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Civilizando Angola e Congo
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Mgr. A. Le Roy,
Superior Geral da Congregação do Espirito Santo,
Concedo licença para a publicação
do opúsculo intitulado «Civilizando
Angola e Congo» se a autoridade ecle-
siástica julgar conveniente.
Braga, 17 de Agosto de 1922.
P: Moysés Alves de Pinho.
IMPRIMATUR. Bracarae, die 17 Au-
gusti 1922.
Corrêa Simões, Vicárias Gene ralis.
CIVILIZANDO
ANGOLA E CONGO
Os Missionários do Espirito Santo
^ no padroado espiritual português
BRAGA
Tipografia Sousa Cruz
1922
31/
^ ^
No campo do Apostolado contemporâneo
Europa colonizadora de nossos dias já não entende
a missão que tem a desempenhar entre as raças
inferiores com a mesma simplicidade interesseira
com que a ia entendendo em séculos transactos. Ao
mesmo passo que a Igreja indefectivel na sua visão caridosa
de almas a servir e a amar, porque indefectivel na fé, foi
desempenhando sempre com mais ou menos êxito a função
salvadora, os colonizadores de nacionalidade vária acostuma-
ram-se a não considerar nas respectivas colónias senão minas
a explorar e a exgotar; e franceses, ingleses, homens da
Holanda, que não só espanhóis e portugueses, terrorizaram
os filhos humildes e tímidos da Costa Africana com razzias
de um trafico ignóbil, e depois continuaram a dizimar as
robustas raças do interior com drogas e álcool dum comércio
interesseiro e envenenador.
Depois de cruzadas de humanidade e amor como a do
grande apostolo inglês William Wilberforce, a atmosfera foi-se
purificando, de forma que hoje a escravatura não seria já tole-
rada; e o próprio trafico do álcool para indígenas foi quasí
inteiramente proscrito pelas Nações Aliadas, arredada da
Africa a competição do comercio alemão.
Ao menos em teoria, Deus louvado ! a colonização é hoje
inseparável do protectorado, entendido na acepção de obriga-
toriedade de protecção ao indígena. Quer dizer, o ideal evan-
gélico, a verdadeira civilização ganha terreno... apesar da
queixa universal contra a maldade dos tempos.
E' precisamente por isso que as Missões em terras de
colonização europeia teem tomado, nos últimos tempos, uma
expansão tão extraordinária e de tanta intensidade de vida,
sejam de que religião forem, e de qualquer nacionalidade que
procedam, não só com simpática tolerância, mas ainda com o
bafejo do favor positivo dos poderes interessados em coloni-
zação.
Em 1885 a Conferencia de Berlim estipula que todas as
potencias, que exercem direito de soberania nos territórios do
Sertão, protejam e facilitem todas as instituições religiosas,
creadas com fins como o da conservação de populações nativas,
melhoramento das condições morais e materiais da existência,
supressão do tráfico escravista. Em 1890 o acto geral da Con-
ferencia de Bruxelas acaba de colocar as emprezas missiona-
rias de qualquer denominação e procedência ao abrigo <la
legislação internacional no Continente Negro. Emfim o artigo
438 do Tratado de Paz de Versalhes reconhece esta disposição,
como do Direito das Gentes, e explica o modo de aplica-la
às missões de procedência alemã.
Coincide com esta atitude do poder secular nos últimos
tempos a expansão extraordinária das missões evangélicas
protestantes. Os obreiros evangélicos desta denominação su-
biam em numero, de 1815 a 1915, os brancos de 176 a 31:000,
os indigenas habilitados de O a 112:000! Metodistas america-
nos e suissos, a <'Church Missionary Society» dos Anglicanos,
Luteranos alemães e Presbiterianos escoceses, lançaram-se
todos sobre a Africa, sem consideração de linguas e bandeiras,
sobre a Austrália e as ilhas oceânicas, no afan de proselitizar
infiéis.
E ilude-se quem desdenhosamente queira minimizar este
esforço do Cristianismo errático e incompleto, e ver nisto tudo
um empenho mercantil apenas. Entre os evangelizadores,
cavalheiros e senhoras, não deixa de haver muito zelo (por
vezes amargo e fanático) e muita inteligência e coragem. O
que sobretudo somos, os católicos, modestamente obrigados
a reconhecer é que os cristãos dissidentes na America e na
Inglaterra compreendem muito melhor que os dos países cató-
licos a necessidade de cooperar com o missionário na salvação
do mundo. Os católicos dão esmolas para a propagação da
Fé; os protestantes pagam uma contribuição regular volunta-
ria. (1) Por isso mesmo podem expandir-se as missões da
heresia muito mais desafogadas que as ortodoxas, e encontram
mais naturalmente candidatos evangelizadores, porque não
teem estes de expor-se a uma vida de tanta abnegação e
abandono à Providencia.
Mas, se com menos recursos, nem por isso as missões
católicas teem afrouxado no zelo salvador. Apesar do desleixo
dos teólogos, de quem com certa razão se queixa Mons. Ale-
xandre Le Roy que teem teses para tudo menos para enunciar
o dever mais categórico que nos deixou o Evangelho : — «ide e
ensinai todos os povos'> — o povo, na espontaneidade da sua
fé, forneceu sempre e continua a fornecer obreiros para a em-
preza santa e desdenhada.
Apesar da dispersão violenta das ordens religiosas nal-
guns países, vimos multiplicarem-se ultimamente pelas terras
do paganismo além obras de agremiações missionarias de toda
a espécie: de padres e de leigos, de homens e femininas.
As Missões Estrangeiras de Paris lançam-se pela Ásia a
dentro e invadem o gentilismo chinês; as Missões Africanas
de Lião tomam conta da Costa Ocidental Africana, da Libéria
ao Niger; os PP. Brancos de Lavigerie encarregam-se das po-
pulações arabizadas, do sul marroquino, pelas granjas do
Saara, até ao Nilo, pelas regiões do musulmanismo e da escra-
vatura; enfim, para não falar dos missionários belgas de Scheut,
dos ingleses de S. José de Mill Hill, dos italianos da Consolata,
e dos alemães Palatinos e austríacos do Verbo Divino, os
Padres do Espirito Santo tomam à sua conta e evangelizam
um terço das colónias africanas, à sombra de cinco bandeiras
colonizadoras diferentes.
Para a educação das meninas gentílicas e formação de
mães cristãs, multiplicaram-se paralelamente as associações
femininas de evangelização: Missionarias Franciscanas de
Maria, Irmãs de S. José de Cluny e Irmãs da Conceição de
Castre rivalizam com os missionários dos diferentes institutos
e países em dedicação e coragem varonil.
Seria evidentemente gostosa tarefa seguir pelo mundo
fora todos aqueles mensageiros do bem e todas estas admi-
ráveis heroínas da salvação e educação dos humildes. Mas,
(1) Nos melhores anos passados teni-se aproximado de 10 milhões
de francos o rendimento da Propagação da Fé (católica). Com o de St.*
Infância, etc, dêmos que se elevem a 20 milhões. Pois bem: em 1915
as contribuições anuais protestantes somavam 166 milhões de francos!
8
como a cada qual marcou a Providencia seu especial talhão
na vinha das almas, limitamo-nos aqui à exposição da obra
que na Africa Portuguesa realiza a Congregação do Espirito
Santo. .
Oxalá que não venha esta Congregação a ficar sozinha a
braços com o cultivo daquele vasto campo, onde atéqui a tem
coadjuvado o clero secular, aliviando-a da gerência de paro-
quias já organizadas. Infelizmente vai rareando o clero desta
classe, depois que a Republica transformou, a ensaio, em
Instituto de Civilizadores laicos o antigo Seminário de Ser-
nache.
E' também verdade que este -vai outra vez reconstituir-se
em Tomar; mas será ainda muito o tempo porque se deverão
contentar as colónias com restos esparsos. Lamenta-o Angola,
e lamenta-o ainda mais Moçambique, onde, além daquelas
relíquias, o desolado pastor recentemente nomeado, D. Rafael
da Assunção, apenas pode contar com os seus confrades
Franciscanos da Beira, porque o advento da Republica expe-
liu do Zambeze os missionários jesuítas; e a entrada^de Por-
tugal na grande conflagração europêa levou-nos a dispensar
os esplêndidos missionários austríacos do Verbo Divino que
aos jesuítas sucederam.
A Gonireiação do Espirito Santo.
Dúplice Oriiem da Associação
A Associação do Espirito Santo
A Congregação dos «farrapeiros da Santa Igreja», como
humoristicamente lhe chamou o que mais tarde veremos se-
gundo fundador, nasceu já com aquele selo de modéstia evan-
gélica de que se gloria, mas ainda não tão especializada como
a vemos hoje nos serviços áà farrapagem africana.
Em 1703 o Padre Claude Poullart des Places, filho de
um advogado do Parlamento da Bretanha, associava-se com
mais dois sacerdotes para educar e sustentar estudantes pobres,
capazes de virem a ser pastores úteis na Igreja de Deus em
ministérios humildes e de ajudarem os compassivos directores
nos serviços de caridade eclesiástica, para que mais dificilmente
se encontram obreiros. A esta associação foram acrescendo
pouco a pouco membros novos, muitos pupilos antigos do
Seminário, educados e ordenados com as esmolas angariadas
pelos abnegados directores.
Entretanto, se a ideia das missões longinquas não foi o
motor original, vimo-la dominar desde logo nas preocupações
do apostólico fundador. Sentia-se ele próprio mui levado a
«ir para os selvagens^> e não tardou a fornecer de seu Semi-
nário sacerdotes missionários a vigários apostólicos da China,
de Tonkim, de Sião, e de
varias colónias francesas
de Africa.
Foi durante o supe-
riorado de Monsieur
Bouic, segundo sucessor
de Poullart des Places,
que a associação se orga-
nizou, com Regra redigi-
da, aprovação canónica,
reconhecimento legal por
Luiz XV (1734). Depois
da morte dele, e sob o
governo de Monsieur Be-
cquet, terminava-se a
construção na rue des
Postes, Paris, do edificio
que ainda hoje é o Semi-
nário das Colónias. De
então por diante ficava
a habilitação de clero
para as missões da Afri-
ca francesa constituindo
o fim principal e quasi
exclusivo da Associação.
':.:^K
Becquet morria em
1788. O sucessor, Mon-
sieur Duflos, era eleito para assistir à dispersão e à tormenta
revolucionaria. Em 1805 quando Monsieur Bertou voltava do
exilio, de Inglaterra, e recebia da mão do superior-martir, então
moribundo, o múnus de reger a associação, achou-se a braços
com três dificuldades quasi insuperáveis: reunir os membros,
obter nova aprovação legal para a associação dissolvida, enfim
provê-la dé alojamento. Conseguiu, à força de muita fadiga e
a custo de muita amofinação, o reconhecimento do governo
imperial (1804), a reintegração no Seminário Colonial da rue
10
des Postes, enfim colaboradores assas numerosos para a
direcção do instituto antigo e de um Seminário menor desti-
nado a preparar recrutas para aquele.
Sucedia ao restaurador da Congregação e ia proseguir na
reorganização dela Monsieur Fourdinier. Quiz-lhe ele dar um
caracter ainda mais apostólico, tornando os membros não só
educadores de missionários, mas eles próprios missionários
dos infiéis. Faltava pessoal. Creu o superior obviar a essa
falha admitindo na sociedade, com um ano em vez de dois de
provação, os alunos antigos.
A ideia era boa; mas não pegou. Continuaram os supe-
riores seguintes persistindo nela, urgindo-a. A Congregação
foi definhando, e só conseguiu viver, deixando enxertar no
tronco exausto o viço novo de outra Congregação, recentemente
nascida, e precisamente com o feitio novo que Fourdinier
quizera tornear na velha.
Congregação do SS. Coração de Maria
A Sociedade dos Missionários do SS. Coração de Maria,
ideada por dois seminaristas creoulos do Seminário de S.
Sulpicio, Frederico Levavasseur e Eugénio Tisserand, originá-
rio o primeiro da ilha Bourbon e o segundo natural de S.
Domingos (Antilhas), foi levada a termo por um pobre semi-
narista, israelita convertido, excluído ao tempo do sacerdócio
por uma terrível doença nervosa. Achava-se o humilde acólito
director espiritual de um noviciado de Eudistas em Rennes
quando os seus dois ex-condiscipulos do grande Seminário
parisiense, ajudados pela iluminação do Céo, o trouxeram a
colaborar na empreza salvadora dos negros (da qual ambos
apostolicamente se enamoraram, por ambos terem sido testi-
munhas, nas terras natais respectivas, da abjecção e miséria
a que as populações negras iam votadas).
Chamava-se aquele seminarista, já então genial director
de almas, e autor de cartas de direcção, que formam hoje um
pecúlio ascético precioso, Francisco Maria Paulo Libermann.
Dirigiu-se a Roma, escreveu, negociou, orou, e por fim
obteve a aprovação da Propaganda para o plano e para a
Regra do novo Instituto Missionário, sendo mesmo urgido a
tomar a^direcção dele, depois de ordenado sacerdote por um
prelado benévolo.
Foi completar em Strasbourg, diocese de origem, a for-
mação sacerdotal, e ali se ordenou de subdiácono e de diácono;
11
um més depois (Setembro de 1841) Monsenhor Miolarid impii-
nha-lhe as mãos em Amiens, e dava ao novel sacerdote, com
orgulho e gosto paternal, licença para abrir em La Neuville
uma casa de provação e formação missionaria.
A 25 de Setembro de 1841 o núcleo primeiro da Sociedade
AAissionaria inaugurava-se ante o altar da Senhora das Vitórias
em Paris, numa enternecida missa conventual, em que celebrou
o novo levita e superior e eram assistentes os três restantes
membros: P.'^ Levavasseur, Tisserand e Collin.
Quatro inezes após a abertura da casa de La Neuville, já
Levavasseur partia evangelizar a sua ilha de Bourbon. Tisse-
rand embarcava, pouco depois, a civilizar e a ajudar as popu-
lações negras de S. Domingos. E já antes se agregara à Con-
gregação e partira em nome dela para a Mauricia um pároco
da diocese de Evreux, ex-medico, n'vido de dedicação, que
veio a ser o Apostolo Venerado das povoações daquela ilha,
que ainda hoje peregrinam de todos os recantos dela em
romagem piedosa e agradecida ao tumulo do Padre Lavai.
Em 1843 partiu para a Guiné Francesa a primeira leva
de missionários habilitados em La Neuville, sete padres que
o superior poz às ordens de Mons. Barrou, enviado pela Pro-
paganda como Vigário Apostólico das «Duas-Guinés» (Guiné
e Senegambia). Foi um tentame desastroso; a falta de expe-
riência tropical e de preparação para arrostarem com aquele
clima fez do desembarque no cabo das Palmas uma fúnebre
marcha para a morte. Só escapou o Padre Bessieux. O vigá-
rio apostólico desanimou, pediu a demissão, e foi para a Ame-
rica do Norte a dispender no serviço dos humildes o resto
das forças. A Congregação vitimada é que não quiz desmaiar.
Em La Neuville surgiram ardores novos, que na Africa que-
riam lutar e vencer. E em 1846 encarregou-se a própria Con-
gregação directamente das Duas-Guinés, com Mons. Truffet,
um membro, como vigário apostólico. Assim entrava a modesta
Sociedade Missionaria de posse da sua herdade, e a cumprir
os desígnios que lhe assignara o Céo, os fados que lhe fiara
misteriosamente a Providencia.
A fusão
Ao expirar da primeira metade do século XiX temos, então,
lado a lado, em França, duas sociedades missionarias a pen-
der para a Africa selvagem e feiticista: uma a sair do berço
e fervente de dedicação e de vida; a outra no transe de uma
12
crise de braços, precisamente quando seu ideal se orientava
mais definidamente para a intervenção directa no apostolado
longinquo. Era natural que as duas associações se aproximas-
sem: a do Espirito Santo, ávida dum contacto com a vida, a
do Coração de Maria com muito que aproveitar das vantagens
sociais e situação legal da sociedade mais velha. No dia do
Pentecostes de 1848, numa assembleia geral no Seminário do
Espirito Santo, em Paris, resolvia-se a união das duas socie-
dades. A 24 de Agosto reuniam-se no mesmo estabelecimento
representantes de ambas, a estipular as condições da fusão,
terminando por enviar a Roma um delegado, que negociasse a
aprovação do novo estado de cousas. Emfim, a 4 de Setembro
de 1848, a Santa Sé sancionava a união, especificando que ela
fosse feita pelo ingresso da Sociedade do Coração de Maria
na do Espirito Santo, e que, incorporada nesta, aquela deixasse
de existir.
Libermann ficava o primeiro superior geral das Congre-
gações assim fundidas numa; mas foi somente sob o governo
de seu sucessor que Constituições novas, gravitando à roda
dos princípios da Regra, elaborada pelo segundo fundador,
fixaram numa organização definitiva de caracter religioso a
nova Congregação do Espirito Santo e do Imaculado Coração
de Maria.
O Superior antigo do Espirito Santo, Monsieur Monnet,
que dera a demissão para ser substituído por Libermann, foi
nomeado pela Propaganda vigário apostólico de Madagáscar,
tomando com ele a Congregação conta da evangelização de
mais uma colónia.
Desenvolvimento da Nova Sociedade
Missionaria
Em vida de Libermann
Em 1848 a Congregação renovada do Espirito Santo
contava já 43 membros, dos quais nada menos que 34 filhos
do enxerto novo do Coração de Maria.
Contavam-se então em França três residências: a de
Notre Dame du Gard (que substituirá a de La Neuville); a
de Bordéus, adquirida para cómodo dos missionários prestes
a embarcar, ou de volta da Africa; emfim a de Paris, sede
administrativa da Sociedade, com a obra anexa de um Semi-
13
nario colonial, dirigido por membros da Congregação, e fre-
quentado por aspirantes seculares ao serviço paroquial das
colónias francesas.
O vicariato apostólico das Guinés, adjudicara-o a Santa
Sé, como vimos atrás, à Congregação, em virtude das nego-
ciações do Venerável Libermann. Nestas negociações eviden-
ciou o humilde e despretencioso padre como a Providencia o
talhara para iniciador dum movimento missionário.
«Chegou o santo Fundador a Roma, diz-nos o seu biografo,
o Padre Laplace, na ocasião em que se celebrava com toda a
pompa e solenidade a festa do apostolo S. Pedro; dias depois
submetia à apreciação da Propaganda um longo e assas notá-
vel memorial sobre a missão de Africa. Ali encarava Libermann
essa questão sob todos os pontos de vista, discutindo todas
as objecções feitas contra esse apostolado, e defendendo como
Pai amantíssimo os interesses dos seus queridos negros. Nesse
documento em que enumerava, sem todavia as atenuar, todas
as dificuldades que havia a vencer, e propunha os meios
que mais próprios pareciam para delas triunfar, era o santo
Fundador de opinião que nada importava tanto para o bom
êxito daquela obra, como o redigir desde logo um plano geral
que, pelas suas qualidades, se tornasse estável, e fosse seguido
pelos membros do instituto com a máxima paciência e perse-
verança. Devia esse plano ter em vista a instituição duma
sociedade cristã, das mais completas, no seio da qual esses
povos podessem adquirir não só a fé e muitos outros dons
sobrenaturais, como também os conhecimentos naturais que
lhes faltavam com respeito à agricultura, às artes e aos oficias,
e mais estudos a que se destinavam. Queria ele que esse novo
ramo da Igreja Católica não constasse somente de neófitos
espalhados aqui e ali, de cristandades isoladas, de acampa-
mentos de missionários nómadas, mas também de catequistas,
de apóstolos e religiosos localmente formados. Recebeu o servo
de Deus na cidade santa o mais favorável acolhimento, sobre-
tudo da parte da Sagrada Congregação da Propaganda.
«Fui muito bem recebido em Roma, dizia ele, e julgo
poder dizer que a nossa ordem goza aqui de toda a conside-
ração. Todos na Congregação da Propaganda nos estimam e
nos favorecem, podemos também contar com a dedicação do
núncio de Sua Santidade em Paris, o qual sempre que me
escreve se serve de termos próprios a animar-me. Bem sei que
nunca devemos contar com o apoio das creaturas; comtudo
quando a Santa Sé ou os seus representantes julgam dever
proteger uma obra, pode toda a alma cristã ver neste facto
14
uma prova evidente da vontade divina e sentir por esse
motivo uma grande e bem fundada satisfação.
Viu Libermann recompensada a sua confiança. A entrega
por ele feita do seu importante memorial à Sagrada Congre-
gação da Propaganda teve como resultado o estabelecimento
de um novo vicariato apostólico, compreendendo as duas Gui-
nés e a Senegambia, numa extensão de mil e duzentas léguas
ao longo do litoral e sem limites para o interior.
Depois da morte de Mons. Truffet, ocorrida ainda em
tempo do Fundador, conseguiu este que ao novo vigário das
Guinés e da
Senegambia,
vicariato vago
e quasi ilimi-
tado, se atri-
buísse imedia-
tamente um
coadjutor. Foi
este Mons, Ko-
bés, sagrado
emStrasbourg
ainda antes de
o ser o vigá-
rio apostólico,
Mons. Bes-
sieux, o sobre-
vivente mila-
groso da pri-
meira leva
apostólica (de quem já falamos, e que ainda se encontrava no
interior africano, vindo a realizar-se a sua sagração na capela
do Seminário do Espirito Santo só em Janeiro de 1849).
Em 1852, aos dois de Fevereiro, falecia em Paris em odor
de santidade o Venerável Fundador (cuja causa de beatifica-
ção procede em Roma lenta mas segura) com o sonho apostó-
lico da Guiné a ocupar-lhe como obsessão os últimos pensa-
mentos. Deixava seus filhos a braços com a empreza da
civilização cristã não só da Guiné, mas, como vimos, da
Mauricia, de Bourbon, de S. Domingos, de Madagáscar.
Tinha além disso o Venerável Fundador concedido a
Mons. Brady, bispo de Perth na Austrália, cinco missionários;
mas a Providencia mostrou-se avessa à empreza de evange-
lizar os esparsos selvagens de uma vasta extensão despo-
0 fundador das Missões Africanas do Esp. Santo no seu leito de morte.
15
voada: o padre Bouchet faleceu vitima dum empreendimento
generoso mas sem fruto proporcionado, e os outros padres
transferiram-se à ilha Mauricia, a ajudar o santo Lavai na
colheita dos frutos de salvação, que ele semeara e já não
podia ceifar só.
