Skip to main content

Full text of "Collecção de noticias para e historia e geografia das nações ultramarinas"

See other formats


This is a digitai copy of a book that was preserved for generations on library shelves before it was carefully scanned by Google as part of a project 
to make the world's books discoverable online. 

It has survived long enough for the copyright to expire and the book to enter the public domain. A public domain book is one that was never subject 
to copyright or whose legai copyright term has expired. Whether a book is in the public domain may vary country to country. Public domain books 
are our gateways to the past, representing a wealth of history, culture and knowledge that's often difficult to discover. 

Marks, notations and other marginalia present in the originai volume will appear in this file - a reminder of this book's long journey from the 
publisher to a library and finally to you. 

Usage guidelines 

Google is proud to partner with libraries to digitize public domain materials and make them widely accessible. Public domain books belong to the 
public and we are merely their custodians. Nevertheless, this work is expensive, so in order to keep providing this resource, we bave taken steps to 
prevent abuse by commercial parties, including placing technical restrictions on automated querying. 

We also ask that you: 

+ Make non-commercial use of the file s We designed Google Book Search for use by individuals, and we request that you use these files for 
personal, non-commercial purposes. 

+ Refrain from automated querying Do not send automated queries of any sort to Google's system: If you are conducting research on machine 
translation, optical character recognition or other areas where access to a large amount of text is helpful, please contact us. We encourage the 
use of public domain materials for these purposes and may be able to help. 

+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on each file is essential for informing people about this project and helping them find 
additional materials through Google Book Search. Please do not remove it. 

+ Keep it legai Whatever your use, remember that you are responsible for ensuring that what you are doing is legai. Do not assume that just 
because we believe a book is in the public domain for users in the United States, that the work is also in the public domain for users in other 
countries. Whether a book is stili in copyright varies from country to country, and we can't offer guidance on whether any specific use of 
any specific book is allowed. Please do not assume that a book's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner 
any where in the world. Copyright infringement liability can be quite severe. 

About Google Book Search 

Google's mission is to organize the world's Information and to make it universally accessible and useful. Google Book Search helps readers 
discover the world's books while helping authors and publishers reach new audiences. You can search through the full text of this book on the web 



at |http : //books . google . com/ 




■i, r. 




K- 



I 



NOTICI AS 

PARA 

HISTORIA . GEOGRAFIA 

D A S 

NAgÒES ULTRAMARINAS, 



^ L i /' !^l^ 



COLLECgAO 



D E 



NOTICIAS PARA A HISTORIA 

B- GEOGRAFIA 

DAS NAgÒES ULTRAMARINAS, 

Q U E V 1 V E M 
KOS 

DOMINIOS PORTUGUEZES, 

OULHESSaOVISINHASs 

PUB LI CADA 

PELA 

ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS. 
TOMO II. NuM.*»» I. s IL 




LISBOA 

NA TyPOQRAFIA DA MESMA ACADEMIA 
I 8 I 2i 
Cmlìeenia de S. ALT E ZA REAL» i^^ 



I 



ARTICO 

EXT RABIDO DAS ACTAS 

D A 

ACAD^MIAREAL DAS SCIENGIAS. 



JL^Etermìna a Academìa^ que as Navega^fÓes de 
Luiz de Cadamosto , e mais Obras de semelhante nor 
tureza ^ que Ibe forào apresentadas desde io de Ja- 
neiro do presente anno de i%i^^ illustradas comAn^ 
notagSes pelo Socio Sebastiao Francisco Mendo Trigozo > 
e que forao julgadas muito dignas de imprimir^se , 
por serem de grande importancia para a Historia e ,)^0ày^^^ 
Geografia das NajÓes Ultramarinas , gue jiyem nosg 5^^^^^^-^^^ 
Dominios de Sua ALTEZARèi^Lv^^ìillies^^loliisinhas^^^^^ 
se imprimao na CoIIec§ao da^^No^as ^para a tnesmaS J^^^ 
Historia; à custa da Academa/l è debaixo do seu ^^^^^^ 
'Privilegio. ; 1;- 

Joao Guilherme Christiano Mùllcr 
Secretarlo da Academia^ 



%i 



• • • < 

• • • 

• •• • 
•• •• 



• • ••• "•• 



I 






N.'I. 



NAVEGACJOES 

LUIZ DE CADAMOSTO: 

AQWK SE AJUNTOU 

A y I A G E M 

V E 

PEDRO DE GIN T R A, 

GAFITAO PORTUQUEZ. 

Tiadozidas do Italiana ^ 






IX 

INTRODUCqAO. 



al Prefenie Collec^ao de notictas evìagens dsno[[asCoììquif' 
tas Ultramarinas , devia necejfarianunte principiar pela traduca 
^ao das Fiagens de Luiz de Cadatnojlo j nao fó por elle ter 
fido bum dos nojfos primeiros e principaes Navegadores ; mas 
por fer o unico , cujos efcritos fé confervao defde os dourados 
tempos dos descobrimentos do Infante D. Henrique. EJte pri- 
mciro periodo da nojj'a gloria naval he tao pouco conhecido ; e 
tudo até as épocas dos noffos primeiros defcobrimentos he tao 
cbeo de incertezas ; que quaefquer noticias , que illufirem cjia 
materia devem fer benignamente acolhidas pelos Estudiofos. 

As poucas obras , que nos confta terem fido efcritas cm 
aquelles tempos^ refpectivamente a ejie affumpto^ pelos noffos 
nacionaes , estao defgra^adamente perdidas : ajfm por exemplo 
nao fabemos o que fot feito da Historia dos descobrimen- 
tos do Infante D. Henrique , que elle efcreveo , ou mandou 
efcrever , e que ainda exifiia no tempo de Fr. Luiz de Sou- 
faCa'): ajfm igualmente fé perdérao as Memorias de^ffon» 
fo daCerveiray o qual correo differentes Portos d'Jfiica , e 
fai Feitor em Benim no tempo do Sr. D. Affonjo F. ; Memorias 
donde Comes Eanes de Azurara tirou principalmente o que e/- 
creveo nefie afjumpto nas Chronicas de ElRei D. Duarte e 
D. Affonfo : e afftm finalmente he que de fappar ecèrio eftas 
Notte. Ultramar. N.<> I,^ **_ mef 

(fl) He extremamente lamentavei a- perda desta obra , que 
parece ji nao existia em Poftugal no tempo de Barros e Goes , 
que nao fallalo nella: Eis aqui o que diz Fr. luiz de Snusa a 
este rcspeito. » Este livro enviou o Infante a bum Rei de Na- 

> poles , e nós o vimos na Cidade de Valencia de Aragao en- 

> tre algumas pegas da Recamera do Duque de Calabria , ultimo 
)^ descendente por linha masculina daquelles Principes « que alli 
y^ veio acabar com o titulo e cargo de Vice-Rei. )| 

Hist. de S. Domingos Part. L Liv. 6. Cap. 15. 



X INTRODUCgAO. 

nnfmas Chronicas , rcjlando apcn/is o que dcìlas quiz cctifer^ 
var Chronifta Ruy de Pinna , que as cortou e mutiloti a fcu 
arbitrio. 

felizmetite ainda eftas duas ultimas obras exijli/to no 
tempo do grande Joao de Barros , para elle nos pcder dar , 
ajudado de algumas outras Memorias , a pouco que Jabemos 
dos nnjfos defcobrìmcntos ^ até 4 pajfagem do Cabo da boa Ef- 
peran^a : mas erao tao inf^fficienies cjles documemos , que elle 
mifmo confeffa n que nào joi pouco o trabalho que tey^e em 
Ti ajuntar coufas dcrramadas ^ e per papeis roios , e fora da 
» ordem que elle Comes Eanes levou no procejfo dejte defco- 
B br intento, n 

Qjtal era pois efla ordem de Comes Eanes y digerente da 
que fcouio Joào de Barros ? Parece que a diverfidade /rf- 
mente poderia confijiir em as épocas dos defcobrinuntos, Je- 
guiria poran Azurara as me/mas de Cadamojlo ? Seguirla 
ou'ras diverfa^i Eisaqui o que nao pudenws averiguar ^ nao 
exijiin.lo a obra djquelle Author-^ e feguindo os Hijioriado* 
res , que depois vicrao , corno Galvao , Earia e Soufa , e OU' 
tros , as mefmas opinioes de Barros i de modo que bafia léllo , 
para faber quaft fempre o qtie os outros dizcm. 

Defta rcgra gcral deve-fe coni tudo excetuar Damiao 
de Goes , bum dos nojfos mais polidos Efcritores daquelle 
feculo, Efte homcm ejiudiofo , que tinta viajado grande par* 
te da Europa , teve conhecimento da obra de Cadamojlo , e fi 
firvio delia para rectifcar alj^uns enganos de Barros ^ e dos ou^ 
tros Autborcs que o fcguirao ; conto Ioga yeremos depois de 
termos dado alguma noticia tanto da obra que traduzimos^ 
corno do fcu Efcritor. 

Luiz de Cadamojio nnfceo provavelmente em o anno de 
mil quatrocentos e vinte e dous ^ em a Cidade de Fenezai 
e contava vìnte e dous annos de idade quando veio a Portu* 
gal y e se off-ereceo ao Infante D. Henrique para tir defcobrir : 



INTRODUCgAO. xi 

tendo feito duas viagens em os annos de 1445 ^ I44^ > de^ 
morou'Je no Reino até i\6\ ^ e recolbendo-fe entao dfua Va- 
tria efcreveo alli asjuas Navega0e$. A primeira vcz quc noi 
conjia tercm ellas fido imprejfas foi ini Ficmza cm 1 507 com 
o tituio di: Aioysio de Cadamosco libro de la prima Naviga- 
tione per Occeano alla cerr^ de Negri ec dalla bassa Ethio- 
pia , per cominandamento del Infante D. Henrìco di Portu- 
gallo : logo no anno immediato de 1508 foi ejla ohra tradu- 
zida em Latim , e impreja em Milio , segundo affirma Tira- 
bofcbi nafua Hisroria de la Litteratura Italiana : finalmente 
fazendo poiico depois célèbre Simao Grineo a siui Collec^ao 
de viagens intitulada Novus Orbis , impreffa em Pariz em 
*5?*j inferio nella a mefma versìo Latina com tituio de 
Navigarlo ad terras incognitas Aloysii Cadamusti Archange- 
lo Madrignano Interprete. EJia versdo Latina he mui dejei- 
tuofa , e ajunta debaixo do nome de Cadamofto algumas ou- 
tras viagens , que nh sio suas , tranjtornando até a$ di' 
visoes dos Capitulos. 

Algnns annos depois veto aflorecer hnm dos homens mais 
tndagadores e curiofos , a quem a Republlca das Letras , e 
fobre tudo Portugal e Hefpanha sao swnmamente devedores j 
qtiero dizer , Joio Baptifta Ramuzìo , qual colligio em hu- 
ma Obra com tituio de Navigationi et Viaggi , as primis 
paes que até aofeu tempo fé tinhao intentado e deferito. 
primeiro volume defi;a Collec^ao ( que he de que tratamos , 
forfer aquelle que refere as Navega^oes dos Portuguezes ) Joi 
a primeira vez imprejfo em Feneza em 1550 , a fegunda em 
1554 j ambas as vezes na Officina dosjuntas^ e em vida do 
feu Compilador , porém fem feu Nome ; a terceira finalmen- 
te em 1565 na mefma Officina , £di^ao pofiuma a qual jd 
tem nome de Ramuzio. Contém ejie primeiro volume nào 
fd ejtas , mas muitas outras viagens ; a maior parte das quaes 
forio efcritas em Portuguez originalmente ^ mas tendo-fe per- 

** ii di' 



VII I N T R O D U e Q A O- 

ditto ejles origitiaes , exiftem fó as traduc^Ses hferidas na^ 
quella Collec^ao , que fórma ao todo tres volnmes em foiba i 
€ formatta mais , fé a morte nao tivejfe levado Ramuzio no 
meio dosfeus trabalhos ^ ou fé o quarto volume j quejdejia* 
va prompto para a imprefsao nao tiveffe perecido em o ì«- 
cendio , que confumio a^ Typografia dos mefmos Juntas feus 
Editores. 

Limitando-nos porém por agora ao que Cadamofto dei^ 
xou eferito , ferd precifo antes de tudo , fixar a època dafua 
vitìda a Portugal j pois a ejia coftuma elle referir quafi todos 
osfeui defcobrimentos : acima diffemos , que ella tinha tido 
provavelmente lugar em 1444 ; e agora veremos 'os motivos , 
para Ihe ajftgnar fobredito anno. 

A primeira Edicio de Cadamofto (^fegundo affifma Tira- 
bofchi') diz que em 1454 be que elle partio para a cofta de 
Africa , e efte anno he que feguio Ramuzio em a fegun^ 
da e terceira Edilio que cotejdmos ; e que provavelmente fc^ 
guiria tambcm em a primeira , que nao vimos. Por outra parte 
a traduc^ao Latina , que imprimio Grimo , diz ter ifto fucce- 
dido em 1504 ; que be bum verdadeiro anacbronifmo ^ ou 
para melhor dizer bum erro typografico palpaveL 

Em quanto porcm d epoca que fcguc Ramuzio , ainda 

que ella fé cbegou mais a verdade , nao fé póde comtudo 

fuftentar ; no que jd tinbao refiectido os Authores da Hif" 

toria Cerai das Viagens , e fé fard ainda mais manifefto 

quando nos lembrarmos , que mefmo Autbor diz que a Uba 

de Porto Santo foi defcoberta vinte efete annos antes dafua 

cbegada a ella ^ e a da Madeira vinte e quatro : que darla 

OS annos de 1428 e 14^1 para eftes defcobrimentos ; fazendo* 

OS affim retrogradar dez annos da època cm que realmente 

fuccedérao, defcobrimento do Senegal , que Autbor da 

fin:o annos antes da fua hida dquetlas paragens , devia ter 

fido ^ fegundo mefmo calcalo^ em 1450; quando todos odao 



INTRODUCQAO. xm 

jd defcoherto em jaa^ 9 e certamente fot aìnda antesy corno 
Ioga vcremos. Em firn , para rtao multiplicar exemplos , todos 
OS defiobfimentos em que Cadamojìo falla , sao wuito anterio^ 
res ds épocas , que elle Ibe ajjigna , fegttndo ejla Edii^ao de 
Ramuzio, 

He pois abfolutamente necejfario atrazar ejìa vinda a 
Portugal efpa^o de alguns annos : e a querermos fixar ejìe 
termo por alguns dos acontecimentos mais bem averiguados da 
noffa Hifioria , comò sao os defcobrimcntos das Ilhas de Porto 
Santo y e Madeira ; deveremos por a partida de Cadamojìo 
para a cojia d^ Africa em 1445 \ que além de conciliar 
todos OS factos , tim a feu favor a autboridade de bum dos 
tiojfos mais antigos Efcritores. 

C(0 effeito Damiào de Goes , em Cap. FI IL da Cbro^ 
nica do Principe D. Joao , ajftgnalla huma e muiras vezes a 
primeira viagem de Cadamojio em sobredito anno , e por 
confeguinte a fua vinda a Lisboa no anno antecedente. Igno* 
ramos qual era a edicao por que elle Ha 9 e fé em Italia ti'- 
nba examinado proprio originai , ou alguma copia multo 
exacta : inclina-nos a efta ultima opiniao , fabermos que eJle 
célèbre Portuguez efludou em. Padoa , aonde teve multa com* 
tnunica^ao com Julio Sprone e muitas outras pejfoas injtrui^ 
das , com quem frequentemente converfava fobre as nojfas Na* 
vega^oes , que entao andavao em voga j tanto /jjftm , que ain^ 
da depois de Goes pajfar a Hollanda^ continuou afer conful- 
tado pelos mefmos antigos fobre efta materia 5 fendo elle prò- 
ptio y quem mandou a Ramuzio a obra manufcrita do Padre 
Trancifco Alvares , a qual fai depois impreca na fp,a Collec* 
^ao f multo differente da que nós temos em Portuguez. 

Seguindo pois huma tao grande autboridade , nao duvi^ 
ddmos de por no corpo da Obra anno de 1445 ; e fxando 
afftm efta època y fcr-nos- ha facil rectificar as nojfas Htftorias y 
POS lugares em que diverfifcarent de bum Autbor coevo y vm- 

dij 




XIV I N T R O D U C Q A O. 

dico , e tejìefìmnha ocuUr do que refere. Como porém a fo» 
bredho Damiao de Goes jd tomou a fi ejie trahalbo , tranfcre- 
veremos as fu is palavras por extenfo , o que nos difpenfard 
de fazer annota^oes a cada bum daquelles artigos , corno ao 
princìpio tinhamos formado tetì^ào, 

» Logo no anno de 1 44 \ (diz Goes no lugar citadó) man^ 
doH Infante bum Ficente de Lagos a defcobrir^ em cuja fom- 
panhia fqy bum Genttlhomzm Veneziano por nome Luiz de Ca^ 
demujio y multo curiofo de ver nrnnio , qual licerne de 

Lagos navegOH até oRioGambra Efte Luiz de Ca- 

demujìo diz em bum Itaierario que fez , que jd nefte tempo 
Infante mandava fazer Cajtello Darguim , e que /r- 
guindo fua viagem achdrao no dito lugar muytosotìiciaes , 
que trabalbavio naquella obra (, a) que he bem a^ntrario 
do que dizem algumas pcjfoas , que deftas Navega^oes efere- 
vério ; affirmando que no anno de 1461 mandou ElRei Dom 
Affonfo fazer efie Caflello por bum Soeiro Mendes , Fidalgo 
da fua Cafa , morador em Evora : mas parece que seria mais 
mandallo acabar que nao comé^ar de novo , pois Infante 
foy Author da tal obra. No qual tempo diz Luiz de Cade^ 
mufio que os noffos tinhao navegado até Rio de Senegd ^ 
que OS da terra chamSo Sonedech , e que bavia jd bum an* 
no que Cabo Verde era defcoberto , que be tambem centra a 
opiniao deftes mefmoSj que dizem que Cabo Verde foy primey- 
r amente defcoberto no anno de 144.5 por bum Diniz Fernandes , 
Efcudeyro de ElRei D. ^oSo L , e que nefia paragem tomou 
humt almadta eom alguns Negros que comftgo trouxe , e que 
forao OS primeyros que vierao a Portugal ; do que fé mojlra 
manifejlamente que fé Cabo verde fot defcoberto por efle Diniz 
Per- 

(il) Por està passawein se ve que a ediqao ou manu^crito de que 
Damido de Goes se Servio nao he a de Ramuzio , na qiial nao dit' 
Cadamosto que achou muitos trabalhadores nesta obra ; nem tj[o 
pouco que o Senegal se chama Sonedech na lingoa do paiz* 



I N T R O D U e e;, A O. xr 

Ternanics ^ que firìa no anno de 1445 j forque ncjte ^ e nos 
de 1444 j € de 1445 ftgu'uves jd no Reyno havia wuytos Ne- 
gros 5 que os que bino dcfcobrir cowfigo trouxerao, EjU Ficen^ 
te de Lagos j ccm quetit hia Lutz de Cadimufto ^ navegando 
para Rio de Cambra , fé encontrcu com bum Gentilbomem 
Genovez por ncme yimonieto de Nolte C^J), que coni licenza 
do Infante bia tambcm a defcobrir , e ambos juntos cbegdrao 
ao dito Rio , e dalli fcm mais pajfarem adiante fé vierao 
para Reyno j os quaes com licenza do Infante tornar ao 
a fazer viagem no anno ftguinte de 144^ cm huma ndo^que 
Ibes mandou armar em Lagos , e defta vez defcohrirao eftes 
Gemiskomens as lìbas de Cabo Verde no mcfmo anno de 1446 
(è) enao no de 1461 , corno tnmbem alguns erradawente cui- 
dio y porque no anno de 1460 depois do falci imeneo do In* 
fante D. Henrique , fez ElRei D. Jffonfo V. doario dellas e 
das Terceyras ao Infante D. Fernando feu Irmào j ds quaes 
llbas de Cabo Verde ejles dous Cen:isbon:cns cbegdrao do dia 
que partir io do Reyno a 16 dias -, e a primeyra que virio 
puzerio nome Boa vijia , e a outra Santiago e S. Filippe , por 
chegarem a ella no primeiro dia de Mayo por lembran^a do 
mez , e dia em que as defcohrirao : dejias llbas forao ter ao 
aio Rha y a quem nós cbamdmos Caramanfa , nome que Ibe 
derio , porque Senbor daquella terra fé cbamava ajftm , 
donde navegdrao até Cabo Vermelho , do qual fé fizerio d 
véla para Reyno. b Jté aqui Bamiao de Coes , que nos 
nao deixa nada para accrefcentar nejla materia, 

dlém 

(tf) Este Antonio de Nelle he channado por Cadamosto, e al- 
guns outros pelo deniinutivo Antonimo , de qiie itrsultou persua- 
dir se Tiraboschi que erao dous Navegadorcs difFcrentes ; quando 
he hum s6 o que accomnanhou Cadairosto. 

(5) Tanto aquì corno mais acinrìa , vein na Chronica de Gcet 
canno de 1445 » o que he manifesto erro daimpressao, porque 
cstes dcscobrimentos forao fcitos na segunda viagem, hum anao 
depois da ptimeira , isto he j em 1446. 




XVI I N T R O D U e g A O. 

Além dejias duas Navega^Ses refia-nos ainda de Cada^ 
mojìo a Rela^So da viagem de Fedro de Cintra ; a qual fai 
emprehendida immediatamente depois da morte do Sr, Infante 
D. Henrique , ejtando jd aquelle Capitao de torna viagem 
em 146? (^a). Foi elle primeiro que paffou a célèbre Ser- 
ra Leòa perto de dous annos depois da morte do dito In^ 
fante y època que nao fegstem a maior parte dos nojfos Hifto- 
riadores ; e achando na fua volta Cadamofio ainda em Por- 
tugal y elle extrahio tudo que pòde faber a refpeito daqueU 
la navega^ao (6), qtterendo levar para a fua patria todas 
as noticias que fé fabiao até ao tempo da fua partida. Fo- 
ra dejias obras que traduzìmos , nio nos rejla mais nada 
defte Autbor. 



( a ^ Daqui se ve o engano de Manoel de Paria e Sousa , que 
na Memoria de todas las Armadas > &c. estende està viagem até 
14^9. 

(^) Vò-se tambem o outro engano do nosso Abbade Barbosa, 
que p6e està viagem corno obra do mesmo Fedro de Cintra * o 
qual deve ser tirado do Catalogo dos Authores Portuguezes : aquel* 
le Erudito deixou-se n'iitò engaaar por Nicoiao Antonio. 



AS NAVEGAqÒES 



D £ 



LUIZ DE CADAMOSTO^ 



PROEMIO. 



ENDO eu Luiz de Cadamosro C^) sido o piimeiro 
em a muiro nobre Cld.tde de Vcneza , que- me resolvi a 
navegar o Mar Oceano fora do Estreito de Gibralrar pa*> 
ra as parces do meio dia , nas cerras dos Negros da baixa 
Echiopia; e tendo visto nesta mìnha primcira Viajem muitas 
cousas novas , e dignas de memoria ; pareceome despender 
com ellas aigum trabalho, e transcrevellas, assim corno as 
tinha noradjo de tempos em tcmpos no meu borrador , para 
que aquelìes que apòs mim vierem conhe9ao qual foi o meu 
animo em buscallas em diversas , e novas Regióes , sendo 
ellas caes 9 que verdadeiramente em compararlo dasnossas, 
as por mim vistas eouvidas, poder ào chamar-se bum mun- 
do novo : e se por mim nào forem tao ellegantemente es- 
cricas , corno a materia o pede s ao menos nào faicarei a 
huma tnteira verdade ^ e isto antes escrevendo de menos , 
do que contando cousa alguma além do que he certo. 

Oeve-se pois saber que o primeiro inventor destas 
Navega9Óes em os nossos tempos , e por està parte do 
Mar Oceano paia o Meio dia das terras dos Negros da 
bai)ca Ethiopia, foi o muito illustre Infante D. Henrique, 
filho qae foi do Infante D. }oào. Rei de Portugal e dos 
Algarves, o primeiro deste nome: o qual ainda que possa 
ser grandemente louvado pelos seus Estudos na Sciencia 
dò Curso do Geo, e da Astrologia (^)y com tudo passai- 
Notte. Ultramar. N.^ I,^ A lo- 

(tf^ Cadamosto he liuina abreviatura da Casa da Mosto, co- 
rno se se dissesse , Luiz da Casa da Mosto ; sendo Mosto o ap- 
pellido da Casa ou Famiiia a quein elle pertencia : por este moti- 
vo tambem se encontra algurnas vezes Luiz da Mosto : mas pre- 
valeceo o uso de se liie chamar Cadamosto. 

(A) Era muito usuai confundir neste tempo os dous nomes , 
e as duas sciencias de Astrotos;ia e Astronomia ; mas he mais quo 
provavel , que o Infante D.Hcniique por isso mesmo« que muito 



2 ÌÌArEGAfORS 

lo-hei em silencio, e&ómence dirci, qoe sendo de grande 
cora9ao , e engenho sublime e elevndo , se cntregou lodo 
a milicia de N. S. ]bsu Chrisio , pelejando com os Barba- 
ros , e combatendo pela Fé , scm se resolver nunca a co- 
mar estado, e conservando-se sempre donzei por cansa da 
sua grande casridade. Fez grandes proezas }>uerreando com 
OS Mouros , canto com a sua propria pessoa corno pela 
sua industria , as quaes sao dignas de eterna memoria : de 
tal sorte que estando E! Rei D. ]oào seu Pai em arttgos 
de morte no anno de 14)2(4), chamou o drtoD.Hen* 
rique seu filho , corno quem conhecia as suas vtrtudes*, e 
com afFectuosas palavras Ihc recommcndou aquella Escóla 
de Cavalleiros Portuguezes , rogando-o e exortando-o a con- 
cinuar com o seu santo , rea! , e louvavel proposito de per- 
seguir com todas as suas for9as os Inimigos da Santa Fé 
de Christo : o qual Senhor em poucas palavras Ihe promec- 
reo de fazello assim : e depois da morte de seu Pai com | 

ajuda de EIRei O. Duarce, seu Frmao mais veiho, que sue- | 

cedeo no Reino de Portugal , fez muitas guerras na Aiiica 
aos do Reino de Fez , nas quaes sendo bem succedido por 
muitos annos , procurando por todas as vtas damnificar ao 
diro Reino ; intentou mandar as suas Caravellas armadas a 
correr a Costa de (^afim e Messa , que sao do mesmo Rei- 
no de Fez , o qual vem até ao Mar Occeano da parte de 
fora do Estreito deGibraltar; e assim as empregou annual- 
mente , fazendo sempre muito damno aos Mouros : e soli* 
citando o dito Senhor que navegassem cada anno mais 
avante , as fez chegar até bum Promontorio chamado Ca* 
bo de Nam , que ficou assim chamado até o dia de hoje : 
e este foi sempre o termo donde ninguem antes passou , 
que podesse tornar ; e assim se chamava Cabo de Nam » 
corno quero dissesse ; quem o passa nao volta (Z^*). Desta 

ma- 

versadò na segunda « desprensse as quiméras da primeira , a pesar 
de estar ainda entao em venera9ao. Todos sabein corno seu Ir- 
mio o Senhor D. Duarte mofou do Astrologo Guedelha » que per- 
tendia fazello demorar a bora da sua coroa^ao para esperar melhor 
conjuncgao dos Astros. 

C <> ) Houve aqui bum pequeno engtno , sendo certo que £!• 
ReiD. Joao I.' morreo em Lisboa aoy 14 de Agosto de i4n« 

(6) Està he a mesma Ethimologia que dà fiarros . e todos os 

nossos Authores: passou mesmo em Proverbio n: Quem patsav 

o Cabo de Nam , où voltari ou nao = : com ludo alguns Estrao- 



Z>E LviZ DE CaDAKOST^. } 

iriAneira navegavio até esce Cabo as ditas Caravellas , e 

nào cusavao passar mais avance : e desejando o dico Se* 

nbor, que o pass.issem > assim odeccrminou em o anno se- 

guince com o favor e ajuda de Oeos (4) ; porque senJo as 

Caravellas dePorcugal os melhores Nayjos de véla, quo 

andao sobre o Mar , e sendo estes bem providos de rodo 

Q necessario , julgava impossivel nào poderem navegar por 

coda a p^rre : e desejoso de descobrir , e ouvir cousas no* 

▼as , a firn de cotihecer as Na9Óes , que habicavào aqueU 

les Paises , para se ajudar dellas conerà os Mouros , fez 

preparar tpes Caravellas (^) bem apparelhadas do necessa« 

fio, e ^uarnecidas de homens valorosos , as quaes se fìze- 

rao a véla , e vingàrào o dico Cabo, navegando pela cos- 

A il ta , 

geiros dio nutra f^ chi mo logia. Veja-se Campomanes , Antìgméodc 
MàrUiéna de la Republiba de Carfhagp » ^ue diz derivar -se de IhI'*' 
ma voz Arabica » que quer dizer » vento » por scr esce Cabo mui- 
lo alto e ventoso. 

( a } Nào declara bem Cadamosto qua! fui este anno » em que 
se dobniu o Cabo de Nam : diz que foi no anno segiiinte : mas 
seguìnte a que ? a morte de EIRéì T). Joao? nao ; pois viria a 
ser no anno de 14)4: e ja havia multo que estava passado'; 
sendo o ainda no Reinado do dito Rei Neste anno de 1454 foi 
passado o Cabo Bojador , comò afiirmào todos. Seri pois equi- 
vocagào do Author « que confundìo a època da passagem de 
bum com a do outro ? ou entenderà antes por anno seguinte , 
que assignala a està passagem « o anno seguìnte i sua descober- 
Ca ? Ein firn , seja corno for , a maior parte dos nossos Historia- 
dores corno Galvào » Paria e Sousa , &c affirmSo que o Cabo de 
Nam foi passado em 1412 , porém Damiao de Goes diz que 
no mesmo anno da tomada de Ceuta he que o Infante mandou 
passalJo , o que da o anno de 141 $ , sendo este o em que se to- 
mou a dica Praga. 

(À) Paria e Sousa na Memoria di todas as Armadas , &c«' 
póe a passagem do Cabo de Nam feita por bum so Navio em o 
anno que acima dissemos ; e a passagem do Cabo Bojador no 
anno de 14^4 por dous Navios , de que erào Capitàes Gii £a- 
nes 9 e Alfonso Gonsalves Baldaia , ainda que Goes faz viajar 
estes dous Capitàes separados , e em dous annos consecutivos. 
N'huma palai'ra » todas estas épocas sao duvidosas , e o que he 
mais cxcraordinario » sendo a passagem do Cabo de Nani tSo te- 
mive! y nem ao menos temos noticia do Capitao que o dobrou : 
pelo contrario da do Cabo Bojador sessenta legoas mais adiante « 
que OS nossos Authores muito celebrao , e de que Cadamosto nao 
dir paitira. 



4 'Navega9Óc8 

ta , e surgindo de dia e de nouce ; e tendo catninhado con» 
sa de cem milhas mais para diante sem achar habita9àa 
nem gente alguma , senao toda a extensào da terra are* 
nosa; tornarao oucra vez para o Reino : e vendo o dico 
Senhor que mais nada podia fazer naquelle anno os tor* 
nou a mandar no seguirne com ordem de passar além mais 
cento esincoenca miihas , ou ainda mais , se Ihe parecesse, 
promettendo a todos fazellos ricos quando voltassem. Par- 
tirao pois , porém nào achando igualmente nada se nào 
area , cornàrao a voltar. £m summa sabendo o Sr. Infante^ 
pelo conhecimento que tinha das Scienctas , que mais lon«* 
gè se achariào Povos e habitafóes , tantos annos as em- 
pregpa nesta Navegafào , até que Ihe trouxerào a notìcia 
de aiguns lugares habitados por Arabes, que vivem naquel* 
les desertos ; e mais adiante por hum Povo , a que chamSo 
Azenegues , que sào homens pardos , de quem ao depois 
se farà larga men9ào. Por e&te modo forào descobertas 
determtnadamente as terras dos primeiros Negros , nas 

3uaes depois , de tempos a tempos se veio a ter noticia 
e ontros Povos , outros idiomas , outros costumes , e re- 
ligiao , corno na contmua9io deste meu Livio mais largas-^ 
mente se vera. 



N A- 



NAVEGACAO PRIMEIRA 

D E 

LUIZ DE CADAMOSTO. 

e A P 1 T U L O I. 



Chando-me eu Luiz de Cadamosto na nossa Cidadede 
Veneza em o anno do Senhor de 1444 , sendo de idade de 
quasi vìnce e deus annos , e tendo ja navegado por algu* 
mas parces destes nossos mares mediterraneos , havia de- 
cerminado voltar a Flandres, onde jà huma vcz tinha es- 
tado , com o iìm ^de fazer fortuna , pois todos os meus 
pensamentos erào de exercitar a iiìinha mocidade y traba- 
Ihando por todos os moJos possiveis enì adqulrir cabe* 
daes , para depois com a experiencia do tnundo , ern ida- 
de mais avan^ada , poder alcan9ar alguma occupajrao hon- 
rosa. Estando pois deliberado a partir , corno disse , me 
apparelhei com o pouco dinheiro ^ue entào possuia , e me 
embarqoei nas nossas Gaips de Flandrcs , de que era Capi* 
tao Marco Zen , homem Cavalheiro j e assim em nome de 
Deos desafFerramos de Veneza aos oico de Agosto do dito 
anno; e navegando por nossas jornadas , fazcndo as esca- 
las nos lugares do costume , chegàmos a Hespanha : e 
vendo me obrigado pelos ventos contrarios a pairar com 
as ditas Galcs no Cabo chairado de S, Vicenie i succede© 
por ventura , que nào multo longe dnquellc Lugar estava 
assìstmdo o Sr. Infante D. Henrique , em huma Povoa^ào 
visinha , chamada Raposeira ( /i ) , onde por scr sitio re* 
moto do tun ulto das gentes , e apro para a cortenpia^ào 
dos scus estudos , habitava multo de boair.cnte. Tendo 

el- 

(tf) A habìtaqao do Infante D. Henricue no Algar\e he mul- 
to conhecida : todos sabem » que para isso eHificou a Villa cha- 
mada Terga nahal cu Tercena-naval , ao depois Villa do Infante, e 
ultimamente 2>agres. A assistencia da Raposeira seria alluma ca^a 
de campo , onde q Infante se retirasse 1 junto àquella Povoagao* 




6 Navbga9Óbs 

èlle notici! da nossa chegida mandou às Galés hom sea 
Secretano, chamado Ancotilo Gonsalves , e em sua compa- 
nhia hum Pacricio de Conti , o qual dizìa ser Veneziano, 
eCoisul da nossa Na^ao eoi Porru^al ì corno moscrou por 
hu ma Citta da nossa Senhoria com sello pendente; o qual 
Patricio tambem recebia estip<:nJio do dico Sr. Infante , e 
vieraoàs noisas Gilés pot co.ìiìii9sao sua com algumas amos* 
tras de a9ucar da Madeira , de Sangue de Drago , e de 
outras couias tiradas dos Lugares e Uhas daquelle Senhor, 
as quies moscrdrao a diversas pessoas , esrando eu presen- 
te. EteiiJo«o3 nóf OS das Galés incerrogado sobre diversot 
arcigos , reipoidèrao que aquelle Senhor cinhafeito povoar 
as fìhas novamsnte docobertas , as quaes antes nào erao 
habitadas, e em prova disto mostravào os ditos a9ucares , 
sangue de Drago , e oucras cousas boas e uteis ; dizendo 
que inda i;to era mda eti co.'npua9ào de outras maiores, 
que o mesmo Senhor fazia ; decUrando*no3 , corno de cer- 
to tempo pira cà , cinha teito navegar Mares nunca por 
ninguem na\regados j e descoberto terras de diversas , e 
estranhas gentes , no msio das quies se achavao cousas 
iDaravilhosas , eque todos os que cinSào estado naqueilas 
partes , tinhao feico ganhos muito avulcados com aquella 
gente; pois com hum soldo lucravào sete ou dez : e so* 
bre Iseo disserio tantas,etào grandes cousas, que nao so 
me maravilh.ir&o , mas acé me fizerao crescer o desejo de 
hir buscallas; epcrguntando se o dito Senhór deixarìa fa« 
zer està viajem a qualquer que quizesse emprehendella , 
resportderio*me que sim , cumprindo huma de duas condì- 
$òes , asaber, ou armir a Caravella a sua custa , e carré* 
galla tambem de mercancia ; e quem isto fizesse seria obrì* 
gado a pagar de volta , por uso e direiro , ao dito Senhor 
ò quarto d^ todi a carga , que importasse » tendo o resto 
seu : ou o Sr. Infante armarla a Caravella , a quem quizet* 
Be , pondo est6 da sua parte sòmente as mercadotias ; e 
entao de volta paniriào por mecade , nido qnanto trou« 
xessem dos ditos Lugares j e em caso que nada trouKes^ 
teai , a desp.esa correria por conta do dico armador : e pro« 
testarlo alcm disso , que nao se podia voltar sem grande 
gattho, e qne se aiguem da nossa Na9ao queria commet* 
ter a viajem, faria nisso Auml cousa muito grata ao Sr. In- 
fante , que ihe faria mercè , pois presumia , que nas ditas 
terras se dest^obrirSào especiarias, e outras cousas boas, de 
q[ue OS Venezianos etào tnait conhecedofes ) do que ne- 



D« Lvix DK Cadamosto. 7 

nhuma outra Na^ao. Ouvindo pois tudo o r^(crido decer» 
mineUme a ir com os sobrediios fallar àquclle Senior; e 
fazendo-o asfim , em poucas palavras , me confifinou ser 
verdade lado quanto me haviào dito, e ainda multo m^ia: 
promettendo fazer-me honra , e interesse , se me resolves- 
se a partir: por estes motivos, e vendo-me mo^o, e bem 
disposto para sofTrer qualquer fadiga ; desejoso de ver 
mundo , e cousas que .ninguem da nossa Na9ao ainda ti- 
vctse visto , esperando tambem conseguir honra e ime<* 
resse; detetcninei de partir a rodo o risco: e informando^ 
me das mercadorias , e cousas que erào necessarias , vim i 
Gale, aonde consignando a bum meu parente tudo o que 
tinha trazido para Ponente : comprei ahi mesmo quanto 
me parcceo necessario para a minJia viajem , e assim de- 
sembarquei em terra j e as Galés seguirào a sua d^rroca 
para Flandres. 

CAPITULOII. 

Como Messtr Luiz ficando no Cubo de S Ficente , partio o aìh 
no siguìnte farà asCanarias. ^ 

X Endo eu fìcado no Cabo de S. Vicenre, o Sr. Infante^d 
rnostrou com isso grande prazer, e me fez muito agasa-^ 
Iho j e depois de muitos e muitos dia» me mandou armar*^ 
huma Caravella nova , do lote de quarenta e sinco tonela- 
das , da qual era Patrio bum Vicente Dias naturai de La<^ 
gos , que ne huma Povoa^ao a desaseis milhas de disrancla 
do Cabo de S. Vicente ; e abastecido de.todo o necessario , 
em nome òe Deos , e boa ventura partimos do sobredito 
Cabo de S« Vicente aos vìnte e dous de Marfo de 1445 9 
soprando-nos em popa o Nor*nordeste 3 dirigindo o nosso 
rumo para a Ilha da Madeira pelo Sudoeste quarta 'a Oeste 
em linha recta ; e aos vince e sinco do dito mez pelo meioì 
dia abordamos na liha de Porto Santo , que dista do Ca- 
bo de S. Vicente cousa de seiscentas milhas. 




E 



CAPITULO III. 
Da Uba de Porto Santo aonde abordei. 



Sta Ilha de Porto Santo he muito pcqueoa, e rem obra 
de quinze milhas de circuirò ; fot descoberta bavera viine 
c sete annos pelai Caravella» do Sr. Infiante ^ que a fez ha- 

bt« 



8 NAVK.GAfÓES 

bìtar por Portuguezcs , scndo d'antcs despovoada (/J). He 
Governador della hum Barcholomeo Prestrello , criado do 
mesmo Senhor (^). Esca liha produz trigo , e cevada pa- 
ra si i he abundanre de carne de vaca , porcos selvagens , 
e infinitos coelhos(c); acha-se cambem nella sangue de 
Drago , que se cria em algumas arvores , e he huma gom- 
ma, que ellas estilào em cerco cempo do anno Qd), e se 
colhe por esca maneìra : fazem alguns golpes com hum ca- 
tello no pé da arvore , e no anno seguirne em cerco cem* 
pò , as dicas corcaduras escilào a gomma , que cosem , e 
purificào, e assim se faz o Sangue. Ésca arvore produz hum 
cerco fruco ^ que no mez de M^r^o esca maduro , e he 
muico bom para corner , i semelhan9a de cerejas , mas 
amarello : e noce-se, que a roda da marinha se achào gran- 
des pescarias de dencaes , douradas , e oucros peixes sabo- 
rosos. Esca II ha nào cem porco , mas sim huma grande 
enseada , ao abrigo de todos os vencos , salvo o LesSucs- 
le e Su-Su3ste (e); pois com elles senio escaria alli em 
seguran9a , mas assim mcsmo cem bom ancoradouro : pu- 
zerào-lhe o nome de Porro Sanco por rer sido descober- 
ca (/) dia de codos os Sancos , nella se produz o melhor 

mei ^ 

(fl) Os nossos Escritores dizem , que se achara povoada no 
tempo do seu descobrimcnto : )9 Nao de tao fera gente corno 
naquelle tempo erào a"? Illias Cjnarias » diz Barros : mas a razao 
parcce a favor de Cadamosto , cuja opiniao segue tambem o Pa- 
dre Cordeiro na Historia Imulana, 

(6) Barros diz, que esce Bartholomeo Prestrello era da Casa 
do Infante D. Joao ; mas o Padre Cordeiro diz , que tambem o 
era da do Infante D. Heiìrìque: morfeo na India em 1514. 

(tf) Todos estes coelhos forao filhos de huma coelha , que 
Jevou Prestrello , e parlo no mar ; multi plicarao-se tao prodi- 
giosamente » que por este motivo esteve a ponto de se desempa- 
rar a Ilha. 

(1/) Conhecem*se no commercio varias especies de sangue de 
Drago : a de que aqiii falla o Author he produzida por huma ar- 
vore , a que vulgarniente chamamos Dragoneirc , ou Dragoeira , 
e que he o Dracena Draco do Systema de Linneo ; he de todos 
o mais estimado. 

( e ) Com algirma dlfferenca diz Pimentel , que » so os ventos 
do Sul , e Sud leste ihe fazem damno )). 

Xf) Està lihi foi descoberta por Joao Gonsaives Zarco , e 
Tri«:ao Vaz , que tinhào sido mandados pelo Infante para passar 
o Cabo Bojador , e que antes de o passarem forao Jancados por 
hu.na tormenta para o Mar alto , e arribdrao em Porto Sa^tOt 



Dx Lvizr DE Cadamosto. 9 

ìhél , que creio haia no Mundo , e cambem cera » mas em 
pouca 4uantidade. 

CAPITULOIV. 

Do Porto da Uba da Madeira , e suas produccSes. 

Os vince e outo de MAr9o parcimos desta Ilha , e no 
mesmo dia aporcamos em Machico , que he hum dos por- 
tos da Ilha da Madeira , distante de Porto Santo quarenta 
milhas ; e com tempo darò vè-se huma da outra : o dito 
Senbor fez povoar està Ilha por Portuguezes ha vinte e 
quatto annos para cà , seni que até entào tivesse side 
nabitada , e fez Governadorés della dous seus Cavai hel- 
ros , hum dos quaes se chamava Triscào Teixeira (4)9 
e este manda na metade da Ilha da parte de Machico , e 
outro por nome }oao Gonsaives Zarco tem n outra metade 
da parte do Funchal ; e chama-se Ilha da Madeira , ^ por- 
que quando foi descoberta nào tìnha palmo de terra , que 
nào fosse cheio de arvores grandlssimas s sendo necessario 
aos primeiros que a quizerào habitat por-lhe fogo, o qual 
andou lavrando pela Ilha grande espa90 de tempo ^ e foi 
este primeiro fogo tamanho , que me disserao ter sido ne- 
cessario ao sobredico Joào Gonsalves, e aos outros, que ahi 
se achavào com suas mulheres , e filhos , fugirem da sua 
furia , e acolhèrem-se ao mar , onde esriverào todos com 
agoa até a' garganta dous dias com duas noutes , sem co* 
mer netn beber; pois de outro modo teriào morrido quei- 
mados. Assim desappareceo grande parte do dito bosque 
tornando-se em terreno para cultivar. Està Ilha he habita- 
da em quatro partes , a primeira chamava-se Machico , ^ 
segunda Santa Cruz , a terceira Funchal , a quarta Camera 
de Lobos : e posto tenha outras Povoa9Óes , estas sao as 
principaes y e poderi ter cousa de outocentos homens en« 
ere OS quaes cem de cavallo : tem cento e quarenta milhas 
de circuito , sem porto algum fechado , mas com bons 
ancoraJouro» ^ tem terrcnos multo fructtferos , e abundan- 
Notic. Ultramar. N.^ I.° B tes , 

)l o qual Nome (diz Barros) ihe puzerao elles entao , porque os 
> s«gurou do perigo que nos dias da fortuna passàrao. » O Au- 
thor da Hlst. Ins, segue pouco mais cu menos a mesma Ethimo- 
logia de Cadamosto. 
Qa') Era o mesmo Tristao Vaz Teixeira , de que acima falla mos. 



IO NAVBGA96ES 

t98 '9 e {>osro que seja montuosa coir.o a Sicilia , neir por 
isso deixa de ser fertillissima , colhendo-se cada anno trin- 
ta mil stares Venezianos (/i) de Trigo , pouco mais ou 
menos. O seu terreno costumava prodozir ao principio ses- 
^enta por hum i presentemente està reduzido a trinta e 

Xuarenra , porque se vai deteriorando diariamente. O paiz 
e copioso de agoa de bellissimas fontes , e tem obra de 
outo regatos muito grandes , que o atravessao , sobre os 
quaes estào construidos alguns engcnhos de serrar , onde 
continuamente se trabalh&o obras de Carpint; ria » e bofetes 
de muitas ^nvenfóes , de que se prove lodo o Ponugal , e 
outros paizes. Destcs bofetes os mais est'imados sio de 
duas castas^ osprimeiros de cedro muito cheiroso , e seme* 
Ihante ao cypreste , da^ue se fazem bellissimas pranchas 
largas e compri das , caixis, e outras cousas : os segundos 
sao de ceixo, qne tambem sào muito para ver, e de hu- 
ma cor rosada ^ e por ser a Ilha banhada de muitas agoas, 
o Senhor Infante fez piantar muitas canas de a9ucar , 
as quaes provàrào muito bem , e fabricao-se a9ucares pe- 
la quantìdade de quatrocentos cantaros , tanto da pri- 
meira cosedura corno de mistura {b^-, e pelo que posso 
perceber , far-se-ha com o tempo maior quantidade , por 
ser paiz muito proprio para isso , pelo seu ar quente j e 
temperado , de tal sorte que jamais faz frio corno em 
Chipre , e em Sicilia. Fazem-se alli tambem muitos doces 
cobertos com summa perfei^ào : produz céra e mei , mas 
em pequena quantìdade : os seus vinhos podem reputar-se 
muito bons , se se considerar , que forào transplantados de 

fres- 
ca) O Star ou Staja he huma medida Veneziana de capacida- 
de » que contém quatfo mil e outenta e seis polegadas cubicas ; 
assim suppondo o nosso alqueire de seiscentas setenta e sinco 

polegadas cubicas , cada Stara vem a ter 6 t^ alqueires ; e os tres 

mi) Stares vem a sommar trezentos moios e ló alqueires. 

C^) Nao pudc aveiiguar de quanto era o peso da Cantara Ve- 
neziana , a de Fiorenza he de cento sincoenta arrates ; e regulan- 
do por està as quatrocentas Cantaras , viriao a deitar a quatrocen- 
tos sessenta e outo quintaes ; mas isto nao tem comparagao com 
o que dizem os nossos Authores « afiirmando que quando nao 
havia aìnda senao tres legoas de planta^ào de canas de a^ucar» 
chegou a render o quinto ao Mestrado da Ordem de Christo pas- 
sante de sessenta mil arrobas , cousa que com effetto pareceria 
ìnverosimil , a nào a affirmarem Joao de Barros e gutios. 



DS Lviff DB CaDAMOSTO* ff 

fresco ; e sao em tanta quantidade , que bastao para os ha- 
birantes , e ainda sobrio para exportar para fora. Entre as 
outras videiras fez o dito Senhor piantar bacellos de Mal« 
vazia , que mandou vir de Candìa , os quaes produzi- 
rào mairo bem : e por set o terreno tio gordo e bom , 
criao as videiras quasi mais cachos , do que folhas ; e 
sao elles mai grandes , do comprimento de dous , e tres 
palmos , e estou em dizer , que até de qoatro , e he 
cousa a mais bella do mundo para ver. Ha rambem uvas 
pretas de parreira em roda a perfeifào : e fazem-se na di- 
ta Ilha arcos de teixo bellissimos , e de mui boa qualida- 
de , que se carregao para o Ponente ; e tambem muito 
boas astes , e outras madeiras para estas mesmas arnias. 
Achao-se nella pavóes selvaticos , e entre' elles algun« 
brancos, e tambem perJizes ; nem tem outra alguma ca- 
pa , a nào serem codornizes , e quantidade de porcos mon- 
tezes ; e digo , que ouvi a pessoas de credito , que no 
principio havia grandissima abundancia de pombos , e am* 
da ha alguns., os quaes se capavào com hum certo la- 
f o , que Ihe lanpavào com huma cana , que prendia o pom- 
DO pelo pesco90 , e o puchavao abaixo da arvore , sem 
que elle se espantasse : iato acontecia por nào conhecer 
ainda que cousa era o homem ; e nào estar no uso de 
ser espancado :- e pode-se assìm crer , por que em outra 
Ilha novamente descoberta ouvi , que succederà o mesmo, 
A Madeira he abundante de carnes ; e ha nella mui- 
tos hotnens ricos a propor^ào da terra ; porque he toda 
hum jardtm , e tudo oque nella se colhe he ouro. Tem 
hum Convento de Frades menores observantes , homens 
de santa vida ; e ouvi dizer a pessoas honradas , e dignas 
de credito terem visto aqui , por causa da temperanpa do 
ar , nào so agra9o , mas uvas maduras pela semana San- 
ta , e por todo o outavario da Fascoa. 

CAPITULO V. 

Das sete Ubas Canarìas , e dos costumes dos seus habU 

tadores» 

JL Artimos da sobredita Ilha da Madeira segnindo a nossa 
derrota para o Sul , e chegamos às Canarìas , que distào 
della obra de trezentas e vinte milhas. Estas Ilhas sao 
sete, quatto habitadas por Christàoa; a saber Lanparote, 

B ii For- 



j 



It Navbga^oes 

Fortevencura , a Gomera , e Ferro j e cres por Idolatrasi 
isto he a grande Canaria , Tenerife , e Palma. O Senhor 
das habicadas pelos Christaos se charoa Ferrcira , Gencil- 
homem e Cavalheiro da Cidade de Seviiha 3 e vassallo 
d*£lRei dcHespanha. 

O suscenio destes Christaos , conforme as produc96es 
do terreno, he pào de cevada , csrne , e leite , principal- 
mente de cabra , de (jue rem grande abundancia -, nao tem 
vinhos , nem trigos se Ihos nào levào de fora ; pcucos 
fructos 9 e quasi mais nada bom. Achào-se nestas Ilbas 
quaniidade de asnos silvestres > principalirente na de Fer- 
ro , e sao distantes humas das outras de quarenta a sin- 
coenta milhas ; todas estào alinhadas , e a primeira enfia 
a ultima quasi de Levante a Pocnte : tira se dellas gran- 
de somma de huma herva ch.imada Pascei , com que se 
tingem pannos , e se leva para Cadiz e Rio de Seviiha, 
e dahi se embarca para o Levante , e para o Poente* Ex* 
trahem-se tambem della grande abundancia de couros de 
cabra , que sào grossos e em coda a perfeÌ9ào , bastan- 
te cebo 9 e muìro bons queijos. Os habìcantes dcstas qua- 
tto Uhas uzào de difterenies linguagens , e pouco se en- 
tendem huns aos outros. Estas Ilhas nao tem nenhum lu- 
gar murado , salvo as Aldeas ^ mas os seus reducros con« 
sistem nas montanhas , que sào altissimas , e com gar- 
gantas tanto defensaveis 3 que o mundo inteìro nào as 
tomaria senào por assedio, Isto baste , em quanto às 
quatto habitadas pelos Christaos : cada huma dclIas he 
grande 3 e a menor nao tem menos de neventa milhas de 
circuito ; as outras tres habitadas por Idolatras sào maia- 
res , e muiro mais povoadas ; prmcipalmence duas , a gran*- 
de Canaria , que concém obra de outo a nove mil aliras ; 
e Tenerife , que he a maior das tres , e que se diz ter de 
quatorze a quinze mil. A Palma tem pouca gente » mas 
he multo para ver. Estas tres Ilhas , por serem habitadas 
por gente de defesa , com montanhas altissimas , e desfi? 
ladeiros perigosos , nào podérào ainda ser subjugadas pe-* 
los Christaos. 

De Tenerife , que he a mais habitada , se deve fa- 
zer particular memoria ; pois he huma das mais alias Ilhas 
do mundo , e em tempo ciato vè»se nella hum grandis5i« 
mo Volcào i e a marinheiros dignos de fé , ouvi teremna 
visto a vontade , do mar , em distancia de sessenta a se- 
centa legoas de Hespanha , que sào duzentaa e siincoeni;a 

pi? 



X>C LviK DE CaDAMOSTO. 1} 

milhas das nossas , e isro por ter huma ponra , ou monte 
no meio da Ilha a modo de diamante , que he altissimo y 
e arde continnamente , o quc tambem se póde cuvir aos 
Christàos , que esriverào presos na mcsma Ilha; os quaes 
afHrmào ter a sobredita ponta, de altura desde a base até 
ao cume , obra de (]uinze legoas de Portugal , que sao ses- 
senra milhas das nossas. (^) Està Ilha tem nove Senhores 
chamados Duques , mas nào sào senhores por maneira , 
que succeda o iìlho ao Pai ; aquelle porém , que mais 
póde , esse he o Senhor ; e fazem às vezes guerra entre 
si, ma^ando-'se corno féras. Nào tem outras armas senào 
pedras ^ e paos a modo de dardos , na ponta dos quaea em- 
butem hum corno agu9ado em vez de ferro 3 os outros , 

3Qe o nào tem sào losrados na ponta , e fìca aquelle pao 
uro corno ferro, e com elle pelejào. Andào serrpre nus , 
salvo alguns , que usào de pelles de cabra , huma por 
diante , outra por detras. Untào o corpo com cebo de bo- 
de j preparado com o succo de algumas hervas , o que Ihe 
engressa a pelle, e os defende do frio, bem que pouco 
frio reine naquellas partes , por estarem para o meio di?. 
Nào tem casas de paredes , ncm de palha , mas habrtào 
nas grutas ou cavernas dos montcs j sustentàose de ceva- 
da , de carne , e de leire de cabra , de que tem abundan- 
cia, e de alguns fructos , especialmente de figos re^^or 
ser o paiz muito quente colhem a cevada em o mez de 
Margo e de Abril. Nào tem nenhuma Religiào , mas buns 
adorào o Sol , e outros a Lua -, e tem novas fantasias de 
Idolatria. As mulheres nào sào communs , mas he licito 
a cada hum romar quantas quer ; e nào tomariào mulher 
virgem sem que primeiro dormisse huma noute com o seu 
Senhor , o que rcputào grande honra. Se me perguntarem 
corno tudo hio se sabe , responderei , que os habirantes 
das quatto Ithas dos Christàos , tem por costume hit 
com algumas fustas assaltar aquellas Ilhas durante a nou- 
te , para aprisionar estes Canarios Idolatras , e as vezes to- 
rnio machos e femeas , e os mandào para Hespanhà a ven- 
der comò escravos : outras vezes tambem acontece , que 
alguns das fustas fìcào prisioneiros , e os Canarios nào 09 
fazem morrer , antes os empregào em matar cabras , eg« 

fò- 

Cfl) Nào sedevcm entender quinze legoas de altura perpendi- 
cular , mas sim que he preciso andar quinze legoas para chegat 
até Q seu cume» 




14 NAVEaA9ÓBS 

foUllag, e prepuar a carne, o ijus tem por OiHcio viltis- 
timo j e deapresivel ; e os obrigio a crabalhar tanto até 
que ganhem o seu resgate. 

Tem OS Canirios oucro costume, e he; que quando os 
seus senhores entrao novamente no Governo , offerece-se al- 
gum deiles a morrer , para honrar a fcstividade , e carni- 
nhàocodoi para hum cerco valle fundo, onde depois de fet- 
cas cercas ccremonias, e dicas algamas palavras , aquelle 
que quer morrer peloSenbor, se deità abaixo naquelle prò- 
fundo valle , e se faz em pcJafos , ficando depoìs o Se- 
nhor obrig^do a fazer mui grande honra , e beneficio a 
familia dj ^ìiorto. Todos dizem ser certo esce costume bar- 
baro, e bestiai; e os Chrìscàos, que là tem estado pri- 
sioneiros , assim o afHrmào. 

£sces Canarios sào homens muito ageis , e grandes 
corredores e salcadores, por estarem costumados aos preci- 
picios daquellas Ilhas , cheas de m3ntanhas ; e saltào de 
peieJo em peiedo descal9os comò cabras , dando salcos 
que parecem incriveis. TaTibem atirao pedradas com cer- 
teza e for^i , de tal modo , que alcan9ào aonde querem ; 
e tem tao seguro bra9o que com poucos golpes de pedra 
fazem hum e>cudo em mil peda9os. £u vi hum Canario 
Ghristao na Ilha da Madeira , qu^ fazia a seguinte aposta : 
dava a tres homens , huma duzia de iaranjas a cada hum, 
tornava para si oucra duzia ; e obrigava-se a acertar ero ca- 
da hum deiles com as suas doze sem que errasse nenhu- 
ma , e sem que nenhum dos outros Ihe tocasse com ne- 
nhuma das suas , excepto nas màos , por se querer defen- 
der com ellas ; e rudo isto nao se aproximando delle ou- 
co ou dez passos , e nao se achou quem quìzesse entrar 
na aposta , porque toJos conheciào que o faria melhor do 
que o dizia : donde concino , que esca casta de homens 
he a mais ligeira , e mais destra de qaantas ha no mun- 
do. Tambem usào , assim homens comò mulheres , de pla- 
car o corpo com o succo de certas hervas verdes , verme- 
Ihas, eamarellas, e tem para si, que semelhanres cores 
sao huma bella devisa , fazendo disto a sua gala corno 
nós de hum bom vescido. Eu estive em duas das dicas Ilhas 
Ganarias , isto he , na Gomera , e na de Ferro , que sao de 
Ghristàos ; e tambem na Uba de Palma , mas nesta nao 
•ahi em terra , por querer seguir a minha viagem. * 



CA- 



DE Luis deCadamosto. 15 

CAPITULO VL 

Do Cato branco da Ethiofìa , da llha de Arguim ^ e de 
outras visinhas. 

1 Artimos desta Dha navegando sempre pelo meio dia para 
a Ethiopia ^ e chegàmos em poucos dias ao Cabo branco, 
distante das Canarias obra de outocentas e setenta milhas ; 
e he de notar que partindo das diras Ilhas para demandar 
aijuelte Cabo, se vem escorrendo a Costa d'Africa , aqual 
andando para o meio dia , vem a ficar a mao esquerda y 
passando se ao largo « e nào tendo vista de terra; porque 
as Canarias sào muito metidas no mar para o Poente , e 
a qual dellas mais distante da Costa ; e assim vai*se na- 
vegando ionge de terra , até se terem passado ao menos 
as duas terfas partes do caminho das ditas lihas ao Cabo 
branco j e depois busca* se mais a visinhan9a da Cosca a 
mio esquerda , até ter vista de terra , para nào montar 
aquelle Cabo sep oreconhecerj porque além delle nao se 
ve terra alguma , senào em grande distancia mais adian- 
te , recolhendo-se a Costa para dentro, e formando hum 
golfo, qt)e se chama a Fuma de Arguim; nome que se ./t*)^ ^ 

deriva de huma Illiota , que està no meio delle, a qual W^^'-r'--}'^'- 

he assim chamada pela gente do paiz. O dito golfo entra q ^k'"^ 
pela terra dentro mais de sincoenta milhas , e tem cres 



.ft^: 



S': 






'Ji iry^^rr^ -^ 



Ilhas além desta, às quaes os Ponuguezes puzerào os se- ^^^ '^4; 
guìnies nomes , a liba branca , por ser roda arenosa; a ~/ ^ "1, 
llha das Gar9as , porque os primeiros Portuguezes achà- ^ '^Hrj ,:,- , 
rao nella tanta quantidade de ovos destas aves maritimas , ^"^^^^'ft ^ 

uè carregàrào com elles duas barcas ; a terceira a llha 
OS Corafóes : e rodas sào pequenas , arenosas , e desabU 
tadas ; na de Arguim acha-se agoa docc em abundancia^ 
mas nas outras nào. 

CAPITULO VII. 



3: 



Discurso sobre a Ethiopia e Deserto , que està entre ella $ 
a Barbarla , e porque causa Cabo branco fot 
assim chamadOé 



D 



Ève notar-sc , que sahindo fora do Estreito de Gi- 
brahar 9 navegando a esquerda pela Costa de Barbaria^ 

pa- 



N 



i6 Navbqa^oxs 

para està da Ethiopla ; nao se acha habita9ao alguma dcs- 
tes Alarves , salvo junto ao Cabo de Chancim : e desde o 
dito Cabo pela Cosca acc Cibo branco , principiào as cerras 
arenosas , que he o Deserto , o qual confina pela parte do 
Tslorte con as montanhas , que cercao està nossa Barbari» 
d'aquem de Tunes , e d'aquem de todas aquellai povoa* 
cóes da Costa ; Deserto quc os ditos Alarves chamàa Sa- 
hara : e da parte do Sul confina com os Negros da Ethiopia, 
e he de tao extraordinaria grandeza y que hum homem a 
cavallo poe sincoenta a sessenta dias a atravessallo , eoi 
huns lugares mais , em outros menos. Este Deserto vem 
beber no mar Oceano sobre a costa , que he toda areno- 
sa, branca, e seca ^ e he terra baixa toda igual , e nào 
mostra ser mais levantada em hum lugar que n'ourro, are 
o dito Cabo branco , que foi assim chamado , porque os 
Fortugoezes , que primeiro o descobrirào o virào arenoso , 
e branco , sem mostra de herva , ou de arvore alguma ; e 
he hum bellissimo Cabo , por ser em triangulo na sua 
frente , entre tres poncas , distantes huma da oucra cousa 
de huma milha. 

CAPITULO Vili. 

Dss peixes que se ach/io na dita Cosu , e dos baticos de 
area que estao no golfo de Arguim. 



Ei 



rM toda està Costa ha huma grandissima, e extraordi- 
naria abundancia de diversos , e muito bons peixes grifn- 
des , e- semelhantes aos nossos , que se pescào nas Costas 
de Veneza , e ainda de outras qualidades. No dito golfo 
de Arguim , e em toda a sua extensào , ha pouca agoa , 
e muitos baixos , huns de area , outros de pedra \ e o mar 
tem ahi grandes correntes de agoa , por cuja causa nao 
se navega senao de dia , com a sonda na mào , e a bene* 
Scio da mare; enos baixos do dito golfo naufragàrào ja 
dous navios, Ò Cabo de Chantim , de que jà fallàmos , 
està a respeito do Cabo branco , quasi de Nordeste a Su- 
dueste* 



CA- 



DB Lviz dbCadahosto. 17 

e A P I T U L p IX. 

Da povoaqao deGuaJerif dos costume s dos seus hcbitantesì 
e suas mercadorias. 



D, 



^Eve-se mais saber, que na direicura de Cabo branco, 
pela terra dentro , ha nurna povoa9ao por nome Gua- 
den (il), que dista da costa obra de seis jornadas de ca- 
melo , a qual nào he murada , mas nella se recolhem os 
Arabes , e serve de escala para pousarem as caravanas , 
que vem deTombuto, e oucros lugares dos Negros a està 
nossa Barbarla de cà. O sostento dos habitantes deste lu- 
gar , sao tamaras e cevada , de que tem quantidade , que 
Ihe nasce em alguns lugares , mas nào quanta Ihes baste : 
bebem leite de camelo , e de outros animaes , porque 
nao tem vinho j tem tambem vaccas , e cabras , mas nào 
muitas , porque a terra he seca , e tanto os boia corno as 
vaccas sao pequenos em compara9ào dos nossos. EHes sao 
Mahometanos, e inimicissimos dos Christàos. Nào tem ha« 
bitafào fixa , mas andào sempre vagando por aquelles de* 
sertos ; vào às terras dos Negros , e vem tambem a està 
nossa Barbarla de cà : sao em grande numero, tem muita 
copia de camelo3 , e nelles acarretào cobre , prata , e 
outras cousas da Barbaria para Tombuto , e terras dos Ne* 
gros , donde trazem ouro e malagueca , que conduzem 

E ara cà ; sao homens parJos , e vestem algumas tunicas 
rancas sobre as carnes , com orlas de cor vcrmelha ; e 
bem assim as suas mulheres tambem usào de camiza. Os 
homens trazem na cabe9a hum lenpo à mourisca , e an- 
dào sempre descal9os. 

Nestes lugares arenosos achào*se quantidade de leoes , 
leopardos , e abestruzes ; cujos ovos muitas vezes comi , 
e sao saborosos. 



Notte. Ultramar. N.^ I.^ C C A- 

C^) Cadamosto escreve Hoden « e assim nomea a povoacio , 
que hoje se chama Guaden « pela facilidade de converter em G 
o H aspi rado. 



*® *^ ^ ^ * e A p ó . , 



CAPI TULO X. 
Do centrato fato pelo Sr 7*,f^ . ts 

jirguim d cerca das m'erc"d^"!L. /^***."'f**' »"» ^'*rt < 

yJ Senhor Infante D. H e» ri « e 

hum centrato por dez annoL^ !,/" "«" ^l^a de ArRui 
podesse entrar no golfo pfra'r^.^ ""°'^*» * S«e nìnlu 
jna feitoria na dita Ilha ^ ^ «onirato , « „.VJi * v 
dem aquclles Arabe, f 'Se '^'""'"^ ' S"« conTp^i ''"* * 
iJ.yer,as_ mercadorias . ' ^* X^"' a matin^o .^'J 



liha de Arguim. ^*« e vem caraveufl^'y ^ P«' 

Tcm tambem estes a, ì. *^«^la^ de Pouuc-. 

COITI OS quacs traficào - ^'a^es moitos ^ , 
gres , que Ihe, dio e^ ., **' «^ondu^l J*''/'"^'» ««West 

kunr» » segundo a sua cC^ , Pirite cak » « ven^»^ 
mouriscas, que se mg^^V^^ade. Ig^f,?*» <»« escra^ ** 



f\T 






DE LviE DsCaDAMOSTO. I^ 

àc Argnim armadas , humas vezes ou&tro ^ oucras rnals ; le 
do noute desembarcavào , cahiào sobre algumas Alcèat de 
pescadores , e faziào correrias pela terra ; de mocìo que 
prendilo esces Arnbes tanto machos corno femeas , e os 
trazìào a vender a Portugal ; e assim o faziào por toda a 
outra costa que està mais avante éntré o Cabo branco , e 
o Senegal , que he bum grande rio, que divide as terras 
dos Azenegues y doprimeiro Reino dos Negros» 

Estes Azenegues sao de huma cor amulatada , e mais 

pardos do que mulatos ; habitào alguns lugares da costa , 

que jaz alena de Cabo brnnco , vagao muitos delles por 

aquelle deserto pela terra dentro , e confinào com os so» 

bredicos Arabes de GniJen. Estes ultìmos tambem vì- 

vem de tamaras , cevada , e leite de camelo , mas por 

escarem mais visinhos à primeira terra de Negros tratào \ 

com elles, e crazem de là milho , e alguns legumes , isto '| 

he, feiióes , com que se sustentào : sao homens de pou- 

co corner f e que aturào a tome , pois com huma escude^* 

la de papii de cevaJa se su>tentao frescos bum dia incei- 

IO; e isto Fazem pela falta que tem de outros viveres. A 

ésces 9 corno jà disse , he que os Portogoezes aprisfona- 

vào e vendiào , e erao os mclhorefi escravos de todos os 

'Negros : mas , qualquer que fosse o morivo 9 de bum ccr«^ 

to tempo para cà tuJo se redtizio a paz , e crato de mer« 

cancta ; e nào consente o Sr. Infante , que se fafa danino 

a nenhum delles ; porque espera , que traiando com oé 

Christaos , levemence se possao reduzir à nossa cren9:i « 

nào escando ainda bem firmes na fé Mahometana 1 senào 

pelo que della tem ouvido dizer. 

Tem estes Azenegues bum eitranbo costume , e he 
rrazerem a roda da cabefa hum panno com huma ponta 
cahtda pela cara abaixo ^ cobrindo assim a boca e par- 
te do nariz , e dizem que a boca he huma tèa cousa , 
que continuamente larga ventostdades, e mào halito , e por 
tanto se deve trazer coberta e nao a mostrar; còmparin* 
do*a quist ao anas , e tendo para si, quo estas duas par- 
tes devem andar esconJiJ.is : e he verdade , que tendo eu 
visto mjito^ , nunca 0$ vi descobrirem-na , salvo quando 
comem e nao mais, Nào tem dÌ3tin9Ów*s de nobreza , só- 
mente os mii? ricos sao reverenciados , e obedecido? al- 
gum tanto mais, que o"? outros. Sao pobrcs , vclhacos , e 
lairóes , mais do que quaesquer outros homens do mun* 
do, e grinJcs traidores. Tem huma esiatura regular,sào 

C ii ma- 



20 ìiAVEGAfÒni 

snagros , e trazem os cabellos cahidos peUs co$tas abai- 
xo, quasi ao modo dos Alemàes ; mas os seus cabellos 
sào negros , e untào-os todos os dias com gorduia de pei* 
xe 3 por cujo motivo fedem muito , e ìsto repmào glande 
corce»dnia, 

C A P I T U L O XI. 

que 05 Jzeneguci julgdrao ser os primeim Navios , ^«e vii 
rio naquelhs mares» 

C . .. ! 

V^ Onvem sabcr , que estes homens nao tiverao roucia 1 

de oucros Chrisiàos , senào dos Ponuguezes, os quaes \\\cs 
fizerào guerra por espa9o de trezc cu quatorie arnos , 
aprisionando muitos delles , corno ja disse , e vcndcndo- 
08 por escravos ; e posso certificar , que quando v'iiào as 
primeiras vélas , ou Navios sobre ornar, (que amet\ot- 
mente nem elles , nem os seus aiìtepassados tinhào v'isio"; 
crèrào que fossem passaros grandes com azat brancas , qu< 
voassem , e tivessem vindo de algum lugar esirans^eìio 
e logo que ferrarào as vélas para surgir , alguns óeU< 
pensàrào que tossem peixes vendo-os tao compildos *, o 
tros diziào que erào Fantasmas , que andavào de t^oul< 
e tinhào grandissimo medo dellas ; e diziào isto , potq 
as vezes , no principio da noute erào assaUados em Vi 
lugar e naquella mesma noute pela madrugada acoiu< 
o mesmo cem milhas mais adiante pela costa , outtas 
zes mais atrds , segundo ordenavào os das Catavellas 
segundo sopravào os ventos ; e diziào entre si : se fot 
creaturas humanas comò poderi ào fazer tanto camìnVic 
huma noute , quanto nos nào poderiainos andar en 
dias ? Nào percebendo assim o modo de navegar *, d 
ma , que se inclinavào absolutamente a que (ossen\ f 
mas , e disto me certifìcàrào muitos Azencgues ^ ^ 
tao escravos em Portugal , e muitos Portuguezes , q\ 
te tempo praticavào em ^quelle rio com CaravcUas : 
se DÓde ajuizar , quanto fossem novos nas nossas 
tendo desta huma tal opìniào. 




17 ^ ^ 



Di II- 



*^/ r y^'^'^w c/-^ z/*'--^^^ eia «t» denr 



-y.^ y/^-*^^ . . „ela tetra denr 

^-^«^ ^^S J V *"' ^* d'i Z«= «^ "ticgado 



-Z^^ A«f ^^^'^ ./7/ , ^/^ ^-^ Zm-ta. ^*^ \t^tJ'^*' ; ^ade dessi « 

^/-^ ^/r^ Oi?«r^^^ ^f /^'^ZS*"^ J^ <2"-^ '^r rombato, FK 





















<> 
.<*' 



^.^*-"^? J"^--^*"^ ^^^o-'- „.<i 









:^^o 






-,5-*^ iVl^'*^ -'**^ 












•- ^ 

%.>*■ 



tZ NAVEGAfasT 

cnJeta coni alguma agoa , e a bebem todos os dias , t 
com isco dizem , que se salvie das molestìas. A outra 

f»or9ao rcst<intc he conduzìda por huma dilaiada viagem, 
elea em pc:di9os tao granJes , quanto hum homem pos- 
sa beni levar sobre a cabe9a , com certo engcnho, que 
para isso cem > e jà o dico sai tinha sido conduzido a 
Melli em os camelos , em dous granJes pedajo» tallìa- 
^os da mina , com figura propria para carregar sobre hum 
camelo , levando cada bum dous : e depois em MeWl , 
esces Negros o parte m em por9Óes menores , para o le» 
vàrem a cabe9a ; de maneira , que cada homem leva Kum 
peda90 i e assim fazem hum grande exercito de homens 
de pé , que o conduzem por huma grande extensào de ca- 
minho. Os que o carregào levao duas forquilhas , huma 
em cada mào , e quando estào can9ados , as cravao cnt 
terra, e sobre ellas descarregào o sai : e deste modo < 
carrerao atc certas agoas , que nào me souberào dizct si 
^ *j crio doces , ou salgadas , para cu perceber se era no q 

*d*^^l§^S ^ ^^^ i '""^^ tenho para mini que he rio i porque se tosi 
^V'I^^'^^^'Tn^-' 3 niar , em hum clima tao quente , nào teriào neccss'ida* 
5* " ' '"7^v \ 3 de comprar sai. Frecisào csccs Mouros de o concuz'ir i 
^' " ', \' .'A sim j porque nao lem camelos, nem ourros animaes 

^ i^2 carga , que nào povkriào alli viver, por causa do gtai 

*^^ calor i e pondere se quancos homens scrào piecisos \ 
este carreto , e quantos dcvem scr os que o conson 
cada anno. 

Chegando pois àquellas agoas , guardie està m^ 
jra: todos aquelles de quem he o sai , fazem delle i 
tes alinhados , marcando cada hum o seu -, e depoi 
feitos OS ditos monres , todos os da Garavana voliào 
traz , cous.ì de melo dia de camlnho ; depois vem 
Tribù de Nejros («), que nào se quer deixar ver 
fallar , em huma> barcas grandes , que parece sah'ir 
algumas Ilhas ; abordào em terra , e visto o sai , 

(fl) Ha huma tal semclhanca «nere està passagem , e < 
Herodoto , referi n^ia ns costumes de^tes ou de outros Po 
nhos ila costa de Africa , que nito pr»deiìios deixar de a 
extcnso , nao tanto para fazer ver a veracidarfe dos dous 
d©re^ , caino j^ara mf>«ffjr o qitanto ^« conservar» os haV>i 
OS Povos ha/baros , ean cue a civiljsacao tein fcito po': 
gressos : a passagem de Herod^ito he a sef;uiiite , tira io 
IV. n.*^ 280. nas pabvras Aiy^'jn ^^ xz» tù^t atc tò p^p^'s* 
que em Liugoagem querem dizer o seguiate : 



i> 






^7 V ^ 









^ r: 






c:> ^ 



v/o 



^v^^»^»^ 






2 









, ^ -^ « O s T 

^^n7 wy_^ /c^: '^'^ ^^ 









7 ^C Ih CTS p 



^ o- ri o 



ouro , 
*^ no*? 









i)..: 



et 



^r fi -IVI do 



ì 






'A^ 



■•!1(Ì0 









j tonro 



se 
so 



API 






'"^ ^Tc-rp e- 5^ ij t *^ _. 

.1 t/.jrr 



atììr 



zf.. 



^U 



ornU' se Icv^z o ojfi cj 



^ r ^4^1 Ito. 









tie 









csr es 






j^^,^ ^> * I «w 3 ti I ^: i ìt o 
^^•^-O. amor { u 1 

O^ o eri u ni lj 

T f ! 1 ì 4.1 e e e r m i n r li a 
s ; t- tenero corv5.<i . 



ì 



con c^ 



^ ^-j uè// e 
.^ ^ ror- 

riem 
Z^ £:aS' 



^^^r/'-V/ir 



'^ r *^ o r <^' ;^ , 
ver, no rr^ 
r O > a n !^ o -5 p 



Cj t_T i.?' ^ c^ ri r e i o^^c- 
I .^ ! 3 -1 r r f o i - me r 

L ^ 5= il ./ O S ^ t^ L3 e h LE 

rocJo o c:u?^rc> col he 



«J* 1- -e 




t 






-4 



lì t " ni ^ % m (ìs 

^ tt 7 e ^ e vii=^ e 1 1 e ^ V Cu » , t i t - 










» 3 -' e 5r d-tj*^ 7/>^ "^ ^ l'V'* '"j r\T>*s aiUci. de. ICS 






24 Navbga9ok9 

a Cinvani do sii a sobredici mela jornada , estivessem 
perco do liigar em que hiviio posto os monces , e (^ue 
junto a eltes se esconJessetn ; e quando os Negros vies- 
sem a p3r o ouro ao pé do sai os assalcassem , e prendes- 
sem douf , ou cres , que debaixo de boa guarda conduzì- 
riào a Melli. Para o dtzer em poucas palavras assim se 
fez , poJérào prender quacro , e os outros fugicao j e ain- 
da desres quatro deixarào ir tres , parecendo-lhes que bum 
bastava para satisfazer a vontade do Soberano ; rudo a fìm 
de nao indignar mais os ditos Negros. Mas nem por isso o 
preso quiz responder por mais que Ihe fallassem em diffe- 
rentes lin;^oagens , nem corner : viveo assim quatro dias , 
té que expirou. Por isto he opiniào dcstes Negros de Mel- 
li, pela experiencia que tiverào deste nao querer fallar, 
qac toJos sào mudos : ostro? pensào , que tendo fórma 
fiumana devem fallar , mas que esre o nao quiz fazer por 
indignagao , visto ter-se praticado contra elle , o que nun- 
ca se tinht praticado conerà seus antepassados. 

Està morte foi sentida pelos Negros de Melli , vendo 
que por aquelle modo o seu Rei nao podia satisfazer a sua 
intenjiao ; e tornando a elle Ihe contàrào o facto segundo 
succederà , com o que houve grande desprazer : e pergun- 
lou que estatura era a dos Negros^ respondèraolhe , que 
erào homens negrissimos , e bem formados de corpo , bum 
palmo mais altos do que elles , e que tinhao o beÌ9o de 
bAixo cousa de tres quartos de comprido , cahindo*lhe so« 
bre o peito , grosso e vermelho , mostrando na parte de 
dentro verter sangue ; e o beÌ9o de cima pequeno corno o 
delles i e por està forai itura de bei9os mostravao as gen- 
givas , e oì dentes , os quaes diztao serem maiores do que 
03 seus ; e tem nos laJos da boca dous dentes grandes , 
e OS olhos grandes e negros ; sào de aspecto terrivel , 
as gengivis vertem tambem sangue comò os bei90s : e 
pelo sobredito motivo nao houve depois nenhum daqueU 
les Imperadores , que se quizesse mais meter com seme- 
Ihante cousa -, sendo o caso que pela prlsào , e morte da- 
quelle Negro so , estìverao tres annos sem que quìzessenn 
tornar com o ouro a comprar o sai costumado. ]ulgao tam* 
bem, que os bei9as Ihes apodrecem por estarem em pai* 
zes mais quentes , que os delles ; de sorte que tendo sup* 
portado estes >Ie§ros tal enfermidade , e morte pelo espi* 
90 do dito tempo , nao achando modo de haverem o sai 
por outra via , para se curarem , tornàrao em firn ao anti- 

SO 



DE L V l Z DB GaDAJI^OSTO. 1^ 

go U20 ; e por isro he opiniao communi , que nào podem 
viver sem sai ; os Negros de Meili medein o seu mal pe- 
lo que elles mesmos padecem , e assim no seu Impera* 
dor nao Ihe importa se os ourros Negros quercm ou nao 
fallar, com tanto que elle tire os interesses do ouro. Is- 
te he quanto eu ouvi sobre esce assumpto ; e pois quc 
tantos o dizem , nós o podemos acreditar, e cu sou hum 
daquelles ( porque vi, e ouvi alluma cousi do Mundo) 
que quero crer a 'passìbiliJade destas e de curras cousas. 

Ò ouro que chega a Melli , reparte-so em tres qui- 
nhóes : o primeìro vai com a Caravana , quc segue o ca- 
minho de Melli a hum lu;^ar , que se c!iama Cochia , que 
fica no caminho que se dirige para Soria e Cairo : a se- 
gunda e terceira po:9ào vem em huma Caravana de MeN 
li a Tombuco, onde se rcparte em dous quinhócs ; hum 
vai para Toet , e dahi se extende para Tunes de Barbaria , 
e por codi a costa de cima, e o outro vai para Guaden ^ 
lugar supranomeado , e dahi se espalha por Oran e One , 
lugares tambem da Barbaria dentro do Estreìro de Gibral- 
tar , e p\ra Fez Marrocos Arzilla Qafim e Messa, lu- 
gares de Barbari! Fora do Estreito ; e neste lugar o com- 
pramos nòs os Italianos e Christàos aos Mouros , por di- 
versas mcrcadorias, que Ihes damos : e para tornar ao meu 
primeiro assumpto , esca he a melhor couza , que se tras 
d<i sobredtta terra , e paiz de Azenegues ; porque daquella 
por9lo de ouro , que chega cada anno a Guaden ( corno 
fica dito ) trazem afguma às bordas do mar ; e està yen- 
dem aos Fortuguezes , que estao de assento na sobredita 
Ilha de Arguim para o crafico da mercancia , em croca 
de outros generos. 



CAPITULO XIV. 
Da moeda de que uzio os Azenegties , e dos seus uzos. 



N, 



■ Esca terra de Alarves nao se bate moeda alguma,nem 
uzao della , nem tambem em algum outro lugar pela cos- 
ta adiante ; mis roio o seu trafico he trocar cousa por 
cousa, ou duas cousas por huma , e por este modo he que 
vivcm. VerJade he, que ouvi que pda terra dentro, es- 
tes Azene^u^s, e :iinia os Arabes em algamas povoa9Óes 
«uis, uzij de concHa^ brancas , destas pequenas quc vem 
^otic. Ultramar. N.° I,° D a 



t& NAVBGAgOBt 

a Veneza pelo Levante , e dio certo numero degras a sea 
modo, conforme as cousas (]uc tcm a comprar. Dcclaro, 
^ue o ouro que elles vendem o dao a peso de Mitigai 
(segundo se costuma nas Barbarias); cujo valor he de 
hum ducndo, pouco mais ou menos. 

Aquelies <]ue habirào este deserto nao cemRengiao, 
nem Senhor algum naturai ; salvo que aqucUes que sao 
mais rìcos , e tcm mais scquito de gente ( corno he uzan- 
(a em muitas outras partes ) sao os Senhorcs. As mulhe- 
res deste paiz sao pardas , e costumào trazer a maior par* 
te dcllas pannos de algodào » que Ihes vcm das ttrras dos 
Negros , e algumas daqucUas roupas , que acima dissemos , 
que se chamavao Alquìzeis , sem uzar de camìza. Aquella 
mulher, que tem maiores peitos he reputada mais forn-.o- 
mosa que as outns ; de modo que para os terem grandes , 
quando sao de ì-jade de dezascce para dezouto annos , e 
elles principiao a crescer , fazem-se ligar com huma cor* 
da ao redor do peito, a qual Ihos cinge pelo mcio , aper- 
tando-os tanto , que se quebrào , e soltào ; e com o n:uit9 
pochar todos os dias , os fazem crescer, e alongar-se por 
tal maneira , que a muitas dellas chcgào ao embigo , e 
apreciào as que assìm os tem , corno huma cousa singular. 
Cavalgào tambem em cavallos a Mourisca , mas tem pou* 
cos , e nao os podem manter por ser o paiz esteril , e porque 
pelo grande calor nao podem viver muito tempo* As ter* 
ras deste deserto sao muito calmosas, e de poucas agoas, 
e por este motivo o paiz he seco, e este ni : e nao ha 
chuvas nestas paragens senào em x>s tre^ mezes do anno». 
Agosto , Setembro , e Outubro : tambem ouvi dizcr , que 
em alguns annos npparece huma grandissima quantida- 
de de locustas do comprimento de hum dedo , que*v6ào 
e sao comò os gafanhotos , que nascem e saltào nos pra* 
dos, mas estes sao maiores , vermelhos e; amarellos; e 
apparecem fio ar em tanta quantìdade em certos tcmpos ^ 
que o cobrem de modo , que se nao ve Sol ; e quanto al- 
can9a a vista de hum homem , de doze a dezaseis milhas 
ao redor, tudo se ve coberto destes animaes , tanto o ar 
corno a terra , que parece huma cousa estupenda , e aonde 
chegao nao fica cousa alguma , que nao scja destruida : 
he està huma grande pestilencia , que elles reputao ter , 
e se apparecessem todos os annos nao se poderiào habi* 
tar OS ditos paizes -, mas nao vem senao huma vcz em 
ires ou quatto annos ; e na occasiào , que passe! por alli « 

OS 



DB L V ì Z DbGadAMO$TO. Ij 

OS VI nx marinha , e erao em nomerò e qaantidade incaN 
cuUvsl. 

CAPITULO XV. 

Do grande rio chamado Senegal , anttgamenu Niger -, e de 
corno fot deseoberto. * 



D, 



Epois que passamos o Cabo branco , navegamos a vis- 
ta delle por nossas jornadas acé ao rio chamado do Sene- 
gal , qui* he o primeiro rio da terra dos Negros , entrando 
por aqiiella Costa j o qual estrema us Negrof dos Pardos 
chamados Azenegues ; e parte rambem a terra seca e ari- 
da , que he o deserto sooredito , da terra feriil , que he 
paiz de Negros. Sinco annros anres que eu fizesse està Jor- 
nada , foi descoberto" o Senegal por tres Caravellas , do 
Sr. Inhnte 3 entrarlo deaera nelle , e tratarào amizade com 
estes Negros ; de modo qae princìpiàrào logo a commer- 
ciar ; e assim de anno em .inno Forao hindo là navios 
até o mea tempo. Este rio he grande , e na sua foz rem 
de largara mais de huma milha ^ he de bastante fundo, 
e faz ainda outra boca , hum ponco mais avante ^ com 
huma II ha no melo, por co)o motivo se mete no mar por 
duas bocas , e sobre cada huma destas fozes , fórma ban- 
cos de area, e parceis pelo mar dentro, quasi huma mi- 
Iha : neste lu^ir cresce e mingoa a agoa todas as sei» 
horas , i^tio he a mare enche e vasa no refendo tempo, 
e sobe pelo rio mai» de sessenta milhas , segando a in- 
formii;ào que rive dos Portuguezes , que estiverào com as 
Ciravellas. por elle acima. Quem quer entrar dentro del- 
le , deve hir com a mare por causa dos bancos e par- 
ceis, que estao na sua embocadura ^ e do Cabo branco até 
aqui contao-se trezentas e outenta milhas ; a costa he co- 
da arenosa até junto a barra obra de vinte milhas , cha- 
ma-se costa de Anterote , e he de Azenegues ou amu- 
latados ; e parece me maravilhoso , que além do Senegal 
todos sejào negrissimos grandes grossos , e bem forma- 
dos de corpo ; e rodo o paiz verde cheio de arvores e 
fertil : e da banda de cà todos sejào homens amulatado^ 
negros enchutos , e de pequena estaiara j e o paiz esteril 
e seco. Este rio , segunJo dizem homes sabios , he hura 
ramo do Gion , que nasce no Paraiso Terrestre (/i)i 
• Djj o^ 

C*) O R.Ì') Gioii Oli Gehoa nào noi he conhecido senào pelo 
Genesis 9 e quesciona-se ainda unde nasce « e qué rio he; por 



28 Navega9Óes 

o qual Foi ctiamado pelos ancìgos Niger , e vem banhao- 
do toda a Erhlopia , e caminhando pelo Ponente para o mar 
Oceano , onde desagoa , e taz oucros tamos e rios além 
deste do Senegal : o outro ran:o do Gion he o Kiio , o 
qual passa pélo Egypto, e desemboca no nosso mar Me- 
diterraneo ; e esti he a opiniào daquelles que tem viaja- 
do a roda do Mundo* 



o 



CAPITULO XVI. 

Do Rum do Senegal 9 e sem limites» 



Primeiro Reino de Negro» da baixa Erhiopia , he ^sre 
que fica sobre o Rio do Senegal ; osPovos que habirào as 
suas margens chamào^se Jalofos , e toda està costa e paiz 
acima dedarados, he terra bai^a , atc Cabo verde, que he 
a terra mais alta de toda aquella costa , ìsto he , quatro«> 
centas milhas mais além do predicto Cabo. Segundo tu pu- 
de perceber, este Reino do Senegal confina pela terra da 
parte do Sul com o Reino de Gambia y do Pocnte com o 
mar Oceano 9 e do Nascente com o Reino acima duo,. que 
estrema os amulatados destes primeiros Negros, 

CAPITULO XVII. 

Como se elegem os Reis do Senegal , e corno sustentao os seut 
Estados , dos seus costumcs , e das suas mulberes. 



o 



Rei do Senegal no meo terr.po tinha pornome Zucho* 
lim, e era mofo de vinte e dous annos. Neste Reino nào 
se succede por heran9a ; mas ha diversos Senhores , oa 
quaes às vezes por ciume que tem huns dos outros , se 
ajuntao tres ou quatro , e elegem hum Rei a seu n.odo ; 
com tanto porém , que elle tenha nobre parentella na sua 
gera9ào. Este Rei dura o tempo que apraz aos ditos Se* 
nhores , segundo o tratamento que delle recebem ; e as 
vezes o depóe à forfa , e outras , elle se torna tao pode- 
roso , que se defende delles; em firn oseuEstado nào he 
permanente, e firme corno he odoSoldào do Cairo ^ aiìtes 
es- 

conseguinte he escusado refutar a opiniao do Author, que a nio 
p6e senao comò humi hypotesi ; além disso o rio Niger he di- 
verso do Senegal. 



DE Lviz DE Cada K OSTO. 2p 

està sempre cm suspeitas de ser morto , cu expulso. Estc 
Rei nào he semeJhamc ao ciòs Ghristaos , porque o seu 
Reino he de gente selvagcm ,,;C pobrissìma , e nào ha nel- 
le Ciddde alguma niurada , senào aldèas coni casas de pa- 
Iha , nào as f.ìzendo de parede , pois nào ttm cai nem 
pedra para fabricallas , pur nào saberem' dar, ordem a is« 
so : estc Reino he de pouca extensào , fl(^[^e pela cos- 
ta nào tem mais de duzentas niilhas , 'SV ^^^^^ den- 
tro póde ter outro tanto de largo , segunooa informa^ ào 
que tive. 

O Rei nào tem rendimento certo de tributos, mas os 
Scnhores do paiz em cada hum anno para o lerem amigo, 
Ihe fazem presente de alguns cavnllos , que sào m.uito estì-* 
mados por haver falta dcllcs ; e nào so tem este forneci* 
mento , mas tambem outros de animaes , corno vaccas e 
cabras , e ainda legumes , niilhos , e cousas semelhantes* 
Mantem se tambem este Rei ccm roubos , que manda fa- 
zcr de muitps escravos , tanto no seu paiz , corno nos vi- 
sinhos , dos quacs se serve por muitos modos ; e sobre tu* 
do em cultivar certas posse9Óes que Ihe sào deputadas ^ e 
tambem vende muitos delles aos Azencgues , e mercado- 
rcsArabes, que os trocào por cavallos e ouiras cousas, e 
igualmìente aos Chtistàos , depois que principiàrào a ree 
trafìco de mercadorias naquelles paizes. He licito a este 
Rei ter quantas mulheres quer , e assim tambem a todos 
OS Senhores 9 e homens daquella terra, terem tantas quan* 
tas pudcrem sustentar ; pelo que o Rei , tem sempre de 
trinta para cima ; faz porém mais caso de humns do quCt 
de outras , conforme as pessoas de quem descendem , e 
agrandeza dos Senhores de quem sào fìlhas. A maneira 
forque elle vive com suas mulheres he. a seguinte : rem 
certas aldèas , ou lugares seus , em alguns dcs quaes tem 
outo Ou dcz , e outras tantas n'outro lugar; e cada huma 
habita em sua casa de persi , e tem hum certo numero de 
eicravas mo9as que a servem , e tambem de escravos , os 
quaes cultlvào os predios , e terrenos , que Ihcs sào consigna- 
dos , pelo Senhor , a firn de se poderem manter com os seus 
fructos. Tem igualmente certa quantidade de gado , comò 
vaccas e cabras para seu uzo , o qual esia a ccnta dos es- 
cravos , e assim semeào colhem e vivem : e quando aconte- 
ce que o Rei vai a alluma daquellas aldèas, nào leva com* 
sìgoviveres, nem nenhuma outra cousa ; porque onde eN 
le chega ^ as suas mulheres que ahi se achào ^ sào obrigadas 

a^ 



}0 NAVS0A9dBS 

a f izer at desp^aas pira elle , e para coJoi os qae levi na co- 
mitiva. Assiri! coJas as manhas ao nascer do Sol , cada hnma 
cem preparado tret , oui^aatro diversas igujrias, <]uaes de 
carne, quies depeixe , e outros manjares mouriscos, segun* 
do o seu costume , e os mandao pelos seus escravos apre- 
sencar a dispensa do dico Senhor j de modo , que n'orna 
hora se achào juncas quarenca , ou sincoenca iguarias , e 
qaando che ja a hor ì de corner , acha rudo prompco , senfi ter 
rido cuidado algam n'isso; toma para si o quo Iheapraz, 
e faz dar o resto aos oucros , que vierao com elle; mas 
fionca dà de corner a esca sua ^ente em abun lancia tal , 

3 ne nao aridem sempre famintos. Por està fórma viaja , e 
orme jà com hnmi , ji com oucm de suis mulhere?, e 
cem grande numero de fìlhos , porque quando huma està 
pejadìa nao Ihe toca mais : e por està mesma maneira , vi- 
yem codos os outros Senhores deste paiz. 

C A P I T U L O XVIII. 

Da CrerK^a destes primeiros Negros» 

A 



;\\i .]1;'['4^ :V'^ 4os ditos Azencgucs , 

•-j!^^'^^* '- 6 ^ « "*C5 dio alguma ins 

"^ s'vw ;?^/ -< de vergonha sercm el 



b.^p-tì \ XjL Religi ao destes primeiros Negros , he Mahomerana ; 

..^.'.''^-XJ^ mas nao escao bem tìrmes na sua crenpa , corno oi Mou- 

los brancos , e principalmente o Povo raiudo. Os Magnates 

passio por Nlafiometanos , porque tem junco de sì alguns 

^s , ou Arabes 9 que acaso ahi chegao , 

instruc9ao, dizendo*lhes que seria gran* 

eltes Senhores , e viverem scm nenhu- | 

^^^V ma Lei de Deos , e fazer corno fazem aquelles seus Po- 1 

Tos , e gente miuda , que vivcm sem Lei ; por està cau- 

aa de nao rerem rido outra coiversa9ao se nao a dos Aze- 

negues , ou Arabes , se convertèrào à Lei de Mafoma ; mas 

depots que tiverao familiaridade , e conversagio com os 

Christaos sao menos crentes nella. 

CAPITULO XIX. 

Do traje , e co5t9$mes de todos os Negros. 

QUasfl roda està gente anda continuamente nua, e to- 
do o seu vestuario consiste em hum couro de cabra, 
posto em fórma de bragas , com que se cobrèm ; porcm 
OS Magnates j e. aquelles que podem , vestem camisas de 

pan- 






■^^ 

^-^ 



4^ 



L 



^^à€^ 









c:: >* 



^ Af O 



h 



T^'^^'" 

«^^-i 1-»^ 









^ * 





















^^^-^ 



\ot^V 



ut NAVEOAf O E S 

mer , e beber a qtialquer forasteiro que chega a sua casa 
por huin jancir , ou numi noure ; e isco setn escipendio 
algum. 

CAPITULO XX. 



E 



Das suas guerras , e armas. 



f Sres Senhore? negros guerreiào muicas vezes huns com 
03 outros, e tambem ald;jmas vezes com os scus visinhos 9 
as suas gu3rr:is sào a pé , porque ha pouquissimos caval- 
los , que là nio podem viver pelo grande caior , corno 
tenho dito ; nao trazem vestidura d armas pelas nao te- 
re;n , e m^ismo pelo grande calor nao poderiào supporrai- 
las , sómeicc rem es.udos redondos e largo», os quaes sào 
feicos do courq de hu.n animai chamido anta, que he du- 
rissimo de penetr.ir ; e para offender tcm quancidade de 
azagaias , que sào huma especie de dardos ligeiros , e 
atirào nos com muita vclocidade, porque sào grandes mes- 
tres disso ; rem esres dardos hum palmo de ferro lavrado , 
com barba? miudis , po^tas mui sutilmence por diversos 
modos j e onde entrào , ao puxar para fora ras^ào as car- 
iies , com aquellas birbas , de maneira que sào muito mas 
para offender i tambem trazem alguns aifanjes moariscos , 
a maneira de mela esp^.da TurQucsca , isto he , voltadis 
corno hum arco , e sào feitas de ferro sem ncnhum a9o , 
porque doReinode Gambia de Negros, que jaz mais além, 
tirào o ferro , de que fabricào cstas armas ; mas nao cecn 
390 corno ja disse, ou verdadeiramenre , se o ha onde ha 
ferro, nào o conhecem , ou nào rem industria para fazel- 
lo. Uzao tambem de outra arma cravada em huma aste , 
a maneira de hum espoìtào dos nossos , e nao tem ou« 
tras. As suas guerras sao multo mortiferas , por estarem 
desarmados , e os scus golpes nunca sào dados em falso , 
xnatando-se corno se fossem feras ; sào muito atrevidos , e 
bestiaes , e em qualquer pequeno perigo , deixar-se-hào an- 
tes macar , do que fugir , ainda podcndo j nào se atemo- 
rizao por ver o companheiro morto, antes parcce que nào 
Ihe importa , corno homens costumados a isso , e que nào 
temem nada a morte. 

Nào tem navios , nem nunca os vìrào , salvo depois 
que tiverào conhecimento dos Portuguczes. He verdade 
que aquellei , que habirào sobre este rio , e alguns dos 
que estào juncoi ao mar , cem humas canoas » isto he ^ 

al- 




iS.'sS.f 



^^^^r> ^^/^ ^^^^- ^"^--^'-«^ "<:• «^ /T,^;^'/-'^"'»:.^ ^ 

• «" ^^ J*"/» Siiihor. 

p^^-==^C<:» '"'■*^ '^^^ -S'e-r»«3>^S- »/ «^om a mitiJia C^^ .«: 

r **&»;* "Ix*^*' "^ r%A.y«s^.ir- , <rA»c-^u^j ao p.aiz de rj it^ ,^ 

*^ \t\** aVS^**" *"^ te i±t£\lc cotjs .^ *ri*s «>iJ ro e entas mìl J-» _-^ . 
tfOl^^O ^/ -^r-'fc^^scri cxrens ^*.> , I-» *^ ccxi^n. baìxa. , e ser «r-»-» 

/VgC^^'^C^ '^ ^< — lu^ar, c^ i rxu J^tJ<J-ser re-a-r-» eie Budox-r-k ^7 

^'^ ^^S'^^,^ ' ~ ""'"• p.Tiz c/o- c^aÌ .5? tJ r» /-■ t^ «- » ou ConJe. 

^^1' P*"*^^^ .I-m e nest;; /u^a«- ere:» rar» .a »r»-iir»H,x Caravella , „ 

f 5^ .i^/^'^A — s?sre S-?a/jor , ci^nJc» #^ r » Jo j o Fomi.jfào e/ e- e* 

V^ CO^^A* *^ ' ""'"^ p.no03 J«^^ J^^^i„":.i^j5 provar co,f^^,"_- 

w*t ^ Aa^^^^^^ ^ mere Adorili, s ^ Jt^irei^^"^ ^t-icr^r.^ em otir/ f 

^■^r ^r ^"^ vvx^ y=^^^«^ ' ^ -^^« i««:*> ^4"<^J'«-- i'o„h„'r, 

^^^\ 9 -, i * *o55e f" . e veio ^^^^ pi Óes , e me ^.m- 

^^^*l.*f*L7^^« =^^^^ece^-- "'"a*i""-" Ex,. r.rr., ehi,r^ 

**»*?.^^f-5t^' ^e f^^^"' e eUc v«« ^^""fvT^a^i os rncus cavalla, , 
^'^^ * 5*^'^lTu-^^ -^ de «^v^ *^ JVxi^ casa, /J"*^/"» l«"Se 
iS'^f^- ^--f T^t*^ lvV;r V-^ """v-^eo '-^^^ ""*di',s pois v-lo U 



^^ jsr 



V 



./?'* 










^4 NAVE6A9^Bt 

ro eie escravos. Eu ihc dei sete cavallos , com os seus ar- 
nezes , e oucras cousas mais , que ao code me cuscarao 
obra de trezentos ducados , e assim me determinei , a ir 
com elle ^ antes porcm que partissemos , prescnteou-me io* 
go com huma rapariga de doze para creze annos , multo 
bella por ser multo negra , e disse que ma dava para ser« 
vi;o da mihha camara ^ a qual eu aceitei , e mandei para o 
navio : e por certo , o eu hir acoirpanhallo, nao foì menos 
para ver e ouvir cousas novas, do que para receber o meu 
pagamento. 

C A P I T U L O XXII. 

Como Sr. Budomel , comignou Messer Lniz , a bum seu iVe-^ 

$0 cbamado Bisboror : e Guanto sio bons nadadorts 

OS Negros d/iqudle paiz* 

Vy Aminhando pois comBudonr.el pela terra dentro, elle 
me deo cavallos e o que me era preciso j e quando esti- 
vemos ao pc da sua pousada , cousa de quatto milhas de 
distancia , encregou-me a bum seu Neto , chamado Bisbo* 
ror , Senhor de huma aidèa onde tinhamos chcgado , oqual 
me teve em sua casa , e me fez sempre gazalhado , e 
boa companhia ; estive atli cousa de vince e outo dias ^ 
no mez de Novembro j e nesce tempo fui varias vezes 
fallar ao Senhor Budomel levando sempre comigo o sca 
Neto , e entao vi algumas eousas dq modo de viver da* 
quelle paiz , de que abaixo se farà men; ao : e tanto mais 
tive occasìao de ver, quanto me foi necessario tornar atraz 
por terra até o rio do Senegal i porque se levantou bum 
tal temporal naquella costa , que me foi formoso ( se me 
quiz embarcar ) fazer hir o meu navio ao dito rio , hind^ 
^u la ter por terra. 

Entre outras cousas , que vi neste paiz , foi huma 
delias , que querendo eo mandar huma carta aos do navio 
para Ihes participar , que me viessem tomar ao Senegal , 
visto que hia por terra ; perguntei àquelles NegroS' se ha- 
via algum , que soubesse nadar bem , e que tivesse animo 
de levar-me aquella carta ao navio , que estava obra de 
tres milhas distante da praia. Logo muitos me disserào , 
que sira; e porque ornar estava empolado , e fazia gran- 
de vento , digo deveras , que me parecia impossivel , que 
homem algum podesse fazer tal ; porque principalmente 
junto da terra a hom tiro de frecha ha baixos , isto he » 

ban? 



Dfi Luif dsCadamosto* ^f 

bancos de area ; assim corno tambem mais dentro pélo mar , 
a dous tiros de bésu , ha oucros bancos , e ao pe destes , 
tamas correntes de agoa , ora para cima , ora para baixo , 
qne he cousa difiìcillima a homem algum pocier-se suscer 
nadando , sem que seja arrastado pela corrente : e sobre 
estes bancos qaebrava o mar com tanta forga , que pare- 
eia impraticavel podeUos ninguem passar. Oiferecerào-se- 
me dous Negros a hirao navio , e perguntando-Ihes eu quan- 
to Ihes deveria pagar, responderào-me , que duas majulias 
de escanho a cada hum , que vaiem hum grosso ou vinte 
e dous reis cada hnma y e que por esce pre^o hum e ou- 
tro se obrigava a p6r»me a carci na Caravella , e logo se 
deitàrao a agoa. Nào ppderei explicar a dilficuldade , que 
tiverao em passar os bancos com tanto mar , e às vezes 
estavào grande espa9o de tempo sem que eu os visse , de 
modo, que^julguei muitas vezes , que se civessem affbga- 
do j finalmente hum delles nào póde agoentar tantos gol- 
pes do mar, quantos quebravao em cima delle, e voltou 
para traz ; mas o outro tevese forte , e combateo sobre 
aquelles bancos , por espago de huma grande hora , até que 
em firn passou-os 9 e levou a carta ao navio, e tornou com 
a resposta ^ o que me pareceo cousa maravilhosa : donde 
concluo por certo , que aquelles Negros da marinha , sào 
os melhores nadadores do mundo. 



o 



CA P I T U L O XXIII. 
Da Casa de Budomel , e de mas mulberes. 



Que eu pude ver daquelle Senhor , e seus costumes , 
fot o seguiate : primeiramente advirto , que estes que tem 
o nome deSenhores, nào tem castellos nem cidades , co- 
rno acima accenei : o Rei deste Reino nào tem senio al* 
dèas de casas de colmo , e Budomel era Senhor de huma 
parte deste Reino , que era cousa pequena. Nào sào Se- 
nhores , porque tenhào tesouros , nem dinheiros y por- 
qne os nào tem , nem elles gastào moeda alguma : mas 
pelo ceremonial , e sequito de gentes , he que se podem 
chamar Senhores ; porque sempre sào acompanhados por 
muitos , e multo mais rcverenciados , e temidos pelos seus 
subditos , do que o sào entre nòs os nossosOrandes. Af 
saas ca^as nao sao de paredes , nem palacios -, mas ses^un* 
do a fófcHa do aea viver reiì algumas casas de eamp^ » 

E li pa- 



I 

j 



1^6 ìiAr-EGAfò^s 

para a habrtafao dos Senhores ^ e de suas mulhercs , e de 
coda a fair.iiia , porque nunca se deirorào muito ero hum 
lugar. Nesra aidea onde cu estive , a qual era casa sua , 
pode haver de quarenta a sìncoenta choupanas de palha . 
codas junras ao redor humas das outras , e cercadas de se- 
bes, e tapuiTìes de arvores grossas ; deixando so buma , 
ou duas aberturas tor onde se entra ^ e cada buma dcs^ 
ras choupanas tem num pateo , tambem cerrado com se- 
be , e assim se vai de pateo eni pateo , e de choupana 
em choupana. 

Budomel tìnha nesta aidèa (salva a verdade) nove 
mulheres , e assim tem nos outros lugares mais ou me« 
nos , segundo Ihe parece , ou Ihe agrada ; cada huma 
dest^s mulheres tem sinco ou seis mopas negras , que a 
servem : e he licito ao Senhor dormir , tanto com as £s« 
cravas , comò com as mulheres , as quaes o nio tornio 
em affronta , por ser este o costume ; por està razao va« 
ria quantas vezes Ihe apraz. Estes Negros , e Negras s&o 
muito luxuiiosos , porque huma das cousas princìpaes , que 
me pedio Budomel foi , que tendo ouvido , que os Chris- 
caos sabiao muitas cousas , me rogava se por ventura sa- 
beria dar-lhe o modo de poder contentar a muiras mulhe- 
res ; em paga do que me faria grandcs mercès j por aqui 
se pode cniender , quanto prezào este vicio* Sào muito 
cicsos , e nao consentem , que ninguem entre nas casas 
onde habitao as suas mulheres , e nao se fiào nos prò- 
prios Fiihos. 

Este Budomel tem sempre em casa duzentos Negros 
pelo menos , que continuamente o seguem : he bcm cer- 
co , que huns vào outros vem ; e além destes nunca fal- 
ca bascante gente , que vem procurallo em diversos luga- 
res , e ao entrar na casa , antes que se chegue aonde el- 
le està e dorme , ha sete pateos grandes e fechados , 
que tem serventia de hum para outro ; e no meio de 
cada hum, ha huma grande arvore, para estarem à som- 
bra aquelles que esperào: nestes pateos està repartida a 
sua familia , segundo os gràos das pessoas i isto he , no 
primeiro a entrada , està a familia miuda , mais adiance 
estSo OS homens mais princìpaes , e quanto mais se avisi- 
nhao à estancia de Budomel , tanto maìor he a dignidade 
daquelles , oue alli habitao ; e assim de grao em grào, 
até que se cnega a porta de Budomel , a qual pouquissi- 
ino$ homens se atrevem a chegar 3 excepto os uhristSos ^ 

que 



DE L U I Z D 

que ahi se deixào andar ^ 
gues y pelo que estas dm 
do que os Negros seus nac 

C A P I T 

JDas ceremonias , t/c ^«e «j/ 



M 



Ostrava esce Budomel i 

por isso que se nào deixava ; 

nha y e outro pouco de tarde 
primeiro pareo , junto a por 
qual , corno disse, nào entra\ i 

e ainda estes mesmos Senhor 
nias 9 quando se Ihes dà aud i 

gào diante de Budomel , para i 

res homens que fossem , ou n i 
trar da porca do paceo punhào 
inclinando a cabcfa até ao pa^ i 
com ambas as màos para traz • i 
9a , estando totalmente nùs ; pi 
que saudào o seu Senhor. Nen 
vimento de vir fallar-lhe , sero e 
pìdo todo , salvo as bragas de co • 
landò daquella maneira hum bom > 
area para cima de si ; depois nao ! 
arrastando-se com os joelhos , e | 
avisinhando ao Senhor ; e quando 
passos de distancia , paravào para 
gocio ; nao cessando entre tanto e 
com a cabcfa baixa em sinal de gì i 
Senhor mostrava que nào o via set i 
xando de fallar com outras pessoas ; 
sallo tinha acabaJo de dizer , con 
rcspondia em duas palavras , e mei 
altivez , e grandeza ; e era tao rever 
Deos mesmo cstivesse na terra , nà 
desse fazer mais honra , e reveren 
faziào estes Negros : tudo isto me | 
grande temor , e receio , que dell 

f)0is que por qualquer pequena faits 
her e filnos , e os vende : de sene 




ifi NAVBGA96ES 

tem appareocia de Senhores , eni mostrarem Escado , isto 
he, seguito de gente, e em sedeixirem vèr poucas ve- 
zes , e serem muìco reverenciados pelos seus subdicos. 

Pela grande familiaridade, que esre Budomel me mos- 
trava , deixava*me entrar na sua Mesquita , onde fazìa ora- 
(ào, e p^la volta da tarde , chamava aquelles seus Azene- 
gues , ou Arabes , que cem continuamenre em cisa ( quasi 
corno nÓ3 OS nossos Padres ) , que sào aquelles , que Ihe 
ensinào a lei de Mafoma , e entrava com alguns Negros 
principaes , cm bum pareo grande onde era a Mesquira, 
e abi orava por està fórnna : estando em pé , e olbando 

fnra o Geo dava dous passos adiance , e dizia algumas pa- 
avras em voz baixa ; depois atirava comsigo ao comprido 
a terra, e beijava-a ; e o mesmj (aziào os Azenegues , e 
toJos 03 o'jcros : depois levantando-se novamente cm pé , 
tornava a fazer os sobredicos actos , e isto de dez atc do* 
ze vezes , e gastava o espa90 de meia bora em fazer ora* 
fio. Depois de a ter acabajo , per^untava-me , o que me 
parecta : e por^^uc tinha grande prazer em ouvir as cousas 
da nossa Keligiào, me dizia muicas vezes, que Ihe con- 
tasse algumis i de modo que.eu Ihe dizia , que a sua era 
falsa, e que os que taes cousas Ihe ensinavao , erao ìgno- 
rantes da verdade -, e estando aquelles seus Arabes presen* 
tes , eu Ihe reprovava a Lei de Mafoma , corno ma e fai- 
sa, pormuitis razòes ; e ihe mostrava set a nossa Reli« 
giào verdadeira , e santa : tanto assim , que fazia deses- 
perar aquelles seus mestres da Lei : com o que aquelle Se- 
nhor ria , e dizia , que tinha para si , que a nossa cren- 
9a era boa: eque nao podia ser , que Deos , que nos ti« 
ìiha dado tantas cousas boas e ricas , e tanto engenho 
€ saber , nos nao tivessc tambem dado huma* boa Lei ; 
mas que tamSem elles nao menos a tinhào boa , e que 
era bem fundado a persuadir-se , que os seus Negros se 

ediao salvar melhor do que nós os Christàos ; porque 
eos era jusro , e tinha-nos dado neste mundo tantos 
bens , e tao diversos ; e a elles Negros , tao poucos em 
compara9ào de nós ; que cendo-nos feito Senhores do Pa- 
raìso de cà , elles deviào ter o de la ; e com estas , e se- 
lìielhantes razóes mostrava ter bom senso , e muito enten* 
dimento. A^radavao-lhe multo as cousas dos Christàos , e 
estou certo , que mai levemenfe se poderia converter à Fé 
de Christo y se o medo de perder os seus Estados o nao 
ttvesse embara^ado ; porque aea Neto , em cuja casa es« 

ta- 



D C 



U 1 £ DB 



Cadamosto. ^Q 

tava alojado , mo disse bastatites vezes ; e elle mesmo ti- 
nha grandissimo prazcr , em que eu ihc fallasse na nossa 
Rdìgiào; e dizia , que era boa cousa ouvir a palavra de 
Dcos. 

CAPITULO XXV- 



N, 



Do modo de viver , e corner de BudcmeU 



O modo de viver , isro he no corner , elle se gover- 
nava do mesmo modo , quc disse acima do Rei de Sene- 
gal , cujas mulberes Ihe mandào diariamente , cada huma 
tanras iguarias ; e esce estilo cem todos os Scnhores , e 
Negros ricos , a auem suas mulberes fazem esras despe- 
sas : comem no chào bestialmente , sem nenhum prepa» 
ro i e com elles nào come ninguem , salvo aquelles Mou- 
ICS , qae Ibe ensinao a Lei , e bum ou dous Negros dos 
princjpaesj toda a outra gente miuda come a dez ou do« 
ze juntos , póe bum grande cesto de carnes no meio , e 
todos metem a mao dentro : comem multo pouco de ca- 
da vez , porém muitas vezes , isto be , quatro ou sinco 
cada dia. 

CAPITULO XXVI. 

Das produc^oes do Reino do Senegal ; do modo que tem o$ 
NegrOì em lavrar a ttrra , e corno fazem o seu vinho. 



N, 



Esre Reino do Senegal , e delle para diante em ter- 
ra nenbuma daNegraria, nasce trìgo , nem centeio , nem 
ccvada , nem avè^i , nem uvas ^ e isto porque o paiz be 
tao quence , que nao rem cbuvas nove mezes do anno, 
desde Outubro até ao firn de Junbo : e por causa deste 
grande calor , nào se póde dar o trigo , tendo experimen- 
tado semeallo daquelle , que nós os Cbristàos Ibe temos le^ 
vado : porque o rrigo quer terra remperada , e muitas vezes 
chuva , o que nao succede nestes paizes i e assim o seu 
pio he feito de milbo de diversas castas , isto be , miudo 
e grosso ; tem favas e feijóes , que nascem e se criào os 
mais bellos e grandes do mundo : o feijao be grosso co- 
rno huma avelà grande das nossas cultivadas , todo lavra- 
do ou riscado de differentes cores , que parece pintado, 
e be bellissimo para ver. A fava he larga cbata e ver- 
melha ^ de huma cor viva, e tambem ha algumas bran- 
cas 9 qae sao multo bellas. As scmenteiras fazem-se nq 

mez 







'40 Navega^obs 

mez de Ju!ho , e as colheìcas no ds Secembro ; porque 
nesce teiupo he que chove , e que os rìos crescem. La- 
vrao as cerras , semeao , e colherei'no tempo dj tres me- 
zes ; sao pessimos Lavridores , e hoincns que se nào 
querem can9ar a semear senio quanto Ihes basca para co* 
mer coJo o anno escassamence , epouco Ihcs imporra ter 
grào para vender. O modo por que lavrao he o seguinre: 
quatro ou sinco deiles pòemse no campo , coni baldes , 
ou paz p'equenas à maneira de eachadóes , e vai cada hum 
deitandó a terra para diance , ao concrario do que Fazem 
OS nossos , que quando cavao puchào a terra para si com as 
enxadas , e esres a deicào para diance com os baides ; e 
nào profundao senào quacro dedos. Esce he o seu modo 
de lavrar, e por ser a terra boa, e gordi produz tudo o^ 

3 uè Ihe semeào. A sua bebida he agoa, leite , e vinho 
e palmeira , que he hum licor , que escila huma arvore 
da fórma daquellas , que dào tamara« , mas nào a mesma : 
tèm muitas descas arvores , que quasi rodo o anno dào 
estc licor , que os Negros chamao Miguol. Para o cxtra- 
hir , ferem o pé <i\ arvore cm daiis , ou tres lu^ares ; e 
esce verte huma a^oa p.irJi, a modo de soro de leice, e 
tnecendo-lhe porbaixo cabifas , assim o colhem ; mas dei- 
tà cào pequena quancidade , que entre dia e nouce , cada 
arvore encnerà cousa de duas cib.i9as ; he muico bom para 
beber • e cubebe ia corno o vinho , a quem o nào mis ca- 
ra com agoa : no primeiro dia que se colhe he cào doce 
corno o mai, doce vinho do mundo , mas de dia em dia vai 
perdendo o doce , e se corna mais agradavel ; sendo melhor 
para beber no cerceiro e quarto dia, do que no primeiro; 
porque he doce , e pica alguma cousa. Eu o bebi varias 
vezcs , no cempo que estive em terra naquelle paiz , e 
sabia-me melhor, que o nosso vinho. Deste Miguol, nào 
rem ranca quantidade , que cada hum possa bebello em 
abundancia ^ mas cem huma porfào sufRcience , sobre ta« 
do pua OS seus principaes. As arvores , que estìlào esce 
licor sào communs a codos , porque as nào cem comò nòs 
temos OS fructos dos pomares , oii vinhas , em proprieda- 
de parcicuiar ; mis tudo o que tem he commum > e iivre 
a cada hum o ciralio, e aproveicar-se delle: cem fructos 
de diversas qualidades semel hances aos nossos , e ainda 
qae nào seìào culcivados comò aquelles , sào bons ; e cl- 
les OS cjmen sendo de doresta , isco he , siivestres , 
e nào fechados em pomares » penso porém que se os 

tra- 






^«sk-s. -, Vv^ «^ ^ "^ «««irò bc 

cvv^^» ^«1 ?*•== ^^ Hu,x.a 

. <-^.e.e\ To".."^::l '"• ^5. ?-"- 



>W**V«cve de atvores , q,^ Jào 
^ ^*^ ^^?,to , cm grande S"^»*tiaa 




^f^^. ^^* ^nimaes ane nascem nestc Jieir 

^^ '^'^ "^^^ t\esteReino differeiiires oasca: 

P^lr^N^V^ cobias grandes e pequcnas , 
* CQn ^^^ X. ^nosas , outtas nào : encre as | 
£e j q^^^^^^s , e mais de compri do j rr»as 
' ^Cni ^^^r^^ dizem ter as serpences , jporór 
Hjj. ^^-Je se achao algumas , que er»golei 

"tO a partir. Dizem que estas grand 

\ g-- ^^ consideravel n'algutnas parces do 

l?"^^ bt ^^ bundào em hunrta grandissirr»» e 
■'•15 (^^ "^~^*^ncas , as quaes de sua natur^^a 
' ^^Vift "^s="-asas para as sobreditas col>ras » 
^,.,^ "«-». ^ boca ; e quando estào feitas p- 
7V^^,c» aonosso modo: e destas casas 
' W c^«-Bto e sincoer\ta moradas , posero 






) , c saVit 1 



4t N A ▼ E G A 9 6 I S 

€]ue o diro Bisboror se levanrava , e chamando 
seus Negros , (]ueria montar sobre hom camelO)< 
para fora; e pcrgunrando-lhc o Genove! onde qucna Ttas- 
•ìm 5 e. a huma bora lào impropria j Ihc respcndeo , (pc 
a bum seu neeocio , e qnc brevemente voliatia, e dcwo- 
rando-sc fora hum grande cspayo , voltou para casa -, e 
perguntando-lhc de novo o Genovcz , onde tinb hido-, 
Wào ouviste vós (Ihc tornoa elle), ja ha hum pedalo 
assobiar à roda desta casa? e respondendo-lhe ooui!OC|ue 
8im , continuou , aquiJlo crào cobras , as quacs se tu nio 
tivessc hido fazer hum ceno encamo , «juc nòs ca uza- 
mos, com o qual as fiz voltar tod.is paia traz , n\e lei'uc 
està noute morto muiros dos meus anlmaes (4), e ftcat 
do o Genovez maravilhado d^sso , Bjsboror Ihc disse ,c^v 
se nào maravilhasse , porquc seu Avo fazia moiio tnaloi 
cncantamenros ; porque quando qucria faZCr pe9on\ìa pi 
cnvenenar as suas armas ; formando bum grande c'nc 

de 

(tf) Antonio Galvao transcrcvc a pasfagcm acima , auìd^ 
com pouca exactidao pois attribue esie facto ao pTopno C/ad 
to ; eque porcra he mais notavel , he que o effcito doEv 
que Galvao attribue as Cobras , he totalmente differeute : € 
as suas palavras, y^ Alguns contào agora , que os hab'uaòot 
li ta costa do Caho da Boa Espe ranca sào grandes fe'u\ 
}| encantadores , principaìnìente de cobras ; e traiem-nas 
» seu mando que ihes guardao as lemèntciras hortas pon 
)l suas granjarias , assi de ladróes , comò dalimanas : e se 
> guns fazer damno , cingcm-se com elle e tem-nos p 
)l mandao aos filhos cliamar seus amos , e entregao-no^ 
9 gente he rauita , ou alimaria poderosa , coni que se 
* vcm , vao-se a casa daquelle com que viveoi , e se V 
9 te dao tantos assovios e chirlos até que os acoTda 
y^ defender o que Ihe entregao. Alvici Cadamosto ItaWa 
)| ve que se achou no descobiimento de Qui né no K 
Y dimoi em casa de Eisborol seu Neto : e )azet\do ii 
)l vio grandes silvos darredor da casa » a que B'ìsboi 
% tira da camai e sshira pela porta fora: e quando 
)) damosto Ihe perguntira donde vinha , contou \he 
9 ra ds Cobras que o chamirao. )) A té aquì Ani< 
que pelo que se yà parece que citou Cadamosto de 
quanto ao mais , estes feiti^os » princìpalmense coin 
sao da crenga de quasi todos os Povos tanto da ^. 
Asia , e OS viajantes nestes paiaes teui sido ohrif : 
a destreza daquelles embusteiros « que a olhos poi : 
lou tanto tempo por sobrenaturaL 




^ \ donde ooncHxo fi "^'^ **** * 

ailores , e t>A^Zt^ serern rodo» -*=■ 

^-s Cob'ras f^oTSJ, «"" ".IT? ^«"^ ''«' 

«tas no«a; 'i^^ST^ d^ '^h^'?"^'''' 

«incantar. ^-^ririscaos :^ 



► ido ; 

- ver 

Pi: 

- al- 



? 1 T U L o 



X >c v^ r I I. 



^^ ^c^usas rr^ 



^a. no Reina do -iTef^eg-^/ 
rfo5 eUfantcs. 

do Senegal nao se <^nconcr^o ootrc 

senao bois , vac<rns , e o^br^s i n^ 

pcKieriao viver i>or c^m:b^a do gran 

ovelha he hum a^icv^^i. , cju^ se - 

e mais depressjt ^vivr-cT-n ^m tcri 



^s 



Porém Deos nosso S^r^h^or proveo 
im , segundo as suas n ^<:>essi<iades ; | 
iios no firio nào poclem<3S j>Assar sem 
■ nasceri! enri Husn paiz quanto , e qim ^^ 
-• de vestidos , nào Ihe <±gq JDcos. ov^ì 
io. As vaccas e b€>is rtào so d'aqui ^ 
t Negraria sào muico mais pequenos czl^:^ 
que creìo procede do calor r e muì^^;^ 
ria aLgam de cabello oa»ca.»Ho ; tod^::^,;^ 
\cos / cu malKados de «^gro g brancr^:^ 
orna sUvestres , sao leoes , ^"^^V^f ^^^ 
A^ ax^atitvdade ; e lol>03 , bodes ^«vo^ 

COX^oHxem tj eoV«« os por. ,c>^ 

V^^r^^o deseremo «%-- «cacura . 

"E u 



^^^%^ets 



era- 
:trra 



>i^ Jkhum 



\\ 



# 




— ^1 



1 



44 Kaveca^^es 

òe corpo grandissimo , e pemas curtas ; e da sua grande- 
za se póde fizer conceito pclos dences de marfim, que 
para ca vcm ; dos quaes nào cem senio deus cada hum , 
isio he j hum por lado , corno os porcos moncezes , posto 
na queixada interior : e nào rem ourra differenza senio , 
uè as pontas dos dentes dos porcos olhao para cima , e as 
OS elefanres para baixo ; e advirio <\uc estes animaes 
rem joelhos , cujas juncas se movem quando andio , corno 
fodos OS outros animaes : digo isto , porque rinha ouvido 
dizer antes de escar nesces paizes , que os elefances nào 
podiào ajoelhar , e que dormiao em pé : o que he huma 
grande falsidade , porque se dcicao no chào , e se levan* 
tao corno codos os animaes. Os seus dentes grandes nun- 
ca Ihes cahem senio por morte ; e he animai , que nào 
offende o homem , se esce o nào offende primeiro ; e o 
modo porque o elefante o ataca he chegando-se a elle^ 
e dando-Ihe com a sua longa tromba, (que elle tem a mo- 
do de nariz compridissìmo , e encolhe e alonga quando 
quer) huma tao grande pancada debaixo para cima, que 
arira com o homem às vezes tao longe , comò hum tiro 
de seta. Nao ha ninguem tao vcloz , que o elefante nào 
alcance em campo razo , andando semente a passo: por- 
que y com a sua grandeza , da hum passo de extraordina* 
rio tamanho : sào mais perigosos quando tem filhos , do 
que em toco o ootro tempo; e nào tem mais de tres cu 
quatto por cada vez : comem folhas de arvores , e fructos , 
que deitào abaixo juntamente com os troncos com a mes- 
ma tromba , e com ella metem tambem a comida na bo- 
ca , e he roda de hum nervo grossissimo. Nao rive infor- 
mafào de outros animaes ^ salvo dos sobredttos. 

C A P I T U L O X X I X- 

JDas aves deste paiz , de conto ba nelle varias castas de pa^ 

pagaioSf e da stia industria tia construc^àa 

dos ninbos. 



H 



.A neste paiz aves de diversas castas ^ e sobre tudo 
hum grande numero de papagaìos , que andào voando por 
roda a parte, e os Negros Ihes querem muito mal: porque 
fazem damno nds seus campos aos milhos , e aos legu- 
mes i ha*os ( segundo dizem ; de muitas especies , mas eu 
Aio OS vi senio de dua$ ; huns sao corno os que vem do 

Ale- 



'2 i>e Cadamosto. 4^ 

parecem hum pouco mais pcquer.os : 09 

maiores , e lem o pescofo e cabeya par- 

smo o bico , OS pes , e o corpo amarci-' 

e muitos destas duas qualidades , especial-^ 

5 dos cjuaes me morrèrao grande parte, e 

e para Hespanha ; a Caravella em que eu 

cento e sincoenca para cima, vendendo-se 

me\o ducado. Estcs papagaios sao multo in- 

/al>rìca dos seus nini os , <jue fazem de jun- 

e occos , corno bollias de ar : e vào sobrc a$ 

outras aivores , que renhao os rair.os omais 

Àve\ y e na extremidade do ramo atào hum jun- 

•petvdutado dous palmos , na ponta doqual fór- 

nmWo j tecendo-o maravilhosamente , de moda 

> està teito parece huma pela pendurada naquel- 

na <^ua\ ha sòmcnte huma abertura , por onde 

\sto (azetn por causa das cobras , que Ihes co^» 

&\Vios : as €];uaes nio podem andar sobre o rama 

viaco y e nào Ihe supportar o pezo ; de nodo, que 

scvìs nmhos vem a fìcar seguros. Ha tambemnes- 

.a\?,\iwias aves gtandes , das que nós chamamos gal- 

àe Yaiaò , que costumào vir do Levante ; destas gal- 

\\a ?,rat\de abundancia , e igualmente de alguns pa* 

cyue nao sào corno os nossos mas de diversas piataci 

ùm V\a lambem outras aves pequcnas , e grandes , e 

miias esf ec'ics , qne nào sào as nossas. 

C A P 1 T U L O XXX. 

)o Tìicrcfldo que faztm os Negros , e das ccusas etn que nel* 
le se centrata. 

Il 0!c\\ic me accont^ceo estar raultos dias em terra , deter- 
trAt\ev-ti\e ^ \\\x ver hum mercado , ou feira , nào molta 
\on^e dolugar onde eu estava alojado: o qual se fazia ^m 
\\wn\ carneo todas as segundas , e sextas teiras , e fui la 
àuu ou ires vczes. Ajuntavao-se ahi homens e mulh^res 
àos ]^&\ies vìsinhos , a (juatro ou sinco milhas de distane- 
m*, fot(\ue a()uel)es que habitào mais longe vao a outros 
wcicados j c\uc tarobem se costumào fazcr n'outras parte»: 
e wesm fc'itas he cjue cu vim ro conhecimenro de ser es- 
tà jenie pobiifMma , pdas fcis.-'s que traziào a vender 
n'eUas , c^ue consistiao em algodóes ^ mas em pouca quanr 



M« <»».^*-*--— B • —'- w— •- rateili *. — ^ ' "" 

permutando cousa por cousa , g .P^^^^^^» Nwittftvvj 
o nao tcm y "» uzao' Je mocj^ ^? ?^^ dmWvto ^ ìjov 
Cttdo ae em pcrmutafào de Kur^a ^ ^^^^ ^^S»^"^ i ^>^v« 
por ha ma , tres por Juas , Scc ^^^«^ ?^^ ^w^^ ^ i^v^^i 

Erste« Negros tanto homeiis 
vet-m^ P^/ maraviiha ^ e pareciatik^^^ mu\\\etc* , vm\y 
ver Ctiristaos , nunca até entào ' • ^ ^^^^^ «uaotà'mi 
adtniravào do mcu traje, do n^^ ^'^tos- e nao metxos 
traie er^ * "««panhola , hu],, : "{^ tnitiha btaiKuia : 
• huma capa por cima : olhavio V?^^^ ào damasco ne 



O S cavallo. ns„ „,. . '^''■•• 

Aiiidos Pff «"« dati nossaT?'"-» "iifè *»'» 

1„« cavali, boa, p,, ^J^SUal^ ^^^SorS^I' 



bbLuiIdeCadamosto. 47 

do a bondade ebellsza dos cavallos: e quando hnm Mag* 
lìTiie compra algum cavallo, faz vir os seus encantadores 
de cavallos , os ouaes mandao fazcr hum grande fogo de 
ccrtos ramos de hervas a seu modo , e fazendo hum gran- 
de fumo, sobre elle segnrào o cavallo pela redea , dizeti* 
do entre tanto algumas palavras j e depois o f.-^zem untar 
toJo com hum unto subtil , e o tcm dezouco ou vìnto 
dias , Sem que alguem o veja , e Ihe pcndurào aopesco- 
;o algumas restes de fìgurinhas pintadas n^ourìscas , quo 
parecem a modo de breves, dobrados cm pequeno volu- 
me, com dobras quadradas , e cobertas de couro grosso; 
e ellcs mcsmos se persuadem que por trazer csta$ fanta- 
sias ao pesco9Q 3 vào mais seguros à guerra. 

