamda da pérsia, domde ele está muyto seguro, por nam ter embar-
caçam pêra poder pasar a ela jemte.
Vos alteza deve de fazer omra a ese embaxador e lhe amostrar al-
guas cousas de voso estado, porque elRey durmuz teno em todalas cou-
sas, asy em sua caça, de muytas temdas, falcõees, galgos, omças, jemte
de cavallo que ho acompanham, como em ser aguardado á porta de seu
paço de muytos cavallos e muytas mulas, como de capitãees e homeens
omrados demtro no paço comsigo: esprita em goa a biij dias de novem-
bro de 1512.
(Por leítra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A El Rei noso senhor*.
CARTA XXJI
1612— Novembro S8
Senhor. — Esprito tenho a vos alteza da minha partida de cochim
pêra goa e minha chegada a cananor com as nãos d armada e asy as da
carga, com detreminaçam de m achar com armada dos Rumis, segumdo
ho aluoroço, desasesego e nova deles avia na imdia; e éramos por todos
dezaseis velas, afora quatro navios que imda estavam em goa; e tiramdo
as nãos d armada, nam via navios nem força pêra me parecer que pode-
ríamos Resistir ao peso d armada que deziam que vinha, se deus nam
obrase com seu poder e fose em nossa ajuda, porque, como tenho esprito
a vos alteza em outras cartas, as primcipaees nãos d armada da imdia
acheyas cu derribadas quamdo vim de malaca, e as outras que hy avia,
parle delas leixey em malaca e outras mamdey ás ilhas do cravo.
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% M. 12, D. 26.
102 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Chegamdo a cananor já tarde, poios vemtos serem Rijos e o mês de
setembro e outubro ser aquele ano na imdia imverno, aly achey a nova
dos Rumis hum pouco duuidosa sua vimda, e alarguey logo de mim duas
nãos, que começasem de tomar carga, e as despachey camynho de co-
chim, e fiz em cananor ho que per outras largamente tenho esprito a
vos alteza.
Partido de cananor, vym ter sobre a barra de goa detreminado de
lamçar os mouros fora de benastarym, pois que via que a nova dos Ru-
mis nam dobrava, amtes per alguas pesoas que d adem eram vimdas fuy
certeficado como aquele ano era duuidosa sua vimda á imdia, amtes lhe
parecia que armada dos Rumis emtemderia primeiro no feito d adem e se-
guramça da porta do estreito que em outra cousa.
Surto sobre a barra de goa, mamdey emtrar todalas nãos ordena-
das per vos alteza averem de ficar na imdia demtro em goa e dom garcia
com toda a força da jemte, e deixey alguas nãos da carga, que imda vi-
nham comigo, surtas na baya, e por mais breve despacho das nãos nam
quis emtrar em goa, omde me os moradores e casados de goa tinham or-
denado hum homrado recebimento, como adiamte direy; mas antes logo
emtrey na barra de goa a velha co navio ferros e os dois navios piquenos
per nomes chamados samta maria d ajuda e o rosairo, e a nao sam pedro
d armada de dom garcia, porque minha detreminaçam era forçar a arte-
Iharia dos mouros e tomar lhe ho paso de benastary, cercal os, e atalhai os
em tall maneira que nehum deles tornase a sua terra; e avia isto por
cousa muy primcipall, posto que algilas pesoas ouuesem este feito por
muy duuidoso e de muyto perygo; ho perygo certo estava, porque os
mouros tinham muyta artelharia e muy grossa, suas bombardas asemta-
das ao lume d agua, muy grosos tiros e muy furiosos; e a duuida das nãos
emtrarem ho paso de benastary nana tinha, porque hy avia agua no Rio,
quamta abastase pêra as nãos emtrarem ho paso de benastary e abalroa-
rem com os seus baluartes, e lhe tolherem ho socorro e mamlimentos, e
ho mais que a noso senhor aprouuese; e alijey a jemte d armas toda das
nãos, somente ficaram marynheiros e bombardeiros, e pus nos navios e
nao sam pedro os milhores bombardeiros e artelhafia e grosa que avia
n armada, e asy fuy achegamdo os navios e nao sam pedro, atá me pôr a
tiro de bombarda com a forteleza dos mouros; pus tristam de miramda
por capitam de sam pedro, pêro da fomsequa no seu navio samta maria
d ajuda, no ferros amtonio Raposo, n ajuda piquena vicente dalboquer-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 03
que, no Rosairo aires da silva, ao quall dey cargo sobre os outros todos
como seu capitam mor, tanto que me apartase deles.
Naquele lugar omde já linha postas as nãos, aguardey a força d ar-
telharia dos mouros, e que quebrase sua furya e a nosa jemte perdese ho
receo e espamto da suartelharia: alguns capitães, cavaleiros e fidalgos se
quiseram viir de goa pêra mim, e eu lho nam comsemly, porque quamlo
menos jemte estivese nas nãos, tanto menos dano Receberíamos das bom-
bardas dos mouros: naquele lugar nos fez asaz dano nas nãos artelharia
dos mouros e na jemte muy pouco, e as nosas nãos com artelharia lhe
fizeram asaz dano e nojo; e como a jemte começou de perder ho medo,
mandey hum pouco achegar mais as nãos e asy hua nao malabar gramde
de pocaracem, mouro de cananor, e garcia de sousa nela, a quall man-
dey atrauesar por emparo das nosas nãos; e aquele dia deram os mou-
ros tam gram força d artelharia sobre as nosas nãos, que ousaria de dizer
a vos alteza que de duzemtos tiros de bombarda grosa nam arraram os
dez, e vazavam as nãos de craro en craro com as pedras tam gramdes
como as das nosas bombardas e delas mayores; aparelhey emtam hua
barca gramde e lhe fiz hua muyto gramde arrombada e muyto forte, e pus
nela hum camelo de metall, tiro muy furioso, e mety nela seis homeens e
ho condestabre da nao conceiçam, e de noute a mandey surgir defromte
das suas bombardas grosas pegada co seu baluarte : ao outro dia os mou-
ros jugaram com sua artelharia muyto Rijo ás nosas nãos, cousa que nim-
guem nam poderya crer, porque comtinuadamente tiravam cemto e cim-
quenta tiros, é os menos eram cemto: a esta barca maradey que nam
tirase senam ás suas bombardas, e o comdestabre ho fez asy, e a su ar-
telharia nos alivou mais hum pouco e lhe quebrou a principall bombarda
e mayor que eles tinhan!, e lhe matou dous bombardeiros arrenegados
que se com eles lamçaram, hum galego e outro castelhano: desta bom-
barda grosa mamdo lá a pedra a vos alteza.
Neste lugar mandey por dous dias estar quedas as nãos, sem se ala-
rem mais avamte ; e no primeiro combate que lhe as nosas nãos deram,
aires da silva se atravesou co rosairo, e as bombardas dos mouros tiraram
todas ^a ela em tall maneira que ho ouueram de meter no fumdo, e o fogo
saltou em três barris de pólvora que tinham na proa, de hua pedra de
bombarda dos mouros que ho vazou e emtrou demtro na sua pólvora: foy
espiciall mercee de noso senhor nam se queymar ho navio, nem ouvy di-
zer que três barris de pólvora ardesem em hQa nao debaixo de coberta
104 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que a nam queymase ; lamçou lhe a cuberf a toda pera cima, e o caslello
de proa e a pomle toda ao mar, e queymoulhe alguns malabares e Ires
gorometes, e toda a oulra jemte se lamçou ao mar; botou duas tavoas
fora de proa acerqua do lumy d agua, e só no navio ficou aires da silva :
os mouros viram nosa furtuna e trabalho, e deram muy grandes gritas,
lamjemdo suas trombetas; saltey ao navio em hum esquify soo, e che-
gamdo a ele bradey á jemte que s acolheo a nado á nao malabar, omde
estava garcia de sousa, acusamdoos com minha pesoa; dizemdolhe alguas
palavras de Repremsam os fiz volver á nao, e os mouros nam cesaram de
jugar suartelharia todavia ao navio; mamdeilhe logo dar hua rajeira por
popa e desatravesar ho navio das bocas das bombardas dos mouros: os
marynheiros tomaram esforço quamdo viram minha pesoa, e ousaram de
volver ao navio, e a noso senhor Ihaprouue de apagar ho fogo de todo,
de que fiquey ho mais espamtado homem do mumdo: a nao malabar ouue
lamtos tiros de bombarda grosa, que fojiram todos os mouros dela, e gar-
cia de sousa se vyo em bõoa afromta e em boom perigo, e eu ho mamdey
sair fora da nao e alguas pesoas de sua companhia que com ele estavam,
e fiz volver os mouros a esgotar a nao, nam se fose ao fundo ; e ao ro-
sairo acudiram lhe os calafates com coiros e pregos estopares, e esgota-
rano Rijamente com caldeirõees e com as bombas, e esteve asy atá que
veyo a noute, que ho mamdey alargar pera fora hum pouco.
Ao outro dia mamdey alar a nao sam pedro avamte dos navios pi-
quenos, e de noute lhe mandey melhorar as amcoras, porque de dia nam
ousava nehum batell de aparecer nem se alargar fora da sua nao: a nao
sam pedro, como se alou avamte, tirou lhe a bombarda grosa, e quatro
tiros da sua bombarda mayor a vazaram, afora outra artelharia tamanha
como os nosos camelos, de que muy poucas pedras fycavam demtro na
nao : a forteleza dos moiu*os foy tam aprefiada d artelharia das nosas nãos
grosa e meuda, que nam avia mouro que parecese, e todos jaziam em co-
vas, e o capitam com eses principaees nam emtravam na forteleza de dia,
e lhe mataram muyta jemte e muytos cavalos, e lhe derribaram parte dos
seus baluartes : os mouros se viram asy perseguidos d artelharia das nãos,
que continuadamente faziam repairos a seu muro, e o alevamtaram hua
braça mais do que era.
Neste tempo emcarreguey dom garcia que me fizesse fortes d arrom-
badas dous navios dos de goa pera meter pela outra bamda da nosa for-
teleza per ho Rio que vem ter ao paso de benastary, e dom garcia deu
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 105
muy gram presa e os fez fortes ein gram maneira, e ao voltar do paso
nam pode pasar ho mayor; tiramdolhe arrombada das pipas do cairo so-
bre que escorava, polo peso que linha em cima do velume da ponte e ga-
vias nos mastos, veyo ho navio á bamda e çoçobrou ; e o outro piqueno
pasou, em que era fornam gomez de lemos, e Joham gomez era em hua
barca de bombarda grosa, que dom garcia pela oulra bamda mamdou em
ajuda do navio, com gramde arrombada; e fernam gomez de lemos e jo-
ham gomez ho fizeram ousadamente, e pegaram logo com ho baluarte da
outra bamda, e de cima do muro e do baluarte foram bem perseguidos
d artelharia dos mouros e algum dano lhe fizeram ; e todavia como homens
desforço tiveram mãao e nam se afastaram afora; as bombardas dos
mouros pasavam as arrombadas e o navio cada vez que lhe davam, e es-
tavam pegados com ho baluarte quamlo serya hum jogo de bola, omde
os mouros tinham asemladas quatro bombardas grosas ; destoutra bamda
domde estava, estava hum baluarte que tinha no Resteiro três bombar-
das grosas, e jugavam de cima outras três mais somenos.
Como vy su artelharia repartida em duas partes, emtam mamdey a
tristam de miramda que de noute mamdase portar hua ancora aa estacada
com que tinham atravessado ho Rio ; de demtro do baluarte de hua bamda
e doutra tinham atravesado ho Rio com duas estacadas, em tall maneira
que por amtrambalas estacadas pasavam seus paraos e jamgadas carre-
gados de mamtimentos e de jemte e do que lhe bem vynha, e eu mam-
dey a tristam de miramda que abarbase a nao sam pedro com a estacada,
e aires da silva que hy era demtro na nao, porque ho navio rosayro fi-
cava já de fora polo caso aquecido; e após a nao sam pedro se achega-
ram loguo os outros navios piqucnos, pêro da fomsequa no seu navio,
amtonio raposo no seu, e vicente dalboquerque no outro navio piqueno,
omde ho mamdey pôr; e asy se achegaram mais á estacada, e por ho paso
ser estreito, asy da terra firme como da forleleza dos mouros sempre fo-
ram bem apresados, asy d artelharia como de frechas e espimgardas.
Emquamto este negoceo se fazia, dom garcia deu presa a se faze-
rem bamcos pimchados, mamtas e artelharia grosa e mevda em carretas,
e outros carros com pedras e pólvora, e todo outro aparelho e comcerto
de darmos combate aos mouros per mar e per terra; e asy os capitãees
que me vos alteza mamdou da soyça imsynavam e amestravam sua jemte
e a punham em ordem.
Tudo isto prestes e aparelhado, posto que fosse chamado per muitas
i4
106 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vezes dos capitâees, cavaleiros e fidalgos, eu me nam say do paso de be-
nastary até que nam mety as nãos de demtro da estacada; o hiia noute
mamdey arrencar parte da estacada, e de noute mamdey a tristam de
miramda que portase htla amcora alem da estacada na metade da pasa-
jem, e alasem a nat) sam pedro de demtro, e mamdey aires da silva que
os navios piquenos se achegasem mais, e fizerano asy todos; e neste tempo
que mamdava chegar paso a paso os navios, mamdava alguns piãees sal-
tear os caminhos, e tomavam me jemte que vinha pêra a forteleza dos
mouros, de que era avisado de todalas cousas que os mom*os faziam e
sua detreminaçam.
Cercados asy os mouros e atalhados de todo ho socorro, ajuda, pro-
vimento de mamtimentos, deixey aires da silva por capitam primcipall da
nao e navios, e deixey mamdado aos outros capitâees que lhe obedecesem
e fizesem ho que ele mamdase ; e na nao e nos navios ficariam àtá cemt
omeens, e lhe deixey paveses pêra todos desembarcarem apavesados da
bamda do mar, que he lugar muyto forte, e nanos podemdo por hy em-
trar, corresem ao lomgo do muro a se ajumtarem comnosoo ao dia por
mim detreminado, em que lhe ouvese de dar ho combate per terra; e os
deixey prouidos de mamtimemtos e hum parao que os provese d agua, e
seus bates prestes, guardados da bamda d artelharía que lhos nam ar-
rombasem.
Durou esta dilijemcia e boom comselho de lhe tomarmos ho paso
per força com as nãos oito dias, cousa bem começada e que a noso se-
nhor aprouue de ser bem acabada e com pouco dano na nosa jemte, e as
nãos de vosalleza bem espedaçadas da su artelharía e pasadas per muy-
tos lugares de bamda a bamda, pegadas cos seus baluartes e nas bocas
das suas bombardas; que pela vemtura ha muytos anos que nestas par-
tes de crístãos se nam fez tam omrado feito, porque em todos estes dias
nunca os mouros de noute e de dia cesaram de tirar com sua artelharía,
que ha tinham muy bõoa e grosa, e algãa que nos tomaram no caravelam
e fusta: as emxarcias das nãos, mastos e toldas, era tudo cheo de fre-
chas; dos nosos nam aparecia nehum homem que os seus lhe nam tira-
sem com espimgardõees do alto, e no Resteyro com sua artelharía, que
tinham muy bem asemtada ; de demtro dá forteleza dos mouros nam pa-
recia mouro que nam fosse derribado com artelharia meuda das nãos, e
o resteiro das suas bombardas grosas e seus tiros bem Rebatidos e com-
traríados d artelharia grosa das nãos, principallmente de dous camelos de
GARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 107
metall que estano vieram nestas nãos, tiros muy furyosos e muy seguros:
os mouros de noute lamçavam feixes de palha acesos ao pee de seu muro
e á craridade do lumy jugavam suarlelharia e nam arravam cousa a que
tirassem. Poso com verdade dizer a vos alteza que nestes oito dias e oito
noutes as nãos tiraram mais de quatro mill tiros dartelharia grosa e
mevda, pelo comto dos pilouros e pedras e gasto de toda a força da pól-
vora que tinhamos.
Ho dano da jemte das nãos nam foy muyto, como dito tenho, por-
que lhe tirey toda a jemte, somemte marynheiros poucos que aviasem suas
Rajeiras e seus proizes: os capitaees ho fizeram muy ousadamente.
E tristam de miramda e vicente dalboquerque, posto que fosem mo-
ços, deram bOoa Rezam de sy e o fizeram muy ousadamemte, e seus de-
sejos e bõoa vontade de amostrarem cujos filhos eram, aproueitou mu}1o
ás nãos irem avamte, como lhe per mim era ordenado e lhe mamdava de
hua galé em que estava sobreles; e certefico a vos alteza que eles foram
mais vezes Repremdidos e castigados de mim por nam segurarem suas
pe&oas e vidas do perygo d artelharia dos mouros e quererem amdar per
cima das guarylas dás nãos e lugares perygosos, dos que ho nimguem
poderya acusar de froxos : no mesmo feito tristam de miramda, como ho-
mem que espera por sua lamça aver mercee de vos alteza, começa bem;
e vicemte dalboquerque ho fez tam ousadamente em seu navio e tam de-
sejoso de se pôr na diamteira, que por a nao sam pedro emtrar diamte,
ho mamdey hum pouco alargar atrás, porque ho Rio naquele paso he es-
treito : fycaram ambos de dous tam atroados d artelharia, que por espaço
de dias nam ouuiram nehua cousa que lhe falasem ; e asy toda a jemte
das nãos mereceram bem a cavalaria, e eu lha dey; a mercee vos alteza
lha terá guardada.
Aires da silva he homem ousado, e fel o como cavaleiro aqueles dias ;
e o caso acomtecido no rosairo foy porque diamte de todalas nãos mam-
dou pôr ho seu navio, e nam curou de Rajeira nem de proiz, senam ache-
gar se â comcrusam; aja vos alteza por certo que he cavaleiro e que nele
nam ha medo, e o carrego de prouer os navios todos feio muy bem, e
noso senhor ho livrou muytas vezes de ho nam matarem: mamdey lhe
que dese hua noute, com a jemte dos navios que com ele estavam da
bamda da terra firme, em algtla jemte que aly estava, que traziam mam-
timemtos pêra os mouros e bua cáfila de bois de carga que emtam che-
gar^, e ele com eses capitaees que dito ten^o, deram qos mouros de nqute
108 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e lhe queymaram as casas ,e mataram deles e estragaram a cáfila dos
mamtimemtos e os poseram em fujida.
Pêro da fomsequa e amtonio Raposo sam cavaleiros e omeens que
deram sempre bõoa comta de sy, e neste feito tam desejosos d achegar
seus navios e de sua arlelharia fazer lodo mall e dano que podese aos
imigos, e ao portar de suas amcoras em seus bales tam sem medo das
bombardas dos mouros, que ás vezes me pesava nam trabalharem mais
por segurarem suas vidas; e se nam fora a ordem que mamdava ter nos
navios e no portar das amcoras deles e call se avia d afastar e achegar e
dar lugar hum ao outro, a mim me parece que eles estavam todos tam
desejosos de servir vos alteza, que eu nam saberya delreminar quall deles
ho fez milhor: feylo foy dino de mercee e domra, porque forçaram seus
mestres e pilotos e marynheiros a todavia alarem seus navios avamte, e
quem viir os costados e guarytas dos seus navios pasados per tamtas par-
tes, espamtarseaa em que lugar se salvaram estes homeens, porque vos al-
teza tenha por certo, que dartelharia grosa os mouros liraryam pouco me-
nos que as vosas nãos, e dartelharia mevda nós mais que eles.
Deixados a nao e navios surtos no paso, me vim a goa, omde estava
dom garcia com todalas cousas ordenadas e arfelharia comcertada, que
comnosco avia de ser no feito, e a jemte toda bem comfesada e bem co-
mumgada: os mouros pasaram de seis mill homeens de peleja, e averya
hy três mill homeens, jemte sem proueito; veyolhe de socorro, amtes que
lhe atalhasemos ho Rio, cem espimgardeiros que lhe mandou Içufulary,
hum capitam do çabayo, turco: tinham trezcmtos cavalos; acubertados,
me parece que averya cemto.
Estamdonos asy aparelhamdo com nosa detreminaçam e comselho
de poer as escadas ao muro e os emtrarmos á escala vista, damdolho pri-
meiro algum combate d artelharia, os mouros sairam fora da sua forteleza
e nos vieram dar vista com jemte de cavalo e de pee em batalhas per ho
campo; mamdey sair a eles dez de cavalo, que lhe fosem dar a vista; era
pêro mazcarenhaz, amtonio de saldanha, joham machado, symam dam-
drade, manoel de lacerda capitam da forteleza, diogo fernamdez, ho adaill
femam caldeira, manoell fernamdez, joham cabiceiras, Louremço prego,
homeens casados de goa: chegamdo aa jemte dos mouros, me mamdaram
dizer que averya ahy três mill homeens no campo; mamdey logo sair Ruy
gomçalvez e Joham fidalguo com a jemte da ordenamça, que seryam tre-
zemtos piques e cimquenta besteyros e cimqaenta espimgardeiros, jemte
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 109
muy luzida e muyto pera arrecear, e se foram pela estrada dereita e se
achegaram aos mouros hum pouco mais do que lhe per mim foy orde-
nado: aprfs isto me veyo hum Recado, que os mouros todavia queryam
pelejar e achegavam; vimdo suas batalhas de jemte, mamdey emfam ca-
valgar alguns fidalgos e cavaleiros nestes cavalos, e os mamdey que se
fosem ajumtar com os outros dez de cavalo que eram fora, e seryam j>er
todos trimta e cimquo de cavalo, e lhes mamdey que estivesem quedos
sem travar cos mouros, e me mamdascm dizer se lhe parecya que toda-
via queryam os mouros pelejar comnosco no campo ; e os mouro3 chega-
ram mais suas batalhas e vieram a tiro despimgarda com a jemte da or-
denamça: os capilãees os aguardaram ousadamente, comcerlados e pos-
tos em .ordem de batalhar, e os mouros nam ousaram de romper neles:
veyo emtam joham machado a mim e me dise que os turcos todavia que-
ryam pelejar ;^ eu lhe respomdy, que pera a detreminaçam em que estáva-
mos eu devia escusar quamlo podese de meter ho feito em algua desor-
dem, e que a mim me parecia que os turcos nam pelejariam comnosco no
campo, e que ha sua jemte solta que eram archeiros e nos poder}'am em-
cravar muyta jemte; que os portugueses eram homeens armados e jemte
pesada pera amdar escaramuçamdo no campo cos seus archeiros, homeens
despejados e lijeiros, que se podiam achegar e afastar de nós quamdo lhes
bem viese, e que nam era jemte que ouvese de vir Romper as nosas ba-
talhas: joam machado s afirmou que todavia pelejariam comnosco; e eses
fidalgos e cavaleiros e capitaees de vos alteza, desejosos de vos servir e
fazer omrados feitos, apertaram Rijo comigo, que todavia devia de sair;
e eu mescusey diso, damdolhe alguas rezõces, dizemdolhe que pera hõa
tam gramde detreminaçam cm que estávamos postos, nam era necesareo
escaramuçar cos mouros no campo, mas achegarmonos ao feito que nos
mais compria, que era ganhar lhe a sua forteleza e lamçalos fora dela; to-
davia tornaram apertar comigo, que deuia de sair ; e eses de cavalos que
eram fora, me mamdaram dizer que a jemte dos turcos vinha toda fora da
sua forteleza como jemte detreminada de pelejar.
E posto que minha detreminaçam e vomtade fose comtraria ao pa-
recer de muytos e a seus desejos, todavia fuy forçado deses fidalgos e ca-
valeyros, e aimda praguejado deles case por força me fizeram sair, e mais,
senhor, vy tam gramde alvoroto na jemte e Iam gramdes desejos de pele-
jar, que se me lamçavam pelo muro fora e a porta da vila forçada deles:
mamdey entam repicar, e toda a jemte se pôs em armas, e mandey abrir
110 - CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
as portas e say fora com eses capitãees, cavaleiros e fidalgos, e me fiz
em três batalhas, afora a jemte de cavalo, Lua da jemte da ordenamça e
outra da outra jemte: como fuy á vista dos turcos, abalaram vimdo suas
batalhas pêra nós, e eu mamdey pôr a batalha da ordenamça no meyo e
dom garcia meu sobrinho de Ima bamda da mão dereita com eses capi-
tãees, cavaleiros e fidalgos que com ele eram, e eu com toda a outra
jemte tomey hum meyo vale da bamda da mão ezquerda e mamdey á
jemte da ordenamça que habalase comtra as batalhas dos turcos, e a meu
sobrynho que se detivese hum pouco mais ; e eu com a minha batalha
comecei me d ir melhoramdo e tomamdo a ilharga das batalhas dos mouros.
Os turcos vemdo nossa detreminaçam de os aguardar, se detiveram,
e pareceome que se queriam retraer atrás, porque vi os metidos em de-
sordem, como jemte mudada de sua detreminaçam: mamdey á jemte da
ordenamça emtam que apertase mais Rijo com eles, e a meu sobrinho
que se achegase com a sua batalha a eles per aquela ilharga domde hia:
a nosa jemte de cavallo nam hia posta em ordem, porque alguns capi-
tãees que sairam ao repique a cavalo, tornaram a mamdar sua jemte com
seus agiãees, e manoel de lacerda a jemte da cidade e forteleza: os tur-
cos começaram d abalar comtra a sua forteleza e nps nam quiseram aguar-
dar; fiz emtam dous corpos da minha batalha e mamdey apertar hum
pouco mais rijo cos mouros, porque me pareceo tempo desposto pêra em-
trarmos com eles de Roldam na sua forteleza, ou ao menos lhe podería-
mos atalhar algúa parte da sua jemte que se nam recolhese toda á forte-
leza, porque hiamos muyto pegados com eles, e mamdey algua jemte de
cavalo solta que travase neles: como a jemte de cavalo pegou na traseira
de sua jemte, e os mouros viram achegarmonos Rijo a elles, apartaram se
logo mais de mill piãees, e eu mamdey abalar Rijo ho corpo da jemte
que apartey da minha batalha, que se metese amtre aqueles mill piãees
que se apartaram e o corpo da outra jemte dos mouros que levava bo
Rosto na sua forteleza : os mill piãees, como se viram atalhados do outro
corpo da jemte, tiraram todos direitos ao vaao de gomdaly, por omde se
salvaram, e alguns deles s afogaram, e pasaram ho Rio per aquele paso
á terra firme.
A jemte da ordenamça e dom garcia com eses capitãees, cavaleiros
e fidalgos, que á sua parte eram, hiam já tam pegados cos mouros e tain
perto da sua forteleza, que polo lugar ser estreito nam podemos ir em
ordem e em batalhas apartadas, como hiamos, e essa jemte de cavalo,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 1 1
capitãees e cavaleiros, se soltaram a pôr as lamças nos muros Rijo e lhe
fizeram perder os cavalos e cerrar a porta ; e a jemte dos mouros se vyo
tam apertada da nosa jemte, que nam pôde aver a forleleza, e muytos
deles alaram com toucas demtro, outros coreram ás ilhargas da sua for-
teleza e emtraram per outro cabo, outros atolados na vasa morreram, e
alguns se lamçaram ao Rio; e acudio aires da silva cos batees e eses ca-
pitãees que com eles eram, e desembarcaram todos ao pee do muro apaue-
sados, como lhe per mim foy mamdado, e os mouros de cima do muro
lhe frecharam alguns e com pedras e espimgardõees os fiseram tomar aos
batees, porque daquela bamda era ha forteleza dos mouros muy forte e
muy defemsavell.
Pegados os capitãees, fidalgos e cavaleiros no muro e a jemte da
ordenamça, apertaram rijo a quererem emtrar huns per cima dos outros;
os mouros acudiram ós muros e defemderam ousadamente seu muro, e
alguns morreram em cima do muro de lamçadas* da nosa jemte que es-
tava ao pé do muro, e com artelharia e espimgardas nos fizeram algum
nojo, trabalhamdo sempre por emtrar, e a guns cavaleiros e fidalgos e
outra jemte se civeram em cima do muro e foram lamçados fora; e da-
quele cabo da porta que estava amlre duas torres era lugar muylo forte,
e a nosa jemte se acertou aly mais que em outro cabo e os cavalos que
aly deixaram os mouros ; por ter suas portas fechadas deixaram aly seus
cavalos e nanos poderam salvar, os quaees Rifamdo huns com outros,
meteram tam gramde descomcerto na nosa jemte, que nana leyxava pe*
lejar nem chegar ao muro daquela parte, nem á porta.
Os mouros demtro na sua forteleza se poseram em desbarato e de-
íiana forteleza por emtrada, e nosa tardamça os fez volver ho muro a de-
femdelo, ho quall, se tivéramos hua escada ou escadas, como tinhamos
detreminado, daquela vez os emtraramos; e acudiram com muitas pane-
las de pólvora e muytos feixes de feno acesos e espimgardas e frechas e
pedras; e alguas bombardas que tinham postas, nos fizeram assaz de
dano, mais áquelles que estavam afastados do muro que aos que esta-
vam ao pé do muro, e mais nam virmos com aquela detreminaçam, nem
aparelhados pêra combate, como tinha ordenado: duas vezes quisera afas-
tar a jemte do combate e nam pude, porque os capitãees que me a iso
ouveram d ajudar, eses eram os que trabalhavam por se botarem em cima
do muro, apertiarado polo fazer, damdo de pees huns aos outros, que-
rendo trepar polas lamças, desfazendo lhe as amêas com as lamças; e de-
112 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
ram tam gramde força de panelas de pólvora, que queimaram alguns
homeens e os fizeram afastar ; e per nam termos sabida a forteleza e os
lugares por omde ha bem poderamos entrar, foy causa de nam ser em-
trada, e o lamço que combateram era tam piqueno, e a nosa jemle nam
se dobrou ao combate, nem se chegaram aos muros senam os cavaleiros
e fidalgos e jemte limpa, toda a outra s afastou, afora somente a jemte
da ordenamça, aquela que os capitãees poderam apertar e achegar com
ela ao muro ; e pola terra ser forte em sy e ser alagadiça a lugares, e
hum esteiro com agua e vasa, nam foy bem socorrida de mim nem pro-
vida aquela parte da bamda da porta, porque cay eu com a minha bam-
deira da bamda da mão ezquerda do esteiro omde estava bua torre que
defemdia miliquiaz, ho segumdo capitam da forteleza, homem homrado e
cavaleiro mais que Ruztalcam, capitam primcipall.
Era daquela bamda comigo garcia de sousa, jorge da silveira, diogo
mendez, com alguns cavaleiros e fidalgos, que aquele dia ho fizeram muy
ousadamente; e foy bem aperfiado feito daquela parte domde estava gar-
cia de sousa trabalhamdo por sobir ao muro ele em pesoa e jorje da sil-
veira e eses cavaleiros que com ele eram, em tall maneira que a mim me
parece que a minha bamdeira se posera no muro, se per outras partes
poderá ser acompanhado ; aimda que tam grosa jemte como era a dos
mouros, e tam gramde força, nam era pêra entrar hum homem ou dous,
mas portall gramde ou lamço de muro deribado, por onde emtrase força
de jemte grosa, porque benastary nam era forteleza, mas vyla muy gramde
com oito mill homens de peleja demtro e muros muy fortes, a que a nosa
artelharia fazia muy pouco nojo: e estas cousas que vy, me fez nam aper-
fiar ho combate, e dar lugar á jemte que se afastase do combate, por
nam ser aquela a minha detreminaçam, nem virmos aparelhados pêra ho
tall feito com nosas escadas, mamtas, bamcos pimchados e artelharia grosa,
como tinha ordenado; e portamto, senhor, cavaleiros e fidalgos carrega-
dos d armas por gramde calma, vimdo a pé de goa a benastary, foy cousa
de que me muyto espamtey vel o pôr as mãos no muro, e com tamto tra-
balho e desejo d achegar, e aperfiar a emtrada dos muros aos turcos, que
ha sabem muy bem defemder, e matarem muytos deles amtras ameyas
ás lamçadas, e matarem muytos amtes que se recolhesem de todo aa sua
forteleza, omde os alavam com toucas por cima do muro; àqueles que fi-
caram atalhados ao cerrar da porta, mataram lhe aly dous capitãees, mi-
rale e conaiqe.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 13
Naquela banda da porta e lamço do muro se acertaram os capitãees
e fidalgos que aquy nomearey a vos alteza: dom garcia, manoel de la-
cerda, pêro mazcarenhas, pêro dalboquerque, lopo vaz de sampayo, am-
tonio de Saldanha, francisco pereira, jorje dalboquerque, jorje nunez,
gomçalo pereira, dom joham deça, diogo femandez, dom joham de lima,
gaspar pereira. Rui gomçalvez e joham fidalgo ; da outra bamda comigo
era garcia de sousa, jorje da silveira, diogo mendez; todos estes eram
capitãees e levavam cargo de jemte.
Os que aquele dia foram queimados e ferydos, foy manoel de la-
cerda, pêro dalboquerque, jorje da silveira, lopo vaz de sampayo, Ruy
galvam, francisco pereira sobrinho de diogo corrêa, e pêro corrêa, joham
delgado, que vinha por esprivam de çofala, Ruy gomçalvez capitam da
ordenamça, diogo femandez, manoel de sousa alcaide mór, Jerónimo de
sousa, e outros homeens de bem, e jemte da ordenamça que os capitãees
dela poseram ao pé do muro, e dous ou três dos piques foram emtrados
em cima do muro e lamçados fora queymados e ferydos.
Afastada a jemte do combate, nos posemos em lugar omde nos a
su artelharia fizese menos nojo, e estivemos vemdo os lugares por omde a de-
viamos combater, e por quamtas partes a podiamos escalar e emtrar, e daly
party caminho da cidade, e lhe trouxemos todo seu gado e alguns cavalos.
Os cavaleiros e fidalgos e jemte omrrada que aquele dia eram pegados
no muro com seus capitãees, per Roll os mamdo a vos alteza, os quaees
acompanharam bem seus capitãees, pelejaram em seu lugar muy ousada-
mente, aprefiamdo todos d emtrar ho muro, sem Recêo do fogo, espimgar-
das, frechas e alguas bestas dos arrenegados, lamças, pedras e bombar-
das, com que os mouros defemderam bem seu muro e nos feryram cemto
e cimquemta homeens e a outra jemte baxa afastada do pee do muro.
E abaley asy com toda a jemte caminho de goa, e estive asy por
dous dias damdo folga á jemte, pomdo a artelharia em caminho, escadas,
bamcos pimchados e mamtas, alviõees e emxadas, pipas vazias pêra no-
sas estamcias, e toda cousa que pêra ho tall feito amtre nós se podia
aver; e ao terceiro dia mamdey logo sair a jemte da ordenamça, bestei-
ros e espimgardeiros, e se foram com a artelharia e a minha temda asem-
tar ao meyo caminho de benastary ; e algflus capitãees abalaram logo suas
temdas com seus agiãees e temdas e jemte, e as asemtaram de redor da
minha : as temdas eram papafígos de nãos, monelas * e outras velas, de que
1 Assim está no original, mas entendemos que se deve ler numetas.
15
114 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
fizemos muy bõoas temdas e gramdes, e noso arrayall muy bem asem-
tado e cada capitam em sua temda, bamdeiras postas uelas ; chegados os
capitãees ao outro dia todos com suas temdas, e noso arrayall cercado
dartelharia, os fiz afastar de lomge, e asy nos dety^emos aly dous dias,
polo prouimento e mamlimemtos da jemte que era trabalhoso d acarretar,
por nam termos as cousas necesarias pêra a servemtia destas cousas.
Pasados dous dias nos posemos todos em armas em batalhas, fomos
dar vista á forteleza dos mouros, que nos bem recebeo com muitas c
bõoas bombardas, e a jemte da ordenamça com artelharia jumtamenle
mamdey logo achegar perto da forteleza: como a nosa artelharia come-
çou de jugar, despejaram logo ho alto de seu muro e quebraram suas
bombardas, e nam deram lugar que jugasem mais; emlam me decy de
hum faquineo meu, soo e a pee me acheguey omde estava artelharia e a
mamdey chegar mais á forteleza, naqueles lugares omde me parecia que
podia fazer dano e derribar hum lamço de muro por omde podesemos
emtrar força de jemte, e por aquele dia nam fizemos mais, somemte asem-
lamos noso arrayall de rredor da forteleza dos mouros, naqueles lugares
omde su artelharia nos podese fazer menos dano.
Vimdo a noute, mamdey chegar as estamcias ao muro quamto se-
ria hum jogo de barreira, e dey cargo disto a meu sobrinho dom garcia,
e mamdou aquela noute pôr as pipas em seu lugar chêas de terra, e ar-
telharia am trelas, e as mamtas muy bem ordenadas: toda a noute traba-
lharam nisto perto de quatrocemtos homeens, piãees da terra; e ao ou-
tro dia pela menhãa tinhamos nosas estamcias muy fortes e nos artelha-
ria muy bem assemtada, e detrás das estamcias em hum baixo estavam
os capitãees da ordenamça com sua jemte, e noso arrayal e temdas mais
afastados: começou a nos artelharia de tirar ao muro iam apresada e tam
Rija que os mouros nam ousaram de vir amtre as ameyas, e começamos
de Romper ho muro per hua parte, e até tarde numca artelharia cesou
de lhe tirar ; tinhamos cimquo camelos de ferro e hum camelo de metall
e htia espera de metal, dezaseis cãees, vimte berços, e trimta e sete bom-
bardeiros com a artelharia, que ho fizeram todos muy bem aquele dia até
tarde; e das gavias das nãos, que estavam da outra bamda, capearam
com bamdeiras, que lhe fazia lá nojo a nosa artelharia, e eu mamdey avi-
sar os bombardeiros que tirasem mais baixo e desem resguardo ás nãos,
e mamdey achegar todas nosas escadas jumto aas estamcias; cada capi-
tam pós as suas em seu lugar.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE í 15
Vemdo os mouros nosa detreminaçam c a artelharia nosa que lhe
derribavam ho muro, combalidos per mar e-per terra, cercados e atalha-
dos, se remderam e se deram, e pediram seguro e fala, e eu mamdey
joham machado falar com eles; per ele me mamdou Ruztalcam dizer
que lhe dése seguro, e que era o querya que ele fizese? mamdey lhe di-
zer que mamdase dous arrefeens, c que mamdaria lá joham machado :
mamdou dous turcos, homeens primcipaees, e foy lá joham machado, e
lhe dise da minha parle, que se queria leixar artelharia e os cavalos, e
emtregarme os arrenegados que lá amdavam, que eu os leixaria pasar:
chamey a comselho os capitãees e fidalgos, e nam pude acabar com eles
senam que todavia os combatesemos e emtrasemos por força d armas, asaz
apasionados de mim e descomtemtes, por me verem emtemder em com-
certo cos mouros; e eu lhe respomdy, que a milhor cousa que os mouros
tinham, era a artelharia e os cavalos; e toda a outra jemte, aimda que ha
cativasemos, nana avia de meter na forteleza comnosco, porque estáva-
mos carecidos de mamtimemtos, e que damdolhe nós combate, a pesoa
de Ruztalcam serya duuydosa cousa tomai o, e punha em comdiçam ma-
tar quatro ou cimquo fidalgos, ou vimte pela vemtura; e que mouros cer-
cados e atalhados, sem nehua esperamça de salvaçam e muita jemte, sam-
gue aviam de fazer em nós, primeiro que os apagasemos de todo ; c por-
tamto que eu determinava, deixamdo eles artelharia e os cavalos, leixalos
pasar á terra firme,
Ruztalcam e os turcos vieram a esle comcerto, e eu lhes dey seguro;
e Ruztalcam de noute pasou suas molheres e sua fazemda e alguns cava-
los de sua pesoa, c ele e miliquiaz, ho segumdo capitam ; e a jemte toda
ficou muy asombrada, e ficou Iam gramde aluoroço e desbarato amtreles,
que muytos se lamçaram ao mar e se afogaram: acheguei me ao muro
com toda a jemte, que nam pude ter a jemte que nam emtrase; foy me
emtam forçado, por lhes guardar meu seguro, livrai os da jemte que
os nam matase nem Roubase; e emtrey demtro na vila e era tamta a
jemte na borda do mar e na vila, que eu fiquey espamtado, e muytos
turcos e Rumis e pérsios e muytos cavalos e todo seu fato sem remedeo
nehum de pasajem.
Mandey emtam vir os batees das nãos que aly estavam, e outras
alalayas,' barcas e navios de Remo que aly tinha, e os mamdey pasar, e
com asaz trabalho os pude defemder da nosa jemte que os nam Roubase,
e trabalharam nisto dous dias enos pasar; e aquele dia que pasaram,
1 1 6 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
chegou Içufyiary, câpitâm do Idalham, a lhe dar socorro, ho quall nam
poderam emtrar em nehua maneira; e damdolhe socorro, parece me, com
ajuda de noso senhor, segumdo a bõoa vomtade da vosa jemte, hum ca-
minho levaram todos ; e asy Recolhemos os cavalos e artelharia toda, e
asemtaram seu arrayall na terra firme, domde se lhe logo foram três ou
quatro capitaees turcos com muyta jemte branca: Içufulary se tornou a
suas terras domde viera com sua jemte, e louvaram todos minha verdade,
guardar lhe imteiramente meu seguro; e primeiro que pasasem, memlre-
garam os arrenegados que se com eles lamçaram.
E isto acabado, ho Ruztalcam se trabalha agora por minha ami-
zade. Receoso do Malham ho tratar mall; e creo, com ajuda de noso se-
nhor, que as pazes se asemlarám com Idalham como seja voso serviço,
e sempre nos leixarám partes das terras de goa: eu faço os pasos fortes
com torres, ainda que eu me afirmo que eles nam tornaram mais á ilha
de goa, porque se viram cercados e a pasajem tomada com nãos de qua-
trocemtos tonees atravessada no passo de benastary, que eles muy mall
cuidaram que poderya ser.
Os arrenegados eu lhe dey a vida a requerymemto do Ruztalcam,
c os mamdey daneficar em seus membros, e aleijados e decepados e de-
sorelhados, por espamto e memorya da traiçam e maldade que comete-
ram.
Ho em que agora fico ao presemte: lamço armada fora da barra e
vou sobre cambaya asemtar as pazes e alarguey as nãos que fosem tomar
sua carga, e as outras, com ajuda de noso senhor, pêra ho ano iram a
cambaya: espero de tomar mamtimemtos e com ajuda da paxam de noso
senhor, semdo ele em nosa ajuda, como sempre faz, espero dir so
prazerá ele, pola sua mizericordia, que nos leixará acabar este fato como
vosa alteia deseja, com acrecemtamento de voso estado e fama dyamte de
todolos primcipes do mumdo: a imdia fica muy mamsa e asombrada,
posta em toda sojeiçam e obediemcia de vos alteza; queira a noso senhor
comservar: espryta em goa a xxiij dias de novembro de 1512.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque ,
(Sobrescripto) A elRey noso senhor *.
» Torre do Tombo —G. Chron. P. 1.*, M. 12, D. 32.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 1 7
CARTA XXffl
1618— Novembro 80
Senhor. — Trás me posto em tamta necesidade e trabalho ho corre-
gimeDto das nãos da carga quaa na índia, e cousas que pedem de que
mostram ter necesidade, que de lá de vosos almazeens podiam muy bem
vir repairadas e remedeadas pêra sua tornaviajeni, que he necesareo man-
dardes muitos ofíciaees ha imdia, ou naaos cadano pêra quá ficarem na
imdia. Digo vos, senhor, isto, porque elas chegam no mês d agosto e se-
tembro de purtugall á imdia, e eu no mês de setembro e outubro, e se-
gumdo a parajem em que amdo e os tempos e a navegaçam dá lugar vir
buscar a imdia, acho tomados os carpimteiros, ferreiros, calafates, tanoei-
ros, cordoeiros, e mais ho tempo em que me ey d aparelhar pêra tornar logo
a sair pêra omde vir ser mais voso serviço, que conviraa de necesidade
emvemar na imdia e correjer armada, porque sempre amdâmos a quatro
bombas e chamamdo pola virge maria. E asy me fazem ás vezes partir
tam tarde, que nam poso alcamçar os lugares omde me mamdaes ir; e
estes quatro oíiciaees amarelos que hy ha na imdia, benos ha mester a
vosarmada cadano: teria em mercee vos alteza oulhar bem por iso, por-
que vay muito a voso serviço e a vosa fazemda; que omde nos deus dá
de comer á custa alhêa e todalas despesas e gastos de vosa armada e
soldo á jemte, se ouuesemos dimvernar sobre o pescoço de vosas feito-
rias, creo que lhe danamos bua bõoa pamcada nos cofres: portamto, se
as naaos da carga quá am de ser Remedeadas e lhe am d acudir com as
cousas que pedem, mester ha que mamdees mais oficiaees que acudam
a bua cousa e outra num mesmo tempo, ou as mesmas naaos tragam seus
oficiaees dobrados, e todalas outras cousas que pêra sua tornaviajem am
mester, porque eu saberia no mês de novembro e dezembro pêra omde
quer cnie ouvese d ir. E porque me tomam agosto, setembro, outubro,
novembro e dezembro, nam poso sair da imdia senam em março e em
abrill, e aimda com bua mãao nas barbas e outra na bomba: e frol de
la mar por iso levou as cimtas do costado de podres na mãao com as ca-
deas e emxarcia, dum balamço que tomou; e estamdo sôbel amarra, levou
118 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
abita com as camarás dos marynheiros, os excouveens, e outras cou-
sas que por este respeyto nos cada dia acom tecem, que sam largas de
comtar, porque os temporaes de quá pouco dano me tem feito, graças ao
muy alto deus, porque lhe guardo sempre sua comdiçam : de novembro
a XXX dias de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso d alboquerque sobre o dano e
muito voso desseruiço que lhe lá fazem os coregymentos das nãos da ca-
regaçam: que se proveja. — Pêra ver*.
CARTA XXIV
1513 —Novembro 80
Senhor. — Per outra carta memviou dizer vos alteza que amtonio
Reall e lourcmço moreno faziam húa nao pêra vola mamdarem carre-
gada d especiaria, e como Louremço moreno vos mamdou pedir a capita-
nia dela; e prymeiro que a isto respomda a vos alteza, quero uos cspre-
ver ho fumdamento desta nao: vos alteza ha de saber que nam ha.hy
cousa no mundo mais atrevida nem mais desordenada que homeéns da-
quela marca com mimos e fauor de vos alteza, porque nam tomam os car-
regos e cousas que a eles cometees, com aquela onestidade e bramdura
e da maneira que ho vos alteza mamda; mas põem logo os pees Iam Rijo
per cima de tudo, com tamto atrivimemto e com tamta soberba e descom-
temtamemto dos homeens, que ho nam podem sofrer, e imda os dana
muito mais dourai os eu em seus carregos e afauorecelos niso e tratai os
homrradamente ; e digo uos isto, senhor, porque lhe cometestes carrego
de vosa fazemda isemtamemte, poder de justiça e d alçada e pagamento
de soldos á jemte, e as chaves do dinheiro de voso cofre, licemça que po-
desem tratar carga e descarga de vosas naaos ; e husaram em seu tempo,
poios eu nam ver nem chegar nunca a cochim, tam isemtos de seus po-
1 Torre do Tombo— C. Ghron. P. 1.*, M. 13, D. 105.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 19
deres e alem de seus poderes, que lhes parecia que nam linha soperiori-
dade nehua que Reinase sobreles, nem carta que eu esprevese, nem
necesidade minha que Ihamostrase, nem acudiam a nada; nem esas sem-
temças vimgativas que davam semdo reprovadas por mim e feila Resle-
tuyçam ás parles, nunca ho quyseram dar á execuçam per meu mam-
dado, senam sempre viverem em desordem, comfiamdo no fauor e credito
que de vos alteza lem, e asy por se fazer logo huum ane meyo e dous
que os nam vejo.
Creceo esta desordem em tamla maneira que, tomada goa a se-
gumda vez, esprevy aas fortelezas de vos alteza avysos do que me delas
compria pêra me fazer forte em goa, por tall que vimdo os mouros sobre
mim, me nam lamçasem fora dela: pasaram Ires meses que numca me
Respomdeo a forteleza de cochim, nem me acudiram com nehua cousa
que lhes mamdase pedir, nam temdo nós outra ajuda nem outro fauor
na imdia senam ho das vosas fortelezas : quamdo vy este desacatamento
e pouco temor de sua obrigação, certo, senhor, eu detreminey de volos
mamdar presos ambos de dous, e pasey hua carta per eles que viesem
logo a goa dar Rezam de sy, e daly a dias parece me que estorvava huum
pouco ho despacho da carga, porque era já na derradeira; pasey outra
carta, que sobrestivesem asy até ver outro Recado meu, e emtam me Re-
spomderam que em cananor lhe tomavam todolos maços das cartas; po-
rém eu afora as cartas esperava por cousas que lá mamdava que me
trouxesem.
Pasado isto asy, como digo a vosaheza, nam curey de lhe tomar
mais esta comia: quamdo fuy pêra malaca, deixey eu manoel de lacerda
com esas nãos d armada pêra se averem de correjer, e mamdey que ho
cime fose correjido pêra minha pesoa muito bem, damdo côr que pode-
ria ser que ho mamdaria pêra eses Reynos ; e tememdo me logo deles,
dey hum poder a manoel de lacerda, que emtemdese no correjymemto
da dita armada, como se propiamenle em pesoa eu hy estivese, porque
vosaheza me mamdou que amtonio Reall ficase asy na forteleza, e eu
poderia deixar hua pesoa com meu poder e autoridade, se me bem pa-
recese ; e por iso leixey manoel de lacerda, que somente no corregimento
das nãos d armada emtemdese.
Louremço moreno e antonio Reall, como homeens que lhe ficou da
eramça do visoRey husarem da justiça vimgativa e de todalas outras
cousas, imda que seja á vosa custa, tyveram ho cirne descuberto todo ho
120 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
imverno, e esteve acerqua de sete meses seno vararem: tomaram manocl
de lacerda e começaram de ho bamquetear e emganar, e fizeran o com-
semtir em quamla desordem niso quiseram fazer: ho comsélho damlreles
foy dizemdo, pesar de tall que ele nos mamdava ir presos, desfaçamos ho
cirne e ponhamos lhe ho fogo, e perderá ele sete ou oyto mill curzados
que hy tem nele; e pêra ajuda disto achavam que as feiticeiras de cochim
m aviam por despachado. Isto era ho segredo damtreles; ho de fora que
eles preegavam á jemte, era que se fazia gramde custa em se correjer ho
cirne, e que seria menos custo fazer se hua naao de novo: depois d estar
seis meses no Rio, todavia meterana emvasadura no cirne: como a em-
vasadura abicou a grade, parecia lhe amtonio Reall que a nao sayria fora,
e semdo tam forte e tam Rija como era, que os culparia muyto, fazemdo
eles ho que tinham detreminado: deyxôo asy estar tamtos dias que os va-
sos se arearam, e apodreceram os imdios, e a emvasadura alargou, e o
cirne pôs ho couce nas simeas da grade: janeanes quamdo vio estas cou-
sas, emtemdeu muy bem ho negocio, e tirou hum estromemto pêra res-
guardo de sua obrigaçam: persyvall vaz, que era esprivam, foy preso,
porque fez requerymemtos sobre ho varar do cirne e sobre ho cobrirem ;
os esprivães da feitoria também fizeram Requerymemto sobre ho mesmo
feito, e foram presos e mall tratados: esteve asy ho cirne por espaço de
treze ou catorze dias na grade, atá que deram a semtemça que ho quey-
masem : queymaram ho cirne e a emvasadura e a grade e algua artelha-
ria que estava no cabo da grade pêra a fazer tomar fumdo.
Acabado de tomarem e se vimgarem de mim nas vosas propias cou-
sas, arvoraram esta nao: ao pôr das cavernas e picas, começaram dam-
dar hum pouco as Redes : viram os esprivães da feitoria vosa fazemda
mall aviada, jornaes e madeira gastada; fizeram requerymemtos sobriso
e foram presos e mall tratados: porque ha chegada de cochim, quamdo
vim de malaca, achey toda esta imbrurylhada, quamdo vy hua tam gramde
nao arvorada sem mamdado de vos alteza, nem comsymtimemto meu, nem
credito pêra iso, fiquey pasmado serem eles tam atrevidos que cometeram
cometer tam gramde gasto e despesa, com dous carpymteiros amarelos
que nam poderam acabar a de jorje barroto, que lhe primeiro nam apo-
drecese a quylha: chegamdo eu de malaca que vy tam gramde despesa
feita, que nam ousey de mamdar desfazer a nao, amtes sobre ho feito do
cirne mamdey fazer auto diso e trazer a lume os Requerymemtos e pro-
testaçõees feitas amtonio Reall e a Louremço moreno e asy ho estromemto
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 121
que tirou Janeanes e todo ho mais que se nese negocio pasou, dyseme
amtonio Reall e Louremço moreno que faziam aquela nao pêra ha mam-
darem carregada de pimemta a urmuz, e caleyme; deixey ir a cousa
avamte, e esprevy a vos alteza que pêra iso se fazia esta nao, nam espre-
vemdo suas culpas: eu creo que pêro dalpoem levou lá ho auto deste
negocio, e pola carta que vy de vos alteza, em que mamdavees que se
nam fizesem quaa nãos nem navios, senam daqueles de que tivese nece-
sidade, certo, senhor, eu lhe quisera meter a mãao nas suas buetas; e
depois quys tudo guardar pêra vosa alteza, pois que já ho mao Recado
era feito ; mas esta foy a quylha da nao e a primeira caverna mestra que
lhe poseram e seu nacimemto.
Ho que saberey dizer a vos alteza desta nao, he que ela me tem
asaz torvado minha navegaram e o despacho do correjymemto d armada;
e a jemte come ás vezes á custa do voso cofre com esta tardamga em tall
maneira, que ho prego que se lamçar na nao, custará mais que em lix-
boa três vezes; say gramde naao; porque se amtonio Reall vay, eu lhe
pedy íiamça á nao, e a louremço moreno que segurasem a sayda da nao
pola barra fora, e que acabamdo se a nao, nam ficase a quilha podre e
a liaçam de baixo, polo tempo que ha que está em estaleiro ; como a vir
em mar e fora da barra, emtam poderey dizer a vos alteza se hyrá segu-
ramemte a eses Reinos com especiaria ; pêra aquaa parece me mayor nao
do que he necesareo, e se navegar com carga, será pêra malaca ou pêra
urmuz com pimemta, aimda que as nãos que quaa am damdar em vosos
tratos, devem de ser nãos que sem pejo emtrem no Rio de cochim com
ha carga que trouxerem de fora e posam espalmar em outras partes, se
lhe comprir.
A nao leva forte madeira ; ha dous anos que está no estaleiro ; nam
sey quamdo s acabará; de muitas cousas tem necesídade: de cananor a
XXX de novembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripío) A ellRey noso senhor.
(In dorso, em lettra coeva) dafonso d alboquerque e reposta que
vosa allteza lhe espreueo sobre a nao nova que se fez em cochy. — Pêra
ver*.
1 Torre ío Tombo— C. Chron. P. !.•, M. 13, D. I08.
16
122 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA XXV
1613— Novembro 80
Senhor. — Vos alteza me culpa na guarda de calecul. Digouos, se-
nhor, que ha guarda de calecut pêra lhe nam virem mamtimentos, que
he . trabalhar debalde, porque na terra ha muito arroz, e tramapatam e
cananor ho abasteceram sempre em gramde soma, e vos alteza nam lho
pode tolher, senam lolhemdo a navegaçam a cananor, porque de trama-
patam a calecut he muy piqueno caminho por terra, e as nãos de calecut
se varam em tramapatam; e asy lhe vem mamtimemlos da terra de nar-
symga em gramdo abastamça; e portamto, senhor, he em vam trabalhar,
sobreste feito; porque as naaos de cochim, se vem necesidade, lá levam
os arrozes a vemder: e quamto ao que toca ha navegaçam de suas espi-
ciarias e guarda de calecut digo, senhor, que ho primeiro ano que come-
cey a governar a imdia, eu hia com xxij nãos caminho do estreito, dei-
xamdolhe queimadas suas naaos todas no mês de janeiro, e sua navega-
çam e pasajem he no mês de feuereiro e março, e per esta comta nam
navegou estano; e a noso senhor aprouue mudar meu caminho no feito
de goa; veyo depois armada de gonçalo de siqueyra e louremço moreno,
e eu say de goa quamdo ha leixamos aos turcos, e todo ho mês d agosto,
setembro e outubro amdaram nãos sobrela, symam martinz, framcisco
marecos, garcia de sousa, manoel de lacerda, e tomaram hua nao de me-
qua: fuy naquele tempo sobre goa, no mês d outubro, e ficou symam
afomso na sua caravela, e jorge botelho na caravela Redomda: ganhada
goa me mamdou ho çamory falar nas pazes, e eu mamdey symam Ram-
jell em hua fusta de goa a calecut, e se meteo na caravela de symam
afomso, que hy jazia diamte do porto, e estiveram nestas pralicas de suas
falsidades e emganos, por saber milhor parte das nãos que carregavam e
por se guardar milhor a Ribeira do mar: a forleleza de goa feita, eu me
fiz prestes caminho do estreito no mês d abril, ficamdo as caravelas e fusta
deamte de calecut, e tinha mamdado Diogo fernandez a çacotorá, que
m esperase hy até meado mayo, e nam semdo hy até meado mayo, sou-
besse que eu era arribado a urmuz com tempo, e nam m achando em
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 123
mascate ou nesa costa, emtam se fose a urmuz e pedise as páreas: prouve
a noso senhor de eu nam fazer este caminho, por ser já ho tempo muito
gastado ; emtam arribey sobre goa e alarguey de mim parte da jemle,
e o rey piqueno e o navio samtespríto e a lyonarda e a Rumesa e hua
nao nova de goa em picadeiros e hua galeota e duas fustas e hum na-
vio piqueno dos de goa; e dy me vim a cananor e lhe deixey algua
mais jemte, e parti me dy e vime a cochim, ho cirne, ajuda gramde e ajuda
piquena, e o Rosaíro e a garça e sam tome, nao nova de cochim, e mais
os capitães, deles cavaleiros e fidalgos,, e jemte do mar que nelas anda-
vam ; e deixey manoel de lacerda com poder de lhe obedecerem todolos
capitães no mar, e como viese agosto sayse logo de fora e guardase bem
a costa de calecut: sobreveyo neste tempo a emtrada dos turcos na ilha
de goa e acudio lá manoel de lacerda, e veyo diogo fernamdez d urmuz
com três nãos e a jemte de çacotorá; e per esta comta achará vos alteza
dezoito velas, com ha nao nova que ficava em goa em picadeiros, e mill
homeens na imdia, nas fortelezas e em goa, dos quaees cristovam de brito
e dom aires acharam em goa perto de setecemtos homeens, que era toda
a milhor jemte e mais homrrada que eu trazia na imdia e as milhores
nãos d armada: deixey isto asy ordenado, porque me dise vos alteza em
hum capitulo do meu Rejimento que, navegamdo eu aos lugares per vós
ordenados, apartamdo me da costa da imdia, deyxase algum homem com
alguns navioos em guarda da costa. E polo feito de goa ser muy fresco,
posto que ha forteleza ficava pêra dar rezam de sy a toda a jemte da im-
dia que viese sobrela, todavia, por mais Resguardo e polo recêo que se
sempre deve de ter d armada do soldam, eu alarguey de mim tod armada,
nam levamdo comigo senam frol de la mar e a taforea e as duas carave-
las e as duas galés e hda galeota de goa: a galeota e a galé piquena se
foram ho fumdo através de ceilam, e salvey a jemte e algua artelharia; e
asy levey cimqo nãos de goa, quatrocentos homeens da imdia, duzen-
tos malavares, e as nãos de diogo memdez com duzemtos homeens, a
mayor parte deles negros da Ribeira de lixboa, e hereses gorometes, e
emxobregas e o bretam eo a jemte do mar; ora veja vos alteza as cartas
dos homeens da imdia, e vede, senhor, se vos dam esta comta desla ma-
neira verdadeira e chêa de todo voso rejimento e tudo mylhor provido do
que mo vós imda emcarregastes : e estano nam navegou calecut, porque
atá per todo h(T més dabnll amdou a vos armada sobre o pescoço de ca-
lecut.
18*
•f>'
124 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Semdo eu em malaca, sayo manoel de lacerda com as nãos de co-
chim, e o feito de goa ho fez leixar a costa de calecut, e partiram seis
nãos carregadas despyciaría; e noso senhor por sua piadosa mercê, que
foy sempre em minha ajuda sem lho eu merecer, se lembrou de meu car-
rego e de minha obrigaçam, e semdo as naaos tamto avamte como çaco-
torá« pegadas nas costas damtre ho cabo de gardafuny e magadaxo, deu
tam gramde temporall nelas que se perderam aly duas, e hila arribou a
batecala, de que vos lá foy a canela nas naaos de dom garcia e jorje de
melo: mafomede maçary, ho primcipall mercador de calecut, que se hia
pêra ho cairo com toda sua casa e fazemda e levava simam Ramjell com-
prado, e levava três naaos suas carregadas despiciaria, correo com tem-
porall as ilhas de maldiva e camdaluz; duas safumdaram logo no golfam.
E chegamdo ele ás ilhas na sua em que hia, foy através e se perdeo, e
salvou d aly algiia espiciaria, e comprou hua comdura das ilhas, e como
veyo tempo, partio nela com algua pouca despiciaria que escapou^ e sy-
mam ramjell com ele, e veyo a ver calayate e aly se perdeo a comdura;
e partio d aly em hfia naao durmuz e veyo adem. Esta he a verdadeyra
com ta; ora veja vos alteza as cartas que vos os homeens ouceosos espre-
vem da imdia, e vede, senhor, se achaes isto nelas.
Ho anno qme chegou dom garcia, say eu de cochim e fomos sobre
banastarym, e noso senhor foy em nosa ajuda e lamçamos os turcos fora
da ilha com partido de memtregarem os cristãos espravos e
espravas que eram fogidos de goa, e todolos cavalos e artelharia, como
já lá tenho escrito a vos alteza: acabado este feyto, mamdey logo meu so-
brynho dom garcia volver a cochim correjer eses navios que m espedaça-
ram esas bombardas dos turcos em benastarym, e guardar ho porto de
Calecut, e sempre amdaram navios sobre calecut; faziam se prestes dez
naaos com carga d especiaria, e sabia o eu certo; e neste tempo falava ho
nambiadery, primcipe de calecut, sobre as pazes de calecut e dar forte-
leza e tributo a vos alteza, de maneira que neste tempo nam sayo nehua
naao, e eu fiquey em goa fazemdo forte ho paso de benastarym, que he
a chave da ilha de goa, e íiz sobre a Itibeira do Rio e paso ho castelo de
sám pedro, que até quaremta ou cimquenta homeens abastará pêra o de-
femder; e mamdey fazer outra torre em pamgym com sua cerca de redor
e baluarte no mar, e mamdo agora fazer outra sobre a barra e emtrada
do porto omde estava hum baluarte dos mouros: acabado meu sobrinho
de ter correjido as naaos, eu Ihesprevy.que alargase a costa de calecut,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE i25
descobryndo lhe secretamente como minha deterrainaçam era emtrar ho
mar Roxo e ir sobradem, e que me seria milhor comselho dar lagar ás
naaos que carregassem, poios acolhermos com toda sua Riqueza dentro
no mar roxo na boca dele; dom garcia meu sobrinho ho fez asy: che-
gamdo ele sobre a barra de goa, estava eu já embarcado com toda a
jemte; éramos por todos mill e setecemtos homeens, ficavam em goa qua-
trocemtos e em cochim oitemta e em cananor oitenta : deu nos noso se-
nhor tempo de bõa viajem, e fizemos ho que mais largamente vos alteza
verá pela carta gramde : mamday agora, senhor, vir as cartas qiie vos es-
prevem da imdia, e vede se vos dam comta desta maneira do negocio da
imdia, ou se vos esprevem como compitidores do voso capitam mor e em-
vejosos de seus trabalhos c de seus serviços ; e outros ho fazem ás vezes
por escamdolo de seus castigos e Repremsõees que por suas culpas me-
recem, e outras vezes porque me pedem ho que lhe eu nam poso dar.
Partidas as naaos de calecut^ em pamdarane, antes que partissem,
se perdeo hua, e semdo tamto avamte como çacotorá, deu hum temporall
nelas, que também deu em wds, de vemto suU e suduesle; elas seryam
á ree de nós cemto e cimquemta legoas; com este tempo nos metemos á
orça quamto podemos aferrar a terra da costa do cabo de gardafuny pêra
demlro, porque hiamos com levamtes a meyo estreito demamdar adem,
que nos demorava a loeste em sua altura propia, e o vemto qi:e levá-
vamos era lesueste amtes que nos dese ho suU: dêmos tamla força de
vela ás naaos que aferramos a costa e ouuomos vista d abedalcuria, e to-
mamos a terra de felez: com este acemdimento deste vemto as haguas
corryam a vemto comtra nós; levávamos mar e vemto que nos sobejava;
perdemos os caturys que levávamos por popa, e asy fomos costeamdo a
costa. Este temporall que dito tenho, fez arribar as naaos de calecut e
meteo logo duas no fumdo, e as outras alijando espiciaria e cos mastos
quebrados, veyo hua delas ter a maym, outra veyo ter a danda, duas
vieram ter a dabull, hua a çamgiçar, outra a batecala, outra correo a ca-
lecut e se perdeo em panane, outra emtrou em mamgalor, outras naaos
que vinham de çamatora e martabane e bemgala arribaram ás ilhas e até
ora nam sey ho que he feito delas; e duas de mamale de cananor com
seguros desymulados pêra urmuz, dados polo capitam comtra minha de-
fesa, das quaes hua emtrou em diu e outra em chaull : eram em cama
com estas nãos hum jumqo de pegu, que levava alacar e marfim e arroz
e almizquyry e algua pedraria, e arribou com este tempo : da volta que
i26 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
agora volvy do estreito, vym correndo a costa, e no jumqo e nao que es-
tava em maym nam quis emtemder, por acabar de dar este noo ao com-
cerlo de cambaya; e vym a chaull e a damda, omde memtregaram a nao
com toda a espiciaria e artelharia; e em chaull leixo hum carpimteiro e
fernam de resemde fazemdo duas caravelas latinas.
A maneira que agora tem calecut pêra navegar suas espiciarias, he
esta: mercadores primcipaes de calecut haja muy poucos; os do cairo
foram se pêra o cairo e alguns pêra urmuz e outros pêra cambaya, e ou-
tros foram pêra ese seriam de narsymga: todo feito de calecut agora he
de mouros de lá desas parles de çafim, douram, de tremecem, de tuniz,
do tripuly dos jerbes e de grada, e arrimcaram de lá com suas fazemdas
e vem do cairo a judá, e de judá vem a calecut com dinheiro na mão e
chegam em agosto. E em setembro e em outubro, novembro, dezembro,
janeiro e feuereiro, fazem nãos novas em calecut e carreganas despicia-
ryas e vamse, e começam agora de fazer este caminho: pregumley alguns
deles como se avemturavam vir tratar a calecut, estamdo amtre duas for-
telezas nosas e nos armada; Respomderam me que eram tam gramdes os
ganhos, que a todo Risco se punham, que faziam de hum curzado doze
e treze de calecut a judá e adem, e que a pimemta valia a xxb curzados S
e em judá e no cairo ho jemjivre e pimemta nam tynham preço: e eu,
senhor, ho creo, porque nam sam eu tam desprovido de minha obriga-
çam que ás vezes nam amde em hua tavoa no mar, por dar bõoa comta
de mim e de meu carrego; e as nãos de calecut que eram a viajem, pa-
rece que ho meu cuidado lhe faz elas perder ho tempo verdadeiro de sua
partida, e mais noso senhor que tem cuidado de guardar e comservar as
vosas cousas, porque nam ha quaa b homeens *, de que vós fazes fiim-
damemto; e prouuese a deus que com os de malaca fossemos dous mill
e quynhemtos: lembra me, senhor, ho que dezia ho prioll do crato meu
tio a el Rey que deus aja, que emtraram na graciosa xxx homeens ^, e
nós numca nos podemos ajumtar Ires mill, porque quamtos emlravam,
tam tos sayam doemtes, afora os falecidos; e já vos lá lenho isto esprito
nas cartas passadas ; nam vem quá toda a jemte que embarca em lixboa,
nem embarca em lixboa a jemte de que vosa alteza faz fumdamemto ; asy ,
senhor, que me nam obryguees como homem que tem cimqo mill ho-
* Vinte e cinco cruzados.
^ Cinco mil homens.
' Trinta mil homens
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 127
meens, porque se os tivesse na imdia, com ajuda de noso senhor e das
suas piadosas chagas e com a bõoa querela que temos comtra os imfiees
imigos da sua samta fee, eu m esforço a derribar a soberba da imdia e a
ganhar as mayores cousas dela, aimda que as cousas sam já ásperas, e a
jemte com que pelejamos he já outra, e artelharia e armas e fortelezas
he já tudo tornado a nosa husamça.
E porque vem á mãao, quero uos, senhor, falar neste feito de Cale-
cut; vos alteza me tem esprito sobre a paz e a guerra de callecut per
muitas vezes; a primeira foy polo marychall e mamdastelo isemto, some-
tido eu a seu comselho e parecer ácerqua de lhe poor as mãaos, ou nam,
e na paz e comcerto com ele em algua maneira me tocastes, como seria
voso serviço emtemderse niso com algum Resguardo do descomtemta-
memto dei Rey de cochim ; depois me tomastes a esprever sobre ho mesmo
feito desta mesma forma e maneira, e desejamdo já mais sua deslroyçam
e que ha precurase, e em todas me tocastes nam poer jemte em terra; eu,
senhor, fiz sempre ho que me vós mamdastes, e el Rey de calecut m es-
preveo e eu lhe respomdy : ho nambiadery, primcipe de calecut, me mam-
dou falar e m espreveo, e eu lhe respomdy ; tudo eram cousas desapega-
das; as de minha reposta fazia o mais pola obrigaçam de meu oficio, que
he respomder aos Rex e senhores que m emviarem seus embaxadores e
suas cartas, ora seja nosos amigos, ora nosos imigos, que por me parecer
que ho çamory daria forteleza nem receberia vosa jemte em sua cidade, que
era toda sua destroyçam, e com este feito ho poderiees milhor emfrear e
asenhorear e trilhar, e fazerdes de calecut tudo ho que quiseses, pois que
ha quymzanos que lhe temdes feito muy pouco nojo com guerra, nem me-
nos vosas armadas lhe tolheram numca sua navegaçam, por esta Rezam:
vosos navios amdavam sobre a costa de calecut, e se eram piquenos e pouca
jemte, armavam sobreles, e alguns estiveram em comdiçam de ser toma-
dos, e quamdo deste perygo escapam, afastam se afora; e eles botam suas
naaos ho mar e carregan as, e as vosas caravelas e navios piquenos nam
am d ousar demamdar lá seus bates, porque tem pouca jemte e nam lhe
am de poder empecer, e estarám em comdiçam de os tomarem dous pa-
raos; e eles tem cem paraos carregados de mercadaria de redor de hila
nao, e carregan a em duas oras, e co terrenho de noute vay a nao na volta
do mar e os vosos navios ficam surtos; e hua sae de panane e outra de
pamdarane e outras de cramgalor e outra do arrecify e outras de chalea,
e outras partem de tramapatam cos seguros que lhe daa cananor ; e sem-
1 2g CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
pre fizeram esta navegaçam e faram, se lhe nam tiverdes estes portos to-
mados com muy bõoas naaos e muitos navios de Remo que estêm pega-
dos em terra com costas qucmtes de naaos, em tall maneira que se nam
crye armada sobreles; e vos alteza manda que duas caravelas ou dois na-
vios piquenos guardem a costa de calecut; tomar vol os am, e eles nam am
de tomar nada de calecut, porque híia nao de calecut que no mês de se-
tembro chegou de judá, nana tomou ela ho navio ferros nem ousou dem-
vestir com ela, e tinha á vista amtonio de Saldanha em frol da rosa: nam
sam as cousas da imdia tam moraes como as lá fazem, nem esiam da
comdyçam que soya a ser: digouos, senhor, que as nãos de calecut da
maneira que agora custumam fazer, que he carregarem em três oras da
noute, e como salta ho vemto a terra fazem se na volta do mar, que se os
Yosos navios da guarda da costa nam estiverem emcadeados com elas,
que as nam verám partir, e se nam forem bõoas naaos e bõoa jeinte, pela
vemtura as nam tomaram.
Mais, senhor: porque temdes vós guerra com calecut poios desati-
nos daires correa? e queres que tamtos anos estee voso poder na imdia
em descrédito com esta guerra de calecut? que faz a veneza ter comfi-
amça das cousas da imdia e de seu trato amtigo, que faz ao cairo fazer
armadas e comfiar que bolará vosas jemtes e naaos fora da imdia? e em-
tamto calecut estiver desta maneira, numca ho cairo nem veneza desisti-
ram de seu preposito: e por cartas delRey de cochim e delRey de cana-
nor e dos feitores de vosas feitorias e esprivães deixaes vós de tomar
asemto com calecut, quymzanos ha; e deyxaees de desbaratar voso imigo
com paz e forteleza, pois que haté gora com guerra lhe temdes feito muy
pouco dano: que vos ha vós desprover Louremço moreno, senam ho que
elRey de cochim pedir? que vos am a vós desprever os esprivães de co-
chim de vosa feytoria, senam ho que el Rey de cochim pedir? que vos
ha vós descrever amtonio Reall, senam ho que elRey de cochim quyser?
que vos ha vós descrever gaspar pireira, senam ho que lhe elRey de co-
chim pedir? porque estes ambos de dous que vem por feitores, cuidam
que estarem cemtanos na imdia por feytores está na mão delRey de co-
chim, se vos escrever bem deles; e acomselhano ho que vos espreva e o
de que se ha d agravar; descobrem lhe os segredos de purlugall e as de-
treminações de voso Rejymemto; meteno em escamdolo co voso gover-
nador, e sem verem voso rejimemto, se me vêm fazer algua cousa das
que me mandaes, fazem lhe emtemder que tall me nam mamdastes nem di-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1^9
sest^; pedem lhe cartas pêra vos alteza cadanó, e faiem eles as me-
butás.
Mais, senhor: quem sostem calecul senam elRey de cananor e elRey
de cóchim, porque as suas nãos lhe levam os mamtymemtos? as suas
naaos vam tomar com vosos seguros as espiciarias por essa costa e por*
tos de Calecut: amtes, senhor, crede que estes mesmos os sostem, pêra
terdes comtinua guerra com ele, e haa vosa custa e de vosas armadas
tem seus portos pouoados de muitos mercadores e de muitas mercadarias
e tratos, e nano querem destroir: nam sey eu que el Rey dejcochim que
tem ele £xx nayres *, e elRey de cananor que tem mais de Ix*? porque
ho nam vam destroir? e porque nam foram ajudar ho marychall e a mim,
e foram senhores de calecut? porque nos querem trazer nesta pemdemça
atá fim do juizo : algua pratica desta tive eu com el Rey de cochim, e quamdo
m alegou a morte de seus paremtes por voso serviço ; e eu aleguey a morte
do marychall e de muy boons cavaleiros e fidalgos por sua honra dele e
polo que ele alegava, e o meu braço esquerdo, que ho nam poso alevam*
tar, dizemdolhe que se ele e elRey de cananor sostinham calecut, que
como ho aviamos nós d acabar de ho derribar? e eu detreminava de lhe
nam fazer mais guerra nem paz, sem mamdado de vos alteza: bem l^e
parecia ele nam ousar de vir hum recado de cananor a cochim em hum
parao, que logo nam fose tomado, nem de cochim pêra cananor, e que
as nãos de seus portos cos seguros de vos alteza lhe levavam as cargas
dos arrozes demtro a calecut. Esta mesma maneira tem os vosos oficiaes
com elRey de cananor, e o trazem posto em todo descomcerto; e sanl
nesta ajuda e comselho com peitas e dadivas a elRey de cochim e a vo-^
SOS oficiães e aos vosos capyàies das fortelezas os mouros mercadores de
cochim e os mouros mercadores de cananor, por tall que as suas nãos
naveguem seguras e seus tratos mais proueitosos, e que os de calecut
nam naveguem nem tratem : oulhay, senhor, por isto, que vos vay muito ;
abasta a b&oa paz e amizade que temdes com elRey de cochim, seu porto
e sua terra muito Rica e ser escapola da carga de vosas naaos ho porto
de cochim, de que tamto proueito Recebe. E fazey vosos feitos muy bem
e como vos compre, porque asy ho faz elRey de cochim, que faz seu com-
eto e sua paz cos caymaes e senhores da terra de malavar, que sam
com el Rey de calecut, por seu proueito e por segurar sua homra; Recebe
1 Trinta mil naires.
^ Sessenta mil.
17
i30 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQl^
•
a pimemta e mercadores da terra de Repelym demtro em seu porto, semdo
terra delRey de calecut: e os chatins de calecut nam vem eles de calecut
carregados de pedraria? pois rezam parece que tenhamos nós esta cabra
polo pescoço, e que ha estêm eles mamamdo? nam querem fazer a gderra,
e querem que ha façamos nós; nam nos querem ajudar, e querem lhe eles
dar todolos mamtimemtos e provymemtos que podem; e os Rex de quá
sabem jugar seus jogos como os de lã, e tem comselho e syso: guarde se
vos alteza das cartas de vosos oficiaees, que eles sam hos que estorvam ho
comcerto de calecut, e trazem danado elRey de cochim e o de cananor,
e lhes parece que seus ofícios ficaraam abatidos ; e sam muy grosamemte
peitados dos mouros: quem amamsou a fúria de cananor senam verem
que dava eu orelhas á paz de calecut? E portamto, senhor, seguray ca*
lecut com forteleza, se vola leixar fazer ;perdey ho descomíentamerato que
dele temdes, porque os vosos homeens foram causa de sua morte e asy
os de coulam; nam cures de trato de cananor, que he sem proueito, nam
tem porto nem Rio pêra as naaos nem galees, nem mercadarias nem pe*
drarias, nem mercadores que tratem em vosa feitoria; abraçai vos com
cochim e calecut pêra a carga de vosas naaos, que prazerá a noso se-
nhor que durará até fim do juizo: este he ho milhor comselho que podees
tomar e mais proueitoso ; e agora he tempo, que ho çamory he nK)rto,
homem de tam pouca verdade, chêo demganos e covarde, que com medo
Qumca ousou de fiar de nós: abraça vos com estes dous portos, porque
aquy temdes todo jemjivre beledy, toda a pimemta do malabar, e outras
muytas drogarias e toda a pedraria de narsymgua e gasto de muitas mer-
cadarias, que avemdo tamtos anos que temdes guerra com calecut, aimda
oj este dia he a mayor cousa da imdia nesta parte e mais Rica; e cana-
nor, avemdo tamtos anos que temdes paz e amizade com ele, aimda oj este
dia nam vay hum homem ho lugar, que nam vaa com a barba sobe lo
ombro, nenos deixam cortar hum paao por nosos dinheiros em sua terra:
nam creaes comselhos nem cartas da imdia, porque os homeens que volas
esprevem, nam vestem as armas, amtes mamdam por couraças a purtu-
gaJl pêra as vemderem por R e 1 cruzados ^ tira vos, senhor, desta guerra
de calecut, porque acabaees muitas cousas com a paz e seguramça dela,
que nimguem nam chama os Rumis á imdia senam calecut ; com a paz
lhe cortaes esta esperamça, e avees todalas drogoarias e jemjivre beledy
1 Por quarenta e cincoenta cruzados.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 131
de sua terra pêra a carga de vosas naaos, e pedraria, e em hum mesmo
tempo estam as vosas naaos tomamdo carga á vista huas das outras. Ca-
nanor he hum regatam, que nos estam vemdemdo os mamtimemtos polo
dobro, de que nam avees proueito nehum, nem aproueíta pêra nehtla
cousa senam pêra nome de forteleza ; todalas outras cousas que nele ha,
a Calecut vam por elas : torno vos, senhor, a dizer que asemtees a esca-
pola de vosas naaos nestes dous portos, e quem vos ho comtrairo acom-
selhar, perdoe lhe Deus: e acabamdo vos alteza ho feyto de calecut da ma-
neira que dito tenho, cobrares gram credito na imdia pêra as cousas de
voso serviço, e muito mayor temdo hum pee demtro nele, que destroylo
de todo nam pode ser: e ha nesas partes do cairo e veneza e turquya e
outros muitos Rex e senhores emvejosos de vosa fama, de vosa vitoria e
comquysta e das Ryquezas da imdia, que estam todas na vosa mãao, ti-
radas a eles ; pomdel os com este feito acabado em todo descrédito e des-
comfiamça das mercadarías da imdia, porque nam ousaram de vir a ela,
que temdes tudo acupado ; portamto, senhor, ho que nestas partes nam
poderdes acabar com guerra, com bõoa paz e forteleza á nosa husamça
as mamsarês e asenhorearês.
Digo mais neste feito de calecut : ho çamorym he morto que vos fez
a trayçam ; veyo outro Rey soceder ho reino e terra ; quer paz com vos al-
teza; Recebe vosa forteleza e vosos tratos e mercadarias; quer vos dar as
que ha em sua terra ; nam vos fez a guerra nem nehum deserviço : por-
que nam folgará vos alteza dè ho ter por servidor e de se aproueitar
da Itiqueza de sua terra e do que nela ha? e estares fora desta duvida
das espiciarias de calecut, e temdelo asenhoreado com hua forteleza de
cemtomeens, e hum pee sempre nela demtro pêra o destroirdes cada vez
que quiserdes; e dous navios com cemtomeens nam podem isto segurar,
nem sam boons pêra nimygalha já gora na imdia. E nam terá ho cairo
nem veneza nehua comíiamça já das cousas da imdia: e eu ey por certo
que ho nambiadery matou ho çamorym com peçonha, porque em todalas
minhas cartas lhe esprevi que matase ele ho çamorym com peçonha, e
que lia paz eu me comcertaria com ele. E se nçste caso queres que
se guarde as jemtilidades e cerymonias dei Rey de cochim e seus paras
cadanó, fazey, senhor, ho que quyserdes, que vós paz universall me mam-
dastes emcomemdar e assemto e asesego com toda a terra do malabar;
socedy a voso mamdado e parecer, porque estamdo vos alteza na imdia,
nam poderees aver mílhòr comselho acerca da terra do malavar, omde
17*
132 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vosas nãos estam tomamdo sua carga sobre htla amarra, e ás vezes Dam
íica demtro nela senam hum cam que ladra a bordo, aimda que sobre
este feito das nãos ficarem asy soos, me temdes esprito, mas hos homeens
nam fazem tudo ho que lhe eu leixo ordenado : haas vezes ponho de mi-
nha casa hua pouca de força.
Quamto he ao que me vos alteza diz sobre a navegaçam de calecut, que
vos parece esquecimemto desarrazoado, dizê me, senhor, omde m acham a
mim vosos recados, pêra que vos pareça que eu sam esquecido do que
me vós mamdaes fazer. E quamdo me vos alteza quer culpar, mamde vir
primeiro vosos rejimemtos diamte e veja os bem, e saberá que morto ou
vivo estou omde me mamdaes ir, e que todolos outros Resguarde (sk) minha
ida, tocados em vosos Rejimemtos, ficam prouidos. Se as cousas nam so-
cedem ás vezes como vós queres, logo vosa alteza ha de crer que des-
prouimemío de minha lembramfa ho causou; mayores danos vos tem a
vós feito as cartas da imdia queste, porque vos nam deixam tomar ver-
dadeira detremynaçam no feito da Imdia, que vos tem feito assaz de dano,
)orque nem os Rex e senhores da imdia, nem os mouros, nem os cava-
eiros e fidalgos e jemte vosa que vos quá amdam servimdo, tomam asemto
e asesego, nenos corações dos de lá, fora de duvidas: de cananor a xxx
dias de novembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EllRey noso senhor.
(In dorso ^ por lettra coeva) dafonso dalboquerque, as rezões que
daa pêra a paz de calecut: — pêra ver *.
CARTA XXVI
1613 —Novembro 80
Senhor. — ^As cousas de calecut tomaram asemto depois 4a minha
vinda do mar Roxo, as quaees foram bem comtrariadas d alguas pçsoas,
emquamto amdey fora; guarde lhe vos alteza lá seu galardam pêra quamdo
lhe forem pedir mercê: a forteleza está perto do seu çarame na Ribeira
» Torre do Tombo— C. Ghron. P. 1.*, M. 13, D. 106-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 133
do mar uo pouso de suas nãos e Remamso do arrecify; a obra á feitura
desta vay parecemdo; parte dela sobe la terra mamdeya fazer por agora
tamaoba como a cerqua do apartado de cochún bo mestre da obra tomáa
fernandez, que be maravilboso homem e vos tem bem serrido em seu
oficio: framcisco nogueira tem cargo da obra e cargo dos nosos e cargo
de justiça comL?* t$. * cadano e seu mamtimemto, e asy tom de mim
que, feita ha torre da menajem e a porta çarrada da forteleza, se chame
capitam dela, com aquele ordenado que ha vos alteza apfouuer: goiQçalo
memdez tem cargo de feitor e pagador das obras com quaremta mill fs;
joham serram tem cargo desprivam da feitoria e das obras com xix fs':
os apomtamemtos do comcerto lá os mamdo a vos alteza: três cousas sam
as primcipaes, a saber, dar se toda a pimemta quamta nós quisermos a
troco de mercadarias de toda sorte; ho jemjivre que se ccnnpre nesa praça
a lavradores que ho hy vem vemder per ordenamça da terra, a outra, be
paga de vósa fazemda; a outra, de trebuto cadano ametade da Reimda
dos seguros das oaaos, que be bua gram soma, aquall se paga em dir-
nbeiro, porque as nãos do Reino e doutras partes que hy tratam, be
gramde camtidade: as mercadarias que pedem, lá bo escrevo a vos alteza;
creo que se gastará hy gram soma dela, e que os mercadores de cochim
am de vir a dar a pimemta a troco de mercadaria pela compitíçam de
Calecut, que foy a mayor cousa que se imda fez na imdia, dar se pimemta
a troco de mercadaria dada pelo preço e peso de canaaor, porque he my*
Ihor pimemta que ha de cbchim: este feito, senhor, hede ddm giurcia»
porque ele ho começou e o acabou, e mais tem mamso e comtemte eIRey
de cochim em algua maneira até mynha ida, que asesegarey tudo ; poréoà
castigo aviam mester aquelas pesoas que ho ele tinham danado e Rijo;
algQas tirar^ty eu de cochim por este Respeito e por outros, e asy pelo
Rijo tratar com pimemta e cobre, que omde vosas feytorias eátam nam
be necesareo trato de purtugueses, porque este tratar me tem metido em
tamta desordem, que nam poso meter a jemte a caminho^ tam espalhada
amda ; e praza a deus que nam naça daquy algua pemdemça ha estima
de vosas mercadarias e ós tratos de vosas feitorias, porque os vosos ofi-
ciaes nam tratam eles arecas, nem em arrozes, nem cocos.
Nesta paz de calecut emtra elRey de cananor, ho quall mamdou
seus embaxadores a elRey de calecut, e asy os mamdou a elRey de co-
1 Cincoeota mil réis.
* Trinta mil réis.
Í34
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
/
chim, acomselhamdoo que emtrase ria paz comnosco e deíxase a guerra^
pois que ho çamory era morto: com ajuda de doso senhor tudo samam-
sará e asesegará; nam com vem agora mais dizer deste negocio a vos ai*
teza^ sómemte que fartees ha imdia de mercadarias e que d^es sayda has
da terra.
Porém, senhor, dura cousa he de sofrer estes vosos ofyciaees e pe-
soas a que daes tamto credito, os quaes sem vergonha nem temor de
vos alteza se trabalham por danar quaa e laa as cousas de voso serviço,
as quaees eu amdo metemdo em ordem com ho voso Rejimemto metido
debaixo do braço ; porque neste feito de calecut os vosos oficiaes de co-
chim e cananor e gaspar pereira com eles tinham tam danado ho negocio
de calecut e tam Revolto elRey de cochim e o de cananor, que aimda
ojeste dia em dia nam cree elRey de calecut que ha forteleza e paz se
hz de verdade, e cada dia me toma salvas diso, alegamdome cousas
mesmas que lhe eles mamdavam dizer. Pejam se com gomçalo memdez,
)orque lhe era muyto comtrayro quamdo estava em cananor, e era muyto
iado com ho alguazill ho velho e com elRey de cananor, e diz que lho
tire daly, porque era muyto comtrairo haa paz; estou eno fazer, e asy
polo feilo de pocaracem ; nam emtemdo agora nisto, por dar despacho em
dous dias ás nãos, estas que se embora vam, porque os vosos ofíciaes to-
dos se emcomemdam ao tempo que cure as cousas: estes gastos mevdos
com que se d$ta quá avyamemto ao negocio, e nam com boom emjenho,
em breve ho despacho ; e asy senhor tiro barbosa de cananor, porque ele
he lymgua e causa de todas estas Revoltas: espríta em cananor a xxx
dias de novembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosasilteza
Afomso d alboqtierque.
(Sobrescripto) A EH Rey noso senhor,
(In dorso y por lettra coeva) dafonso dalboquerque sobre o asento
(ie calecut: — pêra vôr *.
Torre do Tombo— C. Ghron. P. 1.*, M. 13, D. 112.
GARTÁS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE í 35
CARTA XXVII
1613— Novembro 30
S^hor. — A maneira de que agora estam as cousas da imdia, meu-
damente ho direy aquy a vos alteza ; e maoday , senhor, meter esta carta
minha na vosa bueta, porque haté fim do juízo achares isto que digo, se
a noso senhor aprouuer de comservar ho negocio como agora está: vos al-
teza tem paz e amizade com todolos Rex e senlK)res desde urmuz até
choromandell; com elRey de cambaya, dá vos forteleza omde a vós de*
sejaves sempre, que he dyo, sem lhe mostrarmos desejos de ha querer
aly, somemte ele por sua propia vomtade; e se a noso senhor apraz qe
este feito aja ho fim asy como parece, nam temdes acabado piqeno ne*
gocio na Imdia; porém quatro cousas lho fez fazer de necesydade: ane-
cesydade das mercadarias de purtugal que se tiveram atrás, polo açoute
que demos ho mar roxo e por lhe cortarmos ho caminho de sua navega*
çam, por omde lhe nam vem já nehuas mercadarias; a outra, porque
temos guerra comtinua com adem, e a fua nam vem a cambaya como
soya, ou Ruiva com que timjem os panos de cambaya; e tiramdolhe esta
mercadaria, era lamçala a perder de todo,x porque, se se a Roupa ouuese
de timjir com alacar, hum pano que vali quatro fanOes^ valeria vimte,
e nam averia alacar no mumdo que abastase a dez mill panos; e outra
necesidade teu o reyno de cambaya, que he de cobre de que faz ipoeda,
porque com todo ho que ela podia aver dese^ regnos e o que lhe vinha
do cairo/ que ela tudo gastava em moeda, aimda agora tem tamta nece*
sidade de moeda meuda, que hamendoas com casca he moeda tnevda no
repo de cambaya, como ceytis em purtugall, e por elas se acha tudo ho
qe qerem na praça^ e temdo soma de cobre, faria moeda meúda; a outra
he, senhor, que cambaya tem muito piqena terra no mar da imdia^ que
he de mamgalor e çumunate até maym muito poucos portos e muyto
curto caminho; qeremdolhos destroir e levar na mãao, nam he nada dç
fazer; toda sua força no rosto do mar he a cidade de cambaya, aqu^ll àa
bayxamar fica hum mumdo de parcell em seco, cojosa que se nam pode
436 CARTAS LEAPPONSO DE ALBUQUERQUE
crer, e por iso a escapola primcipall he goga, porque he canall ; postoque
ho parcell espraye e íiqe emxuto^ sempre no canall fica agua que abaste
pêra as naaos ; e este canall nam vay ter senam a goga, que fica a mãao
esqerda sobre div, e cambaya a mãao direita pomdo ho rosto de mar em
fora na terra firme.
Vindo pola costa dereito até chaull, está asesegada e bem emficada^
e gram parte da terra vos pagaria trebuto, se lhe tivesees tomado a for-
teleza de damda, a quall me nam pareceria errado comsellio tomar se e
sosterse, porque he hua ilha tamanha como ho corpo dos vosos paços de
lixboa; jaz solH*e campos e terras de sememteiras^ tem muitos tamqes
d agua demlro em sy e muitos arvoredos, e cousa muito fresca; tem Rio
sem barra, que com todo temporall na metade do imvemo podem emtrar
demtro as nãos e estar amcora e pruiz : estaa esta ilha e forteleza pegada
com ha terra, e atntre ela e a terra firme ha hy seis e sete e o menos
cimeo braças, a milhor cousa he piqena que vy nestas partes: dizem que
daquy começaram os turcos ha ganhar ho reyno de daqem, porque he
tudo campos e vales sem nehfla serra: hp lugar que está logo hy e porto
he tamanho como chavll, muito fermosas casas e muito abastada terra :
as páreas e tributos que vos a terra pagaria, qeremdo vós aly ter forte-
leza com oytemtomeens que ha bem poderyam defemder do mar, porquo
da terra nam lhe podem fazer nehum nojo, poderíees bem soster qua-
tro fortelezas, porque cbavll paga dous mill pardaos e pagaria seis, e
damda e a terra pagaria dez; e que lá fortelezas alguém pareça que ho-
brigam, se elas forem feitas a nòsa busamça e elas mesmas pagarem os
soldos e mamtimemtos á jeftite, nunéã leyxees, senhor, de ha fazer nes^
tas partes em lugares proueytosos e de boonfi portos, porque nam ha de
falecer jemte lá nesas partes, se vós tiverdes soldo que lhe dar: neste lu^
gar e porto de damda memtregaram a nao dos mercadores do cairo com
toda sua especiaria que carregou em calecut : dabuU está em toda vosa
obidiemcia e o çabayo senhor dela desejador de vosa paz e de ser toso
servidor, porque perdemdo dabull, he de todo perdydo, que lhe nam
pôde por outix) lugar emtrar cavalos, nem jemte bramca pêra reformar
sen anrayall; goa he vosa; onor, ho rey dela pagauos páreas, e está á
vò$a obidiemcia; batecala faz tudo ho que lhe homem mamda; elRey de
niarsymga éreo que vola dará poios cavalos d arábia e persià que vem a goa
hírem todos a seu reyno, porq^ asy mo espreveo gaspar ohanoca per t e*
zes, que lá tinha mamdado; todos esoutrps lugares até momite ddiy tomam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 137
Yosas mercadarias e dam as saas, e alguns pagam alguns fardos d ar-
roz.
Cananor está como esteve sempre, emtra na liga e arayzade de Ca-
lecut como vos alteza, e mamda embaxadores a elRey de cochim que ho
faça asy, dizemdolhe que ho çamory he morto, e estoutro quer ser voso
servydor e que pede paz; e que oulhe quamto mall e dano se recrece da
guerra, e como os mercadores sam destroidos pola guerra que ha tamtos
anos que dura; que nam qeira com armas e favor dos purtugueses fazer
a guerra a calecut nem a nehua outra parte, pois que os desejos de
vos alteza he ter paz com toda a terra do malavar, e que as jemtes da
imdia naveguem seguras; que lhe roga e pede que se deça dese errado
comselho e emtre namyzade de calecut e que sejam todos irmãaos, como
damtes eram, domde se gasta muyta jemte com a guerra, e s escusam
gramdes gastos e morte de jemte, e pedi me hum homem pêra mamdar
per terra com os seus embaxadores, e eu lho dey: alguns purtugueses a
que vos alteza tem dado credito nestas partes, emquamto fuy ao mar roxo
tinham danado eses rex e Revolto tudo em tall maneira, que com traba-
lho pude isto amamsar; punham lhes diamte a vimda doutro governador,
e outro novo comselho ávido de vos alteza; apregoavam isto com peitas
e dadivas dos mouros de cochim e cananor; se fora capitam comfiado,
as cabeças deles lhe metera nos muros da forteleza de calecut, porque
fora voso serviço, mas tem tamto credito e autoridade de vos alteza, e eu
nestas partes dou lho muito mayor, e por estes respeytos lhe dam os rex
e senhores nestas partes fé e credito ; e a cobiça desordenada que amtre
nós amda, quaa fará por hum Roby fazer a hum homem quamto quyser:
peçouos, senhor, por mercee que pagues aos homeens amtes dobrado seu
serviço á custa de vosa fazemda que lhe dardes autoridade e credito quamdo
lhe nam he necesareo pêra seus carregos : a comcrusam, senhor, he que
elRey de cochim e de cananor emtrarãao nesta amizade com elRey de
calecut, porque compre asy a voso serviço, porque sabem que calecut
chama os Rumis, sabem' que calecut he escapola amtiga do cairo e de
Veneza, e vêm qe estas duas cousas sam muy comtrairas ao serviço de
vos alteza, asesego e todo bem da imdia ; e vêm que hila tam gramde cousa
como elRey de calecut he, dá vos forteleza por sua própria vomtade, e
meter se debaixo do jugo de vos alteza; qeremdo eles este feito emcom-
trar e danar, mostravam se vosos deservidores, desejadores de guerra e
precuradores de todo ho desasesego da imdia, porque estaa esta rezam
18
138 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
quaa viva diâmte dos holhos dos homeens e quamto voso serviço he aca-
bar se ho feito de calecut com tam gramde fama de vos alteza e tam gramde
credito de vosas cousas nestas partes.
Coulam quer paz e quer pagar ho que tomou, e nam teuho tempo
pêra lá poder mamdar e dar este noo: choromandell está á vosa obidien-
cia, toma vosos seguros e trata em malaca; elrrey de ceilam he morto;
avia hy dous filhos e devisam amtre eles sobre ho socedimento do rreyno ;
diseram me que hum deles mamdara dizer a cochím que lhe desem ajuda,
e se quysesem forteleza, que daria lugar pêra iso.
Ho Rey das flhas pede vosa ajuda e quer estar á vosa obidiencia,
e eu nam poso lá ir, nem mamdar, porque tenho pouca jemte e poucos
navios: el Rey de pegu leva gramde comtemtamemto de vosa amizade,
quer vosos tratos e vosa jemte e vosa ajuda; em seu reyno Recebe vosa
jemte que vay de malaca, sam trazidos em amdor cubertos de panos douro
e dá lhe gramdes dadivas. Desta maneira sam Recebidos os vosos homeens
dei Rey de syam e tanaçary e sarnau: os bemgalas Recebem vosos seguros
e desejam em seus portos vosas mercadarias e naaos: el Rey de çamatora
farês dele quamto quiserdes; etodolos rex da imdya asy estam asombrados
e asenhoreados do feyto de malaca: el Rey de campar e de menemcabo,
onde está a mina do ouro, todos vem com suas mercadarias e ouro a ma-
laca; el Rey de campar vos paga trebuto e amda na guerra em ajuda dos vo-
sos: el Rey de pam, domde vem ouro a malaca, quer vos pagar trebuto e
quer ser voso servidor: ho primcipall Rey de jaoa quer vosa amizade e
a deseja, e esas pouoaçõees que hy ha em sua terra, ho seram de nece-
sidade, ou com muy pyquena armada que vaa em ajuda deste jaao rey
primcypall os destroyrees; as outras ilhas, segumdo me dise amtonio
d abreu, fracas sam e ficam todas á vosa obidiemcia: os chins servidores
sam de vos alteza e nosos amigos, e os gores farám ho semelhamte, como
ouuerem conhecimento de nós : urmuz paga como soya, e está hum pouco
mais forte do que soya com esta carapuça e adoraçam de xeqesmaell que
receberam; nam me comtemta nada, queria amtès ver em poder de vos al-
teza com hum capitam posto nela e jemte, porque ela por sy pagará bem
os custos e despesas que aly fizerdes e quyserdes fazer.
As vosas jemtesamdam seguras por toda a terra da imdia, asy pelo
mar como pelo sertam; em toda a terra de cambaya lhe nam pregumta
pêra omde vay, e em todo reyno de daquem e em toda a terra do mala-
var compram e vemdem em toda a terra, e amdam tam seguros como neses
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 139
regnos: os vosos capitães e naaos nam tomam nao, paguer, nem parao,
nem lhe dam caça, nem arribam sobreles, quer tragam seguros, quer
nam; os que aparto de mim, em seus Regimemtos levam a mesma deler-
minaçam asemtada neles ; pregumte o lá vos alteza a eses que vam de ma-
laca e o que foram descobrir ho cravo.
Acabada a forteleza de div e de calecut, se a noso senhor aprouver,
despejados ficamos pêra emtemder no mar roxo, porque, senhor, ho feito
do mar roxo ha mester preposyto, e he necesareo ficar homem lá bua
mouçam, que de necesidade pelas navegações de qá se gastará hum ane
meyo. E desta maneira poderemos fazer fruyto demtro, e emtemder no
porto de suez e qeymarlhe suas naaos e su armada, se a tem feita ou
quyserem fazer, porque, como lhe ganharmos ho porto, com toda nosa se-
guramça, três ou quatro navios que aly estêm, nam lhe deixaram botar
nehua cousa ho mar, que lhe nam queymem, e será necesareo ter aly
muita jemte ho soldam pêra lhas nam queymarem; e se nam acharmos
nada, tersaa maneira como ho capitam da forteleza mamde sempre ve-
sitar ho porto de suez, e avisar ho voso governador em quallquer parte
que estiver: de cananor a xxx dias de novembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso dalboquerque,
(In dorso, por lettra coeva) d afonso d alboquerque em que dá conta
da disposisam em que estão as cousas da Imdia e no cabo, o que se deve
fazer no mar roixo e o tempo que se deue gastar: — pêra vêr el Rey *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.', M. 13, D. 103.
18
140 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA XXVIII
1513— Novembro 30
Senhor. — Nam pode ser que me algua ora nam agrave dalgum ca-
pitam, pois que tamtas sagrauam de mim: faço vos, senhor, queyxume
de guomçallo pereira; elle veyo muito desejoso de vos servir quá; como
chegou, dei lhe loguo a nao sam tome; mamdeylhe pagar seu desembargo
em pimemta, comtra voso Regimemto, e fez seu proueyto ; os vinhos que
trouxe, emtregouos hy na feitoria; mamdeio pelas páreas a chaul, trou-
xe as; e tomou vim te cruzados de cada pipa, comecey de lhos nam que-
rer levar em comta, e elle fez huas mostramças que queria chorar, e ale-
goume morte de seu irmão e seus seruiços ; lleixei lhe tomar o dinheiro
per força; fiz lhe sempre muyta homra, tratei o muito beem, e aimda hum
pouco milhor que aos outros, por dar Resgardo ás cousas pasadas do
viso rey, por nam lhe parecer que me lembrava algua cousa. Apartou se
elle de mim jumto com dio quamdo viemos d adem, e veyo ter a chauU.
E primeiro esteve nos baixos de cambaya em sequo, omde a nao abryo
e fez agoa asaz: chegamdo eu a chaul, acheyo hy; ally me pedio licemça
pêra se ir, dizemdo me que tinha molher moça e que era de pouco ca-
sado, e que tinha muito que fazer em seu casamemto; eu lhe Respomdi
que lhe lembrase que disera a vosa alteza, que vos serueria quá três an-
nos, e que olhase o que fazia, que pareceria a vos alteza que nam viera
quá senam pêra lhe pagarem bem seu desembargue e seus vinhos ; toda-
via afirmou sua ida ; emtam lhe dey licemça. E porque tinha necesidade
de leixar ally algQas nãos, ally lhe dey despacho, e dey a sua nao a fer-
nam gomez de lemos, aimda que nam este em vosos liuros, porque tem
hua perna aleixada de hua ferida que ouue em malaca, e ha muito que
quá amda. E o navio que elle trazia, dey o amtam nogueira, que ha mui-
to tempo que quá amda, e jouve cativo por voso serviço, o qual navio foy
de caldeira e d outros casados de goa, que lhe tomey pelo erro que fize-
rem.
Partido eu de. chaul pêra damda, gomçalo pereira nam quis emtre-
gar a nao, dizemdo que queria estar na sua nao asy atá ver se vinha ou-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 141
tro governador, agravamdo se de mim, dizemdo que tinha parte n arma-
çam de dioguo memdez, que como levava fernam perez a sua fazemda,
pedi me hua das nãos, e nam lha dey , porque nam era Rezam que ha ty-
rase a quem as trouxe de mallaca: chegamdo a goa, pregumtouUie Fram-
cisco corvinel porque se hya. Respomdêlhe, porque os gastos da Imdia
sam tain gramdes que nam ha ninguém que os sofra, e mais o capitam
moor tem me hua espinha : desta maneira se vay de quá com muitos cru-
zados e muito dinheiro, e aimda agravado de mym : sprita em cananor a
XXX dias de novembro de 1513.
(Por leltra de Albuquerque) feylura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerquc.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso dalboquerque sobre gonçalo
pereira, de que faz queyxume a vosa alteza: — pêra ver*.
CARTA XXIX
1613— Novembro 30
Senhor. — Per hua carta de vos alteza que no maço damrrique nu-
nez vynha, vy da maneira que vos alteza era emformado dos quadrylhei-
ros e tanadares e escrivães das presas, e como nam eram cometidos a
pesoas dinas do dito carego*, nem de lall fieldade e recado quall devia
ser por voso serviço, e bem asy pêra ^ o que toca ás partes; e que as pe-
soas dos ditos carregos devem fazer seu oflcio com toda fieldade, em tall
maneira que oulhamdo se voso serviço, as partes lenham * descamso, e ou-
tras mais decr^rações que na dita carta vynham *: digo, senhor, que as
quadrylharias de quaa eu as dey até gora algúas pesoas ^ criados vosos, e
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 13, D. 109.
2 do dito carego — dos ditos caregos» As variantes que vamos notando, resultam da
confrontação com outra via doesta carta, que se guarda no maço 13 do Corpo chranol, P.
1.*, M. 104.