Expansão póstuma
da família de Libermann
o desenvolvimento rapidissimo que a Obra Missionaria
tomou depois da morte do Venerável Libermann requeria uma
organização. Foi esta a obra do sucessor imediato. O P.**
Schwindenhammer fixou nas Constituições, amplificação do
quadro rudimentar das Regras de BouVc amalgamadas com a
preciosa Regra Provisória de Libermann, as normas futuras
da vida social, que foram votadas no Capitulo Constituinte
de 1853.
Da Administração Geral destacavam-se as provincias, a
da França e mais outras três: Africa Ocidental, Ilhas do
Oceano Indico, e Antilhas. Cada uma destas ultimas circuns-
crições religiosas, à medida que foi crescendo, foi-se ramifi-
cando, deitando gomos que pouco e pouco se diferenciaram e
fixaram em divisões eclesiásticas independentes. Além disso
foram dando razão ao empenho de se irem creando na Europa
provincias novas, que recrutassem pessoal competente para
civilizar povos que exorbitavam da esfera politica e colonial
da França.
Nos vicariatos apostólicos das Duas Guinés e da Sene-
gambia achavam-se englobadas a Libéria independente e de
lingua inglesa, o território britânico da Serra Leoa, e a Gam-
bia, inglesa também. Devia, pois, naturalmente surgir a ideia
de uma provincia britânica da Congregação, para habilitar
missionários idóneos para a civilização, ao mesmo tempo cristã
e inglesa, daquelas populações. Era natural pensasse a Direc-
ção na Irlanda, a um tempo católica e ingleza (ao menos de
lingua...). Fundaram-se, depois em um estabelecimento provi-
sório em Blanchardston, os dois florescentes colégios de Bla-
ckrock e Rockwell, respectivamente em 1860 e 1864.
Mesmo antes de a Alemanha armar em potencia colonial
pensou a Congregação em recrutar naquele país missionários
africanos. Estabeleciam-se dois núcleos de recrutamento, um
16
em 1862 e outro em 1864, ambos na diocese de Colónia, des-
tinados, porem, ambos a serem de pouca duração, porque
havia de dissolvê-los o Kulturkampf em 1872. A província
alemã, mui florescente antes da Guerra Europêa e fornecendo
missionários numerosos ao Zamguebar Alemão, só devia resus-
citar em 1895.
Do estabelecimento da Sociedade em Portugal, que foi
pouco posterior ao primeiro tentame de penetração na Ale-
manha, veremos mais amplamente.
Nos Estados Unidos, a Terra Santa Generosa da Liber-
dade, pensara já o próprio segundo Fundador, que não pudera
ser insensível, em seu coração de pai por adopção dos negros,
aos milhões deles espalhados pelo território da grande
republica, pujante, viril e generosa mas ainda então por
libertar da nódoa vil da escravatura. Só em 1873, porém, foi
possível a inauguração da hoje tão. próspera província ameri-
cana, pela aceitação de paroquias de missão na diocese de
Cincinati.
Emfim, como a actividade belga, procurava nos trópicos
um campo onde despejasse as inergias superabundantes da
nação, como o vasto território do Congo, ainda que só em
1908 houvesse de vir a ser atribuído à Bélgica, já então fosse
campo reservado- aos agentes inoficiais do rei dos Belgas,
fundou-se em Lierre em 1901 a primeira casa da Congregação,
começando a evoluir a província que em 1904 incorporaria
também a nação vizinha e amiga, constituindo provisoriamente
a divisão religiosa da Belgica-Holanda.
Em territórios de Portuial
Uma. sociedade de bem-fazer que olhava, como numa
obsessão, para os filhos de Africa a salvar, que os fora procu-
rar à ilha Bourbon, à ilha Mauricia, àsGuinés, e até ao exilio de
origem escrava do Haiti, não podia deixar de volver os olhos e
a atenção para Portugal, o povo de vocação histórica mais
denodadamente africana, e ainda modernamente das poucas
grandes potencias em Africa. O Venerável Libermann abraçava
já no âmbito de seu zelo salvador as colónias de Portugal. O
próprio vigário apostólico Barron, apesar das misérias com
que via lutar o pessoal do Espirito Santo posto a seu serviço
para salvar a Guiné, pensava em enviar ao Congo, em 1842,
I
17
alguns dos missionários. Mons. Bessieiíx, vigário das Duas
Guinés, e Mons. Kobés, vigário da Senegambia, persegue-os,
como um pesadelo, também a lembrança daquela terra miste-
riosa, por cima da qual deslumbrara já o clarão evangélico
mas de novo recaída na treva gentílica tão depressa!
Em 1852, o bispo de Angola e Congo— dispunha ao todo
de cinco sacerdotes, quatro em Loanda e um em Benguela,
para o serviço espiritual de tão vasta diocese: assim o contava
o próprio bispo Moreira e Reis a um missionário do Espirito
Santo que, passando por Loanda, lhe fora apresentar sua
homenagem.
Por isso submetia o P.' Schwindenhammer em 1865 ao
Cardeal Prefeito da Propaganda um projecto de reevangeli-
zação do Congo acompanhado de um esplendido relatório
elaborado pelo Padre Duparquet, e que foi tanto mais bem
acolhido em Roma, quanto ali andavam já havia anos excepcio-
nalmente solícitos acerca dos interesses espirituais daqueles
longínquos territó-
rios. Com efeito, em
1855, pedira o rei
do Congo ao Go-
verno Português lhe
mandasse missio-
nários. A Santa Sé,
para ajudar o nosso
Governo a poder
responder àquele
apelo, lembrou-se
de apelar a seu turno para os Capuchinhos, que foram no
passado os evangelizadores das regiões congo-angolanas. Mas
aqueles frades, mal feridos por toda a Europa pela passagem
da Revolução, não se sentiram com vitalidade suficiente para
ousarem meter ombros à empresa. A Propaganda tenteou
ainda o pulso de outra congregação italiana, mas nessa igual-
mente achou desanimo ante o empreendimento sugerido. Era
pois como caído do Céo que chegava à Sagrada Congregação
o oferecimento de Schwindenhammer, avidamente aceite, sendo
logo o Congo confiado ao zelo apostólico da Congregação,
sem detrimento dos privilégios do Padroado Português, nem
da jurisdição espiritual do bispo de Angola e Congo,
O decreto, que assim provê ao bem espiritual das nossas
colónias da Africa Ocidental (e que não é senão a restauração
da prefeitura apostólica, em 1640 estabelecida por Urbano VIU,
a pedido de portugueses e congolanos) deve ser lido e pon-
18
derado. Salvaguarda escrupulosa e atenciosamente os nossos
direitos e pondunores nacionais. E' seu teor o que segue:
«Por fins do século XV era a luz do Evangelho levada
até às populações do Reino Africano do Congo; e o próprio
rei, entrando para o seio da Santa Igreja Católica, (1) implo-
rou da Santa Sé a erecção de um bispado nas suas terras e
estados.
A sede episcopal fixou-se em S. Salvador; mas, ou em
vista da distancia a que este centro ficava do mar, ou devido
às dificuldades de comunicação com europeus, julgaram con-
veniente os bispos transferir dali a residência para S. Paulo
de Loanda, cidade que os Portugueses haviam edificado nas
costas do oceano, uma vez conquistada a região de Angola.
Com a graça de Deus propagou-se maravilhosamente a reli-
gião; e dentro em pouco se achavam insuficientes os obreiros
evangélicos para cultivar em toda a extensão a vinha do
Senhor; e os bispos tiveram de restringir-se às populações já
submissas ao governo de Portugal. Os povos do Congo, outra
vez sem pastores, imploraram de novo a Santa Sé para que
lhos enviasse.
Em 1640 Urbano VIU, papa, cedendo à expressão daqueles
desejos, enviava-lhes missionários de Itália, dirigidos pela
Sagrada Congregação da Propaganda. Inaugura-se uma pre-
feitura apostólica confiada aos religiosos capuchinhos; um
dos religiosos da leva missionária ia investido na dignidade e
armado das prerogativas de prefeito apostólico.
O zelo dos novos missionários e a benção divina fomen-
taram progressos tais, que a influencia da Missão nova come-
çou mesmo a sentir-se a dentro dos confins de Angola e seu
bispado. Para prevenir conflitos possíveis e ocasionadores de
grave detrimento para a Missão, para manter uma atmosfera
de harmonia e bom entendimento, emitia a Propaganda, a 14
de janeiro de 1726, instrucções pormenorizadas a respeito das
relações de uma e outra jurisdicção.
Entretanto esta Missão, que de começo produzia tão ma-
ravilhoso fruto, foi caindo, definhando, em virtude de recusa-
rem as naus transporte de missionários, especialmente italianos,
e como consequência de se abolirem em Portugal as ordens
(1) Alude ao bàtismo de Joáo i e esposa Leonor, assim chamados
em honra do nosso D. João ii e da rainha.
19
religiosas; destarte achava-se a Missão, em 1835, por inteiro
abandonada. Assim se achavam os fieis, que ficavam por
aquelas regiões, outra vez ao abandono, privados de qualquer
socorro religioso.
Em 1855 escrevia o rei da terra ao Governo de Angola
que lhe enviasse um padre católico a bàtisar-lhe os próprios
filhos e os de seus súbditos, deixados por bàtisar desde a
retirada dos missionários. Isto se fez com efeito; demais,
começava o Governo de Portugal e a Santa Sé a pensar no
restabelecimento da antiga Missão; mas foi impossível reali-
zar-se um tal projecto. Em vão recorria a Congregação da Pro-
paganda, no empenho de cumprir os desejos do Sumo Pontí-
fice, a ordens religiosas diversas, bem como a associações de
sacerdotes seculares: de nenhures surgiam obreiros evan:
gélicos.
Enfim, em data recente, propoz-se aquela Missão aos
Padres do Espirito Santo, que possuem missões limítrofes
nas Guinés; e o Superior Geral da mencionada Congregação
requeria à Santa Sé a concessão dela, em relatório de 14 de
Março deste ano.
A Sagrada Congregação da Propaganda julgou seu dever
o acolhimento favorável deste pedido inesperado; antes, porém,
de dar uma decisão, informou daquele requerimento o Minis-
tro Geral dos Capuchinhos, pedindo-lhe categoricamente res-
pondesse se podia ou não fornecer missionários à Missão,
outrora confiada à sua ordem, e incumbir-se outra vez daquela
Missão. Respondeu o Geral em 31 de Julho último, após ma-
duro exame e consulta do procurador geral das Missões da
Ordem, que se achava incapaz, por infelicidade dos tempos,
de prover às necessidades espirituais dos povos em questão,
que renunciava, por conseguinte, a essa Missão e a cedia a
outros obreiros.
Como consequência, a S. Congregação da Propaganda
achou que devia suplicar a Sua Santidade se dignasse aceitar
a renuncia feita pelo Geral dos Capuchinhos e confiar à Con-
gregação do Espirito Santo e do Imaculado Coração de Maria
a Missão do Congo, sob a imediata dependência da Santa Sé,
conservando, porém, a jurisdicção do bispo de Angola, nos
termos da instrução de 14 de Janeiro, acima citada.
Este parecer da S. C. da Propaganda foi apresentado por
mim, abaixo assignado, Cardial Prefeito, a nosso S. P. o Papa
Pio IX, em audiência de 10 de Agosto de 1865, e S. Santidade
)" 20
dignou-se aprová-lo em tudo, ordenando se expedisse o pre-
sente decreto, não obstante qualquer cousa em contrário.
Dado em Roma, no Palácio da Sagrada Congregação da
Propaganda, aos 9 de Dezembro de 1865.
Al. Barnabo, Prefeito.
(Logar do selo)
H. Capalti, Secretário.»
6s primeiros missionários do Espírito Saato
em plaias aniolanas.
Padre Poussot e Padre Espitallié
Para a missão nova, que logo começou a enamorar os
entusiasmos juvenis dos cavaleiros romanescos do Apostolado,
por lhes lembrar, pelas ruinas acumuladas dos séculos idos,
as igrejas famosas e caídas do Norte de Africa, foram entre-
tanto nomeados dois exploradores : o Padre Poussot, veterano
da Guiné, já com uns quinze anos de lides africanas, e um
recruta em todo o verdor dos sonhos juvenis de aventura
santa, o P.' Espitallié. Agregou-se-lhes um Monsieur Billon,
ex-soldado colonial, que a missão entusiasmara.
Fixaram a partida para os 25 de Janeiro de 1866. E
entrementes, como iam a trabalhar por súbditos de Portugal
e convinha que as autoridades portuguesas compreendessem,
desde o começo, que a vinda deles era de amigos, quizeram
obter para o Governo Português letras de recomendação no
ministério dos estrangeiros de Paris. Obtiveram-nas efectiva-
mente, graças aos amigos e numerosas relações do Geral Sch-
windenhammer ; e a 4 de Fevereiro já o Padre Poussot escrevia
de Lisboa, cheio de alegria portuguesa e de confiança no
porvir.
Hospedaram-se os dois padres em casa dos Lazaristas
de S. Luiz. Depois da visita à Nunciatura, aonde Mons. Ino-
cêncio Ferrieri os quiz receber no quarto em que se achava
doente, animá-los e aconselhá-los, o Padre Miei, que os aco-
lhera, foi ele próprio apresentá-los ao embaixador francês.
Recebeu-os o secretário da embaixada. Marquês de Savoie,
que lhes assegurou a benevolência do Governo Português, a
quem foram já oficialmente recomendados.
21
Ficava só encontrar navio que os levasse ao Congo. A
Companhia de Navegação andava desorganizada, e passára-se
todo janeiro sem um só transporte. A 5 de Fevereiro encon-
trava-se prestes a substituir a carreira nacional um navio
inglês, o Lincolnshirc. Aproveitaram-no os dois missionários
e, às 3 da tarde, lá iam barra em fora com destino a Ambriz.
Monsieur Billon acompanhava-os.
Aonde o vapor fez escala (Madeira, Principe, S. Tomé)
penhorou comovidamente aos dois estrangeiros a simpatia dos
portugueses. Falam as correspondências deles muito especial-
mente de como os cativou o governador da ilha de S. Tomé.
Iam assim desenvolvendo mais a ternura da Pátria que, mesmo
por bem da causa de Deus, se tinham resolvido a amar de
então como sua.
Chegados a Ambriz, deram-se os missionários pressa em
ire visitar o governador civil que, ouvidos os objectivos da
vinda deles, se deu por satisfeito.
Na cidade descansaram alguns dias, a refazerem-se das
fadigas da longa viagem, hospedados em casa de um pobre
sacerdote encarregado de paroquiar Ambriz. Depois partia o
Padre Poussot para Loanda, porque não queria empreender
cousa alguma sem previamente obter o beneplácito das auto-
ridades superiores, eclesiásticas e civis.
Avistou-se com o bispo de Angola, D. José Nilo de Oli-
veira, a 3 de Abril, primeiro no paço episcopal, em segunda
audiência no do Governador Geral. Resolveu-se que o padre
requereria por escrito jurisdição na diocese, para se conformar
com a Instrução de 1746, que regulara as relações do bispado
com a antiga prefeitura apostólica. O Governador foi por
igual benévolo, seguindo, aliás, as instruções que a este res-
peito recebera de Lisboa : — que tratasse os missionários por
modo digno e hospitaleiro. Prometeu-lhes todo o apoio, dese-
jou-lhes sinceramente que se estabelecessem e prosperassem,
e encarregou-se até de em nome deles pedir e de obter-lhes o
placítum regiam, sem o qual a legislação do tempo não per-
mitia estabelecimentos eclesiásticos nem iniciativas religiosas.
No entretanto era preciso esperar, adiando a inauguração
da missão do Congo. Foi resolvido viesse de Ambriz o Padre
Espitallié com o agregado leigo, que tinha ficado em compa-
nhia dele. E todos três ficaram vivendo no paço episcopal,
que era ao mesmo tempo seminário diocesano, prestando os
serviços de que se lhes oferecia oportunidade, e adestrando-se
para o desempenho de futuras funções de apostolado, pelo
estudo da nossa lingua, do nosso direito, da nossa civilização.
22
Alarme dos políticos
Fevereiro 1866
Debate nas Camarás acerca dos missionários
franceses
«A missão do Congo causou emoção em Portugal, escre-
via ao Geral o Padre Duparquet (um dos apaixonados da
missão nova, o qual, se não partira com os dois primeiros
missionários, se não considerava senão como um recruta espe-
rado, e considerando já seus os interesses do exercito novo).
«Se pode ser útil à Congregação ser conhecida naquele país,
não será notoriedade o que dora avante lhe faltará. Pronun-
ciaram-se quatorze discursos, somando os da camará dos
Pares com os da outra camará: favoráveis, hostis, e emfim
moderados, simplesmente tolerantes. Está com estes o Governo:
e foi este quem prevaleceu por 77 votos contra 21».
O deputado Pinto Coelho tomou a defesa dos missioná-
rios e da Santa Sé, e fê-lo com rara inteligência e coragem.
Aludiu à aceitação pelo Governo Português da prefeitura do
Congo, já em 1640, e acrescentava esta observação que era
como um vesicatório para a exaltação alucinada de um patrio-
tismo doentio :
«Não tenho motivos, nem creio que os haja, para crer
que a Santa Sé se oponha à realização do nosso padroado.
Aquilo em que a Santa Sé não poderia consentir é que o
nosso padroado sirva só para impedir a civilização católica
dos povos a ela submetidos'^ .
O deputado da oposição, Levy Maria Jordão, aproveitou
da oportunidade para um ataque em forma ao Governo (pois
que da Congregação fazia, ao contrario, um esboço histórico
muito benévolo) que achava covarde na defesa da nossa di-
gnidade contra a audácia da Sé Apostólica! «A Camará, dizia
a proposta do deputado, compreendendo que no proceder da
Cúria Romana, confiando as Missões do Congo à Congrega-
ção do Espirito Santo, sem consentimento de Portugal, ha
ofensa contra a dignidade da nação, contra o seu direito de
padroado na diocese de Angola e Congo, contra as leis do
reino e contra a nossa suzerania no Congo, passa à ordem
do dia».
O Conde de Castro, ministro dos estrangeiros, respondeu
pelo Governo à catilinaria violenta com que o deputado da
23
oposição defendia a sua proposta. O ministro não deixava de
achar digno de censura o proceder da Santa Sé, que assim
desconhecia os nossos direitos no Congo e tratava com mis-
sionários estrangeiros sem nos consultar sequer: para Roma,
porém, fora já a reclamação do Governo Português, e este
pedia à Camará houvesse por bem confiar nele e esperar a
resposta diploinatica de Roma, para ver como o Governo ze-
lava a causa da honra nacional. (1)
Entretanto, como queria o deputado que o Governo tivesse
tratado os missionários? Que os prendesse?! E com que
direito?! Os mares são livres. Que os não admitisse a bordo
de navios com rumo ao Congo ? Mas nem só barcos portu-
gueses faziam vela para a Africa Portuguesa.
O deputado António de Serpa, tomando a palavra depois
tio ministro, e combatendo a politica de intolerância pseudo-
patriotica do deputado da oposição, acaba por mandar para
a mesa esta moção :
«A Camará, ouvidas as explicações do Governo e confiada
em que ele saberá defender a dignidade nacional e os direitos
da Coroa, passa à Ordem do dia».
Com a aprovação desta proposta, a politica de tolerância
triunfava. Deixava a Camará ao Governo o cuidado de obter
explicações da Cúria e de salvaguardar a dignidade e os
direitos nacionais. E como, aliás, aprovava a acção do Governo,
c como o Governo declarara que lhe parecia absurdo impedir
a acç-10 dos dois missionários, é claro que a Camará admitia
os missionários.
(1) O Padre Duparquet parece lamentar o esquecimento de consul-
tar a Portugal neste negocio da prefeitura do Congo confiada à Congre-
gação. E explica este descuido pela convicção de que Portugal se
tivesse desinteressado do Congo. Ignoravam em Roma que, desde 1860,
o rei congolês D. Pedro v, sendo-lhe a coroa disputada por seu irmão
Álvaro, recorreu ao governo de Angola, que o ajudou a vencer o rival,
e nós estabelecemos um forte em S. Salvador. Ficou assim restabelecida
a soberania portuguesa, esquecida desde que, com a supressão da es-
cravatura, o Congo deixara de enviar anualmente a Loanda seu tributo
de 600 escravos.
E' verdade que esse pomposo nome de D. Pedro v, rei do Congo,
não era o de nenhum monarca a dispor dos destinos do reino inteiro:
«A Camará, dizia nesta sessão o deputado Seixas, representante de An-
gola no parlamento, não faria a puerilidade de o imaginar, D. Pedro
não passa de um soba Catenda, a valer-se do nosso auxilio para mandar
na aldeia. Mas as nações da Europa não precisam mais para imporem
protectorados 1»
24
A's portas do Gonio
De Loanda outra vez para Ambriz
Emquanto se não abriam as portas do Congo, emquanto
nâo mostrava a Providencia, por uma oportunidade que se
oferecesse, a confirmação divina dos projectos zelosos dos
missionários, iam os dois padres estudando campos onde de
futuro pudesse o zelo frutificar. Saíram de Loanda em direc-
ção à foz do Bengo, acompanhados de um comerciante francês
estabelecido na cidade e de um seminarista, de nome Carva-
lho, que aproveitava das férias forçadas que lhe deixava o
LOANDA. — Bairro indígena.
encerramento do seminário local. Iam visitar o antigo convento
franciscano de S.*° António. De pé só se achava a igreja. Em
redor, signais esparsos de antigas culturas e grande variedade
de arvores frutíferas escondidas e abafadas pela mata.
Das ruinas tristes daquela missão antiga dirigiram-se à
aldeia de Quinfangundo, onde havia cristãos dispersos, e ali
cantou missa um dos padres, emquanto os outros excursio-
nistas executavam o canto coral, entremeado com as sinfonias
triunfantes de um realejo, que para a função trouxera certo
comerciante americano do sitio.
Voltaram ainda a Loanda a assistir às festas religiosas e
oficiais da Assunção da Senhora, em comemoração da recon-
25
quista, em 1648, da cidade aos Holandezes. Depois começaram
a pensar na urgência de inn trabalho seguido e útil, em que
se empregassem, emquanto não pudessem iniciar a sonhada
reconstituição cristã do Congo. Ambriz, ás portas da vedada
Terra Prometida, pareceu-lhes ainda o que melhor havia como
campo provisório de acção. E oferecia-se precisamente então
uma ótima oportunidade de se estabelecerem lá. O pároco
partia para Lisboa, e era preciso quem o substituísse. O vigá-
rio geral, na ausência do bispo que também recolhera a Por-
tugal, assim como o governador, aceitaram o oferecimento dos
padres.