C A P I T U L O XXXII. 

Dos costumes das mulberes deste paiz , do qtte eausava s 

admira^ào daquelles bomens , e dos instrumentos 

mnsicos de que uzao. 



'f)M 



A 



S mulheres deste paiz sao muito jucundas, e alegres; 
cantso , e baìlào de bom grado principnln ente as n ofas ; ^ Vy^^^^*^^^ 
mas nào bailào senào a noute , à claridade da lua ; e ^ y^'^^^fì^^:,.. ... 
seu ballar he musto differente do nosso. De muitas das nos- ^'\ 1!?^k/Ì' 
sas cousas se maravilhavào estcs Negros , principalmente h r^^^-^^i^J^V :; 
do modo de ferir das noss&s béstas , e ainda mais das ^ '^Ì!^L^J^^{yi:r 
bombardasi porque alguns Negros vierào ao Navio , e fa- ♦^t^'V^*^^^ 

zendo-Ihes eu desparar huma bombarda , tiverao hum gran« 
dissimo medo do seu escrondo j e eu Ihes afiìrmava , que 
huma bombarda podia mntar mais de ccm hon.ens de nu- 
ma vez ; com o que se maravilhàrào , dizendo , que er* 
cousa do Diabo : tambem se maravilhavào do som d'hu» 
ma destas nossas gairas de foles , que eu fiz tocar a hum 
marìnheiro meu j e vendo-a vesrida decores, e com frati* 
jas a roda , pensavao que era algum animai vivo, que as- 
sim cantava com diversas vozes , e tinhào muito gosto , e 
maravìlha ao mesmo tempo : vendo eu està sua simplici- 
cidade , Ihes disse , que era hum instrumento , e Iha dei 
nas suas maos estando sem vento : pelo que conhecen- 
do set cousa artificfal , diziio que era obra celeste \ e 
que Deos a tinha fcito com ^s su^s maos , pois tao doce- 
mente tocava , e com tanta diversidade de vozes: e pro- 
testavao n&o tet nunca ouvido ccusa tao suave. Tambenf 

se 



^ O S T 



*» 















rovar 



-li^*^*^^ rf^^'T'"' . e provar 



»- '^^^'^V',.rr 



^^ 



fTl 



-pesso-,^- 






terra» 

do 












[^"-■-i^ 












^^''a*' 



rr»* 



fin"-' g qae oS 

» d^n"=.' 'vii. f" 



ct^. 



s^ 












es 









3 






v-.f::^ 



li» 






'-r 






%o 



f^ 



ito 






ts>- 



if^ 



rr* 



cO 



fO 



aS^ 



lue 



Aie 



ha- 



«<^^ 






^Tv-" 



evo 



^^'c*^ 



^*-* 






>* ^o^ 



»* 



>» Uà** 



to 



.3* 



*^-^. 

^v»* 









^^ 1? '"^ S » * * ^' - "^° ''-'i'»'''' 



l0 






*v^^ 









C^' 



h^ 



.^€. 



^€^ 



»* 



»^o' 



^i' c<*^ •»*- <^- 1 ^'^ ^ 









A© '^v^*^ :;eti^ 



nO^ 






'fi^>' 



^^^io< 



^v 



<4^ 



'9 



><^%>^ 
' ^^*, 



-'^^"' 

C' 






»tv ^ 



^ 

^ 



-"^- 



5-V- 

s--" 



w 












^j? ^* /»' 



'C 



^ 






y 



50 NAVEOAfÓeS 

antes fallamos ; qiue foi achacHo rodo arenoso , e branco 
Esce Cabo , he muico bello , e tem sobre a ponta doas« 
lombadas , isto he dous monticulos , e mcte-'se basun* 
te pelo mar dentro: sobre elle , e a roda estao mnitas 
habitafóes de Negros , e casas de palha , todas junto à 
marinha , e a vista dos que passio; e estet Negroa sào 
ainda do sobredito Reino do Senegal. Pegào com elle al- 
guns bancos « <]ue sahem pelo mar , quasi mela milha ; e 
tendono dobrado achamos tres Ilhas pequenas nSo multo 
longe da terra , desabitadas , e abundantes de arvores vi- 
(osas , e grandes : pelo qae tendo necesaidade de agoa , 
deitàmos ancora em huma dellas , que nos pareceo maior, 
e mais (ructifera ; para ver se alli achavamos alguma fon- 
te; porém descidos em terra nào vimos senao hum lugar» 
onde parecia nascer alguma agoa , aue nos n&o pòde ser- 
vir. Nesta Ulva achàmos muitos ninnoa , e ovos de diver- 
aas aves, para nós desconhecidas : e aqui estivemos codo 
aquelle dia pescando com redes , e. anzoea grandea ; e 
apanhamos infinitos peixea , e entre ellea dentaes e dou- 
radas grandissimas , do peso de doze a quinze libras ca- 
da huma ; e succedeo isto no mez de ]uoho. No seguinte 
dia partimos fazendo-nos a vela ; e seguindo a nossa der- 
rota y navegando sempre a vista de terra , notamos que 
além de Cabo verde se mete hum golfo para dentro; e 
a cosca he toda de terreno baixo • e abondante de bel* 
lissimat e grandissimas arvores verdes , que nào perdem a 
folha em rodo o anno » corno acontece as nossas; mas 
nasce primeìro huma folha , antes que a outra caia : va» 
••ras arvores até sobre a praia , a hum tiro de bésta , de 
aone que parece , que vem a beber no mar , o que he 
bellissimo para ver : e segundo o que eu emendo , a p«« 
sar de ter navegado por muitos lugares do Levante , e 
Poente , nunca vi terra mais bella do que està me pare- 
ceo , e he toda banhada de muitos rios , e regatos peque- 
nos e de pouca monta y pelos quaes nào podeti&o encias 
aavios gcaodes. 



CiL« 



DB LviJT DM Cadamost^; fi 

e A P I T U L O XXXV. 

Dos Negros Barbacinos e Serreres , e corno se ^overnao \ dó$ 

S€H5 costHines ^ e das qualidades deste paiz^ e das 

suas guerxas. 

1 Assado este pequeno golfo , coda a costa he habitada ^ 
por duas castas de gente \ huma he chamada Birbaoinos , 
e ouira Serreres \ que sào negro9 , mas nao sugeicos ao Rei 
do Senegal. £lles nào rem Kei , nem Senhor algum pro- 
prio; honrao porém mais huns da que os oucros , segun- 
do a qualidade e condi9ào dos homens. Nao querem con- 
sentir emre si Senhor, talvez para que nào Ihes sejio ti- 
radas as mulheres e fiihos , e vendidos por escravos ; comò 
fazeia os Reis t e Senhores dos outros paizes de Negros. 
Sao graodes Idolatras , nao ccm Relìgiào alguma , e sao 
bomens cruelissimos : uzao de arco com frcchas 9 mais do 

3 ne de nenhuma outra arma ; e acirao com ellas eoveneiup 
as , de modo que tocando a carne , logo que fazem sangue , 
morre o fendo immediatamente, Sio negrìssimos, e bem 
encorpados : o se» puz he maico cheo de bosques , e 
abonaante de lagos , ^ de agoa ;*por isso se tem por mui» 
co s^uros i porque nelle se aio póde entrar ^ s^ao por 
passos ettrettos ; e assim nào temem nenhum Senbor tit* 
camvhrìnho : tendo acontecido nmicas vezes » que alguna 
Keis do Seaegal, nos ten^pos passados » Ihes quizerio £a- 
zer guerra , para subjugallos , e sempre civerao a pe#r da- 
quellaft dua« na9Óes ; canto pelas «ecas envene^adaa , de 
qne nzao, corno pelopaiz aer muito aspcfo e diiEculcosgu 

CAPITULO XXXV L 

Do rio Barbaeim , e de corno Joi morto bum Interpreu » qne 
baviamos posto em terra para se informar do paiz. 

Vrf Orrendo |k>ìs com vento largo pela Costa , seguindo a 
nossa viagem pafa o Sul \ dQsc^rijRos a boca de hi^m rio 9 
lar|o obra de bum tiro de.bésta, o qual tffi poucofoodo, 
e Ine pozemos o nome de Rio Barbaeim ; e fot està mar 
netta he notaio na Carta ile nave^ar , que se itz d^q^el- 
la costai f aio de Cabio vecde a oste sitlo aessoura ro\r 
Uias: anosu Aanre^^ào for esu costa .9 ^epèta latice ^S9r 

G ii pte 



51 'NATSGA90fiS 

pre fot de dia ^ lan9ando ancora todas a& tardes ao Sol pos- 
to 9 em dez ou doze bri9a8 de agoa : affastados da terra 
quatro ou sinco milhas ; e ao nascer do Sol , faziamo-noa a 
véla tendo sempre ham homem- na gavea , e dous na proi 
da Caravella , a firn de ver te qucbr^iva o mar em algnm 
lugar i e assim descobri( algum cachopo : e continuando 
a nossa navcga^ào , chegamos a embocadura de outro rio 
grande, o qual mostrava nào ser menor, que o Senegal ; 
e vendo este rio bello ^ e o paiz ainda mais bello , e co- 
berrò de arvoredo até ao mar , lan9àmos ferro , e deli- 
beramos mandar a terra bum dos nossos Interpretes ( per- 
que cada bum dos Navios tinha Interpretes negros , tra* 
zidos comnosco de Portugal , que tinhao sido vendidos pe- 
Ics Senhores do Senegal aos prlmeiros Porrugaezes , que 
vierao descobrir aquelle paiz). Estes Escravos tinhào*se fei- 
to Christàos ^ e sabiào bem a lingoa HespanhoUa , e tinha« 
molos havido de seus Senhores , com o concrato de Ihes 
dar por seu estipendio e soldo , bum Escravo por cada 
bum, a escoi ber em rodo o nosso monte: e em estes In- 
terpretes tendo ganhado .quarro Escravos aos seus Senho* 
res , dào-lhes alforria. Lanfando pois sortes sobre a quem 
tocava por o seu Interperte em terra , cahio ella sobre 
o Genovez j pelo que armando a sua barca , o fez me- 
ter dentro ; com ordem de nao chegar a terra , senio 
quanto fosse bastante para o por fora ; e assim se Ibe 
cometeo o exame do paiz e cujo fosse , qae indagasse 
se nelle se achava ouro , ou ourrai cousas a nosso pro- 
posito. Sahindo pois em terra , e tendo-se a barca fei- 
to bum pouco ao largo , de repente Ihe vierao ao encon- 
tro muitos Negros do paiz , os quaes tendo visto os Na- 
vios avisìnharem-se a praia , com arcos , setas ^ e armas 
estavao emboscados, para assaltar algum de nós , qne fos- 
se a terra ; e vindo assim a elle Ihe fallàrao algum espa- 
'90 i porcm nao sabiamos o que ellcs Ihe dizìào , e s6 
vimos , qne com furia principiavao a ferillo com algumas 
armas , que sao a maneira de espadas mouriscas curtas , 
com que brevemente o matarao , de sorte que os da 
barca o nio podério soccorrer. Ouvida por nós està noti- 
eia , ficamos attonitos , e comprehendemos 3 que estes ho* 
mena deviio ser cruellissimos , tendo feito huma seme- 
Ihante atrocidadc naquelle Negro , que era da sua gera- 
9S0 ; e que de razào multo peor nos fariao a nós : por 
isso nos fizemos a véla , scguindo v nosso caminho para o 

Sul , 



DE Luis deCai^amosto. f^ 

Sul y nav€ganda à vista da. Costa j quc cada vez achava* 
mos mais bella, e mais abundame de arvores vi^osas:; e 
por toda a parte terra baixa : até que finalmente chegà*' 
mos a boca de hum rio , e vendo ser ella multo larga ^ 
e de nao menos de tres ou quatto milhas , na paragem 
mais estreita , e que podiamos entrar seguramente com os 
Navios i determinàmos descan^ar alli para sabeimos no dia 
segointe se este era o paiz de Gambia. 

C A P I T U L O XXXVII. 

Como bifido mais adiante vìmos tres almadias di Negros o$ 
qnaa nao quizerio fallar , e de corno sao Jeitas 
estas almadias, 

Endo chegado a este rio , que logo a enrrada nSo 
mostra menos de seis a outo milhas , julgàmos estar no 
paiz de Cambia , que tanto desejavamos ; e que sobre o 
rio se acharia alguma Fovoa^ào grande , onde poderiamos 
ter a ventura de ach'ar algumn boa somma de ouro^ oa 
de outras preciosidades : e logo no dia seguinte, com ven- 
to bonanga , mandamos a Caravella pcquena adiante , beiti 
provida de hometis <las nòssas barcas , com ordem (por set 
a embaiéa^ào pequena , e demandar pouco fundo), que 
navegasseo riHiis avante, que Ihe fosse possivcl ^ eacbaiw 
Ilo bancos , ao di'ànte da embocadura , sondasse o fundo , 
e se achasse altura de agoa , para poderem entrar os nos- 
SOS Navios , voltasse para traz , e surgisse fazendo-nos al* 
guns siivaes 3 e assim foi cumprido por elles , porque achan- 
do cousa de bra^a e meia de agoa acima da dita foz ; sur- 
girào segundo a nossa ordem : e depois de surta a Cara- 
veilas , Ihes pareceo a proposito mandar a nossa barca ar« 
mada, e tambem a sua de conserva (posto quepequena} 
mais pelo rio acima com este regimento : que se por aca- 
so OS Negros de paiz viéssem assaltallos com suas barcas ^ 
voltassem logo para o Navio sem batalhar com elles , e 
ìsto porque nós tinhamos vindo alli , para tratar com 
aqaella gente em boa paz e concordia , e com o seu be- 
neplacito , e convinha-nos adquirir està paz com arte, e 
nao por for9a. 

Tendo passado as barcas mais avante , tentearao o 
fundo com a sonda em alguns lugares, e achando porro- 
da a parte nio menos de sinco brajras e o.eia de agoa ^ 

con* 




54 NATBOA96sf 

coidtiuarao a navegu miU duif ^niltias: e vendo ai mar* 
geni do rio bellissiinai , e abuiiddinc^s de arvoredo alcissiroo 
€ verde , e que o rio fazia muicas voltai para cima ; nao Ihcs 
pareceo a proposico andar mail adianrc: e fazendo-sc na 
volta ; eia que sahem da boca de ham regato , que alU 
desagoava , tres almadias » que a nosso modo se chama* 
fiao CanòiS , que sao todas escavadas de hum gande tron* 
co de arvore > e feicas pela .maneira dos boces , que era- 
zem aa popi as nossas Chalupas. Vendo os Portuguezes 
a< almadiat , e duvidando se acato vinhao com tea9ào 
de maltratallos , tendo sido avisados pelos outros Negros , 
que neste paiz de Gambia todos erio archeiros , que ari- 
ravao setas envenenadas ; bem que fossem em numero 
multo sufficiente para se defenderem , com ludo por obe- 
decerem ao que Ihes tinha sido mandido , e por aio co* 
mecerem escandalo ; derào aos remos , e com a maior 
pressa aue puderào, se vierao chegando ao Navio i mas 
oio o nzerào tanto a salvo , que quando chegavào a elle 
nao tivessem as Almadias nas costas , nào mais longe 
qae hum tiro de seta , por<.]ue sào velocissimas : e en- 
trando OS nossos nos Navios Ibes come9àrao a accenar , e 
• fazer sinae^ para que se avisinhassem : porcm elles pa- 
rando 9 nao quizerao passar adiante , e poderiao ser obra 
dk vinte e smco ou trinta Negtos, os que vinhao dencio ; 
e estando hum pouco assim a olhar huma cousa que nem 
por elles nem por seus antepassados tinha nunca sido vis- 
ta , isto he Navios com homens brancos -, sem quererem 
fallar , por mais que se Ihes tìzesse , ou dissesse , segui* 
rio seu camlnho : e assim se passou aquelle dia sem se 
fazet outra cousa. 



C A P I T U L O XXXVIII. 

Do paiz de Cambia.^ do traje daquelles Negros , de corno com- 
batcrao eom as Portnguezes e muitos delles Jorio mortos ^ e 
de corno OS Portujuezes ouvida a resposta que os 
Negros Ibes derao , voltdrao para traz. 



N/ 



I A manha seguintc » fizemo-nos a véla com os nossos 

dous navios sperto de hora de ter9a , com bom vento , e a 

.^avor da mare > a fUn de hir ter com a nossa conserva , e 

entrar naquelle rio cm nome de Deos , esperando achar nas 

suas macgens gente mais humana , do que aiq«iella , qoe vi- 

mos 



DE L V I Z O K C.A 12 A M O S T O. jTf 

tnos nas altnadias > e assim tendo chegado a conserva , e 

seguindo viagem em saa companhia , principiamos a en<* 

rrar no rio, hìndo a Caravella pequena adiance / e nós 

huns apòs os oucros ^ acé passar o banco ; e cendo-o pas- 

fado , obra de quatro milhas | ^pparecèrio de repente de 

traz de nós (nao sei donde sahidas) algumas almadias ^ 

remando com quanta forga podiào : tanto que nòs as avis* 

tàmos fizemos volta sobre ellas ; e duvidando se as suas 

frecbas seriào envenenadas (pois tinhanros ouvido 5 que nml^ 

te Qzavao dellas ) , cobrimos os nossos Navios oicelhorque 

puderoos , e nos armàiros tornando os nossos ponos,bcm 

qne estivessemos em nìao estado de afiras ^ e em breve e» 

pafo chegando-se a nós , que nos deixàmos estar qoietos ^ 

vicrao a proa do meu Navio , que era o prtmeiro, e repar* 

tindo se cm duas iinhas me puzerào no meio. Contando a» 

diras alroadias, achàmos serem quinze em numero , e gran*» 

des , corno seriao boas barcas y e deixando de remar , le-^ 

vanrando os remos para o ar , estiverào a olhar para nós ^ 

corno para cousa maravilhosa : e examinando-os tambem 

com atten9ao ; julgamos poderem ser cousa de cento e trin« q 

ta atc cento e sincoenia Negros ao mais 5 os quaes nos ^p|^«eW^i^ 

parecèrao homens beiiissìnros de coipo , e muito negros 9 ^jdy^Hk io* Jlti.i 

▼esridos todos de camizas de algod^o brancas , e com as ^ 

cabe9as cobertas com huns cbapelinhos brancos , a moda ^ 

dos Tudescos j salvo que de cada lado tinhSo huma especid 

de aza branca j com numa penna no meio do dito chapeli- 

nho , quasi corno querendo dar a entender , que erao ho* 

mens de guerra : em cada huma das proas das drtas zU 

madias , havia bum Negro em pé, com buma adarga re« 

donda no brafo , que parecia de couro. Por està rf.aneira 

estivemos huns e outros algum espa90 ì nem elles atìran* 

do contra nós , nem nós tazendo contra elles trovimento 

algurmi até que tendo vista dos outros deus Navios , qnc 

vinhao atraz endireitando o seu caminho para elles ^ sem 

nenhuma ootra sauda^ào , largando os remos , principia- 

iao todos a atirar com os seus arcos. Os nossos Navios 

vendo-se assaltados , descarregarào quatto bombatdas da 

primeira vez , as quaes em elle» as ouvindo , aterrados 

e attonitos , pelo grande estrondo ; deixarao cahir os 

arcos , e olhando hians .para huma p?rte > cuiros para a 

outra , ettavao admirados vendo as pedras dcS bcmbar- 

das ferir a agoa junto a si. Depois de estartiti bum boni 

espzfo a olhar para ellas, nào vendo outra cousa ^ e per*^ 

den< 




56 Navega^ois 

dendo o msdo do estrondo , cendo-lhet ja sido acìradof 
muico:» ciros ; tornando os seas arcos , come9arào de novo 
a acirar com grande ardor , avisinhandose aos nossot na- 
vios a tiro de pedra. Os marinheiros principiàrào com as 
soas bésras a desparar , e o primeiro que descarregoa a 
saa , foi hum filho bastardo daquelle Genovez , o qual 
ferio ham Negro no peiro , que de subito cahìo morto na 
almadia ; o que sendo visto pelos seus , tomarao aquelia 
frecha, e a considerarlo multo, corno maravilhando se da- 
quella armi; mas nem por isso deixarao de atirar aos Na- 
vios vigorosamente , e os das Caravellas a elles ; de sorte 
que em pouco e8pi90 de tempo , foi morta huma grande 
quantidade de Negros , e dos Christàos , grafas a Deos , 
nào foi nenhum ferido: pelo que vendo-se elles perdìdos, 
e mortos ; quasi tojis as alm^dias , de commum acordo, 
se pozerao pela pòpa da Caravella pequena , pondo-a em 
grande affronta , porque erao pdiucos homens , e mnl ar- 
inados : vendo eu o que succeJtà^^ fiz carregar de véla 
sobre o navio p^queno, e che^andp a elle o fiz tirar pa* 
ra o meio dos nosso» outros dous Navios miiores , descar* 
regando muitas bombardas, e béstas. Os Negros com està 
xninobra se affastarào , e nós amarrando com huma cadèa 
toJas as cres Caravellas , deitàmos fora huma ancora , e to* 
das tres esciverao sobre ella. Depois de concluido esce rra- 
balho tentàmos tirar lingoa daquelles Negros , ecantolhes 
£zemos accenar , e gritar pelos nossos Interpretes , que hu- 
ma daquellas almadias se aproximou a nós a tiro de ar- 
co ; enrao Ihes fizemos perguntar , porque causn nos offen- 
diao j sendo nós gente pacifica , e vindo para rratar de 
mercadorìas ; que tinhamos boa paz com os outros Negros 
io Reìtìo do Senegal , e que assim igualmence a queriamos 
ter com elles, se ihes aprouvesse: que eramos vindos de 
paizes distantes ,. para trazer alguns presentes <le valor no 
seu Rei , e Senhor , por parte do de Portugal -, o qual de- 
sejava ter amizade , e boa paz com elle i e que Ihes roga* 
vamos , nos quizessem dizer em que paiz estavamos i e 
que Senhor reinava naquellas partes , corno aquelle rio se 
chamava, e que vicssem para nós pacifica e amorosamen- 
te a tornar da$ nossas mercadorìas, dando*nos das suas, 
quinto quizessem , ou pouco ou nada , que de tudo seria- 
nì03 contentes. A sua resposta foi , que pelo pas^ado tì- 
tthào algumi noticia de nós , e do nosso modo de. tratar 
CO.B OS Negros do Senegal i os quaes nào podiao deixat 

de 



^ OSTO- ^ 

n^^ ^fTtC'S ~:„o commercio 

*=?J^ a« ,^f^* ^T -Si.. «?^ vi^ d^"^"' 




:^ 



X-.*-»-trk^ ^ V^*^Irn*:»^ *'t»^j;st*' "vertenti» ,<> 

"•=* **** ,^ ^^ ^r2:*^*T^7^» i» ^i» *^ ,er«^ *^^«a pelo 

-^ '*• ^ O* v»iC**^ 4 1^*^ rt-»*^ \<-,s .^os 9, Qucnao 






t\0 5 

SO" 












& 

O 



-)»Ì>«'* ^^Oa" ^*^^'^'' 



5B NAVSCAfOBS 

Carro do Sol C^) : mas a escrcUa principal naO le via , neifl 
era posaivel velia senào perdendo de todo a do None. Nes- 
te lugar achamos a noute de onze horat e mela , e o dia 
de doze e mela , escando em o principio de Jolho , a deus 
do dito mez se nio me engano. 

Este paiz he sempre querce em rodo o tempo do anno : 
he certo qoe faz alguma variedade , a que nós chamamos 
Inverno , porche principiando o mez de Julho e até ao firn 
de Outubro , chove quasi diariamente pela hora do meso 
dia , por està maneira : levantao-se algamas nnvens con- 
tinuamente sobre a terra , entre Nordeste e Leste , ou cn- 
tre Leste e Sueste , com grandissimos trovóes , e relampa- 
gos 'f e assim chove huma extraordinarìa quantidade de 
agoa : naquelle tempo principiao os Negros a semear , do 
mesmo modo , que fazem os do Senegal : o seu sustento 
he de milho » legumes , carne , e leite j e ouvi, que nes* 
te paiz pela terra dentro , por causa do grande calor do 
ar , a agoa que chove he quente. De manhà , quando ada- 
ra odia, nào ha nenhunu aurora , até ao nascer do Sol , 
comò nestas nossas Regióes , em que ha sempre hum maior 
ou menor espa90 de crepusculo , pelo contrario aqui , logo 

Sue desaparecem as sombas da noute , de repente se yi o 
ol ; nao com tudo que elle por espofo de mela hora de 
grande ctaridade \ porque parece turvo e defumado logo 
que nasce. A causa de^ta vista do Sol tio prompta , contra a 
ordem dos nossos paizes , nào entendo eu , que po^a pro- 
ceder de outra causa , senao de serem estes rerrenos mul- 
to baixos , e sem montanhas , e desta mesma opiniao se 
acharào todos os nossos companheiros. (^) 

Fin da Primbira Navega9 a<o. 

C^i ) Os Antìgos chamav&o Carro i constelagao a que n6s cha- 
mamos Urta : e pensavào qne o nutro Hemisferio tinha pouco mais 
ou menos as mesma^ estrellas que o nosso , por isso dii Cadamosto 9 
que pensou , que aquella constella^ao era oCarro ou aUrsa doSul. 
Heescusado dizer que tal Ursa nàoexiste no Pòlo Antartico» 
e que as estrellas de que aqui se trata s£o provavelmentc o Cru- 
zeiro» o qual ainda que se nao compoe senào de quatro estrel- 
las y.estaria naquella occasiào acompanhado de algumai outras 
duas , que Ihe fizessem tornar aquella figura. 

C^) Todos sabem actuaimente que a differente du r a gao do cre- 
pusculo provém dat diflPerentes Latitudes dos Paizes, eque o Au- 
tor Ilo proxìmo i Linha nSo o podia observar tanto tempo co* 
mo Citando em Portu gal « ou na Italia^ 



if 



NAVEGAQAO SEGUNDA 

DE 

LUIZ DE CADAMOSTO, 



CAPITULO I. 

Quem forao os j>rìmeiros , que descobrirao as \Ilhas de Cabé 

verde ^ a duas das quaes puzerào o nome de Boa 

vista , e S. Tbiago. 



D, 



^A condijao deste paiz de Cambia, pelo que pude ver , 
e oavir nesu minha primeira Vìagem , pouco ou nada se 
póde dizcr j principalmente de vista ; pois por ser aquelU 
gente da marioha , de hum trato aspero e selvagénn , nao 
poJéfflos tirar lingoa della, nem tratar cousa alguma: de- 
pois fomos obtigados a voltar a Hespanha , e nao passar 
mais avante^ porque, corno acima dissemos, osnossosMa^ 
rinheiros nao nos quieerào seguir. Por este motivo em o 
anno seguìnte , o sobreditoGentil-homem Genovez , de ac*? 
cordo comigo, fez armar nov^mente duas Caravellas, pap 
ra buscar este rio ; e tendo ouvido o Sr. Infante (sem cuja 
licen9a n&o podiamos hir) , que tinhamos tornado està de« 
liberapio ; multo Ihe agradou , e quiz armar buma Caravel- 
la sua , para que viesse em nossa companhta. Tendo-nos 
pois feito prestes de todo o necessario , partimos de La- 
gos , que he peno do Cabo de S. Vicence , no principio dp 
mez de Maio com vento prospero , e lizemo-nos na volta 
das Canarias , aonde chegàmos em poucos dias ; e sendo o 
tempo favoravel , nao tratàmos de cocar nas ditas Ilhas , 
mas continuamos a navegar para o Sul na nossa derrota ; 
€ com a corrente das agoas , que cotrriao com impeto pa- 
ra Sudoeste , escoxremes muico : ultimamente chegamofi 
do Cabo branco, e tendo vista delle ^ nos alargamos huf9 
pouco ao caar : na lioure ^^guince a$saltou-no$ hum tem^ 
potai doSudoeste com vento furioso; pelo que , para nip 
tojnar pira traz , Azemo-nos na volta ciò Oes-Norpe^tf» pa- 
f2 pairar : aogoeotamoi assim o tempo , dia» npuces com 

• H ii tres 



6o NAYEOAfÓ e/S 

tres dias , havendo ao cerceiro vista de terra ; e gritando 
todos terra terra , muito nos maravilhamos ; porque nao 
sabiamos , que naquelUs .paragens houvesse terra alguma , 
€ mandando subir ao mastro deus homens , descobrirao 
duas granJes Ilhas ^ o que sendo nos noticiado demos gra- 
(as a Deos N. Senhor , que nos levava a ver cousas novas , 
porque bem sabiamos que destas Ilhas nao havia noticia 
alguma em Hespanha ; e julgando nos , que ellas podiào 
ser habitadas , para saber o mais , e provar nossa ventura , 
DOS fizemos na volta de huma dellas ; e em pouco tempo 
nos achàmos perto: avisinhando*nos mais , pornos parecer 
grande, a costeàmos hum pouco a vista de terra, e tanto 
que chegamos a hum lugar , que julgàmos estasio sega- 
ta , lan9àmos ancora *, e abonan9ando o tempo deitàmos 
a lancha Fora ,. e a mandàmos a terra muito bem arma- 
da , para ver se havia homens , ou vescigios de habita^ao. 
Os no3SQs parrirào , e buscando por roda a parte , nao 
achàrao caminho , nem sinal algum por onde se podesse 
inferir que era poyoada ; e havendo està reIa9ào dellec , 
na manha seguinte para me acabar de adarar de rodo, 
mandei doze homens bem providos de armas , e béscas , 
que deviao subir a dita Ilha , por huma parte onde ella era 
montuosa e alta, para ver se achavào aiguma coosa, ou 
descobriào outras Ilhas. Partirlo pois , mas nao acharao 
nada mais , que terra deshabitada , e huma grande quanti* 
dade de pombos , que se deixavào apanhar à mao , nao co- 
nhecendo ainda o que fosse o homem ; e dos que matarào 
com bastoes , e massas , trouxerao muitos para a Caravella» 
Quando estes homens estiverao na monranha , houverào 
vista de tres outras Ilhas grandes , huma das quaes n&o ti- 
nhamos percebido , por nos ficar a Sota-vento , da parte do 
Morte ; e as outras duas estavao na mesma linha do iado 
opposta , da banda do Sul , tambem na nossa derrota ; e 
todas tres a vista humas das outras. Tambem Ihes pareceo 
ver da parte do Poente ( mas muito metidas pelo mar den- 
tro ) a modo de outras Ilhas , mas nao se enchergavao bem , 
pela sua muita distancia; e a estas nao cuidei de hit, tan- 
to por nao perder tempo, e seguir a minha viagem, co- 
rno por julgar que erao deshabitadas , e selvagens ^ corro 
erao estoutras duas ; mas depois pela fama destas quatto 
Ilhas que ea tinha descoberto , outros que chegarao aquì 
as forao reconhecer , e achàrao serem dez entre gandes , e 
pequenas ^ coias deshabitadas : naa havendo nellas senao 

pom 2 



-svar^T^l^^s^ 



^^ ^ ^ ^ « O S T o. 

'• ^ fir.inde pese 
^^^« ^^ bZtl^^^'"^*^^ a bo^a deh. 



de 




e bello S 
, e dell ' 



^^V^ ^^if^^\^-°f '"\^"- er„ tèrra F- 
<^^a.^\^ *>rnr» «buissimo 

^Sr^^oTe^t J^^U r." " " ^ - - " do .. ago 
^ TTvtk^ e. ^„ »^ar^arueas , Uas equacs ' 

'^«^^^^C -^^,f ^^'^^^ conchas erao maiores, 

^^^^ì^^ xatu^aein seachavao , mas nao tao ^ 



me 
vUel- 



v^ "^< ^*^* V^ovat de tudo as conti , 

r-"^ ^5^:^tuet\os t^ue a carne branca d 

d ^^^^ ^e\To e sabot cjue cinhào -, «de sorte 

^^x^^ <^>i« cm patte rios forao *Je boz-n socc« 

*. 1*^. Xj^^Tatnbem pescàmos sobre a embocadui 

^''^^^^^^^ delle, e achàmos tao grsncie cjuanti* 

^ tra ^^^^^ ^* incrivel de se dìzer i niuitos dtv 

^JJ^^. ^^^^os visto , mas erào ^rnntJcs ^ «ic bo 

'^^^ grande , e bem à voncade pcxJiii entra 

de setenta e sinco tonelaJas i tendo 

irò de arco : nelle estivcnr»os 

s provemos dos sebreditos 

, de que matamoa hums 

5m Que abordàmos puzemos o rtomu de 







»0a 



^ma, 






em que abordàmos p 

por ter side a prime» ra terr^ 



de 

res Frese OS ^ ce 
s *^ m r» u m e r o \ 






estollerà, que nos parecia » fTi^r»^ 

5 S. Thiago , porque no d.^ ao S- f^il^PP 
c^Q lanjàmos ancora nella. 




r 



6f 



N A 



▼ C0A90lt 




e A P I TU L O IL 

De bum lugar chamado as Dttas palmas ; da Uba 9 sque se 

poz nome de Santo André ; e porrne : do Rei Foro^ 

sangoli e do Senbor Batttmansa. 

r Eico cado o sobrediro partimos descas qoatro Ilhas , fa- 
zcndo-no3 na volta de Cabo verde ; aonde em poucos diai 
com ajudi de Dcos chegatnos a vista de terra , a hum lu- 
gar qu9 se chama as Duas palmas , que esca entre Cabo 
verde e o Senegal: e tendo bastante con hecimento da cos* 
fa, continuàmos a navegar escorrendo o Cabo , e na ma- 
uhi segointe o passamos , e navegàmos tanto ì cjue chega- 
mos outra vez ao rio de Gambia , aonde entràmos imme* 
duramente sem opposìf ao da parte dos Negros , nem das 
tuas atndadias. Navegamof pelo dito rio , sempre de dia , 
e com a sonda na mào. As almadias dos Negros , algumas 
dasr quass encontràmos , andavao ao longo das margens , 
tem ouzirem chegar>se a nòs : e pelo rio acima , coasa 
de dez milhas , achàmos huma Ilhota a modo de hum sac- 
co de cede , fetta pelo mesmo rio , junco da oual tendo 
deitado ferro em hum Domingo , faleceo hum aos nossos 
marinheiros , o qual havia dias estava doente de febre -, e 
bem que a sua morte consternasse a todos ; devendo com 
cado levar a bem o que aprazia a Deos, o sepultamos aqui : 
chamava-se elle André , e por isso determinamos ^ fìcar-se 
chamando para o futuro aquella Ilha de Santo André , e 
ainda hoje he assim chamada. 

Partindo daqui y e navegando sempre pelo rio acinia , 
seguirao-nos de longe algumas almadias de Negros» pelo 
que fazendo-lhes sinaes , e chamandoos os nossos lingoas , 
iQ03trando-lhes aiguns pannos e outras cousas , e dizeado- 
Ihes , que se aproximassem com seguranfa, que Ihes da- 
fiamos aquelles fatos , e que nao rivessem medo pois era- 
mos homens hummos , e trataveis : os Negros se forao 
pouco a pou:o avisinhando , e tdmando alguma confian» 

Sa em nos , finalmente vierào à minha Caravella ; e hum 
elles I que entendia a lingoa do meu Interprete cntrou 
dentro della , e multo se maravilhou do nosso Navio , 
e do modo porque navegavamos com vélas j porque el- 
les nao sabem senao vogar com remos -, e julgavào , que 
nio se poJia navegar de outro modo. Admiravào-se de ver 

ho- 



D« Luis db CadaMosto. 6^^ 

hometis brancos , e nao meno» do nosso traje , milito es« 
tranho para elica , e muito dilFerence do seu y principal*- 
menre porque a maior parte atidào nus ^ e se aigum anda 
vestido , he com buma especie de camisa branca de algo-* 
dao. Nós acaiiciamos muito o Negro , dando-Ihe muitas 
qainquilharias de pouco pre90 , de que elle ficoQ muito 
contente^ e perguntando-lhe eu muitas cousas , me affir-» 
moa finalmente ser aquelle paiz o de Cambia ; e que o 
seu principal Senhor era Forosangoli , o qual dizia escaf 
afFastado do rio ^ pela terra dentro entre Sul eSueste^ se- 
gundo elle me mostrou , de nove a dez Jornadas -, e este 
rorosangoli dependi a do Imperador de Melli , que era a 
grande Imperador dos Negro»: mas que havia muitos ou- 
tros Senhores menores , que habitavào junto aorio, rama 
de bum corno de outro lado j e se quizessenros, que elle 
nos ievaria a bum delles , que se chamava Battimansa ; e 
que elle farla que quizesse trar;tr amizade comnosco ^ pois 
Ine parecia que eramos boas pessoas. Agradou-nos multo 
està sua offerta ; e levamo-lo comnosco no Navio , fazen* 
do-lbe boa companhia , em quanto navegando pelo rio act-* 
ma , chegamos ao lugar do chamado Butimansa , que se- 
gando o nosso juizo , era distante da en«bocadura do ri<^ 
obra de sessenta milhas e mais. 

CAPITULO III. 

Do presente feito a Butimansa , e Jas rcupas qtte os Portm 

gsiezes levavdo para resgatar j do modo de vogar dos 

Negros deste paiz , e dos seus remos. 



D, 




^Eve notar-se y que navegando pelo rio acima, camh* 
nhavamos para o Levante \ e neste lugar , em que deità* 
mos ancora , era o rio muito mais estreito qiae na embo^ 
cadura : pois y segundo cu julgo , nào tinha mais largura 
do que huma miiha , e nelle se vem vir desagoar muitas 
correntes de agoa , que tambem sào rios , que aqui se me- 
tcm. Chegando nós a cste lugar , determinamos enviar 
bum dos nossos liogoas com este Negro , a presen9a dés- 
te Sr. Butimansa; e assim Ihe mandarros bum presente^ 
que foi huma Aizimba de seda à mourisca ; espece de ca* 
misa a nosso modo , bastante bella , e feita em terra de 
Mouros : dizendo-lhe corno tinhamos vìndo por ordemd*EI- 
Rei de Portùgal N» Sr. para tritar com clic boa amiza.- 



<$4 Nav»oa9ois 

de ; e para saber se tinha necessidadc das cousas do fiosso 
paìz y em cujo caso elle Ihas mandarla todos os annos , 
com muicos outros ofFerecitnencos mais. O interprete , fot 
com o Negro aonde esrava esce Senhor , ao qual disse can* 
co de nós , que cjuiz immediatamente mandar certos Ne- 
gros seus às Caravellas , com os quaes nao sómence fize- 
mos amizade , mas tambem permutamos muita da nossa 
fazenda ; pela qual nos derao alguns escravos , e certa 
quancidade de ouro , mas nao cousa de importancia , em 
comparafao do que esperavamos achar : porqoe era rauito 
maior a fama , segundo a inForma9ào dos Negros do Sene- 
gal : he cerco que nós achàvamos pouco para o nosso de* 
sejo , e elles muico , porque sao gence pobrissìma. Esce 
caro he muico apreciado por esca gence , e segundo en- 
tendo ainJi muico mais do que por nós, porque o esci- 
mao comò cousa preciosissima. Nao deixavào com cudo de 
dar hum pre9o vancajoso por cousas miudas , e de pouco 
valor para nós. 

Escivemos aqui cousa de onze dias , e durame esce 
tempo vinhao às noss«s Caravellas muicos daquelles Ne- 
gros , habicances de huma e de oucra margem , quat para 
ver hum objecco excremamence novo pira elles ; qual pa- 
ra vender-nos algumas mercadorias suas , ou algum annel 
d*ouro« Escas mercadorias , erao algodóes , fìados de al- 
godio , e pannos de algodào feicos a seu mado ; huns 
orancos , oucros de cores , isco he com liscas brancas , e 
azues : oucros vermelhos azues e brancos , muico bem feu 
tos. Traziao cambem muicos bugios , e macacos grandes e 
pequenos , de diversas especies , que nesces paizes se 
achào em grande quancidacie ; e os crocavao por cousas de 

Jouco valor , isco ne , cada hum por dez marqueces : tam- 
em nos craziao gicos de AUalia , e pelles dos dicos ga- 
tos ; e davao huma on9a deÀlgalia por oucra cousa, que 
valia apenas quarenca ou sincoenca marqueces (/f); nao 
que elles o vendessem a peso , porém eu o digo por es- 
timativa : oucros craziao fruccoS de diversas qualidades , e 
encre elles muicas camaras pequenas e silvescres , que nao 
erao muico boas : porcm elles por taes as tinhào , e mui- 
tos dos nossos marìnheiros as comiao , e achavào de sa- 
bor difiererice das nossas ; mas eu nunca as quiz provar 
por medo de diarrhea ou oucra molescia semelhante. Por 
es* 

(tf) Cada marquete vale pouco mais de tres reis. 



66 Naviga9ob9 

quellcs primciros Negros. Estes tanibem cotrero carne de 
ciò, que niinca puvi dizer quc se coincssc n'outra parte« 
Os seus vesticos sào de algodào : e se cs Nej^ros do Se- 
negal andào quasi todos nùs , estes pela maior pane an- 
dào vestidos , pela grande abundar.cia , e (juantidade de al- 
godào que possuem. As mulheres \esiem todrs por hunra 
niesma tórma ; salvo que quando sào pec^ucnas , gostao de 
fazer alguns lavores sobre a pelle picando com ngulhas 
OS peicos , bra9os , e pescofo j os quaes parecem destes 
bordados de seda , que se uzào nos len(os , e sao feicos 
com fogo de modo que em tempo algum se apagào. £s« 
ta regìao he multo quence^ e quanto mais adiante se ca« 
minha para o Sul , tanto mais parece pedir a razào , que 
OS paizes sejào quentes ; e especialmente fazia muiia mais 
calma neste rio , do que no mar j por ser assombrado 
por muitas arvores e muito grandes » comò as ha por todo 
o paiz ; e he tal a sua grandeza , que fazendo nos agoa- 
da em huma fonte , perto da margem do rio , havia al* 
li huma arvore muito corpulenta e grossa , mas a altura 
nao era proporcionada a grossura , [orque julgamos ser 
aquella de couza de vinte passos ; ao mcsmo tempo , que 
fazendo medir està , a achàmos de dezasete bra9as de 
circumferencia em o pé : estava perdida y e em muitos lu- 
gares occa e carcomida ; os seus ramos em cima esteti- 
diào-se muio , de sorte que tinha grande copa em roda , 
fazendo muita sombra. Tambem se achào oucraa maiores , 
e mais grossas, de fórma que por semelhantes arvores se 
póde bem comprehender , que o paiz he bom, e a terra 
tertil , por ser baahada de muitas agoas. 

C A P I T U L O V. 

Do9 elefantes deste paiz , do modo torqtie se ca^ao » do cfm- 
primento dos seus dentes , e forma dos seus pés* 



A. 



Xkao*se aqui grande quantidade de elefantes ; e en 
vi tres iiivos ainda por domesticar , porque o nao sabem 
fazer corno nos ourros paizes. E estando com o Navio 
•uno no meio do rio , os avistàmos , quando sahiào do 
hosque , e vinhao banhar*se : alguns de nós saltamos na 
barca para hir a elles , pois estavao pouco distante»; mas 
comò nos virào hir , tornarao para o bosque : depois vi 
oucro pequeno ja morto que foi cafar para me compra- 

ZCIj 



é8 Navega^obs 

he toJo redondlo corno o do cavallo , porém nao rem 
a unha do mesnio modo i pois he de huro so callo ne- 

fro e grossissimo : ncsre callo eirào sinco unhas , ao re- 
or do dito pé , rences de terra redondas , pouco maiores 
do que he hum grossone (il ) , e nao era o pé deste ir.090 
elefante tao pequeno , que nao tivesse mais de palmo e 
xneio em quadro pela sola ^ porém , corno ja disse j elle 
he redondo. Foi-me tarobem dado por aquelle Negro , 
outro pé de elefante » cuja sola medi por varias vezes , 
e a achei de tres palmos e hum dedo em quadro ^ o qual 
tambem apresentei ao dito Sr. Infante , com hum dente 
de doze palmos de comprido ; e tudo juntamente com o 
pé mandou elle à Senhora Duqueza de Borgonha , por hum 
grande prezente. Tambem ncsre rio de Cambia , e bem 
assim em muitos outtos rios deste mesmo paiz , além das 
cobras de agoa , e outros animaes diversos, se acha bum 
chamado peixe cavallo , que he quasi da natureza da 
vacca marinha , que ora està na agoa ora em terra ì e de 
ambos estes elementos se nutre. A fórma do cavallo ma- 
rinho he està : tem o corpo grande , corno o de huma 
vacca ; he curto de pernas , tem os pés rachados , e a ca- 
be^a do feitio da de hum cavallo , com dous dentes gran- 
des y hum de cada lado y a modo de porco montez. Sào 
muito grandes , e vi alguns destes dentes do comprimen- 
to de dous palmos e as vezes mais/ Este animai sahc da 
agoa , e caminha pelas margens dos rios acima , corno ani- 
mai quadrupede , e segundo ouvì dizer , nao se enconira 
em nenhuma outra parte , onde nós os Christàos temos 
navegado j salvo se for no Nilo. Tambem vimos morcègos 
muito grandes , do comprimento de tres palmos e mais ; 
e outras diversas aves , muito difFcrentes das nossas , e 
principalmente infinitos papagaios. Tambem ha grande quan* 
tidade de peixes neste rio , muito diversos dos nossos tan- 
to em sabor conio em figura ^ mas nem por isso sào me« 
Qos bons para corner» 

CA. 



C«^ Moeda antiga da Italia principahpente uzada em Florenca: 

houve-a de dilferentes valores e tamanhos ; a de que aqut falla 

Cadamosto teria provavelmente a grandeza de iiuma pataca. Estas 

unhas do elefante estào cravadas em os dedos , que sao multe 

curtos proporcionalmente ao resto do corpo. 



* 






V 



I -ir Tur M^ o F/ 

rr^rg^€P £:^Z!^.'^.^^^7f.d3//s/i ; t da ù 
tH^^^^^i^y^^ -rf<7 rfito rio. 

_ ^^^ *^O^M-B ^£t <Ì€>s Miossos mitrinheiros , 

^^O* tJ*^*" ^ ^^ » «^o proreo t=fcr IS^I^nsa , isio he , 
Cy^ jfii^ -rt-r ,^» "^^ ^ e cm fyot.3<r<9s <Jiits Jcsen:tc< 
^ ^ ^f* 0^'' -..^5^ <=^^X\«3k.o-«os a r<f*dGS r^r a /n da tram i 

AO ^ VvO ' va. *- ^a.-^r-^-re por a^tre/Z^ <<osra i p<»rqucscnci 

t^v"-- '^-HSr^ ' hu™ .i/a j^cr '^--j-rc^^V^!:.;/^; 

Z,^l*^^jrt9 ^ '^*^ àe bum c£tt>o i_ , \1V ^ *^ i» «?sra terra j 

^e^'"^ S^^:X^'^^^ ben, ao mor- ^^-^ "°*^^':^ ^ v. ^ rei «rs , belli 

'^^tt^i'' ^Vi'**!^^^^' -^s , e depois «3.e " «^^ „ ^ " ^cj*^ il 1 o nao e 
e <*"?^eO ^0«^^* -^^es desta p^r^ra. ^^%^^i-- -'^ *'dous; 







jO Natboa9obi 

ei^o^FinJo nos algum canto, dcscobrimos a boca de ourro 
granj? rio , parscendo-mc a mcu ver ser està muico mc- 
nor do qae a do rio de Gambia ; e n'huma e n'ourra mar* 
gena delle , se viao huma grande quancidade de bellissi* 
mas arvrores alras , evi90sas, e aqui abordàmos e surgimos: 
ecommdo coios coiselho, decerminamos armar duas das 
nossas bircas » e mandallas com os nossos Interpreces a 
terra, sibsr noticias do paiz , o none do rio, e quem 
era o Senhor destas cerras , e assim fizemos. As barcas 
parcìrao , e vDlcàrao dizen io , qae se chamava o rio de 
Casaminsa ; corno se dissessem , o rio de bum Scnhor cha- 
mado C Ili ili ansa i o quii era Negro, e habitava por el- 
le acima , cousa de trinca milhas i porém nao se acha- 
va entao r\aqaelle lugar , oor cer hido a guerra : pelo 
qae tendo nos esci nocicia , no dii seguince nos parci* 
mos , notando que do rio de Gidibia acc escoutro de Ca< 
samansa , sao cousa de vince e sinco legoas , que fazem 
cem das nossas milhas. 

CAPITULO VII. 

•-• Do lugar chamado Cobo vermelho , e portjue razìo Ibe pozfrao 
^ este nome ; do rio de Santa Anna , do de S» Domìngos , 

de OHtro grande rie , e da mari da agoa » encben- 
O te e vazante , daquclle paiz, 

X Endo partido deste rio de Casamansa , seguindo nossa 
viagem pela costa , chegàmos a bum cabo , que segundo a 
nossa escimativa , esca distante delle obra de vinte milhas , 
e he hum pouco mais alto , que o terreno da costa ; a 
sua frente mostrava huiia cor vermclha , por isso Ihe pu- 
zemos o nome de cabo vermelho ^ e depois continuando 
a navegar pela costa , chegàmos a embocadura de outro 
rio asS'is grande , e a nosio ver da largura de hum ti- 
ro de bésta : nao quizemos entrar dentro , mas puzemos- 
Ihe o nome de rio de Santa Anna \ e tendo o passado , 
teguindo a nossa derroca , cHeganos a oucro rio , cam* 
bem na dita cona , o qual nao nos pueceo maior, que 
o de Santa Anna , e Ihe puzemos o nome de rio de 
S. Domingo? , e de Cabo vermelho a este ultimo , com* 
putàmoi por estimativa , ser a liscancii de sincoenca e 
sinco , a sessenta milhas. Depois continuando a navegar 
pela mesma cosca ^ mais huma jora«da > vienm ter a 

cm- 



DE Luis deCaoa mosto. 71 

etubocadura d'hum grandissiiro rio , e tao grsnde , que 
ao principio todos nòs julgàrr.os y que era golfo ; aoa- 
de se avistavào arvores beliissimas , e verdes da outr^ 
banda para a parte do Sul ^ cuja largura fci julgada por 
todos^ ser ao nienos de vince milhas, e dahi para cima; 
porque puzen^os hum bom espa^o de tempo em atraves- 
sailo , jsto he, em passar de huma a outra margem: e 
quando estivemos da outra banda , liouvemos vi&ta de 
algumas Ilhas ao mar ; pelo que decerminair.os saber 
aqui algumas novas destes paizes , e logo ianfimos nn« 
Cora : na manhà seguirne vierao ao nosso Navio duas al- 
madias , que sào daquellas snns barcas acima ditas , as 
quaes realmente erào n ulto grnndes , e huma dellas qua- 
si camanha corno as nossas Caravellas , mas nào tao al- 
teresa, e nesta vinhao trinta Negros : a cutra , que era 
menor , tinha couza de deznseis homcns. Vcndo-as pois 
vir remando para nós , e tendo leccio dellas , tomamos 
as armas are vermos o que faziào : quanc^o se nos avisi** 
nbarao, ievantàrào ao ar hum len90 branco, corno para 
pedlr seguran^a 3 nós Ihes respondcncs pelo ir.esmo me* ^ (^i 
do; e elles vendo que (aziamos aquellc sinal , vierao aoo\ 
nosso bordo ^ e a maior das outras alnai'ias , se eri pare* !k 
Ihou com a minha Caravella ; e olhavào para nós extraor-^ 
dinariamcnte maravilhados , vendo que eramos homeirs^ 
bfancos: admiravào tambem a fórma do nosso Navi€^ , com 
mastro e antcna encruzada : pcrqce he cousa de que 
elles T>ào ozao , nem sabem o que he. 

Desefoso eu de saber alguma cousa desta caMa de 
gente, Ihes fìz Fallar pelo» meua Inierprttes , irai nenham 
delles póde eniender nada do que diziào ^ e bem assim os 
das outras Caravellas j o que visto por nós , tiveiros hum 
grandissimo dissabor , e finalmente partimos sem os poder. 
mos perceber .- conhecendo pois que estavamos em paizes no» 
vos , onck nào poHdf affi ob ser entrndido»^ éotidoirros , que 
era superfluo passar mais adiante , porque julgamos devec 
achar sempre lingoagens , cada vez mais novas ; e que nao 
se podia ^zer cousa boa : pelo que determinamos voltar, pa- 
ra traz. tf hum Negro das duas almadias , compramos nós 
alguns pequenos aneis de ouro , por algumas cousas que 
Ihes demos em troca ; fazendo o contrato nào com pala* 
vras , porém com accenos. Estivemos dois dias sobre a em- 
bocadura deste rio , e a estrella do Norte mostrava-se aqut 
multo baixa, Achamos tambem neste lugar huma grande 

conr- - 




Jt NAVBOAfOBS 

contrariedìde > que nio se encontra n'oucra parte , quanto 
eu pucie percebcr : e he , que havendo aqui mare de agoa 
enchente e vazance , comò ha em Veneza , e em rodo o 
Poente , onde em cadi dia cresce sۓs horas , e baixa ou- 
tras seis ; aqai cresce quacro horas , e baixa ouco , e he 
tao grande o impeto da corrente da dita mare , quando 
principia a encher , que he quasi incrivel ; porque com ires 
ancoras na proa , apenas e com trabalho nos podiamos se- 
gurarj e houve occasiào , em que a corrente nos fez Fa- 
zer a véla contra vontade , e nao sem perigo > porque ella 
tinha mais for9a, do que as vélas com o vento. 

CAPITULO Vili. 

De duas Ilbas grandes , e outras mais pequenas. 

J Artimos da embocadura deste grande rio , para tornar 

farà Hespanha ; e fizemonos na v.olta domar, por aquel- 
as Ilhas , que jà dissemos estarcm distantes da terra fir- 
me , obra de trinca milhas , e chegàmos a ellas : duas 
sao grandes e algumas outras pequenas. Estas duas gran- 
des sao habitadas por Ne^ros , e sao Ilhas muito baixas 
mas abundantest de bellissimas arvores , grandes , alias , e 
vi90sas : aqui ambem nao tivemos lingoa , porque. elles.' 
nao nos entendiao a nós , nem nós a elles ; e panindo 
dalli, tomàmos rumo para as nossas partes dosChristàos; 
para as quae^s tanto navegamos por nossas jornadas , até 
que Deos pela sua misericordia , nos conduzio a bom por* 
to , quando melhor Ihe aprouve. 



FlK DA 8EGUNDA VlACEM D« CadAMOSTO, 



NA- 



7? 



NAVEGAqAO 

D O 

CAPITÀO FEDRO DE CINTRA, 
PORTUGUEZ, 

ESCRITA POR M ESSER 

LUIZ DE CADAMOSTO. 



CAPITULO I. 

Do rio de Bessegue , de bum lugar a que puzerao o nome de 
Cabo da verga , e da qualidade desta costa» 

yj Que tenho r«ferido , he o que eu vi ^ e ouvi no rcni- 
po, que andei por escas parces : mas apòs mim forào ou- 
uos , e principalmente duas Caravellas armadas , que EI- 
Kei de rortugal mandou depois da morte do Sr. Infante 
D. Henrique , cujo Capitào era Fedro de Cintra , Escudci- 
ro do dito Senhor » ao qual deo em regimento , correr 
mais adiante por aquella costa dos Negros , e descobric 
paizes novos. Com este Capitào foi hum mo^o Portuguez 
nieu amigo , que jà tinha navegado comigo por Escrivào 
em aquellas paragens : e na vojta das Caravellas , achan* 
do-me eu em Lagos, chegou o dito Capitào ; eomeu arnl* 
go veio ter a minha casa , e me deo nocicia ponto por 
ponto, de rodo o paiz , que tinhào descoberto , dos no- 
mes que Ihe haviào posto, e das esta96es corno escavao, 
todas por sua ordera , as quaes jazem principiando pelo fio 
Orande , aonde nòs ambos tinhamos estado , pelo modo, 
que abaixo se dira. 

Contou me pois primeiro,que tinhào abordado naquel* 
las Ilhas grandes habitadas , de que fizemos menfào , e 
que em huma dellas tinhào desembarcado , e fallado com 
03 seus Negros; mas que nào podérào ser entendidos ; e 
que auiirào algum tanto pela terra dentro, atr às suas 
fiabita96es , que erào choupanas de palha pobiissimas ; em 
Notte. Ultramar. NV I.° K al- 



i 

J 



7^ Naveca9Ói8 

VÌ90S0 ficava rodo alcgre e risonho , ^ela costa k\\^ 
adiante ha huma moncanha , que continua a estendei-s^ 
passante de sincoenta milhas , che altissima , cobetta to- 
da de arvores sempre vifosas e copadas , defionte de ca- 
ja extremidade se achào pelo mar dentro , a cousa ie ooto 
milhas , tres Ilhotas a maior das quaei póde tei dez a do* 
ze milhns de circumferencia ; a estas Ilhas pozeiao t\o- 
me de Selva gens j e a dita nrcntanha de Serra Icòa , e 
Iseo pelo grande rugido , que de continuo alU %t seme 
por causa das trovoadas 9 que ha no seu cume , (^uak 
està sempre cercado de nuvens. 

C A P I T U L O IV. 

Do rio vertnilko , Cabo vermelko , Uba vemiìba \ Ho rio 
Santa Maria das Neves i da llha dos Bamos , do Cubi 
de Santa Anna ^ t da qualtdaàe deità io%xa. 

X Assada roda està costa da Serra Leoa, dahi para ài 
he tudo terra baixa , e praia com n^nitos bancos de ' 
(]ue entrao pelo mar dentro , e andando cousa de 
milhas mais adiante da ponta da(]uella montanha , at 
outro grande rio largo na sua toz cousa de ties m 
ao qual pozerào o nome de rio vermelhe , e isto 
a sua agoa se mostrava desta cor 9 por set o a\ 
terreno avermclhado : além do dito rio ha hutn Ca 
jo terreno he tambem avermelhado , a que por ' 
meàrào Cabo vcrmelho , e defronte delle pelo n 
IFO obra de outo milhas , ha huma llhota desVìs 
que chamarào a llha vermelha ; e nella parece 
la do Norre sobre o mar da altura de lium 
Desde a foz do rio vermelho até està llhoia 
de dez milhas , e passado este Cabo 5 faz*se a 
hum golfo y deniro do qual desemboca huin 
de, a que pozerào o nome de Santa Maria à 
porque neste dia he que foi descobcrto ; e da < 
do rio ha huma poma , defronte da qual l%un 
mar està outra llhota. Deste golfo ou enseada 1 
tos baixos de area, que seguem està costa o csp 
ou doze milhas, e nelics quebra o mar , senti 
ma a corrente de agoa, com grandes marcs 
e vacante, e a està llha chamarào a llha dos 
la quantidade de bancos de area acima dicos s ! 



?^r 






Stt'^ 






-2>.A 



^^ 



,^Qv^^^ ^ -" ^ 



*juatro tnilh^^ ' *^^ sobrecita I 
* scndo loda a e ' 



C A I» I 



tnìlhas 



T V L 






ou 



O 



^r/a 



^ rio rfos 
»JÌ zara fio z 



, fio l'OSfMC 



'abo 



C9t 

fidX^rtciics 



ftssim 
firvorcft ^ 
2^cgto^ -■ 









.nna 



06, 



f^l* »tr^^ 



««^?^,^ 






de Santa, 
autra rio , a q^i^ 

^rg^ , he roda chc.^ 



se-tcTita 



^ inilh «^ 

orioni^rào das X^ 
n, SUA Barra , b^ 
c3^ L>aixos e f^^^ 
. <J^ Sanca Anna - 

numa praia s€:g^vMM<i^ r c^ passando 
Vr '"- Via *^>% ^ ^». m'ilias adianrcr , sg aoHa outro «^ 
]/) ^^ K ^ <W^ /^^*^"? ^ nome do mio <Jos Fuiros . 
'^« pe,/^ty^V^t\do o descobrirào , por roda aquell> - 
P^lo '^^^^^^^^ cousa em ctrrra &er»ao Fumos , <=1 
^^^^/m ^^^^^ ^ ^^^ ^^ paiz. ]VIai« alórr^ vinro e qua «: 
Na !/ ^^^< ^ a se acha hum Cat>o ^ c|tj^ so encrav -s 

- '^«O hg^^^ ^ e sobre elle apparoc:^ luam ti^ont^ 

^^^ C^io^**^^ X ^^^"^^"^^^ o Cabo do nr^onro. .Ao diamo 
^^ cii^^ ? prara cousa de s-essonc^i. milhas 

^4te 




S4 






WTMTkon r^ 
^ssoncfi. 
<^ual 



a prara 

pccjueno e baixo j o <^ual rambem moj^ 
im pequetio monte , e? ^ o^si^ pozetào 

o corte? , ou mlzi3ra«Jo z acjni virao 

ella pr\nìe\ra noute , ranco c^n^ cima < 
pela praia ^ fcUos pelos TSJo^ros c^uanc^ 
dos T^ossos >4avios , norKra a co «^r»«a? P«^ 
Carvtinviando a navegar 



CI' 



ciezs»«*^«s n-iilhi. s j 

=. esxetvdetw ave ao mar , «o. «i"^l tir xtTL 
^xx tì.xvoTeao de Santa M ^'^^ ' ^f^ J^« pc~ 




si 



^as de 



espcc»e ^c ««^ 
cateto-» peciucnos 






-vicrao as 
sto xcdcr^ 



78 



N 



\ 



ATE0A90II 




mirice o nariz di bandi d<:baixo ; e alguni tinHioaop!!- 
co;o huTjjis cnìij.n de dentcs 4110 pireciio de Homcm. 
Os Ne^^roi cj'ic estavao nas Caravella! fallatio-lhes divet* 
sai lin^ois i mas nunca Ihes entendèrio huma so pah- 
vra , ne.ii nói aelks cousa alguma. Trcs destcs Nejtos 
enrràrao ecn huma das Caravella^ , e destes tcei retivt- 
rao hum os Porcuguczes , e deixàrao hir os ouirosi e 
Uto pira cuiiprir cotn a orjem d'ElRei, que Ihcs detw- 
minou , (i-ìz na ultima terra aonde chegassem » nao <^ue- 
rendo passar mais avante,se por ventura os seus torcinues 
nao fossem entendiJos da gente della , tratassem de [\i 
UAzer oti por bem , ou por mal alguns dos Negro$ da 
quelle paiz , pira p3Ìer Uzer nelles avcriguajóes , pc 
via dos muiroi Interpretes Negro? , oue se achio emPo 
tugil; ou mesmo para pelo cempo adiaate aprenderem { 
les a fallar Portuguez ; e assim darem noiicia dos seus \ 
zes : por està causa retivcrao este Negro dos tres ^ e 
terminando nào passar mais avante, conduzirào al 
tugal , aonde o apresentàrao a S, Magestade , que IHe 
fallar por diverso; Megros , e ultimamente por huma ci 
va de bum Cidadào de Lisboa , que era tambem de 
^ ZC> muico remotos ; pela qnal foi encendido , nao n 
94 propria lingoagem , porém n'outra , qne sabiào tanto 
corno ella. O que o dito Negro rcferio aElRei por 
-Ad^quella mulher , nào se entende bem , exccpto que 
^.CMitras cousas Ihe afHrmou acharem-se na sua terra 
nios vivos : e assim dito Senhor tendo-o ret'ido algu 
zes , e feito mostrar muitas cousa» do seu Reìno , dat 
algumas roupas , com grandes caricias o fez conduzir 
vo por huma Caravella ao seu paiz : e deste ultima 
nao tinha passado Navio algum atc a minha part 
Heapanha, que foi no primeiro dia do aiez de F 
de mil quatrocentos e sessenta e trps. 



Fi M DA VlA.QElf DePbdRO DB ClM 
JB DA ObRA db CadAMOS «TO* 



«^.Y 






^OS e A 



^.J/*^?^ 

^ - *► o 






^^^.(^^.''^^A^' - ' ' ' ^' ' ' ' 









S^ ^ufr^I. ^.f.7dJ^ ^r^7^/>/:^ , '^^- jfhaa. 



^scurso sotre a £thi€>i>rj^ 
di^ e /t JBarb^ri/^ , 
^fsim chamado. - 



f^or^z 






n^^ ^it^z Casta , 4 
d€^s C€^st9€mcs dos 



M/» v'^'^ "^s^'^^'/r ^«e jstào no Goffo 
ut -^C^-^^ povoncao de Guaden -, 
„%V^5^ *«"»* tnercadortas^ - - - - - - 

" ■ ^^ contrato feito pelo «SV-« TTTjf^^n^^ -Z>- Hcnw 

^rguhn d cerca das nterc-éxtiorid^s : do ri* 
^ Woy cojmmey dos ^■z.ene-g9*c^Sm. - - ,- 

^ue OS ytzenegttes jttlg^f-r^o s«r os pritneiros 
imo naquelles mares. - — _ — -- - 
T>e kuma povoaq^ao cham^d^* T^^g^rz^» » 

copìrt de saX : para ortei^ s^ trxporta » e ^c. 
'_\f%te deste sai. _ - — — — — ~^' 

Da cstatitra de alguns J^Ttrgros , J^ 1% * 
rrxar Ver -, e /zondc te Uv^ o ^'"-^ ^f^ ^H^^ 

_ "!>* tnòeaÀ He q«e «*Ì^o J^ ^^rregs^et , e ^, 





JT «*' 






«7- 



4/0» 4 






^ ^^Vx ^ ^ .^' SS.^do Senegal , e se*.* 



■r>^,.«» * ^ ,,-c pi', - - - - - 



lintites. - 

^t. Tiessi » «^ 






K»*"; 



GAP. XV^ 




78 Natboa(6si 

msncd o nariz di bandi d<:baixo ; e alguns cinliSo AopH- 
co;o huTias enfìijai de dentei qae pireciao de homcrn. 
Os Me^roi 4*ie esuvao nas Caravellas falUrao-lhes diver* 
sai lin^oif i mas nunca Ihes entendèrao huma so pala* 
vra , ne.ii nój a'cUes cousa alguma. Trcs destes Negros 
encràrio ecn huma das Caravella? , e destes tres retive- 
rao hunri os Porcuguezes , e deixarao hir os outros ; e 
ijco pira cuTiprir cotn a orjem d'ElRei , que Ihcs deter- 
minou I qi^ na ultima terra aonde chegassem, nao que- 
rendo passar mais avante,se por ventura os seus turcimaes 
nào fossem entendiJos da gente della , rratassem de Ike 
trazer oa por bem , ou por mal alguns dos Negros da- 
quelle paiz , pira pdder Uzer nelles averiguapoes , por 
via dos milito^ Interpretes Negros , oue se achào em Por- 
tugiU ou mesmo para pelo tempo adiante aprenderem cl- 
les a fallar Portuguez ; e assim darem nocicia dos eeus pai- 
zes : por està causa retivcrao este Negro dos tres i e de- 
terminando nào passar mais avante , o conduzirào a Por- 
tugal , aonde o apresentàrao a S» Magestade , que Ihe fez 
fallar pDriivecso? Megros , e ultimamente por huma escra- 
^ va de bum Cidadao de Lisboa , que era tambem de pal- 
li ZCi multo remotos ; pela qnal foi entendido , nao aa sua 
^ propria lingoagem, porém n'oucra , qne sabiào tanto elle, 
corno ella. O que o dito Negro rcferio aElRei por meio 
-Adaquella mulhet , nào se entende bem , excepro que entre 
^.CMicras cousas Ihe afHrmou acharem-se na sua terra alicor* 
nios vivos : e assim dito Senhor tendo-o retìdo alguns me- 
zes,efeito mostrar muitas cousas doseu Reino ,dando-lhe 
algumas roupas , com grandes caricias o fez conduzir de no- 
vo por huma Caravella ao seu paiz : e deste ultimo lugir 
nao tinha passado Navio algum até a mìnha partida de 
Heapanha , que foi no prim^iro dia do mez de Fevereìro 
de mil quatrocentos e sessenta e tres. 



' .1 M DA ViAOEir oePbdrodi Cintra 

JB DA ObRA DH CaDAMOSTO. 



IN. 



7P 



INDEX DOS CAPITULOS. 
NAVEGAqÀO PRIMEIRA. 

xRocmìo Pag. r. 

CAFITULO r. - - - y. 

CAP. II. Como Messer Itiizfic/indo no Calo àeS^Fìttntty 
vanto anno seguirne para as Canarias. • - - - 7. 

CAP. IIL La liba de Porto Santo aonde aboràci. - - ibiA 

CAP. IV. Po Porto da Uba da Madeira, e snas prodtn^oes. 9. 

CAP. V. Das sete lìhas Canarìas , e dos costumes rfoj setis 
babìtadores. - .11. 

CAP. VI. Do Cabo branco da Etbiopia , da Uba de Ar- 
guim , e de outras visinhas. -'5« 

CAP. VII. Discurso sokre a Etbiopia , e Deserto ^ que 
està entre ella e a Barharia , e porqne causa Cabo 
branco fot assim chamado. ìbid. 

CAP. Vili. Dos peixes que se acbao na dita Costa , e dos 
bancos de aria que estao no Golfo de Ar^uirtì^ • - 16.. 

CAP. IX. Da povoa^ao de Guaden , dos costumes dos seus 
bahttantes e suas wercadortas. - I7«' 

CAP. X. Do contrato Jcito pelo JV. Infante D. Htnriqm 
na Uba de Arguim d cerca das mercadorias : do rio do 
S.ntgal j e dos costumes dos Jzenegues. • - - - 18. 

CAP. XI. O ^ue OS Azenegues julgdrao ser os primeiros Na^ 
vios que Vìrào naquelles marcs. ------- 20;. 

CAP, Xìl. De huma povoa^ao chamada Tagaza , donde st 
tira mttita copia de sai : para onde se exporta , e cerno 
se faz ajuste deste sai. .-.--.---ai». 

CAP. XIII. Dii cstatura de alguns Ncgros j que se nao 
qnerem detxar Wr ; e aonde se leva curo que delles se 
tira. ---•-----....•. 2^; 

CAP. XIV. Da ntoeda de que uzao os Azencgues , e dos 

SCUS UZOS. -'. - ij; 

CAP. XV. Do grande rio cbnmado Senegal ^ antigamen' 
te Niger , e de corno joi desccberto. - 27; 

CAP. XVI. Do Beino do Senegal , e seus limttes. - - 28. 

CAP. XVII. Como se elegcm os Bcis do Senegal ^ e cctno 
sustemao os scns Estados ^ dos seus costt.mis e das suas 

mulberes. • - - - 28. 

CAP. XVIIL 




8o Indb3C DOS Capitulos. 

CAP. XVIII. Da cren^a dates primeiros Negros. - - ;o, 

CAP. XIX. Do traje e costumes de todos os Ntgros. - ?a 

CAP. XX. Das suas guerras e armas, \i. 

CAP. XXI. Dopaiz de Sudomel , e do seuSenhor. • w. 

CAP. XXII. Cfì'M Sr Biiiomel^ consignou Messer Luiz 
a bum seu N^'.o cbamado Bisboror : e quanto sao bons na- 
dadores os iVcr.ifro5 da] usile paiz. - ^. 

CAP. XXIII. Dt casa de SudomJ , e de suas mulheres , \s, 

CAP. XXIV. Das ceremonias de que usa Sudomel em dar 
audienùa : e do seu m:>do de orar. .---•- ^7. 

CAP. XXV. Do modo de viver y e corner de SudomeL ^9. 

CAP. XXVI- Das produc^es do Reino do Senegal ^ do mo^ 
do que tem os Negros em lavrar a terra , e corno fazcm 
oseu vinbo, .---. ibid. 

CAP. XXV IL Dos animaes que nascem neste Reina. ^u 

CAP. XXV IH. Dos animaes que ba no Reino do Senegal , 
€ cousas notaveis do$ elefances. ... - . - - 4}. 

CAP. XXtX. Das aves deste paiz^ de corno ba nelle va* 
rias castas de papagaios , e da sua industria na cons- 
truc^io dos ninhos, ---- -44. 

CAP. XXX. Do mercado quefazem os Negros , e das cou- 
sas em que nelle se contrata. .--..-*-4y, 

CAP. XXXI. Como se sustentao , e vendem os cavallos em 
estc Reino , e de certas ceremonias e encantos de que uzio 
quando os comprao. ---4^. 

CAP. XXXII. Dos costumes das mulberes deste paiz , do 
que causava a admira^So daquelles homens , e dos ins- 
trumentos musicos de que «zio. ------- 47. 

CAP. XXXIII. Como Af esser Luiz achou A/esser Anto^ 
niotto grande Navegador e Gentil-homem Genovez com 
duas Caravellas , e foi em sua conserva dté passar Ca- 
bo verde. .-• 48. 

Gap. XXXIV. Do Cabo verde , porque foi assim chama- 
do , de tres llhotas , que forao descobertas : e da costa 
do dito Cabo. ..49 

CAP. XXXV. Dos Negros Barbntinose SerrereSj e comò fé 
governao i das qualidades deste paiz, e das suas guerras. 5!. 

CAP. XXXVI. Do rio Barbacim , e de com9 foi morto bum 
Interprete , qne baviamos posto em terra para se injor- 
m :r do paiz. -.- bid. 

CAl^. XXXVII. Como binda mais adiante vimos tres al- 
madias de Negros , os quaes nìo quizerio fallar , e de 

corno uo Jeitas euas almadias. - ^\. 

CAP. XXXVIII. 



I 11 ì) E X b i e A » "t T V £ e f . 8i 

CAP.XXXVIIt. Do paìzJeGambU.ilo traje AàqmHcs 
Negròs , de corno combatèrao com os Portuguezes , e mui^ 

tos delles forno ntortos , e decorno f>s Portuguezes OuVtda 
a resposta que os Negros Ihes derao , voltdrào para traz. 54. 
GAP. XXXIX. Da altura ent que viamos a estreUa do 
Norte j e das seis estretlas do Polo Antartico : da gran* 
deza que os dias tìnhìo aos dotis de Julho ; da quali* 
dade do patz , e mtthodò de cultivar ; e de corno nestei 
lugares nasce Sol sem haver aurora, ^ - - •57- 

NAVEGAQÀO SEGUNDA. 

GAP. L QuemforSoos prìmeìros ^ que descobrirao as Hhas 
de Cabo verde , a duas das quaes pozerao nome de Boa 
vista , e S. Tbiago. 59- 

GAP. !!• De bum lugar chamado as Duas palmas ; da 
Ma , a que se poz nome de Santo Andrej e oporque : 
do Rei ForosangoH , e do Senhor Butimansa. » • * 61. 

GAP. III. Do presente [etto a Butimansa , e das roupas que 
OS Portuguezes levavdo para resgatar ; do modo de vogar 
dos Negros deste paizj edos seus remos, - - - • 6j. 

GAP. IV, Da Religiao i modo de v/Ver, e trajar destes 
Negros. 6^. 

GAP. V. Dos elefantes deste paiz , do modo porque se 
ca(fio , do comprimento dos seus dentes , e fórma dos 
seus pés. --- - 66. 

GAP, VI. Do descobrimento de alguns rios : do rio deCa- 
samansa , do Senhor igualmente chamado Casamansa -, e 
da distancia do rio de Cambia , ao dito rio, - » * 6g. 

GAP. VII. Do lugar chamado Cabo vermelho , e porque ra- 
zio Ihe pozerao este nome 5 do rio de Santa Anna , do 
de S. Domingos , de outro grande rio j e da mare da 
agoa , enchcme e vazante , daquelle paiz - - - - 70. 

GAP. Vili. De duas Ilbas grandes , e outras mais pe- 
quenas. 72. 

NAVEGAqAO DE PEDRO DE CINTRA. 

GAP. I. Do Irio de Bessegue , de bum lugar a que pozerao 
nome de Cabo da verga , e da quaiidade desta costa. 7J. 

GAP. II. De bum lugar chamado Cabo de Sagres : da Re- 
ligiSo , costumes , modo de viver , trajar , e navegar 

deste paiz. -74. 

Notk. Ultramar. N,° 1.° L GAP. IIL 



Q£ I ir D B X » O I C A ff 1 T V L o'u 

GAP. III. Do rio de S. Ficentt , e rio verde ^ do Cdbo fe- 
do y de huma grande montanba , e de tres llhas cbama" 
das as Selvagens. .-...••....75. 

CAP. IV. Do rio vermelbo , Cabo vetmelbo , liba vetme* 
Iba y do rio de Santa Maria das Neves y da liba dot 
Bancos , do Cabo de Santa Anna , e da qualidade des- 
ta costa* Té* 

CAP. V. Do rio das Palmas ^ e rio dos Fumos , forque as^ 
sim dito : do Cabo eortez om mixurado ; do bosqne <m 
arvoredo de Santa Msria e dos eostumes daquelles Ne^ 

g^o^ 7> 



,MA^ 



•{X.C-; 



N.' II. 



N A V E G A g A O 
DE LISBOA X ILHA DE S. THOMET 

ESCRITA POR HUM 

PILOTO PORTUGUEZ, 

E ' 
M A N D A D A 

AO CONDE RAYMUNDO DE LA TORRE, 
GB VTl'L-HO lAE, ÌA V E R Ò N B Z, 

Traduzida da Lingoa Portugueza para a luliana , e novaroeote 
do Italiano para o Portuguex. 



L ii 



• l 



u 



• .. I .j , : . .r 




•y "^sjv 



Ilb 



^^ ^isboa />/7rv^ 



-« nha de S'. on^ow-^ 

«rt* Palmas , «• ^o ^=^r-c^^^e>n cerio cba- 



"-avw 



9T^Vf^^o para as ^£Jh^^ 






« partisse die "V^( 
^^ ^^p;> racastor me pedi 
ifCV^ ^ 5 quc logo <que 



' X"^ ^ *"^*^^ dito a "V. S. 



por #^u 
^1 ^u -wrark^s 



cRrra sua Jv 

cn.f V,inV»a Rq«'" ^^das està* ra^Lc 
i <«»*., atvscrevet. ^„_ _„ 



_ Sàt> 

. «"erogooon,;f. 



kgem 



j un ras, me ©bri- 
mtrunicai/a , /.' 



- 30* j^.a lido deV**^* » ^ r est» rtnmha historia.ni, 



5«''\r1»^ >^* AC P»"* » ^^r^^ obiigado potestà J.v.da^ 




!▼ INTRODUCQAO. 

(jne traiuzimosy a fual fot composta^ ostando jd oAmbor 
de volta na sua patria di mia de Conde. 

Em quanto à època , em qut està obra fot escrita , bt 
facil verificalla. No Capitulo ornavo , diz o Autbor qui a cot- 
ta visinba d Aberra Lcoa , tinba jd rìdo discobetta bavia no- 
venta , e mais annos : ora jd vimos em Codatnosto , ter Indo 
alli a primeira vez Fedro de Cintra pelos annos de 1461. 
No Capitulo decimo diz mais ^que a Uba de S. Tbomé bavii 
bons outenta annos , que tambem ira descoherta \ e todos os 
nossos Historiadores poem iste descobrimento em 1471 , m 1472 : 
que tudo faz ver claramente » que foi no anno de mil qui- 
nbentos e cincoenta e bum , ou no immediato , que nosso Pi' 
loto eserevia para satisfazer os votos dos seus amigos de Ita* 
Ha y que buma e outra vez Ibe tinbao instado por aqueUa 
diseripqao. . 

Està viagim além di multo intiressanti , e curiosa ; be 
mnico documento , q$ie temos daquelle tempo , a respeito do rom- 
mercio de «f. Tbomé i além disso ella continua de alguma sor- 
Si a navega^ao de Fedro de Cintra 1 até debaixo da liuba equi- 
Mocial 9 aonde aquilla Uba estd situada : por todas estas ra- 
tJScs nos pareceo digna de ser traduzida em Portuguez , da 
versSo Italiana de Ramuzio , nao havendo isperan^a de pò- 
dirmos descobrir seu originai. 



NA- 



85 



NAVEGAgAO 



D £ 



LISBOA A ILHA DE S. THOME 

E S e R I T A 
POR HUM PILOTO PORTUGUEZ. 



CAPITULO I. 

Com que vento os Navios , que partcm de Lisboa para carn* 

gar a^ucar na Ma de S. Thomé , fiavegào para as Jlhas 

Canarias ; chamadas ptlos jlntigos j^Jortunadas: 

da Uba das Palmas , e do Promontorio cba- 

mado Cabo Bojador. 

jniNtcs que eo partisse de Veneza , coino V. S. sabe , a 
Su }eronymo Fracasror me pedio por huma carta sua , da« 
rada de Verona , que logo que eu tivesse chegado a Villa 
de Conde , Ihe transcrcvesse , de algumas dzs minhas me* 
morias (que eu tinha dito a V. S. que crazia comigo) toda 
a viagem y que nós outros Pilotos fazeiros a Ilha de Sào 
Thomé , quando là vamos carregar a^ucares i e isto por* 
que Ihe parecia cousa admiravel , e digna de que qualquec 
homem escudioso a soubesse , o poderse navegar até de- 
baixò da Linha Equinocial : tambem V. S. me rogou o mes- 
mo a minha partida ; e todas escas razóes junias , me obri- 
garao a tratvscrever adita viagem, e a comnrunicalla a al- 
guns dos meas amigos , que em outras occasiées a tinhSo 
feito. Tendo-a lido depois , e pensado scbre està materia , 
persuadi-me immediatamente, que està mmha historia , nào 
era digna de ser lida por hum Senhor tao grande, e tao 
eminente nas Sciencias corno he o Sr. Jeronymo ; do que 
sào bastances restemunbas , os livros que V. S. me deo a 
mìnha partida de Venéza 9 e assim estava resolvido a por 
a minha obra de parte , e a nào a deixar ver a nineucm;, 
porém tendo*me V* S. novamente obrigado por està divida^ 

me 




84 Natsoa;ao 

m:: d-'o hum grande escimulo , e me fez conhecer, que 
nio obeJecendo aos scus rogos , qae sio para mìm precci- 
tos , pareceria desagradecido a canto$ beneficios , e corce- 
zanias , que tenho recebiJo , e que realmente sao infini- 
ras i motivo porque escolhi anres , ser reputado homem de 
po'ico saber , e tosco, do que ingrato, e desobediente ^ e 
por isto mando a V. S. as poucas cousas , que tenho no- 
cado , e que ouvi notar a diversos homens , que tinhio 
estado nas terras da Ethtopia ; as quaes por eu ser mari- 
nheiro , e nào pràtico em escrever , puz sem nenhuma or- 
dem i ou ornato , supplicando a VV. SS. ambos , que de- 
pois de as lerem , as queirao esconder ; para que este er- 
ro , que eu fiz so por obediencia, e nào por presun^ào ; 
nao me possa ser lan9ado em roseo a tempo algum. 

Os navios , que vào carregar afucares a Uba de Sào 
Thomé , costumào partir de Lisboa ( Cidade principal do 
Reino de Portugal chamada pelos antigos Ulisipo) as mais 
das vezes no mez de Fevereiro , se bem que paitào em 
todo o tempo do anno i navegào pelo Sudoeste quarta a 
Sul , até às Ilhas Canarìas , chamadas pelos antigos Afor- 
tunadas , e chegào a de Palma, vinte e outo gràos e meio 
sobre a Equinocial 3 a qual he do Reino 'de Castella, dis- 
tante noventa legoas de hum Promontorio da Africa chama- 
do Bojador. Està Ilha he muito abundante de vinhos , car- 
lìes , queijo , e a^ucar ; e quando aqui chegào tem ja nave- 
gado duzentas e sincoenta legoas, que fazem milmìlhas: 
està paragem he muito perigosa por ser o mar alto e tor- 
mentoso em todos os teirpos do anno , principalmente 
no mez de Dezembro ; nos outros mezes sopra o vento 
do Noroesre , que vem dìreito pelo mar fora , e n&o toca 
em terra algoma , causando grandissimas cempescadei. 

C A P I T U L O II. 

Da Ilha do Sai , porqne causa he assim hamcada : da liba da 

Boa vista : da de Maio , e da maravilhosa abundancia de 

cabras , que ha em todas estas Ilhas de Cobo verde. 



D, 



'Està Ilha de Palma eoscun^a-ìse tomar hum de dous ca« 
minhos ; isto he , se os Navios se achào providos de peix'e 
Balgado para o seu mantìmento (o que fazem csrudo de ter 
sempre em grande abundancia) vàodelongo a Ilha do Sai, 
que he huma das de Cabo verde , atsim chamadas por cau- 
sa 



>X JL* Tx^KADsS. 1 

APIXULO I\ 

. Thiago , da grande Ci 
Ai he ira. 

ém a nossa viagem da II 
T Iliaco tambem de Cabo 
aclma da E.quìnocial , anc 
e caTYimho para o Sui. Esca 
.ornando ^ e huma Cidade s 
to , cHamada a Ribeira gra 

doas tnofìtes altos , e pai i 
A<v\oso de agoa doce , que 
nascente do rio até a Cidad 
r^a \nfkn\tos )ardins de larar i 
>meiraB e iigos de coda a qur : 
. cà plancào palmeiras , qu 
le c\\amaio« , nozes da Indi 
i ctiio peiteitamence todas as 
memes <^uc produzcm nao s 
sc^tfinte -, e cada anno he ne< 
rlespaa\\a. Esca Cidade està e; i 
^as de pedra e cai , habhada 
PoTCuguezes e Castelhanos \ c( 
i (ogos. Assiste acjut lium Corr i 

antvo se elegem dous ]uìzes , 
causas dos navegantes , e do in 
^usti^a aos Habltantes désta Uh? 
> o terreno he muito montuoso 
osos, edespldos de teda a casca 
es sic multo cuUìvados : quando e 
: he no roez de lunho chove * 
Pottugueies ch^mào a cstc tempc 
i ^tvmcitos d'us de Agosto he qu' 
j'^o ^Que se chama mìlho zaburro . 
^i\i\ he corno o cHicharo , branca 
llhas sobTedltas , e a toda a cosca d 
^ustemao os babitantei , mcdeandc 

co\ht\ta quarenia dias : semeào r 

8\^QÌiio c|qàI ptoiuz rogito be; 

obtao com elle diversas castas d< 

wes I .(jttc d^ott se exp^dem o- 



84 NAysGA9A5 

espa90 de quatro horas , com redes , cu com huns cordeis 
^etgados e compridos , todos cheos de anzoes , que deitao 
no mar , pescao quanto peixe Ihes he necessario : porque 
tanto que estào mergulhados na agoa , immediatamente se 
achào prezos em todos os anzoes , peixes grandes e peqne« 
DOS j corno pargos a que em Veneza se chama Jlben , pei- 
xe corvo , Oneros ( ^ ) 9 que he huma especie de peixe 
maior do que pargo , e muito gordo , de cor escura : tan- 
to que OS lem pescado , abrem-os pelas costas , e os sal- 
gào -j e he huma boa comida para os navegantes. Encon- 
trao-se nesta viagem infinitos peixes chamadot tubaróes , 
que sao muito grandes comò aiuns , tem m boca duas 
ordens de dentes agudissimos \ e por seiem avidos de co* 
mida , logo que vem hum Navio o accompanhào , e toda 
a immundicia ,. qne se deità fora a cngolem imroeditamen- 
te ; por isso sao muito faceis de pescar , mas nós os 
Portuguezes , ainda queellcs sejào muito bons para corner, 
os nào provamos , estando persuadidos , que gerào muicas 
doen9as , bem que todos os marinheiros Castelhanos na 
viagem , que fazem para a terra firme das Ilhas Occiden- 
taes , OS cosrumào pescar e corner. 

Se pelo meio do rio doOnro nào se encontra calmaria, 
passa-se de longo toda a costa para Cabo branco, a ver se ahi 
te encontra , e chega-se até Arguiro ; huma cousa se deve 
notar , e he , que toda a costa de Africa principiando do Cabo 
Bojador (que quer dizer Cabo da volta (Z^), porque aquelles 
que navegào para as Ilhas Canariat na volta se encostao ao 
dito Cabo de Africa , e romando vento seguem a sua via* 
gem , o qual està em vinte e seis gràos e dous ter9os : ) toda 
està costa digo he de terra baixa e arenosa , até Cabo bran- 
co, que està em vinte gràos e meio , e continua até Arguim, 
aonde ha hum grande porto, e hum Castello d'El Rei N.S. 
no qual elle tem guarni9ao com hum Feitor scu. Arguim 
he habitada por Mooros negros j e aqui sao os connns, 
que dividem a Barbarla , do paiz dos Negros. 

CA- 

(«") Sera cste Oneros o nosso Chcrne ? 

O) Està etbimólogia nao hea seguida pelos nossos Hìstoriadcres: 
Bis aqui o que diz Barros .... X Este Cabo come9a de incunar 
)l a terra de mui longe , e ao respecto da costa , que atraz tinhso 
)» descoberta, lanca, t boja para Aioeste perto de quarenta le* 
9 goas • donde deste muito bojar Jhe chamàrao Bojador. 1» Dee. h 
L. I. Cap. a* 



1^ 






lisi 




[-".»! UHI} 4-'j| 



nuiiift uiiya u^iL« i«^ \j iiicsiiiu cuciiu j vjuv uua uivu u« 

bra di ordiiìariA ^ e ainda que seja pronibldo debaixo de 
gravissimis penas exporcalla da diu cosca , tirào*tiuomtQ* 
do as escondidas , venJendo-a em Inglaterra por \m p(^ 
co dobraJo di^uelle porv]ue vendcriao a pimenta vulg^t. 
Procede està prohibÌ9ào , de que dcsconfiando ElRci N. St. , 
qae esca pianta nao fìzesse empAcar , e abaracat a grandt 
quantidade de pimenta , que vem cada anno deCalkot , ie 
terminou que de modo algutn sepodesseconduzitpaia(óta« 
Hi rambem huns acbustos, que produzem vagena lon^as 
conio sao as dos feijóes , conv algumas sememes dentiOi 
as quaes nio tem sabor algu.ii , mas a vagem mastigidi 
tem hum ;osto delicado de gengibre, e os NegTos IHe 
chamao Unias ^ e Ihes serve de tempero, )unto com a à\u 
pimenta, quando comem peixe , de que sao sobtemaivtitai 
aridos. Tambem he prohibido porElR.e\ o sabao (abiic^Ào 
confi cinzas , e oleo de palmeira, o qual produi o ^tandc 
cfFeito de fazer as maos brancas , e igualmenu os fatv<^% 
de linho , mais do dobro do sabao ordinario. 

CAPITULO VII. 

Como OS pais e mais dos Negros levào a vender os projrios jì- 
Ibos , e qti€ acci tao em troca ; corno estes e$cr4V0$ sio con- 
duzidos d liba de S. Tbiago aonde se vendem aos pares ^ 
isto he , tatìtos macbos corno femeas : da costa cba- 
madada Minay eporcjue razao Sua Mage%ta^ 
de mandou altifabricar bum Castello. 

1 Oda està costa acé o Reino de Màtììcongo , \ve d*i 
eia em duas partes , as quaes se arrendao todos o^ì 
ero ou sinco annos , a quem mais ofFerece , ^ata 
hit contratar dquellas terras e portos. Chamao-se 
Ics que tornio esce contrato , arrematadotes , e sa^ 
te« , ou seus dclegados , nao pòde mais nmgaei 
2ihar-se, nem descer aquellas marinhas , nem pò*: 
guinte vender nem comprar. Vem aqui infìnicas r 
de Negros , que crazem ouro, e escravos para ve i 
parte dos que elles aprjzionarào na guerra , e em 
proprios filhos que os pais e mais conduzem p i 
no firn , parecendo-Ihes que Ihcs fazem o mr 
CIO do mundo^ em os mandar por esce xneio > ) 



D B L 1 8 B O A a' I L H A DE S. T H O M B^ 87 

que nao ; no terceiro dia fazem a ir.esina pergunta , e al- 
gumas vezes Ihes he respondido que fuào ( dizendo-lhe o 
nome) foi oprimeiro a partir , e fuào o segundo ^ porque 
he reputado cousa de grande louvor ter sido o primeiro: 
e de tudo isto o Povo que esca à roda , fica fallando com 
summa admìra9ào , julgando-o bemaventurado e feliz: no 
firn de quatro ou sinco dias morrem rodos aquelles desgra-^ 
(ado$ , o que tanto que pressentem os que estào de cima^ 
logo o dizem ao Rei , que ha de ser successor , o qual man- 
da fazer hum grande fogo sobre o dito P090, em que as- 
sa muitos animaes , que da de corner ao Fovo , e com està 
ccremonia se reputa coroado , e que tem jurado governala 
Ics com rectidào. 

C A P I T U L O VI. 

Os Negros de Guiné , e Benim ainda que desregrados no corner i 

viycm longamente : de cena supersti^ao de alguns Negros 

pela terra dentro : da especiaria chamada malagueta , 

e da pimenta de cauaa , de algf4*ìias vagens de 

bum arbusto que tem sabor de gengibre , 

e do sabao jeito com as cinzas , e oleo 

de palmeira. 



o 



'S Negros de Guiné e Benim sao multo desregrados na 
sua comida , porque nào se alimentào a horas certas j e 
comem quatro , ou sinco vezes cada dia : a sua bebida he 
agoa ou vinho) que estilla de huma arvore chamada pai- 
meira : nào tem cabellos , e so alguma carapinha na cabe? 
9a , a qual nào cresce : o restante do corpo nao tem pel- 
lo algum : vivem longamente até cem annos , sempre bem 
dispostos e sadios , excepto em alguns tempos do anno , 
qoe se sentem adoentados corro se tivessem febre , e en- 
tao se fazem sangrar , e sarào , porque o sangue predomina 
no seu temperamento. Pela terra dentro ha alguns Negros 
supersticiosos , que adorào a primeira cousa que vem na- 
quelle dia. Nasce nesta costa a especiaria chamada mala- 
gueta , multo semelhante ao milho da Italia , porém de 
hum gosto forte comò a pimenta \ produz*se aìli tambem 
huma especie de pimenta fortissima , mais do dobro do 
que he a de Calicut ; a qual tiós os Portuguezes ^ porque 
ella tem hum pézinho que conserva depois de seca , cha- 
QiaiDos pimenu de cauda j he multo semelhante às cvbebas 

em 




88 Naveoa;ao 

etti a sua figura , porém para o paladar he tao force , que 
humi onpa della faz o mesmo effetto , que farià meia ii« 
bra di ordiiìaria ; e ainda que seja prohibido debaixo de 
gravissimis penas exporcallà da dica cosca , cirao-na cornea* 
do as escondldas , ven Jendo-a em Inglacerra por hum pre- 
co dobraJo diquelle porque vcnderiao a pimenta vulgar. 
rrocede està proMbÌ9ao , de que descontiando ElRei N. Sr. , 
gae esca pianta nao fizesse empacar , e abaracar a grande 
quancidade de pimenta , que vem cada anno de Calicuc , de 
tecmjnou que de modo algum se podesse conduzir para fora. 
Ha cambem huns arbuscos, que produzem vagens longas 
conio sao as dos fei)óes , com- algumas semences dentro, 
as quaes nao cem sabor algun , mas a vagem mastigada 
tem hum ;osco delicado de gengibre , e os Negros Ihe 
chamao C//{Ù5 , e Ihes serve de tempero, junco coma dita 
pimenca , quando comem peixe , de que sao sobremaneira 
aridos. Tambem he prohibido por ElGlei o sabao fabrìcado 
com cinzas , e oleo depalmeira, o qual produz o grande 
efFeico de fazer as maos brancas , e igualmente os panos 
de lìnho , mais do dobro do sabao ordinario. 

CAPITULO VII. 

Como OS pais e mìis dos Negros levào a vender os propios fi^ 

Ibos , e que aceith em troca ; corno estes escravos sao con- 

duzìios d Uba de S. Tbiago aonde se vendem aos pares , 

isto he j tantos maclyos corno femeas : da costa cba- 

mada da Mina , e por que razao Sua Magesta^ 

de mandou allifabricar bum Castello. 

1 Oda esca costa acé o Reino de Mànicongo , he dividi- 
la em duas partes , as quaes se arrendao todos os qua- 
ero ou sinco annos , a quem mais offerece , para poder 
hir concracar àquellas terras e portos. Chamao-se aquel- 
les que romào este contraco , arrematadores , e salvo es- 
tes , ou seus delegados , nao pòde mais ninguem avisi- 
aihar-se , nem descer àquellas marinhas , nem por conse- 

Suinte vender nem comprar. Vem aqui infinicas caravanas 
e Negros , que crazem ouro , e escravos para vender , em 
parte dos que elles aprizionarào na guerra, e em parce dos 
pcoprios filhos que os pais e màis conduzem para omes* 
tao dm , parecendo-lhes que Ihes fazem o raaior benefi' 
CiO do mundo , em os mandar por este meio y habitar n'o8 

eros 



deLisboaa'Ilha deS.Thom£\ 



8p 



rros paizes mais abundances ; todos elles vem nùs , corno 
nascèrào , tanto machos come femeas , do mcsmo modo ^ 
que se fosse hum rebatiho de gado : recebem por resgate 
contas de vidro.de diversas cores , e varias quinquilharias 
de cobre ou latào , panos de algodao de diiferentes co- 
res , e outras cousas semelhantes , que conduzem por co* 
da a Ethiopia ; os arrematantes levào depois os escravo$ 
à Ilha de S. Thiago ^ abnde de continuo chegào navios com 
mercadorias de diversos paizes , e provincias , principalmen- 
te da India dcscoberta pelos Hespanbocs , os quaes re* 
cebem algumas mercadorias em troca , e querem sempre 
ter tantos machos corno femeas ^ porque os que depois 
Ihos comprào , sempre os ajuntào aos pares ; pois doutro 
modo nào fariào bomservifo: quando conduzem estesesi 
cravos por mar , estremao-bs das mulheres , fazendo es- 
tar aquelles por baixo da coberta , e estas por cima ; 
nào consentìndo que os machos as vejào quando Ihes 
dio de corner , porque nào fariào n.ida mais do que 
olhar para ellas ; e por causa destes Negros , o nossoRei 
fabricou hum Castello sobre aquella cesta chamada da 
Mina seis gràos sobre a Equinocial , onde nao deixa hic 
senào os seus Feitores. Neste lugar concorrem semelhan* 
temente grande numero de Negros com gràos de ouro ^ 
que se achào em os rios , na area ; e contratào com os ditos 
Feitores havendo delles diversos generos, e principalmente 
contas de vidro , e outra especie dellas feitas de numa pe« 
dra azul , que nào he Lapis-Iazuli , mas de outra mina, as 
quas o nosso Rei fez vir do Reino de Manicongo , aonde 
nasce està pedra. Estas contas sào furadas , e do tamanbe 
de avelans , e por ellas (sendo desta scgunda especie) dào 
bastante ' ouro , pois sào grandemente estimadas por todos 
OS Negros , que as póem ao fogo para ver se sào falsifi- 
cadas ; porque levào alli algumas feitas de vidro ^ mas que 
nào estào a prova do fogo. 

CAPITULO Vili. 




De hum rio chamado rio grande e antigamente Nìger , e dt 
buma grandissima montanha chamada a Sitra Leba. 

/\ Ncigamenre ha jà mais de noventa annos , quando et-. 
ca costa foi descoberra , os mercadores entravào com os 
ssus navios pela Ethiopia dentro 9 sobindo rios grandissi- 

BIOS9 



i>» N A V , o 






^^«•tiocial , vè-se ja mare sensi velhoin m^ »^"**i'^' m . ^ ^» 

iicolal-m «™Po"ugal. Como oSel P»«» »n^w^ % V^^W,. : 
Sue oT"*-' '•*"** "nto pela terra a»»» «^*T* VXw^'"' 
t«rnpo qu« „ Nilo V * " *<*'"» '"" ' ..U» vut^^r m?'""'"*' ' 

CAPIXULO X. 
Z>^>^%*o ^^ //J^ rf j.. y^^^^ ^^ ^,^ p,incii« ; da n^ 

rf*- ^nno bom , , j^ cbamadi Povo4i'»<'' 

A Ilha de S. Thoxné « r . u u 1*^ 

annos pelo, CapitaeTV ^"* ^®' deicoberw ha ottlttVX^ t Xm\» 1»> 
da pelos anrigos , he d^ J?"** ^«' » "" ** ^"''^^ àescoTvUw V 
Ihas Italianas de j,^^ bornia circula' .e icm scssenv» r»- 1 
baixo da Li «Ha Equ.n^?'? > 'sto he , hum gtào-, w^ ^v 
dousPolos Areico rAnT^'*' ' o seu hot.zonte pas^ _,io, 
as nootes, sem a mai, "*'"'<^o ;'«"[» ^^w^P»© *** di\as \iuaes 
teja em Cancro , que! It^ì^^* diffe^«*^|» » S«et o Sol es- 
Artico heinvisivel, o^j/'^iCapricoro».** .A csttelia do Poi» 
peqaeno giro, e a con«^ V. S^aidaS ainda se vem faz«.-i:^ ' 
moire alta. Està Ijf,, Jll i' ? «o c^»»"*?* « Ctozc\,c^ ^^ 
ta chamada o Principe * t>and» "** Levante , Ku«t-& - ^^ 

qoal presentemente he'k'^L'*^^ e v»*^**. "^'*"** distar«9!*t> 
se tira dos apucares • *°Uad, ^ c»^*'^*'^* ' o trib^p^-^ 
por isso se chama j. V»*.**» Piiu« «*»*'* 'velho de B ^^^^ 
tra Tlha deshabirada eh '"<^'Pe r>a P^"* do Ocs^'^^ / ^^^ 
dragosa : tem ella hui^'^^dai ^ botn , que he v/\oi^1 
tao em S. Thomé vs « 8rai>^"*' ocscatia , e os 
quarenta legoas cu doi ^'li ^^ r repetidas -v 
lo Atjcartico , e ha aj.r« ^tif^^^S*^^ ^,^» da U'mh- 

«ente, e parte sob^* ^n^^> * o^ ^ 





deLisboaa'Tlha dbS. Thom^' pi 

se sentem tcmpestades : em muitas partes desta costa da 
Ethiopia , vinte milhas junto da terra , ha cousa de sincocn- 
ta brafas de fundo , depois alongando-se mais , he o mar 
muito alto e profundo ; e nós os Pilotos Portuguezes tc- 
mos hum livro , em que notàmos diariamente a viagem e 
caminho, que fazemos, os ventos que encontramos , e em 
que graos de dcclinafào està o Sol. Para hìr a S. Thomé , 
quando nos achamos nos quatto gràos da Equinocial ser- 
▼em-nos os ventos , Sudoesre , Sul , e Oeste. Quando che- 
gamos ao rio do ouro acima dito , o quai està perpen- 
diculatmente debaixo do Tropico de Cancro , principiamo» 
a ver quatto estrelias de admiravel grandeza , e muito 
brilhantes, postas em fórma de Cruz (^) ; as quaes estào 
na distancia de trinta gràos do Polo Antartico» e Ihe cha- 
mamos o Crureiro , que no dito Tropico se ve muito baìxo , 
e apontando hum Instrumento chamaio Balestilha a huma ' 
das quatto estrelias, queheopé do Cruzeiro, con^.o ella se 
acha ao meio dia sabemos estar pelo meio do Polo Antar- 
tico ; quando chegamos a Ilha de S. Thomé vemos estas 
estrelias muito altas. Tambem em alguns annos , depois 
de ter chovido se vio fazer a Lua de noute a apparencia 
do Iris , corno faz o Sol de dia , por^m as cores que a Lua 
produz sào corno nevoas brancas. A respeito da enchente 
e vazante da mare digo , que desde que se p^rte do Es- 
treito de Qibraltar pela costa de Africa , até o Tropico de 
Cancro , /quasi que se nào p^rcebe mare sensivel ^ mas pas* 
iVbrif. C/Z/Mw. N.° II. o N sa- 

(«) Està contella9ao do Grazerò , que nao pndia dcsc«ibrir-se 
senao na visinhanga do Equador , foi com tudo admiravelmente 
descrita pelo Dante , que viveo tantos annos antes destas Navega- 
coes : seria a sua descripgào hum mero acaso ? parece incrivel : 
teria algumas no96es destas estrelias P mas donde Ihe havian do 
vir? seja corno for nào podemos deixar de transcrever as suas 
palavras : 
l'me volsi a man destra , e* posi mente 
All'altro polo 9 e vidi quatro stelle 
Non viste mai, fuor ch^alla prima gente. 
Goder pareva '1 Ciel di lor tìammelle 
O Settentrional vedovo sito , 
Poi che privato se ' di mirar quelle ! 
Com' io da loro sguardo fui partito t 
Un poco me volgendo all'altro polo 
La I onde '1 Carro già era sparito. &c« 

Dante Purg, e, /. 



pi Naveoa^ao 

sado o Tropico , quando se chega aono grande , <|ue ja dis« 
scmos chamar-se 5iiger , e que està a onze graos sobre a 
Equinocial , vè-sejàmaré sensii^el, hum pouco abaìxo del- 
le , e a enchence e vazante naquella paragem, he semelhan- 
te a que ha em PortugaK Como o Sol passa aqui perpen« 
dicularmenee , chove tanto pela terra dentro na Ethiopia , 
que o diro rio engrossa e se corna turvo , em o me^mo 
tempo que o Nilo cresce ; e assim as sujs agoas turvas , 
e vermelhas, se conhecem ainda quarenta mìlnas pelo cnac 
dentro. Na Ilha de S. Thomé , nào sobe mais alta a mare 
do que aa Cidade de Vcneza , isto he , duas brajas ao 
menos. 

CAPITULO X. 

Dtscrìp^ao da Uba de S. Thomé : da Uba do Principe : da liba 
de Anno barn , e da cbamada Povoa^ao. 

. Ilha de S. Thomé , que foi descoberta ha outenta e n>ais 
annos pelos Capitàes do nosso Rei , tendo sido descorvKeci- 
da pelos ancfgos , he de fórma circular , e tem sessenta mi- 
Ihas Italianas de diametro , isto he, hum grào; jaz de- 
baixo da LinKa Equinocial , o seu horizonte passa pelos 
dous Polos Areico e Ancantartico; rem sempre os dias iguaes 
às nouces , sem a mais pequcna diiFeren9a , quer o Sol es- 
te)a em Cancro^ quer em Capricornio A estrclia do Polo 
Artico he invisivel , mas ss guarJas ainda se vem fazer hum 
pequeno giro , e a con5teUa9ào chamada o Cruzeiro vè-se 
mairo aita. Esca Ilha tem da banda do Levante » huma Ilho- 
ra chamada o Principe , cento e vince milhas distante , a 
qual presentemente he habitada e cultivada ; o tributo que 
se tira dos a9ucares , he do Filho mais velho de ElRei , e 
por isso se chama do Principe. Da parte do Ceste ha ou- 
tra Ilha deshabitada chamada Anno bom , que he toda pe« 
dragosa : tem ella huma grande pescarla , e os que habi- 
tao em S. Thomé vào alli pescar repetidas vezes : he 
quarenta legoas ou dous gràos afastada da Linha paia o Po- 
lo Antartico , e ha alli infinitos crocódilos , e cobras vene- 
nosas. Quando està Ilha de S. Thomé foi descoberta , era 
toda ella hum bosque copadissimo, com arvoies vi^osas e 
tao grandes , que parecia tocarem no Geo y erao de diver- 
sas castas , porém escereis , e os seus ratnos diiferences do 
que o sao entre nós , onde parte se extendem hortzontal- 
inence , e parte sobem direitos : aqui porém sobem codos 

di- 



bbLisboa a' Ilka db S.Thome' ^) 

direltos para cima. Ha alguns annos para cà tendo Corra- 
do huma grande qaantidade descas arvores , edincàrao hu- 
ma grande Cidade , a que chamào a Povoa9ao , aonde ha 
hom bom Porco » qoe olha para o Les«Nordeste. As casas sao 
todas feìtas de madeira e cobcrtas com caboas ; rem o seu 
Bispo que ao presente he rvarural de Villa de Conde, orde- 
nado pelo Summo Pontifìce a instancia do nosso Rei , (^) 
com hum Corregedor , que rem à sua conca a administr39ào 
da Jusci9a , e podem havcr de seiscentos a setecentos fogos. 
Habitào alli muitos commerciantes Portuguezes, Castelhanos, 
Francezes, e Genovezei , e de qaalqner outra na9ao que 
aqut queirào vir habitar , se aceicao codos de mui boa voti- 
tade ; quasi todo'S teni nKilher e filhos i e os que nascem 
nesta Ilha ,sìq i>rancos C(»nno «ós ; mas às vezes aconrece , 
que OS dttos Rvercadores morrendo-lhes as mulheres bram:a6 
as tomào «legras , no que nào fazem muira dìiHculdade ; 
seiido OS fiabitaDies ne^ros de gramle inteiligencia , e ri- 
cos , e criaxido as suas filhas ao nosso molo , canto nos cos- 
tomes , corno no traje , e os qoe nasoem descas taes Ne* 
gras sao ck cor parda j e Ibes chamào Mula tot. 



N il CA- 



(n) Correndo o Catalogo dos Bispos de Cabo verde, que veAi 
DO T«m. II. das Memorias da Axrademia Real de Historia , achimot 
por este tempo a D. Fr. Joào fiaptista da Ordem dos Piégadores ^ 
qua! segundo o P. Kaltbezar TeJl«s estava Bispo em i $47, sendo« 
]he noineado successor , segundo Cardoso » eoa 1$$ ); parece nos que 
governou o Bispadr) acc quasi esie tempo « segundo a epoca que 
na IntroJuccao assignimos a escrkura desta Obra. Confìrma se que 
este he o mesmo Bispo de que falla o nos«o Piloto » pelo que delle 
diz Fr Luiz de Snuza na Hìstorìa de S. Domìngos, » D. Fr. Joao 
^ Baptista fai mandado por EIRei D. Joao IH. a Roma a nego* 
^ cios de imporcancia , deo tao boa conta de si > e delles , que o 
^ houve por merecedor da Mitra ,e Id Ihe mandou a nomea^ao da 

» Igreja da liba de 8. rèmmé 

) Fei esce Preladj» antes de sahir de Roma , sagrado « &c. 



DsLiSBOA a'IlhadeS.Thome*. P5 

ma: as caius que forao plantsdas no niez de Janeiro ,cor« 
tàonas no princìpio de }unho j as de Feverciro , estao ma* 
duras no principio de Juiho , e assim em todos os mezes 
as plantao , e corrào ; neno Ihes faz mal algum o passar*lhe 
o Sol perpendicular no mez de Mar(o e Serembro; por- 
que neste tempo reinào alli chuvas contlnuas , com a at- 
mosfera nebulosa e carregada , o que vem muico a propo- 
sito para as canas. Dà està Uha cento e sincocnta mil ar* 
robas de a9ucar e mais ; e està conta se tira da dizima , 

3 uè se paga a ElRei , a qual de ordinario importa era 
oze a quaiorze mil arrobas ; a pezar de serem infinitos 
aquelles que a nào pagao por inteiro j ha tambem cousa 
de sessenta cngenhos jà construidos ; onde corre agoa » 
com que moem a cana , e a pizào ; deitào o succo em cal- 
deiras grandissimas , e depois de fervido o lan^ào em for- 
mas , em que fazem pàes de quinze ou vinte arrates , e 
purifìcào com cinza , do mesmo modo que nós fazemos 
com a greda peneirada. Em muitos lueares da Ilha, em 
que nào ha agoa , empregào nìsro os bra^os dos Negros » 
e ainda mesmo cavallos : a cana depois de machucada he 
deitada aos porcos , de que tem hum nùmero infinito j os 
quaes nào comendo outra cousa senào as ditas csnas , etb- 
gordào extraordinariamente, e a sua carne he tao delicada 
e sadia, que se digire melhor , que a de gallinha ^ e por 
isso a costumào dar aos doentes» 

C A P I T U L O XIL 

Como OS a^ucares desta Jiha nao sia nem muito duros , nem 
multo brancos , e corno os itichugao» 

Jl Em vindo para aqui muitos mestres da Ilha da Ma- 
deira , para fazer os a9ucares mais brancos , e mais duros : 
rr^as por mais dili^encias que tenhào posto nisso , nào o 
podtm conseguir : a primeira causa que dào j he &cr o 
terreno muito gordo , e tao untuoso, que o a^ucar par- 
ticipa daquella untuosidade , do mtsiro modo que entre 
nós o vinho produzido em terra fcrca , se resti* te da* 
quelle sabor ^ a sepunda he a atrrosfera , qr.e rào cn- 
xuga OS a9ucares tirados das Icrmas , pcrque o k*o1 , ette- 
ja aonde estlver , nao he quante e seco , ceno aqui tm 
Villa de Conde ; mas sim querte e humido, e ifto scm- 

pre^ tjLcepto nos ir^czes ce JuriLo^ Julho^ e i\£G&to , em 

i|Ue 




5)6 Navioa^ao 

que OS vencos , quc vem da parte da Echiopia sSo enchucos 
e fresco; -. itias nsoi ainJa esces tao bastances para encha- 
galios. ComtuJo os lavradores de a9Q<:ar imagtnàfìo htim 
tncchoJo para conseguir este firn » e he o seguiate : fa- 
zem luiTì coperto aito de taboas , corno entre nós hum 
escendedojro , toio fechado por cima, sem janella algu- 
ma das ilhargas , e sòmente coni a abertura da pona : le- 
vantào dentro delle bom estrado da altura deseis pés, com 
crafes distantes huma da oarra quatto pés , e sobr.: ellas 
vao estendendo taboas , nas quaes pòem os pàes de a9ucar ; 
debaixo do dito estrado estào alguns madeiros secos, de 
ar^ores gro^sas j os quaes langando Ihe fogo nao fazem 
chiQia , nem fumo , mas vao-'se consumindo a modo de 
carvao; e deste modo enchugao os a9ucare8 corno em liu- 
ina estafa , e os conservao depois em iugares todos fecha- 
dos com taboas , de sorte que nao Ihe cntre o ar , e as« 
firn que vem navios , lo^o os vendem , porqoe se òs qai- 
zessem coacervar dous antios ou tres , io^o se romariào 
ligaìdos. 

CAPITULO XIII. 

Como aos commerciantes que vem habitar nesta Uba he assigna» 

do pelo Feitor ttElRei , para comprar por pre^ tommodo , 

tacito terreno , quanto podemfazer cultivar ; e de co* 

mo a raiz do inhame he o principal sustento 

dos Mouros. 

S duas ter9as partes desta Ilha aìnda nao estao arrotea- 

das , ou teduzidas a cultura dos a9ucares \ logo poréni que 

algum negocianre de Hespanha , ou de Portugal , ou de qual- 

quer outra na9ao vem a^ui habitar , he-lhe assignado pelo 

Teitor d ElRei, por via de compra , e por pre9o commodo, 

«anto terreno , quamto Ihe parece,que tem modo de fazer 

<ultivar ; e este compra logo huma porcào de Negros , e 

«OS p6e a fabticar o dito terreno , isto he , a arroteallo , 

« depois deita-lhe fogo , para piantar as canas de a9tiear ; 

o Senhot nao da cousa alluma aqueiles Negros , mas corno 

*»e disse acima , elles rrabalhào teda a ternana para elle ; 

e o Sabbado so para si : nem mesmo faz despcza em dar* 

l^es vestidos , nesm de corner , lìem cm mandar-lh^rs consrroir 

^hoipanas ; porquc elles por 9Ì mes'Cnos fazem todas estas 

coa^is : além <ie hum pouco de pano de algodào , ou es- 

teiras -depalmeira, com q»e oobrcm a cintura, o resto do 

cor- 



DELrSBOAA*lLMADES.THOME.' ^ 

corpo trazem-o nu , a»sim homcns comò mulheres. Comem 
aquella semente, que acLma dlsseriTOs , que he cono chi« 
chàros brancos j e moida em farinha , fazem della pào, ou 
bolos cazklo6 debarxo dus cinzas. A raiz do inhame he o 
seu principe] sostento: bebcm agoa ou vinho depaloelra, 
que tem em abundancia , e leìce de a]gumas ovclhas oa 
cabras. 

C A P I T U L O XIV. 

De fire mane ha fééricao as snai casas os Mouros , qut ha- 

bitao JHHto ao5 bQS(fMs , por causa da lavcnra 

do a^ftcar. 

IN Està liha , quando nao reinao os ventos , apparece buma 
grande quantidade de mosquitos , que sao muito maiores do 
qae OS nossos , e muito mais fastidiosos ; sobre tudo para 
aquelles que habitao junto dos bosques » ou aonde ha muitas 
àrvores , corno he necessario que haja , nos lugares em que 
se livrào osa9ucarcs, por causa das lenhas, que todos 09^ 
dias se gascào em cozellos ; por està razào os Negros fa« 
bricio as suas casas por este modo ; encravào quatro pàos 
dos mais altos que podem achar , em quaòrado , eemcima 
delles Fazem bum sobrado , com caboas atadas em huma e 
outra poma ; e tanto por cima corno pelos lados , o cobrem 
com certa herva , a modo de pai ha grossa ; depois com 
huma escada de mào de muitos degràos, que està quasi a 
prnmo sobem acima de noute para dormir , e as Negraa 
levao alli os seos filhos com muita facilidade ^ deste mo« 
do parece que se defendem dos ditos mosquitos : emaPo- 
voa^ào , nao dào tanto incommodo aos habitantes , por nào 
baver alli visinhan9a de bosques. Em alguns annos nascem 
tambem foimigas pequenas ncgras , em tanta abundancia, 

3 uè comem , e roem tudo quanto achao , nem dellas se po- 
em defender os a9ucares depois de feiros em pàes^ mas 
logo que chove parece que togem , ou se somem : os ca* 
tos sao tambem aqui muito daninhos. 




CA- 



laneiras , 
bcnr» fazendo 
baixo hutna e 
darò > qae no 

pois torna- se mais fo,(g «u f "'''la toro Ikoi Wfcc,»'"', V 
vinagrc. Tcm igoalW e H fi "^ r^M^^*»^'» Ùl ^ 
va , qoe se fax »o Sta^f ti^.-S àe »V» iv». ^ 
vore, e produz aqu^ìj^ «tt> T'^'» » ^\»w« nxic\V>V«. V 
gos , A que emAlexjhj «HK^.'^^'ti 4tttìO,<^^t ^«t't «. ) 
mSko ^ftce , e na di,» f» > e ^^ ^^«ft huw^ i ts>^ììo àtV 

GAP i^^^^X' ''''''''' ^'^'' 
causa porqut as £,, ^ ^ X\U\. ^ 



Da 







DE Lisboa a'Ilua dxS. Thoub/ p9 

CAPITULO XVI. 

Noticìa de bum gr/indisstmo monte^ que end quasi no meio da 
liba , cujo cume tem buma altura desmedida. 

..N Està Ilha ha hum monte grandissimo, e quasi no meio 
delU, o qual sobe com a sua extremidadc a muitas milhas 
de altura ; todo vestido de arvores alcissimas , multo vÌ9osas , 
e tojas direitas : e sao tao espessas e dcnsas, e o caminho 
tao alcantilado , que com mui grande dirìficuldade se póde 
alli subir : a roda do cume deste monte , e dentro dnquella 
espessura se ve continuamente corno huma nevoa , e ou 
csteja o Sol na Linha , ou no Tropico, em qualquer bo- 
ra, sempre alli se conserva sem se dissipar , quer de dia 3 
quer de noute ; nào de outro modo do quc nós vemos 
em 03 montes altissimos esrarem continuamente as neves. 
Està nevoa se està sempre resolvendo em agoa sob^e as 
folhas , e ramos das ditas arvores , em tanta quantidade ,que 
de cada lado do monte descem rios della , huns maio* 
res , outros menores conforme toma o seu curso , mais por 
huma banda do que pela outra ; e he com està agoa , que 
OS Negros regào os campos aonde estào as canas de a9ucar. 
Ha cambem em toda a Uba muitas fontes de agoa viva ^ 
de que se servem para o mesmo fim , e pelo meio da Po- 
voa9ao corre hum regato de agoa clarissima,muito espraia* 
do e pouco fundo , da qual dào a beber aos doentes , por 
ser muito ligeira , e delgada : e he opiniào constante dos 
habitantes , que se nao fosse a excellencia e bondade des- 
te regato , iiào se poderia viver em S. Thomc. 

CAPITULO XVII. 

JOas arvores desta Uba ; e da titilidade da palmeira , que 
produz OS cocos. 

Ijl Maior parte das arvores , que nascem nesta Uba sao 
silvestres , nào produzem frutó algum -, e todas em geral 
quando secortào, se achào occas ecarcomidas na medulla, 
o que OS habitantes pensào que accontecc pela grande hu- 
midade, que aqui reina. Os que tem vindo de Hespanha , 
tem traziclo oliveiras , peccgueiros, e amendoeiras , e pian- 
tandoa^ tem-sc feito bellas e grandcs , porém estereis e 
Notic. Ultramar. N.° II.° O scm 



assim Ines vao accresr*»..^ ^ ihé*« "'3zeinaio.J \\^ 

go , e no firn dell! 'd^^J^n^o^J" /ai diife^f ^ V, 

fas de que os Negros *^5'eo » e ' <*' ?«1 T''*^^^^* \ 
ìes negras com hS^l "*^ 'aje '^""'« n e ;>'\'*^^ 1 

com a agua de certa7 ?*'*> , %P'^<i'« huS^^^^ 
^m ?»e rrm/;o do anno os j\f ■ ^ ^"X. 

vento do Sul , que aqm j.^"? oy» 
cer de febres , e no dia ''«SccT ' *"°nio i;{ .. 
ventojas sobre as font * «"i o^e ' ''^«tumi^ ^"^ "^ ^^ 
Ihio com htima navale' !.^orre ' '^«^"rcm ^\^.^^^' 
sarao : ajfiomas vezea ., *** bi l* *esta ^^^^^''nar 
d;cuhe in^uuo tenoeV^r.l'ao'sV'.!.'^ e ^^^ e^S 

'CO d,. ^ 






osLisboaa'Tlha dbS.Thom£\ ioi 

a grande for9a do Sol ; mas , corno ja disse , quando na- 
qoeiles mezes soprao os ditos ventos , quo produzem fres- 
cura , he ella muito contraria a compi eifào dos Negros , 
qoe anJao nùs , e sao secos corno pàos, e sem carnes ; e 
por pouco fresco que fa9a se sencem trespassados y e mui« 
cos delles adoecem e morrem , mas para os habirantes 
brancos e vindos de Hespanha , e para os seus filhos , que 
cera diversa compleÌ9ao dos Negros , esce he o tempo 
mais temperado que rem em rodo o anno , e passào mui« 
to beni. Ha depois alguns mezes de cnlor, que sào De- 
zembro , ]aneiro , e Fcvereiro , porque entào estando o 
Sol no Tropico de Caprìcornio , nào deixa soprar os ven- 
tos parcicalares ; e às vezes quando nào ha vento, faz 
hum cilor insoportavel , por causa dos vapores que con- 
tinuamente se vem lev.intar. Durante o calor , assim 
corno OS Negros se sentem bem dispostos e alegres , e 
fazem todos os seus trabalhos , nào havendo tempo mais 
saudavel para etles , assim pelo contrario os habirantes 
brancos se sentem muito adoentados , e abatidos ; e ainda 

3 uè nào renhào febre , rem huma certa ansiadade em to- 
o corpo , que se nào podem mover , e muitos andào 
sem vestia, e com hum gibào so , e hum pào na mào pa- 
ra se segurarem -, perdem a vontade de corner , e quere- 
riào escar sempre bebendo , e por predominar o sangue 
em a sua complei9ào , sempre naquelle tempo se fazem 
sangrar na cabe9a e nos bra90s j e oste tirar de sangue 
he remedto particular para todos òs habitantes da Ilha , 
tanto brancos corno pretos. 

CAPITULOXIX. 

Do qui costumao fazer na PovoacSo no tempo do maior calor ; 
corno teina nesta Ilha o mal i^enereo , e de corno o curio. 



Ei 



rM a Povoa9ào tem hum costume muito ordinario em 
quanto dura a atmosfera carregada , e sem vento , o que 
he poucos dias (nos quaes sentem hum calor extraordina- 
riamente grande , e tao humido , que parece huma cai- 
deira de agoa a ferver) e vem a ser , ajunrarem se quatto* 
ou sinco familias visinhas a comerem junras em alguns quar- 
to» terreos e grandes , com as suas mulheres e filhos i e 
para estas casas leva cada huii o que tem prep.irado na 
^a; e posto ludo sob re huma meza comprida, parece que 

O ii ca- 



101 Navboa9a6 

cada hum se serve de melhor vontade das iguarias dos seus 
visinhos , do que das preparadas na propria casa , tanto se 
sentem fracos e desalencados : com varias conversa96es 
passio aquelles dias tormencosos , sem poderero fazer ne* 
gocios fora de casa ; e he tanto o calor que coniir unica 
a terra , que trazem as solas dos ppatos dobradas , e de 
mais huns socos grossos com pèiio por dentro. Os habitan- 
tes brancos da Povoa9ào, ordinariamente em rodo o anno , 
todos OS outo ou dcz dias sofrem huma especie de sezao, 
isto he , primeiro o frio depois a febre, e em duas horas 
passa tudo , segundo a compleifào que rem : este acciden- 
te accontece àquelles que habitào alli de continuo , os quaes 
se sangrào tres ou quatro vezes no anno ; porcm os es« 
trangeiros que alli vem com navios , a prìmeira febre que 
OS accomete he mortai , e costuma-lhes durar vinte dias : 
sangraose sem conta de on9as , tirando da vèa do bra* 
90 quasi hum pichel , e corno estao sangrados , Ihes fa- 
zem huma sopa de pào em agoa , sai , e hum pouco de 
azcite ;e se passao o setimo dia , esperào ainda oquatorze- 
no , e depois os dào por salvos , senào fazem alguma gtande 
desordem : a propor9ao que Ihes vai diminuindo a febre , 
assim Ihes vào accrescentando a comida com carne de fran-^ 
go , e no firn della dào-Ihe carne de porco. Reina mul- 
to nesta Ilha o mal venereo , e igualmente a sarna , doen- 
9as de que osNegros nào fazem caso , e algumas mulhe- 
res negras com huma pouca de pedra hume , e de soH-^ 
mio fazem hum emplastro , e uzao delle juntamente 
com a agua de certas raizes , que dao a beber« 

CAPITULO XX. 

£m que tempo do anno osNegros costum/io adoecer dejebrei 
e do seu remedio da sangria. 



E 



rM o mez de Junho em que , comò ja di.<^se , sopra o 
vento dp Sul , que aqui he fresco ^ costumao os Negros adoe- 
cer de febres , e no dia em que a sentem declinar , póem 
ventosas sobre as fontes e sobre a testa , que depois reta* 
Jlhào com huma navalha de barba , e com este remedio 
sarao : algumas vezes sangrao-se sobre as espadoas , e a sua 
dieta he muito tenue , isto he , hum pouco de pào daquel- 
le seu milho ^ com azeite de Hespanha , e algmas hervas 
^ue lhe$ sao parciculares. Nào ha memoria de que tenha 



DE Lisboa a'Ilha deS.Thome' 10^ 

cntrado pestilencìa nesta Ilha corno nas de Cnbo verde, 
aonde se diz que huma vez a houve g;randissiina , e tal 

!|ue o sangue afogava o corajào. Aos brancos accomcrem 
cbres ardentes , e fluxos pelo multo que bebem sem co- 
mer em o rempo que nào faz vento , e poacos sào o$ 
habitantes que passào de sincocnta annos , sendo cou« 
SI excraordinaria , ver hum homem branco com barba 
branca : mas os Negros chegào a cento e dez annos , 
por ser o clima apropri ado a sua nacureza. Por sinco ve- 
zes que estive aqui com navios 3 principiando em o an« 
no de mìl quinhentos e vinte , amrmo ter fallado com 
bum Negro chamado ]oao Menino, hoir.cni multo velho, 
o qual dizia ter sido conduzido alti , com os primeiros que 
forao da costa de Africa para esca Uba , quando ella foi 
povoada por ordeni d ElRei de Poriugal i e este Negro era 
riquissimo , e tinha fìihos , netos, e bisnetos casados , oi 
quaes jà tinhào iìlhos. Os habitantes criào infìnitiis pul- 
gas, e OS Negros muitos piolhos, que os Brancos nào rem; 
nem nos leitos aonde- se dorme , se achào nunca perccvc* 
jos, 

CAPITULO XXI. 

Da causa porque nesta Uba nao ckegao a amadurecer os tri" 

gos , eigualmetite as uvas : dosjrutos que alli tiascem ^ 

das avesy e de diffcrentes qualidades de pescados. 

X Endo-se experimentado muitas vezes , e em dìversos 
tempos do anno semear trigo , parece que elle nao póde 
chegar aqui a sua perfeita matura^ào , e que nào produz 
espiga chèa ^ cresce porém todo em herva , sem que se 
crie grao algum : e tcndose semeado em dìversos mezes , 
nanca se (he tirou fruto ; pelo que considerando no caso 
attentamente, dizcm que por csusa da gordura da terra , 
he que a pianga póe tudo em herva. O mesmo accontece 
às videiras que esiào plantadas jurto as cnsas de S. Tho- 
iré , pois pela Uba dentro as nào pócm , que seria cousa 
inutil ; mas nos pateos das habita9oes , he que fazem huma 
especie de parreiras. Estas videiras prcduzcm cachos de 
modo que cm quanto al^uns bagos estào maduros , outros 
estào corno agra^o , e cutros ainda cm fior , e produzem 
duas vezes cada anno ; em Janeiro e Fevereiro, e em 
Agosto e Setembro : e tambem as figueirns produzem duas 
vezes no dito tempo ^ e os figos sào delicadissimos : os 



I06 Index dos Capitulos. 

ver quatro estrellas mano brilhanus em fórma de Crtiz% 
que se ibamlo o Cruzeiro : e corno na liba de S. Thomé 
se ve di vezes , depois de ter chovido , fazer a Lua a 
apparencia do Iris , corno faz o Sol de dia. ... 90. 
GAP. X. Descrip;ao da liba de S. Thomé : da Uba do 

Principe : da Uba de Anno bom , e da chamada Povoacao. ^2. 
GAP. XI. Como OS babitamcs de S, Tbomc exp^deni osanti- 
cares : ^ue fazendas Uvao os na\^ios qne vao buscallos : 
da bondade dajuAla urrà: do moio de piantar as ca» 
nas ; corno se extrnbs a:ucar dellas ; e porque causa a 
carne de porco deste paiz he sadia ^ e de faci l digestio. 94. 

CAP. XII. Como OS a^ucares desta liba nio sJo nem mui* 
to duros , nem multo brancos , e comò os encbugao^ pf. 

CAP. XIII. Como aos Commcrciantes , que vem habitar 
nesta liba, heasù^d.idì pelo Feitor d'ElRci , para com- 
prar por prci^o conniio , tanto terreni^ quanto podem 
fazer cultivar : e de conio a raiz do inhame he prin- 
cipal sustento dos Monros, -------- *9^, 

GAP, XIV. De que mmeira fabricto as suas casas os 
Mo:tro5 , que babhxo jnnto Jtos bosques , por causa da 
lavoura do a^ncar. -^•---•-.-•^py, 

GAP. XV. Da raiz chamada batata qu inhame y de suasr 
([iversas especie s i do modo, de plant alias , e de conhece 
quando estdo madurat. --.----.--98. 