' pêra — por
* tenham— recííam
* vynham — vem
^ até gora alguas pesoas — ás pesoas até gora a
142 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
outros que vos alteza nam pode escusar de lios tomar, asy poUo muito
tempo * que ha que vos quaa servem, como por serem filhos de pesoas
muyto homrradas, os quaes muytas vezes peramte meus olhos por seus
asynados serviços vos tem merecido muita mercee; e estes taes nanos
tem comtynuadamente, mas ora a huns, ora a outros, porque se ho' asy
nam fizese, serya ho mayor escamdolo do mundo, que a estes taes nam
poso dar as escrevaninhas de vosas feytoryas, porque as daa vos alteza,
nem feitorias, nem capitanias, almoxeri fados, provedores dos defumtos,
pubricos escrivães de todos estes carregos, capitanias de fortelezas, de
nãos e navios, esprevaninhas de naoos e navios, álcaidarias mores, com-
tadoiias, proveadorias de vosa fazemda, juizes da balamça, ^ e todo outro
carrego que debaixo da governamça da imdia está; em tall maneira que
desas * migalhas que lá escorregavam de vosos asynados, provia quaa al-
gQas pesoas que tem merecimemto amte vos alteza, acutilados e ferydos
muitas vezes por vos alteza^ diamte dos meus olhos, e veja os vos alteza,
os quaes nomearey aquy depois que este carrego me foy cometido. E eu ^
creo e comfeso a vos alteza, que asy naqueles que de lá vem, como na-
queles de que eu quaa comfio os ditos carregos, ahy ha alguns que ho fa-
zem bem mall e sempre amdo com eles ás punhadas e lhe tiro os ofícios,
e lhe faço tornar todo mall e dano que hasy fazem ; e isto toca somente ^
ao menear da fazemda. Recebimento e emtrega a voso feitor, porque da re-
partyçam de que se as partes aqeyxam, niso nam tenho eu culpa, mas os
vosos Feitores, que vemdem as presas e as despemdem em vossas feito-
rias, e carregam em vosas naoos as especiarias e mercadarias delas am-
tes de nos darem nosas parles, e quamdo vymos nam achámos parte ^ nem
presa; e estas ^ sam as sospeições que se deste *^ feito pode ter, vos alteza as
prezas gastadas, e nós nam termos ávidas nosas partes, porque nam dou
eu ** armada e jemte lugar pêra iso, domde nos vos alteza deve sete ou oyto
1 muito tempo — tempo muito *
2 ho — ho eu
3 da balamça — de balamças
* desas — destas
^ vos alteza — voso serviço
« E eu— £tt
' toca somente — somente toca
* parte — partes
* e estas — estas
'® se áesie-^ deste
** dou eu — dou
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 143
miil curzâdos do alacar e mercadaríâs da nao mery ; das ^ Daos de pimenta
e jemjivre e ferro que tomamos sobre balecala, Irazydas aly as espicia-
rias em paraos de calecut ; as nãos carregadas d arroz que foram ás fei-
torias de cochim e cananor; outras nãos das ilhas com panos e cayro; as
naaos de goa e artelharia e a nao de meqa, de nada disto temos parle ^,
tudo foy entregue aos vosos feitores; os quadrillieyros e esprivães que
disto tinham cargo, nam duuido nada de se aproueitarem do que pude-
ram, porque a jemte da imdia tem hum poucochynho a comciemcia gros-
seta, e parece lhe que vam a Jerusalém em Romaria quamdo furtam : os
quadrylheiros deste tempo foram jorje da silveira, aluaro vaz, criado de
vos alteza, e antonio chaynho, criado de vos alteza, jorje botelho, criado de
vos alteza, diogo fariseu, criado do duque de bragança, e diogo paez, criado
de vos alteza, e antonio d abreu, que foy descobrir ho cravo, Ruy da costa,
criado de vosalteza, bras vieyra, pajé meu, a que vos alteza já tinha to-
mado por seu criado, bastiam de miranda e tristam degua^ e nuno vaz,
criado do duque de coimbrã, e gomçalo afomso mealheiro, amo da filha
de dom joão camareiro moor de vosalteza, emcarregado per carta vosa,
bernaldo velho, criado de vosalteza, e gaspar machado, criado de vosal-
teza, nuno martins, cunhado de diogo fernandez, criado de vosalteza, ja-
mes teixeira, criado do duque de coimbrã: estes deles eram esprivães e
deles eram * quadrylheiros, ora huns, ora outros, asy que as sospeiçoes
que hy ha, que vosalteza tem a fazemda das partes, que nam nola mam-
daes pagar, porque nam ha d estar a vosarmada aguardamdo repartiçam
de hua nao, porque gastaria ho tempo e os mamtimemtos, e nam faria
proueito nehum; e a ordem que daes na vosa carta na^ maneira em que
se am de Repartir e emtregar ao voso feitor, iso ^ fiz sempre : as presas
que fizemos emtregaranas^ a francisco corvinell, feylor de goa, delas em-
tregaram ao feitor de cananor e delas ao feitor de cochim ; temos de tudo
isto muy poucas partes; poderia ser que neste ^ Recebimento e emtrega
* das — e das
* parte — partes
3 brás vieyra, pajé meu, a que vos alteza já tinha tomado por seu criado, bastiam
de miranda e tristam degua — bastiam de miranda, tristam deguaoy brás vieyra^ pajé meu
que ws alteza já tinha tomada por seu criado.
* eram — falta esta palavra.
^ na — da
* iso — asy ho \
^ entregaran as — falta.
* neste — nese
{ 44 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sempre^ lhe ficaria algua cousa pegado nas maãos; e delles tenho eu em
comta domens de muy bõoas comciemcias e muy sãas*; mas ser feito
boom Recado, nem mao recado nas mesmas presas, essa comta tome a
vos alteza aos vosos feitoi^s^ porque imda até gora gastam as vosas nãos
as colónias da nao mery em suas velas, e nós nam temos nehua parte:
eses capitães que lá foram em tempo de garcia de sousa e jorje da sil-
veira, eu lhe mamdey dar vimte cruzados a cada hum asy ás nam vistas;
e as partes poucos ouueram sua paga, porque está tudo em poder de vo-
sos oficiaes. E se hy ha algua sospeiçam diamte de vos alteza, mamday
ás vosas justiças que apresentem ao pee de hua polé estes quadrylheiros
e eles vos dirám a verdade.
E posto que alguas pesoas de que vos alteza comfiava, tenham er-
rado e feito ho que nam devam em vosa fazemda lá e quaa, nam pôde ser
que amtre tamtos se nam ache hum justo, pêra perdoardes e terdes de
quem comOar, e se ho nam achardes amtre aqueles que diamte de vos al-
teza tem fama de vertuosos e homens de comfiamça, buscayo amtre os
maaos e pela vem t ura ho achares.
Hos quadrylheiros de malaca e feitor de vosas presas que hy fiz,
foram estes: primeiramemte, feitor das presas joham de moraes, criado
da senhora duquesa vosa irmãa, emcarregado per carta sua; quadrylhei-
ros, lopo dazevedo, framcisco serrão, tristam deguaa, amtonio chaynho,
criado de vos alteza, jorje botelho, gonçalo vieyra, criado do comdesta-
bre, joham viegas, porque esteve cativo, afomso gomez, meu criado, que
veyo CO viso Rey e tinha quaa servido tam bem que aqeryo omrra e bõa
nomeada; frey Joham cono quatro partes pêra mos malsynar, ho quall
1 sempre — se
^ bõoas comciemcias e muy saas — bõa comciencia e muy sãos
^ Depois (l'esta palavra falta mna passagem que apparece mais adiante; transcreve-
mos tudo, notando em itálico as variantes de palavras: «feitores e s§ hy ha algua sos-
peiçam dyamte de vos alteza mamday haas vosas justiças que apresentem ao pee de hQa
polé estes quadrylheiros e eles vos dirão a verdade. E posto que alguas pesoas de que
vosa (alteza) comfíava, tenham errado e feito ho que nam devem em vosa fazemda lá e
quaa, nam pode ser que amtre tantos se não ache hum justo pêra perdoardes e terdes de
quem comfiar, e se o nam achardes amtre aqueles que diamte de vos alteza tem fama de
vertuosos e omeens de comfiamça, buscayo amtre os maaos e pola vemtura o achares;
porque imda até gora gastam as vosas naaos as cotonias da nao mery em suas velas, e
nós nam temos nehua parte: eses capitães que lá foram no tempo de garcia de sousa e
jorje da sylueira eu lhe mamdey dar vinte cruzados a cada hum asy ás nam vistas, e as
partes poucos ouueram suas partes, porque está tudo em poder de vosos oficiaes.»
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 141
•
Ih asacou cimqo mill falsos testemanhos, e jugou as punhadas com todos
eles\
Outros quadrylheíros ouue hy, que foram higualadores da escala
franca amtre as parles 'Joham piteira, irmão de diogo fernamdez que quaa
veyo por mestre do cirne comigo, e pedraluarez froez, criado de vosal-^
teza, e Louremço da silva, hum cavaleiro castelhano que quaa amda dQ
meu tempo.
A maneira que com estes sobreditos tive, foy darlhe juramemto dos
samtos avamjelhos. E porque niso nam podia emtemder meudamemte,
fiz jorje da silveira quadrylheiro moor quaa das presas da imdia, que em^
temdesse em minha obrigaçam e em seus erros, o quall eu avia por hor
mem saam ; e a lopo d azevedo 6z também em malaca quadrylheyro moor,
que também emtemdesse e oulhasse por minha obrigaçam : ho que pre-
sumo he que em malaca foy feito algum maao recado, asy pelo feylor
como pelos quadrylheiros, e soube o quaa na imdia, primcipalmemte ho
amtonio chaynho, que morreo e lhe acharam fora de seu teslamemlo mill
e tamtos miticaes douro; e asy me diseram que ho afomso gomez, meu
criado, e joham viegas algum maao Recado fizeram no jumquo que lhe
emtreguey em guarda; e tamto que ho soube, mamdey lá tome pires, bo-
ticairo do primcipe, por me parecer homem solicito, que ele e Ruy d aravjo
e o capitam tirasem imquiriçam sobre todo este feito, porque com meu
trabalho desordenado nam pude emtemder em nada, senam trabalhar por
segurar maiaca, damdo pressa ás obras da forteleza; ho mais, eles tem
seus livros e suas comtas, tome lha vos alteza. E pois gaspar pereira veyo
com ho oGcio de provedor e comtador, devera logo d emtemder nas cou^
sas daquy desta costa, mas eu nam pude acabar com ele que fose comigo,
mostramdo me bua fumda, dizemdo me que era quebrado e muito doemte.
Os quadrilheiros que estano foram no estreito e em adem, foram
estes: Francisco corrêa, filho damrique corrèa, persivall vaz, cristovam
figueira, Ruy paez, aluoro pereira, Ruy da costa, valemtim de samta ma-
ria, Louremço tavares, criado da rraynha nosa senhora, p pêro dalbor
querque, quadrylheiro moor pêra oulhar meudamenle ho que faziam ; co-
meçaran o de fazer tam mall, que jurey de nunca mais fazer quadrilhei-
ros, e tireylhe os oficies a todos, e daly avamte todalas presas emtreguey
^ eles — falta.
* partes— parífí, e foy
i9
I4« CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
a manoel da costa, voso feitor das presasS e seu esprivam Ruy medeyros';
e parece me ho feitor boom homem e sam e Ruy medeiros seu esprivam,
e por iso lhe dey ao feitor ho ofício de pagador dos soldos de vosa ar-
mada, e esprivam deste ofício gill symõez, moço da camará de vos alteza,
que veyo por esprivam de samtamtonio ho piqueno; ao feitor e seu es-
privam, sem mais nada que o que tem, dá ' esa roupa que se toma, oa
mercadarias que nam sam espiciarias, ho voso feitor per meu mamdado
em pagamento de seu soldo ás partes, e he esprivam desta despesa ho gill
symõez, porque tem ho Uvro de toda a jemte, e esprivam da receita Ruy
medeiros e de outras despesas e emtregas a vosas feitorias per meu mam-
dado.
Esta he a maneira que se até gora teve, daquy em diamte se fará
ho que vos alteza ordena, que sejam quadrylheiros o feitor da forteleza
omde as presas forem ter, e diogo fernamdez e gaspar pereira; e quamdo
nam forem todos três comigo, será o feitor da forteleza e o feitor das pre-
sas e diogo fernamdez; mas eu toco poucas vezes vosas feitorias e mam-
dolhe lá emtregar as presas, quamdo se podem a elas trazer; creo que
nam poderá ser peramte mim, senam se fosse feito no mar ou em ^ lugar
omde per voso mamdado acertasemos dimvemar: gaspar pereira he fei-
tor de cochim, nam sey se poderá ser em todolos outros lugares comigo
por bem de seu carrego, porque lhe vy hum pejo damdar d armada, nam
temdo ele imda carrego da feitoria ; e porque ás vezes ha hy escamdolo
de ho eu dar a buas pesoas e nam a outras, teria ^ em mercee a vos alteza
prouelo de lá, porque quamdo forem postos por vos alteza, nam terey eu
tamta culpa no mall qeles fízerem; porque, se por sospeiçOes os quadry-
lheiros am de ser comdenados, ás vezes lhe vejo eu trazer peças, que lhe
digo eu no Rosto que as tomaria polo custo, mas nam com seu emcar-
rego ; e prouemdo vós, senhor, estas cousas a pesoas de comfiamça, pela.
vemtura averám ^ mais medo e vergonha, e porém nam se lhe tolhe ^ quaa
ho castigo a queno mall faz, imda que nam seja com aqele Rigor que
eles merecem.
^ das presas — falta.
* 6 seu esprivam Ruy medeyros — e Ruy medeyros seu esprivam
» dá— falta.
^ ou em — ou lá em
* teria — terey
* averám — averá
^selhe tolhe— 5^/o{fce
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 147
AlgUDs oficiaes doutros oficios mamda quaa vos alteza, asy como'
provedor dos defumtos e esprivam de seu oficio, e como quá foram, lam-
çaram se a levar bõoa vida e nam curam senam de levar bõoa vida, e nam
lhe lembra os carregos' que lhe vos alteza daa; e o lamprêa se leixou ficar
em cochim, e o prouedor em goa; portamto, senhor, quem vos lá pedir
oficio, avisayo que ho sirva.
E asy mapomta vos alteza sobre os tauadares: digo, senhor, que da
primeira vez e segumda que tomey goa, mamdey pôr homem ' nesas tana-
danas, e comecey primeiro d apalpar a terra firme com capitães mouros
e jemtios com piães da terra e co soldo pago per eses lugares da terra,
que eles mesmos arrecadavam, por nam meter a vosa jemte na terra firme,
omde os achase bua menhãa degolados ; o portam to quys primeiro tomar
a salva com mouros e jemtios, os quaes nam podiam fazer mais mall que
fogirem e hiremse e levarem alguns dereitos da terra que arrecadassem;
6 este he o soldo que lá fizeram emtemder a vos alteza que eu dava^ aos
mouros, sem vos dizerem ho respeito por que ho fazia, e sem vos darem
comta que era de dinheiro que estava no mato, porque da vosa fazenda
propia nam se faz nehua despesa senam a ordenada per voso rejimemto,
e as extreordynarias, que ás vezes comvem fazer se por voso serviço, se
fazem das escumas da imdia, que sam muy gramdes ^, domde se fazem to*
dolos gastos de vos armada e se paga algua soma de soldos e mamtimem-
tos e casamemtos, domde se dam dadivas e outras muitas meudezas que
por voso serviço comvem fazer : depois que dey esta temta á terra firme,
e ^ a jemte veyo á vosa obídiemcia tomar vosos seguros, mamdey emtam
eses ^ homeens jeraes hum a cada tanadaria com cimquemta piães, e reco*
Iheram eses dereytos da terra, os quaes se emtregavam ao voso feitor, e
se despemdiam nesas obras da forteleza, quamdo nos começávamos de
cercar: neste tempo arremdou timoja as terras e tomou a guarda delas
sobre sy ; mandey emtam vir eses homeens que lá tinha e seus esprívães,
e deram comta a francisco corvinell do que tinham recebido e do que
1 asy como — como
^ nam coram senam de levar bõoa vida, e nam lhe lembra os carregos— nam curam
dos carregos
^ homeia — homens
^ dava — dava quaa
5 muy gramdes — gramdes
• e — falta.
^ eses— ífeíéf5 , -...,.
I9«
448 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
entregaram: timoja como homem que nam tinha mais forças que pêra ar-
mar quatro atalayas d onor e ir furtar, ganharam lhe os mouros a terra,
e a sua jemte fogio pêra onor.
Veyo a segumda tomada de goa, e eu mamdey logo ás tanadarias
deses homeens valadis que por hy achey, a mayor parte deles degrada-
dos, dous a cada tanadaria com cem piães da terra a cada hum, que cor-
resem ho alcamce a eses mouros que fogiram da forteleza e cidade ^ de
goa, e nam desem vida a nehua pesoa: íizerano eles muy bem; mata-
ram e afogaram nese Rio mouros e mouras sem comto, e alguas alvas de
boom parecer me trouxeram, que oje estam casadas em goa: estes da
remda das terras pagavam estes piães que traziam, e todo outro dinheiro
mais l^ue arrecadavam ^, vinha à mão de voso feitor, domde se faziam meu-
damente as despezas ha jemte que trabalhava na forteleza, porque da
rroupa baixa da nao mery e dos dereytos das terras de goa e outras des-
pesas, todas faziamos daqay, porque emtam estavam á obediemcia vosa,
e se fez a forteleza de goa ^ e outras despesas de noso mamtimemto e paga
dalguns casamemtos; como vy a terra começar de tomar asemto, prouia
logo doíidaees vosos criados: na tanadaria damtrus pus diogo camacho
e diogo gisado por seu esprivam ; e tanadar * de caste * pus pere aluares,
pajé que foy de dom lopo, e gaspar machado seu esprivam, criado de
vos alteza, e mamdey viir joham salgado e pêro salgado presos; e em ou-
tras em que hy avia menos asesego, mamdey outros homeens d outra
sorte; diogo camacho mamdey o logo viir preso, porque soube pelos es-
privães jemtios que cóm ele amdavam, que nam vinha todo ho dinheiro
que ele Recebia á vosa feitoria, e que tomava muitos espravos e espra-
vas, que ele vemdia secretamemte ; e asy mamdey viir preso diogo gisado,
criado de vos alteza, seu esprivam^; outro tamto fiz a pere alvares e a
seu esprivam, e a todos tomey espravos e espravas, e asy a outras pescas
a que as eles vemdiam: este caminho levaram os primeiros que mamdey
^ e cidade — falta.
* arrecadavam— arrtfCoAiram
' terras de goa e outras despesas, todas faziamos daquy, porque emtam estavam á
obediemcia vosa, e se fez a forteleza de goa — tendas de goa que emkm e$ki9am á vosa
obediemcia, se fêz a forteleza de goa,
^ e tanadar — na tanadaria
* caste — çaste
^ seu esprivam— por seu esprivam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 49
correr a terra S que foy feraam vaaz do pimdo, joham galego, degradado,
joham caldeira, degradado, jane memdez, meu criado, e gomçalo gill,
criado do comde de fáram, brás \ieyra, criado de vos alteza, que foy meu
pajé e estava' em cimtacorâ com trezemtos piães, e diogo de salas que
foy criado do mordomo que foy ^ da raynha noss^ senhora, todos vieram
presos, e tomados eses espravos e espravas que tinham, e tirado os oficios
e todo ho mais que se lhe pode prouar : diogo gisado e diogo camacho ^,
quamdo por eles mamdey á tanadaria damtrus, pedi me esta tanadaria
giam nunez, vígairo que foy de cananor, e fazia o bem, e sempre acudia
com dinheiro; e trazemdo dous miil pardaos comsigo, atraveson em cima
de bum symdeiro soo de bua terra pêra a outra; saltaram com ele cimqo
ou seis ladrOes e roubarano e matarano ^, e foy deixar cem piães que tra-
zia em hGa aldêa damtrus omde ele pousava.
Neste tempo veyo mel Rao, e eu lhe arremdey as terras, como já lá
tenho esprito a vos alteza, e lhas emtreguey e me party de goa, pomdo
ho Rosto em adem e no estreito, e a noso senhor aprouue de me levar a
outro cabo, como vos alteza já lá tem sabido: deixey Rodrigo Rabelo por
C2^itam per vosa carta, que lhe mamdaves dar batecala ou quallquer
forteleza que se fízese; como volvy as costas, pôs ele tanadares nèsa ilha
de goa, de divary e choram e outra ilha piqnena: em goa pôs Rodrigo
aluares, casado, porque lhe parecia bem sua molher, e em divare e cho- '
ram pôs seus criados, e tirou os criados de vos alteza que eu hy leixey,
e asy se meteo a fazer cavalgadas na terra firme e leixou de fazer fortQ
ho paso de benastary com húa torre como lhe por mim fòy mamdado; e
depois dele falecido, fogio pêra lá anitonio Rabellò, seu criado, que ele
teve por tanadar, e se foy sem dar comta; com peita que deu a diogo
memdez que emtam era capitam, e peita que deu á Ruy galvam, alcaide
moor de cananor, que ho tinha preso por feito crime, peitou a lòuremço
moreno que lhe deu o despacho sem meu mandado, paga de seu soldo e
embarcaçam. Rodrigo Rabello e diogo memdez e pêro coresma e femam
corrèa e o cemiche e o frade pregador que lá foy, como me viram par-
tido, começaram logo de semear que eu que levara muito dinheiro das
* terra — terra firme
^ e estava — que estava
' salas que foy criado do mordomo que foy da — salas criado que fay do mordomo da
^ diogo gisado e diogo camacho — dto^ mrnatko e diogo gisaio
^ e roubarano e matarano— émoAiriíh o é r&tímroMo
156 CARTAS DE M^FONSO DE ÂLINJQUERQUE
terras de goa, pêra darem que esprever aos puetas da Imdia^ que sem-
pre esprevem suas cartas de poesia de cousas iimgidas^ e asy Rodrigo
Rabelo como diogo memdez bem s aproueitaram do que poderam amtes
que eu chegasse.
Falecido RodrigQ Rabelo, tomaram a poer afomso pestana, que eu
d amtes tinha posto por tanadar, quamdo souberam minha chegada a co«
chim; este achey alevamtado com duas mill tamgas, e porque nam dava
outi*a Rezam de sy senam que fazia cesam de seus beens, mamdey ao
ouuidor que ho posese ao pee de bua polé; como saly vyo, emtregou logo
as duas mill tamgas ao voso feitor : outro tamto fiz a nuno martmz^ cu-
nhado de dic^o fernamdez: tomou setecemtos pardaosa bua nao dur-
muz, nan os queria tornar e fazia cesam de seus beens, e o ouuidor apre-
semtouo ao pee de hua polé e logo emtregou os selecemtos pardaos ao
voso feitor; e todas estas emborylbadas se fizeram emquamto eu fuy a
malaca.
Asy, senhor, que nas cousas de voso serviço o de vosa fazemda, e
asy em outras cousas que me de lá mamdaes que faça, nam mora em
mim nehua cousa tam certa como a prestes execuçam^ de quallquer ne-
gocio destes ; e se quiserdes que meta nestas cousas e outras mais a mão
na chave do rrigor, poderá ser que me nam aguardará nimguem; mas
abasta ememdarem se estas cousas e nam lamçar a perder os homeens
com Vos alteza, e trazei os comtinuadaraemte nos trabalhos e furtunas e
perygos a que nos ho voso rejimemto obriga: de cananor a xxx dias de
novembro de 1513^
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque^
(Sobretcripto) A EH Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeoa) dafonço dalboquerqde Resposta do que
vosa allteza lhe espreveo ácerqua dos quadrilheiros e tenadares' — pêra
ver*.
^ a prestes exec<i{ain-*^a «avoíiféwi presd^»
2 Torre do Tombo— G. Cbros. P. i.% M. l^.B. 110.
CARTAS DE AFFONSG DE ALBUQUERQUE 1 51
CARTA XXX
1613— Novembro 30
Senhor. — Per outra carta de vos alteza, que no dito maço vinha,
me diz vos alteza que el Rey de cochim vos espreveo, pedimdovos por
mercê, que pois ele continuava em fazer guerra a el Rey de calecut,
que me mamdase vosaheza que lhe dese lodo fauor e ajuda que lhe com-
prisse ; e mais diz na dita carta a maneira de que lha devo de dar, nam
poemdo jemte em terra: dygo, senhor, que el Rey de cochim he ho mayor
amigo que eu nestas partes tenho, e que em cousas de voso serviço e seu
estado eu ho tenho aj.udado e posto na sela, como vos alteza mandou, e
estaa Rey pacifico asemtado em sua cadeira, apesar de calecut e do ou-
tro Rey a que ho reyno pertemcia de dereito, segumdo sua jemtilidade:
a guerra que el Rey de cochim faz a calecut, he ajudar a hum gram se-
nhor que está na serra sobre calecut e comfína com ele, e aly vay ao seu
para cad anro á sua husamça ; e se ele quisera pôr ho fogo a crangalor e
á terra de Repelym, muitos anos ha que lha tivera com nosajuda gua-
nhada: isto que bagora mamda reqerer a vos alteza, nam sam senam ciú-
mes da paz de calecut, que ele via ao çamorym em sua vida Requerer
muy to Rijo : ele ouue buas cartas mynhas que hiam pêra o çamorym, em
Reposta doutras, que me esprevera palavras desapegadas: hum pouco
falou ele comigo e amostrou me as ditas cartas peramte gaspar pereira e
louremço moreno e pèramte diogo pereira; Respomdylhe eu: esas cartas
minhas sam ; e mais lhe dise : nam vos parece a vós rezam, que per bem
de meu carrego, em nome dei Rey noso senhor, que Respomda aos ami-
gos e imigos, quamdo me mandam cometer paz? nam vos vejo eu fazer
muy bem vosos feitos com vosos imigos e amigos, e terdes moodos e ma-
neiras com elleSj pêra que a seguramça de voso reyno e terra estèm se-
guras, e achegúl os em amizade comvosco? pois como vos parece a vós que,
aimda que ho çamorym seja noso imigo, nam aja eu de ver o que ele
quer, Respomder lhe e dar lhe Rezam de mim? e jumto com isto fazer lhe
a guerra e queymarlhas nãos, porque ha paz na mãao dei Rey noso se-
1 52 CARTAI DE^ AFFONSO DE ALBUQUERQUE
*
nhor está: ele Qcou comforlado e comtcmle, e parece lhe que por Rezam de
meu oficio naiii podia deyxar de dar rezam de mim aos ímigos e amigos.
Agora, senhor, ho çamorym he morto, ho mais maao homem e mais
chêo demganos que as molheres nuoca pariram, e seu irmão ho nambia-
dery sempre foy desejoso de vos servir; comete a paz e sojeiçam a vos al-
teza, forteleza e tudo o que quiserdes; recolheo pêra sy ho alguazill ve-
lho de cananor, voso verdadeiro e leall servidor, ho quall foy na peleja
com Rodrigo Rabelo, e fez gramd estrago nos mouros ele e seus parem-
tes, que hy vieram a meu chamado, desafauorecido dei Rey de cananor
e perseguido do alguazill de cananor que soya a ser desejador de ho ma-
tar. A meu rogo ho rey que agora he do calecut Uie deu ho alguazilado
de calecut, por estar a terra mais asesegada em voso serviço.
Sobre os apomtamemtos da forleleza eu dehey, quamdo me party
pêra adem e pi r;i o mar Roxo, framcisco nogueira e gomçalo memdez,
feitor que foy de cananor,^ que fosem falar co çamorym e co primcipe seu
irmão, e nesle meyo tempo morreo ho çamorym; estes ambos de dous
aviam de fazer a fort')leza no séu çarame, porque em lugar tam gramde
nam se podia fazer com força de jemte nosa, que nam fosse gramd escam-
dolo ; sey que foram lá duas vezes e vieram : quamdo embora chegar a
cananor e falar com francisco nogueira e gomçalo memdez, saberey como
este negocio pasou; dou a vos alteza esta piquena comta, porque vou de
caminho pêra lá respomdemdo ás cartas de vos alteza: a vós, senhor, vos
compre muyto averdes calecut á mão com paz e forteleza, pois que até
quy com guerra lhe temdes feito muy pouco nojo, porque guanhaes gramde
credito nestas partes e gramde fama lá nesas ; temdes escapola verdadeira
pêra carga de vosas nãos em cochim e calecut, porque aquy jaz toda a
carga da pimemta e do jemgivre, e alargay cananor de vós, que nam vos
he proueitosa pêra carga, nem pêra nehua cousa; tirai vos das pemdem-
ças de calecut, que ha dezoitanos que está em pee, porque, imda que
ho podeses destruir, nan o devies de fazer por amor da carga do jemji-
vre beledy e doutras muy tas drogoarias e muita pedraria do reyno de
narsymga, e mais semdo duas cousas tam vezinhas e tam jumtas como
he calecut com cochim ; amtes me pareceria rezam meter vos alteza a maão
na paz amtre ele e o Rey que agora he, pois ho çamorym he morto ; e se
tiverdes calecut e cambaya e goa, ainda gue venha lodo ho poder do sol-
dam e todo o poder do turco, nam nos podem empecer, nem levjyr eapi'^
ciarias da imdia, se vosalteea quiser.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 153
E pois ho çamorym he morto, que foy tredor e maao, estoutro que
vos nam tem errado e * vos mele comsigo demtro em seu Reino, e vos dá
forteleza, com que podees segurar as especiarias e mercadarias que vam
de Calecut pêra o cairo, com oytemtomees na forteleza, e queremdoos
trazer no mar em guerra, nam lhe podees tolher a carga, e se forem pou-
cos navios, falosam afastar afora; espiryemcia, senhor, temdes tomado
disto que vos digo; polamor de deus, senhor, crede me o que vos de quá
esprevo: as cousas que se vos meterem na maao sem guerra e com for-
teleza, aceitayas, pagamdo elas os soldos e mamtimemtos á jemte e semdo
cousa proueitosa, ou pêra tf trato, ou pêra ^eguramça da imdia.
Que releva aos vosos oficiaes e capitães das vosas fortelezas escre-
verem vos sobre a guejra de calecut? eles nam amdam no mar, nem es-
tam ás bombardadas com eles, nem tem cargo de lhe tolher a navegaçam
de suas espiciarias e mamtimemtos, nem lhe daa mais quá que vemça ca-
lecut que os purlugueses; e estes taes lembra lhe muy mall que ha de-
zoytanos que vivemos em descrédito com esta guerra de calecut quaa e
lá ,e nam dam outra Rezam senam que el Rey de cochim que ho ha por
mall; tem vos alteza mais obrigaçam a elRey de cochim que ho soster em
seu estado e fazei o Ryco e omrrado, e pagar lhe gramdes dereytos da pi-
memta? mas que aimda suas gemlilidades e seus custumes de seus paras
e de sua guerra ajaes de guardar com outros Rex e senhores, que que-
rem ter paz e amizade comvosco? nam me parece, senhor, que vos com-
vem terdes tamta pemdemça na imdia, mas quem abrir seu porto a voso
trato e mercadarias, nam deixes de ho receber com seguramça de vosas
jemtes e mercadaria, e asy hirês ganhamdo credito e fama na terra, e a
imdia hirá tomamdo asemto, ao menos de cambaya até ceilam, omde as
vosas nãos am de fazer sua carga: eu, senhor, vos certifico que ho feitor
e esprivães de cochim vos nam am descrever isto, nem menos os de ca-
nanor, nem os capitães das fortelezas de cochim e cananor, porque bem
sey eu as emborylhadas que eles lem feitas sobre este comcerto de cale-
cut, com peitas dos mouros de cananor e cochim e dei Rey de cananor e
de cochim, e nam ouso de dizer a vos alteza cam ousados sam os homeens
na imdia a fazerem hua gramde maldade, como lhe dam dadivas, e os
vosos seguros nam amdam eles muyto metidos em ordem, porque ás ve-
zes desimulo eu muytas cousas, por nam danar amte vos alteza tamtos
homeens.
^ Parece-nos que é dê mais esta conjuncçao e,
20
154 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Tomay, senhor, por fumdamemto que el Rey de cochim e el Rey de
cananor nam guerem fazer a guerra a el Rey de calecut nen o querem
destroir, nem mandar a voso capitam e vos armada pêra que ho destrua,
amtes zcode^n Rijamemte ás suas necesidades e o sostem, por tall que
$e nam venha meter em vosas maâos, porque sabem que he tam gramde
o trato de calecut e tam abastado de mercadarias, que ficam eles dous *
caymaaes muyto piqueninos; e a vos alteza com vem ho comtrairo, que ha
carga de vossas naaos até fjm do juizo seja em cochim e em calecut, e
que estes comservees e guardes como cousa muyto primcipall e necesarea
a vosos tratos e despacho de vosas naaos, porque ha carga sortada de de-
versidade d espiciarias nan as podees aver senam trazydas por estas for-
migas de desvairadas partes gram e gram á sua terra, e aly comprar-
des lhas por preço que se faça lá proveyto. E isto, senhor, digo, emquamto
vos alteza nam mamda homeens por feitores á imdia que saibam dar avia-
memlo ao negocio, porque eu ey vergonha do embaraço e pouco saber
dos feitores que quá temdes na imdia, que asy me deus ajude, que ti-
ramdos da carga, que fazem hy dous escreavês (sic) negros malavares,
nam sam homens pêra saberem comprar dez réis de pam na praça, e por
isto, senhor, nam deves* vos luzir vosos feitos e vosos tratos na imdia,
mas amortalhados e escurycidos e chêos de mill desordeens; tudo Re-
dumda em fazerem seu proueito, e falarem vos lá em nomes de tratos e
d espiciarias, como fazem os buticairos nos nomes das drogoarias, e como
quá sam, esqecelhe logo tudo ho que vos prometeram e diseram que fa-
ryam, e lodo seu feito he escreverem vos como aves de governar a imdia.
Digo isto, senhor, por descargo de minha comciemcia; valha quamto po-
der valer; porque se em meu tempo tivesse mercadores que soubesem o
trato e dar aviamemto a vosas mercadarias poios lugares do trato que te-
nho amdados e asemtados, vos alteza louvaria mais meu serviço.
Querees, senhor, ver se vos falo verdade? pregumtay aos feitores de
cochim, se lhe tenho mamdado que mamdasem Roupa de cambaya pêra
çofala? porque ho nam fizeram? se eles sabem mamdar nãos carregadas
d espiciarias e mercadarias a dyo e a çurrete, como nam mamdam eles
a vosa?
Também lhe tenho mamdado que mamdasem Roupa de cambaya a
malaca; porque ho nam fizeram? estes taes como mamdaràm eles nãos
^ Aliás OAI01.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 155
com mercadarias a urmuz e outras a pegu, e outras a bemgala e outras
a zeila, a barbora e zeila, e outras a malaca e çamatara, e outras a tana-
çarym, e outras a sarnao, e outras a cey/am trazer lodalas diversidades
de mercadarias has vosas feilonos pêra carga de vosas naaos, pois que
duas cousas tam piqenas, como acima digo, nam quiseram pôr em obra?
nan o sabem faz^r; íornovos, senhor, outra vez a dizer, que vos esprevo
isto por descargo de minha comcyemcia; e digo que devia vos alteza dei-
xar se amt^s roubar a dons frolemlis, que ver tamanho descrédito em vo-
sos Iratos e feitorias da Imdia e tam mazcabados, metidos em tamta des-
ordem e tam pouco voso proueito, porque estes taes naceram no negocio
e sabeno fazer: esprita em cananor a xxx dias de novembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afomso dalboquerque *.
CARTA XXXI
1513 — Dezembro 1
Senhor. — Vosa alteza me culpa, me culpa, me culpa em algtluas
cousas de quá da Imdia feitas comlra voso rrejimemlo, e creo que será
por má emformaçam que vos de mim darám alguas pesoas, que com em-
veja e dor de meus feitos e meus serviços vos servem agora quá, como
meus compytidores, danamdo as cousas de voso serviço e de todo bem
da imdia, cuidamdo que danefycam a mim; e crede mo, senhor, porque
esta he a mayor praga que agora quaa ha na imdia, porque a vida que
faço, meus trabalhos e minha limpeza, culpa todolos homeens e obrigos
a muyto, e porque ha carga he muy gramde e nam podem com ela, nem
podem sofrer a execuçam de vosos rejimentos e determinaçõees, que nos
traz metidos a todos em tamto trabalho, perigo e fadiga, que nam ha oíi-
ciall, nem capitam, nem homem na imdia, que me nam deseje morto mill
vezes e destroydo ; e aqueles que com seus carregos me podem daneficar
e empecer, por tall que dê maa comta de mim, nam cessam dé noute e
1 Torre do Tombo.— C. Cbron. P. 1/, M. 13, D. 107.
20^
1 56 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
de dia cuidar nesta matéria, e pólo em obra quamdo lhe vem á mão: es-
tes taes que asy pasam sua bõoa vida oceosa, nam leram eles tempo pêra
vos espreverem mill emganos e cartas chêas de poesia, íimjimdo mill cou-
sas e mill emganos e cartas cheas de poesia, fimjimdo mill cousas que nam
sam nem numca foram, por tall que os deixe outro bispo que vier, viver
em sua oceosidade descamsados, e os farte de vosa fazemda, e façam tam-
tos erros que emcubram suas maldades, e que tenham negócios e embu-
rylhadas que vos esprever? porque certo e craro está que aquelas oficiaes
deste oficio que vos estas cousas esprevem, nam amdam em minha com-
panhia, nem me vêm ho Rosto, nem sam companheiros em meus traba-
lhos, perygos e fadigas, nem vestem as armas, nem trazem diamte dos
holhos a seguramça de voso estado na imdia e comservaçam de vos ar-
mada nestas partes e credito, mas querem ganhar autoridade em vos es-
preverem mill emganos e falsydades, e nam dam nada que se perca a
imdia per este caminho, e que vos alteza traga em descomtemtamemto
todolos boons servidores que quá trazes e que vos íielmemle servem, mos-
tramdose chêos de dor das cousas de voso serviço, e amostram esas car-
tas dagardecimemtos de vos alteza, ha quall os acemde em tall maneira
que, quamdo nam tem que dizer, assacano, e cremlho; prenosticam e
profetizam, falam com feiticeiras que lhe diga ho que está por vyr, e
âjumtam toda esa masa, de que fazem ese pastell que lá mamdam a vos al-
teza cadano; e prouuese a noso senhor que este emgano e dano tocase
somemte ás partes a quem qerem faier mall, e nam trouxesem vos al-
teza em tamta duuida das cousas da imdia e tam revolto, que vos nam
deixam tomar verdadeyro asemto e sam nas cousas de voso serviço, nem
vos acabardes de determinar ho caminho que qerês que leve ho negocio
da imdia.
Digo vos senhor, isto, porque se bem oulhardes vosos rrejimemtos
e determinaçõees, cadano vem hum comtrairo a outro, e cadano fazes
hua mudamça e avees novo comselho, e a imdia nam he ho castelo da
mina, pêra cadano bulirdes com ela, porque ha nela muito gramdes rex
e senhores de muitas jemtes de cavalo e de pee, e de muita artelharia, e
que s esforça a vos defemder que nam segures voso estado nela, nem vos
façaes forte na terra, nem lhe ganhees os lugares primcypaees; e estam
comfiados que avees vós de leyxar a imdia, e mais qerem vos trazer nese
mar, atá que hum dia se apague de todo vosas forças e armada e jemte
toda que quaa trazes, com hua muy piqena trovoada ou desastre que
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 157
muitas vezes acomtece; e vos alteza ajudos a seu preposito da maneira
que hatrás dito tenho; porque hua ora pomdes hum emprasto pêra este
feito vir a furo, outrora. lhe pomdes defemsyvos que nam crie matéria; e
tamto pode vos alteza ir por esle caminho, que dares com todo feito no
chão. E isto, senhor, vos faz fazer e^tas cartas dos puelas da imdia, que
lhe nam dá nada, qer se perca a imdia, qer se ganhe, qer seja de mou-
ros, qer de jemtios, qer de cristãos; correm atrás seus propios proueitos
e omzenas, e ajudam se bem de vosa fazemda, quamdo podem; nam ves-
tem as armas por voso serviço, Repremdem os feitos homrrados de qem
vos bem serve, vestidos em camisas mouriscas, determynamdo em oceo-
sidade os feitos da guerra e governamça da imdia, e o que comsygo
mesmo determinam, aquele lhe parece ho mylhor comselho, e aquylo vos
esprevem que façaes; e nam quero eu mayor synall pêra vos alteza ver
quaam desapegado estaes na imdia, que as mudamças de voso comse-
lho ; e este mall nace todo das cartas da imdia, que prouuese a noso se-
nhor que vosalteza defemdese que nimguem vos nam esprevese, senam
os capylães que sam esteos deste corpo, e aimda destes tiraria os das
fortelezas, porque sam mortaes compitidores daqeles que navegam ho ca-
minho de vosos Rejimemtos, e desejam de os ver desbaratados e perdi-
dos, porque tenham que vos esprever, com sembramte de que se eles no
feito foram, nam se acomlecera tall cousa ou tall, e que sua oceosidade
tenha autoridade e merecimemto amte vosalteza.
Estes qe vos asy esprevem o feito da imdia, ho primeiro pomtam
que põem a seu preposito he falar vos em vosa fazemda, mostramdose
muito chêos de dôr dela, doemdose dos vosos gastos e despesas, e per
este caminho começam demtrar; nam lhes dá nimigalha, qer vos espre-
vam verdade, qer nam, porque lhes parece que a este negocio acode
vosalteza mais Rijo que a outro nehum, e com esta desimulação se aju-
dam muy bem de vosa fazemda e a comem e Roubam e tratam com ela,
e sam feitos gramdes Ricos, e vosos tratos daneficados e vosas mercada-
rias abatidas, e os preços delas abatidos e sonegados; e tornaesme a mim
a culpa, mamdamdo me que nam emtemda meudamente nas vosas fei-
torias; e digo estas cousas por descargo de minha comciemcia; e prou-
uese a deus que per cima de todo este emgano seu e má comciemcia fo-
sem eles pesoas de saber e comfiamça pêra menear vosa fazemda, e a
meter em caminho que íizese algum fruyto; mas eu, senhor, vos juro pola
verdade que sam obrigado a vos dizer, que vós nam temdes na imdia ho-
158 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mem perâ que dele devaees comfiar vosa fazemda, nem que saiba que
cousa he ser feitor, nem tralar, nem comprar, nem vemder, nem fazer ne-
hum proveyto, nem fruylo ; lodos dam as velas a fazer seu proueito e aver
ho que podem, bem ávido ou mall ávido: e se vos dos taes esprevo al-
guua ora alguum bem, be porque me cboram tamlas lagrymas, que de
piadade ho faço: oulhay, senhor, as nãos dos mouros de cananor e co-
chim, que foram carregadas de pimemta e espyciaria adem com seguros
desymulados dados pêra vrmuz: mamday ver os portos de cambaya, de
dio até chavU, e de chavll até batecala, e achares lodolos mercadores
chêos de cobre e pimemta e todalas doutras mercadarias e espiciarias,
que vem da mao de vosos oficiaes e capitães e d outras pesoas que ha na
índia, os quaes vos esprevem cartas culpamdo me a mim e minha lym-
peza, fora de suas emborilhadas e companhias. Iam isemto e tam lympo
que nam ousam eles de ter ho rosto dereito em mim.
Diz me vos alteza que se eu isto vejo, porque lhe nam dou ho cas-
tigo que merecem? Digouos, senhor, que numca estou na terra, nem so-
bre vosas feitorias; e mais, senhor, que direy eu comtra Louremço mo-
reno, que tamto credito e autoridade trouxe de vos alteza, tamta com-
fíamça e tamta isemçam em vosa feitoria, fazemda e trato? e emtemder
neste negocio mevdamemte temdesmo vós defeso, e per groso nam poso,
porque me mamdaes que nam emtre na terra; somemte co asesego dos
portos e lugares de fora e com as espiciarias aquerydas e ávidas por mi-
nha negoceaçam e de vos armada carregam eles vosas nãos, ganhamdo
autoridade amte vós á custa alhêa. Digam estes taes quamtas cartas tem
eles espritas a vos alteza de tratos de vosa feitoria, aviso de preço de mer-
cadarias, e de compras e vemdas e tratos, e em outros portos? eu creo,
senhor, que poucas; todo seu feito hê esprever de mim e falar em. mim,
Repremder meus caminhos e meus feitos, que amdam na estrada de voso
Rejimemto, por tall que apegamdo se vos alteza a mim, se ajudem eles
emtamto do voso movell, e os aja por justifycados: e posto que os eu nam
repremda, nem vá com todo Rigor contra eles, sempre em minhas cartas,
domde quer que estou, lhe mamdo avisos de suas culpas como qen as
muy bem sabe.
Digo lambem, senhor, por gaspar pereira, que agora veyo com trimta
ofícios e nam quis servir nehum, os quaees lhe eu dourey, e lhe dey
tamto favor e credito, que se ele outro fora, ele soubera aquerir autori-
dade amte vos alteza e fama de boom ofyciall^ e trabalho doura vosos ofí-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 159
ciaees, se me quiserem ajudar fíelmemte ; mas sam homes que desas cou-
sas sabem pouco, e demborylhadas, sotilezas e revoltas, sabem mais que
todolos outros homeens, pêra ler que vos esprever, e em vosa fazemda
nam saberám dar hum noo a hum negocio proueitoso: e aimda, senhor,
vos digo, que prazerá a noso senhor que viverá vos alteza cemlanos, e
que numca veres outro proueito Resultar destes homeens que se lá mos-
tram muyto gramdes servidores, chêos de saber de negócios e tratos e de
feitorizar bem vosa fazemda, senam cartas de quá de comselhos sobre ho
feito da imdia, e de Revoltas e emburylhadas que eles ordenam, fazem
e desfazem; e tem niso lamto saber ,e tamta agudeza, que se quiserem
danar dous arrayaes, faloam. Estes laes que castigo lhe poso eu dar, que
eu numca estou omdeles estam? e mais mamdaesme que nam em^emda
com eles mevdamemte, e no groso nam poso, que amdo sempre de fora;
e se ele pêra iso vynha, como nam se nam hia ele comigo? porque de
cochim até banastarym por força ho fiz ir; e qeremdo levar comigo, amos-
trou huua fumda que trazia, e alguuas dores suas. E debaixo disto jaz
escomdido os trabalhos de guerra e perygos do mar, de qe se os homens
na imdia sabem muy bem escusar, se eu nam tivese ho leme em teso:
nam crêa vos alteza que os homeens sam quá na imdia como seles lá
pimtam amte vós; mas como se qua vêm, deixam toda sua obrygaçam
por seu próprio proueito; e nam falo neste feito mevdamemle, por nam
danar tamtos homeens hipócritas de voso serviço e vestidos em peles d ove-
lha, que com suas danadas lemçõees e imcrinaçõees avees sempre daver
muy pouco proueito de seus serviços: todo feito destes he danar quem
podem, aproveitar a sy mesmos, e dizer mall e desdanhar as cousas que
os obrigam a trabalho ou a guerra; e porque vem a preposito, ho quero
aquy esprever a vos alteza: goa, quamdo estava cercada, nam dezia nim-
guem bem dela, lodos desejavam de dar com ela no chão e de ha emtre-
gar ós mouros, e nam dava outra rezam senam que goa gastava muytos
mamtymemtos, e que se pagava a vosa jemte por mamtimemto: estes que
isto deziam, nam sabiam eles que ha Jemte oceosa de cochim também
recebiam cada mês seu mamtimemto, e que a jemte da imdia omde qer
que estiver, ha de gastar seu ordenado de mamtimemtos e soldos? agora
que pasou esta trouoada de benastarym, como dizem que he a milhor
cousa do mundo, e que se goa nam fose, que se perderia a imdia, e que
vymdo quallquer trabalho haa imdia, que goa soo he poderosa pêra a sos-
ter e defemder atà fim do juízo?
160 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
António Reall e o feitor, qé da justiça que lhe vós emlregastes? como
semtemcearam e degradaram eles vosos cryados, nam temdo lall poder
em seu mamdo de justiça? como mamdaram eles symam Ramjell em huua
nao de mouros a cananor, ho qual! foy vemdido em calecut com hum ba-
raço no pescoço e levado ao cairo, e diogo fernamdes, criado que foy do
baram, pêra goa, e gomçalo fernamdez pêra ho castelo de cima, e isto
emquaiíito eu fuy a malaca? premderam vosos esprivães, alymparam a
terra dos homens avisados e sesudos, por tall que nam emtemdesem a
masa e companhia do vigairo Diogo pereira, amtonio Reall e o feitor, seus
tratos e morcadarias; e chêos desta bõoa vida e isemçam, fauor e credyto
de sov alteza, tam bõoa semtemça dava ho vigairo no crime como no civell;
e asy punha 3eu synall na semtemça como cada hum deles: pregumtay,
senhor, estes por vosos tratos e mercadarias; pregumtay lhe, senhor, cu-
jas eram as nãos tomou sobre tanor, eslamdo carregamdo pimemta, as
quaes nãos eram de cochym e por iso as alargou; e pregumlaylhe cuja
era a pimemta que aly estavam tomamdo; pregumtay, senhor, amtonio
Reall polo cirne, samtesprito e o rey gramde, que derribou por eu nam
estar na terra; pregumtay lhe pola galé de symam martinz e pola ajuda
gramde, qe sem mar e vemto, correjidas daqela ora, da sua mão se fo-
ram ho fumdo: pregumtay, senhor, amtonio Reall porque nam foy a ma-
laca; damdolhe a capitania de dous navios c muy boom partido, e que
fose dar ordem como se levamtasem e reformasem esas nãos que lá fica-
vam, diseme que era quebrado e que nam era já homem pêra servir.
Pregumtelhe vos alteza quamdo se híia nao das de goa, mamdam-
doa passar a benaslarym, tiraram lhe arrombada de hCla bamda, foy á
bamda e alagou se no Rio, mamdeyo chamar pêra a levamtar e nam quys
vir; mamdeyo chamar pêra ir comigo ho mnr Roxo, como vos alteza mam
dou, e nam quis vir; mamdeylhe sô pena do caso mayor hua e duas ve-
zes, e nam quys vir; semdo homem que hatégora nam tem vestido as
armas por voso serviço, sempre ho emcarregastes em açucares e pimemta
e em cousas de seu proueito, de que sempre se ele soube ajudar, e sabe;
os se^'uros que ele e Louremço moreno davam ás nãos pêra malaca,
quamdo eu lá estava, como me nam esprevyam e davam Rezam de sy
como a seu capitam mor: e sabees, senhor, ho castigo que lhe eu dey por
este feito, e por outros que eu aquy nam digo, deyxeilhe a capitania da
fortaleza, sabemdo certo que el Rey de cochim numca mais emtrou na
fortaleza por aver por desomrra amtonio Reall ser capitam dela, e numca
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 16!
volo quis esprever: tiveram sempre vosas feitoryas em casas de palha, e
os seus cofres e seus vinhos e suas atafaoas em casas de pedra e call fe-
chadas (sic) de chumbo: pregumte vos alteza amtonio Reall poios aparelhos
e emxarcia de duas nãos e esqipaçam de poleames e todolos outros apare-
lhos, porque os meteo em casas de palha e nam omde estava seus fornos
de poya e suas amasarias? saltou ho fogo na casa e despachou tudo: pre-
gumte também vos alteza amtonio Reall, se vós acudistes has vosas fei-
torias e acrecemtamemto da forteleza, de se fazer tudo de pedra e call?
quem lhe mamdou tirar os oficiaes da obra, defemdemdolho eu que nam
emtemdese niso, e os levou a fazer as suas casas com a pedra da igreja e
vosa call, pêra as vemder amtes que se vaa? pregumte lhe também vos al-
teza porque leva aos capitãees espravos e espravas de peitas por lhe cor-
rejer seus navios, e aos mestres e marynheiros pregumte lhe como se tem
aproueitado de vosa fazemda mevdamemte per esa Ribeira e per outras
cousas de voso almazem, com que ele ás vezes socorre has nãos dos mer-
cadores por seu propio proveito, e nam de maneira que venha a bõa ar-
recadaçam a vosa Fazemda? eses taes que tamtos anos ha que logram
esta bõoa vida, e saproueitam de vosa fazemda, e se fazem pagos damte
mão do voso cofre, e se sabem guardar dos imcomveniemtes da guerra e
trabalhos da imdia, e tratar co voso cobre e pimemta e outras mercada-
rias defesas por voso Rejimemto, pedi Ih a comta do feilorizar de vosa fa-
zemda e da negoceaçam dela que fyzeram em seu tempo, que ha carga
da pimemta amchecala e cidra, dous esprivães jemtios, ha fazem: e se
eles tratam nas mercadarias defesas per vos alteza, nam fariam milhor
esta negoceaçam de vosa fazemda, pois que recebem soldo de vós e o tem
per Rejimemto? bem sabem eles que sey eu todas estas cousas, e nanos
castigo, porque tem eles mor autoridade, poder e credito nelas que eu,
amtes cad ano com lagrymas demtro na minha camará me pedem cartas
pêra vos alteza, e porque se acerte milhor ho caminho, pedem mas por
duas vias, e do que esprevo nelas tenho asaz comta que dar a deus e a
vos alteza: ora, senhor, vede bem as cartas que vos eles esprevem sobre
meus feitos e sobre ho negocio da imdia, e asy outras pesoas que agora
nam nomôo, e vede ho que faço e omde estou quamdo vos dam suas car-
tas, e vede vosos Rejimemtos, se sam comformes aos caminhos por omde
amdo, e o que vosas nãos e jemte e cavaleiros empremde por voso ser-
viço e mamdado, porque nam tenho outros compitidores na imdia senam
vosos oficiaees.
21
1 62 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
E segurado ho que agora vejo nesle maço de Cartas que rae deu
amrique nunez, m acusa vosalleza primeiramemle d acrecemlamemlo de
soldos: nam he bem, senhor, quamdo mouverdes de culpar, que vejaes
Yosos livros da feitoria e os meus mamdados que hy acharam asemtados?
eslé he ho Rejisto da verdade, e nam as cartas dos caronistas da imdia;
e acharam no hvro da vosa feitoria hum mamdado meu que diz, que
vemdo eles despacho, ou mamdado, ou arrecadaçam pêra a feitoria, asy-
nada per mim, comtra voso rejimemto, que ha nam cumpram; e pêra
verdes, senhor, como eu guardo a osservamcia do estado da imdia e cre-
dito de minha verdade e minha fama, mamdaylhe pedir os alvaraees asy-
nados per mim que vem á feitoria comtra voso rejimemto; e asy poderá
vos alteza ser mais certeficado da verdade, porque nam sam eu homem
que aja demcher a imdia dalvaraes emganosos e palavras de pouca ver-
dade, porque, senhor, eu sam pessoa pêra que, se me meterem doze rey-
nos na mão, pêra os saber governar com muita prudemcia, descriçam e
saber, bõa comciemcia e bõoa imcrinaçam ; aimda que nenhua destas cou-
sas nam aja em mim, sam gramde leterado nelas e lenho hidade pêra sa-
ber ho bem e o mall.
Os acrecemtamemtos que sacharam, sam estes: vos alteza mamda
quaa homeens de quinhemtos fs e deles de dous curzados; e algflas des-
tas pesoas sam oficiaees pedreiros, ferreiros; se os qero mamdar servir de
seus ofícios, a que eles nam sam obrigados, podes lhe vós tolher de bõoa
comciemcia nam lhe pagardes ho soldo e partido ordenado aos outros que
quaa vem com esa comdiçam, os anos, ou meses, ou dias, que vos servi-
rem de seus ofícios? a mim me parece que nam: e portamto, quamdo ser-
vem os ditos ofícios, lhe mamdo acrecemtar ho soldo a rezam de como
os outros oficiaes quaa tem; se outra cousa achardes em' vosos livros, pa-
gue se á minha custa.
Vos alteza mespreveo que se pela vemtura os homeens se nam po-
desem mamter co mamtimemto que lhe vos alteza tinha ordenado, que lhe
acrecemtase mais alguuma cousa: nam boly com nehua cousa destas, so-
memte esprevy a goa hum esprito a manoel de lacerda, capitam da for-
teleza, em que ho mamdava avisar que nam travase escaramuça cos mou-
ros de benastarym, nem sayse fora da cerqa da vila a repique, e lhe mam-
dey que todo homem que quisesse ter besta e ser besteyro, ou espimgardeiro,
lhe dava dobrado ho mamtimemto, e que estes mamdase sair fora em
corpo com hum capitam, quamdo lhe viese correr jemte, e nehuum ou-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 163
tro homem nam: fizeram se cem besteiros e cem espimgardeiros; deram
tall varejo aos mouros que numca mais ousaram de vir correr a forteleza.
Durou esta desordem e gasto de vosalleza ho imverno que imverney em
cochim quamdo cheguey de malaca, que lá nam pude ir: outro tamto fiz
em malaca, e os jaós s afastaram de virem mais a fazer nehriua samdice
á pouoaçam dos chatins e quelins: digo mais, senhor, nam tem os vosos
oficiaes hum capitulo do meu Rejimemto asemtado em seus livros, asy-
nado por mim, em qu^í diz, os que forem escudeiros averám duus curza-
dos, c os piães averám quynhemtos fs e os degradados nam averam soldo,
e nem huuns nem outros nam averám quymteladas? se pasam voso mam-
dado, mamdaylhe cortar ho pescoso, e se eu asynado despacho comtrairo
a voso rejimemto, mamdayme decepar huua mão; mas na imdia nam ha
hy despachos, nem ha hy pitiçõees, nem alvaraes: qem qer despacho e
pagamemto de seu soldo, vai se á feitoria; da maneira que ho acham asem-
tado, desta maneira he julgado, e desas cousa me lamço fora, porque
sam asemtadas com leiras douro e asynadas per vos alteza: os despachos
que os homens am mester de mim, he pêra pagamemlo de seu soldo e
ida pêra purtugall; nam diz mais ho meu alvará, senam que seja despa-
chado de seu soldo, segumdo ordenado de vos alteza; e eu cuido, senhor,
que esta he hua das cousas por que gaspar pereira amda descomtemte
da imdia, porque nam ha hy pitiçõees, nem despachos, nem negócios,
nem percalços, nem Rejistos, nem nada das cousas pasadas. Duas regras
minhas e o rejimemto da vosa feitoria e o despacho dos homeens, nam ha
hy outra negoceaçam; suas armas e cortar ese mar com voss armada, e
ir sorjir nos portos e lugares omde nos mamdaes: á primeyra Remdialhe
este oficio mill curzados, e agora Remderlha bons xxb cruzados *: a jemte
despacho a em damdolhe rezam de mym omde ma Reqerem, e se he cousa
de vosa fazemda, vam se a esa feitoria com duas regras minhas pêra seu
despacho: todo negocio da imdia agora está nos percalços de voss armada,
despacho de soldos neles e prouedoria dos defumtos; destes dous carre-
gos nam pude eu acolher gaspar pereira demtro na naao pêra husar de
seus ofícios e carregos, nem ho prouedor dos defumtos que quaa veyo,
nem ho lamprea, seu esprivam, porque ás vezes os percalços em taees lu-
gares pagam se com boas frechadas e cutiladas e boas bombardadas; ho
feitor das presas e seu esprivam somemte amdam comigo; estes recebem
^ Vinte e dáco cruzados.
21
164 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vossa fazemda e a despemdem per meu mamdado, e peleja muy bem por
voso serviço: a jemte que quaa amda na imdia, que nam veyo do tempo
deste esame d escudeiro e piam, se lhe guarda iso mesmo a comdiçam de
voso rejimemlo sobre ho soldo, asy como agora esla ordenado per vos ai*
teza lá na casa das imdias, pola decraraçam do capilolo de voso Reji-
memto sobreste paso.
Mais me culpaees nos quadrylheiros e presas, como ho nam fazem
bem: certo, senhor, nese feito alguua culpa tenho, porque hy nam ha
quadrylheyros que nam determine de furlar, e ás vezes acudo a iso; mas
na imdia, emquamlo nela amdar, nam ey de mamdar justiçar nehum ho-
mem por furto que faça, porque outras cousas ha hy de mais serviço de
deus e voso, em que se eles empregam cada dia; dou lhe eses castigos
que me bem parece; e demfadado já de ver quadrylheiros furtar, agora
no mar Roxo os tirey e já nam faço quadrylheiros, mas tomada a presa,
se emlrega ao voso feitor e esprivam tudo, e daly ponho lhe dous homeens
de bem, que recebam a nosa parte; e depois que governo a imdia, lodalas
presas que se fizeram, se emlregaram logo haas vosas feitorias; e quamdo
vinha ho tempo de nosa tornada, achava tudo vemdydo e carregado ao
voso feitor, por omde vosa alteza deve haas partes ha parte da nao de
meqa e a parte da nao mery e a parte das nãos e pimemta e jemjivre que
se tomaram através de batecala, e mais devees a artelharia e naaos de
goa e bua nao que se tomou através do momte dely; e outras presas que
m agora nam lembram, tudo foy a vosa feitoria, e até gora nam temos
ávido partes: nam ouue a jemte partes senam das nãos de malaca; e creo
que nam ha hy cemtomens na imdia cujos estas parles sam; e per aquy
descarrego eu minha comciemcia, e o netefico asy a vos alteza.
E asy me culpa voss alteza em alguuas desordeens que quá fazem
capitães d armada nestas partes: qem a voss alteza estas cousas espreve,
se vos disese a minha execuçam nese feito, nam teria logo de que fazer
cartas; na imdia, desde ho tempo que ha comecey a mamdar até gora,
nam he feito nehum agravo, nem tomadia, nem dano, somemte no tempo
que fuy a malaca ho que fez ho cunhado de domingos fernamdez, guarda
Roupa, e o fez ho caldeira, meu pajé, casado em goa, per estucia de diogo
memdez, porque emtam estava por capitam, porque temdo os mouros em-
trado a ilha, deu lugar aos homeens que fossem amdar de fora, temdo ele
assaz necessidade deles, e posto que tivese huum asynado meu que po-
dese ir d armada, com tall comdiçam que trouxese a presa ao porto de goa
CARTAS DE AFFONSO DE ALBÍIQUERQDE 1 65
pera aprovar ho capytam de goa, se era bem tomada ou mall tomada;
e crea vos alteza que diogo memdez lhe deu licemça a ese fim que agora
veyo, porque tinha asynado meu, e a ele daria eu a culpa de em tal
tempo com aqele comprir meu asynado : ho cunhado de domingos fernamdez,
posto ao pee do tormemto, tornou os setecemtos pardaos que tomou ha
nao durmuz; ho caldeira foy preso, e eu ho mamdava emforcar, nam po-
ias presas que fez, mas polo seguro que mamdou pedir sobre a barra de
goa, amtes que emtrase; porque diogo memdez, pera fazer mais feyo ho
caso da minha licemça, achega o a sele amorar e alevamtar; porque, como
já tenho dito, Diogo memdez tein saber pera saproveytar destas manhas
e escomder seus erros: ho caldeira fojio co cacereiro pera a igreja por
culpa damtonio Reall, que era alcaide mor, e a ele divera eu de tomar
esta comia: per amtonio Raposo mamdey tirar imquiryçam sobrese feito
a chaull, e ho mamdey lá com ele preso; pedio carta de seguro, e mam-
dey lha dar ; crêo que ho auto de seu feito, que ho leva ho ouuidor a
vos alteza: ache o culpado nam vir aprovar as presas a goa, como dezia
no meu alvará, e vemdeo ho voso quinham ele e o espiivam que pus por
vossalteza, sem licemça de voso feitor: todavia eu nam semty nehua cousa
deslas tamto, como vir ele pedir seguro: e porém diogo memdez estauao
ameçamdo na pousada, que dyvera de desimular isto e premdelo e mam-
dalo emforcar: nam ha hy outra cousa feita na Imdia per purtugueses,
depois que ha quá governo^ porque todalas nãos durmuz e de cambaya
navegam com certidões de seu Rey, como lá tenho esprito a vossalteza;
e as de cananor e cochim navegam cos seguros, porque os tem os Rex
da terra, pera aver por eles dynheiro; e a diogo memdez com estas cou-
sas taes que com suas estucias e lex que apremdeo em salamamca, ho
sabe bem fazer, a ele se devia de dar ho castigo.
Vossalteza me tocou em onor serem lhe feitos alguns agravos, e asy
a timoja, e quamdo diogo memdez estas cousas ordenou que vossalteza
soubese, porque apremdeo de lex em salamamca, soube o muy bem lá
lamçar: onor nos faz a nós a guerra, que nam nós a ele, porque he hiia
cova de ladrõees comtino, e os Rex e eses senhores da terra sempre ar-
mam atalayas e tomam na metade das nossas barcas ' as nãos de chaull e
todolos pagueres e paraos que trazem mamtimemtos e prouimemtos pera
goa, porque diz que, se nam furtar no mar, que nam pôde pagar oitemta
«A1ii»-òar»M(?).
166 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mill pardaos que paga pola terra a elRey de narsymga; e se voss alteza
mamdava cadaao a voss armada, que viesem com as uaos de cananor até
cbauU, com receo d armada de calecut, onor e goa, nam he bem que goa
alympe esles ladrões furmigueiros, que nam deixam navegar nimguem e
qebram vosos seguros? ha terra toda que recebe meu seguro, se aqeiwu
deste feito, e eu também maqeyxey, por onor tomar as mercadarias que
vynham pêra goa; e agora trago comtinuadamemtc seis fustas de goa, que
os mouros tinham em benaslarym feytas, e omde qer que acho hatalaya
armada, mamdo que haly omde os tomarem, que aly os despachem logo,
sem mais apelaçam, nem agravo; e timoja por isto foy rreteudo de mim,
porque estamdo em goa couHgo, armou as suas alalayas aly secretamemte,
e as mamdou de fora e tomou duas nãos de chaull carregadas de beira-
mes, e huua d urmuz de cavalos e aljôfar, e todas três traziam meus se-
guros, e por iso laamcey mão dele: as nãos foram ter a onor, e elRey
d onor lamçou mão delas; muitas vezes lhas mamdey reqerer e numca as
quys dar; nem por iso lhe fiz mall nem dano, mas se lhe topara quatro
ou cimqo nãos de seu porto, tomara lhas, e fizera restetuiçam a chaull e
a urmuz, por serem lugares trebutareos a voss alteza, e navegarem com
meus seguros: onor nam trata de mercadaria, todo seu feito he armar
esas atalayas cadano e furtar; e assaz de dano fez a goa, quamdo estava
cercada, porque nam ousavam de vir mamtimemtos a ela: estas cousas
nanas avia lá de lamçar diogo memdez e seus companheiros com esta
decraraçam, porque nam pareceram logo capitolos, mas calai as e escom-
der os erros e desomrra que cometeo comtra ho estado da Imdia.
De timoja vos tenho já lá dado comta, que quamdo melrao veyo a
ser capitam das terras de goa em nome de voss alteza, eu lho emtreguey
sobre fyamça: metido ele em pose das terras de goa, pelejou cos turcos,
e tinha os desbaratados, se lhe nam mataram hum capitam seu: foi se
pêra narsymga ele e timoja; morreo lâ timoja, e sua molher e seus filhos
fogiram d onor pêra goa, omde agora estam bem tratados e omrrados de
mim: ho rrey d onor que vos pagava as páreas, he morto e outro seu so-
brinho que foy Rey ; e agora este que ficou por Rey, dizem que este Rey
de narsymga ho tira e o dá a melrao: de nehuua destas cousas que eu
aquy esprevo a vos alteza e tenho espritas, nam sabe diogo memdez tam
pouco de lex, que estamdo ele presemle a tudo isto, nom soubese virar ao
emvés; e fizeram vos emtemder que timoja era hum gramde senhor nesta
terra, e que melrao era hum tredor e mao homem. Digo uos^ senhor, que
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 167
timoja era hum estalajadeiro noso, que sempre nos agasalhava bem por
seu proueito, e suas obras comnosco sempre foram cheyas de tirania; e
se por tredor e mao ouuera de ser alguum homem comdenado, timoja ho
ouuera de ser, porque ele tinha na ilha de goa três miil piães pagos das
terras de goa, e deyxou emtrar ha ilha a trezemtos turcos emlameados,
sem armas nehuas: é milrao he de linhajem de Rex, cavaleiro e homem
de fama amlre os jemtios, e chêo de muita verdade e muito estimado e
amado da jemte desta costa, e nunca nele achei emgano nem trayçam;
e se ho eu tivera em goa, de fma força os turcos leixaram as terras de
goa. E qeno a voss alteza pimtou doutra maneira, compriolhe fazei o asy,
por virem as cousas todas a seu preposito : ache o mais verdadeiro e mais
leall e reais desejador de morrer em voso serviço, que alguuas pesoas que
eu aquy nam qero nomear; e asy nisto, como em todolos outros meus
feitos, nam ha hy mastelada nem emborilhada; todalas cousas de voso
serviço e de voso estado na imdia sam oulhadas e feitas com muy boom
comselho, e noso senhor has traz a boom fim ; e melrao, que vos a vós
dizem que era tredor, primeiro ele deu a batalha ós turcos e foy desba-
ratado, que leixase as terras de goa.
De cananor ao primeiro dia de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EllRey noso senhor \
CARTA XXXn
1613— Dezembro 1
Senhor. — A vós comvem fornecer a ymdia de mercaderias daquy
avamte, porque a boca do streito, prazemdo a nosso senhor, çarrada está,
porque a destroiçam que fizemos em nãos lá demtro, e ser lugar muy es-
treito e serem elles certificados que nom avemos nós de leixar aquela em-
presa, pois que, louvado seja noso senhor, todallas outras cousas estam
asemtadas e asesegadas, nam ham d ousar de yr abocar lugar tam streito,
^ Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 14, D. 3.
168 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
porque nos nam podem em nynhua maneira escapar. E sabem em todol-
los portos da ymdia, que me faço éu presles pêra lornar lá; portamto,
senhor, mamday muytas mercaderias das sorles que vos aquy aviso.
Item: primeyramemte calecut pede grande soma de coral laurado e
em rama, e o mais dele em rama; pede cobre, azougue e vermelham; bro-
cados baixos, veludos crymyzins e pretos, gramde'soma; alcatifas, aça-
fram, aguas rosadas, escarlatas e outros panos doutras sortes.
Item: cambaya pede azougue, vermelham, escarlatas, brocados bai-
xos e arrazoados veludos crymyzins e de graam ; veludos pretos gram soma,
panos brancos e pretos finos; sedas rasas nem damascos nynhua cousa,
porque vem muytos de malaca; pedem açafram, agoas rosadas, e se per
via de levante poderdes aver cetins avilutados de cores, que cá chamamos
veludos de mequa, fazen os em alepo, em bruça e torquia, nom será má
mercadoria; alcatifas de leuamte poucas.
Item: asy mesmo se gastará gramde soma de borcados e veludos na
terra do preste joham.
Item: em peeguu, em syom, se gastará gramde soma d azougue e
vermelham, panos bramcos e pretos, veludos e brocados baixos alguns, e
escarlatas de cá da ymdia. Roupa de cambaya.
E pêra malaca veludos de toda sorte, escarlatas, borcados baixos;
azougue, vei-melham em toda parle se gastará; açafram lodo este mumdo
de caa o pede e o ha mester.
Item: em urmuz soma de cobre se gastará e d azougue e verme-
lham; pedra ume nom faz pêra lá.
Em narsymgua e o Reyno de daaquem brocados e veludos gastaram
8 cobre e azougue e vermelham e escarlatas e aguas Rosadas.
Bemgala toda nosa mercaderia pede e tem necesydade dela.
Çamatòra azougue e vermelham, cobre pouco, escarlatas, borcados,
veludos prelos e crymysyns ; seda Rasa nem damascos nam os ham mes-
ter, e mays o que vosa alteza lá verá per carta sua sobre a soma da seda
que pedis.
Também se gastaram caa azeites de purtugal e açuquares alguns
boons, e muytas outras myudezas que desas partes quá emtram na yndia,
a que non sey o nome, que tudo se gasta.
E aynda, senhor, que o ganho nam seja tam groso dalguas merca-
derias de lá, que aquy nam nomèo, deve as vosa alteza todavia de mam-
dar, porque se fará proveito, e abastecer se ha a yndia daquelas cousas
1 70 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
com quatro galés lhe tolheres que as nom lamccm ao mar, porque bem
as podem fazer em torra; mas varando os cascos das nãos ao mar, quei-
mai as ha hua galé sem comtradiçam, e quamtas mais lançarem ao mar^
tantas mais se perderam e lhe queymarám; de maneira, senhor, que
aynda que todo o poder, do mundo o ajudase, como gaanhardes pose do
mar Roxo, nunca mais pôde fazer armada, porque nom tem portos çar-
rados asy defemsauees em que a crie, que lhe nós lá nom emtremos, e
nom tem outro senom çuez, porque de todallas outras partes he muy
longo camynho ao cayro.
E tudo he Ribeira de mar e he muy curta navegaçam de meçuá e
dalac e da terra do preste joão, de que vosa alteza deue fazer funda-
mento. Ao porto de çuez navegaçam he de xij ou xiij dias, e se vos mais
quiserdes chegar adiamle, ahy tendes a ylha de çuaquem, muy bom porto;
e que hy nom aja agua, á hy cisternas que abastaram pêra a fortaleza,
e da terra firme trazem muy la agua a vender; porém a meu ver, senhor,
vós ganhares judá sem conlradiçam, porque he C/Ousa pequena e fraca, e
querendo o soldam hy mandar gemle que a defemda de nós, ha de ser
muy trabalhosa de bastecer de mamtymentos, porque he muy lomgo ca-
mynho do cayro a judá: se nosos pecados nos deram logar que chegára-
mos lá, com ajuda de noso senhor nom ouvera hy comtradiçam de a le-
varmos nas mãos, porque nom era aymda cercada da banda do mar: o
que agora avemos mester he muytos Remos pêra galés, panos de vila de
conde, que nom venham podres, duas dúzias de carretas ferradas pêra a
artelharia grosa e meiida.
Tendo vós, senhor, feito asemto em meçuá e na terra do preste joão,
ha se de despovoar de necesidade judá, porque nom lhe ham de vyr es-
peciarias nem mercaderias, nem os mamlimemtos de fora; e querendo o
soldam hí ter gemte de gorniçam, nom ha pôde bastecer de mamtimem-
tos; e vosa alteza pode a soster cos provimentos da terra do preste jobam,
que está defromte: ganhada judá, nom ha y casa de meça, nem quem
ouse de morar nela, e de necessydade a ham de leixar os alfenados, por-
que está hum dia de caminho de judá: a meu ver eu, senhor, hey o feito
de meça por muy pouca cousa; sua destroíçam é leue cousa d acabar;
asy, senhor, que de galees aves de fazer voso fundamemto; em cada lu-
gar se podem correjer c empalmar, e em cada lugar podem emtrar, como
este pejo da armada do cayro fôr seguro.
E asy, senhor, nos deue vosa alteza mandar armas, porque a deva-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 171
sidade àoò purtugueses nom ha armas nynhuas que a abaste, nem tem
em comia soldo, nem as tomarem sobre seu soldo; e portanto, pois he á
nosa custa, mande nos vosa alteza abastimemto delas, e agora vos com-
pre mais que nunca, pois vosa alteza tem determinado de segurardes a
yndia dos ymconvenyentes que podem sobrevyr. E asy vos compre, por-
que temdelos ymygos aa porta: armas brancas de corpo nom as devia
vosa alteza caa de mandar, porque sam mais trabalhosas de mamter que
hum cavalo de cubertas, e perdem se todas; couraças sam muy bõaas ar-
mas pêra caa, nom ham mester escamei nem corregimento nenhum, sal-
uamte se se daneficam os couros per tempo; tomam os homens cravaçam
e couros sobre seu soldo e corregenas, e amdam sempre em pee: pelou-
ros de espera e de serpe nos deue vosa alteza de mandar, que nom ha
caa nynhuns; ese castelo de madeira que me dizem que vosa alteza tem,
se o tivéramos em adem, sem comtradiçam fora nosa, porque armaramolo
castelo na agua de rubaça, que vos lá tenho esprito, e segura a agua,
sem contradiçam tinhamos adem nas mãos; piques pêra a jente da orde-
namça e lanças que tirem sangue aos ymygos, porque nolas mamdam
asy como vem de biscaya, sem amolar, emcomendadas a hum barbeyro
ynchado que cá ha na yndia, e armada nom pôde esperar por iso, porque
eu nom tenho na yndia mays tempo, nom ymvernando nela e vymdo de
fóra, que novembro e dezembro; em janeiro me convém partir pêra o
streito, se nele ouver de fazer fruyto, e pêra urmuz em feuereiro, pêra
malaca em abril : ora oulhe vosa alteza quam pequeno tempo tenho pêra
me aparelhar pêra yr ao estreito, vymdo de fóra no mês de setemlro e
outubro, como agora vym; portamto, senhor, emquamto trazes a obra
quemt^, manday nesas nãos todo aparelho que mandaes fazer por voso
Regimento, porque, louvado seja deus, aynda que seja homem velho e
fraco, nom ha daborolecer nynhua cousa em meu tempo. E se vosa al-
teza quer que a vosa armada este aguardando por iso, custar vos ha hum
prego cem cruzados e hum machado ou alviam duzentos cruzados. E se-
gundo a demora que a vosa armada fizer, asy fará as avalias.
Também nos mande vosa alteza algua soma de chumbo, porque temos
diso necesydade: esprita em cananor o primeiro de dezembro de 1513,
(Por leitra de Albuquerque) feytura e scrvydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescrípto) A el Rey noso senhor *.
* Torre do Tombo— C. Chron. Part. 1.», Maç. 14, D. 2.
22¥
1 72 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA XXXffl
1613— Dezembro 1
Senhor. — Diz vos alteza que soes emformaado quel Rey de garço-
paa he escamdilizado dallgnuns navios da vosa armada e jemtes terem Ibe
feitas allguas tomadias e danos, e asi toda a terra com Rezam muito es-
camdilizada: perdoe Deus a quem iso espreve a vosa alteza: qne danos
e tomadias sam feitas em guarçopaa, e a onor qqe naaos lhe sam toma-
das e mercadarias? sam feitos muy gram Riquos com duas tomadas de
guoa, e muito dinheiro ávido dos portuguezes com Refresquos e cousas
de nomnada que vem d onor: o Rey de garçopaa, que vos deu mirjeu, he
morto, e he morto outro, e aguora está huum loguotemte por mel Rao, o
qual nos tem. per muitas vezes posto em necesidade, por tomar estes bar-
quos pequenos que vem pêra guoa com Refresquos, e tomam as naaos
que trazem vosos seguros: este que haguora hy está por Rey, mamdou
a guoa huns pouqos de fardos d arroz podre em paguo das páreas, e mam-
dei lhos tornaar; e pior he que no tempo de guoa estar cerquada, e nós
esperávamos ajuda de mamlimentos de sua terra, amdavam elles emtam
tomando os que vinham com o provimento e mantymentos pêra guoa:
onor he cova de ladrões, tem atallaias e fustas; pagua o Rey da terra
hxx pardaos ' ha el Rey de narsimgua cadano, e a terra nam na pode
suprir, e o Rey daa luguar que harmas e furtem, e partem com elle e desta
maneira viucm ; e eu tenho mandado a esas fustas de guoa, que homde
quer que hos hacharem armados, que hos castiguem mui bem, e havisado
primeiro el Rey d onor que tall nam consynta, porque temos paz com toda
a terra, e toda naveguaçam seguro de vosa allteza; a paz lhe foy sempre
guardada muy imteiramente e toda verdade, asy a elle como a todos: e
quero eu dizer a vosa allteza que comfiam tamto nossos imiguos de mym,
que sem seguro sabem certos que se vem direitos omde eu estou, qoe
hasy lhe guardo o seguro como se o tevesem asinado por mym ; e he muito
estimada minha pallaura na Imdia e de gramde credito, e nam ha homem
^ Oitenta mil pardaos.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 173
que mamde chamar, que nam confye de mim: pregumte vosa alteza se os
mouros que vieram a Calecut de demtro do cairo, se os mamdey chamaar
a cochim, e se vieram cimquo ou bj ' deles? e se ha hy mercador ou pes-
soa omrrada em toda a terra, se o eu mamdar chamaar, que nam venha
a mym comfíamdo em minha pallaura, sem me pedir seguro? bem sabem
os da imdia que numca fiz Riballdaria nem vileza, nem quebrey minha
palavra nem meu seguro, E os nosos amygos muy quemtes e muy com-
temtes de mym; e nam á ojeste dia mouro em toda a imdia, que se o
mandaar chamaar, que nam venha omde eu estiuer; tam ystimada e tam
dourada está minha pallavra.
Na Imdya hos homens que ho comtrairo fazem, sam homes írogica-
dores, e farám mill emganos e mill emvorilhadas por hum Roby, e que-
braram .mill vezes minha pallaura por aver hum synabafo: homem sam,
senhor, que guardo primor em meu carrego e o faço guardar aos que tra*
guo per voso mandado á minha ordenança: scripta em cananor ao pri-
meiro dia de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuguerque) feytura e servydor de vossa allteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor*.
CARTA XXXIV
1513— Dezembro 1
Senhor. — Eu mamdo llâ a vos alteza dous abexys que foram cati-
vos imdo pêra a romaria de Jerusalém, no sertão da ilha de çuaquem;
sam homes emtemdidos da nosa ley, e sabe hum delles esprever muy bem
em sua lymgoajem: mamdo também a vos alteza hum mamcebo abexy,
que sabia arsibia, e lamçousse com Ruy galvão em zeilla; foy espravo do
feitor do solidão, que está em judá; e mamdo o pêra lymgoa dos outros,
que nom sabem falar aravia, e ele sabe a muy bem e mais limgoajem de
sua terra; e asy mamdo a vos alteza hum sobrinho do xeque e seohor de
* Torre do Tombo— G. Ghroa. P. 1.% H. 14, D. 1.
1 74 CARTAS DE A_FFONSO DE ALBUQUERQUE
meçaá e senhor de dalaca, que me moreo vymdo pêra a Imdia, qae sabe
a limgoajem do preste Joham e a de dalaca: mamdo a vos alteza hum Ru*
bam do mar Roxo, que tem sua molhere filhos em judà; homem avisado
he, saberá dar boa comta dos portos e navegaçam do mar Roxo, sabe bem
seu ofycio: mamdo também a vos alteza hum ofyciall dos de goa, que fa-
zem tam boas Espymgardas como as de boemea e asy lavradas com pe-
rafuso; lá fará seus emgenhos; lá vos mamda pêro masquarenhas amos-
tra delias: mamdo vos também hum mouro d adem, que sabe laurar afyam
e a maneira de que se colhe.
Se me vos alteza quyser crer, mamday semear dormydeyras das ilhas
dos açores em todollos paiies de purtugall, e mamday fazer afiam, que he
a melhor mercadaria que cobre pêra estas partes, e em que se ganha di-
nheiro: por este açoute que dêmos adem, nam veo afyam á imdia, e onde
valia a doze pardaos a faraçolla, nam se acha agora a oytemta: o afyam
nam he outra cousa, senhor, senam leite de dormedeiras; do cayro, domde
soyam a vyr, nam vem, nem d adem; portamto, senhor, mamday o semear
e laurar. porque bua nao carregada se gastará cada ano na Imdia, e os
lauradores ganharam tambcm muyto, e ajemte da Imdia perde se sem elle,
se o nam comem; e meta vos alteza este feito em ordem, porque nam vos
esprevo pouqo: esprita em cananor ao primeiro dia de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor \
CARTA XXXV
1513 — Dezembro 2
Senhor. — Per outra carta diz vos alteza ser emformado que ley-
xamdo ir tymoja e nam m aproueitamdo dele nas cousas de voso serviço,
rrecolhera mel Rao, ho quall vos dyzem que nam he de fieldade nem pêra
dele fazerdes fumdamento. Digo, senhor, ho que já díse em outras car-
tas, qe qem vos estas cousas espreve, espera por outro governador: ho
» Torre do Tombo— C. Chron; P. i.*, M. 12, D. 36.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 75
que passa deste feito he isto: timoja estando comigo em goa, como já lá
tenho esprito a vos alteza, apanhou iso que pôde das terras de goa; eesa
jemte e eses piães da terra a qe ele pagava o soldo, fogyram logo como
ouuiram dizer que vynham os turcos : veyo mel Rao a goa, como já lá
tenho esprito a vos alteza, e emtregueilhe as terras de goa, avemdo ele
de dar cadano quaremta mill cruzados delas: vieram os turcos, e ele lhe
deu a batalha com quatro mill piãees que tinha e trimta de cavallo^ e des-
barato os, e no alcamço lhe mataram hum capitam primcipall seu; morto
ho capitam, os turcos se tomaram a fazer em corpo e o desbarataram:
he homem de fama e de verdade, e cavaleiro, Rey d onor de direito, e
nam qer tomar ho Reyno agora, porque lhe pede el Rey oitemta mill par-
daos cadano: timoja he morto, boom homem e boom estalajadeiro de nós
outros; sua molher e filhos fogiram d onor pêra goa, omde estam bem tra-
tados e omrrados e bem emcavalgados: scripta em cananor a dois dias de
dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
CARTA XXXVI
1613 — Dezembro 2
Senhor. — Vi outra carta que me vosa alteza spreve sobre diogo
correya, o quall eu pus em cananor por capitam, atâ vassa alteza prouer
quem lhe bem parecer; e nam ouve aqui mais Respeito que ser huum ho-
mem caíyvo por vosso serviço e Roubado quanto tinha, e llá em portu-
gall muy mall tratado em sua fazemda e em sua homrra, amdamdo elle
quá servymdo; e também porque era homem mamso e sem pomtos pêra
asesegar a comdiçam de cananor, porque el Rey nam pôde sofrer manuel
da cunha: partimeu pêra mallaca, e quamdo vim, achey esta embrulhada,
que eu aqui diser a vosa alteza: Joham serram escamdalizado delle, e
nam sey porquê; e achey a massa de cochim, que era o vigairo, amionio
Reall, Louremço moreno e diogo pereira, muy queixosos delle. E mexi-
» Torre do Tombo— C. Cbron. P. l.% M. 14, D* 8.
176 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
licaramno com e1 Rey de cochim, dizemdo que elle daua seguros a ca*
lecul; que ho espreuese asy a vosa alteza: fizeram com o vigairo que po-
sese amlredilo em cananor, e durou o amlredilo sete meses, e per espi-
ciall privilegio deu o vigairo llugar algúiias pessoas que ouvisem misa em
suas casas: o por que o vigairo pôs amtredito, dilloey aqui a vosa alteza:
amdamdo hum espravo de hum homem da feitoria jugamdo as punhadas
na cidade de cananor com hum naire, sayo hum naire cristão em hua al-
madia a bordo da terra na praya da cidade, e acodio ao arroydo ajudar
o moço da fortalleza e matou o naire dei Rey de cananor, e acolhe se á
igreija: mamdey eu tirar imquiriçam; prououse como lhe diseram que
hum naire dei Rey de cananor dava em bum moço da fortalleza, e como
lho diseram, que tomara sua espada e adarga e sallara fura dalmadia, e
chegamdo omde estaua o naire, que ho moço se metera coin elle ás coti-
ladas e o matara: el Rey de cananor per muitas vezse se mamdou agra-
var do mesmo feito, com muito escamdollo: tirada a iroqueriçam, prououse
o propósito: mamdey tirar o naire fora da igreja, e por ser cristão nouo,
e conhece aquela mercê e abrigo da igreja, mety homens que Rodeada-
memte lhe pedisem a via a el Rá de cananor, e el Rey de cananor me
mamdou dizer que lhe mamdase decepar bua mãao, e mais nam; mam-
dey o assy fazer, e el Rey de cananor ficou mamso e satisfeito: o vygairo
nam lhe parecia, segumdo o favor de vosa alteza com que chegou á im-
dia, que avia outro governador senam elle, e foy pôr amtredito em cana-
nor e pena de iiij^ cruzados ^ ao capitam, dizemdo que a elle pertencia
aquela determinaçam e nam a mim : emtrou aqui também nesta embru-
lhada ser gomçalo memdez, feitor, afilhado do vigairo; e porque gomçalo
fnemdez tmú estaua bem com diogo correya, espreuia a cochim esta em^
brulhada destes seguros e todolbs mexericos que podia aver; e porque
a masa de cochim eram determinados a fazer huns por outros e ajudar
hum ao outro, e tinham joâo sarrão por amigo, Reuolviam tudo isto; e
como homens que sempre amostraram emcontrarem minhas obras em to-
dalas cousas de voso serviço, Iratauão asy diogo correya, cuidando que
era posto da minha maão, e ás vezes lho Uamçavam em Rosto; e per com-
selho desta massa de cochim veyo dom aires e cristovam de brito mostrar
a diogo correya que elle nam era capitam nem tinha Regimemto, e que
elles .eram capitães e podiam pôr capitães e tirar capitam, pois que eu alfi
^ Quatrocentos cruzados. . '
UBXÃS BB AFPONSO DE ALBUQUERQIJE 177
nitm «ra; e éea^Êrmi asy esta OMáam onienada por «ta massa e por o
feitor de caoanor em tall maneira, qoe ho atguozal de •cmanor ve^ Inm
dia dizer na metade do Rosto a diogo correya qoe eile nam era capitam,
nem eu na» podia pôr capitam, e que dom aères «Bsera qoe aTia de vir
aqaele ano ho almirante e que e« que me avia d ir
Gou8as iia hy tamtas na imdia, que as nam poderia aioabar d<espreu€fr
em mil anos a vosa alteza, somente diguo, senhor, que 8e diogo e6rre]fE
fora tam velho com eu, quamdo dous cadiopos capifâes de ènas nãos, sem
poder e s&m credito de vosa Alteza, vinham assy vytuperar vossa fortal-
leza e voso capitam e o lleixavam em descrédito amtre os iMuròs com
suas soberbas e pallauras desonestas, elle lhe correra a tramca e os ty-
vera asy até minha vimda, pêra voUos eu mamdar em ferros e bem cas-
tigados, e mamdara as nãos cos mestre^ e pilotos, que as levaram muy
bem e a salvamemto a portugal, e pela vemtura lhes tomara a conta dou-
tras travesuras que elles quaa fizeram; porque, selles foram pelo cartaxo
e tomaram hua gallinha a hum morador, foram elles mui bem presos e
arrecadados do juiz, que he hum omemzinho vestido em hum chapeyram
àê kirei, com hum cajado debaixo do braço, e elles virem com dêsones-
tidaáes e soberbas vetuperar hum voso capitam e hSa vma fortallexa: ás
vezes seria boom Repremder vosa alteza Uá estes feitoe taes, porque nam
na^ algum mal daqui; que diogo corrêa pelas desonestidades do al|M-
zii e soberba criada e ordenada pelo feitor de cananor e masa de mtk*n
dise ao ^dgiiozil que se mais fallase^ que ho mamdaria premder e netir
em hfla torre.
E se eu deste corpo e massa de cochhn espreuese as cousas que et-
les tem feitas, e como se elles mostram cheos da dor das cousas de voso
serviço e de vosa fazemda, e como elles tomam na m&o o esprevervos
coitisdhos das cousas da Imdia pêra desemular e encobrir as cousas que
elles fazem, espamtarsia vosa alteza; e se vós, senhor, soubeses com
qoamta desordem tomam o credyto e favor que lhe vosa alteza daa em
fwas cousas, per vemtura nam lhe metera autoridade de justiça e vosa
(aoemda em poder; que com lagrimas muitas vezes na minha camará tra-
balham elles por mamamsar e nam nos Reprender; porque potioos dias
ha que eu vy dous espriu&es da feitoiia de cochim aver Rezões com Lou-
remço moreno, porque espreuera cartas a vosb alteza sen títm « sem se-
rem disso sabedores.
Mandei tirar, senhor, «nquiliçani e nam ttcbey oiMftt diogo correia
23
178 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nehiia cousa, amtes ho Repremdi domem froxo e pêra pouco e por elle
acusar a dom aires e a cristovam de brito que por que nam ficavam el-
les cos cercados e leixasem ir as nãos pêra portugall.
Por isso apresemtaram laa seus seruiços desa maneira: acabou como
cavalleiro em vosso seruiço, e creyo que lhe foy milhor que ir pêra por-
tugall vivo, segundo suas cousas llã eram mall aviadas : sprita de cananor
a ij dias dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosallteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhora
CARTA XXXVn
1618— Dezembro 8
Senhor. — Eu mamdo Ha femam caldeira meu page, que foy casado
em goa, mamdamdome vos alteza pydir nuno vaz, porque vy que este era
o que lá culparam amte vos alteza, e a mym que lhe dera licemça: lá o
mamdo com os autos dé suas culpas, que já Há temdes, leuados per pêro
dallpoem; e depois mamdey aimda antonio Raposo ha chauU, e emtre-
gueylho demtro no navio, que o leuase lá e que tirase Imquiríçam delle;
e trouxe me esa imquyriçam que lá mamdo a vos alteza: todas estas dili-
^emcias fiz amtes que mo vos alteza sprevese, e pellos autos se verá; por-
que ssaiba vosa alteza que a meu próprio filho nam perdoaria a morto,
se a merecese, por conseruar as cousas de minha obrigaçam e dar bõa
comta de my: mas a diogo memdez devia vos alteza de dar o castigo^
porque lhe deu licemça em tempo que elle estaua cerquado de moros c
tynha necesydade de jemte; e asy polia tomada da nao dormuz que ello
mandou tomar, e pela nao dei Rey dé garçopa que elle mamdou tomar,
semdo eu em malaca: sprita em cananor a ij dias de dezembro de 1513
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A.el Rey noso senhor',
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 14, D. H,
* Tom do Tombo.-^G. Chron. P. 1.% H. 14, D. 8.
CABIAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 1 79
CARTA XXXVffl
1513— Dezembro 2
Senhor. — Outra carta no mesmo maço me espreneo vosa alteza so-
bre o feito de limoja: certo, senhor, muito folguo eu de volos homes
spreuerem de quá todallas cousas de vosso serviço, mas conueria que de
tam lomje, pelo que toca a voso serviço, o fizeram verdadeiramemte, per
as cousas serem corregidas per vosa alteza com tempo: neste feito de ti-
moja eu tenho dado Rezam a vosa Alteza como passou, porque depois
das cousas de vosso Reghnemto e mamdado^ de que vos eu dou sempre
meúda comta, voUa dou também de todollos casos aquecidos e cousas da
imdia.
Laa tenho sprito a vosa alteza pelas nãos de dom gracia e doutra
armada, que jumtamemte vieram â imdia, como timoja estamdo comigo
em goa, armara demtro no Rio de goa sacretamemte três atallayas gram-
des e sairam de fora sem no eu saber. E tomou huua nao durmuz com
meu seguro e tomou duas nãos de chaul com meus seguros, e as suas
atallayas as levaromaonor: elRei donòr lamçoumãao delias ;mamdei lhas
Requerer per muitas vezes; numca mas quis emtregar; e os messajeiros
de chaul vieram a goa fazer me queixume peramte timoja: mamdei em-
tam poer tymoja em garia, e tinha huum capitam com vimte homens garda
delle; veyo melRao, de que jaa Uá tenho sprito a vos alteza a goa, pedi mo
e me leixou hum esprito, ficamdo por fiador que se tornaria toda a mer-
cadaria das nãos: foysse o melRao das terras de goa quamdo o desba-
rataram os turcos, os quaes elle tinha desbaratados, e como lhe mataram
hum capitam seu, tomaram ^ver vitoria os mouros: foi se timoja com o
melRao pêra bisnegar. E sua molher é seus filhos se vieram pêra goa,
omde os tenho bem agasalhados e homrrados e bem tratados: deixo ou-
tros Roubos e tiranias que elle fez nesas terras de goa emquamto estiue-
ram â vosa obidiemcia e vos pagaram os trabutos das terras, que elle Re«
cebeo como Remdeu*o, e nam pagou nada naquele tempo; saWamte al-
guuns piães que trazia a soldo ; e por ser caso novo fórà de voso Regi-
memto, tenho dado larga cómfá a vosb alteza, como teiàb por cdstume
23^
de o fazer; e creyo que aimda que ho nam fizera, que diogo memdez e o
cemiche e femam correya e pêro coresma e o frade pregador que Uá foy,
teriam cuidado de voUo apre^eBitay, pQrcji]^ era no tempo em que elles
homrraram bem o estado da imdia: sprita de cananor a ij dias dezembro
de 15i3.
(Por lettra de Albuquergiéi) feytwa e SMvydor de vosa allteza
Afomso dalboquerque.
(SiQÍbtewnpU^) A el Rey qmo. saobor ^
€ARTA XXXIX
1613-— Deoexnbvo 8.
Senhor. — Nesta ida do mar rroxo fizemos muito poucas presas^; QSr
tM Q^Si qud^ imda hy estavam por descarregar de: Roupa de cambaya
4iaiPAte> d^ejoft, Boubaramnas esa jemte d armada, sem lhe eu poder valr
iQri^ per avainjelhos nem imquiriçDes nunca se descobre nemigalba: to-
V^QS. huua nao com bekames e algiiua especiaria ; nunca pude valler á
oaA qae os mesmos quadrilheiros e os bates que ha yam descarregar, a
Qam roubasem gram. parte delia: vy tam gram desordem qne me foy for«
fiadp^ tirs^ os quadrilheiros» e diso que ficou nam quis dar parte â jemte,
somemte^ dise aos capitães que maoidasem tomar a Roupa daquela nao,
SOoaim que lhe nam avia de dar partes: era pouca cousa o que leixaram
(^< «slá». assy em poder de manuel da costa^ feitor das presas: vede se
atffite p«r vosso» seuuiço disso que leixaram de tomar, mamdarlho>4ari quei
emva^SQ poder está: d^poia nos emtregaram hCiua nao que» achamois em
4{H«4ft Qanwgada de^cearia de calecut; esta oam sey se he presa e se
^, 4^Ye^ disto dar parte â jemte; detremineo Uá V4>sa alteza e mande nps
^ npMas. partets, e também por apagar s^ marmuraçaia e escamdoUo^ de
dw)[)< j^ãQ deçat Q qu^» senhos, yos^ eu llâ mamdara, qenam fova danallo
dft to^o»; ppnquei contra meu R^memlo e minha defesa^ fez hOa Qfia da
c9ni]Mya.ir á coiS.ta amtre chaul e dabuU,. tomou mQUflCAealguua» meroít*
dwiai 4í^JMp: tir^y imqioinçfaai ci mamdey \mm tudo» ás oioums e aoltav
l
GàBTAS de AFFONSO de ALRUQUERQíIJE i8l
08 mouroa; e pela pet da da nao e polo* que fez, eu ho quisera lia mam-
dar pêra Uie bomard^ mais* apertada comta, e depois ouue doo delie.
Lá mamab, senhor, a vosa alteza os quadrilheiros e ^rivâes da qua-
drjlikaffiai asy os de malaca, que de lá ¥ieram presos pela imqiiiriçam
que lá mamdey tirar em que os acharam culpados, como os de quaa das
presas da imdia em meu tempo: como vosa alteza for fóra das sespeições
per elles, mamdainos pagar o nosso que nos devees: sprita em canaioor
a ij dias de dezembro de i513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Aiomso dalboquerque.
(Sobre$cripto) A el Rey noso senhor ^
CARTA XL
1613— Dezembro 3
Senhor. — Vosa alteza me spreveo hua carta gramde em capítulos
apartados per sy de cousas de voso serviço, aa qual Respomdo a cada
capitulo.
Pnmeiramemte me diz vosa alteza ter Recebido pelas nãos de que
era capitam dom ayres da gama e cristovam de brito, cartas e Recados,
asy damtonio Real como de louremço moreno e dos ofíciaes de can^mor,
eomo doutras pesoas, pelas quaes cartas diz vosa alteza ser sabedor da
mynha yda a malaca e da gemte e armada que leuey, e o mais que no
e^itulo diz.
Digo, senhor, que a yso sam elles obrigados, avisar vos saammemte
das cousas da yndia e dar vos verdadeira comta de tudo o que nela pasa.
E segumdo as culpas que lá tive diamte de vosa alteza, como vejo per
vosas cartas, eu creo que eles mouverom por morto e a armada perdida,
porque asi ficava amtre elles asemtado aa mynha partida, diamte da barra
âe*eodiym onde elles com elRey de cochim me vierom ver aa nao, e ai-
gfla^ pratica tivenu)s sobre meu camynho e navegaçam. E aynda me pan
roceo ysto deles que digo> lá em malaca, porque vy seguros seus dadp»
1 Torre do Tombo— G. Cbron. P. l.\ Maç. 14.^ D. Si^ r
182 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
aas nãos de chormandel pêra malaca, as quaes forom ter comygo, sem me
leuarem cartas deles nem Recados, nem me darem comta do que faziami
em que me pareceo que me aviam por morto e perdido, ou que me nom
conheciam por seu soperior e governador das yndias. E tiro eu 'daqui que
nom spreveriam elles a vosa alteza como eu deixava na yndia o cirne,
sam tome, nao nova de cochym, a ajuda grande, a ajuda pequena, o Ro-
sayro, a garça, estas em cochym ; E em goa a lionarda, o Rey pequeno,
a Rumesa, a caravela samtesprito, bua nao nova de duzemtos tonees das
de goa, hum navio pequeno que dey em casamemto a certos homens de
bem que casey em goa, as duas galiotas de goa, e diogo fernamdes co
Rey gramde e co navio sam cristovam, e bua nao nova das de goa, e
J iij* homens * na yndia nas fortelezas e na armada, e ysto em tempo que
me vosa alteza tinha mandado por meu Regimento, que apartando me da
yndia, deixase dous ou três navios em guarda da costa: se vos esta comta,
senhor, nom derom de mym, perdoe lhe deus-
Em outro capitulo da mesma carta diz vosa alteza a maneira de que
bam de ser chamados os capitães a comselho sobre o feito de goa, pom-
dolhe diamte as Razões de pró e comtra, sobre sosterse ou nam, como
no mesmo capitulo se contém, e asy outras Razões que me vosa alteza diz
ter vos sprito per carta mynha sobre o feito de goa; e mays me diz vosa
alteza as calidades das pesoas que neste comselho emtrarám^ fora osca-
pítaaes, e com outras mays decrarações que no mesmo capitulo mandaes.
Digo, senhor, que asy se fez tudo, como vosa alteza mandou p mas
ter se comselho pubrico na yndia em tal feito, nom me pareceo voso ser-
uiço, por ser cousa tam danosa e ympidosa ao aseseguo em que agora
está a yndia, como por estar diamte dos olhos dos homens que goa per
sy soo fez duas cousas muy grandes no feito da yndia, aseseguo e com-^
servaçam de voso estado.
A primeira foy desfazer esta liga e determinaçam de nos botarem
fora da yndia cambaya, os Rumes, goa e catecut, porque esta masa numca
se desfez, nem abrandou de seu preposito e tençam, senom depois de ve-
rem goa em voso poder, que era a primcipal cabeceira destes bandos, pol-
los Rumes terem aly seu asemto e determynaçam de serem aly Recolhi-
dos, e de se Reformarem aly^ e ajuda do çabayo ; a outra he ser tal porto
e jazer em tal parajem que nom navegaria a yndia, nem navegaria can-
^ Mil e tresentos homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 183
baia, nem nynhum lugar destas partes, se ella nom quysese; ela per sy
soo trouxe cambaya e calecut a se meter em vosas mãos ; sabemdo agora
. os mouros da yndia que em tal feito se temtara conselho, nom á hy cousa
na pdia asesegada que nom bulise comsyguo. E as que estam pêra to-
marem asemto proveitoso nas cousas de voso seruiço, creo que nom aguar-
dariam comcrusam, atá nom ver o fim que avia o feito de goa, e que mo-
vimemto e conselho era este que avia amtre nós, porque esta dureza da
pdia nom querer uosos tratos nem uosas mercadorias, vendo se Rouba-
dos, acutilados cada dia e decepados, nom era outra cousa senom ve-
rem nos muy desapegados na yndia e que nom faziamos fundamemto da
terra, e que a armada que traziamos no mar, que se acabaria, e que nom
poderíamos sofrer tam gram trabalho e despeza como era a do mar, por-
que até gora nom vyrom eles asemto na pdia a que tivesem acatamento,
senom a goa, nem nos ouverom por vezynhos e moradores perpétuos na
yndia senom quando nos virom fazer fumdamento de goa. E aynda, se-
nhor, vos digo que maliquacaz de diu me spreveo, espantando se de nós
nom fazermos fumdamento da terra, nem ganharmos alguas cabeceiras
prímcipaaes pêra segurança de noso feito. E tomou a comta a diogo py-
reira do que se ganhava no trato da yndia, parecendo lhe que pela grande
despesa que via fazer, os ganhos nom seriam taaes que per Rezam nom
deixasemos a yndia cedo, afora ver que nom faziamos Âmdamento da terra,
como homens que esperávamos de a deixar cedo ; e os aliceces de goa ti-
rarom estes errados pemsamentos dos corações dos mouros da yndia, Reis
e senhores dela ; e nom crea vosa alteza qbe aproveitou pouco este nego-
cio vemos aperfiar tam Ryjo na guarda e defensão dela, que asy como
deu gram credito na yndia nas cousas de voso seruiço, asy nos vieram já
agora a tomar pello Rabo, se a nom asenhorearamos e nom fizéramos for-
tes nela, porque ouveram logo de tomar a çarrar as portas de seus tra-
tos e mercadorias, como damtes faziam, e escurecer a Riqueza da yndia.
Nom tenhaes, senhor, duvida nysto que vos sprevo, porque duas ve-
zes se desatou o asemto de cambaya; nom por ai senon por asacarem al-
guns purtugueses que vynha outro governador, logo as cousas se Reteve-
rom atrás, atá verem o comselho e novidade que o outro que vosa alteza
mandava trazia, porque as cousas da yndia aynda estam muyto temrras,
e qualquer movimento destes faz grande empresam no negocio, e cá ha
alguas pesoas na yndia que sabem que danam estas cousas, e sabem as
asacar e semear em seu tempo ; e crede me» senhor, que vos falo verdade :
184 CARTAS DE AFFONSO M ALBUQUERQUE
portanto, senhor, conselho pubrico em tal feito guarde nos deus dele, em
tal tempo que as cousas de calecut e de cambaya estam pêra dar hum noo
proveitoso; se a noso senhor aprouver que s acabem, comtra a vontade
dos compitidores e emvejosos do voso governador das yndias que caa
anda, tende, srahor, por certo que he acabado o mayor feito que eu numca
cuydey, mays homrrado e mays proveitoso e que mays vos compria nes-
tas partes pêra todo o bem e aseseguo da yndia, e daquy nace o escusar
das despesas e obrígaçam delas.
Mas neste negocio que queres saber, leuey este camynho : pus por
ytem os capítulos de vosa alteza sobre este caso, e dey juramento aos ca-
pitãaes que tivesem segredo, e disesem a vosa alteza cada hum per sy seu
parecer asynado per sua mão e cos capítulos asynados por mym cosidos
com seu parecer, e gaspar pyreyra lhe tomava juramemto que tivesem se-
gredo nyso; desta maneira poderá vosa alteza ser mylhor enformado do
parecer de cada hum. E se os chamara a conselho e lhes posera diamte
algiias cousas que estam mays vivas diamte dos meus olhos por bem de
mynha grande obrígaçam, poderá ser que a alguns lhe parecera bem, e
os movera de seu preposito; e pelos ymconvenyemtes que dito tenho e
por este Respeito nom me pareceo voso serviço ter conselho pubrico.