Espitallié foi, pois, em Agosto de 1866, ocupar aquele
posto oficial, seguido ainda do auxiliar Billon, que um mês
depois havia de ser vitimado por um ataque violento de febre,
deixando o padre só, sem uma dedicação generosa e amiga,
em meio de paroquianos, cuja lingua começava apenas a bal-
buciar.
O P.' Poussot, com efeito, seguira por então outro rumo.
Em fins de julho chegara do Gabão e ancorava na baía de
Loanda a fragata francesa Zenobia. O capitão dela, vice-almi-
rante Fleuriot de Langle, após a visita oficial ao Governador,
quizera ir ver ao Seminário os padres franceses. Como estava
à espera de um vapor da estação do Gabão, que devia regres-
sar de Mossamedes e singrar em direcção do Zaire, ofereceu
o capitão ao padre passagem livre a bordo. Foi em fins de
Agosto que o Curieux voltou do sul para seguir viagem para
o Congo e que Poussot, aproveitando agradecido o ofereci-
mento do respeitável compatriota, passou sucessivamente em
frente de Ambriz, Quissembo, Ambrizete, chegou à Ponta do
Padrão. Dali seguia o Curieux para o Norte. Foi o padre
desembarcar à cidade de Banana, donde soube partiria
uma chalupa rio acima cinco dias depois. Esta embarcação
só o levou ao Porto da Lenha, 30 milhas para o interior;
dali seguiu uma flotilha composta de duas pirogas e de duas
grandes chalupas armadas (para prevenir qualquer ataque dos
Mussurungus, guerilheiros selvagens e rapaces). Uma das
canoas ou pirogas caía, com efeito, nas mãos duns assaltan-
tes, por via da imperícia dum negro, que, ao defender-se,
deitara fogo a um barril de pólvora. O resto da equipagem
chegou no mesmo dia a Matera, aonde o missionário se entre-
teve com o chefe da tribu, Chimbache, e lhe falou da missão
que pretendia vir a desempenhar naquela terra. Depois subiu
a flotilha até Boma, centro do trafico português com o sertão, e
ali se deliciou o padre admirando naqueles panoramas encan-
26
tadores e adivinhando, naquelas populações pacificas e boas,
excelentes possibilidades de futuras missões florescentes.
Era preciso, porém, aproveitar da ocasião e descer.
Tomados quantos apontamentos julgou pudessem vir a ser
úteis, voltou o missionário a Porto de Lenha. Três dias depois,
seguia para S.*° António. E a três de Outubro pisava pela
primeira vez terras do Sonho, de tão históricas e tão dolorosas
memorias. Foi este país o que primeiro recebeu o Evangelho;
o rei do Sonho, vassalo do «grande rei», que depois se cha-
maria D. João do Congo, foi bàtisado com sua corte muitos
anos antes de o ser seu suzerano.
Dos tempos de gloria só encontrou o Padre Poussot a
famosa igreja onde celebrou missa, mas onde já se não ajun-
tavam cristãos, porque de ha muito os não havia! O único
resto das antigas crenças, e este só material, viu-o o padre
em mãos do rei, na residência oficial de S.^° António: um cru-
cifixo antigo, que o rei pagão guardava com supersticioso
cuidado e mostrava com muita ufania.
De Santo António era preciso voltar a Ambriz, onde o
pároco improvisado Espitallié, a dizer missa numa sala do
hospital, por falta de igreja, e a contentar-se, aos domingos,
com a missa conventual, solenizada pela assistência ceremo-
niosa das tropas, mas logo seguida do desaparecimento total
dos fieis, anciava pela volta do companheiro, para combina-
rem ambos mais apostolado e mais contacto com as almas.
Atéli, só pudera o missionário comunicar com uma alma: a
do Snr. Jacinto, que hospedava os missionários em sua casa
e que, apesar de ex-degredado, os tratava com uma caridade
de santo e uma gentileza de cavalheiro. Agora queriam come-
çar a reunir almas arredias de filhos de selvagens, e i-las
iniciando na arte de Jer e de escrever, e ao mesmo tempo de
amarem, de serem boas. Começariam a missionar modesta-
mente, até que lhes abrisse a Providencia campo, em que
pudessem vir a ser mais largamente úteis ao bem das almas
e à Civilização.
I
27
Em Mossámedes
■^W^'^ ^■''"'
o Padre Duparquet
Começamos agora a lidar com o verdadeiro e fervente
cavaleiro enamorado das Missões Portuguesas, que identificara
com a fortuna delas a ventura de sua vida e que, já mesmo
em França e em Cellule, para onde teve de ir preencher o
logar vago do Padre Espitallié, fazia de conta que o seu
dever e principal labor não poderia ser outro que não a pre-
paração da sua futura tarefa congo-angolana.
Passado um ano de meio resignada detenção na pátria,
partia o ardente Carlos Duparquet para Lisboa, a caminho do
Congo, em Setembro de 1866. Não pôde demorar-se em a
nossa capital senão um dia (o dia 4 de outubro, que os dias
2 e 3 passára-os detido no lazareto, por motivo do cholera,
que então grassava em
França).
Partia para o Congo,
dia 5 de Outubro, a bordo
do vapor inglês Yorcks-
hire, mas era forçado a
não passar além da Ma-
deira: a maquina do trans-
porte inglês desarranjou-
se, e a equipagem teve
de passar a bordo do
Dom Pedro, em retorno
de Angola, que os recon-
duzia a Lisboa.
O contratempo era,
aliás, de alguma sorte
providencial. O missio-
nário precisava realmente
de algum tempo para fa-
zer conhecimento com
entidades varias, queria
entrevistar o Núncio, e
sobretudo convinha-Ihe
avistar-se com o bispo
Nilo de Oliveira, que
ainda se encontrava em
Lisboa. Nos informes, P: Charles Duparquet.
'^:.
28
que obtivera em seus empenhados estudos do ano passado,
o padre colhera que um estabelecimento mais meridional que
no Congo, ai por alturas de Mossámedes, não deixava de
oferecer mais garantias de êxito, vista sobretudo a maior
salubridade do clima. E Duparquet já ia de França entendido
com os superiores para não se prender com as experiências
dos colegas do Congo, ou do Norte. Logo após a entrevista
com o bispo, Duparquet escrevia de Lisboa para França:
«Sua Excelência Reverendíssima animou-me encarecida-
mente e propôs-me até um local, no distrito de Mossámedes,
denominado Capangombé; e eu, inquirindo doutras fontes o
que aquilo realmente era, julguei dever aceitar o oferecimento.
O bispo sugeriu-me fizesse um requerimento, escrito em papel
selado, com o fim de alcançar o título de pároco de Capan-
gombé. Esta é uma colónia portuguesa recente ainda, sem
côngrua oficial, mas com um compromisso escrito de os paro-
quianos pagarem equivalente de uns 1.200 fr., para sustento
do pároco.
Concedeu-me também o prelado jurisdição em todo Mos-
sámedes, e até me autorizou verbalmente a abrir escolas e
internatos'^.
Munido de uma carta do bispo para o vigário adminis-
trador de Angola e de outra para um habitante de Mossáme-
des, capaz de o ajudar nos primeiros tempos e primeiras
necessidades, outra vez embarca o nosso missionário a 18 de
Outubro, e chega a Loanda, emfim, aproximadamente um mês
depois. Ali foi acolhido com uma hospitalidade que o como-
veu, por parte do elemento civil como do eclesiástico. O
Governador foi para com ele duma boa vontade rara: conce-
deu-lhe, em Capangombé, o terreno que ele precisasse, man-
dou-lhe dar travessia livre por conta do Estado até Mossá-
medes, e recomendou-o por escrito ao governo particular
daquela cidade.
A 17 de Dezembro de 1866 é que o fundador das Missões
Angolanas do Espirito Santo punha pé na terra dos seus
sonhos, entrando em Capangombé, acolhido por simpatias de
todos os lados. Escrevia logo ao Superior Geral esta carta,
que é um magnificai de alegria e de triunfo:
— «Cá estou, enfim, a termo da minha longa viagem.
Segunda-feira, 17 deste mês, cheguei à fortaleza de Capan-
gombé, e estou por ora a gozar a hospitalidade de um colono
rico destes sitios, um Snr. Brochado, autor de uma erudita
memoria sobre o distrito de Mossámedes . . .
29
. . . «Ainda não passei aqui tempo bastante para dar a
V. Rev." informações particularizadas acerca de Capangombé.
O que posso dizer é que estou satisfeitissimo: não podia
encontrar posição melhor para a obra que empreendi realizar . . .
«Capangombé, abreviado de Capopangombé, significa,
na lingua local, sitio de inexauríveis gados. A região estende-
se para ocidente, ao pé de extensas e altas serranias, em um
vale de aproximadas dez léguas de comprido. São estas mon-
tanhas quasi talhadas a prumo e dão origem a ribeiros nume-
rosos, que fertilizam o vale inteiro. Neste vale estabeleceram-
se já colonos da Europa; e apesar de haver seis anos apenas
que se lançaram as fundações da colónia, não há fazer ideia
aí do trabalho imenso já realizado: numa extensão de dez
léguas, está o terreno quasi inteiramente desbravado e coberto
de plantações magníficas de cana, café e algodão.
Ha fazendas em que as culturas ocupam três léguas de
extensão, ocupando numero sem conta de escravos. Cada
fazenda é uma freguesia verdadeira; disto provém dificuldade
considerável para o ministério religioso, pois é quasi impos-
sível reunir tais multidões para a instrução e para os ofícios
divinos. E comtudo, bem necessitados se acham estes pobres
trabalhadores de que se ocupem deles. As creanças, princi-
palmente, estão com grande precisão de quem as instrua;
algumas, já grandes, carecem ainda por completo de ideias e
conhecimentos religiosos . . .
«Todas as tardes vêem juntar-se ao meu redor as crean-
cinhas todas, e com elas os escravos, para aprenderem . . .
. . . «Há trabalho imenso a realizar, mas há também obs-
táculos consideráveis a superar, visto o espaço vastíssimo por
onde anda dispersa esta população. Para a evangelizar, não
há senão passar sucessivamente por todas as fazendas, e para
isto não chegará nunca toda a actividade de um só!»
O trabalho extasiava a generosidade ardente do jovem
apostolo; mas começou a sentir desde o principio a angustia
caridosa dos apóstolos de todos os tempos: — Ai ! A seara é
grande, mas são poucos os obreiros! . . .
Nos vales paridisiacos da Cheia (Mossúmedes).
31
Primeiros passos da Gonjgrejèação
no continente português
Desacorçoando das missões portuguesas.
Mortes. Retiradas.
Os primeiros meses da vida missionaria em Mossámedes
aproveitou-os Dnparquet para reconhecer a região. Aprovei-
tando da volta ao interior de alguns soldados, que tinham
vindo trazer preso um chefe da Huila, dirigiu-se o padre para
o planalto da Chéla e explorou-o com entusiasmo. Ao voltar
a Mossámedes (antes a Capangombé) encontrava um compa-
nheiro recem-chegado do Gabão, um Monsieur Crétin, ainda
estudante, que os superiores maiores lhe enviavam para lhe
temperar a solidão.
Mas quando tudo simulava paz e parecia favorecer o
encetamento da organização é que principiava a tribulação e
a dura prova. A passagem de Duparquet por Lisboa e o em-
barque dele para a Costa Ocidental angolana tinham feito
reviver nas Camarás as recriminações, que um ano atrás havia
suscitado a partida para o Congo de Poussot e Espitallié. O
deputado Levy levantava outra vez o clamor de alarme contra
os estranjeiros; Lopo de Ávila apoiava a interpelação e susten-
tava-a. A questão era deferida ao Conselho da Coroa, onde
ficava empatada, para libertação do governo, que assim calara
a oposição; mas em Angola os missionários, emquanto não
positivamente aprovados da metrópole, ficavam tão inteira-
mente tolhidos em seus movimentos como se condenados.
Foi por isso que Duparquet se resolveu a vir a Lisboa a ver
se aviava a legalidade da sua empresa; legalidade sem a
qual, apesar da manifesta bóa vontade de governadores e de
vigários gerais, e até do bispo, não havia dar um passo para
a frente; porque, como dizia ao missionário o governador
geral, havia nele (e nos outros funcionários) dois homens: o
privado, que estimava imenso o padre, o publico e o oficial,
que dele era forçado a desconfiar, por imitar a metrópole!
Foi a caminho do reino que o missionário ruminou a
ideia da organização futura da obra definitiva do Espirito
Santo em domínios portugueses: era preciso que o desenvol-
vimento e a estabilização da obra missionaria fosse feita por
mãos de nacionais.
32
Missionários estranjeiros, por amor do Evangelho e fé
sobrenatural, podem ter um patriotismo de cidadãos adoptivos,
para não comprometerem por politica (o que seria criminoso
e Ímpio) os interesses do Salvador. Mas o patriotismo fervente
do missionário em circunstancias normais, quer dizer, traba-
lhando no país de sua nacionalidade, é um estimulante que a
Igreja abençoa, porque dá mais eficiência ao trabalho sobre-
natural, apaixonando-o.
Em Lisboa, então, vinha o zeloso amigo de Angola resol-
vido a não se poupar a esforços para assegurar, ao mesmo
tempo, a liberdade de trabalho para si e a fundação de um
núcleo de sucessores da sua obra civilizadora e apostólica.
Depois de se acautelar com boas e favoráveis disposições
dos membros principais do ministério (contava mesmo com a
dedicação do ministro dos Estrangeiros, Casal Ribeiro) o
Padre Duparquet pôs-se em campo para encontrar local apro-
priado à fundação projectada de um estabelecimente recruta-
dor e habilitador de missionários.
Por sugestão do célebre lexicógrafo Roquete, com quem
travara relações amigas em Lisboa, foi procurar em Santarém
um edifício que servisse de internato a alguns jovens, que
viessem a deixar-se empolgar pela ideia religioso-patriótica
do apostolado colonial, e que em família se moldariam, sob o
influxo de aspirações comuns, ao modo da vida peculiar que
haviam de seguir, ao mesmo tempo que assistiriam às aulas
do seminário patriarcal, para assimilarem os conhecimentos
necessários ao estado eclesiástico. O «Padre Manoel», ex-
carmelita, director espiritual do seminário, encarregara-se ele
mesmo de arranjar casa e alugara, com ardente dedicação,
para os missionários a residência, vizinha do seminário, do
Dr. Velhinho.
A 3 de Novembro, de 1867, chegava de França o Padre
Carrie, com dois escolásticos franceses, os srs. Dissan e Ru-
Ihe, escolhidos para pedras de fundamento do futuro escolas-
ficado português. Os professores e reitor do seminario-liceu
preparavam aos recem-vindos a mais cordial acolhida. Um
dos mestres levou a benevolência afectuosa ao extremo de ir
cada dia dar aos estranjeiros duas a três horas de aula de
português gratuita, afim de os habilitar a aproveitarem mais
depressa dos cursos públicos.
Em fins de janeiro do ano seguinte (de 1868) chegava à
Casa do Congo (assim se intitulara o germenzinho de viveiro
de missionários) o primeiro candidato português, o Sr. Poli-
carpo dos Santos, aluno do seminário patriarcal. Em março
33
seguinte entravam mais doze; e mais seriam admitidos, se
não fora a exiguidade de instalações na casa provisória. Aí
ficaram até ao fim do ano lectivo.
No principio do seguinte, a 25 de Outubro de 1868, che-
gava a Santarém, em vez do Padre Duparquet, que tinha ido
a França, o Dr. José Eigenmann a tomar conta da província
nascente. Duparquet conseguira que o deixassem livre e à
disposição das missões portuguesas em embrião, e o grande
e inteligente sacerdote suisso, seu sucessor, vinha presidir à
organização da sociedade missionária no continente desta
nação, que de agora em
diante ele ficará a estre-
mecer como sua pátria
verdadeira.
O número crescente
dos alunos exigia, como
íamos dizendo atrás, um
edifício mais vasto. O P.'
Eigenmann obteve-o em
setembro de 1869, alu-
gando em condições fa-
voráveis a casa do fale-
cido General Guerra, a
qual não tinha pretenden-
tes, por o rumor público,;
supersticioso, a supor fre-
quentada por almas pe-
nadas !
Mas pouco tempo
serviu a habitação nova.
Os negócios da missão
do Congo e Angola fica-
vam empatados oficial-
mente, apesar dos esfor-
ços supremos, em Lisboa,
do Padre Duparquet. De-
salentado, este partia pa-
ra Zanzibar, em fins de 1869. E a «Casa do Congo», que para
o Congo tinha sido fundada, começava-se a recear viesse a
nâo ter razão de ser.
Como, ao mesmo tempo, se houvesse oferecido à Con-
gregação aparente oportunidade de uma obra a iniciar às
portas da Africa e da Espanha, em Gibraltar, resolveu a Casa-
Mãe transferir para ali o instituto de Santarém. Entregues às
P/ José Eigenmann.
34
famílias os alunoside idade excessivamente tenra, partiram os
outros para Espanha, acompanhados do director (1).
O Padre
Poussot que,
exausto dos
trabalhos do
sertão de An-
gola, conva-
lescia em San-
tarém, partiu
então para a
pátria. O P.^
Carrie tinha-o
ido substituir
na Africa,
acompanhado
deumP;Dhy-
èvre ; reforço
aliás caído do
Céu por sobre
a triste missão
de Angola, ti-
tubeante em-
bora sobre seu
futuro, mas
que principia-
va a necessi-
tar pessoal
que mantives-
se as obras
e ncetadas,
quando via os
obreiros da
primeira hora
retirarem uns
após outros:
A' sombra da cruz e da palmeira. Poussot exgo-
tado de fadi-
gas, Duparquet desanimado com as peias que lhe quebranta-
(1) Além do Sr. Alexandre Rulhe, originário da França, mas que,
de então para futuro, se considerou português (e nas provas do liceu
obtivera distinção em tudo, excepto em francês!) iam com Eigenmann
para Gibraltar os Srs : Santos, Mendes, Pereira, Silva e Antunes.
35
vam o ardor, enfim Espitallié, que em Março de 1869 falecia,
vítima primeira do apostolado angolense, e era enterrado em
Loanda com as honras e sentimento devidos a um estranjeiro
benemérito !
Era a primeira vítima do esforço missionário do E. Santo
na colónias de Portugal. O companheiro que lhe veio de Am-
briz a abençoar a tumba com lágrimas de irmão, o P.'' Lapeyre
(que em 1868 substituía o P.^ Poussot doente e repatriado)
achou mais necessário continuar em Loanda o ministério do
morto que ir em Ambriz proseguir com o seu.
Foi em Loanda que o vieram encontrar os missionários
novos, os P.'" Carrie e Dhyèvre. E vinham, sem saber, para
o substituir, como ele substituíra Espitallié. A 19 de Janeiro
de 1870 finava-se o P.' Lapeyre no hospital aonde tantos ou-
tros fora antes consolar e ajudar a uma morte boa. Angola
sacrificava mais um dos que a vinham lentamente redemir.
Os Padres do Espirito Santo
acabam de renunciar a colónias nossas
Lândana e o Congo a fugir-nos
A 27 de Julho de 1870 era o êxodo da «Casa do Congo»,
A razão mais óbvia da ruína desta casa, como já dissemos,
era a impossibilidade temida de nunca haver Congo a evan-
gelizar ... ao menos Congo português, aonde fossem aceites
padres da Congregação.
Já vimos desacorçoado partir para Zanzibar o próprio
^namorado do Congo», Duparquet. A 19 de Maio de 1870,
vimos também partir de Loanda, malsinados e perseguidos
de injustas suspeitas, os Padres Carrie e Dhyèvre, que se
dirigem ao Loango, e daí a Paris, estudados de caminho os
empórios do Zaire e Lândana e Cabinda, e visitados o maior
número que puderam de povoados.
A Casa-Mãe decretava, em 11 de Agosto, a supressão da
Missão do Congo e, a 30 do mesmo mês, enviava Carrie à
Missão francesa do Gabon, deixando ao conselho dessa mis-
são estudar a oportunidade de utilizar a vocação congolana
do padre, para organizar sucursais do lado do Zaire, mas
fora da esfera portuguesa de influência.
36
Movida pelos relatórios do Padre Carrie, a Casa-Mâe
resolvia, em Novembro de 1872, deixar reorganizar o Congo
em missão independente da do Gabon, e escolhia Lândana
como sede, mas só movida a isso pela suposição errada de
o grau 5 de latitude sul ficar fora completamente do domínio
português.
O Padre Duparquet, que uma carta do superior do Zan-
guebar, Baur, nos descreve crivado de furúnclos e em via de
ficar paralítico, voltara a restabelecer-se à Europa, e achava-se
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Lândana. — Missão dos Padres do Espirito Santo, construida
por irmãos auxiliares.
em França, quando a Casa de Paris dava nova licença de
viver ao Congo, com que o padre sempre sonhara. Viu-se
logo com saúde e vigor novo, e pediu para voltar «aos seus
primeiros amores*.
Até fins de 1875, continuou a funcionar e a desenvolver-
se pacificamente em Lândana a missão francesa, defendida
pelo agente francês Rouvre nas dificuldades com os ngangas
(feiticeiros) e sobretudo contra o chefe Matenda que, depois
de vendido à missão o terreno respectivo, a queria expulsar,
por lhe dizerem os ngangas que era à vinda dos Padres e à
37
erecção da capela que se deviam os flagelos, então ocorridos,
de uma catastrófica estiagem e de uma peste de bicho de pé!
No fim do mesmo ano deu-se um alevantamento dos
indígenas, no sufocar do qual colaboraram todas as influên-
cias europêas que nas margens do Zaire trabalhavam, irmã e
independentemente, como em terra de ninguém.
Os chefes duma expedição exploradora alemã, Drs. Fal-
kenstein e Pechnel voltam de Chinchoxo, a pedido do Padre
Duparquet, com os seus soldados e armamento. O P.'' Carrie,
que a sua coragem fez escolher para chefiar o ataque aos
indígenas, declinou, em vista dos Cânones e da sua missão
de paz, a eleição honrosa. Foi Falkenstein que tomou o
comando. Atrás caminhavam os escravos da Casa portuguesa,
com as respectivas mulheres, carregando cestos de balas à
cabeça; seguiam os homens da Casa francesa, depois os da
holandesa, e enfim os da missão. Esta caravana dirigia-se em
estratégico silêncio para a aldeia de Mvulu.
Ao chegar ali, bastou-lhe uma descarga, para pôr em
fuga os inimigos surpresos: destes morreram uns, foram ou-
tros capturados, viram todos incendiadas as cubatas.