GAP. XVI. Noticia de bum grandissimo monte , que està 
quasi no melo da Uba , cujj cume tem huma altura des- 
madida» ------- ---••--.(jy, 

GAP. XVII. Das arvores desta Uba , e da utilidade da 
palmeira , que prodnz os cocos. ..-.-- ibid. 

GAP, XVI IL Da causa porque as Esta:o:s ncsta ìlba sio 
di^erentes das nossas , e de quaes tempos sio nocivos aos 
Praos , e quaes aos B-ancos. -..-.-- hjq, 

CAP. XIX. Do que costumio fazer na Povoa^io no tem- 
po do maior calor 5 comò reina nesta Uba mal vene- 
reo , e corno curao. iqi. 

GAP. XX. Em que tempo do anno os Negros costumao 
adoecer de febre , e do seu remedio da sangria. - - io2, 

CAP. XXI. Da causa porque nesta Uba nio chegio aama- 
durecer os trigo^ , e igual mente a^ uvas : dos frutos que 
alli nasccm , das aves , e de differentes qualidades de 
pescados. ---•-.-...---• 10^. 



NO T ICI AS 

PARA 

A 

HISTORIA . GEOGRAFIA 

D A S 

NAgÒES ULTRAMARINAS. 



COLLECCAO 

D E 

NOTICIAS PARA A HISTORIA 

EGEOGRAFIA 

DAS NAgÒES ULTRAMARINAS, 

QUE VIVEM 
NOS- 

DOMINIOS PORTUGUEZES, 

OU LHES SAO VISINHASi 

PUBLICADA 

PELA 

ACADEMIA REAL DAS SCIENCIA& 
TOMO II. NuM.o» III. A te' vi. 




LISBOA 

NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA. 

1 8 I 2. 
Cm Utin^a de S. ALTEZA REAL. 






N.»III. 



NAVEGAgAo 

DO CAPITAO FEDRO ALVARES CABRAL, 

SSCRITA POR HUM 

PILOTO PORTUGUEZ, 

Traduzida da Lingoa Portugueza para a Italiana , e novamente do 
Italiano pan o Portuguez. 



^ 



■ / 



Notk, Ultramar. N.» III.«» P I N- 



J 



ut 



INTRODUCqAO. 



A, 



. Fiagem de Ptdro Alvares Cabrai , successùr do grande 
fiasco da Gama , foi escrita por bum Piloto Pcrtuguez , cujo 
nome ignoramos , o qual tendo-o accompanhaio nella yfoì tes* 
ttmunba ocular de quasi todos ùs factoi que tefere. 

Parece que os nossos Historìadores tiverao pouco cónheH* 
memo deste escrito^ que anda impresso emalgumas das ami; 
gas collec^oes de viagens i pois até o erudito Abhadc Barbosa 
na sua Bibliocheca Lusitana , o attribue ao mesmo Pedro Al- 
varesj a pezar de se conbecer o comrario pela lettura da 
mesma obra. 

Outra cquivoca^ao do mesmo Barbosa foi dizer , que este 
opuscuh sahira traduzido em Latim , por Luiz de CadamoS' 
to em Livro Novus Orbis Regionum ac Insularum : mas 
nos jd notdmos em a Imroduc^ao ao N.^ 7.® desta colleci^ao , 
que a Obra de Cadamosto , escrita por elle em Italiano , «'- 
nha sido depois traduzida em Latim por Archangelo Madri- 
gnano ^ e que este Traductor Ihe tinha ajuntado algumas ou- 
tras viagens mais , formando de todas huma so obra. Entre 
estas viagens , he que elle inserio a de Pedro Alvares , que 
sendo escrita originalmente em Portuguez , foi depois vertida em 
Latim , nao por Cadamosto , mas pelo mesmo Madrignano. 

Visto terse perdido provavelmente o antigo originai y fi' 
aewoi a presente tradu^ao sobre aversao Italiana , que traz 
Joao Baptista Ramuzio , que preferimos d Latina do Novus 
Orbis de Grineo ;. em a mesma Introducalo de Cadamosto , jd 
drìxdmos notados os motivos desta preferencia. 

Ainda que os factos que se narrao nesta vìagem , sejSo 

bastante semelbantes aos que nos transmittirao os nossos dous 

Historiadores da India , Barros e Castanbeda , e ao que na 
•- ' P ii Chro- 



ir introduc<;ao. 

Cbroniea do Sr. Rei D. Manoel deixou esento o eélebre Ba^ 
miao de Goes ; faz-se com tudo recommendavel nao so , eomo 
jd dissemos ,' por ter sido seu Autbor testemunba oeular do 
que retata ; mas sobre tudo pelo bem que liga a descoberta do 
JBrazil por Fedro Àlvares ^ com a que depois fez da mesma 
terra Americo Fespucio \ facto da nona motoria pouco averi- 
guado , e que agora o ficard melbvr com a publica^io das 
Cartas do mesmo Americo , que formario o N^ 4.^ desta Col^ 
Uc^oQ. 



NAr 



10-7 




:1 ■ Ji 







io8 Naveoa^ao 

pari^is : ao> vince e dous passamos Cabo verde ; e no dia 
seguiate csgarrou«sc huma nao da Armada , por fórma 
tal, que nao se soube mais della (4^ Aos tinte e qur.tro 
de Abril , ^ue era humi quarta feira do Outavarro da Pas- 
coa houvemos vista de terra » com o que tendo tpdos gran- 
dissimo prazer , nos che^ainos a ella p^ra a reconhecer, 
e achando-a muito povoada de arvores , e de gente que 
andava pela praia , lan^àmos ancora na embocadura de hum 
pequeno rio. 

O nossoCapitao mór mandóu deitar Fora hum batel, 
para ver que povos crao aquelles » e os que nelle forio 
achàrao huma gente parda , bcm disposta, com cabellos 
compridos , andavao todos nùs sem vergonha alguma , e 
cada hum deiles trazia o seu arco com frexas , corno quem 
estava alli para dcfender aquclle rio : nao havia ninguem 
na armada que enrendesse a sua Itngoagem, de sorte que 
vendo isto os dos bateii , tornàrào para Fedro Alvares , e 
no em tanto s« fez noute , e se levantou com ella hum 
muito rijo temporal. Na manha seguinte e^corremos com 
elle a costa para o Norte , estando o vento Sueste , até 
ver se achavamos algum porto aonde nos podessemos abri* 
gar e surzir j finalmente achàmos hum aonde ancuràmos, 
e vimos daquelles mesmot homeiis, <]ue andavao pescan- 
do nas suas barcas , hum dos nossos bateis foi ter aonde 
elles estavao > e apanhou dous que trouxe ao Capltao 
mór , para sabcr que gente erào ; porém > comò aisse- 
mos j nao se en tendi ao por fallas , nem mesmo por ac« 
cenos, e assim tendoos recido huma noute comsigo , os 
poz em terra no dia seguinte » com huma camtza » hum 
vestido , e hum barrete vermelho, com o que ficarào mui- 
to contentes j e maravilhados das cousas , qoe Ihcs kaviaa 
sido mostradas. 



CA- 



. C^) ^ oavio que- se esgarrou era do Capi tao Luis Pines; e 
quajìdo o Author diz qii« minca mais «e soube delle, naa quer 
dizer que se pcrdcO ^ poréin stin que nao te llie tornou a a^untar 
durante toda a viagein : passado algum tempo artibon a- Lisboa # 
comò dizcm Bairos , e Castanheda. 



D E 



Fedro Alvares Cab 



R A L. 



lOp 



e A P I T U L O II. 

Como OS homms àaquella terra principiarao a tratar comnos^ 

co ; das suas casas , e de alguns peixes que alli ha 

muito diversos dos nossos. 



N/ 



lAquelIe mesmo dia, que era no Outavario daPascoa 

a vmte e seis de Abril , deccrmìnou o Capirào mot de ou« 

vir Missa ; e assfm tnandoa armar hutna tenda naquella 

praia, e deba'ixo della bum altare e coda agente da Ar« 

mada assistio canto a Missa corno a Préga^ào, juncamence 

com muiros dos naturaes , que bailavào , e tangiao nos 

seus ìnscrumencos ; logo que se acabcu , voltàrros aos na« 

vios, e aquelles homens entravaò nomar atc aos peiros ^ 

cantando e fazendo muitas fescas e folias. Depois de jan- 

tar tornou a terra o Capltào mór , e a gente da armadi 

para espairecer com elles ; e achamos neste lugar hoih 

rio de agoa doce. Pela volta da tarde rornamos as nàos , 

e no dia seguinte determinou-se fazer agu^da , e tornar 

lenhas ; pelo que fomos todos a terra , e os naturaes vie- 

rao comnosco para ajudar-nos. Alguns dos nossos cami- 

ffharao até huma- povoa9ao onde elles habitavao, cousa de 

tre^ nrilhas distante do mar, e trouxerào de là papagaios » 

e huma raiz chamada inhame , que he o pào , de* que 

alli uzao , e algum arroz ; dando^Ihe os da Armada cas* 

caveìs e folhas de papel , em troca do que recebiao. Es- 

tivemos neste lugar sinco ou seis dias : os homens , co« 

mo ja dissemos^ , sào ba9os , e andao ntis sem vergonha , 

tem OS seus cabellos grandes , e a barba pelada ; as palpew 

bras e sobrancelhas sào pintadas de branco, negro ,' azuly 

ou vermelho ; trazem o bei^o debaixo furado , e metem- 

Ihe bum osso grande corno bum prègo ; outros trazero ho-: 

ma pedra azul on verde , e assobiào pelos ditos buracos : 

as mulheres andao igualmente nuas , saò bem feitas de 

corpo , e trazem os cabellos compridos. As suas casas sao 

de madeira , cobertas de folhas e ramos de arvores, com 

muitas colunnas de pào pelo meio , e entre ellas e a»' 

paredes prégào redes de algodào -^ nas quaes póde eì« 

tat hum homem ; e de cada huma destas redes fazem^ 

hum fogo, de modo que n'huma so casa póde haver qua- 

tenta ou sincoenta leitos armados a modo de teares« Nest» 

tetta] n&o vimos ferro nem outro algum metal , e cortà^ 

as 




no Natboa9a6 

as mideiras com huma peira: tem muitas aves de dive r* 
sas cascas , especialmence papagaiot de muitas cores , e 
entre elles alguns do camanho degallinhas, e outros pas* 
saros multo bello» , das pennas dos quaes fazem os cha* 
peos e birreces de que uzao. A terra he moito abundan- 
te de arvores , e de agoas , milho , inhame, e algodao ; e 
fiao vimos animai algum quadrupede : o terreno he gran- 
de , porénn nao podemos saber se era Ilha cu terra fir- 
me ^ aìnJa que nos inclinamos a e^ta ultima opiniào pelo 
seu tamanho ; tcm muico bom ar ; os homens uzao de 
redes , e sào grindes pescadores; o pcixe que tirao he de 
diversas qu iltdades , e entre elle vimos hum » que podia 
ser do ta.'n.iiìho de hum tonel , mas mais comprido , e to* 
do redonJo ) a sua cabefa era do feitio da de hum por- 
co , OS olhos pequenos , sem dentes , com as orelhas com* 
pridas : pela parte inferior do corpo tinha vanos buracos , 
^ a sua cauda era do tamanho de hum bM9o ; nao tinha 
pcs , a pele era di grossura de hum dedo^ e a sua carne 
gorda e branca corno a de porco.^ 

CAPITULO HI. 

Como Capitao mor maniou cartas a ElRei de Portugal , 

dando^lbe parte de ter descoberto aquella nova terra i e 

corno por causa da tempcstade seperdèrao quatro ndos : 

dapovoa^ao de go fata , aonneha huma mina de 

ouro y a qual fica junto a duas Ilbas. 

JlNOs dias que aqui estiveroos , determinou Fedro Alva- 
res fazer saber ao nosso Serenissimo Rei o descobrimento 
desta terra , e deixar nella dous homens condcnados a 
morte, qus traziamos na Armada para este elFeito, e as- 
sira despachou hum navio que vinha em nossa conserva 
carregado de manti mentos , além dos doze sobrediios , o 
qual trouxe a EiRei as cartas , em que se continha tudo 
quanto tin^amos visto e descoberto* Despachado o navio 
sahio o Capitao era terra , mandou fazer huma Cruz de 
QiaJeira muito grande, e a plancou na praia, deixando , 
corno jà disse , os dous degradados neste mesmo lugar ^ 
OS qtiaes come9àrào a chorar , e forao aniraados pelos na- 
turaes do paiz, que mostravao ter ^iedade d*elles. No ou- 
ero dia , que erao dbus de Maio, nzemo-nos a véla, pa« 
tjL hir deraandar o Cabo da boa £speranfa ^ achando-nos 

cu- 






DI PedkO Altakes Cabrai. ih 

fntao engotfadós no mar mais de mil e dazentas leguas de 
quarro milhas cada huma ; e aos doze* do mesmo mez , se* 
guindo o nosso camìnho, nos appareceo hum cometa pa- 
ra as parcet da Ethiopla » com huma cauda muko compri- 
da ^ o qual vimos oato oo dez noutes a fio : em firn quan* 
do se conravao vinte do mesmo mcz $ C ^ ) navegando a 
Armada coda junta , com bom vento , as vélas em meia 
arvore e sem rraqoetes y por causa de hum^ borrasca , 
jue tinhamos rido em o dia antecedente; veio hum tu» 
io de vento tao forte , e tao de* subito por dianre , que 
o nao percebemos senào quando as vélas ficarào cruzadas 
nos m^scros , neste mesmo intante se perdèrào quatto nàos 
com roda a sua macalotagem , sem se Ihe poder dar soc* 
corro aleum \ e as ouuas sete que escapàrào 5 estiveiao em 
perìgo de se perderem ; e assim fomos agoentando o ven- 
to com OS mastros e vélas rotas , e a Deos misericordia to- 
do aquelle dia : o mar embraveceo-se por maneira tal , que 
parecia levantar-nos ao Geo ; até que o vento se mudou 
de repente , e posto que a tempestade ainda era tao forte 
que nao nos atreviamos a largar as vélas -, ainda assim na« 
vegàndo sem ellas , perdemo-nos huns dos ourros de mo- 
do , que a Capicania com duas outras nàos tomàrào hum 
nimo , outra chamada ElRei com mais duas tomàrao ou- 
tro ; e as que resravào ainda oatro ; (^) e assim passà- 
nos està tempestade vinte dias consecutivos sempre em ar- 
vore seca ; atc que aos dezaseis do mez de Junho , hou- 
vemos vista da terra da Arabia onde surgimos \ e chega- 
dos a co&ta podemos fazer huma boa pescaria. Està terra 
he muito populosa 5 corno vimos , navegando ao long^ 
da praia com bom vento , e tempo aprazivel ; além diss^ 
Notic. Vltram. N.^ 1 1 L° Q he 

(«) Tanto Barros comò Castanheda assignàlao o principio des* 
ta tormenta no dia !»inte e tres, 

(&) O Author conformase aqui mais » com Castanheda do que 
com Joao de £arros : este ultimo faz chegar toda a Armada jun- 
ta a Qofala « e diz expressamente que se compunha entao de seif 
tiàos : pelo contrario Castanlieda diz , que as nios se apartarao 
com aforga do vento ; que com a de Fedro Alvares foi a de Simào 
de Miranda, a de Fedro de Ata/de » e a de Nicolao Coelho ; que 
a ndo de Nuno Leitào se separou para outro lado com a de San- 
cho de Thoar , e que Diogo Dias arribou so , e isto he com pouca 
differeitca , o que diz o nosso Author ^ pois ainda que aqui o 
nao expresse» veremos no Gap. ultimo , o que succedeo a estè 
Diogo Dias « que encotitraraò 9 quando voltavao para PortugaK 



1X1 NAVtOAf^S 

he muico frati fera , coro makot rio9 grancks ; e mvlto» 
animif s , de modo qae toda era bem povoada. Cottcìiraan» 
do a nossa viagem chegàmos diaine de (folata ^ onde ha 
huma mina de ooro , e achàmos junco a està povoafàa 
duas lihas :' esuvàò aqui duas naes de Mouros , c]tie d- 
nh&o catregaJo ouro d.KjueDa mina , e hiào paraMeiinde, 
03 quaes tanto que nos avibtarào , come9àrào a tugir, e 
tan9arao-se todos ao mar , tendo primciro alijado o ooro 
j^ara que Iho nìo tirassemos. Pedro Alvarcs depois de se 
ter apoJerado das duas nàos , fez vie ante si o Capitào 
dcllas , e Ihe pergunton de que paiz era , ao Quc res* 
pondeo que era Mouro , primo de ElRei de McHnde, 
que as nàos erao saas , e que vinha de (^oiala com aquel* 
ìc ouro , trazcnJo comsigo sua mulher e bum filSo , os 
qu^es se tinhào afogadb querendo fugir p.^ra terra: o Ca- 
pitào mór qu.indo soube que o Mouro era primo de El- 
Rci de Melinde (o qua) era mutto noMO amigo) te desgot* 
roti sobre maneira , e Jazendo-lhe multa honra, Ihe man- 
dou cntregar as suas duas nàos com todo o ouro que se 
Ihe rinha ti rado. O CaprrSo Mouro pergomoa ao nesso se* 
trazia comsigo algum Encantador, qne podcsse tirar a ou« 
tri porfao que tinhào deitado ao mar, ao que elle res- 
pondeo qne eramos Christàos , e que nao cinhamos seme- 
Ihnntes uzos. Depois tiroo o nosso Capitào mór informa-» 
95es das cousas de QoFala , que ainda neste tempo nào 
èra descoberta senào por fama , e'o Mouro Ibr dee por 
novas , que cm QoFala havìa huma mina muito abondante 
de ouro , cujo Senhor efa bum Rei Mouro , o qoal ^csisfia 
cm huma THia chamada Quiloa , que e«tava na dcrrota , 
que deviamos seguir: e que o parcel de Cofala jà' no^ fi- 
cava arraz ; com isto o Capitào se despcdio de nói , e con- 
tinuàmos a nossa jornada« 

CAPITULO IV. 

Da /Ibi/ de Afocambique ; e conto chegàmos a Quitoa aonde 

achdmos as outr is ndcs , que se titib/io esgarrado : cerno 
, . Capitio Atjr lai loti com o . Rei da. aUa terra , 
e. da Cidadc de Momba^a. 

/jLOs vinte do mez de }ulho chrgaroo» oHunialiha pe- 
^ena , que he do mesmo Rei de (^ofala , ckamida Mo- 
pnabiqùe^nào muito povoada , a peZir de assisriccm neHa 

Dier- 



dbPeoro AlvaUés Cabra l. Iff 

fnercadores ricos ; aqui fizemos agoada , e tomamos re- 
frescos y e hum Piloto para nos levar a Qtriloa : esr^ Itha 
'cem moico bom porco, e esca pouco distante da ccrra fir- 
me ; daqut parcimos para Qotloa ao longo da còsta , e 
achàmos muìcas llhas povoadas , <}ue sào def ce iVKsmoRei. 
Chegamos a Quìloa aoa vìnte e seis do dito mez , e ahi 
nos ajancamos seis das nossas véias , porcm a entra liuh- 
ca mais se encontrou. Està Ilha he pequena , junta com a 
terra firme , e cem hnma bella Cidade y as suas casàs slo 
alcas ao modo de Hespanha : habicào nella mercad^ores i-i- 
cos, que comme|[ceào muìto em ouro » prata ,< ambar $ dl- 
miscar, e pcrolas : bs da cetra andào restidosr de panos de 
algodào finos , e de sedas e brocados fìnissinK>s , e sao ne- 
gros. Logo que aqui' chegamos mandou o Capltao mór pe- 
uir hum salvo-conducto ao Rei, Que Iho enviou immedia 
tamcnte , e assim que o teve manaou a terra Affonso Fur- 
tado , com sete ou outo homens bem vestidos , por seu 
Embaìxador , e por elle Jhe fez dizer que aquellas naos 
erao de ElRei de Poftugal , as quaes vinhào alli para com- 
merciar com elle ; e traziao muitas mercadorias de varìas 
c|ualidades de que podia escolherj e bem assim que tefia 
multo gosto de fallar-lhe. EiRfi respondeo que era muito 
contente disso , e qile no dia seguinte Ihe vi ria fallar ijue- 
rendo elle sahir em terra. Aflonso Furtado fez-lhe entào 
saber , que o Capitao mór tinha regimento para nao de- 
sembarcar , e que sendo sua vontade se fallariào antes nos 
baceis -, e nisso ficàrào de accordo para o outro dia , em 
<]ue o Capìtào mór se poz em ordeni com toda a sua gen- 
te , e as nàos e bateis codos embandeirados , com os seus 
toldos , e com a artilharia prestes. O Rei mandou tambem 
appareihar as suas Almadias , ou bateis com muiras festas, 
e tangeres ao seu modo , e Fedro Alvares com as suas 
trombetas e pifaros , e assim pircirao htìm para o ootro : 
lego que se avisinharào , desparou-se a artilharia das naos , 
fazendo hum tao grande estrondo , que ElRci com toda a 
sua comitiva iìcou attonito e assnstado ; depois disto es- 
tiverào hum bom e^pafo em conversa9àò , e dcspedtndo se 
hum do outro yolton o Capitao mór para a nào. No dia 
seguinte tomou a mandar AfFonso Furtado a terra , para 
principiar a negocia9ao , 'porém acboo o Rei moito foia do 
proposito , em que prìmeiramente estava , escusando-se 
^uc nao tinha necessidade das nossas mercadorias , e per- 
luadido de que eramos Corsarios ; deixando pois as cousas 

Q H net- ' 



tT4 Natbga^ao 

nesre cstado volrou Afibnso Furtado. ao Capitao mot. De- 
moramo-fios ainda nesce lugar doas oa tres dias, mas por 
mail diligcncias que pozcroos , nao nos foi possivcl con- 
seguir coDsa alguma , e no lempo qoe alli ficàiros , es« 
tiverào sempre mandando gente da Ilha para a terra fir- 
me (^) receando que a tomassemos por for9a. Quando Fe- 
dro Al vares percebeo isto, determinou partir, e se fez à 
véla pelo rumo de Melinde. Ao longo desta costa acha- 
mos moitas Ilhas , povoadas de Mouros , e vimos outra Ci- 
dade por nome Mo9ambique , que tinha hum Rei da mes« 
ma na9ao , de que he povoada toda està costa da Echio- 
pia : tanto porém na Ilha corno pela terra dentro , dizem 
elles , que ha Chrisràos , que Ihes fazem muita guerra ^ 
porém nós nao o soubenM)$ senào por tnformajróes. 

CAPITULO V. 

Como chegdmoi a Melinde , aonde fotitos multo betn rccebidos 

pelo Reti do presente jue Ibemandou ElRei de Portugal^ 

e corno de MtUnde Jallou cam o Capitao Mor. 

•V^Hegamos a Melinde aos dous de Agosto deste mesmo 
anno » e alli achàmos surtas tres nàos de Cambaya , cada 
huma do porte de cem toneladas ; sao cnuito bem feitasj 
de boas madeiras , e bem cosidas com cordas , pois nao 
cem prégos ; e alcatroadas com huma mistura , em que 
entra muito encenso , e nao tem senào o castello de po- 
pa : estas naot vinhào aqui a contratar das partes da In- 
dia. Logo que chegàmos , mandou-nos ElRei visitar, e ao 
mesmo tempo hum refresco de muiios carneìros , gallinhas> 
patos, limoes , e laranjas as melhores que ha nomundo, 
e com elUs sararào de escroburo alguns doentes y que ci- 
nhamos comnosco, Apenas ancorimos dianie da Cidade, 
mandou o Capitao mór dar fogo a todas as bombardas, 
e embandcirar as naos , e forào lego a terra dous Fei« 
tores d'ElRei , hum dos quaes sabia fallat Mouro , isco 
he Arabigo, com hun cumprimento para ElRei de Me- 
linde « e a dar-Ihe parte corno eramos chegados , ao que 
vit^hamos , e que no dia seguirne mandaria o Capitao mot 
a sua embaixada , com a catta que EiRet de Portugal 

Ihe 

(fl) Ainda que n originai diga ìsto , parece dever^sQ entcndcr 
OGontraiio^ que metiio nallha gente da terra firme. 




\i6 Natiga^ao 

3 oc nao paiia «era licenza do Ctpitao mór , e utitn Et- 
Lei Ihe esrpeJio hann cunkado con (/i) ham ane( seu' a 
rogaflhe deixasse fi:ar Aire« Correa , e qtie matidafse a 
terra por taio qjaiico l^e fosse necesfarto , ranco para 
agoada coni3 para o mail. PeJro Alvares foi disso con- 
tencc 9 e £lK.et mandou lo;o dar a Aires Correa hum muico 
.bom atojansTico , com codis as cou^as qoe Ihe haviao sec 
necesaariat , corno carneiros , gaUinhas y arrcz , leice , maiv- 
ceiga j camaras , mei , e fraetos de toia a especie , salvo pao 

Se -ttiies nao comem; e astim esteve em certa tres dias, 
lanio*lhe £lR.ei a rodo o inuance a respeiro do de Por- 
tuga! , e dai cousas Portuguezas , dizendo-lhe t{oe cerit 
grande satisfapao em terese com o Capicao mór. Aires Cor- 
rea fez ranco co'n elle, que o resolveo a isso, e logo o 
mandou dizer a Pedro Alvares , o <]ual se fez presres com 
OS seus baceìs deixtndo as nàos em bom recado : o em 
<}ue elle hia era coberto de seda , e levava a geme secre- 
tamene armada por baixo das suas vestes - de gram e p^- 
nos iin^s: Eltlei mandou igual mente apparelhar dous ba- 
teis dos seui cambem com xoldos , e com a gente mais lu- 
2idi, e Fez ajaezar hum cavallo ao modo de Portugal mu 
OS seus oio o souberio fazer', tanVo x\\ie forao oft nossos 
qne o arrearao ; depois; des^eo por li«n)a dbcàda , e no fun- 
do della estavào^o- espcrando r^dosr os Mouro» mais ricos 
G honradoj , com hum camcivo , <|ue degotàrào apenas 
iDoarou a cavallo.; ErlR.ei passou sobre elle , e toda-a gente 
grixou moico e com grande vozasia'>j tendo esce costume 
por ceremonia e reid9o. FalUrao depois ambos hum gran- 
de espa9o 9 at^ qua o Cipitao mór disse , que desejava 
partir ; mas que rlnha necessidade de hum Piloro que o 
conduzisse a Calicuc : ElR.ei Ihe respondeo , que Iho man* 
darla dar; e assìm se despedi rio hum doouiro. Logo que 
£lR.eì chegoQ a terra mandou Aires Correa para a nao 
com muicas carnes , e frutas para o Capi'tao , e igualmence 
hum^PilotoClozarace d'aouellas naos de Cambaya que esta- 
vao no pi3rro. O C^pirao m^r deixou alli dous homens 
Porruguezea que hiao def(radados » para ificar hum delles 
omMelinde , e o outro hir com a nào de Cambaya ; e no 
dia seguiate , que se contavào sete de Agosto , fizemo*nos 
ir vela , e^eomecàmos a atravessar o golfo paraCalicur. 

CA- 



(0) Es(e vtneì era « comò diz Bartos o salvo conducto qu^ 
Ike enviava. 



I>E P S D lOO' i^ I«V;à H B^S . C!a B R a L» 1 17 



CIA/Pcl T U 1 O i VU» 

Di Cidade chamMàm Ma^adaxò ; ifil Uba Jytj^ar , e Om/iz , 
e da mui fenil e fitigue Provincia de Cambaya. 



D, 



Eiximos atra? em coda e&ta travéssa a costa de Me* 
linde , e hama Cidade. d£ Motiios, <}jDe ae cfaaiBa Magadaxo 
multo tica e formosa ; tnaiSì adtitite esca boma liha granp^ 
pissima, xom oi;tra Cidade tambem iTittiro bella e grande ^ 
cetcada de moro; chama*se esca Uha .Spcòtora , e caftii»* 
nhando mais ayanie pela costa està a etnhocadvra do cs* 
trcttode Meca^ c]ue tera obra de legoa e meta de largo , e 
dent^ delie jaz o mar roixo , a Casa de Meca , e a de San^ 
taCatharina itip^moiite &m;ay , por onde Icvto.as especiarial 
e joias..ao Carnò e'Alexan<ir.ia: , aera vcssamdo. barn dezcno 
em dfdmod^rrros ;- que^sao huhia especie : de ca melos ccty 
redoeea : deste iiuurse< poderi io contar n.^icas toosas c^jue 
passo: em^silencio» Da, lontra 'banda do Estreito csià ornar 
da Fi^rs»a , no^qdal ba graodisainaas Fruvincias .e ReiivQS &u^ 
geitos ao Gf ào SuUao de Babilonia ; no meio deate mar ha 
huma Ilha paquena fhamftda Julfar -, na <]dai se pcscao 
muftas e. beri'iissinpis ^prVolas ; ba catnbiem outra:Ilha na 
suaemboeadurarchamadaOrmuzs ^u^ be de Mooros ^ etem 
hom Rei qu& tambcrm * o he d^.juèkri £in Omitsz rba opti? 
fnos-cavallos^<]oe 6e levào à vender pori «oda a bìdia » 9 
tem huRi eran^le valor, e eiii lodat e M:as terrf:s ha hum 
grande tranco de navios. Passado este mar da Persio acha^ 
se huma Provincia.' chamada Cambàya y a <}iial tcm o seu 
Rei , que he muito poderoso e forte ; està terra he mais 
frutxfe^n e pinìgQe ^ ^qiie nenBuma pttcra' do Maodb? toUa i^ 
acha muico erigo , ceviad4^ arroz^^'bèta , e a9ucar , produz 
tambem encenso , efabricào-se nella mnlros pancs ce seda 
e al^odào,.^ ^^^ muitos cavaUos e «dtefànce»:. ò Rei fai 
idolatra, mac fez»>sc depois Momt>:pof causa dds mvitoa dd 
<)Qe abonda» o seu Remo ; porém en^re os liaturaes r.indd 
ha bastantri idolatra;. Achàv-se alli grandes mer^àc^ar.et ^ 
OS quaes por hiniiai p^tce camiatif)r.rck1r) os/Aiabesy e pela 
OQtra com J tndta ^ (joe . coirie^a propria ir ente ^4^iri e cof* 
rem cere» rne^ad^rcs t^da ' estar cdsra ari? r^oi fil t^i««r de Ga^ 
Ucut ^ e por tod» fella h;i aramsdesL é. beUfijssritìa^ Irr^rvin^ias ;0 
Rainos deMooroa e dfc Iditacfa». Dfve "adviCfrirse que tu^fc 
(]ue ne$c&CapiatJo ikio» e&ciita fiOtti^obiuv^do por nc$.^ 

CA- 




1 18 N A T I « A f A Ó 

CAPITULO VII. 

IkimiUkAmàiAiMu. 



iiPmoAiYAii 

ji^imiM Fedro Àbei 

'if!MlHcoino$(OJ| 

VP»(ttci(io(tjQ«iitioj, 




V> Hegamos avim da Ma ao) vinte eki icKffAto, 
e a primciia terra que vimoi !oi aio Ideino i«Go{i\ v^« 
•im que o reconhecemosJomosai^loA^odtWtaiu^vt 
a lioma II ha pe(|aeoa chamada \Qcy\n ) a (\ia\ k ài 
hum Mouro; tem no melo ham tnnielafp &ti|,oakt 
e he despovoada; d'alli a tetta me alo iuuiBìWawlòi 
n'oucro tempo kabitada poi Qei\tlos , m\ fot^^lt ^U^* 
ros de Meca fazem este camm\io fata Ut iCte ^ t i« 
li se demorao pela necesMdade de lyA^ tVtt^Vw^ 
isso se desporoou mali. Tat\to (fie a\U c\^e^m^ ^tict» 
mos a terra., e cstìvemos bona o^mt ìm ^ vmx'^ 
di ras provisóei ; aguardando enne tanio (t m\v\o ^ 
naos de Meca , (jue ({uetlatnos afteui ^ \^ Wk 

Eossivel ; e durante ette lem^o i ^et\ie \i \wi i\^ \ 
ordo, e noi crazia muliaa.AOùcm) tectWÌQrai ^C)% 
tao raór com muiio fcsicjo. Ha em ew^ \\V\^ Vxixia t^^jv 
eie de Ermida na qual , nos À\at (\\^e aVVv t%\\NtTCAi^ ^ ^t 
celebrarào maicas Misaas p<!\os?aLàie% ^^t \tN^N\\i«^\ \»: 
ficarem com oFciior dcCaHcutvt ^wvm xvot ^aci\tv^w i 
e coinmongamos todos , e de^\i à^ iQttv)ià.i \ >s^v \.\ 
precisa , vendo ()Qe as nios àoi lA<;^\xi^% W)/^ ^c^v) 
chegar y panimos pata CaV\c>]it ^ ^t iXui ^v;b^v 
legoas. 

CAPlT\3LO \\W 

Como tbegdmos a CaWcut , e o Ca^'uoo mx .^aV \ 
falUr co'nEVReu 

V^Hesamos a CaUcut ao% xt^x^ à^^^xtx 1 
legoa de discancia da Cialde ^ >i^\^ ^ 
frota de bateis , ctn <\ue Vvn^ia. oC^^^^v . 
cador Guzarate muito t\co ^ ^tvcvcv^ 
lào na Capirania , d\i.cttào cotcvq '^^^C^ 
zer com a nos<i^ vinAa ^ ^ oja^fc ^^%\ i 



BSPSDUO AlvARKS CaSRAL. Iip 

h manlia decdrminou Fedro Atvares mandar a terra os In- 
dio», que trouxeramo^ comnosco dePortugal cjue erào sin- 
co , a saber bum Mouro (jue encre nós se cìnha feito Chris* 
rio, e quacro pescadores QentioSi e envioa-os rodos mul- 
to bem vescidos a Cìdade , para fallar corti ElRei , e di- 
zer-lhe a caasa porque alli eramos chegados ; e que' Ihe 
pediamos bum salvo-conducto para podertnos sahir em ter- 
ra. O MoDfO fallou com £lRei ^ porque os outros que 
erao pescadores nao se atreviao a chegar a elle , nem 
mesmo o podérao vèr , tendo està ccremonia por estado e 
grandeza Real , corno ao diante se dirà. O Rei mandou o 
salvo«condacto , dizendo que qualquer de. nós podia sahic 
etn terra : o que visto pelo Capitàb mór fez desembarcac 
logo Afibnso Furtado com huiii Interprete , que sabia fallar 
Arabieo, o qa.il devia dizer a ElRei corno estas naos erao 
de EiRei dePortugal, que as mandava a està Cidade pa- 
ra tratat' de Paz , e trafìco de mercancias ; e que para 
fazer isto era necessario , que sahisse a tetra o Capicào 
mór , o qual levava em o seu regimento de nào desem- 
barcar em parte alguma ,- sem pnmeiro ter bum penhor 
pela sua pesso^ j e que assim Ihe houvesse de mandar pa- 
ra as nàos aquclles homens que AfF3nso Furtado Ihe indi- 
casse. EIRei ouvida a dita embaixada , recusou bum pou- 
co ; dizendo que os refens que; Ibe pediào erao mul- 
to velhos , e anciàos ^ e que nio podiào fìcar no mar^ 
mas que elle Ibe daria outros. Affonso Furtado Ibe lor- 
nou , qne nao havia de tornar senào aquelles , que Ihe pe« 
dia pela rhemoria que o Capitàa mór Ibe tinha dado , 

Sue era a mesma que Ibe entregara EIRei de Portugal. O 
^ei se maraviihoQ bastante com isto e esceve em duvidas 
dous ou tres dias , are que finalmente se resolveo a man- 
dallos. Recebendo Fedro Alvares este aviso aprontou-se 
para sahir em terra , e ficar alli dous ou tres dias levan- 
do comsigo trinca homens dos mais honrados , e assim se 
poz pronto com todos os seus olHciaes e creados , corno 

Codia convir a bum Principe , e levou roda a prata que 
avia em asnàos, das quaes deixou por Capicao mór San- 
cho de Tovar , com oencargo de fazer honra e agazai ho 
aquelles bomens da terra , que ficavào em penhor. No dia 
segaince velo EIRei a b urna casa , que tinha junto a ma* 
rinha ^ e dabi' mandou os refens para as naos , a sabet 
sinco homens multo principaes , e cem outros de esp^da 
e adarga, que^ os acompanhavào com vinte e sinco ou irin- 
Jflotic. Ultramar. N.<» ÌII.<> R ta 



120 NATBOAfAÓ 

^a tangedores: o Capicao mór sahio d« nao em osiseusba* 
tcis , depois de ter mandado para terra tndo o que Ihe 
parecèra necessario , e sahindo na praia vierao tambem os 
sinco homens da Cidade , que q&o qoizerao entrar nanao, 
sem que elle desembarcasse » e sobre isto estiverao em 
questao bum i;rande espafo » até que Aires Correa subio 
a bum seu tambuco , e tanto fez que eotrario nella. 
Logo que Fedro Alvares sabio em terra vierao recebello 
multos Gentis-homens , que o tomàrao nos brafos corno 
igual mente toda a sua comitiva : por tal maneira que nio 
tocàrio com os pés em terra até que chegàrao perante o 
Reij o qual estava pelo modo que ao diance se dirà. 

CAPITULO IX. 

Da grande magnificencia > e pompa dt ElRti de Calkat ; e 

do presente que Ibe fez o Capitao mar em nome de 

ElRei dePortngal. 

x2i Stava ElRei em hnma casa alta ^ assentado em bum 
estrado com duas ou tres almofadas de seda debaixo do 
brago ; a coberta deste estrado era de seda cor de por- 
pura ; eftava nù da cintura para cima , e dalli para bai* 
xo envolvido em bum pano de seda e algodào moito sub« 
til e branco , e com muita roda , todo lavrado de ouro. 
Tinha na cabega bum barrete de brocado , feito a modo 
de capacete comprido , e muito alto : as suas orelhas erio 
furadas e dellas pendiao grandes brìncos douro j com ru« 
bins de muito prego , diamantes , e duas pérolas muico 
grandes , huma redonda , outra do feitio de huma pera » 
e malor que huma grande avela : tinha tambem nos bragcus 
do corovello para cima braceletes d*ouro adomados de ri- 
cas joias , e pérolas de grande valor : as pemas estavao 
igualmente adornadas, e em bum dedo do pé tin&a bum 
anel de hum rubim ou carbunculo de grande fogo e esti- 
ma. Os dcJos dasmios estavSo tambem cubertos de joiaii 
corno rubins , esmeraldas » e diamantes \ e entre estes hom 
do tamanho de huma fava grande : tinha dous ciotos de 
ouro cheos de rubins , de modo que nao ha via prego qoe 
pagasse as riquezas que o adoroavao. Ao seu lado estava 
huma grande cadeira toda de prata , salvo o lugnr aonde 
encostava os bragos , que era de ouro 9 e as suas co&tas 
eogastadas de joias e pedras preciosas. Havia nesta casa 

bos* 



bs P 8 o n e A L rA RK • Ca B k Ài* tM 

hofta especie de andor , em o qual tinha vindo do palado 
aonde costumava residir habicualmence ; esce andor he leva- 
do por homens infinitamente ricos y e junto a elle tocavao 
de qoinze a vinte trombe^ de prata , e tres. deóuro, hu^ 
ma das ^naes era de grandeZA e pezo tal, que cusiava a 
doas homens alevalla, as bocas descas cres tinhSo cravados 
maicos rubtns. Tinha tambem junto de si quatto vasos depra- 
ta , maitos de bronze dourado , e bastantes candieiros de la- 
tao grandes e cheos de azeite com pavios sempre accesos ; 
a pesar de nào ser necessario para a claridade , mas só- 
mente para grandeza. Estava tambem alli hum seu paren- 
te com sinco pagens em pé , e igual mente dous Irmaos 
seus cobertos de infinitas riquezas j e inuitos outros Gen- 
tis-homens , \}ue estavào mais desviados , mas tambem mui- 
ro ricos ao modo do Rei. Quando o Capitao mór entrou , 
quiz hir direito beijarlhe a mào ; porém accenarào Ihe pa- 
ra qoe parasse , por nào ser costume entre elles avisìnhar- 
se-lhe niogùem , e assim o fez. EIRei fello sentar por 
maior honra , e Fedro Alvares Ihe comecou a dar a sua 
embaixada , e Ihe fez lèr a carta de Emei de Portugal , 
qoe era escjrita em lingoa Arabiga » e logó man'Jou pelo 
presente , que se compunha do seguinte : huma bacia de 
prata para as màos lavrada de basti 6es todos dourados , e 
muito grande ; hum gomil dourado com a sua rampa tam- 
bem de bastiòes ; huma ta9a grande de prata lavrada pe- 
lo^ dito modo s duas ma9as de prata com as suas cadSas 
do mesmo metal para os maceiros , e quatro almofadas 

Jrandes , duas de brocado e duai de veludo carmezim : 
emais disto hum docei de brocado com frani as de ouro 
e carmezim , hum tapete grande » e dous panos de Arraz 
raoito ricos , hum de figuras , e outro de verdura. Quando 
ElRei hpnve recebido este presente juntainente com a 
carta , e a embaixada , mostrou-se motto alegre , e disse 
ao Capitao mór que se podia retirar para aquelia casa que 
tìlc Ihe tinha mandado preparar, e que fizesse vir os ho* 
mens que déra em refens , porque erio de qualidade , e 
nao podiao corner, beber , nem dormir no mar; e oue se 
elle queria hir para as nàos que fosse , pois no dia se- 
guinte tornarla a mandar-lhos , e elle voltaria a terra j para 
tratar do que Ihe fosse necessario. 



R U CA« 



112 NaveoaI^ao 

CAPITULO X- 

Como tornando o Capitao mór pfly às ndos , se deitdrao ao 

mar o$ que, estavao em refens^e deus delles forao reti- 

dos f dos inconvenientes que daqui provierao , e corno 

Aires Correa concimo com Elkei o acordo 

que pertcndia. 



Ve 



Oltpu Pedrq Alvares paujas naos ,. e deixon em teria 
Afibnso Furtado ^ com sete ou outo homens , para cuida* 
rem no que cinha em casa. Apenas elle pardo da praia» 
logo hum Zambuco dos de Calicuc Ihe foi Sidiante atr as 
nàos , para dizer aos que estavao cm refens , corno o Ca- 
picao mór Toltava; assim que elles ouvirao isto immedia* 
mente se Ian9arao ao mar ; e logo Aires Correa Feiiot 
mór se metteo em hum batel , e tomou dous dos princi* 
paes , com dous ou tres dos seus familiares que os tinhio 
acompanhado , porém todos os outros fugirào a nado pa* 
ra terra. Neste instante chegou o Capitao mór a nào , e 
mandou por os dous prisioneiros debaixo da coberra , fa- 
zendo dizer ao Rei , que qusfndo elle chegara tinha acha- 
do «quella desordem , que hum Escrivio da sua terra ti- 
nha causado (4); e que elle mandàra depois reter aqucl- 
les dous 9 por terem ncado em terra muitos homens dos 

seus , 

(ù^ Ainda que està passagem tenha alguma divenidade do que 
dii Barrot he perfeitamente seipelhante ao que escreve Castanhe» 
da : eis*aqui as suas palavras » que servirao de aciarar o que diz 
o nosso Author. )» Em quanto Pedraivares esteve fallando com E(- 
)| Rei de Caiicut desejando as Mouros de haver revoita entrelle , 
> porque nao houvesse effeìto ho irato que Psdralvares queria as- 
Y sentar em Caiicut ; fiz^rào com hum Escrivao da fazenda de El- 
. 9 Rei que fosse a f rota pedir os arrefens da parte de Pedraivares ; 
^ é Aires Correa nao os quiz dar , porque elle deixou dito que 
)9 posto que Ihos pedissem da sua parte que Ihos nao desse. E 
)l estando nesta pratica o Escrivao do mar em huma almadià; e 
)l Aires Correa do hordo da nao os arrefens pelo que Ibe o Es' 
^ crivao disse lancarao-se ao mar para se acoHierem na alma* 
3» dia • • , . E em Pedraivares sahindo do carame soube o que 
)l passava por hum Portuguez , e com agastamento que trazia del- 
ìè Xei ; e com o que isto Ihe deo nao teve acordo para reco- 
^ Iher o fato que tinha na sua pouzada ,. nem Affonso Fmtado 
)» com sete Portuguezes^ && 



DE Fedro Alvares Cabrai.. 12^ 
SCI»; e ig'ualmenie muita fazcnda j que^nssim l^us^ Alfeza 
Ihe enviasse tudo e c\).e Ihe cntregaria iogo os quc tìnha 
fetido, que entre tanto erao multo bcm traiados. Com està 
embajxada partirào dous I^lianos daquelles que tinhamos 
tornado (,a), e loda aquella noute esieve o Capltao mór 
esperando a resposta; no dia seguinte veio e Kei a praia. 
com mais de dtz ou doze mil homens , e os rossos que 
tinhao ficado em terra forào prezos , a firn de^serem man- 
dados a Armada e trocados por aquelles , que o Capltao 
mór cinha retido. Estando as cousas nestes termos vierào 
vinte ou trinta alroadias , e sahirào os nossos batefs para 
effeituar a dita troca , mas nem as almadias tiverào animo 
de chegar-se aos nossos bateis , nem estes a elias ; e as- 
sim esciverào rodo aquelle dia semse frzer cousa alguma ; 
e corno voltarào outra vez para terra com os nossos , prin- 
cipiàrio a fazer^lhes grande descortezia metendo-ihes me* 
do , e dizendo*lhes que os queriao matar : os nossos estive* 
rào roda aquella noute em grande tribuIa9ào, e no dia se- 
guirne tornou EIRei a mandar dizcr a Fedro Alvares , que 
Ihe mandarla os Portuguczes e sua fazenda nas almadias 
totalmente, desarn^ados , e que do mesmo modo mandasse 
elle 09 seus bateis. Fedro Alvares Iogo Ihos mandoa , e 
com elles Sancho de Tovar segundo Capltao , e chegando- 
aonde esravào as ali^adìas principiàrào a receber todos 0$. 
trastes de prata e tùdo o mais que tinhao em terra (de 
modo que nào restava ja senio hum almofreixe ou mala 
aonde estava o leito com os seus preparos ) e ìgualmen- 
te quasi todos os homens : senào quando bum daquelles 
Gentis homens , que estavao nos nossos bateis , e que 
Sancho de Tovar tinha pela bta^o se deitou ao mar, o 

3oe visto pelos nossos aue estavao em algumas das alma- 
ias, principiàrào a etisoWrbecer-se e indignar-se den^odo, 
que deitarào à agoa os Mòuros das^ almadias apoderanda- 
se dellas. Nos nossos bateis £cou hum velho Geniil-ho- 
mem que esrava em penhor ; e dous rapazes Porcuguezes 
que nào podcrào escapar se , ficàrào nas suas almadias. No 
dia scguìnie , condoendo-se Fedro Alvares daquelle Velho, 
que havia jà trez dias-, que nao tinha comldo ; o mandou 

, : : 2^ 

(fl) Aonde se tinhao tornado esres Italianos ? he- o que o Au»- 
thor nao declara. Na traduc9ao de Grineo diz-5e :=: partfrào dous 
daqueìics , que tinhamos tornado nas almadias. zz Parete por con* 
seguinte erro dalmpreisào eque em ves de Italianos se devia esr 
ciever ladianos^ 



/ 




114 ^ Natega9a6 

para terra , e Ihe deo rodas as armas , que tinhSo ficado 
na riào, percencences aos que se kaviào lancado ao mar, 
. com hnm recado p.ira que CI Rei Ihe mandasse os dous 
mofos , o que elle fez. Passado isto estivemos cres oa 
quairo dias , sem que ningiiero fosse a terra , nem viesse às 
nàos , e tendo Fedro Alvares conselho com os outros Capttaes 
sobre o qne deviao fazer \ disse o Feìror mòr que se al- 
guem de Calicur Ihe mandasse dous homens para seguranfa, 
elle estiva pronto pira hir a terra : a todos pareceo beni 
està resolugào , mas nào sibiao se haveria quem quizesse 
levar a erhbaixada , e lo^o hum Cavalheiro chamado Fran- 
cisco Correa , disse que elle estava pronto , e partindo im- 
mediatamente representou a ElRei corno Aires Correa Fet- 
tor mór , ordenava de hir a terra a firmar o centrato com 
S. Alteza ; e que assim Ihe mandasse por penhor dous 
mercadores , que elle Ihe nomeava , hum dos quaes era 
Guzarate muito rico. Esie^ouro ^ que estava presente , res- 
pondeo que entregaria em seu lugar dous netos seus : com o 
que ElRei se mostrou muito satisfeito. Nooutro dia man- 
dàrao està resposta ao Capitào mór e os refens jumamenre 9 
? e assim Aires Correa partio para terra levando comsìgo outo 
^ou dez homens. Naquella noute veio dormir a ndo » e no ! 
dia seguinte tornou novamente para terra a effeituar qoan« ' 
Oto estava determìnado , ficando todavft os penhores na nào. { 
^iRei mandou <jue se Ihe desse a melhor casa da rerra ^ 
que era a de hum Mouro Guzarate , a quem cometeo o 
cargo de ensinar ao Feitor os costumes e trato do paiz ^ 
e assim Aires Correa principiou a neeocear e vender as 
8uas mercadorias. O Interprete que fallava por nós era 
Arabe, de modo que nio se podia fallar ao Rei , sem £e 
m^terem Mouros de permeio , que sao huma gente ma e 
muito nossa. contraria ; que a todo o instante usavao de 
embustes , e nos prohibiào que mandassemos ninguem às 
nàos. Quando o Capitao mór vio que todos os dias ht&o 
homens a terra , sem Que nenhum voltasse , determinou- 
se a partir e mandou dar à vela; e estando nós prezos 
em terra em huma casa guardada por muira gente , vimos 
cono as nàos se hiao embora , e o Guzarate por respeito 
de seus netos , que tambem parti ao deo azo a Aires Cor- 
rèa para mandar hum rapaz em huma almadia a protes- 
tar ao Capitao mòr por semelhante partida. Fedro Al va res 
volrou e:n razào disto para o porto , e Aires Correa prìn* 
cipiou a tratar com ElRei , e se concluio depois de algu- 

mas 



DB PbDRO AlVAHES CaBKAL. llf 

mas <}ila9des a contraro , cotxio elle queria j porque oGu» 
zarace fazia para isso codas as diligtncias por causa do$ 
oetos qut tiiiha em penhor. ElRel encarregou bum Tui^ 
co, grade mercador , de fazer todos os nosbos ne^^ocios, 
e nos mandou sahir daquella casa para outra mais visi- 
nha à sua ; e logo principiamos a vèr alguitias mercado* 
rias de que compràmos parte ; e assim estivcmos deus me- 
zes e meio anres que o dito tratado se aca basse de as- 
sentar ; mas em fìm ficou termìnado com rruito trabalho 
de Aires Correa , e dos que com elle escavào , e acaba- 
do elle rornamo*nos a mudar para huma casa junto ao 
mar, a oual cinha hum jardim grande, e nella arvorou 
Feitor huma bandeìra com as Armas Reaes. Deste con* 
trato deo ElRei duas escrituras assignadas pela sua mào 9 
huma das quaes era em huma Iantina de cobre com o seu 
sello eaculpìdo em lacào , e està devia fìcar na Feitoria : 
a outra era de prata com o sello csculpido em ouro ; e 
deviamo-la trazer comno$co para ElRei de Portugal. Fei* 
ras estas escrituras veio logo Aires Correa às nios , e en* 
rregoa a de sello de prata ao Capitào mòr , e levou para 
terra os homcns que estavào em refens , e dahi para dian*^ 
te principiamos a fìar-nos tanto desta gente , que parecia^ 
que esiavaitios no nosso proprio paiz, ^ 

C A P I T U L O XI. 5 

Como oCapitao mot arogos d*ElRii ^ mandou btitna sua ca- 
ratila a combatcr com huma fido grande ; e depois de 
aprcTiada cntrcgou tanto a ndo corno Capitao 
della ao mesmo Rei. 

i\ Comeeeo hum dia apparecer naquellas paragens huma 
nao,que hia de hum para outroReino , dentro da qual e$* 
tavào sinco elefantes , hum delles muito formoso e de gran* 
de pre90 por ser pràtico na guerra» A nào que os rrazia 
era muito possante e tinha muita gente de guerra : quan- 
do ElRei soube da sua chegada mandou rogar ao Capirào 
mór , que a mandasse aprezar , pois trazia hum elefante* 
pelo qual tinha offerecido muito dinheiro , iras n§o Iho 
tinhào querido vender. Fedro Alvares Ihe manc^ou dizerque 
assim o faria ; mas que a tripula9ào conia risco de ser n^or- 
ta , se nao se quizesse render^ ElRei o Fouve por bem , 
e tez hir bum Nomo ccmnpsco > para ver corno tornava* 

mot 




126 Naveoa^ao 

mo> a niq , e para fallar cocn os que nella vìnhSo a Sm 
de se encregarem. O Capicao mór mandou huma caravella 
de bombardi grossa e bem armada, com sessenta ou se« 
tenca homens , a qual partio de nouce d reica a nao , sem 
a poder abordar ; mas no dia se^uirìce cahio sobre ella gri- 
tando-lhe que se rendesie : os Mouros puzerào-ve a rir , 
porque crao muitos , e a nào cnuico grande ; e princi- 
piarao a acirar com frechas. Quan^io o Capirao da caraveU 
la vio isco , mandou dispirar a arcilharia , de modo que 
achando'se os da nào sem esperan^a , logo se rendèrào ; 
e assim a levàrao a Calicuc co n coJa a gente. O tC'eL sa- 
hio a praìi a vèilos , e o Comandante da caravella velo 
encregar-lhe o Capitao Mouro , e a sua preza ; e o deixott 
multo maravilhado de ver comò huma caravella tao pe-> 
qaena , e com tao pouca gente , tmha poiido aprezar hu- 
ma nào tao grande , na qual havia rrezentos homens de 
batalha ; assim recebeo a nào e os elefantes , com gran- 
de prazer e satisfa9ao i e a caravella cornoti a ajuntar-sc 
a Esquadra (^ )• 

CAPITULO XIK 

Descrip^ao da Ctdade de Calitut , e dos uzos do Mei e do 

seu Povo^ 



A, 



. Cidade de Calicut he grande , e nao rem muros que a 
cerquem j no seu interior tem muitos lugares vasios , e as 
casas aiFastadas bumas das outras ; sao de pedra e cai , 
chapeadas de relevos , e em cima cobertas de folhas de 
palmeira ; as portas sao griindes, e oeportaes multo bem tra- 
oalhados ; em torno das casas ha hum muro , dentro do 
qu^l estao muitas arvores , e lagos de agoà , em que se 
lavao , corno tambem P090S de donde bebem. Pela Cidade 
ha outros lagos grande^ , aonde ó povo miudo vem lavar* 
se ; e he isco preciso , porque cada dia lavao duat ou rres 
vezes o corpo rodo O Rei he Idolatra , ainda que alguns 
pensarlo , que era Chrisrao i mas procede isto de nao te* 
*• rem 

( a ) O fàv'tcì que se narra neste Capitalo vem com bastante 
differenga em Birrns e Cascanheda , principalmente no primeiro , 
taiico a respeito dos motivos que fizerao tornar a ndo , corno do 
molo porque foi toinada. Os Leitores podein consultar estes His- 
toriadoresa pois os lugares sao bastante extensos para os trans- 
crevertnos» 



D B P E D R O A L VA R S S Ca B R A L* llj 

rem sabido tanto ^dos seus uzos, corno nòs, que tcmos nc- 
gociado bastante em Calictit. O Rei actuaL chama-se Già- 
ftrj etodos OS seus Gentis-homens , e gente que o seve 
sao homens pardos comò 03 Mouros , mas bem dispostos. 
Andào nùs da cintura para cima , e trazem a roda de si 
panos iìnos de algodào brancos e de ontras cores ; nao 
uzao de cajfado nem de bar^etes , salvo os grandes Se- 
nhoies que os trazem de veludo e brocado , e alguns delles 
sao multo altos. Tem as ordhas Furadas , e nellas póem 
muitas joias , e braceletes de ouro em os bra90s. Estes 
Gentis<homeii3 trazem espada e adraga , e as espadas nuas ; 
sao mais largas na ponta do que no resto , e as adargas 
redondas , corno rodelas de Italia -, muito levcs , e de cor 
negra ou vermelha ; e sao os maiores jogadores , que ha 
de espada e rodela , nao se empregando quasi noutra 
cousa ; e havendo innumeraveis homens destes na Corte. 
Casao com huma so mulher , e convidào sinco ou scis dot 
seus maiores amigos , para dorn^irem com ella ; de modo 
qae entre elles nao ha honestidade , nem vergonha , e as- 
sira as raparigas quando rem outo annos principiào a pros- 
tituisse. Estas mulheres andao nuas assim comò os ho* 
mens , e trazem sobre si muira riqueza e os cabellos mul- 
to bem pintados ; sao muito luxuriosas , e pedem aos ho- 
mens que Ihe tirem a virgindade , porque em quanto es- 
tao virgens nao achào marido. Estes povos comem duas 
vezes ao dia , porém nio usào depao, vinho ^ carne , ou 
peixe ; mas sim de arroz , manteiga , leite , a(ucar e fra- 
tas. Lavao-se antes de corner , e depois de lavardos , se 
algum que o nao estivesse , Ihes tocasse , nao comeriào 
sem se tornar a lavar ; de modo que fazem nisto grande 
ceremonia. Tanto homens comò mulheres trazem todo o 
dia na boca huma foiba de betele y que tem a proprie- 
dade de a fazer vermelha , e os dentes negros : os que 
nao fazem isto sao homens de baixa extrac9ao. Quando 
Aigum morre , os que devem trazer luto tingem os den- 
tes de preto » e tuo comem desta foiba durante alguns 
mejes. 



Notk. Ultramar. ìi.'^lU.^ S CA- 



tlS Natega9aò 

CAPITULO XI IL 

Como 05 Sacerdotes chantados Bramanes tratio iarfialmenu 
com as mulberts do Rei para bonrallo , e da grande 
reverenda que o Povo tem ao seuReu • 



o. 



^Rei lem duas molheres, e cada huma dellas heaccom- 
panbada por dez Sacerdotes , a que chamào Bramanes, 
cada bum dos quaes dorme com ellas para o bonrar. 
Por esca causa nàa berdSo os filhos o Reino , mas sim 
OS sobrinhos , filhos da irmS. Habitio no palacio mais 
de mil a mil e quinhencas mulberes , para maior ma- 

{;nificencia e estado ; e a sua occupa9ào he de varrer, 
impar , t agoar as casas por onde ElRei quer andar, 
com agoa miscurada com bosta de vacca. Os quartos do pa- 
lacio sao multo grandes , e rem nelles muìtas fontes de 
agoa em que ee lava ; quando sahe fora vai em bum 
andor muito rìca que levao dous bomens , e vao com el- 
le muitos tangedores de instrumentos , e mui^os Geniis-ho- 
mens com espadas e rodelas , e muitos arcbeìros; e adian- 
te de rodo os seus guardas , e porteiros : vai ElRei cober- 
to com bum docel , de sone que Ibe fazem mais bon- 
ra do' que a nenhum outro Rei do Mondo , porque nin- 
guem se avisinba a elle senio na distancia de tres ou 

Juatro passos ; e se Ibe querem dar alguma cousa he em 
utn ramo para o nao cocarem : quando Ihe fallào he sen^ 
pre com a cabcfa baixa, e a mào diante da boca , enei» 
nhumGentil-bomem Ihe apparece sem espada e rodala; 
quando fazem cortezia poem a mio sobre a cabefa , e ne- 
tihum officiai , ncm homem de baixa extrac^io se atreve 
a ver o Rei , nem a fallar com elle , especialmente òs 
pescadores ; de tal sorte que se bum Gentil-bomem viesse 
por bum caminbo , e dous pescadores Ihe sabissem ao en- 
contro \ ou fugiriio , ou receberiao muitas bastonadas. Es- 
tes principaes quando morre o Rei, ou suas mulherès, 
queìmio o corpo com madeira de sandalo pelo honrar : 
a gente de baixa condifio he enterrada , e cobrem-lhe 
com cinza a cabefa e as coscas : trazem sempre a barba 
comprida. 



£At 



»E Fedro AiiVarbs Cabra l, tip 

CAPITULO XIV. 

De huma casta de mercadores Guzarates , e dos seus uzos.' 

vJs Guzarates sao grandes mosicos , e cscrivaes : es- 
creveoi em huma folha de palmeira , com huma pena de 
ferro sem tinta : sào grandes mercadores , e naturaes de 
huma Provincia chamada Cambaya. Estes e os naturaes sào 
Idoiacras , e adorao o Sol , a Lua e as vaccas ; de sorte 

2 uè se alguem matasse huma , seria logo mono. Estes 
iuzarates nào comem cousa alguma , que pad€9a morte , 
nem igualmence pào ; nem bebem vinho , e se alguma 
crian9a das suas come carne , deitào-a fora a pedir esmó- 
la pelo mundo, ainda que descendesse, ou fosse fìlho'de 
hum senhor grande , ou de hum roercador rico. Crem nos 
encantamentos e nos adevinhos , sào mais brancos que os 
naturaes de Calicut , trazem os cabellos da cabe9a e bar- 
ba multo compridos j os seus vestidos sào de algodio fi- 
no ^ uzào dos cabellos ornados e enla9ados corno mulhe- 
res : trazem 9apatos , e casao com huma so mulher corno 
nós , sào muito ciosos , e as mulheres muico bellas e cas- 
tas f commerceào em panos , sedas e joias. 

CAPITULO XV. 

De OiUra casta de mercadores cbamados Zetires , e dos seus 

uzos. 



H. 



lAtambem outros mercadores deoutra Provincia» cha- 
mados Zetires , os quaes sào Idolatras » e grandes contra* 
tadores de joias , de pérolas , de ouro , e de prata. Sào 
mais negros , andào nus , e trazem toucados mais peque- 
sos , e OS cabellos metidos por baixo em huma especie 
de bolsas compri das , que parecem caudas de boi , ou 
de cavallo. Estes homens sào os maiores encan tadores 
do roundo , foUào todos os dias invisivelmenie com o 
Demonio'; e as suas mulheres sào muito laxuriosas. Nes- 
ta Cidade ha tambem Mouros de Meca , de Turquia » 
de Babilonia , de Persia , e de muitas outras Provincias. 
Sào mercadores grandes e ricos , que tem de todas as 
mcrcancias, que aqui vào ; isco he^joias de muitas quali- 
dades , sedas de ouro e prata muito ricas » almìscar» am- 

S li bar. 



t:)0 HArmQAfAO 

bar , beijoim , encenso , pào aloes , niibarbo , fot^Uni » 
cra\o da India , canella , pào Brazil , sandalo, iaca , noz 
noscada e massa (^), o que tudo vem de fora: alcm da 
gengibre , pimenca , tnmarindos , mitobalanos , e cassiafis- 
tuia, c]ue nascem mesmo em Calicucj juniamente ccm al- 
gi>ma canella Silvei>(re. Esies Mouros sào tao poderosos e 
ficos 5 (]ue ^uasi sào os que governào em lodo Calicut» 

C A P I T U L O XVI. 

Do Xei .de Nanitiga , t do grande numero de tnulberes que 

Hm , e cvmo pur iua morte todai ellas se q$(eimao vivas : 

dos seus elefantes i <to t^mpo em que um o f^trao e 

e Inverno y e em que mtzes parttm os navios 

de Aleia um as éspeciarias^ 



N 



As montanhas deste paiz ha htim Rei 'mu^to grande e 
po)ero^o, com o cirulo de Kei de Narsinga i cujos Povos 
sào Idolatras : tem elle duzentas ou irezentas mulheres y 
e no di4 em <]ue morre queimào ostu corpo,etodas e&tas 
mulKeies juniairente. Por igual mantira ludas as pes&oas 
casadas , quando morrcm fazcm-lhe huma grande cova , 
em cjue as queimào ; ai su^s viuvas vestem-se e mais rip 
camente que podem , e accompannadas de todos os stus 
pirentes , com muitos insrriin.tntos e iolias vào a cova, 
e ballando à roda della conio caranguejo , se deixào cahir 
. dentro estnrdo a cova chea de logo. Os parentes estào 
com mu'ta atten^ao, e apparelhac'os com}antllas de azti- 
te e manttiga , e lào depressa cahem dentro ceno Ihas 
deiiào em cima para se abraz&rem icm mais btevidade. 
Ha neste Relno muitos cavallos e flefanes, com <jue fa- 
2em guerra ,. e ten «os tao bem ensinados , que nào Ihe 
falta nida senào fallar ; e enrendem tudo corno se (ossem 
gente , segnndo vimos em Calicur. Os elefantes que tem 
e Rei , e em que elle cavalga , sào os mais robustos e 
fcrozes animaes c-o irundo ; • por modo que dous delies , 
arra^rào huma nào para terra. As nàos nào navegào nqui 
senào em Outubro e Kovembro , aie o firn de Mar^o ; n«s« 
t:s mezcs he o seuVerao e nos ourros o Ir^crno ,dur;tn* 
re 

(d) Massa chama se a pelle <;t]e ci'bre a i>(>7 n usi «uà , he ueiòr 
ve'melba e muitn mah esttmada doquc a me<ma noi ^ poi» vf 
le o tresdobfo« Veja*se Cafcia do Otta €^hquÌQs tbi òìmp. di' 



DE Fedro Alvares CabUal* i:;i 

te o qua! ttrn as naos em terra. No mez de Novembro' 
partem de C;>]tcut est^s nàos de Meca carregadas de espe* 
ciarias , qae levào a Zeide que he porto de Meca , e dal* 
h por terra ao Cairo para Alexandria. 

Havcndo jà tres mezes ,que estavamos em terra com 
o tr::iado assentado y e duas das nossas naos carregadas , 
mandou o Capjeào mór hum dia dizer a ElRei , que ja 
era passante de tres mezes que alli estavamos, eque nào 
havia aimla carregadas senao duas nàos; que os Mouros 
Ihe escondiào as mcrcadorias , as quaes as nàos de Meca 
carregavào occultamente ; pelo que elle Ihe fizesse dar me^* 
Ihor despacho j pois a mon9ào estava prox<ma. ElRei Ibe 
respondeo que aprontaria todas as mercadorias que quizes* 
se , e qae itenhuma nào de Mouros carregaria em quanto 
as nossas nào estivessem carregadas; mas se alguma con* 
travÌL'Sse està ordem , o Capitào móf a poderia tornar para 
cxaminar se continhao especiarias , que elle Ihe farla 
dar pelo mesmo prefo , que os Mouros as tivessem comr ' 
prado« 

C A P I T U L O XVIL 

Como OS Portftguezes forao asmltados de improviso prìor 
Mouros 9 e por elles combatidos y e corno fot morto Ai- 
res Correa Feitor d ElRei. 

ixOs dezaseis de Dezembro , esrando Aires Correa fazen» 
do contas com os Feitores das duas nàos carregadas : fez- 
se à véla huma nào de-Mouros chea de especiarias , a qual 
Fedro Alvares apprisionou. O Capit&o della , e os mais 
principaes sahirào em terra , e fizerao grandes lamentos e 
rumores , de modo que todos os Mouros se juntàrào , e 
forào fallar a ElRei, dizendo-lhe que nós tìnhamos ajun* 
tado em cena mais riquezas , do que levaramos para o 
seu Reino, e eramos ladroes e roubadores , que andava* 
mos pelo mundo : e tendo aprizionado aquella nào em o 
seo proprio porto 9 que se podia esperar que fizessemos 
dalli por diance ì que assim elles se obrigavào a matar- 
nostcndos, eSuaAlteza roubaria a casa da Feitorja« ElRei 
comò homem avaro disse fogo que assim se fizesse , e 
em guanto nós , que nào sabiamos nada de que se urdia , 
andavamos alguns pela terra tratando dos nossos nego* ' 
cios y de repente vimos vir rodo o povo sebre nós , ma« 
t*«nd^ e krinda : o que tendo sido participado aos da Fei- 

to- 



1)1 Navbga^ao 

cori a s;ihirSo logo em seu socorro , "de modo que nesta 
praia matamos sete ou outo , e elles dous cu rres dos 
nossos. Eramos cousa de secenta homens de espada e ca- 
pa , e' elles hum numero infiniro com lan9as, espadas,ro< 
delas , arcos , e frechas ; e apertartanos de modo , que foi 
necessario refugtar-mo-nos aa cisa da Feitoria : iffls nào 
o fizsmos canto a salvo , que sinco ou seis nao ficai- 
semos feridoi ; e assim fechàmos a porrà com muico rraba- j 
Iho, O) iM)uros combatiào por roios os lados a casa, que I 
era cercadi de hum muro da altura de hum homem a ca« 
vallo i a:havamo-no3 nós com sete ou outo bénas » com 
que matamos hum montao de gente j mas nìsto cendo-se 
ajuntado miis de cres mil homens de peleja , Ì9amos hn. 
nia banJeira para que nos minJassem socorro das nàos. 
Immediatamente vierio os bateis até junto dapraia, e dal- j 
li atiràrio com as suas bombarJas , mas nao podiao fazer ! 
mal algum. Os Mdutos principiàrao a arrombar as paredes 
da casa, de modo que no espago de meia hora a deità- 
'^-''■. -iy ^^^ '^^* P^' ^^^" 9 ^^ ^^"™ ^® trombetas e atabales , com 

' *' 'i.5^' » grande vozarta , e multo prazer d'ElRei ; o que podemos 
^ ' ^ conhecer por causa de hum pagem seu , que aqui vìmos. 
Vendo Aires Correa , <jue nào tinhamos remedio algum ero 
.-,^. -f., ri ^ resistir, porque haviajaduas horas que combatiamos , tao 
^'V* ÌT.Si^^ 3 asperamente que nos nao p^diamos sustentar ; determinou 
/'%h''^'^'^ 9**^ nos acolhessemos à praia, rompendo por meìo delies, 

^» *^ para ver se nos podiamos salvar em os bateis, e assim o 

fizemos i chegando a maior parte dos nossos até meter-se 
na agoa , sem que os bateis ouzassem avisinhar-se para re- 
^ebellos j e assim por fatta de socorro matàrao Aires Còr- 
rèi , e com elle sincoenta e tantos homens ; e nós po- 
demos escapar sendo por todos vinte pessoas , porém mui- 
to feridos , e entre cstes (ugio hum niho de Aires Correa ! 
de idade de onze annos : assim quasi ajfFogados entramos | 
nos bateis cujo Capìrào era Sancho de Tovar , porque Fe- 
dro Alvares estava doente , e chegàmos às nàos. Quando 
o Cipitào mor vio està destruigào, e mio recado mandoa 
aprizionar dez nios de mouros , que estavao no porto , e 
fez muar toda a gente que nellas se achava , qoe seriào 
de quinhentos a seiscentos homens ; e achamos vinte oa 
triita , que se haviao escondido no fundo por baixo das 
m?rcadorias , e assim roubàmos e saqueàmos o que tinhao 
dsitro; achanJo n'huma tres elefantes , qu^ matamos e 
€0 nemos. As nàos depois de descarregadas forao todas 

quei- 






.^,.J'Z. 



dePxpro Alvares Cabra Lt Ijf 

(quelmadas : no dia seguirne chegarao a terra rodas as nos- 
sas embarcagóes , e bombeàrao a Cidade de maneira , que 
Ihe matamos infinita gente e fizemos multo dano. EUes 
nos respondiao com bon^bardas , mas com muita frouxidao; 
e estando nisto pàssarào duas naos ao largo , c|ue hiao 
para Pandarame , daqui sinco legoas. de distane ia , e vendo- 
nos forao varar em terra de con^panliia com cutras sete 
nàosgrandes, quejàahi estàvao cm seco, e deitàrào mot* 
ta gente em terra , pelo qae tanibem as bomb^rdeamos , 
e Ihe roatamos grande parte da matalotagem que ainda ti^ 
nhao^ mas nao as podemo^ aprizionar por estarem multo em 
seco. Depois disto feitò determinou Fedro Alvares hirnr.os 
a Cochim aonde catregàmos as naos. 

C A P I T U L O XVIII. 

Como bifido farà Cocbim , Seirio trinta Icgoas distante de Ca- 

\icut , qtteimdmos duas ndos cjiu vinhao canegadas d^quel- 

li Reino y e corno EiRet de Cochim teve grande 

prazer com a nossa cbegada. J^^^^^\< 

Arrìmos para Cocliim distante trinta legoas de Calicut ; .^ ^^^'-^f^'^^''^ 
he Reino diverso cojosPovos sào Idolatras e uzào da mes- Vi 4^^ 
ma lingoagem ; e seguindo a nossa deirota achàn-.os duas [n ^■^^)^''i^'\, 
nàos de Calicut, carregadas de arroz ; fomos direitos a el- S *t^itf ''^! > ,i 
las , e OS Mouros fugirào para terra nos baieis e nos dei^- ^^*^^»}i^*^^ 

xàrào as nàos ; vendo o fJapitao que nao levavao merca- 
dorias , as mandou queimar ; e com isto chegàmos n Co- 
chim aos vinte e quatro de Dezembro , e lan^airos anco- 
ra na embocadura de bum rio. Pedio Alvares m£;ndoD à 
terra bum ppbre homem de nafao Guzarate , que por sua 
vontade partirà de Calicut para vir aPonugal, o qual dis- 
se ao Rei quamo nos t^nha succedido em Calicut , e què 
Capitio Ihe mandava pedir carga para as naos , em cuja 
trota Ihe podia dar dinheiro e mercadorias. Respotideo-lnè 
EIRei que sentia multo ter«Ihe sido feita tamanha inju- 
tia , e que tinha grande prazer em termos vindo a suà^ 
terra , pois bem sabia quao boa gente eramos , e que as- 
sim faria tudo quanto quizesscmos. O Guzarate Ine tor« 
nou , que para a nossa gente hir a terra com seguran{:3 « 

Erecfzava de aleum penhor , o qual se dava homcm por 
omem ì que Ine mandasse algum dos seus , e logo os' 
Aossos desembarcariao. O Rei mandou logo deus homen) 

dos 



i]4 N A r X o A ; A o 

dos principaes com outros mercadores 5 e algamas amos- 
cras de especiarìas e os seas pre^os , com hum recado 
ao Capitao mór que fizetse cado o que Ihe agradasse: 
este mandou lego o Feitor a terra , com quacro oa sia- 
co homens para fazer as compras , recendo codavia os ou- 
tros para penhor , e tratando-os muiro bem ì trocavao-se 
porém todos os dias , porque codos os homens destes Fai- 
zes nao comem ao mar, e se por ventura comessem nao 
poderiao mais ver o Rei : aqui nos demoramos doze ou 
4}ainze dias carregando as nàoi^ 

C A P I T U L O XlX. 

Como veto hnma Armada de Calicut para cómbater os Portu- 

^ guezes , e cbegdmos ao Reino de Cananor cujo Rei nos 

jez grandes offertas , e mandou logo dar a canella 

que nos f aitava para completar acarga. 

Xgum tanto afFattado de Cochim està hum lugar cha- 
mado Carangolor , aonde ha Chriscàos , Judeos , Moirros , 
e Cafres ; e neste lugar achàmos huma Judia de Seviiha , 
a qiial veio pela via do Cairo , e de Meca ; e aqui vierao 
tambem ter comnosco dous outros Chriscàos , os quaes di- 
2iao , que queriao passar a Roma , e dahi a Jerusalem. O 
Capitio mór ceve grande prazer com estes dous homens, 
e estando as naos jà quasi carregadas , veio de Calicut 
huma Armada de outenta ou outenta e sinco vélas » en- 
tre as quaes vinte e sinco muiro grandes. Como o Rei 
teve està nocicia , mandou logo dizcr ao Capitao mór, 

?ue se queria cómbater elle Ihe mandarla naos e gente: 
'edro Alvares respondeo-lhe que nao e/a necessario ; e a 
Armada ìnimlga por ser ja noure surgio distante de oós 
cousa de iegoa e mela. O Capitao mór assim que escure- 
ceo de rodo mandou dar a véla , levando comsigo os ho- 
mens que tinha em penhor ; poróm o vento acalmou de 
todo : no dia seguinte , que erSo dez de Janeiro de mil 
quinhemos e hum , podemos adiantar-nos para elles e el' 
les para nós , de modo que depressa nos ajuntamos* Es- 
cando Fedro Alvares determinado a combatellos , e na dis- 
tancia de hum tiro de bombarda , reparou que Sancho de 
Tovar segando Capitao com a sua nao , e outro navio ti- 
nhào ficado para traz ; e vendo assim que nao escavao em 
oidem resolveo com os outro Capitaci tornar o rumo de 

Por 



biPsDRO Alvarbs Cabrai. l}5 
Foftugal , para onde cinhamos o Ycn«> «m popa. A Arma- 
ila de Csàiciit teguio*no8 todo aqaelle dia , e huma hora 
depois de nouce , acé a perdermos de vista : encào o Ca« 
pirao mór decerminou partir para Portugal » deixando os 
seus sete homens com o Feitor em terra , e levando com- 
sigo OS dous de Cochim , os qaaes principidmos a acariciar 
pedlndo-lhes, que quizessem corner pois eràoja tres dias 
passados sem terem tornado alimento algum ^ecom efFeito 
comèrao com grande pena e paixao , e nós seguimos a 
nossa Jornada. Aos ^inze de Janeiro chegàmes a hum 
Reino aquem de Calicut , chamado Cananor , que he de 
Cafres ; e cera huma lingoagem quasi corno a de Caliciit ) 
e passando por elle mandou ElElei dizer ao Capitao mór ) 
que cinha grande desprazer em nào abordarmos no seu 
Keino 5 e que assim Ihe rogava lan9as$emos ferro , pois se 
nao levassemos carga elle no4a darla. Vendo isco Fedro 
Alvares ferrou as vélas e mandou humGuzarate a terra, a 
dizertlhe qué as nàos estavào carregadas e nào tinha neces- 
sidade senao de cem babares de canella, que sao quatro- 
cencos quintaes , os quaes logo se Ihe mandàrào com multa 
brevidade» fiando-se ElRei multo de nós. O Capitao mór 
fez immediatamente pagar tuJo , e foi depois trazida tanta 
[ue ja nao havia onde a mcter. E4R.ei mandou dizer a Pe- 
ro Alvares que senào a tornava por n&o ter dinheiro, nem 
por isso deixasse de carregar a sua vontade^ que na vta- 
gem seguinte Ihe pagana ; porque bem tinha sabido , co* 
no ElRei de Calicut o tinha roubado , e quam boa gente 
nós eramos. O Capitao mór Ihe agradeceo mm'to o recado 
e mostro» ao mensageiro ou embaixador , tres ou quatto 
mil cruzados, que ainda nos restavio ; e assim mandan- 
do-lhe ElRei perguntar se queria mais alguma cousa , Ihe 
respondeo que nao , salvo que mandasse S. Alteza hum 
bomem comnosco para ver as cousas de Portogal. ElRel* 
mandou-lhe hum Gentil*homem ; e os dous de Cochim , 
que tinhao Scado comnosco nas naos , escrevèrao ao seu Rei 
corno vinhao para Porcugal , e do mesmo modo o fez Pedro 
Alvares ao Feitor» que là tinha ficado. Nao^nos dentora- 
mos aqui mais /que hum dia, e principiamos a atravessar 
o golfo paraMelinde, no. ultima, de Janeiro estavamos no 
meio delle , e encontrando huma nào de Cambaya a apri- 
zionàmos julgando ser de Meca : vrnha ella multo rìca e 
carregada com mais de duzencos honr«ens e molheres : quan* 
do o^Gipicao mór vio que erao de Cambaya deixou-os se- 
^NgtU. Uhram. ìi.^ 111.° T guir 



I 



1^6 'Natboa9^^ 

guir a sua viagem excepto hum Piloto que Ihe tiroo , è 
as&im piuirào elles pelo seu caminhe, enòs pelo nosso. 

CAPITULO XX. 

Como a fido de Sancho de Tovar carregada de espeeiatia dee 

em seco , e se abrio de modo que nio se salvoH nada 

senio a geme em camiza* 

JilOs doze de Fevereiro quasi à boca da noure, todos ci 
Filocos e aqnelies que cinhào cartas de navegar , dixiae 

?ue escavamos juntos a terra ; e !iancho de Tovar , que era 
Upicào de huma nào grande, disse que queria hir adian* 
te de todas ; mandou dettar torà todo o pano, e se poz 
adiante das outras : pela volta da mela tioute deo elle cm 
seco e pnncipiou a desparar a arieiharia. Quando o Capi« 
tao mór vio isro mandou ferrar ; mas o vento ciesceo tan- 
to pela noucs adiante , que o nào podiamoi augoentar ; 
logo que elle amainou , mandou Fedro Alvares os batéis à 
nào , com ordem de a salvar se podessem , e se nao , quei« 
marem-na voltando com a gente. Neste tempo"" estava ja 
a nao aberta , e posta em paragem donde nao podia sa« 
hir *, e o vento crescia tanto , que as outràs estavap elfi 

f;rande perigo ; de modo que foi necessario muito traba« 
ho ' para salvar a gente em camiza v tudo o mais se per^ 
dee. A nao era de duzentas toneladas ^ carregada de espe« 
ciarias ; e tendo ella ardido partimos dalli semente em nom- 
inerò de sinco , e passamos por Melinde aonde nào po« 
demos entrar : depois vtemos a Mo^ambique aonde fize« 
ffios agoada ^ tomamQ3 ienhaa e espalmàmos as embar* 
ca9Óes. Por ordem do Capitào mór panio dalli Sancho de 
Tovar em hum navio mais pcqueno, com hum Piloto qóe 
tinW«imos tornado» a firn de reconhecer a Ilha de (^ofala } 
^ nós depois de reprados , partimos em numero de ouatro 
naos , e fomos dar a huma angra aonde fizemos huma 
grande .pescaria de pargos , e partidos de la tìvemos hu« 
Ria tormenta^ que nos fez voltar para traz em arvore 5e« 
ca , perdendo neste meio tempo huma nao de vista , poi 
naneica que ficàmos semente tres. 



CA4 



DB PSDRO AlVARSI CabRAL* 1)7 

C A P I T U L O XXL 

Como de toda a Atmada que fot para Caltcut voltJrao a 

Portugal sómeme seis ndosy dopaiz de Besenegue y 

e da Uba de ^ofala. 

V> Hegamos ao Cabo de Boa Esperan9a dia de Pascoa de 
flores , e ahi achamos bom tempo , com o qual viajàmos 
para diance e abordamos na primeira terra junta com Ca- 
Do verde , que se chama Besenegue aonde achamos tres 
navios (tf ), que ElReì de Poitugal mandàra para desco- 
brir a terra nova, que nós cìnhamos achado quando hia- 
mos para Calicuc. Esces nos derào noticias da nào que se 
tinha esearrado quando hiamos para là , a qual foi até a 
embocadura do estreito de Meca , e chegou a huma clda- 
de aonde Ihe tirarào o batel com toda a gente que tinha; 
e assim vinha a nao semente com seis homens a maior 
pane doentes , e sómente com a agoa que podiào ajuntar 

Suando chovia. Pariindo daqui chegamos a esfa Cidade de 
risboa no firn dejulho: hum dia depois chegou a nào que 
Serdemos de vista quando voltavamos , e igualmente SancKò 
e Tovar com. a Caravella que foi a ^oFala i que elle dis- 
se ter huma pequena liha na embocadura de hom rio ; e 
que o ouro que alii vem , he de huma montanha aonde 
està a mina ^ he povoada de Mouros , e Gentios , qué 
resgatio o dito ouro por outras mercadorias. Quando alli 
chegou Sancho de Tovar achou muitas sàos de Mouros , e 
fomou hum destes para refens de hum Christào da Arabia 
Que mandara a "terra , e pelo qual «sperou dous ou tre^ 
dias ; passados os quae& vendo que elle nào voltava o dei- 
xoo fìcar vindo com -o Mouro para Portugal ; de modo que 
da Armada que foi a Calicut vierao seis nàoa , e codas as 
outraa se perd&tao. 

F I M. 

T li TA. 

' . U ^ I y I i 1 I I J t t»l t *l|ii I ■> ■ '» 1 ^ « III ■■■ ■ I 

(«) Veremos em o N.^ segainte qu« est^s er3o'os navios, 
em 4^t hia A nerico Ve« pud o ; nem Barfos nem Càfttanlìeda fìil« 
lae- flestc encootre , -ou poi» terem ignorado, oh por nSo.percin* 
cer propriai9px)te ao seu assumpto. 



TABOADA DOS CAPITULOS. 



C 



APITULO I. De tomo EIRei de Portagal mandou 
buma jtrmada de doza ndos ^ de que era Capitio mór 
Fedro yilvares ; corno dez destas ndos Jorio ter a Co» 
licut 9 e as OHtras dnas a ^ojala qut fica ria mesma 
derrota^ a firn de comratar em mercadorias: e de corno 
descobririo buma terra multo povoada de ^ arvores e de 
gente. ...•--.-...-- Pag. 107- 

GAP. II. Como OS bomens daquella terra primipidrio a 
tratar comnosco ; das suas casas , e de alguns peixes que 
ahi ba muito diversos dos tiossos. ------ 109» 

CAP. IIL Còrno Camao mór mandou eartas a EIRei 
de Portugal ddndo-lhe parte de ter descoberto aquella 
nova terrai e comò por causa da tentpestade se perder Ìo 
quatro navios : da Povoa^ao de gofaìla aonde ba buma 
mina de ostro y a qual fica junto a duas Ilbas. • - 1 10& 

GAP. IV. Da Uba de Mo^ambique , e corno cbegdmos a 
Quiloa aonde acbdmos as outras ndos aue se tinbao per»- 
dido de nós ; corno Capitio mar faliou com Ret da 
dita terra , e da Cidade de Memba^a. • . • - 1 12. 

GAP. V. Como cbegdmos a Meltnde aonde fomos muito 
hem acolbidos pelo Rei , do presente que Ibe mandou EU 
Rei de Portugal y e corno de Melinde fallou com 
Capitio mór. ----•^^ - 1 14. 

GAP. VI. Da Cidade cbamada Maffodaxb , da Uba de 
^ulfar , e Ormuz y e da muito Jertd e pingue Provincia 
deCambaya.-^ -- ^-•.. 117. 

GAP. VII. De buma liba cbamada Ambedival - - ii8. 

GAP. Vili. Como cbegdmos a Calicut » e Capitio mór 
sabio a terra a fallar com EIRei. .---•- ibid. 

GAP. IX. Da grande magnificincia e pompa de EIRei de 
Calicut , e do presente que Ibe fez Capitio mór em no* 
me de EIRei de Portugal. -•-•-. •--laa 

GAP. X. Como tornando Capitio mór para as ndos se 
. deitdrio ao mar os que estavio em re/ens » e dous del' 
Ics Jorio retidos : dos inconvenientes que daqui pfrovit* 
rio > t comò Aires Correa concimo com EIRei acordo 
aste pertendia. •--•*-..-.... ui< 
' CAP.XI. 



TaBOADA DOS CAJPITVI.OS. 13^ 

GAP. XT. V Como o Caphao mar a rogos de EÌRà^ n'ari- 
douhuma sua caravella a combater com bvma n^o^ran^ 
de , e depQÌs de avrezìonada entre^ou tanto a ndo y 
coma Capitao della ao mesmo Sei. iis* 

GAP. XIL Descrip^ao da Cidade de Calicttt , e dos uzos 
do Sei e do seu povo. --- 12^» 

GAP. XIII. Como OS Sacerdote 5 chamados Bramanes 
tratao carnalmente ccm as mulberes de ElRei para 
bonrallo ^ e da grande reverenda que povo tini ao 
seu Sei. 128. 

GAP. XJV. De buma casta de merjcadoresCuzarates\ t 
de scus uzos. ,-.--.------- n^ 

GAP. XV. De outra casta de mercadores chamados Zè^ 
tireSj e dos seus uzos, -------.-- ibid# 

GAP. XVI. Do Sei dcNarsingua^ e do grande nume- 
ro de mulberes que tem , e comò por sua morte todas 
se queimao vivas : dos scus Elejantes : do tempo em 
que tem Verao e Inverno i e em que mizes par- 
tem as ndos de M^ca com^ as especiartas. - - - 1 30». 

GAP. XVII. Como os Portuguezes Jorio assaltados de 
improviso pelos Mouros e por ellef combatidos , e 
corno fot morto Aires Correa Feitor d*£lSei. - - - 131. 

GAP. XVIII. Como bindo paraCocbim, Seino trinta 
legoas distante d^ Caiìcut , queimdmos duas ndos que 
vinhào carregadas daquelle Scino , e comò ElRei de 
Cocbim teve grande prazir com a nossa cbegada. • 133, 

GAP. XIX. Como velo buma armada de Calicut para 
combater os Portu^uezes \ corno cbcgdmos ao Scino de - 
Cànanor cujo Set nos fez muitas cffcrtas , e niandou 
lago dar a cartella que nos Jaltava para icmpletar 
acarga. ----->--.---•-• 134; 

GAP. XX. Como andò de Sancbó dt Tcvar carrcgada 
deespeciaria deo em seco., e se ahio de modo que nio 
se satvou nada senio a gente em eamiza. - - • 1.36, 

GAP. XXL Como de toda a Armada que joi para Ca- 
licut volt dr 00 a Portugal fómtnte sets ndos , do Paiz 
de Besenegue , e da liba de fofala. r - r - .- 1 37. 






Y^ 



N.» I V. 



C A R T A S 

D S 

AMERICO VESPUCIO 

A FEDRO SODERINI 

GONFALONEIRO PERPETUO 

DA 

REPÙBLICA DEF LORENZA, 
SOBREDUAS VIA, GENS 
FEITAS POR ORDEM 
D o 

SERENISSIMO REI DE PORTUGAL. 

Traduzidas do Italiano» 




< /^ I 



in 



I N T R O D u c q A o. 



ÒJlo extremamente efcajfas as notkias , que fé eonfervdrao 
ati' aos nojj'os tempos fobre o defcobrim^nto doBrazil: csHif- 
toriadores Portuguezes apenas nos dao afaber , que Fedro AU 
vares Cabrai foi o primeiro que abordou naquellas Regioes em 
ofuio cbamado ainda hoje Porto Seguro, e Americo Fejpucto 
ofegundo : ignora-fe porém abjolutamente quafi ttsdo o mais^ 
Os Efcritores daquelle feculo cmbebidos na gloria , que as nof- 
fas Armas akan^dvao diariamente na India , cuiddrao pOH» 
eo emaveriguar os progrejfos daquelle importante defcobrimen" 
to; nao prevendo que para o futuro havia de vir dalli a Por ^ 
tugal bum manancial inexaurivel de riqueza , e profperidade. 

Joao de Barros e Gommalo Coelho fordo os unicos , que 
pofitipamente tratdrao dejic ajfumpto^ mas aobra que opri" 
meiro efcreveo ^ oufe propoz efcrcver com o titulo de H istoria 
da Provincia de Santa Cruz nao exijle , e talvez mefmo nun- 
ca exifiijfem mais do que alguns apontamentos para ella : a 
dofegundo que devia fer multo ejiimavel por ter fido feita por 
bum boniem , que examtnou coni osfeus olbos por ordem do 
Senbor Rei D. Manoel tudo o que efcreveo , nao fé conferva 
nada della fenao a txadi^ao de ter fido o^erecida pelofeu prò* 
prio Author ao Sr. Rei D. Joaj IH. 

Na falta porém defies foccorros nao sao para defprezar 
OS que ainda nos reft:ao ,/e bem que diminùtos ; tacs sdo a Fia- 
gem de Fedro Alvares , que jd traduzimos , e as Cartas de 
Americo Vefpucio entre nds pouco conbecidas : aproximemos 
brevemente osfactos que fé relatdo em ejies dous efcritos. 

Partidjo Fedro Alvares de Lisboa para a India , /4/i{^- 
ào por bunia tempejlade Jobre a cojia do Brazil aos i^ de 
Abril de 1500 , e vendo"' a grandeza , popula^do , e bondade 
Notte. Ultramar. N.° IV. V da- 



ir introducqAo. 

daquelle pah ; penfou que nio devia demorar a noticia dt 
bum defcobrimftìto , que elle julgava do maior imerejfe 5 e 
mandoH para Portugal Gafpar de Lemos com Cartas a EÌRei 
D. Manoel em que Ihe relatava succedido. Recebìdas efias 
fiao pcrdeo ElRei tempo , efoando enfio por toda a parte os 
defcobrimentos , que Americo Fefpucio tinba feito por ordem 
d*£lRei D. Fernando de Cajlella , determinou efcrever-lbe bu* 
ma e mais vezes , para fazir v\r a Portugal , e empregaUo 
naquella navega^ao. 

Nio pòde reftftir Americo a tantas rogativas , veio a 
Lisboa y e partìo imfnediatamente para ofeu dejiino com tres 
ndos y que jd ejiavio prontasj aos io de Maio de 1501 : < 
comò verdadeiro caminho do Brazil ainda nio ejtava def- 
coberto , feguio mejmo que jd tinha feguido fiu antetef» 
for , e refrefcou em Cabo verde aonde cbegou em os principios 
de jfunbo, 

Em quanto ijio fé pajfava , tinba Fedro Alvares feito a 
fua viagem d India , t voltava corno vimos para Portugal , 
aonde cbegou no firn de Julbo de 1501 : quando pajfou por 
Cabo verde encontrou-ft cafuahncnte (^come elle diz') com a 
Armada de tres ndos emque bia Fefpucio ^ que entio IbefaU 
lou , e bejrovavel acabaffe de fé inftruir fobre feu ulterior 
deJlino : be certo que elle parilo immediatamente , e que de- 
pois de buma grande tormenta , que durou fejfenta efetedias 
cbegou d vijia da terra tao defejada. 

Nio feguiremos Autbor na fua jornada , para nio 
rtpetirmos que elle melhor dird : em lugar dijto indicare- 
mos brevemente que fé fabe das particularidades da fuA 
Vida. 

Americo Fefpucio era filbo de Anaftacio Fefpucio , e de 
Ifabel Mini , nafceo em Fiorenza aos 9 de Mar^o de 1451 : 
depoìs de ter pajfado osfeus primeiros annos aplicando-fe ds 
ìetras , em que fez progrejfos j foi infiado por feu pai em 

.1450 



introducqAo. t 

1490 para vir exercUar a Hefpanba a profifsao do Commer* 
do , 00 qui annuio partindo para Sevilha. 

Nao fé fallava nefte tempo fenao em as novos defeo^ 
brimentos tanto nójfos , corno Hefpanhoes ; e eftas notietas que 
por btma ou outra forma interejfavao a todos , deviSo inte' 
reffar principalmente dspejfoas dadas ao trafico metcantil ^ pe*^ 
lo mmo lucro que prometiao. JJftm cbegando Americo a Sevi- 
Iba , e ouvìndo muitas vezes tratar da gloria e grandeza a 
que tinba cbegado Cbriflovio Colombo ; defejando igualmente 
ter parte nella , fé ofereceo a ElRei D. Fernando para con- 
tinuar no defcobrtimento do novo Mundo. 

Ndo nof pertence nefte lugar examìnar as dt^as Via* 
gens que Americo entao fez ; quaes forao os paizes que elle 
defcobrio ^ e as duvidas e quéft^es que a efle refpeìto depois 
fi fufcitdrao ; tuio ifto pertence propriamente a Hiftoria das 
navegaiSes H^fpanholhs : baflard fómente faber , que ga^ 
nboH com ellas a ejlim.%ito e favor d: ElRei de Hefpanba^ e 
que mereceo fer cobìcado pelo de Portugal para defcobrimen' 
to do Brazil j para onde j corno vimos ^ partio em 1501. 

Fetta a primeira viagem , tornou a fazer fegunda em 
150J , a qual fé por buma parte foi defgraqada , foi pela 
outra feliz ; fazendo defcobrir a Bahia de Todos os Santos , e 
fundar primeiro eftabelecimento , que os Portuguezes tive* 
rio najuellas paragens. 

Ignoramos até quando Americo fé demorou em Portu* 
gal , mas fabemos que em 1507 jd elle eftava em Sevilha , 
recebcndo novas provas da amizade e contempla'^ao de ElRci 
Catholico. Herrera (^) qu? nao era nada affci^oado a efte 
bomem célèbre , e que excogita até com falftdade occafioes de 
ocafurnmatj niopòde paffar emfitencio eftes teftemunhos em 
fiu abono. Com effeito por huma Carta pajfada em Surgos 
aos zz de Mar^e daquelle anno foi Fefpncio , que entao ef- 

V H ti' 

C^) Herrera Hiscocia delas ladias Occid. Uccad. i. Ir.*^ 7. C. 1. 



TI I N T R O D U C g A O. 

tai^a em Sevilha , nomeado Piloto mòr còni 50^^ maraveàis de 
falario por anno , que depois jorao accrefcemados com mais 
25cfc tamhem annuaes : e finalmente foi-lhe conjerido em- 
prego di Examinador dos mejmos Pilotos , que tudo concor- 
reo para Ihe fazer dar feu nome dquilla parte doAfundo, 
em cujo defcobrimento tinba influido tanto (4>. 

Em quanto ds obras qta Americo deixou efcritas , confif- 
tem , além da prrfente , em huma Carta em que relata a fé- 
gunda vlagem fetta por parte de ElRci de Hefpanba , fcwm Re- 
fumo da navega^ao de Fafco da Gama , e bum Summario das 
fua% viagens ^ do qual extrahimos em notas algumas pa/a* 
gens que diziao respeito ao nojfo ajfumpto. Quafi todos efies 
efcfitos publìcdrio ou traduzirio além dos citados Xamuzio <• 
CrineOy Tbeodoro de Bry oh antesfeufilho Tbomaz de Sry 
no undecimo volume da fua Collec^ao ^ e todas ellas forno mo* 
dernamente imprejfas pelo Conego Bandini em a fua ohra Vi- 
ta e lettere de Americo Vespucio , quefabio dluzem 1745 > 
e que trez annos depois fot traduzida do Alemao , e publica" 
da em Hamburgo : efie Editor tendo acbado manufcritos mais 
exactos, a feu vèr, do q$se os que tinbM fervido aosfeus an- 
teeeffores , emendon algumas pajfagens nos opujculos jd conte- 
eidos j e publicou outros de novo , comò fé pdde ver naquelfa 
obra y e na Historia de la Licteratora Italiana deTtrahofcbu 

Julgamos efcufado entrar em nenbuma das queftdes que 
àifcutìo Bandini y comò por exemplo y fé as Cartas que tradu» 
zimos sao duas ou fornente huma P se forao dirigidas a Fedro 
Soderinr ouaoutra peffoaì &c. e fómente puzemos em grifo 
algumas palavras que vem de mais em Ramuzio ; nao porqiic 

>^ 

( a ) Como Americo era , e m razao do seu fugar , o Constructor 
das Cartas de navegar » que os Pilotos levavao para as suas vìa* 
.fetìs das Indias » e he provavel que at assignasse todas com 
seu nome de Americo ; daquì he que naturalmente havia de prò* 
ceder a hpnra impensada de se chamar com o t eu nome aquell» 
tao grande parte do Globo» 



I N T R p D U e g A O. VI, 

juìguemos mdo o manufcrito de que elle fé fervio , mas para 
maior exactidao , ejtando perfuadidos que ejia diverftdade 
pende de ter o Author jeìto vnrìas cópìas das fuas Càrtas ^ 
para dmrfas peffoas coni quem eflava em relafjfes , nas quaes 
nào era obrigado a guardar efcrupulofa wìiformidade , reful* 
tando tahéz daqui a maior parte das differeiKias que achoH 
Bandirti. . 

Em firn do feu Summarto diz Americo que formava 
un^ao , logo que tiveffe algum defcanfo , de emprebender bu'^ 
ma obrà mais longa de Cofmografia , para o que tinba jd 
promptos muitos materiaes : efperava além dijfo recolber-fe d 
fua patria , e ahi trabalbar em huma hiftoria circunflanciada 
dasfuas viagens de que as Cartas que puHicdmoS sao imper» 
feiios extractos'y tendo o Author logo que chegou entregada 
todos OS feus livros , e papeis ao Sr. Rei D. Manoel que os 
quiz ver e examinar. He provavel porém que as novas occu* 
pa^oes e empregos , que comò vimos Ibe forao conferidos em 
Hefpanha , o impedi/fem de por em prdtica defejos tao reco^ 
mndaveis ; a pezar de qm dejies feus apontamentos e cartas^ 
be que provavelmente se extrabio o que durame algum an^ 
nos fé foube da defcripioo do BraziL 



ut 



e A R T A S 

D £ 

AMERICO VESPUCIO. 

CARTA L 

JlL Stava eu em Sevilha descanpr.ndo dos tnbalhos , (|ae 

tinha soffri do em duas viagens jeitas ds Indiai Occidemafi 

por ordem do Serenissimo Rei D Fernatìdo de Castela , e 

com desejos de tornar de novo à terra das Pétolas : quan« 

do a Forcuna nào contente com os meus passados incóni- 

modos , fez vir a idea do Sercnissinìo Rei eie Pornigal Dom 

Manoel , querer-se servir de mim : assim pois quando me- « ^/^^►x?y^'' \t ; 

nos lcmbran9a tinha de vir a Pomigal , chegou hum Cor- © à^^^^lv^*^ 

reio , que me trouxe carta sua, cm que me irandava W''»o«^S^1^^f^^ 

fo^se eu fallar-lhe a Lisboa , prometendo fazer-me mm% -: '|v^^'^7^^f>i'y:;^ 

ta honra. Aconselharào*me a n&o partir por entio , mas ^'^ '"^^/^'^'^ ^'^^':-'':J 

sim a despedir o correio dizendo , que esiava docntc , e ' ."V 

que quando estivesse bom partiiia a iFpzcr quanto S. A. me 

ordenasse , no caso de quercr servlr^sc de ir[m. Vendo £!• 

Rei , que me nào podia haver por este modo , delibcrou 

deputar-mé hum iilno de Barthotomeo del Giocondo , que 

encào se achava em Lisboa com ordem de me levar comsi- 

go por todos OS modos. Veio pois a Sevilha oditojuliao, 

e com a sua vinda e rogativas fui forpado a partir , a pe« 

zar de mo levarem amai quantos me conheciào, persa. 

hir de Hespanha aonde me taziào honra , e ElRei me ti* 

nha em boa reputa^ào > e o peor foi que parti insalutato 

hoipite. 

Apresenran^do-me a EIRei D. Manoel , nrostrou elle 
grande prazer com a minha chegada , e rogcu-me que fos» 
se com tres naos sua$,-que estavào a piqué, a descobrir 
tcrras novas s e porque os rogos de hum Rei equivalem a 
ordens , rive de consentir em quanto me n^ andava, e as« 
sim desafferran:o$ deste potto de Lisboa aos dcz de Malo 
de mil quinhemos ehi^m , cm tres naos que hiao decon- 

ser- 



142 ' C A R T A I. 

serva ; tornando o rumo das Canarias , a vista das quses 
p.issamas sem nos dcmorar; daqui fomos costeando a par- 
te Occidental da Africa , aonde fazendo a nossa pescaria 
apanhamos alguns pargos , e nos demoràmos dous oh rres 
dìas y depois seguimos a costa da Ethiopia até ham porco 
cham.ido Besenegue (4) que està na Zona torrida a qua- 
torze gràos e meio de eIeva9ao do Polo Septentrìonal e 
por tanto ern o primciro clima (i). Alli estivemos onzc 
dias fazendo provimenco de agoa e lenhas , e porque a mi. 
nha inten^io era navcgar para o Sul pelo mar Atlantico » 
p^rtimos deste porco da Ecniopia , e tomamos pelo Sudues- 
te quarta a Sul , de sorte que em sessenra e sete dias che« 
g^mos a huma terra , que distava do lugar da nossa par- 
ti da setecentas legoas para Sudoeste : tendo entre canto o 
peor tempo que nunca ninguem experimentou por mar ; 
por causa das muitas chuvas , tempestades e fortunas que 
soffremos C^)» sempre com o vento muito contrario^j por- 

^ue 

^j) Foi aqui onde se cncontron com Fedro Alvares , comò vi- 
mov na Historia daquella Navegacao , e dissemos na Introduc^ao. 

(^b^ Os Antigos nào fazìao a mesma divisao de climas que 
actualmence se faz ; segando a dìvisao moderna acaba o ptimeiro 
clima eni outo gràos e trinca e qiiatro segundos , e por conseguiii- 
te nào podìa fìcar nelle Caho verde » que e»cd em qaatorze graos 
e meio , mas nao accontece a^^sim pela divitao antiga. 

(^e') Em o Summario'destas Navegaqóes de que fallamos no Pro- 
logo se ex plica o Author do modo segui nte. » Os trabalhos , e 
^ perigos que passamos nesta Navegacao . as aflic^oes , pertur- 
^ bacoes e desgracas cue padecemos , as vezes que nos aborrece- 
"» mos da vtda , deixaUo-hei ajulgar aus que tem experiencia , e 
)l principalmente aos que conlieceui quauNi he ditiìcii procurar 
)l cousas incertas , e navei^af por paragens ainda na.> vista» por 
H^ pessoa alguma. nào cuercria porcm que fossem ineus Juizes os 

> qus nao sào experimentados : pois para me expiicar em pou- 

> cas palavras , navegdroo? sessenta e sete «lias sempre com gran- 
ii dissimo trabalho ^ ouvindo em quarenta e seis delles hum gran- 
ii dissimo rumor e estampido dos Ceos , nSo vendo senao relam- 
)l pagos » trovóes , raios , e chuvas impetuo^issimas , e huma nevoa 
31 escura que tinha coberto o Ceo de maneira , que dia e noute 

> nao viamos nada » bem corno em huma noiite cenebmsa e sem 
)l luar. Por eslcs motivos S09obrc>u-n(»s o temor de modo que ji 
)l nos parecia ter perdido a vida : mas dtpois de affìic^óes tao 
'B araves e tao crucis , aprouve a Deos pela sua clemencia ter 
^ compaixào de nàs , e de repente n<»s apparec^o a terra , coiti 
)l cuja vista os animos e for^as jà desaientadas , se tornarlo 



DE AUBBICO VeIJUCIO; f4? 

qiie a forga da nossa navega9ao era junto da Equinocial cm 
mez de Junho em que alli he Inverno. Os dias erào scm* 
pre jgoaes às noutes , e a sombra cahia para a parte do Sul : 
cm firn no primeiro de Agosto prouvc a Dcos mosrrar-nos 
nova terra (^) a meta legoa da qual surgimos , e dcita- 
mos fora os nossos bateis para ver se era h«ibitada por gen- 
te , e de que qualidade. 

Achàmos com effeiro a terra popolosa , e habitada por 
huma nagào peor que fcras corno V. S. ouvirà : he certo 
quc ao principio nào vimos ningu^m , mas concloimos que ' 
havia homens por muitos sinaes que observàmos : toma* 
mos posse do paiz era nome do Serenissimo Rei de Portu- 
gal , e o achàmos mum> ameno , vinoso , de boa apparen- 
eia , e situado além da Equinocial sinco gràos para o 
Sai (^): isto feico voltàmos para as nàos , e porquc ti- 
nhamos grande necessidade de agoa e lenhas nos resolve- 
mos no dia seguinte a tornar a terra para fazermos o nos« 
so provimento. Estando pois alli , vimos alguma gente no 
cume de hum monte , a qual olhava para nós sem ouzar 
dcsccr abaixo. Estavao todos nus , e erao da nmma cor e 
fei^oes daqtulles qm eu tinba descoberto por ordem de ElRci 
de Castella y e por mais ditigencias que fizeraos para qi^e 
descessem e nos viessem fallar , nunca os podémos resol- 
ver a isso , nao se querendo fiat de nós : pelo que vendo eu 
a sua obscina9ao, e sendoja carde tornàmos para os navìos 
deixando*lhe8 em terra muitos cascaveis , espelhos , e ou- 
tras quinquilharias. Assim que nos afFastamos pelo mar 
dentro , descèrao do monte pelo que Ihe tinhamos deixa« 
do, ficand^ muìto maravilhados de tudo o que viào , e 
assim neste dia nao nos provemos senào de agoa. Na ma* 
Notte. Ultramar. N.^ IV. X nhà 

> a confortar corno costuma accontecer ii]Uelfes que tein passado 
ìi grandes adversidades , e principalmente aos que a desgra^a to- 
]| mou i sua conta. No dia pnis de sete de Agosto dei$oi sur*. 
) gimos na praia daquetle paiz , e dando a Deos as gra^as o me- 

> Ihor que nos foi possivel , fizemot celebrar soiemnemeiite a 
^ Migsa segando o costume Christao , $cc. )» 

(«} Ou aqui ou na passagem que transcrevemos do Summa* 
rio houve erro , pois n'huma parte diz , que foi nj primeiro de 
Agósto e na nutra aos sete: Ramuzio , e Grineo lem desasece» 
que parece o mais provavel. 

(i) Parece. fora de duyida que este primeiro ponto aonde 
Americo abordou ^ fosse o Cabo de S. Roque que fica naLatitu* 
^ de sinco grios. 



144 Cartai. 

nha segìiinte vimos das naos , que a gente da terra fazia 
rnuitos fumos , e pensando que seria para chamar*nos , de- 
scmbarcàmos , e conhecemos que se tinhao ajuntado em 
grande nùmero, mas conservavào-se todavia em dìsiaocia , 
accenando-nos para que fosscmos a elies pela terra dentro. 
Em consequencia disto dous dos nossos se animarao a pe- 
dir Iicen9a ao Capitao , para se exporem ao perìgo denir 
a terra ver a gente que era , e se tinha alguma riqueza , 
ou especiaria , ou ootras drogas ; e tanto instàrào até qne 
o Capitao o houve por bem. Aprontirao se pois com muì- 
ras fazendas de resgate , e partirào com regimento de nao 
porem mais de stnco dias em voltar ; porque tanto era o 
tempo, que dcviamos esperar por eìles. Tomàrao o seu 
caminho para terra , e n6s para as nàos ; das quaes viamos 
vir todo) .OS dias gente a praia , mas sem quererem nun- 
ca fallar-nos. Nosetìmo dia sahimos nos esquifes , e acha- 
moi que tinhao trazido comsigo as suas mulheres , as 

3uaes mandavào para nós , apenas nos avisinbàmos. Yen- 
o pois que nào acabavao de tornar confian9a , deliberà* 
mos envìarlhes bum dos nossos mancebos , muito galhar- 
do e gentil , e para o segurarmos mais ficàmos nos ba« 
teis, e elle foi ter oom as mulheres , e chegando jumo a 
ellas , metterào-o no m^io de bum grande circulo , e apal- 
pando e olhando-o attentamente se maravilhavao sobrema« 
neira. Estando nisto vimos descer do monte huma mulher, 
que trazia bum grande pào na mio , e chegando aonde 
esifiva o nosso Christao , Ibe sabio por detraz e levantan- 
do o pao Ibc deo bum tao grande golpe que e estendeo 
morto : as outras tomarao-o logo pelos pés e o arrastàrào 
para o monte ; os homens correr ào para a praia ^ e princì- 
piario a atirar com as suas setas , pondo a nossa gente em 
tal confusao , que estando surtcs com os bateis sobre os 
bancos de area que estao junto a terra , nenhem se atre- 
veo a tornar a s armas por causa das muitzs frcchas com 
que erao accomettidos. Nós desparamos quatro tiros de 
bombarda., que nao acertirào, porém ouvindo o est rondo 
fugìrào todos para o monte, aonde jà estavào as mulheres 
fazendo o Christao em pedafos , e assando-o a bum grande 
fogo , que rinhaq accendido a nossa vista , mos'trando-no$ 
muitas por96es delle e comendo-as ; e os homens fazendo- 
nos sinaes corno dando-nos a entender , que tinhao ram- 
bem morto e comido o< outros deus Christàos (il). Fezott« 

not 

{^u j U Autlior diz noSuaiinaùo jàcitadotque toUos esies In- 



DB AmBKICO VstfVClO. Hf 

nos hro muico , vendo com o3 nossos proprios olhos at 
craeldades, que cometìào cofn o morto , pareceado a todos 
liama injurta Intoleravel ; e escando mais de quarenca dot 
nossos com o proposito de saltar em terra , e de vingar 
tao crua morte , e acto tao bestiai e deshumano \ o Capi- 
tao mòr Ihonao quiz conseatir (/}). Elles ficàrao satisfei- 
tos con tao grande in)iìria , e nós partimos com bem ma 
vontadi e ver^onha nossa , poi causa do Capitao mór, 

Sihindb desta paragem> seguimos a nossa navegafao 
cnrre Leste e Sueste , que assim corre a costa , e iìzemos 
varias escalas , mas nao achamos gente com quem pddes- 
semos tratar ; e assim navegàmos tanto , atc que vimoa 
voltar a costa para Sudoeste j e comò passamos hum Ca* 
bo , a que pozeoios o nome de Santo Agostinho , princi- 
piam^s a seguir a feÌ9ao da terra. Està este Cabo distan- 
te do lugar em que vimos matar os dous Christaos , cento 
e sinco.'nta legoas para Levante , em 8 graos além da Equi- 
nocial para o Sul C^)» e continuando a nossa navega9àQ 
avistàmos Hum xlia multa gente pela praia, que cinha cor* 
rido a ver o prodigio das nossas naos , e cessando de na- 
vegar nos fizemos na volta de terra » aonde fomos nos ba- 
X il teis 

dios sao Antropufagos ; eìs-adui corno elle se explica . . . )» Pren- 
)l dem e despeda^ap os In ««• os que tomao na guerra , o que re* 
A putao buina comida saborosissinia ; e nntrem-se de carne hu- 
^ maria de modo tal , que o pai come o fìlho , e o filho ao pai • 
% segando o acaso ou sorte. £u vi certo homem muito malva* 
^ do qu£ se jactava » nao com pequena gloria / de ter comi do 
t mais- de trezeiitos homent. Vi tambem huma certa Cidade na 
li qua! estive huns vinte e sete dias , aonde as cames humanas 
A tendo-as salgado, ettavao penduradas is traves corno nós costu- 
M roamos fjzer com a carne de porco; e admirào-se muitì de 
A que nós nao comamos a carne dos nossos Inioii^os.. . &c )l 

(a) Daqui se ve que Americo nao hia «por Capitào mór da 
Armada » e que tem razao o nosso Rocha Pita , quando diz que 
^ia corno » hum insigne Cosmografo daqueiles te tip »s , reconhe- 
^ cer e examinar os mares e terras desta Regiao. ^ Rocha Pit. 
Am, Porr. L. L n. 90. 

CO O Cabo de Santo Ago^inho que ficou conservando este 
nome , està a outo gràos e meio , e dista segundo o P. Vasconccl- 
los , do Cibo de S. Roque noventa legoas pela costa , em razao das 
tortuosidades della , e tres grios e meio em linha recta : daqui 
podemos tirar que as legoas de que uza Americo sao muito mais 
P^quenas do que as nossas de vinte ao grio ; o que faz bem difil- 
culddde para marcar os lugares que elle indica pof este metbodo» 



,Ì4* Cauta L 

ceis , e achamos hum bom ancoradouro , e homens de me* 
Ihor condÌ9ao do que os passados > pois ainda ^ue com aU 
gum trabalho em domesticatlos ; forào por firn nossos ami- 
gos « e comerciamos com eile«. Escivemos sinco dtas nesta 
paragem , e aqui achamos canaiistola matto grossa (il ) ver- 
de , e tambem seca em cima das arvores ; assencàmos em 
trazer deste lugar hum par de homens , para aprender a 
Lingoa y e vierào tres delles por sua vontade para Porta- 

fai. Mas corno estou cansado de escrever , so posso em 
rcve referir a V. S. que partimos deste porro navegan- 
do sempre pelo Susudoesie a vista de cerra , ^zendo mvi- 
ras escalas e fallando com infinita gente (^ì: em firn an- 
damos tanto para oSul, quejà estavamoS fora do Tropico 
de Capricornio , aonde o Polo Antartko se levanta sobre o 
Horìzonté^ trinta e dous gràos (e), e jà cinhamos perdido 
de rodo a Ursa i^enor « e a maior escava tao baixa que 
apena» apparecia^ no firn do Horizonce , e aasim nos go- 
ver- 
na) A abundancia de Canafistula que aqui se achou » fax lem- 
brar que està paragem onde Vespucio se demorou ,. seja o Rio de 
S. Francisco » quarenta e duas legoas distante do Cabo de Santo 
Ago9t>nbo« 

Ó ^ ^ Navegimos , dix o Author no Summario ]i citado , por 
> està costa aigumas seiscentas lej^.s sahindo muitas vezes » 
31 terra . e vindo muitas a falla com os naturae» , os quaes nos 
31 recebiSa com cortezia e amorosamente » e assira movìdos da 
31 sua bondad^ e innocentìssima nstuTcaaf» nos demoravamos as 
31 vezes com elles quinze a finte dias » poi» tem huma grande 
31 hospitalidade para com os forasteiros» 

( e ) Marca Americo por dous modos o ponto a qtie chegou da 
cesta do BraziI dizendo aqui , que naveeou até triota e dous grios » 
e mais adìante que andou seiscentas Tegoas do Cabo de Santo 
Agostinho para o Sul. Chegando a trinta ' e dous grios «correo ro- 
da a nossa costa até ^s visinhan^as do Rio da Prata » mas n So pa- 
lece este o calculo que se deduz do numero de legoas que elfediz 
ter andado , as quaes nao podem ser de vinte ao grio , visto ta« 
aer do Cabo de Santo Agostinho até ao de $• Roque cento e sin* 
coenta , corno vimos atraz. Ora comò as seiscentas fegoas do Ca« 
bo de Santo Agostinho para diante , devem set iguaes cada huma 
' de per si is cento e sincoenta anteriores: a governarmo-nos por 
està conta, n$o passar» do Rio de S« Vicente que fica em vinte 
e tres grios e meio » e per conseguinte tambem ji fora do Tro- 
pico de Capricornio* Nesta diversidade nSo he facil conciliar es« 
les dous calcufos , se bem que o dos grios he menos suscepti* 
verde enganoj do que o das legoas. 



DB AmIRICO VeSFUCIO. I47 

vernimos petat Estrellas da ootro Polo Antartico , qire 
sao mnitas , muito matores , e mais luzentes , que as éo 
nosso : da maior parre das quaes crouxie as fìguras , piin* 
cipalmenre das da primcrra grandeza , com declarafao das 
omitas que descreviào a roda do Polo do Sul , e dos seus 
diamerros , e semidrametros corno se póde ver em as mi- 
nhas quarra vi^gens C^): corremos algumas 'setecentas e 
sincoenta legoas desta cosca, a saber cento e sincoenra do 
Cabo de Santo Agostinho para Ponente , e seiscenras para o 
Sudaesre. ^Se eu me propuzesse a contar as cousas que vi 
nesta navegagao nao certa papel bastante, mas p6de-se di- 
zer qae nella aio enconcràmos nada de proveito , excepto 
ìnfinicas arvores de pào Brazil , de Canafistala as de que se 
tira a mirra , e outras mais maravilhas da natureza , que 
seriao longas de referir (fr)> e havendo^ jà bons dez me^- 

zes 

(«^ Ramuzio diz» em o Summarìo das mesmas navegafSes ; e 
com effetto no Summario trata. o Author de algumas dettas Estrel- 
las e constella95es. 

(A^ No mesmo Summarìo venr estes objectos tratados com 
mais alguma individuaga). ì^ Este paiz (diz elle^ he o mais 

> povoado que eu tendo visto , e as gentes^ muito domesticas e 

> mansat : Rao ofiPeniein a ninguem ^ andào sempre nuas » sao 
)l muito bem feitas^do corpo» e a sua cor he avermelhada .... 
» OS cabellos sao negro» mas compridos e corredios ; em o seu 
m modo de andar e nos seus jogos , sSo tfio deJtros corno ou« 
) tros que mais o- podem ser ; a sua cara tem hum aspecto bel- 
li lo e gentil » mas tornao-a fea até hum ponto incrivel , por- 
li que » trazem Coda furada : as faces « queixadat , narìz , beicos 
H e orelhas « e isto nao com hum s6 e prqu^no furo j porém 
% coro muitos e esses grandes » tendo chegado a ver alguns que 
t tinhào sete furos , cada hum dclles capaz de conter hun^a gran- 
li de ameixa. Depois de terem tirado a carne enchem estes bu- 
ll racos com pedr» de marmo»e » cristal , alabastro > ou com 
H inarfim » e ossos lavrados com inurto primor ; o. que para nós 
H he tao insolite , nòjento , e Feo que i primeira vista parecero 

> monstros . . • • e muitas vezes observei que aquellas sete pe- 
li dras chegavao ao pezo de desaseis pn9as. Nas eielhas trazem 
H orriatos mais preciosos comò- aneis e perolas pendentes , segun- 

> da o uzo dos Egypcios e Indianos Estes Povos nlo 

Il tem propriedade alguma- » porém sim tudo em commum sem 
H Rei nem Imperio .... ncm Religiao alguma »• . . Vivem , se- 
Il gunda me informao ,. até cento e sincoenta annos , raras ^ezes 
H adoecem ». e se cahem com alguma enfermidade curao*se facii- 
31 mente com auccot de hervas • • • • Tcro grande entietenimento 



14^ C A & T A I. 

zes que viajavamos , vendo qao na terra nao achavamos mi- 
na algumi j (4) rcsoUemo«nos a deixalla e hir examinat 
opaiz poroucra pircc, e assitn se dercrminou seguir aqoel- 
la navc^i9aa , que me parecesse bem y incambindo-me ab* 
tolutamence do commanJo da Armada. Mandei pois fazer 
provimento de agoa e lenha para seis tnczes , qae tanto 
julgàrao os Olficiaes das nìos qae podiamos navegar com 
ella$ ; e feico isto principiàmos a nossa viagem pelo Les- 
Sueue aos quitize de Fevereiro , quando o Sol escava visi- 
nho ao Cquinocio , e voltala para esre nosso hemisferio 
Septencrionil 9 e tanto navegàmos por esce rumo , que a 
elevacao do Po!o Antartico sobre o nosso Horizonte era 

de 

)| com a pesca e ordinariamente vivein della . ajudando-os nisto a 
31 naturcza , porque o mar he abundance de teda a casta de pesca- 
ci do i apraz-lhes pouco a ca^a pela grande quanti dade que allt 
, * >^ )| ha de animaes selvagens . por me do dos quaes nao entrao em 

. V^ H OS bosquei. Ha aquì toda a casta de Icóes « ursos , &c. e as 

-. // >i ^ arvores crescem a huma altura que apenas póde crer*se. O 

; \ ^^ > paiz he mui temperado , ferttl » e deleìtoso ; bem que teiiha 

['^ H muitas collinas , he com tudo regado de inHnitas fontes erios, 

^/K ^ S e tem os bo^ques tao cerrados que nao se póde passar por en- 

,/4^! .*/ ^ > tre as arvores .... Os fructos crescem espontaneamente e sera 

• L'^l^ ' cultura, sao optimos , em grande abunduncia, sidios , e total* 

*^i y ■. ^ mente diiferentes dos nossos. IguaJmente produz a terra infi- 

ìè nitas hervas e raizes de que f4zem pao e outras iguarias • • • . 
31 todas as arvores exbalào hum cheiro tao suave , quanto he possi- 
ci vel de imaginar , e eetiiliio gomas , licores , e succos , cujas 
% virtudes se nós as conluecessemos » penso que viriamos noco- 
y nbecimento que nao faka a^ui nada nào so para o prazer » 

> mas para no^ manter saos , e fazer recuperar a saude perdi- 
li dd ... . O Geo e ar estio raras vezes cobertos com nuvens, 
1 quasi sempre ot dias sao serenos . algumas vezes cahem cassiin- 
• bas em pequena quantidade • e nao durao mais detres ou qua- 
31 tro horas desfazendo- se a maneira de nevoa. 8cc« 

(tf} O contrario escreve o Author coni mais raiSo no seu 
Summario- li O Paiz » diz elle » nao produz metal algum senio 
31 ouro do qual ha grandissima abuiidancia , bem que nesta pri- 
]l meira viagem nao tivessemos trazido nenhum : mas certifici** 
]l rào-nos indubitavelmente disso todos os naturaes 9 que affirma- 

> v5o ser o terreno muito abundante delle , e muitas vtzes 
31 ouvi que entre elles tinha muito pouca e»tima<;ào', e quali ac 
9 nhum valor. Tem tambem muitas perolas e pedras prccìosas# 
^ o que tudo se eu quizesse contar com mais individuagao « està 
)^ historia^ se tornaria rxtrcmauieote voluroo»a« 



DB Ambrico Ves^vcio. I4p 

de sincoenta e <!ous graos , e desde cnrao nao viairoi 
mais esrrella alguitia da grande, nem da pequcna Ursa , 
estavamos discantes da terra donde cinhairos partido boas 
quinbenras legoas Les-Sueste , e ìsto aos tres de AbriL 
Nesie dia principiou ro mar huira borrasca tao grande, 

\ que nos fez ferrar de todo as vélas , corr'an.os arvore 
seca coni bum vento iruito forte ( epe entao era Sa*stt* 
doeste ) com muito grande mar, e o ar multo carregado; 
sendo rat a furia do vento , que toda a Ainrr.da estava 
na mator constema^ào. As noutes erao fruito grsndes ^ e 
a de sete de Abril foi de quinze boras , porque 6 Sol es- 
tava no nm de Arìes , e era eniio Inverno nestas para* 
gens , corno V. S. póde facilmente conrpreherder. Estan- 
do pois assim afflictos , no dia sete de Abril tivemos vis- 
ta de huma nova terra , a qual corrcn^os cou&n de virrè 
legoas (V?), e achàmos toda a costa brava s<m peno rena 
gente alguma , e era tanto o frio que ningucm da Armn- 
da se podia valer , nem supportano j de nrcdo que vendo- 
nos em tal perigo e fortuna , que apenas podiarros avis- 
tar-nos huns aes outros, pelo grande mar, que se levan- 
tava entre nós , e a muita escurìdade do tempo : convie- 
mos coro o Capitao mór em fazer sinal à Armada para se 
ajimtar , a firn de que deìxan<1o a terra tomassemos o ro- ^ 

mo dePortugal : o que foi muito bom conselho , pois Re J?v^^- :<^" 

i certo, qoe se nes demoravam.os aiiìda cquelJa ncute està- ..« .fc^C^ >*; 
vamos per^idos. Tomàmo3 pois o vento cm pepa , e ra noù- OV; ,' 
te e dia segaìnte cresce© tanto a tormenta, oue estivcirc 

I a ponto de hir ao fundo , e promettemos de fazer peregri ^i 
na96es e eutras cetemonias , corno he costume dos S^arì- 7^ 
nheiros em semelbanies occasiórs. Corrcmcs ssfim sihco 
dias retri vento em popa , somme ccm ol traquete e estt 
htm baixo , e^nelles navegdnìos dv.icnxas e sircocma Ugorts 
avisinhando nos sempre à Equirocial , e a bim rnar e at- 
nr.osfera mais temperados. livalmente ptouve a Dccs livrar» 

tlùS 

(«^ Pela conta de sincoenta e drus graos deLatitude ,. que p 
Luther assignou acima, pein muito frio que exptiimeiucu na 
visinhanga da costa , e pela distancia de i$$o legoas c,ue elle 
mais abaixo diz » qu« se achava distante da costa 4le Afrka , 
parece dcver-sc concluir cue foi dar , levado pela tormenta , a al- 
guma paragem da costa da Terra de Magai bSes , onde se Ycrifìca- 
riao as circumstancias que elle aperta. Em o Appendix cue ac- 
companha estas Cartas veremos que se diz « que estes ^«ave^adoies 
chegiiao a sincoenta gràos» 



^v. 



IJO e A R T A L 

nos de tamanbo perigo ; e sendo a n«ssa navega^Io pelo 
Nor nordestc (por qaerermos reconheccr a cosca da Echio- 

fha de que esravamos distatites m'A e crezentas legoas pe- 
o mar Atlantico ) com ajuda de Deos chegamos aos dez 
de Maio a hama terra para o Sul chanaada Serra Leoa, 
aonde esriveraos quinze dias para refresca^ , e dahi nave- 
gamos pan aa Ilhas dot Agores , dìstantes obra de sete- 
cencas e sincoenca legoas , onde chegamos pelo firn de }a- 
Iho e no« demoramos oucros qoinze dias ; depois parxi- 
mos para Lisboa , donde ainda discavamos trezentas legoas 
ao Esce ; e entramos a salvamento neste porco aos sete de 
Setembro de mil quinhenros e dous , com daas nàos so* 
mente , porque a outra foi queimada na Serra Leoa , por 
nao poJer navegar mais. Puzemos nesta viagem dezouro 
mczes e vinte e outo dias (4) naveganJo quasi sempre 
sem ver a scrella do Norce nem as Ursas , e governando- 
nos pelas escrellas dooutroPoloi e eis-aqui quanto vi nes- 
ta primeira navègapao. 



R, 



CARTA IL 



LEesta-me dizer o que vi na segunda viagem feita por 
ordem de ElRei de Portugal , e tanto por escar cansa- 
do de escrevcr , corno porque ella se nao fez segondo a 
ten^ào que cju levava, por causa de huma desgrafa , que 
succedeo no mar Atlantico, corno V. S. vera ao diame, 
^ cuidarei em ser breve. 

Partimos de. Lisboa seis nàos de conserva , corno pro- 
posito .de hir para a banda do Oriente descobrir huma liba 
chamada Malaca , a qual se dizia ser muito rica , e corno 
o armazem de todas as nàos , que vem do mar Gangetico 
e Indico: bem corno Cadi z o he de codos osnavios, que 

Sassào do Levante a Ponente : Malaca està mais ao Leste 
D que Calicut 9 e muito mais alta j pois sabemos que es- 
tà em tres gràos do nosso Polo. Partimos no dia dez de 
maio de mìl qulnhentos e tres ( ^ ) , e fomos em diteitu- 

ra 

(tf) As Edigoes variiiD nesta conta 9 mas fazendoa pelo dia 
da partida se ve , que tie a que pòmos no texto. 

(&) Està segunda viagem ao Braiil acha-«e bem variamente 
tratada pelqs nossos Authores. Pedm de Martz em o seu Dialogo 
quinto diz » (sem decUiar o anno) que ElRei D. Manoel mandou 



DE AsfSRlCO VEtfVCXO; tft 

n as Tlhas de Cabo verde , aonde sahimos em terra , e 
comamos roda a casta de refrescos : depois de nos termos 
demorado treze dìas , seguimos a nossa viagem no rumo 
de Les-Sueste , e corno o Capita© mór era homem presum- 
prooso, eobscinado, quiz reconhecer a Serra Leóa , mon« 
tanha da Ethiopia Austral , sem ter necessidade alguma 
disso ; senio paca fazer ver que era Caprtào de seis nios, 
e contra vonrade de todos nòs os outros Capiiies ; nave- 
gando assim , quando estivemos junto a dica terra , foràp 
tantas as connenras que tivemos , e o vento tao contrario, 
que estando a vista deila aiguns quatto dias , nào nos dei* 
xou nunca o temporal tornar terra : de modo que fomos 
for9ados a voltar a nossa verdadeira navega9ào , e deixar 
a dita Serra. 