E asy me diz vosa aheza que nom oulhe neste caso ao que tenho
trabalhado em ganhar goa: nom me prezo eu, senhor, tamto dese feito
que me cegue o boom juízo e saão nas cousas de voso seruiço, nem sam
ornem vaão, porque seria cayr na cova que fiz: lembre se vosa alteza do
que vos dise na camará de hxboa jumto co a baranda, estando hy a se-
nhora Raynha e a senhora yfamte vosa filha junto da vosa cadeyra, que
a yndia era a mays perigosa cousa do mumdo pêra homens vaãos e cheos
de vemto, porque nom fundiriam nymygalha, e dariam com tudo a três ;
poys, senhor, como credes vós que me eu avia dyr meter neste emgano
6 vaydade senom per quatro conselhos de capitaães, amtes de lhe poer as
mãos, asynados per elles, que lourenço de payva leuou? e provera a noso
senhor que por meu soo conselho a tivera eu no pomto em que ela agora
está, porque tam grande cousa e tam honrrada, de tam pouco gasto e des-
pesa e de tam pouca obrigação, como tomar asemto, e que asy tem em-
freada a yndia e a soberba dos mouros dela, eu me gabara bem deste feho
a vosa alteza, e vola mandar muytas vezes pymtada. Mas pêra mynha vay-
dade açaz tenho de que me louvar, e pêra mynha grande satisfaçam aças
que alegaTi porque, senhor^ em madaca hum palmo de meredmemto te-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 185
nho, em cochym outro palmo, em cananor outro palmo, quando trouxe o
voso presente que me outorgarom a pomla e gomçalo gil começou logo
abrir os alíceces, e em goa tenho outro palmo, em ormuz outro palmo.
E aynda que na estampa de metal do visoRey, que está pegada em htla
torre, em que se chama o pryraeyro fundador da forteleza de cochim, me
queira tomar o meu, nom chegou aynda a vaydade a mym pêra a daly
mandar tirar; mayores cousas de voso seruiço me logrará o estamago, se
me nelas quyserdes meter, que a governamça da yndia nem a tomada de
goa. E meu parecer sobre o feito de goa lá yrá a vosa alteza cos outros,
verdadeiro e são segundo deos e mynha comciencia.
Per outro capitulo da mesma carta diz vosa alteza ser emformado
que no provimento das capitanyas das nãos e navios e asy ofícios nom
guardo ymteyramente o que me tendes emcomemdado e mandado. Certo,
senhor, bem poderey arar nese caso, porque vosa alteza dá as por mercê
aos homens, e eu provejo caa alguns pella necesydade que deles tenho;
porém os que trazem cartas ou vosos mandados, sam logo providos e com-
pridos vosos mandados, porque quamdo os taaes nos cargos de que lhes
fazes mercê fazem algum erro, nom sam eu culpado, e sam muyto obri-
gado emcarregar cá taaes pesoas delles que me tyrem as barbas de ver-
gonha, porque mais me fundo eu nyslo que digo, que em fazer meus crya-
dos grandes e Ricos.
Neste prouymento d ofícios e capitanyas vosa alteza nom está bem
emformado, porque os vosos cryados andam caa tam mymosos de mym
e tem tam certo o galardam e ylos chamar aas pousadas, que nom quer
nynhum deles tomar spreuanynha de nao nem navio, nem meyrynhadego,
nem almoxarifado ; todos pedem feitorias, sprevanynhas destes ofícios, al-
caydarias, capitanyas de nãos e navios, e hy nom ha pêra todos destes
que elles pedem; e dos outros que elles cá enjeitam, sey eu certo que an-
dam elles em Requyrymemto primeiro que os elles ajam de vosa alteza
hum anno: o almoxarife do álmazem de cochym que de lá veo, como cá
chegou, nom quys o oficio; garcia coelho como cá chegou, nom quys mays
seruir a sprevariynha da nao, e asy outros desta calidade que vosa alteza
lá provee, como cá sam, muytos deles os alargam; porém, senhor, eu vos
beijara as mãos tocardes me particularmente alguum, porque por aly me
emendara e Resistira. E posto que seja hum pouco comprida a Reposta
deste capitulo, darey eu Rezam d alguas cousas que pella vemtura nom
pareceriam bem diante de vosa alteza acerqua destes provymentos^
24
186 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Saiba certo vosa alteza que ataa vynda de dom garcia meu sobry-
nho, e a armada em que veo jorje de melo e jorje da sylueira, aynda es-
teve bem necesytada de bõos homens, em tal maneira que servy eu al-
guas pesoas pela necesydade que tynha, bõos homens e homens de feito ;
e digo, senhor, que aa mynha yda a malaca Ruy de brito emjeitou hum
navio e joham lopes d alvym outro ; nom avia por entam outros homens
de que se deuese comfiar mando de gemte, porque todollos outros esta-
vam providos; cada hum destes me pedia hua capilanya de hua for-
taleza, e emtam por mymgoa de bõos homens emcarreguey dynys fernan-
dez do mestrado e capitanya da nao çabaya, que a leuase asy até malaca;
nuno vaaz, cryado do duque de coymbra, deylhe hua nao de samguycar
sem castellos e sem cuberta, que a viese correger a cochym ; gastou nela
do seu próprio dinheiro cem cruzados, afora o que se gastou de vosa fa-
zemda, e quando a trouve pêra goa onde eu estava, amtes que partise
pêra malaca, tomou sobre taanor hua nao carregada de pymenta dos de
cochym, por honde elle nom estava muito bem com amtonio Real nem
com eses oficiaees, e creo que o acusariam lá: o ouvidor pêro dalpoem,
cryado de vosa alteza, ouve outra nao das de goa, porque nom tinha
nynhum hordenado com seu oficio, e tinha leuado muy grande trabalho :
james teixeira, cryado do duque de coymbra, leuava cargo do navio dos
mercadores, até ouvir de sua justiça baltesar da sylua. Esta he a desor-
dem que cá he feita por mymgoa de hy nom aver homens cryados de vosa
alteza e pola mynha determynaçam d ir a malaca, tendo pouca gemte; o
fruyto que delles Recebestes, vosa alteza o saberá laa, e nuno vaaz e je-
mes teixeira e dynys fernandez, se souberom elles apertar sua gemte e
emtrar as tramqueyras e força de malaca; e ese dynys fernandez, asy ne-
gro como o vosa alteza vee, em todollos homrrados feitos da yndia andou
tam branco como hum papel, e a mym me nom pesaria nada de o trazer
junto comigo com cem piães em tempo de hua afromta: o ouvidor pêro
dalpoem he tal homem, que antre dous ou três homens homrados e fidal-
gos que vynham nesa nao, que leuou per força e comtra suas vomlades,
veemdome perder, arribou sobre mym, e se cada hum daqueles fora ca-
pitam, perdera me eu e cemto e 1^ purtugueses' que vynham comygo.
Estes que aquy apomtey a vosa alteza, outo meses lograrom suas
capitanias, e as merecerom muy bem em goa e em malaca, porque os ho-
^ Cento 6 ciotcoenta portugaezes.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 187
mens em que ha esforço, sam muyto de estimar em tempo de tamta ne-
cesydade, por honde aas vezes pasa homem por hum moço fidalgo, aynda
que seja crasto ou atayde ; e a mym nom me pareceo mal o comde de
borba no feito do alcaide tomar os bõos cavallos e dallos aos bõos ho-
mens que tynha já cá esperimentados, e acabou por isso hum gram feito:
acabado o feito de malaca e mynha necesidade, dey a nao de dynys fer-
nandez e de nuno vaaz e de jemes teixeira a outras pesoas criados de
vosa alteza, e cada hum destes avia oito annos que vos cá seruia, e creo
que deles leuam muy pouco cabedal; e estes ofícios e capitanyas dados
na yndia a cryados vosos, a quem comete vosa alteza a examinaçam de-
sas pessoas, a mym ou a quem vos spreve? se ese cargo tem quem vos
espreve, faça o, dê as elle, eu as comfirmarey; se a vosa alteza lá nom
comtemta, tudo está aberto, emendayo como virdes que he voso seruiço.
Item. Se o dizem pollos cargos de goa, esas cousas estam todas em
aberto, aguardando por vosa determynaçam : a capitanya, alcaydaria e
sprevanynhas da feitoria, sam dadas a vosos cryados, e a feitoria a fram-
cisco corvynel; os outros ofícios tenos alguns omens de bem que casarom
em goa, com muy pouco ordenado, até que os vosa alte«a proveja; alguas
cousas deixo eu desprever a vosa alteza nesta carta sobre os escânda-
los do dar dos cargos e capitanyas, que a jemte cá Recebe, e falohey
por mynha letra, porque será voso seruiço saberdelo, porque todallas
cousas da yndia sam dadas por voso mandado, e aynda as avagamtes de-
las, e estas cousas nom tocam a mym de dous em dous anos hua vez
que dou com a graça do gram mestre.
Diz vossa alteza no mesmo capitulo, que nom soomente se syguyria
nom comprir vosos mandados, que he cousa que tamto deuo fazer e em
que primcipalmente nom deuo crear, mas escusar se ham muytos escam-
dalos aos homens: a ysto, senhor, nom sey que Respomda, soomente com-
prir vosos mandados ao pé da letra, sem me apegar ao que nese caso me
tendes sprito sobre os provimentos que de lá daaes, dos quaes aluaraes
e provymentos se ha vosa alteza mais cedo d arrepender de os dar a al-
giias pesoas a que os daaes, que eu de os nom comprir, porque cá nesta
terra nom se faz cousa senom justamente o que vosa alteza de lá hordena
e manda; na eleiçam das pessoas poso algum ora errar; porque sam cou-
sas somente Reservadas a vosa alteza, emende as como viir que he seu
seruiço.
Per outro capitulo da mesma carta me dá vosa alteza culpa sobre
24 ¥
1 88 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
a guarda de calecut, dizemdo que vosa alteza he emformado que se nom
fez asy como mo tynhes mandado, e que neste tempo pasarom muylas
nãos carregadas d especiaria a judá e ao cayro. E posto, senhor, que já
sejamos fora desas culpas, e o çamorym morto, e o Rey que agora Reyna
estar a voso seruyço e a vosa obidiemcia, e dar fortaleza em sua terra,
pagar a vosa fazenda, dar de trebuto ameatade da Renda dos seguros,
todavia nom me quero eu esquecer de dar Rezam de mym a vosa alteza,
como o faço per outra carta mynha que lá veres. E a este capitulo nom
tenho mays que dizer, soomente que estas pesoas que asy emformarom
vosa alteza mal de mym, e estas culpas que me dam, sam culpas domem
morto, como me elles tynham festejado: a comcrusam destes homens he
que mandes outro governador aa yndia que emtre em suas companhias e
em seus partidos e em seus tratos com elles, e que os deixe viver em sua
desordem. E parece, senhor, que pollo que vos elles tinham sprito de
mym, esperavam elles este ano por outro, o qual, sendo eu no mar Roxo,
tinham elles festejado e alevamtado e canonyzado na yndia, e quando che-
guey a diu, esta he a prymeira nova que me derom da yndia: nom te-
nho, senhor, mais que dizer a estas cousas, senom que se vier, que des-
camsaremos ambos, elle e eu; e se eu nom ouvese medo de vosa alteza,
bua dúzia destes danadores de todo bem vos mandaria metidos em hua
gayola, porque o tem muy bem merecido a deos e a vosa alteza.
Per outro capitulo da mesma carta me diz vosa alteza serem cá to-
madas alguas nãos durmuz e cambaya, em espicial hfla que veo ter a
cochym, que vosa alteza diz que mandey que se tomase, por outras duas
que os durmuz tomarom, e o mais que no mesmo Capitulo diz.
Digo, senhor, que a nao durmuz que se tomou em cochym, eu nom
a vy, mas vy os mercadores dela que me forom ver a goa; a nao nem os
mercadores nom eram durmuz, mas vynham durmuz com mercaderia, e
eram mercadores do cayro; traziam hum seguro do ano pasado de híia
nao que foy de balecala pêra ormuz; e per estas Razões que dito tenho,
mamdey e ouve a nao por bem tomada, soltey os mercadores que fosem
buscar outra, pêra lha tornar a tomar por aquelle erro: os feitores da vosa
feitoria pediam partes, e ela nom foy tomada, mas veyo quasy aa costa
sobre la barra de cochym; vyme tam apresado delles sobre as partes, e
por me nom parecer justiça, lhes dey por escusa que ella nom era presa
nem tomadia, senom Represaria polas nãos de vosa alteza que coja atur
tomou em ormuz: quamto ao que vosa alteza me emcomenda que oulhe
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE i89
como nas cousas semelhamles se faça justiça ás partes, quem se destes
feitos taes agravar de mym, bõa fazenda mynha tem lá vosa alteza, mande
lhe pagar á mynha custa; nem vejo nynguem agravar se disto que me vosa
alteza spreve, nem tampouco m an de parecer tam bem as perlas alhêas,
que tomadas por força a seus donos e sem justiça, vos faça ese seruiço
em volas mandar; muyto dinheiro tem vosa alteza pêra vollas mandar
comprar na yndia, quando com ellas folgardes.
Item : quanto he ao que me vosa alteza diz, que nestas cousas m alem-
braes a guarda da verdade, com verdade e com justiça se governa a yndia em
voso nome em meu tempo ; e quem guarda as certidões e verdade dei Rey
d urmuz e as certidões e verdade dei Rey de cambaya e as certidões e ver-
dade de meliquacaz de diu, nom quebrará a sua, dada em voso nome e
com voso poder e avtoridade; e aynda que este mal por nosos pecados
ande muyto corruto amtre nós, que he falar pouca verdade, todavia, se-
nhor, de mym comfiay que nas vosas cousas e de voso seruiço he guar-
dada toda verdade e todo fauor e justiça aos que nestas partes sam vo-
sos seruidores; e quanto ao que vosa alteza diz, que aynda que os mou-
ros e as gemtes de caa as guardem mal, que sempre por ela bradam, e
folgam muyto de lhe ser guardada, e que guardar se lhe ha vosa alteza
por hum dos pryncipaes da comservaçam do bem da yndia, certo está
que as jemtes destas partes pouca verdade falam comnosco, mas nom he
bem que os tratemos nós por esta mydida, porque, como vosa alteza diz,
a verdade ser a primcipal parte da conservaçam da yndia, e creo aynda,
senhor, que de toda outra terra do mundo.
Per outro Capitulo me diz vosa alteza acerqua das nãos da carga,
vos parecer que se nom devem acupar em outra cousa algua, e que o fei-
tor deuo leixar com ellas, e que asy vos parece que nom deuo ymvemar
em cochym, pêra mais despejadamente se fazer a carregaçam das nãos:
a ysto, senhor, Respomdo que as nãos da carga cá nom se ocupam em
outra cousa, senom quando ahy nom ha cabedal pêra todas ; e quamto he
a deixai o feitor com a carga, com verdade poso eu jurar a vosa alteza,
que depois que eu sam governador da ymdia, que numca vy carregar nao
nynhua, nem estive aa carga delas, saluante agora que me mandou cha-
mar o feitor sobre a prata que vosa alteza mamdou sem ouro. E quamto
he, senhor, ao nom invernar em cochym, e ter vos sprito que ese era meu
propósito, asy o fiz sempre doyto anos pêra caa: nom ymvemê em co-
chym senom duas vezes, bua quando mos vosos poderes, vosas menajes
1 90 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e fortelezas, vosos capitães e alcaides moores e vosas torres da menajem
me premderom, e me metorom em liQa nao em poder dos homens de pee
do visoRey, que andarom comygo tamlo por ese mar, até que se emfa-
darom e depoys me forom meter em hua torre, e isto nom mo fez o viso
Rey, mas as pesoas que dito tenho, e voso poder que me cá mandou ; ou-
tra vez emverney em cochym quando vym de malaca, que me lançarom
em terra com hum pao na mão e em camysa; todollos outros ymvernos e
verãos bem saberá vosa alteza honde a vosa armada tynha as amcoras;
nom se escuse nymguem comygo acerqua da carga, porque nynhua com-
trariadade nem ynpidimento Recebem esas cousas de mym, amtes digo a
vosa alteza que o meu fauor e ajuda de fora a doura, e vos vam alguas
especiarias que vos lá nom soyam dyr.
Item: diz vosa alteza em outro capitulo ser avisado de caa que, pêra
aver efeito o Regymemlo das quyntaladas que tendes mandado que se le-
vamtasem, devies mandar que leixasem yr de cá os homens das quymta-
ladas que cá andam, e os que quysesem ficasem sem ellas: digo, senhor,
que já vos lá tenho sprito que jiom á hy quymlaladas na ymdia: se me
vosa alteza nom cree, crea os livros da feitoria; e se vos os vosos oficiaes
o comtrayro sprevem, nom he ai senom que querem outro governador, e
mais sabem que lhe nom ha vosa alteza de leuar cem cruzados de pena
por cada carta que lhe achardes chêa de emganos. E quamto he ao que
vosa alteza diz dos homens que cá andam, que pasados os três anos os
leyxe yr, digo, senhor, que hy ha poucos homens na yndia que se quey-
ram yr, a que eu nom dee licemça; pela vemtura parecerá a vosa alteza
que os homens andam cá costramgidamente, polas cartas que sprevem a
seus pays e a suas mãys e a suas molheres e a seus filhos, que os cha-
mam de lá por muytas vezes, e elles nom querem yr, e fazem se forçados,
e com esta Reposta se vam lá a vosa alteza a fazer estas excramações, e
ham cartas pêra se yrem ; e como lhe chega a carta, vem se a mym com
ella, fazendo me oferecimemtos que pello meu querem ficar na yndia, que
vosa alteza me sprevia que o leiyase yr : nom á y outra meezinha pêra se os
homens nam yrem da yndia, senom dar lhe escala franca que se vam. E te-
nho ysto esperyniemtado; e alguuns que de cá vam escondidos, nom vam se-
nom por alguas travesuras, e por terem seu soldo perdido e por suas culpas.
Item : per outro capitulo diz vosa alteza que os doemtes e mal des-
postos que os leixe e os mande yr; asy os mando, e os vosos capitãaes
os nom querem leuar, e leuam outros por peitas escomdidos.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 191
liem : per outro capitulo diz vosa alteza que cesem os casaraemtos,
asy os de goa como os de cochym e cananor: per este capitulo e per ou-
tra carta digo, senhor, que ha hum ano que ese feito está de cala, porque
hy nom avia dinheiro; alguuns íizerom vosos oficiaes neste tempo, nom
sendo eu na yndia, porque querem também governar e mandar ; agora
que vosa alteza mamda que cese este feito, farseha.
Item : per outro capitulo me diz vosa alteza serdes certeficado que
saem de goa d armada per esa costa os que nela estam com autoridade e
previlegio que pêra yso lhe dey : nom á y, senhor, tal cousa como essa
no mundo, nem á hy tal previlegio nem vollo amostrará nynguem, por-
que iso nom seria previlegio, senom abomynaçam e maldade: lá vos
leuou a licemça que dey a quatro casados de goa, a que dey hum navio
de goa de xxx ou R.*^ tones * em pago de seus casamentos, que anda-
sem em guarda da costa; e se alguas presas tomasem dos ymygos sem
seguro, as viesem alialdar ao capitam dé-goa, se as avia por bem toma-
das ou nom. E pus lhe sprivão per vosa alteza. Diogo mendez, estando
cercado, semdo eu fora, deu lugar a ese escândalo que se fez: a liberdade
que elles tem de vosa alteza, he que posam tratar e vam per toda a costa
tam seguros como de lixboa a samtarem; a liberdade que tem de mym,
he que nom apousentem com elles, nem possam ser presos por casos ci-
nes senom sobre suas menajeens, e que posam emleger juiz e almotacel,
e todallas liberdades que a ponte de sor tem, e mays nam: as fustas da
armada que cada ano manda o capitam de goa, he pêra nom deixar ar-
mar onor e bacanor, que tomam as nãos durmuz e as de chaul e as de
cochym, quando podem, e dam opresam e fadiga. E eu vy que mandava
vosa alteza que viesem em guarda das nãos de cochym atá chaul, e as
tornasem leuar: se mandaes que se alargue este feito, alargar se ha, e se
mandaes que lhe ponha as mãos, merecido tem elles hum muy boom cas-
tigo, porque tem tomadas muylas nãos com vosos seguros, muyto Ricas
e com muyto grandes presas, e nom ha cá, senhor, na yndia homem que
vos isto spreva; todo seu feito he culpar me a mym; e aa feitura desta es-
tam hua galyota e duas fustas sobre la barra d onor, que hy mandou lan-
çar pêro mazcarenhas per meu mandado, e que nom deixasem emtrar
nem sair nynhua cousa no porto, até que me nom emtregasem as duas
galiotas que ten, e mays que jure el Rey que nunca mais arme nem dee
^ Quarenta toneis.
192 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
licença pêra armar: mandou me el Rey prometer que me emtregaria as
fustas e que nunca mais tornaria armar, e nysto estamos agora: esta he
a armada que sae de goa cada ano. E se nom quyserdes que saya de
goa, sayrá de cochym ou de cananor, donde vosa alteza quyser.
Sobre os acrecemtamemtos de soldos diz vosa alteza ter me sprito
por vezes, asy do tempo pasado do viso Rey, como do meu tempo, e que
por mynhas cartas tem vosa alteza visto que fiz eu nyso o que me man-
dou, que era alevantar tolollos acrecemtamemtos que eram poslos pelo
viso Rey. E aynda alguuns que por voso Regimemto estavam, aproveitava
em algua maneira, por me parecer que se podem escusar. E agora diz vosa
alteza ser emformado que o nom fiz eu asy. Digo, senhor, que asy está
asemtado nos liuros da vosa feitoria por capitulo do voso Regymemto asy-
nado per mym, e por aquela determynaçam de vosa alteza se faz comta
cos homens, e aly lhe fazem comprymemto de seu pagamemto, ou lhe dam
arrecadaçam pêra a casa das yndias: se vosa alteza lá vee o comtrairo,
manday tomar a comta a vosos oficiaaes porque o fazem, e manday leuar
o Registo do voso liuro, e achares o capitulo de voso Regimemto aly Re-
gistado e asynado por mym, em que diz que os escudeiros averam dous
cruzados e os piaães b^ fs. S e os degradados nom averam soldo; e nem
huns nem outros nom averam quymtaladas. Se pela vemtura vosa alteza
chama acrecemtamemto de soldo vyr de lá hum homem d armas de
b* rs S e ser muy boom pedreiro, ferreiro ou carpimteiro, e eu ter necesy-
dade dele e mandai o seruyr de seu oficio, nom he Rezam que lhe dem
o hordenado de vosa alteza: podem estes desta calydade ser na yndia atá
XX pesoas. E quamlo he, senhor, a ter vos sprito que aproveitava em algua
maneira aqueles que per voso Regymemto estavam, eu vos faley muy to
grande verdade, porque os sprivãaes de malaca trymta myl tem cada hum
atá que provejaes yso á vosa vomtade; os sprivãaes da feitoria de goa
trymta myl rs. tem cada hum, e quando estavam cercados quorenta myl,
pola careza dos mamtymemtos; o alcayde mor tem agora oytemta myl,
sem quyntaladas, até que _vosa alteza proveja como vos parecer bem ; o
alcaide de benestary tem xbj ^ sobre seu soldo de dous cruzados, com a
alcaidaria da torre, até que a vosa alteza dee a quem lhe bem parecer;
o alcayde da torre de pamgy tem cinquo ou seis myl fs. sobre sua mo-
1 Quinhentos réis.
^ Dezeseis mil.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 193
radia, que sam per todos xxb réis *, sem quymtaladas, nem o de benes-
tarym nom tem quyntaladas; manuel de sampayo tem a alcay daria de
pamgy e he casado ; nuno freyre tem a alcaidaria de beneslary e he ca-
sado; as sprevanynhas da feitoria, húa tem vicemte da costa, filho do fí-
sico moor de vosa alteza; christovam de figueyredo, cryado que foy do
marychal e ora he voso, tem a outra, e sam ambos casados em goa; spre-
vanynhas de navios, pilotos, mestres postos por mym, todos tem menos
soldo que aquelles que vem hordenados per vosa alteza; proveadores dos
spritaaes postos por mym xbiij ^s.^ almoxarifes poslos per mym menos
tem do que lhe vosa alteza hordenou; proveador dos defuntos da armada
nom tem mais que seu soldo e seus percalços de quaremta por mylheiro,
porque o hordenado per vosa alteza nom o quysyr seruyr. Duarte de lemos
trazia lij*^ rs. e iij* quyntaes ^ com quatro navios; e manuel de lacerda com
xbiij *, com que ficou na yndia, cl fs. e Ix quymtaes ^ a quarto e vynlena;
fernam perez capitam moor de xij navios em malaca, cl rs. e quoremta
quyntaes a quarto e vyntena: a comcrusam, senhor, he que todo oficio
que eu provejo, atá o vosa alteza dar a quem lhe bem parecer, sempre
lho dou com muyto menos do que lho vosa alteza daa. E a quem a vosa
alteza spreveu o comtrayro, perdoe lhe deus; lá yrám os liuros dos feito-
res que em meu tempo fomm, e neles achará vosa alteza o que dito tenho.
Per outro capitulo da mesma carta diz vosa alteza ter ávido Recado
como el Rey de cambaya me mamdara seu embaixador, o qual m achara
em goa, e me mandara profertas e oferecimemlos pêra as cousas de voso
seruyço, e procurava vosa paz e amyzade com toda eficácia: tudo isto, se-
nhor, he asy, e eu voUo tenho já lá sprito. E eu mandey lá com certos
apomtamenlos e avisos, que jaa damles tinha de vosa alteza per cartas,
trystam degaa; e quando agora vym do mar Roxo, achey trislam degaa
e o embaixador dei Rey de cambaya com cartas pcra mym e Reposta dos
apomtamemtos, dizemdo que nos daria fortaleza em dyu, e se quysese-
mos a ylha que dizyamos, que a mandasemos ver, que era despovoada
por cobras e bychas que hy avia, e pellas grandes corremtes e nom teer
porto pêra nãos : maym nos davam, e tristam degaa Respomdeo qu era
* Vinte e cinco mil réis.
^ Dezoito mil réis.
^ Tresentos mil réis e tresentos quintaes.
* Dezoito.
^ Cento e cincoenta mil réis e sessenta quintaes.
25
194 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
lomge da cidade de cambaya, e que faryam grande custo as mercaderias :
quamto he aa obrigaçam da soma do cobre, a yso Respomdeo que elle
nom era jnercador, que os mercadores emtemderiam nyso : malecupy dise
que até xx quymtaes ^ compraria cambaya cada ano, e meliquiaz de dia
dez myl; as mercaderias de vosa alteza nom pagaram direitos, e as que se
comprarem de sua terra pagaram; a justiça de vosas gemtes será de voso
capitam, e das suas do seu: em páreas lhe nom mandey falar; de nom
acolher os ymygos, dise que os nom acolheria em sua terra, porém se
viesem tomar agua o Refresco a seus portos, que eram mouros, que lho
nom podia tolher : ysto está asy asemtado ; o seu embaixador he comigo
em cochym pêra leuar a nao meril, que elles tomam por preço do sua
homra; com elle yrá diogo femamdez e se terá a bordem e maneira que
vosa alteza de lá sprever, porque em lugares tam gramdes e de tamta
gemte, quando dam fortaleza por sua vomtade, dous homens abastam
pêra meter a obra a camynho, e asy se faz a de calecul: per outra carta
dou mays largamente comta a vosa alteza deste feito e de melyquaeaz.
Diz vosa alteza acerqua de mehqueaz de dyu, como vos diogo fer-
namdez spreveo do acolhymemlo e homrra e gasalhado que o dito meli-
queaz lhe fizera. E depois de diogo femamdez me ter emformado deste
feito, eu lhe fiz gramdes profertas e oferecimemtos pêra as cousas de sua
homrra e seguramça dela ; asy lhe sprevy como vosa alteza por carta my-
nha era emformado dos desejos que elle tinha de vos seruyr, e que vosa
alteza folgara muyto com yso, e Recebera sua bõa vontade e desejos de
vos seruyr, e que sempre acharia em vosa alteza homrra e mercê e favor
e ajuda pêra estar seguro de sua homira, e outras palavras e oferecimem-
tos de mynha pesoa, que lhe asy mamdey ; e ysto lhe emviey dizer secre-
tamente, asy por el Rey de cambaya nom ter coceguas de o ver tam me-
tido comnosco, como pela compeliçam dele com melycupy nom trazer
dano a noso comcerto, se diso tivese coceguas: agor i quamdo vym do
streito, que vym por diu, meliquaeaz fez cousas domrrado homem e de
gram prymor, asy na comfiança que teue em se achegar a mym e vyr fa-
lar comygo a bordo da mynha nao, como em dadivas a mym e a eses ca-
pitães, mamtymemtos pêra a armada, corregymento de bates e navios; e
toda lyndeza e cortesya nos fez, e amostrou a eses capitãaes que em terra
forom, toda sua artelharia e a mym toda sua fustalha; todo seu comcerto
^ Vinte mil qointaes.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 195
e todalas suas cousas me parecerom bem domem manyfíco; tamta arte-
Iharia como elle tem, nom cuydo que averá em nynhum lugar de chris-
tãos, e toda boa ; dyu parece me fraca cousa, grande cerqua e povoaçam
pequena pêra o que eu cuydava.
Per outro capitulo m avisa vosa alteza das penas que leuam os mey-
rynhos, asy em cananor como em cochym; eu tudo deixey muy bem hor-
denado e asemtado quamdo mapartey das fortalezas e me puz co a ar-
mada em mar: averá xiiij meses, que sam fora de cochym e cananor,
agora verey se á hy algum mao Recado feyto, e emendar se ha como vosa
alteza manda; agora mandarey apregoar, que todos aqueles a que tem
leuadas desordenadas penas, venham a mym, seram castigados aquelles
que vosa determynaçam e mandado pasarom e consemtyrom pasar.
Per outro capitulo diz vosa alteza ter sabido mynha yda a malaca:
aquy nom cabe outra Reposta senom ser vosa alteza lá pellas nãos do
ano pasado avisado do caso de malaca, e agora por estes capitães do que
lá pasou depoys da mynha partida.
Per outro capitulo me fala vosa alteza acerqua dormuz e da segu-
rança delle; e do que sobre ese caso me tendes sprito, até agora, senhor,
nom he nada feito, porqne tenho eu cartas vosas, que prymeyro que em
nynhua outra cousa entenda no feito d adem, e asy o faço, porque nom
leua vosa alteza errado conselho em segurar adem e o mar Roxo, e em
buscar a amizade, companhia e trato do preste joham, porque sam gran-
des aliceces pêra todo o bem de voso estado e de voso proveito : e prou-
vese a noso senhor que por vosa soo determynaçam e comselho, sem ver-
des nynhíla carta de caa senom a do voso governador, se íizesem as cou-
sas de voso seruiço, porque elas mays avante hum pouco do que ellas es-
tam: o que sobre este feito d adem e do mar Roxo tenho feito, per carta
grande vay a vosa alteza: todallas outras Razões que vosa alteza dá acer-
qua do feito d adem e do mar Roxo serem cousas muy primcipaes, e que
muyto tocam a voso seruiço, e donde se pode Recrecer muy grande pro-
veito e muyto seruiço a deos, tudo me parece asy, porque o tenho eu
visto pollos meus olhos; e asy o que' agora per derradeiro mandaes que
faça per estes capítulos desta carta, os quaes todos falam no feito d adem,
tudo se asy compryrá ymteyramemte, até que vosa alteza seja eroformado
do que sobre yso he pasado; e polo que nyso tenho feito, hey por Res-
pondido a estes seys capitólios desta carta.
Item: diz vosa alteza que feito isto d adem, posa emtender nas ou-
25#
196 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
trás quatro cabeças que ficam ; asy se fará como vosa alteza tem metido
em bordem, e o tempo e as cousas, como socederem, asy vos amostraram
o conselbo que nyso devaes tomar, e o que nos ouverdes de mandar que
façamos: em quanto be da mynba yda a ormuz, da tornada do estreito,
eu o quysera fazer, e as nãos que trazia de carga mo estrovarom e a obri-
gaçam dos provymemtos de malaca, de que eu atá emtam nom tynba nova,
porque o dia que party de goa camynbo do streyto cbegarom fernam pe-
rez e amtonio dabreu a cananor, e nom leuey nynbua nova comygo, e
tamfcem me desuyou deste camynbo e asemto de cambaya e calecut que tra-
zia amtre as mãos; mas acerca d ormuz e de babarem tudo se fará com ajuda
de noso senbor a seu tempo, porque as cousas grandes gastam sempre
muyto tempo, e mays nestas parles em que ba certo tempo de navegaçam.
Per outro capitulo me diz vosa alteza que feito isto d adem, que
mandase algQa parte da vosa armada emtrar ao mar Roxo: peço vos, se-
nbor, por mercê que nom dysemulês este feito da armada do soldam, por-
que estam as vosas cousas na yndia em gram fauor e credito, e toda a
yndia vos teme e vos tem grande acatamemto e obediemcia, e todollos
Reis e senbores delia procuram vosa amyzade. E se por nosos pecados
estes cãaes destes Rumes ouvesem algua vitoria de nós, era todo este
feito, que atrás digo, emtornado e barelbado outra vez: agora, senbor,
convém Regislir suas forças com dobrada armada, ylos buscar a seus por-
tos e terra com força de gemte, e seguramça de tam gram credito e fama
como temos gaanbado, poys que nom podêmoç nem deuemos descobryr
esta cilada, e ver em que os ymygos tem sua comfiança ; com bõa armada
e bõa gemte o deue vosa alteza de fazer, ao menos por esta primeira vez ;
e mais agora que sabem que os fomos buscar, pella vemtura se poerám
em bordem com suas forças pêra nos comtrariar nosa emtrada no mar
Roxo, ou asemto, se bo by quyjermos fazer: portamto, senbor, agora be
tempo de dobrar de llá gemte e armada, porque seguremos as cousas que
nos ficam traias costas, nom bulam comsygo, acomtecemdo nos cousa que
deos defenda; e como gaanharmos pee e asemto no mar Roxo, com muy
pequena armada que vá visytar Suez, se se crya nelle algua cousa, lhe
queymarám quamtas nãos botarem ao mar, amtes que as armem e apa-
relhem. E quamto be ao que vosa alteza diz, que se tomaram lá presas,
por nosos pecados hum gram golpe de Riqueza erramonós este ano, por-
que arribarom mais de Ix nãos, delas com temporal e delas de demtro
do cabo de guardafiium, onde ouverom novas de nós.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 197
Item: per ouiro capitulo me diz vosa alteza que vos mande dizef a
soma da mercaderia que se pôde gastar na yndia; e que vos he sobre yso
sprito de cá per desvayradas maneyras: eu faley com mercadores de cam-
baya, e faley com mehesamdely, homem voso seruydor, pryncipal merca-
dor de chaul, e asy com outras pesoas, e polo que eu tenho visto e sabido
de certa sabedoria, per outra carta o mandarey muy decrarado a vosa al-
teza, porque tenho já tomada toda a emformaçam per yleens dese^ feito;
e o que me parece he que se tendes mão no mar Roxo, que se gastará
tanta soma de diversydade de mercaderias e marcerya, asy nesta parte
da yndia como no golfão de ceylam pêra demtro, e em malaca e nos chyns
6 jaaos, que as nom poderám as vosas nãos trazer, porque as vejo vyr
avalumadas, chêas e abarrotadas com muy pouca mercaderia.
Per outro capitulo da mesma carta diz vosa alteza que tenha muy
grande e espicial cuydado daproveytar vosa fazemda, e de vos fazer Rico,
como volo tenho sprito, porque sem fazemda mal se poderá obrar na
guerra: quamto he, senhor, ao aproveitar de vosa fazemda, a que tendes
em terra em vosas feitorias, vos alteza tem cometido o carrego dese feito
a vosos oficiaaes, e a mym que nom emtenda com elles myudamemte, nem
ynveme em cochym, por lhe nom dar trovaçam: eu, senhor, o tenho asy
feito até aquy, e aynda lhe tenho todollos portos das mercaderias e trato
abertos e asesegados, e a terra toda muyto mamsa e pacifica : em tal ma-
neira pasa o negocio, que mandam os homens a bisnagua arrecadar di-
nheiro de mercadores, e trazem lho; andam os homens por toda a terra
do malavar, e nom lhe perguntam pêra bonde vay, nem donde vem; an-
dam os homens por todo Reyno de daquem comprando e vendemdo, sem
lhe nynguem falar; andam per todo o Reino de cambaya comprando e
vendendo, sem lhe nynguem preguntar donde vem, nem pêra onde vay.
Esta he a mynha obrigaçam, pêra se a fazenda que tendes em vosas fei-
torias aproveitar; ponham elles a diligencia e o menêo, e saibam fazello,
e darvosham muito proveito: mas eu soube que partira diogo pyreira este
ano pasado de cochym com hQa nao de pimemta e cobre e seda, e foy a
cambaya e a chaul, e trouxe xbj pardaos * em ouro, e nynhum deles pêra
a vosa feitoria. E quamto he, senhor, aa vosa fazenda que a armada ga-
nha no mar, e busca andando, e gasta e despende, desa vos darey muy
bõa conta e o voso feitor das presas, a qual he tam grande soma aas ve-
^ Dezeseis mil pardaus.
198 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
zes, que se espamtará vosa alteza; e faz se em meu tempo com tanta lym-
peza e cuydado que vosa alteza deue eslar muy descamsado; e comfyay,
senhor, ysto de mym, poys que nom tenho outro penhor nem outro fia-
dor senom vosa alteza, que me tem todollos anos de meu seruyço e meu
trabalho, e toda esa myseria que me a furtuna deu.
E diz me mays vosa alteza, se muytas especiarias vos emviar de cá
e muyto ouro, como esperaes em noso senhor que o daquy em diamte
farey, vosa alteza me emviará tamta gemte, com que nom soomemte toda
a yndia, como, louvores a deus, está jaa sogygada, mas aynda a persya
e esas outras partes do sertaam. Digo, senhor, que, louvores a deus, que
leixou falar verdade e compryr o que vos sprevy, que pela vemtura pa-
recerá lá ysto alboroço domem que desejava governar a ymdia: vosa al-
teza aja por certo que os portos durmuz atá ceylam, e asy lodallas mer-
caderias que nesta parajem jazem, estam prestes e abertos todollos tra-
tos e portos pêra Receberem vosos feitores e o voso trato e vosas com-
pras e vendas. E asy de ceilam pêra demtro todollos portos e mercade-
rias e mynas d ouro e de prata estam co as portas abertas pêra Receber
vosos tratos e mercaderias, visto pellas vosas gemtes e tratado com elles:
preguntayo, senhor, a todas esas gemtes que da yndia vaam. E eu voUo
mandarey per asynado de todos, ajuramentados aos samtos avamgelhos,
se he isto verdade ou nam ; alé os chyns podem vosas nãos e mercaderias
yr seguras e tratar. E que a noso senhor aprouve de eu comprir o que
vos tinha prometido, cumpra vosa alteza com a esperança e confiança que
eu tenho do grande galardam de meus seruyços, porque vos posa mais
abastado e mais homradamente seruyr, se vos de mym esperaes aprovei-
tar, porque hum homem velho e desagalardoado nom he bom pêra so-
memte hua íiem pêra o mar nem pêra a terra: sprila em cananor
a iij dias de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso dalboquerque,
(Sobrescrípto) A el Rey noso senhor *.
* Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.', M. 14., Doe. 12.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 199
CARTA XLI
1613— Dezembro 4
Senhor. — Despachadas e partidas as naaos da carga da Imdia per
dom garcia, qe a iso foy, qe deu gram delijemcia e aviamemto, ficou asy
em cochym aviamdo e correjemdo esa naao e navios que meses mouros
de benastarym espedaçaram com sua artelharia, e asy outros navios da
imdia que diso tinham necesidade; e parte da outra armada s estava Re-
formamdo de mamtimemtos e doutras cousas, e espalmamdo em chavU;
e outras estavam sobre a barra de dabull, e eu estava em goa damdo or-
dem a se acabar ho castelo de sam pedro em benastarym, e asy a torre
que comecey em pamjym; e alguas outras naaos tinha espalhadas, pêra
fazer vir ao porto de goa todalas naaos durmuz com os cavalos, temdo
tomado por determinaçam ser voso serviço os cavalos d arábia e da pérsia
estarem todos em vosa mãao, e virem ao voso porto de goa, por dous
Respeitos: o primeiro, por afauorecer ho porto de goa, e poios gramdes
dereitos qe pagam os cavalos e tornar a pouoar a cidade como amtes era,
e virem as cáfilas de narsymga e do regno de daqem com as mercadarias
a goa em busca dos cavalos; a outra, por el Rey de narsymga e os do
reyno de daqem desejarem e procurarem a paz e reconhecer estar em
vossa mão sua vitoria, porqe sem comtradiçam vemcerá huum ao outro
aqele qe ouuer os cavalos d arábia e da Pérsia, de qé sam muy necesita-
dos, e dam muito por eles; a outra, por estarem sempre em goa pêra
quallqér tempo de necesidade qe sobreviese, quatrocemtos, quinhemtos
cavalos de mercadores, afora os das estrebarias de vossa alteza; a outra,
por desfazer ho porto de J)atecala, ho quall nam he feito senam polo trato
dos cavalos e mercadarias d urmuz, porqe nam tem porto nem barra pêra
que possa emtrar huum batell, nem tem a desposisam da barra e porto
de goa, em qe as nãos dos mouros emtram carregadas, imda qe demam-
dem três braças d agua.
Feita esta delijemcia, vieram ao porto de goa nãos durmuz, qe po-
deriam trazer quatrocemtos cavalos muy fermosos e de muy gram preço :
mandei lhe fazer estrebarias muy gramdes^ e trezemtos homeeos da terra
>
200 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que comtinuadamente lhe acarretava a erva; e o mamtimemto pêra eses
cavalos lhe daua ho feitor grãaos, carregamdos sobre os mercadores, a
qe lhos daua pêra depois fazerem sua comta: mamdey dar aos mercado-
res as milhores casas que hy avia pêra seu apousemtamemto, e todo boom
trato e gasalhado e omra lhe foy feita: mamdey lhe dar cabrestamtes e
madeyra pêra varar suas naaos, cairo, breu, e azeite de pescado; por seus
dinheiros se lhe dava tudo ho qe lhe fazia mester, e mamtimemtos pêra
suas pesoas e sua jemte, sobre seus cavalos e mercadarias; e bem asy lhe
mamdey logo ordenar suas cargas de pimemta, jemjivre, noz noscada,
arroz e cobre, qe mamdey vir das feytorias de cochim e cananor, e creo
qe as nãos que daquy em diamte tomarem carga em goa, iram mais Ri-
cas naaos qe partirem das imdias, pola carga das espiciarias qe aly to-
mam, e lugar de as poderem levar a urmuz.
Hos mercadores, capitãees e mestres das naaos, foram asy bem tra-
tados e gasalhados e afauorecidos e ajudados, qe a mim me parece qe
numca jamais leixarám ho porto de goa, e bem asy pola liberdade da es-
peciaria e lugar qe pêra iso dou has naaos da imdia que a vierem tomar
e carregar em goa, em qe cuido qe se fará muito proveito, e que góa se
fará ho mais Rico porto e mylhor cousa destas partes: esta espiciaria qe
ásy dou lugar, he sómemte pêra a escapola d urmuz e nam pêra nehuua
outra parte.
Haa fama destes cavalos vieram em muy poucos dias mercadores
de narsymga, misijeiros delRey de vemgapor, sobre compra dos cavalos;
e asy estavam hy dous misijeiros do çabayo, que vieram a mim com car-
tas sobre ho comcerto de nossa paz, e qeriam comprar cavalos.
Hos mercadores destas naaos traziam aljôfar, panos de seda, e porqe
amtre nós avia homem de muy pouco cabedall pêra ho averem de com-
}rar, eles me pediram licemça pêra ho irem vemder a batela (sic), e eu
he dey lugar pêra iso.
Nestas naaos destes cavalos foy achado cojamir, mouro mercador a
qe emtreguey duas naaos da terra em goa a primeira vez que ha toma-
mos, com algua mercadaria de voss alteza daqela qe se achou em goa de
cimqo nãos de cochim e cananor que tinham tomadas, e com ho emba-
xador de xeqesmaell e com os misijeiros qe a ele emviava, ho quall co-
jamir foy bem despachado em vrmuz, e trazia cavalos em retorno da mer-
cadaria; e vimdo á imdia, sabemdo como goa era alevamtada comtra nós,
metesse em dabull, e levou os cavalos apresemtar ao çabayo: mamdey o
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQtJERQUE 201
premder em ferros a ele e a hum seu filho, tomei lhe vimta tamtos cava-
los, e alguuns destes cavalos e asy outros daneficados das vosas estreba-
rias de goa mamdey vemder sesemta a pocaracem, mouro mercador, por
dez mill oras douro, pêra se reformarem as estrebarias de vos alteza de
milhores cavalos, daqeles qe novamemte eram chegados durmuz.
Neste tempo dey tam gramde delijemcia, asy de fornos de call como
de camtaría acarretada em barcas doutras partes da ilha pêra benasta-
rym, e asy de pedra e camtaria qe os mouros tinham nos muros da vila
qe tinham feita, qe em muy poucos dyas se fez obra tam fermosa e tam
forte e tam bem obrada per mãaos de tomas fernamdez, qe pareceo qe
noso senhor obrava nela com sua ajuda; asy crecia a obra em tall ma-
neira, que ha minha partyda ficava pêra se defemder a todo mumdo qe
viese sobrela, da torre como ha cerqa e baluarte; a torre de muy gramde
altura e muy bem obrada de suas guaritas em cada quadra, de camtaría
e de muy fermosa pedraria: e eu poso dizer a vos alteza com verdade, qe
nas terras de crist^aos qe tenho amdadas nam vy mais fermosa peça nem
mais forte: tomas fernamdez a quys asy fazer por sua memoria: pus lhe
nome ho castelo de sam pedro, polo nome da nao qe primeiro aly che-
gou, e cerrou ho paso: a torre he de quatro sobrados d altura, qe se vee
dos muros de goa: ficou no primeiro sobrado huua torre pegada nesta,
sobre a Ribeira do Rio, madeyrada sobre piares e cuberta ao modo d ei-
rado; faz Rosto á terra firme, domde joga artelharia grosa; e a outra torre
sobio sobrela três sobrados; tem hum poço de muyta agua ao pee da torre
primcipall; lá ha mamdo pimtada a vos alteza: está asemtado ho castelo
sobre ha Ribeira do Rio, que he terra de gramde altura ^obre a borda
d agua, omde he a passajem da barca.
E neste mesmo tempo despachey diogo fernamdez, adaill de goa, e
com ele jóham navarro por lymgua, com os misijeiros do çabayo sobre
os apomtamemtos da paz qe qeriam : mamdey a garcia de sousa, qe es-
tava sobre dabuU, que alargase a navegaçam ho porto, nam semdo mer-
cadarias defesas per vosa alteza, e qe se seguros qysesem, que mos mam-
dasem pidir a goa, pois que ho çabayo qeria pazes; e mamdey com diogo
fernamdez e Joham navarro ho filho de gill vicemte, e dei lhe emcaval-
gaduras e vestidos, suas despesas: mamdey huum capitam da terra com
IX piães pêra os aver de servir, e os misijeiros do çabayo bem despa-
chados, e em nome de vos alteza lhe foy feita algua mercê segundo cali-
dade de suas pesoas.
86
202 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Asy despachey logo ho misijeiro dei Rey de cambaya, qe veyo a
mim com cartas, depois do seu embaxador despachado sobre a paz e
comcerlo qe pede ; e porqe minha temçam era ir em pesoa a este nego-
cio, e meu sobrinho dom garcia pola gramde acupaçam qe teve em co-
chim nas nãos da carga nam podia já ir a tempo, pêra em pesoa ho ir
acabar, qe nam perdese a navegaçam do estreito de meqa, emtam deter-
miney de mamdar lá, tomamdo por determinação da sayda do estreito vir
sobre cambaya, depois dei Rey de cambaya ter já sabido a determinaçam
de vosa alteza, apomtamemtos e comdições com qe lhe daryees segura
paz mamdey com ho seu misijeiro tristam degaa, e joham gomez por
esprivam ; de tudo ho qe se niso pasase, levava em minha estruçam e apom-
tamemtos, como dito tenho; e mamdey lhe ho presemte que vosa alteza
mamdava a timoja, e alguuas outras cousas que pude aver; e partiram
em bua nao de meliquiaz qe hy veyo com mamtimemtos e misijeiro seu
com cartas pêra mim, e visitar me depois da vymda de malaca.
Ao misijeiro dei Rey de cambaya e de miliquiaz mamdey amostrar
a vila que os mouros tinham feita em benastarym, e os baluartes no mar
e sua artelharia grosa, e ho arrabalde qe era mayor povoaçam qe ha vila, e
as estrebarias dos vosos cavalos em goa, e as cubertas qe agora novamemte
se fazem, e duzemtos besteiros e duzemtos espimgardeiros, porqe todo
homem casado e solteiro fiz ter besta ou espimga (sic)j asy pêra goa como
pêra armada, como pêra quallquer cousa omde comprise socorro ; e ór-
deney aquy este corpo mais qe em outro lugar, porque hos homeens de
goa comem pam de trygo e carne e muy boom pescado em gramde abas-
tamça, e tem coor domeens; e asy Ih amostraram como as naaos de vos al-
teza abalrroaram cos baluartes da sua artelharia grossa, e lhos ganha-
ram, por omde me parece que miliquiaz terá pouca comfiamça nos seus,
quamdo fízese alguum erro.
E asy despachey gaspar chanoca pêra narsymga, ho quall á minha
partida pêra malaca era lá: el Rey de narsymga me mamdava seu em-
balador em Reposta dos apomtamemtos qe lhe mamdey e com joyas pêra
vos alteza; nam m acharam e tudo se tornou: per chanoca lhe mamdey
dar comta do feito de benastarym, e os cavalos qe vos alteza avia por bem
virem todos ao porto de goa; e amtre outras cousas lhe mamdey dizer qe
todolos Rex da imdia tinham dado em suas terras lugar a vos alteza pêra
mercadarias e tratos; qe ele devia de dar a vosa alteza batecala; que dos
cavalos qe viesem d arábia e da pérsia ao porto de goa, lhe seriam sem*
V ..,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 203
pre guardados aqeles de qe tivese necesidade, e outras muytas cousas qe
neste feito amdam já movidas.
Foy também despachado neste tempo ho misijeiro dei Rey de vem-
gapor, o quall precura muito ser servidor de vos alteza e nosa amizade, e
faz muito fumdamento diso : partem suas terras com as terras de goa, e
oferece se com sua jemte e força comtra a guerra dos turcos; pedia que
lhe leixasem tirar ca lano de goa trezemtos cavalos: sua amyzade nos he
muito necesaria, por ser sua terra muy abastada de mamtimemtos, e ser
a estrada verdadeyra e chaam pêra narsymga; e aimda me mamdou ofe-
rycimemtos pêra governar as terras de goa, emtregamdo lhas eu, e damdo
certa cousa por elas.
Despejado d emtemder nestes negócios de fora, dey ordem á torre e ba-
luarte de pamjym e cerqa de sua barreira de redor pegada no Rio^ a quall
obra ficou sobre a terra ha minha partida, porque avia ahy muita camtaría
e muitos fornos de call, e ha delijemcia de tomas fernamdez, que he mayor
que ha minha: e asy pus na ilha de choram e dyvary huum cavaleiro ca-
sado em goa, que se chama manoel fernamdez, ho quall tinha já muita cam-
taría e muita casca d ostra pêra fazer call, e dado ordem pêra se fazerem
as torres qe ordeney nestas ilhas, de pedra e call, como as obras de goa.
Ghegamdose ho tempo da minha partida, Ruçalcam, capitam do ça-
bayo, que estava em benastarym, precurou per vezes de me ver e falar
comigo, e eu m escusei diso, porqe emtemdy que as terras boliam com-
sygo, por lhe verem pouca jemte e fora da ilha de goa; e depois me pa-
receo bem, pois qe tamto precurava nosa amizade, qe em quamto ho com-
certo damlre mim e o çabayo amdava em apomtamemtos, qe nam trazia
perjuizo ir lhe falar, aimda que ha terra tomase asesego com ele e lhe acu-
dise com os dereitos, pois lhe nam avia de fazer a guerra; e ele com de-
lijemcia acudia com mamtimemtos e servimtia da terra e todalas outras
cousas necesareas a goa: fuyo vêr ao Ryo de benastarym: ho qe pasoa
damtre mim e ele foy oferecimemtos qe me ele fez, e desejar de ser ser-
vidor de vosa alteza, e a iso lhe respomdy cousas desapegadas, que nam
sam necesareas sabei as vos alteza; e depois disto foram homens nosos a
seu arrayall, e jemte sua vinha cada dia a goa, e os moradores e lavra-
dores da ilha se tornaram todos a lavrar e aproueitar como damtes, jem-
tios e nam mouros; e asy se tornaram todolos oficiaees dartelharia, de
bombardas e espimgardas, as quaees se fazem de ferro em goa milhores
que has dalemanha.
26^
204 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Posta asy em ordem as cousas de goa, a mim me pareceo voso ser-
viço mudar a ela pêro mascarenhas, e o mamdey chamar, e ele levou
gramde comtemtamemto de halargar a capitania de cochim pola de goa;
e mamdey ficar em cochim por capytam jorje dalboqerqe, e levey comigo
maooel de lacerda; e pêro mascarenhas Ocou em goa por capitam, e lhe
leixey huum rejimemto assaz largo de cousas de qe goa estava bem ne-
cesitada, e eu conBo dele qe o fará em tali maneira que as cousas de goa
sejam oulhadas e gramjeadas que tornem muy cedo ao qe eram, porqe
os capitães pasados sempre folgaram de ha deslroir e danar, emchem-
dolhe ela a bolsa de dinheiro.
Neste tempo, amtes de minha partida, me chegaram novas como ca-
malcam, capitam primcipall da casa do çabayo e governador de toda sua
fazenda, era morto dos turcos, e que havia ahy devisam no arrayall do
çabayo, os pérsios e coraçanes cos turcos, porque ho camalcam era pér-
sio; e asy el Rey de narsynga era abalado com seus arrayaes sobre per-
gumdaa, qe era alevamtado com ho outro que savia por Rey de nar-
symga; e asy el Rey de cambaya com seu arrayall, depois da morte de
seu pay, abalou comtra ho estremo do Reino de mamdao, que vynha
elRey de mamdao sobrele: dou esta comta a vos alteza, porqe he bem
que dos movimemtos e divisõees dos Rex e senhores da imdia vosa alteza
seja sempre avisado, ho quall prazerá ao muy alto deus qe averá hy tamto
descomcerto e guerra amtreles, que alguuns vos tomaram por valedor e
vos darám parte de suas terras.
Chegado meu sobrynho dom garcia no mês de feuereiro, ele e eu
estivemos por espaço de quatro ou cimqo dias aimda em goa pêra des-
pacharmos framcisco nogueira e gomçalo memdez, feitor qe foy de cana-
nor, pêra o negocio de calecut, e embarcamos logo.
Recolhidos todos os capitãees a suas naaos e jemte, os mamdey cha-
mar e lhes dise, qe as cousas determinadas e mamdadas per rejimemto de
vosa alteza nanas avia de pôr em comselho se as faria ou nam, salvamte
vemdo tamtas comtrariadades ou causas por omde se nam divesse de fa-
zer e comprise comselho sobre ese caso, somemle noteficarlhe vosa de-
terminaçam e vomlade; e portamto lhe dezia qe per rejimemto e cartas
de vos alteza me mamdava qe eu fose adem e emtrase ho estreito de meqa:
se lhes parecia que havia hy imcomveniemtes a noso caminho e deter-
minaçam de vos alteza, que cada hum disese aly per seu asynado; e a to-
dos DOS pareceo que por emlam hy nam avia impidymemto a noso cami-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 205
nho e fazer ho qe nos vosa alteza mamdava, e asynaram todos e se foram
pêra suas naaos; e ao outro dia pola roenhaam lhe fiz synall acustumado,
levamos nosas amarras e nos fizemos todos á vela com vemto largo de
bòom viajem, que nos noso senhor deu.
Fazemdo asy noso caminho via do cabo de gardafuy, no golfam
achámos bonamças, por omde gastámos mais agua qe aqela qe me pare-
cia qe nos poderia abastar até á chegada d adem; emtam determyney d ir
tomar agua a çacotorá, porqe no cabo nam avia aguada pêra tamtas nãos,
e também por nam sermos descubertos. E ouuemos çacotorá e fomos to-
dos sorjir dyamle do coco, lugar omde soya d estar a forteleza de vosa
alteza, e no lugar avia hy já cimquemta fartaquys, que começavam de
correjer suas casas e ortas ; e forteleza e nehum modo de sua defemsam
Ihachey: poseramse logo na serra lodos contra calacea, e nós tomámos
nosa agua no mesmo lugar do coco todos, e lenha: aly nos vieram falar
alguuns cristãos e cristãas da terra, aos quaes mamdey dar alguuns pa-
nos e arroz, e se foram embora pêra suas casas, e mamdey derribar to-
dalas casas dos mouros c por lhe ho fogo.
No mesmo dia qe sorjy, mamdey logo correr a ilha até calacea com
ha caravela, tememdome que alguum barco dos fartaquys estivese em ca-
lacea e pasase haa bamda de fartaqe e dofar dar novas d armada, ou al-
gtlua nao de mouros que fosse pêra ho estreito e estivese aly tomamdo
agua. Joham gomez, capitam da caravela, ho fez asy como lho eu mam-
dey ; e poios vemtos serem levamtes, pêra tornar a mim lhe com vynha
balrravemtear hua volta hó mar e outra á terra: imdo huum dia na volta
do mar, topou com huua nao de chavll, que hia pêra ho estreito, e ha to-
mou; nam lhe fiz nehuum nojo, por ser de chavll e nam levar nehua
espiciaria, porém leve a sempre comigo e aproueiteyme do seu piloto, qe
até emtaiíi nam levávamos piloto mouro nem homem que soubesse adem,
somemte martim memdez, piloto, qe fora já em canacany, que seria xx
legoas d adem : quys logo ho piloto mouro que atravesasemos de çacotorá
dereytos adem, que jaz na mesma altura de caçotorá leste oeste com ele:
fazemdo asy noso caminho, saltou ho vemto ao susueste, e por ser hum
pouco escaco e o tempo ser já tarde, determiney de meter á orça quamto
podese, e aferrar a terra do cabo, por nos pormos a balravemto, e com
todolos vemtos éramos senhores da boca do estreito: fizemolo asy, e o
vemto ás vezes era susueste e ás vezes era sull, e deixou nos aferrar a
terra per sotavemto dabedalcuría.
206 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Aferrada a costa na mãao, a fomos asy perlomgamdo, porqe minha
temçam era, e comselho de martim memdez, que de mete atravesasemos
adem, e o piloto mouro asy ho dezia, e levámos asaz de vemto que dito
tenho, per espaço de três dias, com mar asaz, porqe as aguas corriam
comtra vemto; e fazemdonos per este caminho dez legoas de mete, de-
termynamos datravesar adem; e posto que ho piloto mouro disese que
hó noroeste hiriamos dar em adem, quis me eu ter a halravemto d adem,
porque escorremdo adem, nam podia tornar cos levamtes a ele: e mam-
dey fazer ho caminho do nomoroeste, e huum dia á noute leixey a costa
e cortey aqela noute e o outro dia e a outra noute logo seguimte com
pouca vela, e amanhecy sôbela costa no mesmo lugar em que ho piloto
mouro disse que hia tomar por aqele Rumo, que he amtre canacany e
hua serra que se chama darzina, e fyzemos aqele dia noso caminho ao
lomgo da costa: quamdo veyo a noute, por nam escorrermos adem, lam-
çamos has nãos de mar a través em pairo, e jouuemos toda aqela noute
até pola menham qe nos fizemos á vela; e caminhamdo asy, ao sol posto
ouuemos vista da ilha d adem, e parece nos que nam era bem irmos de
noute sobrela, por nam sabermos ho porto e ser armada gramde, e ao
sorjir de noute no porto nam darmos huuns por outros ; e amaynamos to-
dalas velas, com fumdamemto daqela noute pairar: veyo pêro d alboqerqe
á minha nao no seu batell, dizemdo que hachara fumdo de xxxb braças ^:
cerramdose a noute, fiz synall ás naaos qe se fizesem á vela cos traqetes,
e cos prumos na mãao fomos cortam do por aquele parcell atá tocar ho
prumo em catorze braças jumto com ho porto d adem: éramos já semti-
dos, e fizeram nos os mouros d adem foroll em outra pomta, cuidamdo qe
ho iryamos nós demamdar e escorrer ho porto: estivemos aly surtos até
pola menham, dia de sesta feira demdoemças, e nos fizemos todos á vela,
6 postas em armas todalas naaos e jemte, cuidamdo que hachasemos hy
outra jemte de fora; e tomamdo todalas nãos pouso, alguas nãos s emba-
raçavam com outras ao surjyr; e polas nãos serem gramdes, e muitas as
que bestavam em adem e terem tomado ho pouso abrigado do levamte,
ficámos nós huum pouco de fora: e posto que ha jemte posta em armas
quysera logo pôr as mãaos ha obra, a mim me pareceo por aqele dia boom
coinselho segurar bem as naaos d amarra, desembaraçamdo se htluas das
outras, por tall qe acudimdo alguum levamte Rijo nam se fizese algum
1 Trinta e cinco braças.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 207
mao Recado ; e alguuos foram neste parecer, e outros que l(^o se devia
cometer a cidade; e eu folgara muyto, por ser sesta feira, dia da paixam
de DOSO senhor^ senam fora ho segurar as nãos d amarra, em que tamto
hia ; e depois sayo boom comselho, porque vemtou ho levamte Rijo ; e ai*
guuas nãos surjiram três ou quatro amcoras hó mar, e pasou logo ho
tempo.
No mesmo dia de sesta feira me mamdou miramerjaam, governa*-
dor d adem, dizer, qe era ho qe qeria, e mamdou huum mouro de cana-
nor conhecer qem era; e eu lhe mamdey dizer qe era ho capitam jerall
das imdias per mamdado de vosa alteza, e qe aqela armada eram nãos
da ordenamça da imdia, que vinha em busca dos Rumis e da sua armada,
e que os avia diir buscar até judá e suez, a ver será verdade ho qe de*
ziam os mouros, que fazia ho soldam armada comtra nós em suez: tor-
nou se ho seu misijeiro e deu lhe esta reposta minha, e tornou outra vez
com hum presemte de limõees, laramjas, galynhas, carneiros, e eu duui*
dey de ho aceitar, dizemdo qe nam era meu custume tomar presemtes de
lugares e senhores com qe nam tinhamos paz asemtada: ele me Respom-
deo que dezia miramarjam que ha cidade era de vos alteza, e qe tudo se
avia de fazer ho qe eu quisese: emtam lhe respomdy que oulhase bem ho
que dezia, que com aqela comdiçam lhe Recebia ho presemte, e qe disese
a miramerjam que se ele estava á obediemcia de vos alteza, qe abryse as
portas e recebese vosa bamdeira e jemte na cidade ; e asy mamdey dizer
aos mercadores das naaos, poios tirar fora da cidade, qe eu lhe dava se*
guro a suas naaos, poios tirar fora da cidade, e qe eu lhe dava iso mesmo
seguro a suas pesoas qe se viesem pêra suas naaos: myramerjaam me
respomdeo que era do xeqe; se eu algSua cousa qerya, qe ele me viria
falar á Rybeira com ix homeens, e qe eu nam levase mais doutros vimte:
eu lhe respomdy que era escusado vermonos ambos de dous em outro
cabo senam demtro na cidade ; e asy se foram os misijeyros com esta re-
posta, e nam tornaram mais a mim; e os mercadores me mamdaram di-
zer qe as naaos eram já emtradas dos nosos, e qe nam ousavam de viir
a elas.
Sobre adem nam ouuemos pratica nem comselho do qe aviamos de
fazer, porqe em çacotorá estive com todolos capitães sobrese feito, porqe
em cousa tamanha como he adem, e qe tam prestes tem ho socorro, de
lomje deviamos de trazer determinado ho qe ouuesemos de fazer; no quail
comselho asynado por todos determinamos de lhe pomnos a& nmús, che^
208 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
gamdo sobrele, nam vemdo nós cousa que impidise noso comselho e de-
terminaçam. E portamto oaqela sesta feira em qe chegámos, nam ouue
hy outro comselho senam todos nos poermos em armas pêra vos servir
com bOoa vomtade e com a obra; somemte ficámos em comcerto de ho
combatermos por dous lugares^ e fazermos da nosa jemte três batalhas:
dom garcia com certos capitães e jemte, e eu com outros tamtos, e Ruy
gomçalues e joham fidalgo com a jemte da ordenamça, que haviamos d es-
calar e combater ho lugar por duas partes: dom garcia pola parte da mão
dereita, e eu com ha outra Jemte da bamda da mão esqerda, todolos ca-
pytães com suas escadas, e a jemte da ordenamça com sua escada per sy:
e recolhemos muitas barcaças pêra pôr a jemte em terra, porque os ba-
tees nam abastavam; e dey á jemte da ordenamça duas barcaças gram-
des, com qe se carregam as naaos em adem: levámos bamcos pimchados,
pees de cabra, alviOees, picõees pêra derribarmos huum lamço de muro
com pólvora.
Pasado ho dia de sesta feira, quamdo veyo a noute mamdey cha-
mar os capitães, porqe me pareceo pola necesidade d agua qe amtre nós
avia, ganhamdo ha cidade, se nam tomasemos a porta da serra, qe todo
DOSO feito era nada, e que de necesidade nos tornaríamos Recolher aas
naaos; e ficamdo em qebra com adem, polo tempo ser já gastado, nam
sabiamos por emtam domde nos Reformar d agua; e este impydimemto
que mamim soo tocou, domde me parecia que armada e jemte se punha
em comdiçam, me fez mamdalos chamar, e lhes dise a eles somemte, que
a nós nos comvynha pelejar bem, e qe se nam ganhasemos ha porta, qe
nam tinhamos nada feito, porque poderiam meter na cidade tam gram
peso de jemte, que ho nam poderíamos nós sofrer; e asy lhe pus diamte
ho pejo qe acima dyto tenho: a todos-lhe pareceo que ho feito se pode-
ria acabar, e que as outras cousas noso senhor nos proueria, e algua agua
se poderia na cidade achar, ou mercadores da terra firme a poderyam
negocear pêra sy e pêra nós; e começámos amtre todos de nos comfiar
huuns aos outros sobreste caso qe lhes pus diamte, por omde determiná-
mos de hó sábado, em amanhecendo, pôr as mãaos e as escadas hó muro.
Prestes todos e comcertados como tinhamos ordenado, semdo duas
oras amte menhãa mandey tocar húua trombeta na minha naao, e toda a
jemte se armou, e comeo e bebeo, até que começou de romper alva do
dia, e embarcámos todos; e porqe me pareceo qe éramos pouca jemte e
poucas escadas pêra escalar ho muro, e a cidade e pouo posto em ar-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 209
roas, e qe escalamdo por duas parles, nam poderíamos poer jemte de huum
golpe em cima do muro, pêra que ousase de correr ho muro e decer dem-
tro, déterminey de todos jumtos darmos combate por hum lugar, por lall
que ha jemte fose dobrada ho muro, e podesemos socorrer huuns aos ou-
tros, e filo asy: jumtamemte fomos todos dereitos ho muro, e polo mar
ser aparcelado tocaram hos nosos batees huum tiro de besta do muro, e
a jemte desembarcou toda pola agua, que nos fez asaz de dano aos es-
pimgardeiros, qe se lhe molhou toda a pólvora, e á jemte homrada, que
sayo toda molhada.
Desembarcados todos os capitãees, como valemtes cavaleiros e cria-
dos de vos alteza, desejadores de vos servir, como se aly viram presemte
vos alteza, tomaram suas escadas muy prestes e pôs cada huum a sua no
muro, e foram eles os primeiros da escada, do qe me a mi bem pesou,
porque eles fizeram seu dever como cavaleiros, e a sua jemte ficou logo
desarramjada ao pee do muro ; e alguuns cavaleiros e fidalgos poseram os
pees em cima no muro com seus capitães: joham fidalgo com ha jemte da
ordenamça e seus cabos d esquadra, a qe eu emtreguey huua muito gramde
e muilo larga escada que podiam ir seis homeens a par, fez também seu
dever, porque Ruy gomçalvez era doemte, e pôs sua escada no muro, e
sobio per ela primeiro sua bamdeira e jemte das picas com ela; e alguua
outra jemte da ordenamça até cemtomeens atravesaram huua pomta de
huua Rocha qe vem emtestar no muro, por omde lyjeiramemte poderam
decer demtro á cidade, semdo capitam deles amryque homem, qe eu quá
mety na ordenamça por capitam de certa jemte, e amda ha ordenamça
de Ruy gomçalvez e joham fidalgo, ordenados por vosa alteza.
Postas asy as escadas ao muro e a jemte com muy bõoa vomtade
pegada no muro, desejosa de vos servir, e sobiram polas escadas, traba-
Ihamdose de qeno faria primeiro: foy tam gramde ho peso da jemte nas
escadas que qebraram as escadas jumtamemte todas, e asy ha da orde-
namça, que era escada qe de cada vez podia lamçar cemtomeens em cima
do muro, e foy socorryda per meu mamdado, quamdo vy tam gram peso
de jemte sobrela, pola jemte das alabardas, que sam homeens da minha
guarda, os quaees se poseram de htlua bamda e d outra com as alabar-
das a pomtoala, e todavia qebrou, e fez em pedaços as alabardas, e fica-
ram mall tratados hos homeens delas.
Dom garcia, meu sobrinho, com os capitães que com ele eram perto
de mim, naqele lamço de muro mamdou pôr suas escadas ; apertou com
27
210 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sud jemte Rijamemte ao combate omde ôs mouros tinham toda sua força
de jemte, porqe está naqele lugar está (sic) hua porta qe eles tem por pro-
fecia que por aly se ha de ganhar adem, a quall porta dom garcia temtou
de ha qebrar e achou a forrada de parede por demtro : tynham aly peso de
jemte, e todavia lhe fizeram despejar ho alto de seu muro, qebrar as es-
cadas CO peso da jemte, foy ferido dom garcia e alguua parte dos seus;
por os mouros terem aly sua força, recebeu aquy a nosa jemie mais dano
qe em outra parte: quamdo dom garcia vyo que aly nam podia aprovei-
tar, correo ao lomgo do muro comtra omde eu estava, e asy ferydo e mall-
tratado como eslava, nele esteve aqele dia depois d ajuda de noso senhor
ho remédio dalguns fidalgos e cavaleiros que no cubelo ficavam; e o que
me mais dele aqele dia pareceo, nano ouso de dizer, porque he meu so-
brynho; somemte digo, senhor, que dom garcia he hua pesoa domem
de qe vos alteza deve de comfiar em quallquer parte gramde peso de ne-
gocio e jemte, porqe me parece homem pêra muito mais: he muito amado
dos homeens, e tam conhecido dos Kex da imdia e tam estimado am-
treles, que lodos lhe esprevem e ho mandam vesitar; e sobrele carrega
agora ho negocio da imdia, de que vosa alteza deve fazer muy gram
fumdamemto.
Quebradas as escadas, ficaryam no muro até l** homeens *, capi-
tãees, cavaleiros e fidalgos e jemte homrada; descomfiados de socorro
poucos deceram abaixo do muro, amtes alguns se recollieram a huum cu-
belo, fazemdose aly fortes; e eu mamdey destapar certas bombardeyras
do muro e de huum baluarte, e mamdey tyrar huua bombarda dos mu-
ros pêra fora, por despejar a bombardeira; e aly acodio a jemte muy pres-
tes e muy Rijo a qerer emtrar polas bombardeiras, omde tive maão a nam
dar lugar senam a besteiros e espimgardeiros quamtos podia, e joham de
tayde e alguuns homeens de bem com ele.
Viram os mouros a pouca jemte no muro, e vyram as nosas esca-
das qebradas, e acodiram Rijo ao pee do seu muro a defemder as bom-
bardeiras, e pelejaram bem sobre ese feito; e os nosos, porque os mais
deles escalaram com espadas e adargas, sem lamças, nam poderam tolher
que nam defemdesem as bombardeyras muy bem, omde morreram mui-
tos despimgardas e setadas polas mesmas bombardeiras; e nisto decoram
abaixo do muro jorje da sylveira, aires da silva, dom joham de lyma, vi-
^ Gincoenta homens.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 211
cente dalboqerqe, dom joham deça, Ruy galvam, joham de meira, Ruy
palha, joham de tayde, manoel da cosUi, feitor das presas, joham gora-
çaluez, criado de dom marlinho, Irystam de miramda, aluoro de crasto,
louremço godinho, gill symõees, e deram nos mouros, e derybanm per
hum terreiro bõoa soma deles, alé os meterem polas Iramqeiras das suas
Ruas: os mouros qaamdo viram qe aqeles nam eram socorridos e as es-
cadas eram j|ebradas, e a jemte da ordenamça que emcavalgara a serra
nam decia abaixo, sayo ho capitam d adem a cavalo com hum golpe de
jemte e deu nos nosos, e eses poucos cavaleiros e fidalgos qe se hy acer-
taram, tiveram os Rostos qedos neles e pelejaram bem com eles per huum
espaço, omde feryram e derribaram alguuns mouros, e feriram mira mer-
jam; e creceo ho peso tam gramde da jemte. qe eles se Recolheram ao
muro, semdo já ferido aires da sylva, dom joham de lyma, joham de meira
6 o mestre da madanela e huum goromete e huum homem de húua pica
da ordenamça, e jorje da sylveira que haly faleceo.
Recolhidos asy estes fidalgos e cavaleiros ao muro, garcia de sousa,
amtonio raposo, duarte de melo, gaspar cam, joham gomçalvez, diogo es-
taco e dous homens, e diogo d amdrade e joham de sousa e amdré corrèa,
se fizeram fortes em hum cubelo, e os mouros se achegaram Rijo ao pee
do muro; e polo chão ser mais alto da parte de demtro que da parte de
fora^ fycava ho amdar do muro muy baixo ; e por alguuns dos nosos nam
terem lanças, por escalarem com espadas e adargas, e receberam assaz
de dano de pedradas e de frechadas, e com alguns zagumchos se achega-
vam ousadamemte os mouros: a jemte da ordenamça que no cutelo da
serra estava, se reteve atrás, porqe acudio peso de jemte dos mouros pola
serra, e com pedras os tratavam muy mall.
Neste tempo nos trabalhamos dom garcia e eu por remedear o feito
quamto fosse posivell, e com troços d escadas qebradas atadas huas nas
outras podemos socorrer aos do muro com huua escada por omde se re-
colheram; e recolhidos, ouue hy jemte qe qysera outra vez tornar ao muro,
e foy tamta a jemte na escada, que quys sobir, que outra vez ha fizeram
em pedaços, e eu dey volta sobre a jemte da ordenamça que deceo da
serra, a fazei a outra vez volver, e nam pude acabar ese feito, tam desor-
denada amdava já a jemte: volvy outra vez sobre dom garcia, ho quall
já tinha remedeado huua escada e cordas aos do cubelo, e pola escada
ficar huum pouco curta os do cubelo saproueitaram das cordas, e se sal-
varam per elas; e atá emtam os mouros nos tinham feito muy pouco dano,
27
212 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e nós a eles muita jemte morta e feryda de bestas e espimgardas e boas
lamçadas e cutiladas; e alguum nojo nos fizeram com duas bombardas qe
jugâvam ao lomgo do seu muro pelo resteiro, em tall maneira que nos
afadigaram com elas ; e nam sabia se Remedease estes capitãees, cavalei-
ros e fidalgos, e dom garcia que hy era pegado no pé do muro, damdo
pressa ao combale, ou se acodise aos de cima do muro; e daquy recebe-
mos alguum dano: durou ho combate dês da ora que posemos as escadas
até quatro oras do dia, qe afastey a jemte do combate já càmsada, sem
termos escadas, nem maneira de Ih emtrar ho muro, e gramde calma, e
huum pouco comtra suas vomtades, desejosa de tornar ho feito, e embar-
cámos em nosos batees muy de vagar, e a maré era já pegada comnosco
no muro ; e por huum boom espaço fomos emtrar nos batees, polo mar
ser aly aparcelado, e nam nos poderem vir tomar ao pee do muro ; e asy,
senhor, que deste feito nam tçnho mais que sprever a vosa alteza, so
memte que os mouros defemderam mall ho alto de seus muros, e os vo-
sos capitãees, cavaleiros e fidalgos lho ganharam muy prestes, e defem-
deram muy bem ho pe de seu muro, quamdo viram as escadas qebradas,
e a jemte que avia de socorrer hua á outra, atalhada.
Recolhidos asy aas naaos, outro dia mamdey jemte a terra sobre a
torre e baluarte de molde qe tem feito, domde nos tiravam assaz de bom-
bardas, polas nãos estarem pegadas com ela; e mamdey haas nãos que
com artelharia grosa ajudassem aa nosa jemte, e tiravam ao alto da torre,
e foy muy prestes ganhada, omde lhe tomámos xxxbj bombardas * gros-
sas, delas de gramdura de pedra dos nosos camelos, e outras pouco me-
nos, e a tivemos asy até nosa partida, e asy todalas naaos do porto que
estavam cos proyzes no molde : he cousa muito forte ; se ho quiserem bem
defemder, será trabalhoso de ganhar.
Acabado este feito, os capitãees, cavaleiros e fydalgos quiseram dar
outro combate á cidade, e quyseram qe leváramos artelharia grossa, bam-
cos pimchados, pees de cabra, alviõees e pólvora, pêra lhe darmos com
huum lamço de muro no chão, ou lhe qebrarmos as portas da cidade, e
emtrarmos com eles per força; e eu nam quys por alguuas rezõees qe
ma iso moveram, e a prymcipall, porqe eu estava mais cercado qe os
d adem e em mayor necesidade por nam ter agua, e a mouçam dos le-
vamtes ir se gastamdo^ e punha em comdiçam armada e jemte, se huum
1 Trinta e seis bombardas.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 213
soo dia mais estivese sobradem, porqe pêra tomar atrás, avia d aguardar
dous meses e meyo, e pêra emtrar ho estreito estava já na &m dos levam-
tes ; e posto qe lhe tivéssemos as portas do mar e porto cerrado, tinham
eles muy abertas a do sertam, pêra lhe vir quamto socorro quysese.
Ho qe poso dizer do feito d adem a vos alteza, he qe foy a milhor
cometida cousa e mais prestes do qe ho vos alteza pôde cuidar; e todos
eses capitãees, cavaleiros e fidalgos pegados no muro, e o emtraram tam
ousadamemte e com tam to esforço e desejos de vos servir, como se vos al-
teza em pesoa estivera aly e os vira; e a furtuna, emvejosa de suas hom-
ras, quys qe qebrasem as escadas jumtamemte todas, porqe, sem comtra-
diçam, com ajuda de noso senhor tínhamos ho feito acabado, qe na cidade
nam avia jemte pêra nas Ruas delas ousarem de pelejar comnosco, aímda
que avia já três dias qe éramos semtídos e vystos na costa em qe estaa a
serra qe se chama Darzina, qe viemos demamdar, e comtudo nam lhe era
vimdo imda peso de jemte de socorro, com qe bem nam poderamos,
aimda qe nam éramos mais de mill e setec^mtos homeens brancos, e nam
saymos todos em terra por mingua dembarcaçam; mas os desejos de vos
servir nos faziam dobrada a jemte, e as escadas nam qebraram senam de
peso de jemte, qe desejava de vos fazer asynado serviço aqele dia.
Neste tempo vieram alguuas naaos da imdia demamdar o porto, e
todalas recolhemos, e daly em diamte nos trabalhamos baas toas por sair
pêra fora, e de demtro da cidade nos tiravam com tiros grosos e furyo-
sos ; e postos asy de fora, eu me fiz á vela caminho do estreito, sem mais
neste feito ter pratica nem comselho, porqe me pareceo por emtam asy
voso serviço; e amtes qe me partisse, q^ymey toddas naaos d adem, e asy
outras qe tomey de novo, qe seriam per todas vimta nove naaos muy gro-
sas e muy gramdes, e dey primeiro lugar aos mestres qe s aproveytasem
dos aparelhos e cousas de qe tivesem necesidade, e asy aos capitãees e
jemte desa mercadaria que imda estava por descarregar nas nãos, que ha
baldeasem nas suas : acabaram aly as nãos grosas do xeqe todas e outras
doutras paites, e asy tomamos nãos de barbara e zeila carregadas de
mamtimemtos muitos e boons, de qe tinhamos assaz necesidade.
Neste tempo qe asy estive diamte d adem, mamdey ver a pomte qe
está trás as costas d adem, e porto eycelemte de todolos vemtos cerrado,
a qe os mouros chamam hujufu: foy a iso manoel de lacerda, symam
damdrade, symam velho, pêro da fomseqa, e acharam huum esteiro muito
estreito e de pouca agua de baixa maar, e todavia chegaram domde vi-
214 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
ram os piares da pomte por omde pasam os camelos com mamtímemtos
e agua da terra firme á cidade, posto qe de demtro da pomle por omde
vem o cano d agua, estaa hua alverqa de cantaria feita, em qe o cano vem
verter agua, domde ha os camelos levam pêra a cidade, e fizeram lhe com
artelharia leixar o caminho que vay ter á porta da cidade; e os camelos
rodearam hum cutelo de huua serra, e vynham sair á porta da cydade, e
outros camelos vynham com mamtymemtos da terra firme, e faziam seu
caminho por hum campo e per htlua estrada larga da terra firme qe vem
por fora pelo campo, e vinham áqele mesmo caminho per detrás da serra,
sem pasar a pomte nem agua nehuua, em tall maneira qe adem nam he
ilha, porqe estamdo nós no porto pousados, vimos os batees da outra
bamda da pomte, e jemte e camelos ir e vir pola estrada e campo da terra
firme e emtrar pola porta da serra; e estes capilãees que aly mamdey, to-
maram alguuas naaos de barbara e zeila carregadas de mamtimemtos, e
tomaram os mamtimemtos e poseram ho fogo ás nãos e se vieram.
Visto isto tudo, chegamdo capitãees, me fiz á vela caminho < a porta
do estreito, e posto qe fose caminho de huum dia e huua noute, pus nele
dous dias, por guardar ho custume de descobrydor ; porque toda esa costa
per hy he limpa e parcell de boom fumdo pêra sorjir em quallqer parte;
e chegamos ha porta do estreito e lhe fyzemos toda a festa d artelharia e
trombetas e bamdeiras qe bem podemos: sorjimos de demtro da porta do
estreito por aqele dia no pouso dos leuamtes, todos jumtos; e nós surtos,
vem hua nao de mouros demamdar a porta, e qeremdo abocar a porta do
estreito, ouue vista de nós que estávamos surtos, e teve se a orça, e sorjyo
detrás da ilha qe estaa na boca do estreito, a qe os mouros chamam myvm ;
e por estarmos a sotavemto e nam podermos ir a ela, se salvou ; e até
emtam nam era diamte de nós senam huua soo nao de dabuU, todalas ou-
tras eram atrás de todalas partes, que a judá aviam de vir com espicia-
ryas; e nam ousamos aly esperar hum soo dia mais, que ho tempo e a
necesidade d agua me tinha posto em gramde afromta, por ser terra nova
que aviamos de descobrir co prumo na raãao, em terra em que hy nam
ha agua, nem por entam nam tinhamos sabido outra senam dizerem os
mouros que havia em camaram ; e nas nãos de barbara e zeyla tomámos
pilotos do estreito, qe quá chamam Rubãees, homeens conhecedores dos
baixos e dos pousos e dos portos, e comtudo huua nao de chavU que tra-
zia tomada, que depois alarguey por nam trazer espiciaria nehuua e ser
de lugar trebutareo de vos alteza, mamdey a com xx homens escomdidos
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 2 1 5
diâmte de mim á porta do estreito^ pêra me tomarem buam Robam, porqe
moram aly todos, e com buum dos judeos que trago por lymgua, que se
já tornou cristão; e todalas nãos qe o nitram bo estreito os vem aly tomar:
cbegamdo ba nao ba porta, emtrou logo buum Robam nela, e os nosos
se alevamtaram logo domde estavam escomdydos, e lamçaram mãao dele,
e após isto cbegámos nós, e era muy boom bomem e sabia muy bem seu
oficio; moram aly na porta do estreito, e vivem per este oficio, e tomam-
nos aly as nãos que navegam pêra o estreito, e levam xxb S xxx cruza-
dos até judá.
Daly nos partimos e fizemos noso caminbo polo mar a qe eles cba-
mam largo, qe be a meyo estreito, vemdo sempre a costa da ilba d arábia
e a costa de preste jobam ; e biamos demamdar bua ilba que se cbama
jebelzocor, e jaz a meyo estreito, omde surjem as nãos qe vam pêra judá:
nan a podemos aver aqele dia, e por sermos muy tas naaos e nam amco-
rarmos de noute sobre ilha e terra qe nam tinhamos descoberta, pedy aos
Rubãees qe me desem porto, e emtam arribamos sobre a terra d arábia,
e aly pusamos em fuujdo doyto braças, dez braças, doze braças, detrás
de buua pomta, qe nos abrigava dos levamtes, e aly istivemos aqela noute
surtos todos jumtos, omde achamos certas nãos de barbara e zeila, que
biam carregadas de mamtimemtos e moços e molberes da terra de preste
jobam, qe biam vemder a judá e meqa: tomamos os mamtimemtos e mo-
ços e molberes da terra de preste jobam qe bybam vemder a judá e a
meqa, e os mouros se salvaram a nado, e mamdeilbe tomar os mamti-
memtos e pôr bo fogo á^ naaos; e mamdey aly decepar as mãaos a cer-
tos mouros da terra do xeqe d adem e cortar as orelhas e os naryzes, e
lamçalos na terra d adem, e a todolos outros qe se tomaram de demtro do
mar roxo, fiz bo semelhamte, tiramdo os de camaram, qe deses m espe-
rava aproveitar em nosa navegaçam.
E por meyo estreito, a qe os mouros chamam mar largo, vemdo sem-
pre a costa da terra de preste jobam e da bamda da terra d arábia, fize-
mos noso caminho via de camaram, e ouuemos vista da ilha de jebelço-
cor, omde os Rubães deziam que fose sorjir; e case tamlo avamte com
ela ouve por milbor comselbo arribar sobre a terra e sorjir, porque bo
vemto era ao lomgo da costa, e como era noute acalmava, e arreceey bo
pouso da ilba ser piqeno e nam podermos todos sorjir nele, e aly omde
^ Yínte e cinco.
2 1 6 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
estávamos surtos vyamos a ilha; e a mim me pareceo qe nam poderya-
mos aver pouso da ilha de dia, e os Rubãees me levaram em fumdo de
dez braças, omde jouvemos surtos aqola noute perto da terra da bamda
d arábia.
Quamdo veyo outro dia pela menham, nos fizemos á vela, e fizemos
DOSO caminho via de camaram; alargando nos em mar, nos achegámos
jumto com a ilha de Jebelçocor, e fizemos noso caminho dereito a cama-
ram. Semdo duas oras amtes de sol posto, pedy porto aos Rubãees, porqe
sempre áqelas oras hia tomar pouso, por nam fazermos algum mao Recado
de noute, polas nãos serem muytas, e tomarem pouso de dia; eles me le-
varam ha hiiua emseada de huum lugar qe se chama luya, qe tem hua
pomta e hiiua Restimga ao mar, e detrás dela he boom pouso de levam-
tes: arribamos ha terra has oras qe dito tenho, e huum Rubam deles huum
pouco leve quis se vemder emtam por mais sabedor que os outros, bra-
damdo qe fossemos á orça quamto podesemos, e hiamos com ho prumo na
mãao, e nam dobrávamos por aqele caminho a Restimga; e dom garcia
qe era diamte, levou o ho seu Rubam ao porto verdadeiro; e imdo nós asy
somdamdo, ho prumo mimguava de cada golpe três e quatro braças, como
fumdo dalfaqes e nam parcell: quamdo vy ho fumdo asy mimguar de
golpe, bradey ao navio Rosairo qe fose diamte de mim e qe somdase imdo,
e ele ho fez bem mall, porqe ho noso prumo tocou oyto braças, e ao ou-
tro golpe locou quatro e meya; e o noso piloto, nam muito esperto, de
nam oulhar qe nam era parcell mas eram alfaqes, deu lugar ao comselho
dos Rubãees, por omde eu mamdey fazer ho caminho, e o prumo tocamdo
quatro braças e méa, a nao deu três pamcadas em huum bamco, e demos
himdo á amcora, e as velas demos com elas d alto a baixo, e a nao afilou
' sobre amarra e cayo em cimqo braças e meya, e nisto acudiram os bates
deses navios, qe soijiram derredor de mim, a saber, lopo vaaz de sam-
payo, dom joham deça, pêro da fomseqa, symam velho, femam gomez de
lemos : alguuas naaos conheceram noso trabalho, e coryam de lomgo to-
mamdo ho pouso omde estava dom garcia, somemte manoel de lacerda e
aires da sylva e symam damdrade, qe sorjiram em pego, e mamdaram os
seus bates a me ajudar; e outros ouue hy que ho nam fizeram tam bem.
Yemdo asy ir as nãos de lomgo, aqelas qe tinham batees gramdes
pêra portar nosas amcoras, deyxey emcarregada a nao a lopo vaz e a pêro
da fomseqa e eses capitãees que hy eram, e a diogo femamdez, que posto
qe estivese muito ferydo de htlua espimgardada em adem» sayo acima e
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 217
mamdou muy bem a nao, e trabalhou muyto pola sua salvaçam; e logo
aly ouuemos comselho, quo damdo bua toa a madanela, alamdose a nao
a ela, sayria em desaseis braças; e o piloto da nao ho fez como bom ho-
mem, e trabalhou niso maravylhosamente, e saltou logo em hum esqyfy
e somdou tudo de redor da nao, e achou bõoa sayda per aly, por acor-
darmos de dar bua toa: emtam me mety em huum navio piqeno dos de
goa e fiz lhe dar as velas, e alcamcey as naàos e filas sorgir e amaynar,
dizemdo alguuas palavras aos capitães qe ao tempo comvynham, e nisto
a nao s atoou, e nosa Senhora da guadelupe e nosa Senhora da serra a
tiraram em muy pouco tempo e espaço em fumdo de catorze ou quymze
braças, e ajuda de cavaleiros e fidalgos è jemte homrada qe nela hia, qe
jumtamemte trabalharam lodos como homeens de bem e em qe avia es-
forço e omrra, porqe os marynheiros naqele tempo todos vam buscar as
suas caixas; e a nao nam fez s^ua nehuua, e ficou tam estamqe como
quamdo partio de purtugall, porqe has três pamcadas nam foram senam
muy piqena cousa, somemte quamto ha naao fumdiava ao pasar daquele
bamco: dom garcia nam soube disto nada, porque era diamte, e estava
no pouso verdadeiro, nem me poderá socorrer, aimda qe quisera, porqe
ele estava surto a sotavemto de mim.
Ao outro dia nps fizemos todos á vela, e viemos sorjir jumto com
camaram, e estivemos aly aqela noute: tamto que surjimos, mamdey cer-
tos batees armados e á vela, porqe via sair jelbas do porto de camaram
á vela, e cuidamos qe era a nao de dabull qe vinha diamte de nós e hia
a çuaqem com Roupa; e os batees tomaram alguuns barcos da mesma
ilha que passavam a jemte da ilha ha terra firme, e tomaram hy certos
mouros e mouras e alguuns Rubãees, e detiveram ahy hfla nao do soldam
do cairo da feiçam das do mar Roxo, e outra nao gramde de mercadores,
e duas novas, varadas em terra; e ao outro dia, depois de somdado ho
caminho e o pouso pelos nosos pylotos, viemos surjir no porto de cama-
ram, e ao outro dia nos leixaram os levamtes e começaram de vemtar os
ponemtes.
E posto qe fosse no cabo dos levamtes, os pilotos mouros que tra-
zia, e os Rubãees de demtro do estreyto me poseram esperamça qe ave-
ria hy levamtes que me levasem a judá, suez e ao tor, que trabalbase por
tomar nosa agua ho mais cedo qe ser podese; e dey nese feito tam gramde
presa e delygemcia, qe em sete dias tomamos todos nosa agua, e daly
avamte nam bebemos agua das nãos senam sempre da terra; e com as
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218 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vergas dalto e nosas amcoras a píqe, aguardamdo a mercê de deus, aly
ouueaios gramde abastamça de carne de cabras e camelos, que habastou
a tod armada; e alguuns mouros e mouras que nam tiveram tempo pêra
pasar á terra firme, se tomaram depois na ilha, amtre os quaees se tomou
huum homem homrado, que foy xeqe e senhor da ilha de dalaca e de me-
çuá e das ilhas da pescaria do aljôfar, e hum seu sobrynho: perdeo sua
terra, porqe ho xeque d adem deu ajuda ao qe agora estaa por senhor da
terra, que ho desbaratou e ho lamçou fora dela, e paga páreas ao xeqe
d adem.
Pasados asy alguuns dias que vy qé os levamtes nam vynham, certo,
senhor, eu magastey bem, porqe até emtam pola mayor parte sempre
vemtaram oestes, oesuduestes, e sôbela tarde volvia o vemto ao noroeste
e ao norte; e parece me que os pilotos e Rubãees me tinham emganado,
e que de fóia da ilha hiam outros veratos; emtam determiney de mam-
dar a caravela de fora da ilha ver os vemtos que lá vemtavam fora, e
achou os meamos vemtos, porque ha ilha de camaram he toda Raza case
ao olivell do mar, e os vemtos qe de fora corryam, eses mesmos tinhamos
aly; e daly alguuns dias começou de vemtar levamtes, e nos fizemos to-
dos á vela, e saymos de fora per amtre huuas ilhas e coroas d areia, lu-
gar asaz bem apertado pêra as nosas naaos, e fomos sorjir a hfluas ilhas
que estam fora na sayda pêra o mar largo, e jaziamos amcorados em
f umdo de xxx e xxb * e xx e xb * braças : os vemtos tornaram logo ao po-
nemte, oeste, oesnoroeste, e sobre noute norte e nomoroeste, e aly esti-
vemos surtos xxij dias, aguardamdo a mercê de deus: ás vezes nos vinha
vemto Rijo á maneira de viraçam, qe durava três e quatro oras, e tornava
logo a calmar, e por as nãos estarem em fumdo alio, alguuas comsemtiam
d amara: nestes dias mamdey joham gomez na caravela ao mar e o piloto
domimgos fernamdez, que fosem ver mar e vemto qe hia de fora, e che-
gasem a htlua ilha qe chamam ceibam, qe está no meyo do estreito e na-
vegaçam pêra judá e pêra suez e pêra todas aqelas partes, e fizerano asy:
de huua volta na outra cobraram a ilha, e toTnaram somda derredor dela,
e volveram logo omde eu estava, gastados os dias determinados por mym,
e acharam as mesmas bonamças que nós tinhamos, e somda derredor da
ilha, e nam acharam força d agua qe corresem pêra bua bamda nem pêra
* Vinte e cinco
^ Quinze.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 219
a outra, que nos deu assaz esforço pêra nosa determinaçam, avemdo hy
vemlo, pêra nua volta e na outra podermos cobrar judá, ou ao menos da-
laca e meçuá e a terra e portos de preste joão, ou em quallquer outro
lugar daqela costa e terra do preste joham, qe se chama arquyqo e jaz
fromteira na ilha de dalaca e da ilha de meçuá.
Gastados os dias qe dito tenho, nos faleceo agua e volvemos a ca-
maram tomar agua, omde achamos duas nãos da feiçam das de cambaya,
sem jemte e achegadas á terra firme, e pouco fato nelas: vynham de ji-
zem, que he navegaçam de dous dias de camaram comtra judá, terra e
porto de huum xerife daqela terra de jizem, e qeryam sair pêra adem;
e tomamos nossa agua ho mais prestes qe podemos, e volvemos logo ao
lugar que dito tenho, com huua bafujem de terrenho que nos lá pôs, di-
zemdome os Rubãees e pilotos, que saymdo hflua estrela ao sull, a que
eles chamam turia, viryam dous ou três dias de levamte, qe ao menos
nos poeryam na terra de preste joham da bamda dalém, navegaçam de
dous dias e bua noule; e aguardamos aly alguuns dias que nos vyese
tempo pêra atravesarmos ; e estamdo asy naqele lugar surtos, comtra a
terra de preste joham nos apareceo huum synall no ceo de bua cruz desta
feyçam, muy crara e respramdecemte, e veyo bua nuvem sobrela; che-
gamdo a ela, se partio em partes, sem tocar na cruz •nem lhe cobrir sua
crarydade; foy vista de muytas naaos, e muita jemte se asemtou em jyo-
lhos e hadorou, e outros com devaçam adoraram com muitas lagrymas:
mamdey tirar imquiryçam per todalas naaos, e a mayor parle delas s afir-
maram verem ho synall da cruz estar por huum boom espaço muy crara
e da feiçam e amostra qe aquy vay; e eu tomey daquy que a noso se-
nhor aprazia fazermos aquele caminho, e qe nos mostrava aqele spall
pêra aqela parte por omde savia por mais servido de nós; e como ho-
meens de pouca fee nam ousamos de cometer o caminho, qe creo que has
nosas nãos de bua volta na outra o poderam aver : e pecou isto também
por ser já homem velho, vadeado da comdiçam e incrinaçõees dos ho-
meens, porque asaz de descomtemtamemto me ficou de nam cometermos
aqele caminho, porque me pareceo que ouueramos todavia a terra de
preste joão da bamdalem (sic), omde fizéramos a deus e a vosa alteza
muy gramde e muy asynado serviço, porque vejo ho feito da imdia levar
hum caminho como cousa emderemçada per deus.
Estive asy mesmo naqele lugar surto asaz de dias, aguardamdo a
mercê de noso senhor, até que agua se gastou, e o mês de mayo em qe
28*
220 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tínhamos alguua esperamça de boom tempo, era já acabado, e volvemos
a camaram, já que os vemtos eram oesnoroestes e noroestes de todo po-
nemtes: emtam aparelhamos aly nosas naaos, e demos pemdores àquelas
que diso tynham necesydade; tomamos nosa agua huum pouco mais deva-
gar: fizemos redes com qe pescávamos, e he lugar que ha hy avomdamça
de pescado, e alguuns camelos que imda amdavam montados pela rlha,
diso nos mamtinhamos, e comyamos muy bem ; e de todolos outros mamti-
memtos tinhamos asaz, porque tomamos muitas naaos de mamtimemtos,
que hiam pêra judá e meqa; e alguns mouros e mouras da ilha de cama
ram me vieram Resgatar por mamtimemtos, e nos trouxeram muitas vacas,
cabras e galynhas, huvas, pesegos, marmelos, Romãas, tâmaras e figos da
imdia; e pasamos asy ho mês de junho e julho sem nehiia chuva, nem tempo
em que nam podese amdar muy bem huum batell per todo ho mar Roxo.
Volvido a camaram a segumda vez, feito fumdamemto de haparelhar
nosas nãos pêra no mês d agosto sayrmos fora, determiney de mamdar a
caravela tora ao mar, ver se podia aver algua jelba, pêra sabermoi algua
nova da terra, porque ho estreito todo ano se navega com estas jelbas pi-
qenas ao Remo e á vela, e levou por determinaçam minha ver se podia
aver a ilha de dalaca e meçuá, e lhe dey huum Rubam da mesma terra;
e nam fiz mais preposito nem fumdamemto nisto que mamdar joham go-
mez e a caravela asy gastar alguns dias, e descobrir terra por ese estreito
omde podese ; e ele se deu a tam boom Recado, e o fez tam bem, que
ouue a ilha de dalaca e alguas ilhas per hy derre.dor, omde pescam ho al-
jôfar, e nam pôde tomar nehua, porqe sam navios sotís e lijeiros, e me-
terano por eses bayxos e cabeças darêa em tall maneira, qe nam foy polo
caminho da verdadeira navegaçam, e chegou a dalaca, sorjio no porto, de
fora de huuns baixos que ho porto tem, foy ho esqify da caravela em terra
á fala com a jemte; nam curaram de pergumtar qem eram, porque dias
avia que per todo ho estreito era sabyda nosa emtrada e avisado lugar,
em tall maneira qe certefíco a vosa alteza, que barco nem almadia numca
navegou ho mar, nem as aves nam pousavam no mar, tam asombrado foy
ho mar roxo com nosa emtrada e tam ermo; somemte lhe pergumtaram
qe qeryam: diselhe joham gomez, que vynha aly por meu mandado, se
qeryam comprar alguas mercadarias, que lhas vemderiam. Respomde-
ramlhe que na terra nam avia mercadores, senam jemte de guerra; e asy
se despedio deles, e correo a ilha e descobryoa muy bem; e por nam levar
certa determynaçam minha, nam se achegou á terra firme do preste jo-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 221
ham, qe se chama arquiqo, que estava asy á sua vista como Ribatejo de
lixboa; e meçuá jaz lá mais lomje demtro em huua emseada ao longo da
costa caminho de huum dia.
Acabado de ter tudo visto, e descuberlo todas esas ilhas per hy der-
redor, se tornou polo caminho largo e de gramde fumdo por omde as nãos
dos mercadores navegam, e mais nam fez que ho que dyto tenho, porque
nam levava rrejimemto nem determinaçam minha, somemte descubrir ho
caminho, com fumdamento da nosa hida lá, se algum vemto nos viese
pêra podermos navegar, porqe, se fora de todo descomfiado do tempo,
mandara este feito milhor provido, e omeens (|ue tinha já ordenado com
Rejimemto e cartas pêra mamdar ao preste joham, os quacs poseram na
terra firme em poder de capitãees seus, qe os levaram, e eu creo que ele
fizera tudo, como homem de bem que ele he; e trouxe me dalaca pimtada,
ilhas e mar, ho milhor qele pôde: lá ha mamdo a vosa alteza esa amostra.
Estamdo asy em camaram, determiney desprever ao xeqe d adem
sobre os cativos que lá tem, que se perderam no bargamtym de duarte
de lemos; e huum mouro que tinha cativo com sua molher, lhe dise que
eu lhe daria sua molher, se me levase huua carta ao xeqe e outra aos ca-
tivos cristãos, e amdase no Resgate dos cristãos: era hum mercador que
já outra vez cativey, e a rogo de miliquyás ho soltey, e tinha já alguum
conhecimemto de mim: mamdeyo pôr na terra firme com as cartas e des-
pesa pêra sua ida a huua terra que se chama zebit, terra omde ho xeqe
d adem está, jornada de sete dias d adem: ho mouro chegou a casa do
xeqe, e lhe deu minhas cartas, e tornou e omens do xeqe com ele, os
quaes numca mais ho leixaram (alar comigo, nem vir á mynha nao, nem
falar com nehum homem que lá mamdase, somemte amostravan o de
lonje, e ele mamdava prometer cem pardaos por sua molher, ora mam-
dava prometer duzemtos: reposta do xeqe nem dos cristãos me nam trouxe,
nem menos lhe comsemtiam dar me rezão de nehua cousa destas per pa*
lavra; e deram lhe lugar que mamdase galynhas e carneiros e vacas e hu-
vas e marmelos e Romãas e toda fruyta da terra, e nam pude emtemder
este negocio, somemte nam poder aver mais nehum Recado dos cristãos :
ho qe soube deles, he que começaram de fojir amtes de minha vimda, e
semdo em mar em huua jelba, os tomaram, e deram lhe a comer hdua
viamda com qe os embebedaram, e estiveram três dias sem darem acordo
de sy, e lhe fizeram ho synall de mouros emquamto asy jaziam sem
acordo, e mais nam pude saber: diseramme que eram quatro ou cimqo.
222 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Neste mesmo tempo que estive em camaram, mamdey fazer espe-
ryemcia de cail aos pedreiros que trazia comigo, e achamos pedra em
abastamça pêra a fazer, e das casas e mezquitas e adefycios amtigos muita
camtaria e pedra: na ilha ha pouca lenha, somemte em hua terra alaga-
dyça do mar em que ha mangues piqenos, nato, arvoredo disto; despo-
sysam e lugar pêra forteleza, a mylhor do mumdo ; porto morto de todo-
los vemtos, boom fumdo e booa temça das amcoras: a terra firme está
tam perto como dalmada a lixboa; agua muita e em muitas partes da
ilha, que em todalas outras ilhas do estreito nam ha, somemte em hilua
ilha chegada mais a judá dous dias de camaram ha hy agua e alguns mo-
radores: he do senhorio do xerife jyAím: na ilha de camaram ha gramde
avomdamça de pescado boom ; em todas as outras ilhas nam ha hy agua
por todo ho estreito, somemte em dalaca, nem menos em meçuá á hy
agua; da terra firme do preste joham a trazem, que está tam perto da
terra que pôde huum homem bradar e ouvilo na outra bamda: quamdo
chove, recolhem agua em cizternas : a rezam por que nam fiz forteleza
em camaram, em houtra carta ho direy a vos alteza mais largamemte.
Em cumaram^ da primeira vez que chegámos, achámos quatro nãos
gramdes: duas em mar, que eram do soldam do cairo; ho feitor seu, que
está em judá, tratava fazemda do soldam nelas ; e outras duas, que esta-
vam em terra correjemdose, como já dise: e asy achámos alguua merca-
daria de Roupa do cairo, veludos, brocados, peças de pano de lynho com
ourelas de seda, panos azuees de lynho com bamdas, outros panos de
seda que chamam tafeciras, e panos de laam azuees e vermelho, cobre
feito em pãees, gramde e mall feito: diseramme estes judeos do cairo que
trago comigo por lymguas, qe era cobre fumdido no cairo de moeda do
cairo, e que lhe mesturam chumbo pola qebra que ha na fumdiçam, por-
que nam podem aver cobre no cairo, por nam virem as galés e nãos, como
soyam, pola espiciaria.
Aly em camaram tomámos mouros de judá, Rubãees e marynheiros,
qe sabem a navegaçam e portos do mar Roxo ; deles avia dous meses que
partiram de suez, e outros que emtam chegavam de judá e outros do tor;
e de todalas partes tive nova: ho qe soube de judá, he qe ela he cercada
da bamda da terra firme de muro e torres que lhe fez mira ocem: he lu-
gar piqeno, a mayor parte casas de palha; tem hy ho soldam huum fei-
tor qe terra vimte mamalucos; arrecada os dereitos da espiciaria; e os de-
reitos de todalas outras mercadarias e mamtimemtos sam do xerife par-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 223
cate, senhor de meqa, bo quall amda sempre em temda com eses alarves
que vivem derredor da cidade de meqa; nam se fia da jemte do soldam,
quamdo vem a cáfila, porque ho levaram já preso hua vez ho cairo; vem
poucas vezes a judá: ho porto de judá he abrigado de todolos vem tos,
cercado d arrecifes de pedra á maneira d ilhotes, aparcelado hum pouco
pêra o lugar, em tall maneira que todalas nãos estam hum boom pedaço
afastadas do lugar: de judá a meqa ha huum dia de caminho de huum
homem a cavalo; e a pé e de camelos de carga he jornada de huum dia
e meyo: em judá nam ha hy mamtimemtos, nem lhe vem da terra; todo
provimemto he de zeyla.e barbara e de dalaca e de meçuá e dalguns lu-
gares desa costa d arábia, terra do xeqe d adem; e de judá se mamtem
meqa: foy posta judá e meqa em gramde necesydade de mamtimemtos
com ha nosa emtrada do mar Roxo, porque lhe nam acudio mamtimem-
tos nehuuns de nehua parte, e alguua jemte mevda se foy dela, pola ca*
reza dos mamtimemtos; e alguns moradores se partiram haja dias dy,
polas espiciarias e mercadarias nam acudyrem como nos tempos pasados;
e eses que hy ficaram, estam comfiamdo, que lhe dise ho soldam que fa-
ria tam gramd armada pêra a imdia, que tornase abrir ho caminho e trato
como damtes era; mas eu comfio na myserycordia do muy alto deus, qe
eles nam qereram Romper as lamças sobresa qerela cos vosos cavaleiros
e vosa armada.