Como, apesar deste castigo, tanto a Missão como os mais
europeus de Lândana continuavam a desconfiar do indígena,
o P.' Duparquet pediu ao Almirante Ribourt, que passeava
patrocinadoramente os mares costeiros do Gabão, fizesse
algumas demonstrações em frente a Lândana. A missão con-
siderava-se pura e simplesmente francesa.
O P.' Duparquet, vice-prefeito da missão, era, em fins de
1876, substituído nesse posto por Carrie, porque o chamava a
França o empreendimento de trabalhos novos no Cabo, des-
locados mais tarde, por circunstâncias que veremos, para o
nosso território de Angola.
E a missão do Congo ia continuar a evoluir em linhas,
que não contavam com o nosso domínio. O Padre Augouard
(o futuro vigário apostólico, de fama retumbante, do Congo
Francês) vinha da sua missão de Stanley-Pool a receber de
Carrie a tarefa de resuscitar a antiga cristandade de Santo
António do Congo. Partiam de Lândana a 21 de Setembro de
1881, a bordo do navio francês Lebourdonnais; os dois padres,
vinte e sete marinheiros em grande uniforme e o comandante
do navio (um bretão de nome Penfentenio) faziam em Santo
António sua entrada, em verdade solene ! O rei indígena, real-
mente hipnotizado, prometeu amizade à França.
Era tempo de Portugal abrir os olhos ! Vamos ver que os
abriu, de facto, e que, aliado com os missionários, ia enfim
38
asseverar, perante o mundo, o propósito de não abandonar
indolente estas regiões esperançosas a influências canalizadas
para a França.
O P.^ Garlos Duparquet a Jravitar
para Angola
Em 1877 vimos o Padre Duparquet retirar do Congo. A
presença dele em Paris lembrou à Administração Central an-
tigos projectos, em que n Congregação se empenhara e em
que o padre lhe fora instrumento férvido e activíssimo. Difi-
culdades de vária ordem, e maior de todas a difidência do
Governo Português, ciumento de seu padroado, tinham inibido
o padre de realizar em Angola um tentador esquema de colo-
nização missionária, iniciado em 1865. Julgou agora poder
retomá-lo mais a sul e partiu a explorar a região, que se
estende entre os rios Orange e Cunene.
A 5 de Março de 1878 embarcava, em Londres, para o
Cabo. Chegava à colónia no momento mais esperançosamente
embalador para os seus projectos: quando a Colónia estendia
o seu protectorado sobre os territórios de entre os dois gran-
des rios, ao mesmo tempo que sobre as repúblicas do Orange
e do Transval.
Esplendidamente acolhido no Cabo por Mons. Leonard,
bem aconselhado e informando-se por todos os meios sobre
as condições de vida e viagem no interior, começa a aviar
preparativos, manda construir um magnífico carro bóer (o
«Rafael!») e começa as explorações.
Fixa-se, enfim, e resolve-se pelo Damaraland, e funda a
missão do Omaruru. Funda-a . . . para os seus colegas, Padre
Hogan e Irmão Onuphre; êle continua a bater o mato, em
Julho de 1879, acompanhado de seu novo amigo Manoel da
Silva (1).
Duparquet partia para o Ovampo, sem pensar ainda
(1) Este Manoel da Silva devia ser um caracter dos em que se
comprazia Duparquet, que se não dava com o banal, nem em pessoas
nem em situações. Parece que nesta viagem o Manoel chorou muito,
por se apartar pela vez primeira da sua mulher, a linda Malina, com-
prada, havia pouco, em troca de um cão I
39
dirigir-se a territórios de domínio português : era para sul do
Cunene. e o convénio de 1891 ainda nSo definira dogmática-
mente os limites ingleses da Africa do sul. Sempre em terri-
tório inglês (cria ele) chegou à região do Cuanhama.
Ainda voltou ao Ovampo mais tarde, visitando então o
rei dos Cuanhamas, e captivando-lhe de tal forma a devoção
que o rei o fazia acompanhar em todas as voltas por uma
pessoa de confiança, que não deixasse outra tribu conquistar
o padre, furtando assim aos Cuanhamas a esperança da pro-
metida missão e escola. Nesta segunda visita (que foi em Ju-
nho de 1880) preocupava-se principalmente Duparquet com a
via de comunicação com a Europa. Talvez, pensava ele já,
dirigindo-se às autoridades de Mossámedes, se pudesse ao
menos obter licença de passar . . .
Entretanto os confrades deixados em Omaruru viam des-
encadeadas sobre eles tempestades. Os luteranos da missão
prussiana achavam a vinha do Senhor estreita; e, como os
padres não lhes obedeciam às intimações de retirar como tar-
dios, desencadearam os ciosos alemães contra a missão cató-
lica, por intrigas e sobretudo por intimidações à bruta, os reis
gentios. Quando voltou de Ovampo o director, ainda peora-
ram as coisas para a pobre missão, nova, mas já tão esperan-
çosa. O protectorado da Colónia do cabo retraía-se de Dama-
raland, escarmentado com a embrulhada da guerra dos Zulus;
e a guerra carniceira desenfreou-se entre Damaras, Herreros e
Hotentotes, tornando aos mesmos europeus impossível o su-
bsistir, por lhes matarem (respeitando-os pessoalmente) todos
os serviçais indígenas.
Era preciso lançar vistas sobre centro mais seguro que o
Damaraland. O Padre Duparquet partiu para Betchouanaland
(aonde, fadado a aventura, se vê uma noite roubado no acam-
pamento, ficando reduzido às roupas do corpo!) afim de estu-
dar uma possível esfera de acção à sombra do pavilhão britâ-
nico. Ao mesmo tempo, ouvindo de disposições melhoradas do
Governo Português, foi despachar, do Cabo para o ministro
da marinha de Lisboa, um relatório circunstanciado do que
era possível realizar no sul de Angola: era lá que o seu ideal
luzia, lá o iman daquela alma!
Os colegas ainda tentaram aturar em Omaruru. Acabaram
de expulsa-los os protestantes!... Depois de uma passagem
pela baía das Balêas, haviam de ir parar só no Humbe,
fixando-se nas margens do Cunene. O Padre Duparquet partia
novamente para a Europa, e viria abrir-lhes caminho, já do
lado de Mossámedes e da gloriosa Huíla.
41
Retirada de Gibraltar.
Outra vez no continente de Portuia
o Padre José Eigeiíniann depressa se encheu de Gibral-
trar e da Espanha (ou *portas> dela). Se o ideal missionário
não tinha em Portugal os ardores vivos da era dos Descobri-
mentos, em Espanha pareceu-lhe se tinha apagado quasi irrc-
missivelmente.
O abandono de Gibraltar era decidido em conselho da
Congregação, em Paris, em Março de 1872. E a razão dá-a
Monsenhor Scandela, em circular de maio do mesmo ano, aos
íieis de Gibraltar:
«Após uma experiência de passante de um ano, os Padres
da Congregação do Espirito Santo, convencidos de que a
cidade de Gibraltar não convinha aos fins do Instituto, recru-
tamento de vocações religioso-missionárias, declararam-me não
podiam continuar mais tempo na direcção, etc».
Com o mesmo séquito que levara (Policarpo dos Santos,
agora ordenado de menores, Rooney, o aspirante José M. An-
tunes e dois candidatos a irmãos auxiliares, Silva e Pereira)
o padre tentou outra vez a implantação em Portugal.
No primeiro tentame, o que mais o impressionara na
mentalidade de cá não fora a improdutibilidade de vocações
missionárias; fora a indisposição pública para o sustento c
habilitações dessas possíveis vocações. Viu dum relance o
perspicaz e inteligente suisso que não havia remédio senão
ir ganhando, na educação de estranhos, o pão dos filhos, que
à Congregação fosse Deus dando. Começou fogosamente a
lançar as bases de um colégio.
Era inevitável viesse este a absorver o pessoal português
que a Congregação fosse creando, e que, instituído para sus-
tentar vocações missionárias, as fosse tragando mal amadu-
recidas e as impedisse de ir dar à Africa frutos de civilização.
Como tudo em Portugal, a sociedade missionária, nascida
para a Africa, viria a andar fora da linha da própria compe-
tência, ao menos parcialmente.
Mas o que havia de fazer o activo fundador da província
portuguesa do Espirito Santo, em face de um público obsti-
nado na mania de descarregar-se sobre o Estado (Providencia
automática) e que ainda não compreendia os sacrifícios nem
as responsabilidades de um povo crente a quem Deus confiara
os destinos de milhões de almas, dando-lhe domínio sobre elas?!
42
A 8 de Outubro de 1872 estabelecia-se o P." Eigenmann
num prédio da rua do Carvalhal, na cidade de Braga, com os
escolásticos vindos de Gibraltar, mais dois novos recrutas
colhidos à passagem no Seminário de Santarém, os Srs. Gui-
marães e Antero, dos quais o último ia, poucos meses depois,
dar, no hospital de Braga, a alma ao Creador pelas prosperi-
dades do Instituto em Portugal.
Começaram logo a admitir-se alunos, internos e externos.
O P.*' Eigenmann, além dos escolásticos, tinha a ajuda-lo no
ensino o P/ Luiz Maria Ramos, que se oferecia para profes-
sor gratuito de retórica e filosofia, e de mais dois sacerdotes,
os P."' Gomes e Gonçalves.
Em Julho e Agosto, foram animadores os resultados nos
exames públicos. Por isso, pela Páscoa do ano seguinte, subia
já a quarenta o número dos alunos (externos todos). Era for-
çoso encontrar local mais espaçoso. Encontraram-no ao fundo
da cidade, na quinta das Hortas, onde entraram após as férias
grandes de 1873.
Dois anos mais tarde já não cabiam, porém, na proprie-
dada arrendada. Tinham atingido o número de 90 os alunos
admitidos, e eram aluvião os pedidos de entrada. Eigenmann
alçava-se cada vez mais alto nas aspirações dum zelo imenso,
mas não havia desencantar terreno que lhe amparasse os
voos . . .
Enfim, no começo de 1877, aparecia um brazileiro rico,
que lhe vendia uma propriedade sita ao cimo da rua de S.
Vicente, no ponto mais alto e mais desafogado da cidade,
com boa quinta, água farta, e uma esplêndida pedreira.
E' claro que principiaram logo as construções. A 14 de
Maio de 1877, lançavam-se os fundamentos.
Em Outubro de 1878, encetou-se já o fervilhar da vida
colegial no estabelecimento novo; entretanto, como a parte
construida não bastava a toda a população escolar, ficavam
nas Hortas as classes primárias, sob a direcção do Padre
Santos (um recruta da Caso do Congo, já ordenado) e o Pa-
dre Tomás Hossenlop, trazido atéqui pela inospitalidade do
clima do Gabon para os seus tentames de apostolado.
O pessoal todo da comunidade (não contando os profes-
sores de fora, padres e leigos) era este: Padre Eigenmann
(superior), P.'' Tomás Hossenlop, Wunenberger, Kempf, Ver-
dier, Santos, Rulhe e Rooney; Irmãos Alvares, Paulo, Pedro,
Rodrigo e Gerard. Havia 10 aspirantes, 6 eclesiásticos e 4
leigos.
Este núcleo de 10 aspirantes era o verdadeiro coração
43
do estabelecimento. Mas o coração, naquele maquinisnio gi-
gante, não crescia em proporção com o vasto organismo. No
princípio de 1885 era já de 150 o número de alunos; os
seminaristas-missionários, afogados no meio deles (bem que,
desde 1882, com uma direcção especial, presidida pelo P/
Costes) não passavam de uma dúzia. Os candidatos para a
vida de irmãos auxiliares eram ainda menos. Eigenmann,
fogoso e ardente, impacientava-se com o andar lento da obra
principal que, bem o sabia ele, de seu esforço esperavam a
Congregação e a Providência. Procurou, ao menos, iniciar
uma instituição especial e separada, onde a escola missionária
se pudesse desenvolver. Negociou, ajudado por Fernando
Pedroso, para lhe ser cedido o convento das extintas ursuli-
nas em Viana, o qual foi visitar com o Geral, Padre Emonet,
que eiTi Janeiro de 1885 vinha ver a província portuguesa da
Congregação e os encantos do nosso país.
Mas ficou para mais tarde a realização desse empenho,
primacial para uma associação missionária, de dois viveiros
paralelos de civilizadores, de padres e de leigos, destinados
à Africa Portuguesa.
O P.'' Duparquet outra vez em Aniola
/
Aceite por Portugal e oposto à invasão protestante.
Fundação definitiva da Missão
Na segunda excursão de Damaraland ao Ovampo vimos
o P.' Duparquet preocupado com estabelecer, por território
português, uma saída para a costa e ligação para a Europa.
Fez, nesse intuito, solene aliança com uma colónia bóer, que
topou naquela excursão e que obtivera do governo de Mossá-
medes licença de estabelecer-se em fazendas na Huíla.
Quando, gostoso destes resultados, regressou a Omaruru,
esperavam-no informações da Casa-Mãe de que um adido da
embaixada portuguesa, por nome Andrade, aparecera na dita
Casa Mãe a pedir missionários para Angola em nome da
Junta de Missões Africanas de Lisboa, e do secretário dela,
Fernando Pedroso.
Partia o padre de Omaruru e, chegado que foi a Cape-
town, escrevia um relatório-requerimento ao ministro da ma-
44
rinha de Lisboa, com aplauso e apoio do cônsul geral portu-
guês no Cabo, Carvalho de nome.
O relatório chegava a Lisboa quando a questão das mis-
sões estava em maior favor nos meios oficiais, aterrados por
ver-nos assediados de ambas as costas africanas pelas fileiras
protestantes inglesas.
O requerimento do missionário foi entregue à comissão
do ultramar, com o apoio do ministro.
Mudava então o ministério; mas Júlio de Vilhena, saindo
ministro da marinha, declarava um ainda mais decidido apoio
às missões que o seu antecessor.
«Preferia, dizia ele- a Junta das missões, que os missio-
nários fossem portugueses; mas achava que seria loucura não
utilizar mesmo os estranhos, uma vez que estes se podiam
opor às missões protestantes».
A 17 de Maio de 1878, embarcava Duparquet na cidade
do Cabo, para vir a Lisboa dar expedição ao negócio que
tanto lhe interessava o zelo. De passagem pela Madeira, indo
hospedar-se a casa dos Lazaristas (os amáveis hospedeiros
tantas vezes procurados, sobretudo em Lisboa, por quanto
padre do Espirito Santo era trazido a Portugal) soube o mis-
sionário da nomeação, para Angola, de D. José Sebastião
Neto, e de que se não falava senão do zêlo auspicioso do
novo prelado. Foi mais uma estrela a tremeluzir no futuro,
vaga mas ardentemente sonhado, pelo apóstolo africano.
Chegado a Lisboa, foi apresentar-se logo ao ministro da
marinha, acompanhando-o Fernando Pedroso. Este falou a
Vilhena do relatório e propostas enviadas do Cabo pelo padre
e das quais o novo ministro ainda não fora informado. Prometeu
tomar imediatamente conhecimento deles e estar habilitado a
responder no dia seguinte.
E no dia seguinte, ao chegar outra vez ao ministério da
marinha, achou de facto o padre aos da Comissão das Missões
nas últimas conclusões de um exame de questão. A delibera-
ção foi acolhedora para o missionário. O ministro referendava
as conclusões da comissão. Duparquet e os padres do Espirito
Santo eram admitidos a missionar em Angola, com a caução
única de ser português o superior.
Daqui por diante é um rosário de triunfos. Aparece o
Rev. P.' José Maria Antunes, vindo de pouco da França, dos
seus últimos estudos: uma ordenança régia de 28 de Julho
nomeava-o pároco de Huíla, outra, assinada por D. Luiz no
dia antecedente, autorisava o governador geral de Angola a
45
conceder à missão católica de Mossámedes, a organizar pelos
Padres do Espirito Santo, o terreno necessário. Uma portaria
da mesma data completava aquelas ordenanças, autorizando a
Missão a alirir escolas e outros estabelecimentos de ensino.
A 5 de Outubro de 1881, partia de Lisboa a primeira leva
missionária. Graças à afanosa dedicação de Pedroso (cuja
memória de católico da velha Escola, mas com rasgo e decisão
de um novo, não pode apagar-se no coração dos que a cru-
zada missionária enleva) era decretada passagem gratuita para
todo o pessoal missionário e respectiva bagagem, sendo esta
além disso, dispensada de direiros alfandegários.
O bispo D. José acolheu os missionários que a Provi-
dência lhe enviava, com alvoroço afectuoso de irmão, investiu
com amor o Padre Antunes nas funções de pároco da Huíla,
reconheceu a Missão de Mossámedes como obra distinta da
paróquia e mais vasta do que ela, deu aos missionários, para
as primeiras necessidades, tudo o de que pôde dispor: caixas
de paramentos, livros, enfim negociou com o governador.
Ferreira do Amaral, a passagem do Seminário de Loanda
para as mãos dos Padres da Huila, com os subsídios que
constituíam a dotação daquele estabelecimento.
Missão da Huíla, — Campos e sementeiras.
46
«D. José Neto, escreve Duparquet aos Superiores de
Paris, a 27 de Novembro de 1882, o nosso excelente prelado,
acaba de nos chegar a casa com os alunos do seu seminário.
Deve ficar comnosco uns poucos de meses, o que será uma
benção para a casa, porque é um bispo santo este. Dorme
num taboado, e às 4 h. da manhã já está de pé para a oração
com os Irmãos . . . Dirigiu à Propaganda de Roma um pedido
pessoal de subsídios para as nossas obras daqui*» . . .
O P.' Antunes dizia do bispo noutra carta :
. . . «Felizmente nós sabíamos que o bom prelado não era
exigente, mas de uma simplicidade de franciscano verdadeiro».
Do governador escrevia o Padre Duparquet :
«O acolhimento não foi menos animador por parte do
governador geral. Depois de nos convidar a almoçarmos com
ele, concedeu-nos 2:000 hectares de terreno . . .
. . . Depois de me pedir que instalássemos na Huíla uma
estação metereológica, forneceu-me para isso a maior parte
dos instrumentos».
Mas a benevolência das autoridades portuguesas paten-
teou-se mais dedicada ainda, quando se tratou de ir escolher
o terreno obtido. Os missionários começaram a procurar um
sítio que pudesse convir às obras projectadas. Mas os boers
já tinham empolgado tudo o que servia; e quando o P.' An-
tunes apresentou os documentos da concessão dos 2:000
hectares, responderam-lhe que já nem um restava disponível!
Os boers abusaram da liberalidade com que o governador de
Mossámedes os deixara talhar, por mão própria, cada família
os seus 300 hectares e assenhorearam-se de todo o terreno
arável nas vertentes dos dois rios. Palanca e Moucha. O go-
vernador do distrito reservara o direito de propriedade pro-
priamente dita, concedendo o usufruto dos terrenos, e deixando
para oportunidade futura o deferimento de requerimentos
posteriores, que depois fariam os colonos; estes, porem, con-
sideraram-se, de então por diante, em terra conquistada. Foi
providencial ter de intervir então o Governo, protegendo a
concessão feita à Missão, não fossem pouco a pouco os sul-
africanos considerar tudo aquilo como simples colónia bóer.
Quando ouviu da contenda, o governador geral mandou
logo a Mossámedes o procurador da Coroa, com poderes
plenos para tirar, se preciso fosse, o terreno aos colonos do
sul; estes já tinham sido levados a uma atitude mais transi-
gente. Viram a opinião pública tão sobresaltada, a inquirir se
aquilo ali seria já colónia holandesa, de forma que não seria
47
já possível à autoridade dispor duma quinta para uma escola,
que enfim se dobraram, declarando ao comandante da Huíla
desistir das primeiras pretenções.
Rev. P.' José Maria Antunes.
Era princípio de 1882, quando chegava o agrimensor ofi-
cial a delimitar, no vale do Moucha, a propriedade do centro
missionário, donde tanto progresso havia de irradiar, não só
sobre o resto de Mossámedes, mas para Angola inteira. Era
48
um oásis fadado para fonte de prosperidades, como toda a
cordilheira da Chéla, dominando magestosa o vale do Zam-
beze. Impacientes de progresso, os missionários estenderam-
se logo a um posto novo, comprando o Muniíno, propriedade
sita a uma hora de distância. E, trabalhando todos com ardor
de construtores conscientes de uma cidade nova, começaram
de abater florestas e de transformar a argila em tijolo, no
mesmo fôlego com que iniciavam na civilização e no trabalho
os filhos do sertão, que vinham a transfigurar.
Missões do clero secular
D. José Sebastião Neto,
S. Salvador do Congo.
O Padre António Barroso.
A ida para a diocese angolana do grande homem e santo,
que foi o bispo D. José Sebastião Neto, foi o início duma era
de renovo espiritual para a nossa Africa Ocidental.
Com o bispo novo desembarcava, a 5 de Setembro de
1880, em Loanda, o P." António José de Sousa Barroso, que.
após alguns meses de serviço paroquial, ia partir para o
Congo a reconstruir sobre ruínas tocantes de antigo labor
português nova missão portuguesa do nosso padroado religioso.
Principiou em S. Salvador com três companheiros, edifi-
cando provisoriamente algumas choças de barro e colmo. Um
dos companheiros sucumbiu dentro em pouco; outro teve de
regressar à pátria para não o seguir na tumba; com o P.'
Barroso ficava só o P.' José Sebastião Pereira (que mais tarde
será bispo de Damão).
Os nossos missionários tinham diante de si e a defron-
tar-se com eles uma outra missão já organizada, inglesa e
protestante, e a essa tinham de reconquistar, para o restituir
a Portugal, o domínio moral exercido sobre os congoleses e
e sobre o rei deles (então um tal D. Pedro de Agua Rosada,
calculador e interesseiro).
A Acta de Bruxelas e a Conferência de Berlim tinham
escancarado as portas do mundo bárbaro, colónias de Portu-
gal e outras, à propagação de toda e qualquer confissão cristã,
chegara o momento de a nossa civilização religiosa ter de
49
começar a tazer suas provas, em competição com a de nossas
irmás da Europa.
*Em situação tão desigual e desvantajosa (escreve p P."
Sebastião de Oliveira Braz) só a firmeza de vontade inque-
brantável e finura de tacto, de que deu provas o inexperiente
Padre Barroso, poderiam abrir caminho.