Partindo daqui pelo Sudoestc quando teriamos andado 
bem trezentas legoas pela immensidade deste mar, estàn* 
do ja além da Linha Equinocial tre^ graos para o Sul , se 
descobrio huma terra , de que entào podiamos estar distan* 
tes vinte e duas legoas , o que nos servio de maravilha ; 
achando que era huma liba no melo do mar (il ) extrema* 
mtnte alta ^ e notavel, por nào ter mais de duas legoas 
de comprido e huma de largo , e nunca foi habitada por 
gente aiguma. Foi està liba bem prejudicial a toda a Arma- 
da ; porque saberà V. S. , que por mào conselho , e ordem 
do nosso Capitào mór se perdeo aqui a Capitania , dando 
com ella em hum cachopo , aonde se abrio na noute de 
S. Lourenfo dez de Agosto , e foi ao fumlo ; nao se sal- 
vando della coDsa alguma senào a gente. Era nao de rre- 
Notic. Ultram. N.° IV. Y zen- 

huma Armada de seis nios e por Capitào della Gongalo Coelbo . 
o qua] tendo perdido duas voltou com as quacro outras para Por- 
tugal , depois da morte daquelle Rei : isto raesmo segue o Pa- 
dre Simao de Vasconceilos e aiguns outros : porc^m Damiao de 
Goes na sua Chronica de EIRei D. Manoel , diz expressamente 
que em i$d) he que partio Gongalo Coelho com seis nios 
aos dez de Junho ; diz mais que perdeo quatro destas , e que se 
recolheo so com duas. Isto iiiesmo lic com pnuca differenca o 
que diz Vespucio , excepto que aquelle nao da por perdido o 
Capitào mór ; porém he mais crìvel o testemunho de VespucJo 
que era seu conìpanheiro » do que o de Goes que tinha entao 
ttes annos de idàde. 

(«) Suppomos ser està Uba a de S. Mattheus » que esti em tres 
grios de Latitude « e que a pezar de estar ainda despoyoada neste 
tfiiiipo I havia muito que ji tinha srdo descoberta pelos Portu§ueies« 



tS^ e A K T A I L 

zentas tonelIaJas ^ e nella hiao todos os manttmentos da Ar* 
mada ; e crabalhando todos por ihe achar alguro remedio » 
oCapitào mòr me mandoo com a min ha nao àquella Uba, 
em procura de algum surgidouro , onde podessemos anco* 
rar todos : e porque o meu batel armado* com nove dos 
meus marinheiros estava em servico da nao alagada ; fui 
obrigado a partir sem elle, dizendose-me que depois mo 
levariio. Separei-me pois do resto da Armada com me- 
tade so da minha tripulacao > e assìm fui em demanda 
ila liha , que entao me ncava na distancia de quatro le- 
goas , e achei nella bum bellissimo porto , onde segura- 
mente poJiao ancorar as naos. Esperei aqui outo dias , 
Sem que me apparecesse nìnguem , de sorte que ja està- 
vamos pouco contentes , e os.homcns que ficàrao comigo 
com 'tanto susto , que os nao podia por modo algum con- 
solar. Estando assim , vimos ao outavo dia vir huma nao 
pelo mar fora ^ e com o receio de que nos nao visse ,* 
fizemo-nos a véla e fomos direitos a ella ^ pensando eu 
que me trarìa o meu batel e gente. Quando estivemos 
perto saudamolla , e a inquirimos sobre estes pontos ; ae 
que nos respondep , que a Capitania tinha hido ao fondo 
salvandchsi apenas a x^me ; e que o meu batel , e tri« 
pula9ao tinhào se&uido a Armada por aquelle mar fora» 
Aqui foi tal a minha paixio , corno V, S. póde pensar , 
por me achar mil legoas distante de Lisboa, muiro engol- 
tado , e com pouca genie : comtudo fazendo freme a 
desgrafa, foi-nos forfoso navegar por diante, e tornando 
à Ilha nos provemos de 9goa e lenhas , com o batel da 
minha conserva. Està Ilha he deshabitada , tem muitas 
agoas doces e correntes , i^fiivMas arvores , e innumeravers 
aves maritimas e terresres , tao simples que se deixavao 
apanhar a mio; e assim cafimos rantas , que carregàmos 
hum batel «ktlas ; nao vimos ootro animai senio ratos 
muito grandes , lagartos com duas candas , e àlgumas ser- 
pentes. ' 

Fetta a nossa provisSo , parrin^os peto Sul quarta a 
Sudoestc , porque tinhamos por regliiiento ,- que se alga- 
ma das nàos se perdesse, ou da Armada. ou da Capitania, 
cndìceitasse o rumo para a tetra descoberta na viagem pas- 
•ada. Continuando pois a navegar assim , descobrìmos hum 
porto , a que pozemos o nome de Bahia de todos os San- 
tos : ( ^ ) • prouve a Deos dat-nos tio bom tempo que 
' em 

i»') Este descobrimcnto da Bahia de todos osSantos, h« igno: 



BB Americo Vbspvcio. tjr) 

em desasece dias romàmos terra , ainda que cscivestemot 
distantes da tal Ilha boas trezentas legoas. Nào achando 
aqai o nosso Capitao mór , nem nenhuma outra nio da 
Armada esperàmos dous mezes e quatto dias ; e vendo 
que nao vinha noticia alguma, deliberàmos a conserva e 
eu correr a Costa , e navegàmos mais para diante du- 
zentas e sessenta legoas ; até que chegamos a hum por* 
to , onde det?rminamos fazer hum^ forraleza , corno cotti 
effetto fizemos , deixando nella vinte e quatro Christaos , 
que vinhào na outra nào , dos que tinbào naufragado na 
Capitania. Estivemos neste porto sinco mezes fazendo a 
fortaleza , e carregando pio Brazìl , porque nào podiamos 
navegar mais para diante , por nos fallar muita gente e 
apparelhos. Feito isto , conviemos em voltar para Portogal ^ 
que nos ficàva pelo Nor-Nordeste ^ e assim deixando o« 
vinte e quatro nomens em certa j com mantimentos para 
seis mezes, doze bombardas , e muìtas outras armas; pa« 
cificàmos coda a gencé do paiz , da qual nào F390 men9ào 
nesta viagem , nào porque nào vissemos e praricassomos 
com infinita , pois fui pela terra dentro accompanhado de 
trinta homens algumas quarenta legoas , aonde vi muitas 
cousas , que por alguns respeìtos deixo de dizer ; rezer- 
vando*as para as minhas quatro viagens. Està està terra 
além da Equinociai desouto gràos Qa^^ e trinta e sete 
mais ao Occidente do que Lisboa , segundo mostràrào os 
nossos Instrumentos. Feito tudo isto despedimonos dos 
Christaos e da gente da terra , e come9amos a nossa na- 
vega9ào pelo Pwor-Nordcste , com ten9ào de hir em di- 
reitura a Lisboa, e em setenta e sete dias, depois de tan- 
tos trabaihos e perigos , entrimos nesta barra aos dezou- 
to de }unho de mil outnhentos e quatro, Deos louvado; 
e aqui fomos muiro festefados , por todos nos reputarem 
perdidos : e as outras nàos da Armada todas o estaràó , 

Y li pe- 

rado pelos nossos Historiadotes , pois alguns corno Francisco de 
finto Freire na sua Htst, dt Gucr, BrozUica p. 70. a dào comò des- 
coberta por Christovao Jaques . que nao foi là senào muitos an* 
noj depois. 

(«) Este porto, onde Americo esteve sinco mezes , e fei a 
Fortaleza, ettando naquelia Latitude, he provave! que seja o Rio 
w Caravellas , que fica em dtsouto grios ; nem póde fazer duvida 
ni&mero das legoas , que elle diz acima fica distante da Bahia de 
todos OS Santos , pois comò jà notamos , as legoas porque Ves- 
Pttdft'. conta sào muicp mais pequeuas do que as ordinarias. 



154 CautaILdiAmckico V.espucio. 

pela soberba e loucura do nosso Capicao mór ; pois assim 
paga Deos aos soberbos. 

Presentemente acho-me em. Lisboa ; e nao sei o cjae 
ElRei querera fazer de mim, que tenho muito desejo òt 
descan9ar. O portador desta , que he Bemvenuto fUho de 
Domingos Betievchuto , contata a .V. S. das minhas circuns- 
tancias ^ e de algumas coosas que deixo de dizer , por 
elle as ter visto e oovido. 

Fui simplifìcando està quanto pude » e se deixei de 
refirir muitas cousas de Hiscoria Naturai ^ querendo-me re- 
firii a elle , V. S. me desculpara : supplico-lhe me te* 
nha no nùmero dos seus creados , e recommendo-Ihe An- 
tonio Vespucio meo Irmao e toda a minha casa ; rodando 
a Deos , que prospere a vida e honra de V. S. , e que exal- 
te e augmente o Estado dessa magnifica e excelsa Repu< 
blica corno desejo, 

Escrica em Lisboa aoi 4 de Secembro de 1501. 



AIV 



155 

APPENDIX ÀS CARTAS 

D E 

AMERICO VESPUCIO. 



i\ojfm da Ctografia de Ptolomco impressa em Jlcma (tn 
1508 em btim volume de foiba j ajuntou Editor cm fótma 
de appendix bum opnsculo com titulo , Nova Orbis destri- 
ptio ac nova Oceani navigacio, qua Lisbona ad Indicum per- 
venitur pelagus ; Marco Beneventano ir>onacho coeleatino sdi- 
ta j Capitnlo XIV. desta Ohra irata da descrip^ao da Ame- 
rica debaixo do nome de Mundo novo j destrip^ap que a^ora 
publicamos traduzida^ por pensarmos que este trabulho per* 
tence originariamente a Fespucio na parte que diz respeito d 
ììossa Costa j sendo tirado dos seus apontamintcs j que he 
facil de acreditar visto ter elle sido unico Cosmografo que 
até^dquella època viajou alli. Està passagem vertida tm 
Portuguez diz seguirne: 

Resta-nos descrever huma terra 3 que observarao tan- 
to Colombo corno OS Portuguezes ,'e a que pozeiao o no- 
me de Santa Cruz , por isso qde foi descoberta tm o dia 
daquella gloriosa bandeira e estandartc , a ctja j^ita se pios- 
trào OS Demonios (tf)i e a qual chamao N?un<?o novo por 
causa da sua vasta extensao. Estende-se ella da banda do 
Norte até desouto eràos de Latitude pouco mais ou menos 
(t), da parte do Nascente até a longitude de trezentos e 
quarenta e quatto gràos com pouca differenza (r): para^ 

o 

(tf) Vimos em as Navcgagócs de Fedro Alvaies , que o nome 
de Santa Cruz fora posto a està terra .por aquelie Capitao ^ em con- 
sequencia de huma que alli mandara levantar. 

(^) A America Meridional nao se estende senio aos doze 
grios de htìtude Septentrìonal » aonde està situado o Cah fals9 ; 
ss notsas possessóes na costa nao passio de dous grios e BìCIo 
& mesma latitude. 

(e) O ponto matis Orientai do Brazil • ove he o Cabo de S. Ro- 
que, esti em desasete grios de longitude Occidental » o que vem 
quasi a coincìdir com o que diz o Author , que nio ccnta as 
longitudes senSo do Meridiano para o Nascente. Em quanto ao 
n^s, devemos advertir que toda està desctipcao heauito diife- 



■ ^^^ 



T^6 AvPEMDix A*t Cartai 

o Poente aìnda se nio tem decobeno aonde chega ^ e do 
mesmo modo para o Sul , pois p4ra aquella parte um- 
bem aindi se nào observou nem chcgou a conhecer tado. 
A Latirude Septcntrional do seu limite mais Occidental he 
de quinte gràos , e a sua longitade de duzentos e setenta, 
assim conno no seu Mappa o representa ]oio(4): assim 
coìtinua no mesmo parallelo pela exrensao de caco graos 
e meio , d^pois eleva-se hum pouco para o Norte ouasì 
meio grao , e faz humi pe<)uena enseada que tamoem 
oiha Ila mesma direc^ao » cujo fundo esca em quatorze 

t;raof e sinco oucavos de laticude Seprentrtonal i e o sea 
ìmite mais Orientai em a longitu Je de duzencos e outen- 
ta graos. Daqut se vai a terra recolhendo para o Sul , hin- 
clo pouco a pouco tornando a figura de hum grande goU 
fo e formando huma Peninsuta multo maior do que o Pe- 
loponneso , em cujas costas se fòrmio duas enseadas , que 
olnào ambas para o Poente. A latttude mais Septentrional 
desta Peninsula està em desouto graos ; a sua parte mais 
Occidentar està em duzentos e outenta e quatto de longi- 
rude , e a mais Orientai em duzentos e noventa. O Isth- 
Ts^^ mo està na longitude de duzentos outenta e sete e hum 

v^'^^^J). \S. terfo , e o seu ponto mais Orientai na latitude de quasi quin- 

'^ ?t,!A^i '^ 36C gràos. Outra vcz torna a Peninsula a formar huma cn- 

^'^^\P% acada que olha para o Norte , cuja costa mais Occidental 

^viV^r>(^ O ^'^^ ^^ duzentos outenta e sete e ires quartos de longitude, 

-^■l:-^^'4 -^ e està enseada se chama Vercida. Para diante estende-se a 

'. :/'^* terri para o Nascente, elevando se ao mesmo tempo para o 

;;V ^ Norte are à longitude de duzentos e noventa e dous gràos e 

meio , e a latitude Septentrional de desasete gràos. Daqui 
hindo'se a terra, recolhendo fórma quatto enseadas e huma 
quinta , que he multo maior : as quatto primeiras olhào pa< 
ra o Nascente , e a quinta para o Norte e para o Nascente , 
a qual tem pornome o Inferno, # a sua costa mais Occi- 
dental està quasi na longitude sobrédita , e na latitude de 

qua- 

rente da que rcpresentao os mappas mais exactos , o que he facil 
4^ coohecer cot«jando«a com elles ; e por itso o nao obsetva* 
mos em notas. 

(tf) £ste Joao he Joao Ruysch Geografo Alemao ,; e Aut&or 
do Mappa Mundi , que accompaulu està Edicao de Ptolomeo , eon 
Q qual jà vem os descnbrimentos dos Portu^uezes aU aquelle ^eo»- 
po : foi este mappa feito a instancta^ de Èvan^eUsta Tvasi^ qut 
correo com as despezas desta £dÌ9ào de Ptulgmeo. 



DE Ambrico Vtspucio. tfy 

qoatorze graos e meìo. Daqui principia a Icvantar-sc o Ca* 
bo formoso are à longirude de duzcncos novenca e sinco d 
hum quinto , e a latitude de desaseis. Entào torna nova* 
mente a praia a fazer-se sinuosa', e se esrende até a latitti* 
de de desasece gràos e a longitude de crezentos e ))uni are 
Cabo Lereno. Depois recolhe-se a terra , tornando a fórir^ 
de huma enseada, cu)a cavidade olha tanto ao Norte coma 
ao Nascente , tendo o .seu limite mais Ausiral em a latrrude 
de <]uasì nove graos , o ponto mais Occidental em dnzentos 
e noventa e nove e hum ter90 de tatriude, e o mais Orientai 
em trezentos e sinco , aonde he o Cabo de Pareas , e a es-* 
te mesmo golfo ses chama o Golfo de Parea«. Para diante 
toma a costa a ser sinuosa , e fórma hum golfo 3 cuja ca* 
vidade olha ao Norte e Nascente , em a embocndura do 
Rio formoso, cuja latitude Septentrional he de outo graos 
e a longitude de trezentos e seis. Daqui levanta-se aAer* 
ra para o Norte até quasi a latitude de outo graos e melo ^ 
e a longirude de trezentos e sete e meio , depois recolhe* 
se fazendo enseada para o Sul atc ao Rio deFlagrazan, 
que està na latitude de sinco graos , e na longitude de 
trezentos e quatorze. Passado elle levanta se para o Nor« 
te quasi a exten9ào de hum grào , até à longitude de tre- 
zentos e desouto , isto he » nté ao Cabo das Aves pelo Ca« 
bo de Focosseco j dalli mete-se tanto para oSul que npe- 
nas fica hum grao longe do Equador em a longitude de 
trezentos e vinte. Novamente toma a estender- se para o 
Norte até a latitude antecedente ; depois do que , . vai a 
praia fazendo varias enséadas ?ti a longitude de trezentos 
e vinte e Quatro graos e meio , onde faz hum grande 
seio que olna para o Norte » cujo ponto mais Austral es* 
tà na latitude de tres graos e meio; o meio da enseada 
tem a longitude de trezentos e vinte e sinco , a parte 
mais Orientai de crezentos vinte e sete » e a mais Scpten« 
trional de trezentos vinte e seis. , com a latitude acima 
dita. Daqui volta ao Nascente , descendo para o Sul tor. 
toosamente até a longirude de trezentos e quarenta gràos , 
na latitude meridional de quasi quatro gràòs. Depoìs sobe 
stgum tanto para o Nascente atc o Cabo de Santa Cruz 
cm a longitude de trezentos quarenta e quatro gracs , e 
latitude sobredita : daqui volta , e mete-se p-ita dentro pou- 
co apouco sinuosamenre até a embocadura do Rio de Sàn« 
t> Lozia , e Promontorio de Santo Antonio , que està na 
loB^tude de trezentos e ^lacenu gtàbs e meio > e na la- 
ti- 







"^'^'^^ 



158 ArflKOlX A'S CA^TAf DI AlfSRICO Vbspuoio. 

ticude Meridional de dcsouco. Entio novamencc mete pa- 
ra a banda do Poe^itc até debaixo d^ Tropico de Gapri- 
cornio , em a longitude de trezencos trinca e cresce con* 
tinua mais a meter para o Poente até a longicade de tre- 
zentos crinta e quacro. Daqui mete para dentro poaco a 

Souco tan)bem para o Occidente , arr a latitude meridional 
e trinca e sete graos , e a longitude de trezentos e trinta 
e dous. Ainda que os primeiros Navegadores Portuguezes 
uavegar&o até a latitude meridional de' sincoenta gràos se- 
gando dizem i com tudo n&o achei descripta a Costa da- 
qui para diance ; e assira basta o que deixo dico a res- 
peico desta terra. 



.XJUa- W^vi^aW iidi^ 



N.*» V. 



NAVEGAgAO 

A» S 

INDIAS ORIENTAES 

ESCR,ITA EM PORTUGtJEZ 
POR 

T H O M E' L^O P E S. 

Traduzida daLingoa Portugueza para a Italiana « 
• novanofente do Italiano pars o Portugu«z. 



Notte. UitramdT. N.<> V. £i^ Z 



Y'f' 



Ili 
iNTRODUCqAO. 



E. 



f M anno de 1 50Z manioti ElRei D. Man/ari d hutii^ 
buma E squadra de vinte vélas , repartidiA em tres^ diuisSesi a. 
prim:ira de sinco ndos , destinada a, ficar- nAif^eiies maves a 
firn de favorecer commercio dfiiCanoìior ftCorib/w „ t«v jwir 
Commandante ricente Sodrc,^ qMffortiO'djO.Tàjo em companbkk 
de outr4 , a bardo da qunl es$ava> Kascoi da^GanHk^ qm titéat. 
side norneado rimirante com 0. cammaìido, de, toda^ a%expedij^0j, 
A terccira di vis/io tambem componat de sincandos nao' s$pèdA 
apromar a tempo , e, deo d v4ÌA\ no, primeiro de^ Ahril do 
mesmo anno, lev^nAopfir Capitio wr a^Estevaé da-.G/mar 

Referemos nossosHUtoriad^résas.pa^Hctilaxidiidts dà twh 
v^ga^io do Almirante^ e^da, 5^4»,- ^sqtMdf^Ofj porém tod^s. etUs 
guardao silencio em succedido d. de^Estevik. danGama^ até, 
chegar a Anchediva.^ aond^ por firn todoi se^ a)unidfìio\\ e 
nosso Fernao Lopes confessa em Cap^ XXX\XilK do h.^ IP 
que at€ dquella Uba nìo se soubera qué Ihe aecontecérarns^ 
viagem. 

He em parte para suppri^ està falta que publicamos a 
versao da viagem de Tbomé Lopes , que Ramuzio imprimio 
traduzìda em Italiano ; na qual se referem com nìiudeza nao 
50 estas particularidades , mas muitas outras succedldàs de* 
pois que se encorporou toda a Armada. Desde està època he 
^ sua narracao bastante semel hante d de Barros em ofundo 
dos accontecimentos y porém muhas vezes diversa em as cìrcunS' 
tnncias que os accompanhao , diversiiiade bem naturai em dous 
Escritores que narrao os mesmos factos sem se copìarem , e da 
ì^al resulta a v:rdade da Historia , principalmente quando 
^Ues sh , corno Thomé Lopes , testemunbas oculares do qùe 
^^ferem, 

Z il Os 



IT INTRpDUCiJAO. 

Os nossos Bibliografos dio potuas noticias deste Jutbor } 
e Barbosa diz apenas qtte era naturai da Cidade do Porto , 
€ que accompanboH EstevSo da Gama com o eargo de Escrivio 
de btima das ndos ; o mesmo Tbomé Lopes affirma isto ^ eoe* 
erescenta qtte està ndo era de Rui Mendes de Faseoncellos ^ 
€ que nella bia por Caphaojoio Suonagracia y de Naqio Ita* 
liana. Ainda que esu cargo parecesse dispensallo das obriga- 
^Ses de Soldado , nao acconteceo assim , segundo elle esertvc 
em Cap. IX. sendo bum dos ultimos que se retìrou quando 
OS Mouros da ndo Meri entrdrSo em o seu navio , onde it* 
fendco o posto ati que todos o desempardrìo , e se v/o sójun- 
t amente eom o seu Capitio. 

A pesar porém deste feito nao appareet o seu nome nos 
nossos Historiadores , a nao nos persuadirmos que bum Estri' 
vao Diogo Lopes , de quem falla Barros no Cap. II L L.^FI. 
Decada i.^ bea mesma pessoa do dito Tbomé Lopes y eom aqueU 
le engano no primeìro nome. 

O nosso Abbade Barbosa , Antonio de Leao , e Nieoldo 
Antonio , todos Jazem mencio deste Autbor em assuas Biblio* 
grafias. 



NA- 



'59 



NAVEGAgAO 



A'S 



I N D I A S O R I E N T A E S, 
ESCRITA POR THOME* L O P E S. 

GAPITULO I. 

Ve bum fono cbamado o Funcbal , de corno fomos assaltadòf 

por buiiia grande temvestade » e de bum lugar cbamado- 

Cabo primeiroi. 



E 



M Imma Sexta feira no primeiro de Abril de miF qui-- 
nhentos e dous (^ay zhoras de Vcspera , partimos da CU 
dade de Lisboa em numero de sinco nàos , e aos <]aatra 
passamos a vista de Porto Santo r no mcsmo dia descobri* 
mos 39 Desertas , que estao ao lado do Funchal porto da 
liha da Madeira , e aòs outo escorremos as Ilhas de Ferra 
e Palma , que fazem^ parte das Canarias : no dia quinze 
passàmos pegados com as de Caba verde , de modo que fo- 
mos vistos dos da terra ; e aos desouto de Maio vimos ho» 
ma Uba ainda nao descoberta C^)» alta» bella segando nos 
pareceo , chèa de bosques » e pooco^ mais ou menos do ca» 
manbo da^ Madeira ; està em bum clima multo temperado 
Po^ 

(a) Jo^o de Barros pòe com eifeito a partida de Estevlo d» 
Gama , Capitao mór desta Armada' no referido tempo ; porém 
Castanheda provavefmente com engano » Ihe assigna. o dia sinci» 
do mesmo mez, 

C^) Nao seri faci^• segando estas infbrma96es, saber qual he 
a Ilha de que falla Thomé Lopes : primeiramente entre as Ilhas 
de Cabo verde e a Linha » nao ha Ilha alguma senio junto i cos- 
ta 'y em segando fugar desconhecemos absolutamente a Ilha dos 
Papagaios vermelhos » e s6 suspeitamos chamar-se assmi alguma* 
das de Cabo verde , ainda que dtsde o tempo do Sr« Rer D. Joao II» 
ji tivestem o mesmo nome que hoje tem ; em ultimo lugar se^ 
guindo OS ramos , e o numero de legoas quQ o Author aponca « 
nao existe Uba nenhuma naqìiellas paiagtnsi 



O 



r ' 



160 NAETOAfAO 

por fi:ar ain J« distante di Eqainocial , e ']az de Norocste a 
Sueste con a Ilha dos Pagagatos vermelSo;, concando-se de 
hutna aoutra trezent^s legoas. Fica timbem ni distancia de 
setecenras setenta e sìnco legoas da Ilha da Boa vista; e 
assim quem a quìzer procurar ponha^se rrinta legoas della 
cntre Poent? e Levante , dep.^is to-ne o rumo Ao Sul e 
achalliha. Demora tambem com o CaSo da BoaE'^peran- 
ya de Levante a Poeiue , e enfia '!e Noroeste a Sueste ; 
assim qu-Ti deste Cabo a qu»zer demin^ar , devera hir crìn- 
ta legois ao largo, e contari dplle a tal Ilha outocentas- 
e sinroeita Ic^ois de travessa. Nào fomos a ella , porque 
o tempo no% foi contrario , a indi quc b em trab.>Jhamos 
pela aiferrar : daqiiipor diante quanto miis nos avisinhà- 
vamos a Linha maior calor sentiamos , chegando ao ponto 
de nao nos pudermo? mover, tanto de dia corno de noute : 
cisto de pois de piss^rmo3 oCibo das Palmas na costa de 
Quiné; o qial )jz de Les-NorJeste a Oss-Sudoeste , e ca- 
inình armos trezenras legoas , q*je tanta« se concào das Ilhas 
r*.,^tM de Cabo verJe are aq'ii. Pelo contririo quanto mais nos 

-^V].>Y^^^> *^ vffastavamos da Equinocial mais temperado e fresco ncha- 
: '3 vamos o ar , e deve notar-se que tinliamos pcrdido de vis- 
^:-^ ta a Estclla do None duzcntas legoas antcs da Linha j e 
A O *1" ^ quurocentas anres do Cabo da Boa Esperan9a |é se 
.' -^ «cntia hura grande frio , que hia augmentando à propor9ào 
'^A ^^ '^^* aviiinhavamos delle, atc a o ponto de nos set ne- 

}'^i/\""'^ cessarlo vestir multo fato'; e corner e bebcr bem para nos 

ag.ìzalharmos. Em o primeirò dia de Junho em que o ven- 
to se espenou alguma cousa mais , avisinhando-nos ao Ca- 
bo da Boa Esperanga , ' prrnciptàràò a diminuir os dias, de 
modo' que aos ouco , achamox pelo relogio da nào ser o 
dia^ de outo hòras e meia de Sol a Sol, e a noute de quin- 
ze x: meia; e a razào porque em tao pouco tempo dimi- 
nuirào tanto, foi porque nesres^ outò diàs'andou a nào inui- 
to^ caminho. 

'" Em huma ter9a feira sete de Junho eip o quartp da . . • . 
saltou corrinoàbò huma tao grande tórmenra de vento Oesr 
te , que fez esgarrar as nàos humas das oxitras , de sorte 

Jàe na manha seguinte , hao nos acharnos juncas senao a. 
ulia (àj e nos i e ficimos sem saber nada. das ourras : 
no ultimò quarto da noute jà nào levavamos abojarrona, 
mas tao semente ospipafi^^os muitò. pequenos. Neste tem- 
po ci venios hum vento tao grande , que nos quebrou a. 

^ " a'n- 
Ctf) Barixjs C hai ita -a tita ritto 4 Juftoa. ' "* -' ^ 









a's I n d I a S O R l b n t a e S, ì6l 

antenna pelo meio , e igualmtìncc o mastro da Julia , o (jue 

pòz a todos em tao grande susto , que todo aquelle dia e 

noute corremos em arvore seca , e se ferrimos o *segurdo 

craquelé , era cousa pa&niosa ver icao e mar e&tava cm- 

polado ; fizerào-se n^sce dia n^uitos \otos , e dtitirac-se 

sortes sobte quem devia bir visitar a devcta Igrtja de 

N. Senhora de Guadalupe. Os danàò Julia, quc nào tive- 

rao menos medo , anies muito major , forque \he cniia- 

vào dentro muiios golpes de mar, tambem fizttio muiios 

votos : igualmenie entrava muita agoa cni a nossa nao , 

mas corno era melhor que nenhuma das cutras , nio esca- 

vamos em tao grande pcrigo. No dia nove do mcsno tvqz 

tivemos bonanfa , de sonc que locos fozcn.os o fato a 

enxogar ao Sol , nào obsianie o aqueccrr.cs elle .Hm es- 

cassamente i cstando todos muito molhsdos r.ao^ó cos 

golpes do mar, mas n ais ainda por crusa. da cf uva. Aos 

onze cornou aievancar-2»e a tenpesiade , e potco f^àe fai* 

lar em rodo o dia huma nào com a outra j o rosso lun^^o 

era entào para o Leste. Nos dias doze e tre^e ( cm que ji 

tinhamos navegado quatrocentas e sinrocntn lejro^s no mes^ ^&t}^ì 

mo rumo) achamos nas agoa$ muitos sinaes de terra , coirlo 

limos , toninhas , e lobos marinhos , e muitas castas de avesl 

brancas e grandes , e varias qualidades de passnios mais ci;/.5.tM,h. 

pequenos , comò estorninbos mas com o peito branco; e ^^^SJ^-r''''^' 

todos julgamos que estaria proxima alguitia liba ainda nao \^^^^-^::'^--'''^^^ 

dcscoberta pelos Christàos , pois terra firme n^o pcdia sec ^'^v: ^ :^-'-:^ 

por estar muico longc daquì. Tambcm depois que passa- '^'C'*V\i*''^^ 

mos a Linha , achamos que o Sol e a Lu^cìnfao htm cur- 

so contrario ao que tem em Hespanha , isto be , que aqoi 

e mais para dianie nasce o Sol do Nordeste , e p6c*se pa«, 

ra Oes-Suduesce. Aos sete de Juibo scrino ainca o vento 

muico forte princìpiàinos a navegar para o Notte , depois 

a Noroeste are aos dez em que hcuvcnros vista de terra, * 

d'istante da quaN estavamos ainda dtz cu coze Icgcas, e 

porque era tarde pairàmos aquella rorte até que se poz 

a Lua que seriao cnze horas(e entre rós correspondiào 

as sinco j : voltàmos a proa ao mar , estivemos sobre 

a amarra até que amanheceo , e entào fomos reccnhccer 

12 dita terra. Neste dia nao nos foi fòssivel saber aonde 
estavamos , porém voltando ro seguirne , foi-nos dito que 
este era o Cabo primeiro , o qual mete huma lingoa ir.ui- 
to aguda pelo mar dentro:. e affasiando se a certe ^^c mar 
vem-se encre estes dous CaLos dez cu dozellh.oi^s, eal- 






i6i Naveoa^ao 

gumas rescineas de area. Daqui navcgimos aincoenta le- 
goas para o Mordeste e • . . . para Nornordestc , e chegà- 
mos defronte das lagoas que discavao de nós vinte e sin- 
co legoas. Concinuàmos a navegar Nerdeste quarta a Nor- 
te , e estavamos cousa de quinze legoas distnntes do Cabo 
^as Correntes pelo mar dentro , depois correiDos ao Nor- 
te obra de sessenta e sinco leeoas , e porque havia fai- 
. ta de cafnes nos voltamos a hum pouco de peixe seco 
qae traziamos , qoe igualmente se veio a acabar no dia 
doze y depois a alguns gràos » faltando-nos estes ao quei- 
jo , e por firn a hum resto de carne de porco que nos 
durou pouco tempo ; e por està maneira nos hiamos sem- 
pre avisinhando à India. 

C A P I T U L O II. 

Da Uba de gufala , do Rio dos Jbons Siuaes ^ e di Mo^ 

/\Os quinze de Julho achavamo*nos sobre a embocadu* 
ra do fio de Qofala , e por estar calmarla estivemos aqui 
auttos emonze brapas , desJe huma Sexta feira depois de 
]antar are ao Domingo a tarde ; os da terra fizcrào-nos 
muitas rogativas , e vimos muitos fun>os com que nos con* 
vidavào a encrar , oque nàò fizemos , perdendo nisso mai- 
to i pois nao obstanrc achar o Almirante pouco oaro quan* 
do alli passou , -pelo terem Jevado dous ou tces zambu- 
cos que dalli tiniiao partido outo ou nove dias antes , e 
ser costume dos Mouros nao o mostrarem por mede de 
que OS ChrÌ9tàos ihes fa9ao mal , com tudo )a por firn 
priacipiavào a trazer-nos algum ; por. isso jolgàmos que os 
t'umos erao sinal para chamar*nos.^ Aqui concertimos o 
nosso mastro, que escava quebrado e sem gavea^ efìoti* 
mos hiHnas resiingas que entrào pelo mar duas ou tres 
legoas 9 e da^ào «nostras que «ntre ellas havia aigum 
fio 9 pois • mar corria com multa for9a , e irazia hum gran- 
de numero de folhas e outros sinaes de o haver. Da ban- 
da do Foente havia h^im pequeno Cabo a modo de fauma 
colina chaca ^ e alf m delle apparecia hiima pequena ter- 
ra corno Ilha. Sahimos dalli por Noideste , e na Segunda 
feira a noute vimcs tambem ro mar truiio« sinaes de ter- 
ra , iste he , canas senvelhantes is de Porcugai , madeira 
de bosque , muitas folhas j e grande corrente de agoa. Na 

Ter- 



A*s Ikdias Orientabs, * l(?3 

Terfa fcira aosdesouto de Julho achanìo-nos ero huma en- 
seada de pouco fundo e niuìtos parceis , a qual tem sete ou 
OQCO legoas de extensào , ao sahir da qual andamos mais 
ham dU e huma noure ; e segando o caminho e sinacs que 
depois encontràmos , coiìhecemos que estavanios no rio dos 
Bons Sìnaes. Correndo està costa vimos arvores grandes co- 
rno mastros de navio , e da banda do Poente apparecia 
hum Cibo corno o de Espichel. Achdmos aqui algumas Ilhas 
junro a terra , huma das quaes quo està mais para o Nor- 
dcste , rem a figura de hum chapeo , e a sete legoas de 
discancia hindo para ]Vlo9ambique achàmos outra de area. 

Quando sahtmos da sobredica enseaJa tornamos a cornac 
para Nordeste quarta a Norte , e dentro de pouco tempo 
nos pozemos a vista das Ilhas primeiras. Aos 21 de lulho 
escavamos sinco ou seis lego.ts alfastados dellas , e ahi fi- 
zemos huma pescarla de pargos e outros peixes pincados , 
de diversas Cvistas , e multo diflFerentes dos de Portugal, 
Vince legoas antes de chegar a Mofamhjque , achamos 
hum baixo multo comprido que vai ao longo da costa, cn* 
tra duas legoas pelo mar , e escende se outo ou mais. Cor- 
re elle de Nordesce a Sudoeste do mesmo modo que a cosa- 
ta, 

CAPITULO III. 

Da Mina donde ElRei Salomao tirava ouro , e da qual 
se extrabe Mirra fina, 



E 



M homa Sexca feira vinte e dous de Julho chegamos 
dtante de Mo9ambique , e entramos- pelo meio de duas pe- 
qucnas. Ilhas, que Ihe ficào na discancia de dous ou tres 
tiros de bésta. Immèdiacamence vierao ter comnosco al- 
guns Mouros de rcpuca9ào , e crouxerào-nos huma cacca 
assignada pelo Almirance (4), na qual mandava a qual- 
quer navio Portaguez que chegasse ao porto, que nao fi- 
zessc m^l ou damno algom aos da liha , porque cinha 
fcito contento de paz e amizade com elles ; davanos alcra 
disso a saber que tinha espalmado aqui sinco nàos , e que 
nos deviamos demorar o menci^s possi vel , partindo imme- 
diatamente pelo caminho de Quilóa j que se ahi o nao 
^chassenios fossemos para Anchcd^va , e dahì atc o encon* 
trarmos , navcgando sempre <Je dia e de nouce. Moscrava- 
Notic, Ultramar. N.** V. A a se 

C«) Vide Barros Decad. I.* L, VI. Gap. 5. 



164 . Naviga9aó 

se pela dita carta que havia onze dias que elle tlnha par- 
tido y e no firn della cstava esento por mào de Esievào da 
Gama , Capitao da nào chamada Fior de la. Mar (tf),con'.o 
elle com as duas naos linha partido a desouto , is(o he, 
quatto dias ances. Demorainonos aqui atc o dia vinte e 
seis , e provemo-nos da agoa e Icnha que quizemos : os 
IMouros da terra vinhào livre mente ao nos50 bordo , e com 
elles faziamos algum contrato de ouro e perolas j andava- 
mos seguros pela terra , e elles nos tracavào com grande 
cortezia. 

Estando nós nesta Ilha foi«nos afErmado que tinhao 
hido a Capitania certos Mouros honrados , que aqui habi- 
tavao , a cumprimentar o Capitào ; aos quaes elle pergun- 
tou muitas consas a respeito da mina de (^ofala } e pe- 
lante muica gente que alli se achava , respondèrao , que 
com toda a certeza havia entao huma grande guerra no 
lugar donde vinha o ouro , e por este ir.otivo nào podia 
chegar naquella occasiào ; porétn que havendo paz podem- 
se cxtrahir da mina dous milhóes de mitigaes , valendo 
cada mitigai hum ducado , e hum ter9o j e que os annos 

fassados , estando o paiz pacifico , as nàos de Meca , de 
uda, e de muiios outros lugares « tiravao da mina os di« 
los dous milhóes : disserào mais que tinhao livros e escri- 
turas antigas , por onde consta que a mina donde EiRei 
Salomao tirava de tres em tres annos tanto ouro , era està 
~ inesma ( ^ ) ; e que a Rainha Saba , que levou a este Rei 
hum tao grande presente « era naturai das partes da In- 
dia» Derao tambem aquellea Mouros ao Almirante huma 
boia de mirra fina , dicendo que da mesma mina se pò* 
dito tirar duzentas^ cantaras della annualmente. 



CA- 



(<i) Bra Estevao da Gama , comò dissemos no Prologo ^ o Ca- 
pìtio mór da Armada em que hia Tliuir.c Lopes , o c^ual se tinha 
separado delle por occasiào da tormenta acima descripta. 

Qb') Tem sid« diversissima! asopiniòes dos differentes Autbo' 
n9 9 a rtspeito do lugar onde estava sìtuada a Regiao de Ophir: 
com tudo a opinilo mais provavel parece ser , que està Ophir don- 
de Salomio tirava o euro- era com effeito C^ofala. Veja-se a ìà^ 
moria de Mr. d*Anville inserida nas da Academia de Inscripcòes e 
Bellas Letriis de Paris Tarn. )o. pag. 85. e seguintes , naqiial e^u 
pende as raiòes que tcm para assim o pensar. 



P/ 



a's I N O I a 8 O R I K K T A B f . l^S 

, CAPITULO IV, 

■r 

De Quiloa e Momba^a. 



•»-* 



Artimos daqui aos vince e sinco do mesmo mez de Juiho 
levando comnosco hum Piloto negro , que nos pedio dcz 
cruzados para por ambas as nàos em Quiloa -, e tomàmos 
o rumo para o Norte, porque a costa corre Norte a Sul : 
de noute aLirgavamo-nos hum pouco ao mar , e de dia 
tornavamos a reconhecer a terra : e comò tivessemos an^ 
dado quarenca e sinco legoas , vimos huma terra que ti- 
nha treze ou quatorze colmas alcas , e cntre escas tres oa 
quatro ainda maioces , e ao longo della muicas Ilhocas; pe« 
lo que reconhecemos que esravamos em Quiloa , aonde 
nao quizemo) entrar , por nào escar là ò Almirante. An- 
tes que alli chegassemos tinhamos jà visto certas monca- 
nhas alras , e pensando que era Quiloa , estivemos essa 
noute ao pairo : no dia seguinte continuamos a navegar» 
e quando conhecemos o nosso engano fomos costeando , 
e vimos huma torre branca que nos disserào chamar-se 
Quiloa a veiha , com huma pequena povoa9ào que nos 

Eareceo estar' em huma Ilha. Entre esras duas Quiloas ha 
om rio , que nos deo bastante trabaiho a pissar ; e en^ 
trando dentro delle , até hum remanso que faz junto a 
huma Ilhora vimos grandes palmares e outros arvore- 
dos. Sèguimos depois a nossa navegafào Nordesre quarta 
a Leste , por serja muito tarde. Ao lado de Quiloa achà- 
mos huns bancos volcados ao Nordesce , na distancia d« 
tres oa quatro legoas ao longo da costa ; e daqui nos fi- 
zemos na volta de Momba9a , por Nordeste quarta a Nor- 
te; e porque nào sabiamos bem o caminho , por hir mais 
seguros , tomàmos o rumo entre Nordeste e Norte , e Sul 
eSudoeste. Entre Quiloa e Melinde vimos duas Aldeas hu- 
ma junto a praia y e outra hum pouco mais pela terra 
dentro. Ao longo da costa ha grandes n.ontanhas e algu- 
D)as campitias que pireciào semcadas : nào avistàmos Mom- 
ba^a por estarmos muito ao largo. Antes que chegassemos 
^Meiinde, vimos tres montes grande^ ao pé huns dos ou- 
tros , longe da Cidade treze ou quatorze legoas.; corre 
«quella costa de Nordesce a Sudocste : e quando escava^ 
Q)os na distancia so de sinco legoas , vimos huma peque- 
na Ilhota , e huma grande arr iba de barro veraielbo 3 pou» 

Aa it co 



t06 NAVBOAfAO 

CO mais adiante enavàp alguns baixos , quc p.irece sahem 
a tres legoas de distancia volcados a Noroesce , e desco- 
bre-se cambem oucro monte , que parece bum castello. 
Tinhamos formado cenfào de entrar em Momba9a , «]ue 
està desouco legoas anres de Melinde , porém passàmos 
de Noute , e pela manha quando reconhecemos a ter- 
ra , achàmos telia escorrido , e nào quizemos tomat 
para rraz. 

CAPITULO V. 

J>e Melinde , da residencia do Sei , dos eUfantes , e tomo he 

Jalso dizer-se que nào tem juntas : de ElJici de Quiha , 

e corno se fez tributario de PortugaL 

lOs doos de Agosto em huma Ter9a Feirn de tarde so^ 

Eimos defronte de Melinde , que saudàmos com algumas 
ombardas ; vierao logo a nào treze ou quatorze Mouros, 
e entre ellcs bum parente de ElRei , com bum tromberà 
dos seus tangendo com grande prazer ; vinha em sua com« 

fanbia bum Luiz de Moura criado de ElRei N. Sr. que 
edro Alvares Cabrai tinba aqui deixado i e jà fallava 
multo bem aouelia lingoagem. Todos elles nos saudàrào 
por parte de ElRei de Melinde , dizendo*nos que ficava 
summamente satisfeito com a nossa chegada : nós os re* 
cebemos mui graciosamente , e convidàmos 'cOm muitas 
foga^as , conservas , e fructos de Portugal , e vinho bom 
e em abundancia : mandàmos cambem a Rainha huma 
cesta chea de biscoutos e muitas aveiàns , nozès , uvas 
passadaS) e doce de amendoas \ o que cudo foi a prò* 
posito 9 porquc estava proxima a patir. Em troco disto ; 
tivemoi muitas gallinhas , pelxe, e outros refrescos , e El- 
Rei mainlou quenaquella noute codos levassem gallinhas, 
e outros mantimentos a vender às nàos ; dizendo^nos qoe 
podiamos hir a terra seguramente , poraue elle e rodo o 
seu Reino esrava ao 8ervi90 de ElRei de Portugal. Pela 
manbà desembarcàmos , e fomos ao palacio do Rei , <]ue 
he sobre o mar , e Ihe beijàmos a mio , recebendo-nos 
elle com muita benevolencia , sentado em huma cadeira 
de palmo e meio de altura « forrada de bum couro negro 
com hum pelo luzente Que parecia veludo , e envolto 
em hum pano pintado : do lugar ónde elle estava via o 
mar, eestavào cambem assentados desomo ou vinte Mou« 

to> 



a's Indias Oribntaes, t6j 

ros, e havia algumas outras cadeiras V'izbs. Parte destes 

Moaros estavao descalfos , ao iado de ElRei havia hum 

par de chinelas , e tfnha a roda da caSe9a huma grande 

toalha de seda à Mourìsca , e a boca chèa de becelle que 

nao cessava de mastigar (4). Logo que nós chegairos, 

prìncip'ou a fallar , e a pedir-nos novas d'ElRet e da Rainha 

NN. SS. perguntaadp-nos se se achava pejada ; disse-nos de- 

pois que escava melancolico epezaroso de o Al mirante nao 

ter hidopelo seu porto, o que ihe parecia desconfian9a se* 

eundolhe tinha dico o Chriscào , qac là tinhamos deixado. 

Vimos em sua casa dous elefantes novos , ham de seis 

mezes » que era do tamanho de hum grande boi , e cinha 

carne corno dous -, o oucro era muìro maior , ambos ne- 

gros muito carnudos , e os seus dentes nao excediSo a 

hum palmo: ha*os tambem grandes por maneira que dous 

delles arrastao para terra huma nao, por ma^or que seja, 

para o que prendem os dous elefantes cada hum por seu 

Iado, e nao rem mais cuidado , pois a levào o methor e 

mais direito c^ue he possivel. Os que dizcm que oselefatt- 

tes nao tem juntas , nao dizem bem , porque se deitfio em 

terra e saltào com muita ligeireza -, tem huma tromba ,de 

algumas tres bra9as de comprido • com que levancào a co- 

mida do chao , o que nao poderiào fazer de outro modo; 

e com ella he que a metem na boca. Os Mouros para nos 

fazer honra , Ine davao com huma vara nos joelhos » e 

logo se dobrav&o , e faziao cortezia com o joelhò no 

chao» Quando partimos , fez ElRei dar hum boi a cada 

nào ; e Ob nossos Ihe mandàrao hum presente de vasos 

de estanho grandes e pequenos com hum pouco de afafrào. 

Em quanto alli nos demoramos , hiamos a.terra tao livre-- 

mente corno em Portugal , faziao-nos muito agazalho e 

reverencia , e erao tantas as gallinhas , pescadot , melati- 

cias , limoes e outros resfrescos , que elles nos vendi&o » 

que verdadeiramente era cousa maravilhosn. Depois de fei» 

xà a agoada mandou ElRei' escrever ao Almirante , e ea 

Thomé Lopes , Esctivào da nào de Ruy Mende» de Bri- 

to, 

(a^ Traduzimos por Betulle o que no originai està 0t0mbor^ 
pois zMtn de que o betelle he a foiha que os Asiaticos uzao 
continuamente trazer na boca ; ella se chama » segundo Garcia. 
de Morta • em Arabigo , Tambul » eo Pagem que a leva ao Rei » 
Tombuldar : donde taivez venha o nome de Atambor que Ih» 
da Thomé Lopes. Vej. Garcia. d'floru Col. de Beueu 




1^8 Naveoa9a6 

«0» (/f ) fui cbamado a sua presenta , e alli escrevi a car« 
ca dizeiìdo-tne Luiz de Moura por parre do Rei o que (]ue- 
ffia que eu escrevesse. 

Concou-oos depois ElRei que )a Ihe tinha escrito cu* 
tra carta ances delle alli chegar , escando defronte de bu- 
ina montanha affastada de Melinde seis ou sete legoas , 
aonde se demorou por causa de bum cemporal ; e osque 
levàrao a dica carta , hiao metidos pelo mar acé d cincu- 
ra I por motivo das féras , que de nouce se encontravao em 
terra , as quaes os teriào morto i rrouxerao elles a rcspOà« 
ca , e hom escrito do Almirante , no quai mandava a te- 
das as nàos Portuguezas y que por alli passassero , que 
nao tivessem deten9a. 

DóO-aos alcm disso outras canas, que ]oao da Nova 
tinha deixado escricas em Ouiloa , quando voltou para 
Poriugal , contando corno ElKei de Calìcut armou contra 
elle huma grande frota , que elle dcstruio e desFez , a 
qual cu copici ^ e depois recebemos o originai para en- 
tregar ao Almirante. 

Contou-nos tambem corno ElRei de Quiloa se tinha 
ja fcito tributario de ElRei N. S. por quacrocentos ou qui- 
nhentos pezos de ouro por anno ; e que desculpando-se 
e^te Rei de nao vir fallar ao Almirante por estar doente j 
e differindo de dia em dia satisfazer o coartato que fizera 
com OS Christàos , corno )a havja praticado com Fedro AN 
varcs Cabrai , mandou o Almirante que todas as nàos se 
chega^sem a Cid^de o mais que podessem , e he tal o 
porto que as nàos q^jasi punhao a proa em cima da mu- 
falba: kito.isto, esiando loda a anilharla pronta, o Ai- 
mirante se arir.ou com trczencos e sincoenta homens , e se 
ineièiào nos qsquifes pia bir a terra ; o que vendo os 
Mouros liverào iiun^ tao grande susto , e os correips hiao 
e vinbao por bum modo tal , que ElRei foi for^ado a sa- 
hir da Cidade, e a vir*s^ meter nas màos do Almirante e 
no scu esquife , irais iroctc do que vivo : pois se persua- 
<]ia , que elle Ihe f^ii^ cQrtar acabe^a. Recebca-o o Almi- 
rant'C com honra e agrado , e o fez sentat sobre bum es* 
tra* 

( fl ) Akida que H'uy Mendes de Urito foMc o dono d«ste navio , 
coiti ludo quem o coinirandavft e*t Joao ikin narraci a comò o Au- 
thor dix adiante. t'arros , e Castanlìeda que nos dcixarao , posto- 
que com bastante dhersidaf^ , osnonic« de todos tites Capu5es> 
fatlao sem disaepancia em Buonsgracia comò Capii ao da Armadà 
de Estevao daGama.' ^ ' 



a's Ikdias Oeibntaes. l6(J 

tra<fo alcatifado , que cstava na popi do esqulfc ; e voltati- 
do se a elle ihe disse , que vinha do modo que podia ver, 
para fazer pazes oa guerra com quem quizesse qualquer 
das duas cousas ; e que assim escolhesse o que melbor 
Ihe agradasse , sem susto ncm suspeica alguma ; poique 
f.iria por em terra salvo e seguro , confoiir.e a palavr^v 
e salvo-conducto , que Ihe tinha dado, o que os Christàos 
nunca coscumavào quebrar : respundeo ElRe? que qucria 
paz ; e entao o Almirance Ibc disse , Que se dcfvia fazec 
vassallo de EiRet de Portugal , e pagar-lhe hom tributo de 
vinte pérolas -, ao que elle tornou , que as pcrolas tra du* 
vidoso podellas acnar de pezo de hum mitigai cad* hw 
ma, corno Ihe pedia ; e que alcm dissp talvtz se disses- 
se , que nào erào bem iìnas ; que assim Ihe darìa io- 
dos OS annos em ouro o que fosse razoavel , ajustando-se 
ambos amigavelmente ; e oue ofFerecia mil e qoir>Kencoa 
pezos annuaes, t:ada hum dos quaes vai hum justo (il) de 
ouro : com ista se foi embora e deixou em poJer do Al* 
mirante alguns Mouros de qualidadc para seguranpa das 
pireas , e manJou immediatamente mil mitigacs de ouro> 
<]ue trouxerao ao rio com grande festa , e muiros tange* 
res e alegrla , estando a praia chea de mulheres que grì- 
uv io Portugal Portugahy depois mandou os quinhentos que 
restavào sempre com grande festa , e mostrando que es* 
tavào muito contentes e alegres com a nossa paz. O Al* 
mirante deo aos Mouros , que trouxerao o euro bastante 
pano escailatc muito fino, e presenteou o Rei eom bumsk 
grande por9ào de veludo carmezim , e pano escarlatc fi* 
nissìmo, e Ihe deo huma patente do dito tributo, e hiima 
bandeira de seda recamada de oura com z^ aitiìas de EU 
Rei de Portugal , mandando que a gente mai» escelbida* 
daArmada entrasse nos esquifes para a acccnpsnhar cóm 
muitas trombetas , atabaies , tamboFes , e tiros de bcmbac- 
dds. Ao sahir em terra ElRei a recebco com grande pra« 
zer , e a mandou por ne lugar mais alio da Gidade por 
^^^ ci- 

(a) Moeda antiga Fortu^utza do v«iior oe seisctntos is. assini 
chamada , porque a sua lenda ct^Justus ut palma Jltrtkii : vem pois 
ot mil e quinhento.s juslos a valer novecentns n-il rs. , porénì no 
principio do Gap; vlmos nós que odito Rei $e tinha fvito tributario 
por quatrocentos cu quinhcntos » o que he crrfoimc ao que dia 
Barros, seri pois erro o dizer agora mil e quinhcnros ? ou antes 
OS mil que apparecem de mais seriao dados^ entro hum resgatésó' 
nac^iielle anno «. além dos. quinhentos que se ficarao c'andò? 








fresco «le* « fez * » a , 

ricino 4e ?;''»'ent. "^ "»o m^^'*»«',4t ' 



1' , ' 



fj% Navbca;a6 

pf pinot pequefìos j que he hum dos fiuctos mais saboro- 
SOS , que pcde haver no inundo , e dos <]uaes sinda tjvcse 
coma hum cesto cheo , nào faztm mal alguro ncm em- 
pachao o cstomago. 

Contarào^nos os Pcrtugnezcs , que tinhSo accompcnha- 
ào o Almirance , que quardo atravessarào aquclle gclfo, 
andarào algumas cem iegoas fora co lurro, para a banda 
da Casa de Meca , eque virào hum zarr.buco de Mouros, 
que foi aprisionado pela caravella coni roda a riipula^aOi 
o qual era de huma grande Cidade , que estava alli perto 
dentro de hum rio chamado Calimul i e que o Almirante 
entrou disfar9ado em huma caravella , levando comsigo 
OS ditos Mouros , e o zambuco , are defronte da Cidade, 
donde sabirao trinta homens a cavallo , ou irKÌ% mais , se- 
gundo dizem os que o accompanhàrao. Quando abordarào 
alli , mandarlo ot Mouros em paz ; assim que ellcs che- 

Sarào à Cidade , tornatio em breve com hum refresco 
e gallinhas e^fructos , pedindo da parte do Rei disses- 
sem , que gente erao , e o que andavio procurando pe* 
lo mar. O Almirante Ihes respondeo , que erao Christàos , 
que traziào mercadorias para negocinr na India , e vinhao 
com o proposito de assentar pazes com qucm as quizesse , 
cu fazer guerra a quem mais Ihe agradasse. Disserào-Ihe 
tambem que ElRei Ihe dava seguro , para toda a trota 

3 ne estava diante do seu porto ^ e Ihe venderia muiios 
ìamantes e lacca y e que se por ventura quizessem car- 
rcgar grao y elle Iho darla para toda a frota dentro de 
dcz ou quinze dias y e Ihe comprarla pano escarlate no 
caso ^ue o tivessem : o Almirante os deixou dizendo y que 
particfparia tudo ao seu Capitio , e quando partio mandon 
disparar hum tiro de bombarda grossa para os amedrontar , 
e oeteminou entrar dentro com roda a frota ; mas quan- 
do chegOB a ella principiava a soprar hum vento tao fa- 
ver^vel , que determinou seguir a sua viagem. 



C.A. 



Tkoias Orientabs. I7( 

^APIXULOVII. 

izìonados OS que vinhxo em bum zambucB pa* 
e depois de se Ibe restituir outra vez toda 
^enda ^ fnrao entregues a bum Embaixador 
e Rei , a Jifjt de o compensar da$ mtd- 
as jotas que elle tinba dado ao 
j4lrìiirante. 

e e seìs de Agosto m.inJou o Almirante que 
)ìos da llVia de AncheJiva , e ances de nós ja 
do p^ra Cananor as caravellas e duas naos. Aos 
\to dcsafTerràmos com vento bonan9a , navegan- 

^ao somente jutico a cosca , are que chegàmos 
rvseada aonde escava huma Aidea chamada mon- 
, d*^ E«\R.ei de Canànor; e logo mandou o Almi- 
iUTTws das naos cm procura das qae vinhao de Me- 
^2:\ado*se humas às outras. Assim passàrao sinco 

d\as , em que a nào Esmeralda concerroa o mas- 
^le se Ihe navla quebrado no golfo , tendo sido 

corcar oucto pela ribeira acima junto ao mar ; o 
c\Ttetàrào dous elefantes sem trabalho de mais nin- 
y nem He muito que til podessem fazer , quando no» 
àtào que carregariao com huma nào por maior que 

, uè a por pela terra dentro tao diretta que he 
1 matavilhosa : e por certo que animai algum deixa 
azet tuio aqaìUo , que Ihe ensinào do mesmo mo« 
qvie o elefante. Andando pois as naos de guarda costa 
.onttou Fernando Louren90 (/i) huma , que dizia pare- 
tAhe tao grande corno a nao Rainha , e Ihe deo ca^i 
\rat\doAhe com seis ou sete bombarJas , e por nao ter 
u\s b.\\as do calibre da bombarda a nao rendeo , e 
iss'\m que se fez noute a perdeo totalmente de vista. 
Nbs qvie estavamos na nào de Ruy Mendes de Brito Qetì* 
t\l-\\omem da Cimin deElRei N. S. tambem em procura 
de al^tttna nio de Meca , vimos hum zamboco , que nos 

fareceo estar sorto j e porque havia calmarla, e vinha a 

Bb li no- 

(■) Em nenhum dos Ristoriadorej , Barros , Goes e Castanhe- 
4a , vetn Fernwìdo UureB?^ nameado entre o^ Capitaes Asjta ex- 
V<:'vViqi> , a pelar de que cada hum MXe% fax enaenumua^ào com 
WtQU èvetfidvk» 



"'![ 



174 Naveoa9ao 

tioote 9 concordiffios em matular o es<]uife bem armalo 
com doze homens , entre os qaaes era ham }oao Buona- 
grada Fiorentino , Capitào da dita nao : quando os Mou- 
ros yirào que nao podiao cscap^r , vierào trcs delles let 
comnosco em a sua «slmadia , com hum presente de figos 
e cocos : logo que chegàrao recebemo-los no batel , dei- 
xando a almadia pela popa > e quando estivemos petto 
do zambuco , disparàmos dous tiros de bombarda , pata 
Ihet meter medo , com o que codos te deitarao aomar^ 
mas OS nossos os apanharao , e se metèrào com elles em 
o zambuco. Erio por todos vinte e quatto homens , gran- 
des. de corpo ; e hiào de huma Ilha para Cananor , a to- 
rnar carga segundo disserao , e levavao Cairo (4) e 
inhame. Atàmos o zambuco pela popa , pozemos em boa 
guarda os Moucos que estavào dentro , e tomamos o nos- 
so rumo para onde estava o Almirant€ com toda a Fiora ; 
mandou elle que estivessemos assim , até determinar o que 
haviamos de fazer dos prizioneiros , os quaes assim cstive- 
fao até doze do mez , entregando-os depois ao Embaixadoc 
de ElR^ci de Cananor , que Ihe havia feito presente de. 
muitas joias : e Ihes perguntou se Ibes tinhao tirado algu- 
ina cousa , para Iha fazer restituir ; ao que Ihe respondèrào^ 
que nao Ihes haviao tirado senio mantimentos , do que Ihes 
nSo pezava ; e além disso quatto vestìdos , que rogavào Ihes 
foisem rescimidos , o que desprazeo muito ao Atmirante 

2ie ihos mandou logo entregar , e doz tudo nas maos do 
mbatxador com muito. gosto de todos : concluido isto po- 
zerao-se immediatamente em caminho para Cananor j co<^ 
mo homens , que ihes parecia terem escapado do cati- 
veiro 9 tocando os atabales que tinhao em o zambuco. 

C A P I T U L O VI IL 

Da grande refrtga que bouve entre huma ndo Portugueza e 
entra de Calicut.. 

.Os vinte e nove de Setembro andando algomas das 
nossas naos em procura das que vinhao de Meca , a S. Ga- 
briel (i^) se encontrou com iiuma de Calicut que dalli voN 
. ta-^ 

(tf) O Cairo he feico da materia filamentosa dos entrecostos 
de coco , com que se fabricao as cordas em toda a India , prio- 
cipalmente para as embarcagóes* 

(^) O Capitao desco navio era^ segundo Bar los» GiMAatoso* 



A*S I lY D 1 A S O R I E N T A E S* ÌJ^' 

tava com dozencos e quarenra homens , sem fallar nas mu'-^ 
Iheres e crean9as , que erào bastances , e que todos volta- 
vào daquella peregrina9ao : deo-lhe logo ca9a , e rendo^ 
disparado alguns ttros de bombarda, para logo se rendè- 
rao j e nio obstante terem armas e artilharia nao quU 
zerào combater , parccendo Ihes que com a rouita Fazen- 
da que tinhao na nào , podiào resgatar suas vidas ; pois 
esravào alli dez _ou doze Mouros mercadores dos mais ri-^ 
cos de Calicur -, hum dos quaes se chamava Joar Afanquei 
e diziào que ^ra Feitor do Sulrao de Meca na dica Cidade, 
e dono de esca e de cres ou quacro oucras nàos , cendo 
grande crafico^ de mercancias. Àpcnas elle chegou a pre- 
sen9a do Almirame, as primeiras palavras que Ihc disse » 
forào que Ihe deixasse a nào cai comò escava , e que Ihe 
daria pelo mascro da nossa que escava quebrado , cem ctu- . 
zados , e carregarìa de especiaria coda a frora , que eraa 
doas caravellas e desouco nàos , sinca ou seis das quaes 
erao muico grandes. Vendo depois que o Almirance nao 
queria aceicar esce parcido , Ihe cornou a offerecer outro, 
a saber , darlhe por elle , sua mulher , e seu neco que 
alli escavào , carga para quacro das maiorcs nàos da Pro* 
ca , Rcando elle prezo na Almirance, em quanco seu neco< 
hia a^ terrai e que se em^ quinze ou vinte dias nao sacis- 
fizesse a quanto promettia ,. podia fazer delle o qoe Ihe 
parecesse ; obrigava^^e além disso a fazer rescicuir a EIRer 
de Forcugal , coda a fazcnda que Ihe baviào roubado em 
Calicuc ; e a que se assìnassem pazes e amizade encre aQuel- 
les Monarcas. O Almtrante nào quiz assentir a nennum^ 
destes parcidos , e disse ao dico Joar que ordenasse aos 
Mouros , que cada hum Ihe desse de presence coda a 
fazenda que cinhào na nào. > Quando eu coromanda^ 
» va, respondeo o Mouro, todos cumpriào as minhas or- 
» dens , mas agora que cu so conrimandas , he jusco , que 
s sejas o proprio que dès semelhance ordem. tì Com isco 
derao os Mouros ao Almirance aquillo que cada hum qoiz*^ 
sem que elle os obrigasse com rormenco nenhirm ; nem 
metmo fizesse as pesqoizas que se deviào fazer; porque ao- 
depois acharao-se roupas do mesmo Joiar , por mais de tfcs 
m\[ cruzados; e pensesse as joias , e oucras miudezas , que 
ficariào *, os vasos de azefte> manceiga , e mei , &c. Aca- 
bado isco mandou o Almirance a sinco ou seis bitteis , que 
conduzissem a nào a reboque , e tanto que se affastas* 
aeiti bum pouco da froca., Ihe pozessem fogo faz^ndoa 

ar- 




ty6 Nayboa9a6 

arder com quanta gente estava <lenrro. Desarmada anao» 
e deixiJi sem l*nie eenxujUs; al^jns bombirdeìros Ihe 
puzerao fogo na coSerta , mas volcmdo para os bateis 
OS Maurof o apigarao , e pejàrao em as armis que ti* 
nhio escaoidd , por nao se terem procurado bem ; e em 
nuicas p£drts de mio que alli estavao pira Ustro , e de* 
termtn irao*se a morrer combitcodo. Lo^o que o$ dous ba- 
teis TÌrao o Fogo apigado , tornario pira o accender , mis 
forao rsce^i los corn intinitas peJraJas tinto dos homens co* 
mo dif mi'Heref, de m3Jo que nao puderio entar dentro , 
e se affistarao principiando a atirar-lhes com as suas bom* 
bardai : qae por serem pequenas nao Ihe fizerào mal al- 

Em. Nisto as mulheres subirao a tolda , e maitas del- 
I roouravào grandes pjrpóes de oaro , prata , e muitas 
joias i e gritando em alias vozes , chamavào pelo almiran* 
te meneando a cabefa , dando a entender segundo se 
percebia , qae Ihe dariao tudo se quizesse salvar4hes a 
Vida. O Almirante via o qae se p-issava por huma esco- 
tilha i e algumas mulheres tomavao nos bra903 os seas fi- 
Ihinhos e oj levantavao ao ar persuadindo-o assim a que 
tìvesse piedade daquelles ìnnocentes ; os homens faziao 
igyalmente sinal com a cabe9a , que se queriào resgatar 
a rodo o custo ; e he certo que com a rlqueza qae ha- 
vìa naquella nao , se poJiao tirar do cativeiro , qaantos 
Ghristaos estào prezos no Rei no de Fez t e atnda sobrarìa 
malto para EIRei N. S. Vendo porém a determinafao do 
Almirante , Que nao Ihes queria Fazer gra9a reparàrao a 
nao corno poclérao coro colchóes , Fato , escciras , e redes ; 
ose despozcrào a vender suas vidas o mais caro que Ihes 
fosse possivel , corno com effelto fizerào; porqae macavao 
e feriào quantos dos nossos podiao alcan9ar. 

C A P I T U L O IX. 

Da mnito grande e desesf erada dejiza atte fez està tiJo àt 

Calicmt » e corno finalmente fot qutimada , tendo fernet» 

ramente os Mottros qm est/iyìo dentro deitado ao 

mar o grande teso$uo qme tinhio ^ de ottro , 



prata ^ ejotas: 



e corno a ndo S Paolo deo 



cat^a a quatto ndos de Mottros^ 

Jji Stando as cousas nestes tern^os, nós que escavamosni 
nao de Ruy Mendes de Brito » e tinhamos corno ji disse, 

aia- 



a's Indias Orientabs» 177 

fludo na popa o zambuco , qae nprezaramos ; vigiiros per* 
feit?.mente o que se passava , ( foi isto em huma segurdà 
feira tres de Outubro de mil auinhentos e deus , de que 
me lembrarei toda a minha vida^ quando os qce C8tav§o 
DOS bateis principiarlo a chamar-nos , fazencio sinal com 
huma bandeira , por cujo motivo nos avanfànaos. Artcs 
que chegasstmos ao pé , reparcimos a pouca gente de que 
podiamos dispor , dcixando alguma no zambuco : muiios 
dos nossos nào romàrào armas , parecendo Ihcs cinhào a 
combarer com gente desarmada 3 e com està despreven- 
920 fomos ferrar-nos com a nao , na balustrada do Cas- 
tello que era sobre maneira alta , tendo dispnrado quando j 
fìos avisifthàmos huma bombarda grossa que fez bum gran* I 
de rombo junto a carlinga. Os Mouros corno bomens de* 
liberados a morrer , atracàrào a nossa nao por duas par- 
tes ; o que foi feito com tanta pressa e furia , que naa 
tivemos tempo de atirar huma so pedrada da gavia : tinha* 
mos além disso ppucas lan9as , e poucos dardos , mas com 
estes mesnros poucos faziamos-lhe muita guerra ^ devi^-^ 
mos tambem attender aos vinte e quatro Mouros , que 
aprezaramos no zambuco , e fazello's descer debaixo da^ 
coberta ; pois os da nao desejavào muito tellos comsigo ^ ^^'^^^^^<^ 
e f^ziao quanto podiào por se emparelharem comnosco, ^ (iJ^§^^I; 
por ser a sua nào muito mais alterosa de que a nossa ;. O 0;^5^^^^^^ 
e se com effcito o conseguissero , nào tinhamos esperan^a ^&aM^^)U 
alguma de salvafio , porque nos recebiào cada hum com. ^ ^y^^^^"^^^^^^^ 
tres ou quatro pedras , e davao-se tanta pressa que Arti- ^ ^t^^^^'^t' 
Iheiro nenhum podia chegar a sua bombarda , ncm fazer- ^^^n^^ 
Ihes mal senio com béstas , qae algumas vezes maravao "^^ '^ 
aignem. Com tudo faziamos voltar para traz os que que* 
riào saltar na nossa nao, e elles igualmente faziào nos o 
mesmo. Estavao em nossa companhia huns quarenta ho- 
mens dos bateis ; mas nao apparecia ninguem que naa 
se visse logo com vinte ou trinta pedras à roda de si , 
e algumas fréchas de mistura com ellas. Durou a bara* 
Iha até tnuito pela tarde , em hum dia o maior de an- 
no; e era maravilhoso ver o impeto com qire combaciao; 
pois ainda que Ihe ferissemos e marassemes bastantes , pa- 
rccia que nào sentiào mingoa , nem faziàe case das feri* 
das ; tanto , que se atreverào a descer ao nosse castello 
de diante quatorze ou quinze homens : foi entào alli a 
for9a da batalha , porque estavan^os atracados pelo castel- 
lo , e elles corno laivosos e danados, nos ferìào tao rf» 

ja. 



178 Naveoa9a5 

jamence , que Fomos obrlgados a de$anìptirar aqaelle (x>s« 
to , pois ainda que Ihe pozessemos as lanpas aos peitos , 
corriao aobre ellas sem meJo algum, canta era .1 sua rai- 
va. Em firn ja nào escava naquelle lugar senao eu ejoao 
Buonajracia Capitào da nao , armado com huma coura9a 
descoberta jà coJa amolgada e descruida com as pedra- 
das -, e Forao ellas cancas e cae<; , que ulcimamente Jhe 
quebrarao as corrèas , e Iha iìzcfào cahir cm terra. Nisto 
tinh&o jà entrado para dentro alguns Moaros , e o dico Ca- 
picao voltando se para mim g/tcou * • Esctivào Thomé Lo- 
s pes ! que Fazemos riós aqui depois de codos se cerem 

9 retiraJo r b e assim sahimos jà bem Feridos. OsMouros 
cntràrào immediatamente no castello dando grandes gritos, 
e OS que estavào na nào tomàrào com isto alenio e en- 
soberbecendo-se combatiào mui Feramence. Os marinhei- 
r03 que tinhao vindo ajudar-nos , vendo corno o castello 
da proa estava perdido , que and^vào jà muicos Mouros 
por cima da tolda, e que outros tinhao descido para bai- 
xo do castello , perdèrao o animo de modo , que se dei- 
savio ao mar acolhendo-se aos bateis : fìcàmos pois mui- 

10 poucos , e a maior parte Feridos , mas com tudo ainda 
assim peleijavamos com os inimigos , parte dos quaes se 
reciravào dando lugar a outros que vinhao de novo ; de 
modo que nunca se experimencava mingoa , e estavao al- 
guns tao Feridos, que quando pensavao volcar para a sua 
nào, cahiào ao mar e morriao, Os desouto Mouros , que 
.acima dissemos tinhao descido comnosco abaixo do cas- 

cello da proa , matàrào aqui huro homem , e Ferirào dous 
cu tres , e mal nos podiamos <leFender das pedrad^s , 
amda que a vela nos amparasse alguma cousa : estando 
neste aperto encaminhou-se a nào Joia dando mostras 
de .querer abordar a ourra ^ pelo que os Mouros deìxan- 
do-nos , voltàrao todos para o seu bordo , cortando-nos 
quando se desaffcrràrào algumas enxarcfas ; tudo por jul- 
garem que a nào Joia os queria abalroar, o que com enei* 
to nào fez (a pezar de ser maior do que a nossa ) pois 
OS via sobremaneira infiamados. Nesra retirada ficàrio tres 
delles morcos às lan9ad^s , e por certo se isto nào tivesse 
,accontecido , ter-nos-hiào tracado muito mal; porque erào 
jnuitos e nós poucos , a maior parte Feridos , e cao mal 
de armas que se póde dìzei que as nào cinhamos. A nào 
]oia se avisinhou à ourra , e ihe arlrou c'ous tiros de bom- 
Jbarda , nào Ihe podendo fazer outro algum damno. O Al- 
mi- 



a's I n' d I a s O r I e h t a c s; 179 

tirante entrou na nao Leonarda • ecom se*s ou sere ouctat 
das principaes da Froca , se poz em seguimento da nào 
inioiiga, qoe hia navegando com a corrente da agoa, e a 
penegiiirao qaario dias com qaatro noutes ,. tem que ne- 
nhoma dellas a podesse afferrar» e aó quando passavao de 
costado , Ihe atiravao com bombardas ; ]i os nossot esca- 
vao resolvidos a nào a peVseguir mais , se hum dos Mou- 
ros n&o se tivesse lanf ado ao mar , para vir dizer a Ca« 

titania , que se Ihe dcssem vida elle htria a nado arar 
um cabo a femea do leme da nao , para poderem incen« 
dialla ', e pondo isto em pratica , o Almirante Ihc conce- 
dee a Vida, e o deo a ]oao de Vera. Tmha elle. com- 
sigo sincoenta e tantos xarafins de euro , e contou do gran- 
de cabedal , que estava na nào 9 o c^ual lodo foi lan^ado 
ao mar , alcm dos muitos mantimentos que trazia : con- 
roa-nos tambèm que nos vasos de mei e deazeite linhao 
escondido muito ouro, praca , e joias ^ alijaiido tudo , quanr 
do virao que nio Ihe queriamos perdoar as vidas : e a sua 
furia era tal , que vimos algumas vezes no meio da ba« 
talha alguns feridos de frechas cirarem-nas fora , atiran* 
do-as para nós com a mao 1 e continuarem a combater co- 
rno se nao sencissem nada« Assim depois de tantos com* 
bates , fez o Almirante por fogo àquella nao , que ardroi 
com quantas pessoas se achavào dentro , com motta crueU 
dade» e sem comisera^ao alguma. (4) 

Depois disto concluido y encontroa a nao S. Paulo qua* 
tronaos grandes elhesdeo ca9a , porém ellas fugirio par 
ra terra ; tres entràrio em hum no , e a outra encalhou^ 
na praia , e chégando aonde, ella estava a abordàrio seni 
embara9o. Os nossos para nSo encalharem tambem lan9àf 
fio fora huma ancora ; e porque a nào dos Mouros esra* 
va deitada » e a ancora os nao podia segurar por ser q 
vento forte e o mar grande , a largarlo por nào se per^ 
derem com ella. Logo que os Mouros se virao abordados, 
se lan9àrào ao mar; alguns delles salvaràose no seu ba-? 
tei , porém muitos se afibgarào , e a nao se desfez pou^ 
co a pouco pela for9a das ondas. Os nossos estiverào so^ 
bre a ancora ainda algum tempo j ^em acbarem outro meio 
Notte. Ultramar N.^ V. Ce de 

C<) Barros diz expressamente que o Almitante mandou recor 
iber vinte e tantos meninos , os quaes depois mandou fazer Ciiris- 
tSos « e o raesmo Tbomé Lopes o di a entender adiante , em ó 
CapitttloXlII. 



de récolhef algtins homens , que cinhao lalcado em a nao 
ààs Mourot <}uan(io abordàrào , senào o de deitar fora o 
batd para h'ir buscalios ; mas por causa do grande impeto 
do mar , nao podérao tirar nada do que estava dentro, 
aenào algumas espadas e adargas ; e entre tanto estava 
muira gente na praia , apanhando tudo quanto o mar dei- 
cava fora. 

CAPITULOX. 

Como ElRei de Cananor fallon com o rimirante , e o$ nossos 

tomdrio bum zambuco de Mcnros que bia para Calicut , 

€ da carta que tscreveo. aquelle Rei ao jilmirame. 

J\0$ desouto de Outubro de mU quinhentos e dous che- 

Samos defronte de Cananor , e vierào logo alguns homens 
e importancia da parte do Rei a visitar e saudar o Almi- 
tante , dizendo-lhe que elle desejava fallar-lhe ^ e para is- 
so ajustàr&o odia. £m o seguirne fez £1 Rei construir so- 
bre mar huma ponte de madeira multo grande , da lar- 
gura da de Lisboa , e bem ornada : e no mesiro dia man- 
dOQ o Almirante preparar huma caravella , com a popa 
coberta de velludo metade carmezim 5 e metade verde , 
e tiella te meteo a gente mais luzida da Armada , e igual- 
Olente nos bateis das naos , com muitas bandeiras , trom- 
betas , atabales , e tambores , e com muitas dan9a& , e fo- 
Ihis ; bombardas , lan9as , béstas e outras armas ; e elle 
com hum apparato muito custoso , vestido de seda , com 
doos grandes tolares de ouro , hum ao pescoco, e outro 
« tiratolo , le assim foi para a ponte que tinha duas en« 
Ihidas huma da bahda da terrà, outra da banda do mar, 
dmbas tobcrtas com panos piAtados. O Rei chegou com 
ebra de qiiatrocentbs homens , com a» espadas e adar- 
^i vtriUblhas , itiuitb vistosas ; outros com arcos e fre* 
thas , tììxìcfs com partazanas : tanto elle.como a sua co- 
DfkUi^ nio tinh&o otìtro testido , senio hum pano pin- 
tàdb qiit o fcnv^fvia da cintura para baixo > o resto do 
tàìfts éitava nù , e linha na cabe9a hum barrete pio- 
tadb. Este accoiVìpanhamento ftcou hum pouco affastado 
dà ponte , porque assim se ordenou para ^egiiraii9a ; e 
ElRei ehtròb na primeira pousada, que era hum pequeno 
gabinelte , e dtstak)9(ou hnm espa9o , nio s6 porque fazia 

rncfe (caima , mas porque o Almirante ainda nio acaba^ 
dechegair. Logo qoe abordou , ElRei ae foi para elle, 

e 



a's I K D 1 a 8 O A I B «f T A K t* <€l 

eoachou cotn trinca homens j porque se cinba ajuscad^ 
que nem hum nem oucro levaria mais deste namero : 9 
motivo porque Fallarao deste modo , foi porque o Almi- 
rance Ihe disse que tinha regimento de EIR.ei para nÌQ 
(iescer em terra , e assim escava hum na ponre e o ou- 
tro na sua caravella. Vinhio diante do R.ei dous homenf 
com bastòes grandes , em que esdvao pincadas humas ca- 
be9as de boi com que faziào vento a ElRei , nào saben- 
do nò% se isto era por magniiicencia , ou pela multai 
calma que fazia : trazia tambem outros dous homens 
con oucros bascòes , e em cada hum delles hum mosqui- 
teiro branco com o qual andivao baiLindo corno em Por- 
tug;il as crian9as (/i). Logo que ElElei , e o Almirante 
chegarao ao pé , apertarào as maos em sinal dc^amizade; 
e depois que fallàrào hum pooco por meio de hum in* 
terprece , deo o Almirante ao Kei certos vasos de prata 
douraJa muito ricos , bacias grandes , gomis , saleiros 9 e 
outras cousas ; sendo criticaJo por alguns de Ihas ter da- 
do pela propria mào , pois parecia estimar mais aqaelle^ 
trastes de prata , do que elles o ojro. O Rrei deo iguat- 
mente ao Almirante, porém iiao pela sua mào , muitas pe* 
dras preciosas de grande valor , e igualmente aos oucro3 
Capitaes e Gentis-homens 9 mas nio tao ricas 9 mostran* 
do que erao cousas que nao estima vao muito, a pezai 
de serem mui preciosas. Depois disto rogou Ihe o Almi- 
rante, que fizesse pre90 ds especiarias , e às mercado- 
rias que elle levava ; mas ElR.et Ihe respondeo que nao 
era tempo de Fazer semelhante contrato , nem elle tinha 
especiarias naquella occasiao , por nao, Ihe tercm ainda 
chegado , que na manha seguiste elle Ihe mandarla aqueU 
les Mouros cujas eilas erao ; os quaes entao estavao em. 
terra , e Ihes ordenaria que se ajustassem com elle , por 

Ce ii aquil* 

(tf ) A Craducqào Italiana està hum pouco confusa , pois he da- 
rò que nem os Indios podiao abanar coni os bastòes' , nem he 
provavel que dan<;as^em com o5 mosquvteiros. Eis-.aqui a passa- 
gem de Barros : » F.IH.ei vinha ein lium andor de que elles uzao , 
)l as costas de cercos homens , mui bsm vestidos a seu modp 
) com panos de seda » e per cima o cobriào tres , ou quatro 
)> sombreiros de pé de copa de lìum grande esparavel ». que fa* 
^ zia sombra , nSo so neiitcr i pessoa de EtRei , mas ainda aos 
^ homens que o traziao aos hombros. Outros traziao abinos a(- 
^ tos cwxì que al>anavìaó , corno que Ibe queciSo refrescar o ar per 
* «nde passava , &c 



aquillo qne fosse rasoavel. No dia seguinre vlerao com 
cffeito OS Mouros , mas pedirio-nos hum pre9o multo 
maior do c^ae daa oucras vezes ; de sorte noe depois de 
moitas razoes , tiao se poie concluir parrido algom que 
bcmi fosse : pelo contrario mostravao nào quererem as 
aossas fazendas , para com isto se escuzarem de nos da-. 
rem as soas por hum prego justo , corno homcns que fol- 
gariio muito se nao civessemos achado carga em logar 
algum. Conhecendo isto , despedio-os o Almirante coni 
grande sanha , e mandou dizer a ElRei que bem via que 
n&o Ihe imponava a nossa paz , pois nao queria tratar 
pessoalmeute com elle , e Ihe mandava Mouros , que co* 
ino sabìa tinhao odio anttgo aos Christaos , e erio mvtì^ 
to nossos inimigos ; e visto que so com Mòoros he que 
linha a contratar , tambem queria contratar com elle , e 
assim alguns fardos de especiaria , que ja estavao na Ca- 
pitania sem prego , elle ihot mandatia no outro dia de 
snadrugada , com tantos tiros de bombarda com quantos 
OS tinha recebido. Estando àssim enfurecido , veio da ter- 
ra Paio Rodrigues Feitor do S r. D. Alvaro ; o qual estava 
iiaqoella Cidade tendo là Scado da viagem passada , e o 
Almirante Ihe ordenou de nao tornar mais a cerra , por ter 
quebrado as pazes com ElRei. a Nio queir a Deos , Ihe 
> tomou elle 9 que^eu àk tao ma conta de mim ao meu 
9 Sr. D. Alvaro i aonde se aventurarem os seus bens , tam- 
s bem eu me quero aventurar, a e com isto voltou para 
terra. Em quanto Ihe durava està paixSo , tomou oAltni- 
fante a mandar dizer a ElRei ^ que queria partir do se» 
|>orto 9 e hir procurar carga para as naos ; que nao Ihe 
segurava os Mouros da sua terra , e assìm esperava 
the mandasse dizer se os Portuguezes , que nella estavio 
ficari&o seguros ; e senio o «stivessem , Ihos mandasse 9 
pois de outro modo jurava y que se Ihes fizesse algum 
mal ou desgosto » os seus Cafres o pagariSo ; (^chamio Ca- 
fres aos naturaes do paiz ). Partimos deste porto de Cana* 
fior hum Sabbado vinte e dous de Outubro , ccAn venta 
bonanga, sargindo de noute e navegando de dia; e se- 

tuindo assim nosso rumo para Calicut , vimos hum zamr 
uco ao qual {>or ordem do Almirante deo caga huma ca- 
favella, e Ihe tomou a terra por nao se acolher a ella 
comò ja principiava a fazer ; tomamo-lo com obra de 
vinte Mouros ou Cj^fres , e achamo-lo carregado para Ca« 
licut com Cairo e cocos -, e hindo cosieando para Calicut » 

vi-" 



^^os «So oozia^s crom a terra 
^^^^ 3 ^s cjuacrs forao ouro fc^ 
as caravella» em hum^ das «mj 
50 princtpÌ3rao a acir.^r-lhe co 
^perràrao , cjue se principiarlo 
jiado. A]^cT%^s ^io isro hum Sen 
*fao as naos -, de-ir^o-i:! ^ correr |>a 
^nti huniA -sà,lrr\sL<ài Sk o-om sete 

le 



»9? 



^ dei c<>«x 

<^ a.o Alinirai^ce IF»^ disse 
^tvatvor , e <]ta^ roda, a «^«a eli a tcrr^ 
tTa «vigelta ; <]u^ ^sc^ ^<.ei cinha ~ 
• ^OTiuguczes , « jpor »i 
iO alU as «uas r»àos » <3o que e»- 
do a ElRel de C3ali«;«xe f>Ara artn 
<\uando .preparo» sa saasa <?acf>cdi;So 
s <\ae por isso crA^i^ S*'^*'*'^ com <3 
6 et» por elle mal era.» a do r 506 al - 
i %tande amigo de E:.! £<. ^à de Cochia 
»s»'io elle deixaria ^«raa Ip^nHor aqta 
•»So tinaia trazido » aa«^ ^scaa^ certific 
^e dilla , e assiin «e Fé»- :Plm Aquella. 
* Wt à Frota hum crìadc»- «1« ^S.*** ^* 
*Ma o Almirante , aa««<» d« EllK-ci , 
"** «sposta i embaiaca^d A ^«ae aquell* 
;^ ?»««<•, nas qaaes lla« «il. scia ^« «" 

'^ ««dita a,zei , x^cwx» JP<>' ••*5L pf J 

l.^HetvaUici, poi» t»S.o *"*."iL. - ei 

^ì *aMm(^tte stelle \»«»»3V«r««« ■^ «So o I« 

\«4^emo,^8to(^ttcoMrr»trsa«a«^^ * isso «"« 
^t ^^tóime 00 cttdcsse , «*««]^ ^a«-i «t^ie» «a si 
%tn,eoinesmo da\aPa»«> *^^^ d«sp«'""'" - 
*« «J» (5im» wu com isto - R» V* ** *^ 1»« <joe E« « 
3?" W cw«lW> dvto ^*»*Liir.««' «> *'*''*^ 



*r.«r. 



»»^' 



t^is bem 
^ s hia a 
l>onibar- 
«i^itar ao 
«" da quel- 
a praia , 
oufo ho* 
vassallo 
circucn- 
e ami* 
he que 
prova nio 
con tra os 
urterà Joaa 
ilo Rei de 
eli sto era 
^ e que te 
* ^ ^s homens 
'^^^> fdc cvdo 
■^f^^sma non- 
■=*^^«Bucs com 
^^mrjo de seo 
"limila man* 
^^ craso die o 

^-^ '^r a cju etra- 
^^ IS^àl j a qual 
^>1brar nada 
^^^«l>ar astia 

• <Jo Pofttt- 

• • l^e a gttCt^ 
^■'i^ a mal: 

_^^^a^So »• 

l^^«^iìdo-lh« 

« silici»® ^ 




t84 Nastoa 9a6 

o que elle recebeo fazendo^lhe pagar ^tudo pelo seo vi- 
lor , e carQ(Hi*lhe a mandar os homens que tioha deixado 
aa nao , dizendo-lhe que por amor deElReì deCochim» 
de qusm seJizia parente, he qi>e Ihos entregava , e igual- 
nence por seu respeito havia a nào por segura. 

CAPITULO XI. 

Como hindo eostesnio para Cnlimt , e aviuandO'Sc b$ttna gran* 
di ndo , Si tomon a uselu^ao de a nio qutimar por 
str cbamado o Almirante a tratar paxes com 
aqmlle Rei. 

Jl ArtioBOS daqoi em hnma Quarta feira vìnce e sinco de 
Outubro , seguindo a nos&a viagem paraCaItcur» e hin* 
do. astim cosreando , vimos muico ao pé de terra , hu« 
ma grande nào ; pelo que o Almirante se meteo em a 
caravella ( porque a Frota escava coda ao largo)« e se avi- 
sinhou a ella para a reconhecer ; loj;o que volcou fez 
Ì9ar bandeira , com o que forao todos os Capiraes a seu 
bordo s e concordirao^ em nao a queimar , por ter sido cha- 
mado o Almirante porElRei de Calìcuc, de quem tinha 
recebido cartas estando em Cananor , em que Ihe rogava 
fosse ao seu porto pam assentarem paz e crato de mer- 
cadoriaa. Soube^se cambem que aquella nào era de ]a- 
deos , que negoceào 'multo por coda a India , e rem gran- 
de quantidade de espedarias que alti vao vender » e por 
tudo isto determinàrao nao Ihe meter maior susto , mas 
que- o Almirante os mandasse chamar a terra , com ham 
segoro para tratar com elles paz e commercio , e assim se 
fez ; porém elles nao quizcxào fiar-se em nada do que se 
Ihes promettia. 

CAPITULOXII. 

Da coma qut moveo ElRti de Calieut a escrevtr ao Alter anit 
para vir ao seu porto. 

yjE\xm.o% de etcreyér acraz , corno escando o Almi* 
rante «mCainanor, te ve cartas de Cochim escricas por Con* 
(alo Gii, que alli tinha deicado Joaò da Nova: (4) coll- 
u- 
da) Gongalo Gii tinha sido deixado emCochim por?ed(oAl' 
Mtes Cabrai, 



A*s Indiai Orisntaes. iS^ 

tava elle corno EIRei de Calicut escrevtra coni ir^uitas itt^ 
tancias ao de Cochim , no tempo em qaé a nossa Frota 
estava em Anchediva , dando-lhe a saber que nas partes^da 
India tinhào passado vinte grandes nàos rortuguczas , que 
vinhao para prejaizo , e datano de todo aquelle paiz i por- 
que nao Ihe poderia escapar navio algum dos que encon- 
trasscm j e que este damno ainda seiia maior , huma vez que 
OS Chrisfàos se podessem fazer Scnhores de algoin ponto 
em terra: o que tudo bem considerado, nao tìnhio senio 
hum unico remedio , o qual se senào tornasse estavSo tO" 
dos perdidos e sugeitos , e vinha a ser , nào Ihes darem 
especiarias em toda a India por pre(o algum ; porque real- 
mente o nossofim, vindo de tao longe , nao era outrosenao 
tcUas 5 e quando soubessemos de certo , que por pré^o algum 
as podiamos aicanjar , nao tornariamos a voltar àquelles 
marea* Dizia mais, que o;modo de nos desviar , era con* 
cordarem. nisso todos os Reis , pois viSo que tcdos jun- 
tos nao erao bastante poderosos a impedillo por outra ma* 
neira : que elle jà tinha requerido os Mouros do seu Rei« 
no para armar contra os Christàos ^ ao que rinhào res* 
pondido , que Ihes sra impossivel medirem-se centra hu« 
ma tao grande for9a , pois bem sabia corno no anno pas- 
sado tinnao armado contra quatto navios pequenos que ti- 
nha Joào da Nova, e nào Ihes podério fazer tnal algum; 
motivo porque nào jutgavào a proposito expoem-se nova* 
mente. Em firn rogava-o inctantemente de buscar maneira , 
com que os Portuguezes voltassero sem especiaria alguma, 
e que elle faria com que os outros Reis e Senhores em 
cujas màos estào as especiarias , igualmcnte Ihas recusas- 
sem. A resposta , que Ihe deo EIRei de Cochim foi^ que 
ja tinha ajustado paz e commercio irui vantajcsamente 
com OS Portuguezes ^ e por isso ja rada pcdia fazer em 
Contrario ; que sabia que os Chri&tios erao hcrr.ens ver- 
dadeiros 9 e assim esperava preparar-lhes ^u^:a boa carte- 
|acao. Ambas estas cartas , isto he , a (^ue Ihe irandou 
ElRei de Calicut , e a resposta que elle Iht deo ; nos- 
trou EIRei a Concaio -Gii ; e para levar to fini tste ardii, 
he què EIRei de Éochim escreveo ao Aìmirr.nte ^ esiattdo 
^lle em Cananor , para que fosse ao seu f cnò , dizenifù- 
Ihe que nao queria senao paz e smìzade ccm os Chrii- 
tàos, e pagar-lhes a fazenda de EIRei de Fcrtogal qi^e el- 
le havia jà dado ao dono da i>ao que Fedro Ah ares tinha 
queimado; e por isso pane desses bens haviSo de serpa- 

got 







i86 NArsoA^Ao 

gos em hum pagamento , qae queria que se fizeise no- 
m:ando-se arbicros , a firn de avallar a perda de cada hu* 
ma das p.irtes , e pagando qocm Fosse devedor : que pe* 
lo que tocava i gente que tinha morrido » era isto eoo- 
sa qn^ nio se poJia pagar nem restituir i mas que quan* 
do todo se civesse examìnado , se viria no conkecimen- 
to de que os CHristaos estavao bem vingados com a mot- 
te de tancas pessoas \ tanto da nao de Meca , corno de 
moitos outros navios que Ihe tinhào queimado : e sobre 
todos estes raotivos he que o Alnùrantó se fez aa volta 
de Galicot. 

CAPITULO XI IL 

Como Almìranti fot a Calknt , t'ElRti o mandau sondar ^ 

t ptrgnntar se estava satisjeito com os Capitulos dt pa* 

zes qut elle Ihe envidrn » Aa resposta qsu o Almi'- 

ranie Ibedeo: e corno tomdmos quatro almadias 

dt pescadores e bum zambtéco ^ o quefoi 

causa da indigna^ao d'ElReu 

J\Os vinte e seis deOotubro fez o Almiranre enforcar 
na verga dous Mouros daquelles , que forio apiziooados 
tic zambuco junto a Pandarane ; porqoe forao conhecidos 
por alguns mancebos , que vinhao na nao de Meca , os 
quaes disserao que erào de C?licut, eque bum delles cos- 
tumava pouzar em casa do pai de bum dos ditos rapazes ; 
e que' tinha matado dous Chrisràos na batalha de Calicur. 
Dissci&o tambem que o outro tinha cortado htim brafo 
na dita batalha a hom Christao , e por està causa morrèrao 
com bum rotulo uue dizìa , que morriào por jnsti9a. Igual- 
mente no outro dia fez matar outro Mouro as Ian9adas5 
porque os mesmo rnpazes o culpaxào dizendo | que tinha 
roubado alguma fazcnda em aquella batalha , . e erio es- 
tes mancebos naturaes de Calicut , e volcavio da romana 
de Meca. Depois fez o Almirante rep.utir por codas as 
naos da Frota os Mouros , que tinhào sido apreztonados 
no zambuco ; e foi in. mediatamente a nao Helena e man- 
dando arvorar nella a bande ira de Capitania , nos fizemos 
a véla no rumo de Calicut emhumSabbado vinte e nove 
deOutubro, e chegàmos dianre daqucila Cidade; da qual 
n&o podiamos ver do mar . scnào buma pequena parte , por- 
que esii toda assencada em hum valle plano j e he coocr* 

ta 



a's Indias Ohientass. 187 

ta de pilmires muito slros. Quando nos avisinhamos , 
velo a Capicania hum Embaixador para visicar r saudar o 
Almirante por parte de ErlRei , dizcndo-ihe que fosse 
bem vindo ^ e que o acharia pronto a observar quanto 
Ihe hivla escriro aCananor; perguntando^lhc tambem se 
estava contente em ajustjr a paz pelo modo que Ihe ti- 
nha escrito. O Almirante Ihe responJeo que aprimeira cou- 
sa que elle tinha a fazer , era Jeitar fora do seu paiz co- 
dos OS Mouros de Meci , tanto os mercadores , corno os 
que là estavào de assento ; pois de outro modo nào que- 
ria fazer paz ncm contraro algum com elle y porque des- 
de o principio do Mundo erào os Mouros inimìgos dos 
Chriscàos , e estes dos Mouros , e sempre tinhào andado 
em guerra huns com os outros ; por isso , contrato ne* 
nhum que fìzessem seria firme; eque a firn de se-Io da- 
qui em diante , nào devia ElRei consentir, que nenhu- 
ma nao de Meca abordasse nem commerciasse nos seus por* 
tos. ElRei mandou dizer ao Almirante, que na sua terra 
havia de quatro a sìnco mil casas de Mouros ricos , e gran- 
des mercadores , os quaes a ennobreclào , e que sempre ti- 
nhao sido bem visros , e acatados pelos seus antepassa* 
do» ; tendo-te mostrado sempre leaes , e fazendo-lhes mui- 
tos servigos , a&stm comò a ellej e emprestado muiios di* 
nheiros para as argencias da guerra , com muicas outras 
cousas. que seriào longas de referir ; e por isso pareceria 
a todo o Mundo cousa fèa e indigna , que nem elle devia 
fazer , nem o Almirante tentar , mas que afóra isso 5 fa» 
ria tudo o que fosse decente : mostrando n^esta sua em- 
baixada* grande desejo de ter pazes comnosco. Em quanto 
se praticava isto entrc o Rei e o Almirante , sahiràa al- 
guns pescadores da Cidade com as suas almadias, ef^des, 
tendo confì.infa em que se conduisse a paz ; mas quando 
estiverao hum pouco afFastados da Frota , mandou o Almi- 
rante que alguns barcos dos nossos fossem assaltar os 
dos pescadores ; e assim aprezarao quatro com* os.ho- 
nicns e redes que estavao dentro ; depois disto mandou- 
OS junto a Cidade , por Ivum rio acima que banha hum 
Udo della , a firn de aprizionar hum zambuco que alli es- 
tava , no qual tomàrào alguns cocos , e mei metido em 
alcofas porque era mnito duro , e outro mais liquido era 
odfés de couro muito *ortc , cosidos com cairo, e huma 
grande doma de agoa, que diziào levarla seis ou sete pi* 
P^s« Nào se póJe duvidar que tudo isto foi causa da in« 
Notic. Ultramar. N,° V. • Dd dir 



t88 Natbga9a6 

dlgna9So em que depois ficou o Rei , por Ihe parecer que 
OS Christàot tinhao mais prazer cm roubar e andar pira* 
ceando pelo mar , do que cm fazer pazes e amizade , « com- 
merciar com elle (^): por cujo motivo se cncolerizou 
tanto , qoe Ihe mandou dizer , que se queria pazes haviao 
de ser sem condi9ào alguma , e se queria a fazenda de 
EIRet de Poriagal que tinha fìcado na Cidade , Ihe de- 
via pagar roda a perda e damno que os Christios tinhao 
feito no scu paiz , e dar-Ihe ludo o que tinha sido tirado 
a nao de Meca , que era de vassallos seus. Aìém disto di- 
zia-lhc que o porto de Caiicut sempre fora franco « e que 
flSftim nào podia prohibir os Mouros de vinm traficar nelle, 
nem mesroo despedir Mouro itlgum: que se se contentava 
com isto , contratariào sem se darem refens , e so debaixo 
da sua palavra : se porém nao quizesse , podia partir logo 
do seu porto ^ no qual nào devia ter demora , pois par» 
isso Ihe nào dava Iicen9a , nem para se demorar ero por- 
co nenhum de roda a India. 

CAPITULO XIV. 

Da sobtrba resposta que o Aìmirante mandcu a ElRei deCa» 

licHt y € corno OS navios Portnguezes se chegàrao 

d Cidade. 

Re^posta do Almirante foi muito altiva, pois Ihe dizia 
qae elle era creado do poderosissimo Rei D. Manoel seu 
Senhor^ e que so por ser seu creado valia mais que elle 
Rei de Caiicut ; pois sea Amo de huma palmeira faria 
hum Rei semelhante a olle ; e que tanto Ihe importava a 
sua ordem para partir , quanto a elle a sua Iicen9a para 
mastigar o seu betete ; que em prova dMso chegar-se-hia 
il>ais à Cidade , dando-Ihe tempo até ao meio dia seguin* 
re y para haver a sua resposta \ que desde logo Ihe pro» 
mettia mandar algumas daqucllas naos carregadas de espe- 
ciarias y a ElRei de Portugal seu Senhor ; e que as ootras 
iìcariio naquellas paragens , a firn de fazer«lhe guerra ; 
pois o aeu Rei era tao poderoso e grande , qoe Ihe 

man- 
ali) Depois da carta que o Aiithot refere no Gap. XIL parecc 
nSn ter fugar està reflexào : pois pela dita carta se v£ que £N 
Kei de Caliiut nunca quiz taes pazes j e sé sii» «mbaragar aos 
Fortuguezes o seu commeicio. 



A*$ IXDIAS OrIBITTAES. l8p 

mandarla quancas naos e gentes fossem necessarias , para 
combater por mar e terra , e desrruillo totalmente. Ncs- 
te me imo Domingo de tarde, mandoy o. Almirante a to^^ 
das as naos uue se avisinhassem à Cidade , sondatìdo prj- 
meiro para saber até aonde podiao chegir, e fazendo por 
balizas ; fizerào-se pois a irei a so com o traquete , e Forao 
surgir junto i Cidade com a proa para ella ; e ancorarao 
sobre dous ferros , bum para o mar ourro para terra , tu* 
do a firn de que a artilharia grossa podesse jogar Jo cas- 
tello da proa ^ e a da terra nao Ihe iizesse tanto dnmno. 
A Capitania , a Esmeralda , a Leonarda , e a Fior de la 
mar , fica tao mais ao largo por que erao nàos gcandes» 
Naquella tarde e nome , esteve muita geme aa praia com 
lanternas , p nào cessirao de trabalhar em fazer fossos na 
area , ordenar as suas trincheiras , e assestar artilharia ; 
e logo que foi dia vimos que a gente que andava pela 
praia , era em muito maior numero do que de noute nos 
parecèra. Nesta mnnhà mandou o Almirante , que scavisi-" 
nhassem as naos a Cidade quanto poiesscm estando prontas 
e apparelliadas , e corno vissem arvorar huma bandeira sobre 
a gavea da Leitoa velha , enforcassem os Mouros do zam* . 
buco apanhado em Pandarane , que acima dissemos terem 
sido repartìdos por todas , e igualmQnte muitos Cafcjes , 
que cinhamos tomado nas almadias j ordenou taml>em que 
OS gaindassemos bem acima , para serem mais bem vistos , 
supposto estavamos visinhos a Cidade. Fcito esre apparato 
mandou dizer a todas as naos por bum Escrivao > que pas- 
sada huma bora depois do meio dia , se vissem que nào 
v'mha resposta alguma da Cidade ^ enforcassem os Momos 
no lais da verga , o que com efFcito succedeo a trinta e 
quatro. Estava na praia bum sem numero de gente , e sa- 
hia muira da Cidade para ver os enforcados , estando corno 
insensaros aolhar para elles. Nisto disparàrao hum tiro de 
bombarda grossa da nao Almìranta , e igualm^te de huma 
caravella , os quaes dando aonde esrava aqùelle montào , 
deiiàrào muitos por terra : vendo Isto as outras nàos atirà- 
rao tambem , de modo que em breve espafo ficou a praia 
limpa, e se al^uns se demoràrào mais por nao serem tao 
ligeiros , deitavào-se em terra e depois se levantavio , e 
fugiào ou se arrastavào pela area a modo de cobras. NÓ3 
tnofavamis delics , e ihesudavamos grandes apupadas cjuando 
OS viamos fugir, e serem tao -cortezes que immedia amen- 
te limpirao a. praia ^ alg^tns porém. ficàrao.cscooJidos nos 

Dd il fojs- 



/^ N * V « « , 5 , 5 

fossos qae tinliSo feùo . :,,„,« / 

»s nessas naos , mas PoLc«Cl« "'"* '^^um tiro p„, 
dia tambem qu.e alguSas das «o °\'^'^P/egavao. Saccc 

H>go para à Cidade, e vinhSo ""''^®' ^ «<>«• «'o fusiio 

do e vindo de g«inha, :" a sua '^1^!»,"^ "" '"8" ' ^^ 
duas outres pe9as mas, nioAwLr ^ o'^P'"'''» se de 
tav >o moito tempo a carreLr ► f«" ?<>«"!>, e gas- 
atirar até a noute para a Cit^X' ' "*^'" "'* ""°" ''' 
mos nas casas , poucas oa nf^^ ™" posto que acmasse- 
que nfio crao de pedra e cai- r^,* '^V"'»?''*""' . F" ^ 
faziào ham grande buraco e'. ^^ aonde d^j^ „ taUs ; 
palmares, produziao hum tSo pron^"* " *? P<" »1"e"«s 
se deitavSo as arvores abah^o^? «trondo <jue parecia 
via-8« sahir o povo que r.«r, <^°'n machados : ai vcies 

mandou o Almirante diaer L „ • ^"' '^ .'"'" ''' "*""* 
forcados , e Ihes cortassem !. iL ^"* """*•" ^* "" 
PCS , e que deitassem ao m»r t.^'^^' " "'*'* ' ^ "' 
tendo todos os outrot memhL? '""" *^°' *^*"P'" » '«">«• 
fez embarcar cm huma aCadl! 5'" * '"l"/°' f *5"*" 
zionadas; e mandou escrev^rL* r '^"t ''."'''** *',^*' ^P"^' 
mado Frangola , ham escrir», ^"S®'' "<^'^na « •">«" cha- 

« esce porto com boa mercadKi',"" """"*'? ' " ^" '''"' * 
» e pagar o$ vossos gene,o7!*"*? P"5 vender, comprar, 
> rerra : eu vo los envicv A ' '"° °' geoeros desta 

» Rei i se quereis a nowa ?I^?,^T' *'*"'". "•"^^'" *.^'- 
» piar por pagar o Que -^ anuzade , tendes que princi- 

» àa .vessa palavra e seguS" i*"""* P"'*» ' *''''•"'*'' 
» q«f constar nos HzestiisZlJr^'' Pjgarcis a polvora, 

» q«'«xde« a nossa *miz»df tiLt'^ ^'^" ^^ '«<>f''«« 

"" » seKmos amigos. a 

e A P I T p b o XV. 

>'«a carta foi atada t.» „ , 

posta a prumo sobre a nr^fJ^L*'* *"* <*« fi""» '^"9» 
que se podesse ver de Io»»Ì '"""^ almadia , de modo 
za a hum batel . aue a if ' * **"''* ««" almadia pre- 
onde mar cspraiavl juntoTcidad'/^*'^"'^ "* hum lug„ 
j^utQ a cidade , e apenas a dcixa- 



» 1 A a O K 1 B N T A E S, ipi 

ias a levarao a terri» : o prìmeiro Mou- 
legou av]ui , pcgGii di carta nao a cjìic- 
ittos que depois vìerno , e quizerao tl- 
Almìrantc mandado ()ue cesfa^se a arti* 
lug.ar a sahirem Hr CIdnde » vercm o 
e coni efFcfto aìrd^ qoe Fosse multo rar- 
nsR gente levada pefa curio^idade , e cerno 
\Adia , yoltavào a cara , monrando o seu 
iSteTna9ào ^ porquc além do que viao , nao 
:> seguTos , e havia tal qne vinha correndo, 
c^aeVlas cabe9as voltava lego , oucros pcga* 
^s \evavao muiro afFascadas <ie si; nós està* 
\>ctto 3 e vìamos bem o que se passava ; vigià- 
ueWa noute , por causa do granché ruir.or qne 
tetta , e pelos cancos que cntoavao sobre os 
en^OTca-ios que o mar tinha deitado foia ; e 
uaLO (ót dia nào descan^arao de andar com vé- 
ttxÀs ) concertando as suas trincheiras , com me- 
issetnos por foga à Cidnde. Assim que esclareceo 
se^mnte , aos deus de Novcmbro , principiàrào 
T\àos por ordem do A) mirante a atirar com ar« 
^tossa ) lendo-se prohibido atìrar de noute , 
se elles' nos atacassem : a maior parte dos c'i- 
te segando dia forào as casas dos Senhores e ou- 
^tsotxagens , que estavao muito entranhadas na Cida* 
o'\s as ptoKlmas ao mar estavSo jtf todas destraida&,.e. 
vav\a t\dlas senao gjsnte de pooca monta que tinha. 
Y\patadQ a maior parte. Vimos tambem neste dia le* 
.2Lt-se grande quaniidade de povo do lugar onde ca- 
) as \>a\as , oue as naos principiàrào a lanf ar desde o 
npei da alva até ao meio dia , atirando para cima de 
UTocenias \>Ofnbardas gossas » pois eiao dezaaeis naos 
òtn duas catavellas , e algumas taziao. fogo com dez pe- 
^s , e muUas detlas disparàrào passante de trinta e sinco 
i c^uaienia tiios : neste dia corrcsponderSo-nos mal , ou 
Y^i !\ao tetem polvora , oa por verem que nao nos faziio 
damno a\gum : depois alfascar21o-se as nao» , e avisinha- 
lao-se as oucras qaatro (|ue rinhao ficade ao largo -, e 
entao fez o Almirante repartir por todos os cocos e met 
<\\ìe ac\\àTaiO em o zarobuco ; e assim que foi descair 
Tt^ado (ez conduzit janto a Cidade , e por-lhe fogo, 
alitando toda$ as naos surtas , e nòs a cear , vrmos 
\u da Cidade dez ou doze almadias que sahiio ou para 




igi NATtoAgAo 

l^var comsigo a embarcafio iticene]! ada , ou para cortar 
hum cabo coni <)uc escava amarrada , para a corrente a 
arrojar a terra ; os nossos embarcarào nos bateis , e fo- 
rao-se a efies ; e senio escivessem tao apaìxonados , e os 
tivessem deixado aproximar mais , teriio tornado a maioc 
parte ; mas assim que virao vir os bateis , rolraiao outra 
vez para a Cijade. Os Portujuezes sahirao tao futiosos , 

3 uè em pouco tempo se aproximarao tanto, que parecia 
as nào3 qu^rerem afFerraltos ; e de espa9o aespa9o Ihes 
atiravào com bombardas , e elles com as frechas ; mas vi- 
rao-se por firn em rat aperto , qae varàrao em terra, on- 
de saltàrao fuglndo pira a Cidade , nao tendo mesmova 
gar para levar os arco* e frechas. Os Portuguezes nao se 
quizerao arrtscar a hir buscar o que escava nas almadias en- 
ea! hadas , porque se cinha apinhado multa gente na pr.ìia . 
a qaal estiverao atirando hum grande espa9o , de modo 
que quando voltarao para as nàos era jà noute fechada. 

CAPITULOXVI. 

Cono OS Portuguezes se fizerao d véla na volta de Cocbim , e 
do que contou Gonzalo Gii a re spetto da Jrmada que hi a pa- 
ra Cdicut a qual se perdeo no mar por causa de huma 
tempestade : corno humfilbo de ElRei de Cocbim Joi 
saudar o Alnirantc , e ngrndecerAbe a mercè 
feita a bum parente d* ElRei de Ibe salvar 
tres navio! , e comò se Ihe offcreceo pa- 
ra dar carga. 

JjiM huma quarta feira pela manha cres de Novembro, 
fizemc«nos a^véla na volta de Cochim , e deixamos ficar 
seis nàos e^huma caravella debaixo do commando de Vi- 
gente Sodré , para impedir que viessem por mar tanto os 
comestiveis , comò outros generos. Na segunda feira os- 
to do dito mez , chegàmos diance do porto de Cochim \ e 
logo velo a Capicanìa Confalo Gii , que alli tinha ficado 
em a viagem passada i e contou ao Almirante e a muitos 
outros , comò t'inhào vindo cartas de Calicut de certos 
mercadores Mouro9 , a outros mercadores de Cochim , as 
quies referiao o grande preiuizo , e morrandade que alli 
tìnHamos it\\o \ e corno na Cidade se morrìa de fome, pois 
por causa das naos que ficàrio de guarda , nem hiào man- 
cimcntos de fora , nem podiao pescar ho maf : contou 

lam- 



a's I N D 1 a s O K I e k t a b s. ip^ 

tambem comò por causa de hunia tempestade se tinha per- 
dido hum grande comboy , que hia para Calicuc carrega- 
do de viveres e mercadorias , em oue encravao mais de 
duzentas vélas tod»s afretadas porElKei para dcpòis armar, 
conerà nós ; e corno huma destas nàos , que era multo 
grande pòJe agoentar o mar melhor do que al ourras , 
a pesar da tempestade , e escorrco até Cocnim > cujo por- 
ro <]uiz afferrar , porém nào pòde , e correo ao longo 
da costa ì salvando-se os hpmens e cai^a ; e qae ElRei 
totnou rodo, para si sem dar nada ao de Calicut^ Ncste dia 
veio faljar aoAImirante hum filho de ElRei de Cochim ^. 
e o saudpu dando-Ihe muitos agradecimenios pela gra^a » 
que cinha feito ao seu parente , sobre as tres nàos que 
quizera queimar na sua viagem , e que depois deixou env 
paz 9 dizendo-lhe que ElRei ja sabia por cartas todo o 
succedido; eque agora mandava pelo seu filho dar-lhe or 
agradecimentos , esegararlhe quanto estimava aquelU hon» 
ra e favor , que por seu respeito tinha feito a outrem : 
fazia-lbe além disso muitos oiFerecimentos , protestando- 
Ihe 9 que elle daria a melhor ordem possivel para que ti- 
vesse carga com pronpiidào Com està offerta , e boa no* 
va codos nos alegràmos , e principiamos a calafetar 5 e re- 
galar OS lugares para as mercadorias , e arranjar o mais 
de que tinhamos necessidade ; e logo em a quinta feira 
onze, mandou ElRei recado aoAImirante, para principiar 
a carregar naquelle dia , porque o tem pelo melhor da 
semana , e nao principiao cousa de imporcancia senao nel- 
le. O Almi fante respondeo, que Ihe aprazia , e logo co- 
me9àrào a carregar na nao deRoy de Figueiredo (4) qua- 
renta e rantas cantaras de pimenta ; e porque nao se tinha. 
escipulado pre90 , nao quizerio dar mais, e assim estive- 
rao tres ou quatto dias y o que obrigou o Almirante a fa^ 
zer saber a. ElRei » que dezejava fallar com elle* 




CA- 



(0^ Nenhum dos tres Autliores aciitia citados contSo Ruy de 
Figueiredo entre os Capìtàes daquella Armada porém sim Ruy de 
Cattaaheda , com o qual talvez houveste equivoca^ao. 



e A p 



"^^^--9.0 



\ 



'^i^i-o xvri. 



^IRzi Hen u- ^"-^ XVri. 

t^^^ ''P*"anàs,''Jf,'''»^s „4os para VJl ^'"'''' ^^ 
^ qouorzc deNo ?«' ^«Océ/m. 

' -f^^^.c'lcaYo V^*i?]'* -"o ';^,- J« - o Ai^iran. condu- 

airi-. 'Vfho.er n^'uTeA ^^?"<i« Ji Tp'o"?"*/A'^.^--• 



me.os prefo. ,^lt*;,-8u.„^e"^oT'^ con. elle Tas de 
' ^ez o Embaixador. 









tres na' 



^^^^^^^ paca serem assaltados , cromo com 



, ^^>^|^^^«^ ^*TObucos cfo remo , e logo 

los era rido nào c€ 
perto dellas a fi 



;^>- ^/-^^^«^ > xixetao safiir i>c^^ e«r 
^^^^^^^ya^ de pescadores , moscrando 
^'^^^^^^^^^ > « chegando até perro dell 



^v _ _ 



'^^^^ T\ossos batels : vendo isEo os pescad 

*^^t^ ^^^ ^ ^^*^ '^^^ quanto EeriiLo p<3Jm<lo , s 

^ ^^X^^X^ ^^^ OS seguìssem , com.o crocr» effeitc 

Lw^^ pressa podiao , hìndo- os ^lles gutai 

fóra^^^X>^^^ * arcnada escava escorici ìcd^. entrc h 

O/Tj ^^o quc OS nossos se avisinH aralo , sa 

assaltando nos por todos os la<3os * ^^ 

, "^^^ fréchas de modo que os r^ossos nào sai 

«Uos ^^ ^Iho ; até que prouvc a Oeos cjue Hum < 

*^Mo acirando a huma da» soas aàlm^dias , a 4 

i^ adi a ball por cima, foì caH£«" «m oi«ra q^ 

't^lio "^^nre , e a meteo no furmdo 0>3 ««eros :, 

'^ ^odo.' all', a tornar a g;er^c« • . JP^^ f^^^i ' 

• sto tiverao os nossos t^J«P^^^^^^^//ce^^^ 

mu ta geme fenda . /% U^^ 1^1^ em to, 

•didos sem fcmcdio, e tair-s« ni» 

..^ dewuio de Novembre - ^^ ^^ Cochìr^ 




*^ o ae Novembre ' ^ ?^^ a« Coch 
■ ^«.^ cere viri^e*»^ * 7* ■ 

E\Xtx ^^TJa^^^"*^"^* 'de^^*^» ' por c«|a , 



.:^S-' 



^:;kri^---è 



:s^?^«^!s*5?v: 



pregata 



Cti»? 




<t 



^J 



dftva e prohibia , sob pena de a90utes , qae ninguenf com* 
pratse porfio algama de tacca , e <]oe prcndcsscm codos os 
qoe fosscm vender a dita carne, e os ievassem a Capita- 
nia. No dia segointe vohirào a Julia aqnelles tres Mooros 
ou Cafres que ctnhao vendido a primeira vacca , trazendo 
oucra ; e logo Forlo conJuzidos ao Almirance , qne os man- 
dou com ella prezos a ElRei, eapcnas chegàrào , sem ne- 
nham onero processo forao empaUdos vivos pela maneira 
seguince. Especàrào bum pào petos rins a cada huro , que 
Ibe passava pelo peiio ; e com a cabeca para cima os en- 
cravarao na terra , fìcando altos do chao cousa de buma 
lan9a , e com os bra908 e pernas abertas , atados a qua* 
ero paos , nào podendo correr para batxo porque havia 
huroa travessa que os embara9ava ; e por esre modo fi* 
zerào delles insti 9a , por terem vendido aqoellas vaccas ; 

Gis qoc o Deos em que crem , tcm a imagem de bum 
i ou no vii ho , e he chamado Tambarane, 

C A P I T U L O XIX, 

Como a terra de Mangalor e mnités oeuras se smgeìtdrh 

voiMntsriamente a EÌRei de Portugai: da Uba de Cu* 

Uh : do modo de ca^ar e domesticar os elefantes , 

e dos cavallos marinbos. 

J\0% desanove do mesmo mez, vierio a Capicanìa aN 
gnns Christaos de Mangalor , e de muitot ontros lugares 
pela cena dentro , os quaes itnhio apparencia de hemeBS 
muiio honrados ; e rrouxcrio ao Almirante bum presente 
de galtinhas e fructos , e além disso buma vara verme^ 
Iha ponte aguda , com buma ponteira de prata em cada ex* 
treroidade , e em buma dellas enfiados ires campanarie!! 
de praita , cada bum com sna campainha do mesmo me* 
tal i e além disso buma carta da Senboria de todas aquel* 
las terras , que tem alguns trinta mit homens debaixo da 
sua ìurisdÌ9Ìo : os quaes diziào oue esravSo muiio satis* 
feitos , e contentes com a nossa cbegada às partes da In* 
dia ; e que a Senboria daquelle paiz mandava obedieficia 
a EiRei de Portugai , e o reconbecia por seu Rei , en- 
Yìando-lhe aquella vara de ]usti9a -, e que elles em seu no- 
me vinhao fazer preito e homenagem aoAlmirante, epfo- 
mettiio de n&o fazer dalli em diante jnsti9a em malt^iret 
algum , f enfio em nome de ElRek de Portugai 3 ao qu^l 









^^^^ ^^» -» ^OfTio • ciue eira 



.•^^^T^lv;^ ^««,^^3«o C3'l«^rà03 



3 . 

paizes 






-^^w^ V\.^^ :*^"^ prezertre? de p^rto de tra 

J^L^^w^^^^^ ^eseas esra Oeilao^ ouc^ he hv 

^^ ptoduz canella e^vm asBiaie^ mais »«tr*^ 

^.1^ Xiin oxixto lugar , sendo eATnL>om a dc^ 

^^^ ^ \>e«\ assim moicas f>edrAs pe^ciosas 

^V^^^ ^ute montanhas : tenn bei^^rar^re^ clefac-» 

*tt^^<^ ^^o ^Tandes, os qnaes dorraesri<ra.o faze^ar*" 

'^^ti^^ ^^e àe cstacàda forte , crorra huma po^""* 

O Q^^ ^^uas arvores , dentro da c^o&l pócm trm. 

^ a^^^^^^ domestìcado ^ (quando cscaL cr^m o ciò a 

r^Q ^ antmaes mais ìosturiosos de rodos , ^^ 

^1 ^emea ^ vào por si i«essTao« buscar a A» 

pawi dentro ; immediaraiaaTeT^c:^ -Hor« ^i^^*"*^ 

) asarvoffes , corta huma cordsa oia caUbr_« 

TMs, e asfaz cahir. OeiicSko-os e&trar aqua^ 

beber seis oasetc dia^ , ^cé <i«^ ^VJ!^!!!^' 

er de fome , e quando assix« e^cào *"^^» ^ 

rrinra homens com gratad^» - v3.iriipaos , e . 



■ncadas , rcvezando-^e com 
=aerem-cahir no cHào corpo 

javi>lgao-lhes em cima ^ 



eros apena^ 
xiTfcorro» : la-^ 

s e a.o grandi < 



travftlgao-lhes em cima ^ ^ ^ào-ln« ^ 

^co a ponce , e asstm ^\J^%^^ anireai ^^ 



aa AeiA\st*edome«t\co8 > J^*"'^ " ^ aprendo 
*^ Ta Quc o homctn ^^\f *\_„^„ elefante 

'"" ** > 



^À%r 



te »» 




t$8 NAVBOAfAO '' 

xem pela terra huma nio de quarrocentas ou qoinhentas 
tonetadas , ou a levem do escaleifo para o mar sem que 
mais oimgaem trabalhe n isto ; conduzìndo-a dles admi* 
ravelmentc , e com moira igualdade , hum poi diante 
eutro por detraz , sem que psnda uara os lados ; entrati* 
do tanto pelo mar denrro , até bear a nado , oo até 
ao sitio que se ihes decerminou. Em Cochim havia hum 
elefante peqiteno, que cinha hum Negro qoe andava com 
elle , ao qual encendia perfeitamente , e dìzendo-lhe es- 
te na nossa preten9a , que andasse coxo com o pé de 
diante , assim o fazia , e igualmente quando Ihe dizia- 

Se coxeasse com o outro pc : tambera se dettava no 
ao , fazcndo muiras cortezias a quem Ihe indicavào ; 
roandavalhe depois que se levantasse » e aliasse o pé de 
diante , e fazendo isco punha o Negro o seu pé sobre a 
qoe elle al fava , e pooco a pouco o hia erguendo aoar 
sté a altura de montar nelle. Deitou*lhe tambem ao pé a 
ponta de hum calabte , que estava atado a hum batel da 
tiào Santo Antonio , mostrando-lhe até aonde queria que 
o levasse ; tomou o elefante o Calabre , envoIveo«o a ro* 
da da tromba , e pegando*lhe com os dentes o principion a 
puxar para si com quinze ou vinte homens que o batel tt- 
nha dentro , e tendono posto fora, do mar , o arrastou pela 
terra até onde Ihe maiidou o Negro ; advertindo que todos 
08 homens que estavao no batel » o nào podécio depois 
levar para o mar estando vazio ; o que o elefante fn re--' 
cnando sem o menor esforfo. Tambem Ihe mandou o Ne* 
grò qoe tomasse agoa com a tromba, e a dettasse entro 
a gente que allì estava o que elle logo fez ; de modo 
qóe com semelhanto msttncto nao he possivel haver ne* 
fthum outro animaL 

Dizem tambem os da nao de Luiz Femandes (ii ) ( a 

3oa( na sua hida para a India^, antes de passar o Cabo 
a Boa Esperanfa , se perdeo da Frota e veto so, iuigan- 
do*a lodos perdida pela tardanza que teve « procedjda da 

S rande tormenta que soffreo até passar o Cabo)s que forao 
ar a huma terra de Negres , os quaes andào todos bus 
salvo as partes genitaes , que trazem «m hum escojo de 
pào , em que fazem qoantas pintoris e galas Iheslie pos* 

. si* 

(<>) £sta nio era pertencente i Armads de Vasco daGama; 
Santo Thomé Lopes , corno Damilo de Goes chamSo ao seu Capi- 
sco Luii Femandes; Barros porém eCastanheda dÌo-lhe onotne- 
de Gii Femandes. 



crksskr%<Éo 9^r ^ mina ^'^ 
de j^ov'OA^^^o 4dc tìcgtQ^^ 

das <)u.a.^9 ^\ycndiéa p^^ 
humsk gyor ^€>us vhitcns 
ja de caiTii^^ vei/i^^s ^iic 
ada hum cl^aiir^^> hu-ma g^j 
o \\\atn TTiez , «^ s« fornccé 
Y)\sser&o mais qtje rodos 
cs escY^a^dvas de craval/os 
iC \\\5lO \>astar a fierva das 
MTtv2^ c^ue OS cava.llos , mas 
ou tnetvos comò o* Galliziar 



V*staLN'*o cwx ^««n prado , 
a av»ì» VeV» bar\da do m: 

v;ìUos , à« tcvoào sue se mt 
^^o* o* «Olio *^^^^ *=**'" ""''^ 

m da enrga^ das «p««'*"- ^«Ì /il*'*- 

t^l« que o AlmiranfC «,^-«, «iJ 
'»'«>, querendo trawr «J<^ ^t4«»^« «" 
<«»tM metcadorias y /eilhe '^^T^ ^^ 
<¥>.« ^Moi&w festas «sW/ia'ia» *':f" » ^ 
«»»v»».ante8. mandar-ho» seta «**» _^ * 
IJ'mocada dia tìohio <onnno^=*» 
*«*ftdo homa». ve?«s 9"« qtt««»»«» 



*^ 



200 NArB#A9AO 

qae nao podtao tornar neiihonia dai nossas fazendat , e 
cotn» semeihaiìtes dufidas ficavao as naca por carregar. O 
Almtrante era obrtgado a hir todos os dias a terra , e ape- 
nas coTicordavao coni elle em huma duvida , e princfpia- 
tSo a dar a carga , paravio logo ; acé que finalmente as- 
aentario que se pagana a pimenta rres quarcas partes em 
dinheiro , e t outra ein cobre , a razio de doze ducados 
die oufo a cancara , e que por bum pezo de pedra hume 
reÀnadi , Ihe doiiio doos de pào Brazìl , e do mesmo mo- 
do a canolla , enctnso , e oucras mercadorias , que nao 
teih tanta estìma9ao corno a piibenta ; e que e cravo e o 
beijotra o trocaria pela« nossas fazendas , posto que nao 
dessemos dinheiro. Ajustado isro aos tres de Janeiro de 
mil qninhentos e rres , veio ter a Capìtania ham Bramine 
com bum iìiKo seu , e outros dout homens de monta com 
cartas de ElUei de Calictit ao Almirante , nas quaes ihe 
dizia » que fosse ao seu porto para' tratar com elle boa 
•mizade : e commercio ; pois nao desejava senio o nesso 
~. bem» e que absolutamence queria restituir tudo o qoe ci- 

% ^ nha de ElRei de Portogal , ametade em dinheiro amecade 
• ^ cm eapeciarias 4 pelo prefo do paiz : e que para aua se- 
Ipiranga Ihe daria em retcns .as pessoas que quizesse, as 
,^4 O quaes licariao tias soas maòs até que tudo fosse satisfei- 
y ^ to. Estcs Briamines sào corno entre nós os Biapos « e Re* 
> » p»*^ * ligiosot }. homens ria^s , que nio tem oucro officio 00 

^ - cargo senio orar 'pde>povo , edar esmolas; andao por 

todos aquelles patzss com multa. segpran9a , pois ningoem 
Ihe faria mal mesmo entfe inimigos » nem a ningoem 
que fosse nasua companhia ; porque se teriao por maldi* 
ditos , e excomintiAgadéà e nao'(»Qtiétiaò itr de modo al- 
gum absolvidos ; em fim sao homens em que todos na- 
qneihs rctrà^ renr granée ronfian; a« Esse Brattine , que 
velo 'de Calicùt ^ xrouxe comsigo nmi tica pedraria pelo 
prego^ crea tnii crè\i«dos «m a India , e disse ao Al- 
mirante que taccia vii com elle para.Porrugal , e trazer 
aquellaa joias, e Ihe pedia que Ihe deixasse carregar nas 
4ua« nàos algulnas espMftria«. O Almirante Ihe deo licen- 
fa para vinte baares do cai|eUa , que ielle logo cómprou 
«mbochini) e fez enlbanrtf né Ca^ì^ania .tom as sobM* 
éìU9 foias; e v^Mo tiido-isio, oAlniifante foi paia a oào 
Fior de la marr , ibvoB comsif^o ea*Èrobaixadorea .ae ^cm 
fatia molta honra -, e partia> de GD{:him tom htmM ^ara* 
velia mais 3 aps sinoo de Janeiro antes de anaMbécoCi ^'^ 

ver- 



a' 9 Indiai Orisktaks; tot 

vìinindo fedizenJo àqiselles Incl405 , quc seEIRei de Calicur 
nao observasse tudo quanto eli cs diziào, os faria enforcaf 
iogo ; e bindo assim pelo mar toparao cem bum zambuco 
qoe levava louf^ de barro para Calicuc , o qual ccmoo a 
caravella porém sem gente , porque toda ella se acclbeo 
a terra , e Iogo que o Almirame chegou a Calicut y man* 
dou a mesma caravella a Cananor chamar bum tio sea. 

CAPI TU L O XXI. 

Como Luiz Coutinho , qi4e tinba ficado por CapitSé mor rrrr 

Cocbim deixando os Mouros de dar carga ds ndos por 

ter hido o rimirante a Calictu ; cbegou com ajuda de 

Deos a Cananor onde acbon a Frota do Almi* 

rame pronta a eombater , e corno os de Ca^ 

licHt vierao de noute com zanibticos 

assaltar a Armada. 

-Óinemos àArmada, que ficou em Cocbim cujo C^pi* 
tao mór era Luiz Coucinho : ranco aos Mouros desta Cida- i^*^^'?^*f-j» 

de , corno a roda a outra gente, foi excremamente peno- r*^^r"^-'-^^'^^''^'T^ 
so que o Al mirante fosse assencar pazes *m Calicuc^ <J^" n '\" "• * 

ridando se biriamos carregar la , e isto per causa do gran- 
de interesse que faziao conm!k>sco ; por cujo motivo dei- ^ . . 
xàrio de dar carga às nàos , e assim o dito Luiz Coutinbo !ci t/ . '' 

foi a terra no dia dez , para ver se ppdia concordar com "^- K ' '',1^ 

OS Mouros que tornassem a dar carga ; o que tendo sido ^^'W'V'jr ^* 

recusado , veio i nossa nào duas boras depois de noute ^ 
com cattas para o Almirante ; e nos mandou que entao 
mesmo pattissemos com ellas para Calicut ^ e assim prin- 
cipiàmos Ioga a por-nos em ordem , e quando acabàmot 
de alimpaf a nioi porque nao navegava bem , nos fizemos 
a Téla cotisa de duas boras ances de amanhcccr , n&o pò- 
dendo 'partir mais cedo ; e por o vento ser mào nao 
chegamos a Calicut senào aos treze de Janeiro a tarde ^ 
e passàmos pouco mais de meia legoa distarue da CU 
dade. N&o vendo o Almirante , fomos ao longo da costa 
na volta de Cananor , aonde julgamos que estaria com 
bum tio seu , depoìs de concluida a paz , a firn de to* 
mar algum de3can9o ; mas por causa do vento que conti- 
nuava a ser-nos contrario nao podémos aiFerrar Cananor, 
e arribàmos a Cnlicut , surgindo junro a Cidade , corno 
Tgnorances que escavamos do que tinba succedilo -, e as« 

8im 



102 NABTOA.fAÓ 

8101 andavamos com grandissima confianfa , pois aindt 
^U9 al^u.iìas das suas nàos ctvessem viiido para nós , 
nem Ihe fugiriamos , ncm fariamos prq>aro algura paia 
OS combater , e louvaJo seja o Senhor que nos fez ha- 
ma grjnJissima merci em nao nos acalmar o vento 
ju'uo a C.iiJe. No dia desasete chegàmos a Cananor»e 
aciàmos aqai o Almirante com coda a Froca de verga 
d lieo , empavezada , e pronta j as gaveas fornecidas de 
p^Jras , e tudo posto em tao bom resguardo , corno qaem 
esperava c3!Tib iter com mit vélas , que diziao prepararem-se 
cm Calicut , pira Ihe sahir ao cncontro 9 pelo que atsim 
qje nos virao e conhecèrao , tìverào grande prazer, porqoe 
Ines parecia impossivei poUessemos escapar de tao grande 
perito; e com a alegria da nossa vinda t ueicarao fora codas 
ss flamjlas e banJeiras : nòs Ihe dissemos qìie nao ttnha* 
mos visto Armada , nem sinal algum della em Calicut , e 
sómence deìxàrimos em Pandarane dez ou doze naos gros- 
sas , com o que se alegràrao grandemente. Contàrào^os 
entio que npenas o Almìranre cbegou a Calicut com o 
SLeu Bramine , Ihe dera o seguinte recado para levar ao 
Rei > Que dous inimigos muitas vczes se tornavao gran- { 
des. amigos , e que assim fariao os Christàos com esile , e 
dalli por diante negociariao , e iuqrariào huns com oatros 
corno trmaos i e os Christàos fariao grande proveito ao 
paiz, > Ajuscou tambèm com o dito Bramine , que fobse a 
CìJade , para dar a conhecer a Elllet que era chegado; 
que o espettuia até de tarde , e no caso de se demorar 
snulio f dispararia huma bombarda j e nao vindo logo , hir« 
ae-hia embora no dia seguirne. Feiro isto , despedio*se o 
Bramine do fìlho , de Hobeigon e Corou , e de todos os 
pucros , e foi para .tefra em hu^ batel da nao , estan- 
ido-o jà esperanJo m-uita gente na praia : o Almiraiicc se 
deixou estar ) e vendo que era ja.inuito tarde, disparoa 
a bombarda ^ mas veio outro homem de pondorapao naap 
parencia , e da parte de ElRet Ihe disse que nao se es- 
pantasse , nem entrasse em sospeitas ; pois elle estava 
pronto asatisfazer a tudo quanto Ihe tinha mandado dizer, 
e q le no outro dÌ4 ficaria ludo ajustado , canto a respeito 
do dinheiro , corno das mercadorias ; aue pe(o qi^c^ to<ìa* 
va ao primeiro estava ja pronto, e podia mandar a tetra 
huii Gcniii-homem a recebclìo. Quando o Almirante oU' 
vio isto, Ihe respondeo com muita furia que fizev^e sa- 
ber a ElRei , que nao mandarla a terra o mais pequeno 

ra- 



T*o 



VOSI 












de^ 



1* 









d^' 









•* - ^v», 






I>el 



<=OrtC 



l*» 



vo» 



.»<» 









.*»<"'vl' 



.7- 






ci- 



'»«*"'(^ 



"--^ 


















.a*' 






*>« 



«fi. 