As verdadeiras e certas novas de suez e d armada do soldam sam
estas, comtadas per mouros que de lá chegaram avia muy poucos dias,
pregumtados hum apartado do outro, e todos comcertaram na mesma
cousa^ dizemdo que algua fustalha meúda avia hy feita até xb peças S
aguardamdo pola madeira das nãos que lhe lá tomaram em Rodes ; e que
depois da ida de mira ocem de quá da imdia, a cousa sesfryara, e nam
lavraram mais nehua cousa, somemte avia ahy em suez trymta homens
que as guardavam nanas qeymasem os alarves, que ás vezes hy vynham
correr; e a nova que se lamçava daver hy muitas nãos, era por se nam
desfazer ho porto de judá, mas qe a verdade era aquela que eles comta*
vam: diseramme mais que estes xxx homens que haly estavavam em
guarda, que Ih aguavam os costados cada dia pela menbam, polo soU nanas
abrir, e que nam avia hy mais nehua nao, nem madeira, nem carpim-
teiros, nem mastos, nem velas ; e asy me diseram que as nosas nãos po-
^ Quinze peças.
224 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
diam ir até suez, que avia hy muy boons portos, bomeamdos por seu
nome, e he muy piqeno caminho de judá a suez, e muito mais piqueno
de camaram a judá; e de judá ao tor piqueno caminho he, porqe ho tor
está amtre suez e judá; he lugar todo de cristãos da cimtura, sojeito ao
soldam: suez foy huua grande cidade; despouoada, adeGcios gramdes to-
dos derribados, he synall de ser naqele tempo gramde pouoaçam, e aly
me pareceo que devia de ser syamgaber, de que ha brivia fala.
Ho senhor e xeque de dalaca e de meçuá, que tomey em camaram,
me dise que hum seu primo com irmão que ele matara ho pay, com ajuda
do xeqe d adem ho lamçou fora de senhorio e da terra, e per este respeito
tem ho xeqe d adem por capitam hum seu espravo na ilha de dalaca, e o
xeqe está na ilha de meçuá, e nam tem mais que ho nome, porque este
espravo tem tudo e recolhe tudo e da lhe o qe quer: este xeqe que asy
tomey em camaram, me deu larga comta da ilha de meçuá e de dalaca,
e como o senhor daqelas ilhas asenhorea pescaria do aljôfar toda, e que
a eje pagam os dereitos as jelbas que de muitas partes da costa d arábia
e doutras partes ho vem aly pescar, e afora os dereitos lhe dam, logo
como vem, os primeiros dous dias da pescaria pêra o senhor da terra e
os derradeiros dous dias, quamdo se qerem partir; e me dise como os
mercadores do cairo, de judá e adem vem aly no tempo da pescaria a
huua ilha que está chegada com dalaca, que se chama nura, omde os
pescadores todos vam tirar ho aljôfar, e que levam dinheiro e mercadaria
e mamtimemtos, e que compram gramde soma d aljôfar, e pagam a estes
pescadores que ho amdam pescamdo, e muitas vezes lho dam damte mão
liado; e que ha hy aljôfar groso, e que he muito fino ho que se aly pesca.
E asy me dise como meçuá he hila ilha jumto com a terra do preste
joham, qe tem ho lugar pouoado de mouros, de muy bõoas casas e muy
fermoso lugar: nam ha hy agua nele senam de ciztemas; he muy boom
porto de todolos vemtos : ho porto de preste joham qe está defromte, cha-
mam lhe os da terra dacanam, e os mouros chamam lhe zeila a velha: as
nãos da imdia vem primeiro a dalaca, e de dalaca vam a meçuá, e aly
Resgatam suas mercadarias por ouro, marfym, cera, mamteiga e alguuns
escravos abexins furtados na terra; as mercadarias que levam, saro estas:
espicíarias de toda sorte, e a mayor soma pimemta, brocados e sedas e
perfumes, cotonias dalgodam, teadas dalgodam, roupa baixa doutras sor-
tes: pagam dereitos ao xeqe de meçuá, e pagam iso mesmo no porto de
preste joham, qe estaa da outra bamda da ilha de meçuá: diz qe vem aly
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 225
frades dos âvitos de sam domimgos; trazem laramjas, limões e buvas a
vemder, e compram alguua Roupa pêra ho moesleiro, que será per es-
paço de quatro jornadas daly: diz qe averá mill frades naqele moesteiro:
tem o preste joham sobre aqela terra hum governador e capitam de jemte
de cavalo e de pee: a terra qe estaa fromteyra de dalaca, he bua cabila
de mouros sojeita ao preste jobam, jemte pouca, e vivem na Ribeira do
mar, e a qe está fromteira de meçuá, qe se cbama dacanam, be toda de
cristãos: na soma do ouro me nam soube dizer certeza do qe se cadano
por aly tira, somemte me dise qe se fosem cem nãos cad ano carregadas
de pimemta e de cotonias e teadas, Roupa dalgodam baixa, que todas le-
variam seu Retorno em ouro; que na terra do preste jobam ba gramde
soma douro e gramdes minas dele, e que se gastaria gramde soma de pi-
memta, se ba levasem. Dise me mais que bo preste jobam se trabalbara
por muitas vezes por ganbar a ilba de meçuá, e qe nam tinha com que
pasar a ela, e qe temtara já de tapar ho braço do mar que vay amtre a
ilha e a terra firme, e nam poderá; e qe a terra de preste joham be muito
necesitada de roupa grosa dalgodam da imdia: dise me mais qe tmha
gramdes desejos de nos ver e de nosa comversaçam e trato, e que lhe pare-
cia qe se aly chegase capitam de vos alteza com armada, qe viria bo preste
jobam em pesoa a velo, e ver as naaos e armada de vos alteza; e qe tinha
gramdes desejos de destroir a casa de meqa, e qe lhe parecia que damdolbe
vosa alteza embarcaçam, qe pasaria gramde soma de jemte de cavalo e de
pé e alifamtes: e eu ho creo verdadeiramemte, por emformaçam que tenho
doutras muitas pesoas; e os mesmos mouros tem que ho preste jobam ba
de dar de comer a seu6 cavalos e alifamtes na mesma casa de meqa, e está
asy asemtado amtreles como porfecia: prazerá noso senhor que lhe dará
vos alteza ajuda pêra o tall feito, e qe seram vosas nãos, capitães e jemte
no mesmo feito, porqe a travesa he de dous dias e buua noute.
Dalaca he huua Ilha gramde posta com ba terra firme do preste jo-
bam: averá nas aldêas da ilba setecemtas casas de jemte de trabalho: bo
lugar primcipall será de duzemtas casas; terá aqele capitam do xeqe qe
aly está, cemtomeens; terá dez ou doze cavalos: a ilba he de gramde crya-
çam de gado; ba by nela poços d agua, ciztemas muitas; e na ilha de
meçuá nam ha by jemte d armas senam mouros naturaes d adem e dou-
tras partes, e xb * ou xx homens qe terá ho xeque daqelas ilhas, tem ca-
< Quinze.
226 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sas de pedra e call, he lugar muy fermoso : outra ilha que chamam nura,
terá até xxx casas: alguuas ilhas piqueuas per hy derredor de dalaca, as
qe tem agua, tem alguuns moradores, pescadores e jemte mizquynha, e
todas sam senhoreadas deste dalaca e de meçuá.
Ávida toda a emformaçam de todalas cousas de demtro do mar Roxo,
alguas vistas per mim e joham gomez com a caravela que per meu mam-
dado foy a dalaca, e bem asy portos, ilhas e lugares, qe desposisam po-
deriam ter pêra nela tomarmos asemto, e nos fazermos fortes, eu tomey
por determinaçam, se a noso senhor aprouuera de me leixar chegar lá,
fazer forteleza em meçuá e asemto, por ser boom porto pêra nosas nãos,
e por estarmos pegado na terra do preste joham, porto primcypall de sua
terra, abastada de mamtimemtos e de jemte de socorro, se nos comprise,
e de todalas outras cousas de qe podesemos ter necessidade, e qe asenho-
rêa a pescaria do aljôfar, e a tem toda debaixo de seu mamdo, e por
omde vos alteza poderia aver todo ouro da terra de preste joham, e gas-
tar gramde soma de pimemta e doutras muitas mercadarias; e sam tam-
tas. outras cousas de serviço de deus e de vos alteza qe se aquy poderam
fazer, que se nam podem escrever: e digo isto a vos alteza, porqe vy ho
mar Roxo, e vejo como -noso senhor vay despoemdo as cousas da imdia
a todo bem, e asy as do acrecemtamemto de voso estado e fama e nome,
como as de toda a Riqeza, e ouro quamto poderdes desejar, sem nehua
comtradiçam: e quamto ás fortelezas da ilha de camaram e ilha de mevm,
que está na boca do estreito qe se agora chama da vera cruz, e doutras
partes de 4emtro do mar Roxo de qe nam fíz fumdamemto, por emtam,
de fazer hy forteleza, per outra carta darey diso rezam a vos alteza mais
largamemte; somemte digo, senhor, que façaes força no mar roxo, que
nam se poderá crer a Riqeza que averees, e como todo ouro qe emtra na
imdia da terra do preste joham estará todo na vosa mãao, sem nehuua
duuida, afora ho gasto de cobre e mercadarias deses Regnos, de que se *
pode aver gram soma de dinheiro na imdia.
E porqe vos alteza tenha emformaçam verdadeira das cousas da boca
do mar roxo pêra demtro, dilasey aqy ho mais em breve qe poder, e as
miudezas poderá vos alteza saber per muitas pesoas que lá forem; so-
memte digo, senhor, qe a porta do estreito, a qe os mouros chamam ba-
belmamdem, he lugar muy to estreito; da huua bamda vay a terra do
preste joham, a que os mouros chamam ajem, e da outra bamda vay a
terra d arábia, a que os mouros chamam a ilha d arábia: nesta boca do
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 227
mâr Roxo está huua ilha a qe os mouros cbamam mium^ como dito te-
nho; jaz atravesada neste estreito da bamda da terra d arábia, terra do
xeqe d adem; amlre ela e a terra firme vay huum canal de largura menos
hum pouco qe dalmada a lixboa, e por aquy pasam todas as nãos dos
mouros que vam pêra judá e pêra todas esas partes, porqe vem com le-
vamtes, e pousam da bamda da terra d arábia, terra do xeqe d adem, qe
he boom porto de levamtes; e defromte da ilha de mium, no mesmo pouso
e porto de levamtes, está huua ilheta, qe de baixa mar pasam a pé emxuto
pêra ela, e nesta ilheta estam as casas dos Rubães, que sam pilotos de
demtro do estreito, e as nãos surjem aly, porque leva cada huua seu Ru-
bam daqeles pêra sua navegaçam, lugar e porto pêra omde qer fazer seu
caminho, de demtro do mar Roxo: ha no mêo deste canall amtre a terra
dos Rubãees e a ilha de mium doze braças, e no pouso dos levamtes oito,
nove, sete, e a porta do estreito em altura de doze grãos e dous terços:
desta bamda da terra omde está ha ilha dos Rubãees comtra adem, am^
tes que emtrem a porta do estreito, está huum boom pouso de ponemtes,
e tem agua huum pouco afastada da Rybeira do mar; no lugar omde os
Rubãees estam, nam ha hy agua, nem no pouso dos levamtes ; trazem lha
ahy em camelos.
O outro canall qe vay da outra bamda da terra do preste joham,
amtre ha terra firme e a ilha de mium, ha gramde fumdo de xxb S xxx
braças ; tem de largura da terra firme á ilha como de lixboa a barra a
barra (sic); per este canall navegam poucas nãos, polo que dito tenho,
mas he mais alto e mais largo que ho outro.
Partimdo da porta do estreito até suez, fazem os mouros três repar-
tições no mar roxo pêra sua navegaçam, e tomam por fumdamento que lar-
gura do mar Roxo ha hy xij jemas, que sam três symgraduras das nosas
nãos, que poderá hy aver xxx legoas no mais largo do estreito, e repar-
tenas nesta maneira: quatro jemas, que he huua symgradura de mar
cujo d ilhas, baixos e parcees, ao lomgo da costa da ilha d arábia atá suez;
e outras quatro jemas de mar cujo ao lomgo da costa da terra de preste
joam até coçaer, porto que está case norte suU co tor, no cabo do mar
Roxo perto de suez; e dam outras quatro jemas de mar lympo per meyo
do estreito: os Rubães que tomam na porta do estreito nam sam pêra na-
Tegaçam do mar largo e limpo, que he a meyo estreito, senam pêra quamdo
^ Vinte e cíboo.
%9*
228 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
hy ha tempos comtrairos e as nãos qerem vir buscar hua bamda e outra,
saberem lhe dar portos amtre aqelas ilhas e baixos, porque a meyo es-
treito nam mamda nimguera as nãos nem ho caminho senam os pilotos
que levam da imdia: este meyo estreito, a que eles chamam mar largo,
tem de fumdo, xxbS xxx braças, e de quaremta e cimqo pêra cima nam
sobe ho fumdo em nehuum lugar do estreito; polo mar a que eles cha-
mam cujo, sam dez braças, oito, nove, e sam parcees, que co prumo na
mão se podem achegar a terra quamto quiser, e afastar, e sorgir omde
quiser: per este mar largo navegara as nãos que vam pêra judá, e pasam
per buas ilhas que jazem à meyo estreito, que chamam jebelzocor, e alem
delas comtra judá está outra ilha que chamam ceibam; surjem nelas
quamdo lhe vem bem; todas estas vimos nós; porém, com todos estes
beocos de mar cujo qe eles dizem, de huua bamda e doutra podem as
nosas nãos seguramemte navegar com boom Resguardo de dia e nam de
noute, e a meo estreito de dia e de noute sem nehum pejo; e podem sor-
jir a meyo estreito com boons avstos, e nas ilhas que jazem a meyo es-
treito podem nelas surjir: nam ha hy agua doce, nem ha hy eses pene-
dos debaixo d agua, que diziam, nem eses medos que nos punham, nem
tempestades, nem tormentas, nem tempos travesões, nem trovoadas; e os
vemtos naturaes do estreito ou sam levamtes ou ponemtes, e algiiua ora
terrenho, somemte he terra qemte por ser mar d amtre terras, e naqele
tempo estar ho soll achegado ao trópico.
As terras da boca do estreito pêra demtro de huua bamda e d outra
direy aquy a vos alteza os senhores delas e a qem obedecem: primeira-
memte, partimdo da porta do estreito ao lomgo da ilha d arábia, jaz a
terra do xeqe d adem, que dura desde adem até camaram; ao lomgo da
Ribeira do mar jazem aldôas e nehuum lugar primcipall; nam ha hy por-
tos primcipaes, somemtes pomtas que habrigam, delas de levamte, e de-
las de ponemte: de camaram por diamte jaz a terra de hum senhor que
se chama o xerife de jizem; estende se a sua terra até perto de judá: judá
e meqa sam do xerife parcate, e alguns alarves que vivem neses desertos
e areaes de redor de meqa: da terra deste xerife parcate atá o tor vyvem
alarves: ho tor he hua cidade de cristãos, como já dise, e no sertam do
tor e daly até suez tudo sam cabilas d alarves, e duram estes alarves e
estes desertos atá cerqa de Jerusalém, vam se lamçamdo polas costas da
serra de momte synay amtre ho mar da persya e o do mar Roxo.
^ Yinte e cinco.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 229
De judá pêra o tor ao lomgo da Ribeira do mar está hum porto que
se chama lyvmbu ; daly três jornadas pêra o sertam jaz medina, hua ci-
dade em qe está ho malvado corpo do seu profeta; esta cidade e estoutro
lugar, que se chama lyvmbu, eram senhoreados de huas cabilas que se
chamam benybraem ; estas cabilas Roubaram a cáfila da romaria de meqa,
e correram ha cidade e Roubaram a Casa de meqa: mamdou ho soldam
jemte sua de cavalo, mataram e premderam muitos deles, e pôs em mi-
dina hum xeqe de sua mão.
Ho xeqe d adem terá até mill e quinhemtos cavalos e mais nam;
jemte de pé muita, se quiser.
Ho xerify de jizem he homem de vj* cavalos * e mais nam ; ho xe-
rify parcâte, senhor de meqa, terá trezemtos cavalos e mais nam, e des-
tes alarves que lhe obedecem cavalgados em camelos; ha jemte de cavalo
sua sam espravos seus; a jemte destas partes da terra firme he de pou-
cas armas, e sam homeens ousados e nus da cimta pcra cyma e descalços.
Da ilha de mivm á terra que está defromte da terra de preste jo-
ham, he de hum senhor mouro, que se chama azaly, he senhorêa per
costa dez ou doze legoas, piquena terra, e pouca jemte; e dy por dyamle
ao lomgo da costa jaz outro senhor alarve mouro, que se chama Dam-
caly; asenhorêa até cerqa de dalaca, e he trebutareo e está á obediemcia
do preste joham, e daquy de dalaca até meçuá e até cerqa de çuaqem se
chama a terra arquiqo; he asenhoreada do preste joham: os mouros e
abaxis chamam ao preste joham elaty, nome demperador, e nam lhe cha-
mam preste joham. De çuaqem até coçaer vivem cabylas dalarves e jemte
de cavalo, e armados alguuns deles: coçaer he porto no mar Roxo; he
hua cidade gramde despouoada, com adeficios de pedraria e igrejas der-
ribadas com synaes de cruzes, nas pedras litreiros de letras gregas: ca-
minhamdo deste coçaer, que está no cabo do mar Roxo, pelo sertam até
ho nilo, está hum casall que chamam cana, caminho de três jornadas, por
omde agora os judeos de purtugall e de castelã fazem ho caminho pêra a
imdia e vem tratar nela, porqe por judá e meqa nam podem: neste ser-
tam de coçaer e cana vivem certos alarves, jemte de cavalo e de pee, e
ás vezes por lhe peitarem do cairo Rompem hõ crecimemto do Rio nilo, e
espalhano por alguuns vales de sua terra: mamda ho soldam muitas ve-
zes sobreles, e ás vezes com a lamça e ás vezes com dadivas os trás ase-
1 Seiíee&tos CAvalloi.
230 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
segados, que nam façam aqele dano, porqe se deixam de Regar algumas
terras mais altas daqelas qe semeam de redor do cairo do crecimemto do
nilo, quamdo os alarves cortam ho crecimemto por outra parte: a jemte
do preste joham, quamdo vay em romaria a Jerusalém, fazem este cami-
nho ; vam se ao lomgo da Ribeira do mar Roxo polas costas de çuaqem e
de coçaer e polas costas de suez, e dy atravesam a Jerusalém, fícamdolhe
momte synay á mão dereita, e nam be gramde caminbo : bum destes que
lá mamdo a vos alteza, foy cativo ele e outro nua cáfila que bia pêra Je-
rusalém no sertam de çuaqem, e daly foy vemdido com outros adem, e
estamdo sobradem da sayda do mar roxo, se lamçaram ele e seis ou sete
outros comigo.
A terra do preste jobam be muy gramde; estemdese polas costas do
sertam de magadaxo comtra çofala, e destoutra bamda estemdese comtra
bo cairo pela Ribeira do mar roxo atá çuaqem, e pelo sertam diz que
sestemde e comfina com nuba, a que nós cbamamos tiopia, e com ba terra
d uns mouros que se cbamão ajaje, domde veno ouro a çuaqem em pe-
daços quadrados como dados ; e asy se vay estemdemdo a terra de preste
jobam comtra manicomgo e terras da Ribeira do mar daqela bamda lá, e
costa que vem ter ao cabo de boa esperamça: ba na terra de preste jo-
bam muitas minas douro: a meu ver ho ouro que vay ter a çofala, be da
terra que obedece ao preste jobam, e asy a magadaxo e a mombaça: bo
çadady, senbor de zeila e barbora, be muyto piqena cousa, nam será bo-
mem de duzemtos cavalos; d esmolas do sertam d adem e daqelas partes
se mamtem, porque faz guerra sempre aos cristãos do preste Jobam; leixa
de ser destroydo do preste jobam, por aver by pouca agua na sua terra
por aqela parte por omde ba jemte do preste jobam Ibe vem ás vezes cor-
rer: zeila nam be destroyda do preste joam, pola necesidade das merca-
darias da imdia que Ibe por aly vem.
Da ilha de mevm a duas legoas pêra a bamda da terra do preste
jobam está buum porto, que tem bõoa agua e muita; estam by buas ca-
sas de palha de pescadores ; averá da ilha de mivm a este porto três legoas.
Neste tempo qe asy istivemos na ilha de camaram, per vezes me
Reqereo buum homem qe foy mouro e se lamçou em azamor cos cristãos,
que iria per terra per judá e meqa, tor e suez, e dy ao cairo e a purtu-
gall ; que fazia isto por serviço de vosa alteza ; veyo de lá desas partes
por homem d armas nesta armada: vemdo eu seus desejos, ho mamdey
lamçar no sertam defromte de camaram, terra do xeqe d adem» e per pa-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 23 1
lavra lhe dise ho que avia de fazer, e o caminho que avia de levar; dei lhe
alguum dinheiro e pulo com huua braga de ferro e em hua almadia, como
espravo que fogia.
Neste mesmo tempo qe asy emvemamos em camaram, nunca nos
choveò, e dizem nos as jemtes daqelas partes, que de maravilha chove no
mar Roxo ; e estamdo asy hCla noute, vimos correr polo ceo hum rayo de
gramde comprimento e largura^ nam d estrela, mas ha maneira de hum
Rayo de fogo, e sayo da bamda da terra de preste joham, estemdemdose
polo ceo d espaço, e foy cair sobre a terra de judá e meqa.
O mar Roxo chamam lhe os mouros per sua lymguajem bahar qey-
zum, e na nosa mar emcerrado; e mar Roxo he mais naturall nome, e
soube lho muy bem pôr queno primeiro asy nomeou, porque no mar Roxo
ha muitas malhas d agua vermelhas como samgue; e estamdo nós surtos
na porta do estreito, desembocava pola boca do estreito huua veya de mar
muy vermelha, e corria comtra adem, e estemdiase per demtro do mar
Roxo quamto hum homem bem podia vêr do chapiteo da nao : pergumtey
aos mouros que era aquylo; diseramme que era do revolvymemto debaixo
d agua das marés, porque no mar roxo nam ha hy corremtes d agua, se-
nam momtamte e jusamte, que emtra pêra demtro e say pêra fora; e por
bem do mar ser aparcelado e de pouco fumdo, hum pouco corre agua co
vemto, quamdo vejnta teso ; se sam ponemtes, say bum pouco mais rija
pêra fora do estreito, e se sam levamtes, corre comtra judá e suez hum
pouco mais Rijo: do cabo do mar Roxo, que he porto de suez, ao mar de
levamte he muito curto caminho: a voz dos mouros he que alixamdre
quamdo comquystou a terra, quisera Romper este mar no outro: e vay
ter este caminho per desertos dareaes amtre Jerusalém e o cairo, e cha-
mam lhe os mouros á terra deste caminho samyla.
Vymdo ho tempo de nossa partida de camaram, aos quimze dias de
julho saymos fora do porto, e caminhámos caminho da porta do estreito :
pasando a porta, sorjy logo detrás da ilha e as nãos todas comigo; e
huua amtemenhaam me mety em hum batell com alguuns pilotos, e três
ou quatro capitães em seus batees, e fomos a huum porto que a ilha tem
da bamda da terra de preste joham, e emtramos nele: ho porto he bua
emseada que emtra demtro na ilha, e faz demtro em sy três emseadas;
como fomos demtro, cerrou se a boca por omde emtramos, que nam vi-
mos mais mar nehum ; poderám caber duzemtas nãos demtro ; fiimdo de
dez, doze bragas, oito e sete, e seis a lugares, abrigado de todolos vem-
<.-
232 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tos : decemos em terra, e corremos gram parte da ilha, e achamos hua
cizterna do tempo amliga, descuberla á maneira de taraqe, atupida gram
parte dela, sem agua: amostrarão me os Rubães hum poço atupido de
terra e pedra, vimos a boca dele, e mais uam: a terra da ilha he serra de
pedra solta gramde e piqena, sem arvore nem erva; tem hum vale darêa,
testa comtra o mar Roxo ; pus huua cruz d um masto gramde na boca do
estreito no moro que está sobre ha emtrada, e nos viemos hos batees, e
daly nos tornamos pêra as naaos, e posemos lhe nome a ilha da vera cruz.
Ao outro dia pela menhãa mamdey Ruy galvam no seu navio e jo-
ham gomez com ele na sua caravela descobrir zeila, e ter pratica cos da
terra, e ver ho modo e maneira do lugar, jemte e trato dele; e tomada
toda a emformaçam qe bem podese, posesem fogo a todalas nãos que hy
achase, e volvese em minha busca adem, omde m acharia.
Fizeram tudo muy bem, e com muy boom Recado descobriram ho
porto, emtráda e sayda dele ; qeremdo ter alguua pratica com eles, foram
lamtas as escaramuças de jemte de cavalo e de pee em terra, que a Ruy
galvam lhe pareceo e asy a joham gomez que nam qereryam ter pratica
com eles: emtam lhe qeymaram todalas naaos muy gramdes e muy gro-
sas, e se lamçou hum abexym com eles, que lá vay a vosa alteza; foy es-
pravo dum feitor do soldam, que está em judá, e o espravo estava em
nura com seu filho compramdo aljôfar.
Partido Ruy galvam e joham gomez caminho de zeila, me party eu
camynho d adem, e daly a poucos dias veyo Ruy galvam e joham gomez
de zeila: surtos diamte d adem vimos na ilha de eira mais torres e mais
muros que d amtes tinha, e todavia lhe tornamos a ganhar ho molde e a
torre e baluarte dele, e achámos hy muy gramdes nãos e muitas; mam-
dey em duas delas poer dous camelos e na torre outro, e mamdey che-
gar os navios piqenos perto de seu muro com booas arombadas; com
aqueles camelos lhe derribaram os bombardeiros gram parte das casas da
cidade; e no alto da serra daqela ilha, que se chama eira, tinham armado
hum trabuco, que tirava arrezoada pedra, e vynha sempre dar no terrado
da torre omde ho noso camelo estava; e joham luis, fundidor, lhe rompeo
ho trabuco duas vezes co camelo da torre, até que fizeram hua parede
por emparo: avia na cidade muyla jemte, e tinha milhor artelharia e mais
da qe lhe leixamos, de gramdura de pedra que tornavam a tirar com as
pedras dos nosos camelos: os mercadores da cidade me mamdaram co-
meter Resgate das nãos, eu lhe respomdy que per nehum preço s aviam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 233
de dar as nãos senam poios cristãos que tinha bo xeque d adem cativos,
senam, soubesem que nam avia d escapar nehua que se nam fizese em
carvam, e nam me tornaram mais Reposta nehua: eses dias que hy estive,
me trabaihey por saber bem as emtradas e saydas d adem, e se era ilha
ou nam: e saiba vos alteza por certo que adem nam he ilha, e que na
mais estreita terra qe tem, he tam gramde largura como do tejo á pomte
dalpiarça; ha agua que say por debaixo da pomte, nam vem quá sair ao
mar da bamda domde estávamos amcorados, mas estemdese por hum
campo abaixo em alagoas, e por este campo vem bua grande estrada de-
reita â cidade, sen pasar ha pomte; a pomte se fez naquele estreito, por-
que he caminho daquelas partes de zebit, domde o xeqe mais vezes
está; e agua vem por junto daqeste caminho per canos, e passa por
hum cano posto na ilharga da pomte, e vem dar agua em hum gramde
tamqe que está da bamda d adem, omde os camelos vem por agua, he
acerqa de htla legoa da cidade; e se os caminhantes, ou os camelos qe
trazem agua, nam tiveram a pomte por onde pasar, em hum dia nam po-
deram arrodear as alagoas e vir á cidade, e nam Ozeram mais de hum ca-
minho d agua em huum dia e hua noute, e os camynhamtes fizeram
gramde volta em^ arrodear as alagoas pêra vir á estrada que dito tenho;
e asy , senhor, que adem nam he ilha ; mas se hy nam ouuese força de ca-
melos, e se cortasc ho cano da pomte, valerya htla carga d agua trazida
per derredor das alagoas hum serafim douro, porque, por piqena opre-
sam que agora receberam de nós, valia pouco menos hua carga d agua
trazida do tamqe jumto com a pomte: agora faziam novamemtc huua ciz-
terna em cyma da ilha de eira, e se ha acabam, tirar nos am dum trabalho,
e será toda destruyçam per elles, que cimquemta purtuguezes a defende-
riam a todo restamte do mumdo, avemdo hy agua, e lhe destroyryam seu
porto e sua cidade, sem terem Remédio.
Sobradem istivemos dez dias despois da tomada do mar roxo, aguar-
damdo a lua nova d agosto, e depois quatro dias, que he ho verdadeiro
tempo pêra ir daly demamdar a imdia; e mamdeilhe qeimar todas esas
naaos muy gramdes e muy fermosas e novas; tomamos huua carregada
de pasas; e alguuas jelbas piqenas e nãos piqenas que tinham pegadas
no muro, pareceo a todos que avemturar hum homem por tam piqena
cousa comaquylo, que nam era bem qeymarlhas, porque tinham asestada
sobrelas muita artelharia ; alguuns pareceu ho comtrairo; e por alguuns im«
comvenyemtes qe punham a nan as qeymarmos, que m amym parecia bo
30
234 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
comtrairo, quys eu tomar a espiriencia diso, e mamdey cem mareamtes
com certos mestres e pilotos, e saltai;am de noyte em terra, e poseram ho
fogo a três nãos, e por nam levarem abastaraça de pólvora, as léixaram
de qeimar todas; ardiam mall, porque as tinham mêas d agua; correram
toda a Ribeira, e obra de xxx mouros que hy durmiam, mataram a mayor
parte deles, e recolheram se todos a seus batees, e eu fuy no meu esquify
com as minhas trombetas pêra os pôr em ordem e os afauorecer: feio aly
muy bem femamdafomso, mestre que emtam era de samta maria da
serra, e domimgos femamdez, piloto da mesma nao, que he boom homem,
e bertolameu gomçaluez, mestre que emtam era de sam jiam; e outros
mestres e pilotos e marynheiros, homeens de bem, todos ho fyzeram ousa-
damemte e apagaram eses mouros que per hy acharam: recolhidos a seus
batees muy bem, se vieram ás naaos, e o outro dia aparelhamos nosas nãos
e nos afastamos pêra fora do porto: e alguuns capitãees quyseram sair
todavia em terra, e a mim nam me pareceo bem, e filos asy ter, porque
todos desejavam de pôr as mãaos ho feito, aimda que por emtam lhes
parecese ho comtrairo ; e creo qe se os deixara sair, que ho feito s aca-
bara de todo, e a Ribeira ficara despejada.
Ho que me parece d adem, diloey aquy a vosa alteza: adem he huua
cidade tamanha como beja, muito forte, e as mais fermosas casas que cá
vy, muyto altas e todas acafeladas de call ; a sua cerqa será mayor que
ha devora; os castelos que tem pola cumiada da serra, nam me parece
qe podem defemder a cidade, nem ofemdela quamdo quyserem; sam tam-
tos e tamtas torres, que parece mais feito por fermosura que por cousa
proveitosa; he mais forte da bamda da terra firme que do mar; per al-
guns lugares se pôde emtrar perá o roubar e destroir, e nam pêra o sos-
ter,. porque nam tem agua; nam ha nele jemte pêra poder defemder tam
gramde cerqa como tem, e tantos castelos, senam vymdolhe por espaço
de dias do sertam: tem huum morro de serra talhado a piqe no mar, em
que ho muro da cidade vem emtestar, e este morro está ametade sobre a
cidade: ganhado este morro, nam se pôde defemder adem, porque os dous
lamços do muro que vem emtestar nele da bamda da cidade, nam ousa-
ria nehuum homem chegar se ao muro de demtro pêra o defemder, que
escapase com artelharia que estivese no muro: este morro está sobre hum
porto que os mouros chamam focate, e tem duas torres e huum baluarte
com artelharia muita nele, e hum trabuco ; tem mais a ilha desapegada
da cidade sobre o porto, aque eles chamam eira: fizeram hum molde desta
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 235
ilha atravesâmdo ao porto que Ih abriga suas naaos de levamte, e no cabo
do molde hua torre com hum baluarte muito forte: na ilha nam ha hy
agua; cercavana agora toda de muro, e tem muitas torres feitas nela: ho
muro que está diamte sobre o porto do mar, por omde nós escalámos, he
piqeno lamço; será como da porta doura á porta da Ribeira de lixboa:
parece me, senhor, se tivera visto adem, qe ho nam cometera por omde o es-
calámos ; e comtudo, senhor, digo que adem se ganhara com pouco traba-
lho e perygo, nam temdo necesidade d agua, porque partimdo armada da
imdia, vimdo tomar agua a çacotorá, por pouca gemte que leve, nam pôde
estar sobradem mais que quymze dias, e se fôr no tempo em que eu fuy,
cinqo e seis dias, porqe lhe comvem logo pôr cobro sobre sy, e emtrar ho
mar Roxo amtes que se gastem os levamtes, buscar agua, que pêra tor-
nar atras nam ha hy tempo : ha serra d adem he toda de pedra sem nehuum
arvore nem erva; faz se logo dous ou três anos que nam chove nela; al-
guua agua, se vem alguum ora, he de trovoadas : a primeira vez que ha com-
batemos, nam vy nela jemte pêra nola defemder, e se aprouuera a noso
senhor que todos emtraramos demtro, nam avia hy duuida de ha levarmos
nas mãos; sostela parecia me cousa duuidosa, pola necesidade d agua,
que nam avia na cidade nem nas naaos: a maneira que se deuia de ter
pêra se ganhar adem e soster, he a qe aquy direy a vos alteza: adem tem
hum porto que se chama hujufu, porto abrigado de todolos vemtos, boom
fundo pêra nosas naaos; este porto está trás as costas da cidade e serra
d adem, daqela bamda domde a pomte está, he defromte desta serra d adem
da bamda da terra firme estam quymze ou dezaseis poços d agua, e está
hy hum palmar e huuas poucas de casas palhaças, em qe vivem pescadores
e jemte pobre; chama se ho lugar omde estes poços estam, Rubaca: da
serra d adem a eles ha acerqa de duas legoas per mar : ganhada aqela
agua, com alguua força feita nela nam ha hy nehua comtradiçam a se nam
ganhar adem, cortamdolhe a pomte, e achegando nos cos navios pyqenos
perto da porta da cidade qe vem pêra o sertam, que será espaço de hnum
tiro de berço da borda do mar á porta da cidade; e neste lugar seria
meu comselho fazer a forteleza por sua vomtade ou comtra sua vomtade,
por amor do porto pêra as nosas naaos e d agua dos poços de Rubaca,
qe se pôde segurar da maneira que dito tenho, e abastecer d agua armada
e jemte que fyzese fumdamento de ganhar adem e o soster: tomada adem,
desta maneira se pôde soster: na fortaleza que neste lugar se fizese, deve
de ter ciztemas em abastamça pêra a jemte que nela fôr ordenada, e quamdo
304^
236 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
hy nam ouuer chuva, se podem Reformar dos poços que dito tenho; e esta
fadiga e trabalho pôde durar até dous anos, porque ho xeqe de necesidade
ha de fazer ho que vos alteza quyser, porque toda sua Remda he a do porto
d adem, e da Ruyva de sua terra, que cadano aly carrega, que sam vimte
mill fardos, e ás vezes xxb*: nana pôde ningdem comprar e carregar
senam ele; paga aos lavradores a seis serafins ho fardo, e vemderá em
cambaya a xxij serafins ; toda a outra Remda de sua terra he muy pi-
qena; e nam duuidaria, por nam perder este trato e remda, fazer a vosa
alteza quallquer partido que quizer, semdolhe feita força.
Adem se fez grande porto, depois que vosa alteza tem emtrada a
imdia, porque a vosa armada nam deyxa navegar em seu tempo verda-
deiro as nãos do estreito, de judá e meqa; e por partirem tarde, nam po-
dem emtrar ho estreito, e descarregam suas mercadarias em adem, e vem-
denas, e compram outras que aly trazem de judá, de lá desas partes, e
os mercadores d adem mamdanas depois em suas nãos ajuda: ha em
adem muitos estamtes e mercadores do cairo, he gramdes fazemdas suas
demtro em adem ; e sam vimdos muitos mercadores de judá viver adem,
por as nãos nam poderem alcamçar em seu tempo ho porto de judá, e
per esta causa se emnobreceo mais adem do que soya a ser; tem fama de
mais Rico lugar de quá destas partes; toda a força do ouro de preste joham
emtra em adem e todalas mercadarias da mesma terra do preste Joham.
Adem está sobre a boca e navegaçam do estreyto, e per jumto com
adem pasam todalas naaos das imdias que vam pêra judá, no mês de no-
vembro, dezembro, janeiro e feuereiro, e as qe partem da imdia no mês
de março aferram a costa do cabo de gardafu, e vam sempre á vista da
terra de barbara e zeila, por amor dos vemtos qe naqele tempo sam já
sull e susueste, e estas nam am vista d adem.
Vosa alteza ha de saber que do dia que posemos as escadas adem
a quymze dias, foy a nova no cairo em camelos corredores, mamdada polo
xeqe d adem, em qe lhe fazia a saber que os cristãos tinham emtrado ho
mar rroxo e cortado o camynho da romaria de meqa: a Reposta qe lhe
veyo foy, que se os cristãos eram emtrados, que guardase ele muy bem
seus portos e sua terra, que ele guardaria a sua; e nam lhe respomdeo
mais, porque estam de qebra, que lhe mamdou pedir ho soldam adem,
dyzemdo que fora sua: per este correo mais nova que judá se despejara
,. 1 Tinte 6 cmoo mil. ,;; ., ,^
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 237
de toda a jemte com medo d armada, e que avia gramde revolta no cairo
com fama de virem os cristãos desas partes sobre alixamdrya, e serem já
chegadas nãos d armada sobrela, e que xeqesmaell era vimdo jumto com
alepo com seus arrayaes, e a vosa armada e jemtes eram no porto de judá;
e que aho soldam parecia que era comcerto sobre sua destroyçam ; e que
ho governador de damasco era alevamtado, e nam viera a seu chamado,
com medo, porque ho soldam tinha morto emir quebir e devdar quebir e
mircelaa, três gramdes capitãees, e que sõcedem ho Reino quamdo ho sol-
dam morre, e ás vezes tomam a cadeira por força: esta mesma nova que
achey nos mouros d adem, me deram judeus purtuguezes e castelhanos
que neste tempo vieram do cairo á imdia.
Ho que me parece do mar Roxo e de nosa emtrada laa, he que
vos alteza tem dado ho mayor açoute na casa de mafomede do qe ouue
de cemtanos aquá, porque lhe chegastes ao vivo e lugar de toda sua com-
fiamça, porque judá e meqa nam tem^ mantimentos, senam ho qe lhe
vem por mar, e huua nao de carga de xij quintaes^ a qe os mouros cha-
mam mucumary, pregadiça, qe cadano vem de suez com mamtimemtos
d esmolas e remda que lá tem meqa, he desfeita judá e meqa, é de todo
perdida: mais me parece, qe se vos fazeis forte no mar Roxo, qe tem-
des toda a Riqeza do mundo nas mãaos, porqe todo ouro de preste joham
está nas vosas mãaos, he tam gramde soma qe nam ouso de falar, por
espicyarias e mercadarias desas partes ; e mais tolherdes qe per via do
cayro nam emtre mercadarias nas imdias de lá desas partes, senam as
qe trazem vosas naaos, qe he huua tam gramde soma de Riqeza que ey
medo de falar niso, porqe vejo a fome qe na imdia ha das mercadarias
de lá, que soyam d emtrar nestas partes em gramde abastamça cad ano ;
e mais todo aljôfar qe se pesca no mar Roxo, e todo ouro qe vem a çuaqem,
qe dizem os mouros qe vem de nuba, porque eles chamam á etiopia nuba,
nem he lonje o mar Roxo do mar de guinee, porque atravesamdo do mar
roxo a manicomgo per terra, nam averá hy seiscemtas legoas a meu vér.
Nem he piqeno serviço que farieis a noso senhor, em lhe destroirdes
a sua casa dabominaçam e de toda sua perdiçam.
Pela ventura vos quis noso senhor dar as imdias com tamta fama e
riqeza, pêra lhe fazerdes este serviço: eu nam duuidaria que ha fee e com-
fyamçajdas cousas da imdia, que sómemte ficou a vos alteza depois de
■
^ Doie mil qnintaes.
238 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tamtas comtrariadades e duuidas de muitos coraçõees, fose espicyall graça
de deus: ouso, senhor, descrever isto a vos alteza, porque vy a ymdia alem
do gamje e aquém, e vejo como noso senhor vos ajuda e vola vay metemdo
nas mãaos: gramde balamço e gramde asemto fez a imdia depois qe vosa
alteza ganhou goa e malaca, e mamdou emtrar ho mar Roxo, e buscar
armada do soldam, e cortar ho caminho da navegação de judá e meqa e
tirardes lhe as mercadarias e migas do ouro de preste joham, que he huua
tam gramde soma que se não pôde crer.
E porqe vos alteza veja mais craro a maneira de que deuees segurar
ho mar roxo, por agora he poerse em obra ho feito d adem e forteleza na
ilha de meçuá, porqe tenas costas postas no poder do preste joham, e
he terra e lugar em que a forteleza per sy soo obrará muito, porque he
senhora da pescaria do aljôfar, qe jaz toda de redor dela, e fará seu trato
e mercadaria na terra firme; e vimdo a ela comtrariadade dalgua parte,
nam lhe he necesareo socorro de vosas armadas, abasta a jemte do preste
Joham e sua terra e sua ajuda e o amor qe nos tem, e o desejo qe tem
daliamça e amizade com vos alteza, desejadores de pelejar e morrer pola
fee de cristo, verdadeiros cristãos.
E quamto ao feito d adem, lijeira cousa he destroir e levar nas
mãaos; mas eu qerya que fose de maneira que saproueitase toda a Ri-
qeza dela, que he huua gram soma: e porque as nosas nãos tem aly muy
maravilhoso porto e çarrado de todolos vemtos, forteleza nele he cousa
muito sostamciall e proueitosa ; e por agora nam buleria com mais : nes-
tes dous lugares me faria forte, e aquy poerya minha armada; e do ne-
gocio da imdia que nos fica atrás, goa vola terá asesega^a e mamsa, como
até quy fez, asy comtrariada per muitas vezes, como foy, porque ela soo
per sy amamsou a imdia sem nehuum trabalho de vosas armadas, e em-
freou aqeles que ha perseguiam, e aimda bem receosos e bem cheos de
temor delas.
Torno uos, senhor, dizer outra vez qe em adem e na ilha de meçuá
vos devees de- fazer forte, e por agora d adem pêra demtro nam vos espa-
lhardes mais, até que estas duas cousas tomem asemto, e o façam tomar
a toda a terra; e qe este feito seja comtrariado dalgua parte, nam alar-
guees mão destas duas cousas em nehua maneira que seja, mas resesty
com força e jemte, quamto pêra iso fôr necesarea: guarde se vos alteza
de comselhos d omeens emfadados, que he o mor perygo que quaa ha,
porque este feito nam lhe vejo nehua comtradiçam dos da terra, nem dos
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 239
que navegam ho mar da imdia, nem das forças e nãos de demtro do mar
Roxo, porque tudo he pouca cousa: alguum pejo, se ho hy, deue de ser
do soldam ; e pois que este feito nam pôde acudir senam per mar, eu es-
pero na misirycordia do muy alto deus que lhe apagaremos suas forças»
e que numca mais tornaram a ese feito, porque ho soldam nam fica a sua
eramça a seu filho, nem pôde ficar; espravo comprado ha de ser ho que
soceder a cadeira do cairo: os seus mamalucos nam emtram no mar; com
jemte asoldadada e frbsteira de muitas partes faz suas armadas, a quall,
como recebe seu soldo e pôde aver terra, desesquypa logo sua armada:
oulhay, senhor, ho feito de goa, que foy bem comtrariado, como cousa
primcipall e gramde, e agora que tomou asemto, fica senhora de todo ho
negocio da Imdia, obedecida e temida: e como começarmos de trilhar ho
mar Roxo, e chegar a suez, três jornadas do cairo, com vos armada, mo-
vimemto gramde ha de fazer no cairo, porque ho poder do soldam nam
he tam gramde como volo fazem emtemder; terá xb até xbj de cavalo *,
comprados por dinheiro, arrenegados; com estes sojiga a terra; ho seu
pouo he sem armas e sem nehum exercicio de guerra: hoyto mill ma-
malucos ha mester ho cairo pêra o senhorear e ter sojeito; vimdo força a
outra parte, pêra qe comprise acudir lá, nam lhe obedeceraa ho cairo,
nem lhe pagará as peitas e pedido que lhe cada dia lamça, porqe as rem-
das sam piqenas, e ele paga cada mês de soldo Ixxx cruzados^ de soldo;
e per Respeito dos Roubos e tiranias que faz, he fojida gramde parte dos
mercadores do cairo mouros e judeos, e sam emtrados na imdia, porque
do trato da especiaria nam tem já nehum proueito; e os mamalucos hum
soo dia que lhe nam pagase, era logo morto, e por este respeito matou
ele os três primcipaes capitãees seus, e deu os oficios a espravos seus : ho
feyto do soldam he muito fraca cousa, porque, afora ter pouca jemte, nam
ha de sair a resistir em pesoa a nehuua parte fora do cairo, nem numca
say de huua fprteleza fora, e tem xeqesmaell ás portas, que ho ha de
persiguir rijamemte,
A quatro dias d agosto partimos todos diamte d adem e fomos aver
vista do cabo de gardafum, e daly vyemos aver vista de divlcimdy; e
corremdo a costa de lomgo, viemos ter a mamgalor e a cimunate, portos de
cambayá, e dy a div, porto de mihqiaz, omde correjemos nosos bates, e
1 Quinze até dezeseis mil de cavallo.
* Oitenta mil cruzados.
240 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
fomos bem recebidos de miliquiaz e bem festejados de dadivâs e mamtí-
memtos e muito gâsalhado ; e mamdey desembarcar aly espicyarias e co-
bre de vos alteza, e deixey por feitor daqela mercadaria fernara martins
avamjelho, e escrivam jorje corrêa; e acabado de gastar aquela mercada-
ria, se aviam de vir ; e deixey hy emxobregas descarregamdo as mercada-
ryas e tomamdo outras.
Partido de div^ mamdey diamte amtonio raposo no seu navio a goa
fazer lhe saber minha vimda, e mamdey a cananor e a cochim Ruy gal-
vam e jironimo de sousa nos seus navios, e eu me vym dereito a chavU,
omde ho voso feitor das presas descarregou algílua espiciaria e mercada-
ria que trazia de presas; e dey ordem pêra me fazerem hy duas carave-
las, e mamdey dy levar soma demxofre e salitre e de lynho e arroz e trigo:
fomos bem recebido de chavU com muitos mamtymemtos e Refrescos, e
todalas outras cousas de qe tinhamos necesidade nos deram com muita
delijemcia em abastamça.
Chegamdo a chavll, achámos ho embaxador delRey de cambaya, e
tristam degaa e joham gomez seu esprivam, que lá tinha mamdado sobre
os apomtamemtos e comcerto de paz : deram me as carias dei Rey de cam-
baya e a reposta dos apomtamemtos da paz e asemto de feitoria em sua
terra, e cartas de miligupy, que vos alteza já lá conhecerá per fama, ho-
mem primcipall de sua terra, desejador de vos servir; outorgou nos forte-
leza e asemto de feitoria em div, e que se gastaria cadano em sua terra
quaremta mill quintaes de cobre polo preço que de vimtanos a quá ti-
vese, que sam novemta serafins ho babar, que do peso velho sam cimqo
quintaes, e todas as outras mercadarias de lá desas partes que se pode-
sem gastar em seu Rey no, e pêra vosa alteza todas as que de sua terra
quisese; e me mamdou dizer, que me rogava que lhe mamdase a nao
mery, a quall eu tenho metida no Rio de cochim, correjida de novo e com-
certada pêra lha mamdar: mamdou me hum cavalo e huuas cubertas
daceiro e huua adaga de sua pesoa e huua sela; e mamdou a vos alteza
huua adaga douro: tristam degaa, misyjeiro que a ele emviey, foy bem
recebido dele e agasalhado e bem tratado e feita mercee; tristam dega ho
achou achegado ao estremo do reyno de mamdaao, em guerra com gramde
arrayal de cavalos e de muita jemte e artelharia e todo aparato de guerra.
Na carta dei Rey de cambaya nam falava nada disto, somemte dezia
que se faria tudo ho que eu pedia, referimdose á carta de miligupy, que
mais largamemte mespreveria tudo, na quall vynham todas estas decra-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 241
raçõees que acima dito tenho, e asy mesmo ho trazia trístam dega na re-
posta de sua estruçam, dizemdo mais que qeria mamdar bum estamte dos
guzarates a malaca, e suas uaos que navegasem lá seguras; praticaram
em maym e na ilha que está no canall de goga, que me davam da pry-
meira: maim dise tristam dega que era lomje de cambaya, e que fariam
as mercadarias muito custo : a Ilha dise el Rey que ha daria de bõoa vom-
tade, mas que nam era proveitosa pêra nosas nãos, que era huua ilha em
que avia muitas cobras e bichos, e que ha mandase ver primeiro, e de (sic)
se dela fose comtemte, que ha tomase, e que por iso nam era pouoada; e
que em diu poderia fazer ho asemto e forteleza; que os Rumis nam aga-
salharia em sua terra. Respomdy logo de chavU a suas cartas com agar-
decimentos, dizemdo lhe como vos alteza, polo amor e amizade e trato que
com ele folgava de ter, numca mamdara fazer guerra a sua terra, nem
qeymar seus portos e lugares, nem lamçar pedra de bombarda em suas
fortelezas; e se alguum dano tinham recebido has nãos e jemte de sua
terra, que eles eram os culpados, porque nos mares e portos dos Rex com
que vosa alteza tinha guerra, suas nãos e jemte os ajudavam comtra nós
com sua artelharia e suas armas, como fizeram em adem e em malaca e
em outros muitos lugares; mas qe ho mar de sua terra e de seus portos
atá ho dia doje numca foram qebrados nem emtrados, e outras palavras
que hao caso e tempo comvynham: a miligupy esprevy mais mevdamemte,
agardecemdo lhe da parte de vosa alteza folgar ele tamto de fazer bem as
cousas de voso serviço, pomdolhe algua esperamça de galardam de setis
serviços, por asy tomar cuydado das cousas de voso serviço: ho embaxa-
dor mamdou as cartas a el Rey, e se foy comigo pêra trazer a nao mèry,
e eu dar ordem a se fazer ho asemto e forteleza em dyv.
Em todaa esta costa me pediram seguros pêra nãos de malaca, e a
todos os dey, e outros pêra nãos e portos durmuz, com tall comdiçam
que os cavallos tragam a goa, porque asy fica asemtado por toda esta
costa nam emtrarem cavalos d arábia e da pérsia em outro nehum porto
senam em goa; e creo que ho farám, polo boom despacho que as nãos
do ano pasado levaram : foram a salvamemto a vrmuz, muito Ricas e bem
carregadas, do porto e cidaáe de goa; e as de todolos outros portos que
hiam pêra vrmuz, tornaram com gramde temporall e cos mastos qebra-
dos e desaparelhadas ha costa da imdia, e asy as naaos de calecut como
dos outros lugares que hiam pêra ho estreito, e perderam se muitas delas;
e he, senhor, cousa muito pêra espamtar, aver três anos que a mayor
31
242 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
parte que hiam pêra adem, judá e meqa se tomaram atrás cadano, per-
demdose muitas delas, e a mayor parte delas de çamatora e de ceilam
pêra demtro; e sam muitos mercadores da imdía desfeytos e derribados
de três anos aquá; e esta foy a causa por qe estano nam tomámos cem
nãos no mar Roío, e amim, senhor, me parece que, afora serem ajudas
de noso senhor em todalas vosas cousas, que he pola vosa armada amdar
tam viva sempre cortamdo os golfãos, caminhos e lugares por omde eles
navegam*, e nam ousam de partir atá nam saberem a citaçam qe a vosa
armada leva, e depois que ho sabe partem, semdo já no cabo de sua na-
vegaçam, e acham já tempos comtrairos, que os faz volver atrás, por que
eu fuy espamtado nam virem cometer a boca do estreito cem nãos.
Chegado a div, soube como as nãos de calecut arribaram com tem-
porall, e jaziam por estes portos de cambaya até momte dely, e huua en-
trou em damda, terra de chavll : chegamdo sobre o porto de damda, pedy
qe me emtregasem a nao, que era de meceris do cairo, nosos imigos, car-
regada d espiciaria, e emtregaram me a nao e perto de três mill quintaes
despicyaria, de pimemla e jemjivre: aly me detive alguuns dias, e reco-
Ihy a espiciaria, e varey a nao ho mar : emtregaram me toda sua artelha-
ria, amcoras e velas e toda sua emxarcia; he huua fermosa nao da fey-
çam das do mar roxo, a que os mouros chamam moruazes: partido daly,
vym sobre dabuU e çamgiçar, e pedy duas que hy estam demtro em da-
bull e hua em çamgiçar: começaram de qerer amdar em pratica comigo;
leixey hy emtam lopo vaz com três nãos em guarda delas, e que nam dei-
xase emtrar nem sair nehua nao até qe as nam emtregasem : creo que to-
davia m emtregaram as naaos e espiciaria.
Soube também qe emtrara outra em batecala; mamdey emtam am-
tonio raposo com huua galeota de goa lamçar sobre o porto, e pidir qe
ma emtregasem, e parece me que todavia ma emtregaram: mamdey tam-
bém lamçar fernam gomez de lemos com huua fusta de goa sobre mam-
galor, omde estam metidas duas, com determinaçam de nam deixar na-
vegar o porto ataa que maas nam emtreguem : foy desdita nosa tornarem
atrás estas naaos com temporall, porqe tomáramos huum mundo de Ri-
qeza.
Chegado a goa, achey huum presemte de panos da pérsia e huum
anell com huum diamam, que me mamdou ho embaxador de xeqesmaell
que veyo ao Rey de daqem, e ao filho do çabayo, e alguuns oferecimem-
tós seus de parte de xeqesmaell, e se tomaram pêra homd estava ho em-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 243
baxador, quamdo my nam acharam, e deixaram dito, que vimdo eu do
mar roxo, ho embaxador me veria ver e falar comigo cousas de xeqes-
maell, amtes de sua partida pêra a pérsia.
Achey mais em goa huuas comtas e huua campaynha, qe me mam-
dou ho guardiam de Jerusalém, qe era vimdo ao cairo a chamado do sol-
dam, e achou hy huum judeu purtuguês morador em Jerusalém, que vy-
nha pêra a imdia, e per ele me mamdou este presemte, dizemdo que as
comtas eram tocadas em muitas rehquias^ e que ha campaynha era da ca-
pela de nosa seuhora, com qe se sempre tamjia á misa: mamdo lã esta
joya do guardiam a vos alteza; prazerá a noso senhor que s abrirá este ca-
minho e romaria per quá per estas partes por omde estas joyas vieram:
esprita em cananor a iiij dias de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso dalboquerque^
CARTA Xm
1613— Dezembro 16
Senhor. — A jemte da imdia ha mester pagamemto de soldo, porque
ás vezes se pagava á custa dos imigos gram parte dele, e agora navega
ho mumdo todo seguro, qer tragam seguros, quer nam; nem temos guerra
senam com adem e com ho estreito de meqa e jemte do cayro, os quaees
creo que emtrarám poucas vezes a imdia, porque viram ho açoute que lhe
dey estano, e o credito em que estam as vosas cousas na imdia, e como
está tudo someti lo á vosa obediemcia, e vos emtregaram as nãos deles
com toda sua mércadaria por eses portos por omde jaziam.
Alguuas nãos qe se tomaram sem vosos seguros, vy tamtas amea-
ças de vos alteza, que já gora qer traga seguro, quer nam, nam lhe pre-
gumtam pêra omde vay nem domde he; estas nãos, se s agora tomaram
dos mercadores do cairo, emtregase toda a espiciaria a vosos ofíciaes; pe-
dimos lhe dinheiro pêra pagamemto de soldo, dizem que nono ha hy; pe-
dimos lhe mércadaria, dizem que nona ha hy: asy, senhor, que compre a
^ Torre do Tombo— G. Chron. P. i.% M. i4., Doe. IK.
314^
244 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Yosa alteza mamdar de lá mercadarias pêra o pagamemto da jemte, panos
e armas qe também tomaremos sobre nosos soldos; e se qerees ter a jemte
comservada na imdía, mamde vos alteza haas vosas nãos que tragam mui-
tos yinhos pêra as vosas feitorias, porque os homeens tomano sobre seu
soldo ; e alem de vos alteza fazer seu proueito, daa vida aos homeens, e
asy pêra os doemtes como pêra os sãos e jemte de trabalho esforça muito
a compreysam dos homeens quá nesta terra.
Nam he, senhor, nada meterdes na imdia cemto e duzemtos mill cm*-
zados de mercadaria, porqe nam vem cobre nem mercadaria de nehua
outra sorte que soya a vir; pregumtey aos judeos mercadores qe vem do
cairo, e asy a outros mercadores, porque nam vynha cobre; diseramme
qe valia tam caro lá como na imdia, e nam vir de veneza nem de turqya
polas guerras; e polas espyciarias e mercadarias da imdia, que eram muito
caras no cayro, que por iso nam vynha cobre.
Eu, senhor, qeria saber savees voos por voso serviço deixar amdar
na imdia estes judeos castelhanos e purtugueses qe vem per via do cairo,
ou se qer vos alteza que os apague hum e huum por omde qer qe os po-
der aver: de cananor a xb dias de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosallteza
Afomso ddboquerque.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) D afonso d alboquerque. Pede merca-
daria pêra os soldos, porque, louuores a deos, nom ha presas de que se
paguem, por tudo estar a voso seruiço e nom terem guerra senom com
adem e o mar roxo. — ij*" cruzados * de mercadaria: — falia: — Judeos cas-
telhanos e portugueses que entram na índia por via do cairo, quer saber
a maneira que vosa alteza ha por seu seruiço que se tenha com elles *.
^ Duzentos mil cruzados.
* Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 14; D. 27.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 245
CARTA XLffl
1613— Dezembro 24
Senhor. — Eu quys saber domde naceram estas culpas que me vosa
alteza punha, d acrecenlamentos de soldos e de quym taladas que aynda
nom eram alevamlados, e soldos postos pello visoRey: ymdo por este
camynho, achey que os vosos oficiaes, queremdo gaanhar fama falsa e
credito amte vosa alteza, tinham aynda asy os liuros em pee, e cada ano
vos spreviam de hua forma, e nom proviam mynha determynaçam segundo
forma de voso Regimento, porque o capitolo do meu Regimento está Re-
gistado no liuro da vosa feitoria pêra este feito. E porque a vosa gemte
está espalhada per desvayradas partes, e cada hum destes no tempo do
viso Rey tinham desvayrados soldos, quando vem a lhe fazer final despa-
cho de seu pagamento e sua comta verdadeira, que he na feitoria de co-
chym, emtam lhe fazem a comta e paga segundo forma de voso Regimento,
tirando lhe os acrecentamemtos postos pello viso Rey, porque em todalas
outras feitorias nom he necesaryo saber se o soldo que cada hum tem, e
todavia saben o, porque aos taes nunca lhe fazem pagamento de seu soldo,
mas dam lhe sobre seu soldo tamto ou tanto, e cada ano vam os cadernos
das feitorias ao tempo da carga a cochym pêra lhe fazer sua comta e fi-
nal pagamento aas partes, omde estam os cadernos que vem de purtugal
com as pesoas nomeadas e co o soldo que cada hum ha daver^ homde está
a determynaçam de vosa alteza asynada por mym, sobre os acrecemta-
memtos do viso Rey e sobre os spravos asemtados em soldo : se elles que-
rem fazer pagamemto aas partes todavia pellos soldos acrecemtados do
.viso Rey e pelos liuros que aynda estam em pee co titulo de cada hum e
soldo que soya d aver, esa culpa nom tenho eu ; nem tinha a vosa gemte
jumta, pêra a cada hum por seu nome lhe mandar tirar seu acrecemta-
246 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mento ; nem âchará vosa âltezâ mandado meu nem asynado em que con-
firmava o tal acrecemtamento a nynhiia pesoa, nem eu nom creo que
o elles fizesem; e se o tem feito, foy por me danarem a mym á vosa
custa.
E^ta mesma maneira se tem nos soldos que se pagam na vosa ar-
mada por onde quer que amda; dá se sobre o soldo de cada pesoa certo di-
nheiro: nom diz no titulo do liuro, ouve pagamento de seu soldo de tanto
a rezam de tamto por mês ; mas diz no titulo, deram lhe sobre seu soldo
tamto ; porque os cadernos dos soldos que de lá vem e ordenados das pe-
soas que cá emviaes, está tudo em cochym, omde vam sempre acabar de
fazer sua final comta.
Porque, senhor, pêra se fazer ymteyro pagamento a qualquer pesoa
que anda na vosa armada, nom abastara saber se o soldo verdadeyro que
de vosa alteza tinha, porque aynda avia d amostrar certidões de todaUas
vosas feitorias do que nelas tinha ávido sobre seu soldo per meu man-
dado, ou se tinha posta algua verba, ou se devia na feitoria alguua outra
cousa; e amdamdo eu per tam desvairadas partes e tam lomge das vo-
sas feytorias, domde a gemte nom poderia asy ligeyramente aver as pro-
visões pêra lhe averem de pagar seu soldo, lhe mando dar certa cousa
sobre seu soldo a cada hum, temdo sempre o Resguardo que nom aja
mays que aquylo que lhe poderia ser devido e menos ymda: quamdo a
vosa armada chegua, vay logo o sprivãao co lyvro aa feitoria de cochym,
e lançam logo no titulo de cada hum o que asy Recebeo.
Esta mesma maneira tem a feitoria de cochym; nom fazem final
comta aos homens, nem lhe dam seu despacho, atá que nom trazem cer-
tidões das feytorias e do liuro da armada: ysto he o que eu mando e or-
deno ; e porque hy ha muytos mandões e muytos que tem poder de man-
dar pagar soldo, poderá ser que farám eles o que quyserem, e tomaram
toda a culpa a mym : mande nos vosa alteza levar lá todos presos, e cada
hum dará Rezam do que fez, porque por meus pecados nom me tem a
mym muyto amor estes vosos oficiaaes, e deos sabe que eu lho nom te-
nho merecido, senom, quando vier de fora, Receberem me com Ramos nas
mãos e com grandes precisões, porque sempre nos noso senhor dá pro-
veito que trazermos a este corpo que tendes na ymdia, e proveito aas vo-
sas feitorias, aynda que aas vezes seja com trabalho e periguo de nosas
pesoas.
Quanto he, Senhoii aas quyntaladas, já vos diguo, senhor, que se
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 247
nom dá nem carrega quymtaladas a npguem por meu mandado da vynda
de louremço moreno pêra caa; a alguns homens fizerom pagamento de
suas quymtaladas segundo vosa ordenança, atá que me derom os maços
da armada de dom garcia, em que vosa alteza mandava que nem huns
nem outros nom ouvesem quynteladas, sem mandardes que todavia ouve-
sem os três anos de pagamento, como na prymeyra tinhees mandado, de
suas quymtaladas; e portamto se nom paga jaa aguora a nynguem, sal-
vamte algum que aynda ahy ha dos tempos pasados, que vosa alteza he
obrigado a pagar e carregar.
Agora, Senhor, que o exame do soldo se faz de escudeiro e pyam,
como ordenastes, esa maneira se tem nos que cá estavam na ymdia, que
os que de lá vem, eixaminados vem: bem pôde agora, senhor, cuydar o
que está em malaca, que tem os dous cruzados que tinha em tempo do
visoRey; porém vymdo aa feitoria de cochym buscar seu despacho, do
tempo determynado de vosa alteza lhe nom será feito pagamento, senom
segumdo a calidade de sua pesoa e a comdiçam de voso eixame, do tempo
da vosa detremynaçam em diamte: diguo eu agora, senhor, estes taes que
vem de malaca aa feitoria de cochym e diserem aos vosos oficiaes, eu ti-
nha tamto soldo do visoRey, e os vosos oficiaes vos spreverem ysto, logo
eu sam culpado: façam eles sua comta segundo vosa detremynaçam asy-
nada por mym, e nano vam buscar aos lyvros do visoRey, mas busquenos
nos lyvros dafomso dalboquerque, e vejam vosa detremynaçam. E se eu
dou mandados comtra vosa detremynaçam, porque vollos nom mandam?
mas os homens querem gaanhar autorydade amte vosa alteza com enga-
nos, porque sabem que em yr lá hum Recado e viir, tem elles primeiro
acabado os três anos.
E portamtOí senhor, os que o comtrayro fizerem do que vós de lá
ordenaes acerca destas cousas que acima tenho dito, nom lôem poios lyuros
da mynha ygreyja, senom pelos liuros do viso Rey : eu yrey a cochym e
mandarey a vosa alteza o Registo dos provymemtos que acerca deste caso
estam Registados, asynados por mym na feitoria; e avisay vos, senhor, dos
homens da ymdia, que tem as comciemcias danadas e amdam a toda Roupa,
e aves d achar em muyto poucos verdade; e a vosa alteza nynhua cousa
vos he mays necesaria que vos falarmos todos verdade, porquê a ymdia
se comquysta per voso mandado e Regymento ; as pazes e comcerto cos
Rex per voso Regymemto se fazem ; o provymento de vosa fazenda, des-
pesas e carregua per vosa detremynaçam se faz: se vos emformarmò^ mal
248 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e vos nom sprevermos verdade, daremos com tudo no chão : sprita de ca-
nanor a xxiíij de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) D afomso d alboquerque acerqua dos acre-
centamentos e outras cousas de repostas K
CARTA fflV
1613— Dezembro 24
Senhor. — El Rey de calecut mamda seus embaixadores a vosa al-
teza com alguas Razões de «e desculpar de o presemte nom ser como sua
gramdeza, e manda algua especiaria, pouca cousa, nesa nao, asy pêra
despesa de seus mesejeiros, como pêra lhe trazerem de lá algum brimco:
o que deseja he mandar vosa alteza a elle soomente dirigido hum homem,
ou dous, que mostre comíirmaçam de paaz, e sua terra e seus vasalos to-
mem mays aseseguo e sejam fora de duvidas, porque açaz de trabalho
leuou em asemtar os gramdes de sua terra emsystidos na dureza e deter-
mynaçam do çamory Rey pasado, e trazellos a todo asemto e aseseguo
de paz, e lançai os mouros stramgeyros de sua terra, e os naturaes muy-
tos delles feytos em pedaços diamte dele por este mesmo caso.
A si. Senhor, que vosa alteza devia de fazer muytos comprymemtos
com Calecut, nom porque o elRey peça, mas porque compre a voso ser-
uiço muyto afavorecer este Rey, sua pessoa com homras, e seus portos
com muitas mercadarias deses Reynos, porque elle me parece homem
abalado em outras mayores cousas de voso seruyço que fazer pazes com
vosa aheza, segundo suas praticas comyguo e sua determynaçam em que
se pôs comlra todo comselho de seu Reyno e comtra todallas duvidas dos
mouros: mande lhe vosa alteza alguas joyas deses Reynos, e a sua mo-
Iher e a sua yrmãa, porque elle nom tem o custume dos outros Rex; hua
soo molher tem, e seus filhos cryados como próprios seus.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1/, Maç. 14., D. 32.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 249
Soa molher e suâ yrmãa fizerom muyto na paz e asemto; Receba lhe
vosa alteza suas boas vomtades e faça lhe mercees, e asy ao alguzyl ve-
lho que foy na peleja com Rodrigo Rabelo, e vos seruyo nese feylo como
purtuguês e nom como gemtio, e ele começou esta paz e pocaracem como
voso seruydor; ambos e dous amdarom nela; faça lhe vosa alteza mercê,
qae vol a merecem.
Seus embaixadores sejam bem despachados, e maridelhe vosa al-
teza fazer mercê: douray, senhoi:^ este feito de calecut, e day graças $
noso Senhor de vol a asy meter nas mãos, porque se vosa alteza vise o
aseseguo da ymdia coro este feito de calecut e o esmayo dos mouros e
o sometimento e sogeiçam delles, parecer vos hya espicial mercê de deos.
O Retorno de sua aspeciaria deve vosa alteza de deixar trazer a seus
embayxadores no que quyserem, que ele nom manda lá yso a que lhe eu •
dey lugar, senom por mostrajr mays seguramça e aseseguo de sua vom-
tade.
Quer carta aselada de voso selo pendemte, feita em purgamynho;
mande lha vosa alteza fazer a mylhor feita que poder ser, e o selo nom
seja de chumbo, senom de prata ou douro, comtirmandolhe suas pazes,
segurando lhe seus portos e suas terras, porque elle faz caa hua douro
pêra vosa alteza: he homem verdadeyro e tymydo muyto em sua terra e
muyto amado; afavorece muyto os naturaes seos, e estima pouco os es-
tramgeyros, aynda que elle diz que na ymdia numca navegou nynhum
ôstramgeyro dos chyns atee o cayro, senom em seu porto, e diz verdade.
Lembre vos, senhor, que vos dá pimenta a troco de mercadarias de
toda sorte, que he a mayor cousa que se na ymdia acabou, e com esta
compitiçam volla ha de dar cochym quanta quyserdes.
A fortaleza me derom homde a eu pydy, pegada na povoaçam dos
mouros, e da outra parte ós chatyn§ sobre o porto e pouso de suas nãos,
de demtro do Remamso do arrecife: parecem já sobre a terra as duas
torres que estam no mar e o lanço do muro de torre a torre; o corpo da
fortaleza he tamanho como a cerca do apartado de cochym e hum pouco
mais esforçado; bate o mar nas duas torres que estam nos dous camtos
da fortaleza no Rosto que faz ao mar; fiz lhe fazer duas torres neste hi-
gar, porque queremdo dar socorro aa fortaleza, desembarque a gemte
amtre hua torre e a outra, sem contradiçam nem peryguo nynhum da
força do lugar, porque o corpo das torres estam de fora do muro ; a torre
da menajem está no meyo deste muro amtre estas duas torres de demtro
ã2
250 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQDERQUE
no corpo da fortaleza; outras torres ficam hordenadas nos outros lamços;
tem hum postiguo no muro pêra o mar, pêra Receber o socorro; e a porta
principal da fortaleza se ha de fazer a hua ylhargua dela, guardada com
seu baluarte; nom lhe pus o nome, porque nom tem aynda as portas car-
radas.
Crea vosa alteza que este ano deu vosa alteza três açoutes grandes
na casa de mafamede e descrédito do gram soldam e de todollos merca-
dores do cayro: o prymeiro foy emlregaremvollos Rex mouros as nãos e
espiciarias que hyam pêra o cayro nos portos omde se acolherom; o ou-
tro foy a fortaleza e asemto de calecut, e o outro a emtrada do mar Roxo:
praza a noso senhor que vos conserue este negocio : sprila de cananor a
xxiiij de dezembro de 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) Outra tall dafonso d alboquerque sobre
callecut e seu embaixadora
CARTA XLV
1613— Dezembro 24
Senhor. — Bem sabe vos alteza como elRey* de calecQt he ho mór se-
nhor de toda a terra do malavar, e seu porto ho mayor de todalas imdias,
de trato e mercadarias e de muitos mercadores Ricos e homeens primci-
paes e de gramdes^ fazemdas; e pois que a noso senhor aprouue que
vos alteza fizese asemto e paz com elRey, e ele, semdo primcipe, precu-
rase sempre vosa amizade e as cousas de voso serviço, vos alteza deve de
folgar de calecut tornar a seu credito primeiro e a seus tratos e a suas
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1/, M. 14, Doe. 33.
^ eIRey — ho Rey. As variantes que vamos notando, resultam da comparação doesta
caril com outra semelhante, mas datada de cananor a 4 de janeiro de 1514, que existe
no C Chron., P. 1.*, M. 14, D 46.
' e de gramdes — e gramdes.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQDE 251
grandezas ' como era da primeira, porque ho Rey com que vos alteza teve
guerra, he já falecido, e eIRey que hagora he, nese tempo sempre pre-
curou a paz e nam tem nehua culpa nas cousas pasadas.
Depois que Reynou, meteo em paz toda sua terra: eu lhe niamdey
falar no comcerto de nossas pazes per bo ^ alguazill que foy de cananor,
e per pocaracem, vosos servidores, e elRey folgou de fazer pazes e ami-
zade com vos alteza, e vos deu forteleza e feitoria em seu porto, e alguuns
mouros comtrairos ha paaz lamçou fora de sua terra; e aimda que ^ ouve
senhores de seu reyno comtra ha paz, e elRey de cochim e cananor ha
estro vasem, ele sempre comsemtio na paz com muita verdade e segu-
ramça, comfiamdo que vos alteza folgará * muito com ha paz, e o qererá ler
por amigo e servidor, e que fará seu porto gramde, e mamdará a ele muy-
tas mercadarias, porque hasy lho tenho eu dito que ho vos alteza fará ^
porque ele sabe que com voso poder e autoridade asemtey as pazes com
elle, e deu fee a minhas palavras, as quaees lhe fizeram emtemder elRey
de cochim e elRey de cananor e alguuns purtugezes danados que era
tudo'falsydade e emganos; e por seu coraçam ser limpo, sempre me creo,
e sempre me fez tudo ho que lhe eu Reqery, e me deu ho lugar pêra a
forteleza omde lho eu pedy, com todalas abastamças de pedreiros e jemte
de trabalho, pedra e call e todo ho necesareo, e isto com muita verdade
e muito amor e com muito bõoa vomtade, e recebeo os vosos homeens e
vosa jemte debaixo de sua seguramça e de sua verdadeira palavra.
Oulhe vos alteza estas cousas, que sam muito gramdes, e que as de-
vees destimar em muito, porque* huum tam gramde Rey como he elRey
de Calecut, folgou de vos dar parte em sua terra e asy ametade dos car-
tazes e toda carga de pimemta e espiciaria ^ que quyserdes por mercada-
rias deses Regnos \ .
Quer, senhor, de vos alteza, que* por este serviço e bõoa vomtade
com que asentou a paz e amizade com vos alteza, que em synall d amor
«
^ suas grandezas — íua grandeza.
• per ho — pdo.
' que— jTuy.
^ folgará— /biparta.
^ TOS alteza fará — fará vos alteza.
• porque— potí que.
^ espiciaria — especiaryas.
^ por mercadarias deses Regoos — a troco de mercadarias que quixerdes.
• que — iálu.
32«
252 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
e verdadeira paz yos alteza mamde hum homem ou dous derejidos a ele
com a reposta de seu Embaxador e suas cartas; e quer que has nãos que
ouuerem de vir a seu porto» venham dereitamente a ele, e as mercadarias
que vierem a seu Porto, que^ se nam descarreguem em outro porto pri-
meiro; e^ quer que lhe mamdees abastamça de mercadarias, quamtas se
em sua terra posam gastar; e quer que vos alteza lhe mamde tudo isto
comíirmado^ e tudo ho que com ele asemtey, per carta vosa, asynada e
aselada do voso selo, que dure a paz pêra sempre, porque ele vos me-
rece isto e muito mais, por desejar sempre vosa paz e amizade e dar for-
teleza a vos alteza * em su,a terra.
Mamda seu embaxador a vos alteza com joyas que vos leva: peço a
vos alteza por mercee que seja despachado ^ e agasalhado quamto he rezam ;
e lhe emvie vos alteza presemtps e dadivas, e asy ha Raynha sua molher
e sua irmãa, que falaram muito na paz e trabalharam muito no comcerto
dela.
Pêra todas estas cousas Ihempenhey minha verdade, que vos alteza
as despacharia e comfirmaria como ele merece e he rezam, porque deixou
ho trato dos mouros do cairo por tomar hó de vos alteza; deixou as mer-
cadarias do soldam por Receber as de vos alteza em sua terra; deixou a
guerra que ho outro Rey tinha, por folgar com ha paz e por imrriquecer
sua terra: oulhe vos alteza por estas cousas, que sam gramdes, e Rece-
beeas ® com giamde amor e bõoa vomtade; e amostray a elRey de calecut
com bõoas obras ho amor e amizade que com ele folgaes de ter, aprovei-
tamdolhe sua terra e muitas mercadarias desas partes de que Receba al-
guum proveito, e nãos que carreguem em seu porto e dem saída haas
mercadarias e espiciarias de sua terra, pois que deixou as dos mouros do
cairo que lhe cadano vynham.
ElRey de calecut he gramde senhor, homem muito verdadeiro; tem
muita jemte e muita terra; iodolos Rex e senhores do malavar sam cai-
maes pêra ele e de pouca força diamte dele, e todalas naaos da imdia na-
* qae — falu.
*e— fallA.
t' comfirmado — firmado.
* vos alteza — êua alteza.
* seja despachado— Séf;a bem despaekadot
' Recebeeas—A^ceto 01.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 253
vegam em seu porto; toda a pedraria e aljôfar ha nh cidade de calecut, e
todalas Riqezas^ e bõoas cousas sacharam' nela.
Seu embaxador leva algflua espícíaria pêra sua despesa e pêra tra-
zer alguuas cousas com que ele folgar; mamdeo vos alteza bem despa-
char e cedo, e dele' lugar que traga toda mercadaria e todallas cousas
que lhe eIRey mamda trazer, e traga ha carta e comfirmaçam do asemto
que fiz com el Rey, qu& vos ele mamda ^ pedir, e Receba sua joya ^ e seu
presemte bom aqele amor e bõoa vomtade que elle amostra ter bas cou-
sas de voso serviço.
E á Rainha sua molhar e a sua Irmãa esprevalhe vos alteza agarde-
cimemtos do que nesta paz fizeram, e lhe mamde ^ alguuas dadivas de lá,
e asy alguuns ^ aceitos a ele, e ao alguazill e a pocaracem, que no comcerto
trabalharam bem, e imda agora no fazer da forteleza eles ten o cuidado
de dar aviamemto a todo negocio com as pesoas^ que elRey também or-
denou pêra amdarem nese feito.
Diz também elRey de calecut, se vos alteza quiser fazer nãos, ga-
lés, caravelas, navios, que no seu R o e porto de chalea ha muy gràmdabas-
tamça de toda madeira e muito de barato, que pôde vos alteza mamdar fa-
zer quamlas quiser.
Torno vos, senhor, a lembrar quam ^ estimado deve de ser este feito
de calecut amte vos alteza, e quam gramde qredito deu a todalas vosas
cousas da imdia, afora os Rex e senhores desas partes lá, mercadores,
tratos, companhias demfiees, perderem ^® de lodo a comfiamça e esperamça
daverem ** as cousas da imdia; e tudo isto fez elRey de calecut com ha paz
e amizade e forteles^ que Recebeo em sua terra. Rezam he que vós alteza,
onlhamdo todas estas cousas que tamto tocam a voso serviço, com bOoas
obras comservees sua paz e amizade, e guardees seus portos e seus tra^
todalas Riqezas— forla a Riquexa.
s acharam -s adiam,
iéle^délhe.
vos ele mamda — vos WMnda.
soa }oya — tuas jcyat .
e lhe mamde — e mamdelhe.
asy alguuns — asy a algtmm.
as pesoas — alguas peíoas.
lembrar quam — lembrar atrtra vez quam.
perderem — perd^om.
daverem— de f^Mi.
254 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tos como cousa muito vosa. e lhe qeyra vos alteza comprazer e outorgar
todalas cousas que vos mamda Reqerer: sprita de cauanor a xxiiij de de-
zembro de 1513^
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Aiomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) D afomso d alboquerque sobre a paz de
Calecut '.
C4RTAXLVI'
1613— Dezembro 28
Senhor. — A vós vos comvem fornecer a Imdia de mercadarias daquy
avamte, porque a boca do estreito, prazemdo a noso senhor, çarrada está,
porque a destroyçam que fizemos em nãos llá dentro e ser lugar muy es-
treito e serem elles certeficados que nam avemos nós de leixar aquela em-
presa^ pois que, louuado noso senhor, todallas outras cousas estam asem-
tadas e asesegadas, nam ham d ousar d ir abocar llugar tam estreito, por-
que nos nam podem em nebua maneira escapar, e sabem em todollos por-
tos da Imdia que me faço eu prestes pêra tornar llá; porlamto» senhor,
mamday muytas mercadarias das sortes que vos aqui aviso.
Item: primeiramente calecut pede gramde soma de coral laurado,
em Rama, e o mais dele em Rama; pede cobre, azougue, vermelham,
borcados baixos, velludos cremesys e pretos gramde soma, Alcatifas, aça-
fram, agoas Rosadas, ezcarllatas e outros panos doutras sortes.
Item: cambaya pede cobre, azougue, vermelham, ezcarlatas, borca-
dos baixos, e arrezoados velludos cremesyns e de graam; veludos pretos
gramde soma; panos bramcos e pretos finos; sedas Rasas nem dainascos
^ sprita de cananor a xxiiij de dezembro de 1613 — spriia êm eodiim a iiij Has d$
janeiro de 1614.
* Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, Maç. 14, D. 34.
' Esta carta é semelhanteà que fica transcrípta sobo oum. xxxna pag. 167; tendo
porém diversa data, e ofTerecendo algumas variantes, entendemos que não a devíamos
omittir. Preenchemos com itálico os legares em que o originai está deteriorado, aprovei-
tando o texto da carta já referida.
CAUTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 255
nehaua cousa, |7or^ vem muitos de malaqua; pedem açafram, agoas Ro-
sados, e se pela vemlura poderdes aver cetins avellutados de cores, que
quá chamamos veludos de mequa, fazem nos em lepo, em bruça, em tor-
quia, nam será maa mercadaria; alcatifas de levamte poucas.
Assy mesmo se gastaram gramde soma de borcados e velludos na
terra do preste joão.
Em peguu e em siom se gastará gramde soma dazougue e verme-
lham, panos bramcos e pretos, veludos e borcados baixos alguns, e ez-
carllatas; de quá da imdia roupa de cambaya.
E pêra maUaca veludos de toda sorte e ezcarlatas e borcados bai-
xos, azougue e vermelham, e em toda parte afyam, porque todo este
mundo de quá o pede e o ha mester.
Em urmuz soma de cobre gastará e dazougue, vermelham; pedra
ume nam faz pêra llaa.
Em Narsimga e o Reino de daquem borcados e veludos gastaram,
cobre, azougue, vermelham, agoas rrosadas, e ezcarlatas.
Bemgalla toda nossa mercadaria pede e tem necessidade delia.
Çamolora (sic), Azougue e vermelham, e cobre pouco, ezcarlatas,
borcados, veludos pretos e cremesys ; seda Rasa nem damascos nam nos
ha mester; e o mais, o que vosa Alteza llá verá per carta sua sobre a soma
da seda que pedis.
Também se gastaram Azeites de portugal e açuqueres alguuns boons
e muitas outras meudezas que desas partes quá emtram na yndia, a que
nom sey o nome, que tudo se gasta: e aynda, senhor ^qw o ganho nam seja
tam groso dalguas mercadarias de laa, que aqui nam nomeyo, deve as
vosa alteza todavia de mamdar, porque se fará proueito e abastecer se á
a imdia daquelas cousas que a ela soyam de vir per outro caminho, e
escusares mamdardes dinheiro de llá, amtes se vosos tratos amdarem bem
aviados, vos yrá de quá muito ouro, como mo vosa alteza screpve.
Sobre o Azougue que quá mamdaes, será bem que saiba vosa hU
teza que queria eu amtes o que se perde cadano por más vasilhas, que o
que me vós daes com a gouernamça da imdia: os mouros da imdia o tra-
zem quá em duas cousas, em coquos e em canudos de canas curtos, que
sam tam gordos como a perna de hum homem do giolho pêra baixo; fa-
zem hum buraco no meyo do estremo do canudo, çarramno com allaquar,
e está seguro, numca se vai; asy mesmo fazem ós cocos, abrem lhe hum
daqueles olhos, çarram no com alacar, e numca semtoraa.
256 CARTAS DE AFPONSO DE ALBUQUERQUE
Também, senhor, aviso vosa Alteza dos panos que quá mamdaes,
que deviam de vir muy empresados e embrulhados e metidos em sayos
de ilooa, çarados muy bem e metidos em arca pregada, breada e pricym-
tada, que lhe nam emtra uehuua agoa, e nam nos meter em poder dos arru-
madores das nãos, mas em lugares escolhidos e amtrambalas cubertas,
arrumados á popa omde lhe nam toque nehuua agoa, por muita que chova,
porque ha ally cuberta e alcáçova e tolda e nam pasa agoa abaixo. E as
ai*mas e Uonas que quá mandaes, desta maneira aviam de ser arrumadas
e bem tratadas; asy, senhor, que n arrumação da nao Recebe ás vezes vosa
mercadaria gramde quebra, e asy se faz no azougae e nas armas; os mes-
tres metem tudo a granel, os arrumadores por hondelhe bem vem; os feito-
res das nãos quer a emireguem ca podre, quer nam, nam lhe Releva nada;
os feitores delia nam tem mais obrigaçam que de as emtregarem demtro
nas casas, pesadas e comtadas; mamde vosa alteza olhar por estas cou-
sas, porque por buscarem huua pipa de vinho boom, amdam logo todallas
mercadarias de boombordo a estribordo e per ese emsaees desas nãos; e
toda outra mercadoria, tiramdo cobre e chumbo. Recebe dano na viajem
de Há pêra caa.
. Senhor, acerqua do prouimiemto dalguuas cousas de que quá temos
necesidade, aviso vosa alteza, e diguo prymeiramemte, que se a noso se-
nhor apraz que nós façamos asemto no mar rroxo e descobrirmos estes
biocos de Suez e dârmada do soldam, que vosa alteza se devia de tirar
das nao6 e trazer vosa armada em gallés, e aimda que amtre ellas am-
dem três ou quatro nãos, nam he senam bem; e como huua vez formos
seguros d armada do soldam que ha nam ha hy no mar, aimda que de-
pois se fizesem mil velas e sajuntasem todollos Reis mouros do mumdo
a fazer nãos, com quatro gallés lhe tolhes que as nam lamcem ao jnar;
porque bem nas podem fazer em terra, mas varam do os casquos das nãos
ó mar, queimallasha huua gallé sem comtradiçam, e quamtas mais lam-
çarem ó mar, tantas mais perderam e lhe queimaram; de maneira, senhor,
que aimda que todo ho poder do mundo o ajudase, como ganhardes pose
do mar rroxo, nunca mais pôde fazer armada, porque nam tem portos
çarrados assy defemsaues em que ha cryee, que lhe nós llá nam emtre-
mos, e nam tem outro seiíam çuez, porque de todallas outras partes he
muy lomgo caminho ho cairo.
E tudo he Rib^Va de m^r e he muy curta navegaçam de meçuá e
dalloc e da terra do preste joão, de que vosa alteza deue de fazer fu$á2L-
\
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 257
memto: ao porto de çuez naveguâçam he de xij ou xiij dias. E se vos mais
quiserdes chegar adiamte, ahy temdes a ilha de çuaquem, mui boom
porto; e que hy nam aja agoa, ha hy cisternas que abastaram pêra a for-
taleza, e da terra firme trazem agoa a vemder; porém a meu ver, se-
nhor, vós ganhares judá sem comtradiçam, porque he cousa pequena e
fraca, e queremdo o soldam hy mamdar jemte que ha defemda de nós,
ha 'de ser mui trabalhosa de bastecer de mamtimemtos, porque he lomgo
caminho do cairo a judá; e se nosos pecados nos deram Uugar que che-
gáramos llaa, com ajuda de noso senhor nam ouvera hy contradigam de
a levarmos nas mâaos, porque nam era aimda cerquada da bamda do
mar: o que agora avemos mester, he muytos Remos pêra gallés, panos de
vila de comde, que nam venham podres, duas dúzias de carretas ferradas
pêra artelharia grosa e miúda.
Temdo vós, senhor, feito asemto em meçuá e na terra do preste joão,
hase de despouoar de necesidade judaa, porque nam lhe ham de vir es-
pecearias nem mercadarias nem os mamtimemtos de fora. E queromdo o
soldam hy ter jemte de garniçam, nam na pôde bastecer de mamtimem-
tos, e vosa alteza pôde a soster com os prouimemtos da terra do preste
joham, que está defromte: ganhada judá, nam ha hy casa de mequa, nem
quem ouse morar nella, e de necesidade ha ham de leixar os alfenados,
porque está hum dia de caminho de judá: a meu ver, senhor, hey o feito
de mequa por pouca cousa; sua destroiçam he leve cousa d acabar ; assy,
senhor, que de gallés aves de fazer vosso fumdamento; em cada lugar se
podem correjer e espalmar, e em cada llugar podem emtrar, como esta
armada do soldam fôr segura.
E assy, senhor, no^ deue vosa alteza mamdar armas, porque á de-
vasidod^ dos portugmses nam ha armas nehuuas que abastem, nem tem
em comia soldo, nem tomarem nas sobre seu soldo, e portamto, pois he á nosa
custa, mamde nos vosa alteza abasti mento delias, e agora vos compre mais
que numca, pois que vosa alteza tem determinado de segurardes a imdia
dos imcomveniemtes que podem sobrevir; e asy vos compre, porque te-
moUos^ imigos á porta: armas bramcas de corpo nam nas devia vosa al-
teza quá de mamdar, porque sam mais trabalhosas de mamter que hum
cavallo de cubertas, e perdem se todas : couraças sam mui boas armas pêra
quá, nam ham mester escamei nem outro coregimemto nehum, salvamte
se se denaficam os couros per tempo, tomara os homens crauaçam e cou-
ros sobre seu soldo e correjemnas e amdam sem^;re em pee: pelouros
33
258 Cartas de affonso de Albuquerque
d espera e de serpe nos deve vosa alteza de mamdar, que nam ha quá
nehuns: ese castelo de madeira que me dizem que vosa alteza tem, se o
tyueramos em adem, sem contradiçam fora nosa, porque armáramollo
castello nagoa de Rubaca, que vos lá tenho sprito; segura agoa, sem
contradiçam tinhamos adem nas mãaos; piques pêra a jemte da ordenamça
e lamças que tirem samgue aos imigos, porque nol as mamdam assy como
vem de bizcaya, sem amolar, emcomemdadas a hum barbeiro imchado
que quá ha na imdia, e armada nam pôde esperar por isso, porque eu
nam tenho na imdia mais tempo, nam emvernamdo nela e vimdo de fora,
que novembro e dezembro; em janeiro me convém partir pêra o estreito,
se nele ouver de fazer fruylo, e pêra vrmuz em feuereiro, e pêra mallaca
em abril: ora olhe vosa alteza quam pequeno tempo tenho pêra m apa-
relhar pêra ir ao eslieito, vimdo de fora no mês de setembro e outubro,
como agora vim; portamto, senhor, emquamto trazes a obra quemte,
mamdai nesas nãos todo o aparelho que mamdaes fazer por voso Regi-
mento, porque, louvado seja deus, ainda que seja homem velho e fra-
quo, nom ha daborelecer nehuua cousa em meu tempo. E se vosa alteza
quer que a vosa armada este aguarádimào por isso, custar vos ha hum
prego cem cruzados, e hum machado ou alviam duzemtos cruzados; e se-
gumdo-a demora que vosa armada fizer, asy fará as avallias.
Também nos mamde vosa Alteza alguua soma de chumbo, porque
temos diso necesidade: sprita em o porto de calecut a xxbiij dias de de-
zembro 4b 1513.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A cl Rey noso senhor *.
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 14, D. 36.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 2&9
CARTA XLVn
1514— Janeiro 1
Senhor. — Lá mamdo a vos alteza os pareceres de todoUos capitães
sobre o feito de goa; delles leua dom joham e delles joham de sousa, e
outros antonio d abreu, porque hos tinha espalhados per desvairadas par-
tes, nom nos pude ajumtar todos: goa fica asy agoardamdo vosa detre-
minaçam, as sprevaninhas das feitorias dadas a criados vosos, casados
hy; framcisquo corvinel feitor, pêro mazcarenhas capitão, alcaide mor
joham dataide; os almoxarifes, posto que nora sejam vosos criados, sam
homens de bõoa linhajem, e pêra o serem, casados ha y com muy pou-
qua cousa sobre seus sólidos cos ditos carregos, e asy os alcaides das
torres de pamjym e benastarym ipuy pouqua cousa tem ou nada sobre
seu sólido: nam boly com nenhua cousa destes, nem dey estes carregos
alguuns criados vosos, por duas rezões: a primeira, porque ho nom quy-
seram tomar com tam pouqua cousa, porque tem tamto de moradia e
solido como os, ordenados dos ofycios; dey o a homens casados, porque
no tempo da guerra podesem milhor mamter suas casas e suas pesoas..
Está aimda asy tudo agoardamdo a detreipinaçam de vos alteza. E á fei-
tura desta me spreveo francysqo corvinell, que has terras das ilhas estauam
todas arrendadas por doze mill e oytocemtos e 1^ pardaos S afora as Em-
tradas e saydas das mercadarias e o trato dos cavallos: pode vos alteza
agora Repartir tudo como vos bem parecer, e dardes vosos ofícios a quem
quyserdes.
Amtonio de sousa e joham teixeira que vieram de narsymga, pella
Emformaçam que delles ouue, aja vos alteza, por certo que se o trato dos
cavallos está em vosa mão, se os nom comsintirdes yr a outras partes se-
nam a goa, que vos á elRey de narsymga de pagar páreas e todo o Reino
de daquem; nem deue vos alteza de comsymtir que has nãos dormuz
venham ao porto de batecalla, senam a goa: os de batecala me comete-
ram que me pagariam os direitos dos cavallos, e que hos leixase yr a ba-
tecalla, e eu, senhor, nom quys, porque se fará goa a mayor cousa des-
1 Cincoenta pardaus.
33*
260 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tas partes e mate Riqua, como antigamemte soya de ser, porque batecala
nom tem barra nem porto, e todalas mercadarias que soyam de vyr a
goa, vem agora a batecalla; e esta escapoUa dos cavallos fará vyr todal-
las mercadarias a goa, e sam tam desejados e tem tamta necesydade del-
les, que ham de fazer tudo o que vos alteza pedyr. Afora isto ter ssabido,
antonio de sousa e joliam teixeira o viram per espiriemcia: o direito dos
cavallos e o ganho do trato delles he hua muito gramde cousa, e nom
toqua outra paga senam dinheiro na mão: troueram três mill pardaos
dallguuns cavallos, que ficaram dos que eram vemdidos a pocaracem: os
outros que se perderam, verey per justiça quem nos ouuer de pagar, e
pagarseam, porque, ou pocaracem, ou o capitão e oficiaps de cananor
que ho premderam, huuns destes hos am de pagar.
Eu, senhor, me espamtey á primeira mamdar vos alteza ter comse-
Iho publico sobre o feito de goa, e agora que descobry esta mina de car-
tas que vos de quá spreviam, nam me espamlo senam como nom mam-
daueis pôr o fogo a tudo, porque hos vy tam ousados no modo do spre-
ver, que pareceo ter vos alteza nelles toda a comfiamça das cousas de quá,
e terem elles já ávido per muytas vezes aprouaçaui de todas ^uas cartas
e do que nellas vos spreviam, porque em carta doyto folhas de papell de
marqua mayor nom se achar huua só verdade que vos sprevesem, e agora
antonio Reall pelo juramemto dos samtos avamjelhos negar tudo, e com-
fesar que todas aquellas cousas que na carta yam, eram falsydades e em-
ganos, e diogo pereira danado desa maneira que vos alteza lá verá, tudo
per estucia e comselho de gaspar pereira.
Deste feito de goa tenho largamente sprito a vos alteza, e destes tur-
quos que asenhoream o Reino de daquem, e da jemte bramqa que vem
per mar buscar seu solido, e asy os cavallos que lhe vem d arábia e da
persya; e aimda avisey a vos alteza dos embaixadores de xequesmaell,
que este ano emtrararn na imdia, e asy lhe vem fundidores desas partes
e fazedores dartelharia: vem me muytas vezes estas cousas ha memorea,
porque cuydo sempre os emcomvinyentes que podem sobrevyr ao negoceo
da imdia, e de nenhua cousa tenho tamanho Receo como destes turq>ios e
Rumis que hasenhoream o Reino de daquem, porque ha divisam que han-
tre elles ha comtínua, os faz nom emtemder em noso feito, e peíla vem-
tm*a, se vos alteza desymulase huum pouquo este feito da imdia, fazemdo
se elles em huua poder vos yam obrigar a muito, porque já sam na Ri-
beira do mar, e sam homes comquystadores e sabem bem na guerra,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 261
e sam mais d arrecear que hos Rumis, porque heses vem per mar, e os
do Reino de daquem demtro na Imdia tem seu poder e sua força; e pello
que daquy pode nacer em alguum tcinpo, ha mim me parece, senhor, que
vós lhe deves de tolher a jemte bramca e toda a reformaçam que lhe vyer
de fora, e os cavallos que estêm na vosa mão; e per derradeiro leuarlhe
os lugares primcipaes que tem na ourella do mar, e cortar lhe todollos
gouernos, c pella vemlura os lamçarês a perder sem comtradiçam: sua
terra he desde chaull até cimlacora, tiraindo goa, que está nas vosas
mãos: chaull, se o asenhoreardes, á vos de pagar as despesas e gasto que
hy fizerdes e o solido á jemte, e damda outro tamto, e dabull e camgicar
asy o farám.
Lá sprevy a vosalteza como damda he huum lugar bom e porto
prymcipall pêra lodalas carraquas entrarem nelle, e tem huua Ilha muy
pequena, em (pie hos mouros tem huua forteleza muito fermosa, de gramde
arvoredo e muytos tamques dagoa: será a ilha tamanha como os paços
de hxboa; ha seis braças dagoa antre ella e a terra fyrme; parece me,
senhor, que a deuemos dasenhorear, porque chaull e damda vos dará
quamto vós pydyrdes, ou ao menos metellos no sertão, que he gramde
vitupério deixados aly estar ; mas ella he hua das boas cousas que quá vy
nestas partes: aquella foy a primeira cousa que os turquos ganharam
nestas partes, e daly começaram de comquystar o Reino de daquem. Jaz
esta forteleza sobre campos de lauoyras d arrozes e linhos, e jaz antre
dabull e chaull; he porto de cambaya: lugar he desejado de todos nós
outros que ho vimos, e nom ha y gasto nem despeza, porque ella pagará
o solido a cemto homes que hella á mester, e a mill, se mill quyserdes
nella ter, e nom vos pôde obrigar, porque está no mar: a elles lhe pesou
muito de a eu ver, e se agastaram muito quamdo viram amdar o prumo
de rrador da ilha: aly em damda me emtregaram a nao do cairo carre-
gada despiciaria, sobre que llá sprevy a vosalteza: sprita em cochim ao
primeiro dia de janeiro de mill e quynhentos e quatorze anos.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alUeza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescrípto) A EU Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) D afonso d alboquerque sobre o de goa e o
que fallou em amda (sic), que parece muita proueytosa pêra voso seruiço *.
» Torre do Tombo— C. Chron. P. L\ Maç. 14, D. 40.
262 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
C4RTA XLVm
1514— Outubro 20
Senhor. — Per huaa carta de vos alteza em reposta doutra que es-
prevy acerqa das^ culpas dos homes que no Rio de goa oulharam mall as
cousas de voso serviço e comfirmidade de vosa jemte e armada, e a re-
zam e comta que dey a vos alteza dese feito, peço a vos alteza por mercê
que lhe perdoe, e que me nam aja por homem que faço o que nam devo,
em acusar alguuns fidalgos e cavaleiros que vos quá fizeram alguuns ser-
viços, e que ho que faço he comtra minha naçam (?) e comdyçam ; por milhor
m estaria a mim dar lhe duzemtas dobras e hum ginete e salvai os de voso
castigo, e os trazer em descontentamento de vos alteza; mas eu, senhor,
vos juro pola verdade que sam obrigado a vos dizer, que nem destes nem
de vosos oíiciaes, nem de nehua pesoa que na imdia amde debaixo de
meu governo, vos ouuera desprever deles suas tachas e seus erros, se
nam fora dar Rezam de mim e das cousas falsas que de mim esprevem
e dizem, porque nam poso eu dar rezam de mim e mostrar me sem culpa,
que eles nam íiqem culpados, porque vos alteza he bõoa testemunha de
como vos sempre esprevy bem dos homeens, e de muitos que agora he
forçado dizer suas culpas e seus defeitos, por mostrar minha verdadeira
justiíicaçam; e se por outro modo e maneira ho eu poderá fazer, deus sabe
que eu nam amdo em lugar pêra nam perdoar a morte de meu pay e
quamtos erros me tiverem feitos, se eu alguum conhecimemto tenho de
deus: acabada em goa a xx dias d outubro, amtonio da fonseqa a fez,
de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Áfomso d aJboquerque.
(Sobrescripto) A ElRey noso senhor ^
» Torre do Tombo— C. Chron. P- l.\ M. 16, Doe. 61,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 263
CARTA XLIX
1514— Outubro 20
Senhor.— Vy a carta que me vos alteza espreveo sobre as cartas das
partes que quá mandaes metidas nos maços, e a maneira que vos alteza
quer qe se niso tenha, e que elas sejam todavia dadas, porque asy com-
pre a voso serviço, e que em outra maneira seria voss alteza muito deser-
vido. Digo, senhor, que quem esprever comigo, terá cuidado por meu
mandado de fazer o roll, e receber asynados das partes a qem sam da-
das as cartas, e irá asynado por mim e cerrado cadano a vos alteza; nem
tenho eu criaçam nem comdiçam pêra fazer o comtrairo, nem sam ceoso
de minha vida e meus custumis; em praçaa vemdo e em praçaa remato,
como dizem os porteiros, pêra que emtre em mim duuida por omde se
deixem de dar as cartas cerradas haas partes a que as mandaes; nem
qero saber mais segredos que baqueies que me vos alteza revelar; e aimda,
senhor, vos digo mais: que sabemdo certo que vinha carta á imdia pêra
eu receber algum castygo ou dano de minha omrra, nana abryria por
ser senhor do mundo; e se eu fose homem desas cozquilhas, nos maços
que vem de lugar a lugar omde eu estou, abriria as cartas das partes»
como se soya a fazer nos tempos pasados, e nam espreveria nehum ho-
mem a outro sem minha licemça, como achey por husansa na imdia.
Nam fora pouco voso serviço as cartas que vieram amtonio Reall de
seus provymemtos, virem a mim, e a notefícaçam a ele, e ouuera ele a
mercê que lhe vos alteza dava em seu tempo, e nanas apregoara e lera
diamte de quamtos cavaleiros e fidalgos vinham d adem com as pernas
qebradas por voso serviço, imdo se ele pêra eses Regnos. Deixou semeado
este comtemtamemto nos coraçõees dos homeens, que aimda agora nam
poso amamsar, e nam m espamtaría escreverem os homes de quá ese re-
cêo, por tall que amdasem sempre escuras as cousas que vos de quá es-
previam de mim: nam peço a vos alteza outra mercê neste caso, senam
que ha liberdade que ho direito daa a hum pobre lavrador, seja guardada
a mim, a quall he nam se dar semtemça sem ouuir as partes» e eles se
264 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
emendaram de seus erros. De goâ a xx dias d outubro, amtonio dafom-
seqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vos alteza
Afonso d alboquerque *.
CARTA L
1514— Outubro 20
•
Senhor. — Acerqa do que me vos alteza per outra carta escreve do
feito de babarem, e da maneira que se nisso deve de ler pêra se segurar
e asenhorear, e arremcar daly o nome de mafomede, digo, senhor, que
esas cousas taes sam muito leves d acabar, nem estam asy desatadas e
fora de vosa sojeiçam, senam por duas cousas: a hClua, polo corregimento
das nãos, que nam podemos meter dous dedos d estopa sem serem vara-
das em terra, poUo fraco reconhecimento das marés nas partes daimdia,
o quall feito gasta o tempo, que nam pôde homem chegar a tempo que
cure tamtas cousas; a outra he a empresa do mar Roxo e adem, que sam
cousas novas e que comvem serem trilhadas de nós a meude; mas com
ajuda de noso senhor, seguro vrmuz, nam ha d estar nehua cousa daque-
las partes fora de vosa obidyemcia, nem pôde, imda que qeira, porque
tem por seu emparo e por sua cabeça primcypall a cidade d urmuz, e por
seus comtrayros e imigos os arábios, em cuja terra estam: babarem, se-
nhor, he cousa muito grosa e muito Rica; ha Pescaria do aljôfar nam he
nada d asenhorear, porque sam homeens que ho pescam jemte de traba-
lho e mizquinha, que vem aly ganhar sua vida cadano, e parece me que
pescamdose com Rastos de lá desas partes, que se dobraria o proveito:
o em que, senhor, fico neste feito, he este, como já digo em outras car-
tas, que vos alteza tem ávido boom comselho em asenhorear vrmuz, e nesa
determinaçam fico, porque, aimda que estas cousas pareçam grandes e
trabalhosas de soster, como tomam asemto, sam muito pouco custosas e
n^uito proveytosas; e os mouros destas partes, como homeens que has
ganharam e asenhorearam sem lhe ficarem da eramça de seus avoos, alar-
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% M. 16, D. 83.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 265
gan as de sy muy cedo, se lhe fazem força e lhas defemdem beai : ganhado
vrmuz, ó baharem seguro e todalas cousas do mar da pérsia, e nam he
joya pêra deixar em poder dos mouros, ao menos pelo trato das espycia-
rias que qerês tirar a meqa e ao cairo, e comvem a vos alteza de necesy-
dade dardes lhe sayda per outra parle : acabada em goa a xx dias d ou-
tubro, antonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vos alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
CARTA LI
1614— Outubro 20
Senhor. ^^Vy a carta que me vos alteza espreveo sobre a soma do
cobre que quá mamdaes, e a maneyra que vos alteza queria que se tivese
logo chegamdo as nãos, mamdamdo que logo se baldease da nao em ou-
tra, e que ho mesmo feitor ho levase carregado sobre sy, com esprivam
que lhos vosos ofíciaes poriam pêra as compras e vemdas, fícamdo o co-
bre carregado em Recepta sobre o feitor de cocbim; o quall feitor que asy
levar o cobre, levará de vosos ofíciaes regimemto do prece por que ho ba
de dar, e dy pêra baixo o nam possa abaixar senam alevamtar, e d outras
mercadarias que levar: digo, senhor, que eu mamdo logo esta carta aos
ofíciaes de cochim, que cumpram imteiramemte ha determinaçam de vos ai-*
teza, e que se ponha logo em obra; e acerqa.da vemda do cobre nam ha
hy duuyda, que chegamdo a dyu ou a cambaya se vemderá lo^o ; e ao
que vos alteza diz, que ho dito feitor que asy levar ho cobre sobre sy
avi . . « no doutras mercadarias^ venha ; . feitor
c(wo cousa emderemçada em tall maneira que nam aja by
• Recepta e bua despesa e hiHia comta, aquall ....... por bem
que seja a do voso feitor em cochim, e asy se fará como vos alteza or^
dena.