«Nada do que encontrou no Congo, à sua chegada, era
de molde a estimular-lhe os
brios. Nem fundas tradições
católicas, nem influência
portuguesa. D. Pedro de
Agua Rosada, sem ser um
revoltado contra a metró-
pole, ia aceitando as blan-
dícias da missão protestan-
te, com bem manifesto de-
trimento da fidelidade que
os seus maiores sempre
observaram para
com os reis de
Portugal.
«Percorrendo
a região em que
o zelo e esforços
do Padre Barro-
so iam dar as
primeiras pro-
vas, não encon-
trou senão ruí-
nas atestando no
seu mutismo o
descalabro do
predomínio que
a crença católica
ali tivera em tem-
pos idos.
«Lembro -me
ainda de que,
num dos seus re-
latórios para o
então ministério da marinha e ultramar, a sua alma ardente
de patriota e de padre cheio de zelo pela causa de Deus, não
podendo recalcar. a mágua que tantos padrões, quasi de todo
apagados, lhe sugeriam, rompia nesta afirmação dolorida : —
D. António de Sousa Barroso,
organizador das missões seculares do Congo.
50
«Nunca a Cruz mutilada de Alexandre Herculano me pareceu
mais bela e verdadeira».
«A contrastar com tudo isso, havia apenas uma vontade
que nunca fraquejou, e faculdades de trabalho que nunca sou-
beram o que era fadiga, e só uma organisação privilegiada
comportava.
«Ao lado duma residência para a missão toda em madeira,
a cuja montagem ele já presidiu, surgiram, como por encanto,
da sua fecunda iniciativa, uma capela para os actos do culto,
uma escola, um hospital, um observatório metereológico e os
primeiros lineamentos duma granja, que era escola de traba-
lhos agrícolas para subtrair à preguiça, ingénita no preto, os
alunos da missão, e simultaneamente provisão de vegetais,
legumes e frutos, para alimento do pessoal.
«Só por um assombro de actividade e uma quasi multi-
plicação da própria personalidade, o missionário Padre Bar-
roso podia acudir a tantas ocupações, sem prejuízo do bom
andamento de qualquer delas.
«As observações meteorológicas, pontualmente feitas,
eram exactas e apreciadas em Loanda. A escola progredia, e
a capela era frequentada. O movimento hospitalar, principal-
mente na cura de pústulas e febres palustres, era importante,
e o grangeio das hortas e pomares avançava animadora e
proficuamente.
«Com estes impobros labores, tinha o missionário Barroso
de acumular uma missão, tão delicada como difícil, mas indis-
pensável para o triunfo do seu zelo apostólico e patriótico,
que era subtrair o rei D. Pedro de Agua Rosada ao ascendente
que sobre ele tinha tomado a missão inglesa, e afervoral-o no
amor de Portugal e abrir caminho à expansão comercial por-
tuguesa, então quasi nula naquela região.
<E tão avisadamente e diplomaticamente se houve o
Padre Barroso que, sem atritos com a missão rival, antes
vivendo amistosamente com ela, conseguiu anular-lhe todo o
prestígio sobre D. Pedro e contraminar-lhe por completo a
acção desnacionalizadora» .
O P.* Barroso lamentou frequentes vezes a falta de irmãos
leigos, que pudessem acompanhar na educação do indígena a
acção espiritual do padre, e iniciar aquelas gerações indolen-
tes no trabalho indispensável à continuação do viver culto.
Também sentiu e advogou em Portugal a necessidade de
completar o trabalho do missionário com a acção de missio-
51
nárias, educadoras da futura mãe cristã. Este último deside-
ratum veio depois a ter satisfação nas missões do Congo.
Em 1885, apesar da carestia lamentável do pessoal e
recursos, ousava o valente missionário abalançar-se a uma
fundação nova, a de Mandimba, a primeira de um vasto plano
que não terá infelizmente ocasião de realizar; porque, voltando
à metrópole a restabelecer-se, depois de oito anos de Congo,
não o deixarão voltar à missão do seu amor. Será preciso
deixar ir sem ele para o Congo os dois filhos do rei preto
Agua Rosada, os quais ele trouxera a Portugal, para os edu-
car, mas também como um penhor dado ao rei e ao povo
congolês de que voltaria para eles. Voltou à Africa, mas como
prelado da outra costa, e os seus amigos do Zaire tiveram de
curtir saudades dele, que ainda duravam, quasi religiosas,
quando D. António Barbosa Leão foi em visita pastoral per-
correr aquelas regiões.
As missões do clero secular do Congo continuaram a
desenvolver-se, e subsistem ainda, agrupadas em redor dos
três centros principais: S. Salvador, Mandimba e Lunuango,
apesar da extinção do Seminário em Sernache. Mas não ha
dúvida que foi uma perda incalculável para elas, a do apos-
tólico fundador, logo a seguir à do prelado do Congo e An-
gola, que em 1883 recebera ordem ele também, de retirar.
Ha uma carta deste último príncipe da Igreja, que nos
mostra como se apreciavam mutuamente os três grandes mis-
sionários daquela quadra de esperança missionária. Dê-se nos
vénia que a reproduzamos :
Carta de D. José Sebastião Neto a Júlio de Vilhena,
Ministro da Justiça e Negócios Eclesiásticos 0)
11, mo g Ex."'" Sr.
Loanda, 13 de Junho de 1883.
Surpreendeu-me novamente e lançou-me em grande confusão a
carta de V. Ex.*, de 4 de maio último. E, apertado por V. Ex.* para que
siga para o reino com a possível brevidade, e do mesmo modo instado
pelo Núncio de Sua Santidade, receio bem incorrer no desagrado de
S. Magestade, de V. Ex.* e do Sr. Núncio, regeitando a mitra do pa-
triarcado, pois noto que não ha disposição para se me admitir conside-
rações, que desejaria bem que fossem atendidas.
(i) Vem reproduzida no i.o rol. da obra de J. de Vilhena An/es da Republica a pa^s.
»a3, 124.
52
Pois quê, Ex.f^o Sr., entre tantos prelados do reino e ultramar,
ilustres pelo seu saber e virtude, ha de ser preferido, para a mais alta
dignidade da hierarquia eclesiástica em nosso reino, o mais indigno de
todos eles?
Sua Magestade, V. Ex.'' e o Sr. Núncio o teem de certo ponderado,
e a mim só me compete obedecer. Partirei, pois, logo que possa deixar
os negócios da diocese em boa ordem, e sobre tudo depois de ver se
D. José Sebastião Neto.
O cardial recolhido á sua célinha de frade.
I
53
posso deixar a governar a diocese o superior da missão Congo, António
José de Sousa Barroso, aluno do real colégio de Sernache, rapaz pru-
dente c inteligente, que daria um excelente bispo para esta diocese ;
porèni. mais inteligente, e igualmente prudente, mas dum curso muito
desenvolvido em scièncias naturais e belas artes, o pároco de Huíla, José
Maria Antunes, natural de Santarém, se me não engano, superior da
missão do real padroado português naquela localidade.
Não veja V. Ex.* nesta insinuação, de que eu peço mil desculpas,
mais que o desejo ardente que tenho, como metropolita desta diocese,
de que seja nela colocado quem tenha a necessária força de vontade
para realizar três importantes obras, que havia projectado, e que con-
tava ver realizadas com meios que já me tinham sido prometidos pela
Propagação da Fé, e com donativos particulares obtidos no reino. Sei
quanto V. Ex.* é apaixonado pelas nossas colónias, por isso lhe quero
fazer conhecer quais sejam essas obras, a fim de fazer interessar nelas
o digno ministro da marinha e ultramar.
As obras são as seguintes: uma escola profissional para pretos;
um asilo para raparigas pretas, que mais tarde devem unir-se em matri-
mónio com os alunos da escola profissional e abrir assim um exemplo
de moralidade pela constituição da família cristã, que é coisa quasi
desconhecida nesta província entre os pretos; e um outro asilo para
raparigas brancas, expostas ao perigo da prostituição, as quais, sendo
entregues à direcção das irmãs hospitaleiras portuguesas, dariam exce-
lentes auxiliares de civilização em missões bem organizadas, ou boas
mães de família, unidas em matrimónio com os nossos colonos.
Quanto à eleição do vigário, pode V. Ex.* estar seguro de que me
não comprometo, sem ouvir a opinião do governo, pois que desejo que
o sujeito, que houver de eleger, não mereça menos confiança ao gover-
no do que a mim.
Sou com a máxima veneração e reconhecimento
De V. Ex.»
Mt.o At.o Ven.^i' C.° Obg."^°
José, bispo.
A missão francesa do Gonio torcida
outra vez para Portuial
Vimos que a missão do Congo, primeiro concebida como
portuguesa, supressa pela inviabilidade que lhe adviera da
desconfiança do Governo Português para com os padres
estrangeiros, só resuscitara mais tarde como dependência da
missão do Gabon, e que, mesmo em Lândana, se julgava
operando em solo de padroado da França. Não se perca de
vista que só pelo convénio de 1886 é que se fixaram os con-
fins do que é nosso e do que é francês no Congo.
54
O terreno da missão de Lândana tinha sido adquirido
simplesmente por contrato com os indígenas, figurando no
documento nomes de residentes franceses, apenas como testi-
munhas da identidade entre a cruz que firmava o documento
e a assignatura do chefe Matenda. O contrato fez-se na Casa
Francesa de Lândana, eram francesas as testimunhas, e o
signatário, Charles Aubert Duparquet, representava a Missão
Francesa do Loango.
Em 1884, tentaram os portugueses de Lândana a asserção
dos direitos do nosso Governo. Moveram a um vizinho da
missão para ele reclamar o terreno como sua herdade, levando
a reclamação ao delegado português, estabelecido, havia
pouco, em Chinxocho. O P.' Carrie não aceitou a arbitragem
do delegado. Este referiu o caso ao governador de Loanda.
Achava-se então surto no porto da capital angolana um
navio francês, comandado por Courthville, amigo do Pf Car-
rie. Foi o comandante a conferenciar com o nosso governador
e obteve que fosse, até nova ordem, considerado independente
o território de Lândana, até se provar (o que o governador
considerava certo) que aquele território ficava para norte
de 5^ 12'.
Partiram para o Congo, em seguida, o navio de Courth-
vile, «Le Segond», e a canhoneira portuguesa «Sado», com
um grupo de oficiais franceses e portugueses respectivamente,
que iam calcular exactamente aquela latitude. Bem depressa
vinham a concordar que, de feito, o governador errava : que a
missão estava a sul do 5"\2'.
Em 1885 (ou um ano mais tarde que essa contenda) caía
sobre os missionários do Loango o duche frio do tratado de
Berlim: Lândana era portuguesa, porque encravada no enclave
de Cabinda. Dora avante haviam de ter sentido o P.^ Carrie
e os seus colegas que não eram os missionários desejáveis
naquelas partes; que os deveriam substituir colegas de todo
novos e sem ligações com a missão de Loango, que conti-
nuava francesa.
Entretanto o P.* Carrie, que aliás precisava de assegurar
protecção europêa para a sucursal de S.*"" António (esta por
sem dúvida em território português) resolveu ir ter com o
governador de Angola, já então F. J. Ferreira do Amaral, e
exprimir-Ihe desejos de cooperar com a máxima lealdade com
o clero secular português, já então em via de meter ombros à
tarefa da civilização de Africa, como atrás vimos.
Correra rumor que pretendia o Governo enviar sacerdo-
tes a S.*** António e mesmo a Lândana ; para evitar qualquer
I
55
desinteligència, propunha o missionário francês se escolhesse
antes um dos padres do Espirito Santo para cada localidade.
Ferreira do Amaral exigia que os padres candidatos a essa
escolha fossem, então, portugueses, ou ao menos nacionalizados.
Carrie, ao dar aos superiores conta desta entrevista, ter-
mina com esta reflexão, que patenteia estarem dissipadas já
então (era em Agosto de 1885) as dúvidas sobre o futuro
português dos territórios em que trabalhava:
«Confiemos que dentro
em poucos anos, nos pos-
sam os nossos estabeleci-
mentos de Portugal forne-
cer missionários daquele
pais**.
No ano seguinte, erecta
em vicariato apostólico a
prefeitura do Alto Congo,
ou Congo Francês, partia
para França, para voltar
para Loango já sagrado bis-
po, o antigo superior de
Lândana. Em 1887, era ele-
vado à dignidade de prefei-
to do Congo o P.' Campana,
ficando contudo, eclesiasti-
camente, ainda essa missão
a depender do vicariato
francês. Um ano mais tnrde
é que a Propaganda desli-
gava a prefeitura e a cons-
tituía eclesiasticamente in-
dependente, sob a designa-
ção, ao princípio de Baixo
Congo, depois, eliminadas
a estações de Nemlas e Boma, e transportado o material mis-
sionário do território belga para Cabinda, com o nome, em
fim, de Congo Português!
Era em 1891. A prefeitura contava já três missões. A de
S.*° António tinha desaparecido, mas abrira-se em princípios
de 1890 a de Luali. Alargava-se ao mesmo tempo a vigilância
do prefeito apostólico e a sua solicitude ao gérmen doutra
missão nova, tão longe do Congo como é Loanda, aonde o
prelado de Angola convidara a exercer-se o fervor apostólico
da Congregação,
Padre Pascal Campana,
56
Loanda.
Esboços da Missão da Lunda
o bispo de Angola, (1) D. António Leitão e Castro, que-
ria dotar com um capelão o hospital de Loanda que já o an-
, ji^ti.i'*^ t
Malange. — Exames na missão.
tecessor, D. José Neto, havia dotado com um corpo de enfer-
meiras franciscanas. F. Pedroso soube desse empenho do
(1) Bispo de Angola e depois de Lamego, D. António Tomás da
Silva Leitão e Castro, antes de ir para a Africa ocidental, foi superior do
Colégio das Missões Ultramarinas de Sernache do Bom Jardim.
Foi muito amigo das Missões e especialmente da da Huíla, onde
esteve por várias vezes e durante bastante tempo. Depois de alguns
anos, foi transferido de Angola para Lamego onde faleceu pobríssimo ;
pois dava aos indigentes tudo quanto recebia para sua côngrua.
57
prelado ultramarino e escreveu logo para a Casa-Màe do Es-
pirito Santo, urgindo a aceitação daquele cargo, vista a impor
tância da posição para as missões da Africa ocidental. Um
padre Gautliier, que se aprestava a partir para a Huíla íoi
encarregado de ir satisfazer aqueles empenhos auspiciosos. O
P. Faxel, da missão supressa de Santo António do Zaire,
recebeu ordens de esperar em Banana a chegada de Lisboa
do P." Gaulhier e de fazer-lhe companhia.
Chegaram os Padres a Loanda no fim de Janeiro de 1887.
Alojados a principio, no hospital e depois na parte abando-
nada do antigo seminário, foram depois viver em pensão, paga
pelo Governo a Gauthier na qualidade de capelão hospitalar,
ao P: Faxel na de capelão da fortaleza de S. Miguel.
Aquele hospital-monumento (como lhe chamam as cartas
pasmadas dos dois missionários) de nada menos que 600 camas,
absorvia boa parte do dia e dos cuidados dos padres, mas
não bastava ao zelo ardente que traziam. Foram-se empre-
gando, sobretudo aos domingos, na visita das aldeias vizinhas,
e fundaram uma escola.
Três anos após a chegada, estavam já os Padres de
Loanda assas robustamente enraizados, para poder lançar um
rebento da missão a 80 légoas pelo sertão dentro, no interior
de Malange. Para lá partiam, em caravana, o P.'^ Kraft, o P."
Espinasse, o Irmão português Adriano e o Irmão indígena
Paulo. Iam guiados pelo padre prefeito (o do Congo, já disse-
mos)'ÍRev. P/ Campana. O governo prontificava-se a subsidiar
6 missionários, ma§ não fora possivel achá-los. Iam, para
compensação, os melhores alunos de Loanda, para servirem
na qualidade de professores-catequistas.
Em 1893, nascia a estação nova de Calulo ou Libolo, diri-
gida pelos padres Kraft e Sousa.
Em 1897, o distrito de Loanda era oficialmente separado
do distrito de Lândana.
As missões da Lunda (que aliás, mais próximas da Sé de
Loanda, precisavam menos de ajudar a administração dioce-
sana com a instituição, anormal em Angola, dos prefeitos
apostólicos) ficaram também um distrito eclesiástico autónomo,
com o P.' Moulin por superior principal, ou sub-prefeito.
Neste mesmo ano a missão de Loanda fora completada
por uma escola do sexo feminino. Ramada Curto, então go-
vernador, vira passar, em direcção a Malange, três irmãs de
S. José. Dirigiu-se ao superior, P.' Carlos Wunemburger, que
as guardasse ali, em virtude das funções que exercia de pro-
58
curador das missões. Como o padre escrupulizasse, o gover-
nador telegrafou ao ministro e mandou-as ficar!
A Loanda e a Malange tinham acrescido as missões no-
vas de Calulo e de Canamboa, quando, em 1900, o P; Victor
Wendling substituia o P; Moulin nas funções de vice-prefeito
ou superior principal.
Evolução da Gimbebásia
o P.^ Duparquet, quando nomeado prefeito apostólico da
Cimbebásia, tinha diante de si a esboçar, por seus esforços e
aos encontrões da sorte, uma entidade jurídica vaga e informe.
Ainda mesmo quando, firmado nas boas disposições do nosso
governo, voltou a Angola, parecia-lhe que esse canto, em
verdade vasto, da imensa Africa não havia de ser senão um
distrito dum campo de acção transcendente. Humbe queria-
Ihe parecer um centro de onde as forças da prefeitura revolu-
cionariam o Ovampo e passariam a influir sobre os destinos
de Betchuanaland.
Em 1885 o gentio do Humbe levantava-se contra os bran-
cos e contra a missão, O comandante do forte, Fonseca, sus-
tenta um mês e meio, com um punhado de recrutas indígenas
e meia dúzia de portugueses, as hordas compactas dos selva-
gens. Na missão, presidida então pelo P.' Charles Wunenbur-
ger, missionários e rapazes se defendiam com armamento
fornecido pelo comandante. Era nos últimos dias de Outubro.
Enfim, em meados de Dezembro, depois do sacrifício do capi-
tão Andrade e seus trinta soldados, esmagados como heróis
pela vaga dos selvagens, ao tentar uma sortida, chegava reforço
de Mossámedes e vingava os europeus. O Rev. P.' Antunes,
que seguira com a coluna expedicionária, voltou à Huíla com
os missionários do Humbe, achando que seria impossível a
prosecução ali do trabalho missionário.
E' mister advertir que o pessoal desta missão do Humbe
não foi o que viera de Omaruru, mas sim um destacamento
já enviado da Huíla e que viera a ocupar o logar vago pela
retirada do P.' Hogan e Lynch e do Irmão Onuphre para
Kakélé, nos Amboelas, ao mesmo tempo que o prefeito,
Duparquet, se estabelecia em S. Miguel do Cuanhama.
Foram estas últimas as duas primeiras estações da missão
definitiva da Cimbebásia. Entretanto, nenhuma delas havia de
subsistir por muito tempo. Cuanhama era destruída em 1885
pelo gentio revolto, e o pessoal, P.' L. Delpuech, Irmão Lu-
59
cius e Irmâo Géraid, trucidado! Nos Amboélas, Kabélé victi
mava um atrás do outro aos Padres Hogau e Lynch, iriutili
zava sucessivamente os irmãos Onuplire e Rodrigo, e ia viti-
mando o Padre Sclialler se não chegassem a tempo os Padres
Lecomte e Génié a rende-lo. Sublevações do gentio, febres,
incêndios, tudo se acumulava para tornar inviável a situação
dos missionários; não sendo o menor dos elementos dessa
situação impossível o isolamento absoluto do mundo civilizado;
só para chegar a
Huila em busca
de provisões,
gastou Lecomte
quasi duas se-
manas, perdendo
primeiro o boi-
cavalgadura,
achando-o outra
vez para deixá-
lo roubar pelo
lião, dormindo
ele próprio uma
noite encostado
a uma árvore,
para que o lião,
que rugia em re-
dor, o não pu-
desse apanhar
por detrás.
Era tempo
de procurar local
mais convenien-
te. Em julho de
1887 era escolhi-
do, a dominar
um planalto, um
sitio denominado
Cassinga e começaram-se a transplantar para esse refúgio,
enfim de paz! os restos das atormentadas fundações do arro-
jado Duparquet.
Começava agora a acção definitiva e fecunda das missões
de Benguela, essas que os fundadores conheciam sob a desi-
gnação de Cimbebásia.
O prefeito apostólico, desde novembro de 1887, era o
P.' Schaller. Duparquet, precisado de repouso, pedira para ir
Chefe das tribus guerreiras
do sul do Cunene.
60
terminar seus dias em Portugal; depois, reaceso de novo num
arranco senil de zêlo, quiz ir ainda auxiliar o seu amigo
Carie, já então elevado à dignidade episcopal e vigário apos-
tólico do Congo Francês, aonde o nosso santo aventureiro ia
finar-se a 24 de Agosto de 1888.
Dois anos antes, e prestes a dar a demissão da prefeitura
Cimbebasiana, fora visitar aquele apêndice longínquo dela
estabelecido em Mafeking, na Betchuanaland ; entregava-o em
mãos dum irlandês, o P.' Fogarty, para este a fechar por
inviável três anos depois, desesperançado de abrir caminho
em terra que o protestantismo de todo avassalara.
No forte Roçadas, Cuanhama.
Observatório sobre um tronco de imbondeiro.
61
Progresso no Continente
Mais colégios: Porto e Açores.
Procuradoria.
Escola Agrícola Colonial.
Seminário de Missões.
No princípio do ano escolar 1886-1887 prendia-se a Con-
gregação com mais um colégio público. Um Abbé Six, clérigo
francês, como seu nome indica, dirigira por largos anos em
Gaia um estabelecimento de ensino, e agora liquidava, ofere-
cendo aos padres do Espírito Santo a empresa e o material
escolar. A razão que movia o P." Eigenmann a aceitar era
sobretudo o receio que outra empresa viesse estabelecer se na
Capital do Norte e lhe furtasse os alunos que atéli for^m
afluindo a Braga.
O P.'' Hossenlop vinha, pois, de Braga, com os P.''' San-
tos e Décremps, a inaugurar o novo colégio, que devia prepa-
rar para exame de instrução primária, ensinar as três primeiras
classes do curso dos liceus, e depois mandar os alunos para
o Espirito Santo de Braga. Era o colégio de Santa Maria, que,
um ano depois, vinha funcionar para o coração do Porto,
largo do Coronel Pacheco, onde o encontrou a revolução
de 1910.