*e. 



--'/it^-»;^.^ 









t»^ 



r** 



l 



f^^^.Vcr^^'^jg 









i* if::t««' 



o,\s 









^-' 



\% 



VI* 






t«» 



il^. 



it^ 









^< 













e''-^o»^ 



fi 






-ì^r^ 






A^ 



^**.«»- 



» à'i^^'**'^*^ 



<? 
^**' 



^^r^- 

^ 



S.'- 



J04 Natega^^O 

€0 brafas de cadea de ferro , por sospeitarmos qoe de noote 
viesse atguem escondidamente a nado para corcar as amar- 
ras , em cujo caso ficaria sempre segura pela cadèa , e es- 
ca foi a causa pela qual se demoràrao tanto, corcandola 
com machados ; mas ainda mesmo depois de se fazer a 
nào a véla nio mostrirao medo, antes a forao segaindoi 
e escando nesre. aperto ( qae era tao grande porque nin- 

Suem da nao tinha tornado armas por cercm sido assalta- 
os de repente , e terem anendido s6 a livar-se de un- 
ta furia ) chegou de Cananor Vicente Sodré tio do Almi- 
tante , que tinha comsigo as duas caravellas ; e vendo o 
que se passava , fez forfa de remos porque estava calma- 
rla , e correo sobre os Mouros que cheios de susfo se 
recolhèrao a Cidade , huns sem bra905 , oatros sem per- 
nas 9 e alguns mortos pelas bombardas. 

CAPITULO XXII. 

Como Almif ante fez en forcar os Indios , que tìnbao ficaio 

na fido j e manaando-os metter em buma aìmadìa os jez 

por jnnto d Cidade com, bum escrito fato na 

sua tetra e lingoagem. 

XSto concluido , matidoa- o Almirante enforcar na verga 
OS Indios que tinha na tiào , e que fossem nas caravel- 
las assim enfor^ados ao longo da Cidade o mais perco 
que podessem ; por està fórma der&o duas ou tres voi' 
tas , andando de ci para la , sahindo da Cidade muita- 
jgente para os ver ; e quando escava apinhada disparavao 
as bombardas , dando-lhe huma grande apupada. Depois 
fez metter os corpos daquelles cnforcados em homa al- 
madia , que huma das caravellas levava a reboque , e 
mandou que a deixassem proximo a Cidade , em a via 
da aeoa , com hum escrito feito na sua letra e lingoagem , 
qoe dizia assiro a Homem vii , mandaste-me chamar, eea 
s accudì a vossa voz -, fizeste quanto podeste ^ e se mais 
9 civesses podido mais cerias feito ; sera tal o castigo co- 
a mo vós roereceis ; quando eu voltar cu vos pagarci os 
a vossos direitos sem precisao de dinheiro. i 



CA. 



A< 



a's Ikdias Ohibntabi. tOj 

e A P I T U L O XXIII. 
Como a Armada de Calicut fugio para o porto. 



lOs dez de Fevereiro de mil quinhentos e ires , em 
huma terfa Feira pela manha , partimos do porco de Co- 
chim , coda a Frota junta y porque as ouiras naos tinhào 
ja chegado. No Sabbado o Almirarite e Vicence Sodré 
se adtancarao mais a for9a de velasi e ficou D. Luiz 
Goutinho por Capirao mór da Armada , o qual se mecteo 
logo em bum esquife » e foi por todas as naos dizendo 

?|ue o seguissem. Desta idèa usou o Almirance , a firn de 
azer nega9a aos de Calicut ^ para virem acacar a<}uclla8 
duas nios vendo que hiào sós , e acreverem«se a sahir 
centra ellas ; e isco porcjue antes Que parcissemos de Co- 
chim , cinha sabido que ClRei de Calicut preparava oucra 
grande Armada. Aos doze de madrugada estando qua- 
tro ou sinco legoas de Calicut , vimos sahir do porto 
algumas trinca e duas naos , que tinhào chegado de Pan- 
darane , e vinhao em nossa procura; pelo que principi^nnos 
a por-nos em ordem 5 e a preparar^nos para as receber. 
Traziao as vélas infunadas , e o vento era-Ihc mais largo 
ào que para nós que hijimos a bolina , e de muito longe 
principiàmos a ouvir os seus atabales ; alcm das trinca e 
duas naos , sahirào tambem da Cidade muìtos zambucos , 
e almadias a remo ^ e todas traziao bombardas com 
que atiràvao ; porcm nao tardou muito 9 que Ihe tiìo 
pagassemos a sauda; ao : com tudo nero por isso dcixavao 
de aproximar-se , mettendo-se encre as naos , deixando 
huma da banda do mar outu da terra , e poique seguiào 
muito dous navios mercantes de Cochim (qge vinhao em 
nossa conserva , e hiào a Chaul carregar arroz e ouctos 
manrimenros , e eiao menos veleiros do que os nossos ) , 
e nao cessavào de Ibes atirar , por este moci^vo mandou o 
Almirante dizer as nios que os nao dczamparassem , e aue 
OS mettessem no meio , e assim fizemos. Achando-se hu- 
ma das nossas nios mais affastada delles,pdde jogarasua 
artilharia » e por hum modo cai que nao julgarao conve- 
niente avisinhar-se mais , mas tendo-nos acalmado o vento 
ainda em distacicia ficimci^ imposisiUiiVtados de ganhar mais 
honra ; pois ainda que os bac^is lavassero t«das as naojs a 
cirga , e as barcas que puicavào os dous navios ronceiros ci- 

Ff ii vcs- 



ZOé NaveOA^ao 

vessem alguns remos de mais , nao podétnos com tudo clic- 
gar-Ihe a ciro senio defronie de Calicut huma legoa ao 
mar » e logo se comeparao a tresmalhar , e a fugir para 
a Cidade. A primeira que f ugio , segundo nos disserào , foì 
a Ca{>itanìa , seguirao*a a remos as doas caravella? , por* 
que escava calmarla, e algum bafo de vento que assopra- 
va fazia adiancar o inìmigo , porque as suas cmbarca^ óes 
erao lìgeiras e estavào crenadas e alcacroadas de fresco» 
e as nossas muico carregadas e sujas , por isso os nào po- 
diamos alcanfar : em firn hiao sempre tugindo y e nós se- 
guindo-os ',. as caravellas dando ca9a a nào , e acirando-lhe 
muitas bombardas , sem que nunca se quizessem render : 
e c'orno era muico grande, e cìnha de quatrocentos a qui- 
nhencos homens , nunca as earavellas a afferrarao , e cspe- 
ravao para isso por alguma das nossas nàos. Nao podémos 
conseguir ajudallas , porém sim a Esmeralda que tendo af- 
ferrado huma , Ihe velo cahir oucra em cima pelo lado op- 
posto ; nias as cripula9Òe8 de ambas se deitàrao ao mar, 
tugindo para a Cidade que escava tao pecco, quanto ohe 
do luear aonde no Téjo coscumào ancorar as nàos , are Lis- 
boa, Os nossos forào perseguindo os que se linhào lan^a- 
do ao mar , e ferindo-os com as suas lan9as por modo 
tal , que sómente escapou hum que nao fosse morto : 
achàrSo em hunia descas nàos huma crian9a escond<da , 
a qual o Almirance mandou enforcar no primeiro impero , 
se bem que depois revogou a sencen9a , e nio morreo : 
concou ella corno os Mouros por for9a e ordem deElRei, 
forào obrigados a armar-se , sob pena de Ihes fazer corcar 
as cabe9a8 , e a luas mulheres ; e que naquella Armada ti- 
nhao vindo sete mil homens deliberados a morrer , e rra« 
ziio coda, a arciiharia que escava em Caltene , porque £!• 
Rei Ihe dlzia codos os dias que por sua causa he que es- 
tava em guerra com os Chriscaos , e cinha feico embarcar 
muicos à for9a de pancadas : tambem disse que alguns 
tiros 3 que tinhao ouvtdo em terra ance» que nòs nos avi* 
sinhassemos , parecèra a alguns Mouros sinal para volca- 
rem para a Cidade. Nao achàmos iKiquella nào senio co* 
cos , arroz , e agoa , sere ou outo bombardas muico cur- 
tas e mas , bascances arcos e fréchas ^ e algumas adargas 
e espadas ; e em quanto a andavào despqando do que ti* 
nha dentro , descobririo em baixo dous Mouros que se ti* 
nào escondido , os qaaes macàrào immediatamente. 

Os. que tinhamos aeguido aa aàgs j estavamas jà a ei- 



a's I N D I a 8 O R 1 B K T A E S. 2Cj . 

re teirpo bem perto deCalicuc, porque ciiihamcs t^nca an* 
eia de as afferrar, que as seguimos acé junco a terra j mas 
OS Mouros chegàrào a ella ainda cóm niais pre8te2a , e de* 
zamparàrao as embarca^óes de sorte que se o Almirante 
quizesse , bem podiamos queimar todas ou a maior pnr« 
te ; mas tiverào a fortuna de que pela noute se levantca 
hum vento mui rijo da banda do mar , que arrojou pa- 
ra terra todos os cadaveres dos mortus y e tiveiào sobejo 
tempo para os contar. 

C A P I T U L O XXIV. 

Como ebegando os Portuguezes a Cananor , alguns mercadores 

Ibes contdrao comò as duas ndos tinbao sido aprezionadas 3 e 

qaeimadas d vista dos de Calicnt , com coma de seucm- 

tos bomens^dos quaes nao escapdrio senio desaseis j 

e conto fot despeda^ada a outra ndo em qne es* 

tavao quinbentos bomens , todos os quaes 

forio mal fcridos ; e aonde esteve 

Rei para ver a batalha. 

lOs quinze de Fevereiro , em huma Quarta feira ao melo 
dia, chegamos diante deCànanor, aonde noe contarao no- 
vas de Calicut , que fica a penas na distancia de desouto 
legoas , e nos fallarao nas naos que tinhamos aprezionado » 
do que cinbamos achado nellas, e corno as baviamos quei^ 
mado à sua vista estando a praia chea de gente : referi* 
rao-nos tambem que vìnhào nellas setecencos bomens ^ 
dos quaes nao escaparao senao desaseis que fugirao na 
barca para a Cidade ; e que em cada huma das naos 
estavio nao menos de trezentos a quatrocentos bomens ^ 
em algumas quinhentos , e em huma das maieres a que 
as caravellas tinbao dado ca^a , quinhentos , ametade dos 
quaes forao mortos pelas bombardas , e muitos dos outros 
feridos e estropiados , quaes de bra9os , quaes de pernas^ 
e que toda a nao estava descozida » e fazia moita agoa 
de modo que jà se nao podia sustentar no mar; valendo- 
Ihc de muito nao esrar elle encapellado , porque se o es- 
tivesse , teria hido ao fundo , tao arruinada tinba ficada 
da artilharia. Estes roesmos nos contarao , corno EIRei tt- 
nha subido ao rerrasso de huma casa muito alta sobre a 
praia , nSo obstante que todas as casas estivessem derriba-^ 
das j e peididas pelas nossas bombardas , e que daqui ei^ 



2o8 Nav«oa9a5 

[vera vendo a bataiha ; e corno depois tihirSo duasnaqji; 
. obsecvar se alguma das nossas se separava da Armadi, 
)ara nestc caso dar-lhe ca9a , e depois nirem fugindovaga- 
osamente., e n*^ fugida passarem sobre ccrtos bancos , qac 
:stao junto de Calicut ; e obriearem*nos assim a passar tam- 
>em sobre elle» > porque osMouros hìào levcs , e nós cm- 
pichados , e assìm ceriamoa dado em seco , e nos roubarìào 
a sua vontade i desejando muiro EIRci havcr as maos al- 
guns de nò'? , por ter promettido fazer huma justifa cx- 
cinplar , e feico voto de assar vivos os primeiros Christaos 
que cahissem cm scu poder. Isto e rauiias outras cousas 
nos co-icirào alguns mercadores naturaes de Calicot qoc 
tinhào fugìio, e vindo habkar em Cananor por causa da 
guerra que traziamos , e tinhào Icvado comsigo was mu* 
fheres , e fiUios , « toJos os seu^ bens , por que citiCa- 
licuc morrìào de fomc j valendo encao todos os mancinicn- 
tos , dois tantos mais do que era costume: muìios outros 
mercadores princlpaes de Calicuc fugirao para outras par- 
tes vendo aquella destrui9io , porque por mar ja naovi- 
nha nada , e o qoe produzia o paiz era tao pouco,que nao 
dava para o susrentò de huma pequena parte do anno. Sou- 
bemos tambem corno El Rei de Gan.inor fez deitar pre- 
góes , dcstribuir d'mhciros , e tornar gente a soldp j e or- 
denou que todas as suas nàos se pozessem prontas para 
vircm em nosso auxilio. Iato nos contàrSo os Chrisiaoi 
que estavao em Cfinanor , todoa os quaesi mottrayào aie* 
gria com a nossa viccoiia. 

C A P l T U L O XXV. 

Como partindc in Cananor na volta de Portugal , atrayessd- 
mas golijo , e ^cb^ni^s muitas urras ainda nao 
descobertas. 

/\.Os vint^ de Fevercìro partimòs de Cananor na volta 
de Pofiugal i nao pelo run^o por onde as outras naos cos- 
lutnao vir, poréfTì sLi^ airavessando o golfo dircito a Mo- 
yaipbique , corno o Àlmirante quiz a pczar de ainda nao 
ter sic^. d/escoberto j e licàrao aqui as tres nao* ^ du^s 
Cjiravell^s q^e 5:iR>y N. $. tinba ordenado para iindarem 
em Armida , por ?qoiles mares da India , a firn de obsiar 
que passasiiem algumas especiarias para Meca. Tinharoos 
tambem de hir a Cpulào cm busca de huma nào d^ Cali- 

cut. 



A*8 I If D t A S O R 1 B N T A E 8. 20^ 

cut, que nos disserao tinha li carregado ; e d^lim loma- 

mos OTamo do OesSudoesre , e aos vinte e quatro virros 

algumas Ilhas pelo mar , longe de Cananor siniocnta le- 

goAs , e nao soubemos se erao povo.tdas ou nao porque 

passàmos ao longe. Aos quinze de Mar(o vimos outra Ilha 

(/2) que jaz de Noroesce a Sueste com Magadaxo , e jul« 

gamos esrar para além da dira terra, assim Qtuni aquizec 

procurar , rome sabindo de Magadaxo o rumo ao Sueste : he 

bastante alca , mas cambem nao soubemos se era povoada* 

Aos dezaseis achamos alguns parceis , e igualmente outra» 

muìtas Ilhas que tambem ficàmos emduvida se tinhao gen* 

te C^): vimos depois duas junco a Mofambique a quinze 

co vinte legoas de terra , e em firn outras duas multo gran- 

des e bellas , cheias de arvores , e pouco menores cada hu* 

ma do que a Ilha da Madeira (e), distào de Mo(ambique 

rrinta legoas , e huma da outra sete ou ouro. Estào na direc- 

fào de Noroeste a Sueste , e disserao-nos em Mofambique , 

que nellas ha bastante carne, gengivre , canas de agocar , 

e que tinhao muito boas agoas, e erào multo ferteis. Estive- ^^tì^^J^ 

mos ero calmarla onze dias defronte dcllas, mas nào quiz aJ^?^^.,^" 

o Almirante que ninguem sahisse a terra , sem embargo do ^ \^^Sl^^5>k^''t^ 

que,. conhecemos que era paiz lavrado e rico , e vimos ^^^^^^^l^*?;^* 

fumo em.rauiios lugarei. >^ ^Sv*^ ^ll^i^^^^ 



■^*' «y*^! 



CAPITULO XXVI. ^^^-W 

Como cBe^dmos a Mo^ambique e nao acbando alli agoa doce , 

jtlmrante fez cavar em h$m sitio , e « acbou ccm grmi- 

de contentamento dos babitantes ; e corno tendo far- 

tidò de Id'fomos obrigados a arrWar de novo ^ 

e motivo forque. 



N( 



lo dia doze deAbril , chegamos defronte de Mofam- 
bique , aonde algumas das nossas nàos se espalmàrio , por<^ 
que vinhao muito comidas do guzano \ e os natoraet da 
terra nos a judàrao a dar Ihe pendor , e a cralefetallas cora 
patha y pernio podermos fazer de ourra maneira, haven- 
do caes que pregarao de quatro a sinco mil tornos em os 

bu- 

(tf} He provavel seja a Ilha de Nita. 
(^3 ^^ as Ilhas de Sandy , Cosmoledo, eAIdabra^ &c. 
Qr) Parece nao poderem ser outras senao as Ilhas dcMafam^ 
ds eAngoxa* 



2tO NATBaA9A6 

buracos ; e:uretamo romimos quanta .agoa e lenha qul2^ 
mos , e porque naquella liba oao havia aeoa doce , e os 
habicances hìao por ella a terra firme , fez o Almìranie 
cavar em cerco Jogar t e a achoa j cotn o que os naca* 
raes se alc^ìràrao multo» No dia desouto partirào por ordem 
sua para Porcugal ( a firn de trazer novas a ElRei de co- 
rno aqui ficava a Prora } as duas naos S. Gabriel , e a de 
Ruy , tendo primeiro nido buscar lenha a outra Ilha don- 
de dcsafferrarao no dia seguirne que se contavao desano- 
ve , com bem mio vento. Na Sexta feira vinte e outo 
do mesmo mez , largou o Almirante Mogambique com oa- 
to nàos , entrando a Capitania , e forio a mesma Ilha bus- 
car a lenha , que nós tinhamos Corrado ; e na roadrugada 
òi vinte e nove fizerao-se a véla para Porcugal , deixando 
sinco navios » que nao quiz que viessem em sua compa- 
nhia , apezir de se ce rem aprontado primeiro do que ellei 
e por Capirlo mór destes ncou Pedro Affbnso de Aguiar, 
com ordem de partir hum ou dous dias depois, eque as- 
sim se fez; porque no Domingo rrinta , sahirào todos sin- 
co com vento mais largo , que o Almirante nao tinha ti- 
do, e forao a mesma Ilha para se proverem de lenha, e 
partirem para Portugal no primeiro de Maio. Neste mesmo 
dia depois de jantar vimos nós que o Almirante , e coda 
a mais frota se fazia na volta para arribar a Mofambique, 
e isto porque as naos Fior de la mar e Leonarda faziao 
muita agoa » e nao podiào seguir viagem , e assim mandou 
que todos voltassemos cóm elle para Mo9ambique. Em firn 
aos quatro de Maio partio a nao de Fernando Lourenfo» 
e a de Luiz Fernandes para trazecem nocicias a ElRei de 
comò o Almirante com toda a Frota tinhao arribado aMo* 
fambique a firn de rcparar as nàos. 

C A P I T U L O XXVII. 

Como jomos assaltados de buma terribilltssima tenpestade , n4 

qual nao tivemos outro remedio senHo encommendar^nos 

a Deos , e corno nos veo a f aitar o mamimento. 

JL Artimos outra vez aos vinte de Mo9ambique , e aos vin^ 
te e sinco fomos recónhecer a terra , e achamon*os longe 
della de trinta a irinta e sinco legoas ; e novamente ^- 
moi obrigados a arribar no mesmo porto , fazendo-nos ora 
ao mar ora atwrra, até que a trinta e hum do mesmo xnez 

o 



A's Indias Orientaes. 2Tt 

o afferramos ò Almi rame e toda a -Frota , por ter neccs- 
sidade de grandes rcparos anàoLeonatda que esrava aber* 
ca ; e nós que escavamos ha de Ruy Mendes de Brito ^ 
tambem entramos em Mo9air.biqiie no primeiro de Ju' 
nho ^ para em huma enseada fazer reparar a nao que 
nao podia navegar por causa de hum rombo que Ihe ti- 
nha feitò a Leonarda , tendo abalroado com ella em a nou' 
te de hum Domingo vinte e outo de Maio depois da pe* 
fa , de que nio nos poJeriamos salvar senio por milagre 
deDeos,.e nao por via naturai comò foi visivel a todos ; 
porque o mar estava multo cmpolado e furioso , e ao tem- 
po em que faziamos hum bordo , cahio sobre nòs a Leo* 
narda que trazia quasi todo o pano fora ; mas a pezsr de 
sermos grandes peccadores , nao quiz N. Sr. que fossemos 
ao fundo : sendo tal a pancada que perdemos huma par- 
te do Castello da Proa , e encruzarào-se as nossas com 
as saas enicarcias , de modo que estivemos afferrados huns 
aos outros : e com os encontros que davamos ,e a forfa do 
mar , cahiào mnitos peda^os de madeira das obras mortas , 
que era cousa pavorosissima , e fazia grande dor de cora- 
fào a ver eouvir; porque o mar estava muito encapella- 
do e terrivel , e quando as enxarcias de diante se desaifer- 
ràrao , corrérào ambas as nàos emparelhadas , quebrou-se 
o cepo de huma ancora , dando-nos huma grandissima pan« 
cada no lugar aonde ponza a antenna ^ e &enào fosse huma 
curva em que bateo , ter-nos hia aberro até a quiiha ; mas 
sempre nos quebrou huma cinta , e a dita curva. Ficou a 
nao aberra por este lugar » fez-se em peda(os a roeza de 
guarnifào 3 eas bigotas e cadeas daquelle lado; rasgou-se 
a véla , e estalou o mastro da mezena de alto abaixo , 
todas as obras mortas da popa , e bastantes enxarcias de 
bembordo. Nesta afflic(ào nao nos restava outra espe- 
ranfa senio em Deos , e igualmente aos da outra nao , e 
por certo fomos ajudados da sua misericordia ; pois assim 
que nos vimos separados huns dos outros , cortàmos al. 
gumas das enxarcias que elles nos tinhào que brado ; 
e aquella pouca gente que tinhamos principiou toda a 
trabalhar com multo animo , e quanto podia , huns 
com a bomba , e outros com os baldes e caldeiras , a 
deitar aagoa fora da coberta. Treze dos nossos passa- 
rao para a outra nac que era maior, julgando que anos- 
sa hiria ao fundo ; e alguns dos que ficarao, a andàrào 
examinando toda com luzes ^ e comò acjiarao que a par- 
Noiic. Ultramar. N.° V. Gg te 



iix Natboa9a6 

ce inferior estnva vedada , torràrào mah algum alcnto ; 
mas porque o mar se tinha embravecido muito , e nào 
manobravamos bem , por nào podermos amurar da banda 
donde escava o Almirante com as outras nàos ; ( visto ser 
juscamente aqueila por onde a nossa escava aberra , e me- 
cer assim muita agoa quando inclinava para aquclle lado) 
por està razào disparàmos muitos t.ros , para que as ou- 
tras not nào deixassem em desamparo : a primeira que 
rei^pondeo a elles foi a Capicania , que veio à falla , enos 
perguntou o que queriamos *, e quando Ihe disse tr.os que 
a Leonarda nos tinha abalroado 'cum muica for9a , nos 
perguntarào se queriamos passar ao seu bordo , ao que 
respondemos que nào , e que nos podiamos sustemar até 
amanhà seguince. A Fior de la mar nos disse , que se qui- 
zessemos ella deitaria fora o seu batel para nos hir bus- 
car ; e huns e outros nào podiào crer comò podessemos 
naquelle estado augoentar o mar , andando elle tao furio* 
so e embravecido* Vendo rodos nós esce milagre, fizemos 
voto de quando chegassemos a Lisboa hirmos immediata- 
mente em romagem a Nossa Senhora da Vida , e de em 
sua honra fazermos dizer huma Missa solemne i e darn^os 
huma pintura do milagre de ambas as naos , passando ro- 
do o dia em aauelle lugar. 

Aos dez de Junho , principiarxios na nossa nao a dar 

f»So por pezo ^ isto he , doze on9as de biscouto a cada 
um ; e ia alguns dias antes tinhamos principiado a dar 
huma Canada de vinho por dia , e porque depois nos pa- 
leceo que nos poderia vir a falcar o pào de rodo, den^ios 
a dez on9as por dia com o dito vinho , e mais meia 
escudela de arroz cozido , o qual durou em quanto csti' 
vemos em Mo9ambique , e quatto dias mais : depois voi- 
tamos a hum pouco de milho que houvcmos na dita 
Ilha , e podia set por rodo obra de duas staras , custando* 
nos a razào de hum ducado cada stara , e darc4]-nos ca- 
ro dias : passado isto fizemos papas com o pò e migaihas 
do biscouto que ficarào , e erào amargosas corno fel, 
sendo a ter9a parte de immundicie de r<:ros ; ao principio 
erào feitas com azeite ou mei , e por fìm semente cm 
agoa que nào tinha necessidade de outras especìarias » 
pois Fedia corno cào morto , porém com a fome rude se 
comta. O Almirante veio no dia quinze de Junho a nos- 
sa nao, para ver aamassaria, e tomou juramento a cer« 
tos homens que vlnhao com elle 3 para Ihe dizerem quan« 

to 



A*9 TtfDTAI OurSKTABf; 2t^ 

ro pio podia haver nella : e Ifie respondèrio , que nSo 
passavi de vinte e sinco a trinca cancaras , estando alnda 
mais de daas mil e trezencas legoas dePorrugal. Pelo que 
vendo o Almirinte qne nós , a Leitoa nova , e a Julia ti- 
nhamos pouco pao e vìnho , nenhutn azeice , senao hum 
pouco para a caldeira , nem mei , nem carne , nem pei- 
xe , nem legumes , mandou-nos prtrtir a todos tres para 
Porcagal , e elle ficou se aproncando ainda mais dous oa 
tres dias. 

C A P I T U L O XXVIII. 

Como vMo de Mo^ambiqiis para Portugal encontrdmos ah 

gumas ndos Portrsguezas que hiao para a India : das 

novas que nos derio , e corno vintos huma liha 

ainda nao descobena. 



V. 



Isto ter-nos o Almirante mandido vir para Portugal , 
com o que tivemos hum grandissimo prazer , pjrtimos de 
Mofambique em huma Sexta fcira de midrugada, aos de- 
zaseis de junho com mào vento , soprando ora do mar ora 
da terra. Em huma Segunda feira tres de Julho , hindo nós 
cosceando , e pensando estar no Cabo das agulhas , princi* 
P'ou huma grande tormenta de vento da banda do Poente j 
com huma furia prodigiosa i de moda que apanhando todas 
as vélas , ficàmos com hum pipafigo baixo no meio do 
mastro; e porque era muito pequ^no estivemos assim atc 
as duas horas antes do dia com a proa para o mar ; e foi o 
vento tao forte, que quando quizemos apanhar a véla pa- 
ra correr em arvorc seca , nao o podemos fazet pelo mo- 
vimento e impeto das ondas senio com grande trabalho 
e fadiga : em fim prouve a Deos que podcssemos recolher 
a véla ^ porque se assim nao fosse corriamos grande peri- 
go , visto a multa Furia e impeto com que o mar andava: 
corremos pois (corno digo') em arvore sjca- até a quarta 
de tarde , e encào a nao Julia Ì90U bandeira , poz huma 
flamula no traquete de diance, e veio para nós, e nós 
para ella : quando chegimos a distància de nos poder- 
mos encender por sinaes ( porque era tal o estrondo do 
nur, que por mais que nos chegassemos nao nos podia- 
mos ouvir) percebemos que gritavao terra terra , isto he , 
que fossemos com elles demandar a terra , ainda que es- 
ri-vesse dUcancc ; e diziào isto porque esiavio a ponto de 
hir ao fundo^ por isso tinhao posto a flamula no craque* 

Gg il te 



zf4 Natega^aS 

te da proa e (ogo princlpiario a navegar psra terr?» No dia 
seguince houve bonan9a , da qual elica se aproveitàrao 
para despejar a muira agoa que os alagava , e por isso nào 
nos fot necessario arribar. Em huma segunda feira dez de 
Juiho enconrramos a Leiroa nova y que se tinha separa- 
do de nós , e nos contou corno avistara duas nàos Porta- 

fuezas que hiào para a India : aos doze encontramos taro- 
cm outns duas nios de Portugal que seguiào a mesma 
derroca , cujo Capitao mór era AfTonso de Albuqoerque; 
coni oque huns eoucros tivemos grande prazer , e atiràmos 
alguns tiros de bombarda. O Capicào mór nào quiz deitar 
fora aesquife, e mandou a Julia que se puzesse à^capa, 
chegando-se ao pé para ^hc dar novas da India , e assin) tez. 
Nós £omos direitos a oucra , e corno dissemos ao Capicao 
que deitasse fora o seu batel porque nào cinhamos o dos- 
so , logo o poz por obra vindo a nosso bordo e nòs ao 
seir; e assim o avizamos de quanto Ihe era necessario sa- 
ber a respeico da India , e elles nos dìsserào comò em 
Portugal tinhamos bum novo Principe ,fiIho do muito alto 
e muito poderoso Rei D. Manoel N. S. ^ e nos derào muicat 
outras novas, e j untamente duas sacas de pào. Aos desou- 
to de Julho passimos junto ao grande Leào , tao temìdo 
dos marinheiros , quero dizer , o Cabo da boa Esperanfa j 
e por certe que ha roda a razào para ser tao temeroso, 
porque hindo para a India, logo que elle se passa se re- 
puta a viagem acabada , e do mesmo modo acontece quan- 
do se volta para Portugal. Aos rrinta houvemos vista de 
humallha ainda nào descoberta(^), para a banda do No- 
meste , aonde abordàmos ^ porcm nào achàmos pescaria 
alguma , nem arvoredo , se bem que fosse toda vicosa,e 
que nos parecece que tinha agoa : as outras naos deitàrào 
fora OS seus esquifes, e-forào quem nos derào estas in- 
forma9Óes , porque a nossa ancora garrou ; e assim nos 
fìzemos a véla e andàmos ao pairo rodo aquelle dia , e a 
maior parte do seguinte j e nào fazendo mostras devirem, 
conhecemos que as duas naos fìcavào surtas na Ilha , a qual 
està com o (Jabo da l>oa Esperan9a de Noroeste a'Sues- 
te , e toma huma quarta de Levante a Ponente , e della ao 
dito Cabo sào seiscentas legoas de travessa. Jazcomallha 

de 

(tf) He a Ilha de Santa Helena descoberta em i$oi por Joao 
da Nova , porcm aiada aesse tempo ignorada pelo nesso Navt? 
gador. 



A*S I If D 1 A 8 O It I B K T A B S. tl^ 

de S. Thomé de Nordeste a Sudoeste , e de ^uma a outra 
sao trezentas e oucenta legoas ; e com o Cabo das Paliras 
de None a Sul tornando huma quana de Noroeste a Sues* 
ce e discao trezentas e sessenta legoas : com a Ilha da 
Ascenpào tambem de Noroeste aSuesce^ edisriò duzetitas 
legoas : em firn com a Ilha de Maio , de Noroeste a Sues- 
te • tornando huma quarta de Norte a Sul , e sào seiscen- 
tas e out^nta legoas de distancia de huma a outra. 



*, 



sra^ 







2l6 

•-sdsasssssssisssssssaessssassssaBBSSssassB^ 

TABOADA DOS CAPITULOS- 

VyAPITULOI. Dshtm porto chamado Funcbal j de co- 
mo fomos assaltados por hnma grande tempestade , e de 
bum l,Hga*- chamfdo Cabo primeiro. ... - Pag. ifp. 

CAP« II. Da riha de fofala , do rio dos Bons Sinaes , e 
de Mocdmbìque^ i6i. 

GAP. III. Da Mina donde ElRei Salomh tirava o ott- 
ro i e da qual se extrahe Mirra fina^ ... - i6^. 

CAP. IV. De Quiloa e Momba^a. 165* 

GAP. V. D: Melinde , da residencia do Rei , dos elefan- 
tes , e corno he falso dizer-se que nto tem juntas : de El- 
Rei deQjiloaj e corno se fez tributario dePortugal. 166. 

GAP. VI. De Ancbediva e das tres Ilbas cbamadas de 
Gbediva. 170. 

GAP. VII. Como farlo aprizionados os qu: vinhìo em 
bum zambnco para Cananor \ e depois de se Ihes restituir 
outra vez teda a sua fazenda , forMo entregues a bum 
Embaixador daquslle Rei » a firn de compensar das 
muitas jaias que elle tinha dado ao Almirante. - 17J. 

GAP. Vili. Da grande refrega que bouvc entre buma ndo 
Portugtteza e outra de Calicut. - 174» 

GAP. IX. Da multo grande e desesperada defeza que fez 
està ndo de Calicut , e comò finalmente foi queimada , 
tendo primeiramente os Mouros que estasio dentro dei- 
tado ao mar grande tesouro que tinhìo , de ouro , 
prata y e joias : e comò a ndo S, Paulo deo ca^a a 
quatro ndos de Mouros. ij6. 

GAP. X. Como ElRei d^ Cananor fallou coni Almiran* 
te f e OS nossos tomdrSo bum zambuco de Mouros que 
bla para Calicut ^ e da carta que escreveo aqudle Rei 
ao Almirante. 280. 

GAP. XI. Como bindo costeando para Calicut , e avistan- 
dose buma grande ndo , se tomou a resoluiiHo de a nao 
qucimar por ser cbamado Almirante a tratar pazes 
com aquelte Rei. 184; 

GAP. XII. Da causa que moveo ElRei de Calicut a «- 
crever ao Almirante para vir ao scu porto. - - - ibid. 

GAP. XIII. Como Almirante foi a Calicut y e ElRei 
mjndou saudar , e perguntar se estava satisfeito com os 



Tasx>ada dosCapitvlos. 21^ 

CapUulos de pazes que die Ibe enviàra \ ila respostà que 
Almirante Ibe dea : e corno toviamcs quatto almadins 
de pescadores e bum zamhuco , o qn* Joi chiusa da in- 
dignaqio de ElBei. iB6. 

CAP. XIV, Da sohcrba resposta que o Jlmirame mandou 
a ElRei de Calkut , e amo os tiavios Ponuguezes se 
cbegdrio. d Cidade. 188. 

CAF. XV. Como as ndosPortuguezas principidrio a bcm- 
bardear a Cidade, ----.-.•-..i9a 

GAP. XV L Como os Portuguezes sefizerao d véla fta voh 
ta de Cocbim ^ e do que contcu Gommalo CU a respeito 
da Armada que bla para Calicut , a qual se perdeo no 
mar por causa de huma tempestade : cerno bum filbo de 
ElRet de Cocbim joi saudar Almirante , e agradicer» 
Ibe a mercè feita a bum parente d^ElHei de Ibe salvar 
tres navios > e comò se Ibe cffereceo para dar carga. ij>2. 

GAP. XVII. Como ElRei de Cocbim Jalleu ccm oAlmi'^ 
rame , dos presentes que derio bum ao cutro , e cerno 
ElRei de Cananor Ibe mandcu fedir algumas ndos pa- 
ra Ibe carregar de especiarias ^ pelo mesmo prc^o queem. 
Cocbim. ..--• -•.. ip^ 

GAP* XVIII. Como os de Calicut armdrao secretamcnte 
cm bum rio vinte zambucos \ e os ncssos seguindo bumas 
almadias de pescadores Jorio de improviso furiosamente 
assaltados , até que bum bombarderò atirando a kuma 
almadia fez bir a piqué zambuco principal. Ccmo EU 
Sei de Cocbim mandou empalar tres Momos por tcnm 
vendi do buma vacca. .-..-.--..155:, 

GAP. XIX. Como a terra de Mangalor e nuìias cu- 
tras se sugeitdrào voluntariamente a ElRei de Fcrtugal: 
da Uba de Calao : do modo de ca^ar e dcnusticar os 
clefantes , e dos cavallos marinbos. 1^6^ 

GAP. XX. Como Almirante se ajustcu per fm ccm os 
Mouros a respeito da carga das espi dar i^iS , e ccmo 
ElRei de Calicut mandou bum Eramine ccm seu filbo ao 
Almirante ^ para fazcr pazes e amizade ccm elle. - 199» 

GAP. XXI. Como Luiz Coutinbo , que tiriha ficado per 
Capita» mar em Ccchim , deixcmo cs Mcuros de dar 
carga ds ndos por ter hido Almirante a C/:licut ; che- 
gou com ajuda de Deos a Cananor , onde aikcu a Ftota 
do Almirante pronta a comtater ^ e amo cs de Calicut 
vierao de noute com zamlucos assaltar a Armala. • 201,. 
CAP. XXII. Como Almirante Jez cnfcrcar os Jtidios , 

que 




2i8 Taboada DOS Cafititlos. 

que tinbao ficado na ndo ^ t mandando-os metter em bth 
ma almadia osfez por junto d Cidade com bum eseru 
to feito na sua let^a e Ungoagem. 204. 

GAP. XXIIL Como a Armada de Calicut fugio farà 
Dorto. -* -..•. lOf. 

GAP, XXIV. Como cbegando os Portug$éezes a Cananor , 
als^ns mercadores Ihe contdrao corno as duas ndos ti* 
nbao sido aprizionadas , e queimadàs d vista dos de Ca- 
licut , com cousa de setecentos bomens , dos quaes nao 
escapdrSo senio deiaseis ^ e comò foi despeda^ada a on- 
era ndo em que estavio quinbentos bomens , todos os 
quaes forao mal feridos ; e aonde esteve Rei para ver 
a batalha, 207. 

GAP. XXV. Como partindo de Cananor na volta de Por- 
tu^al , atravessdmos golfo , e acbdmos muitas terras 
ainda nao descobertas - 2c8. 

GAP. XXVI. Como chegdmos a Mo^ambìque e nao acban- 
do alli agoa doccj Almirantefez cavar em bum sitioy 
e a acbou com grande contentamento dos babitantes ; e 
corno tendo parttdo de Id fomos obrigados a arribar de 
novOi e motivo porque. -----.-. icp; 

GAP. XXVII. Como fomos assaltados de buma terribilis- 
sima t€mpestade , na qual nao tivemos outro remedio se- 
nao encommendar-nos a Deos , e corno nos veo a f aitar 
mantimento. -2ia 

GAP. XXVIII. Como vindo de Mo^ambìque para Portu- 
gal encontrdmos algumas ndos Portuguejuss que biao pa- 
ra a India : das novas que nos derio « e corno vimos 
buma Uba ainda nao dtscoberta. «r-s-^ii^ 



N,vr. 



^.yjJuQi - ^-«r^-t^A >(aìt^TVt^ 



(lo "^ ^ 



N.' VI. 



V I A G E M 

A' S 

INDIAS ORIENTAES 

POR 

J O A O DE E M POLI, 

FElTOk DE HUMA NAO PORTUGUEZA, 
ARMALA POR CONTA DOS MARCHIONES DE LISBOA. 

Traduzida do RaIiano« 



No$ìc. Vltram. N.^ VI. U>^ Hh 



T 



lYt 

iNTRODUCqÀO* 



. Fiagem ile JoSo de En^oU qut forma o N.^ 6.^ dista 
ColUcqSo ^ foi emprebendida em oanno detso^ em buma fido 
^M fazia parti da Esquadra com que a primeira vfz foi d 
India grande Affamo de AìbuqMrqae : todos o$ nossos Hip- 
to$iadfires quando tratao desta viagem , dizem que o dito 
Capitao partirà do Téjo em o dia 6 de Ahril daquelle anno , 
levando tres navios debaixo do seu comnuindo , sem que ne« 
nbum falle em o quarto , nem em o Feitor Joio de Empoli. 

Hum silencio tao uniforme farla smpeitoso este escr'uo^ 
se o nome de seu Author , nao fosse tao conhectdo nas no^ 
SOS Historias , pila segunda viagem que depois fez ds nue^ 
mas Ittdias corno fogo veremos : este motivo , e o modo abu^ 
viado porque todos os nossos tratao està primeira navega^ 
dM ^Ibuquerque tirSo a suspeita que póde baver sobre a sus 
asitenticidade , Msda quando nao hot»vessem outras razoM 
qste a demonstrassem- 

Talvez que bttma das causai deste silenóo prceedesse de 
ter sidojoao de Empoli empregado ^ nesta primeira viagem , 
em bum navio armado , nao por conta da Coroa , mas sim de 
Armadores y e estes Estrangeiros ^ corno erao os Marebiones, 
grossos e ricos commerciantes Flonntinos de Na^ao , entio es^ 
tabelecidos em Lisboa, Os Marchiones , segundo Barros e Goes , 
jd se tinbao exercitado naquelle trafico da India , desde o tem^ 
pò de ^00 da Nova , e tanto se dedicdrao a elle , que bum 
dos irmaos por nome Sartbolomeo , passou depois pessoalment^ 
dqmllesmares em 1520 fw buma ndo sua ^ que fazia parte 
da Armada dejfue bla por Capitao mar Jorge de Srito. 

Tendo Joio de Empoli feito està sua primeira jornada 
pelo modo que nos deixou escrito , e rtiolbevda-se. a Ponugal 

Hh ii pe- 



IT I N T R O D U C Q A O. 

pelos fins de 1504 , conservou os desejos de se empregar de no- 
vo no commercio e navega^ao do Oriente ; e com effetto jd em 
1512 vemos figurar outra vez na India ^ nao jd corno Fei* 
tor f mas corno Capitao e Senborio da ndo em qne bia (i), 
fersistindo naquella carreira até além Wf 1516 , època em qm 
na liba de famatra Ibe ardeo seu navio com qttanta fazen» 
da levava debaixo da coberta (2). ^Achava-se elle nesta oc- 
tasìio de caminho para a China em companbia de Femio Pe^^ 
re$ ^ que alti eramandado por El Rei de Fortugal j e nao pu- 
dendo jd continuar a viagem corno Capitao , em consequencia 
daquelle desastre ',foi nomeado Feitor mór de toda a Armada^ 
€ neste cargo se conservou até aofim da sua vida, Cbegando 
a Nantd foi jnandado em embaixada ao Governador , a pedir 
licenza para a Frota entrar no porto de Cantio , e depois 
que alli cbegoufoi segunda vez expedido com a maior pom^ 
fa e solemnidade , por Embaixador ante os mesmos Governade^ 
res de Cantao , onde esteve bastantes dias em terra igualmeU' 
te aceito e bemquisto dos Cbins e dos Portuguezes. Final-' 
mente sendo aquelle clima contrario d saude dos Eutopeos , 
enfermou gravemente naqtsella mesma Cidade , e sefinou peìos 
fins de 1517» ou principios do anno seguirne ^ com universal 
sentimento de quantos conhecìao ()). 

3teJo de Empoli era Fiorentino deNaq/iOy e escreveo em 
Italiano emjorma de carta a sua primeira jornada ^ que ap- 
pareceo impressa por ^oSo Saptis$a Mamuzio y de donde a 
traduzimos. 



VIA. 



(0 Barroi Dccad. a.«Liv.lX. Gap. IV. 
(a) Barros Dccad. j/Liv. II. Gap. VI. 
Ci) Btrros Decad. )•' Lir. I. eli. 



119 



V I A G E M 

A* 8 

INDIAS ORIENTAES, 

POR 

JOAO DE EMPOLI. 



CAPITULO I. 



Da terra cbamada Vera Cruz oh Brazil 9 ^05 costumes , ar» 

mas , e crenca de seus babìtadores j do fono chamado 

Agoada de S. Braz 9 do modo de vestir dos homens 

€ mulheres daquelle Ingar^ 

Jl Artimos de Lisboa no dra seis de AbrìI de inil auìnheit- 
tos e tres-, na Armada do Capitào mór Affbnso de Albu- 
qucrque , a qiial se compunba de quatro naus ; huma de 
trezencas toneladas cbamada Santiago , outra de trezenras 
e sìncoenta cbamada Espirito Santo , outra de cento e sin- 
coenta cbamada S; Christovào , e outra finalmente de cem 
cbamada Catbarinà Dias ; e hindo todas de conserva princi- 

fiamos a navegar direitos a Cabo verde ^ do <}uai cjuando 
oQvemos vista 3 tomon o Capitào conselho com os seus 
Piloros , sobre o rumo que se devia seguir p«ira str me- 
Ihor a Aavegafào até ganbar o Cabo da Boa Esperan^a ; 
porque o caminbo que de ordinario se fazia , era i,o longo 
da costa de Gniné da Ethiopia , em a qual ha muirias cor- 
rentes , cacbopos , e baixos , e fica aleni disso sotcposta a 
Equinocial , acalmando por està causa muitas vezts o ven- 
to : para fugirmos pois della , deliberair.os engoliar*nos de 
setecentas e sincoenta até outocentas legoas , e navegan* 
do nesta volta obra.de vinte e outo dias, em buma tar- 
de avistanios a iena , que ja por outros tìnba side desco- 
berta, ainda que mais por conjecturas do qtie fcr itrim 
abordado nella, e se cbama a Uba da Asccnff o a? 'o a 

3ual estivemos toda a noute , quasi a fcnto «e vcs per 
crmos com hum grande temperai e venie àu \ii\<^yx. 




aio V I ▲ O E K 

Esci liha Tito rem nenhqpti v^Ior scgun4o podémos obser- 
Tar ; e pircindo della navegamos canto , <]tie noa achàmos 
multo engolfados na altura da terra da Vera Cruz ou Bra- 
Zil , descoberta algpns anaos lotes por Americo Vespa- 
cio (^i), da quii se tira grande quantidade -de canafis- 
tuia , e de pio Btazil ; e nao achàmos mais nada de va- 
lor. Os naiuraei sao d^ boa presenta , an^ao nii$ tanto 
homen^ con^ mulheres , sem cobertura alguma , Fazetn 
lavores p^Li pelle até a cintura , adornao-se com pennas 
verJes de pip^giios , e eniìjio oo^ beìpos espinhas de pei- 
xes ; as suas armas sao huma especie de djrdos com as 
poiras cobcrtas dis dicas capiahjis » cem a fé Epicnria , e 
8uscentao-se ordinariamente de carne humina , a qual se- 
ciò ao Fum^iro corno nòs a cafne de porco. Parrìndo des- 
te lugir , concinuanJo a noisa navega^ao para voltar pa- 
ra Cabo da Boa E3p^ran9a, c|;janJo ejcavamos em fren- 
te da Uba de S. THoinc , p^Tj^moì de s'm^ p no^so Polo 
Artico , e nos fomos avisitihin4o ao Antartico i e antes 

3 uè poiessei-nos ganhar aquelle Cobo tivemos huma gran- 
issima tormenta, navegando as mais das vezes em arvo* 
re seca sem palmo de véU , ora a Pocnte ora a LrCvame , 
porque naqueUe lug^r nao se encpncrao outros v^ntos se- 
nio OS sobrcJicQs ; em dm com 4Juda de l)<;os vingamos 
oCabo , a viita do quU cbegamos aos seis 4^ Julboi e 
partindo daqai ao l^ago da co^ta entramos em buoi por- 
to qu e Ihe fica visipiUo , chaipida a Agpada de $• Braz, 
por t^r sido d^^cobcrtp na^lHelIc d'^ » e por isso se fez 
huma pequena iirmid^ erp sua (pemoria. l&sta paragem he 
abun(Unti$>iip.) de agoa 4qcp , 9 q\i9l ^tf tira de covas fei- 
t4s a mao , poi^n) nao t^m mais nad^ de prpsrimo ^ salvo 
mulrps anìmaes dpnmisricos proprios para corner : cusca 
cada vacca huma can>p9;nha das irit^dtanas , e nós wm 
39 con«prànìos, pois o oqro w peata nao o tcnao estima* 
do , séndp aqueilas campoinbas o que mais piez&o. Os bo« 
m^ns nap tem cabOiHos i tepi 9 cabepi tinhosa» e 06 olhos 
femelpsQs , vestem-s^ atc i cintura com pelles setti sem 
■ \ ibe^ 

(^a") Por a«(ui se ve que foi està a quarta vez que os Portugue- 
XV aboròirào em o iUazil ; a prim«ira corno vimos 9 capitan iados 
pf lr> seu ^escobridOf Pcdro Àlvares ; e a segun4^ • icrceira em 
(ornpanhia ^9 Vespvcio: bo de a-venir qum oi Aucheres que tra- 
tto da p^riaieii^ vi^eej^n de Affoi)SQ de Aibuquerquc omitcem to^ 
dos està particul9«rL£ide » dando so p^r caMia 4t ^Ui àfitxWà 0$ 
ventos contrarios com que teve a combater» 



A'slK]:riils0^1^BKTAES, 221 

Ihé (ftareiif d pèllo , e cdbtètn as pdrres it^tufac^ com funi 
ceurtf à modo de b^Iia : it tt\htheteé xtùzétti (sitibeftf 
htim $emelhame vestMo de pdle*^ , e Ihe ajUittàe huriU 
CAtrda db ftiéimcy > ^^t the càhe tanto (tor trai cortio |^d^ 
àiàiìie , e issiilt àndio cóberta^ , e tem o^ ])6itos niuitò 
grimtes. Ch hotnéfts uzao de hcfma especie de dardos dotti 
a poma de ferród , pois aqu't se acha algunia pot9Ìo deste 
metal r nio cem Iti netihoma ^ comeih catane ema ^eguA- 
da vimos } a stia falla he gutoral , e acompaivhada de atcfe*- 
iios e assobros , ttio os tendo ntm^a ouvido explka^ htrM 

Ialavni expedittrmente ; e arnda ({tre entre nós hduvesseAi 
omens oue sibilo differemes litigoas , nonca iKe podétto^^ 
connroir noma uttìea e^tpre^sio , em firn sic hoifietfs' bru- 
raes: etfis^a^ui quanto nos fot possivel comprehendér ài* 
dita terra*. 

c A p I T u L o ir. 

De buma pcvea^ao cbamada Paté ; dos sinaes que detioiao rto'* 

mar a visinban^a da tetta \ do monte Delli , e cerno chegdfrdo 

tlós a Cocbim ouvìmos ter sido derrotado , e expulso o 

fe$f Rei Mouro ', eotetra vez restittàdo aos seus Esta-^ 

dóspett Cà0itao Francisco de Albnquerque. Da for- 

tafeza $ohfe o rhXepelim j do Reino de Coulao 

ainda nao descobcrto aonde achdmos Christaos 

tbattiados Nazarenos , me atti ficdrao 

do tempo de S. l^bomé. 

± Artlmoff destef porto, e navegando ao icngo da cdstà 
soffremos algtnlla* rormentas que nos tornavao difficil avi- 
smhafMAo-nos omra vez a dia , em firn andairos tanto pa* 
ra dhintc , qxxe chegàmos a ^ofalla , onde he a miifa àé 
ouro , e S. Magestade faz huma Fortaleza bcm abasteci- 
da de artVlharia , e com boa guarnìfao. Partiiroi dacjui pa- 
ra Melmde , erti cujo portò deviamos entrar segundo o re"- 
giifìCMo <]ure levavanios , para e^jperar o CapitSe n.òr cjaé 
se tiilha esgarrado conn a grande tormenta, (jjlc passarap 
mos: e determinaiida cumprir està ordem , cra-nos o vto-^ 
to opposto de sorte , que estando barlatenteando para t^ 
mar o porto, e pedù hvm Piloto <]«e nos levasse àff Iit^ 
dias , por e«na da perigoso golfo qve tinhtir os a airaves* 
sar;jamais ò^podén^s conseguir, e a» ^goas nos levarltf 
moita para baixc^ até huma terra chamada Paté , a quaf 
fae cercada de onihos baxds s de tnafìCìra qce' scndàndo ò 





tltV "^^'^""^ nio se a.^ morS?"^"'^ ^^ ^^^^'^ P^^^^' 
\o CP«^^^^ pòJc atraver ^»n o ^ ^'7 acravessar o goN 

dU* . «^^ ^^\>utro8 seU'^'^^ , se«7^^ de Sctcmbro nas fa. 

ie levante ^ .^ixar o dii^ ^«^cs '?'*V* ""^n^^ ''"' "^'"* 

principlanio f^ . 

Sucoccnras e ^;V 

achàmos os ^*^. 

tharina qae tinf 

codos juntos fi^ 

fa^ao contimos ••-•- -%*« Ourr '^'^^*> *^ ''^'" B^^anac sari«- 

euimos a nassa viagcrn ^0^ ?^ os perìgos passados^ e se- 
te golfo ha al§un^*5 vinte e **'ante susto , porquc fles- 
se se errasse o canal d5u.j^quatro mil Hhas , nas qoacs 
xno se ai-jni fizessem '«ìprejis-'^^ '^ cosca ; por isso mcs- 
accontece nestes nossos marc**^ todos os yentos , corno 
porém no tempo cm (ju^ ^ ) nenhuma nào se salvarla; 
co>tutna set favoravel ^j huV^^*^''^os 9 sempre • o vento 
nào soptào senào os ^ocntea ^^ i P*^'^ comò ja disse, 
tavamos a sahìr do canal r os Lcvantes. Quando es- 

visìnhan9a de terra , que^a^**^^* os seguinres slnaci A^ 
ramente achàmos as agQ^ ^^dos gao notorios ; primei- 
coua ainda na Jisrancia J '^'«nca» apezar de estar a 
depois vìmos o mar cheio j ^^nto ^ sincocnra legoas ; 
eia tjue nao se póde cxd?'^ ^^bras ^^ '^^^^ abundan- 
das em propor9ao , e ariij^*'" i sao* deJgadas e compri, 
o terceiro e ultimo sinal or <^om a ^abeja fora da agoa : 
««J^»to grandes ; Quando .1^ ^aranguej^s vermelhos , nao 
«^bemos que estamos visinU^'^^Ontrao rodas estas niostras 
^ ^'^«Qhog ^ ^^^^^ , a sexcrua legoi% 

Co Ja notàio ^ ......^.^ ^-^ 

«na das particuUrìdaH;. j '^^^'osAnTT Zio contavao ncnhu- 

Por isso guardao sfun .^^'^* iorn^i^'^^ir^'^^ de Albuquerque. 

boa erao qgaUo « ^ 5"^"^° Poi, *^*'*** ^^*^ue P»^^^^^<^ de Li,- 
Provavelmente «ó e "^^'ao assim *^ '^^'^^ ao i^«*^^^° ***^ ^'*^' » 
'55 conta; resulfa^^*^ ««tas h^ '«duzida* *^ jlistoiUdofes fizc 
ducevo. ^'"do dacui ! T^ Qs mesrti^* 2ti«nos „. j^,,^. 

^ '^ Ruvida que ^^"^ 



COLLECQÀO 



D £ 



NOTICIAS PARA A HISTORIA 

E GEOGRAFIA 

DAS NAgÒES ULTRAMARINAS, 

Q U E V I V E M 

KOS 

DOMINIOS PORTUGUEZES, 

OULHESSAOVISlNHASi 

PUBLICADA 

PELA 

ACADEMIA REAL DAS SGIENCIAS. 



TOMO II. NuM. VII. 




LISBOA 
NA TIPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA 
I 8 I 3. 
Cm ìimia de S. ALTEZA REALt 







V^ 



iella 
te Delli 






A s O 



<i ì 



w%^s9SÈ, nav^p 



^ ir X JW 



s« 



4Ì3. India et 9*^ ^'^^g^'"o« ^ ^f 



^x A^c^v^o^tVa allivio deta^^nze de Sctemb^^^ Alo, 
de refresc?axko^ ^ttì«« pjtss/^^o , ^ M>8 rrabaihos e ,._^«oo. 



W/*»- f^^cndo escai ^^ longo da coI^^''^^Jo- 



gàmos a CocHìtn 



bcm chcgadQ as i^a.os 
querque ^ as quaes P^^v 
curo dims dcpais ^^ ^ 



.?i^u' 



kl« e at>ordao<i '^ por Calicut ^ •^•» cfte. 
«Ircirào deL,s.«nór Francisco ciV^/'Oi* 
-**- "*=* e soub^**» esce . encontro 'fff/^e* 



5 grande contentami"»:** , »- Jo ^ » *^o» corno a su^ *^*';<^nioa 
pulso o scu Rei ^P«^?^« niór ,^e gente ^e C,,.^^^ e ^^^^ 



polso 

cojo morivo 

xes de Hvirr^^ 

Rei OS se 

xào (azer guerra 



itao 




^^ndà 



rao 



construir 






Tio Repelim , muiiro forre , j^ Madeira cercala j^ ^ ^i^ 
des fos^s , com rxiu/ra ^OTfe , e arrilh^.f* que cada Vf ^- 
ma das naos deo para ella se provcr. Ft^tta isto pr/nc//?^- 
Dnas a pedir oarga , e achàmos hst^cc p^ ^^^^^ doz^ vL^- 
catitaras de pimenra^ qae O outro CZ^p^^^^ ."^^ '^^vì^ clC^^'' 
^ado prìm^ir<^ quc ^5/ ;^ f^,,/,^ cofi3p"^<> ^ ^^^Poia ^«- 
muitas cipasrócs qu^ ^^^ ^/^e reve <> trosao Capirà^ ^^e 



^ cu/Ti Clic tcv*^ ^ c^.v^^-.- 

tre a divisao della ^ ^^, louvainos oos Feiforcs 



que aqui escavao , e fni ìnio<%^^ aac «* csi^cciarjas i:^e 

S=m di, 9»^ J>ri'r.^''^% ^SJil^'teS<^ C ^ > ^^^-ndo-^*' 
M>>M0^ *^/z, <«^^^^^^,sr^'* *'""*.** *^ ^j^ _. ,X« CKjr termos c"l^<>* 



^ t»nto OS no«s<7^ ^^ , e ma/ ^onr^"^*^^ longe par?**.** 



«ow voi termos sera Hrpos , e v/ndo f*^ '* 
I^oùc. Ultratncrr iVv >carga : de7i'bera»><» 



ances nib ,;^;*'^- 



o VI. 



( o> O no«o Batto» ^;; ; r^r poÌ»«»<^* *!"" "ccuJtTr 



Vh« mandai» a ««« ^^-^ -^ 






oSeteecado'S» 



c/ar 



Ì24 V I A O B M 

^ Porta gal , e buscar a nossa ventura mais avante em al* 
Sum outro lugar que ainda nao fosse conhecido ; e par* 
tindo de Cochim tomos ao longo da costa boas duzentat 
e sincoenta miihas , até chegarmos a huma teiera que se 
chama Coulào , a qual ainda ninguem tinba hido desco- 
brir , e aqui surgiipos ao longo da praia , na co^ta brava» 
cousa de seis miihas distante de terra ; e tendo sqrgido de 
tarde 9 quando era meia noute principiou a ventar inoito j 
coxn vento' contrario » e travessia da terra , durando està 
tormenta sinco dias com tanta forfa , e com o mar tao 
grande » trazendo o vento tanto iinpeto que perdemos 
quatto ancoras , e ficàmos sobre huma com pouca espe« 
ran^a de remedio , de sorte que a maior parte da gen« 
te jà se tinha despido para se salvar a nado se neces- 
sario fosse. Porém nào quiz Deos usar com nosco tanta 
cruddade , fazendo cessar a tormenta , acabada a qual 
mandou-me o C^pitao a terra para saber o que nella ha* 
via: armado o batel levatào-me à praia com muitas troni* 
betas e ceremonias , e achei nella huns quatrocentos ho- 
mens que nos aguardavao para nos ver e aos bateis , 
parecendo-lhes ambas as cousas multo admiraveis ; logo 
que nos avisinhàmos , fizemos-lhe dizer pelo nosso Inter* 
prete , que eramos Chriitaos , e assim quo isto ouvirao 
tiver&o grande prazer , dizendo que tambem elles o ttio% 
eque estavao aqui desde o tempo deS. Thomé, e chaiua- 
vio-se pelo nome de Cbrisiios tanto homens corno mu* 
Iheres assim comò nós , e desta casta de gente bavera tres 
mil pouco mais ou menos : logo nos levarao a ver huma 
Igreja mediana , feita a nosso modo com Santos e Cruz » e 
com a invocacào de Santa Maria , a roda da qual ìmhuio 
osChristaos cnamados Nazarenos que no-la olFerecèrao pa- 
ra morada : depois fomos Fpresentados ao Rei chamado 
Nambiadora (4)0 qual nos recebeo com muita alegria e 
amor ; e perguntando'lhe se tinha especiarias que nos das 

Sara a carga de tres navios ; respondeo nos que em vinte 
ias se obrigava a carregallos com as que qoizessemos, e 
assim tornàmos para a nao a dar està resposta aoCapitSo, 
principiando a apronrar os navios com grande festa ; em 
fìm carregamos tanto quanto era mister ao nosso desejOf 
e até dizer mais nào* 
CA-_ 

( « ) Barros ta? passar estes contratos entre os Governadores da 
terra e Affondo de Aibuquerque . e nSo dis huma palavxt a n9s 
pe ito desta entievista com o Rei^ 






^»3 Xmoia* Oaisvtabs; i V 

CAPITULOIII. 

^'*^'^*f AeCotdao veto para visitar General , e do ma' 

^^ fico preparo que para isso fizerjo tanto bum 
__, •' '^ ■ * corno outro. 

fi'^'^^Y.A^ ii determinados a partir, oCapUio mór e EI- 
Rei ^*»«? 'f- J^^J-Tiosos ambos de se verem , determina- 

P^^ ^«^.f/aem ?odos o» seus batei. bem providos de .r- 

A„-^^»a» '^*"*;f Lia eom hum pano de veludo , e no lueat 
e^ ** ^"l **"f i^MnSr-sc pSz maitos adornos de retalho. 
5S> "^T ^^V.da a mourisca f e elle mean^o vcstido de bro- 
d^s seda lavrada a F^^ * « com muitas joias e ca- 

,o com capa a v ^ j^ ^e ornado corno cumpria 

*^ àe outo . ""''prcsencava ElRei de Portugal : nòs 
_\vvima P««*°* ^"%;cparado8 cada bum segando as suas 
tfuitos ««»;'*"'i*3„a5 junto * terra aonde ha bum porto, 
•^osses -, e cncg»" j ^^^^ j^^ India, deitamos ancora, e 
«at^xàouto «a"*' „j- que ElRci chegasse a Praia , o que 
«aùvewos *'?*" j_ h'uma bora , apparecendo entào com 
tardou o espa^o a ^^^ ©rdem dividida em csquadras , 
ionamcravel Se*" j ».j^j ao nosso modo, depois seguiào-se 
com espadas e '°"^ q, lutadores tintados com os seqs 
OS atchelros , * ^ entra rem ero combaie , em o que 

oleos , e prontos r j^^j^ ^s contratadores e negoci an- 
se exetcitào molto »^ r^^.^^3 ^ eouiros artistas que cha- 
tea , corno Dan^u^ Naires , qu^ **° corno entre nos os 
mao Zetti ; ^^P^^'^.g^tacio ■ apòs estes os Bramines , quatto 
Ser»bofC$ de '^P'v. priJ,c5paes ,traziSo o Rei em buina e»- 
aos quaes , dos ""'• Jg^,, » j^ fejjio de paviola , com qua- 
pecie de andor "'^^^ njjjto bem trabalhados , e em cima 
cfo bta908 de "**' . ^ g^o modo sobre os pés a manei- 
aelle o Rei **'®*V*° ornado com panos lavrados de seda 
«a de alfaiate , ^^ìjos aneis de valia , e bum barrete de 
e algodao , com "V . g^^^ je joias , do comprimento de dous 
veludo carmczim co ^^ menos , dentro do qual ficao me- 
ipalmos P<*"*^°,"' Atra» delle biSo muitos elefantes e ca- 
-cidos 0$ cabellos. ^^^^^ ^^^ ^^^ naturaes do paia corno 
•vallos , ainda *1? j,,, muicas mosicas de trompas, chara- 
.«I elefantes; e <^^y «onibetas : logo qne chegou diante 
«ella* , atabalc» , « * mi jo. 



•^as»^-"" -^"&^ » e com ìat^ m/v. «•'•"^^ »c aparroa delle 
^^s , ante, qoe nos R,,["^TaS^^ "i^^ q«e"a fiawe 

^oe se despedissem hum V n . ° «rande fe.ra,ea„t« 
%los e accedo Pelo'^^^do *;.p^^; fi^cuo - »^"«Capf! 

j>o accoràpftitQ j„^^ « »... ^ ,_ 

-« rr^/^"" «'^ nereadori^* ^'^'"'j^ e CafitSo Gtnttai , 

E^alabares , * Gei„/oy J4 India. , 

M se <rO^ "*"«•» a e n6« u*°*^^* *' «speciarias qoenater^ \ 

puland<»-** """» preco ^ongamo-nos a ca fregai Us ; esti- 

lias , <;oroo para a» «r. *** » ""*° P""* »» <1'"* «»P«c*a- 

qoe a pessoa que aqu? e ** mercadorias : depois pedhnos 

togal , avesse a seu ' *^*''«« P«' pane dcElRei dePor- 

Cntist&os quando houv '^° * administra^ào da Justif* aos 

SOS conio aos que acl» •**'* mister , e isto tanto ao$ nos- 

etio lepuMdcM com^ "f^os em terra, os quaes até entào 

«laltratados. ElRei e« ""* "«>$ os Judcos , e corno elles 

pareceo extraord.,va,i^*>»»dcacendco em tudo , ainda «jue Ihe 

5« h«mr;L^' *>««? "^*""' <»» sua jurisdicfio .mas por 
emhnma lamina j^"?- Deste accordo se lavrou Escritura 

fezTsemb /c/r^'^^r 03""* * outtf parte. D"^»"^ °» 
do, com o, seu, * ^^ra^^ T''*»» SacerdStCS , o C«P'"« "f/ 
re de;/e, g,a„de ^^^*«W '*"U ^"s Padre» » J^J^Tdlan^ 
dosChmrlos da i^^Onf^'J^^cclesias.icos , »»'"As nosS e 

P^lZWZs^'Ts^r:;' * "cfcr 'MSa co" W. 



-^ 



V 

*^^*^^ w.^ ^*^ <^'* «^om a r« *>em depressa »«;. t. "**** ««-^ ^>» 



f^t^^ ^*ri,^«'o» 3«e era T^t » « «m de 







^ores 
«Jirei- 
*■ sin» 
*»Te a 

« or. 



ji»- ^ V- F **»^5lr p.~*'^viiiios a.im , eespcravai 

i^'* 5»*\.f»r'<» ' « o f ■; "^'«Pois de ter panido a nao , 
Àe<<*^j,0f^^nios tta:fc-,V** Sue sentitnos fez tnorrer os K.->aep,r 
«o *^/tr»'V, *'^"*<> co^; * ? Citando jà para eottarno .s:>or1„* 

« ^o * Va^' ^"^^ fìn> duratse mais meio dia tcr-no»-t» ia^J^* 

«ttO<i° jg»*; quatro J!^ *os dezaseis de Sncmbto de ir» fi <> /!» 

«^^ ,«5 Vidos o ^*"'^!»n»o» pel» barra de LUboa aon«JeV''- 

^\teftt^^cC%f maìJ^«'}Hor posiivel ; ,e bem que estot, ce?" 

*°°* rti>* -5,4» »nuìV ^'^S"^ aoe OS outros senussem, 4j, **• 

** *0^'Ì Gcntioa j ''°""' <»* °^«»« ' « costumct doiHj 
*,bates ^ E.stes C5- **- ^nJ'j» . « q«e prova a minila ;>o • 
♦ -«c»r»*' * ner^ '^*'<»s sao Idòlatras , nio cometa Cìf^^ 

Cfl) *^ ^bccimento ^T"^ e aJgumas outras desu ColkccSo ,^T"^T^ 
i no ^^^ tao recenff *j ^"* zzppznqzo do guzano liiEur^^'^ 



a's Indias Oribktaes. tti^ 

sbmenxt st ^nscemio et anos.c hervasj^-ftao.komens lim- 
^bs e civis 9 OS que sao ricos habicao em casas fabrica- 
das de tijolo e cai » adorao as vaccas comoDeozes , e ha 
abandancia dellas por coda ' a terra. £ìs^aqui tndo quan-* 
to pocie comprehender , e o de que vos certifico j rogan- 
do a Deos que alongae a vida de V. Senhoiia por muico 
tempo. 




.TA« 



«30 .< ■ 

TABOADA DOS CAPITULOS- 



V^APITULO I. Da terra cbamada FeraCmz ùu Sra- 
zìi i dos costumes , armas , t crenca de sem babitadores , 
do porto ebamado Afoada de S. Éraz ; do modo de ves' 
tir dos bomens e mmberes daqmelle lugar. - - pag. 219, 

GAP. IT. De buma povoa^io cbamada Paté ; dos sinaes 
que denotao no mar a visinbanca de terrai do monte 
Delti , e corno cbegando nos a Cocbim ouvimos ter sid'o 
derrotado , e expulso seu Rei Mostro \ e outra vez 
restituido aos seus Estados pelo CapitSo Francisco de 
Albssqsterqttt. Dafortaleza sobre no Repdim i do Reu 
no de Coulao ainda nio descoherto^ aonde acbdmos Cbris- 
taos cbamidos Nazarenos , qtte alti ficdrio do tempo 
de S.Thomé. iiu 

GAP. III. Como ElRei de CoulSo veto para visitar Ge- 
neral , e do magnifico preparo que para isso fizerao tan^ 
to bum corno outro. ' ^ zzf. 

GAP. IV. Do accordo feito entre Rei de Cosdio e Cd' 

* pitSo General » a respeito de mercadorias e de tudo 
mais: dos uzos e. costumes dos Malabares^ e Gentios 
da India. ...••..-....- nC. 



N. VIL 



¥^ 



N,- VII. 
L I V R O 

D E 

DUARTE BARBOSA. 



l'h 



^l/ii, 



» ^ 



Notìc. Ultram. N.« VII. Kk 



ut 

iNTRODUCqAO. 



JuLKm OS noffos amigos Hifiorìadores da India fempre me- 
recto hum tugar dejiincto Duarte Barbofa , que vìvendo nos 
fins do feculo de quatrocentos , e principio de quinhentos , 
abrangeo emfeu tempo quafi todos os noffos defiobrimentos ^ 
viaJQu com bum efpirito indagador por todas aquellas novas 
Regioes , e defcreveo os principaes lugares e portos de Mar , 
principiando pelo Cabo de S. S^bajiido , vifinho ao da Boa Ef* 
peran^a , até chegar aos ultimos limites entao conhecidos , ijto 
fce, aopaiz dos Lequios. Avastidio dejla empreza, principale 
mente em hum tempo em que nao tinha soccorros quafi ne* 
nbuns que a ajudaffem , a veracidade do Autbor , as luzes 
que minijlrava nefta Obra d Geografia , ao Commercio , e d 
Navegacao , fizerao com que ella appareceffe alguns annos 
depoii vertida em Italiano pelo Collector Ramuzio em oprimei-^ 
ro volume das fuas Navega^oes j e a pez/jr defia versao fer 
fetta fobre bum manufcrito falto em muitos lugares , comò o 
mefmo Traductor dcclara , ainda ajjim fot grandemente pre^ 
zada pelos Ejiudiofos , e tida na conta de hum Hvro Claffico 
nefta materia , tanto mais que fé julgava perdido o originai 
fobre qual fé havia jeito aquella traduc^ao. 

Eftes motivos deviao neceffariamente incitar-nos a enrique* 
ter com efte Hvro a no/fa Collec^ao ; e com effeito tinbamos 
Jd principiado a traduzillo do Italiano , quando nos lembrou 
ter vijio em bum antigo Codice manufcrito , que parava em 
^offo poder , hum opufctdo multo femelhante a efte ^ e cote* 
jando hum com o outro , tivemos a f(itisfa(iao de encontrar 
ww originai de Duarte Barbofa , que até entao nao co* 
nbecéramos , por Ihe f aitar o nome do Autbor , e a Prefac^ao 
que accompanba na traduciio Italiana. Como efte tratado 

Kk ii vai 



1^ INTRODUCgAO. 

vai dar bum Hijforiador de mais d Litteratma Portugueza , 
qual além de antigo he muito pouco conbecido ; por ijfo 
pareceO'tios necejfario defcreyer mais circunftamiadamente o 
mnnufcrito de que nos fervìmos , e darmos as noticias qu£ 
fodémos alcan^ar do feu Author. 

Pajfadas as primeiras paginas , que contém algumas cou* 
fas de pouco intereffe, por feremjdfabidasj eftd buma car- 
ta de Lopo Va% de Sampaio a ElRei D. Joao III. com baf. 
tante differenza da que imprimio Couto. ( i ) Segue^fe bum 
diarfo da Jornada do Fijfo Rei D. Conjiantino , e algumas Car* 
tas dos Governadores da India daquelles tempos ; e no firn dijlo 
buma declaracao em fórma de titulo que diz ofeguinte: Esce 
Liuro he de Lizvarce de Aureo que ho mandov fazer : co- 
mefov-se na nào Rainha ha primeira uiajero qve fez ; qve 
foi no anno de 1558 em que no propio anno se fez hvma 
arroada em qve hit por Vìsso Rei da India D. Con&canrino, 
irmao do Dvque de Bragan9a ; hia na propia nào D. Alci* 
xo de Sovsa Chichorro Ueador da fazenda da India , e Ca- 
pirao de Cochim , por Capìtao da dita nào hia sev sobri- 
nho Fernao de Sovsa Chichorro. 

Pajfado efie titulo continua outra breve rela^ao da via^^ 
gem de D. Conftantino , e logo immediatamente Livro de 
Duarte Barbofa , que fórma a maior parte do que ba eferito 
naquelle volume , digo eferito , porque quafi tudo o que se 
contém no refto delle , sao pinturas *que reprcfentio os diver» 
fós Governadores da India até dquelle tempo , e as diff^ren'^ 
tes Frotas , que, defde Fafco da Gama tinbao fido mandadas 
dquelles mar^s. 

Deìxando tudo mais que nao be para nojfo Intento , 
€ fallando fómente daObra de Duarte Barbofa \ conhecefefa^ 
cilmente que foi eferita por duas diffenntes maos^ oquefaz 
baftante diverftdade na fua ortbografia , e mefmo na exaeiiz 

• dio 

CO Cout- Dccad. iV. Uv, 6,« Cap. 7.? 




U.^'/""* ^^* -lem 







VI INTRODUCgAo. 

nufcrUo donde he ttrada , o qual tive a hortra de aprefenfar 
a Acaàemìa Real das Sciencias em a sua Sejsio de ip deju* 
Iho da preferite anno.(^i) 

Tendo dado bum conbecimento previo do que nos pareceo 
dever notar fobre efta Edilio ; Jegue^fe naturalmente dizer o 
^ue podémos alcan^ar a refpeito de Duarte Barbofa : nnfcto 
elle em Lisboa emosfins dofeculo de quatrocentos ^ etevepor 
pai a Diogo Barbofa , Cavalleiro da Ordem de Santiago (2) , 
e grande privado de D. Alvaro de Bragan^a \ qual tinba 
bido d India em bum navio daquelle Senbor em anno de 
1501 ^na Armada dejoao da Nova (0 • nao fornente nefta 
negocia^ao elle tinba dado provas da fua intelligenàa eji* 
delidade (4) , mas jd antecedentemente fé tinba dedicado 
de todo ao fervido de feu illuftre amo y accompanbando-o na 
fua defgra^a por todo tempo que affijiio em Hefpanba , t 
fendo afftm participante dos ftucejf'os pmfperos e funejios por 
que paffou durante a fua vida(^s)j até aoanno de 1^04, em 
que afftjìio ao feu falecimento em Toledo ; refolvendofe por 
ejle acconteelmento a pxarfe de todo com a fua familia na 
Cidade de Sevilba , entao Corte dos Reis Catbolicos* 

Em 

(1) Para guardar mais uniformidade na ortliografia foi-nos neces- 
sario mudar algumas letras ; assìm tambcm julgamos devcr come- 
^ar por maìusculas todos os nome* proprio? de terrag , rios t &c. 
Quando achimos no manuscrito aigunia passagem manifestamen- 
te viciada» emendando- a no texto » advertimos em nota comò 
lugar se achava n > originai , tirando a palavra ou palavras que 
falcarao » da mesma traducgào , e imprìmindo-as iguaJmence em 
grifo. 

(a) Vide Barros Decad. IIL Liv. j-** Gap, 8.«. e a Histor. Gè* 
cieal. da Casa R. tom. X. p. )7* 

O) Vid. Barros Decad, I. Liv. $.* Gap. io.*' 

Q4) Vid. nesta G)llcc. a Navegagao de Thomé Lopes Gap. X. 

0) Quando no tempo de Sr. Rei D. Joao II. D. Alvaro deBra- 
ganga se refugiou em Hespanha , ElRei D. Fernando que sempre 
o estìmou corno elle merecia » Ihe conferio a Aicaidaria mór de 
Sevilha e Adujar , e para o substituir em este emprego nomeou 
die a Duarce Barbosa. Vid. Barros Decad. Ili, Liv. s*'' Gap. S."* 



I N T R O D U e g A O. tu 

Em quanto ijlofuccedia ao pai /feguia o filbo /:s fttas 
pizadas na candirà da India, escòla de todos os mancebot 
daqsiiUe tempo. Sio^nos defconhecidas as épocas tanto dafua 
bida^ corno dafua volta : o qne he certo he que afua ajfis'^ 
lencia naquellas paragens nao podia fu de cuna durando , 
vifto grande conbecimento que dellas alcantipu \ e que no 
anno de i^iS jd elle tìnba partido para Sevilba paracom^ 
panhia d'efeu pai y depois de ejlar algum tempo em Lisboa y 
movendo^ a isso alguns defgojlosjsegundo diz jRamuziOy efo» 
bre tudo incitado , fegundo nos perfuadimos , pelas fugefioes^ 
de alguns feus amigos e parentes. 

Efia affer^ao , que nao paffa de buma conjectura , /cr-» 
na-fe verofimil , lembrando^nos que por efte mefmo tempo ft 
Aufentou dejles Reinos o célèbre Fernando de Magaibses , pa^ 
reme de Duarte Barbofa ; o qual dirigindo-fe tambem à Se- 
vilba bujcou abrigo em cafa de Diogo Barbofa , que nao fi> 
hofpedou ,com a maior urbanidade , e Ibe deo todos os foc- 
corros para levar por diante a grande empreza que meditava i 
mas até felheunio ainda mais pelos vinculos dofangue dan-^ 
io-lhe em cafamento buma filha fua , irmi do noffo Autbor^ 
Estes novos laijps , e o efpirito curiofo e indagador dt 
que era dotado , nao Ibe permittirao ficar multo tempo em Se^^ 
vilba gozandó do dtfcanfo , para que ofeu genio niopropen^ 
ila \ antes acbando^fe aplanadas as intrigas e difficuldades , qur 
até emao tinhao embara^ado aviagem de Fernando de Ma- 
galhaes j refolveo-fe a partir com elle ecom muitos Portuguezes 
lut allife acbavao ^ e deo d véla aos dez de Agosto </e 1519 , 
'w buma Ef quadra deftinada a fazer a volta do Globo , da 
qual fazia parte a ndo Fictoria em que tinba embarcado j a 
Mìtica que depois pòde voltar daquella viagem^ 

Muitos sao os Efcritores afftm Nadonaes comò Eftran* 
geiros que dao conta defta navega^ao^ para julgarmos necef- 
farlo demorar^nos em defcrevella ^ contentar^nos-hemos com di^ 




Tiii INTRODUCQÀO. 

ter qae Duarte Barbofa depois de ur pajfjdo ìnfinìtos iraba- 
Ihos fufcitados tanto ptlos bomtns corno pelos clanentos , foi 
morto com vtneno em a liha de Zebù buma das Filippinas 
em primetro de Maio de 1521 , dìgno por certo pela [uà ida- 
de etalentos de buma mais prolongada dttraqao. (i) 

O Author da Bibliocheca Lusitana qme conta efta morte 
pelo mefmo modo que nds a referimos , accrefcenta inadvertida- 
mente que fendo elle Efcriyao da Feitoria de Cananor'^ fora no- 
meado pelo Governador da India Nuno da Cunba para ajuftar 
as pazes com Samorim ; fem refiectir que ifio acomeceo em 
anno de 1529 , omo annos depois do feu falecimento , e que 
Duarte Barbofa de quem falla Barros na Decada IV. Li- 
vro 4.** Cap. v** deve neceffariamente fer outro digerente da- 
quelle de que tratamos. 

Efta reflexio nos offcrece lugar para confejfarmos em bori- 
rà da memoria daqsiclle benemerito Autbor^ qne ninguem mais 
do que nds efta perfuadido do merecimcnto d^ Bibliocheca Lu- 
sitana ^ e da immenfidade de difficrildadcs que era necejfario 
vencer para a fua compofti^So ; baftando para tjfo fer a fri- 
meira obra defta natureza que entre nós feemprebendia: por 
efta me/ma razno quem for defapaixonado deve reconbccer , 
que as noticias que aW fé encontrao nem fempre sao exactas 
e veridicas , e que bum bomem fó nSo era baftante para ver 
que tantos mil outros tinbao eferito. A Obra do Abhade 
Barbofa he buma fica mina deourOj que necefftta ainda das 
fadigas de muitos obreiros para aprefentar efte metal em to- 



CO Alguns Autliores referem està morte por modo hum pouco 
differente ; sobre està viagem pódem consultar-se Barros Dee HL 
Liv. V. Caitanheda Liv. VI. Ozorio Liv. II. Farla Asia Portuguc- 
za Tom. I. Parte. UT. Gap. V. Antonio de S. Roman Histor. de It 
India Liv. IL Gap. XXV. Pizarro Liv. Vili, e a Garta de hum Por- 
tuguez companlieiro de Duarte Barbosa , que refere a viagem d* 
ìlio Victoria , e vcm impressa na Gollec^ao de Ramuzio no To- 
mo I. p. j70 da terceira edigao. 



INTRODUCgAO. i» 

da a [uà perfei^ao ; e quando nos temos vifto na necejjidadi 
de criticar , be fd com o firn de concorrer quanto em nó$ eftd 
farà adiantar o feu preciojo trabalbo. 

unico Eferito que temos de Duarte Barbofa » be ejlefeu 
Livro que agora publicamos » e que foi acabado , fegundo fé 
diz naPrefac^ao que vem cm Ranmzio ycm oanno de 1516. 
He certo que em noffo originai ha algumas pajfagens pofie- 
riores a efie anno (i); mas corno por buma parte elle nio he 
autografo , e por outra parte efias paffagens nio vem na tra* 
duc^ao Italiana , pode-fe entrar em duvida fé outra mio pofie* 
fior inserio allì aquellas noticias , que nio deixa de ter aU 
gma probabilidade. 

A Bibliotbeca Lufuanafaz buma longa lifia dos Autbo* 
res que fazem mencio defla obra. 



Natie. Ultramar. N.° VII. Li LI- 

C I ) Quando o Author falla de Barborà , accrescenta o nosso 
ins- )l Esca uila forgosamente foy toniada pelos Fortuguezes com 
^ hva frota de qve era Capitani moor Antonio de Saldanha » e es- 
^ troio todo ho Ivgar na era de 1518. )» Mais adiante fallando 
de Zeila conclue o manuscrito : H Este Ivgar foy tornado e es- 
* troido pelos Portvgveies de qve foy Capitani moor Lopo Soares 
^ S^e entam era Gouernador da India , e tomovo uindo do porto 
^ de Jvda na era de M17. )l Quando depois trata da Ilha de 
^eilao diz: Hi ElRei N. Sr. tem ali hvma fortàleza de trato noua- 
^ mente feita ; )» e oanno em que Lopo Soares foi dquella for- 
^^'eza foi o de i$i7. Referindo finalmente os costumes dos Po- 
^^s de Alagua diz no Italiano : li Sei isto por assim me ter sido 
^ affirmado 9 ao mesmo tempo que no manuscrito diz : % Isto 
^ ui ev por expsriencìa , porqve me achei na tomada de Zeila. 1^ 



LIVRO DE DUARTE BARBOSA. 



P REFACqJo. 

JL Endo eu Duarte Barbosa , naturai da multo nobreCidade 

de Lisboa , tiavegado grande parte da minha mocidade pelas 

Indias descobertas em nome de ElRei N. Sr. j e tendo viaja' 

do por muitos e varios Paizes visinhos d Costa , e vijìo e cu- 

vido varias cousas^ que juìguei maravilhosas e estupendas, 

por nunca terem sido vìftas nem ouvidas por nojfos maioresi 
resolvi-me aescrevellas para beneficio de tcdos ^ taes corno as 

vi e ouvi de dia em dia \ trabalhando por declarar em efie 

nteu Livro , os lugares e limites de todos aquelles Reinos aon-' 

de ejiive peffoalmente , ou de que tìve inJorma^Ses dignas de 

fé'j e bem affim quaes sejao os Reinos e Paìzcs de Mcuros ^ 

quaes os deGentios , e os seus coftumes. Nem deixarei em si- 

lencio seu trafico , e as mercadorias que neìles se acbao , os 

lugares aonde nascem , e para onde se conduzem ; e além do 

que peffoalmente vi , sempre me deleitei em procurar aos Mou- 

ros , Chriftaos , e Gentios pelos usos e cofiumes de que erSo 

praticos j cnjas injorma^oes tornei a trabalbo de combinar bu- 

mas com outras , para ter huma noticia mais exacta delìas » 

que foi sempre o meu principal intento , tomo deve ser o de 

todos OS que ^screvem sobre semelhantes materias j e persua^ 

do-me se conbecerd , que nao poupei diligencia alguma para 

conseguir efie firn y quanto opermittem as debeis for^as do meu 

cngenbo ; e foi no presente anno de 1516 que acabei de «• 

wver ejle meu Livro. 

LI ii In- 



l^Z LlVKO OsDuARTsBARtOSA. 

Fiimeiramente ho Cabo de Sam Sabastìam. 

INdo ha ho longvo da costa , passando ho Cabo da Boa espe- 
ran^a , caminho da India atc ho de Sam Sabastiam , saom 
hvas terras assaz fermosas de mvytas moncanhas , e cam- 
poS) cm que ha mvyca cria9am de mvyras uaqvas , carati- 
ros e ovtras alimarias moncezes ; he a dita terra habicada 
de hvas gentes pretas , andaom nvvs , somente trazem de 
peles, com sev pelo de ceruo ov dovtras alimarias, hvas 
capas Francezas ; da 4]val gente hos nossos nvnqva poderào 
hauer iu>ticia de lingoa nem serem informados do qve uai 
pela terra dentro j nem elles rem nauega9am, nem se set- 
uem do maar, nem hos Movros Darabìa , e Persia nvnqva 
téli nauegaraom , nem ha descobriraom por caso do cabo das 
Correntes ser mvyto tormentoso. 

Has Ilhas qve chamaom Hvcicas grandes. 

Indo mais ha ho longvo da Costa passando este cabo de 
Sam Sabasciam caminho da India , estaom jvnto com ha terra 
firme hvas Ilhas ave chamaom Hvcicas grandes ; em has qvaes 
pela terra firme dellas , estaom algvmas pouoa9oens de Mov- 
ros , qve trataom com hos Gentios da terra firme , e presraom 
com elles ; nestas Hvcicas se acha mvyto ambar qve estes 
Movros apanhaom , ho qval he mvyto boom , qve elles 
uendem pera ovtras partes : tambem se achaom mvytas pe* 
rolas e aijofar mevdo , qve se acha dentro no maar, em 
cstras 3 porem elles nam ho sabem apanhar nem pescar ; 
algvm qve tiraom he com assarem has ostras , e ho aijofar 
qve fiqva he mvyto roim e qveimado ; nam seria nivyra 
dvuida hauello hy boom , se ho sovbcrem apanhar , e pes- 
car , comò fazem em ovtras partes de qve ha ho diante fa- 
larey. 

Httcicas pequenas nos Rios. 

Passadas as Hucicas grandes para a banda de gofaìa , 
qne he buma fortakza que aqui tem ElRci de Portugal , fer^ 
to da qual se acha muito ouro\ a dezasete cu dezouto legoas 
longe della i ha alguns rios que fcrmao Ilhas pelo vieto ^a (fue 
cbamao Hucicas pequenas , aonde ha alguns lugares habita- 
ios por Mouros , que comcrceno com os Gentios da terra Jif' 
me : o seu sustento he arroz , milho , e carnes , que conduum a 
fofala em pequenas barcas. 

Qo- 



LiVRO dbDuaatk Barbosa. 255 

^ofala. 

Indo mais adiante passando escas Hvclcas caminho da 
India , ha uinte ov crinta legoas della , està hvv rio , qve 
nam he mvyco grande pelo qval dentro està hva pouoa9an) 
de Movros que chamaon) Qofala , jvnco com ha <]val tem 
elRcy N. Su hva forcaleza j estes Movros ha mvyto tem- 
po qye pouoàraom aqvi , por caso do grande trato de ovro 
3 ve cinhaom com hos Gentios da terra firme : hos Movros 
està pouoa9am falaom Arauia , e tem hvm Rei sobre sy qve 
està ha obediencia delRey N. Sr, , ha^maneLia de scv tra- 
to era qve ha elles uinhaom em peqvenos nauios , Qve cha- 
maom zambvqvos do regno deQviloa, Momba9a eMelynde 
mvytos panos pintados dalgodam , ovtros branqvos e azvìs , 
delles de seda , e mvytas continhas pardas , e roxas , e 
amarellas , <]ve ha hos ditos regnos uem em ovtros nauios 
mayores do gram regno de Cambaya , has qvaes mercado- 
rias hos ditos Movros qve uinhaom de Melynde e Momba- 
fa comprao a outros que aqui as trazem ( i ) e Ihas pagaom 
emoyro pelo pre90 de qve elles hiaom mvyto conientes ; ho 
qval ovro Ihedaom ha pezo : hos Movros de Qofala goarda- 
naom esias mercadorias , e has uendiaom depois ha hos Gen- 
tios do regno de Benametapa qve aly uinhaom carregados 
dovrò ^ ho qval ovro Ihe dauaom ha troqvo dos ditos panos 
sem pezo , em canta cancidade qve bem ganhaom cento 
por hvv. Estes Movros recolhem tambcm mvyta soma de 
marfim qve achaom derredor de (Qofala , qve lambem uen- 
dem pera ho regno de Cambaya ha sinco e ha scis crvzados 
ho qvintal ; tambem uendem algvm ambar qve Ihe trazem 
das Hvcicas , qve he mvyto bóo. Saom estes Movros ho- 
meins pretos , e delles ba9os ^ falaom algvns delles arauia, 
e hos mais se seruem da lingua da terra qve he ha dos 
Gentios : elles se cobrem da cinta pera bayxo com hvvs 
panos dalgodam e seda j trazem ovtros panos sobra9ados 
corno capas , e fotas nas cabe9as , algvns delles carapvci- 
nhas de graam de qvartos , e de ovtros panos de laam de 
mvytas cores , e chamalotes , e dovtras sedas , sevs manti- 
mentos saom miiho , arroz , carne , e pescado j tm este rio 
ha ho maar delle , saem em terra mvytos caualos mari- 

nhos 

C 1 ) Estas palavras tiradas da traducgao Italiana faJtavào no 
manuscrìto j e sào necessaiìas para formar sentìdo completo. 




nhos ha pascer , hos qvaes caualos andaom sempre no maar 
corno peixes , tem dentes da fei(ao dot alifantes peqve- 
nos em sva cantidade segvndo saom ; care he melhoc tnar- 
fim qve do atifance , mais aluo e rijo sem nmqva perder 
co^r. Na propia terra derredor de vof^l^ ha mvytos ali* 
fance3 braaos e mvy gran^^es os quaes agente da terra nao 
sabe nem costuma domesticar ^ on9asy e lioens, e uea^ào, 
e ovtras my/cas alimarias : ha terra he de campos e mon« 
tanhis, de mvytas ribeiras de mvy boas agoas ; na mes- 
ma (^ofala fazem agora nouamente grande soma dalgodam , 
e tecemno , de qve se tazem mvytos panos branqvos \ e 
porqvs nam sabem tingir , ov por nam terem tinta y tomaom 
panos azvis oh de outras cores de Cambaya , e desnaom- 
no3) e roriiaomaos ha jvniar, de maneira qve fazem hvy 
noaelo , e coeste fìado e com ovtro branqvo do sevi 
fazem mviios panos pintados , e delles haom mvyta soma 
dovrò s o qval remedio fizeraom depoi» qve uirio qve nos- 
B sas gentes Ihe tolhiaom ha nauegafamdos Zambvcos , has 
% mercadorias nam podem oir ha elles senam por mam dos 
« feirores qve elKet N. Su tem aly em svas feitorias e 
B fortaiezas. n 

Ho grande regno de Benametapa. 

Indo assy desta terra contra ho certam , jaz hvv mvy 
grande regno de Benametapa qve he de Gentios , ha qve ho$ 
Movros chamaom Cafres ; saom homeins preros , andaom 
nvvs I somente cobrem svas uergonhas com panos pintados 
dalgodam da cinta pera bayxo ; delles andaom coberros 
con peles dalimarias monteses , algvns qve saom mais 
honiados , trazem das mesmas pelea hvas capas com hvvs 
rabos » que Ihe arrastaom pelo cham ; trazem isto por esta- 
do e galantaria , andaom dando saitos , e fazendo gestos do 
corpo com qve fazem saltar aqvella pele de hvm cabo pe- 
la ho ovtro i trazem estes homeins hvas espadas metidas 
em hvas bainhas de pào lyadas com mvyto ovro , e ov- 
tros metaes , e ha parte da mam esqverda corno nós , com 
eintas de pano qve pera isso fazem , com qvatro ov cìn- 
qvo noos , com svas borolas dependvradas , comò gaUntcs 
homeins ; trazem tambem nas maos azagaias ; e ovtros ar- 

3V0S e frechas meaoos qve nam saom tam compridos corno 
e Ingrezes , nem tam cvrtos comò de Tvrqvos j hos fcrros 
das frechas saom mvy grandes e svcis : clles saom homeìas 

de 



Lituo ds DvAriìtft 6AKiotÀ\* ì^f 

de %7tm j e ovtro» grande» mercadores ; svas mvlheres ait- 
daotn nvas , soitietitc cobrem svas uergonhas com panos dal- 
godam enrremenres saom solteiras , e corno saom casadas 
r tem filbos lan^aom ovtros panos por cima dos peicot. 

Zimbaoche. 

Indo mais adi^nte pera ho cerram qvinze ov uinte ]or- 
nadai , està hva mvy grande poQoa9am qwc chamaom Zim- 
baoche em qve ha mirytas casas de madeira e de valha-y 
|ve he deGentios, em ha qval mvycas uezes està ho Rei 
e Benemecapa e dahy a Benemetapa sao sàs jornadas ; ho 
qval caminho uai de (^ofala pelo certam dentro contra ho 
cabo de Boa esperanga : nesta mesma pouoa9am de Bene- 
mecapa he ho assento mais accoscvmado do Rei cm hvv 
Ivgatr rtivyto grande , donde trazem hos mercadores ovro 
dentro ha ^ofala , ho qval daom ha hm Movros sem peso por 
panos pì'ntados e por contas ^ qve antre elles saom mvyto . a^ 

cscimadas . bas qvaes contas uem de Cambaya : dizem es- ^^^^S: 



i 



ICS M<yvrd$ de Benametapa qve ainda este ovro oem à^^' '^'^^^^l!^<^-'^ 
mvyto m'ali longe , de contra ho cabo de Boa esperanf a ^\/^^^^:;^^^ \ 
dovtro regno qve he svgeito ha este de Benametapa , qvCj-r*t*^'fl*^;' - ?4' 
he mvy grande Senhor , de mvytos Rcis qve tem debayn ì ' ' ;*i^|^"* 
xo de sev porte : elle he Senhor de mvyto grande terrSS '' \>r 5^ 

<]ve corre pelo certam dentro , assy pera ho cabo de Boa >^.H-irjy'¥^^ 
esperanfa, comò pera Mo9ambiqve ; elle he cada dia ser- '^ *^ 

uido de mvy grandes presentcs , qve Ihe hos ovtros Reis 
e Senhores mandaom , cada hvm em sva cantidade , e tra- 
zem-lhos pelo meio daCidade5e descobercos sobre ha ca- 
bcfa até qve chegvem a hva casa mvyto alta aonde ho 
Rei sempre està apovzentado , e elle ho nee per hva ja- 
nela e nam ho ueem ha elle ^ somente ovnemlhe sva pa- 
laura ; depois elle mesmo Rei manda chamar ha pessoa 
qve Ihe ho tal prezente trovue , e ho manda logvo mvy 
oem despachado . Esce Rei traz continvament« no campo 
hvv Capitam qve chamaom Sono , com mvyta soma de 
gente , e cinqvo e seis mil molheres qve tambem tomaom 
nas armas , e pelejaom ; com ha qval gente anda socegando 
algvvs Reis qve se leuantaom , ov qvereiA alenantar contra 
sev Senhor. Este Rei de Benametapa manda cadano ho* 
fìieins bonrados , despachados per sev regno ha todolos Se- 
^horiós e Ivgares qve nelle tem , ha dar fogo nouo j pera 
saber se estaom em sva obediencia^ silicet, cada home 

des- 



1}^ LiT&o dbDvàutbBarbosa* 

destes chegado ha cada Ivgar» faz apagar qvantos fogoi 
nelle estaom , de maneira qve em todo ho Ivgac nam fiova 
nem hw fogo , e corno saom codos apagados , codos bo 
tornaom ha uir tòmar de ava maom , em final de mvyta 
amlsade e obediencia , de maneira qve ho Ivgar ov UilU 
qve assy ho nam qver fazer , he lozvo accvsado per reuel: 
ho qval manda logvo ho dito lev Cfapitam sobre elle , ove 
ho uà destroir ov mecer debayxo do $ev mando e Senno- 
rio i ho qval Capìcam com coda ha sva gente darmas por 
honde qver qve for , bade corner ha cvsta dos Ivgares -, sev 
mantimento he milho , arroz , e carne; seruem-se mvy- 
co dazeyce de gergelym. 

Cvama. 

Indo de Qofala caminho de Mo9ambiqve ha corenta le- 
goas de Qofala povco^^^ais ov mcnos , està hvv mvy gran- 
de rio qve chamao Cvama , dizem qve entra contra ho 
regno de Benametapa mais de cento e setenta legoas ; na 
boqva do qval rio esca hvv U gar ha cvjo Rei chamaom Man- 
gaio , por esce rio uem dentro ha este Ivgar de Movros 
rovyto ovro de Benamecapa ; do qval rio se faz ovuo 
bra9oqve uem dentro ha hvv Ivgar qve chamaom Angoya, 
qve he por honde se hos Movros seruem com mvytas al- 
madias de trazer hos panos , e ovtras mercadorias mvytas 
Damgoya ; hos oucrot Ihe crazem mvy to ovro e marfim. 

Amgoya. 

Indo ha ho diante leyxando este Cvama ha cento corenta 
legoas delle , ha ho longvo da costa , està hva mvy gran- 
de pouoa9am de Movros que chamaom Amgoya que tem 
Rei sabre si, Uiuem nella mvytos mercadores qve trataom em 
ovro, e em marfim , em panos de seda ealgodam, econ- 
tas de Cambaya ; assy corno sohiaom de fazer hos de Qo- 
fala: has qvaes mercadorias Ihe trazem hos Movros deCo- 
fala , de Momba9a , de Melynde , e Qvìloa , em hvvs na* 
uios mvyto peqvenas escoididamente dos nossos nauios , 
de maneira qve daly leuao mvy gram soma de marfim , e 
mvyto ovro; neste mesmo Ivgar Damgoya ha mvyto man- 
cimento , milho , arroz , e mvitas carnes • ha gente delle 
saom homeins prctos , ba90s ; andaom nvv« da cinta pera 
cima , della pera baixo se cobrem com panos dalgodam e 

se- 



At«*o« ^ .a 


rftos 


sol>r; 


c^m has 


<rafc»e^ii» ^ 


^s 


de DAYI 


o <J 


e scrd 


He dos C2 


i^^vmvrtos ^ 


^s 


n^s u^ 


'^^S 


^sca. 


ra.s 


u e z e^ 


^sc 


Aonr^ 


osas 


fort:a.I« 


S2:d.s 


^« 



j I. *=* s A. 25^ 

kca.<los ha, r^ -»-«^- . j 

"=■ ^^ *~ -~' liuaf ca- 



5 falaorrt W^ i- - 

orrf haob.«X^J^t):°"? "?- 
^* jpor estarem 

v^ \ia Ho aiar^ne le>r>c^ndo Anr^ ^^ caminho 

xaom muyco pcrrco <ìa rcra fymrmm^ tres Ilhas , 
ies està huf-r-fc^. pouoad^ die Mouros a vie chacnaom 
i » c\\ic tei» «r^-m y-co t:>oo porto ; ^^ r^-^ Ho qual to- 

♦ > dos Movxros n ai3 ^^^rmcos qu^ ^>era ^ofaU e 
^gaom , fazìAonrm s«:ba ^sc^la supera c«>«- regi mento de. 
», Ho*ide rom.^i:B^o*x7 iTrujiyca agoa ^ 1 eoKa , e inan- 

• * amre hos iV*o*:»«'o« cdesra ilha ^ ^e Mo^atnbi- 
^ Huu Xacife cjvi^ F^o» g^^^^^"^"* ^ «: ir^ha ha direi-' 
s Mouros saom da «Trmcssrraa lyngoa. ^ <:o!»tumc dos 
^•ac^aytem elK^ei ^J • S^«", Hua Torc:,s^X^za , comque 
A03 di tos Mouros ci^t>a>r>c:o d^ seu nrm ^«r^ <la<Jlo e goucr- 

e a^ota tomaoiTi rm^sr<^ poK-to Has r»^:^^,^s nào% agoa, 
^ ì e mant'imcntos cju^ n^^ «:»a ^era ^^ ^ t\ele se co- 

\^^s <\uc Kohaoiw nrfci»^e«- 5^ asy quam<i^::^ ^aom , corno 
i viem-,edaquY manda oim cranrm&ern mm^-»-^ m m-r^entos deatro 

o>]L%as(VAeMem de t>43rr«sal ^ ^ !^ Ti^t « '^"t^^* P^*" '^' ^.' 
m caminbo. l^a ter a f V ririm« ^ «f ^^Ti/ml^^ ^r ""^Y^^* ^Ì!* 

- \veWaàaàeae«rio^ • ^^^„«^SdoJ^^^ *^^™^'*«* u'^^ 
^wt\\^o•, uazem sua» ^^^^^^^^^m nenhxi^^^ ^«^ ^^*' ' 



^3«u.m Wbe\cos forado^^^^^^s o^c»^*"^^ ^ cm cad^ 



(V'-L^^L^Ùrno^"^^* ao Mour^ -^^^.^rSrr. 






\ 



1^ JLlVilO OBDvAftTEBAftS^SA. 

BUS casts de pcilra t tal ^ con muytM janel» ka nosa 
numerra , muyro beni aruadae , <ofn miiycot terados ; bar 
porcas de madeira muy bcm iauf «das de fBuy ferrosa ma- 
G»aria 9 dcredor moyras a^ojs , epomares, e hortas com 
muytas agoas doces ; rem Rei mooro sobre sy : daquì tra* 
taom coiti hos de (^ofala donde Ihe traziaom muyco curo ; da- 
qui se extendiaom por toda Arabia Felix , <]ue tan^bem da- 
qui por diance podrrcmos chamar asy ainda que seja so» 
bre a Etbiopia , porque toda ha ribeira do maar uay muy- 
to pouoada de muytas uìlas e lugares de Mouros. Antes 
que elRei N« Sr. mandase descobrir ha India, hos Mouros 
de Qofala , Cuama , Angoya , e Mofambique esrauom codos 
ha obediencìa del Rei de Quiloa » que era muy poderoso 
Rei antreles , em ha qual uila hauìa grande soma domo, 
porque nenhuos nauios nom pasauaom pera Qofala que pri- 
meiro nom uiesem daar nesa ilha ^ e hos Mouros dela stoni » 
deies branquos , deles pretos : andaom asas bem atauia- 
dos de muytos panoi riquos douro e seda e dalgodam , e 
has molheres tambem, e com muyto ouro e prnca em ca- 
dfeas , e manilhas que trazem nos peis e nos bra90s , e 
muycas joiat em has orelhas ; esces Mouros falaom arauya 
etem ha ceica do Alcorani , creem nmiro em Mafamede , e 
ha ho Rei dela Ihe foi tornado ho lugar forfosamrente pc» 
los PoTtuguezes , nom querendo per sua aoberba obcdecer 
ha ElRei N. Sr. , honde Ihe capttuario muyta gente , e ho 
Rei fugio da ilha , e S. Altcza mandou fazer nela hua 
fortaleza , e hos meteo debayzo do scu mando e gouer- 
nanfa i depois ha tornou ha mandar deribar por nom ser 
t seu seruìfo nem proucrco sosrenula, ha qua! desfesAn* 
1 tonio do Saldanha. n 

Klombafa. 

Indo nuis ha ho diante ha ho longto da cosca ca* 
ftiinlio da India ; està moyco junco com ha cera fyrme f 
hoa ilha , em quo està hoa cidade que chamaom Mombafa » 
ha qual he muyto fermosa , de muy[ altas casas de pedra e 
cai , e muyto bem aruadas a maneìra de Qmìoa \ na ma- 
deira he laurada de muy fermosa macenaria , rem Rei so- 
bre sy que he mesmo mouro. Os bomens sao de cor ba^a^ 
brancos , e nems , e as$im snat muUieres , andaom muy bem 
atauiadas , de muytos bona paoos de seda , com moyio 
oufo j ho logar he de mtty grande trato de meicadorias 

ce» 



LlVRO DE D U A R T E B À R 9 O S A. 2)9 

tem bo5 porro, hotide eflaom tempre surtos muytos nauios^ 
e gratides nàos 9 asy «ks que aem de C^ofala , comò das 
qae uaom , e outras qn« uem do grande regno de Cambaya 
e de Melynde ; oucra« que nauegaom pera has ilhas de Zin* 
ziba.r y e o^icras de que ha ho dianre farey men^am : esca 
!Moiiiba9à he muy farca tera de mantimentos , honde ha 
muycos e muy fermosos carireifos de huus rabos redon» 
dos , e unquas , e oucro muyto gado , e galinhas j e he 
tudo muy gordo : ha muyto milho, aroz » muycas laran* 
)as doces e agras , e muytos limoens , romaan.^ , fìgos da 
India , e roda hortali^a , e mayco boas agoa». Saom ho- 
meins que muytas oezes tem guera com ha gente da te- 
ra fyrme , oucras uezes paz , e traraom com eles , honde 
lecolhem muyto meei , e cera , e mariìm ; e ho Rei defta 
cidade nom querendo obedecer ha ho mando del Rei N. Sr. 
por efta soberba haperdeo, e Ihe foy romada for^osameni» 
te pelos nosos Portuguezes , donde fugio , e mata«am'»lhe 
muyta gente , e alcm dlso captiuaram4he muytos ko^ 
meins e mulheres , de maaeira que ficou eftroida, e roo^ 
bada , e queimada. Toraou se aquy hua gfo;a presa- de 
muyto ouro, e prata», e manilhas , braceletes, orelheiras ^ 
e contas douro , e muyto cobpc , e oucras muyta$- mercar 
dorias muyto riquas , ho lugar fiquou eAroido, 

Melinde. 

Indo mais ha ho diante , leyxando* Momba^a , cami^ 
nbo da I^dia ; nom muyto longe deia- ha ho longuo- da 
cofta , efta hua muy fermosa uila asencada em ha tera fyr^ 
roe , ha ho longuode hùa praya que chamaom Melynde , que 
He deMiOuro); tem Rei mouro sobre- sy ; ha qual lugafhc 
de muy fermosas casas de pedra e cai , de muytos sobra^ 
dos com muytas janelas, e terrados , ha nosa maneira; ho 
lugar afta muy bem aruado , ha gente dela saom branquos-e 
precos y aitdaom nuus , somente cobrem sua» uergonhas com 
pano» dilgodam e seda , e outro» crazem^ hùus panassobrab 
9ado3 ha-maneira de capas i tambem trazem muytos cinci- 
Ictes , e fotas nas cabe9as dfe muytost rrquos panos , e saom 
gtoso; mercaJores , e trataoiì em panos , ouro , marfim , 
^ ourra^ muytas sortes de mercadorias com hos Mouros 
• Gentios do grande regno deCambaya : ha ho seu pro- 
pio p3rtO' u«m' cadano- muytaS' naot caregadas de muyras 
in^roadoiiaìf- , donxto' leuaom muyco ouro, marftm , e cera ; 

Mm ii em 



240 Li vro de Dvaktb Barbosa. 

cm que hos mcrcadores de Cambaya achaom muyto prouei- 
to , e asy hùus coniO outros ganhaom niuyio dinhe.ro. Ha 
nefta cidade maytos nìanciinentos de arroz , milho e algum 
frigo qt*e o levao de Cambaya ^ e fruytas de muycas maneiras, 

Eorque ha inuyca abaftan9a de hortas , e pomares j um- 
em ha aqui muytos carnciros de rabos rerlondos , uaquas , 
e codo ho oucro gido , muycas laranjas e galinhas. Ho Rei 
e gente delle lugar (oraom sempre e saom aroiguos delRei 
de Portugal , e sempre neles achaom hos Ponuguezes muy- 
ta preftan9a e amizade , e pacifica paz a ealy tomaom has 
9 naos 9 se acertaom de pasar poi eie , muyto refresco. > 

Ha Ilha de Sam Lourenfo. 

Ha ho traues de todos eftes lugares ha ho maar de- 
les setenta legoas dijiame do Cabo das Corremes , eftà hua 
muy grande ilha que chamaom de Sam Lcuren^o , que he 
pouoada no certam de Gentios , e nos portos de maar de 
Mouros , honde rem muytos lugares j ha qual ilha tem muy- 
tos Reis asy mouros corno gentios ; ha nela muytas car« 
nes, muyto aroz , milho, laranjas , e lymoens ^ ha na 
tera muyto gengiure , de Que se nom seruem mais que co- 
melo assim verde ; an Jaom nos homeins dela nuus , somen- 
te cobrem suas uergonhas com panos dalgodam ; eles nom 
nauegaom pera nenhùa parte , nem ninguem pera has suas; 
tem muycas almadias de aue se seruem com pescar ha ho 
longuo dasuacofta. Saomnomeins bafos» de lyngoa sobre 
sy y cem muytas uezes guera hùus com oucro; ; suas ai- 
^mas saom azaguaias muy sotis dareme9o , com feros muy 
bem obrados ; tras cada hum muycas delas na mam , com 
que ferem dareme(o : saom homeins muy ligeiros , e ma-* 
nhosos em ho aranquar i cem antre si peata baixa ; sta 
principal mantimento he inhames : he ha tera muy fermo- 
sa 5 aprasiuel e uicosa de ribeiras , de asas gran^es rios : 
cera efta ilha de longuo da coda pera Melynde obra de 
trezencas legoas , e dela ha tera fyrme haueri setcnu 
legoas. 

Femba, Mamfia, e Zinzibar. 

Antre efta ilha de Sam Louren9o e ha tera fyrine 
nao muito longe della eftaom cres ilhas ^ huma se chama 
Mamfi^ , oucra Pemba , oucra Zinzibar , pouoadas de Moo' 
tos ; saom muy uifosas dt mancimetos , ha nelas ^' 



^ 



eVeces j and^ 




^ ^^^ ^- ^^ *" ^/?^* /Ma 
■^^ -^ >^ ^-«^ ^ coni s€u^ 

mrm ^^ rm h^ ti^ cohcnaL ^ 
^ M^ ^ J y^ </a e cosid ^ 
[jB ^ J ^ ^ s^ om deùeirsL s 

^"> MTTMmjMy^ povcas arnr» 

^/^^ocJ^ni , que ei 

£^^^v-v-m «arauiadas , c< 
^^.yi-to t>c>o ouro de 

^^£tt€j^s ae inuycos £^c70jv^ 
_ ^^jt^s , onraona x:nc7>^ro 







j^»^ 



E>ac^ 



ci«««* 



muybein amur^^^' 
cem guera com ** 



-^«» Tk^el»**** lV.t«e liayhacofta dobr^ 

.«auesat ^^ &**. ir^3o I^fi^^ere , « ^^go n,aÌ5 acJi^^ 
^o ma:vt *°^** v%^.x*aorr» i »"= c£les trataom com ^ 

* O» Ci»<aa« looguo da eofta , 

,. -.^e V»» "V granale u ila de Mo»3 ■-"- — ' 

A«tn»^* ,^s% «^^* A?r « *;*« mais uclhos, e a«-«-^ ^ 







ria* • ^^ta gente Icuando 








242 LlVRO DE DvAUTS BxRBOfA. 

ha tornaraora onera uez ha poooat , a ha qoal efta agota 
1 proipera comò dancet era. » 

Magadaxo. 

Indo ha ho diaace ha bo Ioagua da colla , conerà ho 
maar roxo ; eftà bua muy grande oila de Mouros , que 
chamaocn Magadaxo ; cem humRet inottfO<sobre sy ; ho lu- 
gar he de grande rrato de nuiycas meroadorias ; pela qual 
causa uem ha eie mnyc^s naos do grande regno de Cam* 
haya , com asas panos de muytas sorces , e com oucras 
dtuersas mercadorias e especiarias , e asy uera Dadem ; don- 
de leuaom muyto ouro , marfim , céra i e oucras muytas 
coasas de que se eles muyco aproueicaom pera seus cra- 
tos, ha ni^ftì cera tnuycas cames , erigo, ceuaJa ^ caua- 
los , e muycas fruyeas , de maneira que he hiui lugar 
muyto riquo j falaom arauya , saom hooieins ba903 e prstos, 
algiìus bratiquos , sa^m de paucas armas , porém. seruem se 
de erua em has frechas ^ pera se defenJetem de seus imi- 
guos. 

Afuni. 

Pasan^lo efte lugar e uila de Magadaxo , indo pela 
coAa ; efta hùu lugax pequeno de Mouros que chamaom 
Afum., em ho qual'ha muycas^ carnes, e mancimencos : he 
lugar (confto diguo) pequeno e de pouquo traco» e nom 
tem porco. 

Ho. CabQ de Ghiardafuy» 

Indo mais adiante ha ho longuo da cofta , pasando 
eft>; lugar Oafum ; e(H ho Cabo de Guardafuy , honde ha 
colla corna ha dobran caà)ti»hoi db. maar. roxo; eftà nabo* 

3 uà do eftreito de Meca , de maneira que quantas naos uem 
a India, e do regno> deCambaya , e do Chaul* ^ Dabal i 
Bacicala , do Malabat, e* de coda ha cofta de Bengala, e 
da de Cetlam , Malaqpa., Qamacra , e Pegu , Tanacarij t 
China , ho uem. demandar ; e defte Cabo encraom pera den- 
tro com muytas mercadorias , que huas uaom caminho da 
Cidade'Dadem-, Zeilam i Barbora. , has quaes. nàos^hos Ca« 

fitaes delGLey N. Sr^ uem aqui esperar nefta» paragem , e 
ai tomaom com muyra rìquesa n e com teda, ha mercado* 
» ria que leuaom , pot quanto uaom conerà ho? defesa de 
% S. Alceza. s 

Me- 



Ltviio l>E DvAKtfc Barbo! ▲• 24) 



Netee. 

Em ramo que dobraom tAe Cabo de GttdfAafiiy pert 
dentro 5 contra ho maar roxo ^ efla logo tisuyto petto ^lun 
logar de Mouros que chamaom Mette pequeno ; ha nele 
muytas carnes , nom he de muyio crato. 

Sarbori. 

Indo mais ha diaore pastado efte lugar de M^etee pe- 
ra deiuio, efta hua uilaJeMouros que chatnaom Baitof a ^ 
honde oaoin muycas naos Dadem e de Cainbaya celri ii;uytat 
roercadortas : daqoi leuaom muyco ooro , arofiam, «narfìtti » 
OQtras maytas coosas : hos Dadem leoacm «rvuy tos nnan^imeiv- 
tos , e carnes , meel , e céra ; porqne Ke hua iruy iLbaAa- 
da tera. 1» £fta uila fbr90samente foy tomada peles Por- 

> cuguezes com hoa froca xle quc era Capicam nrxor Amo- 
s nio de Saldanha , e dcftroio todo ho lugar na era de 1518 ^ 

> e daly partìo com eia pera Oriruz , hoiìde ouuercom cof- 

> regimento das tuas naos aquelas que ho ouuerao dììs- 
» tei. 1 

Zeila. 

Daqui pasando mais ha diance indo pera dentro ha h« 
longuo da cotta 5 eftà onera uila de Mouros que chamaom 
Zeila , qne he hom logar de muyco crato , pera hcrnde na- 
uegaom Tniiyta$ naos ha uender snas mercacforias ; he ho 
lugar muy oem ariado , e cem muy boas casas , e muy- 
tas delas de pedra e cai e cobertas de terr^dos : hos mora- 
dores dela pela maior parce , aty homeins cerno muìheres 
saom precoS) e cem muycos caualos , e criacm iruyio gado 
de todaiaa maneiras -, donde haom muyta rratìteiga , lehe , 
e carnet ; e nefta cera ha muyco triduo , mìiho , e ccua- 
da y e muycas fruycas ; que cudo daqui leuaom cammho Da« 
dem^ a Efte lugar foi tornado, e eAroido pcksJPortugue- 

> zes de qoe foi Capicam mcor Lopo Soarcs , que entam 
I era Gooemador da India ; e tcmcu*ho urnco do fono de 
s Juda na era de 1517 annos, 3 



Dalaqua. 
Indo mais ha ho diance pasando efte lugar » 




ha ho 

lOA- 



244 Litro de Dvarti Barbosa. 

lon^uo da codi *i efta entro de Mouros que chamaomDa* 
laqua , aue tambem he porco de maar , e donde se mais 
seruem hos Abexys da tera do Prede Joam ; nefte lugar 
deredor dele ha muyta soma de mincinaento, e muyco 
curo qoe uem do Prefte. 

Mafaa. 

Daquy pasando efte lugar DaUqua , indo pera dentro 
do mar roxo , uai-se longao da colla ha hum lagar que 
chamiom Mi9ua , e oatras muytas pouoifoens de ISioaros ; 
hos quaes chamaom ha efta coda Barayam , e nós Ihe chi* 
mamos Arabia felix » per caso do monte felix que eftà 
9 nela honde anciguannente efteue hua moy grande Cidade 
n que chamiuaom felix, e ha muyco tempo que efta des- 
n pouoìda , e nom mora ninguem nella, o Em toda efta cos- 
ta ha muyro curo que uem de dentro do certam do gran- 
de regno d^ A.bexy , que he tera do Prefte Joam : de to- 
dos eftcs lugares de lon juo da colla tracioii no cercam com 
muytos panos , e oucras muytas mercadorias ; donde Ihes 
trazem muyto ouro , e marfìm , e muyto meel , cera , e 
escrauos ; hos> do certam saom Chriftaos , e captiuaom muy* 
tos deles; hos quaes cipciuos saom muyto eftimados antre 
hos Mouros , e ualem antre eles muyto mais que outros 
fienhùus escrauos , porque hos achaom agudos , e fyeis , e 
muyto bóos homeins de suas pesvas ; e canto que eftes 
Abexyt saom captiuos antre hos Mouros , logo hos toraaom 
da sua ley, e depots uem ha ser mais emperados nela que 
hos propios Mouro3 : hos quaes todos hos defta Arabia fe- 
lix, asy homeins comò mtilheres, saom pretos e muy bòos 
homeins de peleja, andaom .nuus da cinta pera cima, e 
dela pera baixo se cobrem com panos dalgodam , e hos 
mais onraJos ddes trazem hùus panos grandes corno almai- 
Zares mouriscos , e has noulhercs andaom cobertas com ou- 
tros grandes que chamaom chandes : aquy nefta tera costu- 
maom de cozer has naturas hàs filhas quando nascem , da 
qual maneira andaom sempre acé que casaom e has entre- 
gaom ha seus maridos , eniam Ihe tornaom ha cortar aqaeia 
carne, que efta soldada corno se asy nascerà. » Ifto ui ea 
9 por experiencia , porque me achey na tomada de Zeila de 
1 que ja atras fìz men9am ; honde tomamos muytas crian- 
» fàs femeas que achàmos asy. 

Do 



L I V » O 1> E D U A R T 1 B A R B O 9 i^J A4f ' 

Do gtandc regno do Preste Ioam. 

No mesmo ticio deftes logares de Mouros , entrando 

Jelo certam eftà huu muy grande regno do prcfte Joam , 
a (]Qc hos Mouros chamaom ho Abexy , que he muy: 
grande e muy fermoso de teras ; ha nele muyca gen- 
te , e cem muycos regnos ha ho redor sogeitos ha sy , 
^ae eftaom ha seu mandado , e debaxo da sua gouer- 
nanga -, he efta tera bem pouoada de muytas cidades , 
oilas , lugares , e muycos deles uiuem nas moncanhas ha 
maneira dalarue» : saom homeins pretos , muy bem dis- 
poftos 9 tem muycos caualos de que se seruem , e saom 
eles muyco boos caualeiros , e grandes moncciros , e ca- 

£adores ; e seus mantimencos saom carnes de todas as qua* 
dada muytas manteigas , e meel , e pam de triguo , e mi' 
Iho y das quaes cousas ha na cera muyta abasranga , ves« 
tem-se de couro porque he ha tera muyco cara de panos , 
principalmence em ha moncanha ; ha cambem ancre eles 
Aua geri9am que nom podem uescir por dignidade se nao 
fano , todos os OHtros uao trajao senam couro , ho qual eles 
trazem muy bem adubado e concercado ; ha cambi m 
aqui homeins e mulheres que nunaua em sua uida bebe- 
raom senaom leite , com quc macem ha sede , e nom fazem 
ifto por falca dagoa , que na tera ha muyca , mas per que 
ho leice hos faz mais rijos e sàoos > ho que eles coscu- 
snaom muyco ha corner he meel , e cem muyco ; porcm hos 
que mais coftumaom ha corner isco , saom' hos que uiuem 
njs moiranhas ; todos saom em gera9am Xpaós de cempo 
da doucrina do bemauencurado Sam Tome , segundo dizero , 
e seu baucismo he em cces maneiras -, ho primeiro he san- 
gue y ho segundo fogno , ho cerceiro agoa comò ho no- 
90 : pelo do fogno saom ferados nas cescas , e ngs fonces ; 
pelo da agoa saom baucìzados nel a corno nós , pelo do 
sangue saom circumcisados muycos deles ^ e carecem da 
nosa uerdadeira fée porque ha tera he muyco grande , e 
eftes uiuem nas moncanhas aredados das uilas e lugares ; 
ha mais uerdadeira Xpcandade que ancre eles ha , he hua 
grande cidade que chamaom Babelmaleque , honde sempre 
cftà ho Rei y ha que nós chamamos ho preile }oam ^ e hos 
kouros ho grande Abexy ; nesta cidade se faz cadano 
por dia de N. Senhora dagosco bua muy grande fefta , hon- 
de se ajunta asas numero de gente ^ e ha que uem muycos 
J(onc. Ultramar. N.° VII. Nn Rcis a 



24^ LlVRO Dt D.VARTB BarHOSÌ. 

Reìs , e grandes Senhores ; em ho qua! dia des tìraom hua 
imagem de hua i^reja , quc nom sabemos te he de N. Se- 
nhora , se de S. Bertoìameo ; e he douro do camanho de 
hum homeni^ hos olhos saom de dois rubys de ineTauei 
pre^o, e ho corpo dela arayaJo de muyta pedrarìa sem 
conto : Uero està imagem pofta sobre hùu caro douro , 
honde ihe uem fazendo muyco acaramenco e cerimonia , 
diance dela sae ho preste joom em outro caro chapeado 
douro 9 muy ricamente ueftido de riquos panos douro , e 
arayado de riqua pedraria : come^aom ha sahir detta ma- 
neira , pela manham andaom pela dita cidade com muy 
solemne preci9am , e com diuersos tangeres , e com gran« 
de fefta , acé tarde que na mesma ordem se torna'om ha re- 
colher: he tanca ha gence. n'ifto que muytos porchegarem 
ha ho caro da imagem morem dabafados , ha qual mor- 
te haom ancre si per sanerà e de marcyres , e uaom por efta 
razam recebela uoluncarìamence muytos uelhos e uelhas , 
e outras pesoas. He efte Rei do prefte Joam muyco riqao 
e abaftado douro , e canto que até ho noso tempo se nam 
sabe nenhum oocro Rei Ihe ser nìso igual ; e' corno jà di* 
se traz muy fermosa e grande corte , e pagua muyta so- 
ma de gente que continuamente traz comsiguo, com que 
sogigua outros Reis comarquàos corno jà dise. 

Ques. 

Leixando efta tera do prefte Ioam etambem ha cos- 
ta Darabia Felix , tornando ha outra banda do maar roxoy 
Sie tambem chamaom Arabia , e hos Mouros Ihe chamaom 
arayam ; eftà hùu lugar porto de maar que chamaom 
Ques i honde hos Mouros trazi'aom de Juda porro de Meca, 
coda ha especiaria e dragoarias e outras muytas mercadorias» 
nuyto ricjuas , que ahy uinhaom da India; e traziamnas 
de Juda em nauios muvto pequenos , e daly has toma* 
vaom em camelos y e has leuauaom por tera caminho do 
Cayro ^ donde has leuauaom outros mercadores caminho de 
Alexandria ; e ahy has compraiiaom hos Uenezianos ; ho 
qual trato he desfeito por ÉlRei N. Sr. porque has suas 
armadas tolhem has naos dos Mouros , que das Indias nom 
pasem ha ho maar roxo : pelo que ho gram Soldam do 
Cayro que nifto mais perde , mandou fazer nefte porto 
de Ques bua grosa armada pera que se trouxe per cera 
}&a madeira e arcilharia^ etodas outras roanifóes^ em ^^^ 



LlVRO DE DvAliTB BaRBOIA* 24^ 

tè fizeraom may grandes despesas; ha qual foy com muy- 
ta presa feita de nàos de gauea e de galcs de remo» , e 
tendo feita pasou ha primeira India , que he no regno de 
Cambaya , indo por Capitani moor dela Mirocem , com 
determinafam de tolherem ha nauega9am ha hos Portugne* 
zes ; e ajuntouse com ha armada delRei N. Sr. defronte de 
Diu , honde pelei)àraoni tam rijo , que dambas partes hoa- 
uè gente ferida e morta , de maneira que hos Mouros fo- 
raom uencidos , ehas nàos Ihe foraom tomadas, equeima- 
das, e metidas no funaio : pelo qual feito , e por outros 
Qiuytos qoe se depois iizeraom , se foy perdendo ha naue« 
ga9am do maar roxo , e ho porto de (^uez fiquou sem ne* 
ahiim tracto despeciaria, e està agora muyto damnificadQ 
e qnasy despouoado. 

Do monte Sinay. 

Aly loguo nom longe de Ques , nesta mesma tert 
Darabya j sobre ho maar roxo ; està ho monte Sinay , hon* 
de jaaz ho corpo da bemauenturada Santa Catarina ^ em 
hua Igreja honde estaom alguus frades Xpaos em poder à% 
Mouros , debaxo do poderio e mando do gram Soldam ; ha 
qual casa uam em romaria muitos Xpaos da tera do pres* 
te Joam , e deBabylonia, Armenia, e Constantinopla , e 
lerusalem ; de Roma , Alamanha , e Napoics , e doutrat 
inuytas partes. 

Eliobom e Medina. 

Passando o dito monte Sinav , a que os Mouros thamJo 
Twrlayjpara diante pela costa domar roxo sahindo parafo* 
ra ; està huma terra de Mouros porto de mar , que se chama 
Eliobom ; aonde dìzem desembarcào para hir a Medina , que 
he outra Cidade de Mouros pela terra dentro tres jornndas 
longe deste perto ; na qual està sepultado o corpo de MafO'. 
mede. 

^uda porto de mar. 

Sahindo do dito porto de Eliobom para fora ao longe 
id costa do mar toxq , està huma terra de Mouros cbamada 
3W/I , que he porto de mar j onde todos os annos costumarle 
wr as ndos da India com as especiarias e dragoarias , e dabi 
yoltavio a Calicut com muito coire , azougue , azinhavre , 
*i^frio , agoas rosadas , panos de escarlata , sedas , cbama^ 

Nn ìi lo- 



^4B LivRO i>i DvARTS Barbosa. 

htes , tafetds e outras mtrcadorias divtrsas , qne st despacbao 
na India \ e igtiahneme com muìto ouro e prata , e era tste 
irafico multo grande e proveitoso : em ette porto de Jttda se 
iarregavio as ditas especiarias e dragoarias em navios peque* 
iios para fttez^ corno fica dito. 

Meca. 