E porque na nao sam migell em que vinha luis damtas, que chegou
Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.', H. 16, D. 48.
34
266 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
após framcisco pereira sobre a barra de goa, trazia bj^ quintaes * de co-
bre e certa soma de marfim de moçambiqe, a mamdey logo partir daquy
a gram pressa camynho de cambaya, asy pêra vemder as mercadarias,
como pêra trazer alaqueqas e anill, que mamdaes levar nas nãos, porque
abaixamdo se a cochim e tornar a cambaya, poderia ser que acharia já as
nãos da carga partidas, e vay da maneira que vos alteza ordena em vosa
carta: ho mesmo feitor que trazia o cobre sobre sy, ho vay vemder co es-
}rivam da mesma aao, e am de lornar co retomo á feitoria de cochim, e
li ha de ser Receitado ho cobre sobre o feitor de cochim, e o mesmo fei-
tor, que se chama jorje rodrigues, dar comta do que vemdeo e comprou
ao feitor de cochim, por hy nam ver senam bua Recepta e hflua despesa
e bua comta. vemda do feitor da nao se o peso
sobre o feitor de cochim.
E asy, senhor, lhe mamdey trazer soma de Roupa pêra çofala, e
mamdey pêro sobrynho, esprivam que foy de çofala, com eles, porque
conhece a roupa que çofala ha mester; fiz esta dilijemcia, porque alcam-
çasem estas cousas ás nãos da carga, e por^ nam ser aimdà vimdo chris-
tóvâo de brito mamdey luis damtas na mesma nao.
Quamto he, senhor, ao Regimemto de christóvâo de brito, tamto
que ele chegar lho darey na maneira que me parecer mais voso serviço,
aimda que toda força do Regimemto está neste capitulo em que vos alteza
mamda que lhe seja posto em seu Regimemto, que he nam fazer presa
nem tomadia, salvo naquelas pesoas e lugares que lhe der per Regimemto.
E quamto he ao trelado do regimemto que lhe der, porque respomdo a
esta sem ele imda ser chegado, que sam xxbj dias ^ de setembro, ho nam
ponho aquy nesta mesma carta; quamdo lho der, hirá ho trelado a vos al-
teza.
Quamdo aquy chegou framcisco pereira, nós estávamos em asaz ne-
c e comveo tirarmos da nao asy pêra boso mamti-
memto, com jemte tocar soldo, que ho pidia asy
pêra se comprar algum arroz pêra armada, porque nam padecia o tempo
aguardarmos que fose a cochim, aimda, senhor, que a nao vay tomar carga
a Calecut; e se elRey de cochim nam tem maneyra pêra se negocear a
carga da pimemta pelo preço que me vos alteza avisou per. outra carta
^ Seiscentos quintaes.
' Vinte e seis dias.
• •
• • • •
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 267
que a jam serrão ouuera, a mim me parece que emquamto se nam fizer
soma de dinheiro, que ho partido de calecut he milhor que ho de cochim,
que he dar pimemta pelo preço e peso de canauor a troco de mercada-
rias de toda sorte; e porque no cobre se perde muito, parece me, senhor,
que he muy gramde partydo gastarem se doutras mercadarias, e do co-
bre m^y pouca cousa; imda que em cochim nem em outra parte se dése
a pimemta a vos alteza a troco de cobre pelo preço da feytoria, nam se
devia de dar em nehua maneira, porque se perde muito nele ; e damdo se
per outra sorte de mercadarias, como calecut tem asemtado, parece me,
senhor, cousa proueitosa: julgue o lá vos alteza, porque eu nano emtemdo
quá milhor; e comtudo, senhor, digo que se se a carga da pimemta fizer per
dinheiro, que avees d aver a pimemta muito de barata eito ha
mester que de vos alteza cabedall, mas ele imda se.
scarrega das nãos, logo he . . . . las a mayor parte dele, e o quô fi-
homens qerem pagamemto de seu soldo ; quamdo vem o outro ano
desta maneyra se hade fazer a carga: aguardam pelo cabedall que de lá
vem pêra começarem a carga, porque eu nam vejo quá hum soo Reall
nem hum soo quintal de mercadarias nas vosas feitorias, nem vejo des-
pesas tam desordenadas de que mespamte; tudo he fazer hua galé, que
custa bj*^ cruzados *, e fazer huas poucas de_^paredes das vosas feitorias e
acrecemtamemto da forteleza, que custa iij crusados^; o corregymento
das nãos d armada pouco gasto fazem; soldo tem e mamtimento os car-
pimteiros e calafates, tonoeiros e ferreiros: a despesa da imdia, como per
muitas vezes tenho dito a vos alteza, tudo Redumda em mamtimentos e
soldos; as armas dos homeens boom dinheiro lhe custam: e pois senhor
daes escala framca aos mouros, que pisem ese mar ha sua vomtade, e hy
nam ha percalços pêra que a jemte toqe soldo, nam he nada a mercada-
ria que mamdaes á imdia, pois lhe vedaes ho mar Roxo.
Nem a mercadaria vemdida cambaya nam pode vir a
tempo ga haas nãos. Duum ano pêra de ser o
dinheiro feito pêra a carga da; digo, senhor, que ha carga
feita nam seria senam cousa proueitosa, porque de janeiro por diamte
a dinheiro se poderia aver a pimenta muy de barato, e naquele tempo
pôde vir ho retorno das nãos do trafego de cambaya ; e por iso digo, se-
1 Seiscentos cruzados.
* Três mil cruzados.
34 ¥
268 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nhor, que no tempo que as mercadarias chegam de purtugall e se am d ir
vemder a cambaya e com aquele dinheiro se ouuer de negocear a carga,
que nam podem as nãos aquele ano ir a eses Regnos; feito ha d estar ho
dinheiro dum ano pêra ho dinheiro (sic), pêra se negocear a carga pelo
preço que desejaees, e per mão de vosos oíiciaees nesa terra ondeia nace:
acabada em goa a xx dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso d alboquerque *•
CARTA LII
1614— Outubro 20
Senhor. — Vy a carta que me vos alteza espreveo sobre as nãos da
carga que estano chegaram â imdia, dizemdome que péla ymemta da
carga da imdia, do lotamento das cargas das espiciarias que mandaes que
levem, e que pelo mesmo lotamento viria as sortes e soma das espiciarias
que na dita carga am diir. Digo, senhor, que damdome pêro dalpoem
ho maço, que foy a primeira nao que chegou a imdia, mamdey logo hua
fusta de goa^ omde m acharam, cos cadernos da carga, avisando ha feito-
ria de cananor e de calecut e de cochim da espicyaria que mandaes le-
var; e porque hy ha muy gramde deferemça do jemjivre de calecut ao
de cananor, mandey ao feitor de cananor que nam comprase nehum jem-
jivre senam aquele que já tinha Recolhido em pagamento das mercada-
rias que já tinha fiadas aos mouros, ho quall nam avia por voso serviço
carregar se pêra eses Regnos, mas que ho emviase a goa pêra se vemder
has nãos durmuz, quamdo viesem cos cavalos.
E asy avisey logo ho feitor de calecut, que do jemjivre beledy com-
prase mill e quinhemtos quintaes pêra a carga destas nãos, que era a soma
que vos alteza mandava levar.
Feita esta dilijemcia, chegou a nao em que vinha luis damtas, que
trazia seiscemtos quintaes de cobre, pouco mais ou menos, e bem asy
trazia soma de marfim de moçambique; e por ter sempre gramde valia
> Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% M. 16, D. 47.
CARTAS DE AFFONSÕ DE ALBUQUERQUE 269
na imdia, mandey logo a nao a çurrete a gram presa, e o mesmo feitor
dela que feilorizase a mercadaria e comprase a soma d anill e alaqueqas
que mamdaves levar, e bem asy trouuese Roupa pêra çofala e pêra ma-
laca.
E quamto he, senhor, ao que vos alteza diz, que asy estas que agora
mandaes, como outras que quá estam, volas mande carregadas, Res-
pomdo, senhor, que emquamto hy ouuer cabedall, que nam ha de ficar
nehua naao na imdia das ordenadas ha carga, carregadas estas deste ano,
se ficar nas feitorias dinheiro e mercadarias que abaste pêra a carga de-
las, deixamdo alguum Resguardo pêra mamtimemtos desas fortelezas:
aquy tenho a nao sam pedro e a nao emxobregas corregidas do estaleiro
e muy bem aparelhadas, que quá ficaram, por lhe os vosos feitores gas-
tarem seus cabedaes, e nam por minha culpa, como eles lá espreveram,
as quaes iram carregadas.
E quamto he ha necesidade que delas quaa pôde aver, quamdo o
vir pelo olho, emtam m aproveytarey delas, mas em outra maneira nam.
E quamto he ao que vos alteza diz, que as nãos vam bem carrega-
das, tudo se oulha qá como compre a voso serviço, e sobre esse feito se
faz sempre dylijemcia: acabada em goa a xx dias d outubro, amtonio da
fomseqa a fez, de 1514.
(Por letíra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor ^
CARTA Un
1614— Outubro 20
Senhor. — No que me vos alteza espreve sobre o acrecemtamemto
do soldo do arell, eu ho pus naquelo quamdo se tomou christão; agora
que lhe vos alteza faz esta mercê, tudo he nele bem empregado, porque
ele he verdadeiro servidor de vos alteza e seus irmãos e toda sua casa
sempre sam chamados pêra todallas delijemcías e trabalhos que compre
1 Torre do Tombo— C. Chroiu P. 1.% M. 16, Doe. 80.
270 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
em cochim, e ele serve bem e tem muita jemte e mando na terra, porque
todos eses macuas, pescadores e raarynheirus e barqeiros, tudo he debaixo
de sua jurdiçam e mamdo; e aimda me parece que ha de trazer todolos
ares seus paremtes, asy o de calecut e o de porca e o de caecoulam, a
serem christãos, e já mo a mim mamdou cometer o de calecut: eu ho
achey hum pouco de qebra com elRey de cochim, quamdo vym d adem,
e pola omrra e gasalhado que lhe fazia, ho chamou elRey, e lhe desco-
brio em gram segredo que íizese comigo que ho fose eu vêr a sua casa,
e eu asy por comtemtar elRey de cochim, como por soldar suas quebras
com ele, ho fuy ver, domdele ficou muy muy aceito a elRey e em gramde
amor seu.
Quamto he ao dinheiro da divida dei Rey de travamcor, ela era de
fazemda sua. Louremço moreno, amtonio Reall e diogo pereira, vieram lhe
três alifamtes em retorno, gramdes e muy fermosos, e dous deles prim-
cipallmente de gram trabalho e de gramde força; faley eu com ho arell,
se qeria vjemder ho seu quarto; alargou o por bj^ pardaos *; os dous quy-
nhões d amtonio Reall e diogo pereira, lamceilhe mão deles; mamdey os
alifamtes a goa pêra se vemderem, cmtregues ao voso feitor; tem hy Lou-
renço moreno hum quarto, e vos alteza os três, se eses homéens que lá
sam merecem algum castigo por seus emganos e falsydades.
Quamto he, senhor, aos palmares que diz da pouoaçam, ele husou
sempre do huso e fruyto deles, sem lho nimguem comtradizer: alevam-
touse o fogo no lugar, qeymoulhe as palmeiras, e asy se faz muitas ve-
zes em cochim e em outros lugares; parece me que lhe nam tem vos alteza
obrigaçam a iso, porque hy avia povoaçam damtes, e jeralmente vivem
por eses palmares quem quer, imda que as palmeiras nam sejam suas:
tomarey porém milhor a emformaçam deste caso, como chegar a cochim,
e sele tyver justiça, pagar lho am: acabada em goa a xx dias d outubro,
da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A JEl Rey noso senhor *.
1 Seiscentos pardaus.
« Torre do Tombo— C. Chron. P. l.«, M. 16, D. 49.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 271
CARTA LIV
1614— Outubro 20
Senhor. — Per huua carta de vos alteza vy a determinaçam sobre a
seda e estanho, e em comprimemto de voso mamdado mamdey logo a
mesma carta ha feitoria de cochim, e mandey que se Registase no livro
da feitoria, e que se comprise imteyramente o que voss alteza mamdava;
e asy mamdey os trelados delas, hum á feitoria de calecut, outra ha fei-
toria de cananor; se vos alteza ho comtrairo lá vir, saiba que nam sou eu
na terra.
E asy vy outra carta de vos alteza sobre a carga das camarás que
vos alteza de lá ordena, e sortes despiciarias que ajam de levar nelas os
capitãees a que delas fazees mercê ; e em comprimento de voffo mamdado
mandey logo os trelados haas feitorias, pêra que se comprise imteira-
memte o que vos alteza mamda.
E asy mamdey aos oficiaes que oulhasem bem huua decraraçam que
vinha no caderno da lotaçam da carga sobre a qebra da pimenta, ha quall
nacia do desemparo do peso, emcomemdado ao feitor da nao que ha rre-
cebia,^ e aos dous esprivães malavares, e pela receita do feitor da nao se
fazia a paga aos mercadores e pela ememta dos esprivães malavares ; e
neste feito, senhor, nam digo mais, senam que se vos alteza quer em vo-
SOS tratos ser bem servido e vosa fazenda aproueilada, nam ponhaes nela
homeens que ha mamdem como fernam Louremço, mas que se prezem
das vosas chaves na cimta, e d estarem co olho no fiell da balamça, e de
ás vezes ajudarem a emfardelar è desemfardelar e de meudamemte proue-
rem estas cousas per sy e per seus olhos, e este que estas comdyçõees
tiver, oulhará a pimemta se he molhada e se traz muita çujidade, e ou-
Ihará os pesos peso por peso, e velaá meter na barca e levar dereita-
memle á nao: vejo, senhor, quá isto por outras cousas de meu carrego,
que se as nam prouejo meudamemte com minha pesoa, nam vay nada
avamte; e eu sey isto do peso e vy o peso, e comtudo nam deixo ás ve-
zes de dar bõoas repremsõees a vosos oficiaes deste feito e doutros; e
asy lhe mamdey o capitulo da carta acerqa da determynaçam de vos alteza
272 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sobre o preço da pimemta se comprar por menos do que agora está asem-
tado: asy, senhor, que saiba vos alteza que em meu Regimemto e cartas
nam vem cousa determinada que se aja de fazer em vosas feitorias e em
vosa fazemda, que logo nam seja imviada a vosos ofyciaes e registado no
livro da feitoria: se eu estou no mar Roxo ou em malaca, e o eles nam
querem comprir, nam tenho eu culpa nese feito: acabada em goa a xx
dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripto) A El Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso d alboquerque sobre a defesa
da seda e estanho — sobre a carega das camarás — sobre a lotação da
carga — sobre a limpeza da py menta — sobre o peso delia — sobre o preço
deUa *.
CARTA LV
1614— Outubro 20
Senhor. — Per outra carta de vos alteza vy a lembramça que me
mamdaes que tenha da mina do ouro que está jumto com malaca, e asy
da esperamça que dou a vos alteza do dinheiro da pimemta e cobre e ou-
tras mercadarias que se podem gastar em cambaya e em urmuz: Res-
pomdo, senhor, que ho que vos tenho esprito, eu volo farey boom; e de
vos alteza dizer, que com o de quá se fornecerá todo o cabedall do di-
nheiro da carga da pimemta, e asy pêra outras despesas que se quá fa-
zem, a isto, senhor, Respomdo que ha culpa nam he minha de se este
feito nam meter em ordem, porque ha feytura desta as vosas feitorias es-
tam varridas ha vasoira; chegaram as nãos da carga no mes de setem-
bro, tem outubro e novembro pêra sua carga; como se podem levar as'
mercadarias que elas trazem pêra sua carga ordenada, a cambaya, e vçm-
deremse e tornarem co dinheiro a calecut e a cochim pêra aviarem sua
carga? porque neste tempo, pom as aguas que correm ao suU, e os vem-
» Torre do Tombo— C. Cbron. P, l.«, M. 16, D. 48.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 273
tos que sam oesnoroestes, nam põem bua nao menos de cochim a cam-
baya menos dum mês, semdo muito curto caminho: asy digo, senhor, que
as nãos que cad ano vem á imdia, am de trazer demtro em sy o cabedall
de suas carregas, nam podem mais fazer que descarregar e fazer payoees
e tomar logo sua carga, e da maneira que vos alteza diz que se ese feito
meta em ordem, ha mester cabedall apartado, que tenha o dinheiro feito
para o tempo da carga.
E mais digo, ãeqhor, que quamta mercadaria já gora derdes poios
preços que lhe temdes postos, a troco da pimemta, em toda perdees o
dobro, pola istima em que já gora êstaa, afora o preço da pimemta ser
mayor dò que será, pagamdo se per dinheiro.
Dos ganhos do trato de quá, se os vos alteza bem soubese e os qui-
sese crer, mayor fumdamemto faria vos alteza do trato de quá que do de
lá; e de vos alteza dizer que de quá esperaes de vos ir muito dinheiro e
muito ouro» niso nam tenha vos alteza duuida nehua, nem creaees, senhor,
que isto sam cousas domem que está na imdia, porque ha cousa de me-
nos istima na imdia he dinheiro, ouro e prata, e nam chegam mercada-
rias a cambaya que logo o dinheiro nam seja na mão, nem a vrmuz, nem
a malaca, nem a çamatora, nem apegu, nem a nehSa parle; nem os
mercadores que estas mercadarias compram, nanas compram per mevdo,
senam por groso e soma gramde, .porque nam he nada irem cem mill
cruzados de cobre a cambaya, e vemderem se todos em hum dia em oom-
tante ; nem he nada ir huaa nao carregada de pimemta a vrmúz, e vem-
derse toda em bua ora em comtamte: mais, senhor, vos digo, e tomo deus
por testemunha^ que todolos portos de tratos e mercadarias sam abertos,
e o de preste joam, co ajuda de deus, desta vez sasemtará: se vos alteza
quer que homem faça obra, mamday cabedall, que nam amde tam afo-
gado cpmo he o da vosa carga, porque esas migalhas que de lá escapam»
beno á mester os mamtimemtos da jemte e das fortelezas e alguum pa^
gamemto de seu soldo; e pêra terdes carga negoceada per dinheiro e por
boom preço, diamte am d achar as vosas nãos da ordenamça da carga o
dinheiro pêra averem de carregar, ou carga feita por dinheiro ; e tamtas
mercadariaspoderiees meter na imdia, que em cada viajem vos poderiam
ir XXX ou R^ miticaes * douro metidos em hum cofre, ou 1 pardaos*, ou
1 Trinta ou quarenta mil miticaes.
' Cincoenta mil pardaus. i
35
274 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
serafins, ou tamgas, per como a moeda istivese na vosa feitoria: isto, se-
nhor, que vos eu esprevo, nam tem comtradiçam nem duuida: gramde lago
de mercadarias he a imdia, e gratide soma d ouro e de prata ha nela, e
gramdes sam os ganhos: o marfim que se das vosas casas de lá mamda
a framdes, he lamçado a lomje, e quá tem muy gram preço: nam me pesa,
senhor, senam porque vejo vosos tratos e feitorias amdar em poder domeens
cortesãaos: apegai vos, senhor, cos mercadores que tiverem imtilijemcia e
saber, e terees mayor tisouro na imdia do que temdes em purtugall, e deus
sabe que eu vos esprevo estas cousas sãamemte, porque me doy a carne
de as ver em mato maninho, e vejo a vosa jemte quá com hum barco d um
palmo em alto serem homeens de muito dinheiro, e os capitães que tra-
zem suas companhias, também tocam dinheiro e o sabem bem dobrar, e
nam vos vejo feitor na imdia que vos saiba mamdar hum avyso destas
cousas, porque vejo cadano nas cartas de vosalleza falar me neste feito,
como cousa nova que mandaes apalpar e de que nam temdes nehua em-
formaçam nem aviso; e eu, senhor, nam mespamto diso, porque nam ha
demtemder pedromem tamto na mercadaria como bertolameu.
Torno, senhor, a dizer a vos alteza, que se qerees que as vosas cou-
sas na imdia façam proveito, que as metaes em ordem, e se vos alteia
quer que ho eu faça, mamdayme as achegas; e se hy ha que ememdar
sobre os avisos que vos neste caso mamdo, venham em voso regimemto,
e faloey, porque nam sam tam comfiado no meu saber, que vos alteza
nam tenha pesoas que ho milhor emtemdam e saibam meter em ordem.
Hos ganhos das mercadarias de malaca na imdia lá vol os tenho es-
prito e esprevo, e os ganhos das mercadarias deses Reynos em cambaya
e em vrmuz lá vol os tenho espritos ; os ganhos e proveito que se pôde fa-
zer dum porto a outro, dado tenho já muitas vezes a vos alteza comta;
os lugares e portos homde s elas podem gastar, e o retorno que dy pôde
vir, largamemte vos tenho dado diso comta, porque ho vejo quá pelo olho:
acabada em goa a xx dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza.
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A El Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— G. Gbron. P. L\ Maç. 16^ D. 52.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE ,275
CARTA LVI
1614— Outubro SO
Senhor. — Vy a carta que rae vos alteza espreveo sobre gaspar pi-
reira ter vos escrito que eu nam qeria fezer seus oficies com elle: se vos al-
teza achar que tall he verdade, dome aquela pena que eu merecer, como
homem que nam cumpre vosos mamdados; e se eu, senhor, prouar que
eses dias poucos que istive na imdia e ele em minha companhia, nam sér-
vio seus oficies imteiramemte, e imda com mais credito e mais honra do
que trazia per seu aluará, mamdailhe, senhor, dar de mynha fazemda
quamta ele quyser: lá, senhor, tenho esprito como ele de sua mão pôs os
tabaliãees, e lhe arremdou os ofícios e ouue muy boom proueito deles;
amtonio dafomseqa e fernam pimintell e fernam moniz que esprevíam os
despachos do negocio da imdia, ele os recebeo, e lhe daua certa cousa
do que ganhava: dise que era doemte e que nam podia amdar espós mim;
diselhe que vise elle os despachos, e que lhe posese a vista nos que lhe
bem parecese, e que eu os asynaria; punha lhe a vista, e asynavaos eu,
porque, senhor, se quysera despachar as partes em dias aprazados, e
momtes de pitiçõees, nam poderá nunca sair da imdia, porque meu cus-
tume he, omde me dam a pitiçam, aly a leyo, e aly dou logo despacho á
parte: durou isto àsy até que fuy a cananor: quysera ele aly ficar e eu
nam quys, eleveyo comigo a goa; como tomámos benastarym, tomou se
logo a cananor e a cochim, dizemdo que hia arrecadar seu fato; pidime
hum navio, e deilho, e nam quys vir; pidime hua nao, dei lha, e nam quys
vir: depois de partido, dyseramme que s agravara, porque lhe nam dera
a capitania da minha nao própria em que eu hia, e ele nunca ma pedio:
sam homeens, senhor, que qerem viver desa maneira que vedes; qerem
ficar retraydos a boom viver, e poios vos alteza nam culpar, esprevemvos
lá eses achaqes: deixo eu aquy as cousas que ele fez, de que já lá tenho
dado comta a vos alteza e dou per outras cartas ; somemte digo, senhor,
que ele esteve comigo mês e meyo em cochim, e que daly atá jninha par*
tida pêra o estreito nam ouue senam armas e ganhar benastarym, e em-
barcar e partir; e eu, senhor, vos beijo as mãaos por me nomeardes logo,
35«^
276 GARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que gaspar pereira vos escrevera este agravo de mim, porque, se mo asy
vos alteza Domease todolos outros que vos lâ esprevem ha sua vomtade
de mim, seria muito voso serviço, porque vos saberia dar mais verdadeira
rezam de mim, e eles por iso nam am daver castigo de mim nem Reprem-
sam; e pela vemtura, senhor, vos nam ousaram hos homens d«sprever
senam verdade, quamdo souberem que ha vos alteza quer saber; e pêra
vos alteza vêr quem he culpado em gaspar pereira nam servir seus ofícios,
se €a em lhos tirar, ou ele em nanos qerer servir, nem amdar comigo,
vos mamdo, senhor, duas cartas suas, que ele fez justamemte pêra mim,
quamdo vos espreveo esoutra comlra mim : crede, senhor, que ey de fa-
zer sempre ho que me vos alteza mamda atá ora da minha morte, e os
que vos espre verem ho comtrairo, mamdemos vos alteza nomear, e serees
logo emformado da verdade : a nao que trouxe diogo pereira, que ele toca
na sua carta, vinha carregada de pimemta e de cobre, e era de Lourenço
moreno, amtonio Reall, gaspar pereira e diogo pereira; desymuley eu a
nao, e fiz que ha nam via, e peçouos, senhor, perdam diso; omrey e tra-
tey diogo pereira como ele na sua carta diz, e ele acabara aquela ora de
tirar a pena da mão com que vos espreveo a carta d amtonio Reall : fo-
ram vemder suas mercadarias, e vieram carregados de pardaos, e de-
ram me ese galardam que vos alteza tem visto per cartas suas, assacam-
dome mill falsidades; e noso senhor que vee todas estas cousas, as hirá
fazemdo craras amte vos alteza pouco a pouco, e os conhecerá vos alteza
cedo quem eles sam, porque eu vos certifico, senhor, que daquela note-
ficaçam pubrica que fiz diamte de todo pouo, lemdolhe a carta que vos
tinham esprito amtonio Reall e diogo pereira e gaspar pereira de mim,
nam ouueram outra repremsam, somemte lhe dise que m espamtava deles
serem tam imigos das cousas de voso serviço e tam emvejosos de as ve-
rem com dilijemcia e boom cuidado acabadas, que trabalhavam com seus
emganos e falsydades de danarem hum homem que com tamto desejo e
amor vos servia na imdia, e nam lhe dise mais, e estava hy joham de
sousa e amrique nunez.
Depois da vimda do mar Roxo soube que gaspar pereira fora o que
amdara prouocamdo os capitãees a escamdolo, dizemdolhe, que como
alargara eu os mouros de benastarym sem comselho deles? é eu, senhor,
tynha já a temçam de cada hum, quamdo fuy correr as estamcias da jemte,
e ver s estavam todos cos capacetes nas cabeças e as lamças na mão, pêra,
fazemdo hartelharía obra, pêra lhe darmos hum combate e os emtrar-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 277
mos, sem aver hy outro comselho senam ter eu lomado a vomtade de
cada hum ; e ueste escamdolo que amdava semeamdo, disé que os mouros
me deram huum cofre douro, e que meu sobrinho ho recebera, e que por
iso os alargara, e pólo ele por capitolo quamdo amdava temtamdo hos
homeens repremdidos de mim, alegando certos capitães que tinham asy-
nado nos capitules, como já lá tenho esprito a vos alteza, e asy o fez me-
ter na carta damtonio Reall.
Outra, senhor, fez em cananor, quamdo pubryquey a todos a carta
damtonio reall e seus parceiros tinham espríta de mim, cuidamdo alguuns
que quisese eu emtemder em castigar quá amtonio Reall ; parece que ti-
veram descomtemtamemto do que viram na carta, e escreveram sobre iso
huua carta a vos alteza, e quyserana meter no maço de vos alteza, e eu
nam quys: mamdey eu gaspar pereira a goa, e começou lá de semear
amdamdo, como ele fizera fazer aquela carta aos capitãees, nam pêra a
mamdarem a vos alteza, mas pêra eu quá nam ter amtonio Reall, e que
os capitães que a nam mamdaram; pareceolhe que desta maneira me po-
deria milhor comtemtar com jorje de melo, dom joham deça, lopo vaz,
femam gomez e joham gomez, e outros que m agora nam lembra: esta
he, senhor, ha prouedoria de vosa fazemda que ele quaa amda ordenamdo,
danar os capitães comigo^ como fez no tempo do viso Rey: acabada em
goa a XX dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso dalboquerque sobre gaspar
pereira.
(Sobrescripto) A el Rey noso senhor *.
> Torre do Tombo-^G. Ghron. P. 1/, Maç. 16, D. 46.
278 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LVII
1614 — Outubro SO
Senhor. — Posto que pel armada em que veyo Joham de sousa, te-
nha avisado vos alteza de todo feito do mar Roxo e muy mevdamemte de
todalas cousas de demtro dele, e asy d adem e do negocio como pasou, e
dos rex e senhores que jazem na Ribeira do mar Roxo, e seus poderes de
jemte de pee e de cavallo e a quem obedecem, e asy das ilhas e navega-
çam de demtro do mar Roxo, dos portos e terra do preste Joham, daque-
les lugares em que hy ha aguua, doç vemtos e temporaees que lá achey,
e de todo este feito muy mevdamemte; como creo que já lá estará diamte
de vos alteza, e alem de tudo Rubam e pyloto do estreito, homem mara-
vilhoso pêra vos alteza ser milhor emformado^ tocamdolhe as cousas que
daquelas partes vos esprevy, por omde me parece que vos alteza deve de
ter verdadeira emformaçam das cousas que me apomtastes em certos ca-
pitolos duua carta gramde, e aimda agora me parece bem tornar a falar
neste feito, em alguuas cousas de que vos alteza deve de fazer fumdamemto :
Primeiramemte, senhor, digo que adem se deve todavia dasenhorear
com forteleza, posto que feito o asemto demtro no mar Roxo em meçuá
e descuberta esta danosa e pyrigosa cilada e fama dos Rumis pêra ho
asesego da imdia, nam ha hy hadem, nem qem trate nela, nem nao que
ha ouuese de vir oulhar: porém, senhor, tolhemdo ha imdia ho trato
d adem, da Ruiva, passas, amêndoas, afiam, cavalos, tâmaras, ouro, e
gasto das mercadarías de qá da imdia, a saber, Roupa branca, outra
Roupa de toda sorte, espiciarias, drogarias, arrozes, algodões, panos de
seda, era destroirdes a imdia de todo, e s emcherem nos amigos e imygos
descamdolo, quamdo lhe tolheses ho trato que a vos alteza nam traz per-
juizo; mas pêra segurar adem, que se nam criye nela força que bula com
ho asesegò e asemto da imdia, e asy pêra vos alteza receber proueito e
trebuto, adem se deve d asenhorear com forteleza, porque temos porto
morto de todolos vemtos, em que as nosas nãos podem imvemar ; e nam
vejo nehum imcomveniemte a ese feito senam agua, que nam ha naque-
les lugares e sytio em que me parece que estaria bem a forteleza; e esta,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 279
senhor, he a mayor força que adem tem; porém, como já tenho larga-
memte esprito a vos alteza, ho porto de vjufu, que está trás as costas
d adem defromte na terra firme, estam certos poços d agua, os quaees se
deviam primeiro de segurar, asy pêra se ganhar adem, como pêra a for-
teleza aver o provymemto d agua daly daquela parte, porque se faz ás
vezes dous anos e três que nam chove em adem.
De se ganhar adem nam tenha vos alteza nehua duuida : verdad está
que adem, se nosos pecados nam foram, esa pouca jemte que éramos,
se poderamos emtrar demtro nela, todavia a leváramos nas mãos; agora
já ha mester iiij ou b homeens *, porque, as cousas avisadas na imdia, tem
todo emjenho e saber e força que ha mester pêra sua defemsam, como
em todalas outras partes; e com tudo isto, senhor, que digo, se hy nam
ha agua, todo feito he nada
A ilha de eira, que está no porto e pouso das nãos, qen a ganhar
tem adem na mão : parece me, senhor, que tem milhor combate pelas cos-
tas que por omde o cometemos, porque a maré que bate no muro, nam
deixa fazer asemto dartelharía, nem estancias, e se a queremos cometer
de baixamar, com força d escadas ha de ser ganhada; e destoutra bamda
das costas dela tem o lugar pêra fazer estamcias, e podemos lhe tolher o
caminho da porta e o prouimemto daguua e mamtimemtos, e ganhada a
porta da serra, temos ganhada a cidade.
E asy, senhor, me parece milhor combate pelo porto que se chama
focate, que está da outra bamda de eira, polo mar nam chegar de todo
ao muro, que per estoutro lugar por omde o cometemos; porém, senhor,
a mim me parece que adem se deve de cometer cos ponemtes e nam cos
levamtes.
As novas que ao presemte tenho d adem sam estas : derribou a torre
que tinha no molde, alevamtou os muros da coiraça e baluarte que aly
estava, e está tudo sojeito ha serra omde estava o trebuco; e ouueram
boom comselho, porque a torre nos era abrigo das bombardas e pedras
de cima da serra, que está a pique sobre ela. Dizem que alevamtou mais
os muros da bamda do mar, foi lhe muita artelharia grossa de quá da im-
dia, e primcipallmemte de miliquyaz^ aimda que ele cuida que o nam sey
eu, porque a este toca muito a destroyçam d adem, que aquele ano que
emtramos ho estreito, nam ouue hum soo serafym de dereitos, por nam
^ Quatro ou cinco mil homens.
280 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
virem nãos d adem, que be o primcipall trato de seu porto: alguuns di-
zem que está o filho do xeqe com jemte duas jornadas d adem, outros di-
zem que nam: pasaram de cem oaos as que estano foram adem, e vie-
ram d adem áimdia seno podermos comtrariar, por nam termos harmada
aparelhada, e porque nos estamos comcertamdo pêra nosa determinada
viajem omde nos mandaes ir.
Forteleza na porta do estreito nam pôde ser, porque hy nam ha
agua, nem deves, senhor, fazer fumdamemto diso, porque na parajem em
que adem está, três symgraduras da porta do estreito, eu haveria por
mais chave do estreito que ha mesma emtrada.
De barbara e zeila nam deve vos alteza fazer hy trato, nem asemto,
em trebuto as deves de pôr e em obidiemcia a vos alteza, o que eu creo
que eles receberam, porque nam podem ali fazer, se as nosas nãos cada
mouçam ouverem de trilhar aquele caminho : as mercadarias e ouro da-
quelas partes tudo vem da terra do preste joham em cáfilas : como vos al-
teza fizer o asemto na terra do preste joham, emtam vos poderees milhor
determinar o que qerès fazer de zeyla: pela vemtura qererá ho preste
joham que ha mamdees estruir, e temdo nós forteleza em adem, de zeila
e barbora nos convém prover de mamtimemtos, porque daly se provê
adem de trigo, mamteiga, carneiros, milho, mell e de todolos outros li«
gumis.
Acerqa, senhor, da ilha de camaram, aquy ha novas que fazem
forteleza nela, huuns dizem os Rumis^ outros dizem que ho xeqe d adem :
tirar nos am dum cuidado, porque he ilha cerqada d agua, e se nos nam
poderem comtrariar harmada, sam tomados has mãaos; e que nos tenham
ganhada esta ilha, outra temos mais adiamte dous dias de navegaçam
comtra judá, que se chama farçam; está defromte do porto de jizem, tem
muita agua, e he boom pouso pêra »s nosas nãos : temos tam6em dalaca,
que podemos levar nas mãos lijeiramemte, em que hy á agua.
Ho asemto primcipall e primeiro que devemos de fazer, he em me-
çuá, porque a nós nos comvem segurar o prouimemto dos mamtimemtos
em lugar e terra que nos nam ponha em necesidade; e pois em meçuá
ha de ser o primcipall porto da terra do preste joham pêra vosos tratos,
e pêra hy ter ho ouro toda a sayda, como agora levam os mouros, aly
devemos dasemtar primeiro, e pêra toda ajuda e fauor que nos da terra
de preste joam comprir, e asy pêra emtender no feito de judá e meqa e
suez, se vos alteza quer que ho cairo tenha atalayas e se vejie; porque
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 281
certefico a tos alteza que com toda a gramdeza do cairo e com toda a
força do gram soldam, se hy ouuer hiia fòrteleza em suez desta bamda,
e desoutra bamda lhe ganharem alii^amdría, que ho ponham em gramde
comfusam, porque gramde cousa sam as emtradas dos dereitos dalixam-
dria e dos tratos da imdia que ho soldam tinha, porque paga tam gram-
des soldos e tam desordenados, que se nam aleyamtara a moeda e nam
husara de tirania no cairo, nanos poderá pagar nem tivera a jemte que
tem; em tamta necesydade o tem posto as Riqezas da imdia no cairo, que
lhe já gora nam vam senam algua cousa furtada que ha terra pôde gas-
tar: e as fortelezas á nosa husamça feitas nanas podem sofrer os mouros
pegadas em sua terra, nem yivem descasados ; e mais, senhor, termos nós
ho poder de preste joam em nosa ajuda, que sam homens muy ousados
e que tem fama nesta terra, e do que os mouros fazem gramd estima po-
ios conhecerem por valemtes homeens, e tem muita jemte de cavalo e de
pee, e a nos de dar toda ajuda que lhe pidirmos ; e pela vemtura, se lhe
der embarcaçam, passaram em judá e em meqa, a quall nam pôde ter
guamiçam de jemte, porque nam pôde ser prouida de mamúmeôoytos se-
nam com muy gramde trabalho, porque judá nunca mais teve que até xb
mamalucos S e meqa nunca mais teve que até xx ou xxb; toda a outra
jemte de meqa sam homeens fracos, que estam hy como Irmitaees sem
armas.
Estas sam as cousas primcipaes de demtro do mar Roxo, e que nos
mais compre e mais proueitosas: dalaca e meçuá, porque sam jumta huua
com outra pegadas na terra de preste joham, tena pescaria do aljôfar ase-
nhoreada, escapola da mercadaria que vem á terra do preste Joam; tem
formosas casas e gramdes pouoaçõees de mouros, e creo que faremos bua
Riqa presa neles; estam case tamto avamte como judá navegaçam de dous
dias e bua noute até três; estam a balravemto dos ponemtes que Reinam
sempre no estreito do mar Roxo; tem perto de sy çuaqem, que está na
mesma costa.
Asy digo, senhor, que destas duas cousas devees logo de fazer piim-
cipall fumdamemto, e daly s emtemder a judá, meqa e suez ; e pois que hy
ha muitos e muy boons cavalos na terra de preste Joam, co ajuda de
noso senhor lijeira cousa he quynhemtos purtuguezes a cavalo embarca-
dos em bõoas taforeas e caravellas desembarcarem da outra banda de ju-
' Quinze mamelacos.
36
282 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dá, e correrem a meqa, que he hum dia de caminho, e a qeimarem e fa-
zerem na em cimza; e parece me, senhor, tam leve cousa d acabar, que ha
ey por feita, quamto mais qeremdo o preste joam pasar, ou força de
jemte sua em nosa companhia, e ea poer toda vosa jemte a cavalo; e
aimda, senhor, mais m afirmo que ganhamdo se judá, meqa se despouoa-
rá, e nam poderá viver, soster, nem mamter; e pois alarves em cima de
camelos ousaram de ha cometer e Roubar, parece me que nam he ele lu*
gar pêra se defemder a purtugezes a cavaflo e a jemte abexia, porque
meqa nam tem nehum socorro, se lhe nam vier do cairo, que o xerife par-
cate nam he homem mais que de tresentos valalos ' ; e em todos aqueles
areaees, de meqa até samta catarina de momte synay e. até Jerusalém, nam
ha hy senam alarves em cima de camelos, jemte nua e sem armas, sem
cabiceira primcipall e sem Rey, repartidas em cabilas: todalas outras ilhas
de demtro do mar Roxo sam esterles e cousa sem proueito: da bamda
da terra de preste joam devemos de fazer fumdamemto por todalas Re-
zoes que tenho apomtadas; e as outras que sam da bamda do xeqe d adem
e de meqa destroylas, e pólas em sojeiçam e trebuto, nau os deixar na-
vegar, nem pescar, nem comer. E temdo nós tomado asemto da maneira
que dito tenho, nam he nada d acabar ho que digo.
Ho socorro que ho soldam pôde mamdar ha meqa^ nam he muito
gramde, porque ele tem sete mill de cavalo de demtro da sua forteleza,
que he mayor cerqa quevora; destes nam ha d apartar nehum deles de
sy, porque sam guarda de sua pesoa, e ás vezes ha hy alguazis deses que
socedem a cadeyra, que os cometem e os pimcham fora; os seus emires,
que sam capitães seus primcipaes, nam am de tirar sua jemte de sy, nem
am de sair do cairo: ho senhor de damasco, nem dalepo e doutras for-
telezas que comfínam com xeqesmaell, nam am de desemparar a terra: asy
que me parece que até mill cavalos poderá mandar, e estes am mester
pêra o prouimemto do camynho mais de x camelos ', e ha mester conti-
nuadamente mamtimentos de demtro do cairo, que será muy desordenado
trabalho de prouer, polo caminho ser muy lomje; e digo, senhor, que se-
jam dous mill de cavalo; quynhemtos ou seiscemtos purtugueses nam pe-
lejaram eles hum boom dia e nua boa ora com dous e três mill mouros
de cavalo, e os desbarataram e levaram nas mãaos? e quamdo nos pare-
^ Evidente lapso em vez de cavaUos.
* Dez mil camellos.
CARTAS DE AFFONSO DE AXJBUQDEROUE 283
cese que se niso avemturava alguua cousa, pois hy ha tamtos cavalos na
terra de preste joam, lijeira cousa será pôr mill purtugeses a cavalo, boons
homeens, e mais, senhor, semdo a travesa tam piqena : mayores cousas que
estas que digo^ me revela o espríto, se fazemos asemto e liamça co a terra
de preste joam, e segurarmos mamtimemtos e boom porto pêra nosas nãos.
E porque doso asemto com forteleza averá mester tempo, minha de-
terminaçam he, ajudamdo nos noso senhor, ficar aquele ano demtro no
mar Roxo com parte darmada, e com outra parte dela mamdar dom gar-
cia meu sobrinho ha imdia.
Ho que destas cousas, senhor, me parece, he que pêra voso prepo-
syto e determinaçam de se qeimar e destroir meqa, que vos comvem ga-
nhar judà em toda maneira, e sostela, se tiver agua demtro em 3y, por*
que hy nam ha outra cousa demtro no mar Roxo que tenha nome amtre
os mouros, senam judá, e mais he a porta de meqa: daly se pôde vos al-
teza melhorar em suez ou no tor; poderemos ser hy visitados dos frades
de samta caterina de momte synay, que estaam na serra ã vista do mar
Roxo, e de cartas e recados de vos alteza, se por esa via nol os quyser imviar.
As daas cousas outras de demtro do mar Roxo, que sam meguá e
dalaca, duas ilhas que agora estam em poder da jemte do xeqe d adem,
estas debaixo do mamdo da nosa forteleza que fizer em meçuá, estará
tudo e a pescaria do aljôfar que jaz aquy de rredor.
Quamto he á ilha de çuaquem, que jaz mais adyamte comtra co-
(aer ao lomgo da costa, esta será proueitos^ pêra o resgate do ouro que
p^ aly say, e de cimquemta omeens pêra cima ha terám a boom recado:
este çuaqem jaz defromte de judá, e creo aimda que hum pouco mais
adiamie comtra o cabo do mar Roxo ; mas estas duas cousas, meçuá e
dalaca, que agora estam asenhoreadas do xeqe d adem, e tem senhor per
sy, co a pescaria do aljôfar que está de redor delas, he das proveitosas
cousas que ha naquelas partes, porque ha ilha de meçuá he a primcipall
escapola da terra do preste joam, que os mouros tem. Dalaca he muito
^amde ilha, tem muito gado, muitas aguas^ e a pescaria do aljofi^ he
gramde soma a que se aly pesca cadano: acabada em goa a xx dias d ou-
tubro, amtonio da fomseqa a fez^ de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) íeytaTdL e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque K
. i Tom do Tembo/^C. (?iiiu). P. L% IL 1% D^^ ^ : :
3«*
284 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LVffl
1614 — Outubro 20
Senhor. — Vy a carta que me vos alteza espreveo sobre gaspar pr-
reira, e sobre seus carregos e ofícios com que a estas partes veyo, e bem
âsy deixa vos alteza em meu parecer, se ho dyto carrego de secretareo he
necesareo pêra as cousas de voso serviço, ou se se em algua maneira po-
deria escusar, e que nam oulhe neste caso haas paixOes dos homens, se-
nam ao publico serviço uoso, confíamdo vos alteza de mim a determina-
çam deste feito, asy como em outras mayores ho faz.
Quero primeiro que saiba vos alteza ho que eu tenho feito a gaspar
pireira, e a obrygaçam em que me he; e digo, senhor, que me quys deus
fazer tamta mercê que, semdo eu ho somenos sobrynho que meu tio o
príoll, que deu^ aja, tinha, m acertase á ora de sua morte pêra alguum
bem de sua comciemcia e pêra omrra de sua sepoltura, e pêra lhe pagar
huua piqena de mercee que dele tynha cad ano, procurando sempre que
ho pryolado socedese dom Diogo d almeida: deixo, senhor, de tocar nes-
tas cousas, porque ha hy homeens que amdam co mundo, e mais sam já
falecidos; e digo, senhor, que depois de dar sepultura a seu corpo, com
esa pobreza que tinha empenhada por esas casas desa cidade, e com
ajuda da minha pobre moradia, me ficou dele bua lembrança de seus
criados, amtre os quaees hia gaspar pereira, que . era seu moço da ca-
mará: tomou elRey, que deus aja, gram parte deles, e nam emtrou neste
comto gaspar pereira; torney eu per muitas vezes e por espaço duum
ano ou dous de requerymento com elRey, que deus aja, em tall maneira
que, estamdo em hueiras, ho tomou, e eu sempre lhe tive afeiçam e amor,
e neses carregos que bielRey, que deus aja, cometia pêra mamdar fora
alguuas pesoas por seu serviço, sempre folgava de as emderençar a ele,
e lhe mamdava dar boas emcavalgaduras desa estrebaria pêra seu cami-^
nhar, e algftaa ora lhe pidia alguua mercê ou vestido desa guarda tloupa.
Pásiado isto, qúe tim ter á imdia per voso mamdado em poder do
viso rey , omde achey gaspar pereira, e em seu modo de falar e em suas
praticas e.em alguuas éousa» a^ué Áè )|6na moter, «le kné namí éom-
♦ ;t
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 285
temtou, e nano quys esprever a vos alteza, amtes creo que todo bem que
lhe nese caso pude fazer, lho fiz: pela vemtura, se meu comselho tomara,
nam fora perseguido do visoRey, nem eu: alguuas cousas escomdo aquy
de suas culpas, porque nam qero danar nimguem, mas aproueitar amte
vosalteza quamto eu bem poder.
Partido o visorey, que memtregaram ho gouemo, gaspar pireira
husou de seus ofícios comigo, e na emvolta de seus ofícios suas manhas,
e quis me meter alguuns aluaraes ou palavras neles comtra voso regi*
memto, pêra ter de que fazer livro de mim, e eu Rompia lhos ousada-
memte: ele, como homem ofano, tomava em caso domrra Romper lhe eu
os Aluaraees diamte dos olhos: asyney eu huum de framcisco de tauora
sobre a carga de sua camará do Rey gramde; lemdomo ele, nam locou
nuum pomto que dizia: «e nano carregamdo vós, per este lho ey por car-
regado nos direitos da pimenta»: quamdo francisco de tauora me veyo
pidir a carga de sua camará, que me amostrou bo aluará, apartei me com
gaspar pereira, e diselhe que daquela arte esperava ele d usar comigo;
que eu lhe Rogaua que deixase todalas cousas do tempo do visorey, e
que emtrase em caminho comygo', que aquela palaura nam ma lera ele
no aluará, e mais que era contra o rregimento de vosalteza, e que fran-
cisco de tauora primeiro avia de dar o dinheiro pêra carga de ^a camera
que lhe fose carregada, como vosalteza mamdava: nam fícou daquela pra-
tica muito comtemte, nem da maneira que avia de ter comigo acerqa dos
despachos de voso serviço e fazemda.
Nem menos ho contemtou ho modo de meu despachar as partes, o
quall era, aly omde me dava a parte a pitiçam, aly Recebia logo sua re-
posta: ele quisera feixees de pitiçõees cometidas a ele, o despacho delas
e saco delas e porta fechada, e outras cousas que ho breve tempo da im-
dia 6 as acupaçõees dela nam sofrem, porque ás vezes deste modo de
despachar nacem mais percalços que da espritura. *
Agastou se também com a ordem que levavam as cousas da justiça,
repremdemdo me ás vezes em pubrico, nam lhe parecemdo bem o modo
que tinha na justiça, porque vio alguuns homeens jugar as cutiladas, ou
alguuas travesuras, e qeria que sem mais serem ouuidos, fosem logo des-
orellmdos e açoutados, e com aquele desordenado Rigor e per seu com-
selho, como se amtes fazia; e destas cousas que eu emtemdia, ho hia
desapegamdo mamsamemte e metemdo o em meu caminho.
Agrauouse também haaquele tempo, nam esprever eu com elle pêra
286 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vos alteza, nam fazemdo ele letra pêra iso, nem temdo eu aquele despejo
e sultura com elle, pêra verdadeiramente vos dar rrezam de mim e comta
das cousas de voso serviço, que poderia ter com quallquer outro hoe^m
com que tivese jeito ou despejo, e, afora iste, ser pesoa meneavell e que
eu mamdase chamar á mêa noute e amtemenhãa^ e a que ás vezes dese
huua maa Reposta ; que ho ver ele as cartas e a rrezam que dava de mim
a vos alteza, iso lhe nam tolhia eu, amtes ho chamava, e as mamdava ler
peramtele, e lhas amostrava todas.
Agrauouse também naquele tempo por eu guardar alguum pomto
de segredo das cousas da Imdia pêra mim, porque eu certefíco verdadei*
ramemte a vos alteza que huua das cousas, e mais neoesareas ao bem e
gouerno da imdia, he guardar ho gouemador dela segredo em muitas
cousas; e eu, senhor, nam tinha naquele tempo, nem tenho gaspar pe-
reira por homem de segredo, amtes escamdaloso e chêo de zizania e dem-
borilhadas; as deses capitães do tempo do visorrey lá as terá vos alteza
sabidas; as que quys temtar e fez em meu tempo, lá volas tenho mamda-
das e mámdo.
Nem nas cousas de vosa fazemda naquele tempo nam lhe achey sus-
tamcia, nem saber pêra o meneo dela nem pêra o comselho dese feito, e
ache o neste caso hum homem atalhado de todo ; e cuidado S senhor, que
tiramdo huuns momtwtes d agudezas de falar que ele tem, se vos alteza
H^ter a mâo nele, e o meter em negocio de vosa fazemda, que nam sa-
berá dar hum noo nela proueitoso, nem receberees dele nehum proueito.
Naquele tempo, senhor, me quis também meter em desordem e des-
comoerto com jorje bdi*reto, que estaua por capitam da forteleza e da
terra, e quis me fazer valedor de suas emborilhadas com ele, e de tudo o
lamcey fora de mim : deixo aquy os comselhos que m ele dava aceiqa do
mamdar da terra e feitoria e vosa fazemda, eslamdo o visorey em. pose
da imdia e nam roa queremdo emtregar^ e semdo aos Rumis, porque avia
mester gr amde soma de papell pêra este feito.
Porestas cousas que acima dito tenho, que gaspar pereira vio que
nam faziam asemto em mim, se foy de quá da imdia nam muito comtemte
do modo de meu gouernar as cousas de voso serviço; agora, penhor, t{ue
tornou, eu ho receby omrradamemte e bem, e asy me deus ajude, senhoTi
que v^s laio verdade, que eu folguey muito com ele, e me pareçeo que
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 287
>
ele vinha asemtado em conhecer já ho istilo e modo que levava nas cou-
sas do gouerno da imdia, e por me já ter conhecido e tomada a espi-
ryemcia de minha comdiçam e maneira do despacho e prouimemto de vosa
fazemda; e creo, senhor, que ele me nam achou mudado daquela ordem
que as cousas de quá recebiam ao tempo de sua partida, e pois que nam
eram desaprovadas per vos alteza, que ele as nam estranharia, e se ama-
saría em tudo comigo, em maneira que as cousas de vòso serviço se fi-
zessem bem, e asy as suas próprias de sua omrra e proueito, comfiamdo
eu que de mim a ele seria seria (sic) rrepremdido dalguuas tachas spas.
Ghegamdo ele á imdia, nen o comtentey eu nem ho modo de meu
gouemar, nem a ordem das cousas de voso serviço e vosa fazemda,
nem o meu despacho nem a minha comdiçam, nem o meu segredo nem
pratica, nem comselho que com ele estreitamemte tomase; nem lhe pa-
receo bem o asesego em que achou a imdia, e os coraçõees dos ho-
meens fora d emborylhadas e mixiricos e maas pratycas em suas pousa-
das; nem lhe pareceo bem o comtemtamcmto que achou nas jemtes de
mim ; nem lhe pareceo bem a minha domestica comversaçam e trato cos
cavaleiros e fidalgos e ser companheiro deles; nem lhe pareceo bem a
dada dos oficies e capitanias que dava aos homeens per seus próprios
Requerymentos, sem pitiçõees e despacho vimdo per ele ; nem lhe pare-
ceo bem chamar eu voso criado e pregumtarlhe se qeria ele tall oficio, e
dar lho; nem lhe pareceo bem dar eu rrezam de mim haas partes, omdele
nam istivese presemte, nem ouuir rrecado nem mesajem de ninguém, seno
primeiro mamdar chamar; posto que todo negocio cometese a ele, queria
que lhe guardase aquela oservamcia ou sojeiçam.e acatamemto de meu
ayo, e nam de secretareo das cousas de voso serviço, que ha sempre d an-
dar pegado á minha ilharga e comygo, sen o eu mamdar chemar (sic),
vemdo a maneira de meu despacho, que era em todo lugar e em todo tempo
que pêra iso tinha lugar, ou m achase desacupado d outros trabalhos.
Seus oficies, senhor, que lhe vos alteza deu isemtamemte, lhos dey
e com muy gram credito, porque ele pôs todolos tabaliãees pubricos de
sua mãao, e lhe arremdou os ofícios: de seu oficio da proueedoria em-
temdo que se lhe pregumtarem, e como se ha de fazer, que saberá dar
pior Rezam diso da que amtonio Reall deu, quamdo lhe pregumtey, pe-
ramte quamtbs fidalgos estavam na casa, que cousa era caso mayor, e me
Respomdeo que ho nam sabia.
Todo feito de gaspar pereira era vaidades; apregoar mores carre-
288 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
gos dos que lhe vos alteza deu; danar os homeens comigo; descobrir lhe
as cousas do segredo da imdia e aquelas que com ele falava estreitamem-
te; poer casos amteles sobre o meu Regimemto; amdar determÍDando por
suas pousadas o fim que averia tall negocio ou tall que começava dem-
deremçar; qererme pôr fora, Repremder e emmendar como homem ina-
bell, e que nam era pêra governar dous grãaos de mostarda; e com es-
tas cousas amdava emcemçamdo esas posadas e todo o pouo, e aimda ese
Rey de cochim e de cananor, que pôde aver á mãao; e aly logo omde
dava Rezam destas cousas, determinava logo o que vos alteza averia por
bem e por malL
Despois destas mevdezas do tempo do vysorrey e d agora, nam quis
ir comigo ao estreito, nem quisera vir comigo a benastarym, e quise fa-
zer omiziado comigo e descomtemte de seus carregos, pêra onesta ficada
sua, comfíamdo na vimda doutro governador, e apregoamdoo pubrica-
memte, e secretamemte a eses embaxadores ou misijeiros que comigo ti-
nham alguua pemdemça; e ficou na imdia com esta emganosa opiniam,
soltamdo isto amtras jemtes, com jeitos e modos de vos alteza falar com
ele secretamemte neste feito, pêra desasesegar os corações dos homeens
e metei os em novidades, e nam avia cousa de voso serviço que se falase,
que ele logo nam alegase a maneira de que vos alteza comsultara com ele
sobre aquele negocio: aqemtou ele tamto esta obra, que nos seus jeitos e
modos de falar pareceome homem abalado de seu siso; e porém, com-
tudo^ sempre o tratey homrradamemte, e sempre fiz as cousas de voso
serviço com elle ataagora que vym do mar Roxo, e achey tamtas cousas
danadas de sua mãao e per ele, e^amtas cousas executadas e preegadas,
asy na justiça como na fazemda como em todo ali, e tam abalado elRey
de cochim e elRey de cananor e de calecut, e tam Revolto cochim e esa
jemte quy fycou, e os que vieram de malaca, e asy o que agora come-
çava de fazer com alguuns capitaees abalados dalguas rrepremsOees mi-
nhas ; e prouue a noso Senhor que mo descobrio amtonio Raposo, e gas-
par pereira nam mo negou, nem me comfesou que toda a pratica que ele
tiuera com amtonio Raposo fora daquela maneira e com capitules feitos
per elle, nomeamdo outros capitaees que eram neste feito, nam semdo
asy; e com estas oniOees qeria que falasem as jemtes nelle e com gabar se
tinha Regimemtos de vos alteza e cartas de vos alteza, e determinamdo o
que vos alteza .averia por bem e por mall, e tamtas destas cousas, que se
volas ouuese desprever, nam cal)eryam em dez mãos de papeU, porque
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 289
he homem que se o vos alteza deixar viver nestas vaidades, sem soldo o terá
vos alteza cem anos omde quer que quiserdes; e destas emborylhadas e
oniõees sabe as fazer milhor que todolos outros homeens, e meterá todo hum
arrayal em Revolta, e sabe se milhor tirar dela que nehuua outra pesoa.
Toruo agora ao que vos alteza quer saber, se he necesareo ho oficio
de secretareo da imdia: digouos, senhor, que sy, e que ha mester homem
zeloso de todo bem, e de toda virtude e de boom comselho e bõoa imcri-
naçam, chéo de todo segredo, porque todolos homeens que agravos ou
descomtemtamemtos tem de mim, todos vem buscar voso secretareo^ e to-
dos lançam nele seus descomtemtamemtos, ou despachos que ás vezes nam
saem á sua vomtade; todos lhe comtam suas paixõees, e todos me mam-
dam dizer por ele seus rrecados, em tall maneira, senhor, que todo ne*
gocio em que jaz ho asesego da jemte, está nas mãaos de voso secreta-
reo, porque s estou no campo, aly está ele comigo; s estou na casa, aly
está ele comigo; s estou metido em hum camto, aly está comigo, e aly es-
tou com elle praticamdo e falamdo nas cousas de voso serviço e no des-
pacho das partes: se este homem tall me quyser lamçar a perder e tra-
zer em descomtemtamemto toda a jemte comigo, pode o fazer, porque nam
pôde soltar palavra, nem dizer cousa alguua que lhe nam seja crida e
dado fee, por camta parte tem de mim e de todo negocio da imdia: e mais,
senhor, ha mester homem çesudo e avisado, e que dee rrezam por mim
ás vfzes haas partes verdadeira, e que lhe mitigue suas paixõees, e os
traga em comSamça de seus boons despachos, e que ás vezes sofra seus
desarrazoamemtos, e com bõoas palavras os meta em comfiamça de mim
e de minhas bOoas obras; e que tenha muy gramde segredo em todallaç
cousas que lhe eu descobrir, e asy nas cousas de vosos rregimemtos e
cartas; e que ás vezes tome as culpas da dilaçam do despacho dos ho-
meens sobre sy ; e que nam seja tirano, nem leve mais á jemte que aquylo
que á bõoa memte lhe podem dar; e que em seus comselhos, quamdo me
dele forem necesareos, sejam chéos de bõoa temçam, e que ás vezes mos
dee, sem lhos eu pedir: este he ho homem, senhor, que eu ey mester, e
nam pesoa que me faça sempre amdaf atalayado do que faz e do que diz,
e do que com ele falo e despacho, e que alguum ora qeira executar sua
comdiçam com meu mamdo e com meu synall.
E se eu sam ávido por menencorio, que obra poso eu fazer com
gaspar pereira, e que comselhos me podele a mim dar, amdamdome
sempre ha orelha, senam aqueles em que se criou em cochim?
37
290 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
E asy digo, senhor, que pera testemunha de meus feitos, e porque
he pesoa que ha daradar sempre comigo, e que vos pela vemtura dará
milhor emformaçam de minha vida e custumis que amtonio Reall e diogo
pireira e gaspar pireira, e todolos outros que estam oilocemtas legoas de
mim, e vos dam emformaçam de minha vida e meus trabalhos desa ma-
neira que os vos alteza lá vio na carta d amtonio Reall, devees sempre de
trazer huum homem de bem e omrrado e chêo de virtude e dasesego e
de lodo boom comselho, e que tenha zelo de vos servir íielmemte, os quaees
vos alteza achará com soldo de cem mill reis e oitemta e daquy pera baixo,
com seus percalços, e nam duzemtos mill reis a gaspar pireira, homem
danado e de danada comdiçam, e que nam meterá hum pee em bua naao
comigo, porque ho matem, nem poerá ho Rosto em nehuum trabalho, nem
levará maa vida, porque lhe dem a governamça da imdia, o quall toma
por sua escusa e ficar comemdo seu gramde soldo em sua oceosidade, ale-
memtaçõees de mim que vos lá espreve, e dizemos que nam qero eu fa-
zer com ele seus ofícios, e ele nam deixaará a castelhana que trazia am-
tras mãos, por lhe darem a milhor nao da minha companhia: oulhe vos al-
teza lá como se os homeens sabem curar das cousas em que os vos alteza
ha de culpar, amtes que ho saiba; e quá, senhor^ trazem me tam afagado
e tam cirymoniado, e mostram me tamtas dores suas, e que nam sam já
pera trabalhar; e depois de me terem bem mamso e bem seguro de nam
esprever eu a verdade deles a vos alteza, emtam vos esprevem lá, senhor,
esas cartas, que vos deixam de servir por minha culpa: sirvam vos eles,
senhor, muylo bem em seus ofícios, e culpem ma mim quamlo quyserem,
porque asy o devem eles de fazer; mas eles qerem levar bõoa vida, e
querem se escusar dos trabalhos de seus carregos e comer voso soldo em
chêo, e eu dou lhe pera iso quamto lugar eles qerem, e calo me, e eles
por detrás emformam lá desa maneira vos alteza: amtonio Reall com mui-
tas lagrymas nos olhos me pedio cartas pera vos alteza, dizemdo, que se
aquele ano se fose, que era perdido, porque tinha sua fazemda espalhada,
6 também por segurar nam esprever eu a v. a. suas culpas e defeitos,
pidime duas, pera irem por duas vias: como me party de cochim, gaspar
pireira, diogo pireira e ele fízeram esa ornada puesia que de mim mam-
daram a vos alteza, chêa das verdades da imdia; peço a vos alteza por
mercê, pelo que compre a voso serviço, que me creaes, que havees d achar
em poucos homens da imdia verdade, e tome vos alteza a espiryemcia
diso, e achará o que vos digo.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 291
Nam dou comta aquy a vos alteza do que me fez, chegamdo a co<
chim, acerqa do que faley com elle, quamdo me dise que garcia de sousa
vinha com a capitania de malaca, que eu lhe respomdy : gramde cousa he
malaca, porque íicam lá muitos cavaleiros e fidalgos que nam am de so-
frer garcia de sousa, e por força os leixey com Ruy de brito: descobrio
logo a garcia de sousa, e eu nano podia amansar, tam danado ho trazia:
disto esprevy já lá a vos alteza; nem vos dou, senhor, comta como arre-
bataram aquela molher a seu marydo, e ha meteram em hua nao de mou-
ros, e deram com ela em malaca, semdo eu no eslreyto; nem comto a
vos alteza aquy, como lhe eu defemdy, quamdo fuy pêra o eslreyto, que
nam fose a cochim, polas deferemças damtrele eLouremço moreno; nem
comto a vos alteza ho que me dise cidy ale, embaxador deíRey de cam-
baya, que lhe dise que nam Bzese nada comigo acerqa da paz de cam-
baya, e que aguardase, que avia de vir huua pesoa primcipall muito aceito
a vos alteza, que se chama tristam da cunha, e que com ele acabaria ho
comcerto da paz de cambaya; nem conto a vos alteza como danou jorje
de melo, nem as emborylhadas que fez em moçambique, pêra fazer des-
avir jorje de melo e dom garcia; nem comto a vos alteza como tinha im-
dinado elRey de cochim comtra mim; nem comto a vos alteza como des*
cobrio amtonio rreall e a lourenço moreno, como mamdava vos alteza
prender o caldeira, e como ho avisaram; nem comto a vos alteza como
danou manoell de lacerda haa sua partida, e pregumte vos alteza a jo-
ham de sousa, se me dise a mim gaspar pereira peramte ele em hua casa
soos, dizemdo lhe, gaspar pereira, vós fizestes isto e isto, rrespomdême
com hum dedo muyto comprido, e muito soberbo, negouos eu jesa (sic);
e eu lhe dise que bem podia ele dizer daquylo quamto quisese, pois eu
era capitam mór das imdias, e nam lhe Respomdy mais.
Quamto he aos seus ofícios, ele vay lá co auto de suas culpas diamte
de vos alteza, por me parecer muito voso serviço ; e nam he nada na im-
dia, neno cabo do mumdo, gaspar pereira, com voso fauor e cos carre-
gos que lhe vos alteza deu, fazer todas estas cousas, e ser eu tam aga-
chado que as nam ouso de castigar: acabada em goa a xx dias d outu-
bro, antonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso d alboquerque.
(Sobrescripío) A EU Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1/, M. 16, D. 116.
37*
292 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LIX
1614— Outubro 23
Senhor. — Eu toco em âlguuas cartas minhas a vos alteza no desor-
denado trabalho de meu esprever de noute e de dia, primcipalmemte de
noute mais que de dia, que muitas vezes amanheço no esprever, porque
dia nam poso, pola rezam que de mim dou haas partes, e outras cousas
de voso serviço a que he necesareo acudir, e acho milhor esprever de noute
que de dia por esta rezam, e o desordenado trabalho que he, dias ha que
ho vos alteza teraa sabido. E asy toco a vos alteza lías ditas cartas em
amtonio da fomseqa, que vos prouue tomar por voso escudeiro, como com
ele faço todalas cousas de segredo que a vos alteza imvio, e asy vee lo-
dalas vosas, pola sultura e despejo que com ele tenho, e ser homem de
gramde segredo ; e certefico a vos alteza que ho acho tam verdadeiro em
tudo, que nam poderia escrever com outra nehua pesoa senam com elle;
e porque ho vos alteza agora tomou por seu escudeiro, em que Receby eu
symgular mercê por minha parte, elle vollo tem bem merecido por seus
serviços, porque afora me vos alteza fazer mercee en o tomar, amtre isto
vos tem ele merecido quallquer mercê que lhe fizer em seu acrecemta-
memto d omrra e fazemda, que ele tem tam pouca, por aver ha seis anos
que amda em minha companhia e trabalhos^ que nam sey com que lha
ajude acrecemtar sem ajuda de vos alteza, pola catyva comdyçam que te-
nho, de nam ousar de meter a mão em vosa fazemda: ele foy em todos
eses omrados feitos que se qá fizeram em meu tempo, em que muitas ve-
zes foy ferydo, e husou tam bem do oficio de cavaleiro, que amostrou bem
merecer a omra e mercê vosa que lhe vinha por caminho : ele, senhor,
amda em minha companhia, e porque dos homeens que vos fielmemte
quá servem, eu sam obrigado a vos dizer delles o que symto, beijarey as
mãaos de vos alteza aver por bem fazer lhe mercê, porque alem dele vola
ter merecida, a mim fará asynada mercê: espríta em goa a xxiij dias d ou-
tubro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque ^
» Torre do Tombo.— C. Chron. P. 1.% M. 16, D. 86.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 293
CARTA LX
1614— Outubro 23
Senhor. — Vos alteza mespreveo, em coúio imviavees quá alguuas
pesoas, emcomemdamdomas que sejam por mim prouidas daquelas cou-
sas e carregos que neles couber: digo, senhor, que eles serám satisfeitos
e comtemtes de mim, polo cuidado que me diso daa, porque todos sam
taes pesoas e de tamto merecimemto amte vos alteza, que os mesmos car-
regos em que vos quá qerees servir deles, trazem por parte de sua satis-
façam de seus merecimemtos ; e porque tudo isto asy está visto e conhe-
cido por mim, se o outro mumdo podese aver ás mãaos, todo lho daria,
porque bem vejo como os galardoes da imdia vos tiram de muita obriga-
çam: prazerá a noso senhor, que dará lugar haas cousas destas partes
tomarem asemto, e nos abrirá outros mundos e outros caminhos, por
omde vos alteza se aja por bem servido, e as vosas jemtes por suas mãaos
ganhem gramdes Riqezas, com que vos milhor posam servir; e algfiuas
pesoas tenham tamto comtemtamemto da terra, que qeiram asemtar nela,
e tirar do poder dos mouros tamtas cidades, vilas e lugares, e tamtos de-
reitos e tamta Riqeza como logram, jemte que nam tem mais força que a
multidOe deles sem comto em comparaçam dos cavaleiros purtuguezes;
nem m esqecerá a lembramça de vosos criados, nem das outras pesoas
homrradas, que por sua lynhajem e serviços ho deviam de ser, serem
prouidos das cousas de quá ataa vosa aprouaçam, ou dada a qem vos
bem parecer, porque asy semtemdem todallas cousas de quá: acabada
em goa a xiiij dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% H. 16, D. 68.
294 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXÍ
1514— Outubro 23
Senhor. — Em huua carta de vos alteza vy a omrra e mercê que me
fizestes, em averdes por bem que até oito mili cruzados cadano posa dar
e fazer bOoas obras e graças em nome de vos alteza haaquelas pesoas que
vos quá bem servirem, gastos fizerem de sua fazemda com jemte, e asy
polo merecimemto de seus serviços e trabalhos de sua pessoa, como per
outras quaesquer obras dinas de louuor, e lhe ser com bõoas obras dado
comtemtamemto delas, semdo isto, porém, cadano, nam lhe fícamdo em
temça nem em Remda. Respondo, senhor, que vos alteza me fez gramde
mercê niso; e pola fama que quá chegou dese feito tam cedo como a
carta, pareceo á jemte que tinha eu milhor Rosto e milhores olhos, e com
mais amor e bõoa vomtade e dilijemcia correm já gora has cousas de voso
serviço omde os mamdo: e comtudo, senhor, digo que como eu seja de
cativa comdiçam nas cousas de vosa fazemda, nam sey se meterey as
mãaos nese feito, nem sey se nacerám dy alguuns escamdoUos, porque a
comparaçam (sic) dos homens he muito trabalhosa cousa de comtemtar e hi-
gualar, e ás vezes nace isto de dadivas, outra ora de nam dar nimigalha;
e o meyo que se nisto deve de tomar e satisfazer, sam cousas Reaees: per
estes Respeitos tenho a carta asy guardada, sem praticar nela» e a fama
que de fora amda na jemte, nam me pesa nada com ela; e se alguua ora
comprir fazer se alguua cousa destas por uoso serviço, será vos alteza avi-
sado, pêra verdes se as cousas desta maneira levam ordem de voso com-
temtamemto: acabada em goa a xxiij dias d outubro, amtonio da fomseqa
a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 16, D. 60.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 295
CARTA LXII
1514— Outubro 23
Senhor.— Depois de ter esprito a vos alteza em outras cartas a de-
terminaçam em que íicava acerqa das galees, de nam fazer mais que as
duas que estavam feitas, e galeota de goa, me pareceo voso serviço me-
ter em ordem fazerem se três: duas em cochim, e hua em calecut, asy por
virem mestres pêra iso e levarem gramde soldo, como também polo feito
do mar Roxo, se nos noso senhor deixar tomar asemto nele, como espero,
comservalo com harmada de galees, por ser o mar e portos e navegaçam
própria pêra iso, e também por serem navios que se espalmam de pem-
dor, e nam obrigarem a tamtos calafates e carpimteiros e ferreiros, como
fazem as nãos, por ser terra nova, nam sabermos imd agora omd espalma*
remos nosas nãos, e omd espalmaríamos hum navio, se diso tivese necesy-
dade, e asy também pêra o feito de babarem e do mar da persya, se vr-
muz istiver em voso poder; que pêra todas estas partes sam muito prouei-
tosas galees: porém eu queria ver primeiro com boas nãos suez e armada
dos Rumis; que dizem lá, senhor, na minha terra, a madeira peleja no
mar; e eu poso isto dizer, pela pouquydade de jemte e mall armada que
ha na imdia.
E se de galees vos alteza faz fumdamemto e de jemte da ordenamça,
que nos a nós quá he bem necesarea, ha mester que vos alteza proveja
este feito bem, em tall maneira que nam venham qá cousas sem proueito:
os remos de galés nam sam de comto de galees, e aimda pêra galeotas e
fustas sam curtos, vistos per os olhos dos comitres e desas pesoas que ho
milhor emtemdem qeu; pano de vila de comde pêra velas delas, ferro de
purtugall pêra suas gouernaduras, porque ho de qaa he vidremto hum
pouco; que as galés governam sobre agulha e levam gramde força: os
comitres que vos alteza mamdou, sam espiciaes homeens.
Quanto he, senhor, ha jemte da ordenamça, os piques nam valem
nada que quá vem pêra ela; sam de faya e arrebemtam, e nam sam da
sorte daqueles que ha ordenamça lá traz nesas partes, e gastam muito
sem obra; amdam mall armados de maas armas e poucas, porque mam-
296 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dam de lá piastrOes podres e velhos, comidos da Roda, com bua folha
d estanho por Riba; e eles compranos muy bem sobre seu soldo, e du-
ram lhe muy pouco : as milhores armas que ha pêra a imdia, sam coura-
ças, porque as alevamtam com bua pouca de cravaçam e hum par de pe-
l3s; já gora, louuado seja noso senhor, quá temos vazadores de cravaçam
e alguuns deles casados; e porque vos alteza este ano nos nam proueo
d armas, ganharam eses capitães e jemte que estano vieram de purtugall,
muito dinheiro nelas, porque lhas compravam os homens a peso douro
sobre seu soldo; vemdeo cbrislovão de brito as suas coiraças de maa seda
a XX crusados, e as adargas a cimqo crusados, e as espadas da feira de
medina a mill e duzemtos fs., e punhaes de castelã a seiscemtos i^., e
asy framcisco pereira e todolos outros ofyciaes desas nãos, e todalas ou-
tras cousas que traziam, de que eu tenho avisado vos alteza que nos pro-
veja sobre nosos soldos; porque estas nãos de portugall levano dinheiro
desta pobre jemte cadano na mâo, e os homens quaa prezam se damdar
milhor vistidos e armados que lá nesas parles, porque ha comdiçam da
imdia he poor homeens muy bayxos em omrra e em preço e dinheiro, que
os homrrados quá se prezam mais de suas pesoas e de suas homrras que
lá nesas partes, porque as cousas da imdia sam muy grossas, e naquilo
em que se os homees qerem pôr, podeno sosler: e eu se vejo homeens
que tem opiniam de serem homrrados, ajudo os a ese feito, que no oficio
da guerra a opiniam da jemte he a que faz fazer homrrados feitos, por
omde eu qeria que ha jemte baixa achase sempre sobre seu soldo vistido
e armas; e sabe vos alteza porque eu digo isto? porque fazemdose proueilo
na vosa fazemda, amda a jemte bem vestida e bem aiinada e comtemte
de sy: e pela vemtura podei*aa lá parecer que gastaram mais dinheiro, e
se poderám ver em mais necesydade : a jemte solta da imdia nam tem em
comta dinheiro, e gastano framcamemte em cousas muy vãas e de pouco
proueito; vestem se de panos dalgodam na imdia e de cotonias, de seda
e chamalotes, que he Roupa ie muy pouca dura, e outros panos de seda
de quá da terra.
Afora este proueito, nam he bem que se achem sempre nas vosas
feitorias b* ou mill * covodos de veludo preto? a mór parte porque ho de-
sejam qá os rrex e senhores desta terra, e comprano os mercadores muito
Rijo, e pregumtam por ele; seda rrasa nem cetins de malaca vem quamto
1 QainhentQS ou mil
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 297
abaste; brocados baixos de pelo e Raso^: e que estas cousas nam dem
carga de pimemta, afauorece as feitorias e dá lhe credito, e põem os Rex
e senhores e mercadores em comfiamça, que quamdo lhe falecerem as
mercadarías pelo estreito de meqa, que as acharam nas vosas feitorias,
vimdo deses Regnos. Digouos, senhor, isto, porque vejo na imdia muita
marcaria de demtro de veneza e muitas cousas destas: e asy beijarey as
mãos de vos alteza, mamdar a eses oficiaes vosos que mamdem mea dúzia
de foroes de galees.
E asy, senhor, beijarey as mãaos de vos alteza mamdar nos hua dú-
zia de carretas dartelharia do campo, porque nos vèm estes cães destes
mouros tam poucos, que nos vam perdemdo ho medo e a vergonha, e
achegam se muy bem a nós; e qeria sempre levar hartelharia em terra,
pms que levamos jemte da ordenamça, que ha nam desemparará, e
fialosemos afastar de nós hum pouco mais: acabada em goa a xxiij dias
doutobro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por Uttra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Na margem superior da ultima pagina, por lettra coeva) D afomsó
dalboqudrque sobre piques, carretas, e galés que mais fez K
CARTA LXin
1614— Outubro 26
Senhor. — Per huua carta de vos alteza vy a determinaçam que que»
rees que tenha sobre os casados que morrerem sem filhos, e asy as mo-
Iheres que morrerem sem erdeyros; e bem asy como aqueles que bem-
testados forem ou casarem ao diamte, se fôr d escudeiro pêra cima, omde
arrecadará seu casamemto: e vy também nesta carta a lembramça que
me vos alteza deu do que me tinhes esprito sobre nam casarem mais ho-
meens na imdia. Respomdo^ senhor, que acerqa dos casados defumtos,
que habemtestados morrerem, e as molheres que sem erdeiros falecerem,
que se guardará aquela ordem que vos alteza mamda; e acerqa dos casa-
1 Torre do Tombo— G. Chron. P. 1.% Uâf. 16, D. 61.
S8
29S CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dos, que lá avees por bem que quá nam casem mais, nem se dee mais
casamento da vosa fazemda a nimguem, digo, senhor, que tudo se guar-
dará em gram maneira, somente alguuas vehuvas que tinham arrezoada
fazemda e casamento, dey lugar que casasem, sem lhe ser dado da vosa
fazemda cousa alguua, por nam amdarem ao huso dos homeens, e por dar-
mos aos imigos boom emxempro de nós e de nosas vidas e custumis; nem
averá daquy em diamte outra mudamça neste caso, senam o que vos al-
teza tem ordenado.
E quamto he á fazemda dos que morrem abemtestados ser dos ca-
tivos, por mais obra miritoria averia eu dar se a tall a fazemda pêra cria-
çam destes mininos orfaaos, filhos de vosos naturaees, nacidos na pia do
bautismo e criados nos olhos dos ymygos, que aimda am de tomar as ar-
mas e ganhar a terra aos mouros, que tirar cativos de terra de mouros ;
e que tudo seja verlude e bem, esta ey que tem diamte de deus mayor
merecimemto, porque noso Senhor que Ih aprouue semear quá esta se-
memte pêra seu serviço, nam ha de qerer que os espynhos ha afoguem e
apaguem: acabada em goa a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a
fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor K
CARTA LXIV
1514— Outubro 26
Senhor. — Acerqa da igreja de cochim, que me vos alteza espreve
que se faça, por ser aquela piqena e nam tall como a que vos alteza fol-
garia que fose, qero, senhor, dar comta do que nese negocio pasa: quamdo
nosos pecados quyseram que do negocio de calecut viesemos asy descom-
temtes, delerminey de tudo o que s aly tomou, ser pêra as obras da igreja,
e pus por recebedor disto fernamdeanes, hum escudeiro homem de bem
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% Maç. 16, D. 66.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 299
de samtarem, e por seu esprivam gomsalo afomso mealheiro, amo de dom
joham, que deus aja, voso camareiro moor, os quaes receberam quatrocem-
tos curzados, e ajuntaram gramde soma de call e pedra; deixey o lugar
omde se avia de fa^er, asynado, e com as medidas tomadas, afastadas mais
da forteleza, defromte damcoraçam das naaos que de fora estam surtas:
deixey este feito emcomendado amtonio Real e a Louremço moreno, em-
carregamdolbo muy muito: nunca niso poseram mais mão. Gomo me par-
ty, tomou lhe amtonio Reall gram parte da call pêra o muro da forteleza, e
dela pêra as suas obras, e da pedra também tomou soma dela, e algua
furtaram: amdey acerqa de dous anos fora de cochim; quamdo vim, nam
achey nada feito, nem pedra, nem call, nem dinheiro: faleceo femandea-
nes em cochim, e achamos lhe menos pela comta certo dinheiro, e tynha
todo seu soldo gastado, e nam podemos aver o que devia: a pedra e call,
delia está nos muros de vos alteza, e dela nas paredes e cisternas de trigo
das casas que amtonio reall começava de fazer, em que agora mamdo fa^
zer ho espitall, e a igreja logo alem do espitall hum pouco; e porque os
alemães qerem fazer huua capela sua, também deixey o lugar determi-
nado homde ha aviam de fazer ; e pois que ho vos alteza agora mamda,
apertai os ey, e obrigai os ey em tall maneira que ha façam, aimda que
seja comtra suas vomtades, como foram as casas das vosas feitoryas: lam-
bem está nas mãos do padre vigairo quynhemtos cruzados, que em goá
se tomaram per comfisQes, de fazemda Roubada a vos alteza desas presas
que se ás vezes fazem, ou fizeram já em alguum tempo, os quaes estam
determinados pêra a igreja de samta caterina de goa, porque também
tenas partes aly qupham, e por iso ordeney que fose todo pêra a igreja;
e este padre vigairo que agora quaa estaa, he homem de boom cuidado,
e parece me que se quer desviar do caminho dos outros: ele, senhor, me
comtemta em todalas suas obras, se o a terra nam apalpar: acerqa da
limpeza da igreja, e todo ali que vos alteza ordena, se guardará imteira-
mente; ela tem creligos c abaste, e pregador e boons ornamemtos deses ve*
ludos e procados (sic) que trouxemos do estreito, e outros que lhe vos alteza
tinha dados; e nam faleceriam quaa cáleses, vistimemtas e tudo o que
fose necesario, se vos alteza ouuese lugar do padre samto, ou dos bispos
e arcebispos, que podese quá ho vigairo comsagrar, porque muitas pe-
soas ha quá, que por suas devaçõees sempre partiraam do que lhe deus
daa com as igrejas, porque he muito lomge mamdar por um cales a pur-
tugall, e mamdar la comsagrar htía visthnemta, ou outras cousas sece-
à8^
300 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sareas ao ofício divino: acabada em goa a xib dias d outubro, amtomo
da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque
(Sobrescripto) A EU Rey noso senbor *.
CARTA LXV
1614— Outubro 26
Senhor. — Acerqa de çofalla e moçambique a mim me parece que
ese Resgate e proueito de çofala vay hum pouco de vagar, que ho cabe*
dali e o ganho todo he dos moradores da forteleza ; e asy , senhor, me pa*
rece que ha escala das naaos da carga, quamdo partem da imdia, danam
çofalla: e digouos eu, senhor, isto, porque este feito qâ nam amda muito
escuro. Symam de miramda aqueixase do Rio damgoja, e doutro Rio
que está mais achegado a çofala que este ; diz que lhe vem aly a roiq)a de
milímdy e mombaça, brava, patê e lamo e magadaxo, omde as nãos de
cambaya vem cadano carregadas de Roupa: diz que pasava a Roupa em
barcos piquenos ho lomgo da costa, e vam emtrar em amgoja e no outro
Rio: mamdoume pedir hum bargamtim, e mamdeilho fazer; mas a mim,
senhor, me parece que as caravelas deviam amdar sobre mombaça e so-
bre aqueles lugarees daquela costa, e fariam dous proueitos: tomariam a
rroupa que vem pêra aquelas partes, e tolhei a yam hos mouros, que nam
fosem danar ho Resgate de çofala : duas nãos destas tomou pêro d albo-
querque ao cabo de guardafam, que arribaram com tempo; em outra ma-
neira nam se pôde vedar a Roupa, que todavia nam emtre em barcos pi-
quenos nestes Rios.
Já lá tenho esprito a vos alteza como os mouros de çofalla espalha-
dos por ese sertam tem danado ho trato, e torvano ouro que nam venha
haa forteleza. E a mim me parece que seriam menos danosos rrecolhelos,
e fazer lhe gasalhado e omrra; e asy, senhor, digo que os mamtimemtos
» Torre do Tombo — C. Ghron. P. 1.% Ifaiç. 16, D. 67.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 30i
se Dam deviam pagar haa jemte per panos, senam por mamtimemtos. E
digo mais, senhor, que vos alteza devia mamdar que hametade do ouro
que çofala Remde, devia cadano vyr á imdia, e meter se este feito em
huso, e a esa jemte asoldada, se lhe nam acabarem de fazer seus paga-
memtos, demlhe despachos pêra a imdia; porque nam poso eu, senhor,
crer que ho trato de çofala ha damdar sempre tam yguall, que numca
mais creça nem mimgue que aquilo que abasta pêra pagar ordenados á
jemte: e pella vemtura, se vos alteza mamdar viir ametade do ouro á im-
dia, do que ficar se pagará a todollos moradores seus ordenados, e lhe
sobejará ímda dinheiro.
A mim m escrevam (sk) os oficiaes de çofala, como tinham nova do
homem que mamdámo descobrir aquela cidade de benamotapa, domde ho
ouro vem, que vimdo no caminho, adoecera, e fora amtreteúdo dos mou-
ros; e creo que deste feito terám eles lá dado larga comta a vos alteza:
acabada em goa a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de
1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e seruydor de vosa alteza
Afomso d alboquerqne.
(Sobrcicripto) A Eli Rey noso senhor \
CARTA LXVI
1614 — Outubro 26
Senhor. — Vy a carta que vos alteza espreveo sobre silvestre corço,
dizendo me que eu lhe nam tinha dado a capitania da gallé gramde que
ele fizera, dizendo me vos alteza que ho avia por muy mall feito: certo,
senhor, nam poderia ser pior, seu nam fezesse imteiramemte o que vos al-
teza de lá ordena e mamda; e a pena que eu niso merecia, devia a vos al-
teza de dar a quem tal cousa vos ousa dyzer ou esprever, porque se
fosem cousas feitas em samtarem ou em symtra, nam era nada de per-
doar, mas aver vos alteza d estar hum ano e an e mêo emformado de hum
homem que vos amda servimdo fiellmemte em lugares tam lomje domde
1 Torre do Tombo — C. Gbron., P. 1.% Haç. 16, D. 88.
302 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vos alteza está, domde vos mais necesareo he falarem os homens verdade
a vos alteza, e vol a espreverem ; e afora esta outra deste teor muitas vejo
eu per cartas de vos alteza, que vos sam ditas de mim, e espritas de quá:
peço a vos alteza que mé crea, que ho que vos eu nam esprever, nem der
comta da imdia, que nam he vivo no mumdo, porque sam homem muito
mevdo nas cousas de minha obrigaçam e de meu prouimemto; e na re-
zam que cada viajem a vos alteza dou de mim, veres se vos falo verdade,
porque na imdia nem demtro em mim nam fica nehua cousa por vos es-
prever, senam meus pecados, e estes, se nam ouuese vergonha, escre-
ver vol os hia, porque crêo que vos alteza me teria boom segredo neles;
nem se faz na imdia imteiramemte senam ho que vos alteza mamda, sal-
vamte se ha hy casos taes, pêra que ás vezes soltar ha ley será comprila
de todo, e quamdo isto fôr, sempre ey de dar Rezam a vos alteza do por
que se nam acabou imteiramemte o que mamdaes fazer : a galé que amda
em malaca, que vos alteza mandava dar a sylvestre corço, se aquy istivera
o dia que ele chegou, lha dera, e ha tirara a meu irmão, aimda que fora
capitam delia.
Emquamto fuy ao mar Roxo, elle fez a galé gramde, e logo lhe dey
a capitania dela, e sempre foy capitam, e he, e será atá que o vos alteza
desfaça, porque nam he meu custume aos estramjeiros que vem servir
vos alteza, fazer lhe nehum agravo, mas gasalhado e omrra, e em nome
de vos alteza mercee, e aimda hum pouco mais que ha hum purtuguôs seu
iguall, porque os purtugueses por sua criaçam e natureza da terra sam
has vezes milhor de comtemtar: pus lhe aquele soldo e quimtladas que
tem o milhor capitam que ha na imdia: ho bragamtim ele deu a capita-
nia a seu irmão mais moço, e eu ho ouue por muy bem feito: amdava a
galé gramde em guarda desta costa, quis elle ir a cochim, e deixar outro
seu irmãao por capitam, e eu ho ouue por bem feito: a galé emvemou
aquy em goa em bua fossa que aquy está derredor da forteleza; ficou a
galé dereita em suas ymeas; como foy baixamar, mamdeilhe dar hum
cerqo do velado; nam emtrou mais agua demtro nela: parece me que bus-
camdose toda a imdia, nam se achará hum tall lugar pêra metter galés,
porque pela mayor parte todalas galees que varam, alqebram, por serem
navios compridos; aly a mamdey correjer, porque tiramdo a galé bua
bombarda grossa, saltou o fogo por hum escutilham na pólvora, e lam-
çou lhe a cuberla do mastavamte pêra cima, e Rompe lhe x ou xij latas,
e foy mercê de deus ficar a galé ()or baixo toda sãa.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQIMIQDE 303
A gallé he muito fermosa e muito bem feita e muito forte, e joga
sete bombardas grosas, afora artelharia meuda; he gramde navio de
?ella: hapelaçam que trouxe silvestre corço, era de bua sua gallé piqena,
e era lhe hum pouco curta, e nam se podia esperememtar do Remo; po-
rém he galé que botará quatrocemtos homeens d armas fora em terra; he
comitre dela o comitre das galees dei Rey de framça, que vos alteza de lá
mamdou, ao quall tenho feita muita homrra, asy como veyo emcomem^
dado per vosaJteza: hum carpimteiro de galés, que vos alteza quaa mam^
4ou, e veyo com foham de sousa, he maravilhoso homem; tem feita ou-
tra em cochim, muito fermosa peça, creo que será menos duas bamcadas
que esta de sylvestre corço ; desta ten a capitania vasco fernamdes couti*
nho : outra galé das que os Rumis tinham em goa, se corregeo agora de
çDOVo, e estaa muito forte e muito bõoa peça, e asy bua fusta das de goa
muito bem comcertada, e muito bem aparelhada; estas três se correjeram
aquy em goa, a outra se fez em cochim.
As duas caravelas que se fizeram em chavll, sam maravilhosas pe-
ças ; a capitania de húa delas tem femam de rresemde, que as foy fazer,
e sam feitas co as escumas da imdia, que sam ás vezes tam gramdes como
ho cabedall que vos alteza quaa mamda pêra a carga; e tomay, senhor,
por boom synall fazerem se navios de novo pelos portos dos mouros da
imdia, 6 correjeremse outros seguramemte nelles.
Fiz outra caravela em cananor, e fiz três em cochim, e outra que
já estava feita^ sam sete, a quall he em que.amda joham gomez; e por
agora estou bem de fustalha meuda pêra o estreito, onde tive assaz ne-
Cj^dade de fustalha, porque poderá deixar ho corpo d armada em ca-
maram, e com estes navios poderá trilhar gramde parte do mar Roxo de
hua baíqda e doutra.
Mais, senhor, digo a vos alteza, pêra verdes camanho atrevimemto he
o dos homens que ousam de vos esprever o que não nam he: a galé se
começou no tempo que as nãos em que foy amtonio de Saldanha, parti-
ram pêra purtugall, e creo que muita parte dela estava imda no mato,
semdo eu no estreito, partido de cochim no mês d outubro ; e nam tomey
a cochim senam no mês de janeiro daquele que vinha a hum ano, que
por minha comta sam xb mezes, e nam vy silvestre corço em todo este
tempo, nem a galé : nam sey quall he ho homem que ousa d escrever a
vos alteza o que está por vyr: muito voso serviço seria pregumtar vos al-
teza a hum destes pubncamemte, porque vos nam falam verdade; e po-
304 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dera ser, senhor, que farês nisto muito voso serviço e serviço a deus, por-
que arrecearam os homens de apresemtar amte vos alteza cousas falsas e
emganosas, è nam danaram os homeens suas comciemcias por danar oo^
tros amte vos alteza, senam com muita verdade.
Silvestre corço he muito mimoso de mim e muy bem tratado; hum
pouco se arrufou quá de mim, porque me pidio duzemtos curzados quá,
que dise que gastara na galé quamdo ha fizera, por alguuas cousas que
lhe tam lijeiramemte nam davam pêra acabar; e eu lhe Respomdy, que
se os gastar ele peramte os escrivães da feitoria ou do ahnoxarife do ai-
mazem, e que lhos mamdaria pagar, mas que asy sobre sua palavra nam
era rezam que dese a fazemda alhêa, que da minha lhe faria com bOoa
vomtade o que podese, damdo lhe esperamça que alguua cousa averíamos
nese mar, e sempre partiria com ele: esprita em goa xxb dias doutobro^
amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servidor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EURey noso senhor ^
CARTA LXVn
1614~Oatataro S6
Senhor. — Per outra carta de vos alteza vy largamemte ha emfor-
tnaçam que vos alteza tinha de todolos meos caminhois, via de malaca, e
das cousas aquecidas, asy de presas que no ipesmo caminho foram feitas,
como na tomada da cidade huua e duas vezes, e [todo mais que hahy pa-
sou amtes e depois, e muy comprídamente todalas forças da carta gramde
e todolos nosos feitos e seruiços daquela viajem, por omde nos pareceo a
todos que nosas obras estavam vivas diamte de vos alteza, e aprouadas
por bõoas e feitas como homens de boom Recado^ e de que vos alteza
tinha tamto comtemtamemto, como o feito o rreqere; e de asy serem
istimados nosos trabalhos e serviços diamte de vos alteza, vos beijamos,
senhor, jumtamemte todos as mãos, e estimamos em muito a lembramça
1 Torre do Tombo— G. Ghron., P. 1.% Maç« 16, D. 69.
CARTAS DE ÀFPONSO DE ALBUQUERQUE 305
que vos alteza de nós tem, que nos esforça a todos a poel as mãaos em
mayores cousas de voso serviço, como leaees criados e boons servidores :
acabada em goa a xxb dias doutnbrOi amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor K
CARTA LXYin
1514— Outubro 26
Senhor. — Em outra carta raemcomemda vos alteza framcisco no-
gueira e seus filhos: framcisco nogueira está bem agasalhado, porque ho
emcarreguey das obras da forteleza de calecut, e lhe dey a capitania, co-
mo a torre da menajem foy em dous sobrados e a porta da forteleza cer-
rada, m ordenado que vos alteza já lâ sabe: com ele e com gonçalo men-
dez acabey esta forteleza, e nam quis deste negocio emcarregar outras
pesoas, porque me pareceo que destes naceria menos escamdoUo ; e até
gora ho tem muy bem feito, e merecido ho ordenado que hagora tem, e
comservaram com sua mamsydõe e seu boom saber as maldades dos mou-
ros de Calecut e as comtraryadades d outras pesoas que de fora vinham a
danar tudo, e foy tam persyguido este feito de jemtios e purtugueses e
mouros, polo fazerem falso como ho embaxador de preste joham, que
sespamtara vos alteza: seus filhos amdam comigo, sam agasalhados e bem
tratados de mim, como he Rezam: acabada em goa a xxb dias d outubro,
antonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Par lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobretcripto) A EU Rey noso senhor *.
» Torre do Tombo— C. Chron., P. !••, Maç. 16, D, 70.
* Ibi. Id.— Doe. 71.
39
306 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXIX
1614— Outubro 26
Senhor. — Vos alteza mespreveo sobre cidra, que está agravado por
amchecala ter ^oze mill fs, e que ele nam avia mais de xb fanões por
mês: digo, senhor, que chegamdo eu a cochim, prouerey iso como seja
voso serviço ; porém, se as nãos am de tomar carga omde ha acharem
mais de barato, e se vos alteza estaa comtemte do comcerto da pimemta
de Calecut, parece me que nam podem ter tamto trabalho, que se nam
comtemte de ter o dobro, que lhe elRey de cochim daa cadano: falarey
com Louremço moreno, e tudo se fará bem: acabada em goa a xxb dias
d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosaalteza
Afonso dalboquerque.
(Sohrescripto) A EU Rey noso senhor K
CARTA LXX
1614— Outubro 26
Senhor. — Per outra carta me diz vos alteza que ha por sem duuida,
metemdose em huso de os christãos da terra e asy jemtios navegarem, e
comprar e vemder, se tirará de todo ho trato das mãaos dos mouros; e
por ser cousa que tamto importa a voso serviço, me mamda vos alteza que
me trabalhe por que asy se faça. Digo, senhor, que os jemtios em toda
parte sam fauorecidos de mim, e bem tratados suas pesoas, nãos e mer-
cadarias, omde qer que sam achadas; mas os jemtios sam homeens de
fracos cabedaes, e eses christãos da terra pouca fazemda tem pêra apa-
garem tam cedo a força do trato e companhias dos mouros da imdia, por-
1 Torrt do Tombo.— C. Ghron. P. 1.% M. 16, D. 73.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 307
qoe sam homeens Ricos e de gramdes fazemdas, e tratam muy grossa-
memte e com gramde namero de nãos; porém sempre ese feito dos jem-
tios foy faaorecido de mim, e será, e prímcipallmemte os chiistãos da
terra; mas a mim, senhor, me parece que nam he ese o caminho pêra
tam cedo se apagar ho trato dos mouros, porque, se os mouros istivesem
em terras per sy, e os jemtios em terras e portos per sy, parecer mia que
aproueitaría o fauor e boom trato nese feito, mas eu
os mercadores moaros terem seus asemtos e pouoações nos milhores por*
tos dos jemtios, e tem muitas nãos muy gramdes, e tratam muy grosa-
memte, e os Rex jemtios muy abraçados com eles, poUo proueito que lhe
trazem cad ano : os baneanes de cambaya, que sam os primcipaes merca-
dores jemtios destas partes, a companha de suas nãos toda he de mou«
ros: esprita em goa a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez,
de 1514.
(Por lettra de Albuguerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
CARTA LXXl
1614 — Outubro 26
Senhor. — Per hiiua carta de vos alteza vy que avees por muito voso
serviço saber o que vali a despesa que se faz na imdia, em hum ano, nos
soldos que se quã pagam e moradias, e asy mesmo em mamtymemtos de
toda a jemte que quaa trazes, asy n armada como nas fortelezas, em tall
maneira que muy certo saiba vos alteza o que em cada hua destas gas-
taes em hum ano com toda a dita gemte. Digo, senhor, que acerqa do
soldo se poderá certeficadamemte saber pelo numero da jemte, com de*
c»*araçam dos criados de vos alteza que tem seu soldo e moradias, e asy
outras pesoas que deses Regnos trouueram mayor soldo que ho do exame
ordenado per vós; e de tudo isto que digo, vos iram Roees e cadernos,
com a decraraçam que vós alteza pede.
Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, M. 16, D. 74.
30$ CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Quamto he aos mamtimemtos que se pôde gastar cadaDO, vos irá
na verdade; mas ho que gastamos, nam se pôde saber, porque apidamos
fora^ xij e xuj meses, e ás vezes oito e nove; e todos eses mamtimemtos
que lã podemos' aver, asy nà terra como no mar, comemos e gastamos,
seim emtrar em Repartiçam de partes: este ano que imvemamos na imdia,
poderá vos alteza saber o que se gastou, e de tudo lá irá com bõa decra-
raçam, porque ho mamdey asy aos oficiaees, aimda que pelo numero da
jemté sé põdé lá bem saber: esprita em goa a xxb dias d outubro, amtonio
da fomseqa a fez, de í 51 4.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(SobrescriptoJ A EU Rey noso senhor *•
CARTA LXXn
1614— Outubro 26
Senhor, — Vos alteza me Respomde ha carta que vos esprevy sobre
as quimtladas, que eram já de todo espididas, senam as dos capitães
das fortelezas e nãos: eu, senhor, vos falo verdade; se lá achar vos alteza
ho comtrairo, saiba se he por mamdado meu: as quymtladas da jemte
d armas, da vimda de louremço moreno por diamte, nan as ouue hy mais,
e se começaram de pagar per vosa ordenamça alguas poucas pesoas; se
lá vos alteza achou ho comtrayro, mamdaymo nomeado por nome e muito
bem decrarado, e saberey domdiso nace: tamto que ha determinaçam de
voç alteza veyo, que nem huns nem outros nam ouuesem quimtladas, e
nam tocastes em lhe todavia serem pagas, cesou a paga daly em diamte.
E quamto he has quimtladas de vosos criados, fidalgos e cavaleiros,
que vosos aluaraes tinham, eu lhe alarguey aquele ano de carga, da vimda
de lôuremOo moreno, mostramdolhe que lhas leixava aquele ano pelo feito
de goa e malaca, que acabaram em onze meses; e que esta rezam, se-
nhor, parecese bem, nam me apeguey eu a ela pêra lhe dar as quimtla*
das, mas porque lhas nam podia tirar por bem de voso Regimemto; por
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. i.\ M. 16^ D, 75.
CARTAS DE APFONSO DE ALBUQUERQUE 309
que me mâmdastes que comtratase com eles a seu prazer e comtemta-
memta, e que imda alguns temtase com dadivas pêra as alargar, e esta
he a verdade. E quamto a me amostrar haa jemte forçado deles, e lhe
carregar pelos ditos serviços as quimtladas daquele ano, mostramdo
ser me defeso em voso Regimemto, foy por eles receberem bem a tirada
delas ho ano que vinha; e iste aproueitou, porcpie tiveram já tempo pêra
fazerem sua comta, e saberem que as nam aviam daver, e isto, seiúior,
pasa asy na verdade.
As quimtladas devidas amtes de vosa determinaçam se carregaram
aos solteiros que as qeriam carregadas, e os que queriam pagas, paga-
vam lhas, e aos casados pagaram lhas; e ainda agora amdam alguuas pe-
soas na imdia a que sam devidas quimtladas ; mas vos alteza apertou
tam Rijo com este feito, que lhe nam dou lugar que as carreguem, e
^mamdolhas pagar; porém, senhor, he disto muy pouca cousa: deste feito
^dou mais mevda comta em outra carta a vos alteza.
E quamto he, senhor^ ha carga de joham machado, dei lhe aquele
lugar de carregar per voso mamdado, porque vos alteza mespreveo que
dése da vosa fazemda alguua cousa haaqueles que amdasem cos mouros,
pêra se tomarem haa fee de noso senhor; e joham machado se veyo na
mayor afromta de goa, e trouxe oito ou nove comsygo, emprestou seu di-
nheiro ha feitoria pêra as necesydades que hy avia, lamçou se em tempo
^que vos fez serviço, e por todos estes Respeitos e por mo vos alteza mam-
dar, lhe dey lugar pêra carregar esa mêa camará, e aos outros nam dey
nimigalha: acabada em goa a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a
fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— G. Chron. P. 1.*, M. 16, D. 76.
310 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXXIII
1614— Outubro 26
Senhor. — Vy a caria que me vos alteza espreveo sobre Amtonio
Reall, e a maneira de que mo emcomemdaes e emcarregaees; e segumdo
a carta que vos ele de quá espreveo de mim, e a comfiamça que vos al-
teza nele tem, a ele me divera demcomemdar vos alteza, e nam ele a mim;
e pêra vos alteza ver a manha que quá custumam hos homeens, como os
mamdaes servir em algum trabalho e perigo de sua pesoa em minha com-
panhia, eles trabalham por s escusar, e disimulam ese feito muy bem ; e
eu, senhor, como sam pouco dador dopresam aos boons homeens, dou lhe
lugar has vezes husarem de suas condiçõees ; e por serem cousas de que
vos alteza ha de saber parte, esprevemvos lá, e fazem se omiziados de
mim: provo isto a vos alteza por muy bõoas testemunhas: a primeira he
a carta d amtonio Reall^ a quall vos alteza leo e vio: nam achares, senhor,
nela qeixume de mim, nem mall nem dano que lhe fizese, senam culpas
minhas e vicios meus e cousas feitas comtra voso serviço, e chamou me
nela ladram e mouro e covardo, e homem que nam fazia o que lhe vos al-
teza mamdava, e mais, senhor, me desafiou nela peramte vos alteza, e isto
fez quamdo o eu mamdey chamar, que fose ho estreito comigo per voso
mamdado.
A outra testemunha, senhor, he em cananor, quamdo lhe pubriqey
os autos d amtonio Reall, que lá mamdey, e as pregumtas pelo juramemto
dos samtos avamjelhos que tomou, acerqa dos capitulos da carta; perante
todoUos capitães, cavaleiros e fidalgos, vygairo e creligo e moradores de
cananor, estamdo hy joham de sousa, amrique nunez, capitães, mamdey
ler tudo em pubrico, porque fosem sabedores da maneira que de qaa em-
formavam vos alteza de minha pesoa e de seus serviços, e também porque
todos visem minhas imfameas, e cada hum em seu tempo disese o que
soubese a vosalteza; e aly pubricamemte peramte todos dey juramemto
dos samtos avamjelhos hamtonio rreall, dizemdolhe que se lhe tinha eu
feito ou dito algfiua cousa: polo juramemto que tQmou, dise que nunca
lhe fizera nehua cousa, amtes lhe tinha feita muita mercê e omrra, e que
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 31 1
lhe dera a capitania de cochim, e que esprevera a vos alteza sempre bem
dele, e que fora sempre bem tratado e omrrado de mim.
A outra testemunha he ho agravo e escamdollo de Louremço moreno,
de fazer eu mais homrra amtonio Reall que a ele, e de o deixar com po-
der de capitam omdele estava.
A outra he as duas cartas que mele pidio por duas vias, quamdo
ele fez esoutra, que todas chegaram em hum tempo : outra testemunha
he o juramemto falso que tomou per muitas vezes, como se verá pela rre-
posta sua aos capitulos de sua carta, os quaes pelo juramemto negou
todos.
Naceram estas cousas, senhor, porque se quis amtonio Reall fazer
omiziado de mim, pêra escomder ha ida do estreito, omd ele nam quis ir
por voso mandado, e escomder o caso mayor em que cayo, e escomder
fazer se qebrado, quamdo ho mamdava a malaca socorrer has nãos que
se nam perdesem; e porque ho eu nam forcey a nehua destas, e sabia
que ho avia de saber vos alteza, emtam se amostrou descomtemte de mim.