Em Braga os pensionistas cresciam numa progressão
ininterrupta. Já em 1886 o número total de internos e externos
atingia 282; e as obras adiantavam, não obstante um começo
de incêndio, pegado pelo arder inesperado de sacos de cal, e
que nas férias de 1886 ameaçou reduzir a cinzas os vastos
edifícios em progresso.
A parte do estabelecimento reservada para seminário
apostólico entrou de povoar-se esperançosamente de recrutas
missionários. Eram já 25 em 1887. Dirigia-os, substituindo o
Padre Costa, o P.' Victor Wendling. Os do aprendizato de
auxiliares, guiados agora pelo P.' Rooney, após a retirada do
P."" Hossenlop para o Porto, eram 20, e já 12 saídos daqui
andavam evangelizando nas colónias portuguesas.
Tratava-se de, em qualquer parte, desencantar um local,
em que tecnicamente se podessem instalar oficinas e casa de
lavoura, que preparassem os auxiliares convenientemente para
o mister deles, de civilizadores pelo trabalho. Já vimos como
nisto se empenhava o inteligente provincial, e como se esfor-
62
çou por obter para tal fim um convento abandonado de ursu-
linas em Viana.
Em 1887 Monsenhor Quesada, capelão da Condessa de
Camarido, inspirava àquela senhora á lembrança de oferecer
para a obra das Missões Ultramarinas as vastas propriedades
de Cintra. A 10 de Dezembro, inaugurava-se solenemente a
Escola Agrícola Colonial, sob a presidência do núncio apos-
tólico Vanutelli. Ficava dirigindo o estabelecimento o P.'
Rooney, com o P.' Labrousse por colaborador, e com mais 30
alunos acrescentados aos vindos de Braga, e um orfanato
apenso, de 16 rapazinhos (que não, havia de durar muito por
impecer a obra principal).
p,. .
jT^i-iiíj
Ttm
i
Formiga (Ermezinde). — O que foi seminário colonial,
Faltava constituir em obra autónoma a escola eclesiástica
de missionários. Levou muito mais tempo, mas foi enfim le-
vada a efeito, em Outubro de 1894, no convento de eremitas
de S. Agostinho na Formiga, a dois passos de Ermezinde e
duas léguas do Porto. O P.' Alexandre Rulhe, superior, tomava
a direcção do3 teólogos e filósofos, o P.' Victor Wendling
continuava, como em Braga, a dirigir os alunos dos cursos
inferiores. Em 1895 eram em número de 30 os segundos; os
primeiros eram 6 nos bancos do seminário, mas tinham qua-
tro colegas empregados nos colégios da Congregação, e dois
mais adiantados haviam partido, para Paris um e o outro
para Roma.
63
Além dos dois colégios que mencionamos e das duas
escolas de missionários, obra essencial da Congregação, havia
a funcionar em Portugal, em ordem inversa das datas de fun-
dação, a residência de Campo Maior, no Alentejo, a procura-
doria das Missões em Lisboa e o colégio Fisher, em Ponta
Delgada. Em Campo Maior comprava a Condessa de Cama-
rido uma vasta casa de residência, onde fossem habitar mis-
sionários exaustos que serviriam de capelães a um asilo de
velhos, que ali fundara a condessa e que entregara à direcção
das Irmãs da Imaculada Conceição. Ali foi colocado o P."
Stoll, ex-missionário, e o P.' Policarpo dos Santos, a quem a
vida colegial no Porto não satisfazia a vocação de pregador
rural.
Em Lisboa fundava-se, em Janeiro de 1892, uma procura-
doria e hospedaria de família, para os africanos à espera de em-
barque, e vinha de Cintra o P,' Rooney, dando lá logar ao
ex-prefeito cimbebasiano P."" Schaller, e com Rooney o perseve-
rante Padre Grappe, que aqui havia de aguentar (caso único!)
até à Revolução Republicana.
Um ano antes (Junho de 1891) tinha o P.'' Schurrer sido
enviado de Braga pelo Dr. Eigenmann, com os P.'' Cancela e
Faxel, a fundar nos Açores um colégio religioso a pedido de
umas senhoras aparentadas com o Bemaventurado Fhiser (o
mártir da fé católica de Inglaterra). O colégio ficou-se denomi-
nando Instituto Fhiser, foi em seguida dirigido pelo P." Du-
noyer, deu origem a algumas vocações missionárias, e subsis-
tiu até 1907, data em que o fechou o último director, Padre
Félix Girollet.
Campo-Maior fechara pouco antes (1906) desamparado o
asilo pelo falecimento da condessa fundadora.
64
Decadência momentânea da Província
Portuiuesa.
Novo alento e ruina
Ao separar-se do colégio de Braga a escola eclesiástica
de missionários, a província portuguesa da Congregação atin-
gia um grau notável de prosperidade. Era, aliás, a época em
que a Congregação entrava numa fase nova de progresso e
de vida, a que a eleição de Mons. Alexandre Le Roy (vigá-
rio apostólico do Gabon) poria a coroa em 1896.
Em Fevereiro de 1896, inicia va-se em Cintra, na «Quinta
de Baixo», da condessa de Camarido, o instituto para formação
superior dos formiguenses, para quem o ter de ir a França
acabar de habilitar-se era desastroso e para muitos fora fatal.
Sob a direcção do P.' Dunoyer, missionário recem-chegado do
Amazonas, o primeiro ano de Cintra correu cheio de esperan-
ças com 5 rapazes por primeira fornada.
Mas em Julho deste ano fora Eigenmann chamado a
França, para exercer as funções de consultor geral, e era-lhe
dado por sucessor no cargo de provincial um santo de menos
rasgo, bondoso, mas de espírito tímido, o P/ João Alexandre
Rulhe, cuja administração não foi afortunada. O curso supe-
Cintra. — A antiga Escola Agrícola Colonial Missionária.
65
rior de Cintra feneceu. A Formiga esteriliza-se de timidez
estreita e murchavam seus frutos.
Os colégios, o do Porto sob a direcção do P." Scliurrer,
e sob a de Hossenlop o de Braga, continuavam a progredir.
Também se não deu o retrocesso na Escola Agrícola Colo-
nial, no gozo de subsídios governamentais, que nem as medi-
das financeiras do «Governo de Salvação Pública» atingiram, e
que a nova lei de recrutamento militar, de Dezembro de 1895,
dispensara do serviço activo. Em 1896 contavam-se 15 irmãos
empregados na direcção dos diferentes serviços e oficinas, e
eram 60 os aprendizes missionários das diversas secções.
Nos últimos dois anos (de maio 1894 a maio 1895) tinham
partido prontos para Congo e Angola dez missionários auxi-
liares. Aquela frequência e aquela medida anual de forneci-
mentos missionários não se desmentiram, antes foram conti-
nuando, modesta mas perserverantemente, até à ruína de 1910.
Em 1901 chegava outra vez de França para dirigir a pro-
víncia portuguesa o grande lidador que a fundara. O bondoso
Rulhe, que o abalo da peste bubónica de 1899, e da consequente
requisição da Formiga para lazareto, acabara de inutilizar,
recolhia a França, volvida já a borrasca, e só voltava para
morrer, em Campo Maior, em 1904. Eigenmann vinha substituí-
lo; e vinha a tempo, para arrostar com a tempestade maior
do movimento anti-congreganista de 1901. Tudo começava
novamente a florescer. O viveiro missionário da Formiga ia
já galgando para a centena.
Em 1904 é nomeado provincial um português e um mis-
sionário de prestígio e de valor. O Rev. P." José Maria Antu-
nes restaurava em Cintra o complemento da Formiga, que só
lá passara num clarão de relâmpago em 1896; e dois anos
depois (1908) estabelecia em Carnide, para remate, o curso
teológico. Na Formiga fazíam-se obras que permitiam abrigar
cento e cincoenta estudantes de preparatórios.
Estava, pois, encaminhado tudo para a província portu-
guesa tomar à sua conta o abastecimento das nossas colónias
com padres missionários, como já as ia provendo farta e conso-
ladoramente com professores leigos e mestres de arte e ofícios
saídos da Escola Agrícola Colonial. E foi precisamente então
que tudo naufragou na tormenta política levantada a pretexto
de uma simples muda de regime!
66
As Missões : Gonio, Lunda, Gunenç
e Gimbebásia
no último decénio da Monarquia
Assegurado a Portugal, pela Conferência de Berlim, o
encravamento de Cabinda, separada do Congo a administração
missionária de Loanda e Lunda, separada a Cimbebásia (as
missões de Benguela) da missão-mãe da Huíla e deixada esta
a ocupar-se exclusivamente de Mossámedes, entravam as
quatro divisões missionárias do Espirito Santo da Costa Oci-
dental no período definitivo do desenvolv'imento e da vida.
O Congo tinha principiado, como atrás vimos, simples-
mente como parte da missão francesa do Gabon. Desmembrou-
se depois, ao atingir um certo grau de desenvolvimento; mas
o superior, o P.' Carrie, continuou a considerá-la como missão
francesa em terra de ninguém. Com Portugal, quando muito,
via uma conveniência de entender-se relativamente a Santo
António, e outras sucursais de Lândana, que pudessem vir a
fundar-se a sul do Zaire.
Não é nada de estranhar, pois, o que Nuno Quiriol conta
em 1880 dum negrito da missão de Lândana, que o saudara
com um espevitadíssimo: «Bon jour, monsieur»!
Não ha dúvida que o P.' Carrie e o P." Augouard se jul-
gavam num campo de labores por Deus e pela França.
Foi, como vimos, no prefeiturado do P.' Campana que a
Conferência de Berlim (1885) confirmou as justas pretensões
de Portugal. Começaram a enviar-se para o Congo irmãos
portugueses. O primeiro padre que foi juntar-se a estes foi o
P.'' Magalhães, em 1897. Já então tinha a missão atingido o
estado de desenvolvimento, em que hoje está, com a fundação
da Lucula em 93.
A 28 de Janeiro de 1902, enfim, era o P.' Magalhães no-
meado prefeito apostólico. Começaram depois a chegar pa-
dres, primeiros frutos do viveiro da Formiga, e os irmãos de
Cintra quasi a abundar; de sorte que o sucessor do prefeito
Magalhães se virá a achar, como veremos, com um pessoal
de grande maioria portuguesa.
*
Na vice-prefeitura da Lunda, ou distrito missionário se-
parado em 1897 da prefeitura do Congo, vimos já as estações
67
missionárias de Loanda, Malange e Libolo (ou Calulo) au-
mentadas duma estação que durou pouco (a residência de
Canamboa) governadas por um superior principal a quem o.
bispo de Angola e Congo dava benevolente beneplácito, ao
mesmo passo que a Sé Apostólica lhe concedia o poder de
crismar e exercer funções de prefeito apostólico. Foi o P."
Wendling o primeiro que exerceu com alguma permanência
esse cargo, que em Outubro de 1899 recebia das mãos do Rev.
P;* Antunes (então em funções de visitador por mandato da
Rev. P/ V. Wendling, prefeito do Seminário das missões,
depois vice-prefeito da Lunda,
com os outros membros do júri de exames em Malange.
Casa-Mãe) e das do bispo Dias Ferreira para efeitos de go-
verno eclesiástico.
Já por ocasião da visita religiosa às missões da Lunda
tinha o P.' Antunes explorado as regiões de Alêm-Cuango e
estudado as possibilidades do estabelecimento ali da acção
missionária. Em 1900 o P.' Wendling levava por diante esse
projecto, enviando os P.'* Francisco Pereira e Inácio dos San-
tos a fundar o Mussuco. Este ficará o mais extremo elo da
cadeia de missões da Lunda.
Malange ficara de 1900 por diante, o centro administra-
tivo desta divisão missionária, Loanda tivera de servir também
68
interesses estranhos à circunscrição; vista sua posição de
capital da colónia, teve de aceitar funções de procuradoria de
, todas as missões angolanas, e de contentar-se, na Lunda, com
uma posição secundária. Em 1904, tomava conta do cargo de
procurador o P/ Lourenço André, a seguir à partida do P.'
Carlos Wunenburger para a Huíla e ao rápido interregno do
P.' Reymann. O P." André ficava, ao mesmo tempo, superior
da missão de Loanda, aonde poucos meses depois lhe advinha
o P/ Manoel Alves para colega.
Em 1906, chegava a Loanda D. António Barbosa Leão,
sucedendo a D. António Gomes Cardoso, que só dois anos
(de 1902 a 1904) dera seu zelo e sua bondade à vasta diocese
que a Santa Sé e Portugal lhe confiaram.
Um dos primeiros actos do novo pastor foi a transferên-
cia, da Huíla para a capital, do seminário diocesano, ficando
assim mais sobrecarregados de ocupações os dois missioná-
rios do Espirito Santo em Loanda, convidados a colaborar na
educação do clero africano.
O rasgo administrativo e o espirito prático do prelado
novo trouxe também às missões de Angola a vantagem apre-
ciável de esclarecer a posição relativa dos missionários da
Propaganda Romana e do poder espiritual do Padroado Por-
tuguês. Propôs e fez aceitar simultaneamente à Santa Sé e ao
Governo um acordo, pelo qual a primeira consentia em reco-
nhecer a jurisdição do bispo de Angola e Congo, só limitada
pelos confins políticos daqueles domínios (sem embargo da
coexistência de prefeitos apostólicos em duas circunscrições
do bispado) e o bispo da diocese prometia, como represen-
tante do Padroeiro, respeitar os poderes espirituais conferidos
aos prefeitos pela Santa Sé. Além disso, conferia funções de
vigários gerais e de párocos a prefeitos e a missionários res-
pectivamente, e estes aceitavam, como subordinados, aquelas
funções, no mesmo espírito com que atéli as tinham exercido
os missionários da Huíla e da Lunda, não presididos por pre-
feitos directos.
Os P.'' Magalhães e Lecomte, prefeitos respectivamente
do Congo e da Cimbebásia, aceitaram com entusiasmo, ou
moveram a Propaganda a que aceitasse, uma posição que,
sem lhes diminuir nada os meios de eficiência, arredava de
vez as suspeições originadas em título de dignidade extra-
nacional, encardinando-os no maquinismo português de colo-
nização civilizadora e cristã.
D. António Barbosa Leão.
70
*
A Cimbebásia, após as provações sangrentas dos tempos
heróicos, entrava no caminho do progresso intenso. Em 1889
acrescentava-se à estação de Cassinga uma nova em Caconda,
que havia de ser largo tempo o centro principal de irradiação
missionária em Benguela. Inaugura-se, entretanto, também aqui
por catástrofes a vida apostólica. O Irmão Carlos Podão
perdia-se no mato, para não mais o encontrarem; vinha um
lião à cerca mesmo da residência missionária a arrebatar para
um festim o Irmão Angelo, salvando-se lhe do corpo apenas
a cabeça e metade do tronco, que o fero rei dos bichos guarda-
va para posterior repasto.
A 3 de Abril de 1892, o fundador de .Caconda, o grande
missionário P.' Ernesto Lecomte era nomeado prefeito apostó-
lico em sucessão do P.'' Schaller, que retirava de vez para
Portugal. Abriam-se centros novos de civilização em Massaca,
Bailundo, Catoco, Bié, Cuanhama. Nesta última localidade,
o gentio era insubmisso e corajoso. Vimos já o desastre do
primeiro ensaio da missão entre os da tribu. Pois o P.^ Le-
comte não se aterrou, e não desistiu da evangelização daque-
les bárbaros, nem mesmo após novo tentame de destruição
do posto missionário, em 1903, em que uma bala indígena
vitimou de novo um europeu, o auxiliar Dionísio Duarte, nem
tão pouco depois do desastre da expedição portuguesa do
Cuamatui ; ficou a missão intemerata no seu posto, contribuindo
não pouco para assegurar a submissão definitiva do Cuanha-
ma, firmada em 1908 pela vitória de Roçadas.
Do Cuanhama devia sair um posto missionário de alto
alcance patriótico, para Ximboro, sobre o Cuango, a entestar
com o domínio alemão de além-Cunene, e destinado a calar
de vez as repetidas tentativas de pretensão germânica a terri-
tório nosso; (1) mas a falta de pessoal e de dinheiro não
deixou a Lecomte ver realizado em vida o projecto que o ten-
tará; porque a 9 de Setembro de 1908 rematava no Bié aquela
(I)Em 1901 penetrava no território do Cuanhama, um destacamento
alemào, armado, equipado, bandeira ao vento. Sabendo-o pelos indíge-
nas o Padre Lecomte, dirige-se «o chefe da missão portuguesa* ao en-
contro dos alemães, empunhando a bandeira da nação que representava,
em face daquele protesto corajoso e veemente, os colonos de Dama-
raland recolhiam para lá.
Padre Schaller,
prefeito apostólico da Cimbebásia e depois Superior
da Escola de Cintra.
72
generosa existência benfazeja, depois de assegurar a Portugal
a ocupação pacífica e benquista de vastas regiões e enriquecer
a literatura colonial com estudos filológicos utilíssimos. (1)
* *
A missão de Huíla, fundada pelo Rev. P.^ Antunes ao
mesmo tempo que se lançavam as bases da prefeitura apos-
tólica da Cimbebásia, serviu a esta última incipiente missão
de ponto de apoio; e ao mesmo passo que os missionários do
Real Padroado se ocupavam da paróquia e do seminário, os
seus colegas e confrades missionários da Propaganda tinham
em S. José da Huíla uma procuradoria para abastecer as fun-
dações iniciadas da Cimbebásia. Uma vez que o estabelecimento
em Cassinga, e posteriormente em Caconda, deu firmeza sufi-
ciente às missões de Benguela para dispensarem a base no
Cunene, principiaram os dois grupos de missões do Espirito
Santo a seguir, independentemente, os respectivos destinos. O
P.' José Maria Antunes começou a estender a activa eficiência
dos seus missionários em direcção ao Humbe, fundando |au,
Tivinguiro, Quiíta, escaladas a dias de marcha em direcção ao
sul. Foi em Quiíta que morreu, em 1896, o primeiro colaborador
do P.' Antunes, o P.' António José Marques, vítima das fadigas
de uma nova fundação, de que fora incumbido, a dos Cambos.
Em 1899, uma exploração dos P.'^ Severino da Silva e
Manuel Braz levaram a cadeia das estações missionárias do
Cunene até à Hinga; retirando para o norte de Humbe (quando
constataram achar-se na esfera de acção do P.' Lecomte e da
missão do Cuanhama, porque na margem esquerda do rio
Cunene) e estabelecendo a missão em Tipelongo.
Quando, em 1904, o Rev. P.' Antunes era nomeado pro-
vincial dos estabelecimentos continentais da Congregação,
deixava em mãos de seu sucessor, o Rev. P.*" Bonnefoux, oito
centros de irradiação missionária: Huíla, Munyino, Quiíta e
Vimanaia (estes quatro agrupados a distância relativa de
poucos quilómetros), Tinvinguiro, Jau, Cambos e Tipelongo.
(1) Método de leitura em português (Caconda, tip. da Missão, 1905) ;
Eíongiso limputu (Método de aprender português, para uso dos
povos Vimbundu);
Eíongiso laputu (para uso do Quanhama) ;
Mo Vengia Kulilongeça iputu (para Ganguelas e Amboelas) ;
Vida de Cristo, em mbundo; a mesma em ganguela; catecismos
nas mesmas línguas; cartilha da doutrina cristã em mbundo e portu-
guês; narrativas do antigo testamento em mbundu e em ganguela, etc.
7.^
A República e as Missões
As missões religiosas do Espirito Santo nâo sofreram em
Africa metade dos infortúnios, que temeram quando se ouviu
da revolução de
1910. Elas esta-
vam resolvidas a
nâo fechar, uma
vez que os trata-
dos internacio-
nais, desde as
conferências de
Berlim e de Bru-
xelas, obrigam
os governos co-
loniais a acatá-
las: mas conta-
vam com a hos-
tilidade declara-
da das autorida-
des republica-
nas. Sucedeu ao
avesso. E' ver-
dade que em Ma-
lange houve uns
desentendimen-
tos efémeros com
a autoridade lo-
cal da parte do
P.' Sousa (antigo
missionário da
Lunda, restituído
a ela pela revo-
lução de Outu-
bro, após muitos
anos de profes-
sorado em Santa
Maria do Porto).
Caconda e o Bai-
lundo houveram
que ser evacua- Família indígena
das por algum
tempo, em virtude da irritada opinião pública,., de ex-degre-
74
dados. Mas a autoridade colonial quiz, desde o princípio, pôr-
se ao lado dos missionários e patrociná-los.
O primeiro governador geral, Manoel Maria Coelho, or-
ganizou mesmo uma ajuda da parte do governo colonial às
missões, para suprir os subsídios do governo metropolitano
retraídos. Estes mesmos tornavam a ser postos em vigor no
ano económico 1914-1915, em vista da insistência dos gover-
nadores da Província, e duraram até à nova regulamentação
de Janeiro de 1920.
Como, aliás, o pessoal missionário era acidentalmente
augmentado pela vinda para as colónias de alguns padres dos
estabelecimentos fechados na metrópole ou dos dados prontos
pelas casas de estudo (a Formiga começara a dar as primeiras
ceifas, exactamente então, que ia cair!) as missões atravessa-
vam, antes, uma era curiosa de prosperidade, que era pena
tivesse de ser efémera.
Em 1911, tomava o P.' Luiz Cancela posse do distrito
religioso da Lunda, em vez do P.' Wendling, que voltava ao
Cunene, donde viera em 1899. Em 1912, a circunscrição au-
gmentava-se do posto novo dos Bângalas.
No Congo, Cunene e Benguela o número de sucursais ia
crescendo sempre.
Os únicos dissabores, que haviam de comprometer a sério,
por algum tempo, a acção missionária, haviam de advir-lhe da
guerra e da traição alemã. No Sul de Angola, para tranquilo
viver das partes meridionais, tanto das missões filhas da
Huíla como de Caconda, esperava-se pela redução definitiva
dos Cuanhamas. Em 1914 preparava-se uma expedição em
forma, que os levasse a termos de não desejarem mais incur-
sões nem assaltos; mas quando os 6:000 homens do Coronel
Roçadas chegavam ao Cuamato, ataca-os à traição uma força
alemã, por que ninguém esperava e para que não vinham
preparados (pois não estávamos ainda em estado de guerra
com nação alguma europêa).
Em Naulila, onde se deu essa agressão covarde, foi uma
sabotagem dos elementos de civilização! O preto, vendo ani-
quiladas as forças que o vinham forçar ao respeito e à ordem,
principiou a destruir tudo o que era europeu, menos algumas
missões luteranas, que acompanharam os invasores.