Distante deste torto deluda humajornada pelo certh^ 
estd a gtande Cidade de Meca , e nella buma grande mesqui' 
ta f aonde via em romaria os Mouros de todas as partes , e 
tem por certo serem salvos, lavando se com a agoa de bum 
po^o que estd dentro della , e dali a levao em garrajas ds 
suas terras corno srande reliquia ) em o porto dejuda manion 
ha pouco fazer buma fortateza Mirocem , Capitio mostro das 
tidos do Soldao , que os Portuguezes desbaratdrao na India » 
qual depois que se vio desbaratado nao teve mais animo de 
voltar aoseuPaiz sem fazer algum servilo ao seti Rey ; e assim 
determinou pedir a ElRey de Cambaya , que se cbama Soidio i 
Mabomet , e igualmente aos Principes e mercadores do seu 
Reyno , e aos outros Reys mouros , grande quantìdade de di' 
nheiro para fazer adita fortaleza ; dizendo que pois osPof 
tu^uezes ( aos quaes cbamao Frangues ) erao tao poderosos , 
nao seria maravilha que entrassem poreste porto efossem des- 
fruir a Casa de Mafoma. Eftes Reti e gente moura ouvindo 
seu peditorio , e vendo o poder d' ElRey de Portugal , pare^ 
teO'lbes quepoderia accontecer facilmente, e ajjim Ihe derao gran* 
des dons f com os quaes carregou tres ndos de especiarias e dou*^ 
tras mescadorias , e com ellas navegou para o mar roxo \ e 
chegando ajuda as vendeo e com ejle dinbeirofcz a fortale* 
za. No tempo em que elle a fabricava os Portuguezes cons* 
trubiSo outra dentro da Cidade de Caliaa , cujo Rey pedio 
ao Capitao mdr d* ElRey de Portugal licenza para mandar en^ 
tao a Meca buma ndo carregada de especiarias ; Joilhea 
licenca concedida , e mandou a ndo bindo nella por CapitSo 
bum'Mouro honrado por nome Califa > o qual cbegando aju' 
da^ saltou em terra em multo boa ordem com a sua gente ^ 
e Mirocem que entao fazìa a fortaleza logo Ibe pedi^ novas 
dos Portuguezes ; ao que elle respondeo que estavao em Calicut 
inulto pacificos , e faziao buma fortaleza multo grande ; ao 
que Mirocem Ibe tornou n =r Como tens tu atrevimento p(t' 
ra vir a Meca sendo amigo dos Portuguezes ì =z e Califa Ibe 
respondeo =: eu sou mercador ^ nao pojfo ed fazer -, mas tu 

4«« 










o£»^w-4» 



*to tjMe 



isk.9^ 



porto. «a 









i«»<l€> pelo rnsk 

fT»a ho SoWatt» 
«gare» , que 
•* leuar »Ib^^ 







'S"o« 9 esraom 



^^V \^^ "^^^^^ ^^^x^^ \\i^*TC3 axr^s , està, nua iiha 
'^'^ ^ N-\x\è.vi c^^ c\\amaom Camarann , pouoacf 

^%\% T\2iOS totwaoTO algum^ retresco .^uancj^> 
^ Xoàa V^t^L ^bta , e de fora pera dentro • 
rvaào V^t Motxso OAlboquerque Capitai^ 
sit. Von<ie estone muytos dias corcgl^cif 



"S4^ 





Ganvaram. 
A^ ^«^xe% \n^%Tes atras , està, hua iIha 



X Ct Von^e e»v;«e tnuyto» dias corcgin^ 
VSnj' Fron PCM satr do maar roxo , por h^ 
< V /uttar pera hir dentro ha Juda , honde 
\^Wr » e tambem Lopo Soares quando ue-i^ 
^ sendo Capitam moor do maar : honde ^ 




,^ ^ • ▼ H O 






°?'' i ha n.^*l eie „***«"' 




ho portQ^dL *'^ h « ho R nosas p^r 

**"»> coral . -,. 



coral , e m 



L f V K Q ht D t7 AKTt BaIR^OSA. 25I' 

6 seda j do que IcnAotn em ritorno muycu cspeciaria , edra* 
goarias , pmos daJgodàm e oucras mcrcadorias do grande 
regno de Cambaya -, de Zeila , eBarLora , uè aqui ter muy» 
tas naos coiii muycos mantimentos , e hvao ttn retorno pa- 
tws de Cambaya e contai pequenas e grandes j todos os mer- 
cadoìcs que m^oceam para a Arabia jdix^ e para a Urrà do 
r. '^cdo , igualmtnte vem aquì ter j asitm ccv.o as ndoi 



)ì€s qti 

m ic, 

Cidaà 



Preste 

das Cidades de Onnuz e de Cambaya^ e has de Cairbaya 
uem caregadas de rnuycos panos , e he tanta ha son^a cie« 
las que parece cousa espancosa ; traze come diguo algo- 
dam, muyta dragoaria , pedraria , muyto aljofar, alaque^ 
quas^ donde leuaoro em retorno pera ho dito regro de Cam- 
baya muyca ruuia » opeo , pasas , cobre , azougue , ver- 
melham , e muyta soma de agoas rosadas , que se aquy 
fazem , e tambem leuaom niuytos panos de làa ^ ueludos 
pincados de Meca , ouro em peda9os , air^oedado e por 
amoedar ^ e outro eniiado , e cnamalotes ; e parece cousa 
imposiuel poderem-se gastar tantos panos dalgodam, corno 
estas naos trazem de Cambaya : uem ha està cìdade Dor« 
muz , de Chaul , Dabul , Baticala , Cnìccut , donde soya de 
uir ha mais especiaria , com muy grande soma daros , e a9U- 
quar , e cocos ; e tambem uem muytas naos de Bengala, 
C^matra , e Malaca, que outro sy trazem muyta especta** 
ria , e dragoarias , e sedas \ beijoim , alacar , sandalo , le- 
nhoaloes , muyco ruybarbo , almisquere ,muytos panos del^ 
guados de Bengala , muyto a9uquar; de maneira que he 
esce lugar do mayor e mais groso trato que se acha no 
mundo, easy das mais riquas mercadorias. Ha està cida^ 
de chegoa huà armada delRey noso Sr. » de que era ca- 
I pitam moor Afon^o Dalbuquerque , que antam era gcuer- 
nador da India » e no mesmo porto Ine tomou e queimbu 
moyta soma de naos careguadas de muyta irtercacoria , e 
outras descareguadas , e cometeo entrar na cidade , ha qual 
entrou ha escala uisca pelos muros ccm muytas escadas ; 
e sendo bem corenta Portuguezes dentro , e tendo tornado 
hùu cubeio , has escadas com ho peso da muyta gente 
que por elas sobya foraom todas quebradas , scm nquar 
por honde se podese sobir ; hos Portugueses que estauaom 
dentro no eubelo , estyucraom esperando que Ihe acudisem 
por espafo de hùa ora , e uenco que ninguem sobia , t 
que hos mouros se uinhaom chegando e come9auacm de hos 
entrar , se lancaraom do cubeio abayxo por cordas : nesra 
entrada se detendiaom muy bem hos irtooros, emoreracm 

muy- 







t^z Ltr &o DftDvARfs Baubosa; 
maycof com algiis Xpaos « ancre hos quaes moreraom dous 
capicaes hua deiei dentro na cidade » e ho curro no cu« 
belo. 

Ho regno de Fanaque* 

Daqay pasando esce regno e cidade Dadem saindo 
oera fora do mesmo csrreito, està outro regno dcMouros, 
na ho loiguo da cosca , qae cem cres cu quacro uilds 
junco com homaar, hùa chamaom Xaer^ outra Dofar, ou- 
tra Farcaque , em que hos dicos homeins de peleja , cem 
muycos caualos de que se seruem na guera , com muycas 
e boas armas ^ agora de pouco cempo ha esca parce esca 
ha obediencia delRey Dadem , concercado em seu seruifo. 

Ho cabo de Farcaque j (^acorora* 

'Leyxando eace regno acima, se faz hùm cabo, que 
fambem chamaom de Farcaque honde ha cosca coma ha fa- 
zer uolca pera ho maar largo j ancre esce mesmo cabo , 
e ho de Gu irdafuy he ha boqua do escreìco de Meca , que 
he por honde has nàos encraom para o Mar roixo , ancre 
hos quais cabos escaom cres ìlhas , hùa grande , e duas pe« 
quenas ; ha grande chamaom Qacocora , que cem muy alcas 
seras y e monc<»nhas » e he pouoada de hùus homeins ba- 
903, que dizem que saom Xpaos , porém carecem daen- 
«inanga e biucismo , que nom cem senam nome de Xpaos , 
€ cem codauia em seus oracorios cruzes : foy em oucro cem« 

50 esca ilha Dalmazonas , segundo dizem hos Mouros que 
epois por cempo se foraom ajunrando com hos homeins ; 
ainda agora parece algua cousa diso , porque has ma- 
Iheres miniscraom e gouernaom suas fazendas sem hos ma- 
fidos niso encenderem> cem esca gente lyngua sobre sy, 
andaom nuus sómence cobrem suas uergonhas com panos 
dalgodam , deles com peles ; cem muycas uaquas , muy- 
toi carneiros , e palmares de camaras , seu mancimento he 
lette , carne , e camaras ; nesca ilha ha muyco sangue de 
draguo, e muyco aloes facocorim. Aqui fizeraom hos Mouros 
de Farcaque hua forcaleza , em que escauaom , pera sojiga- 
rem e fazerem mouros h^ gente da cera , de maneira que 
qumtos uiuiaom deredor da Forcaleza eraom jà mouros, e 
seruiaom hos mouros Farcaques corno se foraom seus escra- 
uos , asycom has pjso.as co'no com has fazendas, n e ui- 
i uiaom muyco atribuladamente antre eles com muyta so-. 

gei- 



LiifRo BK DvARTS Barbósa; ^^ t 

ì gei^am , porém aindn guardauaom algus , corno melhor po^ 
I diaorn seus ritos , hos quais Ihe ficaraom de muy antìgua* 
I mente , qoe dizetn que ha iiha foy pouoada de uerda- 
I deiros Xpàos , que pouquo e pouquo se foraom corompen- 
I do por carecerem da nauega9am , por honde nom ciue- 
> raom doucrlna : » e estando asy hos Mouros Fartaques em 
pose desta fortaleza , chegou aquy huma armada deiRey 
noso Snr. , esaindo hosPortuguezes em tera ihe tomàraom 
ha fortaleza mas nom tanto ha seu saluo corno quizeramos , 
porque eles se defenderaom mais ousadamente , que atego- 
n nestas partes nenhus homeins uimos , e nunquà se qui« 
zeraom daar , até que morèraom todos pelejando sem hùa 
800 fiquar uìuo,asy que saom muy boos hòmeins de gue- 
ra , e em estremo ousados nela : ho capitam desta arma- 
da leiicou na fortaleza muyta gente pera ha defenderem , 
e maacerem, Logo juiuo com està ilha estaom outras duas 
que tambem saom pouoadas de homeins negros e ba;os ha 
maneira de cananns , he gente que nom tem Icy nem ne- 
nhua cousa ha que adorcm , sómente uiuem comò bestiaes 
sem trato nem conuersa9am ; em has quaìs ilhas se acha 
muyto e bòo ambar , e conchas das que ualem na Mina , 
e muyto sangue de drago , e aioes facotorim , e tambem 
muytos carne; ros e uaqaas : b na ìlha de Qacotora que 
s atras dise , bzem haus panos de làa corno ordens , que 
» chamaom cirabolins , que ualem muyto , e he muyto cer- 
X ta mercadoria pera ha costa de Meiyde , e Mombafa , 
31 honde se seruem muyto deles. s 

Xaer. 

Indo asy ha ho maar ha ho longoo da costa , està hua 
uila de Mouros que chamaom Xaer , ha qual tambem he 
do mesmo regno de Fartaque j ha qual he hù lugar muy- 
to grande , em que ha grande cantidade de muytas mer- 
cadorias ha que nos Mouros de Cambaya , de Chaul y e Da- 
bai , Baticalà , e Malabar , uem com suas nàos caregadas 
Cora muytos panos. dal godam grosos e detgados, de qoe 
se eles muyto seruem , e muytas granadas enfiadas , e 
cotta muyta pedraria baixa » muyto aros , a9uquar, muy- 
ta especiaria de roda sorte, e outras muytas mercadorias, 
has quais eles aquy uendem ha hos mercadores da tera 

3ae has compraom muyto bem y e has leuaom caminho Da- 
em , e pera roda esa Arabia; despois que hos ditos met- 
Notic. Ultraml N.° VII. Oo ca- 



tf4 LiVKO DB DUARTB BaABOIA. 

cadores vendami has dicas suas nercadorias > empregacm h« 
dinheiro cm muyio bóoe caualcs que na cera ha , héf 
quais. caoalos saom muyto maiores e milhores que hos<jue 
iMm Dormus , e ualem na India qainbentos , seiscenios 
cruzadof j cambem leuaom muycQ en9en9o que nas^e na 
propia cera , e ha nesca cera de Xaer muyto criguo , car* 
ae$ , tamaras t e uuas ; pelo certam dela he cudo abicado 
dalaroes : quancas nàos uem da India pera encrar no maar 
roxo , se he carde e nom podem entrar no estreico, ari- 
baom em Berbtr , e neice porco ; e asy cambem has que de 
dencro saem , achando hos aencos concrairos y entraom aquy 
dcnde pasaom caroinho de India cosendo se com ha costa 
de Cambaya j desta maneira he esce porto de muy grande 
escala de muycas naos , e nasce aquy canto enfen^o que 
se leua pera rodo ho mando, e leuaom has naos com eie, 
e ual ho quincj>l ha cenco e sincoenca rs ; e esce Rei de 
Xaer com codo ho seu regno està ha obediencia Dadem » 
porqoe Ihe cem hù irmam preso. 

Dotar. 

E pasando ho cabo de Farcaque uay ha costa do maar 
ji uiiando conerà Ormus ; indo ha ho louguo da costa ^ 
CKE hù lugar de Mouros que chamaom Dotar » que tam« 
Vem he do regno de Farcaque , em ho qual tracaom hos moa» 
ros de Cambaya com muycos panos dalgodam y aros » e 
Ottcras muycas mercadoriaa. 

Char. 

Daquy pasando ho lugar de Xaer , indo de lenguo da 
eosca uaom outros muycos lagares de Mouros , pequeros. 

Celo cenam de muy ros alarues y ha qual cosca uay asy . '^ 
o cabo de Rosalgace , que he honde se comefa ho regi 
e senhorio Dormus , honde esca bua forcaleza que ho ditv. 
Rei Dormus cem aly ha que chamaom Char, daquy come- 
fa ha coua ha dobrar pera dencro conerà honde jas Ot* 
mas. 

Regno Dormus em Arabia. 

Indo ha ho diance pasando ho cabo de Rosalgace ht 
ho longuo da cosca estaom muycos logares , e Fortalezts 
delRey Dormus ^ até encrar pelQ maar da Pec$ta e ontia 



LiVRO beDvakth Barbosa. iss 

ty por dentro do maar persiano , ho dito Rey tem irmycos 
cascelos e lagares , e pela banda Darabia , mnytas ilhas 
qae estaotn. dentro no dito maar , abitadas de muy Iionrados 
mouros , honde eie tem scus capitàes e arecadadores das 
Suas rendas ; hos <]uaes lagares saom hos segnintes , sili» 
cec , primeiramenre Calarate , <]oe he hù lugar grande de 
mouros de muy fermosas e bem asentadas casas , honde 
uiuem maytos mercadores e grosos tratantes e outros 
caaaleiros ; logo ptsado este lugar esca outro qùe cha* 
maomTerue, he pequeno, e tem bua muy boa augoada, 
lionde hi uem fazer todalas nàos que por esras partes na* 
uegauaom :esta logo aicnv deste legar ourro ^t>e chamaom 
Dagìno , que he tambem muyro bóo porto de maar : pa- 
eando este està lo§o na cosca outro que chamaom Curia- 
te , que he pouoado de gente muy honrada , e de muyto 
trato de mercadorias , no qual lugar e em outros que de- 
ledor dele estaom ha mantymentos em muyta abastan9a , 
e muytos cauaios qne na propia reta nas9em, mtiytobóos , 

3 uè hos Mouros Dormus uem comprar pera lettatem oamai¥- 
arem caminHo da India : pasando- este lugar de Curiate f 
està outro que chamaom Etem , honde ho Rey Dormus tem 
bua Fortaleza ; leyxada està fortaleza està :hu lugar qu^ 
chamaom Masquate , que he hùa grande u3a honde uiue 
muyta gente honrada i es^ta nila he de muyto trato de mei^ 
cadorias e <le grandisima pescarla , honde se 'pesca muyto 
pescado e grande , ho qual salgaom , e sequaoih ^ e trataom 
com eie pera muytas partes : pasando e&re lugar indo c^ 
minho Dormus , ha ho ionguo da costa està outro que cha- 
tnaom Coquiar ; alem do qual està outro que chamaom Ro- 
^aque , que tem hùa muy boa Fortaleza del Rey Dormus, 9 
Aas quais fortalezas eie tem pera fazer guera ha estott- 
eros lugares quando se aleuancarem : pasando està fortale** 
7.2 de Ro9aque , mais pera dentro està outro que chamaom 
-Mael ; além do qual està hù lugar pequeno que chamaom 
Madegira ; pasainlo este està outro grande que chamaom 
ProFam : deredor destes lugares estaom muytas qumtans» 
t herdades que hos Mouros hon r a dos Dormus tem nesta re- 
ta Fyrme , honde uem pelo ueram fotgar e recolher suas no- 
^dades e Fruytas : pasando este lugar de Profiam a^ima , 
està outro que ehamaom Julfar , bmde uiue muyto hern 
^^ geftce e muytos nauegances , e grosos mercadores , 
aqoy se pesca muyto atjoFar e perolas gfandes , que hos 
^ercadoies -OomiiK uem comprar pera leoarem eami«»f)0 

Oo il da 



2§6 LlY&O DB DVAKTE BarBOSA. 

da India , e pera oucras maytas paites : rende ho mto 
deste lugar muy grande soma de dinheiro ha elRcy Doi- 
mus , e tambem ho rendero hos outros todos : pasando et- 
set lugares de Profano estaom de longuo da costa outros lu- 
gares , dos quaes hùa se chama Recoyma , qne he hùu may 
grande logar ^ e alcm deste nutro que tem huma fortaleza 

Sue chamaom Caloam , que ElRey Dormus aly tem em 
efensam das suas teras , porque ha ho certam de todos 
cstes lugares uiuem muytos Mouros ha maneira d«:larues , 

2 uè saom gonernados porXeques, que has uezes uem se- 
re estes lugares , e Ihe fazem guera ; ha qual gente 
muytas uezes $e aleuanca oontra seu Rey. 

Regno Dormus em Persia. 

Ho mesmo Rey Dormus tem ha ho longuo da costa 
de Persia , muytos lugares e Ilhas abitadas ^ que aquy no* 
mearei cada huma persy ; e depois contarci da iiha Dot» 
mus , e da sua cidade , e do dico Rey e seus coscumes. 

Em ha costa da Persia caminho da India , tem ElRey 
de Persia hùu muyto bóo iugar que chamaom B.iyam , 
pouoado de gente muy honrada , honde tem seus gouer- 
nadores , ho qual Ihe rende muyto dinheiro : pasando es« 
ce esu logo outro tambem ce longuo da costa que cha- 
maom Deuyxar; pasando ho qual està outro que cha- 
maom Saqujon : pasado este esuom ha ho longuo à^ cosca 
muytos lugares pequcnos, e està hùu que chamaom Na- 
bando , do qual vai muyta agoa doce ha Ormus em hùus 
barquos pequenos que chamaom leradas , ha qual leuaom 
pera beber ha gente da cidade , por dentro na ilha nom ha* 
uer nenhua agoa ^ de maneira que deste e dos outros Io- 
gares leuaom ha cidade Dormus todolos mantimentos i 
carnes , e fruytas y de que he em muyta abastanfa pioui" 
da : pasando este lugar de Nabando està logo outro que 
chamaom Ganda , e dahy por diante vaom muytos lu- 
gares do mesmo Rey » ha saber , Quejas Ditabala , fieroa- 
quem , Lyma , Oruazajc Befar , Armam , Bardeds ) Cor- 
am , Gostaquem , Quongo , Bachorouai , Ominam que he 
uà muyto boa fortaleza , Coar , antre estes ainda ha ou- 
cros lugares , que posto que saom pequenos saom de muy- 
to trato 9 hos quais aquy nom nomeo por nom ter de- 
les tam uerdadeira enforma9am ; basta que saom todos 
fottoados de gente honrada ^ e de gfosoa meKadores : as; 

tem 



hi 



LivRO DB DvARTE Barbosa. 257 

tem elRey Dormus por dentro do ceitam pera dcfcnsam 
de sua lera muytas toiraUzas , e tcdas na dita (cua do 
mar da Persia , que saom lugares rtiuy abastados , de muy- 
tas carnes , triguo , ceuada , e muytas fruytas , uuas e ta- 
maras de diucrsas maneiras , comò has que tciros nes* 
tas partes -, e nestes lugares asy homeins cerno mulhe- 
res , saom branquos e gentiis homeins , uestem-se de rou« 
pas compridas , de panos dalgodaro e de seda 3 e graam , 
e chamalotes j e toda està tera he muy riqua. 

Ilhas do Regno Dormus. 

Ha propia il ha em que està ha cidade Dormus està 
antre ha costa Darabya e Persia na boqua do maar per* 
siano ; indo pera dentro estaom muycas ilhas estendidas 
por este maar que saom do mesmo Rcy Doimus , e es- 
taom ha sua obediencia , has quais saom has seguintes ; Pri- 
meiramente Queixime , que he hua ilha grande muyto ui- 
90sa , donde uem ha Ormus muyta fruyta uerdc , e soma 
de ortali9a , ha qual tem dentro em sy grandes poooa« 
pòens -y leyxando està , està outra que chamaom Ancra , e 
outra Bascarde , e outra Laracoar , Fòmon , Firol ; pasan- 
do està Firol està outra ilha grande chamada Barem , hon- 
de uiuem muyios mercadores e outra gente honrada ; està 
ilha e^tà muyto metida pelo maar persiano , por honde 
nauegaom pera eia muycas naos com muytas mercadorias^ 
ha ho redor dela nas9e muyto aijofar e muy boas pero* 
las grandes , que hos mercadores da propia Una pescaom » 
ehaom diso muy proso prouetto , de que elRey Dormus 
tem muy grande renda e direitos , e està ilha com has ou- 
tras Ihe rendem muyta soma de dinheiro ; aqui uem hos 
mercadores Oormos comprar este aljofar e perolas , pera 
leuarem ou mandarem uender ha India , honde ganhaom né- 
las muyto dinheiro : tambem ho uaom hy comprar pera ho 
regno de Nar^ingua , e pera toda Arabia , e Persia ; e este 
aljofar , e perolas, se achaom em rodo este maar per&iano , 
de Birem atc dentro Dormus , porém em Barem ha hy mais 
cantidade dele. 

Teras do Xeque Ismael. 

Indo mais ha ho diante leyxando estas ilhas de Ba- 
rem pelo maar dentro , uaom muytos lugares e pouoa96es 
de MoQioa honrados ^ que saom huas ceras muy fartas e 

ti- 




i^B LlVRO DtDuAÌLTxBARBOSA, 

fiquas ; da qual iiha por diante , nom he mais do setilió* 
rio Dormas porque aly, se acaba , mas taom dourros se- 
nhorios de que nom cemos tanta enforma9am e noticia; 
somente que daly ha ho diatite tado manda e sogigaa ho 
Xeque Ismael , qoe he hùu Moaro mancebo que de poo* 
cos tempos ha cste cabo tera tornado 9 e sogigado grande 

Jarte Darabia , e Persia , e muytos regnos e senhorios de 
louros y nom sendo Rey nem filho de Rey , somente fi*- 
Iho de hiìa Xeque de gera93m Dati ( i ) ; ho qua! uindo 
ha morer , eie menino , e indo-se por hy , foy ter com 
hùu frade armenio que ho crtoifi » e seudo de idade de do- 
ze anos Fugio do seu poder , com medo de ho nom mata- 
ìrem por ser mouro ; e foy ter em hua grande cidade , hon- 
de se asentou com hùu grande Senhor , com.hoqual iieyo 
ha prtuar tanto, que ho rroaxe acaualo , ecm moyro boa 
|>ose i e daiy come9andose ajuncar eom outros Mooros 
mancebo*; , achegou muyta gente pera sy , e comepou pou* 

3U0 e pouqoo ha hir tornando logares , e fazer mercès 
OS aueres e riquezas qoe neles achaua , has pesoas qoe 
comsiguo leuaua has tais tomadas , nom romando pera sy 
nenhùa consa : aendo pois tam bóo principio pera soas 
cousas , derermmou de tomar deuisa , e mandou fazer 
hùas carapu9as oermelhas de pano de graam , e de bas 
mandar trazer ha todalas pesoas que com elas quizesem 
'ser em sua opiniaro ^ e foy de maneira que ^e achegoa 
;pera eie muy grande soma de gente , comefando logoo 
ha tomar grandes lugares , e fazer muyta guera i e com 
tudo iso nom se quer chamaf Rey , nem repousar em ne- 
nhùu regno » e tudo ho que na guera roma , reparte 
por quem Iho ajuda ha ganhar -, e achando alguas pesoas 

2 uè de suaa riquezas se nom siruaom , nem aprooeitem 
a ningoero y tomalhas e rcparteas igoalmente por algos 
liomeins honrados de seu exercito ^ne vee serem proues, 
« ha ho propio dono da fazenda da ontro tanto corno ha 
rada hùu deles \ pelo que algùus Mouros Ihe chamaom 
igualador , mas ho seo propio nonie he Xeque Ismael j es- 
te rem por costtlme nnndar ha codolos Reys mouros seus 
embaixadores , cometendo-lhe que tragaom aquelas cara- 
pu9as uermethas da sua diuisa y e nom has querendo tra- 



zer 



(l) Na TraducgSo Italiana vem està infancia de X eque Ismael 
contada por differente modo 9 que por %er depouco interesiea^ 
l^areceo ommitcir. 



LiVKO Dft DvARfE Barbosa. 
que hos desafiem , fazendo-lhes ha saber 



^59 

qoe eie 



2er 

kos ira busquar , e Ihes tomarà suas teras , e Kos Uri 
crer nele ; e desta maneira roandou ha ho gram Soldam , 
e ha ho gram Turco h^a embaixada , hos auaes auida so* 
bre eia seu conseiho , por suas embaìxadaa Ihe respon* 
dèraom muy mal a detreminando de se defender dele , e 
de ambos se ajadarem huu ha ho oucio : uendo pois ho 
Xeque Ismael soas reposcas , concerrou loguo de uir con- 
tra ho Torco com muyta gente de pee , e de canaio , e 
asy ho ueìo ha busqu^ir ; ho qual ho saio ha reccber noni 
mal apercebido» e asy oaueroro ambos bua grande bata- 
Iha , de que ho Turco foy uencedor per caso de muyta 
artelharia que comsiguo trazia , de que ho Xeque de rodo 
carecia , porque nom peleija coni sua gente senam soo 
ha for9a de brapos : aqui Ihe mataraom muyta gente , e 
eie se pos em fbgida ; ho Turco Ibe segoio ho alcance 
indo-lhe sempre matando muyta eente , até ho mcter na 
tera da Persia, donde se tornou na Turquia : esra foy ha 
primeìra ues que ho Xeque Ismael foy desbaratado; do 
qQal magoado , detreminou de uir outra ues em busqua do 
Torco , mais auisado darrelharia e com muyto maior poder 
do que antes uiera. Senhorea este Xeque Ismael , em Ba- 
bilonia , Armenia , toda Persia , muy graam pane Darà- 
bia, e parte da India contra Cambaya , ha sua determi* 
na9am he auer has maos ha casa de Meca -, ho qual man* 
dott ha India hua embaixada ha hoCapitam mòor deIRey 
N. Sr. com muytos prcsentcs , oferecendo«lhe concerto e 
p s , ho qua] ha recebeo muyto bem 9 e logo Ihe mandoo 
outra embaixada e presente. 

A fortaleza de Ba^ora. 

Aquy mesmo na firn deste maar persiano està hùa 
muy grande fortaleza que chamaom Ba^ora , pouoada de 
Monros que estaom ha obediencia do Xeque Ismael » na 

!|ual sae da tera fvrme ha ho maar hùu muyto grande e 
ermoso rio dagoa doce , ha qne hos Mouros chamaom Eu- 
ffates , e dizcm que he huu dos quarro que saem da fon- 
te do Paraiso tereal , ho qual hos Mouros propios da te* 
ra dizem que tem infinitos bra90Si e dos outros deles ho 
ptincipal que eles chamaom Indio , sae no regno de Vercin- 
de na primeira India donde eia tomou ho nome ^ outro 
que chamaom Guanges sae na segunda India ^ e ho quarto 

<ìue 




•<S'S^' 



Ito 



U IV m o 







muytas mercadorLas ^ e ^ .%r0^ a A .^^ 

fida caregiom ncìuyco trU^ , /(J AH ^^ 

ecli • ceu^Ja . cHamiloi^^.af'.ifD '^ ^ 



1 geli , ceuAda , cHa'mxloi^'j'i)^ -^(J) 
1B rias : erti hùa rio ^uc p^»^ j ^0^'' 



iB peixes cj^ue quanto mais 
9 sangue Lan9aoin.*» 



ho* 



Ha. fcrmosa 



cià»'^ 



^ 






Satndo deste maat e estTe\tO , ^s!^/ W/f 

ielc Hu.x ilha qae nom he muyco granii ^ 
j^^ cidade Oornaus , aac nom he taoianF^ ^^ 
àe may altas casas de pedra e cai ^ k^^. 






cotn muytas janelas i por ha tera se 
Y^3^, casas todas hvxus cacauentos feito 
Qxic ^^ vvi^ts alto delas fazera ulc Ko 
xas Vogeas , quando ho haom mester r 
bcm ascntada ^ e aruada com muyr< 
dcVa n3i propia Ilha està h(ia sera p — 
^^^ , e algunrk enxofre ainda que Vv^"^^ 
sai està em tatnanhas pedras com^>^^ ^ 
inontanhas fragosas \ chama-se sai ^^ ^ 




U M hÙQS 

* unto nuìj 



— ^-ly^ 



i^^^.:a-7^ 



tutez» Ho cria aly , e depois de ^ J^«'^i?^yr^^ Saì^ > f * ^ 
e bóo-, ciuar\cas nàos uecn ha esca »J^<ÌJ ^^©..^ ti^ "^ ttw 

lasiro dele , ooraue em muvtA> '«^tv'.''^ ^« ..^^'iu,. *«» 



^tl 



fnercadores desta ilha , e cidade ^ 



o,.^Ì4^. 



.-v>^^ 

hos Petsios fillio Arabia e outrr^^^ ^tJi^^^ 
saom muy altos e (erroosos , *C^. ^•^ ^ 
soada asy homeins corno mulh 
e UÌ90SOS , e comettv \^^tCw 



Mafamede 



sortes de tneTcafÀ - '^^ ^Cv^ •'o ^ ^V ^ ^XV 



aquy todalas 



»^««« de 



5»e:x; 



^^«*xq 






^^>v^^< 



V 



LlVRO DB DVARTS BaRBOSA. l6t 

«aber, pimenta , crauo »gen§ìbre, cardamomo, aguila, san* 
daU>, brasyl , miramnlanos , tamarinhos, a9afram, indyo , 
céra , fero , a9uquar , muyto aros , e q^uoquos , afora inuyta 
soma de pedrarta , pcjffolanas , e beijoim , em -has (juais 
todas se ganha muyto dinheiro > tambem rem muyta soma 
de panos de Cambaya , de Chaul , e Dabul i e de Benga- 
la Ihe crazem muycos synabasos , que saom sortes de pa- 
nos muyro delguados dalgodam , que antre elcs valem 
muyro, e saom muy eftimados pera toucas ccamlsas , pera 
que Ihe seruem ; rambem da cidade Dadem crazem ha Or- 
mus, muyro cobre, azougue , uermelam , e muyta agoa ro- 
sada, muycos panos de brocados , cafecas , e chamaloces 
comuns: asy mesmo uem aquy das teras doXeque Ismael , 
muyca cancidade de seda , e almiscre muyto fino , e muy- 
co ruybarbo de Babilonia ; e de Barem , e julfar uem muy- 
to aljoFar , perolas grandes , e da cidade Darabia uem muy- 
ta soma de caualos , e daquy hos leuaom pera ha India , 
honde leuaraom cadano mil , e has uezes dous mil caualos , 
e ual cada huu na India mio com bom , trezencos e qua- 
trocencos cruzados , mais ou menos segundo ha falca que 
ha; e has naos em qus eftes caualos uaom leuaom tam- 
bé muycas tamaras , pasas , sai, e enxofre , e aljofar grò* 
so, com que hosMouros de Narsingua folgaom muyto: an- 
daom eftes Mouros Dormus muy bem ueftidos de huas ca- 
misas muy aluas dalgodam delguadas e compridas , e de- 
baixoseus firocs de pano dalgodam, trazem tambem muy- 
tas roupas de sedas muy riquas , outras de chamaloces e 
gràa , cingidos com muyto bons almeìires,em que trazem 
suas adagas muy bem guarnccidas douro e prata , segundo 
has calidades de suas pesoas ; crazem cambem hùs bro- 

3uei$ grandes , redondos , guarnecidos de muy boa se- 
a , e nas maos seus arquos curquezes , pintados de muy 
boas tintas , e cordas de seda que fazem muy gra pasa- 
da , saom hos arquos de pào enuernizados , e de corno de 
bufato ; e eles saom muy boos frecheiros , e suas frechas 
muy bem obradas e sotiis : oucros trazem nas màos ma« 
chadinhas , e mapas de fero de muycas fei9Óes , muyto 
bem lauradas de muy fermosa tauxia ; saom homeins muy 
riquos , e luzidos , e galantes ; cracam-se muyco bem asy 
Ito ueftido comò no corner , que comem muy bem ado- 
bado, e em abaftanfa de cudo, silicee, carnes , pam de 
tnguo , muyco boó aros e muycas conseruas , e fruycas 
uetdes » ma9às , romàs , pecegos , muycos albaquorques , 
JSTotic. Ultramar. N -^ VII. Pp fi' 




eftado e hO^X ' ^.cT ^ «err!; * • ^^ ^***' ^'^* l^aom por 

saom malquift<>;^^^^^^^^^ de sua uiyosa uub: eL 

zem sempre coms^guo escr^,f * P^^9"« ^^^ "»^is deics tra- 

aormem : efte^ °^^"^<*«^ ^onr^i^'* "'^f^* '^^P'''^^ ' ^«"^ H^ 

quintans , hondc se uaoo^ rt> ' ^^"* '^^^^^ "^ ^^'" 'X'"^^ 

cipalmente tio "^/^'J 5 eft^^Vtas uezes desenfadar, prin- 

inuy riqua 3 « abaftada j© ^'dadeDormus porto que he 

cara porque tudo Ihe ue^^ ^j^<Jos mantymentos , he muy 

Arabia , e dourras partcs ciò ^ ^^^^ ' siliccft , dcPctsla, e 

tcs , Sem auer na ilha coi^^*^*^^ tudo Ihe uem muv pres- 



taixa e ordem qoe Ine daom^^ S^c f jl^'^ P^^^ > ^^ «»« Aa 
do; uendem has carnes co?- ? ^^ muV ^^P^"'"^"'^ caftiga- 
todolos outros comcres fei, ^^^s , e asadas ha peso , e ^^^ 



'aao, e limp© , que muv» » «tudo '^° tairbem concer- 
de corner em suas cas;s ' Pesoas «o"* mandaom fazct 

cidade Dormus *fta s«.«.* * aas &racas comcm. Em efta 

8n.ndes pafos" 1 S**!'^ ''o^é/ «^f'* ^"^ '^"\-«Y 
DO da cidade -L k" * tcnj i„-,l^A ho mar em hù ca- 

tem rodo se„\H\Touro •^'^i'» Spe -fti «po-entado e 
gares de Perjia , e A«k- ^^ qual R cV «"» 'O'^^* s*"s lo- 

das suas renda» " ° » «em « "*"' .Tr,<.5 , e atecadadore» 
que roda ha te' ! "* P'Opia lu^J'^'l^In ootio gouernadot 
todolos outros do '""''tem \/'j!»'l.« f^'SuC he superior de 
«ador tcmhoRev I^8'^« . e JL "*'.^** ' i2 i '»** *»"** Souer- 
^ |>rc5o de . ® *<><^o * « ai««»P*S«« > <■« 
*** ««a nam pO* - hua 



LivRo DC DuAUTs Barbosa. 2é j 

huà fortalcza delcs , scm gouernar ncm cntcndcr em tienhùa 
cousa do regno , semente cm ser muyco bem seruìdo , e 
gaardado ; e he de maneira que se ho Rey i]uer entender 
em gouernan9a ou no chesouro , ou quer ser isento , to- 
inamno e qucbramlhe hos olhos , e metemno dentro em hùa 
casa com sua muiher e filhos se hos cem , e aly Ihe daom 
de corner , e ho mantem muy atribuiadamente -, e tomaom 
outro mofo mais pequeno da linhagem dos Reys, scilicct, 
filho , ou irmam , ou sobrinho mais chegado , metemno deti* 
tro na fortaleza e pafos , e aly ho rem por seu Rey so* 
mente pera em seu nome mandarem e gouernarem ho re- 
gno muy pacifiquamenre ; e hos oucros erdeiros do regno 
que iìcaom , asy corno crescem e saom cm idade pera go- 
uernarem I e ha ho gouernador Ihe parece que quer algum 
emendar no regno, tomamno e quebramlhe hos olhos , e 
metemno na dita casa , de maneira que sempre cem hùa ca* 
«a com des ou doze Reis cegos , e ho que reìna nom ui- 
ue nunqua liure do medo de uir ha elte eftado ; e em 
quanto reina tem sempre gente darmas , e caualeiros que 
ho gu^rJaom e seruem , ha hos quais eie pagua muyto 
bo6 soldo , e andaom sempre na coree com suas armas , 
e aigds manda cftar frenici ros dos lugares da tera fyrme , 
quanJo tem necesidaJe diso. Nefta cidade se fas moeda 
douro e prata , silicet , huma moeda de muyto bo6 cu- 
ro, redonda corno has nosas , com letras mouriscas dam« 
balas batìdas , que chamaom xerafins ual trezentes rs. pou- 
co mais ou menos ; ha mais dcla he feita em meios que 
ual cada huma cento e sincoenta rs. : ha de prata he hùa 
moeda comprida ha maneira de faua , tambem com letras 
mouriscas dambalas ,bandas , que ual tres uinceìns pouco 
mais ou menos , a que elles chamao tangas , ha prata da 
^ual he muyto fina ; e de roda està moeda asy prata co- 
nio euro , ha tanta em abaftanfa em Ormus , que quan- 
tas naos uem ha cidade com mercadorìas , depois de ven- 
derem e comprarem hos caualos e sinais que hamde le* 
uar , rodo ho mais que Ihe fiqua , leuaom nefta moe- 
4*j porque na India core muyto , e tem muy boa ua- 
lia. Ha efte regno Dormus ueio ter hùa armada delRey 
*^03o Sr. , de que era capitam moor Afon90 Dalbuquer- 
4^^e , ho qual se quizcra por com eles em roda pas , ho 
q^e eles nom qui.eraom ; ho que uendo Afon90 Dalbu- 
querque Ihe come90u ha fazer guera pelo regno , princl*- 
P^l mente pelos portos do maar , honde Ihe fes muyto da- 

Pp ii no ; 



264 LlVRO DE DVARTB BaRBOSA. 

no: andando asy ueyo ter ha propia cidade Dormus com 
teda ha armada , honde no porco deia ouue hua braba pe« 
leja com hùa frora de muy grandes naos , cheas de muy 
fermoia gente muy bem armada , ha <)ual ho dito Afon- 
90 Dalbaquerque desbaratou , e captiuou muyta , mecen- 
do muycas naos no fundo , e tornando e queymando ou- 
tras muvtas que eftauaom ancoradas junro ccm faos ir.u- 
ros da mesma cidade ; uendo ho Rey e gouernador dela 
tamanha deftroÌ9am em sua geme e naos , seni Ihe pò- 
derem ualer , cometèraom pas , ha qual ho capitam moot 
aceitou com condi9am que ihe leyxasem fazer hùa for- 
taleza em hùu cabo da cidade , ho que ha eles Ihe aprou* 
uè y ha qual come9ando-se ha fazer , tornaramse hos Mou* 
ros ha repender , nom querendo que se fizese mais ; ho 

3 uè uifto pelo capitim moor , ihe tornou ha fazer tanto 
ano matando-lhe tanca gente , que hos fes tributarios ha 
elRey noso Sr. , em quinze nfiii xarafins douro cadano,' 
hos quaes Ihe pagaom sempre : daly ha cercos anos efte 
Rey e gouernadores Dormus , mindaraom hù embayxador 
ha elRey noso Sr. com hu muy grande seruifo , e com 
ha repofta que Sua Aiceza IKes mandou j uelo Afon90 Dal' 
buquerque em hùa boa armada outra ues ha Ormus , hon« 
de o recebèraom em muyta pas , e Ihe outorgàraom que 
acabase ha forcaleza que dantes tinha come9ada , ho qual 
ha mandou loguo come9ar y e que se fìzcse muy grande e 
forte , comò se lo;;uo come9ou ; e eftando nifto , eIRey 
que he hùu mo9o de pouqua idade , vendo se em poJer do 
gouernador cam acannado , que nom ousaua fazer de sy 
nada , teue maneira com que secretamente ho fcs ha saber 
ha ho capitam moor sua pouca liberdade, e da maneira que 
aquele gouernador ho tinha quasi preso, comando ha go« 
i]ernan9a do regno for90samence , tornandoa ha ho outro 
que ha tinha , e que Ihe parecia que se carteaua com ho 
Xeque Ismael pera Ihe encrcgat ho regno: sabendo hoca- 
picam moor ifto , ceueo em grande segredo ^ determinou 
de seuer com e! Rey , concercando lo^uo com eie quo has 
uiftas fosem em hùas casas granJes que eftaom junco com 
ho maar : achegado ho dia asinaio ,encrou ho capicam moor 
nas ditas casas com des ou doze capitoens , leyxando de 
fora sua gente .em ordenan9a , e tudo comò deuia » elRe/ 
e ho gouernador vieraom com grande soma de gente , e 
dentro nas casas honde eIRey entrou ^ nom entrou mais 
flinguem ^ e loguo has portas fgragm fechadas ; e com» 



LivRO DE DuARTE Barbosa. 26^ 

foraom dentro, ho capitani moor mandou matar ha punha- 
ladas ha ho gouernailor j ho que uenJo ho mofo Rey se co* 
mefou dagaftar , e Afonfo Dalbuqucrque Ihe dlse que ncm 
ouuese medo, que aquilo que se fazia , se fazia per eie ser 
Rey isento corno saom hos outros Reys iDOuros , e noni 
uiuer asy sogcito ; hos que eftauaom fora ouuindo ho ru- 
raor come9àran)-se daluorayar , e algùs irmaos do gouerr 
lìJdor , e outros muytos criados , e parentes que htziaom 
hiìu grande corpo de gente , eftauaom todos arirados j foy 
entam necesario ha ho capitani moor tornar clRey pela 
mam , e subireni se em hùu terado ambos armados pera 
clRey daly Ihes falar , e uer se hos podia pacifìquar^ ho 
que eie nom poude acabar com eles , scnam que ihes de- 
scm seu irmam e senhor ; e dizendo ifto se foraom me* 
ter dentro nos pa9os e fortaleza del Rey , dìzendo tambe 
que fariaom outro Rey : ho que uendo ho capitam moor 
quizera-lhe por has màos , e eftiueraom a-y hilu grande pe- 
dago do dia, e elRey hos quisera lan9ar fora perlanfas, 
e eles noni quiseraom sair da dita fortaleza ^ e depois uen- 
do que todauia ho capitam moor decermiuaua de daar Sam- 
t'iago neles ^ cometèraom delhe daar ha fortaleza com con- 
di9am que se fosem loguo fora da cidade e ilha com mu- 
Iher , e fìlhos , e fazendas , defterados todos aqueles que fo- 
sem puentes ou irmaos do gouernador morto , ho que lo- 
guo foy feito j e ho capitam moor leuou loguo daly ca* 
minho dos pa90S e fortaleza com grande triunfo e pom- 
pa , acompanhado de niuyta gente nosa e sua , e ho entre- 
gou ha outro gouernador que dantes era , com seus pa« 
90S , e fortaleza , e cidade muy liuremente , dizendo ha ho 
gouernador que ho seruìse com muyta honra , e ho leyxa- 
se goucrnar seu regno ha seu prazer , somente Ihe dese 
cohselho corno fazem ha hos outros Reis mouros j asy que 
defta maneira ho tornou ho capitam moor ha sua liberda- 
de; e ftfs capitam da nosa fotaleza ha huu Fero Dalbu- 
querque , com muytos Portuguezes e nailios pera fauo- 
recerem elRey, ho qual nom fazia mih sem conselho do 
dito capitam da fortaleza , eftando ha obediencia deiRey 
noso Sr. com rodo o seu regno , e senhorìo : uendo ho 
capitam moor tudo ifto asy cm canto asoseguo , e debaì- 
xo de seu mando, loguo pubriquam?nte com pregoes man- 
dou degradar todolos somitiguos fora ài cidade e ilha , 
com hùa frecha metida pelas uenrans ha cada huu , e fo- 
xàoax degradados com tal condifam , que se aly mais toi* 

na*! 



t66 Liv&o Dfi DvA&Ti Barbosa. 

Misem, ro>em queimados ; de qae elRey se rooftron con- 
tente: e asy mmJou connar hos Reys cegos que na dica 
cidade eftauaona , que seriaom treze cu quatorze , e hos 
manJou mccer dentro em hùa grande nao , e hos fes le- 
var caminho da India , e por na cidade de Goa, honde ha 
coda de suas rendas Ihes manda daar de corner , peta 
aly acabarem seas dias , e nom fazerem algùa toraa^am 
no regno, e ho leyxarem nele uiuer em pas e asoscgo. 

Regno de Diul. 

Indo mais ha ho diante leyxando Ormus e suas te- 
ras ; entraom loguo no regno de Oìul , que efta antre ha 
cera Dar:ìb a e Persia , que he hum regno separado , e 
reìna nele hùu Rey mouro , e ha mais da gente saom 
!^^^ Mouros e algùs Gentios , que saom deles muyto sujeitos , 
t^^^t tho qual Rey he muy gram senhor de moytas teras e 
' w gente pelo certam dentro , e de muytos caualos , porem 
i i tem muy pouquos portos de maar : confina efta tera de 

^*' ohùa banda com ho gram regno deCambaya, e da outra 
'% ; * r^ :;: yfV* -com ha tera de Persia , e ho Rey dcla obedece ha ho Xc- 
*^^VÌ?7i;^^ V^^ Ismael ; saom mouros bafos e branquo^ ; tem lyn- 
^ i4 *^ goa sobre sy , tambem falaom pcrsio e aribio: hi nesra 

tera triguo , e ceuada , carnes em muyta abaftanfa , he 
tera chaa , de campo» , e d^ muy pouqua madeira ; naoe- 
gaom muy pouquo , porem tem muy grandes prayas , em 
que fazem muy fermosas pescarias , e comaom muy gran- 
des pescados , hos quaes sequiom pera se gaftarem nate* 
ra do certam » e tambem se leuaom pera outros muytos 
regnos ; aquy daom de comer ha hos cauilos peìxe seco: 
algùas naos que da India aquy uem ter , trazem moyto 
aro;, a9uquar , e algùa especearia , e madeira , e tauoado^ 
e huas canas que ha na India , que saom tam grosas corno 
hua perna de hùu homem : em tudo ifto se ganha muyto 
dinheiro ; leuaoin cm retorno muyto algojam , caualos, e 
panos i por erte reg^o sie ha ho maar hùu grande rio , que 
uem pelo melo da Persia , que dizem hos Mouros ainda qui 
nio snibto de certo que uem do rio Eufrates , de lon- 
guo do qual uaom muytos lugares de Mouros muy ri- 
quo> ; he tera muy uiposa , e fruytuosa , de muytos man* 
cimintos. 



Re- 



L'I V R O I> B DUARTE BaRBOSaI i6y 



Regno do Guzarate. 

Indo asy mais adiante pasando cfle regno de Diul , 
entrando loguo na primeira India , cftà ho regno do Cu* 
zaratc ; do cjual regno e senhorio parece cjiie elRcy Da- 
rio foy Rey , porque ainda agora hos Indios tcm dde 6 
de Alexandre Magno muytas hiftorias^ he efte regno do 
Guzarace muyto grande , rem nnuytas uilas , e cidades 
asy pelo cercam corno ha longuo do maar ; rem rr.uycos 
portos de muy grande navega^am , pouoados de Mouros 
e Gencios que saom grosos mercadores , e trataom aquy 
em muyca soma de mercadorias : danres era ho regno de 
Gentlos , e hos Mouros Iho tomaraom por guera , asy que 
ho Rey dele agora he mouro , mas inda hy ha muytoft 
Gentios grosos mercadores , e irataotn antrelcs. Antes que 
efte regno do Guzarace fose de Mouros , auia nele hùuit 
Gentios ha que hos Mouros chamauaom Resbutos, que na- 
queie tempo eraom hos caualeiros, e defensores da tera, 
e faziaom ha guera honde era necesaria : eftes mataom t 
comem carnes , e pescados , e todalas outras viardas , e 
inda agora ha muyros que uiuem nas montanhas , honde 
tem muy grandcs lugares , e nom obedecem ha ho Rey 
deCambaya, antes cada dia Ihe fazem muyta guera; ho 
qual com quanto poder tem nom he poderoso de hos éei^Q ^r^^-^:;^-^^f'\ 
troir, nem pode ; porque saom muy bóos caualeiros , e saòm ^ff'y!'}^^' ■H:k\ 
grandes frecheiros , e tem outras muytas maneiras darmas^ ^^.^U .^^ '/^i^ 
com que se muy bem defendem dos Mouros , com queS »^^|^^~' ;.-i^':^r^^^^ 
coniinuamente tem guera, sem terem Rey ntm Senhor que*^ ^iii^i^^S* ^^ ^^^ 
hos gouerne. Ha nette regno outra sorte de Gentios , que ^<*S^* 

chamaom Bramanes , e saom muy grandes mercadores e ira- 
tantes ; uiuem antre hos Mouros ^ com que fazem rodo seu 
trato , eftes nom comem carne, nem pescado , nem nenhiia 
cousa que mora , nem mataom , nem menos querem uer 
marar , por asy Iho defender sua idolatria ; e guardaom is- 
to em tamanho eftremo que he cousa espanrosa , porque 
muytas uezes acontece leuarem-lhe hos Mouros bichos , e 
pasarinhos uiuos , e fazerem que hos querem matar pe- 
rante eles , e eftes Bramanes Ihos compraom e respataom* , 
dando4he por eles muyto mais do que ualem , por Ihe 
salaarem has uidas , e soltalos. Se tambemElRey , ou ho 
gouernador da tera , tem aigùuhomem, por culpas que co« 
necese^ julgado ha morte; ajuntamse eles, e ccmpramna 

ha 






268 Litro de DuìARTs Barbosa. 

ha iufti9a , se Iho qner uendcr , pera quc nom mora; e 
t^mbem atgdus Mouros pedinces , quando querem auer cs- 
mola deftes , tomaoni muy grandes pedras , e daom cori 
elas emsima do<s ombros e Darigas , corno que se que- 
rem macar perante elea , e porque ho nom fa9aom , ihe 
daom muycas esmol.is , e que se uaom em pas \ outros 
trazem faquas , e daom-se cóeUs cutitadas pelos brafos 
e pernas , e pera se nom matarem Ihes daom muycas es- 
molas ; oucros Ihe uem has portis ha querer Ihe degolar 
raros e cobras , ha hos qaaes eles daom muyco dinheito 
por ho nom fazerem , e defta maneira saom dos Mouros 
muy aprcciidos : eftes Bramanes se achaom no caminho al- 
guu golpe de tormiguas , aredam-se buscando por honde pa- 
sem sem has pisirem , e em suas casas de dia 9eaom : de dia 
nem de noyre acendem candea , per caso de aigùs mos- 
quicos nom irem morer no lume da candea; e se todaiua 
lem grande necesidide de acenderem de noyte , rem hùa 
alenterna de nipel ou de pano agomido , pera cousa ne- 
nhua uìua poaer ir morer dentro no fo^o ; se eftes criaom 
muycos piolhos , nom hos mscaom ^ e quando hos muyto 
aqueixaom mandiom chamar has homehs que antre eles 
uiuem , quc cambem saom gentios ^ e eles hos haom por 
de santa uida , e siom corno irmycaes , uiuendo em muyta 
.abftinen9a por reuerencia dos seus Deoses ; eftes hos ca- 
.taom , e qu mtos piolhos ihe ciraom poemnos em suas ca- 
be9as , e hos criaom com suas carnes , em que dizem fa- 
zerem muy grande seruÌ9o ha seu Idolo , e asy guardaom 
hùus e outros com muytas temperanca ha ley de nom ma- 
tarem , e po{ outra pirte saom grandisimos onzeneiros, e 
falsi ficadores de pesos e medidas , e doutras muytas mer- 
cadorias e moedas , e muy grandes mcntirosos: eftes Gen- 
tios saom homeins ba9os , mny bem apesoados , gentiìs 
homeins , e gaUntes emseus trajos , muy delicados e tem- 
perados em seu corner ; seus manjares saom leites , 
minteìga , a9uquar , e aros , e muytas conseruas de di- 
uersas maneiras ; seruem-se muyto de cousas de fruyra 
e ortali9a, e diruas de campo pera seus manjares; hon* 
de quer que utuem rem muytas orras epomeres, e muy- 
to^ tanques dagoa , em que se lauaom cada dia duas ue- 
zes , asy homcin» ca;no mulheres ; e dizem que corno se 
acabaom de lauar se haom por saluos de quantos peca- 
dos rem feito atc aquela ora : criaom eftes Bramanes muy- 
to comprido cabelo , da maneira que ho criaom has mu- 

Ihe- 



Livxo DB DuAnft Barbosa. i6g 

Iheres emnosas partet, e crazemno apanhado sobre ha ca« 
be9a , e feita dele huma rrunfa , e em cima huma rouaua , 
pera ho crazercra sempre apanhado ; e per ancre ho cabelo 
nietidas flores , e outras cousas cheirosas : coilumaom muy- 
tò unraremse com sandalo branquo , mefturado com asa- 
fram e outros cheìros : saoro hometns muy namorados» 
andaom ueftidos de camisas compridas dalgodam e de se- 
da 9 cal9aom 9apacos de pontiiha de cordouam muy bem 
laurados ; deles trazem hùas roupetas curcas de pano de 
seda ou brocadilho , e nom trazem nenhùas armas , somen- 
te hùas faquas muy pequenas guarnecidas douro e prata^ 
ìfto por duas rezoins, ha primeira porque eles saom homeins 

Sue se seruem pouquo darmas , e ha segunda porque hos 
louros Ihas defendem : eles usaom muyco orelheiras douro 
com muyca pedraria , e aneis nos dedos , e cincas douro so- 
bre hos panos ; has mulheres deftcs Gentios saom muy fer- 
mosas , deliquadas » e de muy bons corpos , saom ba9as qua- 
sy branquas ; seus trajos saom de seda , asy compridos co- 
mò hos mariJos , trazem hùs sainhos de pano de seda de 
mangas eftreitas ^ abertos pclas espadoas , e outros panot 
grandes que chamaom chandes , que elas lan9aom por ci- 
ma de sy corno mantos , quando uaom fora ; na cabe9a nom 
Eoera nada , senam seu cabelo muyto bem apanhado so- 
reia ; andaom sempre descal9a8 , trazem nas pemas ma- 
nilhas douro e de prata muy grosas , e nos dedos de peis 
e màos muytos aneis , e has orelhas furadas com grandes 
buracos por honde caberà hùu ouo , em que trazem muy 
grosas argoias douro ou praca : saom mulheres muyto 
letraydas e enceradas , saem muy pouquas vezes fora de 
soas casas , e quando saem he muyco cobertas com aaue- 
les panos grandes sobre ha cabe9a , asy comò has mulhe- 
les em nosas partes se cobrem com seus mantos. 

Aquy ha outra ley de Gentios , que chamaom Brame* 
Jies , que antre eles saom sacerdotes , e pesoas que admi- 
nifiraom , e gouernaom suas casas dora9Óes e idolatrias , que 
eles tem muy grandes e com muytas rendas; e tambem 
hs^ muycas que se manrem d^smolas » em has quaes tem 
muyta soma de idolos de pào , outros de pedra , e cobre ;. 
nsLs quaes casas ou moefteiros Ihes fazem muyta cerimo- 
nia , fefte)ando-hos com muytos tangeres e cantares , com 
muytas candeas e alampadas dazeite , e com campanas 
ha nosi mmeira ; eftes Bramenes e Gentios tem muyto 
pOT semelhas ha Santa Trindade , honrdom muyto ho conto 
Notte. Ultramar. N.° VII. Qq de 



tyO LlVK.O DE OUAKTB BaBIOIA. 

de tres em trino , e fazem tempre saa ora9ani ha Deos , 
ho qaal conf'e9aom e adoraoni ser Deos verdadeiro , cria- 
dor e fazedor de todalas cousas , que he tres Pesoas e bua 
soo Deos , e que ha muytos Deoses outros , goueroadores 
por eie , em que eles tambem crem : eftes Branienes e Gen* 
cios honde qaer qoe se achaom, entraom cmhas nosaslgre* 
jas , e fazem ora9am e adora9am has nosas Imagcns , per- 
guntando sempre por santa Maria , corno homeins que disc 
tem algum conhecimento ou noticia j e corno ha nosa ma- 
neira, honraom ha Igreja , dizendo que ancreles e nós ha 
inuyto pouqua diferen9a : eftes Bramenes andaoro descober- 
cos da cìnta pera cima , pera baixo se cobrem com algùs 
panos dalgodam , trazem ha tiracolo hu fio de tres linbas , 
que he ho sinal por honde se conhe9em scrcm Bramenes i 
saom homeins que tambem nom comem cousa que sima 
morte , nero mataom cousa nenhùa : tem por grande ceri- 
monia ho lauar , e dizem que com iso se saluaom y eftes 
Bramenes e asy hos Baneanes , casaom ha nosa maneira coro 
bua soo mulher , porcm hua ues nom mais ; em suas uo- 
das fazem grandes feftas , que duraom muytos dtas , honde 
se ajunta muyta gente muy bem ueftida e areada , fette* 
jandoos muy altamente : casaom pela mayor parte , asy ho- 
meins comò mulheres , muyto mo9os , e ha no dia que hos 
hamde recèber , eftaom hos noiuos ambos asentados em hii 
eftrado , muyto cobertos douro e pedraria e joias , diance 
de sy tem nùa mesquica com hù Idolo coberro de flores ^ 
com moytas candeas dazeite acesas de roda dele ; aly ham* 
deftar ambos , com hos olhos naquele Idolo , de pela ma- 
nh& até tarde sem corner, ncmbeber, nem falar ambos, 
tiem haningoem; nefte meyo tempo saom muy feftejados 
das eenies com seus tangeres e cantares , tirando moytas 
bombardat , fazendo muytos foguetes pera folgarem i e co- 
mò eftes nom casaom senam hùa ues , se ho marido mo- 
ie ha mulher nunqoa mais casa por roo9a que seja , iso 
mesmo ho marido ; seus filhos saom seus propios erdei- 
jos 9 e na dinidade tambem , porque hos Bramenes barn 
de ser filhos de Bramenes : antre eftes ha outros somenos 
que seroem de mesageiros , e uaom seguros por todalas par* 
tes sem ninguem Ihe fazer noto , ainda que haja gaera i 
oa ladroes ^ ha que chamaom rateles. 



R«r 



^^^'T^nn «rvxacSos nele,e «• »-»^ v» 

^ual. s»«-»*^a«^-» He Ffio r.<:». ^^ sua naiurcza 

» F»os ZV^o.,^ros Ho corner*^ ^if'*'i°S'?°V* 

es nA i«r»*;làa ho toinaoir» ^ .>*'**''" ''^ '"* 

icnn enr» al ^u,« ero , oi» *^^ Jf se ccm eie 

im , cr fc»<el=^«r««ao o dclido ^^«o de dejon- 

tni\nd«» «.«^Ks^ sencireni ha. «^^„™ P*""^"*» 

"t^^rV^» ^^^^_ **** C3u2ara,e- ^^r «eu regno 

.pte eftX «o™ .^ol^ ha su^ ^^«^^""hrquai 

e\o cerr^m ^^-n I^ua cora de «r^^y bs^ eampos , 
V fefoso^ i:»a.r^i:«rTnenr OS ^scili^^^ , mu^to ui- 

. inilho ^ arc:^^ :, ^c-3.os , chicz:»^ a ros , Ic^iilhas, 
ytosalì^om^s , c=r:K^iaorn se nelc; s Tnuytas viaquas , 

cabias, dan€^& »^os <la cera hs^<^n^ boa criacam; 
^oem muycas f«-i:»i«:as , e de «:«j» <fl^> he ha cidadc 
^5 e abaftada ^ 1^^ l^a rera d^ ^«-andes monta- 

> tedor , Koncl« se c«-iaor« imuytc^s <=^«iruo8, e ouiras 

> ^<l^y Katambeim rrau^rca ca9a «d.sa.vjfte^s , e «m elea 
cnuyios falcóes , g^ umia.es , galg^^» ^ sabwjos , e ly 
ATubetn pera V\€> root^r'^ ^^"^ "^^^ on^as mansas» 
aom loda ba ca^a. S ^^ E^^ev "^ "^*^JV^ ^rurioso de aly- 

, UTO Ttwiyns de càes%mai «"^i-^ia» frci9<z>^r«. ^ ^^^ ^le pera 
ittvtiisLtnemo m arsela t>u *<!" ^/"r ^ ^ ■"■ ^ »" por todo mun- 
e m^nàou bua C?i arsela. t»^ ell::^ey s:^*^^^^^ g^^^ ^ porqoc 
^^moTu c\\ie tolgaria. C43rr» eia. 

Ha eia^ae de Andana. 

^^&i tìiaàe de CiHa.nril>a««l ^^^"j,[^^^ ^'O oertam , cfta 
^^ ^\iyio ma\ot que d^ ^ ^ZL fCeis de^?^Z^^ * na qual »^- 
f^^tcv^nic %oyaom setr^p^^.^? i^o» ^^om a«^ j^^ *^«S«^o ter sua 
^U'i, V^tc^Mit be TTìuy **^**^ \^<y:ks casa^ -^-^ oetquadas de 
\Q.^ Votis. muto^ , cot¥\ ^^^^^n ^randes j^^,^^^ p^crdta e cai » 
^^Mw Wtvos;^ maneira »^^ ^gLoas ; s^im^^^^^as honde ha 

X,, e pomate.; nclfe^ <^^^^^^ ^^ ^ ^^s q«^ ^JJ"" 



*S74 Lev no DtDvA][ti BAiidSA« *^ 
pelo certam 9 tem dRey deCambtya leoi gouernadorei , 
e arecadadoret de aeus direttos , hos quaet se em seus oficios 
fazem ho que nom deuem , sabendo-o elRey , manda-os 
chatnar , euindos perante eie» nom Ihe d^ndo boa razanii 
manda-lhe dir haa beberajero ape9onhencada , que em ha be- 
bendo morem logao » e defta maneira hos caftigua,.e he 
muy cemido de codos. Afóra eftas cidades e oatras may- 
ras , que ( comò diguo ) cem no certam , has que rem pe- 
la colla ha ho longuo do maar , saom has seguintes. 

Patenexey. 

Saindo do regno de Diul caminho da India , eftà hd 

fio honJe eftà hua grande cidade que chamaom Pacenexey 

de moyco boo porto de maar , he riqua de muy grande 

trato , aquy se fazem muytos panos pincados de seda, e 

de muytos huores , que se ^aftaom per to Ja ha India , e 

^ rs^^ • Malaca, e Bengala, e asy muytos outros panos dalgodam^ 

^T.'^.'^:t'^^■>^,^;^ hsL efte porto uem muy ras naos da India caregadas de 

- V -Z^^^^v^^^^ muytos qnoquos, de muyto a9uquar de palma que chamaom 

l^^'^:^^^'^^- ^'^'^^1 f^ Jagra , e dalgua especiaria ; daquy leuaom muytos panos, 

• >;';*-]•;>. ,5 algodam , cavalos , e triguo , e outras coasas em qoe se 

O'j^r^ * l>;vVl^ 2 ganha muyto dinheìro ; suas uiagens com suas demoras 

t\\*"%; -t^^^'»^ Mom de quatro mezes. 

Curiate, Mangalor. 

Pasando efte logar , indo ha ho longuo da cofta , es- 
taom outro) dous lugares ; hum chamado Curiate , outro 
Mangalor , saom de muy bóo porco , e de muyto trace, 
honde uaom muytas naos do Matabar , e muytos caualos, 
por triguo , aros , e muytos panos dalgodam , e por ourras 
mercadorias que na India iialem , hos Malabares Ihe tr<i- 
2em muytos quoquos , esmeril , cera , cardomomo , e oatras 
sortes de muytas especiarias , no qual trato e viagem em 
muy pouquo rempo se fas muyto proueito* 

Dio. 

Saindo asy deftes lugares de Mangalor e Curiate, 
de longuo da cofta , efti hua poata que ha cera lan9a ha 
ho maar, em que eftà hùu grande lugar, ha que hos Mala- 
bares chamaom Deuixa , e hos Mouros da mesmà cera 

Ihe 



LlVRO DS DVARTB BaRBOSA. lyf 

Ihe chamaom Dio ,• efta eni hùa ilha pe^uena , moyto jun- 
to com ha cera fyrn;e , e tem iruyco boo porto , de gran- 
de escala de iTiUytas nàos , e iruy grande trato e nauega- 
9am (]ue uem do Malabar 5 e Bacicala , e de Guoa , e 
Chaul , e Dabul : daqui nauegaom tambem pera Meca , 
pera Adem , pera Zeila , Barbora , Magadaxo , pera Melin- 
de 3 Braua , Momba9a , Ormus ^ e pera rodo seu regno; 
ha mercadoria , que" hos Malabares aqny trazem saom muy- 
iOS quoquos , arequa, jagra , esmerìl , céra, fero, a^uquar 
de Maticala , pimenta , gengiure , crauo , canela , ma» 
fa , nos noscada , sandalo 5 brasil , pinìetita longoa , afora 
tnoytas sedas , e outras tnercadorias que de Malaca , e 
China Ihe uem ; d;; Chaui e Dabul Ihe trazem muyta so- 
ma de beirames e beatilhas , e daqui tornaom ha leuar 
caminho Darabia , Persya j daqui leuaom hos xnercadores 
que ha trazem em retorno , muyros panos de seda , e aU 
godam da tera, e muytos caualos, trìguo , gergelim , oleo 
dele , algodam, anfìam , asy do que uem L)adem , comò 
do que fazem em Cambaya , nom he tam fino corno ele^ 
leoaom tambem muytos chamaloces comus de seda , que 
nefte regno deCambaya se fazem e saom muyto baratos: 
aqui trazem tambem da India muytas alcatifas grosas, ta* 
fetas , e panos de gràa , outros de cores , muyta especia- 
ria , e outras cousas ; has cuaes cousas hos da tera tor- 
naom ha leuar ha Meca , Adem , Ornr.us , e outras partet 
Darabia , Persya : de mancira que ette lugar he ho dtf 
mor truo que agora se acha em todas eflas partes, ren** 
de tanta somi de dinheiro que he cousa espantosa , 
per caso das grosas e riquas mercadorias que nele se ca- 
regaom e descaregaom 3 porque soo de Meca e Adem 
Ihe trazem tanto coral , cobre , azougue , uermelham, 
chumbo, pedra hume , ruuia , agoas losadas , apafram , 
curo • prata amoedada e por amoedar , que he sem con- 
to : aqui tem elRey de Cambaya hùu gcuernador , que 
chamaom Malinquàs 9 que he hùu homem nelho muy 
boom caualeiro , sesudo | industrioso , de gram saber -, ui» 
tie muy concertadamente , que em todas suas cousas^moftra 
ser de muy abil engenho; rem muy grosa artelharia que 
cada dia fas noua , rem muytos nauios de remos muy 
concertados e apontados , soma deles muy pequenos e lU 
geiros em eftremo ^p ha que chamaom atalayas ; tem fei- 
co bù fortisimo baluarte atrauesado no porto > pouoado 
de muy grosa artelharia e muytos bombardeiros , que con- 
, linua 







ày6 LiTEo DI DiTA&fi Baeiosa.- 

tinnadamente nele eftaom com mayrot homeini Jarfflts 
bcm coQcenadot e armadot , ha qoe paga may bdo soldo ; 
oiue sempre aoisado , recea mayco ho poder delEley noso 
Sòr , fas grande gasalhado ha hos nosos nauìot e gentes 
que ha ho seo porco vaom ter ; he ha gente da cera moy 
bem caftigaadi , gooernada com mayra joftifa ,rouyto diret- 
to has parces , ha qaem em sua rcra faoorece muyto , dan- 
do Ihe grandes diJiuas e mercès. Ha efte porco de Dio 
ueio ter hna armada do gram Soldam com rouyca e fer* 
mosa gente , moy bem armada e concertada, e muytas 
oaos de gauea » e gales de reroos » de qoe era cap.ram 
noor hùu Mooro chamado Mirofem , pera nefte porco 
e regno se aoerem de reformar com ajuda delRey de 
'Camoava e do propio goaernador , e entam daqoy irem 
ha India ha cidade de Calecut , honde tambem Ihe ha- 
uiaom dediar ajuda pera pelejarem com has nosas geoces , 
e has lan9arem torà da India : oliando aquy muyto tempo 
fazendo se preftes , sabendo dom Francisco D;>lmeida , qoe 
entam era uisorey » sua eftada ahy , fes preftes sua at< 
mada^ e uindo por capium moor dela , hos Mouros ho sa- 
hiraom ha receber ha ho maar , e na bo4ua da bara pele- 
jàraom amSalas armadas tam rijo , que asy de bua ban- 
da corno .da oucra , ouae gente ferida e morta ^ e alfim 
ho3 peros foraom vencidos , sendo muycos mortos e £• 
cando boa soma deles capriuos , e ho dito capitam Mìro- 
cem se saluou , leyxando perecer coda sua frota ; ho go- 
uernador de Dio > que com suas atalayas hos ajodaua , uen« 
do tam fermoso desbarate , mandou ha pre^a me;ajem 
ha ho vìsorey , que querìa toda ha pas e amizade com 
elRey noso Sor , mindando-lhe ero sinai diso moytos 
presentes e réfresquo. 

Guoguarim. 

Pasando efte luzar de Dio comefa loguo ha cotta fa- 
ter outra uolca pera dentro , caminho de Cambaya i e nefta 
en;eada eftaom muycos lugares portos de maar, do regno 
de Giizarate : saom lugares de muyto traco , principalmen- 
te Guoguarym qoe he bua uila grande ^e muyto boom 
po'to de maar , honde sempre caregaom muycas naos do 
Milabar e doucras parces pera India, e. tambem uem ha 
eli; muytas nàos de Meca e Adem ; porque aquy se crataooi 
':cajla& mercadorias em tanca abaftan^a comò em Dio. 

Bar- 



Ltvro 05 DxrARTi Barbosa. tyj 

Barbasy« 

Indo asy ha ho longuo da cofta, por dentro della en- 
seada , eftaa ourro lugar c]ue chamaom Barbasy, que tambem 
he muyco bóo porro de maar de muy grande nauega9am , 
em que se craraom muycas sortes de mercadorias que da- 

3uy leuaom pera muycas partes ; por eftes lugares rem el« 
Ley seus goqernadores e arec^dadores de suas rendas , e 
alfandegas que Ihe rendcm muyca fazenda, e grande so- 
ma de dìnheiro de direitos das mercadorias , (i) 

das qaaes saom todolos lugares muyto f^rcos , e abaftados 
de mancimencos, e de muycas sortes de mercadorias que na 
lera se recolhem , afóra outras que uem.de fora. 

Guìndarim» 

Indo mais adiante leyxando Barbasy , eftaa pera den« 
tro huu lugar que chamaom Guindarim , na boqua de hum 
rio, he hum lugar de muy boom porto, em que se trataom 
mayras sorres de mercadorias , porque pelo mesmo rio den- 
tro eftaa ha grande cidade de Cambaya. Aquy uem sempre 
muycas naos doMalabar^ que trazem muyta arequa , quo- 
quos , especiaria , a9uquar , quardamomo , e com oucras muy- 
tas mercadorias que aquy uendem , donde leuaom muyto 
^Igodam , gergelym , panos , criguo , gràos , caualos , ala- 
quequas , e outras muycas mercadorias em que na India se 
ganha muyco dinheiro Ha nauega9am deftes lugares he 
muyco perigosa pera nàos de quiiha , porque eftando so- 
bre amara , desce aqui nefta enseada ha agoa ranco que 
em muyto pouquo espa9o descobre ho maar quatro oa 
sinco legoas , em bus luguares mais e em oucros menos ; 
D e em quanto enche ha maree , enche tam rijo que dizem 
D que hum homem hatodo corernom Ihe pode fu gir. n De 
maneyra que has naos que aquy ouuerem dencrar , hamde 
tornar pilocos da propia cera , porque quando ha maree des- 
cer i saibaom ficar em pousos e lugares que ha hy sabidos ^ 
e muycas oezes ho iicaom em pedras honde se perdem. 



Norìc. Ultramar. N.o VII. Rr Ha 

Ci) FaJta aqui huma palavra no manuscrito « e igualmente na 
traducalo. 



ZyB LiVRO DlDvAKTBBARBOfA» 

Ha fermosa cidade de Cambaya. 

Entrando por Guandarim» qoe he pelo rio dentro » es- 
taa hùa grande e fermosa cidade que chamaom Cambaya, 
que he pouoada de Mouros e Geniios : rem muy boas ca- 
sasy muyto altas , com janelas, e cobcrtas de tei ha ha no- 
sa maneira , muy bem aruadas , com fermosas pra^as , e 
eiandes edeficios , todo de pedra e cai i eftaa astntada em 
bua graciosa e riqua cera de mantimentos : ha na cidade 
erosos mercadores e grandes homeins de fazendas , asy 
Mouros corno Gencios , ha nela muyios oficiaes de oficios 
macaniquos , de sotis obras de muyias maneiras asy corno 
em Frandes , e tudo muyco barato. Aquy se fazem muy 
tos panos dalgodaAi branquos muyto delguados e grosos , 
e outros pintados em fórma , e muytos panos de seda , muy 
tos ueludos baixos pintados , muytos setins auelut-ados e 
tafetas , e muycas aicatifas grosas , hos nnturaes da tera 
saom quasy branquos , asy homeins corno mulheres ; mo« 
faom nela muytos cftrangeiros, e saom homeins muy al- 
vos: he gente muyto polida e acofturoada Jìa muytos boos 
trajos 9 de muy ui90sa uida. , dados ha muytos prasercs e 
uicios ; comem muyto bem , coftumaom sempre iauarem- 
se e untarem*se com cousas muyro cheirosas , trazi m sem- 
pre antre' hos cabelos, asy homeins corno mulheres, flores de 
jasmym e doutras eruas que anire eles ha j saom grandrs 
musiquos de muytas maneiras de tanger e cantar : andaora 
continuadamente pela dita cidade caretas com boìs , e com 
caualos 9 de que se seruem pera careto de todalas consas, 
e outras com hùus leitos de madeira muyto bòos , sarà* 
dos e' cobertos ha maneira de hùacamara^ laurados de 
fermosa macenaria , e com janelas armadas e paramenta- 
das com muytos panos de seda, e alguns com os comosdou* 
rados ; tem fida colcboes , cobenas , e almofadas de seda 
multo ricas ( i ) , trazem careteiro<i homeins conhecidos e 
de confian9a , honde leuaom mulheres ha uer jogoi)s e 
prazeres , cu amigoas sem ninguem uer nem saber quem 
uay denrro ; aly uaom dentro tangendo e cantando e fa- 
zendo tudo ha seu praser : hos moradores defta cidade 
cero muytos uargeis , ortas , e pomares que Ihe seruem de 

boom 

(0 £stas palavras fàltSo Qo manuscrito» e fofSo suppridas da 
Traducglo. 



LxVliÓ Pt DtfÀRTsBAIlBOfi. Ijp 

boom dcsenfAdamento , honde ctiaom muyrai froycas e or- 
tali9as , quc he principal mancimento dos Gentios oue nom 
comem cousa que receoa morte. Nefta cidade se galea gran- 
de soma de marfirn , em obras que se nela fazem moyto 
80CÌS e marchetadàs , e outras obras de tomo , corno saom 
mAnilhas , cabos dadaguas , e em cresados » joguos dem- 
xadres , e cauolas , porque ha hy muy deliqaados torney- 
«os que fazem tudo; e muyros leycos de marfim , de cor* 
no , de muy socis obras , e contas de muycas maneyras j 
pretas , amarelas , azuis , e uermethas , e de muycas co* 
res, que daquy leuaom pera muytas partes ; het aquytam- 
bem grandes Upidarios , e falsinquadores de pedraria , e 
perolas falsas de muycas maneyras » que parecem nacuraes , 
xambem ha muy bóos ouriuezes, de muy socis obras , aquy 
se fazem tambem muy fermosas colchas , e ceos de camas 
de sotis iauores e pìncuras, e muytas roupas de ueftir acoN 
cboadas ; ha tambem muytas laurandeiras mouras, que fa- 
zem muy deliquados Iauores e socis obras. Aqui se laura 
tambem muyto coral , e alaquequas , e coda oucra pedraria , 
de maneira que ha nefta cidade muy primos onciaes de 
todalas obras. 

Limadura. 

Indo mais ha ho dtance defta cidade de Gambaya ha 
ho certam dela i eftà hùu lugar qae chamaom Limadura, 
honde eftà hùa pedra dalaquequa , que he huma pedra bran- 
qua leicenta e uermelha , e dencro no foguo ha fazem muy* 
to mais uermelha; aranquam-na ero muy grandes pedapos , 
e aqny ha grandes meflres que ha lauraom , e furaom , e fa- 
zem de muytas fei96is , scilicet , compridas , outaoadas, re- 
dondas , folhas doliueca » e em muycos aneis , cabos de cre- 
sados , e adaguas, e de outras maneiras : hos mercadores de 
Gambaya has nem aquy comprar pera has uenderem pera 
ho maar roxo , donde hiaom pera has nosas parces pola uia 
do Cairo e Alexandria; cambe has leuaom caminhoDàrabia 
e Persya , e pera ha India , honde has nosas gentes has com- 
praom pera leuarem ha Portugal ; aqui achaom tambem 
muyta soma de babagoure , que nós chamàmos calsadonia , 
que saon> huas pedras de hùas ueias pardas e branquas , que 
eles fazem muyco redondas , e furadas crazem-nas hos Mou- 
T08 nos bra9os^ em lugar Que Ihe coquem na carne , dizendo 
qtse saom boas p?ra guardarem caftidade ; saom pedras de 
pouqoa ualia porque ha hy muycas. 

Rr ii Kcy* 



280 LlVRO DE DVARTE Bab^BOSA- 

RcyneL 

Saindo asy defte lugar de Limadora , tornando ha hcs 
de porto de maar , pasando Guindarìm ha ho diante , ha ho 
longuo da cofta eftaa hùu rio , que defta propta banda tem 
hùu lugar de Mouros que chamaom Reynel que he denuy 



fermosas casas e prafAs , e hù lugar muyto apraziuel e ri- 

Suo, poroue hos Mouros dele tracaom com suas naos em 
4alaca , Denguala , Camarasym , e Peguu , em Martabam 



e Qamatra , em muycas sortes despeciarias , e dragoarias , 
e em muytas sedas , almisquere , Deijoim , porfclanas, e 
em outras muytas mercadorias i tem hos moradores dele 
grandes e fermosas naos , que nefte trato andaom ; e quem 
quizer hauer ha sua mam cousas de Malaca , e China ua- 
se ha efte lugar, honde has acharaa mais perfeitamente que 
em outra nenhuma parte , e de bóo prefo : hos Mouros 
daquy saom riquos , e honrados , branquos, e gencis ho* 
meins , andaom muy bem atauiados , e tem muy fermo- 
sas mulheres , e boas casas bem concertadas , e alfaiadas ; 
nas casas diameiras coftumaom ter muytos parteleiros , ha 
ho redor , e todas cerquadas deles ha ho modo de botiqua , 
todos cheos de fermosas e /iquas porcelanas , de nouas 
feipóes. Has mulheres nom saom enceradas , corno has 
dos outros Mouros , mas andaom muyto por fora de dia » 
negoceando ho oue Ihe cumpre , coro ho rofto descober« 
t0 3 corno has de nosas partes. 

(furate. 

Indo ha ho diance pasando ho rio de Reynel , da oit* 
tra banda eftaa hùa cidnde que chamaom furate ^ pouoa- 
da de Mouros , e pegada no rio ; trataom-se nela muytas 
mercadorias , e he de grande trato : pera eia nauegaom 
muytas naos do Malabar, e doutras partes , honde uendecn 
ho que trazem , e romaom ha caregar do que querem , por* 
que he efte porto de muyto trato , e ha nele muy grosos 
mercadores , asy mouros corno gentios , que cambem aquy 
uiuem ; rende ha deniua , que ne ha alfandegua , cadano 
grande soma de dinheiro ha elRey de Cambaya ; atc^o- 
ra mandaua e gouernaua nela, hùuGentìo por nome Miio^ 
coxim , que elRey de Cambaya mandou macar , pormaa 
enforma9am que dele cene ^ ho qual era muycQ amiguo doi 
Portugueses. C^: 



LlVRO DBDuARfEBAIRBOSA. l8l 

Dinuy. 

Pasando efta cidade de furate , ha ho longuo da cotta 
eftaa hùu muy bóo lugar que chamaom Dinuy » pouoado de 
Moitrcs e Genrios ^ que he cambem de grande traro. de 
maytas mercadorias , honde sempre nauegaotn muytas naos 
do Malabar , e doucras parces* 

Baxay. 

Indo ha ho diante ha ho longuo da cotta , Pasando 
Dinuy , eftaa oucro lugar que chamaom Baxay , de Mou- 
ros e Gencios , de muy bóo porto , que tambem he do re- 
gno do Guzarace y he de grande nauega9am, tratam-se aouy 
muyras sortes de mercadorias , de muicas naos de fflra 
que ha eie uem do Malabar caregadas de muyta arequa , 
quoquos , especiatìas , e ourras mercadorias 9 donde leuaom 
oucras que no Malabar se gaftaom. 

Benamajambo. 

Ha ho drante de Baxay , ha ho longuo da cotta eftaa 
hùa fortalesa delEley doGuzarate, ha que chamaom Bana- 
fl^ajambu } deredor dela eftaa hùu logar de Mouros muy 
gcacioso , de muyras ortas , honde eftaom muytas mesqui- 
tas de Mouros , e casas dora9am de Gencios , ho qual eftaa 
quasy no cabo do regno de Cambaya , que he muyto boo 
porto de maar ^ e de asàs trato , honde ha muytos cosarios 
de hùs nauiol pequenos corno atalayas , que uem ha ho 
maar , e. aclrando qualquer nauio pequeno com que eles 
TOsaom , tomam-no 5 erobant-no, e has uezes Ihe mataom 
ha gente. 

s Firn do regno do Guzarate , e breuè rela;am 
s das mercadorias que ncle ha. b 

B Aquy fas firn ho grande e riquo regno do Guzara- 
B te , e Cambaya , em que ha muytos caualos que dele 
B leuaom por mercadorias ha hos Reis da India, Arabya, 
B Persya , e muytas cotonias dalgododam pera velas , e 
B outros panos dele branquos e grosos • de que uem muytas 
B nàas caregadas pera Arabia , Persya^ India ^ Malaca, Qz^ 

B ma« 







28t t^lVRO DlDlfAKTfBAKBOfÀt 

marra , Melynde , Magadaxo , e Momba^a ; e asy ha oq-^ 
rros pinos piniados muyros e de muytas sorces , coto- 
nias de seda, alaqQe<]uas , olco de^ergelym, eraa lom- 
brigueira , espila etiarde , cotia , cinqaal , anfiatn , anil fino 
de caboleca , e oocro mais bayxo , e asy outras muytas 
dragoarias que nós nom conhecemos , e em Malaca e 
China saom muyto eftìmadas , e cem grande aalia , sili- 
cee , cachopucbo , e muyto encetif o qoe uem de Xaer , 
rouyco criguo , e mtilìo groso , e aros em grande abns- 
can9a , gergelym , graos , chieharos , feijoes , e outros 
muyt03 aligumes , que em nosas partes nom ha , e tudo 
ifto muycò barato , e pera rodalas partes ho leuaom ; ha 
tambem muyta prata e curo amoedado , e poramoedjfi 
has moedas que . aquy corem , he hiìa douro redonda i 
com ietras roouriscas , e ual duzemos rs» pouquo mais 
bu menoi , e outra de prata , que ual sesenta rs. j ha 
hy outro conto por honde fazem toJas suas mercadorias 
que chamaom sedjo , e nom he. mais que ho nome , 
que ual dezouto rs. , e quarorze , e doze , segando hos 
lugares , por que em hùus ual mais eem outros menoS| 
e tambem corem nefte regno amendoas por moeda bai* 
xa , asy corno em outras partes hos buzios pequenos ; 
tambem core aquy ha moeaa delRey de Narsyngua qae 
saom hos pardios, e ualem trezentus rs. poaquo mais 
ou nienos , e ja atras dise sua feifam : seus pesos dou- 
ro e praca , e pedraria , saom maticaes que dous e meio 
pesaom hùa onfa ; rem outros pesos maiores que cha- 
maom candii, que pesaom quatto quintaes* pouco mais 
ou menos segundo hos lugares , porque em hùus saom 
maiores , e outros mais pequenos que chamaom maós 
que saom uinte no candii , ho qual corno diguo pesa 
huu bahar , que he quatto quintaes. a 

Regno Daquem. 

Saindo deftè regno i)o Quzarate indo camtnho da In- 
dia , de longuo da cofta eftaa ho regno Daauem , ha que 
hos Indios chamaom Daquantl ; ho Rey dele he mouro , 
mas muyta parte dos moradores saom gentios , he grani 
Senhor de muyta emoy grosa teraqoe se eftende peto cer* 
tam , asy mesmo tem muytos portos de maar dc^gfoso 
trato , de muytas mercadorias , que se gaftaom na rera 
fyrme , e has cidades e mclhores lugares dele saom hi$ 
seguintes. Chaul. 



LivRo />.B'*DvARTi Barbosa. z9% 



ChaQl. 

E entrando asy nefte regno Daquem , de longuo da 
cofta eftaa hiiu grande e fermoso rio , dentro do qual efiaa 
hiiu lugar que chamaom Chaul , de casas cobertas de pa« 
Iha , <]ue he de grande tcato , honde sempre nos noeses 
de dez.embro , Janeiro , feoereiro , e mar(o , se achaom 
grande sorna de nàos , principalmente daterà doMalabar, 
e de outras muyta^ parces ; has do Malabar trazcm aquy; 
muyta especiaria , arequa , quoquos , muyta dragoaria , ajiu^ 
quar de palma , céra > esroerìl , ho que tudo aqoy uendem 
inuyro bem , e se gafta no certam e no gram regno de 
Cambaya , donde aquy ho uem busquar hos nauios dele , 
irazendo ero retorno muytos algodòes ^ panos , e outras 
mercadorias , que ualem muyto no Malabar j hos zambu* 
quos que^dele uem has leuaom tambem em retorno do que 
asy trazem , e asy leuaom nauyto trìguo , gràos , aros , mi* 
Iho, e gergelym de que aquy ha muyto, e muytas pe« 
gas de beanlhas , e beirames que nefie regno de Daquem 
se fazem : trazeni aquy tambem mercadorias do Malabar i» 
rouyto azougue , uermelham , e cobre que compraom nas O 
feirorias deLRey noso Sor., e ho quintal de cobre uendem 
aquy de uinte cruzadòs pera cima , ho qual se gafta no g 
cercam.', e no regno do Guzirate y do qual lauraom em {;^ 
moeda , e fazem caldciras pera coserem ho aros , e camp 
bem ho crazem aquy hos Portuguezes, afóra outro muyto 
que uem de Meci : defte pono de Dyo leuaom hos Mou<- 
ros de Chaul cadano grande soma de pe(as de beatilhas pp- 
ra touquas , com que trataom pera Arabia , e Persya , hon- 
de tem grande ualia , e asy tenr muyros beirames finos , 
e toquas de Roma , has quaes tres pe9as de pano se fazem 
nefte regno ; dos beirames se seruem muyto hos naturaes 
da tera , e se ueflem deles , trazendoos asycruusj dcpoU 
que hos trazem hos curaom , fazendoos muyto aluos , e go« 
mandoos , e asy hos uendem pera, muytas partea, e por jsr 
to se achaom has ueizes muytos rotos , d tambem fazem 
s. deles deppis de trazidos , capas , ajuntando-os dedoos em 
« doos e pintando-os com fórma de muy boas^ccres , e asy 
s hos trazem &obra9ados por capas , porque efte he ho seii 
» trajo , com huma pe9a de beatilha na cdbejra ; eftas 
9 sortes de panos prendere eles por corjas , que antre eles 
1 he hùu conto de uinte ^ corno qua dizcmos duzia, e ha 

s eoe- 




184 Limo Dv DvAftTE Barbosa* 

9 corja dos b?irames ou beacìlhas ual ha des pardaos,mais 
s ou menos , segundo ha bondade delcs. » Nefte tempo 
tempo que dìgo da nauega9am9 se acha aquy muyta gente 
janca , e he corno Feira , e adabado cada hùu uay fazer 
seus tratos , e auiar*sc pera ha tornada do ano que uem ; 
nefte lugar eftaa hùu Mouro gouernador de hùu Senhor, 
que he uasalo delRey Daquem , e que Ihe daa conta de suas 
rendas , e ISas arccada ; chama-se Xcquc , he grande scr- 
uidor dellley noso Sor , muytoamtguo dos Portuguezes, e 
quantos ha ho porco uem saom dele muy bem agasaihados ^ 

Suy eftaa sempre hùu Feitor, pofto pelo capitam e Feìtor de 
9a pera Ihe la mandar mantimentos, eoucras cousas ne- 
cesarias p?ra has no«a& armadas : hos mercadores que aquy 
uem tracar no tempo que actma digo , hos que saom do 
certam uem por tera , e asentaom aratal com tudo ho que 
trazem,emhù tugar que eftaa de Chanl contra ho certam 
hùa pequeia legoa; trazem eftes suas mercadorias- em muy 
grandes recouas de bois mansos , com suas albardas , co« 
ino caftelhanas , e em cima hùas sacas compridas atrauesa* 
das , sobre que caregaom suas mercadorias , e tras logo 
hùu condfitor que leua uinte , trinta boìs diante de sy. 

. Danda. 

Pasando este lugar de Chaul , de longuo da cofta , in- 
do caminho da India , esftaa outro lugar tambem porto de 
maar e do senhorio Daquem , chamado Danda , honde en« 
traom e saem muytas nàos de Mouros, Guzarates, Ma* 
labaresy corno em Chaul. 

Mandaba. 

Leyxandoefte lugar de Danda , hahodianre eftaa hùu 
rio que chamaom Mandaba , honde eftaa outro lugar de 
Mouros e Gentios do propio regno Daquem , tambem muy- 
to bdo porto , honde entraom muytas naos de muytas 

fiartes , que aly uem comprar pano principalmente do Ma- 
abar , donde se trataom pera aquy muytos quoquos , e 
arequas, que se gaftaom bem no certam easy irazem al- 
gùa especiaria , cobre , t azougae que se uende m^y^^ 
bem aquy ha hos mercadores do cercam. 



Da^ 



Ltviò St Dtf AUTC Barboìa.' * iBì 

Dabul. 

Indo mais ha ho diante pesando Mandaba pera ha In« 
dia , ha ho longuo da cofta eftaa huu muy fermoso rio , que 
na entrada tem hùu grande lugar de Mouros , e Gencios 
do regno Daquem , que chamaom Dabul , e na boqua do 
rio tem hùu baluarte com muyca arteiharia pera sua de-* 
fensam , rem bóo porto de maar , honde nauegaom muy- 
ras naos de Mouros de muytas partes , silicee, deK^eca, 
Adem , e Ormus , que trazem aquy muycos caualos, e do 
Cambaya , Dio , e Malabar , que concinuadamente aquy^ 
tfacaom roda ha sorte de mercadorias , com muytos e hon- 
xados mercadores , que na cera ha muy riquos , mouros e 
gentios : aquy se despede grande soma de cpbre pera hd 
certam , e muyco azougue , uermelham : do certam. uem 
pelo rio abaixo soma de panos que h^s nàos caregnom $ 
e asy muyto criguo, graos, e chichaios, e outros muytos^^ 
aligumes. Ha alFandega daquy rende muyco dinheiro , q^uo 
se arecada pera eIRey por pesoas que eie nela pera iso tem : 
he ho lugar fermoso e bem asencado ; tem hùas casas»co- 
Bercas de paiha, e muy fermosas mesquicas pelo rio den- 
tro , asy de hùa banda corno da oucra , hon Je ha nu^ytoft 
lugares graciosos ; ha cera he muyto aproueit^da , rlquai 
he grosa de muyta lauran9a , e criapm de gados^; aquy 
ueyo ter hùa armada delRey noso Sor , de qùe era .capi* 
(am moor dom Francisco Dalmeida , que entam era Vi«o« 
rey na India , e desembarcando ha gente em tera , hos 
Mouros dela se poseraom em defensam , e pelejar^om muy 
rijamente com eia , honde morèrapm muycos MourQs^ e Gen* 
tios e tomaraom ho lugar por for9a , fazendo neles gran^ 
de escrago^ destruindo e queymando todo , e asy muytas 
naos que no rio escauaom surtas : ha gente que deste des- 
tro9o escapou , lornou ha reformar ha cidade 9 que agprà 
estaa pouoada , e tam prospera corno dantes ^ e riqua , n fa« 
9 quanto mal póde ha hos nosos. t^ 

Cinguifar, 

Pasando este rio de Dabul , indo ha ho longuo da cos- 
ta caminho de Goa , estaa hù rio que chamaom Cingoi9ar , 
que tem dentro hum lugar , honde se trataom muycas mer- 
cadorias , e entraom muytas nàos e zamhuquo» pequenes 
Nonc.UUram. N.° VIJl,:. ' S^ . - d^. 



z9S LiYRO DB Ovante BxutdSA. 

do Malabar ha uender ho qtxe crazem , e comprar oucras 
da cera : he ho lugar pouoado de Mouros , e Gentios do 
mesmo regno Daquem. 

Ho rio de Becele , e lugaret. 

Indo ha ho diante ha ho longuo da cosca peraGoa, 
estaa oucro rio, qae chaniaom deoeteie^ dentro do <]ual 
u^om hQQs lugares pequenos , d^' muycas e muy graciosas 
orcaf, honde se col he muyca cantidade de betele , que ca- 
regaom em peqoenos naaios ) e ho leuaom ha uender ha 
muytas parces , ha ho qual bercle nòs chamamos folio In- 
dio 9 que rem ha foiha camanha corno ranchage , he qnasy 
de sua fei9am , e nasce em hùa aruore corno hera , e cam* 
bem sobe pelas outras aruores, oucros ha deles eniatados; 
nom daom nenhùu fruyco , semente bua folha muyto ha- 
inaticaCi)| que em todas has Indias coscumaom muyto co* 
mtt asy homeins corno mulhefcs , aiy de dia corno de 
noute i pelas pra9as e caminhos d£ dia , e até de noute na 
cama » de maneira que nunqua leyxaom de corner , ha 

Sai folha he mesrurada coni huma poma pequena , qae 
amaom arequa , e quando ha hamde corner 3 primeìro 
b^ ofitaom com hùa cai molhada que he feita de marisquo 
de casqua de mexilh&rns e ameijoas , e ajuntadas asy estas 
duas coasas com ho betele , ho comcm , do qual nom le- 
uaom pera baixo mais que ho sumo ; Fas ha boqua oerme* 
Iha e hos dentes negros : dizem que he esca folha boa pera 
enxugar t conseruar no esromago e miolo , Fas deirar muyta 
nentosidade , mata muyto ha sede » e Fas que nom bebcm 
com eie : deste fugar pera diante caminho da India , ha 
muyta soma dek , e he hua das principaes rendas que hos 
Reis Indios rem ; hos Moufos , Arabios » e Persyos chàmaom 
ha este betele, rambul. Pasando esie rio de Betele indo 
|>ela costa adiante , estaom outros lugares pequenos que 
tambem saoni porco de maar , e do regno Daquem , hon- 
de entraom zambuquos pequ«nos do Malabar ha caregar de 
muyito aros roim que neles ha , e outros aligumes ha hos 
quais ha hu chaniaom Arapatam , ha ho outro Maruary. 



Bams" 



HO Talvoz querer< dizcr aromatici*. 



LlV&O DlDvAftTlBAAB6lÀ^ 387 

Bamda« 

Inio dcstes logares ha ho Ipnguo da cena pera Ooa ; 
«scaa hÙQ rouyto boom lagar qué cnamaomBamda, pouoa* 
do de Mouroi e Gentlos , em ho qual ha muytos mer-* 
cadores qiie craiaom na teca fyrme com ho8 Malabarea ; 
ha esce porto Cfazem C e asy outras nàos de tnuycas par* 
res por ho porto ser muyto Forte , e tei grande saca) 
da ter<> fyroie muytot manti mentos e mercadorias , care- 
gaom aqoy has itàos do Maiabar muyto aros , noilho grò* 
fo, e outros aligomes^ doque haom tntiyto prouciio ; hos 
Mahbares Ihe trazem aquy quoquos , pimenta , e ootra muy- 
ta especiaria e dragparias 9 que aquy uendem muy bero ; 
tambem «em aquy muyiaft naos Dadem , e Ormus. Pttsaa» 
do esre lugar , attere eie e Goa , estaa outro rio que cha- 
maom Bardes , em que esiaom muytos lugarea ^ue nona 
rem nenhù irato. / 

Goa. 

Adiante ha ho longuo da costa , estaa hua muy fermo- 
ao rio 9 que lan9a dous. bra909 ha ho maar, entre hotq«iae8 
se fas hùa ilha » em que estaa ha cìdade de Goa , que foy 
de Daquem , e era hùa senhorio sobr^ sy, com outias ter 
ras deredor dela pelo certam, honde ha hù gram Sor ^ uaaa- 
lo do dito Rey y que chamaom Sabayo • que por ser muy- 
to bom caualeiro , manso > e.esfor9ado na guera Ihe foy 
dado . esre senhorio de Goa , pera daly fazer goera ha el- 
Rey de Narsyngoa , corno sempre fe$ até morte , pola qual 
fiquou esca cidaJe ha ho Cabaym Hydalcam seu olho : he 
abitada de muytos Monros hoorados, tnuytos deles eatran- 
geiros de muytas p<ircidafi ^ eraom honieins branques^ an- 
tre hos quaes , alcm de muy riquos mercadores que hy auia , 
eraom outros lauradores : ha tera por ser muyto boom 
porto , era de grande trato , honde uinhaom muytas nào$ 
de Meca , e da cidade Dadem 9 Dormus , de Cambaya » e 
do Maiabar : ho Hydalcam tinba nela hùu capitam com 
muyta genre darmaa que ha gttardauaom , e ninguem nora 
entraua na liba sienam por grande regimento 1 e recado; 
titiha tamèem atcaides y escnpuàes f e goardas ,. e resista- 
uaom todo ho homem que entraua , escreuendo-lhe que ni 
e donde era , e quancos sinaes tinha , e asy leyxauaom en- 
Uir e saìr ; h^ ha cidade muy grande > de booas casas , heni 

Ss li cer- 



\ 

^^f^^'ni^y^al oaI!\"'''~* » 'Ofcs, ccubclo«,hakoreaor 
J^*^ a*^^' ^c boa P^'^^^fcs , com muy fermosas aiuoics , 
^ ^^r^e^^^^^ » ha *^®^ > ^^^ mesquHas e casas dorayam 
ÒC ^ H« Hydalca '^'* ^^ ^*^^* arcdor muyia aprouciiada i 
^^^^^ -1^' » ho Qu^ ^^"y pn^lc 'cn^la asy de icra corno 
^^ ^iS'r^ncisco O I **°^"^o ho desbarate qoc ho Visorcy 
dom *^ ^omo atra ^^'^^ ^^^^^ dcfrontc de Dìo noj Ru- 
^** ^4^^*^' Rue*!^!*^ ^^^ **ig^r tcnho diio , mandou chi- 
ftiar ^^^«u capita ^^* ^*^*^P*'^*^'*^ » hos quacsIcyxandoMi- 
TOCCl**- ^ Hydalca*^ •*<> fcgno de Guzaraie , se uìcraom ha 
Goa ; ■* ^3p j^jj^ **? hos recebeo muyco bem , determinando 
de Ih^ cornar ha ^^^^ ' ® socoro que ouuescm mister , e 
de hos ^^ercadore '^^®'"^*' ^^^ ajuda de ourros Reis mou- 
f OS , ^ ^j^^ qy^ • a pera fazerem guera has nosas gcnies*, 
de ^*^- cm ha ^f'^^**j""f^ muyto dìnheiro , comcfaraom 
^*j i!a. nosa m*^^ " de Qoa fermosas galc« ebcigantms, 
tudo "* 1^^^ ^^ncira e fci9am , asy muy ta artelharia de 
tcfo * . ^ ^ ^oda ha outra nnuni9am de guera necesa^ 
"* '^^oouauo te^* d^ndo ha rodo lamanha presa, que eti 
e^^Ly grandes?£^ ^'"'^*T ^'^'1^'' ?*"u "*' froca {eira 
grande Pcrfcica.^^"^"* ^^^^^ ^^ rodo ho ncccsaro ei 
flue sahìaom hi! * ® ^^^ '*^ estauaom ja tam confiAdos 
huqoos que n!!* l ™**' ^"^ aralaìas e fustas ha hos zai 
capit^^j dpiij ' hy pasanaom , aue leaauaom segucos i 
*nrain era • ^o%o Sor 9 e Dafonso Dalbuquerque , Q[ 
^«onj . i^j ^^Pitam moor do maar na India , e hos tori 
^^dito j{f^ '**o em muyto crecìmento, foy diso auis3 
j^/'''ar de ^'^^ DaJboquerque, e decerminou de hos ui 
Yen^* car^^^ (^ererm/nafam ; e ajuntando muy bem i 
p^^r^ Aa ^11^*^9 j eg^lii^^ » entrou dentro no rio , e coti 
afcre.f?*^'*' Hi.f ^'dade /»a romou per forf a darmas , no c^t 

n aie '^U t^''90enio h^ minha ten9am de fazer carorìi 

A-iiio^Tar J^^^Ue \rt^rt^ ^^ S"^ «»ais na ucrdade 

^'*^ad«'*'<^Po5^« ii^.^m lugares da India , u mas lon 

''^'^o^ - e '^o/^^^^«^';LJoncro morco muyta gente ^ 

4*?> 6? ^e/.^^ '^.V^^ ^ fras nao. que se Uziaom | 

^Oi- co^f<l/J ^Ofv, V^ ' ^fjrras muytas queimadas -, lo?; 

fP^^t^^y^ .J^ac/^S;. ^ «andò e «enhorio dclRe"; 

J^^^^^n^vi^^a ^?Oi^2^^^a/>^ ^^^rtalccendo-a demuv b<>as f< 




'"• ^^'.y-: 



e 



^/^'o 



*t^ 0>>. ^ *- •*' c»«. "Ci 



■■ ^s^r-' 



o^ 



^s-^. 



^^^^^^^r^ ^^^^ 






o«. 






'^<y:^^^^^o, 












<« *?»* 
** »»,"' 






'^^. 



o >.v, "V 0^ '^^ 



«v""».' i^^^^ 






-*^^* 










k 



W ^9/ Sfc *la L* **" «luando «^ 








299 Litro dkDvautc Barbosa, 

to< deles salai demalhas; hos caaalos muy bem acober- 
ciJoSi coni suas resceiras dapo ì trazem ma9as t macha* 
dinhas » e cada hàu Jaaf espadat , e sua adaga , dous oq 
crea arqios curquesqaos pcndarados da sela , coni grandes 
fr^chas , de maneiia que cada hùu cras armas pera doui 
honeini, quando uaom pelcjar trazem comsìguo suas mu- 
Iheres , sciucfn-se de bois de carga em quc letiaom seu 
filo andando camlnho : muytas uezes tem guera com eU 
Rey deNutyngaa, ha quem tero tomados muytos lugarcs» 
e eie hoi uay cornanJo ha cobrar , e muy co pouquas uè* 
zes rem pis , e moyco mcsos ha tmhaom em uida do 
Sabayo. tìLjs Genclos deste regno Daquem saom homeini 
precos , e bóos de suas pesoas » hos mais deles pelejaom 
sipee , algùi deles acaualo j mas saom pouquos , hos piàei 
trazem espidas e adargas « arquos , e frechas ; saom muy 
bóos archeirot » seos arquos saom compridos ha maneira dos 
Dingalacera ; aAdaom nuus da cinta pera cima , e pera 
baixo cobrem-se > nas cabefas trazem hùas couqutnhas ; 
comcm roia ha uianda tirando carne de uaqua ^ que Iho 
^fende sua idolatria , ha quii eles guardaom muyco,man- 
4aom quando morem quei mar seus corpos , e suas mulhe- 
fes se queimaom uiuas , corno ha ho dtante falarei tra- 
tando do regno de Narsyngua. 

Cintacora. 

Saindo desta cidade ha ho looguo da costa 5 caminlio 
dO'Malabar estaa hùu rio que chamaom Ligua , que he ha 
diuiiam do regno Daquem , com ho de Narsyngua , e na bo- 
qua do rio em cima de hùu monte eftaa bua fortaleza ha 

5[ue chamaom Cintacora , que hy tem ho Sabayo pera de- 
ensam de sua rera , em que tem continuadamente muyta 
gente de pee e de caualo -, e aquy se acaba ho regno L)a- 
quem da banda do norte , que he b* ho longuo da costa 
até Chaol , e teraa desta forraleza pela cosca nooenta legoas. 

Regno de Narsyngua na Prouincia de Tolinate. 

Pasando este Cintacora , iogo ha cera dalem he do 
gnnde regno de Narsyngua , que he tamanho que rem lin- 
eo L'roaincias muy grandes , e cada huma lyngoa sobresy^ 
ha primc*rì Ke ha ho !oi^no da costa acé ho Malabir , que 
chXiTìiom Folinate; outra dentro no ceccam^ que chamaom 

Daft- 



LlVRO DB DUARTS BaRìOBÀ. 1(^1 

Danieàm Rayen \ outra que parte com ho propio regno de 
Nar!;yngu<i , que chamaom 1 elingu ; e ha propia cidade de 
Bisnaga que cliamaom Tanarim > e ho regno de CbarafDan* 
del , cuja lyngoa he Tamul : he este regno n.uy grande , 
rìqiio , e abasrado de mamimenios , e muy grosa teia, de 
muytas cria96cs , e de grandes ailas e lugares , e cìdades, 
Nesca prouincia de ToCinate estaom algus n'os , e lugares 
de porto de maar , eoi que ha grande nauega^am , e se 
tracaom muytas mercadortas , dos quaes come^arei aquy ha 
tratar, e daigùs deles qae se seguem. 

Mergeu. 

Primeiramente estaa no principio desta Prouincia de Toh 
linate , hùu rio muy grande que chamAom Mergeu , hon- 
de se colhe nr»uyta soma daros preto inuyto roim , que Mft- 
labares uem comprar pera gente meuda ^ e ho Icua^m em 
pecjuenos zambuquos , trazendo em retorno quoqiics ^ azei* 
te deles , e muyta jagara , que tudo se gasta muy io beni 
na. tcra. 

Honor. 

Adtante pasando Mergeu ha ho longuo da costa , ea- 
taa outro rio em que estaa hùu bóo logar que chamaom 
Honor j hos moradores del e saom da propia lyngoa da te» 
ra , hos Malabares 1 he chamaom Poni uaram ; aquy trataom 
muyto hos Maiabares , e leuaom dele muyto aros preto, 
corno do que ha em Mergeu , trazem em retomo quoquok 
e azeite deles , jagara « e uinho de palma 9 àt todo em 

> muy grande soma , e cadano uem ha este trato thfinito^ 

> zambuquos asy grandes corno pequenos , porque no Ma* 
n labar se gafta muyco aros y por ser ho seu principal mail- 

> timento. Nefte lugar Donor, auia dous cosairos gentios 
» fauorecidos do Senhor^ da tera , hùu chamaom Timo)a ^ 
» outro Raogy , cada hùu tinha sinco e seis naoa ttiuyto 
» erandes , com muyca e bem armada gente , e sahindo 
s ha ho maar tomauaom. quantas naos achauaom por eie 
» (nom sendo deMalabar), e has roubauaom de quanto 
» leuauaom , leyxando ha gente uina ; do ronbo partiaom 
a com ho Senhor da tera por Iho consentir , e difto ui» 

> uiaom , eftando muy riquos e areìgados na tera : craom 
a naturaes do regno Daquem , donde se uìersom ha cfie luw 

> g^r j por nom eftarem sogeitos antre hos Mouros , ho& 

9 quaea. 




2pS LtVKO DI DvÀATV BauBOSA; 

Il (]uaes se desfizcraom , e nom ouzaraom mais andar da- 
» quela maneira depois que has armadas delRcy tioso Sor 
» nauegaraom pelas partes da India, 

Badcala. 

Indo mais ha ho diance ha ho longuo da cosra , pasan- 
do ho rio Donor , escaa oucro rio nom muyto grande , que 
tem hùu bóo lugar que chamaom Baticala , de muy gran- 
de traro ds muycas mercaJorias , he pouoado de Mouros 
e Gencio; , que todos saom muy grandes mercadores; ha 
este porco uem cadano muycas naos Oormus ^ caregar de 
muyco aros branquo , a9uquar em poo , que ha cera daa 
em muyra abascan9a , e nom ho sabem fazer em paes , 
ances asy em poo ho enfardelaom em hùs fardos pequenos ; 
ha aroba do qual ual ha duzencos e corenca rs. pouquo 
mais ou menosi e asy caregaom muyco fero, de manei- 
ra que escas cres sorces de mercadorias saom ha prlncipAl 
caregafam que aquy romaom , e depois alguma pimenta » 
especiaria, que hos Malabares aquy crazem da India: ha 
neste lugar muycos e bós miramulanos ,^ e fazem aigùs 
deles em conserua , pera ucnderem ha hos Mouros Dara- 
bia e Persya , que hos compraom muyco bem. Escas nàos 
Dormus , que comò diguo uem aquy cadano, crazem muy- 
cos caualos I e muycas p;;rolaSy que aquy uendem pera ho 
legno de Nirsyngua i agora per caso da nosa gence , hos le- 
uaom ha Goa com outras mais mercadorias. Aquy uem 
tambem ha esce pono caregar despeciaria aigùas nàos de 
Mouros de Meca , auenrurando-se,sem embargo de ser de- 
feso pelas ordena96es e regimenco de nosas gentes ^ hos 
zambuquos do Malabar uem caregar aquy cadano de fero 
e' a9uquir , crazendo muyco a9uquar de palma , quoquos , 
e azeice deles., e uinho de paLmeiras , muvca pimenta , e 
algiia oucra dragoaria , que leuaom escondida muy secreta- 
mence , e oucra com licen9a dos capicaes das fortalezas 
nosas : he esce lugar muy riquo , rende grande soma de 
dinSeiro ha elRey , e ha ho gouernador que eie nele rem 
pouo que chamaom Damachace , que he hùu Mouro muy 
riquo de grande dinheiro, e grande pedraria e muy fer- 
mo^a ; elR.ey de Narsyngua ho rem dado ha hùu seu sobrì- 
lìho , com oucro; muyros ha ho redor dele , que he gram 
Senhor e cras muy grande casa , chama-se Reimas, obe- 
à^co em cudo ha ho de Narsyngua seu ciò , e na cera 

obc* 



Livno D« DvAKTS Barbosa. 2p^ 

obedecem canto ha ho gouernador corno ha eie : usam-se 
aquy muytos desafios , e por (]aat<]uer cousa hos aceiraoni , 
eeIReylhes daa pera iso licenfa, enomeaotn hos desafia- 
dos ho dia em que ha de ser , e has armas que hamde 
leuar hamde ser por medida , tam comprida de hùu corno 
do outro : eIRey Ihcs daa padrinhos e campo y e dado 
eles o^om nuus , somence cobertos da cinta pera batxo 
com hùs panos muyto encachados , com muy alegre ros- 
to ; e fazendo primeìro« sua ora9am se come9aom ha fé- 
flr , e corno uaom nuus em pouquos golpes se acabaom 
em presen9a delRey e de roda ha corte, e ninguem Ihes 
pode -falar ha ho tempo de ferir, senam hos padrinhos que 
cada hùu estaa ha par do seu > e he isco tam acostuma* 
do antre eles , que cada dia se mataom. Aquy se soy- 
aom pagar pareas ha eIRey noso Sor , de pouquo tempo 

Sera qua nom pagaom , antes nos fazem ho dano que pò- 
em 'j estaa este lugar asenrado em huma tera diaa , bem 
pouoado e aruado , mas nom he cerquado -, rem de redor 
muyto boas ortas , e graciosos pomares , e boas agoas : co» 
rem nele hos pardaos , que he ha moeda douro do regno , 
e ualem aquy ha trezentos e ointe rs , e ha outra moeda 
de prata que chamaom dama , que ual uinte rs : seus pe- 
sos grandés saom bahares que pesa cada hùu quatro quìn- 
tacs , corno jà dise : aiem das mercadorias que acima digo 

Sue se aquy trataom , se guasta tambem muyto cobre que 
aquy leuaom pera ho certam , pera moedas , e caldeiras , e 
outros uasos de que ha gente da tcra se seruei uende-se aquy 
tambem muyto azougue , uermelham i coral , pedra hume » 
marfim que aquy ual muyto« 

Majandur. 

Mais ha ho diante ha ho loiiguo da costa , caminho 
do Malabar , estaa outro rio pequeno em que estaa hùu 
bóo lugar chamado Majandur , e he do s^nhorio deBatica* 
la , onde se colhe grande cantidade de %uyto bóo aros , 
daquy uai casi codo ho que se carega em Baticala : de re- 
dor deste lugar ho semeaom em uales e uarzeas alagadi- 
Jas I porque em agoa se semea , e nela se colhe ; lauraom 
a itera com bois e bufaros ha nosa maneira de dous em 
dous , e ho fero do arado tem hum uam em que leua ho 
^cos quando bacerà estaa alagada, e indo ho Fero lauran- 
ào , uai ho aros ficando debaixo dagoa e cera j na que 
iVbwV. UUram. N.° VII. Te cs- 



294 LivRo DB DvAuvE Bariosa. 

estaa enxota ho semcaom ha maro , e ctdano daa esca ce* 
ra duas nouid^de» > ho primciro ke giracal, e he nRcIkor, 
bo scgunclo he chamado acal , ha ho oau9 cKamaom ^aua* 
gas 9 ho oucro pachary , e cada kùu teoi mayco diferente 
pref o« 

Bacanor e Bracalor. 

Hhido mais ha ho diaiite , pesando Majandur , ha ha 
longoo da cofta cftaoni dous rìos mquenos , cm que eftaom 
doDs lagares ; ha hum chamaom Bacanor , e ha outro Bra» 
calor , ^ne saom do regno de Narsyngua acila provincia 
de Tc^inate , Ha neles muyto bom aros , que se cria de 
fedor deles , e se caregaom dele muytas naos de fora e 
moycas do Malabar , e Icuam no depois de debulhndo e 
liiupo, aiecido em fardos da propia p.^lhadele, todos saom 
de hiuna medida, ara cacta hàu quacro alqueires e mcioy 
e uale eada hùo cento e siiicoenca , e duzenios rs. segundo 
hacalidade doaros; moyca sonu dele se leua caiDbem da» 
^y peraOrmui , Adem, Xaer , Cananor, Calecuc , ha tro- 

So de cobre, e quocfuos , azeice deles , e iagara , mas no 
alabar se gafta mais dele que em nennùa parte , por 
hos Malabares nom tesemi curro mantimenco , e pofto qae 
ha cera he peqoena , he tam pouoada e chea de gente , que 
bem podiamos dtzer rodo hùa cidade » do monte Dtiy atc- 
Coulam. Mangalcr. 

Passaéhs os dous bigares^ sohiditos , acba-se bum rio 
grande e muito formose que desagoa no mar , e jnnto d cos- 
ta para omeio dia està hum Ingar mnito grande, peyoado 
de Mouros e Gentios do dito reino de Narsynga , o quat 
tem por nome Mangalof ^ e nelle se carregio muitos navm 
de arros preto que be melbor e mais sadio que nao o bratt- 
ro, para vender no paiz do Malabnr d gente baixa , (jnt 
tem por pre(io mais ammodo \ c/irrcga-se igualmente o di- 
to arroK em tJMiftc^n/rWos de Atomos para jtdcm \ e em as^ 
terras daquì por fìante principia a produzir se algnma pi- 
menta porém poma , mas melbor do que a omra , isto be * 
do que aqmìU que aqui trazem os Malabares em peaucn» 
htrcas. Este rio be nurìta ameno , e bello , cbcio de bcsgnes 
èe pMmenas^ , de eocos , e vmito babitado for Gtntios *, / 
Mouros , eom edijkios sumptuosos e muitas easas de oraiS» 
de Gentiof muito srandes , e ricas y tem tambem muitas nts^ 
tìuitas em bonra io seu Mafoma. 
^ • Cu»- 



Cumbola. 

Hi longno da cofta , caminho do MaUbar , eftaa ou- 
tro lugar defte propio regno e proiiiiicia , qnt chamaom 
Cumbola i colhe-se nde muyca cancidade daros preto may- 
co roim , que boa Malabares Tem comprar , e caregar em 
zambuquos , pera irender ha gente meuda qne ho com- 
praom bem j e elea ganhaom nele muyio por ser tnuy- 
co barato , e se ganha nele mais que no bóo : tambem lc« 
uaom toma dele pera has iihas de Maldìua , que cftaom ha 
craues do Malabar , por hos moradoret delas serem Mourot 

Etouts 9 e foigarcm maVs com eie preto por set de mais 
aixa uaiia y que com ho branquo *, damiho ha trooqiio 
de Cairo , que he hùu fio pera fazer caiabres e cordoaiha , 
que se fas de casquas de qtiouc|ao9, e aquy se ÌA9 muy«- 
to, e he muy cerca mercadotia pera rodala) parres : eftt 
lugar de Cumbola tem hiiu senhor que ho manda t go» 
uerna, pofto por elEley de Narsyngua , e eftaa fronteirò 
com ho regno de Cananor , e aquy se acaba ho regno it 
Narsyngua pela cofta da prouincia de Toltnate. 

Do propio regno de Narsyngua, e sua grandeza; 

Indo mais ha ho tongì^ 'da cofta , entrando pera ho 
cenam , ha quìnze ou uince iegoas do maar , eftaa hùa tera 
muy alca e fraguosa de subir que oai des ho comedo do 
regno de Narsyngua acé ho cabo de Comorim , qoe he 
além da tera do Malabar, e aquy pota tera de Tolinarc fi* 
caom muytas teras batxat ancre ha sera e ho maar , e di* 
zem hos Mo4iros' daouy que antigvamettte ho maar cheg»- 
"Oa ha efta sera, eèfte baixo era rodo coberro dele ; e que 
depois foi por tempo corendo, e descobrio efta ceraem qoe 
«les uioem , e ainda agora ha ho longuo da sera pare;ea 
«Duytos sinaes demarisquo edootràs coofas de maar, cono 
•e eie em algum resnpo aly chegase : deft» sera por diaria 
te, pera tras be ha tera muyto chfei e igual , e deftoutra 
i»anda he tam aspera ha subida , qncparece ir*se ha ho Ceo^ 
t um fragooea qite nom podem ba^ gencer pasar eenam 
V^ aisus logaves e portos , e por efta razam- eftaom hos 
Mìs do Malrabar tan iseneos me , sé nom fora ho empel- 
dinseeto deÀà sera , eIRey de Narsyngtia hos liuera jà co^ 
iMdos , porque hai (tra 4o M^l^^^ ^^ àefU sera per^ 

Tt ii ho 



1^6 Lituo obDuartbBaiibosa. 

ho maar , e por iso nom podem pasar ha eie ; cria-se nela 
muyta mjdcira , e muycas alymarias monteses , silicee, 
porcuos y ueados y on9as , leopjrdos , cig;rcs , e usos *, ha 
tatiìbem hùas alymarias cinzentas 4t*e parecem camelos , 
tam ligeìras que ninguem has pode matar ; ha ouirosy 
hùas cobras que uoaom , e Cam pegonhcntas que ho ba(o 
e uìfta detas mnta ha quemquer que ha elas chegua , e 
eft)S andaom pousando por aruores, e por honde qutrem; 
•e ha tambem muytos alifantes brauos : acha-se tairibem 
aquy muyca pedraria , jagon9as , amatiftas , e hùas 9aiìra8 
moies que se achaom antre rìbeiras, e rios que por efia 
sera corem , qu;* he muy pouoada de rios. Tem cfte re« 
gno de Narsyngua muy grandes eidades , uilas , e lugares, 
e fonalezas i ho ha tera de muy grandes lauouras daros , 
gràos , feijócs , e ourros aligumes , ha tambem grande 
cria^am de cabras , uaquas , eouelhas; e ha tambem muy* 
tas faquas pequenas , que andaom muyro , e asnos ^ e bois , 
dos quaes todos se seruem de caregua , e pera fazercm suas 
lauouras : todos eiles lu^ares , e pouoa; oes saom de Gen- 
cios anrre quem utuem algùs Mouros i aquy ha muytos la* 
eares deSenhores que hos tem por eiRey deNarsyngu», 
ho quii nos seus rem poftos gouernadores ^ e arecadadorcs. 
seu^ e de seus direicos^» 

; Ha grande cidade de Bìsnagtta. 