Outro tamto me fizeram os durmuz, deixaram me e vieram se, e quaa
na imdia faziam se omiziados de mim, e cada hum me tinha guardada sua
especia de morte, como homeens que ouuera amtre nós pemdemças ou
bamdos.
Asy digo, senhor, que parecera muy bem mandai o vos alteza levar
de quá preso em ferros, e nano mandar ficar quaa, visto sua carta; e
pois que a vasqe anes, voso veador, ho nam comtemtou ha sua carta^ e
o mandava Repremder por iso muy Rijo, castigo merecera ele, e boom,
que he outra bõoa testemunha pêra me vos alteza fazer justiça, pois que
eu com voso medo ha nam ousey quá de fazer, e por serem cousas to-
camtes a minha pesoa, as quaes eu deixo a determinaçam delas a vos al-
teza.
De amtonio Reall, senhor, vos esprever esa carta, nam mespamto
muito, porque amdava já cevado nelas, segundo os trelados das do visoRey
que ele lã tinha escritas, e agora amdava quaa cada dia lemdo as polas
pragas, com comtemtamemto do que tinha dito nellas, e teve sempre Mua
bOa maneira neste caso pêra seu proueito : asacava sobre sy mill imjurias,
e pidia logo a vos alteza a paga delas; atrebuya a sy os serviços que vos
qá fazem muitas pesoas, e pidia vos logo satisfaçam deles, e asy foy ele
pouco a pouco acrecemtamdo seu soldo e suas quimtladas, e aquerímdo
mercê amte vos alteza; salvou se amte vos alteza, porque nam tinha com-
312 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
jntídor 4|Qe iverdadárâmemte tds amostrase qm nâm avia nele cousa p^a
prestar, porque. oaiii ibe dérees, senbor, de comer: sirvase Tosalteza dele
per %f BOOf smí aver h^ qeno mamde, e toos, senhor, ho conhecerees;
mas, como pér outra carta tedio dito a vos alteza, ho voso fauor correje
alguuas pesoas, e outras dana: esprita em goa a xxb dias d outubro, am-
tonio da fòmseqá a fez, de 1514.
(Por leUra de Albuqu^que) feytnra e servydor de vosa alteza
Afonso d alboquerque ^
CARTA LXXIV
1614— Outubro 26
Senhor. — Vy a carta que me vos alteza mamdou neste maço de pêro
dalpoem, em que me vosalteza deu largamemte comta de todo feito do
embaxador do preste joham, e digo, senhor, que a mim nam comvem exa-
minar os embaxadc»^ dos Rex e primcipis destas partes, que vos vem
buscar, nem lhe abrir suas cartas nem suas extruçOees, sem vosa espiciall
carta asynada e aseelada, em que me daes comisam pêra o tall feito; por-
que nam seria Rezam ir hum embaxador com recados a vos alteza escam-
dilizado e agravado de mim, senam bem recebido e despachado e segura
pasajem.
Na pratica que com elle per vezes tive, e bem de dias em goa, al-
gSuas pregumtas ibe fiz acerqa de sua vimda: que caminho fizera? por-
que nam viera hum dos cristãos com elle, que ele nomeava serem lá ím-
vyados per vosalteza? se trazia alguum Recado per palavra? de tudo me
deu a Rezam e comta que lá deu a vosalteza; somente me dise que aquele
dia e ora que ho preste joham determinou de ho mandar, lhe metera
uquela carta na mãao, e o mandara partir: pregunteilhe como fora sua
vimda apresada daquda maneira, sem ter mais pratica com ele? dise me
^e se os mouros souberam que ele vinha a ese negocio, que nam ouuera
úe pasar, e eu lho creo, porque hy nam ha nehuua sayda da terra do
preste joham, que nam venha em nãos de mouros e per mãos e lugares
1 Torr« do Tombo— G. Cairon. P. 1.% M. 16, D. 77.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 313
de mouros: se qerem sair per zeila, zeila he de mouros, e nam he debaixo
da obidiemcia de preste joham ; se qerem vir por meçuá, meçuá he de
mouros, ilha píqena pegada na terra firme e porto de preste joham que se
chama dacanam, e a terra se chama arquiqo; se qerem sair por Dalaca,
que he hua ilha pegada na terra de preste joham, Dalaca hè de mouros;
se qer sair per çuaqem, a ilha de çuaqem he de mouros, e está pegada
na terra firme de preste joam, e o sertam de çuaqem de mouros he, mas
sam sojeitos ao preste joam ; e estes mouros que aqui estam ém çuaqem,
comem os dereitos das mercadarias que vem pelo nillo ter a coçaer, porto
do mar Roxo: lá tenho dada larga comta diso per outras muitas cartas a
vos alteza: asy digo, senhor, que ho embaxador me parece que diz bem,
que se se avemtara amtre os mouros ser ele embaxador do preste joam,
nam escapara de ser tomado em hum destes portos, ou nas nãos dos
mouros omde passara, ou em adem, ou no Reino de càmbaya; e nam,
senhor, pelo temor que tenham de noso ajumtamemto sobre sua destruy-
çam, mas pelos civmis que tem do trato do ouro e mercadarias da terra
do preste joham, de que eles estam muy ceosos e arreceosos; que nam
sam eles tam barboros no emtemder, que nam vejam que afora ser vos al-
teza comquistador, que vos nam trabalhaes d asenhorear os portos das
mercadarias e tratos deles, e que os nam is desapegamdo deles pouco a
pouco; e portanto, senhor, eu nam ey por cousa duvydosa vir a vos alteza
embaxador do preste joham, e conhecido nos olhos dos mouros, que nam
seja morto ou cativo; e o dia que ho idalham seube que ele era embaxa-
dor do preste joham, e da maneira que ho alargaram em dabull, quisera
mamdar cortar a cabeça ao capitam de dabulL
Deses abexins que se lamçaram comigo em adem, que foram cati-
vos no caminho da romaria de jerusalemi hum deles que sabe esprever,
me dise que ho conhecia, e que era homem que muitas vezes elRey mam-
dava a muitas partes.
Nem sey, senhor, de que serviria ser este homem emculca ou espia,
como ho quiseram fazer, do soldam, porque comtinuadamemte amdam
comigo de demtro do cairo, e cada dia vem per terra e per mar com suas
mercadarias, e vêm vos armada, e vêm vosas fortelezas e tudo ho da imdia,
porque neste caso nam se pôde ter qá nestas partes mais guardas, poios
mercadores terem liberdade de amdarem seguros per toda parte, vem-
demdo e compramdo.
Digo mais, senhor: se o soldam quiser saber o comselho ou deter-
40
314 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
minaçsmi de vos alteza sobre ho feito da imdia, oa despacho de vosas ar-
madas, nam amdam em purtugall vimte venezeanos, ytaleanos, frolemtis,
Jenoeses e outras jeraçõees de jemtes, que comtinuadamemte tratam em
alixamdria e no cairo, os quaes saberám muy bem o negocio deses regnos,
e darám muy bõa comta ao soldam dese feito, cada vez que ho quyser
saber?
Mais digo aimda, senhor: ese homem, se fora falso, nam sabe elle
que ha de vir ter á minha mãao, e que comigo ha d ir demtro ao porto
de preste joham, e que primeiro que saya com vosa Reposta, que am d ir
e vyr com recado ao mesmo preste? pellas quaees Rezões acima ditas a
mim me parece que nam trazia nehum proueito alevamtar se hum homem
com ese ardill^ e pasar tamta furtuna, ata chegar a eses Regnos ; abastara
com seus emganos chegar a mim.
Deste negocio que pasou ho embaxador em cananor, eu nam soube
parte, senam em camaram ; dom garcia meu sobrinho e diogo fernamdez
que arrimcaram per derradeiro de cochim, vyeram per cananor, e soube-
ram tudo o que hy pasara, mo diseram, de que eu fiqey o mais espam-
tado homem do mumdo.
Quando torney á Imdia, quis emtemder neste negocio^ e achey que
eram cousas de gaspar pereira e d outra pesoa que qois segir sua opi-
niam e seu comselho, os quaees emtraram na Imdia por mamtedores na
imdia, e quá se fizeram ávemtureiros, e danaram ese embaxador e o
delRey de cambaya, e agora per derradeiro ho de mihquiaz de dyv, e
outi*as pesoas da imdia e outros capitães que lá sam, e o feito de calecut,
e nom lhe pôde escapar nehum negocio na imdia em que nam metam a
lamça, se podem: danaram se estas pesoas desta maneira que digo a vos al-
teza: hum nam quis vir a benastarym comigo, e depois de noso senhor
nolo dar com tamta omrra e vitoria dos purtugueses, quis amostrar que
por descomtemtamemto que de mim tinha; leixara lá diir; outro nam quis
ir ao mar Roxo, e quys ficar com huua molher casada que tinha tomada
a seu marido, afora ser homem que lhe nam apraz muito com estes percaU
ços que agora quaa ha na imdia, porque nam se criou nellas (sic)^ senam
na ouceosidade pasada; e aimda desa hida dos Rumis se soube ele muy
bem escusar, e quys por detrás de mim esprever a vos alteza que eu nam
fazia com elle seus ofícios.
Soube mais deste negocio, que as duas espravas abexis que eu com-
prey, e dey ao embaxador, que mas pedio, seus senhores falaram com
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 315
f
elas depois em cananor, e per estucia falaram com ellas, porque nam mas
vemderam muito per sua vomtade ; daly naceo e do comselho de cananor
dyzerem as espravas que husava imdividamente com eUas, e acomselha-
vam a molher delle que o disese também asy, e que se o eu soubese, que
ho mamdaria qeimar, e que a ela que a casaria muito homrradamente
com hum purtuguês: veyo ho embaxador a qerer dar em sua molher ou
sua esprava; acudio a ese feito jorje de mello, gaspar pereira e framcisco
pereira, e fizeram eses exames e eses asemtos, e o canonizaram por truam
e por cujo, e apartaram ho moço dele, e as escravas, pêra husarem de-
las per ese caminho â sua vomtade ; e alevamtaram iso ao embaxador, e
o danaram, e bernaldim freire com ele, cuydamdo que danificavam a mim
niso, e tomavam vimgamça de seus desarrazoados despeitos, parecemdolhe
que era huua tam gram cousa e de tamto louuor e groria de vos alteza,
que nam podia deixar de ser gramde comtemtamento meu, e vos alteza
mo ter em gramde serviço; e foram co iso ^o cabo, e fizeram o que vos al-
teza vÍ0| e examinarano per seus comselhos e per seus testemunhos; e
nam m espamto fazer iso framcisco pereira, pois lhe eu quaa pasey as
cousas que ele fez em quilua; quis se agravar de mim, porque lhe nam
dey ho soldo da nao livnarda, posto que ele istivese eib quilua, e dizia
que aimda que a nao estivese e amdase em poder de duarte de lemos
nesa outra costa; afora, senhor, ser hum bem trabalhoso homem, e que
pela vemtura foy ele causa desas nãos nam pasarem a purtugall; nam
m espamto de bernaldim freire, porque he moço, que ho danará quem
quiser.
Quiseram, senhor^ também dizer que eu ho sabia que era truam e
maao; e segumdo o que me vos alteza espreve, diz bernaldim freire que
nam tive eu tempo pêra saber a verdade: perdoe lhes deus estas duas
cousas : e digo, senhor, que pela pratica e pregumtas e modo de sua vimda
e seu caminho, como acima dito tenho, eu ho festejey e omrrey como a
verdadeiro embaxador de tam gramde Rey e Senhor, como ho preste
joham he nestas partes, e o emtreguey a bernaldim freire, por ser cousa
vosa e omem que parece que tem descriçam e saber pêra nam danar as
cousas de voso serviço; pois que vos alteza lhe mamdou emtregar huua
nao de setecemtos tonees carregada douro, nam me parecia que errava
comfiar dele ho embaxador.
Quamto he, senhor, ha vera cruz que levava com gramde acatamento
e com aquela solenidade e devaçam, foy Recebida com persisam, ado-^
316 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
rada e ofertada, tocamdo nela oosas joyas, comtasi como cousa muy ver-
dadeira, e como se viramos estar noso senhor posto nella: se eses ho-
meens de pouca fee quyseram iso danar ou ydolatrar, sem temor de deus
nem de vos alteza^ poderá ser que Receberam a paga de noso senhor,
quamdo de vosas mãos escaparem ; porque aquele verdadeiro senhor que
está nos ceos^ sabe que toda esta desordem que se criou em cananor, foy
cuidamdo que me acertavam em chêo, porque os homes sesudos e que
nam forem danados, mais se devem espamtar de hum Rey cristão, que
está XX dias de nauegaçam de nós e tem verdadeira fee de jesu cristo
noso senhor e salvador, nam mamdar saber ha Imdia que jemte éramos,
se tínhamos verdadeiramente a ley de deus, e se éramos verdadeyros cris-
tãos, e de mandar hum embaxador desymulado e escomdido, vistido em
tragos de mouro com cartas e embaxada a vos alteza. E mais digo, se-
nhor: os que vós lá mamdastes^ nam foram eles em tragos de mouros, e
hum deles nam se circumdoii (sic) em milimdy primeiro? nom os lamcey
na costa de gardafum, como mouros mercadores Roubados de nós? nam
guardavam todallas círymonias de mouros, por nam serem conhecidos
nem tomados? e agora diz este embaxador os nomes deles verdadeira-
mente: e estes dous judeos nam viram eles joham gomez e o mouro que
com eles hia, em çuaquem, porto do preste joam?
E como nos espamtamos nós, homeens de pouca fee e de pouco te-
mor de deus, ser esta vera cruz vimda de demtro de Jerusalém ao preste
joham, se nós sabemos certo que vam cadano muy gramdes cafillas e muy
gramde soma de jemte a Jerusalém em Romaria, e que lhe levam gram-
des esmollas, e que ho preste joam lhe mamda muitas joyas douro e
muyta Riqeza, e que está muito vizinho de Jerusalém, se o padre samto
e muitos Rex cristãos tem ho lenho da vera cruz, e o aprovam por ver-
dadeiro? e nanos vejo ter em huso mamdarem esmolas a Jerusalém, e
pella vemtiira he vos alteza soo ho que se sabe em noso tempo visitar a
casa samta com vosas esmolas: como nos espamtamos tela ho preste, que
tamta devaçam tem na casa samta e tam visitada he delle e das-jemtes
de sua terra? E se este embaxador viera de bemgala, ou de pegu, ou de
narsymga, ou de xeqesmaell, ou do Reino de dely, ou de mamdao, que
sam provemcias (sic) muy alomgadas de nós, deramo lhe fee? creo eu que
sy ; e por ser embaxador de Rey cristão noso vizinho e muito perto de nós,
que tem ho verdadeiro Rito da nosa fee, e se carecem dalguua cousa,
nam he por sua culpa, avemolo por falso e por cousa muy dunidosa, e
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 317
tem o imygo de deus cuidado dalevâmtar este redemoynho amtre nós, e
de oos fazer obrar esas cousas vimgativas. E aimda, seubor, vos digo
mais, que se o embaxador se posese em juizo com aqueles que ho vitu-
peraram e quiseram dele fazer truam, como Ibo poderiam prouar? que
buscamdo pêra iso testemunhas falsas, trabalhosamente o poderiam cul-
par, porque avia mester gramde proua pêra ese feito: e se isto asy he,
como ousaram de meter as mãos nelle? se alguua cousa simtiam, nam
fora bem dizereno a vos alteza, e ser ele tratado com toda sua homrra?
e se nese feito mostravam ser eu culpado, nam sabiam eles que nam sou
eu homem vãao, nem minhas cousas, com ajuda de noso senhor, nam sam
pimtadas nem falsas? e que me nam espamto muito mamdarvos ho preste
joham embaxada, mas que espero na misericórdia de deus, que amtes de
muitos anos virâjn gramdes embaxadas de Rex mouros e jemtios, que
nam tem fee nem ley e sam nosos imigos mortaes; e quamdo de minha
casa ouuese de pôr alguua cousa, nam avia de ser mais que ho que faço: '
se a copa que vos mamda elRey de syam, se quebra, mando uos fazer
outra, porque vaa ho serviço e presemte que vos mamdam, imteiro; se vos
elRey de cambaya mamda bua adaga douro, mamdoa muy bem corre-
jer; se a vera cruz vem èm hum pano velho por mais desymulaçam, semdo
achada, mamdolhe fazer Ma caixa douro; se as cartas de preste joham
vem em hum pano emcerado, mamdolhe fazer bua cayxa douro pêra elas,
porque todas estas cousas Redumdam em voso estado e em voso serviço,
e nam sam falsas, mas verdadeiras e chèas de comprimemtos, porque asy
he bem que as cousas de voso louuor, pasamdo por omde istiverem vo-
sos capitães e vosos vasallos, sempre sejam festejadas e bem tratadas, até
chegarem diamte de vos alteza; mas fazerem embaxador falso, eu nunca
ho ouuy dizer que ho ninguém fízese, nem creo que hy ha oficiall maca-
nico no mumdo que ho saiba fazer; e nam digo, senhor, mais, senam que
somos mãos, que a piadade com que nos vos alteza castiga e Repremde
nosos erros, he causa diso.
Quamto he, senhor, ha maneira que se terá co preste joham, che-
gamdo a sua terra e a seus portos, e asy a jemte e maneira com que ho
devo de mamdar visitar, emcavalgada e armada e bem aparelhada, e to-
dollos mais comprimemtos e avisos que me vos alteza sobr ese caso daa,
a mim me fyca a carta por extruçam minha, pêra quamdo fór tempo se
guarde a ordem que mamdaes que se nese feito tenha; c na dilijemcia
que qerees que se faça sobre ho embaxador, se terá aquela maneira que
318 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
vos alteza ordena, mas ha voz de toda a jemte da imdía he que ho preste
joham mamdou embaxador a vos alteza: espríta em goa a xxb dias d ou-
tubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servidor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EURey noso senhor*.
CARTA LXXV
1614— Outubro 26
Senhor. — Partidas as naaos pêra eses rregnos d armada de Joham
de sousa, torney outra vez de cananor a calecut, e hy istive alguuns dias
asemtamdo alguas cousas, e asemtado ho coraçam delRey de calecut,
chéo de duvidas de muitas partes d omeens danados, e fuy em terra ver
a forteleza, e primeiro ho mamdey dizer a elRey: ajumtey mais jemte so-
bre mim que hum alifamte, e vy toda a obra e ordem da forteleza, e pa-
receome bem: tornei me a rrecolher ha caravella, e parti me dy caminho
de cochim, e elRey me veyo ver com todo seu aparato d estado, e por
emtam nam falamos nada; tudo foy pratica de seu comtemtamemto e pra-
zer, e se foy por aquele dia pêra sua casa.
Pâsado isto, me trabalhey por despachar a nao d amtonio d abreu e
lhe dar ho maço da terceira via, e se foy muyt embora, aimda que me le-
vou hum solorjyam, que me de qá fogio, que se chama mestr afomso, que
veyo com diogo memdez e foy despachado per vosos oficiaees sem meu
mamdado, e levou cem mill reis darrecadaçam, fogimdomelle das nãos
pêra goa, omde ficou quamdo hia pêra o estreito, que foy causa d alguuns
homeens feridos em adem padecerem á mimgua de solorgiam, que fiqey
asaz descomtemte pela sua fojida, pola necesidade que amtre nós ha, e
muito mais por lhe vosos oficiaes darem despacho sem meu mamdado :
estamos asy sem solorgiam de verdade; de barbeiros e emxalmadores te-
mos muitos.
Dahy per espaço d alguuns dias veyo elRey lia forteleza, e despejei
1 Torre do Tombo— G. Ghron. P. 1.% Maç. 16, D. 78.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 319
a casa, que nam ficou comigo senam os capitães e vosos oficiaees, e co-
meçou de falar no feito de calecut, hum pouco mais bramdo e mais ache-
gado haa Rezam do que ho dom garcia achou, porque foy diamte alguuns
dias de mim: tinha lhe já dado três cartas de vos alteza, e do que se aly
pasou da primeira e segumdá* vez, creo que foy avisado vos alteza pelo
maço damtonio d abreu: todavia o quis eu culpar, mostramdo gramde
descomtemtamemlo dele praticar, nem falar, nem tomar comselho nas
cousas de meu carrego com Louremço moreno, gaspar pereira, diogo pe-
reira e amtonio Reall, porque estes taes nam tinham Regimemto, nem po-
der, nem autoridade, mais que fazerem sua carga da maneira que lhe eu
ordenase, e ele queria com eles determinar ho negocio da imdia, os quaes
ho tinham emformado mall de mim e trazido em descomtemtamemto, e
asy lhe tinham feito emtemder, que comtra mamdado de vos alteza e com-
tra seu Regimemto fizera paz com calecut, e Ih acomselharam que cha-*
mase alguuns capitãees descomtemtes de mim, pêra com eles fazer corpo,
e espreverem todos a vos alteza, e emtam lhe nomeey hum ou dous que
foram apalpados dele.
E asy, senhor, lhe dise que boom galardam dava elle aos capitães
e cavaleiros que eu deixara em guarda de seu estado, e que em siía carta
a vos alteza lhe Roubara seus serviços, e os atribuyra a Louremço mo-
reno, amtonio Reall e diogo pereira; se sabia elle bem quem desbaratara
ho outro Rey que quyria emtrar, e lhe tomara ho sumpreiro e amdor é pren-
dera o mamgate cai mall que vinha com elle? Respondeu me que tall nam
escrevera a vos alteza, com jeito de culpar ho esprívam que fizera a carta
em purtuguês: e asy lhe dise, que era o que ele esprevera a vos alteza so-
bre o feito de goa per comselho damtonio Reall, Louremço moreno, diogo
pereira, gaspar pereira? dise me que sobriso nam esprevera a vos alteza.
Acabado meus agravos amtele, falamos no feito de calecut, e em-
tam lhe dise as palavras que me vos alteza tinha mamdado que lhe disese
sobre o feito de calecut, asy e pela maneira que no capitulo da carta vi-
nha no maço que trouxe pêro mascarenhas, e com outras palavras e rre-
zões que por emtam faziam ao caso, e ele se fez hum pouco mais bramdo
e mais mamso, damdolhe Rezam como vos alteza tinha bem comprido a
obrigaçam em que lhe era, de lhe defemder seu estado e seu Regno, do
quall nam faleceria hum palmo de sua terra, que primeiro se nàm per-
desem os purtugueses todos; que ha pemdemça que tinhamos com cale-
cut, era pola trayçam e maldade que fyzera a vos alteza ho çamorym, ho-
320 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
mem tredor e maao, o quall era já morto; e vos alteza avemdcr piadade
dos mercadores, e depois de lhe ter morta muita jemte e destroydas mui-
tas nãos e gram parte da sua terra, ouuerees piadade com eles, e lhe per-
doarees seus erros, e rreceberes este Rey, que agora he, em voso serviço
e obidiemcia, por nam ser culpado naquele feito, e prometer dar forte-
leza em sua terra, e tributo, que era metade do que Remdiam os segu-
ros, e dar a carga da pimemta a troco de mercadarias ; e que nam era
piqena cousa acabada na imdia, meter se calecut em vosas mãos, Rey tam
gramde e de tamta jemte como ele sabia, escapola amtiga do cairo, e asy
ter ele bem sabida a temçam de vos alteza, que era nam fazer guerra aos
jemtios, nem lhe tomar seus lugares e portos, mas guerra comtinua cos
mouros, como elle tinha visto per obra, e termos lhe tomado seus lugares
e portos; e que outro tamto mamdares que se fizese a coulam, vimdo ele
em obidiemcia e Reconhecimemto de seu erro e de suas culpas.
Imdo asy por esta pratica adiamte, o comecey hum pouco d obrigar
a elle, por voso serviço, dever de meter paz em toda a terra com vos al-
teza, precural a e buscai a, que bem via elle que ho preço da pimemta de
cochim» e os custos que ela fazia até chegar a eses Regnos, nam abram-
gia as desordenadas despesas da gramd armada que vos alteza trazia, pola
obrigaçam da gerra. Respomdême que bem via tudo, porém que ele avia
de ter guerra com calecut, porque asy qeria seu custume: eu lhe Re-
spomdy que ele tinha pouca obrigaçam a ese feito, pois que ho çamorym
era morto, com quem ele tivera sua pemdemça; e mais que pareceria já
gora comtrariar as vosas cousas, porque bem via elle quamta parte vos al-
teza tinha já gora ein calecut.
Falou me na carga das nãos omde se faria; eu, senhor, lhe Res-
pomdy que naqueles lugares omde achasemos a mercadaria mais de ba-
rato ; apertou se hum pouco co isto : emtam lhe dise que nam queria elle
que a mercadaria de vos alteza tivese aquela liberdade que tinha a de
cherima mercar, ou mamalle mercar, que hiam comprar e vemder omde
achavam as mercadarias mais de barato, e tratavam em calecut e em to-
dolos portos de seus amigos e seus imigos? amtes vos alteza esperava que
elle abaixase o preço a suas mercadarias, e íizese o que os outros Rex
seus vyzinhos fazem, os quaes se trabalham, como homeens sesudos, por
chamar ho trato de vos alteza a seus portos e a sua terra, quamto mais
que elle tinha bem visto como a sua terra estava chêa douro e Rkpfôa,
que lhe dese Regno vinham cadano; e que a mercadaria e o trato era li-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 321
vre de per sy, aly omde se fizese mais proueito, se devia de feitorizar; e
mais obrigada estavele mamdar aos mercadores que desem a pimemta a
Yos alteza a troco de mercadarias de toda sorte, que eIRey de calecut; e
que todas estas cousas lhe dizia como seu amigo, e homem que vistira as
armas, e pelejara por seu serviço, como elle tinha bem visto.
Pasada esta pratica com elle, daly a dias quys que ho fose eu ver a
sua casa, e eu fuy lá, e levey ho feitor e esprivães comigo e nos mete-
mos em hmn çarame seu: aly lamenXon a morte de seus paremtes, e eu
aleguei lhe a ele a morte do marichall e de muy boons fydalgos, e lhe
amostrey o meu braço ezqerdo, que ho nam poso bem alevamtar, e o cul-
pey nese feito, por nos ele nam querer ir ajudar: deixada esta pratica,
me pidio seguros pêra el Rey de taanor ; eu lhe Respomdy, que bem sa-
bia que elRey de taanor era vasallo dei Rey de calecut» alevamtado com-
tra ele ; que se tall cousa com esa fízese, qebrava a paz e minha verdade,
e que ele per ese Respeitos (sic) me pidia os seguros pêra el Rey de taanor,
o que eu nam esperava que ele fizese, quamto mais que elRey de tanoor
numca ouuera os seguros per cochim, e sempre os ouuera per cananor,
e per mim quamdo na terra estava: e o que Louremço moreno aly dise,
nano quero eu esprever a vos alteza, mas diverao eu muy bem de casti-
gar, porque a minha determinaçam neste caso, bõa ou maa, diveraa elle
de soster e defemder, e nam mo estranhar peramte elRey de cochim, nam
semdo cousa asemtada com ele, nem eu lhe estar nesa obrigaçam ; mas
eu vos poso, senhor, dizer com verdade, que Louremço moreno ha mayor
medo ao asemto de calecut que elRey de cochim^ e lhe doy mais ver fei-
toria nelle que elRey de cochim, e parece me que está comforme no pa-
recer dei Rey de cochim, que he numca elRey de calecut ter verdadeira
paz comnosco, nem nos dar pimemta a troco de mercadarias de toda sorte,
e pois que ho milh emtemdo nam he de culpar, porém, senhor
de Louremço moreno nam pode sofrer na imdia feitoria, nem trato na im-
dia, nem lhe vejo com esta emveja obrar obras em vosa fazemda como ho-
mem que qer apagar os serviços dos outros.
Pasadas estas praticas, el Rey de cochim ficou mais mamso, e Re-
cebeo daly em diamte mylhor este feito de calecut.
Este imvemo, estamdo eu em goa, jemte dei Rey de cochim trauou
guerra com jemte dei Rey de calecut em cramgalor, e aimda diseram a
elRey de calecut que purtugueses emtraram nese feito; e a mim, quamdo
mo diseram, nan o deyxey de crer, porque estas cousas gramdes, que noso
41
322 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
senhor asy acaba sem trabalho, os homens danados da imdia tem tam
gramde door diso, que numca cesam enas estorvar e danar, se podem^
e isto, senhor, que vos eu digo, fez ao embaxador do preste joham fazer
eses feitos que nele fizeram, porque ficaram tam espamtados de ver em-
baxador do preste joham pêra o contemtamemto de vos alteza, e pêra no-
sos feitos quaa na imdia e vosa empresa no mar Roxo, que ho nam pôde
sofrer a carne dos homeens danados da imdia : peço vos, senhor, por mercê,
que me creaes isto que vos digo, porque ho deixo quá de rrepremder, e
outras muitas cousas desa calidade, pola jemte da imdia nam emtemder
que ha amtre nós comtramdades em noso comselho e parecer: esta guerra
dom garcia que em cochim estava, ha apagou, e a elRey de calecut com
cartas lhe fez certo como jemte portuguesa nam fora no tall feito.
Agora, senhor, amigos e comcertados estamos elRey de cochim e
eu, e parece me, senhor, que ho posera acerqa da carga da pimemta no
comcerto dei Rey de calecut, se Louremço moreno nam tivera tam gramde
door dese feito nam ser acabado por elle, e o culpar; e aimda, senhor,
vos qero eu dizer húua cousa como homem avysado, que pêra temtardes
novo comcerto, novo feytor deveres de mamdar, porque estes que quá
estam, querem vos vemder seus serviços muy caros, e nam querem ver
ememdada sua maa negoceaçam em seu tempo, e sempre o am d escure-
cer, e trabalhar por nam aver efeito ; e se vós nam mudaes estes vosos
oficiaes, vos alteza verá o que eu dygo, e quam trabalhoso este feito ha
de ser d acabar, porque sempre qerem amostrar que nam ha hy mais que
ho.que eles fazem; vi o eu nas obras da feitoria de pedra e call; como
sacharam culpados de terem toda vosa fazemda em casas de palha, em
meu partimdo de cochim, mudaram logo a sostamcia das obras, e nam
foy mais nehúua cousa avamte, atá que mamdey pagar çem crusados
amtonio Reall de pena, e a pêro mazcarenhas que emtemdese niso: e sabe
vos alteza porque os Aomeens fazem isto? porque lhes parece que os nam
vê vos alteza, e que eu, que^amdo tam lomje deles, que os nam ey d em-
temder: aimda, senhor, vos eu torno outra vez a dizer, que este nego-
cio do preço da pimemta nam ha de ter outra comtraryadade senam a
dos vosos oficiaes, e na pratica e comselhos que com eles tiver sobreste
negocio, será vos alteza emformado de sua temçam, e do que eles neste
caso am dobrar.
Pasadas estas praticas com elRey de cochim, e ele fora do mao com-
selho em que ho tiiúiam posto homeens danadores das cousas de voso ser-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 323
viço, emtemdy n armada, em me aparelhar e ver se podia sair de fora; e
polas Daos todas fazerem muita agua, e ser forçado vararem Das em terra,
e as nãos da carga nos deixarem com todo este negocio no mès de janeiro,
chamey os capitães a comselho e o voso feitor e oficiaees, e pus lhe diamte
a necesydade em que estávamos, asy de nam termos que comer, como
também nam termos nãos pêra poder navegar, e alguas palavras de Re -
premsam dise aly peramteles ao feitor polo seu desprouimemto e des-
cuido, em que posera a imdia nesta necesydade em que nos viamos to-
dos, dizemdolhe qeno mandava elle dar tamta mercadaria fíada aos mou-
ros pelo preço da feitoria, em ... . que se ganhava per outros portos o do-
bro nela. .nam era serviço de vos alteza trazerem os mercadores três anos
a vosa mercadaria em suas mãos, e se fazerem gramdes Ricos
CO voso cabedall, que no tempo que parecia bem darem lha fiada pêra
logo ho outro ano ha pagarem em pimpmta; e asy, senhor, ho asombrey
hum pouco d omem que parecia ter companhia com eles, por asy deixar
esqecer vosa fazemda nas mãos dos mouros : nam deu rezam nehua que
vos, senhor, posa esprever: emtam me trabalhey com elRey de cochim
que nos fizese pagar ; e hum pouco me pus em determinaçam de nam
deixar navegar as nãos, atá que nos nam pagasem : nunca podemos tirar
das mãos dos mouros senam bua pouca de pimemta, que mandey em
èmxobregas e lopo fernamdez com ela a vemderse a dyo, como per ou-
tra carta dou mais larga comta a vos alteza.
No comselho que asy tivemos, asemtamos imvemarmos em goa, e
somemte dom garcia ficar hy pêra dar aviamemto lia armada, e se podese
mandar alguuns navios de fora, que ho devia de fazer: avydo noso com-
selho, e visto como nam podíamos navegar, pus em obra nosos parece-
res, e me fuy a goa com a jemte, e daly mamdey pêro d alboquerque com
quatro navios fora, asy por alijar a jemte, como por fazer algum proueito,
e ir arrecadar as parias durmuz.
E daly despachey também diogo fernamdez sobre os concertos de
cambaya, bem acompanhado de criados de vos alteza, jemte limpa e bem
vestida, e jemes teixeira com ele, companheiro no mesmo negocio, poios
emcomvinientes das doenças e casos que ás vezes acomtecem: do que se
niso pasou, mevdamente vay a vos alteza, porque mamdey que fizesem h-
vro diso; outro tall mamdey fazer aos que mamdey a elRey de syam:
manoell fragoso, que era o esprivam do Recado que mamdey a elRey de
syam> fez livro; chegou a cochim, semdo eu no mar Roxo; faleceo de
41*
324 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
doemça em cochim. Louremço moreno e amtonio reall, como homens com-
servadorès das cousas de voso serviço em minha ajuda, mamdaram am-
dar em leilam as estruçõees e rrepostas e Uvro de todo o que lá pasaram ;
amtonio Reall comprou ho livro, Louremço moreno ouue os outros pa-
pees: quamdo ho soube, estava amtonio reall pêra partir; mamdey que
ho tomase, deu a nao as velas, e foi se com elle.
Outra tall com esta me fizeram; trazia me afomso pessoa hum maço
de cartas de malaca; faleceo afomso pessoa em cochim de doemça, abri-
ram as cartas todas e leranas: joham viegas e louremço moreno mamda-
ram o trelado delas a Ruy de brito, porque avia asaz de culpas nele ne-
las, por omde Ruy de brito tomou vimgamça d alguuns, e eu numca mais
ouue as cartas.
Chegamdo a goa co a jemte, como dito tenho, chegaram as carave-
las que se fizeram em chaull, e as mamdey varar e asy o navio. .....
e nesa terra firme mamdey cortar mastos e madeira, fiz húua taforea de
trimta cavallos, e aparelhey, estamdo, eses navios, e em toda parte tive
em que emtemder com eses rrex e senhores desa terra firme, os quaees
me mamdaram seus Recados e oferecimentos, e eu outro tamto a eles, cou-
sas de pouca sostamcia, que nam sam pêra esprever: neste imvemo ouue
cartas de calecut e cartas de cochim e de cananor, e asy lhe mamdey tam-
bém minha Reposta, e asy pasamos este imvemo em goa, trabalhamdo
de se cercar ha forteleza gramde dos mouros de pedra e call, com ese di-
nheiro que deram pêra iso os moradores das ilhas. Fica húua fermosa
cousa pêra ver, porque a cava dos jemtios e altura em que fica a mota
da terra e muro, sam obras pêra serem louuadas em toda parte, e em
poucos lugares jde cristãos vy cousa tam forte. E asy me vieram cartas
de diogo femamdez e dei Rey de cambaya e deses seus gouernadores e
de miliquyaz, e ouueram minha Reposta: acabada em goa a xxb dias
d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e seruydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. L\ Maç. 16, D. 79.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 325
CARTA LXXVI
1614— Outubro 26
\
m
S^enhor. — Eu tenho em outra carta avisado vos alteza a determina-
çam em que fico^ e pêra omde, com ajuda de deus» será meu caminho,
via de suez e do mar Roxo, fazemdo fumdamemto de fazer asemto em
meçuá, porto do preste joam, e ganhar dalaca, que he tudo dum senho-
rio, e apalpar judá, ver o que poderemos hy fazer: fico asy asemtado
nesta determinaram, posto que hy aja outras rezOes pêra eu dever d ir a
vrmuz e haaquelas partes, por ser cousa proveitosa e rrendosa, e de que
logo poderíamos aver fazemda e soldo pêra soster harmada e a jemte,
porque nam somos quaa tam bem prouidos de vos alteza, que nos nam
cumpra has vezes buscai o por omde o podermos aver; e asy pêra este
feito, como pêra o rreceo que homem tem de xeqesmaell, parece bem fa-
zermos este caminho, e asy pêra termos omde espalmarmos nosas nãos, e
as pormos a momte, e outras cousas que se nestas partes podem acabar
de muito voso serviço e proueito, pois que am de ser pesoydas e asenho-
readâs per vós.
E asy a hida do mar Roxo proueitosa he pêra a estima e valia das
espiciarías lá nesas partes, e pêra as mercadarías que deses Regnos vem
cadano ha imdia terem grande precio e vaha, e asy por apagarmos est ar-
mada dos Rumis, como também por tomarmos conhecimemto de preste
joham, trato e amizade, e daly persiguirmos a destruyçam e perdiçam da
casa de meqa, a quall m a mim parece que ha muy poucos dias de durar,
tomamdo nós asemto no mar Roxo: oulhamdo estas duas cousas, tomey
por determinaçam emtrar ho mar Roxo primeiro, porque harmada do sol-
dam obriga a muito, ao menos a primeira vez que os homem vay buscar
a suas casas, em tempo que as colisas de vos alteza estam em credito, e
tomaram asemto per força, tirado este recêo d armada do soldam, a que
se deve de dar gramde Resguardo quaa nestas partes ; ho mar Roxo nem
sua força nam he nada dasenhorear, e vrmuz, por serem cousas que vos al-
teza ha de pesuir, comer e defemder, demamdam mais jemte e mayor ar-
mada, e am mester dous anos de minha pesoa; dá se seguro na terra, até
326 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
tomar asemto, por serem cousas que estam asenhoreadas buas das outras,
que nam pode vrmuz estar em vosa mão, que as outras vos nam obede-
çam logo como cabeça primcipall.
Nesta determinaçam do mar Roxo em que fico, meu caminho ha de
ser desta maneira: as galees e caravelas espero de mamdar diamte pri-
meiro alguuns boons dias, que vam aferrar ha costa de curiamuria, far-
taque, dofar e xer, porque no começo da mouçam as nãos da imdia fazem
este caminho, e nam podem deixar, com ajuda do muy alto deus, de fa-
zer muy gram presa; e porque eu tenho pilotos daquela bamda, que me
nomeam quatro ou cimqo portos primcipaes, e alguuns deles bem ache-
gados adem, em que ha Rios cabedaes d agua doce, que vem verter ao
mar, de que nós temos mais necesydade naquela parajem que de nebua
outra cousa, lhe mamdo que os descubram mevdamemte, e verám muy
bem tudo, e co as nãos das presas vam surjir diamte dadem, e aly me es-
perem, e acabem desquypar as galees de mouros aferrolhados a bamco:
após este pedaço d armada espero eu de partir com todalas outras nãos,
e aver çacotorâ: porque os levamtes sam imda frescos, nam sey se me
deixaram tomar agua nela: quamdo nam poder, aferrarey as aguadas do
cabo de gardafum, e se hy nam poder tomar agua, correrey a costa de
lomgo, e aferrarey barbara crara, ou barbora jezira, porque ambos de
dous me dyzem estes Rubãees que teremos agua em abastamça, o que eu
da primeira nam cuidava: daly virey demamdar adem em busca das ga-
lees e caravelas, e verey adem ; e o que hy faremos, aimda agora o eu nam
sey: se o tempo fôr curto, comtemtarmey de Iheqeimar esas nãos que hy
tiver, e trabalhar mey por aver suez, amtes que se gastem. os levamtes.
E se pela vemtura a noso senhor apraz que tomemos asemto no mar
Roxo, a mim, senhor, me parece que eu ficarey laa até outra mouçam que
viraa, e mamdarey dom garcia á imdia com parte d armada, porque este
feito e asemto tempo ha mester. E pêra esta determinaçam comvem com
tempo segurar ho prouimemto da jemte e d armada, o que espero, com
ajuda de deus, temdo nós pratica e fala com ho preste joham, nam nos
falecer nehuua cousa, e as cousas de^voso serviço se acabarem proespe-
ramemte e como desejaees.
Em quallquer tempo que sair do mar Roxo, virey a vrmuz aquele
ano que dom garcia volver sobre mim ao mar Roxo, em tempo que com
ajuda da paixam de noso senhor termos já tomado asemto, e feito todo
mais que per voso Regimemto e cartas mamda vos alteza que faça.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 327
E na imdia, senhor, bõoas cousas ha que fazer: primeyramemte o
comcerto delRey de narsymga, que nam pôde deixar de ser cousa de
muito voso serviço e muito proueitosa, porque ha feitura desta estou es-
peramdo por seus misyjeiros, que vem com gaspar fernamdez, que la
mamdey: a outra he ò asemto de cambaya, que aimda está em aberto, e
de necesidade se ha de fazer bem : a outra he comservár ho asemto de
Calecut, e aquemtal o com minha pesoa na terra, porque estes mouros de
Calecut aimda eles fizeram outra pior que ha primeira, se nam acharam
os muros da forteleza em bõa altura, e isto pelo feito que fez manoel de
melo; porém lembra me ho que me vos alteza escreveo, que hacabado ho
feito do mar Roxo, todas estas cousas se fariam mais mamsas, e a mim,
senhor, asy mo parece ; porém eu symto nos mouros da imdia, que se me
podesem torvar este caminho, que ho fariam. De goa a xxb dias d outu-
bro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque K
CARTA LXXVn
1614 — Outubro 26
Senhor. — No que me vos alteza espreve sobre o acrecemtamemto do
soldo do arell, eu ho pus naquilo, quamdo se tomou christão: agora que
lhe vos alteza faz esa mercee, tudo nele he bem empregado, porque ele he
verdadeiro servidor de vos alteza, e seus irmãaos e toda sua casa sempre
sam chamados pêra todalas dilijemcias e trabalhos que compre em co-
chim, e ele serve bem, e tem muita jemte e mamdo na terra, porque to-
dos eses macuas, pescadores e marynheiros e barqeiros, tudo he debaixo
de sua jurdiçam e mamdo ; e aimda me parece que ha de trazer todolos
arees seus paremtes, asy o de calecut, como ho de porcaa e de caecou-
lam, a serem christãos, e já mo a mim mamdou cometer ho de calecut:
eu ho achey hum pouco de qebra com elRey de cochim, quando vim
d adem, e pola omrra e gasalhado que lhe fazia, ho chamou elRey, e lhe
1 Torre do Tombo — C. GhroD. P. l.\ Maç. 16, D. 80.
328 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
descobrio em gramde segredo que fizese comigo que ho fo&e eu ver a sua
casa, e eu asy por comtemtar elRey de cochim, como por soldar suas qe-
bras com elle» ho fuy yer, homdele ficou muy aceito a ellRey e em gramde
amor seu.
Quamto he ao dinheiro da divida delRey de travamcor, ela era de
fazemda sua. Louremço moreno^ amtonio Reall e diogo pereira, vieram Ibe
três alifamtes em Retomo gramdes e muito fermosos, e dous deles prim-
cipalmemte de gramde trabalho e de gramde força; faley eu com ho arell,
se queria verader ho seu quynham, que era hum quarto, dise que sy, e
alargou o por bj^ pardaos ^; os dous quynhOes d amtonio Reall e diogo pe-
reira lamceilhe mão deles; mamdey os alyfamtes a goa pêra se vemde-
rem entregues ao voso feitor ; tem hy Louremço moreno neles huum quarto
e vos alteza os três, se eses homeens que lá sam, merecem algum castigo
por seus emganos e falsydades.
Quamto he, senhor, aos palmares, que diz, da pouoaçam, ele husou
sempre do huso e fruito deles^ sem ho nimguem comtradizer: alevamtouse
ho fogo no lugar, qeymoulhe as palmeyras, e asy se faz muitas vezes em
cochim e em outros lugares: parece me que lhe nam tem vos alteza obri-
gaçam a iso, porque hy avia pouoaçam d amtes, e jeralmemte vivem por
eses palmarei qem quer, imda que as palmeiras nam sejam suas: toma-
rey porém milhor a emformaçam deste caso, como chegar a cochim, e se
elle tiver justiça, pagar lho am: acabada em goa a xxb dias d outubro,
amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque,
(Sóbre^cripto) A EllRey noso senhor '.
^ Seiscentos pardaus.
* Torre do Tombo— C. Chron. ?• 1.', Maç. 16, D. 81.
Esta carta é outra via da de vinte do mesmo mez e anno, impressa já n'este vo-
lume, sob o num. uii. Transerevemol-a aqui, porque além da differença da data, apre-
senta algumas variantes,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 329
CARTA LXXVffl
1614— Outubro 26
Senhor. — Vos alteza mespreveo sobre a pimemta, que joham ser-
rão onue por menos preço, queremdo que se meta em hoso e custume
aversí* por menos preço e negoceada daquela maneira, posto que ho al-
miraiTite tivese asemtado ho preço dela: digo, senhor, que ho asemto do
almiramte foy muy boom na primeira que homem nam tinha mais conhe-
cimento da terra nem do traio e mercadarias, senam aquelas que das
mãaos dos mouros Regatãees que vivem na ourela do mar podyamos aver:
agora, já que os purtugueses navegam a terra com tamta seguramça como
ho mar, Rezam seria que vosos oficyaees tomasem as abas na cimta e a
negoceasem per sy, pois que ho sabem muy bem fazer pêra sy: de vos al-
teza cuidar que ha hy d aver escamdolo nese feito, nano creaees, senhor,
porque tamta pimemta se compra agora no peso aos mercadores jemtios
da terra omd ela nace, como aos mouros mercadores que niso tratam com
vos alteza: estes mercadores jemtios que ha agora trazem. Recebem o pa-
gamemto segumdo a ordem da vosa feitoria, e tomam logo aly vemder ho
cobre por menos preço do que lho vos alteza daa em pagamemto : este co«
bre comprava ha masa de cochim, e o levavam a cambaya, e ganhavam
muito nelle, e asy hiam ao sertam comprar pimemta, e a traziam ao peso
pelo preço da feitoria, em que ganhavam arrezoadamemte : creo que disto,
senhor, vos tenho já lá avisado per cartas se ho aviees por voso serviço ;
e aimda, senhor, vos esprevy que esta negoceaçam e proveito, pois co-
miam voso soldo, que pêra vosa alteza devia de ser; e o que dise joham
serram a vos alteza, dise verdade, porque eu creo que os vosos oficiaees
tinham parte na carga da nao, e que ha pimemta se negoceou desta ma-
neira pêra ela.
Este negocio pêra se meter em huso, ha mester dinheiro em dinheiro,
porque os mesmos mouros mercadores ha dam por menos, se lhe pagam
em dinheiro.
No que vos alteza diz, que metemdose isto em huso com a jemte da
terra, se arremcará este trato das mãaos dos mouros, fora estaa ele todo
das mãaos dos mouros ho dia que vos alteza mamdar pagar a pimemta
42
330 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
por dinheiro, porque os mesmos naturaees da terra a trarám hy, quamta
vos alteza quiser, por menos preço, como dito tenho; e negoceamdoa lá
nas terras omdela nace, se ayerá imda por muy menos preço, seja a paga
huua vez em dinheiro, porque os naturaes da terra domdela vem, nam
tem nehua maneira de dar sayda ao cobre, nem navegam nem tratam em
nehua parte, que sam bramenes jemtios.
Esta negoceaçam no sertam ha de ser feita por duas maneiras pêra
dar carga has vosas nãos, que he muy gram soma: a bua ha de ser por
dinheiro, se a qerees apresada e gramde soma pêra breve despacho das
nãos; a outra ha de ser per Roupa, dinheiro e arroz, e esta ha de ser
mais de vagar, porque ha de ser negoceada pelos lavradores mevdamemte,
que era de muy mais baixo preço; mas desta maneira era tam curlo tempo
como as vosas nãos tomam carga, nam se poderia mais aver que pêra a
nao de joiíam serrão, porque a carga que vos os mouros dam, meuda-
memte a vam negoceamdo pellos lavradores, como dito tenho, <* os bra-
menes da mesma terra omd ela nace, desta maneira a negoceam pelos la-
vradores, e a trazem ho peso; e asy digo, senhor, que se qerês que se
isto meta em huso, que ha de ser por dinheiro a compra da pimemta,
pêra averdes força dela no tempo da carga das naaos ; e se a vos alteza
qer ter negoceada damtemãao, ha de ser da maneira que dito lenho, mas
vosos oficiaes nam am de ser tam fidalgos como sam : este dinheiro que
saa de dar por esta pimemta, ha de ser trazido daqueles lugares domde
a vosa mercadaria tiver mayor despacho, primcipallmemte cambaya: eu,
senhor^ ha feitura desta estou em goa, que sam xxj dias de setembro,
agaardamdo por poro dalboqnerque com as nãos de sua companhia, que
mamdey ao cabo de gardafum, e dar vista adem, e dy vyr imveinar a vr-
muz, e descobrir baharem, e o mais que per outra carta dou comta a
vos alteza: chegamdo a cochim, terey pratica com vosos oficiaees sobrese
caso, ea determinaçam que tomarmos, espreverey a vosalteza; mas cui-
dar vos alteza que hy ha d aver escamdollo na terra, qeremdo a negocear
por menos preço, estay, senhor, seguro diso, porque husamça he dos
mercadores nesta terra aver as mercadarias por menos preço que podem,
e creo também, senhor, que asy ho he em toda outra parte.
Hum pejo soo, senhor, tenho eu aquy, se desta pimemta negoceada
pelos vosos oficiaes em terra que nam he delRey de cochim, vimdo pelo
Rio abaixo dereito a vosa feitoria, aveeslhe de pagar dereilos ou nam; se
lhos pagardes, nam será nada, mas se lhos nam pagardes, e lhe tirardes
. CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 331
eéta mama, pela vemtura. trabalhará por estorvar esta dilijemcia: quamto
elle nisto poderá obrar ou nam, pola terra nam ser sua, aimda o eu agora
nam sey: e nesta compra da pimemta que vos alteza agora ordena, vede,
senhor, se vos vem milhor ho asemto de calecut, ho quall he pimemta a
troco de mercadarias de toda sorte polo preço e peso de cananor, que he
mayor bahar que ho de cochim: acabada em goa a xxb dias d outubro,
amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EllRey noso senhor *.
CARTA LXXIX
1514— Outubro 25
Senhor. — Eu mamdey pidir a vos alteza valadores pêra fazerem em
goa hua fosa pêra as gallees, por hy aver lugar e desposisam pêra iso
muito bõoa; nam vy Resposta de vos alteza, nem os valadores: as galees,
se sam varadas em terra, sam navios compridos, e alqebram has vezes;
e esla galé de silvestre corço, que imvernou em goa, emtrou no esteiro
de preamar, e de baixamar ficou asemtada nas ymeas muito direita e
muito bem: e se tlvese valadores, he lugar desposto pêra estarem hua dú-
zia de galees, e poderia ser que faríamos fosa pêra navios piqenos; e se
vos alteza nam quyser mamdar tamtos quamtos sam necesareos, logo vos al-
teza podia mamdar dous pares domees pêra aviar a obra, que qá averá
a jemte da terra de trabalho que babaste pêra o mais; mas todavia ha mes-
ter homem que tenha conhecimemto da obra, e que ha meta em ordem :
acabada em goa ^ a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor \
» Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.', Maç. 16, D. 82.
^No mesmo maço em que existe esta carta, ha outra via (D. 72), que em logar das
palavras ^acabada em goat offerece a seguinte variante : cespritaem goa a xxb dias d ou-
tubro de 1514. )>
3 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.', M. 16, D. 83.
42*
332 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXXX
1614— Outubro 26
Senhor.-^ Per outra carta vy como vos alteza mamdava qaa Joham
serram, por eu esprever dele e de sua pesoa muito comtemtamemto: certo,
senhor, eses poucos dias que tive pratica com elle, me pareceo boom ho-
mem, e que emtemde bem as cousas da imdia; eu folgara dele qaa ficar
comigo, quamdo veyo, e pois bo vos alteza mamda, eu vos beijo, seuhor,
as mãos, porque ele he cavaleiro e homem de boom Recado pêra se dele
comfiar jente; ha mester husamça e omees que outra ora desem boom Re-
cado, ho que creo que tudo se achará em joham serram: ele será tratado
e omrrado de mim como vos alteza mamda: acabada em goa a xxb dias
d outubro, amtouio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso daiboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor K
CARTA LXXXI
1614— Outubro 26
Senhor. — Depois da chegada de diogo fernamdez e james teixeira
de cambaya, chegaram quatro atalayas de miliquiás a goa, as quaes vy*
nham a çurrete em busca de diogo fernamdez, pêra o trazerem a goa:
trouxe me cartas de miliquyás; vinha nelas por capitam cidiale ho torto,
a que vossa mercê mamdou duas cartas, e nehila a miliquyaz, de que me
eu espamtey: este cidiale he mao homem, e porque sabe a nossa lymgua-
jem, recolhe muitas cousas damtre nós, que eu nam qeria que os mouros
soubesem; porém ele achou ho teor da nova que de lá veyo, e outra mu-
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% M. 16, D. 84.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 333
damça nos lugares que diso ouueram uotycia, e outro asemto nos cora-
ções das jemtes; e na pratica que com elle tivemos, diogo fernamdez e
eu, sobre a forteleza em dio e sobre miliquiás, a mim me parece que mi-
liquyás tornará a mudar ho comselho, porque ficou rouy espamtado e muy
asombrado quamdo vio a determinação de vos alteza sobre o fumdamemto
e asemto da imdia: douuos, senbor, comta disto, porque saiba vos alteza
o asynado servyço que vos niso faço, e como mesqecy de todalas cousas,
e vos quys servir e acabar omde vy que vosa alteza podia ter mais nece-
sydade de mim ; portamto, senhor, nas cousas da imdia day sempre fee
ao que vos esprever, porque desta chaga sou eu arrezoado solorgiam, e
imda que careça da teórica, da pratica sey eu mais que muitos outros ho-
meens, poios muitos anos que ha que trago esta masa antre as mãos; e
digo, senhor, que de necesydade.vos darám div com todas suas Remdas,
ou asemto e forteleza em div, ou omde vós quiserdes, se temdes mão no
estreito: partido diogo fernamdez co despacho que vos alteza lá veraa, foy
logo chamado miliquiás por elRey de cambaya, e he sobre este feito de
div, porque miliquiás nam cesa de se defemder quamto ele pôde, que se
nam faça ahy forteleza, e elRey nam pôde ali fazer senam dar vos asemto
omde o pidirdes.
lifiliquiaz, senhor, me ms^mdou esta joya que lá mamdo ao prím-
cipy, porque he cetro reall das imdias; tomeyo por bõoa pernóstica ter a
feiçam de cetro ; prazerá a noso senhor, que quando lho vos alteza emtre-
gar e o senhorio das imdias, que será com muitos Regnos, cidades e vilas
ganhadas ; e pois que vem do regno de cambaya, este he o primcipall que
avemos dasenhorear; todavia, senhor, eu ho ouue por bOoa prenostica e
boom synall : na carta de miliquiaz dezia, que me pidia que lhe mamdase
dizer se avia eu d ir ao estreito de meqa, pêra salvar sua fazemda, e nan
amamdar laa: eu lhe Respomdy que eu começara tam gramd armada
pêra apagar os Rumis, se na imdia emtrasem, que nam sabia se a pode-
ria acabar; mas que se lá fose, ou mamdase, que eu o avisaria da ver-
dade: mamdoume também dizer, que as nosas atalayas arribaram sobre
huua nao que traziam três misijeiros delRey do cairo, hum pêra o çamo-
rym que morreo, outro pêra o çabayo, outro pêra miliquyaz : eu lhe dise,
que de tall nam sabya parte; que se ahy ouuera cartas pêra ele, que lhas
mamdara de muy bõoa vomtade, pêra me ele avisar das cousas de laa;
mas que éu ouuira dizer que ho çabayo estamdo sobre calbergate, fim-
giram hum misigeiro delRey do cairo, apregoamdo a vimda dos Rumis,
334 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
com medo de lhe eu Dam fazer alevamtar as terras de goa, e lhas tomar ;
e que deste feito nam sabia mais: despache o e tofnbus embora; e mam^
dey a miliquiaz veludo preto pêra hum sayo e veludo de gram pêra outro.
Nestes dias chegou ho outro cidialle, embaxador que foy delRey
de cambaya, tam mao homem como estoutro, ho quall deu com a nao
mery atravees, matou hum homem que vinha em sua companhia muy
aparentado em cambaya, e espreveo a elRey de c^mbaya e a codamerham
seu governador esas cartas que diogo fernamdez mamda a vos alteza : es-
tes dous cidiales sam muito maps bomeens, sabem a nosa hmguajem, sam
mais danosos amtre nós que purtugueses danados ; mamdan os quá amtre
nós por misijeiros, e também por saberem de nós mais cousas das que eu
queria que eles soubesem ; e porque sabem a nosa limguajem, dizem ás
vezes lá bua verdade e mea dúzia demganos misturados com ella, a que
lhe dam fee: este embaxador nam ousa d ir a cambaya: a mim m espre-
veo codamerham, governador de cambaya, que lho mamdase ; mamdey lho
nas atalayas de mihquyaz.
As novas que agora per derradeiro vieram de demtro do mar Roxo,
sam estas: primeiramemte que ho soldam viera a suez em pessoa pêra
despachar ha armada, e estamdo asy, lhe vieram novas que xeqesmaell
era vimdo sobre alepo, e desemparou tudo, e se recolheo ao cairo; dizem
que miravcem está em judá cercando a da bamda do mar; e asy me di-
seram que quâmdo emtrara no mar Roxo, que judá se despouoara, e se
recolheram todolos mercadores a meqa: as novas d adem, que se fazia
forte, e alevamtara mais alto seus muros; e asy, senhor, me troixeram no-
vfts de div, que era chegado hy hum judeu que viera pélas terras do preste
joam, e ^ue trazia cartas pêra mim, e diz que foy Roubado no caminho:
deu novas dese embaxador que lá he, afirmamdo que era mamdado pelo
preste joam: de goa a xxb dias d outubro, amtonio da fomseqa a fez, de
1514.
(Por leítra de Albuquerque) fey tura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor ^
1 Torre do Tombo— G. Chron. P. 1.% M. 16, D. 85.
N*esta serie de cartas de 26 de outubro ha uma (C. Chron. P. i.% M. 16, D. 66)
que deixamos de transcrever, por ser outra via da carta de 20 do referido mez, já im-
pressa a pag. 264 doeste volume sob o numero L.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 335
CARTA LXXXn
1614— Outubro 28
Senhor. — Per outra carta de vos alteza vy a mercê que Recebeo ho
homem que foy com ho embaxador pêra o aver de servir; eu ho mam-
dey com ho embaxador, pollo comlemlamemto que dele tinha e cuidado
das suas cousas; e de lhe- vos alteza fazer mercê creo que ho embaxador
levará diso comtemtamemto; e eu, senhor, beijo as mãos de vos alteza por
essa mercee e por todalas outras que me fazees, em minhas cousas terem
alguum credito e istima amte vos alteza, porque, asy me deus salve, se-
nhor, quo nos maços que vieram n armada de joham de sousa, vy tamtas
culpas minhas sem porquê, e tamto descrédito de minhas verdadeiras
cartas e. verdadeira emÍQ^maçam das cousas da imdia e verdadeiros ca-
minhos por onde ando, que tudo nacia das cartas damtonio Reall e dou-
tras taees de quaa destas partes, a mim me cayram os espritos na meta
do chão \ e me tomey mais bramco duas vezes^ do que era, e m ouve por
hum homem pimtado has vesas e todalas minhas obras; e comtudo, se-
nhor, niguem nano emtemdeo em mim, nem as vosas cousas nam deixa-
ram de receber ordem, e dou muitos louuores a noso senhor, que me nam
deu mais sotileza nem mais emjenho pêra as minhas obras e meus ser-
viços serem amte vos alteza alomeados que ha verdade e limpeza deles :
e pois que noso senhor, sem lho eu merecer, he em minha ajuda, nam
ey de temer os homeens danados de suas comciemcias, e que nam guar-
dam verdade ao seu Rey e senhor: acabada em goa a xxbiij dias doutu^
bro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor *.
^ Parece-nos que a phrase deverá ser: cçu^ a mim me cayram os espritos na meta
do châo.i
2 Torrç do Tombo.— C. Ghron. P. i.% M. 16, D. 88.
336 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXXXin
1614— Novembro 4
Senhor. — O que vos tem dito de guoa, cpie se fazem gramdes des-
pesas nella, creaho vos alteza, porque de soldos e mamtimemtos, este
tempo que aguora estiue nella, se gastarão mais de setemta mill pardaos.
E nom emtrou aquy do voso cabedall que de Há vem, mais de duzentos
e quymze quimtaes de cobre, e todo o mais foy pimemta e gemgiure
das nãos que me empregaram de dabull, e direitos de caualos, Remdas
da terra, e presas que fizeram as nãos durmus. Asy, senhor, que doge
em diamte ho primcipall gasto aquy ha de sejr, porque nom temos nós
outro descamso na ymdia nem otro prouimemto pêra nosos mamtimem-
tos senám guoa, primcipallmeemte pella moeda de cobre em que nos
pagua, correr na praça e na terra, ho que nom temos em nenhua outra
parte da terra da imdia, porque, como em cochim e em cananor nos fal-
lece moeda douro ou prata, nom ha hy Remédio de podermos vyyver. E
a mim parece me, senhor, que vay vos alteza cortamdo ho caminho do di-
nheiro que quá soyes de mamdar, sem primeiro vos alteza mamdar força
de mercadarías pêra se aver pêra bua cousa e pêra outra. E pella vem-
tura, senhor, se nom fora ha compitiçam dei Rey de calecu com el Rey de
cochim, nom leuaram as nãos carga este anno da imdia; portamto, se-
nhor, quamdo vos alteza acordar bom comselho, da lhe logo a emxuqu-
çam prestes, como compre, porque vos alteza determina de nom mamdar
dinheiro á imdia, fazemdo fumdamemto que das mercadarías deses Re-
gnos que se quaa vemderam, e do trato de quaa, se fornecerá carga e as
mais despesas da imdia: he verdade, senhor , que asy se fará; mas qué de
esa negocyaçam e esas mercadarías? porque a mim me parece que chrís-
tovão de brito nom ha de ter que depenar, seguumdo ho pouquo cabe-
dall que de Há veo e quaa ha: aviso de tudo vos alteza verdadeira-
memte e do que vejo, se as cousas hordenadas per vos alteza nom soce-
derem a voso comtemtamemto, saybaes que nom sou eu cullpado nese
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 337
feito, nem lhe fallece dilligemcia e bom menôo qiiaa nestas partes : feita
em guoa a iiij dias de nouembro de 1514.
(Por letíra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescrípto) A Eli Rey noso senhor *.
CARTA LXXXIV
I
1614 — Novembro 4
Senhor. — Posto que eu seja pouquo cyoso de minha vida e meus
cuslumes, por amdar tudo no campo e nos olhos dos homens, eu hei ho
mundo por Iam mao, que me parece que todo o que os homens diserem,
se á de crer. Diguo, senhor, yslo pello que amtonio Reall e diogo pereira
e gaspar pereira e seus parceiros na sua carta que vos llá mandaram,
que vosa alteza vio, vos espreueram, dizemdo que eu vemdia as espravas
aos homens pêra casarem com ellas, e tinha esta maneira de fazer meu
proueito; c emtraquy o ymmiguo também ter cuydado de danar algum
bem, se ho homem quer fazer e dallo ao mundo, porque vee que nosas
obras pella maior parte a este fim sam emderemçadas. E ymda que eu
tenha por muy certo que vos alteza he sabedor de como eu guardo gram
primor na obrygaçam de meu carguo, com tamia limpeza como eu sam
obrygado e he Rezam nestas cousas e em outras maiores, todavia, se-
nhor, nom ouue por pejo de fazer esta líembramça a vos alteza, e me ga-
bar do que tenho feito, e com esta emvio a vos alteza huua emquiryçam
tirada pello ouuidor acerqua das esprauas minhas próprias que casey, as *
quaes ,me vieram per alguas vezes de minha joya e partes, todas moças
é de muy gram preço e valya nesta terra, que poso com juramento afir-
mar a vós alteza que valiam mais de dous mill cruzados, afora outras
muitas que tenho dadas graciosamemte a eses caualeiros e fidalguos, por-
que nom he de meu cargo e oficio vemder, nem troquar, nem fazer par-
tidos nem emburylhadas nem nehum outro proueyto, senam aquelle que
me cabe de minha solidada, porque asy ha de fazer ho homem que quer
dar bomha comta de sy a deus e a seu Rey e ao mundo.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% H. 16^ D. 98. E outra via, D. 100.
43
338 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Quamto he, senhor, ás que eram de vos alteza, que daua aos homens
que se delias comtemtauam pêra casarem com ellas, destas taes será
vos alteza per vosos oGciaes sabedor da uerdade: alguas mamdey Há á
senhora Raynha, otras lleuaram este caminho que diguo; e porque vos al-
teza seja sabedor da uerdade, a pesoas dey ajuda de vosa fazemda pêra
forrarem outras de pesoas que as tinham, e casarem com ellas: pasa ysto,
senhor, asy na verdade como vos espreuo, porque eu nunqua tiue deua-
çam de casar homens com estas molheres malauares, porque sanl negras
e mulheres currutas em seu viuer per seus custumes; e as molheres que
foram mouras, sam aluas e castas e Retraydas em suas casas e no modo
de seu uiuer, como hos mouros desta terra tem por custume, e as molhe-
res de bramenes e filhas delles também sam castas molheres e de bom
viuer, e sam aluas e de boma presemça; asy, senhor, em quallquer parte
homde se tomaua molher bramqua, nom se vendia, nem se Resgataua,
todas se dauam a homens de beem que quyryam casar com elas.
Alguas pesoas a que quaa dey casamento hum pouquo maior do
que vos alteza de llá hordenou, que poderyam ser até três pesoas, houue
ahy causa pêra yso, sem serem paguos na vosa feitoria, posto que tudo
seja fazemda de vos alteza, que ás vezes na guerra se catiuauam molhe-
res e seus marydos com ellas e suas filhas, e lhas tomaua christãs, e do
Resgate deles partia bem com suas molheres e filhas, quamdo casauam ;
e posto que vos alteza tenha hordenado de nom dar casamemtos, nem se
casarem quaa mais pesoas, a gemte está muito aballada em casar na im-
dia, se lhe eu dese lugar a yso, e sem casamemtos; e a mim, senhor,
nunqua me pareceo mall este comselho: verdade está que quamdo hos
homens querem danar hua bõa couusa, nom lhe mimgoam Rezões que
dem : estes que sam casados, proueto teiíi feito até guora, porque nos
holhos das gemtes da ymdia está asemtado fazermos nós fumdamemto da
terra, pois vém aos homens pramtar aruores, e fazer casas de pedra e call,
e casar, e ter filhos e filhas, como espreuo per outra a vos alteza: feita em
gttoa a iiij dias de nouembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servidor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
> Torre do Tombo— G. Ghron. P. 1.% Haç. 16, D. lOi.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 339
CARTA LXXXV
V
1614 — Novembro 8
Senhor. — O junquo que de malaca partyo per mamdado de vosos
feitores carregado de mercadaryas lia choromandell, carregou no porto de
paleacate; Joham aluares de caminha esteue com elles, que ha feitura
desta chegou de llá; vemderam suas mercadaryas, em que fizeram dezaseys
myl cruzados; carregaram no junguo (sic) de roupa, que custou doze myll
cruzados, e am de partyr nesta mouçam dabryll: parece me, senhor, que
se o cabedall de malaca hamdar bem aviado, que lhe nam será necesareo
provymemto da vosa fazemda, antes mamdarám cadano soma despicia-
rias ha cochim, ha trato de malaca pêra ha imdia que he mayor. ..
— que ho da y mdia pêra eses Regnos ; malaca at bem feito
em soster seus gastos e despesas co .... lhe ficou e mais sempre quá
mamdou especiaryas e mercadaryas: nam he nada ha imdia em compa--
raçam de mallaca e das ryquezas daquellás partes: esprita em goa abiij
dias de novembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
CARTA LXXXVI
1614— Novembro 8
Senhor. — A torre da menajem de cananor he de pedra e barro,
como vosa alteza sabe, e abrio per tamtas vezes, que dos botareos e Re-
pairos que lhe fizerom, tem acupado toda a fortaleza, e agora per derra-
deiro com todo este Repairo abrio per dous ou três lugares: parece me,
1 Torre do Tombo— C. ChroB. P. 1.% Maç. 16, D. 106.
43*
340 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
senhor, que nom tem oulrô Remédio senom dar cojm ela no chaão, e fa
zela de pedra e cal, c parece me que o apartado da forlaleza e torre da
menajem que se devia de fumdar sobre a borda do mar c desembarca-
doiro, pêra Receber socorro, porque a asemtaram no raeyo da fortaleza
no pior lugar do mundo: o que vosa alteza determynar, mande mo dizer,
e farseha: sprita em goa a biij dias de novembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
CARTA LXXXVJI
1514 — Novembro 27
Senhor. — Aos biij dias de novembro estava pêra partir de goa pêra
cochim, a jumtar ha armada pêra me poer em caminho: chegaram os eno-
baxadores dei Rey de narsymga, os quaes me trouveram esas manilhas e
joyas que mamdo a vos alteza, e alguuns panos que por me nam parece-
rem tam boons, nam foram laa.
Sua extruçam era comcerto de paz e amizade dei Rey de narsymga
com vos alteza, pomdose em determinaçam de fazer guerra aos turcos do
reino de daqem; e asy traziam em sua extruçam falarem me nos cavalos
d arábia e persya, de os deixar ir a seus portos.
A primeira cousa em que praticamos, foy sobre a guerra que avia
de fazer aos turcos do reino de daqem, em que lhe dey alguuas Rezõees
de gramde obrigaçam, pêra sele dever de determinar em lhe pôr as mãaos,
e que Receberia de mim ajuda pêra este feito, pomdolhe diamte como os
turcos lhe tinham ganhado parte de sua terra, que agora que estavam de-
visos amlre sy, e avia amtre eles gramdes pemdemças, era tempo pêra ele
ir sobreles; e que ele era em gramde obrigaçam a vos alteza, que depois
que voso poder emtrara na imdia, numca os turcos mais foram avamte,
nem lhe ganharam mais terra nem lugar, nem lhe fizeram mais a guerra;
> Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% M. 16, Doe. 107.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 341
qae oulhasem bem como os turcos amdavam comtinuadamemte em ar*
rayaees, e que elRey de narsymga estava repousado em sua casa, e que
pella vemtura que esta occosidade fora causa de Ibe os mouros ganharem
alguns lugares; pomdolhe diamte como os cavalos estavam todos em vosa
mãao, e que mamdamdolbos vos alteza dar a ele, e nam aos turcos, nam
seria duuida ganharem lhe a terra em muy pouco tempo; que a jemle
bramca eu lha tolheria que nam viese mais a seus portos ; e asy lhe dise
que oulhasem bem co miliquyaz, capitam do idalham, que está em cim-
tacorá, fazia a guerra a elRey donor, e que eu esprevcra ao idalham, que
mamdase ao seu capitam que cesase da guerra, que eIRey donor era voso
tributareo, e que de necesydade o avia d ajudar: ho idalham Iheespreveo
logo, que cesase de sua guerra, e que nam emlemdese mais niso. E asy
com outras RezOes, afora estas, os hiaacussamdo e obrigamdo ha guerra:
eles Receberam bem tudo, e lhes pareceo bem o que lhe dizia, e se afir-
maram todos elRey de narsymga estar abalado pêra este feito.
Quamlo aos cavallos em que me tocaram, aos leixar ir a seus por-
tos, a iso lhe Respomdy, que mespamtava muito delRey de narsymga co-
mer a Remda de sua terra e de seus portos, e nam querer que vos alteza
comese os dereitos dos seus; que eles sabiam bem que vos alteza tinha ga-
nhado vrmuz, e que os cavallos D urmuz vinham emderemçados per elRey,
que era voso vasalloj ao porto de goa, que vos alteza tinha ganhado aos
mouros; que estes dereitos dos cavallos eram de vos alteza: se os ele que-
ria comprar, que lhos daria amtes que aos turcos, temdo ele aquela paz
e amizade com vos alteza, que ele muito devia distimar, e fazemdo aquele
partido que fose bem : os embaxadores logo na primeyra se lamçaram do
comcerto dos cavallos, dyzemdo que nam traziam comisam pêra iso, aper-
tamdo que fosem a seus portos: sempre adiaram em mim que vos alteza
comia os dereitos de vosa terra e portos que tinhees ganhado aos mouros,
asy como ele comia os da sua terra; que se cavallos queria, que mam-
dase por eles ao porto de goa, que sempre lhos dariam amtes que aos
mouros.
Pasados asy dous dias, vieram temlar comcerto sobre averem os ca-
valos, dizemdo que dariam cadano por dereitos de mill cavallos sesemta
mill pardaos, e que os viryam comprar a goa; somemte lhe dese huua
fusta que fose com eles sempre até o porto d onor : eu lhe Respomdy, que
me nam parecia boom partido^ porque eles viam bem que eu alargara aos
mercadores dez pardaos de cada cavalo, e semdo os dereitos de goa de
342 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
cimqaemta pardaos por cada cavallo, lhos abaixara em coremta, de ma«
neira que de miil cavalos quytava dez mill pardaos aos mercadores, por
fazer ho porto gramde, e que agora eles me davam mais dez mill por mill
cavalos pêra destruir o porto e os mercadores, porque já os cimquemta
pardaos eu tinha de cada cavallo ; que eles me davam agora mais dez de
dereitos, e que punham por comdiçam que se nam vemdesem os cavallos
senam a eIRey de narsymga; e que se tall comcerto com eles asemlase,
ganhavam eles em cada mill cavalos cem mill pardaos, porque nan os po-
demdo os mercadores vemder senam a eles, seria forçado darem Ihoos
mercadores por aquylo que eles quysesem, em que nam podiam ganhar
menos de cem pardaos em cada cavallo e centa cimquemta e duzemtos^
e eu lamçaria a perder os mercadores, e destruyria o porto e o trato; e
asy me lamccy de seu comcerto, dizemdolhes que seles leixasem vemder
aos mercadores á sua vomtade, e a qem quysesem, pela vemtura me com-
certaria com eles, mas averem os mercadores costramjidamemte de lhe
vemder os seus cavallos, que iso nam era Rezam nem Justiça.
Eles partiram bem atribulados, por nam tomarem comcrusam co*
migo, porque ho partido de darem a vos alteza sesemla mill pardaos po*
los dereitos de mill cavallos, com as comdiçõees que apomtavam, era da^-
nar se o trato de todo, e ganharem cemtacimquemla mill pardaos cad ano
neles, o digo pouco; e sy se partiram bem despachados de mim de dadi-
vas e mercês em nome de vos alteza, e levaram a elRey de narsymga doas
cavallos de preço de bij*' pardaos * cada hum, e xxbij couodos de veludo
preto e xxx de damasco e mea dúzia de barretes vermelhos: mostreilhe
as galees que aquy estavam em goa, has fortelezas e artelharia de goa,
as estrebarias dos cavallos e alifamtes, e tudo amdaram apalpamdo com
preços; nam se comcertou ho feitor com elles: metiam também por com-
diçam de nos darem todallas mercadarias que soyam de vir ao porto de
batecalla, pelos preços que ahy valiam no porto: creo, senhor, que nos
am de fazer quallquer boom partido que quysermos, por aver estes ca-
vallos: prazerá a noso senhor que asemtamdose as cousas durmuz, va-
lerá ho trato dos cavallos e dereitos delles mais de cemto e cimquemta
mill pardaos pêra vos alteza, afora o ganho das mercadarias e espiciarias
que as nãos am de 4evar de seu Retorno, que he outro ganho, porque já
nós temos cimquemta pardaos de dereitos por cada cavallo que emtra em
1 Setecentos pardaus.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
343
goa, os quaees pagam todolos homeens de guerra, e os mercadores pa*
gam R** pardaos*, e quyteilhe dez, por outras mercadarias que sempre
trazem.
Hanos ha qbe me vos alteza tocou no trato dos cavallos estarem em
vosa mSao ; e porque goa he hum dos primcipaes portos de trato dos ca*
vallos, asy pêra o Reino de narsymga^ como pêra o reino de daqem, e a
necesydade gramde em que põem narsymga os cavallos d arábia e per-
sya, nam duuidariá ser tam bOoa empresa, e milbor que ha mina, por-
que nam emtra hy cabedall nem trato de vos alteza, somemte os derei-
tos dos cavallos emtrarem no porto de goa, e parem (sic) ^ cada hum que
os vem comprar cimquemta pardaos; e os moradores do lugar, se os com*
prarem, soyam de pagar xxxb^ e agora pagam xxb, e qem nos vem com-
prar de fora, paga os mesmos cimquemta, porque asy está em custume
amtigo: parece me, senhor, que igualimemte se podem pôr cadano mili
e duzemtos cavallos em goa, e se semtemder por vos alteza no trato de-
les, sempre se porám mill e quynhemtos cavalos, ou mill e seiscemtos; e
vedamdose bem a todolos outros portos, igualmemte podem emtrar na
imdia cadano dons mill cavalos d arábia e persya; e tomamdo asemto as
cousas durmuz e babarem, se segura este trato pêra sempre, que he
muyto gramde cousa a meu ver, e muy certo proueito, e nam duuido que
elRey de narsymga dee boom preço poios darem a ele e nam a outrem,
afora comprai os a comtemtamemto dos mercadores: espríta em cananor
a xxbij dias de novembro, antonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor l
^ Quarenta pardaus.
* Pagarem (?)
» Torre do Tombo.— C. (3iron. P. 1/, M. 16, D. 120,
344 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA LXUVÍII
-•*.
1614— Novembro 27
Senhor. — Eu apertey hum pouco dabull em lhe cerrar o porto de
todo, e nano deixar navegar atá mo idalham me nam emtregar todos
eses bragamtes que se lamçaram com elle: dabull, como já lá tenho es-
prito a vos alteza, memtregou logo dous, que já hy estavam casados, que
lá mamdo por francisco pereira; os outros que amdavam no arrayall do
Idalham, foram logo presos pcra mos emtregarem: como me poseram
nesta comfiamça, e me deram arrefeens, alarguey o porto: como as nãos
navegaram, desymularam comigo a emtrega dos homeens, porque a so-
berba destes turcos e seus pomtos nam ha homem que ho érea ; todavia
o idalham lhe nam quys mais dar soldo, nem de comer: quamdo eles ti-
ram que eu me trabalhava pelos aver, tomaram por milhor xomselho vi-
rem se por sua vomtade, e sam vimdos ha feitura desta quatro, e espero
cada dia pelos outros, que seram seis ou sete, e asy irey seguramdo de
m estes calaceiros lá nam culparem em seus mãos Recados, aimda que,
graças a deus, nano ãzeram omde eu estivese, nem com mao trajo (sic)
que lhe fose feito em minha campanhia : esptita em goa a xxbij dias de
novembro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Par lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo — C. Chron. P. 1.*, Uaç. 16, D. HL
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 345
CARTA LXXXIX
1614 — Novembro 27
Senhor. — Nestes maços que estano partem da imdia, achará vosal-
tiza cartas em que vos dava comta de minha delerminaçam, e do cami-
nho que esperava de fazer, cemformamdome cos vosos mamdados e co ne-
gocio da imdia, na maneira em que agora estaa: como o cargo da imdia
S3Ja muy pesado, e se deva doulhar muy mevdamemte todalas necesy-
dades, prouimemtos dela, e casos que podem sobrevir; e semdo de tudo
isto avisado per vos alteza, que maimda quá mais esperta os semtidos de
minha obrigaçam, alguas Rezões que aquy apomtarey nesta, me fizeram
mudar o comselho de minha determynaçam, a quall está aimda escura
aos capitães de vos alteza e jemtes da imdia.
Digo, senhor, que depois de minha determinaçam ser demtrar ho
mar Roxo, oulhey a necesydade das vosas feitorias e o pouco prouimemto
que nelas ficava, depois de as nãos receberem sua carga; oulhey ho soldo
devido ha jemte. e o mamtimemto que de necesydade se lhe avia de dar
cada mês, se á imdia tornase a imvernar, ou saimdo do mar Roxo vir
buscar a imdia, e comprir prouela de seus soldos e mamtimemtos, como
digo, e verme no trabalho em que me vy o ano pasado, por nam poder
navegar, e hy nam aver nas feitorias hum soo Reall pêra o prouimemto
da jemte: também oulhey a paz vniversall e segura navegaçam que os
mouros da imdia tem ao presemte, domde nos soyamos a Reformar ha
custa dos imfiees, por omde a vosa jemte amda bem gastada e agastada,
e nam tem por omde tirar, senam por seu soldo e mamtymemto, porque
nam ha hy já percalços: também, senhor, pus diamte de mim a maneira
de que se vos alteza deste feilo vay esqecemdo, e como depitro no mar
Roxo nam ha hy cousa de que nos posamos aproueitar e soster, salvamte
ser fecho de toda a imdia, domde nace mais proueito do preço e istima
das mercadarías desas partes na imdia, por nam virem pelo mar Roxo,
que da pimemta e especyarias que destas partes vay cadano pêra eses
rreinos; e que isto, senhor, seja muito doulhar e istimar, e a destruyçam
da casa de meqa e o comcerto do abexy e armada dos Rumis apagada,
44
346 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que nam deixa cad ano d abalar a imdia : acabado este feito, avetnos de
vir buscar as vosas feitorias e vosa fazemda, e eu nam vejo ficar hum soo
Reall nelas, e pêra nos acudirdes a esta necesydade ha mester dous anos,
e eu tenho a imdia e a obrigaçam dela ho pescoço, e comvemine de pro-
ver huua cousa e outra, e mudar cada dia ho comselho: portamto, senhor,
eu estou determinado cometer ho caminho Durmuz pêra termos que co-
mer, ajudamdonos noso senhor de ho asenhorear e asemtar, como espero
em deus que seja, e poderemos aly ter larga despesa pêra nosas necesy-
dades e despesa d armada e soldo de jemte, e melhoramos emos hum pouco
mais na imdia, e poderey espalmar harmada, e aguardar os Rumis em seu
tempo verdadeiro, e lhe pôr as mãaos, e fica mais azo e desposysam pêra
se d aly cometer o mar Roxo, e temos com que fazer todos estes gastos e
despesas, e aguardar a mercee e prouimemto de vos alteza, quamdo nolo
mamdardes, porque por agora nam vejo eu na imdia tisouro domde este
feito saya, senam damdo nos noso senhor vrmuz e suas terras e T) trato
dos cavallos nas mãaos, pêra logo comermos dy.
Também, senhor, he muito doulhar o trato dos cavallos, que deste
feito se pôde asemtar, domde nacerá, se elRey de narsymga daasesemta
mill pardaos poios dereitos de mill cavallos, que dará cemta vimte, e nam
parecerá bem dar lhos; e do que eu tenho esprito a vos alteza que tapamdo
o mar Roxo, vos convém dar sayda has espiciarias per vrmuz, domde ave-
rês muy gramdes dereitos, essa espiryemcia tomada a tenho já: ho ano
que emtrey o mar Roxo, foram a vrmuz sesemta nãos carregadas; ho ano
após este, que mamdey poro dalboquerque ao cabo de gardafuny, e que
dese vista adem, como symtiram lá nãos, arribaram mais de L^ nãos a
vrmuz, e os que lá foram com ele todos se afirmam estarem varadas mais
de cL^ nãos na Ribeyra d urmuz, e ser muita imfimda ha mercadaria de
Roupa que hia e espiciaria pêra adem e pêra o mar Roxo, que abateo
hum pouco nas mercadarias das presas que ele tomou; afora isto, senhor,
porque nos a imdia vee já persygír o mar Roxo, gramde soma de nãos me
pedem cad ano seguros pêra vrmuz: tiro, senhor, daquy, que se vrmuz
está em voso poder, e persigimos ho mar Roxo com muy poucas naaos,
que saa de fazer o moor trato do mumdo em vrmuz, mais Rico e mais
proueitpso a voso serviço do que será nehua cousa da imdia, e poderá ser
que se nam virá pidir ho soldo da jemte has feitoryas da imdia, afora o
trato das vosas mercadarias da feitoria durmuz e do trato dos cavalos na
imdia, que já nos outros anos pasados me tocastes em vosas cartas.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 347
Assim, senhor, que a obrigaçam de minhas neccsydades me pôs nesta
determinaçam, porque via diamte dos olhos que m avia de poer em gramde
trabalho e fadiga a necesydade do mamtimemto e soldo da jemte, e afora
isto xeqesmaell emtemder nela, e terem tomado sua carapuça e sua maa
e perversa oraçam, e ser Rex noredim persyo de naçam, homem velho e
cobiçoso, e que tem GIbos comsygo, e estar ho tisouro delRèy e sua fa-
zemda nas suas mãos; e mirabuçaqa, capitam de xeqesmaell, que está
em Rexer, Ribeira do mar da persya, começa de picar com guerra a vr-
muz; e pêro dalboquerque com suas nãos chegou a esta terra omde ele
eslava, e tynha tomado a vrmuz vimte terradas d armada, e fez lhas tor-
nar. E asy todos estes vosos capylães e jemte que de lá veyo estano,
lhes pareceo que vrmuz estava em comdiçam, se lhe nam acudisemos com
tempo. E ainda, senhor^ me fez mais duuida neste caso os embaxadòres
de xeqesmaell, que comlynuadamente emtram na imdia a falar com os
Rex e senhores dela, e Ibe trazem presemtes : prazerá a noso senhor que
se acabará este feito como vos alteza deseja, e se fará huua muy prouei-
tosa cousa em vosa fazemda, e terees alguua cousa na imdia vosa e ase-
nhoreada per vós, que tenha nome, que tamtos anos ha que trylhamos a
imdia sem irmos avamte senam muy pouco ; e já deste feito nam pôde
nacer senam todo bem, pois elRey de narsymga promete sesemta mill
pardaos poios derátos de mill cavalos cadano.
Hy nam ha outra Resposta á carta que me vos alteza escreveo so-
bre vrmuz, senam que ela me fica por extruçam e rrejimemto deste ne*
gocio ; e a casa de nosa senhora da comceiçam se fará na milhor mes-
quyta e mais manifica obra que na cidade se achar: ho embaxador nam
he sabedor de minha determinaçam : as nãos da imdia tomaram seguros
pêra lá e licemça de levarem espiciarias; cananor lá mamda tresnaos,
com a comdiçam de meus seguros, que venham cos cavalos a goa, e ou-
tras doutras parles, que arreceam barmada de vos alteza, que se come-
çam dajumtar, e lhes parece que nam tem outra asitaçam senam pêra o
mar Roxo e adem, e am por segura navegaçam a d urmuz^ e tiram laa esta
escapola muitas nãos e espiciarias: o que daquy, senhor, nacer, vos al-
teza ho saberá em seu tempo; senam, comfio em noso senhor, que tem
cargo das vosas cousas, que em seu tempo as traga ao fim que desejaees.
Fez me vos alteza lembramça na mesma carta durmuz, que partimdo
eu da imdia, ficasem as cousas seguras e prouidas em tall manen^a que
nam Recebesem nehum trabalho, que a conservaçam do ganhado era mais
44^
348 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
que ganhar oulras de novo. Digo, senhor, que asy saa dcmtemder ese
feito., e minha partida com ese Resguardo ha de ser; e pêra vosalleza vér
como ese feito fica prouido, cochim, cananor e calecut parece me que es-
tam dasesego e seguros com sna jemlc e artelharia e prouimemto de seus
raamlimemlos, e os Rex da terra a voso serviço e muy mamsos, e paz em
toda a terra do malavar, como mamdastes, chêos de dereitos e de vosos
tratos; nam temos aquy que oulhar e dar Resguardo, senam a goa e ma-
laca. Foy prouido malaca ho ano pasado de jemte, nãos e capitam c ar-
mas, alcaide mór e esprivâees, como mais largamemte em outras cartas
dou comta a vos alteza, e até gora em calma está tudo o daquelas partes
despois do desbarato d armada dos jaós, e nam ha hy^ ajumtamemto em
jaoa nem em nehua outra parte sobre malaca: goa nam duuido nada de
ser persyguida dos mouros, porque, tenha vos alteza por cousa muy certa,
que Rodes nam atormemta mais o turco do que goa tem feito aos mou-
ros da imdia, f reo e cutelo he sobre seus pescoços ; dor tem de nol a ve-
rem em poder; se algum ajumtamemto se òuuese de fazer na imdia, so-
bre goa avia de ser, pêra nol a tirarem das mãos e a eles de sojeiçani,
mas eu vejo os mouros da imdia estar dasesego. E crea vos alteza que
se meles podesem torvar ho camhiho do mar Roxo, e me fazerem tornar
atrás, e nam partir da imdia, que eles o fariam, porque, asy pêra seus
tratos e sua seita e sua casa de perdiçam e sua Romaria, gramde açoute
Receberam em lhe emtrarmos o mar Roxo, e se eles deixam este ajum-
tamemto de fazer, nam he por ali senam porque nam podem fazer corpo
pêra se defemderem de mim que hos nam destruya, e podem se ajumtar
pêra me fazerem entreter minha ida; mas nehuua cousa destas nam vejo
na imdia, quamto mais que goa he gora mais forte cousa que ha na cris-
timdade; fica lhe bõoa jemte, cem cavallos, gramde abastamça de mamti-
memtos; fica na costa christóvão de brito e o navio Rumy com ele, e ficam
sete galeotas de goa, e eu a balrravemto com toda armada, omde poso
aver Recado da imdia até fim de mayo; junho e julho podem estar sem
mim, na fim d agosto sam logo na imdia; se vem Rumis, amme d achar
na costa de div e cambaya em corpo e jumto com harmada toda, e se
nam vierem, creo que nam bulyraa nehua cousa comsygo, e tudo, com
ajuda de noso senhor, estará dasesego; todavia, neste caminho que faço,
mamdarey nãos sobre adem, e que venham imvernar comigo a vrmuz, e
creo que sempre fararo proueito.
Toca me também vos alteza em se nam destroir vnnuz: nam he peça
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 349
vrmuz senam pêra a comer e defemder, e esa foy sempre minha lemçam
e será. E imda, senhor, torno a dizer a vos alteza o que vos esprevy o ano
que vim de malaca, que vrmuz ha de ser tam gramde escapola na imdía
que sespamtem as jemtes, e avees daver mayores dereitos das espicia-
rias do que o soldam avia das que hiam a judaa, porque, como tirarmos
a navegaçam d adem e judá, que com ajuda de noso senhor se acabará
muy cedo, nam tem os mouros outra sayda que dar has espiciarias e mer--
cadarias da imdia senam per vrmuz: pegai vos, senhor, bem com noso
senhor que acabe estes feitos como Ih ele deu os começos, non o desviem
nosos pecados por outras partes, que a imdia, segumdo a pouca jemte
que tem, ajuda á mester de noso senhor, e aimda que ha tenha, mester
ha que trabalhemos por lhe ganhar ha vomtade: esprila em cananor a
xibi] dias de novembro, amtonio da fomseqa a fez, de 1514.
(Por lettra dé Albuquerque) feylura e serv}'dor de vosa alteza
Âfomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A Eli lley noso senhor *.
CARTA XC
1614— Novembro 27
Senhor. — Bem he que fale a vos alteza na devasidade dos vinhos
das naaos da carga, asy dos das partes como dos vosos, porque se tenha
laa tall maneira daquy em diamte, que se nam faça o que se até gora
fez: as partes a que vos alteza laa dá licemça que tragam vinhos, a ma-
neira que tem he esta: carreganos seus sobre cuberta ou já por derra*
deiro; os capitães mamdamlhos dar a beber na viajem, dyzemdo que se
lhe pagaram qá na imdia dos vosos, e bebem lhe suas pipas atestadas, c
quaa pagam lhas desa maneira, e as de vos alteza chegam qá meãs e mui<
^ tas delas vazias^ que se se bebesem na viajem, pela vemtura nam averia
hy tamta quebra neles, afora beberem o vinho das partes, que sam de
muy baixo preço, e quaa põem lhe nome dos postos e lugares domde eles
querem, e asy aos capitães acho lhe suas pipas todas atestadas, e a louça
1 Torre do Tombo— C GbroQ. P. 1% M. 16, D. m.
350 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
das vosas nãos todaa vazia; e nam abasta nam emlrarem has avalyas com
vos alteza, mas aimda querem suas pipas cheas e dos milhores vinhos que
ha nao traz; has vezes Releva isto quynhemtos curzados e ás vezes mill
em hua armada: as pipas, senhor, das partes deviam de vir marcadas per
vosos oGciaees c asemtadas no livro dó esprivam da nao cada hua com
sua marca; na imdia seu dono, se as achase vazias, que vazias as levase,
e se as achase cheas, asy também ; esta determinaçam está quá na imdia
no testemunho do despenseiro, que por dez curzados que lhe dem de
peita, dará quynhemtos de ganho a hum homem, em quem nam está mais
que dizer estas pipas atestadas e de boom vynho sam as de foam ou de
foam, e asy, senhor, se paga ás vezes quaa vynho ás partes, porque dam
testemunhas de como ho hy meteram, sem virem asemtadas no livro do
esprivam ha emtrada na nao; a despeza, has vezes lho acho nos livros;'
has vezes está na fé do capitam que lhos mamdou beber, este feito : es-
prita em cananor a xxbij dias de novembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e seruydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey nosso senhor *.
/
CARTA XCI
1614— Novembro 28
Senhor. — Nam se despachou quaa ho feito de gaspar pereira, nem
se emmendaram na imdia seus erros, pelo credito e carregos que trouxe
de vos alteza: lá mamdo o auto de suas culpas, e ele que se vaa livrar
ante vos alteza, pois lhe eu quaa parecy juiz sospeito: lá tenho esprito a
vos alteza o que até gora fez na imdia em dano do asesego delia e das
cousas de voso serviço, cuidando que poderia danar a jemte e capitães
comigo, seno ninguém poder emtemder, porque destas manhas husava ele
no tempo do viso Rey : nam he, senhor, homem pêra este carrego, porque
nele nam ha segredo, c he cheo de todolos mixiricos e emburylhadas do
mundo; tinha me danado parte dos capitães, como fez no tempo do viso
1 Torre do Tombo —a Cbron. P. 1.% Mtj. 16, D, 123.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 351
Rey; danou diogo pereira, que lá foy, e o fez íiazer a caria verdadeira-
memle; danou amtonío Realí e Louremço moreno, elRey de cochim, jorje
de mello e elRey de cananor e o embaxador dei Rey de cambaya, e ci*
diale tnisijeiro de roiliquyaz, e chegou a sua voz até cidade d urmuz, que
aimda agora diziam que queriam esperar se vinha outro governador: he
homem, se vos alteza meter a mão nele, nam achará nele sustamcía pêra
nehua cousa senam pêra danar dous arrayaes, e nisto sabe mais que to-
dolos outros homeens: ese embaxador que de cananor foy examinado,
elle foy o que ordio essa teya; peço a vos alteza per mercee que aja por
muito voso serviço tirallo da imdia, porque segredo nam ouuera de fiar
delle: qeria senir seus ofícios nam como oficiall, mas como senhor dei-
les; descobria todos vosos segredos, quamdo me queria culpar diamte
dos homeens; fazia hum rrejimento de vos alteza ha sua vomtade; fazia me
aluaraes cheos demgano, pêra ver se os passava eu; he homem que tem
a comciemcia grossa, gramdisimo arrenegador» homem muy pirygoso pêra
amdar ha orelha de ninguém.
Lá verá vosaheza suas cartas que mespreveo, quamdo a vos alteza
espreveo que nam qeria eu fazer seus oGcios com ele; he homem des-
cortees e mal imsynado; joham de sousa será bõoa testemunha do que
m ele dise peramt elle : crea vos alteza que foy espiciall mercê de deus nam
querer ele ir comigo d armada, porque me danara ele quamtos capitães e
jemte tinha: mamdeilhe carregar todo seu ordenado e camará; lá a des-
pache vos alteza e sua vida como vir que he seu serviço: estou muy pres-
tes pêra rreceber quem vos alteza mamdar, e de qem comfiar as cousas
de seu serviço e de seu segredo : por agora tenho provido pêro d alpoem
dos ofícios que ele trazia, tiramdo prouedor de vosa fazemda, pesoa com
que descamso e de segredo e de que coihfío cousas de voso serviço e se-
gredo e de minha obrygaçam, e em outros muitos carregos ho emcarrego
mevdamemte de cousas de vosa fazemda e doutras mevdezas muy muito
necesareas, porque sey que he pessoa que me nam ha demganar: tem
bua voz na justiça no despachar dos feitos e nas cousas de voso serviço,
em que mevdamemte ho emcarrego, leva muy desordenado trabalho, por-
que hy nam ha ora dia em que nam aja hy que fazer nas vosas cousas.
Dei lhe com estes trabalhos coremta mill rs. mais sobre o que tra-
zia, e os quintaes que lhe vos alteza ordenou; e o mais que ele merece que
ho ponha de minha casa, tudo he voso, eu ho ey por muy bem empre-
gado, porque sey que ha de fazer com muy espicial cuidado as cousas
352 CARTAS DE AFPONSO DE ALBUQUERQUE
que Ih encomendar, e que. ha ás vezes de tomar minhas culpas sobre sy,
e que me nam ha de danar os homeens : he homem com que tenho des^
pejo, e com que muito comfio : toda a mais mercê que lhe vos alteza fizer,
vos beijarey as mãaos por ella : por agora nam m ousey mais d alargar
com elle que ho que dito tenho: fica por ouuidor o que ho era, hum ho-
mem homrrado e de bem, que se chama vasco de vilhana e te m o a vito
de christos, homem latino e de boom entemder e delijemte; tem xbiij rs^
CO oficio, eslaa ho despachar dos feitos comigo, e dom garcia meu sobri-
nho, sesta oriíde eu eslou, e quallquer cnpilam de forteleza, omde quer
que eu isliver: se mall fizermos o feito da justiça, será pelo nam enten-
dermos milhor.
Nam se danou gaspar pereira na imdia senam porque ho fauor gramde
que lhe vos alteza deu pêra ele husar bem de seus carregos, e as cousas
de voso serviço se fazerem com milhor cuidado e rrecado, empregou este
fauor em suas manhas e custumis e husar de sua comdiçam; e eu, se-
nhor, fauorecia seus oficios e o fauor e omrra que de vos alteza trouxe,
por omde a vosa jemtc e asy a da terra tinha credito nelle, em tall ma*
neira, senhor, que nunca lamçou palavra pela boca que nam pegase, e
que me nam fizese muito dano e muito mall ; e desta maneira se danou
Lourenço moreno, amtonio Reall e Diogo pireira e outros alguuns desta
masa, cheos de carregos de voss alteza e de favor e credito, pêra com ele
se fazer milhor as cousas de voso serviço, e eles atribuyam tudo a suas
pessoas e suas comdiçõees e presumções e famtesyas, e nas cousas de
voso serviço e vosa fazemda e proveyto que eles tem feito, quamdo lhe
vos alteza tomar a eomta, se verá o que acrecemtaram em vossa fazemda
com seus carregos e omrras, mercês e fauor que de vos alteza tem, e mi*
nha ajuda de fora, que numca lhe faleceo.
Qem vos nestas parles bem ouuer de servir, o credito, omrra e fa*
uor que lhe vos alteza der, ha o d empregar nas cousas de voso ser\'iço e
proueilo de vosa fazemda, pêra se tudo fazer com dilijemcia e boom cuy-
dado e boom Recado, e saademtemder o fauor e credyto e omrra que
vos alteza dá a vosos oficiaes; mas eles corrompem e danam tudo e com-
verteno em suas fazemdas e omrras, e em suas paixões vimgativas a jus-
tiça, o poder de dar os seguros, as chaves dos vosos cofres, poder de pa-
gar soldos, isemçam no meneo de vosa fazemda: as pessoas a que vos ai-
> Dezoito mil réis.
CABTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 353
teza isto cometep com poder e licemça de tratarem na imdia» mais se
aproueitaram eles destas cousas pêra se fazerem Bicos e de gram fazemda
que de dobrarem voso cabedall na imdia: veja tos alteza os seus livros e
sua comta, emtam se verá se sou homem em que ha verdade, e se em-
temdy eu bem este jogo; portamtOi senhor,, oulhe bem vos alteza a quem
daees voso credito e fauor, porque eu trago quá tudo isto muy vivo diamte
dos olhos dos homeens, por homde bua muy piquenina palaura ou carta
de vos alteza que quá emtra, faz logo dar quatro voltas ha imdia, tam es-
pertos U*ago os espritos dos homeens nas cousas de voso serviço ; e no
acatamento e obidiemcia de vosos mandados nam sam as cousas de vosa
determinaçam duras demtrar na jemte, como nos tempos passados: agora»
senhor, ordenay as cousas de voso serviço como vos milhor parecer, mi-
nha obrigaçam he avisar vos somemte de tudo o que pasa, e dos emcom-
viniemtes que as vosas cousas podem Receber, e dos danos e perygos que
se dy rrecrecem, e do trabalho e fadiga que ás vezes por este rrespeito
Recebe minha pesoa e as cousas de voso serviço e fazemda e minha obri-
gaçam: esprita em caoanor a Tohn] dias de novembro, amtonio da fom*
seqa a fez, de 1514*
(Por kttra de Albvquergue) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *•
CARTA XCn 1
r
1614— Dezembro íi
SenhiH*. — Eu tenho tanta necesydade de mem paremtes vos falarem
por mim, e Reqererem minhas cousas amte vos alteza, que n^m sey como
ouso de i^er por nimguem, porém eu ey de fazer meu dever; beijarey
as mãaos de vos alteza rrecebermo como obra de minha obrigaçam, que
neste caso tenho a minha irmãa e a meus sobrinhos e a meus paremtes:
o por (jpie isto digo a vos alteza he por pere aluares meu cunhado, casado
com minha sobr^^nha, filha de minha irmãa, criada de vos alteza e da se-
i Torre do Tombo^G. Cbion. P. 1.% í^^. 16, D. 124.
45
354 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nhora Rainha; eu fay o que comcerley e ordeney este casamento, e lhe
fiz dar da fazemda de minha irmã e de meu cunhado dom femamdo mais
em casamento do que seu movell e rraiz podia abastar, e que
pere era muy boom fidalgo e merecedor disto e cousa mayor,
todavia se teve Respeito a e omrra e credito que vos alteza linha
de sua pessoa e o comtemtamemto de seus seruiços e de sua bomdade e
cavalaria, e davermos todos por muito certa sua medramça e galardam
de seus serviços, e ser elle tall pessoa e asy aceito a vos alteza e emcar-
regado por vos alteza em carregos omrrados, que nos pareceo que nam
podia deixar daver de vos alteza omrra e mercê, por sabermos que era
cavaleiro, homem avisado, e que ha de dar em todo tempo e em todo feito
bõoa rrezam de sy , como vos alteza já dele tem tomado a espiryemcia :
agora, senhor, vejo esta qebra sua amte vos alteza durar muitos dias, em
tempo que vos alteza se serve jeralmente dos cavaleiros e fidalgos de voso
Reino e comquista os quaes Recebem mercê, Remdas
segumdo cada hum faz e merece por cu-
nhado pere aluares, homem desejador em obras, e em dito
e em feito ser sempre seruidor de vos alteza e feitura e obra de vosas mãos
apartado asy de vosa vomtade e prazer, que nam poso saber que descom-
temtamento he este que vos alteza de sua pesoa tem, que asy o temdes
lamçado de voso serviço ; e quamto me a mim mais parecese que a culpa
deste feito era sua, tamto mais má de parecer e ey de crer que ele certo
o perdam e galardam de vos alteza, como vimoos per espiryemcia em ou-
tras pesoas, serem lhe seus erros perdoados e feita omrra e dado Remda
e mercê, e aceitos a vos alteza; e porque a comdiçam dos purtugueses he
criamos vos alteza e nos castigar, fazer mercê e nos chamar e desagra-
var, e se servir de nós, e nos tirar de nosos arrufos e errados comselhos,
como jeralmente cada dia vos alteza faz, por omde tomamos logo a pôr
nosas vidas ho cutello como noso Rey e senhor verdadeiro, e cada hum
se trabalha por vos merecer devia pere aluares de ser por muitas
Rezões e huum destes ; e se minha pessoa e valia amte vos al-
de isto merecer, eu, senhor, vos beyjarey as mãaos por ele ser
chamado de vos alteza, acomselhado e rreprendido e tornado em vosa
graça e serviço, porque he homem que eu sey certo que tem vos alteza
comtemtamemto de sua pesoa e de todalas cousas homrradas que nele
ha, pêra allgtluas necesydades de voso serviço que Ih emcarregardes; e
esforço me, senhor, a dizer, porque sey que tem vos alteza tomado a es-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 355
piryemcia de sua pesoa e de seus serviços, e que em todollos feitos em
que ele poser as mãaos, que vos ha de merecer mercee: beijarey as mãaos
de vosa alteza lembrar se das alemem mãa sobre mim
pelo falecimento qua em minha companhia e ajud
. . e perder o escamdolo que de mim tem sem tel a pere al-
uares apartado de voso ser vosa corte e sua filha como da morte de
seus filhos: acabada em calecut a ij dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey nosso senhor *.
CARTA XCffl
1614— Dezembro 2
Senhor.— Manoell de sousa se quis ir, ao quall eu dey alcaidaria
moor de goa, de que ele Recebeo asaz proueito : quamdo vym do estreito,
ache o preso de pêro mazcarenhas, que era capitam; creo que hy avia al-
guuâ Rezam pêra iso : alargou ele halcaidaria, e eu provy dela a jam de
tayde: quamdo pêro mazcarenhas esteve pêra ir amalacá, esteve jam de
tayde pêra ir com ele, e vicente dalboquerqe ficou n alcaidaria moor:
agora quise vicemte dalboquerqe ir comigo, e eu provy dalcaydaria
mor a dom Samcho, e manoel de sousa quysera tomar halcaidaria des-
pois que dom joam ouue a capitania, e dom samcho estava já provido
dela; e manoel de sousa me Reqereo bua nao, hy nana avia: Roguei lhe
que ficase qá por estano, que éramos pouca jemte, e parece me que nam
quis pagar a imdia o bemfazer que dela Recebeo em muy poucos dias:
pidio me carta pêra vos alteza e eu lhe Respomdy que ha notase ele, e que
eu hasynarya; porém comtudo ele he boom cavaleiro, e sérvio bem no
cerqo de goa, merece a vos alteza toda omrra e mercê que lhe fizer: es-
prita em calecut a ij dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor '.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.*, Maç. 17, D. 1.