Foram duas correntes de portugueses a encaminhar-se
em ondas para os dois refúgios: do Evale (missão do Cua-
nhama) e do Tipelongo, uma de cada lado do leito do Cunene,
e representando, por conseguinte, uma as missões de Benguela,
outra as do Cunene. Em Evale (no Cuanhama) sobretudo, foi
75
o prestígio de Monsenhor Luiz Keiling c o de seus missioná-
rios (P/ Devis, P/ Vieira) que tiveram em cheque os selvagens
ávidos de sangue português, até chegar, em 1915, a coluna
Família cr is ia.
¥
salvadora e vingadora do General. Pereira de Eça, que desba-
ratou por completo o gentio posto contra nos em pé de guerra
pelo alemão, de traiçoeira vizinhança. Das missões prussianas
76
vindas com os armadores da cilada de Naulila, uma foi redu-
zida a cinzas, todas abandonadas, ao chegar das nossas tropas.
Pacificada a região, tiveram ainda assim de ser abando-
nadas as duas missões históricas, porque uma estiagem tre-
menda (e a fome, consequência dela) tornaram a vida impos-
sível. A do Tipelongo refugiou-se no Tiúlo; a do Evale foi
temporariamente suspensa.
Depois, com paciência heróica, que só o trabalho asso-
ciado, a evangelização em família torna possível, tem-se indo
cicratizando a ferida e até desenvolvendo vida nova, que seria
muito mais intensa, entretanto, se não houvesse estancado
tanto tempo a fonte de pessoal missionário aqui na Europa
devastada.
Estado actual das Missões
CONGO. "
Proseguem prósperas, bem que tolhidas em seu desen-
volvimento desejável, por impossibilidade de augmentar os
quadros, as quatro divisões missionárias da Costa Ocidental.
O Congo, administrado por Monsenhor Faustino Moreira
dos Santos, conta as seguintes estações ou missões centrais :
Lândana, Cabinda, Lukula, Luali, Matembo (Mayombe).
Lândana {\\xwá2íúdi ^m 1872).
Missionários europeus: sacerdotes, 3; auxiliares, 4; sacer-
dotes indígenas, 1 ; auxiliares, 1; irmãs da missão, 4; auxilia-
res (feminininas) indígenas, 2; escolas, 2; alunos: sexo mas-
culino, 112; sexo feminino, 106; 1 escola de professores rurais
(catequistas) alunos, 14; 1 grande seminário; 1 pequeno se-
minário: alunos 9; escolas de artes e ofícios: encadernação,
alfaiataria, sapataria, de ferreiro, funileiro, marceneiro, carpin-
teiro e pedreiro; atelier: costura e bordados para raparigas;
escolas rurais, 18 (catequese e português); dispensários, 1;
aldeias cristãs, 8.
Cabinda (1891).
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1; irmãs auxilia-
res, 3 (portugueses todos); escolas, 2; alunos, 140; carpinta-
»
ria e sapataria; escolas rurais (catequese e português) 5;
aldeias cristãs, 4; dispensário, 1.
Ijikula (1893).
Missionário: sacerdote, 1; auxiliar, 1; (náo tem oficinas);
escolas de catequese e português, 11.
Luali (1890).
Aldeias cristãs, 3; escolas, 4.
(Missão em via de transformar-se em sucursal).
Matembo (Maiombe).
Missionários: sacerdotes europeus, 1 ; indígenas, 1 ; auxi-
liares europeus, 2; (não tem oficinas: estão em via de forma-
ção); aldeias cristãs, 2; escolas de catequese e português, 8.
MISSÕES DE LOANDA
E LUNDA.
Este grupo, administrado pelo Rev. P.*" Luiz Cancela,
compreende as missões de Malange, Libolo, Mussuco, Bânga-
las, e a Procuradoria de Lo anda.
/.* Missão de Malange.
Missionários: sacerdotes, 3; auxiliares, 3; irmãs da mis-
são, 4; escolas, 2: do sexo masculino, alunos, 150; do sexo
feminino, alunas, 66; escola profissional de: tipografia, enca-
dernação, carpinteiro, marceneiro, ferreiro, serralheiro, sapa-
teiro e alfaiate; estação missionária, 1; escolas de catequese e
português, 5; dispensários, 2; aldeias cristãs, 5.
2.** Missão do Libolo.
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1; escolas, 2: do
sexo masculino, alunos, 46; do sexo feminino, alunas, 25;
escola profissional de: carpintaria, marcenaria, forja, serralha-
ria, alfaiate, pedreiro, e serração mecânica e moagem por
78
força hidráulica; escola agrícola, 1 ; escolas rurais de catequese
e leitura, 4; estações missionárias com catequistas, 2; dispen-
sário, 1 ; aldeias cristãs, 6.
3f Missão do Mussuco.
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1; escolas da mis-
são: do sexo masculino, alunos, 100; do sexo feminino, alu
nas, 110; escola profissional de: carpintaria, marcenaria, fer-
reiro, alfaiate, pedreiro e sapateiro; escola agrícola, 1; escolas
rurais de catequese e português, 15; dispensário, 1; aldeias
cristãs, 4.
4.'' Missão dos Bângalas.
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1 ; escola da mis-
são: do sexo masculino, alunos, 40; do sexo feminino, alu-
nas, 33; escola profissional de: carpinteiro, marceneiro, ferreiro,
alfaiate, pedreiro e sapateiro; escola agrícola, 1 ; dispensário, 1;
aldeias cristãs, 2.
Lunda. — Tiro que valeu (P." Mailloux).
79
MISSÕES DO DISTRITO
DA HUILA,
Este grupo, sob a direcção do Rev. P: Bonnefoux, com-
preende as missões da Huila, Jqu, Chivingiro, Quiíta, Gamhos,
Munyino e Tyiulii (que substituiu a missão do TipelongoJ e
provisoriamente as freguesias da Huila. do Luhanoo, da Hiim-
pata, e da Chibia.
/." Missão da Huila (1881).
Missionários: sacerdotes, 5 (um deles o pároco da Chibia);
missionários auxiliares, 11; irmãs da missão, 5; escola: alunos
internos, 89; externos, 62; alunas internas, 60; externas, 35;
aldeia cristã, 1 ; escola agrícola, 1 ; escola profissional, 1 ; dis-
pensário, 1 ; 1 anexa na Ehima (Quipungu) com aldeia cristã
e escola; 2 escolas de catequistas; esplendida tipografia.
2." Missão do Jau (1889).
Missionários: sacerdotes, 1; auxiliares I; escolas para
rapazes e raparigas com 90 alunos; aldeia cristã, 1.
3." Missão do Ctiinv ingiro (1892).
Missionários: sacerdotes, 3 (um deles é pároco da Hum-
pata); auxiliares, 2; escolas para rapazes e raparigas com
122 alunos; escola de agricultura, 1; escola profissional, 1;
aldeia cristã, 1 ; dispensário, 1 ; aldeias evangelizadas, com
catequistas, 5.
4:' Missão de Quiíta (1893).
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 0; escolas para
rapazes e raparigas com 78 alunos ; escola agrícola, 1 ; aldeias
cristãs, 1 ; dispensário, 1 ; aldeias evangelizadas, 7.
5." Missão dos Gambos (1894).
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1; escolas para
rapazes e raparigas com 69 alunos; aldeia cristã, 0; escola
profissional, 1; dispensário, 1; aldeias evangelizadas, 12.
80
6f Missão do Tyiulu (1916).
(Transferida cio Tipelongo (1900).
Missionários: sacerdotes, 2; auxiliares, 1 ; aldeia cristã, 0;
dispensário, 0; escolas para rapazes e raparigas com 20 alu-
nos cada uma; um dos missionários é provisoriamente encar-
regado da missão e cristãos do Cuanharaa e Evale, a 160 quil.
de distância.
Z.*' Missão do Munyino (1898).
Missionários: sacerdotes, 2: um pároco da Huíla, outro
pároco do Lubango; auxiliares, 2; escola agrícola; aldeia
cristã; dispensário.
MISSÕES DE BENGUELA.
CIJBANGO
(ou Cimhehásia) .
Compreende o grupo as missões seguintes: Huambo, Ca-
çoada, Bié, Cubango, Bailando, Cutchi, Sambo e Gualangue :
Huambo (1911):
3 padres, 2 auxiliares portugueses, 25 catequistas, outras
tantas escolas.
Caconda (1890):
2 padres, 3 auxiliares, 2 irmãs europêas, 2 irmãs indíge-
nas, escola do sexo m\asculino e feminino, 2 dispensários e
15 escolas rurais.
Bié (1892):
2 padres, 1 escola interna e 20 rurais.
81
Cubango (1894):
3 padres, 3 auxiliares portugueses, 1 indígena, 1 escola
interna e 38 rurais.
Bailundo (1896):
3 padres, 4 auxiliares, 1 internato de 90 alunos, e 60 es-
colas rurais de catequistas.
Cw/c/z/ (1897):
3 padres, 1 auxiliar, 1 internato e 11 escolas rurais.
Sambo (1912):
2 padres, 1 auxiliar, escola interna e 8 escolas rurais.
Gualangue (1922): Missão em via de organizar-se; inau-
gurava-a, a 2 de Fevereiro, Mons. Keiling, abrigando-se numa
cabana provisória, estabelecendo um sistema de irrigação e
plantando uma horta e um terreno de 2 hectares de trigo, ao
mesmo passo que deixava abertas 5 escolas de catequistas,
além da escola da missão, destinada a habilitar professores
para o futuro.
O estado da antiga Cimbebásia, das missões de Benguela,
é dos mais florescentes; é a missão do Espirito Santo mais
moderna e progressiva. Além das escolas internas e rurais, de
rapazes e raparigas, apresenta esta circunscrição missionária :
7 carpintarias, 7 forjas, 7 alfaiatarias, 3 sapatarias, 3 fábricas
de cortição, 3 de tijolo, 1 tipografia, 8 quintas modelos e 8
dispensários.
Administra este grupo Mons. Luiz Keiling.
Vê-se que as tradições de inteligência e rasgo do P.' Le-
comte continuam mantidas. E' a missão moderna e civilizadora
em todo seu esplendor e arrojo.
82
A Missão moderna
Para darmos uma ideia do sistema particular de evange-
lização seguido na Africa Portuguesa pelos Padres do Espirito
Santo, não ha melhor que o excerto que segue, de uma comu-
nicação (de 22 de Dezembro de 1896) do P," Lecomte á Socie-
dade de Geografia de Lisboa :
ORGANIZAÇÃO DA MISSÃO
A missão moderna em Africa não se limita a uma simples cate-
quese dos povos. A experiência dos séculos passados demonstra que,
se se podem conseguir assim resultados admiráveis, como aconteceu
no antigo reino do Congo, estes resultados não são duradouros, abs-
traindo-se mesmo das causas que originaram a decadência e abandono
daquelas primeiras missões. Apesar das minhas simpatias pela raça
negra, cumpre-me reconhecer que se encontra ela num grau manifesta-
mente inferior às demais raças. Por outra parte, a sua constituição
civil, os seus costumes, todo o seu modo de viver conservam os pretos
mãmm
■?«iit
#♦ ,
Civilizando pelo trabalho.
Irmão auxiliar dirigindo uma sapataria.
83
tào afastados dos princípios lixados pelo dogma e peia moral cristã,
que parece bem difícil leva-los à compreensão daquelas verdades, sem,
até certo ponto, reformar as suas condições sociais. E' preciso, numa
palavra, transforma-los em homens decentes, homens dignos, não direi
antes que faze-los cristãos, visto ser a religião que mais eficazmente
inílue em leva-los a esta transformação, mas sim a par, e ao mesmo
tempo que se farão cristãos.
Sendo assim, como realmente é, a missão deverá constituir não
somente um centro de instrução religiosa, mas além disso um foco de
civilização, dando o exemplo e promovendo o desejo e o amor do
asseio, do arranjo, de um certo bem estar, que levam por consequência
o indígena à aplicação ao trabalho agrícola e industrial, fonte única de
onde poderá auferir os recursos indispensáveis, com que supra as suas
novas e legítimas necessidades. Se é sempre verdade ser a ociosidade
a mãe de todos os vícios, é certo que na Africa o é mais que em parte
alguma. Pode realmente dizer-se que a escravatura e a poligamia, os
dois mais consideráveis obstáculos a toda a civilização e evangelização,
são principalmente filhas do ócio e da indolência. E' com o fim de nada
fazer que o gentio se rodeia de escravos e resiste a separar-se das suas
mulheres, pela falta que lhe fariam em suas culturas.
Tocando à missão, como já disse, dar o exemplo do trabalho e
organizar uma obra duradoura, deve antes de tudo instalar-se em con-
dições que lhe permitam atingir esse fim. A escolha do sitio é um dos
pontos de maior circunstancia. Tomamos em consideração não somente
a salubridade, mas a qualidade e a extensão dos terrenos aráveis, a
facilidade de irrigação, os recursos locaes para as diversas obras,
a abundância e barateza dos produtos do país, procurando até enlaçar
o útil com o agradável, tais como um sitio pitoresco, um panorama
desenvolvido, sem perder de vista a proximidade de um centro popu-
loso sobre o qual se possa exercer influencia.
Mal se imaginará quanto, numa mesma terra e em curta área, as
condições de clima e salubridade diferem, pela escolha do local em que
vão erguer-se as edificações. Ha por vezes uma diferença de 10 graus
de temperatura a menos ou a mais entre o fundo do vale e as eminên-
cias próximas. Um local será ou não saudável, segundo o abrigo ou ex-
posição a ventos impregnados de miasmas. Tentativas de colonização
ficaram frustadas inteiramente, porque se não atendeu a estas indispen-
sáveis previdências. Outros inutilizaram uma situação excelente, com
abrirem levadas ou canais sobranceiros às habitações. Em regra não
nos fixamos após^^uma primeira exploração; limitamo-nos a construir
abrigos provisórios e começamos a instalação definitiva, somente depois
dum ano ou dezoito meses de residência, e a maior parte das vezes em
ponto distinto do da primeira escolha, consoante as indicações forneci-
das pela experiência. Um dos nossos primeiros cuidados é arrotear uma
horta, que em pouco tempo nos fornece todos os legumes e hortaliças
da Europa; logo em seguida lavra-se um campo de trigo, ao mesmo
tempo que se trata da creação de galinhas, patos, gansos, coelhos, suí-
nos, etc. Uma vez segura a existência, podemos mais a sério dedicar-
nos às construções. Importa preparar instalações convenientes; a
própria saúde o exige, e de resto não teríamos influencia sobre os pre-
tos, se nos vissem habitar em miseráveis choupanas.
Respeitam-nos, estimam-nos, e dão-nos sua confiança na proporção
úu que nos vêem fazer.
As edificações levam sempre alguns anos, visto fazermos quasí
tudo por nossas mãos, não sendo precisos os indígenas senão para pre-
84
parar rudes materiais. As casas teem que ser bastante vastas, porque,
além da residência dos missionários, são precisas capela, escola, dor-
mitórios, armazéns, oficinas e salas diversas, etc.
Cada missão tem um carro do sistema bóer, aperfeiçoado por um
dos nossos irmãos auxiliares, sendo os primeiros, sob seu plano e direc-
I
P,' E. Lecomte.
Um «grande português» . . . nascido em França.
ção, construídos em Lisboa, e tão apreciados, que a casa construtora
tem exportado para Africa vários outros vagons do mesmo modelo.
Para o carro são necessários bois, que não podem ser menos de doze
juntas. A despeza é um tanto forte, mas, mediante ela, achamo-nos desde
85
logo independentes dos caprichos dos indígenas no tocante aos diversos
transportes do servit^o diário. Acrescem aos bois algumas vacas, cabras,
carneiros, e eis conciuido o indispensável provimento pecuário.
Com respeito
à mobiiia, utensí-
lios e material,
além dos artigos
caseiros, de cape-
la, farmácia, biblio-
teca e escola, leva-
mos instrumentos
de carpinteiro, fer-
reiro, pedreiro, e
ferragens conve-
nientes para as
obras. Visto os di-
versos elementos
materiais, exigidos
para se instalar
uma missão, diga-
mos qual deve ser
o seu pessoal diri-
gente; compõe-se
pelo menos de dois
padres e dois ir-
mãos, acompanha-
dos por seis jovens
já educados, que
auxiliam imenso os
trabalhos, e dentro
de poucos meses
formarão a primei-
ra aldeia cristã.
Compreende mais
quinze rapazes se-
mi-educados numa
missão, cujo mister
será o desempenho
dos serviços do-
mésticos, e vão
constituir em breve
o núcleo: da futura
escola.
Igreja de Lândana,
monumento arquitetónico, obra dos Irmãos
auxiliares.
RELAÇÕES COM OS INDÍGENAS
Ao mesmo tempo que se procede a estes trabalhos, estabelecem-
se relações com os naturais do sitio. Ordinariamente é com uma certa
desconfiança que nos vêem estabelecer morada entre eles, não tendo eu
encontrado senão uma só excepção, que foi no Bailundo. Receiam que,
como tantos outros, os vamos explorar, e mais não sejamos que os pre-
cursores de uma ocupação militar. Em vendo que os tratamos com
amor, justiça e desinteresse, lhes prestamos os serviços ao nosso
alcance, lhes medicamos os doentes, entendem que somos influenciados
86
por motivos diversos dos comerciantes. Explicamo-lhes, então, para que
vimos, damo-lhes a conliecer a utilidade da instrução, a vantagem de
ensinar a seus filhos a falar, ler e escrever a língua portuguesa, o que
a todos cativa e atrai. Em seguida manifestamo-lhes as idéas religiosas
que, sem estes preâmbulos seriam para eles, pôde dizer-se, incompreen-
síveis. Passamos depois ao trabalho de escola e ao catecismo com os
rapazes que levamos comnosco: persuadimos facilmente alguns semi-
civilizados a que nos entreguem os filhos, e pouco a pouco a descon-
fiança geral desaparece, com mais ou menos rapidez, de modo que em
pouco tempo se nos torna iilipossivel atender a todos os pedidos.
Os alunos, geralmente internos, são vestidos e alimentados à custa
da missão. Os pais vêem visita-los, e eles mesmos indo, quando con-
vém, às suas aldeias, não deixam de contar o que na missão lhes foi
ensinado; as suas mães também afluenr várias vezes aos exercícios da
igreja, apresentando para o baptismo os seus filhinhos, e aproveitam os
missionários zelosamente todas as ocasiões para divulgar as primeiras
noções do cristianismo. Os discípulos sem custo se vão acostumando à
vida da missão. De resto, suaviza-lhes a educação quanto possível,
evitando-se as correcções corporais, expuisando-se os díscolos que se
não domam pela persuasão. No princípio não se apertam com trabalhos
manuais, cujo amor e gosto lhes surge mais tarde espontaneamente ao
estímulo do amor próprio e pela vergonha de verem o europeu, o pró-
prio sacerdote, manejar assiduamente o machado e a enxada; nasce até
a paixão do trabalho e chegam a produzir um resultado muito superior
ao dos rapazes resgatados, com os quais força é usar de uma disciplina
mais severa.
ALDEIAS CRISTAS
Referi-mc já a uma aldeia cristã. Os seis jovens que de primeiro
nos acompanham construem para logo suas casas, e, concluídas estas,
vão buscar as noivas deixadas no asilo das raparigas da missão de onde
vieram. No mesmo dia realizam-se os seis casamentos, e um sistema
especial de vida começa para estas famílias assim formadas. Escolhemo-
las de entre as melhores e mais prestimosas; trabalham toda a manhã
por conta da missão, c de tarde em proveito seu, ganhando de 150 a
250 reis diários, e mesmo mais os que souberem um ofício, como serra-
dores, carpinteiros, carreiros, etc. As mulheres ocupam-se nos amanhos
caseiros, auxiliam a lavra agrícola, e nas horas ainda disponíveis apli-
cam-se a lavar, engomar, costurar, etc. Ha cuidadosa inspecção em que
na aldeia se não introduzam as superstições gentílicas, a embriaguez,
a vadiagem, e guiam-se na gerência dos seus lucros, havendo seu livro
de receita e despeza regularmente escriturado, e os saldos que existam
aplicamse à compra de um objecto útil ou de uma vaca, o que é para
eles de maior satisfação e lhes dá as honras e vantagens de proprietá-
rios. Ha rapazes destes, casados de pouco, e já possuidores de cinco
ou seis vacas, com os respectivos bezerros, sem que por outro lado
nada lhes falte para as suas habituais comodidades. Podem dizer-se e
são, verdadeiramente felizes.
As raparigas indígenas aproximam-se pouco a pouco das pretas
cristãs, e pedem para aprender a costura e a doutrina, formando des-
tarte uma pequena escola de pretinhas externas, nos pontos ohde não
não pôde haver asilo de irmãs. ^\
Por este processo fica a instrução evidentemente incompleta, tnas>
87
sempre é um bem que se realiza, emquanto os recursos não dão para
"" 'ofrt"al'"pas"ad^^ quatro anos na missão, regressam às
* , Jint^m;. do Geralmente no cumprimento de seus deveres cris-
tos Em 'cíS o' 1 Idade de se estabelecerem., trata-se de instruir a
f^orLiní escolha e de casa-los segundo os ritos da igreja católica.
:í.'"' !L ^la n. íixa se na no^sa aldeia? Da melhor vontade os aceitâ-
Sr e"lofo"ql a ín a^i^un^certo número de famílias, Podem agrupar-
reiorniando novas aldeias cristas, com um dos seus camaradas poi
'^'''^^Poder-me há alguém perguntar se por vezes não ha insucesso ou
acceocôes nest^ponto. Certo é que há; contudo posso afoutamente
r.ncar uue uma terça parte é excelente, a outra terça parte muito acei-
;rvel^ e só os den a ,^Vque exigem mais paciência e sacrihcio para deles
se obter onvenie te resultado' Alguns dos rapazes resgatados lembra-
?am-srde fugir mas logo depois, com toda a humildade, vieram supli-
a a readmiisVo. A expulsão^é sem dúvida o -^'f. f^^^^^^^^^^^^^^^í^^^^ 'l
ihes pôde infligir: só, porém, o aplicamos muito por excepção, c
nuando a utilidade pública assim o exige. . ^- - «oí«.^nfo
^ Pelo que se vé, estas missões, estas aldeias cristas sao realmente
focos de civlização, e a maior parte dos antigos alunos sao como cen-
telhas de luz a esclarecer suas respectivas aldeias. Alguns temos que
\lzem um verdadeiro proselitismo e combatem sem medo nem respeitos
fumano"os'costumes'bárbaros e ridículos das suas je-as. No pon o de
vista de suieicão ao governo, pode dizer-se que toda «sta genic jica
In^eirJínente Lportuguezada, e, em caso de necessidade, pôde prestar
Mons. Luiz Keiling.