Ha corenra legoas defta rem pera dentro , conrra bo 
eercam , eftaa hùa muy grande cidade , que chamaom Bis- 
naga , pouoada de muyta ingnda gente , cerquada de muy 
bóos muros , e de hùu rio , da: ourra banda • de hùa grande 
•era; ellaa asentada emhna tera muy chaa , e nela eftaa 
sempre ho Rey de Narsyngua , que he gentio e chama* 
se Rayen ; aquy tem hùs grandes e fermoso^ p^os em 
que sempre se apousenta , de muyros pateos e grandes ca- 
sas muy bem lauradas , dentro grandes cereiros , muytos 
tanqges daguoa em que se criaom muytos peixes , tem 
jardins de muytas aruores , e rheirosas eruas ; pela cida- 
de ha tambem algùs pa9os asy ha maneira dtltes , em 
Sue uiuem -grandes Senhores , e gouernadores da cidada- 
e ; has ontras casas. da pouoa9am saom cubertas de pa- 
IHa , mas nem por iso leyxaom de serem muytobem con- 
cerradas , e aruadas de muy comp ridas tuas , e de grani^es 
prj(as j e coocinuadamentc he aquy ha (ente tanta que rom. 

ca- 



LivRa DB DvARTS Barbosa. lt)ry 

cabe pelas ruis e pra^as : ha grande traco de muytos infi« 
nìtos mercadores e grosos » asy dos eftances e que uiuem 
na (idade e saom deia naturaes , corno dos que ha iso 
uem de tcra , e dilhes eIRey tanta liberdade , i^ue todos 
poJ:m entrar , e sair , e uiuer em sua lei , sem Ihe ser fei^ 
to nenhuu nojo , sem the romarem conca se he Xpam , se 
Julcu , se Mouro , e Gentio : aquy Ihes he ha tcdos guar- 
d.i'ii muyca uerdade e jufti9a, asy hùus ha hos outros, co- 
rno pclos gouern)dores : ha aqoy hùa mina de disiuantes , 
corno ha do* regno Diquem , de c]ue se ciraom n uytos e 
bóos \ de Peguu , e Ceilam Ihe rrazem aquy ha ucnder roda 
outra pcdrarin , e Dormus Ihc irazem muyto aijofar , e 
perolas , e core cfta peJraria mais aquy que em outra ne* 
nSùa parte, porque antre eles he muy cftìmada ; taynbcm 
se gutfta nefla cìt^ade soma de broquados baixos que laa 
uaom uender da China , coni mera) laurado e por laurar ^ 
muyto cobre , azougue , uermelham, a9afram , agoas rosa- 
das, soma danfiam , sandalo , lenho aloes , canfor , almis* 
quar (de que se aquy guaft-i cadano muyta cantidade , por- 
que se coftumaom eles untarem se com eie ) e outros ma* 
t rjaes cheirosos ; rambem se guada ntfta cidade e por io* 
dalas outras p.irtes da regno mtiyta pimenta , que oem 
aquy ter do Malabar em oois e em àsnos ; tudo ifto se 
compra e uende por pardaos , (^ ) que nefte regno se fa- 
zem em aUùus iugares dele , principalmente em hùa cida- 
de qué' ch.imaom Hor.i , donde eles Ihe cham^'om ho* 
ràos , cuja ualia e fei9am em muytos iugares ^rras fiqua 
deciarada , saoni hos daqui muyto uerdadeiros e nunqua 
nenhù se achou falso, nem se acha , e c'os outros muy- 
tos ; muy pou-as u?zes sahe eIRey fora dtfta cida- 
de , uiue mia muy u'90samente stm nenhùu trabalho» 
porqoe descaregua teda ha gouernan9a io rcgro sobre seus 
gouernadores j ho? propio^ naturaes da tera sacm gen- 
tios comò eie , saom homeins ba90^ quasi branqcos , de 
cabelos compriJos , coreJio^ , e pretos y saom homeins 
de boas efttcuras qnsy d^s nosas pHylosomìas , suas n u- 
Iheres and^om muy bem arauiadas , hos homeins i^ndaom 
oeftidos de hùs p.mos da cinta pera baixo , ccm muyras 
uol» 

(a^ bsccf pa< du()<s , tfi« a Tri» d Iti f So f valem ttciciiins inarate* 
dÌ5 ; e o ouro he baixo , e a fórma da moeda rcdonHa ; algi'n as 
tem de hum lado letra« Indianas , e do outro dua5 firuias hun^a^ 
de home.li outra de mulher , oucras fiDalnieute uSo tem seoao le^- 
iMs de hum lado» 




tpB LivRo D« DvAiiTf Barbosa. 
volcas may bccn apercaios , trAzem buas camitas cortai ̀ 
pano braa4uo dalj^oJim ou seda , oo brocadilho quc Ihe 
daom pelo meio 4as coxas , e abertas por dtanre coni huas 
couqainhas oa cabefa , e deles com bus bareces de seda 
ou Dfocado , coni suas tbarqoas nos pois 9 rrazem oatrot 
panos gcanies sobri^ados ha maneira de capas» crazem pa- 
jens deccas com suas espajas nas maos : hos maceriaes com 
que sempre aniaon nntadps saom sandalo branquo , aloes , 
i;anfor , almiiquar , e a9afraai , cudo muido e delido em 
agoa rosali , • uniam-ae com eles depois de banhados » e 
asy andaon sempre muyco <heirosos; irazem muytos aaeis 
de rìqua pedraria , e muycas joias nas orelhas de finas pe* 
rolas ; ale. 11 do paje que d<go que crazem com bua espa* 
da I rrazem ouiro com bum sombceiro de pee qae Ihe 
fas sombr4 $ ^ l^^ rolke hs chuoa , e deftes saom algis 
de panos di; seda muy bem laurados , de niuyios penden* 
ces douro , com muyca pedracia e aijofar i saom feiios de 
tal maneira que se abrem e eeraom , moycos deles f&- 
^ zem de cufto crczentos e quatrocentos cruzados ; kas mtt« 
S Iheres crizem hùi patios branquos dalgodam muyto del- 
>^ guado » ou de seda de boas cores » e de stnco uaras em com- 
^ prido , e parre dele cinge da cinu pera baixo , e ha outra 
Si uolca lan94m-ns por cima Je huu ombro , e pelos peicos ; 
de maneira que hu bra9o e ombro Ike fìqua de fora, ha 
sn^neira de reguacko ^ cal9aom abarquas de couio laura- 
das muyto bem de sedas , crazem has cabe9as descober- 
cas 9 e hot cabelos apertados , e fetcos deles bua formosa 
crunfa , quf Ihes fiqua em cima da cabe9a , e por elas 
mecidas muyias e cheirosai flores : crazem em bua das uen- 
tiis do) narizes hiìu pequeno buraquo , e por eie metido 
hu Bo JoufO t com hu pendente de hùa perola , 9a6ra , ou 
ruby i cambem crazem nas orelbas Furadas eom orelheiras 
douro nelas com mnvca pedraria , ha ho peseo90 hùs co- 
larinhos douro e pecfrarìa j |uftos nes bra9os muytos bra- 
celcces douro e pedraria, e muy boas concas de eorai , asy 
que pela miyor p^uce he gence muy riqua : enstnaom ha? 
mulhères de meninas h^ eancar» tanger, ballar, euolcear, 
e Fazer muycas lìgeireaai, saom muy fermofias mwlheres, 
e de grand: presun9am : ho Eley e gences da rera casaom 
quisl ha nosa maneira, e rem tei de casarnenco , porém 
casaom com muycas mulheres , principalmente hps gran- 
de! que h^s poJcm mancer^ cem elRey oos pa9os aquy 
consigo muycas mulheres recebidas t ^hai de grao^es Se<* 



Livno deDuarte Barbosa* 2pp 

ithores do rcgnc , e aleni ckftas rem oocras cciTìO mance- 
bas , e oiKra9 corno setoidoras , pera ho ^ue saoin cscolhi- 
àstsfc^ ffgfio has rviaìs ferinosas , e sàas 3 (]ue liiYtpamen- 
te ho posaem seru^r , porque rodo seu sfrutto he de mu« 
ìhtTc^ , e eh» ho seruem em tudo» das portas pera den- 
tro , e elas tcm todos ho> oftcios de sua casa , te tod^s 
se rccolhcin dentro nos pj^ ce 3 honde Sfom abafiadas de 
quamas coutas haom mifter , e rem nìuyto bccs apcuscn- 
tamencos; efla» •tan'geni , e carnai; m , e (azem m\\ praze- 
res com iso ha elRey, banham-se rodas cada dia eirt muy- 
tos r»m}ves <]ue eie corno acras diso pera iso rem , eiRey 
has uai «er ha ke bankar , e ha qoe Ihe melh^r parece 
matHla leaat pefa sua c^mara : ho primeiro 6Iho eoe ha ^ 
qoer se^a de huia quer de outra , erda ho regno : na can^a-^ 
nha inueja e comperinivento a^nrre eftas mulneres , sobre 
ha pfiiiaii9a delRey , que se matao'm hùas has outpas , e 
ourras ha sy mesmas coni pefonha j rem ho dito Rey hùa 
casa corno rola^am , em que certos dia^ eflaa com seufli ^ 
gouernadores e ofìciaes enrendendo nos despachoS' e go« 
uernaDfa do regno , caftigua muy asperamente quem no» 
merece , e ha bos bóos fas muyra« honras e mercès. Achan« 
do al gnu. grande Senhor 011 seu parente culpado em algùir 
delicro , mandao chamar, e corno eles toc^os trazem mv^y 
grandes efliados , uem em riquos andores que Ihe trazenv 
seus uasalos , com nìuytos caualos ha deftro, e com muy- 
ta gence de canaio , e decido ha porta do pago , iiaoii> 
dizer éele ha elRey , qiae ho manda entrar 3 e nom Ihe 
dando de seu ero jufta desculpa , caftiga-o de palauramuy 
bem s^giindo merece , e além diso Ihe tira ha merade da 
renda que rem , e nem por iso ho leyxa de irandar tara 
hotuadametire corno ueio pera sua pousada 3 e asy eflaom 
sempre ha porrà do pago muytos andores e gente de ca- 
naio; efte Rey de Narsyngua rem contìnuadamenie maig 
de nouecentos alifanres , que compra ha mil e quinhen- 
tos cruzados , e ha dous mil cada hùu , que saom 
muy grandes e Fermosos , hos quaes eie continuadamen^- 
re trsks comsigo asy por eftado corno pera guera , e asy 
de i>inre mil caualos pera cima , que cada huu ihe cus- 
ra de quatrocentos are seiscentos cruzados , e algus que 
saom escolhidos pera ha sua pesoa compra ha nouecenros' 
e ha mil cruzados ; eftes caualos se repartem por gran*' 
desSenhores, ha quem hos eIRey daa pera hos rerem de 
sua malli) e ha rodo ho tempo Ine darcm conra deles , e 

asy 




^00 Livro dsDi/arte BaEB0SA. 

asy hos daa ha outros fidalg03 « ha hos caualeiros mandi 
diar ha cada hùu hùu canaio pera sua pesoa , e hùn ino* 
;o , e escraaa pera ho servirem , e quatro e sinco pajrdaos 
cada mes segundo he , e mais manrimento cada dia pera 
ho caualo e mo90 , hoqual uaom buscar ha hiìas cuzinhas 
grandes , h^nde elRey manda daar de corner ha hos alifan- 
ces e caualos , has quaes saom em muycas e may gran- 
des cas:u , honde ha muycas somas de grandes caldeiras 
de cobre , e ha nelas muyros oficiaes que mandaom fazer 
de corner , e muytos mais que ho fazem , que he aros co- 
2ido com muytos graos , e outros aligumes , e cada hù 
corno digo manda aly pela re^am ha ho seu caualo , ou 
al i fante : se alguu caualo, ou alibnte deftes uee que me- 
draom bem , na mam daquele ha <]ue Foy entreguc, to- 
mam-lhe aquele e dam-lhe oucro pior , e asy cada hùu 
por ter bóo caualo ou alifante , pensaos muyto bem , e 
outro canto corno ifto fazem hos grandes Senhores ha seus 
uasalos : hos caualos nom se diom nefta cera bem, an- 
tes uiuem nela muyto pouquo tempo , e eftes que aquy 
ha uem do regno Dormus e Cambaya , e pela muyra ne- 
cesidade que deles cem ualem aquy muyto ; cem ancre 
caualeiros e piàes efte Rey de Narsyngua mais de cem mil 
homeins de guera ha que concìnuadamente pagua soldo , 
€ sinco ou seìs mìl mulheres ha que tambem ho pagua 
pera andarem em sua corte j e honde quer que ha gueras 
leparteas segundo ha gente que laa manda , e dis que se 
nom pode tazer guera honde nom ouuer mulheres , bas 
quaes codas saom solteiras , e mny grandes musyqoas , 
bailadoras , e uolteadoras , ho que fazem muy dezenuolca- 
mente. Hos oficiaes da guera quando pera eia asentaom aU 

Sum homem i despem*no nuu , e olham«lhe quam compri- 
o he , e corno ha nome , e ha tera honde nasceo , e ho 
nome de seu pay e may , e defta maneira fiqua asentado 
aem nunqua mais Ihe quererem daar Itcenfa pera se ir ha 
sua tera , e se aconcece irse sem licen9a , e depois ho 
tomiom he muyto maltracado ; € entre estes bomens de ar^ 
mas ha muitos cavalleiros que vem assoldadados de differen- 
tes Reinos , os quaes nem por ho deixao de viver na sua Ley. 
"Ncfte regno de Narsyngua ha tres leisde gentios , que 
cada hùa delas cem muyca diferen9a de lei sobre sy , e 
ourrosy hos coftumes deles saom muy desuiados hùus dos 
outros , principalmente hos dos Reis, grandes Senhores » e 
caualeiros ^ e homeins darmas , que podem casar corno 



ja dise com quantas mulheres quizerem e poderem . niAn* 
ter, seus filhos erdaom suas fazendas 9 has mulheres saom 
obrìgadas por tnuy antigo coftume , quando hos maridos 
morem queimarem-se uiuas com hos seus corpos deles qae 
Ccimbem se queimaom , e ifto por Ihe fazerem honra , e 
' se hi tal mulher he biixa e proue , quando ho marldo 
more , uay com eie ha ho campo honde ho queimaom , 
que he em hùa coua quc fazem muyto grande , em que 
arde soma de lenha , e depoìs de ho corpo morto do ma- 
ndo ser deicjdo dentro, e come9ando de se queimar, por 
sua propia uontade selan^a no meio da dita fogueira , hon* 
de ambos hos corpos se tazem em cinza ; porém se eia he 
roulher honrada, riqua , e nparentada , quer seja mo9a quer 
uelha , quando ho marido more , uay com ho dito corpo 
do marido ha ho dito campo honde se ha de queimar , 
pranteando o , honde hzem hùa muy grande coua redonda 
e muy iargua , que enchem de lenha com muyto sandalo ^ 
e depois de ha acenderem , metem ho corpo morto do ho- 
mem dentro no foguo , e aly se queima , e eia ho chora 
muyto; entam querendo fazer honra ha seu marido , tem 
chamados todos seus parences dele e dela , pera que em 
tal auto ha uenhaom feftejar ehonrars hos quaes se ajun- 
taom todos no dito campo pera efte prazo , honde eia 
despende com eles , e com seus parentes , e amiguos cu** 
do ho que tem , em muytas feftas de tanger , e cantar ^ e 
baiiar , e em muycos b^nqneces ì entam se uefte eia muy 
riquamence com quantas joias tem , e ha mais fazenda que 
Ihe fiqua reparce com seus filhos , parentes , e amiguos ^ e 
asy araiada sobe em cima de hùu canaio, que sera rugo 
pombo se for posiucl , pera que melhor seja uifta de ro- 
do ho pouo 9 e em cima dele ha leuaom per roda ha cida- 
de com muyta fefta , até tornarem ha ho propio lugar hon- 
de ho marido se queimou , e na propia coua ihe iangaom 
muyta canridade de lenha , e fazem grande fogueira na 
borda da coui; aredado hùu pouco fazem hùu cadafalso 
de madeira de quacro ou sinco degraos , honde ha so- 
bem asy da maneira que eftaa , e tanto que he em ci- 
ma daa por elle rres voltas , adorando contra ho nasci- 
mento do Sol , t acabado ifto chama hos filhos , paren- 
tes , e amiguos , e ha vcada ham daa sua joia que comsi* 
guo tem muytas, e asy todalas outras pe9as e ueftido, 
atc Ihe nom ficar mais que hù pequeno pano com que 
se cobre da cinta pera baìxo , e tudo ifto fas e dis tam 
Jl^th. Ultr amar. N.° VII» Vv se- 



)02 LiVRO dkDvaute Barbosa, 

segura e com tam beo roflo , cott.o se oom ouucsc de no- 
ler , encam l'i? ha Kos homeins a^y de ciira do cad«*f. Iso, 
que olhem quanto deoem ha su:s nulhcrch , ()ue eflando 
ero suas liberdades stt qucimaom uiu^^s por .imor deles , e 
has mulheres dìs que uejaom quanto deucm ha seos ma- 
fidos , quc daquela maneira hos ham daconpanhar acé 
morte; e corno ifto acaba de diztr , metem Ihc namam hùu 
cantaro cheio dazeite , e eia ho poem na cabe^a , e dando 
com eie outras tres uohns no caJ.ifaiso , torna ha adorar 
contra ho nascimento do Sol , ian9anco loguo ho canta- 
ro dazeite na fogueira , apos ho qual se lan^a de tam boa 
uontade, corno 8eselan9ase em hùu pouquo daigodam hon« 
de oom houuese de receber damno ; nos parentes Ihe aco« 
dem loguo , e deìtJom no foguo muytos cantaros d^zeìte, 
e manteiga , que pera ho tem preftes , e apos eles nr.uyca 
lenha, e com ìso se aleuanta tamanha lauareda que nom 
uem mais , ha cinza que deftas ceremonias iìqua , se lan9a 
em rios corentes ; ho que elea usaom geralmente stm ne« 
nhùu pe)o j por cousa muy acoftumada , e has que ho nom 
fazem temno por muy grande deshonra , e seus partmes 
Ihe japaom has cabe9as , e has deitaom fora por muy en* 
uergonhadas e coridat de sua linhagem , e ha aigùas quc poi 
ho nom fazerem , querem daar algùu fauor , mttemnas sen« 
do mo9as ainda em hùa casa dora9am , pera neia por $eu 
corpo ganharem pera ha dita casa : dcfies lemplos ha ir.oy« 
tot que tem loguo destas raulkeres. cento e mais fidalgas^ 
e algùas solteiras se metem aquy tambem por suas uon- 
tades , has quaes saom obrigadas ha tanger e cantar <iian« 
te dos idolos ceitas oras do dia, e ho mais coten^poque 
Ihes fiqua ganhaom pera eUs : he cfte abominauel uso do 
queimar tam acoftumado e honroso aniieles , quc quando 
elRey more 5e queìmaom* cojn eie quatrocentas e qui* 
nhentas mulherts da propia maneìra , pera ho que fazcm 
ha coua e ha fogueira tamanha, que posaom nela cabei 
quantas nela se quizerem deitar ; e pera iso tem asy 
preftes em muyta abaftan9a Icnha de sandalo, aguila^ 
brasyl , aloes , e muyta soma dolco de gergelim , e man- 
ce iga pera fazer melhor arder ho foguo ; destas molhe- 
res huas «e lan9aom supitamente , eftando elRey arden- 
do , outras com has ceremonias que )a dise , e ne tan- 
ta ha presa ha quem se com eie queimara , que he 
xousa espantosa , e tambem se queimaom com eie muy^ 
ctos homeins seus priuadof» Efies c^acm carnea e pesca- 

flOS^ 



Lrvio DI DtTAitts BjiiiBOiA« ;c; 

dot , e mtns uiaticUf , goinenre uic|tia qae Iho iefend^ 
&ua tdoUtria peruersa. Ha anrreles outra leyde gemes que 
chatnaom Bramenes que saom sacerdotes , e gooernadores 
de SU4S casas dora9am , eftes nom comem coiisa que sin* 
ra morte , casaom com hua soo mulher , se efta Ihe more 
nunqui mais casaom; trazem ha ciracolo tres fios delinhas 
em Sinai da sua dinida'de , rem anrre rodos grande liber- 
dade e izen9am , nom podem morerpor cousa nenhùa 
que fa9.iom : hos Reis e grasides Senhores , e gente hon- 
rada Ihe fazem grosas esmolas de que se mantem , e 
muyros deles rem fazcndis , outros uiuem neftas casas 
dorafam ha maneira de moeftciros , que tem muy boas 
rendasi algus saom muy granjes comedores, e por al nom 
irabilh.iom senam pera corner bem , e lo^uo andaom seis 
jornadas , soq por leuarem hùa boa fartadcgua»; seus co» 
meres saom meei e marueigua , aros , a^uquar , e manja* 
res de aligumes ^ e leites. Ha ncfte propio regno outra 
lejr de gente quasy corno Bramenes , trazem ha ha pe5C09O 
Wus cordòes de rctros branquo , em que trazem dependu* 
do bu pano com hùa pedra ramanha corno hù ouo , que 
eles dizem ser ho seu Deos 5 tambem eftes saom antrc- 
les muy acatado; e honrados , nem Ihe fazem nenhù mal 
por cousa quj; fa9aom por reuerencia daquela pedra ha que 
eles chamaom Tambarane: eftes tambem nom comem car* 
nes nem pescados , anJaom muy seguros por todalas par- 
tes , pasando de hùs regnos ha outros mercadorias , e poc 
Ihe nom serem roubadas , quando as conduzem devetn levar 
OS seusTambaranes prezos ao pescoco ^ emuytos deles saom 
mercadores: rrataom tambem e casaom coro hùa soo ma'* 
lher,ha qual morendo eles se entera uiua , efazendohùa 
grande coua , tam comprida que Ihe dee pelo jpesco9o y 
mecemna dentro uiua , e em pee, e come9aom ha juntar 
tera de redor dela , calcandoa na hos peis , atc ha cupirem 
de cera bem calcada atc ho pcsco90i e entam Ihe poem hùa; 

?;rand; pedra emcima , e aly fiqua uiua morendo raypada y 
azendolhe outns grandes cercmonias , qtte ierìHo longas de 
^crever^ couza mi^ravel e lastimosa, e que faz ver quanta 
Jorsa ujff meste mundo a ambkio e a opiniào , que eonduz vo^ 
luntariamente estas mulheres a hum tao borrivd Jim , somente 
f^ra serem reputaias corno mulheres btmestas , julgando que 
^ faltassem a està okriga^io seriao reputddas corno mortati 
Has mulheres defte regno saom tara atrenidas em idola- 
^^^r que Fazem tanras marauìlhas por amor dos seus Deo* 

Vv ii ses 



bcm nette re»^'*» 9uaA *« '•a ho* R "^ segundo sm péso» 
Idolo, e com*c«^it, j;* ido/atri/^P^'^^»"®'". Usi-seum- 
»nuy honrad "*» Oh /*<»ni J^'^-t^* de suas filhn ha hi 

igrej» . ha d **^H, ^^**»^panKT ''**'»de ho tal Idolo cftaa, 
rija qttadra<fo'fa eftaa*^!'* se „.«•**«' odos sca» parentes , 
hùas grade, d» « se,*! !ì«u Po^o jt V ^°" ^° '"""''" *"* 
tos candieir^^^ Paa ? **« aln.7 j * ''«a pedra preta mnyto 
des elasl/^» <i*2e!?''*' hofi^L* *** ''^ homem, deredor ha 
<3e «feda /d?**»»» ,^® lue l,j *'*'",> mc-cidos pordaamuy- 

*^ -^ *** fcchaJ *^*'*"'°'"** ^Otw muyws panos 

**** j na gene e <Ìc fora has nom 

.pò- 






Lf'iviiO i>eDvaiìte Barbò Sii. jc^ 
^^^''i^m uer ; sobre ho dilopoyo cftaaoutra pedra cfe airu* 
fcond '^'*™ homcm curuado, que tcm no meio hum buraco 
ca s^ cftaa* mecido humpao muyto agudo , e ha may da mo* 
iher^ »^cie dentro das gradescom ha iìl ha e ccm aiguas inu* 
de J^s suas parencas ; depoìs de feitas grandes cereironias , 
iSrCw'^e nom tenho muyu enformafam por se fazerem aly 
^4 v^idas , ha moya com acjucle pao perde l>a sua virgìn- 
5^^e deramando-a sobre aquelas pedras , e com ifto aca* 
7^om sua idolatria. Efte Rey de Narsyngoa tem ir.uytas uc- 
kl^s guera com elRey Daqucm , e com elRey de Otisa , quc 
^^ODtro Rey de Qcntios , e eie he tambem metido dentro 
^«lo certam , hos quacs se fazem huus ha,hos outros ho mal 
Tiue podem : ho de Narsyngua pouquas yczcs arida na guera 
Cfìi pcsoa , sena ni manda seus capitaes , e gente ; e quando tla 
uem ha tal eftado quc eie Ihe parece necessario ir laa em 
Vesoa e depois de em sen conselho se determinar que vaa , 
cm huu dia pera iso asinado , sae elRey ha hù campo co- 
mò se fose ha folgar , vay em huu ahfante , ou em huu an- 
dor cada hiiu muy bem guarnecido douro epedraria, acom- 
panhado de may taf gente de caoalo , e pee . e muytos alifan- 
tesKa deftra diante desy, muy bem concertados , e cober- 
tos de p.'inos de graa e seda. Andando el« nefte campo Ihe 
daom hu caualo em que caoalga com huu arquo e hua fre- 
cha na mam , h^ q"^^ frecha eie tira contra ho regno hon- ; 
Ae* haJìr pelei ar , nomeando loguo daly ha quanios dias ha 
de partir T difto core loguo ha noua por tòda ha cfdade e- 
leano da qual se eie loguo sae , asentando seo araial no 
campo', bende eftaa esperando ^^P/JJ^o quc pera sua par- 
fida limitou ; ho qual cumpndo , manda Janfar hu pregam , 
iue se facaom preftes com suas mulheres , e filhos, e f^zcn- 
d^ etodos minda asy laa ir, poraue dis que com ha obri- 
eacam de mulher e filhos , e fazenda pelejar.om mdhor , e 
E-i ri^^os oaeua muy hóo soldo-, principalmente ha muyras 
malhe?es soiree de que leuaom grande cantidade , que 

saom deles mulheres muy honradas , eprmclpàes, riquas e 
f^rfi-osas . por cuja causa hos que com clas andoom damo- 
r^s oeletaom por seu seruigo melhor , e dizem que de tnui^ 
tos ìeinos concorre all'i grande muhtdao de homens por cr.usa 
de^tas mesmas mulheres. Ha ««"C jftas muytas muy priua. 
das del Rey , e que trazem muy grande casa por terem 
muyto dinheiro ; cada hua deftas Dnncipaes tras em sua 
casa sinco e seìs mulheres mojas fcrmosas , quc Ihe suas 
mais daom pera has criarem, e trazem sempre comsiguo 




unrrc? p3^q^^ x S^and» honra ; ha deftas tam riciuas , qae 
fnu/*^^ por sili ^P^ ha <joc moreo hùa scm ter filho nein 
filba # /f^^ietìda^^^^ Icyxou ha elRey por herdcìro de 
xoi^ ^ue IHe fi * niorca, mandou cIRcy arecadar cu- 

3a ^^ /daos , alé^**^ * ^ achou cjue Ihc ficauaom sctcnta 
pili P^i^yxo'j ha^K" ^^"^^ ™^' ^^^ cUcm saa uiJa apat- 
lao ^ fson he .^^^^^^ crìada que eia criàra de peqaena ; 
e ift^ *^ua de m^^^^^ marattilha , quo he muy grande e 
mais ^* grandes f *^** H^^ *® *^ha no mundo , » e tem 
1 «vi^y ^ ^ setit^* ' hoode uinem muyros mercadores 

* cip**^j|g j,^^ P-draria»que nette regno he nnuy eftima- 

* da • jhesour ^^^^ ^^ honraom mnyco : elRcy cero muy 

« "^^^^yg g^i^ ^ ^cla 9 e preza-sc muyto disc i por bonde 

^ qucr ^^ ^ <jue cftaa algua pedra , mmda buscala , por- 

% quc ^' 4 '^^que dco por eia , iso Ihe fiqua em pre9o 

» por set . Quando ha pesoa do Rcy abaia , nom uaom 

* ^^"V^^A.ai ' de ccm mil homeins de guera , e ho scu 
1^ modo decaminharhc^ que nom anJaom cada dia senam 

" * »^^ A^^^ ^ì ^5 Quacs andaJas , asentao-n seu araialnnuy 

ol palha ' ^ p^ aly ncle he armada hùa grande uila de 

» cas • e "j^^i/^'^ .iruadas has casas , e com muytas pra- 

9 cada' r i ^^deft^f ^^^^ *^'*' > ^^ nìmcìra que em 

* f** cocj^^ ^^?^* gaftaom trcs dias , e quando hacnde par- 
ai /a ^ ^ r !i^ * bacia , e loguo he pollo foguo ha ui- 

* ^fé che P^rtem ', easy detta mineira e orJem uaom 
S^'cm ha ho lugar honde harode ir. b 

Kegno de Otìsa. 

5e ^''^ e ^'^ ad/anr^ centra ho certam , eftaa outro re- 
, ''Sa/a afilla /./*m h^ ^^ Narsyngua , e doutra parte com 

^^ ^^yt^ ^^ Qe • ' ho ^^y ^^1^ "^e Mouro e Senior 

<^Otrr^^t^ Se„j. '^y^J^a ^^"^ J^ ^'5^ » ^^"^ muytas ue- 

-P^t • .^^« ^^ A-5^j^^^^"'"^"* ' ^ tomaom huna ha ho 

^^cre '>Os ^^^ao ^ ^ ^3^^ » ^ pouquas uezes eftaom em 

^^^ Jw^ Hrv^^/^ii^?"^ ^^j^s gc»««« « ^^« pouoac6es nom 

^^o^^^l^'■ 'Hi»»r^^ J^'^^ele tanta cn forma ^a m , por eftar 

Af ^o ^^rtn^^ somente que netta lera ha muy 

^^''Os ^^taft^ ^ in^y ^^^^ homeiiw de guera. 

Re* 



'e 
c/e 



Litro dcDvartb Barbosa. 509 
'Gentios de qae acima tratei , trazem comsiguo efta rais 
e fruyra , e algus has daom ha hos Reys Indios ; tambem 
tfs^zem aiguu alicorne a mas he de marauilha , e muy pou« 
s quo , rnuytas uezes proguntei ha eftes homeìns corno era 
a feiro ho corno do alicorne , responderamme que ho uer- 
» dadeiro auia de ser feito em cocheduras , corno de hùa 
a cabra , e qoe de dentro has ha tambem de ter , porque auia 
a moytos cornos doutras alimarias que se queriaom pare- 
D cer com eles , e nom se conhecem nestes sinaes a tam« 
bem trazem eftes Jones hùa pedra , que chamaom paza , 
e se acha no bucho de hùa alimaria , que eles chamaom 
pagem , e he tamanha corno hùa amendoa , e parda ^ dam- 
na moida em agoa rosada ha qualquer homem que tem 
pe9onha , a e bebea por hum caiiudo de cana , porque 
» se toqua nos dentes , quebraos , e asy mata toda pe- 
B 9onha , e he muy eftimada antre hos Mouros e gran- 
B dea Senhores ; tambem *ha ha em Ormus honde se uen« 
B de por maticaes , efta alimaria em ^jue se acha he bo- 
B de brauo. a 

Gonie9aom has teras do Malabar , entra tambem ho 
regno de Calecur. 

Leyxando asy efta tera e fegnos , romando ha coftì 
ido maar , cotnefa-se ha fera do Malabar donde chamaom 
Cumbola , que por todo ho monte Dely se acaba ha ho ca- 
•bo de Comorira , que saom cento e trinta legoas pouquo 
nuis ou menos ha no longuo da cofta , dizcm que hauia em 
outro tempo hùu Rey gentio que chamaom Cìrimay Piren-. 
cai , que era muy gram Senhor: depois que hos Mouros de 
Sieda. descobffiraom* ha India se comegaraom ha nauegar 
pera eia , e uieraom ^pera efta tera do Malabar per caso 
M pimenta , ha qual come^araom primeiro ha caregar em 
-Coulam , que he cidade porto de maar honde rnuytas ve- 
zes eftaa ho Rey , tfto nom auerà menos de seiscentos 
4inoB , porque hos Indios defte tempo xomaraom ha era por- 
que se regem eftes Mouros. Naueéando na India por muy- 
•cos' anos come9aram-se ha eftender por eia » e uieraom 
h^ tootar tanta )coouer8a9amxonv ho propio Rey» e eie còni 
<les , ape ho uieraom ha conDcrrer' ha- seita do abomina-^ 
nel Mafamede , pelo que se foy com el:es caminho da ca- 
•4a de Meca , honde moreo , ou parece que no caminho i 
porque dizem que, nunquA m^is^hos Malabares ouueraom 
JÌotic. Ultramar. N,« VII. Xx no- 



^ Uivaopm|^!VA.jR.>rBBAiiS4»«4> 

♦ "^^ 4«l«- Ante» qia« m c^e 6Ley panila , parti© bo fipo 

rt^vi» •««• pawcntes , l^zendo «noyt»» p»»«C» «Wr.© «{on 

c^'^Z^^ • P«»<l«c dant«s tpdo 1»Q M^labat tra hùu soo Bey; e 

^|^5i»«»«'* »»y fepartmdo , asy «omo dawabù* if" habón, 

-«•^^•,4 "*• *«> PCM nuaqua inait ha da tornar: e 

j^^^^ J* V<» decadeiro ludp dado , uiruìo-se enabaiijoar en 

*^^panhado A**"'?^;^* • »**»«'** »SOM h» CaUc«t , mais 

»-<^S^ aeS ^..i* '*'i^«» S«« k»o seruia coir© pje , ha ho 
#^51- «eia J^hl JP*^5*> deieia, dizendo-lhe iijoe « aiaiir 

t» J*«Y «le C,'n^, IHe obcdecesem e acatas*», «ow»^ 

V« »^?,^H«ou n»«;5^*'qoou' ho dito «elho : ho «brmho 
Sirte, e «l foL*»*' ^a'.,^* «"e ha tw i»ar mouro , come»- 

"/ir * ««" Sto eraSv^ caiccu. fco "*»..! j,\i; 

è?„*ig ««««" su?*«^4lÌrfeI%-e\.»|i»»»»>a. 







*«»liirf nai^^«<^ ^* Ja S«»^ Malabar ba dezoi- 



caia l»ó» *i'-"- * 



Va 






, «ob pe- 
qac to* 



*^'0S^%^^T^> 



'«^\ 



-scc» 






.^>?5v^^:f. 



>n\^,«aoos , alga» »»* 



I?C 



Oc, 

» K 



b. 

'^S 






cap«V»» 



•a» 
■■«a 



"%*i^ 



H^. 



*-a: 









ha rtflualha , 



^'^'ideTo-c^.."*: 



rif» 






** V,V ^ ere* "~ ombro» , e te»- 
*' cre3^>^de tornar CIO- 



«** \obre bo$ pano» 



joiat <it 
>$pan 
em Utgo * 



\o^ 



rf* 



s<5 



^^^'U 

«;.?-^ 






uy!,%q^V %f 



j a9afram j * 
emboftadoa ca- 

wufa, chùupa- 

"^ irts «eze« 1 • 
dalgod.im «• 



l'iÒ*»^^ 



rr«' 

^tJ*^rn^c. , *l**VT^»^*'/«ibcnl « a*en- 



-■"t: 



de panos 




f-^^v"'''^' 









SCttS p!*S** 



<»'Ì,«r' 






)I2 Litro db Duaate Barbosa* 

leyxaom cada ucs que se deias desconcencaom , e comaom 
OQtra , porcm muycos deles pelo que toqua ha honeftida- 
de real has nom crocaom nem bolem com clas ; e antre- 
les he grande honra ser nunceba hùa mulher delEley : bos 
filhos que eles nelas haom , nom hos cem por filhos i nem 
erdaom ho regno, nem ourra nenhùa cousa delRey , so* 
mente ho que da parte das màis haom ; em quanto saom 
meninos , saom muy fauorecidos dele , corno chan^as alheas 
que eie crìasc , mas nom comò seus filhos , porque corno 
saom homeins nom cero mais honra que ha que Ihe uem da 
linbagem da may , porém fazem-lhe has uezes hos Rcys 
merces de dinheiro com qoe se posaom mancer melhor qoe 
hos ourios Nayres. Saom erdeiros dos Reys ìrmàos seos» 
cu sobrinhos filhos de irmas , .porque eftes haom eles por 
uerdadeiros seus filhos , porque jà sabem quem he sua 
inay , e ifto por has mulheres neftes regnos serem muy 
liures de seu . corpo , e por iso ha uerdadeira cepa da li- 
nhagem dos Reys defta tera jas nas mulheres » e ho pri- 
meiro filho que ha mais oelha irmàa do Rey pare, ese 
erda ho regno;. e asy toJolos irmaos erdaom hùs ha hos 
outros ; e quando hos nom ha , erdaom hos sobrinhos fi- 
Ihos de irmaa mais ueiha ; e se eftas irmàs nom acercaom 
de parirem , nem ha erdeiro para ho regno , e elRey fa* 
lece sem eie , elas se ajuntaom em conselho , e enlegcm 
por Rey hùu parente seu , e se ho nom ha hy , outro qual- 

3uer homem que seja pera isoj e por ifto saom eftes Reys 
o Malabar sempre uelhos : has sobrinhas ou ìrmaas que eles 
tem, de que ha de sair ho erdeiro pera ho regno , saom 
muy honradas, bem guardadas eseruidas, e tem renda so* 
bre sy de que se mantem , e comò algua he de idade de 
doze are quatorze anos pera poder chegar homem ha eia , 
niandaom chamar fora do regno algùu mancebo de lioha* 
gem dcfidalgos, que laa ha asinados pera ifto, mandan- 
do the dinheiro e dadiuas pera que uenha hauer de oìrgin- 
dade aquela mo9a; eie uindo fazem Ihe muyta honra , fes- 
ta , e ceremonias , comò se houuese de casar ; entam eie 
Ihe ara ha ho pescoso hùa joia douro pequena , que eia iras 
roda sua uida em sinal de Ihe hauerem feito aquela cere- 
monia , pera daly por diante poder fazer ho que quizer de 
sy , ho que antes daquilo nom farà : efte mancebo eftaa 
muy bem seruido coro eia alguos dias , e entam se torna 
pera sua tera ; entam eia dahy por diante toma qualquer 
Bramene que quetj e toma quantos queij e dcfics ha hos 



LivrodsDvartcBarbosa. )If- 

filhos. ' Quando qoalqucr deftes Reys do Malabar more ^ 
queimam-nos eni hùu recio cfim muyta lenha sandalo , e 
aloes , e ha ho queim.ir se ajuntaom todolos sobrìnhos e pa- 
rences seus mais chegados , e a&y hos grandcs do legno > 
e priuados do Rey morto ; e ha deftar ho coipo tres dia$ 
espirando por eles i e aly ciraom ha limpo se nr.oreo -de 
sua morte , ou se ho mac^raom , pera acudircm por iso co- 
rno saom obrigados i e encam depois deftes trcs dias ho 
queimaom e praoteaom., ei todos se rapaom da cofoa acé 
ho> pels depois dele queìmado , que.lhe non ficaom senain 
has peftanas e sobi'ancelhas , ifto. do principe are ho menoc 
herdeiro do regno gencio , e entam alimpaom hos dentes 
daquela pretidam do becele , ho qual nom come ninguem 
por espA9o de creze dias ; e se nefte tempo achaom que 
ftlgùa pesoa ho co(na 9 cortam-lhe.hosbeipos porjuftijra: e 
neftes cceze dias ho principe nem manda ^ nem gouerna , 
nem healeuancado por Rey, senam depois deles pasados, 
esperando se auera ^Igucin. que ho concradiga ^ e pasados , 
hos grandes juncamente ho fazem jurar de manter todalas 
leis do outro Rey pasado , e de pagar has diuidas que 
eie deuta , e de crabalhar por gannar ho que hos outros 
peidèraom, e efte juramenra Ihe tomaom defta maneir^ : 
mecem*lhe na mam esquerda bua espada nua 9 e h^ gutr^ 
diretta .temna pofta sobre hùa candèa ^^zeite acesa , de 
muycas. maculas , e dentro hùfi anel douro em que toqu^ 
com. ho» dedos 1 de maneir^ què naqueia candèa e ouiro 
fas seu .juramento de manter tudo com aquela espada , e 
feito lan9am Ihe sobre hacabe9a hùu pouquo daios,fazen- 
do grandes ceremonias , e adorando conerà ho Sol ; loguo 
certos condes , ha qùe eles chamaom Cahimal , com ho que 
bade ser principe, e com hos outros erdeiros fazem. jura- 
mento ha ho dito Rey sobre ha mesma candèa ,. de ho ser- 
uirem 9 e aiuJareip 9 e Ihe serem leaes e uerdadeiros. Nes- 
tes treze dias , em que eftaom esperando por efta cere- 
monia ^ gouerna ho regno hùu Cahimal , que he conio 
escripuam moor dele ^ ho qual carego e dinidade he seu de 
juro ; efte he tambem chesoureiro móor do regno , e el- 
Rey nettk pode tirar nada do thesouro sem eie eftar pre- 
sente,. nem tira nada dele senam por grande necesidsde^ 
e por conselho defte e doutros ; em poder dcfle hcmem 
eftaom tambem todolos regimentos do regno. Neftes tre- 
zc dias nom come ninguem carne nem pescado , nem ne- 
nhù barco uai pescar sobpena de morte > e ncftc tenr.po 

SO 



?r4 Livno »«Dwa«.tbB-^«: 

»e fttem hiuytas csmolas A» P ^ . *■***• 

psseàdot<ef» e daotn de come» u*" * ^^^^ nwrfoliilw 

ftei ,- e afcabado» hos ditos rir»J** Woyto» praueieBume* 

àof Rey na «timWra que *fe?Zr® ^*' » ««" 1"« ^ «'«<'»• 

^omei* ho Betel* ^ fc»#nea *"** «»« t rodo» tomaom h» 

iioud q«ie P'»^'» dob pelo m», ***'***'• * tirando ho Rey 

còm* cirne > "««w pe«c4«|^ "«ofto» todo hub ano i e nom 

irenrctìrU rtenhuo c«b«l«< d« "* i*tcle , nera fai barba, 

*« cbr'cafs orà$ ** tìi* ^ noi» «Jl?* <^**'T>o * "«" inbu;». 

*nté» qdfc <^*™* •« Uu*- ^ - 5S?** •*•*** de hóa u« tu eie, 

éè ocT rting^'» até Carne* K?n* **<? Iao*d* «o» hohi. 

J'fé A* ctdide e»*t haus mu^ Z***^^ <*« Galecot eftu sem- 
a, e c*!i*?""?o ho ano J« *^f*ride, paco» aredadm de. 
liailfe «ter prt«t«P^ , e ,«« !?-?***"« do key , uem ho qoe 
B«nhd» , « i<i-loK»j òtìtros^L ^fà^kós mea» irmios esc 
fconrar hG» cf«n*Onia oq- f;***".^»*» do regno, ajodar ha 
t^ db Étfcy » n» «n^^eàra d- .^ "» iW fitti do ano ha mor- 
»is eskn^t^^' **^6*fta mj^''"*^'***» l»onde «edaomrooy. 
ttaayto» ^"'"*»»«f* e Pro»,!*** «nheiro em daar de corner 
, e <l»i»:^'°' *=°'*»sygt,^ "J* i e ha ti»do« qaatiros hooem 
cèrta ««'' nomèin» , « e,»^^*''* » e«q«y »« ajontaom mais 
5 6rt§«f'«»» ea't ha |*»"**"» aly con (ir matom ho principe 
P»te«i«^"«; *»» h»j, Cr, . **atros d» tra» dcle,cadahÓB 
ourro R^y motftò , Hi vi wi "*'*<>*'»» » oficlaes qoeforaom 
rtò» »»*»* ''°2«««*i»m 4 i^*** tirawti ho» oficJot,ehah« 
"CIO pbra hatidé oi^^ » « daly espeJe he prinrtpe cada 

ft,a7f *'***V-«i5A*P^^«»^af H P"n<^*P^ ""^*"" P"» »"» 
tój *"*-r^,1v t' ^"^^ elR-' **'* <!"" principe nom enrra 
^i»? ? J^^/fuJ'l <='*Vte\ f y ««'eri todos ho» flotro, ho 

i'^i 2 ''J??- £?** ?./*>» hòES'*^ f«er. Como .e espede ua[. 

^''»45lT * *^'?ta*^J* «^Ife^l ^«»^,ygóo Ì^ayrc»com«luy. 

^^os , ^ i^j^adò felS'o* adàc2^^y>t»* ùérh ài*Hf<^ , . e atra» 
J.U. cAe^«-a ha efif* JJ>r\,P'ptì?' ^^S-^A* hu. porca 

"^^'llZ* Sé^!^ uémì e «Jfflft cada 





1^5 

^ ^^ toma 
r^^ ^^^ 5 e IO- 
•-aa,^^ aintas 

^^ » --^ ^-^ clRey 
^ ìngoeni. 
Vfc^ ipas-oft 

^« cousas.^ 
^a^ifa dot 

^ ^>Dipnd%s 



^ ^ ^r alicela. 

*3codobra- 

^g%jò «aom 

^e .priuadós 

ftiiOcn sem- 

<)ll)o de fé* 

^oiDd defias 

^^iTìefOs , ho 

^ we «^ Ha 

^ Wfljàm , .e 

^•y perà bai- 

^^m hemeins 

^08 cRcs c^- 

^ MCttm ea* 

^^ ha fiaoalhfi 

^^orar^^^^** 
tu 




)i6 Litro di D v a ii t s 6 a m b o s a. 

tra ho nacimenio do Sol com as maos aleoancadas , entam 
ronpendo ho escripto làn^aom de sy , e ifto tcito come- 
faom ha escrepa er. Efte Rey tem intl inulherei ha que 
concinaadamentc daa mantimenro » que sempre andaom na 
corte pera baredeiras de seus pafos , ifto poreftado, por- 
que pera uarerem menot de cincoenta baftariaom : cfias 
saom fidai gas , e de boa cafta, e uarcm cada dia duas uè- 
) zes , e cada hua tras sua uasoora, e bua bacia de latam 
-com boftì de uaquaa dclida em agoa ) e depois de tudo 
uarido , cmboftaom bas cataa com ha mam mny delgado 

• que logo se enxuga : eftas mulheres nom seruem todas, 
mas. reuezam-se , e (|uando elRey aay de bua casa pera 
oucra , ou aay ha hua casa dora^am » uay apee » e uaom 

ideftas mulheres diantc dele com suas uasouras , e bacias 
ina mam , emboftandolhe ho caminho por honde bade por 

• ho9 peis. Eftas mil mulbercs fazem hua grande fefta ha 
ci Rey, quando xiouamenre reina ; pasando .ho ano do seu 
doo e jejùu f^aivintàm-se todas asy mo9as , corno uelhas 

^not propios pa90s delRey , muy bem atauiadas de cola- 

res de oedratia , e contas douro de muy sotil obra , ma- 

.nilhas douro nas pernat , e muytos braceletes e aneis, da 

cinta pera baixo ueftidas de OKiy rtquos panos deaeda, e 

pera cima nuas cqmo sempre aitiaom^ juntadas com san* 

valuto 3 e outraa coutaa» chekosas , mettdas entrc hos cabe- 

.}os nluytas flores , nom^-frazem oa cabe;a nada , somcn- 

tie seus cabeiòs quo >8flom bem pretos , muy bem pcncea- 

.dos I e feìta dcles hua femioso trunfa , trazem has pre^ 

jihas furadas , e muyto ouro nelas » descalfas , comò sem- 

r pre andaom •: com elas se ajuntaom todolos inftiumentos , 

.e rangercs de{Rey « nluytas espiAgardaa , e arteficios de 

.foguo de.muytasi m^neiras ; rambcm seajanraora muytos 

-Mayres» que.Ka» af:omp4nhaom , e com. 0la$ aadaom damo* 

/res , muy .bemTauuiadosr e galante» , e 6^te ou oito ali- 

.fantes oobertos do panos. de s^da com.muytas campainhas 

penduradas , e grandes cadeas de fero lan9adas por cima , 

e asy tomaom hùu idolo quc elas tem por seu ualcdorp e 

hum sacerdote seu h0 tonia noa braco» ^ e se asenta com 

cje erQcima do maypr ik^qoeles alitante» , e xiefta^ ma- 

i^ira andaom em piiecisj^na com gtaddes tangerea , fazen* 

:.do muytq» jogVQS , e girando rouytas espinguardas > coro 

xnuytos checai;eiro8>diante, e asy uaom té chcgarero' ha 

hùi. casa dota9anì 9 e aly ho decem , e aj.untaoni com ou* 

eros que na piopU casa eftaom ^ h^nde Ihe fazem moy- 

ras 



LlVRO DB DUARTB BarBOSA. ^ÌJ 

tas ceremonias. Aquy se ajunra gente infinita ha uir ado- 
rai aqueles idolos e honrar suas uiftas ; has mulheres cem 
aly cada hùa sua bacia de latam largua e praina , chea da- 
ros , e em cima dele candieiros dazeite com muytas matu« 
las eflores de redor; aquy eftaoTi com eftas ceremonias 
atc ha boQua di noite , cjue pattern contra hos pagos del- 
Rey , honae ho amde por : has mirmulheres uem diante do 
ìdolo todas em ordem , de outo em ouro muy bem con- 
cercadis , com suas bacias e candeas a*cesas , e tam compa- 
sadas que hùi nom daa hùu paso mais que ha outra ; uaom 
homeins junto com elas , pela banda de fora , que Ihe 
«aom merendo beiele na boqua , que sempre uaom co- 
mendo , eque Ihe leuaom hos candieiros quando diso rem 
nccesidade , e tambem hos N.iyres que com alguas an- 
daom damores , que Ihe uaom falando ha seu proposito , e 
alimpando'lhe ho suor do rodo, peitos , epesco90) eaba- 
aandolhe com abanos , por elas ieuarem has màos- pejadas. 
Netta precisam I.in9.ìom muytos foguetcs e bombas de fo- 
guo , e lambein leuaom huas aruores de foguo que uaom 
sempre ardendo , de maneira que ifto he ha mais feimosa 
cousa Jo munJo pera uer , ha ho menos nefte paso de noi- 
te. Uaom tambem diante do idolo muytos Nayres com es- 
padas nuas , dan ]o em sy mesmo por hondc podem boag 
ootiladas , e uaom escumando, e bradando que parecem de- 
moninhados , e eles asy dizem que hos Deozes se metem 
neles , e Iho Fazem saber : uaom tambem aly muytos uoU 
leadores , e cSocareiros , e gouernadores do regno , e ou- 
tfos homeins honrados, gouernando e regendo ha preci9am, 
e asy ha leuaom em singular ordem , até chegarem ha hos 
pa9os delRey , honde se desfas. Coftuma muyro cfte Rey 
ae Calecuc quando eftaa asencado , eftarem-lhe homeins 

Eriaados seos , esfregando -Ihe bra9os , e pernas , e corpo , 
uu paje eftaa continuadamente com eie , com hùa loa- 
Iha ha tiracolo chea de betele , dandolhe ha comer , has 
vezes em huà caixa pequena dourada , ou pintada , e guar« 
aecida de prata , has uezes em hùu bacio douro ; daly to« 
ma ho paje foiba e foiha que ajunta com hùu pequeno 
de sai demarisquo, delido em agoa rosada ha maneira de 
unguento , que tem dentro de huà boceta douro , e asy 
Ihe daa ha foiba com arequas , corno ja mais larguamente 
€m outra parte dise ; he ha uirtude defte betele de manei- 
la que de dia e de nome eftaa roendo nele. Ha maneira 
ds seu comer he que nenhùa pssoa ha deftar honde eie 
Noti:. UUram. N.° VII. Yy co- 



itoa paoos limpos ci «ebaixo dagwi e aiyseueftedon. 

casa qoe pera corner *^*** » « "Y '"^ "^ *""'" *™'*'" 
uda , e pofta „o c^ *^ despejada , ha qual efiaa tmW. 
norque no chani com ^''^ **"" "'>«* redonda ^ra comtt , 
mata grande , cham » * »'y traxewlhe hùa bacio de 

linha» de prata pe„u» * *«m bordas , e dentro neU lahei- 
bt« outra laboa quV ^^* » « tudo uasio , hio qoe póe jo- 
se asenia , ^rxàl hJ*° ^^^"^ eftaa , corno outra era «juc 
todas em ordcin • e' ®«lseirìnhas p«l»» *"*"" <*'> T'^' 
Bramene, e tras'hn *'"^ "«™ ho co»'»''*'™ 1"^ ''^ "^'' 
com haa colher no^ Pancia Jaroi coziJo , e Un9imlKi 
ucm tam intsiro e e« '** «^o bacio huo pouquo , ho qui 
zido; eloguo detras j"'^'' l^e pirece qu« nunqua toyci 
las cùgaarias , has qu^Jl *[*>' ""era outras muytas pa-i 
hu sua , e a,y com??**!, ^^* ^*^9»o^ "" saUemnhM e 
mando ho aros has L- **« eo">er coro ha mam <^"'" ' 
todolo, outroa manuTe?' '='«^*s , »em colher; e a.yvi 

ìoraTTe-arte^^" ^^^^"^^ rs-eXa de 

ootros mantitX ^^'^ "r-ìe ^!"» S'unii = ^?**°' ^Ueoir 
coA,4 i „"«?•"«'» ho^/^'^o^ ^om tanta soma ae 
« " no tem^ P*''» iso ^'^^ -^linipa mio? , nem t(l 



;as sob,e l;;;-;* da I^^^^o delc , e póe I he 
"*> pera sy - * ì^aes iiT'* Sue saom moyto 

'"««' em defta7ftfr ni«sl"/'*'« cernir uaotn-sc 

» *»« eftra^'^^^mo j4 djf^^e, , .fora dous «==., 
'*'>*»de to*^* acabando de co«^^ 



to.^' fcabaodo oe coi 



LlVAO DB DVARTV BaRBOSA* i^ip 

do efte Rey sae fora , ha ir ha folgar cu fazer ora^am 
ha algùu idolo , saom loguo pera iso chamados todolos 
Nayrcs quc mais perto eftaom , e asy hos meniftros e Gen- 
rios , esae«lRcy em hùu andor, que leuaraom dous ho- 
meins com suas almofadas de seda em que uay encofta- 
do ; e ho andor he de pano de seda penduraJo em hùa 
cana de muyca pcdraria , tam grosa corno hùu brago de 
hùu gordo homem , com hùas uolcas que de seu nacimen- 
to Ihe afeigoaom pera aquilo ^ ha qual cana dous ÌK>meii\8 
leuaom ha hos homhros , de que uay ho dito andor depen- 
durado , Uva eIRey infinitas corous demo e pedraria , e no 
pee direlco hùa manilha muy nqua e grosa nele \ muycos 
inftramjntos de metal diante delc t.in^endo , e muyto» 
Nayrcs Frecheiros com seus arquos e frcchas ha manei* 
ra de Ingreses , outros com lanfas moy compridas , e fero 
de couado, nos conrosargolinhas cernerai, e indo-as bran- 
dindo fazem com elas grande craquinada ; e^ambemcaom 
outros Nayres adargoeiros com 9uas espadas nuds nas màos , 
e junto com ho punbo outras argolas com que fazem gran*- 
de aroido , uaom bradando hùus ha hos ourros em alias 
uozes por sua lingoa, andar ^ andar: nlgùus uaom esgrK* 
mindo diance deiRey,.e fazehdo cereiro porque hos ue)a , 
e saom homeins muy ligeiros , e grandes meftres dcsgrì» 
ma , ho qual ]ogo eles naom antre sy por mais honrado 
do que nos hauemos ho bóo caualgarj elRey se uay de- 
tendo pelos -leyxar jogar ha seu prazer, gabancJo e fauo- 
recendo hos que rhelhor ho fazcm. Leua elRey diante de 
sy hùu paje que Ihe Icua sua espada e adargua ^ outro que 
leaa hùu eftoque douro , e outro que leua hùa espada que 
foy do Rey que scnhorcou lodo ho Malabar , e se tornou 
mouro, e na esquerda leua hùa frol de lis ; e de cada bnn- 
da leua dous homeins , hùu com hùu abano muy largo re- 
dondo , outro com outro abano de hùu rabo branquo de 
bua alimaria corno canaio que antre eles he muy eftima- 
da 9 pòfto em hùa afta douro ; hos quaes ho uaom abanan- 
<k> dous de hùu cabo e dous doutro , junto com eie uay 
da banda direita hùu paje com hùu gomìi douro cheo 
dagoa , ha parte esquerda outro com hùu de prata , e ou- 
tro paje com hùa toalha , e quando qoer que elRey 
póe ha mam nos narizes , ou nos olhos , e boqua lan- 
cam-Ihe nos dedos agoa com aquele gomil , e ourro ihe 
daa ha toalha que leua pera se alimpur : leua tambem 
consyguo outros pajes , dos quaes hrùu leua Mìa copa da 

Yy il ban- 



)20 Litro pbDvakte Barbosa. 

banda dìreira dooio , ODcro leoa ha copa de prau da ban- 
da esquerda , nas <]uaes co&pe ho betcle <]tte u^ycomcn* 
do sempre, ho qual ouiio Ihe uay dando, derras desy 
Ihe Icuaom dous cantaros granJcs rcdondos , huo de prata 
ha mam esquerda , e ho douro ha direica cheos dagoa ; 
iiaom mais diance dele quatro csparaueis poftos em hùas 
afteas , silicet, dous de pano branquo muyio delguado, e 
dous de seda , muyto bem obrados e bioslados ; junco dele 
Ihe leuaom hùu sonibreiro de pce cm hùa cana n;uyro al« 
ta que Ihe col he ho Sol : apos dele uaom stus sobrinhos 
e hos gouernadores da tera , seus oficiaes , todos apee com 
suas espadas nuas todos nas màos e adarguas , e asy uaom 
em boa ordem nriuyto deuagar uendo n;Dycos joguos , cho- 
careiros , uolteadores , e espinguardeiros que ho u^.om fcs* 
tejando. Se elRey uay fora de noice he ncfta propia or* 
dem , mas leua quacro candìeiros de feto grandes , com 
hùas afteas ha maneira dos nosos fogareos cheos dazei* 
te , com muy grosas matulas , dous dtante e dous de- 
tras. ElRey de Calecuc rem pofto na propia cidide hùu 
gouernador ho qual chamaom Talixe , Nayre que tcm cini- 
co roii Nayres de )urisdi9am , ha que pagua seus asen«> 
ramentos de sua renda que rem muy grosa ^ esce cem aU 
(ada na jufti9a , mas nom tanto que de tudo nom dee 
conca ha elRey i e corno ha muytas Icys de gentes , tam* 
bem ha muytas dìfcrencas nas juftìfas , dos quaes todos 
falarei ha ho diante , e des que saom de Brabares pera bai- 
xo j dizem que saom escrauos delRcy , e dos Nayres , 
e Senhores : se aigùs dedes baixos fas aigùu delieo ou 
furto , ou ha pesoa ha quero ho Fazem se uem ha quei- 
xar ha ho dito gouernador , aly ho manda prender ; e con* 
fesando eie ho furto, ou achando o em fragante delieo, sen- 
do Gentio leuamno ha huu lugar honde execuiaom hajus- 
tica , honde eftaom hùus paos alros muyto agudos » enùa 
taboa pequena , por honde pasaom aquela ponta , e aly Ihe 
cortaom ha cabe9a com hùa espada i e entam ho espetaom 

Selo meio das espadoas naquele pao que ihe sae na boqua 
o eftamago mais de hùu couado fora , ha cabc9a Ihe me- 
tem no outro pao : se ho que fes ho tal delito he Mou- 
so , leuamno ha hùu grande recio , e aly ho mataoro has 
cutiladas ^ ho furto se guarda pera ho gouernador da tera , 
sem seu dono auer nenhùu proueito , poraue ha ley que 
jufti9ando ho malfeitor perqua seu dono ho furtadoj se 
achando hg cai furto holadram fcge^ cfiaa ho furto ccr< 

COS. 



LlVRO DE DvARTE BarBOSA* )2I 

tos dìas em mam do gouernador , e se em cfte- teirpo nom 
tomaom ho maHciror , entam ho coinaom ha seu dono , 
fìquAndo ha cjuaira parte pera ho gouernador ; e se ho tal 
ladram ho nega e nom Ino achaom, prendi n^no cm hùu 
tronquo corno hos nosos , e aly ho tem prezo por espa* 
90 de noue ou des dias pera uer se hoccnfcfa , drindo-ìhe 
mnyto inai de corner, e muyto maa uida j ha cabo do 
dito tempo se nom conie9a , chamaom ho que ho acusou y 
dizendo Ihe corno aquele bomem nom conferà , se qucr que 
hojure, ou que ho soirem; se dis que quer que ho jure 9 
mandamno prezo , que jejue e que se laue muyio bem , en- 
comejidando-se ha ho seu Deos , e que nom coma nenhùu 
bcteie , e alimpe iios dentes dcle , pera ho outro dia fazec 
juramento : se ho fas asy , ha ho outro dia ho tiraom do 
tronquo , e ho leuaom ha hùu tanque dagoa honde se laua 
muyco bem , fazcndo muyta cercmonia , daly ho Jeuaom 
ha hùa casa dora9am, e entam fas seu juramento dcfta ma- 
neira 3 se he Gcntio aquentam-Ihe hùa panela dazeite muy 
quente de cobre atc que ferua , (e pera saberem se eftaa 
bem quente lan9am Ine dentro hùas fclhas de certa aruo- 
re, e ho azeite has fas saltar pera cima) ifto bem uifto^ 
tomaom dous scripuàes ha. mam direita do malfeitor » e 
olhando se tem aigùa chaga , ou outra cousa aigùa , e da 
maneira que ha dita mam eftaa , ho escrepue , e asy ha mos- 
traom ha parte , e feito exame mandanvlhe que olhe pera 
ho Idolo que tem diante , e que diga tres uezes , cu nom 
fis efte furto que me efte homem póe , nem sei quem 
ho fes j entam Ihe mandaom que meta dous dedos da di'- 
ta mam naquele azeite que eftaa feruendo , até hos nos 9 
ho que eie loguo fas dizendo que se ho nom fes que nom 
se queimara » e corno mete ha mam e ha tira, lornaom ha 
D olhar hos scripuàes eftando ha parte presente e ho go- 
» uernador , e com todos eftes exames asinaom da manei- 
» ra que eftaa ha mam , e ^tamna muy bem com hùu pano j 
» quer seja quìmada quer nom , e entam ho tornaom ha ho 
s tronquo , e daly ha tres dias ha ho mesmo lugar ; entam 
» Ihe desataom ha mam hos scripuàes diante co gouerna- 

> dor y e achando-lha queimada entnm pndece da manei- 
9 ra sobredita , dando*Ihe além diso ir^uycos tormcntcs pe- 

> ra ho fazer confcsar honde tem ho furto , ou ho que 

> fes dele , e ainda que ho nom confcse tambem padece^ 
» e achando ha nram sa«m hamro por asoluto eliure, e 
I mataom ha quem ho acusou ^ cu Ihe dacm pena de dU 

9 nheU 



LivRO DE DuarteBakbosa. ;2} 

D em fugar de azeite , aquentaom Tnnntf igU4 ; e se ho achaom 
t cuIpiJo leaanitio ha hùu recio , e macamno has cutilap 
s djs <>lan9ad:ks. Quando ho gouernador manda chamar ho 
t a:usado , chamaoin tarabem ha parte que ho acusou , < 
» corno saom Ambos juncos, fas dizer ha ho aeusador que 
X he ho que sabe do outro , entam ho aeusador toma ni 
B mam huu ramo pequeno deruas uerdes , uu daruore i e 
» dis fqam fes tal cousa ; ho outro toma outro tal ramo 
X e dìs eu nom fii til cousa ; emam manda ho gouerna«> 
s dor por ha cada hùu dìante duat moedae douro baìxo j 
» que chamaom fanòes , que oal cada hùu ninte edous fs ^ 
9 e corno fazem seu exame , dis Ihe ho goocrnador que 
I dahy h.iouto dias ueuhaom alyha tirar ha limpo ho quo 
» cada hùu dis , e asy se uaom e pasados hos outo dias 
> tornaom ha cisa do gouernador , e daly se uaom ha 
s casa dora9a(iì ha: jurar , na maneira que atras dise. i 
Ncfte regoo de Calecuc ha hùu gouernador que he corno 
juftifa nnoor , que se chama Contante Carnaxee , ette rem 
poftos emcoJns lu,:;Ares homeins de sua mam, ha que cem 
arendado ha fufti9a de cousas que noni saom de pena de q 
morte (porque todalas ourras penas que se daom saem de 
dinheiro ) e ha eie acodem com todolos queixumes , e 
agraoos de que eie daa conta e rezam ha elRey , fas jas- 
ti9a dos cttlp.idos corno ho gouernador de Calecur. Ncfio ^ 
rc(;no nom moro ne nhùa molher por juftipa de nenhùa ca« 
lidaJe que seja , somente has malfeitoras dam-Ihe pena do 
dinheiro e degredo j se aigùa de cafta de Nayres era etti 
sua tey , e ho Rcy ho sabe primeiro que seas irmaos e pa» 
rentes , mandaa tornar e uender fora do regno ha Moaros 
oo ha Xpàos j e se seas irmaos ou parentes ho sabem pri* 
meiro , matamna has cucil^das e Ian9ada8, dizendo que se 
ho ?sy nom fizerero /ìcaom muy deshonrados , e eIRey 
nom Ihe fas nada por ìso , porque aay eftaa f m ley e cos- 
tume. Ha tambem nefte propio regno de Calecur hùaley 
de gente ha que chamaom Bramenes que saom antreles sa« 
cerJores (comò cntre nós hos cleriguos) de que jà em ou* 
tra parte falei , saom toJos de hùa tingoa , nero ho podem 
ser senam iìthos dos prop'os Bramenes ; hos quaes comò 
saom de idade de sete aisos , lan9amlhe hùu tiracolo de hùa 
corea de largura de dous dedos , crua com seu pelo , que he 
de hùa alimaria que chamaom Cryuamergam^ que he corno 
asno brauo , e mandamlhe que nom coma bcrele sete aros , 
todo qual tempo tras aquele ciracolo; e cono he de qustor* 

ze 




I{t4 LlVRO DB D^VARTB B A R B O S A. 

ze «inos fazemno Bramcne , riranclo*Ihe ho tiracolo decou* 
ro, e lan9am*lhe outro de tres linhas quc loda sua uidi 
cr^s em sìnal de Oramene , e hos que ilio Fazem he com 
muyca ceremonia e feda , asy comò cà feftejamos hùa 
cleriguo quiado canta misa noua : diquy em diante po- 
dem corner becele , mas nom carnes nem pescados i siom 
ancre hos InJios muy acacados , e corno )à dise nom mo- 
rem p3r coaia que fa9ioiì « ho seu miior hos caftigua 
brandametite : casaom hàa soo aes ha nosa maneira , e nom 
xasa senam fiiho miis ueiho, e dcfto se fas ha obra nele 
corno cabe^a d? morgajo i todolos oucros irmaos ficaom 
solteiros p:ra sempre. Edes Bram^nes rem suas mulbetes 
muy bem guarJadai e eftimadis , nenhus oucros honieins 
dormem con eUs ; se al^iius deles mjrcn , nunqua mais 
casaom 9 se hi muiher fas aiguu malaficio ha seu marido, 
eie ha mici co.n p^fonha : hos ìrnaos d^A^ qae ficaom 
solceiros linmen corn his mulhercs dosNayres, e eles ho 
haom por grande honra , e pera Bramenes nenhua mnlher 
8e Ihes ne^iii , mas cles nom hamde dormir com muiher 
mais uelha que sy ; uiuem em suas casas e cidades , e 
nts cisas dora9am seruem corno cleriguos , aly uaom re- 
zar suas oras c.*rcas no dia, e fazem suas ceremonias , e 
idolatrias : eftas casas rem has porcas princ'paes pera ho 
ponente corno has nosas , e cada casa cem rres portas dian- 
ce da principal : fora da igreja eftaa hua peJra dairura de 
h ju homem , com cres degraos de redor de sy , e deFronrc 
dela no msio da igreja eftaa hù\ capela pequena , muy es- 
curi por dentro , e nela huu Idolo douro , praca , cu metal , 
honde eft.ìon tres candeas dazeite sempre ardendo j aly 
dentro nom ha dentrar senam ho seu meniftro, que entra 
aly com muycas flores e eruas cheirosas , e agoa rosada 
e ho tira fora pela manhaa hùa ues , e oucra ha carde , e 
eie uay muy bem lauado ; e tira-o em cima da cabefa 
com ho ro(l3 pera rras , e andiom com eie daredor cora 
muy grande preci9am , tangendo-l^ie muytos inftrumentos ^ 
e uiom cerras mulheres de Bramenes com catidieiros ace* 
SOS diante , e cada ues que chegaom ha porta principal 
ho poe sobre aquelas pedras , e aly ho adoraom e fazem 
muytas ceremonias ; e dando asy tres uoltas ha ìgreja ho 
tornaom na mesma ordem dentro ha capela. Efta casa do- 
ra9\m he cerquada de p.irede , antre ha qual eles andaom 
em preci9am , e quando anJaom nela trazem-Ihe hùu som- 
br«;iro de pee por eihdo ; efta pedra que eftaa ha porca 

em 



LivRO D% DvARTs Barbosa* :{2| 

iemqae eles tambem coftumaom poorsuas ofertas, he iaua- 
da duas uezes ha ho dia ; sobre eia daom de corner aros co* 
zido has gralhas por ceremonia duas uezes ha ho dia. £s- 
resBramenes honraom muyto ho conto de tres , cem que he 
Deos end crea pesoas , que nom he mais de hùa -, coda sua 
ora9ào he ceremonia , e honraom ha Trindade , queren- 
do-a quasi figurar ; ho nome que Ihe póe he Bermabesma 
Ma9eru , que saom tres pesoas hùu soo Deos y ho qual con- 
fesaom ser des ho come9o do mundo ; nom tem conhe- 
cimenco nem noticia da uida de noso Sórjhù Xpò ; crem 
e honraom muyras uerdades , que nom dizem com uerda- 
de : eftes póe sempre nas teilas cada: ues que se lauaom 
hiis sinaes de cinza , em lembran9a que saom dela , e man* 
daom queimar seus corpos morcos : quando has mulheres 
deftes emprenhaom e ho marido ho sabe , alimpa hos den* 
tes, e nom come miis betel e , nem fas ha baroa ^ e jejua 
are que ha mulher pare : deftes Bramcnes se seruem hos 
Reys em cudo , senam em cousas darmas ; nom pode nin- 
guem fazer de corner ha elR.ey senam Bramenes ou de sua 
linhagem ; seruem tambem de caminheiros pera outros re- 
gnos com cartas , dinheiro , e mercadorias , pasando per 
hotìde quer que uaom , seguros sem Ihes ninguem fazer 
mal, ainda que hos 'Reys eftem em guera : eftes Bramenes 
saom letrados em suas (dolatrias , e tem delas muytos 
liuros , hos Reys hos tem em grande eftìma. Arras talei 
muyras uezes em N.iyres , e poraue acégora uos nom te- 
nho dito que genies eftas saom , haueis de saber que nesta 
tera do Malabar ha outra ley de gente que chamaom Nay- 
res , e antre eles saom fìdalguos , nem tem outro oficio se- 
nam seruirem na guera , e continuadamente per honde quer 
que andiom trazem suas armas , e saom espadas e adar- 
gas , e outros com arquos e frechas , e outros com lan- 
9as : uiuem toJos com eIRey, e com outros grandes Senho« 
res , porem todos tem asentamento delRey , e ainda que 
sc'iaom proues e de pouqua ualia , todos tem asentamento 
delRey, ou dos Senhores com que uiuem ; nom pode ser 
N^yre senam de linhagem de Nayre , saom homeins muy 
lirapos com sua fidalguia , nom se tocaom com nenhùu 
uilam , nom comem nem bebem senam em casa de Nay« 
res , saom grandes seruidores delRey , ou dosi Senhores 
com que uiuem, giiàrdandoos muy bem^ andaom semore 
de dia e de noute diante deles com suas armas : saom no* 
meins que eftimaom muyto pouquo ho corner e dormir , 
Ifotic. Ultramar. N.« VII. Zz por 



\ì6 LlVRO I>B D V A-m T E Ba 1l»0S ilr 

fot seruirem e fazercm ho que deuem ; e asy dormeftì ntrf- 
tas uezes sobre hùu poyo , sem Mcnhùa roupa , por guir- 
darem qaem Ihe daa de corner j fazem tnoyta pouqoa «ics* 
peza I e asy nom tem mais hos mais deles que duzentOB rs. 
por mes pera sy , e hùu 111090. Eftcs Nayres geralmente 
corno saom de idade de sete anos , laom poftos em esco- 
las , pera aprenderem em elas muyco boas manhas e ligei- 
rezas ; aly hos ensùiaom ha bailar , e dan9ar , e dar muytas 
uolcas no cham , e silcos reaes , e asy outros salto» ; e ilio 
aprendem em quanto saom meninos cada dia duas uezes , 
tam desmembrados e dobrados , que Ihes fazem nriaìidat 
hos corpos ha ho reues da nacureza ; e depois que nifto 
saom bem desenuolroi hos ensinaom ha (oguar daqueUsar* 
mas ha que se eics mais ìnclinaom 1 deles com (rechas e 
arquos , deles com baftam pera serem lanfeiros ; porem hos 
mais deles com espada e adarga , que antre eles he mais 
acoftnmado , e netià esgrima se exercitaom sempre : eftes 
meftres que hos ensinaom chamam-sePaniquaes , que ahtre 
eles saom muy cftimados e acatados, principalmente deseos 
discipulos que grnndes e pequenos adoriiom nelci ; e asy 
he ley e coftume que ho adorem honde quer que ho to- 
parem, pofto qne hodiscipulo seja mais uelho que ho mes- 
tre ; e saom obriguados hos N.'.yrcs, por mais ueihos que se- 
jaom, hirem sempre no inuerno ha tornar suas IÌ96CS des- 
grìma atc que moraom. Alguus *deftes Paniquaes uiuem 
cob Reys e grandes Senhores , e nom ensinaom , e saom 
seus cap'taes na guera , e ette nome he grao , e saom 
nefta sciencia agraduado) , comò em nosas partes hos letra- 
dos I easy leu.iom mais mantimento de com quem uiuem 
que hos outros Nayres : eftes nom ^aoni casados , seus so» 
brinhos filhos de suas irmas hos erdaom. Has mulheres Nay- 
ras de sua linH.i^^em, saom muy isenras , e tazem de sy 
ho que queren- com Bramcnes e Nayres, porem nom dor- 
mem com hon.cm m.'^is bnixo que sua cafta sob pena de 
morte ; ha eftas corno saom de doze arìos , suas miis Ihe 
fazem hùa grande ceremonia ; e comò hua muiher uee que 
sua filha he de(Va idade , roga ha seus parenres e amiguos 
que se fa9aom preftes pera Ihe onrarem aquela iiiha ; en« 
tam rogua ha seus parenres , e e^specialmente ha huu seu 

f carente oa grande amiguo , que Ihe ca<e aquela filha , e eie 
ho promete de boa uontade , e manda fazer hua joia pe* 
quena que teraa meio ducado , comprida corno hùa fita , 
com hùu* buraquo no meio que pasa da oorra banda , e en- 
fia- 



LlVRC D£ DtJARTS BaaBPSA. ^^IJ 

fiada em hùu fio de retros J^ranquo ; ba tnay ha huu dia 
certo escaa cooi sua filha muyto areada com muycas ^ 
riquas joias^ tazendo-ihe grande ùlin com rmiytos tange* 
t.€s e cancares , e muyca gente ; efte seu par/snte ou -v.mì* 
guo cht.'gua CODI aquela joia > e fazendo certa ceremonia ha 
mo9a, lanjra-iha he ho pescoso , que loda sua uida tras era 
^inai , e pode fazer de sy ho que quizer ^ eie se uay sera 
dormix com eia , por quanto he seu parente , e se ho noni 
he encam pode dormir com eia , porém nom ho obrigaom 
ha iso : daiy por diante ha may da mopa anda catando e 
rogando algùus mancebos que hajaom aquela filha deuir«> 
gindade, e eftes ham xie ser Nayres , hos quaes haom an- 
ire sy por cousa 9uja , e quasi uileza hauerem hùa mulher 
de uirgindadej e depois que algum dorme com eia ^ he do- 
mem ; ha may torna hir andar rogando ha outros algùoa 
mancebos Nayres , que ibe queiraom manter aqueta filha ^ 
e tela por manceba -, asy que se concertaom com eia tres e 
quatto Nayres , e ha mancem dormindo com eia , e cada 
hùu Ihe daa tanto por dia : quanto mais amiguos tem quatv- 
co mais honra j e cada hùu eftaa com eia dia ceao , de^ 
ho meio dia are outro meio dia , e asy uaom pasando sua 
uida lemperidamence , sem hos ninguem ouuir , nem hauef 
antre eles compctimentos , e ho que ha quer leyxar , leyx^i 
e toma out?d , e eia tambem se ihe algum auorese , dis- 
Ihe que se uaa , eie ho fas , ou ha rogua : hos filhos que 
nelas haom ficaom has coftas da may, que tem carego de 
hos criar » porque nom hos daom por fìilìos de nenhùu , ain- 
da que se parefa lom eie , nem hos ed maom corno filhos, 
nem erdaom nenhùa cousa deies , porque comò ja dise , 
saom seus erJeiros seus sobrinhps e das mays : efta le*^ 
^uem a quizfr conciderar mais prò fund amente , acbard quefoi 
tnstituida com maior sabedoria do que vulgarmente se pensa , 
pois a fìzeraom hos Reys ha hos Nayres por nom terem < 
cousa que hos obrigase ha nom.fazercm ho<3ue pertence- 
se ha seu serui9o. » Eftes nom se chamaom Nayres senam 
« des ho tempo que saom pera pelejar , porem gozaom de 
3) suas liberdades em cudo s nem recebem soldo del Rey até 
^ serem armados em caualeiros, principalmente no regno de 
» Cananor , honde se coftumaom muyto fazerem-se caua- 
» leiros por mam do pcopio Rey ; e ho mancebo que ho 
^ quer ser , chama seus parences hos queja saom caualei- 
A ros , que ho uaom honrar ; e asy se ajuntaom com elje 
> muyios 9 leuando-o muy honradamente ha ho pafo 9 tea- 

Zz il » do 



^28 Litro ds Dvartb Babiosa* 

9 do ia prasme delRey pera iso : chcgando ha ho pa^o et* 
9 Rey ho manda entrar com quancos com eie uem ; en- 

> tam pòe diance dei Rey sobre hùa folha cres moedas 

> pequenas que chamaom fanóes (q|ue ual cada hùu co- 
9 mo emoutra parte jà dise uinte e dous rsOt dR^y Ihe 
9 progunta se quer guardar hos coftumes e leys dos outros 

> Nayres , e eie e hos parentes dizem que sy » e entam 
9 Ihe manda cingir hùa espada ha parte direita , de hùa bai- 
9 nha uermelha^ depois de ho cingir ho tas chegar pera 

> sy » e Ihe póe ha mam dircira sobre ha cabe^a , e 

> Ihe dia certas palauras que ningucm nom ouue , que pa- 
1 rece rezar; entam ho abra9a dizendo-lhe Paje Gubrama- 

> ca y que quer dizer , guardaràs has uaquas e hos Bramenes : 
1 despois de feita efta ceremonia eftaa aly hùu escripuan 
)» que the progunta loguo diante dciRey , alto que ho cu- 

> 9aom todos , ho nome e de que linhagem he , e todos ho 
s respondem ainda que seja muyto conhecido , e ho escri* 

> puam ho ascnta asy no liuro do) solcios , pera daly cm 
9 diante uencer seu ordenado, e hos parentes ho leuaom 
* daly muy honradamente ha casa doPaniqual que ho en- 

> sinou , ho qual em ho uendo ho adora e hizem dele 

> grande ceremonia , e se lanca ha hos seus peis > e daly 
9 ho leuaom ha sua casa honae he feftcja^io conforme ha 

> sua pesoa , e asy fiqua sobre, pera poder seruir elRey 

> e ir ha guera , e desafiarse com quem quìzer. No regno 

> de Calecut hoPaniqual que ho ensinou , ho arma caua^ici- 

> ro na escola , com licen^) delRcy pera ho poJerem set* 

> uir e hauerem sua moradia , honde Ihe f.izem grande 
9 ceremonia , honde Ihe metem na mam hùa espada nua 

> e hùa adargua na outra j e dele recebe certo dinheiro, 
n e dis-lhe h?s niesmas palanras que acima dise , porém 
» nom ihe cin^r^^m espada -, entam da escola ho leuaom ha 

* 3 pa9o deiRey ; encam ho mandaom asentar em soldo , 
9 e ihe daa por sua mam dous Fnnóes em comedo de pa- 
1 gua de sua mor.ìdia , ho que eles haom por muyta hon- 

> ra , de maneira que rodos saom armados caualeiros anies 

> de utuerem com elRey, nem coma rem atmas pera ser- 

> uirem ninguem -, e rodauia elRey de Calecut arma por 
1 sua mam aigùus princip.ies da propia maneira que fas ho 
9 de Cananor , por ihe hzer honra e fauor y porém saom 
1 moytos pouquos. Eftes Nayres quando uaom ha gueia 

> pelejaom esforfadamente , tomaom ha espada dos imi- 
1 guos qge roataom» e trabalhaom muyto por iso j por ho 

a ha« 



LlTItO DE DuARtS BarBOHA. )ip 

) hauerem por grande honra , etrazemna loguo ha elRey 
ì ou Senbor com que uiuem , com muyca tefta eprazer, 
• acòmpanhados de seus parentes e amiguos , (e irazem ha 
D espada que tomou ha mam diretta e ha sua ha esquec- 
» da) ; e ainda que elRcy efieja muyto lopge donde ioy 
X ha guera , là Iha kuaom e apresentaom com muyta ale« 
I gria: elRey se aleuanta , e ergut-ndò has màos pera ho 
t nascimento do Sol y ho adora > entam recebe aquela es* 
X pada y bonrando e fauorecendo muyfo ha ho Nayre que 

> ha tras , e fas ioguo asencar ilio ha hùu escripa<kni , dando 

> ha ho Nayre huu bracelere douro , mttendo iho no hra« 
s fo por honra , e asy ho despedem i ha espada mandamna 
s mecer num almazem hondc tem outras muycas , que nom 
» seruem de mais que dettar aly por memoria, » Eftes Nay* 
rcs quando asencaom uiuenda com elRey , ou outra quaU 
quer pesoa de que hamde receber soldo , proinetem de mo- 
rerem pc^r eie , e efta ley he antre eles guarda da dos mais 9 
algùus ho nom cumprem mas he i(lo de gerai obriga^am : asy 
que em algùa guera macaom seu Rey ou Senhor , se se eie» 
achaom presentes , tazem ho que podem ate morte ; e se se 
nom achaom ahy, aìnda que uenhaom de casa , uem busquar 
aquela pesoa que ho matou , ou Rey que ho maodou marar , 
e aly por mais que sejaom hos contrairos, cada hùu sem cor* 
nar atras fas tanto até que ho mataom : se algùa pesoa se 
teme , toma deftes Nayres hùu ou dous , ou aqoeies que se 
atrcuem ha manter , ha que daa bua certa cantia pequena , 
pera que ho guardem^ ainguem por amor dcies Ihe ousa 
na fjzer mal , por que tlcs e roda sua linhsgem uingaom 
ha injuria que ha* ho tal fose feita , ainda que seja contra 
ci Rey ^ e por iso elRey muytas uezes leyxa de marar ou 
oftiguar pesoas que ho rem ofendido , que tem em sua 
guarda Nayres , por nom ser causa deks niorerem ^ porque 
ainda que ha tal injuria nom fosem presentes , morcraom 
por ha utnguar. Eftes Nayres uiuem sobre sy » fora de 
pouoajam , apartados de outras gtnccs y cerquados de muy 
altos ualos j aly tem seus palmares , e tanques j nom se 
tocaom comnenhùa outra gente , nem comem senam com 
Nayres , nom bebem uinho , nom dormem com molhe' 
res baixas , tudo ifto sob pena de morte ; qui^ndo uaom 
por caminho ou rua , uaom bradando ha hos uiiàos que se 
afaftem de per honde haom de pasar , eles ho faztm -, e 
nom querendò fazer 9 ho Nayre hopode matar sem pena: 
c aindia que seja mo^o fidalguo muito pioue e sem uàlia; 

a^haa* 



HO 



.(/jvjip osDu4&t'sBaì^bos4. 




achaivlo no cafninho hùo homem baixo , «uiy rtqvo e hon- 
rfdo , cmuy faa^recido delRey, aayho fu afaitar ^ame $9 
i^ìe Fos« huu Rey , e nifto tcpi boa Nayres muy grande 
primor , e asy ho fazem has mulhcres has oatr.as : ifio di- 
zem quc ho tazcm por nom macalarcm seo sangue i se hùu 
deftes uilaos por desaftre ou nontade toquar algùa mulhef 
Nayce , scus parcntes ha roacaom loguo , e ha eie, e ha quan- 
ros parcnres rem , se hos podem hauer ha mam : se eflies 
Nayres nia»daoni fazer algùa obra ha hos uilàos , 00 Ihe 
eompraom algùa cousa , ho maadaom de pesoa ha pesoa , nom 
tecn oacra pena coquando^e com eiesj ()ue serem obriguados 
ba Hoo encrarem em suas casas sem se primetro lauar , e irò- 

?|uar hos ueftidos que crazem com outros lauados , e asy ho 
azem has mulheres ; mas efte comercio ha de ser fora, 
e nom em casa : despois que saom dentro nascidades al- 
gùa cousa se tocaom mais com ha gente , ma$ todauia hos 
uilaos ham-se de cheguar has paredes , e leyxalos pasar, 
Nas cidades nom entra mulher nenhùa de Nayre , «oh pena 
de morte , senam hùa ues no ano , pera ho que rem haa 
noite ordenada , em que podem andar com seus Nayres per 
honde quizerem ; nefta noice enrraom principalmente em 
Calecut mais de uinte mil mulheres rodas de Nayres, 
bos moradores da ddaJe por hos honrarem p6e efta no te 
muytas candeas polas ruas i has casas das pespas pnnci* 
paes eftaom todas muyto alcarifadas e param^ntadas deri- 
quos panos , has Nayres entraom ha uei has casas dos 
amiguos honds recebem muytas diidiiids e gazalhado , con* 
uidamras com betele , que antreles se coftuma e ba por hon* 
ira , e conservai de at^ucar , ìjue tem por grande honra reciber 
das mSos de seus antigos , delas uera embufadas , dclas de 

5ra9a ; cambem uem has mays , e ìrmas , sobrinhas dos 
.eys ha uor has eidades , e toda ha noice has andaom nen- 
do, e a^y has casas deftes mais grosos mercadores de que 
recebem grandes dadiuas e presentes i porque das cambem 
rem cuidado de hos softerem no fautr e amizade do Rey. 
Eftes Nayres depois que asent^om uiuenda com elRey flun« 
qua perdem ba moradia que dele tem , e ainda que sejaom 
muyto uelhos sempre ha haom por ìnteiro até morte ^ antes 
acreaentaom aigùas pesoas : se pasaom algùs anos que ha 
eftcs non pagaom suas moiadìas , ajuntamse quatroccntos 
eu quinhencos deses agrauados auante ka pona do pafo, 
don^e mandaom dizor ha elEley que eles oaom de caminho 
espedidos dele , pa^a ireoi uiuer com oucro iieohor ou Rey, 

por 



•Lllrlld D e D V AUT 1 B A K B O t AJ )^f 

tpttLfìtó lhe$ Mm daa de center ^ e etRey Ihes manda eti- 
taoi rogdr qoe se 9opfpaom ^ que cedo seraom remedìados ; 
e se Ibes taguo nort» daa ha ter; a parte do que ibes he 
deuido, promeretìdolhes de cedo Ihes dar adentasiai uaih^ 
se ha oucro Key^que Ihes parece qne deles leraa netesida^ 
de , ante quem se apresenraòni , dizcndo-lhe qoem saom , 
donde, e porque tuom ; elR.ey hos agazaiha e Ihes daa 
de corner a ce Crea dla« , sem hos 2(serttar cm soldo , é tarh*» 
beili ne(tes dias Ihes daa cerca cousa pera cada dia , com 
que honeftamence se pb^ierti ifìanter ; neft^ tempo m^nds 
ha saber delRey de q\iein et.cs se espediraom , se ihes que^ 
loguo paguar , e nom hiuendo hy reme<iio pera iso , entairi 
teaseittaom coifi ho outro, ho qt!^e antfe hos Reys he gran** 
de abatiménto e injuila de seu eilado : quaniio andaom nat 
guera, pagiiaoiti hds Rels ha todos hos Nayrc« que r\e\à 
3eroem , inda que sejaom dourro^ Senhores , snas fr.oradlasf 
cada dia , qbe he quatro taras ha c^a hùu , e cada di^ 
tem sin'co rs. : nò tertipè qli^ arfd^òfn' na guera se podem' 
toquaY com tV>da hi genfte , e cém aiTàos , e corner e ht* 
ber com eics etti silas casds^t tfckh se laiiareiVi. ElRe-y he 
obriguado ha mantet ha may e sobrinhos dòs Nayrcs que 
na guera morem , e loguo hos asenta em soldo ; se hos te- 
rem, eiRey hos manda córar itiuyto bém , aleni do' que 
The Jà^ ordinario, ealgSs aleni ditto rem silas faz^ndas de' 
qUe oiuem , e con) qiie maniém sna$ irmàs , ha 4]ue rem 
n^uy grande acatamenro , princìp^nwnt^ h'as rtiais ucrlhers , 
com qae tem grande parcialidade ; com ha's màis mo(as^ 
nom entraom em hua> camar>a , tieni em ea:)a honde efteenf 
S001 , nem te cociom con^ elas , ifem Ihe falaom por nont 
darem azo hi pec'arenf com elas por serem mafs mo(^as ; 
porque cdm Uà maior norfi ho' poderaom lazer peto gfan^ 
de acatamehtò que ihe rem. Eftas mntheres Naynas qoan^ 
do efVaorft em sen coftbnhe , fechanvse ent hua casa apar- 
rada tres dias si?m se rdquarfem corti rfìngnert ; ho sca co-* 
mer elas ho falem em paneias e bacias apartadas ; aca* 
bados hos tres dias se lana- em aguoa quente , ueftindo-sé 
doutroi pano's lauados-; enràm sahe de casa, e' se uay ha 
hùu tanq\ie hondé He laua outra ues y e leyxa aqneles pa« 
nos limpos , e toma ourros ; e della manetta se pode ir ha' 
casa » e conoersiir còm sua may, e irfnàas , e outra gente*: ha- 
casa honde eia cfteoe aqtìeies tres dias he emboftada e 
uarida ; emboftada còm bofta de bois , porque' doutra ma» 
neira nom encrara ningtiem nela : cftaa nmlheres quando 

pa- 




''Wà^ 



pirern saom loguo niuyco bem laoidat com muyca agoà 
quenre hos prifn^iros crei diat , e depois diso outrasrouy- 
tas uezes , de cimi da C3be9a are hos peis : eftas Qom fa- 
zem nenriu oficio senann fazer de corner pera sy , e gua- 
nhar de conner por seus corpot , porque além de que ca- 
da bua rem cres e quacro amiguos que Die daorn de co« 
mer, nom se negaoin ha nenhuu Bramene ou Nayrc que 
Ihe daa dtnheiro ; saom mulheres muy limpas , craum-se 
muyro bsm , haom por grande honra e galanciria, e pre- 
zam-se mjyro de se saber comprazer ha hos homeins , e 
rem por Fee que roda ha mulher que more uìrgem he da* 
naJa. » Tem hos Nayres graade acaramcnco ha hos parca- 
tes e irmio$ , ho menor eftaa diance dos ourros com 
muyca corcezia, e com ha mam na boqui par silencio, 
respondendo somence ha ho que Ihe proguncaom , cera 
grande acacamenco ha hos metcres » e ranco , que elRey 
se aleuanca em pee quando seu meftre enrra honde eie 
eftaa , e amboi se adonom hau hahooucro, ho meftre 
ha eie por Eley, e eie ha ho oucro por meftre : quando 
eftes Mayres m^rem , mandaom queimar seus corpos dea* 
ero em seus cendos e quinties , e hy ho pranceaom 
sua may e par^ces , eha cìnza deicao<n em rios coren* 
res ; ho sobrinho ou quem ho ha derdar roma doo por 
eie em bau ano (di maneira quehocras ho prìncipe por 
elRey) fas ho corner por sua mam, ou Iho fas bau ora- 
mene, laua-se prim'siro que coma com grandes ceremo- 
ntas , muiando hos panos que cras e comando ourros^ 
bare bas pilmas prim:iro que coma, ha ho qiie acojcm 
muycis gralHas , e eie Ihes daa de corner tazendo muy- 
cis oucras idolatrias , e d^ndo esmola ha hos proues e ha 
Bramenes segando ho que rem de seu ; aoabado ho ano, 
ciri ho doo , e fas oucra<i ccremonias ha maneira de sa- 
himenco. Todos eftes Nayres saom muy grandes goc- 
reiros , crem em muycis fancasmas , rem ancre sy dias 
bóo) e mios , nos mios nom come9araom nenhua cou- 
sa nem finom naia -, crem cambem em sinaes , que se 
hua gaco se acrauesa dianre dele eftando pera fazer 
qaalquer cousa , noti hi fazem ^ se em sahindo de casa 
ha alluri ne-;ocio acHiom algua gralha a carecar lenha, 
cornamse ; se em parcindo doucras pesoas com que es« 
rem , ats;a i do9 q'ie fiqua espirra , ho que se h!a se cor- 
na asenrar , e nom parce Cam asinha : eftes adoraom ho 
Sol I e ha Lua , e ha candea , e has uaqaas , e honramnas 

1 muy- 



LltRO DE DvARTB BaKBOSR. ^^y 

n muyto; cremmuyto deligeiro: se aigùu he demoninhado 
1 dizeiD que he ho seu Deos que se mete nele , e ho que 
m Iho demonio fas dizer,que saom cousns espantosas , tu- 
m do crcm ; e falos acutiiar asy niesmo , e tudo ho que di- 
I zem hi elKey seni duuiJa nenhùa ho fas loguo , e ho de- 
> nionio pera ihe darem credito Ihe fas muy diabolicos si* 
I naes; crem que'hum homem depois de morto pode tor- 
li nar ha jiascer doutra mulher com hos propios sinaes* » 
Hatambem nefte regno doMalabar outra ley degente qne 
chamaom Brabares que saom mercadores Indios naturaes da 
tera , e asy ho eraom ances que gentes eftrangeiràs houues* 
sem nauegapam da India-, tracaom em toda sorte^de merca- 
dorias , asy nos portos do maar corno nocertam, honde se 
mais usa seu trato : eftes recolhem em sy toda ha pimen- 
ta e gingibre dos Nayres e lauradores , e muytas uezes com« 
praodi has nouidades dantemam , ha troquo de panos dalgO" 
dam e outras mercadorias que nos portos do maar haom , e 
despois his reuendem e ganhaom muyco dinheiro : rem 
eftes. taes liberdade , que ho Rey do regno em que uiuem 
hos notn pode matar por jufti9a ; se eIReysouber que ai- 
gùu deles fes atgiiu malefìcio por que deue ser punido » 
fàs ho saber ha hos outros , e eles se ajuntaom hos princi- 
paes em conselho , e mataoni ho delinquente has Ian9adas e 
cutiladas, Fazendo saber ha elRey ha juiti9a que nele fazem: 
saom homeins muy riquos, e de muytas eran9as na tera an- 
tiguamente auidas ; casaom com hùa soo mulher ha nosa 
maneira , hos fìlhos hos erdaom ^ e quando morem mandaom 
qucimar seus corpos j suas mulheres hos uaom pranteando 
are ho foguo , e cSeguando ha eie , tiraom do pesco9o hùa 
joia pequena douro que Ihe eles daom quando as recebem ^ 
e Un9ainna sobre eie, no fogijo , e asy se tornaom pera casa » 
nom tornaom ha casar ainda que sejaom mo9as de pouqua 
idade; se elas morem, hos marìdos has mandaom queimar e 
despois podem casar outra ues^ eftes saom tam limpos deli» 
nhagem que se podem hos Nayres tocar com eles. Ha nefta 
tera outra ley de gente ha que chamaom Cuiauem , que nom 
tinhaom diferen9a dos Nayres , somente por hùu ero que fi- 
zeraora ficaraom em ley sobre sy ; seu ofìcio he fazerem 
lou9a e tejolo pera cobrirem has casas dos Reis e dos Ido- 
los , has quaes cobrem com ho ceìoló em lugar de telha ; 
cftas somente , porque corno ja dise has mais se cobrem 
com rama ', tem idolatria sobre sy , e seus Idolos apartados. 
Nas suas casas de oracao a que cbamlo Pagodes , Jazem mui^ 
NoùcUltram. N.° Vii. Aaa tas. 



);4 Litro dbDvab.T£ Barbosa* 

tas jeuìqarìas e nigromancias ^ e os qut nascem dellts naofo^ 
dem ur o$ura Icy ou officio. A'cerca do casamento cem ha 
ley dos Nayres ; com has mulhcres dcftes podem hos Nay- 
les dormir, comcondi^ara que nom podem onerar cai suas 
propias casas sem se iauarero do cai pccado , e mudarem 
iios neftìdos* Ha asy outra ley de Geniios ha que chamaom 
Mainatos , oae rem por oficio lauarem roopa ha hos Reys , 
Brames , e Nayres y e difto uiuem y e nom podem cornar on* 
eco nem seus filhos ; lauaom junco com soas casas em jgran« 
des canqoes e p39osque pera iso rem , clles cem*tantos oes* 
eidos asy seus corno alheos , qae hamuycos Nayres que nom 
rem panos pera aeftìr propios seus , e fazem pariido com 
cftes , e cada mees Ihe daom cerra cousa por Ihe darem 
cada dia hùus muyro bem tauados , e difto uiuem : efte Nay* 
re manda cada dia ha sua casa hùu mo(o que Ihe lena 
hùus e rras oucros , conforme ha ho que requerem suas fi- 
dalguias ; e ha hos oucros lauaom por dinheiro , e asy ha co- 
dos seruem moy limi>3mence , e com iso se mancem abafta* 
damente : ^as gera^óes se nom mefturaom com outras nr* 
nhùas , nem outr:i^ .. a clas ; someoce hos Nayres podem 
ter por mancebas h.^r, ^riji.ì^res deftes com ha condÌ9am de 
se lauarem e mudarem panos : eftes lauandeiros cem ìdo- 
latria sobre sy , e seus cemplos apartados , crem em desuai- 
ladas cousas, rem ha ley do casamento dos Njyres , seus 
irmaos , sobrinhos hos erdaom. Ha onera ley mais baixa que 
eftes ha que chamaom Calctis , que saom cecedorcs ; nom 
rem onero oficio em que ganheni de comer senam em recer 
panos dalgodoes e aigùus de seda , mas saom baixos de 
pouquo dinheiro , de que se ueftem as gertes baixas ; rem 
ley sobre sy , e idolatria apartada j sua linhagem se nom 
Qiiftura com nenhùa outra , somente hos Nayres podem ter 
suas mulheres ror mancebas com ha condi9am acima ; muy* 
tos deftes sao*') filhos de Nayres e muy bós homeins de 
suas pesoas , trazem .nrmis comò eles , e uaom ha gucra 
honde peiejaom bcm ; no casamento guaidaom ha ley dos 
Nayres, e sèus filhos nom erdaom; has mulheres saom 
liures de suas pesoas , fazem ho que qnerem de seus cor* 
pos , mas nom se mifturaom com outra linhagem scnam 
com ha tua , e dos Nayres , sob pena de morte. Ha afora 
eftas gentes acima , bonze léys de outras mais baixas , com 
que has outras se nom misturaom e tocaom sob pena de 
morte , e antre huus e outros ha grandes apartamentos i 
guardando-se de se mifturar hùa cada com outra cnfta; 

hos 



L I V R O DB DvAKTB B A R B 6 6 A. ^^jT 

Kos màis limpos detoda efta gente baixa e ciuci chamaom 
Tuias , que saom grandes crabalhadores , seu oficio princi- 
pai hi: adubarem has paltneiras , a rolherem hos truìtos delas 
e acarerarem por dinheiro has cottas tudo , que na cera tieni 
ha beftas de carerò -, saom cauouquciros , e ganhsom de 
corner em coda ha cousa de trabalho ; aigùus aprendcm ho 
oso das armas , pelejaom muy bem quando cumpre: efles 
trazem por ^inaes nas maos hùus pàos de bra9a , hos mais 
deles saom escrauos de tera dos Nayres , ha quem hos Reys 
hos daom pera deles comerem , e se manrerem > e cles 
€em cuidado de hos gaurdarem e fauoreceiem : tem sobre 
sy Idolos em quecrem, seus sobrinhos saom seus erdei ics; 
eies saom casados , mas seus filhos nom erdaom , porque suas 
mulheres pubricamente ganhaom de corner per seus corpos, 
e ha nìnguem se negaom nem ha hos eftrangeiros , de que 
hos maridos saom sabedores , e Ihe daom lugar pera ho fa- 
zerem : eftes fazem ho uinho da tera e ho uendem , ho 
que nenhus ourros podem fazer^ guardam*se muyto de se 
tocarem com outra gente mais baixa que sy 9 e uioem 
aparrados das ourras gentes ; antre eles ha hy alguus que 
dous irmàos tem hùa mulher, e dormem com eia sem ho 
eftranhar. n Ha outra ley de gente mais baixa que efta , 
1 que chamaom Mancu , que se nom mefturaom nem to* 
B caom com ninguem , nem outros com eles j saom la- 
n uandeiros da gente comua , e colchoeiros ^ hosquaes ofi* 
B cios ninguem pode usar senam eles ; seus filhos todos 
B por for9a ho hamde ser : tem idolatria tambem sobre sy, 
B eftes iauaom hos panos has Nayras de quando eftaom 80« 
B bre sy com seu coftume , hos quaes pathos per for9a ham 
B de ser lauados e torcidos por efles lauandeiros , e nom 
B ptrlos outros , porque nom sendo asy nom .ficaom liutes 
B do pecado ; eftes saom escrauos deiRey , e tambem dos 
B Nayres. » Ha outra ley nefta cera de gente mays bai- 
xa , ha que chamaom Canaquas , qne tem por oficio fazerem 
adarguas , e sombreiros ; eftes aprendem letras pera aftro- 
lomia , saom grandes aftrologos , e dizem muyto certo muy- 
tas cousas futuras , e ha Senhores que por iftoìhe daom man- 
timento : hos Rets se desejaom saber alguas cousas, man« 
daom chamar eftes , e saindo-se de seus pajros por detras 
honde tem has ortas, se uem com eles, e Ihe preguntaom 
ho que querem ; eles ho escrepuem , e se uaom pera suas 
casas ha eftudalo , e eftudado se totnaom ha ho mesmo lu- 
^ar (porque por sua baixeza nom podem entrar nos pajros) 

Aaa ii B hon* 



rro 

rcs 

IV 



** i«, J«f '^'*>'"^** alcanfaoro por seu sabet : tua 
"* !«™;^ *"" '?" «dolairia» e agouros , e tanto 
**'^ /, Tf ^ * nenhuu Rey ou Senhor ncnhùa consa, 
**'ló fa!, *.» 8«™P"guntar ha eftes ho dia ehoia 
"* !lf OM»^ ' "° ^"* tambem fazem algùua metcado- 
»'**.«. ***** uiagens-, e com ifto ganhaotn de co- 
pera sy , suas ttjulhetes , filhos , e Senhotes , cujos ca- 
. saoin • ningue^ tae do qw eles dizem , irazem sem- 
S'*" om i**^' *** ^^^'^** *** P*'™*» escripias de suas 
f,s » ua^e ^"* ^*** *** ncnhùo gentio honra- 

» "* ' fiKe ***'^taom e ha hi fazcm scus juizos e con- 
i » *^j" !!:*"* l>em hos Sygnos e Planetas , e tem io- 
.tiguratJo cotìio nós , e hos inezes partidos , senam <pe 

^**!f.,aua j\* * no»e <>■'"> "'"«a. "«"" e doui.e 

u ''fi^..« . '*^renca dos rosos , porque aigùus acet- 

? 1^ «./[Suaes. : h^ primeiro mcs de seu ano he 

é SLo * '«'* «ni n>»io , e junho , julho , e aguo.- 

' ^ .!^n^n.?j ''leado , he ho inuerno com grandes cho- 

muvtS «Im^' • ^e m"do setembro hooutro he ue.am 

•enhos e uirT^- * Pouquos ueotos : na cotta sempre ba 

uerno uaraom u** ^ "<> "«ram somente nauegaom , e no 

» "mbem oT .*" naos. Ha ouita ley de gente mais bai- 

lotn pcdreiro* ***** ^^ lu^ chamaom Ageres , scus oficioi 

aetal , e ajo^* » « carpinteiros , e ferciros , lusadores de 

;em « iey s^l ' *>Uriueze$ ■ eftes saom rodos de hua linha- 

Sentea; $aom ® 'Y » e tem' scus Idolos apattados das ouira» 

«om qu^ .«le I «luy sods ei seus oScios. Ha nclu .era 
com oZT Co^,*»*'^ mais baixa que chamaom Mogcrcs, 
rado deJ^* i ef> ''os Tui.is , "" "»?'. « 'ocaom huns 
To . mt^«V ^^es s«.!^.^J: Xcareuf toJalss cousa» do es- 

e conieV tf *»> Tl^J^'o Pouauos dedes nateraj tem ley sob.e 

•s , ado, »'^io^>' de ^®"^"<»^ " pela maior pane ganhaom 

~-ay,es ? /-^n, r^^af ^'"'"^"'faVinheiros , e alguus pcscado- 

sue ojup J».-! k^***»/©» *?""' "^ «aom ramheni cscrauos dos 

«^o"> seuf *o»>> ^ <iel **''"^ ^y * aaos quc tem nauios coro- 

ff **"' '»Oy' «M » e '*« muyto "A. Mouros ; seus sobrmhos 

^ «e ^^^s *'°'" «U5 ^^J:, qu/m qucrem : guardam- 
^ to^^.^ edan,.5^ J'J,,^ g.nre mais baixa quc 



.-LtVmOfiBDvARTBBARBOSA. ^^7 

Bjj uruem em pouoafdes apartadas ; saom suas mulheres 
geniis mulheres , e braniguas , cratam-se muy bem j saom 
Slhos deftrangeiros , mais brancos que os naturaes do Paiz 4 
e as mulheres dndio mui bem vesiidas com muieos ornatos de 
curo. Ha rambem outra ley de Genrios mais baixa ha que 
chamaom Monqaer , saom pescadores que nom rem outro 
oficio senam pescar , aigùus nauegaom em nàos de Mou- 
Tos , e dos outros Gentios , e saom muyio naturaes c^o maar ; 
eftes uiuem em pouoafóes apartados sobre sy, honde fazcm 
suas pescarias; he hùa gente muy ciuel , saom grsndes la« 
dros sem uergonba ; saom casados , seus fìfhos crdaom 
suas fazendas ^ suas mulheres saom iruy soltas , dormcm 
com quem querem sem cles ho bauereni por mal ; tt m ido- 
latria sobre sy, saom escrauos doRey e Nayres 'da cera, 
notn pa^aom nenhùu direiro de pescado fresco \ se se** 
caom algùu pngaom ha quatro por cento , e defta maneira 
he ho pescado muyto barato, que he homoor manrimento 
que antreles ha j porque comem muy pouquas carncs e na 
cera nom ha muyra cria^am : ha hy algiìus deftes que saom 
niuy riquos e abaftados , cem grandcs casas e fazendas, has 
quaes Ihes eIRey toma quada ues que quer ,.e eles Ihe 
peitaom gtosamente ha seus gouernadores pera que has nom 
tome. Ha nefta lera.do Malabar outra ley dos Gentios mais 
baixa ha que chamaom Betunes cujo oficio he fazer sai , e 
sem<^r aros» nem uiuem doutra cousa;. rem suas casas apar-» 
tadas nos campo» , desuiadas dos caminhos por hcnde hos - 
nobres nom andaom > rem idolatria sobre sy, saom escrauos 
de Rcys e Nayres , uiuem proues j hos Nayres hos fazem 
andar muy longe de sy , e de muyto longe Ihe falaom^ nom 
conuersaom com nenhùa gente outra , saom casados , seus 
ili hos erdaom suas fazendas. Ha nefta cera outra ley de 
Gentios mais baixa e ciuel ha que chamaom Pancens que 
saom muy grandes feiciceiros, nom ganhaom de corner por 
outra cousa , falaom com hcs d< monios uisiueJmenre , hos 
quaes sentem em aiguus fazendo Ihe dizer cousas espanto- 
sas \ quando algùu Rey adoece manda chamar eftes hcmein& 
e mulheres dos quaes uem des e doze casas , hos milhores 
ofìciaes e mais aceitos ha ho diabo , com suas n.ulheres e 
filhos ; ha porta do pajro arnMom hùa tenda de panos pin- 
tados honde se nnccm , e daly uaom ha ho chamado de 
outro algùu Senhor se hos ha mifter ; pintaom seus corpos 
de muyras cores , fazem coroas de p^pcl e outras inuen- 
f óes com muytas flores e eruas ^ fazem gr^ndes fogueiras 

e 



^0 LfVAO Dt DuARtfi BaRB«ÌA« 

ecanjejs acesai ; crazem atabaqaei , crombetat , ebaciaf ; 
roiì que tangem i entam taem das tendas dous em dous 
%orn Buas espaJit nuas nas maos , dando gricos , fazendoes* 
guares , corendo pelo ceretio » saltando haa cras outro ; della 
maneira andaoai hùu pedafo dando-se cuciladas » mecendo- 
se no fogno nuos , e descalfos atc que canfaom , e entam 
•aem outros dous ou tres, asy homeins corno mo^os, can- 
tando e fazcm oatio tanto : has roulheres eftaom cantando 
e bradando , e fazendo grande aroido ; nifto eihoin dous 
ou tres dias de noite e de dia trabalhando bùos coro hos 
outros , e fazendo circulos no tereìro coni risquos dalma« 
gra de hùu baro btan^oo ; lanfaom dentro no circolo aros 
e flores acrmeliias , póe de redor csndeas ; e asy andaom nis« 
to até que ho diabo , por cujo seruif o ho fazem , se mete 
em hùu deles , e Ihes fas dizer de que elRey he doente e 
con que sera sam , e asy Iho dis e eie fiqua muy conten- 
te : manda-lhe daftr de corner , dinheiro ^ e panos , e fas ho 
que Ihe manda : efta gente tambem uioe apartada da conuer* 
sa9aai d.t honrada , nom se tocaom com nenhùa leydasou- 
tras , tambem saom grandes frecheiros , cafadores , e mon* 
^ teiros ; mataom muyros porqoos ^ ueados, e outras alima- 

j^^^y-^y^ rias , e aues de que se maotem ; saom casados , scus filhos 

' *:, c^erdaom suas fazendas. Ha onera ley de gente mais baixa 

;/ ;;j e ctuel que chamaom Reuoleens muy proues , oiuem e man* 

;\ : ^ tem-se de caretar lenba , e erua pera h.i8 cidades ; nom se 

r ^^Q tocaom com ninguem , nem ninguem com eles sob pena 

' ' ' : ''*y "1 de morte ; andìora nuus , somente cobrcm suas oergonhas 

"^éf \''"^^*y com huus panos muyto peqoenos e cujos , hos mais deles 
^^ com huas folhas daruores ; rem ley de casamento , stns fi- 

lhos erdaom suas fazendas , suas mmlbtrts traitm nas ore» 
lba§ nmiUi9 drgolas de Intio \ e no ptscoco , brn^os , ipemas 
bractleus , t manitbas feiios de eomas. Ha nefta tera outra 
ley de Gentios mais baixa ha que chamaom Poleas , eftes 
•e tem antre eies por maldiros , e escomungados , uiuem 
nos campos euarzeas, em lugares muito descobertos, bon- 
de senam por desaftre podem ir gences honradas , viuem 
em hùas cazinhas muito peqoenas e uiis , semeaom arot 
cem bufaros e boi9 ; nom falaom com hos Nayres senati! 
de muy longe , quanto hos posaom entender , bradando j quan- 
do uaom pelos caminhos daom grandes gritos que hos ley- 
xem pasat , e quem quer que hos ouue se areda loguo do a* 
minho, metendo'se pelo maro pera que eles pasem; qualquer 
homem e mulher que com eftes se tocar matamno laguo 

seus 



Lt^fto dbDvartbBaubosa. 5^9 

seus parentes, e etn uingan9a m«itaoin dos Poleas atee que 
se enfadaoiìi sem auerem pena algua ; eftes em cenos meses 
do ano crabalhaoni quanto podem por tocar qualquer snu* 
Iher de Nayre , de noite ho mais sacretamente que poder 
ser, por fazer mal soo -, e uam-se de noite andar por an« 
tre has casas doi Nayres , ha locar mulheres , e elas se 
guardaom neftes meses muyro , e se eles aigùa mulher tOf 
caom ainda que ha nom ue)a ninguem » nem haja teft^mu* 
nhas , eia se pubrica loguo bradando , e nom se quer mais 
meter em casa , por nom damnarem sua linhagem ; e ho 
mais que ntso fas he fugir pera casa de ai^^ùa outra gente 
baixa , e se escondem pela nom matarem seus parences , 
pera dahi se remediar e set uendida ha algùus eftrangeiros» 
corno se fas muytas uezes ; ho tocar he defta maneira que 
ainda que nom seja de paiaura ha palaura ^ aremesa Ihc 
qualquer cousa, pedra ou pào , e dando-lhe com eia fiqua 
tocada eperdida; eftes saom moy grandes feiticeiros e la* 
dfoes , e gente muyto roim. Ha outra ley de gente mais ^-^^-f'^'J^-r^ 

baixa e ciuel ha que chamaom Parcens ,que uiuem nos mais f^^^^^'^Aì^^iirv^ 
desabitados lugares , apartadoir das outtas gentes ; nom con- ^ \5fx'£^K-^?^T^^^^^^ 
uer9aom com ninguem, nem ninguem com eles, hamnos ^^^iC§j|Ì|vi»5- ^ 
por peiores que diabos , e damnados ; porque somente de hos p'^^'^^^^i^ìi^M-' '.i 
oerem se haom por fujos e escomungaados : comem inha- S fli*0^^T'^i/'^ 
mens e oatras raizes de fruì ras brauas , cobrcm has aergo- "* -^^^^^SC^^f::'^^ 
nhas com folhas , comem tambem carnes montezas. Neftes se ^*^'*iv 

scabaom has diferenfas das leys dos Gentios ,que saom por 
todas dezoito , e cada bua he sobre sy sem se poderem tocac 
nem mifturar em casamento ; e afóra eftas dezoito leys dos 
Gentios naturaes do Malabar , que oos jà dise , ha outrasde 
gentes eftrangeiras mercadores e tratantes na tera.,.honde 
tem casas , fazendas , uiuendo ja comò natoraes , porém com 
coftume sobre sy, que saom eftes ; Frimeiramente deftas gen- 
tes que diguo eftrangeiras que no Malabar moraom , bua ley 
ha,quechamiom Chatis nnturaes da prouìnciadeCharamandel 
de que ha ho diante talarei , saom homeins ba9os quasi bran- 
quos e gordos ; pela maior parte saom grandes mercadores, 
trataom em pedraria , aljofar , e coral ,*e em outras riquas mer- 
cadorias corno he ouro e prata amoedado e por amoedar y 
que ancre eles he grosa merradorìa , e trataom neia porque 
ha leaantaom e abaixaom muytas uezes : saom homeins muy 
fiquos e honrados uiuem limpamente , tem grandes casas 
em ruas apartadas sobre sy , e asy tem tambem suas casas 
dorajram e Idolos diferentes dos naturaes da teta ', andaom 

nuua 



\\o Li tao DI D V A & t B Ba nB osi, 

naus da cinti pera cima i e pera baixo trazem de redor 

hìiu$ panos j^randes de moytas oarat , nas cabc9as hùas coa- 

qainhas e cabelo comprido , apanhado dentro na couqua \ 

trazem has barbas feitas , e hùas dedadas de cinza com san- 

dalo e a9afram pelos peicot , teftas , e ombros i nas orelhas 

hùas furos grandes por honde caberaa hùu ouo, que crazem 

cheos douro com mayta pedraria e muytos aneis nos de» 

dos i cingem ciotas douro e pedraria , e trazem no seyo 

concinuadamenre hùas bolsas grandes , em que trazem ba- 

Ian9a3 e pesos de suas moedas douro , e prara , e pedraria , 

seus filhos comò saom de des anos loguo has crazem tam« 

bem , andaom ctfimbando moedas miudas , saom grandes 

escripuaes e contadores , e pelos dedos fazem todas suas 

contas i saom muy onzeneiros , e tanto , que hùu irmam ha 

outro nom empreftaraa hùu ceitil sem ganho; saom muy 

rcgraJos e re^idos no corner e guadar: sua Imgoa he di- 

ferente da do Malabar , asy corno Cafteihanos e Portugue- 

zes ; casaom ha nosa maneira, seus filhos erdaom suas fa- 

zendas ; se ho marido morer » ha mulher nom casa mais por 

mo9a que seja ; morendo ha mulher ho. marido se pode ca- 

sar ourra ues , se eia Ihe fas maleficio pode-a matar com 

pe9onha sem neahùa pena ; eftes rem jurdi9am sobre sy, 

nos R.cys nam poJem entender cm suas culpasi eles fazem 

ju(li9.i hùus dos outros de que elRey he contente » quando 

morem mandaom queimar seus corpos , comem tudo somen- 

te u i:]ua. Ha no regno de Calecuc outra ley de mercadores 

Oenrios que chimaom Buzaraces (em Cambaia donde eies 

saom naturaes se chamaom Banquaties): \à no dito de Cambaia 

dise seui coftumes de que propiamente usaom no Malabar , 

porque aigùs uiuem em Cochim , em Cananor tambem ^ pò- 

rem Ha maior parte em Calecut > tracaom em toda sorte de 

mercadorias pera muyras parres , folgaom hos Reys com 

eles na tera p;?los muytos direitos que Ihe pagaom de seus 

tratos ', uiuem em gran ies casas e ruas sobre sy , corno em 

nosas partes soiaom ha uluer hos Judeos ; em seus Idolos 

saom diferentes dos ouiros ; tem muytos sinos grandes e 

pequenos ha nosa maneira. Ha tambem nefta regiam do 

Malabar grande soma de Mouros da propia lingoa dosGen- 

rtos da tera , andaom nuus asy comò hos Nayres , somen- 

te trazem por diferen9a de Qentios carapucinhas redondas 

nas cabe9as , has b:ubas compridas ; deftes ha tantos e tam 

reiguaJos p3r todo Malabar, que me pafece que ha quinta 

parte da genie saom eles , espalhados por todolos regnos , e 

prò- 



LtvRO béDvarte Barbosa. - J4I 

proolncias j snom muy riquos e abaftados , rodo trato e na* 
ttegua9am do maar cem , e saom de tal maneira (]ue se dlley 
de Porcugal nom di^scobrira ha India, jà ho Maialar fora to- 
do de Mcuios e ciueiu Key mouro ; pois que o$ G^ntios por 
» qualqnfr despraz^r que recebiao S€ tomavao mouros ^ eos Mot%^ 
1 ros OS bonravdo mnito , e se era muiher a tomavao cm casa^ 
» mento. Eiles cem ho coftume dos Gentios em muytas eoa- 
» sas , seus filhos erdaom ametade de suas fazendas e ha 
» oucra metade seus sobrinhos iìlhos de irmam : tetti ha sei- 
9 ca deMafamede, honraom ha «sexta feira , cem por co- 
» da ha cera muytas mesquìras , casaom com (]uancas mu- 

> Iheres podem mancer , e aiém disc cem muyras mance" 

> bas gencias baixas da cera j e se haom filho ou filha des- 

> cas cornamno mouro , e has uezes ha may cambem ; e 
s asy foy no Malabar muUiplicando efta pesìma gera^am^ 

> ha que hos da cera chamaom Mapulures. Ha cambem na 
cidade de Calecut muycos Mouros oucros estrangeifos , ha 
que chamaom Pardecis , nacuraes de diueisas parces, Arabios^ 
Persios , Guzaraces , Curaanes , e Daquanis , que aquy es- 
caom eftanccs : por ha cera ser de groso traco se ajuncaraom 
ahy muycos com mulheres , e filhos que uieraom ha crescer ; 
Rauegaom pera codalas partes com muytas mercadorias , cem 
na propia cidade gouernador mouro sobre sy^ que hos gor 
uerna e caftigua sem ho Rey da cera emender neles , somcn» 
ce ho seu gouernador daa daigùas cousas conca ha eIRey, 
Antes que hos Porcugaezes descobrisem ha India , erao.m can- 
tos, e Cam posances, e solcos na cidade, que hos Gencios nom 
ousauaom dandar por eia por sua soberba ; depois uendo ha 
determina9am dos Portuguezes , crabalharaom por hos lan- 
farem fora da India , e nom ho podendo fazer , pouquo e 
pouquo se foraom caminho de suas ceras , leyxando ha India 
etrato , de maneira que asy ficaraom muy pouquos , sem ne- 
nhùa for9a ^ eftes no rempo qut prosperauaom nos seus 
cracos e naoega9am , Faziaom nefla cidade naos de quiiha 
de mil e mil e duzencos bahares de caregua ^ eftas naos 
eraom feicas sem nenhùa pregadura , rodo ho tauoado cO' 
zido com camisa,e has obras de cima muy desuiadas da fei- 
9am das nosas , sem nenhùa ceberca : aquy caregauaom 
coda sorte de mecadorias pera codalas partes , e parciaom 
<lefta cidade cada mon9am des e quinze naos deftas pera ho 
maar roxo y Adem 5 e Meca , honde uendiaom muyco beoi 
suas mercadorias , algùas ha hos mercadores de ]uda, que da* 
hj has leuauaom em pequenos nauios ha ho Toro ^ e do Toro 

J^Qtic. Ultram. N.^ VIU Bbb hi- 



I; 



nelH^'Vac». , chamalotes de corei , curo , pr«a e ^^^ 
US » ^ coasas <juc tornauaom ha uender cm uaie > 
„«yt**i,om em fe„creiro, ch.ganaom de ««Jo »&« ^^^ 

.UO.J ^a cJade outros mcrcadorcs «'^"^p^"^ ,So. , de 
'*Tel«-«y '"'* 3'oL d.reUos v Ho qu»l ""^Jj J"Vpeia ho 
r.tdat e seru.r , hùa esccpiam Ch*n«npe« ^^ ^j^^^^. 

onta. , e 6"«sear sua fa**";»» » *J'"" ■ fter ; has Qoaes tres 

jesois ho mercadof oi&aoa caJa ^"^^^Zj^ador comprésva 
^dos elles servilo ^Jo W, ' ^«^"'^^JI^uZmH''''^ 

.' ueid^"/ «-^^*>r;-."d^reda\ g"'aTcHar.ot^^^^^ 

• PosJs^ei^''^^ ^«»* 'K^bT.. e dormir i e detta ««ancua pros- 

* ^^''«aoS ^T^"^' * ^"^ ja hida dos Po.to&uezes »^» ì;^'» ' 
' "•«"oraT *'*'« «"f^* ncnhùs , e «e. qae ha no» u.oero 

; ^hos^S'^rn ìuqa.'>'^y' Sto hem lareaminte todalas lev» 
; ^ «J'oer» '^^ qurf«"'^'?J^ eente do MaUbat , e alga», se- 
; F''*<ì^s ì' '^Zìrss^ i v«i ag^^ ^o «itlo de cada regno de- 

^* ^ corno f^^ ^ 

^ de Cananor. 

• /«;'*'^^'"« d* . ^^'^ I ha ho longuo da cotta, «ft» h«- 

'biJ*'- Q? ^« , ? *»'^^'' ;? ^ ''j«1ain , em T»a borda do m»« , ««» 

'**«4^* c\;^^« ^^r^^2„ .^brinho doReydeCanj^o' 



Livno deOvartiBarioìa. ;4) 

f ho froiicciro; mais ha ho dianre efta>i hua rio quc chi* 
V miom Miraporam , em qus cllaa huu lugar porto de maar » 
t de Mouros e Qenttos , de grande traco e nauega9am , em 
> ipe eftaa oucro seo sobrinho que muycas uezes se Ihe 
s aleuanta , e elRey ho torna ha meter debnlxo de seii 
s mando : p<isado efte iagar» de longuo da cofia ellaa ho inon* 
» ceDely na betta domaar, que he huu monte muy alto e 
D redondo , emcera baixa , por honde codalas nàos de Mou- 
s ros e Gentios que pelo maar Indio nauegaom , se regem , 
s e dele fazem sua rota quando ham de partir ; defte tnon- 
9 te corem rouytas agoas d« que has nàos se prouem , ha 
» nele inuyta lenha em que entra muyta canela braua ; 
s loguo ha ho pee dele pera ho Sul , eftaa huu lugar que 
» chimaom Maranel , muy antìgno , UÌ90S0 , e fatto j po- 
» uoado de Mouros , e Gentios , e }udeos da lingoa da 
» tera , e ha muyto tempo que nela eftaom e uiuem ; nes- 
1 re lugar de roda do monte Deiy , se fas muy grande 
9 pescarla : logo perro daly adiante ha ho longuo da cos* 
1 ta y eilaa hum rio , do qual eit^a dentro hùa cìdade muy 
» boa de Mouros e Gentios , ha que chamaom Balaerpar- 
s tam; em quem elR.ey de Cananor sempre eftAj , honde 
9 teni muy grandes e fermosos pa9os ; e na borda dela eftaa 
I huu monte em que eftaa hiia fortaleza. Ha ho certam 
A dcfta cìdade quatto ou sinco legoas » eftaa huma cidade 
a de Mouros e Gentios muy grande , e de eroso trato com 
1 hos mercadores do regno de Narsingua , na qual se cha- 
8 ma Faliparam , e guafta^c nela muyto cobre. n Na cofta 
do maar , pasando efta cìdade de Balaherpariam contra ho 
sul , eftaa hùa muy grande cidade que cham lom Cananor , de 
muytos Mourus e Gentios , saom tanros mercadores y tem 
muytas nàos grandes e pequenas , trataom etii toda sorte de 
mercadorias pera ho grande regno de Cambaia y Ormus , 
Charamandel , Dabul , Chaul , Banda , Goa , Ceihm , e 
pera has Ilhas de Maldiua i nefta cidade tem elRey noso 
Senhor hùa fortaleza e feitoria de trato y coih muyta pas , 
amor y e se^uran^a ; diredor da qual fortaleza eftaa hùa 
vila deXpaos da tera , cas.idos y com mulheres e filhos , que 
depois dela feita se conuerteraom ha nosa santa fee , e coiv 
uercem cada dia. Pasando efta cidade de longuo da cofta 
ha ho Sul , eftaa hdu lugar de Mouros que chamaom Cra» 
guace : s tem nàos com que naoegaom e saom naturaes da 
i tera. 1 Adiate defte lugar eftaa hùu rio , que fas dous br^ 
f08 cóm que navegaom , e cercaom hua grande cidade de 

Bbb H Mou* 



^44^ LlVRO DB DVAETK BakBOSA» 

Mouros tiacuraes de rera , ha qoe chamaom Tremopatam ^ 
boa quacs saotn nacuraes da cera » muy riquos mercadores » de 
inuy(«is e grandes nàos r cfte he ho deradeiro lugar qae eU 
Rey de Cananor cem contra Calecuc , rem muy fermosat 
mesquicas dos Mouros , e saom cam riqoos e poderosos , qoe 
por qualquer as;rauo que recebem se ihe aleuantaoni com 
na cidade , de maneira que tnuytas uezcs he nccesarto uìr 
elRey pera amanfalos e afagualos ; i e se hos Portu^ue«^ 
1 srs nom descobriraom ha India , jà efta cidade tiuera Rey 

> mouro sobre sy , e conucrtera todo ho Malabar ha scita 

> de Mafamede. e Pelo mesmo rio acima , quatro Jegoas 
defta cidade , eftaa oiura may grande e riqua de Mooros 
nacuraes daterà , a que chamaom Qu.itegacam, i rem hos^ 
3 morftdores muy groso trato coni hos de Narf ingua ; •< ^ 
aquy e em rodo regno de Cananor nasce muy boa piroen* 
ra , miisnom he muyta , ha muyto gengibre, cardamomo» 
miramulanos , canaiiltula , zerumba , e zodoairo. Ha cam- 
bem nefte regno em algùs rios grandes , muy grandes lagar» 
los que coniem hos homein« , cujo b.ifo citando uiuos chei* 
raom corno algalia ; pela rera. ancre hos macos e eruas, al« 
guat serpenres, ha que hos Indios chamaom Nurcas , e nós. 
cobras de capelo porque fazem huu sombreira sobre ha 
cab<r9a ; saom« pe9onhencas ,* e ha- pesoa que mordem nonv 
dura mais que duas horas , e algumas vezes dous cu tres 
diasi muyfos rregeitadores uazem eftas uiuas em panelas ,. 
cncantadas que nom mordem, ecomelas ganhaom muyto 
dinheiro , ponJaas ha ho pescoso , moftranJoas : ha outra. 
sorte de cobras muyto mais pi*9onhentas-, ha que hos In- 
dios cham lOm Mad«iis ; que saom cam uencnosa.^ , que env 
mordendo maraom , sem ha pesoa ha que mordem em Ibc 
achegando' poder mais fatar , nem fazcr geiio de n^orer.^ 

Regno de Catecur^ 

Leyx'ando ho re;;no de Cananor contra ho Sul , da ou» 
tra parte do mesmo rio de Tremompatam , eftaa hua uila 
de Mouros da cera que se chtma Fìramuiogate , honde ha 
muycas naos e nauega9am ; alem della vila huu rio , em 
que jas huu grande lug'tr de Mouros , qae chamaom Man- 
jaim , tambem de grande nauega9am demuytasnaos etra* 
to ; alem defte , eftaa outro lugar tambem de Mouros , 
que chamaom Chamobaì de muyta naucga9am ; ha ho cer- 
Ciro defies tres lugares he ha tera muy pouoaula de Nay« 

re$> 



LlVRO DB DVARTB BArSOSA. ':j4f 

res 9 oue saom muy bcns homeins , e nom obcdecem ha ne* 
nhuu Rey, e saom repartidos em dous senhores Nayres qoe 
hos gouemaom: pasando estes lugares eftaa hùti rio (joe 
chamaom Hopedirpatam , etn qùe eftaa hùu lugar deMou- 
ros de muycas mercadorìas enauega^am , doqual lugar se 
coine9a ho regno de Calecut ; pasando ho (jual cftaa outro 
ha ho longuo da cofta que chaiDrom Tircore : pasando es- 
ce , eftaa outro ha que chamaom Pandanare ; alem do qual 
eftaa oucro ^ cjue tem hum 'rio pequeno , que chàmaom Ca- 
pacate ^ he hùu lugar demuyco traro , e de muycas naos ,. 
hond» pola praia do maar se achaom muycas 9aiiras mo-^ 
les : pasando efte lugar duas leguoas dele,estaa ha cidade 
de Calecuc , em que ma.is uarauaom e crnc.iom hos es« 
trangeiros que hos nacuraes da cera , honde elRey nosO' 
Senhor , por propia uontade delHey del a , tem hùa muy 
force fonaleza : pasando efta cidade pera ho Sul eftaa hùii' 
rio em que jas ourra que chamaom Chiliacc, honde ha muy- 
ros Mouros naturaes da cera mercadores , que rem muy- 
tas nàos emque nauegaom j pasando efterjo e lugar, eftaa* 
ouira cidade do propio Rey de Calecuc que chamaom Pro- 
priamguary, de muycos Mouros e Gencios , e de grande tra* 
co: pasando efta , eftaom dous lugares de Mouros, sìnco* 
kguoas hùu do oucro; ha hùu chamaom Parananor, ho outro> 
Banor , e no certam del^s esraa hùu Senhor que ho he de- 
Ics , e tem a seu soldo muitos Naires , e has vczcs se aleuan* 
r;i conerà elRey de Calecuc, e nom Ihe obedece ; efte9^ 
dous lugares saom de rrato de muyras mercadorìas , e ui- 
uem neles grosos mercadores : pasando eftcs , de Icnguo dar 
colla pera ho Sul ,. eftaa hùu rio em que eftaa hùa cidade de 
Mouros nacuraesda cecxi , e aigùus Gencios ,ha que chamaom 
Panacee ; uiuem nela muycos e riquos meK?dores que 
tem muycas naos , nele rem ci Rey de Calecuc grande ren- 
di de dircicos , e mais ha ho dianre eftaa oucro rio que cha-- 
maom Chaiua , pelo qual acima uaom muycos lugares de 
Gencios , por eie sae moyco grande soma de pimenca qu€ 
nasce no paiz '. e mais ha ho dianre ha ho longua da cofta , 
eftaa oucro rio que parre com ho regno de Cochim , defta 
banda dele eftaa hùu lugar que chamaom Cranan or, hon- 
de elRey de Cochim rem algùs dircicos ; neftes lugares. 
aiuem muycos Mouros , Xpàos , e Gencios Indios ; hos 
Xpàos saom da ensìnan^a do bemauencurado SamTomee, 
do qual cem aquy hùa Igreja , denosa Senbora oucra ; s^aom 
muyco dcuocos Xf cios , somcnce caxcccin de deuttina , de 

quo 




^\f Lirmo Di DvAati Barvoìh. 

que adiante falarei , porquc dxqay uè Charamandcl «iuem 
muyiOi I v]iie ho bemioencur.ìdo Sam Tomee kyiou fei- 
tot quando neftas p?rces ialoceo* i Pasado elle lagar de 
B Cranginor ha ho iongoo da coda do maar , se comcfa ha 
B cera delKey de Cochim pelo cercam , e per cima de Co- 
a chim se eftendem bas ceras de Calecuc : b efta tera, ott 
por melhor dizer coda ha do Malabar , he coberca ha ho loif 
guo do maar de pilmeiras , tam aitai corno altos acipreftes, 
rem hot peis muy limpos e lizos , e em cima hàa copa de 
ramoi , ancre hos Quaes nasce hùa fruyca grande que cha* 
maom quoquos ; he truyta de qoe se eles rouyto aprouciraom, 
e de Oije cadano earegaom muytas nàos ì eftas daom cada 
ano efte fruyto sem nunca falcar , nem hauer roenos nem 
mais, eilas palmeiras tem coda ha gente do Malabar , por 
caio delas nom podem cair em fome , ainda que ihe falce 
ho outro mincimenco i porque daom eilas des on doze cou« 
•as , todas inuy necesarias ha serui9o do homem , e de que 
se eles multo a'iudaom e aproueitaom , e rodas em codoios 
mezes. Primeiramente daom eftes quoQuos 5 qne em verdcs 
)>e bua fruyta may doce e apraziuel , deles se tira leite co- 
rri^ das amendòas , e cada hum deftes uerdes tem dentro 
c^ sy huu grande quarcilho digoa miiyto fresca esabrosa, 
e.«ìelhor que de fonte j depois que saom secos , ella mes- 
ma' agoa se coalha dentro neles, em hùa poma branqua ta- 
roanhi corno hùa magia j que tambem he muyto doce e 
sibro^a : ho propio quoqtro dcspois de pasado se come > e 
fazem dele muyto az^ite em lagares corno nòs , e da cas- 
qua que eles tem junto com ho miolo se fas caruam pera 
ho» ouriues que noni lauraom com outro: da outra casqua 
de fora qu^ Unga hùus fìos , fazem roda ha cordoalba don- 
de se seruein , <^ue he granJe mercadoria pera muytas par* 
res ; e do gn-no Ja propia aruore tiraom modo de que 
fazeai uinfio , propiamence comò ai^oardence , e em tanca 
cancdade que se earegaom dele muycas naos pera'fóra ; do 
mesmo moilo fazem muyco bóo uinagrey e muyto aguquar 
muyto doce 1 q*ie na InJia he muy boa mercadoria : da 
folKi daruore faze n h ìts empreicadas do tamanho do ramo f 
com que coSrem has casas, porque , comò ]à fica dito , nom 
se co'>re con telha senam ha casa doragam ou delKey^ 
e toialas mais se cobrem com palma: da mesma amore fa- 
zem Cam )em mi biri pera has casas , e asy lenha ; e de ca- 
do ift'3 em tanct ajafìinga qu; se carc^aom muycas naos 
pera fòa : ha hy oacras palmeiras doucra sarce mais baiica, 

don- 



LlVRO DB DvAmT£BA«BOSA. H^J 

iònie se colhe ha folha em cjue hos Gencios escrepuem , • 
serue de papel ì ha octras palmeiTas delguadinhas , iruy 
altas e liaopas has asus delas , ero que nasce hùa fruyra ta« 
manha comò nozes , que chaniaom Areca , e comemna ccm 
ho becele ; he antreles muy eftimada , he muy (eia , des- 
goftosa ) hadela tanta cantidade que se earegaotn tambem 
muytas nàos pera Cambaia e Da^uem, e muytas oucca» 
panes , honde ha leuaom pasada e seca. 

Regno de Cochim. 