* Torre do Tombo— C, Chron. P. 2.* Maç. 53, Doe. 86.
45 ¥
356 CARTAS DE AFPONSO DE ALBTOJERQUE
CARTA XaV
1614— Dezembro 5
Senhora. — Ha carrega ordenada de vos alteza vay nestas nãos, da
milhor mercadaría que avia nas feitorias, seguindo mandado de vos alteza;
e na outra viajem pasada esprevy a vos alteza como eu tinha emjenho pêra
eu feitorízar mayor fazemda, se vos alteza esforçase ho cabedall: lá mamdo
a vos alteza alguuas cousas de quá, que me deram, porque na minha fa-
zemda nam ha hy outro cabedall senam a delijemcia e boom cuydado
com que syrvo vosas altezas, e asy mamdo ha senhora ifamte dona isa-
bell duas meninas, e ao príncipe alguuas cousas de qá: tudo vay decra-
rado no Roll que vay no maço das cartas de su alteza, omde vay a decra-
raçam de todalas cousas, as quàes leva jemes^teixeira na nao samta maria
d ajuda: esprita na galé gramde a b dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) servydor de vosa alteza
boquerque.
(Sobrescripto) Aa Rainha nosa senhora K
CARTA XCV
1614 —Dezembro 10
Senhor.-— Per outras cartas tenho esprito a vos alteza como lais dam-
tas e a nao sam miguell chegou á ímdia primeiro que christovão de brito,
e como mandey logo a nao e seiscentos quintaes de cobre que nela vi-
nham, e oitenta de marfim que trouue de moçombiqe, a dyu, tamto que
chegou sobre a barra de goa: após isto veyo christovão de brito^ e por
dar aviamento a sua fazenda, e lhe mandar entregar a nao, lhe dey hua
caravela, em que se foy a dyu em basca da nao, em que levou toda sua
^ Torre do Tombo— G. Ghíoa. P. 2/, llaç« 53, Dút^W.
CÀRTAâ DE APFONSÔ DÉ ALBUOUEÍlOUE 357
mercadaria e de seu irmão, e lhe dey hum mandado pêra lhe luís dam-
tas entregar a naõ, como vos alteia ord^ava e mandava! partio christo-
vão de brito de dya, e o áeu piloto acoroouse tamto com a terra jumfo
com chMíll, que íoj dar em hua baixa, vimdo co prumo na mão, per
cimqo braças de notte a surjir: perde se a naó e salvou se o dinheiro que
trazia de dyu; não trazia alaqeqas nem anill nem Roiípa pêra çofala, por-
que, se foram a cambaya, ouueram d achar as nãos da carga; e seja isto
que digo aviso a vos alteza, que as mercadarias que aquele ano vem des-
ses rreinos, nam podem ir a cambaya e serem vemdidas pêra darem carga
ás nãos per dinheiro, que a voss alteza muito comvem, se qerês fazer
proueito; mas este negocio ha mester cabedall e dinheiro dun ano pêra
o outro.
Salvou se cobre que aimda vynha na tiao, e artelharia que hanao
trouxe deses Reinos: parece me, senhor, que vos comvem fazer hfla ley
sobre a pilotajem dos pilotos e obrigaçam deles e de seu oficio, porque
não vejo as nãos voteas perdidas com furtuna no mar, nem per distamcia
de caminho ou emlheo de marynharia, mas parece me cousa feita acimte:
se voss alteza isto nam põe em obra, a dardes est alçada e sopirioridade
ao almh*amte, e pordes em ordem que se livrem por justiça, parece me,
senhor, que nam am de leixar de fazer has vezes algum dano a vosa fa-
zenda; e se neses Reynos emforcam hum homem por furtar hua mamta
dalemtejo, como se nam fará justiça dum piloto que tamta fazemda lamça
a perder sem guardar as comdiçOes do mar e da marynharya e os
resguardos que os pilotos tem e am de ter em seu oficio? certo, senhor,
que se me vos alteza pêra iso der lugar, estreita comta Ih eápero eu quá
de tomar. E seles souberem que ho voso almiramte tem este poder, e
Ih á de ser tomada estreita comta, eles vijyarám milhor seu carrego e sua
pilotajem^ porque o piloto que deu com a ]lao galega através sobre as
ilhas de quylua, dous dias avia que amdava amtras ilhas, vemdoas nos
olhos, e cortou aquela noute com todalas velas e cevadeira pêra escom-
der milfaor a vista dos que vijyavam no castelo da proa: este que deu com
a nao sam miguei através per cimqo braças, vynha ele de noute co
prumo na mão vendo chauH e a jlha que está jumto com chaull; que Re-
zam pôde este tall d^ a deus e a vos alteza de tamanho mall e tamanho
dano como este? que Rezam podem dar os pylotos que partiram do monte
deely demandar os baixos de padua, navegaçam de dous dias e hua noute,
e deram com duas naois nmy graiides e muy Ricas através na meta dos
358 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
baixos de padua que hyam demamdari que he imda pior? mete, senhor,
este feito a caminho, e faça lhe vos alteza mercê quamdo vola merecerem,
e mandayos castigar por justiça quamdo os taes feitos fizerem. Doe me,
seuhor, no coraçam e n alma a perdíçam desta nao, porque estava em ca-
minho de minha partida, e deixava a na imdia pêra Resguardo de muitas
cousas e se comprir o que vos alteza mandava, e asy pelo de christovão
de brito, ser homem casado e fydalgo, que vem ganhar sua vida nas cou-
sas de voso serviço ; e mais hua tam boa nao como aquella era, tam bem
armada e tam bem aparelhada derribai a asy aquele piloto com venta popa
e mar bonança, vemdo a terra e o mar e o porto de chauU e tudo I nao e
nãos pêra o trafego de qaa, com ajuda de noso senhor, apagando a fúria
destes Rumis e o asombramento deles, nam falecçrám, e christovam de
brito ser agasalha (sic) e aproueitado em sua homrra o mylhor que eu po-
der: esprita em cochim a iO dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Âfomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A Eli Rey noso senhor *.
CARTA XCVI
1514— Dezembro 10
Senhor. — Per outras cartas' dou comia a vosaheza de como mili-
quiás torvava quamto podia darem nos asemto em Dyo, e que eu desy-
mulava este feito, e sempre o obrigava com nosa amizade e co as bõoas
obras que tinha rrecebido de mim, e cos desejos que mostrava de servir
vosaheza: agora per derradeiro Ihesprevy huua carta, que eu despachava
as nãos da carga pêra eses Regnos ; que lhe Rogava e pidia que me mam-
dase dizer sua vomtade, pêra a esprever a vos alteza, porque nehua cousa
fizera a vos alteza pidir asemto em dyo, senam a comfiamça que vos alteza
tinha nele, e vosa fortaleza, feituria e jemte ser milhor tratada e oulhada
dele, e outras palavras em que me alarguey mais, acusamdo o e obrigam-
doo a nosa amizade, e amor que lhe vos alteza tinha e comfiamça de seus
VTorre do Tombo— C. Cbron. P. 1.% Maç. 4, Doe. 125.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 359
serviços. Respomdê me esa carta que lá mamdo a vos alteza, e parece me
que se agasta muito, que he synall de nos el Rey querer dar forteleza em
dyo, e eu nam duuido ser ele chamado a isto (sic) fim.
na carta, que lhe dey palavra das suas nãos navegarem com
seu seguro; nam tem de mim mais lugar que pêra zambucos pequenos
virem á costa do malavar e a batecala com sua certidam ; e no que mais
diz na carta, que lhe dise daria seguro pêra balrraharaf, diz verdade,
mas logo lhe nomeey os lugares da costa d arábia, e ele pede me que posa
mamdar adem e a judá, é acomselhame que tome todalas nãos que vem
d adem e de judá: nam digo mais, senhor, neste feito, senam que
os olhos em miliquyaz, que ho emtemdy, e o que, senhor, vos esprevo . .
porque mavees d achar muito verdadeiro, e esta he a mi-
Ihor mercadaria que vos de qá pôde ir, falarem vos verdade: pidy a noso
senhor que me dee vyda e savde, porque compre muito a voso serviço,
que segundo a comdiçam e imcrinaçam dos homeens a que vos alteza daa
fee, ey medo que vos façam mudar o comselho de muitas cousas em que
vejo vos alteza estar asemtado e seguro, como mo quá mostram vosas car-
tas e Recados.
A carta ... em parse que mele mamdou, e vay hum trelado em pur-
tuguês CO ela: foram me dadas a ix dias de dezeoibro em cochim; estas
leva jemes teixeira, e outro trelado vay no maço da segumda vya: esprita
em cochim a x dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripío) A EU Rey noso senhor*.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.% Maç. 17, Doe. 8.
360 CARTAS DE AFFONSO DE ÂLBUQUE{\ÚUE
CARTA XCVn
1614— Dezembro 11
Senhor. — Vy a cârta que me vos alteza mamdou sobre meus galar-
dõees e satisfaçam de meus seruiços e outras muitas esperanças e con*
fianças de meus trabalhos: eu, senhor, creo niso, e confio em deos e em
vosa alteza, e na justa querella que tenho pêra me fazerdes graaoKle mercee
e me dardes honrra e nome honrrado, por algúas rrezOees que aquy
apontarey a uosa alteza: a primeira, senhor, he ter me vos alteza esprito,
anos ha, que me lembrase das cousas de vosa estado^ fama e nome, e de
vosa conquista em tall maneira que as cousas da imdia fosem soadas e
louvadas em toda parte. Gomprio noso senhor vosos desejos, e satisfez
vosa vontade, e pôs as cousas de uosa alteza na fama e nome que agora
tem : nom duvidey minha fraca pesoa polia aos trabalhos e pingos por
voso mandado e rregimento, em compaiiliia diB vosos cavaleiros, que com
suas espadas honrrados feitos acabaram nestas partes, oomo seu capitam
moor per voso mandado, com voso poder e autoridade: a outra rrezam^
senhor, he meus seruiços desagalardoados de dous Rei pasados, vosos
anticesores, os quaees me deixaram com hum paao na mãao e hum pe-
daço de tença que comprey por meus dinheiros, os quaees seruy com
minha seruiçall condiçam em s^uiços escoymados de suas pesoas, e de
fora com todo outro Restante : a outra, senhor, he ser a imdia tam gramde
cousa e tam principall no mundo, que ella per sy obriga vosa alteza fa-
zerdes grande quem hasy conquistou, trilhou, e a someteo a conhecimento
de uoso poder e nome e em sojeiçam: a outra he nom ser nova cousa no
mundo aos grandes príncipes, como vos alteza he, fazerem em seus Re-
gnos e senhorios grandes os fidalgos e caualeiros que fazem seruiços asy«
nados, e põem suas vidas em piriguo por Receberem galardam e mercê,
se lhe deus daa vida; e alguns desta obrigaçam, carecidos de linhajem,
lhe dam novas armas e novo linhagem. Desta obrigaçam tiraram vosa al-
teza meus avoos, os quaees me leixaram boons costados e bQa haçam,
pêra vosa alteza armar em mim tamanho fundamemto quyserdes: a ou-
tra, senhor, he meus c^as e inigha fazepda $9 gastarem em vpsp sçruiço,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 361
como o mondo vee: a outra he o primor e línpeza com que uso de voso
poder e mando, e siruo meu oficio e meu cargo: a outra, senhor, he, con-
fiando em vosos mandados e poderes vim á india, e com elles me ataram
e me prenderam, e me poseram em prisõees e torre de menajem, guar-
dado e vellado, e villmente arrebatado de minha casa e levado : a outra,
senhor^ he a feitura da fortelleza de cochim, asemto e concerto de coul-
lam, e lyvrar hum capitam de vosa alteza das mãaos dei Rey de calecut;
por meu conselho provii em todo e per todo a armada de duarte pacheco,
que desbaratou o poder dei Rey de calecut; e levou me noso senhor a sal-
uamento diante de vosa alteza, onde achey minha fama e meu seruiço
asignado e meu boom rrecado apagado diante de vosa alteza, escondido,
dado a cujo nam era, sem ser ouvido, nem ousar de rrequerer minha
justiça: prouve anoso senhor de ma dar, sem nehum provimento vmano,
como vos alteza sabe; fostes sabedor da verdade, e veo vosa alteza em
conhecimento de meu seruiço, e me fezes tes homrra e mercee, e me pôs
vos alteza em tam gramde poder e mando que o nom tem nehum vasallo
de vosos Regnos e senhorios maior: a outra, senhor, he desarrufarse lou-
renço de brito em purtugall a custa de minha honrra: a outra he vencer
e desbaratar Rex de muita jente nestas partes, e algum poor em trabuto,
e outro lançado fora de sua terra e Regno: a outra, senhor, he pôr vosa
gente a cavallo nas imdias, lavrar moeda em voso nome nas cabeças de
Regnos principaees, que oje estam debaixo de uoso senhorio: a outra,
senhor, he muy gramde e muy asignado seruiço que vos faço, na deter-
minaçam em que me pus de acabar na india, esquecendo me de minha
própria natureza, de meus parentes e amigos, e de todallas cousas que o
mundo e a carne continuadamente traz diante dos olhos aos homens: a
outra, senhor, he a grande confiança que esta minha determinaçam daa
ao negocio da india, asento e aseseguo nos coraçõees dos homens duvi-
dosos no feito delia, e outras muyto grandes cousas e muy proueitosas
pêra quá e pêra Uá, de que já quá começamos de tomar esperiencia, de
hua pequena de fama que quá chegou dese feito: a outra he espreveruos
senpre verdade, e seruiruos neste feito fiellmente.
A outra, senhor, he os trabalhos e perigos que minha honrra e o
galardam de meus seruiços pasaram antre pesoas cheas de credito, auto-
ridade e cargos, emvejosos de meus feitos, os quaees me senpre ajudaram
como meus compitidores, e vos enformavam de quá como homens dana-
doFos de minha honrra, qw foy singullar mereee de deus poder vos fazer
46
362 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
hum bocado de boom seruiço, cerquado de tantos ymigos, mais perigosos
que aquelles com quem temos contynua guerra per voso mandado.
Deixo^ senhor, aquy d apontar os perigos comtinus da guerra e per-
calços delia, minha aleijam^ andar nese mar pegado em hua tavoa; e se
atrás quisese tomar, rrevolvendo os anos pasados, que pasam de trinta e
oito que comecey de tomar armas, senpre me acharia em todos os traba-
lhos e seruiços do Regno muy continuo em vosa corte: a outra, senhor,
he o estado da india e a segurança delia, crear tudo pello poder de deus,
como vosa alteza pôde desejar, naquelles lugares principaees e proveito-
sos que seguram o estado da imdia, e põem vosos feitos em gram credito
e fama; e prouvese a noso senhor que o podese vos alteza ver, e a bor-
dem das cousas o caminho que levam, pêra me vos alteza fazer grande,
e ter em muito gramde estima.
As outras cousas geeraees de merecimento ante vossa alteza sam
tantas que as escuso aquy d apontar a vosa alteza, porque sey que está
tudo em vosa lembrança; abasta os serviços principaees e asygnados, os
quaees sam de tamanho merecimento que bem pôde vosa alteza obrar em
mim obra de vosas mãaos e de voso poder: lenbrovos, senhor, que se fa-
zes fundamento da india, e minha pesoa acabar nella, que me deves de
fazer muito grande mercê e muyto rriquq, porque, quando ás vezes me
de Há nom vir socorrido, e me vir quá em algua necesidade, posa abrir
o meu cofre, e achar nelle cinquoenta ou cem mill cruzados, com que
conserue as cousas de uoso estado e de voso seruiço e minha obrigaçam ;
e nom diguo isto por desejar dinheiro, mas porque he hua das cousas
que vos mais compre obrar na india, porque, mercês a deus e a vos alteza,
dinheiro tenho jaa, e ás vezes o gasto francamenti nas cousas que acima
apomto, porque se nom pôde ai fazer, e quanto mais crecer o estado da
india, tanto mais me poerá em mayor obrigaçam. E pois que eu tamanho
peso e carga tomo ao meu pescoço, onde eu ponho minha vida por voso
seruiço cada ora, da fazemda me quero ajudar pêra este feito, quando
me conprir.
Quanto he, senhor, ao credito, honrra, estima de minha pesoa antre
vosos capitãees, caualeiros e fidalgos, gente d armas, ofeciaees, Rex e se-
nhores destas partes, de que vosa alteza aprouve de me prover, e asy a
este corpo da india, que antre as cousas de vosos Regnos e senhorios he
a maior cousa, eu, senhor, vos beijo as mãos por iso, e me fezestes muito
grande mercee, e senpre tiue confiança em noso senhor, que abreria a
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 363
carreira da verdade, e seriees em conhecimento de meãs linpos seruiços;
e afora o que diguo, esforçastes as cousas de voso seruiço, posestelas em
credito e autoridade e estima que a vosa alteza muy muyto compria, por
tall que as cousas de voso seruiço nom Recebesem senpre força: nom fez
este feito pouca mudança nos coraçõees de vosas gentes e nos Rex e se-
nhores desta terra e na openiam da india e conseruaçam do ganhado em
paz. E afora tudo isto que acima diguo, nom se trabalharam os homens
tanto por se danarem ante vosa alteza, espreuendovos de mim e das cou-
sas da india o que nom devem, e o que nom he.
Quanto he, senhor, ao que poso bem dar de vosa fazemda aaquellas
pesoas que por seus seruiços o merecerem, beijo as mãaos de vos alteza
por tanta honrra e mercee como esta he; e posto que eu seja de catiua
condiçam nas cousas de uosa fazemda, aas vezes comprirá por voso ser-
uiço darem se alguas dadyvas com aquella onesta temperança que seja
bem; e com esa fama que quá chegou, sem a eu rrevellar aa jente, lhes
pareço já agora mais fermoso, e se trabalham mais por me comprazer, e
alguns se esforçam fazerem seruiços asynados a uosa alteza quá nestas
partes por meu mandado, e outras branduras e masiezas que acho na
jente.
E asy, senhor, me fez vos alteza muy grande mercee nas cartas que
vos alteza de llâ mandou pêra prover alguas pesoas de cargos, ofícios e
capitanias, e eu o fiz aaquelles que me pareceo que vos alteza e o Regno
tynha mais obrigaçam d agasalhar e dar de comer, desas poucas cousas
que se acertarão estarem vagas; e folgaria muito de acertar neste feito o
querer de vosa alteza: esprita em cochim a xj dias de dezembro de 1514.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e seruydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescrípto) A El Rey noso senhor *.
1 Torre do Tombo— C. Chron. P. 1.', Haç. 17, D. 11.
46*
364 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA XCVffl
1514— Dezembro 15
Senhor. — Eu privey do oficio a garcia coelho, e o serve pêro bar-
reto, e a rrezam por que, he esta: eu vy que nos provimentos mevdos da
casa e gastos se compravam as cousas por mais hametade do que valiam,
comprado tudo aos Regatáes, e os mesmos Regatães eram vosos oficiaes,
que traziam arroz, trigo, sahtre, cairo, ferro, lynho, mamteiga, azeite: to-
das estas cousas levavam a cochim, e o tinham em casas, e daly o mam*
davam vir ha feitoria, e s emtregavam de mui boohs cruzados do voso co-
fre; asy, senhor, que todo seu trato era co a vosa feitoria: parece que
achavam aly milhor paga e mylhor despacho a suas mercadarias: mam-
dei lhe por Rejymento meu, que negoceasem ho provimento das casas de
fora em nãos da terra, e que esprevesem a francisco corvinell, e que lhe
mandaria tudo menos meyo por meyo, e que nam comprasem a nehum
Regatam mais nehua cousa.
Como me party de cochim, semdo lopo femandez em dyo com mer-
cadaria de vos alteza em emxobregas, garcia coelho lamçou em despesa
ao feitor três mill cruzados de compra destas cousas, fazemdo cabeça e
autor desta vemda a janaluares de caminha, comtra meu Rejymemto e
determinaçam.
Item: asy a dous homeens que acutilaram o meirynho, e o aleija-
ram dambalas mãaos, e se acolheram á igreja, achei lhe pago gramde
parte de seu soldo depois d estarem na Igreja, semdo contra voso Reji-
mento, e tendo eu deixado per Rejimento ao feitor, que nam pagase soldo
a nimguem, pela desordem que nese feito achey, quamdo vym do mar
Roxo, porque achey muy gramde dyvida de soldo a carpimteiros, cala-
fates, ferreiros, tanoeiros e aos casados, e seus aliados e criados todo seu
soldo pago.
Item: achey a garcia coelho dous anos damte mão pagos de seu
soldo, e nam me pareceo isto bem, porque ele era ho que lamçava em
despesa, e fazia toda esta desordem: lopo femamdez nam era neste feito,
e quamdo veo de dio guardou meu Rejimento, e nam lamçou ao tótor es-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 365
tas compras em despesa: preguntey a garcia coelho se vira ele comprar
ao feitor aquelas cousas que Ih ele lamçava em despesa, diseme que nam,
mas que ho feitor lho disera: tomando esta comta a garcia coelho, me
dise que lhe perdõase, que era homem noYO, e que ho nam emtendia mi-
Ihor. E achei lhe dados quatro bahares de vermelham pelo preço da casa.
Acudy, senhor, a vosa fazemda e a vosas feitorias com boons ho-
meens e de bõoa comciemcia e de boom saber no trato da mercadaria,
porque amda tudo muito curruto e muito danado, e tomam Rija vimgamça
de seus despeitos na vosa fazemda; portamto, senhor, quamdo bulirdes
co ordenado dum feitor, tirayo primeiro do oficio; e o mais, senhor, nam
quero dizer, nem obrar neste caso, porque sam homes de muito credito
e de que comfiastes vosa fazemda, e eu nam ouso asy lijeiramente de me-
ter as mãos neles, e mais ora estou em malaca, ora no mar Roxo, ora em
vrmuz, ora em goa, e prouejo estas cousas de tarde em tarde, que nam
poso mais fazer: esprita em cochim a xb dias de dezembro de Í5i4.
(Par íettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A El Rey noso senhor *.
CARTA XCIX
1614— Dezembro 18
Senhor. — A cheguada de luys damtas aa yndia foy em muy boom
tempo, e a segunda nao que surgio na costa da yndia; e porque já em-
tam tinha o maço da primeira via, que veyo per framcisco pereira, e sa-
bia a determinaçam de vos alteza, e como a nao sam myguel vynha hor-
denada pêra o trafegue de caa, o mamdey loguo a dio vender ese cobre
que de lá trazia e marfim de moçambique, como já tenho dado comta per
outra a vosa alteza: chegou a dio, e comprio o meu Regimento ynteira-
mente com todolos Resguardos que nele hiam, e miliquiaz mo espreveo
asy, louvando me muyto o boom Recado que tinha na jemte e em sua nao,
a qual eu Reformey de mays gemte e artelharía, pela nova quemte que
» Torre do Tombo— C. Chro». P. !.% M. 17, D. 18.
366 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
emtam avia dos Rumes, porque, se viesem empeeçar nela, que dése luys
damtas boa Razam de sy.
Nom tardou muytos dias que christovam de brito chegou, e na ver-
dade, senhor, eu quysera deixar estar a nao asy, e elle aguardar a tor-
naviajem dela, e alememtou me tamtas vezes a sua perda de suas quyn-
taladas e da venda de sua mercadaria, que socedy a seu querer, e lhe dey
hua caravela em que levou toda sua mercadarya, e seu yrmão e elle fo-
rom em busca da nao, a qual lhe luys damtas entregou sobre dio, quasy
toda a mercadaria despachada, com todo boom Recado e provymento asy
da vosa gemte e mercadaria e mamtymemtos, que lhe muyto emcarreguey
a guarda dela: tyrou de tudo huum asynado, que lá leva, e se veyo na
caravela, e me trouxe cartas de meliquaeaz
nem toma / em Ricas
companha E que elle veyo
por vese a vosa alteza o comtem dele ficava e de
seu boom Recado e como vos sérvio nesta yda de dyo, no tempo em que
os outros fyzerom o emprego de suas fazendas á sua vontade, que já,
quando veyo, a nao era quasy carregada, em que Recebeo açaz de perda,
e baratou mal sua fazenda por feitorizar bem a de vosa alteza, como fez :
feito em cochim a xbiij dias de dezembro de Í5i4.
Item: senhor, vyndo elle na caravela, depois de emtregar a nao, a
topou perdida sobre chaul, e salvou dela muyta mercadaria e artelharia
e outras muytas bOas diligemcias que nese feito fez, de que ele dará comta
a vosa alteza.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A El Rey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso dalboquerque sobre luis dantas ^
1 Torre do Tombo — G. Chron. P. 1.*, Mi^. 17, D. 23,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 367
CARTA C
1614— Dezembro 20
Senhor. — Faley a elRey de cochim ácerqua de se tornar christãao,
como me vos alteza spreveo; era hi duarte barbosa por lingoa, e pêro
d alpoem e eu, e lhe toquey todalas palavras da carta e outras RazOes de
meu fraco saber, ajnda que nom fosem tam fumdadas como as de garcia
monyz pêra tomar hum homem gemtio aa fee de noso senhor, depois de
lhe teer dito o amor e bOa vomtade com que o vosa alteza chamava pêra
sua salvaçam, tendo lhe já feito tamta homrra e mercê, e asemtado em seu
estado e defendido doutras pesoas a que o Reyno pertemcia de direito,
como elle muy bem sabia; elle me Respomdeo, que lhe parecia aquylo
cousa nova ; que vosa alteza lhe sprevera per muytas vezes, e nunca lhe
em tal tocara: emtam lhe amostrey a carta de vosa alteza, e lhe dise, que
se leera elle as cartas que lhe aquele ano vieram? Respomdême que
aymda as nom tinha lydas; após isto me dise que noso Senhor asemtara
aquy esle pedaço de terra do malavar debaixo destas serras, e quysera
que todos fosem gemtios, e vivesem por seus custumes: emtam lhe Res-
pomdi, que se aquylo era asy, quem trouvera aa terra do malavar o nome
do noso senhor ihesu christo e a sua cruz e tamtas pavoaçOes de chrís-
tãos e ygreyjas feitas como as nosas, padecendo elle por nos Reemyr e
salvar em iherusalem tam lomge da yndia? que bem sabia elle que noso
senhor por seu poder emviara sam tome apostolo e dicipulo seu a estas
partes, e convertera muytos gemtios aa sua fee, e jazia soterrado na yn-
dia: confesoume que era verdade: faleylhe em seus custumes, em que
viviam tam cheos de erro e de vicios, asy pêra a vida deste mundo e
comtemtamento dos homens como pêra salvaçam da alma no outro: que
bem sabia que nom avia homem malavar que soubese qual era seu filho,
nem seus filhos nom erdavam suas fazemdas; que parecia mays custume
d alimárias que domens cheos de Rezam e de syso como eles eram. E
que nom tinham letras, nem fundamento, nem ley, senom que se lava-
vam como mouros ; e que elle sabia bem que nós tinhamos ley dada por
deos, falada por sua boca no monte synay, que era muy perto domde
368 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nós estávamos: comfesoume que era verdade, e me dise que, fazemdo
elle tal cousa, a gemte o nam poderia sofrer. Eu lhe Respondi, que mes-
pamtava delle dizer tal cousa como esa; que bem via elle que contra seus
custumes era elle Rey de cochim, e comtra seus custumes era obidicido
e temydo da gemte, e ysto per mandado de vosa alteza, e por voso que-
rer eslava asentado na cadeira de seu estado, obidicido e temydo dos seus
e acatado doutros muytos amygos e aliados; asy que quem duvidava,
sendo elle christãao^ o nam fose mais, e nam tivese mais força, e aynda
sabendo as gemtes que sua eramça e suas terras aviam de ficar a seus
filhos? Hl se lhe lembrava a elle que seu tio hia comnosco aa ygreija,
adorava ao noso deos, tinha acatamento ao noso altar e a cruz, e lhe fa*
zia sua Reverencia, estando elle hi presemte? dise me que era verdade.
Depois de pasada muyta prategua sobre este feito, conforme aa carta
de vosa alteza e a vosos desejos, elle me Respondeo, que esta cousa era
grande, e era necesario dar lhe lugar que cuydase nyso« porque cousa
tam nova, que nunca fora cometida senom agora, nom podia logo asy li-
geiramente dar Razam do que faria. E mais me dise, como nom come-
tera eu aquylo a elRey de cananor e a elRey de calecut? eu lhe Res-
pondi, que vos alteza me mandara que a elle falase primeiro, como a pe-
soa a que tinha mays amor e afeiçam, e depois a elRey de cananor, e
lhe amostrey a carta ; e no cabo de nosa fala estava já mais brando hum
pouco, e Recebia mylhor alguas Razões que lhe punha diamte, e a tudo
me Respondeo, que elle era seruydor de vosa alteza e feitura de vosas
mãos, que esta cousa era muy grande, que era pêra elle cuydar muyto
nyso; eu lhe Respondi que era muy bem.
O que me pareceo dei Rey de cochim em suas Repostas, he o que
direy a vos alteza: ele anda hum pouco picado desta paz de calecut, muy
Receoso do outro Rey, porque ora o amyaça que se tornará christão, e
que lhe emtregarám o seu Reyno, outras vezes lhe diz que alargará parte
dos direitos e da terra a vosa alteza, e que lhe dará seu Reyno: pare-
ceo lhe, quando lhe isto cometi, ser cousa fundada sobre este alicece, e
posto que o eu emtendese muy bem, nom lhe quys eu tirar esa duvida,
nem lhe toquey nada nese feito, soomemte lhe dise per derradeiro, que
quando elle nom quysese ser christãtf, que nos deixase cryar o primcipe
antre nós, e tornar se christão, como vos alteza o desejava e queria: a tudo
me Respondeo, que queria cuydar nyso. E pois que já agora isto fica
movido per mandado de vos alteza, sempre me trabaJharey, quando o
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 369
tempo der lugar, polo mover a ese feito e asy a elRey de cananor: pra-
zerá a noso senhor que seram tocados da sua graça, e os meterá em ca-
mynho de sua salvaçam: estes malavares gemte sam que ligeiramente se
comvertem todos aa fee, e continuadamente se bautizam, e pesoas hom-
radas e de bem: sprita em cochim a xi de dezembro de 15i4.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque,
( Sobrescripto) A El Rey noso senhor*.
CARTA Cl
1516— Setembro 22
Senhor. — Pelas naaos do ano pasado tenho dado Rezam a vos al-
teza da mudamça de meu comselho e determinaçõees, as quaes me fa-
zem fazer as necesydades da imdia, e outras vezes as nãos da carga, que
gastano tempo da navegaçam, como já per muitas vezes tenho esprito a
vos alteza; e pela vemtura quer has vezes noso senhor, que traz ho feito
da Imdia nas mãaos, mudar vosa determinaçam em outras cousas de mais
voso serviço e proveito: vy isto que digo, pela minha vimda a vrmuz,
temdo asemtado e determinado na minha vomtade emtrar outra vez ho
estreito: vemdo as necesydades do pouco mamtimemto e pouca jemte que
tinha, determiney vyr a vrmuz, como vos alteza já lá tem visto per cartas
'minhas, e que crecese mais em fustalha mevda; tudo era com fumda-
memto de ha leixar em quallquer forteleza que fizese demtro no estreito,
e asy em vrmuz, omde agora estou.
E porqe dee a vos alteza huua peqena e breve comta dos mamti-
memtos com qe party da imdia, eram cimqo mill fardos d arroz e certas
pipas de mamteiga, hum pouco de bizcoito e bem podre, e huuns poucos
de caçQees de cananor, e hua bõa soma de vacas de goa; a gemte seria
mill e quynhemtos purtugueses e seiscemtos malavares archeiros, e alguus
gorometes, trezemtos galeotes cativos em duas galees e hua galeota, e co*
remta e oito canarins, homeens cristãaos novos de goa em dous bragam-
tins, Remeiros, e cimquenta malavares Romeiros dos quatro caturis. Per
'Torre do Tombo— C. Ghron. P. i.*, Maç. 17, D. 28.
47
370 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
esta comta, ajudâmdome noso senhor, podia ter mamtimemto pêra dous
meses: emtramdo com este prouimemlo ho estreito, pela me vira^ em
gramde necesidade e afromta, nam tomamdo lugar em que fornecese ar-
mada de mamtimemtos; e este Receo me fez mudar ho comselho, como
já dito tenho, porque a vimda durmuz debaixo de voso mamdado e Re-
jimemto está, e semdo cousa tam primcipall, nam estar já bem atada e
segura em poder de vqs alteza, parecia mimgua gramde, pois que, graças
a deos, com este feito acabado nam temos já outra pemdemça na imdia
senam a do mar Roxo e adem, a que nós nos achegamos muy perto com
este feito durmuz, que deu gramde credito e comfyamça haas cousas da
imdia, afora segurai a vos alteza dos imcomviniemtes que vos já lá lenho
escrito, e o mais que vrmuz per sy pôde dizer e alegar.
Vrmuz nam levou ho caminho determinado per vos alteza, por al-
guuas rrezõees, das quaes largamemte darey * per outra a vos alteza, quamdo
Respomder aos maços das nãos que estano seram na imdia, e isto se as
cousas durmuz derem lugar que eu toqe as nãos amtes que se elas vam
pêra eses Reinos, porque bua tam gram presa como temos nas mãaos,
nam he pêra alargar asy , sen a primeiro segurar em tall maneira, qe nam
obrigue depois a muito, porque seguro, seguras estam todallas ou-
tras debaixo de seu mamdo e senhorio, e eu creyo . . . el Rey fi-
cará seguro e a cidade e todo mais .... seu senhorio e terra, ataa que as
necesidades em ... me vejo de pouca jemte e outras cousas dem lugar
a se executar vosa determinaçam : aja o vos alteza asy por muito seu ser-
viço e cousa muito proueitosa, porque craramemte, senhor, nam se po-
derá mais fazer pêra vrmuz tomar asemto e asesego, e a jemte e merca-
dores conhecerem nosa justifícaçam e verdade, e as emtradas e saydas
das mercadarias navegarem, como agora fazem, debaixo do seguro de
vos alteza e com fíamça; e este asombramemto dos Rumis m acharem sem-
pre em corpo jumto, ou algua necesydade que sobreviese a esoutras par-
tes da imdia, porque vrmuz nam he a fortelezã de cananor e cochim, que
se ha de guardar com oitemt omeens, mas ha mester peso de jemte, e
boom comselho que a goueme e tenha a dereito, porque ela pagará tudo,
e asy como obriga a muito, asy Remde muito, e he bua muy primcipall
antre todalas da imdia e muy gramde: nam he pouco, senhor, chegar-
^ Julgamos que por lapso do secretario falta a palavra ventura, devendo ler-se:
cpela ventura me vira.»
2 Yé-se que faltou a palavra conta.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 371
mos nós com hum paao na raãao, e damos vrmuz cemto e vimte mill se-
rafins em dinheiro com as páreas que nos eram devidas, e com huua
pouca de mercadaria que trouuemos da imdia, e isto sem mdita fadiga.
A saída das espiciarias durmuz já lá ho tenho escrito a vos alteza^
que he por baçará, fim do mar da pérsia, dezaseis jornadas de damasco;
outra sayda tem pela persya e per todas esoutras terras e senhorios de
xeqesmaell até turqia; todalas espiciarias tem aquy bõa valia, e a de ma-
laca tem aquy mayor que nehíia das outras: tome agora alteza esta
brebe comta desta materea, porque os tra sam muy gramdes das
obras da forteleza. . . .gocios do Rey e do Regno e doutras muitas. . .
tes que sempre sobrevem.
Minha determinaçam, senhor, he, se as cousas d urmuz me nam obri-
gam a muito, tocar a imdia todavia, ver vosa determinaçam e recado, e
ver se me mamdaees jemte e ajuda pêra emtrar ho mar Roxo, e daquy
durmuz ha minha partida mamdar quatro ou cimqo navios sobre adem
amdar naquela travesa, e tomar esas naaos dos mouros que diamte de
mim forem e m aguardarem laa: tocamdo a imdia, nam temdo força pêra
emtrar o estreito, volverey sobre estes navios com quallquer jemte e na-
vios que m acertar na imdia, e jumtos todos, virey imvernar a vrmuz,
porqe da jemte e armada parte dela ha de ficar em vrmuz.
No feito de cambaya nam he mais passado que ho qe vos alteza já
lá tem visto: estou nesta amyzade simjela com elRey, tratam lá as vosas
jemtes, e se lhe acho nãos nos caminhos defesos per vos alteza, levo lhas
nas mãaos, e com este feito durmuz prazerá noso senhor que lhe nam
pydirey já forteleza era div, senam qe me dem div com todalas suas Rem-
das; e nam duuido daremvollo e todo mais qe lhe vos alteza pidir na Ri-
beira do maar, porque, ter vos alteza vrmuz nas mãaos, e estarmos no
caminho de sua navegaçam pêra o estreito, e avermolo sempre de fazer
comtenuadamente, nam tem cambaya nehum Remedeo senam perder se
de todo, ou se fazer tudo o qe vos alteza reqerer e pidir: alguuas naaos
de caunbaya partem ao presemte daquy pêra a imdia, e deixam vrmuz de
feiçam que daram boom desemgano a elRey de cambaya e ao perverso
de miliqueaz, qe só capa daqela falsa e nosa amizade qe tem com-
nosco, emcheo darlelharia, e agora adem, porqe bem vem. . .nãos
e jemte de cambaya que ho rrey e o Reino e cidade está em poder de
vos alteza, e qe se nam. . .senam o que eu mando e ordeno.
Depois da partida de meu sobrynho durmuz me pareceo bem prouer
47*
372 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
çofala de Roupa de seda, qe lá tem valia, e asy dalgua Roupa de cam-
baya^ e mercadarias pêra laa, porqe eu sey qe os vosos feitores tem muy
pouca lembramça deste negocio, e nam por lho eu nam ter muy estreita-
mente emcarregado e mamdado, senam porqe me nam vêm o Rosto se-
nam muito poucas vezes.
Mamdo daquy diogomem, qe conhece a Roupa, com mill curzados
empregados aquy em vrmuz em Roupa de seda com seus cadilhos d ouro
e betas douro, como ele sabe qe tem lá sayda em çofala: vay em huua nao
delRey durmuz a cambaya; leva dous mill serafins pêra s empregarem em
outra Roupa mais baixa; leva dinheiro pêra sesemta quintaes dalaqeqa,
e vai se pêra eses Reinos, porqe me pidio hcemça pêra iso, e leva emcar-
regado toda esta mercadaria pêra çofala, e a emtregar a Louremço mo-
reno, e dy a tornar a Receber, e a emtregar em moçambiqe aos oficiaees.
Per dom garcia mamdey á imdia cimqo mill serafins pêra se com-
prarem em arroz, asy pêra noso mamtimemto e prouimemto d armada,
se ouuer demtrar ho estreito, como pêra a forteleza durmuz: leva este
dinheiro hum irmão do feitor emçado per ele e por seu esprivam
aires de magalhãees, criado de vos alteza. E quamdo de vos alteza nam
tiver ajuda pêra emtrar ho estreito, emtam virá por mercadaria a vrmuz,
omde tem muy gramde valia o arroz.
Todo outro dinheiro se ha de dar em pagamemto do soldo ha jemte,
mamtimemtos e despesas das obras : no livro das vosas feitorias se verá
a Receita e despesa dele.
Depois d estar em vrmuz me vieram novas da imdia, qe todallas cou-
sas estavam asesegadas, e da vimda do capitam qe estava em malaca,
espiciarias e mercadarias que de lá vieram de vos alteza e partes, e que
eram emtrados em goa de nãos durmuz setecemtos cavalos, novas de
francisco serram, que era vivo e estava em poder das ilhas do cravo, e
gouernava o Rey e a terra toda, e qe viera á ilha de bamdam falar com
os navios de vos alteza, e que se tomara outra vez a maluco: estas novas
nam mas espreveo a qem eu tinha emcarregado ho aviso deste negocio,
mas veyo per huua carta de goa a diogo fernamdez da guarda Roupa;
e depois de eu ser chegado a vrmuz, chegaram nove nãos, que carrega-
ram em goa d açucares, ferro e arroz e Roupa bramca e alguua espicia-
ria de vosa feitoria, afora duas qe se perderam no maar. E asy mesmo
mamdey aviso a todalas fortelezas da imdia do que era pasado em vrmuz,
per três vias.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 373
Nãos d adem e mercadarias de laa vieram a vnnuz, estamdo eu aqy,
e lhe dey seguro, e nam lhe fiz nehum mall, por asesegar os mercadores
e o trato. As novas d adem: que se faz dos Rumis, a qe sempre
temos qe vem fazem prestes su armada: as nãos qe vieram de laa,
foy na fim de mayo e emtrada de junho.
Da ordem que Receberam as cousas durmuz ácerqa do capitam,
alcaide moor, armada, jemte e artelharia e oficiaees, nam me dam os tra-
balhos e negócios das obras e cousas que atrás digo, lugar que cuide
niso; quamdo o fizer, será vos alteza diso avisado; somemte deixo aqy
por feitor manoell da costa, feitor das presas, que já gora serve seu ofi-
cio ; esprivãees, manoell de syqeira criado da senhora duqesa vosa irmãa,
emcarregado per carta de vos alteza, e o outro, diogo damdrade criado
de vos alteza; almoxarife dos mamtimemtos e almazem, pêro de tauora
que vinha por almoxarife do almazem de cochim, e nano quys qá mei-
rynho, hum criado de dom pêro, que vinha ordenado per vos alteza nos
tempos pasados ; parece me hum pouco doemte pêra tam gramde cidade
damdar, haa quall nam abastam cimqo meirinhos que agora trago nela:
o feitor tem de seu ordenado cem mill fs., e os esprivães coremta mill
cada hum.
Depois d estar em vrmuz, elRey de Iara me mamdou visitar e ver,
e me mamdou hum cavallo: Iara está três jornadas durmuz, hua cidade
grande da pérsia e obidiemte a xeqesmaell; tenho lá mamdado fernam
martins avamjelho com betilhas e outras mercadaryas de vos alteza pêra
vemder, e empregar em cavalos e em quallquer outra mercadaria prouei-
tosa: após este veyo outro misijeiro de mirabuçaca» capitam do xeqes-
maell, qe está em Rexeer, Ribeira do mar da persya, e me mam-
dou vallo e esa carta que lá mamdo a vos alteza .... grandes ofe-
recimemtos pêra ser em todo feito comigo qe m a mim comprise, dizemdo
qe toda . . . ilhas dese mar da pérsia, lugares e portos que . . . emtregar,
pagará trebuto^ e será fiell seruidor de vos alteza: he homem muy vizinho
e muy perto durmuz, domde vem todo trigo, e os mais cavallos qe em-
tram em vrmuz.
De babarem e catife e de baçará e das ilhas do cabo do mar da pér-
sia nam esprevo a vos alteza, porqe nam emtemdy aimda nas mevdezas
deste feito, somemte que babarem he mayor cousa do que homem cuida,
e que ha muitas nãos nela que navegam pêra a imdia, e muitos cavalos
que dy saem pêra laa, e muito aljôfar, leve cousa de levar nas mãaos e
374 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
segurar, se a noso senhor aprouuer, e o tempo der lugar: tudo senborea
e governa esta cabeça primcipall durmuz, somemte babarem, qe, morto
cojatar e elRey ceifadym, vieram os arábigos e a tomaram a ganbar, e
botaram a jemte delRey que by estava, fora: ba da babarem e calife a
meqa xbj jornadas de camello, qe be muy piqeno caminbo. E vay hum
Rio que está hum dia e meyo de caminho avamte de babarem, emtra pela
terra e vay ter a laça, terra da bamda d arábia, qe vay ter mais perto de
meqa, domde saem muitos cavallos. Á feitura desta be chegada buua
gram cafíla da pérsia, traz muita seda e outras muitas mercadarias.
Do aljôfar qe me vos alteza emcarregou pêra o pomtefícall de nosa
senhora, se trabalha por saver quamto pôde.
ElRey durmuz nam ouue nada de vos alteza, somemte buua cadèa
douro, que teria cemto ta curzados, esmaltada, e tirala do poder
de. . *amed: be homem mamcebo de dezoito anos barba, nam tem
filho nem fílha, nem ba by agora, .bua pemdemça na casa durmuz se-
nam do. . .filhos delRey ceifadym seu Irmãao, que matar. . .e irmãaozi-
nho delRey, filho de seu pay e dua escrava: ele me veyo ver outra vez
a minha casa depois de pasado o feito de Rex amed, e me deu hum ca-
vallo selado e correjido, e hum traçado e buua adaga e bua cimta, tudo
gomecido douro, e aos capitãees muitas peças de brocado e de seda.
Eu mamdey fazer na metade da praça hum pilourinbo com suarca
forrada de chumbo por cirna, com suas pomas e grimpa com as armas de
vos alteza, e com nove degraos de pedraria: aly mamdo fazer a justiça, e
elRey nam faz justiça de nehuum homem da terra, sem mo primeiro
mamdar dizer; as cartas e rrecados de toda parte sempre mamde dar
comta de tudo: nam tem por agora mais de Irezemtos archeiros per toda
sua jemte, nam trazem arcos nem frechas, como sempre custumaram,
nenos am de trazer nunca na cidade.
Desta uez estaram todolos cavalos da pérsia na mãao de vos alteza,
e os da terra d arábia qe saem pelos portos delRey durmuz desde ca-
layate até babarem ; em todolos lugares está ordenado á& nãos qe dos di-
tos portos sayrem com cavallos, darem fiamça de cem cruzados por cada
cavallo, de os nam levarem a outro cabo senam a goa. E com este noo
me parece qe dará já gora elRey de narsymga Ixxx *..... .pellos derei-
tos de mill mill cavallos já lhe eu emjeiley Tx* que mellemamdou
1 Oitenta mil.
^ Sessenta mil.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 375
prometer â goâ pelos seus embaxadores, como já lá esprito a vos al-
teza; e quamdo as cousas se meterem em ordem, segumdo a determina-
çam de vos alteza cada lugar terá hum alcaide voso.
As cartas de xeq esmaell que vinha pêra vos alteza, e asy a minha,
por minhas acupações m esqeceram de as emtregar a meu sobrynho dom
garcia, que pêra eses Reinos se vay, e agora as leva diogomem pêra as
lhas (sic) emtregar, e as levar a vos alteza: vam os trelados, tirados de
quá, quamdo lá nam ouuer qenos nam saiba tam bem emtemder.
Niculao fereira tem soldo delRey durmuz, e eu também lhe dou
soldo de vos alteza; fez lhe dar a el Rey durmuz jemte da sua capitania;
dorme demtro nos paços dei Rey: tenho o aly metydo demtro pêra alguuns
avisos; parece me homem desejador de servir vos alteza, e asy o fará sem-
pre, e eu lhe faço toda homrra e gasalhado que posso.
Na imdia, em cochim, deixey ordenado fazerem se duas galees, huua
do tamanho da de sylvestre corço, pêra eu amdar nella, e outra mais so-
menos, e outras duas em calecut, as quaes se fazem á custa d uns cha-
tins dy, mercadores, porque elRey de calecut apertou Rijo comigo, que
lhe dése licemça pêra mamdar duas nãos adem estano: eu mescusey diso
por muitas vezes, dizemdolhe qe eu avia lá d ir, e que avia de fazer por
ese caminho samgue nos mouros e toda guerra; que pêra que mamdava
ele lá as suas nãos? e mais qe era comtra noso comcerto: quamdo deter-
miney de vir a vrmuz, emtam fiz da necesidade virtude, e lhe dise que. .
sem os mercadores delas duas galees gr e que eu lhe deixaria ir as
naaos: outorgaram. . .isto, o que eu nam cuidey e ficaram as quy. . . .
armadas já, e duarte barbosa por feitor e negoceamte delas, e hum car-
pimteiro pêra as fazer com os carpimleiros da terra: se a noso senhor
aprouuer de as achar acabadas, temos três galees grosas e huua ga-
leota.
Eu mamdey sylvestre corço á Imdia com dom garcia pêra as ter apa-
relhadas e correjidas; leva de Resguardo pêra o feitor de calecut e de co-
chim dous mill serafins pêra o prouimemto delas, tememdome dos vosos
ofíciaees, qe sey qe nam am d empenhar a capa por dar aviamemto ho qe
mamim comprir: silvestre corço e estes comitres e sotacomitres todos sam
pagos de seu soldo, e trago os muito mimosos; mas sylvestre corço nanos
pôde sofrer com imveja, nem eles a ele: seria boom escrever lhe vos alteza
hHua carta, Repremdemdolhe vos alteza este feito, porque, se ele este ca-
minho leva^ será necesareo mamdall o pêra eses Regnos, amtes que lhe
376
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
comsemtir tratar tam mall eses estramjeiros: leva também cuidado de va-
rar a nao belem qe qá ficou, e se ir carregada pêra eses Reinos.
Capitãees das nãos e navios da Imdia.
Item — dom garcia.
Item — pêro d alboquerque, capitam da nao bastiaina.
Item — lopo vaaz de sampayo da nao samta cruz.
Item — Vicente dalboquerque da nao em que eu ando.
Item— Diogo femamdez da nao frol da Rosa.
Item — . . . .silva da nao bota fogo.
Item — damdrade da nao emxobregas.
Item— . . .te de melo da nao madanela.
Item — . . .isco femamdez do navio garça.
Item — antonio ferreira do navio samta maria d ajuda.
Item — fernam gomez de lemos da nao sam tome.
Item — amtonio Raposo do navio ferros.
Item — Ruy galvam do Rosairo.
Item — Jorje de brito da nao samta ofemea.
Item — jironimo. de sousa da galé sam vicemte.
Item — sylvestre corço da galé gramde.
Item — manoell da costa da fusta samta cruz.
Item — Pêro ferreira, irmãao de duarte de melo, da taforea.
Item — jam pereira de hua das caravelas que se fez em chavU.
Item — fernam de Resemde da outra que se fez em chavll.
Item — francisco pereira, neto de frey payo, da outra que se fez em
cananor.
Item — jam gomez da qe se fez em cochim.
Item — jam de meira da outra que se fez em cochim.
Itera — Nuno martins Raposo da outra qe se fez em cochim.
Item — do bragamtim sam pedro hum irmãao de sylvestre corço.
Destes capitães foy fernam gomez de lemos ao xeqesmaell, e ouue
a sua naao Ruy galvam, e a de Ruy galvam ouue amtam nogueira, que ha
muito que . . . serve, e foy cativo por voso serviço em camb .... deixou ho
navio Rumy de que era capitam, a de brito na imdia.
378 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
E da Roupa qe vem de malaca de drogoarías pagam de seis hum,
e das outras cousas, asy como samdalos e outras cousas que de laa vem,
pagam de dez huum.
Dos cavalos pagam o dizimo e mais sua corretajem, quando se vem-
dem, hum serafim.
Do aljôfar está arremdado, e pagam os arremáfiw/ores cemto e vimte
lacas, que sam seis mill serafins cadano e mais sua corretajem.
Ãs moedas durmuz douro prata e cobre diogo homem as leva; e
nam lavrey moeda em nome de vos alteza, atá se nam comprir vosa de-
terminaçam, que, prazemdo a deos, será da volta do estreito; e he seis
serafins, seis meyos serafins douro, seis tamgas de prata, seis çadis de
prata, seis faluzis e seis dinheiros de cobre.
Com estas forças e cabeças primcipaees da imdia que vos alteza vay
ganhamdo aos mouros, esforçaees muito voso feito na imdia e o segu-
raees, e cada hum per sy paga suas despesas, e pôde ajudar a outras mui-
tas; e por qué vrmuz, ela pagará as despesas que fizer, e poderá dar pêra
outras muitas mais de duzemtos mill serafins cadano: e se se cerra bem
a porta do estreito e adem, vos alteza averá mayores dereitos da sayda das
espiciarias e mercadarías per vrmuz, do qe o soldam avia no cairo: goa
pagará suas despesas, e aimda ajudará a outras com alguua parte de di-
nheiro : malaca ten o bem feito até gora, e acodio com muitas espiciarias
a cochim, que vos lá sam hidas e vam, sem serem compradas do voso ca-
bedall ; e sam cabeças primcipaees e chaves da imdia, lugares de fama e
qe tem nome amtre os mouros e muito istimados deles : calecul cos meyos
direitos dos seguros das nãos ajudará também a suas despesas, e prazerá
a noso senhor que, se fizermos asemto em meçuá porto do preste joham,
que nos ficará a pescaria do aljôfar que está per hy derredor e em da-
laca e. . .trato do ouro da terra de preste joham, e pouqe pouqw syram
alivamdo as despesas da imdia e . . . . outros Reinos e senhorios pela vem-
tura mais Ricos e mais proueitosos que os de lá dessas partes, e já gora
isto que digo, tem nome e corpo : . . . . s alteza vise a imdia, as fortelezas,
nãos e . . . ees todo o negocio da maneira que amda a . . ado, e os cterei-
tos e percalços que cadano se qá daa, e a terra ejemtes que temdes ase-
nhoreado cora estas três cabeças primcipaees, que estam já em voso poder.
E se na terra firme vos alteza determina de pôr as mãaos, ho reino
de cambaya he o primeiro em que avees de começar, asy por ser jemte
fraca, inda que seja muita, como por ser terra chãa, em que ha jemte
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 379
pôde trazer carretas com artelbaria, muito abastada de mamtimemtos, e
o pouo de toda a terra ser toda sem armas e sem nebum aparato de
guerra, somemle eses tiranos que ha lem asenhoreada^ que amdam com
seus arrayaees, jemte lijeira de vemcer e de levar nas mãaos; mas este
feito ha de ser depois do estreylo de meqa ser bem fechado.
Vrmuz ao presemte fica limpa de todolos Rumis e turcos qe nela
estavam; e asy fiz lamçar fora toda esa desordem deses mouros cujos e
mãos: todo modo de tirania he fora lamçado, e se nam busará jamais:
alguuas cousas a bem destas sam necessareas, asy como os dereitos de
qe vos alteza tocou em voso Rejimemto e cartas, como doutras cousas ne-
cesareas e todo bem da terra, pêra ser a mayor cousa de trato destas
partes: farsa tudo em seu tempo, qe por agora nam me pareceo voso
serviço bolir com iso.
A nosa forteleza per aqela parte e cerqo que entra nas casas dei Rey,
fica lhe o muro sobre o potiso dos ponemtes; e porqe ás vezes as marees
da^uos vivas sam gramdes, e a porta prímcipall da forteleza está na
praya, fiz outra porta contra a cidade, e abry as casas velhas dei Rey, e
iaço hum caminho e servemtia per aly pêra a cidade em tall maneira que,
afora a nosa forteleza, todo lamço do seu muro que eles tinham da bamda
do ponemte, fica comnosco e bua porta gramde de sua servemtia que hia
pêra o mar, e jumto com a porta buas casas muy gramdes e bem obra-
das que cojatar fez, em que espero dasemtar a vosa feitoria: fica por
agora de servimtia a elRey huua porta que vay pêra a cidade, e outra
qe vay pêra o pouso dos levamtes: se o negocio dera lugar que ha poderá
mamdar pimtada a vos alteza, poderá estas cousas symtir doutra maneira:
meu custume nam he mamdar pimtados a vos alteza nebuns lugares, nem
feitos, senam aqueles em que nos dam muitas bombardadas, frechadas e
cutiladas, e omde sam mall tratado, por tall que me dee vos alteza força
pêra me tomar a vimgar: esprita em vrmuz a xxij dias de setembro de
1515.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor*.
1 Torre do Tombo— G. Chron. P. 1.% Maç. 18, D. 101.
48«
380 ' CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
CARTA CIl
1616— Outubro...
Senhor. — Dioguo homem seruio quá oâ imdiâ muito tempo vosa al-
teza, e depois de acabar seu tempo em çofalla veo ter a cochim comiguo.
Eu o detiue alguns dias, por ter necesiàdiàe de sua pesoa: elle se achoD co-
miguo no cerquo de benestery e na emtrada do mar rroio e no poor
das escallas nos muros de hadem : em todas estos empresas deu muy bOa
comta de sy, como homem de boom esforço que elle he e cavaleiro;
E também se achou comigo no trabalho do fazer desto /brtelleza dor-
muz, onde elle per seu cabo ajudou muy bem nos dias que lhe couberam
de seu trabalho: tenha lho vosa alteza em seruiço, porque he dur^ cousa
aos cavaleiros e fidalgos, depois de ganharem os Regnos e cidades, mor-
rerem amasados debaixo da padioUa acarretamdo pedra peras fortelezas,
como aqui aconteceo a garcia coelho, criado de uosa alteza no fazer desta
forteleza no dia de seu trabalho: esprita em vrmuz .... d outubro de 1515.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
CARTA Cffl
1616— Dezembro 6
Senhor. — Eu nam espreuo a vos alteza per minha mão, porque,
quando esta faço, tenho muito grande saluço, que he sinal de morrer:
eu, senhor, deixo quâ ese filho per minha memoria, a que deixo toda mi-
nha fazemda, que he asaz de pouca, mas deixo lhe a obrigaçam de todos
meus seruiços, que he mui grande : as cousas da india ellas falaram por
1 Torre do Tombo— G. Ghron. P. I.\ Maç. 19, Doe. 26.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 381
mim e por elle: deixo a india com as principaees cabeças tomadas em
Yoso poder, sem nela ficar outra pendença senam cerrar se e mui bem a
porta do estreito; isto he o que me vosa alteza encomendou: eu, senhor,
vos dey sempre por comselho, pêra segurar de lá india, irdes uos tirando
de despesas: peço a vos alteza por mercee que se lenbre de tudo isto, e
que me faça meu filho grande, e lhe dê toda satisfaçam de meu seruiço:
todas minhas confianças pus nas mãos de vos alteza e da senhora Rainha,
a elles memcomemdo, que façam minhas cousas grandes, pois acabo em
cousas de voso seruiço, e por elles vollo tenho merecido; e as minhas ten-
ças, as quaes comprey pela maior parte, como vosa alteza sabe, bei-
jar Ih ey as mãos polias em meu filho: esprita no mar a bj dias dezem-
bro de 1515.
(Por lettra de Albuguerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A EU Rey noso senhor *.
CARTA aV
1618— Dezembro 6
Senhor. — Despois de me tomarem ho embaxador de preste joham
e o terem cativo em dabull, como lá tenho esprito a vos alteza, determi-
ney de ir sobre dabul e pôr lhas mãaos, se mo nam entregase, porque era
já conhecido e sabido por toda a costa ser embaxador do preste joham e
enviado a vos alteza; e por ter alguas cousas de despadiar em goa, mam-
dey garcia de sousa diamte, e com ele pêro da fomseqa, duarte pireira
num navio e lopo vaaz de sampayo, que se fose lamçar sobre a barra de
dabull, e hy maguardasem, e após eles mamdey jorje da silveira, pêro
d alboquerque, dom joão deçaa, e asy mesmo fosem sorjir sobre a barra
de dabull; e surto garcia de sousa e esoutros navios que chegaram dyamte,
dabull lhe mamdou alguns Recados e alguns presemtes, dyzemdo que qe-
rya pazes comnosco e pagar páreas: garcia de sousa lhe respomdeo ho
que levava por minha estruçam, em que lhe mamdey que pedise certos
1 Torre do Tomlic-Gav. IB, Maç. 17, N.* 33.
382 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
homeens e cartas que me mamdava miliquiaz, nam lhe nomeando ho em-
baxador de preste joam: nesta pratica que asy tiveram, lhe mamdaram
arrefeens, que mamdase hum homem em terra; e eu tinha mamdado com
garcia de sousa hum homem cativo em cambaya, que me elRey de cam-
baya mamdou, e estevam de freitas, e vieram de dyv em companhia do
enibaxador até chavU, como já em outras cartas tenho dado comta; e gar-
cia de sousa mamdou ese homem, que lá vay com ho embaxador em terra,
e conheceo ho embaxador e pidioo logo ao capitam de dabuU: ho capi-
tam pregumtou logo ao embaxador: que homem és tu e domde veens, que
te os cristãos pedem? Respomdeo ho embaxador, nam memtregues, por-
que os cristãos nam me pedem senam pêra me matar, pêra mais desimu-
laçam, e tinha a vera cruz soterrada e escomdida, porque todo ali lhe ti-
nham tomado.
Ho capitam de dabuU ho soltou logo das prisõees e o mamdou a gar-
cia de sousa, pedimdolhe seguro: garcia de sousa lho deo ataa ver minha
determinaçam, e nas páreas nam falou, nem lhas aceytou, nem lhe mam-
dou nehua Reposta, porque eles fizeram logo prestes dous turcos pêra vi-
rem a goa falar nas pazes por mamdado do çabayo, e tornaram todo ho
dinheiro, cartas e cousas que ho embaxador trazia, sem lhe falecer bua
agulheta: tamto que ho embaxador foy nas nãos com todo seu fato asy
como ho cativaram, partio logo pêro da fomseqa com ele e com os misijei-
ros do çabayo caminho de goa e cartas do capitam de dabuU. Recebemos
ho embaxador com persiçam, e viemos atá igreja com ele, e aly pregou
hum frade pregador, e nos amostraram a vera cruz e nola deram a beijar
a todos, e tocamos muytas Joyas nela ; e acabado aquilo, fuy com ho em-
baxador á sua pousada, omde ho mamdey muy bem agasalhar e servir,
e Ibe dey duas espravas moças de sua terra pêra serviço seu e de sua mo-
Iher, e lhe dey dous moços de sua terra que sabiam já falar nosa limgua-
jem, e lhe dey vestidos pêra ele e pêra sua molher de brocados e panos
de seda de quaa da imdia, beírames e betilhas, e lhe mamdey dar alguns
portugueses e curzados, e porque nam eram muytos, mostrey que lhos
mamdava por mostra da moeda de vos alteza: todo o outro prazer, gasa-
Ihado e boom trato que lhe pude fazer, ho fiz, como embaxador de tam
gram saihor: garcia de sousa com eses capitãees que com ele hy eram,
negocearam este feito muy bem com toda desimulaçam e aviso que de mim
levavam, e noso senhor, que afauorece vosas cousas em gram maneira,
Ihaprouue de me fazer esta mercee» que cobrase este homem, que tam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 383
atroada fica a imdia com sua hida e embaxada a vos alteza: ho mais que
pasou em seu cativeiro ele ho comtará a vos alteza.
Creo, senhor, segumdo a mesajem do çabayo, que ele deseja em
gram maneira ha paz com vos alteza e estar a voso serviço, e por segurar
dabull e samguiçar, que já nam tem outros portos na Ribeira do mar,
todavia nos dará as terras de goa, ou ao menos cem mill oras d ouro nas
milhores terras que goa tem : isto he ho que me parece : estamos agora
em paz, e os mercadores da terra e mamtimemtos, mercadarias e jemte,
vay e vem á ilha como soya; a torre de benastary está já no primeiro so-
brado, muy forte, e obra que tomas fernamdez faz muy fermosa de cam-
taria e call: feita a torre, lhe faram sua barbacaa de rredor, e fica lhe ho
poço demtro, e o paso de benastary seguro ; e com ajuda de noso senhor
a mim me parece que deste feito goa tomará asemto proueitoso ás cousas
de voso serviço, e segurará pêra sempre, porque em todas as quatro pa-
sajeens da ilha faço quatro torres, que estaram asy vejiadas por dez ho-
meens em cada bua, pêra quamdo hy ouuer necesidade porem jemte ne-
las, aimda que me parece que nam ousaram nunca d emtrar a ilha jamais,
porque deste feito de benastary ficaram os turcos muy asombrados; e
mais, senhor, seguro ho paso de benastary, nam entrará jemte na ilha
que se nam perca, porque nam tem lugar em que se façam fortes e por
omde metam prouimento na ilha, que lho nam tolham dous batees.
Meu sobrynho dom garcia ao presemte he em cochim dar gram presa
a se correjerem esa nao sam pedro e esoutros navios que m espedaçaram
e desaparelharam em benastarym artelharia dos turcos, pêra irmos omde
vos alteza deseja, ajudamdonos noso senhor: esp xbj dias de
dezembro de 1512.
Este embaxador que lá vay, he homem avisado, irmãao do patryar-
qua que os abexis tem no cairo : diz que sua molher he paremta do preste
joham, e ese moço irmão dela.
Este moço he paremte dei Rey d abexia, e he embaxador como estou-
tro, porque he seu cryado, e este embaxador diz ele que vem com o selo
destroutro, porque he imda moço, e que elRey mamda este moço como
cousa de sua casa e sua feitura: ambos devem de ter bua iguall omrra
amte vos alteza, e o moço e sua molher muyto estimados por serem pa-
remtes do Rey: diz que as cartas que nam sabe em que letra vem, por-
que elRey e seu irmão as espreveram sem lhe darem nehua comta do
que vem nas cartas: foy cativo em zeila e roubado; foy cativo em dabull.
384 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Diz também que elRey lhe mâmdou que nam descubryse sua vinda quá
aos Dosos crístãaos que lá estam, porque nam fose sabido sua vinda dos
mouros, polo nam torvarem ou matarem, porque, se vos alteza vise ho
que vay na imdia depois que souberam que este era embaixador do preste
joham, parecer Ih ia prenostica dalgtla mudamça gramde; tam asombrada
está a jemte da imdia: prazerá a noso senhor que será começo da des-
truyçam da casa de meqa, que ma mym parece muy piqeno feito d aca-
bar, porque he terra muyto fraca, sem jemte d armas; os alarves vivem muy
lomje ; na cidade de meqa nam ha senam jemte de comtas de rrezar na
mãao, e alienados sem nehua arma: em judá averá hy cemto e cimquenta
mamalucos que ha senhoream e colhem eses direitos: diz que morreo lá
ho valemceano que foy de quaa da imdia, que vos alteza tomou lá a mam-
dar: diseme que se fose a dacanam, que elRey me viria aly ver, tamto
deseja e precura a destruiçam dos mouros, e tamto folga de ver cristãos
desas partes: he homem moço, chama se davy; ha pouco que he casado,
e sua mãy ilena dá Rezam das minas do ouro, e domde vem a çuaquem,
e domde veno ouro a çofala: diz que nam emtraram jumtos os dous ho-
meens que trystam da cunha mamdou, e eu lamcey no cabo de garda-
fum; diz que joham gomez foy co mouro, e ho outro foy per sy; e asy
dizem estes dous judeos que quaa trago, que em çuaquem toparam joham
gomez CO mouro.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afonso dalboquerque.
(Sobrescripto) A EURey noso senhor.
(In dorso, por lettra coeva) dafonso dalboquerque sobre ho embai-
xador do preste Joham.
Vieram todas na nao de bernaldim freire ^
X
^ Torre do Tombo— Gav. 15» Maç. 19, N."" 23. Por circumstancia imprevista dei-
tou esta carta de ser collocada entre as de 1512.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 385
CARTA CV
Senhor. — Voss alteza deu tam pequeno ssoldo a rniy gomçaluez e
a joham íidalguo que he hílua pyadade de ver, porque os gastos da imdia
sam muy grandes: sse lhe vosa alteza ordenase alguuas quymtaladas, nam
seria^ senam muyto voso sseruiço, porque elles o merecem, e sam dous
homes muy necesareos pêra mim e pêra cousas de voso seruiço, e ssam
cavaleu^os e de seu oficio muy bons oficiaes, porque eu os vy pegar a sua
jemte e as ssuas bamdeiras nos muros de benastarjm e nos muros d adem,
e as ssuas escadas com as prymeiras postas no muro: vejo aos mouros
da imdia ter gramde acatamento á jemte da ordenamça, e parece me que
nehua jemte desta terra ousará de rromper trezemtos ou quatrocemtos
omees ordenados; afora isto, senhor, eu me esforço, com ajuda de noso
senhor, se quatrocemtos omes da ordenamça trouuer na imdia, que numqa
seja desbaratado em nehum feito; poderá ser que esa jemte solta que
ás vezes viram acotilados e feridos buscar a minha bandeira, mas que
meus immigos me ponham em fugida eu o dovidaria, se quatrocemtos
homes tiuer bem ordenados em campo, e que em quallquer afromta sem-
pre os ymiguos nos deixaram vir embarquar á nosa vomtade.
Verdade está, senhor, que eles sam quá bem emvejados e comtra-
riados, porque os tenho eu quá naquela istima e comta que mos vossa
alteza mamdou, e os capitãees nom podem sofrer ver lhe tamta jemte de
capitania; e quamdo vem a lhe emtregarem sua jemte, que está Repar-
tida pelas nãos, sempre vem mall tratada dos capitãees, seus piques que-
brados, suas armas mall aparelhadas e cujas: agora queria ver se lhe
pudia dar nãos em que trouxesem sua jemte apartada e ordenada: peço
a voss alteza por mercê que afauoreça de lá este feito com piques e boas
armas, e alguns homees que os ajudem e amdem á sua ordenamça, por-
que a meu ver, se trazemos jemte em ordem e artelharia co eles, acaba-
remos ás vezes onrrados feitos com pouqua jemte.
Parece me, senhor, voso seruiço fazerdes lhe mercê dos quintaes que
os outros capitãees tem, e serem de lá afauorecidos cotn cartasse mercês,
49
386 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
porque eu os tenho quá em gramde istimai e ornes pêra acabarem quall-
quer feito em que poserem as mãos.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa allteza
Afomso d alboquerque.
(Sobrescripto) A El Rey noso senhor.
(In dorso por lettra coeva) Dafonso dalboquerque — sobre Ruy gon-
çalvez e joão fidalgo que diz tem pouco e que seruem muito e sam enveja-
dos de quam bem o fazem — que devem aver as quintaladas dos outros
capitães ^
CARTA CVl
• • • • #
Senhor. — Per outra carta esprevo a vosa alteza como as nãos que
hiam pêra judaa e mequa arribaram a esta costa com temporalli e asy vos
espreui os portos homde jaziam metidas, e a maneira que tiue, vimdo do
mar rroio, pêra as aver; e já tenho dado conta como me emtregaram
huua no porto de damda com toda sua especearia e artelharia: as duas
que estavam em dabull, o çabayo me espreueo sobre ellas, pedimdo me
que lhas allargasse, e posto que elle precura muito por minha amizade,
eu lho nam quis fifazer, porque me nam pareceo voso seruiço: tomou me
outra vez espreuer, dizemdo que era direito seu, que viera â costa, e em-
traram com fortuna em seu porto: eu lhe Respomdi, que se as nãos vie-
ram á costa, que era mui bem o que dezia, mas que emtraram seu porto
com mercadarias, como fazem todallas outras nãos; que os direitos bem
os podya levar, se quisese, mas que as nãos e especearia eram de nossos
imigos; e pois elle desejaua nossa amizade, nam devia de Receber nossos
imigos em seu porto : tornou me outra vez a espreuer sobre elles^ que lhe
fízese algum partido, e entam me comcertei com os mercadores nesta ma-
neira: deram me ametade da especearia e a outra metade lhe pagase per
mercadarias; e estando asy lopo vaz e vicente dalboquerque com elle na
bastiaina de seu primo pêro d alboquerque, veyo ter com elles htlua nao
de magadaxo, e a nao, como os vio, emcalhou, e ouueram toda a merca-
»
^ Torre do Tombo— Cartas do3 nce-reís da índia, ete. Maço onioo, N."" 79*
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 387
daria dela, porque vinha carregada de marfim e cera: llopo vaz pagou a
outra metade da especearia aos mouros per marfim da nao que se tomou,
e á feitura chega a bastiayna com parte da especearia; e a outra nao so-
bre' que estaa antonio nogueira, emtregam lhe também ametade da es-
pecearia, e está tomamdo carga: fiz lhe este partido, porque he porto tam-
bém do çabayo: ha de batecalla memtregaram toda; dei parte dela a
elRei de calecut, que me dise que era sua, e asy lhe dey a de mamgal-
lor, a qual especearia se veyo toda descarregar em calecut: em muita es-
tima deve vosa alteza de ter emtregarem vos as nãos dos mercadores do
cairo os Reys e senhores da Imdia, que he sinal dobidiemcia, e aimda lhe
podemos chamar sojeiçam : fiz este partido nestas nãos de dabuU a rogo do
çabayo, e porque* me parece que nos ha de ffazer qualquer boom partido.
(Por lettra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alleza
Afomso dalboquerque*.
CARTA CVn
Carta dafonso ddbuquerque, capitão e guouemador da Índia
ao xeque Ismael^ Rei das carapuças Roxas.
Muito grande e poderoso senhor antre os mouros xeque Ismael.
Afonso dalbuquerque, capitão moor e guovemador das índias pello mui
alto e muito poderoso Rei dom manuel, Rei de portugual e dos alguarnes
d aquém e d alem mar em africa, senhor de guinee e da comquista e da
naveguação e comercio de ethiopia, arábia, pérsia e da índia e do Reino
e senhorio de hurmuz e do Reino e senhorio de guoa, vos faço saber como
guanhando eu ha cidade e Reino de guoa, achei nella vosso embaixador,
ao qual fiz muita homrra e tratei como embaixador de tam gram Rei e
senhor, e olhei todas suas cousas, como se elle fora emviado a estas par-
tes por elRei nosso senhor: e porque eu sei certo que elRei nosso senhor
folgará de ter conhecimento, amizade e prestança comvosco^ vos emvio
este messageiro per nome femam guomez de lemos, homem fidalguo,
criado dei Rei nosso senhor, homem emsinado na guerra e criado nas ar-
mas de nosso custume, o qual creo que uos dará bõa Rezão de todalas
1 Torre do Tombo— Cartas dos vice-reis da índia, etc. Maço unico, N.* 186.
49^
388 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
cousas dâ guerra da nossa vsamça, das armas e caualos dos dei Rei nosso
senhor, das suas comquistas e da terra que tem guanhada aos mouros,
da Riqueza e abastança de seus Reinos, de quam poderoso he no mar e
na terra, e de suas armadas como cerquam os mares da índia e de costan-
tinopla e o mar mayor que confina com vossos Reinos e senhorios, onde
se sempre acharam nãos do Reino de portugual, que elRei nosso senhor
lá manda cad ano : bem sabeis como guanhei ha cidade e Reino de hur-
muz por mandado dei Rei nosso senhor, e dali me trabalhei de ter co-
nhecimento de vosso estado, poder e mando, e vos quisera mandar mes-
sageiros, se as cousas de hurmuz se nam danaram, as quaes espero em
deos que cedo tomarão assemto, porque espero de ir laa em pessoa, e dy
me trabalharei por me ver.comuosco na Ribeira do mar e portos de vos-
sos Reinos; porque o poder que traguo de nãos e gente dei Rei nosso se-
nhor he no mar pêra destruir e lamçár fora as nãos do soldão que na ín-
dia emtrarem e quiserem nella tomar assento; o qual feito com ajuda de
deos temos acabado, porque o seu capitam e armada foi desbaratado em
dyo, e tomaram lhe todas as nãos e mataram toda sua gemte e depois na
cidade de guoa os desbaratei e lamcei fora e guanhei ha cidade e toda sua
armada, como vos dirá vosso embaixador : e porque eu tenho sabido que
elle he vosso imiguo e vos faz guerra, uos mando esta noua, e vos offe-
reço contra elle minha pessoa e armada dei Rei nosso senhor pêra ho aju-
dar a destruyr e ser contra elle cada vez que me pêra isso requererdes ;
porque posto que a grandeza de vossos Reinos, Riqueza e abastança de
jente, caualos e armas tenhaes, o soldam tem ho mar Roxo desta banda
da índia, e da banda do mar de leuante tem alexandrya e ho mar delia
omde faz nãos; e querendo o vós destruir per terra, podereis ter dei Rei
nosso senhor grande ajuda d armada per mar, e creo que com mui pouco
trabalho senhoreareis seu Reino e cidade do cayro e toda sua terra e se-
nhorio: e assi uos pôde elRei nosso senhor dar grande ajuda per mar
contra o turco, de maneira que com muito trabalho se poderia defender,
e sendo conquistado dei Rei noso senhor per mar e de vós per terra com
uossa jente de cauallo e grande poder, pois confinaes com elle e tendes
guerra com suas jentes e terras: no mar da índia traz elRei nosso senhor
grandes armadas com que uos pode ajudar pello estreito de meça atee
soyça ^ e o toro que he mui perto do cairo : assi que amizade e prestança
^ Assim está do códice donde copiámos esta carta, mas entendemos que se deve
lôr stiez.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 389
de hum tam gram Rei como el Rei nosso senhor per mar e per terra deueis
de querer aver e lhe emviar uossos embaixadores, e podem hir per Con-
stantinopla ou per hurmuz e seram bem Recebidos ; e folguará el Rei nosso
senhor de saber atee omde se estendem vossos Reinos e senhorios: e se
deos ordenar que este concerto e amizade se faça, vindo vós com uosso
poder sobre a cidade do cairo e terras do grão soldão que confinam com-
vosco, elRei nosso senhor com todo seu poder passará em Iherusalem e
lhe guanhará toda ha terra daquella banda, e de necessidade perderaa o
soldão seu estado: comvem pêra isto serem messageiros vossos com vossa
vontade e determinaçam emviados do que neste neguocio quereis, e per
elles avereis Reposta dei Rei nosso senhor do que assi neste feito quererá
fazer. E emtanto seja eu avisado do que quereis que faça, ou em que parte
pode a armada dei Rei nosso senhor arribar que faça mayor nojo e damno
aa terra do soldão \
O Regimento que deu a femam guomez de lemos e a gU simoens
que mandou ao xeque hmml.
Esta he a maneira e Regimento que vós fernam guomez de lemos te-
reis em vossa ida e vinda e estando onde uos ora mando por seruiço de
deos e dei Rei nosso senhor, e vós gil simões por escriuão da embaixada,
o seguimte:
Item. Vossa ida será per qualquer modo e maneira que poderdes di-
reitamente omde €stever o xeque Ismael, ao qual com toda Reuerencia e
acatamento lhe fareis aquella Reuerencia que a huum tam gram Rei he
díuida.
Chegando uós a hurmuz. Requerereis coje atar ^ que vos mande dar
quatro emcavalguaduras pêra vossas pessoas e dos que uão comvosco e
ho mais que per minhas cartas leuais pêra vossa despesa e despacho de
vossa viajem.
Item em vosso caminho que fizerdes, estareis sempre aa ordenança,
conselho e determinação de braim benatee seu embaixador, nam com-
prando nada sem elle e sua licença, nem o provimento pêra vossas neces-
^ Bibl. Nac. de Lisboa. — Códice n.® 475, de Alcobaça, foi. 170. Tem por titulo:
Collecção de cartas e papeis curiosos , e é escripto em papel com letra do fim do século xvi.
^ No Códice d'onde copiamos lé-se aojeatar, o que é visivelmente erro de copia.
390 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sidades, nem vos apartareis delle a hir ver cidade, praças, lugaares, Ricas
festas, Joguos, nem outro caminho senam ho que elle fizer, tudo seja per
sua ordenança; porque bem sabeis como os mouros naturalmente dese-
jam de nos fazer todo dampno que podem.
Direis a xeque Ismael de minha parte que eu ho mando visitar pella
grandeza de sua fama, senhorio e esforço e toda bondade e grandeza que
ha d aver em huum princepe, e porque aguasalha os christâos e os homrra
e fauorece.
Item lhe direis como elRei nosso senhor folguaria de ter conheci-
mento e amizade com elle, e que ho ajudará contra a guerra do soldão e
destruição sua : e que eu em seu nome e de sua parte lhe ofereço armada,
gentes e artelharia que traguo, e as fortalezes, loguares e senhorios que
tem na índia.
Item sabereis dos christâos daquellas partes se tem oratório de nossa
fee e crem verdadeiramente que nosso senhor naceo de nossa senhora
maria virgem, morreo e padeceo em cruz por nos saluar e resurgyo ao
terceiro dia.
Item mais vereis se alguns destes christâos, sendo deferentes algua
cousa da fee de nós, os podeis trazer comuosco ou ordenardes como vão
a Roma, ainda que melhor seria ir por via de portuguall.
Item vereis suas Igrejas, ornamentos e altares delias, imageens de
santos e se tem nosso senhor na cruz e ha imagem de nossa senhora; e
assi os deriguos e frades, e ho modo de seu viuer e trajos; e assi dal-
guns corpos de samtos, mártires, apóstolos, se jazem seus corpos nessas
partes.
Item vos mando que leaes a meude ambos este Regimento e vos con-
formes ambos e bem assi ha limguoa, por tal que nam aja deferença nas
cousas, e quando alguas cousas contardes das que vos pergumtarem, sa-
beyas dizer sem vos desdizerdes, que vos achem em toda verdade ^
1 Bibl. Nac. de Lisboa.— Citado Códice n."* 475, de Alcobaça, foi. 171.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 391
Do caminho gue fizeram e ho que fizeram os embaixadores
que foram ao xeque Ismael e o presente que lhe leuaram.
Era de mil e quinhentos e quimze estando jaa afonso dalbuquerque
em a cidade de hurmuz, que já tornara a comquistar, e sendo Recebido
com muita cerimonia e festa huum embaixador do xeque Ismael), que a
elle com grandes presentes emviou, mandou ao dito xeque Ismael outros
embaixadores com seus presentes, que era o dito femam guomez de lemos
e gil simões, moço da camará dei Rey, por escríuão da embaixada com ou-
tras pessoas homrradas atee xb pessoas \ e com seu Regimento, como vis-
tes, em caso que elle foi feito pêra outras duas pessoas, as quaes ambas
faleceram em hurmuz e por isso não se cumpryo, e foi dado a fernam guo-
mez de lemos com a carta que vistes ; e todos em companhia de braym
benatee, capitão da cidade de dragel, partiram durmuz hum sábado á tarde
cinco dias de mayo do dito anno ' e leuaram aio xeque este presente que
se segue:
Item primeiramente dous tiros de metal com sua poluora e seus apa-
relhos, a saber, huum falcão e hum berço.
Item seis espinguardas com sua poluora e aparelhos.
Item buas armas bramcas do pee atee cabeça com sua fralda de malha.
Item dous corpos de couraças postos em veludo cremesim com suas
escarcelas â Redonda.
Item bua espada guarnecida de ouro, punho e bocal e conteira, bay-
nba de veludo preto com huns botões de fio d ouro e emxarrafas de Re-
troz verde e suas cintas guarnecidas douro.
Item huum punhal guarnecido douro, punho, bocal e conteira, e
anilado, com hua archama (sic) d ouro.
Item quatro beestas com seus atauios e almazem e cordas de sobre-
salemte.
Item duas lamças com aluados e contos ferradas douro abatido.
^ Qainze pessoas.
2 Os Commentarios de Albuquerque, assígnam a data de 10 de agosto de 1K15 (PaPt, iv,
cap. XL, in fin,) e Gaspar Correia parece dar a entender qae a partida foi em junho (vid.
l^enda$ da hdia, tom. ii, pag. 442).
392 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item bua carapuça de veludo preto da feição das do xeque Ismael»
guarnecida douro com cento e oitemta e huum Robys.
Item duas manilhas douro, hua muito grande e outra mais pequena:
a grande com hum Roby muito grande e seis pequenos e vinte e noue
dyamães, e a pequena com huum olho de guato grande e dous Robys
meãos e vinte e três Robys pequenos d arredor delia e sessenta e dous
diamães pequenos com três esmeraldas e bj pequenas *•
Item quatro anees douro anilados, os três delles com três Robys
grandes em perfeiçam, e outro com hua çafira é xxbij Robys ^ ao Redor.
Item hua joya de pescoço com hum Roby grande no meyo da sorte
dos anees e três Robys meãos e xx pequenos com duas turquesas e três
perlas da feição de perilha na joya e huua muito gramde.
Item hua pêra d âmbar com cem Robys e sessemta diamães peque-
nos com hua cadêa douro darelhana.
Item cimquo portugueses e b cruzados^ douro, e b católicos douro
de moeda de malaqua de mil e R R*. cada huum ^, e b manoees d ouro
da moeda de guoa de iij*" R. rs ^. e b tostoens.
Item XXX quimtaees de pimenta, xx quintaes de gingiure, x quintaes
de crauo, b quintaes de canela, xx quintaes daçuquar, hum quintal de
cardamomo, x quintaes d estanho, x quintaes de cobre, duas farculas^ de
beijoy, bj peças ^ de beatilhas.
Ao domingo pella menhãa cheguaram ao porto de bandar, que estaa
na terra firme três leguoas de hurmuz, omde avia hum logar de cem ve-
zinhos e sua mezquita. E ali veo ter com elles abraym beça, capitão daquella
terra pello xeque Ismael, que lhes tinha já prestes R camelos ^ pêra as
carguas, de que paguaram loguo damte mão c. xxxb serafins e meio ^ de
hurmuz, que vai cada hum da moeda do xeque três pães (sic) e meio por
sarafim, as quaes carguas se obriguaram os almocreues de as poer em dra-
gell, terra do dito abraym beça.
* Seis pequenas. ^
* Vinte e sete robins.
3 Cinco cruzados.
^ Mil e quarenta réis cada um.
5 Tresentos e quarenta réis.
^ Parece-nos que se deveria lôr faraçolas em logar de farctdas,
'^ Seis peças.
* Quarenta camellos.
' Cento e trinta e cinco xerafins e meio.
CARTAS DE AFFONSO DÊ ALBUQUERQUE 393
Partiram de bandar a xj de mayo á tarde e andaram toda Doite
quatro leguoas, e em amanhecendo se foram alojar em hua Ribeira muito
bSa e gramde sem pouoação, bõa terra e caminho.
Ao outro dia seguiram seu caminho ás vezes boom, e outras mao e
sem dp:uoa: a ib de mayo' choguaram a huum hibeiro que nacia dhi mea
leguoa; e a loguares per caso das sobidas vinha aguoa per canos de paao:
aqui avia huua casa de huum laurador, que hi uiuia com sua molher e fi-
lhos e tinha grandes lauoiras de triguo, milho e cominhos.
A ibj de mayo ' partiram, e tendo andadas três leguoas donde par*
tiram, duas oras da noite emcontraram os frecheiros de pee que hiam em
busca de braym beça, os quaes lhe manrlaua mizapiabudarra, Irmão da
molher dei Rei durmuz, senhor de franguo longuo, porque ouvio dizer que
se juntaua certa jemte, irmãos e parentes de certos ladrões que o dito
abraym beça mandou emforcar, pêra ho irem malar ao caminho; e dali
por diamte se vigiaram mui bem e seguiram seu caminho per amtre ser-
ras estreito e áspero com temor de ladrões, que sam ali muitos: e saydos
das s^ras emtraram em hum campo grande onde avia huum Rio de moen-
das, e loguo dhy hua leguoa hua aldeã de L^ vezinhos ^ de muitas lauou-
ras de triguo, ceuada e milho e ortas com muitas amores de fruto.
Partiram dali, e foram ter a outro luguar grande, onde o senhor delle
per nome mirgeladim lhes fez muita homrra, e os aguasalhou e deu de
comer e mantimento pêra dous dias : será homem de Ix anos ^ bem des-
posto, tem três filhos homens; e o luguar ha nome taurom, cerquado de
muro com seus cubelos e caua ; dentro da cerqua averaa iij^ vezinhos ' e
de fora ij^: as casas de taipa e adobes e terradas; aguoa lhe vai de lomge
per canos; luguar viçoso de muito pão e fruitas, ortas, vinhas e tâmaras e
muitas moendas debaixo do chão por caso das aguoas que nam tem queda.
Ao sábado xix dias de mayo partiram de taurom seguindo seu ca-
minho: ao dominguo cheguaram a porção, loguar de braym beça, e foram
apousentados em hum seu laramjal grande que tinha duas borrachas de
casas e hua grande vinha e tâmaras e outras frutas e grande criação de
caualos e guado; será de R.^ uezinhos ^ e derredor deste muitos loguares
' Quinze de maio.
* Dezeseis de maio.
' Cíncoenta vizinhos.
^ Sessenta annos.
^ Tresenios vizinhos^ e de fora duzentos.
* Quarenta vizinhos.
90
394 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
seus mâyores que este: ali estiueram atee a terça feira que partiram e
cheguaram a outro loguar de braym beça de iij® vezinhos ^ com muitas al-
deãs d arredor e gente de pee e de caualo, que os vieram receber atee ij*
de caualo' que trazia comsiguo: dali foram a hum loguar também seu,
muito perto de mil e quinlientos vezinhos pouco mais ou menos, e foi jaa
muito grande: diz que Renderá com suas terras cem mil cruzados, ame-
tade pêra elle, a outra pêra o xeque Ismael ; terra muito singular de grande
criação e pomares: nelle estiueram per dias, porque adoeceo o embai-
xador.
A b de Junho ^ partiram e foram donvir duas leguoas dhy, e ao ou-
tro dia amdaram oito leguoas e ao outro amdaram seis, e cheguaram a
hum luguar grande per nome paca, de muitas sementeiras; e seguindo
seu caminho per estes luguares cheguaram a hum campo de hum Rio
daguoa salguada, omde estaua a molher de braym beça: o Rio era de duas
leguoas em larguo: a molher do braym beça os Recebeo mui bem: aqui
estiueram alguuns dias em tendas e lhes morreo hum christão de febres,
e eram sessenta e duas tendas do dito braym: neste campo estauam os
caualos do xeque Ismael só poder de braym em guarda; de noite paciam
e os recolhiam aas tendas: aqui expedio o nossa embaixador os camellos
e tomaram outros ^.
^ Tresentos vizinhos.
^ Duzentos de cavallo.
^ O 6, significando 5, e o algarismo 6 confundem-se muitas vezes de tal modo que
é quasi impossível distinguil-os; foi o que nos succedeu no presente caso. Decidimo-nos
comtudo pelo (, isto é, 6, por vermos n*este diário usada unicamente a numeração ro-
mano-lusítana.
^ Depois d*este § acham-se pela mesma tinta e lettra as duas seguintes linhas que
estão riscadas: cNam se achou escrito mais desta viajem e Recado omdeo sobredito es-
taua e por isso se nam escreueo mais.»—- Bibliotbeca Nacional de Lisboa* citado Có-
dice de Alcobaça n.* 476^ foi. 171 v.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 395
CARTA CVni
Carta dafonso dalbuquerque guovernador da índia a duarte guduão.
Em tempo estamos que por nossos pecados Reina mais a imreja
amtre os portugueses e desejos de destroirmos huns aos outros e damni-
ficarmos e Roermos as homrras alheas, que obrarmos neste feito ho que
nossos avoos sempre fizeram : sohya nos tempos passados antre os portu-
gueses de serem louuados diamte da pessoa de nosso Rey os seruiços e
feitos homrrados que lhe os caualeiros faziam, e nam lhe estranhauam nem
lhe hiam á mão, querendo lhe elle agualardoar os grandes feitos que os
homens cometiam, e punham sua vida a todo periguo por acrecentamento
e estima de sua pessoa e fama; e como aguora fazem, nam creo eu que o
conde nunalurez neste tempo posera sua casa no estado em que ha elle
leixou, nem consentira a emveja dos portugueses começar se nelle nouo
linhagem, por mais honrrados feitos que acabara: e portamto, senhor, nam
m espanto aver muitos juyzos e dizeres que a índia era já perdida, por-
que a estes taes nam lhe minguariam Rezões afiguradas pêra isso poder
ser: e o que me v. m. escreue em sua carta, dezer sempre a elRei ho con-
trairo e vol o parecer assi, avendo as cousas de quâ por fora do nosso po-
der e saber, e poder da mão de deus mais que nossas, diguo, senhor, que
nam tenho eu o mundo por tam perdido que ainda hi nam aja hum justo,
pêra que nos nosso senhor perdoe; nem falecerá sempre a elRei hua ver-
tuosa pessoa d arredor de si, como uós, senhor, sois, que lhe fale verdade e
lhe ajude a soster ha opinião dos bons caualeiros que ho desejam seruir;
é os vertuosos homens e zelosos de todo bem dá lhes deos esprito de
profecia pêra saberem verdadeiramente os casos aquecidos; porque as
cousas da índia, como vós, senhor, dizeis, sam das mãos de deos diuinal-
mente achadas e diuinalmente sostidas, e a mim, senhor, mo parece mais
verdadeiramente, pello que tenho passado e visto, de que ás vezes Recebo
huum pouco de guosto pêra minha conciencea e pêra conforto de meus
trabalhos, e se isto nam fora, dias ha que leixara ha barca e as Redes: e
50^^
396 . CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
por isso, senhor, leuo grande guosto em ver vossas cartas; folguo muito
de as ver e aas vezes lamço mea dúzia de lagrimas com ellas: de minha
ida a malaca vos quero, senhor, dar hua pequena de conta, pêra què ve-
jaes mais craro como nosso senhor traz ho neguocio da índia na mão^
como diz a vossa carta: sendo me mandado per elRey nosso senhor mui-
tas vezes, que todauia com sua armada entrasse ho mar Roxo, acabando
o feito de guoa e me fazer forte, em poucos dias com ajuda de nosso se-
nhor deixei aquella jente que me bem pareceo e grande soma e abastança
de mantimentos e artelharia, assi da que tomamos aos mouros, como da
nossa quanta foi necessária. Recolhido aas nãos e posto em mar diante
da barra de guoa com todolos capitães e jente, me mandou dizer o feitor
que os mantimentos eram muitps, se paguara por elies ho jornal aos tra*-
balhadores por se nom damnarem? eu lhe Respondy que esse era o abas-
tamento da fortaleza ho que se lamçaua a lomje, defendendo lhe que em
nenhua maneira nam paguasse aa jente o jornall per mantimentos: noti-
fiquei aos capitães o dia da minha partida, no qual lenamos nossas amco*
ras e nos fizemos á uella caminho do estreito de meça, leixando provido
as fortalezas segundo a determinação dei Rei e com mais Resguardo: per
espaço de oito dias que cometi ho mar de hua uolta na outra, nunca pude
dobrar os baixos de padua; e por ser hum pouco tarde, os ventos nam
deram lugar a meu caminho, tendo mandado dioguo fernandez da guarda
Roupa com Ires nãos diante de mim que derribasse ha fortaleza de ça-
matra e me aguardasse atee certo tempo: ali nosso senhor, em cujas mãos
estaa o neguocio da índia, como vós, senhor, dizeis, volueo nosso caminho
e nossa naueguação ao feito de malaca: dali tomei arribar sobre guoa e
deixei nella mais nãos e jentes, e fui a cananor e deixei lhe mais jente, e
fui a cochim e deixei lhe nãos e jemte, a principal e as melhores nãos, man-
dando me elRei em seu Regimento que, naueguando aos luguares que me
tinha mandado, deixasse dous ou três nauios em guarda da costa, que por
Rezam poderia nelles ficar cento e cincoenta homens; e eu leixei mil e
duzentos homens e dezoito velas, a saber, em cochim ho cirne e a nao
sam thomé que se hi fez, e quatro navios; em guoa a lionarda, a Ramessa \
o nauio sancto esprito, o Rei pequeno, hum nauio dos de guoa, hua nao
noua de guoa acabada que tícaua em picadeiros, de duzentos tonees, três
gualeotas, e dioguo fernandez da guarda Roupa com o Rei grande e hua
^ ABsim está no Códice, mas deve ler-se Rumew.
i,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 397
nao nouâ das de guoa e o nauio sam christouão, as fortalezas com muito
mantimento e bons cabedaes de presas de mouros.
Fiz meu camiuho via de malaca, pois a dosso senhor aprazia, e da
armada da índia leuei soomenle frol de la mar em que hia minha pessoa,
e a taforea e as naos dos mercadores, e ha nao emxobreguas que era de
cargua, e quatro naos nouas das de guoa: éramos por todos setecentos
homens brancos e trezentos malauares; toda a outra jente e capitães fi-
caram na índia: per esta conta, senhor, que vos eu dou verdadeiramente,
deixei eu ha índia, nam como me el Rei mandaua, mas como homem que
avia de dar Rezâo delia neste mundo e no outro, em tal maneira que pe-
riguando minha pessoa ou a armada que leuaua, fícaua a índia perá dar
de si Rezão aos imiguos ie pêra aguardar quatro anos por outro guover-
nador : em tal maneira ficou ho neguocio prouido e fornecido de jente e
naos e boas torres de menagem nas fortalezas, que achei eu assessegua-
dos os mouros da índia quando a ella tomei de malaca, e muito dosasses-
seguo nos portugueses.
Esta mesma maneira tiue com a conseruação de malaca: deixei to-
dalas náos nouas d armada e toda a gente que tinha nella, e vim me ca-
minho da índia na frol de la mar, nao podre que ha hum balamço que to-
mou, arrancou bua cinta do costado e tauoas com as cadêas da enxarcea,
de podre e velha, e fui me apousentar na Ilha de çamatra, onde a nosso
senhor aprouve de me liurar por seu diuinal juizo: este Resguardo que
dei a malaca, olhando mais a minha obriguação que a minha própria pes-
soa e vida, leixandolhe todas as naos nouas e toda a jente bõa que tra-
zia commiguo, aprouve a nosso senhor de os ajudar, e desbarataram mui
grande e mui poderosa armada dos Jaós, jente esforçada e de mui boas
armas, e lançaram fora da terra huum Jao aleuantado contra nós: aguora,
senhor, pergunto eu aos pronosticadores, que desprouimento acharam eiles
de meu saber ou de minhas forças, pêra dizerem que era a índia perdida?
nam sam eu homem tam esquecido e desprouido de minha obriguação, que
h&a Iam grande cousa, como he a índia, ponha em condição; minha pes-
soa pôde ser, a qual falecendo em seruiço de deos e dei Rei, nam me fa-
lecerá* o paraíso, e a elRei nam lhe falecerá homem que ha saiba melhor
guovemar que eu : dou vos, senhor, esta Rezão de conta, atee que me nosso
senhor lá leue a dar conta com entregua verdadeira.
Ao que v. m. diz em vossa carta sobre a destroyçam de meça, fim e
acabamento da seita de Mafamede, discórdia e diuisam amtre os mouros
398 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
sobre ha opinião de suas seitas, muito mais craro he esse feito quá na
índia, e mais tomado ás mãos do que lá pode parecer; porque em muitas
partes, afora turquia, ha hi essa deferença e desconcerto antre os mouros
quá na índia; porque na terra do xeque d adem, a principal cidade e terra,
que se chama huto, desta seita, tendo a guanhada o pai deste xeque, aguora
e dentro na cidade ho mataram os mouros delia, nam podendo sofrer se-
rem guovemados por mouros de contrairá opmião da sua ; depois por es-
paço de muitos anos ha tornou este a guánhar e ha tem sobjuguada por
força; e na índia pouoações ha hi desta opinião e jentes da mesma seita.
O ano passado foram emtrados dous embaixadores do xeque Ismael
na índia: hum no Reino de cambaya e outro no Reino de daquem, com
cento emcavalguaduras cada hum, vestidos de sedas e brocados, espadas
guarnecidas de prata e ouro, e muitas azemalas, suas tendas antretalha-
das e muito ricas e prata do seruiço de sua mesa: as estoreas de suas
embaixadas foram que Recebessem sua carapuça e liuro de sua oração:
foram bem Recebidos e mal despachados : o que veo ao Reino de daquem
me mandou visitar e trazer panos de seda e de brocado: nam me achou
' hi, por ser já partido caminho do mar Roxo, e leixou hi ho presente que
pêra mim trazia: o que achei em guoa delle, era que o xeque Ismael fora
certificado como lhe eu emviara messegeiros e Recado e foram tomados
em Vrmuz, o qual aguora nouamente Recebeo ha carapuça e seita do xe-
que Ismaell, e pesa me a mim mui bem, porque Vrmuz, se cayr nas suas
mãos, será trabalhoso de guanhar, e eu nam queria ver na índia metido
huum tam grande senhor, ainda que fosse nosso amiguo.
Quanto he, senhor, ao feito de meça e de suas forças e poder do preste
Johão e do mar Roxo, posto que neãtas cartas dei Rei nosso senhor lhe
dei largua conta, algua Rezam uos darei disso, como quem de lá vem :
meça he destroyda sem contradição, assi por ser terra esterill e sem man-
timentos e todo seu prouimento ser pello mar, como por o senhor delia, que
se chama xarife parcate, ser homem de pouca jente, alarues nuus e sem
armas, e força nam tem mais que atee trezentos de cauallo, escrauos seus:
como vem a cáfila do cairo, fogem loguo pêra esses alarues que andam
nesses areaes, porque hão medo d algua gente de caualo que hi vem do
soldam, pello leuarem já preso bua vez ao cairo: nam foi poderoso pêra
Resistir á cáfila d alarues que veo Roubar ha casa de meça pouco tempo
ha: outro xarife jaz nesia terra da banda de meça contra adem, que se
chama xarife de guizee, hum loguar porto que estaa na Ribeira do mar
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 399
Roxo perto de camarão; será homem de seiscentos caualos; jaz logno ao
lomguo da Ribeira do mar Roxo atee adem \ o quall he homem de jb'' atee
jb]"" caualos' nam mais.
Item. Fronteira de judá e meça e desta tena jaz a terra do preste
Johão, trauesa e naueguação de dons dias e bua noite por amor dalguns
baixos, Ubás e Resguardos: esta terra se chama arquiquo, a costa da Ri-
beira do mar maçuá, que na vossa carta diz que he bua Ilha senhoreada
de mouros, loguar pequeno e de mui boas casas ; estaa tam peguada na
terra firme que se ouve huum homem a outro de bua banda a outra: o
porto que estaa na terra firme chamasse dacamau (sk): as nãos da índia vão
com especiarias e mercadorias a esta Ilha de maçuá ; aU Resguatam ouro,
marfim, cera e outras mercadorias da terra do preste Johão e mantimen-
tos : ao longuo da Ribeira do mar atee çuaquem, Ilha e bom porto que vós
nomeaes em vossa carta, he terra do preste Johão: jazem alguns mouros
sobjeitos seus ao longuo da Ribeira do mar, pouca jente; junto com a Ilha
de maçuá estaa a Ilha delaca senhoreada de mouros ; he da terra firme
como dalmada a lixbõa: d arredor desta Ilha pescam ho aljôfar em grande
quantidade: estam aa obediência do xeque d adem: maçuá e dalaqua tem
xeque por si, o qual se fez tributário do xeque d adem, por lhe dar ajuda
pêra botar fora outro que eu achei na. Ilha de camarão, ho qual trazia
pêra mandar a elRei; era bOa pessoa d homem e bOa presença; faleceome
no caminho da índia; ficou hum seu sobrinho que lá mando a elRey.
Estando na Ubá de camarão, guastados já os tempos dos leuantes,
aporfiei duas vezes pêra hir avamte e pus me quatro dias da naueguação;
desejando ho caminho, aperfíei per duas vezes e os tempos contrairos ho
nam consentiram: estando assi surto nesse mar, nos apareceo hum sinal
no ceo contra a terra do preste Johão, htla grande cruz e muito crara e
muito bem feita e muito Resprandecente: vi hua nuvem sobre ella e ache-
guandose, partioha em partes e nam ha cobrio: esteue assi por hum bom
espaço no ceo, adorada e vista de muitos, e alguns com deuação lançaram
muitas lagrimas, mostrando nos nosso senhor aquelle sinal pêra aqueUa
parte do preste João omde se avia por mais seruido de nós ; e como ho-
mens de pouca fee nam ousamos de cometer aquelle caminho; e porque,
^ Parece-nos adulterada esta passagem, e que em logar de aatee adem» se deve-
ria ler «o xeque de adem» , leitura a que nos auctorisa a compan^So com outros legares
das cartas de Albuquerque, em que se falia do mar vermelho.
^ Mil e quinhentos até mil e seiscentos cavallos.
km CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
ainda que os ventos fossem contrairos, era tam perto qae de bua volta a
outra me parece que fôramos laa, mandei amtonio guomez na carauela e
cheguou a dalaca e veo a terra, tendo determinado de mandar Rui gual-
uão com alguns nauios do preste * Johão ; vio amdar barcos pescando^ ali
falou com os da Ilha de dalaca, que já sabiam parte dias auia.
O preste Johão chamasse elayre, que he nome de emperador; o seu
nome, dauid Rei de Israel; tem muita jente de caualo e muitos alifantes:
estendesse seu senhorio contra çofala e contra as costas de maguadaxo
e mombaça e melinde, e d estoutra banda confina com nuba, a que nós
chamamos ethiopia, e vai lá ter contra manicomguo e contra aquelle mar
da banda da terra: tem sem conto jemte, caualos e alifantes; sua morada
mais continua he dez ou doze jornadas do mar Roxo: quer muito grande
mal aos mouros, deseja muito nosso conhecimento e amizade e muilo mais
passar á casa de meça e destroyla: sua terra carece de madeira e nam ha
hi nãos nem maneira de as fazer; se tiuera embarcação pêra sua embarca-
ção, tudo fora seu : os mouros tem por profecia que elle ha de dar de co-
mer aos alifantes e aos seus caualos da casa' de meça, e que per meyos
d elle ha de vyr sua destroyção e nossa ajuda, e foi mui grande açoute
pêra elles a emtrada do mar Roxo: nom fiz fortaleza em camarão, pare-
cendo me bem por algúas Rezões que sam larguas de contar, e fizera em
maçuá e despejar de mouros pella ajuda do preste Johão e por termos as
costas nelle, atee irmos criando mais forças e segurar nosso feito ; e tam-
bém assenhoreara com este assento ha Õha de dalaca, que estaa loguo
ahi a pescaria do aljôfar, e as nãos dei Rei nossos senhor virão loguo ali
com especiarias, e lançaremos loguo mão do ouro do trato do preste Johão,
que fae mui gram soma, porque se guasta na terra firme muita pimenta;
e dês da boca do mar Roxo ao lomguo da Ribeira do mar atee çuaqoem
he tudo terra do preste Johão.
O mar Roxo chamam lhe os mouros nesta terra mar emçarrado per
sua linguoa, e nós chamamos lhe ho mar Roxo, porque o Reuoluimento
dos mares ' faz buas manchas vermelhas n aguoa, e sae pella boca do
estreito em hfia espadana d aguoa tam vermelha como samgue, quando
vem a Jusante, e quando toma a montante perlomgua per esse mar
adeante per longuo espaço de vista assi vermelho : no mar Roxo nam ha
< Entendemos que «e deve ler €ao prestet,
' É visivelmente erro, deve ler-se tna caiais,
' Dos mares, oa das tnarisf
CARTAS DE APFONSO DE ALBUQUERQUE 401
hi curso daguoa; ha hi montante e jusante, ho mar aparcelado, de pou*
cos ventos.
Zeilão^ he luguar de mouros fora da boca do mar Roxo; lá mandei
vosso filho, fez hum feito mui homrrado, meteo muitas nãos no fundo e
mui grandes, e queimou muitas, e descobrio mui bem ho porto: he mui
bom caualeiro e por tal ho deue ter elRei, e foi elle com os primeiros
que subiram no muro d adem e no feito de benascary ^ e ousadamente ho
fez, em ambos os luguares foi ferido: he grande guastador e prodiguo, e
cheo de ajuntar a ssi homens trauessos e guastar com elles ho que tem;
ás vezes ho Reprendo pello vosso: como tomar assento de homem, leixaraa
essas cousas e ficará muito homrada pessoa: leixayo assy andar curando
ao aar.