88
valiosos auxilíos. íja entre eles apreciáveis atiradores, e não raro tenho
visto em exercício de tiro ao alvo aparecerem rapazes que vencem admi-
ravelmente os soldados mesmo europeus.
Quando, ha três anos, a missão de Cassinga foi agredida por mais
de mil guerreiros do Cuanhama, munidos de espingardas aperfeiçoadas,
foram repelidos por uns trinta dos nossos rapazes, alguns de treze ou
quartoze anos apenas, e imperfeitamente armados. Depois disto o go-
verno enviou vinte armas Martini, que são todavia muito poucas para
tanta gente, e tenciono, pedir mais algumas. Ainda agora, em rumores
de guerra, saem a dar caça aos salteadores os nossos cristãos, ali esta-
belecidos com suas famílias, embora muitas vezes em número somente
de três ou quatro.
As missões valem, pois, por verdadeiras cidadelas, sendo respei-
tadas como tais : não ha tribu que não perca a vontade de nos atacar, ao
saber que temos em casa doze espingardas, com gente competente para
as manejar. Constituímos assim uma segura protecção para os povos
vizinhos, os quais, em caso de alerta, prontamente se refugiam na mis-
são com pessoas e fazendas.
Em locais onde haja caça, sabem os nossos rapazes tirar vantagem
de sua competência, para fornecer a aldeia de ótimas provisões.
No continente da República.
Ruínas
Se as primeiras autoridades republicanas das colónias
apreciaram, como o tinham feito as monárquicas, a evidente
obra civilizadora das missões do Espirito Santo, não sucedeu
o mesmo na Metrópole; ou, se as daqui tinham bom senso e
clarividência suficiente para também verem que educar selva-
gens, nem é obra reacionária, nem constitue ameaça para as
Instituições democráticas, alijaram para cima da Opinião Pú-
blica (que em democracia é dever respeitar) a responsabilidade
da extinção, na Pátria, dos missionários que esta precisaria lá
fora. E assim, levados na onda de uma suposta opinião pú-
blica (que era a opinião daqueles portugueses que se supu-
nham mais desvairados que os próprios africanos) os nossos
políticos chegaram a este paradoxo: perseguir e impedir em
Portugal o recrutamento dos mesmos missionários que nas
colónias continuavam subsidiando e protegendo, como impres-
cindíveis!
Começara já o novo ano escolar 1910-1911, quando, a 4
de Outubro, triunfou em Lisboa a revolução, que havia no dia
seguinte de implantar entre nós o regime republicano. Os dois
colégios de Braga e do Porto dispersaram logo, com pouca
89
esperança de reabrirem, porque lhes era assíis notória a anti-
patia dos vencedores; mas a Escola A^^ricola Colonial de Cin-
tra, o viveiro eclesiástico de missionários da Formiga e o
complemento deste, que era a casa de Carnide, com o curso
teológico, pudera haver quem contasse para eles com a boa
vontade criteriosa do governo novo, uma vez passada a exal-
tação da primeira tormenta.
Colégio do Espirito Santo.
Entretanto os pequenos da Formiga e de Cintra eram
entregues às famílias, até ver. A Carnide chegava, no dia 5,
uma desgrenhada malta de revolucionários civis, perguntavam
pelo armamento, obrigavam os ^frades» a render-se, e leva-
vam-nos, alunos e professores, presos para Artilharia 1. Da-
quele quartel eram, quatro dias depois, transferidos para Caxias
(com melhoria de rancho e de carcereiros).
Postos em liberdade a 15 de outubro, punham as autori-
90
dacies às, portas da fronteira ao P/ Dunoyer, por estrangeiro,
convidando os demais a reintegrarem os respectivos lares.
Os edifícios que pertenciam, como propriedade, a mem-
bros do Instituto, foram confiscados: eram só dois, mas os de
maior valor: o colégio do Espirito Santo, em Braga e as vastas
instalações' da Escola Agncola Colonial, em Cintra. Como a
prov/ncia francesa da Congregação- tinha enterrado na funda-
ção dos dois importantes estabelecimentos ponderoso capital,
entregaram os membros não portugueses uma reclamação ao
tribunal de Haia,
a qual nuncache-
gou a ser deba-
tida, graças a um
acordo entre os
delegados do go-
verno e a Casa-
Mâe do Instituto,
e pela arbitração
daquele a esta
de uma insignifi-
cante indemniza-
ção, que não co-
briria o simples
valor do recheio
de qualquer das
casas.
As outras
casas, sem ex-
clusão da Procu-
radoria das Mis-
sões em Lisboa,
pertenciam a
particulares e fo-
ram entregues
aos senhorios, que procurassem para elas inquilinos (confisca-
da pelo governo toda a mobilia dos proscritos).
^ Os aspirantes missionários, ao ver tão turbado o porvir,
foram esquecendo a estrela do sublime ideal. Só alguns mais
tenazes, ou menos tolhidos pelo amor egoísta e enervante de
tristes pais, resolveram exilar-se e foram, como destroços
dum naufrágio, procurar em França, na grande nação republi-
cana que não soube perder o entusiasmo apostólico, uma
atmosfera, em que a vocação santa pudessse desabrochar e
produzir enfim seu fruto.
O último director do Colégio do Espirito Santo,
Rev. Henrique Blériot
e o assistente, Rev. Félix Girollei.
9
Os mais pequeninos, os inocentinlius da Formiga, acha-
ram no sul da França, no colégio de S. Pé e à sombra do
báculo paternal do bispo de Tarbes, um cantinho onde fo-
mentassem o desenvolver da vocação sagrada. Os mais \^eIhos,
os de Carnide, passaram a Paris, terminaram os estudos apostó-
licos, e são os mais dèlcs missionários de Portugal além-oceano.
Mas a França, boa e acolhedora, não era por condições físi-
cas o ambiente feito para organismos tenros de meridionais na
fase do crescimento. O clima devastou-os. A experiência não pu
dera proseguir-se mais aturada, sem desprezo pela vida humana.
Em 1913, achava-sc um refúgio em Fispanha, c vinha de
Paris o Rev. P.' Cardona, com o antigo professor do Espirito
Santo Rev. P." Fonseca e alguns padres novos, a fundar em
■Samora, adjunta ao seminário, uma academia de lengoas, para
poder sustentar ali mesmo um nuclen/inho de estudantes mis-
sionários, que se fossem recrutando pelas aldeias da nossa
terra. Ali se encontravam os padres, com um rebanhozinho de
doze portugueses, quando o decreto de 20 de Janeiro de 1920,
do ministro das colónias Rodrigues Gaspar, permitindo às
Missões delegar pessoal para recrutarem e habilitarem alunos,
os animou a virem viver para o seio do território da República
e para mais perto das populações, do meio das quais hão de
sair os recrutas desejados.
92
Em Braia de novo
Reedificando uma irande ruina
Em Janeiro de 1920, começavam os Padres do Espirito
Santo a reunir em Braga, numa quinta que já faziam de renda
no tempo do colégio, alguns rapazinhos, em cujas almas tenras
parecia ter pegado a semente do ideal de apóstolos. Antes do
fim de Janeiro, atingiam o número de quinze.
Passava um ano. A população
bracarense e a opinião portuguesa
acolhera a iniciativa com evidente
simpatia, evidenciada positivamenie
e efectivamente por um esboço de coo-
peração pecuniária. Findo o ano lec-
tivo, em vez de seguirem para Espa-
nha, para o asilo de Zamora, os no-
vos aspirantes das missões africanas,
vinham ao contrário, de Zamora, a
ajuntar-se-lhes os refugiados lá.
Em Outubro iam abrir-se as
aulas no edifício do colégio, que
então liquidava, de S. Tomás de
Aquino; a quinta do Charqueiro re-
servava-se para um tentame de res-
tauração da Escola Colonial, profis-
sional e agrícola, com que Cintra
povoara de missionários auxiliares,
pedagogos e mestres de ofícios, as
colónias de Portugal, e com que é
preciso continuem a dotar-se as
missões de Angola e Congo, se que-
remos dar consistência à obra civilizadora missionária, dando
à religião a base sólida do trabalho humano.
Hoje vão em cincoenta os alunos do colégio de estudos
eclesiásticos e são quinze os aprendizes-missionários da Es-
cola Profissional Missionária em embrião.
Os recursos materiais, que não ha pensar em obter por
meio de colégios, porque nem ha pessoal para tanto, nem as
leis vigentes os tolerariam, nem seriam desejáveis para uma
associação que tem, primeiro que tudo, de acudir às missões
despovoadas das colónias — e os colégios seriam sorvedouro
hiante de pessoal — em Portugal os recursos indispensáveis
Creanças gentias.
93
íêem até hoje vindo do patriotismo generoso dos que não
querem ver morta lá fora a nossa eficiência espiritual. Os an-
tigos alunos dos colégios, muitos a ocupar hoje na sociedade
loirares de notável destaque, têem sido dos mais pressurosos
nà^ cooperação, para que resurjam dentro em pouco hostes
novas de apóstolos de F\)rtugal, que possam ir render os an-
tecessores, os quais vão caindo nas lides excessivas a que teem
andado abandonados, e que possam dispensar o envio de
mais colegas estrangeiros, generosos, abnegados, exilados vo-
luntários das respectivas pátrias, para ajudarem a nossa a
não perder os centros de civilização com que a dotaram já.
Nem podemos quedar-nos no que está feito. Não progre-
dir é morrer! E não morrem nem esmorecem as empresas,
estranhas à nossa civilização, que o Protestantismo continua
a lançar à conquista da humanidade que nos povoa os domí-
nios. E' urgente que o esforço missionário da ReligiãQ católica
portuguesa não se deixe vencer na forçada competição do
proselitismo.
Os Padres teem uma revista («Missões de Angola e
Congo») para lembrarem aos portugueses (crentes ou não) a
necessidade de organizarem o auxílio pecuniário, que valorize
as dedicações pessoais nascidas da Fé.
Vamos forçar o Mundo Civilizado à convicção de que
Portugal Civilizador ainda não morreu.
Creancinhas cristãs e Rev. P.' Cancela com o P.' Barros (indígena).
94
iPIpêndlcG
O Instituto do Espirito Santo
0 o recrutamento de ínissíonários
Seminário das Missões
Lembrani-se ainda muitos com saudade do «Seminário das Missões»
no convento antigo da Formiga, onde o Rev. P.^ Xavier Kauffmann, o
popularíssimo por aquelas redondezas Padre Xaviel, começava enfim a
colher frutos regulares de largos anos de experiência de direcção.
Em 1910, naufragado o viveiro esperançoso, foi aproveitada com
avidez aquela experiência para a direcção de uma escola missionária na
Bélgica. A de Portugal levou dez anos a resolver-se outra vez a tentar
reimplantação entre nós. Funciona em Braga, de ha dois anos a esta
parte.
O Instituto tem por fim essencial e exclusivo formar e educar, tan-
to física como moralmente, para a vida missionária os jovens que a qui
zerem abraçar nas missões portuguesas de Angola e Congo.
Todos os patriotas que estão ao par do problema colonial, confes-
sam a necessidade urgente de mandarmos missionários portugueses
para as nossas colónias.
Vêem por isso os Padres do Espirito Santo pedindo a todos os
portugueses que se interessem por esta Obra, de alcance ao mesmo
tempo religioso, social e patriótico :
1.° — Dando-a a conhecer no meio em que vivem, sobretudo di-
fundindo a revista «Missões de Angola e Congo», que propagandea o
ideal missionário.
2S — Procurando-lhe bons recrutas.
3.0 — Fundando bolsas (4.000^00). ■
4.° — Assegurando anualmente a pensão (200|00) ou meia pensão
(lOOlOO) ou um quarto de pensão dum aspirante.
5.0 — Proporcionando-lhe donativos em géneros, roupas, livros, etc.
Para eles será certa a benção do Salvador: *Quem ajudar o após-
tolo na sua missão de apóstolo, receberá a recompensa do apóstolo».
Condições de admissão
1.0 — Saúde e compleição robusta, índole boa, isenção de defeito
físico notável.
2." Idade não inferior a 10 anos, nem superior a 15.
3."^ Inteligência mais que mediana, juizo são, espirito dócil e
aptidões pronunciadas para os estudos e vida missionária.
95
4.^ - Exame de instrução primária (2.° grau) ou habilitação
para èle.
5.^ - Ser filho legítimo e de família bem reputada.
Documentos
1.° — A carta, em que o aspirante pede admissão, exprimindo o
seu desejo de ser sacerdote e missionário, deve ser acompanhada duma
carta de recomendação do pároco ou doutro sacerdote que bem o co
nheça.
2.*^ - Deve trazer consigu, muA vez admitido :
a) Certidão de idade, em papel selado e reconhecida por tabelião.
b) Certidão de baptismo e confirmação.
c) Diploma ou atestado dos exames feitos.
d) Atestado de vacina e de boa saúde.
e) Consentimento ^dos pais ou tutores, em papel selado e reconhe-
cido pelo tabelião.
Pensão
Se as famílias têem posses, devem pagar a pensão de seus filhos,
que se avalia em 200$00 anuais.
A's que têem poucos ou nenhuns meios, o Director fará as redu-
ções precisas é possíveis, valendo-se da generosidade do5 benfeitores
das Missões e do Instituto.
Umas e outras se comprometem a nào desviar os seus filhos da car-
reira missionária ; com efeito, apesar das próprias necessidades no mo-
mento presente, Portugal não pode abandonar as suas colónias á invasão
protestante e estrangeira : fornecer-lhe missionários católicos e portu-
gueses à altura, é o fim único desta obra e de quantos a favorecem.
Despesas de viagens e de correspondência ficam sempre a cargo
da família.
Na entrada, cada aspirante entregará a quantia de 20;?00 para gas-
tos de instalações e imprevistos.
Enxoval
2 fatos novos e completos — 8 camisas com colarinhos cosidos —
8 ceroulas - 6 guardanapos grandes — 6 toalhas de rosto -- ■ 12 pares
de meias — 12 lenços de mão — 3 pares de lençóis ~ 3 travesseiros e
3 travesseirinhas — 2 cobertores — 2 camisolas de lã para o inverno -
I capote — 2 blusas de riscado — 4 gravatas — 2 pares de botas -
l par de tamancos — 1 par de chinelos — 1 chapéu — 1 boina ou boné
- escovas de fato, de dentes, de cabelo e de calçado ~ 2 pentes ~- 1
espelho - 1 coberta branca para a cama.
Observações
\.° — Além do enxoval, o aspirante deverá trazer os livros de
aula que tiver.
2.° — A' medida que se forem rompendo os diferentes artigos do
enxoval, a família é rogada para os substituir por outros.
96
3.0 — Toda a roupa deverá vir marcada a linha com o n.° indicado
pelo Director no acto da admissão.
4.0 — As entradas não se efectuarão senão no princípio do ano
lectivo.
5.° — Peias férias grandes, os jovens poderão passar em casa
algum tempo, conforme determinarem os Directores.
Os pedidos devem ser dirigidos ao Director do «instituto das Mis-
sões». 49, Rua Visconde de Pindela — Braga.
Estudos Superiores e Técnicos
A Escola das missões é destinada a dar, durante 5 anos, aos can-
didatos missionários habilitação correspondente ao curso secundário.
Seguirão ainda dois de estudos filosóficos, durante os quais se
ministram aos estudantes ensinamentos práticos em relação com o viver
colonial. Enfim, coroa-se a carreira de preparação eclesiástica missio-
nária com um curso teológico de 4 anos.
Escola profissional das Missões
Entre os que modernamente se interessaram por missões é já di-
tado indiscutido que o padre não fará obra de dura, se o não coa-
djuva o missionário profissional a transformar o preto, pelo hábito
incutido do trabalho disciplinado.
E' por isso que o Instituto Missionário do Espirito Santo, reconhe-
cendo, como todos os que se interessam pelas colónias portuguesas, a
necessidade urgente de para já mandarmos missionários, não quiz dei-
xar essa obra incompleta, contentando-se com o recrutamento de ^mis-
sionários eclesiásticos: quiz também formar e educar, física e moral-
mente, missionários auxiliares leigos que, pelo ensino primário na
escola, ensino técnico na oficina, e direcção da actividade agrícola do
selvagem, o ajudem a ingressar na civilização portuguesa e cristã e a
fixar-se nela.
Condições de admissão
l.o — Saúde e compleição robusta, índole boa, isenção de defeito
físico notável.
2.° — Idade não inferior a 15 anos.
3.0 — Juizo são, espírito dócil, gosto pelo trabalho e aspirações à
vida missionária.
4." — Saber ler e escrever.
5.0 — Ser filho legítimo e de família bem reputada.
97
Documentos
1.- — A carta em que o aspirante pede admissão, exprimindo o
seu desejo de ser missionário, deve ser acompanhada duma carta de
recomendaçáo do pároco ou de outro sacerdote que bem o conheça.
2."— Deve trazer consigo, uma vez admitido:
a) Certidão de idade, em papel selado e reconhecida por tabelião.
t>) Certidão de baptismo e confirmação.
c) Atestado de bom comportamento (do patrão ou do pároco).
d) Atestado de vacina e de boa saúde.
e) Consentimento dos pais ou tutores, em papel selado e reconhe-
cido pelo tabelião.
Obrigações das famílias
Os pais comprometem-se a não desviar os seus filhos da carreira
missionária ; com efeito, apesar das próprias necessidades no momento
presente, Portugal não pode abandonar as suas colónias à invasão pro-
testante e estrangeira : fornecer-lhe missionários católicos e portugue-
ses à altura, é o fim único desta obra e de quantos a favorecem.
Despezas de viagens, ficam sempre a cargo da família.
Enxoval
2 fatos novos e completos — 8 camisas com colarinhos cosidos —
8 ceroulas — 6 guardanapos grandes — 6 toalhas de rosto — 12 pares
de meias — 12 lenços de mão — 3 pares de lençóis — 3 travesseiros e
3 travesseirinhas — 2 cobertores — 2 camisolas de lã para o inverno —
1 capote — 2 blusas de riscado — 4 gravatas — 2 pares de botas —
1 par de tamancos — 1 par de chinelos — 1 chapéu — 1 boina ou boné
— escovas de fato, de dentes, de cabelo e de calçado — 2 pentes —
1 espelho ~ 1 coberta branca para a cama.
Observações
l.<^ — Alem do enxoval, o aspirante deverá trazer os livros de
aula que tiver.
2.0 — A' medida que se forem rompendo os diferentes artigos do
enxoval, a família é rogada para os substituir por outros.
30 _ Toda a roupa deverá vir marcada a linha com o n.o indicado
pelo Director no acto da admissão.
Os pedidos de admissão dirigem-se ao Director do «Instituto Mis-
sionário». 18, Rua Bento Miguel — Braga.
ERR^T/^S
Pag. 73 :
«E' verdade que em Malange houve uns desentendimen-
tos...». .
Os desentendimentos em Malange não datam da procla-
mação da República nas colónias. Foram já em 1914, por
ocasião dos arrolamentos, a que energicamente quiz opôr-se
o R. P. Sousa, e que seguiram a aplicação às colónias da Lei
de Separação. No Libolo, porém, houve desde os primeiros
tempos da República perseguição local, que aliás a autoridade
centra] repudiou, destituindo sucessivamente dois administra-
dores zelotes.
Pag. 74:
«O primeiro governador geral, Manoel Maria Coelho, etc.>\
Estas linhas não presentam bem em foco o delineamento
dos factos. O governador Manoel Maria Coelho não arbitrou
subsídios às missões tirados do orçamento colonial : obteve
do Governo da metrópole que os subsídios continuassem.
Foi em 1914, ao aplicar-se às colónias a Lei de Separação
que os subsídios às missões foram suprimidos; o governador
de então, hoje alto comissário de Angola, Norton de Matos,
que num relance de olhos de águia vê as situações, não quiz
o desastre da nossa influência espiritual na província, e deter-
minou continuar o auxílio às missões por conta dos fundos
da colónia.
Durou esta situação, com um breve interregno de indeci-
são, até ao regulamento de Rodrigues Gaspar (Janeiro de 1920)
ultimamente melhorado por diploma do mesmo ministro ,das
colónias em 26 de Agosto de 1922; nestes dois decretos or-
ganiza outra vez o Estado a dotação das missões, estabeleci-
das as condições em que elas hão de funcionar.
IMDEX
No campo do apostolado contemporâneo . . 5
A Congregação do Espirito Santo. Dúplice origem da Associação:
Associação do Espirito Santo 8
Congregação do SS. Coração de Maria ,.y . 10
A fusão. , , • • 11
Desenvolvimento da Nova Sociedade :
Em vida de Libermann , 12
Expansão póstuma • . . . 15
Em territórios de Portugal 16
Os primeiros missionários do Espirito Santo em plagas angola-
nas. Padre Poussot e Padre Espitallié 20
Alarme dos politicos (Fevereiro 1866). Debate nas Câmaras
acerca dos missionários franceses 22
A's portas do Congo :
De Loanda para Ambriz 24
Em Mossâmedes. O P.'^ Duparquet • • • 27
Primeiros passos da Congregação no Continente Português.
Descorçoando das Missões, mortes, retiradas .... 31
Os Padres do Espirito Santo a renunciar a colónias nossas.
Lândana e Congo a fugir-nos -35
O P.« Duparquet a gravitar ainda para Angola 38
De Gibraltar outra vez para Portugal 41
O P.^ Duparquet outra vez em Angola. Contrapõe-no Portugal
à invasão protestante : fundação definitiva 43
100
Missões do clero secuiar,
D. José Neto. AntónSo Barroso 48
A missão francesa do Congo a torcer outra vez para Portugal . 53
Loanda. Esboços da missão da Lunda 56
Evoluir da Cimbebásia. . , . . 58
Progressos no Continente : colégios, procuradoria, escola colo-
nial, seminário 61
Decadência, novo alento e ruína em Portugal. 64
As missões (Congo, Lunda, Cunene, Cimbebásia) mio último de-
cénio da Monarquia 66
A República e as Missões , 73
Estado actual das Missões :
Congo 76
Loanda-Lunda 77
Huíla 79
Cimbebásia (Benguela- Cubanigo) 80
A missão moderna 82
No Continente. Ruioa£ 88
Em Braga. Reedificando a grande ruina 91
Apêndice: instituto Missionário do Esp. Santo, 94 95, 96, 97
Tipogratía Sousa Cruz — Rua Nova de Soma
BRAGA - t922
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