Indo miis ha ho dianre ha holongno da cofta, efta» 
bo regno deCochiro y em que ha muyta pimenta , e nasce 
em coda ha cera em hùas aruores ha maneira dcra ^ e tre- 
pa pelas ouiras aruores , e por palmeìias, e ha outra muy'*' 
sa em latadas ; cria-se ha pimenta neftas aruores emcacho:: 
nasce aquy tambem moyro e formoso gcngibre , belide , e 
cardamomo , miramulanos , canaiìflula , zeruniba , zedcaira,. 
canela brana : tem efte regno hùu rio muy grande e bóo que 
sahe ha ho maar, per honde entraom muyto grandes nàos de 
Mouros e de Xptàos que no dito regno trataom *, ha ho 
(onguo defte rio eftaa hùa cidsde habicada de Mouros na«^ 
turaes da cera , honde uiuem tambem muytos Mouros Cha»^ 
cins , e grandes mercadores : rem muytas naos emque tra^i 
uom pera Charamandel, e pera ho grande regno de Cambaia^j 
e Oabol , e Chaul y cem muyta arequa , quoquos ^ pimen«^ 
ta , jagara , e a9uquar de parmeiras ; na boqoa defte rio Uf» 
clRey noso Senhor hùa tortaleza muy formosa y de redoc 
da. qual eftaa hùa grande pouoa9am de Portugueses , e Xpiàog^ 
naniraes da cera , que se fizetaom Xptàos depois dasentad» 
nosa fortaleza , e fazem quada dia doutros Xptàos ludios , 
qoe ficaraom da ensinan9a do bemaucniurado Sam Tomee, 
pasaraom deCoiinm, e ontros lugares. Ncita fortaUza e 
pouoagam de Cochim ha elRcy noso Senhor coregin.ento de 
saas naos, e outras se (azem de nouo , asy galea e caraue- 
]as , em tanta perfei9am corno que se fìzesem na ribeira 
de Lisboa ; aquy se caregua grande soma de piirenta , e 
entras moyms especìarias e dr;igoarUis , que de Malaca 
ttem , e daquy se leuaom cadano ha Portugal. EJRey de 
Cochim cera muyw) peqoena tera , e nom era Rey antes que 
hos Portugueses descubrisem ha India , porque toc^olos Reys 
que nouamente reinauaom tm Cnlecut , tinhaom ]X)rcoflume 
e lev « qoe eotcando ero Cochim , tirado tlRey fora de seo 

efta^ 







74^ LtVn^ DTDoAmtkBnilBOtA. 

eftado , mereremse etn pose «iele , e se Ihe prasia tàtni^ 
«lamlho h.i dar , ou nom ; cLRey do Cochim ihc daua ca« 
dano cercos aiitantes , mas nom podia fazer mocda , nem 
cobrir scus papos de telha , sob pena de perder ha tera; 
agora que elKey noso Senhor descobrio ha India ho (es 
Rey isenco e poderoso em sua cera , que ninguem coien- 
dese nda , e Us moeda do que quen 

Regno de Coilam, 

Indo mais ha ho longuoda cofta, pasando ho regno 
de Coehim pera ho Sul j encraom loguo no regno de Coilam -, 
e antre eie e ho de Cochim eftaa ham lugar pequeao , qae 
chamaont Porqua , de hùu Senhor , honde aiòem moy<* 
tos pescadores gencios , que nom utuem doucra cousa no 
inuerno senam de pescar , e no ueram roabar cudo ho que 
achaonn , e ho qje podem polo maar : trazem hùus peque* 
nos barcos de remos corno bargacim » eles saom muy gran- 
des remciros , e ajuntam-se muycos , todos coni arquos e 
muycis frechas , e andaom tanto de redor de qualquer 
nào que achaom em calma , has frechadas , are que ha 
renJem e roubaom , pondo hos que nela uem em tera ; e 
asy com eftes seus barcos ( que chamaom catures ) fazcm 
boas presas , de que daom parte ha ho Senhor da tera. 
PasanJo eftj lugir, eftaa logo oatro , que he ho priroeiro 
delle regno de CoiUm, ha que chamaom Cale Coulam, hon- 
de u^m muytos M^uro), Gentios , e Xptàos Indios da en« 
sinan9a do bemauencurado Sam Tomee , e dahi pera ho 
certam antre hoi Qentios uiuem tambem muyro9 ; ha nefte 
lu^ar muyca pimenta, de que se caregaom muytos nauios/» 
e has u;*ze3 naos noìas. rasando Cale Coulam , eftaa lo- 
go de longuo da colla pera ho Sul , hua muy grande ci- 
dade de miy bóo porco de miar, que chamaom Coilam , 
hooJe uem muycos Mouros , Gentios , e Xptàos : hos Mou* 
ros e Gencioì saon grandes mercadores , tem moytas naos 
em que nauegioiì pera tolalas pirtes com muytas merca- 
dorias ; naue^aom pera Charamandel e Ceilam , e pera has 
lihas I pera Beig'jala , MiU:a , Ctmarra , e Peeguu ; nom 
trataom em Cambila : aquy nefta ctdade ha muyca pimenta, 
tem hall may grani? rio , reina nette regno hùu Rey gcn- 
tio , i^raiie S^nSor Jsniyca tera , e riquezas , e gentes dar* 
raas , qie p;la miyor pirce saom grandes archeiros , e muy 
cerco j. £m hUéHi pohta que ba cera ianpa ha hoxnaar , are- 

da 



L I V R O O B D.V ARTE BarbOSA. ^4i> 

ila^o' hau [>oaco defta cid^de de CoiUm , eftaa hua muy 
grande Igreja , quc ho Apoftolo Senhor Sam Tomee fes mi' 
xacuios imencc ance que ialecese ( o (fue os ChristRos do Paiz 
me affirmdrio achar^se escrito nos seus livros , os qujes com^rvio 
com summa ven^ra^do) efoy defta manein : eie chegou ha 
cidade de Conia in , sendo coJos Gentios , em habito de pò* 
breza , hondq andaaa conuertendo a]gùas gcntes proues ha 
nosa sanca (ee , e trazia comsigo aleùs poucos companhei- 
ros naturaes da cera j cftando asy nefta cidade , amanheceo 
hùu dia no porco dela huu grande madeiro no maar, ho 
qual encalhou na praia , e foy logo ilio dico ha elRey , ho 
qual mandou muyca gence e alifances , que ho tirasem fo- 
ra em cera , hos quaes nnnca ho poderaom bulir ; e man* 
dindo elRey que se crabalhase quanco eni posiuel fose pé* 
ra ho c^rar , nunca ho pOwleraom cirar: uendo ho bemauen- 
turado Sam Tomee qae desesperauaom de ho cirarem , se 
toy ha elKey , ha quem dise que eie queria cirar ho ma* 
roaJeiro ha cera, com condì 9am que Ihc dese eie hùu pe« 
<ia9o de cera pera fjzer hùa Igreja ha louuor do Senhor que 
ho iaa mandou: elR.ey se rio dele , dizendo que se eie 
uia que eie com rodo seu poder nom ho podia bulir , co* 
mo se acreuia ha ciralo ì Respondeo-Ihe Sam Thomee quo 
eie ho ciraria com poder de [)eo8 , que era muy grande ; 
e elRey ihe mandou logo daar coda ha cera que eie hou- 
uese mider ^ e eie sendo-lhe dada e outorgada , foy hon- 
de ho madeiro eftiua , e acou-lhe hùu cordam com que , pe- 
la gra9a diuina , ho come^ou ha crazer pera ha cera sem 
ajuda de nin^uem, e ho mesmo madeiro se ueo acras eie 
acé ho lugar honde quis fazer ha Igreja \ elRey uendo 
tam famoso milagre , mandou que Ihe leyxasem fazer do 
madeiro » e da cera que. Ihe cinha dado cudo ho que eie qui- 
zese, tratando-^ com coda ha honra e Fauor, hauendo-o por 
sanco: muycos da cera se cornaraoni Xpcaos , mas elRey 
nom quis. Ho Apoftolo , ha que eles chamauaom Macoma, 
mandou chamar muycos carpinceiros da cera , e saradores , 
e come^ou ha laurar ho madeiro , que era camanho que 
aballou ha se fazer dele ha Igreja, e asy se fes. He por 
coftume ancre hos Mouros , e hos Indios , que quando hos 
oficiaes uem fazer qualquer obra , Ihe daom cerco aros pe- 
ra comerem , e quando se uaom ha nouce , dam-lhe ha cada 
hùu seu fanam : ho bemaoencurado Sam Tomee romana 
ha ho meio dia aquela medida per honde hauia de medir 
hp aros , e daua-a ha cada hùu chela darea , e cornaua*se- 
Natie. VUram. N.° VII. Ccc Ihc 



ffO JLllTRO OXOVARTB B A » B O 1 ▲« 

lh« aros muyro bóo ; quando ha noite te hiaom , daoa hi e*-' 
dx huo h&i cAuaijuinho do madciro , e tornaua^te fanam ; t 
isy acaboti sus nbra ^ trazemlo sempre hot otìciaes imayto 
conccncef . Uìftoi eftea milagres , e outros muytoe que no- 
fto Snór cada dìi fazìa por eie ^ tornauam-te itiuytos Xptios, 
de Cochim tré ho grande re^fio de Cotilam , cfàe chega 
defroiue de Cellatn , emque hauerà betti dov tint casas de 
Xpt&os etpalhados nntre hos Genciot , e pelo cevtam tem 
atguas Igrejas ; hos mais deles carecem da ensinai^fa e bau* 
tisroo , soffiente rem ho fìome de Xptaos , (]tte Sam To» 
mee emseu tempo batitiaaua todolos que ho qaeriao>ii scr: 
ho qaal ondondo asy bautìzando , acndo elRey de Coilam 

Joe se conuertìa muyta gente ha tua doutrìna , coftie^oe 
atentar niso,d^zendo qoe se aleoantariaom com ha tert; 
e asy eome^ou ha euitar , e coni ifto te foy Sam Tomee da* 
ty , perseguldu dcles e dos Gentfos , caminho de Charamaii* 
del , e chegoii ha hùa muy grande cidade qua chamauaom 
Mailapor , honJe recebeo martino e jas enterado ; de que 
ha ho diante miis largiimente em seu log^ir (alare! ; e des* 
ta maneira pera ho diante ficaraom hos Xptios nefte re* 

ftio de CoìI«m com aquela Igrcja , e pos renda de direiros 
A pimenta ^ de que tem certa coosa , e asy doutros direi* 
COS. Ficando eftcs Xpiaos asy sem nenhua doucina , nem Sa- 
cerdote que hos baucizase i eftrucraom muyto tempo secn 
tet mais que ho nome de Xptios ; entam se ajuntaraom to* 
dos , e hauido seu conseiho , decermìnaraom de mandar al* 
guns detes pelo mondo de bautismo Sacramento : com efta 
detetmlnaf am partiraom sinco homeins deles , com muyta 
despeza pelo mundo , e uierjom ter em Armenia , honde 
achàraom muytos Xptaos , e hum Patriarca que hos gouer- 
naua , hoqual oertdo suas ten95es , mandou com eles hùu 
Bispo com stnco ou seis cierignos , pera hos bautizarem , e 
dizer misa » e ensinar , ho qual Bispo hia por sinco ou seis 
anos , e tornando se hi.i outro por outros tanto», e defta 
maneira se hiaom remediando muyto tempo. Eftes Armenios 
taom homeins branquos , faltom erauia e caldeu ; tem ha 
ttj da Igreja , rezaom suas oras conrmuadamente , mas 
nom sei se rezaom rodo seu OAcio porìmerro, corno hos 
nosos Prades $ trazem hns coroas ha ho reues , e no higar 
dela ,cabelo , e por redor andaom rapados \ uefttdos com ca- 
mti^fts brtnmas , totiquas nas cabe^as ; andaom descal^os, 
trazem barbas compridas , saom homeins moyto deootos , 
dizem misa no aitar corno qua , com biia eros dìante desy ; 

ho 



ko q«e ha ih anda no mfio Ae dotitr que ho z\viiiiom » 
caia hua de sua parte ^ comungaom com pam salgado em 
logar i^eoitea^ consagraom dele quinto abafta pera todot 
quantos eftaom Ha Igreja , codo ho repartem antre ellea co* 
nra pam bento , e ha ho pee do aitar ho uem cada hum 
lecebe? de sua mam 9 honinho hedefta maneira, porque em 
a^ele tempo na India noro hauia uinbo j e romauaom p»- 
MS que utnhaom de Meca , e Ormus , lanpandoas hùa noi« 
te de molho , e ha ho outto du qne ande dizer misa , es« 
premem hofiimo, e com aquilo ha dtzem » eftes bautiza«» 
I aaom por dinheiro 9 e quando se tornauaom pera suas te* 
1 ras delle Malabat , hiaom muy riquos » e asy ha mingoa 
» de dmberro ficausoro muycos pof baotizar. Fatando efta 
I ddade de Coulam pera ho Sul , eftaa ha ho longoo do 
» maar hua pouoafam de Mouros e Gentios , que charoaom 
1 TiramgoiQ, bonde rambem ha nauegua9am ^ he de hùu 
a Sitór patente del Rey de Coulam , he tera moy farta» de 
» muytos mantimentos darozes e cames em grande abas<( 
a tanfa. a 

Cabo de CumetL 
At/th aerante pela dita eofia , ejld cobo de CHmeri , aon* 
àt acabn paiz d9 Malahar , mas éìinda dentro do Heine 
diCmlio , fate se eftende mais oitenta milbas para diante 
atc hwna cidade chamada Cbael, 

Ilhas do Maldio. 

Hz traoes defta tera da mais do M<riabar » ha coreuta 
legoìs uay hutf Archìpelaguo deithas, que dizem hos Mou« 
por qoe sjom dcrze mil ; e come^aom ha ho maait do moNw 
te Deli , honde cftaoro bo« baixos de Padua-, e «aom con* 
tra Malaca ; ha^ primrrfìis saom qiiarro pcqtienas , muy ra^ 
zat , que se chamaom Malilo-, saom poiioarda» de Mouroa 
Malabare», e dizem. serem delRey de Cananor ^honde nona 
haom» coosa senainr palnunres de que se mamcm , e tam»* 
bem daios- que Ihe uary do Malabar mw naaios que. aly 
ttaora caregoar de cordoalha de caùrou 

Ilhas de Padandtata. 

Ao t9aves de Panante e Coebinif r Conia» , ha ontrat lUraf f 
dtz om doTse dae quaes sao babitadas Por Moeeros pwdos de 
fequffta ejiatufo^ e qM mn lingoa soore si : ifof A» momm 

Ccc ii € 



2^1 LlVKO DS DvARTEB-^mBtSA. 

e ttm a sua residencia tm hmma Uba cbénmada Mabaìim , t 
a todas as ditas Ilbas dio o nome de P^landura : as ^entts 
dellas nio rewt armas , e sao fcomens jre^cos , mai multo cw^ 
nhosos 9 * sobre tudo grande $ encantadorei. Rei dtftas Ilhs 
be eletto por alguns mercadoves mouros ^MatHraes de Cananor ^ 
que o tnudio quando Ihes apras ^ e a qutm eie paga cada 
anno bum tribnto de cnxarcias , cordas d^ cairo , e outtos gm* 
ros da terra -, e vMo os ditos A^onros ^s vtzcs carregar al- 
gumas ndos seni levarem dinbeiro, ^ ^^9ìtÀo he mcesiatio ({ne 
OH por amor , ot4 por for^a Ihe derm a que elles qutrm. 
Ha neftas ilhas muyta moxama , da^^uy leoaom tambcm 
hùos buzios pequenos , que he granaci mcrcadoria pera ho 
regno de Cambaia e Benguala , hondc c:oren) por irocda bai- 
xa , e hamna por mais limpa e meiho w <juc ha do eobrc : 
fazem neftas ilhas muy riquos panos cl^lgodam e seda eou- 
fO 9 4"^ ualcni antrc hos Mouros muy ro dinliciro pera seias 
uefticios e Fotas ; » hos homeios deftas iihas trazem lenyos 
B muy finos e soris em has touquas 3 e tam tapados e pc(«^ 
n fiios que hos nosos ofìciaes nom hos soubcraom ohtzt^ se- 
9 n.im que tem enues e direico ; apanhim-sc neftas \ìhz% 
^ hùas casc^uas de tartarugas qwc chamaom Aiqaaroa , que 
,1 fazcm cm peda^mhos muy dclguados , qoe tambem bc 
, gjandc mèrcadofìa pera ho regno de Guzarare. 1 Acha- 
3C tambem aqay muyto ambre em grandes pedayos , delc 
brai^quo , e dele pardo» eoutro preto ; pregunrci ha muyros 
3cfte«Wouros por uezes que coiwa era ambre , e honde 
ftascia: lem ancre sy que ne efterquo daues , e dizem <j^c 
ficfte ArcKìpelaguo , laa nas ilhas deshabtradas , ha huas 
aues gcandes que pousaom sobre hos pencdos e rochas do 
^aar » e aly eltercaom aquele ambre , honde se eftaa cur- 
cindo do ar , e sol » e chuua , are que por ten^neftades e 
coimentas sobe ho maar sobre hos pencdos e rochis , e ho 
aranca em pedacos grandes e peaaenos ; e asy anda no 
inaar , atc que ho achaom , 011 sahe nas praìas , ou ho co« 
fnem algiias baleas -, e dizem que hoqueeies achaom bran- 
quo , ha que charoaom Ponambar , ha muyto pouquo teiripo 
que anda no maar , e efte he ho que antic eics mais nal - 
ho oucTO pardo ha muyto tempo que anda no maar, ediso 
toma aquela cor i ha efte haom tambem por muyto bom y mas 
nom tanto corno ha ho branquo : ho outro que achaom pio- 
to e masado , dizem que foi comido de baleas , e que daly- 
se toroou preto , e que lem tanta uutudc , que ha balea Ho 
nom pode desiftir , e que ho coma ha lanjat ìmeìco ; fc^ 



Livmo in DvAKTE Barbosa. )f :{ 

efte chamaom Minambar , e he hoque tnenos ual antre eUs. 
Neftas ilhas de Maldio fazem muytos nanìos gran<^es de 
palmeira , cosidos com camisa , porque ancre eles nom ha en- 
tra roadeira , e neles nauegaom pera ha tera firme ; saom 
de quilha , e de muy grande caregua , e tambem fazem cu* 
tros pe(]uenos de remos corno barguancìro ou fulhs , saòm 
hos mais fermosos do mundo , e muy bem obrados , em es* 
cremo ligeiros , e deftes se seruem dumas ilhas pera has 
outras , e cambem acrauesaom nele» ha ho MaLibar. Ha es- 
ras ilhas uem ter muyras naos de Mouros i]oe da China e 
Maiuco , Peegu , Maiaca , Qamaira , Benguala , e Gei*, 
lam arraue9aom ha ho maar roxo , e fazem aquy sua agoa- 
da , e tomaom mantimentos , e outras cousas necesarias pe« 
ra suas uiagens ; hasuezes chegaom aquy tam desbaratadas 
que has descaregaom , e deixaom ir ha ho fundo. Antre es- 
tas iihas se perdem muytas e riquas nàos de Mouros , ape 
acrauesando . polo maar, nom ous<)om achegar*se ha ho Ma- 
labar com medo das nosas naos, s deftas h.iom hos mora* 
» dores das tihas riquas mercadorias , que uendem ha hos Ma- 
> labarcs que aquy uem ha caregoar de cairo , corno atias 
» dise. » 

Ha ilha de Ccilam. 

Leyxando eftas ilhas de Maldio , indo mais ha ho .dian- 
ce onde dd volta o Cobo Camorim eftaa ha grande ilha que 
OS Mouros , Arabes , Persas , e Sorianos chamìo Ccilam , e o$ 
Indios Tenarisim , ifue quer dizer terra das deUcias , » honde 
1 elRey noso Sennor tem hùa forcaleza dettato nouamen- 
» te feita , que fes Lopo Soares sendo gooernador da In- 
» dia : B efta ilha he habirada de Gentios , nos ponos de 
maar dela uiaem muytos Mouros em grandcs pouoa9Óe8 , 
que eftaom ha obediencia do Rei da cera : saom grandes 
mercadores hos abitadores dela asy Mouros corno Gentios » 
saom homeins grosos e bem aposoados , saom bafos qua- 
si branquos , e poia maior parte barigudos , muy UÌ90SOS , 
Dom enrendem em cousas darmas , nem has tem ; saom to« 
dos mercadores dados ha boa uida, andaom nuus da cinta 
pera cima , pera baixo se cobrem com panos de seda e al- 
godam y touquiohas nas cabefas , has orelhas furadas com 
mnyto curo nelas , e pedras pnciosas em tanto nrnnero e tao 
grandes que as orclbas Ibe cbegao aos bombros ; nos dedos tim 
miiitos aneis de bellissimas joias , usao de cintas com que se 
apertio , Jeitas de ouro com pedras engajiadas : a sua Ungoa-^ 



)54 ryi.Tn# ot DuARYR Barsoi: A. 

j^HH 1^ tìMis ffmpmtte 40 Àfaiaèéw » # im fétte dtOotàfMit* 
iW. Mnitot Aimr^ Mnlékarm vem msiftir ntf^ Ilha f%t tt* 
téirem em mmi gremii UèipAade ^ t K>rame éiém de toési At 
c^nmodidafki déicias dù tmmdù , ot Imm psiz df or muuo 
umpgrado , e oi hom^nx vivem nétt mais tcaigamt^nu da ^ «e 
«M tttnbwHA amèra pane da iHdm f sempre sadios , e sio pom- 
cos oe qnt adottem. Nasetm aqui mtiàiùs e exectkmis jrwf^ 
ms^ osmjnm tftaa cob^rtot dilaraujas do$€s efermùsas, ir 
trts OH qmaìro especits desahor^ e atgmmas iem a casca wais 
àoee do que smmo » e sio mahnr qttt os Pamos di Adio ; os 
limois doces 'sio txctUcHies , btms grandes e otusvs peqnenos » 
doiissimos : ba muitas outvas varwdades de frmos , ^ nSa 
seachìo nas nossas panes > at arywtt eftao earrtgsdas delln 
tedo o anno , e comtHMLimtnie se vem flomt e fnues nradarot 
e verdes. Acba-se tambam bunut graiuihsima abmwdamìa de 
caepes de toda a sone , de uud divcrses mmmaes j e avcs , toia$ 
d^lieadas , ba igm^ abundanda djt peixes , que se ptscio jim* 
te d Hha^ Ha aqui peuco arros^ , e por isso cotubaem da ecfia 
h«) de Coramandel , e ejie be seu principat si^enta : tem nmi 



ì2^^, Od gtande abmnda^tA de mmto bom mei y e o/^uear qm Ibe be 
:^^^y S conduzido de Bengala. Netta ilha nasce boa e ucfdaieira 
S^^ìf^P-is^o^ canela , nasce pelos moiuct en aioorcs corno louros ^ elRcy 
'^'0^1^^'À *** manda cortar cm ramos delguados , e mandando Ihc ti 
"^A^li^^^^c^r^^i^^^ 2 rar ha easqua , ha maada secar em ceno« iitetes^ claano, ( 



-X:^^^<^'^Ìg^ M '•«• •** caaqua , ha maada secar em ceno« jeetepes claano, e 






ÒM sua mam )u <iaa ha hot raercadoies que ha tiem com^ 
p«a» y porqac nenkuo nof ador da teca ba poie colher se 
ivam- elRey , criam se nefia ilha mayco^i .alifante^ bi-auo»^ 
Kfie eiR.ey mandi tomar e amansar, e liot ocode ha hos 
iiMrca^tes de Ckaramamiei , e de Nacsingua ^ Mdabar ^ 
Daqiiem , e éz Cambaia » quc hos ^qiiy uem busquar ; hos 
q«iaes se n»miom deda man^tra : po< hutt aiifante (emea 
por ancgafa no monte hoiide se elea crtawn , presa ha ho 
p^« da hùa arooro com muy grosas cadeai ; daredor (he fa- 
zora tres oo ouatro couas rouy gc^inder, cokercas de ma* 
de»ra nfi»yco delgaada , com tera poc cima e ho tmls smil* 
niente que poJcno : hos alifantes brauos oendo ha £emea 
caenv naqueta^ cou^ , honde hos tem sete o« ooto dias , e 
aly ho« ««faimaom ,. ue^tando-os; de tioita e dei dia nrayro» 
horaein» que hos itom keyxaom dorm» , falmkhn-Lhe aoé que 
hoa aman9aom , dando ihe corner por aoa» mao» ; e dcpoi» 
q»« ho» lOfm muy aquebrantados e manfos , boa prendem 
cam odeas miay grosai ^ e pQra hos tirar da> coua ihe Ufi^aon 
d«mro tanca rama , quc ho alilatite aeoay aobiiMio povqtt^ 

e 



Lìtuo i> fi D V 1^ n 1 1 Barbosa» i^^^ j 

t ponquo ^tt éair àtU ) f num ho acaom ha hfia aruore ' 

honJe hotem tn«U <Ugu« dfM , nigUndo de notte homems 
com fogno ) que Ihe seffifm^ faUom ^ e dtindolhé de tòmet 
tefnperHdamtnce acc hos Imrtm ha sunmatiì; t deità ma- 
nclra hos tomaom lìmchos e femeas , t j^randes t pequenos , 
e hai oezes catrm dous nùa coua : ritta saoai anut de» 
«wy grande morcadona , ualem muyto , e aaom muy eftimft- 
ào% amre hds Reya da India , que ho» tern por eilndo ^ e 
pera ha giiera ^ itaba(tio ; saom deles moy domeftiquos ^ 
» rim sesado9 e emtndidos cotno homeina $ ìios béos uan 
le^ ha mil cru2ado$ e ha mil e quinhenros ^ e outros quir- 
tro^enros e quinhentos , aegondo aaom ^ e \Ìko no Malabàc 
e CSaramandel » ivefta iiha se haom por pouquo prefo ^ nifi«- 
guem hoa pode rotnar scnam *elRey , i/nc />j^4 it ijmm as 
Apanha. Tainbenn ha ncftj ilha mnyta pedratta de tnuyratt 
maneirtìs , a^y me^mo bòa lapidarioi em tanto extremo ^ 
({Q^ae Ihe crazcno hÙ4 mini chea de tera honde ha pedfa^ 
ria, logo uos diseiti, neih haueri tubis^ e heftn (niìrar; 
iso mesmo corno uem ho rabi on outr.) pedra ^ di2cm efta 
aguardara Udiaa oraj no foguo , e fìc^rà muyco crara e bòa 2 f^I^Ìl ,/ 

elRey has vezes se aucniora ha deìtar hàu rubi em hun ,^ ' '^?5^2>v 
mny rijo fo;>ao de caruam , ho tempo c]ue ho lapidario ìht^ K/} X'^^^"^^^^^ 
dis , e se alguu ho sofie sem perìguar fiqua muyro WAla 5%^Cti; 
perfoito citi c6r : corno eile Rey Jtcha algui pedra guarda-^ ^^ *^' -^ :C ' 

peri iua pesoa , e ha enthesoura. ymuo atjtd/lhà ^ dentro^ ^, v. r;^^" 
doméir ejid hnm banco cobirto de dez otidoztbra^s d'agM ^ '^*À^'^^^''':^^' 
aonde se acha grandissima éfttamidade de pei ola s miudns e ^^^'^^ 
frossas , e nìgumas dellas emprma *le pera. Os Mourtjs e Gefh 
tios de hnma cidade chamada Cael de £tny de Ccmlao , vem 
acfni duas ve^es no anno a pescali ss , e /is achao em oftras , 
fiirr sio mais peqnenas e mais lizas que nao saó as das fMh 
M5 paries, Os homens destem ao fundo do mar onde as acbao > 
e se conser^ió ali grande espa^o de tempo. As térolós peque- 
ti7s sio darjrtelks que as ap^nbio , mm as gi^nda sao parM 
£IXey , éfule ali tem bum jeitor sen ; e aleni disso pagao-lht 
bum certo tributo para terem licenza de pescar. £IFey de Cei^ 
Ho faz a sua residenci a cm hnma cidade, que seetamaCaL 
muco , que efid ajfentada fobre htan rio 1 com bum bom porto , 
aonde t^ada anno vem muitas ndos de diverta^ parta ac/irre^ 
gar canella , e ehfantfs ; tmum énro , prata , pano^ de Cam- 
baja de algodio jinisitmos , e muitas Mtras sortcs di metcà- 
doritu ^ <omo a^afrao , coral , 'azoHgut , e vermelhao ; e no 
ouro 9 e prata tem maior ganho , porque vai mais aqmi do 

que 



ihntnti vem nmta$ ndos de Bengala 9 
de A^AÌ^CA^ faracomffdr clefantes » 
da Ilha OHtfQì quAtro oh etneo portas , 

> onde sejaz bum grande commercio , 
uros Senbores iobrinbos de ElRey de 

ejiao , ainda que di veui se stòuvso. 
i hua muy alto sera , honde eftaa hùu 
^ « em cima doqual cftaa hùu tan« 
em hùa pedra hùa peguada de ho* 

m adgurada ; dizein Kos Moarosque 
padre Adam , ha <{ue eles cKamtoal 

parces e regnos de Mouros aly uem 

lue daly subìo Adam ha hosCeos; 



c&cinos , com grandes cadeas dcfe- 

idos em pel 

eses , nos brapos direitos grandes bo- 



Udos em pelcs don^as , e li6eS| e 






1 



>m pondo pelo caminho , pera seni- 

rias , dizcndo que ho fazem poraoior 

ie, e de Adam » muycos dcftes leuaom 

im muy riquos pera em Ceìiaai em- 

» corno fazem. Aiues <}ue cheguem 

ide eftaa ha peguada que eles dizem 

as 4lagHdi9.as ., e uales , e ribeiras 

re sinco e seis legoa$ agoa acé cinta ^ 

as tnaos pera desapegarem com elas 

n tantas , qu:: se ifto nom fizesem hos } 

ha cera , sobem por eia , mas ha ho I 

r t por scr muy ìngrime | se naai por 

cadeas de fero 9 que pera iso aly es« 

ha ho redor rodo he cerquado ; em 

aguoa daquele canque fazendo sua 

om que fìcaoni saluos , e limpos de 

ilha de Ceilam effaa muy perco da 

e ha cera eftjom hùus baixos , que 

«eio , ha que hos Mouros e Gentios 

r hoiide pasaom caminho de Chara- 

:o$ do Malabar , e cadano se perdem 

por ho canal scr muy eftreUor-e 

te ueio ha segunda ucz asentar ha 

Hc$ ranfas n^os e zambucos do Ma- 

ì doZ^ ^'^^ homeins por conto , que 

ie l^ti9^^^^^ ^^ armaJa de Porcogal 

Ciim «ornar C4regua. 

Qui- 



LivRO BfiDvARTfi Barbosa» 357 

Qtiilicare. 

Leyzando efta ilha de Ceilam , tortiando-me ha tera fyr« 
me 9 pasando ho cabo de Comorim ,* eftaa logo hùa cera del- 
Rey de CouUm , e doutros senhores ha eie subjeccos , ha 
qual se chama Quilicare , honde ha muycos e grandes luga- 
res de Gentios , e outros muycos de porto de maar honde 
uiuem muytos Mouros nacuraes da cera ; sua nauega9am he 
duns nauios pequenos ha que charo?.om champanes , em que 
hos Mouros Malabares uem ha tracar , e rrazem has mercado- 
fias de Cambaya : aquy ualem muyco algùus caualos ,e ca- 
regaom daros e panosque leuaom pera ho Malabar. Nefta 
Proulacia de Quilicare eilaa hùa casa dora9am de Gentios , 
honde eflaa hùu Idolo que eles tem em muyco grande con- 
ca , eada doze anos Ihe fazem hùa muyco grande fefta , 
honde todolos Gencios uem corno perdóes , e haom que se 
saluaom corno emjubileu; efta casa tem muycas ceras de 
grosa renda , e he hùa cousa camanha que cem Rey sobre 
sy , que nom hade reinar mais que doze anos , de jubileu ha 
jubileu , se ranco uiuer ; nefta maneira , e acabados hos do- 
ze anos , ho dia que se efte ajuncamenco e fefta fas , ha quy 
f rande poder de gente junca , honde se guafta muyca soma 
e dinheiro em dar de corner ha infìnitos Bramenes : elRey 
manda fazer hùu andaimo , que manda paramencar demuy* 
tos panos de seda , e ho propio dia se uay lauar ha hùu can* 
que com muytos cangeres e ceremonias -, daly se uem fa- 
zer sua oracam ha ho Idolo , e feita se sobe naque!e andai* 
mo de madeira , e aly perance todos coma hùas facas muy 
afiadas , e come9a de corcar hos narizes , depois has orelhas 
e bei9os , e asy quancos membros pode corcar de sy ^ e ian« 
^a fora muy depresa , acé que se Ihe uay canco sangue que 
come9a de esmaiar ; encam Ihe daom hùa cucilada pola gar- 

fanca com que ho acabaom de macar, e asy ho sacrlficdtom 
a seu Idolo ; e quem quer reinar no Senhorio defta Igreja 
outros doze anos , hade receber parte daquele marcirio j 
por amor do Idolo , e hadeftar uendo efte , e aly ho fazem 
logo Rey. 

Ha cidade de Cael. 

Ha ho diance mais ha longuo da cofta , eftaa hùa ci- 
dade que chamaom Cael, que he cambem do Rei de Cou« 
lam , pouoada de Mouros e de Gentios grandes mercadores ; 
iVbw. UUram. W VII Ddd tem 



^fS LrmO DI DOARTC BAItlOtA* 

tem may boom porco de maar , honde cadano uem moytas 
nàos do Malabar , outras de Cbaramandel e Benguala , de 
maneira qae se crataom aqùy muyras sorces de mercado- 
rìas , que de muyras partes aquy uem : hos Ghttis defta tera 
saom grandes homeìns i de muyta pedraria e aijofar , pof 
que ha pescarla dele he delKei : hùu Mouro muy rìquo e 
honrado da cidade tem arendado efta renda do aijofar ha 
muvTo tempo ; he cam riquo e poderoso , que todolos da ce- 
la fioonraom tly corno ha elRey ; eie fasjufti9a dosMou* 
ros , sem elR.ey lìiso encender : hos que pescaom efte aljo* 
far pescaom coda ha somana pera sy , e ha sefta feira pe- 
ra ho dono da barqua , e no firn do tempo pescaom coda 
bua somana pera efte Mouro ^ donde eie ha muyco aijofar» 
]onto defta cidade eftaa sempre clRey deCoalam ,que co* 
mojà emseu ticulo dise ^ he muy grande, nquo, e pode- 
roso senhor , de muyca gente daimas^ ha em sua tera hos 
melhores archeiros de rodo ho mundo : tras sempre comsi- 

S,uo trezcncas ou quatrocencas mulheres archeiras , que aih 
aom em sua guarda , e eie has manda ensinar des meni- 
nas ; trazem hùas fundas na cefta muy apertadas , de pano 
de seda e algodam j saom muy ligeiras. Efte Rey tem may 
ras uezes guera com elRey de Narsyngua , que he ram pò» 
deroso corno jà dise » e defende-se muy bem dele. 

Cbaramandel. 

Indo mais ha ho diante ha ho longtro da cofta , uay ni* 
rando conerà ho none , echama-se efta cerra Cbaramandel, 
que cera a serenca ou oirenca legoas de cofta , onde eftaom 
muytas ctdades, uilas ,e lugares, pouoados demuycosGen- 
tios : efta tera del Rey de Narsyngua he muy farta , de muy- 
tos arozes , cames , criguo , e todolos oucros ligomes que 
se daom nela ; he tera de campos i aquy uem cadano niuycas 
lìaos do Malabar , grande soma delas caregar daros , em que 
ganhaom muyco dinheiro : trazem ha eia muytas mercado- 
rias de Cambaya , cobre, azougue uermelham , pimenta, e 
muycas oucras mercadorias ; ha tambem nefta Prouincia de 
Charamandel muytas especiarias e dragoarias , que uem do 
regno de Malaca , China , e Benguain , que aquy has naos 
dos Mouros trazem , porque nom ousaom pasar ho Malabar 
com mede das nosas armadas. He efta tera ha mais abafia- 
da que ha neftas partes da India , cirando Cambaya ; porém 
se alguus anos aconcece de nom chooer^he camanha aotrc-^ 

Ics 



LlVEO DE DVARTE BarBOSA. ^jffi 

Ics ha Tome , que dela morem muytos , e per caso àcU ucn* 
dem hos filhos por quacro e sinco fandes, hos Klalabares 
Ihe crazem nefte tempo muyta soma daros , e quoquos y e 
leuaom has naos careguadas descrauos ; ha maior parte ou 
codolos mercadores gentios e Chatis quc viuero por toda 
ha India , s^^om naturaes daquy , e saom homeis nouy agu- 
dos em codo trato de mercadorias : nos porcos de maar ui- 
uem muytos Mouros naturaes da tera , grandes mercadores > 
e tem. muytos nauios. 

Maìlapar, 

Mais ha ho diante » leyxando Charamandel e suas terras ; 
eftaa na ribeira do maar bua cidade muy antigua , e asy 
despouoada , ha que chamaom Mailapur que em outro tempo 9 
foi muy grande e fermosa , do propio Rey de Narsyngua » 
honde jas soterado ho corpo do bemauenturado Sam To- 
mee , em huma muy pequena Igreja junto com ho maar. 
Dizem hos Xptàos de Coulam > que quando SamTomee deU 
partto perseguido do« Gentios , que com aigùus companhei- 
ros ueto ter h^ cidade de Mailapur , que naquele tempo era 
de des ou doze legoas em comprido pola cidade , e muy 
•redada do maar , ho qual despois comeo ha tera , e entrou 
por eia muyto dentro : come{:ando , foy Sam Tomee ha 
pregar aquy na fee de Xpco , e conuerteo ha eia aigùus ; 
polo que hos outros ho preseguiaom querendo-o matar , e eie 
per tso se audaua apartando das gences , e metendo muy- 
tas vezes polos montes; e que bum dia andando hùu ca* 
(ador no monte com seu arquo na mam , uio eftar bua 

f rande soma de pauóes juncos no cham , e no meio deles 
um muy grande e fermoso , que eftaua pousado sobre 
hoa lagea ; ho cacador tirou ha efle, e ho atrauesou polo 
meio com hùa frecha , e eie e hosouttos se aleuantaraom ^ 
noando no ar se rornou corpo de homem -, ho cafador ho 
efteue olhando muy espantado » atc que ho uio ca'ur ; entam 
se foi caminho da cidade , ha dizer tamanho milagre , e 
corno Ihe acontecèra : ho gouernador da cidade com outros 
senhores dela ueio ha uer honde ho ca9ador Ihe foy mos« 
trar, e acbaraora que era ho corpo do bemaueoturado Sam 
Tomee : tambem foraom uer ho lugar honde ho ferio , e 
acharaom na Jagea duas peguadas muy figuradas no meio 
dela , que eie nzera quando se aleoantàra ferido : quan- 
do eles uiraom tamanho milagre , diseraom 9 uerdadeira- 
•lente efte homem era santo , e nós nom criamos ^ e an« 

Ddd li Ma 



^6Ò Lituo de Dvartb Barbosa. 

tam ho trouxeraom caminho do logar , e ho uieraom tote- 
rar na dica Igreja , honde hoje em dia jas ; asy trouxeraom 
ha pedra das peguadas que puzeraom junco da saa coua: 
ho braco dìreiro Ihe nom poderaom nunqua encerar,oem 
mecer dentro na coua ; se Iho cobriaom , quando uinhaom 
ha ho outro dia eftaua fora, easy Iho leyxaraom fiquar, 
€ asy efteue por espa9o de rouyto tempo : hos Gentios da 
tera ho hauiaom por santo , fazendo-lhe muyta honra. Ili* 
nha gente de muytas partes aquy em romana , e utndo aquy 
ter hos Chins , quizeran>lhe corcar ho bra9o , e leualo em 
reliquias pera sua tera ; em querendo dar-lhe com ha es- 
pada , ho bemauenturado Sam Tomee , encolheo ho bra{o 
pera dentro , e nunqua ho mais feriraom , e asy jas naque- 
la Igreja que seus disipulos e companheiros Ihe fizeraom 
muy proutmente : hos Mouros e Gentios ho alumìaom di- 
tendo cada hum que he cousa sua ; ha Igreja he ordenada 
ha nosa maneira com cruzes no aitar , e em cima dabo- 
bada , e hùa grade de madeira , e muytos pauóes por diui- 
sa; mas eftaaja muyto dantficada , e ho circuito coberco 
de mato , e huu Mouro proue tem careguo dela , e pede 
esmola pera isoydequetem huma aiampada acesa de noi- 
te, e domai» se mantem : alguus Xptaos da India oaooi li 
em romaria , e trazem grandes a reliquias , hùus pelourinhos 
da tera da mesma sepultura do bemauenturado Sam To- 
mee, B tambem daom algùas esmoias ha ho dico Mouro» 
1 dizendo que lepaire ha dica casa, b 

Ha cidade de Paleacatc.^ 

Indo mais ha ho dianre , leyxando ette lugar de Mai* 
Fapur, ha ho longuo da cofta eftaa outra cidade delRey de 
Narsyngua ponoada de mouros e genttos grandes merea» 
dores ; ha tera he de muy bóo porto de maar , honde uem 
muytas naos de Mouros , com muytas sortes demercado- 
rias ^ e tambem por tera polo regno de Narsyngua uem até 
efta cidade muytos mercadores , ha comprar muytas mer- 
cadorias; porque de Peeguu , de qoe ha ho dìante falarei , 
trazem ha efta cidade grande soma de robis e espineiss , 
e muyro almisquere , a qual pidraria ual aqui muito pon* 
co dinheiro para quem a sabe hem comprar e escolhcr : nefta 
cidade tem elRey de Nar«yngua pofto de sua mam hùu 
gouern^dor , e arecadadores de seus direitos. Aquy se fazem 
iDuyros panos pintados Jalgodam , que ualem muyto dinhei» 

roi 



Litro ]>fi Dvaktb Barbosa» ^6t 

IO em IVIalaca , Peeguu , Qamatra , e no regno de Guza« 
rate , e Malabar , pera ueftidos : aquy tem muyta ualia co- 
bre , azougue , uermelham , e asy has outras mcrcadorias de 
Cambaya , graas , veludos de Meca , e sobre ludo agoas io- 
sadas. Pasando efta cidade de Paleacate , indo ha ho longuo 
da cofta , uay jà tornando ha ho norte conerà Bengala, 
na qual cofta uaom muytos lugares delRey de Narsyngua ^ 
até hùa sera que chamaom Odirgualemado, honde se acaba 
seu regno. 

Regno de Odsa. 

Indci^^sy ha ho diante , leyxando efta firn do grande re« 
gno de Narsyngua , ha ho longuo da cofta uay ho regno de 
Otisa , que he de Gentios muy bós homeins de peieja , e ho 
rey dele muy poderoso de gente de pee , e iruytas uezes> 
cem guera com ho de Narsyngua ; he efte regno muyto me- 
lido polo cercam , tem muy pouqoos portos de maar , e 
de pouquo traro s chega ha longuo da cofta conerà ho nor- 
te y tem hum rio que chamaom Ganges , e eles Ihe cha- 
maom Guorigua ^ e da outra parte defte rio come9a ho re- 
gno de Bengala , honde tambem algumas uezes tem guera 
elRey de Otisa :. ha efte rio Ganges uem todolos Gentios 
em romaria , e laaam-se nele ,dizendo que niso se saluaom 
por eie sair da fonte do Paraiso terefte : efte rio he muy 
grande e fermoso dambalas bandas , e muy pouoado de 
riquas e fermosas cidades de Gentios : enrre eie e Eu- 
frates eftaa ha India primeira e segunda \ terra muì abun* 
dante e sam , e de clima muì temperado , e defte pera diante 
contra Malaca eftaa ha terceira , segundo dizem hos Mour 
ros 9 que ha mais tempo que has sabem , que nós ; antre 
)i hos quaes rios saom has teras muy fartas e abaftadas ^ 
9 asy polo certam , corno pela ribeira do maar : ha gente 
> deias he muy delguada e riqua ; pola maior parte saom 
}i.esca90s e pouquo gaftadores, e ha tera he de muy bóos 
9 arcs , de muytis aruores , e ruas cheirosas 9 uiuem todoa 
9 com muy pouquo trabalho, nom ha nela demasia de fria 
9 nem quemura , antes he muy bem temperada. » 

Regno de Bengala, 

Indo mais ha ho diante , leyxando efte rio Ganges, ha 
ho longuo da cofta contra ho norte , uay ho regno de Ben- 
gala , honde ha muytos lugares ,. asy polo certam corno 

ha. 



^Sl LtTAO DI Du A A TB B A I B OSA. 

ha ho longuo da cofta , poooados de Oratios \ hos qat iif- 
aem no coreani eftaom sobre sy , ha obedienda delRcy de 
Nartyngaa ; hos Mouros utaem pelos porcos do maar , hoa- 
do ha gcoso traco de muycas mercadprias , e naaegafam de 
naos e naaios pera muycas parces , porque efte maar he 
hua enseada quo entra por ancre duas ceras ; e indo bem 
por eia , eftaa ha ho norce hua oiuy grande cidade de Mou- 
ros pouoaJa , que chamaom Bengala , de moy bóo pono de 
maar ; rem Rey mouro sobre sy , hos moradores dela saom 
homeins branquos , bem apesoados , uiaem cambem nda 
muytos eftrangeiroi de muycas partes , asy corno Arabios , 
Persìos } Abexit e Indios ; e ifto por ha cera ser moy grò- 
sa , farta , e sia , e cemperada ; e todos saom grandes mer- 
cadores , e rem grandes nàos na feifào das de Meca , ootras 
da China qae chamaom Juncos , que saom moy grandes , e 
leuaom muy grande caregua, com que nauegaom peraCha* 
ramandel , Malaca , (^amarra , Peeguu , Cambaya , e Cei- 
lam I tracaom com muycas sortes de mercadorias para eftì 
e oucras muycas panes. Ha nefta cidade muytos algodóes, 
grandes canaueaes da9ttquere mnyto bom» gcngibre, e pi- 
menta longua y faz-senela muyta sorte de panos em extremo 
delguados e pincados pera se ueftirem , e outros branquos 
pera mercaiorias que leuaom pera moytas partes ; tem 
\\ grande natia, e hùus qoe chamaom eftrauances , que he hua 
/^ • rt sorte de panos ralos , que nòs muyto eftìoumos pera tou* 
'. ^ quados de donas, e os Mouros , Arabios , e Persios pera 
s rouquas ; fazem tanta cantidade deles que se caregaom muy« 
; 2 '^^ "^^' deles pera fora: tambem se fazem outros que cha- 
y ** mtom mamonas , outros duguazas , outros chautares , outros 
v« sinabafas , que saom hos melhores e que hos Mouros mais 

cftimaom pera camizas ; saom todas eitas sortes de panos em 
pesas , que cada hua teraa uince e tres , uinte e qoarro uaras 
portuguezas ; ualem aquy muyto baratos , saom fiados em 
roda per homeins , e por eles tecidos. Tambem se fas nes« 
ta cidade muyto e bóo apoquere branquo de canas , mas 
nom no sabem ajuntar e fazer em pies ; e asy em poo ho 
enfardelaom em huus fardos de conro crnu , ntoy bem cozi- 
dos ; e caregua-se muyta soma deles , que leuaom ha uender 
ha muyas partes , porque he muy grande mercadoria : quan* 
do eftes mercadores soiaom ha uir liuremence , e sem me- 
do ha ho Mdlabar e Cambaya com suas naos , oalia no Ma- 
labar hùu quintal da9nquere mil e trezentos rs. y e hùn chan- 
tar muyto bóo seiscentos rs > e hua sinabafa doos ciuza* 

dos 9 



LfVBO OH DvÀRTB Ba11I0«A. ì(fff 

Jos 9 e hua pesa de muy boa beacilha trezentoa rs. ; hos que 
faas traziaom ^ uendendo-as asy gatihavaoxn iruyto : tam- 
bem fazem netta cidade inuyca consetua de gcngibre , la* 
ranja , lymoes , e oucras fruyiat que nefta cera nasem. Ha 
quy muycos caualoB , uaquas ^ catneiros , e cutras n.uycas 
crìa^oes em abaftan(a , e muytat galinhas : hos inercado- 
res mouros defta cidade uaom inuytas uezes polo cerram 
ha comprar mcntnos gentios ha seus pays e mays , e oa- 
tros que furtaom , e capamnos , que ficaom de rudo razos; 
muycos deles ifìorem diso , hos que escapaom educamnos 
muyto bem , e uendemnos > hos quaes eftimaom muyto 

f»era guarda de suas mulheres e fazendas , e pera outras ui- 
ezas » dos quais capados fazem muyca eftima, porque saom 
% homeins de grande recado , e uem delcs serem fcitores de 
1 seus senhores , e gouernadòres e capitàes dos Reis mou« . àA^^-zi^zi^^ 

9 ros , de roaneira que uem ha ser bomeins muy riquos , e de ^ C*'- ' '- ^"^ 's 
X grosas fazendas. » Hos Mouros honrados defta cidade an- o y^^'%^^^^ 
daom uefttdos com hùas camizas branquas de pano dalgo^ et ^'- V 

dam , muyco delguadas , que Ihe daom polo artelho , e debai» ^ ^;;:- ^^ ^ : - 
xo delas bus panos cingidos , eemcimahùus maxìlares de m ^^ :-^'''^-:^ 
seda, suas adaguas na cinca guarnecidas depraca e ouro » ^ ^'é r V''^^ 
segundo quem has tras ; muycos aneis nos dedos de riqua ^'m'vV 

pedraria , suas fotas na cabefa dalgodóes : saom homeins 
muy UÌ90SOS , que comem muy bem , e gaftaom sem medo , 
e alcm diso rem oucros muytos uisos » lauamse muycas ue- 
zes em grandes ranques que rem dentro em suas casas ; ca« 
da hùu cem cres e qnatro mulheres , ou has que podem man* 
ter , has quaes eles cem mny enseradas , e cracamnas muy- 
to bem , com muyco ouro , e praca , e riquos panot de seda ; 
nom saem fora senam de nouce ha uisitarem hùas ha ou- 
cras , honde fazem muytas feftas e bodas , com superfluas di* 
nersidades de uinhos , de que nefla cera fazem muyca sorce 

{>rìncipal mente da9uquere de palmeiras , que ancre has mu- 
heres saom muy coftumados ; saom elas grandet musiquas 
de ranger muycas mineiras dinftrumencos. Ha gence baixa 
defta cidade uefte hùas camizinhas branquas , que Ihe daom 
por meia coxa ; e nas cabefas hùas couquinhas pequenas 
com cres ou quatro uolcas : cal^am codas bom cordauam ^ 
deles fapacos , oucros atparcas bem lauradas e douradas ; 
clRey he muy grande e riquo senhor de grande cera y e 
muy pouoada : hos Genctos daquy se cornaom cada dia JMou- 
fos , por serem fauorecidos de seus gouernadòres. Saindo 
defta cidade de Bengala e indo mais pera ho diame , oem 

OQr 



iSl Lf^RO DÌ DVAIITB BaUBOÌÀ* 

ourros muycos lugares , muy pouoados de Moarot e Gentios^ 
asy pelo cercam , corno lia ho longuo domaar , sobjcctos 
ha efte R.ey , em que eie tem gouernadort a e arecadadorea 
de seus direicos e rendas que dele ha : nefta enseada jazem 
asy coJos eftes lugares ha ho longuo do maar , e ha coda 
cometa ha fazer outra aolta contea ho sul. 

Regno de Berma. 

In Jo mais ha ho diante , pasando ho regno de Bengila, 
ha ho longuo da coda contra ho sul , eltaa ootro regno 
de Genrios , que chamaoni de Berma , e ho Rey mesroo ho 
he ; nom ha nele Mouros, por quanto nomcem pòrto de maar 
de que se posaom seruir pera scus uatos : saom hos mora- 
dores dele nonrieins pretos , andaom nuus da cinta pera ci* 
ma , e pera baixo se cobrem coro panos dalgodam ; tem 
suas Idofatrias (^) e casas doragoes ; rouytas uezes tem 
guera com ho R.ey de Peeguu : defte defte regno nom ha 
mais enForma9am , porque nom ha nele nauegafoes , sómen- 
te dua banda confina com ho de Bengala , e da outra com 
Peeguu. 

Regno de Aracangil. 

No propio certam defte regno de Berma eftaa outro 
regno tambem de Gentios , que nom tem nenhuu porto de 
miar , confina de hiia banda com ho de Bengala , e da ou- 
tra com ho de Daba , ha ho qual chamaom Aracangil : ho 
Rey dele he outrosy gentio , e gram senhor; dizem que 
tem muytas uilas e grandes cidades , tem muytos caùalos , 
e asy alifantes , hos quaes alifantes ha do regno de Peeguu. 
Saom hoTieins ba9os , andaom nuus , da cinta pera baixo 
se cobrem compmos dal^^oJoes e usaom muyto arquosdou* 
ro e pedraria ; honraom hos Idolos , tem grandes casas dora- 
9am , e elRey tem has uezes guera com hos Reis seus oizi- 
nhos ,dos quaes algùus Ihe obedecem , outros Ihe pagaom 
pareas ; uiuem muy uifosamente em muy boas casas, e hon- 
de quer que eftaa tem muytos tanques dagoa , e muyto 
apr^ziueis uergeis , principalmente em doze cidades prin- 
cipaes do re^no ; tem cada hùa muy rfVos pa90s , e go- 
uernador pofto por eie , hos quaes cada huu por sua cidade 

to- 

(a) O Italiano diz Uolairlas » mas no maouscrito vem lodulgea- 
cias A provavelmente por cngano. 



LlVRO DE DvAKTE BarBOSA. ^6f 

tomi cada ano doze mcninas nasidas daquele ano , fìlhaa 
das mais honradas e fetmosas mulheres que achaotn , e hat 
fas criar ha cufta do dico Key j neftes pa90s ha grande ui- 
90 : acc doze anos cada dia saom eftas mo^as muycas ue- 
ze% lauadas , asy mesmo Ihe daom muy bem de corner » 
COITI muycos cheiros e {lores,e andaom sempre muy bem 
ueftidas , mandmdoas ensinar ha bailar e cantar: asy que 
cada guouernador tras de contino em caza cento e umie me- 
ntnas grandes e pequenas , e cada ano leuaom ha elRey do- 
ze que chegaom ha doze anos , honde quer que eie eftì- 
uer f ho qual has manda poor todas muy bem lauadas e lim- 
pas ,com hùus panos muy bem delguados, e aluos ueftidoi , 
e no cabo deles ho nome de cada hua escripco ^ pela manha 
cedo has manda poor em hùu tereiro asentadas ha ho sol , 
honde hamdescar em jejum até meio dia, recebendo muy 
grande sol , com que suaom tanto, que hos panos que tem 
ueftidos se ihe molhaom todos ; entam has manda elRey 
len^r ha hiaa camara , honde eie mesmo eftaa , mandando-lhe 
tirar aqueles panos suados , e dar outros com que se ues- 
tem y hos suados Ihe trazem honde eie eftaa com muytos pa- 
rences seus , e guouernadores de seu regno , outros senno- 
ICS e fidai gos ; e eie hos roma hùu e hùu , e hos cheira , hos 
que Ihe cheiraom bem da-os ha hos que com eie eftaom fa- 
zendolhes mercè das mo9as cujos aqueles panos foraom , 
honde uaom hos outros seus nomes ; por efta diferen9a to- 
ma cada huu ha sua i elRcy guarda has su^rs pera sy , que 
Ihe cheiraom bem ; forque por està experiencia se conheccm as 
que sio sans e de boa complei^ao: asy que cadano Ihe trazem 
seus guouernadores cento e uinte mo9as de doze anos , de que 
coma pera sy, e reparte com seus homeìns da tera ; e asy 
nom tem ley de casamento nenhùa : he muy riquo de di- 
nheiro , e senhor de muyta gente ; tem outros muytos UÌ90S 
de cacar, moncear, bailar, e ranger, e outros muytos de- 
senfadameiitos que Ihe fazem« 

Regno de Peeguu. 

Asy indo ha cofta do maar , leyxando ho regno de Ber- 
ma , contra ho Suefte eftaa outro regno de Gentios muy 
abaftado , e de grande trato de muytas mercadorias por 
maar , ha que chamaom Peeguu : tem tres ou quatro portos 
de maar , em que ha grosos mercadores , e grandes lugares 
faabitados de Mouros e Gentios , que hos haom por propios : 
Notic. Ultram. N.° VII- Ecc h» 



^66 Litro diDvarte Barbosa, 

ha cidade eie Peeguu eftaa aredada pelo ccrram sete on oi* 
to legoas do maar , eoi hùu pequeno rio que he braco de 
oucro muy grande , que por efte regno core descendo de 
hùas moncanhas , e em cercos mezes do ano roma t^nca 
agoa, que muyras uezes sae fora de seu curso naturai, e 
rega muyca rera , em que se cria e colhe moyta soma 
daros |- de que ha cidade he muy abaft.ida e asy de 
carnes , e ourroj muytos manti mentos que se caregaom 
em seus porros -, aly ha muy grandes nàos de ires , qua- 
irò maftos , que chamiom Ju^co^ , que uaom caminho de 
Mataca , Qamatra , e outras muycas partes. Tiraom defte re* 
gno de Peeguu muyro a^uquere branquo de canas em paes» 
e aquy uem cadano muycas nàos de Mouros ha crarar e trai- 
ler muycos panos d: Cambaya pintados , dalgodam e seda, 
ha que chamaom paroUs , que saom ptnrados com muycos 
lauores , que ualetn aquy muyco dinheiro ; rrazem rambem 
muyto anham , cobre , muycos panos de gram , muyco co- 
ral enfiado , redondo , eem rama ; uermelham , azbogue , e 
agoas roiadas ) e outras muycas dragoarias de Cambaya ; 
aquy se caregaom de laquar muyto fino , que na cera na- 
se , e doutras muycas mercadorias da China que aquy de 
Malaca uem i do dìnhciro que Ihe fica compraom muyto 
almìsquere , que uem do certam de hua cìdade que cha- 
maom Aua , de que ha ho dianre Falarei. Hos Genrios defte 
regno adoraom muyto ha hos Idolos, andaom nuus , somen« 
te cobrem snas uergonhas ; nom saom bóos homeins de 
peleja , saom muy Icgeriosos , trazem &uas naiuras nhùs cas- 
caueis rcdondos , cerados , e muy grandes y cosidos e sol* 
dados por dentro antte ho couro e carne , por fazerem gran- 
de soma , e trazem muitos deftes até sinco , delcs saom dou- 
IO , oucros de prata , ou metal segundo hos que hos cr-^zem, 
e quando andaon iàzem grande som , ho que haom por gran- 
de honra , genrileza ; e quanto mais honrados , trazem mais : 
has mulheres foigaom tanto com iso que nom querem ho- 
meins que hos nom cenhaom , e nom digo mais defte cos- 
tume pola desoncftfdade. Efte Rcy de Peeguu se charca 
ho Rey do alifante branquo : ha nefte regno grandes mon- 
ranhas honde se criaom muy braoos ahfantes ; rem por 
ordenan9a de tomarem huu cada dia , que mandaom ensìnar , 
e asy tem de concino muytos que uendcm pera rouytas 
partes , principalmente pera ho? regnos de Narsyngua , Aia- 
fabar , e Camhaya ; nefte regno cambem ha muytas e fer- 
iuo5a& facas 9 de grande andar , de que .se muyro seruemj. 



LiyRO DB DuAXTB Barbosa. 367 

easymuytos caualos em qiie caualgaom ha baftarda , com 
bos <]tiaes e com hos alif^mtes fazem sua guera , com muy* 
ra gente de pee que tem j e tambeiD muytos carneiros e 
porcos crìados em casa , e ontros moocezes i hos Geotiog 
«aom grandcs monieiros e ca^adoces. 

Martabam. "^ 

Leyxando efta cìd&de de Peeguu , pera Malaca eftaom 
tres cu quacro porios de maar do propio regno de Peeguu » 
ha que non sei ho nome .* antre hos quaes ellaa hùu , ha que 
chamaooi Marrabam , honde uem muytas nàos de diuersas 
partes ha cracar e caregU4r de mantimencos , e doutras muy- 
tas mercadorias , principalmente de laquar muyto bóo que 
na tera nase , muyto rnelhor que ho de Narsyngua , ha que 
hos Indios e Persios chamaom laquar Marcabam. Efte la- 
quar, alguus dizem que h^ goma daruore , eoutrosque se 
cria nos ramos delguados das aruores , corno em nosas par* 
tes se cria gràa nos carascos > e efta razam parece muyto 
mais naturai^ porque a^y uem eie em aruores e uaras deU 
guadas , que por rezam nom podem lan9ar tanca goma : 
cambem se fazem nefte lugar muyras e grandes iaras de 
porcelanas ^ muy gro&as , rìjas , e fermosas j ha ny delas 
que leuaom hùj pipa dagoa -, saom uidradas de prero e muy- 
co eftimadas anrre hos Mouros , e ancre eles ualcm muy- 
<o 9 has quaes eles daquy leuaom com muyto bcijoim em 
pàes» 

Ha cidade Daua, e regno. 

No mesmo cercam defte regno de Peeguu , indo dele ca- 
minho de Malaca , anrre ho regno de Racanguy e ho Dan- 
searo , eftaa hù regno de Gentios , no qual ancie outros 
lugares que nele ha , eftaa hùa muy grande cidade que cha- 
maom Aua , pouoada de ricos mercadores , honde ha ero- 
so traco de rica pedraria , rubis , e espinelas que nelaha: 
aquy uem muytos mercadores mouros , gentios , e Chacis 
de diuersas partes ha comprala , e asy muyto almisquere que 
nela achaom i ha qual pedraria e almisquere eiRey man- 
da apanhar pera sy mesmo , e por sua conta se uende ha 
hos eftranhos , que ahi uem ha buscalos : de Cambaya Ihe 
trazem aquy muyto cobre , azougue , uermelham , a^afram^ 
agoa rosada j amfiam , ueludos pìntados de Meca , e oa- 
Cfas muytas cousas eftimadas antre eles 3 ha croquo da^ 

£ee il quaes 



)68 Litro db Dvarte Barbosa. 

auaes leuaom ha dita pedraria e almisquere , ha qoal eU 
xy manda apaahar antie teras , e nbeìras , pera ho que 
fazem muy ahas couas : has espineias se achaom ha trol 
da tera , e hos rubis no fundo : e ha nesta cidade sempre 
muy grandes lapidarios que hos muyco bem conhecem : ho 
almisquere se acha em huas alimarias camanhas corno gaze- 
las , tem dentes peqaenos conio dalifantes , has quacs na* 
Sem por debaixo d4S barigas hùas nasidas corno leìcen- 
f OS , e peios peUos > e depois que saom maduros , com ha 
materia , cornei hes i elas uem-se cosar has aruores , de que 
tiraom aigùus gràos do muyio excelente e uerdadeiro : na 
cagadores que pelo rado do cheiro uem cer com elas , e 
Ihes armaom , e has romaom coro redes , e com cacs , e to* 
mamnas uiuas » e asy has leuaom ha hùa caza ordenada por 
elRey pera iso , e aly Ihe cortaom deredor aquelas poUe- 
mas com ha pele , e leyxandoas secar fica ho uerdadeiro 
papo dalmisquere , e mais excelente : mas defte sae dan* 
tre eles muyto pouco , porque ho falseticaom de muytas 
maneiras : cortando eftas poflemas ha alimaria que eftaa ai- 
uà » póem-lhe nas chagas muytas sambexugas , e leyxan- 
doas encher bem do sangue , lan9amnas cheas ha secar ha 
ho sol; e deftis Ihe poem tantas que ha alimaria sem 
nenhùo sangue cae morta \ ha qual esfolaom , de cuja pe^ 
le fazem muycos papos contrafeitos , que parecem nata* 
raes ; e moidas has sambexugas , secas em poo , fazem ha 
mara graos , e tomando hùu pczo do papo dalmisquere 
uerdadeiro , e sete ou cito de sambexugas ^ mefturaom ra- 
do e fazem hóo almisquere , e taro bóo , que se asy uiese 
ter ha nosas partes , haueioiaom por boa ueniura ; porque de-^ 
pois além diso ho falsi fìcaom hos mercadores , qu« ho com* 
praom nefta cidade pera outros regnos ; porqne ho uerda- 
deiro almisquere he ram forre que pondo-o na ponra dona* 
fis , fas logo rebenrar ho sangue polas uentàs. £fte Rey 
Daua he muy gram senhor de muyra pedraria e ouro, e 
tem muyta soma de caualos e alifantes , e muyra gente 
de peleja : ha cera he muy abaftada de mantimcntos. 

Capelam. 

E mais pera demro deffa cidade e regno , eftaa ootra 
cidade de Genrios , que tem Rey sobre sy , que todauia he 
subjecro e eftaa ha obeciiencia do Daua , ha ho qual regno 
oo cidade chamaom Capelam i deredor dele se achaoza 

muy- 



LivRO DE DuA&TE Barbosa. ;^p 

muytos rubis ^ que crazem ha uender ha feira Daua j e 
saom muyto melhores* que hos delaa. 

Regno Danseaim 

Hindo mais ha ho diance , leyxando ho Regno de Pee^r 
guu , ha ho longuo da cofta contra Malaca , eftaa huu muy 
grande regno , aue chamaonrì Danseam , de Gentios j ho Rey 
dele ho he cambem , e muy gram Snór ; toma defta cofta 
are ha oucra que de Malaca uay conerà ha China , de ma* 
neira que dambalas bandas tem portos de maar : he Senhor 
de muyta gente de pee e de caualo ^ e de muyros alifan- 
tes j nom consente que em sua tera hos Mouros tragaom 
armas. Logo saindo do regno de Peeguu , eftaa hùa gran- 
de cidade de porco de maar que chamaom Tan?9ary , hcn» 
de ha muytos mercadores mouros e gentios , que trataom 
foda sorte de mercadorias , e asy tem muytas naos que na- 
uegaom pera Bengala , Malaca , e outras muyias parces : 
ha ho ceriam defta cidade nase muyto bóo beijoim , que 
he rezina daruore^ ha que hos Mouros chamaom Lobaiiì : 
ba dnas qualidades dele , huma nio lan^a cheiro senio' de^ 
pois de posta aojogo ; e a outra antes nt'snto deposta aofo" 
go he mui boa e cbeirosa^ de que em Lcuance fazem ho 
eftoraque. Ha efte porco uem muytas naos de Mouros de 
diuersas partes ^ e trazem muyto cobre , azougue , uerme- 
Iham , panos de gram , seda , ueludos de Meca pincados , 
a9afram, coral branquo enfìado , e agoas rosadas (que de 
Meca e Adem trazem em hùs pequenos baris de cobre es- 
tanhados , que uendem ha pezo com ho propio baril ) muy- 
to anfiam , e panos de Cambaya ; e tudo ifto tem grande 
ualia nefte regno Danseam , e daquy leuaom ho3 mercadores 
todalas cousas que ha em Peeguu. Pasando efta cidade de 
Tanajiary , ha ho longuo da cofta contra Malaca , eftaa ou» 
tro porto de maar defte propio regno , que chamaom Que- 
daa y honde tambem ha muytas nàos grandes : he efte lu- 
gar de muy groso traro , e ha eie uem cadano nàos de Mou- 
ros. de muytas partes ; nele nase muyta e fetmosa pimen- 
ta , que dele leuaom pera Malaca e China : tem mais eftet 
Rey Danseam nefta cofta , antre Malaca e Tanafary, outros 
dous ou tres portos de maar ha qoe nom sei hos ho- 
xnes , e asy muytas ourras cidades grandes , e uilas , e pò- 
iioa9Óes dentro polo certam , de Gentios , honde non en- 
traom nenhùs Mottros , uem uiuem > e se algùs laa uaoni 

PC- 




)7^ Liv^o DE DvAaTE Barbosa* 
cicgooe«r , noni Ihes cotiftenteni crazer armas : nefte regno 
D:n3eam hx muyro ouro qoe tiele nasce se apanha , piin- 
cipalmence no senhorìo de Paam, que he aleni de Malaca 
conerà ha China y que sempre (oy defte regno , a;ora he 
aleuancado contra eie , e ellaa ha obediencia delKey de 
Malaca : ha nele lainbem outto senhorio de Gencios , que 
cilià ha sua obediencia , honde se apanha tnuyto e bóo 
cltanho » que leuaom ha Malaca , honoe se guafta e uende 
pera muytas parccs , ha ho qual senhorio chanuom Caran- 
guer. Efte Rey Danseam he inuy grande senhor , e Gencio 
corno ja dise , uenerador dos Idolos , de que tem maycas 
casas dorafam , uza de muycos coftumes di^erentes dosou* 
eros Cienttos : andaom nus , da cinta pera baixo se cobrem 
com panos dalgodam ; algùs trazem hùas roupetas de pano 
de scia » tem cm sua cera muytos mancimentos , muytos 
arozes , e carnes de sua cria9am , outras montczes ; tem 
muycos caualos e facas , e muytos iibres e càes doutrai 
manciras , porque saom grandes monceiros e cafadores. No 
certam defta cera conerà ha China , ha hùu regno de Gen- 
cios , que escaa ha obediencia defte Danseam , que quando 
algùu deie more , hos parenres ou amigos do morco no co- 
mem asado defta mancira, fazcm hùa grande fogueira em 
hùu cereiro, sobre ha qual armaom rres paos em pee , ha 
maneira de forca , e do meo dclcs penduraom hùa cadea 
com dous guaichos de fero , dos quaes penduraom pelas cur* 
uas ho corpo niorco , honde ho eftaom asando seus filhos 
e parences , fazen Jo grande pranco , e despois de bem asado i 
com muycoi uazos e ta9as de uinho , come9aom ha corcar 
ecom.*r, bsbendo e pranceando ^ e ho mais chegado parente 
ho comepa primeiro ha enfecar , e aly ho acabaom de co- 
rner , e nom ficaom senam hos osos , que acabaom de quei- 
mar e fazer eoi cinzi : dizem que fazem efte enteramen- 
co ha seus pirences , porqu? ha sua propia carne em ne- 
nhùa parce ha poderaom encerar melnor que em seus coe- 
pos : em coda ha miis cera defte regno Danseam quei« 
miom hoi corpos morcos , segundo coftume de codos hos 
Gencios, cono acras em muycos lugares dise , e soo nefte 
regno do cercam se uza efte abominauel coftume. 

Ha cidade de Malaca , e regno. 



Efte regno Danseam Unga hùi ponta de cera ha ho 
maar , que he com^ huu cabo , honde ho maar coma ha fa- 
zer 



LivRo DK DvARTE Barbosa* ^yt 
Zer uolta conerà ha China , na qua! ponra eftaa huu peque- 
no regno , ero que eftaa hua muy grande cidade , qoe cm 
oucro tempo foi subjecta ha ho Danseam : e as^ticando niuy- 
cos Mouros eftrangeiros seu irato nela , uicraóm tanto ha 
enriquecer, que conuertéraom hos da etra ha ilìourcs , re- 
uclando-se conrra elRcy Danseam ; e asy fic^nJo rodcs 
mouros, ficou regno sobrc sy: aquy uiuem jagora rodo 
ho genero de grosos mercadores mouros e gentìcs , muy- 
tos de Charamandel , e homéin» de grosas fazendas e de 
muytas e grosas nàos , ha que chamaom juncos ^ trauonn 

E era todahs partes em coda ha sorte de mercadorias 3 cam* 
em uem aquy muytas naos ha careguar dc)9uquere j uem 
muy fermosos. juncos de quatro maftos , e trazem muyta 
seda , suHa (^a) muy fina , muytas porcelaiias , muytos da* 
mascos , brocadilhos y seiins de cores , almisquere, ruibar* 
bo , retro3 de cores , salitre, muyta e muy fina prara ^ 
muytas pérolas , aljofar deslgual , cofres dourados , aba^ 
tìos j e outros muytos biincosì e cucio aquy uendeni muy- 
to bem ha hos mercadores da cera y em recorno do qual le- 
tiaom pimenta , e incen9o , panos de Cambaya de gram , 
apafram , coral laurado e enhado , e por laurar , muytos 
panos pincados dalgodam , outros branquos, que uem de 
Bengala , uermelham , azougue , anfiam , e oucras muyras 
mercadorias e dragoarias de Cambaya , e hùa que nós nom 
conhecemos que chamaom caclio , e eocra que chamaom 
pucho^mingifam , que saom agalhas que crazem do Leuan-^ 
te dencro ha Cambaya ppr uia de Meca , e ualem muyro na 
China, e nalaoa: uem tambem ha efta cidade deMalaca 
do regno de ]aoa has grandes naos juncos , que saom muy 
desuiadas da feifào das nosas , de muy grosa madeira^ 
porque comò saom oelhas , emcima daquela taboado lan« 
9^m-lhe outro nouo , e asy ficaom muy fortes y nos cabres 
e em toda ha enxarcea delas , saom de uerga que na te« 
ra ha. Eftes ]aos trazem aquy ncftas naos nr.uyto aros , 
muyta carne de naqua , carneiros , porco» , ceadob , cha- 
fina, muytas galinhas , alhos , celolas y e asy trazem hst 
uender truycas armas , lanfns , adarguas, tr«i9ados , rada 
muy bem laurado , de rauxia de fino ajro j trazem n:t)yca9 

ou- 




(a) Pela palava Jttlia , entende Duarte Barbosa os ca^uJos 
da seda antes de dobados ; o traduccor Italiano assim ir.esnio 
o interpretoQ , usando na sua versào das palavrasO» seta in rea t- 
utse }». 



^71 LtvRO iìbDuartsBaubosa* 

o'jrris miudezis , e muyco ouro j que no dito regno de 
Jaoi nase. EUes Jaos que uìuem de nauegar , dentro nas 
nàos trazetn sua$ mulKeres , e filhos, caza, familia i nera 
rem outras caìsas de scu , nem nunqua saem em tera se- 
nam ha tracar , e aly nelas inoreni ; hos quaes uendendo 
has mercadorias (que acima dise quc trazem) em Malaca 
muyto bem , leuaom em retorno panos de Paleacate e Mai- 
lapur , e outros panos que uem de Cambaya ; amfiam , 
agoas rosadas , uermdham , muycas gr&as , sulia, sai i tre , 
fero , cacho , e pucho , que saom dragoarias de Cambaya ; 
tudo laa na Jaoa tem grande ualia. Della cidade de Malaca 
uaom naos has ilhas de Maluco (de que adiante tratareì ) 
aly carej^uar muyto crauo , e leuaon^ mercadoria de muytos 
panos de Cambaya , e roda sorte dalgodam , e seda , e 
asy outros panos de Paleacate e Bengala , azougne , cobre 
laurado , sinos , e bacias , e moedas da China , pimenta , 
porcelanas , alhos , cebolas , e outras muytas mercadorias 
de Cambayi ; easy nauegaom defta cidade de Maltca pe- 
ra todilas ilhas que eftaooì por rodo ese maar , e pera Ti- 
mor ; donde trazem todolo sandalo branqoo , ({ufi antre hos 
Mouros he muy eftimado , e ual muyto ^ pera laa leuaom 
fero , machados , facas , cutel'^s , espadas , panos de Pa- 
leacate, cobre, azougue, uermelham, eftanho , chumbo , 
muytas continhas de Cambaya i em retomo difto caregaom 
além do san ilio , de meel , céra, escrauos. Nauegaom tam- 
bem eftis nàos de Malaca pera hùas ilhas que chamaom 
Bandam , careguar d^nos noscada , ,edema9a$ , honde le- 
uaom ha uenier has couzas de Cambaya ; uaom da ilha de 
Qamatra donde trazem muyta pimenta, seda , suliacrua ^ 
muyto bii)oim , e ouro ; uaom ha outras ilhas donde tra- 
zem muyto canfor , e lenho aloes i uaom ha Tana9ary ^ 
Peeguu , Bengala , Paleacate , Charamandel , Malabar , e 
Cambaya ; de maneira que efta cidade de Malaca he mais 
rica escala , e dos mais grosos mercadores , e maior naae- 
guafam , e trato , que se acha no mundo : uem tanta so- 
ma douro , que hos mercadores grosos dela nom eftimaom 
tuas fazendas , nem contaom senam por bahares douro , que 
saom corno ià em outros capitulos dise quatro quintaes ; 
e hanela mercador, que soo atrauesa tres quatro nàos ca* 
reguadas de toda ha riqueza , e soo has tornaom ha care- 
guir de sua fazenda , e atrauesaom outras tantas de man* 
timentos ; e todas saom logo muy bem pagas e caregoa- 
das. Ha nefta cidade muytos eftrangeiros de diuersas par- 

tcs 



LivRO DB DuARtfi Barbosa, 37J 

tes que nela uiuem , naruraes da cera , saom corno digo 
Aiouros , tem lingoa separala, cham;ìm-se Malaios , saom 
homeÌAS bcm disp^ ftos , anJaom nuus da cinca pera cima ^ 
pera baixo se cobrem com pànos daigcdam j hos mais 
honrados crazem hùai roupei.is , cjue Ihe d.iom por mcia co- 
xa, de pano de seda , gràa , ou brocadilho » em cima seus 
ctngidouros ; crazem na cinta adaguas L.uradas de cauxia , 
que chamaom crus : sius mulheres saom bsfas , and«iom 
ucftidas de muy bóos p-inos de seda ; deredol de sy huas / 
camizas curras , e saom muy ^eimosas , e areiam-se de 
conrino muyco bcm , tcm muy bom cabelo. Eftes Malaios 
rem grande uenera^am doAlcorùm de Mafamede j tem suas 
Mesquitas ^ enceraom hos que morem , seus filhos saom seus 
erdeiros ; uiucm em grandes casas afora da cidade com 
muytos pomares , horcas , e tanques , em que leuaom boa 
uida : na c'idade rem cazas separad?.s pera seus tratos , tem 
muytos escrauos com mulheres e fìllios , uiuendo por sy ; 
e seruem-nos em que hos mandaom j saom homeins muy Lu- 
ztdos , galantes , muzicos , namorados ; ha quy roercado- 
res naturaes de Charamandcl , que saom homeins grosos e 
baregudos , andnom nuus da cinta pera cima , e pera baixo 
se cobrem com panos daigodam ; e tambem ha ncfta cida- 
de muytos Jaos cftantps nela , que s^om huus homcitis gro- 
getes , p.rados, de huus peitos largos, e malfeitos, e hos 
roftos largos j saom mouros , andaom nuus , cobrem- se da 
cinta pera baixo com panos daigodam , e hos trazem da 
r^doi de sy muyto m^l entrouxados ; nom trazem na cabe(a 
tìada , trazem hos cabelos arepiados pera cima : saom ho« 
meins muy sotis em toda ha obra , sabedores fundados em 
coda ha malicia , e de muy pouca uerdade , de nr.uy gran- 
des cora9Óes ; cem muy boas armas , pchejaom muy sem 
medo i se algùu deftes Jàos adoece de qualquer doen(a , prò- * 
mete ha ho seu Deos que dando ihe saude deia , toma- 
raa outra mais honrada mone por seu seruico ; depois 
que he sam toma hùa adagua na mam , de nùas colum- 
brinas que ha ancre eles muyto boas, e snmdo has pra9as 
e ruas maca quantos acha , homeins e mulheres , e meni* 
nos, e ha ninguem perdoa : ha eftes chamaom eles Guani* 
(OS , e corno ho nem logo bradaom has gentes , dizendo - 
Guanicio , porque se goardem , e has frechadas e lancadas 
ho macaom. He efta cidade de Malaca muy uifosa de rruy- 
tas , e boas agoas , hos mantimencos principaes Ihe uem de 
fora por maar : eiRey dela era muy grande senhor xle gro- 
Notic. Ultramar^ N.^ VII. Fff so 



)74 Litico ox Dvartb Barbosa» 

so tesoaro e renda : elRey noso Senhor ha mandon desco- 
brir per Diogo Lopes de Siqaeira fidalgo de sua caza ; e 
depois de descoberta, elRey e hos Mooros dela comaraom 
certa gence nosa ha trei9aiii , e ipuyca mercadoria , e muy* 
tos mataraom. Afonso lialbuqueri]ue , que ha ho tal tempo 
era capiram geral da India » ucio com sua froca sobre ha 
cidade ha ihe pedir conta diso , e nom se querendo por 
em razam com eie , ha combateo e comou per forfa dar- 
mas j Untando ho Key fora dela , que se defendia com sua 
gence , e pelej.ìuaom may brauamente com muyca artelha- 
rìa , espinguardas , frcchas emadas » muy boas Ìan9as com- 
prìdas , com ualences homens de Jaoa , e moycos alifanres 
armados com cailelos de madeira , e gence neles , corno na 
India se coftuma ; nella comada moièr^om soma de Moaros , 
fugindo eIRey , e com eie hos qne escapàraom ; hos rocr- 
cadores se leyxaraom tìcar na cidade ha obediencia deIRey 
noso Senhor , ha que nom foy feico nenhùu nojo : iogo se 
fes nela hù< fermosa fortaleza ; e ha cidade com eia , e 
rodo seu era co , e nauega9am comò dmces era, ficoo soo 
ha obediencia dos Portuguezes , hos quaes aquy comaraom 
riquo Jespo)o , e ^rosa rìqiieza dos que ficaràom. Efta ci- 
dade e regno de Malaca , he sub'iecca ha prooincia do Pam 
que cem Rey sobre sy , que anciguamente era subjecca ha 
ho Dansiam conerà quem se reuelou , honde ha muyto ouro 
baixo : ho Rey dela sabendo que Malaca eftaua ha obe- 
diencia dclRcry no^o Senhor mandou hùa embaixada e pre« 
sence ha Afonso Daiboquerque , que eie queria seguir ha 
mesma roca. 

Arcipelaguo de Malaca, 

^ Do maar defila cidade de Malaca oay hua coffa de 

Dfiuytas tlhas fermosas , mny riqnas e abaftadas , deMouros 
Gencios ( afòra oiirras pequenas em qne uiuem gences ) que 
come9a da il ha de Ceilam. 

HdS ilhas de Nacabar. 

Pasando ha iiha de Ceilam y arraoesando ho golFam » 
ances que se chegue d grande Uba de ^amatra achao-se an- 
eo OH seis ilhas , que cem muy boas agoas e pouvos pera 
nàos , poucìdas de Genrios proues , has quaes se chamaom 
Nacabar. Apanhaom aquy hos moradores delas muyco ami* 
bre j e se leua pera Malaca e outias moycas parces. 

Ha 



LtVftODXDvÀRTtBARBOIA. )7# 

Ha muy grande ìlha de Qamatra. 

Indo mais ha hodiame , leyacando eftas ilhas de Naca- 
bar I eftaa ha muy grande e formosa ilha de Qnmatra, que 
cem em redondo sccecentas legoas , conudas pelos Mouros 
^ue has ^nauegaom dambalas parces -, corre de Norueste a 
Sueste , e passa Ibe a Eqtiinor/il pelo mcio , he abHnd4ntissÌ9iìa 
de toda ,a qualidade de mantimentos , ha qual ccm muyros 
porcos de maar e muy riquos ; hos mais deli^s saom poooa- 
àos de Mouros , algus deGencios ; mas geralmente hos Gen« 
tios uiuem no certam : hum de Mouros chamaom Fedir, 
honde nase muyta e l^ermosa pimenta , mas nom cam fi* 
na nem force corno ha doMalabar, tambem se cria muy* 
ca seda , mas nom cam fina com ha da China; ha hy ou- 
cro c|ue chamaom Panfem, por causa de buma cidade que 
nelle ha ; tem hum bellissimo porto , e nelle nase grande 
4jHantidade de pimenta , de que se carregao navios : outro se 
eh/ima Acbem igualmente da parte do Norte shuado nkum 
eabo desta liba em $ grdos , outro Compar, oucro Andia- 
gao , ourro Macaboo , que tem muyco ouro que aquy na- 
se j don«)e ho kuaom em pò pera Malaca. Ha nella ilha 
oucro regno de Gencios que chamaom Ara , que comem 
carne humana , e qaalquer pesoa eQrangeira que podem 
hauer, comem sem nenhua piedade: além delle cemouiros 
regnos polo certam de Gencios. Em algùas partes della 
ilha nase muyco beijotm , pimenta longua e outra doucra 
serre, cjnfor, gengibre , ouro, e seda; nauegaom ha eia 
maytas naos que uem buscar eftas mercadorias , e crazem 
has de Cdmbaya , que aquy ualem muyto dinheìro , e tam* 
bem coral , azougue , uermelham , agoas rosadas , moxa* 
ma , que aquy crazem de MaldiO : eftes Monros della ilha' 
saom muyto desleaes , muytas uezes mataom seus Reys e 
fazem outros : aquy tem agora nouamentc elRcy noso Se« 
ohor bua feicoria de crato. 

Qunda. 

E pasandomesmo Qamacra , indo caminho de Jaoa., eftaa 
^anda que he hùn peqneno regno , honde ha muyta pt- 
Aìenta j cem Rey soore sy , deseja ha muyco seruir ha el- 
Rey noso Senhor ; ha quy muycos esciauoi ^ e caregaoai 
nuycas naos da China» 

Fff li Rcr 



^y6 LivKo DB DvAUTE Barbosa. 

Regno de ]aoa. 

Indo mais ha ho diante , leyxando ha ilha de Qunda , 
ha ho maar dela pera ha banda daloefte e sul , uaom muycas 
ilhas gnndes e pequenas , ancre has quaes cftaa huma muy 
grande ilha , que chamaom laoa abitada pelo cercam de Gen« 
tio3 9 e pelos porros de maar de Mouros ^ hos quaes cem muy 
grandes uilas e pouoa9Óes , em que ha Reys mouros , pò- 
rem todos uiuem debaixo da obediencia do Gentio , que 
uiue no certam , que he muy gram Snór , que chamaom Pa- 
teudra : ha algus que se aleuantaom torna logo ha sogiguar ; 
algùs deles tem muy grande odio ha hos Portugueses , cu- 
tros descjaom com eles pas e amizade : efta ilha de Jaoa 
dizem que he mais abaftada ilha que ha no mundo , ha ne* 
la muyto e bom aros , muytas carnes em grandes abaftan-» 
(as, muytos carneiros ) uaauas , galinhas , cabras , muy* 
tos e grandes porcos domcuicos , ouros montezes ; coda* 
maom ha checinar ueados , e uaqu.is : nase nela muyta pi* 
menta , canela , gengibre , canafiftula , ouro j moradores 
dela saom hùus homeins grosos , larguos dos peitos , hos 
rodos granJes ; ha maior parte deles andaom nuus da cin* 
ra pera cima , ouiros rrazem roupetas de seda que Ihe daotn 
fior meia coxa , hat barbas peladas por gentileza , hos ca* 
oelos meios tosquiados aleuantados pera cima : nom tra- 
zcm nenhùa couza sobre ha cabe9a , dizendo que sobre eia 
nom ha dandar couza nenhùa ; ha mayor injuria que antre 
sy cem he por-lhe alguu ha mam na cabe^a ; ncm fazem 
cazas sobraJadas pera nom andarem hùus em cima dos ou- 
rros ; saom homeins muy soberbos > muyto irosos , tredores , 
e sobre tuJo muy engenhosos ; antre eles sotis carpintet- 
ros de macenaria , outros oficiaes que fazem soma despin* 
guarJas , e espinguardòes y e todos lios outros artefìcios de 
toguo 'y saom em todas partes muy eftimados pera bom- 
bardeiros : além dos juncos de que em muytas partes jà 
fis men^am , tem nauiqs de remos b.m obrados e muy ligei- 
ros ,emqueatgùus andaom ha roubnr , que ha deles gran- 
de» cosaìrds ^ saom tambem muy bóos saralheiros , e fazem 
coda ha m^neira darmas muy rijas , e forres , e de bom cortar 
de a9o , outrosy saom grandes feiticeiros e nigromantes, 
-e fazem armas em taes oras e momentos , que dizem que 
quem has trouacer nom pòde morer ha fero, e que mataom 
corno ciraom sangue ^ outras que nom podem seus donos 

ser 



LlVRO DE DuARTB BarBOSA. ^77 

9er ueiicidos trazendoas , e eft«iOm em fazer algùas deftas 
armas des doze anos , esperendo por dia e coniunfam pe- 
ra iso y has quaes hos Reys eftimaom muyro e guardaom ; 
saoin cambem rnuytos deles grandes monteiros e ca^ado- 
les , tem muyros caualos e librros para montear , niuy bós , 
e muytas aues de rapina > e quando uaom ha ca9a , le- 
uaom suas mulheres em careras de cau tlos , que rem bòs 
e fermosos, com leitos laurados de riqua maccnaria ; suas 
mulheres saom muy aluas , e de muy fermosos corpos ; rem 
hos roftos muylargos e mal feicos ; saom grandes muzicas , 
laurandeiras , que pera cudo saom muy cngenhosas , e muy 
amauiosas. 

}aua menor. 

Ha ho diante deftì ilhas de }aoa mayor , eftaa outra 
ilha tambem muyro grande, e muy farra e abaftada de muy- 
tos mantimentos de todas sorres , e ponoada de Gencios , e 
ho Rey ho he cambem , ha qu<ìl ilha se chama anrre cìes 
^indoaba , e hos Mouros , Arabios ^ e Pers ios Ihe chamaom 
]aoa menor. Pasando eftì eftaa ourra pequcna , que chamaom 
Ocape , que sempre anda em foguo no meio ; he pouoada 
de Gentios que anJaom acquaio, saom grandes monteiros ; 
has mulheres crazem suruces , saom grandes criadeiras de 
gado. 

Ilha de Timor. 

Indo mais ha ho diance, leyxando eftas ilhas de Jaoa 
maior e menor , ha ho maar dela citaom outras muycas , gran- 
des e pequena« , pouo.>das de Gentios , e Mourosalgùus , an- 
tre has quaes eftaa hùa oue chamaom Timor, que tem Rey 
e lingoa sobre sy : netta ilha ha muyros sandalos bran- 
quos 9 que hos Mouros muyto eftimaom na India e Persia , 
B honde se gafta muyta soma deles e tem grande ualia no 
9 Malabr , Narsyngua , e Cambaya : has naos de» Malaca 
e }aoa que aquy uem por eie , leuaom por tetorno machados ^ 
machadinhas . cocelos, espadas , panos de Cambaya , e de 
Paleacate , porcelanas , continhas de cores , eftanho, azou* 
gue , chumbo e outras mercadorias , com que caregaom ho 
dito sandalo , de meel , cera , escrauos , e dalgùa pimenta 
que na cera ha. ' 

Ilhas de Bandam. 

E mais ha ho diatice leyxando ha ilha de Timor , es« 

taoiu 




por 



^^9 ''7."'* ""* DiTAR,. Baibosa. 

""f^J F^^^^. ha eft ^'l^,: '«'^l^ * ho. Quats uem ha de 

raJ^* ^^ ^ micis^ ^*^^*^*» cin tre» del.is n-iic muyta nò» 

i^oscaJ** ^ hi not * ^"^ ^^^^ aruorcs corno iourciros, cuja 

fruyc* rw^l ecm ^. ^^^'^ ^^** cftaom has ma9as ha manei- 

ra a*5 /^ QM'miAl a"^"" "^^^^^ ^""^ ^"" S^^'^ ' "f^ ^'l**^ 

tanto »VÌ qac ha J^^ ,^"^9^ y co»"o »eic de nóz , e ha tanta 

ha w*^^T^titro3 d* ^^^"^ panos de Gamba y a , hus dalgo- 



dam 

melKann 



eftanho 



^^da , e nnuyto cobre e azougae j e uet» 
» chumbo ) hùus chapéoi uermelhos de 



uaJelHi^ - ì 5tn de Leuame , e sinos grandes j por ca- 
Ji bua ^''f^^^'^^e baarcs de maca. Dcftaa ilhas de Ban- 



1 buM 

aTl'^^^^ ' que cftìa ha' ho norte , eftaom itiuy- 
tas outr.ts > o . P^noadat , oucras desertat, em has qoaet 
todas haom por ricji,^, rczouros sinos de metal muy J^rao» 
des , marnai , Rateici, q^e laom pano» de Cambaya^ por* 
ceUna» tinas i no:>, ^^^^^ft^, ^|ha« Rcy , nem obe^kcem 
ha mnguem j aigQ , eftaom ha obediencia delE<xy 

de Maluv]uo. ' 



Andam. 



Tndo 



^^"»i co^t ju ^ ^^ dlanre,ley3cando cftas ilhas de Ban- 

^^ Genrios L '^9"^» eftaom outras muyta» ilhas poaoadas 

L ^^y sob* ^^® chamaom Andam , e cada hùa rem lingoa 

*<*« AfouroT^ ^y ; ha ncll-** ^»ùos barcos de renios com quc 



rfSuer,^^ • ^'^Jaom ha saltear de hùas em outras , fazendo- 






'■f''^»//ia I/**" 



P^ioando se h»iu$ ha outros , e macaado-se : saom 



«^Aam'i^ por "^ eft/m,cio» P^"«» <Je Cambaya, e todo homem 
e/e . ^ A«ejs *''?p ranr* s^»"* **"*' » 5"* dobrados e poftos no 



•-^'«iaU» 



•«n 



outrof , fafaom tanta soma corno 




Qi, "'• Cima d^^ ,. 

' ^^tti i *««»«*'"* *•***•* por tanta soma de panos. 

ha, ^»y^ '*" Maluquo. 

'"''• ^"fre ^'*^o -,« 'ih^s *^® And«m , eftaom outra» sinco , 

* «ao^ (^,^'*fra * '^^ f^atmom Maluqoo , cm me nase 

^""(/j "L'>> «T^lo . » 9CJ<? J^ Oeiitio» e Mouros , ho* Reys de- 

^""ir, iHo/'^^Uf * »««« ^s ,^ eira chamaom Rachel , hasegon* 

'^f^'^^ni Z' tetcfidr^^ cftaa huu Rey Mouro que cha- 



'<*{ 






<j«« ho età de todat «flKo , ago- 
ra 



LlYRO DE Dv ARTE BarBOIA. J79 

fa stoni has qaatro aleuancadat cada hùa sobre sy : hos ma- 
fos deftas ilnas saom codot cheios de hu;)M||niores comò 
looreiros , e tem ha folha comò medronhofem que nase 
ho crauo em pinhas corno frol de laranja ou madre sìlua ; 
nase muyto uerde j depois se toma aluo , corno he madu- 
xo se torna de muy fina cor oermelha : entam hos rrora* 
dores da tera ho colhem ha mam , e lan9andoo ha secar 
ha ho sol , se fas pieto, e nom hauendo hi sol , secamno 
cm fumeiros » e depots de seco ho borifaom com hùa 
pouca dagoa «algada , para qu€ se fiom moa , e se man- 
tenga em sua uirtude j do <]ual apanhaom tanca cantidade 
deftas sinco ìlhas , que nom se pode rodo tir^r torà da tera , 
afóca muyto que leyxaom dapanhar 3 e no monte se perde ; 
se ho noTU colhem por espa9o de tres anos y has aruores 
fìcaom por isso brauas , e ho que depois daom rom ual na« 
da. A<{uy uem cada arìo muytas nàos de Mslaca , e de 
]aoa caregar dele j leuaom pera rerorno cobre , azongue, 
nermelRam , panos de Cambaya , cominhos , algùa peata ^ 
porcelanas , sinos de metal de Jaoa 9 tamanhos conio gran- ^ .^ff^^ 
des alguidares , s dependuram-nos pelas bordas , e no meio ^ ^/.y 
s rem bua mam, e aly daom com qualqucr cousa pera hos ^"/^C^*»^^-*.,/ _- 
a fazerem soar : eftes eftimaom muyto hos Rcys e gentcs ^ /\^^^'^^ 1>.'- 
% honradas , e tem por tesouro e eftado huus grande» * '^Vf^^^'''^^;-'- 
a outros peqnenos , com que fazem muzica , e com baciai *^i|:* ^ìii^ * 

a de metal e eftatiho , e hùa moeda de cobre da China 
a corno ceftii , furada polo meio ; e daom tanto crauo por 
a eftas roercadorias , que por hùu sino eu baco de porccla* 
a tia que seja grande, daom uinte e trinta quintaes dclc ; 
9 e por huu sino daom uinte baares de crauo , e efte rcs^ 
9 pelto polas mais cousas; asy que de Malaca pera aquy 
a na muyro groso ganho. » Ho principal Rey daquy he 
mouro 9 casi gentio ; tem hùa mulher moura , e trezen- 
tas e qaatrocentas mancebas gentias qne tras em caza , 
cujos fìlhos e filhas saom gentios; somente hos da iroura 

Sue saom mouros : eie se sérue com mulheres alcorcoua- 
as qne tem por eftado , e de meninas has manda que» 
brar polo espinha^o ; deftas teraa aie sinco (a) uelhas e 
nie9as , e setnprc com eie andaom , e ho serucm de rodo , 
hùas Ihe daom ho betele , outra ihe tras ha espada has 
semanas. » Efte Rey deseja muyto seruir ha elRey noso 

s se» 

(a) He pcovauel que haja erro no raanuscrito , a liaduc^io Ita*- 
liana diz de oicenta até cem. 



;^c LivFO DB DvARTfi Barbosa. 
» senhor , ha ^aem se manda ha oferecer corno seu escra* 
n no : aquyÉta muycos papagaioi uermelhos , de muy fi- 
É na cor , e flfcy maobos , ha que chamaom noires ; saom 
X ancre eles muy esnmados. » 

//f^j5 rfoj Cclebes, 

Pjssad u as ditas flbas de Maluco , achio-se outras da 
pa^-te do poente^ d^s qnaes vem ds vezes algumas genusbran- 
cas ; da cintura para cima tuis , mas tetti pat^s tecidos de 
buma certa materia semelbame a palba , com que cobrati suas 
yergotihas : fallio huttia lingua particular , as snas harcas sia 
mal fettas , e neilas vai carregar cra\fo d dita Uba , cobre , pa^^ 
noi de Catnhaia , e ejtanho ; e Uvao para vender espadas mui- 
to comprtdas e largas de bum gume , e outras obras de fer^ 
ro , e bajlante ouro : eftas gentes comcm carne bumana j e se 
ElRei de Af aluco tem alguma pejfoa que quira jazer morrer 
por jujii(^a , pedemAha etn gra^a para corner corno se <omcria 
bum porco : as II bas donde ejla gente vem se cbamio Celebes. 

Tendaya Uba. 

Nao muìro longe deftas acha^se outra Uba de Gentios^ 
que tem Rei sobre si ; os seus habitantes tem butn cojiume in^ 
crivel y segundo me rejerirao , e he aue sendo ainda mancebos 
se fazem serrar os dentes cerccos pelas gengives , dizendo que 
ofazem para Ibe crescerem maisfortes e mais unidos. A Uba 
cbama se Tendaya , acba-se mila mtdto Jerro , que se leua pa^ 
ra diferentes portos. 

Soler. 

E passando eftas ilhas de Maluquo, pera ho norre con- 
tri ha China , eftaa hùa ilha muy grande e abaftada de man- 
tìmencos , que chamaom Solor , pouoada de homeins quasi 
branquos , gcntios , muy bem apesoados ; tem Rey gentìo 
e lingoa sobre sy ; ha nefta ilha muyto ouro que nase da 
ledol dela , e asy muyto aijofar que hos moradores apa- 
nhaom , e boas perolat perfeitas em cóor , e nom em redon- 
deza. 

Ilhas de Borneo, 

Defta ilha de Solor mais pera ha China , eftaa outra 
ilha tambem muy abaftada de mantimencos ^ e pouoada de 

Geli- 



LlVRO DB DvÀKTl BarBOSA. ^Bt 

Gentios, qae rem Rey gencio e lingoa per sy , honde se 
dcha muyca cancidade de canfor de corner , que antre hos 
Indios he muy eftimada , e vai ha pezo de praca ^ ha mais 
leuamna em poo em huus canudos de cana ha Narsyngiia » 
Malabar , e ha Daquem ; e ha efta ilha chamaom Borneo. 

Champa. 

Indo mais ha ho diance , leyxando eftaiilha de Borneo , 
conerà ho regno Danseam e China 5 eftaa hua muy gracido 
ilha deGencios que chamaom Champa , que tem Rcygen* 
tio e lingoa sobre sy ì ha nela muycos alifances que ahy 
tomaom , donde se levaom pera muycas partet i cambem na« 
se muyco lenho aloes , ha que hos Indios chamaom Aguila 
calambua : » he ha fina muy eftimada antre hos Indios e 
9 Mouros , e ual em Calecuc ho aratei dela trinca e coren-* 
> ca pardaos ; eles ho querem pera ho mefturarem com san« 
s dale , almisquere , e agoa lozada , pera se nnrarem. » An* 
tre eftas iihas e outras mais de Gencios que nefta praia 
ha , ellaa hùa que be desbabitada ha que nom sei ho no* 
me, honde se achaom muytos diamances , ^ue hos da tera 
colhem e uendem pera fora ^ mas nom saom tam rijos co* 
ino hos de Narsyngua. 

Ho muy grande regno da China. 

Leyxando eftas ilbas , que saom sem conto » ha que nom 
$e sabem hos nomes , asy habicadas corno desertas ì torno- 
me ha coda que de Malaca uay contra hos Chins , de que 
nom tenho informapam mas proguntei a Afonras e G^ntios^ 
bomens de credito^ e me disserao que erao quatro Ilbas desa- 
bitadas ; e por elles soube somente que passando ho regno 
Dansiam » e outros muytos , eftaa ho regno da China , que 
dizem que he hua grandissima cera , e senhorio pela cera 
firme, e de longuo (fa cofta do maar , pouoada cambem 
de Gencios j ho Rey dela he gegtio , honra muyco hos Ido- 
los , eftaa sempre no Certam , rem muy grandes e boas cida« 
des \ nenhùu eftrangciro póde entrar pelo cercam , somence 
nos portos de maar negoceaom ; seu maior traco he nas 
ilhas : se algum embaixador doucro regno uem ha eie por 
maar , primeiro que ha elle uaa , Ihe fazem ha saber corno 
Ihe crazem cercas embaìxadas , e prezenres , encao ho man- 
da ir honde eie eftaa. Hos moradores defte regno laom granr 
Notk. Ultram. N^^ VIL Ggg 4c» 



)8l Ll^RO DB DVARTI BaRBOÌA. 

des mcrcadores , saotn hotneins branquos e bem dispoftos , 
soas mulheres saom de muy fermosos corpos, eles e elas 
tem hos olhos ps^iienos , nas barbas cres ou quarro cabelos 
noti mais , por genrileza; e quanto mais pcquenos tem hos 
olhos , tanto hos hara por mais gentishomeins : andaom has 
mulheres muy bem atiaiadas de panos dalgodam , seda , 
e Uam *, hos trajos da gente defta tera , saom comò hos 
Dalemaes , comem em mezas altas corno nós j coni suas 
toalhas muy aloas ; pera quantos hamde comer ha hua 
mf sa poem hùa faca » bacio , guardanapo , e hùu copo dà 
prata , nom tocaom com ha mam ho que comem , chegaom 
muyro ho prato ha boca , e com hùas tanazas de prata oa 
pào f metem ho comer na boca muy ha meude , porque 
comem muyto depresa j e fazem muytos manjares de car- 
nea , pescados I e outras muytas cousas : comem muy boo 
pam de trfguo , bebem m-jyias maneiras de uinhos , e muy« 
ras uczcs ha caJa corner ; coA^em carne de caes , e hamna 
por muy boa carne: saom honeins de muyta uerdade , po- 
rem nom saom bóos ciaileiros , mas grandes mercadores ^ 
tratantes em roda ha mercadoria. Fazem aquy muyta soma 
de porceUnas , que he boa mercadoria pera todalas parres , 
que se fazem de buzios moidos , de cascas douos e craras ^ 
e outros matertaes , de que se faz huma ma9a que lan9aoni 
debaixo da tera por espa9o de tempo , que antre sy tem 
por grandes fazendas e tezouro ; porque quanto mais se 
achega ho tempo pera has laurar , ual muyco mais : ho 
qual chcgadOj lauramnas de muytas maneiras e feì^óes, 
delas grosas , oucras finas , e depois de feiras has utdraom e 
pintaom : aquy se cria muy boa seJa , de que fazem muy- 
ta cantidade de panos de damasquo de cores , settns , e ou« 
tros panos razos , e brocadilhos ; tambem ha muyio ruy- 
barbo , nimisquere , praca , aljofar , e perolas , porcm nom 
saom perfeitas em redondeza. Nelle regno se (azem niuy« 
tos brincos fermosos e dourados , corno cofre^ muy ri- 
quos , pratos de pao » saieiros , e outras sutis cousas • e ha 
na tera pera iso nomeins nuy engenhosos : cnl^aom botas 
corno gente de tera frta , nauegaom em )unco<? , trazera 
uelas defteiras comò em Mo9ambique , e hos cabres e en- 
xarcea de certa uergua. Saom deles grandes cosairos , oa« 
oegaom para Malnca com toda ha mercadoria da China , 
que ahy uendem muy bem; e caregaom de muyto fero, 
salitre , rctros de cores , e outras miudezas , corno hos Uè- 
tiezeanos soiaom trazer antes has nosas partes » e de pi- 

nienr 



LivRO sbDuarts Barbosa. 58; 

menta de (^amacra , e do Malabar , que ual na China ha 
quinze e dezaseis cruzados ho« quintal , e dahy pera cima 
segundo honde ha leuaom ; e em Malaca ha con^praom 
ha <]uatro cruzados pouco mais ou mcnos : tair.bem It- 
uaom anfiam ha <]ue nós chamamos opeo , rnccn^o , co- 
ral » panos de Cambaya , e Paleacate. Eftes Chins que ui- 
uem de traro e nauega9am , crazem de contino suas mu« 
Ihercs e filhos dentro nas naos , honde uiuem sempre , e 
nom tem outras casas : confina elle regno da China com 
Tarraria da banda do none. 

Lequeos. 

Defronte defta grande tera da China uaom muytas 
ilhas ha ho maar , alem das quaes uay hùa teia muy gran- 
de , que dizem que he firme , donde ha Malaca uinhaom 
cadano tret quatro nàos , asy corno has dos Chins , de hùas 
^entes branquas , que dizem que saom muy grandea e ri* 
<juos mercadores ; traziaom muyro ouro , e prata em ba- 
jas 3 seda , e panos riquos , muyto e bom triguo , fermo* 
sas porcelanas » e outras muytas mercadorias : leuaom de 
Malaca has mercadorias que hos Chins leuaom , e dizem 
lios de Malaca , que saom hos daquy melhores homeins , 
snais riquos mercadores , e honrados que hos Chins : das 
quaes gentes atéguora nom cemos muyta enformafam 9 por- 
que nom uieraom ainda ha Malaca depois que he delRey 
DOSO Senhor. (1) 



CO O Manuscrito Portuguez do Livro de Duaite Barbosa acaba 
nefte lugar , e nada tem de mais senào a Tcuoada • que hiri ao 
diante : tudo o mais que se segue he traduzido da Versao de Ra« 
nuiio. 



Ogg li 2f n? 



)B4 



L I V ^ o ^ ^ 



O 11 ÀU -r E 



A n 



rendo nmita^ ^e^es feìto nienqao rm o prejcn 

Lmofim 4W/e aigmas riU^act ^ hnmda$ de^ 
Aom. tanta mouros corno gemws ^ pranc 
em mtibame trato i e assim pnmtpiarci pi 



PRÌmcUamctite , os Rubis nascem cm o PM 
achao-se vrìr\cipaj.rfientc em hum rio chamadd 
les sao OS mclhores e mais finos > a qnc os M 
jnào >J^nipuclo ; e cjuando sao iimpos e sem r 
cha^ vcndeiTi se por bonn prc^o. Os Ind-os paj 
a SUI finura , pòc>no9 sobre a lingoi , e os qa^ 
nos e doros sào reputados melhoTcs : |iar;i Ihl 
transparcncla ^ pegaolhc com cera pela ponti! 
da , e olHando conerà o Sol , conUccem quali 
por mais pequena que seja : achào^se tambcml 
covas ptofundas cas montanhas que eftlo 3i 
ilo. No Pegu sabcin*fios alimpAr , mas nao o 
assim oa levao a outros Paizes e prìncipalmel 
cate , Narsinga , Calicut , e a todo o Paiz d| 
aonde ha CKceLlences mcstrcs que os l.ìpidào , 

Em quanto ao seu valor , deve-se advertìr pJ 
te, qiic a palavta Funao significa hum peso mi 
dois v^uiratcs dos nossos \ e onzc F^riors e hum < 
valem a hum .n^nlgnl , e scìs Mi:tìga€$ e mciol 
nia on^a. Està plavra Fmiso significa tambem h 
da, qae vai hum tcal de ptata. Isto entcndido , 

*^'k.^^'^ ^T^ *^^ P^^^ ^*= ^««^ ^^"5a , que 
razem ao todo pouco mais ou mcuos dou^ qui- 



tatcs , viVem . . * . * i^ 

Hum qi^e tic. ì! "l^^^i*^ *i« P^^^o , , 

Hum 4uS Sr.t lì'''" ^-'"^i* •..-.. 

Hum oue ^ll, ^;:'7-^^*"-«<> .«= hum quarto 

1 ^ pesa FannQ e nielo , * * 






^.i^rrSirs e i^^ 



^Oiu goa, 



>^^ ^^^ Sf^*"" -^''«^ *^ '^^/o 

l^u^ ^^^ £~" ^-— -"-- V^^re ^ 

00^=^ eie <juarr€> .^=:g^^r&'^^ ^ arartcio • ! 




scis jPancXes ^ 



^" 



de doze <au7y^r^3, • 



^5^ 



saa de ma ^o^ 
compradore 9. 

^ A Ilha de etesii 3.0 ^ 
Jtos Rubis » C5|^%a^ OS 




nao sào , e tei» a/^^/w, 






SSQ 

óeQ 

yoa 

Sfca 
icoo 
1200 
I5C0 



.rftcha , 



W9^9S€r^^n 



wta Ma decef/aa^^ 






X9S 



^^"^ ^^/r^^'^'^^'o C/04 









del.te3 ^^,p^^^ — •- i:>or stj;i conta . ^ 



a ^= 
e c^ 



cor «*»"' 



-p^^O 



X in ciò in tètro' toriTa-se 
_ valor r quando ElRci d«r 
'<3e(l:«« » rnanda-os furar soE» 



- ."«/ree \tx«e^vor » T^%cnsenr« quc se.So esporrà 
JJ^àO ***,o ^cxTvO , ^;;^,òSe valem muito mais qu.* 




**«!. 



f' 



is»'''»" 



;^aV «^' -^° 






;S$ Livao D^OvARTs Barbosa* 

Hum Rubi deftes do peso de bum qoilateoa| 

Fanio vale em Calicuc ^ • . • • • . FanSes yy 

Hum de dous quìUtes • • • • 6^ 

Hum de tres quitates • • • 150 

Hum de trcs quilaccs e meio • • 200 

Hum de quacro quilaces Fanocs ^oo 

Hum de cjuacro e meio ^50 

Hum de cinco qailates • . • 400 

Hum d: cinco quilaces e meio ••••••• 450 

Hum de sete quilaces •• 5)0 

Hum de seis quilaces e meio •••••••• 560 

Hum de sece quilaces 6%ò 

Hum de sece e meio 660 

Hum muìco bom e provado aofogo^ de 8 quilaces • 800 

Hum de oito quilaces e meio •••••••• ^00 

Hum de nove quilaces . • « iioo 

Hum de dez quilaces ••••••••.. i;co 

Hum de onze quilaces • • . • i6co 

^^ Hum de doze quilaces •••••••••» aooo 

.*'\\>v«.^^^ Hum de quacorze quilaces ••..•.•,. 5000 

l^'^:-:/^. ^ Hum de dczaseis quilaces écx» 

' ' ;. ^ ^ Dos Rubis Espitiellas. 

^ ;;~;^- -'y «^ JrlAoucra especie de Rubis, aque nós chamamos Espi. 

/• \"«-L'4l^ aellas e os Indios Carapuch , que nascem domesmomodo 

^' que OS Rubis finos em o Rcino do Pegu , e se achio nos 

mOQces , a flor da cera. Eftes nào sao ciò finos » nem de 

fio boa cor , ances se assemelhào as Granadas : os que sao 

psrfeicos e limpos valem amecade menos que os Rubis. 

Dos lùéis hàlacbes , aonde nascem ^e oseu valor em Calicut. 



o 



'S Balacbes sao outra especie de Rubis « mas nao ciò 
duros ; a soa cor he rosada , e alguns quasi brancos nascem 
em Balassia (que he hum Reino dencro da cerra firme, 
além de Pegu e de Bengala^, e dali sio conduzidos peloe 
merctdores mouros para codos os oucros Paizes , a saber, 
OS bons e escoi Ili dos para serem iavrados em Calicuc, aon« 
de OS preparao e vendem pelo prejo dos Espinellas ; e os 

3 uè nao sao bons ou sÌo furados 9 comprionos osMoaros 
e Meca e de Adem , para levar a Araoia «onde se usio 
muico. 

Dos 



LltXO DB DVAKTB BarBOSA. 387 

Dos Diamantes da Afina velha. 

JlL Sces Diamantes se achao na prlmeira India, em hum 

Reino de Mouros chamado Decan , e os Mouros e Inclios 

OS levao dati para codas as outras partes : ha outros Dia* 

mantes de pcor qualidàde , porcm baftance brancos , que 

se charoào da Mina nova , que he no Reino de Narsinga ; 

eftes valem menos a terpa parte em Calicac e no Mala* 

bar , e se preparào no mesmo Reino de Nàrsinga. FabricSo* 

se cambcm na India outros Diamanres falsos , e Rubis , 

Topazios^ e Safiras brancas que imicao nìuiro as finas , e 

se achao sómente na Ilha de Ceilao. Eftas pedras nao tem 

oucra differen9a das verdadeiras , senào que vem a perder a 

sua cor naturai ; e achràose algumas , ametade cor de Ru« 

bi , e a outra de Satira , ou de Topazio : algtimas tem 

realmente todas eftas cores mìfturadas , e furào-nas pelo 

meioy enfiando-lhe dous ou tres *fios muito subtis , e entao 

Ihes chamào Olhos de gaco ; das que sahem brancas fazem ^,^^ 

inuitos Diamantcs pequenos , que nao diferen9ào dos ver- ^ ^l:<r;;'^*^^ 

dadeiros senào pelo toque aquclles que tem pratica disso : q ^r'^^^ 

vendem-se por hum peso que se chama Mangiar , o qual cVlrTs^^vSj^^ 

vale duas T^r^5 e dous ter90s ; e duas-T/iMj fazem hum ^ j!<^s^ -^K^^^^^^ 

quilate de bom peso , e quatro Taras pesao hum FanSo. 2 vv^xJiP j 

Oito Diamantes que pesao hum Mangiar y que *'^\'^*^ 

sào dous terpos de quilate valem • » . Fanoes jd 

Seis que pesao hum Mangiar • 40 

Quatro que pesao hum Mangiar ....••. 60 

Dous que pesao hum Mangiar • 80 

Hum que pesa hum Mangiar icx5 

Hum que pesa hum Mangiar e hum quarto • • , 16^ 

Hum que pesa hum Mangiar e melo 180 

De hum e tres quartos 220 

De hum e tres quartos e meio 260 

De àous Mfingiares jjìo 

De dous e hum quarto :{6o 

De dous e meio . • ^80 

Hum de dous e rres quartos , que for perfeiro • . 420 
Da mesma perfeÌ9ào, e de tres Mangtares . . , 450 

De xtes M.:ngiareì e meio zoo 

De quatro Man^iares 550 

De cinco Mangtares -750 

De 



5 



^88 Livmo DI OvAUTB Barbosì:» 

De seis Mangiarti ; 80d 

De sete Mangiares •••;•.•.••• 1200 
De oico Manjfiares • • • • • * 1400 

E assim aagmencao em valor a propor(ao que crescem cm 
peso. 

Dos Safiras. 



R 



I A Ilha de Ceilao nascem as melhores 9afiras » as quaes 
sao muito duras e finas ; e as que sao limpaS} e de boa cor 
azui valem os seguinces pre(os : 

Homi que pese hum quilare vai • • • • FanSes z 

De deus quìlaces ••••• 6 

De cres quilaccs ; • • • • 10 

De quacro quìlaces 15 

De cinco quìlaces • • • •" 18 

De. seis quiUces • 28 

De sece quilaces • %s 

De cito quìlaces •••*•• 50 

De nove quilaces 65 

De dez quilaces 7$ 

De onze quilaces , 90 

De doze quilaces • • . 120 

Huma muico perfeica em cor 3 de creze quilaces . 1)5 

De quacorze qoilates • • • 1^0 

De quinze quilaces 180 

De dezaseis quiUces • 100 

De dezoico quilaces 250 

A que pesa hum Afetigal que sao 11 FanSes e hum 

quarco , oa 2) quilaces pouco mais ou menos • • %so 

Acha-se igualmence em Ceilao oucra especie deSafiras 
tiao cào grandss , a que chamao Quinigenilao : sao de cor 
escura , e cor boas que sei&o valem muico menos , equiva- 
lendo 15 deftas a huma das sobredUas. Acha-se igualmen- 
ce no Reino de Narsinga , em huma moncauha sobre Bacanor 
e Man^alor, oucra especie de Safiras mais brandas e menos 
finis de cor, a que chamao Cingsnolao ; eftas sao algum canco 
esbranqaifaJas , e valem muico pouco , de modo que a mais 
perfeica dellas do peso de 20 quilaces , nao chega a valer hum 
ducado , a sua cor he hum pouco aloirada. Enconcra se cam- 
bem oucra especie de Safijras t9brp a praia do mar no Ret« 

no 



LivKO DE DvARTS Barbo s.à. ^Bj^ 

no de Calicuc , em hum lugar por nome Capucar , qoe en- 
tre OS Indios se. cbama Carahaconilam ; sao muito escuras 
e azues , e nao brilhào senio aoar, sao brandas e frageis: 
he opiniào do vulgo que nefte mar visinho a Capucar hou* 
ve n outro tempo huma casa , cujas janelas erao feitas de 
vidro azul, e que depoìs tendo sido cobertas pelas agoas , 
OS bocados daquelles vidros sao lan9ados todos os dias a 
praia : sào muito gtossas y e por huma das faces parecem vi? 
dros f entre os Indios rem tnui pouca valia. 



o 



Dos Topazios. 



S Topazios naturaes nascem na Ilha de Cellao , sSo 
chamados pelos Indios Purceragua ; he pedra roui dura , e 
mui fria , e do peso do Rubi e Safira, porqae todas tres 
sao de huma mesma especie ; a sua cor perfeita he a ama* 
iella comò ouro batido ; e sendo a pedra perfeita , e limpa 
valera em Calicut ,quer seja' grande quer pequena , o met- 
mo peso de ouro fino , e efte- commummente he o seu pre- 
90 : quando nào sao tam perfeicas » valem o seu peso de 
DUCO de Fanio » que lye mecadè menos ; e sendo brancas 
valem muito menos | e dellas contrafazem Diamantes miu* 
dos. 

Das Turquezas. 

. S verdadeiras Turquezas achio-se em Exeraquirimane , 
luear do Xeque lamael ; a sua Mina he terra seca , ifto he , 
achào«se sobre huma pedra negra , da qual os Mouros as ti» 
rào em peda(os psquenos , easlevào aOrmus, donde sao 
conduzidas a diversas partes por mar, e terra ; os Indios 
chamào-lhe Perose , e he pedra molle de pouco peso 9 e nao 
muito fria. Para se conhecer se he boa ou verdadeira , deve 
moftrar de dia a cor de Turqueza , e de noite à luz deve pa^ 
recer verde ; as que nao sao tao perfeitailiao fazem efta ma- 
dan9a : quando eftas pedras sao limpis e de cor fina , de- 
vem trazer pegada na face inferior numa pedra negra , so- 
bre a qual nascèrào ; e se alguma pequena veia defta pe- 
dra se espalha sobre sobre a Turqueza , entio S9rà ainda 
melhor. Para conhecer as Turquezas verdadeiras com maior 
certeza , barrào«se com huma pouca de cai viva branca j 
ama9ada com agoa , a modo de unguento , e ainda entao 
pareceràó coradas : tendo efta perfei9ào valem os pre90S 
seguintes. 
mie, Ulfrm. N.^ yil. Hhli A 



)yO Litro t>z Duaktb Baliosa. 

A que pesa hum qoilate vai no Malabar . . Fanoes t^ 

A de dous quilares 40 

A de qiutro quilaces • 90 

A de seis quilaces 150 

A de oico quilates • • 200 

A de dez quiUtes )oo 

A de doze quilaces 450 

A de quatorze quilaces 550 



o 



Dos Jacintos. 



S lacintos nascem em Ceitao , sao pedras tenras e 
ftmarelladas ; os mais carregados de cor sào os melhores ^ a 
maior parte delles tem al^umas bolhas , que Ihe fazetn perder 
a sua belleza , e aquelles que as nao rem , e sao perfeitos 
em cor , valem ape^ar disso pouco> porque em Calicuc aon-^ 
de OS preparao , nao dao mais de melo FanSo pelos qae 
tem hum de peso , e os que pesio 18 FanSes valem ape- 
nas 16. Achao-se igualmeure outras pedras , corno Olho de 
gato , Chrysolicos , e Amechyftas , das quaes nao craco por 
aerem de pouco valor , e o mesmo digo das ]agon9as. 



A: 



Das Esmcraldas. 



S Esmeraldas nascem no Reino de Babilonia , aonde os 
Indios chamao o Mar Deiguan , nascem cambcm em oueras 
parres ^ sao pedras veides , de boa cor , e bellas , e alcm 
disso leves e tenras : fazem muitas falsas , mas olh.mdo 
para a luz a travcz dellas , moftrao as contrafeit^s htias 
Dolhasinhas , corno o vidro ; o que nÌo succede às H* 
nas , cuja vifta da aos olhos huma certa satisfa9ao : as 
melhores modrao corno hum raio de Sol , e rocadas na pe- 
dra deixao hum risco cor de lacao : a Esmeralda que hz 
ifto he a vcrdadeira , e vale em Calicuc o mesmo que o 
Diamante , e ainJa mais , nao canto pelo peso corno pela 
grandeza : advertindo que o Diamante pesa proporclonal- 
iDente mais que a Esmeralda. Acha-se tambem outra es» 
pccie de Esmeraldas que sào multo verdcs , mas nao tao 
eftjmadas ; com tudo os Indios seivem-se dellas para as 
mifturar com as outras pedras prccio^^asj eflras nao deixao 
so bre a pedra de toqu< a cor de latto. 



Dds 



LivRO Dt DvÀxTft Barbo! JC 'i^t 

Das diversas qualidades de £speciarias ; aonde nascem , quati" 
to valerti em Calicut , e para onde se canegao. 

Da Pimenta. 

X Rimeiramentc, em rodo oReino de Malabar , e em o de 
Galicuc nasgs Pimenta ; e cada Babar della se vende em 
Calicut de 200 atc 2^0 Fanoes^ cada hum dos qunes vai, 
etimo }à disseroos , hum real de praca de He^panha : cada 
£abar pesa quatro quincaes do peso veiho de Porcugal ^ 
pelo cflàl se vende em Lisboa coda a Especiaria, Pagào-se 
a ElUey de Calicuc os direitos de 12 FanSes por Bahar^ 
Os raercadores coftumào conduzilla a Cambaya , Persia , 
Adem , e Meca -, e dali ao Cairo e Alexandria. ActuaN 
mente dào«na a ElRey de Portugal a razao de seis m!l 
quinhentos e sessenia e dbus maravcdis o Bahar (entrando 
OS direitos que sao cento novenra e tres Fanoes e hum 
quarto) parte porqaejà ali nào concorrem tantos mercado- 
res a compralla , e parte pelo contrato qUe fez EiRey 
<le Portugal com aquelle Rey 3 e com os Mouros e merca« 
<lor^s tlo ^Paiz. 

Nasce igualmeute multa Pimenta em a Ilha de Cama- 
tra visinha a Malaca , a qual he mais bella e grossa que i 
do Malabar , mas nào tÌo boa ^ nem tao forte comò a sobrc 
dita ^ e efta se conduz a Bengala , a China , e alguma por* 
(ao a Meca por conrrabando , as escondidas dos Portugue- 
zesy que nao consentem que ella passe parala. Vale em 
4^amacra de 400 a 600 maravedis o quintal de peso novo ; 
e do peso novo ao velho ha a diiferen9a de duas on9as 
por arraiel j sendo o velho de 14 ^ e o novo de i6. 

Do Gravo. 

O Cravo nasce nas Ilhas chamadas Molucas , e dellas 
o levào a Malaca , e dali a Calicut no Malabar. Val em 
Calicut c^àz Bahar àt 500 a 600 FanSes^ e sendo bem 
liropo e escolhido até 700 ; e pagao-se de direitos 18 Fa* 
noes por Bahar. Em Moluco aond^ nasce , vende se de 
hum até dout ducados o Bahar , segundo a quantidade de 
compradores que vao por elle 9 e em Malaca de dez até 
^aacorze , segando as encommeadas que ha» 

Hhh a £4 



)px Lituo bb DuartsBarbosa* 

Da Cantila. 

A boa Canella nasce na Ilha de Ceilao , e a ma no Patz 
do Malabar ^ a boa vale pouco em Ceilao 9 mas em Calìcuc 
sendo fresca e bem escolhida ^ dio )oo FanSes por cada 
Babar. 

Da Gengivre Beledi. 

A Gengivre Beledi nasce ao redor da cidade de Cali- 
cut de seis a nove milhas , e vai cada Babar quarenra Fa'- 
nSes j às ve2es cincocnta , crazendo-o das mantanhas à Ci- 
dade a vendello por miudo ; comprao-no os mercadores In- 
dios , que o ajuntào , e no tempo que chegào os Navios 
para carregallo » o vendem aos Mouros pelo pre90 de no- 
venta até cento e dez FanSes ; porcm eniao he roui bem 
pesado. 

Da Gengivre Deli. 

A Gengivre Deli nasce desde o principio do monte 
Deli , até Cananor ; he miuda , e nào tao branca , nem rio 
boa } vai o Babar em Cananor a quarenta FanSes , e pagio- 
se seis de direitos por cada Babar. 

Gengivre verde em conserva. 

Acha<se igualmente em Beneala motta Gengivre Bele^ 
di , da qual fazem multa e mui boa conserva com afucar , 
e a levao a vender em vasilbas de Matarbao ao Paiz do 
Malabar; vale cada Farazola (^que s&o 22 arraieìs e 6 on- 
9as) a razSo de 14, 15, e 16 FanSes: a que eftà fresca 
mettese em conserva em Calicut , e vai a 25 FanSes , 
por ser ali caro oafucar; e efta Gengivre verde para-por 
de conserva , vai em Calicut a 1 de Fanio a Farazola. 

Das Dragoarias , e pre^os qne ellas valem em Calicut , e no 
Patz do Malabar. 

JLi Acca de Martabao boa , cada Farazola , ifto he , 
22 arrateis e 61 on^as de peso novo de Portu- 

gal . . • . ^ , FanSos i8 

Lacca do Paiz, czda Farazola • 123 

Tincal bom em peda;os grandcs cada Faraz. de 30 e 40 até 50 
' '^ Can- 



tt ì V % o seDvartb Barbosa. 393 

Canfora grossa em paes •;••..•• de 70 a 80 
Canfora par» angir os Idoles a razao de Pania e 

meio o Mitigai , seis e meio do» quaes fazcm • 

huma on^a 
Canfora de corner , e para os olhos cada Mitigai ... 3 

Aguìla , cada Farazoia de 3C0 a 400 

Lenho aloes verdadciro , negro 3 pesado , e muico 

fino vai • •• • icco 

Almiscar bom cada onca • ^6 

Beijoim bom a Farazoia ^ . • 65 até 70 

Tamarindos novos dfto 4 

Calamo aromatico dito ••• 12 

Indigo verdadeiro e bom , dito 30 

Mirrha , dico t8 a 20 

Encenso bom em graos, dito .•••.•• 1$ 

Encenso em ma9a nào tao bom •.•••• 3 

Ambaf bom , vai cada Mitigai de 233 

Mirabalanos em conserva de afucar , cada Farazoia 16 a 25: 

Cassia fresca e boa y diro ' e '^ 

Sandalo vermeiho^ dito • - 536 

Especinardo fresco e bom , dito • 30 a 40 

Sandalo branco , e e^r de limao , que nasce em hu« 

ma liba <!hamada Timor , cada Farazoia . . • 40 a 60 
Noz moscada , que Vém da IHia de Bandào (onde 
V. ^ale cada Babar d^e 8 a lo FonSes) vale em Ca« 

licut SL Farazoia .••..••••«• ioatc 12 
Macis , que vem da Ilha de Bandao onde vai o 

Babar 50 FanSis y vale em Calicut a Farazoia . 25 a 30 

Turbit , a Farazoia 13 

Anil nadador multo bom 30 

Anil pesado , que tenha area 18 a 20 

Erva de vermes boa , que se chama sementinha • r; 

Zerumba 2 

Zedoaria ••• • i 

Sagapeno . • • • • 20 

Aloes Qacotorino . • • • 8 

Cardamomo em grao ..••.••.•. 20 

Ruibarbo » nasce em grande abundancia no paiz do 

Malabar, e o que vem da China por Malaca vai 40 até50 
Mirabulanos Emblicos •••.••••• 2 

Mirabulanos Bellericos i ^ 

Mirabulanos cicrinos e Chebulos , que sao todos 

^«l^mesma especie • • • Z 

'■- * . Mi? 



)94 LlTR» Dt DVART'B Ba^BOIÌì» 

Mirabulanoa Indico^» que nascein nas ratimtttr^ 

vores dos citrinoi »^««*««| 

Tucia ^. « • . • • {O 

Cubebas , que nascem em ]ava , dao*se aqai por 
pouco pfcfo, e vendemsc a olho 

Opio que vem de Adem aonde o fazero , vai ena ^ 

CHìcu% A Farazola .•••.•••• aSoajao 

Ouuo Opio que se faz em. Qmbay^i .. • • . 200 a 250 



Dos Pesos de Portugaì e da India ^ e corno €SM cornsfondem 
cgm OS de Portugal* 



o 



Arratel de peso velho tem 14 otif aa. 
O arracel de peso novo, tem 16 on9a8. 
Oito quintaes velhoa fazem sete quincaes novos» e. cada. 

quintal novo rem 128 atraceis de 16 on^as. 
Cada quincal velho sio crea quartos emeio de qoitical .no* 

vo, e he.de 128 arrateis de i^.onfas cada hum« 
Huma Farazgla zexn n arrateis de 16 on$as e mais 6 oiH 
y^i^tCf 9*5 • ^®"* quintos. 

^;^^K$^ fn Vinte Farazolas fazem ham Babar. 
:;;/::i^];v^^ 3 Hum Bahar sSo. 4 quintaes velhos d(S PortagKL 
\.sy^r?^'V:^:>^ Todas as Especiarias e Dragoarias , e tado o mais qoe vem 
<<^:::-^*V'» da India, vendesse em Portogal a i^so velho > toda o 

s^v;v .:Jf'*S mais vende-se v^ peso ngvo* 

^ r M- 



XA^ 



1* ru A ft A 

Das Terras que ha nas partes. da India do Cabo de Sam 
Sebaftiam té ha China. 



e vai pelo Alfabeto corno se ha ho diante vera. 



A. pag. 

LDem, cidade e régno 250 



Afum , lùgar 
Alhor, lugar . • 
Aly , lugar . . • 
Amgoya , povoa9am 
Àndaiii , ilhas • . 
Andana , cidade , • 
Anseam , regno 
AracangiJ , regno . 
Atchipelaguo de ilhas 

B. 
Babelmandel , lugar 
Bacanor , lugat 
Ba9ora , forcaleza 
Bamda , lugar . 
Bandam , ilhas • 
BÀrbasy ; Iffgar . 
Barbora, uila • 
Baticaia > lugar 
Baxay ; lugar . 
Benamajambu , lugar 
Bencmatipa, regno 
Bengala , regno 
Berm» , regna , 
Betele , rio -e lugares 
Bisnagua , cidade 
BorncD ,• Ilhas . 
Bracalor , 
Braua , cidade 

C. 



lugar 



Cacocora , ilha 



Cael , crdade 
CalecDt» reg. ecìd. 
Camat^am . riha 
Qamacra , ilha • 
Cambaya , regnò e ci- 
dade 



242 

24t» 
24P 

578 

i7? 

364 

?74 

294 

287 

?77 

*43 
292 
281 
281 

2?4 

286 

296 

380 

294 
241 



309 e 544 
575 



^7^ 



e 278 
Ca. 



uapeiam , regno • 
Ceilam , ilha • • 
Cèlebes , iìhas . . 
Champa, ilha. • .. 
Champanel , cidade • 
Char , lagar . , . 
Charamandel provincia 
Chaul , lugar . , . 
China, regno . . 
CinguÌ9ar, Ingar . 
Cintacora, fortale^a .* 
Cochim , regno • • 
Qofala, Hha e forcaleza 
Coilam , regno . 
Qoes , .lugar 
Cftmeri y roba 
Qonda ^regnO' . 
Corate , -cidade 
Cariate , lugar • 
' D. 
Dabul , lugrr . 
Dalaqna , ilha . 
Danda , lugar • . 
Daqnem , regnò 
Daua , cidade e regno 
Deiy , regno . . 
Dinuy, lugar . . 
Dio, logar efort, en» 
Din! , regno . . 
Dofar , lugar . . 

E. 
Elhbom ,• forto de mar 

Fartaque , regno • . 
Fartaquc , cabo em Qa- 
cocora 



illia 



?42 
368 

380 
381 

^7? 
i54 
358 
28^ 
381 
285 
2^0 

^47 

U8 

246 

?5i 

280 

274 

285 

284 

567 

2dx 

274 
266 

254 

247 
252 

25* 
G. 




. . G. 

Gol , cldade . . . 
Guardafay , cabo • • 
Guindarìm , lugar • • 
Guoguarim, uila . . 
Guzarate j regno i6y e 

U. 
Honor , lugar . • . 
Hucicas grandes , ilhas 
HMcicàs pequenas , ilhas 

]aoa maior, ilha • • 
]aoa menor , ilha • • 
]asam , re^no e lugar • 
^uda^ porto de mar . 

Lemon , lugar • • • 
Lequeos • • • • • 
Limadura , luear • • 

Ma9ua , lugar • * ; 
Magadaxo » cidade e reg. 
Majanclur , lu2ar e rio 
Mailapur , cidade • • 
tlalabar, tres regnoi • 
Malaca 9 cidade e regno 
Mafua» ilhas • • • 
Maldio ) ilhas . . • 
Mamfi^ , ilha e regno • 
Mangalor , lugar 274 e 
Martabam , lugar . . 
Meca , cidade . . • 
Medina , cidade . . 
Melinde , lugai e regno 
Mergeu , rio • • . 
Metee , lugar . . . 
Moniba9a , cidade , re- 
gno, e ilha • • • 
Mof ambique ^ ilha 



T A U O A D Ar 

N. 
Nacabar, ilhas • . ; "^74 
Narsyngua , regno 290 e 2^ 

\j» 
Obeda , uila '• • • 249 
Ormut em Arabia • • 254 
Ormus em Persia [• • 256 
Ormus (ilhas do regno de)257 



187 

24t 

291 

?77 
249 
»47 

241 

179 

tu 

«4» 
»9? 
i59 

240 
294 

248 

*47 
2?9 
291 

»4J 

»?8 
»57 



cidade 



a6o 

361 



Ormus , 

Otisa 9 regno . • . 

' P. 

Palandura , ilhas ; • 

Paleacace , cidade • • 

Pacel, lugar • • . 

Patenexey, cidade • • 

Peeguu 9 regno . • • 

Pemba , ilha e regno • 

Prefte ]oào . • • , 

Q. 

Quilicare , prouincia • 
Quiloa I cidade e regno 

R* 
Reynel} lugar • • . 

Sam Louren9o , ilhas • 
Sam Sabaftiam, cabo . 
Sinay ^ monte . « . 
Solor 9 ilha . • . • 

T. 

Tendala^ Uba : • : 

Timor 9 ilha • • • 

Tolinate , prouincia em 

Narisyngua • . • 

Xaer, uila • • • • 
Xeque Ismael (cerras do) 257 

Zeila j uila . • . • 24^ 
Zimbaoche, pouoafam 2^5 
Zinzibar, ilhas e regno ^4Q 



%5t 

360 

i4l 

*74 

240 

»37 
«80 

240 
252 

580 

j8o 
377 

290 




THE NEW^YORK PUBUC LIBRARY 
RBFBRBNCB DBPARTMBNT 



This book U under no eiroumst«ne«s to be 
Uiken froai Che Buildint 



lUN 1 • 1111 




1 






i 

l 

• 






1 


é 




? 

t 






1 






! 

■ 






■ 


















1 
\ 


— 


, _ 


-- - - ~ 












form ilo 




■■ 



L 



«^^'D<;f;',ygf(|f#