A determinação, senhor, em que fico: eu m aparelho, e ho melhor que
posso, pêra emlrar ho mar Roxo, ainda que o feito do mar Roxo, pêra se
fazer fundamento d asemto lá, ha mester propósito, e nós nam temos quá
os almazens dei Rei: a fortaleza nam se faz com as armas ao pescoço e
com huum alforge e hum pouco d arroz nelle, e mais cm tal luguar: de
nos ajuntarmos com o preste Johão nam tenhaes nisso nenhua duuida, por-
que vinte dias estamos de naueguação de sua terra e de seus portos, e elle
deseja muito de nos ver: a deslroyção da casa de meça por leue feito ho
hei, com ajuda da paixão de nosso senhor; hum dia de caminho estaa de
Judaa; todo provimento lhe vem de barbora e zeilão ^ e daquella costa da
terra do xeque d adem.
Judaa pequena cousa he, fraca e leue de leuar nas mãos com pouca
jente: o que me deste feito de meça parece he que, surta hua armada
diante de Judaa, sabendo que sam chrislãos, nam ficaria viua pessoa em
meça: he pequena cousa, nam tem jente d armas, todos sam de contas na
mão e de vnhas alfenadas, e se lhe tirarem ha Roupa branca e especiaria
que vai da índia cadano, nam virá a cáfila nunca a meça: se elRei nosso
senhor daa maneira doficiaes, esses que cortam as aguoas pellas serras
da Ilha da madeira, que lancem no crecimento do nillo per outro cabo, que
nom vá Reguar as terras do cairo, em dous annos he desfeito o cairo e a
terra toda perdida; e se daa maneira de passajem ao preste Johão na terra
^ Aliás Zeila,
^ Aliás Benastary.
' Aliás Zeila.
51
402 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
de meca^ nam ha hi nada que fazer, porque os abexis sam valentes ho
mens: vejo as cousas estar armadas pêra todo bem, se me el Rei ajudasse
e nam me desconfortasse \
CARTA CIX
Carta dafonsso dalbuquerque guoveimador da índia a duarte galuao.
Eu vos tenho sempre escrito mui larguamente todo meu neguocio
de quá da índia e Respondido a vossas cartas, e se as, senhor, nam ten-
des ávidas, sam o mais mofino homem do mundo, porque bem sei quanto
perco em vos nam dar conta mui larguamente : na minha fazenda vos nam
hei d ousar de falar, porque ho que vós fazeis por vossa própria virtude,
nam no quero eu meter em neguociação; abasta saber que quem me deu
ho seu, como vós, senhor, sempre fizestes, nam me lamçará ho meu alomje;
e mais eu vos cerlefico que nam sei ho que tenho, nem cuido nisso, nem
me lembra: se a nosso senhor aprouver de me leuar a esses Reinos, sei
que tenho tam certa a minha fazenda como a vossa, e portamto, senhor,
nam me culpeis que uos ás vezes nam escreua meudamente neste feito:
eu, senhor, tenho vista ha conta que me sempre destes dessa pobreza que
lá tenho, da qual uos nam quereis aproueilar, e pesame a mim mui bem,
porque nam tenho eu molher nem filhos nem pai nem mãi nem irmão,
senam vós soo, de que me eu muito prezo; e portamto dessa miséria que
laa tenho, vos terei em mercê aproveitardes vos delia em cousas de vossa
homrra e em todalas cousas que vos cumprir; e se me esta mercê fizer-
des, tornar me es atrás vinte anos de idade e contentamento, e crerei neste
amor e amizade que me tendes, e será grande conforto pêra saudade que
me nmilas vezes quá toca de vossa amizade e conversação e irntandade
verdadeira, que me quá daa mais saudade e mais trabalho que a lembrança
de cousas de portugual, porque tudo tenho esquecido, que doutra maneira
nam se poderam sofrer os trabalhos desordenados da índia, e as despesas
e guastos dessa pobreza minha, que por bem de meu carguo nam posso
leixar de fazer, que sam mayores que o proueito de quá nem o ordenado
^ Bibl. Nac. de Lisboa.— Códice de Alcobaça n/ 475, foK 176.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 403
que me sua alteza daa, porque algua cousa que me sostinha nessas joyas
e partes das presas, já hi nam ha nada disto na índia, porque se nam toma
nao nem barco, todalas cousas tenho assosseguadas, chãs e mui mansas.
Vy ha carta que me vossa mercee aguora escreueo, e todo o que
nella dizia: folguei daver amtre nós algum homem vertuoso e que es-
creuesse verdade a elRei, como me dizeis que ho dioguo fernandez fez:
moor mal lhe tem a elle feito as cartas da índia que esse, porque ho nam
leixam tomar verdadeira determinação do que quer fazer da índia, e faz me
cadano tomar hum caminho contrairo do outro, e trás todo ho feito da
índia tam desassesseguado, que nem os mouros da índia nem os jemtios
nem os corações dos portugueses tomam assemto: prouvesse a nosso se-
nhor que elRei nunca visse carta da índia, porque esses de que elle tem
confiança, tem lhe dado tamto credito, poder e autoridade nas suas cousas
da índia como a mim, e com este fauor sam tornados meus competidores
e nunca escreuem em tratos de mercadorias proveitosas a seu seruiço, nem
da maneira que se a Riqueza da índia poderaa aver e leuar pêra esses
Reinos, nem nos tratos de quá ha maneira que se poderia ter pêra se fa-
zer proveito na sua fazenda: todo o feito destes he aconselhar el Rei como
ha de guovernar ha índia; culpar meus caminhos feitos pello Regimento
dei Rei, damnar meus feitos e minhas consas, desejar toda minha destroy-
ção, e diguo uos, senhor, per a malicia da índia, porque minha limpeza culpa
os homens muito; e os ofSciaes com os quaes nam tenho nenhua compa-
nhia nem parçaria, nem taco nenhua mastelada com elles, culpo os tam-
bém e obriguoos a muito: nam queriam ver ha índia assesseguada, como
aguora estaa, nem os portos em tratos abertos ; e as mercadorias ás mos-
cas e ao ar, e as minas do ouro, pescarias d aljôfar e minas de pedraria
tudo estaa espado* e em mortorio, e estes que tem carguo da fazenda
dei Rei, nam lhe vejo fazer nenhum fruto, nem lhe vejo tratos com esses
portos, nem os vejo vsar de seus ofícios e carguos como homens que ho
sabem fazer: vejo tudo hermo e quatro quintaes de cobre e dous dazou-
gtie nas feitorias delRey; e eu tenho apertado na mão com ajuda de deos
todo bem da índia.
Estes guovemadores da índia, sendo eu em malaca, escreueram como
eu deixara ha índia desemparada e soo: e sua alteza me tinha mandado
que, partindo eii desta costa pêra omde me mandaua hir, deixasse em
^ Aliás esperado*
404 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
guarda delia dous ou três nauios; e eu deixei estes que uos aqui direi:
ho cirne, a nao noua sam Ihomé que se fez em Cochim, as duas ajudas,
o Rosairo, a gnarça, estas em cochim: em guoa leixei ha lionarda, aRu-
mesa, hua nao noua de guoa de duzentos tonees, ho Rei pequeno, o nauio
sancto sprito, o nauio que deram em casamento a quatro casados de guoa,
hua gualeota e duas fustas, e dioguo fernandez que veo de hurmuz, com
o Rei grande, sam cristouão e hua nao noua das de guoa, e mil e duzen-
tos homens na índia: e eu fui a malaca e leuei da armada da índia duas
nãos de cortiça comestas do gusano, era frol de la mar e ha taforea: o bre-
tão e emxobreguas que leuei, eram nãos de cargua; leuei alguas nãos nouas
das de guoa ; leuaria atee quatrocentos homens bramcos da jemte da ín-
dia: estes guovernadores que dito tenho, fizeram me morto e perdido, es-
creueram de mim como de homem morto que nam esperauam que desse
Rezâo de si, e nosso senhor por seu diuinal juizo mostrou ho seu poder, e
emleuounos a todos com o feito de malaca.
Ás vezes escreuem estes a el Rei alguas cousas, e pêra lhas crer o
primeiro pomtão que põem a seu propósito, he falar lhe em sua fazenda e
que guasto muito de sua fazenda, porque a este feito acodiraa el Rei mais
asinha, e emtamto aproueitamse da sua fazenda, fazem sse paguos do seu
cofre, tratam grosso, e amdam tam ceguos neste feito que lhe nam lem-
bra nenhua outra cousa: dam essa pobre cargua de pimemta quando as
nãos vem; se lhe nom buscam de fora outras mercadorias, nam nas sabem
elles buscar nem aviar, nem ho entemdem nem sabem fazer, e vai sse todo
o bem da índia a perder, porque quer elRei ter feitores, escriuães de fei-
toria, homens que nam sabem contar dez Reaes, nem sabem que cousa
sam tratos, nem sabem emderençar as mercadorias omde façam fruto, nem
ho mamaram no leite, nem nunca ho aprenderam, e assi está tudo como
em mato maninho ; e vos certefico, senhor, que sam tam grandes os gua-
nhos dos tratos de quá e tam grossa a mercadoria e Riqueza da índia, que
he Riso falar no guanho da pymenta; e eIRei comete este neguocio a dous
moços da camará que vem de três em três anos, boçaes, que úam sabem
que cousa he trato nem mercadorias nem compras nem vendas nem far*
dos de mercadoria: lá tenho escrito a elRei que creia mais no escritório
de bertolameu com lionardo soo nelle, que em quantas feitorias e quantos
feitores quá tem na índia: diguouos, senhor, que mayor he o guanho das
especiarias de malaca á índia do que he da índia a portugual: assi, se-
nhor, que me creaes^ que o neguocio dei Rei neste feito nam pçrde senam
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 405
de nam ter homens mercadores cadimos, cosidos na mercadoria e no sa-
ber delia, porque destes que quá tem, nam pôde receber senam mexeri-
cos e emburilhadas: mostram se muito cheos de dor de sua fazenda, pêra
se poderem melhor ajudar delia e saber feitorizar ha sua: estaa tudo pen-
durado em hua escapula com hua tea d aranha por cima, e escreuem M
C4RTA CX
Carta de Affonso Dalbuquerque a Dom martinho '.
Tomo esta lisença de v. m.^, que he não vos escreuer por minha le-
tra, porque he tão maa que hei tudo por lansado a lonje quanto uos es-
creuer: e eu, senhor, não tenho outra escora nem outro bem laa senão
nossas vertudes, porque quiz v. m."^ tomar esta carga sobre uós tão pesada,
tão contrariada e tão enuejada, a qual he sosterme v. m/^ diante S. A.; e
portanto, senhor. Recebo das mãos de Deos fazerdes me. tanta mercê; e
como já, senhor, por ueies uos tenho escritto, dá uos nosso senhor o ga-
lardam de uossa vertuosa tenção com que o fazeis, porque lhe apraz pro-
cederem as cousas da india a todo uosso conselho, pois que por elle vim
á india, e por elle estou na india, e por elle faso meus caminhos, e por
elle me goarda elRey até lhe dar Rezam de mim, porque, segundo os con-
trairos laa tenho, dias ha que fora maltratado, se me v. m.^ não ajudara;
ainda, senhor, que obrigado tenho eu S. A. a tomar armas por mim con-
tra esses taes, porque eu não ando seção nos caminhos de seo Regimento,
deixando todalas cousas prouidas milhor mylhor (sic) e com mais Res-
goardo do que me elle ainda manda: se ás uezes as cousas não socedem
como elle quer, logo eu ey de ser culpado diante de S. A. dos enuejosos
e danadores dos homens?
Não he lembrado S. A« que me mandou em meu Regimento^ que
apartando me desta costa aos lugares honde me mandar hir por seu ser-
uiço, que deixace dous ou três nauios em goarda da costa? e eu dáxá
1 Bibl. Nac. de Lisboa. — Códice de Alcobaça n."" 478, foi. 180 v.*
* Deve ser D. Martinho de Castello Branco, vedor da faxenda, e depois conde de
Yilla Nova, grande amigo de Afiottso de Albuquerque^ segando Gaspar Correia. Yíd.
Lmdoi da Indêa, u, 463.
406 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
dezoito vellas, a saber: em cochim o cirae, a nao S. thomé, ajuda grande,
ajuda pequena, o Rosairo; e em goa leixei a lionarda, a Rumesa, o Rei
pequeno, a nao santo spiritu, o nauio pequeno que dei en cazamento a cer-
tos cazados de goa, hua nao noua das de goa de dozentos tonees, três ga-
leotas ; ficaua também díogo fernandez da goarda Roupa com o Rei grande
e com sam christovão e com bua nao das de goa, e leixei na india mil e
duzentos homens, e as fortalezas cbeas de mantimentos e boa artelharia;
deixei por capitam do mar manoel de lacerda: desta maneira deixo eu
prouido as cousas de minha obrigasam, e não com três nauios que goar-
dem a costa: asi, senhor, que se v. m/* lá não falase por mim até dar Re-
zam de mim, já fora derribado, segundo a malicia dos homens e a enueja
Reina agora mais que nos tempos passados. Digo agora, senhor, também
«obre o ffeito de nialaca o que depois de minha partida sobreveo: leixei
todos os caualeiros e fidalgos de minha armada; leixei todalas nãos e
nauios de minha armada nouos e sãaos, e parti me só com dous homens
meus e dous mossos escrauosen frol de la mar, podre e velha; e asi me
salue Dosso senhor, que eram sesenta escrauos, bombas duas, que nunca
de noite e de dia deixauam de dar a ella: prouue a nosso senhor que o
bom prouimento e bom Resgoardo que deixei a malaca, venceo e desba-
ratou a armada dos jaós mui grande e de muita gente, e lançaram os jaós
fora da pouoasam de malaca aleuantados contra nós: asi, senhor, que
olhando mais que todas as cousas do mundo a obrigasam e conta que sam
obrigado de dar a Deos e a elRei, da india que me entregaram com qua-
tro nauios podres metidos na uasa e duas fortalezas emprestadas em terra
alhêa, meti minha pobre pessoa, e auenturei minha uida em hua nao po-
dre, por tal que as cousas de minha obrigasam ficasem Reformadas en
tal maneira que, perdendo se mynha pessoa, a india dése sempre Rezam
de sy.
Agora, seuhor, ueiamos porque me não defende el Rey daquelles que
querem danificar minha honrra ante S. A., pois que eu ando em seus ca-
roynhos, goardando sua detirminasam : bem sei eu, senhor, que me não
ha a my de conhecer elRei senão depois que elle quá liuer outro gover-
nador, porque, como lhe eu escreuo, bastou *■ sempre para as cousas de
seruiço antre os honrrados e vertuosos que de Redor deíle amdam, pes-
í Assim ealá no Códice de Évora; mas entendemos que se deve lér hucou em lo-
^ar de ÒMtou,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 407
soas de que confiou sua fazenda, e agora o vejo bem carguado de penden-
ças delles, e a my buscou me antre os mãos e visiosos: poderá ser que
achou homem, e não digo, senhor, mais, porque v. m."^ tem laa cuidado
de dizer o mais por mim, sem uollo eu merecer; queruos nosso senhor
dar essa vertuosa incrinasam por se fazer algum bem na india por uosso
meio; não ten necessidade de bom homem, que jpor vintura o tem em mim,
mas falece lhe fauor e creditto de S. A., com que as cousas de seu seruiço
acabam sem Rigor e escândalo da genle; e asy como seu fauor e credyto
cura as cousas da india, asy as cura laa ante elle, porque averaa hi pou-
cas pessoas que ousem de lhe hir a mão, quoando virem que meus serui-
ços e mynha pessoa estam en grande estima dyante de S. A., como he
Rezam, porque, sigundo a maldade e enueja Reina entre os portuguezes
ao presente, não cuido eu que o conde nunalurez neste tempo puzera
sua casa e fama no estado em que a elle deixou, por maiores feitos que
acabara.
Mais, senhor, escreuo a S. A., que os capitains dos Reis seus vezi-
nhos não se fizeram elles neste tempo illustres, senão porque lhe deram
quanto fauor, credito e autoridade quizeiam, porá os carguos que lhes fo-
ram cometidos; e ao coitado de mim leuame logo a boa ^ debaixo dagoa
quoalquer carta domem oucioso de quá da india, desses que cada anno
escreuem a elRei sobre o gouerno da india, e o querem -aconselhar, sem
lhes elle pedir conselho, e eu não ouso de lho dar, tendo me elle feito do
seu conselho: e ainda, senhor, uos digo, que não sei como S. A. não olha
quoam perigosa he hua carta sua d agradesimentos a quoalquer homem
destes que lhe de quá escreuem da india, os quoaes nunca entraram na
sua goarda Roupa, porque asi uelho como eu sam, pouco aluorosado,
ainda não sam homem pêra me ter a hua carta d agradesimentos dei Rei,
que me enche de vaidade com ella.
Digo uos, senhor, isto, porque sendo meu sobrinho dom gracia hfla
tal pessoa e que elle tanto deue estimar, não lhe escreuer hua carta, nem
lhe pedir Rezam das cousas da india! não folga de o contentar e fauore-
cer; e aos capitains que comigo andam, esteios deste corpo, do conselho
e gouerno das cousas de seu seruiço, não lhe escreuer hua carta a cada
hum, nem lhe mandar que juntamente todos lhe escreuam cada anno o
que passa, e o que procede da india, pois que cada anno tentamos cami-
^ Aliás baia.
408 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
nhos nouos e cousâs nouas por seu mandado! não vee S. A. que grande
escandolo he dos capitains que continuadamente andam com as armas
nas cousas de seu seruiso, ver escoirar^ todo o negossio da índia sobre
António Real e lourenço moreno e gaspar pereira e outras pessoas bai-
xas e de vil condisam, que lhe cada anno escreuem cheos de trosidade ^,
sen nenhum saber, senão aquillo que ouuem em pratica a homens muito
auizados: que hão de saber estes taes'do negocio da india ençarrados em
cochim e em cananor, cheos de betele, de negras e a destro e a sestro,
pêra S. A. dar creditto a suas cartas, e escreuer cartas de agradesimento
de seus consselhos e pareseres da india? e os capitains e caualeiros que
as andam praticando, e as trazem nas mãos, não lhe tomar a conta disso,
nem lhe escreuer cartas pêra seu contentamento, pois que com as quin-
taladas que elle tem tirado, e o soldo que agora tem não hão de leuantar
caza com sobrado ! e ainda senhor, pêra contentar estes fidalgos que quá
andam acutelados e feridos por seu seruiço, semeou agora que foram ^ á
sua partida hum bom descontentamento, que por consselho de foão quiz
leer em pubrico das mersés que lhe eIRey fizera, e lhe mostrou hum
aluará que pudese fazer hua nao, e que lhe dese ajuda d aparelhos pêra
isto^ e a outra lhe daua a capitania de cochim, acabando pêro mascare-
nhas seu tempo; estas mersés e o mais entre muy especiaes fidalguos,
que lhe tem leito muito boas fortalezas de pedra e cal, e feridos por seu
seruiço, os quoaes não podem auer a capitania d um nauio I e foão, sem
proueito e que nunca uestio as armas, nem pelejou por seu seruiço, por-
que sempre andou com asuquares pêra ueneza e fraudes, fazendo seu
proueito, estante em cochim, enchendo se de pimenta e dos cruzados de
seu cofre, auello d encher de tantas cousas nos olhos de* tantos bons ho-
mens que lhas merecem, não quero nisto mais falar.
Alguas cousas, senhor, tocarei nesta carta a v. m.**: pois que nosso
senhor tanta parte uos quiz dar no bem delia. Rezam he que escreua ho-
mem a y. m.*^ o bem e o mal, e digo, senhor, primeiramente, que a india
ao presente com ajuda do muy Alto Deos tem tomado tam grande asento
e tão proueitozo ao seruiço dei Rey nosso senhor e a todo o bem de seu
^ Párece-nos que se deve lér escorar.
^ Aliás í atrocidade (?).
' Parece-nos que a phrase semeou agora que foram, etc., foi mal transerípta no Có-
dice de Évora, e que estaria no original semeou agora qud foam d sua partida hum bom
descontenUmento.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 409
estado e seguransa delle, que serto ser aquelle paresem cousas ordena-
das por Deos, porque todolos portos e lugares de mercadorias de or-
muz até a malaca estão abertos e suas mercadorias no campo agoardando
por nossos tratos, e os Reis e senhores das terras e dos portos com muita
obediensia precuram os tratos e amizade dei Rey nosso senhor, desejando
ser seus seruidores en todo o lugar, e nossa gente e mercadoria Recebida
e fauoresida e bem tratada, e nos dão as suas por onestos preços: por
toda a parte do sertão da terra andão os nossos homens, sem lhe ser feito
nenhum danno ; nesta parte de Diu até zeilão estamos tão fortes e tão se-
guros, se a nosso senhor apraz de se acabar a fortaleza de Diu e a de
Calecut, tendo nós asenhoreado goa, que jaz neste meio, que eu duuida-
ría, uindo o poder do soldam nem de todolos mouros que haa no mundo,
podesem jaa tomar asento na india, nem na india auer mudansa, posto
que a jente delia de sua condisão seia bolisoza, porque temos as prínci-
pães cabeças que jazem nesta paragem, na mão, a saber, diu, goa e Ca-
lecut.
Calecut por morte de çamori, homem mais maluado que jogurta,
tomou asento com este Rei que agora he, o quoal antes, sendo principe,
tinha conhesimento e amizade comigo: os apontamentos laa os mando a
S. A.: os principaes e mais proueitosos sam três: o primeiro he darem
dez mil babares de pimenta cada anno a troco de mercadoria de toda a
sorte, que he maior cousa que se ainda fez na india: outro he que pagão
a fazenda que se tomou a elRei, e outrosi dam de tributo cadanno ame-
tade da Renda dos siguros das nãos, pageres e paraos, que he bua gram
soma que vão ahi, que paga dous mil fanões, delias três mil: a fortaleza
me deram onde eu quiz de dentro do arrecife e perto do seu serrame,
pegada na Ribeira do mar, pouso principal das suas nãos ; fel a thomás
fernandez, tendo delia cargo francisco nogeira e gonsalo mendez, e pe-
dreiros com gente da terra; estaa no corpo da sidade: calecut *, senhor,
he a maior cousa que nunca vi; hee tam chea de pedraria e aljôfar e Ri-
queza, cômo era de primeira e tão pouoada; ha nella infindos mercado-
res gentios e mouros : segundo a fama das mercadorias que pedem, pa-
reseme que ha de ser hum lago de mercadoria: eses dias que hahi es-
tiue dando ordem á fortaleza, e asentando nossos asentos com elRei, vie-
^ Eitaa (a fortaleza) no corpo da sidade de Cdeeuty senhor, he a mator, etc. Assim
está DO códice; mas entendemos que eliminando a preposição de antes da palavra Co-
lêcut, e pontuando como pontuamos, fica o sentido corrente.
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410 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
ram gram soma de nãos de toda a parte ao porto: a fortaleza de diu vai ha
fazer diogo femandez da goarda Roupa, segundo elRei manda em seu
Regimento.
Goa tomou asento com ho sabaio, o quoal deu a goa as ilhas que es-
tam pegado com elle ; mas já lhas eu não agardeço» porque estam tam
fortes, que uindo elRei de daquem e elRei de narsinga, não na poderiam
emtrar: andamos em apartamentos de nos dar a terra firme que estaa de
Redor delia, que he mui grande Renda de trinta e sinco mil cruzados
cada anno : o sabaio tomou agora todalas terras de goa com nossa paz
com trezentos piães da terra ; todo o bom partido nos ha de fazer, por si-
gurar dabul e samguitar *, e por lhe darmos cauallos, e leixarmos uir gente
branca de fora a seu soldo : as ilhas se pouoarão em gram maneira., Ren-
dem já agora perto de doze mil pardaos os direitos das terras ; a entrada
dos cauallos d anno passado Rendeo sinco mil pardaos; d agora que meto
em uzo os caualos a goa e o trato delles todos todo na mão dei Rei nosso
senhor, Renderam mais de trinta mil pardaos, afora o ganho que se pôde
fazer na primeira compra, que o senhor da terra faz sempre primeiro que
os outros mercadores: o trato dos caualos he hum ganho desordenado,
porque se ganha trezentos por sento e 400 por 100 e 500 por sento
dormuz e da costa d arábia a goa, afora os direitos que pagam os caua-
los na Índia, que sam muy grandes.
Sobre este feito, senhor, de goa, segundo o que quá ui, alguas pe-
soas que querem Reuoluer o ifeito da india, cuidando que empeciam a
mi, emformárão mal elRey aserca de goa; e sabey, senhor, que faz todo
este mal os mimos com que granjeo as cousas dei Rei, e as palauras que
ás uezes solto por indinar os corasõis dos homens ao trabaUio e conser-
uasam das cousas: isto faz aos bons inclinar a todo bem e ajudar me, e os
corasõis danados querem tomar vingança nas couzas em que me vêm leuar
maior gosto, cuidando que as hei por mais minhas que outras.
Não cuidei que goa que estaua desta maneira com S. A., antes me
pareceo que a tinha dentro na sua Alma pella mais principal couza das
Índias, porque não creo eu que S. A. queira escorar a conseruasam da
india e siguransa delia sobre a fortaleza de cochim com cem homens da
sua Hordenamsa, e cananor com oitenta; e se este fundamento he feito,
e lho asi parese, quoal foi o homem que lho ouzou de dizer, sendo eu fora
^ Aliás Sanguiçar.
J
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 4 1 1
por seu mandado, com todo o outro restante, que a india era perdida e
que a deixara dezemparada e me fora, deixando eu nella dezoito uellas e
mil e dozentos homens? tiro logo daqui que a confiansa da india não na
ten logo elRei senão na sua armada: e bom conselho vos parece a vós,
senhor, este, que se ponha todo o negocio da india a hum dia de trauoada
ou a hua hora minguada? não uejo eu os príncipes laa nessas partes si-
gurar eses estados senão com boas fortalezas e boas torres de menagem.
Mais, senhor, uos digo: não sabe S. A. que goa e cambaia, calecut
e os Rumes eram todos em hua masa, e goa era cabiceira principal desta
openião de nos botarem fora da índia, e como leuaram {úc) goa nas mãos,
logo todalas outras cousas uierão pedir pazes e misericordi^? digo uos,
senhor, que não entendo este negosio; cuidei que tinha elRei goa emgas-
toada em hum anel, e que ha aueria por tam grande cousa, que perden-
do se a india, delia se poderia tomar a ganhar e si gurar: e mais goa jaz em
tal parajem e he tam gram cousa, que as nãos da carga não ouzaram de
vir á india senão em corpo, e não í)óde a india tomar asento nem asosego,
se ella estiuer em poder dos turcos : eu tomei ha por seu mandado e por
quantos conselhos asinados pellos capitains, e a tomei a ganhar, e me fíz
forte nella; tenho a por companheira e ajudadora minha, e ponho as cos-
tas nella, como couza em que nom tenho outra confíansa: acabaram se
neste feito de goa duas grandes cousas: a primeira foi tirar se das mãos
dos mouros, que criauam nella grande força de nãos, jazia sobre o pes-
coso de toda nossa nauegasam, asy das nãos da cargua como do socorro
das nossas fortalezas ; a outra he termol a em nosso poder, e asosegarmos
a india; com ella siguraremos as nãos da carga que venhão hfia e hua
demandar a india e enfrear os portos principaes delia, e a poderemos daqui
socorrer no inuemo e no veram as nossas fortalezas, terra e porto ase-
nhoreado por nós: não se ham de queixar candaguora nem o algozir com-
nosco, nem han de dizer que não toquemos as meiras ^; nem el-rei de co-
chim ha de querer que matem hum portuguez por matar hua uaca; mais,
toda a terra he dei Rei e a jurdiçam, afora o baraço da justiça dei Rei:
mais, senhor, he porto he barra principal anlre todalas da india, escapula
de todalas mercadorias do Reino àe daquem e do Reino de narsinga.
Ho que agora pareceo nas cartas dei Rei he o que aqui diser a v. m**.:
os homens quoando querem danar hua couza de seruiço dei Rei, e que-
^ Aliás mo\Ta& (?)
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412 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
rern escreuer de quá a S. A., o primeiro pontão que opõem a seu prepo-
sito he fallarlhe na sua fazenda, dizer lhe que se fazem grandes gastos e
despezas, porque lhes parece que acudirá elRei mais azinha: desta ma-
neira escreuem de quá a S. A., dizendo que fazia grandes despezas goa:
deuera S. A. de preguntar a estes que lhe escreueram, quoaes sam estas
despezas que goa faz? porque eu não nas uejo, senão mantimento á gente
e seu soldo: tirando esta gente daquy, e pondo a em hua ilha despouoada,
ou em hum monte, não lhe dará elRei seu soldo, ou em quoalquer outra
parte que a sua gente estiuer, nam lhe pagaram seu hordenado? pregunto
eu agora a S. A., quem faz maiores gastos agora, cochim ou goa? cochim
que tem mil e seissentos homens, e se estaa corregendo a armada pêra hir ao
mar Roxo : e pêro mascarenhas quoamta gente tem agora em goa? duzen-
tos homens: por esta carta (sic) deuião de deixar d achar que gasta muito.
Se pella ventura el Rei se queixa de lha sercarem tantas vezes os
turcos pêra lha leuarem nas mãos, e se agasta com isso, leixelha; e se
S. A. cuida que ha de ganhar as couzSts tam grandes tomadas por forças
de armas a Reis mui poderozos e de muita gente, e sen lhas defenderem
e contrariarem e serem muitas vezes aprefiadas, se lho asy parece, deixe
. india, porque nSo ha de tomar ntahOa cousa jâ gora J Lia que nSo
custe muito sangue, e que lhe não seja muitas vezes contrariada e bem de-
fendida, porque já hi não ha laurador tam fraco que leixe tomar o seo
por força, se o pode defen4er.
E quanto mais goa não se deuia de soster e defender a todo o po-
der do mundo, senão porque a uemos cobiçada e dezejada dos turcos,
homens muito cobisozos, poderozos e de muita artelharia, e que sabem
fazer nãos á nossa usansa, imigos nossos, dezejadores de toda nossa de-
stroisam, cheos de espingardeiros e bombardeiros e de mestres de ar-
telharia tão boa como a nossa, e de mestres de fazer nãos tam boas como
as nossas, ferreiros e carpinteiros e calafates tam boons como os nossos:
os danadores de todo bem da mdia, por estas mesmas Rezoens por bonde
ha S. A. ha deue de soster e defender athé o dia do juizo, lhe fazem en-
tender que he bem derriball a ; sem nenhua vergonha nem temor de Deos
lhe ouzão de escreuer isto.
Ainda, senhor, que se me S. A. defende que não entre en cochim,
nem en canan*or, nen enueme em cochim, porque não pregunta a estes
seus conselheiros bonde irey Reformar minha armada e gente? cochim
não tem pêra dar de comer a 500 homens, nem ha hi pescado, nem carne,
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 413
senão galinhas que custam a xxij í5., e em goa dezembarcando dous mil
homens, não nos sentem, e ha hi sempre muito pão trigo na praça e dous
talhos de uaqua continuadamente e pescado grande milhor de toda a m-
dia, fruitas, vinhos da terra e orfalisas em grande abastança, e temos ho-
mens de la cor de homens; e mais fazemos todalas despezas por moeda
de cobre, que en terra de senhorio lhe não leixam amoedar, e esta he htla
tam grande cousa, que não sei como S. A. pasa por isto, saindo o quin-
tal do cobre a uintaquatro cruzados: agora ueraa S. A. o que lhe laa es-
creue o feitor de cochim, que me escreueo qte tirase a gente de cochim,
porque pagava os mantimentos por cruzados que estauão pêra a carga;
e eu Respondi lhe que agora saberia S. A. que cousa era goa, e o que lhe
elles tinham escrito de lá.
Arreceaua também S. A. as despezas de goa, e o que ella pode obri-
gar: quanto ás despezas, goa, em paz, demanda duzentos portuguezes,
que pagos a dous cruzados de soldo e hum de mantimento sam sete mil
e duzentos cruzados; e se tiuer gerra, quoatrosentos homens, que são qua-
torze mil e quatrosentos cruzados ; pagos por moeda de cobre .de uinte e
quatro cruzados o quintal, vede, senhor, onde chega, e pagos a quinhen-
tos rs., que he o soldo da india, olhe v. m^. o cuysto que pode fazer: e
ella agora asim mal gouernecida como estaa, Rendeo quatorze mil par-
daos, *e os direitos dos cauallos o anno passado ualeram sinquo mil par-
daos: quanto he o que S. A. cuida que obriga goa muito, de maior obri-
gasam me parese a mim bua fortaleza em terra alhêa, que aquelle ^ que he
terra asenhoreada por nós; e que obrigaraa mais cochim ou diu que goa,
porque a nossa gente em terra alhêa não pode cortar hum pao sem o se-
nhor da terra, e se vai á praça e non paga bem o que compra, ou se toca
bua moura, ou se acutela hum homem da terra, ou faz algum desmando,
logo as espadas vem nas ancas delle, e a fortaleza fecha logo suas por-
tas, e estas cousas não nas ha de auer em goa, porque a jurdisam he
delRey e a terra dei Rei e as Rendas dei Rei, e os agrauos ante seu gouer-
nador acabam; e hua fortaleza estaa con as portas abertas, e se quer
dous mil homens de trabalho, não os uai pedir a candaguora nem ao al-
goazil de cananor; se quer calafates, pedreiros e carpinteiros, mestres de
fazer nãos e galees, na sua terra os tem ; se quer mestres de fazer espin-
gardas e bombardas tam bem Seitas como as nossas, em sua terra os tem:
^ Parece-nos que se deve 16r a^llo, ou aquillo.
414 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
quoando a sercarem, quer socorrç como a fortaleza de cananor e cochim
e como arzila e tangere.
Diguo mais, senhor, que goa não he anjadiua, nem quiloa, nem ça-
cotorá, mas he cabeça e porto principal, que jaz na paragem onde se
elRá quer fazer forte, e sigurar sua carga e as couzas de seu seruiço; e
elRei por cartas dos feitores e escriuães das feitorias e de alguas outras
pessoas quer bulir com goa: tam pequena cousa be goa na india, e tam
pouco necessária â conservasam e siguransa da india e asosego delia, que
por cartas de homens ii\uejozos e competidores meus, que não olhão a
nenhua couza senão a tomarem vingança de mim, e escreuem que não
sostenho eu goa senão porque a ganhei, e que faz grandes despezas, sem
dar outra Rezam maa nem boa, sabendo o mundo todo que se não deu
fortaleza em calecut nem cambaia nem diu, senão porque vio goa en nosso
poder? não digo eu, senhor, pêra se soster goa ou não, mas soo pêra se
sostenlar conselho sobre este feit(^, deuera S. A. primeiro de mandar quoa-
tro homens principaes do seu conselho ver goa, e saber o que ella soo por
si tinha obrado no feito da india, e então poer en conselho se se alarga-
ria aos mouros ou não: não sabe S. A. quoão danossa couza fora pêra a
india saberem os mouros que auia entre nós conselho de largar goa, sa-
bendo quoam bolisoza he a gente da india e quoão maa d amansar, que
soo por asaquarem os portuguezes que vinha outro gouernador, se Reteue
elRei de cambaia, e atee minha uinda não quiz dar Reposta, porque
gente mansa por força sempre estaa agoardando o tempo pêra tirar o laço
fora do pescoso.
Do feito de goa, senhor, não digo mais, senão que laa veraa v. m"^.
meu escreuer com o dos outros senhores; que se a elRei mandar desfa-
zer, eu serei o primeiro que lhe porei barril de poluora debaixo da torre
da menagem; e se a quizer uender a elRei de narsingua ou ao sabaio,
que lhe darão muito dinheiro por ella: e porém quem deixar goa, não
quer ter asento na india, nem uer asosego nella; e se eu fór portuguez
da condisam dos d agora, depois que me de quá fôr, dezejarei de a uer
derribada, porque se torne o jogo ha baralha: porém goa tem tomado
asento, asim como eu laa escreui a S. A., e ainda elle veraa que goa por
si, sem gerra nenhSa, ha dauer todalas terras com suas rendas que de
rredor delia jazem *.
cm
^ Bibliotheca publica de Évora, Códice ^—zi foi. 73 a 80 v."" Este códice é de lettra
3i— So
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 415
CARTA CXI
1613— Dezembro 1
Senhor. — Manuell de llacerda ha tamtos anos que hamda camo eu *
justamente, e em todallas cousas de vosso seruiço em meus trabalhos foy
sempre, e foy muitas vezes ferido por vosso seruyço : homem he, senhor,
esperememtado, pêra em qualquer cousa em que ho encarreguardes, daar
boa comta de sy ; tenha o vossa alteza em comia de cavaleiro : he homem
que poerá as mãaos em qualquer cousa que ho mamdardes ousadamente;
eu lhe dey a capitania de guoa, e temdo esperança em nosso senhor nos
daria luguar de fazermos asemto no maar Roxo, o levey comiguo, porque
he tall pesoa de que comíiaria cousa de gramde obriguaçam e afromta; e
aguora que vim, nam no pude agasalhar como elle merecia, por serem
todallas cousas dadas por vosa alteza: provede o, senhor, se vos cá qui-
ser seruir, dallguum asemto honrrado destes, e dos gallardões de Há nam
se esqueça vos alteza delle e doutros que vos cá tem seruido muy bem,
porque has comemdas tam bem as merecem cá os cavaleiros como em
çafím e em arzilla. Escrita em cananor ao primeiro dia de dezembro de
1513.
(Por letíra de Albuquerque) feytura e servydor de vosa alteza
Afomso dalboquerque^
do século xYii, segundo a informação do sr. Gabriel Y. do H. Pereira, o qual se prestou
obsequiosamente a conferir a copia doeste documento, feita pelo sr. A. F. Barata.
^ Parece-nos lapso, e que devará lêr-se: «anda cá como eu.»
^ Torre do Tombo— C. Chron. P. 2.% Maç. 43, D. 105. Por lapso vaf esta çart^
fora do seu logar.
m CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Soffimario de todas as cartas qne vieram dá Indía a eIRey nosso senhor e
doutros Recados qoe também vieram nas nãos de qne veo capitam mor
antoDio de saldanha e na nao de cíde barbudo que veo depois dele^
Outra carta sua de bj de feuereiro de 1507
Item : O que pasou com o capitam mór sobre sua yda a sam Lou-
renço, e como lhe dise que se avia de tomar. E que se nom fora por tanto
comprir ha voso seruiçó, nom aceitara cargo de frota tam desbaratada.
Item: que proueja vosa alteza sobre çufalla, porque está muy desor^
denada e o ouro anda muito solto^ e que pois os caferes tem asentado com
vosas gentes, ho aja vosa allteza por seguro.
Item : como nuno vaaz foy emviado ha çofalla por capitam e o que
diso lhe parece, e que aja vosa alteza por mayor cousa que ha myna, e a
detryminaçam em que estaua manuel femandez.
Item : como pasou furyoso nuno vaz com poderes do viso Rey e como
ho sofreo e desymuUou, e porém que leuou da frota gente escondida e
engalhada.
Item : sobre a vinda de dom Lourenço a ormuz e as nãos da sua ca-
pitanya Repartidas.
Item : pede o hordenado da capitanya de dom afonso seu sobrinho,
leua somente sua moradia e ordenado como os outros, e que elle cuida
que vosa alteza tem com elle a maneira que tem com os capitães das for-
telezas da índia.
Item: pede que mande vosa alteza pêra ele dom garcia seu sobrinho
e com nauyo.
Item: que lenbra a vosa alteza que fez ha forteleza de cochy; pede
que mandando vyr dom aluaro, faça delia mercê a dom antonio seu so-
brynho. /
^ O caddrno que tem este titulo guarda-se na Torre do Tombo— Gav, ÍO, Haç. 4,
N."* 15. Aproveitamos somente o que pertence a Albuquerque.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 41 7
Outra sua de bj de feuereiro 1507
Item: o caminho e yda que fez o capitam mor em busca da terra de
sam Lourenço e o que se llá fez.
Desta carta nom he necesario mais, porque somente diz como se foy
tristam da cunha e elle ficou com ha outra frota, e como pasou nuno vaz
pêra çofalla.
E como mandou mantimentos a çofalla pella carauella que hia com
a nao de laguos, etc.
Outra dafonso dalboquerque de xiiij dia$ de feuereiro 1507
Item : como tomou a topar tristam da cunha yymdo da terra de sam
Lourenço e lhe entregou a frota, e tornaram a moçambique.
Item : como nom foram recebidos seus conselhos, e que tinha Recéo
de o nom largar o capitam moor e ho leuar á índia, e se lá pasa, que nom
he posyuel tornarem as naaos ao cabo de gardafune.
Item: que até emtam nam vio poher o conselho (?) no que mandas-
tes, etc.
Item : lenbra outra vez çufalla que ha mande vosa alteza poer em
bordem, que averês quanto ouro quizerdes, etc.
Dafonso dalboquerque de x de nouembro 1507
Item: daa conta da partidjt de beziguiche.
Item: como leuauam em propósito de tomar a boca do mar Roixo.
Item: que tem sabido que em çufalla tratauam mais naaos no ouro
que na espiciaria.
Item: que todauya os mouros de çofala vãao fora e que pêro danhaya
nom morrera ; acharam eles as Ix (eoooo) dobras que vosa alteza mandaua
leuar, e que pêro d anhaya leuaua o caminho verdadeiro e os outros fol-
gam aly com eles por seu proueito.
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UB
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item: que das pouorações que sam Ires, daly de çofalla dos mouros
se poderó aver muito ouro e ficará ho trato com os da terra.
Item : que compre çofalla ser fauorecida de cá de portugal, porque da
Imdia nom se poderá asy fazer.
Item: capitam na costa d arábia que governe e proueja a dita costa,
porque estas cousas por allguum tempo ham mester bem trylbadaá, e se
averá muito ouro e marfim; e que mombaça se torna a Reformar e tjue be
porto morto e pêra grandes naaos, e que serya muito voso áerviga aly hãaa
forteleza, e na costa braua abasta fazellos tributaryos.
Item :, o que se fez na terra de sam Lourenço, e que segimdo a enfor-
maçam que tem be cousa grande, e que o gengyure be muyto mais groso
que bo da índia, e que segundo seu entender parece que deue ser este o
que se cbama mequym.
':r/
Cartas de âffonso de Albuquerque m
Primeiras das nãos firimeiras
Sopirío daseirtis daronsodalboperqDe qoe este anno de blj/^iij víeran
da ymdia. e asy doolras a que eIRey nosso senhor ha de Responder^
Cartas dafonso ddboquerque de iiij dias de nouembro de b' e dez (sio)
Item: que se áfyrma que se ha vosdteza de ver em algiSua faâiga^
se com tenpo Dom segura as cousas da Imdia, porque doutra onaneif a
nom se poderá aver proueito delia, que nam pase a despesa pela Becepta.
IteÉQ: que se tome adeem coin tempo, dio e ormuz e gpa,>6 tfae se
poiíham Yosos capitães nelles coro tempos e com boas foi^telezas.
Item: que leixe vosa alteza cochy, cananor e coulam pêra a earegoa
dás paoSy em que.soomente estêm os feitores e capitães^que guardem asi
fortelezaSi
Item: que faça quatro feytoryas, a saber: Cambaya, Ormuz, eochy e
malaca, é que se desfaçam todas as outras.
Item : que ho uegocio (festas abrange a todo o ali, e que daquy ha
de sair toda a riqueza, se forem bem negociadas.
Item: as nouas das L^* (00) naaos que sam fehas em çoez, e que
alguuós dizem que sam delas galés.
Item: que a armada de vosa alteza amda seem armas e seem lam-
ças e sem espadas.
Item: diz que a segurança da Imdia nom estaa senam nos lugares
que ditos tem, e que aquela he a seguraaça proueitosa qoe vosa alteza ha
de tirar de seus grandes gastos, e nom a paz vnyuersal, porque debaixo
delia diz que jaz perder vosa alteza a índia.
Item: que na índia nom ha hy paa, nem alferce^ nem enxada, e b,'
vílla da madeira he podre.
(Na margem) que lhe foy.
1 Torre dó Tombo — Cartas de Âffonso de Albuquerque e outros para el-rei D. Ma-
nuel—Maço unico^ N> 1. Transcrevemos somente o que se refere a Albuquerque.
53 ¥
420 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item: o fundamento que tinha de hir ancorar vosa armada junto
com as naaos dos mouros que se faziam no mar roixo, com as mais pai-
lauras do que diz que por seruiço de vosa alteza espera, prazendo a deos,
fazer.
Item: o que diz delRey de narsymga da ajuda que deu ao filho do
çabaio, e mesegeiro que em via a rogo delRey donor. *
Item : A paz de calecut, a que se nom chegoa bem o Rey, por lhe
fazerem entender os Rumes que lhe socoreryam e verião (sic) em sua ajuda;
e que todauia nom leixa de procurar as pazes, segundo que tem sprito
por outra carta.
Item : o mesegeiro que tinha emviado a xeque ysmaell, que nam era
ainda vymdo, e que espera que se ha de seguir delle muito seruiço de
vosa alteza.
(Na margem) gradecimento.
Item: que elRey de cambaya pede pazes, e que elle lhas daria em
nome de vosa alteza no milhor modo que elle poder, e que ysto nom íaz
senom veer buscar os asemtos per asegurar a Imdia ; e que nom pode
leixar de lhe cayr em casa alguum trabalho, porque nenhuua cousa d aquel-
las partes diz que tem tamta disposysam pêra se destroir como cambaya,
por teer huum soo canal que se lhe pode tolher e defender, e he logo a
cidade destroida, porque tem dio na boca do canal e outra ylha mais
diante, em que ha muita agoa, e muyto boom porto na metade do canal,
e muyto grande disposisam pêra nela se fazer forteleza.
Item: A Rezam que daa por que nam tem feitas estas cousas que
diz que sam tam proueitosas, e que a geente que estas cousas grandes ha
de soster nam ham de ser marinheiros, mas geente d armas, porque, que-
rendo se soster as fortellezas com a gente do mar, desesquipa as naaos,
as quaes nam trazem ha terça parte da gente que lhe cá foy hordenada.
Item : que ha mais gente que lá amda he a do mar, e a mais pouca
sam homens d armas.
Item: que lhe parece que cada forteleza destas, que lhe parece que
vosa alteza deue mandar fazer, ham mester b"" (soo) homens e bj"" (eoo)
e delas myl, e quamto mais gente, tamto estaram mais seguras, e mais
proueito averá vosa alteza. E que ho mor beem delias he senhorear cou-
sas gramdes e proueitosas, sem nenhum gasto nem despesa, e ter nelas
geente sãa e muyta pêra qualquer cousa que sobrevier á Imdia, pêra
nam mandar pedir socoro ha portugall, mas teello dentro em sy.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 421
Item : A gente que diz que averá na Imdia, seram dous mil homens :
ficaram em cochy e cananor iij*' (soo}', ficam n armada jbj** (l600), dos
quaes seram cxx criados delRey com capitães. E que a mor parte desta
geente sam marynheiros e grumetes, gente ciuel, e que desta tem dada
licemça a muytos. E que desta comta veja vos alteza a que se averá mes-
ter pêra adeem pêra se defemder, e asy ormuz e asy dyo« E que quamta
lá mais teuer vosa alteza, tamto será mais seu seruiço, pois nam bam dhir
pedir soldo na casa da mina, nem lhe ham de trazer mantimento de ca-
reto de fora.
Item : que desta maneira pode vosa alteza escusar armada contynua
no mar da Imdia, e cada capitam daqueles lugares a pôde ter em sua ca-
pitania moor. E que desta forma terá vosa alteza a gente sãa na Imdia,
segura e contente, porque lhe daram vosos capitães mais soldo duas ve-
zes do que lhe vosa alteza pôde dar. E que esta he a força que deue ter
na yndia sem gasto nem despesa, e com muyto descanso e segurança de
voso estado. E que a experiência destas cousas se poderem ganhar a tem
deos mostrado per goa e per ormuz, as quaes pecaram de pouca geente.
Item: que nam ponha vosa alteza a confiança da Imdia e a segu-
rança dela na armada que lá amda no mar, porque gastares muito di-
nheiro com pequena armada; nam yrá nada, diz, de vosos feitos adiante,
nem averès proueito dela; gastares muita geente, diz, e muitas armas sem
fazer proueito.
E que tamto se poderá leuar este caminho, que se perderá a Im(fia,
ou a deixares, nam podendo sofrer os gastos delia.
E que se gasta lá muita gente, e nom em pellejar com os mouros,
e que a seu ver este he o menos incomvenyente que a Imdia tem, posto
que se nam posa fazer boom feyto sem samgue.
E que portamto se apegue vos alteza beem na terra e segure a Im-
dia com tempo, fazemdouos forte nela, porque emquanto os mouros vos
nom virem aseentos, como quem faz fundamento da Imdia, sempre seus
corações ham de ser cheos de pemsamentos, e sempre ham d escurecer a
riqueza e todo o bem da índia.
Item : que o mar da Imdia gasta os homens e asy as nãos.
Item: que os lugares que tem dito, conseruam a armada, daram
vida á gente, e tellaá vosa alteza senpre em pee, e se achará pêra qual-
quer necesidade que a Imdia dela teuer.
Comeram pam e carne e mantimentos da terra em que foram cria-
4ââ CARTAS ^DE AFFONSO DE AI^DQUERQUE
dos, e a lienra.os conservató, porque a armada coptynua oío mait com
agoa e aroz e pouco pesquado, e vyr yvernar a cocbym omde ha apas
d aros e pescado mao e molheres, nom be senom lançar geiíte ao mar^
E BStamdo bo6 ditos lugares^ oferecendo se neoesidade, armaríaBi os
capitães delles se^s nauios foruçcidos de biscdito e carnes e jeotesãa e
RyJA, e com booas nãos e gallés, e cada bunm trabalharya em seu porto •
por ter miittior aparelho e milhor gente; e queree que ho fariam poucas
vezes, porque hy nom ha mais que fazer na Imdia.
Item: que virem os Rumes â Imdia, o faz verem vos alteza mal arei-
gado nela, e nam vos verem fazer fumdamenlo da terra, nein vos lazer*
des foftenella.
i Item: que vêm trazer armada m mdii, e sabem què se gastam as
nãos, e que lhe nom fazem mais nojo que lhe tomarem três ou qnatra
naao&
Item : que callecut nom eslaa posto no em que estaa, senam por vos i
nam ver tomar adeém nem vrmuz nem dio, e maoda cadano embakado-
res ao soldam qúe arme contra vc^as gentes. E outro tanto fazem os ou*"
tros Reis e senhores da Imdia, e que entemdem que nam se entende o
negocio da Imdia.
Jtem: que ho soldão, tem noua que faz grande fuodaigento de to-
mar aadem o dia; e que adem sabe certo que se guarda eip gram mar
neira; e que seu parecer be que ho soldam nom leua nisto o conselho
erriido; e que Ihq parece que ho tomará, se se detryminar niso. E) qtte lhe
parece que, ajudando nasó s^hor, com a armada que lá tem, o poderá
tomar: éizer forleloza ou a{)artado neHe pêra o segurar, que ha mester
força por huum anno, e que ho poder de vosa armada nom be tamanho
que se nam deua muyto d olhar se se lamçarám ao mar, se soterra; e quq
se seu conselho vallee^e, tomamdo hulua tal cousa como adem, deviam de
poer a gente om terra e artelharia, e poer o fogo aas naaos; e que nesta
agonia sç vio ele em goa, por a gente nom abastar pêra o mar e pêra a
terra.
Item: que todas estas cousas nom tem necesidade de mais força
que até se fazer forteleza á Bosa vsança.
Item: que nam desemuUe vosa alteza a armada dos Rumes, nem
ha tenha em pouco.
Item: que se lance muita roupa nese fogo, iiiDm se apiegue em outra
paifte, omde se}a mao d apagar.
CARTAS DB AI^FONSa DE ALBDQOEaQDE 423
Item: qoe nam crèa TOsa alteza que dos mouros da Imdia podes
fazer boons araigaoa com paz nem com dadyuàs» smom asenttoreamdo os
pruDcipaes portos dela.
ItemH segurança da boca do mar roixo e adeem, nom ho tome t)
soldam.
Item : que nam ba lá armas, nem lan^, nem almaz^n, nem fio pêra
cordas, nem nenbuua cousa que tenha nome pêra forteleza, se a mam^
dardes fazer.
Item : adargas e panos e espadas nas fátorias, pêra se darem aos
bomens sobre seus soldos.
Item: muitos paueses bizcaynhos pêra estarem nas fortelezas.
Item: que as lanças vãao com os foros fora, metidos em arcas.
Outra carta dQfoíuo dalboquerque de iiij dias de nxmembro 1510
Item-: apúixta seu parecer pêra o proueyto da ymdia, e diz que vosa
alteza deue fazer tamto Âimdamento do ganho das mercadorias de cá, como
do trauto da especiaria, porque aja proyeito: que os brocados, sedas e
veludos de meça, cobre, azougue, vermelham, pedra vme, coral, e^ralla-
tes^ panos de seda de toda sorte, que cadánno emtaram na Imdia peHa
boca do mar Roixo, he cousa que se nom pôde crer.
E que ysto nom fose, nam poderam vosas feitorias abastar a terra
destas mercadorias que diz.
O cobre se gasta na yndia^ em todas aquelas partes em múeda e
em vasylhas de seruentias.
E tolhemdo tos alteza que as taes mercadarias Mm emtrasem na
yndia, seria huum trato tam groso e tam proueitoso, <|U6 este soo abo^
taria pôrat emcber huua tore d ouro.
E que ^semdo çarada a boca do mar r(»xo, se acharam mais cniza^
dos em portugsJl, e nom fóra necesarto pasar lá nráhuutti ouro tem prata.
liem: que segura a boca do mar roixo, ormuz gastará tamta mer-
cadaria da que tem dito, tiramdo pedra vme, que fornecia todto o frato
da espedada, e fará todas as despesas dabodia, porcpie; pode abastar vo-
sas feytorias d ouro e prata quanto l^e fôr necesario pêra as mercackrias
que tocarem dinheiro.
Cambaya e calecut, diz que gastam cousa imfymda destas mercado-
424 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
rias, e que daly sâe pêra todo o sertão; e que se vosa alteza nom teuese
aquele vizynho de calecut, mais mercadorias gastariam vosas ieytoryas.
Item: o trauto de cambaya, feytorya e asento delia, ha por cousa
muy necesaria e proueytosa a voso seruiço e muy grosa, tapando ae a boca
do mar roixo.
De cambaya se tirará todo o lacar, anyl, allaquequas e outra muita
roupa, de que se fará gramde proueito.
Fornecimento do trato de çofalla daly.
E o trauto de malaca.
Tiraram tanbem cad ano de cambaya soma d ouro e de prata amoe-
dado, da veemda das mesmas mercadorias, pêra os gastos e despesas de laa.
Destas duas fortelezas e feytoryas, a saber : ormuz e cambaya, diz
que se poderá aver todo o dinheiro pêra a pymenta, porque em toda ou-
tra mercadoria emtra troco das de cá, e nom toca dinheiro.
Gochy, a seu parecer, ha de ser escapola principall e feitoria prin-
cipall de todo o da Imdia, por estar no meo de todallas cousas, e he na-
vegaçam de todas as feitorias, que vos convém ter na Imdia pêra averdes
proueito.
E que desta ham de ser fauorecidas todas as outras.
E que as caregas de vosas nãos nom deue nunca de ser senom em
cochy, porque a pimenta daa a carega ás naaos; todo o ali das outras
mercadorias he sobernal (sic).
E que se nom emvestyguem outros caminhos oouos, nem navegar
per outro modo.
E que nom faça fundanleuto vosa alteza de mandar naaos tomar
carga a ormuz, e outras a cambaia, e outras por outro caminho a malaca,
e outras por outro a bemgalla, porque estas emvençOes trazem pouco
proueito a vosa fazenda.
E que o que convém a voso seruiço he ter feitor principal em co-
chim, e aly ha de ter todas as mercadorias de todas as sortes, as casas
chéas, e daly se ham de fornecer as outras feytoryas, e os outros feitores
emviarem aly seus Retornos; e que, ha seu ver, ysto ha por cousa maior
que ho trauto das especiarias pêra cá.
Cochy ba por lugar manso e seguro, e omde se podem coreger as
oaos e ee aparelharem de todo, e que nam he necesairo mandar as nãos
de cá, mas fazeren se lá na Imdia.
De cochy a malaca muy perto.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 425
E muy perto a bengalla, e tem ceilão muy vizinha.
Gambaya navegaçam de bij (7) ou biij (s) dias.
E a ormu2 navegaçam de xb (15) dias.
Pêra bymgalla podem partir em agosto e tornar em nouembro e de-
zembro.
E asy podem hyr a malaca em agosto, e tomarem em dezembro e
em janeiro, e também podem hyr em maio, e tomarem em setembro e
outubro.
E de cochy a cambaya em setembro e outubro, e tornar em nouem-
bro e em dezembro e em janeiro e em feuereiro.
E asy podem partir as nãos de cochy no mês d outubro e novembro
pêra ormuz, e tornar em dezembro, janeiro, feuereiro e março, e nestes
mesmos meses diz que podem lá hyr.
E podem hyr as naaos a ceylão em agosto e em setembro, e torna-
rem em novembro e dezembro, quamdo as nosas nãos diz que estam á
carega.
E que com esta navegaçam e concerto pôde vosa alteza ter em co-
chy todas as riquezas da Imdia.
E que com ysto poderá tambeem vosa alteza mamdar suas nãos
propias, sem emtrar nenhuum mercador na ymdia, com boons capitães,
despachamdo se de cá em tempo pêra Há chegarem em seu verdadeiro
tempo, e tomarem as mercadorias que cá teuerem mayor valia ; e acha-
ram as casas chêas de toda sorte e de toda fineza e bondade, porque já
emtam nam vyram por mãao dos mouros, mas por negociaçam de vosos
feytores, ese escusaram todos os incomvenyentes que aponta em sua carta.
Item : que os capitães que teuer vos alteza nos lugares que diz, farão
lá quamtas naaos compryrem pêra a comservaçam e asesego da Imdia e
pêra o trauto, porque, a seu ver, mais proueitoso he a seruiço de vosa
alteza a vemda da pymenta em ormuz e em cambaya e em bengala, que
em trazendo a a portuga!, e asy *^das outras especiaryas, que se gastam
pelo sertão, cousa sem conto^ aas quaes com vem dar lhe sayda, porque
em portugal nam se pôde tamta gastar, quamta os feitores podem lá aver.
Item : que pêra esta cousa Icuar o caminho que diz, deue vosa alteza
ter em cochy feitor principal, homem soficiente, sem ter nenhtla cousa se-
nam a paga que lhe vosa alteza deer em portugal.
E qu€ este tenha carego das especiarias e mercadarías de toda sorte,
asy das que ouuer d emviar ás feitoryas, como das que delias lhe vierem.
54
426 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
E que nam toque este dinheiro, nem pedraria, nem aljôfar, nem
ouro, nem entre em sua mãao,
E que estas adições eslêm na mão dhuum tysoureiro, que seja ofi-
cial apartado por sy, sem entemder huum no outro, nem outro no outro.
E jumto com estes dous homeens, a saber, thesoureiro e feitor, te-
nha vos alteza dous homeens do comselho do trauto da negociaçam e ma-
neo de vosa fazemda, e que sejam das calidades que elle apomta.
Huum destes dous seja capitam da forteleza, e outro alcaide moor.
E que o capitam tenha carego da justiça da gente da feitorya e asy
da do mar. ^
O alcaide moor tenha careguo do prouymento das naaos do trauto e
asy mesmo das nãos que forem tomar a carega, e que tenha huum ho-
mem de bem que tenha careguo da Ribeira e dos ofíciaes dela, homem
do mar que o saiba beem fazer e manear.
E que com estes quatro homens, a saber, feitor, thesourefa^o e dous
do comselho, se faça por seus pareceres e detryminações o manêo e ne-
gociaçam das mercadorias e trauto dela.
Os quaes seu conselho serya nam serem mudados senam d oito em
oito annos, e mais; se mais podesem estar, mais lhe parece voso seruiço,
pello credito que traz ao trauto, e que ha mudança que cada dia se faz,
traz grande descrédito a vosas feitoryas.
E que neste aseseguo e concerto he seu parecer que vosa alteza te-
nha senpre cochy. E que aly deue vosa alteza mandar cad anno suas nãos
hordenadas tomar suas caregas sortadas, da maneira que cá a tos alteza
melhor parecer.
E que estas nãos leuem as armas e geente que compryr pêra a Im-
dia, porque lá nam faleceram naaos quantas vosos capitães quiserem fazer.
E que o soldo pêra geemte e mantimentos, quamtos lhe fezer mes-
ter, se tomarem aseemto nos lugares que dito teem.
E que estas lhe parece que sam as capitanias que deue vosa alteza
de dar por mercee aos fidalguos, e omde lhe podem fazer muyto seruiço,
e aproueitarem suas homrras e fazeemdas.
E que cada huum teerá desposisam em sua capitania pêra ganhar
a teerra aos mouros.
Item : que voso capitam e governador de todas estas cousas, estará
seu asento em goa, porque he lugar mais groso de madeyra e mantymen-
tos, lynho e feerro e carnes, salitre e ofíciaes pêra todo o negocio de vo-
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 427
sas armadas. E ás vezes pode ynvemar em ormuz. E ás vezes em dio, e
aas vezes em adeem, e ás vezes em malaca., omde lhe obedeceram vosos
capitães com suas armadas que cada huum tever em seu porto, e estaram
á sua hordenamça, ou homde a necesidade das cousas de lá mais ho obri-
garem.
Item: que com esta ordenamça he seu parecer que se escusaram os
Rebates da índia, e as despesas de grandes armadas que compryrá fa-
zerdes, por qualquer noua que da Imdia ouuerdes.
E averâ vos alteza gramde soma de Riquezas que as nãos trarâm,
sem quimtalladas ao mêo e seem quarto e vymtena e sem nenhuum ou-
tro partydo, soomente tudo pêra vos alteza insolydo, ávido por compra
dé vosas mercadarias; e teres a Imdia segura pêra senpre, e se escusa-
ram todos os outros incomvenientes que aponta.
Toma afyrmar no deradeiro capitulo desta carta que se faça vos al-
teza forte na Imdia, com outras rezDes, e que seja fauorecido com armas
e geente e aparelho pêra este feito que aponta, etc.
Daa no deradeiro capitulo desta carta comta da especiaria que sayo
aquele ano da Imdia, e de que lugares e por homde o soube.
(Na margem de todos os itens doesta carta) Já.
Outra carta sua de xij de nouembro 1510
Daa nouas do mouro e do homem que tristam da cunha emviaua
via do preste Joham.
Item: que cadano vay cafílla dabixis em Romarya a Jerusallem, e
que pasam pelo sertão de Çuaquem muyto perto da ribeira do mar Roixo;
leuam muytos camelos com mantimentos, vãao per monte synay, e dy to-
Daam seu caminho dereyto a yerusaleem: dizem que vay senpre hupm ho-
mem homrrado com eles a caualo, e que leua encaualgaduras comsiguo.
Que nesta ilha de Çuaquem nam ha agoa, porém que tem muytas
cysternas que se emchem da terra fyrme, porque choue hy muyto pou-
cas vezes.
Vêem a ella, diz, ouro em bõoa cantidade, e que ho resgatam aly
por/oupa de cambaya, e que ho trazem mouros.
He lugar Çuaquem de pouca povoaçam e bõoas easas de peedra e
54^
428 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
cal ; nha sem nenhum aruoredo ; vãao cad anno a ella duas, três naaos,
com Roupa de canbaya.
Alguua especearia diz que pasa por hy, e dhy vay por mar por na-
vegaçam de três dias e dez e doze, por como he o tempo, a huum porto
do mar roixo, que se chama Goçayr, e dhy jornada de três dias damda-
dura de camelo está canaa na borda do Ryo nylo, e daly por çspaço de
poucos dias chega ao cayro.
(Na margem de todos os itens) Já.
Otitra carta sua de xxbj (26) de nouembro de Ifx. (ôio)
Item : Gomo sosteue em Rey el Rey de cochy , por o outro príncipe
que se criara em calecut vyr dizendo que lhe pertencia o reyno per morte
do Rey velho que estaua na cova, e que ho fez asy por lhe parecer voso
seruiço, e asy agardar o que vosa alteza ordenaua e mandaua.
Item : o feito derradeiro da tomada de goa como pasou. E aponta
os capitães e fydalguos que niso seruiram.
(Na margem) carta de francisco corvynell.
Item: que se vos alteza faz fumdamento da Imdia, comvem soster
goa, porque sem ella seu parecer he que a nam poderes soster e sofrer o
gasto, e que he grande cousa.
E que se nella vos alteza põem gente de caualo, que elRey de nar-
symga e elRey de daaquem pagaram páreas.
E mais que se tolhe aos Rumes que nam tomem asemto nela.
Que he cousa de muy gramde Reemda, e que ha de Receber vosa
moeda, ora seja de cobre ou de prata.
Que he muy groso e muy abastado pêra todallas armadas que qui-
serdes fazer.
Que adem, ajuudando noso senhor, crese vosa alteza que ho tynha
na mão, que veja vosa alteza se o quer soster.
Que mandase vosa alteza geente e armas e todo aparelho pêra o tal
feyto, porque ela pagará tudo.
Que seu comselho será SQ^terdes e asenhoreardes a adeem, e que
nam he necesario forteleza Roqueyra no mar roixo, porque fará pouco
proueito por sy, se nam teuer comtynuadamente gramde armada. .
Toma afyrmarse que, acabamdose este feito das quatro cousas que
/
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 429
diz que vosa alteza tome para sy, averees toda a riqueza da Imdia, e to-
dollos Reis e senhores delia vos seram tributários, e vos nam podem fa-
zer falsydade nem engano, etc.
E que com fazer fortelezas Roqueyras e ter paz com os Reis mou-
ros daquella terra gastará vos alteza muyto dinheiro, e nam averá nenhuum
proueito; e qualquer necesidade que cá sobrevenha, por que se nam posa
asy bem prouer a Imdia, voUa leuarám na mãao, e lançaram fora vosas
geemtes, se nom teuerem força.
E que ysto que diz, que seja com tempo.
Que os mouros gastam seus thesouros, e tomam gemtes a soldo es-
trangeiras, metem muytos fumdidores e mestres de todollos engenhos na
Imdia e em seus portos, e detryminam de se defemder e de ofender.
E que por yso lhe corte vosa alteza as Raizes^ ele.
Que por agora esperaua leixar tymoga com iiij (^XX)) piães d anor,
e na forteleza iiij^ (400) portugueses, a saber, ii]"* (300) piães e cento de
cauallo.
Que trouxe á espada todo mouro e moura e toda cousa da ley de
mafamede, e que nam avia de leixar em goa nenhuua semente pêra ne-
nhuum lugar d aquela terra fazer treiçam.
Que ordenaua que timoja tenha cargo de recolher todas as fteemdas
da teerra, e as da ylha ficarem pêra o capitam.
Sua determinaçam era segurar goa, e leixar parte d armada sobre
ella, e com a outra hyr demandar o estreito, e aleuamtar Çocotorá, e vyr
ynvemar a ormuz, porque a nauegaçam ho consentya, e a armada de
diogo mendez e naaos de vos alteza yrem a mal^, como estaua horde-
nado; e aparelhaua as nãos dos mouros, pêra as poer á vella.
(Na margem de todos os itens) Já.
Outra carta de sua mão que nam tem dias
Item: Respomde por huum capitulo delia ao que vosa alteza lhe es-
preueo sobre as cousas d ormuz,
Item: falia ácerqua do que vos alteza lhe spreueo sobre adeem.
Item: diz que nam crea vosa alteza o que delle lhe cá diserem, por-
que tudo sam emvejas etc, com outras pallauras a que parece que con-
vem Reposta.
430 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Chitra carta de sua mãao nam tem dias
Item: diz bem de Joham nunez.
E de garciâ de sonsa diz muito bem.
E de dioguo femandez diz muito bem.
E de symão martinz e de francisco corbynel, e dos filhos de lesaarte
damdrade, aimda que diz que se danaram despois, mas que lá purga-
ram suas culpas.
E Jorje fogaça também diz qne se danou, e ayres da syiua tambeem.
Que Jorje da sylneira se veeo contra sua vontade, etc.
E outro tanto diz que fez francisco serãao, e amtonio pacheco, etc.
(Na margem de todos os itens) Já.
Seirundas de gongalo de sequeira
■
Snmaryo das carias da Imdía d abuso dalboqierqnee oatras, fie trone gei-
(ilo de sefieira ^
.... .nona de sua vynda do ano de b^lij (612).
Item: outra tall carta como a que veio nas nãos primeiras, que toca
a s^rança da Imdia naquelas quatro cabeças que aponta, a saber^ adem,
dyo, goa e ormuz, como largamente estaa apontado no somario das car-
tas primeiras.
(Na margem) já
Item: outra tall carta sobre o modo do trato da Imdia, e como se
aproueitará, e elRey poderá aver as Riquezas delia, segundo que estaa
declarado no primeiro sumario.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item: As escrauas que emvía e joyas, e nesta carta falia do feyto de
callecut, cam grande e honrrado foy.
(Na margem) Gradecimento. — Já.
^ Este summario está no caderno já citado: «Cartas de Âffonso de Albuquerque,
etc.» Maç. unico^ N.*^ 1. — Gonçalo de Sequeira, segundo Falcão, chegou a Lisboa em 4
de julho de 1511.
/
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 431
Item: que das joyas que vos alteza lhe espreueo que ouuese» tem
cuidado.
(Na margem) Gradecimento. — Já.
Item: A desobediência que lhe fez francisco de saa na tomada do
batell, e que foy a primeira desobidiencia que lhe foy feita, e culpa (niso
femam?) feijo e anlonio de saa.
(Na margem) que Ruy gooçalves tire testemunhas, e que nom soube
nada, etc. e que se lá ficou algum dos que diz, o castigue. — Já.
Item: A sua detriminaçam primeira da yda ao mar Roixo que nam
ouue efeito) pello feito de goa.
Item : diz beem de garcia dç sousa e de Joham nunez^ e diz nesta
carta os partidos que fez aos de malaca e a deniz fernandez, mestre de
froll de la mar, e a pêro gonçalves, pylloto principall d armada da Imdia,
que vay em b (0) anos que lá amda.
(Na margem) que sy. — Já.
E que as naaos que vãao a malaca de vos alteza, leuam mercada-
rias pêra caregar dez naaos.
(Na margem) Gradecimento e prazer. — Já.
E as cousas que manda trazer de mallaca pêra vosa aheza, de joyas
e das outras cousas que nam sam ^inda vistas.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item: as mercadarias sobre que vos alteza Ih espreueo que sempre
lenase nas armadas, (jue asy o faz.
(Na margem) que asy o faça. — Já.
Item : pannos e cousas que emvia ha vosa alteza, e sayo de brocado e
duas peças de velludo, aljôfar do tributo d ormuz que trazia duarte de lemos,
e o cabo do amdor, e huua adarga da persya da pesoa de xeque ysmael.
(Na margem) Já — que tudo lhe pareceo muy bem: dá gradecimento
e as sellas e dargas e as cuberbis, proveitosas pêra cá: que quando cou-
sas nouas hy ouuer, as enuie.
Item : pede muita crauaçam de coiraças, e coiros pêra ellas e fun-
didor pêra crauaçam.
(Na margem) ray tudo. — Já.
Item : muytas lanças e muytos piques.
(Na margem) vay. — Já.
Item: muytos gorguzes.
(Na margem) vay. — Já.
432 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
E allabardâs e partcsanas pêra as naaos que amdam vazias.
(Na margem) Já — vay.
Aperta nesta carta a segurança da Lndia, de que se lenbre vos alteza.
Item : que manda ficar por feitor em malaca Ruy d araujo, se lá qui-
zer ficar.
E senam, diogo pereira, o qual nam quis asemtar na spreúaninba
de cochym, e que sabe que avia daver delle neeesidade na feitorya.
(Na margem) que pareceo bem, e que quando parecer que ba ne-
eesidade, o remedie. — Já.
Item: que se vosa alteza quer Riqueza, nam vãao á Imdia naaos de
mercadores.
(Na margem) que asy se fará, prazendo a deos. — Já.
E que pêra o negocio da Imdia ba lá naaos que abastem, se Ibe
mandar vosa alteza muytas lanças e muytas armas; e se mais naaos so
ouuerem mester, que lá se dará forma como se façam.
(Na margem) Já. — Que daqui por diamte asy se fará, e que vãao
alguas pêra llá ficarem, pellas nouas do soldam, e por aver muyto que lá
andam as outras.
Item : que Ibe mande vosa alteza g corpos d armas apartados pêra
cada fortelleza, e b*" (000) lamças de pee e duzemlos piques e cem paue-
ses bízcainhos, porque nam ba nelas buua lança nem corpo d armas.
(Na margem) que tudo Ibe vay que elle o reparta. — Já.
Item : que quem be senhor de goa bo be do Reyno de daaquem e
do Reyno de narsymga.
Em goa diz que ba muyta madeira, muyto línbo, muytos car4)enteiros
e muytos calafates, muyto ferro, muylo salitre, e todas as cousas pêra se fa-
zer buua grande armada, e pêra se conquistar daly lodallas parles da Imdia.
(Na margem) Já — gradecimenlo do feito se acabar: prazer da bas-
lança, e que estee muylo fornydo de tudo e sobejo e asy nas outras for-
telezas, e asy de mantimentos c deposito pêra bj (e) mgses, e se poder
ser, bum anno.
Muy grande Renda a de goa, diz.
Pede dous ou três bomens boons da guerra e que ba conbeçam, pêra
ajudar voso capilam moor, e que em qualquer parte que se acertarem sem
o capitam moor, lomem sobre sy o peso de qualquer cousa.
(Na margem) que Ibe manda os que se poderem avei, c Ruy gon-
çalvez. — Já.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 433
Item: ho Recado dos homens que emviou Iristâm da cunha ao
abexy.
(Na margem) gradecimento, e se conuem mais noua, o spreua. — Já.
Item: carta da duuyda que lá se moueo ácerqua da detryminaçam
das quintalladas e o que diso lhe parece.
(Na margem) Já,
Esta carta he toda pêra ver pêra a detriminaçam : elRey tem res-
pondido que ho leixa a elle. Saber se pasará asy esta Reposta.
(Na margem) leixão a elle.
Itera: Os Recados que emviou a elRey de narsymga, a saber, con-
fyrmar a paz e amizade que vosa alteza delle quis Receber, e a pedir
batecalla.
(Na margem) que lhe pareceo bem. — Já.
O aviso que lhe mandey * frey luis da gente que emviaua a goa, e
que se nam fiase de timoge.
(Na margem) timoje: sempre he bem gardarse de toda pesoa, po-
rém em tal maneira que nam pareça que á desconfiança, e que seja bem
tratado, etc. — Já.
Item: Gomo mandou symão Rangel e as causas porquê.
(Na margem) nom veo cá. — Já.
Item: o que diz sobre a ysençam dos capitães mores que de cá vãao,
que ha por cousa de muito voso desseruiço.
(Na margem) que pareceo bem. — Já.
Item : o que diz do agrauo que se fez a yoão nunez em lhe tirarem
a capitania da sua naao.
(Na margem) que se prouerá. — Já.
Item: homens que emvia nas naaos de mallaca que vãao aos
chyns.
(Na margem) gradecimento, e que pareceo bem e os trará deos, etc.
—Já.
Item: Çocotorá, que seu parecer he que se leixe, derribando a for-
^ Parece-nos que deve lér-se mandou em logar de mandey, Auctorisa-nos para
esta leitura o que diz Gaspar Correia (Lendas, ii, 178): «Ficou o governador provendo
muitas cousas de Goa, e concertando sua armada, e fazendo a todos muitas mercês,
e nom ao Timojay como mereciam seus serviços, pola má vontade que lhe ganhou o
governador, e mais porque frei Luiz lhe escrevera de Bisnegá, que se nom fiasse íeUe,*
etc*
«5
434 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
teleza, e que asy o espera fazer, leuando noso senhor ao estreito, e a en-
tregar aos mouros do fartaque e dofar com trebulo d encemço, e que nam
aleuamtem forteleza, porque logo ha ham dasenhorear, e que soomente
viuam na pouoaçam.
(Na margem) que lhe parece bem, e asentando com os mouros que
nom pasem á ylha, e os christãos viuam, e obrigando se a nom entrar,
amtes lhe leixe o tributo do encenço. — Já.
Aponta o impedimento da fee que hi avia.
Item : quiloa, seu parecer he leixalla aos moradores delia.
(Na margem) que lhe parece bem e a fortelleza derribada e tributo
e vasalajem. — Já.
Item : que ho marfim de quiloa he pouco, e que ho de çufalla he
muito.
(Na margem) Recolher tudo ho de quiloa. . . .e toda cousa. — Já.
Item: Acerqua do de çufalla diz que lhe parece por três ou quatro
annos se deue aremdar aos mouros de melinde, pêra se saber mais ver-
dadeiramente o negocio de çufalla.
Também espera d apalpar em cambaia, se os mouros dhy querem
fornecer o trato de çufalla, e querendo fazer, que ha darya amtes a estes,
porque amansará mais ho trauto de cambaia, que he proueitoso pêra o
mallabar e pêra cá e pêra malaca e pêra ormuz, e pêra se gastarem as
mercadarias que de cá vãao.
(Na margem) pareceo bem ha sua alteza, e praticalo com simam de
miranda e tomar ate E (00000) miticaes, e segurarem até K (40000) e
dhy pêra cima, e o resgate na forteleza, e fazer com os que fór de mais
seruiço delRey. — Já.
Item: falia no dano que fazem a nosa geente ao trato.
(Na margem) que se proueraa. — Já.
Item : que çofalla também lhe faz dano ho trauto d amgoje.
Item : que o dinheiro dos mercadores de çufalla vaa á Imdia em co-
fre, e que lá lho pague o feitor de dous em dous annos.
(Na margem) o que elRey Respondeo já a ysto. — Já.
Item: a Roupa daneficada que estaa em çufalla, se deuya trazer a
moçambique pêra aly se gastar na compra dos mantimentos.
(Na margem) que lhe parece bem e symam de miranda leue este
Recado também. — Já.
Item: que seu parecer he que em çufalla deuem comer em salla, e
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 435
trazerem os mantimentos de fora, e nom os comprarem com panos na
terra, que faz abaixar o resgate do ouro.
(Na margem) que nom se faça mudança do em que estaua, e gra-
decimento.— Já.
Item: que quando çufalla se nom arendase aos mouros, os mouros
de çufalla se deuem lançar^ e tirar o trauto d angoje.
(Na margem) que lhe parece bem, e asy o manda ha symão de mi-
randa. — Já.
Item : que no da gente de moçambique se fará o que vosa alteza
manda; diz que se poderám aqui tanbem fazer muytas nãos, porque na
ylha ha muyta madeira pêra elas, e os mastos da terra de sam Lourenço.
(Na margem) Já.
Item : que aquy em moçambique ha mester grande alogamento pêra
gasalhado das mercadarias das nãos que nam pasarem, e o Recado que
se deue ter nas nãos que daly partirem, pêra nam virem á costa de por-
tugall dynverno.
(Na margem) a symam de miranda manda que asy se proueja. — Já.
Item: de cochym a malaca xb (15) dias de nauegaçam, diz.
E cambaya seis e até x dias de navegaçam de cochy.
E ysto diz, porque ha feitorya dç melynde nam lhe parece necesa-
ria, e aponta pêra yso muytas Rezões.
(Na margem) que se tire. — Já.
Item: da gente que vosa alteza lhe apontou pêra as fortelezas da
Imdia, que lhe parece asy voso seruiço, emquanto elle andar junto delias,
mas apartando se, lhe ha de leixar muyta mais pellas rezões que aponta.
(Na margem) que leixe toda a que lhe parecer, segundo o tempo. — Já.
Item: a forteleza de batecalla que ha nam mandou fazer, por ho nam
aver por voso seruiço pellas rezões que apomta.
(Na margem) que parece escusado pelo que se ha de fazer. — Já.
Item : falia em pouca geente na Imdia, e que as cousas de lá que se
muy bem podem fazer pêra segurança dela nam pecam dal.
(Na margem) a gente, que vay, e spreua a que lá fica, e asy de-
clare a que pede, e asy das armas e cousas peça numero certo e nom em
soma. — Já.
Item : acerqua da paz vniuersall que vosa alteza Ih espreueo, nam
he lal^ seu parecer, por as rezões que apomta.
(Na margem) que ho faça elle como lhe parecer seu seruiço deles
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436 CARTAS DE AFFONSaDE ALBUQUERQUE
asentâr que paguem, e que nam dem acolhymento a nehuum Rume e imígo
delRey. — Já.
Aseseguo e amizade em que estaa com elRey de cananor, e asento
sobre as mercadarias que com elle fez, a saber: de darem b (5000) cru-
zados em dinheiro por mercadarias.
E B (ôboo) quinlaes de pimenta cad ano pelo peso acostumado.
E j (1000) e tantos quintaes de gengyure.
(Na margem) Já — gradecimento, e que lhe encomenda que tenha
todo boom cuidado do Rey e da terra, e que tenha rezam de ter dele con-
tentamento.
ElRey de tanor, que he junto de callecut, fez asento com elle de dar certa
pimenta e gengyure cadanno e mais certos babares de gengyure de tributo.
Cochy dasesego estaa.
(Na margem) he bem.— Já.
E que com estes lugares homde se faz a carga ha por voso seruiço
a paz, e que nos outros amtes ha ha por danosa do que proueitosa, por
muytas Rezões, pois he causa de se Reformarem e fazerem fortes, e que
ysto será bem quando vos alteza estiuer forte na Imdia.
(Na margem) já tem Reposta. — Já.
Item: o que diz dei Rey de pochy e o que niso foy fazer de cana-
nor pêra asentar o negocio.
(Na margem) que foy bem e que asy lho encomenda e manda, e
concerto. — Já.
Item: concerto de couUam, que quer satisfazer todo o dano que tem
feito, e mais que se faça forteleza, e que coregem ha igreja á sua custa,
e dam a carega da pimenta pello preço e peso de cochy e achim e hareca
por mercadaryas, e que estaua em detreminaçam de fazer a forteleza na
ponta, a menos custosa que podese ser.
(Na margem) a forteleza escusada, o ai sy. — Já.
Item: que callecut daa lugar que faça fortelleza omde quyzer, e que
pagam os mouros de toda a terra e o çamory por elles jb* (1500) babares
de gengyure do babar de callecut; lançam os mouros de meça fora, peeço
cojecebicidim (úc) pêra o mandar a vos alteza; faz a fortelleza camanha
quiserem e os gastos e despesas^ que nella se ordenarem, em pagamento
e satisfaçam da fazenda que se tomou por morte daires corêa. E que
ysto estaa asy mouido amtre elle e elRey de callecut per meo de coj^ebi-
quim (sk). E qué os mouros de meça lhe dam Hp (700000) fanões, e que
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espere pella armada do cairo, porque diz que^elles ham de botar fora da
índia Yosas gentes.
(Na margem) Já. — Callecut, paz: que parece bem, e com condi-
çam que nom naueguem pêra aquelles lugares que lhe fór vedado, a sa-
ber, mar roilo, ormuz; e que se nom tire pimenta senom do porto de co-
cby, e porém que leixo a elle, etc. e asy o nauegar das drogas e dar parte
a elRey de cochy, e trabalhar que elle o rreceba, e segurar a carga.
E que desta maneira estaa toda a costa do mallabar. E os de cana-
Aor até batecalla pagam todollos Ryos Eb"" (õõOO) fardos daroz.
(Na margem) Já.
Item: ormuz que nam he perdido, mas voso, e paga as paryas e
nom as seemte, nem façam a vosa alteza crer outra cousa; e que pagará
quanto vosa alteza quiser. E aponta todas as Rezões do caso como pasou.
(Na margem) Já. — leixallo a elle.
Item: a feitoria das partes, que ha tirou como vos alteza mandou, etc.
(Na margem) fez bem. — Já.
Item: o prouymento da roupa que pasa a çufalla, que logo se fez
como vos alteza ho mandou.
(Na margem) fez bem. — Já.
Item: acerqua do aviso da prouisam dos gastos, que asy se faz e fará.
Nom ha escrauo em soldo ; nom leixa veemder ofícios nem capitanias.
Nem acrecemta hordenados, e que por este respeito vem de Há al-
gamis delles descomtentes.
(Na margem) gradecimento, e booas pallauras da confíamça que
delle tem. — Já.
Item: o soldo que lá tem os criados dos fídalgos que lá fícaram, e
que de cá vãao, a b* (õOO) fs.
(Na margem) que fiquem no ordenado d agora.— Já.
Item: ao ouuidor acrecentou o soldo e quymtalladas, emquanto am-
dase no mar.
Todos os homens do soldo estam em b"" (õOO) Rs^ nem he mudado
outro em maior soldo.
(Na margem) que estaa bem. — Já.
Item: que no que vosa alteza lhe spreue que nom entenda nas com-
pras e vendas de vosa fazenda, que asy o faz.
(Na margem) pêro quando se acertar, nom se ocupando muito niso,
saiba o que se faz.
438 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item: o que toca aos oficiaes dormuz, que asy o fará.
(Na margem) Já.
Prouymentos que fez: a gaspar de paiua, a que depois deu a allcai-
daria de goa^ e a capitania do nauio que elle tynha deu a francisco pam-
toja; a diogo fernandez a allcaidaria de cananor, e depois trocou com o
capitam da gallé grande.
E depois lhe deu a capitanya do Rey gramde.
E a capitanya da gallé gramde ha duarte da sylva.
E a gaspar de payua deu depois a capitanya da nao frol da rosa;
E agora lhe deu a capitania da Uonarda.
E se prouuer a deos que vãao a ormuz, que todos averám seus ofícios.
(Na margem) Já.
Item: que a çofalla seu parecer he que abastaram R (40) homens.
(Na margem) prouido está. — Já.
Item: que ha muytos ducados na Imdia e que vay a ella muyto ouro
doutras partes, afora o de çufalla, e vay muyto ouro em pedaços do cairo.
E que dous Judeus que tomou na naao de callecut lhe diseram que
cada seis meses vem duas cafíllas douro ao cairo, e que trazem gramde
camtidade.
E que seu caminho he pelo deserto (?) de barcas, e que leuam o dito
ouro em camelos, e fazem seu caminho por estrella e tem píllotos deste
caminho : dizem que vem d huua teerra que chamam agogiUa, e a gente
que se chama dacrures, porque ha terra se chama dacrur ; diz que desta
terra vãao a outra que se chama feizam, e de feizam vãao a tucly, e de
tucly vãao a tenate: vãao nestas cafílas homens bayoneses da ley de ma-
famede, e que ás vezes vay na cafylla huum gramde senhor que se chama
azquya, negro de gynee, e traz muita gente comsyguo, negros como os
de guinee; as mercadarias que leuam do cairo «am caracoes das xij
(12000) ylhas; leuam huuns panos que se chamam Roeas de frança; diz
que leuam huas vergas de cobre amarello que vem de veneza, e leuam
toda sorte de comtas, leuam alaquequas, e asy leuam algua especearia e
roupa d algodam da Imdia, e que $eu caminho he pello sertãao d ouram
até chegar ha tremecem.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item : o que diz acerqua da yda do mar Roixo^ sobre que vosa al-
teza lhe spreueo, que asy espera de o fazer, prazemdo a deos.
(Na margem) Já.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 439
Item: Acerqua das sete nãos com que vosa alteza Ih espreueo que
ficase, o que diz.
(Na margem) Já.
Item : a gente que de cá vay, que vay toda desarmada e que he de
maa feiçam.
(Na margem) Já.
Item : O credito que os mouros diz que tem n armada do soldam que
esperam, que faz mais dano do que a vinda da propia armada.
(Na margem) Já.
Item : àcerqua do comer da gente em salla, que asy o meteo em vso,
mas que ouue hy pesoas que escandalizaram disso a gemte, e nom ho
pôde conseruar; o que diz destes que ysto causaram.
(Na margem) pareceo bem. — Já.
Item: dos mantimentos que ham daver os capitães estando em terra,
que asy se fará.
(Na margem) Já.
Item : o que diz d aadem que he huua das cabeças que aponta, e que
elle ha espera de ver, prazendo a deos, e fazer o que noso senhor lhe ordenar.
(Na margem) que asy o espera. — Já.
Lenbra aquy tanbem a segurança da Imdia com estas quatro cou-
sas, sem a qual diz o que vosa alteza tem visto pelas cartas.
(Na margem) Já.
Item : que naaos de iiij braças e b (5) vãao diante do porto de Judá^
porém que surgem lomge do porto, porque he terra aparcellada.
Falia aqui nos lugares de zeylla e de barbora e dos outros que aquy
aponta, e o modo do trato delles.
Aperta tomar adem e segurai la e nam estar em pazes com ella, se-
nom ganhalla aos mouros como elles a ganharam aos mouros, e que sos-
tella segura o mar roixo; e daa RezOes pêra se nom deuer fazer fortelleza
dentro no mar roixo.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item : o que diz do mar da persya, e em comclusam diz que ormuz
e a ylha de babarem fazem a vosa alteza senhor de toda a persya, se as
asenhoreaes, que elle ha por cousa fazedeira.
E que aliem disto quem teuer os cauallos da persya, tem os Reynos
de daaquem e de narsynga nas mãaos, e que ao menos vos pagará muy
grafide trebuto a quem os leixardes vender e leuar.
440 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
(Na margem) Já.
Item: falia do que ha em caDbaya de mercadaria e cam proueitoso
trato, e que pede paz de vosa alteza.
(Na margem) adem, çarar. — Já.
Item : que se se tolhesem as mercadarias que vem pello mar roixo
á Imdia, seria maior riqueza pêra vosa allteza que ho trauto das espe-
cearis^.
O trato e feitoria de vos alteza diz que querya dentro em canbaya,
porquê espraya o mar b (5) ou bj (e) legoas.
(Na margem) Já.
Item: acerqua do aviso do gengyure, que emviam booa soma, e que
daqui por diâute se fará como vos alteza o quer, prazemdo a deos.
(Na margem) que asy o espera. — Já.
Item : faUa no gengiure que se poderá fazer em goa.
(Na margem) trabalhar por se fazer e fallar em ... e parte daquy
folgaua muyto. — Já.
Item: a verdade e seguros, que se faz e fará o que vos alteza manda
9 que ysto em gran desordem, e se seguya grande escandallo.
(Na margem) que asy se faça, e comprir o que elRey dise, àqueles
que estam debaixo da paz dei Rey e somente lhe leuantarem os lugares e
nom lhe darem seguros. — Já.
Item: Recebimento das joyas dos reis com que asentar, que asy
se fará.
(Na margem) que asy o faça. — Já.
Item : as mercadarias de cobre que se gastem nos lugares com que
asentar, que asy se fará.
(Na margem) que asy o faça^ e asy nas outras mercadarias de
cá. — Já.
Item: Acerqua das esmoUas, que asy se faz.
(Na margem) que as hordene na maneira em que lhe milhor pare-
cer. — Já.
Item : o que diz de casamentos e christãaos que se fazem,, e booa es-
perança que tem.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item : a seda, que se fará como vos alteza manda.
(Na margem) que asy o faça e yr o preço delia e soma. — Já.
Item : o que di% acerqua dos soldos e gastos da Imdia» sobre%]ue
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 441
vosa alteza lhe espreueo, e o que niso trabalha: afyrmase que pêra es-
cusar vos alteza os gastos e despesas da Imdia, se asemte nas quatro ca-
beças que diz, porque estas escusam as despesas e vos seguram a Im-
dia, etc.
Item: as nouas do feito de callecu, camanho e cam honrado foy.
Item: falia nas cousas de mallaca e a delerminaçam em que estaua
do caminho que fazia, e hyr a ella fazer forteleza na ylha que apomta.
(Na margem) que faça o que fôr seu seruiço, çarando primeiro o
de cá e com segurança e bem bastecida de mantimentos e agoa e as ou-
tras calidades de fortelezas. — Já.
E que nom estaa em preposyto de entemder na carega das naos^
porque os feytores abastam.
(Na margem) que asy o faça. — Já.
E a villa da madeira, que mandaua Reformar.
Falia em diogo lopez de sequeira.
Falia que achando estes cousas, será tempo de vosa alteza mandar
por elle.
Falia nas emvejas dos capitães, e lenbra o castigo dyso, porque se
nam faça dampno nas cousas gramdes de voso seruiço.
(Na margem) Já — prouerá: acerqua da vinda nom falle, senom a es-
tada, e trabalhe por seruir, porque elle terá cuidado do que cumprise a sua
oorra, etc«
Item: o que falia (?) em ffe.p.a.. (sic).
E na paz que comete callecut ser como fica atrás.
(Na margem) Já.
Item: Acerqua do que vosa alteza lhe spreueo da gente que pode-
rya e deuerya ficar na índia, diz que se nam saberá por o presemte de-
tryminar, atee ver como se asentam as cousas, com outras Rezões que
aponta do que se deue fazer pêra segurardes a Imdia, que parecem fora
da tençam com que vosa alteza emtam lhe spreueo da paz vnyuersall, etc,
e das outras cousas que elle nom ha por voso serviço, segundo seu juizo.
(Na margem) Respondido, e por esta armada a gente que fica, e
mais se a ouuer mester e pêra quê. — Já.
Item: falia em jorje fogaça e em francisco de saa, que os deue vosa
alteza mandar premder até emviar os autos, e diz que os soltou duarte
de leemos.
♦ (Na margem) Já.
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442 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
liem : agraua se de francisco pereira, que fazia onyões e bandos cora
os homens que lhe pediam licemça, e que leixou o nauio.
(Na margem) Já.
Item: falia nas nouas que tynha da armada do solidam e que se
aviam por certas.
(Na margem) Já.
Item: huua carta gramde em que Responde a vosa alteza por capi-
tólios a cousas nam bem hordenadas que se faziam, a que daa rezões do
tempo d ante que elle leuese a governança, e depois que ha tem, e que
todas sam prouidas e se fazem asy como vosa alteza ho manda e de mar
neira que em todas soes seruido.
(Na margem) gradecimento. — Já.
E nesta carta falia no da moeda falsa, sobre que vosa alteza lhe
spreueo que de cá hia, que lá nam pareceo, e que por yso nam ouue por
voso seruiço fazer niso diligencia.
(Na m/irgem) que fez bem. — Já.
Item: agraua se de duarte de lemos, que nom comprio o que lhe
mandou dizer, sô pena do caso maior, que fose a goa, pelas rezões que
aponta em sua carta.
(Na margem) Já.
E que tratou em cananor muy mal ho embaixador delRey de cam-
baya que vinha a elle ; trouxe mouros de cambaya á vista do dito embai-
xador.
E aponta aquy alguuas outras desordens que por elle pasaram, as
quaes nam coregeo nem emendou como deuya, por voso seruiço, por o
Receo que tem de o fazerem ante vosa alteza menencoryo e maao de sofrer.
(Na margem) que castigue o que lhe pareça, e que lhe faz saber
que ho nam tem senom por muito sofrido. —Já.
Item: agraua se de gonçalo de sequeira, que tirou yoam nunez de
capitam da nao que lhe elle deu e com que lhe tinha mandado que fose
por goa pêra prouer as cousas que apomta de seruiço de vos alteza^ e que
a rezam que a ysto dará gonçalo de sequeira nam ha sabe; e que os ho-
mens se encomendam ha nam fazerem nada do que lhe he mamdado, que
he cousa de grande voso desseruiço naquellas partes, e que ha maneira
de que foy delle tratado gonçalo de sequeira e com quamto credito de sua
pesoa e cortezya, vosa alteza ho saiba cá.
(Na margem) Já. — Ruy gomez. — Jit. **
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 443
Item: o presente de melicopy que lhe emviou, que manda a vos alteza.
(Na margem) gradecimento. — Já.
Item: collar de pedrarya de cananor e soma dambar.
(Na margem) amtam de gaa. — Já.
Item: o caualeiro turco.
Item: carta mais particullar do feito de goa e da gente que nella
monreo.
(Na margem) gradecimento, e aos capitães gradecimento. — Já. Carla
sobre os prouimenlos que vãao, e aos de lá primeiro que ho merece-
rem. — Já.
Item: a determinaçam em que ficaua de hyr emtrar o mar roixo e
fazer o caminho que damtes tynha sprito.
(Na margem) Já.
Item: que leixa todas as rendas a timoge^ tiramdo as da ylha; ha
de pagar o soldo aos portugueses e a toda a. outra geente necesaria; ha
hy cR (i40) cauallos.
(Na margem) que elle fará o que fôr bem e seu seruiço, e o segu-
rar da gente e o ryo de goa que dizem que se pôde çarar, segurallo. — Já.
Item: as seellas que pede e freyos.
(Na margem) que as que se poderam achar, vão.
Item: os casamentos que se fazem em goa e a maneira que nyso
tem, etc: ha hy iiij*"! (éõo) almas christãas catyuas.
(Na margem) gradecimento.— Já.
Item: que os bens e terras da mezquita leixa á ygreja de emvoca-
çam da senhora samta catharina, em cujo dia noso senhor deu a vitorya.
(Na margem,) que lhe praz diso: ornamentos, pois elle os manda,
boons; levem duas dúzias de castiçaes, 1 dalampadas, hirám (?) bacios
d ofertas dúzia — a diogo fernandez.
Item : amostra das cubertas que emvia, que todos geralmente tra-
zem nos cauallos, e as outras mostras d espingardOes, etc. que envia.
Item : as bombardas grosas que enviaua.
(Na margem) gradecimento, e novidade que envie. — Já.
Item: caualos que mandou a elRey de narsymga.
Item: ho que fez diogo fernandez com a gente com que ho em-
viou fora; e a terra que já estaa por vosaaltesa, e alcaides em cada
lugir.
(Na margem) gradecimento. — Já
K6«
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444 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item: gemgyure que vosa alteza pode aver de goa laurado pellas
suas gentes.
Item : Responde ao que vosa alteza Ih espreueo acerqua do cuidado
que deuia ter das cousas do seu carego, tendo lhe em mercê a mercê que
niso lhe fez, ele.
(Na margem) Já.
Item : que sua pesoa sempre amdará no mar como vosa alteza lho
spreue, e que esa determinaçam tynha tomada.
E nam imvernar em cochym pelo que apomta dos gastos e despe-
sas que se fazem nos mantimentos da gente e na carpentaria das naaos,
e por a armada seer mais cedo junta pêra o que se ouuer de fazer, por-
que ynvernando em goa, he a armada jumta em agosto, e imvernando em
cochy, nom pode sayr daly senam por todo nouembro. •
(Na margem) que lhe parece muy bem, e asy o andar no mar: lem-
brar a guarda de callecut.— Já.
Item; que vãao mais armeiros.
Item: que ha ilij"" (400) homens na índia que nam teem espada,
nem lamça, nem armas de corpo.
Item : A Ruy de brito que hia por alcaide ha cananor, deu a capi-
tanya de huum nauyo. E deu a alcaidarya ha Ruy galuão. E a capitanya
do castelo do paso a dom femando deça.
(Na margem) que he bem, e que as provysões detryminadas acer-
qua dalcaidaria e capitania de cananor. — Já.
Item: diz dos messegeiros que lhe vieram de batecala, depois da
vinda de Lourenço moreno, a concertar as pazes, e presente que lhe trou-
xeram, que nam aceitou, e que lhe dãao jb*" (1600) fardos daroz e elle
estaa em dous myl, ainda que se quisesem leixar feitorizar as mercado-
rias de vosa alteza, lhe nam tomarya nada.
(Na margem) que ho faça como vyr que he seu serviço. — Já.
Item: diz das cousas que lá pasam a que nom prouee, e principal-
mente do que pasou na nao omery que tomou o seu nauyo, que nam quis
consentyr duarte de lemos que entendesem nella vosos oficiaes, e que
vosa alteza foy nisto muyto desseruydo.
(Na margem) que eu prouerey cá. — Já.
Item : di2 muyto bem de dioguo mendez e asy de jorje nanez e asy
de manuel de lacerda e dom joham e dom geronimoi,e gaspar de payqa e
dioguo fernandez e pêro d alpoem e denis femandez, e diz muito bem deste.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 445
(Na margem) que os filhos de lesuârte damdrade, que ayemdd cousa
despejada, os proueja, e que estes sejam primeiro prouidos e bemaldim
freire. — Já.
Item: que fica satisfeito e contente dos capitães que amdam com
elle^ de serem seus amigos, mansos e boons de conterotar, e que ho aju-
dam bem, e «enega dos pasados, e que nam os nomôa, porque nam
querya ver mal a nymguem.
(Na margem) que hapraz. — Já.
Item: diz que com a seguramça de goa fica elRey de daaqnem e
elRey de narsymga voso trebutaryo, e se asy nam fór, que lhe nam faça
Yosa alteza nenhuua mercê.
E que ham gram medo de verem poher vosa gente a cauallo. E seu
parecer he que vosa alteza ho deuia apalpar.
E que se vosa alteza quer ser senhor da Imdia, que faça vosa alteza
fundamento de ter em goa mil homeens por agora, como em cabeça [^in-
cipal e asento de voso capitam moor.
(Na margem) segurar goa Ih encomenda muito. — Já.
Item: que lhe mande vosa alteza ij"" (200) selas de cauallos bOoas e
bem aparelhadas.
Éstrybos, freos e esporas averá lá.
Que mande vosa alteza pelo presente grande soma de moeda de co-
bre, e alguua de prata do peso e bomdade da mostra que mamda, asy da
que mamdou laurar, como da dos mouros.
(Na margem) que este anno se nom pôde mandar e que lá se fará
milhor. — Já.
Lampas pêra coiraças, cravaçam e coiros, e principalmente vaza-
dor da crauaçam.
Item : que as mercadarias que se gastam em goa sam chamalotes
de cores, Escrallatas Rezoadas e delias fynas, brocados d arezoada sorte
e alguns Ricos, poucos; Gorall e cobre laurado e por laurar e azougue
pouco.
(Na margem) Já.
Falia na pesoa do capitam que aly ouuer d estar, qual deue ser.
(Na margem) Rodrigo Rabelo homem de bem, e se lhe parece ho-
mem pêra yso. — Já.
• Gaualos, soldos, mantimentos, ofíciaes de toda sorte, ferro, salitre e
linho, diz que ha hy tudo em abastança.
446 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
O que faz nos casamentos dos que aly casam.
Ficaua em botar daly sete nãos ao mar e se hir yia de cambaya,
e o mais que tem sprito.
Pede Reemos de gallees.
(Na margem) alguuns que se nom poderam auer. — Já.
Item : huua carta graude do que diz que lhe dizem que faUam ante
vosa alteza delK por lhe danarem e apagarem seus seruiços, e daa Re-
zam largamente do que tem feyto, etc.
(Na margem) que nom crea cousa que lhe digam» e contentamento,
etc. — Já.
Item : ho Roll da gente do feito de goa que emviou.
(Na margem) ouue prazer, e avise dos que bem nom seruirem.— Já.
Item: a joya que diz, que tomou duarte de leemos da nao omery que
tomou o seu nauio, a qual diz que tomou em alaquequas, cousa em que
vosa alteza foi, diz, muito desseruido.
(Na margem) proverá. — Já.
Item: que determine vosa alteza as nãos que comvem ficar na Imdia,
e as que tomará, porque os mercadores leuam seus conlrautos tam fortes
que nam ousa de os pasar, porque, aimda que nam veja o perigo á porta,
será pêra sua desculpa, se as tomar.
E que ysto convém pêra o que espera em deos de fazer.
(Na margem) escusado. — Já.
E que pêra a segurança da Imdia huua força e htlua navegaçam
acabará tudo, e se as cousas amdarem por biquos, gastará vosa alteza
muyto e nom yrá nada avante, porque, a seu entender, vosa alteza nam
pôde soster a Imdia senam dela. E portamto aperta asemtos nos lugares
que diz, e que com as Remdas deles vosos capitães ha defenderam e aco-
dirám ao cajntam moor homde estiuer.
E desta maneira averá lá poder, Reemda, soldos e naaos e mando>
sem aver de vosa alteza necesidade.
E poderám andar nãos a mallaca e a bemgalla e a ormuz e a cambaya.
E que desta maneira averá vosa alteza toda ha Riqueza.
Item : que nam ha por boom conselho bulyr vosa alteza tanto com
os oficiaes delia.
^Na margem) que parece bem. — Já.
Item: que faça vosa alteza o soldo da yndia huum. E falia no sc^do
doytocentos fs dos criados dos fídallguos que lá ficaram, que ainda ham.
CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE 447
(Na margem) Já.
Item: se os soldos acrecentados do visoRey e quyntelladas averám
efeito, ou se as tiraram de todo, e asy as das capitanyas, mestres e pil-
lotos.
(Na margem) acrecentamentos que os tire. — Já.
Item : contador em que faila pêra tomar as contas lá somaríamente,
pelas Razões que aponta.
(Na margem) que he bem gaspar pereira omde estiuer as tome, e
nom estando, encaregue outro, diogo fernandez. — Já.
Item: capitães da suyça.
Item : carta pêra dom garcia sobre sua ficada.
(Na margem) Já.
E carta a afonso d alboquerque sobre iso, como el Rey dise^ se elle
quiser que fique.
(Na margem) Já.
E carta a amtonio reall sobre sua vymda, se quiser, e ayendo de
vir, carta a afonso d alboquerque que lhe dee huua naao em que venha.
(Na margem) Já.
E carta que, vymdo elle, fique no carego da Ribeira o corço, asy
como elle era diso encaregado.
(Na margem) Já.
È nam se vymdo amtonio real, fique na capitanya da galé gramde
o corço.
(Na margem) Já.
Item: a afonso d alboquerque soty*e os seguros, que nam se dêem
aos que esteuerem na paz e amizade delRey, e naueguem sem elles, nam
entrando o mar roixo, nem navegando pêra parte pêra bonde posam leuar
espiciarias, de que elRey seja desseruido, ysto lembrando a afonso dal-
boquerque, pêra elle fazer o que fôr mais seruiço dei Rey, e dizemdolhe
que como fôr seguro e saneado que nam leuem espiciarias a lugares per
que posa pasar ao mar roixo, todo ho ali se escuse, porque asy se asen-
tem milhor as cousas da índia.
• (Na margem) Já.
448 CARTAS DE AFFONSO DE ALBUQUERQUE
Item: carta a afonso dalboquerque sobre o gastar da pimeata nas
partes de lá, em que toca francisco corbinel.
(Na margem) Já.
Item : Resposta a francisco corbynell das cartas que spreueyo.
Item : lembre o que averá dom garcia fícamdo na Imdia.
Item: aluaro de brito a alcaidaria de cochym, vymdose amtonio
Reall, se parecer bem a afonso d alboquerque, e carta a elle diso.
(Na margem) Já.
Item : vymda das naaos da carega, como vyrám.
FIM DO TOMO I
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